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Joana de Almeida Meniconi
DE OLHO NO BIG BROTHER BRASIL:
A PERFORMANCE MEDIADA PELA TV
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da UFMG, como
requisito final para obtenção do título
de Mestre em Comunicação Social
Área de concentração:
Comunicação e Sociabilidade
Contemporânea
Linha de Pesquisa:
Comunicação e Práticas Sociais
Orientadora:
Profa. Dra. Vera Regina Veiga França
Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG
Junho, 2005
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AGRADECIMENTOS:
Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais que, além de todo o apoio emocional e
financeiro, ensinaram-me a assistir à televisão. Aos meus irmãos, pela boa companhia que me
fazem – Tadeu, que por diversas vezes serviu como “ponte” entre mim e minha orientadora, e
Pedro, por ser tão apaixonado por televisão quanto eu, acompanhando-me em boa parte da
tarefa de decupagem das fitas. À minha madrinha, Léa, que, mesmo sem saber direito em
que me formei e o que exatamente estudava, sempre pediu a bênção divina para que meus
objetivos se realizassem. Ao Guilherme, por ter começado a fazer parte de minha vida no
meio desta empreitada; obrigado pelo amor, carinho e companheirismo, e, sobretudo, pela
ajuda na revisão gramatical deste trabalho.
Aos queridos colegas de mestrado, companheiros desse período de vida, por vezes
difícil; obrigado pelas terapias grupais, pelas leituras críticas e sugestões, pelas conversas
esclarecedoras e pelas festas. Em especial, agradeço àqueles que conviveram de modo mais
próximo com o desenvolvimento deste projeto. Nelma e Renata, pelo empréstimo de livros
que fazem parte desta bibliografia. Rachel, pela amizade sempre presente e pelo bate-papo
descompromissado. E Frederico, por haver sabido nos representar tão bem no momento em
que foi preciso.
Aos meus amigos, que compreenderam a minha ausência no período final de
escritura desta dissertação. À velha amiga Letícia, que foi incansável na tentativa de conseguir
a autorização de cópia de alguns dos programas de meu corpus inicial junto à Rede Globo,
emissora que, mesmo diante de nossos inúmeros pedidos e justificativas, não nos concedeu tal
permissão. Ao amigo Ricardo, que na hora da correria final da diagramação deste trabalho,
responsabilizou-se pela criação e produção de sua capa. Às amigas da “Nata”, pela presença
sempre constante na minha vida e pelo apoio e confiança que sempre depositaram em mim.
Agradeço aos ex-colegas da graduação e adjacentes pelos questionamentos instigantes a
respeito de meu projeto de pesquisa. À equipe do multimídia, que teve paciência de esperar o
término deste projeto. Galera do Promove, obrigado pelos encontros cada vez mais esparsos,
mas nem por isso menos prazerosos. A todos os amigos fortuitos da noite belorizontina, que,
sem perceberem, me ajudavam a desopilar a mente com adoráveis conversas nonsense.
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Por fim, mas não menos, agradeço aos professores do curso de mestrado oferecido
pelo programa de pós-graduação em Comunicação Social da UFMG que, nestes últimos dois
anos, fizeram-me compreender melhor o campo comunicacional e sua abordagem,
transformando-me em uma profissional mais madura. Em especial à Vera, sem a qual a
realização desta pesquisa não seria possível. Vera, você foi mais do que uma boa orientadora,
portando-se, muitas vezes, como uma mãe: compreensiva e acolhedora na maior parte do
tempo, porém exigente quando necessário. Ao CNPq, por financiar parte deste trabalho,
concedendo-me uma bolsa de apoio a estudantes de mestrado por quase um ano, o que me
possibilitou dedicar-me somente à minha pesquisa em sua etapa final.
RESUMO:
O presente trabalho tem como objetivo principal observar o modo pelo qual os participantes
de um programa de reality show constroem e performam personagens de si mesmos, guiando
suas ações para as câmeras televisivas e, conseqüentemente, para um público com o qual não
estabelecem um contato direto. Para tentarmos responder ao problema proposto, foi preciso,
inicialmente, discutir alguns conceitos e noções que despontaram como fundamentais para a
construção de nossa análise empírica, como televisão, mediação e representações sociais.
Olhamos para a televisão como o espaço privilegiado para se observar a dinâmica das
representações sociais. É justamente a recorrência de algumas representações nos programas
televisivos que nos permite classifica-los em determinados gêneros e formatos. Neste
contexto, tomamos o reality show como um gênero televisivo próprio e Big Brother Brasil, o
exemplo por nós escolhido, como um de seus formatos. Talvez tal programa seja o que
melhor evidencie o problema das performances encenadas para as câmeras. Os participantes
de programas como BBB, para serem bem sucedidos em suas auto-encenações, têm que
trabalhar, concomitantemente, com pelo menos três tipos de enquadramentos interacionais: as
interações com os demais participantes, marcadas pelo confinamento e pelo jogo proposto
pelo formato; as interações com os produtores e o apresentador; e, as interações com público,
mediadas pelas câmeras. Depois de mapearmos esses enquadramentos, pudemos configurar
nosso corpus analítico: foram selecionados treze episódios da terceira versão de BBB, em que
observamos com maior atenção o desempenho da performance de seis participantes
específicos.
Palavras-chaves: reality show, performance, mediação, interação.
ABSTRACT:
The present work has, as its main objective, the observation of the way through which the
participants of a reality show create characters for themselves and perform them to the
cameras, thus reaching a wider audience with whom they do not establish direct contact. In
order to draw reasonable conclusions from the proposed object, we discussed some concepts
and notions that turned out to be fundamental to the empiric analysis undertaken, such as
television, mediation and social representations. We tried to understand television as a
privileged arena to observe the dynamics of social representations and came to the conclusion
that the genres and formats of television shows can be classified through the reoccurance of
certain representational patterns. Therefore, we used the notion of reality show as a television
genre in itself and Big Brother Brasil as the format chosen, since the show seemed to be the
one that best portrayed, at the time, the performances directed to the cameras. The participants
of television shows like BBB, in order to succeed in their auto-performances, have to work
with at least three types of interaction: those with the other participants, strongly influenced
by the confinement and by the game proposed; those with the producers and the show host
and, finally; those with the audience, mediated by the cameras. Once we put these three types
of interactions in a proper scheme, we could establish our analytic corpus: thirteen episodes
from the third season of BBB in which we watched more closely the participants, their
performances and the effectiveness of the performances of six specific participants.
Keywords: reality show, social representation, mediation, interaction.
SUMÁRIO:
INTRODUÇÃO .........................................................................................................
1. HISTÓRICO DO REALITY SHOW ....................................................................
2. TV: INDÚSTRIA, PODER E LINGUAGEM ....................................................
2.1. Os meios de comunicação de massa e as práticas de poder ............................
2.2. A linguagem da TV e a especificidade do meio técnico ...................................
3. RELAÇÕES, REPRESENTAÇÕES E MEDIAÇÕES TELEVISIVAS ...........
4. O MODELO DO REALITY SHOW: A PRIMAZIA DA PERFORMANCE ...
4.1. Gêneros e formatos televisivos ...........................................................................
4.2. Erving Goffman e o estudo sistemático das interações cotidianas .................
4.2.1. Frame Analysis: o re-enquadramento das interações .........................................
5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ........................................................
6. BIG-BROTHERS EM CENA ................................................................................
6.1. Samantha, “a carioca de pavio curto” ..............................................................
6.2. Paulo, “o sedutor de meia-idade” ......................................................................
6.3. Jean, “o estrategista” ..........................................................................................
6.4. Viviane, “a perua” ...............................................................................................
6.5. Elane, “a professorinha do interior” .................................................................
6.6. Dhomini, “o rei do ao vivo” ................................................................................
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................
08
11
19
19
28
35
46
46
54
62
70
78
78
85
91
103
115
130
154
160
8
INTRODUÇÃO:
As primeiras inquietações que motivaram o presente trabalho surgiram quando o
cenário da produção televisiva nacional começou a veicular, em horário nobre, programas
que, por apresentar alguns recursos técnicos que conferiam a situações reais traços ficcionais,
eram chamados de reality show. A televisão brasileira não era a responsável por essa inovação
na linguagem televisiva; ela apenas incorporava uma tendência que podia ser observada em
outros países. O fato é que a proliferação em âmbito mundial de programas desse tipo não
atiçou apenas a nossa curiosidade; a polêmica causada em torno do reality show que, em seus
formatos pioneiros, confinava participantes em um estúdio monitorado por câmeras, chamou a
atenção de importantes instituições formadoras de opinião pública, como o meio acadêmico e
a imprensa escrita. Inicialmente, a grande vedete dos reality show foi o programa Big Brother,
lançado pela empresa de entretenimento Endemol, na Holanda, no final de 1999. Na medida
em que o formato apresentava grande êxito junto ao público dos países em que era exibido, os
jornais e revistas especializados em crítica televisiva tomavam o programa como ícone de um
processo de empobrecimento da qualidade dos produtos televisivos.
Concomitantemente a esse discurso construído pela mídia impressa, os
pesquisadores da área de Ciências Sociais lançavam análises que, em sua grande maioria,
compreendiam o programa como a encarnação do modelo do Panóptico proposto por
Bentham e retomado metaforicamente por Foucault anos mais tarde. Com o passar do tempo,
o reality show se revestiu de novos formatos que lidam, em maior ou menor escala, com o
monitoramento de seus participantes - daí, o modelo do Panóptico não pode ser aplicado
como regra geral em qualquer estudo sobre o gênero. Ademais, não julgamos que o viés das
relações de poder seja suficiente para tratar do fenômeno dos reality shows, que inclui vários
outros elementos e questões. A perspectiva do Panóptico alia vigilância e punição; é, portanto,
uma vigilância que constrange. Não podemos tomar os reality shows como exemplo de uma
vigília constrangedora; a adesão das pessoas ali presentes é voluntária e desejada: elas
inscreveram-se através de gravações caseiras, preencheram extensos questionários,
utilizaram-se de relações pessoais e ainda torceram para que fossem selecionadas.
Esta evidência nos aponta para uma outra problemática levantada por esse formato
televisivo, que talvez seja mais pertinente: a do fascínio que a presença das câmeras e sua
decorrente visibilidade exerce na contemporaneidade. Como Bourdieu aponta, aparece-se para
passar a existir, para adquirir status. É a partir dessa relação que parte dos indivíduos
9
estabelece com as câmeras de televisão que construímos nosso problema de pesquisa; não
estamos preocupados com por que aparecer, mas com o como aparecer. Desse modo,
situamos nosso problema de pesquisa nas performances, nas ações direcionadas
conscientemente para as câmeras, nas auto-encenações dos indivíduos, enfim, nas
representações.
Em um primeiro momento, para trabalharmos com a questão das performances
mediadas pela televisão, achamos necessário retomar os principais estudos sobre o meio
televisivo. A perspectiva lançada pela Escola de Frankfurt, embora seja datada da primeira
metade do séc. XX, ainda hoje é de grande valia para que se discuta a forma pela qual a
ideologia dominante permeia o processo produtivo das mensagens midiáticas destinadas a um
grande número de receptores, como a televisão. Partimos do pressuposto de que a sociedade e
a dia se relacionam em um movimento circular; estudar a mídia significa, portanto, se
debruçar sobre questões que se desdobram em outras instâncias da sociedade. As relações de
poder instauradas pela lógica mercadológica não permeiam apenas as práticas produtivas dos
programas televisivos; elas podem ser observadas em outras instâncias da sociedade. Também
recorremos a alguns estudos que se voltam para a compreensão do dispositivo técnico
específico da mídia televisiva. Parte dos recursos de linguagem recorrente na configuração
dos produtos veiculados pela TV decorre justamente de alguns limites técnicos que o aparato
impõe.
Assim, tomamos a televisão enquanto inscrita nas relações mais amplas que
marcam a experiência cotidiana e a estrutura social e também enquanto um espaço específico
dotado de regras e recursos próprios. E mais, entendemos a comunicação enquanto prática
relacional, em que os atores se confrontam, reproduzindo e reelaborando discursos e
representações sociais. Os programas televisivos apreendem determinadas formas e imagens
que são construídas e propagadas no seio das interações sociais. Ao pegar emprestada essas
representações, a televisão lhes reveste de um novo sentido que é lançado novamente para os
sujeitos que as recebem. Daí, entendermos a mídia televisiva de grande alcance e
importância, especialmente, em nosso país - como um lugar privilegiado que medeia a
dinâmica fluida pela qual as representações se atualizam e são re-significadas. Neste contexto
é que traçamos nossa discussão acerca dos gêneros e formatos televisivos. Os programas de
televisão encarnam em sua gênese determinados traços que ativam o processo de
reconhecimento em seus receptores. Entretanto, esses sinais, que atuam como espécie de
chave de leitura para o público, são estabelecidos tanto pelos responsáveis pela produção dos
programas televisivos quanto pela leitura realizada pela audiência. A partir disso, partimos do
10
pressuposto de que o reality show, ao evidenciar o embate entre o real e o ficcional, desponta
como um gênero televisivo que se difere dos demais; o público sabe enquadrar um
determinado programa sob a chancela do reality show. Seguindo essa premissa, encaramos
Big Brother Brasil como um formato próprio do gênero que é identificado pelo confinamento
e pelo estabelecimento de um jogo que lida diretamente com a questão das auto-encenações,
que encarnamos em nossas interações cotidianas.
Portanto, a questão central que Big Brother Brasil nos coloca é como os
participantes do programa tentam firmar sua performance em uma situação de exposição
extrema, em que não sabem ao certo como suas ações estão sendo apreendida pelos outros
com quem interagem. Recuperadas as idéias-chaves que nos ajudam a olhar para o problema
das performances mediadas pela televisão, explicitaremos os principais procedimentos
metodológicos adotados no decorrer da análise acerca do exemplo escolhido: a terceira versão
de Big Brother Brasil, exibida no princípio de 2003, pela emissora Rede Globo. Dentre os
participantes deste programa, nos atentamos especificamente para a performance apresentada
por seis personagens: as duas primeiras a deixar a casa e as quatro finalistas. Também
selecionamos determinados episódios que nos permitiam observar com maior propriedade a
maneira pela qual essas personagens lidavam com os três enquadramentos interacionais
decorrentes do jogo proposto pelo programa: as interações internas, estabelecidas entre os
próprios jogadores; as interações com o apresentador do programa, mas que contavam com a
presença virtual do público; e, as interações voltadas diretamente para os espectadores. Foi a
partir do mapeamento desses três tipos de situações interacionais que guiamos nossas análises,
apresentadas na seção final desta dissertação.
11
1 - HISTÓRICO DO REALITY SHOW
A idéia de flagrar pessoas comuns em seus atos cotidianos através das câmeras e
veicular essas imagens para milhares de receptores não é recente na história da televisão. Na
televisão norte-americana, ainda no final da década de 1940, estreava o programa Candid
Câmera, que simulava situações capazes de produzir, em pessoas anônimas, as mais
inusitadas reações, que eram captadas por câmeras escondidas. Na época, o formato foi um
sucesso, e ainda hoje continua a agradar boa parte dos telespectadores. No Brasil, ficou
conhecido como “pegadinha” e ainda pode ser visto em quadros de programas de auditório
exibidos em canais de TV aberta, como os dos apresentadores Sílvio Santos, pela emissora
SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), e João Kléber, pela RedeTV!.
No entanto, a primeira experiência de retratar o cotidiano de pessoas ordinárias,
que conscientemente executavam seus afazeres diários para as câmeras de televisão,
aconteceu em 1973, quando a rede pública norte-americana PBS (Public Broadcasting
Service) exibiu o programa An American Family”. Dirigido pelo casal Alan e Susan
Raymond, o programa era fruto de um documentário de doze horas de duração, dividido em
episódios semanais com cerca de uma hora cada. No foco das câmeras estavam os Louds, uma
família típica da classe média dos Estados Unidos: um casal de meia-idade e seus cinco filhos
adolescentes. O programa atingiu grandes índices de audiência, além de ter causado certo
furor nos demais meios de comunicação e em outras instituições da sociedade. Durante a
exibição do programa, dois acontecimentos marcaram, concomitantemente, a vida dos Louds
e do público da televisão norte-americana: a separação dos pais e a confissão do filho mais
velho, Lance, a respeito de sua homossexualidade.
Alan e Susan Raymond fizeram mais dois documentários, dando seqüência à saga
dos Louds: “An American Family Revisited: the Louds 10 years later” (1983), especialmente
produzido e financiado pela emissora HBO; e, “A Plot Summary for a Lance Loud!: a death
in an American Family (2002), em que Lance consentiu que o fim de sua vida, em
decorrência da Aids, fosse registrado pelas câmeras. Embora tais documentários tenham sido
exibidos em grandes redes de televisão, a maneira em que foram produzidos não condiz com a
realidade da maioria dos produtos televisivos. A PBS é notoriamente uma rede pública que
preza pela exibição de produtos menos comerciais, estando menos sujeita a uma influência da
lógica de mercado. Assim, An American Familyremete mais à tradição dos documentários
antropológicos de observação do que à própria história do meio televisivo; seu ineditismo não
12
está no modo como acompanha e retrata a vida de uma família, pois se havia
experimentado situações semelhantes no cinema documental, mas sim no fato de utilizar o
espaço da televisão para exibir este tipo de trabalho.
Contudo, não se pode negar que este documentário, mesmo que não tenha sido
produzido intencionalmente para a televisão, imprimiu grandes mudanças nos formatos dos
programas televisivos. Com o sucesso de An American Family as emissoras norte-
americanas e mais tarde as de outros países do mundo perceberam o “filão da realidade”; a
audiência havia demonstrado um grande interesse por imagens que fossem calcadas em
situações e ações mais reais, que fossem mais verossímeis. Os programas de cunho mais
jornalístico foram os primeiros que procuraram retratar a realidade de modo mais
convincente: as câmeras saíram dos estúdios e passaram a ir ao encontro dos acontecimentos;
não importava mais a qualidade técnica dessas imagens, e sim sua naturalidade. No Brasil,
as reportagens policiais de Gil Gomes, em especial no programa Aqui e Agora, durante a
virada das décadas de 1980 e 1990, ilustram bem essa tendência de um jornalismo mais
próximo do imaginário popular.
Os programas de entrevista, por sua vez, substituíram os convidados famosos por
pessoas comuns dispostas a revelar para as câmeras da TV e, conseqüentemente, para uma
audiência de âmbito nacional – os seus problemas e dramas mais íntimos, em troca de
conselhos de psicanalistas e dos próprios apresentadores ou de uma ajuda financeira. Este
formato ainda é muito popular no Brasil; citamos como exemplos: Programa do Ratinho, de
Carlos Massa Ratinho e Casos de Família, com Regina Volpato, pelo SBT; Hora da Verdade,
com a apresentadora Márcia Goldsmith, pela Bandeirantes; dentre outros.
Entretanto, o formato
1
que hoje entendemos como reality show se conformou
no programa exibido pela MTV norte-americana, Real World (1992), em que sete jovens que
até então não se conheciam passaram a dividir um apartamento e a terem que montar uma
empresa em sociedade. Enquanto os participantes lidavam com as dificuldades de um
convívio maçante com desconhecidos, as câmeras os seguiam e captavam suas ações mais
diversas, desde escovar os dentes pela manhã e sair para o trabalho até o encontro com amigos
em uma danceteria. O programa Real World estabelece uma experiência distinta da de An
American Life sobretudo porque o único laço que os participantes daquele tinham uns com os
outros era o de participarem de um programa televisivo; o que movia essa união era
1
Utilizamos aqui a palavra “formato” sem nos preocupar muito com sua definição; adiante nos deteremos com
maior propriedade na construção dos conceitos de gêneros e formatos televisivos. (Ver item 4.1, neros e
formatos televisivos ).
13
justamente a recompensa financeira oferecida pela emissora, era o desafio lançado pela
produção do programa, enfim, era o jogo.
Em setembro de 1999, a empresa holandesa Endemol Enterteinment, inspirada
pelo projeto científico Biosfera 2
2
e pelo sucesso de sites pessoais, que mostravam por meio
de webcams o cotidiano de internautas, lançava na televisão aberta holandesa um programa
ainda mais audacioso que o da MTV norte-americana. Em Big Brother, dez desconhecidos de
ambos os sexos e de diferentes estratos sociais foram confinados numa casa monitorada por
câmeras ligadas durante vinte e quatro horas ao longo de dois meses. Pela primeira vez
utilizava-se em um reality show os seguintes recursos: o confinamento e a captação
ininterrupta de imagens. Daí, explicam-se as opiniões controversas que o programa gerou. Ao
mesmo tempo em que Big Brother causou polêmica em vários meios formadores de opinião
pública, como o acadêmico e parte da própria mídia, também foi um enorme sucesso de
público – na Holanda, o episódio final do programa foi veiculado às vésperas do Natal e bateu
recorde de audiência. Com a fórmula do programa já patenteada, a Endemol vende-a para
vários países e em praticamente todos o programa atingiu recordes de público
3
.
Paralelamente ao sucesso de Big Brother na Holanda, a televisão norte-americana
também presenciava o êxito do reality show através de Survivor, exibido pelo canal Fox.
Neste, duas equipes isoladas sob instalações precárias e alimentação escassa se enfrentavam
em provas físicas regularmente; a equipe perdedora era obrigada a escolher um de seus
participantes para sair da disputa do prêmio final. Consolidava-se, assim, o boom do reality
show em escala mundial.
No Brasil, o formato chega logo depois, no ano de 2000, quando a TV brasileira
completava 50 anos. Em meados desse ano, a MTV brasileira começou a exibir o programa
20 e Poucos Anos - uma readequação de Real World - que mostrava a vida de oito jovens,
provenientes de realidades diferentes, que tinham seus cotidianos acompanhados por câmeras
e se reuniam semanalmente para discutir seus problemas e suas diferenças. Menos de vinte
2
John De Mol, um dos sócios da Endemol e o idealizador do formato de Big Brother, em uma entrevista
concedida à Revista Veja (21/07/2001), diz: "Tive a idéia depois de ler uma reportagem sobre aqueles malucos
que se trancaram num jardim, para fingir que moravam em outro planeta.” De Mol se referia ao projeto científico
Biosfera 2, um imenso domo de 17.000 metros quadrados, construído no deserto do Arizona, onde um grupo de
oito cientistas viveu confinado por dois anos, entre 1991 e 1993.
3
Em uma consulta ao site oficial da empresa, verificamos que Big Brother foi produzido por emissoras dos
seguintes países: Holanda, Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Dinamarca, Alemanha, Grécia, Itália, México,
Noruega, Polônia, Portugal, África do Sul, Suécia, Espanha, Chile, Nova Zelândia, Reino Unido e Estados
Unidos. Com relação ao sucesso do formato nesses países, Hill (2002) aponta como exceção apenas as versões
norte-americana e sueca.
14
dias depois da estréia do reality show da MTV, a Rede Globo com um alcance muito maior
e um público bem mais significativo colocava no ar No Limite, a versão brasileira do norte-
americano Survivor. A Rede Globo chegou a fazer três versões do programa; a primeira
apresentou grande audiência, mas a terceira não obteve tanto sucesso e parecia apontar para
um esgotamento do formato no país.
Todavia, incentivada pelo êxito obtido pela emissora rival SBT em Casa dos
Artistas
4
(2001), a Rede Globo resolveu finalmente usufruir os direitos previamente
negociados com a Endemol, estreando, no final de janeiro de 2002, a primeira versão de Big
Brother Brasil. Hoje, em decorrência dos recordes de audiência e os altos números de votação
nos paredões apresentados por BBB 5, veiculado entre janeiro e março de 2005, a emissora já
anuncia a exibição da sexta e sétima versão de Big Brother Brasil, respectivamente, a partir
dos meses de janeiro de 2006 e 2007. Com pequenas oscilações de média de audiência de uma
edição para outra, episódios de Big Brother Brasil estão sempre na lista de maiores números
de audiência registrados tanto na TV aberta quanto na fechada; além disso, a venda de pacotes
fechados, que dão direito ao acompanhamento, por 24 horas, das imagens captadas pelas
câmeras da casa, sobem a cada versão exibida.
1.1 – BIG BROTHER BRASIL
Em suas cinco exibições, Big Brother Brasil (ou BBB, como é comumente
chamado) se manteve, em geral, fiel ao formato original da Endemol: um grupo de
desconhecidos, divididos igualmente entre os dois sexos; um cenário que é constituído por
uma casa repleta de câmeras que funcionam ininterruptamente; um jogo que prevê a
eliminação semanal de um de seus participantes até restar apenas um, o vencedor, que leva
um bom prêmio em dinheiro, além de uma fama temporária. No entanto, o formato, a cada
nova versão, é revestido de algumas pequenas mudanças nas regras do jogo, na eleição dos
participantes e ou no modo em que se estrutura a montagem, o que em parte explica o sucesso
que o programa ainda apresenta.
4
A Casa dos Artistas e Big Brother Brasil possuíam um formato tão semelhante que acabou gerando disputas
judiciais entre as duas emissoras, SBT e Globo, responsáveis, respectivamente, pela produção e exibição dos
programas.
15
O primeiro Big Brother Brasil, exibido no início de 2002, contou com a
participação de 12 personagens, todas selecionadas pela equipe de produção do programa.
Conforme o diretor geral do programa, J. B. Bonny (Boninho), relata em uma entrevista, a
primeira edição não obteve a audiência esperada nas primeiras semanas de exibição e esta
aumentou quando a direção decidiu mudar o esquema de montagem das edições compactas
exibidas diariamente. A montagem, portanto, pode ser apontada como o maior diferencial
entre as duas primeiras versões de BBB. Com relação à primeira edição, a segunda, exibida
em meados do ano 2002, cativou o público por apresentar compactos com um tom
humorístico, mais satíricos e leves, montados a partir de cenas cotidianas dos participantes.
“Algemas da Paixão”, uma paródia de telenovelas “dramalhão”, relatava o romance
conturbado entre os participantes Thyrso e Manuela.
Em BBB 3, aumenta-se o número de participantes de 12 para 14, sendo que dois
deles foram pré-selecionados pela produção, mas efetivados como participantes do programa
pelo voto popular. Nessa edição mais um elemento foi adicionado à dinâmica do jogo, o
“anjo”. Desde a primeira edição existia a figura do “líder”, o imunizado da semana que teria o
direito de indicar um dos nomes para enfrentar o próximo “paredão
5
” contra outro participante
escolhido pelos demais jogadores. O anjo, por sua vez, poderia evitar que um dos jogadores
fosse nomeado ao paredão, embora ele mesmo estivesse sujeito a essa indicação. Assim, a
entrada desse elemento no jogo proposto pelo programa lança um novo desafio estratégico
para os participantes de BBB. A maior inovação de BBB 4 foi a entrada de dois participantes
quaisquer por meio de sorteio de cupons adquiridos na compra de uma revista especial sobre
Big Brother Brasil, lançada pela emissora Rede Globo semanas antes do início dessa quarta
edição. Ou seja, dos 14 big-brothersque fizeram parte da quarta versão de BBB, 10 foram
escolhidos pela produção depois da análise dos VT’s enviados pelos inscritos, 2 jogadores
continuaram sendo escolhidos pelo público e os 2 últimos entraram para o programa porque
sorteados, pelo mero acaso. Na quinta e última versão de BBB, a escolha popular de
participantes sai de cena, embora o sorteio permaneça. Ainda nessa versão, entra mais um
elemento na estrutura do programa; é implementada uma moeda local, a “estaleca”, através da
qual os big-brothers deveriam adquirir seus alimentos e demais objetos importantes para seu
conforto, como edredons, talheres, toalhas, academia de ginástica e etc.
5
“Paredão” é como os participantes e a própria produção do programa se referem à indicação semanal de dois
nomes que deverão disputar entre si a preferência do público, o preterido é eliminado. Quem usou essa
expressão, pela primeira vez, foi Kléber “Bambam”, vencedor da primeira versão brasileira.
16
É importante retomarmos rapidamente essas graduais mudanças na configuração
do programa pois, em grande medida, foram responsáveis pelo tom que cada uma das edições
de BBB adquiriu. A entrada da figura do anjo em BBB 3 estimulou a conformação de
indicações estratégicas; talvez em nenhum outro BBB os participantes tenham se mostrado
tão racionalmente preocupados em armar estratégias para levar o prêmio final. Em BBB 3,
atuar como participante jogador não era demérito, uma vez que todos demonstravam
abertamente estarem guiando seus comportamentos em função do desafio lançado pelo jogo.
Em BBB 4, a entrada de participantes sorteados propiciou o estabelecimento de uma divisão
sócio-econômica entre os concorrentes. De um lado, estavam os big-brothers provenientes da
classe média e que, por isso, precisariam menos do dinheiro oferecido pelo programa do que
os demais; de outro, estava o grupo dos “super-pobrinhos
6
” que, aparentemente, teriam menos
chances de alcançar fama e dinheiro fora da casa.
Big Brother Brasil, quando exibido – o que normalmente coincide com o início do
ano -, passa diariamente em dois canais de TV, um aberto, Globo, e outro acessível apenas
para assinantes de TV a cabo, Multishow (ambos fazem parte das Organizações Globo). Além
disso, é oferecido, por um preço adicional, para quem é usuário da TV fechada, um canal
especial em que se tem acesso, durante 24 horas por dia, às câmeras instaladas na casa.
Também é possível acompanhar o cotidiano dos participantes através da internet; as notícias
diárias e demais informações sobre o programa, como histórico e índices de popularidade,
estão disponíveis para qualquer internauta. Entretanto, o acesso às imagens ao vivo é
exclusivo para assinantes da provedora Globo.com, empresa também pertencente às
Organizações Globo.
Todavia, são os episódios veiculados pela TV aberta que, por possuírem um
número bem mais expressivo de espectadores, apresentam maior rentabilidade
7
para as
Organizações Globo. Diariamente, por volta das 22 horas, a emissora transmite um compacto
com a edição dos melhores momentos segundo a direção do programa do último dia
vivido pelos participantes. Em alguns dias especiais, como os de eliminação, os big-brothers
conversam ao vivo com o apresentador do programa, ora na sala de estar da casa, diante dos
demais participantes, ora no confessionário, a sós com o apresentador e o público. Além dos
6
O título de “super-pobrinhos” foi criado por alguns dos participantes de BBB 4 e reforçado pela direção do
programa através de falas do apresentador e de alguns compactos exibidos diariamente na TV aberta.
7
Na gica mercadológica que rege a televisão aberta brasileira, boa média de audiência significa bons preços
para os intervalos comerciais exibidos naquele horário. No caso específico de BBB, também a possibilidade
de comercialização de merchandising no decorrer do próprio programa; além do fato de que a fama transitória
dos ex-participantes alimenta a audiência de outros programas exibidos pela Rede Globo.
17
episódios diários, a emissora produz dois episódios especiais: o programa de apresentação e o
“lavagem de roupa suja”. O primeiro é exibido menos de uma semana antes dos participantes
entrarem na casa. Neste, o apresentador Pedro Bial explica algumas mudanças nas regras do
jogo, mostra a nova decoração do cenário e, por meio de inserção de VT´s previamente
gravados, nos apresenta os participantes da próxima versão de BBB. O “lavagem de roupa
suja”, como o próprio nome sugere, acontece alguns dias depois da exibição do último
episódio; os ex-big-brothers se encontram em um estúdio, na presença de Bial e,
eventualmente, de representantes do público, para prestarem esclarecimentos sobre algumas
atitudes que tomaram no decorrer do programa e para, sobretudo, se agredirem verbalmente.
Vale dizer que existem também as inserções com flashes ao vivo da casa durante a
programação da Rede Globo. Estes flashes, por não possuírem horários bem definidos,
exercem, essencialmente, a função de propagandas do próprio programa.
Dentro da estrutura interna da Rede Globo, o programa é produzido pela Central
Globo de Jornalismo. Desde a primeira edição de Big Brother Brasil, no início de 2002, J. B.
Bonny, o Boninho, é o responsável pela direção-geral e o jornalista Pedro Bial, por sua
apresentação
8
. É o apresentador quem media a interação entre participantes e público; é ele
quem anuncia os nomes indicados para o “paredão”, quem foi escolhido pelo público para
deixar o programa, qual prova os participantes deverão cumprir para conseguir o alimento da
semana ou definir o der e o anjo do grupo. Além dessas falas necessárias para o
desenvolvimento do programa, o apresentador também deixa “escapar” pequenas pistas para
os participantes sobre o que o público está achando de suas atuações e que ações estão sendo
mostradas para esse público. Dessa forma, Bial ultrapassa o simples papel de um apresentador
isento e acaba por influenciar e, em alguns casos, até mesmo dirigir as ações dos participantes
e do próprio público.
Além das intervenções do apresentador nos momentos ao vivo, a edição dos
compactos exibidos nos episódios diários de Big Brother Brasil também é responsável por
uma indução na opinião de grande parte do público a respeito dos participantes. Como o
próprio diretor geral de BBB indicou, a estrutura da montagem desses compactos é uma das
responsáveis pelo grande sucesso da versão brasileira de Big Brother junto ao público. A
equipe responsável pela seleção e montagem dos “melhores momentos” do dia-a-dia na casa
segue a diretriz apontada pela direção do programa de conferir um leve toque de humor ao
cotidiano, muitas vezes monótono, vivido pelos big-brothers. Esse toque humorístico é
8
Vale dizer que na primeira versão de BBB, Pedro Bial dividia o comando do programa com a atriz Marisa
Orth; no entanto, na segunda edição em diante, ele passou a apresentar o programa sozinho.
18
marcado por uma recuperação satírica dos perfis das personagens, charges eletrônicas que
ilustram casos contados pelos participantes e pela criação de quadros quase ficcionais que
representam o comportamento e o alinhamento adotado pelos jogadores na casa. Em BBB 5,
por exemplo, foi montada a animação “Os Inacreditáveis”, com forte alusão às histórias de
super-heróis, recorrentes em gibis e desenhos animados, para recontar os complôs e
estratégias adotadas por parte dos participantes com o fim de prolongar sua permanência no
programa.
Em uma entrevista publicada no site oficial do programa, logo após o término de
BBB 5, a editora-chefa Fernanda Scalzo explica, em linhas gerais, como funciona o processo
de seleção e montagem das imagens que fazem parte dos compactos exibidos:
A equipe de edição é composta por mim e mais 14 pessoas. São três turnos
de oito horas com três pessoas em um número igual de ilhas de edição. Tudo
o que é produzido por eles é peneirado em vídeos de duas em duas horas. O
editor faz um copião dos horários que formam vídeos de aproximadamente
três horas. Eu vejo tudo isto e para finalizar, ainda observo em casa com o
pay-per-view e leio tudo o que posso a respeito do programa.
(<www.globo.com/bbb>, maio de 2005).
O editor-chefe, portanto, é apenas o responsável pela montagem final dessas
imagens, rastreadas pelas outras pessoas da equipe de edição em vídeos preliminares.
Devemos refletir, então, sobre o que guia esse processo de pré-edição, o que indica a esses
funcionários, divididos em ilhas de edição e turnos distintos, quais seriam as imagens a serem
guardadas e quais a serem descartadas. Como Scalzo deixa transparecer nas entrelinhas de sua
fala, não muito tempo para se pensar na melhor montagem possível; a seleção das imagens
é um processo concomitante à construção das personagens na casa e, por isso, muitas vezes
guiada pelas representações que estão mais à mão, mais óbvias, pelo lugar-comum. Assim,
não podemos falar que exista uma intenção racionalmente construída pela direção do
programa para beneficiar a imagem deste ou daquele participante. O que guia a equipe de
edição é o entrecruzamento de algumas características estruturais do meio televisivo, como a
diretriz adotada pelos produtores do programa e o pouco tempo para finalização do produto
televisivo, com o confronto das intersubjetividades dos sujeitos envolvidos nesse processo. É
esse lugar no qual Big Brother Brasil está inserido que vamos tentar mapear no decorrer de
nosso trabalho; em um primeiro momento, pretendemos compreender melhor o processo de
produção das mensagens midiáticas da televisão; em seguida, vamos nos ater ao modo pelo
qual as representações são construídas e propagadas na sociedade.
19
2 – TV: INDÚSTRIA, PODER E LINGUAGEM
O primeiro ponto que se faz necessário discutir é a própria noção de televisão.
Como um meio de comunicação de largo alcance, a mídia televisiva, em sua estrutura
produtiva, é atravessada por relações de poder, uma vez que nela estão envolvidos grandes
interesses econômicos e políticos; ter o controle sobre a produção das mensagens televisivas,
em certa medida, é ter o poder de falar por si mesmo. É sob essa perspectiva que se baseiam
as análises pioneiras da Escola de Frankfurt sobre o meio televisivo. Embora alguns dos
principais pontos levantados pelos frankfurtianos, como a divisão entre alta e baixa cultura e a
crença em uma manipulação perversa das mensagens midiáticas, sejam, atualmente,
desconsiderados pelos estudos de comunicação por não darem conta da dinâmica da produção
e circulação de sentidos e valores na sociedade, não podemos deixar de resgatar alguns de
seus achados, ainda hoje pertinentes. Para compreender melhor a televisão é preciso não
perder de vista que o processo de construção e circulação de suas mensagens é profundamente
marcado pelas macro estruturas de poder econômico e político que perpassam a sociedade
capitalista.
No entanto, uma boa releitura dos preceitos deixados pela teoria crítica
frankfurtiana também deve considerar algumas características da produção televisiva
provenientes do próprio aparato técnico da TV. A televisão, como um dispositivo técnico
distinto dos demais meios de comunicação, também possui uma linguagem própria. Nem
sempre a recorrência de alguns recursos técnicos se dá ao acaso ou para iludir seus receptores;
a capacidade técnica do aparato televisivo imprime limitações e distinções em sua linguagem.
Em última instância, não devemos nos esquecer de que a televisão se insere na vida social de
forma circular: a TV marca nosso cotidiano através de sua presença constante, do ritmo e do
tempo que confere a algumas de nossas atividades diárias, mas, ao mesmo tempo, também
sofre pressões de nossos valores morais e culturais.
2.1 – OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E AS PRÁTICAS DE PODER
O estabelecimento de meios de comunicação voltados a um grande público, ainda
nas primeiras cadas do séc. XX, colocou em xeque algumas considerações sobre o fazer
20
artístico e suas principais características. O modo pelo qual os produtos provenientes de
mídias como o cinema, o rádio e, posteriormente, a televisão eram concebidos, produzidos e
distribuídos na sociedade diferia, em muitos pontos, da criação e recepção das obras artísticas
pertencentes às tradicionais “belas artes” que até então vigoravam. O advento tecnológico dos
meios de comunicação de massa, como foram denominados ainda no início de seu
aparecimento, permitiu não só uma reprodutibilidade técnica dos produtos culturais
(Benjamin, 1985), mas também uma separação espaço-temporal entre emissores e receptores.
A Escola de Frankfurt, na Alemanha, associada principalmente aos nomes de
Adorno e Horkheimer, foi a primeira linha teórica a se posicionar criticamente contra a
cultura dos meios de comunicação de massa. Adorno e Horkheimer (1985) adotam a
expressão “indústria cultural” para designar a indústria voltada para a diversão, para o
entretenimento e para a produção de mercadorias culturais. Optam pelo termo “indústria”
porque esta emprega milhares de pessoas, apresenta um alto nível de divisão do trabalho e é
uma rede de empresas (ou setores) que se complementam; o público também seria uma parte
dessa indústria e não sua desculpa. Os produtos oriundos da indústria cultural, essencialmente,
são iguais em seu conteúdo; toda a produção se encaixa em esquemas e clichês, a fórmula
substitui a obra de arte; apenas o que os diferenciam são os level de qualidade” (Adorno e
Horkheimer, 1985) que procuram atender consumidores de diferentes estratos da sociedade.
A indústria cultural opera de forma a perpetuar a ideologia capitalista da classe
dominante: é aqui que encontramos a matriz marxista que fundamenta a teoria crítica
frankfurtiana. A princípio o trabalhador procura os produtos da indústria cultural para
descansar do trabalho mecanizado com o qual esteve em contato durante o expediente.
Contudo, acaba se confrontando, mais uma vez, com este trabalho mecanizado, deparando-se
com produtos sem conteúdo, que não o fazem pensar; sua atitude é de absorver a
mecanicidade da produção da indústria cultural. Os autores, assim, afirmam que a função de
distração da indústria cultural é, em seu cerne, contraditória, pois quanto mais esta pretende
relaxar e distrair o seu público mais trabalho exige dos que nela atuam nesse sentido, “o
entretenimento não seria a mera antítese da arte, mas o extremo que a toca” (Adorno e
Horkheimer, 1985, p. 133).
A ideologia estaria presente também nas representações que os produtos da
indústria cultural propagam. Os filmes
1
, por exemplo, reproduzem de forma cíclica a vida
1
Os primeiros trabalhos da Escola de Frankfurt, datados nos anos 1930, tomavam como principal objeto de
análise o cinema que, na época, era o meio de comunicação que mobilizava o maior número de espectadores. A
televisão, cujas primeiras transmissões aconteceram na Europa no período entre guerras, seria produzida em
21
cotidiana, como se esta não pudesse se apresentar de outra maneira, como se o mundo fosse
imutável. A naturalidade de seus atores e o caráter de realidade que a imagem cinematográfica
imprime fazem com que o consumo se dê de forma quase automática, sem consciência crítica.
O sistema vigente é perpetuado por estas representações; a idéia de diversão implica em estar
de acordo com a ideologia dominante burguesa, induz ao conformismo. É neste tom de
naturalidade que permeia os produtos culturais da indústria do entretenimento que jaz seu
caráter mais violento.
No que concerne ao caráter artístico desses produtos, a priori, existiria uma
separação entre arte superior e arte inferior: a primeira seria fruto da inspiração de um gênio
criador, e a segunda estaria arraigada à cultura popular. A indústria cultural se apropria
perversamente dessas duas formas artísticas, renegando à arte sua autonomia e
transformando-a em bem de consumo. Na era burguesa, a arte adquire uma utilidade, se torna
fonte de conhecimento e de prestígio, obtendo um valor de troca. O artista passa a seguir a lei
de mercado, assim, a ideologia dominante também permeia o processo de concepção e criação
dos produtos culturais destinados a um grande público. O fato dos bens culturais terem se
tornado mais acessíveis às massas não fez com que estas tomassem contato com o universo de
uma alta cultura do qual sempre foram excluídas; na verdade, o que aconteceu foi justamente
uma banalização e uma decadência da cultura.
Embora não comungando inteiramente da teoria crítica e, por isso, produzindo um
pensamento mais ambivalente, Walter Benjamin parte da mesma base marxista da Escola de
Frankfurt e de alguns preceitos colocados por Adorno e Horkheimer para discutir o problema
colocado pelos meios de comunicação de massa. Como os primeiros autores apresentados,
também elege o cinema como seu principal objeto de análise. Benjamin (1985) se debruça
principalmente, como o título de seu célebre artigo indica, sobre o papel desempenhado
pela arte nos produtos advindos da reprodução técnica favorecida pelos meios de
comunicação de grande alcance. A reprodutibilidade da obra de arte põe em xeque a
autenticidade da mesma; o “aqui” e o “agora” da obra de arte é desvalorizado, é afetado; “o
que se atrofia na era da reprodutibilidade técnica da obra de arte é sua aura” (Benjamin, 1985,
p. 168).
Por outro lado, a reprodutibilidade técnica propicia à obra de arte maior
autonomia; a cópia pode estar presente em lugares até então impossíveis para o original, o que
resulta em uma aproximação desta com o indivíduo. A arte, agora emancipada, se desloca
escala industrial a partir de 1945; daí, Adorno e Horkheimer não haverem se detido, nesse primeiro momento,
nos produtos televisivos e sim nos cinematográficos.
22
definitivamente do ritual e passa a fundar-se na política. Uma obra cinematográfica, por
exemplo, por apresentar uma produção de alto custo, não se torna viável se for consumida
individualmente; sua difusão torna-se, portanto, imprescindível. Entra a distinção entre o
valor de culto e o de exposição. O primeiro está ligado ao ritual, o que importa é a existência
da obra com sua aura e não a sua proximidade e exibição. A reprodutibilidade técnica faz com
que a obra de arte se posicione e se valorize justamente pela amplitude de sua visibilidade. Se
para Adorno e Horkheimer (1985) os bens culturais se esvaziam e desvalorizam quando são
submetidos a uma lógica de produção industrial, para Benjamin são exatamente as técnicas de
reprodução as responsáveis pelo deslocamento da arte para um novo lugar, nem melhor nem
pior, apenas diferente do que até então era ocupado por ela.
Para Benjamin, o cinema não seria uma arte menor, como sugerem os primeiros
autores da Escola de Frankfurt; pelo contrário, graças ao processo de montagem das imagens
cinematográficas a obra de arte pode, enfim, atingir um novo patamar, de maior
complexidade. Um escultor grego de outrora dispunha apenas de um pedaço de mármore para
extrair sua obra, já o diretor de cinema de hoje tem ao seu alcance vários rolos de filmes, com
planos distintos para montar, da maneira que lhe convier, a sua obra cinematográfica. A
“perfectibilidade” (Benjamin, 1985) deriva dessas inúmeras fontes de matéria-prima e
possibilidades de se conceber uma obra de arte. As massas que se mobilizam diante do
cinema não estão à mercê da mecanização, como indica Adorno e Horkheimer; é justamente
ali que o ser humano encontra a sua revanche em relação à máquina - ele a coloca sobre seu
próprio triunfo. O receptor de Benjamin não é alguém que apenas consome a ideologia
presente nos bens produzidos pela indústria cultural; na recepção do cinema não várias
mediações como na pintura.
Quanto mais se reduz a significação social de uma arte, maior fica a
distância, no público, entre a atitude de fruição e a atitude crítica, como se
evidencia com o exemplo da pintura. Desfruta-se o que é convencional, sem
criticá-lo; critica-se o que é novo, sem desfrutá-lo. Não é assim no cinema.
(Benjamin, 1985, p. 187-188).
Porém, concorda com aqueles ao dizer que a recepção do cinema se dá pela
distração, passa pelo hábito, não causando o estranhamento. “A massa distraída, pelo
contrário, faz a obra de arte mergulhar em si, envolve-a com o ritmo de suas vagas, absorve-a
em seu fluxo” (Benjamin, 1985, p. 193). O cinema é, por excelência, o lugar ideal para um
tipo de recepção denominada pelo autor como tátil.
23
Os apontamentos feitos por Benjamin inspirariam, alguns anos mais tarde, o
trabalho de Enzensberger (1979) que se mostra preocupado com a inexistência de uma teoria
de cunho marxista que conta do fenômeno dos meios de comunicação de grande alcance,
designados por este como “indústria da consciência”. Traça uma distinção entre aparelho de
distribuição e aparelho de comunicação, salientando que o cinema e a televisão ainda não
promovem a comunicação de fato, pois não são capazes de escutar seu público, apenas
retransmitem a fala dos produtores. A dialética emissor / receptor, sob a qual esta indústria
opera, é um reflexo da ideologia burguesa dominante e da divisão social do trabalho. Todavia,
Enzensberger aplica o conceito de ideologia de maneira distinta da que Adorno e Horkheimer
(1985) o fazem; a ideologia está presente não no conteúdo dos produtos culturais, mas
principalmente no modo pelo qual esta indústria se organiza. “A oposição entre produtores e
consumidores não é inerente aos meios eletrônicos; pelo contrário, ela deve ser artificialmente
mantida mediante medidas econômicas e administrativas” (Enzensberger, 1979, p. 79).
Como havia ponderado Benjamin (1985), o autor afirma que os novos meios
técnicos, em tese, são mais democráticos por tornarem acessível à grande maioria do público
os bens que produzem – estes estão à disposição de todos de forma igualitária, não se tratando
de bens armazenáveis ou leiloáveis. Porém, segundo Enzensberger, para que a indústria da
consciência se torne democrática de fato é preciso que ela se estruture coletivamente, isto é,
todos passem a ser emissores e receptores desses meios de comunicação direcionados para as
massas. Enquanto isto não se estabelecer, esses meios serão potencialmente
revolucionários.
Retoma abertamente Benjamin para pensar a obra de arte no âmbito da indústria da
consciência. Os meios de comunicação estabeleceram uma nova relação entre sujeito e objeto
artístico e, por isso, é necessário se construir uma estética que seja adequada à nova situação.
O conceito de obra de arte acabada se tornou anacrônico: “aquilo que até agora veio se
chamando arte, foi superado, no sentido estritamente hegeliano, pelos meios de comunicação.
A discussão em torno do fim da arte é ociosa, enquanto este fim não for compreendido de
forma dialética.” (Enzensberger, 1979, p. 123). Se Adorno e Horkheimer (1985)
contrapunham a arte tradicional à arte popular, emergente no seio da produção dos meios de
comunicação de massa, Enzensberger propõe exatamente o oposto: uma integração entre estas
duas formas de expressão artística.
Apesar de não se debruçar sobre questões concernentes à recepção, podemos
encontrar indícios no trabalho de Enzensberger que nos fazem crer que este não confiava em
uma ingenuidade total de um público que seria facilmente influenciado: “é verdade que na
24
televisão pululam os mentirosos, mas todos vêm de longe que ali estão para vender algo”
(Enzensberger, 1979: 130).
Quem estabelece um diálogo crítico direto com Enzensberger é Jean Baudrillard
em um capítulo de seu livro Para uma Crítica da Economia Política do Signo, dedicado à
análise da mídia. Embora Enzensberger proponha uma teoria voltada para os meios de
comunicação, segundo Baudrillard (1970), ele não chega a formulá-la de fato, sua análise não
avança muito. Este autor critica veementemente a idéia de Enzensberger de que os meios de
comunicação em sua essência são uma técnica libertadora: “não é como veículo de um
conteúdo, mas na sua forma e na sua própria operação que os media induzem uma relação
social, e tal relação não é de exploração, é de abstracção, de separação, de abolição da troca.”
(Baudrillard, 1970, p. 216).
A idéia de comunicação está intimamente relacionada à idéia de troca, o que não é
propiciado pela forma pela qual os meios de comunicação se estruturam; portanto a mídia se
estabelece, no contexto capitalista vigente, como um sistema de controle social do poder. A
“revolução dos media” está na subversão das relações emissor / receptor e código /
mensagem, isto é, a verdadeira estratégia revolucionária está na instituição do poder de
resposta, de troca simbólica entre as audiências e os produtores dos bens midiáticos.
Baudrillard é mais enfático e mais radical – do que Enzensberger no que se refere à questão
do controle exercido pelos meios de comunicação. Se este acreditava na inviabilidade da
instauração de um órgão capaz de controlar todas as instâncias de produção midiática, aquele
diz que isto não é necessário, pois o controle da mídia não necessita de fiscalização; esse
controle se faz presente na auto-regulação de seus produtores ou mesmo na idéia de feedback
como uma resposta possível por parte do receptor. nesse ponto um importante dissenso
entre os dois autores: para Baudrillard as relações de poder não estão presentes
particularmente nos conteúdos dos produtos midiáticos, como afirma Enzensberger, e sim no
modo como estes são produzidos, distribuídos e recebidos.
[...] Na relação simbólica de troca existe resposta simultânea, não
emissor e receptor de um lado e do outro da mensagem, e também não
‘mensagem’, quer dizer, um corpus de informação a decifrar de maneira
unívoca sob a égide de um código. O simbólico consiste precisamente em
quebrar esta univocidade da ‘mensagem’ [...]. De nada serve mudar os
conteúdos da mensagem, é preciso modificar os códigos de leitura, impor
outros códigos de leitura. O receptor (que, na realidade, já não o é) intervém
aqui sobre o essencial, opõe o seu próprio código ao do emissor, inventa
uma verdadeira resposta escapando à armadilha da comunicação dirigida.
(Baudrillard, 1970, p. 234)
25
Essa leitura subversiva, apontada por Baudrillard, não é possível se o atual modelo
em que se estrutura os meios de comunicação e, conseqüentemente, as análises lançadas sobre
estes persistirem. Por abaixo a lógica dialética que vigora significa não uma remodelação
da forma como são produzidos os bens midiáticos (Adorno e Horkheimer; Enzensberger), mas
também como estes circulam pela sociedade. A ideologia, para além do conteúdo transmitido
pelos bens culturais, está presente, sobretudo, na forma em que as mensagens midiáticas se
estruturam.
Diante dos principais preceitos dos autores retomados anteriormente, em especial,
os de Baudrillard, Muniz Sodré (1999) tenta compreender como a sociedade e,
especificamente, a televisão se relacionam. Para o autor, a televisão segue a uma lógica
produtiva alienante, longe de propiciar um senso crítico no receptor, que estaria à deriva de
suas mensagens. Um dos avanços apresentado por esse estudo é que Sodré, embora esteja
atento a algumas questões concernentes ao dispositivo técnico, não resume a televisão apenas
a este ponto. Ele entende essa mídia como um sistema que engloba os processos de produção
e de recepção que são mediados pelo aparato televisivo contudo, o autor não se detém com
maior propriedade nesse tópico relativo à mediação. Trata-se de um sistema marcado pela
ideologia dominante e pelas relações de poder e, como Baudrillard, afirma que a lógica
produtiva dos meios de comunicação é responsável pela alienação da expressão dialogal.
[...] O monopólio instituído pela televisão não se explica simplesmente pelo
controle econômico das fontes de informação, mas pelo controle ideológico
da fala, isto é, da possibilidade de resposta do ouvinte. [...] É óbvio que a
dominação não está no equipamento eletrônico em si (vídeo-teipe, cinema
etc.), mas no estatuto de sua produção de significações. (Sodré, 1999, p. 42-
43).
O grande trunfo do poder é fazer com que a ideologia dominante seja interiorizada
pelos receptores. Desse modo, o controle sobre os meios de comunicação passa a ser feito
pelos próprios controlados, dispensando a existência de um órgão fiscalizador como havia
indicado Enzensberger. A TV seria, assim, a encarnação do panoptismo de Foucault na
Comunicação Social.
É interessante observar como Sodré confere ao dispositivo técnico uma
importância determinante no modo pelo qual a imagem da televisão é percebida na vida
cotidiana. Neste ponto, sua discussão apresenta um significativo avanço em relação aos
demais autores que também voltaram suas análises à mídia televisiva. O espaço físico da TV é
composto por duas cenas: uma circunscrita na tela luminosa do próprio aparato técnico e outra
referente ao espaço de recepção da primeira a sala de estar, o quarto de dormir, o ambiente
26
familiar. A mensagem televisiva interpela diretamente o receptor no seio de seu lar; ele passa
a vê-la como algo natural em seu cotidiano. “(...) Finge ser o olho da família assestado para a
espontaneidade dos acontecimentos do mundo, escondendo a sua condição de olhar hipnótico
e imobilizador do sistema.” (Sodré, 1999, p. 59 – grifo do autor).
A partir dessa consideração, Sodré aponta algumas das características essenciais da
linguagem da TV. Esta se apóia em uma linguagem fática e direta; o elemento verbal
predomina no discurso televisivo, o apresentador de um programa assume um papel central na
mensagem televisiva o de simular intimidade, o de causar identificação com o espectador.
Diferentemente do que ocorre no cinema, na televisão a montagem não é essencial para o
resultado do produto final; ela é apenas mais um recurso técnico. “Porque a televisão, tendo
de simular um diálogo em contato familiar com seu público, apóia-se numa retórica do direto.
O que aparece no vídeo pretende ser apreendido como simultâneo ao tempo do espectador.”
(Sodré, 1999, p. 70-71 – grifos do autor).
A imagem televisiva se ocupa apenas em mostrar o mundo para o espectador, sem
causar-lhe estranhamento; o receptor deve olhar para o real, mas um real recriado. O que lhe
fascina é o simples ato de olhar - a televisão encarna, assim, o papel de voyeuse do mundo,
tendo o telespectador como cúmplice. Enzensberger (1979) também fala da presença de uma
imagem vazia na televisão, que seduz simplesmente por existir, mas que não diz nada porque
a classe burguesa, que detêm o controle sobre sua produção e veiculação, não teria mais nada
a dizer. Assim, para Enzensberger, o que é vazio de fato não é a televisão e sim quem a
produz. Sodré fala de uma produção que não reflete o real, mas constrói uma realidade
distinta, baseada em representações sociais logo, a TV estabelece uma relação paradoxal
com o real; ela o recria e o apresenta aos espectadores como se fosse a única realidade
possível.
Assim como Sodré, Bourdieu (1997) também se volta especificamente para a
televisão e nos chama a atenção para a sedução da visibilidade televisiva aparece-se na TV
não para dizer algo, mas para ser visto. Se para Sodré a tela da televisão é o lugar da voyeuse,
para Bourdieu ela também é o lugar da exibição. No mundo atual, a visibilidade significa
status, até mais do que isso, ela é capaz de conferir poder político. Como os demais autores,
também fala de uma manipulação exercida pelo meio, porém a televisão não imputaria,
perversamente a ideologia dominante à sociedade (Adorno e Horkheimer; Enzensberger;
Sodré); tal ideologia é gerada na estrutura social e, por isso, também perpassa a mídia. Os
responsáveis pela criação dos programas televisivos são dominados pelo sistema, assim como
seus receptores. Bourdieu, nesse sentido, desenvolve a questão da auto-regulação como uma
27
das instâncias do controle exercido pela mídia, que fora apenas indicada no trabalho de
Baudrillard (1970) e pouco desenvolvida por Sodré (1999).
Porém, ao tratar do processo de recepção, o autor adota uma postura tal e qual
apresentavam os primeiros autores da Escola de Frankfurt. O receptor de Bourdieu parece não
poder esboçar nenhuma atitude diante dos produtos midiáticos além da absorção de seus
conteúdos. Primeiro, afirma que para alcançar um maior público os produtos televisivos no
caso específico de sua análise, o telejornal – se voltam para assuntos que não levantam
problemas de fato, pois são construídos conforme as categorias de percepção do receptor. Em
seguida, diz que a televisão teria o poder de uma revolução simbólica, mas prefere se ajustar
às estruturas mentais do público que, por sua vez, interiorizou a ideologia dominante
vigente no sistema em que se insere.
Embora em alguns pontos os estudos aqui retomados nos pareçam um pouco
ultrapassados ou até mesmo radicais, não se pode negar as importantes contribuições que eles
nos trazem. As relações de poder perpassam os meios de comunicação; os bens culturais ali
produzidos, em sua maioria, não primam por uma qualidade estética e tampouco instigam o
receptor; a manipulação pode até não acontecer de forma direta e perversa, como alguns
desses autores indicam (Baudrillard; Bourdieu), mas a ideologia da sociedade capitalista
também habita a estrutura e o conteúdo das mensagens midiáticas.
No entanto, nem tudo pode ser explicado pelas relações de poder político e
econômico, como esses autores nos fazem crer. Para além da lógica de mercado, existe a
interação entre sujeitos que criam laços sociais uns com os outros no seio das experiências
cotidianas. Tais análises não contemplam essa dimensão simbólica da comunicação; não são
capazes de explicar a produção e o compartilhamento de sentidos lançados pela dia.
Apenas se atêm ao grande papel que os meios de comunicação e, em alguns casos, a televisão
(Sodré; Bourdieu) desempenham no contexto atual. Preocupam-se principalmente com a
relação existente entre a sociedade e a mídia, tentando captar o modo como estas se
estruturam; e, assim, deixam escapar a gica e a dinâmica das situações concretas do
cotidiano; das relações efetivamente construídas em torno das práticas comunicativas
instauradas pela televisão. Não é preciso que a palavra e que a produção dos meios de
comunicação sejam tomadas politicamente pela classe dominada, como sugerem
Enzensberger e Sodré, para que sua expressão se faça valer. Jesús Martin-Barbero (2003), por
exemplo, contradiz esta idéia ao ver no consumo um modo de expressão dessas classes: “[...]
nem toda forma de consumo é interiorização dos valores das outras classes. O consumo pode
28
falar e fala nos setores populares de suas justas aspirações a uma vida mais digna” (Martin-
Barbero, 2003, p. 301).
Todavia, se a abordagem político-ideológica, centrada nas relações de poder que
perpassam os meios de comunicação, não nos parece suficiente para nossa análise, não
podemos tampouco negligenciar a incidência dessas relações nas situações menores como
assistir a um programa televisivo. Daí, a razão de resgatarmos e estabelecermos um debate
com o trabalho desses autores.
2.2 – A LINGUAGEM DA TV E A ESPECIFICIDADE DO MEIO TÉCNICO:
Paralelamente ao desenvolvimento desses estudos de cunho mais macro-
sociológico, solidificava-se uma outra forma de se abordar a televisão; uma abordagem que se
voltava mais especificamente ao estudo do dispositivo técnico. Tal abordagem também
apresenta algumas limitações: tende a um isolamento dos produtos televisivos, deixando em
segundo plano sua inserção na sociedade; além de, em alguns casos, tratarem-se de trabalhos
mais descritivos do que analíticos. Todavia, retomamos aqui esses estudos por considerarmos
importante a atenção que eles despendem em tentar entender a televisão e a estruturação de
sua linguagem a partir de algumas características do dispositivo técnico que a abriga.
Para alguns autores, o surgimento do aparato técnico da televisão é resultado da
evolução dos demais meios de comunicação até então existentes, pois é o primeiro meio de
comunicação que emite mensagens audiovisuais que podem ser recebidas por um aparelho
situado no interior da casa dos receptores. Décio Pignatari (1984), descreve de forma quase
poética o sincretismo da linguagem televisiva:
A televisão é um veículo de veículos, é um grande rio com grandes
afluentes. que é um rio reversível: recebe e devolve influências. Quanto
à imagem, desaguam na TV: o desenho, a pintura, a fotografia e o cinema.
A palavra escrita é um rio subterrâneo, mas poderoso: a literatura está por
baixo de toda narrativa, a imprensa sob todos os noticiosos e todos os
documentários e reportagens. A palavra falada é um lençol d’água, está por
toda parte: presenças do teatro e do rádio, que também influem nos
espetáculos musicais e humorísticos. Mas a linguagem marcante, de base, é
a do cinema: composição e montagem de imagens. (Pignatari, 1984, p. 14)
Ana Maria Balogh (2002), por sua vez, afirma que a linguagem televisiva nasce da
mescla de conquistas advindas de outros meios de comunicação como a literatura, o teatro, a
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pintura, a fotografia, o cinema e o rádio. Artur da Távola (1984) também reforça esta idéia e
caracteriza a TV como um meio “síncrese”; dentro de sua linguagem podemos encontrar
traços das linguagens dos meios que a antecederam. Além de ser um caráter fundante da
linguagem televisiva, a síncrese também seria seu maior diferencial em relação aos demais
meios. Embora não haja grandes discordâncias com relação a este ponto - a natureza híbrida
do aparato técnico da televisão - parte dos autores parece negligenciar essa origem, apenas se
detendo na questão da imagem produzida pela TV em oposição à imagem cinematográfica.
Aliás, esta é uma prática metodológica comum nos trabalhos acerca da televisão. É
muito fácil e até mesmo tentador compará-la ao cinema, que ambos os meios
apresentam como característica fundamental o uso da imagem em movimento. De fato, a base
estrutural da linguagem televisiva é, em grande parte, herdada da teoria da montagem
cinematográfica (Pignatari, 1984). O problema não reside na opção metodológica de traçar
um paralelo entre os dois meios, mas na forma como esse paralelo costuma ser construído -
quase sempre essa comparação é feita sob uma perspectiva valorativa. Há uma forte tendência
em se julgar os produtos cinematográficos como sendo de uma natureza mais “nobre” ou mais
qualificada que os televisivos. É preciso lembrar que nem tudo que é produzido no âmbito
cinematográfico apresenta um caráter polissêmico, libertador (libertador no sentido de
favorecer uma interpretação crítica por parte do receptor) ou proporciona uma experiência
estética ao público – aliás, muito pelo contrário, o cinema, como a televisão, também pode ser
criado e veiculado de acordo com práticas mercadológicas.
Além disso, recorrer à linguagem cinematográfica buscando entender a televisiva
não é o melhor caminho analítico a ser seguido, pois os dois meios apresentam características
distintas no que diz respeito ao modo pelo qual seus produtos são concebidos, produzidos e
recebidos. Arlindo Machado (2001) indica que é preciso estudar a televisão de acordo com
critérios que lhes sejam próprios, que levem em consideração as características de seu meio e
as particularidades de sua linguagem, caso contrário se recorrerá ao risco de desvalorizar a TV
e seus produtos. Apesar de se mostrar inclinado a estabelecer critérios analíticos para a
televisão, o autor não os estabelece de fato e é pego pelas armadilhas por ele mesmo
apontadas. Em seu trabalho, busca recuperar dentre os produtos televisivos exemplos que
demonstrem a possibilidade de se produzir uma televisão de qualidade. Entretanto, não chega
a analisá-los de forma contundente e acaba por enquadrá-los conforme critérios estéticos que,
usualmente, estariam relacionados à linguagem cinematográfica. Isto se torna evidente nas
listagens feitas pelo autor no decorrer de seu texto, em que a grande maioria dos “bons”
30
realizadores em televisão são nomes consagrados no meio cinematográfico ou em outras
formas de expressão artística.
Balogh (2002) também empreende na tarefa de tentar definir a televisão em
oposição ao cinema, porém evita traçar uma hierarquia entre os meios, procurando sempre
marcar suas peculiaridades. Para a autora, o primeiro ponto que distingue a TV do cinema é a
onipresença da primeira, que estaria virtualmente disponível quase que em tempo integral em
nosso cotidiano idéia convergente à colocada por Sodré (1999), no item anterior, de que o
espaço físico da televisão é composto não só pela tela, mas também pelo ambiente familiar no
qual se encontra. Ricardo Miranda e Carlos Alberto M. Pereira (1983) também estão atentos
ao modo pelo qual as mensagens televisivas são recebidas: “[...] assistir ou ‘ver’ televisão é
algo que se faz, freqüentemente, entre outras coisas, ou seja, com a atenção dividida entre
atividades diferentes e nem sempre muito compatíveis entre si, fugindo-se bastante a
quaisquer condições ideais de comunicação.” (Miranda e Pereira, 1983, p. 21).
Ciro Marcondes Filho (1988), por sua vez, marca as diferenças entre os contextos
de recepção de um filme e de um programa televisivo. A recepção do cinema é marcada pelo
rito; saí-se de casa em busca de um entretenimento pago conscientemente, senta-se em uma
sala escura em que uma tela de grandes proporções domina quase que totalmente o campo de
visão do espectador. a recepção da TV é dispersa, é o entretenimento que vai ao encontro
do espectador; o aparelho de TV torna-se da família, ou seja, sua recepção não é marcada por
um momento especial como acontece no cinema, ela ocorre de forma regular e contínua. O
cinema estaria mais próximo do sonho, pega o espectador pelo emocional, enquanto a
televisão exerceria uma função de distração e de atualização por ocupar-se em informar seu
receptor.
As condições de recepção da mídia televisiva bem como algumas características
físicas do próprio aparato técnico como tamanho da tela e captação magnética da imagem
são fatores decisivos na constituição da linguagem televisiva. Cabe aqui retomar Távola
(1984), que afirma que o texto televisivo nasce do convívio de dois discursos: o racional e
lógico das palavras e o meta-racional da imagem. Isto é, a linguagem televisiva se estrutura
através de um discurso verbal (o texto em off e inserções de palavras escritas em letterings e
cartelas explicativas, dentre outros) e de um discurso não-verbal (as imagens).
No nível do discurso verbal, exatamente em decorrência da natureza dispersa de
seu contexto de recepção, a televisão lança mão de uma linguagem fática e direta (Sodré) na
tentativa de atrair seu receptor. O tom da fala do texto televisivo, de acordo com Balogh
(2002), calca-se em uma linguagem fática, em oposição à linguagem poética presente nos
31
textos artísticos, para enfatizar a relação entre emissor e receptor. Além disso, diferentemente
do que ocorre com um espectador de um filme, o prazer do telespectador está justamente no
reconhecimento. Daí, a televisão se basear em uma “estética da repetição” (termo da crítica
televisiva italiana), que decorre não só da ânsia de reconhecimento do espectador, mas
também de uma demanda diária que o meio exige.
Miranda e Pereira (1983) também corroboram com esta idéia e afirmam que a
linguagem televisiva busca um reconhecimento por parte do receptor e por isso se baseia em
uma linguagem “nacional popular” que se apropria e elabora os valores e sentimentos
presentes nos mais diferentes estratos de seu blico. Para Pignatari (1984), a TV brasileira
finalmente conseguiu criar uma fala brasileira, acessível à maioria da população do país e, por
isso, mais natural do que as falas até então presentes no teatro e no cinema brasileiro. Esse
seria um fator fundamental para o triunfo da dia televisiva em relação às demais mídias,
pelo menos aqui no Brasil.
No que concerne à produção das imagens televisivas os autores, em sua grande
maioria, justificam sua natureza conforme algumas especificidades técnicas que o dispositivo
oferece. Nesse tópico, como veremos, a comparação com as imagens cinematográficas, mais
uma vez, faz-se quase obrigatória. Um dos principais motivos que incentivam tal comparação
é que “a televisão absorveu do cinema duas de suas técnicas fundamentais: a técnica do corte
e a técnica da câmera contínua ou câmera na mão [...].” (Pignatari, 1984: 12 grifos do
autor). A técnica do corte opera sobre a noção temporal que a imagem imprime. a câmera
contínua tem a ver com a espacialidade, conferindo à imagem um status do olhar do
espectador; é como se este se fizesse ali presente e o que a câmera capta fosse a sua própria
visão sobre o real – daí, esta técnica também ser conhecida como “câmera subjetiva”.
Apesar de, em sua gênese, a televisão se reportar à base do cinema, as imagens que
esses meios criam se diferenciam pelo modo técnico em que são produzidas. A imagem do
cinema é impressa em um fotograma por meio de um processo ótico, já a imagem da televisão
é resultado de um processo magnético; sua reprodução, ao contrário do que ocorre com o
cinema, é contínua e, ademais, a imagem televisiva possui retícula. Este último caráter físico,
de acordo com Pignatari (1984), é responsável pelo uso constante de planos fechados pela
televisão. Por causa da retícula a imagem televisiva possui uma definição menor que a
cinematográfica, não podendo utilizar-se de planos mais abertos. Os planos mais fechados,
como o close up, são mais cansativos para o espectador, daí a tendência da televisão em
suprimir os “tempos mortos” (tempos em que quase não ação das personagens, em que
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quase “nada” ocorre), recorrendo aos cortes que enfatizam apenas as ações principais, isto é,
os “tempos fortes”.
De modo análogo, Sodré (1999) também justifica os enquadramentos mais
fechados da televisão pela baixa definição de sua imagem. Infere-se a partir disso que a TV se
volta a um detalhamento do todo; as ações individuais ou pontuais são sublinhadas em
detrimento da representação do grupo ou do todo da ão. Além disso, planos como close up,
juntamente com uma linguagem verbal mais direta, como foi exposto, favorecem uma
relação singular com o espectador, simulando um contato com o mesmo. O autor, tomando
emprestado os conceitos de Jules Gritti, caracteriza os espaços das imagens televisivas e
cinematográficas como sendo, respectivamente, “centrífugo” e “centrípeto”. As imagens
televisivas, por abusarem de planos mais fechados, fazem com o que espectador tenha que
projetar, imaginariamente, o extra-campo desses enquadramentos, o que está fora do que é
enquadrado pela lente da câmera, daí seu caráter “centrífugo”. As imagens cinematográficas,
por sua vez, operam o movimento oposto; seus planos mais abertos conseguem enquadrar não
só os detalhes de uma cena, mas dão conta do todo; é o espectador quem se coloca no meio da
imagem, daí o espaço cinematográfico ser chamado de “centrípeto”.
Marcondes Filho (1988) afirma que a televisão estabelece uma “relação extensiva”
com a imagem; a troca de planos e de imagens ultra-aceleradas não permite que o espectador
possa observar todos os detalhes presentes no plano, sempre se atentando para o centro do
quadro; assim não lhe é possível escolher o que olhar, isto lhe é apresentado arbitrariamente.
Balogh (2002) explica os enquadramentos mais fechados pelo fato do tamanho da tela de
um televisor ser bem menor do que o de uma tela de cinema. Destarte, a linguagem televisiva
abusa dos planos fechados, dos close up, que por excelência são a “imagem-feição” (Deleuze
apud Balogh), acabando por realçar uma função emotiva da linguagem.
O grande diferencial da televisão em relação aos demais meios, para Távola
(1984), que comunga com as idéias de Umberto Eco, é a possibilidade de relatar o real no
momento em que este ocorre, e isto influenciaria essencialmente a sua linguagem. O real,
durante as transmissões ao vivo, sofre menos interferências, é menos interpelado por
subjetividades alheias; são nesses momentos que “a televisão encontra sua plenitude como
linguagem” (Távola, 1984, p. 33). Complementa seu raciocínio dizendo que os meios que
lidam com o instantâneo são capazes de transmitir a emoção do que não é esperado, do que
irrompe no desenrolar dos acontecimentos. Para o autor é a partir de sua capacidade de
transmissão ao vivo, dos seus close up e da sua linguagem fática e direta que a TV causa
empatia em seu público.
33
Porém, não é apenas o dispositivo técnico que interfere na estruturação da
linguagem televisiva, a lógica mercadológica também determina algumas características
fundamentais desse texto. Balogh (2002) aponta que a temporalidade do meio televisivo é
profundamente marcada por uma “estética da interrupção” (termo que ela apropria de Paul
Virilio); isto quer dizer que a TV se insere em uma lógica de mercado de forma mais
contundente que o cinema, distanciando-se cada vez mais das noções clássicas de um texto
artístico. Os programas de televisão prevêem, por exemplo, a inserção de comerciais no
decorrer de sua apresentação, o que não acontece durante a exibição de um filme. Miranda e
Pereira (1983) também seguem a essa linha e dizem que o texto da televisão é formado por
dois grandes subtextos o break (tempo reservado para os intervalos comerciais) e o bloco
(tempo destinado aos programas televisivos).
Para Marcondes Filho (1988) um traço que difere a televisão do cinema é que este
comercializa os seus próprios produtos, ao passo que aquela confere a cada minuto de
exibição um valor comercial. Apesar de não se prender muito ao tópico, o autor chega a
apontar o problema que o zap institui à televisão. Os canais de televisão atualmente têm que
se preocupar sobretudo em não entediar sua audiência – sua perda implica em perda de
patrocinadores e ou em queda do valor do minuto comercializado. Daí, os produtores e
emissoras de televisão recorrerem cada vez mais às fórmulas testadas e aprovadas pelo
receptor, não buscando um estranhamento que pode resultar em baixa audiência. Isso pode
parecer, a priori, um olhar muito pragmático sobre o meio, como se todas as emissoras de
televisão estivessem preocupadas com seus lucros e a viabilidade financeira de sua
programação. Não obstante, essa é uma realidade presente principalmente entre os canais de
TV aberta, daí não podermos negligenciá-la.
Por fim, também, entre os pesquisadores de Comunicação Social, uma pequena
tendência nem por isso, menos importante - de aproximar a linguagem televisiva à
linguagem radiofônica. É bem verdade que a televisão, não raras as vezes, se faz valer muito
mais pela oralidade do que pelo encadeamento imagético, todavia isso não é bastante para
equipará-la ao rádio. José Carlos Aronchi de Souza (2004), ao buscar as origens da televisão,
afirma que
os programas mais populares na infância da televisão refletem o bito do
novo veículo com o seu antecessor eletrônico. Durante os três primeiros
anos da pesquisa de audiência Nielsen (que abrangeu o período 1950-1952),
os shows musicais ou outros formatos do rádio [...] dominaram os dez
primeiros lugares. (Aronchi de Souza, 2004, p. 51).
34
Mas, como o autor deixa claro, no decorrer de seu texto, essa comparação deve ser
situada apenas na gênese da linguagem televisiva. Marcondes Filho (1988) também chega a
aproximar a televisão do rádio: “a televisão poderia ser vista, em termos de comunicação,
mais próxima do rádio do que do cinema” (Marcondes, 1988, p. 19); ambos levam informação
à casa das pessoas e seus aparelhos receptores se encontram dispersos nos cenários cotidianos.
Concordamos com alguns pontos levantados pelos autores até aqui retomados:
sim, é preciso estabelecer uma metodologia própria para se analisar os produtos televisivos
(Machado), pois a questão do dispositivo técnico é fundamental para se compreender os
processos de produção e recepção dos produtos televisivos (Sodré, Balogh, Pignatari, Távola,
dentre outros). Também é importante que não nos esqueçamos de que a linguagem televisiva
carrega em sua formação e processos de produção uma mescla dos meios antecessores
(Pignatari, Balogh, Távola).
Se no item anterior tentamos compreender a televisão a partir de sua dimensão
social e das relações de poder que a permeiam, nesse presente item o que nos interessa é
perceber até que ponto a linguagem televisiva é construída de acordo com a lógica produtiva
capitalista e até que ponto é resultante de determinadas características do dispositivo técnico.
Através dos estudos recuperados percebemos que nem todas as escolhas feitas pelos
produtores de televisão são arbitrárias: de fato o dispositivo técnico não lida bem com os
planos mais abertos; o espectador da TV possui uma atenção dispersa; a lógica mercadológica
faz com que cada minuto de exibição receba o seu valor, interferindo no conteúdo e no
formato das mensagens televisivas. Estarmos atentos a esses pontos da linguagem televisiva
decorrentes das capacidades técnicas do próprio meio não significa que situemos o objeto da
comunicação apenas em relação a seu aparato. A análise dos produtos midiáticos não deve se
bastar pela compreensão da dinâmica de relações econômicas e políticas que os permeiam,
tampouco deve se resumir aos alcances e às possibilidades da técnica que os abrigam. Ainda
nos falta olhar para um terceiro aspecto - talvez o mais importante e esclarecedor -, aquele
concernente à dimensão simbólica, ao compartilhamento de sentidos produzidos e re-
apropriados na relação entre os meios de comunicação e a sociedade.
35
3 – RELAÇÕES, REPRESENTAÇÕES E MEDIAÇÕES TELEVISIVAS
Construir esse terceiro olhar sobre os meios de comunicação, que os entende como
um dos lugares privilegiados na criação e circulação dos sentidos apreendidos pelos sujeitos,
implica em nos questionarmos, antes de tudo, sobre qual seria o lugar próprio da
Comunicação. Para isto, retomaremos aqui, de forma sucinta, algumas reflexões de autores
que tentam (re)configurar o espaço ocupado pelos estudos de comunicação no âmbito das
Ciências Sociais. Vera França (2002 e 2004) se volta para a constituição de uma problemática
comunicacional que seja capaz de conferir certa identidade entre as pesquisas da área.
Segundo França (2002), é necessário que haja uma sistematização maior dos estudos
referentes às teorias da comunicação e um maior consenso entre as pesquisas da área para que
a comunicação se estabeleça, definitivamente, como um campo de saber.
Com relação ao objeto da comunicação existem duas tendências mais recorrentes:
uma que se centra nos meios de comunicação e outra que privilegia os processos
comunicativos. José Luiz Braga (2001 e 2002), por sua vez, é contra uma centralidade nos
meios de comunicação por parte do objeto comunicacional; estes são importantes na medida
em que foram os responsáveis pelas primeiras problematizações acerca da Comunicação, mas
isso não significa que constituam necessariamente tal objeto. França (2002) também
compartilha da objeção de Braga e nos lembra que objetos de estudo não são dados a priori,
mas construídos socialmente, à medida que são recortados pelos pesquisadores. Circunscrever
o objeto ao campo da dia é uma atitude redutora, uma vez que existem muitas práticas
comunicativas que se dão em outros campos. Além disso, pode-se estudar objetos
relacionados à mídia sob perspectivas não comunicacionais.
Muito menos deve-se considerar que o objeto comunicacional seja qualquer tipo
de relação entre sujeitos. Braga (2002) denomina essa segunda tendência como uma
perspectiva holista da comunicação. Deve haver, portanto, uma proximidade, um
reconhecimento entre os diversos estudos situados no campo da Comunicação; a pesquisa
nesta área deve se preocupar centralmente com as questões interacionais; elas devem estar
presentes no problema da pesquisa. “Poderíamos assim dizer que o objetivo e o objeto do
Campo de Estudos em Comunicação, de modo quase tautológico, é observar como a
sociedade conversa com a sociedade.” (Braga, 2001, p. 17).
França (2002) entende por processos comunicativos todo processo de produção e
circulação de informações e indica a necessidade de um afunilamento: “um recorte dentro
36
desse recorte, buscando refinar o objeto, vai circunscrever e ater-se aos processos humanos e
sociais de produção, circulação e interpretação de sentidos, fundados no simbólico e na
linguagem.” (França, 2002, p. 16). Contudo, não deixa de alertar que ainda assim esse objeto
pode ser muito amplo, uma vez que as relações sociais, de certo modo, também são
englobadas por esse novo recorte. Logo, afirma que a especificidade do campo é trazida por
um olhar que permite que essas práticas sejam vistas sob o prisma da comunicação.
Em suma, a comunicação compreende um processo de produção e
compartilhamento de sentidos entre sujeitos interlocutores, realizado por
meio de uma materialidade simbólica (da produção de discursos) e inserido
em determinado contexto sobre o qual atua e do qual recebe reflexos.
(França, 2002, p. 27)
Ao tentar conceituar a comunicação, França (2002) nos oferece algumas premissas
norteadoras de um olhar comunicacional e de um modelo analítico próprio da área; tal modelo
tem sido identificado como paradigma relacional
1
(França; Braga). Isto significa dizer que a
Comunicação deve dar conta do processo de trocas simbólicas em um dado contexto
relacional. França (2004) concebe o objeto da comunicação na confluência de dois conceitos
fundamentais: representações e mediações. É na tentativa de perceber o movimento de
embricamento das representações com as mediações, o modo como os sujeitos se inserem no
mundo, que se funda o olhar comunicacional.
A comunicação é esse processo em que imagens, representações são
produzidas, trocadas, atualizadas no bojo das relações; esse processo em
que sujeitos interlocutores produzem, se apropriam e atualizam
permanentemente os sentidos que moldam seu mundo e, em última
instância, o próprio mundo. Portanto, o lugar da comunicação (das práticas
comunicativas) é um lugar constituinte e o olhar (abordagem)
comunicacional é um olhar que busca apreender esse movimento de
constituição. (França, 2004, p. 9).
A primeira noção, a de representação, é marcada por um movimento, de certa
forma, redutor da realidade com o fim de torná-la apreensível. Retomando o conceito em
diferentes campos de saber Ciências Sociais, Psicologia e Semiótica a autora aponta, em
linhas bem gerais, que representações podem ser “signos, imagens, formas ou conteúdos de
pensamento, atividade representacional dos indivíduos, conjunto de idéias desenvolvidas por
1
Louis Quèrè (1991) também sistematizou um modelo analítico para a Comunicação, o modelo praxiológico.
Em muitos pontos sua perspectiva se aproxima ao paradigma relacional. A concepção de comunicação de Quèrè
não se baseia em uma dicotomia entre os mundos objetivo e subjetivo, mas sim em uma “atividade organizante”
através da qual os sujeitos constituintes de uma comunidade organizam-se e coordenam suas ações, mutuamente,
nesse espaço; essa atividade é mediada simbolicamente, esses indivíduos compartilham os mesmos códigos, o
mesmo quadro de significações.
37
uma sociedade” (França, 2004: 1–2). Diante dessa gama de sentidos, representação, portanto,
desponta como um conceito que não apresenta uma definição consensual entre os diferentes
autores que o utilizam. Talvez um bom ponto de partida para tentar conceituar a
representação, como França já nos indicou, seja o de pensá-la em relação à noção de imagem.
Este foi o caminho percorrido por alguns autores, dentre os quais destacamos aqui os
trabalhos de Gilbert Durand (1993) e Henri Bergson (1990).
De acordo com Durand, o mundo pode ser representado de dois modos: o direto e
o indireto. No primeiro, a coisa, a parte do mundo a ser representada é palpável e pode ser
percebida ou sentida fisicamente pela nossa consciência, isto é, o próprio objeto parece estar
presente na representação que apenas serve como um meio de reproduzi-lo, de substituí-lo.
No segundo modo, o indireto, a coisa, em nenhuma instância, pode ser apresentada e
submetida diretamente à nossa percepção sensível. Para este tipo, o autor cria a expressão “re-
presentação”, no sentido de que a representação não tem como função substituir o seu objeto,
mas torná-lo presente e aparente, tal que possa ser submetido à nossa consciência. É claro que
essas categorias não são tão bem delimitadas; Durand chama a atenção para o fato de que a
consciência lida com representações calcadas nas mais diversas gradações de imagem; desde
as mais “adequadas”, típicas de uma relação direta, até as mais “inadequadas”, em que a
noção de equivalência não se aplica, como as alegorias e os símbolos
2
.
As alegorias são signos complexos que designam qualidades espirituais ou morais,
lidando, portanto, com idéias abstratas. As representações alegóricas são capazes de tornar
concreto um dos elementos constituintes da coisa representada. O mbolo, por trabalhar com
o não sensível sob todas as formas, criaria imagens totalmente inadequadas. “[...] Chegamos à
imaginação simbólica propriamente dita quando o significado não é de modo algum
apresentável e o signo pode referir-se a um sentido e não a uma coisa sensível.” (Durand,
1993, p. 10 grifos do autor). Ao contrário das alegorias, que partem de idéias para chegar à
coisa sensível, os símbolos são em si a coisa que serve de fonte para as idéias. Em outras
palavras, o símbolo é válido por si mesmo, isto é, ele cria sentido. Ele também é dotado de um
caráter epifânico, pois é capaz de tornar sensível uma característica até então oculta da coisa
representada.
Assim, o símbolo abriga em sua constituição duas metades: uma visível, que seria
o próprio significante, ou melhor, a própria representação; e outra invisível, que seria o
2
Em seu texto, A Imaginação Simbólica, G. Durand explicita que não pretende utilizar a noção de símbolo
como, em geral, os teólogos e lingüistas o fazem; ao contrário destes, ele não toma o símbolo como sendo um
signo convencional, mas simplesmente como um signo aberto.
38
indizível, o não apresentável, a metade que se refere ao significado, à coisa. Ambas são
infinitamente extensas; o significado pode ser traduzido nas mais distintas representações e,
analogamente, uma dada representação simbólica também pode abrigar os mais diversos
significados. A partir da constatação desse movimento dinâmico dos símbolos o autor afirma
que
É através do poder da repetição que o símbolo preenche indefinidamente a
sua inadequação fundamental. Mas essa repetição não é tautológica: é
aperfeiçoante através da acumulação de aproximações. (Durand, 1993, p. 13)
É no seu emprego cotidiano que o símbolo adquire novas formas, novas
representações, ganhando um alcance maior através da conformação de uma rede de
significados. Diante desta propriedade de “redundância aperfeiçoante”, Durand esboça uma
classificação do universo simbólico em três categorias: a dos símbolos rituais (gestos), a dos
mitos e derivados (relações lingüísticas), e a dos símbolos iconográficos (a arte nos mais
diferentes suportes). Esta terceira categoria apresenta como unidade básica as imagens, que
podem apresentar um grau maior ou menor de intensidade; se abarcam muitos significados
são designadas como imagens simbólicas, e se carregam menos sentidos, são apenas simples
imagens.
Para Henri Bergson (1990) a idéia de representação também está intrinsecamente
ligada à questão da imagem. Contudo, conforme César Guimarães (1997) indica, para
Bergson imagem é tudo aquilo que é - pelo menos, potencialmente susceptível aos nossos
sentidos; a imagem é situada entre a coisa e a representação. Ao conceber esse novo lugar
para imagem, a teoria bergsoniana dialogava diretamente com as duas correntes filosóficas até
então vigentes, o idealismo e o realismo. A primeira partia do princípio de que a matéria
estaria essencialmente nas representações, formadas exclusivamente pela subjetividade dos
indivíduos. Os realistas, por sua vez, seguiam a uma lógica que ia de encontro ao pensamento
idealista; para o realismo, a matéria teria uma natureza distinta da das representações, que
seriam responsáveis por uma castração do universo real. O mundo objetivo, um lugar quase
mítico habitado pelas coisas, é bem mais complexo e, em certa medida, superior ao mundo
das representações. Bergson, ao afirmar que a matéria é o conjunto das imagens, propõe a
superação do dualismo da coisa e da consciência, ou dos movimentos (quantitativos, extensos,
colocados no espaço) e das imagens (qualitativas, inextensas, colocadas na consciência)”
(Guimarães, 1997, p. 92). Oferece, destarte, um terceiro caminho possível para se entender a
relação entre sujeito e objeto.
39
Prosseguindo em sua teoria, as imagens, como regra geral, podem ser divididas em
dois grandes sistemas: as de fora, que se relacionam entre si, ou seja, a matéria propriamente
dita; e as de dentro, que se relacionam com um tipo especial de imagem - o corpo - e por isso,
resultantes do processo de percepção da matéria. O corpo é entendido como imagem porque,
como qualquer matéria (ou coisa), também faz parte do universo real. Todavia, difere das
demais por ser capaz de interferir conscientemente no movimento destas. O corpo apresenta
funções sensórias, que nada mais são do que a percepção, e funções motoras, responsáveis
pela ação; e, como centro de ação, ao contrário do que segue a linha idealista, é incapaz de
criar as representações, estando apenas apto a exercer sobre elas uma ação privilegiada.
É justamente na conexão entre percepção e ação, proporcionada pela imagem-
corpo, que as imagens mudam o seu movimento natural, ganhando novas formas, sendo
alçadas à condição de representações. Através da percepção conseguimos estabelecer um
contato sensorial com a matéria, com os movimentos dos objetos do universo real; estes são
apreendidos pelo nosso corpo que os traduzem em movimentos (ou imagens) internos a partir
dos quais somos capazes de guiar nossas ações. No momento em que empreendemos nossas
ações, devolvemos as imagens que nos atravessaram com um novo movimento -
indeterminado em sua essência. A reconfiguração do movimento de uma imagem que se
depara com um corpo o pode ser prevista, uma vez que a ação exige tempo; um tempo que
permite ao corpo selecionar, organizar e integrar esse movimento. As representações,
portanto, nascem exatamente da confluência entre o de fora e o de dentro, no encontro da
objetividade com a subjetividade.
Entretanto, a relação entre os dois sistemas de imagens pode ser explicada por
meio da utilização de uma noção ideal, denominada por Bérgson como “percepção pura”.
Trata-se do primeiro encontro de uma imagem em si isenta das influências da matéria sob
todas as suas formas e existente apenas no primeiro sistema com um corpo que fosse capaz
de percebê-la conscientemente e que lançasse, sobre ela, uma visão imediata. Assim, a
imagem passaria a habitar, também, o segundo sistema. O que a teoria bergsoniana marca,
aqui, com a percepção pura, é a distância entre presença e percepção, de modo que “uma
imagem pode ser sem ser percebida; pode estar sem estar representada” (Bergson apud
Guimarães, 1997, p. 90).
Se não temos acesso, na prática, às imagens genuinamente de fora, mas a apenas a
um movimento da matéria modificado pela ação de outras imagens-corpos, qual seria,
então, a natureza das imagens que percebemos e sobre as quais atuamos? Temos acesso
justamente às representações que, em certa medida, são resultado de um processo redutor das
40
imagens, porém não do modo como os realistas a encaram; esse processo não é marcado por
uma supressão de grande parte dos elementos constituintes do movimento das matérias. As
representações não são o congelamento do movimento, pelo contrário, elas revestem de novas
formas a dinâmica das imagens; são o “caminho por onde passam em todos os sentidos as
modificações que se propagam na imensidão do universo” (Bergson apud Guimarães, 1997, p.
90). Para Bergson, as representações resultam de uma operação de enquadramento, que não é
de responsabilidade exclusiva dos sujeitos e nem da matéria, mas do processo de propagação
das imagens em si e de sua reflexão decorrente do encontro com as imagens-corpo.
Guimarães resume de modo contundente a noção bergsoniana de representação: a
representação da matéria é a medida de nossa ação possível sobre os corpos e resultado da
eliminação daquilo que não interessa às nossas necessidades.” (Guimarães, 1997, p. 91).
Em seu trabalho Guimarães se reporta a uma obra específica de Gilles Deleuze
(1985), Cinema I: Imagem-movimento, na qual este trava um diálogo direto com o conceito de
representação lançado por Bergson. Como vimos, para este autor, tal conceito está
estreitamente ligado à questão da percepção consciente e à forma como esta é capaz de fazer
com que o movimento das imagens, mesmo que modificado, perdure. A restrição de sua
teoria, conforme aponta Deleuze, torna-se evidente a partir do momento em que Bergson não
julga que a imagem cinematográfica possa, ainda que excepcionalmente, refletir o movimento
da matéria. O cinema transmite apenas a ilusão do movimento; ele se configura a partir da
descontinuidade e da fixação do movimento em fotogramas, nos fazendo crer que o
movimento é resultado de uma sucessão de imobilidades. Daí, a imagem do cinema não poder
ser entendida como uma representação genuína.
Na visão deleuziana, a percepção consciente e a imagem cinematográfica possuem
mais afinidades do que discrepâncias. Ambas são produzidas a partir de uma relação com os
corpos e por isso decorrem de um tempo de ação, estando igualmente sujeitas à
indeterminação da percepção sensível desses corpos. Ademais, tanto as imagens advindas
diretamente da percepção consciente, quanto as cinematográficas passam por um processo de
enquadramento. Sobre o ponto levantado por Bergson a despeito da incapacidade do cinema
de traduzir o movimento, Deleuze argumenta que o cinema, desde que encontrou a sua
especificidade, estabeleceu uma nova relação com o devir. A partir do momento em que a
linguagem cinematográfica descobriu os artifícios do enquadramento e da montagem, o
cinema alcançou a condição de representação. Ao lançar mão desses recursos, a imagem
cinematográfica conseguiu estabelecer um novo corte na conformação e na duração das
41
imagens em si, originando, assim, uma mudança na percepção consciente. A partir de então, a
imagem cinematográfica passa a ser tomada como uma representação.
Com suas pequenas discordâncias e perspectivas um pouco distintas, os autores
aqui retomados são unânimes em conceber as representações como um processo dinâmico de
produção e re-significação das coisas do mundo, situado entre sujeito e objeto. Durand fala
especificamente sobre as representações advindas de determinados signos complexos os
símbolos. A complexidade dos símbolos pode ser verificada na medida em que são formados
por duas metades – uma visível (o significante, o mundo objetivo) e outra invisível (o
significado, o subjetivo) de naturezas opostas, mas complementares. De modo análogo,
Bergson também sublinha o lugar de criação e propagação das representações como também
sendo esse espaço entre as imagens de fora e as de dentro, entre a presença e a percepção, isto
é, entre a objetividade e a subjetividade.
Seja pela redundância aperfeiçoante (Durand) que imprime novos significados às
representações, seja pela modificação das imagens a partir de seu reflexo nos corpos
(Bergson), ambos os autores entendem as representações como resultantes de um processo de
re-significação marcado por uma fluidez, por uma mobilidade. As representações podem
encarnar as mais diversas formas; elas são os símbolos, os gestos, as figuras míticas e
lendárias, ou as imagens no seu sentido mais lato (Durand); podem ser a expressão da
percepção consciente (Bergson), como as imagens cinematográficas (Deleuze); também estão
presentes nos estereótipos, nas encenações de determinados papéis sociais e nas encarnações
das performances (França). Em linhas gerais, podemos dizer que as representações são as
formas, o enquadramento das coisas do mundo que, devido à sua dupla natureza, carregam em
sua essência sentidos dados não só pelas propriedades da matéria, mas também pelo
cruzamento das subjetividades. Dessa maneira, França (2004), ao propor o entrecruzamento
entre as representações e as mediações como sendo o enfoque da Comunicação, indica que
não devemos analisar as imagens em si, e sim nos ater no modo como lidamos com elas e na
sua conformação (mise-en-forme). Cabe-nos, portanto, nos debruçarmos agora sobre o terreno
em que habitam as representações, justamente o lugar que abriga a manifestações advindas do
encontro das subjetividades com a objetividade: as mediações.
Julgamos ser proveitoso iniciar nossa discussão sobre as mediações a partir da
perspectiva apresentada por Roger Silverstone (2002). De acordo com este autor, os meios de
comunicação, atualmente, exercem um papel central na maneira através do qual os sujeitos se
inserem no mundo. Mídia e sociedade são circundantes: os meios de comunicação apreendem
os sentidos que circulam entre os sujeitos, os revestem de novas significações e os lançam
42
novamente para a sociedade; os sujeitos, por sua vez, também deixam suas marcas no
movimento desses sentidos. A mídia, portanto, é tomada como um processo social, como algo
que constitui e é constituída no bojo das interações cotidianas.
Daí, eleger a experiência cotidiana como ponto de partida para sua análise acerca
dos meios de comunicação. Estes fazem parte de nossa experiência na medida em que
habitam fisicamente nosso cotidiano; os meios de comunicação também permeiam as nossas
inter-relações diárias - conversamos com nossos amigos sobre situações fictícias passadas em
uma telenovela de horário nobre, por exemplo
3
. Ademais, a mídia não faz parte de nossa
realidade, sendo, de certa forma, moldada por esta, como também é responsável por mudanças
e interferências em nossa experiência cotidiana. “Nossa entrada no espaço midiático é, ao
mesmo tempo, uma transição do cotidiano para o liminar e uma apropriação do liminar pelo
cotidiano. A mídia é do cotidiano e ao mesmo tempo uma alternativa a ele.” (Silverstone,
2002, p. 25).
É justamente por meio das mediações que podemos entender o processo pelo qual
mídia e sociedade se relacionam. Para Silverstone a mediação compreende o “movimento de
significado de um texto para outro, de um discurso para outro, de um evento para outro.”
(Silverstone, 2002, p. 33). Assim, ao afirmar que a mídia medeia o mundo, o autor se refere
ao constante processo de apropriação e re-significações de textos midiáticos, indicando que a
mediação tem a ver com uma intertextualidade, com um movimento de tradução de uma
linguagem para outra. Dessa forma, o processo de mediação indica “a necessidade de focar no
movimento dos significados através dos limiares da representação e da experiência.”
(Silverstone, 2002, p. 43). As práticas comunicativas como um todo e não aquelas que
perpassam os meios de comunicação - lidam com representações que interferem e sofrem
interferências do experienciar dos sujeitos. Logo, a mediação diz respeito ao próprio
movimento das representações no âmbito da experiência cotidiana.
Martin-Barbero (2003), de modo análogo a Silverstone, também entende as
mediações como o lugar das trocas simbólicas e da renovação dos significados das
representações. Contudo, sua discussão nos uma importante contribuição à medida que
propõe estudar os meios de comunicação sob o viés das mediações. Ao apresentar tal
proposta, o autor colabora com a mudança no eixo das análises lançadas sobre a mídia e seus
produtos.
3
Annette Hill (2002), em um estudo de recepção feito entre o público que assistiu à versão inglesa do reality
show Big Brother, concluiu que parte da grande audiência do programa era justificada pelo fato de que ele era
comentado não só por outros meios de comunicação locais, mas também pelos ingleses em geral. Enfim, assistia-
se ao programa para comentá-lo em interações cotidianas, o que comprova a afirmação de Silverstone.
43
O conceito de mediação avança no processo de rompimento com o modelo linear
de comunicação em que mensagens produzidas por um emissor muitas vezes tido como
onipotente são recebidas por um receptor que está à margem do processo de produção dos
textos midiáticos. Os estudos de comunicação ou se voltavam para eficiência das mensagens
midiáticas junto ao público
4
, ou se preocupavam com o conteúdo ideológico presente na
estrutura dos meios de comunicação
5
. O enfoque nas mediações, por sua vez, busca
compreender o processo histórico do advento tecnológico dos meios diante das formas de
expressividade da cultura popular. A mediação em si não pode ser entendida como o objeto da
comunicação, mas como um método de investigação este é o grande avanço que a
perspectiva do autor nos oferece. A técnica que envolve os meios de comunicação apenas
determina a produção das mensagens midiáticas; os sentidos que estas adquirem na sociedade
só podem ser compreendidos através das mediações:
[...] O eixo do debate deve se deslocar dos meios para as mediações, isto é,
para as articulações entre práticas de comunicação e movimentos sociais,
para as diferentes temporalidades e para a pluralidade de matrizes culturais.
(Martin- Barbero, 2003, p. 270).
Pensar os processos de comunicação neste sentido, a partir da cultura,
significa deixar de pensá-los a partir das disciplinas e dos meios. Significa
romper com a segurança proporcionada pela redução da problemática da
comunicação às tecnologias. (Martin-Barbero, 2003, p. 297).
Compreender o processo comunicativo à luz das mediações significa, portanto,
imbricar a comunicação no campo da cultura, pois é este terreno que abriga as trocas
simbólicas. Ao dizer que a comunicação é um problema essencialmente cultural, Martin-
Barbero não negligencia a força determinante das relações econômicas e políticas que
também perpassam o processo de produção de sentidos no âmbito midiático. O que o autor
coloca ao priorizar a dinâmica das matrizes culturais na configuração do processo
comunicativo é a importância de “seu caráter de processo produtor de significações e não de
mera circulação de informações, no qual o receptor, portanto, não é um simples decodificador
4
Ver estudos da chamada “Escola Americana”, dentre os quais se destacam a Teoria Funcionalista, de Harold
Lasswell, e a Teoria dos Efeitos Limitados ou Duplo Fluxo da Comunicação, de Paul Lazarsfeld.
5
São os estudos de comunicação de cunho marxista. O grande pilar dessa linha teórica foi a Escola de
Frankfurt, da qual faziam parte Adorno e Horkheimer – ver item 2.1 do presente trabalho. As análises de
pesquisadores latino-americanos nos anos 1970 também foram influenciadas pelo marxismo e por Frankfurt; no
entanto, foram inovadoras à medida que privilegiaram o papel do receptor no processo comunicativo.
44
daquilo que o emissor depositou na mensagem, mas também um produtor.” (Martin-Barbero,
2003, p. 299).
Não obstante, entender a comunicação como um processo cultural não implica em
subjugar tal campo à cultura. Braga (2001) nos alerta que os termos comunicação e cultura
não devem ser confundidos; a comunicação se torna presente no momento em que um gesto
perde a sua naturalidade e é permeado por um “é assim que se faz”. Não interessa à
Comunicação a questão cultural propriamente dita (isto é da ordem da Antropologia) mas sim
as interações comunicacionais que consolidam determinadas práticas sociais no interior de
uma cultura, bem como as relações entre diferentes culturas, diferentes identidades. Ao lançar
mão da noção de “interação”, o autor leva em conta os processos simbólicos de troca que
permitem aos indivíduos constituírem e organizarem socialmente o mundo em que vivem; o
que, de certa forma, também vai ao encontro do conceito de mediação utilizado por
Silverstone e Martin-Barbero.
Como foi dito, o estudo de Martin-Barbero se debruça sobre as formas de
expressão e recepção da cotidianidade na mídia massiva em geral; no entanto, devemos
salientar a atenção especial que é dada à televisão, nosso objeto empírico. Para traçarmos o
papel desempenhado pela televisão na América Latina é preciso que a pensemos “a partir das
mediações, isto é, dos lugares dos quais provêm as construções que delimitam e configuram a
materialidade social e a expressividade cultural da televisão” (Martin-Barbero, 2003, p. 304
grifo do autor). Interessa-lhe saber aonde se edificam os sentidos através dos quais nos
construímos. Desse modo, a televisão apresenta três lugares de mediação: “a cotidianidade
familiar, a temporalidade social e a competência cultural” (Martin-Barbero, 2003, p. 304).
A cotidianidade familiar diz respeito ao modo pelo qual a televisão interpela seus
espectadores. A cotidianidade se estabelece no sentimento de reconhecimento, reside na
simulação de contato que a televisão nos proporciona; ao se firmar em uma retórica do direto,
a linguagem utilizada pela TV almeja se aproximar das relações estabelecidas no cotidiano
familiar. A retórica do direto, geralmente, é estabelecida pelo uso de uma linguagem fática e
pela figura do apresentador, que é uma personagem que desempenha o papel de mediador
entre o meio e o público. Com relação à segunda instância, a da temporalidade social, o autor
aponta para existência de dois tipos de tempo em nossa cultura, o produtivo e o da
cotidianidade. O primeiro transcorre e é medido, o segundo é fragmentário e repetitivo. Na
televisão esses dois tipos estariam conjugados: “o tempo do ócio encobre e desvela a forma do
tempo do trabalho: o fragmento e a série” (Martin-Barbero, 2003: 308). Dessa forma, a TV
impõe o seu tempo de produção às nossas experiências – a mídia marca a nossa rotina
45
cotidiana quando, por exemplo, assistimos diariamente o telejornal noturno ou
acompanhamos um sitcom semanal.
E, por fim, para colocar a questão da competência cultural, Martin-Barbero afirma
que não devemos ansiar por um caráter cultural artístico nos programas televisivos, já que
“gostemos ou não, para bem ou para mal – [a televisão] é a própria noção de cultura” (Martin-
Barbero, 2003, p. 310). A competência cultural tem a ver com os processos cognitivos
desencadeados nos sujeitos a partir das mensagens televisivas. O autor aponta que na
televisão os principais responsáveis por esse processo são os gêneros, que indicam ao receptor
o conteúdo básico a ser decodificado em um texto televisivo:
[...] A dinâmica cultural da televisão atua pelos seus gêneros. A partir deles,
ela ativa a competência cultural e a seu modo dá conta das diferenças
sociais que a atravessam. Os gêneros, que articulam narrativamente as
serialidades, constituem uma mediação fundamental entre as lógicas do
sistema produtivo e as do sistema de consumo, entre a do formato e a dos
modos de ler, dos usos. (Martin-Barbero, 2003, p. 311 – grifo do autor).
Ao conceituar o gênero televisivo como uma importante mediação entre os
processos de produção e recepção dos produtos da televisão, Martin-Barbero oferece uma
premissa iluminadora à nossa discussão. Pretendemos, através da análise de um produto
televisivo específico, Big Brother Brasil, dar conta das interações que o permeiam e,
principalmente, para que práticas sociais elas nos apontam, nos remetem. Convencionou-se -
pelo senso comum mesmo - classificar tal produto como pertencente ao gênero do reality
show; é nesse ponto que nos deparamos como uma importante questão para o
desenvolvimento de nossa pesquisa. Falar de gênero implica em (ou pelo menos tentar)
sistematizar alguns traços que aproximam esse produto a um determinado grupo de programas
televisivos, indicando aos seus receptores de início uma unidade básica de significação.
Esse reconhecimento do gênero pelo receptor é possível graças à recorrência de algumas
formas, imagens, estruturas de montagem ou seja, as representações. Por outro lado, não
devemos perder de vista que essas representações, presentes na consolidação de um gênero,
não se constituem apenas na instância produtora dos programas televisivos, mas também são
configuradas por valores presentes na cultura popular, isto é, ganham espaço através do
movimento das mediações.
46
4 – O MODELO DO REALITY SHOW: A PRIMAZIA DA PERFORMANCE
4.1 – GÊNEROS E FORMATOS TELEVISIVOS
Pensar os gêneros como mediações, como nos propõe Martin-Barbero (2003),
implica em situá-los na confluência entre as lógicas de produção e as práticas de leitura.
Estamos olhando para os gêneros com o fim de captar o movimento das mediações; ao nos
deparar com um determinado grupo de produtos televisivos buscaremos nestes os traços que
tornam possível que os sujeitos os aproximem uns dos outros, ao mesmo tempo em que os
distanciam de outro grupo. Portanto, não trabalhamos com a noção de gênero como algo
interior ao texto, que dependa apenas da originalidade e competência de um autor ou da
estrutura do texto, mas como algo que perpassa o texto, a partir de onde este é lido e
consumido. “[...] Um gênero é, antes de tudo, uma estratégia de comunicabilidade, e é como
marca dessa comunicabilidade que um gênero se faz presente e analisável no texto.” (Martin-
Barbero, 2003, p. 314 – grifos do autor).
Assim, o gênero atua como um dispositivo de reconhecimento, uma chave de
leitura; na medida em que se aproxima de um determinado grupo de produtos, permite uma
identificação do mundo ali representado com o mundo do receptor, servindo como uma
unidade básica de decodificação de sentido. Os espectadores podem não saber ao certo a
técnica que envolve a produção de um texto midiático, no entanto, pragmaticamente,
conseguem reconhecê-lo. Quando falamos em um programa de reality show, por exemplo,
indicamos a presença de determinados processos produtivos, de certas práticas comunicativas,
por mais que ainda não tenhamos discorrido sobre tal formato televisivo.
[...] [O] funcionamento [dos gêneros] nos coloca diante do fato de que a
competência textual, da narrativa, não se acha apenas presente, não é
unicamente condição da emissão, mas também da recepção. Qualquer
telespectador sabe quando um texto/relato foi interrompido, conhece as
formas possíveis de interpretá-lo, é capaz de resumi-lo, dar-lhe título,
comparar e classificar narrativas. (Martin-Barbero, 2003, p. 314 grifos do
autor).
Corroborando com o todo de Martin-Barbero, Itânia Gomes (2002) afirma que
“os gêneros permitiriam entender o processo comunicativo não a partir das mensagens, mas a
partir da interação.” (Gomes, 2002, p. 182 grifo da autora). Contudo, ao resgatar algumas
das premissas dos Estudos Culturais Britânicos e da Semiótica da Interpretação, através dos
47
respectivos trabalhos de Stuart Hall (1995) e de Umberto Eco, a autora se volta sobretudo
para as práticas de leitura. Ao dizer que os gêneros e o próprio texto nascem da interação,
Gomes entende que o processo comunicativo apenas se completa no encontro entre emissor e
receptor; tal encontro se torna possível através do texto.
Hall afirma que o processo comunicativo é constituído por dois momentos de igual
importância: a codificação (o processo produtivo) e a decodificação (as práticas de leitura).
Embora exista uma leitura preferencial, inicialmente almejada pelo produtor da codificação, a
decodificação pode escapar dessa leitura, pois está intimamente ligada às referências culturais
dos sujeitos. A Semiótica Interpretativa complementa a análise proposta por Gomes ao se
preocupar mais especificamente com a dinâmica da produção de sentidos. O processo de
significação está atrelado ao processo de interpretação e às inferências que os sujeitos lançam
sobre as mensagens midiáticas; “a relação com o intérprete é crucial para a definição de
signo” (Gomes, 2002, p. 173). Para Eco, o produtor, o responsável pela codificação, ao
formular uma mensagem o faz em relação aos seus receptores, presumindo a presença de um
leitor-modelo.
É diante dessas premissas que Gomes afirma que emissor e receptor se encontram
no texto; este encontro nada mais é do que a mediação de Martin-Barbero (2003). Desse
modo, Gomes ao colocar as questões dos gêneros como sendo da ordem das interações, indica
que eles se configuram a partir de dois movimentos: de um lado, as intenções de um emissor,
previamente moldadas pela presença virtual de um leitor (Eco); de outro, as práticas de
leitura, guiadas pela conjugação de um sentido preferencial e das referências culturais dos
receptores (Hall). Na verdade, ambos os movimentos apontam para um mesmo processo: o da
produção de sentidos.
Conquanto iluminadoras, as noções de gêneros construídas por Martin-Barbero e
por Gomes não são pioneiras. É preciso reconhecer aqui o caminho aberto por Mikhail
Bakhtin (1997) que, através de sua análise sobre os gêneros dos discursos, propiciou um
avanço nas demais formulações acerca do tema. Bakhtin, embora não se centre nos produtos
midiáticos e sim nas práticas discursivas verbais, ao tomar o enunciado como a base para
estabelecer a noção de gênero, permite que seus achados sejam alçados para qualquer tipo de
prática comunicativa. Os gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados
marcados pela especificidade de uma esfera da comunicação. Tratam-se de estruturas básicas
às quais recorremos para nos posicionarmos no mundo; assim os gêneros atuam como um
dispositivo facilitador de nossa apreensão da realidade. Ademais, a idéia de enunciado
contempla não o conteúdo de uma mensagem mas principalmente o contexto em que os
48
interlocutores se inserem. O enunciado produzido por um sempre leva em conta a presença do
outro e o modo pelo qual este pode interpretar a mensagem; logo, o enunciado nasce
exatamente do encontro entre receptor e emissor, nasce na interação (Gomes). Por
conseguinte, os gêneros do discurso também se configuram como uma mediação (Martin-
Barbero) entre os interlocutores:
Ter um destinatário, dirigir-se a alguém, é uma particularidade constitutiva
do enunciado, sem a qual não há, e não pode haver, enunciado. As diversas
formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções típicas do
destinatário são as particularidades constitutivas que determinam a
diversidade dos gêneros do discurso.(Bakhtin, 1997, p. 325).
A opção metodológica de trabalhar os gêneros enquanto movimento das
mediações é bastante iluminadora, pois nos faz pensar no conceito de gênero a partir das
interações entre produtores e sujeitos que são mediadas pelos textos midiáticos. Tampouco
isto implica em fazer um mapeamento dos gêneros televisivos centrando-se essencialmente
nos receptores; as subjetividades são múltiplas e inapreensíveis, se assim escolhêssemos guiar
nossa formulação de gênero, recairíamos em um relativismo total. Para tornar o conceito de
gênero aplicável, em uma ferramenta metodológica útil, é preciso pensá-lo a partir do lugar
em que se encontra mais palpável: os produtos televisivos. Compreender os gêneros a partir
dos produtos midiáticos não significa subjugar o papel dos sujeitos. Muito pelo contrário, uma
vez que partimos do pressuposto de que os produtos televisivos são textos, estamos
reconhecendo que eles marcam um lugar de encontro entre os sujeitos. Nesse sentido, os
trabalhos de alguns autores que se debruçaram sobre os programas veiculados pela televisão a
fim de estabelecer conceitos mais operacionais de neros e formatos televisivos podem
trazer importantes contribuições para a discussão que aqui traçamos.
José Carlos Aronchi de Souza (2004) se propõe a essa tarefa de tentar estabelecer a
noção de gêneros e formatos a partir da observação dos produtos televisivos. Assim sendo,
tenta traçar um panorama dos gêneros e formatos de programas exibidos em canais da TV
aberta brasileira a partir de um entrelaçamento de três critérios: a classificação dos programas
dada pelas próprias emissoras, a análise da programação e a teoria literária dos gêneros. Nota-
se que as categorias traçadas pelo autor privilegiam o papel central dos responsáveis pela
produção dos programas televisivos na formação dos gêneros, não levando em conta a
expressão dos demais sujeitos nesse processo. Dessa forma, por meio de um mapeamento das
grades das emissoras de TV aberta, cria cinco grandes categorias nas quais os gêneros
televisivos se enquadram: comercial, entretenimento, informativo, educativo e outros. Esta
última categoria, “outros”, abrange os programas de cunho religioso ou político e os
49
“teleshoppings” que, a seu ver, não poderiam ser classificados em nenhuma das demais
categorias. Os gêneros, portanto, são agrupados em uma dessas cinco categorias; tomemos
como exemplo a classificação de um programa de reality show que apresentada pelo autor.
Para Aronchi, o reality show é um gênero que pertence à categoria “entretenimento” e que
pode apresentar alguns traços (ou formatos) específicos como a interatividade, a edição de
videoclipes, dentre outros.
Apesar de distinguir empiricamente categorias, gêneros e formatos e de recorrer
não à literatura, mas também à biologia e aos dicionários para conceituar tais termos,
Aronchi de Souza não consegue defini-los de forma muito clara. Apenas indica que os
gêneros se relacionam com aspectos históricos e culturais e servem como regras de referência
para o processo comunicativo; tratam-se de formas reconhecidas pelo público e pelos
anunciantes chega a dizer que as emissoras lançam mão da categorização dos gêneros para
firmar laços estabelecidos com a audiência
1
. No que concerne à definição de formato, o
autor tenta delineá-la porque é bastante utilizada pelo senso comum e pelos profissionais da
televisão. Ao procurar a raiz etimológica da palavra “formato” chega à idéia aristotélica de
“forma” que designaria as características peculiares das coisas. Assim, a noção de formato
aparece como a característica que ajuda a definir o gênero. Não elabora, portanto, uma
definição mais assertiva para o termo que ora se confunde com a noção de gênero, ora se
confunde com os próprios programas televisivos.
Anna Maria Balogh (2002), por sua vez, encontra nos gêneros um instrumento útil
para delimitar o alcance da recepção e seu reconhecimento bem como a leitura a ser feita - ou
que, pelo menos, deve ser feita - diante de algumas marcas estruturais de determinados
produtos midiáticos. O telespectador, ao identificar, por meio dos gêneros, regularidades
nesses produtos, reconhece-os. Ao contrário de Aronchi, a autora não se esforça para pensar
uma noção de gênero própria para a mídia televisiva; opta por uma transposição da teoria dos
gêneros literários para os produtos televisivos. A partir dessa aproximação com os estudos
literários, afirma que os programas de televisão, em geral, apresentam uma mescla de vários
gêneros e subgêneros; determinar o gênero de um programa significa identificar qual é o
conjunto de características que sobressai às demais. Os programas televisivos por não
apresentarem uma natureza estável, muitas vezes, podem decorrer de um entrecruzamento de
1
Nessa perspectiva, o autor lembra que, sobretudo, no decorrer da década de 1980 e meados dos anos de 1990,
os canais de TV aberta no Brasil eram identificados pela incidência de determinados gêneros: a Globo ancorava
sua programação nas telenovelas; o SBT, nos programas de auditório; as redes públicas, com destaque para a TV
Cultura de São Paulo, nos programas infantis de cunho educativo; a Rede Record, nos programas religiosos; a
Rede Manchete, nos programas de variedades e na cobertura de grandes festas nacionais, em especial o Carnaval
carioca; e a Rede Bandeirantes, na cobertura de eventos esportivos.
50
gêneros; Aronchi também havia apontado em seu trabalho a dificuldade de se montar o
mapa dos neros televisivos brasileiros exatamente por essa constante reapropriação e
mistura dos gêneros e formatos.
Neste sentido, importante consideração feita pela autora é a de que os gêneros são
essencialmente mutantes, modificando-se naturalmente quando encarnados num programa,
muito embora existam, na mídia televisiva, duas grandes matrizes estáveis e regulares, a partir
das quais os programas televisivos se dividem: a informativa e a ficcional. Os primeiros se
caracterizam por um compromisso com a verdade e com o fato, apresentam uma relevância
política; nestes programas o apresentador olha diretamente para a câmera (público). Os
últimos tratam de uma “verdade parabólica”, possuem uma relevância cultural; seus atores
representam personagens e por isso não se dirigem diretamente ao público. Como vemos, ao
apontar as principais distinções entre as duas categorias, Balogh se centra em traços
concernentes à estrutura dos produtos televisivos em si; estes traços, já de início, sinalizam ao
receptor algumas informações sobre aquele produto; a partir disso o receptor sabe qual
chave de leitura de ser aplicada, é assim que opera o reconhecimento.
Embora não se volte especificamente para a análise das características dos
produtos televisivos, Martin-Barbero também se esforça para encontrar uma concepção de
gêneros e formatos. Os primeiros designariam a dinâmica das mediações, o lugar em que se
movimentam as representações; os últimos seriam a encarnação dos gêneros em marcas
reconhecíveis nos produtos televisivos:
Entre a lógica do sistema produtivo e as lógicas dos usos, medeiam os
gêneros. São suas regras que configuram basicamente os formatos, e nestes
se ancora o reconhecimento cultural dos grupos. Claro que a noção de
gênero que estamos trabalhando tem pouco a ver com a velha noção literária
de gênero como ‘propriedade’ de um texto, e muito pouco também com a
sua redução taxonômica, empreendida pelo estruturalismo. (Martin-
Barbero, 2003, p. 313).
Dessa forma, o que o autor indica é a construção de um conceito de gêneros que
esteja mais de acordo com as práticas comunicativas instauradas pelos meios de comunicação
de massa, em especial a televisão. O firmamento de gêneros próprios para a mídia televisiva
não é uma importante ferramenta analítica, mas também serve ao estreitamento de laços de
reconhecimento dos receptores com o meio. Foi, pelo menos, o que se passou com o cinema;
a indústria cinematográfica hollywoodiana, diferentemente do cinema europeu, obteve êxito
junto a um grande público quando inaugurou gêneros que fossem próprios à linguagem
cinematográfica, deixando de lado a apropriação de gêneros literários como era de costume.
No caso específico de Hollywood, mais do que um aparato de decodificação de sentidos, os
51
gêneros se firmaram como uma identidade dos grandes estúdios, que se tornaram famosos na
produção de gêneros específicos.
No tocante aos gêneros televisivos, Martin-Barbero afirma que estes se definem
tanto por sua arquitetura interna, quanto pelos lugares que ocupam na programação. Daí,
decorre a seguinte exigência: a necessidade de que cada país construa seu próprio sistema de
gêneros televisivos, já que estes respondem a uma determinada configuração cio-cultural,
articulando-se, portanto, de modo diferenciado com estruturas importadas de outras indústrias
televisivas. Nesse sentido, o esforço de Aronchi em tentar traçar um mapa dos gêneros
televisivos exclusivamente brasileiros, levando em consideração inclusive o lugar que os
programas de televisão ocupam nas grades das emissoras, vai ao encontro das idéias de
Martin-Barbero, de colocar as mediações, os gêneros em relação às matrizes culturais.
Em um de seus trabalhos sobre reality show, Fernando Andacht (2002) compara as
versões argentina e brasileira de Big Brother. Seu trabalho se insere justamente na discussão
acerca do processo de globalização, que há muito não diz respeito a interesses
econômicos, como também à questão da massificação mundial de gostos e preferências; à
supressão de identidades locais através da comercialização transnacional de modelos de
produtos culturais. Andacht lança mão do exemplo do programa, um produto exportado
mundialmente, para provar que, de alguma forma, essas identidades ainda resistem à
globalização. Apesar de serem países vizinhos, as versões da Argentina e Brasil se diferem
em aspectos fundamentais: o modo como os participantes desses países se apropriam de uma
visibilidade televisiva e a reação dos espectadores a determinadas atitudes tomadas por esses
participantes apontam para uma diferenciação de valores, costumes, enfim, traços identidários
dos dois países; os brasileiros se mostram mais alegres, ao passo que os argentinos enfatizam
os momentos mais melodramáticos. O estudo de Andacht aponta que, apesar da fórmula Big
Brother ser a mesma em todo o mundo, a maneira como cada versão será performada e guiada
dependerá, essencialmente, do contexto cultural; comprovando, por conseguinte, a suspeita
inicial de Martin-Barbero.
Se estamos olhando para os gêneros televisivos enquanto lugar privilegiado das
mediações, enquanto dispositivo de reconhecimento, nos resta pensar, enfim, qual seria a
natureza dos processos comunicativos instaurados por nosso objeto empírico, os programas
que se ancoram no formato do reality show. Por um lado, a expressão reality show (em
inglês, o show da realidade) e o fato de que a produção de Big Brother Brasil esteja sob o
comando da Central Globo de Jornalismo nos indica que se trata de um produto de cunho
mais real. Ademais, encontramos no reality show alguns traços marcantes da matriz
52
informativa (Balogh): em geral, os apresentadores se voltam para as câmera quando informam
ao público algo que se passou no cotidiano dos participantes; também é comum a inserção de
VT’s que buscam retratar as ações dos participantes a fim de tornar claro para o espectador a
veracidade de uma acusação ou boato.
Por outro lado, o próprio senso comum desconfia da realidade ali representada;
como Andacht (2004) coloca, o público põe em dúvida o processo em que são selecionados os
participantes, questiona as edições que acabam por tomar partido de uma ou outra
personagem. Além disso, a edição brasileira do programa é revestida por um estilo de
montagem que lembra a estrutura de nossas telenovelas. Seguindo as características da matriz
ficcional, verificamos que os participantes de programas de reality show se comportam como
personagens de um programa ficcional; eles parecem agir sem se importar diretamente com as
câmeras, isto é, eles não falam diretamente para o público, como faz um apresentador de
telejornal. A diferença entre as personagens de reality show e as de um programa ficcional é
que as primeiras representam suas próprias personagens, não seguem um roteiro escrito por
outras pessoas, enquanto as segundas não têm tanta autonomia sobre a ação de suas
personagens. Contudo, essas evidências não são suficientes para enquadrarmos o produto sob
a chancela da ficção.
O terreno pouco seguro em que se encontra o gênero do reality show nos faz
lembrar de um texto de Umberto Eco, Kant e o Ornitorrinco, em que o autor toma a
descoberta deste curioso animal, nos fins do c. XIX, como metáfora para exemplificar a
fragilidade e arbitrariedade das categorias. Até encontrarem o ornitorrinco, evolucionistas e
biólogos da época estavam muito satisfeitos com suas definições para as categorias de aves e
de mamíferos. Porém, ao se depararem com um animal que possuía, concomitantemente,
pelos e bico, glândulas mamárias e eram ovíparos, não conseguiram enquadrá-lo; o
ornitorrinco era a evidência empírica de que suas categorias eram insuficientes. Nesse sentido,
o reality show se apresenta como o ornitorrinco; até a sua propagação em escala mundial, o
real e o ficcional eram duas categorias mestras em que se enquadravam os demais gêneros e
formatos. O reality show, no entanto, vem colocar em xeque tais categorias e comprovar a
mobilidade dos gêneros e a capacidade que estes apresentam de se revestir de novos sentidos,
de captar o movimento intrínseco às representações.
Embora o reality show não se enquadre exatamente em nenhuma dessas grandes
categorias, mesmo assim ele carrega em sua gênese alguns traços que permitem ao público
reconhecer um programa televisivo como pertencente a esse (talvez) novo gênero, calcado na
mistura entre o real e o ficcional. O reality show coloca personagens reais em situações
53
fictícias que se baseiam em interações aparentemente ordinárias do cotidiano. Todavia, a
natureza dessas interações estabelecidas em um programa de reality show é marcada pela
mediação do espaço televisivo; tais interações são criadas a partir do estabelecimento de
determinadas regras e condições próprias que os diferentes formatos dos programas desse
gênero colocam. Em certa medida, comungamos com a opinião de Annette Hill (2002) que,
embora não se centre na definição dos conceitos de gênero e formatos, considera o reality
show como um gênero que já apresenta uma gama de formatos. Nesse sentido, Big Brother
Brasil desponta como um dos formatos específicos de reality show que, além de propor o
cruzamento entre o real e o ficcional, também lida com o confinamento dos participantes que
têm suas ações captadas em tempo integral por câmeras e que estão ali reunidos em função de
uma disputa por um prêmio final. Esse formato específico de reality show, que se firma pelo
confinamento e pelo jogo, parece ser o que apresenta maior êxito atualmente na televisão
brasileira; além de BBB, podemos citar como exemplos os programas Fama e O Jogo (Rede
Globo), Casa dos Artistas e O Grande Perdedor (SBT) e Sem Saída (Record).
A questão com a qual nos deparamos agora é perceber em qual lugar poderemos
captar com maior clareza esse movimento entre o real e o ficcional sublinhado pelo gênero
reality show. Talvez seja sobretudo nas performances dos participantes de programas desse
gênero que o embate entre as instâncias da realidade e da ficcionalidade se encontre de modo
mais evidente; independente dos formatos em que se ancoram, os programas televisivos de
reality show sempre lidam com sujeitos que interpretam a si mesmos, que tentam construir
personagens capazes de conquistar o público e um determinado objetivo no final que pode
ser um grande prêmio em dinheiro ou a gravação de um disco. Hill, em sua pesquisa junto à
audiência da versão inglesa de Big Brother, percebeu que um dos aspectos que mais atraíam o
público do programa era exatamente a busca de ações mais “naturais” de seus participantes,
de comportamentos picos das regiões de fundo (E. Goffman, 2001). Portanto, o que está em
jogo em um formato como Big Brother Brasil é a performance, isto é, o que apresentamos de
nós mesmos ao estarmos sob o olhar do outro.
54
4.2 - ERVING GOFFMAN E O ESTUDO SISTEMÁTICO DAS INTERAÇÕES
COTIDIANAS
Para compreendermos de forma mais contundente como os comportamentos
performáticos, a autoconstrução de si mesmo (self) ajuda a problematizar o embate entre o
real e o ficcional no espaço midiático, recorreremos, em especial, à obra do sociólogo norte-
americano Erving Goffman (2001) e a algumas leituras críticas lançadas sobre a mesma. Em
um primeiro momento, recuperamos as premissas lançadas por um de seus trabalhos
pioneiros, A Representação do Eu na Vida Cotidiana, para em seguida, tentarmos
acompanhar a evolução de seus achados em, talvez, a mais importante publicação da última
etapa de seus estudos, Frame Analysis. Antes de nos debruçarmos especificamente sobre sua
obra, achamos pertinente contextualizar suas análises, salientando suas principais referências
teóricas.
Goffman recebe influências diretas da Escola de Chicago
2
e de seu Interacionismo
Simbólico, que apresenta três preceitos fundamentais: os seres humanos o capazes de atuar
reflexivamente e conscientemente; a realidade que conhecemos é uma construção social; e, os
indivíduos se relacionam simbolicamente. Erice (1994) aponta que um dos conceitos
fundamentais para o interacionismo é o de situação. A situação seria o contexto no qual se
desenrolariam as interações cotidianas; a noção de contexto aparece aqui de forma ampla,
levando em consideração todos os elementos envolvidos, mas especialmente os sujeitos. Ao
mesmo tempo em que os atores são os principais responsáveis pela configuração das
situações, também são afetados diretamente por estas; assim, o interacionismo lida com o
conceito de situação de modo dinâmico. É neste ponto que se encontre talvez a maior
distinção entre a obra de Goffman e o pensamento interacionista. Discordando deste, Goffman
pressupõe a existência de algumas situações que seriam recorrentes, as quais ele elege como
seu foco de pesquisa; ou seja, fala de certa estabilidade nas situações.
A obra de Durkheim também é apontada como uma das principais influências no
trabalho de Goffman. Como Joseph (2000) indica, se aquele se voltava para os grandes rituais
presentes nas mais diversas sociedades, este, por sua vez, estava preocupado com os pequenos
rituais recorrentes em nosso cotidiano. Goffman é, portanto, um dos principais responsáveis
2
Parte de seus leitores, como Erice (1994), destaca alguns nomes da Escola de Chicago que teriam servido de
base para os estudos de Goffman; são eles: William James, John Dewey, W. I. Thomas, R. E. Park - através de
quem Goffman teve contato com a obra de Simmel – e G. H. Mead.
55
pela criação da microssociologia, que tem como objeto de estudo as ruas, a conversação e as
interações face a face, deixando em segundo plano os rituais religiosos e a paixão. A
microssociologia não se baseia em um relativismo cultural; em sua visão “os homens são
semelhantes em todos os lugares” (Goffman apud Joseph, 2000, p. 31); daí, o porquê de o
se preocupar com os ritos em si, entendendo-os apenas como dispositivos de socialização e
figuração. É a partir da observação das interações entre pessoas que mal se conhecem, como
as que acontecem no espaço público da rua, que Goffman tenta entender as convenções e
normas sociais.
Um dos pontos centrais abordados por sua obra, pelo menos em uma primeira fase,
é a questão das auto-encenações, das representações que encarnamos de nós mesmos no
decorrer de nossas atividades cotidianas. De acordo com Goffman, o self se configura a partir
do modo como nos representamos na presença do outro, as características psíquicas e
biológicas que a princípio nos constituem também são um fator decisivo na conformação de
nossas auto-encenações. Isto é, o autor parte do pressuposto de que os indivíduos podem ser
divididos em duas partes: o ator e a personagem. Esta é vista como uma imagem que reflete as
qualidades admiráveis da representação, de uma auto-encenação, é resultante do encontro
entre o indivíduo e sua platéia; aquele, por sua vez, diz respeito aos atributos da natureza
biológica e psicológica, refere-se aos atributos do corpo orgânico.
Goffman, portanto, vai de encontro às idéias que até então prevaleciam nos
estudos das Ciências Sociais, pois não acredita na existência de um self mais genuíno, que
seria pico de nossas representações mais íntimas. Para ele, mesmo as auto-encenações que
apresentamos nos lugares mais públicos dizem tanto a respeito de nosso self quanto às que
encarnamos no espaço de nossa intimidade. Desse modo, o self não é fruto de uma relação
dicotômica entre o que aparentamos ser e o que realmente somos. Erice aponta de modo
sucinto quais os fatores que exerceriam influência decisiva na criação e atuação de nossas
personagens:
Los principales son: el principio psicobilogico personal de cada uno, el
escenario y el contexto donde tiene lugar la interacción. Contribuyen
también a la constituición del personaje los integrantes de la interacción.
Son muy importantes la ayuda de los miembros de su equipo y la actitud de
los que presencian sus actuaciones. Entre todos, aceptan, matizan o
rechazan la imagen social que intenta emitir el actor. (Erice, 1994, p. 82).
Embora Goffman não pense a questão das representações sociais especificamente
no âmbito midiático, acreditamos que seus achados serão de grande valia para o
desenvolvimento do presente trabalho. A forma como o autor trabalha com a noção de
56
personagem nos parece bastante útil para estruturarmos a análise do objeto empírico de nossa
pesquisa. O que estamos aqui propondo é exatamente perceber como os participantes de Big
Brother Brasil constituem suas personagens diante de uma visibilidade midiática e o modo
pelo qual a presença latente de uma audiência ou platéia, conforme a metáfora dramatúrgica
utilizada por Goffman – modela suas ações. Os principais elementos que influenciam a
estrutura das personagens podem ser facilmente observados em BBB. Os participantes,
provenientes de diferentes estratos sócio-econômicos e dotados dos mais diversos atributos
físicos, encontram-se num determinado cenário uma casa repleta de câmeras. Estão
inseridos em um contexto específico um programa de televisão que propõe um jogo cujo
finalista levará um bom prêmio em dinheiro. Finalmente, estão diante de uma platéia capaz de
aprovar ou rejeitar suas ações, determinando assim sua permanência ou não no programa.
Ao destacar a importância da presença dos indivíduos na configuração das
representações, o autor indica que estas são construídas e guiadas a partir da relação com o
outro; procuramos sempre representar personagens ideais para sermos aceitos pela sociedade.
Ao nos representarmos, assinalamos ao outro o comportamento que esperamos deles;
analogamente, configuramos o tratamento que daremos ao outro a partir das impressões que
este nos causa por meio de suas ações. Joseph sublinha a importância dessa premissa, que ele
denomina como de “persistência”, no modelo dramatúrgico sugerido por Goffman: “todo
trabalho de figuração pressupõe um público e a assistência de um público, mas todo
desempenho em cena pressupõe bastidores onde o ator cuida de se preparar” (Joseph, 2000, p.
46).
Dessa forma, Joseph indica que nossas performances também variam conforme o
lugar e o contexto em que estamos presentes. Para marcar o lugar das interações, Goffman
trabalhou com a noção de região. Essencialmente nossas ações se situam em dois tipos de
regiões
3
, as de frente (frontstage) e as de fundo (backstage). Nas primeiras, também
designadas como oficiais, abertas ou públicas, são onde acontecem as representações mais
aparentes. São nestas regiões que nossas personagens construídas intencionalmente atuam e
nas quais nos demonstramos mais preocupados em controlar nossas ações, pois sabemos que
estas estão sob a supervisão de um olhar alheio, atento a qualquer descuido.
nas regiões de fundo, que demarcam a esfera de nossa intimidade e dos lugares
de maior privacidade, em que convivemos com um seleto grupo de indivíduos, diante dos
3
Goffman (2001) chega a delinear um terceiro tipo de região, a exterior, que seria uma zona residual na qual se
enquadrariam todos os demais lugares que circunscrevem uma interação, mas principalmente os que se
encontram mais próximos desta. No entanto, não trabalha com a noção de forma contundente, o que torna difícil
sua aplicação, daí termos apenas nos detido nos outros dois tipos.
57
quais não devemos nos preocupar, são onde podemos relaxar e agir de maneira mais natural.
É também nas regiões de fundo em que preparamos nossas atuações que mais tarde serão
performadas nas regiões de frente. De acordo com Joseph, é exatamente essa mudança de
região “que complica o jogo social e impõe aos atores um mínimo de circunspecção
dramatúrgica [uma vez que cria] a necessidade de se expor e de se compor em várias cenas e,
portanto, de mudar de código” (Joseph, 2000, p. 46). Assim, Joseph concorda com a premissa
de Goffman de que a performance é moldada pela presença do outro, porém não negligencia o
fato de que os atores também exercem um controle fundamental sobre suas representações.
No decorrer das representações os sujeitos apresentam determinadas características
físicas e sociais que a priori sinalizam aos seus interlocutores o papel que ele deverá
encenar. A presença de determinados objetos e o fato de estar situado em um cenário
específico vem a corroborar com a atuação dessa personagem. A todo esse conjunto de
dispositivos que ajuda a criar as representações, Goffman convencionou chamar de “fachada”:
Será conveniente denominar de fachada à parte do desempenho do
indivíduo que funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de
definir a situação para os que observam a representação. Fachada, portanto,
é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou
inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação.
(Goffman, 2001, p. 29).
A fachada é composta por dois elementos principais: o cenário (a mobília, a
decoração, o pano de fundo); e a fachada pessoal que se subdivide na aparência (indícios
materiais que revelam o status social dos atores roupas, vocabulário utilizado) e na maneira
(relativa às interações, tem a ver com os modos de agir). É diante de uma conjunção coerente
entre essas três instâncias que idealizamos os tipos ideais a partir dos quais estabelecemos as
representações que se enquadram de forma “adequada” a encenação de um determinado papel
social. Uma representação coletiva é conformada no momento em que a coerência entre os
elementos da fachada dessa encenação passa a habitar o imaginário dos sujeitos, criando
nestes uma expectativa estereotipada. Dessa forma, quando um ator performa um papel
consolidado, ele também sabe qual é a imagem social que corresponde à expectativa do
público, que pode ser mais facilmente convencido do caráter genuíno dessa representação.
De acordo com Goffman, um outro ponto importante a respeito das fachadas é que
se tratam de estruturas fixas e pouco mutáveis, elas nada mais são do que a encenação de
papéis. Assim, dificilmente cria-se uma nova fachada, um novo papel; ao performarmos
nossas ações, apenas selecionamos as representações que mais nos convém. Talvez aqui
encontremos um dos principais entraves dessa primeira fase de seu trabalho; ao entender as
58
representações como sendo de uma natureza dura e pouco mutável, Goffman cria um
empecilho para a análise das interações cotidianas que, como ele mesmo apontou, são
decorrentes de inúmeros fatores relacionados às dinâmicas culturais, sociais e econômicas que
perpassam a sociedade. Não se pode dizer que as observações e conclusões feitas pelo autor
nos fins dos anos 1950, na sociedade norte-americana, seriam as mesmas se fossem feitas na
atualidade. As representações, antes de tudo, encarnam valores, que estão longe de serem
práticas fixas; valores o constantemente apreendidos e modificados pelos sujeitos que os
tomam.
Conforme o próprio autor pondera, quando um indivíduo representa um papel para
outros, ele tende a incorporar em sua performance valores reconhecidos socialmente para que
sua atuação seja bem sucedida. Ao encarnar esses valores em sua representação ele faz com
que estes se perpetuem na sociedade. Portanto, os sujeitos, inicialmente, agem de forma a
defender seus próprios interesses, mas acabam executando seus papéis de modo a cooperar
com os demais. Na maior parte das situações as pessoas se demonstram como realmente são,
por mais que em algumas ocasiões exagerem suas performances a fim de alcançarem uma
representação positiva - o que o Goffman denomina como uma “espontaneidade calculada”. É
nesse contexto, que o autor indica que os atos comunicativos se transformam em atos morais.
Erice retoma a questão da espontaneidade calculada chamando-a de “consenso operacional”,
que é o consenso entre nosso egocentrismo e a busca de que o outro reconheça em nossas
personagens alguns valores sociais; agimos desse modo exatamente para facilitar o alcance de
nossos objetivos pessoais.
Logo, as performances dos indivíduos não são apenas a extensão da decisão
individual dos atores; elas são criadas a partir do cruzamento de exigências do próprio papel e
de sua projeção social, construída conjuntamente com os outros indivíduos. É com base nessa
constatação que Goffman decide utilizar a idéia de equipe como unidade analítica de seu
estudo realizado em A Representação do Eu, que a seu ver, seria um nível intermediário entre
os sujeitos e a sociedade. Entretanto, o autor não consegue marcar de modo assertivo as
diferenças entre equipe e atores individuais, uma vez que admite que uma equipe possa
apresentar apenas um único indivíduo. Retomamos a noção de equipe porque algumas de suas
observações a respeito do comportamento dos atores, quando estes agem em conjunto,
mostram-se bastante promissoras para a formulação de nossa análise a respeito das
performances encarnadas pelos participantes de BBB.
Em uma equipe os indivíduos têm objetivos em comum e por isso agem de modo a
cooperarem com a sustentação das performances alheias; assim, uma equipe somente é
59
tomada como grupo em relação à interação que configura uma situação. Além disso, as
equipes podem contar com a presença de um ator principal: o “diretor”, que tem a dominância
diretiva e dramática sobre a atuação dos demais membros da equipe. Às vezes ocorre de um
segundo ator assumir a liderança dramática, isto é, assumir para os de fora da equipe o papel
aparente de diretor, mas internamente não possuir de fato a liderança diretiva sobre o modo
pelo qual os demais colegas de equipe devem guiar suas performances. São os “bodes
expiatórios”, os “laranjas” que camuflam a verdadeira liderança, protegendo a performance
privilegiada dos diretores.
Empiricamente, Goffman observa que normalmente, em uma dada situação, se
formam duas equipes: a equipe dos atores e a platéia. Deparamos-nos nesse ponto com um
outro problema que este trabalho do autor coloca; ele fala das funções dessas equipes em uma
interação de forma rígida e parece não levar em consideração a alternância de papéis entre as
equipes. Em uma interação social, muitas vezes, os indivíduos pertencentes à platéia podem
sair da condição de simples observadores e tomarem a frente da interação. Nesse sentido,
Erice faz uma boa releitura da interação entre equipes formulada por Goffman. Ambos
concordam - embora nenhum consiga explicar este fato - que em uma interação, geralmente,
estão envolvidas duas equipes, entretanto, Erice prefere abandonar a proposta de Goffman de
que sempre há uma equipe principal em oposição a uma platéia.
As equipes são interdependentes, normalmente ambas agem de modo a dar
prosseguimento à interação e por isso tendem a cooperar uma com a outra. “Cada equipe está
preparada para ajudar a outra, tácita e discretamente, a manter a impressão que está tentando
causar” (Goffman, 2001, p. 156). Erice nos atenta para o fato de que no caso do
enfrentamento de equipes rivais essa premissa de cooperação mútua deixa de existir, todavia,
devemos observar atentamente os silêncios e os jogos de palavras que marcam a relação entre
as duas equipes, pois servem como discretos meios de aproximação. Nos momentos de crise,
isto é, quando ocorre uma “comunicação imprópria” (Goffman), quando um ator ou uma
equipe deixa escapar uma ação que não corresponde com a performance que procura manter,
pode haver uma maior ou menor aproximação entre as equipes. A equipe rival pode ser
solidária com a equipe que agiu inapropriadamente ou pode usar esse momento em benefício
próprio.
De acordo com Goffman, uma comunicação imprópria pode ser decorrente de
quatro tipos de comportamentos que costumamos apresentar em relação à equipe oposta:
tratamento dado aos ausentes, conversa sobre a encenação, conivência entre membros da
equipe, e ações de realinhamento. O primeiro tipo de comportamento diz respeito à tendência
60
de depreciarmos os membros da outra equipe quando estes estão ausentes, ao mesmo tempo
em que procuramos tratá-los melhor do que acreditamos que eles mereçam caso estejam
presentes. É o que Joseph chama de “princípio da pior interpretação”; por almejar a
manutenção de nossa reputação, evitamos situações de confronto aberto com outros atores,
daí, a tratar-los melhor do que realmente gostaríamos. a conversa sobre a encenação,
geralmente restritas às regiões de fundo, pode revelar algumas estratégias e segredos
concernentes à atuação das equipes. A conivência da equipe, por sua vez, se refere ao
comportamento dos atores diante de outra equipe; são os códigos internos compreendidos
pelos membros efetivos do grupo como sinais, deixas na fala, e a sutil ironia. Por fim, as
ações de realinhamento são a forma que os atores encontram para se libertarem um pouco da
rigidez das interações entre equipes. Os indivíduos expressam-se deliberadamente de forma
imprópria de modo que sua ação seja percebida por todos envolvidos na situação, mas que
não chegue a afetar diretamente a integridade das duas equipes.
Esta comunicação não-oficial pode ser realizada por alusões, expressões
mímicas, chistes bem colocados, pausas significativas, sugestões veladas,
‘peças’ propositadas, elevação da voz expressiva e muitas outras práticas
indicativas. As regras a respeito deste afrouxamento são muito severas. O
indivíduo que faz a comunicação tem o direito de negar que ‘pretendia dizer
alguma coisa’ com sua ação, caso os receptores o acusem, frontalmente, de
ter transmitido algo inaceitável, e estes têm o direito de agir como se nada,
ou somente algo inócuo, tivesse sido transmitido. (Goffman, 2001, p. 176).
No caso de equipes numerosas, o autor observou que nem sempre há um consenso
unânime entre os atores a respeito da escolha de uma determinada linha de ação, mas assim
mesmo os membros tendem a acatá-la por lealdade aos companheiros e para a manter a
coesão da equipe, cuja estabilidade é essencial para alcançarem seus objetivos. Uma linha de
ação pode ser combinada previamente, quando os membros da equipe se encontram a sós, em
sua região de fundo, ou ela pode ser estabelecida a partir da simples observação das ações
tomadas pelos demais atores, sem que haja a necessidade de que a equipe precise decidi-la
deliberadamente. Todavia, situações limites em que os atores não hesitam em por abaixo o
controle sobre suas performances, não conseguindo mais apoiar as demais representações da
equipe; essas situações extremas foram denominadas por Goffman como “cenas”. As cenas,
em geral, trazem graves conseqüências para todos os envolvidos na situação, podendo,
inclusive, causar uma reconfiguração entre as equipes.
Em decorrência das, por vezes, drásticas conseqüências das cenas, os atores agem
de modo a evitá-la, procurando sempre manter certa estabilidade nas situações. Nesse
contexto, Goffman traça três tipos de práticas as quais os sujeitos recorrem para manipular
61
suas auto-encenações, a fim de salvaguardarem as interações que estabelecem com os outros
atores sociais. Os “atributos e práticas defensivas” em que os indivíduos tentam salvar sua
própria performance são o primeiro tipo. As práticas defensivas, por sua vez, se baseiam em
três princípios: a lealdade, que pode ser alcançada através da criação de fortes laços solidários
entre os membros de uma equipe; a disciplina, a atenção constante para saber lidar bem com
os eventuais imprevistos; e, a circunspecção dramatúrgica, a capacidade de previsão e
planejamento das ações futuras. Quando se encontram em uma posição marginal na situação,
os atores tendem a aplicar as “práticas protetoras”, isto é, agem de maneira aparentemente
desinteressada, como se não estivessem presentes para não desestabilizarem as representações
dos indivíduos que, de fato, estão envolvidos naquela situação. A terceira prática, “o tato com
relação ao tato”, diz respeito à sensibilidade dos atores em perceber as insinuações da platéia
que lhes indicam que suas condutas precisam ser revistas e mudadas.
Contudo, apesar de agirmos sempre tendo em vista um maior controle possível
sobre nossas performances, isto não significa que elas não estejam sujeitas aos imprevistos
que escapam de nosso autocontrole, como os que ocorrem nos momentos de comunicação
imprópria. Assim, “as representações põem em destaque uma decisiva discrepância entre
nosso eu demasiado humano e nosso eu socializado” (Goffman, 2001, p. 58). O outro tem
consciência da dificuldade por nós enfrentadas ao tentarmos sustentar as personagens que
forjamos para ele e para nós mesmos e, por isso, busca sinais reveladores de nossa intimidade,
expressões das regiões de fundo em que “baixamos nossa guarda”, procurando fragmentos de
nosso self que não expomos em nossas ações corriqueiras
4
. Assim, os pequenos detalhes que
compõem nossas representações, como os gestos, podem conferir uma maior credibilidade a
nossas performances ou simplesmente liquidá-las. Além disso, mesmo que um ator consiga
sustentar seu papel da forma que julga ser a mais conveniente, tal representação estará sempre
à mercê das mais diversas interpretações do público.
Todavia, Goffman alerta que não são só os atores que podem ser mal interpretados,
mas o público também pode estar diante de uma representação falsa e tomá-la como
verdadeira. Como membros de uma platéia temos consciência de que podemos ser
ludibriados, assim estamos sempre colocando em dúvida a veracidade das representações, daí,
o porquê de buscarmos algum sinal, como um gesto mal executado ou simplesmente
4
Andacht (2004a) justifica o sucesso do formato televisivo blooper, as famosas “pegadinhas”, exatamente por
esse desejo que temos de ver o outro diante de situações que lhe fogem do autocontrole. Analogamente, Hill
(2002) em uma pesquisa de recepção realizada junto ao público que acompanhava a versão inglesa de Big
Brother verificou que o que os motivava a seguir os episódios era justamente a possibilidade latente de flagrar os
participantes agindo de um “modo mais natural”, reagindo às situações como se as meras não estivessem
presentes.
62
esquecido, capaz de nos indicar a natureza de uma performance. Embora reconheça a
existência das representações falsas, Goffman não acredita que os indivíduos estejam de fato
dispostos a encená-las, pois são consideradas desonrosas pela sociedade; uma vez
descobertas, o que a seu ver não se trata de uma possibilidade remota, prejudicaria
sobremaneira a reputação de um ator. Daí, Goffman defender a idéia de que a priori os
sujeitos, em sua maioria, evitam manipular suas representações a fim de atingir
exclusivamente seus interesses.
Ademais, para o autor não grandes diferenças entre as performances genuínas e
as falsas; ambas tentam manter as impressões adequadas com o objetivo de convencer ao
outro. Mesmo uma performance verdadeira utiliza recursos para construir a melhor
representação possível de um determinado papel; ora alguns gestos são suprimidos, ora outros
são exagerados. Assim, Goffman não está preocupado em verificar a natureza de uma
determinada performance; como foi dito, para ele o self se configura tanto por ações
exclusivas de uma esfera mais íntima quanto por aquelas mais corriqueiras, típicas de uma
esfera mais social.
4.2.1 – Frame Analysis: o re-enquadramento das interações
Em Frame Analysis (1986), como aponta Erice, Goffman tenta se redimir de
alguns erros que cometeu em seu primeiro trabalho mais significativo, A Representação do Eu
na Vida Cotidiana, cujos principais achados acabamos de retomar. Na opinião de Erice,
Frame Analysis pode ser apontado como o trabalho mais importante da obra de Goffman. Ao
cruzar os métodos da Sociologia Interpretativa com os aportes teóricos do Estruturalismo e a
Filosofia da Linguagem proposta por Wittgenstein, Goffman nos oferece uma nova
interpretação para a forma como se estrutura a experiência humana. A partir da análise das
interações cotidianas, o autor formulou alguns pressupostos capazes de dar conta de relações
de ordem macrossociológica. Nesse trabalho, o Goffman muda o foco de sua análise das
interações face a face, como acontece em A Representação do Eu, para se voltar para questões
relativas à ordem interacional. Se em seu estudo anterior havia tratado as representações dos
atores como algo fixo e pouco mutável, em Frame Analysis, o autor lança um novo olhar
sobre as performances sociais: ele não toma os indivíduos apenas com relação ao papel
principal que estes encenam em uma dada situação; agora as performances são tomadas como
63
um todo, são resultado do entrecruzamento de papéis, da bagagem sócio-cultural que formam
os selves.
É também neste trabalho que Goffman se aproxima dos estudos relativos à teoria
da comunicação. Em sua nova fase, o autor concorda que uma alternância de papéis entre
emissores e receptores; a idéia de opor atores principais à platéia, como fazia em seu trabalho
anterior, não lhe parece mais pertinente. A concepção de realidade defendida por ele também
sofre significativas alterações; se antes defendia um relativismo total sobre a noção de
realidade, uma vez que cada indivíduo constrói o seu mundo real, agora toma a questão de
modo menos relativo e pensa em uma estratificação da realidade: existe um mundo comum a
todos nós, mas que está sujeito às mais variadas interpretações. Contudo, as interpretações dos
indivíduos não são totalmente relativas, elas estão diretamente relacionadas com os níveis de
realidade; é a existência objetiva desses veis que nos permite compreendê-las. Assim, a
realidade que experienciamos estaria entre o objetivo e o subjetivo. Nesse ponto apresenta um
pensamento consoante às idéias de Berger e Luckmann (1985) que falam de uma realidade
formada a partir do encontro objetivado das subjetividades dos indivíduos.
É diante dessa concepção de realidade que Goffman formula o conceito central de
seu trabalho, o frame
5
. Em linhas gerais, podemos dizer que a noção de frame opera em dois
níveis: do ponto de vista subjetivo, é o resultado de uma atividade esquematizadora, enfim, é
uma representação, um modelo; do ponto de vista objetivo, descreve a organização da
sociedade. O conceito é tomado como a principal ferramenta metodológica utilizada pelo
autor. A partir da idéia de frame, Goffman é capaz de isolar esquemas situacionais que
permitem perceber a recorrência de determinadas estruturas sociais e comportamentos
intersubjetivos que indicam a existência de uma realidade exterior, formada a partir do
encontro das subjetividades, mas que existe apesar de suas interpretações.
De forma consciente ou inconsciente, os atores, ao se encontrarem em uma
determinada situação, guiam sua performance buscando sempre se posicionarem da maneira
mais adequada àquela situação. As situações são criadas a partir do encontro entre os
elementos da realidade externa e as subjetividades dos sujeitos envolvidos, que se comportam
segundo a natureza das interações estabelecidas nessa situação. Ou seja, eles são capazes de
processar as informações presentes em situações recorrentes do dia-a-dia de modo
5
Pelas diversas acepções que a palavra “frame” apresenta na língua inglesa, optamos por mantê-la no original.
Frame pode ser traduzido como: estrutura; armação; marco (de porta ou janela); moldura; (cost.) bastidor; (cin.,
tv) quadro (cin.: imagem contida em um fotograma); (fig.) plano, organização.
64
relativamente regular. É nesse sentido que o autor afirma que a relação entre a percepção e o
fato é correspondente, marcada por um isoformismo.
Em suma, o conceito de frame diz respeito tanto ao marco e ao contexto colocado
pela situação quanto a modelos interpretativos (frameworks), aos quais os sujeitos recorrem
para definirem suas ações. Joseph, de forma sucinta, nos ajuda a compreender essa dupla
natureza do frame: “[...] Esse quadro não é só uma estrutura interpretativa (um esquema), mas
também um momento de atividade que se inscreve numa ecologia particular na qual a
linguagem corporal é indissociável dos recursos mobilizáveis no espaço onde se desenvolve a
atividade” (Joseph, 2000, p. 55 – grifo do autor).
À medida que os sujeitos vivem diferentes situações, confrontam-se com os
frames, eles são capazes de interiorizar subjetivamente esses frames de modo a formular
modelos interpretativos que podem ser aplicados em futuras situações, semelhantes às
primeiras que os originaram. Os modelos interpretativos, ou frameworks como foi
originalmente nomeado por Goffman, designam o movimento de aplicação dos frames
interiorizados que facilita o reconhecimento e a inserção dos sujeitos no mundo. Logo,
podemos afirmar que os modelos interpretativos referem-se ao processo de objetivação da
subjetividade (Berger & Luckmann). Os modelos interpretativos apresentam duas grandes
categorias: os primários e os secundários. Os primeiros não estão fundamentados em
esquemas anteriores; são resultantes da interferência humana nos fatos naturais. Através da
observação dos modelos primários, nos deparamos com os fundamentos de uma determinada
cultura. Quando eles por si não são capazes de guiar a ão dos sujeitos em uma situação,
estes são obrigados a formular e aplicar um novo modelo interpretativo; a partir das
modificações imprimidas nos modelos primários são criados os modelos interpretativos
secundários.
É aqui que recuperamos a idéia de estratificação de realidade de Goffman,
concebida bem nos moldes do pensamento estruturalista; para o autor os modelos
interpretativos primários, que operam como base para os demais modelos interpretativos,
possuem uma correspondência mais direta com realidade do que os demais, daí, a realidade
advinda do emprego desses modelos ser considerada mais real do que as outras. Os modelos
interpretativos secundários, devido à sua gênese mutante e por isso mais maleáveis, estão
mais susceptíveis às novas transformações; cada transformação adiciona uma lâmina, um
novo nível, um novo estrato a esses modelos, conseqüentemente, as realidades
correspondentes a estes novos modelos estarão cada vez mais distantes da “realidade
máxima”, formada a partir do modelo primário original. Quando Goffman se refere a uma
65
estratificação da realidade, ele está falando da existência de diferentes realidades que são
criadas a partir das interferências dos sujeitos nos modelos interpretativos – que nada mais são
do que as representações de Durand, as imagens de Bergson. Contudo, essas realidades
adjacentes guardam, em seus cernes, um núcleo comum, advindo da correspondência de um
modelo interpretativo primário mestre. O autor também nos chama a atenção para o fato de
que o percurso das interações pode ser bruscamente interrompido pela entrada de realidades
desmarcadas, o out-of-frame. Essas realidades desmarcadas nada mais são do que os
imprevistos apresentados por ele em A Representação do Eu. Os out-of-frame, assim como os
imprevistos, desestabilizam os frames causando-lhes, em parte das vezes, importantes
modificações em suas configurações.
Os modelos secundários, por se relacionarem com realidades menores, apontam
para a existência de campos significativos mais restritos. Dessa forma, eles não se referem aos
grandes fundamentos de uma cultura, mas às representações compartilhadas por grupos
menos extensos. São esses modelos que tornam evidente o problema da constituição social da
realidade. Os modelos secundários são divididos em dois grupos: os enganos (fabrications) e
as chaves interpretativas (keys). Os primeiros surgem quando os indivíduos enfrentam uma
dificuldade em aplicar corretamente um modelo interpretativo em uma dada situação. Essa
dificuldade pode ser resultado da ação intencional de outros atores ou ainda de uma confusão
criada pelo sistema sensorial dos próprios indivíduos.
As chaves interpretativas constituem o tipo mais comum de modelos secundários,
pois elas abrigam os momentos em que os atores são capazes de aplicar corretamente um
modelo interpretativo. Elas tendem a ser aplicadas de modo regular, operando, portanto, no
sentido de facilitar a inserção dos sujeitos no mundo. As chaves interpretativas, como
modelos secundários bem sucedidos, referem-se às experiências anteriores dos indivíduos,
daí, diferentes sujeitos poderem interpretar e agir de modo distinto em uma mesma situação.
As chaves interpretativas se subdividem em cinco tipos: quando se simula crer no que se
realiza (make-believe), que são os passatempos agradáveis, como os jogos, as fantasias e as
encenações dramáticas; os esportes; as cerimônias, casamentos, velórios, dentre outros; os
ensaios técnicos, chaves que aplicamos em terapias de grupo e estágios profissionais; e,
último tipo, de caráter mais aberto, referente a uma zona residual, que designa a realização de
uma atividade por motivos diferentes dos habituais como, por exemplo, a observação
participante.
É a operacionalização dos modelos interpretativos primários e secundários que
permite aos indivíduos, quando se encontram em uma determinada interação, inferir de
66
antemão algumas informações que podem ser úteis no desempenho de suas performances.
Raramente estamos diante de uma situação absolutamente nova, assim sendo, os modelos
interpretativos tornam possível aos atores uma estruturação de elementos cognitivos prévios.
A partir desse mecanismo somos capazes de estabelecer uma relação cognitiva (Erice) com os
demais sujeitos; identificamos nestes alguns sinais que nos fazem supor conhecer algo
sobre os papéis que eles provavelmente devem performar. Diante desses dados extra-
situacionais, que inferimos, somos capazes de guiar, de modo mais contundente, as nossas
ações.
Portanto, cabe-nos recuperar, em linhas gerais, as principais idéias sobre as quais
discorremos até este momento com o fim de situar, no espaço da mídia televisiva, a discussão
apresentada por Goffman acerca das representações dos papéis sociais encarnados
cotidianamente pelos sujeitos. Na primeira parte desse trabalho, recorremos à discussão sobre
os meios de comunicação de massa iniciada pela Escola de Frankfurt. Salientamos o fato de
que a lógica produtiva que permeia o processo construtivo das mensagens televisivas
reproduz, em sua estrutura, as práticas de poder existentes na sociedade. Alguns autores,
como Sodré e Bourdieu, afirmam que o discurso ideológico das classes dominantes,
detentoras do poder econômico e político, é apreendido, tanto pelos que trabalham nos
grandes meios de comunicação quanto pelos receptores, como se fosse o único possível.
Assim, a ideologia não é construída racionalmente pela mídia, conformando-se no terreno das
experiências cotidianas, porém faz parte de uma estrutura mais ampla de poder. Sem
negligenciar a importância e o peso da dimensão estrutural, entendemos que o jogo das
relações e o papel da mídia se desenrola de forma mais complexa e não totalmente
determinada. O desempenho dos atores e a construção de suas intervenções (os discursos, as
performances) são atravessados por múltiplas variáveis. De forma mais específica, podemos
dizer que as situações criadas são marcadas por regras provenientes de cada contexto e pela
interferência criativa dos próprios atores. No caso específico da mídia televisiva, verificamos
que alguns dos recursos geralmente utilizados pelos produtos da televisão, como os cortes
sucessivos, os planos mais fechados e a prevalência de uma linguagem direta e fática,
decorrem de características do próprio dispositivo técnico e de sua recepção.
Dessa forma, a televisão se reapropria de representações que circulam na
sociedade, revestindo-as de novas configurações e sentidos para depois reapresentá-las aos
sujeitos; daí, podermos tomar a televisão como um lugar privilegiado para observar a
dinâmica das representações. Não podemos perder de vista que o modo pelo qual a TV
constrói sua realidade é profundamente marcado tanto pelas práticas produtivas quanto pela
67
forma como seus produtos são consumidos. Nesse sentido, Martin-Barbero indica que os
gêneros televisivos despontam como uma mediação entre os responsáveis pela produção dos
programas e sua audiência. O gênero atua como um dispositivo de reconhecimento, uma vez
que desencadeia nos receptores um determinado processo cognitivo; os espectadores olham
para um produto e de início identificam alguns traços que permitem certa compreensão
daquela mensagem televisiva. Esse processo de reconhecimento do receptor pode ser
explicado justamente pela recorrência de determinadas representações a presença do
apresentador e o papel que este desempenha, o uso de alguma imagens e planos, os recursos
de montagem, etc.
O reality show, embora seja um tipo de produto recente na história da televisão,
pode ser considerado como um gênero televisivo na medida em que evidencia, em sua gênese,
uma mistura entre as duas matrizes sob as quais se enquadram os demais programas: o real e o
ficcional. Os programas de reality show conjugam os mais diferentes recursos da linguagem
televisiva, conformando, assim, formatos específicos. Big Brother Brasil exemplifica um
determinado formato desse novo gênero, que além de sinalizar um embate entre realidade e
ficção, lida com o confinamento e propõe um jogo que se baseia na desenvoltura das
performances apresentadas pelos seus participantes. O público acompanha o desenrolar dessas
personagens durante as semanas de confinamento e elege como vencedor aquele que mais lhe
agrada.
É nesse contexto que as contribuições de Goffman que embora não se volte
especificamente para a encarnação de papéis no âmbito da mídia televisiva - nos ajudam a
estabelecer algumas ferramentas metodológicas que devem servir como guia para as análises
desenvolvidas em nosso trabalho. Para realização de nossa pesquisa, partimos da premissa
exposta por Goffman de que não existe uma expressão mais verdadeira de nosso self; ele se
manifesta em quaisquer ações dos sujeitos, independentemente se ocorrem em regiões de
frente ou de fundo. Assim sendo, não nos interessa verificar a sinceridade das performances
encenadas pelos participantes de BBB. Nosso problema se volta exatamente em tentar
compreender como essas performances se desenvolveram no decorrer de um programa
televisivo específico e como elas se tornaram mais ou menos convincentes, isto é, que tipo de
valores elas sinalizaram para o público, como elas estabeleceram certos laços de identidade
com este.
As observações feitas por Goffman a respeito das conformações das equipes e
comportamento que, em geral, estas adotam em situações de co-presença, nos ajudarão a
entender o modo pelo qual os participantes de BBB interagem uns com os outros dentro da
68
estrutura proposta pelo programa. A idéia de frame mostra ser de grande pertinência à medida
que permite traçar um mapa das diferentes situações interativas com as quais os participantes
do programa lidam concomitantemente. A aplicação das chaves interpretativas, referentes a
universos simbólicos subjetivos, contribui para que possamos verificar o porquê da edição de
BBB influenciar a votação do público, mas não ser capaz de manipulá-lo efetivamente. Por
fim, a recuperação de alguns pressupostos de Frame Analysis nos ajuda a pensar a
performance em seu caráter dual, como entrecruzamento entre os modelos interpretativos (as
representações) no espaço de uma realidade externa demarcada pelo frame (as mediações).
Diante dessas premissas, como, então, devemos tentar captar o movimento
performativo dos participantes de um programa de reality show, como Big Brother Brasil? A
partir de que tipo de interações essa performance é construída? De que modo a atuação desses
participantes também afeta essas interações?
Ao olharmos para a atuação dos participantes de Big Brother Brasil percebemos
que sua performance se articula a partir de três tipos de interação: entre os próprios
participantes que dividem o mesmo espaço físico, o estúdio (a casa), interagindo face a face
uns com os outros; entre os participantes e a produção do programa, representada pelo
apresentador, que, apesar de não estar no mesmo espaço físico, é capaz de dialogar
diretamente com eles; e, a interação mediada pelas câmeras, entre os participantes e o público
do programa, cuja vontade determina a permanência daqueles no jogo.
Portanto, o que acontece em um programa de reality show é que os participantes,
por todo o tempo, têm consciência de que estão sendo observados por pessoas com quem não
têm contato e nenhuma relação mais íntima para esclarecerem mal entendidos, caso estes
aconteçam; assim, procuram sempre controlar suas ações, construir personagens que agradem
a esse público. A única indicação que eles têm se suas performances estão sendo ou não bem
recebidas por este público é através da comunicação com o apresentador do programa, que
ocorre em dias previamente estabelecidos pelas regras do jogo, e pelo resultado das votações
que os eliminam. Mesmo que fugazes, tais indicações costumam condicionar a performance
desses participantes, que no decorrer do programa, em sua maioria, se mostram cada vez mais
preocupados com suas auto-encenações.
Não obstante, sua performance não deve se voltar apenas ao público; ela também
deve funcionar com os outros participantes do jogo e com a própria produção do programa. O
contato direto e forçado com pessoas, que até então eram desconhecidas, torna difícil o
autocontrole e a afirmação das representações de cada participante. Por todo tempo suas
personagens se chocam, levando à frente comportamentos que pretendiam salvaguardar nas
69
regiões de fundo. Além disso, também devem estar atentos para uma não exposição de sua
intimidade diante das câmeras, pois sabem que se deixarem escapar alguma ação que não
deviam como um dedo no nariz ou um descuido no momento de colocar a parte de cima do
biquíni – esta, provavelmente, será exibida na edição final do programa.
70
5 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para respondermos ao problema proposto em nossa pesquisa, que é perceber o
modo pelo qual os participantes de um reality show, em especial, os que fizeram parte da
terceira versão brasileira de Big Brother, investem e desempenham os papéis que eles mesmos
elegeram para representar a si próprios, precisamos lançar mão de algumas ferramentas
metodológicas. Neste item, pretendemos apresentar, portanto, o caminho que percorremos
para construir nossa análise acerca do objeto de estudo proposto.
A partir do cruzamento de dois conceitos apresentados por Goffman (1986, 2001),
e por nós retomados no capítulo anterior, performance e frame, elegemos diante da estrutura
do programa Big Brother Brasil quais seriam os momentos e os dias da semana que nos
interessariam observar. Isto é, em quais episódios e situações poderíamos identificar, de modo
mais claro, a maneira pela qual os participantes do programa constroem suas próprias
personagens. Feito esse primeiro recorte, selecionamos os episódios específicos que fariam
parte de nosso recorte empírico. Por fim, lançamos mão de mais um critério para chegarmos
na configuração final de nosso corpus: a eleição de seis personagens a serem observadas com
maior atenção.
5.1 – MONTAGEM E SELEÇÃO DO CORPUS
Apesar de já terem sido apresentadas cinco edições de Big Brother Brasil, nosso
recorte específico diz respeito à terceira versão do programa, veiculada entre janeiro e abril de
2003. Fizemos esta escolha por dois motivos: primeiro, porque os participantes dessa versão
haviam assistido às duas primeiras e, por isso, possuíam conhecimento de quais táticas
deveriam ser adotadas, quais atitudes deveriam ser tomadas para tentar ganhar a simpatia do
público, tornando, assim, mais evidente a questão da performance do que os primeiros big-
brothers; e, segundo, porque foi nessa versão que a performance se configurou como uma
prática manifesta entre os participantes. No decorrer de BBB 3, duas personagens, Dhomini e
Jean, se destacaram por suas auto-encenações, abertamente construídas com o fim de ganhar o
jogo proposto pelo programa. Os dois participantes atuaram como referências antagônicas,
71
sob as quais os demais se dividiam; o embate entre eles se configurou claramente no campo
das fachadas (Goffman); ele acontecia exatamente no terreno das representações sociais.
O segundo conceito que retomamos de Goffman, frame, nos ajuda a compreender
melhor a natureza e a dinâmica das interações a que se sujeitam os participantes de BBB 3.
Embora o formato lhes impute o confinamento em um cenário fixo e a convivência
obrigatória com um determinado grupo de pessoas, o “estar na casa” nem sempre é marcado
por um único de tipo de situação, em que se destacam apenas as interações face a face. A
visibilidade ampliada pelas câmeras e a vigília constante da equipe de produção do programa
são capazes de configurar outros veis de interações entre os participantes e outros atores
sociais situados fora da casa; enfim, os big-brothers lidam diretamente com uma sobreposição
de diferentes situações, de diversos enquadramentos interacionais.
A partir disso, recortamos então, dentre os vários momentos da estrutura do
programa, aqueles através dos quais seria possível observar as interações estabelecidas entre
os participantes, o apresentador e o público. É justamente nessas interações triangulares, na
conformação desses diferentes enquadramentos, que os big-brothers devem se basear para
construir suas auto-encenações; é o entrecruzamento dessas interações que guia suas
performances. Nesse sentido, destacamos os momentos em que esses participantes interagem
uns com os outros ou com o apresentador, mas sem se esquecerem que suas ações estão sendo
captadas pelas câmeras e, conseqüentemente, pelo o olhar do público, cuja preferência
determina o destino dos big-brothers no desenrolar do jogo proposto pelo programa. Ao
mapear esses enquadramentos específicos, identificamos três categorias de situações em que
essas ações voltadas (abertamente ou não) para as câmeras podem ser observadas: entradas ao
vivo durante a exibição do programa diário; atitudes profílmicas
1
, em que a câmera é o centro
das ações dos big-brothers; e, o alinhamento dos participantes em grupos dentro da casa. Cada
uma dessas categorias tenta marcar uma determinada situação, em que se destaca uma
interação principal entre os participantes e outro(s) ator(es), isto é, os demais participantes, o
apresentador ou o público.
Na primeira categoria, as conversas ao vivo com o apresentador, sobressai a
interação estabelecida entre os participantes e a produção do programa, sintetizada na figura
de Pedro Bial. As entradas ao vivo durante o “programa compacto”, veiculado em horário
pré-determinado na grade de programação da emissora, acontecem nos programas exibidos
1
Lançamos mão, aqui, do adjetivo profílmico a partir do conceito de “profilmia”, elaborado por Claudine de
France (1998), que designa a atenção demasiada dada pelos sujeitos à suas auto-encenações, quando estes estão
cientes de que suas ações estão sendo registradas por câmeras cinematográficas ou de vídeo.
72
aos domingos, terças e quintas-feiras. Nestes dias, durante a exibição do programa, os
participantes se reúnem na sala principal da casa e conversam com Bial por meio de uma tela
de TV. Eles sabem que estão entrando ao vivo em cadeia nacional e que o público tem acesso
não à conversa com o apresentador, mas também aos momentos que antecedem e sucedem
estas conversas. Ademais, é importante destacarmos o papel do apresentador na construção
dessas personagens; os participantes não devem estar atentos apenas à presença virtual do
público, mas também à fala e à ação de Bial. Ao se dirigir a cada um dos participantes
reunidos na sala, o apresentador deixa escapar propositalmente algumas falas e gestos que
indicam a esses participantes como estão sendo retratados e recebidos pelo público. Assim,
Pedro Bial ultrapassa o papel de apresentador isento e se transforma em uma espécie de
mediação que atua entre big-brothers e mundo exterior ao programa.
As atitudes profílmicas são, notoriamente, marcadas pela interação entre os
participantes e o público, via câmeras. Identificamos três tipos de ações comuns entre os big-
brothers que podem ser enquadradas nessa segunda categoria: a utilização do
“confessionário”; os gestos dispersos no cotidiano da casa voltados sobretudo para as
câmeras; e, as conversas sobre o jogo. O confessionário é um pequeno cômodo em que
uma poltrona confortável e acolhedora em frente a uma grande câmera de televisão, a única
na casa que não está despistada. Esse ambiente é usado pelos participantes principalmente aos
domingos, dias em que têm que escolher qual colega deverá disputar, com o nome indicado
pelo líder, o próximo paredão. Todavia, o confessionário também apresenta uma função
secundária: ele pode ser usado pelos big-brothers como um lugar de confidências e de
desabafo. Os gestos dispersos no cotidiano, o segundo tipo de ação ainda dentro das ações
profílmicas, são aqueles momentos em que os participantes demonstram que têm consciência
de sua visibilidade, como as danças em frente ao espelho, os “tchauzinhos”, as piscadelas e as
conversas direcionadas para as câmeras, ou quando se referem ao próprio público, com frases
do tipo “o público está vendo em casa e ele sabe a verdade”. As conversas sobre o jogo, isto é,
os momentos em que se fala sobre a votação e a conseqüente configuração do paredão
semanal, evidenciam a constante preocupação dos participantes com a presença virtual dos
espectadores. Estas conversas expressam o modo pelo qual as personagens tentam direcionar
suas ações a partir de suposições que fazem a respeito das opiniões do público que os
assistem. Em BBB 3, por exemplo, o grupo “Máfia de Cuecas”, ao imaginar os “melhores
paredões”, tenta inferir quais representações estão sendo as mais bem sucedidas, segundo a
opinião dos espectadores.
Por fim, o alinhamento em grupos dentro da casa diz respeito às interações
73
estabelecidas entre os próprios big-brothers. As equipes (Goffman, 2001) são formadas a
partir de interesses e objetivos em comum, como o compartilhamento de uma determinada
estratégia de jogo, ou a partir do estabelecimento de laços afetivos, como uma forte amizade
ou um namoro. No entanto, no decorrer do programa, devido ao confinamento e ao convívio
extremo a que os participantes estão submetidos, é comum as personagens se realinharem e
configurarem novos grupos; um grande bate-boca ou um pequeno mal entendido entre dois
aliados pode fazer com que estes se aproximem de outras pessoas que até então pertenciam a
uma equipe rival. Ao se identificarem com um grupo específico, os participantes sinalizam
ao público algumas informações sobre as personagens que tentam construir. Além disso, a
formação das equipes e as atitudes tomadas pelos big-brothers em relação a esse alinhamento
durante o desenrolar do programa é um dos temas recorrentes nos compactos exibidos em
horário nobre. Os participantes, portanto, devem estar atentos para não caírem em contradição
ou não agirem falsamente uns com os outros; uma representação notoriamente falsa, com
certeza, será reapresentada para o público em um compacto editado.
Assim, acreditamos que são exatamente nesses momentos, em que eles se
mostram racionalmente preocupados com as câmeras, a ponto de direcionar suas ações
prioritariamente para estas, que poderemos observar, com maior facilidade, que papéis eles
escolheram representar e o modo como querem se firmar diante do público, a fim de
conquistá-lo e levar o prêmio final ou ganhar a fama ao saírem do programa. A partir daí,
fizemos a primeira seleção de nosso corpus: a eleição dos episódios a serem analisados.
Inicialmente, separamos os dois programas especiais o de apresentação e o “lavagem de
roupa suja”, exibidos, respectivamente, nos dias 09 de janeiro e 06 de abril de 2003 - que
apesar de não retratarem diretamente o jogo estabelecido por BBB 3, se apresentam como
episódios essenciais para a compreensão do movimento performático empreendido pelos
participantes.
Separados os programas especiais, partimos para o recorte dos demais episódios.
Em um primeiro momento selecionamos apenas os que haviam sido veiculados nos domingos,
terças e quintas-feiras, por serem nestes dias em que ocorre a maior incidência dos três
momentos que nos interessam observar, exibições ao vivo, atitudes profílmicas e alinhamento
em grupos. Deparamo-nos, então, com um total de trinta e quatro episódios; por
considerarmos essa seleção ainda muito extensa, considerando nosso tempo de análise,
concluímos que o viável seria a composição de um corpus que selecionasse a cada semana de
programa - de uma terça-feira até a próxima segunda-feira - um episódio. A terceira versão de
Big Brother Brasil foi exibida em um período de onze semanas, daí, termos adicionado a
74
nosso corpus mais onze episódios. Em suma, nossas análises foram construídas a partir da
observação de treze capítulos de BBB 3; dois especiais, o programa de apresentação e o
“lavagem de roupa suja”, e onze programas diários, correspondentes a cada uma das semanas
de exibição.
A tabela e o quadro abaixo permitem uma melhor compreensão da formação de
nosso corpus:
TABELA 01
SELEÇÃO DOS PROGRAMAS EXIBIDOS DIARIAMENTE
DIAS DA SEMANA / DATAS
SEMANA
Terça Quarta Quinta Sexta Sábado Domingo
Segunda
01
14/01 15/01 16/01 17/01 18/01 19/01 20/01
02
21/01 22/01 23/01 24/01 25/01 26/01 27/01
03
28/01 29/01 30/01 31/01 ½ 02/02 03/02
04
04/02 05/02 06/02 07/02 08/02 09/02 10/02
05
11/02 12/02 13/02 14/02 15/02 16/02 17/02
06
18/02 19/02 20/02 21/02 22/02 23/02 24/02
07
25/02 26/02 27/02 28/02 01/03 02/03 03/03
08
04/03 05/03 06/03 07/03 08/03 09/03 10/03
09
11/03 12/03 13/03 14/03 15/03 16/03 17/03
10
18/03 19/03 20/03 21/03 22/03 23/03 24/03
11
25/03 26/03 27/03 28/03 29/03 30/03 31/03
12
01/04
QUADRO 01
MONTAGEM FINAL DO CORPUS ANALÍTICO
N
o
Corpus Data Dia da Semana
Descrição
01 09/01/2003
Quinta-feira Programa especial de apresentação dos
participantes de BBB 3.
75
02 16/01/2003
Quinta-feira Compacto da primeira festa; grupos disputam
quem vai participar do lual.
03 21/01/2003
Terça-feira Primeiro paredão (duplo): Samantha e Paulo
saem da casa.
04 02/02/2003
Domingo Decisão da conformação do terceiro paredão:
Dhomini enfrenta Marcelo.
05 04/02/2003
Terça-feira Terceiro paredão: Marcelo está fora do
programa.
06 16/02/2003
Domingo Conformação do quinto paredão: Juliana
contra Dhomini.
07 20/02/2003
Quinta-feira Elane, após vencer uma prova de sorte, se
torna a líder da semana.
08 25/02/2003
Terça-feira Alan é sétimo eliminado do programa em
paredão recorde.
09 09/03/2003
Domingo Os demais participantes da casa finalmente
conseguem armar o “paredão casal”, Dhomini
contra Sabrina.
10 11/03/2003
Terça-feira Sabrina sai da casa após perder a disputa do
oitavo paredão.
11 20/03/2003
Quinta-feira Em prova de resistência, Viviane consegue a
penúltima liderança do programa e garante
prêmio de, pelo menos, terceiro lugar.
12 30/03/2003
Domingo Elane vence Viviane em penúltimo paredão e
disputa a final com Dhomini.
13 06/04/2003
Domingo Programa especial: Lavagem de Roupa Suja.
Além dos momentos em que os participantes se dirigem diretamente às câmeras,
da eleição desses episódios, nosso recorte apresenta ainda um terceiro desdobramento: a
escolha de determinadas personagens sobre os quais nossas análises incidem de forma mais
precisa. Isto não implica em uma não atenção às ações dos demais participantes, mas indica
que apenas olharemos para eles na medida em que interagem com as personagens que
elegemos como centrais. Guiamos nossa escolha exatamente pelo problema desta pesquisa; se
estamos preocupados com o modo como esses participantes performam suas ações, nos
76
pareceu que olhar precisamente para as personagens mais bem sucedidas em suas
representações em oposição às mal sucedidas seria um caminho bastante enriquecedor para
nossa análise. Assim, escolhemos os dois primeiros participantes a deixar o programa,
Samantha e Paulo, e os quatro últimos, Jean, Viviane, Elane e o vencedor, Dhomini.
Se estamos observando as performances dos big-brothers a partir da mediação dos
responsáveis pela produção do programa, como então encontraremos a expressão própria das
representações desses participantes? Como Goffman nos indicou em seus trabalhos, a
linguagem é um lugar privilegiado para se estudar as interações. Tomamos o conceito de
linguagem em seu sentido mais amplo; assim, estaremos atentos tanto ao conteúdo das falas
proferidas pelos participantes quanto à suas posturas, gestos e entonações de suas falas.
Ademais, por termos montado nosso corpus de análise a partir dos programas
exibidos na TV aberta, nos deteremos nos recursos técnicos de edição, utilizados pela
produção do programa para retratar as ações dos participantes. Assim, estaremos preocupados
em observar elementos como: a ordem das cenas, as montagens em paralelo, a escolha da
trilha sonora, dentre outros. Enfim, procuramos desvelar o discurso imagético e sonoro
construído pelos compactos exibidos diariamente.
Faz-se necessário colocarmos aqui a importância do processo de edição realizado
pelos responsáveis pela produção de Big Brother Brasil que, algumas vezes, tenta corroborar
ou desconstruir a personagem performada por cada participante. Os compactos, que fazem
parte da estrutura dos programas selecionados, não podem ser apontados como uma unidade
de análise específica. Sem dúvida os compactos marcam um frame próprio, mas é um frame
que privilegia a intervenção da produção do programa na construção das personagens em
detrimento da dos participantes, foco central de nossa pesquisa. Entretanto, isso não significa
que estejamos subjugando o papel crucial da edição na conformação dessas personagens, pois
olhamos para as performances dos big-brothers justamente a partir da apresentação dos
compactos. Perceber o modo pelo qual os participantes se auto-encenam sugere que nos
voltemos para a maneira como estes são (re)apresentados nos compactos, pois a maior parte
do público apreende as performances por meio dos compactos. É ao assistir aos compactos
que o público elege, confirma e reenquadra suas personagens prediletas; a preferência popular
aponta para as melhores performances, daí, o volume de ligação e as porcentagens de
aprovação adquiridas em um determinado paredão indicarem aos participantes se suas auto-
encenações estão sendo, ou não, bem recebidas pelo público.
Na terceira versão de BBB, observarmos que os compactos exibidos diariamente
apresentavam naturezas e, portanto, funções distintas. Os mais comuns são os que serviam ao
77
telespectador como um resumo dos “melhores” momentos de um dado dia na casa; estes
compactos eram exibidos diariamente. Nos programas de maior duração, os de terças e
quintas-feiras e domingos, os que fazem parte de nosso corpus, era comum a exibição de um
outro tipo de compacto, de caráter mais lúdico, que apenas visava o entretenimento do
público: são as charges eletrônicas, a animação feita a partir de casos contados pelos
participantes, e brincadeiras referentes ao comportamento dos big-brothers. Nos dias de
eliminação, terças-feiras, aparecia um terceiro tipo de compacto, que talvez seja o mais rico
para nossas análises, denominado pelo próprio apresentador como perfil. O compacto perfil,
como Bial deixa transparecer em suas falas, tinha como principal função fornecer ao
espectador um resumo das performances dos emparedados da semana: como eu disse é você
que vai escolher. Agora, prá ajudar na sua decisão a gente vai mostrar um pouco da Samantha
e Juliana” (BBB 3, 21/01/2003); “Atenção! Atenção! Informações sobre os dois homens que
disputam a preferência do público esta noite(...).” (BBB 3, 21/01/2003).
78
6 – BIG-BROTHERS EM CENA
Em decorrência de nosso problema de pesquisa, consideramos pertinente
organizarmos nossas análises de acordo com as seis personagens recortadas em nosso corpus
analítico. Começaremos com as duas performances que não foram bem sucedidas, Samantha e
Paulo, para depois prosseguirmos com as quatro mais bem sucedidas, as apresentadas pelos
últimos participantes a serem eliminados pelo público, Jean, Viviane, Elane e Dhomini. As
análises individuais serão estruturadas conforme a natureza dos programas que fazem parte de
nosso recorte. Assim, em um primeiro momento, retomamos os clipes exibidos no programa
especial de apresentação; depois, olhamos para as performances dessas personagens no
decorrer dos episódios diários selecionados a fim de observarmos até que ponto essas
representações corroboraram com a imagem transmitida no compacto de apresentação; por
fim, o programa “lavagem de roupa suja” nos permite confirmar algumas suposições e
inferências que construímos durante a análise dos demais episódios.
6.1 – SAMANTHA, “A CARIOCA DE PAVIO CURTO”
No programa de apresentação, dentre as personagens que compõem nosso recorte,
a personal trainer carioca de 28 anos, Samantha, é a primeira a ser retratada. O esquete, com
um pouco mais de um minuto de duração, começa apresentando a vida profissional de
Samantha e sua preocupação com sua saúde e seu corpo, para só em seguida mostrar a relação
da carioca com seus familiares. Na primeira imagem do VT, Samantha aparece dando aulas
de spinning, enquanto pedala forte em uma bicicleta ergométrica, grita para seus alunos
“Bora!”. O compacto segue com uma seqüência de imagens em que a personal trainer
aparece desempenhando outras atividades físicas, correndo e depois pedalando, com roupas
esportivas e biquíni, no famoso calçadão do Rio de Janeiro. Os planos da câmera procuram
valorizar a força e o pique da carioca, realçam suas pernas fortes e a batida da música
eletrônica ao fundo marcam o ritmo de vida levado por ela; em off, entra a voz de Samantha
que se apresenta – diz seu nome, idade, profissão e cidade onde mora.
Logo após a essa espécie de prólogo da personagem, aparece Samantha em sua
casa, ainda trajando roupas confortáveis, mas com os cabelos soltos e brincos maiores,
79
sugerindo que sua vaidade não está em roupas e maquiagem e sim no cuidado com o corpo;
esta cena entra rapidamente para que a moça apresente o seu “filhinho”, um cachorro policial
que ela parece adorar. Em seguida, Samantha fala de sua agenda repleta de horários cheios e
de muito trabalho, “durante [sic] semana, assim, de segunda a sexta, a minha vida é toda
regrada” (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003); enquanto ela narra o seu dia-a-dia,
entram imagens que ilustram as atividades diárias desempenhadas pela moça, a corrida na
praia, andando de bicicleta no calçadão, dando aulas de spinning e acompanhamentos
individuais na academia, o mergulho no mar no fim da tarde. É a partir desse momento que
começa a construção da personagem polêmica de Samantha: suas manias, sua obsessão com
horários e suas declarações mais controversas são realçadas tanto pela seleção dos trechos de
seu depoimento, quanto pelas imagens que a produção do programa utiliza para ilustrá-los. Na
academia de ginástica aparece a futura participante de BBB 3 cobrando incisivamente
exercícios abdominais de seus alunos; quando aparece na praia, onde a moça estaria a
princípio para relaxar, Samantha fala de sua postura em relação a seu corpo e ao de outras
mulheres que ela considera estarem em boa forma:
Mergulhão, né, no mar... sempre acha uma celulite, uma estria, acho que
gorda. [corte] Quando eu chego em algum lugar tem alguém, assim, ou
igual, ou melhor do que eu; dou aquela olhada ‘hum!’, mas eu vou catar
alguma coisa ali que... algum defeitinho e vou dar uma relaxada: ‘Ah,
bom, tá tranqüilo... tem uma celulite ali, então bom. (Programa de
apresentação BBB 3, 09/01/2003)
Esse é o depoimento de Samantha que sofre menos interferências da produção do
programa - praticamente não cortes na fala; enquanto sua voz entra em off as imagens
abusam de planos que valorizam o corpo da moça, que aparece vestindo apenas um biquíni
branco. Apresentada dessa forma, essa seqüência de takes guiada pelo depoimento de
Samantha indica que a personagem retratada carrega em sua essência características que nem
sempre são valorizadas em nossa sociedade como o perfeccionismo, a competitividade e a
inveja. Embora a edição tente realçar o caráter intransigente da moça, ela, por sua vez, tenta
se mostrar simpática e descontraída através de suas roupas leves e simples, do modo agitado e
carregado em gírias cariocas de sua fala e de uma feição sempre sorridente. A parte final do
VT comprova que a produção do programa procurava ressaltar sobretudo a faceta controversa
da personagem de Samantha. Na entrevista de seleção do programa, ao lhe perguntarem sobre
atitudes que a deixam nervosa, ela responde:
sempre de bom humor. A única coisa que me deixa de mau humor é
acordar cedo. Porque eu sou toda cronometrada, sabe? Acordo 6:48 para
7:01 na academia, sabe como é? Se me acordar três segundos antes de 6:48
80
vou ficar irritada porque eu tinha mais três segundos para dormir. (Programa
de apresentação BBB 3, 09/01/2003).
O tom que Samantha responde a essa pergunta indica que ela está claramente
exagerando a sua mania com horários, prova disso que ao falar dos “três segundos a mais de
sono” tanto ela quanto à equipe que está entrevistando-a riem. No entanto, esse tom jocoso de
sua fala é sublimado na montagem do clipe; os risos são rapidamente cortados e entra a figura
do apresentador Pedro Bial no estúdio de BBB 3 confirmando a sua participação no
programa: “Ih, Samantha!... Assim vai ficar difícil! Comida pouca, horário não tem muito.
Vamo ver como é que você vai enfrentar isso?!” (Programa de apresentação BBB 3,
09/01/2003 - grifo nosso). As palavras que grifamos na fala de Bial, nesse contexto, se
revestem de um duplo sentido; do jeito que é empregado o “difícil” pode se referir à
personalidade marcante da moça ou às regras estipuladas pelo programa; o verbo “enfrentar”
sugere que Samantha é uma mulher forte e competitiva, disposta a lidar com qualquer tipo de
desafio. Apenas quando está recebendo a notícia de que foi selecionada para participar da
terceira edição de Big Brother Brasil é que Samantha aparece em meio a seus familiares.
Emocionada, a carioca logo abraça sua e que está a seu lado, único depoimento a ser
selecionado pela produção de BBB 3, “você merece, filha, porque você é superbatalhadora”.
O clipe de apresentação de Samantha procura frisar os defeitos ou as
características de sua personalidade que não são tão bem aceitas pelo público em vez de
apresentar o que ela julga ser suas boas qualidades. No resumo de sua entrevista realizada na
etapa final de seleção de personagens para o BBB 3, disponível no site do programa para
qualquer internauta, Samantha deixa claro que seus maiores defeitos de fato são o
autoritarismo e “ter pavio curto”. No entanto a sua principal qualidade, ser amiga e “um
pouco psicóloga dos amigos”, não é retratada pelo VT de apresentação; nesta mesma
entrevista, Samantha diz ser casada e ter uma boa relação com seu marido, que nem aparece
no programa de apresentação.
O carinho de Samantha pelo marido e sua inclinação para escutar e ajudar os
amigos podem não ter sido representados nesse programa especial, porém tornam-se
evidentes nos compactos diários. Na primeira festa que acontece na casa, a dos anos 50,
Samantha bebe um pouco mais e enquanto espera a amiga Joseane ir ao banheiro, em frente
ao espelho, reclama a falta do marido: “eu queria tanto que o meu maridinho tivesse aqui...
Adoro ficar assim quando eu tô com ele. Eu adoro ficar altinha.” (BBB 3, 16/01/2003). Talvez
uma das principais razões de Samantha ter sido indicada logo no primeiro paredão esteja no
81
fato de ter se tornado amiga e confidente de Joseane, que passava por um grande dilema na
casa.
Nesta festa dos anos 50, que foi retratada no programa do dia 16 de janeiro (1ª
semana), Dilsinho
1
se diz encantado com a beleza da Miss Brasil Joseane e começa a investir
em um relacionamento mais íntimo com ela. Insegura e confusa, Joseane desabafa com
Samantha, a pessoa que lhe era mais próxima dentro da casa, o que estava se passando entre
ela e Dilsinho. Mais do que uma conselheira, Samantha faz o papel de confidente de Jose; ela
não aconselha a miss a ficar ou a “dar o fora” em Dilsinho, ela apenas diz a Jose a pensar
muito bem antes de tomar qualquer decisão. Samantha em um primeiro momento lhe diz que
sentir atração sexual é natural, que Joseane não deve se culpar por isso; ao saber que a miss
tinha um relacionamento fora da casa, a personal trainer pondera e aconselha a Jose a
“colocar maldade nas coisas”, lhe lembra que elas estão em um programa de televisão repleto
de câmeras e que as atitudes ali tomadas podem adquirir dimensões bem maiores do que em
uma situação cotidiana. Quando Joseane parece finalmente ter se decidido sobre Dilsinho e
diz que o acha legal, mas não a ponto de querer ficar com ele, Samantha sugere à amiga que
seja então sincera com ele e lhe diga que não pretende ter um romance dentro da casa.
A postura indecisa de Joseane e o laço de amizade que esta desenvolveu com
Samantha fazem com que Dilsinho desconfie de que Samantha havia convencido a miss a não
se envolver com ele. A partir dessa suposição, Dilsinho começa a mobilizar os demais
homens da casa a indicar Samantha ao primeiro paredão, alegando que ela influenciaria
fortemente a opinião das demais participantes femininas do programa. Cabe aqui dizermos
que essa cisão entre os sexos, ocorrida nas primeiras semanas do programa, foi fomentada
pelas regras do jogo estabelecidas pela própria emissora. Excepcionalmente, na primeira
semana de BBB 3, ocorreria um paredão duplo: a líder Elane deveria indicar o nome de um
homem para fazer parte de um dos paredões, o segundo nome masculino deveria ser apontado
em acordo pelas demais participantes; concomitantemente, a equipe masculina, em conjunto,
deveria indicar os nomes de duas mulheres e assim definir o outro paredão. Assim sendo,
pelas regras do jogo e por sua popularidade dentro da casa, Dilsinho não enfrentou grandes
dificuldades em convencer os demais jogadores a aceitarem a indicação de Samantha para o
primeiro paredão.
1
Na primeira semana de BBB 3, a performance apresentada por Dilsinho despontava, aparentemente, como uma
das favoritas do apresentador Pedro Bial, que sempre se voltava à personagem nas inserções ao vivo. O fato de o
apresentador conversar muito com o participante, sinalizava para os demais big-brothers que as ações de
Dilsinho estavam sendo evidenciadas nos compactos editados. Ademais, nessa primeira semana, por sua
simpatia e extravagância, o participante exercia um papel de liderança no grupo masculino.
82
Todavia, a inimizade de Dilsinho não pode ser apontada como causa única da
indicação e conseqüente eliminação de Samantha; seu jeito competitivo e “estourado” e sua
franqueza por vezes agressiva contribuíram para que a moça não fosse vista, naquele
momento, como uma pessoa simpática e cativante, não só pelo público, mas também por parte
dos demais big-brothers. Durante sua curta estadia no programa, Samantha se saiu bem em
todas as competições propostas pelo programa; com Alan, ganhou a prova de resistência que
aconteceu na primeira noite do programa; poucos dias depois, em uma espécie de quiz
2
realizada ao vivo no decorrer do programa do dia 16 de janeiro, sua participação foi essencial
para que sua equipe conquistasse o direito de participar de um lual especial estas conquistas
evidenciam a competitividade da personagem.
No dia 21 de janeiro, uma semana após os participantes terem entrado na casa,
Samantha enfrenta, em um dos dois paredões decididos naquele episódio, a estudante negra
Juliana. O perfil de Juliana é apresentado antes do de Samantha. Em linhas gerais,
observamos que Juliana é retratada como uma menina alegre, que gosta de cantar e dançar,
uma pessoa doce porém forte, consciente da situação do negro brasileiro. O perfil de
Samantha, por sua vez, privilegia as contradições e o gênio difícil e duramente sincero da
personal trainer carioca em detrimento de suas demais características, como o seu jeito
brincalhão. As contradições da personagem são apresentadas pelo compacto logo de início;
enquanto chora, após saber de sua indicação para o paredão, Samantha diz “tô chorando, mas
eu sou forte.” (BBB 3, 21/01/2003); em seguida, aparece na piscina ao lado de sua
concorrente Juliana, esta, relaxada e aparentemente despreocupada, toma sol enquanto bóia na
água, ao passo que Samantha está com os braços cruzados e testa franzida, agarrando-se na
borda da piscina. A figura de Juliana em contraposição à de Samantha é reforçada por um
movimento de câmera que fecha o foco no rosto da personal trainer; esta cena nos leva a
inferir que Samantha estaria bem mais preocupada com o resultado do paredão daquela noite
do que sua rival.
Em seguida entra uma rápida (e única) seqüência de cenas que mostram o lado
divertido de Samantha; brincando com os óculos escuros na festa dos anos 50, comemorando
a vitória da prova de resistência com Alan, dançando na ducha do jardim. A partir de então
começa a fechar a construção da personagem controversa de Samantha, seu desentendimento
com Dilsinho e suas declarações polêmicas são mostrados em meio a algumas cenas em que a
paixão pelo marido e por sua profissão e as formas de seu corpo são valorizadas pelas
2
Uma das entradas para a palavra inglesa quiz é argüição. No jargão da mídia televisiva, quis é uma gincana de
perguntas e respostas; sabatina entre indivíduos ou equipes adversárias que competem por um prêmio.
83
câmeras. Dilsinho, deitado no colo de Viviane, confessa que pediu aos homens que votassem
em Samantha porque “ela manipula as meninas aqui dentro” (BBB 3, 21/01/2003). Logo
depois corta para uma cena de Samantha deitada no quarto na companhia de Joseane dizendo
“se eu ficar, aí o jogo vai começar”.
O jeito “estourado” e até mesmo nervoso, como ela mesmo indicou em sua
entrevista publicada no site oficial de BBB 3, pode ser bem apreendido em uma seqüência em
que diversas falas e atitudes de Samantha são coladas de modo aleatório e atemporal:
conversando com os demais participantes, “eu pensei: eu vou entrar, eu vou ficar na minha,
mas eu não consigo!”; outro take, “eu posso fazer [gesto com a mão indicando
estardalhaço], daqui a cinco minutos é como se nada tivesse acontecido.”; novamente outro
corte, “eu nunca me arrependi de nada que eu fiz na minha vida”; agora na sala, com um
grupo maior de pessoas, dentre eles Dilsinho, “tem muita gente botando a manguinha de
fora aqui. Nego percebendo isso.”, seu desafeto entende a indireta e responde “eu não
querendo colocar a manguinha de fora”, ela, sem titubear, devolve “eu tô!” (BBB 3,
21/01/2003).
Essa reedição das falas marcantes de Samantha definem o papel que a produção do
programa procura enquadrar esta personagem desde o clipe de apresentação: alguém que,
apesar de às vezes se mostrar divertida, se contrariada pode mudar repentinamente de humor e
dizer a primeira coisa que lhe vier à cabeça. O curioso é que, embora a produção de BBB 3
acentue um pouco alguns traços da personalidade da moça, esta, em sua performance “ao
vivo”, não chega a negar as representações lançadas pelos VT’s exibidos no desenrolar do
programa. Em decorrência da curta duração de sua participação na terceira versão de Big
Brother Brasil, não pudemos observar com maior propriedade a postura tomada por Samantha
durante as conversas ao vivo com o apresentador Pedro Bial. A moça é chamada a participar
mais efetivamente dessas conversas justamente na noite de sua eliminação. Ao ver pela
primeira vez imagens de sua família no telão da sala da casa, os batimentos cardíacos de
Samantha aceleram demais, Bial chega a ficar preocupado: “Samantha, nossa! Calma! 140?!”,
embora estivesse com os batimentos altos, ela aparenta estar mais tranqüila, “Tô a mil... vi a
família...” (BBB 3, 21/01/2003). No bloco seguinte, o apresentador lhe pergunta por que ela
deve permanecer na casa:
Ah, eu vou continuar sendo o que eu sempre fui, porque eu sou... apesar
desse meu jeito de chegar, né? As pessoas dizem que eu sou líder, que... que
eu sou poderosa, né? Eu vou continuar sendo isso, mas eu tenho também as
minhas outras qualidades... que eu sou uma pessoa muito feliz, que eu sou
uma pessoa muito alegre; eu sou uma pessoa amiga de todo mundo aqui e
84
pretendo ter tempo de mostrar isso.[...]. (BBB 3, 21/01/2003 – grifos feitos a
partir da ênfase dada pela própria participante no decorrer de sua fala).
O discurso de Samantha indica que ela tem plena consciência de seu
temperamento forte e que este provavelmente estaria sendo retratado pelas edições do
programa; os batimentos cardíacos altos e sua fala com reticências sinalizam que Samantha
não está muito segura quanto à sua permanência, ainda mais tendo em vista o papel
representado por sua concorrente de paredão, Juliana. A adversária de Samantha havia
participado do pré-paredão do programa de apresentação, isto é, sua entrada definitiva na casa
se deu justamente pela escolha popular; assim, Juliana, de início, era mais conhecida pelo
público do que Samantha. Ademais, a personagem de Juliana se firmava por defender
abertamente o movimento negro no Brasil; em um dos discursos que proferiu no programa de
apresentação, a participante pediu para que a audiência a elegesse porque ela representava as
minorias - era mulher e negra. Por fim, Juliana possuía um temperamento dócil e meigo; ela
se relacionava bem com todos os demais big-brothers que não a indicaram para o paredão em
decorrência dos traços fortes de sua personalidade como aconteceu com Samantha -, mas
por julgar que sua performance cativava os espectadores. Portanto, a ansiedade e a
desconfiança de Samantha não eram sem propósito, a personal trainer é preterida pelo
público com um alto índice de rejeição; com 79% dos votos contra a sua permanência na casa,
ela deixa o programa naquela mesma noite. Após receber a confirmação de sua eliminação,
Samantha não se demonstra muito surpresa, se emociona um pouco ao abraçar Dhomini, com
quem mantinha uma boa relação dentro do programa - ela sabia que ele havia sido um dos
poucos homens que não havia votado a favor de sua indicação.
No programa especial “lavagem de roupa suja”, como havia permanecido pouco
tempo no jogo, Samantha teve poucas oportunidades de se expressar. Pedro Bial lhe faz
apenas uma pergunta: se ela estava magoada por ter saído tão rápido do programa. Samantha
mantém o discurso que havia feito na noite de sua eliminação, de que ela não teve tempo
suficiente para se mostrar realmente para o público. É interessante observar como Samantha
aproxima as noções de “me mostrar” com “me conhecer”; a seu ver se ela permanecesse mais
tempo na casa a visão que o público havia construído sobre sua personagem poderia mudar,
pois ela poderia tornar evidente em sua performance outras características de sua
personalidade. A construção da personagem de Samantha se deu através de representações
que despontaram no espaço da mídia televisiva, mas que estavam presentes nas
subjetividades dos sujeitos que habitam a sociedade. Em sua fachada, Samantha carregava
85
alguns sinais que indicavam ao público parte de suas características; seu sotaque era da
zona sul carioca, o tom de sua pele e a boa forma de seu corpo sinalizavam uma preocupação
excessiva com sua saúde, e por aí vai. O seu jeito intempestivo e polêmico somado a
determinados elementos presentes em sua fachada fizeram com que a participante não
conquistasse a simpatia nem de parte dos big-brothers e nem dos espectadores, d a sua
eliminação.
Todavia, no “lavagem de roupa suja”, a opinião dos participantes masculinos a seu
respeito, de alguma forma, havia mudado. A maioria deles reconheceu a existência de
algumas qualidades valiosas em Samantha que apesar de “estourada” não era falsa ou cínica;
nenhum deles podia acusá-la de ser dissimulada, sua personagem era sobretudo transparente.
Assim, ela é apontada por parte deles a concorrer a um prêmio extra em dinheiro, a ser dado
pela votação popular, mas o público ainda não havia se sensibilizado por sua performance e,
mais uma vez, não lhe concede a vitória; Samantha, rejeitada por 60% das ligações, perde
para Andréa a chance de concorrer a esse prêmio.
6.2 – PAULO, “O SEDUTOR DE MEIA-IDADE”
Paulo, no programa especial de apresentação, diferentemente das demais
personagens, não se apresenta ao público por meio de VT’s. Ao contrário dos outros que
foram diretamente selecionados pela produção do programa, o ex-modelo paulistano, radicado
no Rio de Janeiro, onde trabalha como fotógrafo, foi apenas indicado para participar do
programa. A entrada definitiva de Paulo em BBB 3 dependia da preferência do público que
tinha que eleger entre ele e Luiz Fernando qual seria o último homem a fazer parte do elenco
de participantes do programa. Assim, Paulo teve que convencer ao público, em duas breves
inserções “ao vivo”, de que sua presença na casa seria mais interessante do que a de seu
concorrente, Luiz Fernando.
Naquela noite, Paulo é o único pré-candidato ao programa que aparece sozinho em
um cenário não familiar. Diferentemente dos outros três, Juliana, Pricila e seu concorrente
direto, Luiz Fernando, que escolheram como cenário a sala de estar da casa dos pais e a
companhia de amigos e familiares, Paulo elegeu como cenário seu atelier, um espaço amplo e
claro em que o que chamava atenção eram os seus quadros em tons de azul; o fotógrafo
também compunha o ambiente que ele próprio criou, pois trajava camisa e calças jeans. Por
86
ser ao vivo e por ter apenas trinta segundos para se apresentar, o primeiro discurso de Paulo é
construído de modo um pouco desconexo; ele começa pedindo aos telespectadores que lhe
“dêem um empurrãozinho” para que ele entre em definitivo no programa, fala que está
ansioso e que sempre quis se ver em uma situação como a de Big Brother Brasil. Quando
percebe que ainda tem um pouco mais de tempo para expor sua personagem, mostra para as
câmeras as suas telas; nesse momento, a câmera faz um leve passeio pelo atelier de Paulo e
acompanha, sem problemas, as passadas do fotógrafo. O ex-modelo demonstra habilidade
com as câmeras: enquanto tenta convencer o público a escolhê-lo não perde a pose, buscando
sempre os seus melhores ângulos; seu olhar é firme e sedutor. depois que o apresentador
começa a interromper a sua fala é que Paulo tenta justificar a ausência de seus familiares:
“[...] ahn... Eu tenho aqui uns quadros meus, umas coisas minhas que eu faço... Minhas
fotos... E a minha família não pode me acompanhar porque eles moram em São Paulo e eu
aqui no Rio.” (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003).
Na entrevista que havia concedido à produção de BBB, o ex-modelo havia
confessado seu gosto especial por mulheres. Pedro Bial aproveita a deixa da performance
sedutora apresentada por Paulo e o convida para sua segunda e última aparição no programa
de apresentação: “Paulo, mais 30 segundos para dar aquela cantada no público, você que tem
uma cara de sedutor. É contigo mesmo.” (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003
grifos nossos). Nesse segundo momento, Paulo abandona completamente a performance que
havia tentado encenar no discurso anterior, de um homem mais maduro, culto e conhecedor
das artes, e demonstra seu lado mais namorador, de quem gosta de se envolver em
relacionamentos afetivos:
É o seguinte: eu tô aqui sozinho, galera, preciso da ajuda de vocês, acabei de
levar um fora, mas eu amarradão de ir no Big Brother. Quero me
apaixonar de novo. E, porra, preciso muito de vocês. Eu a um passinho de
entrar... amarradão mermo. Eu sei que eu aqui sozinho, mas tem muita
gente torcendo por mim. E, pô, é isso aí, galera. Brasil, tô aqui, afinzão,
vota em mim que vocês não vão se arrepender. É isso, galera, valeu mesmo,
abraço! (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003).
Esta segunda aparição de Paulo põe abaixo a sua tentativa de se mostrar como um
homem maduro e experiente, sensível às artes. Os elementos que ele expõe em sua fachada
pessoal já de início não condizem com o estereótipo de um intelectual: ele é vaidoso e muito
preocupado com sua aparência, seu corpo é atlético e sua fala é repleta de gírias e expressões
coloquiais – “tô amarradão mermo”, “galera, valeu mesmo”, “tô afinzão”, etc. Este é o
primeiro problema que a performance de Paulo enfrenta. Contudo, esse segundo discurso,
87
embora mais mal articulado que o primeiro, es mais de acordo com a fachada que ele
apresenta; espera-se de um ex-modelo, vaidoso, solteiro, bronzeado e que pratica esportes que
ele seja um sedutor, um homem que faça sucesso entre as mulheres. Mesmo performando
papéis a princípio contraditórios, o artista intelectual x solteirão mulherengo, o público elege
Paulo, com 58% dos votos, como o último homem a ser escalado para Big Brother Brasil 3.
Em parte a vitória do fotógrafo pode ser justificada pela auto-encenação ainda
mais deslocada que seu rival, o dançarino Luiz Fernando, apresentou. Luiz discursou de
forma mais atrapalhada do que Paulo; pediu para que o pessoal de São Paulo o elegesse, se
lembrou que essa quantidade de votos não seria suficiente, tentou corrigir o seu erro, mas não
foi muito convincente. O dançarino, por sua origem humilde, realça sua necessidade do
prêmio em dinheiro, porém, a sala de estar da casa de sua família não confirma o argumento
por ele utilizado. Em sua segunda inserção, Luiz Fernando beira o patético, ao abrir mão de
grande parte de seu tempo de discurso para exibir suas qualidades de dançarino: diz ser um
latin lover” e chama uma de suas amigas para dançar um mambo. Acreditamos, assim, que o
público tenha escolhido Paulo em decorrência de sua beleza física e da performance de
seu oponente.
No programa de apresentação, Paulo tentou controlar o seu lado “mulherengo”, de
solteiro incorrigível, mas no decorrer da única semana em que esteve na casa de Big Brother
Brasil esse foi o traço mais marcante de sua performance. Apenas em poucos momentos
tivemos oportunidade de observar ações que confirmassem a maturidade que ele próprio havia
esboçado em sua primeira encenação. Assim, como aconteceu no programa especial antes do
início de BBB 3, a personagem de Paulo era marcada pela tentativa de conciliação de duas
representações naturalmente antagônicas: de um lado, estavam as características que Paulo
fazia questão de salientar, uma maturidade maior do que a dos demais participantes, o
conhecimento adquirido pelo experiência de vida; de outro, estavam os traços de sua
personalidade que apareciam independente de seu controle, o homem bonito e solteiro, criado
pela avó.
Nas conversas ao vivo com o apresentador ou em situações em que sabia que sua
imagem estava sendo transmitida diretamente para os espectadores, como nas manjadas
“espiadinhas
3
”, Paulo agia de modo a controlar melhor sua representação e tornar mais
3
Desde de BBB 1, nos episódios em que as conversas ao vivo, o apresentador Pedro Bial, segundos antes de
entrar o intervalo comercial, convida o público para dar uma olhada nas ações dos participantes sem sua
intervenção. Nas primeira e segunda versões de Big Brother Brasil, nesses momentos ainda era possível flagrar
algumas ações mais relaxadas dos participantes; porém, em BBB 3, os big-brothers têm consciência de que estão
88
evidente sua posição de homem mais velho da casa. Durante as espiadinhas do programa
exibido no dia 16 de janeiro, em duas inserções distintas, Paulo aparece aconselhando a então
líder da casa, de apenas 18 anos, Elane, que estava ansiosa por ter que decidir sozinha o nome
de um dos homens a fazer parte do primeira paredão do programa. Com um ar sereno, Paulo
lhe diz: “você não pode querer enfrentar seus problemas antes da hora.” (BBB 3, 16/01/2003).
Em um segundo momento, o fotógrafo segue consolando a líder e as demais participantes e
lhes fala que a situação dos homens é pior do que a delas, pois terão que eleger em comum
acordo as duas mulheres que deverão disputar o outro paredão.
Na noite em que os primeiros paredões seriam decididos, Bial mostra a Paulo seus
familiares que estão presentes na platéia do estúdio de BBB. Ao vê-los pela primeira vez,
depois de uma semana de confinamento, sua freqüência de batimentos cardíacos permanece
baixa, o apresentador comenta que Paulo está muito tranqüilo, e ele se justifica: “é, bicho,
passei por um, não é novidade.” (BBB 3, 21/01/2003). Ao explicar sua aparente tranqüilidade
pelo fato de estar no paredão não lhe ser mais novidade, pois já havia passado por um antes de
entrar na casa, Paulo reforça sua imagem de um homem mais experiente, que sabe lidar bem
com qualquer situação. Cabe aqui dizermos que na segunda vez em que o apresentador lhe
mostra cenas de seus familiares, Paulo não se contém ao identificar sua avó e seus pais na
platéia e se debulha em lágrimas.
Pouco tempo depois, Bial lhe dirige a palavra mais uma vez, tenta extrair do ex-
modelo seu lado sedutor, brincando com os “emparedados” da semana diz: “e, aí, meus
sedutores? É sedutores, porque o Paulo que tem fama de sedutor, mas o Emílio também tem
saído [sic] um sedutor.” (BBB 3, 21/01/2003 grifos nossos). O apresentador se dirige a eles
desse modo porque durante a semana Emílio estava paquerando uma das participantes,
Sabrina. Depois de conversar um pouco com Emílio, Pedro Bial se volta para Paulo, comenta
que este tirou a barba e insinua que o fez por vaidade. Paulo não encarna o papel de vaidoso e
sedutor que Bial tentou lhe impor, ele escapa dessa representação e diz que fez a barba porque
a sua avó o prefere de cara limpa. O apresentador, então, lhe pede que justifique rapidamente
sua eventual permanência na casa, a seu modo, Paulo lança sua defesa:
[...] Eu quero ficar mais porque eu acho que é a primeira semana e já sair é
judiação. Eu quero ficar mais e conhecer melhor essa galera que sendo
muito bom para mim isso aqui. Uma experiência que não tem grana que
pague isso aqui. (BBB 3, 21/01/2003).
espiados. Alguns personagens conseguem fazer bom proveito dessas situações, pois continuam encenando os
papéis que mais lhes convém.
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Mais uma vez, Paulo reforça o fato de que valoriza o conhecimento advindo da
experiência de vida mais do que os ganhos materiais. Contudo essa imagem mais séria de
Paulo, de uma pessoa que se preocupa com seu crescimento pessoal, não pode ser claramente
percebida nos compactos editados pela produção do programa; a tônica de sua personagem,
na maioria das vezes, é dada pela representação do “mulherengo”. Nos compactos diários, o
fotógrafo quase sempre aparece falando sobre a beleza das mulheres com as quais convive
dentro do programa: “mulherada tava difícil ontem... Você chegava: ‘e aí, gatinha, vamos
dançar?’ e nada...” (BBB 3, 16/01/2003); “é, quase nunca que nós temos a chance de conviver
com umas muié dessas. Vamos aproveitar mais uma semaninha.” (BBB 3, 21/01/2003); “se
tem paraíso, é aqui.” (BBB 3, 21/01/2003). Em diversas situações, Paulo aparece admirando
as curvas das participantes femininas; seja no desfile no quarto, na piscina, ou refestelado na
cama enquanto elas trocam de roupa.
Nos poucos momentos em que não está entre as mulheres ou se referindo a elas,
Paulo aparece em alguns momentos de solidão; fica deitado um tempo no sofá, seu amigo
mais próximo, Dilsinho, passa e o convida para ficar na varanda, conversando com o resto do
pessoal da casa, mas ele recusa o convite e prefere ficar quieto no seu canto. Os compactos
exibidos nos programas diários demonstram que, com exceção de Dilsinho, Paulo não cria
maiores laços de amizade com nenhum outro participante da casa, em especial com nenhuma
das mulheres. Talvez esteja uma das principais razões para que estas tenham decidido por
indicá-lo ao primeiro paredão. Um outro motivo para sua indicação está justamente na
amizade que Paulo cultivava por Dilsinho. O grande desentendimento da primeira semana de
BBB 3, como vimos ao analisar a personagem de Samantha, aconteceu entre esta e Dilsinho.
Samantha havia sido indicada pelo grupo masculino na noite de sábado, apenas na noite
seguinte é que as mulheres poderiam nomear o segundo homem a fazer parte de um dos
paredões, já que a líder da semana havia votado em Emílio. Como Dilsinho estava imunizado
pelo colar de anjo, Samantha resolve se vingar de Dilsinho por meio da indicação de seu
melhor amigo, Paulo. Na reunião interna do grupo feminino, Samantha diz que Paulo é tão
forte quanto Dilsinho e que, como defesa, elas deveriam colocá-lo na disputa do paredão.
Nenhuma delas se opõe à sugestão da personal trainer, pelo contrário, parte delas concorda
que ele é capaz de manipular a equipe masculina. Logo, essa articulação interna do grupo
feminino é fundamental para definir a participação de Paulo no paredão masculino da
primeira semana.
Essa visão a respeito de Paulo compartilhada pelas mulheres da casa, de que ele
era o verdadeiro líder da equipe masculina, capaz de influenciar as ações dos demais
90
participantes, não é confirmada pelas momentos editados veiculados nos episódios diários da
TV aberta. O compacto perfil de Paulo, que tem como principal objetivo fazer um apanhado
dos traços principais de sua personalidade, não comprova sua suposta liderança sobre o grupo
masculino. O perfil do ex-modelo é montado em paralelo com o de seu oponente de paredão,
o simpático mergulhador Emílio. Esta personagem ocupa mais tempo no compacto do que o
de Paulo; Emílio é retratado como uma pessoa livre, que leva a vida que quer, independente
da opinião dos que o cercam; é aventureiro, percorreu o mundo e tem várias histórias
interessantes para contar; por fim, seu perfil mostra as investidas do mergulhador em Sabrina.
O perfil de Paulo, em um primeiro momento, introduz a personagem de maneira
geral: mostra diferentes closes de seu rosto; ele se apresentando para os demais participantes,
falando sua idade e sua profissão, diz que causa a impressão de ser um “cara arrogante e
metido”; demonstra sua inclinação para a profissão de fotógrafo ao dizer que produz
mentalmente fotos dos demais big-brothers enquanto os observa. Em seguida, inicia o
processo de construção da representação do “solteirão”: “mulher, né? Tô pensando em mulher
que é o meu problema.”, daí entra cena de Paulo e Dhomini correndo atrás das meninas na
beira da piscina, depois corta para fala de Sabrina, “ele deve mexer com as menininhas até
com coroa...”; logo depois, conversa com Dilsinho sobre a instabilidade financeira de sua
profissão; contando abertamente de sua relação com a avó, “me grudei foi na minha vó. Por
isso que neguinho fala você gosta da sua vó? gosta da sua vó?Gosto!”, seguindo essa
confissão, ironicamente, a edição insere um take de Paulo brincando de lutinha com Dhomini,
com uma música infantil ao fundo. O clipe, que apresenta ao mesmo tempo os perfis de Paulo
e Emílio, termina com uma engraçada resposta non sense do ex-modelo; Dilsinho, tentando
engajar uma conversa mais séria, lhe pergunta que se ele tivesse a oportunidade de dizer
qualquer coisa para alguém o que ele diria, curiosamente Paulo responde: “me traz um
tamarindo e um supositório”. A escolha dessa cena final confere a Paulo um novo traço, o de
ser metido a humorista, que vai de encontro à imagem madura que tenta sustentar em suas
aparições ao vivo.
Embora a personagem de Paulo tenha sido construída de forma leve, com um
toque de humor bem diferente do perfil apresentado de Samantha -, o fotógrafo não
conseguiu ser mais simpático do que seu concorrente e foi eliminado com 55% dos votos. Ao
receber a notícia de que teria que deixar o programa naquele instante, Paulo, como lhe é
peculiar, permaneceu tranqüilo, despediu dos outros big-brothers, sem se demorar com
nenhum; apenas no caminho da saída da casa, pegou na mão de Samantha, a outra eliminada
da noite. Ao olharmos para a personagem de Samantha pudemos identificar com alguma
91
precisão quais atitudes e características encarnadas por ela foram repudiadas pelo público; o
temperamento por vezes grosseiro e “estourado” da moça apontava de início para uma
performance mal sucedida; Samantha conquistou a antipatia do público e algumas inimizades
importantes dentro da casa. A razão para o fracasso da personagem de Paulo, por sua vez, não
pode ser facilmente encontrada; talvez ela esteja no fato de que sua performance não
conseguiu se firmar, se situou entre a impressão que Paulo queria causar e a impressão que de
fato ela causava na produção e, conseqüentemente, no público; por não achar seu lugar, sua
auto-encenação tornou-se fraca, quase apática, não conquistando nem os participantes do
programa e nem o público.
Por fim, no “lavagem de roupa suja”, Paulo, por ter participado apenas uma
semana do jogo e não ter se envolvido na maioria das intrigas ocorridas no desenrolar da
terceira edição de Big Brother Brasil, é chamado a falar apenas uma vez. Nessa ocasião, em
que já não concorria mais ao prêmio final oferecido pelo programa, Paulo abandona a imagem
que havia tentado construir alguns meses atrás; ele não encarna o papel de o “mais velho”
da turma e por isso mais experiente e parece agir de maneira mais natural. Bial lhe pergunta
se ele achava que tinha sofrido preconceito dos demais participantes por ser o “coroa da
casa”; em linhas gerais, Paulo responde que achava que não, mas que tinha se assustado com
as acusações de que ele era manipulador do grupo masculino e diz lamentar ter permanecido
pouco tempo no programa, ainda mais porque havia sido difícil de entrar.
6.3 – JEAN, “O ESTRATEGISTA”
Uma das personagens mais marcantes de Big Brother Brasil 3 é o massoterapeuta
Jean Massumi que lança mão de sua ascendência nipo-italiana para embasar sua performance.
Já no esquete veiculado no programa especial de apresentação podemos observar alguns
pontos que serão fundamentais nas ações e papéis assumidos por Jean no desenrolar do jogo
proposto por esse formato de reality show. O VT começa com Massumi sentado no sofá de
sua casa, vestindo roupas claras e se apresentando, “meu nome é Jean, tenho 28 anos, sou
massoterapeuta e moro em São Paulo” (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003). A
partir daí, entra como trilha uma música pop japonesa, Jean aparece exercendo sua profissão,
massageia uma de suas clientes quando entra em off o depoimento de sua namorada: “eu acho
a massagem dele muito boa, excelente! Se eu vejo uma menina pedindo massagem e tudo
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para ele, ele vai saber ser bem profissional, vai fazer direitinho, como ele sabe fazer. E vai se
comportar bem”. Antes que a namorada de Jean acabe de falar, entra a cena dos dois juntos,
sentados no sofá, com uma estante de livros ao fundo; enquanto ela afirma que confia no
profissionalismo de Massumi, ele parece se assustar com a segurança com que ela diz confiar
nele; percebendo sua expressão, ela pergunta “por que essa cara?”. Ele não responde e
começa a rir timidamente o que a faz rir também; o conteúdo do depoimento de sua namorada
e a conseqüente reação de Jean passam a impressão de que ele é uma pessoa tranqüila, leal e
até mesmo um pouco mida. A personagem segue investindo nas características herdadas de
sua ascendência japonesa:
O que eu tenho de japonês, eu acho, no meu jeito, inicialmente, é o fato de
ser paciente e observador. Antes de qualquer reação, estudar a situação.
Quando a gente reconhece o terreno, quando a gente é... já tá mais à vontade,
entra o lado italiano. (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003
grifos nossos).
Na medida em que Jean descreve os traços japoneses de sua personalidade,
aparecem cenas dele pescando com seu pai. Não é por acaso que a produção decidiu retratar o
participante no exercício de um de seus hobbys prediletos, a pescaria; de início, a atividade
pressupõe paciência e perseverança de quem a pratica. Com muito cuidado, Jean prepara a
isca no anzol e depois lança este na água; esta seqüência sugere que mais do que paciente e
perseverante, ele é meticuloso; como veremos no decorrer da análise desta personagem, a
frase que ele mesmo profere, “antes de qualquer reação, estudar a situação”, resume a
performance desempenhada por ele em BBB 3. Ao falar de seu “lado italiano”, Jean aparece
novamente sentado no sofá de sua sala, agora ao lado de sua e que reforça mais uma de
suas qualidades, a de ser um bom amigo. Durante o depoimento de sua mãe são inseridos
alguns takes de Jean com seus familiares, um plano fechado mostra as mãos dadas dele e de
sua mãe; a inserção dessas imagens insinua que mais do que um bom namorado e amigo, ele
também é um filho carinhoso, um homem que gosta de estar em meio à família. O clipe
termina com um trecho em vídeo da entrevista de Jean antes de ser selecionado para participar
do programa: “[...] eu sou antagônico... não é antagônico, sou incoerente, é essa que é a
verdade”. Desse modo, a edição apenas indica que por trás dessa aparente tranqüilidade e
equilíbrio uma personalidade que pode surpreender. Essa dubiedade da personagem é
também sublinhada pela fala do apresentador ao anunciar a entrada de Jean em BBB 3: “acho
bom você começar a encontrar a sua coerência, porque você no páreo por 500 mil reais”.
Ao receber a notícia, Massumi abraça a namorada e a mãe e em seguida liga para seu pai para
93
contar a novidade; estas ações corroboram, mais uma vez, com a imagem de alguém mais
ligado à família.
Talvez o traço mais marcante da personagem seja, como Jean mesmo disse em seu
vídeo de apresentação, a capacidade de observação; isto explica, em grande parte, o papel de
articulador que ele assume no decorrer do programa. Na entrevista concedida antes de entrar
no programa, ele já indica ter se preparado bem para o jogo proposto por BBB 3: aponta como
seu livro preferido A arte da guerra, de Sun Tzu; a produção lhe pergunta por que ele acha
que mereça ganhar o prêmio, e ele, fugindo um pouco da resposta diz “essa parte de
marketing não é muito forte em mim. Não é a estratégia que o participante usa dentro da
casa que determina se ele vai ganhar ou não. O que eu passar para o público será mais
importante.” (Site oficial do BBB 3, acessado em fevereiro/2003 – grifos nossos). Jean
demonstra nesse trecho de seu depoimento ter assistido às versões anteriores do programa
com bastante atenção; ele sabe que por fim leva o prêmio a personagem que mais agradar ao
público, mas ao mesmo tempo reconhece que é preciso traçar uma estratégia para prolongar
sua permanência na casa o maior tempo possível. Embora Massumi se demonstre ciente do
papel fundamental que o público exerce na dinâmica do programa, sua performance no
desenrolar do programa não se volta principalmente para as câmeras; ela se ocupa
centralmente com as interações internas da casa.
As ações de Jean são essencialmente guiadas pelo jogo que a estrutura do
programa coloca para os participantes; o jogo de BBB lida diretamente com as dinâmicas
interacionais entre pessoas oriundas dos mais diversos grupos sociais, a idéia central do
formato é justamente verificar o modo como essas pessoas tão diferentes entre si convivem
em uma situação de confinamento. Assim, ao estabelecer sua estratégia para permanecer na
casa, Jean prioriza essencialmente o convívio com os demais participantes; ele não se firma
por ser o mais simpático e cativante, pois sabe que ter destaque no grupo também significa
estar mais sujeito à rejeição de parte dos big-brothers. A performance de Jean é marcada por
uma mudança de postura ao longo das semanas de confinamento. Em um primeiro momento,
ele atua como uma personagem secundária, que não é muito requisitada pelos demais
participantes, tampouco rejeitada. Depois, ele desponta como o grande estrategista, o que
parecia melhor compreender o jogo do BBB 3; é só neste momento que ele passa a ocupar um
papel central no programa, tanto para os demais participantes quanto para a produção do
programa, que passa a lhe dar maior destaque. É este trajeto percorrido por Jean dentro do
jogo que pretendemos recuperar a seguir.
94
Nos primeiros episódios que selecionamos, os dos dias 16 e 21 de janeiro de 2003,
Jean praticamente não aparece nos compactos exibidos e o apresentador também quase não
lhe dirige à palavra durantes as conversas ao vivo. Os VT’s mostram Jean como um cara
mais calado, um pouco tímido e que apenas acha graça das brincadeiras dos outros. Embora
mais retraído, Jean evita se isolar; ele sempre aparece nas cenas em que está a maior parte do
grupo, participando passivamente das conversas ou simplesmente massageando os outros big-
brothers. Massumi evita participar da confusão criada por Dilsinho e Samantha; quando o
grupo masculino decide indicá-la ao paredão, ele não se pronuncia abertamente como sendo
contra ou a favor dessa decisão, age como se para ele não fizesse diferença. Jean encarna tão
bem esse papel de não-alinhado no começo do programa que Samantha, horas antes de sua
saída, comenta na varanda com Sabrina e Andréa que em sua opinião havia dois homens
confiáveis na casa, isto é, que não estariam “armando contra as mulheres”, Jean e Dhomini.
Neste momento a personagem de Jean era tão inexpressiva, tão desinteressante para a
produção do programa que, no dia 21 de janeiro, Bial apenas diz “oi” para Jean: “para aqueles
que eu ainda não conversei... oi. (...) Oi, Jean!...” (BBB 3, 21/01/2003).
Apenas no programa do dia 02 de fevereiro de 2003, domingo, depois de quase
três semanas de confinamento, Jean é entendido, tanto por parte dos participantes, quanto pela
equipe responsável pela produção de BBB 3, o mais como uma pessoa tímida e retraída,
alheia ao que se passa na casa, mas como o que mais age em função do jogo. Assim, a postura
adotada por ele nas primeiras semanas vai ao encontro de sua representação no clipe de
apresentação; Jean era calado porque observava minuciosamente as ações alheias antes de
prosseguir com a construção de sua performance. Lembremos de sua fala: “antes de qualquer
reação, estudar a situação”. nesse episódio, a edição dos compactos, em diferentes
momentos, mostra Jean liderando (ou pelo menos tentando liderar) os participantes
masculinos para que combinassem o voto em cima do nome de uma mesma mulher.
Na festa da noite anterior, a do “Ano Novo Chinês”, todos os homens,
aproveitando a ausência das participantes femininas, se reúnem e conversam sobre estratégias
de jogo. Dhomini, que havia sido indicado pela líder Andréa, sugere ao grupo que talvez
fosse prudente uma combinação de votos; é neste momento que Jean toma frente e começa a
articular a votação masculina. Emílio e Marcelo aderem ao plano de Jean sem muita demora.
Depois de algumas articulações, Jean convence os dois de que o melhor nome para enfrentar
Dhomini no paredão seria o de Juliana. Ele argumenta para o grupo que aquele seria capaz
de tirar a jovem do programa, que havia se saído bem em dois paredões; é aqui que Jean
coloca pela primeira vez o principal ponto de sua estratégia para os demais participantes, a de
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configurar “paredões de fortes”. Para Jean e os demais participantes que adotaram a linha de
ação proposta por ele, consolidando assim uma equipe no sentido usado por Goffman, os
“fortes” seriam àqueles com maior popularidade entre o público. Massumi, ao observar a
postura dos demais big-brothers, os índices de votação obtidos pelos que haviam
participado de paredões e a forma como Bial se dirigia a cada um, inferia quais seriam as
personagens preferidas do público. A partir dessas suposições, o grupo articulado por Jean
julgou ser uma boa estratégia indicar os “fortes” para a disputa da preferência popular, para
que eles, a princípio os mais “fracos”, tivessem mais chances de permanecer no programa e
eventualmente ganhar mais brindes ou até mesmo o prêmio final.
Todavia, o plano de Jean de colocar Juliana ao lado de Dhomini no paredão não
consegue a adesão dos demais participantes masculinos; Alan e Dhomini se recusam a votar
em Juliana; e Harry, que havia entrado pouco, no lugar de Dilsinho que abandonara o
programa, decide escolher a pessoa com quem ele convivia pior, Viviane. Embora Harry
naquele momento não tenha se alinhado à equipe de Jean, ele reconhece neste a capacidade
de observação e articulação do jogo; quando, no decorrer da prova da comida, todas as
mulheres estão reunidas em um dos quartos, deixando claro que também estão confabulando
sobre a votação, é a opinião de Jean que Harry procura. Ele pergunta para Jean se ele acha que
elas estão combinando de votar em Marcelo. Jean, reforçando o seu caráter dúbio e
enigmático, responde: “depende se elas estão querendo jogar ou não”. Alan, por sua vez, é o
primeiro big-brother a perceber que Jean agia deliberadamente em função do jogo; na visão
de Alan, Jean conseguia manipular sutilmente os demais participantes e com isso conseguir
seus objetivos. No quarto com Dhomini, Alan divide a sua descoberta e comenta que não é
Emílio quem comanda o grupo formado por parte dos homens e sim Jean. Dhomini também já
havia percebido a influência de Jean sobre os demais, e comungando com a opinião de Alan,
diz “ele [Jean] é muito inteligente.” (BBB 3, 02/02/2003).
Nessa mesma noite, por eleição da maioria, decide-se que Marcelo é que deveria
enfrentar Dhomini no próximo paredão. Harry havia previsto bem, as mulheres para se
defenderem, decidiram deliberadamente escolher um dos homens para formar um paredão
exclusivamente masculino. Mesmo a estratégia de Jean fracassando, a produção do programa
insiste em representá-lo como o principal estrategista de BBB 3; mais do que estrategista, ele
é alguém frio e extremamente racional. No dia da decisão do paredão Dhomini x Marcelo, é
exibido um compacto especial anunciado pelo apresentador da seguinte forma: “a atmosfera
de conspiração continua dominando a casa” (BBB 3, 04/02/2003). Neste compacto, a
personagem de Jean desempenha o papel central; ele aparece falando de Dhomini, “nego
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jogando violento, mais violento mesmo”. Ele pensa em táticas de guerra e fala de formação de
exércitos e de espiões; a seu ver, Dhomini também exerce liderança na casa, comandando o
grupo formado por grande parte das mulheres. Jean se mostra claramente irritado com a
performance de seu oponente, Dhomini, e garante ao grupo que irá colocá-lo no paredão
mesmo se não for líder. Também é neste clipe especial que a edição do programa utiliza pela
primeira vez uma trilha sonora, composta de um piano agudo, quase diabólico, que passa a
idéia de clima de tensão, de conspiração; esta trilha se tornará recorrente durante o programa.
Na maior parte das vezes ela aparece apenas para falas específicas de Jean, no entanto, mais
no final do programa, ela também estará presente em algumas das ações e afirmações de
Dhomini.
Massumi consegue por em prática a sua estratégia de configurar um “paredão
dos fortes” quando sua equipe se torna a mais numerosa da casa; Marcelo havia saído, mas
Harry e Elane haviam se transformado em dois bons aliados talvez os mais fiéis a ele, o
primeiro por estar certo de que a linha de ação de Jean era a mais segura e a segunda por
desenvolver um forte laço afetivo com ele. O primeiro “paredão dos fortes” é definido no
domingo, dia 16 de fevereiro de 2003; Jean havia indicado Juliana, argumentando que a elegia
não por motivos pessoais, mas simplesmente pelo jogo. Os alinhados de Jean, decidiram na
votação do confessionário quem seria o concorrente de Juliana no paredão, Dhomini. Nos
compactos exibidos nesse dia, aparecem cenas de Jean conversando sobre a votação de
domingo; a produção sinaliza, assim, que a personagem estava absolutamente obcecada pelo
jogo e pelas estratégias que dele decorria. Às vezes a montagem das cenas sugere certa frieza
e crueldade na performance de Jean; o episódio daquele domingo começa mostrando uma
seqüência de takes que a princípio estaria organizada apenas para recapitular para o público a
indicação do der na noite anterior. Porém, a recapitulação dessa ação de Jean não é feita de
forma isenta. Na primeira cena entra a imagem de Jean dando a sua sentença, “o meu voto vai
para Juliana”; em seguida mostra que Juliana ficou um pouco abalada com sua indicação,
alguns participantes a consolam, o áudio é abaixado bruscamente, o silêncio fica por alguns
segundos até começar a trilha especial do programa que sugere clima de tensão, utilizada em
dias decisivos. Enquanto a música sobe, entra take com plano fechado do rosto de Jean,
impassível, nem um pouco emocionado ou constrangido com o que fez; daí, corta para ele
justificando sua escolha diretamente para Juliana, põe a mão no seu ombro, meio sem jeito, e
diz que não foi por motivos pessoais, mas pelo jogo mesmo.
O primeiro paredão de fortes acontece e Dhomini consegue vencer Juliana com
uma boa vantagem, 65% dos votos foram favoráveis à permanência do maior adversário de
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Jean na casa. Massumi havia conseguido alinhar grande parte dos jogadores, as
confabulações sobre paredões e votações continuam, sua estratégia enfim estava sendo
aplicada, mas ele demonstra saber claramente que dificilmente sairia como vencedor. No
programa, do dia 20 de fevereiro de 2003, quinta-feira, quando Juliana havia deixado o
programa poucos dias, em um dos compactos aparece uma cena de Jean, Elane e Viviane
conversando no quarto do líder. As duas moças acham que o beijo prometido por Sabrina a
Dhomini em caso de sua vitória no último paredão, teria definido a permanência deste no
programa. Jean, que estava mais pensativo, apenas conclui que dificilmente o prêmio final
não seria de Dhomini, em sua opinião, somente sucessivas idas de Elane a paredões poderia
impedi-lo de ganhar o jogo. Esta afirmativa de Jean demonstra que ele realmente sabe
compreender o que se passa no jogo, mesmo o tendo acesso ao que se passa fora da casa;
realmente naquele momento a popularidade de Dhomini era muito grande, e de fato a menor
margem com que o seu rival vence um paredão, com apenas 1% de vantagem, é na final
justamente para Elane que participava naquela ocasião de seu quarto paredão consecutivo.
Mesmo tendo a certeza de que seria praticamente impossível Dhomini não levar
o prêmio de R$ 500 mil reais, Jean continua articulando para de alguma forma atingir a
performance de seu rival. É neste momento que Massumi decide “emparedar o casal”, isto é,
utilizar sua influência sobre os demais participantes para conformar um paredão entre
Dhomini e Sabrina. A postura de Dhomini e até mesmo o namorinho meio infantil que ele e
Sabrina levavam dentro da casa incomodava aos demais big-brothers; assim, Jean não
enfrentou grandes problemas para convencer ao grupo de ajudá-lo a por em prática sua última
idéia. A dificuldade que o grupo encontrou para executar o plano de Jean foi o fato de
Dhomini conseguir por três semanas consecutivas o colar de anjo, tendo direito a imunizar
qualquer participante que desejasse, o que adiou por algum tempo a formação do paredão
entre ele e Sabrina.
Durante este período, em que não foi possível estabelecer o confronto direto entre
o único casal do jogo, o clima de tensão entre os dois grupos, o de Jean e o de Dhomini, foi
crescente. O curioso é que em nenhum momento os dois líderes chegaram a se confrontar
diretamente em uma discussão; Jean não escondia de Dhomini que agia deliberadamente
contra sua permanência no jogo, mas ao mesmo tempo evitava maiores conflitos com seu
opositor. Jean era o líder que estabelecia as diretrizes das ações dos demais componentes de
seu grupo, possuía a liderança diretiva, mas não a dramática (Goffman); ele não se
apresentava como o verdadeiro líder para os big-brothers que não estavam alinhados a seu
grupo. É Harry quem convence Viviane, que ainda não havia decidido a jogar com nenhum
98
grupo específico, a votar em Dhomini para que ele enfrentasse a performance “forte” de
Alan
4
; sobre isso Jean chega a comentar, tentando diminuir sua fama de manipulador: “Cara,
na verdade, quem fez a cabeça da Viviane foi muito mais o Harry do que eu. Ele é o
manipulador.” (BBB 3, 25/02/2003). De forma análoga, quem discute e se indispõe
diretamente com Dhomini é Emílio e não Jean; enquanto Emílio aparece em um compacto
diário conversando abertamente com Dhomini sobre as atitudes que este toma que não lhe
agradam, a produção do programa faz questão de mostrar Jean se divertindo com Elane e
Viviane no quarto, alheio a tudo o que estava acontecendo no jardim.
Apenas no final da oitava semana de BBB 3 é que Jean e os demais big-brothers
que ainda estavam na casa, Elane, Viviane e Harry, conseguem configurar o tão esperado
paredão entre Dhomini e Sabrina. Elane, a líder da semana, havia indicado no sábado, dia 08
de março, o nome de Sabrina; o restante do grupo provavelmente elegeria no dia seguinte
Dhomini para estar ao lado dela no próximo paredão. Portanto, durante o programa exibido no
dia 09 de março foi exibido, antes dos participantes votarem no confessionário, um VT que
recapitulava a sentença da líder e o jantar oferecido pela produção. Este compacto ressaltou
sobretudo a satisfação e a felicidade de Jean ao conseguir finalmente realizar sua estratégia;
Bial anuncia a entrada do clipe da seguinte forma: “Na noite passada uma festinha serviu para
relaxar e mostrar como o Jean Massumi está contente, agora que sua estratégia deu certo.”
(BBB 3, 09/03/2003). Uma das cenas do compacto começa com o plano fechado no rosto de
Jean que, visivelmente feliz, estoura a rolha de uma garrafa de champagne; enquanto ele abre
a garrafa, a câmera também abre o seu plano até enquadrar apenas Harry, Elane e Viviane.
depois é que um corte em que aparece a imagem de uma câmera posicionada mais distante
da mesa e que revela que Sabrina e Dhomini também participam da cena. O primeiro
enquadramento que pega os quatro que acordaram em colocar o casal junto no paredão
sugere que aquela champanhe estava sendo aberta para comemorar aquela vitória do grupo.
Depois que todos jantam, é apresentada uma cena de Jean dançando (ou pelo menos tentando
dançar) forró com Elane. Neste momento entra um lettering na parte inferior da tela “Jean
dançando forró?”; corta-se para um take em que Sabrina e Dhomini estão juntos, sentados na
cama, no quarto escuro, como se estivessem se despedindo; em seguida, aparece a imagem da
pista de dança da festa com os outros quatro participantes dançando e se divertindo. Esta
seqüência, da forma como é montada, passa claramente a idéia de que Jean e seus seguidores
4
Alan era considerado um jogador “forte” por ser simpático e bem humorado, por se relacionar bem com todos
os grupos e participantes da casa e por, principalmente, ser o único big-brother negro que ainda permanecia no
programa.
99
não se importam com a dor de uma inevitável separação que acomete o casal de BBB 3; a
obsessão com o jogo os tornaram insensíveis. Logo após a exibição dessa seqüência, o
apresentador diz a Jean que havia ficado surpreso com a fato de que ele havia tomado gosto
pela dança; Bial torna evidente para o participante que o público assistira cenas da
comemoração do grupo. Contudo Jean parece não se preocupar com isso e aceita a leve
provocação do apresentador e apenas assume que “foi sensacional mesmo.” (BBB 3,
09/03/2003).
Depois de cumprir sua missão de separar o casal para atingir diretamente seu
adversário, Jean parece não se importar mais com o jogo; é como se ele agisse tendo a
certeza de que não ganharia o jogo que já entrava em sua fase final; ele chega a comentar com
o amigo Harry, e depois a reafirmar para Pedro Bial no programa do dia 11 de março, que
para ele não fazia diferença qual dos dois, Dhomini ou Sabrina, permaneceria na casa. Harry
deixa a casa na semana seguinte da saída de Sabrina e, assim, Jean e Dhomini se tornam os
únicos os homens do programa; as afinidades entre Viviane e Elane são grandes e os dois, que
até pouco tempo disputavam poder dentro da casa, começam a se aproximar. Nas festas Jean e
Dhomini passam a dividir o mesmo ambiente; não mais propósito nas conspirações de
grupos, uma vez que só restam quatro participantes e não muito jeito de escapar dos
paredões. Elane nitidamente tentava se aproximar de Jean, mas ele a evitava, parecia não ter
muita paciência com o jeito um pouco intrometido da baiana. Em uma conversa entre eles
exibida em um dos compactos do programa exibido em 20 de março, Elane lhe pergunta por
que ele estava tão calado desde a saída de Harry. Sem muito ânimo, Jean responde que
estava “dando um apoio pro cara”; ela comenta que estava achando estranho o
comportamento dele e ele lhe fala, então, secamente “muitas coisas estranhas acontecem”. Em
seguida sobe o capuz de sua roupa, escondendo o seu rosto; é como se ele dissesse
indiretamente para ela que não adiantaria tentar uma maior aproximação pois ele queria ficar
sozinho.
É nesta mesma noite que ocorre um realinhamento entre Jean e Dhomini; ambos
não conseguiram dormir e acabaram juntos na varanda da casa, onde conversaram por muito
tempo. Bial já anuncia a reaproximação entre os dois jogadores antes da exibição do VT que
resume a noite de insônia dos dois; o apresentador comenta que “adversários sim, inimigos
nunca” (BBB 3, 20/03/2003), o que sintetiza bem a relação estabelecida entre as duas
personagens, marcada por embates sempre latentes. É Jean quem começa a conversa,
perguntando a Dhomini se ele estava com mais saudades de Sabrina, sua namorada do
programa, ou de Manoela, sua namorada de há mais tempo:
100
Jean: _ O coração tá foda, né, cara?... De quem você tá sentindo mais
saudade?
Dhomini: _ Isso aí, eu não posso te falar...
[Pequena pausa] Jean: _ Queria fazer uma outra pergunta para você... Você
sente muita raiva de mim?
Dhomini: _ Deixa eu te responder sinceramente, nenhuma.
Jean: _ Eu também não sinto nenhuma raiva de você.
Dhomini: _ Por que você tá perguntando isso?
Jean: _ Não... é porque eu acho que eu senti alguma coisa disso vindo de
você.
Dhomini: _ Eu acho que mandei alguma coisa negativa sim para você e é
por isso que você deve ter sentido. Foi quando eu pensei ‘que cara ruim’!
[Os dois riem do comentário de Dhomini]
Jean: _ Uma hora ou outra eu também devo ter mandado alguma coisa do
tipo para você, mas foi uma incompreensão minha, uma ignorância da minha
parte de não saber lidar com esse sentimento que o jogo faz nascer em você.
(BBB 3, 20/03/2003).
É interessante observarmos como Jean e Dhomini se reaproximam, mas não se
tornam cúmplices de fato; a conversa deles não se baseia em um arrependimento ou por uma
autocrítica de nenhum dos dois. Eles apenas se desculpam por ter levado o conflito do jogo
para o lado pessoal. O clima de rivalidade entre eles não é afetado, eles ainda agem como
antagonistas no programa. Esta situação vivida por eles também pode ser vista como um lugar
de escape para as auto-encenações dos dois participantes; longe da presença dos demais big-
brothers, não porque manter a fachada de papéis rivais. Naquele momento eles se
identificavam por viverem um contexto parecido; ambos estavam sozinhos no jogo, não
conseguiam interagir direito com Elane e Viviane. Nesta conversa com Dhomini é que Jean
revela para seu antagonista, e para nós, o que ela havia chamado no programa de apresentação
de seu “lado incoerente”; se em um determinado momento do jogo ele chegou a dizer que não
suportava “olhar na cara” de Dhomini, agora é ele quem o procura para estabelecer uma
conversa amigável.
Embora a equipe de edição tenha prioritariamente desdobrado a capacidade de
observação de Jean em outros dois adjetivos nem tão bem vistos pelo público, como o de
articulador e o de manipulador, em alguns momentos mostra-se que a observação de Massumi
também faz dele um bom conselheiro, um bom ouvinte. Quando Sabrina começa a se
relacionar intimamente com Dhomini, ela ainda não está muito segura se havia tomado a
decisão correta de ficar com ele na frente das câmeras. Neste momento é Jean que ela procura
para ajudá-la a entender as suas dificuldades de se envolver afetivamente com uma pessoa do
sexo oposto. Os dois têm uma longa conversa em que Jean não se mostra uma pessoa
insensível, como muitas vezes os compactos exibidos pelo programa faziam crer; ele a escuta
com paciência e procura aconselhá-la da melhor maneira, buscando a fonte de sua angústia.
101
Vale dizer que essa é a conversa mais séria e íntima que a participante estabelece durante sua
estadia na casa, e esta conversa acontece justamente com aquele que era o grande rival de seu
namorado; este é um dos poucos momentos em que Jean é representado como um bom amigo,
como sua mãe o havia apontado no programa de apresentação.
A relação que o apresentador estabelece com Jean nas conversas ao vivo em
grande medida tenta atenuar um pouco a representação da personagem exibida nos compactos
- pelo menos é o que verificamos nos programas situados a partir da segunda metade de BBB
3. Como vimos, nos programas iniciais Pedro Bial mal se reportava a Jean; apenas quando
este passa a assumir um papel de destaque entre as personagens do programa, é que o
apresentador se volta para Massumi. Todavia Jean é chamado quando o assunto em voga é
o próprio jogo; o apresentador pergunta para ele se havia reparado que a prova da comida, um
quebra-cabeça, era uma metáfora para o que estava acontecendo no jogo (BBB 3,
02/02/2003); ao indagá-lo por que ele não estava mais fazendo massagem em ninguém (BBB
3, 04/02/2003), Bial sugeriria que Massumi havia mudado seu comportamento inicial por
estar ocupado demais com as confabulações a respeito das votações.
Se, nos primeiros programas de fevereiro, Bial marcava o lugar da performance de
Massumi como alguém que se ocupava apenas com o jogo, ao longo do tempo sua fala tenta
aliviar o rótulo de “grande jogador” colocado em Jean, deixando claro que havia na casa
outros grandes jogadores que nem agiam de modo tão claro quanto ele. O apresentador chega
a lhe pedir desculpas ao vivo por ter insinuado que ele era o responsável pelas grandes
articulações do grupo:
Jean, vi que você ficou meio bolado quando eu te chamei de Sun Tzu, eu
sempre te chamei por esse nome, nome do autor da ‘Arte da Guerra’. Agora,
isso é para elogiar a sua lucidez, a claridez [sic] que você tem ao ver jogo e
tudo mais. Não se trata de crítica e nem de singularizar você como um
jogador. Todos vocês que estão ai, todo mundo joga. (BBB 3, 25/02/2003)
Por meio das falas de Bial, Jean tinha consciência que a imagem que estava sendo
transmitida de sua performance o enquadrava no papel de alguém frio e extremamente
racional; isto de alguma forma o preocupava, pois ele sabia que dependia da aprovação do
público para continuar na disputa pelo prêmio final. O apresentador chega a brincar com esse
receio de Jean: no dia em que sairia o resultado do paredão entre Dhomini e Sabrina, Bial lhe
diz que “tem gente aqui fora dizendo que você não tem coração.” (BBB 3, 11/03/2003).
Preocupado ele tenta esclarecer a informação passada pelo apresentador, este, em tom
irônico, completa “você e aqueles que botaram o casal no paredão. Como é que vocês fazem
102
uma coisa dessa?”. Neste mesmo dia, Pedro Bial também faz com que Jean explicite a sua
estratégia e ponto fraco desta:
Bial: _ Bom, mas você tem uma estratégia muito clara, clara mesmo, muito
franca. Você deixou claro que sua estratégia é colocar as pessoas fortes no
paredão, porque você não é muito forte. Qual é o ponto fraco da sua
estratégia?
Jean: _ O ponto fraco da minha estratégia é que sempre vai sobrar um forte,
né?
Bial: _ E voltando do paredão...
Jean: _ ...mais forte ainda. (BBB 3, 11/03/2003)
Para entendermos a finalidade desse diálogo é preciso contextualizarmos o
momento específico em que ele ocorre naquele episódio. Os espectadores haviam acabado de
assistir a um compacto exclusivo sobre Dhomini e as artimanhas políticas que ele aplicava no
programa; o que conduzia o VT era o modo ambíguo e muitas vezes falso com que Dhomini
lidava com os demais participantes. Ao conduzir o diálogo com Jean dessa forma, Bial
evidencia e valoriza a franqueza com que este participante, ao contrário de seu antagonista, se
posiciona dentro da casa; Massumi não tenta esconder de ninguém, nem dos outros big-
brothers e muito menos do público, que ele age deliberadamente em função do jogo. Desse
modo, nas entrelinhas do diálogo estabelecido com Jean, o apresentador faz uma comparação
entre o jogo de Dhomini e Jean, tornando evidente que este joga de modo mais aberto e direto
que seu oponente.
O uso que Jean faz do confessionário corrobora com esta idéia, apontada pelo
apresentador, de que suas ações e decisões dentro do programa eram guiadas acima de tudo
pelo jogo proposto por formato esse formato de reality show. Ao contrário da maioria dos
participantes, Massumi não usa o espaço do confessionário como um lugar de desabafo ou
para denegrir a imagem de outro big-brother; sempre ele justifica seu voto pela estratégia que
adota: “A minha justificativa é... por uma questão do jogo mesmo. Eu acho que nessa altura
do campeonato, um casal tem um peso muito grande e eu vou votar no Dhomini.” (BBB 3,
09/03/2003).
O participante é o décimo a deixar o programa. Indicado pela líder Viviane, ele foi
obrigado a escolher seu concorrente de paredão; decide-se por Elane, justificando que achava
que ela tinha menor popularidade que Dhomini. Não obstante, a escolha feita por Jean sugere
que mais uma vez ele agia de modo a evitar um confronto direto entre sua performance e a de
seu adversário de jogo. Como ele mesmo esperava, ele sai da casa com 67% dos votos.
Embora o público não tenha concedido ao participante nenhum prêmio especial em BBB 3
pois apenas os três primeiros colocados receberiam gratificações em dinheiro -; pareceu
103
compreender as atitudes tomadas por Jean no decorrer do programa. No “lavagem de roupa
suja” ele quase não é chamado nem pelos espectadores, nem pelos demais big-brothers.
Massumi recebe uma pergunta de uma espectadora que lhe indaga se ele não achava que
havia cometido um grande erro de estratégia ao indicar Elane, na terceira vez em que foi líder,
quando só havia cinco participantes no jogo, uma vez que ela lhe era a pessoa mais fiel dentro
da casa. Jean responde a esta pergunta, que se referia exatamente à sua atuação como jogador,
tranqüilamente; apenas explicita o que ele havia pensado no momento: ele estava mais
próximo de Harry e que este, por ter a certeza de que seria indicado ao paredão daquela
semana pela maioria dos votos do confessionário, havia lhe dito que preferia enfrentar Elane
do que Viviane ou Dhomini.
Cabe-nos, aqui, tentarmos compreender por que o público não premiou a
performance apresentada por Jean. Antes de ser derrotado por Elane, Jean havia participado
do paredão da quarta semana, quando o jogo contra Dhomini só estava começando. Naquele
momento ele ganhou de Andréa, uma das participantes mais controversas de BBB 3. Como
ele mesmo havia deixado claro em sua entrevista, para ganhar o programa é preciso
conquistar o público. Embora ciente dessa condição, Jean não agiu de modo a cativar a
preferência popular; ao contrário de seu rival, não se demonstra engraçado ou espirituoso nos
momentos ao vivo. Por estar obcecado com o jogo e em derrubar a performance de Dhomini,
a personagem de Jean aparece nos compactos prioritariamente conspirando com outros
participantes a respeito de votações e paredões, assim, sua representação foi apreendida por
parte do público como sendo de alguém frio e calculista, características que a princípio não
são valorizadas socialmente. Os espectadores de Big Brother Brasil a cada nova versão se
demonstram aversos à formação deliberada de complôs; personagens, como Massumi, que
adotam deliberadamente uma determinada linha de ão tendem a ser fortemente rejeitadas
pelo público.
6.4 – VIVIANE, “A PERUA”
A aparição da terceira colocada de BBB 3, Viviane, no programa de apresentação
não passa despercebida; o modo como a personagem é apresentada por esse primeiro VT nos
faz crer que estamos diante de uma das participantes mais marcantes do programa. A primeira
cena do clipe já causa certo impacto no espectador: entra uma imagem de Viviane com óculos
104
escuros, muita maquiagem e um boá; trata-se de uma gravação doméstica em fita VHS,
provavelmente a que a própria participante mandou para a produção de BBB durante o
período de inscrição. Enquanto a personagem faz pose para a câmera entra sua voz em off,
“tem gente que acha que eu sou parecida com a Jennifer Lopez” (Programa de apresentação
BBB 3, 09/01/2003). A partir daí começa a tocar um dos maiores sucessos da cantora pop
norte-americana, Jennifer Lopez ou simplesmente J Lo, com quem Viviane se acha parecida;
a batida da música marca o ritmo com que são alternados pequenos takes da personagem
dançando como seu ídolo e do grande letreiro, cópia do de Hollywood, da cidade do interior
de São Paulo em que vive, Votorantim. Logo depois desse pequeno epílogo, a participante se
apresenta, “meu nome é Viviane de Oliveira, tenho 27 anos. Moro em Votorantim, interior de
São Paulo”. Para ilustrar a sua apresentação a equipe de edição escolhe uma cena de Viviane,
com roupas de ginástica, passeando com seu cachorrinho; o plano mais aberto pega a
personagem de frente, enquanto ela anda, olha diretamente para câmera e sorri. A seguir, por
meio de um movimento de câmera, mostra-se Viviane em pé na porta de sua casa; como trilha
sonora, entra um rap sobre Jennifer Lopez.
A partir de agora entramos no mundo particular de Viviane, vamos conhecer seu
quarto, seu hobby, sua família. A primeira coisa que ela nos apresenta é seu quarto, pintado
em tom de rosa e com um computador ao fundo; a câmera acompanha a personagem que diz,
“Bom, aqui que eu passo a maior parte do meu tempo...”; entra takes dela segurando os
cartões que ela mesmo faz, “... estudo, eu pinto cartão. No Natal eu vendi bastante.”
(Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003). Sentada em sua cama, que é coberta por uma
colcha de metalassê rosa, de um jeito meio sensual, Viviane confessa em meio a pequenas
piscadelas e biquinhos que “Eu sou romântica, mas eu não sou melosa. Acho assim... uma
coisa mais discreta um pouco”. Embora ela se defina como uma pessoa discreta, o cenário em
que ela vive, seu quarto, repleto de bibelôs, almofadas, plumas e muito cor-de-rosa não
corrobora com a afirmação feita pela participante. Como se o cenário já não fosse o suficiente
para contradizer o conteúdo da fala da personagem, a montagem do clipe segue de uma forma
para evidenciar que Viviane definitivamente não é uma pessoa discreta. Voltam as cenas do
vídeo de inscrição de Viviane, em que ela dança rebolando para as câmeras ao som de J Lo.
Em seu quarto ela fala que “mulher tem que ser vaidosa”; então, ela nos mostra seu estojo de
maquiagem que é retratado em primeiro plano e afirma não sair sem batom, “oh, são tudo de
grife, né, olha.”. Depois, se maquia exageradamente em frente ao espelho, em off escuta-se
um trecho de seu depoimento em que ela diz adorar Jennifer Lopez porque a acha uma mulher
bonita e sensual, e é por isso que ela procura ficar parecida com seu ídolo; ao terminar sua
105
maquiagem Viviane segura uma foto de J Lo para que confirmemos que as duas se parecem
fisicamente.
A evidente vaidade de Viviane é tão enfatizada pelo processo de edição que sugere
que a moça não é apenas vaidosa, mas também fútil. Na entrevista para a produção do
programa, Viviane conta que realizou um sonho, “tava louca para colocar silicone [corte]. Aí,
eu vendi o carro; vendi o carro e paguei a cirurgia”. Nesse momento é inserido um plano mais
fechado da participante segurando seus seios novos em que completa seu depoimento, “eu
queria aquele que até assasse no meio, sabe? (Programa de apresentação BBB 3,
09/01/2003). Assim que Viviane nos conta sobre seu implante de silicone nos seios, entra uma
rápida cena dela dublando uma música da Jennifer Lopez, e em seguida ela faz seu último
depoimento: “As pessoas tem mania de parece que jogar na cara que a gente não vai
conseguir as coisas, né? Aí, mais vontade de você conseguir o lugar mesmo, para esfregar
na cara. Olha, aqui, você tem, eu também tenho.” (Programa de apresentação BBB 3,
09/01/2003). A equipe de edição de BBB 3, ao inserir essa fala de Viviane em que ela se diz
uma pessoa que consegue o que quer por meio de esforço pessoal, logo após dela ter nos
relatado como conseguiu pagar a cirurgia dos seios, sugere uma superficialidade dos objetivos
da participante, reforçando seu caráter fútil.
Bial aparece no televisor da sala de estar da casa de Viviane que está sentada entre
seus pais e confirma sua entrada na casa: “É isso aí, Viviane! Você pode esfregar na cara
mesmo, porque você conseguiu, você está no Big Brother Brasil!” (Programa de apresentação
BBB 3, 09/01/2003 - grifos feitos a partir da ênfase dada pelo próprio apresentador no
decorrer de sua fala). Aqui, o apresentador confirma a futilidade dos principais metas traçadas
por Viviane: aumentar o tamanho dos seios, participar de um programa de reality show. Ao
receber a notícia de que foi escolhida para fazer parte do elenco de BBB 3, Viviane sorri
comedidamente, leva a mão à boca, os olhos marejam e ela abraça seus pais; em seguida são
inseridas algumas fotografias da participante que sublinham sua sensualidade, ela vestida de
enfermeira, de Jennifer Lopez, nos estúdios da MGM em Orlando. Se no primeiro comentário,
Bial havia apenas feito uma rápida alusão aos grandes seios da moça, em sua segunda entrada
ele já é mais direto; assim que o clipe de Viviane termina, o apresentador aparece na tela e
escancara: “vocês viram que a turma é animada e turbinada!” (Programa de apresentação
BBB 3, 09/01/2003 – grifo nosso).
Durante as onze semanas em que permanece na casa, Viviane não age de modo tão “animado”
e exibicionista como havia sugerido seu vídeo de apresentação. Ao chegar à casa, Viviane se
mostra tímida e parece estar um pouco deslocada, talvez por perceber que ela não é a mulher
106
mais sensual e atraente do programa. Joseane já de início chama a atenção de Dilsinho; e,
Sabrina, com seu jeito meio infantil, seduz os demais participantes masculinos. Assim,
Viviane não encontra um terreno propício para que seu lado exibicionista, sósia de Jennifer
Lopez, consiga aflorar. Não ninguém na casa que confirme assertivamente sua beleza; os
homens a acham bonita, mas nenhum demonstrou um interesse especial por ela. Embora
Viviane não escancare o seu lado quase voluptuoso esperado pela produção do programa, suas
ações, diferente das de Jean, são guiadas pela presença das câmeras; a personagem talvez seja
uma das que melhor exemplifique a categoria das atividades profílmicas. Viviane não tenta
fisgar a preferência popular por meio de gracinhas aparentemente espontâneas e por ser
espirituosa, como faz Dhomini; ela tenta conquistar o público seduzindo-o, olhando-se no
espelho, fazendo poses, desfilando e dançando para as câmeras.
No programa do dia 21 de janeiro, um dos compactos exibidos fazia referência à
beleza e a boa forma física das participantes femininas de BBB 3. Neste clipe Viviane foi uma
das mulheres que mais recebeu destaque; é ela quem puxa o desfile de biquínis em um dos
quartos da casa, enquanto parte dos homens avalia o desempenho das concorrentes. Detentora
de uma grande case de maquiagem, como ela mesma fez questão de exibir em seu vídeo de
apresentação, Viviane despendia um bom tempo em frente ao espelho se preparando para as
entradas ao vivo e para as festas; sua vaidade era percebida pelos demais participantes. Harry,
surpreso com o fato de a moça ter sido uma das primeiras a ficar pronta para uma determinada
festa, comenta “oh, Viviane, se vofoi a primeira a se vestir... pô, algo hoje bom demais”
(BBB 3, 16/02/2003). Melosamente ela responde “ah, não sou sempre a última”, e ele se
explica “não, não, você é a mais vaidosa, isso que eu tô querendo dizer”.
Também não era raro durante as festas oferecidas pela produção aos big-brothers
Viviane dançar sensualmente, sempre em tom de brincadeira, para um dos homens. O VT da
festa indiana flagra uma cena de Viviane com Jean, claramente fazendo uma encenação; a
participante dança se insinuando para Massumi, enquanto os demais big-brothers os assistem.
Por fim ela chega a puxar o rosto dele contra seu colo, e ele, aceitando a brincadeira, exclama
“meu Deus! Isso é um delírio!” (BBB 3, 16/02/2003). Na conversa ao vivo daquele dia, o
apresentador comenta com os dois participantes a cena exibida; Viviane apenas ri, e Jean fala
que “o negócio escureceu na minha frente” e pede para que Bial não o comprometa mais, pois
ele tem uma namorada fora da casa. Na festa das mil e uma noites (BBB 3, 20/03/2003), a
participante tenta repetir a cena; aproveitando o fetiche que existe em torno da roupa de
odalisca, ela simula uma dança do ventre para Dhomini, mas desta vez é ele quem se
107
aproveita da situação, avançando com suas mãos em direção aos volumosos seios de Viviane,
que tenta se esquivar do golpe.
Não é com os homens da casa que Viviane procura estabelecer esse jogo de
sedução, que fica sempre no limiar entre uma encenação para as meras e uma leve
brincadeira; o apresentador de Big Brother Brasil também é alvo de suas investidas. Nas
conversas ao vivo e nos momentos de votação no confessionário, Viviane chama Bial por
apelidos muito carinhosos, como lindo” e “gato”; ela também oferece presentes ao
apresentador. No programa exibido no dia 09 de março, em uma de suas conversas com os
participantes, Bial agradece a Viviane por ter feito um biscoitinho em homenagem à data de
seu aniversário. De modo meigo e até um pouco infantil, a moça comenta que “eu pus o seu
nome, mas aí queimou” (BBB 3, 09/03/2003).
O apresentador não estabelece muitos contatos com Viviane durantes as conversas
com os big-brothers nos momentos ao vivo, e apenas passa a lhe dar mais atenção à medida
que o número de participantes diminui. Assim mesmo, ele não a chama para falar sobre
estratégias de jogo, como fazia com Jean, e nem para extrair-lhe gracinhas e respostas
perspicazes, como acontecia com Dhomini. Viviane era convidada a falar apenas quando o
assunto tratava de superficialidades, de banalidades, reforçando o caráter fútil da participante
que já vinha sendo construído desde o programa de apresentação e sublinhado pela montagem
dos compactos diários. Uma das vezes em que Viviane é chamada para participar da conversa
ao vivo, Bial lhe pergunta sobre um sonho que ela havia tido naquela semana; “Viviane
sonhou que tava beijando quem na boca?” (BBB 3, 04/02/2003). Com seu jeito sempre doce e
meio bobo, Vivi responde que “é, primeiro foi o Dhomini, e depois o Alan...”, e o
apresentador tenta continuar o papo “ah, é assim? Um em cada noite?”, ela, sem deixar que a
conversa perdure, apenas responde risonhamente que sim. Em outra ocasião, quando acabara
de ser exibido um VT que mostrava as dificuldades enfrentadas pelas participantes para trocar
de roupa em frente às câmeras, Bial se reporta a Viviane para saber mais a respeito “da
técnica de trocar de roupa sem tirar a roupa” (BBB 3, 11/03/2003), e ela lhe responde que “às
vezes escapa e uma vergonha” e que, por isso, depois de estar um tempo tendo que
passar por essa situação, ela prefere a técnica do roupão à do edredom.
O mais interessante não é observar o papel de uma mulher fútil, sem muito que
dizer e extremamente vaidosa que Bial confere à participante, mas perceber o modo como ela
não só aceita este papel, mas o atualiza no decorrer das inserções ao vivo. Em uma dessas
conversas, o apresentador lhe pergunta se ela havia achado que a prova da comida daquela
semana, em que os participantes eram obrigados a procurar anéis em tortas de chantili apenas
108
usando a boca, havia sido nojenta, gostosa ou divertida, e ela responde que, em sua opinião,
havia sido divertida. Aparentemente surpreendido pela resposta da participante, Bial afirma
que, pelo o que ele havia observado no compacto, a expressão do rosto de Viviane era a de
alguém que estava achando a prova nojenta. Ela, então, complementa: “Bial, mas a minha
língua esfoliou muito. Beijei muito aquela torta!” (BBB 3, 09/03/2003). Em outro momento,
em uma das últimas provas de liderança, o apresentador comenta ironicamente com os quatro
finalistas que eles estavam ótimos com as togas gregas, e Viviane acrescenta: “é, me
sentido tão sexy!” (BBB 3, 20/03/2003).
Quando Viviane está prestes a deixar o programa, depois da decisão do penúltimo
paredão, Pedro Bial tenta resumir a sua postura diante da personagem no decorrer do
programa, ao mesmo tempo em que procura re-significar a vaidade de Viviane:
Viviane, sabia que no início, eu... eu tinha uma certa antipatia... por você.
Pensava assim: ‘qual é dessa moça? Não entendendo... é meio perua...’
Aí, você foi me conquistando, foi conquistando todo mundo, porque tem
uma coisa autêntica. [...] Tem uma procura de auto-conhecimento, de saber
quem você é, de se dar um trato legal, de se cuidar... é muito bacana. (BBB
3, 30/03/2003).
No momento em que Bial lhe fala que a achava “perua”, Viviane não se importa
com isso, ela até brinca com o adjetivo utilizado pelo apresentador; de forma debochada,
pisca o olhos, faz bico e passa mão pelos cabelos. Ao valorizar a participante com sua fala,
Bial indica uma mudança no papel da performance de Viviane, buscando salientar algumas
das qualidades advindas de sua vaidade, como a busca por um auto-conhecimento e o cuidado
com o corpo. Contudo, o perfil da participante exibido na noite de sua eliminação ainda
reforça sua futilidade, mas também revela uma das principais características da personagem
que poucas vezes foi sublinhada pelo programa, a de ser uma jogadora consciente de que vive
em uma situação de grande exposição.
Pedro Bial anuncia a entrada do compacto perfil de Viviane dizendo que ela adora
a cor solferino, que de acordo com dicionário seria um tom entre o encarnado e o roxo, mas
que “no nosso caso é aquele cor de rosa bem... bem, bem Viviane” (BBB 3, 30/03/2003).
Assim, em um primeiro momento, o clipe mostra a preferência da personagem pela cor
solferino, que ela insiste em chamar de “sulferine” - mesmo sabendo que não é o correto - por
achar “mais bonitinho” e por ser como os fashionistas” se referem a este tom. Logo depois,
no entanto, começa a ser mostrado o lado “jogador” de Viviane. Esta seqüência começa
com uma cena da participante comentando com a amiga Elane que “tudo nessa vida é
lapidado, tudo se aprende”; a seguir entra take de Jean afirmando que Viviane é a maior
109
jogadora do programa. Logo depois, aparece a participante claramente ironizando o fato de ter
sido considerada uma jogadora “fraca” pela grande maioria big-brothers, tanto pelo grupo de
Jean, quanto por Dhomini; entra a afirmação que ela faz para Dhomini que também estava
para disputar os 500 mil reais. Este trecho é evidencia a atuação racional de Viviane diante do
jogo proposto pelo programa; o clipe continua ressaltando outras características da
personagem como sua autenticidade; não se importando muito com que os outros achem dela:
“que chovam as críticas!... fazer o quê?”, seu lado romântico que ainda sonha com o “príncipe
encantado”. Porém, também nesses momentos são apresentadas cenas que comprovam que
Viviane estava atenta às câmeras e à opinião do público; em um determinado take ela fala
baixinho consigo mesma. “Ah, estou tão feliz, mas meu estado não me permite pular de
alegria. Ai, que saco!” (BBB 3, 30/03/2003 - grifos nossos), traduzindo o controle de sua
performance.
A atenção despendida por Viviane para controlar sua performance diante das
câmeras, embora tenha sido claramente sublinhada pela produção de BBB em seu último
perfil, pode ser encontrada em pequenas ações tomadas pela participante no decorrer do
programa. Ainda no começo do jogo, Elane comenta com ela que o comportamento de
Andréa havia mudado muito nos últimos dias; Viviane escuta a amiga e lhe aconselha a tomar
muito cuidado com quem ela “solta este tipo de comentário” (BBB 3, 02/02/2003). Viviane,
quando na presença da maioria dos big-brothers, agia de modo a evitar a performance de
ações típicas da região de fundo; em uma das festas, ela aparenta estar bastante triste e antes
de começar a chorar na frente de todos, prefere se recolher em um dos quartos, onde ela se
sente mais à vontade para externar sua tristeza. Apenas no momento em que Sabrina entra no
cômodo e lhe pergunta o que está se passando com ela que confessa: “às vezes me sinto tão
sozinha aqui dentro...” (BBB 3, 16/02/2003). A participante também procura não entrar em
qualquer tipo de conflito com os outros big-brothers; quando os quatro finalistas estão na
casa, Dhomini faz uma brincadeira de mau gosto com Viviane. Ela não acha graça nenhuma
no comentário que ele fez e lhe responde de um modo um pouco ríspido: “já fez essa piadinha
antes... que graça tem?” (BBB 3, 20/03/2003). Pouco tempo depois, ela se arrepende do jeito
com que havia falado com Dhomini e o procura para pedir desculpas, mas insiste que “às
vezes você passa dos limites, mocinho”.
Assim, a performance de Viviane desponta a partir de um exibicionismo
controlado; em parte das vezes, ela gosta de se exibir para o público através de suas danças,
de olhadas para o espelho, de um cuidado demasiado com a aparência; em outras situações,
prefere passar despercebida pelos outros participantes, não se alinhar deliberadamente a
110
nenhum grupo, passar a imagem de que não está preocupada com o jogo. Por muito tempo,
Viviane consegue atuar em um posicionamento intermediário entre Jean e Dhomini,
mantendo-se assim livre das indicações aos paredões. Este feito da personagem pode ser
explicado por dois motivos principais: por um lado, ela e Dhomini haviam estabelecidos laços
de amizade desde o começo do programa; por outro, sua postura apática dentro da casa e sua
performance que não apresentava a princípio grandes apelos para o público, fez com que Jean
e seu grupo a considerassem uma jogadora “fraca”.
Viviane habilmente soube administrar estes dois fatores a favor de sua
permanência no jogo, daí ela ser considerada por alguns dos participantes como a grande
jogadora de BBB 3 que, apesar de não apresentar a priori uma boa performance, conseguiu
levar o prêmio do terceiro lugar. Ainda na primeira semana do programa, Viviane se
aproxima de dois participantes que coincidentemente estariam em sua companhia até a última
semana, Elane e Dhomini. No decorrer dos compactos diários dos primeiros episódios de
BBB 3, em que eram exibidas cenas de Dhomini “se engraçando” com as mulheres da casa,
Viviane sempre aparecia; ora ele massageava seus pés, ora lhe pedia um abraço para suprir a
carência de sua namorada. Às vezes era ela quem brincava com ele, o maquiava para o
programa ao vivo ou deixava que ele deitasse no seu colo. Dessa maneira, os dois
consolidaram uma relação de amizade, baseada mais em pequenas brincadeiras cotidianas do
que em trocas de grandes segredos e confidências. Era com Elane que Viviane desenvolvia
uma amizade mais próxima; com o tempo as duas passaram a estar o juntas que foram
pejorativamente apelidadas por Harry de “Futilidade (Viviane) e Inutilidade (Elane)”.
Embora sua melhor amiga dentro da casa estivesse alinhada ao grupo de Jean,
Viviane evita por algum tempo participar de qualquer tipo de articulação que pudesse
prejudicar Dhomini, com quem ela também se identificava. Viviane não o prejudicava,
tampouco o defendia; sua postura sempre foi de se isentar de qualquer discussão. Quando
Andréa estava furiosa com o jogo duplo que, a seu ver, Dhomini estava fazendo dentro do
programa e resolve falar sobre a falta de caráter do participante no quarto em que as mulheres
se arrumavam (BBB 3, 02/02/2003); Viviane conquanto demonstrasse não compartilhar da
opinião de Andréa, também foi incapaz de defendê-lo das acusações. Viviane preferiu agir
como se nada estivesse acontecendo, e continuou se maquiando enquanto Andréa gesticulava.
Apenas na votação da sexta semana, depois que Dhomini namorava Sabrina e
por isso estava mais distante de Viviane, é que a participante ajuda a por em prática o plano
do grupo de Jean. Após ter sido convencida pela insistência de Harry e pelos argumentos
apresentados por Elane e Jean, Viviane vota em Dhomini e define a indicação deste para
111
enfrentar o próximo paredão contra Alan. Em uma conversa no quarto do líder entre Jean,
Elane e Viviane (BBB 3, 20/02/2003), os dois primeiros comentavam que achavam que o
promessa de Sabrina beijar Dhomini caso ele vencesse o último paredão tinha sido uma
artimanha utilizada pelo casal para garantir a permanência do rapaz no jogo. Pouco tempo
depois, mas ainda no mesmo compacto, na piscina, Viviane parece ter se convencido de que o
namoro entre Dhomini e Sabrina os tornava concorrentes mais fortes e concorda com Jean e
Elane que a melhor estratégia era indicar o casal para a próxima eliminação, concluindo: “mas
ninguém pode imunizá-la [se referindo a Sabrina]” (BBB 3, 20/02/2003). Embora estivesse
claramente mais próxima do grupo alinhado por Jean, Viviane ainda se importava com a
amizade de Dhomini. A participante chega a lhe confessar que havia votado nele no último
domingo; ela lança mão da performance de mulher frágil, facilmente influenciável, para
conseguir o perdão de Dhomini que, naquele momento, entende (ou pelo menos diz entender)
a decisão tomada por ela.
O rompimento definitivo com Dhomini acontece na semana seguinte, em que
Viviane participou pela primeira vez de um paredão. Naquele momento, a participante
disputava a preferência popular contra Emílio; Dhomini, indagado por Bial sobre qual dos
dois big-brothers preferia que permanecesse na casa, responde que se fosse pela convivência
ele escolhia Emílio, mas se fosse pelo jogo, escolhia Viviane. Com esta declaração Dhomini
tornou evidente que concordava com Jean e seu grupo de que Viviane era uma das jogadoras
mais fracas de BBB 3, o que fez com que ela sentisse um misto de mágoa e raiva de quem até
então se portava como seu amigo. Embora estivesse chateada com a atitude de Dhomini,
Viviane não o procura para uma conversa franca ou para tentar uma reaproximação; sempre
evitando se envolver em grandes discussões, a participante opta por desabafar sua indignação
com a melhor amiga, Elane. No quarto do líder, enquanto as duas se arrumam para ir à
piscina, Viviane comenta “o Dhomini, dá até medo da cara dele!” (BBB 3, 09/03/2003). Elane
lhe diz que realmente não se importa com o mau humor do participante, mas Vivi insiste no
assunto “ah... se ele falasse pra você, você ia ficar normal? Mesma coisa? Se ele falasse o que
ele falou pra mim?”, a amiga a escuta e concorda com o motivo de sua mágoa. Entretanto, o
grande desabafo de Viviane é feito no confessionário, durante a votação de domingo; a
personagem não elege por acaso o confessionário para fazer seu discurso contra Dhomini:
Eu vou votar numa pessoa que tem mudado muito de comportamento desde
o começo. eu não percebia. As pessoas falavam, ‘Viviane, abre o
olho...’, agora eu tive a certeza. Foi quando eu fui pro paredão junto com o
Emílio, e... é o Dhomini, no caso. Ele achou que o Emílio ia ficar, ele
quis ficar do lado do Emílio na hora. Mas, alguns dias antes tinha falado
aqui que queria dar um soco no rosto do Emílio, que queria muito que ele
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ficasse longe daqui. Aí, ele foi me procurar quando eu que fiquei para que
eu ficasse do lado dele. Aí, eu disse que eu achei estranho o comportamento
dele. Aí, ele falou que não importava quem fosse ficar que ele só queria
uma pessoa que ficasse do lado dele prá votar, isso. E, por isso, eu acho
que eu não tenho mais motivo prá querer que ele fique aqui e também
porque ele já se acha dono dos 500 mil reais, ele acha que ninguém derruba
ele mais no paredão, entendeu? Então, eu acho que aqui todo mundo é
igual; o jogo ainda não acabou. Então, é ele. (BBB 3, 09/03/2003).
Neste dia, mais do que justificar seu voto, Viviane tentou esclarecer para o público
o porquê da mudança em sua relação com Dhomini. O interessante é observar como ela tenta
responsabilizar o próprio Dhomini por ela estar votando nele, sugerindo que ele havia
provocado um desentendimento entre os dois. A participante usa o espaço do confessionário
para denunciar ao público que Dhomini estaria jogando de modo frio e calculista. Ela também
tenta criar certa antipatia dos espectadores com relação a Dhomini, ao entregar que este
estaria agindo dentro da casa como se fosse o vencedor. Em seu depoimento Viviane deixa
implícito o que ela realmente acha de Dhomini; nas entrelinhas de sua fala podemos inferir
que ele é falso, manipulador e convencido e que ela, em sua condição de mulher frágil e
inocente, havia sido a vítima da situação. É desse modo que Viviane lança mão do
confessionário para fazer a sua defesa a partir de uma acusação a Dhomini. Assim que o
episódio termina e o apresentador nos convida para “dar a última espiadinha”, flagramos
Elane perguntando para Viviane se havia conseguido falar tudo o que queria, esta responde
que sua fala havia sido confusa, mas que ela conseguira expor seus principais pontos. Esta
conversa entre as duas, que ocorre no momento em que achavam que não estavam mais sendo
exibidas, evidencia o uso do confessionário para falar diretamente com o público.
No entanto, em sua fala Viviane não expôs aos espectadores uma das principais
razões do voto em Dhomini naquela semana: a estratégia traçada por Jean de formar um
paredão de Dhomini contra Sabrina. A líder Elane havia indicado Sabrina e era preciso que
Jean, Harry e Viviane fechassem o voto em Dhomini. Como vimos, a participante havia
indicado antes ser a favor de um paredão com os dois, para se contrapor à popularidade que
eles alcançavam como casal. É interessante observar que a participante rompe com Dhomini,
mas não integra por completo ao outro grupo. Viviane apenas concordava que naquele
momento o melhor a se fazer era quebrar a força do casal. Ela possuía uma forte identificação
com Elane, mas ao mesmo tempo nutria uma enorme antipatia por Harry. Um dos compactos
exibidos no episódio do dia 09 de março, retrata a relação conturbada entre Viviane e Harry,
que por aderirem a uma mesma linha de ação eram obrigados a terem uma convivência mais
próxima do que realmente desejavam; enquanto de um lado ele fala que não suporta a
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futilidade de Viviane, que jamais se relacionaria com ela se não estivesse na casa, de outro ela
também demonstra que não o tolera, “Puxa! Que cara pequeno, ele é menor do que eu
pensava!” (BBB 3, 09/03/2003).
Ainda que Viviane não quisesse estreitar laços de amizade com Harry, ela cedia às
pressões do grupo e procurava manter uma boa convivência entre eles. Em um jantar
oferecido pela produção de BBB 3, em que restavam apenas seis participantes (três homens e
três mulheres), somente Viviane e Harry é que não estavam dançando em par. Elane sugere
então a Harry que convide Viviane para dançar, mas antes mesmo dele fazer o convite, ela
o recusa secamente “não quero não” (BBB 3, 09/03/2003). Harry e os demais big-brothers
insistem com ela para que aceite o convite, e mesmo contrariando-se, Viviane acaba por
dançar com seu desafeto. Para não contrariar o grupo, Viviane acaba se abstendo de sua
vontade; isto sinaliza que a participante, mais do que prezar pela boa convivência, é um pouco
insegura. Quando Bial lhe a chance de dizer ao vivo para o público e para os demais
integrantes da casa que não era uma jogadora fraca, Viviane opta por uma reação discreta. Na
conversa do dia 09 de março, Bial comenta com Viviane a sua vitória de sobreviver ao
paredão com 76% dos votos a seu favor. Esse poderia ser um momento de resposta da
personagem aos colegas, especialmente Jean e Dhomini, que achavam-na uma jogadora fraca.
Contudo, ela prefere não aproveitar a deixa e apenas comenta que estava aliviada por ter
vencido o paredão; em vez de agir na frente de todos, faz seu discurso no confessionário.
A insegurança de Viviane pode ser comprovada em seus últimos dias na casa, em
que o número de big-brothers já estava reduzido e era praticamente impossível não ir à
escolha popular com participantes fortes. Ainda estavam na disputa pelo prêmio final Jean,
Elane, Dhomini e a própria Viviane. Esta sabia que as chances de sair vitoriosa em um
paredão contra Elane e Dhomini eram mínimas, entretanto ela também não parecia estar certa
de possuir uma maior popularidade do que Jean. Em uma cena em que Viviane e Elane
tomam sol na beira da piscina, Jean passa por elas; baixinho Viviane pergunta à amiga “vo
acha que ele é popular?” (BBB 3, 20/03/2003), a outra apenas responde que as duas e Jean
estariam no mesmo patamar. Quando Viviane perde a prova da liderança da última semana
para Dhomini, e passa a configurar o penúltimo paredão ao lado de Elane, se mostra
claramente desapontada, pois sabia que sua única chance de chegar à final do programa era
conquistando a imunidade dada ao líder. Viviane perde a disputa desse paredão para Elane e
parece ficar surpresa quando o apresentador lhe diz a porcentagem de votos desfavoráveis que
recebeu: “com 59%!? Tá bom!...” (BBB 3, 30/03/2003).
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Por ser insegura e volúvel, nunca definindo ao certo do lado de qual grupo estava
alinhada, alguns dos participantes acusaram Viviane de ser a grande jogadora de BBB 3, pois
forçava a aparência de uma mulher fútil e frágil para esconder o seu oportunismo. No
programa “lavagem de roupa suja”, Viviane é uma das personagens que mais vezes é
interpelada pelo público e principalmente pelos ex-big-brothers. Uma espectadora pergunta
para Viviane o que ela tinha achado do apelido que Harry havia dado a ela e a Elane,
“futilidade e inutilidade”. A participante, mais uma vez indicando que agia de modo a evitar
um confronto direto com qualquer um dos participantes dentro da casa, responde que a
antipatia entre ela e Harry era recíproca; a diferença entre os dois é que ela preservava a boa
convivência, pois a sua boa educação não lhe permitia dizer a seu desafeto o que lhe
desagradava na personalidade dele.
Em seguida quem lhe pede algumas explicações a respeito de algumas atitudes que
ela tomou no decorrer do jogo é Emílio. Em um primeiro momento, ele a acusa de ter agido
falsamente quando dizia dentro da casa que não se preocupava com o jogo, pois ela havia
utilizado propositalmente o seu corpo para tentar garantir sua permanência na no programa. E
ressalta que no dia em que Viviane foi escolhida para disputar o paredão contra ele, ela vestiu
um pequeno baby doll e ficou desfilando em frente às câmeras. Com um ar cínico, Viviane
responde que lançou mão sim dessa artimanha, e ainda completa a resposta, “cada um utiliza
as armas que tem à mão” (Lavagem de roupa suja, 06/04/2003). Depois, Emílio sugere que
Viviane não foi ética quando o utiliza o espaço do confessionário, que a princípio deveria ser
utilizado para sua própria defesa, para denegrir a imagem dele, seu concorrente no paredão.
Viviane não responde à acusação, mas atua com ar de superioridade, sugerindo que Emílio
estava tocando nesse assunto porque havia perdido paredão para ela. Seguindo o embalo de
Emílio, Harry denuncia uma contradição na performance de Viviane; mesmo afirmando que
não era vingativa, ela havia votado em Dhomini justamente para se vingar. Neste momento,
Viviane tenta se esquivar da acusação lançando mão de uma frase que havia sido utilizada
pelo próprio Pedro Bial durante o próprio programa; ela responde que o jogo é semanal e que
por isso “os sentimentos também mudam de semana para semana” (Lavagem de roupa suja,
06/04/2003). Emílio e Sabrina concordam que o jogo é semanal, mas quase em coro, lhe
dizem que o “caráter o é semanal”. Viviane prefere fugir da discussão e dizer que não
gostaria que a conversa adquirisse um tom agressivo.
Não sabemos ao certo se Viviane optou estrategicamente por assumir o papel de
uma mulher frágil, insegura e aparentemente fraca. De qualquer forma, notamos que a
participante soube lidar bem com a situação colocada pelo programa. Ela conseguiu fazer com
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que uma personagem apagada, que não despertava temor ou simpatia nem nos demais
colegas, nem no apresentador e nem na produção do programa, permanecesse até às decisões
finais. Ao recuperarmos a trajetória de Viviane no desenrolar do programa percebemos que
ela só recebe mais destaque à medida que o número de big-brothers diminui; Pedro Bial e a
edição passam a captar as manobras de sobrevivência da participante apenas nas últimas
semanas. Todavia, o caráter apático da personagem de Viviane em Big Brother Brasil 3 é
responsável tanto por sua permanência no jogo, quanto por ela ter perdido o prêmio final; o
público não a odiava e nem a adorava. Mesmo tendo guiado suas ações para o público, por
meio de um exibicionismo controlado, as reboladas e poses feitas para as câmeras não foram
suficientes para conquistar a simpatia dos espectadores. A experiência da personagem de
Viviane comprova que para se vencer o programa não basta exibir o corpo e evitar o
confronto direto com outros participantes; é preciso arriscar, tomar a frente da situação, e
eventualmente protagonizar discussões e romances.
6.5 – ELANE: A PROFESSORINHA DO INTERIOR
Para que conhecêssemos a participante mais nova de BBB 3, o programa especial
de apresentação elegeu como cenário um pequeno lugarejo no interior baiano, onde Elane foi
criada e trabalha como professora na escola rural. O VT de Elane começa com uma trilha
musical bem alegre, marcada pela rabeca, em ritmo de forró, referenciando-se diretamente às
origens da personagem; enquanto a música toca, aparece Elane abrindo a porteira de uma
fazenda, em seguida entra uma cena realizada a partir da janela de um carro em movimento
que mostra a paisagem do campo, depois corta-se para imagens de um pintinho e de pessoas
que vivem no meio rural. Essa seqüência serve para que localizemos o ambiente em que vive
a próxima personagem a ser introduzida; as imagens da fazenda, do pintinho no chão de terra,
das pessoas simples do campo nos indicam que vamos ser apresentados a uma participante
que habita um outro mundo, pouco conhecido para a maioria dos brasileiros que moram nas
grandes cidades, a “roça”. O take da paisagem campestre correndo na estrada nos sinaliza que
esta roça está distante de qualquer lugar que a princípio nos serviria de referência; a trilha
sonora alegre, por sua vez, evidencia que as pessoas que ali vivem, por um lado podem não
ter acesso a algumas facilidades da vida urbana, mas por outro possuem uma qualidade de
vida melhor.
116
Essa visão romântica da vida do campo vai perpassar toda a construção da
personagem de Elane em seu vídeo de apresentação. A participante abre a janela de uma casa
humilde, de cor azul clara, bem “caipira”, debruça-se no parapeito e diz: “oi, eu sou a Elane,
essa é a minha casa. Eu moro a onze quilômetros de Itanhém e a mais ou menos seis horas de
Porto Seguro.” (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003). Em seguida a personagem
nos convida para fazer uma visita à sua casa. Enquanto guia a câmera pelos cômodos, que
sempre são simples e com pouca mobília, explica: “vamô entrando. A imagem vai ficar um
pouco escura porque aqui não tem energia elétrica e a luz vai ser a luz natural mesmo.”
(Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003). Elane continua nos mostrando sua casa;
entra em seu quarto, onde uma cama sem cabeceira e um armário de duas portas, ela
aponta para uma mesinha que faz de criado-mudo e diz: “aqui é a minha mesinha de centro
com alguns apetrechos meus” (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003). Esta mesinha
está cheia de badulaques, como batons, enfeites para o cabelo e, encostado na parede, um
pequeno espelho, de moldura laranja, daqueles que podem ser comprados em qualquer
mercado ou tenda de camelô. Ainda que rápida, esta cena retrata uma faceta da personagem
que se tornará evidente durante a sua estadia na casa, a vaidade. Neste momento a câmera mal
focaliza a mesinha de centro de Elane, que ela fez questão de nos mostrar, mas que a
produção do programa julgou não ser relevante. Em cima daquela mesinha, Elane guardava
seu mundo particular que, de alguma forma, destoava da realidade em que havia sido criada.
A participante segue com seu passeio pela casa, mostra a sala que tem um sofá,
“aqui na frente é a sala”; depois ela vai para o alpendre, o plano se abre para enquadrar toda a
fachada da construção, “essa é a minha casa, aonde eu vivo, aonde eu cresci.” (Programa de
apresentação, 09/01/2003). A partir desse momento a personagem passa a ser definida pelos
depoimentos de seus familiares. Enquanto descascava um legume, a mãe falava às câmeras; se
demonstrava tão desconfortável com a presença do equipamento que quase não é possível
entender seu depoimento: “a Elane sempre foi uma menina muito boa, muito estudiosa, muito
criativa das coisas”. O pai de Elane também não consegue lidar bem com a situação de ser
gravado por uma equipe de televisão, evita olhar diretamente para as lentes, no entanto se
mostra mais orgulhoso da filha do que sua esposa:
Eu acredito muito nela, né? Que eu já acompanhei muito trabalho dela
como professora, né? Foi uma das melhores que já pintou por aqui, né? Não
é porque é minha filha, né? Ela conseguiu reverter o quadro dos alunos,
melhorando; tirando os alunos do buraco. Elane aqui é a estrela da turma!
(Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003).
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À medida que fala do trabalho desenvolvido por sua filha na escola da região, são
inseridas cenas ilustrativas do papel de professora desempenhado por Elane; as crianças
chegando a na escola, ao fundo observa-se a estrada de terra. Elas entram na sala de aula e
sentam-se nas carteiras enquanto Elane as recebe. O depoimento do pai termina e entra take
de Elane cantando em frente ao quadro negro junto com seus alunos, que possuem as mais
diferentes idades; um dos versos da música ressalta “a alegria de viver”. Aqui, evidencia-se
que embora o meio sertanejo seja simples, lá há a solidariedade, os laços afetivos prevalecem;
sem acesso a muitos bens de consumo, as pessoas do campo se contentam com o essencial
para a sobrevivência, e levam uma vida mais feliz. Conquanto de origem humilde, Elane não
é uma pessoa tímida e que deverá ter dificuldades de se "enturmar" na casa, pelo menos, é o
que sua mãe acredita, “mesmo sendo aqui do mato, ela não vai ficar tímida não”; o irmão
da personagem ainda se preocupa com sua personalidade forte, “uma preocupação que eu
tenho com ela é com o pavio dela, vamos dizer assim... que é curto.” (Programa de
apresentação BBB 3, 09/01/2003). Elane confirma que não deve ficar deslocada dentro da
casa de BBB 3, e tentando consertar um pouco a fala de seu irmão, esclarece: “eu sou justa, eu
não aceito que alguém pise em mim”.
O clipe também sugere que Elane não é uma menina ingênua como sua idade, 18
anos, e o meio rural em que vive a princípio parecem indicar; entra a cena de um trecho da
entrevista feita pela produção do programa antes da participante ingressar na casa em que ela
responde à possibilidade de se relacionar afetivamente com outro participante de BBB 3: “já
tive namorados, se teve a química...” (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003). Bial ao
dar a notícia para Elane e sua família de que havia sido escolhida para fazer parte do elenco
do programa, brinca com o comentário da participante a respeito da “química” necessária para
engatar um namoro: “valeu, Elane! Agora vamos ver que química que vai rolar entre você e
os outros participantes... parabéns!”. Embora, o VT tenha ressaltado o fato de que Elane não
possuía energia elétrica em casa, o apresentador lhe avisa de sua inclusão no programa por
meio de uma fita de vídeo que ela assiste em um aparelho de televisão ao lado de seus pais e
de seu irmão; ela chora após ter confirmada a sua participação e abraça seus familiares; seu
irmão, com entusiasmo, comemora: “cê passou, Elane!”. Em sua entrevista publicada pelo site
oficial do programa, Elane não esconde que tem acesso à televisão ou à internet; em suas idas
corriqueiras a Itanhém pôde acompanhar as duas primeiras versões de Big Brother Brasil.
Quem lhe avisou que haviam sido abertas as inscrições para a terceira edição do programa
foi seu irmão, que obteve essa informação ao navegar pela internet em um computador de
uma ONG da cidade.
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A cena escolhida pela equipe de BBB 3 para fechar o deo de apresentação da
personagem vai ao encontro de uma representação romântica da vida sertaneja. Elane se
despede, na porteira, de sua família e amigos da comunidade, com quem passou a maior parte
de sua vida; ela está caminhando na estrada de terra, enquanto puxa sua mala, quando sua
mãe lhe aconselha: toma juízo lá, tenha cuidado com a vida, viu?” (Programa de
apresentação BBB 3, 09/01/2003). A cena retrata a saída de casa da filha mais nova do casal;
a mãe lhe avisa que a partir daquele momento Elane terá que se portar como uma mulher e
não mais como uma menina, daí o “toma juízo”, e que não poderá mais agir de modo ingênuo
ou imaturo diante dos problemas da vida adulta. Ao deixar a casa de seus pais a personagem
está fazendo a passagem da adolescência para a maturidade.
No decorrer do programa, a personagem de Elane será profundamente marcada por
esse conflito entre a menina e a adulta. Por um lado, ela carrega alguns traços adolescentes: a
mania de cantar, de adentrar no espaço alheio por meio de intromissões nas conversas ou não
respeitando o momento de solidão de alguém; a descoberta do corpo, de sua beleza, das
primeiras paixões; o deslumbramento com a nova vida que o programa lhe proporciona. Por
outro lado, Elane se demonstra amadurecida pelas experiências que teve: apesar da pouca
idade, trabalha para ajudar aos pais; tem consciência da importância de continuar
estudando, daí sonhar com a faculdade; valoriza o dinheiro recebido pelo trabalho. Se Jean
priorizava as interações dentro da casa e as ações de Viviane voltavam-se para as câmeras,
Elane, por sua vez, parece lidar de forma regular com todos os enquadramentos que decorrem
da situação colocada por esse formato de reality show.
Ainda que a participante atue de maneira relativamente estável em todas as
ocasiões, observamos uma leve euforia em sua personalidade durante as conversas ao vivo
com o apresentador; Elane sempre faz questão de participar do bate-papo com Bial, mesmo
quando este não lhe dirigiu a palavra. Na maior parte das vezes, Bial não demonstra ter muita
paciência com o jeito intrometido e impertinente de Elane. Normalmente ele a escuta, força
uma pequena risadinha que é seguida por um “tá certo” ou um “é, né?”, e depois segue a
conversa com outro participante. Em um dos episódios que selecionamos, Bial comentava, em
tom de brincadeira, com os big-brothers que o confinamento deveria provocar uma regressão
mental, pois eles estavam se comportando cada vez mais como crianças. Sem ser chamada à
conversa, Elane tenta soltar um comentário “engraçadinho”: “só assim eu me sinto em casa,
com um monte de criança. Eu cuidava de um monte!” (BBB 3, 04/02/2003). O apresentador,
diante da fala deslocada da participante, apenas sorri e sem muito ânimo diz “é, né?”; logo em
seguida se dirige a outro participante da casa. Todavia, nem sempre Pedro Bial se
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demonstra tão claramente impaciente com as interrupções da personagem. Na conversa em
que Bial comentava sobre a dança sedutora que Viviane havia feito para Jean, Elane, que não
tinha por que participar da conversa, grita, fora do enquadramento da câmera: “tava escuro,
ele [Jean] disse!”. O apresentador, esforçando-se para ser simpático, não deixa que o
intromissão de Elane seja completamente despercebida, meio rindo, “essa resposta é boa, essa
eu já conheço”; contudo, segue se reportando a Jean e a Viviane.
Nos momentos em que Bial se volta diretamente a Elane, ele tende a reforçar sua
imagem de menina; ora aparece lhe dando conselhos, demonstrando-se preocupado com ela;
ora lhe explica as coisas de modo claro e com uma entonação marcada como se ela fosse uma
criança. Na votação do domingo, dia 16 de fevereiro, antes de Bial chamar o próximo
participante que deveria entrar no confessionário, Elane aproveita o momento e pergunta ao
apresentador, “Bial, tem notícias prá mim?”; já prevendo que informação a participante queria
ouvir, ele lhe responde, obviamente fingindo repreender a jovem: “olha, eu resolvi parar de
dar notícias para você, porque você fica com esse papo de quem me substituiu e tal. vou
dando notícias demais... e não pode! Regra de ouro desse programa. Acabou essa moleza!”
(BBB 3, 16/02/2003). Elane, embarcando na brincadeira proposta pelo apresentador, força
uma voz de menina e alega ingenuamente que não havia aprendido essa regra, mas agora que
ele lhe havia avisado, ela passaria a respeitá-la. Em uma das inserções ao vivo do episódio
exibido no dia 20 de fevereiro, Bial demonstra-se preocupado com a postura de Elane nos
exercícios que ela estava fazendo na academia da casa; ele lhe avisa que ela estava “malhando
errado” e pede para Alan, o mais experiente na prática da musculação, para que a assista em
suas atividades físicas.
A princípio pode parecer que esse jeito de Elane de sempre querer participar da
conversa seja um comportamento catalisado pelas transmissões diretas, no entanto, é possível
perceber em suas ações cotidianas dentro da casa esta faceta impertinente da personagem, que
invade o espaço do outro. Quando Alan deixa a casa em um paredão recorde, com dezenove
milhões de votos, a última “espiadinha” daquele episódio mostra a reação dos participantes
que restavam na casa; todos absortos com o brado com o que a platéia recebia o mais recente
eliminado de BBB 3. Os big-brothers permanecem quietos e pensativos, uma vez que
acabaram de vivenciar o maior paredão de todas as versões brasileiras do programa; Jean
fuma calado um cigarro, seu olhar perdido indica que ele está tentando entender o que está
acontecendo; Elane está sentada a seu lado, não percebendo a concentração de Jean, pede que
ele confirme, “o Alan é um guerreiro, né?” (BBB 3, 25/02/2003), e ele só responde “né”.
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Esse desejo de Elane de sempre querer participar das conversas e das principais
situações na casa, não parece ser fruto de uma performance que se volta essencialmente para
as câmeras; temos a impressão de que este tipo de comportamento que a participante
apresenta sinaliza o final do período da adolescência pelo qual passa. Como uma adolescente,
Elane quer se fazer presente no mundo adulto, quer mostrar que já é uma mulher madura e
não mais uma menina. Este conflito da personagem é evidenciado em algumas atitudes de
Elane; mesmo quando o apresentador não a toma como uma menina, ao surpreender-se, por
exemplo, com o fato de sua cor preferida ser o preto, “puxa! Nunca conheci ninguém que
respondesse a essa pergunta com ‘preto’.” (BBB 3, 30/03/2003); a participante deixa
transparecer a sua imaturidade ao sugerir que Bial confirme a resposta com Viviane, “Eu
adoro preto. Pode perguntar para Vivi o tanto de roupa preta que eu tenho”.
A mania que Elane tem de cantar e dançar de modo espevitado pela casa também
pode ser justificada por sua porção mais infantil. Em diversos momentos, a participante pode
ser flagrada cantando alegremente para tentando animar seus colegas. Em uma “espiadinha”
exibida no dia 16 de janeiro, ainda na primeira semana, quando os participantes se
demonstravam preocupados com a chegada da primeira votação, Elane sugere que o assunto
seja encerrado e que eles cantem juntos uma música para descontrair o “clima da casa”. No
compacto intitulado pela equipe de produção como “Videokê BBB 3”, Elane é a personagem
central, aparecendo nas mais diversas situações. A participante canta no quarto, onde Jean
tenta ler; ele não reclama, apenas estala os dedos para marcar o ritmo de Elane. Harry é o que
se demonstra mais incomodado com a mania de cantar da personagem. Até sua melhor amiga,
Viviane, chega e lhe pedir: “consegue cantar no pensamento?(BBB 3, 25/02/2003). Assim
que o VT acaba, Bial entra ao vivo na sala comentando sobre o gosto especial por cantar que
os participantes apresentam e lamenta: “pena que nenhum de vocês saiba cantar” (BBB 3,
25/02/2003). No momento em que o apresentador faz sua pequena crítica, a câmera enquadra,
em plano fechado, o rosto de Elane que percebe a indireta de Bial, que ainda a alfineta,
dizendo que ela parece não ter concordado com sua opinião a respeito da falta de vocação
deles para serem cantores. Antes que ela possa se defender da crítica que Bial lhe havia feito,
Alan fala com o apresentador que acha que Elane canta bem; visivelmente lisonjeada, a
participante retribui o elogio: “e ele [Alan] também canta muito bem” (BBB 3, 25/02/2003
grifos nossos). O curioso é observar que Bial insiste em fazer com que Elane seja
desacreditada pelo público; pede a Alan que cante um pouco para ele e para os espectadores;
Alan obviamente sem graça apenas ri.
121
Talvez o ponto mais marcante na performance de Elane tenha sido a transformação
que sua personagem sofreu no decorrer do programa. Tanto a equipe de produção de BBB 3,
quanto os outros participantes se mostram surpresos com alguns traços que despontaram na
personalidade de Elane. Como vimos, de acordo com seu vídeo de apresentação, esperava-se
que a personagem fosse alguém humilde, recatada e que possuísse valores bem diferentes dos
que prevalecem no “mundo da cidade”. Contudo, Elane se revela no desenrolar dos dias de
confinamento ser uma menina que, apesar de ter sido criada na roça, almejava sair daquele
lugar. Ela queria estudar, fazer uma faculdade, ter acesso à televisão e ao consumo. A vaidade
de Elane ia de encontro a sua imagem construída no programa de apresentação; ela não
escondeu este seu lado dos responsáveis pela produção de BBB, ela fez questão de apontar
para sua “mesinha de centro com seus apetrechos”; foi a produção que não quis enxergar essa
faceta da personagem.
Bial chega a chamar a atenção do público e dos participantes para uma mudança
no modo como Elane se apresenta nos programas ao vivo; pergunta-lhe: “professora, o que
você fez nos cabelos?” (BBB 3, 04/02/2003). Ela agradece o elogio e responde que “foi
escovinha, me emprestaram o secador”, e ele completa sua observação, “pô, arrasando,
hein? Itanhém que se cuide, hein?”. O discurso da mudança da personagem de Elane
proferido pelo apresentador também é reproduzido por alguns dos participantes dentro da
casa; em uma conversa de Jean com Harry, aquele comenta como o comportamento de todos
os big-brothers havia mudado durante os dias de confinamento, ao se referir especificamente a
Elane, Jean diz que ela estava sendo acusada de ter “perdido a sua essência” (BBB 3,
11/03/2003) e de ter se tornado mais vaidosa.
Todavia, a própria identificação entre Elane e Viviane, notoriamente uma das
participantes mais vaidosas e consumistas de BBB 3, a “perua” da casa conforme explicita
Bial, põe abaixo essa idéia de que Elane havia “mudado” no decorrer do programa. A
suposta simplicidade da personagem havia sido pré-concebida pela equipe de produção; daí,
Bial haver dito, na noite em que as duas se enfrentavam no penúltimo paredão, de que a
amizade entre Elane e Viviane era “inesperada”. Embora não tenhamos observado uma
transformação significativa na personagem de Elane, não podemos deixar de notar que a
participante estava, de fato, deslumbrada por fazer parte de um programa televisivo. Em um
dos clipes exibidos no programa diário aparece uma cena de Elane cantando o verso de um
pagode que diz, “esqueço que sou pobre e me tornei atração do horário nobre” (BBB 3,
11/03/2003); em outro momento ela fala com Viviane, “imagina eu e o Dhomini, criado e
recriado na roça... quando eu sair daqui, o Brasil inteiro me conhece!” (BBB 3, 20/03/2003).
122
Conquanto a participante se demonstre vaidosa e orgulhosa por ter conseguido um
espaço no “horário nobre” da televisão, ela não deixa de lado suas origens, sua criação no
meio rural; é a partir deste lugar que estabelece laços identidários especiais com Dhomini.
Este era o único participante que conhecia realmente o ambiente em que Elane havia crescido.
A empatia entre as duas personagens pode ser observada desde os episódios iniciais do
programa; era com Dhomini que Elane podia dançar forró, cantar músicas sertanejas
completamente desconhecidas dos demais big-brothers e compartilhar um vocabulário
específico utilizado pelas pessoas do campo. É durante uma cena exibida no programa do dia
16 de janeiro, que Dhomini, durante uma dança de forró, apelida Elane de “Baiana”; a
participante não era tão espirituosa e desinibida quanto ele, mas gostava de sua companhia e
sempre ria das “gracinhas” que ele fazia. Quando Dhomini começa a namorar Sabrina, mesmo
estando compromissado com outra mulher fora da casa, Elane é única que o repreende
moralmente; ela deixa claro que não aprova o romance de Dhomini por achar que ele não
estaria agindo corretamente. Elane não o perdoa por haver traído sua namorada oficial; depois
que Sabrina já havia deixado o programa há algum tempo, Dhomini pergunta à baiana se ele é
um cara decente ou “esculhambado”, ela lhe responde com franqueza: “olhando você aqui
dentro, não acho que você seja um cara decente.” (BBB 3, 20/03/2003).
Assim, Elane indica que apesar de desejar viver em um lugar mais urbano, não
pretende abandonar por completo os valores que aprendeu durante sua criação na roça. As
semelhanças entre as duas personagens são ressaltadas pela produção do programa em um
compacto exibido próximo ao episódio final; o clipe se refere aos dois participantes como: “a
dupla sertaneja do programa, Dodô e a Professorinha” (BBB 3, 20/03/2003). Neste VT,
embalado por forrós de Elba Ramalho e Geraldo Azevedo, os dois big-brothers aparecem
sempre juntos, cantando, dançando e se abraçando; eles se definem como os “caipiras da
casa”. A seguir aparece Dhomini falando com Elane que eles são “mais parecidos do que
parece”, pois os dois foram “criados na roça, andando a prá tudo quanto é lado”; depois
aparecem trechos de conversas entre os dois que são praticamente inteligíveis para grande
parte da população brasileira; por fim, entra a fala de Dhomini, que anuncia a final do
programa: “é, Elane, nós dois vai dar certinho para ficar aqui por último. Eu faço o café, você
faz o almoço” (BBB 3, 20/03/2003). Este não parecia ser o desejo do participante, mas
também dos responsáveis pela direção do programa; naquele momento do jogo, em que havia
apenas quatro participantes, dedicar um compacto tão simpático a apenas dois deles poderia
ser uma influência decisiva na preferência popular.
123
Apesar de Elane se identificar em grande medida com Dhomini por compartilhar
um referencial de mundo, o rural, ela não se alinha a ele no decorrer do jogo, mas sim ao seu
oponente, Jean. Durante o confinamento, Elane desenvolve uma profunda admiração por Jean
que, muitas vezes, nos passa a impressão de ser mais do que um carinho especial, e sim um
amor platônico, típico da idade da participante. Algumas vezes é a própria Elane quem deixa
seu sentimento por Jean transparecer, por outras é a edição que procura tornar evidente esta
intimidade da personagem. Em nenhum momento Elane confessa para as câmeras ou mesmo
para sua melhor amiga, Viviane, que gosta de Jean, todavia suas atitudes parecem comprovar
essa suspeita da produção de BBB. O compacto veiculado no episódio do dia 09 de março que
retrata a relação entre os “três casais
5
do programa, Elane aparece como o “par” de Jean; a
edição indica que este “casal” vive a rotina de um relacionamento conjugal. O trecho do clipe
dedicado a Elane e Jean é embalado pela canção Cotidiano; enquanto a música serve de trilha
sonora, são mostradas cenas do casal que ilustram a letra composta por Chico Buarque; Elane
acorda Jean e lhe pergunta se havia tomado café da manhã, se não ela poderia fazê-lo;
depois aparece um take de Elane servindo o prato de Jean no almoço, ele olha atento a
quantidade de comida que ela coloca no prato e diz, “Elane, eu acho que bom prá mim.”
(BBB 3, 09/03/2003).
Neste mesmo episódio, depois que são exibidas cenas de Jean dançando forró com
Elane na festa da noite anterior, Bial pergunta à moça se Jean dançava bem. Embora as cenas
que havíamos assistido deixassem claro que o participante era um péssimo dançarino, sem
ritmo e desenvoltura, Elane responde afirmativamente à pergunta do apresentador. Bial não
consegue se conter com a tida deferência com que ela tratava seu big-brother predileto e
solta: “puxa! Mas você gosta dele mesmo!” (BBB 3, 09/03/2003). Este é um dos raros
momentos em que o apresentador do programa escancara à participante a forte desconfiança
da equipe de produção de que ela gostava de Jean de um jeito especial. Elane tenta consertar a
sua pequena gafe, explicando o porquê de considerar Jean um bom dançarino: “eu não disse
que ele sabe dançar, eu disse que ele dança legal, mas ele vai aprender melhor ainda”.
Ainda que a postura adotada pela participante no decorrer do programa possa ser
explicada, em parte, por sua admiração e carinho por Jean, indícios de que Elane agia
deliberadamente em função do jogo colocado pelo formato Big Brother Brasil. É no modo
5
Neste episódio havia seis participantes na casa, três homens e três mulheres. A equipe de produção de BBB
faz uma brincadeira a partir desse equilíbrio entre os gêneros dos big-brothers e forma três casais que
correspondem a cada uma das fases de um relacionamento afetivo: a paixão, Dhomini e Sabrina (a única dupla
que era, de fato, um casal); a rotina, Elane e Jean; e, a crise, Viviane e Harry.
124
como ela lida com as estratégias e alinhamentos assumidos pelos demais big-brothers que
encontramos a porção madura de sua personagem. Desde o início de BBB 3, Elane demonstra
não ter nenhuma dificuldade em compreender a dinâmica proposta pelo jogo; ela parece estar
consciente de que sua permanência na casa depende necessariamente da adoção de
determinados alinhamentos. Nas primeiras semanas do programa, a participante evita se
envolver nas grandes cenas que acontecem na casa, o que faz com que ela não receba até a
terceira semana do programa nenhum voto dos outros big-brothers. Nesta terceira semana, as
mulheres da casa resolvem articular a votação para se defenderem; Elane, embora não
estivesse ameaçada pelo grupo masculino, fecha seu voto em Marcelo, como havia sido
decidido em conjunto com as demais participantes. Mesmo não tendo assumido a frente dessa
estratégia de defesa do grupo feminino, Elane é a eleita por Bial para responder à pergunta
sobre a combinação prévia de voto das mulheres. Nesta ocasião, a participante tenta enganar
Bial e nega que o grupo feminino havia se articulado para aquela votação: “não. Acho que a
gente nem se articulou. Cada um já tinha um nome prá votar. E na hora que a gente
conversou, batia os pensamentos e acabou dando a mesma pessoa.” (BBB 3, 04/02/2003). O
apresentador, desconfiando da inocência das mulheres da casa alegada por Elane, em tom
irônico diz “puxa! Mas que coincidência!”, demonstrando discordar do depoimento dado pela
participante.
Elane é a primeira mulher a se alinhar ao grupo liderado por Jean que, por se
composto, até então, exclusivamente de participantes masculinos, havia sido apelidado pela
produção do programa como “Máfia de Cuecas”. No compacto da festa indiana, exibido no
episódio do dia 16 de fevereiro, Elane demonstra que estava a par das articulações de Jean.
Em uma conversa com Harry e Viviane na varanda, a baiana pergunta a sua melhor amiga se
esta havia ficado surpresa com a indicação de Jean, o líder da semana. A forma como Elane
aborda Viviane neste momento sugere que ela estava tentando alertar a amiga que alguns
participantes seguiam a uma estratégia de jogo e que, por isso, talvez fosse melhor que
Viviane também fizesse parte dessas articulações. Em outra cena, Elane comenta com Jean
que Sabrina havia se chateado com o fato do grupo ter parado de falar quando esta entrou no
lugar em que eles conversavam; isto comprova a lealdade de Elane a Jean - mais do que
compartilhar um mesmo objetivo com ele, ela agia em benefício do grupo. Na votação
daquele domingo do dia 16 de fevereiro, Elane seguiu a estratégia do grupo de formar o
primeiro “paredão de fortes”; como fez Emílio, Harry e Alan, a participante escolheu
Dhomini para enfrentar a negra Juliana que havia vencido dois paredões. Elane, de modo
bem similar ao de Jean, justifica seu voto pelo jogo.
125
A entrada de Elane no grupo “Máfia de Cuecas” pode ser explicada por dois
fatores principais: pelo sentimento especial que a participante dedicava a Jean e por seu medo
de sair da casa antes do que esperava. Elane estava ciente de que sua performance era
considerada “forte” pelos demais big-brothers e exatamente por isso estava ameaçada de
perder a disputa em um paredão contra outro jogador forte. Durante o programa, a
participante demonstra temer especialmente um confronto direto com Dhomini; toda vez que
alguém lhe sugere a conformação desse paredão, ela demonstra claramente não querer que
essa idéia seja posta em prática.
No dia seguinte em que Dhomini vence Juliana no paredão, conseguindo uma boa
aprovação do público, com 65% dos votos, ele ameaça se vingar de todos que haviam
conspirado contra sua permanência no programa e diz temer um confronto direto com
Elane, que aparenta ficar bastante preocupada com a promessa. Poucos dias depois, no
programa veiculado no dia 20 de fevereiro, Jean comenta com Elane que a única forma de
Dhomini não ganhar o prêmio final de BBB 3 é enfrentando-a no paredão; a participante se
recusa a escutar a estratégia que Jean começava a traçar e lhe pede para nem comentar esta
idéia com os demais componentes do grupo. Entretanto, Elane só consegue se ver livre de um
confronto direto com Dhomini naquele momento quando conquista, por sorte, a liderança da
semana. Elane lança mão do direito de escolher sozinha um dos nomes para compor o sexto
paredão do programa de modo a provar a sua lealdade ao grupo; assim, indica Alan, conforme
Jean lhe havia sugerido. Com esta atitude, Elane sela de uma vez por todas seu alinhamento a
Jean, que por um bom tempo evita a ida da participante à disputa popular.
Assim sendo, a indicação de Alan não se deu ao acaso, Elane a usou para adquirir
não só a confiança de Jean, mas também sua proteção; são a partir de ações como essa que a
maturidade da participante desponta em sua performance. É interessante observar como Elane
compreende a estratégia do paredão dos fortes, mesmo quando esta se volta contra sua
personagem. No programa do dia 25 de fevereiro, Emílio explicita a Elane a lógica que utiliza
para decidir em quem votar na semana; diz a ela que se acha um jogador fraco e por isso
prefere eliminar os fortes para que ele tenha mais chance de chegar à final. Assim assume
que, de acordo com essa lógica, Elane deveria ser a próxima a receber seu voto. Esta o escuta
tranqüilamente e não se altera com a notícia que poderia participar do próximo paredão. Na
parte final do programa, quando não muitas opções de voto, por duas vezes Jean, o
preferido de Elane, a indica para o paredão: a primeira vez para enfrentar Harry, o melhor
amigo de Jean dentro da casa; e a segunda a escolhe para disputar com ele mesmo o
antepenúltimo paredão de BBB 3. Em nenhum desses momentos, Elane se demonstrou triste
126
ou magoada com Jean. No programa especial “lavagem de roupa suja”, o apresentador lhe
pergunta se ela de fato não havia ficado magoada com Jean. Elane mantém sua postura e
reafirma que compreendia o jogo proposto pelo programa; ressalta que ela também havia
atuado como uma jogadora e diz saber que: “um dia eu ia ser a caça e no outro a caçadora”
(Lavagem de roupa suja, 06/04/2003).
Elane também não parece se importar com o jeito um pouco intempestivo de
Dhomini; ela entendia que o participante agia de modo grosseiro e agressivo quando se sentia
ameaçado pelo grupo. Em uma conversa com a amiga Viviane no quarto do líder, esta dizia
estar incomodada com o mau humor de Dhomini, demonstrando-se indiferente ao
comportamento deste apenas comenta: credo!... Nem ligo. Eu mantenho a mesma linha que
eu mantinha com ele antes. Conversa, converso. Se quiser responder, respondeu, se não quiser
responder...” (BBB 3, 09/03/2003). Viviane segue reclamando de Dhomini e sugere que ele
havia sido cínico ao se oferecer a fazer o café da manhã para ela. Elane discorda da opinião da
amiga e diz que ele sempre faz o café de todos os participantes e que por isso não veria
problemas em aceitar este favor.
O mau humor de Dhomini naquele momento era explicado pelo fato de que ele
enfrentaria sua namorada no próximo paredão. Elane, como líder da semana, havia exercido
um papel fundamental na conformação deste paredão, pois havia indicado o nome de Sabrina
alegando que esta não havia participado ainda de nenhum paredão e por isso deveria ser
testada. Embora a idéia de “emparedar o casal” fosse da autoria de Jean, Elane executa a
estratégia como se fosse sua. Como os demais participantes, há algum tempo Elane
demonstrava não aturar muito o namoro entre Dhomini e Sabrina; não era raro flagrá-la
afirmando que o modo como os dois se relacionavam, em especial a performance exagerada
de Dhomini, era “puro teatro”. No jantar de gala, subseqüente à indicação de Sabrina, Elane
aparece feliz, comemorando com Jean, Harry e Viviane a vitória da estratégia traçada pelo
grupo já há algum tempo; é ela quem propõe o brinde àquela semana que havia sido “tão
legal”. O brinde de Elane é uma das cenas mais marcantes do compacto que resumia os
melhores momentos da festa daquele sábado; após a sua exibição, Bial entra ao vivo para
conversar com os big-brothers. Provocador ele pergunta a Elane por que para ela a semana
havia sido tão boa. Meio sem jeito, a participante justifica sua opinião afirmando que havia
gostado daquela semana por causa das festas; não satisfeito com a resposta dada por ela,
emenda “virou líder você...” (BBB 3, 09/03/2003), insinuando que a liderança de Elane, além
de tê-la salvo de uma possível indicação, havia sido essencial para execução do objetivo
traçado pela maioria dos participantes que ainda restavam no jogo.
127
Embora o apresentador revele não ser muito simpático à performance de Elane, a
edição do programa continua representando a personagem a partir de sua faceta mais leve,
sublinhando sua origem humilde e seu jeito de menina que está deslumbrada por conhecer um
mundo que pouco lhe era tão distante. A forma como o compacto perfil de Elane
apresentado na semana final do programa, no dia 30 de março, é construído sugere que a
participante, talvez, seja a que mais precise ganhar o prêmio final de quinhentos mil reais. O
texto que Bial utiliza para anunciar a exibição de seu perfil já assinala essa construção
favorável à personagem de Elane: “agora chegou a hora da gente curtir aquele xodó do sul da
Bahia, do lugarejo de Lembrança, mais conhecido como Terra do Padre, no município de
Itanhém, vem os 18 anos de Elane.” (BBB 3, 30/03/2003). O uso das expressões “curtir” e
“xodó” confere à performance de Elane um tom leve e descontraído; a forma como
gradativamente é explicitado o lugar de origem da participante indica que ela veio de um
lugar pouco conhecido pela maioria do público. Como a própria havia dito algumas vezes
dentro da casa, ela morava “no interior do interior da Bahia”; ao chamar a atenção para a
pouca idade de Elane, o texto nos remete para a idéia de um amadurecimento precoce da
personagem, decorrente da vida difícil que levava antes de entrar no programa.
O vídeo começa com uma cena de Elane deitada, sozinha, em uma bóia na piscina,
olhando a chuva fina que caía na água e em seu corpo; como fundo musical para esta cena é
escolhida uma canção da dupla Sandy e Júnior, ídolos adolescentes da música pop nacional,
que começa com o seguinte verso: “eu ficava olhando as estrelas...”. A eleição desta trilha
sonora, que marca o início da montagem do compacto de Elane, não se ao acaso; a cantora
Sandy é sempre associada à imagem da adolescente romântica e ingênua. Ademais a letra
dessa canção fala da conquista de um amor verdadeiro, que aparece como o grande sonho da
personagem que a canta. O take seguinte mostra Elane confidenciando à sua amiga Viviane
que havia sonhado muito na adolescência, mas a realidade em que vivia impedia que ela
pudesse realizar esse sonho; daí, entra outra cena que nos revela o grande desejo da
personagem, fazer uma faculdade; aparece Bial lhe comunicando, através da tela da sala, que
uma faculdade havia lhe oferecido uma bolsa de estudos. Neste momento a música de Sandy e
Júnior entra no áudio, “as estrelas e a lua fizeram meu pedido realizar”. Essa seqüência
evidencia que o maior sonho de Elane era continuar estudando o que não era possível por
causa da falta de recursos financeiros de seus pais. O seu desejo, da forma como foi colocado
pela edição do compacto, possuía uma natureza mais nobre do que os sonhos consumistas de
sua amiga Viviane, que nesse episódio era sua concorrente de paredão.
128
O perfil de Elane também frisa a relação que a participante estabelece com o
dinheiro e os prêmios oferecido pelo programa. Como trilha sonora para anunciar essa faceta
da performance de Elane, é escolhido um samba interpretado por Beth Carvalho que diz
“sonhando eu sou feliz”; enquanto a música toca aparecem cenas da participante pulando,
sorrindo e dançando. Logo depois ela aparece conversando com Viviane, quando tinha
certeza de que levaria pelo menos o prêmio do terceiro lugar: “imagina se um dia eu ia sonhar
comigo ganhando vinte mil!... Uma coisa mais simples... uma geladeira novinha, quatro mil,
uma televisão na minha casa... energia!” (BBB 3, 30/03/2003). Daí, corta-se para o take que
mostra Elane comemorando emocionada o carro que ganhou no programa; em seguida,
aparece trecho de uma conversa entre ela e Viviane, esta estava lhe dizendo que achava que
prêmio em dinheiro oferecido pelo programa não era tão alto se comparado com as
dificuldades que eles enfrentavam no confinamento. Elane, assustada com a opinião da amiga,
confirma: “você acha quinhentos mil pouco?!”. Na cena subseqüente ela revela o salário que
recebe por seu trabalho em sua terra natal, “um professor em Itanhém ganha duzentos e
cinqüenta reais, trabalhando um mês inteiro”.
Depois é evidenciado o modo pelo qual Elane encara o confinamento; para ela,
ficar em uma casa luxuosa não é um sacrifício. Ela constata com Dhomini que “não tem nada
o que reclamar aqui dentro!” (BBB 3, 30/03/2003). A partir daí são inseridos vários takes que
mostram a participante se divertindo na casa: tomando sol na piscina, brincando na cama
elástica em uma das festas, se produzindo para as inserções ao vivo, dançando forró com
Dhomini. Por fim, o compacto ressalta o otimismo e a maturidade com que Elane encara o
jogo proposto pelo programa; mais do que conformada com sua primeira ida ao paredão, ela
comemora que por causa disto sua mãe vai poder andar, pela primeira vez, de avião. É
interessante perceber que não foram selecionadas para fazer parte desse clipe de Elane
nenhuma cena em que a participante aparece confabulando sobre o jogo ou que demonstre seu
receio de estar em um paredão, como verificamos em um determinado momento do programa;
este lado da personagem que não seria bem visto pelo público é descartado pela equipe de
produção.
Se encontramos alguns indícios que a construção da personagem de Elane era
favorecida pelos responsáveis pela produção de BBB 3, como explicar então que a
participante não haja sido consagrada pelo público como a grande vencedora do programa?
Por mais que a edição privilegiasse, nos deos especialmente dedicados à participante, a
origem humilde de Elane, não foi possível esconder completamente dos espectadores a
vaidade e o posicionamento apresentados por ela no desenrolar do programa. A própria Elane,
129
por muitas vezes, lançou mão do discurso da menina pobre, que não tem recursos para seguir
seus estudos e que por isso não pode tornar sua vida melhor, em benefício de sua
performance, mas parecia esquecer-se de que o público acompanhava seu comportamento no
cotidiano da casa. A fachada humilde de Elane não foi convincente suficiente para assegurar o
apelo da personagem junto aos espectadores; de fato, ela não havia conquistado em nenhum
momento a preferência popular. Em uma consulta aos índices de popularidade dos
participantes de BBB 3, decorrentes de votações na internet, verificamos na última semana do
programa apenas 29% - contra os 62% de Dhomini - dos internautas consideravam Elane a
personagem mais simpática.
A pergunta que uma espectadora lhe fez no programa especial “lavagem de roupa
suja” corrobora com essa leitura que fizemos de sua performance: “Elane, eu queria saber se
você acha que você tivesse mantido uma postura mais humilde, mais ligada às suas origens,
você teria tido mais chances de ganhar o programa?” (Lavagem de roupa suja, 06/04/2003).
Elane lhe responde que se ela houvesse agido de outra forma, ela não estaria sendo sincera em
sua performance, pois ela havia tido acesso a uma série de coisas da vida urbana e não seria
possível não deixar que esse conhecimento viesse à tona:
que o Brasil fez uma imagem de que eu era uma menina da roça de que
eu ao conhecia música, de que eu não conhecia luz elétrica, de que eu não
conhecia filme, de que eu não conhecia nada. Mas, não era bem assim
porque eu estudei em Itanhém e tive de chance de absorver as coisas que
ouvi, que eu assisti, de tudo isso. [...] Cresci na zona rural sim, mas tive a
chance de estudar em Itanhém e de aprender tudo isso que eu tive acesso.
(Lavagem de roupa suja, 06/04/2003).
Ora, “o Brasil” formulou essa imagem da participante a partir exatamente das
representações de Elane que eram construídas pela edição do programa, procurando
evidenciar algumas características da personagem ao passo que tentava sublimar outros traços
de sua personalidade. A equipe de produção não considerou que a participante pudesse
contradizer o papel que lhe era conferido e nem que o público não fosse capaz de perceber o
embate entre a performance de Elane e a personagem idealmente representada pelos vídeos
perfil. O curioso foi verificar como o público havia apreendido a aparente transformação da
personagem; a mesma espectadora pergunta a Elane se ela não achava que sua “postura não
tinha mudado durante o programa”. Ela lhe responde que não havia adquirido novos hábitos
no decorrer de sua estadia na casa, mas apenas havia intensificado alguns costumes que
lhes eram próprios, como, por exemplo, se maquiar. Elane diz que sempre foi vaidosa, que
gostava “de se cuidar” e que fazia isso quando saía para passear na cidade de Itanhém. No
130
programa, ela passou a arrumar o cabelo e usar maquiagem diariamente porque sabia que
estava aparecendo na televisão. Sua resposta indica que talvez, para Elane, participar do
programa já era em si uma grande recompensa; receber o prêmio de quinhentos mil reais seria
apenas uma bonificação da realização de um sonho, o de fazer parte de um novo mundo.
6.6 – DHOMINI, “O REI DO AO VIVO”
Em seu vídeo de apresentação, Dhomini deixa explícito qual era a principal
razão que o motivava a participar de um programa como Big Brother Brasil: levar o prêmio
em dinheiro concedido ao vencedor do jogo. O clipe começa com um plano aberto de
Dhomini de terno e gravata descendo a rampa do Planalto; sucessivos cortes na seqüência
fecham o plano até enquadrar o rosto do participante em close up. Enquanto desce a rampa de
frente para a câmera, se apresenta para os espectadores: “meu nome é Dhomini. Eu tenho 30
anos, trabalho aqui em Brasília, como secretário parlamentar, mas a minha casa é em
Goiânia.” (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003). A partir disso, abandona-se o
cenário de Brasília para ambientar o vídeo na casa dos pais de Dhomini, uma chácara em
Goiânia. Entra cena de Dhomini e seu pai montando em cavalos; como trilha sonora é
escolhida uma música instrumental sertaneja, em que a viola sobressai aos demais
instrumentos. Na medida em que segue em sua apresentação, “aqui é a chácara onde eu moro
desde os 9 anos de idade, quando nós viemos de Minas, nós viemos prá cá.” (Programa de
apresentação BBB 3, 09/01/2003), aparecem rápidos takes que ilustram a vida que Dhomini
leva desde pequeno na casa de seus pais. O participante demonstra ter grande prática em
ordenhar vaca, sem prestar muita atenção no que faz, enche um balde de leite; depois
aparecem sua mãe e irmã preparando o café da tarde na cozinha; plano fechado mostra
imagem de Jesus Cristo que fica pregada na parede da sala de jantar.
Neste segundo depoimento, o participante demonstra estar mais à vontade, trocou
o terno pela camiseta de malha, o sotaque típico de quem foi criado no interior do país é mais
acentuado. Aqui, Dhomini também nos uma importante informação sobre sua personagem:
embora more em uma chácara próxima à zona urbana de Goiânia, ele é mineiro. Veremos que
por muitas vezes no decorrer de sua estadia na casa, Dhomini lançará mão do estereótipo do
“mineirinho esperto” para fortalecer o carisma de sua personagem junto ao público. As
imagens que ilustram o depoimento do participante corroboram ainda mais com a idéia de
131
simplicidade que Dhomini pretende passar pelo modo como fala; a roça particular de
Dhomini, da forma como é representada no compacto, não se diferencia muito da roça de
Elane. São as mulheres da família que trabalham em uma cozinha simples, a mãe de Elane
descascava legumes e a de Dhomini aparece “passando o café”; a figura de Jesus Cristo que
indica que a família do participante preza alguns preceitos morais da religião católica -
lembremos que Elane não aprova o romance de Dhomini com Sabrina exatamente por achar
que aquele deveria manter uma postura condizente ao meio em que havia sido criado. Por
mais que a chácara de Dhomini apresente elementos comuns à comunidade rural de Elane,
estes dois ambientes não podem ser tomados como se fossem muito semelhantes; ora, a
referência urbana de Elane era Itanhém, uma pequena cidade do sul da Bahia, a família de
Dhomini morava na capital do estado goiano e ele próprio trabalhava em um dos maiores
centros urbanos do país, Brasília. Dessa forma, a personagem de Dhomini e o ambiente rural
em que foi criado não são dotados da mesma aura idílica como acontece no vídeo de
apresentação de Elane.
Apresentados os ambientes de trabalho e moradia do participante, conhecemos
agora sua família. Dhomini e sua filha estão sentados em balanços pendurados nos galhos de
uma árvore: “e eu cresci aqui, eu vim prá cá mais ou menos do tamanho da minha filhinha”. A
seguir conhecemos o pai do participante, quem descreve melhor a personalidade de Dhomini.
A câmera enquadra o pai do participante de baixo para cima, em contra-plongé, ele está
montado em um cavalo, ao fundo vemos o azul claro do céu, Dhomini está em pé ao seu lado;
demonstrando ser um homem simplório, com a voz embargada, fala de seu filho: “ele
nunca me deu trabalho, nunca pediu prá eu pagar uma conta dele, nunca ninguém veio cobrar
trem dele. [Corte] Mas o gênio dele é mais ou menos igual ao meu; nós deixa encostar, mas
não deixa montar não.” (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003). O pai de Dhomini,
emocionado, mal consegue terminar o depoimento, ao final de sua fala, abraça o filho, que
também estava chorando. Este trecho da entrevista realizada com o pai do participante reforça
a idéia de que o participante, apesar de simples e de ser criado na roça, não é ingênuo e nem
tolo, pois “não deixa montar não”. O choro e o abraço entre Dhomini e seu pai apontam ainda
para o fato de que a personagem gosta do carinho e amor de seus familiares, ela demonstra ter
uma admiração especial por seu pai.
Logo depois disso, a câmera solta, isto é sem estar fixada por um tripé, pega
Dhomini meditando em um círculo de madeira; a personagem trocou de roupa mais uma vez,
e agora usa uma camiseta preta em que se pode ler com clareza a palavra “amor”; ao fundo,
como áudio, entra uma trilha transcendental, lembrando Kitaro, que ajuda a transmitir o clima
132
de paz e tranqüilidade existentes em uma meditação. A música abaixa e começa o depoimento
ainda em off do amigo e guia espiritual da seita denominada “Esfera” que Dhomini freqüenta.
O guru, que é chamado pelo nome de Isto, nos explica, em linha bem gerais, o que o
participante está fazendo: “esse local, aqui, chamado de Esfera, que ele colocando... é o
local onde as pessoas se encontram para serem elas mesmas.” (Programa de apresentação
BBB 3, 09/01/2003). Enquanto ele tenta explicar para que serve a esfera, aparecem takes de
Dhomini cumprindo um ritual de meditação. No final dessa seqüência, entra uma cena de
Dhomini meditando com os olhos fechados e os braços para o alto; em off, escutamos seu
depoimento a respeito da importância da Esfera em sua vida: “geralmente entro aqui quando
eu mordendo alguém, eu saio mais tranqüilo, saio mais natural”. Por mais que nos
pareça, no mínimo, curiosa a seita que a personagem freqüenta, ela é responsável por manter
seu equilíbrio emocional, ademais Dhomini demonstra ser capaz de ter muita fé na Esfera. No
decorrer de nossa análise acerca do comportamento do participante dentro do programa,
veremos que a Esfera cumprirá uma dupla função em sua performance: por um lado, ela
justifica o porquê de Dhomini ser capaz de controlar tão bem sua auto-encenação, mesmo nos
momentos limites que enfrenta no decorrer do jogo; por outro, confere à personagem um tom
folclórico, que desperta a curiosidade de parte dos espectadores.
Na entrevista que concedeu à produção de BBB 3 antes de ser selecionado
definitivamente para participar do programa, esta lhe pergunta quais serão, para ele, as
dificuldades decorrentes do confinamento; deixando transparecer sua presença de espírito,
responde meio ironicamente: “da forma que eu cresci, como eu fui criado, eu fico olhando
aquilo lá... aquilo lá, para mim, é um resort, cara!” (Programa de apresentação BBB 3,
09/01/2003). Para se referir mais uma vez à sua aparente origem humilde, Dhomini carrega
em seu sotaque interiorano o que será uma prática comum na performance da personagem,
principalmente durante as transmissões diretas. O apresentador lança mão da última fala de
Dhomini para lhe dizer, via fita VHS, que ele foi escolhido para compor o elenco do
programa: “Então tá, Dhomini, então vem prá cá, para essa moleza toda que você está
esperando, para nosso resort. Bem-vindo!” (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003
grifos feitos a partir da ênfase dada pela próprio apresentador no decorrer de sua fala). Ao
enfatizar a expressão “moleza toda”, Bial indica que permanecer confinado em uma casa não
vai ser tão fácil quanto se imagina. O participante recebe a notícia em meio a seus familiares,
ele está deitado no colo de sua namorada, Manoela, que não apareceu no vídeo de
apresentação, mas que no decorrer da estadia de Dhomini na casa vai cumprir um importante
papel na manutenção da fachada de sua personagem. Ao saber que será um big-brother,
133
Dhomini ri meio histericamente e abraça seus familiares; ao perceber que parte deles está
chorando, com um jeito meio bobo pergunta: o quê que ocês tão chorando? Cês tão com
saudade de mim?”.
O esquete termina com, talvez, a melhor cena da personagem naquele momento;
de terno e gravata, segurando uma pasta de executivo, ao fundo está a rampa do Planalto,
Dhomini força o sotaque e faz sua promessa para o público do programa: pode não ser fácil,
mas eu não tô indo prá poder aparecer na televisão não. Eu tô indo lá é prá trazer 500 mil reais
prá casa.” (Programa de apresentação BBB 3, 09/01/2003). Com essa fala, o participante
expressa para a produção do programa e para os espectadores qual é o seu real objetivo em
participar de BBB 3: sair como vencedor. A cidade de Brasília e o terno e a gravata não estão
ali por acaso, indicam que para conseguir seu objetivo o participante trabalhará como um
político, se utilizará de artimanhas e do poder de convencer as pessoas para se manter no
programa. Lembremos também que o bom político controla bem sua performance, quando se
envolvido em escândalos e gafes é capaz de reverter a situação a ponto de favorecer a
encenação de seu papel.
Ainda que Dhomini fale em seu último depoimento que não está no programa para
aparecer na televisão, mas para sair como vencedor, ele tem consciência de que para atingir
seu objetivo terá que aparecer o máximo possível a fim de conquistar a simpatia popular.
Dessa forma, a personagem buscará sempre se manter no centro das ações e situações
ocorridas na casa; Dhomini tentará se sair bem nos três tipos de enquadramento de interações
que identificamos em neste trabalho. No cotidiano da casa sua personagem cumpre um papel
polêmico; o participante se envolve em discussões, disputas internas pelo comando dos
demais participantes e até mesmo em um romance. Nos momentos ao vivo, tanto nas
conversas com o apresentador, quanto no confessionário, firma sua performance pelo modo
espirituoso com que responde a algumas perguntas capciosas feitas pelo apresentador e por
suas declarações aparentemente ingênuas, mas que abarcam sempre um duplo sentido; daí,
Bial ter lhe dado a alcunha de “rei do ao vivo”. Dhomini sabe que para ser chamado mais a
vezes a falar nas conversas ao vivo, é preciso protagonizar os grandes momentos os tempos
fortes – do dia-a-dia monótono do confinamento na casa.
uma característica da personagem de Dhomini que não transparece no
compacto exibido no programa de apresentação, mas que se torna evidente no decorrer de sua
participação no programa: o seu gosto especial por mulheres. Ao contrário de Paulo que
procurava seduzir as participantes femininas com olhares e poses, Dhomini busca conquistá-
las por meio de gracejos e comentários divertidos e pelo seu jeito carente; encarna o tipo do
134
“malandro”, que apesar de não possuir uma beleza física notória consegue convencê-las a
ficar com ele pela conversa. Nos primeiros episódios que observamos, o participante sempre
aparece em meio à companhia feminina, brinca com as mulheres da casa como se as
conhecesse algum tempo; o curioso é perceber como que estas não se incomodam com o
papel de carente que Dhomini encena. Em um dos VT’s exibidos no programa do dia 16 de
janeiro, Dhomini pede a Jean que o ensine a fazer massagem nos pés das participantes;
Viviane comenta que fica “doida com massagem no pé”, e Dhomini emenda: “Pois é,
vendo? É por isso que eu quero aprender; a gente vive em função delas.” (BBB 3,
16/01/2003). Enquanto massageia os pés de algumas das mulheres da casa, Dhomini fica
fazendo caretas e piadinhas que as fazem rirem, com isso o participante domina uma das
principais cenas que apareceu nesse episódio.
Na conversa ao vivo com o apresentador deste mesmo episódio, o participante
também consegue fazer com que sua atuação receba um destaque maior do que a dos outros
treze big-brothers que até então estavam na casa. Ele havia se maquiado para aparecer na
transmissão direta, tal e qual havia feito as demais mulheres presentes no programa; Bial não
deixa que a ação da personagem passe despercebida, “oh, Dhomini, ficou boa essa
maquiagem, né?(BBB 3, 16/01/2003), e este, mais uma vez forçando seu sotaque e o tipo
simplório, diz que foram as mulheres que quiseram maquiá-lo que por isso não havia como
negar o pedido. Vale dizer que nesta aparição de Bial na sala da casa, Dhomini foi o único
participante com que o apresentador conversou; o que comprova que nos episódios iniciais
de BBB 3, a personagem conseguia que sua performance prevalecesse não nos compactos
exibidos, mas também nas interações estabelecidas com Bial.
No programa seguinte que selecionamos em nosso recorte, o do dia 21 de janeiro,
Dhomini continua aplicando a sua estratégia de chamar a atenção dos responsáveis pela
produção de BBB para sua performance. Assim, ele segue encarnando o papel do homem
criado na roça e que embora se esforce bastante, não consegue se dar bem com as mulheres.
No resumo do dia anterior, mostra uma seqüência do participante implorando para que uma
das mulheres da casa lhe abrace. Depois, no compacto que evidencia a beleza das
participantes femininas de BBB 3, Dhomini, ao lado de Paulo, é um dos homens que também
mais aparece nos takes. Ainda nesse episódio, também é apresentado um clipe mais lúdico
que retrata a espiritualidade dos big-brothers. Neste clipe a edição frisa especialmente a
crença de Dhomini na seita Esfera e algumas teorias, que beiram o absurdo, as quais ele
defende. Um dos participantes lhe pergunta se ele acredita em Jesus Cristo, ele responde que
sim, mas não crê na história de Jesus tal e qual a Bíblia conta; para ele, Cristo não foi
135
crucificado, fugiu com Madalena para a Índia, graças à ajuda de Judas. Em outra cena,
Dhomini aparece falando que o planeta Júpiter é habitado por seres que possuem uma língua
bipartida que lhes permitem falar e escutar dois idiomas ao mesmo tempo. Portanto, nos
programas iniciais a personagem de Dhomini assumia a frente de parte das situações que
aconteciam na casa; a forma como Bial se reporta ao participante durante as primeiras
conversas ao vivo indica a ele e aos demais jogadores que sua performance estava sendo
sublinhada nos esquetes editados; daí, Jean e seu grupo começarem a suspeitar de que
Dhomini era um jogador “forte”.
No episódio veiculado no dia 02 de fevereiro, domingo, Dhomini havia sido
indicado pela der da semana, Andréa, para participar de seu primeiro paredão. Dias antes,
houve um grande desentendimento entre os dois participantes e desde então Andréa passou a
não tolerar mais Dhomini que, a seu ver, agia de modo falso e cínico dentro da casa. Na
véspera do paredão da semana anterior, Dhomini havia procurado Andréa para saber em quem
ela votaria, e por meias palavras tentou avisá-la de que ela deveria receber a maior parte dos
votos do confessionário; Andréa não lhe diz em quem ela estava pensando em votar e, de
modo pouco explícito, ele lhe fala que não queria votar nela. Ao dizer que não “queria” votar
em Andréa, Dhomini, de fato, não havia lhe prometido que não indicaria seu nome no
confessionário, contudo o modo como a conversa foi conduzida fez com que a participante
entendesse que ele não votaria nela sob nenhuma circunstância. Ao fim daquele domingo, dia
26 de janeiro, Andréa é indicada pela grande maioria dos participantes a disputar o segundo
paredão do programa ao lado da miss Joseane. É que ela descobre que Dhomini havia sido
uma das pessoas que votara nela no confessionário; ela o chama para uma conversa franca, na
sala da casa, diante de todos os outros participantes. Nesta conversa Dhomini nega a Andréa
que havia lhe prometido não votar nela e argumenta que apenas havia lhe dito que não
gostaria de fazer isso. Inconformada com a atitude de Dhomini, Andréa rompe totalmente
com o participante; assim, ela é a primeira pessoa da casa que questiona o comportamento de
Dhomini dentro do jogo. Logo, Dhomini não se surpreende quando Andréa o indica para o
paredão daquela terceira semana.
Nesta ocasião Dhomini deliberadamente joga tanto com o grupo masculino, quanto
com o grupo feminino, o que mostra que Andréa não estava tão equivocada em suas
acusações. O episódio do dia 02 de fevereiro começa com uma recapitulação dos momentos
subseqüentes à indicação de Andréa. Dhomini se reúne com os homens e avisa que Andréa é
perigosa e “vai mastigar um por um dos homens” (BBB 3, 02/02/2003) e que o grupo
masculino precisa se organizar para se defender. Ainda naquela noite, Emílio lhe avisa, então,
136
que eles resolveram fechar o voto em Juliana por acharem que Dhomini era um dos poucos
big-brothers capaz de eliminá-la no paredão. Dhomini percebe que a estratégia adotada pelo
grupo, na verdade, não lhe protegia, mas o ameaçava. A partir daí, ele convence Sabrina, de
quem estava muito próximo, de que as mulheres deveriam combinar o voto delas em um
único homem.
No compacto sobre a prova da comida, que havia acontecido na tarde do domingo,
horas antes da votação do confessionário, Dhomini, demonstrando uma grande habilidade de
fazer política, aparece agindo de modo a enfraquecer as articulações feitas pelos homens na
noite anterior, ao mesmo tempo em que procura incentivar uma maior organização do grupo
feminino. Seguindo as orientações dadas por Dhomini na festa da noite anterior, Sabrina
reúne todas as mulheres em um quarto que juntas decidem votar, no confessionário, em
Marcelo. Assim que as mulheres tomam essa decisão, Sabrina conta a Dhomini o nome que
elas escolheram para enfrentá-lo no paredão da próxima terça-feira; ao receber esta
informação, ele segura na mão da moça e começa a falar uma determinada seqüência
numérica, prática que aprendeu na Esfera. Todavia a personagem tinha consciência de que
apenas articular o grupo feminino não era suficiente para salvá-la de um confronto direto com
uma participante popular como Juliana; era preciso também desestabilizar a coesão do grupo
masculino, liderado por Jean. Dhomini comenta com Alan, que naquele momento
demonstrava não confiar muito em Jean, que o votaria em Juliana por achar que ela não
merecia participar de mais um paredão. Alan concorda com Dhomini e diz que também não
consegue votar na amiga e por isso decidiu votar por conta própria; neste instante, Emílio
entra no quarto no qual os dois conversavam e lhes comunica que também não iria mais votar
com o grupo. Assim, Dhomini, com muita malícia, consegue seu objetivo naquele momento
crucial do jogo: evitar o confronto com um participante popular no paredão.
Talvez esta tenha sido a maior articulação feita pelo participante durante todo o
período que permaneceu no programa; é interessante perceber como Dhomini consegue fazer
com que as ações tomadas pelos participantes da casa lhe beneficiem sem deixar que isto se
torne evidente para o público. As estratégias de Jean eram escancaradas para os espectadores
e para os big-brothers e, talvez, por isso ele tenha sido tão rejeitado pela audiência do
programa, as ações de Dhomini, que se voltavam para o jogo, passam quase despercebidas
por grande parte do público. Contudo, Bial não é facilmente despistado por Dhomini; quando
o apresentador lhe pede, no confessionário, para dizer seu voto e sua justificativa e o
participante espertamente fala que votou em Marcelo porque o apresentador havia falado
brincando que aquele era seu rival na disputa pelo amor de Sabrina. Bial não aceita a
137
justificativa dada pelo participante, “deixa de ser inteligente! Volta aqui e dá uma justificativa
direito.” (BBB 3, 02/02/2003). Dhomini, que estava quase deixando o confessionário, é
obrigado a sentar novamente na poltrona para dizer que havia escolhido Marcelo por critério
de convivência e porque não conseguia votar em nenhuma das mulheres que não estavam
imunizadas naquela ocasião. Embora ainda não fosse totalmente sincera essa segunda
justificativa apresentada por Dhomini, uma vez que ele não explicita que estava tentando se
defender do jogo, Bial a aceitou sem demais repreensões.
Após ter obtido êxito em suas articulações, Dhomini aparenta estar pouco
preocupado com a decisão do paredão do dia 04 de fevereiro. O participante age como se
tivesse certeza de que sua performance apresentava maior apelo ao público do que a de seu
concorrente, Marcelo. Minutos antes do episódio daquela terça-feira entrar no ar, Dhomini
estava deitado no gazebo, com uma expressão tranqüila e descontraída, enquanto Marcelo
caminhava de um lado para o outro no jardim da casa, com a cabeça baixa e a testa retesada.
Um dos compactos exibidos neste dia mostra uma cena em que Emílio pergunta a Marcelo se
este estava nervoso com a decisão do paredão, Marcelo lhe responde que não era fácil
disputar a preferência popular; daí, Emílio lhe fala que havia feito a mesma pergunta para
Dhomini e este havia dito que não estava ansioso com resultado do paredão. Isto comprova
que de alguma forma Dhomini tinha consciência de que sua performance era mais bem
sucedida do que a de Marcelo.
Os clipes que retratam os perfis dos dois participantes que conformavam o terceiro
paredão de BBB 3 ratificam a suposição de Dhomini; o apresentador e a equipe de edição se
reportam à personagem de Dhomini de modo mais leve e atraente do que fazem com relação à
de Marcelo. O primeiro compacto a ser exibido é o do mineiro, quase goiano, Dhomini que,
segundo Bial, possui um “sorriso cativante e a malandragem” (BBB 3, 04/02/2003). O
esquete começa mostrando o amor platônico do participante pela bela Sabrina; ele tenta
conquistá-la por meio de um romantismo infantil: colhe flores do jardim para ela, através de
gestos sugere que ela o acertou no coração. Depois se remonta à experiência espiritual de
Dhomini na seita Esfera; ele aparece meditando sozinho no gazebo; explica o rito da repetição
de algumas seqüências numéricas. Em uma conversa com Harry na piscina explica um dos
dogmas centrais da Esfera: “as formas de você fingir ser alguma coisa são limitadas. Quando
elas acabar [sic], ocê oh... [faz gesto com as mãos que significa ‘está ferrado!’] E as formas de
ocê ser ocê mesmo são infinitas; elas não acabam nunca.” (BBB 3, 04/02/2003). Aqui
Dhomini retoma o que seu guia Isto já havia afirmado no vídeo de apresentação: a seita prega
que as pessoas devem agir de modo sincero; ao reafirmar esta premissa da Esfera a
138
personagem sugere que sua atuação no programa é sempre verdadeira. Em seguida aparece o
lado “malandro” de Dhomini que desponta na forma como ele trata as mulheres da casa; ele
as abraça, cheira seus pescoços, fala que queria ficar na casa com elas. A malandragem de
Dhomini também está implícita no modo como ele lida com sua namorada que está fora do
programa, Manoela. Embora ele tente seduzir as participantes do programa, em especial,
Sabrina, Dhomini continua afirmando que Manoela é sua cúmplice em tudo o que ele faz:
“esse sonho meu é também um sonho dela” (BBB 3, 04/02/2003). Por fim, o VT retrata o que
seria sua porção mais “cativante”: o seu sorriso, o bom humor, a mania de brincar com todos
os participantes.
O perfil de Dhomini termina e Bial entra em cena para anunciar o clipe sobre
Marcelo; sorridente o apresentador diz, “eis o jeitão inconfundível de Dhomini!”. Para
anunciar o resumo da personagem de Marcelo, Bial não se mostra tão empolgado, fala
apenas que vamos “curtir o estilo do gato catarina”. Este participante é representado
essencialmente como um menino que ainda não sabe o que fazer em sua vida; aparecem cenas
dele falando as várias profissões que já tentou ser: dono de bar, DJ, modelo, chefe de cozinha.
A edição também tenta conferir à personagem um tom simpático; entram takes dele fazendo
caretas, penteando seus cabelos de várias maneiras, suas risadas escandalosas; mostra que ele,
assim como seu rival de paredão, gosta de meditar. Embora o esquete evidencie que Marcelo
é uma pessoa carinhosa que trata bem as mulheres da casa, ele não se relaciona com estas da
mesma forma que Dhomini. Se este admira a beleza física e a simpatia de suas colegas de
BBB, Marcelo, por sua vez, de modo arrogante e um pouco agressivo, diz não estar
interessado em nenhuma delas: “sou apaixonado pela minha namorada. Ela deixa qualquer
uma aqui no chinelo; em todos os sentidos.” (BBB 3, 04/02/2003).
É neste episódio que encontramos as primeiras evidências de que o conflito entre
Dhomini e o grupo “Máfia de Cuecas”, até então formado pelos participantes Jean, Emílio,
Harry e Marcelo, havia começado. Jean percebeu que, naquele momento, Dhomini havia
exercido um papel central na organização do grupo feminino para votar em Marcelo, daí dizer
que não suportava “nem olhar para a cara do cara” (BBB 3, 04/02/2003). A implicância de
Jean com Dhomini começa exatamente quando este nota que havia se deparado no programa
com um jogador mais inteligente que ele próprio. O VT que recupera o clima de conspiração
que pairava na casa naqueles dias mostra, de um lado, Jean reclamando da atuação de
Dhomini e, de outro, este se portando como se não estivesse mais preocupado com o jogo.
Enquanto Jean confabula com seu grupo sobre estratégias de jogo, Dhomini aparece cantando
feliz na academia. Logo depois entra uma cena em que Sabrina conta a Dhomini que escutou
139
Jean dizer que achava que eles estavam “armando contra os homens”; Dhomini, salientando o
seu jeito simplório, apenas comenta: “uai, engraçado que se fosse ele se organizando p
colocar ou ocê ou a Juliana podia, né? tudo certo; o Dhomini que se foda.” (BBB 3,
04/02/2003). Esta fala do participante torna evidente que ele agiu conscientemente para se
defender de um possível enfrentamento contra performances fortes no paredão daquela
semana.
Nas conversas ao vivo com a apresentador desse episódio do dia 04 de fevereiro
foram apresentadas aos espectadores duas pessoas relativas à personagem de Dhomini, que
mesmo estando fora da casa, o ajudam a consolidar sua performance: Ana Clara, sua filha de
seis anos, e, Manoela, sua namorada dois anos. Em todas as inserções ao vivo desse dia,
Bial sempre que se reportava a Dhomini lhe contava alguma coisa de sua filha; lhe fala que
ela perdeu mais um dente de leite, que a segurou no colo, que ela entrou na cabine do piloto
do avião durante o vôo para o Rio de Janeiro. A forma como o apresentador se refere a Ana
Clara indica que ele estava absolutamente encantado com a menina, o que reforça o papel de
pai apresentado por Dhomini. O participante aproveitava as informações dadas a cada bloco
pelo apresentador sobre sua filha para exagerar sua performance de um pai carinhoso; nas
“espiadinhas” desse episódio ele sempre aparecia empolgado por saber notícias de Ana Clara.
Todavia Dhomini não apresenta o mesmo comportamento ao ver que Manoela estava na
platéia; o apresentador solicita à equipe de produção que feche o plano no rosto da namorada
do participante que apenas a rapidamente e contrariando Bial, pede que a câmera lhe
mostre mais pessoas de sua torcida. Embora Dhomini, por muitas vezes, no decorrer do dia-a-
dia na casa cite seu namoro e a boa relação que possui com Manoela, ele não aparenta estar
apaixonado por ela; sempre que se refere à sua namorada faz questão de dizer que a admira
muito, mas nunca deixa claro que a ama. Veremos que ao longo do programa Manoela
ratificará o papel que Dhomini lhe atribui, a de ser uma mulher admirável por sua lealdade e
cumplicidade, mesmo diante de uma traição.
No dia 16 de fevereiro, apenas duas semanas depois de ter vencido o primeiro
paredão que participou, com 59% dos votos a seu favor, Dhomini seria indicado, mais uma
vez, para disputar a preferência popular com outro participante. No programa anterior Jean,
líder da semana, havia elegido Juliana para fazer parte do próximo paredão e o alinhamento
dos demais participantes do programa sinalizava que Dhomini seria o escolhido para enfrentar
a jovem negra na decisão de terça-feira. Consciente de que o grupo de Jean o colocaria no
paredão, Dhomini conversa com Alan no final da festa indiana, tentando despistar das
câmeras, apenas para saber quantos votos ele deveria receber dos demais colegas no
140
confessionário. Alan, que estava mais próximo de Jean, não diz a Dhomini quantas pessoas
deveriam votar neste no próximo domingo, somente deixa escapar qual era a estratégia que
estava sendo adotada pela grupo de Jean, a de sempre colocar participantes “fortes” nos
paredões. Alan também lhe revela que o grupo estava muito preocupado com o fato de
Dhomini haver sido eleito pelo próprio público o anjo da semana
6
e isto fazia com que ele se
tornasse o alvo principal da próxima votação no confessionário. Dhomini escuta Alan
atentamente e admite que o raciocínio do outro grupo estava certo, pois não seria fácil
enfrentar Juliana no paredão, já que ela havia vencido por duas vezes a disputa popular.
Naquele domingo, Dhomini entra no confessionário cantando, não por acaso, o
verso de uma música de Chico César que dizia nenhuma mulher me basta, a não ser esta”;
Bial, percebendo a graça feita pelo participante que claramente escolhera a música em função
de seu complicado romance com Sabrina, comenta: “nenhuma mulher me basta?!” (BBB 3,
16/02/2003). Dhomini, se fazendo de ingênuo, diz que só estava cantando; o apresentador não
deixa o assunto render dentro do confessionário e pede para que ele fale seu voto. “É para
tentar ajudar a Ju... embora eu ache que isso não seja possível... então é o Harry.” (BBB 3,
16/02/2003). Através dessa justificativa, Dhomini deixa evidente o que sabia das
articulações feitas pelo grupo de Jean, mas que tinha certeza de que sairia vitorioso na disputa
do paredão contra Juliana. Quando o apresentador anuncia a Dhomini que ele havia sido
escolhido pela maioria dos big-brothers para participar do próximo paredão, ele apenas
comenta que “já imaginava...”. Neste momento, Bial, surpreendendo a Jean e seu grupo, diz
que Dhomini havia recebido o voto de quatro participantes e que essa informação seria
suficiente para que o goiano pudesse “dormir tranqüilo”. O apresentador não solta essa dica à
toa, ele sabe que a partir dela Dhomini poderia inferir os nomes das pessoas que haviam
participado do complô de Jean. Assim, Bial incentiva que o jogo estratégico entre os
participantes continue.
Dhomini elimina Juliana no quinto paredão de BBB 3, recebendo por volta de
cinco milhões de votos a seu favor. Ao garantir a sua permanência por mais uma semana na
casa, Dhomini aproveita uma situação em que todos os big-brothers estavam reunidos entorno
da mesa de jantar e promete : “cês tão ferrados, cês quatro. Para começar, ocê, Baiana. Porque
com eles eu não tenho medo de ir para o paredão, não; com ocê” (BBB 3, 20/02/2003).
6
A direção de BBB 3 resolveu arrecadar mantimentos não perecíveis para colaborar com a campanha do “Fome
Zero” que havia sido lançada pelo recém-chegado Governo Lula. Os espectadores do programa foram
convidados a fazerem suas doações em nome de seu participante preferido; aquele que conseguisse a maior
quantidade de alimentos levaria o colar de anjo da semana. Assim, Dhomini foi eleito o quinto anjo do programa
pela escolha popular.
141
Após externar seu desejo de revanche, ri com estardalhaço, indicando saber que sua
performance estava agradando ao público cada vez mais. Os quatro aos quais Dhomini se
referia eram Jean, Emílio, Harry e Elane que, com a ajuda de Alan, haviam conformado o
último paredão. O apresentador corrobora com a postura arrogante e convencida de Dhomini,
que parecia já ter a certeza de que estaria na final do programa ao lado de Elane, a única
participante que ele dizia ter medo de enfrentar em um paredão. Bial, no decorrer das
conversas ao vivo, segue sinalizando que a performance de Dhomini estava agradando ao
público; comenta com o participante que ele estava “igual a uma bolinha de tênis que batia no
paredão e voltava” (BBB 3, 20/02/2003).
A auto-estima do participante não estava em alta neste momento do jogo só porque
ele havia vencido no último paredão uma forte concorrente ao prêmio final oferecido pelo
programa, mas também porque ele finalmente havia conseguido ficar com Sabrina. Logo após
a saída de Juliana do programa, Sabrina cumpre sua promessa de dar um beijo em Dhomini
caso ele saísse vitorioso de seu segundo paredão. A promessa de Sabrina foi encarada pelos
demais big-brothers como um dos principais fatores que fizeram com que Dhomini
permanecesse no programa, pois, para eles, o enrolado romance entre os dois possuía um
grande apelo junto ao público. Inconformado por Sabrina não tê-lo beijado diante das
câmeras, Dhomini não se contenta com o rápido e único beijo que ela lhe dera às escondidas e
argumenta com o seu típico sotaque de mineiro: “cê não vai decepcionar 5 milhões de pessoas
que votaram para ver esse beijo não, né? Eles querem ver Sabrina. Debaixo do edredom não
adianta nada.” (BBB 3, 20/02/2003). Esta fala de Dhomini torna evidente que ele estava
consciente de que o jogo deveria ser feito priorizando as câmeras e, conseqüentemente, os
espectadores cuja preferência definia os participantes que deveriam permanecer na casa. Ele
sabia que boa parte dos milhares de votos favoráveis a sua personagem eram decorrentes da
relação afetiva que ele havia construído com Sabrina desde as primeiras semanas de
confinamento. O público queria ver se o “malandro” carente conseguiria convencer a mais
bela e sensual participante da casa a ser sua segunda namorada. O fato é que depois de muito
insistir, Dhomini finalmente consegue convencer Sabrina a beijá-lo diante das câmeras; o
compacto da festa dos vampiros, exibido no dia 20 de fevereiro, praticamente mostra os
longos e calorosos beijos e abraços do casal.
Embora os participantes do programa já tivessem recebido bons indicativos de que
a popularidade de Dhomini estava em alta fora da casa, Jean e seu grupo não mudam o foco
de suas ações e armam mais um difícil paredão para goiano que teria agora que enfrentar o
simpático negro Alan. O episódio da terça-feira decisiva para o jogo, dia 25 de fevereiro,
142
começa com a tradicional exibição dos perfis dos “emparedados”. Alan é o primeiro a ser
apresentado; seu compacto reforça sobretudo a beleza e o temperamento fácil do participante
que consegue manter uma boa convivência com todos os big-brothers. O compacto do
“príncipe do Congo”, como Alan foi apelidado pelos demais participantes, começa com takes
que evidenciam sua beleza física e seu porte atlético de ex-jogador de basquete. Ao som da
música “Negro Gato”, Alan aparece malhando, dançando animado nas festas, dando boas
gargalhadas. Sabrina fala de “seu jeito apaixonante”, depois entram depoimentos de outras
mulheres elogiando sua postura na casa. Em seguida, ele aparece emocionado pedindo
desculpas a Dhomini por ajudado ao grupo de Jean a colocá-lo no paredão contra Juliana. Por
fim, entra cena do participante, em uma das conversas ao vivo com Bial, chorando por ter sido
indicado e dizendo que sempre tentou ser amigos de todos e que por isso não sabe como
jogar.
É interessante observar como Bial se refere a Dhomini de um modo um pouco
mais seco do que nas outras vezes em que este esteve no paredão, anuncia a entrada de seu
perfil apenas dizendo: pela terceira vez no paredão, nosso ame-o ou deixe-o, Dhomini.”
(BBB 3, 25/02/2003). O texto utilizado pelo apresentador já anuncia que assistiremos às cenas
de uma personagem polêmica. O clipe começa com Sabrina pedindo que ele lhe fale o seu
nome verdadeiro André -, mas ele reafirma que desde sua entrada para a Esfera seu nome é
Dhomini; a seguir ele diz que esta seita fez com que ele transformasse o seu comportamento,
mas que em um ataque de euforia ou de raiva ele poderia agir intempestivamente, como fazia
antes de sua conversão à Esfera. Esta fala entra como gancho para retratar a inconstância de
sua atuação; entra uma seqüência rápida de vários takes que evidenciam o lado belicoso e
vingativo da personagem; daí, corta-se para cenas de Dhomini meditando e dizendo suas
seqüências numéricas. Em seguida, aparece o grupo de Jean confabulando para colocá-lo no
paredão; daí, é inserido uma imagem de Dhomini chorando e depois ensinando “o número do
amor” para Sabrina que o repete. A forma como esta seqüência é montada sugere que as
articulações de jogo realizadas pelos outros participantes é a principal razão de Dhomini por
vezes perder seu controle emocional; desse modo, o grupo de Jean aparece como o grande
obstáculo que a personagem tem que enfrentar para ser feliz ao lado de sua musa. Por fim, o
compacto exibe cenas do único casal formado em BBB 3. O curioso é notar como a edição do
programa retrata a relação de Dhomini e Sabrina como se fosse algo quase sagrado; enquanto
são mostradas cenas dos beijos do casal, escuta-se uma música que faz uma alusão aos cantos
gregorianos: “o amor tudo destrói, tudo perdoa”.
143
Se nos outros dois paredões que participou Dhomini se demonstrou seguro e
tranqüilo, não podemos observar a mesma postura neste terceiro. A personagem não aceita
esta indicação com tanto bom humor como nas outras vezes, e isso pode ser comprovado
tanto nos compactos editados, quanto nas conversas que leva com o apresentador no episódio
do dia 25 de fevereiro. O clipe nomeado pelo apresentador como “lavagem de roupa suja”
centra-se na revolta de Dhomini por ter sido indicado a um terceiro paredão, pois é ele quem
inicia uma das maiores cenas presenciadas pelo público em BBB 3. Dhomini logo após saber
que estaria no próximo paredão ao lado de Alan, começa a perguntar a este, de modo
provocador, “cadê seus amigos?... fora a gente pega eles, ainda sou seu, Alan” (BBB 3,
25/02/2003); sugerindo que os mesmos que haviam feito com que Alan o traísse na semana
anterior agora o estavam prejudicando. Emílio que até então assistia à cena de Dhomini,
aceita a provocação e lhe pede que pare de perguntar a Alan onde estão os amigos dele, pelo
menos quando ele estiver por perto. Mais provocador ainda, Dhomini encara Emílio, levanta o
queixo e diz: “pára? Por quê?!”. Em seguida diz a Emílio que na semana anterior o grupo se
aproximou de Alan para fazer com que este votasse contra ele, e agora, ninguém o havia
defendido do paredão.
É neste momento que Alan intervém e pede a Dhomini que realmente pare de
provocar a ele e aos demais, pois “as coisas não são do jeito que você tá colocando”. Dhomini
se defende dizendo que “tem gente que quer jogar sujo, eu quero jogar limpo”. Emílio não
concorda com esta afirmativa de Dhomini e lhe diz que achava estranho ele falar de “jogo
limpo”, sendo que, em sua opinião, uma das posturas mais questionáveis dentro do jogo era
justamente a dele. Mesmo nitidamente nervoso com a acusação de Emílio, Dhomini, como de
costume, formula um de seus espirituosos argumentos: “meu comportamento é questionável
entre quatorze pessoas, né? Mas quem respondendo são cinco milhões e oitocentas e
cinqüenta mil. Então, vamô quem é que falando a verdade ou não. (BBB 3,
25/02/2003). O participante segue mantendo sua encenação para o público que o assiste e se
demonstra magnânimo ao elogiar a postura honesta e humilde de Alan. Diante desse discurso
feito por Dhomini, Emílio diz achar que ele está agindo dessa forma por estar decepcionado
por haver sido indicado a outro paredão. Dhomini complementa o comentário de Emílio,
dizendo que está decepcionado por disputar um paredão justamente com Alan; neste instante,
a edição coloca como trilha sonora a vinheta do piano agudo, em tom quase diabólico, que por
diversas vezes foi utilizada para a personagem de Jean.
A entrada desta trilha naquele momento do compacto anuncia aos espectadores
que a cena de Dhomini ainda não havia terminado. Ele se levanta da mesa em que estava
144
sentado junto a Emílio para ir atrás de Alan. Este é severamente repreendido por Dhomini:
“por que o gritou comigo, rapaz? Ficou louco?! quer que os negão me mata fora
amanhã?” (BBB 3, 25/02/2003). Dhomini segue com um tom agressivo, demonstrando estar,
de fato, com medo de ser eliminado no próximo paredão. Alan, surpreso com a reação de
Dhomini, pede-lhe que se acalme e explica que não estava brigando com ele, apenas havia lhe
pedido que parasse de provocá-lo. Enquanto a discussão protagonizada por Dhomini, Emílio e
Alan acontecia próxima à piscina, a montagem mostra que um dos grandes pivôs do conflito
dentro do programa, Jean, estava tranqüilo, conversando amenidades com Viviane e Elane em
um dos quartos. Algumas cenas depois, Sabrina comenta com Dhomini, que já aparenta estar
bem mais calmo, que o grupo ainda estava conversando sobre votação; com um tom cínico,
responde: “deixa eles se matarem lá”. O compacto evidencia que a postura polêmica que
Dhomini adotava na casa por muitas vezes favorecia a manutenção de sua atuação; ele sabia
que era preciso haver o conflito para que sua personagem pudesse permanecer no centro das
ações. Ademais, ele incitava os demais participantes de modo a encarnar o papel de vítima
dentro do jogo; a forma como ele se coloca no decorrer da discussão sinaliza ao público que
sua revolta era decorrente da injusta perseguição do grupo de Jean contra ele.
Durante as conversas ao vivo desse episódio chave para a personagem de
Dhomini, o participante permanece encarnando o papel do injustiçado. Por diversas vezes,
Bial tenta arrancar-lhe o sorriso ou um comentário mais bem humorado, mas Dhomini resiste
e poucas vezes se deixa levar pela conversa do apresentador. Em uma das inserções ao vivo,
Bial, aparentemente surpreso, comenta com Dhomini se ele havia visto que Manoela estava na
platéia; secamente o participante responde apenas “vi”. Apesar da vontade de Dhomini
para continuar a conversa, o apresentador insiste no assunto:
Bial: _Você iria a três paredões? Você iria assistir a isso?
Dhomini: _Eu iria até no final.
Bial: _É mesmo?! Você faria como a Manoela faz?
Dhomini: _Faço.
Bial: _Quem é essa Manoela para fazer isso? Quem é você para ser... como
eu diria... altruísta, generoso, compreensivo?
Dhomini(interrompendo-o, meio nervoso): _Eu não entendi a sua pergunta...
Bial: _A minha pergunta é que as pessoas estão muito impressionadas com a
Manoela, como é que ela vem para o terceiro paredão rolando o maior
namoro seu com a Sabrina?
Dhomini(carregando no sotaque caipira e com um sorriso um pouco cínico):
_Se você tiver a oportunidade de conversar com ela por 5, 10, 15 minutos
você vai ver a grandeza espiritual daquela mulher. Aí, você vai entender
quem sou eu para poder te falar alguma coisa a respeito disso.
Bial: _Tá certo... Haja grandeza espiritual! (BBB 3, 25/02/2003).
145
A parte inicial desse diálogo é marcada por uma tensão entre o desejo do
apresentador de que Dhomini aja de forma espontânea e espirituosa como costuma fazer nas
transmissões diretas e a postura que o participante adotara nesse episódio, que indicava que
dessa vez ele realmente temia deixar o programa. A insistência de Bial, que no decorrer da
conversa adquire um tom provocador e irônico, não é bem recebida por Dhomini que chega a
lhe responder de modo um pouco grosseiro com o “eu não entendi a sua pergunta”. Apenas no
final, quando o apresentador, com certa ironia, lhe diz “haja grandeza espiritual!” é que
finalmente Dhomini solta a sua primeira risada nesse episódio. É interessante observar que
mesmo quando aparentemente não está preocupado em lançar mão do espaço ao vivo,
Dhomini consegue utilizá-lo a seu favor. O participante sabia que o paredão ainda não estava
decidido e que, para aumentar suas chances de permanecer no programa, precisava convencer
ao público que de fato estava preocupado e contrariado com sua indicação. Assim,
percebemos que Dhomini, quando lhe convém, assume o papel de vítima do jogo.
Ainda que esteja adotando uma postura discrepante do que costuma adotar,
Dhomini demonstra estar atento ao conteúdo de sua fala; ele continua valorizando e
admirando as atitudes de Manoela como se ela fosse quase uma divindade. A presença de
Manoela na platéia, justamente na semana em que Dhomini concretiza seu romance com
Sabrina, ratifica a imagem de honestidade que tanto o participante procura agregar à sua
performance. A serenidade com que Manoela assume para si a representação da mulher traída,
mas leal, sugere que Dhomini não é tão inescrupuloso como alguns big-brothers afirmam; é
dessa forma, que mesmo não participando diretamente do jogo, ela exerce um papel central na
manutenção da encenação de seu namorado dentro do programa.
Quando o apresentador retorna já para anunciar o resultado final daquele disputado
paredão, recorde absoluto em todas as edições de BBB, com 19 milhões de votos, Dhomini
não estava na sala, pois tinha ido ao banheiro. Sem graça, Bial se obrigado a segurar a
transmissão ao vivo sem a presença de uma das personagens que deveria estar em cena.
Depois de trinta segundos, Dhomini finalmente entra em quadro; demonstrando não acreditar
na peça que o participante havia lhe pregado, Bial pergunta sem jeito: “Dhomini, você foi
fazer xixi numa hora dessas?!”. Esta atitude do participante comprova que ele tinha
consciência de que era uma das principais atrações daquela inserção ao vivo, sem ele o
programa não poderia continuar; mas do que displicência, Dhomini evidencia que sua
presença era fundamental para que emissora alcançasse os altos índices de audiência. Após
esse contratempo que Bial teve que enfrentar por causa de Dhomini, o apresentador recupera
o seu lugar de comandante do programa e a notícia de que Alan, com 57% dos votos,
146
deveria deixar a casa de BBB 3. Aproveitando bem o tempo da “espiadinha”, Dhomini corre
para o jardim da casa para escutar os gritos da multidão que recebe Alan; ele estica o braço e
estende a mão como se estivesse captando a energia do público. Os demais participantes
assistem perplexos à glória de Dhomini.
A vitória de Dhomini sobre Alan, depois de uma votação recorde, fez com que
Jean tivesse a certeza de que dificilmente seu oponente de jogo perderia o prêmio em dinheiro
oferecido pelo programa. A cada vez que Dhomini ia à berlinda, ele se tornava mais popular.
É neste contexto que Jean tenta por em prática sua última estratégia, a de conformar um
paredão entre Dhomini e sua namorada Sabrina. Jean indica em suas conversas com os demais
participantes que estava adotando essa estratégia mais para desestabilizar a performance de
Dhomini do que para impedir o aumento de sua popularidade junto ao público. No episódio
do dia 09 de março, o grupo formado por Jean, Elane, Harry e Viviane finalmente consegue
implementar o plano de emparedar o casal. Elane, exercendo seu direito de líder da semana,
indicara Sabrina na noite do episódio anterior e o grupo escolheria, naquele domingo, o nome
de Dhomini para enfrentá-la no paredão. O compacto que resumia os melhores momentos da
festa oferecida aos big-brothers logo após a indicação de Elane, de um lado, mostrava Jean e
seu grupo comemorando felizes a execução de sua estratégia, de outro, ressaltava a tristeza do
casal que já começava a se despedir em decorrência da inevitável separação da próxima terça-
feira. A trilha sonora, que remetia aos cantos gregorianos, escolhida pela edição para
acompanhar as cenas de despedida entre Dhomini e Sabrina reforçava ainda mais o clima de
sofrimento das duas personagens; isto, contraposto às imagens de Jean e seu grupo dançando
animados na pista de dança, sugeria que a estratégia aplicada por estes havia sido insensível e
até mesmo cruel.
Na prova da comida realizada na tarde daquele domingo, Dhomini
deliberadamente age de modo a não cooperar com a equipe que, por mais uma vez, não
consegue adquirir todo o kit de alimentos para a próxima semana. Magoado com o grupo, era
de se esperar que a personagem procurasse se vingar daqueles que estavam lhe perseguindo
dentro do jogo. No entanto, nos surpreendemos ao perceber que a equipe de edição, ao
retomar os melhores momentos da gincana da comida, havia propositalmente invertido a
ordem cronológica de alguns eventos de modo a beneficiar a personagem de Dhomini.
O compacto se inicia com a cena de Dhomini passando pela sala, onde estava todo
o grupo de Jean, e se oferecendo para fazer o café da manhã de todos. Estes lhe respondem
que haviam decidido não tomar café naquele dia para adiantarem o almoço, porém deixam
claro para Dhomini que sabiam que ele gostava de fazer uma boa refeição de manhã e que por
147
isso ele não deveria seguir a decisão do grupo. Vale dizer que antes desse VT ser exibido, o
apresentador havia lembrado ao público que na semana anterior os participantes haviam
conseguido obter metade da cota de alimentos; assim, a decisão feita pelo grupo de Jean
visava justamente conter o consumo de comida.
Na segunda cena do esquete, Dhomini faz o café da manhã para ele e sua
namorada, enquanto Harry, Viviane e Elane conversam na sala. Em seguida, entra a seqüência
que mostra como foi a prova da comida daquela semana; os big-brothers deveriam encontrar
em tortas de chantili, sem a ajuda das mãos, dez moedas. Dhomini não colabora com o grupo,
não conseguindo encontrar nenhuma moeda, o que faz com que o grupo só consiga 50% do kit
de comida. Depois desta seqüência, aparecem Jean e Harry reclamando em um dos quartos
que Dhomini não havia colaborado com a equipe e que por isso eles, mais uma vez, teriam
que controlar sua alimentação. A última cena exibida pelo compacto, mostra Dhomini
tomando café da manhã na companhia de Sabrina, que acabara de tomar banho. por ter saído
do banho poucos minutos ainda estava com os cabelos molhados. Dhomini reclama com
sua namorada do fato do grupo haver decidido não tomar café da manhã sem seu
consentimento e diz que está “ficando irritado com esse povo!” (BBB 3, 09/03/2003). É a
umidade dos cabelos de Sabrina que torna evidente que a montagem não seguiu a ordem
cronológica dos fatos. Nessa cena da conversa com Dhomini, Sabrina estava com os cabelos
nitidamente mais molhados do que na seqüência da prova da comida, que havia sido exibida
segundos antes. Ao colocar a cena de Dhomini reclamando do grupo de Jean em seguida ao
take de Jean e Harry comentando sobre a vontade de Dhomini na realização da prova da
comida, a equipe de edição reforça o papel de vítima encenado por este já há alguns dias.
Os participantes vão ao confessionário naquele domingo do dia 09 de março e
confirmam o que estava anunciado: Dhomini enfrentaria Sabrina no próximo paredão. Bial
pede a Dhomini que faça seu apelo ao público para que justifique sua permanência na casa.
Com um ar cínico, Dhomini carrega ainda mais no sotaque e fala: “ah, eu não dou conta de
falar porque que eu mereço ficar. Eu sei que... é quero falar que eu respeito a inteligência
do Jean, mas além disso eu fui para o paredão porque [agora cantando] alegria alheia
incomoda, venenosa, hêhêhê.” (BBB 3, 09/03/2003). No momento em que Dhomini a
alfinetada em seu rival, entra plano fechado do rosto de Jean que demonstra estar, ao mesmo
tempo, surpreso e contrariado com a resposta dada pelo seu oponente. Ao terminar seu
pequeno show, Dhomini bate na perna de Sabrina que está a seu lado e lhe ordena, “fala, aí”,
como quem avisa que a sua participação naquele episódio havia acabado e que era a hora
dela fazer sua encenação. Sabrina faz seu discurso quase chorando e, ao contrário de seu
148
namorado, prefere não provocar os demais participantes. Quem responde à afronta de
Dhomini é o apresentador: “não querendo entrar em discussão aí, é... Acho bacana você
reconhecer a inteligência do Jean, Dhomini, mas cuidado para não menosprezar a inteligência
dos outros três, hein?” (BBB 3, 09/03/2003). Aqui, Bial já sinaliza uma significativa mudança
na forma como ele se reporta à personagem. Se nos programas iniciais o apresentador sempre
buscava reforçar o “jeitão inconfundível de Dhomini” (BBB 3, 04/02/2003), agora ele se
refere ao participante de modo mais sóbrio e repressor, demonstrando que não quer colaborar
mais com a performance de Dhomini.
O perfil de Dhomini exibido no dia da decisão de seu quarto paredão acompanha
essa mudança de postura do apresentador com relação à personagem. O texto utilizado por
Bial para anunciar a entrada do compacto de Dhomini que “desperta paixões; há quem odeie o
cara, mas assim de gente que ama o malandro” (BBB 3, 11/03/2003), já deixa claro qual
característica do participante será sublinhada pela edição: a malandragem. Nesse clipe a
produção sugere que mais do malandro, Dhomini faz articulações políticas dentro da casa e
não é tão sincero e honesto quanto diz ser. A construção da narrativa apresentada pelo
compacto é guiada pelas falas de Jean, seu opositor na casa, que indicam o quão jogador
Dhomini é, e pela inserção de cenas montadas que retratam o participante como um candidato
político. Jean comenta com Harry que “ele [Dhomini] veio preparadíssimo para esse jogo”;
daí, entra trecho de depoimento de Dhomini em que fala, mais uma vez forçando o sotaque:
“quando você capina muito faz calo aqui na mão; quando você vai muito para o paredão faz
calo aqui no coração. Meu coração tá calejado...”. Esta seqüência termina com uma das frases
polêmicas da personagem, “se malandro soubesse o quanto é bom ser honesto, ele era honesto
por malandragem!” (BBB 3, 11/03/2003).
Durante o esquete são mostradas várias ações contraditórias de Dhomini, o que vai
de encontro à imagem de honestidade que tanto o participante tenta preservar. Ele aparece
falando mal de cada um dos jogadores e depois os abraçando ou brincando com eles; nem a
namorada Sabrina escapa de seus comentários, muitas vezes, ferinos. Em um cena Dhomini
comenta com Jean que nas conversas que ele estabelece com Sabrina “dificilmente pinta
alguma coisa de conteúdo”; logo depois, entra um take em que Dhomini imita um cachorro
para Sabrina, os dois parecem se divertir muito com a brincadeira. O perfil de Dhomini fecha
com ele falando “é muito dinheiro em jogo, né?” (BBB 3, 11/03/2003), o que comprova que o
participante age essencialmente em função do jogo, toda sua performance é construída a fim
de conquistar o prêmio final do programa; lembremos que em seu vídeo de apresentação
149
Dhomini já havia tornado evidente seu principal objetivo, sob essa perspectiva, sua encenação
não é tão desonesta quanto o clipe indica.
A personagem de Sabrina, por sua vez, é representada como uma mulher bonita e
sensual, mas que às vezes age como uma menina, demonstrando ser um pouco moleque e
aparentemente ingênua. Os homens comentam do “jeitinho” meigo e feliz de Sabrina que
conquista a todos os participantes masculinos. Embora ela seja a preferida dos rapazes, as
moças demonstram não ter muita paciência com suas risadas, brincadeiras e o jeito mole com
que fala “pára, Dhomini”. Apresentados os perfis das duas personagens, Bial entra na sala
para conversar com os concorrentes do paredão que deveria ser decidido naquele dia.
Primeiro pergunta a Dhomini sobre qual parcela do público ele achava que estaria votando
nele e qual parcela estaria votando em sua namorada. Este lhe reponde, de forma um pouco
arrogante: “eu não sei... Imagino que as pessoas que gostam de ver as coisas acontecer, que
gostam de franqueza, eu imagino que votem em mim.” (BBB 3, 11/03/2003 grifos nossos).
Neste pequeno trecho de sua fala, ele evidencia que sabia que era o grande protagonista da
terceira edição Big Brother Brasil e que sua saída da casa afetaria diretamente a grande
audiência obtida pelo programa. Todavia, ao dizer que os espectadores que gostavam de
franqueza votariam nele, ele sugere, nas entrelinhas, que era mais honesto do que sua
concorrente Sabrina. Bial, percebendo a escorregada dada por Dhomini em seu depoimento,
não o perdoa e ironicamente se reporta a Sabrina: “e você, Sabrina? Acha que as pessoas que
não gostam de franqueza votam em você?(BBB 3, 11/03/2003). A moça apenas ri e não
responde à provocação do apresentador; quem intervém é o próprio Dhomini que insinua que
Bial havia distorcido o que ele falara segundos antes. O apresentador interrompe o
participante, e rispidamente fecha a questão: “não foi o que você quis dizer, mas foi o que
você disse”. Assim, comprovamos nessa passagem que Bial permanecia não corroborando
mais com a performance de Dhomini.
Dhomini não se mostra surpreso ao ouvir do apresentador que, com 60% dos votos
contra Sabrina, o público havia decidido que ele permaneceria no jogo. Sabrina sai da casa e
abraça a namorada oficial de Dhomini, Manoela, que a recebe muito bem. Em seguida, Bial
abre uma concessão à participante e deixa que ela se comunique com os que ainda estavam no
programa através da tela da sala de estar. Emocionada, Sabrina incentiva seu namorado: “você
vai ganhar isso aí!” (BBB 3, 11/03/2003). Confiante, Dhomini reafirma ao vivo a promessa
que eles já tinham feito um para outro horas antes do paredão ser definido: “eu vou, eu vou...
Eu vou ganhar sim. Deixa comigo!”. Na espiada final desse episódio, Dhomini aparece
sentado próximo à porta que liga a casa ao estúdio da emissora em que fica a platéia e o
150
apresentador; com a cabeça baixa entre os joelhos, ele, mais uma vez, levanta a mão aberta a
fim de captar a energia do público que grita seu nome. O plano que estava fechado em
Dhomini se abre, em zoom out, até mostrar a reação dos outros quatro participantes Jean,
Harry, Elane e Viviane que calados assistiam à encenação de Dhomini. A partir daquele
momento todos passaram a ter a certeza, inclusive Dhomini, de que ele levaria o prêmio final
de BBB 3.
Após a saída de sua maior cúmplice na casa, Dhomini procura restabelecer os
laços de amizade com os participantes que ainda restavam no programa. Ele aproveita esse
momento final do jogo para sublinhar alguns traços de sua personagem que haviam ficado em
segundo plano nas últimas semanas. Dhomini sabia que tinha boas chances de ganhar o
programa, mas nem por isso descuida de sua performance, pois estava ciente que era preciso
continuar cativando o público. É neste momento que ele volta a atuar como nas primeiras
semanas de confinamento: brinca com Viviane sobre a forma de seu corpo, dança forró com
Elane para reforçar suas origens rurais e se reconcilia com Jean. Na conversa que estabelece
com Jean
7
, que foi exibida em um dos compactos do dia 20 de março, Dhomini age de forma
condescendente com seu oponente e diz que entendeu que tudo o este lhe fez foi por pensar no
jogo. Aqui, Dhomini demonstra ser capaz de perdoar, revestindo sua personagem por uma
magnitude; afinal foi sempre ele quem insinuou, por meio de suas frases dúbias, que Jean era
uma pessoa fria e calculista, que não se importava com os sentimentos de Dhomini e Sabrina.
Dessa maneira, esta reconciliação entre os dois fortalece ainda mais a performance de
Dhomini.
O participante segue atuando de modo espirituoso nas inserções ao vivo; tanto nas
conversas com o apresentador, quanto nas espiadinhas”, ele ocupa o centro das ações. No
episódio do dia 20 de março, o apresentador propõe, brincando, aos quatro finalistas, Jean,
Viviane, Elane e Dhomini, um leilão para arrematar a penúltima liderança do programa. Os
três primeiros dão os seus lances e antes que Dhomini faça a sua oferta, Bial, inferindo a
provável resposta da personagem, comenta: “eu nem vou perguntar para o Dhomini porque
sei que ele vai falar que não vai dar nada”. Dhomini ri e tenta contrariar a previsão feita pelo
apresentador: “eu até dou, Bial, mas eu não tenho esse dinheiro. Não sei daonde esse povo
vai tirar o dinheiro!” (BBB 3, 20/03/2003). A prova para a liderança começa no final do
episódio; o participante que conseguisse permanecer por mais tempo na mesma posição
estaria imune para a próxima votação e garantiria de antemão o prêmio oferecido para o
7
Buscar transcrição desse diálogo no item 6.3 deste trabalho, que é dedicado à análise do personagem de Jean.
151
terceiro lugar de BBB 3. A maioria dos big-brothers escolhe posições confortáveis, exceto
Dhomini, que resolve ficar com o braço levantado segurando uma tocha de isopor. Na
“espiada” final, o participante aparece debochando de si mesmo: “todo mundo com os
bracinhos prá baixo, o bobão que com a mão prá cima. [...] podia ser do Goiás
mesmo! [...] Meu irmão deve morrendo de rir da cara do bobão! Aiai...” (BBB 3,
20/03/2003). Enquanto Dhomini anima a monótona cena, criticando a sua própria atuação, os
demais participantes tentam conter os risos que sua performance provoca.
A última festa oferecida aos participantes do programa, que foi exibida em um dos
compactos do dia 30 de março, dois dias antes da grande final, contou com a presença da
cantora Elba Ramalho, famosa por interpretar músicas de forró. Naquela ocasião, restavam na
casa apenas três personagens, Dhomini, Elane e Viviane. A escolha da cantora não se deu ao
acaso, Dhomini e Elane, ao contrário de Viviane, sempre demonstraram adorar o ritmo; assim,
a produção já sinaliza ao público e aos finalistas quais seriam os dois participantes que
deveriam disputar o prêmio final em dinheiro. Nesse episódio Elane vence Viviane no
penúltimo paredão de BBB 3, definindo a conformação da disputa final aos quinhentos mil
reais. Enquanto Viviane deixava a casa, Dhomini, eufórico, abraça Elane e comenta
aparentemente brincando: “eu sabia! Que bosta [sic]! Ficou nós dois!” (BBB 3,
30/03/2003). O confronto direto que ele mais temia finalmente aconteceria; ele teria que
disputar os quinhentos mil reais com uma personagem a sua altura, que ele julgava apresentar
tanto apelo popular quanto o seu. Na “espiada” após a saída Viviane, Dhomini segue
reclamando, em tom jocoso, do fato de ter que enfrentar Elane no último paredão: “droga, por
que sobrou ocê? Ai, que medo!”. Elane apenas lhe responde que os dois ficaram na final
“porque tava escrito”, e ele emenda, como sempre, comprovando ser espirituoso: “aonde?!
Quero ler o final logo...” (BBB 3, 30/03/2003).
O que Dhomini não sabia, naquele momento, é que a maior dificuldade que ele
enfrentaria para vencer o programa nem era tanto o confronto direto com a personagem de
Elane que, como vimos, não havia conquistado a simpatia do público, mas a rejeição de sua
performance por boa parcela do público. Seu comportamento polêmico e muitas vezes
ardiloso, suas artimanhas políticas que eram feitas nos quartos e não na varanda como fazia o
grupo de Jean, provocou certa repulsa em alguns espectadores que, de fato, não o aturavam.
Daí, a produção do programa se referir a ele, a partir de um determinado instante do
programa, como “Dhomini, ame-o ou deixe-o”. Embora Dhomini apresentasse um índice de
popularidade no site oficial de BBB 3 de 62%, ele venceu Elane por apenas 1% de diferença
do total de votos - a final mais equilibrada de todas as edições do programa. Cabe-nos aqui
152
tentar compreender por que o participante ganhou, então, o prêmio final. Um dos principais
motivos por Dhomini ter saído vitorioso da casa foi que, dentre todo o elenco, ele foi o
participante que agiu de modo mais consciente e estável para as câmeras. Como Jean mesmo
disse em uma determinada cena, “o negócio dele é com o fora da casa” (BBB 3, 09/03/2003);
ele sabia que era a atração daquele horário da televisão. Enfim, Dhomini vence porque rouba
a cena; ele é o protagonista da terceira edição de Big Brother Brasil.
A sinceridade dubitável de seu comportamento e suas frases evasivas fizeram com
que Dhomini ocupasse um lugar central no programa especial “lavagem de roupa suja”; tanto
os espectadores presentes, quanto os demais participantes o questionam sobre a validade de
seu bom caráter que ele fazia questão de ressaltar. Um dos compactos que este programa
especial exibe procurava esclarecer o mal entendido que ocorrera entre Dhomini e Andréa,
ainda na segunda semana de confinamento. Mesmo depois de assistir ao compacto, Andréa
continua acusando-o de haver sido falso com ela; ele lhe explica, confusamente, que naquele
momento alguns participantes demonstravam que deveriam votar em Emílio e que se ela
houvesse lhe dito que também votaria nele, ela talvez não houvesse feito parte daquele
paredão. A justificativa de Dhomini para acusação que Andréa estava lhe fazendo não
procedia, pois naquele momento do jogo, dificilmente ela não seria indicada; Emílio não
recebeu o voto de nenhum participante, enquanto Andréa foi a preterida por sete pessoas.
Ainda que o conteúdo de seus argumentos fosse mais confuso do que os apresentados por
Andréa, ele consegue se sair melhor na discussão exatamente por sua postura espirituosa. Ele
segue com sua defesa e afirma: “eu não falei que não ia votar n’ocê, cê viu, né?”. O
apresentador interfere a seu favor e confirma: “você disse: eu não a fim de votar em você.”
(Lavagem de Roupa Suja, 06/04/2003 grifos feitos a partir da ênfase dada pelo próprio
apresentador no decorrer de sua fala). O bate-boca entre os dois participantes segue por alguns
minutos, mas no fim é Dhomini quem consegue arrancar o aplauso do público; Andréa lhe
fala que havia se arrependido de ter jogado com o coração e não com a cabeça; diante desse
comentário, o goiano, em tom provocador e irônico, responde: “muito bem, você se
arrependeu e eu não. aqui, ganhei o prêmio, tô feliz da vida.” (Lavagem de roupa suja,
06/04/2003).
A querela dos espectadores com a personagem desponta com relação ao romance
dele com Sabrina. A produção insere um clipe com algumas cenas que retratavam a o
relacionamento do único casal formado no decorrer de BBB 3. O apresentador se volta para
os dois e pergunta se eles continuariam juntos ou não, “e, agora?”. Dhomini, obviamente
tentando se desvencilhar da pergunta, age que como se essa decisão dependesse
153
exclusivamente da vontade de Sabrina. Bial intervém antes que a moça pegue o microfone e o
repreende, dizendo que é ele quem tem duas namoradas. O participante apenas responde que
ainda não havia tido tempo para conversar com Manoela, mas não deixa claro se sua relação
com Sabrina continuaria. Alguns minutos depois, uma das pessoas da platéia, decepcionada
com a postura do participante, insinua que o sentimento dele por Sabrina havia sido falso, ele
enganara o público, e pede para que ele se explique: “o que você tem a dizer para as pessoas
que torceram pelo seu romance com Sabrina?” (Lavagem de roupa suja, 06/04/2003).
Novamente Dhomini não é assertivo em sua resposta; volta a reafirmar que a saída do
programa estava sendo confusa. Bial lhe chama a atenção por ele haver se referido ao
romance com Sabrina usando tanto verbos no passado, quanto no presente. A espectadora,
demonstrando não estar satisfeita com a resposta dada por Dhomini, repete a pergunta que
havia feito pouco. Desta vez, Dhomini responde de forma mais apelativa, e diz ao público
que o sentimento dele por Sabrina dentro da casa havia sido real e que os dois sabiam
disso. Contudo, não toca no cerne da pergunta da espectadora, comenta apenas que gostava de
Sabrina, mas que precisava conversar também com Manoela antes de tomar qualquer decisão,
por fim consegue, por mais uma vez, o aplauso do público ao lhe pedir que “continue
torcendo! hehehe” (Lavagem de roupa suja, 06/04/2003).
154
7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Goffman, em seus estudos sobre a dinâmica dos papéis sociais desempenhados
pelos atores no decorrer das interações cotidianas, traça uma relação direta entre o controle
das auto-encenações e o grau de visibilidade a qual esses atores estariam sujeitos. Quanto
maior o tempo de exposição, mais difícil se torna manter um bom desempenho da
performance. Nesse sentido, o grande desafio que Big Brother Brasil lança aos seus
participantes é exatamente como firmar suas respectivas performances em uma situação de
exposição extrema, em que não podem monitorar as ações que estão sendo apresentadas para
uma platéia com a qual não se pode estabelecer uma interação face a face. Privados das
regiões de fundo, em que poderiam relaxar sua performance, os big-brothers de início estão
mais susceptíveis às cenas e aos imprevistos, que podem prejudicar a imagem que tentam
construir diante das câmeras.
Uma primeira observação que apresentamos neste trabalho é que todas as
personagens que foram bem sucedidas na construção de suas performances conseguiram lidar
bem com os três tipos de interação que o programa colocava. As ações desses participantes
que eram recuperadas pela edição nos episódios diários condiziam com a fachada que eles
apresentavam durante as conversas com o apresentador e os depoimentos do confessionário.
Assim, os participantes que foram bem aceitos pelo público demonstraram estar conscientes
que as investidas em suas performances deveriam ser feitas, principalmente, nas transmissões
diretas, em que a interferência da produção do programa era mais restrita. Apontamos
Dhomini como o que melhor comprova essa afirmativa, todavia a postura adotada pelos
demais finalistas nos momentos ao vivo também corrobora com esse achado. Vimos que
Viviane utilizou o espaço do confessionário para denunciar para o público que Dhomini
estava jogando; Elane fazia presente sua origem ao perguntar insistentemente a Bial se seus
alunos estavam tendo aulas com uma nova professora; Jean permanecia justificando suas
atitudes em função de suas estratégias de jogo.
Desse modo, os momentos das transmissões diretas, que ocorriam em dias e
horários especiais, despontam, por excelência, como o que seria as regiões de frente
vivenciadas pelos participantes durante o confinamento monitorado. Nesses momentos
especiais, as personagens buscavam evidenciar, em suas fachadas, elementos que fossem ao
encontro de algumas representações sociais, que julgavam ser mais apelativas junto ao
público. São nas conversas ao vivo com Bial que Dhomini carrega mais seu sotaque para
155
sinalizar ao público de que ele é um homem simplório, criado no meio rural. A partir do
reconhecimento da origem interiorana do sotaque de Dhomini, por exemplo, os espectadores
fazem uma série de inferências sobre sua performance, aproximando-a de uma determinada
representação coletiva. Já Viviane maquiava-se e vestia-se especialmente para as inserções ao
vivo quando aproveitava para lançar galanteios ao apresentador, procurando firmar sua faceta
sedutora.
Um outro ponto que aqui deve ser levantado é que os espectadores, embora
demonstrem procurar justamente os momentos em que os participantes perdem o controle de
suas ações, por fim premiam aqueles que (aparentemente) souberam lidar melhor com esses
momentos. Como vimos no capítulo analítico, os finalistas de BBB 3 lançaram mão de
diferentes recursos e estratégias para prolongarem sua estadia na casa; entretanto pudemos
notar que todos conseguiram conduzir, com certa habilidade, suas auto-encenações em
situações que lhes escapavam ao controle. Jean e Viviane, principalmente, agiram de modo a
evitar o confronto direto com os demais participantes. Elane, por sua vez, se mostrou tranqüila
ao receber cada uma de suas indicações ao paredão. Dentre todos os finalistas, apenas
Dhomini aceitou e provocou as cenas, envolvendo-se em, pelo menos, dois bate-bocas durante
sua permanência no programa, o primeiro com Andréa e o segundo com Emílio e Alan. No
entanto, é preciso dizer que mesmo quando se envolveu em grandes desentendimentos,
Dhomini conseguiu manipular bem sua performance, firmando-se sempre no papel de vítima,
que apenas reagia às provocações de seus oponentes.
É curioso observar como os participantes tentaram reconfigurar os espaços de
fundo em um lugar onde tudo era monitorado pelo olhar do outro. Os big-brothers pareciam
não se importar com que algumas ações fossem exibidas para o público, desde que não
fossem presenciadas por seus colegas. O choro, que indicava fragilidade e tristeza, era
reservado para o canto do quarto escuro e vazio, nunca para o centro da sala ou da varanda.
Viviane, quando se sentiu sozinha em uma das festas, despediu-se de todos e foi para a cama,
onde finalmente deixou que seu choro saísse. Dhomini e Sabrina, quando tiveram a certeza de
que disputariam o mesmo paredão, também preferiram externar seu desconsolo em um quarto
escuro, enquanto procuravam se mostrarem bem na presença dos outros big-brothers. A
própria conversa que Jean e Dhomini tiveram no momento em que só havia os quatro
finalistas pode ser tomada como uma situação de escape. Pois, Viviane e Elane eram muito
próximas e os dois, sem seus respectivos companheiros, se sentiam sozinhos na casa. A
trégua entre eles serviu para que pudessem falar sobre suas diferenças e se colocarem acima
156
delas; eles abandonaram a rivalidade do jogo para poderem relaxar suas performances - vale
ressaltar que essa conversa só aconteceu quando Viviane e Elane estavam dormindo.
Nossas análises também puderam comprovar uma das premissas expostas por
Goffman, de que a capacidade de encenar um papel não depende apenas do controle do ator,
mas também da colaboração dos demais sujeitos envolvidos na interação. No caso específico
de BBB 3, os participantes deveriam, portanto, contar sobretudo com a colaboração de seus
colegas e da produção do programa para que suas auto-encenações fossem bem sucedidas.
Dhomini enfrenta grandes problemas dentro da casa e do jogo no momento em que Andréa
passa a afirmar que ele era cínico e sem caráter. Até então, Dhomini passava a imagem de
uma pessoa ingênua e tranqüila; é justamente quando Andréa coloca em xeque a fachada do
papel desempenhado por ele que os demais participantes começam a se alinhar a favor ou
contra a veracidade da performance de Dhomini.
Nesse âmbito, a produção do programa também exerceu um papel central na
consolidação das personagens. Assim sendo, o primeiro ponto que devemos levar em
consideração é que Big Brother Brasil se insere em uma lógica produtiva que visa fins
comerciais. Ou seja, o programa busca essencialmente o reconhecimento do público que o
assiste, daí não lançar mão de recursos inovadores, utilizando apenas técnicas que são bem
aceitas pela audiência. Lembremos que o formato só obteve o êxito esperado pela Rede Globo
a partir do momento que seu processo de montagem se revestiu de alguns dispositivos
encontrados na linguagem utilizada pelas telenovelas produzidas pela mesma emissora.
Ademais, a produção de BBB tem que exibir diariamente na TV aberta um
episódio de, no nimo, trinta minutos de duração, em que são apresentados os “melhores
momentos” do último dia vivenciado pelos moradores da casa. Logo, a equipe responsável
pela edição dos compactos - que oferecem aos espectadores um panorama do cotidiano dos
participantes - não possui um tempo que permita uma maior reflexão sobre o processo de
montagem. Como a editora-chefe Scalzo indica, em uma entrevista veiculada no site oficial
do programa, o trabalho de seleção das melhores cenas é feito concomitantemente ao
monitoramento das câmeras. Os editores, divididos em turnos e ilhas de edição, pré-
selecionam as cenas que depois serão reeditadas para fazer parte dos compactos diários.
Mesmo sem a supervisão direta dos responsáveis pela conformação final dos episódios, esses
editores sabem de antemão quais são os takes que interessam aos seus superiores, uma vez
que a TV lida essencialmente com os tempos fortes da ação. Desse modo, é a prática vigente,
que se baseia na seleção das imagens mais óbvias, que guia o processo de edição dos VT’s.
Os cortes sucessivos e a tentativa de apagar os tempos fracos de ação, em que nada acontece
157
na casa, fazem com que o espectador tenha acesso só ao que a Rede Globo (e com ela a lógica
produtiva das mensagens televisiva) julga ser o mais interessante. Talvez se a produção
tivesse tornado evidente o “vazio” que permeia o cotidiano dos big-brothers, o público
pudesse ter apreendido as personagens de modo mais completo, menos estereotipado.
Todavia, não podemos justificar os recortes feitos nas personagens pela equipe da
produção de BBB 3 apenas pelas práticas produtivas que envolvem a mídia televisiva em
geral. Em nossas análises encontramos claras evidências, em especial nos perfis dos
participantes veiculados nas terças-feiras, de que a produção procurava beneficiar uma ou
outra performance. Não foi por acaso que o lado “jogador” de Elane não apareceu em seu
perfil; em um dado momento, percebemos que a edição privilegiava a personagem de
Dhomini ao passo que tentava conferir ao seu rival, Jean, certa insensibilidade e frieza.
Algumas vezes, nos pareceu que a edição não mostrava determinada faceta de uma
personagem simplesmente por não tê-la percebido antes - pelo menos, é o que o perfil final de
Viviane indica. Durante a maior parte do tempo, a participante havia sido retratada como uma
mulher vaidosa e fútil, que demonstrava estar mais preocupada com sua aparência física do
que com as estratégias de jogo. Foi somente no último perfil construído para a personagem
que a edição mudou o tom que até então era dado a Viviane, quando evidencia seu lado mais
“jogador”.
Dentro da equipe de produção de BBB 3, o apresentador Pedro Bial desponta
como um ator privilegiado na confirmação das performances dos participantes. Na maioria
das vezes, notamos que o apresentador indicava aos participantes o modo pelo qual estes
estavam sendo representados nos compactos da edição. No decorrer de suas conversas com os
big-brothers, Bial também lhes sinalizava como o público os estava recebendo, ou pelo menos
deveria recebê-los. Os participantes inferem que Dhomini era bem quisto pelos espectadores a
partir da constatação de que ele era interpelado mais vezes pelo apresentador; também não é
sem propósito que Jean não se sente confortável quando Bial lhe apelida de Sun Tzu, pois
sabia que aquilo exprimia a opinião da produção a respeito de sua performance.
Dessa maneira, o apresentador cumpre uma função mediadora entre os
participantes, a produção do programa e o público. Contudo, Bial não assume esse papel de
forma neutra ou imparcial. O apresentador escancara, sem parcimônia, para os espectadores e
para os participantes a relação que ele estabelece com estes: “o sentimento que eu tenho por
vocês é o mesmo que vocês têm uns pelos outros. Às vezes eu adoro, às vezes eu odeio... Mas
sempre é afeto... afeto, né? A gente tá aqui sendo afetado, afetando; vivendo mesmo” (BBB 3,
11/03/2003). Embora tenhamos verificado que na maior parte das vezes a fala do apresentador
158
corrobora com as representações lançadas pela edição dos esquetes, isto, nem sempre, pode
ser comprovado. Em algumas situações, Bial não consegue esconder sua antipatia por um
determinado participante, mesmo que este seja retratado com deferência pelos compactos. Foi
o que aconteceu com Elane; nos clipes exibidos a personagem era dotada de uma aura de
inocência, evidenciavam-se suas qualidades; porém, o apresentador demonstrava claramente
não ter paciência com a postura adotada pela participante, não deixando-a utilizar com maior
propriedade o espaço das conversas ao vivo.
Entretanto, pudemos notar que, muito embora a colaboração dos demais atores seja
essencial para o bom desempenho das performances, as investidas da produção em
determinadas personagens não lhes garante um maior êxito. Para que uma performance seja
convincente, também é preciso que público reconheça na fachada pessoal do ator algumas
características que estejam em consonância com a representação coletiva que este escolheu
para si. Na etapa final do programa, verificamos que havia uma tentativa de beneficiar o
personagem de Elane, em detrimento ao de Dhomini, pois os clipes sugeriam que aquela
merecia sair vitoriosa da casa por causa de sua origem humilde. De início, a fachada de Elane
indicava que ela provavelmente encarnaria a imagem da moça pobre do interior do país,
humilde e, de certa forma, ignorante. Todavia, o desenrolar da personagem não correspondeu
às primeiras expectativas do público; Elane não demonstrou ser humilde ou ignorante, indo de
encontro à representação idealizada do pobre submisso, existente em nossa sociedade. Talvez
aqui esteja a principal razão do público não ter apreendido e reproduzido o discurso
apresentado pela produção sobre Elane, premiando a performance de Dhomini. O fracasso do
personagem de Paulo também pode ser explicado pelos elementos de sua fachada que não
comprovavam o papel que ele tomava para si. No decorrer de sua estadia na casa, Paulo
procurou encarnar o estereótipo do homem mais velho, maduro, repleto de experiências e de
conhecimentos adquiridos com o tempo. Contudo, sua fachada pessoal o modo como se
vestia, o vocabulário que utilizava e até mesmo sua própria aparência física não
correspondiam à representação coletiva desse papel. O discurso de Paulo não convenceu aos
espectadores, que o eliminaram logo na primeira semana de exibição do programa.
Enfim, ao lidar de modo tão direto com a encarnação dos papéis sociais, o que o
formato de Big Brother Brasil nos evidencia é a dinâmica das interações sociais, através das
quais os sujeitos experienciam o mundo em que vivem. As performances que estavam em
jogo no programa se relacionavam diretamente com as que são encarnadas cotidianamente
pelo público que as assistiam. Assim, os espectadores, ao apoiarem a postura adotada por
determinadas personagens, reconheciam e aprovavam valores vigentes na própria sociedade.
159
A cada versão de BBB, novos valores e representações sociais são colocados à prova, são
dotados de novos sentidos; assim, uma versão nunca é exatamente igual às anteriores. Talvez
isso explique em grande medida o porquê do programa ainda hoje apresentar um grande
índice de audiência. De certa forma, não podemos dizer que o entretenimento que o formato
oferece aos seus espectadores é alienante, pois estes participam ativamente na construção e na
conformação do jogo proposto, elegendo as performances e conseqüentemente os valores
sociais que devem prevalecer. Resta-nos compreender, de modo mais contundente, quais
seriam os valores e os posicionamentos sociais que os participantes bem sucedidos
apresentaram no decorrer de suas performances, causando uma maior identificação junto ao
público.
160
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