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SILVIA TEREZINHA BIESDORF SANGALETI
A PERSPECTIVA PEDAGÓGICA DO CENTRO DE ATENDIMENTO E AMPARO À
CRIANÇA E AO ADOLESCENTE/CEACA
Londrina
2005
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SILVIA TEREZINHA BIESDORF SANGALETI
A PERSPECTIVA PEDAGÓGICA DO CENTRO DE ATENDIMENTO E
AMPARO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE / CEACA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Serviço Social e Política Social da
Universidade Estadual de Londrina, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Profª. Drª. Vera Lúcia Tieko Suguihiro.
Londrina/PR
2005
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SANGALETI, Silvia T. Biesdorf.
A Perspectiva Pedagógica do Centro de Atendimento e Amparo à
Criança e ao Adolescente/ CEACA./Silvia T.Biesdorf Sangaleti –
Londrina, PR: [s.n], 2005.
80f.
Orientadora: Dra Vera Lúcia Tieko Suguihiro.
Dissertação(Mestrado) – Universidade Estadual de Londrina.
Bibliografia:f.
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SILVIA TEREZINHA BIESDORF SANGALETI
A PERSPECTIVA PEDAGÓGICA DO CENTRO DE ATENDIMENTO E
AMPARO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE / CEACA
Esta dissertação foi julgada e aprovada para a
Obtenção do grau de Mestre em Serviço Social
no Programa de Pós-Graduação em
Serviço Social e Política Social da
Universidade Estadual de Londrina
Londrina, XX de mês de 2005.
Banca examinadora:
Prof. __________________, Dr.
Universidade Estadual de Londrina
Orientador
Prof. ____________________, Dr.
Universidade Estadual de Londrina
Prof. ____________________, Dr.
Universidade Estadual de Londrina
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Ao Beto... companheiro de todas as horas, a Isadora e
Roberta... que compreenderam todas as minhas
ausências, com todo meu amor.
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Agradecimentos
A Profa. Dra. Vera Lúcia Tieko Suguihiro, pelo apoio em todas as etapas deste trabalho.
A minha mãe, Elza, os irmãos Sônia, Solange, José Biesdorf, pela motivação e carinho.
Aos professores e adolescentes egressos do CEACA, que permitiram a realização deste estudo.
A Rosiléia Clara Werner , pelo incentivo e apoio em todos os momentos.
A Maria Ângela Santini com carinho, amiga de todas as horas neste período.
A Ivete Paggi Suzuki, pela colaboração para a realização deste trabalho.
A Ineiva Kreutz pela colaboração.
A Teresinha Carrer e Marli Endrigo, que permitiram a finalização deste trabalho.
Aos amigos verdadeiros e colegas, pela força e pela vibração durante a jornada.
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“O amanhã comportará o desconhecido.
Mas também será lembrado a
partir da herança de hoje”.
Robert Castel
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RESUMO
SANGALETI, Silvia T. Biesdorf. A perspectiva pedagógica do Centro de Atendimento e
Amparo à Criança e ao Adolescente/ CEACA.2005.Dissertação (Mestrado em Serviço Social e
Política Social ) – Universidade Estadual de Londrina.
Buscamos neste estudo evidenciar como se naturaliza a estratégia de sobrevivência via educação
pelo trabalho. Discorremos a respeito do surgimento do CEACA e de sua proposta pedagógica.
Através de pesquisa qualitativa foram investigados 23 sujeitos, integrantes da equipe de trabalho,
professores, além de adolescentes, estes egressos com passagem na oficina de panificação. Se a
participação de adolescentes na oficina de panificação do CEACA contribuiu para a inserção de
adolescentes no mercado de trabalho, se a metodologia adotada insere ou não o adolescente no
mundo do trabalho. Ressaltamos que nas entrevistas realizadas com esses adolescentes,
evidenciam-se a vivência em grupos.
Palavras-chave: adolescentes, CEACA.
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ABSTRACT
SANGALETI, Silvia T. Biesdorf. The pedagogical perspective of Center of Service and
Support to Children and Adolescents CEACA. 2005. Dissertation (MA in Social Service and
Social Politics) – Universidade Estadual de Londrina.
It is intended to schow how the survival strategic of the adolescents is adjusted to the education
through work. It was analyzed the creation of CEACA ad its pedagogical proposal. Using a
qualitative research, twenty-three people were studied, members of the teamwork, teachers, as
well as ex-students who were apprentices in the bakery workshop. It was analyzed if the
attendance of adolescents in the bakery workshop helped them to enter in the job market, and
whether the methodology adopted helps them or not to enter in the job world. It’s important no
mention that during the interviews sith the adolescents, they emphasized the experiences of living
in groups.
Key words: adolescents, CEACA.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AFAME – Associação Filantrópica Acácia Medianeirense
CEACA – Centro de Atendimento e Amparo à Criança e ao Adolescente
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPARDES – Instituto Paranaense de Desenvolvimento Social
LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
OIT – Organização Internacional do Trabalho
SANEM – Sociedade de Amparo ao Necessitado Medianeirense
SETP – Secretaria Estadual do Trabalho, Emprego e Promoção Social
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SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS.....................................................................................................
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LISTA DE QUADROS...................................................................................................
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS....................................................................
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1 INTRODUÇÃO............................................................................................................
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2 ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA DO ADOLESCENTE............................
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3 PERCORRENDO OS CAMINHOS DA CONSTRUÇÃO DO CEACA...............
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3.1 O CEACA de Medianeira: uma proposta de atendimento à criança e ao
adolescente.......................................................................................................................
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3.2 CEACA: a reconstituição de sua história...............................................................
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3.2.1 Primeiro período: 1992 – a implantação do Projeto Pirulito....................................
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3.2.2 Segundo Período: 1993-1996 – o Surgimento do CEACA......................................
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.00
3.2.3 Terceiro Período: 1997-2004 – o CEACA...............................................................
p
.00
4 FALTA DEFINIR O TÍTULO....................................................................................
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.00
4.1 Falta definir...............................................................................................................
p
.00
4.2 Falta definir...............................................................................................................
p
.00
4.3 Falta definir...............................................................................................................
p
.00
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................
p
.00
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................
p
.00
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Organograma do Projeto Pirulito......................................................................
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.00
13
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Evolução do número de usuários do CEACA em cada gestão municipal.......
p
.00
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1 INTRODUÇÃO
A sociedade brasileira tem procurado efetivar várias medidas de proteção à criança e ao
adolescente em razão da presença de segmentos desprotegidos dessas faixas etárias entre parcelas
da população.
O Oeste do Paraná, especificamente a cidade de Medianeira, dentro das limitações que
cercam um município de médio porte, implantou um programa de atendimento à sua população
jovem em situação de risco.
Em 1992 criou-se o Projeto Pirulito, que procurou atender os adolescentes que
perambulavam pelas ruas da cidade por meio de ações de complementação alimentar e
pedagógica que visavam à sua reinserção no meio escolar.
O citado projeto foi reordenado a partir de 1993, em virtude de proposição do Provopar –
Programa do Voluntariado Paranaense. Esse órgão criou um Programa de Ação pela Infância e
Adolescência, cuja metodologia adotava a educação pelo trabalho, com a implantação de várias
oficinas de iniciação ao trabalho e à convivência social.
A nova ação municipal foi denominada Centro de Atendimento e Amparo à Criança e ao
Adolescente – CEACA. Trata-se de escola-oficina que adotou como metodologia de trabalho as
oficinas de convivência, que possibilitam a participação de crianças e adolescentes no processo
ensino-aprendizagem com a inserção do aluno no planejamento, na execução e na avaliação do
trabalho; no conhecimento desse trabalho e no produto do mesmo trabalho, de forma a promover
a inclusão do adolescente no mercado de trabalho.
O público alvo do CEACA são crianças e adolescentes dos 7 aos 17 anos em situação de
vulnerabilidade social. As oficinas de convivência propõem um trabalho voltado à leitura, à
escrita, à fala e ao raciocínio lógico por meio de atividades lúdicas, palestras e jogos que
desenvolvam a socialização, os valores humanos, o desenvolvimento da auto-estima e a
vivência em grupo. Além disso, foram implantadas nesse Centro oficinas de lavanderia industrial
e de panificação com o intuito de desenvolver e aprimorar pré-requisitos desses alunos, tais
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como aptidão declarada para a área e interesse em desenvolver técnicas de manuseio de
alimentos já praticadas em casa com o objetivo de qualificá-los para o mundo do trabalho.
O objeto deste estudo refere-se se à participação de adolescentes na Oficina de Panificação
como forma de inserção desses indivíduos no mercado de trabalho. Em que medida o CEACA
atende ao objetivo do projeto político-pedagógico, ou seja, até que ponto a metodologia adotada
insere o adolescente no mercado de trabalho? Após passagem no CEACA, os adolescentes
tiveram seus direitos como cidadãos efetivados no mundo do trabalho?
Constituíram-se sujeitos da pesquisa adolescentes egressos da Oficina de Panificação, no
período entre 1997 a 2004, e os professores do CEACA. Estes últimos serão pesquisados para
melhor compreender a adoção da metodologia e analisar se esta colabora ou não para a formação
do adolescente e a sua conseqüente inclusão no mercado de trabalho.
Este estudo é apresentado em três capítulos.
No primeiro, busca-se evidenciar a forma por meio da qual se naturaliza na sociedade a
estratégia de sobrevivência do adolescente pobre pelo método da educação pelo trabalho. No
segundo discorre-se sobre o surgimento do CEACA e a proposta pedagógica da Educação pelo
Trabalho, categoria que norteia o Programa de Ação pela Infância e Adolescência e este rebate
como elemento essencial na metodologia do CEACA.
A seguir, na terceira parte, apresenta-se pesquisa realizada com o universo em estudo:
integrantes da equipe de trabalho, professores e adolescentes egressos, com passagem na Oficina
de Panificação, totalizando 23 sujeitos envolvidos: 10 professores e 13 adolescentes.
A pesquisa, de caráter qualitativo, dispôs de depoimentos gravados com a permissão das
pessoas envolvidas. Para os adolescentes, adotou-se questionário semi-estruturado para investigar
a situação de vida após seu desligamento do CEACA.
As fontes de informação foram primárias assim como também secundárias, pois se recorreu a
dados já existentes na instituição pesquisada. Fez-se ainda levantamento de dados com base nos
registros dos adolescentes egressos do CEACA, pesquisa que envolveu o projeto social do
CEACA, a documentação que define a política da criança e do adolescente para o município de
Medianeira e arquivos de jornal e da Associação Educacional Irio Manganelli, instituição
parceira da primeira fase de criação do CEACA.
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A organização dos dados coletados envolveu a análise de conteúdo, com a necessária seleção
da categoria “educação e trabalho” como suporte metodológico por acreditar que ambos,
inseridos no cotidiano, constituem-se em aportes para o objeto deste estudo.
Para Bardin (1977) a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise de
comunicação que visam obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do
conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas
mensagens.
Assim, ao analisar a estrutura adotada no CEACA, procurou-se estabelecer um momento de
reflexão sobre a prática educativa ali adotada por meio da identificação, na proposta político-
pedagógica do CEACA, da inserção ou não dos adolescentes no mercado de trabalho.
A origem deste estudo deve-se também ao vínculo que esta autora manteve com a instituição,
na primeira fase, denominada Projeto Pirulito, como profissional que elaborou o primeiro projeto
social e, após período de afastamento, retornou em 1997 na função de diretora do CEACA até o
final de 2004.
A metodologia utilizada na pesquisa possibilitou uma aproximação crítica ao objeto de
estudo, pois este não se restringiu à mera opção de técnicas surgidas no decorrer da ação.
Desse modo, houve preocupação em não privilegiar os dados em si mesmos, e para isso
procurou-se evidenciar o contexto social em que aqueles acontecem, principalmente para
desvendar seu objetivo nesse momento do estudo: em que medida a participação de adolescentes
na Oficina de Panificação contribuiu para a inserção deste adolescente no mercado de trabalho.
Assim, buscou-se:
a) Apreender a concepção e a prática de educação e trabalho no CEACA;
b) Analisar se a metodologia do CEACA colabora ou não para a formação do adolescente e
conseqüentemente para a inclusão no mercado de trabalho; e
c) Examinar se o CEACA trabalha na perspectiva da educação para o trabalho ou pelo
trabalho.
Num primeiro momento, realizou-se a pesquisa documental para dar suporte teórico ao objeto
escolhido, levantou-se a documentação necessária para a análise de documentos e construíram-se
os instrumentais a serem utilizados, a entrevista e o questionário. A partir dessa etapa realizou-se
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a pesquisa entrevistando os dez professores no próprio local de trabalho – o CEACA – e os treze
adolescentes egressos em suas casas, mediante visitas domiciliares.
Para alcançar o objetivo da pesquisa, utilizou-se como instrumental metodológico a entrevista
semi-estruturada, pois se pretendia captar experiências específicas dos entrevistados. As
entrevistas são, portanto, instrumentos usados nas pesquisas sociais porque, além de permitirem
captar melhor o que as pessoas pensam e sabem, com elas se observa também a postura corporal,
a tonalidade da voz, os silêncios, etc.
A entrevista, um termo bastante genérico, está sendo por nós entendida como
uma conversa a dois com propósitos bem definidos. Num primeiro nível, essa
técnica se caracteriza por uma comunicação verbal que reforça a importância da
linguagem e do significado da fala. Já em outro nível, serve como um meio de
coleta de informações sobre um determinado tema científico (CRUZ, 1994:57).
Foram entrevistadas as professoras em seu ambiente de trabalho, em horários previamente
combinados, em sua hora de atividade fora de sala. Usando as entrevistas como instrumental,
estas foram gravadas com o consentimento das professoras, que conferiam o teor das gravações
e, de comum acordo com esta autora, regravavam o que achavam necessário.
Faz-se referência apenas a professoras porque todas eram do sexo feminino, com no mínimo
um e no máximo sete anos ano de trabalho no CEACA, todas funcionárias públicas municipais
cedidas pela Secretaria Municipal de Educação. Nove delas tinham nível de escolaridade superior
completo e uma estava freqüentando a faculdade, todas nas áreas de Educação Física, Pedagogia,
Educação Artística, Letras e Magistério. Duas freqüentavam curso de especialização e outras
duas já haviam concluído a pós-graduação.
Ver-se-á, nos relatos que seguem, por eixo temático, sua concepção, a primeira das categorias
de análise deste conteúdo.
Para o registro e armazenamento das informações captadas nesse momento, fez-se o uso da
técnica de gravação, que se caracteriza como forma de armazenamento de informação viva. As
fitas receberam codificação com registro da data e do número da entrevista. Após a assinatura do
termo de consentimento (Anexo I), esta autora explicou as etapas da investigação e deixou claro
para os entrevistados o objeto da pesquisa. Ao término da gravação ouvia-se o depoimento, mas
em nenhuma dessas entrevistas foi solicitada a mudança de termos ou de ponto de vista
registrados. Posteriormente, realizou-se a transcrição das dez entrevistas respeitando-se a
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originalidade das falas/depoimentos. A técnica das entrevistas gravadas foi utilizada com todas
professoras do CEACA.
Como instrumental constituiu-se também a análise de documentos que serviram como fonte
de informação para a pesquisa: projetos, atas, programas e artigos de jornal. Essa fase consistiu
em adquirir conhecimentos baseados em informações advindas do material gráfico já
mencionado. Os documentos pesquisados foram os projetos sociais do CEACA, a documentação
que define a política da criança e do adolescente para o município de Medianeira e arquivos de
jornal e da Associação Educacional Irio Manganelli, desta com o objetivo do resgate histórico do
CEACA.
Fez parte do instrumental metodológico o questionário, que se constituiu de uma série
ordenada de perguntas referentes ao tema.
Questionário, para Gil (1999:128), é :
A técnica de investigação composta por um número mais ou menos elevado de
questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo como objetivo o
conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas,
situações vivenciadas, etc. Quando, porém, são formuladas, oralmente pelo
pesquisador, podem ser designadas como questionários aplicados com entrevista
ou formulários.
O questionário foi construído com algumas questões fechadas e uma questão aberta, pois esta,
para Gil (1999), tem a vantagem de não forçar o respondente a enquadrar sua percepção em
opções preestabelecidas. Esse instrumental foi formulado oralmente pela pesquisadora em visitas
domiciliares às residências dos egressos em horários em que fosse possível o contato, geralmente
em final de semana ou no período noturno.
Para Minayo (1994:16), a metodologia é o caminho do pensamento e a prática exercida na
abordagem da realidade.
Ao percorrer o caminho metodológico, optou-se pela pesquisa qualitativa, que para Minayo
(1994:21) responde a questões muito particulares e se preocupa com um nível de realidade que
não pode ser quantificado, ou seja, trabalha com um universo de significados.
Buscou-se assim desvendar o real sentido da realidade com a tentativa de descobrir no particular
a totalidade do processo social que se apresenta no CEACA. O real desvelado supõe a
transposição, por meio de mediações, do imediatamente dado, lido e visualizado na pesquisa.
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Sob esse aspecto, definiu-se o universo da pesquisa: adolescentes egressos da Oficina de
Panificação, no período compreendido entre 1997-2003, e professores do CEACA.
Constitui-se esse universo uma amostragem não-probabilística, ou seja, aquela que não
utiliza forma aleatória de seleção. Escolheram-se as amostras intencionais, que para Marsiglia
são:
Usadas quando o pesquisador quer obter a opinião de certas pessoas, não
necessariamente representativas do universo todo, mas de parte dele (MARSIGLIA,
2001:25).
Para a organização e análise dos dados far-se-á análise de conteúdo. Cabe aqui citar que
foram utilizadas categorias, que para Setúbal (1999) são:
[...] elementos estruturais de complexos relativamente totais, reais e dinâmicos,
cujas inter-relações dinâmicas dão lugar a complexos cada vez mais abrangentes em
sentido tanto extensivo quanto intensivo (SETÚBAL, 1999:80).
Essas categorias metodológicas, embora não continuamente explicitadas, deverão dar o
necessário suporte à relação pesquisador-objeto de pesquisa durante todo o desenrolar deste
trabalho, iluminando todos os procedimentos (KUENZER, 1998: 64).
Para a análise dos dados dos egressos seguiu-se o eixo da inserção no mercado de trabalho,
com a adoção de duas categorias: a primeira, definida pela pesquisadora, dizia respeito a como a
participação na Oficina de Panificação contribuiu para a vida profissional. Durante a pergunta
aberta, que deveria responder ao eixo mencionado, porém, surgiu, nas respostas dos egressos,
outra categoria: como a participação no CEACA contribuiu para a vida pessoal.
Para a análise dos dados colhidos desse universo constituído por dez professoras, foram
eleitos os seguintes eixos temáticos: projeto político pedagógico, inclusão social, cidadania,
educação e trabalho, através de duas categorias: a concepção e a prática.
Acredita-se que, por meio das categorias, pode-se fazer uma viagem do singular ao universal,
ambos mediatizados pelo particular (SETÚBAL, 1999:80), e podem-se construir aportes para o
objeto de estudo, o que supera a leitura linear e dicotômica da realidade, a fim de que
possibilitem compreender a amplitude e a profundidade dos dados colhidos e contribuam para o
entendimento do objeto de estudo.
20
A reelaboração da realidade concreta do CEACA faz-se importante para o estabelecimento e
reconhecimento dos saberes construídos com base no cotidiano vivido e em suas características e
semelhanças que se instalam no processo social com o qual se trabalhou.
Por certo não serão encontradas todas as respostas neste trabalho ante a evidente amplitude
das repercussões sociais da participação dos adolescentes na Escola Oficina CEACA, mas, como
assistente social investigadora, esta pesquisadora busca, com este trabalho científico, contribuir
para a própria profissão, na medida em que analisa uma prática social em que o Serviço Social
exerceu papel importante.
Também de suma importância foi o resgate da vida dos adolescentes que passaram pelo
CEACA, que muito nos ensinaram com o relato do seu cotidiano e da sua percepção de realidade.
Acima de tudo, procurou-se estabelecer uma reflexão teórico-prática ao buscar a superação da
dicotomia teoria/prática do fazer profissional dentro do CEACA.
21
2 ESTRATÉGIAS DE SOBREVIVÊNCIA DO ADOLESCENTE
A gênese da existência humana está ligada ao trabalho, produtor de riquezas, que cria o
próprio homem como ser reconhecido pelo outro nas sociedades de classes, por isso é forçoso
inferir que a história humana teve sua realidade transformada também com o desenvolvimento do
trabalho, atividade inerente à sua própria sobrevivência.
A Revolução Industrial trouxe consigo a utilização da mão-de-obra da criança e do
adolescente, pois a maquinaria deu espaço à utilização da meia-força, considerada a feminina, e a
da criança e do adolescente (MARX 1999:451). Outro aspecto foi a abundância da mão-de-obra,
que barateava o custo da produção, uma vez que o salário feminino correspondia à metade do
masculino e reservava-se à criança e ao adolescente pagamento menor ainda do que o reservado à
mão-de-obra feminina. Dessa maneira, Marx (1999:452) afirma que (...) “a máquina, ao aumentar
o campo específico de exploração do capital, o material humano, amplia, ao mesmo tempo, o
grau de exploração”.
As transformações trazidas pela sociedade industrial com a acentuada divisão do trabalho –
ou seja, a especialização econômica, a segregação da família das outras esferas institucionais e os
problemas decorrentes do processo crescente – intensificaram a descontinuidade entre o mundo
da criança e o mundo adulto, do que resultou a separação entre as esferas pública e privada,
como produto da consolidação do capitalismo. Essa situação provocou nova divisão do trabalho,
em várias dimensões, pois a esfera pública passou a ser capitaneada pelo Estado, responsável pela
gestão das relações de produção. À esfera privada coube então o espaço doméstico/familiar, no
qual se daria a reprodução das condições de sobrevivência.
A utilização da criança e do adolescente na sociedade do trabalho aparece claramente na
sociedade capitalista implantada a partir da Revolução Industrial.
Mulheres, crianças e adolescentes foram admitidos para o trabalho nas máquinas da incipiente
era industrial, uma vez que a maquinaria permitiu a utilização de mão-de-obra sem força
muscular ou com membros flexíveis. Como conseqüência, não houve apenas aumento do número
de assalariados: até as crianças passaram a ser utilizadas, fato que marcou, por volta do século
XVIII, o fim das brincadeiras infantis para muitos filhos de europeus, principalmente.
22
O salário feminino era menor do que o masculino, situação que perdura até hoje, pois,
segundo o IBGE, em publicação da Síntese dos Indicadores Sociais de 2005, as mulheres ganham
em média 30% a menos que os homens, independentemente do nível de instrução. Para crianças
e adolescentes, o pagamento é inferior ao da mulher. Conseqüentemente, as crianças e os
adolescentes não têm os mesmos direitos que homens e mulheres, porque não são remunerados
de acordo com as leis trabalhistas. Utiliza-se o trabalho infantil porque é econômico dispor de
crianças e adolescentes como empregados. Tudo isso gira em torno de um poder notadamente
regido pela acumulação econômica, e por isso inúmeras crianças trabalham e contribuem com o
grupo familiar.
De acordo com Marx (1999:452), a maquinaria amplia a exploração, pois o trabalhador passa
a vender sua força de trabalho, da mulher e dos filhos, “tornando-se traficante de escravos”
(MARX,1999:453). Na época da Revolução Industrial, procuravam-se trabalhadores “com a
aparência de treze anos”, pelo menos, em razão da existência de lei fabril que limitava a jornada a
seis horas para meninos com menos de treze anos. Atestados médicos, porém, aumentavam a
idade das crianças e assim satisfaziam tanto a ânsia de exploração dos empregadores como a
necessidade de tráfico de mão-de-obra realizado pelos pais. Há relatos de crianças leiloadas em
praça pública, a partir de nove anos, alugadas diretamente às fábricas de seda de Londres, em
contratos válidos por apenas uma semana (MARX, 1999:454), e ainda de raptos de crianças em
asilos e orfanatos praticados pelos exploradores dessa mão-de-obra no início do sistema industrial
moderno (MARX, 1999:461).
A despeito disso, a imensa taxa mortalidade de filhos de trabalhadores fez crescer a proteção
legal a vários ramos da indústria, mas deve-se ressaltar que o trabalho feminino também deu
causa àquelas mortes pela ausência de cuidados da mãe trabalhadora com os infantes. As mães
preocupavam-se em manter o emprego e, assim, o seu salário, em conseqüente prejuízo aos
filhos, por isso elevou-se muito a taxa de mortalidade.
O afluxo de mulheres e crianças aos meios produtivos implicou, ainda, o aumento da carga
horária pelo fato de esse segmento trabalhista representar mão-de-obra mais dócil e flexível, não-
resistente aos desmandos do empregador. Rizzini (1997:168) faz referência à vantagem da
inserção precoce da criança no mundo do trabalho, uma vez que o processo de acumulação
capitalista absorvia vorazmente todo e qualquer braço, sobretudo o infantil. A sobrevivência
23
mantinha as crianças próximas à mãe, por isso elas largavam as brincadeiras para trabalhar e
conseguir, juntamente com a mãe, uma vida mais digna e justa.
Por ser característica do capital, todos os ramos de produção se apresentaram receptivos à
utilização da mão-de-obra infantil, que irá crescer dentro do mundo do trabalho.
A indústria moderna introduziu a condição das classes laboriosas uma mudança
que tem a importância de uma terrível inovação: substituiu o trabalho em família
pelo trabalho em fábrica; interrompeu bruscamente o silêncio e a paz da vida
doméstica para substituí-los pela agitação e pelo barulho da vida em comum.
Nenhuma transição foi considerada com cuidado, e as gerações educadas para a
tranqüila existência em família foram jogadas, sem preparação, nas oficinas;
homens, mulheres e crianças são amontoados, aos milhares, nas vastas fábricas
onde deverão trabalhar lado a lado, misturados durante 14 ou 15 horas por dia
(BURÈT, In: CASTEL, 2001:296).
O trabalho e o uso da mão-de-obra de crianças e adolescentes evidenciam a Revolução
Industrial como ponto de partida da mudança entre o trabalho doméstico, de âmbito familiar, e o
trabalho obrigatório, substituto dos folguedos infantis, para espaços distantes da família, onde a
mão-de-obra de crianças e adolescentes foi incorporada ao cotidiano das fábricas. No Brasil, os
reflexos da Revolução Industrial foram contemporâneos à construção do país como nação
independente.
Segundo Rizzini (1997:27), ao final do século XIX o Brasil vivia momentos históricos
importantes da sua formação política e social com a emancipação e a busca pela nacionalidade.
Buscava-se a construção de uma nação, e para isso combatia-se o atraso, a ignorância e a
barbárie. As cidades, símbolos do desordenamento do crescimento industrial, expunham em
grande número nas ruas a população pauperizada e, em razão dessa peculiaridade, as crianças
começam a despertar interesse no Brasil República.
O contexto da época era a constituição da nação, de reforma das estruturas monárquicas e de
construção de uma nova sociedade por meio da instrução do povo, da promoção da educação e da
capacitação para o trabalho. A infância passa a ser, assim, a possibilidade potencial do molde
dessa nova sociedade.
A proposta de proteção à infância era a forma de proteger a sociedade republicana emergente,
já que um dos caminhos para sedimentar o hábito do trabalho seria a infância, ou seja, a
categoria trabalho para a população pobre tinha o sentido de levar os brasileiros menos
24
aquinhoados a observar as regras do bem viver ditadas pela elite republicana, que queria
contrapor o trabalho livre, mas ordeiro, à escravatura da Monarquia.
A elite republicana, por sua vez, tinha como missão patriótica construir a nação e via nos
pobres aglomerados nos cortiços e subúrbios, com sua numerosa prole, um obstáculo ao ideal de
nação pretendido pelos positivistas, que então dominavam o pensamento brasileiro. Temia-se a
escalada populacional incontrolável da pobreza e sua concentração desordenada dentro dos
espaços urbanos.
Sob esse aspecto, Rizzini (1997:68) cita o fantasma da teoria de Malthus sobre a “escalada
incontrolável do crescimento populacional”: o temor era o crescimento sem controle, justamente
da classe pobre, o que acarretaria a desordem nas cidades à época emergentes.
Vale ressaltar que o conceito de pobreza era associado às classes inferiores como algo ignóbil
e humilhante. Temia-se, sob a influência de teorias deterministas européias adotadas no Brasil,
que vícios e virtudes fossem hereditários. A virtude era característica ligada à boa família, e os
vícios à família pobre, o que justificava privilégios às boas famílias e corretivos para os grupos
familiares de pouco poder aquisitivo. A virtuosidade liga-se ao hábito do trabalho, ponto de
partida para o mercado de trabalho regular, base do capitalismo moderno (POLANYI in
RIZZINI 1997: 72).
Por outro lado, a ociosidade era tida como ponto de partida para a criminalidade e a
vagabundagem, por isso combate ao ócio iniciou-se nas crianças a partir dos sete anos como
forma de ataque central da sociedade elitista da época. A contribuição da Revolução Industrial
valorizou o trabalho como objetivo comum e o combate à ociosidade como alavanca ao
desenvolvimento do modo de produção capitalista.
Para Rizzini (1997:90):
acreditava-se que os pobres pertencessem a uma classe biológica e socialmente
mais vulnerável aos vícios e às doenças; era, pois, necessário manter a vigilância
para evitar que esses focos epidêmicos à saúde e à imoralidade se irradiassem,
dada a insalubridade do seu ambiente e a promiscuidade de suas moradias,
amontoadas umas nas outras.
A idéia era educar o povo e sanear a sociedade. Assim, cabia ao Estado a tutela dos filhos
cuja educação os pais não fossem capazes de prover. Essas medidas tinham como objetivo criar
na sociedade brasileira uma nova concepção: a de que o trabalho era dignificante e enobrecedor,
25
algo impensável durante a escravatura. A salvação para uma sociedade atemorizada pelo aumento
de pobres
1
, visíveis nas ruas, era a introdução precoce do valor do trabalho como fator de
reconhecimento social.
Para Rizzini (1997:121):
A missão “saneadora” do país, no que tange à infância, era elaborada como parte
do projeto de construção nacional, desde os primeiros anos de instauração do
regime republicano. O discurso predominante continha uma ameaça implícita
em suas mensagens; a de que o país seria tomado pela desordem e pela falta de
moralidade se mantivesse a atitude de descaso em relação ao estado de abandono
da população, em particular a infância.
O significado da atenção à infância engendra o ideal de nação a ser constituído. O combate à
ociosidade por meio do trabalho e a teoria da hereditariedade tornavam a criança pobre o alvo da
elite republicana brasileira, pois se acreditava que a criança poderia ser moldada para tornar-se
virtuosa ou viciosa.
Sob esse aspecto torna-se claro que o meio em que a criança se desenvolvia determinava a
virtuosidade ou a viciosidade. Produz-se, com base nesse ponto de vista, a corrente de
pensamento que acreditava na hereditariedade dos vícios, como alcoolismo e vagabundagem, o
que comprometia sobremaneira a construção de uma sociedade nos moldes da nação pretendida
pelas elites.
Engendra-se, então, no trabalho a ideologia da virtude ligada à condição de trabalhador,
condição básica para a aprovação da sociedade. No caso da criança de classe pobre, havia a
lógica de adaptá-la desde cedo ao trabalho. A inserção precoce tinha a vantagem da absorção da
mão-de-obra infantil, acostumando-a ao trabalho árduo, o que a desviaria dos vícios e a faria
contribuidora da nova nação.
Sob influência das leis de regulação da pobreza inglesa, como a Poor Law, para Rizzini
(1997:154) “a filantropia brasileira veio, por um lado, docilizar os pobres e revoltosos em
potencial, por outro, lançou-se mão de uma espécie de terrorismo que surtiu efeito ao contrapor
duas imagens valorativas em forma de classes: as trabalhadoras versus as perigosas.
Nesse momento o trabalho é ideologicamente utilizado como condição de aprovação social:
quanto mais cedo ele fosse oferecido aos filhos de famílias pobres
2
, mais cedo se tentava
1
Segundo SOARES (2001), são pobres as pessoas com carência de renda para satisfazer suas necessidades básicas.
26
controlar e moldar o futuro adulto. O momento da construção da nova nação democrática também
se torna a fase de construção de valores que, socialmente aceitos, são naturalizados na sociedade.
O trabalho infantil e o do adolescente tem esse valor naturalizado na sociedade brasileira, fruto
histórico das mudanças capitalistas produzidas a partir da Revolução Industrial, que regularam e
regulam as relações sociais e de trabalho.
O discurso de defesa da criança era ambíguo, já que o infante orientado para os estudos e a
cidadania era o oriundo da elite. À criança pobre aplicava-se o trabalho regenerador para que
atingisse a posição de operário produtivo.
Esse processo excludente teve na escolarização um espaço lentamente construído. Os filhos
de segmentos da burguesia e da aristocracia podiam ser mantidos longe da vida produtiva e social
em nome da preparação para a vida futura. Os filhos de famílias pobres conservaram um modo de
vida que não separava as crianças dos adultos, em relação à vestimenta, assim como no que se
refere ao trabalho. Construiu-se desse modo um segmento da população escolarizada oriunda da
burguesia/aristocracia, preparada para a vida futura, e ouro constituído por aqueles que entravam
diretamente na vida adulta – os filhos dos pobres. Com lentidão, foram sendo incluídos setores
mais amplos da sociedade no ambiente escolar, porém com mais lentidão os filhos de famílias
pobres.
A diferenciação social acentuou-se com a instalação de um duplo sistema de ensino: um de
curta duração, a escola para o povo; e outro de longa duração, o liceu, para os filhos dos
burgueses e aristocratas, em que a exigência de afastamento da vida produtiva era maior, pois
lhes era exigido mais tempo para dedicação aos estudos. Desse modo, as crianças e os
adolescentes pobres ingressavam precocemente na vida adulta, fato decorrente de sua inserção
precoce no processo produtivo. Conforme se pode notar, o processo é resultante do menor tempo
de ação da escola a que são submetidos os filhos de famílias pobres.
À medida que a sociedade se torna mais complexa, o Estado e o trabalho não estão presentes
da mesma forma – com o mesmo poder de interferência – nos diferentes grupos e camadas
sociais, mas há a manutenção de nexos bastante distintos com a esfera do trabalho ou com a
esfera do Estado.
Nesses contornos, desenhou-se o processo da exclusão social, que não era novo na sociedade,
pois aquele se originara no momento em que o modo de produção capitalista tinha passado a
dominar o mundo do trabalho e as relações sociais. O caráter de exclusão, é, assim, inerente ao
27
processo de acumulação, o que permitiu ao liberal Adam Smith apregoar o caráter natural da
exclusão (SPOSATI, 1999:65).
Pode-se, portanto, conceituar a exclusão social como:
[...] a impossibilidade de poder partilhar, o que leva à vivência da privação, da
recusa, do abandono e da expulsão, inclusive com violência , de um conjunto
significativo da população. Por isso é uma exclusão social e não pessoal. É uma
lógica presente nas várias formas de relações econômicas, sociais, culturais e
políticas, é sempre um fenômeno composto por múltiplos elementos. É
entendida como uma situação de privação coletiva que inclui pobreza,
discriminação, subalternidade, a não-eqüidade, a não-acessibilidade, a não-
representação pública como situações multiformes (SPOSATI,1999:67).
O pensador francês Jean-Jaques Rousseau, em sua obra “Discurso sobre a origem e os
fundamentos da desigualdade”, de 1775, contribuiu com o lançamento das bases que seriam mais
tarde associadas ao conceito de exclusão. Mesmo sem ter utilizado esse termo com o sentido de
hoje, Rousseau contribuiu suficientemente para identificar os dois tipos de desigualdades que
atingiam a espécie humana: a desigualdade natural ou física, motivada pelo sexo, pela raça, pela
idade e pela saúde, e a desigualdade moral ou política, que se relaciona às diferenças permitidas
pela sociedade, como ser rico ou pobre, poderoso ou fraco (CAMPOS ...et. al. 1996:28).
O processo que envolve a exclusão é amplo e complexo, pois, para além da situação de não
possuir bens materiais, relaciona-se às raízes dos problemas gerais da sociedade. A exclusão é
configurada historicamente, e assim ultrapassa a perspectiva rousseauniana para configurar-se no
que Campos (1996:32) denomina “nova exclusão social”. Nessa nova denominação relaciona-se
à identificação de categorias de desigualdade relativa aos desprotegidos pelas políticas sociais de
inclusão existentes, assim como aos desempregados por longo tempo, aos moradores de rua e às
pessoas de elevada escolaridade sem trabalho.
A exclusão social, portanto, refere-se tanto ao não-acesso a bens e serviços básicos como à
existência de segmentos sociais sobrantes e à exclusão dos direitos humanos, da seguridade, da
segurança pública, da terra, do trabalho e da renda suficiente.
Entretanto, verifica-se que as sociedades modernas apresentam um movimento dialético que
envolve, simultaneamente, a inclusão e a exclusão social. O fenômeno esclarece-se pela
capacidade de ora fazer incluir, ora excluir seus membros, ante a complexidade das relações
inerentes a cada agrupamento social. No Brasil, por exemplo, a notória queda dos índices de
28
emprego formal (exclusão) forçou grande número de trabalhadores ao mercado informal
(inclusão).
A temática do desemprego atinge sobretudo os jovens com menos de 25 anos, egressos da
escola sem qualificação ou com diplomas, sem perspectiva de emprego. A inserção social, então,
surge como forma de enfrentamento do desemprego dos jovens com base no contrato de trabalho
como grande desafio, e a recomposição do emprego para essa faixa etária como perspectiva de
conquista de cidadania.
Mas pensar o mundo contemporâneo nas últimas décadas tornou-se extremamente complexo,
do ponto de vista da análise da categoria da exclusão social na dialética da inclusão, ante as
profundas transformações verificadas nas sociedades com reflexos no interior das famílias –
espaços determinados de construção de identidade social.
Para Heller in Lima (1999:124):
[...] a família se torna a esfera íntima da existência, o lugar exclusivo onde
podemos exprimir as próprias emoções e esperar que os outros façam o mesmo,
em que podemos relaxar juntos, como também o lugar onde podemos ficar a sós
com aqueles que, em certo sentido, nos pertencem. Representa também o lugar
onde podemos nos recompor das humilhações do mundo externo, o lugar onde
podemos descarregar a agressividade reprimida, relaxar o autocontrole, brigar e
nos sobrepujar aos outros (HELLER in LIMA, 1999:124).
No espaço da família pobre destaca-se a vulnerabilidade de “homens, mulheres, chefes de
família, crianças e adolescentes, idosos, enfim, seres humanos buscando a sobrevivência da
forma que lhes é possível e viável, expostos à exclusão e à marginalização decorrentes da
imagem que se faz da pobreza(LIMA,1999:131).
Sob esse enfoque, Lima (1999:131) afirma que se intensificam as dificuldades e a
inviabilidade de sua subsistência pela falta de emprego; pela incerteza da informalidade do
mercado informal; pela falta de moradia e de equipamentos que supram suas necessidades no
cuidado com os filhos pequenos, como a escola, o atendimento médico, o acesso ao transporte,
bem como os atendimentos na área social que lhes garantam o respeito, a dignidade, os direitos
sociais.
A família não é vista, neste estudo, como organizada por normas dadas, mas sim como fruto
de contínuas negociações e acordos entre seus membros e, desse modo, sua duração depende da
manutenção dos acordos.
29
As dificuldades financeiras do Estado brasileiro em propor políticas de acesso aos bens e
serviços que satisfaçam as necessidades básicas vinculadas à habitação – a seus serviços, à
educação e à saúde, impedem o acesso à efetivação da cidadania por causa da falta de apoio e de
recursos efetivos voltados a programas que contemplem a família – são, mais uma vez, reflexo
de um contexto muito maior do que o nacional. O modelo neoliberal vigente retira do Estado
algumas responsabilidades e incentiva a privatização, tornando as políticas sociais
assistencialistas e tutelares reflexo de uma cultura legitimadora do autoritarismo dos dominantes
e da subalternidade dos dominados, situação que incapacita a própria produção de políticas de
atendimento à população pobre e excluída, principalmente às famílias (LIMA,1999:132).
A proposta política voltada para a assistência social, nesse conjunto, aponta para serviços
pontuais, fragmentados a setores da sociedade, como mulheres, crianças, idosos, migrantes e
população de rua, desvinculando-os da totalidade que a família apresenta.
Nesse contexto, a família pobre sofre com a falta de habitação, de trabalho, de lazer, de
cultura e de equipamentos sociais. Surgem então as estratégias de autocontrole contra a exclusão
e a pobreza, com a família assumindo um papel de garantia para que seus membros sobrevivam.
Segundo Moreira e Vasconcelos (2003), a ameaça à sobrevivência transforma a família no
espaço complexo de relações sociais, reflexos da sociedade contemporânea do trabalho, em que a
pobreza é conveniente para um sistema capitalista que mantém um exército de sobrantes formado
pelos não-qualificados para o trabalho, os excluídos das políticas públicas e, mais recentemente,
uma massa de trabalhadores tangidos à informalidade. O trabalho precoce contribui para o
processo de subalternização da família e para a adultização precoce do adolescente.
A questão da sobrevivência humana é posta como central na inclusão precoce de seus
membros mais jovens no mercado de trabalho, uma vez que os pais ou responsáveis, sem
condições de manter financeiramente os filhos utilizam uma estratégia que implica verdadeira
inversão de valores.
Observa-se que a partir de certa idade
3
em que os pais ou responsáveis consideram que seu
filho consiga trazer para casa algum sustento, este é “inserido” no mercado de trabalho, pois essa
contribuição é considerada pelos genitores/responsáveis como fundamental para a sobrevivência
da família. As atividades se constituem na obtenção de alimento por meio da mendicância e de
dinheiro por meio de subempregos, como ajudante e, notadamente, no comércio ambulante.
3
Idade a ser definida pela própria família, não há uma regra que defina esta transição, é, portanto de acordo com os
padrões culturais da família de origem da criança e do adolescente.
30
Igualmente vulnerabilizados no mundo do trabalho, muitas vezes também os pais foram produto
de outra família que incluiu precocemente os filhos no mercado de trabalho, reprisando as
condições de sua própria vida.
Não se poderia simplificar a discussão apresentada ao transferir para a sociedade, de forma
mecânica, as temáticas abordadas. A conjuntura que transforma a criança trabalhadora em
adolescente trabalhador em uma sociedade capitalista atribui à família uma evolução histórica e
ideológica, pois no início do século XXI a família não mais se apresenta como única.
É justamente esse papel que chama atenção no que se refere à proteção da criança e do
adolescente, por estarem ambos em situação de risco ao servir como garantia mínima de bem-
estar da família, de acordo com os padrões sociais a que pertencem.
A manutenção da família passa então a ser feita pelo conjunto de seus membros, por meio do
ganho proveniente do trabalho coletivo de pais e filhos, tornando-se assim indispensáveis
quaisquer rendimentos que seus membros tragam para casa nos modos usuais de trazê-lo: venda
ambulante, mendicância, cuidado de crianças menores.
É uma forma cruel de inserção no mercado de trabalho, geralmente informal, cercada de
riscos à integridade física e psicológica.
No dizer de Lima (1999:137):
Percebemos, portanto, que os mecanismos e estratégias desenvolvidos pela
família são valiosos na luta pela sobrevivência/subsistência, tecendo redes
imprescindíveis em suas vidas, pois atendem ao seu grupo imediato, construído
a partir do projeto de vida familiar, dos parentes consangüíneos e ainda no caso
dos migrantes, dos seus conterrâneos, cuja solidariedade não é menor (LIMA,
1999:137).
Para o adolescente, evadir-se da família pode ser mera conquista do seu espaço por estar
disposto a enfrentar melhores condições de vida e a conseguir com seu próprio mérito uma vida
mais digna e humana, diferente daquela que comumente encontra no seio familiar.
A implantação da sociedade moderna enfatiza o papel do adolescente com vistas ao futuro
integrante da mão-de-obra de que o capital tanto necessitava em número e em grau maior de
instrução para operar as máquinas das fábricas, cada vez mais sofisticadas.
Carvalho (1997:109) alerta que o trabalho precoce se mantém persistente e compulsório para
dar conta da sobrevivência do grupo familiar ou para atender aos anseios de consumo do
adolescente numa sociedade que o instiga a consumir para sentir-se jovem. E enfatiza que
31
crianças e adolescentes trabalhadores são o exemplo da precarização das relações de trabalho, o
que leva, segundo a autora, ao processo de subalternização quase irreversível e à adultização
precoce.
As sociedades, porém, diferenciam-se em sua organização, no modo como constituem suas
classes, suas etnias, suas religiões, seus meios urbanos ou rurais e os gêneros aos quais
pertençam. Por sua vez a adolescência de cada sociedade tem sua construção social diferenciada:
[...] sociologicamente a adolescência é um período da vida de uma pessoa que se
define quando a sociedade na qual ela funciona cessa de considerá-la...uma
criança e não lhe atribui o status, os desempenhos e funções dos
adultos...Acreditamos que o comportamento da adolescência é um tempo de
comportamento de transição que depende exclusivamente da sociedade, mais
ainda, da posição que o indivíduo ocupa na estrutura social, e não dos
fenômenos biopsicológicos relacionados a essa idade" (GROPPO In:LIMA,
2002:27).
Nas sociedades capitalistas industriais esse período de transição da adolescência é concebido
como de disciplinarização e socialização do indivíduo, pois representa de forma inequívoca o
novo que poderá subverter a ordem social no sentido de ruptura da continuidade da sociedade.
O trabalho tomado como salvação, como progresso, vem, segundo Rizzini in Peres (2002:28),
do século XIX, quando “salvar a criança era salvar a nação” – um discurso ambíguo –, e quando
a infância aparece ora em perigo, ora perigosa, com necessidade de ser protegida e contida.
Salientou-se que ela deveria ser educada visando ao futuro da nação e que o único meio de atingir
o progresso seria com o trabalho. A ociosidade era considerada a origem dos demais vícios, pois,
uma vez experimentado o vício – dizia-se –, o indivíduo abandonava o trabalho.
Constantemente nas escolas as oportunidades são desvinculadas e diferenciadas. As
oportunidades de progresso profissional, portanto, são viabilizadas já dentro do ambiente escolar,
determinando a alguns sucesso econômico, enquanto a outros são negadas as oportunidades de
progresso nesse campo.
Persiste em nossa realidade social, como herança dos primórdios da sociedade industrial, o
trabalho infantil em condições de subemprego
4
, verificado entre adolescentes ou crianças
oriundos de famílias de classe social desprovida de recursos. A carência da família induz à
4
Atividade de subemprego é aquela ligada a uma economia informal, que não está, portanto, sob controle quanto a
salário, benefícios, horário (número de horas, diurno/noturno), natureza das tarefas, desgaste físico, pausas, riscos de
acidente, alimentação, insalubridade, treinamento e horário escolar (MOURA, W. 1996:171).
32
necessidade de destinar todos os membros à percepção de recursos necessários à sobrevivência.
Os pais e/ou responsáveis buscam introduzir seus filhos ou dependentes no mercado de trabalho,
que representa, ao mesmo tempo, necessidade e virtude.
Assim, os adolescentes têm sua infância restringida ao serem empregados para executar
tarefas e destinados a obter recursos para satisfazer o núcleo familiar. O tempo livre do
adolescente passa a ser visto como problemático e, nessa lógica familiar perversa, a inserção dos
filhos no mercado de trabalho desonera os adultos de ocupar-se daqueles.
Na verdade, entretanto, um dos motivos constantemente invocados para
justificar o oportuno ingresso na esfera do trabalho prende-se ao caráter
problemático que se atribui ao tempo livre. Para muitos, é bom que as crianças
trabalhem, justamente, para não permanecerem desocupadas (“eu vivia
preocupada com o fato dos filhos viverem desocupados”). Não é bom, portanto,
para as crianças, ficarem à toa, seja em casa, seja na rua. Em casa, porque isto
eleva a freqüência dos conflitos, não só com os irmãos, mas também com os
pais. Na rua, porque aumentam os riscos à medida que se reduzem as
possibilidades de controle (VOGEL e MELLO, 1996:139).
Em tais circunstâncias, ao adolescente é imposto ganhar o próprio sustento não somente para
complementar o consumo e as necessidades familiares, mas também para valorizar o que ganha
com o próprio esforço. O adolescente é, portanto, utilizado como força de trabalho pelo grupo
familiar ante o estado de necessidade, pela dinâmica das relações e dos valores familiares dos
extratos mais pobres da população. Numa realidade assim delimitada, o papel da educação deve
ser analisado com acurada atenção.
As causas que levam a criança e o adolescente ao trabalho são várias. Há uma combinação de
fatores, que vão do acesso à escola ao tamanho da família e da sua renda. Pesquisa citada por
Peres (2002:28) revela que, se o pai não estudou, o filho fica, em média, apenas três anos na
escola; mas, se o pai tiver cursado o ensino fundamental, ainda que sem completá-lo, dobra o
tempo de permanência do filho na escola.
Pode-se afirmar ainda que as diferenças de poder e desigualdades entre adolescentes oriundos
de famílias mais favorecidas economicamente, assim como das famílias menos favorecidas
economicamente, são socialmente construídas e normatizadas no âmbito das relações sociais.
O processo citado tem como integrante a escola e o papel ideológico que esta tem cumprido
até o momento ao reproduzir no âmbito escolar as diferenças de poder e desigualdade da
sociedade. Instituição destinada a reproduzir padrões culturais, econômicos, políticos e sociais
33
das classes hegemônicas, a escola, por meio de dois mecanismos – da reprodução ideológica e da
preparação da população trabalhadora para o capital – abriga também a contradição fundamental
da sociedade capitalista.
A preparação da população para o capital tem na educação pelo trabalho uma das estratégias
inseridas na escola para os filhos dos trabalhadores.
A educação pelo trabalho refere-se ao processo pelo qual o homem se educa continuamente
no trabalho e pelo trabalho como resultante da experiência profissional acumulada. Os
adolescentes são preparados para o mercado de trabalho como questão de sobrevivência, para
conquistar um lugar na sociedade.
O processo educacional inclui etapa que envolve a disciplina interna e externa dos sujeitos,
senso de responsabilidade e execução de tarefas com qualidade e quantidade. No
desenvolvimento da vida profissional existem fases que se efetuam no âmbito do trabalho e
compõem um processo educacional realizado pelo trabalho, que se configura como processo de
aprendizagem. Nessa linha de raciocínio, utilizam-se o trabalho e os processos que o envolvem
com caráter educativo.
Faz-se necessário também abordar a temática educação para o trabalho a fim de pontuar sua
distinção em relação à temática abordada neste estudo: a educação pelo trabalho. Segundo
Oliveira (1994), afasta-se a dicotomia “trabalho e educação”, pois todo trabalho é educativo em
suas duas fases: para o trabalho e pelo trabalho.
A educação deve, pois, dar um direcionamento ao trabalho, visto que a partir do ensino médio
grande parte dos adolescentes tem uma noção do que deseja profissionalmente e ao mesmo tempo
a escola já propicia situações em que o adolescente define que rumo irá seguir. Sob esse aspecto,
Oliveira (1994) afirma que a preparação para o trabalho se realiza dentro de um processo
educacional, pois educar para a cidadania implica educar para o trabalho, este como direito e
dever social. A educação para o trabalho pode envolver etapas em que se transmitem informações
elementares como higiene pessoal, relacionamento com as pessoas, utilização de telefone,
transmissão de recados. A conclusão desse autor é que o modelo brasileiro não educa o
adolescente pobre para o trabalho simplesmente porque lhe nega educação:
A educação para o trabalho deve ofertar e propiciar uma visão crítica. após a
fase da educação básica, pois, a partir do ensino médio há um direcionamento no
34
rumo da profissionalização, havendo assim, um “processo de educação para o
trabalho” (OLIVEIRA, 1994:176).
Cumpre ressaltar que o trabalho educativo está definido pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, em seu artigo 68, parágrafo primeiro: “Entende-se por trabalho educativo a
atividade laboral em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social
do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo”. O trabalho educativo abrange, pois, a
relação dada no momento em que o trabalho estabelece uma relação aluno-escola e promove a
capacitação do adolescente. A escola encaminha o adolescente e lhe fornece embasamento para o
ingresso no mercado de trabalho.
Para Oliveira (1994:181):
[...] não há nenhuma incompatibilidade para que um trabalho seja ao mesmo
tempo educativo, produtivo e gerador de renda; pelo contrário, ele é educativo
plenamente quando consegue, ainda que com sacrifícios ingentes, unir estas três
qualidades. Não há um só caminho técnico para uma educação e pelo trabalho
educativo, produtivo e gerador de renda. O importante é que ela se faça dentro
da mesma filosofia que deve orientar a formação técnico-profissional, que se
preocupará em dar uma qualificação técnica polivalente e educar o cidadão com
espírito crítico sobre o trabalho histórico que irá desenvolver.
Segundo esse autor, a coexistência das características agregadas ao trabalho educativo,
produtivo e gerador de renda é possível, por isso a escola cumpre, nessa perspectiva, papel de
espaço para a efetivação do trabalho educativo, porém este nem sempre se alia à produção e à
geração de renda. A escola, todavia, como instituição social, não fica à margem da influência das
mudanças da sociedade, mas se torna vulnerável a todas as mudanças e transformações desta. E à
medida que vão ocorrendo as alterações, também é modificado o sentido do preparo do aluno
para o emprego.
Nas sociedades escravistas e feudais era possível deixar os trabalhadores sem qualquer
instrução, mas o moderno assalariado não pode deixar de receber determinados conhecimentos,
necessários ao desempenho de suas funções.
Ao Estado interessa, portanto, que esses trabalhadores tenham um mínimo de instrução para
possibilitar que compreendam as regras vigentes de tal maneira que possam se responsabilizar
pelos seus atos.
Sob esse ponto de vista, a importância atribuída ao processo educacional (formal e informal)
é o de que o aprimoramento do potencial humano é fundamental para o progresso econômico de
35
qualquer país e dá-se pela via educativa, assim como a melhoria das demais condições de vida
implicará aumento da produtividade (CRUZ, 1999:183).
O papel da escola na sociedade capitalista industrial do século XVIII, para Machado
(1989:40), diferencia a educação para a criança e para o adolescente. Outra característica é a
distinção entre escola para o povo e escola para a burguesia, pois com o tempo a escola do povo é
assumida pelo Estado num objetivo claro de educação da futura mão-de-obra a ser utilizada, e a
escola para a burguesia é assumida pela esfera privada. O período dentro das escolas passa a ser
maior, o que afasta a criança do convívio familiar, e assim a moralização imposta tem como meta
a disciplina para o trabalho.
Ainda segundo Machado (1989:85), dois movimentos se distinguem entre si: o movimento
socialista e o liberal. O primeiro se distingue do liberal por acrescentar – às exigências de
universalidade, laicidade, gratuidade e incorporação de disciplinas científicas –, a união da
instrução e do trabalho e a perspectiva do homem completo. Dentre os liberais, a relação entre o
trabalho e a escola é apresentada de diferentes maneiras: como recurso didático, como valor
moral ou como forma de ingresso imediato no mercado ocupacional.
Para a formação dos quadros para o mundo do trabalho contemporâneo vieram à tona, a
partir do século XVIII, duas pedagogias, a primeira das quais Machado (1989:29) caracteriza
como aquela que permite a capacitação para as funções de planejamento e controle e a
compreensão dos fundamentos científicos do trabalho na sua globalidade. Quanto à segunda, a
autora afirma que está reservada àqueles encarregados da atividade de execução cujo primado
pertence à prática imediata, desvinculada da criação e recriação teórica.
O pressuposto de um único sistema educacional não escamoteia tipos de escola com funções
de socialização e de qualificação distintas, voltados para o desenvolvimento de atributos de
personalidade, pois no mundo do trabalho as cobranças serão diferentes de acordo com a
hierarquia ocupacional. Assim, aos níveis inferiores de estratificação se pedirá obediência à
disciplina; aos de nível superior, iniciativa e criatividade, e, aos de nível intermediário, um pouco
de cada um desses atributos.
É importante, segundo Machado (1989:83), a contribuição de Kerschensteiner, que
desenvolveu concepções educacionais conhecidas na década de 1960 “a escola do trabalho”, na
qual procurou observar princípios básicos de introdução de atividades manuais e técnicas no
currículo.
36
A prática é fundamental para que o aprendizado como preparação para o trabalho aconteça.
Independentemente de que seja aprendizado manual ou intelectual, o educador deve estar
preparado para a individualidade dos educandos, pois lhes deve fornecer conhecimentos amplos
para que estes possam aplicá-los quando lhes convier.
A articulação entre fatores como a necessidade do mercado de trabalho, a qualificação de
mão-de-obra, o Estado como contratador e promotor do emprego, o cumprimento de metas de
planejamento das empresas pela necessidade conseqüente de inovações tecnológicas, a
necessidade das escolas vinculadas ao sistema produtivo, sindicatos que respondem a uma
demanda de trabalhadores e pessoas cujo investimento em educação traduz incremento na renda
cria todo um contexto da escolaridade como processo integrador.
A divisão do trabalho trouxe consigo a divisão do saber, sublinhando ainda mais a diferença e
a cidadania inerentes ao sistema capitalista. Assim é que as próprias leis econômicas definem a
distribuição do alunado pelos tipos de escolas e a exclusão daqueles que são lançados ao trabalho
precoce, coagidos pela necessidade familiar (MACHADO, 1989:30).
Deslocando para a enfatização da importância produtiva dos conhecimentos, a lógica
econômica influencia naquilo que Fleury in Gentili (1998:80) denomina de construção do Estado
em torno da questão social, mas não na constituição de cidadãos. A promessa integradora
econômica da sociedade tem na escola um forte aliado, pois esta forma um contingente contínuo
para o mercado de trabalho.
A escola é o ponto de referência para qualquer vínculo externo que possa contribuir para a
vida, por isso é fundamental o preparo dos educadores.
No final do século XX, a proposta do caráter integrador da escola encontra-se esmaecida no
contexto social, atribuindo-se ao indivíduo, e não ao Estado, definir suas opções de conquistar
posições competitivas no mercado de trabalho. A desintegração da promessa integradora, citada
em Gentili (1998:79), deixará lugar à difusão de nova promessa, agora sim de caráter
estritamente privado: a promessa da empregabilidade.
A desintegração apresenta um contexto que Gentili (1998:81) menciona como privatização da
função econômica atribuída à escola. A lógica privada é guiada pela ênfase nas capacidades e
competências que cada pessoa deve adquirir no mercado educacional para atingir melhor posição
no mercado de trabalho. Assim, a promessa integradora da escola dá lugar à promessa da
empregabilidade.
37
Em pesquisas desenvolvidas por Kuenzer (1998:70) com trabalhadores que seguem o
discurso da qualificação e reconversão profissional, demonstrou-se que, em uma sociedade
crescentemente excludente, os considerados em situação de risco social não terão chance de
emprego formal, pois apresentam baixa escolaridade e não dominam os instrumentos básicos da
ciência e da cultura, particularmente no que diz respeito às habilidades de comunicação.
Para Gentili (1998:84), dois planos merecem referência: no primeiro, uma visão mais
otimista correlaciona o aprimoramento do conhecimento humano ao aprimoramento da
tecnologia do trabalho, o que implica dizer que educação deve acompanhar a realidade
mercadológica. No segundo – uma visão pessimista quanto à capacidade mercadológica, apesar
de ter como eixo de estudo o processo de trabalho –, atribui-se ao processo educativo, em si, o
papel de instrumentalizador do conhecimento e democratizador de oportunidade de formação
profissional, visto que o determinismo econômico e tecnológico somente tem acentuado a
desqualificação do trabalhador.
O trabalho, na perspectiva da educação pelo trabalho, é tomado como princípio educativo
geral, pois parte da referência ao trabalho como definidor da existência humana.
Quarengui e Silva (1991:30) afirmam:
No interior dessa concepção , educar é criar espaços para que o homem, situado
concreta e organicamente no mundo, como sujeito e não como objeto, possa
empreender, ele próprio, a construção de seu ser tanto a nível pessoal, como a
nível social.
Pode-se indagar, nesse passo, a quem se destina a educação pelo trabalho em nosso país. Para
Oliveira:
[...] numa sociedade realmente democrática, a preparação para o trabalho se faz
dentro de um processo educacional. Educar para a cidadania implica em educar
para o trabalho como direito e como dever social. Educar para o trabalho, mas
convém sublinhar mais uma vez, com espírito crítico e não unicamente para o
trabalho porque ele é um valor entre outros e a muitos hierarquicamente
subordinado (OLIVEIRA, 1994:177).
A temática “educação pelo trabalho” é inerente às intervenções sociais dirigidas para as
classes populares, na medida em que é proposta aos filhos dos trabalhadores uma escola como
centro de aprendizado onde estarão sujeitos à organização do trabalho e ao conseqüente
adestramento ao trabalho industrial.
38
No Brasil, a educação para o trabalho aconteceu à margem da história da educação. A
educação profissional dava-se separadamente, por meio da aprendizagem de funções artesanais
destinada aos pobres.
No Estado brasileiro o cuidado com os futuros trabalhadores da parcela oriunda das famílias
pobres foi, a princípio, uma questão de “polícia”, com a criminalização do delito da vadiagem.
Em 1930, esta problemática passou a ser “política”, pois se torna necessária como instrumento de
estabilidade de uma sociedade em crescimento econômico e industrial.
O sistema educacional brasileiro parece preocupar-se com a formação profissional ao
constituir um sistema engenhoso e paralelo ao sistema de educação formal e reservado aos filhos
dos pobres. Surgiram assim as primeiras escolas profissionalizantes – o Sistema Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac),
ambos ligados às respectivas confederações nacionais patronais. Historicamente, as origens da
educação profissional brasileira são constituídas a partir da criação do Senai em 1942 e do Senac
em 1946, com a missão de desenvolver pessoas e organizações para o mundo do trabalho com
ações educacionais e disseminar tais conhecimentos na indústria e no comércio. Esses dois
sistemas fazem parte da instituição, no país, de um sistema de educação profissional que
estabelece a vinculação da educação à formação para o mundo do trabalho.
As instituições de ensino, desse modo, vêm, historicamente, cumprindo papel diferenciado
para os adolescentes pobres e para os oriundos de classes mais ricas da sociedade, oportunizando
para estes, tão-somente, a possibilidade de construção do pensamento abstrato, enquanto para os
adolescentes pobres é destinada uma construção diferenciada, voltada para a iniciação ao trabalho
repetitivo. Aos adolescentes em situação de vulnerabilidade social foram criadas propostas cujos
princípios adotam a educação pelo trabalho, por meio das escolas-oficinas.
A concepção das oficinas escolares originou-se na proclamação dos princípios da Escola do
Trabalho de outubro de 1918, na União Soviética (PISTRAK,2000:58). Segundo esse autor, as
oficinas são necessárias à escola, pois servem de instrumentos à educação baseada no trabalho e
também como ponto de partida para o estudo e a compreensão da técnica moderna e da
organização do trabalho.
De acordo com o pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa in Peres (2002:30), esse foi um
dos grandes erros que o Brasil cometeu. Esse autor citar Emílio García Méndez, jurista de direitos
da infância, que pergunta: “o que fazer com os filhos dos pobres? Os países responderam mais ou
39
menos assim: o mesmo que com os nossos filhos”. No Brasil, diversamente, criou-se outra
política para os filhos dos pobres, e nela o trabalho infantil é parte da solução.
O trabalho infantil viola o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, pois representa um ato
de discriminação, negligência, exploração, violência, crueldade e opressão que deve ser banido
para sempre da sociedade.
Segundo Quarenghi e Silva (1991:39), a escola formal é incapaz de mediar sua relação com
crianças de classe de renda baixa, pois se organizou com base nas expectativas da classe média.
A escola-oficina seria uma resposta para absorver os excluídos com respeito às suas
características para assim resgatar-lhes a cidadania por meio da aprendizagem pelo trabalho.
Embora seja longo o percurso do resgate da cidadania, a promulgação da Constituição de
1988 estabelece o paradigma dos direitos da criança e do adolescente no Brasil, com suas
conseqüentes leis regulamentadoras: o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n
o
8.069/90, o
ECA – , e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – a LDB.
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi regulamentado pela Lei n
o
8.069/90, de 13 de
julho de 1990. Ao assumir a doutrina da proteção integral e de prioridade dos direitos da infância,
seguindo a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1989, esse Estatuto é considerado
um marco na erradicação do trabalho infantil e na regularização do trabalho do adolescente.
O Estatuto baseia-se numa política de respeito, de incentivo e de proteção para crianças e
adolescentes, entendidos como pessoas em desenvolvimento. A proteção integral condiz contra
todo tipo de exploração, reforçando a idéia de vulnerabilidade da criança e do adolescente e a
necessidade de cuidados especiais para a formação da sua cidadania.
Após os catorze anos é permitido o trabalho de adolescentes, na condição de aprendizes,
como preceitua o ECA, garantidos todos os direitos trabalhistas e previdenciários a partir dos
dezesseis anos e observadas as restrições legais quanto à impossibilidade de trabalho noturno,
insalubre, perigoso ou penoso, conforme prescrito especialmente na Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), na Emenda Constitucional n
o
20 e na legislação específica.
À vista disso, o trabalhador adolescente tem assegurados os mesmos direitos do trabalhador
adulto: carteira assinada, salário, repouso semanal remunerado, férias, recolhimento do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), aviso prévio e décimo terceiro
salário.
Em seu artigo 60, o ECA estabelece a proibição de qualquer trabalho a menores de catorze
anos de idade, salvo na condição de aprendizes. Sua condição de empregado decorre de um
40
contrato especial de trabalho por tempo determinado, regularizado pela Lei n
o
10.097, de 19 de
dezembro de 2000, desde que a aprendizagem seja realizada pelo Sistema S: Senac, Senai, Senar
e Senat ou por escolas técnicas de educação ou entidades sem fins lucrativos.
5
Cumpre observar que as normativas internacionais emanadas da OIT
6
recomendam que a
idade mínima de ingresso ao mercado de trabalho coincida com a idade em que cessa a
obrigatoriedade escolar. Nem sempre isso acontece, porém, e a evasão escolar em razão da
sobrevivência torna-se imprescindível à inserção no mercado de trabalho.
O Estatuto da Criança e do Adolescente define, em seu artigo 62, a aprendizagem como “a
formação técnico profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação em vigor”.
A formação técnico-profissional, segundo a legislação de educação em vigor (LDB - Lei n
o
9.394, de 20 de dezembro de 1996), visa tornar o aluno e o trabalhador em geral capacitados para
a vida produtiva, como dispõe seu artigo 39:
A educação profissional, integrada a diferentes formas de educação, ao trabalho,
à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões
para a vida produtiva.
Parágrafo único. O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental,
médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará
com a possibilidade de acesso à educação profissional.
Além da escola, a educação profissional poderá ser desenvolvida em instituições
especializadas (Sesc, Senai, Sesi, etc.) ou no local de trabalho, conforme previsto no artigo 40:
A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular
ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições
especializadas ou no ambiente de trabalho.
O Estatuto da Criança e do Adolescente também aborda a questão da formação técnico-
profissional ao definir princípios em seu artigo 63:
A formação técnico-profissional obedecerá aos seguintes princípios:
I – garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular;
II – atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente;
III- horário especial para o exercício das atividades.
5
Fonte: Coordenadoria da Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Procuradoria Regional do Trabalho e
Ministério Público do Trabalho.
6
Organização Internacional do Trabalho.
41
Quando a legislação limita o ingresso de adolescentes no mercado de trabalho, reconhece que
o trabalho precoce produz danos. O ECA e a LDB são os marcos legais de normatização das
relações precoces de trabalho que atingem grande parte dos adolescentes brasileiros.
No que concerne à temática abordada, o Estado do Paraná passou a oportunizar a proposta
política pedagógica da educação pelo trabalho na década de 1990, justificando que seu princípio
“condiciona a vida dos homens, que estimula e orienta seus pensamentos, que justifica seu
comportamento individual e social, que é o trabalho” (QUARENGUI E SILVA, 1991:48).
Nessa linha de entendimento estão inseridas iniciativas como a do Centro de Atendimento e
Amparo à Criança e ao Adolescente – CEACA, objeto deste estudo, que igualmente busca incluir
o trabalho na vida do adolescente pobre por meio da educação.
A metodologia da educação pelo trabalho, segundo Quarengui e Silva (1991:29), representa
um repensar profundo sobre o papel da escola, das instituições e até mesmo dos locais de trabalho
onde o educando e o homem trabalhador estão inseridos. As escolas-oficinas já não são espaços
nos quais as ações educativas ocorrem de forma compartimentada, pois passam a ser vistas como
educador coletivo, ambiente pedagogicamente estruturado, objetiva e subjetivamente
representado pelo espaço físico e pelas relações desenvolvidas no acontecer pedagógico
cotidiano.
3 PERCORRENDO OS CAMINHOS DA CONSTRUÇÃO DO CEACA
3.1 O CEACA de Medianeira: uma proposta de atendimento à criança e ao adolescente
O município de Medianeira, com aproximadamente 39 mil habitantes, foi formado pela
migração gaúcha ocorrida a partir de 1950 e organizada pela Firma Industrial e Agrícola Bento
Gonçalves Ltda., que adquiriu do governo do Estado do Paraná parte da Gleba Iguaçu, que foi
loteada e vendida para famílias oriundas dos outros Estados do Sul do país (BIESDORF e
ROHDE, 1996:50).
A economia do Município é baseada na cultura de soja, milho e trigo, com destaque para a
indústria alimentícia e moveleira, além do comércio e serviços. Situa-se a cerca de 650km da
capital, Curitiba, e a 60km de Foz do Iguaçu e da fronteira com o Paraguai e a Argentina,
caracterizando-se como um município da fronteira oeste do Paraná.
42
Classificado como município de médio porte (de 20.001 a 100.000 habitantes, segundo os
dados da Secretaria Estadual do Trabalho e Promoção Social do Paraná, SETP, baseados em
dados fornecidos pelo IBGE – 2000 e IPARDES), possui autonomia na estruturação de sua
economia e sedia algumas indústrias de transformação, além de contar com maior oferta de
comércio e serviços.
O Índice de Exclusão Social (IES) de Medianeira, segundo o Atlas de Exclusão Social do
Brasil, é de 0,555. Já seu Índice de Desenvolvimento Humano por Município (IDH-M) é de 0,
779 (quanto mais perto de 1, maior o índice de desenvolvimento humano).
Segundo a SETP, em dados divulgados sobre indicadores sociais, a Taxa de Pobreza (que
indica o número de famílias pobres no Município e é construída a partir da renda familiar, que
deve ser inferior ou igual a meio salário mínimo por pessoa) de Medianeira é de 15,98%.
O Centro de Atendimento e Amparo à Criança e ao Adolescente (CEACA), um programa de
atendimento à criança e ao adolescente, é orientado, a partir de 1997, por meio de um Projeto
Social e desenvolve atividades de caráter protetivo vinculadas à Prefeitura do Município de
Medianeira (PR).
O CEACA faz parte da rede governamental de serviços da política de atenção integral à
criança e ao adolescente, segundo o Plano Municipal de Atendimento à Criança e ao Adolescente
de Medianeira, cujo objetivo é “contribuir para que crianças e adolescentes sejam sujeitos de
seus direitos”.
O público alvo do CEACA são crianças e adolescentes de ambos os sexos, na faixa etária
compreendida entre 7 e 17 anos, em situação de vulnerabilidade social.
O CEACA passa por três processos, o primeiro dos quais compreende o ano da criação do
Projeto Pirulito, que foi considerado, para este trabalho, como a fase inicial do CEACA; o
segundo compreende os anos de 1993 a 1996 e se caracteriza pelo surgimento do Centro de
Atendimento e Amparo à Criança e ao Adolescente; e o terceiro vai do ano de 2000 ao ano de
2004.
Por causa da inexistência de documentos que abordem a história do CEACA, optou-se por
reconstruir a história do CEACA com base em entrevistas com os sujeitos envolvidos em sua
implantação a fim de obter dados fidedignos. Entrevistou-se o presidente da Diretoria Executiva
da Associação Educacional Irio Manganelli, a entidade parceira do poder público, bem como
funcionários que trabalharam no Projeto Pirulito. Realizou-se ainda pesquisa documental nos
43
arquivos da Associação Educacional Irio Manganelli com o intuito de caracterizar historicamente
o surgimento do CEACA.
3.2 CEACA: a reconstituição de sua história
3.2.1 Primeiro período: 1992 – a implantação do Projeto Pirulito
As ações municipais que constituem o contexto histórico da origem do CEACA foram
protagonizadas pela sociedade civil por meio da Associação Filantrópica Acássia Medianeirense
(Afame). O objetivo principal dessa Associação, segundo entrevista realizada em 26 de junho de
2004 com seu presidente, Elias José Zydeck, é a filantropia e o “encaminhamento de crianças e
jovens para o bom caminho” (sic).
Segundo o teor dessa mesma entrevista, o “bom caminho” seria participar da proposta a ser
implantada pela referida Associação, sem outra opção de vida para os sujeitos alvo dos trabalhos.
Em 1985, mais precisamente em junho daquele ano, reunidos em uma comissão designada
pela Afame, aprovou-se a formação da Guarda Mirim de Medianeira e a criação da Associação
Educacional Irio Manganelli, que seria a entidade mantenedora da Guarda Mirim.
A Guarda Mirim funcionou no período compreendido entre os anos de 1986 a 1990, segundo
o livro atas da Associação Educacional Irio Manganelli. Os critérios para o ingresso eram
consulta à diretoria da Sociedade de Amparo ao Necessitado Medianeirense, (Sanem) –
organização não-governamental que realizava atendimento às crianças e aos adolescentes
carentes – , análise do comportamento, filiação, nível de escolarização e condições econômicas.
Foram cerca de 26 meninos “recrutados”, segundo a ata n
o
005, de 31 de agosto de 1986,
que recebiam, no quartel da Polícia Militar, aulas de formação ética e postura militar, sob
responsabilidade do então comandante da Polícia Militar. Após a fase de formação, os meninos
eram encaminhados para empresas, sob a forma de convênio entre a Associação Educacional Irio
Manganelli e a empresa demandante, recebendo uma ajuda de custo com obrigatoriedade de
freqüentar a escola no período em que não estavam no trabalho.
Para Zydeck, em 1990, com a promulgação do ECA, a Guarda Mirim perdeu seu foco de
trabalho, porque “não podia mais trabalhar com as crianças, empregando”. A Associação
Educacional Irio Manganelli reelabora então sua forma de trabalho, adequando-a à legislação
vigente. Assim, segundo o entrevistado, cria-se o Projeto Pirulito.
44
Ao romper com a doutrina de situação irregular definida pelo Código de Menores de 1979
7
, o
ECA estabelece a diretriz básica e única no atendimento de crianças e adolescentes, ou seja, a
doutrina de proteção integral
8
. A citação acima demonstra claro desconhecimento da mudança de
paradigma no que se relaciona à criança e ao adolescente. Fica claro também o distanciamento
entre os direitos dos adolescentes, preconizados no ECA, e a proposição de trabalho citada à
página 006 do livro de atas da Associação Educacional Irio Manganelli.
O que motivou Associação Educacional Irio Manganelli a iniciar a ação com a Guarda
Mirim e, posteriormente, com o Projeto Pirulito, foi, no relato de Zydeck:
Quem era de Medianeira, naquela época deve lembrar que tínhamos dezenas de
meninos de rua. A gente andava na Avenida, ou próximo à Rodoviária, e tinha
dezenas de crianças pedindo, já começando pequenos roubos. Crianças quase
abandonadas, sem acompanhamento da família, que viviam de rua. Foi isso que
sensibilizou: os meninos de rua, porque no começo eram só meninos. A Guarda
Mirim era só de meninos, depois, com o Projeto Pirulito, encampou também
meninas, em função do problema que estava muito visível e chocando, do ponto
de vista do abandono, de humanidade daquelas criaturas na rua, aprendendo as
malandragens da rua.
Nota-se com essa declaração a visão do espaço urbano como locus e símbolo da civilização
(em oposição à barbárie) – era o lugar onde mais claramente se evidenciava o rompimento de
uma dada ordem (RIZZINI 1997: 150). Assim tratado, o espaço urbano é tido como local de
estabelecimento de ordem. A presença dos adolescentes tornou-se uma desordem ao evidenciar a
questão social, provocando na sociedade o interesse pela tentativa de controle do espaço e da vida
dos adolescentes.
7
A situação irregular definida pelo Código de Menores, Lei n
o
6 697 de 1979, que dispunha sobre a assistência,
proteção e vigilância dos menores. O artigo 2 definia a “situação irregular” como: I – privados mesmo eventualmente
das condições essenciais à sua subsistência, à saúde e ao ensino obrigatório, em razão de: a) falta ou omissão dos
pais ou responsáveis; b) impossibilidade notória dos pais ou responsáveis de lhes sustentar. II – vítimas de maus
tratos ou punições desmedidas impostas pelos pais ou responsáveis. III – em perigo moral em razão de: a) se
encontrar habitualmente em um ambiente contrário aos costumes; b) ser explorados em atividades contrárias aos
costumes. IV – privados de representação ou assistência legal, pela ausência eventual dos pais ou responsáveis. V –
desvio de conduta devido a uma inadaptação familiar ou comunitária grave. VI – autor de infração penal.
8
proteção integral é definida no artigo 87 do Estatuto como “a abrangência de todas as crianças e adolescentes,
compreendem políticas sociais básicas, direitos do cidadão e dever do Estado: saúde, educação, trabalho, habitação,
lazer, segurança – política de assistência social voltada para aqueles que dela necessitem independentes de
contribuição à seguridade social; serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vitimas de
negligência, maus tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão, proteção especial e defesa de direitos.
45
Em dezembro de 1991, a Associação Educacional Irio Manganelli propõe um plano de ação,
segundo o livro atas da referida Associação. O plano consistia no “levantamento da realidade do
menor abandonado, envolvendo suas famílias” e estabelecendo “ações de curto, médio e longo
prazo”. No curto prazo, o plano almejava atender os adolescentes de 14 a 18 anos,
encaminhando-os para educação e trabalho. No médio prazo, propunha-se a atender crianças em
idade escolar para proporcionar-lhes escolaridade e trabalho. No longo prazo, estudar o
planejamento da família, abrangendo os aspectos de assistência à saúde, à educação e à profissão,
com orientação para prevenir problemas.
Chama a atenção o insistente apelo para o estabelecimento da ordem, no livro de atas da
Associação Irio Manganelli, em relação à classe de origem dos adolescentes, assim mencionada:
“(...) falando do trabalho que estão desenvolvendo com os meninos de rua, comunicaram que
enfrentam problemas com alguns que já estão em processo de marginalidade e delinqüência, (...)
para auxiliá-los comunicam ainda que na próxima semana as crianças começarão a receber
instruções sobre disciplina.”
Segundo a página 015 do livro de atas da Associação Educacional Irio Manganelli, cabiam ao
poder Público Municipal o apoio logístico, a organização funcional e o repasse de possíveis
recursos, oriundos dos governos estadual e federal, para a Associação Educacional Irio
Manganelli.
O Projeto Pirulito, a primeira fase do CEACA, tem seu período de planejamento em maio de
1992. A justificativa do projeto confirma a posição de Zydeck:
A situação de penúria das famílias de baixa renda vem refletindo diariamente
nas ruas de nossa cidade. São meninos e meninas pedintes que perambulam sem
destino e ocupação. A solução está na união da sociedade, objetivando a retirada
destas crianças das ruas, preparando-as para um futuro mais digno. Este projeto
piloto propõe um caminho a seguir: o treinamento das crianças em oficinas
profissionalizantes e o reingresso na escola para as crianças que não freqüentam
sala de aula.
9
É importante compreender o significado da aliança entre o poder público e a Associação Irio
Manganelli, que buscam na aliança a auto-sustentação pela complementação de suas ações.
Ambas inserem-se na lógica do modelo filantrópico, que visava ao saneamento moral da
9
Fonte: Projeto Piloto: Pirulito.
46
sociedade ao fazer incidir sobre os pobres o controle, enquadrando-os o mais precocemente
possível na “boa” ordem .
A meta do projeto era atender inicialmente quarenta crianças e adolescentes de ambos os
sexos no Centro de Treinamento do Parque de Exposições Tancredo Neves, localizado na área
urbana do município de Medianeira.
Em 1992, o poder público municipal
10
implantou um trabalho de aproximação com as
crianças e os adolescentes que perambulavam nas ruas da Cidade. A profissional que atuou
diretamente com os adolescentes nas ruas era, no início, uma enfermeira
11
. Nos primeiros
contatos apurou-se que todas as crianças e os adolescentes que permaneciam nas ruas tinham
vínculo familiar. Era alta a evasão escolar, e o sexo masculino predominava entre o grupo. Esse
contato, além de mostrar um perfil preliminar de quem eram os adolescentes que estavam nas
ruas, permitiu que estes verbalizassem os motivos que os levaram a sair da escola e a ir para a
rua. A informação prestada era de que tinham perdido o estímulo de ir à escola e permaneciam na
rua à procura de algo para fazer.
A seguir, foram realizadas atividades recreativas, escolhidas pelos adolescentes, que se
reduziam basicamente a filmes em vídeo e espaços para jogar futebol visando ao estreitamento do
vínculo das crianças com a proposta do projeto.
Os espaços na Cidade para as atividades de lazer, porém, não estavam disponíveis todos os
dias. Nos dias em que havia atividade, os adolescentes não ficavam nas ruas, enquanto nos dias
inativos eles voltavam para o ócio. A própria coordenadora, que trabalhava com os meninos,
apresentou a proposta de um espaço para o trabalho diário. Após pesquisa das estruturas
municipais disponíveis, escolheu-se o Parque de Exposições. Faltava então sua manutenção, pois
o poder público não tinha recursos para estruturar o projeto. A política voltada à criança e ao
adolescente, no nível municipal, não fora implementada, por isso competia ao poder público a
busca de uma parceria com a comunidade.
No decorrer do ano implantou-se o Projeto Pirulito no Parque de Exposições Tancredo Neves.
Esse espaço municipal, situado fora do perímetro urbano, estava ocioso, pois somente era
utilizado a cada dois anos para a exposição agropecuária do Município. O atendimento a quarenta
crianças e adolescentes era feito por funcionários municipais. A equipe era composta pela
10
Do então Departamento de Promoção Social e Ação Comunitária, que, na estrutura organizacional do Município,
fazia parte da então Secretaria Municipal da Saúde e Ação Social.
11
Enfermeira Celina Deitos.
47
enfermeira que havia iniciado os contatos nas ruas, por uma zeladora, por um orientador e por
uma cozinheira voluntária. As atividades eram recreativas, idênticas àquelas da época do
primeiro contato: futebol e sessões de vídeo.
Inicia-se então o auxílio às lições escolares para os participantes que freqüentavam a escola,
estimulando os que estavam fora dela a voltar aos estudos, visto que aumentara o número de
inscritos. Não apenas os adolescentes de rua foram para o projeto, mas também, irmãos e
vizinhos destes. Alguns foram encaminhados para o Horto Municipal, que ficava junto ao Parque
de Exposições, no qual exerciam a atividade de preencher saquinhos de terra para o plantio de
sementes em troca de uma “ajuda de custo” semanal. Os recursos dessa “ajuda de custo” vinham
da Secretaria de Agricultura do Município, responsável pelo horto.
A alimentação e parte dos equipamentos provinham de recursos da Associação Educacional
Irio Manganelli. Os objetivos do Projeto Pirulito eram:
- Retirar as crianças das ruas que estejam pedindo em portas de mercados e
de casas.
- Retorno das crianças à escola.
- Treinamento pelo trabalho em oficinas profissionalizantes.
- Oferecer reforço escolar para as que freqüentam escola.
- Proporcionar lazer através de jogos, brincadeiras, passeios, filmes, etc.
- Prestar atendimento de saúde às crianças que freqüentarem o projeto.
- Integrar as crianças da Sanem ao projeto.
- Trabalhar com as famílias das crianças, orientando sobre os objetivos do
projeto e a importância da saída das crianças da rua.
A meta descrita no Projeto Pirulito era:
- Atender inicialmente a 40 (quarenta) crianças e adolescentes, de ambos os
sexos.
A operacionalização do Projeto Pirulito previa:
a) O conhecimento do local, limpeza e organização dos móveis;
b) A definição dos turnos da cozinha, elaboração de refeições e de cardápio;
c) A limpeza do pátio e o início da horta;
d) O cadastramento das crianças e suas famílias;
48
e) A avaliação do número e do motivo da saída da escola para posterior
encaminhamento à Secretaria Municipal de Educação;
f) A elaboração de projetos de trabalho e de agenda de atividades de lazer;
g) Visita dos pais e responsáveis ao projeto, com palestras sobre seus
objetivos;
h) Contato com a Secretaria da Saúde para a implantação de programa
específico de atendimento para as crianças e os adolescentes do projeto; e
i) Acompanhamento do desempenho escolar das crianças e dos adolescentes.
A avaliação previa essas etapas descritas separadamente, porém as ações não ocorreram
isoladamente.
Dentro da operacionalização estava prescrito treinamento para ofícios como pasteleiro,
cozinheiro, garçom, office-boy, jardineiro e babá. Para a manutenção do projeto, previa-se que
seriam vendidos produtos elaborados na cozinha, como macarrão, pastéis, lasanha e outros de
consumo alimentar.
49
O organograma do projeto estabelecia a seguinte estrutura:
SUPERVISÃO DO PROJETO PIRULITO
SUPERVISÃO DO PROJETO PIRULITO
SUPERVISÃO DO
PROJETO PIRULITO
OFICINAS
PROFISSIONALIZANTES
PAIS
DOS USUÁRIOS
SECRETARIA DE
SAÚDE E AÇÃO
SOCIAL
DEPARTAMENTO DE
AÇÃO SOCIAL
ASSOCIAÇÃO
EDUCACIONAL IRIO
MANGANELLI
SECRETARIA
MUNICIPAL DE
EDUCAÇÃO
COORDENAÇÃO
DO PROJETO
PIRULITO
SERVIÇOS
GERAIS
DIREÇÃO DE ADOLESCENTES
FAIXA ETÁRIA DE
14 A 18 ANOS
DIREÇÃO INFANTIL
FAIXA ETÁRIA DE
10 A 14 ANOS
Figura 1: Organograma do Projeto Pirulito
50
Percebe-se que o organograma do Projeto Pirulito demonstra a efetiva parceria entre o poder
público municipal e a Associação Educacional Irio Manganelli. A supervisão do Projeto Pirulito
é a ligação entre o poder público municipal, representado pelo Departamento de Promoção
Social, com a Associação Educacional coordenando a supervisão, o contato com as famílias dos
usuários e as oficinas profissionalizantes. A Coordenação incumbia-se do contato com a
Secretaria Municipal de Educação, com o setor de Serviços Gerais e com as duas direções: a
dos Adolescentes e a Infantil.
A operacionalização consistia em reunir as crianças e os adolescentes para atividades de
lazer e tarefas de apoio escolar pontuais.
Com o término da gestão municipal compreendida entre 1989-1992, que implantou o Projeto
Pirulito, este teve suas atividades temporariamente suspensas. Após aproximadamente quarenta
dias, foram reiniciadas as atividades com nova equipe de trabalho. Com a reestruturação, mais
funcionários passaram a atuar no mesmo local, porém com outra denominação, a fim de evitar a
noção de continuidade política.
Esse novo período demonstrou o reconhecimento da questão social marcadamente pela
presença dos adolescentes nas ruas e representou uma tentativa de incorporação das diretrizes do
ECA ao cotidiano da política municipal voltada à criança e ao adolescente.
Essa nova etapa continha uma proposta metodológica que abrangia o processo de abordagem
e envolvia outras atividades além da recreação.
Vale ressaltar que não havia, além do projeto social, nenhum documento que norteasse a
proposta político-pedagógica, mas a diretriz utilizada como referencial para esse período é
incompleta no que diz respeito à programática da política proposta pelo Município.
Cumpre, também, registrar a importância da articulação da sociedade na implementação da
política voltada à criança e ao adolescente, na esfera municipal, como a preocupação em efetivar
o Estatuto da Criança e do Adolescente no Município, registrada no livro atas da Associação
Educacional Irio Manganelli: “(...) o senhor presidente comunicou que encarregou o primeiro-
secretário desta entidade de contatar as autoridades locais buscando colocar em prática o Estatuto
da Criança e do Adolescente, necessário para o desenvolvimento dos nossos projetos”.
51
3.2.2 Segundo Período: 1993-1996 – o Surgimento do CEACA
Em maio de 1993, implantou-se o Projeto Irmão Cidadão, denominação cuja origem provinha
de programa estadual voltado para atendimento de crianças e adolescentes, com o objetivo de
atender crianças e adolescentes excluídos dos direitos fundamentais básicos da proteção por meio
do desenvolvimento de alternativas de prevenção, mediante um processo que envolvia também
suas famílias e a comunidade.
O programa estadual mencionado tem sua origem em uma política municipal implantada em
Curitiba (PR) a partir do ano de 1986, na gestão do então prefeito Roberto Requião. As diretrizes
davam prioridade à política de atendimento a crianças e jovens, com o objetivo de implantação
de escolas-oficinas com a proposta pedagógica da educação pelo trabalho. Esta tinha como
referência o trabalho desenvolvido na Associação dos Meninos de Curitiba (Assoma), fundada
em 1985, cuja proposta era atender meninos e meninas de rua de Curitiba.
Em 1991, ao assumir o governo estadual, Roberto Requião implanta a proposta, sob
responsabilidade do Provopar, no âmbito do Estado, em parceria com o Provopar de cada
município.
12
O objetivo era operacionalizar o Estatuto da Criança e do Adolescente ao eleger como
prioridade, em sua proposta de trabalho,
13
as crianças e os adolescentes vitimizados.
A proposta era assessorar os municípios para implantação ou reordenamento de programas e
projetos para os denominados meninos de rua e/ou crianças e adolescentes de famílias de baixa
renda, oferecendo sua experiência para avaliação e planejamento de ações e de recursos (físicos,
financeiros e humanos) e para a viabilização técnica de novas formas de atendimento que
tivessem impacto sobre a realidade de cada município.
Em agosto de 1993, o Provopar Estadual lançou o Programa de Ação pela Infância e
Adolescência, cuja proposta pedagógica tinha como finalidade a conquista da cidadania de
crianças e adolescentes. O programa era norteado por duas questões:
Na área da educação, centrava-se na escolaridade, pois as crianças e os adolescentes eram
analfabetos e vítimas de processo de exclusão escolar.
12
As entidades PROVOPAR AÇÃO SOCIAL PARANÁ e PROVOPAR AÇÃO SOCIAL MUNICIPAL são diretamente
ligadas às primeiras-damas, no Estado e nos municípios, respectivamente. Constitui-se como órgão de Consultoria
Social o Provopar Estadual, que assessora técnica e pedagogicamente as coordenações municipais do programa
.
13
Fonte: Programa de Ação pela Infância e Adolescência, 1993 - PROVOPAR – PR AÇÃO SOCIAL
52
Na área do trabalho, visava sanar a falta de qualificação profissional e a necessidade
premente de inserir os adolescentes em atividades que possibilitassem ganhos
financeiros, de forma articulada com o desenvolvimento de uma visão crítica e consciente
do mundo do trabalho e de sua condição de cidadania.
As premissas do programa diziam respeito às características e às necessidades do Município e
da clientela e a uma contínua articulação entre proposta e a realidade. A Escola-Oficina fazia
parte do Programa de Ação pela Infância e Adolescência .
Os projetos que integravam o programa eram: Educador de Rua, constituído de Abordagem
de Rua, Oficina de Convivência e Abordagem Familiar; e Escola-Oficina, composto de Oficinas
de Iniciação ao Trabalho, Oficinas de Escolaridade, Oficinas de Apoio e Serviço Administrativo
e Projetos de Apoio, com o Retorno à Família de Origem e Famílias Sociais. Os projetos tinham
os seguintes objetos:
A pedagogia adotada pela Escola-Oficina propunha a Metodologia da Educação pelo
Trabalho, instaurando a prática do princípio das três participações:
A participação do educando no planejamento, na execução e na avaliação do trabalho;
A participação do educando no conhecimento do trabalho;
A participação do educando no produto do trabalho.
Segundo o programa,
14
ao vivenciar essa proposta o educando passa a assumir, diante do
mundo, uma atitude de não-indiferença, pois lhe atribui valor. Nesse processo ocorre,
gradativamente, a conscientização. O mundo passa a ter um valor não-imposto de fora para
dentro, cujo conhecimento o educando extraiu de sua própria experiência de vida. Tal valor
passa a constituir-se como suporte de sua atuação, concorre para a incorporação de atitudes cada
vez mais associativas e construtivas e faz surgir nele um projeto de vida. A educação pelo
trabalho não se inscreve no rol das pedagogias não-diretivas; ao contrário, opta por um
direcionamento democrático no qual o educando tem voz e vez para se expressar, sem que o
educador abra mão de seu papel. A liberdade se faz presente na participação no ato criador das
normas práticas da Escola-Oficina que regulam as relações sociais e se concretiza na emergência
de um homem novo, comprometido e consciente.
14
Fonte: Programa de Ação pela Infância e Adolescência, 1993 - PROVOPAR – PR AÇÃO SOCIAL
53
Projetos complementares de apoio:
Acompanhamento, orientação, estímulo e apoio à família de origem ou parente
próximo, visando ao fortalecimento do vínculo com a família e ao retorno do
menino ao lar;
Organização de famílias sociais ou casas de apoio destinadas ao acolhimento de
crianças e adolescentes órfãos, abandonados ou vitimizados pela família de
origem; e
Estabelecimento de relações com a comunidade e com as instituições de envolvem
a Justiça da Criança e do Adolescente, mercado de trabalho, escolas regulares,
Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, Conselhos Municipais de
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselhos Tutelares.
A metodologia preconizada pela proposta era a educação pelo trabalho, como suporte ao
processo educativo dos educandos inseridos no programas de atendimento às crianças e aos
adolescentes de rua, entendendo a presença dos educandos em todas as etapas do programa,
desde a abordagem de rua até a sua inserção definitiva na família, na escola e no mundo do
trabalho.
Sob esse aspecto, vale ressaltar que com esse programa o Estado do Paraná inicia a
implantação efetiva da política de atendimento à criança e ao adolescente.
A ação estadual de implementação da política voltada à criança e ao adolescente é implantada
em Medianeira, porém, adota o modelo da escola-oficina, uma vez que a primeira etapa do
programa – a abordagem de rua, o projeto que integrava o programa estadual, mencionado
anteriormente – já havia sido realizada, no primeiro período, na implantação do Projeto Pirulito.
Os projetos complementares de apoio – que compreendiam o trabalho com as famílias dos
adolescentes, organização de famílias sociais e estabelecimento de relações com a comunidade e
com as instituições da rede de atendimento à criança e ao adolescente –, também não são
adotados pelo governo municipal da época.
Assim, ao propor a política voltada para a criança e o adolescente, o governo estadual
incumbe o Município da implementação integral da política, que abrangeria educador de rua,
escola-oficina e projetos complementares de apoio ou parciais da política, como foi o caso de
54
Medianeira, que implanta a escola-oficina sem colocar em prática os projetos complementares de
apoio, assim como a oficina de convivência – ação do educador de rua na proposta estadual.
Dá-se, então, a implementação parcial da política estadual contida no programa de Ação pela
Infância e Adolescência, no município de Medianeira, a partir de 1993.
Em Medianeira, a equipe era composta de diretora, assistente social, duas professoras, um
orientador, duas cozinheiras e duas zeladoras. A direção era coordenada pela professora Luci
Petry, indicada pela direção da Secretaria Municipal de Ação Social. Aproximadamente 70
crianças e adolescentes eram atendidos por uma equipe de 15 funcionários. As atividades,
segundo uma das entrevistadas e a professora componente da equipe de trabalho do CEACA,
eram de desenvolvimento da comunicação e da linguagem, em complemento às atividades
escolares, de sociabilidade e habilidades para a vida como auto-estima, vivência em grupo,
padrões de comportamento, atividades manuais, sociais e de competição esportiva. Também eram
realizadas atividades que envolviam a recreação, lazer e práticas desportivas, culturais e
artísticas, bem como de apoio ao processo de aprendizagem.
Assim, constituiu-se a Escola-Oficina do Centro de Atendimento e Amparo à Criança e ao
Adolescente – CEACA, inaugurado em espaço próprio, com 586,85m
2
, no centro da Cidade,
em 25 de julho de 1995, acrescido 262,68m
2
, em agosto de 1996. Nessa segunda etapa os
recursos provieram do Instituto de Assistência Social do Paraná (IASP), órgão ligado à
Secretaria Estadual da Criança e Assuntos da Família.
O CEACA era integralmente mantido com recursos públicos municipais, estaduais e federais.
O Programa Brasil Criança Cidadã, do governo federal, aplicado no CEACA, tinha como metas:
a) oferecer atividades de proteção integral no âmbito da assistência social que tivesse impacto na
mudança do padrão de cidadania das crianças e dos adolescentes; b) enriquecer o universo
informacional, cultural e lúdico de crianças e dos adolescentes; desenvolver suas habilidades para
a vida, facilitando o domínio do cotidiano na família, na comunidade e na sociedade; e c)
estimular o envolvimento da família, da escola e da comunidade nas ações de proteção e
desenvolvimento do público alvo. O público alvo do Programa Brasil Criança Cidadã eram
crianças e adolescentes de 7 a 14 anos, pertencentes a famílias em situação de pobreza e risco
social.
Registra-se, também, a ampliação do espaço físico do CEACA, desde sua implantação em
1992 com o Projeto Pirulito. Em 2001 o CEACA já em sede própria demonstra a preocupação
55
com a criança e o adolescente no Município, que reconhece mérito deles ao ampliar e construir
espaço físico específico
Quadro 1: Evolução do número de usuários do CEACA em cada gestão municipal
Gestão Prefeito do Município Número de Usuários
1989 –1992 Elias Carrer 50
1993-1996 Antonio Luiz Baú 80
1997- 2000 Luiz Yoshio Suzuke 150
2001-2004 Luiz Yoshio Suzuke 170
Segundo esse quadro, a demanda atendida pelo CEACA é crescente a partir da criação do
Projeto Pirulito, em 1992, até o ano de 2004, demonstrando que a iniciativa política implantada
no Município tem atingido cada vez mais o público alvo a que se destina o programa.
Em relação à metodologia desse período, cumpre registrar que, ao se adotar a escola-oficina,
parte da proposta política estadual, instala-se um espaço de criação e construção de
conhecimentos, valores e hábitos por meio das oficinas de convivência, da lavanderia industrial e
da panificação, que seguia orientação da obra “O acontecer pedagógico de uma Escola Oficina”,
de Maria Merlo Quarengui e Maristela Requião de Melo Silva.
Vale ressaltar que, nesse segundo período, o CEACA já conta com mais experiência em
relação ao primeiro período para sustentar uma proposta pedagógica de trabalho com as crianças
e os adolescentes, por isso busca o Programa de Ação pela Infância e Adolescência, do governo
estadual.
Assim, esse período constata o estabelecimento de uma metodologia voltada para o
atendimento à criança e ao adolescente, da qual fazem parte as oficinas de iniciação ao trabalho,
tendo em vista a colocação e a venda dos produtos das oficinas e a inserção dos adolescentes no
mundo do trabalho para viabilizar a subordinação da dimensão produtiva à dimensão formativa
no interior das oficinas de iniciação ao trabalho. Adotada com a aludida metodologia, a educação
pelo trabalho busca, no interior do processo, a unidade entre o fazer e o saber, a ação e a
concepção, o trabalho manual e o intelectual.
Fica evidente, nesse período, que a metodologia e a diretriz são voltadas para a implantação
da educação pelo trabalho no interior do CEACA, porém não se efetuou na prática a sua
implantação.
56
3.2.3 Terceiro Período: 1997-2004 – o CEACA
O CEACA proporciona ações voltadas à melhoria da qualidade de vida das crianças e suas
famílias. Busca-se oportunizar o desenvolvimento integral mediante uma ação socioeducativa que
valoriza a complementação do processo do ensino regular.
O CEACA atende crianças e adolescentes de 7 a 17 anos em situação de risco pessoal e
social, desprovidos de recursos, por meio de ações desenvolvidas em oficinas de aprendizagem,
tais como esporte, recreação, expressão artística/cultural, acompanhamento escolar e atividades
lúdicas.
Uma equipe composta de 23 funcionários atua no programa: 11 do setor serviços gerais, que
compreende limpeza, lavanderia, panificadora e cozinha; 5 professoras, 1 vigia, 1 motorista, 1
supervisora, 1 assistente social (que responde pela direção do CEACA) e 1 agente social. Uma
pediatra e uma psicóloga comparecem uma vez por semana para os atendimentos agendados,
constituindo-se em serviço de apoio ao CEACA
O CEACA também possui jornadas ampliadas do Programa de Erradicação do Trabalho
Infantil (PETI), no qual são realizadas oficinas de teatro, percussão e street dance.
A partir de 1997, implantou-se a programação de capacitação para os funcionários do
CEACA. O conteúdo discutido foi a política de atendimento à criança e ao adolescente no tocante
às orientações sobre a presença dos profissionais no CEACA.
Com ações continuadas de treinamento, tentou-se minimizar a problemática maior da equipe,
que era a desinformação sobre o programa no qual estavam inseridos os profissionais. Sob esse
aspecto, o paradigma da proteção integral não era adotado pelos sujeitos integrantes da equipe de
trabalho. Em muitas ocasiões específicas no atendimento às crianças e aos adolescentes, a
concepção da Doutrina da Situação Irregular estava presente no cotidiano do CEACA.
Outra questão, porém, de ordem de relacionamento pessoal, apresentava-se cotidianamente.
Com a área da psicologia do programa, grupos de funcionários foram trabalhados quanto à
temática do relacionamento pessoal no trabalho. Constatou-se com esse trabalho que, quando
surgia uma problemática de relacionamento pessoal, esta era resultado de situações de falta de
diálogo entre os setores ou entre as pessoas. A proposta da área de psicologia foi a discussão
interna, nos setores, das situações provocadas pelo trabalho contínuo de oito horas.
57
Esse trabalho de discussão contribuiu para tornar a equipe direcionada para o atendimento à
criança e ao adolescente com conhecimento do público alvo do programa.
A equipe de funcionários reúne-se mensalmente para o planejamento e a avaliação das
atividades realizadas. Nesse dia, sem atendimento aos usuários, a equipe faz sua reunião de
avaliação e planejamento.
Os procedimentos adotados buscaram, sempre, atender aos objetivos gerais e específicos do
programa ao romper, definitivamente, com a doutrina da situação irregular, até então adotada nas
ações da equipe. O estabelecimento de diretriz básica e única no atendimento às crianças e aos
adolescentes – a doutrina da proteção integral – ampliou a efetividade do ECA na abordagem por
parte dos sujeitos integrantes da equipe de trabalho.
Os princípios e diretrizes do CEACA estão baseados na Lei 8.069, de 13 de julho de 1990,
Estatuto da Criança e do Adolescente ECA:
Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, credores de proteção especial
devido à sua condição peculiar de desenvolvimento, por isso considerados
prioridade absoluta nos processos do CEACA e de seu orçamento.
O CEACA faz parte da política municipal de atenção básica – direito de todos e
dever do Estado –, de caráter universal, reforçada pela política de assistência
social, de caráter supletivo, garantindo-se assim a eqüidade do direito ao acesso e
a qualidade do atendimento.
O atendimento realizado está articulado à rede de serviços municipais de atenção à
criança e ao adolescente, contemplando os três eixos centrais preconizado pelo
ECA: sobrevivência, desenvolvimento pessoal e social e integridade física,
psicológica, moral e social.
O CEACA efetiva medidas de proteção socioeducativas por meio da ação integrada com o
Poder Executivo Municipal, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, o Ministério Público, o
Conselho Tutelar e a sociedade civil, visando à resolutividade de modo rápido e de qualidade.
As diretrizes do CEACA são :
Capacitação permanente para o reordenamento institucional e a conscientização da
aplicabilidade das ações preconizadas pelo ECA.
58
Integração com os órgãos de todas as esferas que atuam na área da criança e do
adolescente, garantindo dessa forma o fluxo de informações e a troca de
experiências com vistas a subsídio para a tomada de decisões.
Desencadeamento de ações de apoio, orientação e promoção da família do usuário
do CEACA.
Articulação por todos os meios com os diversos segmentos sociais (Estado,
sociedade e família) para subsidiar a manutenção do CEACA.
A implementação do ordenamento político-institucional por meio do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Nota-se, nas diretrizes do programa, a presença efetiva da doutrina de proteção integral como
base no atendimento às crianças e aos adolescentes como prioridade absoluta, conforme
preconiza a Constituição Federal em seu artigo 227.
Segundo o Projeto Social da Escola-Oficina do CEACA, de maio de 2001, baseado no
diagnóstico da realidade do cotidiano das crianças e dos adolescentes e de suas famílias em
situação de pobreza e risco social, estruturou-se o CEACA por meio de oficinas: oficinas de
Convivência, de Artesanato, de Panificação e de Lavanderia Industrial.
O atendimento no CEACA se dá em horário integral em todas as oficinas, em duas turmas,
obedecendo à alternância com o ensino regular.
Nas oficinas são desenvolvidas atividades lúdicas, educativas, recreativas, de lazer,
esportivas, culturais e artísticas; atividades manuais; palestras; organização de festas ligadas às
datas comemorativas; passeios; trabalhos em grupo; jogos; danças e teatro. Cada oficina tem um
planejamento de atividades voltadas à sua realidade.
Especialmente ao desenvolver atividades educativas visa-se acompanhar o usuário em seu
desempenho no ensino regular, efetuando atividades de reforço dos conteúdos curriculares e
desenvolvendo projeto de aprendizagem com brinquedos.
Por meio do contato direto, no contraturno, o CEACA intensifica o processo de
aprendizagem, especialmente no que se refere ao domínio da leitura, à aquisição da linguagem
escrita e ao desenvolvimento do raciocínio lógico.
Além dos aspectos específicos relativos aos conteúdos curriculares, trabalham-se a
socialização, hábitos de higiene, boas maneiras e informações que auxiliem o usuário a melhor se
59
orientar no convívio do ensino regular e até fora do ambiente escolar. Periodicamente, efetua-se a
avaliação de desempenho do aluno nessas atividades de reforço.
O CEACA dispõe de recursos humanos que mantêm contato permanente com as instituições
de ensino para coletar, de professores e da equipe pedagógica, dados referentes ao desempenho
social de cada criança e aos conteúdos de cada disciplina, a fim de efetuar o atendimento
individualizado, sanando as dificuldades de forma direta e objetiva.
O acompanhamento sociofamiliar é realizado em visitas domiciliares, reuniões semestrais e
em orientação individual, ampliando assim a rede de serviços no Município.
A articulação do CEACA com outros segmentos e órgãos do Município se dá por meio da
divulgação constante da proposta com vistas à estratégia de atendimentos. Colaboram para isso
também o fortalecimento de parcerias para melhor desenvolver as atividades, o estabelecimento
de linguagem única para auxiliar o ordenamento do trabalho e a busca do envolvimento constante
de organismos comunitários.
A gestão do CEACA como “tomada de decisões’
15
se realiza a cada momento do programa,
quer planejando e construindo a perspectiva pedagógica, quer avaliando a realidade social que
subsidia essa construção.
A perspectiva pedagógica ganha sua significação na articulação com um projeto mais amplo
de sociedade que se deseja e pela qual se luta.
“Projeto é meta, mas torna-se concreto e gerador de movimento quando transposto para a
compreensão das pessoas e por elas assumido” (FERREIRA, 2003:112).
O termo “projeto” implica sempre a memória lançada para frente, por isso é um exercício
prospectivo, uma vez que se organiza algo que está por vir, mas com referência no caminho já
percorrido. Um projeto é sempre empreendimento, organização de ações em razão das
necessidades e dos desejos de sujeitos concretos – é sempre o anúncio de algo que se quer
alcançar.
O Projeto Social
16
que justifica a estruturação do CEACA diz:
A Prefeitura Municipal de Medianeira, através da Secretaria de Saúde e
Promoção Social, na busca de estratégia para desenvolver novas práticas,
visando atender a garantia dos direitos da criança e do adolescente e legitimar
15
Segundo Ferreira (2003:44), a gestão da educação realiza-se nas tomadas de decisões e efetua-se a cada momento
da vida escolar.
16
A prática do CEACA é norteada através do Projeto Social elaborado em 2001.
60
esses instrumentos, estruturou o Programa de Atendimento à Criança e ao
Adolescente (ZIGLIOLI, 2001).
O contexto social, como resultante da questão social, assim se expressa no Projeto Social:
Devido ao grande número de famílias desempregadas no município, torna
agravante a situação voltada à criança e ao adolescente, pois passam a ser
explorados pelos pais e terceiros. Um dos pontos estratégicos da exploração e/ou
sobrevivência dos grupos é o “Barracão da Receita Federal”, com o mercado
informal do Paraguai, entre outras características temos a violência doméstica,
meninos na rua (perambulando e mendigando), abandono, vítimas das drogas e
adolescentes em prostituição, o Programa de Atendimento à Criança e ao
Adolescente, com prioridade absoluta da Secretaria Municipal de Saúde e
Promoção Social, vem repensando/avaliando/criando e implementando serviços
com uma nova perspectiva de reordenamento político institucional de estratégia
de ações que possam caracterizar uma mudança de posicionamento frente à
realidade dessa demanda (ZIGLIOLI, 2001).
A doutrina de proteção integral preconizada pelo ECA é assim justificada:
Deste modo um dos projetos envolvidos é a Escola Oficina do Centro de
Atendimento e Amparo à Criança e ao Adolescente, CEACA, constituído de oito
oficinas , atendendo os bairros do município em sua sede própria, onde, através
de atividades (educativas, lúdicas, esportivas, lazer, culturais, recreativas,
atividades manuais e artísticas entre outras), busca-se efetivar seus direitos de
proteção integral (ZIGLIOLI, 2001).
A Prefeitura Municipal de Medianeira, segundo a Justificativa do Projeto, está
[...] em parceria com a sociedade civil atua na discussão e formulação da política
social da criança e do adolescente através da articulação entre os Conselhos
Municipais que reconhecem a problemática do município e, preocupados com o
cotidiano destas crianças e adolescentes marcado por necessidades e carências
de toda a ordem: alimentação, educação, lazer, atividades culturais, saúde, afeto,
proteção, vivenciando, na sua maioria, situações de violência nos lares, nas
escolas e nas ruas, caracteriza um novo posicionamento frente à realidade
juntamente com outras instâncias ligadas a essa demanda (ZIGLIOLI, 2001).
No desenvolvimento de ações de formação do cidadão, segundo a justificativa do Projeto
Social, compete ao Município a busca de parcerias da comunidade:
A partir da implantação e implementação da Escola Oficina CEACA, o
município de Medianeira passou a contar com um instrumento prioritário para o
atendimento à criança e adolescente (ZIGLIOLI, 2001).
61
Outro aspecto relevante do Projeto Social é a definição do objetivo geral do CEACA, que é o
de:
Assegurar o atendimento e promover alternativas de ações/prevenção à criança e
ao adolescente inseridos juntamente com sua família e comunidade no processo
de desenvolvimento educacional, cultural e social (ZIGLIOLI, 2001).
A construção do projeto pedagógico do CEACA se realizou pelo diálogo entre aspirações e as
práticas relativas ao ensino-aprendizagem, baseada em documento com o projeto social
mencionado.
Para Ferreira (2003:47):
Desta forma, o Projeto Político Pedagógico constitui-se em um instrumento
valioso de mediação entre ansiedades, desejos e intenções dos sujeitos escolares
e o planejamento concreto de suas ações cotidianas. O Projeto Político
Pedagógico concebido, executado e avaliado na perspectiva do coletivo poderá
vir a constituir-se na ferramenta por excelência para a escola construir sua
autonomia, a partir da re-significação de suas práticas e de todo o trabalho
escolar.
É necessário, desse modo, reconhecer a re-significação e a importância da construção da
proposta pedagógica no CEACA, que se constitui num processo de discussão das práticas e de
estabelecimento de prioridades.
O CEACA, por meio de pressupostos e instrumentais teórico-metodológicos, busca
implementar seu ritmo e tempo próprios na dimensão das vontades dos coletivos nele atuantes.
Construir um projeto pedagógico do CEACA é mantê-lo em constante estado de reflexão e
elaboração, numa esclarecida recorrência às questões relevantes do interesse comum e
historicamente requeridas.
Para Barcelos in Turra (2001:164):
Não existe, na construção do projeto político pedagógico da escola, um ponto
ótimo (final), senão pontos de partida sempre renovados, ritualizados e
ampliados em sintonia com o mundo vivido numa incessante busca de
significados novos para viver.
Assim, a perspectiva pedagógica constitui-se num instrumento valioso de mediação entre
ansiedades, desejos e intenções dos sujeitos que integram a equipe de trabalho e suas ações
cotidianas. A perspectiva pedagógica concebida, executada e avaliada na perspectiva do coletivo
62
poderá vir a constituir-se em ferramenta, por excelência, para o CEACA construir sua autonomia
com base na re-significação de suas práticas e de todo o trabalho das oficinas.
Nesse período, em relação ao primeiro e ao segundo identificaram-se com maior clareza as
diretrizes e a metodologia do CEACA, evidenciando a evolução da ação iniciada em 1992 com
Projeto Pirulito até o período deste estudo: 2004.
Assim, ao se identificar a proposta político-pedagógica implantada nesse terceiro período,
voltou-se este estudo para a Oficina de Panificação com a indagação, à equipe de trabalho, sobre
cinco eixos temáticos: projeto político-pedagógico, inclusão social, cidadania, educação e
trabalho.
Perguntou-se aos egressos do CEACA com passagem na Oficina de Panificação no período
compreendido entre 1997 a 2003 até que ponto sua experiência na Escola-Oficina CEACA
favoreceu sua atual situação no mercado de trabalho.
Procurou-se com esta pesquisa, que será apresentada a seguir, estabelecer um momento de
reflexão sobre a prática educativa adotada no CEACA levando em conta que esta engendra
condições além dos limites dos muros da instituição. A reflexão teórica produzida impõe a
questão da educação pelo trabalho contextualizada em uma sociedade que trata de modo peculiar
a educação para os filhos das classes pobres.
63
4 FALTA DEFINIR O TÍTULO
O objeto deste estudo refere-se à participação de adolescentes na Oficina de Panificação
como forma de inserção deles no mercado de trabalho. Em que medida o CEACA atende ao
objetivo do projeto político-pedagógico, ou seja, até que ponto a metodologia adotada insere o
adolescente no mercado de trabalho? Após sua passagem no CEACA, os adolescentes tiveram
seus direitos como cidadãos efetivados no mundo do trabalho?
Para a análise da inserção no mercado de trabalho, a primeira parte definida por esta
pesquisadora dizia respeito à sua participação e contribuição na Oficina de Panificação. Durante a
realização da pesquisa, na pergunta aberta, que deveria responder ao eixo mencionado,
manifestou-se, nas respostas dos egressos, outra categoria: como a participação no CEACA
contribuiu para a vida pessoal.
Para analisar os dados emergidos na pesquisa realizada, optou-se por construir categorias,
pois estas se inserem no cotidiano e nos movimentos da sociedade e aqui mereceram destaque
especial.
Ver-se-á, a seguir, inicialmente, uma breve caracterização dos egressos baseada em
informações colhidas nas respostas às perguntas fechadas do questionário aplicado.
A caracterização dos egressos constitui-se em importante introdução ao objeto de estudo, pois
com ela se apresenta parte do universo da pesquisa, calcada em informações que se julgaram
relevantes para a construção desta análise.
4.1 Subtítulo à definir
Os egressos abordados pela pesquisa foram 15, porém 2 deles deixaram de residir no
Município, razão pela participaram da pesquisa apenas 13 sujeitos. Quanto ao gênero, dez são do
sexo masculino e três do sexo feminino; três estavam desempregados, e dez encontravam-se
inseridos no mercado de trabalho, todos com registro na carteira profissional. Dos que estavam
empregados, dois declararam ser auxiliares de administração; um, auxiliar operacional; quatro,
auxiliares de produção; uma, auxiliar de embalagem; uma, office-girl. Somente um deles
declarou exercer a função de padeiro. Todos moradores da área urbana, com salário máximo de
R$ 510,00 (quinhentos e dez reais) e mínimo de R$ 260,00 (duzentos e sessenta reais) – o salário
64
mínimo à época da pesquisa. Em relação ao nível de escolaridade, quatro concluíram o ensino
médio, quatro ainda freqüentam o ensino médio, dois fazem supletivo e três abandonaram os
estudos ainda no ensino fundamental.
Após a pergunta aberta, as respostas eram em poucas palavras, com pausas e silêncios
temporários que revelaram o resgate do passado de sua vida dentro do CEACA. Muitas vezes,
nesse momento os entrevistados faziam perguntas, fora do assunto da visita, sobre como estava
funcionando a panificadora, se as funcionárias eram as mesmas, qual a sua rotina. Também
perguntavam a respeito da equipe de trabalho, de quem continuava no CEACA. Quando a
resposta era negativa, era preciso explicar onde se encontrava o funcionário. A seguir,
respondiam com pequenas frases, e depois se expressavam com frases mais longas, reveladoras
de tentativa de raciocínio mais elaborado. Os momentos de silêncio estão registrados com a
palavra “pausa”.
Eram momentos em que, pela primeira vez, alguém os procurava para indagar sobre sua vida
profissional e sobre sua participação no CEACA. Acredita-se que aquela hesitação também
refletia a surpresa do acontecimento inédito, o resgate de sua participação no CEACA. Durante
esses momentos, muitos sorriam, alegando que não saberiam responder ou que nunca haviam
pensado sobre o assunto, por isso pediam que a entrevistadora aguardasse um pouco enquanto
elaboravam a resposta:
Penso que posso administrar uma panificadora. Eu aprendi a ver a compra, o
produto que se usa. Às vezes eu ajudei a pesquisar os preços, pra gente mudar a
tabela, aquela dos preços e do que a gente fazia. Aí a Sirlei me explicava como
era a conta. Sei assim que lá a gente não tinha um ganho (pausa) como um lucro
que sobrava: era tudo para comprar as coisas que precisava, ou então era pro
caixa do CEACA. Eu lembro que ajudava a comprar o que faltava. Mas eu acho
que tenho que fazer curso para isso (pausa). Por causa do CEACA, aprendi a ter
experiência com massas. Isso eu uso no meu trabalho, mexer com química.
Sabe, cada produto tem uma química, uma mistura que a gente coloca nele pra
que ele fique do jeito certo. Hoje tem muita química na comida. Acho que no
CEACA a gente não usava essas misturas: elas são caras. Aprendi o ponto de
modelar o pão e as bolachas. No meu trabalho isso é importante: eu mexo com
as máquinas que fazem as bolachas. Meu setor da fábrica é o que tem menos
erros, sabe? Acho que acabei aprendendo o serviço (P.M.L.).
Com exceção dessa declaração, em que o egresso indica uma perspectiva de futuro
profissional com base na sua formação de auxiliar (“penso que posso administrar uma
panificadora”) nos demais depoimentos as perspectivas futuras de trabalho não são mencionadas.
65
Ocorre que se espera das pessoas que estão iniciando sua vida no mercado de trabalho uma
indicação de futuro profissional. São depoimentos, porém, que indicam a aceitação dessa
condição subalterna, a de auxiliar, pois não existe nas falas a função de auxiliar como uma etapa
de carreira, e sim indicação da função de auxiliar como fim em si mesma, ou seja, já ingressaram
no mercado de trabalho e nesse posto/função irão permanecer.
Essa situação nos remete a Antunes (1996), que denomina de “... efeito de retração, de
defensividade, de lutar por reivindicações cotidianas e ponto” a essa característica das grandes
massas diante do efeito político-ideológico que o capital impõe à sociedade do trabalho. Afirma
Antunes que esse efeito atinge a subjetividade da classe trabalhadora em sua consciência de
classe, consciência de constituir-se como “ser que vive do trabalho”.
Refletindo sobre a Oficina de Panificação nesse contexto, não existem discussões no seu
interior sobre o mundo do trabalho, sobre as metamorfoses agudas do processo de trabalho e
sobre como estas afetam a classe trabalhadora, pois aí se formam adolescentes para um mundo
do trabalho, o qual tem dificuldades em absorver a mão-de-obra específica de auxiliar de
panificação:
Aprendi a ter disciplina, no meu trabalho. A gente tem que ser certo, é uma
fábrica (pausa). Eu uso pouco do que aprendi na panificadora. É diferente o
lugar: estou na embalagem como auxiliar. ‘Tá certo que a fábrica é de bolacha...
e isso lembra a panificadora do CEACA. Pensando assim... a organização da
fábrica lembra o CEACA: tudo dividido em partes para a gente fazer. Na fábrica
é assim, na panificadora do CEACA também cada um fazia uma coisa. (I.A.R.)
Aprendi muito (pausa). [Aprendi] a ter higiene, a importância dela para quem
trabalha com comida, a também ter horário. Ser pontual no trabalho me ajuda
até hoje: sou muitas vezes elogiado por não faltar e chegar na hora que combino
e que esperam de mim. Pensando assim no trabalho que fazia na panificadora, eu
sabia todas as partes, desde a compra dos produtos. Sabe, a farinha, que tem que
ter qualidade, como guardar, como mexer, cuidar com a proteção das máquinas
para não me machucar. Assim acho que pensava como que funcionava tudo lá
dentro (pausa). Lá no meu trabalho procuro saber como tudo funciona, quem faz
o quê. Acho que isso é que eu aprendi na panificadora (pausa). Ah, lembrei de
uma coisa que acho importante: postura no trabalho. Para mim é saber se
comportar, se colocar no lugar dentro da empresa. Sabe, como cada um sabe o
que tem que fazer, e não ficar só reparando nos colegas. Isso também me ajuda
(I.C.).
66
Um ponto comum entre todas esses depoimentos é a relação com as rotinas no trabalho, como
responsabilidade, horário, higiene, execução de tarefas em determinado tempo estimado, regras a
cumprir, disciplina e organização:
Aprendi bastante na panificadora, no CEACA, com o pessoal de lá. Lembro que
eu pedi muito para a professora Vera para ir na panificadora. Era o lugar melhor
que eu achava. No começo eu ficava na frente do CEACA, sentado no meio-fio,
você lembra? Eu olhava a escola e a panificadora. Hoje eu trabalho no setor de
congelados do frigorífico, mas já trabalhei numa fábrica de bolachas e bolos
para supermercados. Lá eu usei bastante o conhecimento quando fui
funcionário: eu fazia pão, bolacha e macarrão. Nesse lugar eu sempre levava pão
e as coisas para a minha mãe (pausa). Nesse trabalho que eu estou não lembro
agora o que a panificadora pode me ajudar: é um lugar bem diferente, a gente
mexe com tudo congelado já dentro da embalagem, é muito frio, mas eu até
gosto de lá (A M. R.).
Acho que aprendi a ter educação. Penso isso porque eu hoje não trabalho, me
juntei, já tenho uma filha, trabalhei um pouco de tempo como carregadora no
Paraguai, chamam de laranja (pausa). Não penso que esse trabalho parece com o
que eu fazia na panificadora. Lá a gente fazia o pão das crianças e das
encomendas. Os bolos eram bonitos (pausa). É importante o CEACA, mas eu
hoje não trabalho por causa da nenê: ela ainda mama (pausa). Não sei se vou
querer trabalhar em panificadora. Acho que faço o que der pra fazer, mas a nenê
tem que ficar grande (I.R.L.S.).
A formação de auxiliar de panificação dentro do CEACA limita a colocação no mercado de
trabalho para uma área, a de alimentos, e para uma função, a de auxiliar, Mas não prepara o
adolescente para um mercado que pode não absorvê-lo como auxiliar de panificação. Limita na
formação a uma função de auxiliar e não indica caminhos para seu progresso profissional, como
empreendedor na área de alimentos, como citado no primeiro depoimento, por exemplo. As
atividades ocupacionais declaradas são repetitivas, lineares e subalternizantes:
Aprendi a ter responsabilidade. Eu sempre gostei de fazer as coisas em casa, e lá
no CEACA eu também gostava de ajudar a professora. Aí a Sirlei da
panificadora me pediu se eu queria ir na panificadora. Eu disse que sim (pausa).
Eu aprendi a cumprir os combinados: isso me ajuda no banco – ele, o chefe,
sempre fala que eu estou fazendo direito meu trabalho. Acho que o CEACA
ajuda nisso: a mostrar pra gente a ser responsável, a fazer bem feito. Lembrei...
acho que hoje eu mexo nas máquinas. Na panificadora, depois de um tempo lá,
eu também aprendi a mexer nas maquinas. Acho que isso me ajudou com as
máquinas, também a cozinhar coisas diferentes, não sempre a mesma coisa. Hoje
em casa eu faço coisas diferentes para comer (V.C.K.).
67
A gente sai de lá com uma profissão, se a gente se dedicar no que faz. Eu gostei
de aprender o trabalho da panificadora... Hoje não gosto muito do que faço na
floricultura – o serviço é muito sujo (pausa). Na panificadora é mais limpo. Eu
lembro de cuidar da higiene, de estar sempre limpo, que é importante para a
comida que a gente fazia e comia lá. Hoje fico sempre sujo no trabalho e é
pesado: tem que carregar muito peso, e eu não gosto, fico cansado (pausa).
Ganha pouco, é sofrido. Queria trabalhar em panificadora – é mais limpo.
Lembro sempre da panificadora e dos lugares que fiquei no CEACA, mas o que
aprendi na panificadora eu não esqueço (L.C.D.S.).
A necessidade da sobrevivência e da subsistência pessoal e familiar determina que os
adolescentes procurem ocupações em outras áreas, não somente na área da panificação, também
porque nem sempre encontraram vagas de trabalho em panificadoras ou fábricas do ramo de
alimentação.
A privação dos recursos que garante o atendimento das necessidades das famílias pobres
leva-os a descobrir e a utilizar formas que possam viabilizar o atendimento dessas necessidades,
pois o mundo externo a que estão expostos esses adolescentes vem continuamente implicando
uma sobrevivência cada vez mais difícil e dolorosa:
Acho que me acostumei mais rápido no trabalho, nas normas da empresa, tipo
não usar celular, ter horário para conversar, porque no CEACA tinha também
normas para a gente cumprir. Sabe, meu trabalho é bom, eu gosto, sei tudo como
funciona, cada setor (pausa). No CEACA eu aprendi a saber como funciona, no
trabalho, cada parte. É bom pro trabalho hoje. Acho isso importante, que eu
aprendi lá. Acho que ter rapidez nas tarefas é importante: no meu trabalho um
depende do outro – se um pára o outro pára também, cada um faz uma parte. Fiz
curso no CEACA, isso eu uso: é o de garçom. Nos finais de semana eu trabalho
como bico de servir em casamentos e festas, com isso eu ganho mais um pouco,
me ajuda (M.R.A.).
Aprendi a ter qualificação, assim, estar preparado (pausa). Hoje, no meu
trabalho na fábrica de móveis, eu não uso o que eu fazia no CEACA – é
diferente, mas foi importante eu ter ido para o Correio trabalhar como aprendiz.
Eu aprendi bastante no Correio. Foi por causa do CEACA que eu fui para lá.
Penso que é bom ir no CEACA para entrar no serviço. Estar preparado para ir
trabalhar é importante. Eu gostava da panificadora. Mas hoje no meu trabalho
penso que não uso o que eu fazia no CEACA (V.R.).
Aprendi a trabalhar em equipe. Eu saí do meu emprego: não agüentei, era muito
frio no frigorífico. Vi outro trabalho numa fábrica de móveis, mas não deu
certo, por isso estou desempregado, como se diz. Lembro do CEACA: fiquei
bastante tempo lá, eu gostava da panificadora, mas fiquei sem trabalhar quando
eu saí de lá, um tempo antes de ir no frigorífico. Nunca trabalhei em
panificadora, eu não sei, acho que não deu certo. Espero que esse emprego que
68
estou esperando na fábrica de móveis certo (pausa). Eu acho que não uso o
que fazia na panificadora hoje e nem quando eu trabalhava (J.AR.S.).
À medida que o mundo globalizado apresenta facilidades, diversidade de consumo, rapidez
nas comunicações, etc., também acelera o processo de exclusão, já que essa camada social fica
cada vez mais distante do acesso a tais facilidades e sofre cada vez mais os efeitos dessas
transformações sem fazer parte delas.
Chama a atenção a área em que os egressos exercem suas atividades, pois somente um dos
entrevistados é padeiro. Três estão inseridos na área de alimentos, porém dois destes não no setor
de manipulação diretamente do alimento, mas estão no setor de embalagem:
Aprendi a ter rotina, a ter responsabilidade. Antes de ir no CEACA eu sempre
ficava na rua, sem fazer nada. Lá dentro do CEACA eu fiz bastante coisa. Hoje
eu só estou servindo no Exército, estou sem emprego, mas eu trabalhei na
panificadora Nina Bela um tempo depois que saí do CEACA. Fiquei um ano e
pouco lá. Acho que o que eu fazia na panificadora era o que eu aprendi no
CEACA. Foi importante eu ter a experiência na área (pausa). Eu aprendi que
cada tarefa tem seu tempo, que a gente precisa saber isso, senão não se organiza
no trabalho, e lá no meu trabalho eu fazia as tarefas. No meu primeiro emprego
eu já sabia como agir, porque aprendi no CEACA como se fazia dentro da
panificadora (M.L.S.).
Hoje estou como padeiro numa panificadora. Todo o trabalho que faço na
panificadora é porque eu estava lá, no CEACA. Fiquei com experiência, sabe?
Aprendi tudo o que eu faço no meu trabalho: o pão francês, este é o que mais
sai, é tranqüilo fazer se a gente já sabe como é. Acho importante para o meu
trabalho eu ter ficado no CEACA, senão eu não ia aprender uma profissão.
Lembro de bastante coisa do CEACA: das receitas, de cuidar do forno, e todas
as encomendas grandes, aquelas dos pastéis. Ainda bem que esta parte eu não
faço na panificadora hoje: é só mais o pão mesmo, aí fica mais fácil de trabalhar,
uma coisa pra fazer ( C.G.).
Fica claro que a experiência previamente adquirida na panificadora influencia as atitudes no
trabalho, por isso se percebe a importância da participação na Oficina de Panificação na ênfase
dada pelo que está na área da panificação ou pelos que tiveram uma experiência passageira nessa
área específica.
69
Comprova-se nos relatos que as chances de ascensão e melhoria futuras, em relação à função
que os egressos exercem, não são mencionadas, ou praticamente inexistem perspectivas de o
trabalho auxiliar ser uma etapa da carreira profissional.
Constata-se, também, nesses depoimentos, que a passagem pela Oficina de Panificação não
determinou a inserção no mercado de trabalho na área de alimentos, pois durante os relatos
apenas um dos entrevistados – o que está exercendo outra atividade em uma floricultura –
manifestou o desejo de retornar para aquela área.
Assim, pode-se afirmar que a passagem pela Oficina de Panificação não qualifica para um
mercado que pode não absorver essa mão-de-obra de adolescentes, e assim a necessidade da
sobrevivência os leva para outras áreas de trabalho.
Essa análise também revela que, em relação ao CEACA, o processo político da implantação
do Programa de Ação pela Infância e Adolescência reforça a subalternização de seus usuários ao
ofertar oficinas, como a de panificação, que “qualificam” mais uma vez os filhos das classes mais
pobres no campo da subalternidade social, em funções repetitivas e não-emancipatórias para
sujeitos sociais que se querem construtores de sua história.
Assim, a educação pelo trabalho proposta do Programa de Ação pela Infância e Adolescência
é inerente às intervenções sociais dirigidas às classes pobres na medida em que se constituem,
como centro de aprendizado, parte da solução dada historicamente aos pobres brasileiros.
A preparação para a vida profissional e para o trabalho se faz dentro de um processo
educacional, por isso para os pobres a dificuldade é maior, pois para sua maioria a educação pelo
trabalho vai acontecer em intervenções sociais especialmente dirigidas aos pobres, como o
CEACA, que reproduzem a subalternidade social.
Sob esse aspecto, pode-se citar o Programa de Ação pela Infância e Adolescência, que na área
do trabalho visava sanar a falta de qualificação profissional e atender à necessidade premente de
inserir os adolescentes em atividades que possibilitassem ganhos financeiros, de forma articulada
com o desenvolvimento de uma visão crítica e consciente do mundo do trabalho e de sua
condição de cidadania.
Acredita-se que o desenrolar da vida profissional e de trabalho de uma pessoa se situa no
campo da educação, no qual ela deveria qualificar-se continuamente para acumular experiência
profissional, num contínuo educar-se.
70
Para Carvalho (1997:111):
A educação tem na vida das crianças e adolescentes uma centralidade
insubstituível. A escola é o canal possível de ingresso às oportunidades
oferecidas pela civilização contemporânea. A capacidade de compreensão e
armazenamento cumulativo de conhecimentos assim como o aprendizado para
processar e utilizar informações advém da educação formal.
O processo educacional do CEACA tem em sua proposta de inserção no mercado de trabalho
funções subalternas como a de auxiliar de panificação, por isso introduz na sociedade do trabalho
sujeitos sem perspectivas de rompimento da realidade imposta à sua condição de classe pobre.
Os entrevistados têm renda máxima de R$ 510,00 (quinhentos e dez reais)
17
, o que os insere
entre os que historicamente são alvo de intervenções sociais voltadas para o trabalho repetitivo,
sem considerar a possibilidade de desenvolvimento do pensamento abstrato, resultado da
pedagogia que Machado (1989) afirma estar reservada às atividades de execução, desvinculada
da criação e pertencente à prática imediata.
A ocupação de outras funções pelos egressos, que não a de auxiliar de panificação, vem da
necessidade da subsistência pessoal, para dar conta do que Carvalho (1997) denomina de
sobrevivência do grupo familiar, fruto de uma sociedade que instiga a consumir. Essa sociedade
que tem a acumulação capitalista como pano de fundo produz também a exclusão em seu interior,
processo que se evidencia nas áreas em que os egressos declararam estar inseridos – todas elas
tidas atividades desqualificadas e caracterizadas pela imobilidade quanto à ascensão profissional.
Aspecto favorável ao processo da participação dos egressos na Oficina de Panificação foram
a preparação para o trabalho e suas rotinas elementares como responsabilidade, tempo, disciplina
e organização.
É de se ressaltar também a influencia positiva da experiência adquirida no interior da Oficina
de Panificação nas atitudes ante as situações vivenciadas no trabalho. Comprova-se, assim, que
a preparação para o trabalho se faz dentro de um processo educacional, denominado por Oliveira
(1994) de direito e dever social, que compreende informações básicas e rotineiras, aquelas
mencionadas nos depoimentos como disciplina interna e senso de responsabilidades, muitas
vezes desprezadas em propostas voltadas a adolescentes pobres. Estes, porém, devem estar
preparados para enfrentar as exigências do mercado de trabalho no máximo de condições em
17
Considerando o salário mínimo da época, de R$ 260,00, a renda máxima declarada não representa dois salários
mínimos.
71
relação a outros adolescentes oriundos de famílias de classe social mais abastada
financeiramente.
Apresenta-se a seguir a análise acerca do projeto político-pedagógico do CEACA, sobre
como este aborda a inserção do adolescente no mundo do trabalho. Para explanar esse aspecto,
entrevistaram-se as professoras integrantes da equipe de trabalho como objetivo de saber se a
metodologia do CEACA colaborava ou não para a formação do adolescente e, conseqüentemente,
para a sua inclusão no mercado de trabalho.
Examinar-se-á também se o CEACA trabalha na perspectiva da educação para o trabalho ou
pelo trabalho. A educação pelo trabalho, para Oliveira (1994), remete à experiência profissional
que se acumula através dos anos como fruto de um contínuo educar-se. A educação para o
trabalho, segundo esse autor, dá-se ao se ultrapassar a fase da educação básica, quando os
estudos do ensino médio dirigem-se à profissionalização, ao processo que se denomina educação
para o trabalho.
Sob esse aspecto, Oliveira (1994) afirma que a educação para o trabalho se faz dentro de um
processo educacional, mas esta educação no modelo brasileiro não acontece porque simplesmente
se nega essa mesma educação ao adolescente pobre.
4.2 Subtítulo à definir
Neste estudo também foram abordadas as professoras em relação à efetivação dos direitos
de cidadania dos egressos do CEACA.
Integram a equipe de trabalho do CEACA dez professoras, em trabalho interdisciplinar, uma
vez que são profissionais de várias áreas humanas, o que é um desafio a todas as profissões, pois
a integração dos saberes específicos garante a visão da totalidade. Acredita-se, assim, que não se
pode realizar um trabalho fragmentado com o mesmo sujeito, porque é a troca de saberes que
propicia a construção de uma prática com mais qualidade com vistas à cidadania dos adolescentes
do CEACA.
Quanto ao gênero, todas os profissionais eram do sexo feminino: nove graduadas; sete com
especialização concluída e duas em fase de conclusão da pós-graduação. A área de graduação
abrangia Letras, Educação Física, Pedagogia e Educação Artística. Somente uma das professoras
72
freqüentava a graduação, na área de tecnologia ambiental, porém tinha formação de Magistério
no ensino médio.
As professoras, lotadas na Secretaria Municipal de Educação, foram cedidas ao CEACA para
assumir turmas em oficinas de Convivência e Artesanato. A professora de Educação Física
trabalhava com todas crianças e adolescentes do CEACA. Entre as profissionais, uma realizava
atividade de apoio pedagógico em um projeto específico, por meio de brinquedos, em que as
dificuldades de aprendizagem eram trabalhadas com as crianças e com alguns adolescentes das
séries iniciais do ensino fundamental.
Ressalte-se que, das dez pesquisadas, somente uma não tinha experiência em sala de aula nem
havia trabalhado com crianças e adolescentes antes de seu ingresso no CEACA.
As professoras relataram que, em seus primeiros meses no CEACA, encontraram muita
dificuldade para entender seu papel por causa da diferença entre os procedimentos pedagógicos
das escolas municipais e a metodologia adotada no CEACA.
O CEACA representava, à época da inserção dessas profissionais, um desafio, com sua
atuação em um projeto social voltado ao desenvolvimento educacional, cultural e social que
assegurasse o atendimento e promovesse opções de ações/prevenções, e prioritário para o
atendimento à criança e ao adolescente. Essa atuação necessitava, portanto, de desenvolvimento
de ações de formação do cidadão por parte das profissionais da equipe.
À vista disso, o projeto político pedagógico do CEACA buscava estratégias para desenvolver
novas práticas que atendessem à garantia dos direitos da criança e do adolescente, preceituadas
pelo ECA.
Convém ter claro que o projeto político pedagógico era até pouco tempo entendido como um
conjunto de objetivos, metas, procedimentos, programas e atividades determinados a priori e
explicitamente pensados e propostos, tecnicamente bem organizados e explicitamente bem
fundamentados em uma teoria eleita como a mais adequada à prática da educação desejada e
posta como ideal a todas as escolas.
A organização e o planejamento são, nessa postura, instrumentos de hierarquização e
ritualização, o que resulta na fragmentação dos tempos e espaços escolares.
Trata-se de uma prática que busca o seu entendimento em sua historicidade e apura a
insuficiência na organicidade de seu modelo para as novas exigências da cidadania, cujas
características extrapolam as possibilidades da educação científica dos modelos prontos.
73
É a partir dessa consideração que se entende o projeto político-pedagógico do CEACA,
expressão operativa da intencionalidade da educação desejada pelos sujeitos da ação com vistas à
inclusão da criança e do adolescente no processo de desenvolvimento educacional, cultural e
social.
Para Marques in Turra (2001):
[...] em seu projeto pedagógico, consubstancia-se a escola em sua especificidade
do conjunto das condições para a organização do coletivo dos educadores e dos
educandos em relação de reciprocidade e como condução de ações sistemáticas
de contínua reflexão sobre processos da educação e revisão permanente dos
objetivos pretendidos, das práticas em desenvolvimento e da processual
apreciação e avaliação da aprendizagem coletiva e individual.
A educação é um processo de longo prazo, por isso o projeto pedagógico está sempre em
construção, já que propõe que o educador redefina a sua atuação no entendimento dela mesma,
como ação integrada com toda a equipe de trabalho.
A concepção do projeto político pedagógico é entendida como:
[...] um permanente processo de discussão das práticas, das preocupações
(individuais e coletivas), dos obstáculos aos propósitos da escola e da educação
e de seus pressupostos de atuação (TURRA, 2001:162).
Nesse processo, são fundamentais a explicitação do papel social e a clara definição dos
caminhos a serem empreendidos pelo CEACA em relação à inserção dos adolescentes no
mercado de trabalho com vistas às novas exigências da cidadania preconizadas pelo ECA e
ministradas segundo as diretrizes da LDB, em seu artigo 39, que dispõe sobre a educação
profissional integrada a diferentes formas de educação e também ao trabalho:
O projeto do CEACA em si eu vejo como um projeto social onde (sic) ele visa
ao atendimento de crianças e adolescentes, proporcionando assim uma
oportunidade de inclusão social. E seu significado é promover uma troca entre a
instituição e todos que fazem parte dela, com essa clientela que vem para o
CEACA procurando dessa forma construir esse projeto de uma forma
democrática juntamente com todos que fazem parte dele, que seriam assim os
funcionários do CEACA, as crianças, os pais das crianças, enfim, a comunidade
de uma forma geral também, então procurando dar um formato bastante
democrático para esse projeto onde (sic) as crianças possam realmente estar
sendo atendidas nas suas necessidades.
Não temos no CEACA um curriculum definido assim, um projeto. Ele não tem
uma forma definida do que teria que se trabalhar com as crianças e os
74
adolescentes, mas sim esses temas/assuntos trabalhados surgem conforme a
necessidade do momento, conforme as necessidades das crianças e adolescentes;
conforme vai surgindo a necessidade vai sendo analisado o que é necessário
trabalhar para que a gente possa estar ajudando eles em suas necessidades (R.S.).
Barcellos in Turra (2001:164) afirma que na construção do projeto pedagógico existem
pontos de partida sempre renovados. Entre os depoimentos, R.S. afirmou que “estes
temas/assuntos trabalhados surgem conforme a necessidade do momento,” confirmando o que
esse autor afirma:
Todo projeto político-pedagógico nasce da necessidade da comunidade onde a
gente trabalha. Aqui no CEACA ele nasceu da necessidade das crianças e dos
adolescentes que são excluídos de seus direitos, e também desses pais que não
têm condições; então ele nasceu dessa necessidade. Então são políticas, o projeto
pedagógico, políticas administrativas, técnicas, que norteiam a prática
pedagógica social do CEACA. Então nós temos as políticas que norteiam, que
são baseadas no Estatuto da Criança e do Adolescente, onde eles já têm
garantidos esses direitos. Então a gente só está efetuando na prática, na verdade,
os direitos que eles têm: o projeto pedagógico é construído.
Se faz com toda a comunidade escolar, com todos os funcionários, mas ele vai se
efetuando na prática e também muda conforme a realidade: ele vai se adaptando
à realidade do CEACA. Ele não é pronto e acabado – na verdade o projeto
pedagógico vai acontecendo no dia-a-dia e a gente tem que ir repensando a
efetuação dele no dia-a-dia porque não é nada pronto e acabado (A. M.R.).
O princípio norteador de um projeto pedagógico é sempre sua intencionalidade. Sob esse
ponto de vista, é algo que se apresenta como desejado e necessário. Assim, os relatos implicam a
explicitação da intenção de ações, da definição dos fins que se quer alcançar. A.M.R. disse que
“todo projeto político-pedagógico nasce da necessidade da comunidade onde a gente trabalha
[...] nasceu da necessidade das crianças e dos adolescentes”.
Bem, o projeto político-pedagógico do CEACA é assegurar o atendimento do
adolescente e da criança que de alguma maneira corram riscos ou que tenham
sua vida em perigo – este é o objetivo.
O significado é contribuir para o resgate dos valores pessoais da criança, na sua
auto-estima, nos valores sociais, da família também, na sua socialização;
melhorar sua comunicação dentro e fora da escola para que aprenda a respeitar
as diferenças individuais de cada um, envolvendo também a família nesse
processo (V.B.).
75
O projeto político-pedagógico é construído e vivenciado em todos os momentos, por todos os
envolvidos no processo educativo, por isso este deve refletir igualdade de direitos,
oportunidades, acesso e condições, mas também respeito às diferenças. Estas, como se viu no
parágrafo anterior, são explicitadas no depoimento.
Bom, no meu ver tem como objetivo acolher as crianças e os adolescentes de
risco que estejam nas ruas enquanto seus pais precisam trabalhar. Para mim é
um apoio à sociedade de Medianeira, o seu significado é o apoio (A. M.S.).
Ele tem como objetivo acolher crianças e adolescentes de risco e que estejam
nas ruas enquanto seus pais precisam trabalhar. É um apoio à sociedade. São
encaminhados pelo Conselho Tutelar (S.P.D.).
As instâncias abstratas são mencionadas nos relatos com diferentes significados quanto ao
social. É o caso dos depoimentos de R.S., que as definiu como “inclusão social”; já L.M.C.
afirma que “são habilidades da inter-relação, resgatando e transmitindo valores fundamentais”;
A.M.S. e S.P.D. mencionaram “acolher”, enquanto R.B.S. falou em “qualificar as crianças”.
O “risco” relatado pelas professoras revela uma sociedade em que as condições dignas de
vida – uma das seguranças primordiais da política de assistência social que se refere aos direitos
de alimentação, vestuário e abrigo, próprios à vida humana em sociedade – não são respeitadas
especialmente em se tratando dos adolescentes pobres do CEACA:
Nosso projeto é qualificar as crianças, mostrar para elas uma nova sociedade;
não chega a ser um projeto pedagógico, e sim social. Inclui a criança na
sociedade com uma maior facilidade (R.B.S.).
Por certo, a concepção ligada ao “social” é definida na prática, porém Baudrillard (1994)
demonstra que as instâncias que edificam o social são abstratas.
Os relatos das professoras mostram que a prática pedagógica reconhecida pela equipe das
professoras remete ao social. O social, porém, não aparece de modo claro nos depoimentos, uma
vez que a definição do social ali é entendida como o fez Baudrillard (1994): “o social não é um
processo claro e unívoco”. Para esse autor, o social é composto por instâncias abstratas.
Cabe lembrar que a construção da política de assistência social e seu reconhecimento como
direito do cidadão, relativamente recentes no Brasil, relacionam-se à promulgação, em 1993, da
76
Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) – Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993, mas sua
consolidação ainda não é uma realidade.
Bom, em primeira mão, nós temos uma prioridade aqui, que é o adolescente e a
criança para que eles possam vencer seu risco de vida, saúde, cidadania e seu
direito de criança e adolescente. A saúde, a cidadania e seus direitos de criança e
adolescente. Nós temos que dar condições a eles (C.B.).
Apesar de a apropriação do ECA no cotidiano das instituições ser construída de forma
gradativa, o relato já menciona sua doutrina, a da proteção integral: “prioridade aqui, que é o
adolescente e a criança, para que eles possam vencer seu risco de vida.”
Nesse relato também se destaca a prioridade absoluta preceituada no artigo 227 da
Constituição Federal de 1988. A conquista de direitos humanos e sociais supõe uma mudança no
modo de pensar presente na sociedade brasileira até 1988, e é essa mudança que embasa a
proposta que, a partir do ECA, se torna um desafio para os programas de enfrentamento da
questão social:
É atender e promover os alunos, os carentes, filhos de famílias de risco, os
excluídos, no atendimento cultural, social e educacional para eles: este é o
objetivo do CEACA (R.R.).
O projeto político-pedagógico tem uma intencionalidade, um compromisso firmado
coletivamente, um rumo, uma direção que aponte numa perspectiva transformadora ou
conservadora. Ou seja, implica que tipo de homem e mulher a sociedade quer formar e,
conseqüentemente, que tipo de sociedade se pretende construir:
Nós não temos um projeto político-pedagógico, é mais um projeto social.
Trabalhamos datas comemorativas, trabalhos manuais (H.B.).
Eu não vejo o projeto como um processo político-pedagógico e sim político-
social, pois os objetivos maiores centram-se nas habilidades da inter-relação
resgatando e transmitindo valores fundamentais para a saúde e o convívio dentro
de uma sociedade organizada. Mostra o retorno quando você vê as crianças e os
adolescentes que chegam aqui. Com o trabalho que é realizado no CEACA, com
tudo o que é oferecido para eles, a possibilidade de estarem progredindo... Eles
têm a mudança de comportamento, de atitude, e isso acho que é muito
significativo não só para eles, como para a sociedade em geral: eles saírem de
alguma forma mais sociabilizados diferente do meio onde convivem (L.M.C.).
77
É importante destacar que a proposta de escola-oficina é relativamente nova: implantada no
Paraná apenas a partir de 1991, com o Programa de Ação pela Infância e Adolescência, foi
adotada por municípios, como o de Medianeira, em programas de contraturno social de
atendimento a crianças e adolescentes. Em razão de sua história, o CEACA é identificado neste
relato como não-possuidor de um projeto pedagógico, e sim social, pois historicamente a inclusão
social de adolescentes pobres em nosso Estado conecta-se à área social das esferas do Estado e
dos municípios.
Historicamente a concepção de cidadania remete-se ao aparecimento da polis (a cidade
grega) e à capacidade de os homens exercerem seus direitos e deveres de cidadãos. A cidadania
brasileira é reconstruída a partir da Constituição Federal de 1988 e prescrita no seu artigo 5
o
quanto à igualdade de todos perante a lei, sem distinção de nenhuma natureza.
A cidadania remete aos direitos civis, políticos ou sociais, como pressupõe a cidadania
liberal. Mas, para que ocorra a emancipação dos sujeitos sociais, também é necessária a
politização do social. Assim a cidadania depende da forma de governo da sociedade. Fica claro
então que, para as sociedades em que a ditadura é a forma de governar, a cidadania é inexistente.
Assim, a sociedade democrática constitui-se de um espaço de cidadãos destinado a consolidar a
democracia; portanto, são essenciais a defesa e a expansão dos direitos de cidadania.
As novas exigências da cidadania, expressas no projeto político-pedagógico, vêm ao
encontro com o ECA e a LDB, pois, como já se viu aqui, para dispor da cidadania é fundamental
que o indivíduo faça parte da cidade e sinta-se membro dela. Então é necessário que os
adolescentes tenham espaços de desenvolvimento de relações sociais com vistas à sua
sociabilização com os demais, que também são parte integrante da cidade.
Valores integrantes da cidadania dentro do projeto político-pedagógico, como a ética que se
constrói na intervenção que ocorre no interior do CEACA, emergem nos depoimentos das
professoras:
Acredito que contribui no sentido que proporciona uma formação ética,
envolvendo valores, trabalhando a auto-estima; enfim, dando uma base para que
quando o adolescente sair do CEACA e for procurar emprego ele esteja se
sentindo capaz de assumir seu papel na sociedade. Neste sentido mesmo para
que o adolescente possa sentir que ele é capaz, que ele pode assumir um local na
sociedade, assumir uma posição na sociedade (R.S.).
78
Todas as atividades desenvolvidas no CEACA, acredito que elas procuram, são
direcionadas para a formação integral do cidadão. Que tipo de cidadão que a
gente quer? Um crítico, consciente, participativo, que possa exercer sua
cidadania, tenha consciência de seus direitos e de seus deveres, que lhes sejam
assegurados estes. Os objetivos do CEACA com certeza contribuem para a
formação desse adolescente (A.M.R.).
A cidadania não é um estado passivo de gozo dos direitos conquistados ou concedidos de
cima para baixo, num modelo de democracia descendente, no qual se inscrevem direitos que
nunca se concretizam:
[...] na medida em que consegue uma mudança de atitude dos adolescentes na
relação com o outro, com os cursos de capacitação desenvolvidos no CEACA ou
na comunidade na qual os adolescentes participam, na oportunização da
educação e formação continuada dos professores (L.M.C.).
Bom, acho que o programa tem vários setores. Este programa auxilia na
dificuldade que a criança tem na escola. A gente trabalha, através de atividades
diferenciadas, temas atuais, também através de dinâmicas... procurar melhorar o
relacionamento do grupo e com os demais alunos do programa e que também
eles tenham uma visão melhor da escola (V.B.).
O CEACA contribui para uma formação de caráter, para o que está em fase de
formação e que pode mudar, e trazer isso para a criança e o adolescente, e com
certeza vai mudar a sua vida e vai dar continuidade. Após um longo tempo
passado no CEACA, eles passam a ter uma convivência melhor, através das
palestras, através de brincadeiras, reforço de aulas, atividades lúdicas. São
atividades trabalhadas com a criança para que ela possa ter uma formação de
caráter bem desenvolvida (C.B.).
Desenvolve sua socialização, sua comunicação, respeitando as diferenças de
cada um: forma um cidadão mais consciente de suas atitudes (H.B.)
O CEACA também é compreendido como local de “formação do cidadão”, como nos
depoimentos de C.B. e H.B. Nessa óptica, os adolescentes que integram o CEACA não dispõem
de formação de cidadania em outro espaço.
Há, portanto, necessidade de compreender o CEACA na perspectiva do direito à cidadania,
ou seja, é preciso trabalhar adequadamente as contradições existentes na sociedade e expressas
nas práticas nele inseridas.
79
Nessa perspectiva, pode-se citar H.B., que atribui ao CEACA uma concepção na prática de
cidadania ao “desenvolver a socialização” dos adolescentes.
Bom, acho que para resgatar valores pessoais, a auto-estima deles, os vínculos
familiares, criar um ambiente de amizade, diálogo entre eles, entre as crianças,
envolver a família e a comunidade com o projeto. Desenvolver atividades de
complemento escolar, estimulando o processo de ensino-aprendizagem
(A.M.S.).
Acho que o principal é resgatar os valores pessoais, a auto-estima, o vínculo que
ele tem com os seus familiares, criando um ambiente acolhedor, um ambiente de
amizade entre eles, os alunos mesmos. É um projeto de desenvolver diversas
atividades de complemento da escola, como se fosse um apoio às escolas, um
contraturno das atividades escolares (S.P.D.).
O trabalho que eu faço com os pequenos é o de resgatar os valores das crianças.
Os outros professores também trabalham a auto-estima, o vínculo com a família
deles, a sociedade, relacionando com a educação. Através do reforço, da parte
cultural e da educacional, tem a parte do teatro, a dança, o coral e o street
[dance]. É muito bom – são privilegiados por estar aqui (R.R.).
A diversidade de respostas marca este eixo de análise: a prática de cidadania não é
identificada em suas palavras explicitamente, porém seu conteúdo pode ser analisado.
Subentendem-se a convivência e as atividades das oficinas como práticas que incluem
adolescentes na sociedade. O cidadão é visto como um sujeito que tem seus valores pessoais. O
CEACA, nos depoimentos de A.M.S., S.P.D. e R.R., tem a função de “resgate de valores”
pessoais. Assim, entende-se que, para acessar a cidadania, o resgate de valores é um dos meios
aos que não a têm.
Mostrando aos próprios adolescentes que eles têm que ter opinião própria,
um senso crítico bem avançado. Assim, eles conseguirão mesmo ter um
emprego em algum lugar ou mesmo tornar o sonho educacional deles e
conviver melhor com esse ambiente (R.B.S.).
Para se ter cidadania é fundamental fazer parte da cidade, sentir-se membro da cidade. Para
isso, é necessário que as pessoas tenham relações sociais, sociabilizando-se com as demais, que
também são parte integrante da sociedade.
80
A cidadania brasileira ganhou novos contornos com a Constituição Federal de 1988 e,
especialmente, a criança e o adolescente, com o Estatuto da Criança e do Adolescente, que
estabeleceu o paradigma do direito à cidadania ao assumir a Doutrina da Proteção Integral.
A cidadania também envolve acessos a bens e serviços sociais. A maior dificuldade na
atualidade não é o reconhecimento da cidadania, uma vez que a democracia tem contornos claros
a partir de 1988, como já citado, mas ainda não se converteu em realidade prática.
A própria cidadania não pode ser entendida como uma condição estática,
definitiva e acabada, pois ela só se realiza na dinâmica, no processo contínuo de
conquista e defesa, construção e expansão, tanto no campo do direito, quanto no
das condições concretas de existência, no plano ético e cultural, no interesse
individual e no coletivo. Portanto, a cidadania se efetiva pela participação (que
supõe o dever de contribuir para o bem comum) além do usufruto de direitos
individuais e sociais (MARTINEZ, 1996:24).
A cidadania no CEACA, no entendimento das professoras, envolve uma concepção de prática
e de ética, pois resgata valores que, na compreensão das profissionais, os adolescentes não
possuem.
A cidadania dentro do CEACA deve ser debatida para redimensionar sua prática, uma vez
que os adolescentes devem ser considerados como sujeitos capazes de exercer sua cidadania, que
se inicia dentro do próprio CEACA, com a preparação de sua equipe de trabalho, na perspectiva a
doutrina de proteção integral do ECA como referencial de prática de trabalho.
É muito difícil haver consenso nas decisões coletivas sobre questões como ações a
empreender. Já se reconhece que a unanimidade não existe, e é até perigosa, porque qualquer
manifestação unânime ocultaria divergências insuspeitas ou não reveladas.
Na sociedade real não existe unanimidade de opiniões nem homogeneidade de
procedimentos. A sociedade real é heterogênea, porque é influenciada por múltiplos e divergentes
interesses (materiais, morais e culturais). São os interesses que determinam os costumes e
impelem à ação tanto os indivíduos quanto os grupos.
Participar da equipe do CEACA significa, pois, atuar nesse jogo de interesses e tentar influir
na tomada de decisões conforme os valores da cidadania que se tem em mente. Assim, o
desencontro dos depoimentos significa o desencontro entre as visões de vida e de mundo, embate
que cria um problema entre o ideal – a cidadania – e o real.
81
As elites dirigentes, para Martinez (1996), têm uma visão muito lógica e pragmática de seus
interesses e para isso dominam os recursos materiais e culturais. Ocorre que os governos
oferecem à população uma visão ideal, irrealizável, mesmo no longo prazo, como é o caso dos
princípios da Constituição. A grande maioria da população se debate em meio a toda sorte de
carências materiais, limitada pelas estreitas possibilidades reais ao seu alcance.
O CEACA pode ser o agente das medidas concretas que se fazem necessárias para
transformar a realidade a fim de melhorá-la para a população pobre, origem dos adolescentes
atendidos na escola. Mas para a concretização desse papel faltam ideais plausíveis que possam
levar suas professoras a acreditar neles e a caminhar ao seu encontro no cotidiano das oficinas.
A realidade da população pobre, em especial do adolescente pobre do CEACA, é permeada
pela pobreza e pela miséria cotidianas, em que a desigualdade social é resultante do caráter de
exclusão inerente ao processo de acumulação da sociedade capitalista.
A preocupação com a temática da inclusão surge nos depoimentos das professoras, em sua
prática pedagógica voltada a minimizar as formas excludentes identificadas pelas profissionais
dentro do CEACA:
Olha, eu tenho idéia... eu acho que o significado de minha prática é um
significado importantíssimo, já que eu trabalho com Educação Física, e a
Educação Física tem por objetivo a formação integral do ser humano, onde (sic)
procura trabalhar seus aspectos cognitivos, afetivos e motores. Então, dessa
forma, através da prática da Educação Física os adolescentes podem estar
exercitando sua capacidade de relacionamento pessoal, o respeito mútuo,
exercitando também a importância das regras não somente no jogo, como na
vida. Então acredito assim que realmente o maior significado da minha prática
esteja relacionado com a capacidade de conviver e com o respeito mútuo (R.S.).
O depoimento revela o movimento dialético que envolve a exclusão e a inclusão social, esta
entendida como “formação integral do ser humano”. Para a professora R.S., essa formação dá
certa base para o adolescente sentir-se capaz de, por meio “da sua capacidade de relacionamento
pessoal, [exercitar] o respeito mútuo, [...] também a importância das regras”. Assim, para se
tornar um incluído, se faz necessário entender e respeitar as regras sociais, pois somente um
sujeito que as respeite/entenda é um incluído na sociedade:
De trabalho de auto-estima, de valorização de responsabilidade, que eles possam
estar exercitando no dia-a-dia, na prática. Sim, a gente procura porque meu
trabalho, por exemplo, é de, junto aos professores, de intervenção, de mediação,
82
de orientação e também, junto com os adolescentes, de orientação e de
acompanhamento, sempre procurando assessorar os professores nesse sentido de
direcionar a prática deles mesmos (A.M.R.).
Outro destaque é o relato de A.M.R., que menciona “trabalho de auto-estima, de valorização
da responsabilidade”. Há o estigma de que o pobre é um não-responsável, uma pessoa sem auto-
estima, similar ao pensamento materializado na Lei dos Pobres, na Inglaterra de 1597, que
declarava como indigentes aqueles atendidos pelo sistema de assistência pública, por
conseqüência merecedores da atenção em relação à sua “ausência” de responsabilidade.
Desde o início do capitalismo, o estigma da pobreza como situação degradante, notadamente
do ponto de vista moral, faz parte do ideário acerca dos pobres. Nesse sentido, a pobreza era
considerada um fenômeno que afetava certos indivíduos que não desejavam ou não estavam em
condições de integrar-se ao mercado de trabalho.
De acordo com essa visão, existe uma cultura dos pobres que se caracteriza pela passividade,
pelo fatalismo, pelo irracionalismo, pelo desinteresse pelo trabalho, pelos valores familiares, pela
inconstância e pela orientação centrada no presente, estigma que justificou a adoção do
clientelismo e do assistencialismo como traços dominantes de programas sociais.
Embora eu não trabalhe diretamente com os adolescentes, eu tenho uma idéia:
despertar o desejo de uma sociedade democrática produtiva, levando à criança e
ao jovem uma formação de uma maneira significativa e atraente (L.M.C.).
Sabe-se que a sociedade democrática assegura a cidadania a todos por meio da lei, mas
segundo esse relato os adolescentes pobres são excluídos da sociedade democrática por causa da
seguinte condição: o CEACA é entendido como espaço de inclusão na sociedade democrática,
que contraditoriamente reconhece seus cidadãos pelo poder econômico e político que detêm.
Prioriza a socialização deles. A convivência em grupo dá ênfase às práticas
desportivas, estimula o senso crítico, o senso criativo, muito diálogo com eles, e
ao mesmo tempo criando um ambiente acolhedor onde a criança e o adolescente
podem se sentir bem como se fosse a sua família (V.B.).
83
Para V. B., a socialização é prioridade na prática do CEACA, na perspectiva de que, como
adolescente pobre, este é um excluído da sociedade. O CEACA, assim, seria o espaço para a
socialização, de inclusão do socializado.
Ela é bem sociável, não é para que a criança possa empregar no seu dia-a-dia, e
na sua trajetória de vida e na sua formação pessoal; portanto, é uma
aprendizagem de sociedade, de conhecimento de mundo. A prática que a gente
adota é uma aprendizagem que condiz com a nossa realidade (C.B.).
O CEACA é visto por C.B. como “uma aprendizagem de sociedade, de conhecimento de
mundo”, ou seja, como um complemento ao processo de formação que inclui os adolescentes no
acesso às “riquezas da civilização contemporânea” mencionadas por Carvalho (1997).
Bom, eu procuro incentivar para que eles estudem, para que eles se
valorizem, para que valorizem a família e a escola, para que lutem por um
futuro bem-sucedido para eles (A.M.S.).
Uma possibilidade para incluir os excluídos se dá por meio da educação, que Carvalho (1997)
denomina como o “[...] principal mecanismo de democratização, elevação de qualidade de vida e
de mobilidade social”. O incentivo para o estudo surge no depoimento de A.M.S. : “eu procuro
incentivar para que eles estudem.
No começo eu achava que não tinha muita importância, hoje eu já vejo diferente,
que cada um aqui tem um significado e faz uma prática legal. Ajudar essas
crianças a ver a sociedade de uma forma diferente, de repente até sonhando um
pouco mais com as mudanças que eles mesmos podem pôr em ação (R.B.S.).
Vejo que eu tenho como objetivo dar continuidade ao objetivo que o CEACA
tem: fazer o trabalho que está sendo ofertado para essas crianças na sociedade
(R.R.).
Meu trabalho é fazer com que se sensibilizem com os valores, resgatar os
valores pessoais, participando das atividades, para que mais tarde, lá fora, eles
possam ter uma profissão digna (H.B.).
84
Castel (1998) ensina: “[...] a exclusão não é uma ausência de relação social, mas um conjunto
de relações sociais particulares da sociedade tomada como um todo”. Nessa perspectiva não há
ninguém fora da sociedade, mas um conjunto de posições cujas relações com seu centro são mais
ou menos distendidas.
Para o autor, os excluídos são, na maioria das vezes, vulneráveis que estavam “por um
fio” e caíram, como antigos trabalhadores que se tornaram desempregados de um modo
duradouro, jovens que não encontraram emprego, populações mal escolarizadas, mal alojadas,
mal cuidadas, mal consideradas. Não existe nenhuma linha divisória clara entre essas situações e
aquelas um pouco menos mal aquinhoadas dos vulneráveis. Castel (1998) afirma que existe
circulação entre a vulnerabilidade e a integração, portanto se pode afirmar que na sociedade
existe um movimento que tanto inclui como exclui seus integrantes.
Esse movimento dialético envolve, simultaneamente, a inclusão e a exclusão social.
Trabalhar práticas que incluem, portanto, envolve reconhecer que algumas práticas excluem os
pobres do acesso aos bens e serviços sociais
Valorização, auto-estima, drogas, sexualidade, valores, bastante dinâmicos.
Bom, eu trabalho mais com eles é a convivência, mesmo (S.P.D.).
A sociedade moderna apresenta um movimento dialético que envolve a exclusão e a inclusão
social, referindo-se à capacidade de a sociedade excluir e incluir seus membros.
A exclusão social se refere tanto ao não acesso a bens e serviços básicos, como à existência
de segmentos sociais sobrantes; à exclusão dos direitos humanos, da seguridade, da segurança
pública, da terra, do trabalho e da renda suficiente. Assim, o relato de S.P.D. demonstra que o
incluído seria uma pessoa com valores e com auto-estima, e o CEACA como espaço de inclusão
mediante a prática das oficinas de convivência.
A condição de pobre, na evolução do capitalismo, vai da condição de vadio para a de
excluído a partir de 1990, quando a exclusão passa a ser a condição social da pobreza.
Os excluídos, para Germano:
[...] são todos aqueles sem direitos sociais. Todos os “sem”: os “sem voz”, os
“sem representação própria”, “sem teto”, “sem terra”, “sem trabalho”, “sem
saúde”, “sem educação” etc. assim como “meninos de rua”, “carentes”,
“indigentes”, enfim, indivíduos cuja territorialidade é a rua (GERMANO,
1998:34).
85
O CEACA, dentro de uma perspectiva de proteção social, assegura-a por meio do convívio,
das ações que restabelecem vínculos pessoais, da oferta de experiências socioeducativas, lúdicas
e socioculturais aos adolescentes pobres.
A visão social de proteção supõe o conhecimento dos riscos e das vulnerabilidades a que
estão sujeitos os adolescentes pobres, bem como os recursos para o enfrentamento das situações
de risco e as possibilidades de construção de oficinas cujas ações contribuam para a inclusão dos
adolescentes.
Desse modo, as escolas-oficinas seriam, para Quarengui e Silva (1991:39), uma resposta para
absorver os excluídos, notadamente os pobres, para assim resgatar sua cidadania por meio da
aprendizagem pelo trabalho.
As escolas cumprem papel determinante na preparação para o mercado de trabalho. Também
vale lembrar que, historicamente, a escola está a serviço da classe dominante quando prepara os
filhos dos pobres para o trabalho. Nesse diapasão, a escola é vista como instrumento de
manutenção das relações sociais existentes e de veiculação de ideologias manipuladas pelos
setores mais privilegiados da sociedade. Embora comprometida com interesses econômicos,
sociais e políticos dominantes, reproduzindo e legitimando estruturas, para Rodrigues (2001) ela
também atende aos interesses dos setores marginais da sociedade das classes sem voz e sem
voto.
É um erro, porém, segundo Freire (1996), tachar a escola somente como reprodutora da
ideologia dominante, numa compreensão mecanicista da História, que reduz a consciência a
puro reflexo da materialidade e hipertrofia a mesma consciência ao acontecer histórico.
Acho bastante complicado dizer que só tem uma prática, mas acho que a
principal prática que nós temos aqui é a prática da inclusão social.
Uma prática onde (sic) a gente pensa a todo o momento estar incluindo essas
crianças e adolescentes que vêm aqui na sociedade, já que normalmente trata-se
duma clientela excluída de uma certa forma. Acho que a maior tendência mesmo
é a inclusão social. Ele desenvolve de maneira integral, global, seja físico,
psicológico, social, cultura,l até espiritual, e uma educação que liberte mesmo o
ser humano. (R.S.)
Para R.S., a prática da inclusão social é definida como a prática educativa ligada ao CEACA,
que segundo o relato está “incluindo essas crianças e adolescentes que vêm aqui na sociedade”,
ou seja, um requisito para ingressar no mercado de trabalho estaria ligado ao CEACA.
86
Identifico uma prática libertadora; não é uma prática autoritária. A gente procura
trabalhar o ser humano respeitando ao máximo esse ser humano em todas as
suas potencialidades (A.M.R.).
A educação como libertação é mencionada no depoimento de A.M.R. como “uma prática bem
libertadora”: a idéia é de um sujeito não-liberto pelo sistema em que vive. Assim, para alguém
“tornar-se” liberto o CEACA seria um caminho.
O CEACA busca o contexto histórico social, econômico, cultural e natural de
sua clientela, e isso caracteriza uma prática sociointeracionista. A prática
sociointeracionista é isso: quando você associa todo o desenvolvimento da
criança com base no contexto dela –, no contexto familiar, contexto cultural,
contexto social, que você busca a história desde a histórica da criança, desde
como a criança nasceu, sabe, como a mãe estava na gravidez (L.M.C.).
Difere de todos os depoimentos a definição do desenvolvimento humano ligada ao contexto
familiar, que L.M.C. denominou de “prática sociointeracionista”.
Porque eles têm que saber que a vida lá fora não é fácil; no caso, eles têm que
aprender aqui dentro para depois lá fora também. Como a gente falou, auxiliar
tudo em que for necessário com eles, para eles tornarem uma vivência boa aqui
dentro e lá fora também (V.B).
Para V.B., a educação a que os adolescentes pobres do CEACA têm acesso não os prepara
para a “vida lá fora”. Nesse aspecto, a educação destinada aos pobres perpetua as diferenças
sociais para crianças e adolescentes que têm o espaço do CEACA uma oportunidade de inserção
no mercado de trabalho e de adquirir habilidades que sirvam para suas futuras relações sociais.
É uma prática educativa, preventiva, que leva o aluno a ser mais sociável. É uma
prática bem libertadora, que transforma, é crítica, deixa o aluno mais
participativo. Valorizando a auto-estima de cada um com resgate de seus
valores. Porque muitas vezes esses valores são achatados pela família, então
aqui a gente resgata isso dos alunos, fazendo eles se valorizarem mais (C.B.)
Incentivo à prática de esportes, incentivo às habilidades profissionais, dando
apoio e ajuda para que eles se aperfeiçoem. Acho que todos os funcionários
daqui trabalham com amor à auto-estima das crianças, ajudam em todos os
sentidos a eles: familiar, escolar, pessoal (A.M.S.).
87
No meu ponto de vista é a teoria inclusiva, onde (sic) eles, as crianças, são
incluídos. De múltiplas teorias, teorias múltiplas, que cada um se destaca de
forma diferente (R.B.S.).
Incentivando a prática de esporte, a prática profissional, dando um apoio assim a
eles para que eles saiam encaminhados para alguma profissão. O amor, a auto-
estima, a ajuda em todos os sentidos: familiar, escolar, pessoal (S.P.D.).
Como demonstram os relatos “prática de inclusão social”, “prática libertadora”, “prática
educativa”, “educação transformadora”a concepção de educação relaciona-se ao exercício da
cidadania. Para Martinez (1996), “a educação é fundamental na formação do cidadão, ao
capacitá-lo a participar do exercício da cidadania através das decisões políticas.”
Eu vejo uma educação transformadora, trabalhando com a auto-estima deles, os
valores, tornando um cidadão do futuro, crítico, exercendo sua autocidadania, no
social. Se fossem deixados de lado seriam bandidos, não seriam nada no futuro
deles. Com o CEACA a gente está trazendo uma oportunidade para as crianças
mudarem, uma chance de vida para eles (R.R.).
Considerando a educação uma forma de mobilidade social, seu papel é relevante, pois esta
tem uma centralidade insubstituível na vida de crianças e adolescentes como um canal possível
para o ingresso nas oportunidades da civilização contemporânea. R.R. diz que, “se fossem
deixados de lado seriam bandidos, não seriam nada no futuro deles. Com o CEACA a gente está
trazendo uma oportunidade, [...] uma chance de vida”.
Sendo uma instância importante na luta pela transformação social, a educação, como prática
transformadora, surge no depoimento de R.R.: “eu vejo uma educação transformadora”.
A prática de educação é voltada para o social. Trabalhando com a criança se
autovalorizar, na sua auto-estima, para ter uma formação como cidadão (H.B.).
Para H.B., o social marca o tipo de educação do CEACA e sua relação entre a educação e a
cidadania voltada para os adolescentes pobres.
88
Para Gramsci in Mochcovitch (1992), a escola tradicional era oligárquica, pois era destinada à
nova geração dos grupos dirigentes. Para esse autor, não é a aquisição de capacidades diretivas
cuja tendência é formar homens superiores que confere a marca social a um tipo de escola.
A marca social é dada pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de escola
próprio destinado a perpetuar neste grupos uma determinada função tradicional,
diretiva ou instrumental (GRAMSCI in MOCHCOVITCH, 1992:53).
A educação pode ser compreendida, segundo Rodrigues (2001), “(...) como uma forma de
reproduzir o modo de ser e a concepção de mundo de pessoas, grupos e classes, através da troca
de experiências e conhecimentos mediatizados pela autoridade pedagógica do educador.”
Para reproduzir esse modo de ser, são incluídos crenças, idéias, valores, ética, formas de
trabalho e de organização cultural e social, por meio da preparação dos indivíduos mais jovens
para ação futura na sociedade.
Pode-se perceber que a prática de educação relaciona-se com os conceitos de cidadania e de
inclusão social: “a prática onde (sic) a gente pensa a todo o momento estar incluindo; ele se
desenvolva de maneira integral, e de autovalorização, valorizando a auto-estima de cada um, se
autovalorizar, na sua auto-estima”.
A educação na sociedade é buscada cada vez mais porque confere aos indivíduos qualidades
que, no mercado de trabalho, se traduzem em requisitos de ingresso e de progressão.
Conforme o Capítulo I, a preparação da população para o capital tem na educação pelo
trabalho uma das estratégias da escola para os filhos dos trabalhadores.
Gramsci in Mochovitch (1992) caracteriza essa tendência profissionalizante como uma
“degenerecência da escola”. Segundo esse entendimento, a escola profissionalizante é uma forma
imediatista de sujeitar a socialização das crianças e dos jovens – a formação dos homens – à
lógica da produção, e portanto à lógica do capital, o que resulta, nas sociedades capitalistas, no
enrijecimento das diferenças sociais.
Assim, os hábitos de trabalho dentro da escola vão ser utilizadas em oficinas. Pistrak (2000)
afirmava essa utilização tinha como objetivo o desenvolvimento de hábitos de trabalho bem
definidos e necessários, isto é, em benefício da educação geral dos alunos.
Essa visão é retomada por Quarengui e Silva (1991) quando estes propõem a escola-oficina
ligada ao projeto político-pedagógico de atendimento a adolescentes pobres.
89
Na sociedade capitalista, a produção e a reprodução da vida social se dão através do trabalho.
O virtuosismo, ligado ao hábito do trabalho, origina-se nas work-houses
18
. Soma-se a esse
aspecto a Revolução Industrial, que valorizava o trabalho como objetivo comum, numa lógica
que atingia sobremaneira as crianças e os adolescentes pobres ao adaptá-los desde cedo ao
trabalho.
A formação para o trabalho na sociedade capitalista permitiu, a partir do século XVIII, o que
Machado (1989) denomina de duas pedagogias: uma que permite a capacitação para as funções
de planejamento e controle e a compreensão dos fundamentos científicos do trabalho em sua
globalidade, e outra reservada àqueles encarregados da atividade de execução, cujo primado
pertence à prática imediata, desvinculada da criação e da recriação teórica.
Assim, a divisão do trabalho trouxe consigo a divisão do saber, regulando muito mais a
diferença e a cidadania aos adolescentes pobres.
Dessa forma, as professoras discorreram acerca do projeto político-pedagógico do CEACA e
sua interface com o trabalho, assim como explanaram seu entendimento sobre a temática do
trabalho para seu usuário, o adolescente pobre:
Bom, acho que contribui de várias formas. Com os cursos de capacitação, com a
formação moral e ética, com o relacionamento grupal, o aumento da auto-
estima... acho que o CEACA contribui de várias formas visando exatamente à
inclusão de que falei anteriormente (R.S.).
O CEACA remete à inclusão do trabalho para R.S.: “com os cursos de capacitação
...contribui de várias formas, visando exatamente à inclusão...” Filgueiras (1997) é recorrente nas
intervenções sociais dirigidas para as classes pobres, pois propõe a escola como centro de
aprendizado e sujeição à organização do trabalho e de adestramento para o trabalho industrial.
A gente trabalha os valores, o respeito, a responsabilidade, o comportamento. A
gente observa pelos alunos que saíram daqui para o mercado de trabalho. Pelo
que eu vi aqui no CEACA, eles deram uma resposta positiva lá fora, não
decepcionaram, mostraram que estão realmente preparados, levando a sério o
trabalho onde estão.
Acredito assim que, passando pelas várias convivências, os adolescentes podem
estar vivenciando práticas que o preparam para o mundo do trabalho (A.M.R.).
18
Casas de trabalho da Inglaterra em 1601, cujo objetivo era repreender a mendicância de pessoas capazes de
trabalhar e obrigá-las a trabalhar (FILGUEIRAS, 1997:31).
90
Ainda segundo Filgueiras (1997), a escola teria a função de prevenir a delinqüência e habituar
ao trabalho. A.M.R. assim se expressa sobre os egressos: “eles deram uma resposta positiva lá
fora, não decepcionaram, mostraram que estão realmente preparados, levando a sério o trabalho
onde estão”.
Através de prática de convivência, o resgate dos valores e a auto-estima.
Oportunização de cursos de capacitação profissional nas diversas áreas que são o
que os alunos vão fazer, e têm feito: manicure, a padaria, o estímulo ao processo
de ensino e o estimulo ao processo de aprendizagem (L.M.C.).
Também é dada para eles oportunidade quando estão na Sala de Artesanato: o
aprendizado de artefatos manuseados já na sala, como também na panificadora,
na lavanderia, um aprendizado que eles aprendem para que quando deixarem o
programa eles tenham algum conhecimento e juntamente com a família e a
comunidade desenvolver este conhecimento que eles adquiriram aqui e fazer
alguma coisa que eles possam ter algum rendimento, possam ganhar algum
dinheiro com o que eles aprendem aqui. Eles podem às vezes até ajudar a
família em casa. A comunidade ajudando, eles podem abrir um negócio com
bijuteria, tricô, crochê, cestaria, estas coisas. A contribuição do CEACA com os
adolescentes é prepará-los socialmente, psicologicamente para o trabalho (V.B).
Esses depoimentos entendem as convivências (oficinas integrantes do CEACA) como locais
que preparam para o mercado de trabalho em uma dimensão social e psicológica, assim como
reconhecem a importância desses locais como espaços de integração do adolescente no mercado
de trabalho, ou, como diz V.B., um meio de “prepará-los socialmente, psicologicamente para o
trabalho.”
O CEACA contribui com a sua parceria de todas as convivências. Bom, cada
convivência tem uma maneira de trabalhar, um objetivo a desenvolver com a
criança, dando para eles responsabilidade, encaminhando para outros trabalhos,
e eles dando retorno para a gente de como eles se portam nesse trabalho. Às
vezes são aptos para alguma atividade, então eles são mandados e lá nesse
trabalho eles dão retorno a nós sendo educados, tendo uma boa convivência
dentro da sociedade, em família. Então é mesmo um resgate de valores de cada
um, dando importância a ele para que ele possa se impor numa sociedade. Que
essa criança não pode ser sempre rotulada como criança de rua: ela tem que ser
valorizada, não pode ficar sempre sendo diminuída (C.B.).
Para Machado (1989), a “escola do trabalho”, que procurou observar princípios básicos de
introdução de atividades manuais e técnicas no currículo, teve sua origem nos anos de 1960 com
as concepções educacionais desenvolvidas por Kerschensteiner. Nesse relato, C.B. identifica a
91
convivência como os espaços onde a introdução de atividades manuais é apresentada para os
adolescentes pobres.
Até mesmo dentro do próprio projeto através do artesanato, da panificadora, da
lavanderia industrial. A gente tem alguns cursos de capacitação profissional e a
passagem dos alunos pelas convivências faz com que eles aprendam a respeitar
espaços de conviver com pessoas diferentes, de diferentes costumes, a cumprir
horários e regras, e também faz com que eles definam algumas de suas
habilidades para um trabalho futuro (
A.M.S.).
Também existe a panificadora onde são capacitados; a lavanderia industrial; a
Sala de Artesanato, onde aprendem trabalhos manuais, que isso pode servir para
usar na vida prática lá fora.
A passagem deles pelas turmas de convivência faz com que eles vivam com as
pessoas de diferentes costumes e a cumprir certos horários, certas normas
estabelecidas pelo CEACA, fazendo com que se torne mais fácil a integração
deles num trabalho, numa profissão (S.P.D.).
Torna-se evidente nesses depoimentos que o CEACA contribuiu para a sociabilidade dos
egressos que dele participaram ao garantir-lhes uma referência muito mais significativa do que a
de contribuir para sua vida profissional, pois eles desenvolveram um sentimento de ligação com
o CEACA, como uma referência de vida, de pertencimento.
Cursos profissionalizantes, ajudando as crianças a descobrirem seus dons,
mesmo ajudando na própria família, a ser um adolescente diferente, mais
comunicativo (R.B.S.).
Na contemporaneidade, a questão da sobrevivência humana é determinante para a inclusão
precoce dos adolescentes no mercado de trabalho, pois a manutenção da família provém do
ganho do trabalho de todos os seus membros.
Programa adolescente-aprendiz, que eu vejo os adolescentes no mercado de
trabalho e que o CEACA auxiliou eles a encontrar trabalho. A profissão, aqui,
ele aperfeiçoa, trabalha a formação do aluno, acredito que o CEACA é uma
entidade maravilhosa. Espero que continue assim (R.R.).
A sociedade urbanizada, industrializada e comunicante tem o mercado de trabalho como
campo de disputas entre as pessoas segundo sua classe, gênero, etnia e faixa etária. O adolescente
92
disputará vagas nesse mercado, que produz um exército de sobrantes a quem se destinam o
trabalho precário, a informalidade, o subemprego crônico.
A busca de programas sociais específicos à inserção ao mundo do trabalho é o grande desafio
da proposta do Centro de Atendimento e Amparo à Criança e ao Adolescente – CEACA.
Porque hoje o emprego tem que ter um caráter social. É outra dimensão do
trabalho, não só o trabalho por tarefas. Contribui de forma positiva. Eles saem
daqui com quase uma profissão, porque aqui eles aprendem a ser um cidadão
consciente de suas atitudes (H.B.).
O trabalho e sua função social, ligado à dimensão subjetiva, dão “para eles responsabilidade/
processo de aprendizagem/ ética no relacionamento grupal”.
Os relatos mostram, assim, que a contribuição subjetiva da relação entre o CEACA e os
egressos tem um significado importante para os adolescentes que dele participam, e assim se
firma como importante espaço de educação e de cidadania, apesar de que, para Abranches (1985),
Há uma assincronia estrutural no processo de avanço do capitalismo industrial
no Brasil, associada ao seu caráter retardatário em relação à ordem capitalista
global e à profunda heterogeneidade de sua formação social (...) Essa
assincronia produz sérias perturbações econômicas e sociais que, à falta de firme
determinação política para corrigi-las produzem desigualdade, maior pobreza e
novos desequilíbrios estruturais.
Pesquisadores como Campino e Diaz, citados por Peres (2002:33), provam que o trabalho
precoce é instrumento de manutenção da pobreza. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores
quantificaram o valor da renda que o indivíduo com distintas idades de ingresso no mercado de
trabalho obtém ao longo da vida profissional mais produtiva – entre os 21 e os 55 anos. Baseados
na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 1995, eles obtiveram números que
comprovam a tese de que, quanto mais tarde a pessoa entrar no círculo economicamente ativo,
maior será seu salário durante os 35 anos de trabalho, tempo de recolhimento obrigatório para a
aposentadoria.
Segundo aquele estudo, se uma criança começar a trabalhar aos 7 anos, deverá receber entre
36,8% e 37,7% a menos do que receberia se tivesse ingressado no mercado de trabalho aos 14. Se
a comparação for com uma pessoa que começou a trabalhar aos 21 anos, o porcentual de perda
93
atingirá 50%. O mesmo estudo aborda também o impacto sobre o nível de escolaridade: quanto
mais tardiamente se dá a entrada no mercado de trabalho, mais alto é o nível de escolaridade
atingido.
Acredita-se que essa análise demonstra que o adolescente possui dificuldades devido à
questão histórica da apropriação da mão-de-obra oriunda de famílias pobres, citada no Capítulo I.
A reprodução da subalternização é um aspecto preocupante, pois as oficinas oportunizadas são de
panificação e de lavanderia industrial.
Evidencia-se, nesta análise, que o CEACA reproduz a precarização da formação para os
pobres, pois todos os entrevistados, conforme a pesquisa, eram auxiliares de uma função. Essa
situação de emprego reforça a tese de que a inserção precoce dos pobres no mercado de trabalho
traz conseqüências para o adulto trabalhador, pois de todos somente uma pesquisada desligou-se
do CEACA e não foi imediatamente para o mercado de trabalho.
O processo de pesquisa provocou reflexões abrangentes, pois em sua complexidade e
diversidade tornou impossível apresentar todas as reflexões e inflexões dele emanadas.
Os dados apontados mostram que o CEACA tem sido um espaço significativo tanto para os
egressos quanto para as professoras, pois os sentimentos de pertencimento evidenciaram-se nos
relatos que identificaram o CEACA como uma referência na vida dos adolescentes pobres, um
sentimento que se pode denominar de pertencimento.
As professoras demonstraram, nos relatos, a pluralidade de que fala Arendt (2004:16):
A pluralidade é a condição da ação humana pelo fato de sermos todos os
mesmos, isto é, humanos, sem que ninguém seja exatamente igual a qualquer
pessoa que tenha existido, exista ou venha existir.
Os relatos da pesquisa acarretaram outras dimensões dos eixos e categorias de análise: são
dimensões abstratas como convivência (o viver em comum) e os valores (o merecimento de uma
coisa pela sua substância, pelo fim a que se presta, pela utilidade que se possa tirar dela).
94
4.3 Subtítulo à definir
As dimensões abstratas também foram comprovadas pelos depoimentos dos egressos
pesquisados, pois no contato com os egressos foi resgatado seu passado no CEACA foram
muitas as indagações a respeito da situação da escola e da organização atual da panificadora.
Demonstraram eles um interesse tal que comprova o próprio envolvimento pessoal, um
sentimento gerados pela sua participação no CEACA e não somente na Oficina de Panificação
especificamente, mas os laços afetivos produzidos pelo convívio com a equipe de trabalho.
Outro referencial de análise: todos os egressos relataram a dimensão de “conviver” como
contribuição do CEACA para suas vidas. Esse “conviver” é visto como produto das relações
sociais produzidas no CEACA, como papel importante em sua socialização.
Os egressos contribuíram para a pesquisa ao transcenderem o eixo proposto na pesquisa.
Arendt (2004:133) lembra que:
O fato é que a capacidade humana de vida no mundo implica sempre uma
capacidade de transcender e alienar-se dos processos da própria vida, enquanto a
vitalidade e o vigor só podem ser conservados à medida que os homens se
disponham a arcar com o ônus, as fadigas e as penas da vida.
Reproduzem-se a seguir os depoimentos dos egressos sobre como a prática do CEACA
valorizou o conviver com o outro, assim a prática da elaboração e da reelaboração das relações
sociais inseridas em seu cotidiano.
Há uma coisa que eu penso sobre o CEACA: é que se aprende a conviver em
grupo. Antes de ir lá eu só ficava em casa e na escola, depois eu comecei a
participar e fazer amizade com os colegas. Gostei de trabalhar com colegas: era
divertido, a gente tinha hora para tudo. Na panificadora eu gostava de atender o
telefone, e anotar os pedidos. Isso foi bom. Eu sei falar no telefone. Acho que
quem não participa não tem muita chance no emprego, a cidade é pequena e não
tem muito emprego, o CEACA ajuda nisso... Meu irmão mais novo está no
CEACA. Eram três, mas dois já saíram de lá, estão trabalhando, um como
garçom e outro como vendedor numa loja. A gente ser do CEACA já é uma
coisa boa pra gente falar no emprego. Hoje eu estou no Banco do Brasil, e foi
através do CEACA. Acho que sem eu estar lá eu não iria estar aqui, sabe? É
difícil entrar no Banco assim, sem referência. Penso que a responsabilidade que
tenho é por causa do CEACA. Sempre fui de ir nas coisas do colégio, a ajudar na
festa junina e tudo, mas o CEACA foi diferente. Eu sei trabalhar com as pessoas,
95
a atender o público. Eu faço isso hoje: estou no atendimento das máquinas,
ajudo as pessoas a mexer nelas. Isso é muito bom, é o que eu mais gosto de
fazer. A oportunidade de emprego? Quem não está lá, não tem oportunidade,
não vai saber as coisas que se aprende lá (V.C.K.).
O trabalho precoce também é registrado no relato de V.C.K., que relatou o ingresso de seus
irmãos no mercado de trabalho. O trabalho precoce, para Carvalho (1997), apresenta-se como
círculo vicioso que aprisiona as novas gerações aos mesmos baixos padrões de qualidade de vida,
pois o trabalho precoce fecha uma das poucas portas que a sociedade contemporânea abre para a
mobilidade: a educação.
Os relatos evidenciam a valorização do conviver com o outro, de como essa relação foi
importante na internalização de regras e normas que este processo refletiu no campo profissional,
pois essa etapa, a de relacionar-se com o outro, com o diferente, já não representava para os
egressos uma dificuldade da convivência.
Ninguém estuda só para ser empregado: estuda para tocar o seu próprio negócio.
Por isso é que eu me dediquei na panificadora. Penso em um dia montar uma
para mim. Para isso preciso fazer curso, estudar de novo. Acho que foi por causa
do CEACA que sei mexer com a química dos alimentos. Agora não posso, mas
meu pai falou: ‘quem sabe um dia a gente pode montar um negocinho, nem que
pequeno?’ Mas eu queria muito isso. Posso trabalhar em outro lugar com o que
eu aprendi, acho isso bom pra mim, preciso me preparar ainda. Na fábrica eu
gosto de trabalhar, trabalho bastante, sabe? Acho que também conviver nas
outras oficinas foi bom, mas a que eu mais gostei foi a da panificadora, por isso
gosto do meu trabalho, que é na fábrica de biscoito, o cheiro me lembra o
CEACA quando a gente fazia as bolachas, eu trazia para casa, aqui todo mundo
gostava. Aprendi a atender o público em exposições. Eu sempre acompanhava
quando o CEACA ia vender produtos nas feiras. Uma vez a gente foi lá em
Matelândia: era bem movimentado, eu ajudava a atender e falava pra Sirlei fazer
os sanduíches e eu que vendia as bolachas e cucas. Era bom. Eu perdi a
vergonha de falar com as pessoas. Hoje eu não tenho mais medo de conversar
com os outros. Acho isso importante, para mim no serviço ajuda muito: o mundo
é pros mais espertos. Os que falam mais sempre conseguem as coisas... aprendi a
lidar não só com as pessoas do CEACA (P.M.L.)
O relato de P.M.L. comprova que, como resultado do processo pedagógico do CEACA em
relação à transformação da perspectiva de futuro profissional do egresso, a realidade não é mais
a mesma (foi transformada quando fazia parte da Oficina de Panificação), nem o adolescente não
96
é o mesmo (pois aprendeu que estudar pode trazer uma mudança em seu mundo profissional), o
que indica que “ninguém estuda só para ser empregado”.
Pode-se concluir, nesse referente de análise, com relato de P.M.L., que, ao contrário dos
outros egressos, em seu depoimento revela uma perspectiva de rompimento com um sistema
excludente que atinge os filhos de famílias pobres.
Relata P.M.L. que tem um objetivo ao estudar, e com base na participação na Oficina de
Panificação do CEACA pretende se tornar um empreendedor, montar um negócio, pois não
mantém a perspectiva de continuar sua vida de trabalhador em uma ocupação como auxiliar de
produção.
Acho que amadureci mais rápido... como eu ficava sempre na rua olhando pro
CEACA... eu era muito criança, não tinha compromisso. A minha mãe ficou
doente, ajudou eu ser do CEACA. Meu irmão ia almoçar lá comigo todos os
dias, lembra? Eu não esqueci: foi difícil... foi abrindo portas eu ser do CEACA.
Não sei como seria minha vida se eu não fosse lá. Para mim foi um grande
começo. Hoje, no meu emprego no frigorífico, eu gosto, é meio pesado, mas é
melhor do que ficar sem emprego. Meu primeiro emprego ajudou bastante:, eu
fui pro Correio como aprendiz, por isso acho um grande começo, e que eu
amadureci, eu gostava do pessoal do CEACA e dos colegas, mas meu irmão que
ainda está lá não é parecido comigo: ele não gosta muito de ficar no CEACA, é
uma pena, não é? Penso no CEACA como um começo. Sempre lembro disso e
dos colegas de lá. Gostei de ficar no CEACA (AM.R.)
Aprendi muito, a ter conhecimento com pessoas no trabalho. Para mim isso
foi muito importante, hoje eu vejo isso... porque a gente tem que ter
conhecimento de como falar com os outros. Tenho saudades do tempo do
CEACA. Foi muito bom, faço em casa as coisas que eu aprendi lá na
panificadora, para minha família; meus filhos gostam das bolachas e do pão,
aprendi muito. Mas acho que é importante conviver com os amigos: a gente
aprende sem saber, só sente quando vai trabalhar que já sabe falar com os outros
e ser colega de trabalho. Gosto ainda de ver as crianças que vão no CEACA.
eu sei que vão ficar bem e ser bem tratadas. Lembro bem de como era divertido
fazer as atividades da professora de Educação Física no dia da folga da
panificadora. Mas eu sempre gostei de trabalhar com o pessoal de lá. Como
moro perto sempre vejo o pessoal e converso com a Sirlei (I.C.).
O CEACA sem dúvida proporcionou uma referência de vida para os egressos, pois a maioria
de seus depoimentos revela sentimentos como “saudade”, “gostava do que fazia”, “lembro de”...
Fazer parte da memória boa da vida de pessoas, todas oriundas de famílias pobres, que, anos
após o desligamento do CEACA, ainda lembram daquele cotidiano, indica que o trabalho
realizado forma vínculos de afeto entre os participantes.
97
No CEACA eu aprendi a respeitar os outros. Antes, sabe como é, eu sempre
ficava na rua com a piazada, os vizinhos, jogando bola. ‘Isso não é futuro, disse
a minha tia pra minha mãe’, e pediu uma vaga pra mim. Lá eu passei em
bastante lugar antes de ir na panificadora. Neste sim eu gostei de ficar, mais do
que no artesanato. O que eu aprendi lá não esqueço: faço às vezes em casa.
Aprendi também a fazer comida, fiz até computação, mas hoje não mexo nisso:
só mexo com terra e mudas de jardim. É pesado e suja muito: fico sempre sujo,
diferente da panificadora, que é tudo na limpeza. Penso no CEACA e na
panificadora como um lugar bom. A gente pode sair de lá com uma profissão,
mas tem que querer fazer parte da panificadora. A gente aprende a ter boa
educação quando fica lá (L.C.D.S.).
Nesse relato, L.C.D.S. identifica a Oficina de Panificação como o espaço onde o CEACA
proporciona a inserção no mercado de trabalho. Também quando diz que “a gente pode sair de lá
com uma profissão identifica a Oficina de Panificação como o espaço adequado para o acesso a
uma profissão.
O CEACA ajudou a conseguir emprego. Aprendi a ter responsabilidade:
cada tarefa tem seu tempo. Com os colegas eu ficava bem, mas mais eu
gostei foi da panificadora. Este depois foi o emprego que mais gostei de
ficar. Trabalhei dois anos numa panificadora. Eu fazia tudo o que fazia
no CEACA: pão, bolachas e até bolo. No meu primeiro emprego eu já
sabia como fazer porque aprendi no CEACA. Hoje estou desempregado
porque só estou servindo no Exército. O CEACA ajudou a conseguir
meu primeiro emprego. Ajudou a conviver com os outros, a ter rotina.
Antes eu não tinha nada disso, mas a gente nem nota isso, só depois,
quando saí de lá. Notei no trabalho da panificadora que eu não ficava
perdido dentro do lugar: eu sabia as coisas. Eu e minha irmã, a gente era
bem tratado no CEACA, a gente ficava lá porque gostava, gostava de
participar das brincadeiras e de fazer as coisas nas salas, e das festas que
tinha lá, e da comida também (M.L.S.)
Sei que conviver com os colegas no artesanato foi bom, e depois que
entrei na panificadora eu gostei mais ainda. Aí meu irmão foi para a
Caixa Econômica como aprendiz, e eu fiquei no lugar dele na
panificadora com a Sirlei. Ela chorou quando eu saí de lá. Eu senti
saudades no começo. Hoje às vezes eu vejo o pessoal do CEACA... A
responsabilidade nas tarefas que faço hoje é por causa da panificadora do
CEACA. Lá eu fazia bastante coisa diferente: aprendi muito que faço no
meu trabalho hoje... Acho que o incentivo ao mercado de trabalho de
quem vai panificadora do CEACA é bom. Não esqueci as receitas de lá,
já sei fazer outras diferentes, desenvolvi muito, a cabeça da gente, a
mente da gente. Não dá tempo para ir no CEACA, mas o horário de
98
padeiro é diferente dos horários, para os pães ficarem prontos na hora, de
manhã (C.G.).
A inserção no mercado de trabalho foi o objetivo de M.L.S. e C.G. ao entrarem na Oficina de
Panificação, porém os depoimentos revelaram sentimentos, laços afetivos que se estabeleceram
entre os egressos e as funcionárias da oficina: “...ela chorou quando eu saí de lá”. Gostar da
Oficina de Panificação foi fundamental para esse estabelecimento de relação afetiva e de
identificação com o futuro campo de atuação, como os dois depoimentos explicitaram: “mas eu
mais gostei da panificadora, gostei mais ainda”.
Conheço toda a fábrica onde eu trabalho. Que nem no CEACA: eu sabia como
funcionava a panificadora e como tinha que fazer as coisas. Faltei um pouco,
deu vontade de sair de lá uns tempos... Você foi conversar com a minha mãe, eu
queria era trabalhar logo, aí você me explicou a coisa da idade... Eu não queria
ficar de braços cruzados, sem fazer nada. Hoje eu gosto do meu trabalho na
fábrica de vassouras... Os ricos têm poder, podem comprar; já o pobre ‘tá
sempre lutando: se quer uma consulta, tem fila; o rico tem plano de saúde. O
CEACA não tem disso: a gente é tudo parecido, por isso gostei de ir lá. Hoje eu
tenho celular, comprei, mas no trabalho não posso usar, tem hora pra conversar
lá, mas eu gosto de falar com os amigos. Gostei mesmo do CEACA porque
aprendi a conviver com os outros, os amigos e as professoras, até da D. Maria,
que implicava comigo e com todo mundo: era gritona, mas eu gostava dela. As
pessoas são assim: umas boas, outras não (M.R.A.)
A manutenção da família depende do ganho de todos os seus membros, pais e filhos, como
evidencia o depoimento de M.R.A. ao ressaltar a importância de sua entrada precoce no
mercado de trabalho. A fala de M.R.A. revela que há predominantemente duas classes sociais: os
pobres e os ricos. Os primeiros encontram dificuldades para exercer sua cidadania e sobreviver,
já os segundos usufruem seus direitos, que lhes são garantidos pelo poder econômico que detêm.
A panificadora me fez ter educação; fiquei bastante no CEACA, desde pequeno,
minhas irmãs também. A coisa lá em casa não era fácil: muita boca pra comer, e
só o pai que trabalhava. Aí, depois que ele deixou a mãe, ficou pior: só a mãe e
minha irmã mais velha trabalhavam nas casas, limpando. Daí minha irmã casou
e só ficou a mãe trabalhando. Agora as coisas já melhoraram um pouco... eu ‘tou
parado, estou procurando emprego... Lembrando do CEACA... eu gostava de lá,
da convivência com os colegas, e da comida também: essa era boa (risos). O que
eu mais gostava era o feijão e o arroz: era caprichado mesmo... Sou meio quieto
até hoje. Meu pai ainda trabalha na limpeza das ruas: ele recolhe os galhos de
99
árvores que o pessoal corta e joga na calçada, mas eu moro aqui com a mãe.
Quero ajudar ela. Ela ‘tá carpindo uns lotes por aí, e eu ‘tou indo junto até
arrumar alguma coisa... Eu gostava de fazer os trabalhos da Sala de Artesanato,
e depois da panificadora eu trazia pra casa as coisas que fazia: trazia pão,
bolacha, até bolo eu fiz no meu aniversário, você lembra? Penso bastante no
CEACA... Minha irmã menor está lá desde os sete... Eu sei respeitar os outros
(J.A.R.S.).
A forma asseguradora de sobrevivência do CEACA é evidenciada no depoimento de J.A R.
S., que citou a importância de um local com acesso à alimentação, uma vez que a família vivia
abaixo dos níveis de vida considerados socialmente satisfatórios. Assim, Lima (1999) afirma que
“a família é contemplada como um mecanismo afiançador de condições” no qual, em situações
como a citada por J.A R.S., individualmente seus membros estão, temporariamente, impedidos de
garantir o mínimo básico da vida.
Penso que conviver em grupo eu aprendi lá também. Isso na Caixa Econômica é
bom: os colegas gostam de mim lá. Fui chamado de novo quando acabou o
contrato, mas fiquei um tempo na panificadora Vipão. Lá eu gostei de trabalhar.
Meu irmão está lá hoje como padeiro. Acho que, se a Caixa não tivesse me
chamado, eu ficava lá mesmo. Foi fácil trabalhar na panificadora, mas o
CEACA é importante para o primeiro emprego. A gente consegue alguma coisa
boa, como eu na Caixa, e agora meu irmão lá na Vipão. Acho que é importante o
primeiro emprego. Na panificadora do CEACA eu fazia as coisas que gostava,
mas na Caixa Econômica é melhor o trabalho, e o salário também ajuda bastante
a gente ganhar... Lembro bem das coisas que tinha que fazer: eu era bem
responsável, a Sirlei gostava do meu trabalho, sempre falava bem. Eu levava as
coisas pra casa, meu pai e minha madrasta gostavam e falavam bem das comidas
(L.G.).
Aprendi a trabalhar em grupo no CEACA. Gostei da Datilografia e dos cursos
que fiz. Ser do CEACA foi bom porque fica de referência de emprego: pega bem
ter passado por lá. Eu aprendi a conversar com outro, a ter respeito, como tratar
com o outro. Foi bom na entrevista da fábrica de móveis eu ter trabalhado no
Correio: eles ficaram comigo. Eu acho que ser do CEACA é bom por isso.
Também no Correio foi bom trabalhar: conheci pessoas diferentes. Eu nunca
tinha entrado lá dentro, só fora do balcão. Depois, eu só trabalhava com as cartas
e colocava nas caixas postal (sic). Se meu filho quiser, eu deixo ir no CEACA.
Lá é bom. Foi muito bom eu ser do CEACA no meu emprego. Lembro sempre
do pessoal de lá: era divertido, mas a gente tem que batalhar, correr atrás do que
a gente quer. Às vezes a gente procura e não encontra emprego, é muito ruim,
mas comigo ainda bem que não fiquei muito parado. Não gosto de ficar parado,
não é bom. A minha mãe dizia que entra coisa ruim na cabeça se a gente fica
parado, sem trabalhar, que isso é bom (V.R.).
100
O CEACA, por certo, propiciou para os egressos que participaram de programas de
adolescentes aprendizes na Agência dos Correios, segundo V.R.; na Caixa Econômica, segundo
L.G.; e no Banco do Brasil, segundo V.C.K., a possibilidade de ingressar no mercado de trabalho
de forma mais digna, pois foi respeitada sua condição de pessoa em desenvolvimento.
Gostei do que aprendi lá, a conviver com as pessoas, a respeitá-las do jeito delas.
Aprendi a respeitar meus pais, aprendi a muita coisa, a respeitar o próximo. Se
falar com os outros, ser educada, falar com educação. Aprendi muita coisa
porque, assim como responsabilidade, eu era meio parada, bicho do mato. Hoje
tenho uma filha, penso em colocar ela lá no CEACA também. Meu irmão está lá
no CEACA. Ele é meio bagunceiro, sabe? Acho que mudei depois de ir para lá.
Eu acho que o CEACA é importante... Estou só em casa cuidando da minha
filha. Penso em voltar a estudar e trabalhar... A panificadora foi uma boa para
mim: tem bastante trabalho. Hoje tenho responsabilidade, casa, família, bastante
coisa pra cuidar... mas vou pegar o emprego que vier, qualquer coisa... Sei que
tem bastante no frigorífico de Matelândia... minha vizinha trabalha lá, talvez eu
consiga alguma coisa (I.R.L.S.).
Sabe, eu aprendi a me relacionar com as pessoas, os colegas. O CEACA para
mim é um começo, uma base. Muitas coisas aprendi... E o convívio com as
pessoas é importante. Hoje eu estou na fábrica de biscoitos, na embalagem, não
é direto nas bolachas, é só embalando dentro das caixas as bolachas. Não parece
com o que aprendi na panificadora, mas é importante ir no CEACA pra aprender
as coisas. Eu aprendi a ter disciplina e organização. Hoje meus irmãos estão no
CEACA, os dois menores, eles também gostam de lá. Às vezes falo que vou
pedir pra mãe tirar eles de lá: eles brigam comigo, é só pra brincar com eles. Não
gosto de ficar em casa. O CEACA foi bom nisso: a gente saía, fazia os passeios,
mas também aprendia a fazer as coisas (I.AR.).
Assim, o CEACA perpetua o atendimento às mesmas famílias, pois, segundo, os
depoimentos de I.A.R. e I.R.L.S, seus irmãos permanecem no CEACA, ou seja, as condições
financeiras e de vida de suas famílias não propiciaram qualidade de vida para todos, mesmo com
os egressos contribuindo para sua manutenção, e por isso parte de seus membros continua no
CEACA.
A convivência, conforme o relato dos egressos, diz respeito a viver em comum ou ter
convivência com o outro para além da Oficina de Panificação, com o objetivo de inserção no
mercado de trabalho os auxiliares de panificação.
101
Essas falas ressaltam também a dimensão pessoal conquistada pelos egressos, ou seja, o
pertencimento, como se sua participação no CEACA fosse elemento nessa relação. As condições
dadas na panificadora, o fazer-parte, em qualquer oficina em que participassem, tudo se refere ao
CEACA como um todo, em todas as atividades que compõem suas oficinas.
Condição tanto no sentido de que nos condiciona, nos inscreve num sistema já
dado, quanto no sentido de que constitui um meio para alcançarmos outras
realidades, ainda não dadas (KOUMROUYAN, 1999: 103).
Esse fator condicionante, ou seja, o pertencimento ao CEACA como categoria integrante de
sua vida pessoal, remete a Arednt (2004:17), que afirma:
A condição humana compreende algo mais do que as condições nas quais a vida
foi dada ao homem. Os homens são seres condicionados: tudo aquilo com o qual
eles entram em contato torna-se imediatamente uma condição de sua existência.
Segundo essa autora, a convivência está mais presente no trabalho que em qualquer atividade,
porém essa qualidade, longe de estabelecer uma realidade reconhecível e identificável para cada
egresso, remete à sociabilidade que há nessas atividades:
Mas esta natureza coletiva do labor, longe de estabelecer uma realidade
reconhecível e identificável para cada membro da turma, exige, ao contrário, a
perda efetiva de toda consciência e individualidade e identidade; e é por esta
razão que todos aqueles valores derivados do labor, além de sua função óbvia no
processo vital, são inteiramente sociais e, em essência, não diferem do prazer
adicional que se tem quando se comem e bebe em companhia dos outros
(ARENDT, 2004:225).
Por meio da linguagem, durante os encontros com os egressos, estabeleceu-se o surgimento
dessa segunda categoria de análise:
A linguagem, nessa perspectiva, é tomada como manifestação do pensamento,
ou seja, o pensamento se revela, revelando o mundo através da palavra. E é
nessa mesma perspectiva que o homem não é senão pensamento; é definido
antecipadamente pelo pensamento (KOUMROUYAN, 1999:99).
Para Koumrouyan (1999), a linguagem é representação, e representação do pensamento.
Assim, tomou-se para esta pesquisa a linguagem dos egressos como pensamento, por meio das
102
palavras proferidas durante os encontros, que revelam a outra categoria, ou seja, expõem como a
Oficina de Panificação se refletiu na vida pessoal.
Os egressos, ao usarem expressões como “conhecimento com as pessoas no trabalho”,
“conviver em grupo”, “trabalhar com colegas”, “respeitar os outros”, “trabalhar em grupo”,
“conversar com o outro”, “convivência com os colegas”, “relacionar[-se] com as pessoas”,
demonstram que o CEACA, por meio da Oficina de Panificação, teve outro papel na sua vida, na
socialização deles, por meio das relações estabelecidas dentro da oficina.
Desse modo, o CEACA propiciou o desenvolvimento da sociabilidade dos egressos, pois esta
favorece o exercício da cidadania e a superação da posição subalterna em que se encontram os
excluídos sociais.
103
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A efetivação das políticas sociais voltadas para a criança e o adolescente no Brasil ocorreu de
maneira gradativa nos municípios do interior do Estado do Paraná.
A preocupação com a questão social ligada à criança e o adolescente, como se viu neste
trabalho, porém, no Brasil remonta ao início da República, quando crianças e adolescentes foram
alvo de uma tentativa de moldagem, pois se acreditava que os vícios, assim com as virtudes, eram
hereditários.
A história da questão social no Brasil, segundo Filgueiras (1997), pode ser vista como a
história das formas de trabalho, da formação e organização do mercado de trabalho e do
disciplinariamento dos grandes contingentes dos despossuídos.
Assim, a partir de 1988, com a Constituição Federal, novos contornos foram dados à
cidadania brasileira, porém a efetivação da cidadania mediante as políticas sociais –
materializadas no ECA, na LDB e na LOAS – encontrou muitas dificuldades em sua
operacionalização. Destaca-se no plano político e institucional a descentralização das ações, com
a conseqüente municipalização da formulação e da implementação de políticas sociais por meio
dos conselhos criados com base nessa legislação.
Dessa forma, os serviços sociais públicos deveriam suprir minimamente a população
despojada de condições de sobrevivência. Muitas ações, porém, foram marcadas pela expansão
do clientelismo e dos programas assistenciais.
Com a promulgação do ECA, os serviços públicos viram-se com a atribuição de implementar
a nova legislação voltada para a doutrina da proteção integral, dando nova face ao direito de
cidadania a todas as crianças e os adolescentes, independentemente de sua condição de classe.
Sob essa óptica, o Estado do Paraná assumiu, a partir de 1993, orientação para a criação de
escolas-oficinas como uma das propostas do Programa de Ação pela Infância e Adolescência.
As políticas sociais, todavia, não o por si mesmas instrumentos de igualdade ou
mecanismos de acumulação e legitimação política, pois as contradições da sociedade capitalista
também estão representadas na implementação dessas políticas. Assim, as formas agudas da
questão social, traduzidas pelos adolescentes de rua, no caso de Medianeira exigiram a ação da
sociedade e do serviço público de maneira urgente, com a criação do Projeto Pirulito e
104
posteriormente com o surgimento do CEACA e de sua proposta político-pedagógica pautada na
inserção no mercado de trabalho para os adolescentes pobres.
O presente trabalho proporcionou um momento de reflexão sobre a prática pedagógica
adotada no CEACA desde que foi criado como conseqüência do acirramento da questão social
envolvendo os adolescentes pobres em situação de rua, até o ano de 2004.
A adoção do Programa de Ação pela Infância e Adolescência do Governo do Estado do
Paraná determinou a implementação de oficinas, que visam desenvolver no aluno hábitos de
trabalho.
Nessa perspectiva, o trabalho da escola deve estar ligado ao trabalho social, à produção
concreta e útil, no sentido de que a oficina deve produzir objetos de utilidade prática, sem o que,
segundo Pistrak (2000), esta perderia seu valor essencial.
O desafio do CEACA é avançar em sua caminhada histórica – cujos primórdios têm origem
na retirada dos adolescentes das ruas e no seu adestramento para o trabalho – e dar ênfase a um
projeto primordialmente pedagógico e à formação do cidadão.
Nesta dissertação, buscou-se desvendar em que medida a participação na Oficina de
Panificação contribuiu para a inserção dos adolescentes no mercado de trabalho.
Dessa forma, por meio dos eixos de análise do universo pesquisado – os egressos e as
professoras – , pode-se concluir que:
Em relação à contribuição da Oficina de Panificação para a vida profissional dos
egressos, a referência do CEACA foi importante para sua vida profissional. Sem sua
participação no CEACA, sua inclusão no mercado de trabalho seria efetivada com maior
dificuldade, uma vez que, mesmo para o primeiro emprego, exige-se referência. A
subalternização das funções que os egressos exerciam no momento da pesquisa, como
auxiliares de uma atividade, contudo, leva esta autora a afirmar que a emancipação no
sentido da concretização da cidadania não se efetivou;
Em relação à contribuição da Oficina de Panificação para a vida pessoal – eixo
mencionado pelos egressos durante a aplicação do questionário –, pôde-se confirmar a
teoria de Arendt (2004) a respeito dos valores derivados do trabalho, pois, para essa
filósofa, além de óbvio para o processo vital, estes são inteiramente sociais. Assim, a
sociabilidade está presente no trabalho e na convivência, segundo os egressos, mais do
que em qualquer atividade;
105
Com as professoras, tentou-se apreender como o CEACA insere os adolescentes no
mercado de trabalho e como a passagem pelo CEACA efetivava os direitos de cidadania.
Já por meio do projeto político-pedagógico, buscou-se descobrir de que maneira a
inclusão social, a cidadania, a educação e o trabalho foram operacionalizados. Os relatos
evidenciaram que o CEACA produz mudanças nos profissionais, na medida em que os fez
refletir sobre a postura profissional. Evidenciou-se também a inexistência de capacitação
permanente voltada para o preparo dos profissionais, mas é de se ressaltar que essa
carência é identificada e minimizada pelos encontros mensais da equipe pedagógica na
construção de práticas voltadas para os adolescentes. A convivência foi a palavra mais
mencionada pelas professoras: oito delas a citaram, independentemente do eixo
questionado, assim como valores e auto-estima, revelando a dimensão social ligada ao
trabalho. O social, porém, não fica claro nos relatos, o que parece confirmar as palavras
de Baudrillard (1994), para quem o social não é um processo claro nem unívoco, mas sim
construído em instâncias abstratas.
Convém lembrar que o mercado de trabalho tem exigências mínimas que um adolescente
precisa cumprir, como a escolaridade e a orientação profissional de qualidade, para a competição
desigual que este vai enfrentar.
Uma das grandes dificuldades para a implementação dessa prática remete ao financiamento
que se exige para sua efetivação, e também à dificuldade que os adolescentes enfrentam na
passagem da rua para o ambiente de trabalho, cujo salário muitas vezes é inferior ao recebido por
serviços eventuais. Como exemplo, o Oeste do Paraná, onde se localiza Medianeira, dista
sessenta quilômetros da fronteira para o Paraguai, local notório de trabalho informal que
remunera muito melhor essa atividade que as similares no mercado formal no Brasil, fator que
influencia sobremaneira o mercado de trabalho nessa região de fronteira.
Para Oliveira (1994), os programas sociais que encaminham adolescentes para o mercado de
trabalho distinguem duas fases: a primeira, de preparação, de treinamento, que é uma “educação
para o trabalho”; a segunda, de acompanhamento, com todos os seus percalços e vicissitudes, é
uma “educação pelo trabalho”.
Pode-se afirmar, com base no autor citado e na pesquisa realizada, que o CEACA trabalha na
perspectiva da educação “para” o trabalho e não realiza a educação “pelo trabalho”.
106
Para que seja efetivada essa segunda fase, a dimensão deve compreender a política pública,
que extrapola a dimensão do CEACA. Faz-se necessária, pois, uma política do emprego em
geral, na qual sejam privilegiados com salário digno os pais dos adolescentes do CEACA. É
preciso também que as interfaces entre as políticas sociais que visam à saúde, à educação, à
habitação e ao lazer se concretizem com a política do trabalho.
Estratégias de combate ao trabalho precoce dos adolescentes, comprovado nesta dissertação,
também devem ser adotadas, levando-se em consideração que a proposta de iniciação ao trabalho
seja efetivada com as condições mínimas para que o adolescente possa enfrentar as exigências do
mercado de trabalho, pois, segundo Oliveira, “...nada de meios pobres para atender o pobre”.
Com vistas à efetivação das práticas voltadas à emancipação dos sujeitos sociais e à
efetivação da cidadania, propõe-se aqui que o CEACA adote as seguintes medidas de ordem
operacional, as quais deverão ser articuladas e materializadas no seguinte conjunto de iniciativas:
Planejamento das atividades pedagógicas por meio da construção de um projeto político-
pedagógico do CEACA que contemple os eixos de cidadania, educação, trabalho e
inclusão social;
Elaboração, dentro do projeto político-pedagógico, de uma política de capacitação
permanente para os profissionais do CEACA, bem como estabelecimento de requisitos
mínimos para a inserção destes, como nível de escolarização e área de afinidade pessoal e
profissional;
Elaboração de metodologia que contemple oficinas que incentivem as funções de
planejamento, controle e compreensão dos fundamentos científicos do trabalho em sua
globalidade com vistas à inserção de adolescentes e articulação de fatores como as
necessidades do mercado de trabalho e a qualificação da mão-de-obra;
Elaboração de oficinas de vivências lúdicas, como teatro, música, canto, expressão
corporal e de língua estrangeira com vistas à construção de sujeitos livres para exercer
plenamente sua cidadania;
Elaboração de oficinas cujos objetivos sejam socializar e qualificar os integrantes para o
desenvolvimento dos atributos da personalidade de cada um. A fim de que sejam
efetivadas essas oficinas, se faz necessária a construção da rede de serviços voltada ao
atendimento do adolescente pobre no Município;
107
Reelaboração do Plano Municipal de Atendimento à Criança e ao Adolescente, em que o
CEACA, como integrante da rede governamental de serviços, tenha definido seu papel
nessa política, bem como seja organizada a rede de atenção integral à criança e ao
adolescente com vistas ao enfrentamento da questão social ligada ao segmento. Essa
reelaboração deve contemplar a consagração dos direitos de cidadania e inclusão social
preceituados com a implantação da Política Nacional de Assistência Social na perspectiva
do Sistema Único de Assistência Social – SUAS.
Reafirma-se aqui o que diz Carvalho (1997:111) a respeito dos programas sociais: eles
fazem parte complementar da mobilidade social e não podem ter como proposta atividades
repetitivas e lineares, que com o passar do tempo levam os adolescentes a perder a “capacidade
motora fina que facilita a escrita, e as demais habilidades não se desenvolvem, pela ausência de
estímulos cognitivos e culturais”.
Impõe-se ao CEACA, então, corrigir essas distorções historicamente explicáveis que adotou e
adota ao inserir os adolescentes em atividades ocupacionais repetitivas, lineares e
subalternizantes.
Pode-se então concluir que o CEACA tem um significado pessoal para seus egressos e para a
equipe de professoras que dele participaram e participam. O CEACA está firmado como um local
de práticas que valorizam a convivência com o outro, de elaboração e reelaboração das relações
sociais inseridas em seu cotidiano.
Por conseguinte, tem o CEACA um caminho a seguir como espaço de efetivação da cidadania
dos adolescentes oriundos de famílias pobres de Medianeira.
108
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