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estruturalismo), dedica uma de suas questões, para o nosso tempo, ao tratamento do tema:
“para que serve a filosofia contemporânea?”.
Numa parte da obra sob o título: “entre ciências e culturas: para que serve a
filosofia contemporânea?”, escrita por COMTE-SPONVILLE, o esforço do autor é o de
identificar o lugar da filosofia frente aos saberes contemporâneos, do qual diz o seguinte:
a filosofia situa-se na encruzilhada entre o universal (da razão) e o singular (de uma
existência): é por isso que ela se aproxima das ciências (a razão, em ambos os
casos, é a mesma), é por isso que ela se aproxima das artes (a subjetividade, em
ambos os casos, é a mesma), sem contudo confundir-se nem com estas, que não
têm a ver com o raciocinar, nem com aquelas, que não têm a ver com o viver. A
filosofia não é nem uma ciência nem uma arte, mas como que a perpétua tensão
entre esses dois pólos: é como que uma ciência improvável, à força de ser
subjetiva, como, como uma arte improvável, à força de se querer racional e que só
teria êxito, como viu Althusser, num certo modo de fracassar, sempre singular,
sempre novo em algo... se Descartes tivesse tido êxito, seríamos todos cartesianos.
Se Kant tivesse tido êxito, seríamos todos kantianos. Se Husserl tivesse tido êxito,
seríamos todos fenomenologistas. E a filosofia seria tão objetiva, tão impessoal, tão
indiferente, no fundo, quanto a física ou a matemática. Se Descartes tivesse tido
êxito, se Kant tivesse tido êxito, se Husserl tivesse tido êxito, a filosofia não teria
mais interesse: ela entraria no “caminho seguro de uma ciência”, como dizia Kant,
e seria o fim da filosofia (COMTE-SPONVILLE, 1999, p. 496).
Se este é seu modo de relação com as ciências e as artes, vejamos como o autor se
posiciona quanto à cultura, de uma forma um pouco mais ampla da que vimos acima:
Quanto às culturas, é diferente. As ciências constituem, para a filosofia, uma
espécie de exterioridade necessária: são como um real de referência, já trabalhado
pelo espírito. A cultura, ao contrário, ou as culturas, já que são muitas, fazem parte,
sob vários aspectos, da interioridade filosofante, que delas faz parte: porque toda
filosofia nasce no interior de certa cultura, de que tira a essência de seus problemas
e boa parte de seu conteúdo. De modo que não estou certo, ao contrário do que
poderia dar a entender nosso título do dia, de que a filosofia se situe “entre ciências
e culturas”, se entendermos por isso que ela não pertenceria nem a umas nem a
outras. Como seria possível? Nenhuma filosofia é científica, claro; mas toda
filosofia é cultural (ou, como dizia Marx, “ideológica”). Isso, novamente, nos fada
ao relativismo. A partir do momento que só pensamos no interior de um cultura
dada (e a partir do momento que não há nem cultura absoluta nem cultura
transparente a si mesma), não podemos nos libertar inteiramente dela, nem viver,
como queria Spinoza, “unicamente de acordo com os mandamentos da razão”.
Nunca veremos o absoluto cara a cara. A cultura, que nos precede, que nos
atravessa, que nos constitui, veda-o. Devemos lamentar isso? Não acho. Que
seríamos sem a cultura? Que poderíamos? Que valeríamos? O que nos separa da
natureza (a linguagem, a razão, o trabalho) permite-nos conhecê-la e transformá-la.
O que nos separa do absoluto a ele nos leva. A recíproca também é verdadeira: o
que nos leva a ele, dele nos separa. É o que chamamos espírito, que não é
substância mas sim trabalho, mas sim revolta, mas sim humor – e às vezes amor. O
momento da desnaturação (que não é um momento mas o todo de nossa história) é
o momento do negativo: o espírito sempre nega, e é o próprio espírito. Como é