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SONIA REGINA MARTIM
A ESCOLA SECUNDÁRIA E A CIDADE:
Osasco, anos 1950/1960
Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo, 2006
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SONIA REGINA MARTIM
A ESCOLA SECUNDÁRIA E A CIDADE:
Osasco, anos 1950/1960
Tese de doutoramento apresentada à
Banca Examinadora da Pontifícia Univer-
sidade Católica de São Paulo, como exi-
gência parcial para obtenção do título de
Doutora em Educação: História, Política,
Sociedade, sob a orientação do Professor
Doutor Kazumi Munakata
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo, 2006
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I
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
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II
RESUMO
Este trabalho resgata a história da escola secundária em Osasco, que
nasceu em 1950, no período noturno do prédio em que funcionava o Grupo
Escolar Marechal Bittencourt, discutindo as relações que se estabeleceram en-
tre a escola, seus sujeitos e os movimentos sociais vivenciados à época. A au-
tora privilegiou o "movimento autonomista" de Osasco, que se desenrolou na
década de 50 até a instalação do município em 1962, e o "movimento estudan-
til" secundarista nos seus desdobramentos locais; o "movimento operário" foi
tratado apenas no âmbito das relações que este manteve com a escola, uma
vez que esse tema já foi alvo de vários estudos. Em síntese, procurou-se esta-
belecer as relações entre a escola conhecida, ainda hoje, como Ceneart e a
sociedade em que se insere.
Palavras-chave: Osasco; movimento autonomista; movimento estudantil; mo-
vimento operário; escola secundária
III
ABSTRACT
This work reviews the Osasco's secondary school history, starting from
1950, in the night shift of the building where Grupo Escolar Marchal Bittencourt
was established, discussing the relationship between school, its subjects and
social movements experimented in those days. The author gives primacy to
Osasco's "autonomist movement" that developed in the 50's until the installment
of the municipality, in 1962, and secondary school "student movement" in its
local unfolding; "workmen movement" is dealt with only in the bounds of the re-
lations it maintained with school, for this theme has been the target of many
researches. Synthetically, the goal is to show the relationship between the
school today know as "Ceneart" and the society where it is inserted.
Keywords: Osasco; autonomist movement; student movement; workmen
movement; secondary school
IV
In memoriam, a Ubirajara Coutinho,
que primeiro acreditou.
V
AGRADECIMENTOS
Para que um trabalho de pesquisa se realize, precisamos contar com a
colaboração, o acompanhamento, o apoio, a atenção e o incentivo de diversas
pessoas, que, de uma forma ou de outra, nos apontam os caminhos que po-
demos e devemos percorrer.
Agradeço a todos aqueles que direta ou indiretamente me possibilitaram
a realização desta investigação.
Ao meu orientador, professor doutor Kazumi Munakata, por ter me acei-
tado na metade do caminho e ter conseguido me dar um novo rumo, por ter
tido paciência e tolerância e por ter me entendido e apoiado diante de todos os
percalços que vivenciei nesse período.
Aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educa-
ção: História, Política, Sociedade, especialmente ao ex-docente do Programa,
professor doutor Luiz Carlos Barreira, que iniciou esta busca comigo.
Aos funcionários do Ceneart, especialmente a diretora, professora Neiva
Pereira Cruz da Silva, a vice-diretora, professora Maria de Fátima Cardoso
Ramires, a ex-vice-diretora, Celly de Rosset Médici, e em particular às funcio-
nárias Jerusa Barbosa da Silva e Rosalina dos Santos, que facilitaram meu
acesso constante ao acervo daquela escola.
VI
A todos que contribuíram com suas memórias e deram muito de si na
descoberta e na apropriação dos diversos dados, especialmente a Eduardo
Rodrigues, à professora Helena Pignatari Werner, a João Gilberto Port, a Ga-
briel Roberto Figueiredo e a Francisco Rossi de Almeida.
Um agradecimento especial à amiga Márcia Duram, pelo acompanha-
mento na elaboração do texto e pelo apoio e incentivo em todos os momentos.
A meu filho Thales, que, apesar da pouca idade, soube compreender.
A minha mãe, pela cumplicidade.
VII
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, 1
CAPÍTULO I: O COLÉGIO, 15
CRESCE A PERIFERIA DA CAPITAL: surgem novas camadas suburbanas, 16
O GINÁSIO ESTADUAL DE OSASCO: a escola para poucos se instala no su-
búrbio, 22
O COLÉGIO ESTADUAL ANTONIO RAPOSO TAVARES: a difusão dos giná-
sios traz consigo os colégios, 37
A INSTALAÇÃO DO PRÉDIO PRÓPRIO PARA O COLÉGIO, 47
CAPÍTULO II: O MOVIMENTO AUTONOMISTA, 54
FORMAÇÃO DA SOCIEDADE AMIGOS DO DISTRITO DE OSASCO (SADO): o
primeiro plebiscito e a vitória do "não", 55
A ESCOLA SECUNDÁRIA E O MOVIMENTO AUTONOMISTA: o segundo ple-
biscito, os sujeitos, a escola e o movimento, 69
UMA LONGA JORNADA PELO RECONHECIMENTO DO MUNICÍPIO: após a
luta pelo reconhecimento da autonomia, o bairro vira cidade, 80
CAPÍTULO III: ESTUDANTES/OPERÁRIOS/POLÍTICOS/MILITANTES, 87
A INSTALAÇÃO DE UM ORGANISMO POLÍTICO ADMINISTRATIVO: a Prefeitu-
ra e a Câmara de Vereadores, 88
VIII
DA CONVIVÊNCIA ESCOLAR PARA AS ENTIDADES ESTUDANTIS:o Grêmio,
a UEO e o CEO, 94
ESTUDANTES SECUNDARISTAS NA LUTA CONTRA A DITADURA, 104
CONSIDERAÇÕES FINAIS, 111
BIBLIOGRAFIA, 114
Anexo 1: Depoimento de Eduardo Rodrigues (8/7/04), 119
Anexo 2: Depoimento de Francisco Rossi de Almeida (29/8/05), 124
Anexo 3: Depoimento de Gabriel Roberto Figueiredo (7/9/05), 132
Anexo 4: Depoimento de Helena Pignatari Werner (19/5/04), 144
Anexo 5: Depoimento de João Gilberto Port (8/7/04), 188
Anexo 6: Livros do "Arquivo Morto" do Ceneart (1950-1960), 211
1
INTRODUÇÃO
Este trabalho visa resgatar aspectos da história da educação secundária
na cidade de Osasco (SP), principalmente aqueles em que a escola e seus
sujeitos envolveram-se em ações de movimentos sociais, e procura avaliar as
implicações dessa combinação. Apesar dos esforços empreendidos nesta
pesquisa, tenho clareza que ainda restam lacunas; Espero que este trabalho
suscite interesse por novas pesquisas que complementem os espaços que,
porventura, permaneceram.
O Ceneart, estudantes e docentes
Em seu livro Abraços que sufocam, o jornalista osasquense Antonio
Roberto Espinosa, que foi militante das organizações Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR), da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-
Palmares) e preso político durante quatro anos (1969-1973), usa a seguinte
frase para citar um companheiro: "[...] meu colega de Ceneart, de Cobrasma,
de Gcan 90 e de entusiasmos José Campos Barreto" (Espinosa, 2000:38).
Zequinha Barreto (como José Campos era conhecido), militante da VPR,
morreu ao lado do Capitão Lamarca em 1971. Foi colega de Espinosa nos três
importantes espaços de convivência dos jovens de Osasco nos anos 60:
a primeira escola secundária pública instalada na localidade,
normalmente referida como "Ceneart", que antes se chamou
2
Ginásio Estadual de Osasco (GEO), Ginásio Estadual Antonio
Raposo Tavares (Geart) e Colégio Estadual Antonio Raposo
Tavares (Ceart) e só recebeu oficialmente esse nome em 1965,
quando ali começou a funcionar o Curso Normal;
a Cobrasma, importante indústria metalúrgica da região, onde
trabalhavam muitos jovens operários/estudantes, que foi palco de
uma greve de repercussão nacional em 1968, onde Zequinha foi
um dos líderes.
o Grupo de Canhões Antiaéreos de 90 milímetros (GCAN 90), no
bairro de Quitaúna, que também abrigava a 2ª Companhia Leve
de Manutenção (CLM), o 4º Regimento de Infantaria (RI), o 17º
Batalhão de Caçadores da Força Pública, o Arsenal de Guerra e o
GCAN 40, quartéis onde muitos jovens da região prestaram o
serviço militar obrigatório.
Esse relato aponta e justifica a idéia de que o Colégio era um lugar onde
também ocorriam os colóquios políticos da época, entre os
amigos/estudantes/militantes. José Álvaro Moisés, ao examinar o envolvimento da
classe média osasquense em ações sociais "com o operariado local e demais
grupos", argumenta que esta se dava "pelo cotidiano de sua existência" (Moisés.
1978:382). Acreditamos que esse "cotidiano" a que se refere Moisés acontecia,
em grande parte, nas relações escolares, principalmente secundaristas.
Neste trabalho, destaco o movimento autonomista que, desde a década
de 50, lutou pela independência política do, então, bairro paulistano de Osasco,
3
para o qual conseguiu a condição de município em 1962. Em alguns
momentos, esse movimento aparece engajado com o movimento operário,
fortemente articulado nos anos 60, e com o movimento estudantil, que no qual
se destacava a participação secundarista.
A idéia desta abordagem nasceu quando preparava minha dissertação
de mestrado, A escola primária em Osasco (1900/1949): da Escola Preliminar
Mixta da Estação de Osasco ao Grupo Escolar Marechal Bittencourt (cf.
Martim, 2001). Ao realizar a pesquisa em busca das fontes que me
possibilitassem conhecer a escola primária osasquense, deparei com o
processo nº 62.941/51, da Divisão de Ensino Secundário do Departamento
Nacional de Educação do Ministério da Educação e Saúde, que correu de 18
de março de 1951 a 8 de setembro de 1959 e instituiu o "Ginásio Estadual de
Osasco – GEO", que nasceu no período noturno do prédio inaugurado em 1949
para abrigar o Grupo Escolar Marechal Bittencourt. Percebi que seria
fundamental estender o estudo que vinha realizando para a escola secundária,
como forma de tornar o trabalho mais abrangente, além de me permitir explorar
outra realidade, não só da escola em Osasco, como também da própria cidade.
Pesquisei o arquivo do primeiro ginásio a se instalar no ainda bairro de
Osasco, em 1950. O exame dos inúmeros documentos (relação de livros em
anexo) existentes no arquivo morto da atual E. E. Antonio Raposo Tavares,
ainda conhecido como Ceneart, por vezes, nos levou à exaustão, tanto pela
quantidade, quanto pela falta de uma organização formal, mas se tornou
excepcionalmente gratificante quando encontramos relatos que dão concretude
4
àqueles sujeitos que, até então, só existiam como nomes, sem materialidade,
nas diversas relações existentes.
Além de pesquisar prontuários de alunos, professores e funcionários que se
apresentam como sujeitos significativos desse trabalho, também colhi informações
no depoimento do professor Eduardo Rodrigues, osasquense que ingressou na
primeira série ginasial aos 14 anos de idade, em 1957, e até 1965 participou
intensamente das atividades desenvolvidas na escola e chegou a ocupar o cargo de
diretor do jornal O Bacamarte, editado pelo grêmio estudantil daquela unidade
escolar, periódico do qual gentilmente me forneceu dois exemplares.
Também entrevistei João Gilberto Port, filho de militar transferido de
Pirassununga para uma das unidades do quartel de Quitaúna, em Osasco, em
1953, quando transferiu seu filho para a escola secundária local. Port, que nos
revelou detalhes do período de instalação da escola secundária na cidade,
ingressou na 2ª série do Ginásio de Osasco no seu segundo ano de
funcionamento e permaneceu nessa escola até concluir o curso científico, em
1958. Ele desempenhou importante papel na vida social e política local. Além
de ter sido presidente do grêmio da escola e de participar ativamente da
campanha autonomista de Osasco, foi eleito vereador, pela UDN, nas primeiras
eleições realizadas na cidade, em 1962, sendo reeleito, já pelo MDB, em 1967.
Foi ainda vice-prefeito na administração do prefeito Guaçu Piteri (MDB), de
1977 a 1983 e deputado estadual, pelo PDS, de 1983 a 1987 Ocupou os
cargos de presidente da Fundação Instituto Tecnológico de Osasco (Fito) nos
anos de 1989 e 1990 e de secretário de Esportes da cidade em 1995.
5
Entrevistei, também, Francisco Rossi de Almeida, que, no primeiro
semestre de 1954 cursou o 3º ano ginasial na escola secundário de Osasco e
depois se transferiu para o Ginásio de Agudos, onde concluiu o curso em 1955.
Em 1956, de volta a Osasco, Rossi formou-se em uma escola técnica de
contabilidade, em São Paulo e, em 1963, preparando-se para os exames de
ingresso na Faculdade de Direito, retornou ao Ceneart para freqüentar o curso
clássico. Em 1964, Rossi foi eleito presidente da União dos Estudantes de
Osasco (UEO), derrotando Gabriel Figueiredo, para quem havia perdido as
eleições no ano anterior e que representava as forças estudantis osasquenses
mais à esquerda naquele período. Em 1972, Rossi tornou-se prefeito da cidade
pela Arena. Em 1978, elegeu-se deputado federal, tendo ocupado a Secretaria
de Esportes e Turismo do estado de São Paulo, entre 1980 e 1981, na gestão do
governador Paulo Maluf. Foi deputado constituinte, pelo PTB, eleito em 1986, e
voltou a ser prefeito de Osasco entre 1988 a 1991. A partir de então, disputou,
sem sucesso, outras quatro eleições: para governador do estado, em 1994; para
prefeito de São Paulo, em 1996; novamente para governador do estado, em
1998; e mais uma vez para prefeito da cidade de São Paulo, em 2004.
Utilizo ainda o depoimento do dr. Gabriel Roberto Figueiredo, que
preferiu receber as perguntas e enviar as respostas por escrito, reunidas em
um texto intitulado Estudantes de Osasco, no qual incluiu pequeno histórico de
sua vida e sua trajetória política e profissional. Em 1954, Figueiredo mudou-se
com sua família para Osasco, onde seu tio, Fortunato Antiório, era dentista e
também lecionava Matemática no Ginásio local. Em 1957, ingressou no 1ª ano
ginasial dessa escola e, em 1960, foi transferido para o recém-instalado
6
Ginásio Estadual de Presidente Altino, onde concluiu o curso ginasial em 1962.
Retornou ao Ceneart em 1963, para cursar o científico, até 1966. Esse médico
desempenhou importante papel no movimento estudantil osasquense dos anos
60, pois, além de militante do clandestino Partido Comunista Brasileiro (PCB),
presidiu a UEO e foi um dos fundadores do Circulo Estudantil de Osasco
(CEO), quando a UEO foi colocada na ilegalidade. Esteve preso no 4º RI de
Quitaúna, em abril de 1964. Figueiredo — hoje professor titular de psiquiatria
da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas
(Puccamp) — foi candidato a prefeito de Osasco, em 1982, em uma das três
sublegendas do PMDB, partido que conquistou a maioria dos votos, elegendo o
prefeito Humberto Parro e derrotando Francisco Rossi, o qual disputava as
eleições como candidato único pela Arena. Figueiredo foi secretário de Saúde
de Osasco, presidente da Fundação de Saúde do Município de Osasco
(Fusam), de 1983 a 1985, e, em seguida, coordenador dos ambulatórios de
saúde mental do estado de São Paulo de 1985 a 1987, na gestão do
governador Franco Montoro. Em 2002, recebeu homenagem da Assembléia
Legislativa de São Paulo por sua trajetória de lutas em prol dos direitos
humanos. Atualmente, é membro da Câmara Técnica de Saúde Mental do
Conselho Regional de Medicina do estado de São Paulo (Cremesp).
Esse militante nos reforçou a premissa de que o movimento estudantil
em Osasco, no início dos anos 60, era essencialmente secundarista:
— O movimento estudantil secundarista, no meu tempo (1963/4),
em Osasco, foi decisivo. Estudantes universitários praticamente não
compunham o quadro de correlação de forças políticas. Foi sob minha
direção que a UEO historicamente adquiriu identidade secundarista. Sua
7
direção não foi escolhida nos bastidores elitistas, mas legitimada numa
eleição extraordinária que envolveu todas as escolas existentes no
recém-criado município. E como não tínhamos escolas superiores na
cidade, os poucos universitários foram convocados ao voto democrático,
numa urna exclusivamente dedicada a eles. E os melhores, dentre os
universitários, despojaram-se da arrogância e acabaram aderindo à
nossa liderança. Entre eles, destaco Clovis Gloeden, Antonio Carlos
Masotti e, principalmente, Sérgio Zanardi. Os dois primeiros estudantes
de economia e o último de Direito (Gabriel Roberto Figueiredo,
depoimento por escrito concedido à autora em 7 de setembro de 2005).
Também entrevistei a professora de História Helena Pignatari Werner,
militante do movimento autonomista, catedrática da escola secundária de Osasco
entre os anos de 1954 e 1982 e ativa participante da política osasquense.
Mas meu primeiro contato com o Ceneart e seus sujeitos ocorreu com a
leitura e análise do processo nº 62.941/51, de 18 de março de 1951, data do
início da verificação para a instalação do Ginásio Estadual de Osasco. Nas
páginas desse documento, comecei a conhecer os avanços e os recuos
caracterizados claramente nos procedimentos de instalação não só do Ginásio,
mas também do Colégio em Osasco, que culminaram com a construção de um
prédio próprio para o Colégio e Escola Normal Estadual Antonio Raposo Tavares
(Ceneart), em 1963. Esse processo me possibilitou (re)construir grande parte do
período de formação e consolidação do ensino secundário em Osasco.
No caso das entrevistas, recorri à prática de elaborar perguntas de
maneira que o entrevistado se sentisse totalmente à vontade ao discorrer sobre
suas lembranças e adotei a lógica de que muitas das informações mais
importantes poderiam estar mais nas entrelinhas do que nas palavras do
8
relator. Para analisar as entrevistas, assim como os documentos, considerei,
sobretudo, estes aspectos: a quem as informações se destinavam, qual a
posição social e de subordinação dos relatores e qual o enfoque utilizado —
uma vez que qualquer documento, por mais objetivo que pretenda ser ou
parecer, representa quase sempre a visão subjetiva e, portanto, parcial de
quem o elaborou. Sob a ótica de que, suspeita-se, os documentos escolares
não reproduzem literal e fielmente a realidade escolar, procurei, a partir desses
mesmos textos, fazer uma releitura, investigando aquilo que porventura se
ocultasse por detrás das aparências da realidade dada.
O ensino secundário
Para entender melhor a escola que é meu objeto de estudo, é preciso
lembrar que o ensino secundário no Brasil, durante longo período, resumia-se à
aplicação das chamadas "aulas avulsas" e a cursos preparatórios que
possibilitavam à elite o acesso aos cursos superiores.
Mesmo após a instalação em 1837 da primeira instituição de ensino
secundário oficial, o Colégio Imperial de Pedro II — que tinha por objetivo criar
um ciclo secundário organizado mediante seriação e disciplinas específicas e
com freqüência obrigatória, para servir de modelo à nação —, pode-se afirmar
que, durante todo o Império, este nível de ensino manteve-se como ciclo de
passagem. Com a proclamação da República e a criação de um projeto
civilizador, os republicanos afirmavam que haveria a preponderância
[...] das luzes e da razão sobre as trevas e a ignorância. "Alicerce das sociedades
modernas, garantia de paz, de liberdade, da ordem e do progresso social";
9
elemento de regeneração da nação. Instrumento de moralização e civilização do
povo (Souza, 1998:26).
Para o Estado republicano, a educação está "atrelada à cidadania" e
a educação popular passa a ser considerada um elemento propulsor, um
instrumento importante no projeto prometéico de civilização da nação brasileira.
Nesse sentido, ela se articula com o processo de evolução da sociedade rumo aos
avanços econômico, tecnológico, científico, social, moral e político alcançados
pelas nações mais adiantadas, tornando-se um dos elementos dinamizadores
dessa evolução (Souza, 1998:27).
Todavia, apesar do discurso renovador, a escola secundária continua
sem um projeto sistemático.
A evolução do ensino secundário oficial na cidade de São Paulo encerra
características próprias que a distinguem dos rumos percorridos pelo sistema de
ensino elementar. No momento em que a escola primária começava a se estender
a significativa parcelas da população da Capital, nos primeiros trinta anos deste
século, a instrução secundária pública ainda lutava por introduzir um padrão de
ensino dotado de organização própria que servisse de modelo para a constituição
dos estabelecimentos particulares (Sposito, 1992:41).
A Reforma Francisco Campos, com o Decreto nº 19.890, de 18 de abril de
1931, e sua consolidação mediante o Decreto nº 21.241, de 4 de abril de 1932,
foi outra tentativa de sistematização do ciclo secundário. A nova regulamentação
tentava diminuir a possibilidade de o estudante obter qualificação sem freqüência
às aulas, pois implantava rotina obrigatória de provas e trabalhos escolares
durante todo o ano letivo, assim como exames finais no encerramento deste.
Quem não obtivesse média para aprovação ao final dos exames dependeria de
exame de segunda época, realizado em fevereiro do ano seguinte. No caso de
reprovação em dois anos letivos consecutivos, perdia-se o direito de matrícula
nos estabelecimentos de ensino secundários oficiais.
10
Para Francisco Campos, a finalidade do ensino secundário seria
a formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional,
construindo no seu espírito todo o sistema de hábitos, atitudes e comportamentos
que o habilitem a viver por si mesmo e a tomar em qualquer situação as decisões
mais convenientes e mais seguras. Muito de propósito atribuo ao ensino
secundário a função de construir um sistema de hábitos, atitudes e
comportamentos, ao invés de mobiliar o espírito de noções e de conceitos
("Exposição de motivos", Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931).
Campos dizia constatar o começo de uma época de transformação e de
mudança, que apresentava a cada dia novos e complexos aspectos, exigindo-
se "qualidades, hábitos, processos, atitudes e comportamento de espírito
capazes de inquirir, investigar, compreender e orientar no sentido de soluções
novas, próprias e seguras" ("Exposição de motivos", Decreto nº 19.890, de 18
de abril de 1931). Por isso, dizia ele, a educação de verdade
concentra o seu interesse antes sobre os processos de aquisição do que sobre o
objeto que eles têm em vista, e a sua preferência tende não para a transmissão de
soluções já feitas, acabadas e formuladas, mas para as direções do espírito,
procurando criar, com os elementos constitutivos do problema ou da situação de
fato, a oportunidade e o interesse pelo inquérito, a investigação e o trabalho em
vista da solução própria e adequada e, se possível, individual e nova ("Exposição
de motivos", Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931).
A "Exposição de Motivos" apresentada por Francisco Campos não deixa
dúvidas de que essa reforma procurava imprimir um caráter mais prático e
menos erudito ao ensino secundário.
Não obstante a consolidação da Reforma Francisco Campos, "a
situação do ensino secundário mantinha-se, praticamente, inalterada diante da
esmagadora supremacia dos particulares que, em 1936, contavam quarenta
ginásio em atividade [no Estado de São Paulo]" (Sposito, 1992:44).
11
No início da década de 40 do século passado, nova reforma foi implantada
com o Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942, a Lei Orgânica do Ensino
Secundário, que, segundo o ministro Gustavo Capanema, tinha por finalidade:
1. Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade
integral dos adolescentes.
2. Acentuar e elevar, na formação espiritual dos adolescentes, a consciência patriótica e
a consciência humanística.
3. Dar preparação intelectual geral servindo de base a estudos mais elevados de
formação especial (“Exposição de motivos”, Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942).
De acordo com o Decreto-Lei 4.244/42, o curso secundário ficou dividido
em dois ciclos distintos:
o ginásio, com duração de quatro anos e abrangendo disciplinas
nas áreas de línguas (Português, Latim, Francês e Inglês), de
ciências (Matemática, Ciências Naturais, História Geral, História
do Brasil, Geografia Geral e Geografia do Brasil) e artes
(Trabalhos Manuais, Desenho e Canto Orfeônico);
o colégio, com duração de três anos, subdividido em dois cursos
paralelos — o clássico, voltado para a formação intelectual e o
estudo aprofundado em filosofia e letras antigas, e o científico,
dedicado à formação abrangente nas ciências — e abrangendo
disciplinas nas áreas de línguas (Português, Francês, Inglês,
Espanhol, Latim e Grego; as duas últimas, exclusivas do curso
clássico), ciências e filosofia (Matemática, Física, Química, Biologia,
História Geral, História do Brasil, Geografia Geral, Geografia do
Brasil e Filosofia) e artes (Desenho, exclusiva do curso científico).
12
Este é o modelo de escola secundária que será instalado em Osasco no
início dos anos 50.
Segundo Sposito (1992:45), é só a partir de 1945 que se inicia o
processo de expansão dos ginásios estaduais na cidade de São Paulo. Até
1933, havia apenas três ginásios públicos no estado de São Paulo: na Capital,
em Campinas e em Ribeirão Preto. A partir de 1945, sete novos ginásios foram
criados. Em 1950, chegou-se ao total de 12 ginásios estaduais paulistas.
O Ginásio Estadual de Osasco foi instituído pela Lei Estadual nº 607, de
1950, e o início de seu efetivo funcionamento data de 1952, quando
oficialmente existiam 23 ginásios no estado de São Paulo. Dessa informação,
inferimos que a instalação de um ginásio em Osasco fez parte de um processo,
dirigido pelo governo estadual, de expansão do ensino secundário.
Em 1958, ano em que começou a funcionar outro ginásio — o Ginásio
Estadual de Presidente Altino (Gepa) — na região do então bairro paulistano
de Osasco, o estado de São Paulo já registrava 91 ginásios criados pelo
governo estadual, conforme dados fornecidos por Sposito (1992:47). Essa
política de disseminação de ginásios estaria ligada às práticas populistas dos
governantes paulistas do período.
Esta pesquisa
O texto a seguir está dividido em três capítulos e vários subitens.
No Capítulo I, procuro mostrar a composição social do então bairro de
Osasco no final dos anos 40 e as transformações ocorridas durante a década
13
de 50, quando se instalou a primeira escola secundária pública no local. Em
particular, exploro o percurso de consolidação das ações dessa escola até a
construção do seu prédio próprio.
No Capítulo II, dedico especial atenção ao movimento autonomista
osasquense, analisando esse processo desde sua origem, com a fundação da
Sociedade Amigos do Distrito de Osasco (Sado), em 1947, até a instalação do
município, em 1962. Ponho em destaque o papel que a escola e seus sujeitos
desempenharam nessa luta, ao mesmo tempo em que busco entender a
influência que esse movimento exerceu nas ações sociais vivenciadas pelos
jovens osasquenses da época.
No Capítulo III, examino o período de instalação do município de
Osasco, no início dos anos 60, e a nova configuração social que se revelou,
procurando desvendar as relações entre a escola e seus sujeitos e as ações
políticas desenroladas antes e após o golpe militar de 1964. Esclareço que,
apesar de adentrar pelo movimento operário, essa não é a ênfase de minha
análise, uma vez que, por ter sido palco de uma das mais importantes greves
operárias do Brasil, em 1968, esse tema foi objeto de vários estudos.
Para encerrar esta introdução, faço três observações.
Embora se configure como tantos outros ginásios do subúrbio, o Ceneart
parece-me peculiar. Acredito que o aprofundamento do exame das relações
entre essa escola secundária e os movimentos sociais seja de grande valia,
tanto para a história da escola, quanto da cidade.
14
Neste estudo, procuro perceber os movimentos sociais como toda ação
coletiva de caráter contestador, no âmbito das relações sociais, que objetiva a
transformação ou a preservação da ordem estabelecida na sociedade e que,
deve ser observada com cuidado, pois,
[...] geralmente, [trata-se de] um fenômeno coletivo que se apresenta com uma
certa unidade externa, mas que, no seu interior, contém significados, formas de
ação, modos de organização muito diferenciados e que, freqüentemente, investe
uma parte importante das suas energias para manter unidas as diferenças
(Melucci, 2001:29).
Adoto a narrativa como forma de apresentação. Acredito que tal recurso
possibilita demonstrar com maior clareza os vários momentos desse "colar de
contas" que é a história do objeto de estudo.
Ao narrar algo o narrador vai encadeando casos como contas são presas a um fio
para formar o colar. A escolha dos casos e a ordem em que eles são encadeados
são potencialmente informativos sobre sentimentos ou convicções enraizadas, que
muitas vezes são difíceis de serem expressos claramente. Nem todos os eventos
vividos pelo narrador são incluídos na narrativa. Já os escolhidos poderiam ser
ordenados conforme se queira (Vaz, Mendes & Maués, 2001).
15
CAPÍTULO I
O COLÉGIO
16
CRESCE A PERIFERIA DA CAPITAL:
surgem novas camadas suburbanas
Até 1962, Osasco — um dos municípios que compõem a Região
Metropolitana de São Paulo (também chamada de Grande São Paulo) — não
passava de mais um bairro da periferia distante da capital paulista.
Seu processo de urbanização começou nos últimos anos do século XIX
e no início do século XX, decorrente em parte de um projeto de loteamento
executado pelo imigrante italiano Antonio Agu, no seu Sítio Ilha de São João
(Oliveira & Negrelli, 1992:7) — mais precisamente, quando, em 1895, esse
negociante construiu uma estação de alvenaria para a parada do trem na linha
férrea da Sorocabana que cruzava essas terras desde 1874 (Werner, 1981:49).
Além da estação de trem, que recebeu o nome de Osasco em
homenagem à sua terra natal, Agu participou de diversos investimentos na
localidade, como a transformação de uma olaria em fábrica de cerâmica
(arrendada ao barão francês Evaristhe Sansaud de Lavaud), a instalação de
uma fábrica de tecidos (com o italiano Fiorino Beltramo) e a instalação de uma
fábrica de papelão (em sociedade com o italiano Narciso Sturlini). Essa
combinação da estação ferroviária com as indústrias locais — que também se
beneficiavam da parada do trem — atraiu uma leva de imigrantes
(principalmente italianos) que, com a derrubada dos cortiços do centro da
cidade de São Paulo, buscavam comprar imóveis em prestações acessíveis,
mesmo que, como moradia, ficassem distantes do centro da capital.
Apesar de, no início do século XX, haver muitas habitações coletivas no
centro paulistano, a legislação municipal já estabelecia uma série de restrições
a esse tipo de ocupação. A lei de zoneamento urbano excluía casas para
operários e estabelecia uma série de exigências que inviabilizavam essas
habitações. Isso, de acordo com Rolnik (1999:36-37), levava os imigrantes a
procurar instalações em regiões mais periféricas da cidade. No cenário
17
urbanizado e progressista que a elite cafeeira de São Paulo propunha-se a
criar, era preciso excluir os pobres, porque, sobretudo os que exibiam a
imagem fortemente estigmatizada do imigrante, representavam as doenças e a
imoralidade que deveriam ser rejeitadas (Rolnik, 1999:41). A equação era até
bem simples do ponto de vista da classe dominante: a fim de promover a
limpeza, bania-se a promiscuidade com a qual o imigrante era identificado.
Afinal, ele não se enquadrava na nova imagem proposta — moderna e
civilizada (cf. Rolnik, 1999:37).
É dentro desse contexto que irão proliferar os bairros populares na
periferia da cidade. Em geral, eram constituídos a partir de chácaras que,
depois de loteadas, passavam a compor pequenos núcleos urbanos. Nessas
áreas, as normas legais estabelecidas para a conformação dos lotes não eram
respeitadas, e bastava que a localidade dispusesse de alguma forma de
acesso à região central de São Paulo para que o investimento imobiliário fosse
garantido (cf. Rolnik, 1999:60). Assim surgiu o primeiro núcleo de habitantes da
vila que se forma em torno da Estação de Osasco.
Com o tempo, também se instalaram na região o Frigorífico Wilson (em
1915) e a fábrica de Fósforos Granada (em 1920). Além disso, lá foi implantado
(em 1922) o Complexo Militar de Quitaúna.
A conjunção desses dois fatores — o industrial e o militar— serviu para dar vida ao
comércio local; e, sobretudo, o operariado obrigou a expansão territorial dos
núcleos já existentes, pois, embora muitos operários residissem na capital, outros
muitos passaram a habitar na própria região. Esses novos contingentes
demográficos eram, em sua maioria, constituídos por italianos ou seus
descendentes diretos, o que teria ocasionado, em certa época, a formação de uma
"atmosfera" italiana em Osasco (Azevedo, dir., 1958:98).
Apesar de todo o desenvolvimento, a vila, em sua infra-estrutura, ainda
era muito precária. Até 1923, toda a iluminação era feita a lampião de
querosene. Não havia estradas pavimentadas e, além do trem, os meios de
transportes — carroças, charretes e cavalos — eram poucos e lentos. O
comércio local concentrava-se, quase todo, na Rua da Estação.
18
Em 31 de dezembro de 1918, por força da Lei Municipal nº 1634,
Osasco foi elevada à categoria de distrito do município de São Paulo e passou
a contar com as primeiras instalações de repartições públicas, como o Cartório
de Paz. O fato desencadeou acirrada luta entre os líderes políticos locais pelo
domínio e pela ocupação desses espaços e cargos (cf. Martim. 2001:57-78). A
disputa culminou com o assassinato de João Baptista, filho de Julio de Andrade
Silva, um dos chefes políticos do distrito.
No final da década de 30, não se podia mais definir Osasco como um
bairro essencialmente italiano. Com as imigrações ocorridas após a I Guerra
Mundial e com as migrações que se deram internamente, os italianos, apesar
de ainda serem em maior número, compunham apenas 36,75% da população
local, em 1938 (cf. Martim. 2001:110). Além dos bairros de Presidente Altino,
que se estabeleceu em torno do Frigorífico Wilson, e Quitaúna, que se formou
ao redor das instalações militares, foi nesse período que começam a surgir
novas áreas habitadas nos arredores da região central, como Vila Mutinga,
Jardim Piratininga, Bela Vista e Km 18 (cf. Escritório de Planejamento Integral
de Osasco, 1986:20).
Conforme o Censo de 1940, Osasco contava com 15.258 habitantes.
Sua base econômica era a indústria, setor no qual se destacavam a
Companhia Cerâmicas Hervy (com 230 operários), a Fábrica de Tecidos
Beltramo (300 operários), o Frigorífico Wilson, a Fábrica de Papelão e a
Fábrica de Fósforos Granada, além de pequenas olarias (cf. Alexandre,
1939:22).
Só a partir da década de 40 constata-se incremento significativo da
população local, também composta a essa época por migrantes nordestinos,
que vinham buscar trabalho nas grandes indústrias que começavam a se
instalar na região, como a Eternit em 1941, a Cobrasma em 1944 e a Cimaf em
1946 (cf. Dias, 1995:49). Cabe ressaltar que a instalação de novos ramos de
produção industrial (que até então se restringia aos bens de consumo) não
ocorreu apenas em Osasco. Esse processo fez parte das transformações
econômicas vividas no Brasil durante a II Guerra Mundial, que impulsionaram o
19
crescimento da produção industrial brasileira. O crescimento urbano, resultante
da intensa industrialização nas regiões periféricas da cidade de São Paulo,
criou sérios problemas, principalmente nos bairros que, antes, já não
dispunham de infra-estrutura adequada, como era o caso de Osasco.
Surgem novos loteamentos, quase sempre irregulares, em localidades
distantes da região central do bairro. Essa nova periferia não conta com
serviços de luz, água e transporte nem com os benefícios urbanos que
caracterizavam o centro ocupado pelos primeiros imigrantes — que, nesse
contexto urbano, ganham a condição de elite na localidade.
Diante das dificuldades decorrentes da precariedade dos meios de
transporte, a população dessa nova periferia ficava obrigada a se abastecer no
comércio local, ou seja, no comércio instalado no centro de Osasco, quase
totalmente controlado pelos descendentes dos primeiros habitantes.
É importante ressaltar que a essa elite — composta na maioria por
comerciantes, profissionais liberais e pequenos empresários, moradores na
região central de Osasco no final da década de 40 — não se integravam os
grandes empresários e proprietários das indústrias de grande porte que se
instalavam na região. A população osasquense, naquele período, era formada
por uma camada "[...] relativamente jovem, de origem heterogênea, migrantes
recentes, de condições econômicas humildes, devido seu baixo nível
educacional e profissional", e, nessas condições
mister é considerar as origens do próprio município, como extensão dos bairros de
periferia da Capital, a fim de compreender a estratificação social da população,
onde predomina a classe operária e a baixa classe média, representada por
comerciantes e funcionários públicos, com ausência quase completa de estratos
sociais com poder aquisitivo mais elevado (Rautner, 1974:132).
Em sua obra Subúrbio, José de Souza Martins afirma:
A história local não é necessariamente o espelho da História de um país e de uma
sociedade. A história local não é nem pode ser uma história-reflexo, porque se o
fosse negaria a mediação em que se constitui a particularidade dos processos
locais e imediatos e que não se repetem, nem podem se repetir, nos processos
20
mais amplos, que com mais facilidade poderíamos definir como propriamente
históricos (Martins, 1992:12).
O autor argumenta que a história do subúrbio é local e cotidiana e,
portanto, "circunstancial". É na junção dos fragmentos da circunstância que se
encontra sua historicidade, ou seja, é "nessas mediações dos fragmentos [que
se encontra] o sentido do que não tem sentido [quando fragmentado]" (Martins,
1992:13/14). Dessa circunstancialidade resulta que a história dos subúrbios
produz em grande escala a história dos coadjuvantes. Em outras palavras, a
história dos
primeiros: o primeiro nascimento, o primeiro enterro, o fundador, o primeiro
alfaiate, a primeira parteira, o primeiro artesão a fazer caixões de defunto, o dono
do primeiro automóvel [em que, porém, esse "coadjuvante" ocupa o papel de]
inaugurador de uma era histórica, uma inovação social. Mas, no fundo,
inaugurador que inaugura o já inaugurado (Martins, 1992:14).
Osasco, na condição de região periférica ou suburbana da cidade de
São Paulo, não foge a essa premissa. Foram esses "primeiros" que se
acomodaram na região central do bairro, formaram a elite local e que, por
serem "os primeiros", ocuparam as terras centrais, região onde se desenvolveu
a atividade comercial e que se tornou mais valorizada.
O surgimento da indústria metalúrgica pesada contribuiu para tornar
Osasco importante como núcleo operário. Mas, aliado a outros fatores, o
crescimento industrial trouxe também o crescimento da população e, em
decorrência, os loteamentos irregulares e a carência de serviços urbanos, além
de modificações no mercado de trabalho relacionadas à aceleração da
industrialização. Para os trabalhadores, essas transformações refletiram-se em
migração de zonas rurais para zonas urbanas e carestia.
Foi também a partir da intensificação do ritmo de industrialização dos
anos 40 que as classes populares começaram a se organizar "através de
organismos elementares, como a Sociedade dos Amigos de Bairro,
Cooperativas de Consumo e Clubes de Recreação" (Moisés, 1978:182).
21
À época, apesar das similitudes com as regiões periféricas da cidade de
São Paulo,
[se], por um lado, Osasco é semelhante, na sua constituição e crescimento, aos
demais bairros operários e subúrbios industriais de São Paulo, por outro lado, pela
ação e experiência concreta dos contingentes operários que para lá se dirigiram,
tornou-se um caso excepcional [porque] a concentração de novas indústrias e o
crescimento do bairro vêm acompanhados do Movimento Autonomistas gerador
de um localismo que perdurará até o fim dos anos sessenta, sobretudo nas lutas
dos seus trabalhadores-estudantes (Rizek, 1988:1-2).
Esse período marca a consolidação das esferas políticas associada às
práticas populistas, que necessariamente estavam ligadas às transformações
decorrentes do processo de industrialização e de um modelo de participação
política das massas. A propósito, Walmsley (1992:23) lembra que Adhemar de
Barros dera origem ao populismo paulista e já no início dos anos 40
demonstrava "seu talento para estabelecer um contato direto com a
população", mas também inaugurara "um estilo de administração marcado pelo
assumido desprezo em relação aos padrões éticos" que caracterizaria o
populismo — tanto o adhemarista, quanto o janista, das décadas de 40 e 50 —,
além da falta de clareza ideológica, uma vez que acordos políticos eram
sistematicamente rompidos e refeitos conforme as necessidades de momento.
22
O GINÁSIO ESTADUAL DE OSASCO:
a escola para poucos se instala no subúrbio
O primeiro prédio público construído para servir de escola em Osasco foi
inaugurado pelo governador Adhemar de Barros, em 3 de agosto de 1949.
Destinava-se a abrigar o Grupo Escolar Marechal Bittencourt, que, desde 1925,
funcionava no velho casarão da rua Primitiva Vianco — construído pelo barão
Evaristhe Sansoud de Lavaud, em 1903, quando esse francês era sócio da Cia.
Cerâmica de Osasco — e que fora adaptado como instalação escolar quando
se unificaram as seções masculinas e femininas das Escolas Isoladas de
Osasco, o que resultou nas Escolas Reunidas de Osasco, provavelmente em
1922 (cf. Martim, 2001:82).
Durante quase três décadas, essa única escola pública local ocupou um
prédio de cinco salas, assim distribuídas: uma sala central com porta de
entrada pela frente e pelos fundos, o que permitia que fosse dividida por
armários, servindo a parte da frente como diretoria e a parte dos fundos como
sala de aula; e duas salas em cada lateral, de maneira que, vista pela lateral, a
planta do prédio lembrava o traçado de um jogo de amarelinha (dois cômodos
paralelos, um central, dois paralelos).
As condições de funcionamento desse prédio sempre foram precárias. A
sala central não dispunha de janelas. Os cinco banheiros, que se localizavam
nos fundos do terreno, ainda funcionavam em sistema de latrinas e fossa e
23
serviam a todos os estudantes da escola — que, em 1949, funcionava em três
períodos, com média de 48,61 jovens por classe, contabilizando-se cerca de
730 alunos, mais professores e funcionários, para cinco sanitários (cf. Martim,
2001:130).
Diante das condições em que se encontravam as instalações dessa
escola, o prédio inaugurado em 1949 representava o início de uma nova
situação para a escola pública em Osasco. A edificação seguia o modelo de
prédios escolares do período, com planta em forma de U, sendo a parte central
do corredor da frente destinada às instalações administrativas (diretoria,
secretaria, gabinete dentário, biblioteca, sala dos professores e banheiro para
funcionários). Cada lateral comportava cinco salas, duas na parte frontal e três
nas laterais, num total de dez salas de aula, todas com amplas janelas a leste e
corredores a oeste. Nos fundos, um pátio com bebedouros, banheiros
(azulejados e com chuveiros) masculino e feminino e, em uma das
extremidades, um palco coberto, com coxia.
Logo após a inauguração do prédio, a Lei Estadual nº 607, de 2 de
janeiro de 1950, criou o Ginásio Estadual de Osasco. A exemplo de tantos
outros ginásios implantados naqueles tempos, este funcionaria no período
noturno do prédio que abrigava o Grupo Escolar durante o dia.
Duas medidas, nesses primeiros anos, possibilitaram ao Estado a disseminação
dos cursos ginasiais, inexistentes até 1945: os cursos noturnos e as secções. A
reiterada utilização desse recurso permitiu a oferta de maiores oportunidades de
acesso à escola ginasial pública, em poucas décadas, criando condições
favoráveis à gradual transposição do caráter seletivo que acompanhava a
formação secundária até esse momento (Sposito, 1992:47).
24
Cabe lembrar que à época a escola secundária era vista como o marco
divisor entre a educação das elites e a educação popular, fato que só será
alterado a partir da Lei de Diretrizes e Bases de 1961 e que só desaparecerá
em 1971, com a Lei de Reforma do Ensino de Primeiro e Segundo Graus (cf.
Sposito, 1992:11).
A partir de 1945, "nas regiões urbanas das áreas mais desenvolvidas do
país", houve intenso crescimento de escolas secundárias oficiais, o que
imprimiu "a estes ramos de escolaridade e, por isso mesmo, ao sistema de
ensino como um todo, características inteiramente diversas" (Sposito, 1992:15),
transformando-se a instrução secundária em prolongamento da escolaridade
elementar e obrigatória.
Empreendida como tarefa do Estado, a expansão da rede ginasial ocorreu em
condições contraditórias, não só pela ausência de recursos que a realizassem de
modo satisfatório ou pela coexistência de orientações conflitantes nos setores
ligados à educação em São Paulo, como pela forte pressão das camadas
populares que a exigiam (Sposito, 1992:16).
A lei que criou o Ginásio Estadual de Osasco data de janeiro de 1950,
mas seu processo de instalação só começou em 18 de março de 1951, quando
o técnico de educação Joel Aguiar, da Secretaria da Educação de São Paulo,
enviou ofício à diretora de Ensino Secundário do Ministério da Educação, Lucia
Magalhães, no Rio de Janeiro, solicitando autorização para se realizar o
processo de verificação prévia do funcionamento condicional do curso, com a
proposta de que este se efetivasse ainda em 1951, com a transferência de
alunos de outros estabelecimentos, o que iniciou o processo nº 62.941/51.
25
Em seu artigo 2º, a Lei nº 607/50 ressalvava que o funcionamento do
ginásio dependia de "oferta ao Estado, por parte do Município interessado, ou
por intermédio da população ou qualquer entidade ou pessoa, do respectivo
edifício, com toda a instalação e aparelhamento necessário, de acordo com a
legislação do ensino". O prédio a ser utilizado seria o do Grupo Escolar, e o
prefeito paulistano Armando de Arruda Pereira, pr meio do Ofício 444/51-A, de
8 de março de 1951, concedeu os demais materiais necessários (cf. processo
nº 62.941/51, f. 2).
Ao final de vários trâmites burocráticos, em 5 de julho de 1951, a titutlar
da Diretoria de Ensino Secundário emitiu o seguinte parecer: "Considerando o
adiantado do ano letivo, opino por que seja arquivado o presente processo.
Maria José O. Imperial, Chefe da SPAE" (processo nº 62.941/51, f. 8)
Mesmo diante de todas as dificuldades para a instalação do curso
ginasial, em 29 de janeiro de 1951 a Lei nº 968 já autorizava o estabelecimento
a funcionar como Colégio. À época, Osasco contava com dois
estabelecimentos particulares de ensino: o Colégio Nossa Senhora da
Misericórdia, destinado a meninas e fundado por freiras em 1943, que, em
dezembro de 1951, realizou os primeiros exames de admissão ao curso
ginasial, com a aprovação de 23 alunas, e em 1952 deu início a esse curso (cf.
Osasco, Câmara Municipal, requerimento nº 2.648, de 1983); e o Colégio
Técnico Duque de Caxias, para meninos, fundado em 8 de maio de 1950 (cf.
Município em Marcha, nº 85, 25/8/71), que oferecia o Curso Técnico de
Contabilidade. Percebe-se que só após a publicação da lei que criou o Ginásio
26
Estadual em Osasco, em janeiro de 1950, surgiram opções de ensino
secundário em escolas particulares locais.
Em depoimento à autora, a professora Helena Pignatari Werner observa
que, até aquele período, somente continuavam seus estudos, além do curso
primário, "aqueles moradores da região central de Osasco, quer dizer, os filhos
da burguesia" — ou seja, a parcela da população que podia arcar com os
custos da mensalidade escolar e dispunha do tempo necessário para o trajeto
até a escola, que normalmente era feito de trem. A professora descreve como
foi sua própria vida escolar após concluir o curso primário, no Grupo Escolar de
Osasco:
— Depois eu fui para o Ginásio Perdizes, porque era o ginásio
mais próximo da Estação Barra Funda, e nós viajávamos pelo subúrbio,
descíamos na Barra Funda e íamos a pé até a Avenida Água Branca,
onde ficava o Ginásio Perdizes. Tinha a Vera, minha irmã, tinha o Jarbas
Milani, a esposa do Tidinho, que era Milani, não lembro o nome dela
agora. Era um grupo de adolescentes que tomava esse subúrbio toda
manhã, ia até Perdizes. [O curso] era no período da manhã, mas nós
tínhamos Educação Física e outras práticas à tarde. Era comum
ficarmos o dia inteiro em São Paulo, porque Osasco era subúrbio. Então,
nós fazíamos essa via crucis com muita disposição, gostávamos muito.
[Havia muitos que] também viajavam de Carapicuíba, Barueri.
Encontrávamos no trem, então, a amizade que nós tínhamos com a
família Guerra, por exemplo, que era de Barueri. Era amizade do trem, e
muito namoro aconteceu, e muito casamento aconteceu mais tarde,
entre Barueri e Carapicuíba, Osasco, Presidente Altino, porque a
turminha ia de trem. E quem viajava também pelo subúrbio eram os
filhos do chefe da estação de Carapicuíba, sr. Osmar. Um era o Tutu
(chamava-se Valdemar de Barros), o irmão dele mais velho, agora não
27
me lembro o nome, porque é a geração da Vera. Tinha a geração que
tinha sido da Othélia e da Tecla, a geração da Vera e a minha geração
que eram os menores (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à
autora em 19/5/2004; Othélia, Tecla, Vera e Helena são irmãs, e Helena
é a caçula).
Ao final de 1951, reiniciaram-se os procedimentos a fim de instalar o
Ginásio Estadual de Osasco em 1952. Os cargos, tanto de professores, como
de funcionários — um diretor, um secretário, 13 professores (de Português,
Francês, Inglês, Matemática, Ciências, História, Geografia, Desenho, Canto
Orfeônico, Trabalhos Manuais masculinos e femininos, Educação Física
masculina e feminina) —, necessários ao funcionamento da escola foram
criados pelo governo estadual por meio do Decreto nº 20.984-B, de 29 de
novembro de 1951. Enfim, a 11 de fevereiro de 1952, foi designado o inspetor
João Penido Monteiro Sales para proceder à verificação prévia do Ginásio
Estadual de Osasco e para autorizar seu funcionamento condicional. Em 19 de
fevereiro do mesmo ano, Monteiro Sales teve autorização para conduzir os
exames de admissão ao Ginásio ((cf. processo 62.941/51. f. 12).
Durante os procedimentos das matrículas para o Ginásio em 1952, o
inspetor verificador impugnou os pedidos para as terceiras e quartas séries
ginasiais, "alegando falta de sala especial para Ciências Naturais, com paredes
revestidas de azulejo, com instalações especiais, etc.". A titular da Diretoria de
Ensino Secundário opinou pelo atendimento das solicitações, em caráter
condicional, por "haver precedentes desse tipo", e permitiu, assim, que se
mantivessem as matrículas em todas as séries do curso (cf. processo
62.941/51, f. 23/24).
28
As condições materiais do Colégio
Ao referir-se a duas portarias do Ministério da Educação e Saúde, de
1932 e de 1946, Marília Sposito comenta:
A lista de itens a serem observados na classificação dos estabelecimentos [...] era
extremamente minuciosa. Além dos itens relativos às condições topográficas do
terreno, características e dimensões do prédio, salas de aula, pátios, etc., eram
inspecionados, também, o número e a qualidade do material didático existente em
cada estabelecimento. Atribuíam-se pontos pelo número de livros que a escola
possuísse nas bibliotecas (eram previstos escores até para o número de livros da
biblioteca de línguas), pelo volume de instrumentos e material de uso nos
laboratórios e, até, pelos recursos utilizados para aulas de Educação Física como
apitos, bolas, bastões, etc. (Sposito, 1992:52).
Segundo essa classificação, os ginásios recebiam a seguinte
categorização: "sofrível" de 1.200 a 1.400 pontos; "regular", de 1.401 a 1.500
pontos; "bom", de 1.601 a 1.800 pontos; e "excelente", de 1.801 a 2.000 pontos
(cf. Sposito, 1992:52). De acordo com esse critério, o Ginásio Estadual de
Osasco enquadrava-se na categoria de "regular", de acordo com a avaliação
apresentada pelo inspetor João Penido Monteiro Salles (ver Quadro 1, a seguir).
O Ginásio funcionaria em regime de externato para freqüência masculina
e feminina, no horário das 18:50h às 22:50h, porque, durante o dia, o Grupo
Escolar funcionava com 450 alunos em cada um dos três períodos – das 7:40h
às 10:40h, das 10:40h às 13:40h e das 13:40h às 17:40h (cf. processo
62.941/51, f. 37). Em nota, o Inspetor verificador informa ainda que, além do
Ginásio, funcionaria no período noturno o Curso de Educação para Adultos, com
80 alunos, e um curso do Serviço Social da Indústria (Sesi), com 60 alunos.
29
Quadro 1
Avaliação do Ginásio Estadual de Osasco
apresentada pelo inspetor João Penido Monteiro Salles
ELEMENTOS DA FICHA DE AVALIAÇÃO
Coeficiente Nota Pontos Total %
Divisão I: Locallzação (250 pontos)
1. Salubridade 4 10 40 40
2. Ausência de ruídos 2 10 20 20
3. Ausência de perigos 4 10 40 40
4. Causas perturbadoras da atenção 4 10 20 20
5. Natureza e permeabilidade do terreno 1 10 10 10
6. Regularidade de terreno 1 10 10 10
7. Área coberta para recreio e abrigo 2 5 10 10
8. Área livre 9 7 63 63
Total da Divisão I 213 85
Divisão II: Edifício (300 pontos)
9. Disposição interna 9 10 90 90
10. Situação 3 10 30 30
11. Número de pavimentos 2 10 20 20
12. Material e conservação 7 10 70 70
13. Entradas 3 10 30 30
14. Escadas e corredores 6 10 60 60
Total da Divisão II 300 100
Divisão III: Instalações (450 pontos)
15. Extintores de incêndio 5 2 10 10
16. Caixa d'água 9 10 90 90
17. Instalação para limpeza do prédio 4 9 36 36
18. Bebedouros 9 9 81 81
19. Lavatórios 9 9 72 72
20. Gabinetes sanitários 9 5 45 45
Total da Divisão III 334 74
Divisão IV: Salas de Aula (500 pontos)
21. Número 3 00 00 00
22. Área 9 10 90 90
23. Forma 3 10 30 30
24. Isolamento 3 10 30 30
25. Quadros-negros 3 10 30 30
26. Pintura 3 10 30 30
27. Área de iluminação 9 10 90 90
28. Disposição das janelas 4 10 40 40
29. Acústica 4 10 40 40
30. Carteiras 8 10 80 80
31. Móveis diversos 1 10 10 10
Total da Divisão IV 470 94
Divisão V: Salas Especiais (500 pontos)
32. Auditório 5 10 50 50
33. Biblioteca 6 00 00 00
34. Sala de Geografia 5 0,5 2,5 2,5
35. Sala de Línguas Vivas 4 00 00 00
36. Sala de Ciências 9 3 27 27
37. Sala de Desenho 7 00 00 00
38. Sala de Trabalhos Manuais 4 0,5 2,5 2,5
39. Sala de Professores 3 8 24 24
40. Sala de Administração 7 8 56 56
Total da Divisão V 162 32
Total da Ficha Básica 1.479
Fonte: Processo 62.941/51, f. 27v.
30
Essas atividades reduziam o número de salas disponíveis para o
estabelecimento do curso ginasial de dez para sete salas, classificadas
conforme o Quadro 2.
Quadro 2
"Capacidade
Limite máximo da matrícula para cada turno"
Salas de Aula Área (m²) Capacidade (alunos)
Nº 1 56,60 45 50
Nº 2 56,60 45 50
Nº 3 56,60 45 50
Nº 4 56,60 45 50
Nº 5
56,60 45 50
Nº 6 56,60 45 50
Nº 7 56,60 45 50
Total 361,20 315 350
Fonte: Processo 62.941/51, f. 37.
Como se constata no processo 62.941/51, o número de alunos por sala de
aula, que era de 45 para o curso primário, altera-se para 50 alunos por sala no
curso ginasial. Dentre as doações efetuadas pela Prefeitura de São Paulo e
relacionadas na f. 2 daquele processo, verificamos a concessão de 150 carteiras.
Apesar de parecer criteriosa, essa situação vem confirmar as condições
descritas por Marília Sposito, ao relatar o distanciamento entre a legislação em
vigor e a realidade vivida nas escolas públicas do País.
Não obstante os documentos legais, introduzindo a classificação material dos
estabelecimentos, exprimissem mais um modelo de escola a ser alcançado do que
critérios reais que revelassem as condições de seu funcionamento, o
distanciamento entre esse modelo e a situação concreta da rede pública tornava-
se cada vez mais flagrante (Sposito, 1992:53).
Instalados em prédios de Grupos Escolares, os cursos noturnos, em
especial, tiveram dificuldades para cumprir os requisitos mínimos
31
estabelecidos. Assim, gradativamente, o Ministério da Educação diminuía as
exigências que serviam de critérios para classificar as escolas secundárias do
País (cf. Sposito, 1992: 53-54).
Ainda de acordo com o relatório de verificação (cf. processo 62.941/51, f.
41), o Ginásio Estadual de Osasco, dirigido pela professora Araci Ferreira Leite
e mantido pelo estado, funcionaria de acordo com a legislação vigente,
ministrando as seguintes disciplinas: Português, Latim, Francês, Inglês,
Matemática, Ciências Naturais,História Geral e História do Brasil, Geografia
Geral e Geografia do Brasil, Trabalhos Manuais (seção masculina), Trabalhos
Manuais (seção feminina), Desenho, Canto Orfeônico, Economia Doméstica
(seção feminina), Educação Física (seção masculina), Educação Física (seção
feminina). O quadro de professores era assim formado (Quadro 3):
Quadro 3
"Corpo docente em exercício"
Série Matérias Nome do professor Nº de registro
Visto da Secção
de Registro
1ª, 2ª, 3ª Português Miguel Salles ?
1ª, 2ª, 3ª Matemática Carlos Catony 8984 Confere
1ª, 2ª, 3ª Desenho Cecília Maia de Carvalho 15862 Confere
1ª, 2ª, 3ª Francês Dagmar de Arnaldo Silva F 901 de 14/8/47 Confere
1ª, 2ª, 3ª História Helena Mendes de Castro 15863 Confere
1ª, 2ª, 3ª Geografia Ilka Bruck Lacerda 15607 Confere
1ª, 2ª, 3ª Trab. Jarbas Presa Avelar 15967 Confere
Ciências Nelson da Silva Barros 11871 Confere
1ª, 2ª Inglês Gilberto Rizzo D 16281 Confere
1ª, 2ª, 3ª Latim Miguel Salles Proc. 20.037/52 ?
Fonte: Processo 62.941/51, f. 39.
Ao final do relatório de verificação, encontramos relacionados os
materiais necessários e disponíveis para o funcionamento das atividades
administrativas e pedagógicas, assim como 15 fotografias (biblioteca, hall de
entrada, diretoria, secretaria, gabinete dentário, sala de aulas da parte lateral,
32
corredor da parte interior do prédio, parte posterior do edifício, toalete para
alunas, jardim, horta e caixa d'água, pátio interno, pátio, toalete para
professoras, toalete para professores, banheiro com chuveiro para alunos) que
demonstram as condições das instalações recém-construídas, além da planta
do edifício.
No ofício que encaminha o relatório de verificação à Diretoria de Ensino
Secundário, no Rio de Janeiro, em 23 de abril de 1952, encontramos a
seguinte ressalva:
Este relatório não pôde ser enviado há mais tempo em virtude de ter ocorrido a
dispensa da Diretora que havia sido nomeada para o cargo, sem que até hoje
houvesse sido provido novamente. Está, assim, o estabelecimento sem diretor,
não tendo ainda sido nomeados todos os professores (processo 62.941/51, f. 76).
Mesmo assim, as aulas começaram em 19 de março de 1952, com
classes de primeira, segunda e terceira séries do curso ginasial, com a
seguinte grade curricular (Quadro 4):
Quadro 4
Grade curricular
Ginásio Estadual de Osasco
1952
1ª série 2ª série 3ª série
Português Português Português
Matemática Matemática Matemática
Desenho Desenho Desenho
Geografia Geografia Geografia
Francês Francês Francês
Latim Latim Latim
História História História
Trabalhos Trabalhos
— Inglês Inglês
— — Ciências
Fonte: Ginásio Estadual de Osasco, Livro de ponto de professores do ano de
1952.
33
Naquele dia, o Livro de ponto dos professores apresenta os seguintes
dados (Quadro 5):
Quadro 5
Registro no Livro de ponto dos professores
Ginásio Estadual de Osasco
19 de março de 1952
Disciplina Séries Nome
Português 1as. e 3as.
Matemática 1as., 2as e 3as Carlos Catony
Francês 1as Manoel Luiz Moreau
Inglês 2as e 3as
Trabalhos masculino 1as e 2as Jarbas Preza Avellar
Ciências 3
a
. Nelson da S. Barros
Educação Física, feminina
Educação Física, masculina
Preparadora Nísia Maciel
Fonte: Ginásio Estadual de Osasco, Livro de ponto de professores do ano de 1952.
E também (Quadro 6):
Quadro 6
Registro no Livro de ponto dos professores
Ginásio Estadual de Osasco
19 de março de 1952
Assina como diretor
Período Nome
De 19/03/52 a 04/04/52 Araci Ferreira Leite
De 07/04/52 a 17/04/52 Fica sem assinatura
De 18/04/52 a 16/05/52 Carlos Catony *
A partir de 19/05/52 até o final do ano Passa a ser Helena de Arruda Ramos
Nota: * Professor de Matemática que assina como substituto.
Fonte: Ginásio Estadual de Osasco, Livro de ponto de professores do ano de 1952.
Durante todo ano de 1952, observam-se constantes alterações no
quadro dos professores e na direção da escola, o que indica a precariedade do
quadro docente apontada no relatório de verificação do inspetor João Penido
Monteiro Salles.
Apesar das inconstâncias próprias de um período de instalação de
curso, observamos que houve a possibilidade de se desenvolverem atividades
34
fora das salas de aulas. Em 11 de novembro 1952, verificamos o registro de
uma excursão ao Frigorífico Wilson, com o acompanhamento dos professores
Ilka B. Lacerda (Geografia), Luiz D. G. Araújo (Geografia) e Odila Ramos
(Trabalhos Manuais); em 25 de novembro, houve outra excursão ao Museu de
Arte, com o acompanhamento dos professores Cecília Maia de Carvalho
(Desenho), Gilberto Rizzo (Inglês) e Odila Ramos (Trabalhos Manuais).
Quanto à instabilidade do quadro docente da escola, relacionamos no
Quadro 7 todos os professores que passaram pela escola durante 1952.
Quadro 7
Professores
Ginásio Estadual de Osasco
1952
Disciplina Professor
Miguel Salles
M. A. Medeiros Português
Amim Aidar Filho
Carlos Catony
Matemática
Vera Giraldes
Desenho Cecília Maia de Carvalho
Ilka B. Lacerda
Geografia
Luiz D. Araújo
Dagmar de A Silva
Francês
Manoel Luiz Moreau
Miguel Salles
Latim
M. A. Medeiros
História Helena Mendes de Castro
Seção Masculina: Jarbas Preza Avellar
Seção Feminina: Jacy Rolim Dias Trabalhos Manuais
Odila Ramos
Inglês Gilberto Rizzo
Nelson da Silva Barros
Manoel Luiz Moreau Ciências
Miguel Salles
Preparador Nísia Maciel
Seção Feminina: Wandyra Villas Boas
Seção Masculina: Durval da Silva
Educação Física
Zilda Alves Dória
Fonte: Ginásio Estadual de Osasco, Livro de ponto de professores do ano de 1952.
35
Pelo Decreto Estadual nº 21.726, de 25 de setembro de 1952, o Colégio
Estadual de Osasco passou a denominar-se Colégio Estadual "Antonio Raposo
Tavares" (Ceart), fato registrado à f. 270 do processo 62.941/51.
Em 27 de maio de 1952 — a despeito de todas as dificuldades
apresentadas, embora o artigo 1º da Lei Estadual nº 968, de 29 de janeiro de
1951 (que autorizava o Ginásio Estadual de Osasco a funcionar como Colégio)
determinasse que o segundo ciclo só poderia entrar em funcionamento depois
de regularizada a autorização federal para o curso ginasial e antes mesmo de
concluído o processo de autorização do primeiro ciclo — a Secretaria de
Estado dos Negócios da Educação de São Paulo enviou à Diretoria de Ensino
Secundário do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, o ofício 328 no qual
informava que o governo paulista pretendia fazer funcionar o segundo ciclo do
Colégio Estadual de Osasco em 1953, em período diurno, e solicitava a
designação um inspetor federal para proceder à verificação do estabelecimento
(cf. processo 62.941/51, f. 95). O governo estadual demonstrava desconhecer
as reais condições de funcionamento dessa escola, já que, além do prédio
pertencer ao Grupo Escolar Marechal Bittencourt, ali funcionavam três períodos
de aulas do curso primário durante o dia.
Diante do exposto, o Ministério da Educação e Saúde encaminhou
resposta à Secretaria de Educação paulista, informando que solicitara
verificação prévia para funcionamento do curso colegial em 1953, em período
diurno, mas que o estabelecimento ainda não havia obtido autorização para o
funcionamento do primeiro ciclo, porque dependia da indicação do diretor. Além
disso, existiam ressalvas com relação à apresentação da lista de docentes,
36
mas, por se tratar de estabelecimento estadual, havia certa tolerância quanto
aos prazos determinados. Contudo, enquanto não fosse regularizado o
funcionamento do primeiro ciclo, não poderia ser autorizado o segundo ciclo;
esse procedimento deveria ser executado posteriormente.
Finalmente, por meio da Portaria nº 895, de 30 de setembro de 1952, a
Diretoria de Ensino Secundário do Ministério da Educação e Saúde, concedeu
autorização para o funcionamento condicional do Ginásio Estadual de Osasco
(cf. Processo 62.941/51, f. 105).
37
O COLÉGIO ESTADUAL ANTONIO RAPOSO TAVARES:
a difusão dos ginásios traz consigo os colégios
Com a autorização do funcionamento condicional para o curso ginasial —
apesar das ressalvas —, iniciou-se o processo de verificação prévia para a
instalação do segundo ciclo do Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares"
(Ceart). Em 22 de outubro de 1952, o Ministério da Educação e Saúde emitiu
comunicado que sugeria o encaminhamento do processo ao setor competente, "a
fim de designar inspetor para proceder à verificação prévia, para funcionamento
do 2º ciclo" (processo nº 62.941/51, f. 106). Em 16 de janeiro de 1953, o Ministério
solicitou ainda que o inspetor Alfredo Pereira de Queiroz, encarregado da
verificação, informasse "o nome do Diretor e do Secretário; a prova de direito ao
uso do prédio e o horário de funcionamento". Como até 2 de março o inspetor
ainda não havia tomado qualquer providência, foi substituído pelo inspetor Otavio
Teles Rudge Maia (cf. processo nº 62.941/51, f. 108).
Este segundo inspetor também não se pronunciou e, em abril de 1954, a
Diretoria de Ensino Secundário enviou correspondência ao inspetor regional,
solicitando esclarecimentos, o que resultou num documento de cobrança ao
inspetor Maia com o seguinte teor:
Solicito remessa urgente relatório verificação prévia segundo ciclo Ginásio
Estadual de Osasco sediado capital São Paulo fins funcionamento condicional pt
Esclareço vosso silêncio não dando conta serviços fostes designado está
prejudicando vida estabelecimentos foram confiados pt (processo 62.941/51, f.
116).
38
A despeito de todos os trâmites, até novembro de 1954 o relatório de
verificação ainda não havia se concretizado. No dia 16 daquele mês, a
Inspetoria Federal propôs que, "não tendo sido elaborado o relatório de
verificação prévia do Colégio Estadual de Osasco até a presente data, e
havendo o inspetor designado solicitado licença, [...] seja indicado novo
inspetor" (processo nº 62.941/51, f. 128).
Foi designada a inspetora Maria Amália Fortes para proceder à
verificação. Em 11 de março de 1955, ela se manifestou nestes termos:
Tomo a liberdade de comunicar a V. S. que o Prof. Nilo de Magalhães Ribeiro, Diretor
do Ginásio e Colégio Estadual de Osasco "Antonio Raposo Tavares", avisou-me haver
perdido no ônibus da linha Aclimação uma pasta em que continha, além de outros
documentos, a "Ficha de Classificação" d’aquele estabelecimento que fui encarregada
de fazer. Dessa forma, solicito um prazo maior para a entrega da referida "Ficha" em
virtude do ocorrido. Maria Amélia Fortes Toledo (processo nº 62.941/51, f. 132).
Finalmente, em 28 de março de 1955, a inspetora encaminhou ofício à
Inspetoria Seccional de Ensino Secundário, enviando a "Ficha de
Classificação" e fazendo as seguintes observações:
O estabelecimento funciona em prédio próprio do Estado, em período noturno,
construído de acordo com todos os requisitos da moderna arquitetura e
pedagogia, sendo ocupado também, no período diurno, pelo Grupo Escolar
"Marechal Bittencourt". Quanto às salas destinadas ao ensino das disciplinas de
Ciências, Química e História Natural, as suas construções acham-se em
concorrência administrativa pelo Convênio Escolar da Prefeitura Municipal,
estando assentada a sua entrega dentro de 45 dias. Adianto, ainda, V. S. que, o
prédio próprio para o estabelecimento terá a sua construção iniciada dentro de um
mês (processo 62.941/51, f. 133).
Ao longo do exame do processo nº 62.941/51, constataremos não só que
as salas especiais não foram entregues no prazo determinado, como
39
tampouco, durante toda a década de 50, se iniciou a construção de prédio
próprio. Mas é importante ressaltar que, apesar de todos os problemas
burocráticos, o curso científico já operava desde 1953, ano em que
funcionaram três salas de 1ª série ginasial (duas mistas e uma masculina),
duas classes de 2ª série ginasial (uma mista e outra masculina), uma classe de
3ª série ginasial mista, uma classe de 4ª série ginasial mista e uma classe de
1º ano científico misto — ao todo, oito salas de aula.
Naquele ano, a escola mantinha 238 alunos (171 homens e 67
mulheres) no período noturno — enquanto isso, na cidade de São Paulo, o
número de matrículas nos cursos noturnos (6.303) já havia ultrapassado o de
alunos dos cursos diurnos (5.739); nos cursos noturnos, os homens
representavam a maioria, com uma participação de 65%; nos diurnos, eram as
mulheres a maioria, com 61% de matrículas (cf. Sposito, 1992:57).
O horário de entrada dos alunos do Ceart era às 19:00h, com saída às
22:50h. Dada a sua localização em relação à infra-estrutura local no início dos
anos 50, conclui-se que o prédio do Colégio encontrava-se em um ponto
afastado do largo de Osasco, ou seja, da região central onde residia grande
parte da população do bairro.
Um trecho da entrevista concedida pela professora Helena Pignatari
indica o impacto que foi a instalação do Colégio, assim como as conseqüências
decorrentes de sua localização.
— Você tem que falar [do] impacto que foi o aparecimento dessa
escola no cenário. Quando a escola aparece no noturno, aquele lado do
alto da Igreja era tudo escuro, não havia iluminação elétrica. Isso é que
40
vai explicar por que você vai encontrar mãe e filha na mesma sala, tio e
sobrinha, tio e sobrinho. Porque aquele caminho não era muito fácil, não:
era um caminho bastante perigoso, e a volta às 11 horas da noite —
como é que as meninas vão voltar a essa hora? Então, os pais vinham
buscar; na saída, tinha muito pai, muito tio, muita mãe, esperando, e
outros que ficavam fazendo hora e à toa, para esperar o filho,
resolveram entrar junto, como foi o caso da Rosinha Perini, que foi uma
aluna brilhante. E [no caso da] Rosali, também, eram mãe e filha ali, as
duas eram excelentes alunas (Helena Pignatari Werner, entrevista
concedida à autora em 19/5/2004).
Esse impacto atingiu o cotidiano osasquense:
[Ser estudante secundarista dava] status junto aos jovens da
localidade. Quem não passava no exame de admissão do Ceart virava
pária local [...] ninguém dava prestígio — só se projetava na sociedade
entrando no Ginásio [...] as meninas só queriam namorar os meninos
que estivessem no Ginásio (Eduardo Rodrigues, entrevista concedida à
autora em 8/7/2004).
Para Rodrigues, a instalação do curso secundário local deu
oportunidade àqueles que "não tinham dinheiro" de se lançar na sociedade,
pois, ao se elevarem intelectualmente, ingressavam na elite: "— Só se
projetava na sociedade entrando no ginásio". O entrevistado relata ainda que
"no ginásio encontravam-se o filho do comerciante, do sapateiro, do operário, e
todos tinham por ideal o reconhecimento intelectual" (Eduardo Rodrigues,
entrevista concedida à autora em 8/7/2004), indicando que naquele espaço
prevalecia a lógica da busca por ascensão social via escolarização.
Confirmando a informação de que a "instalação de ginásios noturnos em
prédios de Grupos Escolares", trouxera profundas conseqüências sociais,
41
[...] imprimindo um novo caráter à instrução secundária. Ao serem criadas maiores
possibilidades de acesso ao curso secundário, podendo ser incorporados como
alunos os jovens que trabalhavam em período diurno, os horizontes educacionais
de populações economicamente desfavorecidas tendem a se ampliar,
transformando-as em clientela interessada em disputar as vagas oferecidas por
essas unidades oficiais [mesmo que] as vagas existentes {fossem] poucas e os
exames de admissão filtrassem grande parte do contingente candidato às vagas
nas primeiras séries (Sposito, 1992:49).
De 1952 a 1958, o número de alunos da escola cresceu gradativamente.
Como a escola só contava com 10 salas de aula, a décima primeira classe
que, segundo informou João Gilberto Port (entrevista concedida à autora em
8/7/2004), passou a existir a partir de 1955 (ver Quadro 8, a seguir) — foi
alojada na coxia (espaço que ficava atrás do palco) do teatro existente no pátio,
e ali passou a funcionar o 3º ano do curso científico, por ser a classe que
reunia o menor número de alunos.
Nas Tabelas 1 e 2 nos Quadro 8, observamos que, no período indicado:
a) dos alunos ingressantes no curso ginasial, 40% o concluem; b) dos alunos
ingressantes no curso ginasial, 28,7% passam para o curso colegial; c) dos
alunos ingressantes no ginasial, 7,5% concluem o curso colegial; e d) dos
alunos ingressantes no curso colegial, 26% o concluem.
Estes números confirmam o nível de seletividade empreendido, já que
menos de 10% daqueles que iniciam o secundário concluem o colégio.
42
Tabela 1
Distribuição dos estudantes nas classes e número de classes, segundo anos
Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares"
1952-1958
Número de estudantes
Curso ginasial Curso científico
Ano
letivo
1º X 1º X 1º M 1º M 1º F 2º X 2º M 2º M 2º F 3º X 3º M 4º X 4º M 1º X 2º X 2º M X
Total
Nº de
salas
1952 38* - - - - 19** - - - 15*** - - - - - - -
72
3
1953 38 - 39 27 - 35 25 - - 35 - 17 - 16 - - -
232
8
1954 25 19 21 - - 36 28 - - 28 - 25 - 12 9 - -
203
9
1955 31 29 20 - - 40 33 - - 33 29 24 - 29 - 12 6
286
11
1956 40 41 - - - 39 27 43 42 37 39 - 32 - 17 9
366
11
1957 38 - 30 - 38 40 39 - - 46 38 45 - 42 19 - 11
386
11
1958 43 - 44 - - 45 41 - - 43 42 41 33 30 37 - 16
415
11
Fonte: Livro de Atas de Resultados Finais, Arquivo do Ceneart.
Legenda: X = misto; M = masculino; F = feminino.
Notas: (*) Nove desistências.
(**) Três não compareceram ao exame.
(***) Quatro não compareceram ao exame.
43
Tabela 2
Distribuição dos estudantes por ano, segundo classes
Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares"
1952-1958
Número de estudantes
Anos
Anos e séries
1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958
Misto 38 38 25 31 40 38 43
F 6 27 9 9 12 11 29
M 32 11 16 22 28 27 14
Misto - - 19 29 41 38 -
F - - 7 17 13 21 -
M - - 12 12 28 17 -
Masculino - 39 21 20 - 30 44
1
os
G
Masculino - 27 - - - - -
Subtotal 38 104 65 80 81 106 87
Misto 19 35 36 40 - 40 45
F 7 19 18 30 - 23 22
M 12 16 18 10 - 17 23
Masculino - 25 28 33 39 39 41
Masculino - - - - 27 - -
2
os
G
Feminino - - - - 43 - -
Subtotal 19 60 64 73 109 79 86
Misto 15 35 28 33 42 46 43
F 2 15 11 19 28 33 28
M 13 20 17 14 14 13 15
3
os
G
Masculino - - - 29 37 38 42
Subtotal 15 35 28 62 79 84 85
Misto - 17 25 24 39 45 41
F - 7 9 3 12 16 25
M - 10 16 21 27 29 16
4
os
G
Masculino - - - - - - 33
Subtotal - 17 25 24 39 45 74
Misto - 16 12 29 32 42 30
F - 3 0 3 3 11 5
1º C
M - 13 12 26 29 31 25
Subtotal - 16 12 29 32 42 30
Misto - - - - - 19 37
F - - - - - 1 9
M - - - - - 18 28
2º C
Masculino - - 9 12 17 - -
Subtotal 0 0 9 12 17 19 37
Misto - - - 6 9 11 16
F - - - - - - 1
3º C
M - - - 6 9 11 15
Subtotal - - - 6 9 11 16
Total 72 232 203 286 366 386 415
Fonte: Livro de Atas de Resultados Finais, Arquivo do Ceneart.
Legenda: G = curso ginasial; C = curso científico; M = estudantes de sexo masculino; F =
estudantes de sexo feminino.
44
Quadro 8
Distribuição dos estudantes por ano, segundo classes
Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares"
1952-1958
Anos
Classes
1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958
Ginasial 38 104 65 80 81 106 87
Ginasial 19 60 64 73 109 79 86
Ginasial 15 35 28 62 79 84 85
Ginasial - 17 25 24 39 45 74
Científico - 16 12 29 32 42 30
Científico - - 9 12 17 19 37
Científico - - - 6 9 11 16
Fonte: Livro de Atas de Resultados Finais, Arquivo do Ceneart.
Além de seletivo, notamos que as mulheres – sempre em menor número
no curso ginasial (ver Tabela 2) – tornam-se ainda mais raras no científico.
Tabela 3
Distribuição dos estudantes por ano, segundo sexo
Colégio Estadual "Antonio Raposo Tavares"
1952-1958
Anos
1952 1953 1954 1955 1956 1957 1958
Classes
N % N % N % N % N % N % N %
G F 6 15,8 27 26 16 24,6 26 32,5 25 31 32 30 29 33,3
M 32 84,2 77 74 49 75,4 54 67,5 56 69 74 70 58 66,7
Total 38 100 104 100 65 100 80 100 81 100 106 100 87 100
G F 7 37 19 31,5 18 28 30 41 43 39,5 23 29 22 25,6
M 12 63 41 68,5 46 72 43 59 66 60,5 56 71 64 74,4
Total 19 100 60 100 64 100 73 100 109 100 79 100 86 100
G F 2 13,3 15 43 11 39,3 19 30,6 28 35,4 33 39,3 28 33
M 13 86,7 20 57 17 60,7 43 69,4 51 64,6 51 60,7 57 67
Total 15 100 35 100 28 100 62 100 79 100 84 100 85 100
G F - - 7 41,2 9 36 3 12,5 12 31 16 35,5 25 33,8
M - - 10 58,8 16 64 21 87,5 27 69 29 64,5 49 66,2
Total - - 17 100 25 100 24 100 39 100 45 100 74 100
C F - - 3 18,8 0 0 3 10,3 3 9,4 11 26 5 16,6
M - - 13 81,2 12 100 26 89,7 29 90,6 31 74 25 83,4
Total - - 16 100 12 100 29 100 32 100 42 100 30 100
C F - - - - 0 0 0 0 0 0 1 5,3 9 24,3
M - - - - 9 100 12 100 17 100 18 94,7 28 75,7
Total - - - - 9 100 12 100 17 100 19 100 37 100
C F - - - - - - 0 0 0 0 0 0 1 6,3
M - - - - - - 6 100 9 100 11 100 15 93,7
Total - - - - - - 6 100 9 100 11 100 16 100
Fonte: Livro de Atas de Resultados Finais, Arquivo do Ceneart.
Legenda: G = curso ginasial; C = curso científico; M = estudantes de sexo masculino; F =
estudantes de sexo feminino.
45
De 1953 a 1958, apenas uma mulher chegou a concluir o curso
científico, frente a 41 homens que chegaram à sua conclusão, o que aponta
para uma "vocação feminina" no período.
Ser mãe, esposa e dona de casa era considerado o destino natural das mulheres.
Na ideologia dos Anos Dourados, maternidade, casamento e dedicação ao lar
faziam parte da essência feminina; sem história, sem possibilidade de
contestação. A vocação prioritária para a maternidade e a vida doméstica seria
marca de feminilidade, enquanto a iniciativa, a participação no mercado de
trabalho, a força e o espírito de aventura definiriam a masculinidade. A mulher que
não seguisse seus caminhos estaria indo contra a natureza, não poderia ser
realmente feliz ou fazer com que outras pessoas fossem felizes. Assim, desde
criança, a menina deveria ser educada para ser boa mãe e dona de casa
exemplar. As prendas domésticas eram consideradas imprescindíveis no currículo
de qualquer moça que desejasse se casar. E o casamento, porta de entrada para
a realização feminina, era tido como ‘o objetivo’ de vida de todas as jovens
solteiras (Bassanezi, 1997:609).
É provável que esse desinteresse aparente das mulheres pelos estudos
tenha ligação com o fato de que a participação das mulheres no contingente de
trabalhadores das fábricas, dos escritórios e do comércio de Osasco, bairro
operário, normalmente ocorria enquanto eram solteiras e precisavam ajudar
nas despesas da casa, onde, de costume, os irmãos mais velhos ajudavam os
pais na manutenção dos mais jovens que ainda não podiam trabalhar. Ao se
casarem, a situação mudava.
Cresceu na década de cinqüenta a participação feminina no mercado de trabalho,
especialmente no setor de serviços de consumo coletivo, em escritórios, no
comércio ou em serviços públicos. Surgiram então mais oportunidades de
emprego em profissões de enfermeira, professora, funcionária burocrática,
médica, assistente social, vendedora, etc., que exigiam das mulheres uma certa
qualificação e, em contrapartida, tornavam-se profissionais remuneradas. Essa
tendência demandou uma maior escolaridade feminina que provocou, sem dúvida,
mudança no status social das mulheres. Entretanto, eram nítidos os preconceitos
46
que cercavam o trabalho feminino nessa época. Como as mulheres ainda eram
vistas prioritariamente como donas de casa e mães, a idéia da incompatibilidade
entre casamento e vida profissional tinha grande força no imaginário social. Um
dos principais argumentos dos que viam com ressalvas o trabalho feminino era o
de que, trabalhando, a mulher deixaria de lado seus afazeres domésticos e suas
atenções para com o marido: ameaças não só à organização como também à
estabilidade do matrimônio (Bassanezi, 1997:624).
Em 1958, segundo Sposito (1992:72), instalou-se a segunda instituição
de ensino ginasial nas imediações da estação ferroviária de Osasco: o Ginásio
Estadual de Presidente Altino (Gepa). Presidente Altino era a designação de
antigo bairro de São Paulo que, com a emancipação, se tornara bairro das
imediações do centro da cidade de Osasco.
Os anos de 1957/1958, período em que se instalaram 61 ginásios em
diversos bairros e vilas da periferia paulistana, "pode ser configurado como a
gênese da expansão do ensino ginasial na cidade de São Paulo [criando-se]
condições favoráveis à gradual transformação do caráter seletivo que
acompanhava a formação secundária até esse momento" (Sposito, 1992:47).
Nesse período, Jânio Quadros era o governador do estado de São Paulo, e a
implementação daqueles estabelecimentos de ensino em áreas remotas da
cidade deve-se à ação deste político, "que não só ofereceu apoio irrestrito à
proliferação dessas escolas, como determinou a sua imediata instalação" —
ainda que com ordens à Secretaria de Educação para "escolher
procedimentos" que permitissem o início do funcionamento de equipamentos
escolares cuja criação e cuja regulamentação não estavam legalizadas (cf.
Sposito, 1992:61-63).
47
A INSTALAÇÃO DO PRÉDIO PRÓPRIO PARA O COLÉGIO
Apesar do crescimento verificado na cidade, o Colégio Estadual Antonio
Raposo Tavares (Ceart) continuava instalado em dez salas de aula e, no
período noturno, uma décima primeira improvisada na coxia do palco do prédio
pertencente ao Grupo Escolar Marechal Bittencourt, que já se mostrava
acanhado para a crescente demanda.
Datado de 28 de junho de 1958, encontramos o seguinte comentário:
não [é] intenção da Prefeitura do Município da Capital construir as referidas
dependências [laboratório de Física e Química e gabinete de História Natural]
junto ao prédio ocupado provisoriamente por esse educandário, visto o estudo
definitivo da construção do edifício próprio destinado ao Colégio já estar concluído
e aguardando, apenas, os expedientes de praxe para a sua concretização
(processo nº 62.941/51).
Não obstante, em 6 de junho de 1959 — quase um ano depois — o
ofício nº 53/59, do diretor do Colégio, professor Onésimo de Moura Muzel,
informa que "o prédio para funcionamento deste Colégio não se encontra em
construção e nada existe até o momento que indique o seu início, que seja do
conhecimento desta direção" (processo nº 62.941/51).
Finalmente, em 20 de junho de 1959, no ofício nº 55/59, Muzel declara à
Inspetoria Seccional que tem
a grata satisfação de informar V.S. para os devidos fins que, conforme processo
19.114/58-DE, o prédio onde funciona o Colégio Estadual "Antonio Raposo
Tavares" em Osasco, foi incluído no plano 1959/1960, as seguintes obras: 10
salas de aula para o Ginásio; 2 Laboratórios; 1 Sala de trabalhos Manuais; demais
dependências, para instalação do Ginásio (processo nº 62.941/51).
Mas, no ofício de nº 80/59, ele observa que,
As páginas finais do processo não estão numeradas. Por essa razão, os documentos são
referidos por meio de sua data.
48
de acordo com a informação recebida da Chefia de Prédios, tomamos ciência de
que foi incluída no plano de 1959/1960 a construção de 10 salas, 2 laboratórios,
sala de Trabalhos Manuais e outras dependências, sem contudo se determinar o
tempo previsto para a sua conclusão. Quanto ao início das obras em apreço, que
serão realizadas em terreno próprio do Grupo Escolar, também nada recebemos a
respeito (processo nº 62.941/51)
Por meio de um exemplar de O Bacamarte (nome da arma empunhada
por Antonio Raposo Tavares no brasão da escola), "Órgão Oficial do Grêmio E.
A. Raposo Tavares", de abril/maio de 1962, constatamos que a essa época o
colégio ainda funcionava nas mesmas instalações do grupo escolar. Esse
jornal — que, conforme matéria de capa intitulada "A volta do O Bacamarte",
surgira em 1956 e publicara cinco edições até 1958 — reaparecia em
cumprimento a uma das propostas da plataforma apresentada pela direção do
Grêmio durante sua campanha eleitoral.
A partir da reportagem intitulada "3000 alunos poderão ser abrigados no
novo prédio do Ceart", constata-se que finalmente estava em construção o
prédio próprio para a escola secundária. Essa reportagem indica que o prédio
deveria ser inaugurado em setembro de 1962 e ocupava uma área de 4.007
metros quadrados de construção total, com 109 metros de frente. O novo
prédio, com 23 salas de aula e três salas de laboratório, quadra de jogos, pista
de corrida e um pequeno salão de festas, funcionaria em três períodos, assim
distribuídos: "De manhã o ginásio misto e colégio A e B e à tarde apenas o
ginásio feminino, normal e primário, bem como à noite ginásio misto, colégio A
e B." Da designação "colégio A e “B", deduzo que se tratava do curso colegial
científico e clássico, uma vez que até então só o curso científico funcionava na
instituição, pois não havia salas que comportassem o curso clássico. E, se, à
época, o colégio contava com cerca de 500 alunos, no ano seguinte (1963)
esse número poderia ser sextuplicado, resolvendo-se "o problema da falta de
vagas no curso secundário em Osasco".
A partir do "Livro de candidatos à transferência para o estabelecimento",
pode-se observar que, para o ano de 1962, havia um total de 251 alunos em
lista de espera de vaga naquela escola (ou seja, cerca de 50% do total corrente
49
de alunos): "42 alunos para o 1º ginasial; 67 alunos para o 2º ginasial; 52
alunos para o 3º ginasial; 27 alunos para o 4º ginasial; 46 alunos para o 1º
científico; 10 alunos para o 2º científico; 7 alunos para o 3º científico."
Com o funcionamento do novo prédio, em 1963, o Ceart passou a
oferecer 41 classes, 16 no período diurno e 25 no noturno, assim distribuídas:
13 classes de 1a. série ginasial — 8 diurnas e 5 noturnas
09 classes de 2a. série ginasial — 4 diurnas e 5 noturnas
07 classes de 3a. série ginasial — 3 diurnas e 4 noturnas
04 classes de 4a. série ginasial — 1 diurnas e 3 noturnas
04 classes de 1a. série científico — todas noturnas
01 classes de 2a. série científico — noturno
01 classes de 3a. série científico — noturno
02 classes de 1a. série clássico — noturno ("Livro de ata de exames finais e de
2a. época").
Em chamada na primeira página de O Bacamarte nº 6, noticia-se que o
diretor Onésimo de Moura Muzel debatia a Lei de Diretriz e Bases da Educação
(LBD), publicada em 1961, e apresentava as mudanças decorrentes dessa nova
legislação. A página com a íntegra da matéria extraviou-se, mas, pela introdução
do artigo, parece tratar-se apenas de uma discussão sobre questões práticas de
aplicação da lei, nesse caso específico com comentários sobre "a mudança no
sistema [de avaliação] entre o ginásio antigo e o sistema atual".
Até o ano passado, a lei favorecia grandemente o aluno para sua aprovação, pois
as notas mensais tinham valor reduzido computando-se apenas dois décimos de
valor total. A segunda época, por exemplo, com peso cinco, possibilitava ao aluno
fechar média apenas com aquele exame, pois com nota oito obtinha os quarenta
pontos necessários para aprovação (jornal O Bacamarte n
o.
6, p 1).
A Lei nº 4.024, publicada em 1961, de maneira geral, não altera
substancialmente a estrutura de ensino secundário implantado desde a
Reforma Capanema; apenas estabelece a equivalência entre o cursos
secundário regular e o técnico e reduz o número de disciplinas, o que permite a
pluralidade de currículos em termos federais.
50
O jornal O Bacamarte permite ainda conhecer as diversas atividades
desenvolvidas na escola, como peça de teatro escrita e apresentada pelos
próprios estudantes, espetáculo de música, excursões e atividades esportivas.
Traz também uma relação de aniversariantes dos meses de abril e maio, uma
crônica escrita por Eduardo Rodrigues ("O homem que queria atravessar a rua")
e a apresentação de um serviço de divulgação que funcionava todas as noites
das 18:00h às 19:00h e no intervalo das aulas. Uma coluna de "Mexericos" e
outra de "Fatos e boatos" apresentavam situações do cotidiano da escola, como
a informação de que "é proibido fumar no pátio é fato... mas que a turma fuma
TAMBÉM É FATO" (O Bacamarte, nº 6, p. 5, abril-maio de 1962).
O Grêmio informa que o colégio passaria a funcionar todos os domingos
pela manhã, "proporcionando aos sócios horas de distração, com jogos de
pingue-pongue, xadrez, dominó, dama e outros. Fará funcionar a quadra de
esportes, a fanfarra e o 'Serviço de Divulgação' estará transmitindo uma ótima
seleção musical" (O Bacamarte, nº 6, p. 2, abril-maio de 1962).
O jornal traz um anúncio sobre a realização de um "Baile à Caipira"
promovido pela comissão de formatura dos alunos do Ceart, com a presença
do conjunto musical de Roberto Ferri, em um clube local.
Pelos anúncios publicitários inseridos em duas edições (nº 6, de abril-
maio de 1962, e nº 7, de abril de 1963) de O Bacamarte, percebe-se que sua
publicação contava com o patrocínio do comércio local — lojas de calçados e
de tecidos, bazar de miudezas e artigos escolares, bazar de confecção, loja de
material esportivo, livraria, bonbonnière e padaria.
A edição seguinte, a nº 7, data de abril de 1963, quando a escola já
estava instalada em seu próprio prédio, próximo ao Mercado Municipal, no
centro de Osasco, e onde funcionavam 41 classes (16 no período diurno e 25
no noturno). Era uma "edição de despedida" da direção do Grêmio, pois em 15
de abril houvera eleição e a agremiação empossava nova diretoria.
51
Capa de O Bacamarte
Apesar desse novo prédio estar capacitado para receber 3.000
estudantes, observa-se que, em seu primeiro ano de funcionamento, apenas
cerca de 1.600 alunos e alunas ali estudavam — um grupo bem participativo,
pois, no resultado das eleições para a direção do Grêmio, 1.503 votantes
compareceram às urnas, ou seja, cerca de 94% do corpo discente da escola.
Duas chapas concorreram ao pleito. A Unificação e Progresso (UP), encabeçada
pelo Sidney Lucas de Oliveira, do 1
o
. Clássico e a Dobradinha, encabeçada pelo
Irizon Amaral Arantes, do 1
o
. Científico. A segunda saiu vencedora por pequena
margem de votos. Nas 16 classes do período diurno o resultado foi o seguinte:
Unificação de Progresso (UP), 233 votos; Dobradinha, 381 votos; Nulos, 8 votos;
Brancos 2 votos. Nas 25 classes do noturno: Unificação e progresso (UP), 445
votos; Dobradinha 384 votos; Nulos, 31 votos; Brancos, 19 votos; TOTAL GERAL:
Unificação e Progresso (UP), 678 votos; Dobradinha 765 votos; Nulos, 39 votos;
Brancos 21 votos. No total de 41 classes a Unificação Progresso (UP) obteve 20
52
vitórias contra 20 da Dobradinha e houve 1 empate em uma das classes (O
Bacamarte, nº 7, p. 3, abril de 1963).
Segundo a professora Helena Pignatari, nesses momentos de eleição do
Grêmio havia muita participação, não só de alunos, como de professores que
ajudavam no processo.
Nessa mesma edição de O Bacamarte, observa-se que o Grêmio mantinha
estreita ligação tanto com as questões internas da escola, quanto com as
questões relativas ao movimento estudantil para além dos muros do colégio. Na
página 3 do periódico, publica-se a reportagem "Dois professores, cinco
perguntas", na qual são entrevistados o professor de Português, Emir Macedo
Nogueira, e a professora de História, Helena Pignatari Werner. Na página 5,
encontra-se matéria escrita por Gabriel Roberto Figueiredo sob o título "Você
sabia o que é UEO?", em que o então aluno faz uma explanação sobre o tema e
convoca os colegas a participar das próximas eleições da entidade.
UEO, esta sigla tão pequena, mas de valor grandioso significa UNIÃO DOS
ESTUDANTES DE OSASCO. Uma entidade que deve representar as aspirações
do estudante osasquense. A finalidade da UEO é a unificação da classe estudantil
em torno de um ideal comum. Ela deve ser independente. Deve em nome da
classe estudantil empunhar uma bandeira de luta, cujas cores deverão ser a
justiça, o direito e a verdade. Na manutenção dos princípios democráticos a UEO
deve defender a livre manifestação do pensamento e tem por obrigação não criar
distinções entre estudantes, seja qual for seu credo, raça, religião ou ideologia. Na
luta pela defesa de seus princípios, a UEO precisa manter-se apolítica, isto é, não
tomar partido político e nem defender interesses de políticos, afim de não afetar
seu conceito de independência. Em defesa dos interesses fundamentais da classe
estudantil a UEO tem de lutar, associando-se aos grêmios e juntos, harmoniosos,
reivindicarem seus direitos às autoridades competentes e indicadas. Em síntese
isto é a UEO, entidade cuja diretoria os estudantes elegerão no próximo dia 5 de
maio de 1963. Como a UEO congrega estudantes de curso secundário e superior,
só estes poderão votar para eleger a nova diretoria. Para ter condição de votante
é necessário que o aluno apresente a caderneta escolar ou carteirinha de sócio do
grêmio ao qual pertence. É um dever cívico que os estudantes de Osasco terão no
próximo dia 5 de maio. Vamos comparecer em massa às urnas, demonstrando
assim o poderio da nossa classe. LEMBRE-SE, COLEGA, A UEO É VOCÊ. DÊ
VALOR A SI (O Bacamarte, nº 7, p. 5, abril de 1963).
53
Na reportagem com os dois professores da escola, a preocupação com
questões relativas às relações democráticas apresenta-se a todo momento, o
que confirma o alto nível de discussão política estabelecido entre estudantes e
docente. Como exemplo desse debate, reproduzo a seguir duas passagens
das entrevistas.
Pergunta: Como o senhor encarou as eleições do grêmio? Professor Emir: Pode
parecer lugar-comum, mas o que as eleições do grêmio me sugerem é isto: um
espetáculo de democracia. Tive a honra de participar dos entendimentos relativos
ao tom que deveria ser imprimido à campanha. Posso testemunhar que ela foi
limpa, que os adversários se respeitaram e reprimiram excessos. Por isso, creio
que não houve vencedores nem vencidos, mas um grande vitorioso: a classe
estudantil. [...] Pergunta: Soubemos que a senhora visitou a cidade de Recife e
trouxe novidades de lá. O que nos diz? Professora Helena: Realmente, estive em
Recife para ver o que se faz por lá em matéria de educação e cultura. Em Recife
nunca se fala só em educação, fala-se sempre em educação e cultura, e isso é
feito de forma extraordinária. A viagem a Recife foi feita com o objetivo de
conhecer o mais profundamente possível o método Paulo Freire. O professor
Paulo Freire é um educador pernambucano que desenvolveu um método de
alfabetização pelo qual consegue alfabetizar adultos em 30 horas. — Impossível?
— Eu também achei impossível, e bem por isso banquei o São Tomé e fui ver isso
de perto. Realidade maravilhosa para uns e assustadora para outros. Conversei
longamente com o professor Paulo Freire, vi o método, senti os resultado e estou
aturdida até hoje. A vontade grande é trazer o método para São Paulo. Mas
como? É sobre isso que penso noite e dia, porque não se trata só de alfabetizar,
mas trata-se de dar cultura ao homem, politizar o homem, libertar o homem,
conhecer, criticar, julgar sozinho porque tem condições para isso. Vi também
outras coisas, como o Movimento de Cultura Popular – MCP, que está integrado
num fabuloso plano de educação em Recife, mas sobre isso falarei em outra
oportunidade (O Bacamarte, nº 7, p. 3, abril de 1963).
Em 1963, a professora Helena Pignatari participou de uma experiência com
o método de alfabetização Paulo Freire, com cerca de 200 alunos, na região do
Jardim Helena Maria – periferia de Osasco, num projeto promovido pelo Sede
Sapientae, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
54
CAPÍTULO II
O MOVIMENTO AUTONOMISTA
55
FORMAÇÃO DA SOCIEDADE AMIGOS DO DISTRITO DE OSASCO (SADO):
o primeiro plebiscito e a vitória do "não"
A seguir, focalizo o momento de formação da Sociedade Amigos do
Distrito de Osasco (Sado) e a atuação desta entidade de referência para o
resgate da história do primeiro plebiscito pela autonomia do bairro de Osasco à
condição de município, em 1953.
Os dados aqui apresentados foram retirados, principalmente, dos "Livros
de Atas da Sociedade Amigos do Distrito de Osasco – SADO": "Livro de Atas
Número 1", que cobre o período de 10 de março de 1947 a 2 de março de 1950;
"Livro de Atas Número 2", de 2 de março de 1950 a 11 de março de 1950,
quando deixa de haver registro, que é retomado em 30 de janeiro de 1960 e
chega até 7 de maio de 1987; "Livro de Atas da Comissão Promovedora da
Autonomia de Osasco", relativo ao intervalo de tempo que foi de 21 de agosto de
1952 a 27 de dezembro de 1957.
O plebiscito de 1953 é quase sempre desprestigiado por aqueles que se
debruçam sobre a história do movimento emancipacionista da cidade, pois,
além de ter sido um pleito no qual se rejeitou a autonomia municipal, muitos
osasquenses o vêem como exercício para a realização do plebiscito de 1958,
que foi quando saiu vitoriosa a campanha pelo "sim" à instalação do município.
Segundo depoimentos colhidos nas entrevistas com João Gilberto Port,
que foi aluno do Colégio Estadual Antonio Raposo Tavares (Ceart) de 1953 a
1958, e com a professora Helena Pignatari Werner, que ministrou aulas de
História nessa escola de 1954 a 1982, esse primeiro plebiscito — o de 1953 —
foi de menor importância (para os vitoriosos do segundo pleito) e, de fato,
serviu para preparar a campanha para o segundo pleito.
Para Port, "não houve, efetivamente, mobilização [dos estudantes] por
ocasião do primeiro plebiscito" (entrevista concedida à autora em 8/7/2004).
Para Helena Pignatari — que em 1953 morava na Casa Universitária, no bairro
56
do Paraíso, em São Paulo, pois cursava História e Geografia na Universidade
de São Paulo, com aulas, à época, na ra Maria Antonia, e vinha para Osasco
só nos fins de semana —, esse movimento teve como principal função
despertar os osasquenses para o problema, pois como ela mesma justifica, "a
conscientização vem depois, com o tempo. A conscientização, a tomada de
posição vem depois" (entrevista concedida à autora em 19/5/2004).
Ainda segundo a professora Helena Pignatari, outro obstáculo na
primeira campanha emancipacionista foi a falta de recursos financeiros, uma
vez que um processo dessa natureza necessita de fundos para que possa se
desenrolar. "Havia muita despesa nessa época. Tinha que viajar entende?...
Tinha que ir para o Rio de Janeiro e voltar. Tinha que estar em contato com os
deputados..." (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em
19/5/2004), e, naquele momento, a campanha não contava com uma sólida
estrutura financeira. A professora Helena Pignatari também se refere ao
movimento como tendo sido encabeçado pela "burguesia de Osasco".
Neste ponto, vejo como fundamental entender como era a composição
dessa "burguesia" osasquense.
Como a própria professora relata, a elite local era formada por uma camada
de "comerciantes, negociantes, pequenos empresários, profissionais liberais...".
Para melhor entender os valores dessa elite local, recorro a parte da descrição
feita pela professora Helena Pignatari sobre uma de suas contemporâneas: "A
Maria Regina, que era a moça mais rica da cidade, era a filha do sr. Vasco, que
era o dono da farmácia." Essa representação permite avaliar o poder aquisitivo da
população local e o que representavam status e poder.
A fim de discutir e procurar soluções para os problemas do bairro, no dia
20 de março de 1947, um grupo de onze moradores da região central realizou
sua primeira reunião:
Na sala da frente do prédio número cincoenta e sete da Rua André Rovai, deste
Distrito de Osasco, da Capital de São Paulo, para o fim de fundarem um bloco
com a finalidade de trabalharem em prol de melhoramentos, benefícios e
progresso de Osasco,... as reuniões e os ideais do grupo seriam despidas de
qualquer cor política ou religiosa (Sado, "Livro de Atas Número 1", p. 1v).
57
Cabe salientar que, de acordo com o Sumário de Dados do Município de
Osasco de 1986 (p. 32), em 1950, Osasco contava com 41.326 habitantes.
Portanto, em 1947, um grupo de onze residentes em região específica da
cidade não se qualificava como representante de toda a comunidade.
Como a entidade associativa estava em processo de formação, suas
reuniões ocorriam em salas cedidas ou na residência de algum membro do grupo.
Enquanto não havia estatuto, sua diretoria funcionava em caráter rotativo: ao final
de cada reunião, elegia-se a composição da mesa para o encontro seguinte. Não
havia mensalidade obrigatória, mas contribuições espontâneas. Em 1º de abril de
1947, na terceira reunião, o grupo passou se a denominar Sociedade Amigos do
Distrito de Osasco e, no dia 29 de junho de 1947, mesmo sem registro legal ou
estatuto, elegeu sua primeira diretoria, que tinha à frente o dentista Reinaldo de
Oliveira.
Na reunião de 17 de junho de 1947, ficou registrada a sugestão de que
fosse formulada uma solicitação "que dirigisse aos poderes competentes um
pedido para a instalação de um Ginásio em Osasco", demonstrando-se que a
luta da comunidade pela instalação de uma escola secundária no local já era
um fato. Ressalto que, nesta data, o bairro ainda não contava sequer com
prédio próprio para o grupo escolar, que funcionava num velho casarão da rua
Primitiva Vianco, sem as mínimas condições de ocupação.
No dia 2 de março de 1950, em reunião extraordinária realizada na rua da
Estação, 73A, residência e consultório do dr. Reinaldo de Oliveira, com a presença
de 14 associados, começaram os trabalhos para a elaboração de um estatuto para
a Sado, usando-se como modelo o da Sociedade Amigos de Pinheiros. Após as
devidas alterações, foi aprovado o Estatuto da Sociedade Amigos do Distrito de
Osasco, em que o artigo 1º indicava tratar-se de "sociedade civil sem fins políticos,
religiosos ou burocráticos" e o artigo 2º atribuía à entidade o objetivo de "estudar e
contribuir para solução de todos os problemas que direta ou indiretamente,
interessem ao desenvolvimento e melhoramento do Subdistrito de Osasco e
adjacências".
58
Ao final dos trabalhos, foram eleitos por aclamação os membros da nova
diretoria da Sado, tendo como presidente o dr. Reinaldo de Oliveira e como
vice-presidente o empresário Antonio Braz Menck.
As reuniões da Sado prosseguiram, e continuou-se a tratar dos mais
diversos problemas: melhorias no sistema de transporte urbano, com críticas
ao monopólio representado pela Companhia Municipal de Transporte Coletivo
(CMTC); a falta de luz elétrica em muitos bairros, onde "crianças que carecem
de estudo, fazendo-o a luz de velas ou lampiões", além de problemas com a
companhia de gás; críticas à companhia telefônica, uma vez que, apesar de
Osasco pertencer à cidade de São Paulo, as ligações para o centro da capital
eram cobradas como interurbanos; ausência de parque infantil, de centro de
saúde, de empresa funerária, de serviço de guarda noturna, radiopatrulha,
corpo de bombeiros, etc.
Apesar de a entidade afirmar-se sem finalidade política, era significativa
em muitas dessas reuniões a presença de vereadores e deputados, como
intermediários das reivindicações da entidade; e mesmo com a
autoqualificação "sem vínculo político-partidário", era comum as discussões
enredarem-se nos posicionamentos partidários estabelecidos. Foi esse o caso
quando se decidiu fazer um convite ao governador Adhemar de Barros para
que visitasse Osasco e se designou um grupo suprapartidário para realizar o
convite e receber o governador. Os integrantes do Partido Social Progressista
(PSP), que alegavam ter exclusividade quanto a essas providências,
formularam independentemente tal convite e organizaram a recepção,
desconsiderando a decisão da entidade (Sado, "Livro de Atas Número 1", p.
1v).
No texto "A evolução de Osasco", produzido pela extinta autarquia
municipal Escritório de Planejamento de Osasco (EPO), encontra-se o seguinte
relato sobre a campanha pela emancipação, encabeçada em 1953 pela Sado:
Os descendentes dos primeiros imigrantes constituem as camadas médias da
sociedade local: são comerciantes, advogados, dentistas, médicos. Boa parte
deles pertenciam a famílias que tiveram uma participação mais tradicional em
Osasco, e serão também os primeiros a construir um projeto político para a
59
cidade, baseado no ideal de autonomia político-administrativa. Primeiro fundam a
Sociedade Amigos de Osasco.... Através dela se inicia uma campanha para obter
o apoio popular à campanha da emancipação. A população em geral, composta
em parte pelos migrantes nordestinos e mineiros, com poucos anos de Osasco,
demora um pouco mas acaba apoiando o movimento. Prova disso é que foram
precisos dois plebiscitos para se conseguir um veredicto favorável à emancipação
(Escritório de Planejamento de Osasco, "A evolução de Osasco", s/d, texto
fotocopiado).
Em 21 de agosto de 1952, provavelmente sob o estímulo decorrente do
desmembramento, em 1948, de São Caetano do Sul do município de São
Bernardo do Campo e de Barueri do município de Santana de Parnaíba,
realizou-se a primeira reunião da Comissão Promovedora da Autonomia de
Osasco, com a presença de 42 pessoas, o que deu início à luta pela
emancipação político administrativa de Osasco.
Na segunda reunião dessa Comissão, constatamos a presença do
deputado Eumeno Machado (PTB), do vereador da capital, Altimar Ribeiro de
Lima, que também representava o deputado Diógenes Ribeiro de Lima (PSP),
e do subdelegado de polícia de Osasco, Mario Torres (Comissão Promovedora
da Autonomia de Osasco, "Livro de Atas", p. 2v). Nesta reunião, Reinaldo de
Oliveira, presidente da Sado, fez o seguinte depoimento:
Bem-vindos sejam, amigos, nesta hora da luta, nesta hora "H" em que vamos nos
lançar na maior campanha que Osasco jamais empreendeu [...] Com esta reunião
a Sociedade Amigos de Osasco vê a oportunidade de dar por cumprida a sua
finalidade, qual seja propugnar pelo bem coletivo o de dar início nesta campanha
sem o menor laivo de glória para si [...] Sendo como será esta campanha muito
trabalhosa a sua diretoria não se vê suficiente para arcar sozinha com tamanha
responsabilidade, mas, também não se exime de compartilhá-lo e até faz questão
e se sentirá honrada em pôr à disposição os seus recursos e o seu nome para o
que dela se faça útil (Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco, "Livro de
Atas", p. 4v).
A despeito de a Sado haver declarado que não encabeçaria a campanha
pela autonomia de Osasco, na sua quarta reunião, em 26 de setembro de 1952,
Walter Negrelli expôs que estivera em São Caetano do Sul, que nesse município a
luta pela autonomia fora toda encabeçada pela Sociedade Amigos de São
60
Caetano e sugeriu que também em Osasco a Sociedade Amigos de Osasco
liderasse a comissão emancipacionista. Assim, mesmo diante de alguns protestos,
a Sociedade passou a conduzir os trabalhos da Campanha pela Emancipação de
Osasco, e, depois de longa discussão sobre o valor a ser estipulado como
contribuição para os fundos destinados à realização de seus trabalhos, ficou
aprovado que a participação de cada um deveria ser espontânea.
Resolvidas essas primeiras questões de ordem, passou-se à formação das
comissões que ficariam responsáveis pelos trabalhos: Comissão Jurídica (15
membros), Comissão de Finanças (15 membros), Comissão de Propaganda (20
membros) e Comissão de Plebiscito (número ilimitado) — estando tais comissões
"sempre em concordância e sob a orientação direta da Sado".
Fato interessante ocorreu quando Manoel Fiorita sugeriu que "elementos
femininos" fossem incluídos nas comissões, "porquanto se vem notando a boa
vontade e esforço de senhoras e senhoritas, que talvez, por um lapso não
foram lembradas" [nas comissões]. O presidente da Sado respondeu, dizendo
que pretendia criar um Departamento Feminino na Sociedade, "onde serão
aproveitados todos estes notáveis valores", e que a Sado aceitava a
colaboração de todos. Fiorita esclareceu, todavia, "que apenas fez notar que
não constavam das comissões nomes de elementos femininos".
Estabeleceu-se que cada comissão seria autônoma, mas que seu
presidente prestaria contas ao presidente da Sado e que, embora as reuniões
das comissões fossem abertas a outros interessados, estes não poderiam "ter
a palavra em assuntos que digam respeito às comissões" (Comissão
Promovedora da Autonomia de Osasco, "Livro de Atas", p. 15v).
A 30 de outubro de 1952, realiza-se grande reunião com a presença dos
deputados Jânio Quadros (PDC), Scalamandré Sobrinho (PTB) e Hilário Torloni
(PRP), que se dispõem a prestar "esclarecimentos e ensinamentos para o
assunto". Walter Negrelli, presidente da Comissão de Finanças, enfatizou a
necessidade de numerário para a campanha, ao que foi apresentada a proposta
de abertura de "livros de ouro" para a coleta de contribuições, sendo um para a
indústria e o comércio e outro para a população em geral. Negrelli ponderou que
61
seria prematuro procurar o apoio da indústria e do comércio, "porquanto ainda
[não havia] informes seguros sobre se estamos em caminho certo".
Da fala do deputado Scalamandré Sobrinho, destaque-se: "Todo o
[bairro] que tiver a sua renda razoável deve trabalhar pela sua independência,
criar a sua prefeitura, eleger o seu prefeito, seus vereadores que tomem conta
dos interesses do município." O deputado Jânio Quadros, por sua vez, assim
se manifestou:
Há cinco anos, quando eu era vereador, defendi com unhas e dentes a autonomia
de Osasco e Santo Amaro. Este movimento parece novo, mas, os anais que o
digam, já vem de longe. Os operários não moram no centro e vivem afligidos, a
população de uma cidade que cresce vertiginosamente e só acha tempo para tratar
da cidade e os bairros aristocráticos. Ficam o centro e estes bairros aristocráticos
sugando, chupando, a arrecadação em seus benefícios que brilham cada vez mais,
ficando à margem os demais bairros, distritos e subdistritos. Os projetos estão lá e
podem ser encontrados. A capital arrecada dois bilhões e gasta com pessoal 67%.
Ponha-se material e outras despesas e o que sobra para Osasco, Santo Amaro, São
Miguel, etc.? A formula é esta que estamos adotando, levem-na de vencida, que não
é deste nem daquele, PTB, PSP, UDN, etc., é de todos. A prefeitura, boa madrasta,
não abrirá mão dos seus enteados sem luta, tudo faz para que eles fiquem seus. O
governo é o governo presente, lixo, água, telefone, luz, esgoto, escolas e o governo
da família, com o apoio de Scalamandré e Torloni e outros colegas de parlamento e
ajuda do povo traremos a autonomia para Osasco. [E continua a ata do evento:]
Termina sua excia. salientando o nome da SADO que em boa hora reuniu esse
povo para a sua redenção que bem merece (Comissão Promovedora da Autonomia
de Osasco, "Livro de Atas", p. 20v).
Em 1952, Jânio Quadros cumpria sua curta legislatura (1951-1952)
como deputado estadual em São Paulo, já que em 1953 fora eleito prefeito da
capital. Segundo John French (apud Walmsley, 1992:31), sua trajetória
meteórica — de vereador (1947 a 1950), deputado estadual (de 1951 a 1952),
prefeito (de 1953 a 1955), governador (de 1955 a 1960) e presidente em 1961
—, resultou de um processo iniciado entre 1945 e 1947, momento em que a
classe trabalhadora passou a perceber a sua importância nas decisões
eleitorais e a se identificar como grupo que tem poder para interferir na arena
eleitoral, canalizando seus votos para partidos mais classistas, como o PCB e o
62
PTB. Porém, "esse instante fugaz teria sido quebrado, segundo ele, pela
política antioperária e anticomunista de Dutra, que cassou a expressão pública
do Partido Comunista e por outro lado, pela conquista eleitoral do operariado"
(Walmsley. 1992:31/32), o que resultou numa nova relação de forças — mas
também não haverá o retorno à velha política anterior a 1930, pois a classe
média aprende a trabalhar com as novas realidades sociais e passará a dividir
os votos operários com os partidos tradicionais, o que lhe proporcionará criar
um novo espaço político.
Nesse contexto, vários políticos assumiram o modelo de comportamento
populista consagrado por Adhemar de Barros, e ocorreu a "descoberta por
parte dos políticos de classe média do eleitos enquanto 'morador'" (Walmsley.
1992:32). Jânio Quadros foi a figura mais expressiva dessa prática política. Por
ser um político sem tradição familiar e que não representava grandes grupos
econômicos, esteve muito mais à vontade no papel de representante das
massas. Seu expressivo contingente eleitoral percorria os bairros periféricos da
cidade de São Paulo, como Osasco e "é possível que este grupo que Michelle
Perrot chama de 'os mais deserdados' tenha se ligado mais estreitamente a
Jânio Quadros, justamente porque não estavam vinculados ao trabalhismo ou
ao comunismo" (Walmsley, 1992:37), pois, "em Jânio, todas as imagens
remetem a um determinado projeto de ordenação social que vê no Estado o
promotor do bem comum e que deve atuar, implacavelmente, na distribuição da
justiça" (Walmsley, 1992:42). É este Jânio que passa a advogar o direito da
autonomia e a criação de um organismo público que possa ser controlado pelo
morador local, nas regiões mais afastadas do centro da capital paulista, e que
vem na defesa de um plebiscito pela emancipação de Osasco.
Mas, quando do plebiscito, Jânio, que naquele momento era prefeito de
São Paulo, parece hesitar. O jornal O Emancipador, que se pretende o porta-
voz do grupo emancipacionista, lhe faz duras criticas.
O jornal surgiu como uma necessidade de dar resposta ao grupo favorável ao
"Não" no plebiscito que começava a surgir; o jornal tratava exclusivamente de
problemas relacionados com a situação das vilas que formavam o subdistrito além
de debater a atuação do prefeito de São Paulo, que já era Jânio Quadros. O jornal
63
fazia oposição a Quadros, pois achava que o prefeito tinha um débito com o
subdistrito. Durante a campanha à prefeitura de São Paulo, Jânio prometera que,
eleito, apoiaria o movimento de autonomia para Osasco. A promessa era coerente
com a tônica da campanha do "Tostão contra o milhão" de Jânio, e com a idéia
exposta durante as concentrações de "integrar a periferia na cidade". Conduzido
por seus cabos eleitorais locais, Jânio tinha percebido, durante a campanha, a
necessidade de se referir ao movimento autonomista de Osasco. Entretanto, na
condição de prefeito, procurava adiar qualquer comprometimento com o
movimento, pois o desmembramento do subdistrito implicaria uma perda nas
arrecadações da prefeitura. Jânio ajudara a reconhecer a problemática da
periferia, mas agora se comportava como alguém que não estivesse obrigado
diante das populações suburbanas. O nascente movimento de Osasco iria
começar cobrando a posição do prefeito que mais tarde, quando governador,
mudaria a sua posição (Moisés, 1978:307).
Em outra grande reunião que, segundo a ata da Sado, ocupou
aproximadamente três quartos do grande salão de exibição do Cine Glamour
de Osasco, em 28 de novembro de 1952, foi notável a presença de deputados,
vereadores e autoridades dos mais diversos partidos políticos. Isto demonstra
que, apesar de apartidário, o movimento mostrava-se cada vez mais
encaminhado por parlamentares e representantes políticos locais.
Sempre por meio do exame das atas da Sado, toma-se conhecimento do
episódio em que o deputado Gilberto Chaves "aconselhou a todos os membros,
especialmente os lideres do movimento autonomista a manterem-se unidos aos
seus partidos e evitem animosidade [...] para que não fosse criado um
ambiente de inveja e desarmonia". Em ata do dia 2 de janeiro de 1953, pela
primeira vez, foi sugerido que se coletassem assinaturas junto às fábricas, mais
uma indicação de que o movimento caminhava à margem da maioria da
população operária.
No dia 10 de abril de 1953, compareceu o advogado Arruda Viana, que
tinha como incumbência esclarecer as diversas dúvidas que as comissões
levantavam quanto às exigências legais para que Osasco pudesse reivindicar
sua autonomia. Na reunião de 7 de outubro encontramos alguns comentários.
64
Segundo o art. 1º, § 4º, letra "b" da Lei Estadual nº 2.081, de 27 de
dezembro de 1952, a localidade precisava contar com um mínimo de oito mil
habitantes; segundo atestado fornecido pela Inspetoria Regional de Estatística
Municipal, em 1950, Osasco tinha 41.679 habitantes. A renda mínima da região
deveria ser de Cr$ 600 mil; como a Prefeitura de São Paulo não havia
fornecido documento que comprovasse a renda arrecadada em 1952 ou a
renda orçada para 1953, os autonomistas juntaram fotocópias de recibos de
impostos de indústrias e profissões e imposto predial (a primeira cota paga por
algumas firmas de Osasco naquele exercício), o que atingiu a soma de Cr$
684.779,20, montante superior ao mínimo.
A Lei nº 2.081/52 exigia ainda que a região ficasse, no mínimo, a 12
quilômetros de distância de outro centro urbano (segundo o art. 110 daquela
lei, a zona urbana compreende as áreas de edificações contínuas das
povoações e as partes adjacentes diretamente servidas por algum destes
melhoramentos: iluminação pública, esgoto, abastecimento de água,
calçamento ou guias para passeio) e que houvesse solução de continuidade
entre o seu perímetro urbano e o do município a que pertencia. As informações
do Instituto Geográfico e Geológico indicavam o calçamento das ruas Erasmo
Braga e Euzébio Matoso, estando para ser calçado o trecho entre a rua
Euzébio Matoso e o bairro de Pinheiros, via Jaguaré, pela estrada de
Presidente Altino. A Estrada de Itu, numa das ligações entre Pinheiros e
Osasco servida pela linha da CMTC, era rua oficial em que a numeração
atingia os oito mil, quatrocentos e tantos ao cruzar com a rua Dona Primitiva
Vianco. Havia, ainda, mais duas ligações entre o distrito e a sede da capital,
além da ferrovia. Apresentaram-se, ainda, fotocópias de recibos de imposto
territorial rural incidente sobre propriedades situadas ao longo da Estrada de
Itu, entre a capital e Osasco, o que comprovaria em definitivo a solução de
continuidade existente entre os perímetros urbanos de ambas as localidades.
Descontinuidade existia, pois não havia melhoramentos públicos entre o
bairro de Pinheiros, via Jaguaré, e a rua Euzébio Matoso. "Salta a vista o largo
trecho, de mais de um quilômetro, ao longo da estrada de Presidente Altino,
sem uma casa sequer [...] Aliás, Osasco constituiu-se de longa data um núcleo
65
demográfico de vida própria" (Livro da Comissão Promovedora da Autonomia
de Osasco. f. 36).
Como Osasco satisfazia as exigências legais, apresentou-se à
Comissão de Divisão Administrativa e Jurídica de São Paulo uma
representação com 371 assinaturas de eleitores de Osasco que reivindicavam
a criação do Município. Esse processo deu entrada na Assembléia Legislativa
em 22 de abril de 1953 e recebeu o seguinte parecer:
A Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo resolve: Artigo 1º – Determinar,
em cumprimento ao que estabelece o art. 73 da Constituição Estadual e de acordo
com o disposto na Lei nº 1, de 18 de setembro de 1947 (Lei Orgânica dos
Municípios), com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 2.081, de 27 de dezembro
de 1952, a realização de plebiscito de consulta à população do território
compreendido pelas atuais divisas do subdistrito de Osasco, município da capital,
comarca da capital, que se pretende seja elevado à município. Artigo 2º – Esta
Resolução entrará em vigor na data de sua aprovação, revogadas as disposições
em contrário. Sala das Comissões, em 2 de outubro de 1953. Hilário Torloni –
redator (Livro da Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco. f. 36v).
Apesar de toda a vibração demonstrada nos relatos dessa última ata —
quando deputados presentes até pedem que comissões de moradores se
encaminhem à Assembléia Legislativa no momento de se votar a data do
plebiscito, dando "uma demonstração de pujança" —, encontramos também
manifestações sobre a necessidade de se "expor a questão da divulgação e
propaganda entre o povo, de maneira mais eficiente, concitando o mesmo a
dar sua adesão à causa da autonomia" (Livro da Comissão Promovedora da
Autonomia de Osasco. f. 37).
Essas considerações fazem refletir sobre a composição da Sociedade
Amigos do Distrito de Osasco e sobre o que se caracteriza como "povo" na fala
daqueles interlocutores. Apesar de haver significativo movimento em torno da
causa emancipacionista, estava circunscrevia-se principalmente à população
da região central de Osasco, junto àquela elite local formada de comerciantes,
66
profissionais liberais, empresários e representantes políticos que viam na
emancipação mais uma forma de ascensão social e manutenção do poder
político de que desfrutavam. Esta afirmação fica mais clara no momento em
que João Gilberto Port relata, em entrevista, que a mobilização preparatória
para o segundo plebiscito iniciou-se
—... com reuniões realizadas nas casas do dr. Reinaldo de
Oliveira [dentista], do dr. Edmundo Burjato [médico],... do dr. Fortunato
Antiório [dentista], Rodolfo, e a sede maior sempre foi a casa do velho
Menck [empresário]. Ah, e a casa do Negrelli [engenheiro, funcionário de
uma metalúrgica local]. Estes eram, então os locais de aglutinação do
pessoal (João Gilberto Port, em entrevista concedida à autora em
8/7/2004).
Ou ainda quando a professora Helena Pignatari afirma em sua entrevista
que tanto os defensores do "sim", quanto os do "não" pertenciam à mesma
camada social, ou seja, como ela mesmo os define: "a burguesia de Osasco".
Na ata da reunião do dia 9 de novembro de 1953, destacamos a fala do
presidente da Sado, Reinaldo de Oliveira.
A segunda fase do movimento pró-autonomia está praticamente encerrada, pois já
conseguimos que a Assembléia Legislativa do estado determinasse a realização
do plebiscito [...] Disse a seguir que, entrados na última fase do movimento,
desejava o concurso de todos sem distinção por ser esta a fase em que o trabalho
será feito junto ao povo; durante a segunda fase, em que o trabalho foi apenas de
provas documentais e acertos com parlamentares, não foi necessário senão o
concurso de uns poucos, porém, doravante se torna imprescindível o esforço de
todos a fim de que possamos apresentar um plebiscito que seja a expressão
legítima do povo (Livro da Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco. f.
37v).
Esta exposição leva a se questionar em que medida houve ou não
efetiva participação popular na organização, no andamento e na realização do
67
plebiscito. Pode-se supor que a grande maioria da população osasquense
esteve à margem desse processo, sem a menor participação.
Reproduzo, a seguir, cópia de panfleto distribuído pelo grupo do "sim",
em 1953.
Apesar de toda a mobilização feita pelo grupo do "sim", o referendo
popular deu vitória ao "não" com uma vantagem de 105 votos.
Quando, no segundo semestre de 1953, a Assembléia Legislativa do estado
aprovou o pedido de realização do plebiscito, o PSP de Adhemar de Barros faria a
campanha contra o autonomismo. Argumentava-se que, com a emancipação,
68
Osasco se tornaria "cidade do interior": os níveis do salário mínimo vigente (que
era o mesmo da capital até então) cairiam aos correspondentes do interior; além
disso, os produtos de consumo diário, como gêneros, roupas e cigarros, sofreriam
majoração de impostos e custariam mais (Moisés, 1978:312).
Os autonomistas alegaram que esse plebiscito fora fraudado.
O movimento em defesa da não autonomia de Osasco, tanto neste
primeiro plebiscito (em 1953), quanto na segunda consulta, ocorrida em 1958,
teve à frente o sr. Lacides Prado, dono do único cartório instalado no subdistrito
e que, segundo Helena Pignatari, antes de mais nada, temia perder seu
monopólio. Além dele, aglutinavam-se em torno do "não" alguns comerciantes
que viam a transformação do bairro em município como um retrocesso, na
medida em que, ao se tornar Osasco "cidade do interior", seus habitantes
perderiam o status de moradores da capital paulista, transformando-se em
"caipiras", e que esse processo acarretaria a desvalorização do seu patrimônio.
69
A ESCOLA SECUNDÁRIA E O MOVIMENTO AUTONOMISTA:
o segundo plebiscito, os sujeitos, a escola e o movimento
A 7 de dezembro de 1957, transcorridos quase quatro anos da vitória do
"não" no plebiscito de 1953, reiniciaram-se os trabalhos da Comissão
Promovedora da Autonomia de Osasco. De acordo com a Lei nº 2.081/52,
consultas públicas sob forma de plebiscito para emancipação de municípios só
podiam ser feitas a cada cinco anos, para que o mandato dos novos prefeitos
das cidades emancipadas coincidisse com o mandato dos demais prefeitos
eleitos. Na reunião daquela data, registrada em ata, lembraram-se as
"diferentes falhas involuntárias que a experiência" do plebiscito anterior
mostrou e determinou-se que, como quatro anos antes, a Sociedade Amigos
do Distrito de Osasco (Sado) ficava encarregada de organizar e encaminhar à
Assembléia Legislativa a documentação necessária para que novo plebiscito
ocorresse em 1958.
Essa primeira ata exibe 85 signatários, demonstração de que,
diferentemente do sucedido em 1953, havia um grupo mais organizado à frente
dos trabalhos relativos à luta pela autonomia osasquense. Cabe destacar que
agora havia componentes específicos da década de 50, os quais fortaleciam a
idéia de manter na localidade os impostos recolhidos pelas empresas e pelos
moradores locais: novas e importantes empresas haviam chegado ao bairro,
além da instalação da Cidade de Deus, sede do Banco Brasileiro de Descontos
(Bradesco), em 1953. Afora essas mudanças, nesse período presenciaram-se
novas formas de inserção urbana da classe operária e novas práticas políticas
específicas do período populista — mas é inegável que foram sobretudo os
setores médios locais que se interessaram pela autonomia municipal, e a "sua
capacidade de envolver os setores assalariados e operários foi muito variável
ao longo do tempo" (Rizek, 1988:22).
A Sado, liderada pelo dentista Reinaldo de Oliveira, "vinculado à antiga
UDN" (Moisés, 1978:303), fomentava a idéia de que os moradores do bairro
70
deveriam se organizar para defender seus interesses como cidadãos, já que
seus impostos ajudavam a construir "a fortaleza", isto é, a Prefeitura de São
Paulo, o que, segundo Rizek (Rizek, 1988:23), configurava a idéia marcante de
oposição "centro" versus "periferia". Note-se que, muito antes da retomada
oficial da luta pelos emancipadores, as manifestações em favor da autonomia
já ocorriam, organizadas pela Sociedade Amigos de Vila Yara (bairro do
subdistrito), a qual, já em 1956, promovia comícios "visando recolocar a idéia
da autonomia" (Moisés. 1978:319).
Nesta nova campanha, de 1958, verificamos que, se muitas das
lideranças autonomistas se mantêm, como Reinaldo de Oliveira (dentista),
Antonio Menck (negociante), Nelson Soares de Freitas (jornalista), Walter
Negrelli (engenheiro), novos atores entram em cena: Albertino de Souza Oliva,
advogado trabalhista e um dos fundadores da Frente Nacional do Trabalho,
vários comerciantes, alguns altos postos de direção de empresas e alguns
trabalhadores (Moisés. 1978: 320).
Gabriel Figueiredo, em entrevista à autora, observa que seria um
"reducionismo vulgar colocá-los [os trabalhadores], todos, num mesmo saco e
considerá-los massa de manobra da burguesia". Esse ex-aluno do Ceart, ex-
membro do Partido Comunista Brasileiro e ativista dos movimentos estudantil e
operário, argumenta que, embora o PCB não tivesse "empunhado com ardor a
bandeira dos emancipacionistas", em momento algum impedira que seus
militantes participassem desse "movimento da sociedade civil, liderado por
conhecidas figuras da burguesia", que, por outro lado, contava com a
participação de sindicalistas, metalúrgicos, ferroviários, comerciários e bancários.
A retomada do movimento teve bases mais populares que as ações de
1953. Buscou-se apoio em setores assalariados e operários da população.
Nesta diretriz, um novo jornal — A Vanguarda — mudará o tom que marcava a
campanha no início da década, adquirindo uma linguagem mais popular e
agressiva. Entretanto, o levantamento das reivindicações nos bairros e os
comícios em trens de subúrbio eram, fundamentalmente, formas de propagandear
o movimento, não de organizar a população. Ou seja, as lideranças da campanha
autonomista não se propunham criar laços mais orgânicos com os setores de
71
baixa renda e com os trabalhadores de quem esperavam apenas um apoio
suficientemente genérico para que o processo continuasse sob o controle de
quem sempre estivera: os setores médios locais (Rizek, 1988:29).
Ao mesmo tempo em que o "sim" retoma sua luta, o grupo defensor do
"não" também se organiza. Entre seus líderes, encontramos Lacides Prado,
ligado ao grupo de Adhemar de Barros, dono do único cartório existente na
localidade e que, segundo as entrevistas concedidas à autora por Werner e
Port, o fazia muito mais por temer a concorrência nos negócios, que poderia
acontecer com a instalação do município, do que por convicções políticas.
Um dos fortes argumentos utilizados pelo grupo do "não" era o fato de
que o Matadouro de Carapicuíba, pertencente à Prefeitura de São Paulo e que
ficava na divisa de Osasco com Carapicuíba, demitiria todos os seus
funcionários com o evento da emancipação, já que, por lei, estes não poderiam
residir fora do município de São Paulo. Também cessariam os serviços de
transporte s da CMTC e sobreviria a desvalorização imobiliária.
Os opositores da autonomia trabalha[va]m o velho argumento segundo o qual,
com o desmembramento, Osasco deixaria de fazer parte da região administrativa
da capital de São Paulo para fins da determinação dos níveis de aumento do
salário mínimo. Naturalmente, este era um argumento de peso para uma
comunidade formada de população majoritariamente trabalhadora, especialmente
se se tiver em conta o fato de que parte substancial da classe operária de Osasco
era composta de trabalhadores não-qualificados que estavam situados nas faixas
inferiores de renda (Moisés, 1978:322).
Não se pode esquecer, ademais, que o movimento pelo "não" tinha a
vantagem de se beneficiar do aparato administrativo da Prefeitura paulistana.
Na véspera do plebiscito, tentando influir diretamente nos resultados da votação a
ser realizada dois dias mais tarde, a Prefeitura de São Paulo divulga uma nota
ameaçadora do prefeito Adhemar de Barros, enumerando os problemas que
surgiriam caso a população de Osasco e dos outros distritos decidissem pelo SIM: 1.
Os servidores da Prefeitura de São Paulo por lei não podem ter domicílio fora da
72
área administrativa da Capital, sob pena de perda de cargo. Desta forma, 5 mil
pessoas que servem na área do matadouro de Carapicuíba estão ameaçadas de
ficarem desempregadas, e entre elas há grande número que são moradores de
Osasco; 2. Com a separação, cessará o serviço de ônibus da CMTC na linha
capital-Osasco, já que por força de lei municipal, essa companhia não pode atingir
áreas situadas fora do município de São Paulo; 3. Os impostos sofrerão majoração,
pois com a nomeação em massa de novos servidores públicos para o futuro
município, os encargos de instalação de novos prédios e instalações onde
funcionaria a prefeitura exigirá arrecadar mais recursos, suficientes para todas essas
medidas; 4. Ocorreria uma desvalorização geral dos imóveis no futuro município,
que passaria a ser considerado interior; 5. Cairiam os níveis do salário mínimo, pois
Osasco seria incluída entre as cidades do interior do estado (Moisés, 1978:325-326).
Enquanto isso, a Comissão Promovedora da Autonomia de Osasco
esforçava-se para esclarecer a população sobre os benefícios na instalação do
município. Argumentava-se que os impostos arrecadados em Osasco não mais
iriam para os cofres da capital, para depois apenas pequena parcela desses
recursos serem investidos em Osasco; que a comunidade passaria a gozar da
instalação de coletorias, delegacias, postos de saúde, cartórios, prontos-
socorros, além de se poder promover a ampliação da iluminação, buscar
empréstimos federais para saneamento básico, requerer instalação de posto do
Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários (Iapi), etc. Alegava-se
que, com a instalação da Prefeitura, seus titulares estariam mais próximos da
população, a qual poderia lembrá-los de suas promessas de campanha, e que
estes governantes sairiam da própria comunidade, promovendo, portanto, a
representação dos diversos bairros e vilas nas esferas das decisões políticas e
evitando os desvios das verbas ali arrecadadas. Com esse discurso, a elite
local justificava a criação de um espaço político próprio.
Segundo a professora Helena Pignatari, essa campanha foi muito mais
consciente que a campanha de 1953, e a discussão em torno das vantagens
73
do "sim" foi levada com muito mais clareza, até porque se pode contar com
recursos financeiros que não existiram no primeiro plebiscito.
— O processo de emancipação só foi adiante quando o Reinaldo
convenceu o velho Menck a apoiar, e ele apoiou e financiou. Então, não
tinham mais problemas com advogados, viajar para o Rio de Janeiro,
pagar aquela papelada toda que tinha de ingressos de "coisarada" lá. A
parte econômica foi resolvida com a entrada do Menck, e ficou muito
mais fácil, daí pra frente (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida
à autora em 19/5/2004).
A campanha pelo "sim" teve grande penetração nos meios estudantis e
efetivamente esteve presente nas discussões que ocorriam no interior da
escola. João Gilberto Port, como ex-presidente do Grêmio Estudantil, depõe:
— Eu me lembro perfeitamente quando me convidaram e eu, de
pronto, me propus a movimentar a classe estudantil em torno do
movimento autonomista. Passamos, então, a participar das reuniões e o
grupo foi crescendo [...] a participação da juventude estudantil na vitória
da emancipação foi muito significativa. E nós tivemos o condão de
termos atrás de nós como conselheiros [os professores] Emir Macedo e
Helena Pignatari, que realmente deram aquele embalo pra juventude
(João Gilberto Port, entrevista concedida à autora em 8/7/2004).
Esse relato confirma que, além dos estudantes, a campanha do "sim"
beneficiava-se da militância de docentes, como o professor Emir Macedo (de
Português), Helena Pignatari (de História), além de Fortunato Antiório (de
Matemática), pois a professora Pignatari disse fazer campanha "na escola, na
rua, em casa, com a empregada, com o jardineiro, com todo mundo, pra
explicar o que seria [a autonomia]" e dizia aos alunos:
— "Olha, minha gente, a luta pela emancipação significa isso,
aquilo e aquele outro". Um dos argumentos que eu defendi o tempo todo
era o fato de que muita gente de Osasco saía pra trabalhar em São
Paulo. Então, essa viagem diária, ida e volta, tal e coisa. Eu dizia: "se
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nós formos independentes, os empregos vão aparecer aqui no
município. Aqui surgirão os empregos, realmente, certo? Vai ter Câmara
— essa Câmara não vai precisar de gente pra datilografar? A parte
administrativa: você não vai ter o Secretário de Saúde? Os médicos, os
enfermeiros da cidade, vão pra onde? Vão pra cá." Então, ia explicando
que cada uma dessas secretarias iria absorver mão-de-obra de Osasco,
e nós teríamos empregos dentro da cidade. Esse era um argumento
fortíssimo (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em
19/5/2004).
A professora ainda acrescenta:
— Havia um grupo de alunos, militantes, fazendo passeata. Por
exemplo: comício do "não" no Largo, na praça de Osasco. Um grupo de
alunos resolve bagunçar e eu falei: "Bagunçar não pode, o que vocês
podem é fazer uma passeata." "Ah, mas nós queremos cortar a Praça
inteirinha de ponta a ponta." Eu falei: "Então, vão fazer a passeata, e,
quando chegar ali, a turma toda atravessa, cantando o hino nacional, e
vai embora. Não pode bagunçar, não pode sair da linha, não pode sair."
(Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004).
A escola secundária era muito dinâmica. O Ceart costumava abrir "suas
portas para atividades culturais e recreativas. Era comum também a formação
de grupos de estudos de fins de semana, sobretudo para os alunos do noturno
que precisavam colocar as matérias em dia, pois não tinham tempo durante a
semana" (Gabriel Roberto Figueiredo, depoimento escrito concedido à autora
em 7/9/2005). Segundo Eduardo Rodrigues, os professores do Ceart
influenciaram a sua geração e assim foram descritos por Figueiredo quando
perguntado sobre o papel destes na sua formação: "Dentre vários, vou citar
três pela influência maior: Josué Augusto da Silva Leite (História); Helena
Pignatari Werner (História) e Emir Macedo Nogueira (Português), cujo
relacionamento com os alunos foi descrito como “cordial, solidário, de
camaradagem". Essa relação fica patente no relato da professora Helena
Pignatari, quando ela afirma que os alunos costumavam freqüentar a sua casa
75
e que chegou a passar "as férias de janeiro e fevereiro ensaiando peça de
teatro com alunos".
— Era sábado e domingo com os alunos. As férias inteiras. Não
se perdia contato, entende? No primeiro dia de aula, a inauguração. Era
peça, não é? Muitas peças — algumas sérias, que os alunos
bagunçaram e virou comédia em vez de tragédia, mas era essa a
ligação entre eles, a idéia de teatro, de autores. Tudo isso (Helena
Pignatari Werner, entrevista concedida à autora em 19/5/2004).
Helena Pignatari acrescenta que, nessa relação, ela e outros
professores da escola chegaram a ser padrinhos de casamento em vários
matrimônios que ocorreram entre alunos e alunas do colégio.
— Nós conhecíamos todos os alunos pelo nome. Nós sabíamos
dos namoricos e, como sabíamos dos namoros, nós sabíamos também
das brigas — que as alunas vinham, às vezes, chorando porque
brigavam com os namorados, brigavam umas com as outras. Nós
sabíamos tudo, eles contavam tudo para a gente; eles sabiam que não
tinha nenhum professor dedo-duro, que ninguém ia dar bronca, pelo
contrário, iam tentar entender a situação (Helena Pignatari Werner,
entrevista concedida à autora em 19/5/2004).
Sobre os textos que eram lidos, Figueiredo informa:
— Machado de Assis era fundamento. Depois vinha Graciliano
Ramos, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, José de Alencar e outros. Dentre
os portugueses, Fernando Pessoa e padre Antonio Vieira marcaram
forte presença. Na literatura internacional clássica pelo menos três obras
são inesquecíveis: Os miseráveis, de Victor Hugo, Crime e castigo, de
Fiódor Dostoiévski, e Cândido, de Voltaire. Não constituíam leitura
obrigatória, mas foram estimuladas no científico. Para mim,
particularmente, que tive o privilégio de ingressar ainda jovem, aos 15
anos, no PCB, acabei sendo contemplado com leituras complementares
de Marx, Engels, Lênin, Goethe, Nietzsche, Gramsci, Sartre... Lembro-
76
me que uma semana antes de prestar vestibular para a Faculdade de
Medicina, suspendi todos os meus estudos de Física, Química,
Matemática, Biologia, Português e outras matérias para ler,
intensamente, Assim falava Zaratustra (Gabriel Roberto Figueiredo,
depoimento escrito concedido à autora em 7/9/2005).
Reforçando essa conscientização empreendida na escola,
transcrevemos mais um trecho do depoimento da professora Helena Pignatari:
— Porque o aluno que vai votar... Uma das coisas, sérias, que
eles aprenderam dentro do Ceart era o voto. Isso não era na cadeira de
História, todas as cadeiras explicavam que, especialmente quando
chegava perto de eleição, conscientizar que o voto era uma coisa muito
séria. Não se falava em arma ainda, né? Que o voto era uma arma. Mas
que era muito sério, que tinha que pensar, que tinha que conhecer o
candidato que tal e coisa. Então eu acredito que muito aluno votou com
muita consciência no "sim" (Helena Pignatari Werner, entrevista
concedida à autora em 19/5/2004).
Às vésperas do plebiscito, os dirigentes do movimento emancipacionista
desdobram-se na ofensiva para obter a maioria dos votos na consulta popular
— como o voto não era obrigatório, cada adesão ganhava maiores proporções
—, fazendo veicular pela imprensa, pelo rádio e pelo serviço de alto-falantes
que ficava no largo da Estação as razões por que todos os cidadãos do
subdistrito deveriam comparecer e votar "sim" na consulta popular, além de
espalhar cartazes e faixas pelas principais ruas de Osasco.
Finalmente, a 21 e um de dezembro de 1958, o "sim" sagrou-se vitorioso
no segundo plebiscito.
Esse plebiscito foi reconhecidamente fraudado até pelos adeptos do
"sim", como declara Helena Pignatari, ao relatar o dia da votação nas
dependências do colégio.
— Havia a sala, e essa sala era cheia de janelas. Todas as salas
eram bem iluminadas, e nós pusemos a urna ali. E os votos? Do "sim", o
77
papel era branco escrito "sim" em preto; o papel do "não" era preto
escrito em branco. Os envelopes eram os mais vagabundos que você
possa imaginar, baratinhos, baratinhos. Então, quando a pessoa punha
o voto, quem estava como fiscal da porta, contra a luz, via se o voto era
branco ou preto, e aí íamos contando. As urnas que receberam muitos
votos do "não" foram "socorridas". Por exemplo, na última hora, hora e
meia antes de terminar, deu um temporal naquela cidade que foi uma
coisa bárbara, foi um horror, sumiu todo mundo. Não apareceu mais
ninguém para votar, e aquele temporal danado lá fora. Nesse momento,
nós pegamos a lista dos ausentes, assinamos e colocamos tudo "sim".
Alguns [fizeram isso] com a conivência do presidente da banca. A minha
sala, por exemplo, foi sem a conivência do presidente da banca, que não
quis. Era a Nair Bellacosa — não deixou... [Mas] uma hora, ela teve que
ir ao banheiro, e nesse momento, então, nós fizemos uma festa na urna.
Muito voto "sim", tudo com a assinatura, entende? Nenhum defunto, não,
só os que estavam na lista (Helena Pignatari Werner, entrevista
concedida à autora em 19/5/2004).
Ou ainda no relato de Port:
— Esse também é um lado pitoresco. Como os autonomistas já
haviam tido uma lição em 53, que muitos disseram que a eleição foi
fraudada, etc., os autonomistas tiveram, desta feita, o cuidado de tomar
conta das mesas. Aliás, eu vou contar uma passagem — todos nós
sabemos, isso não é segredo nenhum, que se não tivesse fraude em 58,
também a emancipação seria muito difícil de ser conseguida, porque os
argumentos da época eram muito fortes contra a emancipação,
argumentos ridículos. Os Coutinho, pessoal do cartório, o Lacides Prado,
a Íris, né, então eles... Ah, como é que se chamava aquela senhora,
Maria Genta — Nossa Senhora, essa era uma praga né? No bom
sentido, eu estou dizendo... Então, esse pessoal realmente mobilizava.
Osasco era muito pequeno, e esse pessoal normalmente controlava bem
com essa argumentação de imposto, da condução, e isso realmente
78
atrapalhava muito a nossa luta, mas, em 58, quando por ocasião da
realização do plebiscito. Como eu dizia, tivemos o cuidado de tomar
conta das mesas. Aliás, eu vou contar outra história muito interessante:
eu fui secretário de mesa e o presidente da mesa em que eu estava era
meu diretor do grêmio, tinha sido meu diretor do grêmio, o nome dele era
Severino, era um nortista, na época já tinha vindo uma grande migração
de nortistas para Osasco. E ele era o presidente e eu era o secretário,
eu era o presidente do grêmio e ele era o meu subordinado; lá, era o
presidente e eu era o secretário, e nós ficamos no hall de entrada do
Gepa, que era local de votação e situado à nossa frente. Havia uma
pessoa que não saía daquele posto, como se fosse um guarda. Na
época eu não o conhecia e depois se tornou um grande amigo, era
Antonio Salve, advogado. E nós tínhamos a missão realmente de
fraudar, e o Antonio Salve não tirava o olho da nossa mesa, até duas
horas da tarde. Imagina, a eleição começou acho que às oito ou nove
horas, eu não me lembro, e eu estava desesperado, porque nós
tínhamos que fazer maracutaia, e não tinha como. Quando chegou lá
pelas tantas, eu falei pro Severino: "Deixa eu conversar com esse rapaz
aí." Cheguei nele e falei: "Puxa, você está parado todo esse tempo aí...
Vamos até a padaria, vamos tomar um café." Aí fomos tomar o café, no
bate-papo com ele eu falei: "Escuta, me diz uma coisa, permita-me fazer
essa pergunta, eu estou vendo você aí parado esse tempo todo, não
abre mão, você é fiscal, qualquer coisa?" Ele vira pra mim e diz o
seguinte: "Olha, eu estou aqui para fiscalizar, sim, sabe por quê? Porque
em 53 nós fomos roubados na eleição e nós precisamos ganhar agora."
Eu falei: "Seu cretino, faz cinco horas que nós não fazemos nada por tua
causa." Bom, aí não precisa dizer mais nada, porque o que tinha que ser
feito foi feito. E, felizmente pra todos nós, realmente houve a fraude na
eleição, todo mundo do plebiscito sabe disso. Mas eu acho que foi uma
fraude no bom sentido, se podemos dizer assim (João Gilberto Port,
entrevista concedida à autora em 8/7/2004).
79
Jornais de São Paulo chegaram a dizer que "até os mortos votaram em
Osasco", pois eleitores falecidos, cujos nomes ainda constavam das listas,
receberam assinaturas e tiveram seus votos válidos (cf. Oliveira, 1992:96).
Apesar da fraude, 6.677 eleitores participaram desse plebiscito. Foram
contados 3.922 votos pelo "sim", 2.671 votos pelo "não", 36 votos em branco e
42 votos nulos (cf. Moisés, 1978:289).
São números que nos parecem significativos, diante de outros que
ocorreram nos plebiscitos de 1958 — em Cajamar, vitória do "sim", com 389
votos; em Embu, vitória do "sim", com 261 votos; em Guaianazes, vitória do
"não", com 452 votos; em Itaquera, "não", com 902 votos; em Perus, "não",
com 760 votos; em Pirapora do Bom Jesus, "sim", com 339 votos: em São
Miguel Paulista, "não, com 3.209 votos; e em Taboão da Serra, "sim", com 78
votos (cf. Moisés, 1978) —, mas que merecem ser questionados, uma vez que
representavam "menos de 30% dos 21 mil eleitores do bairro naquele
momento" (Dias, 1995:54).
80
UMA LONGA JORNADA PELO RECONHECIMENTO DO MUNICÍPIO:
após a luta pelo reconhecimento da autonomia, o bairro vira cidade
O processo para o reconhecimento da autonomia de Osasco foi singular,
pois demorou mais de três anos para se consolidar. Esse evento tornou a
autonomia osasquense diversa das várias que ocorreram no período, visto que,
apesar de o plebiscito ter sido referendado pela Assembléia Legislativa paulista
por meio da Lei nº 5.121, de 31 de dezembro de 1958, sancionada pelo
governador Jânio Quadros, o procedimento ocorreu sem que os deputados
examinassem o recurso que fora impetrado contra o plebiscito pelo então
prefeito da cidade de São Paulo, Adhemar de Barros, pelo deputado estadual
André Nunes Júnior (PTB) e pelo sr. Lacides Prado, sob a justificativa de que
muitas irregularidades impediam o reconhecimento da consulta popular.
Em parecer elaborado pelo jurista Miguel Reale no processo nº 20.568,
de 15 de junho de 1962, da Prefeitura do Município de São Paulo, encontramos
a seguinte informação:
Inconformado, o Chefe do Executivo Municipal impetrou mandato de segurança
(nº 92.801), que foi denegado pela E. Quarta Câmara Civil do Tribunal de Justiça,
sob os seguintes fundamentos:
a) remetendo o autógrafo à sanção, sem ter apreciado o recurso, a Assembléia,
implicitamente, o rejeitou;
b) a questão é meramente política, extravasando da órbita judiciária;
c) o resultado do plebiscito, sem embargo das sérias irregularidades que,
confessadamente, o inquinaram, deve, com a rejeição implícita do recurso, ser tido
como definitivo.
Pela Lei nº 5.121, as eleições para prefeito, vice-prefeito e vereadores
do novo município aconteceriam no momento em que ocorressem as primeiras
eleições municipais que se seguissem; o novo município seria administrado,
até sua instalação, pelo prefeito do município de que havia se desmembrado.
Diante do impasse que se estabeleceu, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE)
81
sustou as eleições em Osasco e, a 19 de setembro de 1959, convocou a
população do distrito a "exercer seus direitos políticos, participando das
eleições de vereadores do Município da Capital" (processo nº 20.568),
realizadas em outubro de 1959. Mesmo depois que a Assembléia Legislativa
rejeitou o recurso impetrado pelo prefeito (resolução nº 322, de 18 de outubro
de 1960), por "inconsistência das razões alegadas", o TRE indeferiu o pedido
de que se realizassem eleições, por entender que o Supremo Tribunal Federal
decidira pela nulidade da lei que criava o município e que, assim sendo,
Osasco não era município e, portanto, não haveria eleições, uma vez que a
"simples rejeição de recurso não tem o mérito de revalidar uma lei nula"
(Acórdão nº 50.732). Desta forma, em 23 de março de 1961, a população foi
novamente conclamada pelo Tribunal Regional Eleitoral a votar nas eleições
para prefeito e vice-prefeito do município da Capital, argumentando-se que "só
através de outra lei regularmente votada e promulgada, e não de simples
resolução, ocorreria a desejada emancipação".
Parece-nos que, de fato, o sentimento emancipacionista tomou vulto a
partir da contestação do resultado do plebiscito, pois, a partir da vitória do
"sim", a sociedade política osasquense começou a se preparar para concorrer
nas eleições que se seguiriam, e o fato destas terem sido postergadas criou um
sentimento de fraqueza naqueles que pretendiam ocupar os cargos públicos,
eletivos ou não, que seriam criados.
Segundo Helena Pignatari, depois do plebiscito "a gente podia trabalhar
muito mais e explicar. Eu não digo convencer. Conscientizar e mostrar o que
significava emancipação e tudo mais".
Curiosamente, é exatamente a partir da Vitório fraudulenta de 58 que a
participação popular se tornou mais efetiva, com uma alteração na orientação do
movimento. Pode-se dizer que é a partir desta fase que se dá o movimento. Além
disso, nos anos 58-62 assiste-se o surgimento ou ascenso de outras mobilizações,
sobretudo sindicais e estudantis, que repercutem no âmbito local. Tal alteração
tem como índices a solidariedade dos estudantes ao "Sim", expressa em
passeatas e em uma greve de protesto contra a inversão do resultado do
plebiscito, a apelo das SAB’s do Jardim Helena Maria, Vila Iara e Bussocaba a
favor da emancipação, um número do jornal dos trabalhadores da Cobrasma
82
dedicado à luta autonomista. Também é neste momento que, em Osasco, a
campanha pela emancipação assume, de forma clara, o caráter de luta contra a
prefeitura de São Paulo (Rizek, 1988:34).
Afinal, o Tribunal Federal julga improcedentes os recursos impetrados
contra o plebiscito (Acórdão de 16 de junho de 1961, relatado pelo
desembargador Barros Monteiro). Em seguida, o TRE designa a data de 7 de
janeiro de 1962 para a realização das eleições em Osasco, mas Prestes Maia,
então prefeito de São Paulo, entra com novo mandado de segurança, fazendo
com que as eleições fossem mais uma vez suspensas às vésperas de sua
realização.
Segundo o sr. José de Moura Leite, um dos maiores lutadores pela emancipação e
ex-chefe da Estação Ferroviária – "Depois de muita luta, passeatas etc como
protesto para libertar Osasco de São Paulo, os emancipadores conseguiram que
fosse marcada a primeira eleição para a escolha do primeiro prefeito e vereadores
de Osasco." Seria 7/1/62, mas depois de tudo preparado para o grande dia, os
osasquenses tristemente ouviram a terrível notícia na véspera, às 20 horas, do dia
6, pela Radio Difusora de São Paulo: "ATENÇÃO, ATENÇÃO, Osasco! Por ordem
do sr. Ministro Ribeiro da Costa, ficam canceladas as eleições de Osasco" ("A
emancipação vista pelos seus organizadores", Osasco, Secretaria de Educação e
Cultura, Biblioteca Municipal Monteiro Lobato, s/d., Movimentos sociais e políticos,
documento xerocopiado).
Os estudantes secundaristas, por sua vez, organizaram
uma caravana de estudantes e demais moradores para se dirigirem até a
Assembléia e exigir dos deputados um compromisso visando a rápida solução do
caso. Dessa manifestação resulta a criação oficial de um "Movimento Estudantil
em Prol da Autonomia de Osasco" (Moisés, 1978:345).
Esse processo de confirmação e suspensão das eleições contribuiu para
a revolta da população local, pois a essa altura já havia o desenrolar das
campanhas para prefeito, vice-prefeito e vereadores e, tanto os candidatos
como o próprio eleitorado, sentiram-se ultrajados com o descaso das
autoridades competentes.
Esse procedimento traz consigo a expansão de uma luta com
características de conquista popular, pois nos anos 60 são as manifestações
83
estudantis e de trabalhadores que, "acabam por tentar se apropriar de parcelas
de um espaço político que não foi criado por seu próprio movimento" (Rizek,
1988:34), que deram a tônica ao movimento autonomista.
A partir dos anos 60,
as formas de ação foram bastante diversificadas e se articularam em pelo menos
duas "frentes": o movimento estudantil e o movimento dos trabalhadores,
sobretudo metalúrgico [pois] as lutas estudantis não tinham as mesmas
características das que se desenvolviam na cidade de São Paulo. Se havia
vínculos com o movimento dos estudantes universitários, por outro lado, o
movimento secundarista de Osasco, inclusive pela base social, estava em inter-
relação mais estreita com o movimento operário local e com a dinâmica da política
municipal desde o período que J. A. Moisés chamou de terceira fase do
movimento de emancipação (1958-1962). Pode-se, assim, perceber que a
institucionalização da União dos Estudantes de Osasco (U.E.O), em 1962, e o
movimento que nela resultou foram realizados pelos mesmos estudantes que
participaram do movimento autonomista, quase como uma interface do processo.
Essa conexão conferia à U.E.O um prestígio político, a nível local, maior do que
poderia angariar qualquer outra entidade de secundaristas. Assim, a entidade se
transforma em aparelho cobiçado por diversas lideranças (Rizek, 1988:34-35).
A mesma autora afirma ainda que haviam três forças políticas, que
atuavam, "ora através de disputas, ora através de alianças", de forma
significativa naquele momento em Osasco: "o PCB, hegemônico no movimento
sindical, as concepções do Padre Lebret na F.N.T. [Frente Nacional do
Trabalho] e a idéia de um movimento de massa que ganha as ruas para
pressionar os poderes públicos no movimento secundarista" (Rizek, 1988:35).
Confirmando a ênfase na composição secundarista do movimento
estudantil na luta autonomista, encontramos no depoimento de Gabriel
Figueiredo a afirmação de que "vários alunos secundaristas participaram da
luta pela emancipação". Ele acrescenta que a União dos Estudantes de Osasco
(UEO) "nasceu nas lutas emancipacionistas", tendo João Gilberto Port como
um de seus fundadores.
O próprio Port depõe, a respeito:
84
— Fazíamos passeatas. Vou contar outra história muito
interessante: quando suspenderam as eleições, na véspera da eleição
— o prefeito de São Paulo da época era o falecido Prestes Maia —,
quando os estudantes souberam que a mulher dele, dona Maria Maia,
vinha a Osasco na casa da Maria Genta comemorar, foi uma noite inteira
de estudante procurando onde estava o carro dessa mulher, porque eles
queriam fazer represálias contra a primeira dama de São Paulo (João
Gilberto Port, depoimento concedido à autora em 8/7/2004).
A suspensão das eleições levou a inúmeros protestos: os comerciantes
fecharam suas portas em sinal de luto; o subdistrito cobriu-se de faixas pretas;
"intensifica-se novamente a prática de comícios e concentrações com o
objetivo de manter as bases de apoio informadas do andamento da batalha
judicial" (Moisés, 1978:346); no Largo de Osasco — nesse momento rebatizado
como "Praça da Independência" —, muitas pessoas ameaçaram rasgar seus
títulos de eleitor e foi acesa uma pira simbólica, com fogo trazido pelos
autonomistas da pira do Ipiranga.
Uma passeata é convocada pelos líderes autonomistas e, segundo "O Estado de
São Paulo", mobiliza mais de 5 (cinco) mil pessoas para virem até o centro de São
Paulo manifestar o seu protesto. A marcha dos manifestantes primeiro vai ao
Ibirapuera, onde estava o gabinete do prefeito; depois, dirige-se ao palácio dos
Campos Elísios, para reclamar o apoio que havia sido prometido pelo governador
da época, Carvalho Pinto, eleito pelo esquema de apoio do Janismo e, finalmente,
alcança as imediações da Assembléia Legislativa (Moisés, 1978:349).
Esse episódio foi assim descrito por Port:
— Nós, estudantes, nos posicionamos em frente ao antigo
Senadinho, que era a padaria do Portela, ali na João Batista, em frente
ao cine Glamour. Nós nos posicionamos ali e nós recolhemos, naquela
época, aproximadamente dois mil títulos de eleitor em protesto. Nós
íamos queimar esses títulos no Largo de Osasco. Não tenho a menor
dúvida de afirmar que, após a suspensão das eleições, às vésperas do
pleito — foi na véspera do pleito, porque a eleição seria no domingo e no
sábado à noite eu tinha ido a uma sessão de cinema no cine Estoril.
85
Quando eu saí, o que estava acontecendo? Rodinhas aqui e no antigo
bar Bandeirante, e todos comentando: "Oh, acabou a eleição, não tem
eleição." Este fato realmente ajudou a incrementar o sentimento
autonomista. Aí o movimento cresceu muito. E tem uma certa
explicação. Você sabe, tem uma eleição, várias famílias lançam
candidatos. Bom, já que vai ter, muitas famílias, que eram inclusive
contra a autonomia, lançam candidato e, com a suspensão às vésperas,
aquilo provocou um ódio tão grande, que todo o movimento cresceu e
muito. E aí, se tivesse qualquer plebiscito lícito, nós ganharíamos fácil,
fácil. Com isso, cresceu o movimento, e aí foram praticamente o quê? A
eleição foi em 62: foram aí uns três anos de batalha. Nesses três anos,
os estudantes continuaram a participar. Nós fomos, fizemos,
participamos das caravanas à Assembléia, da passeata em São Paulo;
nós fizemos movimento na cidade novamente. Aí entrou o fechamento
do comércio, e aquele negócio todo. Os estudantes participaram
também [do enterro do "não"]. Foi todo o movimento, mas com a
participação dos estudantes... Fizemos caixão, né?! (João Gilberto Port,
depoimento concedido à autora em 8/7/2004).
O movimento foi ampliado e diversos telegramas foram enviados ao
Supremo Tribunal Federal como manifestação de apoio. Mas parece que o ato
mais relevante desse episódio foi o fato de milhares de eleitores terem
depositado seus títulos de eleitor no ponto de mobilização montado na padaria
do Portela, ou "Senadinho", como era conhecido. Esse protesto recebeu o
nome de "Movimento de reação contra a decisão do STF" e foi acompanhado
de um comício que se transformou numa grande manifestação política — com
a participação dos líderes autonomistas, dos candidatos a prefeito, como Hirant
Sanazar e Antonio Menk, e de representantes de partidos políticos —, na qual
foi levantada a importância de não se rasgar os títulos, já que o voto
representava a arma que a população tinha contra os poderosos.
Finalmente, em 17 de janeiro de 1962, o Supremo Tribunal Federal,
reunido em Brasília, ratificou a Lei nº 5.121 que criava o município de Osasco.
86
Em 4 de fevereiro de 1962, ocorreram as eleições que escolheram os primeiros
prefeito, vice-prefeito e vereadores osasquenses.
87
CAPÍTULO III
ESTUDANTES/OPERÁRIOS/POLÍTICOS/MILITANTES
88
A INSTALAÇÃO DE UM ORGANISMO POLÍTICO ADMINISTRATIVO:
a Prefeitura e a Câmara de Vereadores
Durante o período das lutas emancipacionistas, na década de 50,
ocorreu vertiginoso crescimento industrial e populacional no bairro. A instalação
de novas industrias, além das já estabelecidas na localidade, atraiu um
contingente cada vez maior de migrantes para a região.
As principais empresas que lá chegaram naquele período, segundo
dados da Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Osasco,
foram: em 1951, Adamas do Brasil, Lonaflex e Rilsan Brasileira; em 1952,
Benzenex Cia. Brasileira de Inseticidas; em 1954, Induselet S/A Ind de
Materiais Elétricos Charleroi e Industria Alves e Reis; em 1955, Osram do
Brasil; em 1957, Brown Boveri Materiais Elétricos; em 1959, Ford Motor do
Brasil; em 1960, White Martins; em 1961, Resisthal e Cersa Colas e Resinas.
Segundo Fontes (2002:55), esse crescimento foi um fenômeno em toda
a Região Metropolitana de São Paulo, que "nos anos 50 foi palco de um
acelerado e diversificado processo de industrialização e urbanização". O
mesmo autor acrescenta:
A região foi a principal responsável pela elevada taxa de crescimento industrial do
país. Entre 1945 e 1960, o setor secundário cresceu em média 9,5% ao ano,
constituindo-se um dos mais acentuados processos de industrialização no período em
todo o mundo. Em 1959, quase 50% de todo o emprego fabril do país estava
concentrado no estado de São Paulo. Adicionalmente, o crescimento industrial
paulista estimulou uma grande expansão do setor de serviços na região, ampliando
ainda mais a oferta de empregos e possíveis oportunidades (Fontes, 2002:55).
Esse crescimento atraiu inúmeros trabalhadores nordestinos, mineiros,
paranaenses e do interior de São Paulo, pois, "além dos salários, a expectativa
de receber os direitos trabalhistas, ausentes nas relações de trabalho na zona
rural, foi outro fator considerado importante pelos imigrantes" (Fontes,
89
2002:56); ademais, contariam com todos os atrativos decorrentes da infra-
estrutura urbana, como educação e saúde.
O autor amplia a descrição desse processo:
Em resumo, a situação de miséria no campo, a concentração fundiária e o avanço
do latifúndio sobre as terras dos pequenos proprietários, assim como as alterações
das relações de trabalho, o alto índice de crescimento demográfico nordestino e as
periódicas secas seriam alguns dos fatores que imporiam a migração como última
saída ao trabalho rural. {Os migrantes], por sua vez, atraído pelos empregos e
maiores rendimentos da vida urbana, pela possibilidade de acesso aos direitos
sociais e trabalhistas negados no campo, bem como pela maior oferta de
educação e saúde, tornariam-se proletários, preenchendo, dessa forma, a
demanda por mão-de-obra do processo de industrialização (Fontes, 2002:65).
Esse contingente de trabalhadores vinha em busca de uma vida mais
digna, pois seus integrantes acreditavam que a vida em São Paulo seria mais
fácil em comparação com as condições de vida que levavam. Mas as
condições reais eram outras.
Além da quase inexistente experiência industrial, a geração de migrantes do pós-
guerra possuía índices bastante baixos de educação formal. Refletindo a extrema
debilidade do sistema educacional brasileiro no período, particularmente nas
regiões rurais, eram significativamente altas as taxas de analfabetismo entre os
migrantes nordestinos. Um levantamento de 1962 apontava um índice de mais de
60% de analfabetos dentre os trabalhadores daquela região que se transferiam
para São Paulo [...] Para além das dificuldades intrínsecas a um mercado de
trabalho que passava por intensas transformações, os migrantes nordestinos
defrontaram-se, em sua busca por emprego, com explicitas demonstrações de
preconceito e exclusão (Fontes, 2002:79-82).
A discriminação apontada por Fontes fica evidente em dois trechos do
livro Osasco: sua história, sua gente, escrito por Hirant Sanazar, osasquense
descendente de armênios que ocupou o cargo de primeiro prefeito da cidade.
Quando apresenta a imigração européia, Sanazar faz a seguinte descrição,
que apesar de longa, vale pelo conteúdo.
Os portugueses [eram] preferentemente comerciantes de bares, empórios e
panificadoras e sempre prosperaram em razão de seus costumes regrados e
persistentes. Trouxeram no sangue e no caráter os cânticos poéticos do maior
90
literato da língua portuguesa, escritos no clássico "Os Lusíadas", de Luiz Vaz de
Camões, em cujo intróito exclama epicamente: "As armas e os barões
assinalados, que da ocidental praia lusitana..., em perigos e guerras esforçados
mais do que prometia a força humana, e entre gente remota edificaram Novo
Mundo, que tanto sublimaram". De verdade, em Osasco, como em todas as
searas, eles ajudaram a levantar uma grandiosa Comunidade e a encantam
sempre com sua lealdade de conduta e seriedade de propósitos. Em São Paulo
predominaram os italianos, embarcados em Gênova, na Lombardia e na Calábria
e aqui em Osasco se multiplicaram na área central, e jamais deixaram de cooperar
com o seu desenvolvimento, enquanto seus descendentes continuam a obra
primordial dos fundadores da Vila. [...] Mas como são economizadores por hábito e
zelosos trabalhadores, acabaram prosperando vertiginosamente e se tornaram
capitães de Industria na Capital de São Paulo. Os armênios, de modo muito
arrojado, se agruparam na Várzea de Presidente Altino loteada pela Cia. Cerâmica
Industrial, e, simultaneamente às construções de seus próprios lares, edificaram
sua Igreja Apostólica São João Batista e a sua Escola, de nome Externato José
Bonifácio. Desde logo, incrementaram o Escotismo, o esporte e os corais
musicais, e seu espírito coletivista esteve ligado à saudosa Pátria [...] Tem sido
admirável a integração dos armênios no seio da coletividade osasquense, com
visível miscigenação, de forma tal que, nos tempos atuais, desponta uma robusta
e generosa Sociedade armeno-brasileira e seus descendentes ocupam as mais
expressivas missões nas áreas da economia, comércio, ciências sociais, jurídicas
e vida pública. Os eslavos, como russos, poloneses e búlgaros, lituanos também
igualmente levantaram suas igrejas, haja vista a Batista de Presidente Altino e a
Ortodoxa do Jardim Agu. A maioria destes imigrantes se engajou no então
Frigorífico Wilson, de preferência nas suas câmaras frias, cujo rigor de
temperatura eles suportavam com naturalidade, além de outras empresas da
época. Os espanhóis não se ativeram especificamente a uma profissão, mas são
hábeis comerciantes e se integraram com aquele espírito alegre e envolvente,
talvez motivados pelos ideais do romantismo dos cavaleiros andantes, que
ricamente se lê do Dom Quixote de la Mancha, de Miguel Cervantes de Saavedra.
Os japoneses, seja como feirantes e ativos mercadores de produtos utilizados no
dia-a-dia, sempre se revelaram progressistas e serenos de comportamento.
Trabalham em silencio, traduzindo muito respeito e sentimento interior. É inegável
a contribuição permanente dos imigrantes dos continentes europeu e asiático, que
transferiram aos seus descendentes a tarefa progressista pelo bem geral, em
retribuição ao hospitaleiro acolhimento que receberam do governo, do povo e das
leis liberais do Brasil (Sanazar, s/d:44-47).
91
Ao se referir aos migrantes brasileiros, o texto é bem menos elogioso.
Aqui chegaram embarcados nos toscos e humilhantes "paus-de-arara", caminhões
cobertos de lona, apinhados de adultos e crianças desnutridos, pálidos, de rostos
e mãos esturricados pelo sol e o pó das intermináveis estradas. Era uma longa e
homérica travessia destes brasis infindos. Apresentavam-se esfalfados pela
miséria, o desemprego, a doença, com olhares vazios projetados para o imenso
"nada", comendo e bebendo aqui e acolá em condições desumanas e
incrivelmente agressivas para com a sua dignidade. Eram os flagelados da vida
nômade, injusta e agreste. Seu destino? A grande a avassaladora Capital do
maior Estado do País, São Paulo e suas cidades satélites, notadamente Osasco, e
mais precisamente Presidente Altino, Rochdale, Helena Maria, Munhoz, Baronesa,
Santo Antonio, Roberto, Veloso, D’Avila e outros (Sanazar, s/d:64-65).
Pela forma enobrecedora como este autor se refere ao europeu e pela
maneira piedosa como descreve o migrante, fica patente a representação
preconceituosa que pairava sobre as relações sociais vigentes em Osasco no
momento da sua emancipação.
O relato de Sanazar mostra ainda como se dava a ocupação física da
cidade. Confirma que, na região central, com maior infra-estrutura urbana e de
ocupação mais remota, estavam instalados os descendentes dos primeiros
imigrantes, vindos do exterior; enquanto isso, ao migrante brasileiro restava a
ocupação mais periférica, onde proliferavam bairros precários como Rochdale,
Jardim Helena Maria, Jardim Munhoz, Jardim Baronesa, Jardim Santo Antonio,
Jardim Veloso, Jardim Roberto, Jardim D’Avila, Vila Ayrosa, Vila dos Remédios, etc.
O antigo subúrbio cresceu graças a ligação ônibus-trem, e uma série de
fatores alterou a estrutura da cidade.
O processo de crescimento demográfico de Osasco nunca foi tão intensificado
como no início dos anos 60, registrando-se nos primeiros 4 anos da década, uma
taxa de incremento anual de 10,8% contra 5,7% para o município de São Paulo.
Isto significa que a população aumentou aproximadamente 22.250 pessoas ao
ano. Assim, se em 1960 a população era de 114.000 pessoas, em 1964 esta cifra
se eleva para aproximadamente 205.000. Osasco, apesar da emancipação que
ocorre apenas na dimensão político-administrativa, estava estreitamente vinculada
a São Paulo. O novo município se compunha de um conjunto de bairros
desarticulados entre si que mantinham com os bairros paulistanos relações de
92
dependência mais estreita do que com o seu próprio centro. Evidentemente, este
crescimento demográfico é um forte índice de que o antigo subúrbio ganhava
rapidamente uma nova função: a de cidade-dormitório. O que permite explicar este
novo caráter é menos um aumento quantitativo do parque industrial, e por
conseqüência da oferta de empregos, e mais a disponibilidade de terrenos a
preços acessíveis, o que permitia a muitas famílias de trabalhadores concretizar
um projeto cada vez mais arraigado em suas aspirações: instalar-se em casa
própria (Rizek, 1988:40).
Outro elemento que reforça esses dados é a constatação de que, entre
1962 e 1965, enquanto os empregos aumentam 1.000 por ano, a população
local cresce a uma cifra de 15.000 habitantes, o que altera de maneira notável
o espaço urbano em Osasco.
Alguns eixos comerciais do centro do município constituem uma oferta de
consumo típica dos bairros da periferia: vestuário, alimentos, materiais de
construção. Do ponto de vista da moradia, Osasco já era um mar de casas
autoconstruídas, onde se destacam a precariedade e a instabilidade que
permeavam as condições de vida da população (Rizek, 1988:42).
Foi nessa configuração física e social que, em 4 de fevereiro de 1962,
ocorreram as primeiras eleições municipais. Para este efeito, atuavam no
recém-criado município nada menos de 11 agremiações políticas: o Partido
Democrata Cristão (PDC), o Partido Liberal (PL), o Partido Republicano (PR),
o Partido de Representação Popular (PRP), o Partido Rural Trabalhista (PRT),
o Partido Socialista Brasileiro (PSB), o Partido Social Democrático (PSD), o
Partido Social Progressista (PSP), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), o
Partido Trabalhista Nacional (PTN) e a União Democrática Nacional (UDN).
Poe essas siglas quatro candidatos competiam pelo cargo de prefeito (Antonio
Menck, pelo PDC, Fuad Auada pelo PSP, Hirant Sanazar pelo PRT e Nicolau
Atra pelo PTB) e quatro para o de vice-prefeito (Albertino de Souza Oliva pelo
PSD, João de Oliveira,
Marino Pedro Nicoletti pela coligação PTN-PDC-UDN e
Roberto Pignatari pelo PTB).
Para essas eleições, conforme Reinaldo de Oliveira:
Não consegui obter informações acerca do partido pelo qual Oliveira se candidatou.
93
AUTONOMISTAS NÃO POSTULAVAM CARGOS POLÍTICOS: Havia um
compromisso entre nós [emancipadores] no qual acordávamos que não iríamos
postular cargos políticos. Nenhum de nós nos candidataríamos, mas apoiaríamos
como candidato a prefeito o Menck. E ele aceitou financiar a campanha, pois era,
na época, o homem mais rico de Osasco ("A emancipação vista pelos seus
organizadores", Osasco, Secretaria de Educação e Cultura. Biblioteca Municipal
Monteiro Lobato, s/d, Movimentos sociais e políticos, documento fotocopiado).
Além de Menck, candidato natural dos autonomistas e representante de
Jânio Quadros na política local, figuravam na disputa Auada, liderança política
de Adhemar de Barros em Osasco, e o advogado descendente de armênios
Sanazar, que já ocupava uma cadeira de vereador na Câmara de São Paulo,
onde representava pelo antigo bairro de Osasco.
Ao final do pleito, Sanazar se elegeu, tendo como vice o engenheiro
Nicoletti. As bancadas da Câmara Municipal de Osasco, integrada por 23
vereadores, ficaram assim constituídas: PDC, seis vereadores; PR, dois; PRT,
três; PSB, dois; PSD, três; PTN, quatro; e UDN, três.
Segundo o jornalista Antonio Júlio Baltazar, em sua coluna do jornal
Correio Paulista, de 17 de setembro de 2004, "todos apostavam suas fichas
nos candidatos Auada e Menck. O jovem Hirant era, na época, o que se
poderia chamar de 'grande zebra'". Mas, segundo a professora Helena
Pignatari, aquele resultado teve uma razão:
— O Hirant ganhou porque tinha mais traquejo político. Ele tinha
sido vereador em São Paulo, então ele conhecia os meandros todos. Na
eleição, ele já sabia como fazer uma campanha e os outros todos [eram]
neófitos (Helena Pignatari Werner, entrevista à autora em 19/5/2004).
94
DA CONVIVÊNCIA ESCOLAR PARA AS ENTIDADES ESTUDANTIS:
o Grêmio, a UEO e o CEO
No início dos anos 60, os estudantes secundaristas de Osasco
desempenharam intensa atividade política, tanto que, como informou João
Gilberto Port em entrevista concedida à autora em 8/7/2004, a vitória de sua
candidatura à vereança na primeira eleição municipal, em 1962, só foi possível
porque pode contar com a participação e o apoio daquele segmento.
Em 1963, segundo Eduardo Rodrigues (também entrevistado pela
autora em 8/7/2004), a Câmara Municipal de Osasco chegou a ser paralisada a
partir de uma mobilização que teve início no Grêmio Estudantil do Ceart, contra
o aumento dos salários dos vereadores recém-empossados. Port descreve o
episódio da seguinte forma:
[Foi] a primeira vez que houve na Câmara de vereadores um
grupo cuja maior preocupação era a fixação de subsídios e eu não
concordei com a hipótese e levei para os estudantes. Menina, fizeram
um movimento na porta da Câmara, que se via vereador saindo para
tudo quanto é lado (João Gilberto Port, entrevista concedida à autora em
8/7/2004).
Ele conclui, afirmando que, a partir dessa mobilização, "foi mantido [para
os vereadores] um salário razoável para a época".
Questionada se recordava esse fato, a professora Helena Pignatari
afirmou "— Nós cercamos a Câmara" e acrescentou:
— Aí começam a aparecer as lideranças políticas nas escolas.
Então isso era comentado. Mas na realidade quem morava em Osasco
era eu. E, na hora que os alunos cercaram a Câmara Municipal, o único
professor que estava ali comandando o pessoal era eu, porque eu
morava lá. E a sessão era à noite, então os professores da manhã e da
95
tarde não participaram. Participaram os professores da noite, se
quisessem, mas a escola ficou vazia, eles foram embora. Eu morava lá,
fui com os alunos (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à
autora em 19/5/2004).
Um pesquisador desses eventos comenta:
Quando recém-instalada a Câmara Municipal, que muitos moradores viam como
seu órgão de representação, os vereadores eleitos, em uma de suas medidas
tomadas, decidem fixar os seus vencimentos em nível até duas vezes superiores
aos subsídios dos vereadores da Capital. Imediatamente se desencadeou uma
reação tão forte que os vereadores foram obrigados a voltar atrás na decisão e
adotar um regime de não remuneração durante toda a legislatura daquele ano. Em
menos de 24 horas, noticiada a primeira decisão da Câmara, estudantes e
populares, tendo Reinaldo de Oliveira entre eles, organizaram uma manifestação
que praticamente sitiou a Câmara durante uma de suas sessões, colocando os
vereadores em fuga, ocupando o prédio onde se realizavam os trabalhos do
legislativo e destruindo todo o recinto das reuniões, móveis, cadeiras, etc. Dessa
forma, diante de uma medida que consideraram contrária ao espírito do
movimento, um setor da massa que tinha sido mobilizado pelo movimento reage
através de uma iniciativa que demonstrava que os seus horizontes não se
limitavam às simples reivindicações imediatas nem aos limites do protesto urbano
(Moisés, 1978:353).
A União dos Estudantes de Osasco (UEO) nasceu com a cidade, em
1962, e sua origem foi descrita por Orlando P. Miranda.
A União dos Estudantes de Osasco foi institucionalizada em 1962 pelos mesmos
estudantes que haviam participado do movimento autonomista, e ainda sob sua
inspiração. Só havia ginásios no centro [Ceart] e em Presidente Altino [Gepa],
sendo, portanto, natural que o movimento dos estudantes surgisse como um
desdobramento da conquista da autonomia (Miranda, 1987:47).
Esclareça-se que, nesse relato, Miranda refere-se aos ginásios
estaduais, uma vez que mais duas outras escolas secundárias particulares
atuavam na região central da cidade: o Colégio Nossa Senhora da
Misericórdia, de clientela feminina, e o Colégio Técnico de Contabilidade
Duque de Caxias.
96
Por sinal, essas duas escolas eram constantes rivais do Ceart nas
competições esportivas, e havia uma disputa ferrenha para decidir qual dos
três estabelecimentos mantinha a melhor fanfarra. A fanfarra do Ceart
constituía motivo de orgulho para a escola e era mantida pelo grêmio, que,
conforme a professora Helena Pignatari, se desdobrava para mantê-la: "— O
Grêmio mantinha a fanfarra, a roupa da fanfarra cada um tinha que cuidar da
sua, comprar a sua, que era cara."
Para além das disputas esportivas, havia intensa campanha junto aos
alunos e alunas dessas escolas quando das eleições para a UEO. Em 1963, a
direção da entidade foi disputada por lideranças vinculadas a posições de
esquerda de um lado e, de outro, Francisco Rossi de Almeida, que dispunha de
uma máquina bem montada e se manifestava por meio de um discurso em que
identificava seus opositores como comunistas.
A conexão autonomista desde logo emprestava ao movimento estudantil um
prestígio político institucional, e a UEO cedo tornou-se um aparelho cobiçado. Na
eleição de 1963, Gabriel, com suas correntes de apoio e sua plataforma
reformista, teve de enfrentar um estudante recém-matriculado, Francisco Rossi de
Almeida, que se dizia cristão e, com uma máquina bem montada, levou a
campanha para o plano ideológico. [...] Gabriel venceu, e bem, as eleições. Mas a
tônica da campanha demarcara definitivamente a União dos Estudantes como um
órgão político. A organização de jogos esportivos, o atendimento de problemas
específicos de estudantes locais, embora cuidados, constituíam uma dimensão
secundária da entidade, que atuava principalmente como força política no plano
local, no respaldo à atuação nacional de João Goulart, na conexão e na
organização do movimento estudantil em seu sentido mais amplo. Claro está que,
num primeiro momento, toda essa movimentação era inteiramente distante e
desconhecida do conjunto dos trabalhadores. Estava restrita ainda ao centro, à
política local, aos estudantes. Mas haveria pontos de conexão bastante próximos
(Miranda, 1987:47-48).
Confirmando a crescente importância política da UEO e o papel
desempenhado pelos estudantes na eleição de João Gilberto Port,
transcrevemos a seguir o depoimento de Gabriel Figueiredo:
— Em 1963, eu fui eleito presidente da UEO. Nossa chapa
chamava-se "Ação-63" e vencemos a chapa "Bandeirantes",
97
encabeçada por Francisco Rossi. Em 1962, o movimento estudantil de
Osasco, apesar da UEO já existir, visto que nasceu nas lutas
emancipacionistas, tinha pouca expressão. Nesta época, e nas mãos
dos poucos universitários existentes na cidade, aglutinou-se em torno do
nome de João Gilberto Port e elegeu-o vereador. Port foi um dos
fundadores da UEO e chegou a cumprir vários mandatos como
vereador, chegando até à condição de vice-prefeito de Osasco (Gabriel
Roberto Figueiredo, em depoimento escrito concedido à autora em
7/9/2005).
A sede da UEO funcionava numa rua do centro de Osasco, a Rua
Antonio Agu, e ficava em cima do Bar Central, ponto de encontro dos
estudantes, ao lado do consultório do dentista e professor de Matemática
Fortunato Antiório, que também era tio do Gabriel Figueiredo e, segundo
Eduardo Rodrigues, cedia a sala anexa ao consultório, "talvez porque seu filho
também fosse operário/aluno do ginásio e convinha manter boas relações com
uma entidade que apoiava o governo federal". Em 1963, a UEO obteve um
terreno doado pela Prefeitura para que futuramente construísse sua sede.
A criação do município, em 1962, além de resultar no estabelecimento
de um organismo administrativo local, também acarretou a instalação de uma
sede própria para o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, que, até então,
funcionava como uma seção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo,
dirigida por Conrado Del Papa:
Conrado Del Papa, militante do Partido Socialista, chegou a Osasco como
delegado do Sindicato dos Metalúrgicos da capital para instalar e gerir a subsede
local. Veio no início dos anos 50 e durante toda essa década dirigiu a política
sindical, que consistia fundamentalmente na aplicação da linha mais geral do
sindicato paulistano. Assim, a ação operária não passava por mediações locais
nem tendia a se organizar lutas específicas. A participação concretizava-se em
São Paulo, com as delegações enviadas às assembléias da categoria, as
manifestações da classe, as passeatas de protesto, onde a representação
osasquense, em regra, aparecia como significativa (Miranda, 1987:52).
Miranda acrescenta:
98
Com a autonomia, os sindicatos locais, Papa à frente, trataram de criar o Sindicato
dos Metalúrgicos de Osasco, desligando-se de São Paulo. Puderam ficar no
prédio da Rua Erasmo Braga (que mais tarde foi comprado do Sindicato de São
Paulo) e com algum equipamento (inclusive a lambreta, depois devolvida à
capital), mas tiveram cortada qualquer possibilidade de apoio financeiro. Enquanto
não auferiram recursos próprios pelo pagamento de contribuições e do imposto
sindical, a nova entidade foi virtualmente patrocinada pelo dono de um bar vizinho
ao Sindicato. Em 1963, superados os problemas legais e organizacionais, elegeu-
se a primeira diretoria. Papa tornou-se presidente, em chapa única de ampla
matriz, com o respaldo do Partido Comunista. A Frente [Nacional do Trabalho],
recém-organizada, representou-se na diretoria (através de Roberto, da
Manutenção) e participou de forma expressiva das eleições. A diretoria política,
naturalmente, permaneceu a mesma, voltada para o quadro de amplas alianças e
o chamamento à participação nas causas populares nacionais. Entretanto, o
sindicato passou a buscar de maneira mais intensa a solução dos problemas
específicos das indústrias de Osasco, e a se vincular aos problemas da cidade
(Miranda, 1987:53-54).
Outra entidade de luta que merece destaque nesse período é a Frente
Nacional do Trabalho (FNT), que, a partir de 1962, atuou ao lado do Sindicato
dos Metalúrgicos, representando a forma organizacional para a aplicação da
política operária da Igreja Católica e tendo como seu principal dirigente
Albertino de Souza Oliva, que já havia ocupado o cargo de chefe do
Departamento de Pessoal da Cobrasma e que havia "mudado de lado".
Albertino participou da campanha de Emancipação, retomou os estudos em Direito,
acompanhou os pensadores cristãos, freqüentou a Igreja e suas reuniões. Julgava-se
um bom cristão. Um dia disseram-lhe que não era, e ele ficou pensativo. Com o
tempo, os gritos se espaçaram, o sorriso aumentou, deixando de parecer sarcástico. A
empresa já não podia tê-lo como um executor silencioso de diretrizes superiores;
algumas reivindicações buscavam nele um canal representativo para a negociação.
Em 1962, com a formação da Frente, estimulou e advogou a formação da Comissão
de Empregados (a "Comissão dos Dez") para discutir diretamente os problemas com
a gerência. Um dia ele foi inquirido com propósitos que lhe pareceram claros sobre
quem seriam os autores, os cabeças de determinada reivindicação. Ele se negou a
responder. Mudara de lado e, após um curto exílio no Escritório Central de São Paulo,
foi demitido [da Cobrasma]. No dizer jocoso dos estudantes, o único caso comprovado
de um "estalo de Vieira" (Miranda, 1987:49).
99
Nessas condições,
os três aparelhos — o sindical, o estudantil e a Frente —, adaptados à nova
realidade administrativa urbana, e em fase de instalação e expansão, representam
as diferentes concepções do movimento popular: o Sindicato, e com ele o Partido
Comunista [...]; a Frente e a Igreja [...]; finalmente, a entidade estudantil, [que]
recorre com freqüência às concentrações e passeatas, em geral com o objetivo de
pressionar os poderes públicos locais para fazer pesar sua opinião política
((Miranda, 1987:56).
Nas palavras de Gabriel Figueiredo:
— A partir de 1963, a relação estudantes-operários estreitou-se. A
bem da verdade, já vinham se estreitando desde a campanha para a
emancipação, em que, ao contrário do que muitos pensam e apregoam,
não foi uma campanha exclusiva da burguesia. Liderada por esta, sim,
mas exclusiva, não. E o próprio Partido Comunista Brasileiro, de forma
bem discreta, dela participou, porque entendeu nela uma capacidade de
mobilização de massa até então inexistente na história de Osasco.
Assim, em 1963, pouco antes do golpe, o PCB, que tinha a Secretaria
Geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e na presidência um
aliado fiel, me convida para compor a mesa de debates sobre "A luta da
Classe Trabalhadora", com a presença do então ministro do Trabalho,
Almino Afonso, na qualidade de presidente da União dos Estudantes de
Osasco (Gabriel Roberto Figueiredo, em depoimento escrito concedido à
autora em 7/9/2004).
Para Rizek (1988), o movimento estudantil secundarista de Osasco "não
foi o único berço" de uma "jovem vanguarda", que virá a ser conhecida como o
"grupo de Osasco" e que, em 1968, liderará uma das mais importantes ações
operárias dos anos 60, a greve da Cobrasma, "mas, sem dúvida, foi um ponto
de partida imprescindível":
O movimento estudantil local toma novo fôlego e cresce. É um período de intensa
mobilização que resultará na formação de uma associação regional — o Conselho
Regional dos Estudantes da Baixa Sorocabana. Criam-se grêmios estudantis em
todos os colégios. Entretanto, é preciso distinguir o caráter do movimento
100
secundarista local das mobilizações de São Paulo, que acontecem em colégios com
uma tradição de "ensino crítico", como o Vocacional e o Colégio de Aplicação da
USP. Em Osasco, ao contrário, são escolas públicas com uma composição
marcadamente mais operária que dão impulso a este ascenso (Rizek, 1988:64-65).
Para as eleições da UEO, em 1964, ao final do seu mandato, Gabriel
Figueiredo indicou Helio Bohovsky à sua sucessão. De novo, a disputa foi
contra uma chapa encabeçada por Francisco Rossi.
Segundo Rossi:
— Nós tínhamos também uma postura de esquerda, mas éramos
taxados de direita, porque não entravamos naquele esquema mais
ligado ao Sindicato — liderado pelo Papão [Conrado Del Papa] que,
comentava-se, era do Partidão. O movimento de esquerda estudantil era
muito identificado com a esquerda mais estruturada que era o Partidão,
mas eu confesso que eu não tinha uma visão muito clara a cerca disso.
É comunista: eu tô fora (Francisco Rossi de Almeida, entrevista
concedida à autora em 29/8/2005).
E Eduardo Rodrigues acrescenta:
— O Rossi era funcionário do Bradesco. Conta-se uma história de
que, para se eleger, ele, que era bonitão e encantava as garotas, teria
insinuado junto às alunas do Colégio Misericórdia que estava muito
doente e que logo morreria e que, por isso, precisava vencer as eleições
da UEO, pois era seu último desejo — até onde é verdade ou
imaginação da oposição, não sabemos (Eduardo Rodrigues, entrevista
concedida à autora em 8/7/2004).
Questionado sobre as razões que o teriam levado a ganhar a eleição em
1964, no momento em que há indicações de que a esquerda estava muito forte
na região, Rossi argumenta:
— Tenho a impressão de que os estudantes esperavam alguma
coisa naquele momento — eu não me lembro quais foram as promessas
—, mas era muito difícil fazer alguma coisa, e tinha aquela coisa dos
101
20%, que era o artigo 169 na Constituição, que, se não me engano,
determinava que tinha que se gastar 20% ou 25% no município, eu não
me lembro bem, e na época a Prefeitura de Osasco não investia. Eu
lembro que eu fiz uma campanha em cima disso, e a UEO não fez a
campanha como deveria (Francisco Rossi de Almeida, entrevista
concedida à autora em 29/8/2005).
Figueiredo, por sua vez, vê outros motivos para a vitória do adversário:
— Na eleição de Rossi, eu estava preso, incomunicável, no 4º
Regimento de Infantaria de Quitaúna. A vitória de Rossi se deu devido à
desmobilização do movimento estudantil impactado em grande parte
pela minha prisão. Eles estavam sem rumo e sem liderança. Foi neste
vácuo que Rossi deu grande impulso a sua pretendida carreira política
(Gabriel Roberto Figueiredo, em depoimento escrito concedido à autora
em 7/9/2005).
Como demonstração do grau de importância que o movimento estudantil
secundarista osasquense junto às forças políticas da época, há o fato de que
Gabriel Figueiredo foi o primeiro estudante a ser preso em território nacional,
naquele período (cf. Rizek, 1988: 84).
Com o golpe militar de 1964, quando Rossi era o presidente da União
Estudantil de Osasco, a UNE e suas subsões foram colocadas na ilegalidade,
dissolvendo-se a UEO. Rossi descreve esse episódio da seguinte forma:
— Resolvi fazer uma greve [...] O Marino era o prefeito e tinha
doado um terreno para construir a sede da União dos Estudantes. Como
o governo extinguiu as Uniões Estudantis, o Marino pega o terreno que
era nosso, que tinha até uma escola de madeira em cima, e doou para a
Força Pública. Quer saber de uma coisa? Vamos fazer um movimento
contra a doação para a Força Pública e vamos também fazer um
movimento contra a extinção das Uniões Estudantis. Fizemos uma
convocação dos estudantes e nos reunimos ali onde é o [supermercado]
Jumbo. Juntamos acho que uns 500 estudantes na porta do prédio que
102
tinha sido doado pelo Marino, em regime de comodato, para a Força
Pública. Fizemos um barulho, e a Força Pública veio lá, com uns 200
soldados. Tinha muito soldado, eles vinham em caminhões, e foi todo
mundo caindo fora, todo mundo dando no pé, e só ficamos eu, o Edgar
Domingues e o Zé Maria, ficamos nós três. Chegou uma hora, eles
pegaram a gente e levaram lá para dentro, porque era um quartel
provisório e ficamos lá. Veio o Ubirajara Silveira, que era o comandante
da Polícia Militar [do Exército] do 16º Batalhão. Iam autuar a gente, mas
não autuaram, e daí a gente entrou para aquela "lista negra" de agitador.
Como estavam proibidas as Uniões Estudantis, foi formado o CEO, se
não me engano com o atual secretário da Cultura [de Osasco], o Roque
e ai voltou o Gabriel, aquela turma toda, e nessa altura eu fiquei com
medo mesmo, porque eles iam na minha casa, na Cidade de Deus, e
foram me pegar noite lá. Eu morava com a minha mão, eu não
trabalhava lá, mas meu irmão trabalhava, minha irmã trabalhava. Eles
encostaram lá, um dia, uma kombi na porta da minha casa, 1:30h da
manhã, e fizeram o maior barulho, minha mãe doente, eu fiquei
intimidado e pensei: "Vou parar com esse negócio." Me pagaram uma
vez, ali na Antonio Agu, me colocaram numa kombi, me levaram lá na
delegacia, eu passei a maior vergonha. O dia em que eles foram na
Cidade de Deus foi o dia em que cassaram o Juscelino. Aí eu parei.
Quando surgiu o CEO, eu dei graças a Deus. Passei todo o acervo
documental da UEO para eles — eu nem sei se existe isso ainda hoje. E
me afastei do movimento, porque eu fiquei muito intimidado. Eu estava
namorando, pensando em casar, constituir família, e eu não entrei, mas
por um triz que eu não entrei (Francisco Rossi de Almeida, entrevista
concedida à autora em 29/8/2005).
Com a extinção UEO em 1964, surge o Circulo Estudantil de Osasco
(CEO). Segundo Gabriel Figueiredo, o CEO emergiu "como modelo alternativo
de organização, sem estatuto e registro, funcionando praticamente na
clandestinidade", que, com a passar dos anos e a ação repressiva dos
103
militares, foi aos poucos se dissolvendo, e seus membros se ligando a outras
atividades.
104
ESTUDANTES SECUNDARISTAS NA LUTA CONTRA A DITADURA
Logo após o golpe militar de 1964, o governo municipal de Osasco sofreu
intervenção, com o pretexto de acusações de corrupção e subversão. Em 26 de
maio de 1964, o Exército ocupou o prédio da Prefeitura e acomodou uma
metralhadora na sacada do prédio instalado na rua Primitiva Vianco, próximo à
Estação Ferroviária (cf. Osasco,Secretaria de Educação e Cultura, Departamento
de Cultura, Seção de Memória e Documentação do Museu Dimitri Sansoud de
Lavaud, S/d, Resumo dos fatos históricos de Osasco: 1890-1983).
O prefeito e todos os 23 vereadores foram detidos no quartel de
Quitaúna e, contrariando a Lei Orgânica dos Municípios, os edis foram
libertados apenas para retornar à Câmara, votar a vacância do cargo de
prefeito e empossar o vice-prefeito.
O engenheiro Marino Pedro Nicoletti fora eleito vice-prefeito em eleições
nas quais não havia vinculação de votos entre os candidatos a prefeito e a vice.
Compusera chapa com seu sogro, Antonio Menck, derrotado nas eleições.
Nicoletti era funcionário do Instituto de Polícia Técnica e, "segundo suas palavras
manteve-se alheio a movimentação política, até que foi chamado a assumir a
prefeitura em 29/5/64" (cf. Resumo dos Fatos Históricos de Osasco 1890-1983
(Caderno de Memórias de Osasco, II.). Depois que tomou posse como prefeito,
logo nomeou um "assessor especial" indicado pelo II Exército, o coronel
Domingos Costa Hernandez.
Desenvolveu-se então intensa luta política entre os partidários do prefeito e do
vice-prefeito, e uma grande alternância dos mesmos no poder. Marino Pedro
Nicoletti governa a princípio, de maio de 1964 a janeiro de 1965. Hirant Sanazar
retorna de janeiro de 65 a julho de 65 e Marino Pedro Nicoletti retorna
definitivamente para governar de julho de 65 a janeiro de 1966. Certa feita, por
força de um mandato de segurança, Hirant sanazar governou por apenas 24
horas. A situação era tão estranha que os funcionários e munícipes jocosamente
perguntavam qual era o prefeito de plantão. A 19 de fevereiro de 1966 encerra-se
o mandato da Câmara Municipal e o Dr. Marino Pedro Nicoletti é convidado a
105
assumir o cargo de interventor, ou seja: fazendo leis e executando-as. A partir daí
até a posse do novo prefeito eleito e da nova Câmara de Vereadores, Marino
governou auxiliado por um conselho composto por representantes dos clubes de
servos e entidades de classe (Osasco,Secretaria de Educação e Cultura,
Departamento de Cultura, Seção de Memória e Documentação do Museu Dimitri
Sansoud de Lavaud, S/d, Resumo dos fatos históricos de Osasco: 1890-1983).
Rizek (1988:95) observa que, com a perseguição às antigas lideranças,
"é no movimento estudantil que a questão da redefinição do caráter dos
aparelhos e entidades aparecerá em primeiro lugar em Osasco" e afirma que o
movimento secundarista se rearticulou "mais rápido que o sindicato".
O jornal Primeira Hora, de 20 a 26 de outubro de 1990, em artigo pela
comemoração dos "40 anos de Ceneart", afirma que, "como principal escola da
cidade, [a instituição] agregava os que se dispunham a questionar a
repressão".
Após o golpe militar de 1964, que fechou todas as entidades estudantis, como seu
próprio grêmio e a UEO (União dos Estudantes de Osasco), as paredes do
CENEART transformaram-se em trincheiras libertárias. Estudantes do CENEART
construíram associações, por cursos, reconstruíram seu grêmio e lideraram a
fundação do CEO (Círculo Estudantil de Osasco). Organizaram salões de artes
plásticas, concursos de música, poesia e teatro, que continuaram a revelar novos
artistas (CENEART faz 40 anos pensando no passado, Primeira Hora, 20 a 26 de
outubro de 1990, p. 5).
As ações culturais desempenharam importante papel de mobilização
junto aos movimentos sociais, não só em Osasco, como em todo o Brasil — a
exemplo dos Centros Populares de Cultura (CPC), ligados à União Nacional
dos Estudantes (UNE), que, tendo por base de atuação o teatro de rua,
encenavam peças que tratavam dos acontecimentos do cotidiano e usavam
linguagem popular para atingir o grande público, além de promover cursos,
realizar filmes e documentários, exposições (gráficas e fotográficas) e festivais
de cultura popular, patrocinar gravação de discos e manter publicações. O
objetivo era "contribuir para o processo de transformação da realidade
brasileira, principalmente através de uma arte didática de conteúdo político"
(Paiva, 1973:233).
106
Destacaram-se, também, os Movimentos de Cultura Popular (MCP) de
Recife:
A valorização das formas de expressão cultural do homem do povo e o estímulo ao
desenvolvimento de sua capacidade de criação funcionava no MCP, como a própria
condição de diálogo entre as intelectualidades e o povo: partia-se da arte para chegar
à análise e à crítica da realidade social. A intelectualidade participante devia libertar-se
de todo espírito assistencialista e filantrópico e, sem querer impor seus padrões
culturais, procurar aprender com o povo através do diálogo (Paiva, 1973:237).
Havia ainda o Movimento de Educação de Base (MEB), ligado a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que,
tomando como base a idéia de que a educação "deveria ser considerada como
comunicação a serviço da transformação do mundo". Esta transformação, no
Brasil, era necessária e urgente, e, por isso mesmo, a educação deveria ser
também um processo de conscientização que tornasse possível a transformação
das mentalidades e das estruturas. A partir de então defendia-se o MEB como um
movimento "engajado com o povo nesse trabalho de mudança social",
comprometido com esse povo e nunca com qualquer tipo de estrutura social ou
qualquer instituição que pretendesse substituir o povo” (Paiva, 1973:24).
Encontram-se outras formas de expressão cultural o período, como o
Teatro de Arena e o Grupo Oficina, em São Paulo, e o Teatro Opinião, no Rio
de Janeiro, que encaravam o teatro como ferramenta política capaz de
contribuir para a mudança da realidade brasileira.
Em Osasco, por sua vez, a juventude também se mobilizou em torno das
questões culturais.
Todos lêem a crônica diária de Stanislaw Ponte Preta, sobrinho de Zulmira, a
sabia macrobiótica da Boca do Mato; primo de Altamirando e Rosamundo; a
família do Bom-Senso, do Senso Cínico, da lógica do cotidiano. Lalau, como
podem chamar-lhe os íntimos, pessoas de bom senso, erigiu-se em monumental
consciência crítica da ordem vigente, capaz de desvesti-la das aparências,
desmitificá-la, desmoralizá-la, apenas com as armas do senso comum, utilizado
com uma percepção aguda e um humor irresistível. O regime é, antes de tudo,
ridículo, diz a pena na sua luta contra a espada. E os estudantes, principalmente,
crescem com Lalau, identificam-se, se representam através dele. E também
Carlos Heitor Cony, a partir de "O Ato e o Fato". Mais ainda, Drummond, Manuel
107
Bandeira, Boal, Guarnieri, os trabalhadores da música, Elis Regina. A cultura
parece aos jovens revestir-se de uma inquebrantável dignidade, pela qual se
superam, se apequenam, se desimportam as tiranias maiores. [...] Mais que nunca
é preciso contar, criar, reproduzir. Eurenides, Jesse, que queria ser "gangster",
Paulo Sérgio Machado, o que gostava de olhar as calcinhas das meninas no
recreio, produzem e publicam "O Bacamarte", jornal da escola. Bira escreve; Dudu
prefere o teatro; Marson e Afrânio compõem. E surgem textos lidos nos bares,
passados de mão em mão, depois guardados. Encenam-se peças, shows,
festivais de música. Há a questão do talento, da vocação, mas o ambiente
respalda, mostra receptividade, participa. Agir na cultura e transformar a estrutura
dos valores; é de certo modo, como estar vivo (Miranda, 1987:135).
Com o golpe militar e a intervenção nas entidades representativas dos
trabalhadores, o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco enfrenta uma crise de
representatividade e legitimidade e passa a ter "apenas uma vida vegetativa,
funcionando como órgão assistencial". A maior expressão no movimento
operário local era a comissão de fábrica que atuava no interior da Cobrasma —
empresa da qual grande parte dos funcionários, além de operários, são
estudantes do período noturno do agora Ceneart, pois, com a instalação do
Curso Normal, em 1965, passou a denominar-se Colégio Escola Normal
Estadual Antonio Raposo Tavares.
A comissão de fábrica da Cobrasma, nascida a partir de diretrizes
propostas pela Frente Nacional do Trabalho (FNT), fora aceita pelos dirigentes
da empresa, os quais, antes do golpe militar, acreditavam que seria mais fácil
negociar com um grupo de empregados do que com as delegações de um
sindicato controlado pelo PCB. O que mais tarde se revelou o contrário, pois
permitiu uma forma de organização interna dos trabalhadores totalmente nova
para a realidade local. A partir dessa concessão, foi possível que a organização
operária se consolidasse "pela base", o que permitiu o desenvolvimento de um
movimento operário de características específicas. Essa estrutura
organizacional do operariado de Osasco foi fundamental no processo que
culminou com a greve da Cobrasma, em 1968.
Como o sindicato estava sob intervenção e muitos dos operários eram
também estudantes, tornou-se natural que as discussões sobre questões
108
operárias se confundissem com as discussões estudantis e ocorressem nas
dependências da entidade estudantil que marcava sua resistência ao golpe, ou
seja, o Círculo Estudantil de Osasco (CEO). Tanto que, a nortear a elaboração
do programa proposto pela Chapa Verde que venceu as eleições para a
diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, em 1967, e voltou a dar a
este características de resistência estava "a preservação da unidade que vinha
sendo construída tanto na Cobrasma como no movimento secundarista", como
enfatiza Rizek (1988:116).
Em novembro de 1967, a significativa participação secundarista num
evento promovido contra o arrocho salarial chegou a gerar polêmica entre os
Sindicatos dos Metalúrgicos de São Paulo e de Osasco, quando José Ibrahim,
recém-saído do Ceneart, era presidente da entidade osasquense e, tanto na
comissão de fábrica da Cobrasma, como no próprio Sindicato, destacam-se
nomes vinculados às lutas promovidas pelo CEO, entidade estudantil que
resistia na cidade.
No contexto local, o movimento dos estudantes secundaristas
acabou por se constituir uma escola de militância e de prática política. Os
trabalhadores-estudantes alimentaram também, de forma compatível com a
conjuntura mais geral do seu movimento, uma outra visão de suas entidades
representativas, visão essa que supunha, como forma de viabilizá-las, sua
manutenção na clandestinidade desde a proibição de seus antigos canais de
representação e defesa. É necessário que se recorde que são estes mesmos
estudantes-operários que se integram ao movimento dos trabalhadores da
Cobrasma tentando mudar o caráter da Comissão, e que em função desse
processo posteriormente integram-se na direção do sindicato (Rizek, 1988:126).
É importante lembrar que toda essa mobilização política também foi
possível porque, nas eleições municipais de 15 de novembro de 1966, elegeu-
se prefeito o ex-líder estudantil do movimento emancipacionista, Antonio Guaçu
Dinaer Piteri, do MDB. Guaçu Piteri, como era conhecido, assumiu a Prefeitura
como opositor do regime militar e contou com o apoio expressivo do movimento
estudantil secundarista e do movimento operário local (Osasco,Secretaria de
Educação e Cultura, Departamento de Cultura, Seção de Memória e
109
Documentação do Museu Dimitri Sansoud de Lavaud, S/d, Resumo dos fatos
históricos de Osasco: 1890-1983).
Além de Piteri, vários vereadores foram eleitos com o apoio dessas
forças. Seu vice, João Gilberto Port, como vimos, iniciara sua trajetória política
à frente do grêmio estudantil do Ceneart. Essa tendência persistiria até as
eleições para prefeito de 1969, quando foi eleito, também pelo MDB, o
professor José Liberatti.
O número de habitantes no município de Osasco mais do que dobrou
durante a década de 60, passando de 114.828, em 1960, para 283.073, em
1970 (Sumário de dados do município de Osasco. 1984. Escritório de
Planejamento Integral de Osasco (EPO). Autarquia Municipal. p. 46). O antigo
bairro transformava-se em grande cidade.
O Ceneart também cresceu grandemente nesse período, tanto que em
1967, de acordo com o "Livro de entrega das notas e faltas bimestrais" da
instituição escolar, ali funcionavam 64 classes, em seus três períodos (não
incluídas as classes do curso primário que funcionavam na escola): 10 classes
de 1ª série ginasial; 12 classes de 2ª série do curso ginasial; 12 classes de 3ª
série do ginasial; oito classes de 4ª série do ginasial; quatro classes de 1ª série
do curso científico; três classes de 2ª série do científico; duas classes de 3ª
série do científico; duas classes de 1ª série do curso clássico; duas classes de
2ª série do clássico; duas classes de 3ª série do clássico; duas classes de 1ª
série do curso normal; três classes de 2ª série do normal; duas classes de 3ª
série do normal.
E em 1968 já contava com 4.366 alunos (cf. CENEART faz 40 anos
pensando no passado, Primeira Hora, 20 a 26 de outubro de 1990, p. 5), apesar
do número de escolas secundárias também ter crescido na cidade. Mesmo
assim, no "Livro de candidatos à transferência para o estabelecimento" da
instituição, computamos 306 inscritos em 1967, 561 em 1968 e 669 em 1969.
Em Osasco, aquela década ficou marcada pelos elos que uniram o
movimento operário e movimento estudantil marcadamente secundarista e
suas peculiaridades — de forma tão íntima que, em alguns momentos, "mal se
110
pode afirmar que os dois movimentos são externos um ao outro, tal é o grau de
imbricações e coincidências de atores" (Rizek, 1988:128).
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se examinar o processo de instalação da escola secundária em
Osasco, é importante considerar tanto as especificidades dessa instituição
naquele período, quanto as ações sociais que se desenrolaram na localidade e
deram características próprias a esses episódios.
Em termos de escola secundária, o pequeno número de ginásios
públicos existentes no início dos anos 50 — que gradativamente foram se
multiplicando — fez com que com que, ao final da década, fosse "inegável a
percepção das significativas transformações ocorridas no ensino oficial da
cidade de São Paulo em nível ginasial", embora "o número de escolas
secundárias públicas ainda [fosse] insuficiente para atender à procura que
assumia a cada dia maiores proporções" (Sposito, 1992:75). Aquela unidade
escolar mostrava-se insuficiente para atender a demanda e os exames de
admissão continuaram a excluir uma parcela de candidatos ao ginásio. Mas é
inegável que um contingente estudantil oriundo das camadas operárias da
sociedade local e que antes não tinha acesso à essa escola começa a poder
freqüentá-la, principalmente quando, em 1963, o prédio próprio foi inaugurado.
Apesar de toda a debilidade de infra-estrutura, esse conjunto de
operários/estudantes, que conheciam as dificuldades da vida do trabalho, teve
o privilégio de conviver com um seleto corpo docente que fora formado no
período em que essa função ainda era privilégio de poucos — pois o quadro de
professores da rede pública, em função do reduzido número de escolas, era
pouco extenso e seu processo de seleção podia ser mais rígido, como lembra a
professora Helena Pignatari Werner.
— No começo de 54, eu prestei um concurso público, em que nós
tínhamos uma prova escrita duríssima, uma prova oral em público e uma
aula didática. Então, essa prova foi feita na USP. A aula foi no Colégio
Pedro II, em São Paulo, ali naquele caminho que vai pra Mooca, onde
tem a Secretaria da Fazenda, descendo um pouco, antes da praça, ali
112
tinha o Colégio Pedro II, estadual. Tudo isso com banca. Na prova oral,
nós sorteávamos, 24 horas antes, de uma lista de 40 questões — que
você tinha que preparar as 40, porque te davam 24 horas pra você fazer
uma dissertação sobre um assunto. Isso era público: você subia numa
espécie de um púlpito, expondo, durante 40 minutos, as suas questões,
para ser aprovado (Helena Pignatari Werner, entrevista concedida à
autora em 19/5/2004).
Entre tantos outros, vale destacar o privilégio que aqueles estudantes
tiveram de contar com profissionais do gabarito do professor Emir Macedo
Nogueira, o qual, além de docente de Português no período noturno, atuava
como jornalista no período diurno, chegou a ocupar o cargo de secretário de
Redação na Folha de S. Paulo, foi eleito presidente do Sindicato dos Jornalistas,
em 1981, e, segundo Eduardo Rodrigues "influenciou toda a sua geração".
No início do processo de expansão da escola secundária, que
definitivamente se consolidaria a partir dos anos 70, ainda se encontra a escola
que defende a expressão para a formação crítica.
O ensino público da época, contudo, era de primeira qualidade, superando
largamente as entidades particulares. Logo a disputa por uma vaga num colégio
estadual se transformaria numa verdadeira guerra [...] Desde o final dos anos 50 e
principalmente durante a turbulenta e criativa década de 60, o Ceneart juntou seu
nome à história de Osasco e sua fama ultrapassou os limites da cidade, atraindo
estudantes dos municípios vizinhos e da Capital (CENEART faz 40 anos pensando
no passado, Primeira Hora, 20 a 26 de outubro de 1990, p. 5).
O mesmo periódico, na mesma matéria, afirma que os professores do
Ceneart formaram "a primeira geração de artistas da então nascente cidade de
Osasco".
Junte-se a essas especificidades o fato de que o movimento
emancipacionista que se desenrolou entre 1953 e 1962 proporcionou um
espaço de envolvimento dos estudantes/operários osasquenses com as
questões políticas do lugar, familiarizando-os com a prática de atuar de forma
113
participativa em ações sociais mais amplas. Isso leva a afirmar que, em alguns
momentos, mal se pode perceber um movimento social como externo ao outro.
Para concluir, se não consegui analisar a fundo todos os textos que
pretendia, nem todos os documentos que deveria, nem conversei com todos os
atores desse episódio, pois o tempo e solicitações inesperadas impediram-me
de realizar o projeto que almejava, tenho bem claro que estes obstáculos não
me atingem exclusivamente nem justificam as possíveis falhas. Contudo,
espero que este seja o ponto de partida para desenvolver outras pesquisas e
que as lacunas remanescentes possam ser preenchidas.
114
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119
Anexo 1
DEPOIMENTO DE EDUARDO RODRIGUES (nascimento: dez/42)
- Em 1957, entrou no 1
o
. ginasial noturno, ainda no prédio do Grupo
Escolar Marechal Bittencourt.
- acredita que neste momento já encontrou o grêmio funcionando na
escola.
- Professores que influenciaram a sua geração:
- Emir Macedo – professor de português no período noturno e jornalista
no período diurno:
Chegou a ser Secretário de Redação da Folha de
São Paulo e
Presidente do Sindicato dos Jornalistas
Influenciou a movimentação dos estudantes em
torno do grêmio.
Apesar de polido e reservado, tinha espírito de
liderança forte e era bastante esclarecido, além de
apresentar visão crítica (até por ser jornalista) dos
fatos.
- Hélio de Filosofia – Eduardo não tem certeza, mas parece que veio
transferido do interior por problemas políticos.
as meninas do colégio suspiravam por ele, o que
causava a ira dos alunos que, apesar de admirá-lo,
o viam como um rival.
era comunicativo e expansivo.
casou-se com uma aluna (das mais cobiçadas) do
colégio.
120
- Contou uma história do prof. Emir, bastante pitoresca:
... o portão do colégio fechava às 19 horas e depois disso ninguém mais
entrava.
Certo dia um aluno foi pego pelo inspetor (sr. Mane – apelido: Compostura)
ao pular o muro para entrar no colégio e foi levado para a diretoria onde
recebeu uma suspensão.
O professor Emir, que não costumava ser de espalhafatos, tomou as dores
do aluno e foi à diretoria onde argumentou com o diretor (Walter Silvio
Dominas), que não havia lógica aquela punição, uma vez que, pela primeira
vez um aluno pulava o muro para entrar na escola e não para sair.
- Além dos alunos do ginásio estadual, havia ainda secundaristas de dois
outros colégios particulares locais:
Colégio Nossa Senhora da Misericórdia (as meninas que
podiam pagar) fundado por freiras, em 1943, e que
formava normalistas (quem não podia pagar o Misericórdia
tinha que ir estudar o normal no Colégio Anhanguera, que
ficava na Lapa)
Colégio Duque de Caxias (os meninos que podiam pagar),
que formava técnicos em contabilidade.
- Ser estudante secundarista representava status junto aos jovens da
localidade.
- Quem não passava no exame de Admissão do GEART virava paria
local, ninguém dava prestígio.
- Só se projetava na sociedade entrando no ginásio.
- As meninas só queriam namorar os meninos que estivessem no ginásio.
121
- Quem não tinha dinheiro, tinha que se projetar intelectualmente para
fazer parte da elite.
- No ginásio encontrava-se o filho do comerciante, do sapateiro, do
operário, e todos tinham por ideal o reconhecimento intelectual.
- As classes eram heterogêneas, pois as mais diferentes faixas etárias
estudavam juntas no noturno (de 11 a 40, 50 anos), mãe e filha
chegaram a estudar na mesma classe.
- No movimento pela emancipação de Osasco, que durou de 1953 a
1962, existe a participação dos estudantes da escola, muitas vezes
influenciados pelos professores ou por grande parte desses alunos que
já era bastante adulto para entender o que se passava na política local.
- A UEO é anterior ao CEO – parece que o CEO foi criado quando a UNE
caiu na ilegalidade e, portanto, caiu também as UEE’s,
Nessa época já existiam outros ginásios em Osasco: pelo
menos o GEPA já existia.
Em 63, o grêmio do CEART paralisou a Câmara de
Osasco contra o aumento dos salários dos vereadores
recém-empossados em Osasco.
Em 1963, o presidente era o Gabriel Figueiredo.
A sede ficava na Rua Antonio Agú, em cima do bar Central
(ponto de encontro dos estudantes).
A sede ficava ao lado do consultório dentário do Dr.
Fortunato Antiório, que cedia a sala para a UEO. Ele foi
professor de matemática do ginásio e fazia parte do Rotary
Club local e, ainda, tinha um filho que trabalhava na
Cobrasma durante o dia e à noite era estudante do ginásio
(José Antiório – apelido: Pingüim - é presidente do Rotary
Club ainda hoje).
Era período do governo Jango e a UEO apoiava o governo.
122
A UEO sofria influência da célula do PC em Osasco (Papa,
Lino, Sergio Zanardi).
Por que um Rotariano (que não era PC, é claro) cederia
uma sala para a UEO?
Talvez porque seu filho também fosse operário/aluno do
ginásio e convinha manter boas relações com uma
entidade que apoiava o governo federal.
As eleições para a UEO eram disputadas e as chapas
faziam campanha tentando ganhar adeptos, além do
CENEART, nas outras escolas locais como: GEPA,
Misericórdia e Caxias.
Em 1964, no fim do mandato do Gabriel, que indica o Helio
Bahovski como candidato à sucessão, aparece como
oposição a essa chapa: Francisco Rossi de Almeida.
O Rossi era funcionário do Bradesco. Conta-se uma
história que para se eleger, ele, que era bonitão e
encantava as garotas, teria insinuado junto às alunas do
Colégio Misericórdia que estava muito doente e que logo
morreria e que, por isso, precisava vencer as eleições da
UEO, pois era seu último desejo - até onde é verdade ou
imaginação da oposição não sabemos.
Em 1966, Guaçu sai candidato a prefeito de Osasco e
recebe o apoio dos estudantes de Osasco e se elege.
- Com a UNE na ilegalidade nasce o CEO
Em 68, o presidente era o Eduardo, que já cursava a USP
e seu vice era o Zequinha Barreto (José Campos Barreto).
A cúpula do movimento estudantil em Osasco já estava na
universidade, mas ainda carregava origem secundarista e
mantinham elos com os secundaristas locais.
No governo Guaçu Piteri, a prefeitura pagava o aluguel do
CEO que ficava na Rua Antonio Agú, quase esquina com a
123
Marechal Rondon, numa sala no primeiro andar de um
prédio comercial.
Roque participa do CEO (tinha origem no ginásio do
Helena Maria e depois o GEPA e CENEART).
Luizão foi liderança e veio do Julia Lopes de Almeida, no
Rochdale.
Do Caxias vieram: Antonio Salgueiro e João de Deus
Pereira Filho.
Antes disso, ainda quando UEO, já se buscava forças junto
às escolas particulares (Misericórdia e Caxias) e estaduais
que começam a funcionar.
68 – invasão do CEO pela repressão.
. Osasco já tinha 2 grandes escolas públicas (CENEART e GEPA), além das 2
particulares.
. Os jovens de Osasco normalmente trabalhavam como funcionários do
Bradesco ou das metalúrgicas (principalmente grupo Cobrasma).
. Essas duas frentes tinham 2 sindicatos fortes (metalúrgicos e bancários).
124
Anexo 2
ENTREVISTA COM FRANCISCO ROSSI DE ALMEIDA, REALIZADA EM
29/08/05
- Concluiu o Curso Ginasial, em 1955, no G. E. de Agudos, tendo cursado
o 1
o
. semestre do 3
o
. ginasial no GEART, Osasco.
- No começo de 1956 mudou-se para Osasco.
- Primeiramente fez Curso Técnico de Contabilidade, em São Paulo.
Trabalhava no Bradesco, à tarde, e fazia curso técnico pela manhã. Nos
dois últimos anos trabalhava durante o dia, no Bradesco, e fazia o curso
à noite.
- Fez curso técnico de contabilidade seguindo os passos do pai, que
também foi contador e bancário, além de lecionar em curso preparatório
para concursos.
- Depois, em 1963, começou o Curso Clássico no CENEART, como
preparatório para ingressar na faculdade de Direito.
- No segundo Clássico prestou vestibular para a Faculdade de Direito e
entrou em São José dos Campos, abandonando o curso Clássico.
PERGUNTA - Havia atividades, na escola, no final de semana?
RESPOSTA - Não me lembro – se tinha eu não participava. Não participava,
seguramente, eu não participava.
PERGUNTA - Você diria que o Curso Clássico influenciou a sua cidadania?
RESPOSTA - Influenciou porque naquela época se discutia muito política
dentro da escola, a gente participava de muitos movimentos contra o governo,
contra o prefeito – e havia uma corrente de esquerda muito forte no CENEART
e eu não gostava muito dessa posição de esquerda radical, eu era mais
moderado e eu era taxado de direita, porque não fazia parte daquele
movimento estudantil que freqüentava o sindicato dos metalúrgicos.
125
PERGUNTA - Você tinha alguma filiação partidária?
RESPOSTA - Não – eu tinha assim uma visão – talvez influenciada pelo
interior - contra o comunismo – eu tinha uma visão distorcida do que seria o
comunismo.
- Porque meu pai era do Partido Comunista e a gente sofreu muito dentro de
casa – eu não tenho muito clara essa participação dele, mas eu me lembro que
a gente comentava que ele era comunista e a minha mãe, o pessoal dentro de
casa detestava isso.
PERGUNTA - Qual era o seu grupo dentro da escola?
RESPOSTA - Eu liderava um grupo que tinha o Alexandre (não se lembrou do
sobrenome), o Lincon, que depois entrou na esquerda bem radical e o
Espinosa. Era um grupo mais moderado.
- Nós tínhamos também uma postura de esquerda, mas éramos taxados de
direita, porque não entravamos naquele esquema mais ligado ao sindicato -
liderado pelo Papão que, comentava-se era do Partidão.
PERGUNTA - Havia linha divisória entre o movimento operário e o movimento
estudantil ou era um movimento só?
RESPOSTA - O movimento de esquerda estudantil era muito identificado com
a esquerda mais estruturada que era o Partidão, mas confesso que eu não
tinha uma visão muito clara a cerca disso. É comunista: eu tô fora.
- Depois eu vi quanto equivoco cometi achando que era uma coisa e era outra.
O Papão era um idealista, era uma pessoa que lutava pelos direitos dos
operários, se posicionou contra o governo militar e eu tive aquela coisa de me
filiar pelo movimento estudantil – como o pessoal mais de esquerda se filiou ao
MDB, e como eram dois partidos, eu acabei me filiando à ARENA, pois nasceu
em mim o desejo de disputar as eleições em Osasco e eu fui parar na ARENA
– tive a maior dificuldade para ser candidato porque eu era tido como de
esquerda. Dentro da ARENA eu era tido como comunista. Tive a maior
dificuldade, não foi fácil conseguir a candidatura. Fizeram a intervenção na
126
ARENA para que fosse o Enio Grup candidato, no meu lugar, e nós ganhamos
aquela convenção. Eles achavam que a gente era comunista – agitador.
PERGUNTA - Você tinha participação no Grêmio, na Fanfarra...?
RESPOSTA - Eu gostava da Fanfarra e tudo que eu podia fazer para ajudar a
Fanfarra – era o Helio Barrovisk que dirigia a Fanfarra – Tinha um pessoal legal
na Fanfarra, mas eu nunca tive vontade de participar porque era um regime
quase que militar a Fanfarra e o HB era severo – era quase que militar, tinha
que marchar era muito bem organizada e a Fanfarra do CENEART era
maravilhosa.
PERGUNTA - Você ganhou a presidência da UEO ou do CEO?
RESPOSTA - Da UEO. Eu disputei a eleição de 63, perdi para o Gabriel. Mas
aí o pessoal da esquerda, que era ligado ao sindicato, acabou tendo problemas
com o exército, eu não me lembro bem quem foi que criou caso com eles. Eles
tinham problemas, parece que foram presos, eu não me lembro bem e eu tinha
problemas com a Força Pública – era uma coisa interessante, porque o
exército não sei porque motivo foi para cima do pessoal do PC e como eu não
tinha vínculo com o PC a Força Pública veio para cima de mim. A ponto de ir à
minha casa, me levar para a delegacia, me deixar lá à noite. Uma coisa muito
interessante.
- Disputamos as eleições em 63 e perdemos por poucos votos e aí em 64
tornei a disputar a eleição e ganhamos estourado.
PERGUNTA - A que você atribui ter ganho a eleição em 64, quando temos uma
série de indicativos de que a esquerda estava muito forte na região?
RESPOSTA - Tenho a impressão de que os estudantes esperavam alguma
coisa naquele momento – eu não me lembro quais foram as promessas – mas
era muito difícil fazer alguma coisa e tinha aquela coisa dos 20%, que era o
artigo 169 na Constituição, que se eu não me engano, determinava que tinha
que se gastar 20% no município, eu não me lembro bem ou 25%, e na época a
127
prefeitura de Osasco não investia. Eu lembro que eu fiz uma campanha em
cima disso e a UEO não fez a campanha como deveria.
PERGUNTA - Você teve algum apoio nessa campanha?
RESPOSTA - Não, eu tive o mesmo apoio – tinha o Bradesco que fazia
material para o Gabriel e fez para mim também – eu fui cobrar lá no Banco,
porque se ele fez para eles eu quero também.
PERGUNTA - A que você atribui o fato do Bradesco fazer esse material?
RESPOSTA - É uma coisa curiosa, na época eles ajudavam todo mundo. Se
aparecesse alguém pedindo alguma coisa lá, eles ajudavam – se aparecesse
um jornal, eles ajudavam – se fosse movimento estudantil, eles ajudavam – eu
senti que o Bradesco queria ter uma interação com a comunidade de Osasco.
- Porque a Cidade de Deus por ser dentro de Osasco – O Amador Aguiar
apoiava todo mundo, se você fosse lá pedir móveis, por exemplo, um
movimento de jovens, ele dava. Impressionante. Até hoje eu tenho uma
imagem muito boa do Bradesco. Eu soube que eles tinham feito o material para
o pessoal lá, pelo menos era o que se comentava na época – e deve ter feito
porque eles fizeram para mim também.
PERGUNTA - Onde você trabalhava nessa época?
RESPOSTA - Eu trabalhava, não me lembro, eu tive tanto emprego –
provavelmente, em 64, acho que eu trabalhava na Brown Boveri – precisaria
ver.
PERGUNTA - Como se deu essa passagem de UEO para CEO?
RESPOSTA - Quando eu tava como presidente da UEO, veio o governo e
dissolveu a União Estudantil. Resolvi fazer uma greve que desse uma
conotação, primeiro: O Marino era o prefeito e tinha doado um terreno para
construir a sede da União dos Estudantes, como o governo extinguiu as Uniões
Estudantis. O Marino pega o terreno que era nosso, que tinha até uma escola
de madeira em cima, e doou para Força Pública. Quer saber de uma coisa,
128
vamos fazer um movimento contra a doação para a Força Pública e vamos
também fazer um movimento contra a extinção das Uniões Estudantis e
fizemos uma convocação dos estudantes e nos reunimos ali onde é o Jumbo.
Juntamos acho que uns 500 estudantes na porta do prédio que tinha sido
doado pelo Marino, em regime de comodato, para a Força Pública. Fizemos um
barulho e a Força Pública veio lá com uns 200 soldados, tinha muito soldado,
eles vinham em caminhões e foi todo mundo caindo fora, todo mundo dando no
pé e só ficamos eu, o Edgar Domingues e o Zé Maria, ficamos nós três.
Chegou uma hora eles pegaram a gente e levaram lá para dentro, porque era
um quartel provisório e ficamos lá. Veio o Ubirajara Silveira que era o
comandante da Polícia Militar, do 16.
o
Batalhão. Iam autuar a gente, mas não
autuaram e daí a gente entrou para aquela lista negra de agitador.
- Como estava proibida as Uniões Estudantis foi formado o CEO, se não me
engano com o atual Secretário da Cultura, o Roque e ai voltou o Gabriel –
aquela turma toda, e nessa altura eu fiquei com medo mesmo, porque eles iam
na minha casa, na Cidade de Deus, e foram me pegaram à noite lá.
- Eu morava com a minha mãe, eu não trabalhava lá, mas meu irmão
trabalhava, minha irmã trabalhava – eles encostaram lá, um dia, uma Kombi na
porta da minha casa, 1:30 da manhã e fizeram o maior barulho, minha mãe
doente, eu fiquei intimidado e pensei vou parar com esse negócio – me
pagaram uma vez ali na Antônio Agu, me colocaram numa Kombi, me levaram
lá na delegacia, eu passei a maior vergonha. O dia que eles foram à Cidade de
Deus foi o dia em que caçaram o Juscelino. Aí eu parei, quando surgiu o CEO,
eu dei graças a Deus.
- Eu passei todo o acervo documental da UEO para eles – eu nem sei se existe
isso ainda hoje. E me afastei do movimento, porque eu fiquei muito intimidado.
- Eu tava namorando pensando em casar, constituir família e eu não entrei,
mas por um triz que eu não entrei.
PERGUNTA - Esse movimento era majoritariamente secundarista ou ele já
tinha uma participação universitária?
129
RESPOSTA - Totalmente secundarista – pelo que eu me lembro eu só via
secundarista, eu não via universitários – era um movimento eminentemente
secundarista – não tinha participação – Você quase não conhecia universitário
– era raro ver-se um universitário.
PERGUNTA - Havia muitos militares estudando no Colégio em função dos
quartéis da região – como era o relacionamento com os alunos?
RESPOSTA - Muitos vinham até uniformizados, mas eu não me lembro muito
bem como era – era normal.
PERGUNTA - Como era o relacionamento dos alunos com os professores?
RESPOSTA - Excelente. Tem alguns professores que a gente até forçava a
barra para estar com eles, por exemplo: eu ia à casa da Helena Pignatari, que
era uma pessoa muito culta, que fascinava a gente, mas ela não ia muito com a
minha cara, não. Ela já era uma pessoa marcadamente de esquerda e já
tinham me carimbado como uma pessoa de direita, eu notava que havia uma
resistência à minha presença lá, mas ia porque tinham umas pessoas com
quem eu tinha bom relacionamento e que eram familiares dela, então eles me
convidavam e eu ia.
PERGUNTA - Havia livros didáticos – quais eram as leituras que vocês faziam
na escola?
RESPOSTA - Estudava-se francês, inglês, latim – eu sou um devorador de
livros – eu aprendi a ler no ginásio e depois me apaixonei pela leitura.
PERGUNTA - Qual era a qualidade dessas leituras?
RESPOSTA - Excepcional, literatura de autores franceses, ingleses, coisa de
altíssimo nível – não era livrinho, não – eu lia muito um negócio chamado
Tesouro da Juventude. Porque meu primo tinha uma condição financeira boa,
tinha essa coleção e o tempo que eu morei com eles e depois eu ia lá para
pesquisar nesse Tesouro da Juventude – não tinha essa coisa de enciclopédia
Barsa de fácil acesso como é hoje. A gente lia os prêmios nobeis de literatura.
130
PERGUNTA - E a vida com a comunidade, em relação aos bailes, às festas,
teatro, cinema, qual era a relação da escola com tudo isso?
RESPOSTA - Tudo tava dentro da escola, nascia dentro da escola – o Clube
Paulistinha – depois a UMO – União da Mocidade Osasquense. Tinha origem
na escola. Dentro da Escola. A escola era forte.
PERGUNTA - Como era a relação na escola entre os alunos filhos dos
operários e os demais?
RESPOSTA - Uma coisa excepcional, porque não tinha diferença – ninguém
enxergava essa diferença. Podia até ter gente rica, nunca a gente identificou
ninguém rico dentro da escola. Todos alunos, simplesmente alunos. Ninguém
queria saber se era da família tal e isso já tinha no interior, onde os filhos das
famílias mais ricas da cidade estavam na escola pública. Tinha a escola
particular e quem queria ser professor ia para a escola normal. Todo mundo
sabia quem era quem, mas todo mundo se tratava igual.
PERGUNTA - Você tinha 23 anos quando entrou no Clássico, já tinha feito um
curso técnico e com certeza tinha colegas de classe com menos idade, como
se dava essa convivência?
RESPOSTA - Havia uma coisa muito interessante, nós só notávamos quando a
pessoa tinha mais de 30 anos, que era considerada velha. O relacionamento
era igualzinho, porque as meninas saíam do ginásio com 14, 15 anos e
entravam no Clássico com 16 anos – para 23 anos – sete anos – diferença
nenhuma. A gente não achava que havia uma diferença. Tanto que eu fiz
grandes amizades naquela época com mulheres e havia amizades sinceras. Eu
tinha algumas amizades femininas e eu as tinha como minhas irmãs.
PERGUNTA - E na militância, havia muitas mulheres?
RESPOSTA - Elas eram meio tímidas na política estudantil – era mais coisa
para homem – era uma ou outra que participava.
131
PERGUNTA - Você teve alguma participação no movimento de emancipação?
RESPOSTA - Não, eu fui apenas um espectador. Eles me convidavam para ir
ao cineminha da igreja e eu ia, mas até hoje eu não me lembro se fui contra ou
a favor. Eu era apenas um mero observador. Não era uma coisa que me
afetava porque eu tinha uma vida assim, primeiro eu morava na Cidade de
Deus, depois eu morei ali na Campesina. – Eu trabalhava em São Paulo – me
lembro, eu morava em São Paulo, nessa época.
PERGUNTA - Você vê alguma importância do movimento secundarista junto
aos movimentos sociais da década de 50/60?
RESPOSTA - Importância tremenda. O movimento estudantil secundarista era
muito articulado, tinha boas lideranças. Pessoal muito articulado, inteligente,
criativo. Hoje somos todos amigos, nós queríamos todos a mesma coisa, só
queríamos chegar lá de maneira um pouco diferente.
- Outra coisa, os professores eram excepcionais, eles estão marcados na
memória desses estudantes, a Helena Pignatari, o professor Emir, o professor
Alcyr Porciúncula, têm outros que agora a memória não ajuda a lembrar, mas
havia outros professores excepcionais. Tinha a professora Laura, excepcional,
ela me despertou o gosto pela literatura clássica. Eram professores fantásticos,
gênios.
132
Anexo 3
- DEPOIMENTO DE GABRIEL ROBERTO FIGUEIREDO
ESTUDANTES DE OSASCO
- Respostas às questões de Sonia Regina Martim solicitadas a Gabriel Roberto
Figueiredo
PERGUNTA - Quem fazia curso secundário antes da instalação do GEO –
Ginásio Estadual de Osasco?
RESPOSTA - Quando cheguei em Osasco, em 1954, o GEO já existia, há
cerca de 2 anos, se não me engano.
PERGUNTA - Com que objetivo fazia-se o secundário? Quais eram as
expectativas de quem concluía o colégio?
RESPOSTA - O objetivo de fazer o curso secundário era o de se qualificar para
o mercado de trabalho, sobretudo técnico de nível médio. Ingressar na
Universidade ainda não era ambição maior.
PERGUNTA - Houve envolvimento dos alunos do ginásio na luta pela
instalação do município?
RESPOSTA - Sim, os estudantes secundaristas de Osasco, dentre os quais
me incluo, participaram ativamente dos movimentos emancipacionistas. João
Gilberto Port, mais tarde vereador e vice-prefeito da cidade, foi a liderança
maior deste segmento.
PERGUNTA - Como foi seu envolvimento com o plebiscito de 58 e a luta que
se segue? Segundo Moises, a orientação do PC era a de que essa era uma
luta de burgueses e que, portanto, não deveria envolver seus membros – é
verdade?
133
RESPOSTA - Os comunistas de Osasco participaram do movimento. Sergio
Zanardi, ao lado de Lino Ferreira dos Santos foram seus principais ativistas.
Conrado del Papa, que transitava muito bem entre o PSB e o PCB, assim como
o líder ferroviário Reginaldo Valadão também pontuaram... A liderança do
movimento, no entanto, estava sendo conduzida por empresários,
comerciantes e profissionais liberais. Dentro desta liderança encontrava-se
alguns simpatizantes do PCB. O principal deles era o ilustre médico Edmundo
Burjato, que chegou a participar de algumas reuniões do Partido na sua sede
clandestina, pois era ilegal antes mesmo do golpe militar, situada na Avenida
João Batista, esquina com a rua do Mercado Municipal. Dr. Edmundo também
contribuiu para as finanças do partido. Eu, particularmente, com 15 anos de
idade participei do movimento e foi neste contexto e no contexto metalúrgico
(eu já era funcionário da CIMAF), que fui cooptado, por Sergio Zanardi, para as
fileiras do Partido Comunista Brasileiro.
PERGUNTA - Como foi o envolvimento dos alunos do CENEART na luta pela
emancipação?
RESPOSTA - Vários alunos secundaristas participaram das lutas pela
emancipação de Osasco.
PERGUNTA - Os alunos tinham atividades nos finais de semana: - como eram
essas atividades? - Quem os acompanhava?
RESPOSTA - As escolas abriam suas portas para atividades culturais e
recreativas. Era comum também a formação de grupos de estudos de fins de
semana, sobretudo para os alunos do noturno que precisavam colocar as
matérias em dia, pois não tinham tempo durante a semana.
PERGUNTA - Como a escola influenciou na sua cidadania?
RESPOSTA - Do ponto de vista institucional acredito que a minha família de
origem, a escola e o trabalho me conferiram a consciência de cidadania. Minha
militância no PCB estruturou esta consciência. Lamento quando vejo jovens
134
nos dias de hoje sem militância e, portanto, sem causa. O mundo alienado das
drogas e da violência social tem tudo a ver com isso.
PERGUNTA - Quem eram os professores e qual o papel/importância destes na
formação política dos alunos?
RESPOSTA - Dentre vários, vou citar três pela influência maior: Josué Augusto
da Silva Leite (História); Helena Pignatari Werner (História) e Emir Macedo
Nogueira (Português).
PERGUNTA - Como era o relacionamento entre alunos e professores e/ou
professores/ professores?
RESPOSTA - Relacionamento cordial, solidário, de camaradagem.
PERGUNTA - Como era o relacionamento entre os alunos?
RESPOSTA - Relacionamento de amizade e companheirismo. Competição,
ciúme e inveja eram sentimentos perceptíveis. Também ora, estamos tratando
de seres humanos.
PERGUNTA - Havia livros didáticos? Quais?
RESPOSTA - José Cretella Júnior (Latim), Osvaldo Sangiorgi (Matemática) e
Hadock Lobo (História) foram os que mais me marcaram.
PERGUNTA - Que livros e/ou textos eram utilizados em aula?
RESPOSTA - Machado de Assis era fundamento. Depois vinha Graciliano
Ramos, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, José de Alencar e outros. Dentre os
portugueses Fernando Pessoa e Padre Antonio Vieira marcaram forte
presença. Na literatura internacional clássica pelo menos três obras são
inesquecíveis: "Os miseráveis", de Victor Hugo; "Crime e Castigo" de Fiódor
Dostoiévski e Cândido, de Voltaire, não se constituíam leitura obrigatória, mas
foram estimuladas, no científico.Para mim, particularmente, que tive o privilégio
de ingressar ainda jovem, aos 15 anos, no PCB, acabei sendo contemplado
com leituras complementares de Marx, Engels, Lênin, Goethe, Nietzsche,
135
Gramsci, Sartre... Lembro-me que uma semana antes de prestar vestibular
para a Faculdade de Medicina, suspendi todos os meus estudos de física,
química, matemática, biologia, português e outras matérias para ler,
intensamente, "Assim falava Zaratustra".
PERGUNTA - Como era seu relacionamento com os professores, com o
Grêmio, Fanfarra, UEO, etc?
RESPOSTA - Meu relacionamento com estes grupos sempre foi bom e
produtivo. Da UEO inclusive fui eleito presidente em 1963, em acirrada disputa
eleitoral com Francisco Rossi de Almeida, que alguns anos depois seria eleito
prefeito de Osasco e que a partir de então emergiu para uma carreira política
até hoje destacada.
PERGUNTA - Quando surgiu a UEO e quando e porque ela foi substituída pelo
CEO? Onde ficavam? Quem e como se pagava o aluguel?
RESPOSTA - A UEO (União dos Estudantes de Osasco) foi extinta em 1964,
alguns meses após o golpe militar. O CEO (Círculo Estudantil de Osasco),
surge como modelo alternativo de organização, sem estatutos e registro,
funcionando praticamente na clandestinidade. A UEO tinha como sede um
cômodo cedido pelo professor de matemática do CENEART e conceituado
cirurgião dentista de Osasco, militar da reserva, Fortunato Antiório, um dos
principais líderes do movimento emancipacionista. Este cômodo fazia parte de
uma área onde funcionava seu consultório privado, na rua Antonio Agú. No
andar de baixo havia um bar muito freqüentado pelos estudantes do noturno,
após as aulas. Chamava-se "Bar Central". Fortunato Antiório tinha simpatia
pelos estudantes e, além disso, era casado com minha tia, Maria Figueiredo
Antiório, irmã do meu pai. Penso que esta simpatia e este parentesco foram
decisivos para ele ceder, gratuitamente, o cômodo para a sede da UEO.
Também, momentos decisivos da participação estudantil nos movimentos
políticos e sociais da primeira metade da década de 1960, tiveram suas
resoluções saídas de grandes discussões no Bar Central.
136
PERGUNTA - Como se deu a extinção do CEO?
RESPOSTA - Por ocasião da extinção do CEO eu já estava praticamente na
clandestinidade. Já havia sido preso duas vezes, na segunda com preventiva
decretada e aguardando julgamento em liberdade devido a graves erros
técnicos e éticos cometidos pelos militares responsáveis pelo IPM (Inquérito
policial militar) e que para minha sorte envolvia figuras importantes tais como o
ex-prefeito de Osasco Hirant Sanazar, o próspero dono do Bradesco, Amador
Aguiar, entre outros. A bem da verdade acredito, hoje, que os erros cometidos
pelos militares moralizadores da época foram mais éticos do que técnicos. Eu
já não morava mais em Osasco. Minha família mudou-se para a região do
Horto Florestal, na zona norte da capital. Cheguei a Ter contatos esporádicos
com Orlando Miranda, José Campos Barreto, Eduardo Rodrigues e Nilton
Landa sobre o CEO. Na minha memória o CEO foi se dissolvendo e seus
membros se ligando a outras atividades. Penso que antes mesmo de 1968 o
CEO já havia declinado. E de todos os companheiros e camaradas deste
período, ainda retorna na minha mente, como um "flash-back", o jovem poeta
Barreto, estudante do GEPA (Ginásio Estadual de Presidente Altino), alguns
anos depois assassinado no sertão baiano ao lado do seu compatriota Carlos
Lamarca.
PERGUNTA - Como você explica a derrota para o Rossi na eleição do CEO? –
(pág 94 da Saliba tem uma explicação – será que é valida?).
RESPOSTA - O Francisco Rossi de Almeida, se não me engano, nunca
disputou eleição para o CEO. Ele foi eleito presidente da UEO em 1964, logo
após o golpe militar. Foi candidato de chapa única. Na eleição de Rossi eu
estava preso, incomunicável, no 4
º
Regimento de Infantaria de Quitaúna. A
vitória de Rossi se deu devido à desmobilização do movimento estudantil
impactado em grande parte pela minha prisão. Eles estavam sem rumo e sem
liderança. Foi neste vácuo que Rossi deu grande impulso a sua pretendida
carreira política e alguns anos depois elegeu-se prefeito. Aproveito também
este depoimento para lembrar que apesar da minha trajetória ideológica ter
sido contrastante com a de Rossi, NÃO TENHO NENHUM INDÍCIO DE QUE
137
ELE ME "DEDOU" PARA OS MILITARES, COMO FOI AMPLAMENTE
DIVULGADO. FUI PRESO PORQUE EU ERA FIGURA PÚBLICA E OCUPAVA
UMA FUNÇÃO INDESEJÁVEL PELA DITADURA. PENSO QUE É INJUSTO
ATRIBUIR AO ROSSI ESTE COMPORTAMENTO DE DELATOR. ELE JÁ
SABE DESTA MINHA OPINIÃO, POIS CONVERSAMOS PESSOALMENTE A
RESPEITO.
PERGUNTA - Qual foi sua atuação e dos alunos nas eleições de 62?
RESPOSTA - Em 1963 eu fui eleito presidente da UEO. Nossa chapa
chamava-se "Ação-63" e vencemos a chapa "Bandeirantes", encabeçada por
Francisco Rossi. Em 1962, o movimento estudantil de Osasco, apesar da UEO
já existir, visto que nasceu nas lutas emancipacionistas, tinha pouca expressão.
Nesta época, e nas mãos dos poucos universitários existentes na cidade,
aglutinou-se em torno do nome de João Gilberto Port e elegeu-o vereador. Port
foi um dos fundadores da UEO e chegou a cumprir vários mandatos como
vereador, chegando até à condição de vice-prefeito de Osasco.
PERGUNTA - Qual foi sua atuação e dos alunos na manifestação contra o
aumento dos salários dos vereadores?
RESPOSTA - Liderei as manifestações contra o aumento dos salários dos
vereadores. Não achava justo, e entendia estar representando a indignação
pública, inconformada de que a primeira preocupação dos edis de um nascente
município fosse a de aumentar os seus próprios salários. Junto com meus
companheiros estudantes e sindicalistas promovemos greves e movimentos
populares.
PERGUNTA - Como era a relação entre escola-sindicatos-sindicalistas?
RESPOSTA - A partir de 1963 a relação estudantes-operários estreitou-se. A
bem da verdade elas já vinham estreitando-se desde a campanha para a
emancipação, onde ao contrário do que muitos pensam e apregoam que foi
uma campanha exclusiva da burguesia. Liderada por ela sim, mas exclusiva
não. E o próprio Partido Comunista Brasileiro, de forma bem discreta, dela
138
participou, porque entendeu nela uma capacidade de mobilização de massa
até então inexistente na história de Osasco. Assim, em 1963, pouco antes do
golpe, o PCB que tinha a Secretaria Geral do Sindicato dos Metalúrgicos de
Osasco e na presidência um aliado fiel, me convida para compor a mesa de
debates sobre "A luta da Classe Trabalhadora", com a presença do então
Ministro do Trabalho, Almino Afonso, na qualidade de presidente da União dos
Estudantes de Osasco.
PERGUNTA - Como era a relação entre a escola e a vida social da
comunidade? (bailes, festas etc).
RESPOSTA - Era comum festas, bailes e atividades esportivas.
PERGUNTA - Como eram as relações entre a escola e vida cultural de
Osasco? (teatro/cinema).
RESPOSTA - Teatro e cinema eram objetos de freqüentes discussões.
PERGUNTA - Havia muitos alunos em faixas etárias diferentes freqüentando
as aulas? Como era esse relacionamento?
RESPOSTA - Nos cursos noturnos alguns poucos alunos chegavam a ser de
10 a 15 anos mais velhos.
BREVE RESGATE HISTÓRICO DE GABRIEL FIGUEIREDO
Saí de Ribeirão Preto para São Paulo, mais propriamente para o
subúrbio de Osasco, em janeiro de 1954, com 11 anos de idade. Já havia
concluído o curso primário no Grupo Escolar Fábio Barreto, em Ribeirão.
Meu pai era bancário e minha mãe do lar. Transferido pelo Banco de
São Paulo S/A para a capital, meu pai, funcionário de carreira, decidiu vir com
a família para Osasco. Viemos assim em cinco, visto que meus irmãos mais
novos, Walter e Marina, engrossavam
a prole.
139
A vinda para Osasco não foi por acaso, visto que no bairro morava uma
irmã de meu pai, Maria Figueiredo Antiório, casada com um dos poucos
dentistas existentes no pedaço, Fortunato Antiório e que parece terem lhe dado
apoio para se instalar.
Poucas semanas após nossa chegada, meu pai já havia alugado uma
pequena casa e ainda que de forma precária nos instalamos e uma nova vida
começou.
Ao chegar em Osasco tive um transtorno de adaptação com perturbação
de conduta e demorei quase 5 anos para me acertar. Neste período fui um
púbere e adolescente rebelde, agressivo, de pouca fala. Ainda assim,
contribuía para a renda familiar trabalhando como engraxate, guardador de
bicicletas em feiras-livres, entregador de encomendas das Casas
Pernambucanas e office-boy de uma loja comercial chamada "Sport Spada".
Isto tudo no período de 11 a 14 anos, quando então o trabalho do menor já era
autorizado e tirei minha primeira carteira profissional. Meus estudos foram
prejudicados por estes primeiros anos tumultuados e só consegui, de fato,
começar a ser produtivo na escola em 1960, no Ginásio Estadual de Presidente
Altino (GEPA).
Nesta época do GEPA, entre 1960 e 1962, quando concluí o ginásio, eu
já trabalhava como metalúrgico. O primeiro emprego foi na Companhia
Industrial e Mercantil de Artefatos de Ferro (CIMAF) entre 1958 e 1961 e
depois na Companhia Brasileira de Material Ferroviário (COBRASMA) até 1963
de onde fui demitido devido às repercussões das minhas atividades políticas.
Também, em 1963, atrasei novamente minha carreira de estudante para me
dedicar à política estudantil. Desisti do primeiro ano do colegial (Científico) para
esta finalidade. Em 1963 só fiz política. Não tinha emprego e larguei a escola.
Mais uma vez tive a compreensão e a amizade dos meus pais. O velho
Figueiredo era um bancário, assalariado, sindicalista e simpatizante dos
comunistas. Dona Dirce, um pouco mais preocupada e cautelosa, vivia me
alertando para não cometer exageros e completava a baixa renda familiar
sentada na sua Elgin costurando camisas para fábricas de roupas. Minhas
economias, produto da minha indenização da Cobrasma, ajudaram na
140
manutenção na atividade exclusivamente política. Em abril de 1964 minha
situação era dramática, pois além de já não dispor mais de recursos
financeiros, estava preso e incomunicável no 4
º
RI de Quitaúna.
Na escola, tanto no ginásio quanto no científico, a maioria dos meus
colegas tinham mais ou menos a mesma condição sócio-econômica. Éramos
todos estudantes do noturno e neste período quase não estudavam filhos de
famílias abastadas. No período da noite era uma relação praticamente de
iguais.
O movimento estudantil secundarista, no meu tempo (1963/4), em
Osasco, foi decisivo. Estudantes universitários praticamente não compunham o
quadro de correlação de forças políticas. Foi, sob minha direção, que a UEO
historicamente adquiriu identidade secundarista. Sua direção não foi escolhida
nos bastidores elitistas, mas legitimada numa eleição extraordinária que
envolveu todas as escolas existentes no recém criado município. E como não
tínhamos escolas superiores na cidade, os poucos universitários foram
convocados ao voto democrático, numa urna exclusivamente dedicada a eles.
E os melhores, dentre os universitários, despojaram-se da arrogância e
acabaram aderindo à nossa liderança. Entre eles destaco Clovis Gloeden,
Antonio Carlos Masotti e, principalmente, Sérgio Zanardi. Os dois primeiros
estudantes de Economia e o último de Direito.
Entre os secundaristas havia estudantes de várias categorias
profissionais. No período noturno todos trabalhavam durante o dia e estudavam
a noite. Até militares, soldados (conhecidos como récos), cabos e sargentos.
Atuavam pouco, quase nada, nos Grêmios. Alguns deles, eu soube e conheci,
foram perseguidos pela ditadura. Quanto às mulheres, elas eram, na sua
maioria, sem emprego remunerado. Algumas ajudavam os pais no comércio,
outras eram funcionárias públicas da recente cidade de Osasco. Ainda estava
para explodir o papel da mulher no mercado de trabalho.
Por fim, a importância da escola secundária para os movimentos sociais
de 50/60 merece um aprofundamento maior que uma simples resposta. Não dá
para ser sintético. É o espírito analítico que se impõe. Para todos os efeitos fica
aberta a tese de que o cidadão, estudante secundarista ou não, teve, entre 50
141
e 64, um acesso maior à participação e à organização e isto o tornou,
potencialmente, mais capacitado a promover as necessárias transformações
que a sociedade requer, apesar de algumas decepções vividas nestes últimos
tempos.
ESCLARECENDO TEXTOS
1) José Álvaro Moises afirma que, seguindo orientação do Partido (que
valia para todas as lutas pela emancipação que se desenrolavam na
periferia de São Paulo), também, em Osasco, o PC não tem significativa
participação na luta dos autonomistas. Isso é fato?
2) No entanto, o PC tem uma histórica relação com as SAB’s, como era a
relação entre PC/SADO e a luta que se desenrola de 58 a 62?
3) José Álvaro Moises cita um líder comunista chamado: André Nunes
Filho, “que mais tarde se notabilizaria em Osasco por sua oposição ao
movimento de protesto urbano daquele subdistrito”. Você conheceu essa
pessoa? - (pág 279)
RESPOSTA - A afirmação de J.A.Moisés procede na medida em que
realmente o PCB não empunhou com ardor a bandeira emancipacionista.
Participou, é verdade, conforme já expressei anteriormente. O que não acredito
é que esta participação pouco significativa tenha se dado pelo desprezo que a
direção do PCB tinha pelas lutas da burguesia. Não me lembro, de em nenhum
momento, ter recebido qualquer tipo de observação dos comunistas da época
que aquele movimento não deveria contar com apoio. Era um movimento da
sociedade civil, liderada por conhecidas figuras da burguesia, dentre as quais,
algumas delas, como já falei, eram simpatizantes e até colaboradores do
PCB.A presença de sindicalistas, metalúrgicos, ferroviários, comerciários e
bancários neste movimento me parece que deve ser bem mais estudado e
142
aprofundado. É de um reducionismo vulgar colocá-los, todos, num mesmo saco
e considerá-los massa de manobra da burguesia.
Não conheci André Nunes Filho, a menos que ele tivesse um "nome de
guerra" que eu possa localizar documental ou mnemicamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O movimento estudantil de Osasco, entre 1962 e 1964, confundia-se
com o movimento operário. As bandeiras de luta giravam em torno das
reivindicações para melhor qualidade do ensino, acesso democrático à
educação, atividades esportivas e culturais, apoio às reformas de base
propostas pelo governo de João Goulart, ampliação da organização do
movimento para toda a região através da criação do Conselho Regional de
Estudantes da Baixa Sorocabana (CREBS), e, finalmente, de uma posição
definida contra o imperialismo norte-americano. Havia, pois um projeto, um
programa. Não era um movimento espontaneista, alienado. Era
ideologicamente alimentado pelos movimentos de esquerda, onde o PCB e o
PSB marcavam presença. Também muitos estudantes ativos e participantes da
época não eram filiados a nenhum partido político, o que evidentemente não os
tornava mais puros e muito menos alienados.
SUMÁRIO DE TRAJETÓRIA POLÍTICA E PROFISSIONAL
GABRIEL ROBERTO FIGUEIREDO é médico graduado pela Faculdade de
Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, em 1973. Especializou-se
como médico residente em psiquiatria pelo Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo. Referendou seu título de
especialista pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Doutor em
medicina pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de
Medicina - com a tese "A evolução do hospício no Brasil". Autor de livro,
143
capítulos de livros e de vários trabalhos científicos publicados em revistas
indexadas. Apresentou trabalho de pesquisa médico-social em Portugal,
França, Bélgica, Itália, Holanda e Estados Unidos. Neste último país o trabalho
foi apresentado em Washington pelo co-autor o médico e pesquisador Nelson
Carozo.
Foi secretário da saúde de Osasco e presidente da Fundação de Saúde
do Município de Osasco (FUSAM) de 1983 a 1985. O prefeito era Humberto
Parro.
Foi coordenador dos ambulatórios de saúde mental do Estado de São
Paulo de 1985 a 1987. O governador era André Franco Montoro.
Recentemente, em 2002, recebeu homenagem da Assembléia
Legislativa de São Paulo, pela sua trajetória de lutas em prol dos direitos
humanos.
Exerceu atividades docentes na Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo (USP) e na Faculdade de Fonoaudiologia da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) entre 1977 e 1982.
Desde 1991 é professor de psiquiatria da Faculdade de Medicina da
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). A partir de
1996, na carreira acadêmica, alcançou o topo, como Professor Titular desta
Universidade.
Atualmente é membro da Câmara Técnica de Saúde Mental do
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP).
Exerce clínica psiquiátrica em consultório privado na cidade de São
Paulo, na Rua Fradique Coutinho 1945, bairro Vila Madalena.
São Paulo, 7 de setembro de 2005
144
Anexo 4
ENTREVISTA COM A PROFESSORA HELENA PIGNATARI WERNER
Praia Grande, 19 de maio de 2004
Sonia - Primeiro, eu queria que você me dissesse seu nome completo, data de
nascimento e local.
Helena - Helena Pignatari Werner, nasci em 12 de maio de 1929, em Osasco.
PERGUNTA - Você me autoriza a usar as informações da entrevista no meu
trabalho de doutorado.
RESPOSTA - Sim, pode usar as minhas declarações para sua tese de
doutoramento.
Sonia - Obrigada.
PERGUNTA - queria começar pela sua formação; queria saber onde você
estudou, e quem, em Osasco, fazia ginásio, no período em que você fez. A sua
formação primária é o Grupo Escolar Marechal Bittencourt?
RESPOSTA - Não, é o Grupo Escolar de Osasco.
Sonia - Ah! Era de Osasco, tá, certo.
RESPOSTA - Depois eu fui para o Ginásio Perdizes, porque era o ginásio mais
próximo da Estação Barra Funda, e nós viajávamos pelo subúrbio, descíamos
na Barra Funda e íamos a pé até a Avenida Água Branca onde ficava o Ginásio
Perdizes, tinha a Vera, minha irmã, tinha o Jarbas Milani, a esposa do Tidinho
que era Milani, não lembro o nome dela agora; era um grupo de adolescentes
que tomava esse subúrbio toda manhã.
PERGUNTA - O ginásio era só na parte da manhã ou era o dia inteiro, como
era o horário?
RESPOSTA - Era no período da manhã, mas nós tínhamos Educação Física e
outras práticas à tarde. Era comum ficarmos o dia inteiro, em São Paulo,
porque Osasco era subúrbio. Então, nós fazíamos essa via crucis com muita
145
disposição, gostávamos muito.
PERGUNTA - Ia bastante gente, em grupos?
RESPOSTA - Muita gente, muita gente, porque também viajavam de
Carapicuíba, Barueri,
PERGUNTA - Vocês se encontravam no trem?
RESPOSTA - Encontrávamos no trem, então, a amizade que nós tínhamos
com a família Guerra, por exemplo, que era de Barueri, era amizade do trem, e
muito namoro aconteceu e muito casamento aconteceu mais tarde, entre
Barueri e Carapicuíba, Osasco, Presidente Altino, porque a turminha ia de
trem. Tinha um namoradinho que era o Alceu, era o filho do Delegado e quem
viajava também pelo subúrbio, eram os filhos do chefe da estação de
Carapicuíba, Sr. Osmar: um era o Tutu -- chamava-se Valdemar de Barros -- o
irmão dele mais velho, agora não me lembro o nome, porque é a geração da
Vera. Tinha a geração que tinha sido da Othélia e da Tecla, a geração da Vera
e a minha geração que eram os menores.
PERGUNTA - E de Osasco, iam meninos e meninas juntos?
RESPOSTA - Juntos, juntos.
PERGUNTA - Quem de homem ia?
RESPOSTA - O Jarbas Milani, que eu me lembre assim, o Alceu Augusto
Gregório, Rubens Nicolete. Mas é posterior, mas também é mais ou menos da
mesma época, a Naide, a irmã da Nice Odália,.
Todas essas pessoas faziam parte daqueles moradores da região Central de
Osasco, quer dizer, nós éramos filhos da burguesia. Comerciantes,
negociantes, pequenos empresários, os Filhos de médicos, dentistas,
profissionais liberais.
Quem começou a viajar depois foi a Maria Regina, que era a moça mais rica da
cidade, era a filha do Sr. Vasco, que era o dono da Farmácia.
146
PERGUNTA - Ela era a mais rica de Osasco?
RESPOSTA - Porque tinha carro, a Maria Regina ia para a escola de carro
voltava de carro, aquilo não existia. Meu pai tinha a indústria de cerâmica em
Carapicuíba, mas nunca teve carro. Outras que realmente tinham dinheiro, mas
não estavam praticamente em Osasco, eram as filhas do Menck, a Cida e a ...
elas estavam no Internato, no Colégio Santa Inês, que é para onde eu fui.
Quando eu estava com quinze anos, eu fui paro Colégio Santa Inês. No
Ginásio das Perdizes, eu fiz o que eles chamavam do curso propedêutico. Era
uma formação para ser técnica em contabilidade e depois, aos quinze anos,
terminado o ginásio, eu fui para o Internato Colégio Santa Inês, naturalmente
porque as filhas do Menck, que eram do dinheiro mesmo em Osasco foram
estudar lá e meu pai não ia ficar por baixo. Então quando chegou a vez do
internato eu fui para lá e aí eu fiz o curso de técnica em contabilidade.
PERGUNTA - O curso técnico dava direito à universidade? Pelo que eu sei a
legislação era bem restrita.
RESPOSTA - Aí é que foi o problema. Quando chegou a época de faculdade,
todos esperaram que eu fosse pra uma GV, fazer economia, fazer
administração, mas eu tinha horror disso. Eu já comecei o propedêutico por
que? Para não viajar sozinha de trem. A Vera fazia o propedêutico, meu pai me
pôs junto com a Vera e eu fiz o curso que o meu pai quis, e não o meu, né? E
aí já tinha o propedêutico, vou fazer o quê? Eu queria fazer Humanas, eu
queria fazer o colegial, mas eu não tinha condições de colegial porque eu não
tinha o ginásio tradicional.
Sonia - Porque o colégio técnico era restritivo.
RESPOSTA - Ele era restritivo. Formada, frustradíssima, porque eu não queria
fazer outra coisa, eu queria fazer História. Geografia e História. Aí quando eu
fui fazer a minha inscrição na USP, eles disseram: ‘ah, mas só pode fazer
Geografia e História’ Única cadeira que deixavam um técnico de contabilidade
fazer na faculdade era Geografia e História. Para mim, a felicidade. E esse lado
é o lado da felicidade, agora, tem o lado da tristeza: quando eu fui fazer a
minha matrícula, que eu queria estudar na USP, é claro. Além de tudo era
147
gratuito e era a melhor faculdade de São Paulo. Por outro lado, todos aqueles
pracinhas que tinha servido a guerra tinham o direito de fazer matrícula sem
vestibular, em 48, pracinha não fazia vestibular, se inscrevia direto. Então veja
você, como foi mais difícil esse vestibular, porque a concorrência dos pracinhas
não foi brincadeira, Não.
- Eu não quero misturar muitas coisas. São informações que vêm na minha
memória.
PERGUNTA - Mas são informações que me interessam, eu gostaria mesmo de
conversar abertamente, sem restrição, sem fechar questão, porque é desse
bate-papo que nascem informações que eu desconheço e essas informações
são importantes para gente construir.
RESPOSTA - Então consegui, entrei na faculdade, mas o curso era Geografia
e História. Eu sou formada em Geografia também. Então é Geografia e
História, eram treze matérias, um massacre.
Isso ali na Cidade Universitária, na Maria Antônia, no prédio que foi destruído
no golpe de 64. Foi incendiado... Os reacionários do Mackenzie acabaram com
a USP ali.
PERGUNTA - Quer dizer que para você fazer o ginásio, fazer o curso técnico,
você não trabalhava?
RESPOSTA - Não.
PERGUNTA - Até terminar a faculdade você não trabalhou?
RESPOSTA - Não trabalhei. Quando eu estava fazendo a faculdade, eu resolvi
sair de Osasco e fui morar na Casa Universitária. Existia a Casa Universitária,
primeira Casa Universitária.
PERGUNTA - Onde que ficava?
RESPOSTA - No Paraíso. Essa casa foi criada da seguinte forma: havia, num
quarteirão, a residência do Cardeal, metade do quarteirão era a residência do
Cardeal, na outra ponta era a residência da família Maluf, no meio, entre essas
148
duas propriedades, existia o prostíbulo e, no governo do Lucas Nogueira
Garcez e a dona Carmelita, a pedido do Bispo e da família Maluf, foi desativado
o prostíbulo. Fizeram uma reforma, a dona Carmelita se entusiasmou em
transformar aquilo numa Casa Universitária, que seriam vizinhos decentes para
os dois lados e então montou e cuidava da casa. Era um casarão muito velho,
mas foi muito bem organizado.
PERGUNTA - E moravam homens e mulheres?
RESPOSTA - Não, só moças. Moças do interior. Que moças? Filhas dos
fazendeiros, Filhas de grandes capitais e eu fiquei na Casa Universitária, então
durante o meu curso na USP.
PERGUNTA - E seu pai nunca se opôs?
RESPOSTA - A família foi contra, foi um escândalo, porque falavam muitas
coisas. Entre outras coisas, diziam que eu fui embora com um homem rico e
tal...
PERGUNTA - Em Osasco?
RESPOSTA - É, em Osasco falam barbaridades e só calaram a boca quando
eu voltei como dona da cadeira de História. Efetiva da cadeira de História.
Então, aí é uma coisa mudou: ‘Não é que ela estava estudando mesmo?’
PERGUNTA - Você terminou a faculdade em que ano?
RESPOSTA - 53. Começo de 54, eu prestei um concurso público, onde nós
tínhamos uma prova escrita, duríssima e uma prova oral, em público e uma
aula didática. Então foi feita essa prova na USP, a aula foi no Colégio Pedro II,
em São Paulo, ali aquele caminho que vai pra Mooca, onde tem a Secretaria
da Fazenda, descendo um pouco, antes da praça, ali tinha o Colégio Pedro II,
estadual. Tudo isso com banca. A prova oral nós sorteávamos 24 horas antes,
de uma lista de 40 questões, que você tinha que preparar as 40 porque aí, te
davam 24 horas pra você fazer uma dissertação sobre um assunto. Isso era
público, você ia numa espécie de um púlpito expondo, durante 40 minutos, as
149
suas questões, para ser aprovado.
PERGUNTA - Quer dizer, você tinha uma outra formação, era uma formação
realmente para assumir um status.
RESPOSTA - Claro, efetivo, efetivo era muito complicado e depois, para tomar
posse da sua cadeira era de acordo com a sua classificação. Então, podiam
ser, sei lá quantos, na época uns 200, eu estava em 17º lugar. Mas foi curioso,
porque na minha turma de faculdade, nós tínhamos uma aluna excepcional, era
Maria Tereza Jher da USP, casada com um professor, um doutor
importantíssimo da USP, ela era brilhante, mas era nervosa, então foi uma
surpresa muito grande eu ficar na frente da Maria Tereza. Isso aí não tinha
cabimento, ela só tirava 9 e 10, que não era exatamente o meu caso. Então, foi
uma surpresa. Mas veja você: em 17º lugar eu acabei indo parar na última
estação da douradense, na cidade de Dourado. Lá eu tomei posse, como
efetivo na minha cadeira. Agora, o que existia e não existe mais era a famosa
permuta. Quando um professor de São Paulo queria ir para o interior, ele
permutava, eu permutei com um professor meu. Ele era dono da cadeira de
Osasco e ele propôs a permuta, então ele foi para o interior e eu vim pra
Osasco.
PERGUNTA - Manoel Nunes Dias?
RESPOSTA - Isso. Você já tinha essa história da permuta?
Sonia - É, eu já fiz um levantamento na documentação da escola, isso se deu
em março de 55. Por permuta você trocou com Manoel Nunes Dias.
RESPOSTA - Casei em 54, voltei de viagem de núpcias e fui tomar posse da
minha cadeira. Aí, era muito longe isso, era Maria Fumaça ainda, você tinha
que usar guarda-pó.
PERGUNTA - Mas você foi lá, assumiu e já fez a permuta?
RESPOSTA - Não, eu assumi e fui pedindo licença. Se eu podia me afastar
três meses, mais três meses e tal. Enquanto eu negociava com Manoel Nunes
Dias, eu fui procurando não tomar posse da cadeira, quer dizer, eu tomei
150
posse, mas fiquei afastada até conseguir a permuta, quando eu consegui a
permuta, eu fui para o Ceneart, e lá fiquei até me aposentar.
PERGUNTA - Então, em 53, quando houve o primeiro plebiscito para a
autonomia de Osasco, você não estava em Osasco, ou você já participou deste
primeiro plebiscito?
RESPOSTA - Participei porque a minha família era a favor da emancipação,
então quando havia alguma coisa assim, meu pai exigia que eu fosse para
Osasco, eu saía da casa universitária e passava o fim de semana em Osasco -
época de votação, ele me avisava e eu corria para votar. E, então, em 53, eu
participei, mas distante.
PERGUNTA - Nessa eleição de 53 você diria que houve alguma participação
dos alunos do Ginásio. Porque você vê, o ginásio estava começando, era o
segundo ano de funcionamento do ginásio. Ele tinha o que? Acho que primeiro
e segundo ginasial só, não tinha 3º e 4º ainda.
RESPOSTA - Eu ainda não estava no ginásio.
PERGUNTA - Mas você não se lembra se a escola chegou a participar ou não.
RESPOSTA - Eu tenho impressão que não. A conscientização vem depois,
com o tempo. A conscientização, a tomada de posições vem depois.
PERGUNTA - Eu gostaria que você explicasse porque eu nunca entendi direito,
essa eleição de 53, ela é muito pouco discutida.
RESPOSTA - Essa eleição, entre outras coisa, quem era cabeça disso tudo era
o Dr. Reinaldo Oliveira, ele que foi realmente a cabeça. Mas acontece que esse
grupo que iniciou esse primeiro movimento da emancipação não tinham
respaldo econômico e havia muita despesa nesta época. Tinha que viajar para
o Rio de Janeiro, tinha que estar em contato com os deputados e tudo mais.
Tinha gente do “não” muito importante, o cartório era do “não”.
PERGUNTA - Sim, mas tanto o “sim” quanto o “não” era formado por pessoas
151
da elite osasquense. A cúpula.
RESPOSTA - A cúpula sim. Mas o povo foi começando a tomar conhecimento.
PERGUNTA - Sim, mas a origem do “sim” e do “não” está na mesma camada
da sociedade.
RESPOSTA - Está. Você vê, o “sim” era o Dr Reinaldo que era um dentista
conceituado e o não tinha o cartório, pessoal do cartório, que era a família
Carvalho, uma potência dentro da cidade, o Cartório, os Coutinho eram do
“não”. Ate gozei muito a cara do Toninho, alias, eu e o Toninho, politicamente
nunca nos entendemos. O Klaus não entendia o que a gente tanto conversava,
mas era uma amizade que não tinha nada a ver com política nem nada, ele era
um reacionário de marca e eu querendo as revoluções do mundo.
PERGUNTA - Então você tem, na mesma origem da sociedade, o “sim” e o
“não” e aí uma outra coisa também que eu me questiono com relação ao
movimento emancipacionista, porque havia uma alteração de lados, de
repente, no de 53 o Jânio era contra porque era prefeito de São Paulo e os
partidários do Jânio em Osasco eram do “Não”, em 58, quando houve o
plebiscito, o Jânio....
RESPOSTA - Era o Ademar, hein? Era o Ademar de Barros.
PERGUNTA - O Ademar estava como prefeito?
RESPOSTA - Ademar era prefeito de São Paulo e não queria desmembrar
Osasco.
PERGUNTA - E o Jânio estava no governo do estado?
RESPOSTA - No Governo do Estado.
PERGUNTA - E o Jânio era a favor do “sim”, então.
RESPOSTA - Era porque, ele era amigo do velho Menck.
PERGUNTA - Aí você tem o velho Menck, amigo do Jânio, que tinha sido
152
contrário.
RESPOSTA - O processo da emancipação só foi adiante quando o Reinaldo
convenceu o velho Menck a apoiar e ele apoiou e financiou. Então não tinham
mais problemas como advogados, viajar para o Rio de Janeiro, pagar aquela
papelada toda que tinha de ingressos de “coisarada” lá, a parte econômica foi
resolvida com a entrada do Menck e ficou muito mais fácil daí pra frente.
PERGUNTA - E como é que se explica esses partidários do Jânio? Em 53
eram “não”? Em 58 eram “sim”.
RESPOSTA - Porque o Jânio começa a freqüentar Osasco.
PERGUNTA - Em 53 ele era do não.
RESPOSTA - Em 53 ele era do não, mas depois ele foi conquistado pelo velho
Menck. Certo?
PERGUNTA - Não pode ter uma outra explicação, do tipo, em 53 não lhe
convinha como prefeito de São Paulo perder os impostos de Osasco e em 58,
como era o Ademar que estava na prefeitura, era o Ademar que perdia.
RESPOSTA - Claro, mas foi isso que aconteceu, porque na época da
emancipação, como eu estava muito a frente disso tudo, o Ademar de Barros
faz o que? Ele tira o emprego da minha irmã e do Roberto Pignatari, a minha
irmã na escola e o Roberto Pignatari no mercado, era fiscal do mercado. A
sobrinha do velho Menck também perdeu a cadeira, a Elide. Quando eu soube
que isso aconteceu, minha irmã veio lá aos prantos, não tive duvida, marquei
uma audiência com o Ademar de Barros e fui conversar com ele. Ele me
recebeu e eu falei o senhor não pode fazer isso, falei: - papai foi correligionário
seu, trabalhou a vida inteira, a minha irmã é adhemarista roxa, fica lá
trabalhando e procurando votos para o senhor, o Roberto, que é meu primo, e
a Elide...“Como é que em uma penada vai todo mundo para rua?” O desespero
da minha irmã, o desgosto, não dá. Aí o Adhemar ainda argumentou comigo.
“Não, porque...”. Eu falei “Não, o senhor não faz estrada, porque aqueles
ônibus que estão chegando lá de Barueri naquela buraqueira toda, aquilo é um
153
horror e nem Iluminação certa nós temos na cidade.” Eu desanquei, né? Ele
disse “Olha, eu vou dizer uma coisa pra você: Se todos os meus inimigos
fossem como você, seria muito bom pra mim, pelo menos você chegou aqui e
despejou tudo.” Eu falei: “Olha Dr Adhemar, é que o senhor é prefeito. Quando
o senhor for Governador, o senhor vai me dar razão e aí toda aquela linha lá do
meu pai, da minha irmã e tal, vão votar no senhor, mas eu sou a caçula da
família...” “É a rebelde, né?” Eu falei “Sou, sou a rebelde da família.” Aí ele
chamou o secretario e falou “Olha, a irmã que vota em mim, o primo que
também é Pignatari, que é do meu correligionário lá, o Antonio Pignatari
voltam, mas a filha do chefe da oposição da emancipação, essa não volta.” Aí
eu ainda não consegui colocar de volta. Quem mais? Eu acho que era... a
Marina Melli também tava nesse rolo ai. Eu sei que o Adhemar foi muito
decente comigo. Ele colocou todo mundo de volta e disse: “Não, Menck não.”
PERGUNTA - É, houve também uma troca de lado entre as pessoas de
Osasco, entre o “sim” e o “não”.
RESPOSTA - Não, eu não acho que houve uma troca de lado, eu acho que
houve uma conscientização.
PERGUNTA - Pessoas do “não” que vieram para o “sim”. Agora do “sim” que
foram pro “não” não.
RESPOSTA - Não. Porque com a conscientização, ele diziam que tudo iria ficar
mais caro, desde sabonete, tudo que fosse seria mais caro, os impostos seriam
mais caros, tudo ia passar a ser caipira. Então eram os argumentos que nessa
altura dos acontecimentos eu já estou lecionando no Geart, né?
PERGUNTA - Sim, isso já é pós-plebiscito de 58.
RESPOSTA - Aí a gente podia trabalhar muito mais e explicar. Eu não digo
convencer. Conscientizar e mostrar o que significa emancipação e tudo mais.
PERGUNTA - Vamos falar um pouquinho do plebiscito de 58. No plebiscito de
58 você foi ativa, militante.
154
RESPOSTA - Ativa O Klaus tem as fotografia em frente à Assembléia.
PERGUNTA - Você teve uma proximidade com o partidão, ou pelo menos são
informações que me chegaram.
RESPOSTA - Mas não, nunca pertenci a partidão. É, tive amigos que eram do
partidão, mas eu nunca fui. O primeiro partido que eu cheguei a pertencer foi o
Partido Socialista Brasileiro quando eu fui candidata a vereadora.
PERGUNTA - Em que ano? Por São Paulo ou por Osasco?
RESPOSTA - Por Osasco.
PERGUNTA - Então já é 62?
RESPOSTA - É. Foi quando eu estava já preparando minha campanha e o
material de propaganda de campanha, tudo isso, quando o Klaus ficou doente,
ele teve uma infecção a vírus no pulmão, foi terrível e o medico colocou por um
cano o remédio lá e tal e falou que daí pra frente ele teria que ficar pelo menos
15 dias num lugar completamente isolado num lugar sem poeiras, sem nada.
Eu falei: “Mas onde eu vou arrumar isso?” Ele disse: no mar e nós viajamos
para a Europa de navio.
PERGUNTA - Você fazia campanha dentro da escola.
RESPOSTA - Fazia: na escola, na rua, em casa, com a empregada, com o
jardineiro. Tudo mundo, para explicar o que seria.
PERGUNTA - Como os alunos recebiam essa tua posição militante, sendo
professora. Nesse viés que eu gostaria de ver.
RESPOSTA - Eu estou explicando, certo? Falo: Olha, minha gente, a luta pela
emancipação significa isso, aquilo e aquele outro e um dos argumentos que eu
defendi o tempo todo era o fato de que muita gente de Osasco saia pra
trabalhar em São Paulo, então essa viagem diária, ida e volta, tal e coisa. Eu
dizia: Se nós formos independentes, os empregos vão aparecer aqui no
município, aqui surgirão os empregos, realmente, certo? Vai ter Câmara – essa
155
Câmara vai precisar de gente para datilografar, tal... A parte administrativa.
Você não vai ter o secretario de saúde? Os médicos, os enfermeiros da
cidade, vão para onde? Vão pra cá, então explicando que cada uma dessas
secretarias iria absorver mão de obra de Osasco e nós teríamos então
empregos dentro da cidade, esse era um argumento fortíssimo.
PERGUNTA - E a campanha dentro da escola? Ela realmente aconteceu, havia
mobilização dos alunos. Porque eu já cheguei a ouvir de emancipador coisa
tipo assim: “Ah, os alunos não fizeram nada, eles queriam era fazer bagunça.”
RESPOSTA - Não, não era assim, porque o aluno que vai votar... Uma das
coisas, sérias, que eles aprenderam dentro do Geart era o voto e isso não era
na cadeira de Historia, todas as cadeiras explicavam, especialmente quando
chegava perto de eleição, conscientizar que o voto era uma coisa muito seria.
Não se falava em arma ainda, né? Que o voto era uma arma, mas que era
muito serio, que tinha que pensar, que tinha que conhecer o candidato que tal e
coisa. Então eu acredito que muito aluno votou com muita consciência no “sim”.
PERGUNTA - E campanha? Houve campanha do tipo fazer passeata...
RESPOSTA - Ah, havia um grupo de alunos militantes fazendo passeata, por
exemplo: comício do “não” no Largo, na praça de Osasco, um grupo de alunos
resolve bagunçar e eu falei: bagunçar não pode, o que vocês podem é fazer
uma passeata.. “Ah, mas nós queremos cortar a praça inteirinha de ponta a
ponta.” Eu falei: então vão fazer a passeata e quando chegar ali a turma toda
atravessa cantando o hino nacional e vai embora. Não pode bagunçar, não
pode sair da linha, não pode sair...
PERGUNTA - Atravessar o comício do outro cantando o hino nacional não é
bagunça?
RESPOSTA - Não, ai era bonitinho, aí ia embora. Então esse foi a única
interferência do “não” direta. Mas o grosso mesmo foi na hora de votar na urna,
porque a votação foi feita no Geart, no ginásio. Então, havia a sala e essa sala
era cheia de janelas, todas salas eram bem iluminadas e nós pusemos a urna
156
ali. E os votos do “sim”, o papel era branco escrito sim em preto e o papel do
“não” era preto escrito não em branco. Os envelopes eram os mais
vagabundos que você possa imaginar, baratinhos, baratinhos, então quando a
pessoa punha o voto, quem estava como fiscal da porta, contra aquela luz, via
se o voto era branco ou era preto e iamos contando. As urnas que receberam
muitos votos do “não” foram socorridas.
PERGUNTA - O que você chama de socorridas?
RESPOSTA - Por exemplo, na ultima hora, hora e meia antes de terminar, deu
um temporal naquela cidade que foi uma coisa bárbara, foi um horror, sumiu
todo mundo, não apareceu mais ninguém para votar e aquele temporal danado
la fora. Nesse momento, nós pegamos a lista dos ausentes, assinamos e
colocamos tudo “sim” - alguns com a conivência do presidente da banca -. Na
minha sala, por exemplo, foi sem a conivência do presidente da banca, que não
quis, que era Nair Bellacosa e não deixou.
PERGUNTA - Mas como vocês fizeram sem a conivência dela?
RESPOSTA - Era o dia inteiro, né? A tarde inteira sentada ali, nós começamos
a mandar guaraná para Nair e ela tomou bastante guaraná, chegou uma hora
que ela teve que ir ao banheiro, e nesse momento, então, nós fizemos uma
festa na urna, muito voto “sim”, tudo com a assinatura, entende? Nenhum
defunto não. Só os que estavam na lista.
PERGUNTA - Mas muitas urnas foram impugnadas. O grande argumento para
a luta de 4 anos, de 58 a 62, era de que os mortos tinham votado.
RESPOSTA - É, os que não apareceram na hora do temporal. Uma das
pessoas que ajudava e comandava tudo isso era o Walter Auada. O Walter
Auada que era ligadão com o Ademar, mas o Ademar já é Governador. O
Walter era outro bom vivant, mas era amigo, né? Da direita, extrema direita.
Então eu tinha amigos do partidão, o Partido Socialista Brasileiro foi o que eu
fui candidata. Única vez na vida e depois disso, é PT. Eu nunca pertenci ao
partidão, isso aí é intriga da oposição.
157
PERGUNTA -Mas você tem muitos amigos que foram e acho que é em função
disso que, na realidade, acaba apontando que você tenha sido.
RESPOSTA - É, mas o partidão nunca teve o prazer da minha presença.
PERGUNTA - Vamos por um pouco da escola e em outras questões, por
exemplo, a escola tinha muita atividade nesse período, pelo que eu vi.
RESPOSTA - Você tem que falar, o impacto que foi o aparecimento dessa
escola no cenário: qando a escola aparece noturno, ela foi instalada como
noturno, aquele lado todo do alto da Igreja era tudo escuro, não havia
iluminação elétrica, então isso é que vai explicar porque você vai encontrar
mãe e filha na mesma sala, tio e sobrinha, tio e sobrinho, porque aquele
caminho não era muito fácil não, era um caminho bastante perigoso e a volta
11 horas da noite, como é que as meninas vão voltar a essa hora?
PERGUNTA - Lá de cima da estrada de Itu até o largo.
RESPOSTA - Então vinham os pais vinham buscar, na saída tinha muito pai,
muito tio, muita mãe, esperando, e outros que ficavam fazendo hora e à toa
para esperar filho, resolveram entrar junto, como foi o caso da Rosinha Perini,
que foi uma aluna brilhante e a Rosali também, eram mãe e filha ali, as duas
eram excelentes alunas.
PERGUNTA - As duas estudavam na mesma classe?
RESPOSTA - Comigo, nenhuma melhor do que a Lígia Barros, ela é
Presidente da APAE em Osasco. A Lígia Barros foi fantástica, ela nunca tirou
uma nota diferente de dez em História, três anos de Colegial. Então a Lígia foi
fantástica. Outro aluno brilhante que eu tive chamava-se Orlando Geisel, o filho
do General Geisel de Quitaúna, Ernesto Geisel, o Presidente da República, o
filho dele, foi meu aluno. Brilhante! Brilhate!
Os rapazes, filhos dos militares estudavam no Ginásio de Osasco e vinham no
mesmo caminhão, e o Orlando Geisel vinha também, era um menino
excepcional, excepcional! Ele só tirava dez. Então, um dia ele chegou e pediu
158
se ele poderia falar com a classe, ele era bom, o menino era bom e tinha bom
caráter, mas mal visto pelos colegas porque ele era o filho do Coronel, e tal e
coisa -- é pó de arroz, é isso e aquilo -- e um dia ele se cansou e eu,
inadvertidamente, ele pediu se eu poderia dar os últimos dez minutos da aula
que ele queria conversar com a classe. Pois não, e dez minutos antes, eu disse
para a classe, eu vou me retirar porque o Orlando quer conversar com vocês e
a classe fica com ele e fui embora, era a última aula. No dia seguinte, eu sou
chamada na diretoria porque a coisa ficou feia lá dentro da sala, ele desafiou
quem dizia que ele era florzinha, pó-de-arroz e tal e coisa, ele afastou a mesa e
falou, bom, eu não posso brigar com todos, mas então venham um por um e
vamos ver no braço aqui, como é que vai ser: deu um quiprocó, no final ficaram
amigos dele, porque acharam que era peitudo, raçudo e entende?
PERGUNTA - Isso era valorizado.
RESPOSTA - Era valorizado ele desafiou sozinho, não é? E o diretor me
chamou porque ficou sabendo da história toda e tal. Brilhante o aluno. Eu tive
um desgosto imenso, muito grande, tinha acabado de nascer a Susi, eu tinha
voltado para casa, tinha tido uma filha e estava afastada da escola, a Susi tinha
um mês, não sei, quando chegou uma aluna e me contou que o Orlando Geisel
tinha morrido. Eu perdi até o leite, chorei dois dias de desgosto de saber que
aquele moço tinha morrido. Ele foi atropelado pelo trem naquela passagem que
vai para Quitaúna, não esperou, achou que dava tempo para atravessar de
bicicleta e não deu.
Sonia - Essa aí é uma história que eu não conhecia.
RESPOSTA - Foi uma coisa horrível, tanto é que eu fiquei apavorada quando o
Prof. Emir foi, em nome dos professores fazer uma visita, o Geisel tratou muito
mal, foi muito seco, falou que isso acontece. Então, quando ele chegou à
Presidência, na época do golpe militar, eu falei agora é que a coisa vai ficar feia
mesmo, porque o filho maravilhoso, morreu, a filha era um pouco deficiente e a
mulher ficou louca, então, hás de ver o que vamos ter na Presidência da
República. Aí foi outro dia que eu chorei feito uma doida. Então a história desse
159
moço aí foi muito, muito triste. E falando nisso tudo, eu quero dizer o seguinte:
“Então todos aqueles que gostariam de estudar e não puderam – porque as
escolas eram particulares e eram em SP – puderam ir pra escola e foram, e
foram adultos. Então eu, quando chego em classe encontro meus colegas de
infância, os meus parceiros do baile, dos matines do Floresta, na sala de aula,
como meus alunos. E aí, um pouco daquela fama de eu ser muito austera,
muito antipática, muito isso, muito aquilo é que não era brincadeira você pegar
alunos da sua idade ou mais velhos que você. Então o pulso tinha que ser
firme, não dava pra muita brincadeira, se bem que de fim de semana minha
casa vivia cheia de alunos.
PERGUNTA - É você era a única de Osasco.
RESPOSTA - Eu era a única de Osasco.
PERGUNTA - Quer dizer, os outros, mesmo que fossem jovens, eram pessoas
que não eram conhecidas dos alunos. Você, além de ser da mesma faixa
etária, era da comunidade, era conhecida deles.
RESPOSTA - Essa coisa, pelo menos depois eu fiquei sabendo. Minha irmã
que me dizia: A turma lá disse que você é muito brava. Mas não era, era uma
questão de ou você se impõe ou não impõe. Mas eu adorei dar aula no
CENEART, nossa mãe, foi a melhor coisa da minha vida. Eu entrei no começo
da minha carreira e terminei minha carreira lá - foi tão gratificante - poucas
pessoas tiveram essa felicidade.
PERGUNTA - Em 81 você pediu a aposentadoria e se aposentou em 82.
RESPOSTA - É.
PERGUNTA - Você ficou de 54 a 82.
RESPOSTA - Certo. E com muito prazer. Só piorou depois de 64, porque em
64 eu sou presa como subversiva e as coisas ficam complicadas.
PERGUNTA - Essa sua prisão se deu em função da sua militância na cidade
160
ou em função da sua atuação na escola, ou ambas?
RESPOSTA - Ambas as coisas. Bom, o que eu queria contar antes de chegar
nisso era o seguinte: na escola, todos que puderam entrar e se inscrever para
estudar foram. Os que já estudavam em São Paulo acabaram se matriculando
no ginásio de Osasco porque não precisavam mais viajar pelo subúrbio, iam a
pé pra escola, voltavam a pé, era uma tranqüilidade para os pais. Esses eram
naturalmente os filhos da burguesia e chegaram na escola e encontraram
quem? Os operários, não é? Um operário, por exemplo, da cerâmica de
Osasco, hoje doutor Figueiredo. Ele era operário da cerâmica, ele era aluno lá,
como era o Barreto e como eles, muitos, e mais aparece a raça negra dentro
da escola.
PERGUNTA - Havia discriminação?
RESPOSTA - E vão se conhecendo ali. O que aconteceu foi o seguinte: eu
acho que um elemento importantíssimo, importantíssimo para a
conscientização e a formação e a lucidez desses jovens todos foi o esporte,
porque o que aconteceu? Eles eram muito bons em futebol, tinham um time de
futebol que não era brincadeira. Eles eram bons em vôlei, eu sei que num
campeonato de vôlei, um dos melhores faltou, foi uma complicação, acho que
perderam o jogo, ficaram zangados e alguém sugeriu aos alunos que fosse à
casa dele saber o que estava acontecendo, e os alunos foram, e chegaram lá,
era uma casa paupérrima, o colega deles desesperado, aos prantos, que a
filhinha dele tava morrendo. Ele era pai, o jogador que faltou. Aí os alunos
entraram em contato com a pobreza, a infelicidade do colega, a doença da
criança e sem dinheiro para o medico, remédio, coisa nenhuma. Aí que entra
então os meninos da burguesia, quem era filho de medico já foi se mexer, já
arrumaram para internar a criança, para arrumar remédio, para pedir para os
pais. Aí que vai haver a integração entre a burguesia e o proletariado de
Osasco, eles se integraram perfeitamente. O proletariado cresceu na medida
que teve que mudar ate seu linguajar, para conversar dentro de sala de aula e
com os outros. Aula de português era o mais importante, provavelmente, para
eles. E o Emir, não tem, é impar, não tem. Os burgueses viram que a realidade
161
da vida era outra, porque eles têm ali, na classe, ao lado deles, os problemas
dos pobres. E com isso, houve integração. Vão estudar juntos, vão fazer o
trabalho que você desse, eles tinham que se reunir, né? Se bem que nem
existia muito esse negocio de trabalho em grupo não. Mas sempre um ajuda o
outro, que tem o livro, já aproveita, sabe que o outro não tem dinheiro para
comprar, já empresta. Alguns melhores em uma matéria, alguns melhores em
outras, e com isso houve a integração. E daí, minha filha, com aquele corpo
docente do Ceneart, tinha que abrir a cabeça de todo mundo mesmo. Era em
tudo: Geografia não entrava só geografia, era Geografia humana, geografia
econômica, ia abrindo a cabeça. Historia então, sai da frente, porque sempre
tem que saber da situação política, econômica e social de cada região e outra
coisa, eu nunca entrava em sala de aula para dar aula de História sem mapa.
É, minhas aulas sempre com mapa, porque se eu estou falando dessa região
ou daquela região eles têm que saber onde é que está, ainda mais quando eu
comecei a ficar só mais assim com o colegial, 3º colegial, imperialismo,
fascismo, nazismo, que foi a minha especialidade depois da faculdade. Meus
alunos conheciam a África, conheciam a Ásia, não é? Imperialismo... Quando
aparecia uma Guerra do Vietnã, um aluno meu não precisava procurar num
Atlas para saber onde era, ele já tinha informação.
PERGUNTA - Naquela entrevista que você deu para o Bacamarte em 63, há
uma questão do Grêmio perguntando como você dava suas aulas, se você
tinha mudado alguma coisa no seu programa, adaptado alguma coisa, que
você começava a dar atualidade, porque você trabalhava com jornal e tudo
mais. Eu gostaria que você me falasse um pouco do material que você usava,
como você começou a falar em mapa. Se havia livro didático, que livro didático
era esse?
RESPOSTA - Havia, o meu livro era o Burns “Historia e Civilização” do Burns.
PERGUNTA - Hoje, o Burns é um livro considerado pesado. Porque é um livro
de texto...
RESPOSTA - É factual.
162
Sonia - Ele não é um livro analítico.
RESPOSTA - Não é interpretativo, não é analítico. É. Mas se você não
conhece os fatos, se você não tem uma seqüência lógica dos fatos, se você
não sabe, você não conhece os fatos, você não sabe como você vai atravessar
da época medieval para a moderna, você não sabe como você sai da moderna
para entrar na contemporânea: essa evolução, Como é que você vai evoluir a
máquina e a sociedade...
PERGUNTA - Mas por exemplo, o Burns é um livro caro. É hoje. Para a época,
os livros deveriam ser mais caros.
RESPOSTA - Era caro, era caro.
PERGUNTA - Os alunos compravam?
RESPOSTA - Compravam. Mesmo os mais pobrezinhos, tanto eles faziam e
ganhavam também, e a biblioteca...
PERGUNTA - A biblioteca funcionava? Isso é uma coisa que me interessa.
RESPOSTA - A biblioteca funcionava e tinha vários volumes do Burns na
biblioteca. Quem não tiver pode sentar lá e ler o Burns sossegadinho - tem. Os
alunos que estudaram pelo Burns não acham o Burns pesado, por que? Mudou
a mentalidade. Como é que eles conhecem tanto de historia? Porque depois
que você conhece o factual, minha filha, a analise e a interpretação dos textos,
outros quaisquer que cheguem à sua mão, você sabe do que você ta falando,
do período que você ta falando, o que aconteceu naquela época. Você vai ta
fazendo uma analise...
PERGUNTA - Todas as disciplinas utilizavam livro didático?
RESPOSTA - Olha, eu não lembro. Bom, continuar falando do material
didático: o Burns. Quando eu falo para você que a Ligia Barros foi a que só
tirou 10 comigo. Eu dizia para os alunos: “Esse fim de semana vocês prestam
atenção, se tiver alguma coisa ligada com a matéria, ou lembrar alguma coisa
da matéria, tomem nota. Canal tal, tal hora passou tal filme assim e assim,
163
lembrei disso, disso e disso. Se vocês tiverem um almoço com os avos,
perguntem para os avós como era, entende? De onde eles vieram, qual é a
origem, como é que chegaram em Osasco, especulem os avós, fiquem
sabendo da vida de vocês mesmos, da família”. Na segunda feira, eu
perguntava para a classe: “Alguém tem alguma coisa para contar?” “Ah, eu
tenho. Passou um filme assim, era sobre a revolução francesa tal, toda aquela
matéria que a senhora deu e...” Entende? Ou aquele jornal que nós lemos
apareceu todo aquele mapa lá da Ásia, que a gente não conhecia direito e tal.
Falou alguma coisa, eu conversei com meu avô. O meu avô diz que passou a
Primeira Guerra na Europa. ... .Aí ele me conta e tal. Cada um que levanta,
vem lá na frente e conta alguma coisa, eu punha um + na caderneta, na frente
do nome. Cada + desse significava meio ponto na média, tinha aluno com 6, 7
avaliações, chega a ter 780 alunos, todos os meus alunos no mínimo 3, 4
avaliações, mas por que? Para ele começar a ligar historia com os fatos. Isso
foi muito bom. Por isso que eu falo da Barros, porque eu fiquei devendo nota
pra ela. Ela só tirava 10.
PERGUNTA - Além de ser um lugar de estudo, a escola era um ponto de
encontro.
RESPOSTA - Era.
PERGUNTA -Principalmente depois que abriu o prédio novo. Você tinha
fanfarra, você tinha vôlei, você tinha basquete, você tinha futebol, você tinha,
por exemplo, aos domingo tinha uma sessão de cinema que o grêmio passava,
pelo menos eu li num Bacamarte, os alunos se organizavam, a escola abria,
quem ficava com os alunos?
RESPOSTA - Os professores participavam.
PERGUNTA - Os professores iam no sábado e domingo para a escola?
RESPOSTA - Iam, iam, iam. O ano de 54 para 55, as férias de janeiro e
fevereiro, eu passei em casa, ensaiando peça de teatro com alunos.
164
PERGUNTA - Isso era uma coisa constante?
RESPOSTA - Então, mas era sábado em domingo com os alunos. As férias
inteiras. Não perdia-se contato, entende? Então, no primeiro dia de aula, a
inauguração. Era peça, não é? Muitas peças, algumas sérias, que os alunos
bagunçaram e virou comedia em vez de tragédia, mas era essa a ligação entre
eles, a idéia de teatro, de autores. Tudo isso.
PERGUNTA - Havia muita peça de teatro na escola? Pelo que eu tenho
percebido, os alunos escreviam, o alunos montavam, os alunos encenavam.
RESPOSTA - Depois de 54 eu fiz a primeira né? Passei lá dois meses com os
alunos e tal, daí pra frente eles entenderam que poderiam escrever as peças e
levarem. Um queria ser diretos, o outro queria ser maquiador, outro queria ser
isso, aquilo e foram.
PERGUNTA - O Bira escreveu varias peças.
RESPOSTA - Escreveu, então, eles passaram a escrever, eles passaram a
representar. Aí eles cuidavam, o grêmio cuidava.
PERGUNTA - Havia funcionário designado para abrir a escola, para fiscalizar?
RESPOSTA - A Dona Ana morava do lado da escola, né?
PERGUNTA - Dona Ana Gaban?
RESPOSTA - É.; Então era só chegar lá: “Dona Ana!”. E os meninos, quando
era de confiança, ela dava a chave, tal. Mas tinha que limpar, né? Deixa limpo,
porque não vai deixar pra dona Ana limpar, né? Que ela era adorada pelos
alunos, então eles não deixavam nada para ela não. A escola era deles, essa
que é a verdade.
Nós conhecíamos todos os alunos pelo nome, nós sabíamos dos namoricos e
como sabíamos dos namoros, nós sabíamos também das brigas, que as
alunas vinham, às vezes, chorando porque brigou com o namorado tal e coisa.
Brigavam uma com a outra. Nós sabíamos tudo, eles contavam tudo para a
gente; eles sabiam que não tinha nenhum professor dedo-duro, que ninguém ia
165
dar bronca, pelo contrário, ia tentar entender a situação. Então, algumas
coisas eram engraçadas, por exemplo: que é minha amiga até hoje, a Deneide
Horst, chegou a conhecer? Eles moram nos Estados Unidos hoje, e eles
começaram a namorar no ginásio, aí no Colegial eles brigaram, acabaram com
tudo, então, eu não sei o que aconteceu, vieram me falar que eles brigaram e
eu estou dando a minha aula, ela está sentada aqui e ele estava sentado ali e
conversando, ele era muito sério, família alemã, muito séria, mas naquele dia
ele estava conversando, estava bravo com alguma coisa, aí eu falei e na
bronca: cavalheiro, por favor, sente-se aqui e coloquei ele sentado atrás da
namorada que ele estava brigado.
PERGUNTA - Ah! Então era cupido?
RESPOSTA - É e ainda era cupido. E aí ele sentou atrás dela, começou a
passar o dedinho nas costas, puxar o cabelinho e com isso eles voltaram e eu
fui madrinha do casamento e essas coisas todas aconteciam.
PERGUNTA - Isso quando era lá em cima no prédio do Grupo Escolar?
RESPOSTA - É.
PERGUNTA - Quando mudou para o prédio novo houve uma limitação, porque
o número de alunos cresceu muito.
RESPOSTA - Aí cresceu muito.
Continuação da entrevista com a Professora Helena Pignatari Werner, no
dia 17 de junho de 2004.
PERGUNTA - Esta é a relação dos livros enviados pelo Estado para a
formação da biblioteca, quando do processo de estabelecimento do curso
Colegial. E ela me parece ser uma biblioteca muito rica e uma biblioteca com
poucos livros didáticos, eu diria, ela é, muito mais, uma biblioteca com livros
clássicos.
RESPOSTA - Sim, mas acontece, os livros didáticos, eu tenho a impressão
que havia um certo monopólio de editores e de autoras, por exemplo, o
166
Joaquim Silva, de História Geral, ninguém se atrevia a dar uma aula sem
consultar o Joaquim Silva. Mais tarde, eu vou modificar essa situação toda só
lá no CENEART, com o Colegial e para chegar no Colegial nós tivemos 4 anos,
começa fazendo primeiro o ginasial.
PERGUNTA - Mas essa lista é de mais ou menos 54/55, ela não é do princípio
do Ginásio, ela já é do Segundo processo, do processo do Colégio.
RESPOSTA - Porque História, comigo, até o Ginásio tudo bem, dava para
tolerar o que o Estado mais ou menos exigia.
PERGUNTA - Exigia?
RESPOSTA - Exigia, não era assim que você usa o autor que você quiser não.
E, aí eu modifiquei, foi quando no Colegial eu comecei a usar Burns.
PERGUNTA -É, por exemplo, a biblioteca não tem o Burns, tinha vários
exemplares ou não?
RESPOSTA - Tinha. Tinha porque o Burns era caro e o Burns era mais caro, e
outro problema, eram dois volumes. Então, só o segundo volume que pegava
moderna e contemporânea.
PERGUNTA - Qual o uso que os alunos realmente traziam dessa literatura?
Havia o hábito do aluno ir à biblioteca para ler? O aluno que trabalhava o dia
inteiro?
RESPOSTA - O aluno que trabalhava o dia inteiro, só vai fazer pesquisa, mas
você não pode esquecer que aquele ginásio estava aberto sábado e domingo.
PERGUNTA - E a biblioteca também?
RESPOSTA - Ficava aberta.
PERGUNTA - E havia um Bibliotecário?
RESPOSTA - Era só pedir que tinha condições. Não um Bibliotecário para
atender, mas os alunos tinham acesso, querendo - porque sempre havia
167
disputas de vôlei. Então, os alunos tinham acesso. A minha filha, por exemplo,
quando ela fez o Ginásio, a mais velha, a Susi, ela era muito tímida, então no
intervalo ela ia para a Biblioteca e lia livros e livros e livros e livros, até eu
descobrir que a menina não ia para o pátio e que eu tinha um problema dentro
de casa. Então, era freqüentada, sim, a Biblioteca e havia pesquisa, quer dizer,
no ginásio nem tanto, mas no Colegial eles eram obrigados a consultar.
PERGUNTA - Havia o hábito de tirar obras clássicas para leitura de lazer ou
não, ou eram só aqueles livros indicados pelo professor?
RESPOSTA - Não, não podia levar o livro para casa, consulta só dentro da
escola.
PERGUNTA - Como um aluno vai ler um Dom Quixote na Biblioteca da escola?
RESPOSTA - Pois é, só aos pedacinhos e muito tempo mais tarde é que eu
descobri isso, porque a minha filha, quando gostava do livro largava todo o
recreio e ia lá para acabar de ler o livro. Ela nunca tirou um livro para levar para
casa.
PERGUNTA - Fale-me um pouco do cotidiano das aulas, havia interesse dos
alunos, eram aulas produtivas, o aluno do noturno chegava cansado? Qual era
o aproveitamento, como você sentia isso?
RESPOSTA - O aluno do noturno realmente chegava muito cansados - deixa
eu explicar o sucesso do Ceneart: o professor dava tudo, as aulas eram muito
ativas, entende? A exposição era sempre muito interessante, muito curiosa, os
alunos ficavam hipnotizados pelas aulas, resumos na lousa, perguntas,
conversa entre eles, era aberta, a aula era aberta, eles podiam perguntar à
vontade, podiam discordar entre eles e depois você precisava ver o que era
uma aula do Professor Emir, o que era uma da Laura. A aula da Laura, o dia
que eu dava sabatina, eu ficava na porta, porque a Laura dava aula na sala
vizinha, eu ficava ouvindo as aulas de Espanhol da Laura, que eram fabulosas!
Então, corpo docente levava, realmente, aquilo para a frente.
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PERGUNTA - E como era a relação entre os professores da escola, havia uma
troca entre os professores sobre assuntos a abordar, havia alguma forma de
haver interdisciplinaridade ou não?
RESPOSTA - Não. Não como se entende hoje, mas era uma coisa mais
espontânea. Por exemplo, eu chegava na Laura e falava: Laura, você está
dando tal autor que eu ouvi a sua aula, porque ela falava muito alto - ela falou:
é, realmente eu estou dando. Aí eu falei: está batendo com o que eu estou
dando em História, então, você puxa para História que eu puxo para esse
autor.
PERGUNTA - Então não havia uma coisa programada, era uma coisa que saía
das discussões em sala de aula.
RESPOSTA - Não, era espontâneo dos professores. O Emir, então, embarcava
em tudo, porque ele pegava História, ele pegava Literatura, ele pegava o
Espanhol e era uma maravilha!
PERGUNTA - Como era a relação dos alunos da escola, dos professores da
escola, por exemplo, com as instituições internas da escola, como o Grêmio e a
fanfarra? E com a UEO.
RESPOSTA - Era um contato maravilhoso.
PERGUNTA - Vocês tinham acesso?
RESPOSTA - Nós tínhamos, nossa, o Grêmio, então, dia de eleição, aquela
participação toda, os professores estavam lá, ajudavam na eleição e havia
muita participação dos professores.
PERGUNTA - Havia disputa ou era uma coisa normalmente fechada?
RESPOSTA - Feroz. Feroz a disputa.
PERGUNTA - Havia várias chapas?
RESPOSTA - Havia, mas geralmente se destacavam duas, então eram as
rivais e aquilo era disputa feroz.
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PERGUNTA - Há alguma característica que pode ser destacada dessas
chapas rivais partidariamente ou não?
RESPOSTA - Não, era coisa deles, deles alunos. Podia, por exemplo: a turma
maravilhosa do futebol. O futebol foi fabuloso, fantástico e a turma do vôlei, por
exemplo. Então se dividia assim, né? Aqueles que estavam mais unidos saía
um candidato deste e aquele saía um candidato daquele. E no fim era oba-oba,
viu? Não ficavam depois inimigos durante o ano.
PERGUNTA - Então, por exemplo, o pessoal do futebol ganhava, por acaso,
hipoteticamente, e aí havia benefícios para o futebol? Quando o pessoal do
vôlei ganhava havia benefícios para o vôlei, ou não?
RESPOSTA - Não, não, isso não havia. O que havia muito e tanto faz ganhar
grego ou troiano, era fanfarra. A fanfarra era preciosidade. era a menina dos
olhos do Grêmio.
PERGUNTA - O Grêmio mantinha a fanfarra?
RESPOSTA - O Grêmio mantinha a fanfarra, a roupa da fanfarra cada um tinha
que cuidar da sua, comprar a sua, que era cara.
PERGUNTA - Não havia nenhuma forma de sustentar isso?
RESPOSTA - Não, não havia.
PERGUNTA - Então só o aluno que podia comprar a roupa da fanfarra é que
podia participar da fanfarra?
RESPOSTA - É e alguns, que eram bons, tinham sempre o amigo que podia
ajudar. No caso das minhas meninas, então, chega em casa e diz ‘Olha,
Fulana, não vai entrar porque não tem roupa’. Falei: ‘Como não vai entrar
porque não tem roupa? Vamos dar um jeito nisso.’ E a gente acabava
providenciando.
PERGUNTA - E os instrumentos?
170
RESPOSTA - Os instrumentos a gente exigia do Estado.
PERGUNTA - E o Estado fornecia?
RESPOSTA - Forneceu alguns e depois começamos a cobrar da prefeitura,
dos políticos, começando com o Hirant. Então, quer apoio político? Olha,
precisamos disso, disso, disso e a gente ia em todos os políticos: o ganhador, o
perdedor, o eleito, o não eleito...
PERGUNTA - Havia uma disputa muito acirrada na comunidade local entre
fanfarra do Ceneart, do Caxias e do Misericórdia. Havia inclusive um concurso
no sete de setembro? É isso?
RESPOSTA - Não, não havia um concurso.
PERGUNTA - Porque me parece que havia sempre uma que se destacava
mais.
RESPOSTA - Ah, sim.
PERGUNTA - Como é que sabiam quem ganhou este ano? Como é que era
tirado isso?
RESPOSTA - Ah, não lembro. Havia uma disputa feroz entre essas três
fanfarras e era uma maravilha - muito boas. Então, sete de setembro valia por
isso tudo aí, né?
PERGUNTA - Isso é uma coisa que eu queria saber: quem é que ganhava?
Porque tinha que ter um júri, não sei, nunca soube de haver júri em sete de
setembro.
RESPOSTA - Mas, na verdade, esse era o esforço dos alunos, dos
professores, uma parte da comunidade. Mas, muita coisa era boicotada nas
férias, a gente acaba se tocando disso muito tempo depois. Infelizmente não foi
detectado na hora que aconteceu. Por exemplo, os professores, nós
pensávamos: tínhamos que botar esses alunos para aprender um pouco de
mecânica, um pouco de carpintaria, por um torno, aprender a trabalhar em
171
torno. Porque eles têm habilidade para isso e tal e é mais uma coisa importante
para eles, e, a duras penas, lá vou eu, de fábrica em fábrica a pedir um torno, a
pedir uma fresa e as fábricas doaram. Então a comunidade tinha feito essa
doação. Aí, eu queria, eu particularmente queria, que quem fosse ensinar fosse
o operário que trabalhava no torno. O chefe do torno. E entrei em contato com
a fábrica que se dispôs. Eu falei: ‘Olha, esse operário fica meio período na
escola conosco e o outro meio período ele volta pra fábrica. Vocês emprestam.
Estava conversado, mas acontece que o Estado e a burocracia passou a
alegar que eles não tinham diploma, não poderiam dar aula. Porque eles não
eram habilitados e aí nós acabamos nas mãos de professores de trabalhos
manuais. Aí a professora de trabalhos manuais acaba arrumando um fogão,
que foi a maior elevação... o importante, entende? Com o fogão ensina a
cozinhar, fazer pão. É, isso foi importante, não é?(ironicamente) E outras
coisas que nós queríamos, nada. Eis que, um belo dia depois das férias, nós
chegamos em março, toda a ala que era usada para a mecânica, para o torno
tinha desaparecido, estava desmontado. Transformaram aquilo em outra coisa.
Quem lá em cima? Você vai querer saber é a delegacia. A delegacia fez isso
por conta de quem? Provavelmente pela Secretaria da Educação e tudo aí já
tinha...
PERGUNTA - Isso quando? Em que ano, mais ou menos?
RESPOSTA - E tudo isso aí já tinha uma visão política da coisa.
PERGUNTA - Quando, mais ou menos, isso?
RESPOSTA - Quando que eles montaram tudo? Não sei. No começo dos anos
60. Não lembro, não lembro.
PERGUNTA - Por exemplo, havia uma rixa entre colégios, que saía brigas no
portão do Ceneart, não tinha essa de briga no portão do Caxias?
RESPOSTA - Mas aí também entrava muito namorinho, quem pegou
namorada de quem e tal. Então, criavam esse tumulto.
172
PERGUNTA - Essa rixa era uma rixa de fanfarra, era uma rixa de namorados
ou era uma rixa de colégios?
RESPOSTA - É, é. Ou de clubes, né? Quem era do Floresta contra quem era
do Atlético. Que era um absurdo, né? Era um absurdo total. Porque no final, o
Atlético tinha a cabeça muito mais aberta do que o Floresta.
PERGUNTA - Claro. Porque era um clube de operário, né?
RESPOSTA - Não, era um clube aonde moças e moços iam sozinhos. Floresta
não, ia pai, mãe, tia, avó, ficava todo mundo sentado naquelas cadeiras,
vigiando as meninas.
PERGUNTA - E com a UEO? Vocês participavam?
RESPOSTA - Nós dávamos todo o apoio aos alunos, todo o apoio. Os
professores davam. Agora, o que havia bravo internamente, era um grupo que
era a maioria dos professores, o Emir, Laura, eu, Porciuncula, Cibele... Nós
tínhamos muito choque com a direção. Vários diretores. Começou com o Nilo e
aí foi. Nós tínhamos choque com os diretores, né? Isso não era fácil de
superar. Então, de vez em quando a coisa ficava muito feia.
PERGUNTA - Numa certa medida, nós precisamos ver também em que
medida essa diretoria não era pressionada pela Secretaria da Educação.
RESPOSTA - O que ajudou bastante, por exemplo, eu vou dar um exemplo
das nossas lutas com a direção, né? O trem que trazia o pessoal de
Carapicuíba, Barueri, tal e coisa, não tinha um horário um horário britânico, né?
Você sabe como era o trem lá em Osasco, ele podia chegar 15 minutos, meia
hora depois. O horário era esse, mas o diretor mandou que fechasse o portão
exatamente na hora e o aluno não podia chegar atrasado e nós ficamos
indignados. Os professores já se sublevaram ali porque era um absurdo o que
estava acontecendo. Conseguimos na primeira etapa que eles entrassem para
a segunda aula, mas nós não queríamos, queríamos que, chegou atrasado,
chegava um bando no mesmo trem, por que não entra? Não é? O que ajudou
muito foi quando apareceu a União de Pais e Mestres, quando os pais, alguns
173
raros pais que vinham sistematicamente chegaram, e nós, professores
estávamos na frente de briga com a direção.
Por exemplo, a Rina Muso, italiana, que tinha dois filhos lá, ela ficou do nosso
lado. Aí ela se levantou e falou para o diretor que aquilo lá era um absurdo e
ele perguntou se o filho dela vinha de Carapicuíba, Barueri e tal. Ela falou:
‘Não, mas poderia vir, eu moro em Presidente Altino, meu filho poderia tomar
um trem e vir de trem até aqui, em vez de vir a pé.’ E aí o outro pai, então os
pais, às vezes pressionavam a direção e nós conseguimos, então, que os
alunos que chegavam atrasados por causa do horário do trem pudessem entrar
sistematicamente e todos eram conhecidos. Todo mundo sabia quem desceu
de tal trem, que horas, mora aonde, sai de Barueri, de Carapicuíba, todos
sabiam disso, porque todos os alunos eram conhecidos. Nós conhecíamos os
alunos pelo nome.
PERGUNTA - Eram poucos.
RESPOSTA - Não era tão pouco assim. Não era tão pouco. Porque isso já
acontece quando o Ceneart está lá em baixo.
Então, era uma escola muito grande, mas do período ainda conhecia os
alunos. Principalmente os que tinham migrado do prédio antigo. Conheciamos
pelo nome, nós sabíamos onde moravam e, assim, havia uma ligação muito
grande.
PERGUNTA - Houve uma manifestação de alunos, uma manifestação popular
em Osasco, em 64, por causa do aumento de salário dos vereadores, você se
lembra desse fato?
RESPOSTA - Sim, nós cercamos a Câmara.
PERGUNTA - De quem foi a iniciativa? Foi dos alunos, foi de algum político. Eu
quero saber como se deu essa organização.
RESPOSTA - Aí começam a aparecer as lideranças políticas nas escolas,
então, isso era comentado, mas na realidade quem morava em Osasco era eu
e, na hora que os alunos cercam a Câmara Municipal, o único professor que
174
estava ali comandando o pessoal, eu, porque eu moro lá. E a sessão era à
noite, então os professores da manhã e da tarde não participaram, participaram
os professores da noite, se quisessem, mas a escola ficou vazia, eles foram
embora. Eu moro lá, eu vou com os alunos, não é? Aí começa a pichação, né?
E mesmo o que se falava em classe, entende? Havia a Ciência, dava aula de
Ciências, explicava sexo assim, na maior, não é? A mentalidade burguesa da
cidade se horrorizou, achando que estávamos levando os filhos para o mau
caminho. Aula de História, justamente para manter acesa aquela turma que
está cansada, contar lá das amantes do imperador, contar coisas assim, que
pareciam um pouco escandalosas na época e isso tudo vai indispondo a
mentalidade burguesa tacanha contra os professores e de preferência contra
mim, porque eu moro na cidade. E o próprio comportamento na cidade, né? A
professora vai a baile, a professora vai a barzinho, vai a boates, pula carnaval,
era uma coisa de falta de respeito...
PERGUNTA - Era uma coisa que não estaria dentro do padrão moral que se
esperasse de um professor.
RESPOSTA - O grau de liberdade que eu tinha, especialmente dentro do meu
casamento, incomodou muita gente. E havia o comportamento meu,
especificamente, altamente condenável. Por exemplo: numa festa importante,
sei lá, uma festa no clube, coisa importante, vai ser a festa muito grande, muito
boa, o baile vai ser muito bom, etc, etc. As desquitadas, como é que vão? Vão
sozinhas para o baile. Aí chega ‘Ai, Lenita, posso ficar na sua mesa?’ Claro que
pode. ‘Ai, Lenita, posso ficar na sua mesa?’ Claro que pode. Resultado: ficava
eu, o Klaus, o Toninho Coutinho e três ou quatro desquitadas, cinco, às vezes,
na mesa. Isso incomodava muita gente.
PERGUNTA - É isso que eu queria um pouco que você falasse da escola e da
vida cultural. Quer dizer que essa coisa de você ser da cidade e dar aula na
escola, em muitos aspectos favorecia o seu entrosamento com os alunos,
favorecia uma série de coisas que você podia fazer no seu cotidiano de
moradora local, como professora e como companheira desses alunos, por
175
outro lado, você era mais vigiada, você sofria um policiamento maior, quer
dizer, havia o comportamento dentro da vida social da cidade, dos outros
professores não se tinha notícia.
RESPOSTA - O meu aparecia mais, porque eu morava na cidade. Por
exemplo, o campeonato de futebol, quando apareceram os interescolar. Esse
campeonato de futebol era muito importante. porque o Ceneart tinha jogadores
fabulosos, o Galianinho é que pode contar essa história, o Port pode contar, ele
sabe melhor do que eu. E daí qualquer dia eu quero tirar diferença com esse tal
de Sílvio Luís, comentarista esportivo, entende? Pela sujeira que ele aprontou
naquele ano. Isso foi ano acho que de 58. 1958, que aconteceu isso. Quem
são os adversários do futebol? Dante Alighieri, São Luís, Mackenzie, Porto
Seguro, entende?
PERGUNTA - Escolas grandes de São Paulo.
RESPOSTA - E o Ceneart. Era dos ricos de São Paulo e nós, Estado. E o
nosso time era bom demais. Era bom demais. E o Sílvio Luís que organizou
isso, propondo não só a taça, mas que o jogo, a finalíssima, iria passar na
televisão, que era uma coisa na época, né? Imagina.
Sonia - A televisão tinha acabado de surgir
RESPOSTA - É. Então ia aparecer na televisão, resultado, meu bem: o
Ceneart foi batendo uns e outros e outros e outros e outros e quando chegou a
hora do vamos ver, nós batemos o São Luís e fomos campeões. Cadê Sílvio
Luís? Sumiu, desapareceu, não teve taça, não teve medalha, não teve coisa
nenhuma, entende? E muito menos a televisão. Esqueceram o tal do
campeonato, mas quem pode te contar isso com detalhes é o Port.
Sonia - O Port é a minha próxima entrevista.
RESPOSTA - E pergunte ao Port porque que a dona Helena tem tanta raiva do
Sílvio Luís. Eu falei, qualquer dia eu escrevo um artigo para desmascarar esse
cara aí. Então, e os professores iam aos jogos, nós íamos atrás dos alunos.
Tinha jogo no domingo de manhã, quer dizer, você trabalha a semana inteira,
sábado era difícil sábado que não tivesse casamento de aluno.
176
PERGUNTA - É, os alunos casavam quando ainda estavam no ginásio, no
colégio.
RESPOSTA - É, aí começa a casar. Aluno, então, todo sábado, casamento.
Domingo de manhã, nós tínhamos futebol.
PERGUNTA - Além disso, eu via também, a vida cultural da cidade girava
muito em torno das atividades do colégio, porque eu me lembro que haviam
bailes pró-formatura o segundo semestre todo do ano, praticamente. E era o
grande evento do final de semana, não era?
RESPOSTA - Era, era. A matinê sempre foi cheia.Sempre estava cheia a
matinê do domingo.
PERGUNTA - E era pró-formatura, normalmente.
RESPOSTA - Muitas vezes faziam pró-formatura e nós estamos aonde, os
professores? Então veja você que o professor estava com o aluno de segunda
a segunda, entende? Não é essa história hoje dá aula, sai correndo e vai pra
casa. Aliás, saí correndo tem uma coisa genial, os alunos, às vezes, depois das
provas, terminadas as provas, estão cansados, é o noturno, estão cansados,
querem sossego, eles inventaram, no começo, lá em cima. Tinha muito
eletricista entre eles, eles davam um jeitinho e apagavam a luz da escola. Eles
cortavam. Esperava-se não sei quanto tempo e suspendia-se as aulas. Nós
professores íamos para a pizzaria e era aí nesses grandes apagões dos alunos
que nós íamos para a pizzaria, comer pizza, tomar cerveja, bater papo,
conversar. Então, é que rodava muito papo entre os professores. Acho que era
o Prado que nós íamos e lá nós ficávamos, tomando cerveja, comendo pizza e
batendo papo, tratando de tudo. Então, nessa convivência toda eu acho que
fez a diferença também, né? E não esqueça que os nossos alunos saem do 3º
colegial em dezembro, janeiro prestavam vestibular e eram os primeiros
lugares, Direito, Medicina e Engenharia, eram do Ceneart.
PERGUNTA - E como se mantinha esse contato desses alunos que saiam do
ginásio com os alunos que permaneciam no ginásio. Porque é uma coisa que
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me provoca algumas duvidas, você tinha uma UEO atuante, você tinha o CEO,
quando o UEO entrou na ilegalidade, e essas entidades, elas são mantidas em
grande parte por estudantes secundaristas, até porque você não tem tanto
universitário quanto você tem hoje. A maioria dos estudantes das uniões de
estudantes são estudantes secundaristas.
RESPOSTA - Foi quando apareceu depois a UMES. Um diretor do CENEART,
que foi um desastre, Como é que chamava, a mão direita do Rossi...
Sonia - Nélio?
RESPOSTA - O Nélio. Era um ditador, né? Ele era um ditador dentro daquela
escola. Inclusive pegou o microfone, um dia, proibindo os alunos de se
inscreverem na UMES, de participar da UMES, que aquilo era subversivo, era
isso e era aquilo. Eu entrei em classe, peguei o giz dobrado e escrevi bem
grande na lousa: UMES. Vocês sabem o que é isso?
PERGUNTA - Mas isso já é bem depois, né?
RESPOSTA - É, já dei endereço, já deixei tudo escrito na lousa, para eles
entrarem em contato que aquele era a representação deles. Como é que o
diretor vai proibir que o aluno entre para a UMES. Isso ai foi já no finalzinho da
minha carreira. Porque durante a ditadura militar não podia fazer.
PERGUNTA - Você teve a UEO e o CEU até 68, por ai.
RESPOSTA - Nem sei se agüentou tanto. O medo era muito grande, né?
PERGUNTA - Como era a relação da escola com entidades do tipo ROTARY,
LIONS, que são entidades mais formais, digamos, elitistas da cidade. Você
tinha muitos alunos que eram filhos dessa nata que compunha essas
agremiações, convivendo ao mesmo tempo com os sindicalistas.
RESPOSTA - Os que ficaram ligados aos pais e ao clube, ao LIONS por
exemplo, e foi lá no Rotary, que tinha... Como é que chama a juventude do
Rotary? Na realidade, quem fez parte da juventude Lions ou Rotary...Eram os
mais reacionários. Eu, por exemplo, pertencia ao Lions. As minhas filhas
fugiam que nem o diabo da cruz, não queriam nem ouvir falar daquele jantar,
178
daquelas coisas, elas tinham outra orientação, outra cabeça e eu estava no
Lions...
PERGUNTA - E com os sindicatos? Eu esto pegando as associações de
ambos os lados. As associações da elite, Rotary e Lions, por exemplo eu tenho
uma informação que a sala que sediava a UEO ficava do lado do gabinete do
Professor Antiório. E que ele pagava o aluguel.
RESPOSTA - Ah, não sei. O filho dele era o presidente?
PERGUNTA - Não, era o Gabriel Figueiredo.
RESPOSTA - Ah, era o Gabriel. É sobrinho dele.
PERGUNTA - Mas o Gabriel era uma pessoa diferente do Pinguin.
RESPOSTA - Outra linha, outra linha. O Pinguin hoje em dia ta no PT, né?
PERGUNTA - É? Não sei. Mas, você tem de uma lado, as instituições mais
organizadas da elite, que é o Rotary e Lions, de outro lado você tem as
instituições classistas.
RESPOSTA - Você não pode esquecer que boa parte desses alunos do
noturno são operários e eles são ligados aos seus sindicatos e todos esses
sindicatos eram muito ligados ao Ceneart.
PERGUNTA - Havia espaço para se discutir sindicalismo dentro da escola?
RESPOSTA - Isso se fazia em aula de Historia, Português...ou na fabrica. Mas
eles discutiam bastante na sala do grêmio, viu? No grêmio existia uma certa
divisão ideológica.
PERGUNTA - Ah, sim. Então essa, digamos, esse era um assunto que tava
mais presente nas discussões do Grêmio.
179
RESPOSTA - Do grêmio e da sala de aula também, por que não? Porque eu vou
explicar o que é sindicalismo, o que é corporativismo, o que é anarquismo, o que é
comunismo, o que é... ?
PERGUNTA - Nas eleições de 62, é uma eleição meio esquisita em Osasco,
porque você tem o movimento autonomista, e tem lideres janistas e líder
ademartista, que é o caso do Fuad e do Menck. Certo? Ambos são pessoas de
destaque, são lideranças políticas, partidários distintas, e que de uma maneira
concreta bancaram financeiramente o movimento autonomista...
RESPOSTA - Pelo velho Menck.
PERGUNTA - E na eleição ganha um 3º. Sai uma tangente a essas duas
fortes tendências, que foi o Hirant. Como você explica isso e se os estudantes
da escola participaram dessa campanha?
RESPOSTA - Não.
PERGUNTA - Como se deu essa eleição. Esperava-se que com os dois
caciques, digamos, que um dos dois ganhasse.
RESPOSTA - É, o Hirant ganhou porque ele tinha mais traquejo político, ele
tinha sido vereador em São Paulo. Então ele conhecia os meandros todos, né?
Na eleição, ele já sabia como fazer uma campanha e os outros eram todos
neófitos.
PERGUNTA - Ah, então ai foi uma coisa de experiência de campanha?
RESPOSTA - Ah, foi.
PERGUNTA - Uma prática de eleição?
RESPOSTA - Na minha opinião, né?
PERGUNTA - E os estudantes, dentro da escola, havia uma preferência por
candidatos?
RESPOSTA - Bom, o titulo de eleitor saía aos 21 anos. Porque a hora que
180
esse povo começa a ter idade para ter titulo de eleitor as coisas vão se
modificando dentro da cidade, não é? Ai nós começávamos a ter alunos
vereadores, ex-alunos vereadores. Tivemos vários prefeitos saídos do
Ceneart, o Parro, o Rossi.
PERGUNTA - O Guaçu não foi aluno do Ceneart?.
RESPOSTA - Acho que não.
PERGUNTA - Ele é anterior. É, mas o Guaçu foi eleito com apoio estudantil, da
UEO.
RESPOSTA - Foi, foi.
PERGUNTA - Uma das fortes frentes de campanha do Guaçu foi a UEO, não
foi?
RESPOSTA - Foi.
PERGUNTA - Quando ele volta da pós-graduação dele.
RESPOSTA - Que ele foi bolsista? Pelo Ponto 6.
PERGUNTA - Não sei, o que é ponto 6? O que que é ponto 6, eu não sei?
RESPOSTA - É, é o acordo Brasil – EUA. Nos mandávamos bolsistas e o
Brasil abria arquivos pessoais. Tanto é que nos EUA existem arquivos de
liderança do Brasil, nem aqui existe, nem o DOPs tem o que os americanos
têm. Foi baseado nessas bolsas ai.
PERGUNTA - É, e o Guaçu foi fazer sociologia.
RESPOSTA - Nesse acordo.
PERGUNTA - Eu não sabia qual era a origem da bolsa.
RESPOSTA - Mas ainda nessa época, até 64, nós tínhamos uma coisa muito
boa dos EUA, que era a Aliança para o Progresso. Aliança para o Progresso
não tem nada a ver com todas as outras organizações americanas que vieram
181
para o Brasil. A Aliança era seríssima, estudava sério, era limpa, honesta,
clara, transparente, e foi a Aliança para o Progresso que me ajudou a fazer o
material para a alfabetização Paulo Freire.
PERGUNTA - Eu tenho 3 grandes assuntos que eu gostaria de saber: o
primeiro, eu queira saber, da sua atuação, você foi diretora do departamento de
cultura.
RESPOSTA - Isso foi no tempo do Hirant, primeira prefeitura. Eu fui a primeira
secretaria... Secretaria, não. Que não havia secretaria, havia Diretoria de
Educação e cultura, imposta pela Câmara. Porque os vereadores eleitos então,
tinham a nossa assinatura. Ex-alunos do Ceneart e amigos próximos. Tanto
que o presidente vai ser Orlando Calazans. Tinha o Putkammer, olha, vários
alunos nossos estavam ali e essa câmara então, se reuniu e falou não: por ser
uma postura de esquerda, nós queremos educação e cultura, que a esquerda
na época achava que com cultura podia fazer muita coisa. Mas eu fui podada
de todas as formas que você pode imaginar, também neófita no assunto, não
sabia trabalhar com a burocracia, que o Hirant conhecia muito bem, sabia
trabalhar muito bem, da câmara de SP.
PERGUNTA - A prefeitura era nova, tudo era novo.
RESPOSTA - O que eles fizeram. Com o Moioli, todo aquele pessoal do
Hirant, toda a verba da educação comprando livros de direito, porque livro era
educação. Então compraram a biblioteca de direito. Com a verba da educação.
E eu ó. Mal assessorada, quer dizer, juridicamente, né, nem lembrei disso, até
ser obrigada a pedir demissão porque não havia condições de trabalhar.
Funcionários de confiança impostos. Então ficou uma situação insuportável e ai
eu pedi demissão.
PERGUNTA - Queria que você me falasse um pouco, qual era a expectativa
desse aluno, do aluno do Ceneart da década de 50, mais claramente.
RESPOSTA - Uma expectativa de que, de emprego?
182
PERGUNTA - Em todos os sentidos. Para que fazer ginásio, para que fazer
colégio?
RESPOSTA - Os grandes alunos, realmente, eles sempre pensavam, em se
formar e depois ter um trabalho na coletividade da sociedade, entende?
PERGUNTA - Fazer-se homem publico?
RESPOSTA - Ajudar ao próximo, sendo excelente profissional, certo? Tanto é
que você vai ver quem era o amigão dos patrões e depois deu uma virada era
o Albertino. Ele vai trabalhar mesmo com sindicato tal, e o próprio Gabriel,
quando eu fui à formatura dele, eu tive a maior decepção da minha vida
quando vi que ele era um psiquiatra. Ai eu falei: “Esperava tudo de você,
menos isso.” Ele falou: “Claro, a senhora estava esperando que eu fosse um
clinico geral.” Mas a psiquiatria também vai atender a classe que a senhora
espera.
Sonia - E ele foi um excelente Secretario de Saúde.
RESPOSTA - Foi. E era um excelente psiquiatra. Médicos: o Dionísio, um
excelente medico que se perdeu na política, ele era assistente do Zerbini. Você
quer ver outro maravilhoso? O Angelo Melli, esse sim deveria ser o prefeito de
Osasco um dia, né? Porque tem uma visão de planejamento.
Sonia - É, é uma pessoa que estudou urbanismo. Passou a vida dele
estudando urbanismo.
RESPOSTA - Então você vê, muitos médicos. O Klaus, que é fotografo das
grandes firmas multinacionais em Osasco, quando chega na direção para
conversar, primeira coisa: “Como vai Dona Helena, minha professora, como é
que está?” Quer dizer, os meus alunos são diretores das multinacionais.
PERGUNTA - Esses alunos que foram fazer ginásio e colégio nos anos 50,
anos 60 tinham expectativa, é obvio, de melhorar de vida, de atingir um status
social, de ter uma ascensão social. E isso foi possível.
RESPOSTA - Foi possível.
183
PERGUNTA - O que não se pode dizer do ginasiano de hoje.
RESPOSTA - Não.
PERGUNTA - Do secundarista de hoje. Quer dizer, a escola secundaria dos
anos 50, e anos 60, apesar de não ser mais aquela escola em que você se
formou, ela ainda cumpriu o papel de possibilitar a ascensão social.
RESPOSTA - Claro, sim. Mas aí, minha filha, é a diferença, a aproximação que
nós tínhamos dos nossos alunos desapareceu. Desapareceu, porque a
pressão do sistema foi muito grande. Uma das piores coisas que aconteceu foi
o supletivo, o supletivo tirou o operário de dentro da sala de aula e as escolas
perderam todo o seu caráter político e ficaram medíocres. Entende? Os
salários foram aviltados, dos professores, então os professores não têm mais
tempo para ficar com seus alunos, eles têm duas ou três escolas por dia. É
uma loucura sobreviver sendo professor e a miséria que o professor ganha
hoje em dia. E nos tínhamos possibilidade, então, de ficar com o aluno, nos
tínhamos possibilidade de ir aos casamentos, de ir ao jogo de futebol, à disputa
de vôlei, essa era uma grande diferença. Considerando que depois de
formados, eram amigos, freqüentavam a casa, iam lá convidar para o batizado
dos nenês e nós continuávamos essa amizade. Eu tenho amigo que mora nos
EUA, até hoje ele vem me visitar, os Horst, dois brilhantes alunos. A Rosali é
minha amiga até hoje, a Rosinha, a mãe dela, são amigos que ficaram, que
ficaram pra vida toda. Toninho Coutinho, como é que começou minha amizade
com Toninho Coutinho? Como professor e aluno.
PERGUNTA - Quer dizer, nesse primeiro momento em que começa a
expansão da escola secundaria nos anos 50 e anos 60 elas ainda cumprem o
papel de formar o homem de formação integral, eu diria.
RESPOSTA - Sim.
PERGUNTA - O homem para a profissão, o homem para a sociedade, o
homem para a vida social, para a vida política e para a profissional.
RESPOSTA - Esse período todo, esse período todo, desde 54... Foram uns 10
184
anos de gloria, né? 54 – 64. Foi esse o momento em que o proletariado vai
conviver com o burguês, é esse o momento que o proletariado passa a
freqüentar o clube burguês, a festa burguesa, o casamento burguês e é esse o
momento em que o burguês passa a conhecer a periferia, passa a conhecer a
festinhas e os churrasquinhos mais pobrezinhos, mas muito alegres, com muita
música. Há essa troca de informações e vivência, que isto foi considerado
subversivo, então, nós colocávamos uma subversão da ordem, da ordem
social, claro. Casar filho de burguês com o filho do proletariado foi uma coisa
espontânea, mas maravilhosa..
Sonia - Mas agrediu...
RESPOSTA - Agrediu o sistema, tanto é que o Golpe de 64 vai imediatamente
começar a desmontar a participação do proletariado dentro das escolas. Criam
o supletivo, quem tiver mais de 18 não pode entrar...
Sonia - Essa da formação do supletivo, eu acho uma brilhante conclusão.
RESPOSTA - Não, mas é a realidade.
Sonia - Eu nunca tinha analisado por esse viés.
RESPOSTA - Muita gente me acusa, diz “Não, você fala contra o supletivo,
você não imagina ....” Imagino que fez bem a muitas pessoas, a Dra. Julia
Tonato, como é que ela se formou? Ela fez supletivo. Mas ela era brilhante.
Então esse supletivo foi bom para ela porque comeu etapas para ela fazer
medicina, e o resto? O resto é uma mediocridade aí que Deus me livre.
Operário que consegue condição de ter cultura.
PERGUNTA - Bom, e também porque hoje o secundaria mudou o seu caráter.
RESPOSTATotalmente
PERGUNTA - E ele não tem mais o caráter que ele tinha na sua instalação, no
momento em que inicia sua expansão lá na década de 50.
RESPOSTA - Você vê a importância da escola? Como a escola é importante. A
menos que ela seja desmantelada com foi, mas quando era risonha e franca
nós conseguimos muita coisa.
185
PERGUNTA - Há uma coisa ainda que me interessa ter dados, sobre o
processo de alfabetização Paulo Freire que você levou pra Osasco. Como se
deu, quem trabalhou com isso, de onde vinha a verba. Como você chegou ao
método Paulo Freire, o que te levou a?
RESPOSTA - O que me levou foi o seguinte: Eu era professora do Séde
Sapiense, e o Séde Sapiense tinha por costume levar as alunas Norte – Sul,
Leste – Oeste desse país. Então todas as férias havia uma excursão das
alunas de tal forma que quando elas saíssem da faculdade, elas tivessem
conhecido o sul, o norte, o leste e o oeste do Brasil.
PERGUNTA - Você era professora na Historia?
RESPOSTA - Eu era professora de Historia na Puc. No Séde Sapiense.
PERGUNTA - No curso de História.
RESPOSTA - História, dava História Moderna, depois passei a dar moderna e
contemporânea. O meu foco é contemporânea. Numa dessa viagens, eu fui
acompanhar as alunas - eram 2 padres, 2 freiras, o Klaus e eu. Ah, um dos
padres era o padre Dario Bevil’aqua, o outro, o padre Benedito que hoje é
bispo em Sorocaba, se não me engano e nós saímos de Santos de navio.
Então nós tomamos o Ita para o norte: tinha o Itaeté, Itararé, eram 3 Ita, por
isso que era o Ita para o norte. Acontece que o Ita que nós estávamos que era
o Itararé saiu do porto e, no caminho, entra em greve. Nós éramos 22 moças
naquele navio. O Navio era pequeno. 22 moças, a tripulação mais nós que
éramos uns 8 professores e tal e essa greve era coisa de terror, porque não me
pagam mais ... não faziam mais nada. O navio estava uma imundice só.
Quando a marinha de guerra tomou conta do navio. Chegou uma hora foram
obrigados a parar, eu não lembro onde foi que eles pararam, acho que foi em
Vitória e a Marinha tomou conta. Aí minha filha, foi uma beleza de viagem
quando chegou a marinha de guerra, aqueles oficiais maravilhosos. As
moças...22 lindas, lindas. A noiva do José Serra estava no navio, a irmã dela é
a Sula casada com o Nahas, as filhas de grandes fazendeiros, grandes
capitalistas, entende?
186
PERGUNTA - Era uma elite.
RESPOSTA - Era uma elite, era classe A e aparecem aqueles oficiais, coisa
maravilhosa. Aí imediatamente ficou tudo limpo, maravilhoso e as meninas, né,
passarinho. Porque só tinha homem bonito naquele navio. Foi uma viagem
muito boa, mas quando chegou ao Recife, entrega o navio ou não entrega?
Então houve uma disputa entre a guarda costeira que fazia o Ita, que era dona
do Ita, e a Marinha de Guerra, que tinha tomado posse do navio e com isso nós
paramos em Recife. Chegou na parada em Recife, falei “Bom, vou andar por ai
e ver o que está acontecendo por aqui.” E fui especular como era a educação,
isso, aquilo, aquele outro. Aí encontro um amigo e ele diz “Você tem que vir
comigo lá num bairro porque eles passam filmes ao ar livre” Tudo americano.
Tem que ver o que os americanos estão fazendo lá. Aí eu fui lá para o
subúrbio, aquele povo mais simples, no subúrbio pernambucano, gente muito
pobre. Numa praça uma bela duma tela, com um caminhão muito bem
montado e eles estavam passando filmes, por exemplo, de aviação. Aqueles
aviões fazendo manobras no ar e a moçada naquela praça “Oh, e tal” e
maravilhados com aquilo e batendo palmas e eu querendo saber qual era o
objetivo, qual era o recado dos americanos tinham ali, mas afinal era a Aliança
para o Progresso. Não era nada de coisa assim mais agressiva, entende?
Eram grupos que aproveitavam para estabelecer contato, um pouco de cultura,
tentavam até alfabetizar e naturalmente, tem toda uma ala em Pernambuco,
em Recife, que estavam adiantadíssimos, davam um baile em São Paulo. Eles
estavam montando a radio Recife. Como Angola. Não é? E essa rádio estava
ali para começar. Quando eu cheguei que disseram tem uma palestra sobre
não sei o que, la fui eu. Quando eu chego lá, já tinha professor, diretor, um
monte de gente me esperando. Eu falei “Eu sou simplesmente a professora de
historia, estou acompanhando as meninas.” “Não, a senhora é irmã de Décio
Pignatari, ele é o nosso colaborador, ele escreve no nosso jornal, escreve na
nossa revista, ajudou a nossa montagem e nós estamos contando ainda com o
trabalho do Décio.” Esse trabalho tem um nome que, com a prisão de 64 eu
esqueci muita coisa viu? Ai, não lembro. Com isso, eu fui assistir porque
187
disseram “Olha, faculdade daqui, uma vez por semana, é o aluno que da aula.
Para todos e para os professores e hoje é aula do aluno e é de história.” Os
professores sentados lá e o aluno deu uma aula brilhante , entende? Um
cabedal que sai da frente. Eu fiquei maravilhada com aquilo. Maravilhada. Aí,
conversa aqui, conversa aqu, mas preciso conversar com o Paulo Freire. Paulo
Freire esta alfabetizando em 40 horas. Eu falei: “Pelo amor de Deus, o que que
é isso?” 40 horas, alfabetiza em 40 horas... fiquei doida. Falei, ah, quero ver.
Acabei indo, fui a casa do Paulo Freire, batemos papo e tal e coisa, mas ele
contava, mais encantada eu ia ficando. E desesperei, né? Só falava nisso. Só
falava nisso.
- Em 1963 a professora Helena Pignatari Werner participou de uma
experiência com o método de alfabetização Paulo Freire, com cerca de
200 alunos na região do Jardim Helena Maria – periferia de Osasco -, num
projeto promovido pelo Sede Sapiense, da PUC/SP.
188
Anexo 5
ENTREVISTA COM JOÃO GILBERTO PORT – ALUNO DE CENEART DE 53 a 58
Osasco, 8 de julho de 2004
Sonia: Em primeiro lugar, eu gostaria que você me desse seu nome, sua data
de nascimento e confirmasse se eu estou autorizada a usar as informações
que você vai me passar, para o meu trabalho de pesquisa sobre a escola
secundária em Osasco.
Port: João Gilberto Port, nascido em 02/10/38, na cidade de Pirassununga. E
você, Sônia, está plenamente autorizada a fazer uso das declarações que eu
vou fazer nesse instante.
Sonia: Obrigada.
PERGUNTA - Então, você é uma pessoa que estudou de 53 a 58, quer dizer,
você pega praticamente o princípio da escola. Você entra no segundo ano de
funcionamento dessa escola... Havia todas as salas ocupadas já, por exemplo,
ou não?
RESPOSTA - Havia sim.
PERGUNTA - Quer dizer que já tinha 1
o
, 2
o
, 3
o
e 4
o
ginasial?
RESPOSTA - Perfeito.
PERGUNTA - Já em 53?
RESPOSTA - Já em 53.
PERGUNTA - Utilizando as dez salas?
RESPOSTA - As dez salas
189
PERGUNTA - É isso que me preocupa um pouco, porque logo em seguida vai
ser aberto o científico nesse mesmo espaço físico. Quer dizer, você teve que
diminuir o número de classes de ginásio, você se lembra disso?
RESPOSTA - É eu confesso que eu não me lembro bem disso não. Eu só me
lembro que, por exemplo, nós tivemos que usar uma sala acessório, uma
pequena saleta atrás do palco.
PERGUNTA -Que era a coxia?
RESPOSTA - A coxia... Exatamente, para abrigar o 3
o
científico, no último ano.
Isso eu me lembro perfeitamente, eu terminei o curso lá
PERGUNTA - Quando você veio pra Osasco, você já veio com o ginásio em
funcionamento?
RESPOSTA - Perfeito.
PERGUNTA - Me diz uma coisa, com que objetivos você foi fazer o ginásio? O
que você esperava da escola secundaria? Quais eram seus anseios? Bom,
porque não era comum as pessoas fazerem, poucas pessoas faziam ginásio
até então não era?
RESPOSTA - Pois bem, primeiro porque a escola pública da época realmente
tinha um nível muito superior aos dos dias de hoje. Segundo, que a minha
origem é de Pirassununga e eu tendo pai militar e mãe professora, o meu pai
foi transferido para Osasco, para aqui para Quitaúna e nós viemos, Portanto,
de Pirassununga, onde eu tive a oportunidade de estudar numa escola
excelente também que era o Instituto de Educação de Pirassununga.
PERGUNTA - Era estadual?
RESPOSTA - Estado, eu fiz a 1
a
e a 2
a
série lá. Vindo para cá evidentemente
os recursos também da família, uma família de 5 filhos, não era grande, mãe
professora e pai militar, então nós procuramos nos interar a respeito da escola
pública.
190
PERGUNTA - E filho de militar, nesse contexto, tem preferência?
RESPOSTA - Tem preferência porque foi transferido, tanto é verdade que eu
consegui minha vaga em função desta facilidade que a lei conferia pelo fato de
ser filho de militar.
Foi, então fui, é iniciei a 3
a
série no CEART, antigo CEART, hoje CENEART e
pude verificar, dentro desse contexto da própria transformação da cidade de
Osasco, como poucos tinham a felicidade de freqüentar uma escola e pude
verificar também a miscigenação no corpo discente logo que eu cheguei;
porque realmente houve uma integração. Ah, o filho do industriário, do operário
em si com a chamada elite da cidade que também optou pelo colégio público.
Nós tínhamos na época o Duque de Caxias também, um ginásio.
PERGUNTA - Era uma escola técnica.
RESPOSTA - Era uma escola técnica e particular e nós tínhamos também,
quando cheguei, se não me falhe a memória, nós tínhamos o GEPA, lá em
Presidente Altino.
PERGUNTA - O GEPA é de 1958 como ginásio, antes ele era só um grupo
escolar.
RESPOSTA - Ah, era grupo escolar então não. Nós tínhamos o Misericórdia.
PERGUNTA - O Misericórdia, onde as meninas iam fazer o normal?
RESPOSTA - É, onde as meninas iam fazer o normal.
É eu me lembro exatamente desses três estabelecimentos: o Duque
de Caxias, como escola técnica, o CEART e o Misericórdia e a
miscigenação era tanta que até tem um fato pitoresco, naquela época,
grande parte dos estudantes, não vou dizer a totalidade, mas a sua
imensa maioria, numa cidade carente ainda.
PERGUNTA - Nem era uma cidade, era um bairro.
RESPOSTA - Num distrito carente como Osasco, todos trabalhavam durante o
dia e se locomoviam para a escola à noite, em sua imensa maioria, de bicicleta.
Tanto é verdade que o pátio interno do Bittencourt, que durante o dia era Grupo
191
Escolar Marechal Bittencourt, externamente era aquele manancial de bicicleta,
todas encostadas...
PERGUNTA - Você trabalhava?
RESPOSTA - Eu trabalhava, trabalhava e estudava.
PERGUNTA - Onde você trabalhava?
RESPOSTA - Na época, se não me engano, eu passei por duas empresas de
Osasco antes de ir para a Bron Boveri, mas a Bron Boveri foi posterior, foi em
60. Ah, eu passei pela Adamas do Brasil e passei pela, pela antiga fábrica de
tecidos de Tatuapé, a Santista e eu passei pela Eternit também... Ah, é jovem
ainda então não se adaptava num lugar; mudava paro outro.
PERGUNTA - É e ainda não tinha uma carreira formada.
RESPOSTA - Não, não tinha. É, tanto é verdade que trabalhava e estudava
como a grande maioria.
PERGUNTA - O ano que você entrou foi o ano do primeiro plebiscito, o
plebiscito que o não venceu, certo?
RESPOSTA - Perfeito.
PERGUNTA - Há muito pouca informação na documentação sobre Osasco
sobre esse plebiscito. Me parece que ele é assim alguma coisa que foi feito
meio na tentativa de seguir alguns plebiscitos que tinham dado certo, em
algumas regiões como acho que São Bernardo, como Barueri, que acho que
foram num primeiro momento. Então quer dizer, em 53, você tem uma tentativa
de Osasco, de se emancipar e como não deu, eu não sei se fala pouco nele
porque o não ganhou, ou porque ele não tenha atingido um espaço muito
grande na política local. Eu gostaria de saber, você estava em Osasco nesse
ano já, você se lembra desse plebiscito, você se lembra se havia mobilidade ou
não?
192
RESPOSTA - Como a escola estava começando também não havia uma
formação de lideranças na escola, eram todos muito jovens, muito meninos
ainda na época.
PERGUNTA - mas havia gente com mais idade.
RESPOSTA - não já havia, mas não houve efetivamente. Eu me lembro do
Clóvis, do Sérgio Zanarde, todos já falecidos, que foram nossos precursores lá,
não é. Só que não houve, efetivamente, uma mobilização por ocasião do
primeiro plebiscito, que segundo nos consta também foi um plebiscito
controlado pelo cartório. Pelo não. E deve ter havido fraudes também
entendeu? E, infelizmente eu acho que esse processo retardou o
desenvolvimento de Osasco, vamos dizer assim, o fato da autonomia ter sido
derrotada, em 53, atrasou em cinco anos o desenvolvimento de Osasco.
PERGUNTA - Me diz uma coisa, você acha que depois que o não venceu, em
53, isso acendeu a chama da emancipação, isso mexeu com os brios dos...
RESPOSTA - Você sabe perfeitamente que a emancipação, ela era feita dentro
daquela lei qüinqüenal, então nós que perdemos em 53 e nós só poderíamos
ter uma outra em 58. Eu tenho a impressão que logo após não houve
mobilização, nós tínhamos a Sociedade Amigos de Osasco. Que era
controlada pelo Dr. Reinaldo de Oliveira né?. E que já teve uma participação
importante por ocasião do primeiro em 53. Mas aí houve praticamente um
período de cinco anos de refresco né, porque aí dentro de cinco anos não se
podia fazer nada. A verdade é o seguinte, o movimento forte mesmo começou
em 57. Por que isso? Porque aí começou uma mobilização preparatória para o
plebiscito com reuniões realizadas nas casas de Reinaldo de Oliveira, do velho
Menck, do dr. Edmundo Burjato, com a participação do Zé Marques... O Zé
Marques Rezende, o próprio pai do Antiório, Fortunato Antiório...As sedes das
reuniões mesmo eram a casa do Burjato, a casa do Rodolfo, a casa do
Reinaldo, e a sede maior sempre foi a casa do velho Menck . Ah, e a casa do
Negreli. Estes eram, então, os locais de aglutinação do pessoal.
193
PERGUNTA - E os alunos?
RESPOSTA - Bom, aí eu vou chegar lá...Bem, na época, permita-me dizer
isso, eu já exercia uma forte liderança no meio estudantil, a ponto tal que eu fui
conduzido a presidência do grêmio.
PERGUNTA - Em que ano você foi presidente do grêmio? Você se lembra?
RESPOSTA - Eu acho que foi em 57. É, 57, quando eclodiu o movimento;
então, eu que vim duma cidade do interior, que na época reunia em seu
contexto aproximadamente 35 mil habitantes, hoje a população mais que
dobrou, mas uma cidade com receita pequena, toda urbanizada, jardinada,
toda calçada; cheguei em Osasco, e a primeira impressão que eu tive foi de um
impacto altamente negativo, eu não me envergonho de dizer, porque era
jovenzinho, eu chegava a chorar de tristeza, vendo uma cidade, um distrito,
que amassava o barro quando chovia, comia uma poeira danada na estiagem;
esgoto a céu aberto no centro da cidade e todas as suas travessas, e aquilo
me doía muito.
Então, realmente dava muita tristeza verificar aquela situação do Distrito e nós
sabíamos perfeitamente que Osasco, uma cidade tipicamente industrial
captava grandes recursos para a prefeitura de São Paulo e o retorno era
mínimo, mínimo. E sorte que, eu não posso precisar agora quem é que foi
o...vamos dizer assim, o meu padrinho, a pessoa que teria me convidado para
participar do movimento autonomista, eu não sei se foi o...
PERGUNTA - Isso como presidente do grêmio, na condição, quer dizer, já
como representante dos estudantes?
RESPOSTA - Como presidente do grêmio.
Eu não posso precisar se teria sido Walter Negreli, se teria sido Reinaldo,
mas eu me lembro perfeitamente que quando me convidaram eu, de
pronto, me propus a movimentar a classe estudantil em torno do
movimento autonomista. E passamos, então, a participar das reuniões, o
grupo foi crescendo.
PERGUNTA - E essas reuniões se davam dentro da escola?
194
RESPOSTA - Também, mas mais nas residências de Burjato, Negreli. Mesmo
porque os filhos deles participaram.
PERGUNTA - E esses filhos, eles também eram alunos?
RESPOSTA - Também eram alunos, evidentemente. No início, a verdade é
que formou-se, em torno da autonomia, um movimento, eu não vou dizer
elitizado porque na época poucos tinham essa condição de ser elitizado, mas
vamos dizer assim, uma classe média.
PERGUNTA - Uma classe que tinha um certo poder político em Osasco.
RESPOSTA - É, no início foi assim, mas aí começou-se a recrutar pessoas,
tudo a ponto tal que o movimento cresceu tanto que eu nunca deixei de afirmar:
a participação da juventude estudantil na vitória da emancipação foi muito
significativa e nós tivemos o condão de termos atrás de nós, como
conselheiros, Emír Macedo Nogueira, Helena Pignatari, que realmente deram
aquele embalo para a juventude e, eu fiquei muito feliz na época, veja bem eu
não quero personalizar nada, estou apenas traduzindo a realidade.
PERGUNTA - A Helena Pignatari, por exemplo, que eu já entrevistei, ela era a
única professora de Osasco.
RESPOSTA - Ela era a única de Osasco, era a única.
PERGUNTA - Certo, ela era militante do movimento autonomista...
RESPOSTA - Não, ela não era a única de Osasco não hein, tinha o Alcir
Pornciúncula
Sonia: Mas o Alcir veio de fora e passou a morar em Osasco no momento em
que ele assumiu as aulas.
Port: Perfeito.
Sonia: Ele não é uma pessoa nascida em Osasco, por exemplo, essa é a
diferença. Ele veio morar em Osasco no momento em que ele assumiu a
condição de professor em Osasco.
Port: Bom, a grande realidade é a seguinte: é que na época, se nós fizermos
uma análise fria, osasquences natos, na juventude eram poucos, eram poucos.
A maioria veio de outros lugares e escolheu Osasco para radicar a família.
195
Então, a participação realmente foi muito importante porque o movimento
cresceu, nós começamos a organizar passeatas pela cidade com cartazes,
cartolina, tudo que nós fazíamos ou na casa do Negreli, ou na casa do Burjato,
ou lá no velho Menck, ou no Reinaldo né. Pra você ter uma idéia, na época, por
exemplo Antiório estava começando, era um menino, estava fazendo o ginásio,
era um moleque.
PERGUNTA - O Pingüim?
RESPOSTA - O Pingüim, mas na época estava lá os filhos do Burjato, o Vitor,
o Edmundo, os filhos do Negreli, o Nicola. Ah, nós tínhamos os filhos do
Reinaldo, do Buzone. Nós tínhamos os netos do velho Menck, o Márcio.
O movimento começou a crescer e tomou conta do CEART. Tomou conta do
meio da juventude e aí nós procuramos buscar apoio com o Caxias, logo veio
uma turma do Caxias participar do movimento e realmente ganhou força.
Ganhou força a ponto tal que os estudantes, eu não sei se eu posso chegar aí
já, na época da emancipação propriamente dita...
Sonia: Pode, pode sim...
Port: Os estudantes, além de organizar essas passeatas, chegaram a
fechar o comércio.
PERGUNTA - Isso na luta para reconhecimento?
RESPOSTA - Quando a eleição foi suspensa.
PERGUNTA - Ah, a eleição já para prefeito?
RESPOSTA - Não, primeiro nós tivemos o plebiscito, o plebiscito foi
questionado.
PERGUNTA - Então, o plebiscito se deu dentro da escola?
RESPOSTA - Exato.
PERGUNTA - Ele aconteceu no prédio do Bittencourt?
RESPOSTA - Não, não só lá. Nós tivemos votação no Floresta, tivemos
votação no GEPA.Nós tivemos em vários locais e como, ah esse é um lado
196
pitoresco também, e como os autonomistas já tiveram uma lição em 53, que
muitos disseram que a eleição foi muito fraudada etc, os autonomistas tiveram,
desta feita, o cuidado de tomar conta das mesas. Aliás, eu vou contar uma
passagem, todos nós sabemos, isso não é segredo nenhum. Todos nós
sabemos que se não fosse realmente, se não tivesse fraude em 58, também a
emancipação seria muito difícil de ser conseguida porque os argumentos da
época eram muito fortes contra a emancipação, argumentos ridículos, por
exemplo, na época nós tínhamos o papa-fila. O pessoal dizia: não, se ganhar, a
prefeitura de São Paulo tira o papa-fila; o imposto vai ficar mais caro, o pessoal
do cartório trabalhando à beça nisso. Os Coutinho, pessoal do cartório, o
Lacides Prado, a Íris, então eles...ah, como é que chamava aquela senhora,
Maria Genta. Nossa senhora essa era uma praga. No bom sentido eu estou
dizendo...Então esse pessoal realmente mobilizava. Osasco era pequeno, tanto
é verdade que o nosso primeiro prefeito foi eleito com dez mil votos, quer dizer,
Osasco era muito pequeno e esse pessoal normalmente controlava bem com
essa argumentação de imposto, da condução e isso realmente atrapalhava
muito a nossa luta mas, em 58, quando por ocasião da realização do plebiscito,
como eu dizia, nós tomamos o cuidado de tomar conta das mesas. Aliás, eu
vou contar outra história muito interessante, eu fui secretário de mesa e o
presidente da mesa que eu estava era meu diretor do grêmio, tinha sido meu
diretor do grêmio, o nome dele era Severino, era um nortista, já na época já
tinha vindo uma grande migração de nortistas para Osasco e ele era o
presidente e eu era o secretário, eu era o presidente do grêmio e ele era o meu
subordinado, lá era o presidente e eu era o secretário e nós ficamos no hall de
entrada do GEPA, que era local de votação e situado à nossa frente, não saía
daquele posto como se fosse um guarda, estava uma pessoa que na época eu
não conhecia e que depois se tornou um grande amigo, era Antonio Salve,
advogado. E nós tínhamos uma missão realmente de fraudar e o Antonio Salve
não tirava o olho da nossa mesa até 2 horas da tarde. Imagina, a eleição
começou acho que as 8 ou 9 horas eu não me lembro, e eu tava desesperado
porque nós tínhamos que fazer maracutaia e num tinha como. Quando chegou
lá pelas tantas eu falei pro Severino, deixa eu conversar com esse rapaz aí.
197
Peguei e falei, cheguei nele e falei: Poxa você está parado todo esse tempo
aí...Vamos, vamos até a padaria, vamos tomar um café. Aí fomos tomar o café,
no bate papo com ele eu falei, escuta me diz uma coisa, permita-me fazer essa
pergunta, eu estou vendo você aí parado esse tempo todo, num abre mão,
você é fiscal, qualquer coisa? Ele vira pra mim e diz o seguinte, olha eu estou
aqui para fiscalizar sim, sabe por que? Porque em 53 nós fomos roubados na
eleição e nós precisamos ganhar agora. Eu falei, seu cretino, faz 5 horas que
nós não fazemos nada por tua causa. Bom, aí não precisa dizer mais nada
porque o que tinha que ser feito foi feito. E felizmente, pra todos nós, realmente
houve a fraude na eleição, todo mundo do plebiscito, todo mundo sabe disso,
mas eu acho que foi uma fraude no bom sentido, se podemos dizer assim.
PERGUNTA - Se é que fraude pode ser boa, essa foi?
RESPOSTA - Esta foi porque, realmente, nos dias de hoje a gente vê a
transformação que sofreu a cidade e basta fazer uma comparação, por
exemplo, com São Miguel Paulista que tentou várias vezes e não conseguiu se
emancipar. Veja a diferença hoje de Osasco para São Miguel, Guaianazes, etc.
A diferença é muito grande. Então, eu acho que foi um mal menor, um mal
necessário e pelo qual nós corremos todos os riscos, porque depois deu
inquéritos, tivemos que prestar depoimentos, mas felizmente acabou
terminando em pizza.
PERGUNTA - Mas na prática vocês faziam passeata, vocês faziam reuniões?
RESPOSTA - Fazíamos passeatas. Vou contar outra história muito
interessante: quando suspenderam as eleições, a véspera da eleição, o
prefeito de São Paulo da época era o falecido Prestes Maia; quando os
estudantes souberam que a mulher dele, dona Maria Maia, veio a Osasco na
casa da Maria Genta comemorar, foi uma noite inteira de estudante procurando
onde estava o carro dessa mulher porque eles queriam fazer represálias contra
a primeira dama de São Paulo.
198
E outro fato muito importante, quando houve esta suspensão das eleições, nós
estudantes, liderados por nós, na época participou também o falecido
Zequinha...O Zé Barros de Silva.
PERGUNTA - O Zequinha que era repórter?
RESPOSTA - Isso, isso...e participou junto com o Orlando Calazans que veio
colaborar... Nós nos posicionamos de frente a antigo Senadinho, que era uma
padaria, ali na João Batista em frente ao cine Glamour, do Portela. Nós nos
posicionamos ali e nós recolhemos, naquela época, aproximadamente dois mil
títulos de eleitor em protesto. Nós íamos queimar esses títulos no Largo de
Osasco. E eu não tenho a menor dúvida de afirmar que após a suspensão das
eleições, as vésperas do pleito, foi na véspera do pleito, porque a eleição seria
no domingo, e no sábado à noite eu tinha ido a uma sessão de cinema no cine
Estoril, quando eu saí o que estava acontecendo: rodinhas aqui e no antigo bar
Bandeirante e todos comentando: “Oh acabou a eleição; não tem eleição”.
Este fato realmente ajudou a incrementar o sentimento autonomista.
PERGUNTA - Quer dizer, a dificuldade passou a ser algo que valorizava a luta.
RESPOSTA - Exatamente, e aí o movimento cresceu muito. E tem uma certa
explicação. Você sabe, tem uma eleição, várias famílias lançam candidatos.
Bom, já que vai ter, muitas famílias que eram inclusive contra a autonomia,
mas lançam candidato e com a suspensão às vésperas, aquilo provocou um
ódio tão grande que todo o movimento cresceu e muito. E aí, se tivesse
qualquer plebiscito lícito nós ganharíamos fácil, fácil. E com isso cresceu o
movimento e aí foram praticamente o que, a eleição foi em 62, foram aí uns
três anos de batalha.
PERGUNTA - De 58 a 62, quatro anos.
RESPOSTA - Não, a eleição foi em fevereiro de 62. Então, foram três anos.
Nesses três anos os estudantes continuaram a participar. Nós fomos, fizemos,
participamos das caravanas a Assembléia, da passeata em São Paulo; nós
199
fizemos movimento na cidade novamente, aí que entrou o fechamento do
comércio e aquele negócio todo.
PERGUNTA - E esse enterro do não, quem foi que fez? Esse, de carregar
caixão?
RESPOSTA - Os estudantes participaram também.
PERGUNTA - Participaram, mas foi todo o movimento?
RESPOSTA - Foi todo o movimento, mas com a participação dos estudantes...
Fizemos caixão, né?!
PERGUNTA - Muitos estudantes já saíram candidatos em 62?
RESPOSTA - Não, que eu me lembre, por exemplo, no CEART, nós tínhamos
uma pessoa que queria ser candidata de qualquer maneira, mas acabou saindo
isolado porque o grupo, o grosso do movimento... Olhe, a minha influência
naquela época, eu não gosto de falar isso porque parece personalismo, mas é
a realidade e eu tenho que falar. Como eu não tinha condição de fazer um
cursinho, eu terminei o científico em 58, exatamente na época do plebiscito. Na
época, o diretor do CEART chamava-se Nilo Machado, Nilo, não não é
Machado, Nilo não sei das quantas era o nome dele.
Professor Nilo. Bom, vamos dizer professor Nilo, esse era o diretor. E eu como
tinha muita dificuldade e na época eu queria fazer Engenharia, que não tinha
nada a ver com o meu dom, no fim eu fui fazer advocacia mesmo que era ramo
político né?!. E eu fui procurar o professor Nilo e fiz um pedido, e o meu
prestígio era tão grande na escola que pra você ter uma idéia, que os próximos
quatro presidentes do grêmio do CEART, depois que eu saí de lá foram
indicados por mim.
PERGUNTA - Quer dizer, você estava fora da escola...
RESPOSTA - Não, eu não estava fora...Agora, eu vou explicar o porquê. Eu fui
conversar com o professor Nilo e disse pra ele: “Professor, eu não tenho
condições de fazer um cursinho, e na época o grande cursinho que todo mundo
200
queria era o Anglo Latino, lá na rua Tamandaré, e como eu não tenho
condição, então eu vim aqui pedir pro senhor o seguinte, que o senhor me
permita fazer, assistir aula como ouvinte”. Ele falou como assim e eu disse ah,
eu faço o meu horário, eu quero fazer Matemática, Física e Química.
PERGUNTA - Assistir as aulas do científico de novo?
RESPOSTA - De novo; fazer uma espécie de reciclagem. E ele concordou.
Então eu fiz o meu horário, então aconteceram coisas interessantes, assim
como eu pegar aula de Matemática no 1
o
, na primeira aula e, depois, ir na
segunda aula no 2
o
e também em Física e Química. E isso me possibilitou ter
uma participação ativa na política da época no colégio.
Foram quatro: Irizon, Verter Baster, Alexandre e Rômulo Fazanaro
PERGUNTA - Esses são os presidentes do grêmio?
RESPOSTA - Esses foram os presidentes após a minha saída.
PERGUNTA - Em 57, era você e em 58?
RESPOSTA - houve outra eleição e o que aconteceu foi que eu comecei a
apoiar candidatos. Olha, agora não me pergunte a ordem porque eu não sei.
Nós elegemos, por nosso apoio, os quatro próximos presidentes de grêmio
após a minha saída do cargo. O que demonstrava, inequivocamente, a força
que a gente tinha no colégio. E aí veio a outra parte, os estudantes, com a
fixação das eleições, houveram por bem de escolher um candidato para
representar a categoria, a classe... E não precisa dizer mais nada, que o nome
natural que fluiu foi o meu...
PERGUNTA - Você foi candidato em 66?
RESPOSTA - Não, em 62, na primeira candidatura e neste fato a participação
dos estudantes foi muito grande, tanto é verdade que eu vou te contar outra
história pitoresca; duas pessoas, já falecidas, eram candidatos... A nossa
campanha, para você ter uma idéia, eu costumava dizer, na época, que
estudante você pegava pelo pé e virava de cabeça para baixo e não caia um
201
centavo, todos estavam absolutamente duros. Então, a questão era como fazer
uma campanha, eu era um homem com pouquíssimos recursos, então como
fazer? Aí começou um movimento com coisas de casa, tudo fantástico e
começavam as sugestões, então vamos pegar papel de açougue, vamos
recolher nos açougues tudo e a gente carimba o número e vamos jogar por aí.
E foi grande parte da campanha assim. É evidente que eu ganhei algumas
ajudas de algumas pessoas, inclusive dos próprios autonomistas, eu fui pedir e
eles fizeram alguns santinhos, aquela história toda, mas no restante não
tínhamos material suficiente.
Bom, no dia da apuração das eleições – esse fato também é pitoresco – eu não
tinha condições para ir, a primeira apuração foi feita no ginásio do Pacaembu.
E como em 1960, quando era para ser a eleição e não foi, eu estava apoiando
um candidato, que eu era namorado duma parente dele, que era o Machado;
eu pedi ao Machado, em 62, que me desse uma carona pra me levar até o
ginásio porque eu queria acompanhar a apuração. E no carro foram três
pessoas; sentado à frente o Machado, dirigindo o carro, ao lado dele o falecido
Zé Moreira Leite e o Gilberto Port quietinho no banco de trás, caronista né?! Aí
os dois foram conversando durante o trajeto, aí vira um e fala assim: não
porque eu fui chefe da estação, os ferroviários me ajudaram muito e eu tenho
certeza absoluta que eu vou ser eleito e papapá. E eu ouvindo a conversa. Aí o
outro disse assim: não, mas eu também investi muito na campanha, você sabe
a família minha é muito grande, trabalhamos muito, eu também acho que dá
pra chegar lá.
De repente, como que se por um toque de mágica os dois viraram pra mim,
acho que perceberam que eu tava quietinho ali atrás, não me lembro qual deles
que virou e afirmou: você é muito menino ainda, a sua vez vai chegar, você
está começando agora e tem força aí no meio da meninada, então a sua vez
vai chegar...Eu falei é, realmente, eu tive um apoio muito difícil, eu não tinha
dinheiro.
Veio a apuração, o duro foi a volta, viu Sônia, porque nenhum dos dois se
elegeu e eu fui o quarto mais votado da cidade...
202
PERGUNTA - Como era o relacionamento entre alunos e professores? E de
que maneira isso interferiu na trajetória de todos os alunos, inclusive na sua?
RESPOSTA - Eu, com toda franqueza, eu era o líder do movimento e tudo isso
pode ser comprovado com todos os autonomistas... E eu trocava muito idéias,
não vou dizer com todos os professores, de uma forma geral, porque a maioria
não tinha vinculo com Osasco, só vinha aqui para dar aula, mas aqueles que
realmente absorveram a causa eu sempre destaco, que foram os meus
padrinhos de casamento, a Helena Pignatari e o Emir. Eu trocava muito idéias
com eles e eles, durante as aulas, comentavam da necessidade do movimento
ser vitorioso.
PERGUNTA - O Emir também?
RESPOSTA - O Emir também. Quantas vezes eu fui ao Caxingui na
previdência onde moravam o seu Emir e a D. Tereza, meus padrinhos, pra
trocar idéias com eles, pra pedir orientações, conselhos e realmente, eu achei
a participação deles fundamental.
PERGUNTA - E esse relacionamento com os professores era geral, ocorria
com todos os alunos?
RESPOSTA - Sim, sim, tanto é verdade que o Emir foi padrinho de um monte
de pessoas. Ele era um ídolo pros estudantes, só tinha um defeito... era
mentiroso...
PERGUNTA - Me diz uma coisa, na época, pelo que eu tenho pesquisado
sobre a escola, havia muitas atividades no final de semana, sábado e domingo,
essas atividades era o grêmio quem preparava normalmente?
RESPOSTA - Perfeitamente. Ah, veja bem, você sabe talvez porque eu ganhei
toda uma projeção dentro do colégio, porque não é fácil, é aquilo que eu lhe
falei, fazer quatro sucessões depois que eu saí. Mas, é porque o grêmio tinha
uma atividade muito grande, realizava excursões, campeonatos internos e nós
eramos freqüentadores assíduos de excursões ao Morro Grande...Nós íamos
203
com o grêmio, nós fizemos excursão para Santos, Sorocaba; jogos, enfim havia
uma participação muito grande da classe.
PERGUNTA - E dentro da escola, no sábado e domingo, o que vocês faziam?
RESPOSTA - Campeonatos internos.
PERGUNTA - Havia teatro, havia filme?
RESPOSTA - Havia, havia sim, participação em teatro.
PERGUNTA -: O Dudu escrevia muita peça de teatro?
RESPOSTA - É o Dudu.
PERGUNTA - O Bira também escreveu peça de teatro?
RESPOSTA - O Bira também.
PERGUNTA - No sábado e domingo havia uma atividade constante na escola.
Quem cuidava da escola?
Port Quem cuidava como?
Sonia: Quem abria a escola, quem ficava com os alunos?
RESPOSTA - Ah, agora nós vamos chegar lá. Eu não posso deixar nunca de
mencionar algumas figuras fantásticas: Dona Ana Gaban, ah uma figura
folclórica que sofreu muito com os estudantes que era o Manuel Compostura.
Sofreu muito, como nós judiávamos daquele senhor, meu Deus do céu!! Você
sabe que quando a gente não queria ter aula a gente parava o colégio né?!
Nós tínhamos um fusível que colocava no relógio ali perto do palco e pufti!!
Estourava tudo, ficava sem luz no colégio... Terrível né?! Eu vou lhe contar
outra história muito interessante da época; geralmente, os causadores de tudo
era o pessoal do 3
o
científico, eram os donos da escola. Toda vez que se
chegava no 3
o
científico, era algo como: “nós somos os donos”... Aquele pátio
interno ficava talhado de bicicletas, só que as bicicletas chegavam a ficar de
quatro em quatro; uma atrás da outra. Geralmente, o 3
o
científico matava a
204
última aula e sabe o que fazia, mudava todas as posições das bicicletas...
Chegavam a pendurar bicicletas nas árvores, não precisa dizer mais nada né?!
Sonia: Adolescente é adolescente em qualquer época.
Port: Ah, em qualquer época. Mas então, a atividade no colégio era muito
grande.
PERGUNTA - Mas quem cuidava do colégio?
RESPOSTA - Quem cuidava? Nós tínhamos quem morava lá, que era, agora
deixa ver se eu me lembro...
PERGUNTA - Morava dentro da escola?
RESPOSTA - Morava ali ao lado. Tem a quadra de esportes; no fundo da
quadra, lá tinha a casa do zelador, que na época era dona Alice, falecida já, e o
seu Nenê.
PERGUNTA - E eles abriam e ficavam?
RESPOSTA - Abriam a escola, evidentemente, e nós, o grêmio, eramos
responsáveis por todas as atividades. Mas eles abriam a escola, quer dizer,
tinha acesso fácil porque eles também moravam lá.
PERGUNTA - Vamos entrar um pouco mais na questão da escola, você acha
que o ginásio e o científico lhe possibilitaram aquilo que você esperava?
RESPOSTA - Sim, sem sombra de dúvida. Primeiro porque eu acho que nós
não ficavamos a dever nada às melhores escolas públicas do país. Nós
tínhamos um corpo docente de alta qualidade, que colaborou e muito com essa
juventude. Então, sem sombra de dúvida essa qualidade no ensino, daquela
época, não ficava devendo nada as melhores escolas do país. Tanto é verdade
que muitos alunos conseguiram até ir para uma faculdade sem necessidade de
cursinho, pelo alto nível de ensino.
PERGUNTA - Você fez Direito?
RESPOSTA - Eu fiz Direito.
205
PERGUNTA - Onde você fez?
RESPOSTA - Mackenzie. Mas eu fiz depois que me elegi vereador, tanto é que
quando eu terminei o curso eu já estava casado.
E outras particularidades que eu ia lhe dizer também sobre o movimento
estudantil, e cá entre nós, que eu tive participação nisso, é que a primeira vez
que houve na Câmara de Vereadores um grupo cuja maior preocupação era
com a fixação de subsídios e eu não concordei com a hipótese e levei pros
estudantes, menina, fizeram um movimento na porta da Câmara, que se via
vereador saindo pra tudo quanto era lado.
PERGUNTA - Que foi aquela coisa do aumento de salário dos vereadores?
RESPOSTA - Foi um negócio violentíssimo...
Sonia: E que os vereadores voltaram atrás?
Port: Ah, sim, foi mantido um salário razoável para a época, porque
inclusive, eu não sei bem se foi bem do aumento, ou já da fixação viu,
porque o município estava se instalando, estava emprestando imóveis
né?! Parece que foi mais da fixação...
PERGUNTA - Me dá mais algumas informações: vocês tinham livro didático?
Quais eram os textos que vocês trabalhavam em sala? Você se lembra ou
não?
RESPOSTA - Não, isso aí eu não lembro não ...
PERGUNTA - A biblioteca tinha muitos livros?
RESPOSTA - Tinha.
PERGUNTA - Vocês tinham o hábito de ir a biblioteca retirar esses livros, ler?
Havia os livros que se precisava para estudar na biblioteca, ou não?
RESPOSTA - Isso eu não me lembro...
PERGUNTA - As aulas, como eram as aulas, o cotidiano das aulas em si? Com
os professores, os alunos, havia interesse, não havia?
RESPOSTA - Ah, não há dúvida.
206
PERGUNTA - Os alunos vinham cansados, eram alunos do noturno, alunos
que trabalhavam?
RESPOSTA - Sim, mas mesmo assim havia um interesse muito grande,
mesmo porque as aulas, como eu disse, eram de alto nível. E quem não se
interessava estava frito, porque o curso era difícil.
É, estudar no CENEART não era mole não. Ou levava a sério, ou ficava
no caminho. Eu fiquei, eu fiquei no 1
o
científico... Deixa eu me lembrar essa
passagem: por meio ponto, eu fui pedir pro professor, até hoje eu me lembro,
tem um falecido padrinho meu que era meu colega de escola, ele passou e eu
fiquei; e ele presenciou uma conversa minha com o professor de Geografia,
durante dois anos ele ficou tirando sarro da minha cara por causa disso.
PERGUNTA - Porque você ficou por meio ponto?
RESPOSTA - Por meio ponto e eu pedindo pro professor assim: “Pô professor,
por meio ponto eu não passo”... Ele vira para mim e diz “E daí, Geografia é
uma matéria como outra qualquer, por meio ponto você não passa não.”
PERGUNTA - Me diz, no período em que você esteve à frente do grêmio, a
fanfarra já existia?
RESPOSTA - Já...
PERGUNTA - Sempre existiu?
RESPOSTA - Sempre existiu. A fanfarra inclusive era a menina dos olhos e era
uma excelente fanfarra com participação ativa na vida da cidade. Inclusive, nós
homenageamos a fanfarra dando o nome de um jovem que fazia parte do
grêmio também, falecido, o Laerte Rizarde.
PERGUNTA - Quem mantinha essa fanfarra? Essa fanfarra era ligada ao
grêmio, era ligada a direção da escola?
RESPOSTA - Não; eu acho que era ligada ao grêmio.
PERGUNTA - E essa coisa de uniforme, instrumento?
207
RESPOSTA - Ah, isso eu não me lembro de como nós adquiríamos. Se foi
patrocínio, sinceramente eu não me lembro. Isso aí seria bom você ouvir, se
você tiver oportunidade, com relação a fanfarra, o Hélio Bohovski. O Hélio foi
da fanfarra, então ele conhece muito melhor do que eu esses meandros aí da
fanfarra.
PERGUNTA - Me fala um pouco da relação da escola com a vida social da
cidade, do bairro no caso, os bailinhos, o cinema, os namoricos... Agora é hora
da fofoca, é a hora do social...
RESPOSTA - É, como eu disse, a escola começou a sofrer um processo de
miscigenação, então nós tínhamos lá os filhos dos operários paupérrimos e
tínhamos também uma certa castazinha dominante de Osasco. E nesta
castazinha dominante de Osasco foram formados dois clubes onde os
estudantes se reuniam em bailinhos, um deles chamava-se Saci e era
originário da equipe dos Negreli, dos Burjato, dos Barros e o outro era o
Paulistinha. O Paulistinha sobreviveu e até hoje, de vez em quando, eles fazem
bailes de reencontro.
PERGUNTA - E esses clubes tinham sede ou não?
RESPOSTA - Não, eles faziam nas casas, nas residências. Então, eram dois
clubezinhos, vamos dizer assim, que mobilizavam, na parte social, os jovens
daquela época.
PERGUNTA - E os operários iam, os alunos?
RESPOSTA - Iam, iam sim, alguns né?! Não tinha uma participação, como eu
disse para você, era meio fechadinho, mas na época o grande atrativo de onde
se reunia a maioria dos estudantes era o Floresta.
PERGUNTA - E instituições como o Rotary, o Lions?
RESPOSTA - Não, não me lembro.
PERGUNTA - Havia alunos de faixas etárias bem diferentes...
208
RESPOSTA - Sim, sim.
PERGUNTA - E também por causa do exame de admissão, é isso?
RESPOSTA - E também, eu acho, que pela novidade viu, pela novidade
porque muitos que não tiveram oportunidade de estudar, com o advento da
escola publica, do CEART, então começou a haver maior procura. Nós tivemos
lá Armando Matias Braza, veterano, Ângelo Treti, que eu acabei de falar,
falecido, que era o dono dos Esportes São José, e tantos outros já, vamos
dizer assim, coroas, que estudaram nessa época lá no CEART. Então, houve
realmente uma participação de pessoas de mais idade.
PERGUNTA - Você esteve mesmo nessa escola no primeiro momento, na
primeira década, de 53 a 58, que é um período um pouco difícil da gente
encontrar pessoas que tenham vivido presentemente isso...
RESPOSTA - O Barbosa Coelho estudou nessa época e poderia te dar
subsídios também... O Barbosa, deixa eu ver quem mais; o Ângelo faleceu,
você conhece o Armando Matias Brás, advogado?
Sonia: Não.
PERGUNTA - Tem alguma coisa que você gostaria de completar, mais alguma
informação?
RESPOSTA - Bom, eu só queria completar da seguinte maneira, com a minha
eleição eu tinha um compromisso com os estudantes e naquela época, eu
sempre costumo dizer que eu não me conformo até hoje, é você pegar a
Constituição Brasileira e ver o seguinte, que os poderes públicos são
harmônicos, constituídos do Legislativo, do Judiciário e do Executivo. Eu acho
isso hoje uma grande balela, porque muitas vezes há muita atenção ao poder
Legislativo que passou a ser o vilão de tudo, vamos dizer assim, mas acontece
que o poder Legislativo hoje está com a atividade muito restrita porque ao
legislador não é dada condições de apresentar projetos que aumente a
despesa ou diminua a receita, então, passou a ser um poder dependente do
209
Executivo; é isso que eu quero dizer, só que na minha época, no meu primeiro
mandato, nós ainda podíamos legislar.
PERGUNTA - Tanto porque Osasco estava para ser construído
administrativamente.
RESPOSTA - Mas naquela época então era dada a condição. Assim, para
você ter uma idéia, todos os grêmios tiveram subvenções.
PERGUNTA - A subvenção vinha através da prefeitura, estado?
RESPOSTA - Através de projeto de lei nosso, na Câmara. CENEART teve,
Caxias teve. Aí entra talvez aquilo que você me perguntou e eu não lembro
bem; recursos até para fanfarra, vinha tudo através da subvenção do
município.
Segundo, um dos grandes benefícios que nós pudemos dar a classe estudantil
foi que nós criamos as bolsas de estudo do município, que sem sombra de
dúvida beneficiou muitos.
PERGUNTA - Essa bolsa de estudos fazia o quê, ela dava material?
RESPOSTA - Não; recebia em cheque, para escola, era para pagar a escola.
PERGUNTA - Ah, para Universidade?
RESPOSTA - Universidade e escolas particulares também. Muitos estudavam
em escolas particulares ainda né?! Então foram criadas as bolsas de estudo
que atenderam a uma leva muito grande de estudantes. E uma das coisas que
eu mais lamento até hoje foi que nós fizemos a lei que criou a Casa do
Estudante, que na época poderia parecer sem sentido, mas nós estavamos
pensando no futuro. Você imagina hoje Osasco, muita gente vêm estudar e
trabalhar aqui, mas não mora nessa cidade, assim, poderia estar desfrutando
da Casa dos Estudantes, até por razões econômicas. Qual o objetivo da Casa
dos Estudantes? Alojamento, biblioteca.
E foi dado o terreno onde hoje está construído o Barateiro - em frente ao
Floresta. Era o antigo terreno... Nós conseguimos, até tinha uma parte do
210
terreno que era do município, foi lançado até pedra fundamental e tudo, e
depois acabaram desativando e dando outra destinação.
Então, são feitos assim que eu acho que colaboraram muito na época, somente
a bolsa de estudo, por exemplo, eu achei que ajudou muito...
211
Anexo 6
LIVROS DO ARQUIVO MORTO DO CENEART
ANOS 1950/1960
No. Nome Inicio Final
Extensão Marechal Bittencourt - 247 assinaturas
Inventário do material do colégio 1951 1956
Termo de compromisso 1952 1955
Atas dos exames de admissão 1953
Cópias de títulos de nomeação – administrativo 1953 1956
Atas das reuniões pedagógicas 1953 1975
Registro de inscrições em concurso de remoção de professores 1953 1976
Termos de visitas de autoridades escolares 1953 1973
Ata de resultados finais 1953 1959
Alunos candidatos à transferência para a escola – vindos de outros
estabelecimentos
1954 1963
Atividades extra-curriculares 1954 1966
Ata dos exames de 2
a
. época 1954 1957
Ata dos exames especiais 1954 1975
Livro de notas 1955
Livro de notas 1955
Inventário de material 1955
Exames orais 1955 1956
Registro de títulos e portarias – administrativo 1956 1963
Exames orais 1956 1957
Ocorrência dos alunos 1956 1958
Inventário 1957 1958
Exames orais 1957 1958
Exames de 2
a
. época 1957 1959
Inventário do material do colégio 1957 1964
Controle de certificados – ginásio 1958 1961
Controle de certificados científico 1958 1961
Controle de certificados – exame de admissão 1958 1961
Provas orais 1959 1960
Termo de compromisso de funcionários e professores 1959 1968
Exames de 2
a
. época 1959 1962
Exames orais 1960 1961
Exames de adaptação 1961 1961
Termos de visitas – autoridades estaduais 1961 1967
Exames de 2
a
. época 1962 1963
Matriculas 2as séries 1963
Matriculas 3as. Séries – manhã 1963 1966
Atas dos resultados finais (por classe) 1963 1964
212
Curso primário anexo – matriculas 1963 1968
Exames de admissão 1964 1965
Matriculas 2as séries 1964
Matriculas 1
a
. série 1964 1964
Solenidades – visitantes exposições 1964 1980
Matriculas – manhã 1965 1969
Matriculas – 2as. Séries manhã 1965 1967
Curso primário anexo – matriculas 1965 1966
Autorização para lecionar no curso Normal 1965 1965
Controle de entrega de notas e faltas bimestrais pelo prof 1965 1967
Curso primário anexo – matrículas 1965 1969
Curso primário – anexo 1965 1969
Conselhos de classe 1965 1966
Conselhos de classe – noturno 1965 1966
Matriculas do Normal 1965 1968
Curso primário anexo 0- atas da caixa escolar 1965 1967
Notas finais do curso normal 1966 1969
Órgão de Cooperação escolar – entrega de material para os alunos 1966 1967
Conselhos de classe – manhã 1966 1966
Conselhos de classe 1966 1966
Notas finais do curso normal 1966 1967
Candidatos à transferências para o estabelecimento 1966 1969
Conselho de classe 1967 1968
Curso primário anexo – Atas da APM 1967 1971
Chamada dos alunos do curso primário 1967 1969
Curo primário anexo 1968 1971
Matriculas secundário 1968 1969
Matriculas científico 1968 1968
Solenidades do colégio 1968 1971
Curso prima’rio anexo – matriculas 1968 1971
Matriculas normal 1968 1969
Inscrições – exames de admissão 1968 1971
Atas de reuniões de pais e profs e estatuto do Banco Escolar 1968 1968
Notas finais do curso normal 1969 1970
Curso Primário anexo – notas 1969 1975
matrícula 1969 1971
Matriculas ginásio 1969 1969
Curso primário anexo – matriculas 1969 1971
Protocolo 1969 1977
Livros Grátis
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