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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS
ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS DE SÃO PAULO
REBECA ALVES CHU
CONTRIBUIÇÕES À COMPREENSÃO DA GESTÃO À BRASILEIRA
SÃO PAULO
2006
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REBECA ALVES CHU
CONTRIBUIÇÕES À COMPREENSÃO DA GESTÃO À BRASILEIRA
Dissertação apresentada à Escola de Administração
de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio
Vargas, como requisito para obtenção do título de
Mestre em Administração de Empresas.
Campo de Conhecimento:
Estudos Organizacionais
Orientador: Prof. Dr. Thomaz Wood Junior.
SÃO PAULO
2006
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Chu, Rebeca Alves.
Contribuições à compreensão da gestão à brasileira / Rebeca Alves Chu - 2006.
158 f.
Orientador: Thomaz Wood Junior.
Dissertação (mestrado) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo.
1. Administração de empresas - Brasil. 2. Cultura organizacional - Brasil.
3. Características nacionais brasileiras. 4. Desenvolvimento organizacional.
I. Wood Junior, Thomaz. II. Dissertação (mestrado) - Escola de Administração de
Empresas de São Paulo. III. Título.
CDU 65.01::008(81)
REBECA ALVES CHU
CONTRIBUIÇÕES À COMPREENSÃO DA GESTÃO À BRASILEIRA
Dissertação apresentada à Escola de Administração
de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio
Vargas, como requisito para obtenção do título de
Mestre em Administração de Empresas.
Campo de conhecimento:
Estudos organizacionais
Data da Aprovação:
Banca Examinadora:
Prof. Dr. Thomaz Wood Junior (Orientador)
FGV – EAESP
Prof
a
. Dr
a
. Beatriz Maria Braga Lacombe
FGV – EAESP
Prof
a
. Dr
a
. Lívia Barbosa
UFF
Para meu pai e para Gustavo, com muito amor
AGRADECIMENTOS
Muitas mentes e corações participaram deste período dedicado ao mestrado. Mentes brilhan-
tes e inquietas e corações acolhedores. Dedico este espaço a todos aqueles que participaram
deste processo – que se tornou minha vida durante esses anos – e que contribuíram para torná-
lo deliciosamente interessante, inesquecível e único.
Alguns mestres em especial me guiaram pelos caminhos da vida acadêmica. Gostaria de ex-
pressar a eles meus profundos agradecimentos.
Ao Miguel Caldas meus agradecimentos, primeiramente, pelos primórdios deste processo.
Antes mesmo do início da vida acadêmica ele já dava palpites, cutucava e provocava minhas
decisões profissionais. Sinto uma gratidão enorme por você por ter me guiado e orientado no
início da tentativa de uma vida acadêmica, pelas discussões sempre permeadas de realidade e
da versão mais verdadeira das coisas – nunca uma versão cor-de-rosa –, pela confiança depo-
sitada em meu trabalho e pelo carinho demonstrado sempre. Mesmo distante, sua presença
nunca esteve ausente. Obrigada por ter feito parte de todo esse processo.
Agradeço à Maria José Tonelli também pela confiança depositada em mim não somente no
início deste percurso, mas no decorrer de toda história. Muito obrigada por ter estado sempre
presente.
Agradecimentos especiais e profundos devo à Beatriz Lacombe. Obrigada por ter me “adota-
do” durante esses anos! Por ter acreditado sempre, nunca tive dúvidas, de que eu poderia de
alguma forma contribuir para todos os trabalhos que fizemos juntas. O crédito que deu a mim
foi essencial para a confiança que eu mesma desenvolvi neste iniciante papel como pesquisa-
dora. Estar ao seu lado significou para mim um mergulho na vida acadêmica e um aprendiza-
do enorme e significativo. Obrigada por ter me mostrado tanto, por ter se interessado tanto e,
principalmente, por ter se tornado uma grande amiga.
Ao João Lins deixo aqui também meus agradecimentos pela disposição e entusiasmo mostra-
dos para com este trabalho e pelas ótimas conversas e orientações. Obrigada!
Finalmente, expresso aqui minha gratidão a um mestre especial: Thomaz Wood Jr. Obrigada
por ter acreditado em mim no período dos preparativos para início da vida acadêmica e por ter
me recebido na RAE. Entendo o ano que passei na revista como uma introdução à vida aca-
dêmica e como um processo de afastamento de visões ingênuas da realidade que viria a se-
guir. Minha admiração por você e pelo seu trabalho só cresceu nos anos que se seguiram. Sin-
to-me especial por poder ter compartilhado com você a vivência do mestrado, mas sinto-me
honrada com sua atuação como meu orientador neste estudo final. As interações que tivemos
foram preciosas, únicas e muito ricas. Registro aqui minha gratidão pela dedicação a esse tra-
balho, pelo tempo que despendeu, pela confiança depositada em mim e pelo afetuoso acom-
panhamento.
Alguns amigos em especial compartilharam comigo as dores e as delicias desse processo.
Alguns cederam seus ombros por horas, outros seu tempo para discussões sem fim, outros
ajudaram demonstrando interesse e colocando seus ouvidos à disposição, e outros com sim-
ples olhares e sorrisos de compreensão e cumplicidade. Deixo meus agradecimentos aos ami-
gos Cecília Noronha, Charles Kirschbaum, Daniel Chu, Edgard Barki, Felipe Zambaldi,
Reimy Okazaki, Ricardo Reisen, Marcelo Binder e Marcio Tanaka.
À querida amiga Tatiana Iwai deixo aqui meus agradecimentos pelas confabulações, pelas
impressões trocadas e compartilhadas, pelos ouvidos disponibilizados inúmeras longas vezes
e pela relação de confiança que se desenvolveu ao longo desses anos.
Devo agradecimentos especiais aos amigos Mauricio Serafim e Pedro Bendassolli. Agradeço
a ambos pelas inúmeras discussões e reflexões que sempre transbordaram o universo acadê-
mico migrando para o universo da vida, pela escuta sempre afinada, receptiva e acolhedora,
pelos almoços e cafés regados a um humor sofisticado e apurado e pelo exemplo que inspiram
como acadêmicos puros e raros. Obrigada por estarem sempre por perto!
Aos meus pais e irmãos expresso minha gratidão pela compreensão demonstrada em todos os
momentos que não estive presente, ou que estive presente ausente.
Devo registrar aqui que o maior incentivador que tive em todos esses anos para um direcio-
namento acadêmico foi o mestre Chu Shao Yong, meu pai e amigo querido. Este espaço é
infinitamente ínfimo para expressar a importância que desempenhou e desempenha em minha
vida. Expresso aqui minha gratidão profunda por ser parte tão importante daquilo que sou
hoje. Obrigada pelas discussões e orientações, pela compreensão e afeto incondicionais, pelas
risadas que compartilhamos, mas principalmente pelo exemplo de luta, liberdade e amor.
À minha querida irmã e grande amiga Raissa: obrigada por tudo!! Seu companheirismo, sua
cumplicidade e sua alegria são preciosos demais para mim. Obrigada pelos momentos que me
acolheu e pelo amor incondicional. Ah, claro, obrigada também pelos trabalhos técnicos efe-
tuados para essa dissertação, não poderia me esquecer...
Chego, enfim, àquele que me acompanha há muitos anos. Meu companheiro de guerra, de
luta, de discussões, de reflexões, de paixões, de amor, de dúvidas, de questionamentos, de
sonhos, de sofrimento, de crescimento, de alegrias, de felicidades.... sem dúvida, meu compa-
nheiro de dissertação também... e da vida. Gustavo, é impossível colocar nessas poucas linhas
o significado que possui em minha vida. Só é possível dizer que você me lembra a cada dia
aquilo por que vale a pena lutar, viver e sorrir. Obrigada por tudo.
Embora este trabalho esteja mais inclinado ao campo das mentes, estou certa de que foi feito,
em verdade, com muitos corações. Obrigada a todos eles.
RESUMO
A presente pesquisa situa-se no campo das culturas nacionais e da cultura organizacional bra-
sileira. Seu objetivo é investigar o estilo brasileiro de gestão utilizando como base os traços
culturais que o definem. Mais especificamente, o estudo visa compreender e descrever como
se caracteriza o estilo brasileiro de gestão atualmente face às mudanças recentes nos contextos
mundial e nacional. Sua realização é relevante, pois as mudanças recentes no contexto inter-
nacional e as alterações no contexto interno impactam a forma como a gestão é feita no país.
A partir de uma abordagem qualitativa e emrica foram realizadas 25 entrevistas semi-
estruturadas divididas entre executivos brasileiros que trabalharam em culturas estrangeiras de
gestão e executivos estrangeiros que estavam trabalhando no Brasil. Para interpretação dos
resultados foi utilizada uma das técnicas da análise de conteúdo: a análise categorial temática.
Três foram os principais resultados encontrados no estudo: (i) os traços que compõem o estilo
da gestão no país organizam-se nos grupos relações inter-pessoais, relação com o poder, orga-
nização e planejamento do trabalho e relação com o ambiente sendo que dentro de alguns
grupos há traços mais marcantes e outros menos (ii) as mudanças que influenciam o estilo
atual estão relacionadas ao ambiente institucional nacional, à internacionalização da gestão e
ao perfil do gestor e (iii) o estilo atual estaria atualmente em processo de transformação e con-
solidação e constituiria uma síntese entre integração global e adaptação local caracterizando-
se como “glocal”.
Palavras-Chave: 1. Cultura organizacional brasileira 2. Traços culturais nacionais
3. Mudanças ambientais 4. Estilo brasileiro de gestão
ABSTRACT
This research is conducted within the fields of national cultures and Brazilian organizational
culture. The research’s purpose is to investigate the Brazilian style of management consider-
ing as its base the cultural traits which define it. More specifically, this study aims to under-
stand and describe how the Brazilian style of management is nowadays characterized taking
into account the recent changes in the global and national contexts. Its relevance rests on the
fact that these recent changes may have impacted the way management is conducted. The
approach employed to the investigation is a qualitative and empirical one. In this sense, 25
semi-structured interviews were conducted with Brazilian managers who had worked in for-
eign management cultures and foreign executives working in Brazil. Results were interpreted
according to one specific technique of content analysis: the thematic categorical analysis.
Three main results were obtained: (i) the traits which compose the current Brazilian style of
management can be organized in the following groups: interpersonal relationships, relations
to power, work organization and planning, and relations to the environment and inside some
of the groups there are traits which stand out and others which have a less impacting presence
(ii) the changes that impact the current style of management are related to the national institu-
tional environment, to the internationalization of management and to the profile of the Brazil-
ian manager (iii) the current style reveals itself to be in a process of transformation and con-
solidation and is formed as a synthesis between global integration and local adaptation which
characterizes it as a “glocal” one.
Keywords: 1. Brazilian organizational culture 2. National cultural traits
3. Environmental changes 4. Brazilian management style
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Lista de Quadros
Quadro 1: Conceitos de cultura e de organização nas diferentes perspectivas ........................25
Quadro 2: Definições de cultura organizacional ......................................................................26
Quadro 3: Problemas de adaptação externa e sobrevivência....................................................30
Quadro 4: Problemas de integração interna..............................................................................31
Quadro 5: Concepções de Hall acerca do tempo......................................................................42
Quadro 6: Quadro sumário.......................................................................................................57
Quadro 7: Bloco 1 – Traços da gestão......................................................................................78
Quadro 8: Bloco 2 – Mudanças que influenciam a gestão.......................................................79
Quadro 9: Síntese de características marcantes por categoria temática – Bloco: Traços da
gestão......................................................................................................................................105
Quadro 10: Síntese de características marcantes por categoria temática – Bloco: Mudanças
que influenciam a gestão.............................................................................................106
Quadro 11: Síntese da situação atual dos traços culturais encontrados..................................124
Quadro 12: Impacto dos traços culturais na estratégia...........................................................133
Quadro 13: Impacto dos traços culturais na estrutura ............................................................135
Quadro 14: Impacto dos traços culturais nos processos.........................................................136
Quadro 15: Impacto dos traços culturais no processo de liderança........................................137
Quadro 16: Impacto dos traços culturais na gestão de recursos humanos..............................138
Lista de Figuras
Figura 1: Manifestações da cultura em diferentes níveis de profundidade ..............................27
Figura 2: Níveis da cultura organizacional...............................................................................28
Figura 3: Pressupostos culturais...............................................................................................34
Figura 4: Grupos de traços encontrados no estudo.................................................................108
Figura 5: Estilo “glocal”: síntese entre o global e o local ......................................................129
Lista de Gráficos
Gráfico 1: Técnicas de planejamento organizacional são frequentemente utilizadas como
garantia de maior previsibilidade nas ações.............................................................................80
Gráfico 2: Existe grande quantidade de regras e procedimentos formalizados como suporte à
tomada de decisões e à realização do trabalho.........................................................................80
Gráfico 3: Algumas vezes, as pessoas acreditam que quando se defrontam com situações
proibidas legalmente podem “dar um jeitinho” de burlá-las....................................................83
Gráfico 4: Em geral, as decisões que as pessoas tomam nas organizações no Brasil são mais
orientadas para o longo prazo...................................................................................................83
Gráfico 5: As pessoas possuem grande capacidade de adaptação a mudanças........................85
Gráfico 6: As pessoas são tratadas de forma igualitária independentemente do cargo que
ocupam na estrutura da empresa...............................................................................................85
Gráfico 7: As relações entre as pessoas são fortemente influenciadas pelo cargo que elas
ocupam .....................................................................................................................................87
Gráfico 8: As pessoas aceitam as decisões de seus gestores imediatos sem questioná-los......87
Gráfico 9: Em situações de conflito de opiniões com gestores ou líderes, as pessoas preferem
uma posição conciliadora .........................................................................................................89
Gráfico 10: As pessoas preferem que os líderes sejam responsáveis pela resolução de
problemas importantes nas empresas .......................................................................................89
Gráfico 11: As pessoas realizam seus trabalhos por autodeterminação...................................91
Gráfico 12: As pessoas procuram desenvolver um relacionamento próximo e afetivo com as
pessoas com as quais trabalham...............................................................................................91
Gráfico 13: O relacionamento entre colegas de trabalho se restringe às atividades profissionais
..................................................................................................................................................94
Gráfico 14: O relacionamento entre as pessoas, a preocupação com o próximo e a qualidade
de vida dos profissionais são questões importantes .................................................................94
Gráfico 15: As pessoas se preocupam mais com os resultados financeiros e com a
competitividade da empresa no mercado do que com as pessoas que nela trabalham.............96
Gráfico 16: A adoção de ferramentas estrangeiras de gestão é feita sem as devidas adaptações
à realidade das organizações no Brasil.....................................................................................96
Lista de Tabelas
Tabela 1: Perfil dos entrevistados brasileiros...........................................................................73
Tabela 2: Perfil dos entrevistados estrangeiros ........................................................................73
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 – Introdução...................................................................................................14
1.1 Formulação do problema da pesquisa ................................................................................14
1.2 Objetivos.............................................................................................................................17
1.3 Justificativas teóricas e práticas..........................................................................................17
1.4 Estrutura da dissertação......................................................................................................19
CAPÍTULO 2 – Fundamentos Teóricos...............................................................................21
2.1 Tema da cultura organizacional..........................................................................................21
2.1.1 Surgimento................................................................................................................21
2.1.2 Visões sobre cultura organizacional .........................................................................22
2.1.3 Conceituações sobre o tema......................................................................................26
2.2 Estudos para caracterização de culturas nacionais.............................................................31
2.2.1 Adaptação externa.....................................................................................................34
2.2.2 Integração interna......................................................................................................36
2.2.3 Pressupostos de conexão...........................................................................................41
2.2.4 O posicionamento do Brasil como cultura nacional.................................................43
2.3 Estudos para caracterização da cultura organizacional brasileira ......................................46
2.3.1 Cultura e organizações no Brasil – Principais estudos .............................................46
2.3.2 Definição dos principais traços na gestão.................................................................56
2.4 Efeitos da globalização.......................................................................................................61
2.4.1 Difusão e adoção de práticas internacionais de gestão.............................................61
2.4.2 Fusões e aquisições...................................................................................................63
2.4.3 Expatriação ...............................................................................................................65
2.4.4 Cursos de gestão (MBAs).........................................................................................67
CAPÍTULO 3 – Metodologia da Pesquisa............................................................................69
3.1 Paradigma científico...........................................................................................................69
3.2 Abordagem de investigação ...............................................................................................70
3.2.1 Coleta de dados.........................................................................................................71
3.2.1.1 Ferramenta..........................................................................................................71
3.2.1.2 Amostra ..............................................................................................................72
3.2.2 Análise dos dados .....................................................................................................74
3.2.2.1 Técnica ...............................................................................................................75
3.2.2.2 Método................................................................................................................75
CAPÍTULO 4 – Resultados da Pesquisa Empírica.............................................................78
4.1 Bloco – Traços da gestão....................................................................................................79
4.1.1 Planejamento.............................................................................................................79
4.1.2 Formalismo...............................................................................................................81
4.1.3 Jeitinho......................................................................................................................82
4.1.4 Gestão do tempo .......................................................................................................83
4.1.5 Flexibilidade .............................................................................................................84
4.1.6 Desigualdade de poder..............................................................................................86
4.1.7 Autoritarismo............................................................................................................87
4.1.8 Evitar conflito ...........................................................................................................88
4.1.9 Postura de expectador...............................................................................................90
4.1.10 Personalismo...........................................................................................................91
4.1.11 Orientação humana .................................................................................................94
4.1.12 Orientação a resultados...........................................................................................95
4.1.13 Admiração pelo estrangeiro....................................................................................96
4.1.14 Heterogeneidade cultural........................................................................................98
4.1.15 Cordialidade............................................................................................................99
4.2 Bloco – Mudanças que influenciam a gestão ...................................................................100
4.2.1 Ambiente institucional............................................................................................100
4.2.2 Internacionalização da gestão.................................................................................101
4.2.3 Perfil do gestor brasileiro........................................................................................103
4.2.4 Síntese da apresentação dos resultados...................................................................105
CAPÍTULO 5 – Discussão dos Resultados.........................................................................107
5.1 Quais são e como se organizam os traços culturais brasileiros? ......................................107
5.1.1 Relações inter-pessoais...........................................................................................108
5.1.2 Relação com o poder...............................................................................................111
5.1.3 Organização e planejamento do trabalho................................................................113
5.1.4 Relação com o ambiente.........................................................................................118
5.1.5 Reflexões adicionais ...............................................................................................120
5.1.6 Síntese da situação atual dos traços........................................................................123
5.2 Quais as mudanças que influenciam a gestão?.................................................................124
5.3 Como se caracteriza a interação entre os traços culturais e as mudanças pelas quais a
gestão vem passando?.................................................................................................126
5.4 Há um estilo brasileiro de gestão?....................................................................................130
5.5 Como os traços culturais impactam a gestão?..................................................................131
5.5.1 Qual a relação que os traços possuem com a estratégia?........................................132
5.5.2 Qual a relação que os traços possuem com a estrutura?.........................................134
5.5.3 Qual a relação que os traços possuem com os processos?......................................135
5.5.4 Qual a relação que os traços possuem com o processo de liderança? ....................136
5.5.5 Qual a relação que os traços possuem com a gestão dos recursos humanos?.........137
CAPÍTULO 6 – Conclusões, Limitações e Especulações finais........................................139
6.1 Traços presentes na gestão das organizações atualmente.................................................139
6.2 Reinterpretações e novas nuanças que alguns traços apresentam em função das
modificações no contexto nacional e internacional....................................................140
6.3 Mudanças que influenciam a gestão praticada atualmente...............................................142
6.4 O estilo “glocal” de gestão ...............................................................................................143
6.5 Impacto dos traços na gestão............................................................................................144
6.6 Síntese da conclusão.........................................................................................................144
6.7 Limitações da pesquisa.....................................................................................................145
6.8 Especulações finais...........................................................................................................146
Referências bibliográficas....................................................................................................148
APÊNDICE A – Roteiro para Entrevista...........................................................................155
14
CAPÍTULO 1 – Introdução
Este capítulo apresenta a problemática central em torno da qual o presente estudo se desen-
volve. Para isso será colocada, a seguir, a questão de pesquisa que norteia a investigação, os
objetivos que dela decorrem e as justificativas teóricas e práticas para realização do estudo.
Adicionalmente, ao final do capítulo, apresenta-se uma seção que especifica resumidamente a
estrutura geral do trabalho.
1.1 Formulação do problema da pesquisa
Dentro do campo da cultura organizacional brasileira diversos autores estudaram o impacto
dos traços culturais brasileiros nas organizações que atuam no país (Prestes Motta e Caldas,
1997; Freitas, 1997; Barros e Prates, 1996; Davel e Vasconcelos, 1997; Lucirton Costa, 1997;
Vergara, Moraes e Palmeira, 1997; Prestes Motta e Alcadipani, 1999; Matheus, 1997; DaMat-
ta, 1991; Prestes Motta, 1996; Wood e Caldas, 1998; Caldas, 1997; Motta, Alcadipani e Bres-
ler, 2001; Aidar, Brizola, Prestes Motta e Wood Jr., 1995). Para isso, parte significativa deles
apoiou-se na formação histórica, cultural, social e econômica do país descrevendo e analisan-
do como os traços culturais nacionais permeiam as organizações.
No campo das culturas nacionais, existem outros autores que trabalharam o impacto da cultu-
ra das nações na gestão das organizações. Entre eles Hofstede (1997, 2001), House et.al
(2004), Hall (1959, 1960, 1977), Hartog (2004), Emrich et al. (2004), Kabasal e Bodur
(2004), Ashkanasy (2004), Trompenaars (1993), Adler (2002) e Laurent (1981). Os trabalhos
propõem classificações distintas de culturas nacionais em função de diferentes dimensões ou
variáveis culturais.
No Brasil, os trabalhos mais conhecidos e que buscaram delinear um estilo brasileiro de ad-
ministrar foram o de Barros e Prates (1996) e Tanure (2005). Estes autores retomam alguns
aspectos da cultura organizacional brasileira – com base em autores nacionais consagrados –,
mas apóiam-se, principalmente, nos trabalhos de Hofstede (1997, 2001). O primeiro estudo
trata do modelo de ação cultural brasileiro que configura o estilo nacional de gestão e o se-
15
gundo basicamente replica os estudos de Hofstede (1997, 2001) no contexto brasileiro incor-
porando elementos como regionalismo, estrutura de capital das empresas e comparação com
outros países latino-americanos.
A maior parte dos estudos sobre culturas nacionais e cultura organizacional brasileira, com
exceção da pesquisa de Tanure (2005) foi desenvolvida nas décadas de 80 e 90. Neste perío-
do, a globalização se intensificou em função de progressos nas áreas de transporte, tecnologia
e comunicação e o mundo dos negócios tornou-se cada vez mais global e competitivo
(Osland, 2003). O Brasil mostrou-se aberto a essas mudanças e o contexto de gestão brasileiro
foi impactado pelos feitos da globalização e internacionalização dos negócios (Caldas, 1997).
A globalização e a maior interconexão entre as economias de diversos países impulsionaram
diversos outros movimentos, entre eles: (i) a difusão e adoção de práticas internacionais de
gestão que constituíram modelos de referência no campo da gestão corporativa (ii) processos
de fusão e aquisição entre organizações (iii) crescimento do fluxo de executivos e executivos
expatriados e (iv) aumento da demanda por cursos de MBA. Esses movimentos constituem
fatores que influenciaram o estilo de gestão praticado no país.
O primeiro fator de influência foram as práticas e modelos de gestão internacionais – princi-
palmente desenvolvidos nos contextos de gestão norte-americano, japonês e europeu – difun-
didos a países latino-americanos e emergentes. Tecnologias e ferramentas administrativas e
gerenciais como sistemas integrados de gestão, técnicas para melhoria de processos de produ-
ção como círculos de controle de qualidade e processos just-in-time foram incorporados e
adotados como soluções para os problemas de gestão de países menos desenvolvidos (Caldas
e Wood, 1997). Nesta época o Brasil, particularmente, mostrou-se bastante receptivo a esses
“novos” instrumentos passando a incorporá-los ao contexto de gestão local tornando o campo
da gestão brasileira algo essencialmente importado (Gertler, 2001; Caldas e Wood, 1997,
2000; Serva, 1990 apud Caldas, 1997; Caldas e Wood, 1998, 2002).
O segundo fator que influenciou a gestão no país, como colocado acima, foram os processos
de fusão e aquisição de empresas. A partir das décadas de 80 e 90 o Brasil constituiu palco
para diversos desses processos. Alguns dos elementos do contexto nacional que permitiram
ou facilitaram a entrada dos investimentos estrangeiros na forma de fusões e aquisições fo-
ram: a necessidade de inserção do Brasil na economia global cada vez mais competitiva, a
16
redução das barreiras de entrada no país, os programas de desestatização e privatização, a
dissolução dos monopólios e a necessidade de modernização institucional (Miranda e Martins,
2000; Camargos e Barbosa, 2004; Barros e Cançado, 2003; Trinches, 1996). Os processos de
fusão e aquisição que aconteceram no país nesse período levaram a situações em que culturas
de gestão distintas “se encontraram” ou “se fundiram”, neste caso, as culturas de organizações
estrangeiras e brasileiras. Nesse sentido, conceitos e ferramentas de gestão estrangeiros per-
mearam e influenciaram o estilo praticado no país.
O volume de executivos expatriados ao Brasil durante a década de 90 constitui o terceiro fator
que impactou o estilo de gestão praticado no país. Diversas foram as razões que levaram as
organizações estrangeiras a expatriar executivos nessa época, entre elas: abertura de novos
negócios, aumento de participação de mercado, transferência de conhecimento e tecnologia,
redução de custos de produção e capacitação e treinamento a líderes (Matos, 2002; Pliopas e
Dell Agli, 2005; Homem e Tolfo, 2004; Elis e Carrieri, 2005; Gonçalves e Miura, 2002). Os
executivos que entraram no país via processos de expatriação trouxeram consigo conceitos,
modelos e ferramentas de gestão que foram incorporados à gestão das organizações no Brasil
e que impactaram o estilo praticado localmente.
A criação de cursos de MBA no Brasil constitui o quarto fator que impactou a gestão e o esti-
lo praticado no país. Os cursos de MBA funcionaram como disseminadores de valores, idéias,
comportamentos, práticas de negócios e modelos de gestão originários de culturas nacionais
estrangeiras – predominantemente a norte-americana – que foram, em maior ou menor grau,
incorporados à gestão praticada no Brasil (Wood e Paes de Paula, 2002).
O que se retrata a partir das questões colocadas acima são as mudanças no contexto nacional
brasileiro e no contexto internacional de negócios nas últimas décadas que, de alguma manei-
ra, permitiram a introdução de elementos que impactaram a forma com que a gestão das orga-
nizações é feita no país. Os referenciais estrangeiros de gestão permearam o Brasil e as orga-
nizações que nele atuam “misturando-se” e “fundindo-se” com os valores, práticas, ferramen-
tas e modelos de gestão originariamente brasileiros. Dessa forma, os traços culturais nacionais
que compõem as características do estilo brasileiro de administrar foram, nas últimas décadas,
expostos a referenciais estrangeiros de gestão.
17
A partir das colocações acima, a questão que o presente estudo busca investigar é:
Como se caracteriza o estilo brasileiro de gestão atualmente?
1.2 Objetivos
A partir da definição da pergunta central em torno da qual o presente estudo se desenvolve,
são delineados o objetivo geral e os específicos.
O objetivo geral do presente estudo é investigar e compreender como se caracteriza o estilo
brasileiro de gestão nos dias atuais.
O objetivo geral desdobra-se nos seguintes objetivos específicos:
1. Identificar os traços culturais nacionais presentes na gestão das organizações no Brasil atu-
almente.
2. Descrever as possíveis reinterpretações que os traços culturais brasileiros apresentam em
função das mudanças nos contextos nacional e internacional.
3. Indicar e descrever quais as mudanças nos contextos internacional e nacional que influen-
ciam o estilo de gestão atual.
1.3 Justificativas teóricas e práticas
As justificativas para este estudo concentram-se nos seguintes argumentos:
Em primeiro lugar, o presente estudo é relevante porque o Brasil vivenciou, nas últimas
décadas, mudanças intensas em seu contexto interno e mudanças relacionadas ao contexto
internacional. Entre elas abertura comercial, privatizações, fusões e aquisições e globali-
18
zação e internacionalização dos negócios e organizações (ver Camargos e Barbosa, 2004;
Barros e Cançado, 2003; Trinches, 1996; Miranda e Martins, 2000; Gonçalves e Miura,
2002; Homem e Tolfo, 2004, Matos 2002, Elis e Carrieri, 2005; Wood e Paes de Paula,
2002; Caldas e Wood, 1997, 1998). Ambas as dimensões de mudanças – nacionais e in-
ternacionais – impactaram e influenciaram a gestão das organizações no país e consequen-
temente o estilo brasileiro de gestão, como comentado anteriormente (Matos, 2002; Ho-
mem e Tolfo, 2004; Barros e Cançado, 2003). O presente estudo torna-se importante, por-
tanto, na medida em que busca investigar como essas mudanças impactam o estilo de ges-
tão praticado no país atualmente.
Em segundo lugar, um número considerável de estudos sobre cultura organizacional brasi-
leira na gestão das organizações no Brasil é constituído por reflexões ou ensaios teóricos,
pesquisas bibliográficas e alguns estudos de caso, como comentado por Alcadipani e Cru-
bellate (2003) (ver, por exemplo, os trabalhos de Freitas, 1997; Davel e Vasconcelos,
1997; Vergara, Moraes e Palmeira, 1997; Prestes Motta e Alcadipani, 1999; Motta, Alca-
dipani e Bresler, 2001; Matheus, 1997 e Aidar, Brizola, Prestes Motta e Wood Jr, 1995).
Os estudos sobre cultura organizacional brasileira que utilizaram uma abordagem empírica
aprofundada existem em menor quantidade, comparativamente às reflexões e ensaios teóri-
cos. Este estudo é relevante, pois contribui com uma abordagem empírica aprofundada tra-
zendo uma visão originada da prática empresarial atual.
Em terceiro lugar, este estudo é relevante, pois traz a visão de executivos e consultores
estrangeiros originários de outros contextos de gestão. A visão que possuem sobre a cultura
organizacional e sobre o estilo de gestão brasileiros é importante e diferenciada, pois é
contrastada com outros valores culturais. O “olhar” que um outsider possui sobre a cultura
brasileira pode ser consideravelmente diferente daquele que um nativo possui. A visão dos
estrangeiros contribui, portanto, para tornar mais apurados o delineamento e a compreen-
são do estilo brasileiro praticado atualmente.
Em quarto lugar, este estudo é relevante, pois permite uma compreensão mais aprofundada
dos traços que compõem o estilo brasileiro de gestão nos dias de hoje, algo fundamental
para o desenvolvimento de um estilo de gestão nacional que articule de maneira mais crite-
riosa as necessidades do contexto e cultura nacionais com as “exigências” da gestão inter-
nacional e global dos negócios.
19
Resumidamente, este estudo contribui para elucidar a compreensão do estilo brasileiro de ges-
tão à luz das mudanças que ocorreram no cenário mundial e no contexto nacional nos últimos
anos. Contribui também trazendo a visão de estrangeiros sobre a gestão praticada localmente
assim como percepções originadas da prática e não unicamente da teoria.
1.4 Estrutura da dissertação
O presente estudo está estruturado em seis capítulos. Além deste capítulo de introdução, o
trabalho contém os capítulos de “Fundamentos Teóricos”, “Metodologia da Pesquisa”, “Re-
sultados da Pesquisa Empírica”, “Discussão dos Resultados” e “Conclusões, Limitações e
Especulações finais”. A seguir comenta-se cada um deles resumidamente.
No Capítulo 2 são apresentados os principais conceitos e teorias que serviram como suporte
para o desenvolvimento do estudo. Primeiramente é feita uma introdução ao tema da cultura
organizacional. Em seguida discorre-se sobre os principais estudos na área das culturas nacio-
nais e na área de cultura organizacional brasileira e, por fim, são comentadas algumas mudan-
ças no contexto internacional e nacional que influenciam a gestão das organizações. A seção
de introdução ao tema da cultura aborda questões como o surgimento do tema e as principais
conceituações. Os estudos para caracterização das culturas nacionais são colocados em função
de diferentes grupos de pressupostos culturais que as regem. Os estudos em cultura brasileira
nas organizações são apresentados agrupados em torno dos principais traços culturais que
apontam. Adicionalmente, após a revisão desses itens elabora-se um quadro que sintetiza os
principais conceitos revistos. Por fim, as mudanças recentes nos contextos internacional e
nacional são tratadas por meio de uma revisão dos temas da globalização, difusão de práticas
gerenciais internacionais, fusões e aquisições, expatriações e cursos de MBA.
Após a exposição dos conceitos e teorias que suportam o estudo desenvolvido, abordam-se,
no Capítulo 3, os aspectos metodológicos. Primeiramente apresenta-se o paradigma científico
que reflete as posições epistemológica, ontológica e metodológica assumidas no trabalho. Em
seguida discorre-se sobre aspectos da abordagem qualitativa na pesquisa científica buscando
um esclarecimento sobre o impacto dessa abordagem nos resultados que ela permite obter.
Depois de explicada a abordagem partir da qual o trabalho se desenvolve, discorre-se sobre a
20
forma de coleta dos dados. Para isso, são detalhados a ferramenta escolhida – entrevistas se-
mi-estruturadas –, a forma como a amostra foi delineada e como ela se compõe. Por fim, o
capítulo encerra-se com uma seção importante destinada à explicação da técnica e do método
utilizados na interpretação dos dados colhidos.
O Capítulo 4 descreve os resultados da pesquisa empírica. Os dados obtidos são organizados e
apresentados na forma de categorias temáticas. Estas se organizam em dois blocos: o primeiro
reflete os traços culturais presentes na gestão das organizações no Brasil e o segundo remete
às mudanças nos contextos nacional e internacional. Para apresentação de cada categoria te-
mática encontrada recorre-se a trechos das entrevistas como recurso ilustrativo do conteúdo
apresentado. Adicionalmente, para algumas categorias temáticas são colocados gráficos que
também refletem a opinião de entrevistados com relação ao item em questão.
No Capítulo 5 procede-se à discussão dos resultados obtidos. A primeira seção discute os tra-
ços culturais encontrados e a forma como se relacionam confrontando aquilo que se observa
com a literatura referenciada no Capítulo 2. Na segunda seção elabora-se um debate sobre
quais as mudanças no contexto nacional e internacional e como elas influenciam a gestão das
organizações no país atualmente. Após o delineamento dos traços culturais locais, da forma
como se organizam e da identificação das mudanças acima mencionadas, a terceira seção dis-
cute a interação entre os traços e as mudanças. A quarta seção destina-se a um debate sobre a
existência ou não de um estilo de gestão única e singularmente brasileiro e a seção final discu-
te o impacto dos traços culturais e das mudanças no contexto em elementos da gestão como
estrutura, estratégia, processos, liderança e recursos humanos.
O Capítulo 6 destina-se, principalmente, às conclusões que o estudo sugere. As primeiras três
seções constituem as respostas às três perguntas secundárias do estudo. A seção quatro sinte-
tiza a caracterização atual do estilo de gestão praticado no país. Em seguida apresenta-se, re-
sumidamente, o impacto dos traços nos elementos da gestão e uma síntese das conclusões. O
capítulo encerra-se com a apresentação das limitações do estudo e de algumas especulações
finais.
21
CAPÍTULO 2 – Fundamentos Teóricos
Neste capítulo são apresentados os estudos, conceitos e autores considerados mais relevantes
em cada uma das áreas que serve como suporte teórico para o desenvolvimento do presente
estudo. Em primeiro lugar, é feita uma breve introdução ao tema da cultura organizacional
buscando-se, principalmente, delinear as conceituações e autores mais importantes no campo.
Em seguida discorre-se sobre os principais estudos que buscam caracterizar as culturas nacio-
nais procurando evidenciar os pressupostos culturais que impactam a gestão das organizações.
Mais adiante são colocados os estudos no campo da cultura organizacional brasileira que dão
suporte à elaboração dos traços culturais e que permeiam a gestão das organizações compon-
do o estilo praticado no país. Por fim, são comentados alguns aspectos dos contextos interna-
cional e nacional – como internacionalização dos negócios, processos de fusão e aquisição e
expatriações – que impactaram a forma como a gestão das organizações é feita atualmente no
país
.
2.1 Tema da cultura organizacional
2.1.1 Surgimento
O tema da cultura organizacional surgiu dentro do campo da teoria das organizações na déca-
da de 80 no contexto norte-americano. Nesse período, revistas conceituadas no campo da teo-
ria organizacional publicaram números especiais sobre o assunto, universidades americanas
promoveram diversos programas, conferências e simpósios focados em cultura organizacional
e muitos artigos e livros foram publicados (Freitas, 1991; Cunha, Rego, Campos e Cunha e
Cabral-Cardoso, 2005; Alvesson, 2002).
Diversas são as causas levantadas para o interesse sobre cultura organizacional na década de
80. Entre as mais importantes estão (i) o declínio da produtividade norte-americana e ganho
da competitividade dos modelos japoneses de negócios nessa década época do milagre ja-
22
ponês. O sucesso das técnicas japonesas levou à idéia de que as diferenças culturais entre as
sociedades – no caso, a americana e a japonesa – poderiam constituir um elemento importante
para alcance de uma performance melhor (ii) a necessidade de respostas a problemas práticos
identificados no âmbito gerencial e (iii) a necessidade de um “contra-ataque” a problemas de
desintegração da sociedade em função da fragmentação e da heterogeneidade de padrões cul-
turais no período. A argumentação colocada neste caso por Alvessson (2002, apud Freitas
1991) é a de que o desenvolvimento econômico na sociedade americana no período teria re-
sultado em um processo de quebra da uniformidade e da coesão cultural do país. Por este mo-
tivo, o interesse pela questão cultural havia se tornado relevante.
O tema da cultura tornou-se bastante popular a partir da década de 80 tanto na esfera acadê-
mica quanto na gerencial. A cultura organizacional foi tida como a “arma secreta” para obten-
ção de vantagem competitiva e de sucesso organizacional. Essa noção contribuiu para reforçar
a idéia de que uma cultura organizacional sólida, compartilhada e fundamentada em valores e
crenças profundos resultaria em uma performance excelente. A popularidade do tema foi tão
elevada que acabou gerando a massificação do assunto nas décadas de 80 e 90 (Freitas, 1991;
Cunha, Rego, Campos e Cunha e Cabral-Cardoso, 2005; Schneider e Barsoux, 2003).
No entanto, apesar de ter se tornado bastante popular, o conceito de cultura ainda está longe
de ser algo universal, preciso ou evidente. A variedade de visões e definições de cultura e de
sua relação com a sociedade e organizações ainda é grande e revela o a multiplicidade de
perspectivas epistemológicas e metodológicas coexistentes (Freitas, 1991; Smircich, 1983).
2.1.2 Visões sobre cultura organizacional
A partir dessa noção de multiplicidade de conceituações e perspectivas a respeito da cultura,
Smircich (1983) faz um mapeamento dos estudos na área de cultura organizacional e identifi-
ca cinco principais temas de pesquisa derivados de diferentes conceitos antropológicos de
cultura e de distintas visões de organização dentro do campo da teoria das organizações. Seu
trabalho revelou que a cultura organizacional poderia ser compreendida de duas maneiras: (i)
como variável, visão que considera a cultura algo que a organização possui e (ii) como uma
23
metáfora, visão que considera a cultura algo que a organização é e como expressão e manifes-
tação da consciência humana.
A visão de cultura organizacional como algo que a organização possui, isto é, como uma vari-
ável interna, agrega os temas da administração comparativa (cross-culture) e da cultura corpo-
rativa. Os estudos no campo da administração comparativa focam o contexto cultural mais
amplo e sua influência sobre os membros da organização. Os membros da organização fariam
a transposição do contexto cultural mais amplo para o universo organizacional. Os estudos em
cultura corporativa compreendem que, assim como a organização produz bens e serviços,
produz também artefatos culturais distintos como rituais, lendas e cerimônias. Ambos os te-
mas de estudo possuem como base uma perspectiva funcionalista e, por este motivo, possuem
alguns pressupostos em comum: (i) vêem a organização como organismo (ii) organização e
cultura são abordadas por meio de modelos de relacionamentos que acontecem dentro e fora
das organizações e (iii) buscam a previsibilidade e o controle organizacional. Grande parte
dos estudos sobre cultura organizacional utiliza essa perspectiva como ponto de partida, o
presente estudo inclusive.
A visão de cultura organizacional como algo que a organização é agrega os temas da cognição
organizacional, do simbolismo organizacional e o tema dos processos inconscientes e organi-
zação. Os estudos com o tema da cognição organizacional buscam investigar as regras por
meio das quais os membros de uma determinada cultura enxergam e descrevem seu mundo. A
perspectiva simbólica para análise da cultura organizacional compreende a organização, assim
como a cultura, como um padrão de discursos simbólicos. E como tal, para ser compreendida,
precisa ser interpretada, lida e decifrada. A busca principal é a compreensão da forma pela
qual as experiências dos indivíduos se tornam significativas. Os estudos que tomam como
perspectiva o estruturalismo e a psicodinâmica focam as expressões dos processos psicológi-
cos inconscientes. Formas de organização e práticas organizacionais são compreendidas como
projeção de processos inconscientes (Smircich, 1983). Comuns a essas três últimas perspecti-
vas são as noções de que (i) as organizações são uma forma particular de expressão humana e
de que (ii) mundo social e organizacional possuem um status menos concreto, pois existem
apenas como modelos de relacionamentos simbólicos e com significados sustentados por
meio de processos contínuos de interações humanas (Smircich, 1983).
24
Resumidamente, os cinco temas identificados no estudo de Smircich (1983) foram: (i) admi-
nistração comparativa (cross culture), cujo foco estaria no contexto cultural mais amplo e no
impacto deste contexto mais amplo no universo organizacional (ii) cultura corporativa, que
compreende as organizações como instrumentos sociais produtores de bens e serviços e de
artefatos culturais (iii) cognição organizacional, que foca o processo por meio do qual as pes-
soas vêem e descrevem seu mundo (iv) simbolismo organizacional, cujo foco está em desco-
brir de que forma as experiências se tornam significativas e (v) a perspectiva estrutural e psi-
codinâmica, cuja ênfase recai nas expressões dos processos psicológicos inconscientes.
O objetivo geral da presente pesquisa – caracterização do estilo brasileiro de administrar –
leva o estudo a tangenciar as áreas da administração comparativa e da cultura corporativa,
situando-o, portanto, como um estudo de cunho predominantemente funcionalista.
O Quadro 1 resume e ilustra as idéias apresentadas acima.
25
Quadro 1: Conceitos de cultura e de organização nas diferentes perspectivas
Fonte: Adaptado de Smircich, 1983, p.342
Paradigmas Conceitos de cultura
da antropologia
Temas de estudo na
pesquisa organizacional e
administrativa
Conceito de organização
da Teoria das Organizações
Funcionalismo
(Malinowski)
Cultura é um instrumento a serviço
das necessidades biológicas
e psicológicas do homem
Cross-culture ou adminis-
tração comparativa
Organizações são instrumentos sociais para
realização de tarefas
Ex: Teoria Clássica da Administração
Funcionalismo
estrutural
(Radcliffe Brown)
Cultura funciona como um mecanismo
adaptativo-regulador. Ela unifica o
indivíduo nas estruturas sociais
Cultura corporativa
Organizações são organismos adaptativos
existentes nos processos de troca com
o ambiente
Ex: Teoria Contingencial
Etnocentria
(Goodenough)
Cultura é um sistema de cognições
compartilhadas. A mente humana
gera a cultura pelo significado de um
número finito de regras inconscientes
Cognição organizacional
Organizações são sistemas de conhecimentos.
A organização repousa na rede de significados
subjetivos que os membros da organização
compartilham
Ex: Teoria da Cognição Organizacional
Antropologia
simbólica
(Geertz)
Cultura é um sistema de símbolos e
significados compartilhados. A ação
simbólica necessita ser interpretada,
lida e decifrada para ser entendida
Simbolismo organizacional
Organizações são modelos de discurso
simbólico. A organização é mantida através de
formas simbólicas, tais como a linguagem que
facilita compartilhar os significados e a reali-
dade
Ex: Teoria do Simbolismo Organizacional
Estruturalismo
(Levi-Strauss)
Cultura é uma projeção da
infra-estrutura universal da mente
Processos inconscientes e
organização
Formas e práticas organizacionais são
manifestações de processos inconscientes
Ex: Teoria da Transformação Organizacional
Visão de
cultura como
algo que a
organização é
Visão de
cultura como
algo que a
organização
possui
26
2.1.3 Conceituações sobre o tema
Diante da diversidade de conceitos desenvolvidos sobre o tema da cultura organizacional
(Smircich, 1983; Alvesson, 2002; Freitas, 1991) este estudo apresenta, em seguida, algumas
das definições existentes, sem a pretensão de apresentá-las de forma exaustiva ou de desenca-
dear uma discussão aprofundada sobre o tema. As definições apresentadas a seguir possuem,
portanto, caráter unicamente ilustrativo da diversidade de visões e abordagens existentes e
visam contribuir para a introdução do leitor ao tema do estudo.
Pettigrew (1979) compreende cultura como um sistema de significados aceitos pública e cole-
tivamente por um dado grupo num dado tempo. Sua definição remete à visão da organização
como um sistema contínuo que possui passado, presente e futuro. É uma análise de cultura
que leva em conta a importância dos empreendedores na definição dos primeiros estágios da
organização e assume que os indivíduos criam cultura, mas que também são criados por ela.
Shrivastava (1985) entende cultura como um conjunto de produtos concretos por meio dos
quais o sistema é estabilizado e perpetuado. Estes produtos incluem mitos, sagas, sistemas de
valores e normas de comportamento. Trompenaars (1993) define cultura como a forma por
meio da qual um grupo de pessoas resolve problemas. O Quadro 2 abaixo fornece outras defi-
nições do tema e os autores ilustrativos correspondentes:
Quadro 2: Definições de cultura organizacional
Definição Autores ilustrativos
“A forma costumeira ou tradicional de pensar e de fazer coisas partilhada
por todos os membros de uma organização e que os novos membros têm que
aprender e respeitar, pelo menos parcialmente, para serem aceitos ao serviço
da firma”
Jacques (1951, p.251)
“O conjunto de valores, crenças e sentimentos que, juntamente com os arte-
fatos da sua expressão e transmissão (tais como os mitos, símbolos, metáfo-
ras e rituais) são criados, herdados, partilhados e transmitidos no interior de
um grupo de pessoas e que, em parte, distinguem esse grupo dos demais
grupos”
Cook e Yanow (1993,
p.379)
“Os valores e crenças firmemente partilhados pelos membros de uma orga-
nização”
Schneider, Brief e Guzzo
(1996, p.11)
Fonte: Adaptado de Cunha, Rego, Campos e Cunha e Cabral-Cardoso, 2005, p. 531
27
Para Hofstede (1997) a cultura carregaria padrões de sentimentos, pensamentos e ações e seria
a “programação coletiva da mente que distingue os membros de um grupo ou categoria de
pessoas de outro grupo ou categoria”. Ele sugere diferentes níveis de manifestação da cultura:
valores, rituais, heróis e símbolos, como ilustra a figura abaixo:
Figura 1: Manifestações da cultura em diferentes níveis de profundidade
Fonte: Hofstede, 1997, p.9
Segundo o autor, os valores constituem a tendência a preferir determinadas condições (states
of affair) ao invés de outras. São “concepções explícitas ou implícitas que distinguem um in-
divíduo ou uma característica de um grupo e que influenciam a seleção dos comportamentos,
meios e fins para realização das ações” (Hofstede, 1997). Os rituais constituem atividades
coletivas tecnicamente desnecessárias ao alcance das metas e resultados organizacionais, mas
socialmente necessárias para manutenção dos indivíduos dentro das normas da coletividade.
Os heróis são indivíduos, reais ou imaginários, vivos ou não, que possuem ou possuíam carac-
terísticas valorizadas pelos membros da cultura e que atuam como modelos a serem persegui-
dos. Os símbolos são as palavras, os gestos e os objetos que carregam significados reconheci-
dos pelos membros de uma cultura. Constituem no modelo do autor a camada mais superficial
de manifestação da cultura. Os símbolos, heróis e rituais quando vistos como práticas são vi-
síveis a um observador externo. O significado que possuem, no entanto, é compreensível so-
mente aos insiders da cultura.
O presente estudo adota o modelo de Schein (1984) como referencial para o trabalho a ser
desenvolvido. Seu modelo de cultura organizacional e principais conceituações serão comen-
tados a seguir de forma mais detalhada.
Valores
Rituais
Heróis
Símbolos
Práticas
Valores
Rituais
Heróis
Símbolos
Valores
Rituais
Heróis
Símbolos
PráticasPráticas
28
Schein (1984, 1992) define cultura organizacional como “o padrão de pressupostos básicos
que um determinado grupo inventou, descobriu e desenvolveu em seu processo de aprendiza-
gem a fim de lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna e que funcio-
nou suficientemente bem de forma a ser considerado válido e a ser ensinado a novos membros
como a maneira correta de perceber, pensar e sentir com relação a esses problemas”. O autor
propõe que a cultura organizacional pode ser analisada em diferentes níveis: artefatos, valores
e pressupostos básicos, como ilustra a Figura 2:
Figura 2: Níveis da cultura organizacional
Os artefatos constituem o ambiente da organização, sua arquitetura, sua tecnologia, o layout
do espaço organizacional, a maneira com que as pessoas se vestem, os padrões de comporta-
mento que podem ser vistos ou escutados e os documentos públicos como materiais ou qua-
dros. Constituem artefatos (i) a arquitetura e o design da organização – aspectos físicos da
organização como o layout, as salas de reunião, os restaurantes, os banheiros e o estaciona-
Valores
Pressupostos Básicos
o Relacionamento com
ambiente
o Natureza da realidade,
da natureza humana,
da atividade humana e dos
relacionamentos humanos
Artefatos e Criações
o Ambiente e arquitetura da
organização
o Tecnologia
o Padrões de comportamento
visíveis e audíveis
Visíveis mas frequentemente não
decifráveis
Maior nível de consciência
- Invisíveis
- Tidos como certos
- Inconscientes
Fonte: Adaptado de Schein (1984, 1992)
29
mento. Esses elementos constituem indicadores da importância dada à hierarquia e ao status
na organização em questão e são reforçados por meio de outros artefatos como carros e mobí-
lia das salas. A arquitetura da organização fornece indicações dos pressupostos que formam a
base de como a organização lida com sua integração interna – colocando as pessoas mais pró-
ximas umas das outras ou as afastando – e adaptação externa – buscando harmonização com o
ambiente ou sua dominação (ii) formas de cumprimento entre as pessoas (iii) formas com que
as pessoas se direcionam umas às outras – com maior ou menor grau de formalidade (iv) a
forma da realização de contato entre as pessoas, considerações sobre o que é considerado pú-
blico e o que é considerado privado (v) códigos de vestimentas e (vi) contratos verbais ou
escritos. Os elementos nesse nível são fáceis de serem encontrados e visualizados, mas difí-
ceis de serem interpretados ou decifrados (Schein, 1984; Schneider e Barsoux, 2003).
Os valores são difíceis de serem observados diretamente, embora haja um maior nível de
consciência dos indivíduos com relação a eles comparativamente aos pressupostos básicos.
Para conhecê-los é necessária a utilização de ferramentas como entrevistas com membros da
organização ou análise de conteúdo de artefatos como documentos. Os valores identificados
dessa maneira representam manifestações ou exposições dos valores de uma cultura. As ra-
zões que os membros de uma cultura atribuem a determinado comportamento constituem, na
maior parte das vezes, uma idealização das razões que os indivíduos gostariam que estivesse
por trás de seus comportamentos. A racionalização por detrás da explicação para determina-
dos comportamentos implica que esses valores são conscientes na mente dos indivíduos
(Schein, 1984). Os valores também constituem soluções culturais para problemas de adapta-
ção externa e integração interna.
Os níveis dos artefatos e dos valores representam manifestações da cultura, mas não traduzem
sua essência. A essência de uma cultura repousaria no terceiro nível de análise da cultura pro-
posto por Schein (1984): os pressupostos básicos e subjacentes. Estes são elementos inconsci-
entes que repousam na mente dos indivíduos, mas que determinam como eles percebem, pen-
sam e sentem. Os pressupostos básicos são ainda tidos como garantidos e são invisíveis. Se-
gundo Schein (1984), os indivíduos teriam uma necessidade cognitiva de ordem e consistên-
cia que levaria a uma padronização dos pressupostos em “paradigmas culturais”. Um para-
digma cultural seria então um grupo de pressupostos inter-relacionados que forma um padrão
coerente. Para análise dos paradigmas culturais um grupo de categorias lógicas é proposto
pelo autor:
30
(i) Relacionamento da organização com seu ambiente – questões debatidas inclu-
em o tipo de relacionamento dos indivíduos com o ambiente: domínio, submissão,
harmonização ou busca por nicho apropriado.
(ii) Natureza da realidade e da verdade – inclui regras de comportamento e de lin-
guagem que definem o que é real e o que não é, o que é um “fato”, se a verdade é
revelada ou descoberta e conceitos relativos ao tempo (se é monocrônico ou poli-
crônico).
(iii) Natureza da natureza humana – inclui debates sobre o que significa ser “hu-
mano”, o ser humano é intrinsecamente bom, mau ou neutro?
(iv) Natureza da atividade humana – questões debatidas incluem o que é certo o ser
humano fazer, ele deve ser ativo, passivo, fatalístico? O que é trabalho?
(v) Natureza dos relacionamentos humanos – aborda questões como qual o modo
certo para relacionamento entre seres humanos, qual o modo certo de distribuição
de poder e amor? A vida é algo cooperativo ou competitivo? Individual ou grupal?
Deve se basear em autoritarismo, leis ou carisma?
A noção de aprendizagem é fundamental no modelo de cultura sugerido pelo autor. O modelo
que propõe é algo dinâmico em que a cultura é aprendida, passada adiante e modificada. As-
sim como a noção de aprendizagem, é fundamental também no modelo de Schein (1984,
1992) a idéia de que a cultura de uma organização seria a solução para (i) os problemas de
adaptação externa relacionados à sobrevivência do grupo no ambiente e (ii) problemas de in-
tegração interna, relacionados à habilidade do grupo em funcionar e se organizar como um
grupo. Os quadros a seguir resumem os principais problemas de adaptação externa e integra-
ção interna que as organizações enfrentam.
Quadro 3: Problemas de adaptação externa e sobrevivência
Estratégia
Desenvolvimento de consenso com relação à missão primordial, principais tarefas e
funções latentes e manifestas do grupo
Metas
Desenvolvimento de consenso com relação às metas, sendo estas reflexos concretos
da missão primordial
Meio para
realização das metas
Desenvolvimento de consenso com relação aos meios que devem ser utilizados para
realização das metas – por exemplo, divisão do trabalho, estrutura organizacional e
sistema de recompensas
Medição
de performance
Desenvolvimento de consenso com relação aos critérios a serem utilizados como
medidores do quanto a organização está conseguindo atingir suas metas – por exem-
plo, sistemas de informação e controle
Correção
Desenvolvimento de consenso com relação a estratégias de correção quando o grupo
não está conseguindo realizar suas metas
Fonte: Adaptado de Schein (1984)
31
Quadro 4: Problemas de integração interna
Linguagem
Linguagem e categorias conceituais comuns. Se os membros de uma cultura não
conseguem se comunicar uns com os outros e compreender uns aos outros, a existên-
cia de um grupo é impossível
Fronteiras
Consenso com relação às fronteiras do grupo e aos critérios de inclusão e exclusão.
Uma das noções mais importantes em cultura é a do consenso sobre quem está dentro
e quem está fora do grupo assim como os critérios que determinam o pertencimento
Poder & Status
Consenso sobre os critérios para alocação de poder e status. A organização precisa
trabalhar a questão das normas e regras para obtenção, manutenção e perda de poder.
Essa área de consenso é crucial para que indivíduos possam administrar seus senti-
mentos de agressão
Intimidade
Consenso com relação aos critérios para intimidade, amizade e amor. Toda organi-
zação precisa trabalhar a questão das regras sobre relacionamento entre pares, entre
gêneros e sobre a maneira como a intimidade será tratada
Recompensas
& Punições
Consenso com relação a critérios para distribuição de recompensas e punições.
Todo grupo precisa saber quais comportamentos fazem sentido e são considerados
heróicos, o que é recompensado com prosperidade, status e poder e o que é punido
Ideologia
Consenso com relação à ideologia e “religião”. Toda organização se vê face a even-
tos inexplicáveis. Eventos aos quais se deve atribuir significado para que os mem-
bros possam lidar com eles e evitar a ansiedade do inexplicável e do incontrolável
Fonte: Adaptado de Schein (1984)
Em suma, para Schein (1984) a cultura (i) é algo que está em constante processo de formação
e transformação (ii) tende a cobrir todos os aspectos do funcionamento humano (iii) é apren-
dida em função dos temas relacionados à adaptação externa e à integração interna e (iv) com-
põe-se de um grupo de pressupostos inter-relacionados padronizados que fazem referência a
temas como a natureza dos relacionamentos humanos, tempo, espaço e a natureza da realidade
e da verdade.
2.2 Estudos para caracterização de culturas nacionais
O mundo dos negócios se torna cada vez mais global à medida que as fronteiras econômicas e
comerciais entre países se enfraquecem. O aumento do comércio internacional e dos fluxos de
investimentos internacionais, os avanços tecnológicos, a interconexão dos mercados financei-
ros, a expansão das multinacionais e o aumento da quantidade de fusões e aquisições em di-
versos países do mundo constituem evidências de que a conexão e inter-relação entre países
vêm se fortalecendo ao longo das últimas décadas (House et al, 2004).
32
A globalização e o conseqüente aumento das conexões entre países suscitam um debate em
torno da ocorrência de convergência ou divergência cultural decorrentes dessa aproximação
entre nações. Por um lado, há a argumentação de que as forças da globalização diminuiriam as
diferenças culturais e levariam a uma convergência em termos de práticas de gestão, valores,
crenças e comportamentos organizacionais e individuais. A idéia que sustenta esse posicio-
namento é a de que negócios são negócios em qualquer parte do mundo e que este poderia ser
compreendido como uma “aldeia global” em que as práticas de gestão das organizações seri-
am universalmente aplicadas. Nesse sentido, como o mundo se tornaria cada vez menor, as
diferenças culturais entre nações tenderia a diminuir (House et al, 2004; Schneider e Barsoux,
2003).
No entanto, por outro lado, existem argumentações de que apesar da crescente aproximação
econômica e comercial entre nações o mundo não caminharia para ser uma “aldeia global”.
Pelo contrário, caminharia para uma fragmentação ou divergência cultural em função do im-
pacto das fronteiras culturais. As dificuldades para criação de uma cultura de negócios homo-
gênea podem ser encontradas, por exemplo, nas complicações para formação da União Euro-
péia, na grande diversidade cultural e étnica de cidades como Nova York que abriga fragmen-
tos culturais como a Little Italy, Chinatown e a Germanotown e nas dificuldades para integra-
ção completa de blocos econômicos como o Mercosul. Estes elementos constituem exemplos
das divergências culturais existentes paralelamente às forças da globalização econômica. A
idéia de que as práticas de gestão poderiam assumir um caráter universal também se enfra-
quece quando se considera o impacto das especificidades da cultura nacional no relaciona-
mento entre nações e na forma como a gestão das organizações é realizada (Schneider e Bar-
soux, 2003).
Essa última idéia leva a uma importante discussão sobre se a cultura nacional prevalece sobre
a cultura organizacional ou o inverso. Há autores que argumentam que em situações onde as
práticas organizacionais são rígidas e fortes, a cultura organizacional prevaleceria. A influên-
cia da organização seria mais forte também nas situações em que ela possui grande impacto
na comunidade em que atua (Schneider e Barsoux, 2003). Outros estudos como, por exemplo,
os de Hofstede (1997, 2001), House et al (2004) e Laurent (1983), no entanto, embora não
elaborados com esse intuito, assumem que as culturas nacionais prevalecem sobre a organiza-
cional (Schneider e Barsoux, 2003).
33
Esse último posicionamento – de que a cultura nacional pode prevalecer sobre a cultura orga-
nizacional – parte do pressuposto de que as organizações refletem os valores, as conjunturas e
as estruturas da sociedade na qual se inserem e que, portanto, seriam expressões da sociedade
em que atuam (House et al, 2004). Nesse sentido, a cultura de uma nação pode constituir um
componente importante na formação e desenvolvimento da cultura das organizações que nela
atuam (Barros e Prates, 1996). O presente estudo adota a posição de que as culturas nacionais
impactam e moldam a cultura das organizações que nelas atuam assumindo, portanto, que os
traços culturais nacionais são importantes para a compreensão dos traços culturais organiza-
cionais que definem o estilo de gestão desenvolvido e praticado no país.
Diversos autores investigaram o impacto dos traços culturais nacionais nas culturas das orga-
nizações indicando a importância da cultura nacional na compreensão dos comportamentos,
valores e atitudes dos indivíduos nas organizações. Entre os principais trabalhos realizados
podem ser citados os estudos de Hofstede (1997, 2001), House et al. (2004), Trompenaars
(1993), Kabasal e Bodur (2004), Hartog (2004), Emrich et al. (2004), Hall (1959, 1960,
1977), Ashkanasy (2004), Javidan (2004) e Adler (2002).
Os estudos acima apontam para o fato de que culturas nacionais diferem com relação aos
pressupostos que regem os valores, comportamentos e artefatos culturais que expressam. Es-
ses pressupostos culturais podem ser reunidos nos seguintes grupos: (i) aqueles que dizem
respeito ao relacionamento da organização com o meio ou ambiente em que atua (ii) aqueles
relacionados à própria integração interna da organização e (iii) aqueles que fazem referência
ao tempo, ao espaço e à linguagem (Schneider e Barsoux, 2003). O presente estudo discorrerá
sobre esses diferentes pressupostos culturais nacionais tendo como base – adaptada – a estru-
tura indicada por Schneider e Barsoux (2003) ilustrada pela Figura 3 a seguir.
34
Figura 3: Pressupostos culturais
2.2.1 Adaptação externa
O ambiente é controlável ou não? – Com relação ao relacionamento com a natureza, há du-
as visões básicas: a de que a natureza é algo controlável pelo homem e o inverso. No primeiro
caso a
crença é a de que nada é predeterminado e de que a natureza pode ser controlada. No
segundo, a natureza é algo dado, algo que está lá como um destino, predeterminado, e que,
por este motivo, não pode ser controlada (Schneider e Barsoux, 2003; Trompenaars, 1993).
Próxima ao pressuposto de que a natureza pode ser controlada está a noção de combate às
incertezas do ambiente, como colocado por Hofstede (2001). Segundo ele, a necessidade de se
Adaptação Externa
- Relacionamento com a
natureza
o Controle/Evitar incerteza
- Natureza da atividade humana
o Fazer/Ser
o Realização/Reconhecimento
- Natureza da realidade e da
verdade
Integração Interna
- Natureza Humana
o Naturalmente boa ou má
- Natureza dos relacionamentos
humanos
o Social/Orientação a tarefas
o Particularismo/Universalismo
o Hierárquica
o Feminilidade/Masculinidade
o
Individualismo/Coletivismo
Pressupostos de conexão
- Espaço
o Pessoal/físico
- Linguagem
o Alto/Baixo contexto
- Tempo
o Monocrônico/Policrônico
o Passado/Presente/
Futuro
Fonte: Ada
p
tado de Schneider e Barsoux
(
2003
)
35
evitar incertezas refere-se ao quanto os membros de uma cultura sentem-se ameaçados por
situações incertas e desconhecidas. Traduz-se na existência de estresse e necessidade de pre-
visibilidade que, por sua vez, conduzem à necessidade de elaboração de regras escritas e não
escritas para organização e gestão das interações e comportamentos entre indivíduos, organi-
zações e ambiente. A necessidade de regras pode ser real ou emocional e psicológica e os in-
divíduos mostram uma aversão a situações ambíguas ou de riscos não familiares. As socieda-
des com alta necessidade de evitar a incerteza abrigam organizações com grande quantidade
de regras formais e informais para controle dos direitos e deveres dos empregados. Há tam-
bém muitas regras e regulamentações para controle do processo de trabalho e os indivíduos
nas organizações revelam um gosto acentuado por trabalhar duro ou pelo fato de estarem
sempre ocupados (Hofstede, 1997, 2001; House et al, 2004).
Por outro lado, nas sociedades com baixa necessidade de se evitar a incerteza, as regras são
estabelecidas em situações de grande necessidade e os indivíduos se orgulham de poder resol-
ver problemas sem a existência de regras formais. As pessoas tendem a pensar que trabalharão
duro se houver necessidade para isso e não são guiadas por uma pressão interna por busca de
atividades constantes. O tempo possui um caráter orientador para as pessoas, não é algo em
que as pessoas prestam constante ou demasiada atenção. Há maior propensão ao estímulo de
inovações, pois há maior tolerância a idéias diferentes (Hofstede, 1997, 2001; House et al,
2004).
Ação ou reflexão? – Os pressupostos relacionados à natureza da atividade humana dizem
respeito à maior valorização da ação em detrimento da reflexão ou vice-versa. Há culturas que
valorizam a disposição para que ações sejam tomadas de maneira rápida e decisiva. Essa no-
ção implica a realização de ações que envolvem riscos que, por sua vez, podem ser tratados
posteriormente. O valor, para essas culturas está na ação. A idéia que predomina é a de que é
melhor fazer alguma coisa do que não fazer nada.
Por outro lado, há culturas que valorizam mais a reflexão do que a ação. Neste caso, processos
de análise e planejamento são importantes. Quando os pressupostos culturais revelam a noção
de poder e controle sobre a natureza, a cultura em questão tende a atribuir maior valor à ação.
Quando os pressupostos culturais expressam a crença de que o homem não possui – ou possui
pouco – domínio sobre natureza os indivíduos tendem a se envolver mais em situações de
reflexão, de planejamento e de observação dos fenômenos anteriormente à tomada de decisão
36
e ação. Neste caso, a capacidade de reflexão dos indivíduos e quem eles são é mais importante
do que o que fazem, ou seja, o reconhecimento daquilo que se é constitui elemento mais im-
portante do que as realizações e ações. A idéia que possuem em mente é a de que é melhor
não tomar decisão alguma, do que fazê-lo de maneira equivocada (Schneider e Barsoux,
2003).
Em linha com a necessidade de reconhecimento daquilo que se é, está a orientação à atribui-
ção, como definido por Trompenaars (1993). Segundo ele, há culturas mais orientadas à atri-
buição e ao reconhecimento e outras mais orientadas à conquista e à ação. No primeiro caso,
as culturas tendem a avaliar ou julgar indivíduos por meio de elementos como o parentesco
que possuem, sexo, idade, conexões ou formação acadêmica. No segundo caso, os indivíduos
são julgados por aquilo que realizaram recentemente e por seu histórico de ações.
Números ou interpretações? – Com relação à natureza da verdade e da realidade, os pressu-
postos geralmente variam entre culturas que crêem que a verdade deva ser sinônimo de fatos e
números e aquelas que acreditam que a verdade pode ser obtida via interpretações, análises e
reflexões. No primeiro caso a abordagem é mais indutiva, no sentido de que as teorias deri-
vam da prática e da experiência e no segundo é mais dedutiva, as soluções são deduzidas das
teorias. Para estas últimas, o contexto e a história são elementos importantes.
2.2.2 Integração interna
O homem é naturalmente bom ou mal? – Os pressupostos que diferentes culturas possuem
com relação à natureza humana também variam e giram em torno da necessidade de controle
e da possibilidade de delegar tarefas. A Teoria X e a Teoria Y constituem exemplos clássicos
de pressuposições sobre a natureza humana. A primeira assume que os empregados são indi-
víduos preguiçosos e que precisam de supervisão e controles constantes. A segunda, por outro
lado, sugere que os empregados são autônomos, possuem iniciativa e realizam as atividades
com pouca ou nenhuma necessidade de controle e supervisão. A pressuposição de que os ho-
mens são em sua natureza “bons” implica a percepção de que as pessoas podem possuir maior
grau de autonomia e iniciativas, o que leva a uma orientação para realização das atividades.
37
Por outro lado, a pressuposição de que as pessoas são “más” implica maior grau de controles
externos e supervisão.
Com base na noção da natureza humana como “boa” ou “má” Kabasal e Bodur (2004) desen-
volvem a idéia de orientação humana. O termo refere-se ao grau em que indivíduos em orga-
nizações ou sociedades encorajam e recompensam as pessoas por serem justas, altruístas, a-
migáveis, generosas, cuidadosas e bondosas. Em países com um alto grau de orientação hu-
mana os familiares, amigos e a comunidade em que se atua são considerados elementos im-
portantes assim como a valorização do altruísmo, da benevolência, do amor, da bondade e da
generosidade. O senso de pertencimento a grupos ou comunidades é elevado e constitui ele-
mento que motiva indivíduos. As relações pessoais e familiares devem proteger o indivíduo e
as pessoas devem oferecer suporte social umas às outras. Com relação ao ambiente organiza-
cional, o controle social é baseado em valores e normas compartilhados e as práticas organi-
zacionais derivam de considerações individuais – não padronizadas a todos os indivíduos e
estes preferem realizar o trabalho em grupos.
Nos países com baixo grau de orientação humana os interesses próprios são importantes assim
como a valorização do prazer e do conforto pessoal. Há por isso uma falta de apoio e suporte
entre as pessoas e a visão de que elas devem resolver seus problemas por contra própria. Po-
der e posses materiais motivam os indivíduos. Com relação ao ambiente organizacional, nos
países com baixa orientação humana o controle social é baseado em práticas burocráticas e as
práticas organizacionais derivam de considerações padronizadas – para todos da mesma for-
ma. Os relacionamentos são formais e os indivíduos preferem realizar o trabalho individual-
mente e não em grupo.
Relacionamentos ou tarefas? – Um importante grupo de pressupostos está relacionado à
importância dos relacionamentos versus a realização das tarefas e atividades. Há culturas que
focam os relacionamentos e aquelas que focam as atividades e tarefas. Para as primeiras, co-
mo as latino-americanas, asiáticas e culturas do oriente médio, os relacionamentos são mais
importantes. Os negócios são realizados com pessoas que se conhece, ou seja, é preciso esta-
belecer um relacionamento pessoal antes que negócios sejam feitos. O controle dos emprega-
dos também é feito via relacionamentos informais. A necessidade de se estabelecer um rela-
cionamento pessoal para que negócios sejam feitos e atividades sejam realizadas é algo tido
como garantido. Em culturas latino-americanas os familiares e amigos do indivíduo são colo-
38
cados como prioridade e precedem todos os aspectos restantes. As regras nessas culturas não
se aplicam a todos de maneira igualitária. Nesse sentido essas culturas são denominadas parti-
cularistas. De modo contrário, aquelas culturas em que as regras valem para todos igualmente
são denominadas universalistas (Schneider e Barsoux, 2003; Trompenaars, 1993).
Coletivo ou individual? – O relacionamento entre os indivíduos em diferentes culturas tam-
bém varia em função da importância que se coloca no indivíduo ou na coletividade. Há cultu-
ras em que o indivíduo é mais importante que o grupo e há culturas em que o inverso acontece
(Trompenaars, 1993). Nas culturas coletivistas os interesses do grupo prevalecem sobre os
interesses individuais e os indivíduos, desde o nascimento, são integrados em grupos coesos e
fortes, que o protegeriam durante sua vida. Em troca o indivíduo oferece sua lealdade ao gru-
po. Em função dessa relação, nessas sociedades a busca por um relacionamento harmonioso
entre as pessoas prevalece frente a situações de conflito, ou seja, situações de confrontos são
evitadas. O indivíduo age, muitas vezes, de acordo com os interesses do grupo que podem não
coincidir com os seus próprios. O relacionamento entre empregador e empregado é visto em
termos morais e se assemelha a um relacionamento familiar com obrigações mútuas de prote-
ção em troca de lealdade. Uma performance ruim dos indivíduos não leva necessariamente à
demissão, pois a organização não manda embora seus “filhos”. Nessas culturas há uma grande
distinção entre o grupo a que se pertence e o grupo dos outros e por isso, tratar melhor as pes-
soas do mesmo grupo é algo natural e ético. Nesse sentido, para essas sociedades é importante
que se desenvolva uma relação de confiança entre as pessoas para que se possa fazer negó-
cios. Em suma, nas sociedades coletivistas o relacionamento pessoal prevalece sobre as tare-
fas (Hofstede, 1997, 2001; House et al, 2004).
Nas culturas individualistas os interesses individuais se sobrepõem aos coletivos e os laços
entre os indivíduos são fracos. Espera-se que as pessoas cuidem de si mesmas e da família
imediata e que ajam de acordo com seus interesses próprios. O trabalho, por sua vez, seria
organizado de maneira tal que os interesses pessoais devem coincidir com os interesses da
organização. O relacionamento entre empregador e empregado é concebido como uma transa-
ção de negócios e a contratação de parentes não é desejada, pois poderia levar ao nepotismo e
ao conflito de interesses. Uma performance ruim por parte do indivíduo ou uma oferta melhor
por parte de outro empregador constituem motivos legítimos para finalizar uma relação de
trabalho. Nessas culturas a tarefa prevalece sobre os relacionamentos (Hofstede, 1997, 2001;
House et al, 2004).
39
Desigualdade de poder e hierarquia – Os pressupostos que regem os relacionamentos entre
as pessoas também se refletem no quanto a hierarquia é considerada instrumento importante
no regimento das relações que se estabelecem. A dimensão distância de poder de Hofstede
(1997, 2001) reflete essa questão da existência de desigualdades entre as pessoas. A distância
de poder, segundo este autor, pode ser definida como “o quanto os membros menos poderosos
de organizações ou instituições dentro de um país esperam e aceitam que o poder seja distri-
buído de maneira desigual”. Em situações de grande distância de poder, superiores e subordi-
nados se consideram desiguais e o sistema hierárquico baseia-se nessa percepção de desigual-
dade. As organizações em países com essa característica centralizam o poder em poucas mãos
evidenciando a importância dada aos sinais de status e à autoridade dos superiores. O compor-
tamento de subordinados é passivo na medida em que eles esperam que lhes seja dito o que
fazer ao mesmo tempo em que existem muitas pessoas supervisionando o trabalho a ser reali-
zado. A diferença salarial seria grande entre as diversas camadas que compõem a hierarquia
organizacional e o contato entre superiores e subordinados deve ser iniciado unicamente pelos
superiores. Estes seriam ainda privilegiados e possuiriam regras exclusivas. O chefe ideal aos
olhos dos subordinados seria um benevolente autocrático ou um “bom pai”. Por fim, os rela-
cionamentos entre superiores e subordinados em organizações com grande distância de poder
são carregados de emoção (Hofstede, 1997, 2001; House et al, 2004).
Cuidar das pessoas ou do negócio? – Culturas nacionais também diferem quanto ao grau de
importância que atribuem ao cuidado com as pessoas versus cuidado com o negócio. Essa
diferenciação reflete as dimensões feminilidade versus masculinidade de Hofstede (1997,
2001). Nas culturas em que predominam valores masculinos, grande importância é dada às
oportunidades de ganhos significativos, ao reconhecimento pelo bom trabalho, às oportunida-
des de avanços na carreira e a trabalhos desafiantes dos quais os indivíduos consigam obter
um senso de realização. Nessas sociedades, o conflito se resolve por uma boa briga, seria pre-
valecente a idéia de “viver para trabalhar” e não a de “trabalhar para viver”. A assertividade, a
ambição, a competição, a capacidade de decisão, a agressividade e a orientação a resultados
ou à performance constituem valores direcionadores de ações nas culturas masculinas (Hofs-
tede, 1997, 2001; House et al, 2004).
Nas culturas em que valores femininos predominam grande importância é dada ao bom rela-
cionamento com os superiores, à cooperação para realização das tarefas e à segurança e esta-
bilidade no trabalho. Essas culturas valorizam a modéstia e a solidariedade e as organizações
40
pagariam os funcionários com base em idéias de igualdade entre os indivíduos. Nessas cultu-
ras a atuação de um indivíduo como profissional deve oferecer oportunidades de ajuda mútua
e de contatos sociais. Um gestor em uma cultura mais feminina procura atuar de maneira mais
intuitiva do que decisiva e estaria acostumado a buscar consenso revelando uma preferência
pela resolução de conflitos por meio de negociações e promessas. A idéia de “trabalhar para
viver” prevalece sobre “viver para trabalhar” (Hofstede, 1997, 2001; House et al, 2004).
Orientação à performance – Seguindo a linha de pensamento da diferenciação das culturas
nacionais em termos de maior ou menor grau de preocupação com o negócio ou com as pes-
soas, Javidan (2004) destaca que culturas nacionais podem se diferenciar também com relação
ao maior ou menor grau de orientação à performance que possuem. A orientação à perfor-
mance, segundo ele, seria o grau em que uma organização ou sociedade encoraja e recompen-
sa um grupo de indivíduos por melhorias em performance e excelência. Por um lado, culturas
com alta orientação à performance valorizam os resultados, a assertividade, a competitividade
e o materialismo e está orientada ao fazer. A ênfase está muito mais nos resultados dos que
nas pessoas. São culturas que valorizam e recompensam a tomada de iniciativa e os resultados
individuais e premiam por meio de mecanismos como bônus e recompensas financeiras. O
valor premiado é aquele relacionado àquilo que é feito e não aquilo que se é. A linguagem é
de baixo contexto – colocações diretas e explícitas – a orientação com relação ao tempo é
monocrônica e o senso de urgência é alto.
Por outro lado, as culturas com baixa orientação à performance valorizam os relacionamentos
sociais e familiares, a simpatia, a tradição, a cooperação e possuem grande respeito pela qua-
lidade de vida. Ênfase também é colocada na lealdade entre as pessoas, no senso de pertenci-
mento e na harmonia com o ambiente. Essas culturas encaram a assertividade como social-
mente inaceitável, consideram a motivação pelo dinheiro inapropriada e o pagamento por mé-
rito como possibilidade de destruição da harmonia. A competição é associada à derrota e a
punições. Maior valorização é dada àquilo que se é do que àquilo que se faz. A linguagem é
de alto contexto – comunicação ambígua e sutil – e a orientação ao tempo policrônica.
41
2.2.3 Pressupostos de conexão
Considerações com relação ao tempo, espaço e linguagem – Diferentes culturas possuem
pressupostos distintos com relação à utilização do espaço, do tempo e da linguagem. As dife-
renças relacionadas ao espaço dizem respeito tanto ao espaço físico – arquitetura e design de
interiores, por exemplo – quanto aos espaços pessoal e público. Os pressupostos relacionados
ao espaço pessoal definem a natureza e o grau de aproximação e envolvimento estabelecido
entre os indivíduos. Expressam-se por meio de artefatos como utilização de títulos formais
para relacionamento entre indivíduos e na escolha e definição daquilo que pode ou não ser
discutido e de que maneira, isto é, definem o que pode ser dito e o que deve ser velado.
Os pressupostos com relação ao tempo são discutidos por Hall (1959, 1960, 1977). Segundo
ele, as culturas se dividem em monocrônicas e policrônicas. No primeiro caso, o tempo é visto
como um elemento limitado, isto é, é tido como algo finito que é utilizado e gasto. Gestores
de culturas monocrônicas tendem a ser pontuais e a gastar o tempo de maneira produtiva. Para
gestores de culturas policrônicas, como as latino-americanas, o tempo é tido como ilimitado,
pode ser expandido para agregar todas as atividades que devem ser realizadas e diversas ativi-
dades podem ser realizadas simultaneamente. As reuniões neste caso tendem a ser mais frag-
mentadas, repletas de interrupções e de diversos assuntos sendo discutidos simultaneamente.
Isso reflete a importância das relações entre as pessoas nas culturas policrônicas em contra-
partida a uma orientação para as tarefas nas monocrônicas.
Hall (1959, 1960, 1977) também diferencia as culturas em relação à linguagem. Faz distinção
entre culturas de baixo e de alto contexto. Nas culturas de baixo contexto, as comunicações
são geralmente diretas, claras e explícitas. Os indivíduos ou as situações não são relevantes
para o discurso. Todos devem entender a mensagem e possuir acesso a ela. Por outro lado, nas
culturas de alto contexto, a comunicação depende fortemente dos indivíduos e das situações.
A informação é compartilhada entre os indivíduos, no entanto, alguns possuem informações
privilegiadas. Muito é comunicado por meio daquilo que não é dito. A capacidade de “ler” a
comunicação não verbal e a linguagem corporal nessas culturas é algo fundamental. Ambi-
güidades e sutilezas na comunicação são valorizadas e esperadas.
42
Quadro 5: Concepções de Hall acerca do tempo
Comportamento Culturas monocrônicas Culturas policrônicas
Relações inter-pessoais
Relações inter-pessoais estão subor-
dinadas à agenda que se possui
A agenda que se possui está
subordinada às relações inter-
pessoais
Coordenação
das atividades
A agenda coordena as atividades; os
horários são rígidos
As relações inter-pessoais coor-
denam as atividades; os horários
são flexíveis
Realização das tarefas
Uma tarefa de cada vez Diversas tarefas são realizadas
simultaneamente
Pausas e tempo pessoal
Pausas e o tempo pessoal são algo
sagrado e independem dos laços
pessoais
Pausas e o tempo pessoal são
subordinados aos laços pessoais
Estrutura do tempo
O tempo é inflexível; tempo é algo
tangível
O tempo é flexível; tempo é
fluido
Separação entre o tempo
no trabalho e o tempo
para aspectos pessoais
O tempo no trabalho é claramente
separado do tempo para aspectos
pessoais
O tempo no trabalho não é cla-
ramente separado do tempo para
aspectos pessoais
Percepção
da organização
As atividades são isoladas da orga-
nização como um todo e são medi-
das pelo resultado no tempo (ativi-
dade por hora ou minuto)
As atividades estão integradas na
organização como um todo e são
medidas como parte das metas
organizacionais
Fonte: Adaptado de Hall (1959, 1960, 1977).
Considerações sobre as diferenças com relação à utilização do tempo também são feitas por
Hosftede (1997, 2001). Segundo ele, as culturas nacionais podem ser mais voltadas ao longo
ou ao curto prazo. Aquelas com orientação para o longo prazo são culturas com as seguintes
características principais: grande persistência e tenacidade na perseguição de metas, os rela-
cionamentos entre as pessoas são ordenados pelos status, isto é, há um senso intenso de hie-
rarquia, é evidente o cuidado com aspectos materiais e com a conseqüente disponibilidade
para investimentos e o senso de respeito dos indivíduos uns pelos outros é grande. As culturas
mais voltadas ao curto prazo tendem a dar mais valor ao respeito pela tradição, à reciprocida-
de de favores e presentes e à estabilidade pessoal. Nessas culturas, resultados rápidos seriam
esperados. É preciso ressaltar aqui que os critérios para as definições de Hosftede de orienta-
ção ao longo ou ao curto prazo diferem daqueles comumente utilizados, do “senso comum”.
Ashkanasy (2004) trabalha com a idéia de maior ou menor grau de orientação ao futuro. Suas
considerações tangenciam as de Hofstede (1997, 2001), mas são conceitualmente diferentes.
Ele define orientação ao futuro como o grau em que indivíduos em organizações ou socieda-
des se engajam em comportamentos orientados ao futuro como realização de planejamentos e
investimentos e grau em que conseguem adiar gratificações coletivas ou individuais. Neste
sentido, as culturas mais orientadas ao futuro possuem maior propensão a poupar e a gastar no
futuro. Possuem organizações com orientação estratégica de longo prazo e indivíduos mais
43
motivados intrinsecamente. Valorizam o sucesso a longo prazo e lideranças visionárias. As
culturas menos orientadas ao futuro mostram propensão a gastar imediatamente e a não pou-
par para o futuro. As organizações possuem orientação estratégica de curto prazo e indivíduos
menos motivados intrinsecamente. Atribuem grande valor ao sucesso e ganhos de curto prazo
e estão focadas em lideranças que repetem e reproduzem rotinas.
2.2.4 O posicionamento do Brasil como cultura nacional
A partir da apresentação conceitual realizada na seção anterior será colocado a seguir o posi-
cionamento do Brasil com relação aos principais pressupostos culturais que distinguem as
culturas das nações. Nesse sentido, será apontado, com base nas conceituações dos autores
citados acima, como o Brasil se posiciona com relação aos seguintes aspectos: importância e
distribuição do poder, importância atribuída ao grupo versus ao indivíduo, relacionamento
com a natureza e com as incertezas do ambiente, importância das pessoas versus do negócio e
a orientação que se possui com relação ao tempo.
O Brasil pode ser compreendido segundo Hofstede (1997, 2001) e House et al (2004), como
um país em que a desigualdade de poder entre os indivíduos é grande. Ela se expressa no ele-
vado grau de hierarquização da sociedade colocando indivíduos com menos poder em uma
relação de dependência dos mais poderosos. A desigualdade de poder é esperada na sociedade
e centraliza o poder nas mãos de poucos. Cria-se a partir daí uma situação em que o tipo de
superior esperado nas relações sociais e profissionais é um tipo autocrata benevolente, um
indivíduo que mais se assemelha a um “bom pai”. Nesse sentido, uma dose grande de autori-
dade, poder e status é colocada nessa figura que possui também diversos privilégios e regras
exclusivas. Essa distância existente entre superior e subordinado revela, por outro lado, su-
bordinados passivos que esperam que lhes seja dito o que fazer.
Hofstede (1997, 2001) e House et al (2004) também apontam o Brasil como um país em que
predomina a tendência ao coletivismo. A necessidade de pertencimento a grupos é forte, os
grupos possuem a função de proteger o indivíduo e o indivíduo deve a eles sua lealdade. Por
isso, os conflitos são evitados e a harmonia perseguida. O relacionamento entre empregado e
empregador é percebido como um vínculo “de família”, motivo pelo qual as contratações e
44
promoções são realizadas, por vezes, levando-se em consideração o grupo ao qual o indivíduo
pertence. Há, nesse sentido, uma grande distinção entre o grupo a que se pertence e o grupo
dos outros. Por isso, as relações entre as pessoas devem ser de caráter pessoal e de confiança,
principalmente para realização de negócios. A importância das relações é tão grande que aca-
ba, por vezes, prevalecendo sobre as tarefas.
No Brasil, segundo os mesmos autores acima, é alta a necessidade de evitar incertezas. Estas
são vistas como ameaças que devem ser combatidas. Para isso, há grande necessidade de re-
gras e procedimentos como garantia de maior grau de controle e previsibilidade nas ações e
situações. Os indivíduos são motivados pela segurança e pelo senso de pertencimento, possu-
em a necessidade estar sempre ocupados e possuem uma pressão interna para o trabalhar duro.
A grande quantidade de regras e procedimentos que visam aumentar o grau de controle e pre-
visibilidade nas ações e situações acaba por atuar como algo inibidor de inovações.
O Brasil encontra-se nos estudos de Hofstede (1997, 2001) em uma posição intermediária
entre valores femininos e masculinos, mas apresenta leve predominância de características
típicas da feminilidade (Urdan e Urdan, 2001; Alcadipani e Crubellate, 2003). Neste caso os
valores dominantes são os de cuidado com o próximo e as pessoas, os relacionamentos com o
próximo e com os superiores constituem elementos importantes. Espera-se que os indivíduos
sejam modestos, solidários e não agressivos. Os gestores atuam utilizando muito a intuição e
buscando o consenso. O foco dessas culturas está mais na igualdade entre indivíduos, na soli-
dariedade e na qualidade de vida do que nos resultados do negócio. Elementos como a asser-
tividade, a agressividade, a competição, a ambição e a preocupação com resultados e perfor-
mance estariam em segundo plano. Nesse sentido, a orientação à performance no Brasil tam-
bém tenderia a ser baixa (Javidan, 2004). A cultura nacional tenderia a valorizar mais os rela-
cionamentos familiares e sociais, a lealdade, o senso de pertencimento, a senioridade e a expe-
riência, a harmonia com o ambiente, a cooperação entre os indivíduos, a tradição e a simpatia
e a comunicação ambígua e sutil (alto contexto) valorizando mais aquilo que se é do que aqui-
lo que se faz. A abordagem com relação ao tempo é policrônica e o senso de urgência é redu-
zido. A assertividade tende a ser socialmente inaceitável e a motivação pelo dinheiro inapro-
priada.
Kabasal e Bodur (2004) investigam a dimensão que denominaram orientação humana e suge-
rem que o Brasil é um dos países com menor orientação humana de acordo com as definições
45
que fizeram da dimensão. Isso significa que, na concepção desses autores, no Brasil os inte-
resses próprios são muito importantes assim como a valorização do prazer, do conforto, do
poder e das possessões materiais. Essas últimas constituem fortes motivadores dos indivíduos.
Há falta de apoio e suporte aos outros e espera-se que as pessoas resolvam seus problemas
pessoais por conta própria. Nas organizações que atuam no Brasil, as relações seriam formais,
o controle social feito por meio de regras burocráticas, o foco principal seria a responsabilida-
de social e os indivíduos dariam preferência à realização do trabalho de maneira individual e
não em grupo.
A orientação para o longo prazo seria outro traço do Brasil segundo Hosftede (1997, 2001).
Esta constitui uma dimensão que remete por um lado às questões materiais como a tendência
à persistência e tenacidade dos indivíduos na perseguição de suas metas e cuidados com as-
pectos materiais e investimentos. Por outro lado, essa concepção de orientação a longo prazo
sugere uma cultura fortemente hierarquizada em que os relacionamentos são ordenados pelo
status que se possui, mas que ao mesmo tempo possui um senso de respeito dos indivíduos
uns pelos outros.
Ashkanasy (2004), no entanto, também trabalha com a idéia de orientação ao futuro e sugere
que o Brasil se encontra em uma posição intermediária com relação a esse elemento, mas que
tende à baixa orientação ao futuro. De acordo com a conceituação de orientação ao futuro que
desenvolveu, o Brasil seria uma nação com propensão a gastar e não a poupar, cujas organiza-
ções possuem uma orientação estratégica de curto prazo, com indivíduos menos motivados
intrinsecamente e que valorizam o sucesso e ganhos imediatos. As lideranças no Brasil atuari-
am preponderantemente na repetição e reprodução de rotinas de trabalho.
Em suma, o Brasil pode ser compreendido como um país com uma cultura nacional de eleva-
da distância de poder, com comportamentos mais coletivistas do que individualistas e com
alta tendência a evitar incerteza. Há leve predominância de atitudes características de socieda-
des femininas com baixa orientação à performance. O Brasil é orientado ao longo prazo pelas
conceituações de Hofstede (1997, 2001), mas possui baixa orientação ao futuro de acordo
com as definições de Ashkanasy (2004). A orientação humana é baixa (Kabasal e Bodur,
2004), a abordagem com relação ao tempo é policrônica e a linguagem é de alto contexto.
46
2.3 Estudos para caracterização da cultura organizacional brasileira
2.3.1 Cultura e organizações no Brasil – Principais estudos
A literatura acadêmica nacional sobre traços culturais brasileiros dentro do campo de estudos
organizacionais revela diversos autores que buscaram investigar, compreender e analisar os
principais traços ou características da cultura brasileira na gestão das organizações no Brasil.
Os principais trabalhos de autoria de estudiosos brasileiros sobre o tema da cultura brasileira
nas organizações no país foram produzidos na década de noventa (Alcadipani e Crubellate,
2003). Entre os principais estudos podem ser citados os trabalhos de Prestes Motta e Caldas
(1997), Freitas (1997), Barros e Prates (1996), Davel e Vasconcelos (1997), Costa (1997),
Vergara, Moraes e Palmeira (1997), Prestes Motta e Alcadipani (1999), Matheus (1997), Da-
Matta (1991), Prestes Motta (1996), Wood e Caldas (1998), Caldas (1997), Motta, Alcadipani
e Bresler (2001) e Aidar, Brizola, Prestes Motta e Wood Jr. (1995).
Um dos principais estudos que buscou investigar a relação entre cultura brasileira e a forma
como a gestão é praticada nas organizações no Brasil foi o trabalho de Barros e Prates (1996).
Para realização do estudo, os autores conduziram uma pesquisa quantitativa – por meio do
preenchimento de questionários – com 2.500 executivos de 520 organizações de grande e mé-
dio porte no sul e sudeste do Brasil. Tomando como base os estudos de tradicionais autores da
cultura brasileira como Roberto DaMatta e Lívia Barbosa e a temática de culturas nacionais
por meio dos estudos de Hofstede os autores propõem um modelo de ação cultural brasileiro.
Este estaria estruturado em quatro grandes subsistemas: o institucional, o pessoal, o dos líde-
res e o dos liderados. Esses subsistemas apresentariam intersecções entre si e nessas intersec-
ções seriam encontrados os traços culturais brasileiros na gestão das organizações no país. As
quatro intersecções resultariam nos traços concentração de poder, personalismo, postura de
expectador e necessidade de evitar conflitos. Traços especiais também articulariam os subsis-
temas e, em última análise, seriam responsáveis pela não ruptura do sistema como um todo.
Seriam eles o paternalismo, a lealdade às pessoas, o formalismo, a flexibilidade e a impunida-
de.
47
Outros autores que discorreram sobre o tema também constituem importantes referências na
área. Freitas (1997) realiza uma pesquisa bibliográfica das obras de autores clássicos como
Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Junior e Roberto DaMatta e delineia
traços da cultura organizacional brasileira como hierarquia, personalismo, paternalismo, ma-
landragem, jeitinho, sensualismo e aventureiro. Tece também comentários sobre a pluralida-
de, heterogeneidade e diversidade como características culturais brasileiras. Davel e Vascon-
celos (1997) fazem uma reflexão histórica sobre a dimensão paterna nas relações de trabalho
nas organizações no Brasil. Lucirton Costa (1997) faz um estudo de caso baseado em entre-
vistas e pesquisa bibliográfica em uma torcida de futebol identificando o homem cordial e a
organização cordial como características específicas das organizações no país. Vergara, Mo-
raes e Palmeira (1997) buscam revelar as características particulares da administração de uma
escola de samba, organização que consideram ser típica no país. Prestes Motta e Alcadipani
(1999), por meio de uma pesquisa bibliográfica discutem o jeitinho brasileiro nas organiza-
ções no Brasil. DaMatta (1991) faz reflexões sobre o jeitinho e a malandragem e Matheus
(1997) realiza uma reflexão sobre o imaginário da lei no país. Prestes Motta (1996) também
recorre a autores clássicos da cultura brasileira para refletir sobre as organizações no Brasil e
Wood e Caldas (1998), Caldas (1997) e Prestes Motta, Alcadipani e Bresler (2001) discorrem
sobre a relação do brasileiro com o estrangeiro.
A seguir discorre-se sobre os principais traços da cultura brasileira na gestão das organizações
no Brasil segundo os principais estudos acima citados agrupados por similaridades.
Distância de poder – Com o propósito de reforçar a discussão sobre a indiferença que a clas-
se dominante demonstra pelos “miseráveis”, Prestes Motta (1996) recobra a noção da elevada
distância social que existiria no país desde os tempos do Brasil Colônia. Para isso, busca em
Buarque de Holanda as noções da cultura de engenho. Recorda que a base da cultura brasilei-
ra teria sido o engenho e o decorrente binômio da casa grande e senzala. O senhor de engenho
teria sido uma figura absoluta em seus domínios, administrando suas terras, família e escra-
vos. A distância social entre senhores e escravos teria sido tão grande ao longo da formação
histórica e social do país que poderia explicar a pouca noção de igualdade entre os extratos
sociais no Brasil ainda hoje.
A pouca noção de igualdade na sociedade brasileira reflete-se na grande desigualdade de po-
der existente entre os grupos sociais no país. Para discorrer sobre o traço da concentração de
48
poder na cultura brasileira, Barros e Prates (1996) recorrem à descrição dos regimes políticos
que existiram no país desde a época da monarquia. Os autores procuram acentuar que a histó-
ria do Brasil revela um país que utilizou no decorrer de sua formação instrumentos como a
força militar e argumentos racionais-legais para moldar uma sociedade baseada na autoridade
e na concentração de poder que levariam à predominância de relações fortemente baseadas na
hierarquia e na subordinação.
O traço da hierarquia também é destacado por Freitas (1997) ao propor alguns traços culturais
que poderiam caracterizar a “alma brasileira” e que permeariam as organizações no Brasil.
Segundo ele, o traço da hierarquia seria caracterizado pela tendência à centralização do poder
dentro dos grupos sociais, pelo distanciamento das relações entre diferentes grupos sociais e
pela passividade e aceitação dessa situação pelos grupos inferiores.
Postura de expectador – Barros e Prates (1996) argumentam que o Brasil carregaria em sua
formação o gosto pelo mandonismo, pelo protecionismo e pela dependência. Haveria uma
falta histórica de processos de diálogo: a comunicação teria sido tradicionalmente feita por
meio de “comunicados” ao povo, o que pode ter resultado não somente na falta de respostas e
de argumentações, mas na falta de senso crítico. A postura de expectador seria caracterizada
pelo mutismo, pela baixa capacidade crítica e pela baixa capacidade de iniciativa, de realiza-
ção por autodeterminação e pela constante transferência de responsabilidade para as autorida-
des.
Personalismo – O traço do personalismo teria surgido no país em função do poder que os
indivíduos desenvolvem a partir das conexões que possuem e não de suas capacidades e espe-
cializações técnicas. A rede de amigos e parentes constitui no Brasil caminho certo e impor-
tante para a resolução de problemas que o indivíduo possui e para a obtenção de privilégios. A
ausência de relações familiares é percebida como algo negativo no país. Por esses motivos, os
laços que os indivíduos desenvolvem entre si são considerados algo extremamente importante
e valorizado e os indivíduos costumam desenvolver relacionamentos próximos e estreitos com
os grupos a que pertencem. Esses laços estreitos se aproximam de uma relação familiar e o
grupo é percebido muitas vezes como extensão da família. Nesse sentido, o grupo deve prote-
ger seus integrantes e cada um deve se preocupar com as necessidades do grupo (Barros e
Prates, 1996; Freitas, 1997; Prestes Motta, 1996).
49
Dentro dessa idéia, o grande valor atribuído à pessoa e à “pessoalidade” é destacado e enfati-
zado por Prestes Motta e Alcadipani (1999). Os autores sugerem que a pessoalidade é um
traço tão forte na cultura brasileira que conduz a situações em que os interesses pessoais mui-
tas vezes suplantam os interesses da coletividade. Ou seja, a pessoalidade refere-se à noção de
que aquilo que é pessoal e íntimo deve ser, por vezes, colocado acima dos interesses da cole-
tividade.
Paternalismo – Para Barros e Prates (1996) a combinação entre a concentração de poder e o
personalismo levaria ao paternalismo. Apoiando-se na formação histórica do país, principal-
mente na idéia de que o patriarca tudo poderia e que ao restante dos indivíduos só restaria
obedecer, os autores descrevem o traço do paternalismo a partir dos elementos patriarcalismo
e patrimonialismo. O primeiro diria respeito à postura supridora e afetiva do pai que atende
àquilo que os membros do grupo esperam dele e o segundo refere-se à postura hierárquica e
absoluta do pai que imporia sua vontade ao grupo com a aceitação deste último. Ou seja, o
paternalismo sugere uma relação em que o pai (superior) ao mesmo em que controla o subor-
dinado e dirige ordens a ele (relação econômica) também o agrada e protege (relação pessoal)
(Freitas, 1997). Nesse sentido, estabelece-se uma relação de dependência entre líderes e lide-
rados, com aceitação mútua dessa situação (Barros e Prates, 1996).
Davel e Vasconcelos (1997) também discutem o traço do paternalismo fazendo para isso uma
reflexão histórica sobre a dimensão paterna nas relações de trabalho. Recorrem a característi-
cas do passado colonial e do processo de industrialização do país para retratar um sistema
empresarial brasileiro centrado na figura do pai-patrão e discutem (i) a forte presença do co-
lonizador no país por meio da imposição de sua cultura devido à ausência de um povo com
demandas de cidadania (ii) a presença no país de uma lógica de dominação, de hierarquia so-
cial e de exploração do trabalhador (iii) o processo de socialização porque passou a sociedade
brasileira que favoreceu atitudes como a ausência de respeito por tudo o que é popular (iv) o
corte social profundo existente entre as elites e o povo e (v) o desenvolvimento de um tipo de
estrutura familiar autoritária e centralizada na figura paterna.
Os autores discutem como o processo de industrialização brasileiro influenciou a construção
de um modelo organizacional centrado na figura do pai-patrão. Comentam que nos tempos da
industrialização promovida por Getúlio Vargas constituiu-se no país uma ambigüidade clara:
a vivência de um momento de modernidade material e tecnológica, mas que tinha como motor
50
trabalhadores presos a um imaginário social cujos núcleos centrais ainda eram compostos pela
figura paterna plena de autoridade e poder. Ou seja, a estrutura familiar do tipo patriarcal que
se consolidou ao longo da história do país teria sustentado uma hierarquia do tipo piramidal
em que o poder se fazia exercer por meio de ordens e por meio de um sistema disciplinar rígi-
do destinado a produzir docilidade, submissão, obediência e respeito à autoridade.
Em suma, o paternalismo se configuraria uma estratégia efetiva de controle dos indivíduos na
medida em que combinaria na figura do patrão as virtudes da autoridade e da firmeza com a
cordialidade e a generosidade. Este estilo paternalista de gestão procuraria promover um cli-
ma agradável de camaradagem, cooperação e solidariedade operando por meio de uma troca:
um relacionamento direto e próximo dos líderes com os empregado - incluindo a distribuição
de ajuda e de favores – e a mediação em situações conflituosas, conseguindo como contrapar-
tida a lealdade e a gratidão do empregado (Davel e Vasconcelos, 1997).
Formalismo – Para Barros e Prates (1996), o formalismo seria resultante da forma como as
sociedades lidam com a incerteza. Por meio de leis, regras formais e instituições busca-se
proteção contra a imprevisibilidade do comportamento humano e da natureza. Opiniões di-
vergentes e controversas procuram ser eliminadas por meio das regras formais. No Brasil, a
forma típica para controle das incertezas se traduz na grande quantidade de leis, regras e nor-
mas que regem a sociedade e as organizações. É preciso ressaltar, no entanto, que muitas ve-
zes, essas leis e regras que regeriam as condutas e comportamentos sociais não levam em con-
sideração variáveis sócio-culturais específicas que impedem sua execução como formuladas.
Isso possibilita a existência de canais extralegais aceitos como regulares e normais pela cons-
ciência coletiva que permitem a superação do peneiramento social muitas vezes por elas im-
posto.
Uma outra visão sobre o formalismo é discutida por Prestes Motta e Alcadipani (1999). Com
base em Prado, os autores definem o formalismo como a discrepância entre a conduta concre-
ta e as normas que pretendem regular tal conduta, característica que teria estado presente no
Brasil desde os tempos da colônia. Os autores argumentam que o desrespeito às leis de dentro
de uma determinada sociedade gera uma desconfiança generalizada a respeito da validade das
leis dessa sociedade. E, nesse sentido, reforçam que o formalismo poderia ser apontado como
raiz estrutural do jeitinho brasileiro.
51
Jeitinho – Prestes Motta e Alcadipani (1999), por meio de uma pesquisa bibliográfica discu-
tem também o jeitinho brasileiro nas organizações no país apontando suas origens históricas,
seus condicionantes culturais e suas conseqüências para as organizações. Para eles o jeitinho
brasileiro derivaria do formalismo, seria a forma de um indivíduo atingir objetivos a despeito
de determinações contrárias como leis, normas, regras e ordens e funcionaria como uma vál-
vula de escape individual e específica diante de imposições e determinações universais.
A questão da possibilidade do indivíduo de atingir objetivos a despeito de determinações con-
trárias como leis, regras e normas conduz à noção da falta de crédito e representatividade das
leis no Brasil e da penetração do jeitinho nas ações sociais. Segundo Matheus (1997), o jeiti-
nho seria a incoerência entre as leis e os hábitos e costumes do povo brasileiro. Seria a manei-
ra original que o brasileiro possuiria de harmonizar a regras jurídicas e as práticas da vida
diária. As leis no Brasil, uma vez desmoralizadas, abririam espaço para outras leis, como a lei
do mais forte e do salve-se quem puder. Para Barbosa (1992), no Brasil, a lei e a norma não
implicariam barreiras definitivas e irrevogáveis para o desejo e comportamento das pessoas. O
“não” poderia significar, por vezes, um “talvez” e quem sabe um “sim”.
Para DaMatta (1991) a lei no Brasil significaria o “não pode” formal, capaz de tirar todos os
prazeres e desmanchar todos os projetos e iniciativas. A regulamentação diária no Brasil seria
a regulamentação do “não pode”, submetendo o cidadão ao Estado. Nessa situação, segundo
ele, o brasileiro acabaria escolhendo a junção do “pode” com o “não pode” e essa junção pro-
duziria todos os tipos de jeitinhos que possibilitariam ao indivíduo operar em um sistema le-
gal que pouco refletiria a realidade social do país. O jeitinho indicaria a possibilidade de jun-
tar um problema pessoal com um impessoal e revelaria um combate entre as leis que valeriam
para todos e as relações, que funcionariam para quem as possui. O embate se daria entre o
indivíduo – sujeito das leis universais – e a pessoa – sujeito das relações sociais.
Malandragem – A partir da caracterização do jeitinho, DaMatta (1991) faz uma reflexão
também a respeito da malandragem – outra forma de navegação social – que, segundo ele,
faria o mesmo que o jeitinho. O malandro seria um profissional do jeitinho e da arte de sobre-
viver nas situações difíceis. A malandragem não constituiria somente um tipo de ação concre-
ta situada entre a lei e a plena desonestidade, seria uma possibilidade de proceder socialmente,
um modo tipicamente brasileiro de cumprir ordens absurdas, uma forma ou um estilo de con-
ciliar ordens impossíveis de serem cumpridas com situações específicas. O autor caracteriza a
52
malandragem como um modo de viver e, por vezes, de sobreviver num sistema em que as leis
formais de vida pública pouco ou nada estariam alinhadas às boas regras da moralidade cos-
tumeira dos indivíduos no país. Apesar do jeitinho e da malandragem serem conceitos próxi-
mos, eles seriam elementos diferentes (Prestes Motta, 1996). A malandragem implicaria uma
predisposição para se tirar alguma vantagem, para se passar para trás ou para eventualmente
se enganar, enquanto que o jeitinho não abarcaria essas características.
Impunidade – O traço da impunidade relaciona-se com o jeitinho e a malandragem e traz à
tona a situação em que a lei só existiria para os indiferentes e onde os direitos individuais se-
riam monopólio de poucos. Traz também a questão da transformação em heróis daqueles que
obtém um resultado positivo na transgressão das leis. A transgressão seria encarada como
uma vitória contra os líderes atuais e não como uma derrota do sistema racional-legal. O prê-
mio para esses heróis seria a impunidade (Barros e Prates, 1996).
Lealdade às pessoas – Barros e Prates (1996) sugerem que a atração pessoal constituiria o
elemento mais forte de coesão social no Brasil sendo que a coesão social estaria fortemente
relacionada à lealdade às pessoas. Nesse sentido, o membro de um grupo atribuiria maior va-
lor às necessidades do líder e de outras pessoas do grupo ao qual pertence do que ao sistema
maior no qual está inserido. A figura do líder assume grande importância para a manutenção
da coesão do grupo sendo que este dificilmente funcionaria sem sua constante presença. Nele
é depositada toda confiança. Nesse sentido, o trabalho por autodeterminação e por obrigação
consigo mesmo estariam prejudicados.
Cordialidade – Com intuito de verificar possíveis peculiaridades de organizações tipicamente
brasileiras, Costa (1997) faz um estudo de caso baseado em entrevistas e pesquisa bibliográfi-
ca em uma torcida de futebol. A análise da torcida de futebol permitiu o desenvolvimento da
noção de homem cordial e de organização cordial. O homem cordial seria o protótipo do ho-
mem brasileiro, fruto da contradição existente entre traços da sociedade patriarcal herdada do
período colonial e o capitalismo moderno. O homem cordial não pressuporia bondade, mas
sim a existência do predomínio de comportamentos de aparência afetiva, inclusive de mani-
festações externas, mas não necessariamente sinceros ou profundos. O homem cordial seria
inadequado às relações impessoais que decorrem da função e da posição do indivíduo na or-
ganização e que permeiam as relações nas organizações no Brasil. A organização cordial, por
53
sua vez, seria o tipo de organização que utilizaria como lógica predominante para tomada de
decisão e definição de ações aquela de cunho emocional e emotivo.
Evitar conflito – Dado o alto grau de lealdade dos indivíduos à figura do líder e aos outros
integrantes do grupo e da sedução afetiva do líder com relação aos liderados na tentativa de
harmonizar o grupo, dificilmente criam-se situações no contexto brasileiro em que os confli-
tos são tratados abertamente. Isso comprometeria o relacionamento entre os indivíduos e cria-
ria constrangimento, o que prejudicaria a harmonia do grupo. Os conflitos que porventura
surgem são tratados dentro de círculos fechados e busca-se invariavelmente a harmonização
de pontos de vistas divergentes (Barros e Prates, 1996).
Flexibilidade – Barros e Prates (1996) sugerem que este traço possuiria duas faces, a adapta-
bilidade e a criatividade. Para descrever a primeira são trazidos como exemplo a capacidade
histórica das empresas que atuam no Brasil em se ajustar aos diversos pacotes econômicos
governamentais e também a capacidade dos indivíduos em se adaptar às diversas soluções
tecnológicas estrangeiras trazidas e implementadas nas organizações no Brasil. A adaptabili-
dade poderia ser entendida como uma capacidade criativa exercida dentro de limites pré-
fixados. O conceito de criatividade, por sua vez, traria consigo elementos relacionados à ca-
pacidade de inovação das organizações e indivíduos no contexto brasileiro.
Pluralidade – Partindo do pressuposto de que a cultura de uma organização carrega muito da
cultura nacional em que se insere, Freitas (1997) argumenta ser necessário, para a compreen-
são da cultura nas organizações no Brasil, a compreensão da cultura nacional a partir das raí-
zes brasileiras. Por meio de uma pesquisa bibliográfica das obras de autores clássicos como
Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior, bem como antropólogos
como DaMatta, Freitas (1997) argumenta que o Brasil seria um país culturalmente heterogê-
neo, contraditório e diverso e que, por este motivo, qualquer análise cultural a ser desenvolvi-
da tenderia a ser extremamente diversificada em suas abordagens e formas. O Brasil teria se
caracterizado como um país receptor de diversas culturas imigrantes que teriam contribuído
para a formação da sociedade brasileira e para sua caracterização como uma sociedade híbri-
da. Freitas (1997) concorda com Bosi (1992) na idéia de que não existiria uma cultura brasi-
leira homogênea e uniforme e que a admissão de seu caráter plural seria o primeiro passo de-
cisivo para compreendê-la. A cultura brasileira abarcaria culturas ibéricas, indígenas e africa-
nas além de culturas mais recentes como as de migrantes italianos, alemães, judaicos e japo-
54
neses. E, a essa já grande diversidade cultural poderiam ser somadas ainda as diferenças cul-
turais regionais como cultura nordestina, gaúcha e paulista (Freitas, 1997; Bosi, 1992). Essa
multiplicidade de traços poderia caracterizar a sociedade brasileira como culturalmente caóti-
ca. No entanto, ambos os autores defendem que o Brasil seria um país culturalmente plural,
mas não caótico.
Prestes Motta (1996) soma ao caráter plural, heterogêneo, diverso e contraditório da cultura
brasileira a noção de que o país poderia ser compreendido como uma “terra de contrastes”.
Tomando Calligaris como base o autor sugere que a experiência brasileira deveria ser inter-
pretada como fruto de uma posição econômica, política e cultural que fez do país, ao longo de
sua história, uma nação ao mesmo tempo moderna – com características como individualis-
mo, racionalidade e capitalismo – e pré ou anti-moderna carregada de traços como persona-
lismo, patriarcalismo, afetividade, entre outros.
Fascínio pelo estrangeiro – O fascínio pelo estrangeiro seria outra característica da cultura
brasileira. Em geral traduz a valorização do que é estrangeiro e o menosprezo pelo que é bra-
sileiro. Pode chegar a ser entendida como negação da “brasilidade” (Motta, Alcadipani e
Bresler, 2001). Na gestão das organizações no país constituiria a tendência de mirar modelos
e conceitos que existem e possuem sucesso fora do país em detrimento das soluções desen-
volvidas no contexto local. Para uma discussão sobre a considerável permeabilidade do Brasil
aos modelos e conceitos de gestão importados devem ser considerados (i) os aspectos da for-
mação histórica, cultural e econômica do país, (ii) os aspectos relacionados à globalização
econômica mundial e (iii) a forte pressão de modismos gerenciais internacionais (Wood e
Caldas, 1998).
As raízes históricas do Brasil revelam um país que viveu a implantação de um modelo de co-
lonização extrativista exploratório por meio do qual referenciais europeus foram transplanta-
dos de maneira impositiva e sem negociação. Como resultado, o povo que dessa história de-
correu pouco construiu ou desenvolveu de caráter próprio. As raízes culturais brasileiras indi-
cam uma cultura multifacetada, plural e complexa que recebeu influências do português, do
francês e mais recentemente do norte-americano que contribuíram para a grande permeabili-
dade da cultura nacional aos modelos estrangeiros. As raízes econômicas estão relacionadas
ao processo de industrialização econômica da Era Vargas no final dos anos 50 e às forças a
favor da internacionalização econômica no pós-guerra que permitiram ao Brasil exposição aos
55
padrões artísticos, estéticos, de consumo, de cultura e de gestão e tecnologia de países mais
industrializados no período.
As influências contemporâneas da globalização como o aumento da presença de multinacio-
nais e a necessidade de integração do país à economia mundial somadas a características eco-
nômicas internas no período – década de 90 – como a recente abertura econômica, a flexibili-
zação das regras de investimentos e importação e o baixo custo da mão-de-obra no país confi-
guraram um quadro bastante receptível às influências estrangeiras.
Neste mesmo período, conceitos e modelos internacionais de gestão foram difundidos por
meio de agentes como escolas de negócios (brasileiras e estrangeiras) e gurus de gestão em-
presarial e adquiriram um status normativo passando a ser adotados pelas organizações no
Brasil (Motta, Alcadipani e Bresler, 2001; Serva, 1992, apud Caldas, 1997). Essa adoção, no
entanto, não contribuiu necessariamente para ganhos em eficiência e performance organiza-
cional configurando adoções impensadas e em caráter cerimonial (Caldas, 1997; Motta, Alca-
dipani e Bresler, 2001; Scott, 1987; Dimaggio e Powell, 1983; Caldas e Wood,1995).
Em suma, a literatura acadêmica no campo da gestão das organizações evidencia a tendência
das organizações no Brasil à adoção sem críticas ou análises aprofundadas sobre o grau de
adequação dos conceitos e modelos à realidade local (Caldas, 1997; Wood e Caldas, 1998;
Motta, Alcadipani e Bresler, 2001; Serva, 1992; Bertero e Keinert, 1994).
56
2.3.2 Definição dos principais traços na gestão
A revisão dos principais estudos sobre cultura e organizações no Brasil permite constatar que
os elementos utilizados pelos diversos autores como caracterizadores da cultura das organiza-
ções no país são muitas vezes coincidentes ou semelhantes.
Por este motivo, esta seção é dedicada à realização de um quadro sumário dos principais tra-
ços culturais brasileiros presentes nas organizações que atuam no país. Para isso, recorre-se,
principalmente, aos trabalhos de Barros e Prates (1996), Freitas (1997), Prestes Motta e Alca-
dipani (1999), Prestes Motta (1996), Costa (1997), Davel e Vasconcelos (1997), DaMatta
(1991), Matheus (1997), Moreira (2005), Vergara, Moraes e Palmeira (1997), Caldas (1997) e
Motta, Alcadipani e Bresler (2001). Os trabalhos de Hofstede (1997, 2001), apesar de se situ-
arem no campo das culturas nacionais, também são considerados aqui em função da forte in-
fluência que possuem em trabalhos sobre a cultura organizacional brasileira, como, por exem-
plo, o de Barros e Prates (1996) e Tanure (2005) (Alcadipani e Crubellate, 2003).
O quadro sumário dos principais traços culturais brasileiros nas organizações foi construído a
partir do agrupamento dos parâmetros ou vocábulos mais citados na literatura comentada a-
cima. Adicionalmente foram elaboradas as definições de cada traço. Utilizou-se como “inspi-
ração” os trabalhos de Carona (2004) e Pigatto e Alcântara (2003). Estes estudos apresentam
sínteses de referenciais teóricos a partir do agrupamento de vocábulos e parâmetros mais cita-
dos na literatura sobre o tema que discorriam. Assim, os principais traços da cultura brasileira
que permeiam as organizações no país foram sintetizados no Quadro 6.
É importante notar aqui que os traços culturais descritos a seguir funcionaram como categori-
as pré-analíticas ao desenvolvimento do estudo.
57
Quadro 6: Quadro sumário
o Raiz do jeitinho: formalis-
mo
o Leis no Brasil submetem o
cidadão ao Estado, deter-
minando “o pode e o não
pode”
o Sistema legal pouco reflete
realidade social
o Revela a incoerência entre
leis e hábitos do povo
o Maneira de harmonizar
regras com a vida diária
o Alcance de objetivos a
despeito de determinações
contrárias
o Junção de um problema
pessoal com um impessoal
o Combate entre leis e rela-
ções
o Personalização das relações
Jeitinho
Comportamento que possui suas raízes no
formalismo e que existe em função da
grande quantidade de regras e determina-
ções legais que submetem o cidadão ao
estado, que regem suas interações sociais e
determinam o que se pode ou não fazer,
mas que pouco refletem a realidade social
dos indivíduos revelando incoerência com
relação aos hábitos e costumes. Esse com-
portamento constituiria uma tentativa de
harmonização das regras e determinações
universais com a vida e as necessidades
diárias buscando o alcance e realização de
objetivos a despeito de determinações
legais contrárias. Revela um “combate”
entre leis universais e relações pessoais e é
conseguido muitas vezes por meio da
personalização das relações obtida na
descoberta de elementos e interesses em
comum.
o Grande cuidado com o
próximo
o Importância das pessoas e
relacionamentos
o Qualidade de vida
o Importância do bom rela-
cionamento com superio-
res
o Espera-se solidariedade e
modéstia e igualdade
o Busca de intuição e con-
senso
Feminilidade
Orientação para comportamentos que
valorizam os relacionamentos entre as
pessoas, a preocupação e cuidado com o
próximo e a qualidade de vida. Valores
como modéstia, solidariedade e igualdade
são reforçados. Comportamentos como
ação por intuição e busca por consenso são
utilizados assim como o bom relaciona-
mento com superiores. Traduz o sentimen-
to de “trabalhar para viver” e não o inver-
so.
o Grupo é mais forte que indi-
víduo
o Necessidade de pertencimen-
to a grupos
o Relação familiar com o
grupo: proteção x lealdade
o Busca pela harmonia
o Busca por relação de confi-
ança
o
Relacionamento prevalece
sobre tarefas
Idéia de que os interesses do grupo devem
prevalecer sobre os interesses do indivíduo
e de que há necessidade de pertencimento
a grupos. A relação do indivíduo com o
grupo é forte e assemelha-se a uma relação
familiar: o grupo deve fornecer proteção
ao indivíduo e este oferece, em troca, sua
lealdade. Para que uma situação de har-
monia seja mantida, conflitos são evitados
e busca-se a manutenção de relações de
confiança dentro do grupo o que torna os
relacionamentos entre indivíduos mais
importantes do que as tarefas.
Coletivismo
Parâmetros
Traço cultural
Definição
58
o Aversão a situações de
risco, ambíguas, desconhe-
cidas e incertas
o Necessidade de previsibili-
dade
o Grande quantidade de
regras, normas e institui-
ções
o Valorização do “trabalho
duro”
o Motivação pela segurança
Formalismo
Comportamento que busca redução dos
riscos, da ambigüidade e da incerteza e
aumento da previsibilidade nas ações e no
comportamento humano por meio da cria-
ção de grande quantidade de regras, proce-
dimentos, normas e instituições que regem
as organizações. Há uma forte pressão
interna para “trabalhar duro” e para estar
sempre ocupado. Há também grande moti-
vação pela segurança e pelo senso de per-
tencimento ao grupo.
o Persistência na perseguição
de metas
o Relacionamentos por status
o Senso intenso de hierarquia
o Sensibilidade a contatos
especiais
o Cuidado com aspectos mate-
riais
Orientação a
longo prazo
Comportamento orientado a aspectos
como persistência na perseguição de me-
tas, construção e desenvolvimento de
relacionamentos orientados pelo status e
que valoriza a hierarquia, os contatos
especiais e os aspectos materiais.
o Líder e grupo são mais im-
portantes
o Importância da figura do
líder: confiança e coesão do
grupo
o Pouca autodeterminação
Lealdade
às pessoas
Relação em que o líder e as pessoas do
grupo a que se pertence são mais impor-
tantes do que o sistema maior. Grande
confiança é depositada na figura do líder
que é responsável pela manutenção da
coesão do grupo que, por sua vez, precisa
de constante presença do líder para
fun-
cionamento. O trabalho individual não
segue autodeterminação.
o Desigualdades entre as
pessoas
o Concentração /centralização
do poder
o Elevada hierarquização
o Grande importância do
status e autoridade
o Importância do bom rela-
cionamento com superior
o Passividade e subordinação
dos indivíduos menos pode-
r
osos
Distância de
poder
Noção de grande desigualdade existente
entre as pessoas revelada por meio do
elevado grau de concentração de poder nas
estruturas sociais e organizacionais que se
desmembra (I) na força da hierarquia nas
relações entre as pessoas e (ii) na grande
importância dada ao status individual e à
autoridade dos superiores. Traduz a noção
de que indivíduos em posições de menor
poder aceitam as desigualdades entre as
pessoas e possuem comportamento passi-
vo
d
iante dessa situa
ç
ão.
Parâmetros
Traço cultural
Definição
o Adaptabilidade e criatividade
Flexibilidade
Capacidade que agrega aspectos de adap-
tação e de criatividade dos indivíduos e
organizações. Adaptação refere-se à capa-
cidade de ajuste a diversas situações e
pode ser compreendida como uma capaci-
dade criativa dentro de limites pré-fixados.
A criatividade refere-se à capacidade de
inovação das organizações e indivíduos.
59
o Leis da vida pública não
alinhadas com a moralidade
costumeira
o Flexibilidade e adaptação
para navegação social: pro-
fissionalização do jeitinho
o Modo de cumprir leis ab-
surdas e conciliar ordens
impossíveis
o Modo de viver e de sobre-
viver, de proceder social-
mente
o Tirar vantagem
Malandragem
Comportamento que deriva do desalinha-
mento existente entre as leis da vida públi-
ca e a realidade social costumeira. Consti-
tui uma maneira de sobreviver socialmente
cumprindo leias absurdas e conciliando
ordens impossíveis por meio da utilização
de flexibilidade e adaptação. Constitui um
modo de viver, de sobreviver e proceder
socialmente. Pressupõe predisposição
para se tirar vantagens e caracteriza a
profissionalização do jeitinho.
o Valorização pelo estrangei-
ro e menosprezo pelo que é
brasileiro
o Tendência a mirar modelos
e conceitos de fora do país
o Adoção sem críticas de
modas e modismos gerenci-
ais
o Baixo grau de análises
críticas
o Grande permeabilidade do
Brasil aos conceitos e mo-
delos estrangeiros
Fascínio pelo
estrangeiro
Tendência de comportamento que indica
grande valorização pelo que é estrangeiro
em detrimento daquilo que é brasileiro.
Indica a propensão a mirar modelos e
conceitos desenvolvidos fora do país em
detrimento dos modelos e conceitos de-
senvolvidos localmente. Revela a inclina-
ção à adoção sem
críticas dos referenciais
estrangeiros sugerindo a grande permeabi-
lidade da cultura brasileira aos conceitos e
modelos estrangeiros.
o Lei para os indiferentes
o Direitos individuais são
monopólio de poucos
o Transgressão é vitória contra
líderes
o Impunidade como prêmio
Impunidade
Noção predominante de que as leis gerais
são válidas somente para os indiferentes e
de que os direitos individuais são monopó-
lio de poucos. A transgressão de leis é
vista como vitória contra os líderes e é
premiada com a não punição supostamente
conseqüente.
Parâmetros
Traço cultural
Definição
o Conflitos e divergências são
evitados
o
Busca pela harmonia e pelo
bom relacionamento
Aversão ao
conflito
Comportamento que resulta da conjunção
da lealdade dos indivíduos à figura do
líder e aos integrantes do grupo e da cons-
tante tentativa de harmonização do grupo
pelo líder. Visa manter a harmonia do
grupo e o bom relacionamento entre os
indivíduos e
evitar constrangimentos
decorrentes de divergências.
o Alto grau de autoridade
depositada nos superiores
o Elevado respeito
pela auto-
ridade
Autoritarismo
Postura que evidencia o alto grau de auto-
ridade depositada em pessoas em posições
hierarquicamente superiores. Reflete o
elevado e, por vezes, excessivo
respeito
frente à autoridade.
60
o Indivíduo: aparência afetiva,
mas sem sinceridade ou pro-
fundidade
o Organização: lógica emocio-
nal
Cordialidade
Comportamento individual permeado pela
aparência afetiva, mas não necessariamen-
te sincero ou profundo.
Comportamento organizacional que revela
predomínio de uma
lógica de cunho emo-
cional e emotivo.
o Controle: autoridade e
firmeza versus cordialidade
e generosidade
o Relação econômica e pesso-
al
o Dependência entre líderes e
liderados.
o Proteção do grupo
o Presença do patrão no traba-
lho, relações do tipo famili-
ar, reivindicação
desse mo-
de
l
o
pe
l
os
subo
r
d
ina
dos
Paternalismo
Relação que configura uma situação de
controle dos indivíduos na medida em que
combina, por um lado, a figura de um
chefe/patrão ao mesmo tempo autoritário,
firme, cordial e generoso com a aceitação
e docilidade dos subordinados por outro.
A relação configura também uma depen-
dência entre líderes e liderados devido à
aceitação mútua da situação e é simultane-
amente econômica e pessoal: econômica
no controle e delegação de ordens e pesso-
al na proteção e agrado aos subordinados.
A presença do patrão nos locais de traba-
lho é constante, as relações se aproximam
do modelo familiar e os subordinados
aceitam e reivindicam essa configuração.
o Grande importância atribuí-
da à pessoa e interesses pes-
soais x interesses da coleti-
vidade
o Grande importância da rede
de amigos, parentes – cone-
xões
o Elevada valorização dos
laços
o Busca por relacionamentos
próximos e afetivos – rela-
ção familiar
o Grupo é extensão da família
Personalismo
Postura que reflete a Importância atribuída
às pessoas e aos interesses pessoais. Na
rede de amigos e parentes é depositada
grande confiança principalmente para
resolução de problemas ou obtenção de
privilégios pessoais. Há intensa busca por
proximidade e afeto nos relacionamentos
de forma que as conexões pessoais se
assemelham às conexões familiares. O
grupo se torna extensão da família para
garantia de segurança nas ações.
Parâmetros
Traço cultural
Definição
o Falta de diálogo
o Falta de respostas, argumen-
tações e senso crítico: eleva-
do mutismo
o Baixos: capacidade crítica,
iniciativas e auto-
determinação
o Transferência de responsabi-
lidades
Postura que reflete a falta de diálogo na
sociedade e nas organizações brasileiras.
Caracteriza-se pela falta de repostas,
argumentações e senso crítico nas relações
o que leva ao mutismo. Essa postura seria
função do gosto pelo mandonismo, pelo
protecionismo e pela dependência entre as
pessoas que levaria ainda a baixos graus
de iniciativa, auto-determinação para
realização de tarefas e capacidade crítica.
Como conseqüência há grande transferên-
cia de responsabilidade para autoridades
(superiores e líderes).
Postura de
expectador
61
2.4 Efeitos da globalização
O fenômeno da globalização cresceu nos últimos anos em função de progressos nas áreas de
transporte, tecnologia e comunicação tornando sua importância pouco questionável (Osland,
2003). Paralelamente aos avanços nessas áreas e à maior interconexão entre as economias de
diversos países, a globalização impulsionou (i) a difusão e adoção de práticas internacionais
de gestão que constituíram modelos de referência no campo corporativo (Gertler, 2001; Wood
e Caldas, 2002; Serva, 1990 apud Caldas, 1997; Caldas e Wood, 1998) (ii) processos de fusão
e aquisição entre organizações (Camargos e Barbosa, 2004; Barros e Cançado, 2005; Trin-
ches, 1996; Miranda e Martins, 2000) (iii) crescimento do fluxo de executivos e executivos
expatriados (Gonçalves e Miura, 2002; Homem e Tolfo, 2004; Matos, 2002; Elis e Carrieri,
2005; Pliopas e Dell Agli, 2002) e (iv) aumento da demanda por cursos de MBA (Wood e
Paes de Paula, 2002).
A seguir discorre-se sobre cada um dos quatro tópicos acima apontados buscando evidenciar
os impactos que tiveram no contexto brasileiro e no contexto de gestão organizacional nas
últimas décadas.
2.4.1 Difusão e adoção de práticas internacionais de gestão
Como efeito da globalização econômica e comercial, as práticas e modelos de gestão desen-
volvidos por países considerados industrializados como Japão, Estados Unidos e países euro-
peus passaram a ser difundidos para países emergentes como os latino-americanos (Gertler,
2001; Wood e Caldas, 2002).
A difusão crescente desses modelos e práticas de gestão os fez referência para diversas na-
ções, mais ou menos industrializadas. Dentro deste contexto, tecnologias administrativas e
gerenciais como sistemas de gestão integrados e tecnologias para melhorias de processos de
produção industriais como círculos de controle de qualidade, processos just-in-time e certifi-
cações ISO 9000 foram intensamente difundidas por grandes corporações multinacionais,
consultorias internacionais e gurus da gestão corporativa. Muitos desses modelos e práticas
tornaram-se modismos gerenciais e foram disseminados como soluções mágicas para proble-
62
mas de gestão em diversos contextos nacionais (Abrahamson, 1996; Caldas, 2000; Caldas e
Wood, 1997).
Ao final dos anos 50 o Brasil passava pelo período de industrialização da Era Vargas e consti-
tuiu um ambiente propício ao desenvolvimento e reprodução de influências estrangeiras. Di-
versos fatores e agentes institucionais contribuíram para a difusão e sustentação da adoção de
referenciais estrangeiros no país, entre eles, o próprio Estado, os meios de comunicação, o
sistema educacional e as categorias profissionais (Caldas, 1997).
Mais recentemente, a década de 90 revelou-se um período atraente para investimentos na
América Latina por organizações multinacionais de países desenvolvidos. Estes países esta-
vam com seus mercados em maturidade, com uma concorrência acirrada e com altos custos de
mão-de-obra. Por outro lado, nos países emergentes surgia uma classe média com grande ca-
pacidade de consumo, o custo de mão-de-obra ainda era mais baixo e uma aparente estabiliza-
ção econômica podia ser visualizada (Wood e Caldas, 1998). Neste mesmo período no Brasil
a flexibilização de regras de investimento e importação provocou um aumento do fluxo de
investimentos produtivos. Após décadas de isolamento e políticas protecionistas a crescente
inserção internacional pressionou o país e toda a economia a recuperar o tempo perdido. Nes-
se sentido, o empresário local acostumado a condições de concorrência controlada se viu des-
protegido e despreparado para a concorrência internacional (Wood e Caldas, 1998).
A importação de modelos e práticas desenvolvidos em outras nações e contextos de gestão
evidencia por um lado a grande abertura e recepção que o país demonstrou às práticas e aos
modelos internacionais de gestão. Por outro lado, no entanto, a abertura às práticas estrangei-
ras evidenciou um comportamento de mimetização desses modelos que transformou muitas
organizações brasileiras em meros recipientes e reprodutoras de tecnologia administrativa
estrangeira e de modismos gerenciais instrumentais (Wood e Caldas, 1998). Muitas organiza-
ções no Brasil acabaram por replicar mimeticamente práticas e procedimento ditos “de classe
mundial” sob o pretexto de adquirir competitividade internacional (Scott, 1987; Dimaggio e
Powell, 1983).
Em suma, o fenômeno da globalização econômica e comercial a partir do início da década de
90 impulsionou, entre outros elementos, a difusão de práticas e modelos de gestão internacio-
nais. Países menos desenvolvidos como o Brasil se mostraram bastante receptivos a esses
63
instrumentos de gestão – muitos deles modismos – que foram incorporados, com maior ou
menor grau de adaptação e criticidade, ao contexto de gestão local. O campo da gestão brasi-
leira se tornou, a partir desse momento, algo essencialmente importado (Caldas, 1997).
2.4.2 Fusões e aquisições
As décadas de 80 e 90 constituíram uma grande onda de fusões e aquisições nos mercados
norte-americano e europeu (Camargos e Barbosa, 2004; Barros e Cançado, 2005; Trinches,
1996; Miranda e Martins, 2000). A crescente demanda por competitividade no mercado inter-
nacional impulsionou um movimento forte de associações e parcerias entre empresas envol-
vendo grandes somas financeiras.
Uma tendência evidente desse movimento no contexto internacional foi o interesse de empre-
sas de origem norte-americana e européia de investir fora de seus mercados domésticos.
(Trinches, 1996). O movimento de fusões e aquisições constituiu, dessa forma, um instrumen-
to de organizações multinacionais para penetração em outros mercados e consolidação de uma
posição internacionalmente mais competitiva (Miranda e Martins, 2000).
Nesse sentido, diversos países mais periféricos e menos inseridos na economia internacional
tornaram-se mercados atraentes para empresas norte-americanas e européias em busca de ex-
pansão de seus negócios. Na América Latina, por exemplo, esse movimento foi facilitado na
época por elementos como a desregulamentação das economias desses países e as alterações
nos padrões tecnológicos de algumas indústrias e serviços (Miranda e Martins, 2000).
No Brasil o crescimento dos movimentos de fusão e aquisição também aconteceu na década
de 90 (Barros e Cançado, 2005; Camargos e Barbosa, 2004; Trinches, 1996). Diversos foram
os elementos do contexto nacional que permitiram ou facilitaram a entrada dos investimentos
estrangeiros na forma de fusões e aquisições: a necessidade de inserção do país na economia
global cada vez mais competitiva e algumas características econômicas e comerciais nacionais
no período como a quebra das barreiras de entrada, os programas de desestatização e privati-
zação, a quebra dos monopólios e a necessidade de modernização institucional. Os motivos de
empresas brasileiras que facilitaram suas vendas a empresas estrangeiras giram em torno de
aspectos como maximização do valor da empresa para o acionista, aumento de market-share,
64
necessidade de diversificação do negócio e aquisição de tecnologia (Barros e Cançado, 2005).
As razões das multinacionais para realização de fusões e aquisições no mercado brasileiro
estão associadas a elementos como agregação de produtos, ganhos em sinergias, melhorias em
suas estruturas administrativas, aumentos no faturamento, novas oportunidades decorrentes de
pactos comerciais como o Mercosul e déficit tecnológico das empresas no Brasil na época
(Trinches, 1996).
Entre 1991 e 1999 as transações de fusão e aquisição (considerando capital estrangeiro e na-
cional) somaram no país US$ 115 bilhões, sendo que o maior número de transações realizadas
teve por adquirentes empresas estrangeiras. A maior parte das compradoras estrangeiras era
de origem norte-americana, inglesa, holandesa, espanhola, alemã e francesa. A outra parte
consistiu de consórcios de empresas de nacionalidades distintas (Miranda e Martins, 2000).
Mais recentemente, os investimentos estrangeiros no país, principalmente direcionados a pro-
cessos de fusão e aquisição continuam cada vez mais presentes. Em 2005, metade das transa-
ções de aquisição de controle e de participação minoritária no primeiro semestre do ano foi
estrangeira. No mesmo ano, os estrangeiros estiveram presentes em 45 negócios envolvendo
troca de controle acionário. Ainda em 2005, 65% das joint-ventures formadas no Brasil en-
volveram capital estrangeiro (PwC, 2005).
Os discursos e retóricas mais comuns elaborados pela mídia e pelos envolvidos nesses casos
celebram as fusões e aquisições como grandes feitos ou incríveis vitórias. As dificuldades
inerentes a processos de fusão e aquisição, no entanto, são diversas. Entre elas pode ser apon-
tada a integração de diferentes valores, pressupostos e interpretações da realidade que levam a
padrões culturais e formas de gestão distintos (Barros e Cançado, 2005). Tradicionalmente, a
integração entre as empresas pós-processo de compra constitui algo complexo. Geralmente
acontece um processo de assimilação cultural em que a cultura da adquirente domina a cultura
da adquirida sobrepondo-se a ela e buscando muitas vezes eliminá-la. Esse processo acarreta
grandes mudanças em termos de modo de gestão para a adquirida e um baixo grau de modifi-
cações para a compradora. Barros e Cançado (2005) sugerem que além do processo de assimi-
lação cultural há o processo de mescla cultural – que ocorre quando existe convivência de
culturas sem que uma delas seja dominante, com um moderado grau de mudança tanto para a
adquirida quanto para a adquirente – e o processo de pluralidade cultural, no qual a cultura da
adquirente exerce pouca ou reduzida influência na cultura da adquirida. Neste último caso o
grau de mudança para ambas as empresas é baixo.
65
O que se pretende enfatizar com essa discussão é a existência – em maior ou menor grau, de-
pendendo do processo de aculturação resultante – de um “encontro” entre práticas e modelos
de gestão de culturas originalmente distintas, neste caso, o “encontro” entre a cultura e forma
de gestão das organizações no Brasil e a cultura e forma de gestão de organizações de origens
culturais estrangeiras. As organizações estrangeiras que entraram no Brasil e que aqui prati-
cam a gestão dos seus negócios trouxeram consigo práticas, ferramentas e modelos de gestão
desenvolvidos em outros contextos de negócios que – em maior ou menor grau – impactam a
gestão das organizações no contexto brasileiro.
2.4.3 Expatriação
O fenômeno da globalização provocou a intensificação do comércio, da negociação e da com-
petitividade entre países de todas as regiões do mundo, influenciou e impulsionou a formação
de blocos econômicos, contribuiu para progressos e avanços tecnológicos e para a formação
de associações entre organizações de diversas nacionalidades (Gonçalves e Miura, 2002). A
internacionalização dos negócios e das empresas provocou um aumento nas interações inter-
culturais entre organizações e indivíduos. As interações inter-culturais permearam uma varie-
dade de situações de trabalho – como viagens de negócios para países estrangeiros – e o pró-
prio trabalho dentro das organizações (Homem e Tolfo, 2004).
O fortalecimento da internacionalização dos negócios impulsionou a migração e a designação
internacional de executivos pelo mundo. O fluxo de pessoas entre empresas de diferentes na-
cionalidades foi estimulado e a quantidade de indivíduos vivendo e trabalhando em países
estrangeiros aumentou visivelmente. Nesse sentido, a expatriação de executivos tornou-se
uma prática comum para o desenvolvimento econômico e comercial de organizações em paí-
ses estrangeiros (Matos, 2002; Pliopas e Dell Agli, 2005; Homem e Tolfo, 2004; Elis e Carri-
eri, 2005; Gonçalves e Miura, 2002).
Dentro desse contexto, diversas são as razões que levaram as organizações a expatriar execu-
tivos, entre elas (i) a necessidade de abrir novos negócios em outros países (ii) a necessidade
de aumentar a participação em algum mercado em que já atuavam (iii) situações de fusões e
aquisições (iv) quando da necessidade de transferência de conhecimentos específicos para os
66
gestores locais (v) situações de necessidade de transferência de tecnologia (vi) quando perce-
biam a possibilidade de tornar seus executivos líderes com uma visão mais abrangente e glo-
bal e (vii) quando da necessidade de reduzir custos de produção a partir da produção em lo-
cais mais baratos (Elis e Carrieri, 2005).
O Brasil começou a receber profissionais expatriados em meados dos anos 50 como reflexo
do aumento das atividades industriais no país (Elis e Carrieri, 2005). No entanto, a expansão
da migração de estrangeiros ao país se deu nas décadas de 80 e 90 com a abertura econômica
e com a disseminação da globalização da economia e do comércio entre nações. No ano de
1996 o Brasil foi um dos países com maior número de executivos expatriados, ficando atrás
somente da China e da índia (Elis e Carrieri, 2005). O ápice da migração de estrangeiros ex-
patriados para o Brasil aconteceu, no entanto, no período entre os anos de 1999 e 2000 com o
movimento das privatizações, com a política de atração de indústrias estrangeiras e em função
de concessões fiscais e financeiras oferecidas às organizações como estímulo à atuação no
país (Matos, 2002).
Os objetivos e tipos de expatriação que ocorreram no Brasil podem ser classificados em (i)
expatriação com o objetivo de desenvolvimento gerencial, situação em que o executivo es-
trangeiro foi exposto e interagiu com as práticas gerenciais brasileiras (ii) expatriação que
ocorreu com a finalidade de desenvolvimento de algum negócio específico como start-ups e
(iii) expatriações que aconteceram em função da necessidade de desenvolvimento técnico no
Brasil. Em maior ou menor grau esses tipos de expatriação permitiram compartilhamento de
conhecimentos e técnicas de gestão (Matos, 2002).
Neste ponto, torna-se evidente o impacto mútuo entre as práticas e formas de gestão de cultu-
ras nacionais distintas. Os executivos estrangeiros influenciaram e impactaram a cultura na-
cional e suas formas e práticas de gestão, assim como foram impactados por elas. Nesse senti-
do, pode-se dizer que as organizações no Brasil tiveram suas práticas e formas de gestão in-
fluenciadas pelo conhecimento, técnicas, ferramentas e estilos de gestão de organizações de
outras nacionalidades (Matos, 2002; Homem e Tolfo, 2004).
67
2.4.4 Cursos de gestão (MBAs)
Estudos de Wood e Paes e Paula (2002) oferecem um panorama dos cursos de MBA no Brasil
indicando os impactos que exercem na gestão das organizações no país. A seguir serão bre-
vemente retomados os aspectos que se relacionam com o objetivo deste estudo.
Os programas de Master in Business Administration – MBA foram criados e desenvolvidos
no contexto norte-americano em 1908 e disseminados para outros países e continentes com
força maior a partir do pós-guerra. Nos anos 60 e 70 nos Estados Unidos os programas de
MBA se consolidaram e as escolas norte-americanas se tornaram exportadoras desses “produ-
tos”. Os programas de MBA foram apontados como um caminho seguro para o sucesso na
carreira de executivos em todas as partes do mundo. Os MBAs sofreram inúmeras críticas
principalmente a partir da década de 90, no entanto, o fascínio que exercem sobre executivos
nas mais diversas regiões do mundo ainda é considerável.
A década de 70 no Brasil representou significativa expansão do ensino superior no país e dos
cursos de administração de empresas. O fenômeno da globalização nas décadas seguintes au-
mentou ainda mais a demanda por profissionais qualificados para gestão das organizações. A
partir desse período o conhecimento em administração de empresas no Brasil passou por um
processo de massificação que alcançou seu auge nas décadas de 80 e 90 em função da atuação
das escolas de negócios no país, das empresas de consultoria e de outros elementos como gu-
rus do management e a mídia de negócios.
Os cursos de MBA criados e oferecidos por diversas escolas de administração de empresas no
Brasil diferem com relação a diversos aspectos como perfil dos programas e alunos, perfil dos
professores, conteúdo programático e custos. No entanto, pode-se dizer que, de maneira geral,
o conteúdo dos MBAs brasileiros reflete um referencial preponderantemente estrangeiro. O
referencial brasileiro utilizado ainda é restrito.
Muitas das instituições de ensino que oferecem os cursos de MBA no Brasil possuem como
modelo desse tipo de curso aqueles tradicionalmente criados e desenvolvidos no contexto
norte-americano. Nesse sentido, disseminam valores – como meritocracia, instrumentalidade,
culto do sucesso, da ascensão na carreira e da excelência – tipicamente originários da cultura
68
nacional norte-americana. De maneira geral, há nos cursos de MBA oferecidos por institui-
ções no Brasil a predominância da reprodução do pensamento e das ferramentas de gestão
importadas. Portanto, os cursos de MBA – por meio de conteúdo que oferecem assim como
da literatura do pop-management que recomendam – disseminam no Brasil idéias, valores,
comportamentos e práticas de gestão em geral de origem estrangeira.
69
CAPÍTULO 3 – Metodologia da Pesquisa
Este capítulo trata dos aspectos metodológicos que nortearam a presente pesquisa. O capítulo
se inicia com a apresentação do paradigma científico a partir do qual o estudo foi desenvolvido.
A abordagem de investigação é colocada a seguir, incluindo a forma como os dados empíricos
foram coletados – abordando-se tanto a ferramenta escolhida como as técnicas utilizadas para
definição da amostra – e a maneira como foram analisados. Com relação a este último tópico,
ênfase especial é dada ao método empregado para interpretação dos dados. É importante ressal-
tar aqui que alguns aspectos metodológicos utilizados no estudo – como a definição da amostra,
e a tipologia das perguntas do questionário – tiveram como inspiração e suporte o trabalho de
Cunha (2005).
3.1 Paradigma científico
A condução de pesquisas científicas envolve a noção de paradigma científico. Guba e Lincoln
(1994) discutem quatro paradigmas que norteiam a condução de pesquisas cientificas atual-
mente, especialmente aquelas de natureza qualitativa: positivismo, pós-positivismo, teoria
crítica e construtivismo. Tais paradigmas são sustentados por três pilares: (i) ontológico, que
diz respeito à natureza e à forma da realidade e ao que se pode conhecer dela (ii) epistemoló-
gico, que se refere à natureza do relacionamento entre observador e aquilo que pode ser ob-
servado e (iii) metodológico, relaciona-se a como o pesquisador vai à procura daquilo que
acredita poder conhecer, isto é, ao método mais apropriado à investigação daquilo que ele
busca estudar.
O presente estudo é desenvolvido a partir do paradigma pós-positivista e, por este motivo (i)
assume que a realidade é real e pode ser compreendida, mas de maneira imperfeita e sujeita a
críticas e correções (ii) acredita que pode haver uma separação entre observador e objeto, mas
reconhece que podem haver influências e que os resultados são provavelmente verdadeiros –
isto é, estão sujeitos a falhas – e (iii) baseia-se na utilização de técnicas qualitativas (Guba e
Lincoln, 1994).
70
3.2 Abordagem de investigação
Os métodos quantitativos e qualitativos não constituem unicamente maneiras diferentes de
fazer a mesma coisa. Cada um possui uma lógica diferente assim como forças e fraquezas
distintas e sua adequação varia em função do propósito da pesquisa (Maxwell, 1996).
Os métodos qualitativos implicam uma ênfase em processos e significados que não podem ser
rigorosamente medidos em termos de quantidade, freqüência ou intensidade. Essa abordagem
foca a natureza socialmente construída da realidade, o relacionamento – assume-se que íntimo
– entre pesquisador e objeto pesquisado e as limitações circunstanciais que restringem a pes-
quisa. Em geral, buscam-se respostas a perguntas que focam como as experiências sociais são
criadas e como significados são atribuídos a elas. De modo contrário, os estudos quantitativos
focam a mensuração e análise de relações causais entre variáveis – não entre processos – e
assumem que a investigação pode ser realizada com a ausência de valores pessoais (Denzin e
Lincoln, 1994).
O presente estudo constitui uma pesquisa qualitativa. Esta abordagem permite a compreensão
da complexidade das interações sociais expressas na vida cotidiana e o significado que os
indivíduos dão a essas interações. É uma abordagem pragmática, interpretativa e fundamenta-
da nas experiências vividas pelas pessoas (Marshall e Rossman, 1999; Creswell, 2003). É
adequada a este estudo, pois permite uma análise profunda das experiências vividas pelos
indivíduos pesquisados e do sentido que atribuem a elas por meio de suas próprias palavras.
Em geral, estudos qualitativos investigam uma quantidade menor de indivíduos ou situações a
fim de preservar a individualidade da análise e das percepções de cada um - indivíduo ou situ-
ação (Marshall e Rossman, 1999; Maxwell, 1996). Como colocado por Creswell (2003), nas
pesquisas qualitativas o pesquisador (i) se posiciona (ii) coleta os significados e percepções
dos participantes (iii) foca unicamente um fenômeno (iv) traz valores pessoais ao estudo (v)
colabora com os participantes e (vi) faz interpretações sobre os dados obtidos.
Marshall e Rossman (1999) comentam ainda que estudos qualitativos podem ser explorató-
rios, explanatórios, descritivos ou emancipatórios. Segundo as definições desses autores, o
presente estudo assume um caráter descritivo e exploratório na medida em que seu propósito é
compreender e descrever como se caracteriza o estilo de gestão brasileiro.
71
3.2.1 Coleta de dados
Para apresentação da forma como os dados foram coletados serão comentadas a ferramenta
utilizada e as definições sobre a amostra pesquisada.
3.2.1.1 Ferramenta
Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas que constituem uma fer-
ramenta apropriada para investigar atitudes, intenções e motivações envolvendo interpreta-
ções e ambigüidades. A utilização de entrevistas como ferramenta de coleta dos dados está de
acordo com os objetivos do estudo na medida em que as informações que buscam estão dentro
do âmbito da cultura organizacional brasileira e, portanto, de normas e situações socialmente
compartilhadas. As entrevistas, segundo Kahn e Cannell (1957, apud Marshall e Rossman,
1999) podem ser compreendidas como “uma conversa com um propósito”. Como principal
vantagem, as entrevistas permitem o levantamento de questões relevantes e profundas (Den-
zin e Lincoln, 1994) e de grande quantidade de dados de maneira rápida (Marshal e Rossman,
1999). No caso das entrevistas semi-estruturadas alguns tópicos para direcionamento são ela-
borados e procura-se captar as percepções dos entrevistados a respeito.
As entrevistas realizadas não possuíam nenhuma categorização a priori que pudesse limitar a
compreensão do fenômeno estudado. As questões foram elaboradas em torno dos principais
temas e objetivos apresentados anteriormente. Assim, as perguntas realizadas remeteram a
temas como os aspectos mais difíceis e mais fáceis da gestão no Brasil, as habilidades neces-
sárias ao gestor, os desafios impostos pelo contexto nacional, as diferenças entre a gestão no
Brasil e em outros contextos de gestão vividos pelo entrevistado, os impactos dos referenciais
estrangeiros e as particularidades da gestão praticada no país.
Adicionalmente foram desenvolvidas 34 questões com respostas do tipo escala Likert (Mar-
tins e Lintz, 2000). As questões foram desenvolvidas tendo como suporte as categorias pré-
analíticas obtidas no referencial teórico como, por exemplo, personalismo, distância de poder,
paternalismo, coletivismo, formalismo, fascínio pelo estrangeiro, entre outras. Essas questões
foram utilizadas no estudo somente como apoio e sustentação à análise qualitativa dos dados.
72
O estudo não teve como objetivo utilizá-las para fins quantitativos ou para cálculos e modelos
estatísticos sofisticados.
3.2.1.2 Amostra
A amostra foi selecionada de maneira intencional, incluindo os indivíduos que preenchiam os
critérios previamente definidos a fim de assegurar que os resultados representassem adequa-
damente as percepções e concepções acerca do estilo brasileiro de administrar (Marshal e
Rossman, 1999; Maxwell, 1996). A idéia foi buscar um grau significativo de variação nas
percepções acerca do estilo brasileiro. Por isso, das estratégias colocadas por Marshal e
Rossman (1999) para definição da amostra em pesquisas qualitativas, este estudo utilizou a
estratégia de busca por grande variação de visões com o objetivo de documentar as diversas
variações sobre o tema e de identificar, a partir daí, padrões comuns. Como a seleção da a-
mostra se deu por processo não probabilístico, a escolha dos indivíduos visou conseguir ma-
ximizar a utilidade e profundidade das informações obtidas.
Para serem qualificados como fontes apropriadas aos objetivos do estudo, os entrevistados
tinham que se adequar aos seguintes critérios: (i) possuir experiência de gestão no Brasil e (ii)
possuir experiência de gestão fora do Brasil. Por estes motivos, foram entrevistados executi-
vos brasileiros e estrangeiros. Todos os executivos brasileiros haviam tido algum tipo de ex-
posição a culturas estrangeiras de gestão por meio de vivências em “missões” ou tarefas no
exterior e todos os executivos estrangeiros estavam trabalhando no Brasil no período da en-
trevista. A escolha desses indivíduos e dos critérios apresentados acima utilizou como base o
estudo de Cunha (2005) e se deu, também, pelo fato de que a percepção de uma cultura tende
a ser mais apurada quando se está ou esteve fora dela ou perante ela e porque a introdução de
um “outsider” em uma dada cultura constitui outra maneira de explorá-la por meio de alguém
que possa questionar aquilo que observa (Schneider e Barsoux, 2005). Em outras palavras, o
contato com outras culturas permite uma constatação mais apurada de diferenças e similarida-
des, como colocado por Adler (2002).
Foram entrevistados 16 brasileiros e 9 estrangeiros. A quantidade de estrangeiros e de brasi-
leiros entrevistados não foi definida previamente. Em ambos os casos optou-se por considerar
73
a quantidade adequada aquela a partir da qual as evidências e temas tornaram-se intensamente
recorrentes. A maior parte dos entrevistados possuía formação em administração de empresas
ou engenharia, era do sexo masculino e trabalhava em empresas de grande porte de origem
internacional. O ramo de atividade das empresas em que os indivíduos trabalhavam mostrou-
se pulverizado incluindo organizações de diferentes ramos com um leve predomínio do ramo
de consultoria. As Tabelas 1 e 2 ilustram o perfil dos entrevistados.
Tabela 1: Perfil dos entrevistados brasileiros
Dados do indivíduo Dados da Empresa
Indivíduo
Formação
Educacional
Idade Sexo Origem do Capital Ramo de atividade
Porte
(no Brasil)
1
Engenharia 34 M Internacional Consultoria Pequeno
2
Administração 27 M Internacional Tecnologia Médio
3
Engenharia 34 M Internacional Automobilístico Grande
4
Engenharia 37 M Internacional Automobilístico Grande
5
Engenharia 32 M Nacional Construção Grande
6
Administração 41 M Internacional Consultoria Grande
7
Engenharia 34 M Internacional Consultoria Grande
8
Engenharia 45 M Internacional Consultoria Grande
9
Administração 24 M Internacional Financeiro Grande
10
Administração 32 M Internacional Financeiro Grande
11
Administração 37 F Misto Financeiro Grande
12
Engenharia 44 M Misto Financeiro Grande
13
Design 35 M Internacional Informática Grande
14
Administração 43 F Internacional Química Grande
15
Engenharia 55 M Internacional Química Grande
16
Administração 47 F Internacional Tecnologia Grande
Tabela 2: Perfil dos entrevistados estrangeiros
Dados do Indivíduo Dados da Empresa
Indi-
víduo
País
de Origem
Tem-
po no
Brasil
(anos)
Formação
Educacional
Idade Sexo
Origem
do Capital
Ramo
de atividade
Porte
(no Brasil)
1
África do
Sul 4 Engenharia 36 M Internacional Automobilístico Grande
2
Argentina 15 Propaganda 46 M Nacional Publicidade Pequeno
3
Colômbia 8 Engenharia 36 M Nacional Consultoria Pequeno
4
EUA 10 Economia 46 M Internacional Financeiro Pequeno
5
Inglaterra 2 Economia 60 M Internacional Eletrodomésticos Grande
6
Peru 10
Administra-
ção 45 M Internacional Consultoria Médio
7
Portugal 5 Economia 32 M Internacional Consultoria Médio
8
Suécia 5
Administra-
ção 33 M Internacional Eletrodomésticos Grande
9
Japão 3
Administra-
ção 38 M Internacional Eletrônicos Grande
74
Para determinação do porte da empresa considerou-se como empresa pequena aquela com o
número de funcionários inferior a 100, como média a empresa com número de funcionários
entre 100 e 499 e como grande aquela com 500 ou mais funcionários (CNI e SEBRAE, 2005).
Para montagem dos gráficos que acompanham a apresentação dos dados foram utilizados os
seguintes critérios:
O título de cada gráfico corresponde exatamente à questão preenchida pelo entrevista-
do;
Considerou-se como “concordo” a soma absoluta de todos os entrevistados que preen-
cheram a afirmação em questão com “concordo totalmente” e com “concordo”;
Considerou-se como “discordo” a soma absoluta de todos os entrevistados que preen-
cheram a afirmação em questão com “discordo” e com “discordo totalmente”;
Nem todas as afirmações com respostas do tipo escala Likert foram preenchidas por
todos os entrevistados. Do total de 25 entrevistados, 2 não responderam ao questioná-
rio e 3 outros deixaram respostas de questões em branco. Por este motivo, alguns dos
gráficos apresentados possuem como total de respostas obtidas um número diferente
do total dos entrevistados.
3.2.2 Análise dos dados
A análise dos dados constitui o processo de ordenação, estruturação e interpretação da massa
de dados colhida. Os dados qualitativos são complexos e sua conversão para medidas ou uni-
dades padronizadas não é algo automático ou rápido. Isso acontece porque, geralmente, os
dados obtidos variam em termos de abstração, freqüência de ocorrência e relevância para os
propósitos do estudo. Provavelmente uma das partes mais importantes na análise dos dados é
o processo de descobrimento ou desenvolvimento de classes ou categorias que os caracterize
apropriadamente (Schatzman e Strauss, 1973, apud Marshall e Rossman, 1999). A seguir se-
rão apresentados a técnica e o método utilizados.
75
3.2.2.1 Técnica
Uma análise de conteúdo foi efetuada sobre as entrevistas realizadas. Segundo Bardin (1977),
a análise de conteúdo constitui “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando
obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores – quantitativos ou não – que permitam a inferência de conhecimentos relativos às
condições de produção e recepção destas mensagens”.
Para o presente estudo, a técnica de análise de conteúdo utilizada foi a análise categorial te-
mática sobre os textos transcritos das entrevistas. Desse modo, os textos de todas as entrevis-
tas realizadas foram divididos em temas – cada tema identificado constituiu uma unidade de
significação isolada – que, por meio de reagrupamentos analógicos, foram classificados em
categorias temáticas. A análise realizada foi essencialmente transversal, na medida em que as
entrevistas foram recortadas em torno dos temas identificados. Esta técnica se mostrou conve-
niente para os propósitos deste estudo, pois é rápida e eficaz para aplicação em discursos dire-
tos e simples como as entrevistas (Bardin, 1977).
3.2.2.2 Método
A análise dos dados foi realizada em quatro etapas:
I. Coleta das evidências empíricas por meio de entrevistas – As entrevistas tiveram a
duração de aproximadamente uma hora, foram realizadas pelo mesmo indivíduo – a
autora deste estudo – foram gravadas e transcritas.
II. Identificação de temas – A partir dos textos transcritos das entrevistas foram identi-
ficados os temas. Como colocado por Bardin (1977) um tema constitui uma unidade
de significação complexa e de comprimento variável, cuja validade não é de ordem
lingüística, mas sim de ordem psicológica. Podem constituir um tema tanto uma a-
firmação quanto uma alusão. Assim, as frases, os enunciados ou trechos dos textos
transcritos que portavam significações que pudessem ser isoladas foram considera-
dos temas. A identificação de temas constitui uma etapa importante no estudo, já que
76
a partir deles se torna possível a identificação de crenças, tendências e valores conti-
dos nas mensagens dos entrevistados (Bardin, 1977).
É importante regatar aqui que o estudo utilizou-se de uma abordagem qualitativa, e,
por este motivo, baseou-se não somente na freqüência e aparição dos temas, mas sim
em sua presença ou ausência. Tanto a presença quanto a ausência de certos elemen-
tos nas mensagens constituíram informações válidas e preciosas. Dessa forma, as in-
ferências realizadas estiveram fundamentadas na presença ou ausência do tema e não
somente em sua freqüência de aparição (Bardin, 1977).
III. Formação das categorias temáticas – Depois de identificados, os temas foram agru-
pados em categorias temáticas. Os critérios para formação das categorias foram se-
mânticos, ou seja, os temas que possuíam os mesmos significados e que remetiam
aos mesmos conceitos foram reunidos na mesma categoria. O processo de formação
da categoria foi feita do particular para o geral, isto é, os temas com mesmo signifi-
cado foram reagrupados progressivamente para que ao final fosse constituída a cate-
goria. As categorias formadas são mutuamente excludentes, homogêneas em si e
pertinentes ao objetivo do trabalho.
No entanto, um aspecto relevante a ser citado nesta etapa de análise dos dados e de
formação das categorias temáticas foi o de que – embora as categorias tenham sido
formadas do particular para o geral – foram consideradas também, como “guias”
neste processo, as categorias pré-analíticas originadas do referencial teórico. Ou seja,
a formação das categorias temáticas na apresentação dos dados foi influenciada tam-
bém pelos traços culturais delineados no referencial teórico e ilustrados no Quadro 6.
IV. Identificação das categorias mais marcantes e das categorias menos marcantes –
Para a identificação e separação das categorias ou traços culturais em mais marcan-
tes e menos marcantes foram utilizados os seguintes critérios:
Grau de explicitação – significando o grau de facilidade ou dificuldade com que
as evidências empíricas puderam ser associadas a temas e em seguida a categori-
as temáticas. Isto é, aquelas categorias temáticas, cujos temas foram facilmente
identificados foram consideradas categorias ou traços mais fortes. De modo con-
trário, as categorias cuja aglutinação dos temas necessitou um grau de reflexão
77
maior foram consideradas menos fortes. Considerou-se esse critério como algo
importante para classificação das categorias ou traços culturais em mais marcan-
tes ou menos marcantes na medida em que se assume que aquelas categorias
menos explícitas necessitaram maior esforço de interpretação da pesquisadora
por estarem, por assim dizer, menos evidentes também para os entrevistados.
Freqüência – considerou-se tanto a quantidade de comentários sobre cada tema
assim como a quantidade de indivíduos que comentaram cada tema – e conse-
quentemente a categoria temática – como um indicativo dos traços serem mais
ou menos marcantes. Os traços que tiveram maior quantidade de comentários e
maior diversificação de indivíduos comentando foram considerados mais mar-
cantes e vice-versa.
Ordem – a ordem com que os temas apareceram nas entrevistas também foi con-
siderado um indicador da intensidade da presença dos traços na gestão. Isto é,
assumiu-se que os temas que foram colocados primeiramente pelos indivíduos
nas entrevistas seriam aqueles mais presentes e mais marcantes. Assume-se que
aquilo que vem à tona primeiro é mais consciente e aquilo que aparece depois –
ou que foi obtido por meio de uma provocação ou pergunta mais direta – seria
menos consciente e, adota-se aqui, menos marcante.
Percepção da pesquisadora – paralelamente aos três critérios acima citados que
buscaram “mensurar” a intensidade das categorias ou traços culturais por meio
de uma tentativa de racionalização das percepções obtidas, considerou-se tam-
bém como um critério de intensidade das categorias ou traços a percepção da
pesquisadora. Assume-se essa percepção como algo relevante, pois aquilo que
está mais explícito, que é citado com mais freqüência ou que aparece primeiro
pode refletir estereótipos ou percepções do tipo senso comum.
Portanto, o posicionamento dos traços como mais ou menos marcantes levou em consideração
os quatro critérios acima conjuntamente.
78
CAPÍTULO 4 – Resultados da Pesquisa Empírica
Neste capítulo são apresentados os dados empíricos obtidos com a pesquisa realizada. Os da-
dos dividem-se em dois blocos: o primeiro é formado pelas categorias temáticas que dizem
respeito aos traços culturais e o segundo compõe-se de categorias que refletem as mudanças
que ocorreram nos contextos nacional e internacional e que podem ter impactado a forma co-
mo a gestão é feita no país.
Foram identificados 35 temas que puderam ser consolidados em 18 categorias temáticas. Os
quadros abaixo ilustram os temas, as categorias temáticas formadas e os blocos.
Quadro 7: Bloco 1 – Traços da gestão
Temas Categoria Temática
Falta de planejamento
Crescimento do planejamento
Planejamento
Atuação na informalidade
Falta de formalismos
Formalismo
Jeitinho Jeitinho
Gerenciamento ineficiente do tempo
Orientação ao curto prazo
Gestão do tempo
Capacidade de adaptação
Criatividade
Flexibilidade
Desigualdade entre pessoas e hierarquia Desigualdade de poder
Medo de autoridade Autoritarismo
Busca por consenso
Medo do confronto
Evitar conflito
Transferência de responsabilidades
Pessoas preferem que os líderes tomem decisões
Falta de autodeterminação
Postura de expectador
Importância dos relacionamentos pessoais
Busca por relacionamentos próximos e afetivos
Impacto do relacionamento pessoal no desempenho
Tendência do relacionamento profissional ser pessoal
Personalismo
Preocupação com aspectos humanos
Falta de preocupação com aspectos humanos
Orientação humana
Orientação a resultados Orientação a resultados
Adoção acrítica de referenciais e práticas
Adoção crítica de referenciais e práticas
Valorização das práticas locais
Admiração pelo estrangeiro
Heterogeneidade cultural Heterogeneidade cultural
Cordialidade Cordialidade
79
Quadro 8: Bloco 2 – Mudanças que influenciam a gestão
Temas Categoria Temática
Instabilidade
Crescimento da estabilidade
Ambiente institucional
Abertura à globalização
Modernização
Internacionalização da gestão
Má formação dos gestores
Gap entre geração de gestores
Nova geração de gestores
Perfil do gestor brasileiro
A seguir será feita uma descrição detalhada de cada categoria temática e temas corresponden-
tes.
4.1 Bloco – Traços da gestão
4.1.1 Planejamento
As afirmações obtidas nas entrevistas indicaram dois temas que compuseram a categoria te-
mática do planejamento: a falta de planejamento e o crescimento desta atividade.
Os depoimentos dos entrevistados indicam a falta de planejamento como um elemento bastan-
te presente nas organizações. Os comentários com relação aos fatores que causariam essa de-
ficiência remetem à instabilidade e às mudanças no ambiente em que as organizações atuam e
às crises pelas quais o país passou. Com relação ao gestor brasileiro, os depoimentos indicam
falta de estruturação e organização do dia-a-dia de trabalho e dificuldades em seguir e cumprir
as metas colocadas. Os entrevistados relatam que os brasileiros agem muitas vezes ainda sem
saber onde querem chegar e que seriam mais executores do que planejadores. Algumas cita-
ções que exemplificam o exposto acima são:
"Eu acho que uma coisa que é ruim aqui é a falta de planejamento"
"Acho que o brasileiro é mais executor do que planejador, você tem pressão por resultados a curto pra-
zo, e por conta disso o planejamento tem um papel menor versus a execução"
"Um alemão, um belga, são pessoas que têm que ter tudo planejado, sabendo muito claramente onde
quer chegar, pra depois sim começar a agir e montar o time. Então, é um pessoal que só age, quando
80
tem certeza que vai atingir o resultado final. O brasileiro não, ele é aquele que tem uma idéia, sabe onde
quer chegar, não dispõe dos meios pra chegar ainda. Mas ele faz um balanço do possível chegar versus
o risco que ele tá correndo, e vai pra frente"
"Acho que os gestores brasileiros precisam ter um pouco mais de força pra poder fazer um plano estru-
turado, para ter metas, para poder fazer o controle das metas que está atingindo, para saber o que fazer"
"Aqui as regras ficam mudando. A estrutura regulamentaria, legal muda muito e isso dificulta o plane-
jamento a longo prazo"
"Aqui as pessoas trabalham muito juntas. Quando tem uma crise elas deixam tudo e vão cuidar da crise.
Elas deixam muitas coisas até a crise acontecer....depois vão para outras crises. O planejamento por dia,
do dia-a-dia não é bom"
Por outro lado, há entrevistados que acreditam que, em termos históricos, o planejamento das
atividades nas organizações no Brasil teria evoluído. Os depoimentos enfatizam que o contex-
to nacional estaria se tornando menos instável nos últimos anos e que por isso a utilização de
técnicas de planejamento estaria crescendo – apesar de ainda ser reduzida comparativamente a
outros países. Tal tendência de crescimento, em termos históricos, é ilustrada por meio do
Gráfico 1: 11 de 23 respondentes concordam que atualmente são utilizadas técnicas de plane-
jamento para obtenção de maior previsibilidade nas ações. As seguintes afirmações foram
observadas:
"Acho que estamos evoluindo, por isso que o planejamento nas empresas está ganhando força. Se você
olhar, o planejamento está cada vez mais aumentando o seu espaço. Então, em termos históricos eu acho
que melhorou. Mas em termos comparativos com outros países, acho que ainda tem muito o que desen-
volver"
"No Brasil a gente enxerga que ainda tem muitas empresas que ainda não dão tanta importância [ao pla-
nejamento], ainda precisam comprar mais a idéia. Mas se percebe a evolução, ela é nítida"
"A Empresa X é um exemplo claro disso. A Empresa X, o viés histórico dela é de execução. E aí, coisa
de 2, 3 anos que ela começou a instituir o planejamento a todas as empresas. Pensando num planeja-
mento de 5 anos..."
Gráfico 1: Técnicas de planejamento organiza-
cional são frequentemente utilizadas como ga-
rantia de maior previsibilidade nas ações
Gráfico 2: Existe grande quantidade de regras e
procedimentos formalizados como suporte à
tomada de decisões e à realização do trabalho
8
4
11
Discordo NCND Concordo
10
6
7
Discordo NCND Concordo
81
4.1.2 Formalismo
Com relação à categoria temática do formalismo, dois grandes temas surgiram: a atuação na
informalidade e a falta de formalismos nas organizações.
As respostas dos entrevistados revelam que as inconsistências do contexto brasileiro princi-
palmente aquelas relacionadas a aspectos legais, fiscais e tributários levam muitas empresas
no Brasil a operar na informalidade. Os entrevistados relacionam essa informalidade a diver-
sos aspectos da gestão das organizações no país, como, por exemplo, a necessidade das orga-
nizações serem mais eficientes na gestão dos seus negócios e em suas operações. Algumas
citações a esse respeito foram:
"Pra fugir dos impostos, o empresário brasileiro vai ter que fazer alguma coisa informal. Todas essas in-
consistências no ambiente geram uma insegurança muito grande pra qualquer empresário e pra qualquer
business aqui"
"Acho que aqui realidade do setor de supermercados, por exemplo, você tem que conseguir viver muito
com a informalidade. Você tem um concorrente, por exemplo, que não existe lá em Portugal... os su-
permercados com carga roubada, que não pagam os encargos sociais dos funcionários e tem uma estru-
tura de custos muito injusta com relação à sua. Então você tem que ser muito melhor se quiser seguir as
regras todas, você tem que ser muito mais eficiente na gestão das pessoas, na gestão das suas opera-
ções...porque você concorre com quem não tem alguns custos fiscais ou outros...então aí você tem que
gerir com mais rigor"
"As empresas internacionais que entraram no Brasil nesse setor tiveram muita dificuldade, e uma das
coisas foi por causa disso (informalidade), a concorrência mesmo as feiras de rua que não tem custo ne-
nhum.. então tem que desenvolver outras coisas que essas pessoas não tem que desenvolver: uma boa
marca – as campanhas de publicidade aqui são fantásticas"
As afirmações dos entrevistados apontam também para o fato de que os brasileiros possuem
pouca tolerância a normas, regras e procedimentos formalizados no regimento das atividades
diárias. Essa tendência pode ser observada no Gráfico 2 colocado anteriormente: 10 de 23
entrevistados discordam da existência de grande quantidade de regras e procedimentos como
suporte à tomada de decisão. Para os entrevistados, os brasileiros não possuem apego a siste-
matizações, padronizações e formalizações de processos e não gostam das atividades sendo
realizadas sempre da mesma maneira. Ao mesmo tempo em que preferem as atividades sendo
realizadas e conduzidas com um grau maior de abertura para criatividade – em oposição aos
formalismos – a tolerância à formalização dos processos é algo que estaria crescendo em fun-
ção das mudanças recentes nos contextos nacional e internacional. As afirmações abaixo ilus-
tram esse ponto:
82
"Em outros lugares tudo funciona com normas e procedimentos. No Brasil é tudo mais informal. Lá fora
tudo tem que ter regra e formalização. Lá, se um passo acaba, acaba o processo. Aqui vai-se aos trancos
e barrancos. A barreira, quando você ver, já ficou para trás"
"Acho que aqui há um menor apego à sistematização e padronização de processos. Embora a gente faça
isso, não há um grande apego ou valorização"
"Aqui no Brasil se tem uma tolerância menor para a sistematização, pra padronização, e formalização de
processos. Eu vejo nossas empresas fazendo isso também, mas sinto de maneira geral uma tolerância
menor pra isso e uma valorização menor desse processo. Acho que a gente valoriza muito mais essa
nossa capacidade de criar coisas novas, de lidar com ambigüidade do que ter coisas que funcionam
sempre do mesmo jeito. Acho que talvez seja uma mudança desse contexto mais recente, mas empresas
brasileiras hoje levam a sério a formalização, a padronização dos processos, ou pelo menos se não de
uma maneira absoluta, de uma maneira relativa, ou seja, estão mais preocupadas com isso hoje do que
estavam há cinco anos atrás"
4.1.3 Jeitinho
A capacidade do brasileiro de “dar um jeitinho”, de burlar as regras existentes a favor de al-
guma situação benéfica para si foi um tema citado pelos entrevistados. No entanto, o enfoque
que a maioria dos depoimentos deu ao tema foi negativo. O jeitinho brasileiro é percebido
como um problema, algo negativo para o país, apesar de poder ser positivo ao indivíduo em
suas situações particulares. Os depoimentos relacionam o jeitinho à possibilidade de instabili-
dade que ele gera e de falta de confiabilidade nas instituições no país. O Gráfico 3 demonstra
que o jeitinho brasileiro ainda é empregado e utilizado no país: 18 de 23 entrevistados con-
cordam que, em situações proibidas legalmente, as pessoas acreditam que podem “dar um
jeitinho”. Algumas das afirmações foram:
"Os alemães são disciplinados, às vezes colocam as regras acima dos fins. Os americanos..é difícil tam-
bém quebrar a regra. Ambos são muito mais disciplinados e organizados. O brasileiro às vezes tenta en-
contrar uma maneira de burlar a regra. No Brasil tem muito aquela coisa “vou dar um jeito de fazer isso
funcionar para você...”
"Acho que o brasileiro tem a tendência muito arraigada nele de onde ele puder talvez facilitar a vida de-
le no dia-a-dia ele vai tentar dar uma relaxada nas regras...a não ser que isso seja muito cobrado com
auditoria interna e externa...Se não tiver muito problema ele acaba dando um jeitinho assim de não pre-
encher tanta planilha, se puder ele dá uma relaxada..."
"Muitos profissionais têm aquele jeitinho brasileiro pra trabalhar. Acho que o jeitinho brasileiro é posi-
tivo para os profissionais, mas negativo para o país"
"O jeitinho brasileiro é um problema...a questão de burlar as coisas...isso gera instabilidade. Quer dizer,
você vai investir num país que vai dar um jeito de quebrar o contrato? E burlá-lo?"
83
Gráfico 3: Algumas vezes, as pessoas acreditam
que quando se defrontam com situações proibi-
das legalmente podem “dar um jeitinho” de
burlá-las
Gráfico 4: Em geral, as decisões que as pessoas
tomam nas organizações no Brasil são mais ori-
entadas para o longo prazo
4.1.4 Gestão do tempo
Dos relatos dos entrevistados surgiram dois temas que dizem respeito à relação que as pessoas
possuem com o tempo. O primeiro relaciona-se ao gerenciamento ineficiente do tempo para
realização das atividades no dia-a-dia de trabalho. O segundo remete à orientação ao curto
prazo para realização das atividades.
O gerenciamento do tempo nas organizações no Brasil, segundo os relatos dos entrevistados, é
feito de maneira ineficiente. Em geral, as afirmações indicam que há postergações freqüentes
e constantes na entrega de trabalhos e de compromissos assumidos e no processo de tomada
de decisão. Há grande dificuldade para cumprimento das atividades e prazos estabelecidos,
pouca disciplina para condução de reuniões e pouca produtividade no trabalho, como apontam
as afirmações abaixo:
"Vamos supor que temos um projeto e temos que entregar quinta-feira. Se entregamos segunda, tudo
bem. Não tem problema. O estilo de trabalho é assim"
"Então aqui é comum a gente chegar 15 minutos atrasado pra uma reunião, lá [EUA] isso é inadmissí-
vel"
"Pra mim as pessoas aqui têm hora pra começar uma reunião, mas não tem hora pra terminar. Eles co-
meçam falando uma coisa, vão para outra e outra e talvez voltam para o assunto inicial. Tem pouca dis-
ciplina com esse tipo de coisa. Não é boa a disciplina com reuniões"
"Aqui, se você tem uma reunião você fala sobre as coisas, e próxima semana você tem outra reunião pra
falar sobre as mesmas coisas. Todo mundo fala, tá bom, próxima reunião...Porque não se faz agora? Fi-
ca sempre para a próxima reunião...."
"Eles [os brasileiros] trabalham muito aqui, muitas horas de trabalho. Não sei se eles conseguem fazer
tudo o que precisam no dia, mas gastam muitas horas. Gastam muitas horas também tomando café, com
o almoço, essas coisas"
2
3
18
Discordo NCND Concordo
15
3
2
Discordo NCND Concordo
84
Os depoimentos dos entrevistados também apontaram a falta de visão e de pensamento para
períodos mais longos e a tendência dos comportamentos individuais e organizacionais estarem
focados no curto prazo. O Gráfico 4 colocado anteriormente revela que 15 de 23 entrevistados
discordam que em geral as decisões no Brasil seriam orientadas ao longo prazo. As afirma-
ções abaixo ilustram esse tema:
"Acho que falta consistência em entender o que vai acontecer num período mais longo...e você focar na
visão, ao invés de ficar dando tiro para todos os lados"
"[No Brasil] se tem que gerar resultados a curto prazo, a demanda é essa. Acho que o Brasil tem esse
viés, de resultados a curto prazo"
"Agora, outra diferença que senti, é que as pessoas tem uma visão de gestão mais a curto prazo, aqui"
4.1.5 Flexibilidade
Dois temas compõem a categoria temática da flexibilidade: a capacidade de adaptação e a
criatividade.
Os entrevistados relataram que as decisões no Brasil são tomadas de maneira bastante ágil e
que há muita flexibilidade para mudanças e para alterações constantes nas atividades. Essa
capacidade de adaptação aconteceria muitas vezes em função da conjuntura econômica e so-
cial e dos ajustes necessários ao contexto. Tal capacidade de adaptação a mudanças pode ser
observada no Gráfico 5: 19 de 23 entrevistados concordam com essa afirmação. O executivo
brasileiro é visto também como versátil e flexível. Algumas afirmações dos entrevistados fo-
ram:
"Acho que o Brasil está tão acostumado com problemas que ele fala “olha, a gente teve isso antes e não
morreu, estamos vivos ainda, então vamos continuar”. Essa característica é importante. E, isso acaba le-
vando a uma outra característica do brasileiro. A adaptabilidade"
"O brasileiro está acostumado, entra crise, sai crise. Ele sabe se adaptar a uma situação nova. Isso traz
versatilidade pro executivo. E acho que versatilidade em um ambiente dinâmico e globalizado é funda-
mental"
"A flexibilidade para mudar idéias é algo bom, vamos supor que estamos reduzindo as pessoas aqui ou
que estamos mudando a estratégia, aqui tem uma flexibilidade que dá pra fazer isso bem rápido. Na Su-
écia para cortar duas pessoas você fala, todo mundo tem que estar de acordo, demora muito tempo, é
uma coisa bem sensível. Aqui faz parte, as coisas mudam mais. Se as vendas estão baixas, então você
tem que cortar pessoas. É normal"
"Aqui você decide rápido, está acostumado a mudar. E depois a mentalidade das pessoas no Brasil, to-
dos entendemos que temos que mudar, que amanhã faremos alguma coisa diferente do que fizemos on-
tem. Assim não é um choque quando o jogo muda completamente, temos que reduzir os turnos nas fá-
85
bricas, ou temos que mudar a produção e fazer refrigeradores frost-free para exportar para a Europa...
Esses são tipos de decisões que levariam meses de discussão e aconselhamento na Europa, e aqui é fei-
to muito rapidamente. De maneira muito lógica e sensível"
Gráfico 5: As pessoas possuem grande capacida-
de de adaptação a mudanças
Gráfico 6: As pessoas são tratadas de forma
igualitária independentemente do cargo que
ocupam na estrutura da empresa
A criatividade dos brasileiros é outro elemento que esteve bastante presente nos depoimentos
dos entrevistados. As afirmações giraram em torno de duas vertentes: da capacidade criativa
no dia-a-dia de trabalho, na resolução das atividades diárias e da criatividade para encontrar
novas soluções em situações inesperadas, inusitadas, difíceis e de muita pressão. Os entrevis-
tados mencionam ainda que a criatividade surge, muitas vezes, em função do contexto contur-
bado e por vezes errático que o país seguiu e segue. A capacidade criativa que o brasileiro
possui seria ao mesmo tempo algo interno, algo de que ele “necessita”, e algo externo, uma
capacidade para lidar com situações impostas pelo contexto. Alguns relatos sobre criatividade
foram:
"O brasileiro gosta de atalhos, é criativo, então isso é muito vantajoso. Saem coisas maravilhosas aqui.
Por exemplo, quando estou num projeto, deixo aberto o final, o que é pra entregar, deixo no começo
bem definido o que o cliente quer, precisa, etc, e falo, “agora, como vai fazer é com você”. E saem do
outro lado, coisas, produtos, maravilhosos"
"[No Brasil] não se pode ser muito fechado, não estar aberto..porque vão vir coisas boas, vão vir coisas
novas. É preciso estar aberto pra conseguir acompanhar esse pensamento criativo. Se não conseguir a-
companhar esse pensamento criativo a pessoa fica frustrada no Brasil facilmente"
"Uma característica única do brasileiro é a criatividade para resolver questões que jamais passaram pela
frente das pessoas. Você põe dois brasileiros numa sala pra resolver um problema, eles vão fazer um
brainstorming e vão resolver o problema"
"E é inegável que no ambiente empresarial brasileiro você tem uma taxa de inovação e flexibilidade
bastante grande comparada com outros contextos"
"Então, numa conjuntura que é difícil, que tem várias limitações, que é marcada por essa trajetória errá-
tica, você é pressionado mais facilmente pra gerar inovações e soluções criativas o dia todo, o tempo to-
do. Eu diria que o traço fundamental é uma tolerância maior das empresas brasileiras a lidarem com es-
sa questão da ambigüidade, é não precisar ter todas as informações, ou ter um caso muito claro pra se-
guir adiante. E isso favorece e estimula a inovação, de alguma forma"
3
1
19
Discordo NCND Concordo
3
17
3
Discordo NCND Concordo
86
4.1.6 Desigualdade de poder
A pouca noção de igualdade existente entre indivíduos nas organizações foi relatada e comen-
tada por grande parte dos entrevistados. Os relatos indicam que há considerável distância en-
tre as pessoas que compõem o topo da organização e a gerência média e entre a gerência mé-
dia e a base operacional. O topo da organização é visto, em geral, como algo isolado dos de-
mais indivíduos.
Outra sensação que os entrevistados possuem é a de que grande esforço é feito para que a
“barreira” para a gerência média seja ultrapassada. No entanto, a percepção é a de que ao se
tornarem gerentes, as pessoas se acomodam nesta posição e se sentem confortáveis com o
poder e com o status que ela fornece. A partir daí, pouco esforço é feito para um contínuo
aperfeiçoamento das funções gerenciais, para mudanças comportamentais que se mostram
necessárias e para evolução profissional.
Em geral, os relatos a respeito da distância de poder e desigualdades entre as pessoas nas or-
ganizações apontam para estruturas organizacionais ainda bastante hierarquizadas. O Gráfico
6 colocado anteriormente mostra que 17 de 23 entrevistados discordam que as pessoas são
tratadas de forma igualitária independentemente do cargo ocupado na estrutura da empresa. O
Gráfico 7 mostra que a maioria dos entrevistados – 18 de 23 – concorda com o fato de que as
relações entre as pessoas são fortemente influenciadas pelo cargo que elas ocupam. Alguns
comentários a esse respeito foram:
"No Brasil é tudo muito devagar, acho que a grande diferença é que é bem hierárquico. Tudo vai um
pouquinho mais devagar porque você tem que vender as idéias para várias pessoas antes de tomar deci-
sões"
"Aqui acho que a gente tem evoluído, mas que a cultura empresarial de hierarquia ainda é muito ru-
im...o chefe tem a sala dele com a porta fechada e pra poder falar com o chefe você tem que pedir pelo
amor de Deus pra secretária por favor, se não for muito incômodo, e se tiver uma brecha na agenda de-
le, pra você ir falar com ele"
"O que eu percebi quando cheguei aqui no Brasil é uma grande diferença entre o middle e o top mana-
gement. O que eu senti foi um isolamento muito grande do top management se comparado ao que eu via
na Europa. Não tem muitos links diretos para o top management, para eles estarem sempre informados
do que o middle management estava fazendo. Então tinha, na maioria das vezes, o presidente e os vice-
presidentes e tinha os gerentes. Mas não tinha esse meio termo "
"Já é uma coisa hereditária aqui. As pessoas pensam, quando eu for vice-presidente já não vou fazer is-
so, nem isso...."
87
"Aqui falta para os gestores curiosidade natural para seguir lendo, seguir se informando. Estou falando
de alguém que já está established as a manager. Já conseguiu a posição que ele quer. Se você comparar
essa pessoa na Alemanha ela estaria se enchendo de informação. Aqui eu acho que é um pouco mais,
olha, já consegui e não vou mudar. Ele se acomoda. Acha que já chegou na gerência e pára de se infor-
mar. As pessoas acham que já se mexeram bastante antes de conseguir chegar a ser chefe, essa é a men-
talidade"
"O brasileiro, ele é muito ligado a status.... o americano não tem muito isso. Então, aqui, status ser
um diretor com uma sala só sua, a autoridade, poder sabe, o brasileiro é muito seduzido pelo poder...O
americano não é tanto...então, o chefe americano não se sente mais importante porque ele tem uma sala,
porque que ele tem autoridade e poder, não é isso que seduz o americano. Ele é mais seduzido pelo re-
sultado. Não importa dentro da empresa se você tem o carro xyz...bom lá é quem dá resultado"
Gráfico 7: As relações entre as pessoas são for-
temente influenciadas pelo cargo que elas ocu-
pam
Gráfico 8: As pessoas aceitam as decisões de seus
gestores imediatos sem questioná-los
4.1.7 Autoritarismo
Os relatos dos entrevistados apontaram para o receio que os indivíduos no Brasil possuem de
expressão daquilo que pensam e sentem no ambiente organizacional. Para alguns dos entrevis-
tados, o brasileiro possui medo de ter iniciativas próprias e de desafiar aquilo que seus superi-
ores pensam ou ordenaram fazer. O comportamento que geralmente se segue é o da aceitação,
da docilidade e da submissão ao direcionamento dado pelos superiores. As pessoas fazem
aquilo que lhes é dito para fazer. Não há desafio de ordens e direcionamentos. O respeito à
autoridade é algo tão presente no contexto organizacional brasileiro que chega, por vezes, a
ser mais importante do que a própria resolução das atividades e funções. O Gráfico 8 coloca-
do anteriormente mostra que 12 de 23 entrevistados concordam que as pessoas aceitam as
decisões de seus superiores sem questioná-los. O que disseram alguns dos entrevistados a esse
respeito:
"O brasileiro ainda tem medo da autoridade. Ele pode até saber o que ele deve fazer. Mas ele pensa, não
vai funcionar por causa disso. Eu tenho como alternativa B, C e D. Eu gostaria de fazer C. Ele não ne-
cessariamente vai sair fazendo. Ele vai pedir autorização primeiro. Ele vai ter medo de por iniciativa
própria sair fazendo"
2
3
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Discordo NCND Concordo
4
7
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88
"Os trabalhadores brasileiros fazem do jeito que uma pessoa com cargo mais alto falou para eles faze-
rem, eles já sabiam de cara que o caminho não era por aí. Mas eles não falam [...]. O que pode se cha-
mar também um pouco de “sim senhor, sim senhor, sim senhor, de baixar a cabeça”
"É difícil para os brasileiros desafiarem o que alguém está dizendo ou sugerindo, particularmente se es-
sa pessoa é hierarquicamente superior. No estilo europeu, nós não acreditamos em tudo o que as pessoas
nos dizem. É possível dizer “olha, desculpa, você está me dizendo algo, mas eu não acredito”. Mesmo
se a pessoa for hierarquicamente superior. Os brasileiros dizem ‘sim’ muito frequentemente. O pensa-
mento é, se alguém que é superior a mim diz algo, ele deve estar certo. É preciso um pouco mais de de-
safio na hierarquia"
"Às vezes o respeito à autoridade na relação chefe-funcionário na nossa cultura é mais importante do
que a rapidez com que o problema tem que ser resolvido. O respeito à autoridade, à regra é mais impor-
tante...você tem que seguir essa regra de que ele [chefe] é autoridade e que você não pode simplesmente
ir entrando na sala dele falando ‘olha, tem um problema que a gente precisa resolver’. Tem diretores nas
empresas aqui que pensam ‘nossa, como é que esse funcionário entra na minha sala e já vem falando
comigo?’"
4.1.8 Evitar conflito
A categoria temática da necessidade de se evitar o conflito constitui-se a partir de dois temas:
a busca por consenso e o medo do confronto.
No primeiro caso, os entrevistados mencionam que, em geral – isto é, não somente com rela-
ção aos líderes, mas também com relação aos pares – as decisões no Brasil tendem a caminhar
para um consenso. Para o caso da relação com líderes, o Gráfico 9 mostra que 21 de 23 dos
indivíduos pesquisados concordam que em situações de conflito com gestores, as pessoas pre-
ferem uma posição conciliadora. As seguintes afirmações indicam esse posicionamento:
"Mas, talvez no Brasil o processo de tomada de decisão é mais diluído, há uma dimensão de consenso
maior"
"O brasileiro odeia conflito. Faz o que for preciso para evitar"
“....Depende da empresa. Mas, tentando fazer uma média, eu diria que o brasileiro tende, mais que a
média da América Latina e mais que os americanos com certeza e menos que os europeus a caminhar a
um consenso”
“O estilo americano é diferente. Eles falam vai ser assim, e como são muito racionais, pronto. Vai ser
assim. O brasileiro não tanto. O brasileiro tende a procurar um consenso”
89
Gráfico 9: Em situações de conflito de opiniões
com gestores ou líderes, as pessoas preferem
uma posição conciliadora
Gráfico 10: As pessoas preferem que os líderes
sejam responsáveis pela resolução de problemas
importantes nas empresas
Os entrevistados relacionaram o medo do confronto tanto nos relacionamentos com indiví-
duos do mesmo grupo quanto com os líderes. Os depoimentos dos entrevistados indicam que
em situações de conflito entre os indivíduos integrantes de um mesmo grupo – colegas de
trabalho – as pessoas no Brasil não agem de maneira direta e objetiva e sentem-se desconfor-
táveis em explicitar situações constrangedoras. Nas relações entre líderes e liderados, o brasi-
leiro também evitaria as discussões: pontos de vistas individuais muitas vezes não são coloca-
dos e críticas não são verbalizadas. O que as afirmações dos entrevistados revelam é que o
brasileiro desenvolve mecanismos de convivência com conflitos e divergências, pois não vis-
lumbra oportunidades – reais ou imaginárias – de resolução objetiva. O humor é citado como
válvula de escape a essas situações. Algumas das afirmações foram:
"Em Israel o pessoal é mais desbocado, é muito duro esse pessoal porque é um pessoal que vive em uma
situação bélica há mais de 50 anos. O pessoal é muito direto. Olha pra sua cara e diz, olha, não gosto de
você. Discordo totalmente do que você falou, tudo o que você falou é besteira, e eu vou fazer assim. E
isso você não vê no Brasil"
"Muitas vezes o funcionário vê que a decisão está errada mas não vai entrar em confronto com ela. Pode
ter até um olhar crítico, mas na maior parte das vezes essa crítica não é explícita. As pessoas não verba-
lizam essa crítica. Elas olham para o estrangeiro, vêem as discrepâncias e erros mas não manifestam e
nem contradizem o chefe"
"Com relação ao conflito, o alemão, por exemplo, é um cara que vai se sentir muito mais confortável em
te dizer olha, você não está fazendo certo, você agiu errado, eu não gostei do que você fez, essa é uma
postura incompetente, isso não significa que ele gosta menos ou mais de você, mas ele tem mais facili-
dade em lidar com o conflito. O brasileiro sofre pra dizer isso, ele dá nós na gravata antes de dizer pra
você olha, você fez um negócio que eu não gostei, porque ele acha que ao dar um feedback negativo ou
expor o conflito ele vai comprometer a relação e como a relação é importante pra ele, ele sente dificul-
dade"
"No Brasil você convive com o conflito sem muitas vezes expor abertamente, sem resolvê-lo. Eu esco-
lho mecanismos, válvulas de escape para conviver com o conflito sem resolvê-lo necessariamente. As
pessoas discordam do chefe e acham a pessoa incompetente, mas ao invés de confrontarem esse chefe,
elas fazem piadas e se descomprometem, acham uma solução criativa para conviver com isso mais tem-
po. O humor nessa situação, no caso brasileiro, é a grande válvula de escape"
11
21
Discordo NCND Concordo
22
19
Discordo NCND Concordo
90
4.1.9 Postura de expectador
A categoria temática de postura de expectador foi identificada a partir de três grandes temas.
O primeiro deles é a transferência de responsabilidades: os entrevistados comentaram que as
responsabilidades são constantemente diluídas dentro das organizações – principalmente as
grandes organizações – dificultando a atribuição de responsabilidades individuais. O segundo
elemento, relacionado ao primeiro, aponta para o fato de que as pessoas preferem que indiví-
duos em posições hierarquicamente superiores sejam responsáveis pela tomada de decisão e
pela resolução de problemas importantes para a empresa. O terceiro é a necessidade de con-
trole das atividades, isto é, a falta de autodeterminação para realização das tarefas: os relatos
indicam a necessidade de constante acompanhamento, controle e cobrança das tarefas para
que o trabalho seja realizado conforme acordado. O Gráfico 10 colocado anteriormente rela-
ciona-se ao segundo elemento e indica que 19 de 23 entrevistados concordam que as pessoas
preferem que os líderes sejam responsáveis pela resolução de problemas importantes nas em-
presas. O Gráfico 11 está relacionado à constante necessidade de controle e cobrança das ati-
vidades indicando que 11 de 23 entrevistados discordam que as pessoas realizam suas ativida-
des por autodeterminação. As afirmações abaixo demonstram essas idéias:
"Lá fora você põe um objetivo, você define muito claramente os recursos pra pessoa, tempo que ela tem
disponível, dinheiro que ela tem disponível, e ela vai lá e faz. No final ela te entrega. Aqui no Brasil vo-
cê tem que ficar cutucando. Você tem que colocar pontos de controle em paralelo pra ver acontecer"
"Se é um tema que o top management quer que seja discutido, ouvido, que eles consideram que outros
tem que ser envolvidos, então eles chamam um monte de gente. Chamam mais um monte que precisa
ser envolvida, e qualquer reunião que na Europa teria 4 ou 5 pessoas já tem 12...e é uma confusão e daí
gera a desreponsabilização que te falei. A reunião gera reunião, e chama mais pessoas pra fazer a reuni-
ão e nunca ninguém decide nada. É a desresponsabilização"
"E outra coisa, ultimamente estou num projeto bastante grande, e tenho que cobrar todo mundo o tempo
todo. Tem que ficar como pai ou mãe chatos. O Brasil é assim, tem que cobrar todo mundo sempre. E
isso é chato. Lá na Suécia você tem uma reunião, decide-se que tem que fazer isso, isso e isso e a gente
se encontra 2 meses depois e acabou. Todo mundo deixa para o último dia e depois não tem tempo pra
terminar em tempo. Normalmente então eu tenho que mentir sobre os deadlines, colocar um mês antes
do que realmente é...."
"Nos Estados Unidos principalmente as pessoas contam que as pessoas em cargos importantes vão to-
mar a decisão, e aqui também"
"Na minha opinião, acho que aqui para as coisas darem certo, 80% depende do líder"
91
Gráfico 11: As pessoas realizam seus trabalhos
por autodeterminação
Gráfico 12: As pessoas procuram desenvolver
um relacionamento próximo e afetivo com as
pessoas com as quais trabalham
4.1.10 Personalismo
Quatro foram os temas encontrados que dizem respeito à categoria do personalismo: a impor-
tância dos relacionamentos pessoais em geral, a busca por relacionamentos próximos e afeti-
vos, a importância do relacionamento para o desempenho e a tendência do relacionamento
profissional se tornar pessoal.
Os entrevistados apontaram a importância dos relacionamentos pessoais para os negócios.
Segundo eles, a rede de amigos que se possui funciona como algo determinador ou não da
realização dos negócios no país, pois relacionamentos de confiança e intimidade valem por
vezes mais do que a competência técnica que se possui. O gerenciamento dos relacionamentos
pessoais também é fundamental para o trabalho em equipe – com subordinados ou pares – e
mesmo para o relacionamento com superiores. A qualidade dos relacionamentos pessoais fun-
ciona também como determinadora de um bom ambiente de trabalho e do grau de qualidade
de vida, tal a importância que possui para os indivíduos. Os depoimentos reforçaram que o
Brasil é um país que funciona por relacionamentos. Abaixo, algumas afirmações a esse respei-
to:
"Aqui você vai até certo nível com política e de um nível pra baixo é amizade pura. E você faz negócio
só porque é amigo mesmo. Então tem uma coisa muito ruim aqui que é, a competência foi substituída
pela amizade"
"Aqui muitos negócios são feitos na mesa de restaurantes... E se acaba tendo aquela relação de confian-
ça, descobre que sua esposa é prima de não sei quem, etc... O americano, você começa a falar disso, ele
começa a arrepiar. Não sabe conversar sobre isso. São super caretas nesse sentido. Não tem essa intimi-
dade"
"Às vezes você pode nem ser fornecedor de uma solução nota dez, mas o cara fala, olha, eu estou acre-
ditando nessa pessoa. Então existe um laço. Um sabor local de muita confiança"
11
6
6
Discordo NCND Concordo
0
2
21
Discordo NCND Concordo
92
"Acho que em todo trabalho em equipe o relacionamento é muito importante, você gerenciar relaciona-
mentos. E não precisa necessariamente ser um subordinado seu, pode ser seus peers. Eu trabalho muito
com peer. Isso é chave"
"Qualidade de vida aqui é eu ter qualidade no ambiente de trabalho, é eu ter academia dentro da empre-
sa, é eu ter o happy hour com os colegas, é ter o clube da organização. O que faz um ser humano deixar
de ir numa academia da sua escolha pra ir na academia da empresa? Você está então ali se relacionando
com as pessoas do seu ambiente de trabalho"
"Para um executivo europeu ou anglo-saxão, a intenção dele não é o desenvolver laços de amizade ou
de coleguismo muito estreitos. A relação está no limite ali da troca necessária para realizar a tarefa. A
gente tem a necessidade no nosso ambiente de trabalho de criar um ambiente onde as pessoas interagem
e convivem bem e qualquer problema de relacionamento logo assume muitas vezes uma dimensão de
importância que a gente não vê em outros lugares"
Segundo os depoimentos dos entrevistados, as pessoas no Brasil – nos contextos de gestão –
buscam relacionamentos próximos e afetivos. Para se trabalhar no país é preciso estar muito
aberto e receptivo às interações e à proximidade. Situações como almoços em grupo, encon-
tros para o café e após o expediente, por exemplo, são momentos e eventos que promovem a
interação, a proximidade e o afeto que as pessoas buscam e que consideram necessários à atu-
ação dentro das organizações no país. O Gráfico 12 colocado anteriormente indica que 21 de
23 entrevistados concordam que as pessoas procuram desenvolver um relacionamento afetivo
com aqueles com os quais trabalham. Algumas afirmações confirmam essa característica:
"O cara [alemão] ia pra uma reunião com o cliente, fazia um brainstorming, um workshop, voltava pra
sala, sentava no computador dele, passava tudo a limpo, planejava o dia seguinte, tudo de forma bem
sistemática. E não tinha uma margem pra interação pessoal"
"Acho que essa coisa da proximidade dos toques fantástica. Quantas vezes as pessoas se tocam?! E é as-
sim mesmo. Isso pra mim é único do Brasil"
"Não me agradava o estilo dele [alemão]. Eu achava muito fechado. Acho que ao longo do tempo isso
na sua vida acaba sendo um problema. Então eles eram bem produtivos, eficientes, focados. Não tinha
margem pra bater papo, tomar café"
"Os americanos não tem, por exemplo, essa cultura que a gente tem de almoçar junto, isso fez muita fal-
ta pra mim, eles não saem muito pra almoçar... muitos comem na frente do computador, trazem coisas
de casa...."
Os depoimentos dos entrevistados apontaram para outro desdobramento da importância dos
relacionamentos pessoais: a obtenção de produtividade e de melhor desempenho e performan-
ce individual e de equipe. Os relatos mostram que as pessoas no Brasil precisam sentir que as
dificuldades que possuem para realização do trabalho são compreendidas pelos superiores e
são compartilhadas com eles. Em geral, é preciso que um acompanhamento próximo, pessoal
e afetivo seja feito, pois as pessoas sentem a necessidade de amparo e suporte. A socialização
– tanto dentro quanto fora da organização – também constitui um elemento, segundo os rela-
93
tos, que impacta o desempenho e a produtividade individual e de equipes. A seguir, algumas
declarações a esse respeito:
"Os gestores têm em conta muito isso, têm que entender as dificuldades que você tem para entregar esse
trabalho"
"Nos EUA é assim, nós temos que fazer um trabalho e pergunto, você consegue? Se sim, pronto, tchau.
No Brasil, não. Mesmo se a pessoa consegue, tenho que fazer assim: bem, olha lá, vamos fazer juntos.
O que você acha dessa parte? Difícil? O que você acha? Vamos tomar um cafezinho amanhã, pra ver
como está andando e tal?"
"Eu prefiro o estilo brasileiro de trabalhar. De você no cafezinho poder falar sobre futebol, etc, acho is-
so importante. Impacta tua produtividade no trabalho. Te motiva mais, isso te ajuda no trabalho em e-
quipe. Aliás, é fundamental no trabalho em equipe"
"Se eu quero uma performance extraordinária de uma pessoa que trabalha pra mim eu vou ter que levar
essa pessoa pra tomar uma cerveja e pra almoçar de vez em quando. E vamos ter que falar besteira jun-
tos. Essa socialização fora do trabalho vai ser importante. E ela tem que sentir ajudada, em alguns pon-
tos...que não necessariamente estejam voltados ao trabalho. Eu acho que essa é a maneira de se conse-
guir uma performance extraordinária de um recurso no Brasil"
Por fim, um último tema identificado dentro da categoria do personalismo foi a convivência
dentro do ambiente organizacional do mundo da casa, da família e da comunidade com o
mundo do trabalho. Os depoimentos dos entrevistados indicaram que essas duas esferas da
vida das pessoas nas organizações no Brasil comumente se fundem e sua separação é de difí-
cil visualização. Alguns relatos qualificaram essa mistura como algo essencial para produtivi-
dade, outros como inevitável. O Gráfico 13 mostra que 16 de 23 entrevistados discordam que
o relacionamento entre colegas de trabalho se restringe às atividades profissionais. As afirma-
ções abaixo ilustram esse aspecto:
"O brasileiro entende que é muito difícil separar trabalho da vida pessoal. Você vai pra casa, não tem
como você deixar de pensar no trabalho. E você vem pro trabalho não tem como deixar de pensar em
coisas de casa, etc"
"Acho que ao trazer a vida pessoal para o trabalho, sua vida fica melhor. Porque você compartilha com
as pessoas. Você até melhora seu trabalho, porque, alguém fala, não, deixa que eu te ajudo com isso a-
qui, eu sei que você tá com aquele problema, eu vou lá e te ajudo. Acho que fica muito mais fácil quan-
do você torna o relacionamento profissional também pessoal"
"Aqui a gente investe em fazer a festa do amigo secreto, a gente investe em trazer o bolinho pra fazer o
café da manhã, é compartilhado como algo muito mais corriqueiro do que em outros ambientes, a gente
comemora a festa junina principalmente se você vai no nordeste...lá quando chega a época da festa juni-
na o sujeito da seção organiza sua festa junina”
"Muitas vezes eu chego nos escritórios da firma lá fora e vejo que quando dá 6 horas o pessoal quer ro-
dar a caneta, ir pra casa e ficar com seus amigos e família. Há uma divisão maior em termos de vida no
trabalho e vida pessoal, relações pessoais e relações de trabalho. É muito menos freqüente essa história
de você combinar os aniversários do mês com uma saída a noite, ou então, onde é que vai ser o happy
hour do mês"
94
Gráfico 13: O relacionamento entre colegas de
trabalho se restringe às atividades profissionais
Gráfico 14: O relacionamento entre as pessoas, a
preocupação com o próximo e a qualidade de
vida dos profissionais são questões importantes
4.1.11 Orientação humana
Dois temas puderam ser relacionados à orientação humana: a preocupação com aspectos hu-
manos e a falta de preocupação com o lado humano. Esse dois temas revelam uma contradi-
ção relevante ao estudo que será explorada no Capítulo 5.
Os entrevistados mencionaram a forte necessidade que o brasileiro possui de ser compreendi-
do como um ser humano – com todas as suas dificuldades, problemas, carências e necessida-
des – antes de ser encarado como um recurso organizacional. Para os entrevistados, no dia-a-
dia de trabalho é preciso que se tenha um interesse genuíno pelo brasileiro, uma capacidade
de empatia e de compreensão de suas particularidades e unicidades. Alguns entrevistados co-
mentaram que o trabalho para o brasileiro não é tudo. As seguintes afirmações ilustram este
tópico:
"Pra se trabalhar no Brasil, tem que ter muita empatia uma grande, uma habilidade de sentir a pessoa,
saber o que está incomodando ela, pra saber lidar do jeito correto. Então olhar, saber se a pessoa tá bem
é importante...."
"O gestor aqui no Brasil tem que ser mais hábil em gerir egos, as pessoas são mais particulares, aqui o
gestor precisa levar em conta as particularidades de cada um. O americano não leva muito essa particu-
laridade dele pra empresa, ele é menos “chorão”. Ele segura mais a onda porque ele sabe que dentro da
empresa ele é mais uma ferramenta. Sabe que tá lá pra ser uma ferramenta da equipe pra gerar resultado.
O brasileiro não, ele antes de ser uma ferramenta ele é ele, tem nome, RG, tem os problemas de-
le...depois ele é uma ferramenta"
"Os gestores têm em conta muito isso. Tem muito o lado humano, a parte de comunicação mesmo, en-
tender as dificuldades que você tem para entregar esse trabalho"
"Tem competitividade, mas o maior foco é no ser humano. Se você compara esta cultura com outras
culturas, você encontra uma dimensão humana mais forte aqui. Uma dimensão de que o trabalho não é
100% tudo, inclusive em São Paulo"
14
7
2
Discordo NCND Concordo
4
16
3
Discordo NCND Concordo
95
Apesar dos comentários que apontam para a preocupação dos brasileiros com a compreensão
dos aspectos pessoais e com as particularidades e unidades do indivíduo no contexto organi-
zacional nacional, outros depoimentos de entrevistados apontaram a falta de preocupação com
aspectos humanos e uma preocupação crescente com os resultados organizacionais. Alguns
entrevistados relataram que a mentalidade da exploração da mão-de-obra é algo bastante pre-
sente. Em geral, paga-se pouco e explora-se ao máximo. Haveria falta de respeito aos indiví-
duos e aos limites que este apresenta e desconsideração com a qualidade de vida do funcioná-
rio. O Gráfico 14 colocado anteriormente indica que 14 de 23 entrevistados discordam que o
relacionamento entre as pessoas, a preocupação com o próximo e qualidade de vida sejam
elementos importantes no Brasil. Os comentários abaixo ilustram esses aspectos:
"Se você pegar, por exemplo, um brasileiro, a gente é muito menos preocupado com pessoas, menos
preocupado com conseqüências. A gente pegou vamos dizer a parte ruim do capitalismo, eu acho. En-
tão, é não ligar pra empregados..."
"Outra situação, por exemplo, é a Empresa Y, um varejista. Até hoje eles fazem o pessoal trabalhar sá-
bado..esquema de varejo trabalhar sábado...horas extras tudo bem, pagam pouco o pessoal, pagam mui-
to baixo, tentam tirar o máximo com o custo baixo do jeito errado"
"Na Europa, a gestão das pessoas é muito mais preocupada, há uma preocupação muito grande com as
pessoas, com a qualidade de vida. Então você não faz a pessoa se matar...você dá uma tarefa pra pessoa
e ela fala ‘olha, não vou conseguir fazer, eu vou ter que deixar outra coisa’ você respeita isso. A pessoa
está te falando o limite dela. E você não vai mandar ela embora porque ela te falou isso". Aqui no Brasil
você mente, você fala que vai no médico....mas não fala pra pessoa que você tem aula de dança do ven-
tre, por exemplo"
"No Brasil, a gente está numa gestão menos humana, mais capitalista, mais financeira da coisa, a Euro-
pa já é muito mais humanista, tem um histórico humanista também, não tem como negar isso. A Europa
é muito mais social, e isso contamina a gestão das empresas. Tem muito mais respeito pelo funcionário,
respeito mesmo"
4.1.12 Orientação a resultados
Os depoimentos dos entrevistados revelaram que a orientação a resultados financeiros se torna
um elemento cada vez mais presente na gestão das organizações no Brasil. O Gráfico 15 indi-
ca que não houve uma predominância nas respostas dos entrevistados com relação aos aspec-
tos humanos ou aos resultados financeiros. Em geral, os entrevistados percebem a orientação
às pessoas como algo presente nas organizações, mas reconhecem também o crescimento da
importância da orientação a resultados e à performance. Alguns dos comentários a esse res-
peito foram:
96
"O pessoal da Europa é mais tranqüilo, com relação a emprego. Preferem qualidade de vida. Aqui no
Brasil a gente quer dinheiro"
"Acho que as empresas aqui estão preocupadas mais com o resultado...em todo mundo também. Elas es-
tão preocupadas com o resultado final da empresa"
"Acho que o profissional no Brasil de hoje tem uma orientação a resultados. Cada vez mais você tem a
necessidade, até pelo efeito da globalização, e pelo efeito cascata na análise do ROI"
"E por mais que ela [solução vendida] seja baseada numa relação de confiança, no mercado local, com a
cultura local, no final de determinado período ela vai ser analisada de um ponto de vista financeiro. A
orientação a resultados é cada vez mais uma realidade, mesmo aqui no Brasil"
Gráfico 15: As pessoas se preocupam mais com
os resultados financeiros e com a competitivida-
de da empresa no mercado do que com as pesso-
as que nela trabalham
Gráfico 16: A adoção de ferramentas estrangei-
ras de gestão é feita sem as devidas adaptações à
realidade das organizações no Brasil
4.1.13 Admiração pelo estrangeiro
A categoria da admiração pelo estrangeiro foi formada a partir de três grandes temas: a ado-
ção acrítica dos referenciais e práticas de gestão internacionais, a adoção com uma postura
crítica e a necessidade de valorização das práticas locais.
Os comentários dos entrevistados revelaram que os brasileiros são bastante abertos aos refe-
renciais e práticas internacionais. Há situações em que as organizações no Brasil se espelham
fortemente nas referências e práticas estrangeiras – principalmente as norte-americanas – atri-
buindo a elas um respeito e uma admiração excessivos. Os comentários abaixo ilustram essa
questão:
"Acho que o brasileiro gosta muito e admira muito o que vem de fora, querem sempre acompanhar ver
etc. Eles têm a abertura de espírito para ver outras coisas e para acessar novas práticas e pra desenvol-
ver"
"O brasileiro ainda olha pra cima quando vem o executivo da América do norte ou da Europa. Eles o-
lham pra cima. Eles têm excesso de respeito. Eles imaginam que os americanos ou os britânicos sabem
de alguma coisa que os brasileiros não sabem. Então tem o excesso de respeito"
9
5
9
Discordo NCND Concordo
12
2
6
Discordo NCND Concordo
97
"Acho que quanto às práticas administrativas que vem de fora o brasileiro ‘paga pau’, acaba aceitando
muito isso. A gente acaba comprando todos os livros que os americanos compram, ‘pagando pau’ pra
todos os gurus como os americanos. Nisso os brasileiros são meio vendidos, compra isso, compra mes-
mo. Pelo que eu vejo a gente aceita muito bem a promessa, a gente acredita na promessa de resolução
dos nossos problemas"
"Acho que a gente aceita as práticas americanas. Ah, o cara é americano, ah o cara é estrangeiro. A gen-
te tem o mito de que o estrangeiro é melhor do que a gente. Isso existe. E não é, é tão errado e certo
quanto. É igual, mas a gente tem esse mito de que o estrangeiro é melhor"
No entanto, apesar do referencial e das práticas estrangeiras ocuparem um espaço significati-
vo na gestão no Brasil, os entrevistados também reconhecem que é forte o movimento dos
brasileiros em direção a um “espelhamento” mais crítico, isto é, a uma adoção de referenciais
e práticas internacionais de maneira mais criteriosa. Os entrevistados comentam que apesar
dos brasileiros olharem para aquilo que está sendo feito fora do país com curiosidade e respei-
to, eles possuem consciência de que os referencias e práticas de gestão internacionais não ne-
cessariamente são adequados ao Brasil e às necessidades das organizações locais. Os brasilei-
ros conseguiriam até mesmo diferenciar aquilo que pode ser adaptado daquilo que não pode
nem ser adaptado e deve ser descartado. Pode ser encontrada ainda nas afirmações dos entre-
vistados a capacidade que o brasileiro possui de “abrasileirar” aquilo que considera necessá-
rio. O Gráfico 16 indica que a leve maioria dos entrevistados, 12 de 20, discorda que as solu-
ções estrangeiras são adotadas sem as devidas adaptações. Algumas das declarações a esse
respeito foram:
'Não acho que eles acham que as idéias que vem de fora são melhores. Acho o contrário. Acho que eles
estão melhorando...quando cheguei aqui pela primeira vez o Brasil era mais fechado. Não estava expor-
tando nem importando muito, agora está abrindo um pouquinho e vendo que tem vantagens em ter co-
nexões com outros países"
"As pessoas tendem a olhar para o que é de fora, acho que de duas formas. Primeiro, com respeito e
com aquele quê de que as melhores práticas estão lá, na maioria das vezes, e que nós temos sempre que
estar olhando o que é feito lá fora. Só que, ao mesmo tempo, até um pouco contra isso, as pessoas tem
um pouco de pé atrás, porque elas falam olha, isso é lá fora, não necessariamente aqui vai funcionar"
"Então, você tem os dois lados. Por um lado você quer olhar para o que é feito lá fora, você quer apren-
der a fazer melhor, mas por outro as pessoas tem um pé atrás quando você vem com uma recomendação
do tipo ‘lá fora é assim, vamos fazer aqui do mesmo jeito’. Porque as pessoas acham que na maioria das
vezes isso não pode ser adaptado ao Brasil. É meio paradoxal"
"Acho que as coisas aqui, com relação ao estrangeiro, são sempre abrasileiradas. O Brasil se adapta
muito aos benchmarks, tem que fazer, não tem jeito. Mas no final termina sendo a forma à la brasileira"
As declarações dos entrevistados apontam também para a necessidade de valorização das prá-
ticas nacionais. Além do brasileiro possuir a capacidade crítica de avaliação da possibilidade
de adaptação ou adoção de práticas e referenciais estrangeiros, alguns dos entrevistados enfa-
tizam que o Brasil deve valorizar mais as práticas e conhecimentos desenvolvidos localmente.
98
Os depoimentos apontam a existência de práticas e conhecimentos desenvolvidos no Brasil
que são valorizados e reconhecidos por outros países e que deveriam ser “exportados” de ma-
neira mais intensa. Alguns dos comentários foram:
"Aconteceu que quando um grupo estrangeiro comprou o BomPreço lá no nordeste eles ficaram muito
impressionados com a capacidade e práticas logísticas que ele tinha. Outro exemplo, acho que o modelo
de carros de baixa plataforma, para carros de baixo custo, desenvolvidos pela Volks ou Fiat aqui no
Brasil foi utilizado lá fora. Há casos desses. No projeto que estamos fazendo atualmente há algumas
práticas sobre distribuição de energia aqui que são bem conhecidas lá fora pelo grupo. Não sei se vão
aplicar lá, mas há um reconhecimento. Há muita coisa daqui a ser escutada"
"Mas o que não acontece, ou acontece pouco, é as práticas brasileiras sendo acessadas lá fora...poderia
acontecer mais. O sistema financeiro é um exemplo. Quando eu cheguei no Brasil, vindo da Itália, lá
uma transferência entre bancos era capaz de demorar 3 a 4 dias. Os bancos italianos são muito ineficien-
tes. Aqui no Brasil é na hora! O país desenvolveu muito a tecnologia bancária. Em Portugal tem um
banco que diz que ganha sempre o prêmio de melhor site de internet banking da Europa. Pode ser que
seja. Mas com certeza é muito pior do que o internet banking que utilizo aqui no Brasil. Não tem como
comparar. Então, acho que essa valorização das práticas deveria ser feita"
"Acho que o brasileiro médio não tem muita confiança em si mesmo e no Brasil. E eles preferem e es-
peram para ver o que um europeu tem a dizer, achando que o europeu deve saber melhor. O que é estra-
nho, porque os europeus bagunçaram suas próprias economias por centenas de anos...então porque as
pessoas pensam que eles saberiam? O EUA é um país difícil, um país vergonhoso em muitos aspectos.
E ainda, quantos brasileiros olham para esses gurus e heróis americanos achando que eles sabem algo
que os brasileiros não sabem? Acho que é justamente o inverso. Acho que os brasileiros poderiam ensi-
nar ao mundo uma grande quantia de coisas...Olhe para Itaipu, por exemplo, e a forma como esse proje-
to foi administrado. É incrível, fantástico. A produtividade em nossas fábricas no Brasil é muito mais al-
ta do que a produtividade de nossas fábricas na Europa e nos EUA. Então, um dos aspectos negativos da
gestão aqui é que ela não tem suficiente confiança em si mesma"
4.1.14 Heterogeneidade cultural
Os depoimentos dos entrevistados indicaram que há no Brasil uma diversidade muito grande
de organizações. Os entrevistados colocaram que a forma com que a gestão é feita nas organi-
zações difere em função da estrutura de capital das organizações, isto é, do fato de serem na-
cionais ou multinacionais, da indústria na qual a organização atua e da região do Brasil em
que se localiza. Mesmo dentro do grupo das multinacionais a forma da gestão difere depen-
dendo dos traços culturais da nacionalidade da matriz. O elemento “empresa familiar” tam-
bém foi apontado como algo diferenciador e determinador da forma com que a gestão é feita.
Abaixo, algumas afirmações a esse respeito:
"Há uma diversidade muito grande de empresas brasileiras. E elas são completamente diferentes. Nos
EUA essa diferença é menor. O ambiente brasileiro é muito diverso. Há muita diversidade dentro das
indústrias, depende muito da indústria..."
99
"As competências e habilidades que a gente tem que ter dependem da forma de atuação da empresa. O
ambiente da Ambev é muito competitivo. O ambiente na Xerox me cativou, me capturou a alma. Era
um ambiente amigável e também familiar"
"Se você vai trabalhar em uma companhia multinacional, a Nestlé, por exemplo, te garanto que vai ser
muito parecido como na Suíça em termos de expectativas, o que se pode fazer o que não se pode fazer,
interações e assim por diante. Saindo daqui da Nestlé você vai ter uma reunião com o pessoal do Pão de
Açúcar, é completamente distinto.Todos são brasileiros? Sim, mas é muito distinto. Depende de onde
você está"
"Eu tenho amigos, por exemplo, que trabalham em multinacionais alemãs e posso te dizer, é uma gestão
alemã! Aqui é uma gestão americana, porque os processos são americanos, porque é uma empresa com
uma cultura extremamente forte"
"Acho que o Brasil tem uma cultura muito forte com o esporte, com o futebol...até mesmo dentro do
Brasil, nas diferentes regiões. São Paulo não é o mesmo que o Rio...a mesma empresa muda de acordo
com as regiões do Brasil...A cultura do nordeste, do sul, etc. Posso ver isso no estilo de liderança, no
ambiente de trabalho, no jeito de trabalhar e fazer as coisas, tudo. Você pode ver como muda nas dife-
rentes regiões"
4.1.15 Cordialidade
Alguns comentários puderam ser agrupados no tema da cordialidade, pois estiveram associa-
dos a comportamentos que refletem uma postura simpática e agradável, mas que no fundo
escondem as reais intenções. São eles:
"Um outro lado que me chama a atenção é que os executivos brasileiros têm muita dificuldade em dizer
não. Então, por exemplo, às vezes queremos vender um projeto. Geralmente somos muito bem recebi-
dos, raramente somos mal recebidos e nos dizem, ah isso está errado. As pessoas ouvem tal, são simpá-
ticas, mas às vezes fica mais difícil do que em outros países identificar se o executivo ficou realmente
interessado ou se ele não está interessado, mas quer ser simpático. Ele diz, ah sim, legal, muito interes-
sante, vou pensar no assunto, acho que pode haver alguma oportunidade, vamos falando, eu ligo, a gen-
te se fala. E ele continua sempre pensando....A mensagem não é clara"
"Há pouco tempo atrás fomos apresentar uma proposta de trabalho, um documento inicial, e falamos
com uma pessoa que gostou muito de nós, muito simpática, mas que disse que a área dele naquele mo-
mento era muito pequena para nós fazermos um trabalho, e abriu a porta na área de um outro amigo de-
le lá dentro. Aí fizemos outro documento para falar com essa outra área, fomos lá, ele de fato abriu as
portas e fizemos a reunião. A pessoa também foi muito simpática, mas explicou que exatamente naque-
le momento ela tinha um outro problema que já estava sendo resolvido e que achava muito interessante
na seqüência falar conosco e achava que daria oportunidades para trabalhar. Mas, na verdade, você
tendo um pouco de sensibilidade, percebe que não está no horizonte dela fazer um projeto do gênero
que nós estávamos propondo"
Outro comentário fez referência à tomada de decisões mais emocionais do que racionais:
"Eles [norte-americanos] tomam decisões sobre pessoas de forma extremamente mais racional do que a
nossa. Às vezes você tem que fazer uma mudança dentro de uma área, mas ela nunca acontece. E você
depois descobre que a pessoa que deveria ter promovido essa mudança, tomado essa decisão, não tem
coração pra fazer isso. Enquanto que o americano não tem muito isso. Acho que ele faz as mudanças
muito mais racionais"
100
4.2 Bloco – Mudanças que influenciam a gestão
4.2.1 Ambiente institucional
Os comentários dos entrevistados a respeito do ambiente institucional se dividiram entre a-
queles que o caracterizaram como instável e aqueles que o percebem como cada vez mais
estável e sólido.
Os comentários a respeito da instabilidade do ambiente institucional estiveram associados à
falta de confiança nas instituições no país e às mudanças constantes no campo da política, da
economia e no campo jurídico-tributário Os relatos remeteram às freqüentes trocas de gover-
nantes e governos, a problemas como ausência de pleno emprego e diversos planos econômi-
cos e a questões como facilidades para quebra de contratos e dificuldades com a compreensão
e aplicação de leis trabalhistas. O contexto nacional é visto por alguns entrevistados como
altamente instável, complexo e de difícil compreensão. Abaixo algumas afirmações confir-
mam essa percepção:
"O outro problema é a falta de confiança nas instituições. E aí você não tem estabilidade. Isso acontece
principalmente com questões jurídicas, com contratos, esse medo de que contratos podem ser quebra-
dos, e podem mesmo aqui no Brasil, é uma coisa muito complicada"
"Sai um entra outro ministro, o cara começa a pensar ‘ah, vou revogar isso aqui, acho que as tarifas não
estão corretas..’. Quer dizer, ele não fez nada ainda, só sinalizou que pode pensar em mudar o jeito de
trocar o preço da tarifa já cria uma baita crise. E isso é visto como um problema sério no Brasil"
O governo muda, o governador do estado muda.... eu analisei e acompanhei muitas empresas estaduais.
Ai o governador muda ai muda tudo, a forma de gestão, muda a política da empresa.... e isso cria muita
instabilidade"
"O sistema tributário aqui é muito complicado, incompreensível. Eu ainda não comecei a entender a ló-
gica do seu funcionamento....parece o haver lógica, parece impossível fazer decisões lógicas. O ambi-
ente é assim"
"Aqui no Brasil existe essa distorção, como não tem pleno emprego, fica difícil você ter movimentos
naturais de pessoas indo para empresas buscando algo melhor, um modelo de gestão no qual ela vai se
encaixar"
No entanto, apesar dos relatos sobre a instabilidade do ambiente institucional, muitos entre-
vistados comentaram perceber um aumento da estabilidade política e econômica nos últimos
anos. Mencionaram que, apesar do país ainda apresentar muitas necessidades de melhora nes-
ses campos, há maior previsibilidade e menor volatilidade com relação aos aspectos econômi-
101
cos, a economia como um todo se fortaleceu e o país está mais sólido politicamente. Como
resultado, outros países passam a ter uma visão mais positiva do Brasil. Algumas das afirma-
ções a esse respeito foram:
"Se por um lado o retrato é o de que ainda tem o que melhorar nas instituições, é verdade que houve
progressos nos últimos anos. Isso tá muito ligado ao aumento da estabilidade política"
"Não é porque pintou um escândalo político que de uma hora pra outra vai tudo por água abaixo. Se vo-
cê mantiver política fiscal austera e não mexer em algumas pessoas, não necessariamente se vai ter um
problema econômico também"
"Então, no lado positivo, enxergo que nós estamos mais maduros. Acho que a gente passou por uma e-
leição do Lula que mostrou pra todo mundo que o Brasil é maduro. Não é porque foi eleito um presi-
dente de esquerda que vai tudo descambar. Isso ficou muito claro"
"Acho que o Brasil é bastante estável. Mas tem esse conceito de que o Brasil é bastante instável...Eu
trabalhei no mercado financeiro e a volatilidade aqui não é muito alta comparando com outros gover-
nos...A volatilidade baixou no Brasil nos últimos anos, economicamente, eu acho. Mas ainda todo mun-
do pensa que o Brasil é bem instável...tem muitos contratos e instrumentos que mostram que há uma
proteção contra essa instabilidade que tinha há dez anos atrás. Hoje em dia não tem necessidade"
"Em termos econômicos de novo é estranho porque a América Latina tem uma reputação no mundo de
ser muito politizada, muito rígida, e na verdade, desde que estou aqui, têm provavelmente sido a região
mais estável e forte no mundo. O real é uma moeda forte, num momento em que o euro está caindo...o
progresso da economia brasileira nos últimos dois anos foi extremamente estável com uma balança de
pagamentos estável e uma moeda forte..."
4.2.2 Internacionalização da gestão
Dois temas puderam ser relacionados à internacionalização dos negócios no Brasil: sua aber-
tura à globalização e sua “modernização”.
Os relatos dos entrevistados apontaram para a crescente internacionalização da forma como os
negócios são feitos no Brasil e no mundo. A globalização foi citada como um dos principais
acontecimentos nos últimos anos que impactaram a maneira como as empresas se relacionam
e como as pessoas trabalham. Como efeitos da globalização os entrevistados enfatizaram ain-
da questões como o número cada vez maior de empresas multinacionais atuando em diferen-
tes contextos de gestão como o Brasil, a crescente movimentação de executivos e a dissemi-
nação de práticas, ferramentas e modelos de gestão originários de países como EUA, Japão e
países europeus. Paralelamente às mudanças no contexto internacional, os entrevistados apon-
taram mudanças internas como o processo de abertura econômica e comercial. Para eles, o
Brasil deixou de ser um país fechado, aumentou sua participação no comércio mundial por
102
meio de suas exportações e mostrou-se receptivo a práticas e modelos de gestão estrangeiros.
Os relatos indicam que a gestão das organizações no Brasil se espelhou bastante nos modelos
estrangeiros nos últimos anos e que por isso sofreu e incorporou diversas modificações. As
afirmações abaixo ilustram essa questão:
"Se bem que eu acho que o mercado financeiro está ficando cada vez mais globalizado. Então, muitos
profissionais daqui estão trabalhando lá e não tem tanto diferença. Acho que esse é um setor mais glo-
balizado"
"Eu acho que com esse processo de entrada de mais empresas estrangeiras e empresas brasileiras indo
para o exterior e pela maior troca de profissionais, cada vez tem uma influência americana e européia na
gestão aqui....Hoje, com a globalização, está havendo uma troca de executivos. Não é no sentido de es-
pião. Mas no sentido de evolução"
"Se você pensar, o Brasil foi economia fechada até início da década de 90, depois a economia foi aberta
e aí o pessoal começou a pegar as práticas internacionais. Só agora, recentemente, a gente começou a
estar se abrindo pro mundo e vendo como que a gente pode estar fazendo as coisas de forma mais efici-
ente"
"Acho que as empresas brasileiras por se tornarem multinacionais ou por atuarem fortemente no merca-
do internacional elas adquiriram uma gestão mais internacional"
Os depoimentos indicam também que as influências norte-americanas e européias são fortes,
que a gestão no Brasil mudou – e se “modernizou” – ao acompanhar e incorporar essas influ-
ências, que ela passou a perseguir dimensões mais objetivas da gestão e mais orientadas a
resultados e que essa incorporação e adoção tendem a ser feitas de maneira criteriosa. Os en-
trevistados afirmam que, apesar do acompanhamento e da incorporação dos referenciais es-
trangeiros, características marcantes da cultura brasileira ainda permaneceriam no modo como
a gestão é feita no país. Isso pode ser percebido nos seguintes comentários:
"A gestão está virando mais profissional, mais corporativa. Eu lembro que nos anos 80 muitas empresas
brasileiras tinham uma diretoria que era basicamente da família que controla a empresa e tinham pesso-
as bem próximas à família...e depois não tinha gerentes profissionais. Tinha um corpo de funcionários,
mas dificilmente alguém lá de baixo ia virar diretor"
"Ainda tem muitas empresas brasileiras onde a família controla..a empresa pode ter ações na bolsa, mas
é controlada pela família e tem uma estrutura de gestão que não é tipo pirâmide, tem um grupo aqui em
cima e depois tem todo mundo...não tem muita coisa no meio. Mas isso está mudando por causa da glo-
balização, da abertura econômica, pelo fato de que muitos profissionais trabalham nas multinacionais "
"Essa transformação tanto da gestão quanto do perfil ela foi muito mais no sentido de criar coisas novas
do que de adesão total, acrítica"
"Eu diria que esse estilo de gestão à brasileira mudou bastante nos últimos anos só que ele não mudou
por uma mera adoção ou clonagem de posturas estrangeiras. Não estou dizendo que isso não aconteça,
acontece muitas vezes, mas quando olho a média, o geral, eu percebo uma transformação, uma resigni-
ficação, uma elaboração às vezes intuitiva e não consciente das coisas que estão vindo"
"Acho que a gestão se transformou, o perfil se transformou, mas você tem elementos marcantes da cul-
tura que permanecem"
103
4.2.3 Perfil do gestor brasileiro
A categoria temática do perfil do gestor brasileiro agregou três temas: a má formação do ges-
tor, o gap entre as gerações e a nova geração de gestores.
Um dos principais temas relacionados ao perfil do gestor brasileiro abordado pelos entrevista-
dos foi a diferença existente na qualidade da formação profissional dos gestores nas organiza-
ções. Mais especificamente, alguns depoimentos enfatizaram a má formação dos gestores no
Brasil. Além de características pessoais como capacidade e velocidade de aprendizado dife-
rente, estilo pessoal de trabalho e tipo de formação educacional obtida, os entrevistados afir-
maram que, em geral, as pessoas no topo são bem preparadas e formadas, mas as pessoas que
estão na gerência média e na base da organização apresentariam algumas deficiências, entre
elas a falta de informações, de responsabilidade, de comprometimento, de visão abrangente do
negócio e a falta de preparo profissional geral. Algumas afirmações a esse respeito foram:
"Realmente o top management, os primeiros 2, 3, 4, 5 executivos dentro da empresa acho que geralmen-
te são muito bons... o problema é o middle management aqui no Brasil. Aí que essas coisas como falta
de informação, falta de comprometimento com prazos e desresponsabilização acontecem..."
"Em comparação com a Argentina, eu achei as pessoas aqui no Brasil muito boas. Mas isso variava um
pouco, por exemplo, os gerentes eram muito bons, mas os analistas, as pessoas que eram juniores, eu
não achei elas muito bem preparadas. Muito limitado o conhecimento deles....talvez eles conheciam
muito seu trabalho, mas não tinham uma visão sistêmica. Conheciam muito seu processo, seu trabalho,
sua companhia, mas talvez outra companhia, outro processo, outro lado, conheciam muito pouco. Tal-
vez eles estivessem fazendo as coisas da mesma forma há muito tempo, sem pensar que talvez poderiam
fazer as coisas diferentes e melhor"
"Agora, o que eu achei é que as pessoas que têm nível baixo na empresa não são muito bem preparadas
comparado com outros países, EUA ou Espanha"
"O middle management realmente é muito inferior. E isso causa muitos problemas nas organizações...
Por exemplo, as decisões podem ser bem tomadas, são boas etc, mas as pessoas que estão abaixo não
são capazes de executá-las. Então você tem uma boa estratégia, uma boa organização, mas depois as
pessoas que deveriam fazer isso não conseguem ou levam muito tempo para conseguir"
Ainda com relação ao perfil do gestor, outro tema recorrente foi o gap entre as gerações em
função do surgimento de uma nova geração de gestores. Para os entrevistados, há uma gera-
ção de gestores no Brasil – geração mais antiga – que começou a atuar no contexto de gestão
brasileiro na época da ditadura militar anteriormente à abertura econômica e comercial do
país. Segundo os depoimentos, essas pessoas ainda atuam a partir de referenciais de um país
104
desse período e não de um país aberto aos movimentos da globalização e internacionalização
das práticas de gestão. Alguns relatores a esse respeito:
"Acho que as gerações brasileiras têm um gap muito grande. A geração do governo militar é muito dife-
rente de seus filhos. Seus filhos são camaleões, seus pais são um pouco mais tartaruginhas"
"Eu dividiria a gestão brasileira em dois tipos. Uma gestão com um backgroud de profissionais mais
governo militar, que ainda custa mudar – as elites brasileiras são muito assim – e um brasileiro novo,
muito aberto ao mundo, com olhos para fora"
"Então, acho que no Brasil existe um desvio muito grande entre os grupos que atuam com práticas já
avançadas e outros grupos que atuam com práticas não tão avançadas assim"
"Tem um choque muito grande entre as pessoas... tem um pessoal que ainda está um pouco embaixo
que foi educado com um tipo de gestão meio americana com uma pessoa com 50, 60 anos hoje que não
teve tanto contato com essa cultura americana porque na época que eles formaram não tinha toda essa
enxurrada de gurus americanos da administração...Tem um choque, é nítida pra mim essa diferença, a
diferença entre gerações dos administradores que tem hoje 60 anos e os administradores que tem 30 e
40..."
A nova geração de gestores apontada pelos entrevistados é uma geração de gestores interna-
cionalizada, cosmopolita, mais bem preparada profissionalmente e mais orientada a dimen-
sões objetivas da gestão como o foco em resultados. Esse gestor não seria um “clone” dos
gestores estrangeiros, mas alguém que conseguiria adequar as práticas internacionais às ne-
cessidades locais, seria um gestor bastante valorizado em outros contextos de gestão. Os de-
poimentos abaixo ilustram essa questão:
"O Brasil está mudando, a nova geração que começou a trabalhar aqui depois do plano real está mudan-
do cada vez mais. Tem muitas pessoas boas no Brasil. Principalmente agora que muitas pessoas foram
fazer MBAs fora, eles estão super preparados"
"Acho que se eu olho o gestor de hoje em relação ao gestor de 15 anos atrás ele é um líder mais cosmo-
polita, mais voltado pro que está acontecendo lá fora, pra adoção de práticas internacionais de gestão,
mas ele mesmo valoriza esses traços marcantes da cultura local. Então ele respeita isso, procura interna-
lizar alguns desses aspectos, e nesse sentido seu perfil foi um pouco modificado..."
'"Há mudanças marcantes no perfil do executivo de 15 anos atrás com relação ao perfil atual, eu diria
que hoje há uma preocupação mais forte com o foco em resultados, padronização, sistematização, ra-
cionalização dos processos, mas sem perder os traços fundamentais da cultura... "
"Acho que a transformação do gestor brasileiro é mais orgânica mesmo. Ele incorpora conteúdos novos
a uma base fértil que ele já tem, transforma e cria um perfil diferente. Não é a toa que o executivo brasi-
leiro é valorizado"
105
4.2.4 Síntese da apresentação dos resultados
Com a intenção de apresentar ao leitor resumidamente os resultados obtidos com a pesquisa
empírica são colocados abaixo dois quadros que sintetizam as características marcantes en-
contradas para cada categoria temática. Primeiro são apresentadas as características marcantes
do bloco referente aos traços da gestão e em seguida aquelas referentes às mudanças que in-
fluenciam a gestão.
Quadro 9: Síntese de características marcantes por categoria temática – Bloco: Traços da gestão
Categoria temática Características marcantes
Planejamento
Há falta de planejamento organizacional em função da instabilidade do ambiente
e das crises pelas quais o país passou
O gestor brasileiro pouco organiza ou estrutura seu dia-a-dia de trabalho e possui
dificuldades para cumprir metas. Age muitas vezes sem saber onde quer chegar:
é mais executor do que planejador
O planejamento das atividades organizacionais e individuais tem crescido em
termos históricos nos últimos anos
Formalismo
As inconsistências do ambiente – principalmente legal, tributário e fiscal – levam
as empresas a operar na informalidade
Isso impacta a gestão das organizações que precisa ser mais eficiente operacio-
nalmente
pouca tolerância a normas, regras e procedimentos formalizados. Há pouca
sistematização e padronização de atividades
A pouca tolerância tende a crescer com o impacto das mudanças nos contextos
internacional e nacional
Jeitinho brasileiro
O jeitinho seria algo negativo ao país, apesar de possivelmente benéfico indivi-
dualmente
O jeitinho gera instabilidade e falta de credibilidade nas instituições no país
Gestão do tempo
O tempo é gerido de maneira ineficiente: há grande dificuldade para o cumpri-
mento de prazos estabelecidos
Tendência de foco no curto prazo
Flexibilidade
Há muita flexibilidade para mudanças freqüentes: a capacidade de adaptação é
grande
O gestor brasileiro é versátil
Há criatividade na realização das atividades diárias e na busca de soluções para
situações inesperadas
Desigualdade de
poder
Há pouca noção de igualdade entre indivíduos
A distância entre os níveis hierárquicos é grande
Quando as pessoas alcançam a gerência média elas (i) se acomodam nesta posi-
ção e não buscam um desenvolvimento constante e (ii) sentem-se confortáveis
com o poder e status que a posição lhes atribui
Autoritarismo
Há pouco desafio a ordens e direcionamentos: as pessoas são dóceis e submissas
e fazem o que lhes é dito para fazer
O respeito à autoridade é, por vezes, mais importante do que a resolução das
atividades
Evitar conflitos
Decisões tendem a caminhar para o consenso – com relação a líderes e pares
Há medo do confronto – com relação a líderes e a pares
Pontos de vista individuais e críticas não são verbalizados
Mecanismos são desenvolvidos para convivência com o conflito, como o humor
e a falta de comprometimento
106
Postura
de expectador
Responsabilidades são transferidas e diluídas
Pessoas preferem que líderes sejam responsáveis pela tomada de decisões
Falta de autodeterminação para realização das atividades
Personalismo
Pessoas buscam relacionamentos próximos e afetivos
Relacionamentos pessoais podem ser mais importantes que competências técni-
cas
Relacionamento pessoal é fundamental para o trabalho em grupos
A qualidade do relacionamento pessoal é determinadora de um bom ambiente de
trabalho
O desenvolvimento de relacionamentos pessoais impacta a performance e o re-
sultado individual e grupal
Relacionamento profissional tende a ser pessoal
Orientação
humana
O brasileiro precisa ser compreendido antes como um “ser humano” e depois
como um recurso organizacional
O trabalho para o brasileiro não é tudo
Há a mentalidade de exploração da mão-de-obra
pouca consideração com relação à qualidade de vida
Orientação
a resultados
Crescente preocupação com a performance e resultados organizacionais
Admiração
pelo estrangeiro
As empresas brasileiras se espelham fortemente em referências de gestão estran-
geiras
A adoção de referencial estrangeiro tende a ser mais crítica
Há a necessidade de valorização das práticas locais
Heterogeneidade
cultural
uma diversidade grande de organizações no país, em função da estrutura de
capital que possuem, da indústria e da região do Brasil em que atuam
Cordialidade
Os comportamentos individuais podem ser aparentemente amáveis e simpáticos,
mas não traduzem as reais intenções
Decisões são tomadas de maneira mais emocional do que racional
Quadro 10: Síntese de características marcantes por categoria temática – Bloco: Mudanças que
influenciam a gestão
Categoria temática Características marcantes
Ambiente
institucional
Ambiente institucional é visto como instável, complexo e de difícil compreensão
Houve aumento na estabilidade política e econômica nos últimos anos: há maior
previsibilidade e menor volatilidade econômico-financeira e o país está mais só-
lido politicamente
Internacionalização
da gestão
O país se abriu econômica e comercialmente
A globalização trouxe multinacionais, referenciais de gestão importados e execu-
tivos estrangeiros
A gestão se transformou – se “modernizou” – ao incorporar referenciais estran-
geiros
A incorporação de referenciais tende a ser feita de maneira criteriosa
Características marcantes da cultura brasileira ainda permanecem
Perfil do gestor
brasileiro
Há grande diferença na qualidade da formação dos gestores e muitos gestores
pouco preparados ou qualificados profissionalmente
uma lacuna entre uma geração mais antiga de gestores e a geração atual
Está em formação uma nova geração de gestores, mais internacionalizada, cos-
mopolita e moderna
107
CAPÍTULO 5 – Discussão dos Resultados
Cinco questões principais norteiam a discussão a seguir. A primeira traduz uma reflexão sobre
a forma como os traços culturais encontrados se organizam e se relacionam atualmente. A
segunda diz respeito às mudanças que ocorrem no contexto nacional e internacional e que
afetam a gestão das organizações no país. A terceira busca debater como se caracteriza a ges-
tão no país tomando como foco as mudanças que acontecem no ambiente – interno externo a
ele. A quarta questão retoma a discussão sobre a possibilidade ou não da existência de um
estilo brasileiro de gestão. Por fim, a quinta questão remete ao impacto dos traços culturais na
gestão das organizações – na estratégia, na estrutura, nos processos, no processo de liderança
e na gestão de recursos humanos.
5.1 Quais são e como se organizam os traços culturais brasileiros?
Os resultados permitem observar que os traços que compõem o estilo de gestão praticado pe-
las organizações no Brasil atualmente – e que puderam ser observados diretamente no estudo
podem ser organizados em quatro grupos: (i) Relações inter-pessoais, grupo que abrange o
tipo de relação desenvolvida e mantida pelos indivíduos com outros indivíduos, pares ou
mesmo líderes (ii) Relação com o poder, grupo que remete à forma como as pessoas, líderes e
liderados, lidam com o poder e o status (iii) Organização e planejamento do trabalho, consti-
tui um grupo que agrega a forma como as pessoas estruturam e resolvem as atividades de tra-
balho e (iii) Relação com o ambiente, grupo que diz respeito às características do contexto no
qual as organizações se inserem e do relacionamento que possuem com ele – com o que vem
de outras organizações ou contextos. Dentro dos grupos relações inter-pessoais e organização
e planejamento do trabalho puderam ser identificados dois tipos de traços: aqueles mais mar-
cantes e aqueles menos marcantes. Os primeiros estão no núcleo de cada grupo e os segundos
na periferia (os critérios para classificação dos traços como mais ou menos marcantes estão no
capítulo referente à metodologia utilizada no estudo). A Figura 4 ilustra os clusters ou grupos
encontrados:
108
Figura 4: Grupos de traços encontrados no estudo
A seguir cada grupo será comentado individualmente. Dentro de cada um serão discutidos os
traços mais e menos marcantes e as possíveis novas nuanças e reinterpretações sugeridas.
5.1.1 Relações inter-pessoais
As relações que as pessoas desenvolvem entre si no contexto organizacional no Brasil tendem
a ser permeadas por traços marcantes como o personalismo, a postura de evitar conflitos e a
orientação humana. A cordialidade foi observada como um traço menos marcante.
Personalismo – O personalismo foi um dos traços mais presentes no estudo realizado. Se-
gundo os resultados obtidos, ele permanece marcante na gestão das organizações no país.
Como colocou Freitas (1997) o Brasil continua sendo um país com uma base muito forte nas
Fonte: a autora
Formalismo
Organização e
planejamento
do trabalho
Planejamento
Flexibilidade
Gestão do
tempo
Jeitinho
Orientação a
resultados
Relações
inter-
pessoais
Personalismo
Evitar
conflitos
Cordialidade
Orientação
humana
Relação
com o
ambiente
Admiração pelo
estrangeiro
Heterogeneidade
cultural
Relação
com o poder
Postura de
expectador
Autoritarismo
Desigual-
dade de
poder
Formalismo
Organização e
planejamento
do trabalho
Planejamento
Flexibilidade
Gestão do
tempo
Jeitinho
Orientação a
resultados
Relações
inter-
pessoais
Personalismo
Evitar
conflitos
Cordialidade
Orientação
humana
Relação
com o
ambiente
Admiração pelo
estrangeiro
Heterogeneidade
cultural
Relação
com o poder
Postura de
expectador
Autoritarismo
Desigual-
dade de
poder
109
relações pessoais. As características colocadas por Barros e Prates (1996) como a importância
da rede de amigos e de conexões pessoais para obtenção de privilégios e resolução de proble-
mas, o relacionamento próximo e estreito com os grupos a que se pertence e a consideração
do grupo como “família” foram aspectos fortemente encontrados no estudo. Os resultados
mostraram que a rede de amigos e conexões é algo fundamental para realização dos negócios
e que as pessoas buscam relacionamentos próximos e afetivos com outros indivíduos dos gru-
pos aos quais pertencem.
A literatura revista neste trabalho sobre o traço do personalismo está centrada principalmente
nos elementos comentados acima. Pouco remete, no entanto, a outros aspectos trazidos pelo
presente estudo. Uma nuança interessante revelada pelos dados foi o impacto que um relacio-
namento próximo tanto entre integrantes da mesma equipe como entre chefes e subordinados
possui na obtenção de bons desempenhos e resultados no trabalho. As evidências empíricas
mostram, por exemplo, que a socialização dentro e fora da empresa é um elemento importante
e que as pessoas precisam sentir que tanto chefes quanto pares compartilham das dificuldades
que elas eventualmente possuem para realização das atividades demandadas. É preciso tam-
bém que o acompanhamento da realização do trabalho seja feito, na maior parte das vezes, de
maneira próxima e afetiva para que o indivíduo se sinta amparado e sustentado. A existência
de comportamentos desse tipo tende a estar associada a maior produtividade e performance
individual e grupal.
Outra nuança interessante é a influência que os relacionamentos pessoais possuem na deter-
minação e percepção de um bom ambiente de trabalho. Este estudo sugere que, para muitos
brasileiros, um relacionamento agradável com pares e líderes é essencial e vital para qualifi-
cação do ambiente de trabalho como algo que se aprecia. Nesse sentido, se as relações que o
indivíduo possui com as pessoas no local de trabalho não são agradáveis ou são permeadas
por constantes conflitos e confrontos é grande a chance da percepção de que o ambiente de
trabalho seja inadequado ou ruim. As relações pessoais serviriam, portanto, como termômetro
para qualificação do ambiente de trabalho e até mesmo do emprego em si.
Por fim, o presente estudo sugere também que os relacionamentos pessoais são tão importan-
tes no contexto organizacional no Brasil que acabam se confundido com as relações profissio-
nais. Esta questão não é colocada diretamente por autores como Barros e Prates (1996), Frei-
tas (1997), Prestes Motta (1996) e Prestes Motta e Alcadipani (1999) que tratam do traço do
110
personalismo. Estes autores trabalham o personalismo destacando o aspecto do desenvolvi-
mento de relações estreitas que se aproximam de relações familiares, mas não explicitam que
as relações no âmbito profissional tendem muitas vezes a se tornar pessoais ou vice-versa.
Essa idéia se aproximaria das colocações de DaMatta (1991) e Vergara, Moraes e Palmeira
(1997) sobre a conjunção do público com o privado. Segundo DaMatta (1991), há em muitos
casos no Brasil a conjunção do mundo que é público com o mundo que é privado, situação
que tornaria o mundo do trabalho uma grande casa.
Evitar conflitos – O traço cultural da necessidade de evitar conflitos como descrito por Bar-
ros e Prates (1996) se mostrou bastante presente e claro nos comentários dos entrevistados
sugerindo que as pessoas nas organizações no Brasil buscam o consenso nas decisões e rela-
ções e a harmonia nos grupos, equipes e entre chefes e subordinados. Os resultados desta pes-
quisa indicam que o brasileiro possui ainda muito medo do confronto e se sente bastante des-
confortável em expressar críticas. Barros e Prates (1996) referem-se ao fato de que os confli-
tos geralmente são tratados dentro de círculos fechados. De fato, os resultados do presente
estudo sugerem que os conflitos não são tratados abertamente. No entanto, uma nova nuança
importante e interessante que o estudo traz é a de que em situações como essa o brasileiro
desenvolve mecanismos para lidar com o incômodo como a falta de comprometimento e a
grande utilização de humor.
Orientação humana – Os estudos de Hofstede (1997, 2001) e House et al (2004) classificam
o Brasil como uma cultura que tende a estar mais orientada a valores femininos do que a valo-
res masculinos. Nesse sentido, as organizações tenderiam a cuidar mais das pessoas e menos
do negócio em si e dos resultados. Isso significa que elas estariam mais voltadas a aspectos
como desenvolvimento de relacionamentos inter-pessoais pacíficos e harmoniosos, busca de
consenso dentro dos grupos e entre chefes e subordinados, resolução de conflitos por meio de
negociações e valorização de elementos como a passividade, a solidariedade, a amabilidade e
a qualidade de vida. Em linha com a definição de orientação a valores femininos dos autores
acima o estudo possibilitou perceber aspectos como a necessidade do brasileiro de ser com-
preendido como ser humano antes de ser visto como recurso organizacional, a necessidade de
que suas particularidades e unicidades sejam compreendidas e a percepção de que o trabalho
não é o mais importante em suas vidas. Esses aspectos ainda permeiam fortemente as relações
entre as pessoas nas organizações no país atualmente.
111
O estudo indica, no entanto, que embora a orientação humana ainda seja um traço marcante da
gestão no país – e esteja em linha com as definições de valores femininos de Hofstede (1997,
2001) e House et al (2004) – há também a percepção de falta de preocupação com os aspectos
humanos revelada por meio da exploração da mão-de-obra – como comentado por Davel e
Vasconcelos (1997), Moreira (2005), Freitas (1997) e Prestes Motta (1996) – da falta de res-
peito com relação aos limites individuais e da desconsideração com a qualidade de vida do
funcionário. Essa percepção estaria mais em linha com a baixa orientação humana de Kabasal
e Bodur (2004). Nesse sentido, este estudo indica que a tradicional visão do Brasil como um
país mais voltado a valores femininos e orientado a aspectos humanos merece ser reavaliada.
O estudo sugere, portanto, que o traço da orientação humana e a leve predominância de valo-
res femininos relacionada a ele podem ser reinterpretados atualmente.
Cordialidade – Os comentários que puderam ser associados a um comportamento cordial
como coloca Costa (1997) foram poucos. Apesar do estudo ser de cunho qualitativo e a quan-
tidade de comentários não estar necessariamente relacionada à importância do item, os co-
mentários foram poucos comparativamente a outros traços da gestão e mostraram que com-
portamentos cordiais como aqueles de aparência afetiva mas não necessariamente sinceros
estão presentes na gestão conforme as definições de Costa (1997), mas não são elementos
fortes na percepção da maioria dos entrevistados. Infere-se daí que o comportamento cordial –
tanto do indivíduo quanto das organizações – tenda a ser pouco marcante na gestão no Brasil
atualmente. A cordialidade pode possuir relação com a predominância da cultura de alto con-
texto no Brasil, no sentido de que as informações são privilegiadas e de que muito do que é
comunicado seja feito por meio daquilo que não é dito (Hall, 1959, 1960, 1977). Também
pode estar relacionada ao que Trompenaars (1993) chamou de cultura difusa, aquela na qual
os indivíduos são evasivos, ambíguos e pouco precisos em seus relacionamentos.
5.1.2 Relação com o poder
As relações que as pessoas estabelecem com o poder e com a obtenção de status puderam ser
observadas nos traços da desigualdade de poder, do autoritarismo e da postura de expectador.
Os três traços são igualmente marcantes.
112
Desigualdade de poder – Os resultados da pesquisa empírica sugerem que o traço da desi-
gualdade poder é forte e ainda está bastante presente nas organizações no Brasil. Pode ser
encontrado na grande desigualdade existente entre as pessoas que, por sua vez, se manifesta
no elevado grau de hierarquização das estruturas organizacionais no país como sugeriram
Hofstede (1997, 2001), Barros e Prates (1996), Freitas (1997) e Prestes Motta (1996). A forte
presença de outros elementos como a importância do poder e do status e o medo de autorida-
de reforça a existência acentuada da distância e concentração de poder ainda marcantes nas
organizações no país. Particularmente, o medo da autoridade surge nesta pesquisa como um
elemento de destacada presença. Os dados indicam que comportamentos como passividade,
aceitação e submissão ainda seriam características centrais no dia-a-dia das organizações no
país, como colocado por Barros e Prates (1996) e Freitas (1997).
Autoritarismo – Com relação ao autoritarismo, o estudo revela que ele ainda constitui um
traço forte nas organizações, como comentaram Hofstede (1997, 2001) e Davel e Vasconcelos
(1997). O autoritarismo estaria ainda, bastante vinculado à submissão e à docilidade dos fun-
cionários, elementos que podem ser encontrados no traço da postura de expectador.
Postura de expectador – O traço da postura de expectador, como sugerido por Barros e Pra-
tes (1996), também mostrou ser bastante marcante na gestão das organizações atualmente.
Como principais elementos caracterizadores deste traço mostraram-se fortes a transferência de
responsabilidades para autoridades, a preferência pela tomada de decisão pelos líderes e a
falta de autodeterminação para realização das tarefas. Particularmente a falta de autodetermi-
nação foi intensamente comentada, expondo a necessidade de controle constante das ativida-
des a serem realizadas. Fazendo um paralelo com as definições de natureza humana comenta-
das por Schneider e Barsoux (2003), em geral, o brasileiro tenderia a necessitar de constante
controle e supervisão para realização de suas tarefas – revelando a falta de autodeterminação
– como indicam os pressupostos da Teoria X. Por fim, percebeu-se que este traço é visto co-
mo crítico e como algo negativo que deveria ser trabalhado e melhorado no dia-a-dia das or-
ganizações no país.
113
5.1.3 Organização e planejamento do trabalho
Com relação à organização e ao planejamento do trabalho os traços mais fortes e marcantes
foram a flexibilidade, o formalismo, o planejamento e a gestão do tempo. O jeitinho e a orien-
tação aos resultados e performance foram percebidos como menos marcantes.
Flexibilidade – Os resultados da pesquisa empírica sugerem que a flexibilidade ainda é um
traço marcante na gestão das organizações no país. Como colocado por Barros e Prates (1996)
esse traço possuiria duas faces, a adaptabilidade e a criatividade. O estudo sugere que ambas
ainda são fortemente presentes no dia-a-dia de trabalho no país. A adaptabilidade pôde ser
encontrada na capacidade do brasileiro de tomar decisões de maneira ágil em contextos turbu-
lentos e em constantes alterações, como apontado por Barros e Prates (1996). Com relação à
criatividade, os resultados do estudo indicam que ela está presente na capacidade que indiví-
duos e organizações possuem de encontrar novas soluções tanto em situações do dia-a-dia de
trabalho quanto em situações inesperadas e de muita pressão. O traço da flexibilidade parece,
portanto, ser ainda forte nas organizações no Brasil confirmando as colocações de Barros e
Prates (1996). Adicionalmente, percebeu-se que tanto a capacidade de adaptação quanto a
criatividade são elementos valorizados no contexto de trabalho no país, isto é, são vistos como
características bastante positivas.
Gestão do tempo – O gerenciamento ineficiente do tempo e a orientação ao curto prazo fo-
ram considerados os temas que compõem a gestão do tempo.
O gerenciamento ineficiente do tempo no Brasil constitui um traço marcante na gestão das
organizações de acordo com os resultados da pesquisa empírica. Segundo as definições de
Hall (1959, 1960, 1977) sobre a utilização e relacionamento das culturas com o tempo, o Bra-
sil seria uma cultura policrônica. Os resultados da pesquisa empírica parecem estar alinhados
com essa concepção na medida em que revelam relações pessoais por vezes mais importantes
do que a realização das tarefas e atividades, a percepção de que os horários e o próprio tempo
são flexíveis, estendíveis e fluidos, a não separação entre o tempo no trabalho e o tempo para
vivência e resolução de assuntos pessoais e a realização de diversas tarefas simultaneamente.
Muitos dos comentários obtidos apontam para constantes postergações das atividades, atrasos
em compromissos, falta de disciplina para cumprimento das atividades no tempo estabelecido
114
e freqüentes e demoradas pausas para o café, para conversas informais e longos almoços. Por-
tanto, a gestão do tempo nas organizações no Brasil pode assumir um formato policrônico,
como definido por Hall (1959, 1960, 1977). A percepção geral dos entrevistados, no entanto,
é a de que o tempo poderia ser mais bem estruturado e gerido.
Outro tema fortemente presente no estudo foi a orientação da gestão das organizações no Bra-
sil ao curto prazo. Conforme coloca Ashkanasy (2004) o Brasil tende a possuir uma baixa
orientação ao futuro. No país, as ações e comportamentos assim como as estratégias das orga-
nizações tendem a estar mais orientados ao presente e aos ganhos e resultados imediatos. No
entanto, seria possível argumentar que o país apresenta leves indicações de que possa estar
caminhando para uma orientação a longo prazo – segundo as definições de Ashkanasy (2004)
– quando se leva em consideração os traços do crescimento da utilização do planejamento
organizacional e da percepção de maior estabilidade do ambiente institucional e das esferas
econômica e política. Essa questão pode constituir uma nova nuança para a tradicional orien-
tação ao curto prazo e ao imediatismo.
Os critérios utilizados por Hofstede (1997, 2001) para definição de longo e curto prazo estão
baseados em valores chineses originários da pesquisa de Michael Bond (1992, apud Tanure,
2005). Nesse sentido, as definições que desenvolve de longo e curto prazo – assim como a
classificação do Brasil como um país com orientação ao longo prazo – diferem daquela de uso
comum ou do “senso comum” mais alinhadas com as concepções de Ashkanasy (2004). Con-
sidera-se aqui, então, que as definições de Hofstede (1997, 2001) não seriam as mais adequa-
das para qualificação da orientação e do comportamento das organizações e indivíduos no
país com relação ao tempo.
Formalismo – Os estudos de Hofstede (1997, 2001), House et al (2004) e Barros e Prates
(1996) trabalham o grau de necessidade que diferentes culturas possuem de controlar as incer-
tezas do ambiente e do comportamento humano e o reflexo desses elementos nas organiza-
ções. Os traços da necessidade de evitar incertezas e do formalismo nas organizações tradu-
zem, para esses autores, o quanto os membros de uma cultura se sentem ameaçados por situa-
ções de risco ou desconhecidas. A questão que essa postura reflete é a crença ou não de que o
homem pode controlar a natureza, como reforçado por Schneider e Barsoux (2003). Esses
autores – Hofstede (1997, 2001), House et al (2004) e Barros e Prates (1996) – classificam o
Brasil como uma cultura que tende a possuir alta necessidade de evitar incertezas atribuindo a
115
ele, portanto, características como a aversão a situações ambíguas e a necessidade – real ou
emocional – de desenvolvimento e implantação de regras, normas e procedimentos organiza-
cionais para obtenção de maior previsibilidade nas ações e comportamentos individuais e or-
ganizacionais. Neste caso, as incertezas são vistas como ameaças e o elevado grau de controle
e previsibilidade suprime comportamentos diferentes atuando como elemento inibidor de ino-
vações.
No entanto, os dados da pesquisa empírica deste estudo revelam um movimento contrário ao
descrito acima. O estudo indica que, na gestão das organizações no país, há pouca tolerância a
normas, regras e procedimentos para controle das atividades. Os dados sugerem que o Brasil
possui um reduzido apego a sistematizações e padronizações e que, de modo contrário às co-
locações de Hofstede (1997, 2001), House et al (2004) e Barros e Prates (1996), possui prefe-
rência por um maior grau de abertura e flexibilidade para realização das atividades. Como
comentado no traço da flexibilidade, os gestores parecem se orgulhar da forma desprovida de
regras com que as atividades e processos são conduzidos e realizados. O sentimento geral é o
de que a capacidade de lidar com ambigüidade e de criação e inovação nas organizações no
país é um bem de grande valor e do qual as pessoas se orgulham.
Por este motivo, devido à grande preferência pela condução e realização das atividades de
maneira desprovida de regras e formalismos, a percepção geral é a de que somente recente-
mente as organizações no Brasil estejam começando a mostrar preocupações com a falta de
formalização das atividades. E isto estaria relacionado à abertura do país às práticas estrangei-
ras e à sua inserção internacional. Este estudo sugere, portanto, que a abertura para criativida-
de e flexibilidade em oposição aos formalismos ainda prevalece no contexto de gestão das
organizações privadas e multinacionais no país. Nesse sentido, as organizações no Brasil ten-
deriam à baixa necessidade de evitar incertezas. Este resultado se aproximaria dos comentá-
rios de Tanure (2005) a respeito da redução da necessidade de controle das incertezas no Bra-
sil nos últimos anos. A autora indica ainda que o país viveria atualmente um “modelo misto”
que agrega grande quantidade de regras e normas em função de um passado instável mas que
a percepção de incertezas e imprevisões como algo ameaçador tem se enfraquecido. A autora
relaciona a grande necessidade de controle de incertezas no país a seu passado de instabilida-
de econômica, financeira e política.
116
O presente estudo elabora uma tentativa de contribuição para um aprofundamento da compre-
ensão do Brasil como um país de baixa necessidade de evitar incertezas apresentando duas
argumentações.
A primeira relaciona essa visão do Brasil atual – de reduzida necessidade de evitar incertezas
– às mudanças na percepção que as pessoas possuem sobre a instabilidade do ambiente insti-
tucional nacional. O estudo revelou que a percepção de instabilidade institucional ainda é e-
xistente. No entanto, revelou também que essa instabilidade – principalmente econômica,
financeira e política – possa estar se reduzindo em termos históricos. Os resultados indicam
que Brasil estaria hoje mais sólido, firme e previsível nesses campos.
A segunda argumentação é a de que a visão atual do Brasil como um país com baixa necessi-
dade de evitar incertezas não poderia ser atribuída unicamente à maior estabilidade recente do
ambiente institucional – econômico, financeiro e político – como apontado acima. O presente
estudo argumenta que a caracterização do Brasil como um país com alta tendência a evitar
incertezas e, portanto, como um país repleto de formalismos como comentado por Barros e
Prates (1996), Hofstede (1997, 2001) e House et al (2004) não se encaixaria perfeitamente ao
âmbito das empresas privadas nacionais ou multinacionais. Como comenta Matheus (1997), o
formalismo (relacionado à aversão a incertezas) se traduziria no Brasil na grande quantidade
de regras que regem a sociedade, os comportamentos e as ações sociais e a vida diária da po-
pulação. DaMatta (1991) remete o conceito de formalismo às leis que regem a relação cida-
dão-estado, isto é, às leis que submetem o cidadão ao estado. Ele relaciona o formalismo, por-
tanto, à vida pública. Nesse sentido, sugere-se que o formalismo – traduzido na grande quan-
tidade de leis e regras para evitar incertezas e ambigüidades – como caracterizado por Barros
e Prates (1996), Hofstede (1997, 2001) e House et.al (2004) estaria mais adequado à esfera da
vida pública no país. E, os reflexos e as conseqüências que isso pode ter nas organizações
privadas podem ser percebidos em outro traço revelado pelo estudo: a informalidade. As per-
cepções dos entrevistados indicaram que o formalismo existente na vida pública, na relação
das organizações e indivíduos com o Estado, implica em um modo forçosamente informal de
atuação para sobrevivência. O traço da informalidade observado no estudo aprofunda este
aspecto. Sugere-se aqui, portanto, que o traço do formalismo pode ser reinterpretado atual-
mente.
117
Planejamento – Em linha com a necessidade de controle e previsibilidade nas ações e com-
portamentos individuais e organizacionais está o traço do planejamento. Em função da grande
instabilidade econômica e política que o país vivenciou décadas atrás como resultado de di-
versos planos e pacotes econômicos e trocas constantes de governo e governantes, o planeja-
mento – seja das atividades diárias ou das metas estratégicas da organização – não pôde se
instaurar no país como uma prática freqüente. O gestor esteve mais orientado à execução e à
resolução dos problemas de curto prazo – pois o futuro era algo por demais imprevisível –
sem preocupações, portanto, com estruturações e organizações detalhadas e profundas das
atividades. Como colocam Barros e Prates (1996) as organizações no Brasil encontrariam
dificuldades para realização do planejamento tanto estratégico quanto das atividades do dia-a-
dia em função da necessidade de ações de caráter pragmático, imediatista e de curto prazo e
da instabilidade do contexto nacional. A gestão das organizações no Brasil poderia ser tradi-
cionalmente caracterizada pela falta de planejamento. Os resultados deste estudo indicam que
a percepção de impossibilidade do planejamento ainda existe no Brasil.
No entanto, os resultados também sugerem fortemente que a utilização de técnicas de plane-
jamento organizacional – tanto das atividades diárias quando das estratégias – estaria crescen-
do no país em termos históricos. Em função do crescimento da estabilidade econômica e polí-
tica no país, a possibilidade de estruturação e organização das atividades se elevou. É possível
a visualização de maior capacidade de cumprimento de metas e prazos. Importante notar que a
utilização do planejamento organizacional no país pode ter crescido em termos históricos, mas
comparativamente a outros países o emprego de tais técnicas ainda é reduzido. Este estudo
indica, portanto, que a tradicional visão de falta de planejamento no país pode ser reinterpre-
tada atualmente.
Jeitinho – Este estudo mostra que o jeitinho brasileiro ainda está presente na gestão das orga-
nizações no país, no entanto, atualmente, parece não constituir um traço tão central, forte ou
marcante na gestão das organizações. Foram encontradas evidências de que há falta de crédito
e representatividade das leis e regulamentações no Brasil e que indivíduos conseguem atingir
objetivos pessoais a despeito das leis e regras existentes, como argumentado por Matheus
(1997). No entanto, a quantidade de comentários a respeito deste traço foi reduzida compara-
tivamente a outros e o traço parece não estar tão explícito, evidente ou consciente na mente
dos indivíduos pesquisados – conforme critérios estabelecidos na metodologia. A pouca pre-
sença do jeitinho pode estar vinculada à reduzida presença de formalismos no âmbito das or-
118
ganizações privadas, como comentado acima. O jeitinho também pode estar mais vinculado à
esfera da vida pública e à relação cidadão-estado, como comentado por Matheus (1997) e
DaMatta (1991) e discutido no traço do formalismo. Um aspecto que se destaca a respeito do
jeitinho e que pode ser uma nova nuança é o fato de que é percebido como algo benéfico indi-
vidualmente – para o cidadão que consegue algum benefício especial mediante as leis e regras
impessoais – mas que constitui, em geral, algo negativo para o país na medida em que favore-
ce a instabilidade e o descrédito institucional.
Orientação a resultados – Os resultados do estudo empírico indicaram também uma consi-
derável tendência a valores masculinos e à assertividade nas organizações no Brasil como
discutido por Hartog (2004). Muitos foram os comentários relacionados à exploração da mão-
de-obra e à desconsideração com relação a aspectos da qualidade de vida e aos limites pesso-
ais para realização das atividades, comentários em linha com a baixa orientação humana como
colocado por Kabasal e Bodur (2004). Corroborando com o direcionamento para valores mas-
culinos, a orientação a resultados surgiu de maneira intensa na pesquisa realizada – embora
menos intensa que outros traços mais marcantes – assim como a tendência à crescente valori-
zação da importância dada aos ganhos pessoais e ao reconhecimento pelo bom trabalho e a-
vanços na carreira.
5.1.4 Relação com o ambiente
A heterogeneidade cultural e a admiração pelo estrangeiro são traços que caracterizam o am-
biente no qual as organizações atuam e o relacionamento que estabelecem com ele.
Admiração pelo estrangeiro – Este estudo sugere que o traço da admiração pelo estrangeiro,
por tudo aquilo que vem de fora ainda está presente nas organizações no Brasil. Como aponta-
ram Motta, Alcadipani e Bresler (2001) e Caldas (1997) há uma tendência à valorização ex-
cessiva daquilo que é estrangeiro e certo menosprezo pelo que é brasileiro. Os brasileiros ain-
da miram muito as práticas e modelos que possuem sucesso e que foram desenvolvidos em
outros contextos de gestão.
119
O comportamento predominante nas organizações no Brasil, como sugerem Wood e Caldas
(1998), seria o da aceitação ou adoção dos referenciais estrangeiros – sejam eles práticas, mo-
delos, métodos ou ferramentas – sem uma postura crítica, de análise e reflexão sobre o grau
de adequação desses referenciais às necessidades locais. Muitas vezes, como sugerem os
mesmos autores, as adoções são realizadas “só pra inglês ver” traduzindo comportamentos
cerimoniais de adoção para redução de pressões institucionais ou para ganhos de legitimidade
institucional. Comportamentos como rejeição ou negação dos modelos e conceitos propostos
ou de adaptação criativa – situação em que há uma releitura dos conceitos propostos para ade-
quação à realidade local – seriam menos freqüentes no país.
Os resultados deste estudo apontam, no entanto, um caminho no sentido contrário. Isto é, re-
conhecem que há situações de adoção sem críticas ou adoções cerimoniais, mas sugerem for-
temente que o comportamento mais crítico e reflexivo a respeito dos referenciais estrangeiros
se torna cada vez mais freqüente entre os gestores brasileiros. Ou seja, os dados levam a crer
que a consciência e a percepção de que os referenciais estrangeiros não necessariamente se
adaptam à realidade local é crescente entre os gestores. Esse direcionamento a um posiciona-
mento mais crítico está em consonância com a percepção de que as práticas, ferramentas e
modelos desenvolvidos localmente possuem grande valor. O sentimento que pôde ser perce-
bido é o de que os gestores brasileiros devem valorizar mais aquilo que é desenvolvido local-
mente inclusive porque muito daquilo que é desenvolvido no Brasil poderia ser “exportado” a
outros contextos de gestão como um referencial extremamente valioso. Portanto, o estudo
sugere que o traço da admiração pelo estrangeiro pode ser reinterpretado atualmente.
Heterogeneidade cultural – Este estudo permitiu observar que as organizações que atuam no
país possuem culturas por vezes significativamente distintas. As culturas organizacionais de-
senvolvidas variariam em função de alguns aspectos importantes. Um dos principais aspectos
seria a estrutura de capital, a percepção que se pôde obter é a de que há grandes diferenças
culturais que impactam o estilo de gestão de cada organização vinculadas ao fato da empresa
ser originariamente brasileira ou multinacional, por exemplo. Se ela é brasileira, em geral é de
origem familiar e o estilo de gestão é desenvolvido em torno da figura de seu fundador. Se a
empresa é multinacional, há geralmente forte influência da cultura nacional da matriz, sendo a
fronteira de influência entre a cultura brasileira e a cultura da nacionalidade da organização
matriz algo nebuloso e impreciso. Percebe-se aqui, por vezes, uma grande dificuldade em
definir qual das culturas prevaleceria.
120
Outro aspecto importante é a região do Brasil em que a empresa atua. A cultura organizacio-
nal variaria em função do posicionamento geográfico da organização. Dentro de uma mesma
holding, por exemplo, a filial localizada no nordeste ou norte do país pode possuir um estilo
de gestão diferenciado daquele da filial que se situa no sul ou sudeste. Há a percepção, portan-
to, de que a cultura regional também funciona como determinador da cultura organizacional e
do estilo da gestão.
A indústria e o segmento de mercado de atuação da organização constituem outros fatores
determinantes da cultura organizacional e do estilo da gestão que se desenvolve a partir daí. A
pluralidade de segmentos de mercado – mercados de alta renda ou baixíssima renda, por e-
xemplo – que refletem as condições sociais e econômicas do país exigem estilos de gestão
diferenciados. As características e condições da indústria, por sua vez, requerem estilos distin-
tos de gestão em função, por exemplo, de seu estágio de crescimento e do tipo de produtos
envolvidos – produtos de alta tecnologia que demandam inovações e mudanças constantes ou
produtos já consolidados que demandam poucas alterações ao longo do tempo, por exemplo.
Os aspectos acima comentados aproximam-se das reflexões de Freitas (1997) e Bosi (1987)
sobre a dificuldade em se delinear uma cultura brasileira homogênea e uniforme. O que se
percebe, no entanto, é que os aspectos discutidos acima e que compõem determinadores da
heterogeneidade de culturas organizacionais relacionam-se tanto com a formação histórica,
social e econômica do país – questão do regionalismo e das empresas familiares – como com
condições mais modernas como difusão de multinacionais e de novas tipologias de indústrias
sendo desenvolvidas no país.
5.1.5 Reflexões adicionais
Dos traços culturais apresentados como categorias pré-analíticas no referencial teórico, alguns
deles – como aqueles aos quais a Figura 4 se refere – puderam ser observados diretamente por
meio da análise de conteúdo das entrevistas e foram apresentados na seção anterior. Outros,
no entanto, possuem uma definição conceitual mais complexa que abarca outros traços e fo-
ram, por este motivo, percebidos de maneira indireta, isto é, puderam ser observados a partir
da coexistência e conjugação dos traços culturais que puderam ser observados diretamente.
121
Portanto, também estariam presentes na gestão das organizações no Brasil atualmente. São
eles: o coletivismo, o paternalismo e a feminilidade.
Adicionalmente, serão comentados também traços culturais tidos como categorias pré-
analíticas que não foram diretamente observados no estudo, mas que possuem fortes vínculos
com outros traços já comentados. Entre eles, a lealdade pessoal, a malandragem e a impuni-
dade.
Coletivismo – Elementos que compõem o traço do coletivismo segundo as definições de
Hofstede (1997, 2001) e House et al (2004) como a busca por relacionamentos harmoniosos
prevalecendo sobre o conflito e o confronto (traço da necessidade de evitar conflito), por rela-
cionamentos de confiança para realização dos negócios e o fato dos relacionamentos por ve-
zes prevalecerem sobre a realização das tarefas (características do personalismo) puderam ser
encontrados no estudo. Outros elementos importantes que compõem o traço do coletivismo,
segundo as definições dos mesmos autores, como a prevalência dos interesses do grupo frente
os interesses individuais, a percepção de integração dos indivíduos em grupos coesos e a per-
cepção de forte distinção entre o grupo a que se pertence e o grupo dos outros são vistos como
decorrentes dos traços culturais já colocados. Ou seja, para esses autores o coletivismo estaria
fortemente calcado no personalismo, na necessidade de pertencimento a grupos coesos e na
forte busca por harmonia e refutação de conflito. Nesse sentido, este estudo permite inferir
que o traço do coletivismo – embora não observado diretamente – estaria também presente na
gestão das organizações no Brasil. Não foram encontrados na pesquisa elementos que refor-
çassem a presença de valores do individualismo, como definido pelos mesmos autores acima.
Paternalismo – O traço do paternalismo segundo Barros e Prates (1996), Freitas (1997) e
Davel e Vasconcelos (1997) se expressa no Brasil por meio da seguinte relação: por um lado
há a figura autoritária, absoluta e hierárquica do patrão (pai) que controla os empregados e a
eles dirige ordens e que, ao mesmo tempo, os agrada, os protege e os trata com cordialidade
estabelecendo uma relação que é ao mesmo tempo econômica e pessoal. Por outro há os em-
pregados dóceis e submissos que aceitam e até reivindicam essa situação. Essa relação seria
uma relação de dependência e aceitação mútuas, permeada pela lealdade pessoal, como co-
menta Freitas (1997). Essas definições conceituais do paternalismo permitem observar que
esse traço seria formado pela conjugação e convivência simultânea dos traços: desigualdade
de poder e autoritarismo, personalismo, cordialidade, lealdade pessoal e necessidade de evitar
122
conflitos. Essa percepção colocaria o paternalismo como um traço “resultante”, como um
produto da coexistência desses outros traços colocados aqui como “dimensões” de sua expres-
são. Dentre esses outros traços alguns são mais marcantes atualmente – como desigualdade de
poder, autoritarismo, personalismo e necessidade de evitar conflitos – e outros, no entanto,
menos marcantes – como a cordialidade e a lealdade pessoal. O paternalismo permanece, por-
tanto, um traço tradicional da cultura organizacional brasileira, como colocam Barros e Prates
(1996), Freitas (1997) e Davel e Vasconcelos (1997). Este estudo indica que ele ainda é mar-
cante e permeia a gestão das organizações no país atualmente.
Feminilidade – A discussão realizada sobre o traço da orientação humana permite a percep-
ção de que os aspectos relacionados a valores femininos como bom relacionamento com supe-
riores, busca por consenso e harmonia, necessidade de evitar conflitos e valorização da solida-
riedade e amabilidade ainda são marcantes nas organizações no país. No entanto, dada a pos-
sibilidade de tendência à orientação a resultados encontrada no estudo – paralelamente à mai-
or interação com o referencial estrangeiro de gestão – sugere-se aqui que as organizações no
país possam estar a caminho de uma maior incorporação de valores masculinos à gestão. Isto
é, a percepção tradicional, como colocado por Hofstede (1997, 2001), Barros e Prates (1996),
House et al (2004), Urdan e Urdan (2001) e Alcadipani e Crubellate (2003) de que a gestão no
país – embora situada em uma posição intermediária entre valores femininos e masculinos –
tenderia à feminilidade é contrabalançada, por meio dos resultados deste estudo, pela crescen-
te tendência a valores masculinos.
Ou seja, percebe-se que as organizações no Brasil se preocupam com aspectos humanos como
comentado acima, mas que possuem também, ao mesmo tempo, comportamentos que descon-
sideram aspectos humanos além da crescente inclinação à preocupação com resultados orga-
nizacionais e dimensões objetivas da gestão. A percepção que se quer colocar aqui é a de que
ao invés das organizações no Brasil tenderem a um posicionamento que valoriza mais aspec-
tos e valores femininos, o que se percebe é a convivência dessas duas “dimensões” nas orga-
nizações e no dia-a-dia de trabalho dos indivíduos. A leve tendência a valores femininos seria,
portanto, menos marcante e poderia ser reinterpretada.
Lealdade às pessoas – Os elementos que compõem o traço da lealdade às pessoas, segundo
definição de Barros e Prates (1996), como a grande importância e valor que os indivíduos
dariam às necessidades do líder e dos outros membros do grupo ao qual pertencem e a questão
123
da manutenção da coesão grupal via lealdade aos outros – líderes e outros membros do grupo
– não foram diretamente encontrados no estudo. Outros elementos que compõem a lealdade às
pessoas nas definições dos mesmos autores como a importância da figura do líder para manu-
tenção da coesão e para funcionamento do grupo e o fato de muita confiança ser depositada
nos líderes para resolução dos problemas e realização das atividades puderam ser encontrados
no traço da postura de expectador. A lealdade às pessoas também estaria vinculada à necessi-
dade de evitar conflito – como comentam Barros e Prates (1996) – traço fortemente presente
no estudo. Por isso, embora não tenha sido encontrada diretamente na pesquisa, infere-se que
a lealdade às pessoas seja um traço existente atualmente, porém de maneira menos marcante
comparativamente a outros traços.
Malandragem – O conceito de malandragem se encontra muito próximo àquele do jeitinho,
como descreve DaMatta (1991). A malandragem se aproximaria do jeitinho, mas implicaria
uma predisposição para se tirar alguma vantagem, para se passar para trás ou para se enganar.
Apesar do jeitinho brasileiro ter sido um traço encontrado no estudo, a malandragem, como
definida pelo mesmo autor acima, não pôde ser verificada. No entanto, embora a malandra-
gem não tenha sido encontrada no estudo diretamente, como ela está relacionada ao forma-
lismo e ao jeitinho (DaMatta, 1991) não se pode dizer que não estaria presente na gestão das
organizações hoje em dia. Portanto, para este estudo, a malandragem pode existir, mas, assim
como o jeitinho, constituiria um traço menos marcante atualmente.
Impunidade – Embora a noção de impunidade esteja relacionada com o formalismo, com o
jeitinho e com a malandragem como coloca Barros e Prates (1996) e DaMatta (1991), ela não
esteve presente nos depoimentos dos entrevistados. Infere-se daí que a impunidade possa ser
um traço menos marcante na gestão das organizações atualmente.
5.1.6 Síntese da situação atual dos traços
A partir da discussão elaborada nas últimas seções, apresenta-se abaixo uma síntese da situa-
ção e da caracterização atual de cada traço. Como elementos caracterizadores foram conside-
rados, além da presença direta ou não do traço no estudo empírico (i) a situação atual compa-
rativamente às conceituações do traço apresentadas no referencial teórico, isto é, se o traço
124
apresenta novas nuanças ou reinterpretações ou se não apresenta alterações e (ii) a intensidade
com que está presente atualmente.
Quadro 11: Síntese da situação atual dos traços culturais encontrados
Encontrado
diretamente
no estudo?
Qual a situação atual?
Qual a intensidade com que
está presente?
Traço
Cultural
Sim Não Sem
alterações
Novas
nuanças
Reinterpreta-
ção
Pouco
marcante
Muito
marcante
Personalismo
x - - x - - x
Evitar conflitos
x - - x - - x
Orientação
humana
x - - - x - x
Cordialidade
x - x - - x -
Desigualdade de
poder
x - x - - - x
Autoritarismo
x - x - - - x
Postura
de expectador
x - x - - - x
Flexibilidade
x - x - - - x
Gestão do tempo
x - - x - - x
Formalismo
x - - - x - x
Planejamento
x - - - x - x
Jeitinho
x - - x - x -
Orientação a
resultados
x - x - - x -
Admiração pelo
estrangeiro
x - - - x - x
Heterogeneidade
cultural
x - x - - - x
Coletivismo
- x x - - - x
Paternalismo
- x x - - - x
Feminilidade
- x - - x x -
Lealdade às
pessoas
- x x - - x -
Malandragem
- x x - - x -
Impunidade
- x x - - x -
5.2 Quais as mudanças que influenciam a gestão?
Os aspectos internacionalização da gestão, mudanças com relação ao ambiente institucional e
ao perfil do gestor brasileiro serão discutidos nesta seção. O presente estudo permite verificar
125
que a gestão das organizações no país foi impactada e influenciada pela globalização e cres-
cente internacionalização da gestão, pela maior estabilidade econômica e política no país e
pelas mudanças no perfil do gestor brasileiro.
Como comentaram Gertler (2001), Wood e Caldas (1998, 2002) e Caldas e Wood (1997) a
globalização provocou intensa difusão de práticas e modelos internacionais de gestão, princi-
palmente de países mais desenvolvidos como EUA, Japão e países europeus, para países me-
nos desenvolvidos. Os resultados do estudo indicam que o Brasil se mostrou receptivo a esses
novos referenciais adotando muitos deles para gestão do dia-a-dia das organizações. No en-
tanto, embora a percepção tradicional tenha sido a de que a adoção desses referenciais ocorreu
de maneira acrítica na maior parte das vezes, este estudo revela que, atualmente, as práticas
tendem a ser adotadas de maneira mais criteriosa e adequada às necessidades locais, em linha
com a adaptação criativa sugerida por Wood e Caldas (1998).
Tanto em função da globalização e da crescente internacionalização dos negócios no mundo
quanto pelo processo interno de abertura econômica e comercial, o Brasil esteve exposto, a
partir das décadas de 80 e 90 à crescente entrada de multinacionais via, por exemplo, proces-
sos de fusão e aquisição como comentado por Barros e Cançado (2005), Camargos e Barbosa
(2004) e Trinches (1996). A entrada e crescente participação de executivos estrangeiros de
diversas nacionalidades na gestão no país como indicado por Gonçalves e Miura (2002), Ho-
mem e Tolfo (2004), Matos (2002) e Elis e Carrieri (2005) também afetou a gestão das orga-
nizações. Ambos os elementos trouxeram outros referenciais de negócios que se misturaram e
fundiram às práticas locais, conforme argumentam Barros e Cançado (2005). Em suma, a ges-
tão no Brasil esteve recentemente aberta ao movimento da globalização econômica, se inter-
nacionalizou e apresentou indicativos de “modernização”.
O Brasil é visto tradicionalmente, como colocam Barros e Prates (1996), como possuidor de
um contexto nacional – econômico, político e legal principalmente – altamente instável e im-
previsível que tende a direcionar as organizações ao desenvolvimento de um estilo de gestão
voltado às necessidades do curto prazo, à flexibilidade, à adaptabilidade e à criatividade. O
presente estudo permitiu verificar, no entanto, que embora o ambiente institucional ainda seja
visto como algo instável – instabilidade econômica, política e legal – há a percepção crescente
de que ele esteja se tornando, em termos históricos, cada vez mais estável e sólido. Essa per-
cepção está alinhada com os comentários de Caldas e Wood (1998) a respeito da visualização
126
de uma aparente estabilização econômica a partir dos anos 90 e pode ser verificada, por e-
xemplo, na crescente possibilidade de realização do planejamento organizacional e na busca
por uma dimensão mais objetiva na gestão, como revelado também por este estudo. Enfatiza-
se aqui, portanto, a existência de mudanças com relação ao grau de instabilidade do ambiente
institucional brasileiro.
Por fim, mudanças ocorreram também no perfil dos gestores brasileiros. O estudo permitiu
observar que há um choque entre os estilos de gestão das gerações mais antigas – anteriores às
décadas de 80 e 90 – e as gerações mais recentes. As gerações mais recentes tendem a ser
mais flexíveis, mais abertas ao mundo e ao que acontece fora das fronteiras do país e utilizam
práticas mais sofisticadas e avançadas de gestão – tendo muitas vezes como influências e refe-
rencias os cursos de MBA estrangeiros e brasileiros que utilizam referencial internacional
como conteúdo principal, como comentam Wood e Paes de Paula (2002). Estaria surgindo no
país uma nova geração de gestores, mais internacionalizada, mais cosmopolita, mais orientada
a dimensões objetivas da gestão e a resultados organizacionais. Além dessas características,
uma nuança importante encontrada no estudo foi a de que esse novo gestor teria a capacidade
e a habilidade de articular as práticas e referenciais estrangeiros às necessidades locais geran-
do e desenvolvendo um estilo de gestão que abarcaria ao mesmo tempo conceitos internacio-
nais e traços marcantes da gestão e cultura locais.
O que o estudo permite perceber é que a gestão das organizações no Brasil passa atualmente
por um processo de transformação em que se torna mais internacionalizada e “moderna”. Essa
internacionalização, no entanto, inclui ao mesmo tempo a incorporação dos referenciais –
práticas, modelos e ferramentas – estrangeiros de maneira criteriosa e reflexiva e a valoriza-
ção das práticas e dos traços culturais nacionais.
5.3 Como se caracteriza a interação entre os traços culturais e as mudanças pelas quais a
gestão vem passando?
A análise dos temas e traços culturais obtidos permite visualizar na gestão das organizações
no Brasil hoje em dia a coexistência de dois grandes grupos de elementos. Por um lado, foi
possível observar que o ambiente político, econômico e institucional no Brasil ainda pode ser
127
visto como algo instável, imprevisível e, muitas vezes, não confiável. Foi possível perceber,
também, que o trabalho e a realização das tarefas ainda são fortemente permeados pela escas-
sez de um planejamento freqüente e constante, pela fraca presença de regras e procedimentos
que regulam as atividades dentro das organizações, pela forte capacidade de adaptação dos
indivíduos e organização a situações inesperadas, pela grande capacidade de exercício da cria-
tividade frente a situações nunca antes vivenciadas e pela constante orientação para resolução
de questões de curto prazo. Ou seja, a falta de organização e planejamento do trabalho ainda
configura um estilo de gestão desestruturado, desorganizado e permeado pela capacidade de
criatividade e improvisação. As relações inter-pessoais e as relações que as pessoas possuem
com o poder, por sua vez, evidenciam, por meio da conjugação de traços como elevada desi-
gualdade de poder e hierarquia entre as pessoas, autoridade, personalismo, necessidade de
evitar conflitos, lealdade pessoal e cordialidade um estilo paternalista de gestão. Este estilo
dirige o foco da gestão para as pessoas e menos para resultados organizacionais. O fato do
Brasil ter se mantido econômica e comercialmente fechado por muitos anos também indicou
que o pais se manteve afastado de outras culturas de gestão um tempo significativo refletindo
um estilo paroquial de gestão, como definido por Adler (2002). O indivíduo – gestor – que
atua nas organizações, por sua vez, é visto como alguém que transfere constantemente suas
responsabilidades, que evita conflitos, que não trabalha por auto-determinação e que, muitas
vezes, não possui boa formação. Com relação ao ambiente – àquilo que vem de fora – a admi-
ração que o brasileiro possui pelo que é estrangeiro, em detrimento do que é desenvolvido
localmente, é tradicionalmente excessiva. Esse grupo de traços configura uma gestão das or-
ganizações no Brasil como algo pré-moderno ou anti-moderno, como comentado por Prestes
Motta (1996).
Por outro lado, este estudo reforçou indicações de que o país, a partir das décadas de 80 e 90
mostrou-se aberto aos efeitos da globalização e à necessidade de internacionalização dos ne-
gócios. Houve a abertura econômica, o país passou a importar referenciais estrangeiros em
grande quantidade, recebeu subsidiárias de multinacionais e executivos de diversas origens e
adotou referenciais e práticas de gestão desenvolvidos em culturas estrangeiras de gestão.
Houve maior internacionalização de negócios e de indivíduos e os gestores se tornaram mais
abertos e cosmopolitas. Nesse sentido houve uma sofisticação do gestor e até mesmo um cho-
que entre as gerações mais novas de gestores e aquelas mais antigas. Percebe-se que há um
direcionamento maior para a orientação aos resultados e performance organizacionais assim
como para dimensões mais objetivas da gestão. Entre elas, sistematizações, padronizações e
128
crescimento – em termos históricos – da utilização de técnicas de planejamento em conjunção
com a percepção de crescimento da estabilidade dos contextos econômico e político nacio-
nais. Com relação à admiração pelos referenciais estrangeiros, há a percepção de que a curio-
sidade e a abertura para conhecê-los são necessárias, mas sua utilização de fato só deve se dar
na medida em que forem ou puderem ser adequados e adaptados às necessidades locais. Ou
seja, há o desenvolvimento crescente no país de um olhar mais crítico com relação às práticas
e referenciais estrangeiros e de valorização das práticas desenvolvidas localmente. Muitas
delas, segundo opinião de alguns entrevistados, deveriam até mesmo ser exportadas para ou-
tros contextos devido à grande eficiência, eficácia e inovação que demonstram. Esse grupo de
elementos configura o direcionamento da gestão das organizações no Brasil para uma moder-
nização no sentido de acompanhamento e incorporação mais intensa e ao mesmo tempo mais
crítica daquilo que acontece além de suas fronteiras. Esses elementos permitem visualizar
uma gestão mais moderna e internacionalizada.
A coexistência dos dois grupos de elementos discutidos acima indica que convivem no Brasil
traços marcantes de cultura local e elementos ditos mais modernos e originários de outros
contextos “mais desenvolvidos e avançados” de gestão. O primeiro grupo representa aquilo
que é marcante e tradicional no Brasil e remete a um estilo mais paternalista, paroquial e pré-
moderno de gestão. O segundo grupo reflete os valores que foram trazidos via globalização e
internacionalização dos negócios – um estilo mais “moderno”. Tradicionalmente essa concili-
ação entre o que é global e aquilo que é local é considerada um paradoxo importante e crucial
com o qual as organizações hoje em dia devem lidar. As teorias mais conhecidas a esse res-
peito apontam para os caminhos mais comuns: as organizações adotam uma posição equili-
brada entre os pólos – global ou local – ou acabam por optar entre um dos pólos em função de
fatores externos ou de circunstâncias internas (Cunha e Cunha, 2000). A maior parte dos tra-
balhos acadêmicos a respeito da relação dos brasileiros com o estrangeiro e com aquilo que
vem de fora delineia um quadro de admiração e valorização excessiva desse referencial em
detrimento das necessidades locais, em linha com a idéia do segundo caminho colocado aci-
ma.
No entanto, os resultados deste estudo permitem considerar a reflexão de que o posicionamen-
to das organizações no Brasil frente a esse paradoxo – global versus local – caminharia não
para um simples equilíbrio entre os referenciais globais e “modernos” e as necessidades e
valores locais. Os resultados indicam que há o acompanhamento dos referenciais mais moder-
129
nos da gestão internacional, mas que esses referenciais não seriam simplesmente adaptados.
Estaria nascendo no Brasil um posicionamento que indicaria mais do que um simples equilí-
brio entre esses dois pólos: uma transformação e uma resignificação daquilo que é global a
partir da consideração efetiva dos valores marcantes da cultura local. Essa transformação e
resignificação simbolizariam uma síntese entre aquilo que poderia ser considerada uma rela-
ção dialética entre uma tese – valores tradicionais da cultura local – e uma antítese – valores
“modernos” do mundo globalizado, conforme Cunha e Cunha (2000).
Portanto, o que se procura ilustrar aqui é que o estilo brasileiro de gestão das organizações
atualmente seria constituído ao mesmo tempo por elementos tradicionais e por elementos ad-
vindos do novo contexto econômico e comercial nacional e internacional. Nesse sentido, a
gestão das organizações atualmente buscaria incorporar aos elementos antigos e tradicionais
elementos novos originários das mudanças no contexto nacional e internacional constituindo-
se, a partir daí, como uma síntese resignificada dessas características. Como apontado por
Cunha e Cunha (2000), Cunha (2005), Svensson (2001) e Hermans e Kempten (1998) essa
síntese resignificada permitiria a atuação de elementos globais em suas manifestações locais,
configurando o estilo brasileiro atual como “glocal”. A Figura 5 abaixo ilustra esse movimen-
to:
Figura 5: Estilo “glocal”: síntese entre o global e o local
Fonte: a autora
Falta de planejamento
• Ps fechado
Criatividade
• Adaptação
• Orientação a aspectos
humanos
• Falta de formalismos
Paternalismo
•Personalismo
Crescimento do
planejamento
• Abertura econômica
• Globalização e
internacionalização
• Orientação a resultados
• Tendência a maior
formalização
• Adoção crítica de
referenciais estrangeiros
• Valorização das
práticas locais
ntese
Transformação
Resignificação
Estilo pré-moderno
Estilo moderno
Estilo glocal
Falta de planejamento
• Ps fechado
Criatividade
• Adaptação
• Orientação a aspectos
humanos
• Falta de formalismos
Paternalismo
•Personalismo
Crescimento do
planejamento
• Abertura econômica
• Globalização e
internacionalização
• Orientação a resultados
• Tendência a maior
formalização
• Adoção crítica de
referenciais estrangeiros
• Valorização das
práticas locais
ntese
Transformação
Resignificação
Estilo pré-moderno
Estilo moderno
Estilo glocal
130
5.4 Há um estilo brasileiro de gestão?
Existe um debate entre os pesquisadores da cultura organizacional brasileira e do estilo de
gestão decorrente a respeito da existência ou não de um estilo de gestão que possa ser caracte-
rizado como único e originalmente brasileiro.
Por um lado há pesquisadores como Barros e Prates (1996) e Tanure (2005) que afirmam ser
o estilo brasileiro de gestão um estilo próprio, único e singular. Esses autores desenvolvem
um modelo de ação cultural brasileiro do qual decorreria o estilo de gestão nacional e que
distinguiria o Brasil de outras nações – como comentado nas seções e capítulos anteriores. Os
autores utilizam como base para seus estudos, trabalhos em cultura organizacional brasileira e
– principalmente – as pesquisas de Hofstede (1997, 2001) a respeito das culturas nacionais.
Portanto, o modelo de ação cultural e o estilo de gestão propostos possuem como referência
tanto aspectos da cultura organizacional brasileira destacados por renomados autores nacio-
nais quanto aspectos delineados a partir de trabalhos como o de Hosftede (1997, 2001) que
tratam da influência de aspectos da cultura nacional na gestão das organizações em diversos
países.
Por outro lado, há autores como Bertero (2004) que embora reconheçam traços culturais bra-
sileiros que sejam únicos e particulares da nação relatam a dificuldade em perceber um estilo
de gestão nacional que seja singular, diferente e forte o bastante para constituir um modelo
diferenciado dos demais – como o norte-americano ou o japonês – e que leve a algum tipo de
vantagem comparativa em relação às empresas de outras nações. Como crítica à existência de
um estilo nacional singular e único é possível apontar para o fato de que, nas pesquisas de
Hosftede (1997, 2001) e House et al (2004) assim como nos trabalhos de outros autores no
campo da cultura comparativa as culturas nacionais são aglutinadas em grupos com compor-
tamentos semelhantes. Isso revela que os países no mesmo grupo compartilham valores e
comportamentos. Assim, a cultura brasileira se aproximaria de outras culturas – como a de
países da América Latina, da América Central e da Europa Mediterrânea (Portugal, Itália,
Grécia, por exemplo). Nesse sentido, o Brasil não seria singular e não ocuparia uma posição
isolada ou de destaque em relação a outras culturas.
131
Este estudo permite inferir que há traços culturais que caracterizam e definem o estilo brasi-
leiro de gestão que são marcantes – uns mais fortemente outros menos – e que são próprios da
gestão das organizações no Brasil. Não permite dizer ou inferir, no entanto, se esses traços são
ou não únicos e singulares ao país ou fortes o suficiente para constituírem um modelo isolado
e distinto. E, embora existam estudos que procuram diferenciar, por exemplo, o estilo de ges-
tão entre culturas de países latino-americanos, como aquele realizado por Friedrich et al
(2005), ainda não estaria evidente quais traços são exclusivamente brasileiros a ponto de ca-
racterizar um estilo único e singular. Ou seja, há um estilo de gestão praticado no Brasil com-
posto pelos traços apontados. No entanto, ainda não é possível dizer ou inferir se eles são for-
tes e distintos o suficiente para torná-lo único. Portanto, o presente estudo considera os traços
encontrados como característicos e próprios do estilo da gestão no país independentemente
desses traços serem característicos ou não também de outros estilos de gestão.
Como discutido nas seções anteriores, o estudo sugere que a gestão das organizações no Bra-
sil passa por transformações na medida em que o país se mostra aberto e receptivo ao movi-
mento de internacionalização dos negócios. Assim, haveria um estilo brasileiro de gestão
composto por traços que o marcam e definem – embora não seja possível afirmar aqui que
sejam únicos ou exclusivos – e que passa por transformações. Considera-se, portanto, que o
estilo brasileiro atual tenderia a ser algo em transição ou formação, um “empreendimento ain-
da não consolidado”, como colocado por Bertero (2004).
5.5 Como os traços culturais impactam a gestão?
Barros e Prates (1996) e Schneider e Barsoux (2003) trazem exemplos de como o modelo de
ação cultural brasileiro – no primeiro caso – e a cultura de uma nação – no segundo – podem
impactar alguns elementos da gestão das organizações como estratégia, estrutura, processos,
processo de liderança e recursos humanos. Com base nas colocações desses autores, desen-
volve-se a seguir uma livre reflexão sobre o impacto dos traços culturais brasileiros nos ele-
mentos apontados.
132
5.5.1 Qual a relação que os traços possuem com a estratégia?
Uma reflexão sobre o impacto dos traços culturais encontrados no estudo na formulação da
estratégia nas organizações no Brasil revela alguns aspectos interessantes. O impacto será
discutido levando-se em consideração os seguintes elementos: o planejamento da estratégia, o
acompanhamento realizado, os tipos de informação considerados, as pessoas envolvidas, as
decisões tomadas, o horizonte de tempo e os planos de ação. A escolha desses elementos teve
como base os modelos culturais de estratégia indicados por Schneider e Barsoux (2003).
O planejamento da estratégia nas organizações no Brasil tende a ser impactado, primeiramen-
te, pelo traço da desigualdade e da concentração de poder. Esse traço revela que o planeja-
mento da estratégia tende a ser algo centralizado, na medida em que é feito primordialmente
pelas pessoas da cúpula da organização, pelos líderes ou mesmo pelo fundador, sem a partici-
pação dos liderados. Outro traço que impacta o planejamento da estratégia é o próprio plane-
jamento. Um aspecto interessante trazido pelo estudo foi o crescimento desta atividade no
país. Este possível fato aliado à percepção de aumento da estabilidade do ambiente institucio-
nal pode levar a crer que o planejamento da estratégia possa estar se configurando como algo
cada vez mais freqüente e constante no país.
Embora a percepção de aumento da estabilidade do contexto seja algo presente atualmente, a
instabilidade ainda existe e, por isso, o acompanhamento daquilo que foi planejado não tende
a ser feito com regularidade. Esse elemento conjugado com a tendência dos brasileiros em “se
orgulhar” da grande capacidade de adaptabilidade e criatividade que possuem e com o geren-
ciamento ineficiente do tempo contribui para que o acompanhamento seja esporádico e não
sistemático.
A influência do personalismo pode ser percebida na obtenção das informações para formula-
ção da estratégia. Os relacionamentos pessoais próximos e afetivos e a necessidade de rela-
ções de confiança para fazer negócios levam a uma intensa troca de informações entre as pes-
soas nesse processo. Outro traço que impacta a obtenção das informações é a falta de forma-
lismos: há pouca padronização e sistematização dos dados. Por estes motivos, as informações
consideradas são, na maior parte das vezes, subjetivas e qualitativas.
133
A desigualdade de poder, o autoritarismo, a necessidade de evitar conflitos e a postura de ex-
pectador são traços que impactam diretamente as pessoas envolvidas no processo de formula-
ção da estratégia. O campo da estratégia é visto ainda como algo reservado ao topo da organi-
zação e aos experts – como butiques de consultoria estratégica. Os funcionários comuns pos-
suem, quando isso acontece, a responsabilidade de implementar partes daquilo que foi pen-
sando pelos líderes.
As decisões tomadas, mesmo que dentro da cúpula ou topo da organização, tendem a ser con-
sensuais. O traço da necessidade de evitar conflitos permeia tanto as relações entre líderes e
liderados, quanto as relações entre pares. Neste caso, é evidente a postura de expectador dos
indivíduos envolvidos, por meio da prática comum da transferência de responsabilidades. O
traço da orientação ao curto prazo ainda presente nas organizações no Brasil caracteriza o
horizonte de tempo como voltado ao imediatismo e a orientação ao policronismo conduz a
uma implementação simultânea – e não seqüencial – dos planos de ação desenvolvidos. O
quadro abaixo resume essas idéias:
Quadro 12: Impacto dos traços culturais na estratégia
Elementos da estratégia
Traços culturais brasileiros e traços
que indicam mudanças
Impacto
Planejamento
Distância de poder
Planejamento (Crescimento do
planejamento)
Ambiente institucional (Cresci-
mento da estabilidade)
Feito pela cúpula
Tende a se tornar cada vez mais fre-
qüente
Acompanhamento
Adaptabilidade, criatividade
Gestão do tempo (gerenciamento
ineficiente)
Esporádico
Tipos e fontes de
informações
Personalismo
Formalismo (Falta de formalis-
mo)
Subjetivas e qualitativas
Pessoas envolvidas
Distância de poder, autoritarismo
Postura de expectador
Evitar conflitos
Topo ou cúpula da organização, líde-
res
Funcionários implementam – quando
isso acontece
Decisões
Distância de poder
Postura de expectador
Tomadas na cúpula ou topo
Consensuais
Horizonte de tempo
e Planos de ação
Orientação ao curto prazo
Policronia
Curto
Implementados simultaneamente (não
sequencialmente)
Fonte: a autora
134
5.5.2 Qual a relação que os traços possuem com a estrutura?
O impacto dos traços culturais na estrutura das organizações no Brasil será discutido levando
em consideração os seguintes aspectos: hierarquia, cargos e funções e processo de tomada de
decisão.
Em geral, pode-se dizer que as organizações no Brasil possuem um grau elevado de hierarqui-
zação, em função, primordialmente do traço da desigualdade de poder. No entanto, o estudo
permite observar também o impacto da heterogeneidade cultural. O que se coloca é que, ao
mesmo tempo em que as organizações tenderiam a possuir muitos níveis hierárquicos essa
característica pode a variar bastante em função do porte e da origem do capital da organiza-
ção. Nesse sentido, observa-se que existiriam organizações no país – de menor porte ou orga-
nizações com forte orientação cultural da matriz estrangeira – com uma estrutura mais reduzi-
da e que as estruturas tradicionais piramidais conviveriam, portanto, com outras, mais enco-
lhidas e leves.
A quantidade de cargos e funções nas organizações é impactada pelos traços do formalismo,
do ambiente institucional e da heterogeneidade cultural. O Brasil é tradicionalmente visto
como um país institucionalmente instável e conturbado. Em função disso, as organizações
desenvolveram estruturas repletas de cargos e funções específicos que requeriam competên-
cias técnicas também específicas a fim de minimizar e suavizar as incertezas do ambiente.
Atualmente, observou-se que as organizações no país não possuem aversão à incerteza ou
regras e procedimentos em quantidade excessiva, o que permite ao gestor o desenvolvimento
de competências mais orientadas a aspectos comportamentais, de relacionamento e de gestão.
A quantidade de cargos e funções também é impactada pela heterogeneidade cultural e tende-
ria a variar, portanto, em função principalmente do porte e da origem de capital da empresa.
Em função do traço da distância de poder, o processo de tomada de decisão é geralmente cen-
tralizado e a coordenação exercida no topo ou cúpula da organização. A postura de expectador
contribui para que as decisões sejam tomadas sempre pelas instâncias superiores, para que o
risco seja transferido aos líderes e para que seja necessária grande quantidade de controle na
realização das ações. O gerenciamento ineficiente do tempo contribui para a ineficiência e
retardamento do processo decisório como um todo na medida em que remete tanto às freqüen-
135
tes postergações de decisões e compromissos assumidos quanto à dificuldade para cumpri-
mento de prazos estabelecidos. É preciso considerar, por fim, que o processo de tomada de
decisão das organizações no Brasil tende a possuir os aspectos comentados acima, mas é im-
pactado também pela heterogeneidade cultural.
Quadro 13: Impacto dos traços culturais na estrutura
Elementos da estrutura
Traços culturais brasileiros e
traços que indicam mudanças
Impacto
Hierarquia
Distância de poder
Heterogeneidade cultural
Em geral, há muitos níveis
Varia em função do porte, da origem de capital
Cargos e funções
Formalismo (excesso)
Formalismo (falta)
Ambiente institucional
Heterogeneidade cultural
Há muitos e específicos
Tendência tradicional ao desenvolvimento de
competências técnicas.
Atualmente, tendência ao desenvolvimento de
competências comportamentais
Quantidade varia em função do porte, da ori-
gem de capital
Tomada de decisão
Distância de poder
Postura de expectador
Gestão do tempo (gerenci-
amento ineficiente)
Pluralidade
Centralizado com coordenação na cúpula
Responsabilidade transferida de instâncias
superiores/pouca aceitação de risco
Retardada e lenta
Varia em função do porte e origem de capital
Fonte: a autora
5.5.3 Qual a relação que os traços possuem com os processos?
O traço da flexibilidade traduzido na grande da capacidade de adaptação e criatividade dos
indivíduos no país impacta os processos nas organizações. Este traço desenvolveu-se muito
em função da instabilidade do contexto econômico e político nacional e seu reflexo é a pouca
ou reduzida sistematização ou padronização dos processos e atividades no dia-a-dia de traba-
lho. Tradicionalmente o Brasil é visto como um país com alta necessidade de evitar incertezas
ou com grande dose de formalização, o que seria traduzido pela grande quantidade de siste-
matização e padronização de processos e atividades e pela aversão à ambigüidade. O que o
estudo leva a crer, no entanto, é que na esfera das empresas privadas nacionais ou multinacio-
nais atuando no país, há atualmente pouca resistência à ambigüidade e ao formalismo – tradu-
zido na grande quantidade de regras e procedimentos sistematizados e padronizados. O cami-
nho que as organizações seguem atualmente seria o da busca por maior sistematização e pa-
dronização, em função da maior interação com o mercado e com as práticas internacionais.
136
Quadro 14: Impacto dos traços culturais nos processos
Elemento
Traços culturais brasileiros e traços
que indicam mudanças
Impacto
Processos
Flexibilidade
Ambiente institucional (instabilida-
de do ambiente)
Formalismo (falta de formalismo)
Internacionalização
Pouca aversão à ambigüidade
Pouca sistematização e padroniza-
ção
Tendência à busca por maior siste-
matização e padronizações
Fonte: a autora
5.5.4 Qual a relação que os traços possuem com o processo de liderança?
O processo de liderança nas organizações no Brasil é fortemente permeado pelos traços da
desigualdade de poder, do personalismo, da necessidade de evitar conflitos e pela postura de
expectador. A partir da conjugação de todos esses traços, o processo de liderança constitui-se
como algo bastante centrado no alcance e na obtenção de poder e status, na figura do líder, em
relações personalistas e paternalistas e pouco orientado ao desenvolvimento dos liderados. A
busca por poder e status é tão forte que chega, por vezes, a suplantar a necessidade de realiza-
ção das tarefas. Essa situação é sustentada por indivíduos que aceitam essa grande divisão do
poder de forma pacata e acrítica.
O estudo permite visualizar, no entanto, tendências de transformação no perfil do gestor brasi-
leiro, em função da abertura econômica e do contato com práticas, referenciais e culturas es-
trangeiras de gestão. Convivem no Brasil tanto um gestor que se desenvolveu e se profissio-
nalizou em um contexto anterior à globalização e internacionalização dos negócios quanto um
gestor mais “moderno”, mais cosmopolita, conectado às transformações no campo da gestão
no mundo e mais orientado a resultados e dimensões objetivas da administração. Essas trans-
formações no perfil do gestor podem impactar tanto os líderes quanto a relação entre líderes e
liderados no sentido de torná-la mais orientada às tarefas e resultados, menos centrada na fi-
gura de um líder fundador ou de um grupo de líderes, menos baseada em relações pessoais,
menos paternalista e mais preocupada com dimensões objetivas da gestão.
137
Quadro 15: Impacto dos traços culturais no processo de liderança
Elemento
Traços culturais brasileiros e traços
que indicam mudanças
Impacto
Processo de liderança
Distância de poder
Personalismo
Postura de expectador
Evitar conflitos
Novo perfil do gestor
Internacionalização
Centrado no poder e no status
Centrado no líder
Paternalista
Pouco orientado ao liderado
Sujeito à “modernização” do gestor
Tendência a orientação para dimen-
sões mais objetivas da gestão
Fonte: a autora
5.5.5 Qual a relação que os traços possuem com a gestão dos recursos humanos?
O impacto dos traços culturais na gestão de pessoas será discutido levando-se em considera-
ção os aspectos de seleção, socialização, avaliação de performance e remuneração. A escolha
desses elementos teve como base os modelos culturais de recursos humanos indicados por
Schneider e Barsoux (2003).
O processo de seleção seria fortemente influenciado pelo traço do personalismo. Apesar de
contratações serem feitas com base nas competências e habilidade formais dos indivíduos, é
forte a presença no Brasil das contratações via relacionamentos de amizade. As qualificações
técnicas, portanto, por vezes, são suplantadas por esse tipo de relação. Torna-se mais impor-
tante quem se conhece do que aquilo que se conhece efetivamente.
O processo de socialização também é permeado fortemente pelo personalismo. Um aspecto
evidente é a freqüente convivência simultânea no ambiente de trabalho da vida pessoal com a
vida profissional do indivíduo. Colegas de trabalho possuem diversos papéis: são também
amigos, confidentes, torcedores e compadres e comadres. Os eventos sociais são importantes
e devem ser compartilhados. O peso de certo “coletivismo” pode ser sentido aqui no sentido
de que o grupo deve partilhar momentos conjuntos fora do ambiente de trabalho. Aquele que
não compartilha é por vezes considerado “individualista” e pode ser rejeitado.
O paternalismo impactaria as situações de avaliação de desempenho tornando-as um processo
muito mais subjetivo do que objetivo e meritocrático. No entanto, atualmente, com as trans-
formações no perfil do gestor – “modernização” e consideração de dimensões mais objetivas
138
da gestão – e a maior interação com práticas internacionais, assume-se a possibilidade de que
a subjetividade nas avaliações possa estar caminhando gradualmente em direção a maior obje-
tividade.
A questão da remuneração é permeada pela desigualdade de poder, pelo coletivismo, pelo
planejamento, pela orientação a valores femininos, pelas mudanças no ambiente institucional
e pela maior internacionalização da gestão. A desigualdade de poder configura um sistema de
remuneração, em geral, bastante desigual em que as diferenças salariais entre os primeiros
níveis organizacionais e os mais altos são consideradas excessivas comparativamente a outros
países. A desigualdade salarial reflete a desigualdade social e a de poder existentes nas orga-
nizações no país. Um pouco do coletivismo é percebido na ausência de premiação pelo esfor-
ço e desempenho individual. O crescimento da possibilidade de planejamento e da estabilida-
de do ambiente institucional, principalmente dos contextos econômico e político, conduz à um
aumento gradual na utilização de remunerações variáveis. E, a orientação a valores femininos
como o cuidado com aspectos humanos leva ao gosto pelos benefícios não monetários, mas
sim relacionados à qualidade de vida. A maior internacionalização da gestão contribuiria com
a introdução de conceitos e modelos mais objetivos de remuneração.
Quadro 16: Impacto dos traços culturais na gestão de recursos humanos
Elementos de Recursos
humanos
Traços culturais brasileiros e traços
que indicam mudanças
Impacto
Seleção
Personalismo
Baseada em relações de amizade e
confiança
Socialização
Personalismo
Coletivismo
Fundamental para sobrevivência do
indivíduo no grupo
Avaliação
de performance
Paternalismo
Perfil do gestor
Internacionalização
Subjetiva e pouco meritocrática
Caminha para objetividade
Remuneração
Desigualdade de poder
Coletivismo
Planejamento (crescimento)
Ambiente institucional (estabiliza-
ção)
Feminilidade (orientação às pesso-
as)
Internacionalização
Muito desigual
Ausência de premiação dos eficien-
tes
Crescimento dos componentes
variáveis
Adoção de benefícios não monetá-
rios
Orientação para qualidade de vida
Caminha para objetividade
Fonte: a autora
139
CAPÍTULO 6 – Conclusões, Limitações e Especulações finais
Este capítulo consolida as conclusões que o presente estudo sugere. Para isso, remete aos ob-
jetivos de pesquisa inicialmente colocados buscando respondê-los a partir da realização de
uma síntese da discussão realizada até agora. Adicionalmente são colocadas as limitações que
o trabalho apresenta e algumas especulações finais.
6.1 Traços presentes na gestão das organizações atualmente
Os traços culturais que permeiam a gestão das organizações no Brasil e que configuram o
estilo brasileiro de gestão atualmente estão organizados em quatro grupos: relações inter-
pessoais, relações com o poder, organização e planejamento do trabalho e relação com o am-
biente. O primeiro grupo reúne traços que definem a forma como se desenvolvem e se man-
têm as relações entre as pessoas dentro das organizações. Principalmente as relações entre
pares e relações dentro de grupos. Os traços mais marcantes foram o personalismo, a necessi-
dade de evitar conflitos e a orientação humana. O traço da cordialidade foi considerado menos
marcante atualmente. O segundo grupo ilustra a relação que as pessoas e organizações esta-
belecem com o poder – obtenção e o fazer exercer, isto é, a forma como é posto em prática –
revelada pelos traços da desigualdade de poder, do autoritarismo e da postura de expectador,
os três igualmente marcantes. O terceiro grupo diz respeito à organização e ao planejamento
do trabalho e possui como traços marcantes hoje em dia a flexibilidade que pode ser desdo-
brada na grande capacidade de adaptação e de criatividade, a gestão ineficiente do tempo e a
orientação para o curto prazo – consolidadas no traço da gestão do tempo – o formalismo –
tanto o excesso quanto a falta – e o planejamento – tanto a falta quanto a crescente utilização.
Outros traços relacionados a esse tópico, mas que indicam estar presentes de maneira um pou-
co menos marcante foram a orientação a resultados e o jeitinho. O último grupo relaciona
dois importantes traços que afetam a gestão das organizações no Brasil: a admiração pelo es-
trangeiro e a heterogeneidade cultural. A admiração excessiva dos referenciais estrangeiros
ainda estaria presente na gestão das organizações, mas seria acompanhada da crescente ado-
ção crítica e reflexiva dos referenciais estrangeiros e da percepção de necessidade de valoriza-
140
ção das práticas locais. A heterogeneidade cultural das empresas existentes no país – diversi-
dade de origens e estrutura de capital e de região de atuação, por exemplo – ainda é um traço
marcante que dificulta a observação de uma unidade cultural homogênea e uniforme e eviden-
cia a complexidade do contexto de gestão brasileiro.
Portanto, este estudo sugere que os traços estão organizados nos quatro grupos citados e que,
dentro desses grupos, há traços mais marcantes e outros menos marcantes.
Adicionalmente, o estudo relevou que o coletivismo e o paternalismo – como conceitos mais
amplos e complexos – fazem parte dos elementos que marcam fortemente a gestão no país. A
orientação à dimensão feminina é menos marcante – em função do crescimento dos valores
masculinos – assim como a presença dos traços da lealdade pessoal, da malandragem e da
impunidade.
6.2 Reinterpretações e novas nuanças que alguns traços apresentam em função das mo-
dificações no contexto nacional e internacional
Como mostra o Quadro 11 – comentado anteriormente – referente à síntese das características
atuais de cada traço encontrado no estudo, cinco deles apresentam possibilidade de reinterpre-
tações e 4 deles novas nuanças. Possibilidades de reinterpretações foram encontradas para o
planejamento, formalismo, orientação humana, feminilidade e admiração pelo estrangeiro. O
personalismo, a gestão do tempo, a necessidade de evitar conflitos e o jeitinho brasileiro apre-
sentaram novas nuanças.
Com relação ao planejamento, a percepção tradicional é a de que as técnicas de planejamento
organizacional não seriam utilizadas com freqüência pelas organizações que atuam no país.
Este estudo indicou, no entanto, que o planejamento das atividades e tarefas individuais e dos
planos estratégicos organizacionais vem crescendo gradualmente em termos históricos, embo-
ra ainda sejam pouco utilizado e empregado no Brasil comparativamente a outros países.
A literatura tradicional sobre o traço do formalismo advoga que o país tenderia a possuir
grande necessidade de evitar incertezas e que, em função disto, utilizaria largamente em suas
141
atividades e ações do dia-a-dia grande quantidade de regras, normas e procedimentos a fim de
reduzir a sensação de incertezas e as imprevisibilidades. O estudo sugere, no entanto, que a
relação que se possui com a necessidade de evitar incertezas é outra: as pessoas não se sentem
ameaçadas por situações incertas ou de risco e não há o sentimento de necessidade de regras e
procedimentos para previsibilidade nas ações. De modo contrário, a sensação é a de que as
pessoas no Brasil se orgulham de poder resolver as situações sem a existência de regras for-
mais. O movimento que se percebe é no sentido contrário. Atualmente, em função da abertura
do país à globalização e aos padrões internacionais de gestão as organizações estariam cami-
nhando para a introdução de aspectos mais formais. A grande necessidade de evitar incertezas
traduzida na existência de regras, normas e procedimentos formais poderia estar mais vincu-
lada à esfera da vida pública e da relação cidadão-estado, como discutido anteriormente.
A tradicional visão do país como mais orientado a valores femininos e a aspectos humanos do
que ao negócio e resultados financeiros é contrabalançada com a crescente tendência a maior
orientação a resultados, a aspectos mais objetivos da gestão e à performance, em função da
maior interação da gestão local com referenciais estrangeiros e padrões internacionais.
Sobre a relação com o estrangeiro, a visão mais difundida na literatura acadêmica é a de que o
brasileiro e as organizações no país valorizam excessivamente os referenciais estrangeiros e
os adotam sem as devidas adaptações às necessidades locais ou reflexões críticas necessárias.
Este estudo indica, no entanto, que embora a adoção acrítica dos referenciais estrangeiros ain-
da aconteça com freqüência no país é crescente também a adoção com elevados níveis de cri-
ticidade e reflexão ou mesmo a rejeição. Um comportamento cada vez mais comum para essas
situações não é nem a adoção irrestrita nem a rejeição, mas a transformação e a resignificação
do referencial em função das necessidades locais. Adicionalmente, o estudo revela também a
percepção de necessidade de valorização das práticas locais.
As novas nuanças reveladas pelo personalismo dizem respeito ao quanto ele é importante para
a obtenção de bons desempenhos e resultados no trabalho e ao fato de constituir elemento
essencial para a caracterização de um bom ambiente organizacional. Com relação à gestão do
tempo, o estudo sugere que o país e a gestão possam estar caminhando para uma visão mais
orientada ao longo prazo, na medida em parece crescer no Brasil a utilização de técnicas de
planejamento e de formalismos assim como a percepção de maior estabilidade econômica e
política. Com relação à necessidade de evitar conflitos, o estudo revelou que a falta de com-
142
prometimento e o humor são frequentemente utilizados como mecanismos para lidar com o
incômodo sentido. Por fim, o estudo sugere que o jeitinho brasileiro, tradicionalmente visto
como um traço forte e marcante nas organizações no país, apresentaria atualmente uma pre-
sença menos marcante. Isso pode se dever, da mesma forma que o formalismo, ao fato de sua
concepção tradicional estar mais adequada à esfera da vida pública e das ações e comporta-
mentos sociais do que à esfera da vida nas organizações privadas.
6.3 Mudanças que influenciam a gestão praticada atualmente
O ambiente institucional brasileiro é comumente visto como instável, imprevisível, complexo
e turbulento. Essa percepção esteve associada historicamente aos diversos planos econômicos
pelos quais o país passou e às constantes mudanças e alterações políticas. A falta de credibili-
dade das instituições também é tida como característica marcante. Essas percepções ainda são
fortes no país. No entanto, o estudo indica que, recentemente, é crescente a percepção de esta-
bilidade econômica e política. Há o sentimento de que a situação pode se alterar – tanto eco-
nômica quanto politicamente – mas que isso não causará alterações drásticas nos rumos ou na
credibilidade do país. Essa crescente estabilidade do ambiente institucional impacta a gestão
na medida em que possibilita maior grau de utilização de técnicas de planejamento organiza-
cional e de formalismos organizacionais, maior previsibilidade nas ações e uma gestão mais
eficiente do tempo.
O estudo indica que a globalização impactou a gestão das organizações no Brasil. Por meio da
maior internacionalização dos negócios no mundo, referenciais de gestão estrangeiros foram
trazidos e incorporados à gestão local via empresas multinacionais e movimentação de execu-
tivos – estrangeiros no Brasil e brasileiros no exterior. Paralelamente à globalização o Brasil
se mostrou particularmente receptivo aos referenciais internacionais via processo de abertura
econômica e comercial e integração no comércio mundial. Os referenciais estrangeiros fundi-
ram-se à cultura local atuando como “modernizadores” da gestão aqui praticada.
Dentro do contexto da globalização e da internacionalização dos negócios, o perfil do gestor
estaria se alterando. Grande parte dos executivos que atuam nas organizações no país hoje em
dia possui um referencial de gestão anterior à abertura econômica, à globalização e à interna-
143
cionalização e inserção do país no comércio mundial. Nesse sentido, são gestores com um
perfil originado em um contexto de gestão mais fechado e restrito. O gestor atual, no entanto,
está aberto aos referenciais estrangeiros, é mais cosmopolita, mais bem preparado profissio-
nalmente, mais orientado a aspectos objetivos da gestão e mais focado em resultados. É im-
portante ressaltar, no entanto, que esse gestor, apesar de estar orientado e aberto aos referenci-
ais estrangeiros é alguém que consegue, em geral, adequar o referencial internacional às ne-
cessidades locais, ou mesmo rejeitá-las. O gestor atual atua, portanto, como um transformador
da gestão praticada hoje em dia no país.
6.4 O estilo “glocal” de gestão
Este estudo permitiu observar que há traços culturais nacionais que caracterizam e definem o
estilo brasileiro de gestão que são marcantes – uns mais fortemente outros menos – e que são
próprios da gestão das organizações no Brasil. Não permitiu dizer ou inferir, no entanto, se
esses traços são ou não únicos e singulares ao país ou fortes o suficiente para constituírem um
modelo distinto, singular ou peculiar. O estilo brasileiro de gestão estaria calcado, por um
lado, em traços marcantes da cultura organizacional local. Por outro lado, no entanto, o estudo
sugere também que a gestão das organizações no Brasil está passando por transformações na
medida em que busca acompanhar as mudanças que ocorrem nos contextos nacional e inter-
nacional. Esse processo de transformação se caracteriza concomitantemente pela busca dos
referenciais internacionais e pela grande consideração aos valores e necessidades locais e tra-
duz o paradoxo da conciliação entre aquilo que é global com o que é local.
O estilo que se forma a partir daí é calcado, por um lado, em traços tradicionais da cultura
brasileira, mas admite – de maneira cada vez mais crítica – características mais “modernas”
de gestão originárias de contextos estrangeiros. A conjugação desses dois tipos de elementos
indica que o estilo brasileiro atual configura uma síntese resignificada da convivência entre
integração global e adaptação local e pode, por este motivo, ser denominado “glocal”.
144
6.5 Impacto dos traços na gestão
Sinteticamente, o impacto dos traços na estratégia organizacional leva a crer que sua elabora-
ção é concentrada no topo das organizações, portanto, é em geral centralizada, concebida por
meio de decisões consensuais e direcionadas na maior parte das vezes ao curto prazo. Perce-
be-se uma leve tendência para que seu planejamento possa vir a se tornar algo mais freqüente
em função do aparente crescimento da estabilização do contexto institucional nacional. As
estruturas das organizações no país tendem a ser compostas por muitos níveis hierárquicos,
com cargos e funções técnicas específicos e por processos lentos de tomada de decisão. Esses
aspectos, no entanto, devem ser temperados com o traço da heterogeneidade cultural e devem,
nesse sentido, variar significativamente em função do porte da empresa e da origem de seu
capital. Os processos são em geral pouco sistematizados ou planejados. Observa-se uma ten-
dência, em função do contato com as culturas estrangeiras de gestão, à busca recente por mai-
or padronização. O estilo de liderança exercido no país expressa uma tendência paternalista e
uma grande busca por poder e status. No entanto, a “modernização” do perfil do gestor via
internacionalização dos negócios pode estar transformando esse estilo em algo mais orientado
a dimensões objetivas da gestão. O impacto dos traços culturais na gestão dos recursos huma-
nos evidencia uma área bastante calcada nas relações entre as pessoas, pouco meritocrática,
ainda bastante desigual em diversos aspectos e orientada à subjetividade. O contato com ou-
tras culturas, no entanto, tende também a influenciá-la em direção a um maior grau de objeti-
vidade.
6.6 Síntese da conclusão
Os resultados do estudo indicam que os traços culturais brasileiros encontrados na gestão das
organizações hoje em dia estariam organizados em quatro clusters ou grupos sendo que dentro
de alguns grupos há traços que parecem ser atualmente mais marcantes e outros menos. De
acordo com os resultados obtidos, a grande maioria deles ainda reflete valores e comporta-
mentos originários da cultura brasileira – isto é, são próprios da gestão no país, embora o es-
tudo não permita inferir se os traços são únicos e singulares comparativamente a outros estilos
de gestão. Os resultados indicam também que há traços que se modificaram ao longo do tem-
145
po em função de mudanças nos contextos nacional e internacional e que apresentam possibili-
dade de reinterpretações ou novas nuanças. Outro aspecto relevante é o de que o contexto
nacional e internacional mudou consideravelmente recentemente em função de fatores como
globalização, internacionalização dos negócios e abertura econômica do país e que a gestão
das organizações buscou acompanhar essas mudanças. Essa tentativa resulta atualmente em
um estilo de gestão “glocal” que conjuga os traços culturais brasileiros e as necessidades lo-
cais com os referenciais estrangeiros para formar um estilo que tende a ser uma síntese entre
aquilo que é local e aquilo é global: algo novo, transformado e resignificado. O estilo de ges-
tão brasileiro seria algo, portanto, calcado em traços tradicionais da cultura brasileira, mas
que, em função da interação com as mudanças no contexto nacional e internacional encontra-
se, ao mesmo tempo, em processo de transformação e consolidação.
6.7 Limitações da pesquisa
As limitações do estudo concentram-se no campo metodológico e dizem respeito, mais espe-
cificamente, à amostra e à coleta dos dados:
Amostra – Com relação à sua composição, alguns aspectos são limitantes e estão relacio-
nadas aos seguintes fatores: (i) as entrevistas foram realizadas com executivos que possuí-
am cargos ou posições seniores – a amostra abrangeu indivíduos do nível de coordenação
até vice-presidência. A preocupação que se coloca aqui é que o conteúdo colocado tenha
refletido somente a visão de pessoas nessas posições e não tenha trazido as impressões de
indivíduos em posições hierarquicamente inferiores (ii) quantidade de mulheres entrevis-
tadas. De 25 entrevistados, 3 somente eram mulheres (iii) empresas onde os entrevistados
trabalhavam. As empresas em que os indivíduos pesquisados trabalhavam eram do setor
privado – empresas nacionais ou multinacionais. Não houve relatos de vivências em em-
presas do setor público nacional.
Outro aspecto limitador do estudo relativo à amostra seria a quantidade de entrevistados.
O critério seguido para determinação da quantidade de indivíduos a serem entrevistados
foi a recorrência constante de temas e argumentos e a constatação de formação de padrões
nas respostas. No entanto, entende-se também que uma quantidade maior de indivíduos
146
pesquisados poderia trazer maior confiabilidade e solidez aos resultados, embora esteja
claro que a pesquisa tenha seguido uma abordagem qualitativa.
Coleta dos dados. Com relação a esse item, dois aspectos se mostraram relevantes: (i) as
entrevistas constituíram a única ferramenta para coleta dos dados. A utilização de uma va-
riedade, isto é, de uma combinação ou triangulação de ferramentas ou métodos poderia
contribuir para uma coleta de dados menos subjetiva ou sujeita a vieses associados a essa
ferramenta e (ii) a autora do estudo foi a única pessoa a conduzir as entrevistas e a inter-
pretá-las. Isso pode ter impactado o conteúdo obtido e as análises efetuadas já que estas
dependeram das habilidades e percepções de um único indivíduo, que claramente, são li-
mitadas ou tendenciosas. Ou seja, a objetividade do estudo pode ter sido impactada pela
subjetividade da pesquisadora.
Os aspectos acima descritos demonstram as limitações do estudo com relação à possibilidade
de generalização dos resultados encontrados.
6.8 Especulações finais
Esta seção final dedica-se a reflexões livres sobre temas que não puderam ser explorados nes-
te estudo, mas que compõem idéias interessantes e necessárias a uma investigação mais apro-
fundada sobre o tema. As reflexões são apresentadas abaixo.
Um dos tópicos que merece um tratamento mais aprofundado e que pode revelar aspectos
interessantes à compreensão do estilo brasileiro de gestão remeteria à percepção que os es-
trangeiros possuem do estilo praticado no país. Será que os traços por eles percebidos co-
incidem com aqueles apontados pelos executivos brasileiros? Em que medida os estran-
geiros vêem algo diferente dos brasileiros?
A partir da discussão anterior pode-se refletir também sobre o que acontecerá com os tra-
ços culturais tidos como tradicionais da cultura organizacional brasileira. Em que medida
147
eles permanecerão marcantes, serão reinventados ou extinguidos? E, quais os novos traços
que podem surgir?
Apesar da existência de trabalhos que sugerem a ocorrência de significativas diferenças
nas culturas organizacionais e no estilo de gestão de países que compartilham culturas la-
tino-americanas (Friedrich et al, 2005), grande parte dos estudos em culturas nacionais,
como os trabalhos de Hofstede (1997, 2001) e House et al (2004) consideram os países la-
tino americanos como um grupo culturalmente coeso. A pergunta que ainda precisa de
uma resposta convincente é em que medida o estilo brasileiro de gestão se distingue de es-
tilos como, por exemplo, o colombiano, o venezuelano, o argentino ou o chileno? Ou
mesmo o português? Em outras palavras, o que torna o estilo brasileiro único ou singular?
Assumindo que o estilo nacional atual possa estar em processo de transformação e conso-
lidação a partir da interação com os referenciais estrangeiros de gestão, quanto do estilo
que se formará daqui alguns anos estará vinculado às raízes e traços culturais organizacio-
nais tradicionalmente brasileiros e o quanto terá absorvido de outras culturas de gestão? O
quanto a gestão no país terá ser mostrado resistente ou não às mudanças modernizadoras?
Por fim, o presente estudo buscou incorporar as influências e impactos da internacionali-
zação dos negócios nas últimas décadas na gestão e no estilo praticado no país e sugere
que o estilo atual possa ser caracterizado como “glocal”, na medida em que em permite a
junção de integração global com adaptação local. Hoje, portanto, o estilo seria algo em
transformação. A pergunta mais geral que poderia ser colocada é daqui há 10 ou 15 anos,
assumindo que o Brasil participará cada vez mais da economia mundial e que a interna-
cionalização das empresas se expandirá, como se caracterizará o estilo nacional? Para on-
de ele caminha?
148
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155
APÊNDICE A – Roteiro para Entrevista
Dados pessoais
Nome:
Nacionalidade:
Tempo no Brasil (se estrangeiro):
Formação educacional:
Idade: Sexo: F M
Cargo na empresa:
Tempo na empresa: Tempo no cargo:
Dados da empresa
Empresa:
Origem do capital
Nacional: Internacional: Misto:
Ramo de atividade:
Porte:
Quantidade de funcionários:
Faturamento anual:
156
Questões abertas
Questões:
(B = questão para brasileiros; E= questão para estrangeiros)
1. Descreva sucintamente as atividades pelas quais você é responsável na Empresa X
(B/E)
2. De que forma você se relaciona com gestores estrangeiros em seu dia-a-dia? Cite
exemplos (B)
3. O que você sentiu ou percebeu quando chegou ao Brasil com relação à forma de ges-
tão na Empresa X? Cite exemplos (E)
4. Na sua percepção, quais os aspectos da forma como a Empresa X é gerida que mais
facilitam a realização das suas atividades? Cite exemplos (B/E)
5. Na sua percepção, quais as maiores dificuldades para realização de suas atividades na
Empresa X? Cite exemplos (B/E)
6. Quais habilidades e capacidades individuais você diria são essenciais para realizar
suas atividades com sucesso na Empresa X? Cite exemplos (B/E)
7. Quais desafios o contexto econômico, social e político brasileiro coloca aos gestores
nas organizações no Brasil? Cite exemplos (B/E)
8. Na sua percepção, quais as principais diferenças entre a forma como você realiza suas
atividades aqui no Brasil e a forma como os estrangeiros que você possui contato rea-
lizam suas atividades fora do Brasil? Cite exemplos (B/E)
9. Na sua percepção, há impactos da forma estrangeira de gestão na forma como as em-
presas são geridas aqui no Brasil? Quais? Cite exemplos (B/E)
10. Quais aspectos das suas atividades são únicos, particulares ao contexto brasileiro? Cite
exemplos (B/E)
11. Quais as “dicas” que você daria para que as pessoas realizem suas atividades de traba-
lho com sucesso nas empresas brasileiras? (B/E)
157
Questões de avaliação
As questões abaixo fazem referência a aspectos da forma como a gestão de organizações é
feita no Brasil. Para respondê-las tenha em mente a forma como você percebe esses aspectos
no contexto brasileiro. Considere a empresa em que trabalha atualmente ou a última experiên-
cia que teve em empresas no Brasil.
Assinale as respostas conforme a codificação abaixo.
CÓDIGO PARA RESPOSTAS
1.Discordo
totalmente
2. Discordo
3. Não concordo
nem discordo
4. Concordo
5.Concordo
totalmente
1. As pessoas de maior prestígio e em cargos de liderança na empresa
se encontram nessa posição em função de suas capacidades e habi-
lidades para tocar o negócio
1 2 3 4 5.
2. As pessoas possuem grande capacidade de adaptação a mudanças
1 2 3 4 5.
3. As pessoas evitam situações de incerteza ou risco
1 2 3 4 5.
4. Apesar da estabilidade financeira e emocional que a empresa pode
oferecer às pessoas, frequentemente elas sentem que têm sua auto-
nomia e liberdade de ação restritos
1 2 3 4 5.
5. As relações entre as pessoas são fortemente influenciadas pelo car-
go que elas ocupam
1 2 3 4 5.
6. Diálogos e discussões são estimulados
1 2 3 4 5.
7. As pessoas são tratadas de forma igualitária, independentemente do
cargo que ocupam na estrutura da empresa
1 2 3 4 5.
8. Existe grande quantidade de regras e procedimentos formalizados
como suporte à tomada de decisões e à realização do trabalho
1 2 3 4 5.
9. Ao cometer falhas ou descuidos propositadamente as pessoas sa-
bem que serão punidas
1 2 3 4 5.
10. As pessoas procuram desenvolver um relacionamento próximo e
afetivo com as pessoas com as quais trabalham
1 2 3 4 5.
11. O relacionamento entre as pessoas, a preocupação com o próximo e
com a qualidade de vida dos profissionais são questões importantes
1 2 3 4 5.
12. As pessoas preferem que os líderes sejam responsáveis pela reso-
lução de problemas importantes nas empresas
1 2 3 4 5.
13. O vínculo que as pessoas possuem com os líderes da empresa ou
com seus gestores imediatos é mais importante do que aquele que
possuem com a organização
1 2 3 4 5.
14. Em situações de conflito de opiniões com os gestores ou líderes, as
pessoas preferem uma posição conciliadora
1 2 3 4 5.
15. As pessoas se preocupam mais com os resultados financeiros e com
a competitividade da empresa no mercado do que com as pessoas
que nela trabalham
1 2 3 4 5.
158
1.Discordo
totalmente
2. Discordo
3. Não concordo
nem discordo
4. Concordo
5.Concordo
totalmente
16. Os relacionamentos pessoais que as pessoas possuem na empresa
por vezes as colocam em situações privilegiadas frente às regras es-
tabelecidas
1 2 3 4 5.
17. As pessoas aceitam as decisões de seus gestores imediatos sem
questioná-los
1 2 3 4 5.
18. As pessoas acreditam que devem aguardar a orientação dos seus
gestores para exercer suas atividades
1 2 3 4 5.
19. As pessoas crêem que o trabalho metódico e manual destina-se a
indivíduos com menor status social
1 2 3 4 5.
20. Se as pessoas possuem algum problema no âmbito profissional elas
recorrem a amigos e familiares para solucioná-lo
1 2 3 4 5.
21. A pessoas realizam seus trabalhos por autodeterminação
1 2 3 4 5.
22. O pertencimento a uma empresa fornece às pessoas uma sensação
de segurança financeira e emocional
1 2 3 4 5.
23. Idéias e perspectivas inovadoras ou inusitadas são incentivadas
1 2 3 4 5.
24. Algumas vezes, as pessoas acreditam que quando se defrontam
com situações proibidas legalmente podem “dar um jeitinho” de
burlá-las
1 2 3 4 5.
25. Normas e procedimentos existentes são questionados e reavaliados
periodicamente
1 2 3 4 5.
26. Em geral, há espaço para que as pessoas avaliem seus superiores
1 2 3 4 5.
27. Se um indivíduo toma uma decisão sem consultar seu gestor imedi-
ato esse ato será considerado uma insubordinação
1 2 3 4 5.
28. O relacionamento entre colegas de trabalho se restringe às ativida-
des profissionais
1 2 3 4 5.
29. Técnicas de planejamento organizacional são frequentemente utili-
zados como garantia de maior previsibilidade nas ações
1 2 3 4 5.
30. A adoção de ferramentas de gestão estrangeiras é feita sem as de-
vidas adaptações à realidade das organizações no Brasil
1 2 3 4 5.
31. O fato de pertencer a alguma organização dá às pessoas uma sensa-
ção de proteção e essa proteção é compensada com um alto grau de
lealdade das pessoas às organizações
1 2 3 4 5.
32. Em geral, as decisões que as pessoas tomam nas organizações no
Brasil são mais orientadas para o longo prazo
1 2 3 4 5.
33. Ao pertencer a uma organização no Brasil é importante para as
pessoas o sentimento de que fazem parte de uma “família”
1 2 3 4 5.
34. Em geral, as pessoas consideram as soluções de gestão estrangeiras
melhores do que aquelas desenvolvidas dentro do país
1 2 3 4 5.
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