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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA –
PROPPEC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
A CONDENAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE
DA RELAÇÃO INDIVIDUAL DE CONSUMO
FLAVIANO VETTER TAUSCHECK
Itajaí [SC], janeiro de 2005
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA –
PROPPEC
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – CPCJ
PROGRAMA DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – PMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO
A CONDENAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE
DA RELAÇÃO INDIVIDUAL DE CONSUMO
FLAVIANO VETTER TAUSCHECK
Dissertação submetida à Universidade do
Vale do Itajaí UNIVALI, para a obtenção do
grau de Mestre em Ciência Jurídica.
Orientador: Prof. Dr. Índio Jorge Zavarizi
Itajaí [SC], janeiro de 2005
“Da finalidade visada pela busca do
fundamento, nasce a ilusão do fundamento
absoluto, ou seja, a ilusão de que de tanto
acumular e elaborar razões e argumentos
terminaremos por encontrar a razão e o
argumento irresistível, ao que ninguém
poderá recusar a própria adesão.”
[Norberto Bobbio]
ii
PÁGINA DE APROVAÇÃO
SERÁ FORNECIDADA PELO CPCJ
iii
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total
responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho,
isentando a Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI, a Coordenação do
Curso de Pós-Graduação stricto sensu em Ciência Jurídica [CPC/UNIVALI]
ou a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora, o Orientador
de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí [SC], janeiro de 2005.
Flaviano Vetter Tauscheck
Mestrando
iv
SUMÁRIO
resumo.................................................................................................x
ABSTRACT.........................................................................................xi
INTRODUÇÃO......................................................................................1
Capítulo 1.............................................................................................5
O DIREITO E A DEFESA DO CONSUMIDOR, E A
CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇãO DE CONSUMO..........................5
1.1 O MOVIMENTO CONSUMERISTA E A ORIGEM DO DIREITO DO
CONSUMIDOR.........................................................................................................5
1.2 O DIREITO DO CONSUMIDOR NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO............................................................................................................9
1.3 NOÇÕES GERAIS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ..............13
1.4 Relação jurídica de consumo: Conceito e características........................16
1.5 sujeitos da Relação de consumo.................................................................18
1.5.1 CONCEITO DE CONSUMIDOR..............................................................................19
1.5.1.1 Consumidor- Padrão............................................19
1.5.1.2 Consumidor por equiparação...............................24
1.5.2 CONCEITO DE FORNECEDOR.............................................................................28
1.6 OBJETOs DA RELAÇÃO DE CONSUMO......................................................30
1.6.1 CONCEITO DE PRODUTO 30
1.6.2 CONCEITO DE SERVIÇO 32
1.7 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR POR DANOS
CAUSADOS AO CONSUMIDOR ..........................................................................35
Capítulo 2...........................................................................................41
v
OS DIREITOS DA PERSONALIDADE E A SUA VIOLAÇÃO: A
CARACTERIZAÇÃO e a indenização DO DANO MORAL ..............41
2.1 Notas introdutórias sobre a personalidade jurídica...................................41
2.2 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE..........................................................43
2.2.1 NOÇÕES GERAIS SOBRE OS DIREITOS DA PERSONALIDADE.......................43
2.2.2 CONCEITO DE DIREITOS DA PERSONALIDADE................................................49
2.2.3 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE..............................50
2.2.4 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE...................................51
2.2.5 A TITULARIDADE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE..................................53
2.2.6 A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO ÂMBITO CIVIL..........54
2.3 DO Dano moral................................................................................................56
2.3.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE O DANO........................................................56
2.3.2 DO CONCEITO E DA CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL............................59
2.3.3 A INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL....................................................................66
2.3.4 DA NATUREZA JURÍDICA DA INDENIZAÇÃO: FUNÇÕES DA INDENIZAÇÃO
DO DANO MORAL 70
Capítulo 3...........................................................................................75
O Dano moral decorrente da relação de consumo e a Utilização
dA FUNÇÃO de desestímulo............................................................76
3.1 Notas introdutórias sobre a correlação entre os institutos jurídicos do
código de defesa do consumidor e do código civil brasileiro .......................76
3.2 caracterização do dano moral na relação de consumo.............................86
3.2.1 O DANO MORAL E A RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO E DO
SERVIÇO 87
3.2.2 O DANO MORAL E A RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL.....................90
3.2.3 O DANO MORAL DECORRENTE DE CONTRATO DE CONSUMO......................93
3.3 DIMENSÃO SOCIAL DO DANO MORAL NA RELAÇÃO DE CONSUMO. 100
3.4 uTILIZAÇÃO DA FUNÇÃO DE DESESTÍMULO NA CONDENAÇÃO POR
DANO MORAL NA RELAÇÃO INDIVIDUAL DE CONSUMO............................102
vi
3.4.1 A APLICAÇÃO DA FUNÇÃO DE DESESTÍMULO COMO GARANTIA DE
ACESSO À JUSTIÇA AO CONSUMIDOR.....................................................................104
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................118
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS.......................................127
vii
RESUMO
Esta Dissertação tem como objeto o Dano Moral decorrente da
Relação Individual de Consumo, e como objetivo analisar a efetiva
possibilidade de aplicação da Função de Desestímulo como critério para
aferir o quantum indenizatório nas condenações por Dano Moral decorrente
da Responsabilidade Civil do Fornecedor na Relação Individual de
Consumo. O relato da pesquisa é feito em três capítulos. A pesquisa
procurou contextualizar, no primeiro momento, as peculiaridades existentes
na Relação de Consumo, sobretudo a respeito da responsabilidade do
Fornecedor por danos causados ao Consumidor. Posteriormente, no
segundo capítulo, tratou-se dos Direitos da Personalidade e das
conseqüências de sua violação no âmbito civil, que ensejam em Dano
Moral. Apresenta-se, ainda, uma análise do instituto do Dano Moral e de
sua respectiva indenização, abordando as funções da condenação. O
terceiro capítulo é destinado a tratar da caracterização do Dano Moral na
Relação de Consumo. A dissertação encerra-se com a verificação da
possibilidade de utilização da Função de Desestímulo como critério de
estipulação do quantum indenizatório. Quanto à metodologia, utilizou-se
na investigação o Método Indutivo, no Tratamento de Dados, o Método
Cartesiano, e no Relatório dos Resultados, a base lógica é a Indutiva, com
o apoio das Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional
e da Pesquisa Bibliográfica.
Categorias/palavras-chave: Consumidor; Dano Moral; Dignidade da
Pessoa Humana; Direito do Consumidor; Direitos Fundamentais; Direitos da
Personalidade; Fornecedor; Função de Desestímulo; Justiça.
ABSTRACT
This dissertation has as object the Moral damage originated of the
Individual Consumption Relation, and as objective the comprovation of the
effective possibility of the Function application of the unincentive as criterion for
gauge the quantum compensatorium in the Moral damage condemnations
originated of the supplier´s Civil responsability in the Individual Consumption
Relation. The research relate is made in three chapters. The research intend to
context in the first moment the existings peculiaritys in the Consumption Relation,
especially concerning about the supplier responsabilities for damages caused for
the Costumer. Afterwards, in the second chapter was treated the Personality’s
Right and its violation consequences in the civil ambit, that occasion a Moral
damage. Introduce it yet an analisis of the Moral damage intuit and its respective
indenization, treating the functions of the condenation. The third chapter is
destinated to treat the characterization of the Moral damage in the consuption
relation. The dissertation terminate with the effective possibility of the Function
application of the unincentive as criterion of the quantum compensatorium
stipulation. Regarding the methodology, the Inductive Method has been
employed to do the research; and the Cartesian Method to handle data. The
Inductive logical background has been applied to the Result Report, being
supported by several techniques as Referent, Category, Operational Concept and
the Bibliographic Research.
Categories/keywords: Consumer; Moral Damage; Dignity of the Human
Person; Consumer Rights; Fundamentals Rights; Personalities Rights;
Supplier; Function of the unincentive; Justice.
INTRODUÇÃO
A presente dissertação tem como objeto
1
a utilização
da Função de Desestímulo na condenação por Dano Moral decorrente de
relação individual de consumo.
O objetivo institucional deste trabalho científico é a
obtenção do Título de Mestre em Ciência Jurídica pelo Programa de
Mestrado em Ciência Jurídica do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Ciência Jurídica – CPCJ/UNIVALI.
O seu objetivo geral é verificar a efetiva possibilidade
de aplicação da Função de Desestímulo como critério para aferir o quantum
indenizatório nas condenações por Dano Moral decorrente da
Responsabilidade Civil do Fornecedor na Relação Individual de Consumo.
Para tanto, principia-se, no primeiro capítulo, tratando
do surgimento do movimento consumerista e a origem do Direito do
Consumidor no ordenamento jurídico brasileiro até o início da vigência da
Lei 8.078/90, que instituiu o Código de Proteção e Defesa do
Consumidor.
Ainda no primeiro capítulo, configura-se a Relação de
Consumo, onde são expostos o conceito e suas características, bem como,
posteriormente, a análise dos sujeitos e objetos desta relação, momento em
1
Nesta Introdução, cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa
jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito. 8. ed. rev. Florianópolis:
OAB/SC Editora, 2003. p.170-181.
que são apresentados os conceitos operacionais das categorias
2
Consumidor, Fornecedor, produto e serviço. O momento inicial do presente
estudo encerra-se com a análise da responsabilidade civil do Fornecedor
por danos causados ao Consumidor e suas peculiaridades, como a regra
da responsabilidade objetiva, sempre partindo das estipulações do próprio
Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
O segundo capítulo tem como foco o exame da
violação aos Direitos da Personalidade, iniciando-se com notas
introdutórias sobre a personalidade jurídica. Segue-se com o estudo
específico dos Direitos da Personalidade, momento em que se apresenta a
sua interligação com os Direitos Fundamentais e com o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana, além de seu conceito, características,
classificação e titularidade.
No mesmo capítulo, abordam-se as conseqüências da
violação dos Direitos da Personalidade no âmbito civil e, especificamente, o
instituto do Dano Moral, iniciando esta análise com notas introdutórias
sobre o dano. Posteriormente, descrevem-se o conceito operacional de
Dano Moral e sua caracterização, com análise das diversas correntes
doutrinárias.
O capítulo termina com o exame da indenização do
Dano Moral e suas funções, abordando a função compensatória e a
punitiva, tratada na presente pesquisa como Função de Desestímulo.
O terceiro capítulo tem como finalidade verificar a
ocorrência de Dano Moral na Relação de Consumo e a possibilidade de
haver critérios próprios que o distanciam das normas do Código Civil
2
PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurí dica: idéias e ferramentas úteis para o
pesquisador do Direito. p.29-58.
2
Brasileiro, além de tratar, de forma destacada, da utilização da Função de
Desestímulo no momento da fixação do valor da condenação.
Para tanto, inicia-se o capítulo com notas introdutórias
sobre a correlação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor com o
Código Civil Brasileiro, no que diz respeito, especialmente, ao Dano Moral.
A partir dessa análise, passa-se a caracterizar a
ocorrência do Dano Moral na Relação de Consumo e a responsabilização
do Fornecedor, seja em decorrência da Responsabilidade pelo fato do
produto ou do serviço, ou pelas práticas comerciais realizadas em todas as
fases da relação.
Na seqüência, é verificada a existência da dimensão
coletiva do Dano Moral, mesmo quando conseqüente de uma relação
individual entre Consumidor e Fornecedor.
Após esta análise, passa-se a apresentar os
fundamentos que justificam o emprego da Função de Desestímulo na
condenação por Dano Moral decorrente da Relação de Consumo, bem
como os critérios que devem ser utilizados para a sua aplicação.
A presente pesquisa se encerra com as Considerações
Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos de cada capítulo,
seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre
o assunto em questão.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na
fase de investigação foi utilizado o Método Indutivo, na fase de tratamento
3
de dados, o Método Cartesiano, e o Relatório dos Resultados expresso na
presente Dissertação é composto na base lógica Indutiva
3
.
Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as
Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da
Pesquisa Bibliográfica
4
.
Enfim, convém ressaltar que, seguindo as diretrizes
metodológicas do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência
Jurídica – CPCJ/UNIVALI, no presente trabalho as categorias fundamentais
são grafadas, sempre, com a letra inicial maiúscula, e seus conceitos
operacionais são apresentados ao longo do texto, nos momentos
oportunos.
3
Sobre os métodos e técnicas nas diversas fases da pesquisa científica, vide PASOLD,
Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do
Direito. p.97-125.
4
Quanto às técnicas mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa
Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito., p.59-71, 29-58 e 97-125,
nesta ordem.
4
CAPÍTULO 1
O DIREITO E A DEFESA DO CONSUMIDOR, E A
CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONSUMO
1.1 O MOVIMENTO CONSUMERISTA E A ORIGEM DO DIREITO DO
CONSUMIDOR
A doutrina consumerista, apesar de indicar precedentes
históricos de proteção aos consumidores
5
e enfatizar a grande influência da
Revolução Industrial do final do século XVIII, que marcou o início do
fenômeno da massificação, destaca que o movimento da sociedade de
consumo no século XX, ocorrido especialmente após a Segunda grande
5
De Lucca afirma que “[...] sempre houve, ao longo dos tempos, numerosas manifestações
voltadas à proteção dos consumidores, desde o direito romano. Mas tratava-se de algo isolado,
fragmentado e anódino, sem nenhuma relação com a realidade do poder econômico dos
agentes produtores, como efetivamente ocorreu a partir da década de 60.” O autor menciona
manifestações de proteção ao consumidor na Bíblia, na Lei das Doze Tábuas, no Código de
Hamurabi, nas Ordenações Filipinas, dentre outras. DE LUCCA, Newton. Direito do
Consumidor. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p.47.
5
Guerra Mundial, pode ser considerado como um dos maiores fenômenos de
impacto social da história da humanidade e ampliação do comércio
6
.
O surgimento da massificação
7
naquela época trouxe
vários progressos para a humanidade, tais como a evolução tecnológica, o
aumento do número de produtos e de serviços, a facilitação do acesso aos
bens de consumo e ao crédito, etc. Todavia, com ela vieram também vários
problemas nocivos ao meio social: falta de informações adequadas sobre a
qualidade, o preço e outros dados essenciais dos produtos e serviços;
aumento dos canais publicitários para os objetos de consumo, colocando-os
como formas de status e até mesmo como projeto de vida; formação de
monopólios e oligopólios, e a carência organizacional da sociedade
consumerista, que se evidenciava pela dispersão das massas.
O mesmo alerta é dado por Grinover e Benjamin:
6
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A proteção ao consumidor no sistema jurídico brasileiro.
Revista de Direito do Consumidor nº43. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 69.
7
Nesse sentido, Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino afirmam que
[...] sob o ponto de vista descritivo, a Sociedade de massa pode ser definida como uma
sociedade em que a grande maioria da população se acha envolvida, seguindo modelos de
comportamento generalizados, na produção em larga escala, na distribuição e no consumo dos
bens e serviços, tomando igualmente parte na vida política, mediante padrões generalizados de
participação, e na vida cultural, através do uso dos meios de comunicação de massa. A
Sociedade de massa surge num estágio avançado do processo de modernização: quer quanto
ao desenvolvimento econômico, com a concentração da indústria na produção de bens de
massa e o emergir de um setor terciário cada vez mais imponente; quer quanto à urbanização,
com a concentração da maior parte da população e das instituições e atividades sociais mais
importantes nas grandes cidades e nas megalópoles; quer quanto à burocratização, com o
predomínio da racionalidade formal sobre a substancial e com a progressiva redução das
margens da iniciativa individual. Este conjunto de condições define o tipo de estilo que
prevalecem nas relações sociais de uma Sociedade de massa. Tendem a perder peso
sucessivamente os vínculos naturais, como os da família e da comunidade local, prejudicados
pelas organizações formais e pelas relações intermediadas pelos meios de comunicação de
massa: daí o notável crescimento das relações mútuas entre sujeitos às vezes sumamente
distantes entre si e, ao mesmo tempo, o empobrecimento e a despersonalização dessas
interações, que envolvem apenas aspectos parciais e limitados da personalidade dos
indivíduos”. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
Política. Trad. Carmen C. Varriale, Gaetâno Lo Mônaco, João Ferreira, Luis Guerreiro Pinto
Cascais Renzo Dini. 10. ed. Brasília: Editora UNB, v. 2, 1997. p 1211. Título do original:
Dizionario di Política.
6
A sociedade de consumo, ao contrário do que se imagina, não
trouxe apenas benefícios para os seus atores. Muito ao revés, em
certos casos, a posição do consumidor, dentro desse modelo,
piorou em vez de melhorar. Se antes fornecedor e consumidor
encontravam-se em uma situação de relativo equilíbrio de poder
de barganha (até porque se conheciam), agora é o fornecedor
(fabricante, produtor, construtor, importador e comerciante) que,
inegavelmente, assume a posição de força na relação de consumo
e que, por isso mesmo, “dita as regras”. E o direito não pode ficar
alheio a esse fenômeno.
8
Assim, a proteção aos direitos dos consumidores
necessitava da tutela do Estado e passou a ser tratada como questão
política. A esse respeito, grande marco foi o discurso de Jonh Kennedy, em
1962, quando fez a famosa Declaração dos Direitos Internacionais do
Consumidor
9
.
Outro momento marcante foi a aprovação pela
Organização das Nações Unidas ONU da Resolução n. 2.542, de 11 de
dezembro de 1969, bem como o reconhecimento, em 1973, dos direitos
fundamentais e universais do Consumidor que deram origem, mais tarde, à
Resolução nº39/248 da ONU, que foi aprovada em sessão plenária de 9 de
abril de 1985, conferindo o status de direito da humanidade ao direito dos
consumidores.
No mesmo sentido, a União Européia, por intermédio de
suas diretivas, passa a demonstrar preocupação em garantir eficiência e
homogeneidade na defesa do Consumidor, tendo elegido três objetivos para
serem realizados em médio prazo: a busca de um elevado nível de tutela do
8
GRINOVER, ADA Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado
pelos autores do anteprojeto. 8. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p 6.
9
No discurso, Kennedy identificou os pontos mais importantes: 1º) os bens e serviços colocados
no mercado devem ser sadios e seguros para o uso; 2º) que a voz do consumidor seja ouvida
no processo de tomada de decisão governamental que determina o tipo, a qualidade e o preço
dos bens e serviços colocados no mercado; 3º) tenha o consumidor o direito de ser informado
sobre as condições e serviços; 4º) o direito a preços justos. DE LUCCA, Newton. Direito do
Consumidor. p.47.
7
Consumidor; a busca da efetiva aplicação das normas de direito do
Consumidor; assegurar a participação das instituições de consumidores nas
políticas européias
10
.
Nesse contexto, passa-se a reconhecer a
vulnerabilidade do Consumidor diante do fenômeno da industrialização e,
decorrente dele, o maior poderio econômico dos fornecedores em geral,
concebendo o Direito do Consumidor na classe dos direitos
fundamentais
1112
.
Já Bobbio
13
, classificando os direitos em gerações,
enquadra a proteção ao Consumidor como direito de terceira geração, que
corresponde aos direitos transindividuais
14
ligados à modernidade
15
.
10
FROTA, Mário. O Tratado de Nice e o plano qüinqüenal de ação: 2002-2006. Revista de
direito do consumidor n. 48, p. 32. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003
11
Ver MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. 4. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 210 e 211.
12
O conceito operacional para Direitos Fundamentais são “[...] aquelas posições jurídicas
concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por
seu conteúdo e importância (fundamentalidade material, integrados ao texto da Constituição e,
portanto, retiradas da esfera da disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade
formal), bem como as que, por seu objeto e significado, possam lhes ser equiparados, tendo, ou
não, assento na Constituição formal.” SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais
Sociais na Constituição de 1988. Revista de Direito do Consumidor n. 30. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1999. p. 99
13
Bobbio menciona que “os direitos não nascem todos de uma vez”, e em razão disso, classifica
os direitos de cunho social em quatro gerações. O autor justifica o processo de multiplicação dos
direitos como tendo três razões: aumento de bens a serem tutelados, aumento do nú mero de
sujeitos de direito e ampliação dos status dos sujeitos. Vide BOBBIO, Norberto. A era dos
Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. (Título original: L`età Del
Diritti.) p. 6
14
Transindividuais são os interesses e direitos que ultrapassam os limites de indivíduos
considerados isoladamente. Os direitos transindividuais são divididos em espécies: difusos (são
aqueles em que há uma indeterminabilidade dos titulares e indivisibilidade do objeto), coletivos
(em que é titular uma categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis) e
individuais homogêneos (decorrentes de origem comum), na forma da regra enunciativa do
parágrafo único do artigo 81 da Lei 8.078/90.
15
Sobre as gerações do direito, mesmo havendo pequenas discordâncias a respeito do número
de gerações ou dimensões, ver: CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito
Constitucional. Curitiba: Juruá, 2002; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.
12 ed. São Paulo: Malheiros, 2002; WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução aos Fundamentos
8
Portanto, atendendo às substanciais alterações no
cotidiano da sociedade e necessitando de tutela específica, o direito do
Consumidor, considerado como incluído no conjunto dos direitos de
cidadania, erige-se à condição de direito de cunho fundamental e exige
proteção efetiva do Estado
16
.
1.2 O DIREITO DO CONSUMIDOR NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
No Brasil, acompanhando a tendência mundial, o tema
também é recente. Até o advento da Lei nº8.078/90, a tutela do Consumidor
era realizada no campo penal e no campo administrativo, por intermédio de
medidas punitivas. Na esfera cível, a proteção se dava por intermédio de
medidas de compensação dos danos causados.
de uma Teoria Geral dos “novos” direitos. In: WOLKMER, Antonio Carlos e LEITE, José Rubens
Morato (Coord.). Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas: uma visão nova
das novas conflituosidades jurídicas. São Paulo: Saraiva, 2003, e SARLET, Ingo Wolfgang. A
eficácia dos direitos fundamentais. 3 ed. rev. atul. e ampl. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003. Lorenzetti faz crítica à classificação dos direitos em gerações por não
encontrar utilidade nessa classificação, por não ser possível utilizá-los pra “solucionar um caso
concreto”. LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. Trad. Vera Maria
Jacob de Fedrera. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p.291. Título do Original: Las normas
fundamentales de derecho privado.
16
Alguns autores preferem o tratamento do Direito do Consumidor dentro do contexto de “novos
direitos”, abordando o tema cidadania. A respeito do assunto ver OLIVEIRA JUNIOR, José
Alcebíades de. Teoria jurídica e novos direitos. Rio de Janeiro: Lùmen Juris, 2000;
WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução aos fundamentos de uma teoria geral dos “novos”
direitos. In: Os “novos” direitos no Brasil: natureza e perspectivas: uma visão nova das
novas conflituosidades jurídicas, e BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações constitucionais: novos
direitos e acesso à Justiça. Florianópolis: Habitus, 2001, que, apesar de considerar a expressão
“novos” direitos como sendo da moda, na p.77 adverte: “[...] é necessária uma adequada tutela
jurídica daqueles que são hoje chamados de ’novos’ direitos, porque eles correspondem a
direitos que decorrem da relação de cidadania”. Para Cavalieri, “Na constelação dos novos
direitos, o direito do consumidor é sem dúvida uma estrela de primeira grandeza, já pela sua
finalidade, já pela sua amplitude do seu campo de incidência, embora muitos juristas não a
queiram enxergar”. CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 5. ed.
rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2004. p.462.
9
Logo, verifica-se a insuficiência do sistema do direito civil
para dar resposta adequada aos novos problemas decorrentes das relações
de consumo
17
.
Atendendo a essa necessidade social que já tomava
corpo, surge, em 1978, o primeiro órgão de proteção ao Consumidor com a
criação do Procon (Grupo Executivo de Proteção e Orientação ao
Consumidor de São Paulo). Já no âmbito federal, só em 1985 foi criado o
Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, por intermédio do Decreto
91.469
18
.
Porém, apesar de vários doutrinadores apresentarem
outras leis ou situações pontuais concernentes à defesa do Consumidor
19
,
não resta dúvida de que foi com a inserção desta matéria na Constituição da
17
Donato ressalta que é “Insuficiente, vez que omisso relativamente à normatização que se fazia
mister, diante da transmutação operada na realidade fática. Vale dizer, estávamos à mercê de
todas as sortes de danos provocados individuais, coletivos e difusos e nosso sistema
normativo pouco ou quase nada oferecia para reparar essas lesões”. DONATO, Maria Antonieta
Zanardo. Proteção ao Consumidor: conceito e extensão. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1994, p. 19. Lorenzetti também aponta algumas das transformações ocorridas em relação ao
direito civil com o advento do microssistema de proteção do consumidor: Instalação de uma
ordem protetiva que derroga o princípio geral da igualdade dos cidadãos; fixação de sistemas de
módulos abertos para a qualificação de cláusulas contratuais abusivas; controle administrativo
prévio de cláusulas abusivas; legitimação de associações de consumidores que não tiveram
vínculos convencionais prévios; fixação de responsabilidade por danos ao fabricante, ao
distribuidor, ao atacadista, ao titular da marca, mesmo que não tenham celebrado nenhum
contrato com o consumidor, o que é totalmente oposto ao princípio do efeito relativo do contrato
do direito civil, etc. LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. p. 47-48.
18
ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003. p.
9.
19
Bittar faz referência em ordem cronológica a uma extensa relação de normas esparsas com
pertinência à regulamentação da Relação de Consumo, desde o Decreto nº 22.626 de 1933, que
limitava os juros em contratos até o advento do Código de Defesa do Consumidor. In BITTAR,
Carlos Alberto. Direitos do Consumidor. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991. p.
16/17.
1
República Federativa do Brasil de 1988
20
21
que sua relevância foi
conquistada.
Crescente, naquela oportunidade, o movimento
consumerista nacional conseguiu que a Defesa do Consumidor fosse
inserida na Constituição de 1988 como dever do Estado, além de estar
inserida dentro dos direitos e garantias constitucionais fundamentais. Em
quatro dispositivos constitucionais, estão esculpidas previsões a respeito da
matéria
22
:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXXII o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor;
Art. 24. Comete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
[...]
VIII responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a
existência digna, conforme ditames da justiça social, observados
os seguintes princípios:
[...]
V- defesa do consumidor
Atos das Disposições Constitucionais Transitórias
20
De acordo com De Lucca, no âmbito constitucional, apenas Portugal e Espanha possuíam em
suas Constituições, dispositivos em favor da proteção dos consumidores. DE LUCCA, Newton.
Direito do Consumidor, p. 61.
21
Doravante nas referências à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, serão
utilizados apenas os termos Constituição de 1988, Constituição da República ou CRFB.
22
Além dos artigos transcritos, mesmo que indiretamente, o art. 173, § 4º, da CRFB, está
igualmente vinculado à defesa do Consumidor, já que o texto constitucional ainda estabelece
que o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da
concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros será reprimido por lei. Por sua vez, o art. 150,
que trata das limitações do poder de tributar por parte do Poder Público e no âmbito da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, estabelece, em seu § 5º, que a “[...] lei determinará
medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre
mercadorias e serviços”.
1
Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da
promulgação da Constituição, elaborará o código de defesa do
consumidor.
Búrigo enfatiza a relevância dos princípios para nortear a
interpretação da norma:
O fundamento constitucional de proteção ao Consumidor
certamente deve ser interpretado sistematicamente, ou seja, à luz
dos demais Princípios norteadores da atividade econômica e dos
direitos e garantias fundamentais. Não há hierarquia entre as
normas constitucionais, mas sim compatibilidade para que todos os
objetivos sejam alcançados.
23
24
Pontual, também, é a observação de Barletta:
Não resta a menor dúvida que o Texto Constitucional
expressamente reconheceu que o consumidor não pode ser
protegido pelo menos adequadamente com base apenas em
um modelo privado ou em leis esparsas, muitas vezes lacunosas
ou contraditórias. O constituinte, claramente, adotou a concepção
da codificação, nos passos da melhor doutrina estrangeira,
admitindo a necessidade da promulgação de um arcabouço geral
para o regramento do mercado de consumo.
25
26
23
BÚRIGO, Andréa Maria Limongi Pasold. Aplicaç ão dos princípios do Código de Defesa do
Consumidor à pessoa jurídica. Itajaí, 2003. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Ciência
Jurídica) – Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, Universidade do Vale do
Itajaí. Itajaí. p. 88.
24
O Conceito Operacional adotado para Princípio Jurídico é o “mandamento nuclear de um
sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe
confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de
Direito Administrativo. 4 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 408-409.
25
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A revisão contratual no Código Civil e no Código de
Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 111.
26
A respeito da incidência dos princípios constitucionais de proteção ao Consumidor, ver NUNES,
Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2004 que faz,
ainda, a seguinte observação: “Não será possível interpretar adequadamente a legislação
consumerista se não se tiver em mente esse fato de que ela comporta um subsistema no
ordenamento jurídico, que prevalece sobre os demais exceto, claro, o próprio sistema da
Constituição, como de resto qualquer norma jurídica de hierarquia inferior –, sendo aplicável às
outras normas de forma supletiva e complementar”. p. 65.
1
Nessa ordem de idéias, mesmo com atraso com relação
à previsão constitucional, a nova lei consumerista acabou sendo
sancionada, com vetos parciais, como Lei 8.078, de 11 de setembro de
1990 Código de Proteção e Defesa do Consumidor
27
, entrando em vigor
180 dias após a sua publicação, em 11 de março de 1991.
1.3 NOÇÕES GERAIS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O que se verifica com o advento de lei específica para
regular as relações de consumo é que o Direito do Consumidor passa a ter
um controle mais efetivo por parte do Estado, ao contrário do direito civil em
que há, em regra, autonomia de vontade das partes.
Assim, o modelo adotado no Brasil foi do
intervencionismo estatal, que é fundado em normas imperativas de controle
do relacionamento Consumidor-Fornecedor. Isso se justifica, pois não há
no mundo país que proteja os seus consumidores apenas com o modelo
privado de auto-regulamentação entre as partes (consumidores e
fornecedores). Em intensidade maior ou menor, todos os países possuem
leis que de alguma forma significam o regramento do mercado pelo
Estado
28
.
Entretanto, o Código de Defesa do Consumidor tem
tanta abrangência que pode ser, inclusive, oponível ao próprio Estado, da
mesma forma que os direitos individuais
29
.
27
Doravante será tratado apenas como CDC ou Código de Defesa do Consumidor.
28
GRINOVER e BENJAMIN in GRINOVER, ADA Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa
do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 2004. p 8.
29
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direito do Consumidor. 5. ed. São Paulo: Atlas,
2001. p.56.
1
O CDC é um microssistema
30
autônomo, composto de
normas de ordem pública e interesse social
31
. Portanto, são normas
inderrogáveis pela vontade dos interessados de determinada Relação de
Consumo e devem ser aplicadas de ofício pelo juiz
32
.
Além disso, é importante esclarecer que o Código de
Defesa do Consumidor não se limitou a distinguir quais os direitos básicos
do Consumidor. Possui estrutura e conteúdo de maior abrangência, como
destacam Grinover e Benjamin:
Entre suas principais inovações cabe ressaltar as seguintes:
formulação de um conceito amplo de fornecedor, incluindo, a um
só tempo, todos os agentes econômicos que atuam, direta ou
indiretamente, no mercado de consumo, abrangendo inclusive as
operações de crédito e securitárias; um elenco de direitos básicos
dos consumidores e instrumentos de implementação; proteção
contra todos os desvios de quantidade e qualidade (vícios de
qualidade por insegurança e vícios de qualidade por inadequação);
melhoria do regime jurídico dos prazos prescricionais e
decadências; ampliação das hipóteses de desconsideração da
personalidade jurídica das sociedades; regramento do marketing
(oferta e publicidade); controle das práticas e cláusulas abusivas,
banco de dados e cobrança de dívidas de consumo; introdução de
um sistema sancionatório administrativo e penal; facilitação do
30
De acordo com Nery Júnior: “O CDC é lei composta por normas oriundas de vários ramos do
direito tradicional: civil, comercial, econômico, administrativo, penal, processual civil, processual
penal etc. Tem natureza de microssistema, isto é, de lei que procura regular, tanto quanto
possível, completamente a matéria que se ocupa”. NERY JÚNIOR, Nelson. A Defesa do
Consumidor no Brasil. Revista de Direito Privado nº18. São Paulo: Revista dos Tribunais.
2004, p. 221.
31
É o que ficou expressamente estabelecido logo no art. do CDC: “O presente Código
estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social,
nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas
Disposições Transitórias”. Lei nº 8.078/90.
32
Normas de ordem pública, também chamadas de normas cogentes, taxativas ou imperativas
são ”[...] as normas que se impõem por si mesmas, ficando excluído qualquer arbítrio individual.
São aplicadas ainda que pessoas eventualmente beneficiadas não desejassem delas valer-se”.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 39. Já no
tocante ao interesse social do CDC, Filomeno assevera que “[...] visa a resgatar a imensa
coletividade de consumidores da marginalização não apenas em face do poder econômico,
como também dotá-la de instrumentos adequados para o acesso à justiça do ponto de vista
individual e, sobretudo, coletivo”. FILOMENO, José Geraldo Brito et alli. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. rev. atual. ampl. Rio
de Janeiro: Forense, 2004.p 27.
1
acesso à justiça para o consumidor; incentivo à composição
privada entre consumidores e fornecedores, notadamente com a
previsão de convenções coletivas de consumo.
33
Com efeito, a partir da entrada em vigor do Código de
Defesa do Consumidor, que criou regras próprias
34
, não há possibilidade de
se tutelar as relações de consumo diretamente por outra lei, apenas
subsidiariamente quando houver lacuna
35
. Retira-se, dessa forma, sobretudo
do Código Civil Brasileiro
36
, a tutela dos consumidores, pois neste código
sobressai o pressuposto de que as partes de uma relação estão em
situação de igualdade, enquanto naquele, o que se tem é o reconhecimento
absoluto da situação de vulnerabilidade do Consumidor diante do
Fornecedor, com o objetivo de harmonizar e dar maior transparência a essa
relação.
O reconhecimento da vulnerabilidade
37
do Consumidor
perante o Fornecedor é o que norteia as normas do CDC. Com base nesse
33
GRINOVER, Ada Pellegrini et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado
pelos autores do anteprojeto. 2004. p 11.
34
Para Nery Júnior, o CDC é lei principiológica, portanto, submete ao seu império todas as
demais normas que se destinarem, de forma específica, a regular determinado setor das
relações de consumo. NERY JÚNIOR, Nelson. A Defesa do Consumidor no Brasil. Revista de
Direito Privado nº18. p. 227.
35
Nunes enfatiza essa concepção, atestando que desde a entrada em vigor do CDC “não se
cogita mais em pensar as relações de consumo como reguladas por outra lei”. Atesta, ainda, ser
o CDC um microssistema dentro do quadro constitucional. Assim, as demais normas devem ser
aplicadas apenas quando houver lacunas no sistema consumerista. NUNES, Luiz Antonio
Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. p. 69. Marques, no mesmo sentido, comenta: “Se a
relação é de consumo aplica-se prioritariamente o CDC e só, subsidiariamente, no que couber e
for complementariamente necessário, o NCC/2002”. MARQUES. Claudia Lima. Diálogo entre o
Código de Defesa do Consumidor e o novo Código civil: Do “Diálogo das Fontes” no combate às
cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor nº45. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003. p. 92
36
Doravante, será chamado simplesmente também de Código Civil ou CCB.
37
O princípio da vulnerabilidade do consumidor tem previsão legal no art. 4º, I do CDC, inserido
no Título I dos Direitos do Consumidor, no Capítulo II da Política Nacional de Relações de
Consumo.
1
pressuposto elementar, de que o consumidor sempre será a parte
vulnerável, é possível proporcionar o equilíbrio na Relação de Consumo.
Portanto, para que se promova a correta interpretação e
a efetiva utilização do Código de Defesa do Consumidor, faz-se necessário,
primeiramente, caracterizar essa relação.
1.4 RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
Convém, para melhor análise, ter como ponto de partida
a definição de o que vem a ser uma “relação jurídica”, que, na lição de
Montoro, é o vínculo entre pessoas por força do qual uma pode pretender um
bem a que a outra é obrigada
38
.
Dito de outra forma, para Lisboa, é “[...] o vínculo entre
duas partes estabelecido por lei ou pela vontade humana, que importa na
transmissão de algum bem, a título provisório (transitório) ou definitivo
(permanente), para a satisfação de interesses”
39
.
Partindo dessa premissa, é fato que a Relação de
Consumo nasce basicamente da relação jurídica entre consumidores e
fornecedores, tendo como objeto a oferta de produtos ou serviços
40
.
38
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 23 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995, p. 465.
39
LISBOA, Roberto Senise. Relação de consumo e Proteção Jurídica do Consumidor no
Direito Brasileiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 1.
40
Entretanto, não há como restringir tão simplesmente a Relação de Consumo. Como bem
observa De Lucca, “Sob certo ângulo de análise, o interesse dos consumidores, em geral,
penetra em quase tudo: no direito à saúde; à previdência e à assistência sociais; à educação
etc.; são todos, de certa maneira, direitos de consumidores, tomada aqui essa expressão em
sua acepção mais ampla; o direito de defender-se da publicidade considerada enganosa ou
abusiva, por exemplo, é, também, um direito dos consumidores, considerado o termo
consumidor’ no sentido que lhe empresta o CDC, para os efeitos de gozar da proteção que esse
diploma legal estabelece”. DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. p. 75.
1
Entretanto, o Código de Defesa do Consumidor não
apresenta conceito específico de Relação de Consumo, restando à doutrina
a construção de sua definição, levando em consideração os princípios e
enunciações que norteiam o código.
O CDC classificou e conceituou
41
os elementos que
foram considerados mais relevantes para, de certa forma, instituir
paradigmas capazes de determinar quem seriam os sujeitos da relação
jurídica de consumo (Consumidor e Fornecedor) e o que poderia servir de
objeto (produtos e serviços).
Assim, de forma sucinta, para Nunes, “[...] haverá Relação
Jurídica de Consumo sempre que se puder identificar num dos pólos da relação
o Consumidor, no outro, o Fornecedor, ambos transacionando produtos e
serviços”
42
.
Para Cretella Júnior:
Denomina-se relação de consumo a relação jurídica que se forma
entre fornecedor e consumidor, devendo, este último, ser pessoa
física ou jurídica adquirente ou utente, do produto ou serviço,
como destinatário final, equiparando-se lhe a coletividade de
pessoas, ainda que indeterminável, desde que passe a integrar
essa relação.
43
Mais abrangente é a definição de Bonatto e Moraes:
Relação Jurídica de consumo é o vínculo que se estabelece entre
41
Filomento esclarece que: “Embora se saiba ser em princípio desaconselhável constar
definições em uma lei (‘ominia definitio periculosa est’), são elas essenciais no Código Brasileiro
do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990). E isso até por razões didáticas,
preferindo-se então definir consumidor’, mas do ponto de vista exclusivamente econômico,
dando-se ainda máxima amplitude à outra parte do que se convencionou denominar relações de
consumo, ou seja, o fornecedor de produtos e serviçosIn FILOMENO, José Geraldo Brito et
alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do
anteprojeto..p 17.
42
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor: p. 71.
43
CRETELLA Jr. José. Comentários ao Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
p. 9.
1
um Consumidor, destinatário final, e entes a ele equiparados, e um
Fornecedor, profissional, decorrente de um ato de consumo ou
como reflexo de um acidente de consumo, a qual sofre a incidência
da norma jurídica específica, com o objetivo de harmonizar as
interações naturalmente desiguais da Sociedade moderna de
massa.
44
E assim, para compreender a delimitação do que vem a
ser Relação de Consumo e estabelecer a incidência do Código de Defesa
do Consumidor, faz-se necessário circunscrever os conceitos de
Consumidor e Fornecedor (sujeitos da relação), e de produto e serviço
(objeto da Relação de Consumo).
Afinal, não pode ser considerado Consumidor quem
simplesmente adquire um produto ou serviço como destinatário final, e sim
quando existe uma Relação de Consumo, ou seja, quando o Consumidor se
contrapõe ao Fornecedor.
Para tanto, passa-se, então, a abordar os elementos
integrantes da Relação de Consumo.
1.5 SUJEITOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO
Após tecer linhas gerais a respeito da Relação de
Consumo, denota-se ser necessário definir os elementos que compõem
essa relação
45
. Conforme define Lisboa, trata-se dos elementos subjetivos,
ou seja, Consumidor e Fornecedor, como partes de cada pólo da relação
44
BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de
Defesa do Consumidor: principiologia, conceitos, Contratos atuais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2003. p.63.
45
Coelho destaca que a incidência do regime jurídico decorre do conceito legal de Relação de
Consumo, que aproxima o Fornecedor e o Consumidor, e determina a aplicação do CDC. E
ressalta: “ Se na relação negocial os sujeitos não se enquadram nos conceitos de consumidor e
de fornecedor, a regência cabe ao direito cível”. COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito
Comercial. v 3. 3 ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 19.
1
jurídica de consumo
46
.
1.5.1 Conceito de Consumidor
A expressão “Consumidor” possui vários sentidos e pode
ser definida sob critérios distintos
47
. Justamente por isso, para evitar
interpretações distintas do que efetivamente pretendido, o CDC apresenta
conceitos de “Consumidor”. Entretanto, tendo em vista a necessidade de a
expressão significar o exato sentido que se exige em cada situação, não o
fez em apenas um dispositivo. Assim, o CDC tem quatro definições de
Consumidor: a) art. 2º, caput; b) art. 2º, parágrafo único; c) art. 17 e d) art.
29.
Deste modo, passa-se a distinguir o conceito de
Consumidor de acordo com os sentidos a ele designados
48
. Assim, divide-se
o conceito de Consumidor em Consumidor-padrão
49
e Consumidor por
equiparação.
1.5.1.1 Consumidor- Padrão
De início, Filomeno ressalta que o CDC adotou o
46
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p.127.
47
Apesar da possibilidade de elencar o conceito de Consumidor baseado em outros campos de
conhecimento, no sentido etimológico, sociológico, psicológico e filosófico, restringe-se a
abordagem aos campos econômico (adotado pelo CDC) e jurídico. E, ainda, quanto às
definições dos elementos da Relação de Consumo, tendo em vista o fato de o próprio CDC
trazer algumas conceituações, sempre se partirá das proposições da própria lei para depois
fazer o cotejo doutrinário.
48
Como destaca Efing, estando os conceitos inseridos na própria lei, as explicações doutrinárias
deles devem partir. Descartando, desse modo, a análise de conceitos baseados em normas
estrangeiras. In: EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das relações de Consumo.
Curitiba: Juruá, 2004. p.41.
49
Além de definir como consumidor-padrão, alguns autores denominam o conceito de consumidor
previsto no caput do art. 2º do CDC como conceito “standard” ou conceito “stricto sensu”.
1
conceito de Consumidor de caráter exclusivamente econômico, ou seja,
aquele que adquire bens ou contrata serviços como destinatário final, para
atender a uma necessidade própria
50
.
Este é o conceito definido no caput do art. do CDC:
“Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto
ou serviço como destinatário final”.
Portanto, Consumidor-padrão é “[...] o sujeito de direito
que encerra a cadeia econômica de consumo, retirando de circulação um
produto ou um serviço obtido junto a um fornecedor”
51
.
E ainda tendo como base o conceito acima, Consumidor
não é apenas quem adquire o produto do mercado de consumo ou contrata
o serviço, como também aquele que utiliza o produto ou usufrui o serviço. Já
neste ponto, percebe-se a maior abrangência ao conceito, pois quem recebe
um presente ou amostra grátis, mesmo que não tenha adquirido, também é
considerado Consumidor.
Contudo, apesar da conceituação objetiva do art. 2º,
visando a facilitar a compreensão, ele não foi suficiente para evitar
controvérsias. A polêmica maior reside na delimitação de quem pode ou não
ser considerado “destinatário final” e na configuração de pessoa jurídica
como consumidora.
Desde logo, exclui-se do conceito de Consumidor o
sujeito de Direito que adquire bens com o objeto de revenda, pois esse será
50
FILOMENO, José Geraldo de Brito et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. p.27. E linhas adiante, ressalta que destinatário final é
o destinatário fático, ou seja, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome. p. 34
51
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. p.139.
2
mero intermediário do ciclo de produção
52
.
Partindo desta análise, maior relevância deve ser dada à
expressão “destinatário final”. Para Almeida, destino final ocorre quando é:
[...] para uso próprio, privado, individual, familiar ou doméstico, e
até para terceiros, desde que o repasse não se dê por revenda.
Não se incluíram na definição legal, portanto, o intermediário e
aquele que compra com o objetivo de revender após montagem,
beneficiamento ou industrialização. A operação de consumo deve
encerrar-se no consumidor, que utiliza ou permite que seja
utilizado o bem ou serviço adquirido, sem revenda. Ocorrida esta,
consumidor será o adquirente da fase seguinte, já que o consumo
não teve, até então, destinação final.
53
Marques, servindo de fonte para boa parte da doutrina,
conceitua destinatário final da seguinte forma:
O destinatário final é o Endverbraucher, o consumidor final, o
que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente
utilizá-lo (destinatário final fático), aquele que coloca um fim
na cadeia de produção (destinatário final econômico) e não
aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele
não é o consumidor-final, ele está transformando o bem,
utilizando o bem para oferecê-lo por sua vez ao seu cliente,
seu consumidor.
54
Em que pesem a profundidade e a compreensão do
conceito legal, Marques identifica duas correntes doutrinárias que divergem
quanto à relevância e ao alcance da expressão “destinatário final” e,
conseqüentemente, quanto ao campo de abrangência do CDC
55
.
A primeira corrente, chamada de finalistas ou
52
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. p. 73.
53
ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. p. 38.
54
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime
das relações contratuais. p. 279.
55
Ver MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. p. 253.
2
minimalistas, propõe uma interpretação restritiva da expressão “destinatário
final”. Dessa forma, o conceito de consumidor fica restrito aos destinatários
finais que sejam vulneráveis em uma Relação de Consumo, ou seja, apenas
aos que adquirem ou utilizam produtos ou serviços fora de sua atividade
profissional.
Tal tendência sustenta que, restringindo o campo de
aplicação do CDC, assegura-se um nível mais alto de proteção aos
efetivamente vulneráveis na Relação de Consumo, verdadeiros destinatários
da norma protetiva.
Em contraponto, a teoria maximalista é construída
segundo o pressuposto de que o Código de Defesa do Consumidor deve ser
aplicado de forma mais ampla, caracterizado como um código elaborado
para a sociedade de consumo, instituindo normas gerais para todos os
agentes de mercado
56
.
Nesse sentido, consideram que o conceito do caput do
art. deve ser interpretado de forma objetiva, e o mais abrangente
possível, pouco importando se o adquirente tem ou não finalidade de lucro
nesta aquisição. Diante disso, destinatário final seria o destinatário fático, ou
seja, aquele que retira o produto do mercado de consumo ou que contrata
ou utiliza serviço ofertado.
Considerando os fundamentos expostos pelas duas
doutrinas, é possível perceber a polêmica existente no tocante à aplicação
do CDC às pessoas jurídicas, apesar de estar explícito no artigo em análise
que o conceito de Consumidor as abrangem tanto quanto as pessoas
56
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime
das relações contratuais. p. 255.
2
físicas
57
.
De plano, percebe-se que a doutrina finalista tende a
restringir a incidência do CDC às pessoas jurídicas como consumidoras.
Afinal, as pessoas jurídicas, em regra, não poderiam ser consideradas
economicamente mais fracas, sobretudo quando integram a cadeia
produtiva, abrindo exceção apenas para associações, fundações sem fins
lucrativos ou, em certos casos, para pequenas empresas
58
.
Entretanto, sem que seja possível convergir as duas
correntes, a doutrina (finalista e maximalista) e a jurisprudência pátria
fundamentam a aplicação do CDC às pessoas jurídicas tendo como norte o
reconhecimento da vulnerabilidade do Consumidor e desde que a aquisição
do produto ou serviço não tenha como finalidade a produção de outros
produtos ou serviços
59
.
Filomeno enfatiza essa posição, destacando que a
interpretação deve ser objetiva e caso a caso. E, adiante, considera
essencial verificar se o “Consumidor-Fornecedor” na hipótese concreta
adquiriu bem de capital ou não e se contratou serviço, se foi para satisfazer
sua necessidade ou foi por imposição de lei ou pela natureza de seu
negócio
60
.
Na mesma linha, mesmo considerando que o CDC deve
57
Especificamente sobre esse tema, ver: BÚRIGO, Andréa Maria Limongi Pasold. Aplicação dos
Princípios do Código de Defesa do Consumidor à Pessoa Jurídica.
58
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo, p.141.
59
Nunes aborda com profundidade, utilizando vários exemplos práticos, situações em que a
pessoa jurídica, mesmo podendo ser caracterizada como destinatário final, adquire, no mercado
de consumo, bens de produção para outro produto ou serviço e, portanto, descaracteriza a
Relação de Consumo nesses casos. Vide NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do
Consumidor. p. 72 a 83.
60
FILOMENO, José Geraldo de Brito et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. p.35.
2
ser aplicado apenas excepcionalmente às pessoas jurídicas, Bonatto e
Moraes, tentando dirimir a questão, ponderam que se faz necessário, para
configurar a pessoa jurídica como consumidora, que estejam cumulados
dois critérios: que seja destinatário final e que seja vulnerável diante do
Fornecedor. E para ratificar esse entendimento, acrescentam:
Desta forma, nem toda pessoa jurídica aparentemente vulnerável
será consumidora, eis que poderá sua atividade ordinária possuir
afinidade com o produto ou serviço adquiridos, assim como nem
toda pessoa jurídica aparentemente não-vulnerável poderá ter
recusada a condição de consumidora, quando os bens ou serviços
adquiridos estejam completamente afastados da realidade
cotidiana e produtiva da empresa.
61
Por outro lado, Lisboa destaca que o reconhecimento da
vulnerabilidade do Consumidor é presunção absoluta, tendo em vista o
domínio da tecnologia e da informação que os fornecedores possuem com
relação aos seus produtos e serviços
62
.
Entretanto, o mesmo autor lembra que a vulnerabilidade
é conseqüência do reconhecimento da Relação de Consumo, e nessa
condição não deve se constituir em critério legal para definir quem pode ou
não ser considerado consumidor.
Assim, visando a dar solução ao problema, e após
sopesar diversos argumentos a respeito, conclui que o CDC só não incide
em benefício de quem adquire ou utiliza o produto ou serviço para recolocá-
lo no mercado de consumo, mesmo que transformado. E, por conseqüência,
para ser Consumidor basta preencher os elementos exigidos pela norma
consumerista
63
.
61
BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de
Defesa do Consumidor. p.81.
62
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. p.145.
63
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. p.163.
2
1.5.1.2 Consumidor por equiparação
Como já mencionado, a definição objetiva do caput do
art. não serve para delimitar o âmbito de aplicação do CDC, pois haverá
situações, compreendidas pelo código, em que o requisito da destinação
final não terá relevância. A norma protetiva tem maior abrangência, não se
destina a proteger apenas quem praticou o ato de consumo, mas também
os potencialmente consumidores e os que sofrem os reflexos da Relação de
Consumo
64
. Estes conceitos de consumidores por equiparação estão
inseridos nos seguintes dispositivos do CDC: art. 2º, parágrafo único, art. 17
e art. 29.
1.5.1.2.1 Da Coletividade de pessoas
O art. 2.º, parágrafo único, equipara a Consumidor “[...] a
coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo”.
65
A inclusão deste dispositivo visa a proteger a
massa de consumidores, mesmo que indetermináveis, que estejam sujeitos
às práticas lesivas dos fornecedores ou que sejam afetadas na Relação de
Consumo.
Sobre essa equiparação, Filomeno explica da seguinte
forma:
[...] o que se tem em mira no parágrafo único do art. 2° é a
universalidade, conjunto de consumidores de produtos e serviços,
64
De acordo com Marques esta extensão do campo de aplicação do CDC deve-se ao fato de que
muitas pessoas, mesmo não sendo consumidoras diretamente, podem ser prejudicadas pelas
atividades dos fornecedores. E nesta condição, pessoas e grupos podem intervir na relação de
consumo, ficando em posição vulnerável em relação aos fornecedores. MARQUES, Cláudia
Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 290. Para Lisboa, as equiparações
legais ao Consumidor resultam da implementação do Estado Social do Direito, consagrando-se
a proteção dos interesses da massa de consumidores. LISBOA, Roberto Senise.
Responsabilidade civil nas relações de consumo. p.165.
65
Art. 2º, parágrafo único da Lei nº 8.078/90.
2
ou mesmo grupo, classe ou categoria deles, e desde que
relacionados a um determinado produto ou serviço, perspectiva
essa extremamente relevante e realista porquanto é natural que se
previna, por exemplo, o consumo de produtos ou serviços
perigosos ou então nocivos, beneficiando-se assim abstratamente
as referidas universalidades e categorias de potenciais
consumidores.
66
Com efeito, a regra prevista nesse dispositivo viabiliza a
tutela difusa e coletiva dos consumidores, seja no âmbito administrativo,
seja no penal e no processual, com previsão no CDC
67
. Abrange uma
universalidade de pessoas, sejam pessoas físicas, sejam jurídicas ou entes
despersonalizados, basta apenas que, de alguma forma, intervenham na
Relação de Consumo como consumidores.
1.5.1.2.2 Das vítimas de acidente de consumo
Estabelece o artigo 17 do CDC que, “Para os efeitos
desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”
68
.
A seção na qual o artigo está inserido trata da responsabilidade pelo fato do
produto ou do serviço, arts. 12 ao 17 do CDC. Com isso, considera-se
Consumidor por equiparação, também, a pessoa que seja vítima de evento
danoso, ou seja, de acidente de consumo causado por defeito
69
no produto
ou serviço.
Devido às proporções que pode tomar um acidente de
consumo, o CDC assegura a equiparação à categoria de Consumidor o
66
FILOMENO, José Geraldo de Brito et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. p.38.
67
Sobre a proteção coletiva do consumidor, tutela dos direitos difusos, coletivos, individual
homogêneo e respectiva legitimidade, a previsão legal está nos artigos 81 e 82 do CDC.
68
Art. 17 da Lei nº 8.078/90.
69
O produto ou o serviço é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se
espera (art. 12, §1º, e art. 14, §1º da Lei nº8.078/90).
2
terceiro ou bystander
70
que, mesmo estranho à Relação de Consumo, sofreu
dano (material ou moral) decorrente desta relação. Além do mais, de certa
forma, impõe ao Fornecedor o dever de fabricar produtos e prestar serviços
que atendam aos requisitos de segurança, evitando ou reduzindo os riscos
deles decorrentes.
1.5.1.2.3 Das pessoas expostas às práticas abusivas
Por sua vez, além das equiparações já vistas, o art. 29
do CDC alarga ainda mais a possibilidade de alguém, mesmo não tendo
adquirido ou utilizado produto ou serviço, ser considerado Consumidor, pois
institui que, “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas
nele previstas”
71
. Para se ter ciência da extensão desta definição, a proteção
trata sobre a oferta de produtos (art. 30 a 35), a publicidade (art. 36 a 38), as
práticas abusivas (art. 39 a 41), a forma de cobrança de dívidas (art. 42), a
inclusão de seus nomes em bancos de dados (art. 43 e 44), assim como das
cláusulas abusivas (art. 51).
No entendimento de Nunes:
Não se trata de equiparação eventual a consumidor das pessoas
que foram expostas às práticas. É mais do que isso. O que a lei diz
é que, uma vez existindo qualquer prática comercial, toda a
coletividade de pessoas já está exposta a ela, ainda que em
nenhum momento se possa identificar um único consumidor real
que pretenda insurgir-se contra tal prática.
72
Logo, denota-se que esta equiparação dá proteção à
70
A expressão Bystander, segundo Denari, advé m do direito norte-americano e refere-se à
pessoa estranha à relação de consumo, mas que sofre prejuízo em razão de defeitos
intrínsecos ou extrínsecos do produto ou serviço. DENARI, Zelmo et alli. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. p.199.
71
Art. 29 da Lei nº 8.078/90.
72
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. p.85.
2
mera exposição às práticas comerciais, ensejando a responsabilidade do
Fornecedor perante todos os que estiverem expostos a elas.
Por fim, destaca-se que o CDC, ao definir Consumidor e
agregar a esse conceito as formas de equiparação, procura, de todo modo,
evitar que os consumidores, efetivos ou em potencial, sejam lesados na
Relação de Consumo, concedendo, para tanto, tutela mais ampla em
benefício de todos
73
.
1.5.2 CONCEITO DE FORNECEDOR
Após a conceituação do Consumidor, passa-se a
caracterizar o outro pólo da Relação de Consumo, o Fornecedor. O próprio
CDC, como fez no que se refere ao Consumidor, tratou de defini-lo, mas,
nesse caso, sem maior complexidade. É o que trata o caput do art. 3º:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes
despersonalizados, que desenvolvem atividades de
produção, montagem, criação, construção, transformação,
importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços.
74
Com efeito, percebe-se que o conceito acima é amplo e
abrange todos os participantes do ciclo produtivo-distributivo. Assim, basta
que pratique uma das atividades descritas para ser considerado Fornecedor
e, nesta condição, ser submetido às regras protetivas do Consumidor.
73
Com relação às equiparações, Lisboa destaca: “Defende-se os interesses sociais da massa de
consumidores que intervém nas relações de consumo (interesse difuso e coletivo), das vítimas
de acidentes de consumo ao menos atentatórios à vida, à saúde ou à segurança do consumidor
e das pessoas expostas às práticas decorrentes de oferta ou de publicidade, mesmo que não
venham a adquirir o produto ou o serviço veiculado pela mídia (interesses difusos).” LISBOA,
Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. p.165.
74
Art. 3º do CDC (Lei nº 8.078/90).
2
O que delimita a incidência do CDC no âmbito da
caracterização do Fornecedor é a expressão “atividade” contida no artigo 3º.
De Lucca esclarece que há atividade quando “[...] há uma sucessão
repetida de atos, praticados de maneira organizada, de molde a
caracterizar-se numa constante oferta de bens ou de serviços à
coletividade”
75
.
Portanto, será considerada Fornecedor a pessoa física,
pessoa jurídica ou mesmo o ente despersonalizado que desenvolva alguma
das atividades econômicas descritas no conceito legal, desde a produção
até a circulação de bens ou serviços.
Convém frisar, ainda, que a noção de atividade
pressupõe habitualidade. Pois, quando uma pessoa, por exemplo, vende o
seu carro para comprar outro mais novo, essa relação, em princípio, deve
ser tutelada pelo Código Civil, visto que a pessoa não está exercendo a
atividade de comercialização e, por conseqüência, não pode ser
considerada Fornecedora. Entretanto, se a mesma pessoa, mesmo tendo
outra atividade principal, passa a comprar e revender automóveis de forma
habitual, mesmo que não profissional, já pode ser considerado Fornecedor
para efeitos do CDC.
Por outro lado, acompanhando o exemplo de Nunes, se
uma loja de roupas vende seu computador usado para adquirir um novo,
mesmo que quem compre seja destinatário final, não haverá Relação de
Consumo, porque a loja, naquela venda, não tem como base a atividade
regular ou habitual, logo, não é Fornecedora
76
.
75
DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. p. 135. De Lucca ainda ressalta que o conceito
de Fornecedor adotado pelo CDC é mais abrangente que a noção antiga de comerciante ou a
mais moderna de empresário, pois inclui nela a figura do prestador de serviços. p.138.
76
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. p.87.
2
Em suma, para caracterizar a Relação de Consumo, é
indispensável o preenchimento adequado dos dois pólos da relação, ou
seja, que um lado esteja caracterizada a figura do Consumidor e,
necessariamente, do outro, a do Fornecedor.
1.6 OBJETOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO
Vistas as hipóteses de caracterização dos sujeitos da
Relação de Consumo, elemento subjetivo, é necessário, agora, configurar o
elemento objetivo. O CDC divide o objeto da Relação de Consumo em duas
grandes categorias: o produto e o serviço.
1.6.1 Conceito de produto
A definição legal de Produto está no §1º do art. do
CDC que dispõe: “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou
imaterial.”
77
Filomeno, discordando do emprego da expressão
produto por entender que a palavra “bem” tem sentido mais abrangente do
ponto de vista jurídico, define que “[...] produto (entenda-se ’bens’) é
qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e destinado a
satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final“
78
.
De modo oposto, para alguns autores o emprego da
expressão “produto” foi acertada, pois designa a totalidade de bens
77
Art.3º, §1º da Lei nº 8078/90.
78
FILOMENO, José Geraldo Brito et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor:
comentado pelos autores do anteprojeto. p.47.
3
existentes, além de estar integrado com o sistema econômico e pelos
agentes do mercado
79
.
Independentemente do aspecto terminológico, a
definição legal é abrangente a ponto de não permitir restrição de seu
conteúdo, e assegurar a aplicação do CDC para toda e qualquer compra e
venda realizada entre Consumidor e Fornecedor. Assim, para que o bem
alcance a condição de produto, basta que tenha sido colocado no mercado
por um Fornecedor.
A distinção entre bens móveis e imóveis atende à
mesma lógica e sistemática do Código Civil
80
. Já no que se refere ao
aspecto da materialidade (produto material ou imaterial), é importante
configurar corretamente o que vem a ser um produto imaterial. Para Bonatto
e Moraes, “[...] são os que não podem ser apreendidos, pesados, ou seja,
não são palpáveis, embora possam ser avaliados economicamente”
81
.
Outra característica importante é a durabilidade do
produto. O CDC distingue produtos duráveis e não duráveis para efeitos de
contagem de prazo para reclamação pelo vício do produto
82
. Desse modo,
os produtos alimentares e de vestuário, por exemplo, não são duráveis, ao
passo que os eletrodomésticos, veículos automotores são duráveis
83
.
79
DONATO, Maria Antonieta Zanardo. Proteção ao Consumidor: conceito e extensão. p. 115 e
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. p.90.
80
Artigos 79 a 84 do Código Civil, Lei nº. 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
81
BONATTO, Cláudio; MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de
Defesa do Consumidor. p.95. São exemplos de produtos imateriais: espetáculo de circo, jogo
de futebol, shows, como também a concessão de crédito.
82
O art. 26 do CDC define os prazos decadenciais para reclamar pelo vício do produto de modo
distinto para bens duráveis e não duráveis. “Art. 26: O direito de reclamar pelos vícios aparentes
ou de fácil constatação caduca em: I trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de
produto não duráveis; II noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produto
duráveis.” Art. 26 da Lei nº 8.078/90.
83
DENARI, Zelmo et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. p.226.
3
1.6.2 Conceito de serviço
O CDC define serviço no §2º do art. da seguinte
forma:
Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,
mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,
financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter trabalhista.
84
Denota-se que a definição legal pretende ser
abrangente, porém de enumeração exemplificativa, haja vista que consta do
referido dispositivo que é serviço “qualquer atividade fornecida no mercado,
mediante remuneração”.
Assim, o conceito de serviço pressupõe a existência de
uma obrigação de fazer, de uma atividade, por parte do Fornecedor, desde
que devidamente remunerada, excluindo, apenas, as relações abarcadas
pelo direito do trabalho.
Do conceito legal aberto, Marques, considerando todas
as variáveis dele decorrentes, elabora uma definição de serviço do seguinte
modo:
Serviço no CDC seria o negócio jurídico que propiciar ao titular ou
que envolver a prestação de um fazer economicamente relevante,
de um ato ou de uma omissão útil e interessante no mercado de
consumo, de uma atividade remunerada direta ou indiretamente,
um fazer imaterial e principal, que pode ou não vir acompanhado
ou complementado por um dar ou pela criação ou entrega de bem
material acessório a este fazer principal, fazer que é em verdade, a
causa de contratar e a expectativa legítima do consumidor frente
ao fornecedor
85
.
84
Art. 3º, §2º da Lei nº 8. 078/90.
85
MARQUES, Cláudia Lima. Proposta de uma teoria geral dos serviços com base no Código de
Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor 33. São Paulo: Revista dos
3
Desta análise, levando em consideração o elemento
remuneração, tem-se que pode ser direta ou indireta, ou seja, não aparente,
implícita, embutida no preço cobrado por outro serviço ou pela aquisição de
produto. Portanto, se, em uma relação jurídica, há algum tipo de
remuneração, mesmo que indireta, do Fornecedor, esta é considerada como
Relação de Consumo e, conseqüentemente, está incluída no regime do
CDC
86
.
Outro tópico de destaque ao conceito legal de serviço é
a inclusão expressa da atividade bancária como serviço sujeito ao CDC.
Ocorre que, apesar da precaução do legislador em fazer enunciação
específica a essa atividade, houve, e há, tentativa judicial com o objetivo de
obter decisão no sentido de que as instituições financeiras não prestam
serviços caracterizados como de consumo. Todavia, a doutrina
consumerista é amplamente majoritária quanto à sua incidência
87
.
Nery Júnior, afastando qualquer possibilidade de
exclusão das instituições financeiras do âmbito do CDC, enfatiza:
No sistema do CDC, portanto, o banco se inclui sempre no
conceito de fornecedor (art. 3º, caput, CDC, como comerciante e
prestador de serviços), e as atividades por ele desenvolvidas para
com o público se submetem aos conceitos de produto e de serviço,
conforme o caso (art. 3º, §§1º e 2º, CDC).
88
No mesmo sentido é a lição de Cavalieri Filho,
Tribunais, 2000, p. 120.
86
Nunes, defendendo a incidência de remuneração indireta na caracterização de serviços
abrangidos pelo CDC, exemplifica o caso de estacionamentos “gratuitos” de shopping centers,
que são remunerados indiretamente, cobrado de forma embutida no preço das mercadorias.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. p.98.
87
A esse respeito, vide, entre tantos outros: DE LUCCA, Newton. Direito do Consumidor. p. 225
a 247, e MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. p. 428 a
467.
88
NERY JUNIOR, Nelson et alli. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado
pelos autores do anteprojeto. p.529.
3
ressaltando apenas que “[...] o que se pode discutir quanto às operações
bancárias é se o outro contratante é ou não consumidor, o que também não
tem muita relevância em face do conceito legal do Consumidor, constante
do art. 2º do mesmo Código”
89
.
Ainda no tocante aos serviços, convém especificar a
situação dos serviços públicos. Afinal, ao conceituar Fornecedor no caput do
art. 3º, o CDC incluiu nessa categoria as pessoas jurídicas de direito público,
além da própria abrangência do conceito legal de serviço, conforme já
comentado. Além desses dispositivos, o art. 22 do CDC
90
trata
especificamente dos serviços públicos.
Entretanto, não são todos os serviços públicos que
podem ser tutelados pelas normas de proteção ao Consumidor. Assim, não
se inserem no contexto da Relação de Consumo, os serviços públicos de
natureza tributária e os destinados às pessoas em geral, tipicamente
estatais, em que não há contraprestação direta, como: segurança, saúde
pública, justiça.
Por outro lado, submetem-se ao CDC os serviços
públicos em que há contraprestação direta, por intermédio de tarifas, para o
seu fornecimento, tais como: energia elétrica, água, gás, telefonia e
transporte coletivo
91
.
89
CAVALIERI FILHO, Sergio. Responsabilidade Civil das Instituições Bancárias por danos
causados a correntistas e a terceiros. Revista de Direito do Consumidor 34. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000. p. 103.
90
“Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou por suas empresas, concessionárias, permissionárias ou
sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados,
eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.” Art. 22 do CDC, Lei nº 8.078/90.
91
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. p.190-191.
3
1.7 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR POR DANOS
CAUSADOS AO CONSUMIDOR
A proteção da integridade física e moral dos
consumidores é preocupação constante das normas consumeristas. Afinal,
o CDC não se limitou a proteger os direitos do Consumidor sobre um
produto ou serviço que venha a ser adquirido. A proteção tem maior
alcance, assegura a mais ampla proteção da vida, a saúde e a segurança,
bem como a prevenção e reparação efetiva de eventuais danos oriundos da
Relação de Consumo
92
.
O Consumidor tem a garantia legal de reparação,
qualquer que seja o dano. A responsabilidade do Fornecedor supera e
unifica a bipartição das responsabilidades contratual e extracontratual,
pouco importando se a responsabilidade advém do contrato ou de um ato
lícito ou ilícito. Basta que seja injusto, em razão de se fundamentar no risco
do empreendimento
93
.
Conforme Sanseverino:
Surge, assim, um novo fundamento para a responsabilidade civil: o
risco. Como a liberdade da iniciativa capitalista, necessária ao
progresso econômico, continha uma grande dose de risco inerente
à própria atividade, o titular do empreendimento, que objetivava o
seu lucro pessoal, deveria responder pelo risco de sua atividade
(ubi emolumentum, ibi ônus).
Desse modo, a responsabilidade civil, em alguns casos
determinados, passou a ser considerada objetiva. Conferiu-se
maior importância ao dano sofrido pela vítima, como fator de
92
“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: I a proteção da vida, saúde e segurança contra
os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados
perigosos ou nocivos; [...] VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos.” Art. 6º, VI da Lei nº 8.078/90.
93
CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. p. 475. Outros autores
utilizam a expressão “risco da atividade profissional”. A teoria do risco fundamenta-se no
princípio de que aquele que exerce atividade que provoque risco deve arcar com os danos
decorrentes dessa atividade.
3
desequilíbrio social, e dispensou a culpa no fato gerador da
obrigação de indenizar.
94
Com fundamento na responsabilidade objetiva
95
, em
abordagem mais específica, o CDC divide a responsabilidade do
Fornecedor em duas seções: Responsabilidade pelo Fato do Produto e do
Serviço (arts. 12 ao 17) e Responsabilidade pelo Vício do Produto e do
Serviço (art. 18 ao 25)
96
.
94
SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade Civil no Código do Consumidor e
a Defesa do Fornecedor. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 46.
95
Tradicionalmente, a responsabilidade civil é fundada na existência de dolo ou culpa por parte do
causador do dano, ou seja, responsabilidade subjetiva. Já a responsabilidade objetiva, não tem
como fundamento a conduta culposa ou dolosa do causador do dano, mas sim o risco.
Esclarece Tepedino: “Na era dos contratos de massa e na sociedade tecnológica, pouco
eficazes mostram-se os mecanismos tradicionalmente empregados pelo direito civil, como a
responsabilidade civil fundada na culpa, sendo indiscutíveis os riscos sociais decorrentes da
atividade econômica, mais e mais sofisticada, impondo-se a busca de soluções de índole
objetiva, preferencialmente preventivas, não meramente ressarcitórias, em defesa de uma
melhor qualidade de vida e da realização da personalidade”. TEPEDINO, Gustavo. Temas de
Direito Civil. 3. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p.61.
96
Deixa-se de abordar especificamente no presente trabalho, em razão da delimitação da
pesquisa, a “responsabilidade pelo vício”, pois os vícios previstos no arts. 18 e segs. do Código
de Defesa do Consumidor não causam dano maior ao Consumidor que não seja o simples valor
do produto ou do serviço. Portanto, a análise do dano, objeto do presente trabalho, fica restrita à
Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço, ou seja, a responsabilidade que visa à
reparação dos danos patrimoniais e morais do Consumidor lesado. Bonatto e Moraes
esclarecem: “Assim, criou o legislador consumerista duas órbitas bastante definidas. A primeira
delas, a partir do artigo 12 do CDC, procurando abranger as situações onde houvesse danos à
incolumidade psíquica ou física do consumidor, bem como quando ocorressem prejuízos
externos ao produto ou serviço utilizados. A segunda corresponde aos prejuízos causados
internamente, no próprio produto ou serviço viciado, indicando mais uma noção de prejuízo
patrimonial, o que pode ser visto a partir do artigo 18 do CDC”. BONATTO, Cláudio; MORAES,
Paulo Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de Defesa do Consumidor. p.114.
De acordo com Marinoni, a distinção ocorre da seguinte forma: “A responsabilidade diante do
cumprimento imperfeito é completamente diferente da responsabilidade por acidente de
consumo ou pelo fato do produto ou do serviço. A primeira está relacionada à falta de
equivalência entre o garantido e o prestado, enquanto que a segunda se funda no dano. Melhor
explicando: a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço se baseia no dano (arts. 12 a
17 do CDC), ao passo que a responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço está
ancorada na obrigação de garantir a sua adequação e quantidade (arts. 18 a 21 do CDC).”
MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela específica do Consumidor. Revista Jurídica 315. Porto
alegre: Nota Dez, 2004, p.33. Apenas para elucidar, segue o conceito de vícios e a distinção
entre vícios e defeitos, na lição de Nunes: vícios são as “[...] características de qualidade ou
quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que
se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma, são considerados vícios os
decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente,
embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária. [...] Temos, então, que o vício pertence
ao próprio produto ou serviço, jamais atingindo a pessoa do consumidor ou outros bens seus. O
3
O legislador optou por utilizar a expressão
“responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço” para se referir à
responsabilidade decorrente de um acidente de consumo, ou seja, quando
atinge a pessoa ou o patrimônio do Consumidor
97
. De acordo com Cavalieri
Filho:
Entende-se por fato do produto o acontecimento externo que
causa dano material ou moral ao consumidor, decorrente de um
defeito do produto. Esse defeito pode ser de concepção (criação,
projeto, fórmula), de produção (fabricação, construção, montagem)
e ainda de comercialização (informações, publicidade,
apresentação etc.). São os chamados acidentes de consumo, que
se materializam através da repercussão externa do defeito do
produto, atingindo a incolumidade físico-psíquica do consumidor e
seu patrimônio.
98
De outra parte, interessante também é a conceituação
de Lisboa:
Responsabilidade pelo fato do produto e serviço é aquela que
advém de um acidente de consumo, ou seja, de um evento que
acarreta, ao menos, danos morais ao consumidor. No acidente de
consumo, o produto ou o serviço apresenta um vício exógeno ou
extrínseco, isto é, um defeito que extrapola a própria substância do
bem e ofende a vida, a saúde (higidez física e psíquica) ou a
segurança do consumidor (art. 6º, I, da Lei 8.078/90).
99
Assim, decorrente do risco da atividade no fornecimento
de produto ou serviço defeituoso, ou seja, que cause dano patrimonial ou
defeito vai além do produto ou do serviço para atingir o consumidor em seu patrimônio jurídico
mais amplo (seja moral, material, estético ou da imagem). Por isso, somente se fala
propriamente em acidente, e, no caso, acidente de consumo, na hipótese de defeito, pois é aí
que o consumidor é atingido”. NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do
Consumidor. p.166-167. Em sentido contrário, Bolson considera haver possibilidade do Dano
Moral decorrer de vício do produto ou do serviço. Ver BOLSON, Simone Hegele. Direito do
Consumidor e Dano Moral. Rio de Janeiro: Forense. 2002. p 140-143.
97
Não só ao consumidor-padrão, mas abrange, ainda, o consumidor vítima do evento danoso, art.
17 do CDC.
98
CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. p.475 e 476. O próprio
autor, linhas adiante, explica que os mesmos princípios são adotados para os defeitos
decorrentes do serviço.
99
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. p.236-237.
3
moral, tem-se que, por previsão expressa nos arts. 12 e 14, a
responsabilidade do Fornecedor é “independentemente da existência de
culpa”, o que caracteriza a responsabilidade objetiva.
100
Por conseqüência, não há necessidade de haver
conduta culposa por parte do Fornecedor, basta que haja relação de causa
e efeito (nexo causal) entre o dano e o defeito
101
do produto ou do serviço.
Ressalte-se que a responsabilidade objetiva é a regra
geral que possui uma única exceção com previsão expressa no CDC. Trata-
se da responsabilidade do profissional liberal, que só ocorrerá mediante
comprovação de culpa, portanto, responsabilidade subjetiva
102
.
Mesmo sendo objetiva, há excludentes de
responsabilidade, mas as possibilidades de exclusão estão limitadas aos
termos dos arts. 12, §3º, e 14, §3º, nos quais consta que o Fornecedor não
será responsabilizado quando: a) não tiver colocado o produto no mercado;
b) o defeito não exisitir e c) a culpa for exclusiva da vítima ou de terceiro
103
.
100
“Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador
respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados
aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem,
fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.” E “Art. 14. O fornecedor
de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos
causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”. Lei nº 8.078/90.
101
Coelho entende que defeito “[...] deve ser entendido como a impropriedade no produto ou
serviço de que resulta dano à saúde, integridade física ou interesse patrimonial do consumidor,
definindo-se aquela a partir de elementos técnicos capazes de apontar no fornecimento a
frustração de expectativa legitimamente esperada pelo saber científico ou tecnológico, da época
de seu oferecimento ao mercado de consumo”. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito
Comercial. v1. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 248.
102
“Art. 14, §4º. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a
verificação de culpa.” Lei nº 8.078/90.
103
Quanto à hipótese de caso fortuito e força maior, embora não estejam incluídos
expressamente, como excludentes, alguns autores, em minoria, defendem que devem ser
considerados como tal, tendo em vista que a ocorrência de um deles pode romper o nexo de
causalidade entre o acidente o dano. Eentre eles: Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin
e Zelmo Denari.
3
No que se refere aos responsáveis pela reparação de
dano, em princípio, há individualização da responsabilidade, que recai sobre
o fabricante, construtor, produtor ou importador, por assumirem o risco por
colocar o produto defeituoso no mercado. Portanto, o CDC individualiza a
responsabilidade dos Fornecedores, excluindo o comerciante
104
por não
interferir nos aspectos intrínsecos do produto.
Porém, a exclusão não é absoluta, pois o CDC, no art.
13, expressamente prevê as situações em que o comerciante passa a ser
igualmente responsável pelos danos. Isso ocorre quando: a) o fabricante, o
construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; b) o
produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor,
construtor ou importador; e c) não conservar adequadamente os produtos
perecíveis.
Por todas essas razões, denota-se que, em se tratando
de Relação de Consumo, a aplicação do Código Civil fica afastada, tendo o
CDC, ao regular a responsabilidade do Fornecedor, adotado a
responsabilidade objetiva, baseada na teoria do risco, objetivando dar
efetividade na reparação aos danos sofridos pelo Consumidor.
Por fim, conforme já explicitado, o que se propôs
apresentar neste capítulo foi contextualizar o Direito do Consumidor,
verificando a incidência e a abrangência do CDC e configurar uma Relação
de Consumo. E ainda, as implicações mais relevantes para a compreensão
do trabalho, da responsabilidade do Fornecedor perante o Consumidor por
danos causados.
104
Coelho observa que, para o CDC, comerciante é o intermediário no fornecimento de produtos,
ou seja, abrange tanto o varejista como o atacadista. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito
Comercial. v1. p.282.
3
No segundo capítulo abordar-se-ão, especificamente, os
Direitos da Personalidade no âmbito legal e doutrinário, sem ter a pretensão
de esgotar o tema, bem como a análise dos danos morais, sua
caracterização e as funções da condenação.
4
CAPÍTULO 2
OS DIREITOS DA PERSONALIDADE E A SUA VIOLAÇÃO: A
CARACTERIZAÇÃO E A INDENIZAÇÃO DO DANO MORAL
2.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE A PERSONALIDADE JURÍDICA
O presente capítulo é destinado a abordar os Direitos
da Personalidade, sua caracterização e conseqüente violação.
Posteriormente, analisa-se o instituto do Dano Moral, a sua configuração e
implicações, a possibilidade de reparação e a função indenizatória.
Entretanto, convém, primeiramente, compreender o que vem a ser
personalidade jurídica
105
na Teoria Geral do Direito Privado.
A personalidade jurídica é atributo indispensável para a
compreensão das relações jurídicas, visto que é elemento essencial para
caracterizar a pessoa como sujeito de direito. Gagliano e Pamplona Filho
conceituam como “[...] a aptidão genérica para titularizar direitos e contrair
obrigações, ou em outras palavras, é o atributo necessário para ser sujeito
de direito“
106
.
Portanto, nessa condição, sendo a personalidade
definida como a possibilidade de ser sujeito de direito, toda pessoa, seja
105
Optou-se, no presente trabalho, por utilizar a expressão “personalidade jurídica”, adotada pela
maioria da doutrina. Todavia, convém salientar que também podem ser utilizadas as expressões
“personalidade civil”, “personalidade legal” ou “personalidade natural”.
106
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: parte
geral. São Paulo: Saraiva, 2002. v 1. p. 88.
4
natural
107
ou jurídica
108
, é dotada de personalidade para efeitos jurídicos. No
que se refere à pessoa natural, a personalidade está indissoluvelmente
ligada à ela. Surge a partir do nascimento com vida
109
e perdura durante
toda a sua existência, até o momento da morte. Assim, para ter
personalidade jurídica, não depende de consciência ou vontade, pois não
requer o preenchimento de qualquer requisito, estando intrinsecamente
ligada à pessoa
110
.
Tratando especificamente da personalidade da pessoa
natural, Venosa define como “[...] a projeção da personalidade íntima,
psíquica de cada um; é projeção social da personalidade psíquica, com
conseqüências jurídicas”
111
.
É claro que esta concepção não pode servir para as
pessoas jurídicas, pois estão desprovidas de uma representação psíquica,
apesar de dotada de personalidade jurídica e de possuir algumas
semelhanças com as pessoas naturais
112
. A designação de personalidade
para a pessoa jurídica advém da necessidade legal de configurá-la como
107
A expressão pessoa natural, para definir o ser humano, foi adotada pelo Código Civil de 2002.
Alguns autores, entretanto, preferem designar como pessoa física ou pessoa individual em
contraposição à pessoa jurídica, que também é chamada de pessoa moral, pessoa coletiva ou
pessoa de existência ideal.
108
Monteiro conceitua pessoa jurídica como “[...] associações ou instituições formadas para a
realização de um fim e reconhecidas pela ordem jurídica como sujeitos de direitos”. MONTEIRO,
Washington de Barros. Curso de Direito Civil, v.1: parte geral. 39. ed. rev. e atual. por Ana
Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003. p.121. Já Coelho,
sucintamente, define pessoa jurídica como “o sujeito de direito personificado, não humano”.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. v 1. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 232.
109
Art. do Código Civil Brasileiro: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com
vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” Lei nº 10.406/2022
110
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. v.1. 20 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004, p. 214 e 216.
111
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil v.1. p.147.
112
Venosa observa que “a pessoa jurídica apresenta muitas peculiaridades da pessoa natural:
nascimento, registro, personalidade, capacidade, domicílio, previsão de seu final, sua morte e
até mesmo um direito sucessório”. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil v.1. p. 250.
4
sujeito de direito.
Nesse plano, a aquisição de personalidade por parte da
pessoa jurídica também é diferente e depende de sua natureza, se de
direito público ou de direito privado. As pessoas jurídicas de direito público
devem ser criadas por lei, que estabelecem todas as condições de
aquisição e exercício de direitos e instituição de deveres. Já as pessoas
jurídicas de direito privado passam a ter existência legal após o registro do
respectivo ato constitutivo, adquirindo, então, personalidade jurídica.
Do mesmo modo que ocorre em relação à pessoa
natural, subsiste a personalidade da pessoa jurídica enquanto esta existir. A
pessoa jurídica de direito público só pode ser extinta por previsão legal, já a
de direito privado, em regra, se extingue por deliberação dos sócios, por
cassação de autorização de funcionamento ou decisão judicial.
2.2 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
2.2.1 Noções gerais sobre os Direitos da Personalidade
A proteção aos Direitos da Personalidade
113
é assunto
que tem merecido destaque, apesar de não haver, até o momento, uma
teoria própria, pacífica, quanto aos seus elementos norteadores. Tepedino
chega a destacar que “[...] poucos temas revelam maiores dificuldades
conceituais quanto os chamados direitos da personalidade”
114
.
113
Faz-se a opção no presente trabalho por utilizar a expressão “Direitos da Personalidade”, por
ser a expressão adotada pelo Código Civil Brasileiro e já consagrada pela maioria dos autores,
entretanto, também são utilizadas, como sinônimo, as expressões: “direitos personalíssimos”,
“direitos essenciais”, “direitos à personalidade”, “direitos fundamentais da pessoa” ou “direitos
pessoais”.
114
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. p.23.
4
No Brasil, a proteção dos direitos inerentes à
personalidade tem previsão de realce na Constituição da República
Federativa do Brasil
115
. Já em seu artigo 1º, eleva o Princípio da Dignidade
da Pessoa Humana como um dos seus princípios fundamentais, ou seja,
como uma cláusula geral de proteção da personalidade
116
. E logo adiante,
no art. 5º, X ao assenta que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo
dano material ou moral decorrente de sua violação”
117
.
A partir da previsão constitucional, passa-se a tutelar,
com a devida especificação e destaque, os direitos que não são suscetíveis
de apreciação econômica, ou seja, que não estejam inseridos dentro do
115
Apesar de delinear a Constituição como marco na previsão legal da proteção aos Direitos da
Personalidade no Brasil, Pereira esclarece que, em todos os tempos e desde a civilização
romano-cristã há, de alguma forma, proteção aos direitos inerentes à pessoa. PEREIRA, Caio
Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. v.1. p. 238. A respeito do histórico e da evolução
do reconhecimento aos Direitos da Personalidade, ver TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito
Civil. p.24-31.
116
LOBO, Paulo Luiz Netto. Danos Morais e Direito da Personalidade. Revista Jurí dica 284.
Porto alegre: Nota Dez, 2001. p. 9.
117
Ainda no artigo. 5º da CRFB, os incisos II, IV, V, X, VI, IX, XIII e XV prevêem proteção a direitos
relativos à Personalidade.
4
contexto dos direitos patrimoniais.
118
A Constituição impõe
119
deveres
extrapatrimoniais nas relações, garantindo, dessa forma, proteção aos
Direitos da Personalidade. Pereira, afastando a patrimonialidade
120
, ressalta
que “[...] o que está na sua base é a circunstância de que se trata de
direitos ligados à pessoa do sujeito. A percussão no patrimônio pode existir
118
HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O Dano pessoal na sociedade de risco. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. p. 68 e 75. Cortiano Júnior salienta que se deixa de lado a concepção do
patrimonialismo, marcante nas codificações, para postar o direito privado como protetor direto da
pessoa. E, por conseguinte: “Ao proteger (ou regular) o patrimônio, se deve fazê-lo apenas e de
acordo com o que ele significa: suporte ao livre desenvolvimento da pessoa.” CORTIANO
JÚNIOR, Eroulths. Alguns apontamentos sobre os chamados Direitos da Personalidade. In
Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro:
Renovar, 1998. p. 32/33. Esse fenômeno pode ser nominado como personalização,
repersonalização ou despatrimonialização do direito, segundo o qual o ser humano deixa de ser
um sujeito puramente abstrato para se tornar um sujeito concreto. A partir deste movimento,
segundo Perlingieri, muda-se a perspectiva do “ter”, de cunho eminentemente patrimonial, para
o “ser”, não existindo a dualidade entre sujeito e objeto, porque ambos representam o ser. E
acrescenta: “A personalidade é, portanto, não um direito, mas um valor (o valor fundamental do
ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz
a sua incessantemente mutável exigência de tutela”. PERLINGIERI, Pietro. Perfis de Direito
Civil. Tradução de Maria Cristina de Cicco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p.155-156. No
mesmo sentido, é interessante a visão de Meirelles: “[...] a pessoa humana passa a centralizar
as cogitações jurídicas, na medida em que o ser é valorizado. O seu papel anteriormente
estabelecido pelas disposições do Código Civil, determinado fundamentalmente pela
propriedade, pelo ter, assume função meramente complementar. A excessiva preocupação com
o patrimônio, que ditou a estrutura dos institutos basilares do Direito Civil, não encontra resposta
na realidade contemporânea, mais voltada ao ser humano na sua total dimensão ontológica,
cujos interesses de cunho pessoal se sobrepõem à mera abstração que o situava como simples
pólo da relação jurídica”. MEIRELES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do
sujeito virtual à clausura patrimonial. In Repensando Fundamentos do Direito Civil Brasileiro
Contemporâneo. p. 111. Ver também: MATTIETTO, Leonardo. O Direito Civil Constitucional e a
nova teoria dos contratos. In TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Problemas de Direito Civil
Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2000. p. 163-186.
119
É relevante destacar a importância da força normativa da Constituição e não apenas como
norma programática. Nesse sentido ver: HESSE, Konrad. A Força Normativa da constituição.
Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1991. Trad. Gilmar Ferreira Mendes.
120
Destaca-se, nesse momento, que em termos jurídicos a expressão patrimônio é utilizada como
referência ao conjunto de bens econômicos, ou seja, com valor pecuniário. Porém, Gagliano e
Pamplona Filho advertem que há uma “evolução semântica da expressão” no sentido de ampliar
o conceito de patrimônio, para abranger toda a universalidade de direitos da pessoa, incluindo
assim, os Direitos da Personalidade. Nesse caso, refere-se ao patrimônio moral, imaterial ou
ideal em contraponto ao patrimônio material ou econômico. Ver: GAGLIANO, Pablo Stolze e
PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: parte geral. p. 261-262. No decorrer
do presente trabalho, a expressão “patrimônio” ou patrimonial será empregada no sentido de
patrimônio material. Quando se tratar de referência aos direitos imateriais, utilizar-se-á a
expressão “patrimônio moral ou ideal”.
4
ou deixar de existir”.
121
Há, por outro lado, certa imbricação dos Direitos da
Personalidade com os Direitos Fundamentais, tendo em vista a sua
proteção constitucional. Afinal, eles incidem tanto na esfera pública quanto
nas relações privadas, tuteladas pelo direito privado. É possível, em uma
perspectiva constitucional, considerar os Direitos da Personalidade como
espécies dos Direitos Fundamentais
122
.
Já para Bittar, a distinção reside justamente no âmbito
das relações, ou seja, se de direito público, como forma de proteção do
indivíduo contra o Estado, trata-se de Direitos Fundamentais, se no âmbito
das relações privadas, como proteção da pessoa diante dos outros
indivíduos, devem ser considerados como Direitos da Personalidade.
123
No mesmo sentido, Mota Pinto afirma que “[...] os
direitos da personalidade desempenham uma função, de instrumento
jurídico de concretização dos direitos fundamentais no direito privado”
124
.
Percebe-se, dessa forma, que a proteção aos Direitos da Personalidade
visa a proteger a pessoa no âmbito extrapatrimonial, tanto nas relações de
121
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Direitos da Personalidade. In Livro de Estudos Jurídicos. 9v.
Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1994. p. 60.
122
Entende Lobo que são direitos pluridisciplinares. Na perspectiva constitucional, são direitos
fundamentais; já no direito civil, são os direitos inatos da pessoa. LOBO, Paulo Luiz Netto.
Danos Morais e Direito da Personalidade. Revista Jurídica nº 284. p. 8
123
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. 6 ed. rev. atual. e ampl por Eduardo
C. B. Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 22-23.
124
PINTO, Paulo Mota. Direitos de Personalidade no Código Civil Português e no novo Código
Civil Brasileiro. Revista Jurídica 314. Porto Alegre: Nota Dez, 2003. p.10. Para Fachin, “são
direitos que têm uma feição privada por dizerem respeito a um particular, mas a garantia é
pública. Direito à liberdade é o direito de um indivíduo, e a tutela desse direito é de ordem
pública. Esses direitos personalíssimos, no sentido clássico, nascem e se desenvolvem no
âmbito das relações privadas”. FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003. p.107. Interessante, do mesmo modo, é a opinião de Szaniawski, para
quem “[...] os direitos de personalidade não são nem públicos nem privados. São simplesmente
direito de personalidade”. In SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 95.
4
direito público quanto nas de direito privado.
No âmbito do direito privado, a proteção aos Direitos da
Personalidade está prevista de forma expressa no Código Civil Brasileiro
(Lei nº 10.406/2002), Parte Geral, em capítulo específico, artigos 11 ao 21,
em que prevê, especificamente, os direitos à integridade física, ao nome, à
honra, à imagem e à privacidade. Entretanto, esses artigos apresentam
apenas princípios e aspectos gerais a respeito do tema e, nessa condição,
não há como garantir a plena proteção aos direitos inerentes à pessoa nas
relações privadas
125
.
Para garantir plena eficácia à proteção aos Direitos da
Personalidade, é necessária a compreensão do Ordenamento Jurídico
como um todo, ou seja, visando sempre, acima de tudo, a resguardar a
Dignidade da Pessoa Humana
126
, uma vez que, sendo princípio
constitucional, fundamenta a ordem jurídica, permitindo a colocação dos
direitos não patrimoniais no centro do sistema.
O reconhecimento do Princípio da Dignidade da Pessoa
125
Importante é destacar que a proteção aos Direitos da Personalidade, mesmo no âmbito do
direito privado, não fica restrita à previsão expressa no Código Civil. É instituto que está
protegido em várias legislações, ora como direito geral da personalidade, ora de modo
especializado, como por exemplo, na Lei de direitos autorais (Lei nº9610/98) e Lei de Imprensa
(Lei nº5.250/67). Cortiano Júnior defende o reconhecimento de um direito geral da
personalidade além da tipificação específica de alguns direitos especiais da personalidade.
Nessa condição, devem ser operacionalizadas em conjunto, ou seja, na ausência de previsão
tipificada, deve ser considerada a proteção genérica. CORTIANO JÚNIOR, Eroulths. Alguns
apontamentos sobre os chamados Direitos da Personalidade. In Repensando Fundamentos
do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. p. 47.
126
Sarlet conceitua a dignidade da pessoa humana como “a qualidade intrínseca e distintiva de
cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e
da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como
venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de
propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência
e da vida em comunhão com os demais seres humanos.” In SARLET, Ingo Wolfgang.
Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988.
2. ed. rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 62.
4
Humana como Direito Fundamental
127
é de grande importância para a
efetivação da tutela aos Direitos da Personalidade. Na lição de Nunes, “[...]
é um supraprincípio constitucional que ilumina todos os demais princípios e
normas constitucionais e infraconstitucionais”
128
. E nessa condição deve ser
empregado em qualquer atividade de interpretação, aplicação ou criação de
normas jurídicas.
Dentro desta concepção, Tepedino entende que “A
rigor, a lógica fundante dos direitos da personalidade é a tutela da
dignidade da pessoa humana
129
; em outras palavras, pode-se dizer que a
Dignidade da Pessoa Humana se manifesta, se consagra e se mantém,
devido à proteção aos Direitos da Personalidade
130
.
127
Para Sarlet, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana cumpre dupla função. “Com efeito,
sendo também parte ainda que variável integrante do conteúdo dos direitos fundamentais
(ao menos, em regra), e para além da discussão em torno de sua identificação com o núcleo
essencial, constata-se que o princípio da dignidade da pessoa humana serve como importante
elemento de proteção dos direitos contra medidas restritivas. Todavia, cumpre relembrar que o
princípio da dignidade da pessoa também serve como justificativa para a imposição de
restrições a direitos fundamentais, acabando, nesse sentido, por atuar como elemento limitador
destes. [...] O que importa, no momento, é que sempre se poderá afirmar, como já anunciado no
título deste segmento, que a dignidade da pessoa atua simultaneamente como limite dos direitos
e limite dos limites, isto é, barreira última contra a atividade restritiva dos direitos fundamentais”.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988. p. 123. Farias, do mesmo modo, releva o valor unificador deste
princípio: “O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre um relevante papel
na arquitetura constitucional: o de fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais. Aquele
princípio é o de valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais”.
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a
imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris,
1996. p. 54.
128
NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa
Humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 51. No mesmo sentido, para
Silva: “Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os
direitos fundamentais do homem”. In SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional
Positivo. 13 ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106.
129
TEPEDINO, Gustavo. Cidadania e os Direitos da Personalidade. Revista Jurídica nº 305. Porto
Alegre: Nota Dez, 2003. p. 37.
130
JABUR, Gilberto Haddad. Limitações ao direito à própria imagem no novo código civil. In Novo
Código Civil: Questões Controvertidas. Coord. Mário Luiz Delgado e Jones Figueiredo Alves.
São Paulo: Método, 2003. p. 11-44.
4
2.2.2 Conceito de Direitos da Personalidade
Toda e qualquer definição dos Direitos da
Personalidade, por mais divergente que seja, parte do pressuposto de
serem considerados como direitos extrapatrimoniais, essenciais,
diretamente ligados à pessoa em si e em suas projeções sociais
131
. De
acordo com Pontes de Miranda, os Direitos da Personalidade não podem
ser considerados como direitos sobre a pessoa, mas sim, direitos que se
irradiam da personalidade, ou seja, “[...] são todos os direitos necessários à
realização da personalidade, à sua inserção nas relações jurídicas”
132
.
No mesmo sentido, Limongi França sustenta que são
“[...] as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria
pessoa do sujeito, bem assim as suas emanações e prolongamentos”.
133
Em uma definição mais abrangente, já delineando as
projeções inerentes à pessoa e que podem ser consideradas como objeto
do direito, Bittar conceitua da seguinte forma:
Consideram-se como da personalidade os direitos reconhecidos à
pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na
sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a
defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física,
a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos.
134
Diniz, com base na lição de Goffredo Telles Jr. define
131
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. p. 144.
132
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. v. 7. Atualizado por Vilson Rodrigues
Alves. Campinas: Brokseller, 2000. p.39.
133
FRANÇA, R. Limongi. Manual de Direito Civil. vol I. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1980. p.403.
134
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. p.1. O mesmo autor salienta que
existem duas concepções para fundamentar os Direitos da Personalidade, os positivistas e
naturalistas. Para os positivistas, só podem ser considerados Direitos da Personalidade os que
forem reconhecidos pelo Estado. Já os naturalistas, como Bittar e Limongi França, defendem
que esses direitos são inatos, cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los, pois
“[...] existem antes e independentemente do direito positivo”.p. 6-9.
4
como sendo “[...] os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é
próprio, ou seja, a identidade, a liberdade, a sociabilidade, a reputação, a
honra, a autoria, etc”
135
.
É possível perceber, da análise das definições acima,
que não há uma unidade conceitual. Cada autor enfatiza diferentes
aspectos dos Direitos da Personalidade, mas sempre com o objetivo de
justificar a proteção da pessoa e a tutela do Estado aos direitos que são
ínsitos à própria personalidade, à própria pessoa. Portanto, a pessoa tem
um direito subjetivo sobre si mesma e em suas projeções sociais
136
.
2.2.3 Características dos Direitos da Personalidade
Partindo da concepção de que os Direitos da
Personalidade podem ser considerados como direitos subjetivos, faz-se
necessário distinguir as características próprias desses direitos. Bittar,
sempre destacando a característica da impossibilidade de privação pelo
seu titular, entre os autores nacionais, trata com maior especificidade o
tema e afirma que “[...] constituem direitos inatos (originários), absolutos,
extrapatrimoniais, intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis,
vitalícios, necessários e oponíveis erga omnes
137
.
135
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. vol 1. 18 ed. atual. São Paulo:
Saraiva, 2002. p.119.
136
A idéia de que a pessoa jamais poderia figurar como objeto do direito justificou, durante muito
tempo, a negação da existência dos Direitos da Personalidade. Refutando essa idéia, Bittar
afirma que nos Direitos da Personalidade, a pessoa é, a um só tempo, sujeito e objeto de
direitos. In BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade, p.30. Já Wald enfatiza a
idéia de que os Direitos da Personalidade “[,,,] são verdadeiros direitos subjetivos, pois implicam
criar um dever jurídico de abstenção para todos os membros da coletividade”. In WALD,
Arnoldo. Direito Civil. Introdução e parte geral. 9 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva,
2002. p.121.
137
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. p.11.
5
São considerados inatos e vitalícios, por se originarem
no momento do nascimento com vida
138
, ocasião em que a pessoa natural
adquire personalidade jurídica, perdurando até a morte
139
. Da mesma
forma, são considerados absolutos e oponíveis erga omnes, ou seja,
podem ser exercidos em face de toda e qualquer pessoa, até mesmo diante
do Estado, que pode vir a ameaçar ou violar algum dos direitos inerentes à
personalidade.
A característica da extrapatrimonialidade decorre da
impossibilidade de aferição econômica; entretanto, pode haver repercussão
patrimonial como conseqüência da violação a esses direitos. Além disso,
em alguns casos específicos, por exceção, há condições de exploração
econômica, como na cessão de direitos autorais e direito à imagem.
Já quanto ao fato de serem necessários,
intransmissíveis, impenhoráveis e imprescritíveis, resultam de estarem,
esse direitos, inerentes e indissociáveis à pessoa, durante toda a sua
existência, não havendo possibilidade de sua abdicação.
2.2.4 Classificação dos Direitos da Personalidade
Elaborar uma classificação completa dos Direitos da
Personalidade é tarefa árdua, tendo em vista as várias formas de
sistematizar o assunto. Ademais, não há como pretender ser exaustivo, em
razão da tipicidade aberta concedida a esses direitos. Como observa
138
Alguns autores entendem que os Direitos da Personalidade se originam na concepção,
garantindo, portanto, esses direitos ao nascituro. Ver LISBOA, Roberto Senise. Manual
Elementar de Direito Civil v.1. 2ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 p.178
e BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. p.13.
139
Apesar da característica da vitaliciedade, alguns direitos perduram até mesmo após a morte,
como a proteção ao cadáver, direito à honra e à imagem.
5
Perlingieri, “[...] não existe um número fechado de hipóteses tuteladas:
tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles colocados no seu
interesse e naqueles de outras pessoas”
140
.
Entre os autores nacionais, servem de referência para
os demais as classificações ordenadas por Bittar e Limongi França. A
classificação de Bittar é agrupada em três grandes categorias: a) direitos
físicos, composta pelos componentes da estrutura humana (vida,
integridade física, corpo com um todo, os órgãos, os membros e a imagem);
b) direitos psíquicos, referentes aos elementos da personalidade
(integridade psíquica, liberdade, intimidade e sigilo); c) direitos morais, que
englobam a pessoa no contexto social (patrimônio moral, identidade, honra,
boa fama, respeito e criações intelectuais)
141
.
De forma não muito diferente, Limongi França também
divide em três grandes grupos, que são: a) Integridade física (direito à vida,
aos alimentos, ao corpo vivo, partes do corpo e ao cadáver); b) Integridade
intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e de
invenção); c) Integridade moral (liberdade, honra, recato, segredo, imagem
e identidade)
142
.
Lisboa, também abalizado nas classificações acima, faz
apenas uma ressalva. Para o autor, o direito à vida é a causa da existência
dos demais direitos; portanto, não deve constar em nenhuma das
classificações
143
.
De todo modo, a classificação serve para nortear a
140
PERLINGIERI, Pietro. Perfis de Direito Civil. p.156.
141
BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. p.17.
142
FRANÇA, R. Limongi. Manual de Direito Civil. p.411-412.
143
LISBOA, Roberto Senise. Manual Elementar de Direito Civil. p.179
5
proteção à pessoa em todas as suas projeções. É importante destacar que,
com a evolução do homem e, principalmente com o avanço da tecnologia,
novos direitos, ou ao menos uma redefinição dos direitos já existentes
necessariamente ocorrerá. Hoje em dia, a noção de proteção à privacidade
e à intimidade deve ser revista. Várias situações surgem, deixando cada
vez mais as pessoas expostas a utilização de câmeras em todos os
lugares, à falta de segurança na utilização de equipamentos de informática,
etc. Por isso tudo, é relevante sempre colocar a pessoa em primeiro lugar,
impondo limites jurídicos a todo e qualquer exagero que traga riscos aos
direitos inerentes à personalidade.
2.2.5 A titularidade dos Direitos da Personalidade
No tocante à titularidade, não há dúvida quanto à
possibilidade de a pessoa natural figurar como titular dos Direitos da
Personalidade. Todavia, como já foi visto, as pessoas jurídicas também são
dotadas de personalidade jurídica e, nessa condição, estariam suscetíveis
aos direitos diretamente ligados à personalidade.
É fato que toda a teoria dos Direitos da Personalidade
está fundada na proteção à pessoa natural. Além do mais, ocorre a
impossibilidade de as pessoas jurídicas serem titulares de alguns dos
Direitos da Personalidade vistos na classificação acima, por serem
intrínsecos à condição humana, como a proteção ao corpo, cadáver, etc.
Entretanto, mesmo analisando pelo enfoque extrapatrimonial, característica
básica desses direitos, alguns deles podem ser extensivos às Pessoas
Jurídicas, como por exemplo, a honra, a imagem, a privacidade, o nome e
5
as criações intelectuais
144
.
Com relação à honra, especificamente, os autores a
subdividem em honra subjetiva e honra objetiva, sendo apenas esta última
de possível aplicação às pessoas jurídicas. Assim, esclarece Wambier:
A honra é o complexo ou conjunto de predicados da pessoa que
lhe conferem consideração social e estima própria; a honra
subjetiva é o sentimento que cada um tem da própria dignidade
moral, significando a soma de valores que cada indivíduo atribui a
si mesmo; a honra objetiva é a estima ou a opinião que os outros
têm de nós, pois representa o patrimônio moral que deriva da
consideração alheia e que se define como reputação.
145
Portanto, como não há possibilidade de a pessoa
jurídica ter estima própria, a proteção da honra fica restrita à honra objetiva,
que corresponde à reputação que a pessoa tem em sociedade. Destarte,
caberá à pessoa jurídica a proteção aos direitos extrapatrimoniais, que
devem ser analisados com suas peculiaridades, ou seja, aos direitos que
sejam compatíveis com a sua natureza.
2.2.6 A violação dos Direitos da Personalidade no âmbito civil
A proteção outorgada aos Direitos da Personalidade
visa ao exercício pleno desses direitos essenciais e diretamente ligados à
pessoa, tendo a necessidade de garantir a sua efetividade, lastreada
sempre no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. A defesa desses
144
É justamente essa a ressalva prevista no art. 52 do Código Civil Brasileiro, segundo o qual
“aplica-se no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”. (Lei 10.406/2002).
Porém, há divergência quanto à extensão da interpretação que deve ser dada a esse dispositivo.
Tepedino, por exemplo, entende que qualquer ofensa à honra, ao nome, à imagem da pessoa
jurídica, terá, necessariamente, repercussão patrimonial, podendo aplicar o artigo 52, apenas
quando atingir a credibilidade der pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa. Ver TEPEDINO,
Gustavo. Temas de Direito Civil. p.55-57.
145
WAMBIER, Luiz Rodrigues; Wambier, Teresa Arruda Alvim. A Prova do Dano Moral da Pessoa
Jurídica. Revista Jurídica nº 317. Porto Alegre: Nota Dez, 2004. p.12.
5
direitos necessita da tutela efetiva do Estado
146
, concedendo ao titular
mecanismos preventivos, reparatórios e adequados de defesa contra
agressões que alguém venha a sofrer no plano extrapatrimonial.
Em princípio, deve haver uma proteção preventiva,
objetivando que cada pessoa possa viver e gozar dos direitos inatos à
personalidade em sua plenitude. Todavia, não há como o Estado garantir a
plena proteção, e assim, danos são causados, violando os Direitos da
Personalidade.
Em regra, essa violação acarreta Dano Moral, por
atingir a esfera íntima da pessoa, não havendo possibilidade de aferir
economicamente a lesão sofrida na honra ou na intimidade, por exemplo.
Entretanto, é importante a ressalva de Bittar:
É que nem toda violação a direito da personalidade produz dano
moral, ou somente dano dessa natureza: pode ou não haver, ou
mesclar-se a dano patrimonial. Com efeito, não se pode, verbi
gratia, extrair que da lesão a componente físico (direito da
personalidade) provenha dano moral, diante da multiplicidade de
fatores que, em concreto, podem interferir, como: as condições da
pessoa; suas reações; seu estado de espírito; a gravidade do fato
violador; a intenção do agente e outros tantos.
147
Deste modo, em qualquer das conseqüências,
causadora de um dano patrimonial ou moral, haverá sempre a possibilidade
de exigir a responsabilidade do causador do dano. Quando se tratar de
dano material, ou seja, quando repercutir no patrimônio econômico da
pessoa, a reparação do dano restringe-se a recompor o patrimônio do
lesado, no sentido de restaurar o estado anterior à lesão.
146
Apesar de incidir em outros ramos do Direito, como no âmbito penal e no administrativo, a
presente pesquisa aborda apenas as conseqüências da violação no âmbito civil.
147
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. Atualização: Eduardo Carlos
Bianca Bittar. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 70
5
Já quando o dano for na esfera extrapatrimonial,
caracterizando Dano Moral, não há valor econômico como referência. O
lesante deverá sofrer uma sanção, na esfera civil, indenizando o abalo, na
dimensão física, intelectual ou moral, que causou ao lesado. Neste caso, a
responsabilidade advém do próprio ato violador e não dos prejuízos
causados. Limongi França ressalta que “[...] a consagração que tende a
universalizar-se, do ressarcimento por dano moral, vem completar, em
definitivo, a tutela privada dos direitos da personalidade.”
148
Tendo em vista o Dano Moral ser caracterizado, em
regra, como a ofensa aos Direitos da Personalidade, e dentro dos objetivos
traçados para o presente trabalho, passa-se a abordar especificamente o
instituto do Dano Moral.
2.3 DO DANO MORAL
2.3.1 Notas introdutórias sobre o Dano
Para uma análise e configuração do dano, convém
reportar às origens da fundamentação jurídica que justifica a sua efetiva
aplicação. Deste modo, destaca-se o princípio alterum non laedere, que
significa “não prejudicar ao outro”, assentado no direito romano e utilizado,
desde então, como elemento indispensável à Justiça
149
150
.
148
FRANÇA, R. Limongi. Manual de Direito Civil. p. 414.
149
Bittar observa, da mesma forma, que em todos os tempos sempre houve a necessidade de
reparar os atos antijurídicos praticados na vida social, por ser inerente à natureza humana a
busca de harmonia no convívio social. BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos
Morais. p. 22.
150
Justiça concebida aqui como “ideal político de liberdade e igualdade relacionado às
reivindicações da sociedade e a resposta entregue pela norma, correspondendo ao
conhecimento científico sobre o fato e o que por ela é preconizado, sendo constituída de
legitimidade ética”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto
5
De uma forma geral, é a determinação às pessoas de
não prejudicarem os demais, não causarem danos, sob pena de cometerem
um ato ilícito. Nesse sentido, entende Santos que:
O não causar dano a outrem surge do dever de fazer justiça, pois
quem lesiona algo ou alguém, priva este último de alguma coisa,
tira-lhe o que antes se aproveitava, seja porque estava em seu
próprio ser (honra, intimidade, vida privada), seja em seu
patrimônio material.
151
Com o objetivo de buscar a efetividade da Justiça em
sociedade, o princípio acima destacado é de grande importância e está
expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro. O mesmo autor
destaca vários artigos em que há referência ao princípio alterum non
laedere na CRFB/88 e demonstra a sua relevância no art. 5º, ao tratar da
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, pois são os direitos que “[...] dão origem a todos os outros
direitos públicos subjetivos”
152
.
Logo, por decorrência lógica, a violação ao princípio
acima destacado acarreta a responsabilização pelo dano causado. Para
Reis, dano é “[...] uma lesão a um direito, que produza imediato reflexo no
patrimônio material ou imaterial do ofendido, de forma a acarretar-lhe a
sensação de perda”
153
154
.
Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1994. p. 108 e 109.
151
SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. 4.ed. rev., ampl. e atual. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2003. p. 32.
152
SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. p. 32. Antes da CRFB de 1988, havia muita
discussão quanto ao cabimento ou não dos danos morais.
153
REIS, Clayton. Avaliação do Dano Moral. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 4.
154
Na lição de Bittar: “Dano é prejuízo experimentado por alguém em razão de ação ou omissão
de outrem, contrária ao Direito, ou com cujo resultado este não compactua. É a lesão suportada
por certa pessoa, tanto em seu patrimônio (dano material), como em sua personalidade (dano
moral), em função de ato ilícito, ou de exercício de atividade perigosa realizada por outrem.
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. p. 255.
5
Foi partindo de formulações como esta que os
doutrinadores passaram a compreender a existência de dano que não
atinge, necessariamente, o patrimônio econômico do lesado
155
. Todavia,
não é possível mais restringir a caracterização do Dano Moral como sendo
simplesmente a violação ao direito imaterial. Faz-se necessário, como já
esposado, fundar a sua existência como garantia à proteção da pessoa e
sua dignidade.
Nessa linha é o posicionamento de Moraes:
O dano moral tem como causa a injusta violação a uma situação
jurídica subjetiva extrapatrimonial, protegida pelo ordenamento
jurídico através da cláusula geral de tutela da personalidade que
foi instituída e tem sua fonte na Constituição Federal, em
particular e diretamente decorrente do princípio (fundante) da
dignidade da pessoa humana (também identificado como o
princípio geral de respeito à dignidade humana).
156
Desse modo, não é possível diferenciar o dano material
do Dano Moral pelo simples aspecto de um repercutir no patrimônio e o
outro não. É muito mais profunda a distinção, pois na incidência do dano
material ocorre uma diminuição de seu patrimônio. A conseqüência do dano
e a apuração são simples, se dão pela diferença, ou seja, repara-se a
diminuição patrimonial decorrente do dano. A reparação pode ser tanto
material, recompondo o bem lesado, ou pecuniária
157
.
Já na ocorrência de Dano Moral, não há como recompor
155
Para Lopes “O dano é sempre conseqüência de uma lesão a um direito, qualquer que seja a
sua origem, patrimonial ou não. Além disso, o que deve servir de medida do dano não é o
patrimônio, é a pessoa que tanto pode ser lesada no que é, quanto pode ser lesada no que tem.
Portanto, a distinção do dano em patrimonial e em não patrimonial não se refere ao dano na sua
origem, mas nos seus efeitos”. LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético: Responsabilidade
Civil. 2.ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 22.
156
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional
dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 132.
157
Por não ser objeto da presente pesquisa, o instituto do dano patrimonial, que é representado
pelo dano emergente e pelos lucros cessantes, não será estudado com maior profundidade,
restringindo-se aos aspectos que o distinguem do Dano Moral.
5
o bem lesado, não há como aferir em valores o dano sofrido. Portanto, a
relevância não está nos efeitos dele decorrentes, mas sim, em regra, na
violação aos Direitos da Personalidade que deve ser repelida. Entretanto,
como se poderá observar, há divergência na caracterização desse dano.
2.3.2 Do conceito e da caracterização do Dano Moral
A conceituação do Dano Moral não é tão simples, pois
existem vários aspectos que podem ser enfocados para compreender e
definir os elementos desse dano.
Nessa condição, sistematizando as idéias dos demais
autores, para Santos, existem três teorias distintas de conceituação do
Dano Moral:
a) a que considera o dano moral como dano
extrapatrimonial;
b) a que busca a natureza do bem jurídico ofendido. O dano
moral será o ato que lesione um direito da personalidade;
c) por último, a tese que parte do princípio de que é o
resultado da violação do direito ligado ao bem protegido que
faz emergir o dano moral.
158
Vários autores passaram a utilizar a conceituação
negativa, caracterizando o Dano Moral como sendo o dano não patrimonial
ou extrapatrimonial
159
. De fato, como já foi visto, há duas categorias
distintas de dano: danos patrimoniais e danos morais; entretanto, limitando-
158
SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. p. 92.
159
Justamente em razão dessa contraposição é que são utilizadas como sinônimo de Dano Moral
as expressões: dano extrapatrimonial ou dano não patrimonial. Delgado, entretanto, sugere que
os danos extrapatrimoniais são o gênero, dos quais os Danos Morais são a espécie. E as outras
espécies de danos extrapatrimoniais seriam os danos causados ao meio ambiente, a destruição
do patrimônio histórico, cultural e arqueológico, entre outros. DELGADO, Rodrigo Mendes. O
Valor do Dano Moral: Como chegar até ele. São Paulo: J. H. Mizuno, 2003. p. 229.
5
se apenas a esse aspecto de distinção, não é possível definir o que é o
Dano Moral.
Essa teoria, que define o Dano Moral como a lesão de
interesses não patrimoniais provocada por fato lesivo
160
, nasce muito mais
da necessidade de justificar a existência dessa espécie de dano do que da
preocupação em delimitar o âmbito de sua incidência
161
.
Por outro lado, há autores que enfatizam, na
conceituação, não o dano em si, mas a conseqüência, os efeitos dele
decorrentes, ou seja, a lesão sofrida pela vítima. Assim, para Santos, Dano
Moral é aquela alteração no bem-estar psicofísico do indivíduo. Se do ato
de outra pessoa resultar alteração desfavorável, aquela dor profunda que
cause modificações no estado anímico, aí está o início da busca do dano
moral
162
.
No mesmo sentido, para Melo é “[...] aquela que atinge
o âmago do indivíduo, causando-lhe dor (incluindo-se aí a incolumidade
física), sofrimento, angústia, vexame e humilhação”
163
.
Em análise diversa, é a definição de autores que não
abordam apenas o efeito, o dano, mas sim, de forma mais abrangente,
enfocam a conduta reprovável que venha a ofender os Direitos da
160
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. vol 7. 16 ed. atual. São Paulo:
Saraiva, 2002. p. 81. Para Dias: “Quando ao dano não correspondem as características do dano
patrimonial, dizemos que estamos em presença do dano moral”. DIAS, José de Aguiar. Da
Responsabilidade Civil. Vol. II. 9 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p.729.
161
É assim a justificação de Silva, ao contrapor patrimônio material e moral: “Danos morais são
lesões sofridas pelo sujeito físico, ou pessoa natural de Direito em seu patrimônio ideal,
entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo
aquilo que não seja suscetível de valor econômico”. In SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e
sua reparação. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 13-14.
162
SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. p. 95
163
MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral: problemática do cabimento à fixação do
Quantum. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 5.
6
Personalidade, ou para alguns, a Dignidade da Pessoa Humana.
Nessa linha é a lição de Cavalieri: “Dano Moral, à luz da
Constituição vigente, nada mais é do que a violação do direito à
dignidade”
164
. Mais adiante, após tecer esclarecimentos a respeito da
relevância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a sua
correlação com os Direitos da Personalidade, o autor esclarece que “[...] o
dano moral não mais se restringe à dor, tristeza e sofrimento, estendendo a
sua tutela a todos os bens personalíssimos os complexos de ordem
ética”
165
.
É, também, do mesmo modo, o entendimento de Bittar,
para quem o Dano Moral:
Reveste-se, pois, de caráter atentatório à personalidade, de vez
que se configura através de lesões a elementos essenciais da
individualidade. Ora, por essa é que recebe a repulsa do Direito
que, como já anotado, procura realizar a defesa dos valores
básicos da pessoa e do relacionamento social.
166
De forma mais enfática, mas no mesmo sentido, é o
entendimento de Lobo:
Não há outras hipóteses de danos morais além das violações aos
direitos da personalidade. [...] A rica casuística que tem
desembocado nos tribunais permite o reenvio de todos os casos
de danos morais aos tipos de direitos da personalidade. Nenhum
dos casos deixa de enquadrar-se em um ou mais de um tipo. A
referência freqüente à “dor” moral ou psicológica não é adequada
e deixa o julgador sem parâmetros seguros de verificação da
ocorrência de dano moral. A dor é uma conseqüência, não é o
direito violado. O que concerne à esfera psíquica ou íntima da
pessoa, seus sentimentos, sua consciência, suas afeições, sua
dor, correspondem à dos aspectos essenciais da honra, da
reputação, da integridade psíquica ou de outros direitos da
164
CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. p. 94.
165
CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. p. 95.
166
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. p. 57-58.
6
personalidade.
167
Na realidade, depreende-se que todas as concepções
podem ser consideradas, uma não exclui a outra. O que altera, apenas, é o
modo de justificar a sua existência e relevância. Conforme esclarece
Moraes
168
, não se trata apenas de divergência doutrinária, mas decorre da
coexistência simultânea no ordenamento jurídico brasileiro de dois modos
distintos de visualizar os danos morais: Os subjetivos, que seriam os
relacionados com o mal sofrido, com a dor em si, ou seja, que consideram o
efeito não-patrimonial da lesão; e os objetivos, que se referem,
propriamente, à violação aos Direitos da Personalidade.
A mesma autora ressalta a relevância em ponderar o
Dano Moral como lesão à Dignidade da Pessoa Humana. E esclarece:
A importância de conceituar o dano moral como a lesão à
dignidade humana pode ser medida pelas conseqüências que
gera, a seguir enunciadas. Assim, em primeiro lugar, toda e
qualquer circunstância que atinja o ser humano em sua condição
humana, que (mesmo longinquamente) pretenda tê-lo como
objeto, que negue a sua qualidade de pessoa, será
automaticamente considerada violadora de sua personalidade e,
se concretizada, causadora de dano moral a ser reparado.
Acentua-se que o dano moral, para ser identificado, não precisa
estar vinculado à lesão de algum direito subjetivo” da pessoa da
vítima, ou causar algum prejuízo a ela. A simples violação de uma
situação jurídica subjetiva extrapatrimonial (ou de um interesse
patrimonial) em que esteja envolvida a vítima, desde que
167
LOBO, Paulo Luiz Netto. Danos Morais e Direito da Personalidade. p. 16-17. Na mesma
linha: CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 1999. p. 20.
168
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional
dos danos morais. p. 156-157. No mesmo sentido é a divisão de Bittar. Entretanto, o mesmo
autor, linhas adiante, divide os Danos Morais em duas espécies: puros ou diretos e reflexos ou
indiretos. No entendimento do autor: “São puros, portanto, os danos que se exaurem nas lesões
a certos aspectos da personalidade, já referidos, enquanto os reflexos constituem efeitos ou
interpolações de atentados ao patrimônio ou aos demais elementos materiais do acervo jurídico
do lesado. Configuram-se os primeiros no âmago da personalidade, ao passo que os outros
extrapolam à parte inicialmente atingida.” In BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por
Danos Morais. p. 41-52.
6
merecedora de tutela, será suficiente para garantir a reparação.
169
Denota-se que se trata de assunto muito amplo e
complexo. É como um prisma que tanto pode refletir a luz quanto dispersá-
la, dependendo do modo como é visto. Da mesma forma ocorre com o
Dano Moral. Por vezes, tanto doutrina quanto jurisprudência divergem, uns
vêem nitidamente a ocorrência de dano, enquanto para outros não passa
de mero dissabor que faz parte do dia-a-dia.
Entretanto, é possível perceber que essa divergência
acontece em maior grau quando utilizado o modo subjetivo para verificar
sua ocorrência. Afinal, é evidente a dificuldade em muitos casos de
demonstrar o dano causado, ou mais precisamente, os efeitos do dano,
como dor, vexame, humilhação, sofrimento, angústia, etc
170
.
Já ao empregar o modo objetivo para justificar a
ocorrência do Dano Moral, afasta-se o foco sobre o dano em si e se
evidencia a conduta reprovável do agente pelo simples fato de violar
direitos ínsitos à personalidade do ofendido
171
.
169
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional
dos danos morais. p. 188.
170
Em observações ao critério subjetivo, vários autores ressaltam, e a jurisprudência acompanha,
que não é qualquer mágoa, incômodo, desgosto ou inconveniente que se caracteriza em Dano
Moral. Santos salienta: “O dano moral somente ingressará no mundo jurídico, com a
subseqüente obrigação de indenizar, em havendo alguma grandeza no ato considerado ofensivo
a direito personalíssimo. Se o ato tido como gerador do dano extrapatrimonial não possui
virtualidade para lesionar sentimentos ou causar dor e padecimento íntimo, não existiu o dano
moral passível de ressarcimento.[...] O reconhecimento do dano moral exige determinada
envergadura. Necessário, também, que o dano se prolongue durante algum tempo e que seja a
justa medida do ultraje às afeições sentimentais”. SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral
Indenizável. p. 113. Ver também CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade
Civil. p. 98.
171
Bittar define como sendo a teoria da responsabilização pelo simples fato da violação.
Salientando que, neste caso, satisfaz-se a ordem jurídica com a simples causação. Ver BITTAR,
Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. p. 214-218. Essa mudança de paradigma é
vista como evolução da doutrina por Lorenzetti: “O dano moral, segundo a evolução da doutrina
francesa e italiana, de grande influência entre nós, conceituou-se como sofrimento, depois como
honra individual e social; posteriormente como lesão à vida em relação ao projeto de vida, à
identidade pessoal, e agora, sugere-se um tertium genus: dano à pessoa”. LORENZETTI,
6
Para Kauffmann, “A simples demonstração do ato ilícito
e a sua potencialidade danosa aos elementos inerentes à personalidade ou
situação do ofendido em seu meio se mostram suficientes para gerar o
direito à indenização”
172
.
Na verdade, em conseqüência da admissão e da
efetivação dessa caracterização do Dano Moral, este não pode mais,
singelamente, ser definido como o pretium doloris
173
, prevalecendo, assim,
o critério objetivo, ou melhor, a causa, violação ao Direito da Personalidade,
sobre o efeito, dor.
Um outro ponto importante é a caracterização de danos
morais às pessoas jurídicas. É possível perceber que, para a teoria que
fundamenta a existência do Dano Moral no sentimento da dor, no abalo
psíquico, essa possibilidade não existe, pois são sentimentos próprios da
pessoa natural.
Todavia, como já foi visto, as pessoas jurídicas
possuem Personalidade Jurídica, e guardando suas particularidades, ou
seja, desde que compatíveis com a sua natureza, admite-se que sejam
titulares de direitos inerentes à personalidade. Dessa forma, já prevalece na
doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a pessoa jurídica
também é passível de sofrer o Dano Moral, nos casos em que haja lesão
aos seus Direitos da Personalidade
174
.
Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. p. 461.
172
KAUFFMANN, Boris Padron. O Dano Moral e a fixação do valor indenizatório. Revista de
Direito do Consumidor nº 39. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 79.
173
Pretium doloris, em tradução livre do autor, significa em latim o preço da dor.
174
Partindo dessa idéia, como já foi tratado anteriormente, caracterizaria Danos Morais à pessoa
jurídica a violação de sua honra objetiva (dignidade), liberdade, privacidade, nome, imagem, etc.
Na lição de Cahali: “Assim, afirma-se ser admissível a indenização por dano moral causado à
pessoa jurídica em decorrência de manifestações que acarretem abalo de seu conceito no
mercado em que atua, uma vez que o direito à honra e imagem é garantido pelo Constituição,
em seu art. 5º, X, cuja interpretação não há de se restringir às pessoas naturais”. CAHALI,
6
Fato é que se reconhece na pessoa jurídica a
possibilidade de sofrer danos extrapatrimoniais à sua reputação, em sua
personalidade jurídica própria, e não das pessoas naturais que a compõem.
Assim justifica Bittar:
Com respeito a pessoas jurídicas, também são suscetíveis de
figurar na relação, de vez que se lhe reconhecem, como
acentuamos, direitos da personalidade. De fato, para a respectiva
identificação e de sus produtos, bem como para a sua
individualização e a preservação de seus valores básicos,
inúmeros direitos dessa ordem compõem a sua essencialidade,
merecendo, pois, o amparo jurídico.
175
Portanto, em que pesem entendimentos contrários e
dúvidas ainda persistam na análise de casos em concreto quanto à
existência, ou não, de lesão aos Direitos da Personalidade da pessoa
jurídica, a matéria já está sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça:
“Súmula nº 227 – A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”.
Desta feita, o fato de a pessoa jurídica ser considerada
suscetível de sofrer este dano serve para ratificar o entendimento de que o
Dano Moral deve se fundamentar na proteção aos Direitos da
Personalidade e que mais importante que o efeito decorrente do dano é a
punição a quem violar esses direitos que se consagram como valor
fundamental do Direito
176
.
Yussef Said. Dano Moral. p. 349-350.
175
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. p. 153. O mesmo autor,
inclusive, considera os entes despersonalizados que, mesmo não sendo dotados de
personalidade, podem sofrer o dano moral, não da mesma forma, mas concebidos diante do
acolhimento da possibilidade de haver a coletivização do Dano Moral. A existência do dano
moral coletivo e difuso tem previsão expressa no CDC, como já foi mencionado, mas não é
objeto deste trabalho, que se limita à análise de danos individuais.
176
A esse respeito, Santos enfatiza: “Deixar o infrator sem a devida resposta, somente por amor
ao debate, mas que não encontra fundamentação na realidade do direito positivo, é afrontar com
fato de lana caprina o direito que todos têm, inclusive a pessoa jurídica, de não ser afetada por
outrem”. SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. p. 146-147. A expresão “lana
caprina” literalmente significa lã de cabra, todavia, se consagrou o uso dessa expressão para
designar “coisa sem importância”.
6
Uma vez superada a análise do conceito e da
caracterização do Dano moral, passa-se a abordar a sanção civil
decorrente desse dano, ou seja, a indenização
177
.
2.3.3 A Indenização do Dano Moral
É evidente que a proteção jurídica à Dignidade da
Pessoa Humana e, conseqüentemente, aos Direitos da Personalidade, visa,
antes de tudo, a proteger, prevenir e evitar que ofensas a esses direitos
ocorram. Todavia, infelizmente, sabe-se que o cumprimento das normas
não se dá de forma espontânea por todos e, dessa maneira, é necessária a
previsão de sanção para os casos de descumprimento.
Convém destacar, entretanto, que a reparação pelo
Dano Moral não decorre apenas como conseqüência de um ato ilícito
178
. É
a observação de Moraes:
O dano será injusto quando, ainda que decorrente de conduta
lícita, afetando aspecto fundamental da dignidade humana, não
for razoável, ponderados os interesses contrapostos, que a vítima
dele permaneça irressarcida.
[...]
De fato, não parece razoável, na legalidade constitucional,
estando a pessoa humana posta na cimeira do sistema jurídico,
que a vítima suporte agressões, ainda que causadas sem
177
Casillo esclarece que “[...] etimologicamente não há indicação de que a palavra indenização
tenha correlação com a idéia de sanção, mas não se pode negar que, como corolário do dano
causado, a indenização também tenha função sancionatória ao causador do dano.” CASILLO,
João. Dano à pessoa e sua Indenização. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1994. p.81. A expressão sanção, nesse momento, é utilizada apenas como referência
à conseqüência civil (perda patrimonial) advinda pela responsabilidade por causar Dano Moral a
outrem, sem, contudo, adentrar na esfera de corresponder ou não a uma pena privada. Mais
adiante, quando será abordada a natureza da indenização, tratar-se-á de sua função punitiva.
178
Para Reis, o dano, mesmo extrapatrimonial, deve, necessariamente, decorrer de uma ação
ilícita. REIS, Clayton. Avaliação do Dano Moral. p. 4. Cianci, por outro lado, justifica a hipótese
de responsabilização por atos lícitos exclusivamente quando possível adotar a teoria do risco.
CIANCI, Mirna. O Valor da Reparação Moral. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 36.
6
intenção nem culpa, isto é, sem negligência, imperícia ou
imprudência. O que impede que se proteja o autor do dano em
detrimento da vítima, como se fazia outrora, ou, melhor, o que
torna preferível proteger a vítima em lugar do lesante, é
justamente o entendimento (ou, talvez, o sentimento) da
consciência de nossa coletividade de que a vítima sofreu
injustamente; por isso, mercê ser reparada.
179
Em decorrência do dano, portanto, é necessário
recompor a ordem que foi quebrada, o direito que foi ofendido. Casillo
observa que o meio mais adequado seria aquele que permitisse que a
lesão fosse reparada “[...] in natura, ou seja, que as coisas fossem
recolocadas exatamente no seu status quo ante.” Por conseguinte, não
sendo possível essa recolocação, o dano deverá ser coberto, então, por
determinada importância em dinheiro
180
.
De início, já é possível perceber a dificuldade em
efetivar a reparação in natura quando se tratar de danos extrapatrimoniais.
Ora, quando o dano for patrimonial, representado, por exemplo, pelo
prejuízo causado no carro da vítima, resultante de um acidente em que o
lesante tenha sido o culpado, é possível consertar o dano do veículo e, em
regra, estará resolvido o problema; entretanto, aos danos resultantes de
violação aos Direitos da Personalidade, caracterizando o Dano Moral, tal
situação não se apresenta viável.
Antes da promulgação da atual Constituição da
República Federativa do Brasil, em 1988, havia muita relutância em aceitar
a possibilidade de indenizar os danos morais
181
. As justificativas eram as
179
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional
dos danos morais. p. 179-180.
180
CASILLO, João. Dano à pessoa e sua Indenização. p. 77-79.
181
Coelho esclarece: “A trajetória da indenização por danos morais no direito brasileiro pode ser
dividida em duas fases nítidas: antes e depois de 1988. A fase anterior é marcada pela
discussão sobre seu cabimento; vou chamá-la fase do questionamento. A segunda, pela
superação de qualquer dúvida, na doutrina e na jurisprudência, acerca de sua pertinência;
chamo-a fase do consenso”. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. v 2. São Paulo:
6
mais variadas, entre elas: a impossibilidade de aferir o dano; imoralidade no
fato de compensar a dor com dinheiro; enriquecimento sem causa da
vítima, etc. Porém, com a previsão constitucional expressa nos incisos V e
X do art. 5º, onde em ambos os dispositivos consta a expressão
“indenização”, toda e qualquer dúvida a respeito da indenizibilidade do
Dano moral teve que ser desfeita
182
.
Reis esclarece que a palavra indenização deriva do
latim indemnis, que significa indene, de forma que o verbo indenizar
representa o mesmo que reparar, recompor, recompensar ou retribuir e em
sentido mais genérico pode ter o sentido de compensação ou retribuição
monetária realizada por uma pessoa a outra
183
.
Vários autores destacam haver uma impropriedade na
Saraiva, 2004. p. 413. São dois dispositivos constitucionais que estabelecem, expressamente, a
ocorrência de dano moral. São os incisos V e X do art. 5º, que trata dos direitos e garantias
fundamentais: Inc. V - É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral e à imagem.”; Inc. X “são invioláveis a intimidade, a vida
privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano
material, moral decorrente de sua violação.” Pereira destaca que a enumeração constante dos
dispositivos constitucionais é meramente exemplificativa, frisando que a Constituição
estabeleceu apenas o mínimo. E acrescenta: “Com as duas disposições contidas na
Constituição de 1988, o princípio da reparação do dano moral encontrou o batismo que a inseriu
em a canonicidade de nosso direito positivo. Agora, pela palavra mais firme e mais alta da
norma constitucional, tornou-se princípio de natureza cogente o que estabelece a reparação por
dano moral em o nosso direito. Obrigatório para o legislador e para o juiz. PEREIRA, Caio Mário
da Silva. Responsabilidade Civil. 8 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. 1996. p. 58. Bittar
ressalta que em várias disposições anteriores à CFRB/88 já estava consagrada reparação do
Dano Moral, mencionando, inclusive, vários artigos do Código Civil de 1916. Ver BITTAR, Carlos
Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. p. 104-105. Vários dispositivos do Código Civil
Brasileiro, Lei 10.406/2002, prevêem, da mesma forma, a reparação dos danos morais;
entretanto, deixa-se de abordá-los especificamente em razão das delimitações impostas à
presente pesquisa.
182
Apesar disso, Papini lembra que ainda existem, por mais que considere absurdo, doutrinadores
que insistem na tese de que, em razão do Dano Moral ser imensurável, não pode ser
indenizável, além de ser imoral a reparação pecuniária desse dano. PAPINI, Paulo Antonio.Dano
Moral: Da efetiva reparação em face do ordenamento jurídico pátrio. Revista Síntese de Direito
Civil e Processual Civil 17. Porto Alegre: Síntese, 2002. p. 100. Esse é o entendimento,
dentre outros, de Buitoni. Ver BUITONI, Ademir. Reparar os Danos Morais pelos meios morais.
Revista de Direito Privado nº. 16. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. p.37-45.
183
REIS, Clayton. Avaliação do Dano Moral. p. 120.
6
utilização do termo indenizar, ou principalmente, no emprego da expressão
“reparar” para se referir à sanção de Dano Moral. Para Moraes, deve ser
utilizada a expressão compensação, pois indenização significa devolver o
patrimônio ao estado anterior, ou seja, eliminar o prejuízo e suas
conseqüências e, em razão de sua natureza, o Dano Moral não pode ser
indenizável, mas, sim, compensável
184
.
Da mesma forma é o entendimento de Reis, para quem
os Danos Morais são insuscetíveis de reparação, por serem irressarcíveis,
defendendo que há nesses casos uma compensação de prejuízos
185
.
De qualquer modo, seja qual for a denominação que se
queira empregar, o fato é que, consubstanciado em tudo mais que já foi
exposto, haverá condenação do infrator em pena pecuniária por lesar
184
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional
dos danos morais. p. 145. Já Brincas, de forma diferente e original, sugere que o Dano Moral
não está adstrito ao instituto da responsabilidade civil, no qual a sanção é justamente a
reparação do dano causado. Afirma que esse dano é irreparável, ou seja, não há como retornar
à situação anterior dos fatos, que é o objetivo da responsabilidade civil. Nessa condição,
portanto, é um instituto autônomo tanto quanto o que ocorre com o abuso de direito ou o
enriquecimento sem causa, por exemplo, que também não pertencem à responsabilidade civil.
Observa que o Dano Moral e sua respectiva sanção aproximam-se muito mais das
responsabilidades penal e administrativa, pois tem a função punitiva em maior evidência. Aduz,
então, em decorrência de suas proposições, não ser adequado utilizar as expressões
indenização e reparação. Por outro lado, ressalta que também não pode ser compensado, pois
só se pode compensar bens fungíveis. Assim, os Direitos da Personalidade, mesmo quando
violados, não podem ser compensados em dinheiro, além de a compensação significar a
extinção da obrigação pelo seu efetivo cumprimento. Sugere, então, que o mais apropriado é o
emprego da expressão “composição dos danos morais”, por admitir um sentido de acordo, de
concessões recíprocas, que mesmo não sendo ideal, é ao menos desejável. Acrescenta, ao
defender sua idéia, que “quem sofre o dano moral não pode ser ressarcido, mas pode concordar
em receber um valor em dinheiro que, se não desfaz o mal, pelo menos pode lhe trazer alguma
vantagem ou alegria. Quanto à manifestação da vontade das partes, elemento necessário à
realização da composição, não haverá problemas porque, no que se refere à vítima, sua
declaração está implícita no impulso processual de promover a demanda contra o ofensor. E a
declaração de vontade do ofensor, se não for espontânea, será suprida pelo provimento judicial,
que pode perfeitamente fazê-lo”. Ver BRINCAS, Paulo Marcondes. Reflexões sobre a
Responsabilidade e a Natureza Jurídica do Dano Moral. 1998. 146p. Dissertação (Mestrado
em Ciências Humanas especialidade Direito) Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Direito da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis.
185
REIS, Clayton. Avaliação do Dano Moral. p. 10. Ver também LOPEZ, Teresa Ancona. O
Dano Estético: Responsabilidade Civil. p. 106; CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. p. 42 e
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. p. 417.
6
direitos inerentes à personalidade em sua esfera extrapatrimonial ou por ter
causado algum tipo de lesão cujos efeitos sejam, também,
extrapatrimoniais, como forma de prevalecer a Justiça.
Porém, a conceituação e a abrangência da indenização
são discutidas não só por questões de semântica, mas sim, e mais
significativamente, no âmbito de sua natureza jurídica, ou seja, se atende
apenas ao caráter compensatório ou se há, ainda, uma função punitiva.
2.3.4 Da natureza jurídica da Indenização: Funções da Indenização do Dano
Moral
Há na doutrina um permanente conflito no tocante à
natureza da indenização, o que em efeitos práticos acaba por repercutir no
momento de fundamentar e fixar o valor da indenização. Assim, é possível
classifica-la em duas correntes: a) a que defende a existência apenas do
caráter compensatório (ressarcitório) do Dano Moral; e b) a que entende
haver, simultaneamente, um duplo caráter, o compensatório e o punitivo
(sancionatório)
186
.
Dentre os defensores da utilização apenas do caráter
compensatório ou reparatório, destaca-se a lição de Silva, para quem “[...] o
fundamento da reparação não iria além da mera satisfação
compensatória”
187
.
Para essa corrente minoritária
188
, não há possibilidade
186
Também pode ser chamado de função inibidora, função exemplar ou pedagógica, ou ainda,
Função de Desestímulo.
187
SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. p. 567.
188
Entre os autores pesquisados, são adeptos dessa corrente: DIAS, José de Aguiar. Da
Responsabilidade Civil. Vol. II.; SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação;
7
de haver uma sanção punitiva, no âmbito civil, posto não haver fundamento
legal para isso
189
, além da vedação ao enriquecimento sem causa
190
.
Alegam, ainda, entre outros aspectos, que não há relação de equivalência
entre o dano e a reparação, servindo o pagamento pecuniário apenas como
lenitivo, como satisfação do dano sofrido.
Para Coelho, “A única função dos danos morais é
compensar a pungente dor que algumas vítimas sofrem”
191
, assim, não se
destinariam a sancionar ou prevenir novos danos, posto que é irrelevante a
licitude ou ilicitude do devedor.
Theodoro Júnior acrescenta outro argumento para
fundamentar a teoria. Aduz que, desde que houve, por parte do Estado, a
distinção entre a responsabilidade civil e a penal, a vítima perdeu o direito
de punir quem lhe causou prejuízo, portanto, não pode haver punição,
apenas reparação
192
.
Por outro lado, a corrente majoritária
193
no Brasil, tanto
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos
danos morais; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral; COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de
Direito Civil. v 2; CIANCI, Mirna. O Valor da Reparação Moral; ZENUN, Augusto. Dano Moral
e sua Reparação e DELGADO, Rodrigo Mendes. O Valor do Dano Moral: Como chegar até
ele.
189
Apesar disso, ressaltam que nos casos em que há previsão legal, ou seja, em que o caráter
punitivo tenha sido instituído por lei, essa hipótese é possível. Ver THEODORO JÚNIOR,
Humberto. Dano moral. 4 ed. atual. Ampl. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 59.
190
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional
dos danos morais. p. 29.
191
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. v 2. p. 417. Adverte o mesmo autor, que “O
objetivo da indenização punitiva é sancionar a desconsideração aos direitos alheios manifestada
pelo responsável pelo acidente inevitável ou ato ilícito. Não se confundem com os danos morais,
que visam compensar a vítima pela dor extremada que vivenciou”. p. 433-434.
192
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano moral. p. 59.
193
Entre os autores pesquisados, defendem o duplo caráter da indenização por Danos Morais:
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais; REIS, Clayton. Avaliação do
Dano Moral; LOPEZ, Teresa Ancona. O Dano Estético: Responsabilidade Civil; CAHALI,
Yussef Said. Dano Moral; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil;
CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil; NUNES, Luiz Antonio
7
na doutrina quanto na jurisprudência, é a que entende haver um caráter
dúplice na condenação civil por Danos Morais, o compensatório e o
sancionatório.
Esse entendimento advém justamente da análise de
que não há preço da dor, portanto, não há uma correspondência direta
entre o dano sofrido pela vítima e o valor pecuniário pago a título de
indenização. Assim, a condenação, mesmo no âmbito civil, cumpriria a
dupla função.
Enquanto a corrente que defende a existência apenas
da natureza compensatória evidencia apenas na vítima a função da
condenação, os que defendem haver um caráter punitivo levam em
consideração os efeitos da condenação ao lesante e a sua
responsabilidade pelo dano. De modo que a utilização de sanção punitiva
deve ser estabelecida para que não seja preferível ao violador continuar
com suas práticas abusivas.
Stoco destaca a existência do duplo objetivo da
condenação. Observa que além de compensar a vítima, o causador do
dano deve ser condenado “[...] ao pagamento de certa importância em
dinheiro, de modo a puni-lo e desestimulá-lo da prática futura de atos
semelhantes”.
194
É importante considerar os efeitos da condenação no
lesante. É possível afirmar, ainda, que em muitos casos esse é o efeito que
Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor; DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil
Brasileiro. vol 7; CASILLO, João. Dano à pessoa e sua Indenização; SANTOS, Antonio
Jeová. Dano Moral Indenizável; MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral: problemática do
cabimento à fixação do Quantum, STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6. ed. rev.
atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 2203p e BRINCAS, Paulo Marcondes.
Reflexões sobre a Responsabilidade e a Natureza Jurídica do Dano Moral.
194
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. p. 1.709.
7
deve prevalecer: se sobrepor ao aspecto da compensação
195
. Reis
considera que a reparação “[...] exerce relevante função de inibição dos
atos anti-sociais. Portanto, além de reparar, inibe”
196
. Desse modo, há um
resultado educativo e inibidor para o lesante, que serve de exemplo para
toda a sociedade.
Ao utilizar esse critério, além de compensar os reflexos
do dano causado na órbita personalíssima, a condenação apresenta uma
função social. Bittar, um dos grandes defensores da utilização da função
punitiva, chamada por ele de valor de desestímulo, ressalta que deve servir
de exemplo para a sociedade. Veja-se:
Trata-se, portanto, de valor que, sentido no patrimônio do lesante,
possa fazê-lo conscientizar-se de que não deve persistir na
conduta reprimida ou, então, deve afastar-se da vereda indevida
por ele assumida. De outra parte, deixa-se, para a coletividade,
exemplo expressivo da reação que a ordem jurídica reserva para
infratores nesse campo e em elemento que, em nosso tempo,
tem-se mostrado muito sensível para as pessoas, ou seja, o
respectivo acervo patrimonial
197
.
Interessante observar a visão de Kern, que, ao
demonstrar que na Alemanha também é utilizada a dupla função, comenta
haver três finalidades em sua aplicação: “[...] de um lado, deve trazer ao
lesado um sentimento de satisfação, apaziguar seu senso de justiça ferido;
de outro, deve impor ao ofensor um sensível sacrifício patrimonial; e por
último, com isto deve atuar preventivamente no futuro”
198
.
195
No terceiro capítulo, ao abordar a reparação dos danos morais na relação de consumo, esse
entendimento restará justificado.
196
REIS, Clayton. Avaliação do Dano Moral. p. 78
197
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. p. 280.
198
O autor esclarece que, em regra, na Alemanha não se admite o caráter punitivo, mas, por outro
lado, há semelhança com o que, naquele país, é chamado de caráter satisfativo. KERN, Bernd-
Rüdiger. A Função de Satisfação na Indenização do Dano Pessoal. Um elemento penal na
satisfação do dano? Revista de Direito do Consumidor 33. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2000. p. 10-11.
7
Da mesma forma, Melo evidencia três parâmetros.
Porém, entende que o fato de servir de exemplo para a sociedade não está
incluído no caráter punitivo. Classifica as funções em: “O caráter
compensatório para a vítima; o caráter punitivo para o causador do dano, e
o caráter exemplar para a sociedade como um todo”
199
.
De qualquer modo, verifica-se, portanto, a relevância da
efetiva proteção aos Direitos da Personalidade, prevenindo de ofensas,
quando possível. Entretanto, quando violado algum dos direitos inerentes à
personalidade, deve haver a reprimenda exemplar ao lesante, por
intermédio de sua condenação em indenizar o Dano Moral causado.
Denota-se, assim, que o aspecto punitivo, de
desestímulo a novas práticas, é de comprovada relevância social. A
condenação amparada nesses aspectos serve muito mais do que uma
forma de compensar ou atenuar a dor. Pois, além de satisfazer o ideal de
Justiça, serve de exemplo para toda a sociedade.
Nesse sentido, Santos comenta:
Se a indenização não contém um ingrediente que obstaculize a
reincidência no lesionar, se não são desmanteladas as
conseqüências vantajosas de condutas antijurídicas, se renuncia
à paz social. A prevenção dos prejuízos, que constitui um objetivo
essencial do direito de danos, ficaria como enunciado lírico,
privado de toda a eficácia.
200
Abordados nesse capítulo os aspectos que justificam a
proteção aos direitos personalíssimos e a conseqüência de sua violação,
caracterizando a ocorrência de Dano Moral, passa-se a abordar no terceiro
capítulo a configuração deste dano na Relação de Consumo e a justificação
199
MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral: problemática do cabimento à fixação do
Quantum. p. 241.
200
SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. p. 159.
7
da utilização da Função de Desestímulo
201
.
.
201
Dentre as várias denominações que cabem à função punitiva, optou-se por utilizar a expressão
Função de Desestímulo no capítulo que segue, por se entender ser o mais apropriado para
justificar a sua aplicação no âmbito da Relação de Consmo.
7
CAPÍTULO 3
O DANO MORAL DECORRENTE DA RELAÇÃO DE CONSUMO E A
UTILIZAÇÃO DA FUNÇÃO DE DESESTÍMULO
3.1 NOTAS INTRODUTÓRIAS SOBRE A CORRELAÇÃO ENTRE OS
INSTITUTOS JURÍDICOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DO
CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO
No presente capítulo, passa-se a analisar os pontos de
convergência entre os assuntos já abordados, partindo de proposições já
formuladas e justificadas nos capítulos anteriores, além de verificar a
aplicação da Função de Desestímulo na condenação por danos morais
quando decorrentes de Relação de Consumo. Contudo, é importante
verificar, inicialmente, as possíveis interligações existentes entre o Código
de Defesa do Consumidor e o Código Civil Brasileiro.
De início, de acordo com o que já foi tratado, é possível
perceber a ligação existente entre os Direitos do Consumidor e os Direitos
da Personalidade. Mesmo porque, já foi visto que os Direitos do
Consumidor são considerados Direitos Fundamentais pela CRFB, como, da
mesma forma, os Direitos da Personalidade também estão diretamente
ligados aos Direitos Fundamentais. Interessante, nesse sentido, a
observação de Gomes:
Esse contato entre os vários ramos do direito, em função do
conteúdo da Lei fundamental que os une, ocorre devido à
homogeneidade de objetivos existentes nesta. É a unidade desse
conteúdo que impõe uma nova visão do Direito civil, segundo os
ditames constitucionais, em especial o da dignidade humana,
fazendo com que todos os ramos do Direito encontrem-se
7
enfeixados pelos direitos e garantias fundamentais.
202
Nessa condição, releva a importância de justificar
qualquer norma infraconstitucional, seja o Código Civil, seja o Código de
Defesa do Consumidor, nos ditames constitucionais, sobretudo quando
estabelecidos como direitos e garantias fundamentais. Além do mais, a
previsão expressa de proteção ao Consumidor na CRFB, como direito
fundamental, não tem apenas a finalidade de garantir o equilíbrio
econômico entre consumidores e fornecedores, mas, muito mais que isso,
visa à proteção da pessoa em suas necessidades essenciais de consumo,
assumindo o CDC uma função “[...] de ordenação do mercado a partir do
interesse do consumidor”
203
204
.
A relevância que deve ser dada às normas
consumeristas é visualizada por Mattietto da seguinte forma:
O direito do consumidor, pensado como parte da ampla proteção
que, a partir da Constituição, a ordem jurídica confere à pessoa,
não pode ser entendido apenas como estrutura repressiva ou
ressarcitória, mas como instrumento funcionalizado à tutela da
pessoa humana, a serviço do valor constitucionalmente definido
de promoção da dignidade e do livre desenvolvimento da
personalidade do ser humano.
205
202
GOMES, Rogério Zuel. A Importância do Princípio da Boa-fé Objetiva na Construção da
Teoria contratual Contemporânea. Itajaí, 2002. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Ciência
Jurídica) – Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica, Universidade do Vale do
Itajaí. Itajaí. p. 83.
203
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. O Direito do Consumidor como Direito Fundamental.
Revista de Direito do Consumidor nº 43. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 129.
204
Marques caracteriza o CDC como lei que exerce uma função social. E justifica: “As leis de
função social caracterizam-se por impor as novas noções valorativas que devem orientar a
sociedade e por isso optam, geralmente, em positivar uma série de direitos assegurados ao
grupo tutelado e impõem uma série de novos deveres imputados a outros agentes da sociedade,
os quais, por sua profissão ou pelas benesses que recebem, considera o legislador, que possam
e devam suportar pelos riscos. São leis, portanto, que nascem com a á rdua tarefa de
transformar uma realidade social, de conduzir a sociedade a um novo patamar de harmonia e
respeito nas relações jurídicas”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do
Consumidor: o novo regime das relações contratuais. p. 506.
205
MATTIETTO, Leonardo. O Direito Civil Constitucional e a Nova Teoria dos Contratos. In
Problemas de Direito Civil Constitucional. p. 182.
7
Para tanto, faz-se necessária a concretização do que
preceituam os artigos e do CDC ao estabelecerem uma Política
Nacional das Relações de Consumo, tendo por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e
segurança e a melhoria de sua qualidade de vida, além da transparência e
da harmonia das relações de consumo
206
.
É nessa forma mais abrangente de interpretação e
justificação da tutela consumerista que Bittar considera que os Direitos do
Consumidor “[...] representam, em parte, uma concretização de direitos da
personalidade”
207
. Do mesmo modo, tendo em vista a proteção à pessoa e
à sua dignidade servir de fundamento para toda a ordem jurídica, a
integridade moral do Consumidor também deve ser tutelada com a mesma
206
É essa a concepção dada ao art. 4º: “A Política Nacional das Relações de Consumo tem por
objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde
e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida,
bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes
princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II -
ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta;
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença
do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões
adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. III - harmonização dos
interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do
consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a
viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição
Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e
fornecedores; IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus
direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V - incentivo à criação pelos
fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços,
assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; VI - coibição e
repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a
concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes
comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores; VII -
racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII - estudo constante das modificações do
mercado de consumo”. Além dessa previsão principiológica, a proteção dos direitos inerentes à
personalidade do Consumidor está manifestada expressamente em vários outros dispositivos,
como exemplo os Art. 6º, I, IV, VII; 8º; 9º; 10; 12; 14 e 37.
207
BITTAR, Eduardo C. B. Direitos do Consumidor e direitos da Personalidade: Limites,
intersecções, relações. Revista de Direito do Consumidor 37. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000. p. 197. No mesmo sentido é o entendimento de Silva Filho. Ver: SILVA FILHO,
Artur Marques da. Responsabilidade Civil por Fato do Produto e do Serviço. In BITTAR, Carlos
Alberto (Coord.). Responsabilidade Civil por Danos a Consumidores.. São Paulo: Saraiva,
1992. p 18.
7
relevância.
Assim, o art. 6º, VI do CDC
208
, estabelece como direito
básico do Consumidor a efetiva prevenção e reparação
209
dos danos
morais. Trata-se, portanto, de proteção aos Direitos da Personalidade do
Consumidor que, quando violados, acarretam Dano Moral que deve ser
reparado efetivamente
210
.
Porém, a questão que se apresenta neste momento é a
verificação da extensão dessa previsão do CDC. Ou seja, até que ponto a
norma consumerista é autônoma para regular institutos com disposições
expressas no Código Civil, como os Direitos da Personalidade
211
e os danos
morais? O que se pretende verificar é se, nos casos de violação dos
Direitos da Personalidade, caracterizando Dano Moral, quando decorrente
de uma Relação de Consumo, tendo em vista as normas gerais que
norteiam esse tipo de relação, há ou não independência em frente ao CCB.
Para tal desiderato, faz-se necessário partir de algumas
premissas básicas, quais sejam: O CDC é um microssistema autônomo,
208
“Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VI a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”. (Lei 8.078). Verifica-se que a
preocupação, primeiramente, é com a prevenção; entretanto, quando o dano não puder ser
evitado, deverá ocorrer a reparação de forma efetiva. A efetividade da reparação ao Dano Moral
não se dá apenas em razão desse dispositivo, mas também da previsão constitucional expressa
no art. 5º, V e X da CRFB.
209
Apesar de não ser a expressão mais adequada, como já foi visto, permanecerá sendo utilizada
neste trabalho por ser a designação adotada pelo art. 6º, VI do CDC.
210
Emprega-se aqui a concepção de que, em geral, a violação aos Direitos da Personalidade
causa Dano Moral, apesar de poder haver efeitos de ordem patrimonial, conforme a ressalva de
Bittar. Ver: BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais p. 70.
211
No que se refere aos Direitos da Personalidade, as disposições específicas constantes do CCB
(art. 11 a 21), por se caracterizarem apenas como normas gerais e meramente exemplificativas,
não limitam a sua aplicação às relações de consumo. Miragem observa, ainda, que “a proteção
da pessoa, que no direito privado se traduz pelos direitos da personalidade é fundamento
indisponível do direito do consumidor e da legislação que determina o seu conteúdo”.
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Os Direitos da Personalidade e os Direitos do Consumidor.
Revista de Direito do Consumidor nº 49. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 76.
7
que não depende diretamente do Código Civil, apenas da Constituição da
República
212
; é norma de ordem pública; portanto, deve ser cumprida;
fundamenta-se na existência de vulnerabilidade do Consumidor diante do
Fornecedor; adota a regra
213
da responsabilidade objetiva, e da efetiva
prevenção e reparação de danos. Pressupostos estes que, de certo modo,
em maior ou menor grau, contrariam as regras do CCB, que estão fundadas
na presunção de igualdade entre as partes e na responsabilidade subjetiva.
Assim, é possível afirmar que em se tratando da
ocorrência de danos morais decorrentes de uma Relação de Consumo,
haverá, da mesma forma, desequilíbrio entre Consumidor–lesado e
Fornecedor–lesante. Com isso, é necessário verificar até que ponto as
normas estabelecidas pelo Código Civil, que definem critérios de reparação
destes danos, aplicam-se às lesões decorrentes da Relação de Consumo
214
.
Para Marques, não há contraposição entre as normas,
mas, sim, a convivência de paradigmas, pela ocorrência de um diálogo das
fontes, em aplicação complementar ou subsidiária entre elas, visando
212
Apesar de não concordar com o emprego da expressão microssistema, Tepedino comenta: “Ao
contrário, as leis especiais, se se distanciam do Código civil, de igual grau hierárquico, devem se
submeter à tábua axiológica unificante da Constituição da República. O sistema, assim
concebido, se reunifica, sendo indispensável ao intérprete buscar novas regras hermenêuticas,
capazes de fazer incidir diretamente as normas constitucionais, em todas as relações de direito
civil e revisitar, desse modo, a disciplina infraconstitucional”. TEPEDINO, Gustavo. Temas de
Direito Civil. p.279.
213
Cabe a exceção para os casos de responsabilidade do profissional liberal, prevista no art. 14,
§4º do CDC.
214
Ao tratar das interligações existentes entre o CDC e o CCB, Pasqualotto dividiu em 03 grupos
as disposições conexas entre os códigos: a) princípios que alteraram as orientações ao Código
Civil Brasileiro de 1916, especialmente no que se refere aos contratos; b) disposições que
apresentam plena divergência entre os códigos e c) disposições plenamente compatíveis entre
os códigos. Ver PASQUALOTTO, Adalberto. O Código de Defesa do Consumidor em face do
novo Código Civil. Revista de Direito do Consumidor nº43. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002. p. 108-109.
8
sempre à interpretação mais favorável ao Consumidor
215
. A autora entende
que o diálogo pode ocorrer de três formas: 1) diálogo sistemático de
coerência: na aplicação simultânea das leis, uma servindo de base
conceitual para outra; 2) diálogo sistemático de complementaridade e
subsidiaridade em antinomias: na aplicação coordenada das duas leis, uma
lei complementando a aplicação da outra, desde que se utilizem sempre as
normas mais favoráveis ao consumidor; 3) diálogo de coordenação e
adaptação sistemática: na redefinição do campo de aplicação das leis
216
.
No que concerne aos danos, é fato que o CCB adota o
princípio alterum non laedere, e vários dispositivos tratam da necessidade
de haver a respectiva reparação, tanto patrimonial quanto moral. Assim,
mesmo em uma Relação de Consumo, com base no diálogo das fontes, a
base conceitual do Dano Moral no CCB pode se utilizada.
Entretanto, a partir daí as divergências começam a
aparecer. Além da adoção da regra da responsabilidade subjetiva, são os
artigos 944 e 945, os que mais diferem da previsão de reparação efetiva
adotada pelo CDC, pois limitam o valor da indenização. O art. 944
estabelece que “A indenização mede-se pela extensão do dano.”
217
E
apresenta duas exceções, a primeira em seu parágrafo único ao determinar
que “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o
dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”; e a segunda
no art. 955 ao definir que, “se a vítima tiver concorrido culposamente para o
215
Com fundamento no art. do CDC: “Os direitos previstos neste Código não excluem outros
decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da
legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas
competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e
equidade.”
216
MARQUES. Claudia Lima. Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código
civil: Do “Diálogo das Fontes” no combate à s cláusulas abusivas. Revista de Direito do
Consumidor nº 45. p. 75-77.
217
Art. 944 do CCB (Lei nº 10.406/2002).
8
evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a
gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”
218
.
Da análise destes dispositivos, denota-se a divergência
existente entre as disposições do CDC com as regras da indenização
adotadas pelo CCB. Miragem comenta da seguinte forma:
Enquanto neste último a indenização admite redução, de acordo
com a intensidade da culpa dos sujeitos envolvidos na relação
jurídica obrigacional (ofensor e vítima), no Código de Defesa do
Consumidor a noção de efetiva reparação faz com que o seu
valor mínimo admissível seja a medida do dano, inclusive sendo
admissível sua majoração indicando o caráter punitivo e sua
conseqüente exemplaridade em homenagem ao direito básico
do consumidor de prevenção do dano.
219
Ante essa situação de divergência entre as
disposições, é possível afastar, neste ponto, a aplicação do CCB.
Pasqualotto ratifica esse entendimento da seguinte maneira:
De outra parte, certas disposições do novo Código Civil que
estipulem patamares de proteção inferiores aos estabelecidos no
CDC em nada afetarão ao consumidor, em virtude do princípio de
que a lei especial prevalece sobre a lei geral, enquanto normas
convergentes e complementares do CDC, eventualmente mais
amplas e mais benéficas, poderão ser aplicadas supletivamente
em favor dos consumidores.
220
218
Art. 945 do CCB (Lei nº 10.406/2002).
219
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Os Direitos da Personalidade e os Direitos do Consumidor.
Revista de Direito do Consumidor nº 49. p. 74.
220
PASQUALOTTO, Adalberto. O Código de Defesa do Consumidor em face do novo Código Civil.
Revista de Direito do Consumidor 43. p. 110. De modo similar é a opinião de Marques:
“Será subsidiária a aplicação da lei geral nova, seja como base conceitual, seja como norma
complementar, no que couber e não contrariar o espírito protetor da lei tutelar, seja como norma
mais favorável ao consumidor naquele caso (art. do CDC). O CDC não foi incorporado ao
NCC/2002 e fica preservado como lei especial, anterior e hierarquicamente superior à maioria
das normas do NCC/2002”. MARQUES. Claudia Lima. Diálogo entre o Código de Defesa do
Consumidor e o novo Código civil: Do “Diálogo das Fontes” no combate às cláusulas abusivas.
Revista de Direito do Consumidor 45. p. 98. Também é a visão de Aguiar Jr., que
enfaticamente afirma: “[...] no conflito entre princípios, aplica-se à relação de consumo o do
Código de Defesa do Consumidor”. AGUIAR Jr, Ruy Rosado de. O Novo Código Civil e o Código
de Defesa do Consumidor – pontos de convergência. Revista de Direito do Consumidor 48.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 57.
8
Desta análise, deflui-se que as limitações à reparação
de danos previstas no CCB não cabem à Relação de Consumo. Se alguma
influência há da norma civilista aos direitos do Consumidor nesse aspecto,
limita-se à base conceitual, ou seja, da concepção de que aquele que
causa dano a outrem é obrigado a repará-lo. Convém, entretanto, ressaltar
que os artigos 186
221
, 187
222
e o caput do artigo 927 do CCB também não
alcançam, de forma plena, os danos decorrentes de uma Relação de
Consumo, pois o dever de indenizar está consubstanciado na existência de
culpa. Compatível, porém, o parágrafo único do art. 927
223
, que prevê a
reparação de danos, mesmo sem a existência de culpa, de modo similar ao
CDC
224
.
Parece, todavia, que tais premissas são,
inadvertidamente, postas de lado pelos operadores do direito que, mesmo
quando, a toda evidência, fica caracterizada uma Relação de Consumo,
ainda utilizam os parâmetros limitadores impostos pelo Código Civil. Dessa
forma, o Consumidor não usufrui, na reparação do Dano Moral, as
vantagens estabelecidas pela norma protetiva, sedimentada no
221
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito
e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Lei
10.406/2002.
222
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exerce-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos
bons costumes”. Lei nº 10.406/2002.
223
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, é obrigado a
repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,
nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do
dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Lei nº 10.406/2002.
224
Por ter a mesma concepção das normas do CDC, também não há necessidade de sua
utilização quando o dano decorrer de uma Relação de Consumo.
8
reconhecimento de sua vulnerabilidade diante do Fornecedor
225
226
.
É justamente essa a finalidade do CDC. É norma que
estabelece tutela específica ao Consumidor para promover o equilíbrio em
uma relação nitidamente desigual, em que se admite a sua fragilidade
antes, durante e após a contratação
227
.
Por outro lado, essa dificuldade em desvincular a
utilização direta e imediata das normas do Código Civil não acontece
quando se trata de analisar os contratos de consumo e suas cláusulas
abusivas. Afinal, para essas situações o CDC já ocupou o seu devido
espaço normativo
228
, inclusive, sendo aplicado, em certos casos, a
contratos que não se caracterizam como de consumo.
229
225
Ao fundamentar a reparação de danos nas normas do CCB, concebidas sob a regra da
responsabilidade subjetiva, ensejam várias conseqüências prejudiciais ao Consumidor, pois
exige que o Consumidor lesado prove a culpa do Fornecedor (pressuposto da responsabilidade
subjetiva, além de não usufruir as vantagens processuais como a inversão do ô nus da prova
(Art. 6º, VIII do CDC); determinação da competência pelo domicílio do Consumidor autor (art.
101, I do CDC) e vedação da denunciação da lide por parte do Fornecedor (art. 88 do CDC).
Dessa forma, claramente verificam-se as dificuldades enfrentadas pelo Consumidor em uma
ação de reparação de danos, tanto morais quanto patrimoniais, sem a utilização da norma
protetiva em todos os seus fundamentos.
226
Mesma observação é feita por Tepedino: “[...] os preceitos do Código de Defesa do Consumidor
parecem, às vezes, esquecidos pelos operadores e, no entanto, dão expressão, dão corpo e dão
vida ao ditado constitucional, em favor da dignidade do consumidor, em favor de valores
extrapatrimoniais que devem proteger o contratante em situação de inferioridade.” TEPEDINO,
Gustavo. Temas de Direito Civil. p.17.
227
HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O Dano pessoal na sociedade de risco. p. 182.
228
Mattietto enfatiza: “Em matéria de contratos, hoje avulta a importância do Código de Defesa do
Consumidor”. E acrescenta: “A conformação clássica de contrato, individualista e voluntarista,
cede lugar a um novo modelo deste instituto jurídico, voltado a obsequiar os valores e princípios
constitucionais de dignidade e livre desenvolvimento da personalidade humana. O contrato deixa
de ser apenas instrumento de realização da autonomia privada, para desempenhar uma função
social.” MATTIETTO, Leonardo. O Direito Civil Constitucional e a Nova Teoria dos Contratos. In
Problemas de Direito Civil Constitucional. p. 171 e 179.
229
É a opinião de Marques: O espírito protetor do CDC exige que suas normas sobre cláusulas
abusivas, por exemplo, sejam aplicadas para anular cláusula presente em contrato de transporte
aéreo, que exclui o direito de indenização do consumidor por vícios ou fato do serviço, mesmo
que tal clá usula fosse permitida por Lei específica, Lei 7.565, de 19.12.1986. O caso é basilar,
pois a autonomia de vontade, antes assegurada e protegida em lei, foi afastada por norma de
ordem pública, posterior e com fins sociais”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código
de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. p. 542.
8
Dentro dessa perspectiva, questiona-se: se a nova
teoria contratual conduzida pelo CDC se incorporou ao sistema jurídico,
influenciando, inclusive, toda a teoria contratual contemporânea
230
ao
positivar os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, por
que, quando se trata de reparação de danos, os operadores do direito ficam
adstritos aos parâmetros das normas civilistas?
Caso a explicação seja a de que o Dano Moral é
instituto de direito civil, e nessa condição deve ser aplicado o CCB, pode
ser feito, da mesma forma, outro questionamento: e a teoria geral dos
contratos também não é? Por outro lado, caso a justificativa seja a de que o
CDC regula os contratos de massa, é possível dizer que, do mesmo modo,
o dano na Relação de Consumo também pode atingir um contingente maior
de pessoas
231
. Portanto, juridicamente não há justificativa plausível para
isso, a não ser o fato de que os operadores do direito, em geral, vivem em
uma zona de conforto. Ou seja, consideram mais cômodo partir do Código
Civil a análise deste instituto, sem aproveitar a oportunidade de visualizar o
Dano Moral de um novo ponto de vista mais vantajoso e justo ao
Consumidor
232
233
.
230
Ver AGUIAR Jr, Ruy Rosado de. O Novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor
pontos de convergência. Revista de Direito do Consumidor nº 48. p. 56.
231
Mesmo que a presente dissertação esteja limitada à análise das relações individuais de
consumo, abordar-se-ão adiante os reflexos coletivos que há no Dano Moral, mesmo individual,
causado por Fornecedor-lesante.
232
Moraes, utilizando-se da lição de Irti, denomina esse fenômeno como o “mundo da segurança”,
caracterizado pela exigência de estabilidade ou previsibilidade, encontrada somente nos
grandes códigos. Ver MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura
civil-constitucional dos danos morais. p. 64.
233
Stoco demonstra a mesma preocupação ao comentar sobre o CDC: “Reconhecer, assim, a sua
importância como instrumento de defesa efetiva do consumidor é fundamental, e aplica-lo
efetivamente e com rigor é obrigação das autoridades, principalmente dos órgãos de defesa do
consumidor e do Poder Judiciário, assegurando a correta aplicação desse Estatuto, na
consideração de que o fornecedor, em sentido genérico, é a parte mais forte e dispensa
proteção”. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. p. 445.
8
Dessas considerações, decorre o entendimento de que
nada disso se justifica, e o Dano Moral, quando decorrente de Relação de
Consumo, em razão de suas peculiaridades
234
, deve estar, em primeiro
plano, sob a égide do CDC
235
, ou seja, garantindo ao Consumidor lesado a
efetiva reparação
236
.
3.2 CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL NA RELAÇÃO DE CONSUMO
É fato que a violação aos Direitos da Personalidade do
Consumidor por parte do Fornecedor em uma Relação de Consumo pode
ocorrer de várias maneiras
237
. A proteção prevista no art. 6º, VI do CDC
serve apenas de regra geral, pois é evidente que inúmeras situações
podem surgir, capazes de ensejar a configuração do Dano Moral nessa
relação
238
. É a lição de Bittar:
Observe-se, efetivamente, que o Código de Defesa do
Consumidor, nas relações de consumo submetidas à sua égide,
instituiu regime protetivo tal que, de sua simples enunciação, se
pode notar que inúmeras novas situações de violação a direitos
personalíssimos podem ocorrer, gerando, em conseqüência, a
234
A principal é o reconhecimento da vulnerabilidade do Consumidor. As demais serão tratadas
adiante.
235
Não como um microssistema isolado e auto-suficiente, mas considerado como parte integrante
do sistema que tem a Constituição da República como peça fundamental que define, por seus
princípios fundamentais, os valores a serem empregados em cada fragmento do sistema.
236
É também a orientação de Cavalieri Filho. Ver CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de
Responsabilidade Civil. p. 476.
237
Melo observa que: “O dano moral nas relações de consumo pode decorrer da relação de
consumo propriamente dito (responsabilidade contratual) ou naquelas relações em que, por
ficção legal, a coletividade ou o ofendido individualmente, seja, considerado consumidor, ainda
que por equiparação (responsabilidade extracontratual).” MELO, Nehemias Domingos de. Dano
Moral: problemática do cabimento à fixação do Quantum. p. 70
238
Convém lembrar que a Relação de Consumo não se limita à relação contratual. A relação é
muito mais abrangente, sobretudo, como é conveniente, nesse momento, levar em conta que
também são considerados Consumidores por equiparação as vítimas de evento danoso (art. 17
do CDC) e as pessoas expostas às práticas comerciais (art. 29 do CDC).
8
necessidade de reparação de ordem moral.
239
Mesmo diante dessa amplitude de situações, Lisboa
afirma que “O microssistema em questão se constitui, a bem da verdade,
na legislação brasileira que melhor sistematizou a responsabilidade civil por
danos morais.”
240
, levando em consideração o destaque à proteção de
direitos inerentes à Personalidade com previsão expressa no CDC, além da
garantia da reparação integral do dano sofrido.
3.2.1 O Dano Moral e a Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço
Em regra, é possível afirmar que a responsabilidade
pelo fato do produto e do serviço (arts. 12 ao 17 do CDC) está sedimentada
na proteção aos Direitos da Personalidade do Consumidor, na proteção à
vida, à saúde e à segurança
241
. Conforme já destacado, esta
responsabilidade é a que trata do acidente de consumo, ou seja, quando
ocorre dano ao Consumidor, que pode ser tanto patrimonial, quanto moral.
É possível demonstrar essa situação com o seguinte exemplo: alguém
compra um fogão que, mesmo tendo sido tomadas todas as precauções e
atendidas as recomendações do fabricante
242
, explode no primeiro uso,
tendo como causa um defeito. Esse acidente causa sérios danos à
integridade física (mutilações e fraturas), à integridade psíquica (traumas
psicológicos) e à imagem (danos estéticos
243
) da dona de casa que
239
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. p. 265.
240
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. p.110.
241
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. p.222.
242
É importante ressaltar que, em razão do reconhecimento da responsabilidade objetiva, caberia,
neste caso, ao Fornecedor comprovar que o Consumidor não tomou as medidas necessárias e,
portanto, teve culpa pelo acidente.
243
Caracterizado aqui como espécie de Dano Moral, conforme a lição de LOPEZ, Teresa Ancona.
O Dano Estético: Responsabilidade Civil. p. 17.
8
preparava o almoço da família e de sua vizinha que apenas lhe fazia
companhia
244
.
Percebe-se que o fato gerador da responsabilidade se
funda simplesmente na existência do dano injusto, sem relevar o fato de ter
ou não havido conduta culposa, nem responsabilidade contratual. É
oportuno ressaltar, no entanto, que não se pretende aqui dizer que toda e
qualquer situação desconfortável ao Consumidor resulta em dano
suscetível de ressarcimento. Além do mais, já foi dito que, nos casos em
que está caracterizada apenas a responsabilidade pelo vício
245
, ou seja,
quando não atinge a pessoa Consumidor, a obrigação do Fornecedor
restringe-se a sanar ou reparar o vício que está intrínseco, ainda, ao
produto ou ao serviço.
É nessa linha o entendimento de Cavalieri Filho:
O fato gerador da responsabilidade do fornecedor não é mais a
conduta culposa, tampouco a relação jurídica contratual, mas sim
o defeito do produto. Bastará o nexo causal entre o defeito do
produto ou serviço e o acidente de consumo. [...] Tudo quanto é
necessário para a existência da responsabilidade é ter o produto
causado um dano. Trata-se, em última instância, de uma garantia
de idoneidade, um dever especial de segurança do produto
legitimamente esperado.
246
Por certo que, mesmo estando sob o manto da regra
da responsabilidade objetiva, como meio facilitador de exercício de direitos
e de garantia de reparação, faz-se necessário que o produto ou o serviço
cause dano ao Consumidor
247
. Entretanto, pode acontecer de, em razão de
244
A responsabilidade nesse caso advém da previsão do art. 17 do CDC, que equipara a
Consumidor todas as vítimas de evento danoso.
245
É a responsabilidade prevista nos arts. 18 a 20 do CDC e que não é objeto do presente
trabalho, justamente por não caracterizar a existência de dano.
246
CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. p. 477.
247
Em qualquer de suas caracterizações, previstas pelos artigos 2º, 17 e 29 do CDC.
8
um simples vício não sanado, ou pelo menos não de maneira integral,
derivar para a responsabilidade por dano.
Essas também são situações que se repetem à
exaustão no dia-a-dia e que devem ser repelidas exemplarmente porque
são suscetíveis de violar Direitos da Personalidade do Consumidor.
Suponha-se a seguinte situação: um correntista de banco que, ao retirar o
extrato de sua conta corrente, percebe que houve um saque indevido, no
valor de R$ 5.000,00. O gerente do banco, percebendo que houve uma
falha no sistema ou uma desatenção de um de seus prepostos, se
compromete a fazer o devido estorno do valor em um dia. Até esse
momento, ocorreu um simples vício na prestação de serviço, sem acarretar
responsabilidade maior ao banco, que não seja a simples restituição do
valor. Entretanto, passaram-se 60 dias, e a devolução não foi feita. O
correntista não percebe esse fato e, supondo já estar resolvida a situação
desde aquela data, nesse entretempo emite vários cheques que não
puderam ser sacados, pois a conta não tinha fundos suficientes em razão
da ausência daquele valor. Um dos credores que não conseguiu compensar
o cheque envia o nome do Consumidor para o registro no cadastro de
proteção ao crédito. Situação essa que, conforme já pacificado pela
doutrina e pela jurisprudência brasileira, causa Dano Moral ao
Consumidor
248
, em razão de um acidente de consumo, exigindo-se, em
decorrência direta, a responsabilidade do banco Fornecedor, pelo fato do
serviço, conforme o teor do artigo 14 do CDC.
Além disso, é possível caracterizar o Dano Moral por
defeito no serviço quando, por exemplo, o Consumidor adquire determinado
produto, mas o serviço prestado pelo Fornecedor para o atendimento ou a
248
Ver SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. p. 464.
8
entrega deste produto é feito de maneira inadequada ou insatisfatória,
chegando a ponto de atingir a Dignidade do Consumidor.
Portanto, ordinariamente, o Dano Moral na Relação de
Consumo se consubstancia na responsabilidade pelo fato, por estar
prevista expressamente nos artigos correspondentes a esta
responsabilidade a reparação por danos, inclusive morais, causados por
defeito no produto ou no serviço.
Entretanto, existem situações em que é possível
caracterizar o Dano Moral na Relação de Consumo sem estar, ao menos
diretamente, relacionado às previsões genéricas dos arts. 12 ao 17 do
CDC.
3.2.2 O Dano Moral e a Responsabilidade Pré-contratual
Percebe-se que são infindáveis as situações nas quais
o Consumidor tem sua integridade moral exposta aos abusos praticados no
mercado de consumo, tanto antes, como durante e depois da contratação.
Assim comenta Miragem:
De outra parte, a proteção da integridade moral do consumidor
também deve ser considerada em todas as fases da relação de
consumo, seja a pré-contratual, a de execução do contrato, ou
após sua extinção, em que remanescem deveres específicos do
fornecedor, decorrentes da boa-fé objetiva que deve presidir as
relações entre os contratantes. Na fase pré-contratual, avultam
no regime jurídico determinado pelo CDC os deveres indicados
aos fornecedores na oferta (arts. 30 e 31) e na publicidade (arts.
36 e 37), dos quais salienta-se o dever de informar sobre o
produto ou serviço objeto da contratação futura. Nesse sentido, à
medida que a conduta do fornecedor é reconhecida como apta a
gerar efeitos decorrentes da legítima expectativa gerada no
consumidor, tem sido reconhecida como suficiente para
determinar o dever de indenizar, conforme as circunstâncias do
9
caso.
249
Diante da realidade, são recorrentes várias práticas
comerciais por parte de fornecedores que se caracterizam como pequenos
abusos, mas suscetíveis de causar violações ao direito e à integridade
moral dos consumidores
250
. Destaca-se que é muito comum, também, a
exposição dos consumidores às técnicas persuasivas de vendas que, antes
mesmo de haver manifestação de vontade na contratação, já atingem
alguns de seus atributos da personalidade, podendo causar Dano Moral já
nesse momento pré-contratual, se é que haveria interesse do Consumidor
em contratar
251
.
Em razão disso, os Consumidores necessitam da
ampla proteção estipulada pelo CDC; eis que, sem ela, ficam à mercê da
própria sorte diante dos imensuráveis desrespeitos a que são submetidos
em seu cotidiano. Não se pretende dizer que é preciso acabar com as
técnicas de marketing, nem tampouco que deve ser limitado o estímulo ao
consumo. Essas práticas de mercado são, de certo modo, salutares ao
desenvolvimento econômico do País. A ressalva que se faz é no sentido de
que essas práticas devem ser utilizadas com responsabilidade, com
respeito ao Consumidor, que deve ter a sua autonomia de vontade
preservada no momento de efetivar uma compra de um produto ou a
contratação de um serviço, além da segurança à sua integridade física,
249
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Os Direitos da Personalidade e os Direitos do Consumidor.
Revista de Direito do Consumidor nº 49. p. 60.
250
Melo chega a mencionar que: “Para uma sociedade que foi educada dentro dos princípios
privativistas, os abusos cometidos pelos detentores do poder econômico, em certas situações,
até parecem ‘normais’ ”. MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral: problemática do
cabimento à fixação do Quantum. p. 68.
251
Nesse caso, mesmo sem interesse de contratar, pode ser considerado Consumidor por
equiparação, pelo simples fato de estar exposto às práticas comerciais, conforme o exato teor
do art. 29 do CDC.
9
intelectual e moral
252
.
Afinal, como lógica fundante de todo o sistema jurídico,
não é possível permitir que interesses econômicos se sobreponham ao
princípio de proteção à Dignidade da Pessoa Humana, ao se considerar
como comuns e toleráveis as práticas comerciais abusivas levadas a cabo
por muitos fornecedores
253
. Como observa Bittar, “[...] nesse momento é
que surge a necessidade do direito, como regra mediadora, que define
limites plausíveis para a defesa da pessoa humana em face dos abusos
mercantil-capitalistas.”
254
252
Bittar se aprofunda ao tratar do que ele denomina de a “ilusão do Consumidor”, comentando
que: “O empresário laboriosamente desenvolveu um sem-número de técnicas persuasivas que
se podem chamar, em seu conjunto, de uma retórica da mercancia. É ela fundamental para a
sobrevivência competitiva no mercado, e é ela que faz o produto ‘falar por si’, ou ‘falar mais alto’
em meio a outros, ou ’convidar o consumidor à aquisição’. A faina pelo possuir supera qualquer
controle psicológico, moral ou econômico do indivíduo, tornando a inveterada busca pelo
produto uma caçada sem fins por prateleiras abastecidas de nacionais e importados, uma
aventura entre centenas de lojas de galerias, um parcours por centros de consumo. Ardis e
técnicas invasivas retiram do consumidor a noção de privacidade, sigilo e sossego (abordagens,
folders domésticos, merchandising, telemarketing, contratos preestabelecidos por correio,
formas de adesão sofisticadas, mala direta...), pois tudo é válido quando a regra é aparecer, ser
visto, mostrar-se no mercado, ser conhecido, ser comentado, ter seu produto implantado no
subsconsciente das pessoas e sedimentado no inconsciente coletivo”. E acrecenta: “Neste meio
as pequenas trapaças também valem: não se exibe o preço do produto na vitrine para que o
consumidor seja obrigado a entrar no estabelecimento comercial; o preço é registrado pela
metade em letras grandes, mas sua multiplicação aparece em letras pequenas; apõe-se o
código de barras, mas as máquinas de leitura ótica estão sempre defeituosas e inoperantes;
anunciam-se ofertas escandalosas, mas no momento do consumo os produtos nunca existem
nos estoques ... Eis aí a mecânica quotidiana dos estabelecimentos de consumo. O que importa
mesmo é impor gastos, impor ritmos de consumir, determinar e definir gostos..., obter lucros, ter
sucesso no mercado, receber vitorioso a glória mundana pela superação dos obstáculos
concorrenciais.” BITTAR, Eduardo C. B..Contribuições para a crítica da consciência consumista
e acerca da construção dos direitos do consumidor. In Estudos de Direito do Autor, Direito da
Personalidade, direito do Consumidor e Danos Morais. homenagem ao professor Carlos
Alberto Bittar. BITTAR, Eduardo C. B. e CHINELATO, Silmara Juny. (Coord.) Rio de Janeiro:
Forense Universitária. 2002. p.142-145.
253
Destaca-se, aqui, sem a oportunidade de aprofundar o tema, a prática de publicidade enganosa
e publicidade abusiva, caracterizadas no art. 37 do CDC, e com previsão de sanção
administrativa (art. 60 do CDC) e penal (art. 67 e 68 do CDC), além da possibilidade de
reparação de danos. Para Cahali, fundamentado em jurisprudência, estando “[...] frustrada a
expectativa das vantagens veiculadas pelo fornecedor ou prestador de serviços, poderá ser
causa geradora de danos morais ao consumidor, conseqüentes do ato ilícito.” CAHALI, Yussef
Said. Dano Moral. p. 524-525.
254
BITTAR, Eduardo C. B. Contribuições para a crítica da consciência consumista e acerca da
construção dos direitos do consumidor. In Estudos de Direito do Autor, Direito da
9
É importante repisar que o CDC e a política nacional de
relações de consumo têm por finalidade garantir a harmonia no âmbito
dessas relações. Não objetivam tratar a defesa do consumidor como sendo
um contraponto aos interesses dos fornecedores. Todos os interesses
econômicos e os direitos dos fornecedores devem ser respeitados, desde
que sejam exercidos nos limites impostos pelas normas protetivas.
3.2.3 O Dano Moral decorrente de Contrato de Consumo
No âmbito dos contratos de consumo, também
proliferam situações em que há violação da integridade moral dos
consumidores
255
. Assim, para evitar a tentativa dos fornecedores de se
eximirem da responsabilidade de reparar os danos causados, o CDC
estabelece, além das normas gerais já mencionadas, dois dispositivos
específicos que tratam da irrenunciabilidade do direito subjetivo do
consumidor ao ressarcimento. De fato, caracterizam-se em excesso de
cautela, visto que, sendo o CDC norma de ordem pública, suas disposições
não podem ser derrogadas por vontade das partes, pois são imperativas.
O princípio geral da irrenunciabilidade
256
está inserido
no art. 25, que assim prescreve: É vedada a estipulação contratual de
cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar
prevista nesta e nas Seções anteriores”
257
.
Em outro momento, o CDC, ao tratar das cláusulas
Personalidade, direito do Consumidor e Danos Morais. p. 152.
255
Serve esta análise em separado apenas para acrescentar aspectos contratuais, sem excluir as
referências à Responsabilidade pelo fato do produto e do serviço.
256
Expressão utilizada por Valler. Ver VALLER, Wladimir. A Reparação do Dano Moral no
Direito Brasileiro. 4 ed. São Paulo: E.V. 1996. p. 179.
257
Art. 25 da Lei nº 8.078/90.
9
abusivas, considera nulas de pleno direito as cláusulas que “impossibilitem,
exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de
qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou
disposição de direitos”
258
.
Portanto, o Consumidor está protegido legalmente,
podendo exigir a reparação de Dano Moral, como por exemplo, em
situações de inadimplemento contratual por parte do Fornecedor ou de não
cumprimento da obrigação de acordo com o que foi prometido
259
.
Stiglitz, ao comentar casos de descumprimento
contratual acontecidos na Argentina, salienta que:
A proteção jurídica do consumidor, não aponta primordialmente à
tutela dos interesses econômicos do público. Essencialmente,
intenta amparar a pessoa humana: sua vida, saúde, integridade
física e espiritual.
Porém, ainda no âmbito do descumprimento contratual, não se
trata só de tutela aos interesses econômicos dos consumidores.
Está em jogo a própria dignidade da pessoa.
260
(tradução livre do
autor).
Na concepção de Garcia, existem danos que podem
ser definidos como danos morais “derivados”, que, para o autor, “[...] são
aqueles danos que acompanham, escoltam, uma lesão primária conexa de
258
Art. 51, I da Lei nº 8.078/90.
259
Apesar de a promessa ou a oferta se caracterizarem como obrigações pré-contratuais, o art. 30
do CDC estabelece o princípio da vinculação da oferta, prevendo força contratual para essas
práticas. “Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por
qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou
apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que
vier a ser celebrado.” (Lei nº 8.078/90).
260
STIGLITZ. Gabriel A. Comentario a fallo incumplimiento contractual y daño moral al
consumidor. In Derecho Del Consumidor. Doctrina – Jurisprudencia – Legislación. nº4. Pcia
de Santa Fé: Juris. 1994. p.67. No original consta: La protección jurídica del consumidor, no
apunta primordialmente a la tutela de los intereses económicos del público. Esencialmente,
intenta amparar a la persona humana: su vida, salud, integridad física y espiritual. Pero aún en
el ámbito del incumplimiento contractual, no se trata sólo de tutela de los intereses económicos
de los consumidores. Está en juego la propia dignidad de la persona”.
9
conteúdo patrimonial (e geralmente com origem em contrato)”
261
. Assim,
danos morais derivados são aqueles danos patrimoniais que se estendem a
ponto de provocar danos morais. De fato, isso acontece. Por vezes, o
Consumidor, exigindo os seus direitos de cunho patrimonial, se desgasta,
se frustra a ponto de atingir a sua Dignidade. É claro que não é qualquer
situação desconfortável ao Consumidor que justifica a indenização por
Dano Moral. Entretanto, é possível verificar que em muitos casos o
desrespeito ao Consumidor deve ser punido como violação à sua
dignidade.
De qualquer modo, mais uma vez, é possível verificar
que havendo dano decorrente de Relação de Consumo, o Fornecedor
somente se exonera da responsabilidade se comprovar uma das causas
previstas expressamente no próprio CDC
262
.
Assim, exemplos não faltariam para demonstrar a
possibilidade de o Consumidor ser lesado moralmente em um contrato de
consumo
263
. Porém, convém destacar, por serem práticas mais comuns, os
casos de abuso na cobrança de dívidas e de abalo de crédito por inclusão
indevida do nome do Consumidor em banco de dados.
Sabe-se que é direito do Fornecedor cobrar as dívidas
261
O autor esclarece, ainda, que não se confundem com os danos morais reflexos. Ver: GARCIA,
José Augusto. O Princípio da Dimensão Coletiva das Relações de Consumo: Reflexos no
“processo do consumidor”, especialmente quanto aos danos morais e as conciliações. Revista
Direito, Estado e Sociedade 13. Rio de Janeiro. Disponível em:<http://www.puc-rio.br
/sobrepuc/depto/direito/revista/online/rev13_jose.html. Acesso em: 16/9/2004.
262
Art. 12, §3º, e Art. 14, §3º do CDC (Lei nº8.078/90).
263
É até uma decorrência lógica em razão do expressivo número de vínculos contratuais entre
fornecedores e consumidores que se concretizam a cada dia, tanto no fornecimento de
produtos, quanto na prestação de serviços. Apenas para exemplificar: operações bancárias;
serviços de telefonia móvel e fixa; serviços públicos, como fornecimento de água, energia
elétrica, transporte coletivo; serviços de tV a cabo; cursos em geral; serviços médicos, contratos
de plano de saúde; contratos via internet; serviços de entretenimento e turismo; aquisição de
produtos em geral, desde imóveis, automóveis, até pequenas compras do cotidiano em
supermercados; etc.
9
dos consumidores inadimplentes, pois é prática considerada como exercício
regular do direito. Porém, o que o CDC coíbe são os excessos cometidos
na cobrança, o abuso do direito suscetível de expor o Consumidor ao
ridículo ou ao constrangimento
264
. É o que estabelece o caput do art. 42 do
CDC: “Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será
exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento
ou ameaça”
265
266
.
É certo, que havendo abusividade na cobrança, o
Fornecedor estará violando a honra e a imagem do Consumidor, atingindo
Direitos da Personalidade e, como conseqüência, lhe causando Dano Moral
que deve ser reparado
267
.
Por outro lado, no que se refere ao abalo de crédito
derivado da inclusão indevida do nome do Consumidor nos bancos de
dados
268
, de pronto se caracteriza como dano patrimonial. Porém, já é
pacífico o entendimento de que deste mesmo ato decorre Dano Moral,
caracterizado pelo atentado ao nome, à fama, ao respeito, à reputação
269
.
264
Cahali acrescenta, ainda, que “[...] a obrigação de reparar o dano mais se acentua quando se
trata de cobrança de dívida já paga”. CAHALI, Yussef Said. Dano Moral. p. 523.
265
Art. 42 do CDC (Lei nº 8.078/90).
266
Além da previsão do art. 42, o CDC considera crime, estabelecendo sanção penal para o caso
de desrespeito ao consumidor na cobrança de dívidas. É a previsão do art. 71 do CDC: “Art. 71.
Utilizar, na cobrança de dívida, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações
falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor,
injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena – Detenção
de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa.” (Lei nº 8.078/90).
267
A respeito desse assunto, com abordagem detalhada, ver: NUNES, Luiz Antonio Rizzatto.
Curso de Direito do Consumidor. p. 537-548.
268
Valler observa que o abalo de crédito pode decorrer de diversas causas, além da inscrição
indevida nos serviços de proteção ao crédito. Destaca o autor o protesto indevido de títulos,
devolução indevida do cheque pelo banco sacado, entrega de talonários de cheques a terceiros,
etc. VALLER, Wladimir. A Reparação do Dano Moral no Direito Brasileiro. 4 ed. São Paulo:
E.V. 1996. p. 143.
269
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. p. 1716-1717.
9
É relevante essa verificação em separado, pois, da
mesma forma que o CDC garante ao Fornecedor o direito de cobrar as
dívidas, prevê o direito de incluir o nome do Consumidor inadimplente nos
bancos de dados e cadastros de proteção ao crédito
270
.
Ocorre que, para evitar danos, é dever do Fornecedor
se cercar de todos os cuidados e precauções para utilizar esses serviços
apenas quando efetivamente estiver caracterizada a inadimplência do
Consumidor.
Isso porque, como esclarece Miragem, o que acontece,
é que, na realidade, a inscrição do Consumidor nesses cadastros causa a
sua “[...] exclusão do mercado de compra a crédito, e mesmo, da
possibilidade de aquisição de produtos mediante pronto pagamento em
cheque, ou quaisquer outros mecanismos que não o dinheiro”
271
.
É possível observar, portanto, que a inclusão indevida
do nome do Consumidor no rol dos serviços de proteção ao crédito acarreta
Dano Moral, além do patrimonial, por atingir a honra do lesado, que
repercute perante a sociedade em geral
272
.
Outro aspecto a se destacar, no que se refere ao Dano
Moral proveniente do abalo de crédito, é que não se exige comprovação do
270
Exclusivamente sobre banco de dados e cadastros de consumidores, tratam os artigos 43 e 44
do CDC. Dentre outros dispositivos, destaca-se a previsão do Art. 43, §1º: “Os cadastros e
dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil
compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco
anos”. Lei nº 8.078/90.
271
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. Os Direitos da Personalidade e os Direitos do Consumidor.
Revista de Direito do Consumidor nº 49. p. 64.
272
Melo ainda adverte que: “Há situações mais graves, máxime quando se verifica que empresas
inescrupulosas utilizam-se de ameaça de inclusão do nome do possível devedor naquele
sistema legal, com o único intuito de obrigar o devedor a satisfazer os supostos créditos. É o
perfeito caso de abuso de direito”. MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral: problemática
do cabimento à fixação do Quantum. p. 107.
9
dano, basta demonstrar a inscrição irregular. Santos explica que “o dano
exsurge vistosamente pelo fato de o nome constar erroneamente do
cadastro. Nada mais é necessário provar. Houve o lançamento irregular,
ilícito e injusto, o dano ocorre in re ipsa.
273
274
A esse respeito, é importante ressaltar que não só
quando o Dano Moral se origina do abalo de crédito, mas sim, conforme já
foi visto, presume-se a existência do dano, sempre que o ato lesivo é
violador dos Direitos da Personalidade
275
. O Dano Moral existe pelo simples
fato de ter havido ofensa à integridade moral do Consumidor. É sob essa
ótica a lição de Bittar:
Na concepção moderna da teoria da reparação de danos morais
prevalece, de início, a orientação de que a responsabilização do
agente se opera por força do simples fato da violação. Com isso,
verificado o evento danoso, surge, "ipso facto", a necessidade de
reparação, uma vez presentes os pressupostos de direito. Dessa
ponderação, emergem duas conseqüências práticas de
extraordinária repercussão em favor do lesado: uma, é a
dispensa da análise da subjetividade do agente; outra, a
desnecessidade de prova de prejuízo em concreto. [... ] Nesse
sentido, ocorrido o fato gerador e identificadas as situações dos
envolvidos, segue-se a constatação do alcance do dano
produzido, caracterizando-se o de cunho moral pela simples
violação da esfera jurídica, afetiva ou moral do lesado.
276
Destarte, é esse o entendimento que deve prevalecer
na avaliação das violações aos direitos do Consumidor, pois apenas desta
forma a tutela dos Consumidores será efetiva, em respeito à proteção à
273
SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. p. 461.
274
A expressão “in re ipsa”, em tradução livre, significa “inerente à própria coisa”, ou seja, pelo
simples fato de haver a violação se pressupõe o dano.
275
Apesar de já ter sido abordado no capítulo anterior, é importante destacar a relevância do
acolhimento desta teoria para justificar a especificidade do Dano Moral quando oriunda da
Relação de Consumo.
276
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. p. 214.
9
Dignidade da Pessoa e aos seus Direitos da Personalidade
277
, sob pena de
as práticas abusivas e lesivas se consolidarem como práticas aceitáveis no
mercado de consumo
278
.
277
Bolson comenta que “podemos afirmar que nas relações de consumo em que o fornecedor de
produto ou serviço causar lesão aos direitos da personalidade do consumidor, sempre o
princípio da dignidade da pessoa humana será violado”. BOLSON, Simone Hegele. O Princípio
da Dignidade da Pessoa Humana, Relações de Consumo e o Dano Moral ao Consumidor.
Revista de direito do consumidor nº. 46. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p 287.
278
Dolci, utilizando linguagem metafórica, visualiza, de forma peculiar, a situação do Consumidor
diante do desrespeito a que é submetido por parte de alguns fornecedores, de modo que se
torna oportuno transcrever trechos de seu artigo: “O velho cartum do náufrago, solitário em
uma ilha mínima, ao redor de um só coqueiro, poderia muito bem representar a figura do
consumidor, em meio a um mar revolto de ações em desacordo com o Código de Defesa do
Consumidor. O náufrago (consumidor) olha para o mar em busca de apoio e, em lugar de um
navio bem-vindo, só enxerga tubarões. Ou intermináveis ondas, que não o levam a lugar
nenhum. Parece um quadro pessimista. Afinal, o Código de Defesa do Consumidor completou
mais de uma década, e as principais empresas contam com SACs (Serviços de Atendimento ao
Consumidor), "contact centers", "call centers" e, em raros casos, ouvidorias. No momento de
reclamar seus direitos, contudo, o consumidor percebe que, por trás de um atendimento
padronizado, pouco há de serviço real e efetivo a seu dispor. Os "call centers", os SACs e outros
instrumentos são, em sua maioria, receptivos. Recebem a queixa e ouvem com educação até as
explosões de revolta dos consumidores. Mas o mais importante, a resposta que solucione os
problemas do consumidor, vem em conta-gotas, muitas vezes sem solução que corresponda ao
dano sofrido. [...] Porque todos já percebemos, em nosso dia-a-dia, que as normas para nos
cobrar obrigações são extremamente rígidas. Já as normas que nos favorecem não são
aplicadas com tanto empenho e rigor. Não queremos, com isso, demonizar as empresas. Longe
disso! São as empresas, em um mercado bem regulado e com regras conhecidas e respeitadas,
que geram empregos, pagam impostos e trazem os avanços tecnológicos para dentro dos lares.
Temos de reconhecer, contudo, que o respeito ao consumidor nem sempre vai além do
momento em que ele paga pelo bem adquirido. Daí em diante, salve-se quem puder. Basta
verificar as estatísticas para notar que algumas grandes corporações prestadoras de serviços
públicos monopolizam o Judiciário. Elas ainda não compreenderam muito bem o significado da
palavra "serviço" e do comprometimento com o consumidor. Alegam que atendem a milhões de
usuários. É verdade. Mas não é verdade que, em meio a milhões, centenas ou milhares de
reclamações são irrelevantes. Deixar uma reclamação procedente se transformar em ação
judicial é um triplo crime. Em primeiro lugar, porque a empresa ainda não compreendeu muito
bem o significado do comprometimento com o consumidor. Em segundo lugar, porque se
obrigou o consumidor a recorrer à Justiça, confiando na morosidade de seus trâmites. E,
finalmente, porque se superlotou a agenda de juízes com ações que poderiam, perfeitamente,
ser resolvidas com bom senso. Cada cidadão que, sob a qualificação de consumidor, troca parte
de seu suado salário - considerando a baixíssima renda média familiar dos brasileiros - deve ser
tratado como o principal ator da relação de consumo. É só inverter os papéis e lembrar o que
acontece com quem atrasa o pagamento de suas contas, mesmo por motivos como desemprego
ou doença. Pode ficar sem energia elétrica, sem telefone, sem água e sem teto”. DOLCI, Maria
Inês. Os náufragos. Tendências/Debates. Folha de São Paulo. São Paulo. Disponível
9
3.3 DIMENSÃO SOCIAL DO DANO MORAL NA RELAÇÃO DE CONSUMO
É possível afirmar que os Direitos da Personalidade
possuem uma dimensão social. Consoante entendimento de Perlingieri, se
fundamentam como direitos individuais sociais que não pertencem ao
indivíduo isoladamente, a seu exclusivo interesse. E ressalta que: “Eles não
devem mais ser entendidos como pertencentes ao indivíduo fora da
comunidade na qual vive, mas, antes, como instrumentos para construir
uma comunidade, que se torna, assim, o meio para a sua realização”
279
.
Nessa condição, devem ser protegidos de forma
coletiva, visando à proteção da Dignidade da sociedade como um todo.
Além da representação social atribuída aos Direitos da Personalidade,
também merece destaque a dimensão coletiva do Dano Moral quando
decorrente da Relação de Consumo
280
. Essa visão se justifica porque,
sendo uma relação de massa, as práticas comerciais se repetem da mesma
forma que se repetem as violações aos direitos do Consumidor.
Assim, mesmo quando se tratar de ação individual de
consumo
281
, deve ser avaliado o aspecto social decorrente do dano
causado e não como uma relação restrita às partes como, via de regra, se
caracteriza nas relações civilistas. Nessa perspectiva, Garcia considera que
“não há lides verdadeiramente individuais no campo das relações de
em:<http://www.folha.uol.com.br/fsp/ opiniao/fz2311200410.htm. Acesso em: 23/11/2004.
279
PERLINGIERI, Pietro. Perfis de Direito Civil. p.38.
280
Moraes trata do Princípio da solidariedade social, afirmando que é por intermédio dele que se
alcança o objetivo da Dignidade social. E destaca a tutela aos danos causados aos
consumidores e ao meio ambiente como fundamento deste princípio. Ver MORAES, Maria
Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais.
p. 116.
281
É o que se propõe a fazer neste trabalho, pois em razão da delimitação da pesquisa, não está
se tratando das ações coletivas de consumo que tutelam os direitos individuais homogêneos,
coletivos e difusos.
1
consumo. Mesmo aquelas aparentemente individuais acham-se recobertas
pela inevitável sombra de uma problemática mais ampla - coletiva!”
282
.
É relevante conceber o direito do Consumidor de forma
coletiva, social, sobretudo no que concerne à reparação de danos. É sob
essa ótica a opinião de Marques:
O aplicador da lei deve examinar o conflito com olhos plurais,
pois a nova teoria do sujeito é outra: o sujeito está fragmentado e
é plural, como é o grupo de consumidores. Se a lei é feita para
protegê-los, seu campo de aplicação subjetivo não pode ser mais
somente “individual” e sim, necessariamente, também coletivo ou
plural. [...] O sujeito de direitos que protege é individual, mas
também é abstratamente plural, ao mesmo tempo e protegido
pelas mesmas normas (todas também de ordem pública,
segundo o art. do CDC). Já nas normas do NCC/2002,
prevalece a dimensão individual, pois regulamentar o caso
privado entre iguais e os direitos daí resultantes é sua finalidade
principal.
283
Verifica-se, portanto, que mesmo no caso de Dano
Moral individual, no momento do julgamento essa visão plural ou coletiva
deve ser considerada pelo julgador
284
. Afinal, a dimensão social deve ser
considerada de forma ampla, e não apenas quando se tratar de ações
coletivas
285
.
282
GARCIA, José Augusto. O Princípio da Dimensão Coletiva das Relações de Consumo:
Reflexos no “processo do consumidor”, especialmente quanto aos danos morais e as
conciliações. Revista Direito, Estado e Sociedade nº 13. s/p.
283
MARQUES. Claudia Lima. Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código
civil: Do “Diálogo das Fontes” no combate à s cláusulas abusivas. Revista de Direito do
Consumidor nº 45. p. 79-80.
284
Hofmeister observa que: “Os julgadores não estão preparados para compreender os aspectos
substantivos dos pleitos, enfrentando dificuldades para interpretar novos conceitos,
principalmente os que consagram os direitos coletivos e difusos e ainda os que dispensam
tratamento preferencial aos segmentos sociais economicamente desfavorecidos”.
HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O Dano pessoal na sociedade de risco. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002. p. 72.
285
Em que pese o abnegado trabalho das associações de defesa do Consumidor e de
representantes do Ministério Público, vários danos são causados diariamente sem que haja a
possibilidade da tutela coletiva. Deste modo, os consumidores necessitam buscar a reparação
dos danos individualmente.
1
De tal sorte, é possível afirmar que a reparação do
Dano Moral atende, principalmente, a um interesse público de proteção e
respeito aos Direitos da Personalidade das pessoas em geral, e não
apenas no interesse privado do lesado
286
. Portanto, ao assentar a dimensão
social do Dano Moral decorrente da Relação de Consumo, mais evidente
torna-se a necessidade de utilizar a Função de Desestímulo na fixação do
quantum indenizatório, pois serve, também, de prevenção para os
consumidores em geral.
3.4 UTILIZAÇÃO DA FUNÇÃO DE DESESTÍMULO NA CONDENAÇÃO POR
DANO MORAL NA RELAÇÃO INDIVIDUAL DE CONSUMO
Conforme já verificado anteriormente, é possível
conceber a existência de dupla função na reparação dos danos morais, a
função de compensação do dano ao lesado e a Função de Desestímulo ao
lesante.
Suplantadas as questões pertinentes à sua aplicação,
passa-se a justificar, com maior ênfase, a aplicação da Função de
Desestímulo na condenação por Dano Moral quando advierem de Relação
individual de Consumo.
Já é possível perceber que há critérios suficientes a
justificar uma abordagem específica do Dano Moral nessa condição.
Lisboa enfatiza que:
Pouco importando a espécie do direito da personalidade
resguardado ou mesmo a natureza e a extensão do dano moral
cometido, a sua reparação é direito básico do consumidor (art. 6º,
VI, da Lei 8.078/90) e se rege por três princípios:
a) o fornecedor responde pelo simples fato da violação (damnum
286
BRINCAS, Paulo Marcondes. Reflexões sobre a Responsabilidade e a Natureza Jurídica do
Dano Moral. p. 137.
1
in re ipsa);
b) é desnecessária a prova da existência do prejuízo ao direito
personalíssimo; e
c) a indenização deve ser fixada em valor que sirva de
desestímulo para que o fornecedor venha a realizar novas
práticas ofensivas.
287
Levando em consideração estes critérios, percebe-se
que o foco da condenação deve se dar, de forma muito mais significativa,
na conduta do Fornecedor-lesante que praticou ato nocivo aos Direitos da
Personalidade do que na repercussão causada ao Consumidor-lesado. Não
há que se mensurar o grau de sofrimento da vítima, a extensão e a prova
do dano, pois este já é presumido. Assim sendo, é a aplicação da Função
de Desestímulo que garante a efetiva prevenção e reparação dos danos
morais aos consumidores.
Até porque, de acordo com o que já foi tratado, a
fixação da Função de Desestímulo “[...] não tem apenas a finalidade de
desencorajar o réu, mas principalmente a de mostrar à sociedade que ela
não mais tolera esse tipo de procedimento lesivo.”
288
Portanto, verifica-se, deste modo, a necessidade da
aplicação de um caráter sancionatório na reparação dos danos morais, no
sentido de evitar que as práticas lesivas se repitam. Sobretudo, na Relação
de Consumo, pois, via de regra, a mesma lesão pode ser sofrida por um
conjunto indeterminável de consumidores.
Diante disso, passa-se a demonstrar a relevância e as
justificativas da aplicação da Função de Desestímulo para esses casos.
287
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. p.230.
288
PAPINI, Paulo Antonio. Dano Moral: Da efetiva reparação em face do ordenamento jurídico
pátrio. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil nº 17. p. 103.
1
3.4.1 A Aplicação da Função de Desestímulo como garantia de Acesso à
Justiça ao Consumidor
A legislação consumerista se aperfeiçoa como norma
de proteção social que reprime todo e qualquer ato atentatório à Dignidade
dos consumidores em geral. Assim sendo, necessita de critérios específicos
com o intuito de garantir o acesso do Consumidor à Justiça.
De acordo com Brandão, os direitos que são frutos de
uma nova realidade social, como os direitos do Consumidor, devem ser
considerados em suas próprias circunstâncias, além de haver a
necessidade da “[...] construção de tutelas protetivas desses direitos por
meio de mecanismos adequados”
289
. Nessa condição, antes de tudo, faz-se
necessário impedir que o Consumidor renuncie ao seu Direito lesado, em
razão do descrédito no sistema judicial, devendo garantir a ele o efetivo
acesso à Justiça
290
.
A expressão “acesso à Justiça”, na concepção atual,
possui significado amplo e é utilizada para determinar duas finalidades
básicas do sistema jurídico, conforme lição de Cappelletti e Garth:
“Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele
deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos”
291
.
289
BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações constitucionais: novos direitos e acesso à Justiça. p.122
290
Carlin, sem abordar especificamente o direito do Consumidor, observa que a grande maioria
dos conflitos que ocorrem em sociedade é resolvida pelos próprios interessados. Quando isso
não é possível, ficando frustrada a solução, ocorre a renúncia ao direito pelo descrédito
existente no sistema judicial. Ressalta, ainda, que há a obrigação do Estado em impedir que
isso ocorra, pois o acesso à Justiça é Direito Fundamental que deve ser assegurado no Estado
Democrático de Direito. Ver CARLIN, Marcelo. O Julgamento por Eqüidade nos Juizados
especiais: Uma abordagem à luz da convergência entre os Sistemas Jurídicos da Civil Law e da
Comow Law e do movimento contemporâneo de acesso à Justiça. 2004. Dissertação (Mestrado
Acadêmico em Ciência Jurídica) Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica,
Universidade do Vale do Itajaí. Itajaí. p. 54.
291
Tendo em vista a delimitação da presente pesquisa, abordar-se-ão apenas o que for mais
relevante a respeito da garantia ao acesso à Justiça para o presente trabalho. Todavia, na obra
de Cappelletti e Garth há um enfoque muito mais aprofundado, em que são abordados vários
1
Portanto, não basta garantir o acesso do lesado ao juízo, mas sim, garantir
o acesso à ordem jurídica justa.
O que acontece na prática é que os consumidores
ainda não encontram o devido respaldo judicial para a solução de seus
litígios diante dos fornecedores, devido à forma de jurisidição a eles
oferecida
292
. Cappelletti e Garth, em defesa do pleno acesso à Justiça,
reforçam a tese de que, para a construção de sociedades mais justas e
igualitárias, é necessário centrar a atenção às pessoas comuns, sobretudo
os consumidores, que se encontram tradicionalmente impotentes perante
às grandes organizações.
293
294
Marinoni, da mesma forma, entende haver
peculiaridades na relação processual envolvendo os litígios entre
consumidores e fornecedores, e trata da integração entre as normas de
direito material e as técnicas processuais previstas no CDC:
Essa perfeita integração deve ser realizada através da
interpretação do juiz. Isso porque o juiz também tem o dever de
proteger os direitos fundamentais, no caso o direito do
consumidor, e, além disso, o dever de prestar tutela jurisdicional
em resposta ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.
aspectos relevantes que inviabilizam o acesso à decisão justa. Os autores basicamente
classificam em três espécies de obstáculos: econômico, organizativo e processual. Entendem
os autores que: “O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental – o
mais básico dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda
garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”. Ver CAPPELLETTI, Mauro; GARTH,
Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p.
8-12. Título original: Access to Justice: the worldwide movement to make rights effective.
292
Lorenzetti faz a seguinte ponderação: “Declara-se uma série de direitos de acesso à justiça,
porém não são usados nem praticados pelos titulares, porque não se lhes dá estrutura
organizativa necessária”. LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. p.
116.
293
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. p. 91.
294
Para Garcia, a defesa do Consumidor em juízo, devido aos aspectos revolucionários do CDC e
a sua dimensão coletiva, deve permitir a existência do que ele denomina de “processo do
consumidor”. GARCIA, José Augusto. O Princípio da Dimensão Coletiva das Relações de
Consumo: Reflexos no “processo do consumidor”, especialmente quanto aos danos morais e as
conciliações. In Revista Direito, Estado e Sociedade nº13. s/p.
1
Melhor explicando: o consumidor tem o direito a que o juiz se
comporte de acordo com o direito material de proteção e os
direitos fundamentais e, nesse sentido, é possível pensar em um
dever judicial de comportamento.
295
Nesse aspecto, portanto, há uma responsabilidade
social maior do Magistrado. Para Carlin, é neste contexto que o juiz de
hoje encontra sua nova atmosfera de ação, buscando reconquistar, no
interesse geral, superiores ideais da vida coletiva, sua identidade ética
vinculada à responsabilidade, ante o convívio social”
296
.
Dessa forma, ao julgar litígios em que haja interesse
público, como o que ocorre nos casos de Dano Moral causados na Relação
de Consumo, o juiz deve, antes de tudo, focalizar a repercussão social
presente no litígio e, por conseqüência, na solução a ser dada ao caso em
concreto.
Nesse norte, já passando a justificar a relevância da
utilização da Função de Desestímulo como garantia de acesso à justiça, é
oportuno trazer à colação a preocupação de Cappelletti e Garth com o
interesse da coletividade:
Um indivíduo, além disso, poderá receber apenas indenização de
seus próprios prejuízos, porém não dos efetivamente causados
pelo infrator à comunidade. Conseqüentemente, a demanda
individual pode ser de todo ineficiente para obter o cumprimento
da lei; o infrator pode não ser dissuadido de prosseguir em sua
conduta.
297
Já de forma específica no que se refere ao acesso do
consumidor à Justiça, Cappelletti salienta haver algumas peculiaridades:
295
MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela específica do Consumidor. Revista Jurídica nº315. p. 9.
296
CARLIN, Volnei Ivo. Deontologia Jurídica: ética e justiça. Florianópolis: Obra Jurídica, 1996.
p. 90.
297
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. p. 27.
1
Enquanto o produtor é de regra organizado, juridicamente bem
informado, e tipicamente um litigante habitual (no sentido de que
o confronto judiciário não representará a ele episódio solitário,
que o encontre desprovido de informação e experiência), o
consumidor, ao contrário, está isolado; é um litigante ocasional e
naturalmente relutante em defrontar-se com o poderoso
adversário. E as maiores vítimas desse desequilíbrio são os
cidadãos das classes sociais menos abastadas e culturalmente
desaparelhados, por ficarem mais expostos às políticas
agressivas da empresa moderna.
298
De modo que são circunstâncias que impedem o
acesso do Consumidor à Justiça
299
. Alguns fornecedores, muitas vezes
deliberadamente, contando com essas situações, descumprem as normas
protetivas porque sabem que remotamente os consumidores vão pleitear
seus direitos em juízo. E em havendo processo judicial, contam, ainda, com
a lentidão da justiça, com artimanhas processuais, etc., fazendo com que
seja mais vantajoso economicamente continuar com essas práticas a
cumprir os ditames do CDC
300
.
298
CAPPELLETTI, Mauro. Palestra sobre o Acesso dos consumidores à Justiça. apud
CAVALIEIRI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. p. 464.
299
Noronha comenta que: “O projeto de acesso à justiça deve estar armado de mecanismos
capazes de superar as dificuldades naturais e ínsitas à própria individualidade do consumidor,
qual ser solitário, quase sempre desarmado de poder político e econômico e bloqueado por
fatores psicológicos que lhe tolhem a iniciativa. Esses fatores negativos podem ser ainda
agravados por carências culturais ou por desconhecimento técnico de problemas com os
produtos indispensáveis à sua sobrevivência, de modo a infundirem no espírito do consumidor
verdadeiro sentimento de inferioridade em relação ao produtor. Além desses, há ainda que se
atentar para as questões do desinteresse do pleito, pela exiguidade da lesão, os ‘mistérios’ do
processo na ótica laica, a lentidão da Justiça, que ainda não se desvencilhou completamente
das amarras do princípio dispositivo imperante nos séculos XVIII e XIX, bem como a escassez
de recursos econômios para o enfretamento das despesas forenses”. NORONHA, Carlos
Silveira. A Tutela Processual do Consumidor no Brasil. In BIITAR, Carlos Alberto (Coord.)
Responsabilidade Civil por Danos a Consumidores. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 128-129.
300
Sem contar o fato de já terem uma experiência judicial muito mais extensa. Cappelletti e Garth,
comentando estudo realizado por Galanter, tratam da distinção entre os litigantes “eventuais” e
os “habituais”, levando em consideração a freqüência de encontros com o sistema judicial.
Assim, dentre as vantagens dos “habituais”, enumeram: “1) maior experiência com o direito
possibilita-lhes melhor planejamento do litígio; 2) o litigante habitual tem economia de escala,
porque tem mais casos; 3) o litigante habitual tem oportunidades de desenvolver relações
informais com os membros da instância decisora; 4) ele pode diluir os riscos da demanda por
maior número de casos; e 5) pode testar estratégias com determinados casos, de modo a
garantir expectativa mais favorável em relação a casos futuros”. CAPPELLETTI, Mauro;
GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. p. 25.
1
De fato, não são todos os consumidores lesados que
buscam a tutela judicial para terem seus direitos resguardados, sobretudo
quando relativos à integridade moral
301
. Assim sendo, não há que se falar
na existência da propalada “indústria do Dano Moral”
302
, como afirmam
alguns autores, que entendem estar havendo um abuso na utilização desse
instituto, que, em muitos casos, estaria sendo utilizado com o fito de “[...]
acrescer alguns trocados ao patrimônio do felizardo que foi moralmente
enxovalhado”
303
.
Todavia, não é, em regra, o que ocorre. O que há, de
fato, é um movimento legítimo de conscientização dos direitos de cidadão.
Melo acrescenta que:
A crítica daqueles que, baseando-se no grande volume de ações
decorrentes de dano moral, usam tal parâmetro para afirmar que
tais ações visam promover a loteria do dano moral, não merece
prosperar.
Há, evidentemente, casos isolados que podem até denotar tal
intuito. Contudo, o que precisa ser ressaltado é que o aumento
da demanda indenizatória por danos morais decorre de duas
premissas básicas: a uma, o despertar da cidadania que, como
decorrência natural , faz com que cada dia mais, os cidadãos
passem a ter consciência dos seus efetivos direitos e, mais do
que isso, a exercê-los em toda a sua plenitude e, a duas, a
301
Ver CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. p. 22-24.
302
É nesse sentido a opinião de Gouvêa, Oliveira e Fucks: “A prodigalização de demandas dessa
natureza tem contribuído para a sedimentação da ‘indústria do dano moral’, onde o indivíduo
que em tempos outros galgava ascensão sócio-econômica com o fruto de seu trabalho e
esforço, passa a torcer para ser atingido por determinado fato, donde poderia, forçosamente,
extrair suposta configuração de dano moral, o que lhe equivaleria a ‘tirar a sorte grande’, não
chegando em momento algum a padecer de dor, angústia e sofrimento que infligiriam
desconforto insuportável, capaz de interferir profundamente em seu estado psíquico, pois o
alegado dano seria o passaporte para a nova era em sua vida e não, como deveria ser, a
compensação ou tentativa de restabelecer a normalidade em seu status psicológico”. In
GOUVÊA, Eduardo de Oliveira; OLIVEIRA, Renato Ayres Martins de; FUCKS, Sérgio Luis. As
Ações Indenizatórias nas Relações de Consumo (a problemática do dano moral). Rio de
Janeiro: Idéia Jurídica. 2002. p. 68-69. Ver também: BUITONI, ADEMIR. Reparar os Danos
Morais pelos meios morais. Revista de Direito Privado nº. 16. p.37-45.
303
PASSOS. J. J. Calmon de. O imoral nas indenizações por dano moral. Jus Navigandi,
Teresina:a.6,n.57,jul.2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2989>.
Acesso em: 17 abr. 2004.
1
incidência cada vez maior, de violação da intimidade das
pessoas, seja como decorrência da impessoalidade das relações
negociais associada à busca desmedida de lucros, seja como
decorrência da excessiva presença dos meios de comunicação
na sociedade moderna.
304
Por conseguinte, é forçoso afirmar que o que existe, e
deve ser reprimido exemplarmente, é a indústria do desrespeito à dignidade
dos consumidores, perpetrada por fornecedores que, de forma contumaz,
violam direitos legítimos, sem o receio de haver condenação capaz de
desestimulá-los dessas práticas, por serem consideradas toleráveis.
Não é possível aceitar que possa haver violação aos
Direitos da Personalidade, sem que haja, como conseqüência, a
responsabilização do ofensor. Não é pelo fato de o dano ser mínimo que
deve ser tolerado. Garcia salienta:
Para que o dano moral seja reconhecido, e ressarcido, não mais
se faz mister que a vítima perca os sete filhos esquartejados ou
que tenha os olhos furados ... Assim, deve ser indenizado
qualquer dano extrapatrimonial que possua um mínimo de
relevância jurídica ou seja, que tenha sido provocado por
conduta contrária ao princípio da boa-fé objetiva -, até mesmo
danos próprios do cotidiano, sem maior apelo dramático. Nada
mais justo. Qualquer tipo de dano rompe o equilíbrio visado pelo
Direito para as relações sociais. A negação desse axioma
significa liberar uma perigosa zona franca do dano, onde todos os
pecados serão absolvidos quando o prejuízo não for grave. A
aludida zona franca não só abala, reitere-se, o indispensável
equilíbrio das relações sociais, como também incentiva
comportamentos nocivos , enfraquecendo a tutela geral da
dignidade da pessoa humana.
305
304
MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral: problemática do cabimento à fixação do
Quantum. p. 239. No mesmo sentido, Bolson complementa: “Especificamente com relação ao
aumento das ações indenizatórias promovidas por consumidores, parece-nos que é o reflexo de
uma consciência de cidadania que vem crescendo. Aqui em nosso país está ocorrendo o boom
de um movimento consumerista, não tão organizado como o norte-americano, mas visando a
defesa inarredável do consumidor. Se o consumidor não consegue administrativamente resolver
o seu problema com o fornecedor, ingressa no Judiciário, esperando que o mesmo tutele sua
pretensão”. BOLSON, Simone Hegele. Direito do Consumidor e Dano Moral. p 148-149.
305
GARCIA, José Augusto. O Princípio da Dimensão Coletiva das Relações de Consumo:
Reflexos no “processo do consumidor”, especialmente quanto aos danos morais e as
conciliações. In Revista Direito, Estado e Sociedade nº13. s/p.
1
Na verdade, não se apregoa, aqui, que todo e qualquer
desconforto, dissabor do cotidiano deve ensejar a condenação por Dano
Moral. Porém, ocorre que, é na conduta do ofensor que deve centrar a
caracterização da violação aos Direitos da Personalidade, conforme já
apontado, até porque na Relação de Consumo, especialmente, quem
assume o risco pelos danos é o Fornecedor, que deve sempre pautar seus
atos lastreados no princípio da Boa-fé objetiva.
306
Assim sendo, é imperativo perceber que é com a
garantia do pleno acesso à Justiça e com o emprego da Função de
Desestímulo
307
que os Consumidores terão seus direitos protegidos ou ao
menos reparados, e a harmonia e o equilíbrio na Relação de Consumo
poderão se tornar efetivos.
3.4.2. A Função de Desestímulo e os critérios para a sua aplicação na
condenação por Dano Moral decorrente de Relação de Consumo.
O Brasil adota o sistema aberto de reparação de
danos, ou seja, não há quaisquer tabelas ou limites no que tange à
reparação dos danos morais
308
. Assim, o arbitramento do valor da
306
Contudo, é importante dizer que a boa-fé objetiva é dever de conduta, tanto para o Fornecedor,
quanto para o Consumidor. Assim, quando caracterizada a má-fé do Consumidor, este deve, da
mesma forma, receber exemplar reprimenda judicial. São situações que também prejudicam os
consumidores, pois se entenderia que toda vez que houver ação de reparação por danos
morais, estar-se-á apenas buscando o ganho fácil, conforme alegam os autores que defendem
haver a existência da “indústria do Dano Moral”. Santos comenta que: “Pessoas que posam de
vítima ou que provocam o fato para se tornarem ofendidas, criando, assim, condições para o
pleito ressarcitório, por certo merecerão todo o repúdio do órgão jurisdicional. Enquanto o Direito
brasileiro está vivendo nova fase quanto à efetiva proteção aos direitos da personalidade, é
necessário que os cuidados sejam redobrados para evitar condenações de pessoas que foram
vítimas de supostos ofendidos por danos morais”. SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral
Indenizável. p. 119-120.
307
Acrescenta Lorenzetti, ressaltando que sem a função punitiva, “[...] era mais rentável deixar
que o prejuízo se realizasse que preveni-lo; o dano punitivo arruina este negócio e permite a
prevenção”. LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. p. 458.
308
Ver BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais. p. 281-286.
1
indenização fica restrito ao prudente arbítrio do juiz, que, analisando as
peculiaridades do caso concreto, estipulará o valor da pena pecuniária que
o Fornecedor será compelido a pagar em razão da violação aos Direitos da
Personalidade do Consumidor lesado
309
.
Já é sabido que o CDC adotou a teoria da
responsabilidade objetiva e, nessa condição, o Fornecedor é responsável
pelo Dano Moral causado, independentemente da existência de culpa
310
.
Porém, mesmo nesses casos, o que se exige é um comportamento ético
por parte dos fornecedores, consubstanciado no respeito à dignidade do
Consumidor na Relação de Consumo. É nesse sentido o comentário de
Hofmeister:
A ética da responsabilidade não mais se sustenta sobre uma
culpa a punir, mas pela consciência aguçada de que aquele que
toma uma decisão, que exerce uma atividade ou que detém um
poder deve assumir as conseqüências, quando estas são
prejudiciais a outrem. A ética da responsabilidade, voltada, desta
maneira, para as conseqüências da ação e não mais para a
intenção do autor do ato, implica uma relação ética com o lesado
por este ato. Quando o indivíduo, exercitando a sua liberdade de
ação, prática atos que prejudicam outrem, nasce para o primeiro
a obrigação de reparar o dano. Não se trata de uma regressão da
consciência moral. Pelo contrário, esta manifesta a sua abertura
para o mundo, traduzindo-se em uma responsabilidade humana
309
São vários os critérios apontados pela doutrina e pela jurisprudência para fixação da
indenização por danos morais. Em razão da delimitação da presente pesquisa, não há como
abordá-los um a um, limitando-se apenas àqueles que estiverem diretamente relacionados à
Função de Desestímulo. De forma completa, Nunes aponta os seguintes parâmetros para a
determinação da indenização por danos morais na Relação de Consumo: “a) a natureza
específica da ofensa sofrida; b) a intensidade real, concreta, efetiva do sofrimento do
consumidor ofendido; c) a repercussão da ofensa no meio social em que vive o consumidor
ofendido; d) a existência de dolo má-fé por parte do ofensor, na prática do ato danoso e o
grau de sua culpa; e) a situação econômica do ofensor; a capacidade e a possibilidade real e
efetiva do ofensor voltar a praticar e/ou vir a ser responsabilizado pelo mesmo fato danoso; g) a
prática anterior do ofensor relativa ao mesmo fato danoso, ou seja, se ele já cometeu a mesma
falta; h) as práticas atenuantes realizadas pelo ofensor visando diminuir a dor do ofendido; i)
necessidade de punição”. NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor: p.
310-326.
310
A doutrina majoritária entende que mesmo nos casos de Dano Moral em que não há culpa,deve
ser aplicada a Função de Desestímulo em razão da teoria do risco da atividade. Ver SANTOS,
Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. p. 163.
1
que rejeita os álibis pouco gloriosos da ignorância ou da
fatalidade, para esquivar-se das conseqüências danosas de uma
atividade mal dominada ou ingovernada.
311
Mesmo que se utilize em toda a sua plenitude esse
entendimento, é de suma importância a verificação da conduta culposa do
Fornecedor para a aplicação da Função de Desestímulo. Afinal, o valor da
condenação deve variar de acordo com o grau de culpa do causador do
dano.
Para Santos:
O comportamento do ofensor tem relevância se considerada a
indenização como possuindo uma parte de sanção exemplar.
Tendo o ressarcimento uma função ambivalente satisfatória e
punitiva têm incidência e importância a culpa e o dolo no
instante da fixação do montante indenizatório. Ainda que o juiz
não aceite esse aspecto punitivo da indenização, a realidade se
sobrepõe a qualquer tendência doutrinária.
312
Sob essas condições, a verificação do comportamento
do Fornecedor deve ser feita, pois a Função de Desestímulo serve
justamente para aplicar uma sanção punitiva, que tem como um dos seus
principais objetivos a prevenção de novos danos. E, portanto, caracterizada
a culpa ou o dolo na conduta do Fornecedor, deve o juiz aplicar com maior
rigor a Função de Desestímulo.
311
HOFMEISTER, Maria Alice Costa. O Dano pessoal na sociedade de risco. p. 117-118. É
interessante apresentar, no mesmo norte, a lição de Delgado: “A constante prática
comportamental do homem sem assentamento na ética conduz a humanidade a viver fortes
momentos de instabilidade. O crescimento de uma economia aética, de um direito interpretado
sem visão para o social, dos negócios jurídicos celebrados com desproporção de vantagens
para uma das partes e de uma política governamental sem preocupação maior com as
necessidades vitais do ser humano em sociedade (saúde, educação, segurança, proteção ao
menor, proteção à velhice, combate ao desemprego, defesa do meio ambiente etc.) têm
contribuído para que a conduta humana viva oscilando entre o bem e o mal, dando lugar a uma
instabilidade social que desperta a consciência moral de cada cidadão e propicia o surgimento
de fatores que criam desesperanças com o presente e incertezas para com o futuro.”
DELGADO, José Augusto. A Ética e a boa-fé no novo Código Civil. In DELGADO, Mário Luiz e
ALVES, Jones Figueiredo. (Coord.). Novo Código Civil: Questões Controvertidas. São Paulo:
Método, 2003. p. 170.
312
SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. p. 186.
1
É também o entendimento de Nunes:
O aspecto punitivo do valor da indenização por danos morais
deve ser especialmente considerado pelo magistrado. Sua
função não é satisfazer a vítima, mas servir de freio ao infrator
para que ele não volte a incidir no mesmo erro. Esse aspecto
ganha relevo nas questões de massa, como são, em regra, as
questões que envolvem o direito do consumidor. Se, por
exemplo, um banco vier a ser condenado a indenizar um
consumidor, que teve seu talão de cheques furtado da agência
bancária, o que gerou toda sorte de problemas (cheque voltou, foi
“negativado” nos serviços de proteção ao crédito etc.) e de
conseqüência causou danos morais, na fixação da indenização o
magistrado tem de considerar o fato de que, se o banco não for
severamente punido, poderá não tomar nenhuma providência
para que o mesmo evento não torne a ocorrer. E o risco de
causar o mesmo dano para dezenas, centenas de consumidores
existe, ele é real. Por isso, o quantum deve ser elevado. A
condenação tem de poder educar o infrator, que potencialmente
pode voltar a causar o mesmo dano.
313
Assim, em se tratando de Relação de Consumo,
sempre haverá a possibilidade real de o ofensor ou de outros fornecedores
voltarem a praticar novos atos danosos a outros consumidores, de modo
que o valor da condenação deve ser alto o suficiente para sobrestar a
existência de novos danos de igual natureza. E isso só ocorre com a
utilização da Função de Desestímulo. Afinal, segundo Silva, “[...] prescindir
do caráter de desestímulo da indenização por danos morais importa em
estímulo a novas práticas ofensivas e ao desrespeito entre as pessoas em
patente desequilíbrio social”
314
.
Dessa forma, caberá, conseqüentemente, ao juiz
sopesar o grau de desrespeito ao Consumidor, levando em consideração
os seguintes critérios: a natureza do dano; a dimensão da culpa do
fornecedor; a existência de má-fé; a ocorrência de práticas lesivas
313
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. p. 317.
314
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Critérios de Fixação da Indenização do Dano Moral. In
DELGADO, Mário Luiz e ALVES, Jones Figueiredo. (Coord.). Novo Código Civil: Questões
Controvertidas. São Paulo: Método, 2003. p. 264.
1
anteriores; a possibilidade de novas práticas e as condições econômicas do
ofensor, como critérios para a mensuração do quantum indenizatório.
Quanto maior for o desrespeito ao Consumidor e quanto mais reprovável
socialmente for o dano, maior deve ser o valor da condenação, como forma
de punição ao ofensor.
É importante observar que a Função de Desestímulo
possui um caráter disciplinar nos moldes do sistema norte-americano,
conhecidos como punitive damages, que significa danos punitivos
315
.
Entretanto, observa Silva que “nos EUA, a indenização do dano moral é
definida como mera punição; no Brasil, a indenização é composta por um
binômio: compensação e desestímulo.“
316
Na realidade, a Função de Desestímulo não pode ser
desvirtuada, e todo o exagero na sua aplicação deve ser evitado
317
. Não
pode servir de pretexto para indenizações milionárias, como ocorre nos
EUA
318
. A realidade brasileira é outra, a condenação deve servir apenas
para desestimular, para dissuadir novas práticas lesivas e proporcionar um
exemplo à sociedade, e não para inviabilizar o funcionamento de empresas
fornecedoras.
315
Moraes ao comentar o sistema dos “danos punitivos” norte-americano, explica que [...] lá se
tem o dano punitivo como justificado para que se cumpra alguns objetivos de pacificação social,
próprios da cultura daquela sociedade. Ele serve para: i) punir o ofensor por seu mau
comportamento; ii)evitar possíveis atos de vingança por parte da vítima; iii) desestimular,
preventivamente, o ofensor e a coletividade de comportamentos socialmente danosos, quando o
risco de ser obrigado a compensar o dano não constituir remédio persuasivo suficiente; iv)
remunerar a vítima por seu empenho na afirmação do próprio direito, através do qual se
consegue um reforço geral da ordem jurídica. Normalmente, punitive damages são concedidos
quando o ofensor agiu com dolo, ou grosseira negligência, e em defesa de consumidores, isto
é, quando se trata de evitar, através de punição exemplar, a repetição de situações que podem
atingir um grande número de pessoas.” MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa
humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. p. 33-34.
316
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. Critérios de Fixação da Indenização do Dano Moral. p. 267.
317
Ver KAUFFMANN, Boris Padron. O Dano Moral e a fixação do valor indenizatório. Revista de
Direito do Consumidor nº 39. p. 81.
318
Ver STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. p. 1704.
1
É justamente o receio de que haja o exagero que
justifica as críticas mais contundentes à utilização da Função de
Desestímulo
319
. Na realidade, é plenamente possível aplicar o critério
punitivo sem haver excesso. Inclusive, é viável a aplicação desse instituto
nas ações ajuizadas nos Juizados Especiais Cíveis que possuem limitação
de valor. Até porque a maioria das ações referentes a danos causados ao
Consumidor são ajuizadas nesses juizados, e nessa condição impedem a
estipulação de valores exorbitantes
320
.
Tal compreensão justifica a possibilidade de a
importância obtida com a sanção aplicada ao infrator se reverter ao
Consumidor lesado. Da mesma forma, não havendo exagero na
condenação nem enriquecimento sem causa.
Ora, se não há parâmetros objetivos aptos à
composição do quantum indenizatório da condenação por danos morais,
não há falar que o valor conferido a título de aplicação da Função de
Desestímulo, e atribuído ao Consumidor lesado, se constitua em
enriquecimento sem causa. Além do mais, na contraposição entre o
enriquecimento sem causa, que é de âmbito exclusivamente material, e a
violação aos Direitos da Personalidade do Consumidor, é esta a prática que
deve ser repelida com maior rigor.
319
Delgado chega a afirmar que a “Teoria do Valor de Desestímulo é um câncer, uma vez que não
estabelece limites para as pretensões indenizatórias”. DELGADO, Rodrigo Mendes. O Valor do
Dano Moral: Como chegar até ele. p. 23.
320
O art. da Lei 9.099 de 26/9/1995, que dispões sobre a criação dos juizados especiais
cíveis e criminais estabelece que: “Art. O Juizado Especial Cível tem competência para
conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim
consideradas: I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo”. (Lei
9.099/95).
1
De qualquer forma, essa deve ser a menor das
preocupações. Afinal, a utilização da Função de Desestímulo,
principalmente na Relação de Consumo, visa, justamente, a evitar o
enriquecimento ilícito dos Fornecedores
321
. Sem dúvida, ao violar o direito
dos consumidores, haverá enriquecimento sem causa dos fornecedores, o
que é muito mais imoral e deve ser exemplarmente evitado.
O mais importante de tudo é que o respeito à Dignidade
e aos Direitos da Personalidade estejam resguardados e protegidos de
agressões e se sobreponham, sempre, aos interesses financeiros.
Oportuna, nesse momento, é a constatação de Santos:
Nunca foi vivenciado tanto animus em proteger o ser do homem.
Paralelo a esse plexo de direitos que protege a personalidade, o
mundo, talvez, nunca tenha vivido época em que a dignidade do
ser humano seja afrontada com tanta freqüência. A sofisticação
dos meios tecnológicos postos à disposição dos comerciantes
facilita o cometimento de erros, não raro invasores da intimidade
e da honra.
322
É preciso, então, que os fornecedores se conscientizem
de que o respeito aos consumidores é, na verdade, um dever de conduta a
garantir o equilíbrio e a harmonia na Relação de Consumo. É claro que em
havendo o cumprimento das normas consumeristas e o respeito aos direitos
dos consumidores, danos deixarão de existir, e a Função de Desestímulo
terá sua aplicação abrandada
323
. Porém, até então, a aplicação da Função
321
Cerveira ressalta que o CDC apresenta dispositivos “[...] em que se vislumbra como pano de
fundo a proibição do enriquecimento sem causa” do Fornecedor. Exemplifica: art. 6º, V; arts. 18
a 20; art. 39, X; art. 39, XII; art. 39, XIV; art. 42; Art. 51, II, e art. 51, IV, todos do CDC. Ver:
CERVEIRA, Fernanda Pessoa. Enriquecimento sem causa: da legislação civil atual ao novo
Código Civil. Revista de Direito do Consumidor nº 44. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
p. 161-162.
322
SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. p. 438.
323
Reis salienta que o respeito deve advir da consciência no agir pelo bem e não apenas por
temor à lei. E prevê que: “Os cidadãos do futuro, talvez nem precisem de leis, visto que a
consciência de cada um, alicerçada na exata compreensão dos fatos da vida, será a norma
reguladora a conduzir as pessoas no equacionamento dos problemas do comportamento
1
de Desestímulo se mostra indispensável à proteção dos Direitos da
Personalidade dos consumidores.
humano”. REIS, Clayton. Avaliação do Dano Moral. p. 152.
1
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o desenvolvimento do presente trabalho, foi
possível verificar a possibilidade da utilização da Função de Desestímulo na
condenação por Dano Moral quando decorrente de Relação Individual de
Consumo. Para tal desiderato, foi indispensável o tratamento dos institutos
jurídicos que estão diretamente relacionados com o tema da Dissertação.
Nesta condição, iniciou-se o relato da pesquisa, no
primeiro capítulo, com a abordagem a respeito da Relação de Consumo.
Em um primeiro momento, tratou-se do surgimento da regulamentação do
mercado de consumo que, apesar de haver referências de proteção ao
Consumidor datadas de muito longe, sedimentou-se da metade do século
passado em diante, com o significativo avanço da sociedade de consumo.
Foi a partir dessa época que o Estado passou a intervir
com maior rigor nas relações que, em princípio, eram dotadas de maior
liberdade contratual e resolvidas entre as partes. Afinal, já não havia mais
como proteger o cidadão sem uma legislação apropriada a tutelar direitos
transindividuais e ligados à modernidade, como o Direito do Consumidor.
Do mesmo modo, com a promulgação da Constituição
da República de 1988, o Brasil passou a considerar a proteção dos Direitos
do Consumidor como direitos de cidadania, tratados como dever do Estado
e conduzidos à categoria de Direito Fundamental.
Foi nessa perspectiva que, em 1991, entrou em vigor o
CDC, efetivando o intervencionismo estatal nas relações privadas de
1
consumo e visando a garantir a harmonia e o equilíbrio na relação entre
fornecedores e consumidores.
Para tanto, o CDC estabelece como princípio
fundamental o reconhecimento da vulnerabilidade do Consumidor diante do
Fornecedor, e em razão disso, passa a lhe garantir direitos e ampla
proteção à vida, saúde e segurança.
Assim, para que seja possível utilizar as normas
protetivas do CDC, faz-se necessário que esteja configurada uma Relação
de Consumo. Com isso, foi indispensável abordar os elementos integrantes
desta relação.
Porém, como foi visto, tratar do conceito de
Consumidor não é tarefa fácil, apesar de as definições partirem sempre dos
dispositivos do próprio CDC. Verificou-se, ainda, que o conceito de
Consumidor se divide em Consumidor-padrão e Consumidor por
equiparação.
O conceito de Consumidor-padrão, definido pelo caput
do art. do CDC, é controvertido em razão da dificuldade de verificar, no
caso concreto, se há ou não destinação final para o produto ou serviço
contratado.
Em razão disso, duas correntes doutrinárias se
formaram: a finalista e a maximalista. A primeira entende que as normas do
CDC devem ser empregadas apenas quando a pessoa que retira o produto
do mercado ou contrata a prestação de serviço o fizer em proveito próprio.
Por outro lado, para a doutrina maximalista, o conceito é mais abrangente,
não havendo relevância na destinação do produto ou do serviço. Dessa
1
forma, as normas consumeristas serviriam para regulamentar o mercado de
consumo como um todo e não como proteção ao destinatário final do
produto ou serviço.
De todo modo, independentemente da teoria adotada,
o que importa, para caracterizar a Relação de Consumo, é que haja
vulnerabilidade do Consumidor diante do Fornecedor. Portanto, o CDC deve
ser utilizado quando houver uma situação de desesquilíbrio entre as partes,
seja pessoa física, seja jurídica.
Já para os conceitos de Consumidor por equiparação,
previstos no art. 2º, parágrafo único, art. 17 e art. 29, a polêmica é menor.
Para esses casos, não há relevância no que se refere à destinação final. O
que se pretende é defender, como consumidores, pessoas que, mesmo não
tendo adquirido ou utilizado produtos ou serviços, sofram os reflexos da
Relação de Consumo, seja por sofrerem dano, seja por estarem expostas
às práticas comerciais dos Fornecedores.
Quanto ao outro pólo da Relação de Consumo, não há
maior controvérsia. Para ser considerado Fornecedor, basta que a atividade
de fornecimento de produto ou prestação de serviço seja exercida de forma
habitual.
Da conceituação do objeto da relação, também não
derivam dúvidas. A definição legal de produto e de serviço é a mais
abrangente possível. Exige-se, apenas, que estejam expostos ao mercado
de consumo.
O último tópico abordado no primeiro capítulo refere-se
à responsabilidade civil do Fornecedor por danos causados aos
1
consumidores. Sem a pretensão de esgotar a matéria, foram apresentados
apenas os aspectos mais relevantes ao desenvolvimento do trabalho.
Nesse contexto, foi possível verificar a previsão legal da
regra da responsabilidade objetiva do Fornecedor, fundada na teoria do
risco do empreendimento. Portanto, parte do pressuposto de que, em razão
de o Fornecedor receber o proveito da atividade, deve, da mesma forma,
arcar com os prejuízos. Sobretudo quando o produto ou serviço, colocado
no mercado de consumo, causar danos ao Consumidor.
O segundo capítulo foi destinado a tratar dos Direitos
da Personalidade e da sua violação quando caracterizar o Dano Moral, que
também é analisado em seus aspectos mais relevantes.
Após breves linhas a respeito da personalidade jurídica,
foi necessário contextualizar os Direitos da Personalidade. Nesse momento,
verificou-se a interligação existente entre estes direitos e o Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana e os Direitos Fundamentais.
Destacou-se a relevância que deve ser dada ao
reconhecimento e à proteção aos Direitos da Personalidade, como forma de
tutela máxima à vida com dignidade. De forma que, no tratamento do
assunto, se buscou demonstrar, sempre que possível, a necessidade de o
ordenamento jurídico girar em torno da proteção aos direitos ínsitos à
personalidade.
Por outro lado, é importante salientar que os Direitos da
Personalidade são extensivos à pessoa jurídica, no que couber, como forma
de tutelar direitos que são destituídos de patrimonialidade.
1
Tratar dos Direitos da Personalidade foi de
fundamental importância para constituir o estudo do instituto do Dano Moral.
Verificou-se que, em regra, a violação aos Direitos da Personalidade causa
Dano Moral que deve ser reparado.
Em seguida, na presente Dissertação, passou-se a
abordar o Dano Moral propriamente dito, começando com o conceito e
caracterização deste dano.
Nesse momento, foi necessário sistematizar as idéias
dos autores em três teorias distintas. Primeiramente, coube demonstrar a
teoria que justifica o Dano Moral como sendo o contraponto ao dano
patrimonial. Depois, foi exposta a teoria que entende ser o Dano Moral a
conseqüência do dano sofrido, ou seja, o abalo psíquico, a dor, o sofrimento
e a angústia suportados pela vítima. Tratou-se, ainda, de uma outra teoria,
mais apropriada à justificação da presente pesquisa, que não fundamenta a
existência do dano apenas nos efeitos, mas sim, com mais relevância, na
conduta do lesante. Desta forma, é possível definir o Dano Moral como
sendo a violação aos Direitos da Personalidade.
Portanto, para a conceituação do Dano Moral, não há
unanimidade entre os autores, e existem, basicamente, dois modos distintos
de visualização destes danos. O modo subjetivo, que enfoca o mal sofrido
pela vítima, e o objetivo, que fundamenta a existência do dano no simples
fato de ter havido violação a algum dos Direitos da Personalidade. De tal
sorte que é apenas a partir do modo objetivo que há possibilidade de
considerar a pessoa jurídica como suscetível de sofrer tais danos.
De qualquer forma, independente do modo de
caracterizá-lo, o lesante deve responder civilmente pelo dano causado.
1
Assim, o Dano Moral deve ser indenizado, como forma de aplicar ao
responsável pelo dano uma sanção civil pelo descumprimento espontâneo
da norma e, sobretudo, por ter violado direitos inerentes à personalidade da
vítima.
Nesse ponto, mais uma vez há divergência entre os
autores. As expressões indenizar e reparar, advindas da responsabilidade
por danos patrimoniais, são consideradas impróprias ao tratamento do
Dano Moral. De fato, não é possível recompor o bem lesado como ocorre
com aqueles danos. Assim, é sugerida, por grande parte dos autores, a
expressão compensação dos danos morais, por entenderem que o
pagamento de valor pecuniário deve ser feito como forma de proporcionar
um lenitivo à vítima, já que se torna impossível desfazer o dano causado.
Esta dissensão doutrinária é mais contundente no
tratamento da natureza jurídica da indenização. E não por mera discussão
acadêmica, mas por ser relevante no momento de fundamentar e fixar o
valor da condenação.
Mais uma vez, duas correntes distintas se formam.
Uma que entende haver apenas um caráter compensatório na indenização,
devendo levar em consideração, portanto, apenas a extensão do sofrimento
da vítima. E a outra, considerada mais apropriada para o resultado final da
presente pesquisa, que considera haver, simultaneamente, um caráter
compensatório para a vítima e um caráter punitivo para o ofensor.
Ao caracterizar o Dano Moral como sendo a violação
aos Direitos da Personalidade, evidencia-se, desta forma, a necessidade de
justificar a existência de um caráter punitivo como forma de desestimular o
1
ofensor a causar novos danos, além de servir de exemplo para toda a
sociedade.
Por fim, o terceiro capítulo é destinado a analisar a
existência e as particularidades do Dano Moral quando decorrente da
Relação de Consumo, bem como a possibilidade de aplicar, no momento da
condenação, a função de Desestímulo como caráter punitivo ao Fornecedor
lesante.
O instituto do Dano Moral sempre foi estudado de
acordo com as normas da responsabilidade civil, tipicamente civilistas.
Entretanto, a Relação de Consumo e o Dano Moral dela decorrente devem
ser analisados de acordo com suas próprias características e com o que
disciplina o Código de Defesa do Consumidor. Não há dependência em
relação ao Código Civil. Até porque, se o CCB não serve para tratar das
relações de consumo em geral, não pode servir para tratar da reparação do
Dano moral decorrente desta relação.
O CDC é um microssistema próprio, com regras
específicas que acolhe as disposições do CCB apenas subsidiariamente e
naquilo que for necessário para preencher lacunas. Porém, no que se refere
à reparação do Dano Moral, lacuna não há. O próprio CDC estipula que o
Dano Moral deve ser prevenido e reparado efetivamente. Assim, não
considera as disposições limitativas e regras específicas do CCB.
As peculiaridades existentes na Relação de Consumo e
em sua norma protetiva justificam uma análise autônoma, destituída dos
conceitos e paradigmas do Código Civil, muito mais no que se refere à
violação de seus Direitos da Personalidade.
1
É assim, até porque a proteção ao Consumidor é
considerada como uma das formas de concretização dos Direitos da
Personalidade. E nessa condição, busca proteger o Consumidor em todos
os aspectos, principalmente quanto à sua vida e integridade física e moral.
Esse entendimento deve se consolidar; afinal, o
Consumidor fica exposto às mais variadas práticas comerciais e ao
desrespeito de fornecedores, sem que haja a respectiva e proporcional
defesa de seus direitos. Assim sendo, é preciso reconhecer que danos
acontecem e são suscetíveis de atingir os Direitos da Personalidade dos
consumidores.
Portanto, quando o CDC prevê que a responsabilidade
do Fornecedor é, em regra, objetiva e que o Dano Moral deve ser reparado
integralmente, está, de acordo com seus propósitos, visando à proteção do
Consumidor vulnerável.
Para tanto, é necessário reconhecer os critérios
próprios que devem ser utilizados nos casos de violação de Direitos da
Personalidade do Consumidor em uma Relação de Consumo. Ou seja,
deve-se reconhecer que a responsabilidade se dá pelo simples fato de ter
havido a violação, portanto, não há necessidade de provar a existência de
dano, que é presumido.
Além disso, no momento da condenação, deve ser
utilizada a Função de Desestímulo como medida de proteção e precaução a
novos danos. Isto porque há uma dimensão social no Dano Moral mesmo
quando advenha de Relação Individual de Consumo, pois, da mesma forma
que as práticas comerciais são de massa, os danos também podem ser, e
geralmente são. A mesma prática lesiva cometida a um Consumidor hoje é
1
repetida várias vezes com centenas ou milhares de outros consumidores. E
se não houver condenação judicial hábil a inibir o Fornecedor do
cometimento desses danos, mais consumidores continuarão sendo lesados.
Detectou-se, ainda, que a aplicação da Função de
Desestímulo deve servir, também, para a promoção do acesso à Justiça,
concebida esta como a garantia à ordem jurídica justa e capaz de produzir
resultados socialmente justos. E nesse caso, a Justiça se faz punindo, até
mesmo civilmente, fornecedores que desrespeitam os direitos ínsitos à
personalidade dos consumidores.
A aplicação da Função de Desestímulo serve ainda
para conscientizar os fornecedores no sentido de que devam ter um
comportamento ético e responsável, respeitando os Direitos do
Consumidor. A relação deve sempre ser pautada no Princípio da boa-fé
objetiva. Assim, nem o fornecedor pode deliberadamente causar danos aos
consumidores, nem estes podem ajuizar ações destituídas de veracidade,
com o único propósito de locupletar-se.
Por outro lado, mesmo que haja o reconhecimento da
responsabilidade objetiva, o comportamento do Fornecedor lesante é
importante critério no momento de estipular o valor da condenação, uma
vez que quanto maior o desrespeito ao consumidor, maior tem ser o valor
da condenação, como forma de inibir atos atentatórios à Dignidade da
Pessoa Humana. E é o desrespeito a esse princípio que merece ser
exemplarmente punido.
Não se pretende dizer que o sistema americano do
punitive damages é o modelo a ser implantado, muito pelo contrário. Punir
exemplarmente, utilizando o critério de desestímulo não pode, nem deve
1
significar indenização milionária e enriquecimento sem causa. Porém, o que
não pode acontecer é deixar de condenar ou estipular valores irrisórios, sob
pena das práticas lesivas continuarem acontecendo.
Por fim, entende-se que a aplicação da Função de
Desestimulo, sopesando os critérios expostos no presente trabalho, garante
a efetividade na reparação do Dano Moral e serve, ainda, para promover a
harmonia na Relação de Consumo, conforme determinações do Código de
Defesa do Consumidor.
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