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Universidade
Estadual de Londrina
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
DEPARTAMENTO DE DIREITO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO NEGOCIAL
NÍVEL DE MESTRADO
TARITHA MEDA CAETANO PARAISO
PANORAMA DO DIREITO CIVIL NA ATUALIDADE E
A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO INSTRUMENTO
PACIFICADOR NO CENÁRIO JURÍDICO BRASILEIRO
Londrina
2006
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TARITHA MEDA CAETANO PARAISO
O PANORAMA DO DIREITO CIVIL NA ATUALIDADE E A
MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO INSTRUMENTO
PACIFICADOR NO CENÁRIO JURÍDICO BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Direito Negocial da
Universidade Estadual de Londrina - UEL,
como requisito parcial à obtenção de título
de mestre.
Orientadora Profª. Doutora Rozane da
Rosa Cachapuz.
LONDRINA
2006
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TARITHA MEDA CAETANO PARAISO
O PANORAMA DO DIREITO CIVIL NA ATUALIDADE E A MEDIAÇÃO
DE CONFLITOS COMO INSTRUMENTO PACIFICADOR NO CENÁRIO
JURÍDICO BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Direito Negocial da
Universidade Estadual de Londrina - UEL,
como requisito parcial à obtenção de título
de mestre.
COMISSÃO EXAMINADORA:
______________________________
Profª. Dra. Rozane da Rosa Cachapuz
Orientadora
_
______________________________
Profª. Dra. Maria Cristina Viecili
_
______________________________
Prof. Dr.Elve Miguel Cenci
Londrina ___, de__________ de 2006.
4
AGRADECIMENTO
Agradeço ao Meu Pai, querido Senhor Deus que me presenteou com este curso que
tanto pedi. Que me consolou e ajudou em todos os dias deste mestrado.
Ao amado Jesus, pela misericórdia e paciência que teve para comigo.
Ao desejado Espírito Santo pelo fôlego, pela condução, pela inspiração derramada.
Ao amado Sérgio, pelo amor, companheirismo e pelo ombro amigo de todos os
momentos.
Aos meus pais pelo apoio e amor, que permitiram que eu chegasse até aqui.
À sempre disposta e amorosa Professora Rozane pela orientação, pela atenção e
ânimo neste trabalho que começamos desde a graduação. Muito obrigada!
À querida Profª Águida pela atenção e auxílio em todo tempo.
Aos amigos... e que amigos!!! Obrigada pela paciência e por todo o incentivo...
5
“Não vos conformeis com este mundo,
mas transformai-vos, renovando a
mente”.
Romanos 12:2
6
PARAISO, Taritha Meda Caetano. O panorama do Direito Civil na atualidade e a
mediação de conflitos como instrumento pacificador no cenário jurídico
brasileiro. 2006. Dissertação de Mestrado em Direito, 159 p. Universidade Estadual
de Londrina – UEL. Londrina
RESUMO
Esta dissertação versa sobre os novos rumos do Direito Civil na atualidade e a
aponta o instituto da Mediação de conflitos como caminho a ser alcançado. Analisa,
primeiramente, o percurso histórico jurídico-social até a contemporaneidade e firma
a Mediação como possibilidade. Introduz um arcabouço teórico acerca dos conflitos
e em seguida apresenta a sistemática da mediação e seus fundamentos filosóficos.
Por fim, expõe sobre a pacificação e humanização dos conflitos através do instituto e
consolida o princípio da Dignidade Humana e Autonomia Privada propostos em
nosso ordenamento.
Palavras-Chaves: Direito Civil, Mediação, Conflitos, Dignidade da Pessoa Humana
7
PARAISO, Taritha Meda Caetano. O panorama do Direito Civil na atualidade e a
possibilidade da mediação de conflitos como instrumento pacificador no
cenário jurídico brasileiro. 2006. Dissertação de Mestrado, 159 p. Universidade
Estadual de Londrina – UEL. Londrina
ABSTRACT
This Master of Laws degree work treats about new routes of the Civil law in the
present time and points to the Mediation of conflicts as a way to be reached. It
analyzes, at first, the history of the institute until the post-modernity and establishes
the Mediation as a possibility. The present work set basis about the conflicts and
after that presents the philosophical system of mediation and its bedding. Finally, it
exposes about humanize the conflicts and consolidates the principle of dignity and
private autonomy in the juridical order.
Key-Words: Civil Law, Mediation, Conflicts, Human Being Dignity.
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LISTA DE SIGLAS
ADR – Alternative Dispute Resolution
CIDA – Canadian International Development Agency
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FMA Family Mediators Association
IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família
ONU – Organização das Nações Unidas
STJ Summary Jury Trial
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 11
2 LEITURA CRÍTICA DO MOMENTO HISTÓRICO......................................... 13
2.1 Panorama Histórico Jurídico-Social da atualidade.................................... 13
2.2 Necessidade de Novos Paradigmas .......................................................... 17
2.3 Princípios necessários aos novos paradigmas: dignidade da pessoa
humana e a autonomia privada.................................................................. 20
2.3.1 Dignidade da pessoa humana................................................................. 20
2.3.2 Autonomia privada................................................................................... 22
2.4 As Novas Tendências e Possibilidades – Interdisciplinariedade, ADRs e
Mediação..................................................................................................... 24
2.4.1 A Necessidade da interdisciplinariedade................................................. 25
2.4.2 ADR – Alternative Dispute Resolution..................................................... 26
2.4.3 Uma nova possibilidade – a mediação.................................................... 31
3 A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: O CONFLITO E COMUNICAÇÃO UMA
VISÃO JURÍDICA INTERDISCIPLINAR NO CENÁRIO JURÍDICO
BRASILEIRO.................................................................................................. 32
3.1 O conflito..................................................................................................... 32
3.1.1 Introdução e justificativa, por Luis Alberto Warat (2001, p. 10-20).......... 32
3.2 Noções e origem do conflito........................................................................ 33
3.3 Conceito, características, natureza e ciclo do conflito................................ 35
3.4 Classificação............................................................................................... 39
3.5 O Conflito Familiar...................................................................................... 41
3.6 Conflito e a Comunicação........................................................................... 42
3.6.1 Os cinco axiomas da comunicação.......................................................... 43
3.7 A Comunicação e Mediação Familiar.......................................................... 46
4 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS - A MEDIAÇÃO E SUA SISTEMÁTICA........ 49
4.1 Notas Introdutórias e Noções Históricas..................................................... 49
4.2 Conceito...................................................................................................... 54
4.3 Escolas Fundantes e a Teoria Sistêmica.................................................... 56
4.3.1 Escolas fundantes.................................................................................... 56
4.3.2 A Mediação e a Teoria Sistêmica............................................................. 57
4.3.2.1 Noções introdutórias, históricas e conceituais da Teoria dos
Sistemas............................................................................................... 57
4.3.3.2 A sistêmica, a família e a mediação..................................................... 61
4.4 A mediação e a Interdisciplina.................................................................... 62
4.5. Princípios Informadores da Mediação....................................................... 63
4.6 Objetivos..................................................................................................... 65
4.7 Aplicação................................................................................................... 68
4.7.1 Nos conflitos familiares............................................................................ 69
4.7.2 Momento de aplicação............................................................................. 70
4.7.3 Benefícios da aplicação........................................................................... 70
4.8 O Procedimento da Mediação.................................................................... 72
4.8.1 O mediador e sua atividade..................................................................... 72
10
4.8.2 Técnicas da mediação e do mediador.................................................... 74
4.8.2.1 Haynes e Marodin................................................................................. 75
4.8.2.2 Perguntas: lineares, circulares, estratégicas e reflexivas..................... 77
4.8.2.3 Roger Fisher, Willian Ury e Bruce Patton………………………………. 78
4.8.3 Formação técnico-profissional................................................................. 80
4.8.4 Fases da mediação................................................................................. 81
4.8.5 Ciclos do Procedimento........................................................................... 83
4.9 A Experiência Estrangeira da Mediação..................................................... 84
4.9.1 Nos Estados Unidos................................................................................ 84
4.9.2 Grã-Bretanha........................................................................................... 86
4.9.3 Na França................................................................................................ 87
4.9.4 Na Argentina............................................................................................ 88
4.9.5 No Canadá............................................................................................... 89
4.10 O Contrato de Mediação........................................................................... 91
4.11 A Mediação e o Direito Positivo................................................................ 92
4.11.1 O panorama axiológico constitucional – fortalecimento da democracia
pela mediação...................................................................................... 92
4.11.2 A possibilidade Infraconstitucional e o Código Civil 2002..................... 95
4.11.3 Movimentos pré-normativos.................................................................. 97
5 APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO. HUMANIZAÇÃO NO TRATO DOS
CONFLITOS................................................................................................... 101
5.1 A Mediação como Consagração da Dignidade da Pessoa Humana e
Exercício da Autonomia Privada................................................................ 101
5.2 Humanização dos Conflitos de Família – Possibilidade de
Transformação........................................................................................... 102
5.2.1 A Família e o Direito: sua Análise Histórica e Percepção Atual.............. 103
5.2.1.1 O paradigma da afetividade................................................................. 109
5.2.2 A Nova Família: sua Dinâmica contemporânea.................................... 111
5.2.3 Conflitos de separação e divórcio, guarda e alimentos – sua escalada.. 113
5.2.4 Possibilidade de humanização do direito: a mediação aplicada aos
conflitos familiares.................................................................................. 115
5.3 Experiência no Cenário Brasileiro.............................................................. 119
5.4 Estudo de Caso.......................................................................................... 120
5.4.1 Mediação 01........................................................................................... 120
5.4.2 Mediação 02............................................................................................ 122
6 CONCLUSÃO.................................................................................................. 124
REFERÊNCIAS……………………………………………………………………..... 126
ANEXOS............................................................................................................. 133
ANEXO I – O Direito e os Sinos ........................................................................ 134
ANEXO II – Código de Ética dos Mediadores....................................................... 139
ANEXO III – Projeto de Lei 4827/98 ......................................................................144
ANEXO IV – Anteprojeto .......................................................................................146
ANEXO V – Resolução 11/2001............................................................................ 154
ANEXO VI- Entrevistas...........................................................................................156
11
1 INTRODUÇÃO
A presente dissertação trata do instituto da mediação como
instrumento transformador dos conflitos nas relações jurídicas e concretizador dos
princípios magnos estabelecidos pelo Direito, em especial no Direito Civil.
Busca fornecer um breve panorama e vislumbrar as perspectivas do
Direito neste início de século XXI e suas tendências, a saber a mediação. Aponta a
realidade do Direito na contemporaneidade e questiona as novas possibilidades
jurídicas.
Intenta estabelecer as benesses da mediação, seja pelo resgate do
sentimento de justiça, pela valorização da dignidade do homem ou pelo exercício da
democracia. Tem como finalidade demonstrar a aplicabilidade da mediação no
cenário jurídico hodierno, bem como, o instituto encontra-se apto a completar e
auxiliar a sociedade atual.
O primeiro capítulo desta obra trata da leitura crítica do momento
histórico em que se vive. Busca ainda situar o leitor num panorama jurídico-social da
atualidade, vislumbrando a sistemática da situação jurídica contemporânea.
Estabelece a necessidade de novos paradigmas e expõe algumas das
possibilidades e tendências para este início de século.
Na seqüência, o capítulo dois explicita o conflito e a comunicação
Considera o conflito sob o viés interdisciplinar, através de uma construção deste
junto à comunicação, bem como se tem a percepção das controvérsias familiares.
Analisa os axiomas da comunicação e outros elementos relevantes.
O capítulo três traz a mediação e sua sistemática. Estabelece
noções históricas, conceitos e fundamentos filosóficos. Analisa os princípios
informadores da mediação e traça num plano pragmático os objetivos, abrangência.
Analisa o procedimento do instituto, suas fases e o mediador. Traz ainda a realidade
da aplicação da mediação na experiência estrangeira.
Faz-se preciso a compreensão do contrato de mediação. Seu
conceito, Natureza Jurídica, Objeto e Princípios informadores, tais como a boa-fé,
autonomia privada e confiança. Por fim, no capítulo dois, têm-se apontamentos
sobre a mediação e o direito positivo. Tem-se a percepção do panorama axiológico
constitucional, a mediação dentro do Código Civil e alguns dos movimentos pré-
normativos.
12
No último capítulo, tem-se análise da humanização dos conflitos e
possibilidade de transformação pela mediação. Busca compreender a mediação no
conflito familiar, e analisa nova dinâmica familiar, seu entendimento histórico e sua
percepção na pós-modernidade. Cuida ainda da Transição do direito de família da
codificação de 1916 e 2002 e da escalada do conflito no âmbito familiar. Por fim,
tem-se uma demonstração da experiência no cenário brasileiro, e apresentam-se
dois estudos de caso.
13
2 LEITURA CRÍTICA DO MOMENTO HISTÓRICO
2.1 Panorama histórico jurídico-social da atualidade
O mundo contemporâneo sofre significativas transformações nos
mais diversos níveis. A tecnologia avança diariamente; rapidez, individualidade e
consumismo tornaram-se marcas da sociedade presente.
Alterações comportamentais igualmente ocorreram: existe uma
disfunção social e institucional na realidade contemporânea. Estas disfunções
refletem a decadência do período denominado “sociedade industrial”.
O advento e a consolidação da sociedade industrial e as inúmeras
revoluções deste último século embora tenham trazido recursos tecnológicos e
transformadores no âmbito social, empregatício, relacional e jurídico deixou de gerar
o fortalecimento do ser humano. Ao contrário: nesta realidade industrial, o indivíduo
teria sido induzido a gozar de uma falsa liberdade. Isto porque, segundo o jusfilósofo
José Elias Faria (1992, p. 136):
guiadas pela lógica monopolizadora e totalizante inerente ao
desenvolvimento capitalista, a ciência e a técnica os teriam levado a se
separar irreversivelmente da natureza. Não conseguindo conciliar
historicamente experiência científica, expansão tecnológica e liberdade
social, pois o processo cumulador, centralizador e concentrador decorrente
da Revolução industrial teria hipostasiado o progresso da razão como valor
autônomo, existente por si e indiferente a tudo, o espírito científico e a razão
oriunda do iluminismo revelaram-se, com o tempo incapazes de neutralizar
a angústia dos homens.
A atualidade, portanto, encontra-se atrelada a transformações
quase instantâneas. São transformações fluidas, isto é: aquilo que há tempos atrás
requeria séculos ou milênios para se alterar, nos tempos hodiernos ocorre em
poucos anos. É possível até mesmo afirmar que a estabilidade é produto da
antiguidade e modificação resultado do presente.
Nas palavras do sociólogo Bauman (1999, p. 18), “a modernidade
imediata é ‘leve’, ‘líquida’, ‘fluída’ e infinitamente mais dinâmica que a modernidade
‘sólida’ que suplantou. A passagem de uma a outra acarretou profundas mudanças
em todos os aspectos da vida humana”.
14
Neste contexto transformativo social, tem-se a percepção de que o
Direito, de igual sorte, alterou-se e ainda clama por mudanças
1
. No âmbito
específico do Direito Civil transformações foram sentidas desde o final do século XIX
e o decorrer da segunda metade do século XX, especialmente após a percepção da
insuficiência dos paradigmas
2
da sociedade industrial. Estas mudanças e reflexões
trouxeram ao jurista um novo sentir.
Os paradigmas que fundamentaram a modernidade foram
necessários e precisaram se impor por várias razões. Primeiramente, foi imperativo
à face do absolutismo que marcou o fim do período medieval. Posteriormente, foram
cogentes para superar os traumas e a realidade da Primeira Grande Guerra.
Aqueles foram momentos de alterações profundas e de busca de
superação de injustiças e desigualdades. Naquele tempo, a prioridade era a
conquista da segurança jurídica, da preservação dos direitos, do estabelecimento
das igualdades e da consideração máxima ao indivíduo, que não havia ocorrido na
idade Média, tampouco no absolutismo.
Os paradigmas da era moderna foram a lei e da jurisdição. Além do
mais, a segurança pretendida devia resultar de uma construção normativa que fosse
abstrata para ser universal e clara para abranger todas as hipóteses vislumbráveis.
A preocupação de caráter lógico-formal dominou e resultou nos grandes sistemas
codificados. Estes compreendiam serem aptos a regular fatos e atos. Entendiam
poder atender a toda hipótese fática que pudesse ocorrer na trajetória privada civil.
1
Necessário se faz, neste momento ainda introdutório, estabelecer breves apontamentos sobre o
Direito, para a compreensão de determinados conceitos a serem formulados. A finalidade primordial
das regras sociais é proteger o ser humano e regular suas atividades com fim a promover o
equilíbrio e a harmonia entre os demais participantes de determinada sociedade. Vicente Ráo
(1997), afirma que o direito tem origem no próprio homem e é o fundamento desta ordem. Decorre
da natureza humana e sua origem, essência e finalidade advêm desta força social. Na antiga
Roma, desconhecia-se a palavra direito. O vocábulo cognato e etimológico deste era directus que
significava “aquilo que é conforme a linha reta”. O termo que traduz a palavra “direito” para nossa
realidade é, em latim, jus, que pertence à mesma raiz do verbo jubere, que significa ordena, que
igualmente prende-se a mesma origem do verbo jurare – jurar. Assim, jus é o ordenado, o sagrado
e consagrado.
2
Entende-se por paradigma “uma constelação de concepções, de valores, de percepções e de
práticas compartilhados por uma comunidade, que dá forma a uma visão particular da realidade, a
qual constitui a base da maneira como a comunidade se organiza” (KUHN, 1975, p. 29)
15
E ainda, restava o paradigma “do dizer o direito
3
”. Este era traduzido
pela pessoa do juiz que reproduzia o comando hipotético e abstrato da norma
jurídica. Certo é que esta construção foi relevante há seu tempo. Contudo, esta
estruturação do direito não foi suficiente para fundamentar as expectativas, os
anseios, os fatos e a vida desenvolvidos especialmente após as Grandes Guerras.
Neste sentido, leciona Antônio Carlos Wolkmer (2002, p.1):
Os modelos culturais, normativos e instrumentais que fundamentaram o
mundo da vida, a organização social e os critérios de cientificidade tornaram-
se insatisfatórios e limitados. A crescente descrença em modelos filosóficos e
científicos que não ofereceram mais diretrizes e normas seguras abrem
espaço para se repensarem padrões alternativos de fundamentação
.
Por tudo isso, tornou-se (e ainda se torna) imprescindível a
reorganização dos paradigmas jurídicos. Estes novos paradigmas estão diretamente
ligados à complexidade de conflitos das relações contemporâneas, que produzem
efeitos no Direito. Diante desta complexidade, não se pode mais conceber um
modelo único, ainda que abstrato.
Relacionam-se também com a constante transformação da
sociedade, na qual “ambiência legislada é, por vezes, estreita demais, ou
insuficiente, ou inoportuna, ou mesmo inútil, para a realidade intrínseca e
essencialmente mutável da vida dos homens” (HIRONAKA, 2003, p. 5)
Os traços da contemporaneidade ainda apresentam a superação da
dicotomia privado-público. Tem-se a denominada constitucionalização do Direito
Civil. Isto é, a constituição como aquela que coordena os ramos do Direito, inclusive
o privado. Princípios que buscam proteger o ser humano; novos conceitos.
Surgiram, ainda, tendências a outros rumos legislativos: a decodificação e os
microssistemas.
Igualmente, se faz preciso reorganizar o paradigma da lei. Neste
sentido, aduz Giselda M. F.N. Hironaka (2003, p. 4):
O paradigma da lei é estreito. E já se critica o paradigma do juiz, mesmo em
sua evolução modernizada, isto é, mesmo sob esta sua nova postura e
atuação, advindas de uma ampliação de seus poderes, pela autorização que
lhe é concedida de decidir com base em noções vagas que são ilações de
conceitos jurídicos indeterminados, como por exemplo, a função social, a
boa-fé e as demais cláusulas gerais. Esse fenômeno que foi visto como o
fenômeno da fuga das leis para o juiz, embora conveniente em certo
3
Dizer a lei era dizer o direito, porque a lei era o direito.
16
momento, parece já não ter como se manter atuando, enquanto paradigma
da pós-modernidade. É preciso um passo a mais, um passo adiante, nesta
seara. Um passo que vise exatamente sepultar, em definitivo, o dogma do
juiz servo a lei, do juiz como a boca que fala a letra da lei, exclusivamente.
Em meio a estas realidades no Direito atual, e em especial, no
Direito Civil, surge um Código Civil, cujo projeto de lei possui 26 anos. Com o intuito
de conservar o possível do antigo código e inovar sempre que necessário, o Código
entrou em vigor em 2002, trazendo alguns diferenciais.
Enfim, o Direito Civil caminha para um novo momento.
Ao final do século XX, portanto, séculos depois da vigência do estatuto
moderno fundamental da apropriação dos bens, da titularidade e do sujeito
– o Código Napoleônico – esboça uma tentativa de superação do sujeito
abstrato, com a construção do sujeito concreto, agregando-se àquela
noção de cidadania. Eis aí o porvir do Direito Civil. (FACHIN, p.188)
O século XXI inspira um Direito mais humanizado e interessado na
pessoa humana – e não no indivíduo sujeito de direito – como o seu verdadeiro
centro: “um Direito mais ético, mais composto com o sentir do que com a razão, mais
digno, mais socializado, mais corajoso e fiel, mais despojado de arcabouços
meramente patrimoniais, mais permeável ao afeto, enfim” (HIRONAK, 2001, p. 8).
Um Direito que atenda ao clamor da sociedade e que se aproxime das práticas
sociais cotidianas.
2.2 Necessidade de novos paradigmas
José Saramago (1999), reconhecido literário lusitano, ao encerrar o
ciclo de Estudos da Universidade de Coimbra “Perspectivas do Direito no Início do
Século XXI” teceu uma interessante conto denominado “O Direito e os Sinos” (Na
íntegra, vide Anexo I). Reflexão pertinente se faz sobre este no presente momento.
Em linhas gerais, conta que um camponês em Florença, ao procurar
resolver seu conflito por diversas maneiras – judiciais e extrajudiciais – não obteve
resposta. Assim, dirigiu-se ao centro da vila onde habitava e tocou os sinos a
finados. Questionado por seus conterrâneos sobre quem tinha falecido, informou ter
sido o Direito, pois não havia obtido dele qualquer auxílio.
Ao meditar sobre o conto, Saramago apresenta o seguinte
apontamento (1999, p. 35):
17
Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um
sino, [...] chorou a morte da Direito. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele
fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a
morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe
ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém o está matando. De cada
vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que
nela tinham confiado, para aqueles que dele esperavam o que da Justiça
todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça.
Não qualquer justiça ou uma justiça distante, ao contrário, uma
justiça companheira Do ser humano
. E finaliza o autor em palavras poéticas que lhes
são comuns (1999, p.39):
uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do
ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do
espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça
exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a
lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação
espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se
manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a
ser que a cada ser humano assiste.
O mundo contemporâneo freqüentemente convive com a descrença
no Direito. Orlando Gomes (2003, p. 15) descreve que “a injustiça social que reina
neste mundo leva o homem da rua a crer que a lei se inspira na iníqua sentença,
segunda a qual a razão do mais forte é sempre a melhor”.
A frase supra transcrita retrata duas verdades peculiares: a primeira
diz respeito à veracidade desta afirmativa, pois não é este juízo tão despropositado
quanto parece a uns; a segunda ensina que este juízo também não é tão absoluto
quanto a outros se afigura.
O fato é que o Direito, em alguns momentos, encontra-se em
descompasso com sua proposta. Por vezes, inexiste no universo jurídico a
relevância constitucional dada à dignidade da pessoa humana, nem qualquer
cuidado com o indivíduo em si. Há um desajuste entre a estrutura social e a
superestrutura jurídica. É possível que muitos daqueles que recorreram ao judiciário,
especialmente nos conflitos familiares, ainda que vencedores frustraram-se com o
sistema.
Antônio Carlos Wolkmer ( 2005, p. 1), neste sentido, assim afirma:
Assinala-se que a crise que se abate sobre o arcabouço jurídico tradicional
está perfeitamente em sintonia com o esgotamento e as mudanças que
atravessam os modelos vigentes nas ciências humanas. Adverte-se que as
verdades metafísicas e racionais que sustentaram durante séculos as
formas de saber e de racionalidade dominantes, não mais mediatizam as
18
inquietações e as necessidades do presente estágio da modernidade
liberal-burguês-capitalista. [...] abrindo espaço para se repensar padrões
alternativos de referência e legitimação.
Leciona ainda e corrobora com o entendimento de Orlando Gomes
(2003, p. 15) que o Direito positivo estatal encontra-se muitas vezes impotente e não
atende de forma geral o universo complexo e dinâmico das atuais sociedades de
massa. Estas sofrem profundas contradições sociais e instabilidades, que refletem
em crises de legitimidade, produção e aplicação da justiça.
Por fim, assevera Wolkmer (1996, p. 3) que se torna obrigatório
discutir a “crise dos paradigmas” na esfera específica do fenômeno jurídico. A crise
no âmbito do Direito significa o esgotamento e a contradição do paradigma liberal-
individualista que não consegue mais dar respostas aos novos problemas
emergentes.
Lênio Luiz Streck (2002) desenvolve sua narrativa no sentido de
haver uma crise que decorre do Judiciário, derivada de descompasso entre sua
atuação e as necessidades sociais. Assevera que, historicamente, alguns daqueles
que operaram o Direito, o utilizam mais para sonegar do que para garantir direitos do
cidadão: para tanto, basta olhar para os presídios, favelas, índices de mortalidade e
coeficientes de impunidade, para entender a dimensão do problema.
Verifica-se, portanto, que não basta a simples elaboração de um
texto para que se introduza efetivamente na sociedade a idéia que o inspirou. É
necessário superar o paradigma normativista do modelo de produção de Direito
liberal-individualista.
Existem, portanto, brados que advêm das exigências sociais, pela
busca de novos padrões, que possam solucionar de maneira apropriada as recentes
necessidades, aproximando-se das práticas sociais cotidianas.
Para tamanha construção paradigmática, é preciso que se articule
de um projeto pedagógico desmistificador, libertador e popular. Para Wolkmer (2005,
p. 4), este processo pedagógico que se consubstancializa numa teoria, pensamento
ou discurso crítico
tem a função estratégica de preparar, em nível prático, os horizontes de um
acesso mais democrático à justiça. Chega-se, assim, a alguns elementos
caracterizadores da ‘teoria crítica’ do Direito, enquanto instrumental de
‘transição’ para uma juridicidade pluralista e emancipadora.
19
Na sociedade contemporânea, a sistemática tradicional carece de
novo perceber e novos paradigmas. “Outro tempo, novos conceitos. A crise
pressupõe idéia de superação, a expressão segmentada que tem como premissa a
possibilidade de encontrar sentido em outras perspectivas”, afirma com propriedade
Luis Edson Fachin (2003, p.318).
Urgem, portanto, respostas eficazes para atender aos clamores
populares por justiça e dignidade, bem como soluções eficazes aos conflitos sociais.
E estas podem se dar através da busca por soluções alternativas, que valorizem o
ser humano, instrumentalizem o direito atingir seu escopo.
2.3. Princípios necessários aos novos paradigmas
2.3.1 Dignidade da pessoa humana
A dignidade do ser humano representa um valor que excede o
patrimônio e que traz consigo a idéia de algo apropriado ou adequado à condição de
homem. “É um conceito que foi sendo elaborado no decorrer da história e chega ao
início do século XXI repleta de si mesma como um valor supermo, construído pela
razão jurídica.” (NUMES, 2002, p.46)
A dignidade é qualidade intrínseca da pessoa humana, algo que
simplesmente existe sendo irrenunciável e inalienável. Trata de elemento que
qualifica a pessoa, que nas palavras de Miguel Reale (2004, p.2), “é o valor-fonte de
todos os valores, sendo o principal fundamento do ordenamento jurídico”.
A Constituição Federal de 1988, ao perceber esta demanda social
universal estabeleceu em seu artigo 1º, III um princípio fundamental do Estado
Brasileiro: fixou o denominado princípio da dignidade da pessoa humana. Percebe-
se, nos tempos atuais, uma inversão: o Estado existe em função das pessoas e não
as pessoas pelo Estado.
Neste sentido, leciona Vicenzo Scalisi (apud NEVARES, 2002, p.
295):
a pessoa que a Constituição eleva de vértice do ordenamento, não é mais o
sujeito de direito codificado, formalista e abstrato, apreciável somente em
termos patrimoniais e mais propriamente econômico-produtivos, mas sim o
sujeito histórico real, considerado na multiplicidade de suas variadas e
diversas necessidades, interesses, exigências, qualidades individuais,
20
condições econômicas, posições sociais e, enquanto tal, devendo ser
considerado como portador de valores de valores essenciais e
fundamentais instâncias de promoção e desenvolvimento da pessoa.
A dignidade diz respeito a um postulado que orienta o ordenamento
positivo. Não pode ser compreendida como simples norma, mas sim como
delineador do Direito e das relações jurídicas. A dignidade humana constitui valor
unificador de todos os direitos fundamentais e tem ainda função legitimadora do
reconhecimento de direitos fundamentais implícitos (NEVARES, 2002, p.298).
O respeito pela dignidade humana pode ser tido como princípio geral
de direito comum dos povos civilizados. As codificações atuais têm inserido,
sistematicamente, a pessoa como portadora de vontade abstrata. A tendência
contemporânea do direito privado é a orientação que acompanha a teoria dos
direitos da personalidade, que garante a proteção da integridade física e moral da
pessoa humana e proclama sua primazia.
Deste modo, as relações privatistas possuem de forma direta a
influência do princípio da dignidade da pessoa humana. Isto porque as normas de
direito privado não podem contrariar o conteúdo nuclear dos direitos fundamentais.
Trata-se do que a doutrina alemã designa por Ausstrahlungswirkung, isto é, “efeito
irradiante”: os direitos fundamentais se irradiam nas relações privadas.
A codificação civil liberal tinha como valor necessário à realização da
pessoa a propriedade, em torno da qual se encontravam os demais interesses
privados. O patrimônio era aquele que realizava a pessoa humana (LOBO, 2006). A
prevalência do patrimônio, como valor individual a ser tutelado nos códigos, abafava
a pessoa humana, que passou a figurar no pólo de relação jurídica como sujeito
abstraído de sua realidade.
Esta ênfase no patrimônio encontra-se em retrocesso e é
incompatível com realidade atual. Tem-se, contemporaneamente na doutrina, a
denominada repersonalização do direito civil. Isto é, a valorização da pessoa e
promoção de sua dignidade.
A repersonalização traz o ser humano como centro do Direito Civil,
passando o patrimônio ao papel de coadjuvante. O personalismo coloca o ser
humano no núcleo do sistema jurídico e retira o patrimônio dessa posição de bem a
ser primordialmente tutelado (FACHIN, 2003).
21
É preciso, portanto, adequar o direito aos novos paradigmas. Neste
sentido afirma Paulo Luiz Netto Lobo (2006, p. 6):
O desafio que se coloca aos civilistas é a capacidade de ver as pessoas
em toda sua dimensão ontológica e, através dela, seu patrimônio. Impõe-se
a materialização dos sujeitos de direitos, que são mais que apenas titulares
de bens. A restauração da primazia da pessoa humana, nas relações civis,
é a condição primeira de adequação do direito à realidade e aos
fundamentos constitucionais.
Deste modo, caminho certo a ser percorrido pelo Direito Civil
contemporâneo é a personalização. A primazia da pessoa e sua elevação como
cerne do Direito. As novas tendências do Direito Civil necessariamente, avançam
neste sentido e apresentam possibilidades de concretizar este honrado princípio da
dignidade da pessoa humana.
2.3.2 Autonomia privada
Ponto relevante a ser destacado como fundamento das novas
tendências a serem apresentadas é o princípio da autonomia privada.
A autonomia privada é o poder jurídico dos particulares de
regularem, pelo exercício de sua própria vontade, as relações de que participam,
estabelecendo o seu conteúdo e a respectiva disciplina jurídica.
Perlingieri (2002, p. 17) assevera que embora não seja de simples
conceituação, a autonomia privada pode ser compreendida como “o poder
reconhecido ou concedido pelo ordenamento estatal a um indivíduo ou a um grupo,
de determinar vicissitudes jurídicas como conseqüência de comportamentos
livremente assumidos.” Já para Luigi Ferri (1969, p. 301), autonomia privada possui
o mesmo conceito de poder de disposição.
Pode-se afirmar que a autonomia privada não se confunde com a
autonomia vontade. Neste sentido afirma Francisco Amaral dos Santos Neto (2006,
p. 2)
:
Por muitos considerado como sinônimo de autonomia da vontade, com ela,
a meu ver, não se confunde, pois a expressão "autonomia da vontade" tem
uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto "autonomia privada"
significa o poder particular de criar relações jurídicas de que se participa.
Assim, é o poder que nós, particulares, temos, de regular juridicamente as
22
nossas relações, dando-lhes conteúdo e eficácia juridicamente
reconhecidos.
Tarcísio B. Wichrowski (2002) apresenta algumas distinções entre os
dois institutos. A autonomia da vontade, para o autor, é a faculdade das pessoas se
comprometerem por atos jurídicos resultantes do livre acordo de vontades, sem que
tenham, necessariamente de se revestir de qualquer tipo de formalidade. A forma
requisitada pela lei refere-se ao ato jurídico em si mesmo e não à expressão da
vontade, que é soberana, pelo direito natural e patrimonial.
Já o princípio da autonomia privada ou poder de disposição, resulta
ser este direito objetivo reconhecido aos particulares de criarem normas jurídicas,
auto-regulamentando os seus interesses, respeitados os princípios da ordem pública
e bons costumes (SANTOS, 2001, p. 7)
4
.
A autonomia privada é um dos princípios fundamentais do sistema
de Direito Privado. Isto porque acolhe a existência de um âmbito particular de
atuação do sujeito. É parte do princípio de autodeterminação dos homens, é
manifestação da subjetividade, o princípio dos tempos modernos que reconhece a
liberdade individual e a autonomia do agir (SANTOS, 2001, p. 8)
5
.
Dentro das hodiernas perspectivas do Direito Civil, a autonomia
privada torna-se assunto significativo. É preciso analisá-la à luz da dignidade da
pessoa humana e considerá-la inserida na nova concepção do Direito. Neste, as
estruturas jurídicas relacionam-se intimamente com a sua função social e o eixo
fundamental do Direito se dá com realização dos interesses da pessoa humana.
À guisa da conclusão, toma-se as palavras sábias de Francisco
Amaral (2001, p.10):
O século XXI exige conhecimento e, principalmente, reflexão sobre o que
cada um de nós pode fazer pela sua casa, por si mesmo, pela sua
4
Entende-se como ordem pública “conjunto de normas jurídicas que regulam e protegem os
interesses fundamentais da sociedade e do Estado, e as que, no Direito privado, estabelecem as
bases jurídicas fundamentais da ordem econômica” ;e bons costumes “como conjunto de regras
morais que formam a mentalidade de um povo e que se exprimem em princípios jurídicos como o
da lealdade”.
5
Francisco Amaral ainda complementa: “autonomia privada é um verdadeiro poder jurídico de criar,
modificar ou extinguir situações jurídicas próprias. Funciona também como um princípio informador
do sistema, isto é, como um princípio aberto, no sentido de apresentar-se não como norma de
Direito, mas como a idéia diretriz ou justificadora da configuração e funcionamento do próprio
sistema jurídico. E funciona ainda como critério interpretativo, já que aponta o caminho a seguir na
pesquisa do sentido e alcance da norma jurídica.”
23
faculdade e pelo Brasil. E especificamente sobre a autonomia privada, a
convicção de que com a crescente liberdade e a importância da vontade na
gênese das relações jurídicas, em uma sociedade pluralista, complexa,
dominada pelo conhecimento tecnológico e pela mundialização da
economia, como é a contemporânea, não há razões para não se considerar
a autonomia privada como fonte de Direito, observadas as limitações legais
que buscam assegurar o valor da justiça e da igualdade. Retoma-se assim
o valor integral da pessoa humana e do personalismo ético
Por tudo isso, a autonomia privada requer enfoque contemporâneo e
pode contribuir – analisada com olhar humanista – para as transformações jurídicas
necessárias.
2.4 As novas tendências e possibilidades – interdisciplinariedade, ADRs e
mediação
O poeta Fernando Pessoa (1995, p. 94) nos versos abaixo, apresenta
algumas reflexões valiosas a este trabalho acerca do novo e da possibilidade de o
senti-lo.
A única maneira de teres sensações novas é construíres-te uma alma nova.
Baldado esforço o teu se queres sentir outras coisas sem sentires de uma
outra maneira, e sentires-te de outra maneira sem mudares de alma.
Porque as coisas são como nós a sentimos – há quanto tempos sabes tu
isto sem o saberes? - e o único modo de haver coisas novas, de sentir
coisas novas é haver novidades de senti-las.
Dentro do panorama apresentado e ante a sistemática proposta ao
Direito hodierno surgem algumas novas tendências possibilidades para o Direito
Civil do início século do XXI.
José Eduardo Faria (2002, p. 88) questiona, neste sentido:
Que futuro poderá ter esse tipo de ordenamento jurídico e as instituições
encarregadas de aplicá-lo? Se levarmos em conta que estas duas décadas
registraram mudanças intensas, profundas e radicais na concepção
arquitetônica dos sistemas legais, na quantidade e na complexidade das
regulações normativas, na natureza e no alcance dos conflitos sócio-
econômicos, no conteúdo e nos objetivos dos códigos, leis e mecanismos
processuais, nas práticas, nos valores profissionais e estruturas
organizacionais dos grandes escritórios de advocacia, no volume de
informações especializadas sobre o direito e na velocidade de sua circulação
e, no fim, nas próprias categorias epistemológicas das diferentes teorias
jurídicas, seria irresponsável tentar oferecer uma resposta objetiva, clara e
precisa para essa indagação.
24
Diante dessa realidade, apontam-se três novas possibilidades com
aspectos positivos e necessários ao contexto jurídico-social brasileiro: a
necessidade do trabalho interdisciplinar entre o direito e demais ciências e as
possibilidades alternativas de resolução de conflito, em especial a mediação, como
forma concretizadora do princípio da dignidade da pessoa humana.
2.4.1. A necessidade da interdisciplinariedade
A interdisciplina tem obtido significativas conquistas no universo
científico. Na atualidade, os tempos são de incerteza e de crise: mudanças têm sido
iminentes. Diante desta realidade social, importa refletir sobre os benefícios, limites
e possibilidade da contribuição da interdisciplina na sociedade e no universo jurídico.
Segundo Giselle Groeninga (2003, p.2) “a interdisciplina tem se
tornado palavra de ordem, palavra da moda. Mas que onda é esta que vem nos
ventos do pós-modernismo – de difícil definição, nos ventos da globalização em que
se anuncia até o fim da história”.
O mundo da razão e das ciências tem sido invadido pela inexorável
subjetividade do humano. Há uma crise dos sistemas, das instituições e da razão
nas ciências humanas. Mister se faz uma ressistematização responsável que inclua
nos sistemas jurídico aquilo anteriormente foi excluído emr razão de uma visão
parcializada e em decorrência de uma excessiva especialização.
Em linhas gerais, toda forma de exclusão produz uma redução da
percepção global. É possível tomar-se como exemplo a exclusão social de
determinada parte da população e suas conseqüências. Esta é percebida desde
uma pretensa indiferença ao status quo, até a proliferação da marginalidade com
suas próprias formas de organização. O resultado da exclusão se dá através das
revoltas que eclodem difusamente, da proliferação do uso de drogas, em atentados
da ordem do terror.
No Direito, as conseqüências da tentativa da exclusão de outras
formas de conhecimento, sobretudo daquelas ligadas à subjetividade, geraram certa
disfunção no universo jurídico. Em razão deste afastamento, questionamentos
surgem quanto à eficiência e ética do sistema judiciário, e causam descrédito nas
instituições.
25
A interdisciplinariedade, primeiramente, foi recebida pelo Direito
como um conhecimento de segundo escalão: vislumbrava-se que as teorias jurídicas
eram suficientes em si mesmo. Porém, começou-se a perceber que se faz preciso
ampliar o campo analítico, visto que as ciências são redes de conhecimentos que
tende a compartilhar o saber entre si. É tempo, segundo Groeninga (2003), de
inclusão dos excluídos.
A interdisciplina é o produto da combinação ordenada de aspectos
do conhecimento com as novas necessidades defrontadas pela ciência e de acordo
com suas finalidades. Este instituto pode contribuir profundamente com o mundo
jurídico.
São necessárias mudanças epistemológicas que permitam um
alargamento da ótica jurídica. Buscar a ampliação do conceito de ser humano
através da interface de outras ciências, que resulta num aprofundamento do Direito.
Isto porque, o conhecer da intersubjetividade (pressuposto da humanidade), produz
efetivas condições para que o Direito seja a via por excelência do exercício da
cidadania, do resgate do indivíduo e da eficaz resolução do conflito.
2.4.2. ADR – alternative dispute resolution
Para minimizar os efeitos disfuncionais da realidade anteriormente
narrada, é possível considerar uma possibilidade (FARIA, 1992, p. 90):
promover a diversificação das jurisdições especializadas, em nome tanto da
expansão quantitativa dos litígios quanto da crescente complexidade técnica
e material dos processos e a desformalização de determinadas
controvérsias em áreas específicas da justiça civil (consumidores,
vizinhança, responsabilidade civil, família), pela ênfase às arbitragens,
mediações, conciliações extrajudiciais.
Em congresso realizado na Universidade de Coimbra, foi percebida
e apontada como nova perspectiva do Direito do século XXI, os meios alternativos
de regulação de conflitos como instrumento essencial ao funcionamento de uma
economia (UNIVERSIDADE DE COIMBRA, 1999, p. 16). Para tanto, era preciso
retirar do judiciário o desempenho de funções que não carecem de judicialização.
Ainda no Congresso, firmou-se ainda que (CALDAS, 1999, P. 16):
26
Impõe-se ir construindo meios operacionais de graduação de complexidade
na judicialização e simultaneamente encontrar modelagem que permita
transferir para arbitragem, a mediação, o juízo de paz e de eqüidade uma
plêiade de conflitualidades que não carecem de judicialização.
Parece, portanto, haver forte inclinação ao deslocamento de
determinadas questões para as modalidades alternativas de resolução de conflitos.
O termo ADR – Alternative Dispute Resolution, a princípio foi
utilizado nos Estados Unidos (e países da common law), e se referia a todas as
formas de processos de resolução de disputas, sem intervenção de autoridade
judicial.
Não obstante esta nomenclatura, Maria de Nazareth Serpa (1999, p.
356), aponta impropriedade em sua denominação. Há que se questionar, a que
alternativa se faz referência. Afirma a autora:
Presumivelmente, se faz referência ao mecanismo judicial de resolução de
disputas. Então, a palavra alternativa, que tem suas raízes no latim alter – ‘o
outro’, e que significa a sucessão de duas coisas mutualmente exclusivas,
explicaria a opção por outro mecanismo. Que outro? ADR tem sido utilizado
para designar vários mecanismos de resolução de disputas afora o
judiciário.
ADR – Alternative Dispute Resolution pode ser conceituado como
modalidades para a finalização de conflito entre indivíduos ou grupos. Pode ainda se
referir à forma de solucionar desacordos de maneira satisfatória, economicamente
viável para partes, de modo a evitar o processo adversarial.
A doutrina tem apontado como benefícios:
a) a diminuição da grande demanda do judiciário;
b) promoção do retorno à resolução pela sociedade de seus
próprios conflitos;
c) redução de gastos com os processos legislativos;
d) promoção da dignidade às partes e efetiva resolução dos
conflitos e,
e) facilitar o acesso à justiça.
Sua gama de métodos é crescente. Podem se dar de inúmeras
formas. Citar-se-á, pela obra de Maria de Nazareth Serpa (1999, p. 356) dez
processos utilizados em distintos ordenamentos jurídicos, em especial nos países da
common law, onde se aplicam verdadeiramente estes métodos.
27
Os ADR primários dizem respeito à:
1) Negociação: Trata da primeira forma de resolução de conflitos do
ser humano. Nela as próprias partes buscam a resolução do conflito. A negociação é
um processo voluntário que não pressupõe a presença de qualquer terceiro
imparcial ou neutro. As partes ou seus representantes buscam a satisfação de seus
interesses através de uma prática cooperativa. A negociação requer o
desenvolvimento da escuta, saída das posições originais, empatia e encontro das
emoções. O resultado da negociação encontra-se intimamente relacionado com a
postura de cada negociador.
2) Conciliação: a conciliação proporciona às partes a solução do
conflito através da sugestão do especialista que administra o acordo. O objetivo do
conciliador é conduzir as partes a um entendimento, através de uma intervenção
efetiva, que sugere e aconselha os conciliados. Há o resguardo do princípio da
autonomia da vontade das partes, boa-fé, igualdade.
3) Arbitragem: é variante privada de um processo judicial, cuja lei
brasileira que a regula é a nº 9.307/96. É um processo voluntário, menos formal que
o judiciário, no qual um terceiro (árbitro), após um procedimento específico,
promulga uma sentença, que possui valor de coisa julgada, sem possibilidade de
duplo grau de jurisdição. É executável por procedimento de execução de sentença.
Distingue-se da mediação em quase todo procedimento, especialmente pela
imposição de uma decisão tomada pelo árbitro.
1) Fact finding (facilitação): pode ser visto como processo auxiliar
nos demais métodos, e se refere à utilização de um terceiro para trazer à baila a
percepção dos fatos. Usado, freqüentemente na arena da negociação coletiva e
também em outras modalidades de disputas negociais. Inicia quando o negociador
ou mediador encontra um impasse, e as partes são “encorajadas a realizar um
acordo antes de recorrer à arbitragem, litígio, ou, no caso de disputas comerciais,
um conflito.
6
É um método informal, no qual um terceiro neutro revisa os assuntos
e reporta às partes conclusões e recomendações. Assim conclui a doutrina
americana
7
:
6
to spur a settlement before resorting to arbitration, litigation, or, in the case of union-management
disputes, a strike (original) Disponível em: <
www.dwyersmith.com>. Acesso em: 10.12.2005.
7
Like a mediator, the fact-finder's goal is to get the sides to common ground, however, unlike a
28
Assim como um mediador, o objetivo do facilitador é conduzir as partes um
ponto comum. Entretanto, diferentemente do mediador, o facilitador não se
envolve na negociação das partes, a menos que as partes decidam entrar
em mediação e manter o facilitador servindo nesta posição.
5) Ombudsman: não pode ser chamado de processo, propriamente
dito. É o nome dado a um oficial, designado por uma instituição para investigar
queixas e requerimentos, como maneira de prevenir litígios ou facilitar sua
resolução. Essa terceira pessoa investiga e da experiência às queixas do cidadão
com relação ao governo; cliente, em face do prestador de serviço.
6) Mediação: processo voluntário e informal, no qual um terceiro
preparado para este mister realiza a ajuda e facilita a comunicação entre as partes.
A mediação proporciona a autocomposição das partes, onde estas produzem a
solução do conflito de acordo com seus próprios interesses. Prevalece de forma
plena o princípio da autonomia da vontade, da boa-fé, igualdade das partes,
razoabilidade, celeridade, sigilo, não sendo adversarial, possuindo os envolvidos,
total controle sobre o processo.
A mediação conta com o auxílio de um terceiro, o mediador que não
orienta diretamente as partes nem sugere soluções. Somente facilita a comunicação,
resgatando a possibilidade do acordo. A mediação é um método único, que fornece
às partes a possibilidade do retorno ao diálogo, à solução dos conflitos de forma
pacífica. Viabiliza o retorno dos relacionamentos rompidos e a projeção de um futuro
coerente e digno.
Os processos secundários (híbridos) podem ser:
1. Míni trial: pode ser chamado de assentamento estruturado de
negociação. é um processo empregado para resolver disputas que estariam sujeitas
à litigação prolatada. Busca proporcionar aos dirigentes de empresas a resolução de
questões negociais, fora do âmbito judicial.
Muitas cortes incentivam as partes a estabelecerem - sem a necessidade de
um julgamento formal - um mini-julgamento, no qual as partes apresentam
suas evidências e a corte decide o resultado. Cada parte é livre para
prosseguir para um julgamento formal, não obstante o resultado do mini-
mediator, the fact-finder does not get involved in the parties' negotiations unless the parties decide
to enter mediation and retain the fact-finder to serve in that capacity. (original). Disponível em:
<
http://martindale.com/xp/Martindale/Dispute_Resolution/ADR_Reference/Service_Roles/fact_findi
ng.xml>. Acesso em: 10.12.2006
29
julgamento
8
.
2. Summary Jury Trial: Trata-se de uma breve exposição do caso
em questão, por advogados a um júri simulado. Mesmo sem autoridade judicial, são
arrolados dentro da mesma população de um júri oficial. O veredicto do júri simulado
não sujeita as partes, mas auxilia no entendimento de seus casos, e as encoraja ao
acordo. Este processo é, geralmente recomendado pelos tribunais nos EUA, ainda
que não haja consenso das partes. Assim estabelece a doutrina americana:
Summary Jury Trial (SJT) é um processo designado para conceder aos
litigantes uma previsão de como seu caso se julgado no tribunal. É um
julgamento opcional, que oferece "uma verificação da realidade" e auxilia as
partes a tomarem decisões sobre a possibilidade de prosseguir ao
julgamento ou buscar resolver o caso fora da corte. O SJT pode ser iniciado
voluntariamente ou por ordem da corte. Por demandar recursos intensos,
os juízes tendem a reservá-lo para os casos que parecem ser longos
julgamentos ou aqueles em que as partes têm expectativas muito diferentes
ou irreais sobre o resultado. Como o processo pode ser voluntário ou
compulsório, os juízes ajustam as regras e os limites de tempo, selecionam
um júri disponível e presidem sobre a continuação. Um SJT típico leva um
dia, embora os casos complexos possam durar uma semana. Advogados
apresentam sumários de seus casos ao júri: este delibera, confere um
veredito. Assim, após há a discussão da decisão com as partes
9
.
3. Rent a judge: trata-se de um juiz particular. São utilizados
quando a legislação autorize este tipo de contratação. Um juiz, num tribunal privado,
prolata uma sentença, da qual cabe recurso.
4. Adjudicação: pouco difere do processo judicial comum, somente
com uma pessoa (não juiz), que impõe uma decisão às partes.
8
Many courts encourage the parties to settle without the need for a formal trial by holding a mini-trial
in which the parties present their evidence and the court decides the outcome. While either party is
free to proceed to a formal trial, regardless of the mini-trial's outcome, few do. (original) Disponível
em: <
www.lectlaw.com/def2/m157.htm
>. Acesso em: 10.12.2006
9
Summary Jury Trial (SJT) is a process designed to give disputants a forecast of how their case
would fare at trial. It is a non-binding, advisory trial that offers a "reality check" and helps disputants
to make informed decisions about whether they want to proceed to trial or attempt to settle the
matter out of court SJTs may either be entered into voluntarily or by court order. Because it is a
resource-intensive process, judges tend to reserve it for cases that appear to be headed for long
trials or those in which the parties have very different or unrealistic expectations about the outcome.
Whether the process is voluntary or mandated, judges set the rules and time limits, select a jury
from the available pool, and preside over the proceedings. A typical SJT takes a day, although
complex cases have lasted as long as a week. Attorneys present summaries of their cases to the
jury, which deliberates, renders a verdict, and then discusses the decision with the parties (original).
Disponível em: <
www.lectlaw.com/def2/m157.htm
>. Acesso em: 10.12.2006
30
Dentre todos estes métodos existentes contexto da ADR aplicados
fora e dentro do contexto nacional, far-se-á uma reflexão aprofundada sobre a
mediação.
A mediação diz respeito a uma possibilidade de humanização nas
questões de conflitos no cenário jurídico. E traz a concretização de princípios
fundamentais do ordenamento brasileiro.
2.4.3. Uma nova possibilidade – a mediação
A mediação poder ser percebida como possibilidade concretizadora
do princípio da dignidade da pessoa. Isto porque considera os aspectos legais e
emocionais dos conflitos. Individualiza o caso e facilita a comunicação entre as
partes. Transforma, através de técnicas específicas, adversários em cooperadores.
Neste instituto, nem partes ou juristas trabalham sob a lógica do
litígio. Ao contrário, de forma digna, tratam dos sentimentos humanos. O enfoque da
mediação não é o acordo. Mas sim, é a busca pelo solucionar do dilema,
investigando-se o passado para atingir o futuro.
Assim, conflitos que resultavam em anos de discórdias e
rompimentos de relacionamentos são restaurados. Produz nas partes alteração de
visão e paradigmas, restabelecendo comunicações.
Enfim, a mediação representa, nas palavras de Águida Arruda
Barbosa (2001, p. 46) um alto grau de aprimoramento no “Atendimento a pessoas
em sofrimento, exercido por operadores do direito dedicados a um conhecimento
interdisciplinar, colocado à disposição das partes, com efeitos sobre outros
profissionais envolvidos nas lides”.
Longe de almejar ser substituto do judiciário, fornecer soluções
rápidas ao conflito, a mediação é uma mudança paradigmática. Deve-se promover
uma cultura de humanização de vínculos. Urge a necessidade de alterações na
cultura e mentalidade da sociedade, cuja tradição encontra-se alicerçada nos litígios
e na transferência do conflito, fundada no pensamento paternalista: Estado como
solucionador principal dos conflitos individuais.
Sobre a mediação como nova tendência do Direito Civil atual, sua
aplicação nos conflitos, em especial, os familiares, sua prática como manifestação
31
de um exercício do princípio da autonomia privada e da dignidade da pessoa
humana, versa a presente dissertação.
32
3 A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: O CONFLITO E COMUNICAÇÃO - uma visão
jurídica interdisciplinar no cenário jurídico Brasileiro
3.1 O conflito
3.1.1 Introdução e justificativa, por Luis Alberto Warat (2001, p. 10-20)
A mediação é um procedimento de intervenção sobre conflitos, e
desta forma vai além de um instrumento processual. Luis Alberto Warat (2001, p. 10)
afirma que:
para falar de mediação é preciso introduzir uma teoria do conflito mais
psicológica que jurídica. No momento que os juristas falam de conflito, o
reduzem à figura do litígio, o que não é o mesmo. Quando se decide
judicialmente, por meio de um litígio se consideram normativamente os
efeitos; deste modo, o conflito pode ficar cristalizado, retornando agravado
em qualquer momento futuro. Os juristas quando intervém em um conflito,
apelam ao imaginário jurídico, que eu denomino de sentido comum teórico
do Direito.
Em um litígio, os juízes decidem o pretendido pelas partes conforme
procedimentos de interpretação das normas e referências dogmáticas, sem levar em
consideração o querido e sentido pelas partes.
Para o autor, os juristas, na lógica do litígio, intervêm de modo a
roubar das partes tempo, isto mediante um processo de antecipação idealizada do
mesmo, e produz a antecipação do tempo para provocar o efeito de um controle
normativo do futuro: simulam, para dar segurança, que a lei pode controlar desde o
presente os conflitos do futuro (isso graças a uma mística abstração da variável
temporal). Produzem uma simulação do tempo que impedem as partes em conflito
de elaborar suas diferenças ao permanecerem subtraídas de sua temporalidade.
O conceito jurídico de conflito como litígio representa uma visão
negativa do mesmo, algo a ser evitado. O sentido comum teórico organiza seu
imaginário, pensando o conflito como disputa, que se reduz a questões dogmáticas,
normativas e predominantemente patrimoniais. Todavia, com enfoque
interdisciplinar, Warat (2001, p. 11)
10
apresenta novo valor ao conflito.
10
Los juristas nunca piensan el conflito em términos cción e insatisfacción emocional o sensible.
Falta en el Derecho una teoría del conflito que nos muestre como el conflicto puede ser entenddo
como una forma de producción, com el otro, de una diferencia; inscrivir, gracias al conflicto la
33
Os juristas nunca pensam o conflito em termos de insatisfação emocional
ou de sentimento. Falta no Direito uma teoria do conflito, que nos mostre
como o conflito pode ser entendido como uma forma de produção, com o
outro (...). O conflito como uma forma de inclusão do outro na produção do
novo: o conflito como autoridade que permite administrar com o outro
(diferente) para produzir a diferença.
A mediação mostra o conflito como um confronto construtivo a ser
gerenciado. É aquela que intenta interpretar o sentido do disputa a partir do lugar do
outro, isto é: chegar ao lugar secreto da parte para descobrir os efeitos internos que
afetam a todos, inclusive a si mesmo.
Com a mediação, fala-se, de uma possibilidade de transformação do
problema através do olhar ao outro. Com isso, tem-se a valorização do indivíduo
supostamente combatente em detrimento ao excessivo privilégio outorgado aos
modos de dizer o Direito no litígio.
3.2. Noções e origem do conflito
A origem do estado de conflito constitui a própria existência da vida.
Desde quando o homem demonstrou seus sentimentos e transcendeu na busca de
satisfações - necessárias ou prazerosas - o conflito invadiu seu interior. Chegaram
os tempos de condutas sociais e enfrentamento de expectativas, então a procura
pela satisfação pessoal teve que lidar com a dos demais e posteriormente com as
comunitárias. O que na intimidade era domínio absoluto do indivíduo, na vida
comum gerou a competência para absorver o poder de decidir.
Os conflitos, assevera Maria de Nazareth Serpa (1999, p. 18),
encontram-se sempre relacionados à tensão. A tensão “é definida como estado de
inquietação [...] desequilíbrio [...]. Muitos estudiosos têm discutido que a tensão é a
fonte do conflito, mesmo surgindo de desequilíbrios conscientes ou interações
interpessoais”.
Neste sentido, a autora ainda leciona (SERPA, 1999, p.20):
O homem tem grande necessidade de equilíbrio. Sempre que é impelido por
sentimentos de raiva ou outros sentimentos, surge a tensão. Em razão
diferencia en ele tiempo como produccion de lo nuevo. El conflicto como una forma de inclusión del
otro en la produciín de lo nuevo: el conflicto como otridad que permite administrar con el otro
diferente para producir la diferencia. (original).
34
disso, o homem tem necessidade de realinhar os elementos de
conhecimento para voltar ao equilíbrio. Quando não consegue, daí para
frente o conflito se manifesta e conseqüentemente a disputa pode ocorrer
facilmente.
A sociedade apresenta duas maneiras de desacordo: operacional e
ideológica. Ensina Humberto Maturana (1999, p. 62):
Nunca brigamos quando o desacordo é apenas lógico, isto é, quando o
desacordo surge de um erro ao aplicar coerências operacionais derivadas
de premissas fundamentais aceitas por todas as pessoas em desacordo.
Mas há outras discussões que geram conflitos, como o caso de todas as
discussões ideológicas. Isso acontece quando a diferença está nas
premissas fundamentais de cada um. Esses desacordos sempre trazem
consigo explosões emocionais.
A primeira delas advém de situações aceitas por todos em
desacordo e possui cunho operacional. A segunda refere-se à discordância
ideológica. É sobre esta modalidade que versará a presente sessão.
O conflito ideológico é próprio do homem e encontra-se vinculado a
sua condição. Este desarranjo relaciona-se intimamente com a crença pessoal do
ser humano e advém de circunstâncias cujas opiniões são distintas. É possível
verificá-lo nos litígios familiares. Nestes, são quase certas as “explosões
emocionais”, como descreve Maturana.
Embora seja constante na sociedade, o indivíduo possui pouca
habilidade para resolver desavenças e demonstra significativa dificuldade na busca
de sua solução.
Em linhas gerais, ocorreram formas distintas de enfrentamento de
desavenças: a) boa reação, na qual os indivíduos, mesmo diante de discordância,
conseguem enxergar seu real interesse e chegar à resolução; b) a má-reação; que
gera a cronificação do conflito. Esta situação, além de impedir a regular solução do
problema, pode acarretar enfermidades psicossomáticas, dificuldades sociais,
violência, enfim, toda sorte de distúrbios sociais (BARBOSA, 2001).
Luis Alberto Warat (2001, p.43) entende que os conflitos possuem
valiosas funções sociais e individuais. Proporcionam o estímulo para mudança, bem
como o desenvolvimento psicológico do indivíduo. Portanto, segundo o autor,
35
o importante não é saber evitar ou suprimir o conflito, porque este costuma
ter conseqüências danosas e paralizadoras; o propósito é encontrar a forma
de criar as condições que estimulem uma confrontação construtiva e
vivificante do conflito. É possível fazer uma diferenciação útil entre
controvérsia enérgica e disputa nociva.
O estudo do conflito e sua solução se fazem imprescindíveis a esta
dissertação e também ao Direito. Isto porque, o jurista é terceiro interventor no
processo de resolução de disputas e trabalha com estas constantemente. A
compreensão do conflito pode se constituir no trabalho de investigação mais
importante e satisfatório da atualidade.
A mediação é procedimento que pode ser utilizado para resolver
inúmeras situações devido à natureza universal do conflito. Não obstante, a
mediação representa somente um dos diferentes métodos cabíveis para a solução
dos mesmos (existem inúmeros outros: arbitragem, conciliação, judiciário, etc.).
Toda modalidade possui diferentes ritos, alguns mais efetivos que outros para
determinado conflito. Para a eficácia da mediação, todavia, é preciso compreender
de forma madura a dinâmica do conflito.
3.3 Conceito, características, natureza e ciclo do conflito
Embora possam ser percebidos por enfoques distintos, o conflito
seja entra indivíduos, grupos ou nações possui determinadas características de
base.
Como já mencionado no item anterior, o conflito não se refere a algo
necessariamente negativo, censurável ou intolerável. Todavia, a sociedade com
freqüência o desaprova ao compará-lo a situações de ganhos e perdas. Não
obstante, mister se faz perceber que o conflito pode funcionar de maneira
significativa e positiva: tem aptidão para trazer à baila, reorganizar e desenvolver as
situações.
Não obstante os benefícios existentes, de modo geral, participantes
de um conflito o percebem como crise e a mentalidade que nele impera dá lugar a
processos destrutivos. Muitas técnicas de intervenção nos conflitos buscam rever
esta destruição, especialmente no tocante à intrapessoalidade. O mediador é aquele
que possui aptidão para evitar resultados destrutivos nas partes, pois através de
36
técnicas encontra-se apto a desintegrar conflitos, remanejar os problemas e analisar
os resultados com realismo.
Vezzulla (1998) conceitua o conflito interpessoal como sendo “duas
individualidades confundidas pelas próprias limitações intrapsíquicas, que se
enfrentam por posições incompatíveis, determinadas pelo desejo de poder mais que
o outro, estruturadas numa posição defensiva, cheia de preconceitos, que confunde
mais do que esclarece os próprios interesses”.
Já a mediadora Lidercy Prestes Aldenucci (2002, p. 38) apresenta o
conflito como
Uma situação experimentada, inicialmente, como desconfortável ou
ameaçadora, vivenciada por duas ou mais pessoas que se enfrentam e,
não sabendo como resolvê-la, vêem o outro como aquele que deve aliviar
seu sofrimento ou pagar pelo prejuízo. O conflito interpessoal caracteriza-
se pela falta de racionalidade no tratamento de uma situação gerada por
mal entendidos, por desejos ou interesses incompatíveis ou por diferenças
de percepção.
Para Kenneth Bouldin (1967)
11
, o conflito é uma situação de
competência em que as partes estão conscientes da incompatibilidade de futuras
posições potenciais, e cada uma delas, deseja ocupar uma posição que é
incompatível com os desejos da outra
Estabelece diferença entre os modelos estáticos do conflito e os
processos dinâmicos, os quais os movimentos da parte “A” afetam os movimentos
subseqüentes da parte “B”, que a sua vez afetam as ações de “A” e assim
sucessivamente. É possível observar que estes processos dinâmicos se aplicam a
todas as esferas de interação humana, seja em que nível for: simples (indivíduos-
indivíduos), de grupos ou de organizações.
O conflito possui um ciclo de vida. Segundo essa teoria, os conflitos
surgem, existem durante algum tempo e desaparecem sem intervenções como a
mediação ou o judiciário. Não obstante, pode ocorrer um lapso temporal
considerável antes que o conflito se resolva por si mesmo, tais como conflitos
nacionais ou religiosos.
Dollard e Milles (apud FOLBERG, p. 45) estabeleceram três
categorias de conflitos: aceitação/aceitação; aceitação/rejeição e rejeição/rejeição. O
11
uma situación de competência em que las partes están conscientes de la incompatilidad de futuras
posiciones potenciales, y em cada uma de ellas desea ocupar uma posición que es incompatible
com los deseos de la otra (original).
37
conflito aceitação/aceitação se refere àquele em que ambas as opções para se
resolver um conflito são atrativas (ambas as possibilidades de solução são
aparentemente benéficas para a parte), porém mutuamente exclusivas: a pessoa
pode ter somente uma, porém deseja as duas.
A aceitação/rejeição se refere aos conflitos no qual a pessoa deseja
uma opção, porém não deve tê-la por razões igualmente significativas. O conflito
surge pelo desejo de se obter algo que não resta possível. Os conflitos
rejeição/rejeição são causados pela aversão a ambas as opções, tendo que eleger
uma delas (ex: empregado que ou escolhe ser transferido para cidade X ou ser
demitido).
Ainda pode-se salientar a teoria de Rudolph Rummel (apud
FOLBERG, 1984 ) que oferece uma extensa análise do conflito. Tem-se uma
diferença entre o conflito latente e o conflito real, e estabelece três níveis:
potencialidades (estrutura do processo de conflito), disposição e poderes (efetiva
situação de conflito) e, por fim, manifestações (conflito manifesto/ exteriorizado).
A segunda categoria se subdivide em mais 03:
a. estrutura de conflitos: interesses que possuem uma tendência de
oposições recíprocas. Segundo Maria de Nazareth Serpa (1999,
p. 22) são as causas políticas, psicológicas e sociais que compõe
o quadro conflituoso e permanecem latentes no indivíduo/grupo
sem produzir efeito aparente. (É o background onde o conflito
encontra todas as condições para se manifestar);
b. situação de conflito: são os interesses, atitudes ou poderes
opostos que se ativam. São manifestações típicas da busca de
soluções. O que comumente se salienta, nessa busca são as
ameaças, demandas. É o complexo de atitudes que compõe o
conflito, na sua expressão mais definida: a disputa;
c. conflito manifesto: que é o conjunto de conduta específica ou
ações que indicam o conflito. Essas ações manifestam e tornam
o conflito aparente.
Maria Nazareth Serpa (1999, p. 22), neste sentido, faz interpretação
à obra de Rummel: “Em cada uma dessas formas existe um confronto dialético entre
a realidade e a perspectiva do homem, em entrelaçadas potencialidades,
38
disposições e poderes. O que é perceptível é o movimento de poder [...] Um
movimento para frente e para trás. Por essa razão Rummel define o conflito como o
equilíbrio dos vetores de poder”.
Cita-se como o seguinte exemplo: o divórcio. Este é uma ilustração
deste sistema tripartido do conflito. Todavia, pode ou não chegar a uma situação de
conflito. Assim aplica, Serpa (1999, p. 22):
Duas facções – marido e mulher, se opõe para obter resultado idêntico
(melhor interesse dos filhos, por exemplo) em direções opostas. Causas
múltiplas, como conceitos diversos de justiça, valores, ressentimentos
(potencialidades) determinam a decisão de separar (disposições e poderes)
e ativam comportamentos: descumprimento dos deveres do casamento,
injúrias e ações retaliadoras, como bloqueio de conta bancário, seqüestro
dos filhos (manifestações)”.
O conflito teria então 05 fases: a) o conflito latente; b) a iniciação do
conflito; c) a busca do equilíbrio do poder; d) o equilíbrio do poder e e) a ruptura do
equilíbrio. O conflito então, atravessa momentos de paz e disputa.
Pode-se perceber este ciclo através do seguinte exemplo proposto
por Folber e Taylor (1994): Nos problemas sobre o meio ambiente, os interesses da
indústria madeireira com freqüência se diferem daqueles inclinados a conservação
e, portanto formam uma estrutura de conflito (fase 01) Esta estrutura de conflito
pode permanecer latente durante muitos anos antes que surja uma situação de
conflito, como a venda de amplos direitos madeireiros colidindo com uma área de
conservação, (fase 02). Depois de um acontecimento desencadeante, os
ambientalistas e a indústria entram em conflito. Esta situação faz com que cada
interesse oposto prepare uma ação. Estes interesses devem equilibrar-se através de
meios de coerção, como o pedido judicial ou através de meios de resoluções de
conflitos como a mediação (fase 03). Os contendentes devem realizar ajustes
através de um destes métodos, com o propósito de resolver o conflito. Depois de
alcançar o equilíbrio através de um processo (fase 04), as condições se modificam
com o tempo e o equilíbrio do poder que haviam sido estabelecidos também muda.
Os mercados madeireiros podem declinar ou ambientalistas podem modificar seu
ponto de vista acerca de qual é grau de dano a ser causado.
Folberg (1984, p. 42) explica que Rummel considera estas fases
como um espiral contínuo, uma hélice que se põe em movimento mediante a
39
mudança porém que se molda através do tipo de poder ou sociedade, na qual se
manifesta. Quando o problema atravessa estas cinco fases, se completa uma volta
na hélice. Estas mudanças nos valores e normas podem afetar a estrutura sócio-
cultural e por sua vez, produzir novos conflitos latentes e manifestos.
Portanto, a mediação constitui um dos processos de busca do
equilíbrio de poder pelas formas não coercitivas, que conduz a ajustes e termina
num acordo.
Morton Deutsch (1973) analisou a natureza do conflito e oferece
uma conceituação que pode ser de especial utilidade na mediação. Para o autor, há
duas modalidades de conflito: manifesto (explícito) e o oculto (negado, implícito).
Com freqüência, o conflito manifesto abarca componentes simbólicos do conflito
oculto: o manifesto é tido como aquele maior segurança. Tem-se como exemplo: o
conflito manifesto entre pai e filho concernente a chaves do automóvel aparenta
maior segurança dentro da discussão que a argüição (conflito oculto) de quem tem
mais poder.
Os mediadores devem classificar quais são os problemas manifesto
e quais os ocultos, com o objetivo de desenvolver opções e obter resultados
efetivos. Se as conquistas alcançadas na mediação se baseiam unicamente nos
conflitos manifestos, é muito provável que a solução seja de curta duração.
Concluem-se, portanto que o conflito é tido como um conjunto de
propósitos, métodos ou condutas divergentes. O grau de divergência determina a
seriedade e a duração do conflito e afeta a probabilidade de uma resolução bem
sucedida. O oposto do conflito é a convergência de objetivos, processo, atitudes que
criam estabilidade e unidade de direção.
3.4. Classificação
Os conflitos podem se classificar em diversas modalidades,
inexistindo uma classificação global. Maria de Nazareth Serpa (1999, p. 37)
apresenta inúmeras possibilidades de agrupamento, classificando-os conforme
esquema abaixo.
No tocante à percepção e manifestação podem ser:
verídicos: quando o conflito existe objetivamente e é percebido
com exatidão;
40
contingente: trata daquele relacionado à falta de conhecimento
pelas partes de fatores que possam reorganizar a situação,
satisfazendo a ambas as demandas;
Subordinado: quando funciona como sintoma de um conflito real
– discute-se pensão, quando na verdade, tem-se um conflito de
relacionamento. Mesmo que possa ser atribuída uma solução
para o conflito, este tende a se repetir
“Mal atribuído”: ocorre equívoco com relação às partes. Ex:
Conflitos com empregados que, ao obedecer a ordens do patrão
assumem determinadas posições e são tidos como “bodes
expiatórios”.
Induzido: ocorrem onde existe causa política.
Latente: pautado na pré-disposição para o conflito manifesto. As
cadeias e penitenciárias tendem a possuí-lo.
Estruturado: trata da fase entre o conflito latente e o manifesto. O
conflito ainda não se concretizou. Tem-se como exemplo:
Determinado país em conflito latente com outro resolve deslocar
tropas para o local, objeto do conflito.
Falso: é a ocorrência de conflito, quando não há motivo.
Decorrem muitas vezes da má-compreensão.
Quanto à esfera de atuação do sujeito, podem ser:
intrapessoais e os interpessoais. O primeiro deles diz respeito ao
conflito interno do homem – dentro de si mesmo. O segundo
refere-se ao conflito com o outro, seja em nível individual ou
coletivo (de grupos). A mediação está dirigida primordialmente
aos conflitos interpessoais.
Quanto ao objeto podem ser relacionados a conflitos: internacionais,
constitucionais, administrativos, organizacionais, trabalhistas, comerciais,
consumerista, de propriedade, corporativos, relacionados à responsabilidade civil
(objetiva ou subjetiva), familiar, penal e comunitário.
Quanto aos interesses podem ser privados ou públicos. No tocante à
natureza podem ocorrer:
41
Conflitos de dados: Advém da falta ou do mau conhecimento de
determinados fatos. Podem surgir pelas distintas opiniões.
Conflitos de Interesses: decorrer de interesses pessoais. A
oposição de interesses surge num conflito interpessoal em razão
do desejo de minimizar a perda.
Conflito de estrutura: trata daqueles relacionados ao interior de
cada pessoa ou grupo.
Conflitos de valor: diz respeito a conceitos morais, axiológicos ou
religiosos. São raramente negociáveis.
Conflitos de relacionamento: advém de percepções errôneas da
comunicação e de comportamentos negativos
Quanto à forma, o conflito pode ser simples – trata-se de apenas
uma questão (v.g. preço) – ou composto – pluralidade de questões, que, em
determinadas situações demandam trabalho individualizado. Por fim, podem ser
tidos, quanto aos seus efeitos como destrutivos – há sentimento nas partes de
prejuízo e construtivos – quando as partes percebem um ganho na conseqüência do
conflito.
3.5. O Conflito familiar
O conflito familiar pode se dar de diversas maneiras. Haim Grunspun
(2004, p. 21) apresenta seis modalidades de conflitos voltados à realidade da
disputa familiar. Podem, segundo a classificação do autor, ser:
Conflitos de Relacionamento: trata-se da deterioração de um
relacionamento, pela presença de emoções negativas que
buscam rupturas. Falhas, desconfianças são deturpadas e
apontadas como razões importantes para o desentendimento.
Clarificar as queixas e tornar aparente as emoções, pode facilitar
pontos positivos no manejo do conflito de relacionamento.
Conflitos de interesses: decorrem da competição em razão de
necessidades incompatíveis. Tem como base a crença que, para
a satisfação de sua necessidade, cabe sacrifício do outro.
42
Conflitos estruturais: advém de fatores externos, como v.g.,
dificuldades financeiras, restrições geográficas, tempo,
mudanças organizacionais, perdas. Tendem a ser dificuldades
impostas.
Conflitos de informação: baseiam-se especificamente no
confronto de comunicação. A incompatibilidade verdadeira tende
a maximizar o conflito.
Conflitos de valores: São causados pela percepção ou existência
de sistemas de crenças incompatíveis. Valores são crenças que
são utilizados para dar sentido à vida (certo/errado, justo/injusto).
As disputas sobre valores ocorrem quando um impõe seu
conjunto de valores ao outro ou coloca exigências de que seu
sistema é exclusivo e não permite divergências. O mediador não
interfere nos sistemas de valores, mas pede esclarecimentos
para o conhecimento das partes, para saber se há possibilidades
de acordo.
Conflitos psicopatológicos: todos os conflitos podem ser tidos
como psicopatológicos, em razão da carga emocional que
possuem. Todavia, existem conflitos que requerem intervenções
específicas, como um terapeuta de família ou psicólogo.
3.6 Conflito e a comunicação
A questão conflituosa estava sempre ligada à comunicação, e não a
avencas propriamente ditas, e passei a encarar a mediação como um
método de administração de dados, para facilitar uma comunicação em
meio a conflitos, seja em marido e mulher, estado e cidadão, comprador e
vendedor ou empregado e empregador. (SERPA, 1999, p. 43).
Como pode ser percebido, o conflito encontra-se intimamente ligado
à comunicação. Muitas vezes, ao existir uma estrutura de conflito, ante a uma má-
comunicação, tem-se a eclosão da disputa.
A mediação busca, não somente chegar ao acordo, mas sim
restaurar a comunicação perdida. Isto porque, as relações humanas podem ser
mantidas. Ao se tratar de direito de família, em especial, face ao conflito, a família –
43
filhos, pais, avós, etc. - permanece. Assim, disputas entre casais podem somente
dissolver o vínculo marital, porém o conjugal se mantém. De igual sorte, em disputas
comerciais, urge o interesse em manter as relações mercantis e não simplesmente
findá-las.
A comunicação, portanto, possui valor máximo nos relacionamentos.
Grandes confrontos poderiam ter sido suplantados se houvesse diálogos eficazes.
Paul Watzlawik (1993, p. 18) sugere que o estudo da comunicação
humana seja divido três áreas: sintaxe, semântica e pragmática. A sintaxe ocupa-se
com os problemas de transmissão de informação (códigos, ruídos). A semântica
trata do significado da comunicação. A pragmática trata do comportamento, visto
que a comunicação o afeta. São aspectos interdependentes, podem ser
exemplificados “a sintaxe é a lógica matemática, a semântica a filosófica e a
pragmática é a psicologia.”
Deste modo, pode-se perceber que a pragmática trata dos efeitos
comportamentais da comunicação, sendo esta a faceta da comunicação humana de
interesse para o direito e para a mediação.
Para a eficaz compreensão da comunicação em seu viés
pragmático, serão analisados cinco axiomas. Este estudo busca trazer algumas de
suas propriedades, as quais possuem implicações interpessoais relevantes. Isto é,
para que se compreenda a questão dos conflitos e do restabelecimento da
comunicação na mediação se faz necessário, perceber quais os elementos
fundamentais da comunicação.
3.6.1 Os cinco axiomas da comunicação
A) A impossibilidade de não comunicar:
O primeiro axioma da comunicação trata de uma propriedade básica
do relacionamento: a impossibilidade de não se comunicar.
Todo comportamento (atitude) revela uma comunicação. Todo
comportamento (reação, ação, imobilidade) - falado ou não - traz consigo um
conteúdo de mensagem. Diante disso, é preciso incitar a seguinte reflexão: ao
comportamento não cabe oposto, isto é, inexiste o não se comportar. De qualquer
maneira, passiva ou ativamente, o ser humano se comporta e transmite uma
mensagem verbal ou não.
44
Este axioma pode ser elucidado pelo exemplo de filho que se recusa
a conversar com seus pais e tranca-se em seu quarto: ainda que não verbalmente,
seu comportamento transmite uma mensagem – “não desejo o diálogo”.
Outra observação relevante é que a comunicação não somente
acontece quando se tem a compreensão mútua da mesma. Há comunicação
quando simplesmente se transmite uma mensagem. Segundo o autor (WATZLAWIK,
1993, p. 24), torna-se possível, inclusive, o diálogo de pessoa sozinha, em fantasia
ou com a vida. Aduz ainda que “talvez esta comunicação interna obedeça a algumas
das mesmas regras que governam a comunicação interpessoal; contudo tais
fenômenos inobserváveis estão fora do âmbito do significado que damos ao termo”.
Todo comportamento é como comunicação. Em sendo assim, é
possível perceber inúmeras modalidades de comunicação: verbal, tonais, posturais,
contextuais, dentre outras.
Em linhas gerais, conclui-se que mesmo o indivíduo que não deseja
a comunicação ou busque não se comunicar, ainda esta negação é uma forma de
comunicação. Deste modo é impossível não se comunicar.
B) O conteúdo e níveis de relação da comunicação:
Watzlawik (1993, p. 30) explicita que a mensagem que transmite
informação denomina-se conteúdo. Este pode ser relacionado a qualquer tema,
podendo ser inclusive, situações reais, falsas, fidedignas, etc. Outra denominação
para a comunicação é ordem. A ordem refere-se às relações entre os comunicantes;
trata da espécie da mensagem e como esta deve ser considerada.
É possível contextualizar este fato, através do exemplo dado pelo
autor (1993, p. 30): “É importante soltar a embreagem gradual e suavemente” e
“Solte a embreagem de golpe, e a transmissão pifará um abrir e fechar de olhos”. As
mensagens citadas têm praticamente o mesmo conteúdo de informação, mas
definem relações diferentes.
Vale dizer que existe relação entre o conteúdo (relato) e a relação
(ordem) da comunicação. Em sendo assim, o relato transmite os dados da
comunicação e a ordem como esta comunicação deve ser entendido
(metacomunicação). Esta idéia não requerer verbalização.
Salienta-se que, no trato especialmente da comunicação escrita, as
mensagens podem ser interpretadas, oferecem pistas metacomunicacionais
ambíguas.
45
Assim, conclui-se que toda comunicação possui uma faceta de
conteúdo e uma de ordem, sendo que a segunda é uma metacomunicação.
C) A pontuação da seqüência de eventos:
Este axioma da comunicação refere-se à interação entre os
comunicantes. Para um indivíduo que observa uma comunicação, esta pode
aparentar uma seqüência contínua de trocas. Esta seqüência (seja positiva ou não)
organiza os eventos do comportamento, sendo vital às interações.
É possível se citar o seguinte exemplo (WATZLAWIK, 1993, p. 53):
“uma pessoa que se comporta de certa maneira num grupo, chamamos-lhe de ‘líder’
e uma outra ‘adepto’, se bem que, se refletirmos, seja difícil dizer quem chegou
primeiro ou onde um estaria sem o outro”.
Num conflito de casal, o marido pode afirmar que se anula porque a
esposa é dominadora e, a esposa declarar que é dominadora porque o marido é
nulo. Ora, cada qual somente percebe que seu comportamento é “meramente” uma
resposta à atitude do outro. Este problema existe em razão da incapacidade deste
casal metacomunicar-se sobre suas interações.
Esta pontuação de eventos também é observada pela antiga guerra
fria: cada país produzia mais armamentos para se proteger, e conseqüentemente
estas armas aumentavam. Ora, o grande dilema surge das pontuações ilegítimas
das seqüências e da pretensão de que existe um começo.
Desta forma, conclui-se que “a natureza de uma relação está na
contingência da pontuação das seqüências comunicacionais entre os
comunicantes”.
D) Comunicação digital e analógica:
O axioma a seguir refere-se a existência e diferença entre a
comunicação analógica e digital. O homem é o único ser que se comunica tanto
analógico quanto digitalmente. Estes modos de comunicação caminham lado a lado
e complementam-se.
A comunicação analógica é toda comunicação não verbal. O termo
“não-verbal” está relacionado à postura, gestos, expressão facial, tom da voz, ritma,
e inúmeras outras formas de expressão. A comunicação digital é aquela que se
verbaliza. Com base no segundo axioma, é possível relacionar a comunicação digital
ao conteúdo e a analógica à relação.
46
No trato das relações, o homem deposita confiança na comunicação
analógica. Isto porque, a comunicação digital, por si só, é faltosa de semântica
adequada nesta área. Contudo, vale dizer que a mensagem digital possui um grau
mais elevado de complexidade, versatilidade e abstração do que a mensagem
analógica, a qual não possui “uma sintaxe adequada para a definição não-ambígua
da natureza das relações (WATZLAWIK, 1993, p. 53).”.
E) Interação simétrica e complementar:
Watzlawik (1993, p. 61) leciona sobre Bateson (apud WATAZLAWIK,
1993, p. 61) que, em sua experiência, numa relação, é possível acontecer alterações
de tempos em tempos, mesmo que não tenha havido perturbação externa. Assim, as
relações podem ser baseadas na diferença ou na igualdade e denominam-se
interações complementares ou simétricas.
Na simétrica, os parceiros tendem a refletir o comportamento um do
outro. Por exemplo: a relação entre os alunos de uma mesma turma. Tem-se, nesta
hipótese, a minimização da diferença.
Na complementar, o comportamento de um parceiro complementa o
outro. Aqui se tem a maximização da diferença. Exemplifica-se pela relação entre
professor e aluno. Vale ressaltar que um parceiro não impõe uma interação
complementar ao outro: esta relação se encaixa - um deve ser o líder e o outro
liderado.
3.7. A comunicação e mediação familiar
A mediação familiar e a comunicação entrelaçam-se, pois os
conflitos familiares decorrem de uma inadequada comunicação. A essência do papel
do mediador é conduzir os mediandos à percepção e ao exercício consciente dos
diversos níveis de comunicação. Ressalte-se, no entanto, que para a mediação
familiar, a discriminação das diversas formas de comunicação aperfeiçoa o nível da
compreensão e o da intercompreensão.
O caminho a ser percorrido para atingir o nível da intercompreensão
começa pela qualificada troca de informações. Esta comunicação encontra-se
normalmente deteriorada, pois os mediados comunicam-se pela linguagem do
conflito - inadequada e destrutiva - em lugar da linguagem adequada e construtiva
da intercompreensão.
47
O mediador pode conceder a palavra aos mediados: organiza a
ordem de uso e o tempo da fala de cada parte, com a regra rígida de um não
interromper a fala do outro. Ao término da fala de cada mediando, o mediador
repete, reformula e confirma a informação e situa a situação.
Esta primeira organização comunicacional - que normalmente ocorre
nas duas primeiras sessões de mediação - já se presta a conter a angústia dos
sujeitos do conflito, permitindo-lhes acessar logo outro nível mais sensível da
comunicação.
Águida Arruda Barbosa (1999, p. 45) compreende que para atingir a
intercompreensão será necessário valer-se de informações, sentimentos, idéias,
valores, explicações, representações, o que permite a circulação de subjetividade e
objetividade. Trata-se, enfim, de uma atitude comunicativa que leva cada mediando
a ter o cuidado de se fazer compreender e de se esforçar para compreender o que o
outro diz.
Trata-se de diálogo a partir do registro do “EU”, vindo das
experiências vividas, do “TU”, a partir das relações interpessoais, e do “ELE”,
advindo do estado de coisas existentes. Nesta dinâmica comunicacional há espaço,
inclusive, para surgir a incompreensão - tanto pessoal como no outro - afinal,
compreender e compreender-se pressupõe aceitar que existem o inexplicável e o
desconhecido.
Destas considerações iniciais depreendem-se duas conclusões
significativas:
a) Não se pode dizer que há ausência de comunicação na família,
pois o que se observa é a presença de uma comunicação
inadequada, não cumprindo a circularidade necessária,
movimento indispensável para a sua efetividade;
b) Os desentendimentos familiares têm raiz na dificuldade de
comunicação. Isto decorre, muitas vezes, da impossibilidade de
percepção dos próprios sentimentos, bem como pela falta de
compreensão e identificação das funções familiares a ser
desenvolvidas pelos membros no sistema.
A comunicação inadequada torna-se sobremaneira evidente quando
da dissolução do vínculo conjugal, principalmente na hipótese de ruptura litigiosa.
Isto porque na medida em que ex-casal realimenta inadequadamente o vínculo
48
“conjugal” por meio da comunicação da linguagem do conflito, os filhos vivem em
situação de abandono diante da dificuldade de diálogo entre os pais. Muitas vezes, o
conflito se mantém “em nome” da criança. No entanto, os filhos tendem a se
perceberem sem espaço para compreenderem seu efetivo papel na família
transformada pela dissolução.
Para estas famílias, a mediação possibilita o resgate da
comunicação fundada na intercompreensão. Permite, igualmente, que o casal que
passou pela dissolução possa compreender a fala e ação em nome próprio - e não
em nome dos filhos - o que lhes permite discriminar as funções da família. Houve a
ruptura do casal conjugal, porém o casal parental deverá se fortalecer para ter
continuidade.
Assim, os pais tornam-se disponíveis para acompanharem o
cotidiano dos filhos e tornam-se aptos a dar o devido significado às questões
relevantes como a escolaridade, a sexualidade, a sociabilidade, etc.
Ressalte-se que a mediação interdisciplinar é capaz de proteger os
filhos que transitaram pelo divórcio de comprometimentos psicológicos e
psicossomáticos, tão presentes nas crianças no período pós-separação.
É freqüente ouvir, nas palavras de Águida Arruda Barbosa (1999, p.
48), depoimentos dos mediados que reconheceram que a mediação familiar
proporcionou ao casal a oportunidade de experimentar, pela primeira vez, a plena
comunicação fundada na intercompreensão. A mediação assim, exerce função
pedagógica e prepara estas pessoas para novos relacionamentos sem repetirem o
paradigma do casal dissolvido. Eis, portanto a real implicação da mediação: a
transformação do conflito.
49
4 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS - A MEDIAÇÃO E SUA SISTEMÁTICA
4.1. Notas introdutórias e noções históricas
No fundo, estamos cada vez mais inclinados a viver segundo o predomínio
do social sobre o estatal, preferindo, sempre que possível, resolver nossas
questões por nós mesmos (REALE, 1996, p. A2).
O conceito de administrar a justiça tem sido historicamente o
monopólio do Estado, que de algum modo, restringiu a capacidade das partes
resolverem seus próprios conflitos. A sociedade se despojou da disposição de
solucionar seus desacordos e forjou-se uma cultura litigiosa e paternalista.
Pode-se afirmar que os cidadãos encontram-se apáticos e
desprovidos de pensamento crítico (dados norte americanos confirmam que: outro
grande perigo à república é a apatia dos cidadãos) (VANDERBILT, 1955, p. 3).
Perdeu-se a habilidade de dirimir os próprios problemas e lança-se ao Estado a
responsabilidade pela decisão da vida.
Ante a toda dinâmica contemporânea - progressos, desenvolvimento
tecnológico e biotecnológicos, científico, cultural, globalização -a sociedade não
resgatou o real de comando de sua própria existência. De forma muito relevante,
José Eduardo Faria (2002, p. 136) aponta que:
Esse tipo de progresso teria implicado o comprometimento da liberdade, o
preço dessa razão técnico-científica aparentemente emancipadora acabou
sendo a impotência dos homens perante as instituições políticas e
econômicas – como afirmam os críticos do projeto da modernidade, a
própria autonomia da razão, premissa de toda uma filosofia jurídico-política
entendida como atividade crítica capaz de resguardar a integridade física
dos homens, sua emancipação espiritual e sua afirmação como “sujeitos
sociais”, culminou por destruí-los. Como? Submentendo-os cada vez mais a
um universo de dependências institucionais.
Assim, conforme leciona o jusfilósofo, mesmo (e por isso mesmo)
com todo progresso e suposta realidade emancipadora, o homem passou a um
contexto de dependência das instituições. Esta dependência pode ser estendida ao
judiciário.
Por tudo isso, o ser humano encontra-se muitas vezes longe da
possibilidade de resolver seus próprios conflitos. Ainda mais nos tempos ditos de
50
pós-modernidade, quando o individualismo impera nas relações, torna-se por
demais confortável ao ser humano entregar e responsabilizar o Estado –
encarnados, neste caso, na figura do juiz e do judiciário - na resolução de sua
própria vida.
O abandono desta mentalidade ‘paternalista’ se faz urgente. Para
isto, é preciso o desenvolvimento de um novo pensar. A preservação de vínculos e a
possibilidade de solução de conflito pelo próprio indivíduo encontram-se presente
nesta nova razão e pressupõem a modificação de uma lógica conflitante a uma
lógica consensual.
Primeiramente, requer-se uma transformação relacional - a
comunicação faz-se imprescindível à solução do conflito. No entanto, atualmente,
como já visto, numa disputa judicial as partes além de lançarem ao Estado a
responsabilidade de decisão, delegam aos advogados o confronto pessoal com o
outro.
Esta delegação, muitas vezes, dificulta a comunicação e entre as
partes e o término definitivo do conflito. Pode-se observar que a parte contrária é
vista como adversária, contra a qual se aplicam táticas de conquistas. Edifica-se,
então, a impossibilidade de acordo, cabendo apenas uma solução advinda do
magistrado.
Os juízes, repletos e sobrecarregados de inúmeros processos, não
conseguem analisar mais profundamente cada caso, no sentido de buscar
restabelecer a comunicação ou manter vínculos necessários. Os processos são
lentos e desgastantes e o judiciário carece de juízes com formação humanista.
Não obstante esta realidade do quadro jurisdicional, os juízes
compreendem as benesses de um acordo. Todavia, ocorre que muitos
desconhecem as formas mais adequadas para o trato de pessoas em sofrimento,
bem como desconhecem que o indivíduo litigante encontra-se em situação de
estresse altíssimo, e por que não, em confusão mental. Esta realidade muitas vezes
impede que a parte compreenda a linguagem empregada pela autoridade judicial e
resulta na infrutífera tentativa de acordo, conforme ensina Águida Arruda Barbosa
(2001).
Uma grande questão paradigmática dos operadores do direito é a
seguinte: compreender que o papel atribuído aos mesmos não se refere a resolver
51
problemas das partes. Ao contrário, cabe aos operadores promover aos conflitantes
a responsabilidade pela autoria de suas próprias vidas.
Embora a realidade do quadro apresentado, o sistema judiciário em
si mesmo não pode ser tido como grande responsável. Isto porque assegura valores
imprescindíveis ao Estado Democrático de Direito e ao homem. O sistema judiciário
atual é imperioso e relevante à realidade social. Um tanto irreal seria vislumbrar a
sociedade sem esta estrutura. Neste sentido, confirma Faria (1992, p. 136):
No mundo vivido do direito não há possibilidade de se operar
exclusivamente com o consenso espontâneo – como a título de exemplo,
por meio de estruturas judiciais de caráter meramente conciliatório. Dito de
outro modo: não há como se furtar tanto à fixação de alguns parâmetros
normativos quanto à tomada de decisões. No entanto, o problema da
decidibilidade normativa, não pode continuar como sendo concebido e
tratado nos termos estritos da tradicional concepção legalista de ‘soberania
estatal’.
Face aos apontamentos jurídico-sociais narrados, é preciso
reconhecer a forte carência de um modelo de acesso à justiça que permita o
desenvolvimento deste retorno de “auto-resolução”, bem como que permita a
compreensão da etiologia dos conflitos (em especial aqueles de natureza familiar,
com forte carga de subjetividade).
O aprimoramento de acesso à justiça é a primeira resposta à
demanda de cidadania, tendo como essência os direitos individuais - subjetivação
dos direitos - o que resulta num ideal da mais ampla inserção social, para que seja
garantida a preservação da identidade e se respeite o princípio constitucional da
proteção à dignidade da pessoa humana.
Justamente nessa transição da humanidade, a Mediação surge
como um fenômeno e representa uma ferramenta ao aperfeiçoamento da cidadania.
Nesta contemporaneidade impera o anseio por novas formas de soluções de
conflito, e, a mediação pode se traduzir por uma resposta necessária.
A mediação nada mais é que a entrega, ou melhor, a devolução à
sociedade da capacidade de resolver seus conflitos. Não busca somente o
“desafogamento” do judiciário. Isto porque tal feito fugiria a sua finalidade.
A mediação remonta a Antigüidade. Nas palavras de Maria de
Nazareth Serpa (1999, p. 67):
52
Alternativa para solucionar disputas não é novidade. Talvez seja moderno
chamar alternativa o que, em todos os tempos e lugares, foram maneiras
cotidianas e imediatas de resolver problemas entre as pessoas. Começando
pelo diálogo até a guerra, são incontestáveis e informais os métodos
utilizados pela humanidade para pôr fim aos seus conflitos. Os tribunais
sempre foram a última opção. ADR não é panacéia do século XX. É a
institucionalização do que vem sendo feito, [...] em matéria de resolução de
conflito.
Em Roma, afirma Rozane da Rosa Cachapuz (2005, p. 34), o direito
“previa o procedimento in iure e o in iudicio, que significam, na presença do juiz, o
primeiro, e do mediador ou árbitro, o segundo.”
Entre os judeus, chineses e japoneses a mediação sempre se fez
presente. A figura do mediador podia ser institucional ou natural. A primeira forma
decorrente de uma hierarquia na organização da vida comunitária (poder delegado) e
a segunda como expressão do exercício da cidadania.
Na China antiga havia a prática da mediação, baseada nos ensinos
de Confúcio. Há ainda
12
uma instância institucional de mediação que constitui uma
etapa obrigatória de acesso à justiça.
No Japão, de igual sorte, tem-se significativo uso da mediação, com
a figura do mediador em cada comunidade. Existe o denominado chote, que
consiste em confiar a uma terceira pessoa ou uma comissão formada por um
magistrado e dois ou mais conciliadores, se necessário. Os conciliadores são
nomeados pelo Supremo Tribunal, para o período de dois anos. Devem ter entre 40
e 70 anos, qualificação técnica para a função, por competência ou personalidade.
Na verdade, o critério da escolha recai sobre os notáveis da
comunidade. Somente após o esgotamento do chotei é que encaminha ao processo
de instrução e julgamento. Esse instituto, modernamente, está regulado por lei
desde dezembro de 1.947.
Semelhantemente, nas tribos africanas havia a figura dos moots,
que eram reuniões públicas ou privadas com fim a resolver conflitos.
Nos Estados Unidos, à época da colonização, os pioneiros também
adotaram práticas extrajudiciais para resolução de conflitos. Isto porque, seus
12
O filme de longa metragem “A história de Qiu Ju”, do diretor Zhang Yimou, 1.992, premiado no
Festival de Veneza, descreve com fidelidade a figura do mediador da comunidade na China, como
instância do Poder Público, cuja função deve ser exercida com neutralidade e imparcialidade,
submetendo-se a um controle das instâncias superiores, pelo que está ausente a independência.
Só depois de esgotada a instância, o cidadão pode acessar as demais instâncias.
53
descendentes europeus não possuíam amplo acesso à justiça. De outro lado, em
razão da origem puritana dos colonizadores americanos, a disputa judicial não era
tida como atitude cristã.
Passados os séculos, a mediação recebeu nova formulação e
ressurgiu nos Estados Unidos na metade da década de 70, sob o título de
aperfeiçoamento do acesso à justiça. Ressurgiu como resposta à explosão do
contencioso em massa e firmou o início de uma tendência mundial de criação de
instâncias de conciliação para o trato de pequenas causas: especial em matéria de
proteção ao consumidor e às relações locatícias (BARBOSA, 2001, p. 4).
No início, estes experimentos de mediação aparecem com uma
conotação de uma justiça de segunda classe. No entanto, devido à necessidade
humana de soluções de conflitos, o instituto se propagou por quase todos os ramos
do direito.
Por ser a mediação universal, esta passou atingir todo o continente
europeu, sendo difundida primeiramente na Inglaterra, cujo serviço pioneiro se deu
em 1973, no âmbito familiar. Ressalte-se que nos países da common law, há uma
intensa utilização da mediação.
Na França, a mediação de alguma forma sempre existiu. Nos
tempos antigos franceses, os bispos confiavam tradicionalmente aos padres uma
missão de mediador entre seus párocos, tendo a nação tradição na resolução de
conflitos. Recentemente, os párocos e professores de escola infantil retomaram esta
tradição. O Código de Processo Civil Francês em 1995, incluiu a mediação como
instrumento processual de primeira necessidade.
Kazuo Watanabe (2003, p. 53) apresenta algumas diferenças
existentes entre o pensamento europeu e americano quando se trata em meios
alternativos de solução de conflito. Aduz que:
Para os americanos, os meios alternativos são todos aqueles que não
sejam tratamento dos conflitos pelo judiciário. Nesses meios, incluem-se a
negociação, a mediação, a arbitragem e eventualmente, outros que podem
ocorrer para o tratamento dos conflitos. Para alguns cientistas europeus, o
meio alternativo é a solução pelo judiciário, porque, historicamente, os
conflitos foram solucionados pela sociedade sem a intervenção do Estado
organizado, à época em que não havia ainda força, um Estado bem
organizado. De sorte que os meios normais eram a mediação e a
negociação. Mais tarde, mesmo no sistema romano, percebemos que o juiz
privado vem antes do juiz estatal. O juiz estatal só se institucionaliza na
fase final da cognitio extra ordinen.
54
Na América Latina, a mediação foi introduzida primeiramente na
Argentina, onde houve o estabelecimento da obrigatoriedade de passagem em
Câmaras de mediação antes do ingresso no judiciário.
No Brasil, a mediação vem sendo aplicada ainda timidamente,
embora crescente, há aproximadamente quinze anos, sob a proteção de alguns
dispositivos legais não específicos. Câmaras e Institutos têm sido firmados, os quais
buscam estabelecer a mediação de maneira séria e competente, conforme se
verificará posteriormente.
A mediação pressupõe uma mudança na visão da sociedade. Esta
não mais entregaria de forma incondicional seus conflitos ao Estado. Ao contrário,
desfrutaria da possibilidade de “auto-resolver-se”, promovendo assim, uma legítima
autonomia privada e a dignidade.
4.2 Conceito
Mediação procede do latim mediare – mediar, dividir ou intervir. A
mediação pode ser analisada como uma forma não adversarial, voluntária e
confidencial de solução de conflito, na qual as partes constroem por si suas próprias
decisões.
Luis Alberto Warat (2001) define a mediação como: “uma forma
ecológica de resolução dos conflitos sociais e jurídicos; uma forma na qual o intuito
de satisfação do desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção
legal. A mediação como uma forma ecológica de negociação ou acordo
transformador das diferenças”.
Rozane da Rosa Cachapuz (2005, p. 28) assevera que a mediação
é “meio extrajudicial de resolução de conflitos, onde um terceiro é chamado para
encaminhar as partes a chegarem a uma solução.”
A mediação é um facilitador do exercício da cidadania.
Instrumentaliza a autonomia, a democracia e os direitos humanos, superando o
limite de resolução não adversarial das disputas jurídicas. Produz um dever de
subjetividade que indica uma possibilidade de fuga da alienação.
A compreensão da essência da mediação e extração de seu
conceito pressupõe o conhecimento de três lógicas distintas, segundo Águida Arruda
Barbosa (1999): a da conciliação, a da força e da mediação.
55
A primeira delas, a lógica da conciliação, visa realizar um acordo
sem enfrentar ou prevenir as causas do conflito atual. Isto em razão das partes
encontrarem-se fragilizadas e não desejarem trazer à baila os motes reais do
conflito.
A segunda, diz respeito à lógica da força. Há uma focalização no
litígio, figurando as partes como adversárias entre si, disputam um jogo de
ganhadores e perdedores. Por fim, há a lógica da mediação, que imprime às partes
um novo modo de comunicação e a solução efetiva do conflito.
Sendo assim, pode-se analisar e compreender o conceito formulado
por Jacqueline Mourret (1996, p. 37):
trata de uma prática social, fundamentada, teórica e tecnicamente, e,
exercida por uma terceira pessoa, especialmente formada para o exercício
deste mister, os mediados tomam decisões eficazes, graças à evolução do
senso de responsabilidade que lhes é desenvolvido. Pessoas em conflito
acabam resgatando a autoria da própria vida tornando-se capazes e
independentes.
E, John M. Haynes (1996, p. 20), define que “é um processo no qual
uma terceira pessoa – o mediador - auxilia os participantes na resolução de uma
disputa. O acordo final resolve o problema com uma solução mutuamente aceitável
e será estruturado de modo a manter a continuidade das relações das pessoas
envolvidas no conflito”.
Deste modo, é possível extrair e estabelecer que a mediação nada
mais é que a busca pelas próprias partes de soluções para seus interesses e
controvérsias, sempre a critérios destes, através do resgate da comunicação, com o
auxílio de um terceiro (mediador) podendo ser o processo interrompido a qualquer
tempo, tudo com o fito de obter o real término do litígio.
4.3. Escolas fundantes e a teoria sistêmica
4.3.1. Escolas Fundantes
A mediação enquanto instituto contemporâneo possui escolas que
fundamentam sua construção. Foram desenvolvidas a partir da segunda metade do
século XX e possuem alguns diferentes aspectos.
56
Primeiramente, analisar-se-á a denominada Escola de Harvard. Em
Harvard, houve o desenvolvimento de técnicas de negociação na busca de
caminhos para soluções de obstáculos e foram introduzidos conceitos claros quanto
à mediação. Nesta ótica, tem-se a diferenciação das pessoas e dos problemas. O
foco repousa no conflito e não na posição: não se refere à intrapessoalidade. As
partes devem deixar suas posições iniciais e trilhar a descoberta para a resolução do
conflito.
Há a criação de opções e objetivos para benefícios mútuos.
Destaca-se a importância da escuta, cuja máxima é “Não se fala contra a outra
pessoa, fala-se sim com a outra pessoa”, isto é: a discussão refere-se a uma
posição assumida e não a um indivíduo.
Existe de igual sorte, a denominada Escola Transformativa, que
possui grande valia à mediação brasileira. Na transformativa, busca-se uma revisão
das relações. Entende-se nesta escola que o acordo e a resolução do problema
somente serão firmados quando houver um resgate e restabelecimento da
comunicação entre as partes. Nesta esteira, assevera Juan Carlos Vezulla (1999, p.
114) que “todo conflito é um conflito de inter-relação. Se não se modificam as
pessoas nessa relação, não poderemos avançar a solução do problema”.
A Escola Pós-moderna ou Narrativa foi desenvolvida nos anos
oitenta, sob comando de Sarah Cobb. Afirma-se, neste modelo, que cada conflito
refere-se a uma história e uma narrativa. Diante disso, somente pode haver acordo
se existir transformação. O acordo não mais é foco da mediação: passa então ao
relacionamento. Busca enfatizar a comunicação em seus aspectos expressivos de
conteúdo e de inter-relação.
A Escola Narrativa procura reformular papéis e intenções, bem como
desfaz a narrativa anterior. Tem-se a planificação dos cenários e então, a
construção de novas narrativas.
4.3.2. A Mediação e a teoria sistêmica
Ao estudo da mediação, como ciência interdisciplinar, é necessário o
conhecimento da Teoria dos Sistemas. Nesta pesquisa será analisada a teoria dos
sistemas somente no viés social, isto é, a relação entre o conflito e o meio, bem
como a mediação enquanto instituto que compreende a realidade
57
do sistema de cada indivíduo. Esta percepção humanista torna concreto o princípio
da dignidade da pessoa humana pelos apontamentos realizados em cada sistema
4.3.2.1 Noções introdutórias, históricas e conceituais da teoria dos sistemas
A sociedade e os conflitos dela decorrentes tornam-se
progressivamente mais complexos e interligados. Nas palavras de Fritjof Capra
(1996, p.23), “quanto mais estudamos os principais problemas de nossa época, mais
somos levados a perceber que eles não podem ser entendidos isoladamente. São
problemas sistêmicos, o que significa que estão interligados e são
interdependentes”.
Para a correta compreensão destes conflitos, é preciso uma análise
ampla e contextual (voltada ao todo). Esta percepção completa pressupõe uma
alteração do paradigma antigo que outrora regia a sociedade.
Em linhas gerais, o paradigma que dominou o pensamento científico
por alguns séculos e que influenciou significativamente a sociedade ocidental
consistia – dentre outros valores - na concepção do universo como um sistema
mecânico, composto de blocos de construção elementares. Para ele, é preciso a
compreensão fragmentada das partes para se entender o todo.
Não obstante este entendimento surge novo paradigma proposto
pela teoria dos sistemas. Trata-se de uma visão geral (agregada) da realidade e não
mais uma coleção de partes fragmentadas - há um enfoque ecológico do universo.
Esta visão ecológica (no viés profundo)
13
consiste em formular questões mais
densas a respeito dos fundamentos da visão de mundo e da vida moderna.
Questiona o paradigma fragmentado numa perspectiva global: a partir da ótica do
relacionamento interpessoal, com as gerações futuras e com a teia da vida da qual
todos fazem parte.
A disputa básica entre os pensamentos é a tensão entre as partes e
o todo. A ênfase nas partes tem sido chamada de mecanicista, reducionista ou
13
Assevera Capra que: “o sentido em que eu uso o termo ‘ecológico’ está associado com uma escola
filosófica específica e, além disso, com um movimento popular global conhecido como ecologia
profunda, que está, rapidamente, adquirindo proeminência. A escola filosófica foi fundada pelo
filósofo norueguês Arne Naess, no início da década de 70, com sua distinção entre “ecologia rasa”
– centralizada no ser humano – e ecologia profunda – que vê o mundo como rede de fenômenos
que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes.”
58
atomística; a ênfase no todo, holística, organísmica ou ecológica. Na ciência do
século XX, a perspectiva holística tornou-se conhecida como sistêmica.
A palavra sistema advém do grego, com o sentido de indicar o
conjunto formado apenas por premissas ou por premissas e conclusões (CRUZ,
2001, p.13). Já LALANDE (1993, p. 1034) conceitua sistema como “conjunto de
elementos, materiais ou não, que dependem reciprocamente uns dos outros de
maneira a formar um todo organizado.” Boszormenyi, Nagy e Spark (1973, p. 16)
afirmam que “um sistema é um conjunto de unidades caracterizadas por sua
dependência mútua.”
Assevera Paulo Bonavides (2002, p.89) que “sistema veio a
entender-se, a seguir, como o conjunto organizado das partes, relacionadas entre si
e postas em mútua dependência”.
O pensamento sistêmico contemporâneo emergiu simultaneamente
em várias disciplinas na primeira metade do século, especialmente na década de 20.
Os pioneiros do pensamento sistêmico foram os biólogos que enfatizavam a
concepção dos organismos vivos como totalidades integradas. Foi posteriormente
enriquecido pela psicologia da Gestault e pela nova ciência da ecologia, na física
quântica, estendendo-se às diversas ciências, dentre elas o Direito.
Historicamente, pode-se perceber um movimento pendular entre o
paradigma sistêmico e o mecanicismo cartesiano: ora inclinada a um, ora a outro.
Analisar-se-á a este movimento até o pensamento sistêmico atual.
Primeiramente, esta tensão se desenvolveu na biologia. Desde o
pensamento filosófico grego, existia uma disputa entre a realidade partida e
sistêmica. Aristóteles (CAPRA, 1996, p. 34) acreditava que a forma (padrão,
qualidade, ordem) não tinha existência sem a matéria (substância, estrutura e
quantidade) – percebia que havia uma ligação entre ambas.
A idéia aristotélica de complexidade e integração permeou o
pensamento até os séculos XVI e XVII, com o fim da Idade Média. Isto porque, em
razão das grandes descobertas científicas e matemáticas realizadas por Copérnico,
Galileu, Descartes, Bacon e Newton (VICENTINO, 1994, p. 160), no período
denominado Iluminismo, a noção do universo orgânico foi substituído pelo conceito
de máquina.
René Descartes (OLIGARI, 2003) formulou o denominado
Mecanicismo Cartesiano, no qual o todo deveria ser compreendido pela análise das
59
partes. Esta teoria fragmentada atingiu os diversos ramos das ciências: biológica,
matemática, física, etc.
A primeira oposição a este paradigma veio do movimento romântico
na arte, literatura e filosofia no final do século XVII e XIX. Houve um retorno ao
pensamento de Aristóteles, e restaurou-se o pensamento no sentido orgânico. Capra
(1996, p. 36) leciona acerca de Goethe o qual foi o representante principal deste
pensamento e Immanuel Kant, influenciador da compreensão orgânica que faz
apontamentos no tocante à “auto-organização”: as partes existem por meio de cada
outra, no sentido de produzirem uma outra.
Em meados de 1850, houve novo retorno ao mecanicismo. Na
biologia descobria-se a teoria das células, a microbiologia e o microscópio – o que
corroborava com o pensamento da compreensão do todo pela parte. Todavia, no
início do século XX, nova oposição a este pensamento ocorreu: tem-se o vitalismo,
que novamente buscou a concepção global.
O vitalismo continuou a ser pesquisado e desenvolveu-se na
denominada Biologia Organísmica, na primeira metade do século XX. Esta reflexão
resultou na Teoria Sistêmica contemporânea.
Em aproximadamente 1930, a maior parte dos critérios de
importância do pensamento sistêmico tinha sido formulada pelos biólogos
organísmicos, pela psicologia da Gestault
14
e pela ecologia.
Atribui-se de maneira geral, a autoria à Ludwig von Bertalanffy
(CAPRA, 1996, p. 51) pela primeira formulação do arcabouço teórico da Teoria dos
Sistemas. Bertalanfy começou sua carreira como biólogo em Viena em meados de
1920. Trabalhou juntamente com filósofos do Círculo de Viena. Dedicou-se
especialmente a substituir os fundamentos mecanicistas da ciência pela visão
ecológica. Em sua obra “Teoria Geral dos Sistemas”, denominado marco inicial da
Sistêmica, descreveu princípios acerca de organização dos Sistemas vivos.
Não obstante este entendimento foi o russo Alexander Bogdanov
(CAPRA, 1996, p. 51) que apresentou os primeiros escritos referentes à sistêmica
contemporânea, há aproximadamente quarenta anos antes Bertalanffy. Desenvolveu
a denominada tectologia (do grego tekton, construtor) ou “Ciência das Estruturas”.
14
Gestault é a palavra alemã para forma orgânica. Na psicologia da Gestault entendia-se que os
organismos vivos percebem coisas não em termos de elementos isolados, mas como padrões
perceptuais integrados. Isto é, totalidades significativamente organizadas que demonstram
qualidades que demonstram qualidades ausentes nas partes.
60
Esta teoria buscou formular uma organização das estruturas vivas e não vivas,
antecipando as idéias do biólogo austríaco. Embora com tamanho pioneirismo, suas
idéias não foram divulgadas.
Deste modo, foi com Bertalanffy (OLIGARI, p 3) que a sistêmica
projetou-se e estruturou-se. Acreditava que uma teoria geral dos sistemas ofereceria
um arcabouço conceitual geral para unificar várias disciplinas científicas que se
tornaram isoladas e fragmentadas.
Por tudo isso, pode se perceber que na teoria sistêmica atual, as
propriedades essenciais de sistema são referentes ao todo, que nenhuma parte
possui. Advém das interações e relações entre as partes.
As propriedades das partes somente podem ser compreendidas no
contexto do todo. Desse modo, a relação entre as partes e o todo foi revertida. Em
conseqüência disso, o pensamento sistêmico concentra-se não em blocos de
construção básicos, mas em princípios de organização. Utiliza-se, portanto a
metáfora da rede.
O pensamento sistêmico é contextual, oposto ao pensamento
analítico. A análise significa isolar alguma coisa a fim de entendê-la; o pensamento
significa coloca-la no contexto de um todo mais amplo. É necessário um
deslocamento do foco das partes para um todo.
4.3.3.2. A sistêmica, a família e a mediação
Em princípio, a Teoria dos Sistemas explica o funcionamento de
qualquer sistema vivo. Por conseqüência, cabe sua aplicação em diversas esferas:
sociedade, instituições e também no Direito.
O antropólogo francês Gregory Bateson (CARBONE, p. 02) trouxe
contribuição na concepção do funcionamento de um relevante sistema: a família.
Introduziu alguns conceitos de cibernética no entendimento da comunicação e de
sua manutenção no interior da família. Pode-se afirmar assim, que para Bateson, o
sistema é qualquer unidade que inclua uma estrutura de retroalimentação e capaz
de processar informação.
Para o autor (BARBOSA, 2002, p. 1), a família poderia ser análoga a
um sistema homeostático. Este sistema é espécie de mecanismo de
retroalimentação que permite alcançar e/ou manter um estado de equilíbrio
61
dinâmico. Tem-se um arranjo circular de elementos ligados por vínculos causais, no
qual uma causa inicial se propaga ao redor das articulação do laço, de modo que
cada elemento tenha um efeito sobre o seguinte, até que o último realimento o efeito
sobre o primeiro elemento do ciclo (CRUZ, 2001, p. 17). Em outras palavras, sob
este enfoque, a família pode ser compreendida como um circuito de
retroalimentação. Isto porque, o comportamento de cada pessoa afeta e é afetado
pelo comportamento dos demais integrantes daquele núcleo. Portanto, na família
não ocorre a causalidade linear, mas, ao contrário, ela se estrutura dentro de uma
concepção de circularidade.
Na mediação de conflitos é necessário entender a sistemática do
núcleo a ser trabalhado. A visão sistêmica do conflito permite ao mediador
compreender o seu papel, como integrante de um sistema que receberá o nome de
Mediação. Instrumentaliza ainda percepção do problema: onde – verdadeiramente –
se localiza o desacordo.
Aplicada à realidade sistêmica, a relação perdedor-vencedor de uma
disputa comum, submetida à decisão jurisdicional (causa linear) torna-se uma
realidade complexa, onde todos os envolvidos são chamados à responsabilidade do
problema (causa circular).
Assim, o mediador age num sistema de interação, no qual ele é o
condutor da construção de um ritual em busca da homeostase. Tem-se a retomada
do equilíbrio necessário para que os mediados retomem a capacidade de tomar
decisões sobre suas próprias vidas.
4.4. A mediação e a interdisciplina
O conceito de disciplina pode ser entendido como “o conjunto
sistemático e organizado de conhecimentos que apresentam características próprias
nos planos do ensino, da formação, dos métodos, e das matérias (2003, p. 54)”. Já
a multidisciplina define-se como “uma gama de disciplinas adotadas
simultaneamente, abstraídas as relações existentes entre si (JAPIASSU, 1976, p.
72)”
O conceito de interdisciplinaridade envolve grande complexidade e,
por ser uma abordagem mais recente do conhecimento humano, seu significado
ainda não é inteiramente sintetizado por uma compreensão universal. Para Japiassu
62
(1976, p. 75) “A interdisciplinaridade define-se como axiomática comum a um grupo
de disciplinas conexas e definidas no nível hierárquico imediatamente superior,
introduzindo-se a noção de finalidade”.
Decorre desta essência a mediação interdisciplinar, que é uma
ferramenta capaz de promover a reorganização e a transformação do conflito - a
partir de um saber que toma por empréstimo os saberes de outras disciplinas e
integra.
A mediação só pode ser pensada pela interdisciplinaridade. Isto com
vistas a ampliar a capacidade humana para perceber as possibilidades de encontro
entre diferentes pontos de vista e permitir a transformação da realidade.
O modelo brasileiro de mediação a ser adotado deverá ser, a rigor,
interdisciplinar, capaz de promover um reenquadre do conflito, dar-lhe uma nova
moldura. Neste sentido afirma Águida A. Barbosa (1999, p.02):
integração do saber interdisciplinar, assim definido pelo Código da
Mediação, elaborado pelo Centro Nacional da Mediação (França), contendo
os princípios deontológicos da mediação: ‘A mediação é um procedimento
facultativo que requer a concordância livre e expressa das partes
concernentes, de se engajarem numa ação (mediação), com a ajuda de um
terceiro, independente e neutro (mediador), especialmente formado para
esta arte. A mediação não pode ser imposta. Ela é aceita, decidida e
realizada pelo conjunto dos protagonistas.
A interdisciplina e a mediação não procuram a substituição do direito
à psicologia, e não se confunde com a terapia, conforme leciona J.B. Villela (1999).
Todavia, o aconselhamento preventivo e reparatório pode ser benéfico ao êxito
mediação. A mediação necessita de conhecimentos extrajurídicos. Estes podem ser
representados pela teoria biológica de Maturana (Autopoiese), a linha filosófica de
Nietszche, a psicanálise, e a dinâmica sistêmica.
4.5. Princípios informadores da mediação
A mediação, por ser baseada num acordo de vontade e transcender
a solução do conflito a qualquer custo, tem como fio condutor transformar um
contexto adversarial em colaborativo. Isto seguindo alguns princípios básicos que a
norteiam enquanto instituto e processo.
63
Como já analisado no Capítulo I, a mediação tem como fundamento
o princípio da dignidade da pessoa humana e a autonomia privada. Analisar-se-á, no
presente momento, cada princípio específico: voluntariedade, não adversariedade,
informalidade, consensualismo, bem como aqueles voltados ao ofício do mediador
(imparcialidade, credibilidade, competência, confidencialidade e diligência.).
O princípio da voluntariedade é basilar na mediação. Isto porque, a
prática deste instituto somente ocorre quando as partes encontram-se dispostas a
resolver o conflito de modo não adversarial. Na mediação, os mediados devem
buscar este acordo, isto é, não há decisão imposta. Assim, na hipótese de não
existir predisposição das partes em acordar, a mediação torna-se inviável.
Mesmo nos países onde a mediação se faz obrigatória, essa
obrigatoriedade limita-se à primeira sessão. Nela, os participantes podem optar por
não realizá-la mais.
O princípio da não adversariedade engloba a mediação. No
processo de mediação não há autor ou réu, nem mesmo perdedores e ganhadores.
As partes buscam para si um acordo vantajoso, cujo raio de extensão atinge a todos
os participantes.
No princípio autonomia da vontade das partes, encontra-se um dos
principais autorizadores para mediação. Deve ser esta a premissa na qual o
mediador baseará o processo. Tendo a mediação caráter voluntário, há, por
conseqüência, a garantia às partes de administrar o processo, estabelecer
procedimentos distintos e facultar às mesmas a possibilidade de decidir o conflito
segundo seus próprios interesses com base no que consideram justo. Nada mais é
que, segundo Adolfo Braga Neto (1999, p. 93), “a busca por si próprios de solução
ou soluções para suas próprias controvérsias”.
Mister se faz a análise do princípio da boa-fé aplicado à
mediação.Ante à realidade da adoção do referido princípio no ordenamento
brasileiro, em especial pela menção no Código Civil, através da cláusula geral do art
.427, a boa-fé regula as relações, inclusive no tocante ao contrato e ao
procedimento da mediação.
Princípio pertinente à mediação é o da consensualismo e da
informalidade. Isto porque a mediação visa o resgate da comunicação de forma
pacífica. Todavia, não há um procedimento formal ou legal. As partes definem o
curso do processo. O procedimento é flexível tanto na linguagem como nos
64
procedimentos de modo que atenda às necessidades tanto do contexto quanto das
pessoas. No entanto, é necessário manter os padrões éticos e encontrar-se dentro
do âmbito legal.
Há de se ressaltar ainda, que a mediação não apenas possibilita
articular a autonomia, a igualdade e o contraditório, mas o faz de forma plena, a
partir do prisma de desmistificação de preceitos utopicamente estabelecidos na
norma positiva de direito.
Necessário, ainda, é verificar os princípios nos quais deve o
mediador se pautar, sendo igualmente imprescindíveis ao processo de mediação.
São estes a imparcialidade, credibilidade, competência, confidencialidade e
diligência.
A imparcialidade é a condição fundamental do mediador. É defeso
ao mediador possuir qualquer alteração de interesse e vinculação (aliança com
qualquer das partes).
Não obstante este princípio fundamental, a ausência de vinculação
torna-se árdua ao mediador, em razão de sua pré-compreensão e background.
Muito se tem discutido sobre a pré-compreensão (STRECK, 2002) do juiz, que julga
uma demanda, com fulcro não somente na lei, mas igualmente naquilo que traz
dentro de si: valores morais, histórico, linhas filosóficas ou religiosas. De forma
semelhante ocorre com o mediador. Sobre este tema, será analisado mais
profundamente no item “o mediador e sua atividade”.
Já a credibilidade institui a independência, franqueza e coesão do
mediador. Este visa sempre a manutenção da credibilidade de seu labor entres as
partes. Em razão da voluntariedade do processo, a credibilidade do mediador é
necessária e produz a confiabilidade e êxito no procedimento. A competência e
diligência dizem respeito à efetiva capacidade para mediar a controvérsia existente e
cuidado e prudência da regularidade, bem como a garantia do estrito cumprimento
dos princípios fundamentais. Pressupõe o aceite do exercício da atividade
mediadora quando amplamente qualificado para tal.
O princípio da confidencialidade versa sobre serem sigilosos e
privilegiados os fatos, situações e propostas ocorridos durante a Mediação. Os
participantes do processo sejam eles as partes, e mediadores, devem
obrigatoriamente manter o sigilo sobre todo o conteúdo a ele referente. Inclusive
lhes é defeso ser testemunha no processo, desde que não contrarie a ordem
65
pública. Os fatos, as experiências compartilhadas, as possibilidades para a solução
do conflito e as escolhas que ocorrem durante a mediação são sigilosos e
privilegiados.
4.6 Objetivos
A mediação é instituto que busca a solução dos conflitos através de
medidas práticas e viáveis. Encontra-se enquadrada no seio dos preceitos legais
existentes e não busca ser um desvio de demanda da atividade jurisdicional.
Tampouco, é analisada como um substituto do judiciário. Este é fundamental para a
manutenção do Estado Democrático de Direito.
De igual sorte, a mediação não é, nas palavras de Jairo Bisol (2001,
p.02):
[...] uma carta mágica a ser retirada da manga teorética sutil de algum
prestigiador de ilusões conceituais, pronta para substituir o já falido sistema
judicial. Não é, tampouco, a mais nova verdade posta na ordem do dia da
reflexão jurídica, como produto acadêmico e acabado, devidamente
embrulhado e etiquetado, anunciado em revistas especializadas – a imagem
das ‘verdades científicas’ que a razão moderna usou para perseguir com
seu modelo de racionalidade epistêmica, levado às últimas conseqüências
na primeira metade deste século.
No momento em que se entende a mediação como criadora de
comunicação entre as partes e ainda apresentando-as como responsáveis pela
solução do conflito, percebe-se que a mediação ultrapassa a solução de conflitos:
ela passa a preveni-los. O processo de mediação apresenta grande complexidade,
sendo difícil delimitar seus objetivos principais. Através da atividade da mediação,
podem ser percebidos mais evidentemente quatro objetivos: solução dos problemas
(pela visão positiva de conflito e da participação ativa das partes via diálogo,
configurando a responsabilidade pela solução), prevenção de conflitos, inclusão
social (conscientização de direito e acesso à justiça) e pacificação.
A solução de conflitos é o objetivo mais claro da mediação. A
solução se dá por meio do diálogo, no qual as partes interagem em busca de um
acordo satisfatório para ambas as partes.
Nesse sentido ensina Maria de Nazareth Serpa (1999, p. 151):
66
todas as mediações têm como objetivo a liquidação das diferenças entre os
participantes através de negociações. Em função da necessidade de se
alcançar um acordo e porque o processo comporta muito mais
engenhosidade e nuances do que é usualmente possível nos processos
adversariais, a mediação aponta para uma resolução que de maneira mais
concreta realize os interesses de ambas as partes.
Dentre as metas buscadas, entende Serpa (1999): redução dos
obstáculos existentes entre os participantes; a consideração das necessidades de
cada envolvido; maximização do uso de alternativas; preparação dos participantes
para aceitar as conseqüências de suas próprias decisões.
Vale dizer que o processo de mediação não se confunde com o
aconselhamento psicológico. Tânia Vanoni Polanczyk (2003, p. 1) apresenta quadro
onde traz as diferenças entre a terapia, a justiça adversarial e a mediação:
JUDICIÁRIO TERAPIA MEDIAÇÃO
Exercida por um terceiro
imparcial – juiz
Exercida por um terceiro
imparcial – terapeuta
Exercida por um terceiro
imparcial- mediador
Responsável Legítimo pela
pacificação social e por dirimir
conflitos
Terapeuta pode ser escolhido
pelas partes.
Mediador pode ser escolhido
livremente
Legitimidade advém do poder
estatal
Detentor de saber
psicoterápico.
Não tem outro poder se não a
autoridade conferida pelas
partes
Impõe soluções com base no
ordenamento jurídico
Utiliza princípios técnico que
são postulados pelo seu
referencial teórico com o
objetivo de promover
mudança.
Busca: restabelecer a
comunicação para a solução
do conflito. Direciona as
estratégias para organizar as
trocas entre as partes a fim de
que elas próprias construam a
solução
Intervém como ente
autônomo, externo, neutro e
imparcial
Interage afetivamente com o
indivíduo contendo e
ressignificando para o
indivíduo o conteúdo que lhe
traz.
Auxiliam as partes a retomar o
poder de gerir
A mediação não julga ou procura culpados – réus e autores -, mas
sim, conforme discorre Juan Carlos Vezzulla, (1999, p. 114) antes,
analisa o passado para que fiquem esclarecidas as inter-relações e sejam
trazidos à tona os desejos do presente e do futuro. Seja qual for o
relacionamento entre parte (o contrato) o importante na mediação é
67
estabelecer qual deveria ser o contrato (o relacionamento) atual entre alas,
que as satisfaça plenamente, e não quem quebrou o contrato passado.
Há possibilidade, portanto, de se ter duas figuras: ganhador e
ganhador. Este pensamento não é comum ao contexto atual, acostumado ao
maniqueísmo e a reflexão linear. Neste sentido afirma Dora F. Schnitman (apud
SALES, 2004, p. 29):
Nossa cultura privilegiou o paradigma ganhar-perder, que funciona como
uma lógica determinista binária, nas qual a disjunção e a simplificação
limitam as opções possíveis. A discussão e o litígio – como métodos para
resolver diferenças – dão origem a disputas nas quais usualmente uma
parte termina ganhadora e outra perdedora. Essa forma de colocar as
diferenças empobrece o espectro de soluções possível, dificulta as relações
entre as pessoas envolvidas e gera custos econômicos, afetivos e
relacionais.
É preciso ainda destacar que a mediação pode ser vista como uma
forma de prevenir os conflitos. Isto porque, insere no sistema daquelas partes a
realidade e a possibilidade do acordo. A mediação, neste sentido, pode ser traduzida
como aquela que minimiza os efeitos da escalada do conflito, em especial, nas
demandas familiares e retoma a capacidade decisória das partes e a conseqüente
responsabilização das mesmas.
4. 7 Aplicação
A mediação pode ser aplicada em quase todas as áreas, sendo seu
universo de atuação bastante vasto. De forma especial, nos Estados Unidos, dada a
pragmática do pensamento norte-americano, segundo Maria de Nazareth Serpa,
tem-se destaque para área civil e comercial, com ênfase na demanda contratual, nas
questões trabalhistas, de família – inclusive, vale ressaltar que nos Estados Unidos
tem-se a especialidade de mediação em divórcio -, conflitos de vizinhança e
internacionais. Cada modalidade de conflito, envolve pensamento, técnicas e
estratégias específicas. Analisar-se-á abaixo – de forma exemplicaficativa -, algumas
possibilidades de aplicação da mediação de forma geral.
A mediação pode alcançar todas as questões patrimoniais na área
cível. Nos conflitos decorrentes dos contratos – que podem ser de ordens diversas –
requerem soluções negociais. Muitas vezes demandam do mediador conhecimentos
68
específicos para a condução de acordo. Em países que já utilizam deste método, o
mediador que irá atender o caso possui saber necessário e igualmente se
especializam na área referida.
Cabe aplicação da mediação em questões de responsabilidade civil,
condomínio, direitos autorais, entre outras muitas possibilidades. Especificamente no
âmbito consumerista, Amélia Soares da Rocha (2003, p. 45) afirma:
a mediação, assim, pelo seu caráter de transformação efetiva, é instrumento
implicitamente idealizado para a consecução de um mercado de consumo
mais justo e equilibrado, ratificado por sua vertente educativa , bem como
de maneira explícita ao se interligar a realização dos direitos dos
consumidores com as formas alternativas de solução de conflitos.
No âmbito comercial e empresarial, aplica-se mediação em
controvérsias entre sócios, dissoluções de sociedades, divergências entre clientes e
fornecedores, questões organizacionais, joint-ventures, projetos de construções,
franquias, leasing, factoring.
Nos conflitos trabalhistas, de forma geral é cabível a mediação. No
Brasil, através da lei 9958/2000, institui-se a mediação nas comissões de conciliação
prévia. Esta determinação, todavia, não gerou uma mediação eficaz. Isto porque, os
mediadores encontram-se despreparados e ainda não se desenvolveu a dinâmica
mediadora.
No tocante a centros comunitários, aplica-se a questões diversas
que envolvam a manutenção ou a melhoria da convivência. Nas comunidades em
determinados países como Inglaterra e Estados, possuem, nos seus centros,
mediadores especializados.
Politicamente, tanto no internacional ou nacional, consagra-se a
mediação no que tange à articulação e negociação de interesses de convivência.
Cabe sua aplicação no âmbito internacional, como soluções de conflitos vinculados
ao MERCOSUL, e também questões vinculadas ao meio ambiente, na qual há o
estabelecimento de diálogos entre órgãos públicos, comunitários e judiciais.
Como visto, a mediação é um método universal, que pode ser
aplicado em quase todos os ramos do Direito com resultados significativos, os quais
ampliam as possibilidades de pacificação.
69
4.7.1 Nos conflitos familiares
A esfera familiar pode ser amplamente beneficiada pela mediação.
Diz-se, muitas vezes que a mediação e o direito de família são uma parceria
necessária. Abrange a questão da parentalidade – guarda, visitas, alimentos e afeto
(novo paradigma do direito de família contemporâneo) – e da conjugalidade -
separação e divórcio e outras conflitos que decorrem da área da família.
Muito se tem afirmado sobre a possibilidade de aplicação da
mediação nos conflitos familiares. Luís Alberto Warat (2001) defende que aplicação
nos relacionamentos entre alunos, pais e escola, na resolução dos conflitos em nível
de violência, vícios e mau comportamento.
4.7.2 Momento de aplicação
A mediação pode ser aplicada a qualquer tempo, desde que haja
real interesse nas partes em realizá-la. Inclusive, após a formalização da lide no
judiciário, a mediação poderá ser estabelecida.
Seu único limite e embaraço, entretanto, encontra-se no interesse de
uma das partes em manter a litigiosidade na relação. A indisposição em solucionar o
conflito pacificamente constitui o limite da mediação.
Este obstáculo pode ser observado nas sessões iniciais, nas
entrevistas prévias e na pré-mediação. Durante este período inicial, o mediador
informará o procedimento da mediação às partes e também a seus advogados, na
hipótese caso já tenha se iniciado a disputa judicial, com fim a estabelecer o correto
caminhar do processo de mediação.
Assim, conclui-se que a mediação é solução adequada a qualquer
conflito. Pode ser aplicada em todo tempo, mesmo que já exista ação judicial; o
único pressuposto é o interesse e disponibilidade das partes em realizá-la.
4.7.3 Benefícios da aplicação
A prática da mediação pode propiciar benefícios significativos. É
possível perceber que primeiramente, a mediação renova a intenção conciliatória e
relacional das partes. Com o procedimento, deixam-se ou minimizam-se conflitos
70
que não seriam solucionados (inclusive em nível intrapessoal) ou levariam anos para
serem apaziguados ou resolvidos. Embora não seja “passe de mágica”, a mediação
pode buscar este retorno e gerar uma transformação social e instauração de uma
cultura pacífica.
As partes envolvidas possuem controle do procedimento. Esta
benesse trata do fato que as sessões, o acordo, o prazo e quantidade dos encontros
correspondem diretamente ao interesse das partes. Inclusive, podem as partes
suspender o procedimento. Deste modo, implementa-se o respeito e a dignidade dos
mediandos, que retomam o domínio de suas próprias desavenças.
A informalidade do procedimento caracteriza a mediação e produz
rapidez à solução do conflito. Tal informalidade, contudo, não pode ser entendida
como falta de rigidez quanto aos princípios éticos, de independência, neutralidade,
competência, discrição, diligências e imparcialidade, dentre outros, que são
imprescindíveis à prática da mediação.
A economicidade se dá pelo fato do procedimento não possuir
elevado custo. Há somente o pagamento dos honorários do mediador, o qual será
proporcional ao número de sessões realizadas. Este aspecto credita ao mediador
sua imparcialidade e independência, pois não possui qualquer vínculo ao resultado
do acordo. No entanto, o pagamento deve ser fundamentado nos princípios da
razoabilidade, dentro dos parâmetros legais.
Na Inglaterra, estudo publicado na revista Lord Chancellor em 2001,
demonstra que um conflito trabalhado pela mediação é valorado em $550.00
pounds, ao invés de $1.656.00 pounds nos processos judiciais (média calculada
pelo Legal Aid Fund). Já na França, o custo médio de uma mediação familiar situa-
se ao redor de $400 Euros para as duas partes, soma inferior a uma Perícia Social
(Danièle Ganância, 2001, p. 13).
No Brasil, em mediação realizada na cidade de Londrina na
organização não-governamental “Instituto para o cuidado da Família” em 2005,
cobrou-se R$ 40,00 por encontro. A mediação aplicada durou seis sessões,
custando às partes R$ 240,00, valor significativamente inferior a uma demanda
judicial.
A não-adversariedade resulta como vantagem relevante. As partes
não mais figuram como adversárias, através da mudança de paradigmas, cooperam
conjuntamente, de modo a obter um acordo ou fim comum. Busca-se quebrar o jugo
71
da idéia linear – ganhador
x perdedor – para a percepção de que, mutuamente pode-
se obter resultados mais adequados. Ademais, a não adversariedade resguarda e
protege as partes do desgaste emocional do judiciário, em especial nas demandas
de família com filhos.
Preciso se faz ressaltar ainda a privacidade e o sigilo, requisitos
fundamentais à mediação. É imperioso aos participantes do processo, bem como ao
mediador manterem o mais profundo sigilo quanto às sessões. Além disso, deve ser
evitada a exposição dos conflitos à intervenção externa.
Corrobora à reflexão exposta Danièle Ganância (2001, p. 14), que
discorre sobre algumas das benesses trazidas pela mediação aplicadas ao direito de
família e analisadas pelo Conselho Europeu, em 1998:
A Recomendação do Conselho Europeu aos Estados Membros a respeito
da Mediação familiar (nº R98, adotado pelo Comitê dos ministros em 21 de
janeiro de 1998): ‘As pesquisas realizadas na Europa, na América do Norte,
na Austrália e na Nova Zelândia sugerem que a Mediação Familiar é melhor
adaptada que os mecanismo jurídicos mais rígidos na regulação dos
problemas sensíveis e emocionais que envolvem os conflitos familiares, e
ela oferece uma abordagem mais construtiva... A conclusão de acordos
contribui de maneira determinante para a manutenção de relações de
colaboração entre os pais que se divorciam: a mediação reduz os conflitos e
favorece a persistência dos contatos entre os filhos e seus genitores.
Reduzir os conflitos e melhorar a comunicação resulta em benefícios
significativos que reduzem os custos sociais e psicológicos e se refletem em
um maior bem-estar conquistado, na saúde física e mental, nos trabalho e
no resultados escolares.
A mediação, quando aplicada corretamente, traz consigo benefícios
e vantagens. Sua aplicação é positiva e acessível; conduz à reconstrução do
indivíduo em conflito e fornece concretude ao princípio da dignidade.
4.8 O Procedimento da mediação
4.8.1 O mediador e sua atividade
O mediador é o profissional habilitado para a prática da mediação.
Pode ser jurista ou não, dado ao caráter interdisciplinar do instituto e exerce a
função de facilitador de comunicação. É um terceiro imparcial, escolhido pelas
partes, que atua como instrumento do diálogo e da negociação. Auxilia a ampliação
de opções das partes com o fito de prevenir e solucionar os conflitos.
72
O profissional da mediação intervém como auxiliar e não como um
solucionador de conflitos, pois quem os efetivamente soluciona são as partes.
Conduz as partes no sentido de descobrirem quais seus verdadeiros interesses e
necessidades. Também coopera para que os mediandos considerem os anseios do
outro e analisem o problema sob novo prisma.
O mediador deve respeitar a decisão escolhida pelas partes, ainda
que aquela não seja a mesma dele. Esta premissa exige esforço do mediador, pois a
tendência humana é buscar sua concepção própria, em razão de sua pré-
compreensão. O mediador assume somente a atribuição concedida pelas partes, a
qual seja: ser o facilitador da comunicação, que as orienta até um entendimento.
Isto significa que o mediador facilita às partes a obtenção sua
própria decisão. Ao profissional da mediação somente conduzi-los a este resgate
através da facilitação da comunicação e de estratégias e técnicas apropriadas. O
mediador não se confunde com o árbitro ou conciliador.
O árbitro decide com sentença e o conciliador sugere e interfere; o
mediador faz com que as partes atinjam um denominador comum através do retorno
do relacionamento. Neutraliza as emoções das partes, recolhe informações,
necessidades e interesse, bem como auxilia a formulações de opções. Administra o
processo e é responsável pela sua manutenção.
De modo geral, aqueles que se submetem à mediação, a principio
encontram-se sob a égide do paradigma do paternalismo e adversariedade. Muitas
vezes, tendem a perceber o mediador como juiz e buscam fazer alianças com o
mesmo. Isto porque ainda vislumbram que o mediador é aquele que decidirá a
demanda. Freqüentemente, as partes tentam convencê-lo de que estão corretas e o
outro errado.
Diante desta situação, é preciso posicionamento consistente do
mediador, que deve buscar evidenciar que: a) Seu comprometimento é com o
acordo e não com as partes; b) Encontra-se equilibrado entre os disputantes; c)
Controla o processo enquanto as partes o decidem; d) Não aceita a definição
unilateral do conflito; e) Auxilia-os a desenvolverem opções para o conflito; f) Impede
a existência de segredos.
É dever do mediador garantir a oportunidade das partes
compreenderem e avaliarem as implicações do procedimento da mediação e de
73
cada item negociado. Deve ainda esclarecer quanto aos honorários, custas e
formas de pagamento (este tópico é sugerido ser explicitado na primeira sessão). É
imperioso abster-se de prever resultados e realizar promessas.
Importa ao mediador informar às partes sobre existência do sigilo
das sessões e zelar pela qualidade do processo quanto a esta questão. Cabe ainda
comunicar às partes a possibilidade de sessões em apartado. Nesta modalidade de
sessão, os envolvidos possuirão oportunidades equivalentes - o mediador deve
assegurar o equilíbrio de poder.
Parte da doutrina entende que o mediador sugerirá quando
necessário, a escolha de profissionais especializados, tais como terapeutas e
advogados. Entende esta corrente que a revisão legal do contrato seja feita por
outrem que não o mediador, com fito de não demonstrar ser profissional contrato por
uma das partes. Por fim, percebe que defeso se faz ao mediador, ao exercer a
mediação, prestar serviços de sua área. V. g., um advogado que se encontra
praticando a mediação de um casal decidido separar-se, não pode efetivar a
separação judicialmente. Para tanto, deve ser procurado outro profissional do direito.
Todavia, este não entendimento não resta pacífico: há a corrente teórica que
compreende a possibilidade do mediador atuar, como profissional, dentro do mesmo
caso.
O procedimento findará quando o conflito for resolvido, ante à
desistências das partes, face à qualquer impedimento ético ou diante de prejuízo de
uma das partes. Cabe ressaltar que, se solicitado, deverá fornecer por escrito as
conclusões da mediação.
4.8.2. Técnicas da mediação e do mediador
À mediação estão reservadas estratégias e técnicas peculiares. Para
tanto, a observação dos encontros, especialmente dos primeiros se faz necessária.
John M. Haynes e Marilene Marodin (1996, p. 14) lecionam sobre estes primeiros
encontros entre os participantes. De forma pragmática, apontam que cada uma das
partes possui sua própria versão do conflito, a qual se divide em três partes.
A primeira refere-se à versão específica dos fatos. A parte busca
demonstrar ao mediador sua justificativa e posição como aquele que recebe
injustiça. A segunda versão visa condenar o outro pelo conflito. Já a terceira traz a
74
definição do problema. Estes três elementos representam a definição do problema
de cada parte, que provavelmente são distintas entre si, pois cada qual percebe o
conflito de forma diversa.
A inabilidade para acordar sobre o conteúdo do conflito, faz com que
o papel do mediador nos primeiros estágios seja obter a concordância a respeito do
problema a ser resolvido. Por conta disso, o mediador deve auxiliá-las a estabelecer
uma definição neutra e clara de qual é o conflito, descartar as definições individuais
e adotar visões mútuas e comuns. A partir deste ponto, pode-se iniciar o trabalho de
resolução.
Esta transformação pode ser realizada a partir do lançamento de
dúvidas quanto à validade das afirmações das partes sem, contudo, desafiá-las.
Para tanto, é fundamental a utilização de técnicas específicas. Existem, nas ciências
das composições extrajudiciais inúmeras técnicas e estratégias. Serão apresentadas
algumas das quais percebe-se serem mais adequadas.
4.8.2.1 Haynes e Marodin
Primeiramente, Haynes e Marodin apresentam os seguintes passos
para a mediação com sucesso: 1) normalização, 2) mutualização, 3) foco no futuro,
4) resumo e 5) formulação de hipótese. Analisar-se-á cada uma das técnicas
apresentadas por estes autores.
Ao tempo em que as partes chegam à etapa de litígio, comumente,
trazem consigo a idéia de que seu conflito é anormal, único e insolúvel. Tentam
convencer o mediador de que sua história é ímpar e que a solução dada por ela
torna-se a única cabível. No entanto, o mediador – sem buscar desvalorizar as
partes e seu sentimento - deve convencê-las que seus conflitos são comuns,
habituais e solúveis.
Assim, por a parte entender como singular seu conflito, esta fornece
ao mediador a única solução (ao seu olhar) que dirimiria o problema. Contudo, na
maioria das vezes, tal solução reputa-se oposta à dada pela outra parte, que,
semelhantemente, considera o “seu” problema de forma exclusiva.
Logo, importa ao mediador eliminar as singularidades do conflito e
normalizar a situação. Assim, com a normalização do problema, a situação vivida se
torna comum, e por conseqüência passível de solução nos limites da normalidade.
75
É necessário, todavia, perceber se, verdadeiramente, o conflito é
complexo e singular. Ensinam John Haynes e Marilene Marodin (1996, p. 19) “nos
casos em que os participantes têm um problema anormal, o mediador não tenta
convencê-los do contrário. Fazê-lo é desrespeitoso para com os clientes e degenera
a credibilidade do mediador”.
Da mesma forma que as partes tendem a enxergar seu conflito sob
ótica singular, tendem também a enquadrar o conflito de modo a responsabilizar o
outro pelo litígio e se eximindo de toda culpa.
A primeira análise do problema sob a ótica da parte resulta sempre
no lançamento da culpa sobre o outro. Cabe ao mediador, nesta hipótese, auxiliar os
mediados a deixarem suas definições individuais e a vislumbrarem uma idéia mútua,
redefinindo o conflito. Tomam-se as palavras de John Haynes e Marilene Marodin
(1996, p. 20), para exemplificar tal situação:
Em caso de custódia de filho, o pai pode queixar-se: ‘Mas os filhos precisam
de seu pai.’ A mãe responde rapidamente: ‘Mas eles precisam de sua mãe
mais ainda.’ O mediador intervém: ‘Eu presumo que eles precisam de
ambos.’ Esta situação não contradiz o que cada um deles falou.
Simplesmente coloca seu problema como sendo mútuo. As opções para
resolver definições mútuas de problemas inclinam-se a ser soluções
mútuas.
Quando as partes são levadas a ver suas posições iniciais sob a
ótica da mutualização e da normalização, há uma redefinição destas posições.
Pode-se, portanto, instrumentalizar o encontro de seus próprios e reais interesses.
Uma vez criadas dúvidas sobre qual o verdadeiro conflito -
mutualizar e normalizar - devem as partes enfocar o futuro. As partes chegam ao
mediador visualizando o passado. Sua disputa é sobre o passado. No entanto, este
não deve ser o foco da mediação.
Claramente, quando as partes procuraram o mediador, há a
indicação de que existe um insucesso no passado e que este resulta nos conflitos
atuais. Como já se viu, as partes almejam definir culpados e lançam tal
responsabilidade ao mediador. Entretanto, não cabe a este julgar os culpados pelo
passado, mas sim, enfocar o futuro.
Os fatos pretéritos são imutáveis. Não se pode alterá-los. O
mediador, portanto, não deve buscar encontrar réus e autores, tampouco perscrutar
76
em demasia o passado das partes. Ao contrário, leva-as a chegarem a soluções
reais. Vale salientar que se torna árduo queixar-se sobre algo que não se conhece, a
saber, o futuro.
Quando o mediador transporta as partes para a normalização,
mutualização, transformando seus enfoques do passado para o futuro, não há uma
negação ou subestimação do que disseram. Ao contrário, o mediador resume os
pontos chaves da sessão, levando-os à solução do conflito.
O mediador move a sessão através do resumo, pois, após a
discussão entre as partes, este seleciona o que realmente é válido ao conflito.
Assim, faz com que as partes vislumbrem a situação real em que se encontram. O
mediador ao fazer tal resumo, deve lembrar-se de que não é um magistrado ou um
terapeuta. Ao contrário, é mister, nesta etapa, focalizar somente naquilo que
auxiliará as partes a chegarem num senso comum.
Ao mediador importa reunir as informações úteis à mediação (sem
pender ao lado jurídico ou terapêutico), e as resumir para o cliente. Isto para que se
obtenham dados que formarão a linha de questionamento.
A denominada hipótese auxilia o profissional a manter o foco em sua
relação profissional com o cliente, a escolher a linha adequada de questionamento e
selecionar a questão específica mais útil dentro desta linha. Auxilia o mediador a
mediar.
O mediador pode formular sua hipótese sobre três prismas: a) o
problema a ser resolvido na negociação, b) os objetivos dos clientes e c) seu
comportamento ao negociar (o profissional não é mais um advogado ou terapeuta, é
um mediador). Exemplificar-se-á a formação da hipótese no caso abaixo.
Cristina e Anderson passaram por um processo de separação, e
devido a conflitos gerados ao longo deste tempo, encontram-se com dificuldades
quanto à guarda de seu filho Tiago. Cristina e Anderson possuem novos
companheiros e ambos estão passando por crises financeiras.
Diante desta situação, o mediador deve selecionar qual o real
problema das partes: se este se relaciona com o filho Tiago, se com os
companheiros ou se com a questão financeira. Assim, formularia hipóteses para
descobrir onde se localiza o problema. Encontrado o motivo do litígio, este pode ser
trabalhado pelo mediador.
77
4.8.2.2 Perguntas: lineares, circulares, estratégicas e reflexivas
Face ao novo paradigma proposto – a compreensão das relações
pela teoria dos sistemas e a circularidade do pensamento – é preciso perceber a
existências de perguntas dentro do procedimento da mediação que auxiliam a
dinâmica da mediação. Estas são denominadas de perguntas circulares e reflexivas
e diferem-se significativamente do questionamento linear-tradicional.
As questões lineares, conforme ensina Corinna Schabbel [2003] são
investigativas: quem, onde, quando, porque. Possuem efeito conservador. Isto
porque as pessoas tendem a não deixar o conflito. Devem ser utilizadas com
cautela, em razão de conduzir o sistema ao engessamento.
As perguntas circulares, ao contrário, são exploratórias. Orientam o
mediador para a situação. Buscam intenções tácitas e padrões de comunicação: o
que você faz quando, quem mais pensa desta maneira. Tem como efeito serem
liberadoras, por abrirem um novo espaço para a participação das partes. Incitam a
preocupação pelo problema.
As estratégicas têm intenção corretiva e pedagógica: se... então.
Muitas vezes uma atitude provocativa do mediador se faz preciso para mobilizar o
sistema. Possui como efeito a possibilidade de circunscrever o conflito. É
necessário cautela no sentido de não permitir manipulação.
As questões reflexivas possuem intenção facilitadora: suponha que
[...], imagine que [....] Tem como efeito a autonomia e a possibilidade de tomada de
decisões alternativas. Deve haver posição de criatividade pelo mediador.
4.8.2.3 Roger Fisher, Willian Ury e Bruce Patton
A Escola de Direito de Harvard desenvolveu técnicas significativas
de negociação. Roger Fisher, Willian Ury e Bruce Patton, membros do Projeto de
Negociação da Harvard Law School, publicaram em 1981 a obra “Como chegar ao
sim – a negociação de acordos sem concessões” (1994, p. 56). Esta obra pode ser
considerada como manual técnico de negociação, e pode ser aplicada aos
mediadores, pois adota princípios nos quais os profissionais podem se pautar.
78
De forma pragmática – como é peculiar ao pensamento norte-
americano – e com linguagem simplificada, apresentam critérios examinados em
quatro etapas.
A) Separe as pessoas do problema
Os autores afirmam que o negociado, comumente, possui dois tipos
de interesse: na substância e na relação. A relação tende a confundir-se com o
problema.
Quando há a negociação da posição, o relacionamento e a
substância entram em conflito. Deste modo é preciso separar a relação da
substância e lidar diretamente com o problema pessoa.
Afirmam ainda, na linha de Luis Alberto Warat (2001), que é preciso
colocar-se no lugar do outro. Importa não deduzir as intenções do outro a partir de
seus próprios medos, tampouco culpá-lo por seu problema.
Diante disso, mister se faz discutir as percepções de cada um.
Buscar oportunidades de agir de maneira contraditória às percepções do outro e dar
a ele um interesse no resultado, certificando-se de que ele participa do processo.
De igual sorte, resta imprescindível que as propostas sejam
compatíveis com o valor do outro. A comunicação é instrumento cogente nas
negociações e mediações. Por isso é necessário reconhecer e compreender as
emoções do outro, gerar a fala sobre a parte e não sobre a outra, e por fim, falar
objetivamente de modo a ser compreendido. Cabe perceber que é imperioso
enfrentar o problema e não as pessoas.
B) Concentre-se nos interesses, não nas posições.
Para chegar a uma solução sensata, mister se faz conciliar
interesses e não posições, isto porque os interesses definem o problema. Afirmam
(FISHER; URY; PATTON, 1994, p. 59) que: “o problema básico de uma negociação
não está nas posições conflitantes, mas sim no conflito entre as necessidades,
desejos, interesses e temores de cada lado. [...] Posição é algo que você decidiu.
Interesses são aquilo que faz com que você decidisse dessa forma”.
Os autores perceberam que mesmo ante a posições opostas, há
interesses comuns e também interesses conflitantes e múltiplos. Para se identificar
interesses é preciso entender a razão do conflito. Pensar na escolha do outro.
Os interesses mais relevantes e poderosos são as necessidades
humanas básicas. Sugere-se que se faça uma lista sobre os interesses. Reconhecer
79
os interesses do outro como parte do problema. Colocar o problema antes de
oferecer solução. Olhar para frente e não para trás. Comportar-se objetivamente,
todavia de forma flexível. Ser rigoroso com o problema e afável com as pessoas.
C) Invente opções de ganhos mútuos.
É preciso separar as invenções do mediador, das decisões das
partes. Ao mediador cabe conduzir as partes a ampliar das opções e procurar
ganhos mútuos. Cabe ainda identificar interesses comuns e harmonizá-los.
D) Insista em critérios objetivos.
A mediação pressupõe critérios objetivos a fim de alcançar
resultados significativos. Decidir com base na vontade é oneroso. A negociação
baseada em princípios produz acordos sensatos, amistosos e eficientes.
A reprodução do método e das suas etapas de evolução, baseada
em princípios como os praticados pelos mediadores acima referidos, demonstra que
a solução privada dos conflitos de interesses já alcançou técnicas capazes de
resultados positivos para as partes em conflito.
4.8.3. Formação técnico-profissional
A formação do mediador deve conter aspectos pontuais. O
mediador, a princípio, não requer seja jurista; pode ter formação acadêmica em área
diversa. Todavia, segundo Juan Carlos Vezzulla (1999, p 118) alguns aspectos são
imprescindíveis. É preciso que o mediador possua:
1. A negociação cooperativa: o mediador precisa conhecer sobre as
técnicas de negociação e ser didático neste ponto junto às
partes. A Escola de Harvard ensina sobre este tema com
propriedade.
2. Comunicação: a chave da mediação encontra-se na restauração
do diálogo e do relacionamento. Inicialmente tem-se a
comunicação oral (não obstante, inclui-se a metacomunicação).
O mediador deve possuir bom conhecimento de lingüística e
semiótica, para que compreenda os mediados e facilite a
comunicação entre os mesmos. Ressalta-se que o estudo das
comunicações, se dá de forma contributiva pelas Escolas
80
Sistêmica, e os cinco axiomas da comunicação, tema que foi
anteriormente analisado.
3. Aspectos psicológicos da personalidade humana: o objeto da
mediação é o ser humano, sendo deste imprescindível seu
estudo. Várias escolas se destinam a tanto, a saber, a
psicanálise freudiana e suas atualizações lacanianas às escolas
sistêmicas, como já citadas acima, fornecem ao mediador um
amplo conhecimento do ser humano.
4. Teoria das decisões: deve o mediador conhecer técnicas de
gestão de conflitos, a fim de analisar as alternativas disponíveis,
bem como auxiliar a resolução do conflito.
5. Conhecimento jurídico: deve o mediador ter conhecimento
jurídico das normas que regem a matéria mediada e do contexto
normativo que incide sobre o conflito.
6. Aspectos sociológicos: o mediador deve possuir conhecimentos
sociológicos, com fito de conhecer a realidade de seus mediados.
Isto porque é preciso conhecer a realidade sócio-econômica das
para que se tenha uma completa compreensão dos conflitos
vividos e conseqüentemente, uma mediação bem-sucedida.
7. Técnicas de investigação e resumo: Como já visto anteriormente
deve o mediador buscar o real conflito, sem autores e réus, com
fito de auxiliar as partes a encontrarem seus interesses
verdadeiros. Deve ainda, resumir os tópicos mais importantes
levando as partes a vislumbrarem o conflito sobre novo prisma.
4.8.4. Fases da mediação
A mediação exprime-se por meio da condução das negociações de
outras pessoas. O mediador é aquele que administra as negociações. Organiza,
conduz e dá diretrizes às partes para que cheguem à solução do conflito.
Nota-se que na medida em que o processo se torna claro e
coerente, torna-se mais tangível às partes alcançarem as soluções adequadas e
aceitáveis.
81
Segundo a classificação dada por John Haynes e M. Marodin (1996,
p. 20), pode-se verificar a existência de alguns estágios da mediação, a saber:
identificação do problema, escolha do método, seleção do mediador, definição do
problema, desenvolvimento de opções, redefinição de posições, barganha e redigir o
acordo.
Primeiramente, deve haver a identificação do problema. As
negociações e mediação somente ocorrerão quando ambas as partes decidirem,
concordarem e reconhecerem a necessidade de solução de um conflito existente, e
assim se comprometerem a participar do processo.
Ao inexistir este entendimento por uma das partes, não há como
realizar o processo de mediação. Torna-se necessário uma demanda judicial.
Logo após, deve haver a seleção do mediador. A seleção do
mediador adequado pode ser baseada: a) no conhecimento do processo por parte
dos clientes, b) na reputação do mediador e c) no encaminhamento de casos por
outros profissionais.
O próximo passo a ser tomado é reunião de dados. Deve o mediador
iniciar o processo a partir da coleta de dados sobre a natureza da disputa, e fazer
com que as partes revelem todo o necessário para a efetiva solução do problema.
Na medida em que toma conhecimento dos fatos, o mediador os
confere à parte que tem menor conhecimento do conflito. Deste modo, garante que
todos os participantes utilizem as mesmas informações para definir o conflito. A
reunião de dados aprimora a capacidade de cada participante fazer as opções que
lhe são mais benéficas.
Esta reunião é de cunho relevante no trato do divórcio. Isto porque,
para a adequada fixação da pensão alimentícia e partilha dos bens, faz-se
necessário o conhecimento total dos fatos, sem que qualquer das partes omita
dados.
Ainda resta definir o conflito. Com as informações suficientes, o
mediador auxiliará as partes a definirem-no. Comum é a situação em que os
mediados minimizem suas responsabilidades no conflito e imponham o ônus da
mudança a outros.
No entanto, o mediador não deve focalizar a discussão na resolução
do problema definido unilateralmente. Ao contrário, deve voltá-lo a uma definição
mútua, cuja solução não beneficie um em pretensão de outro.
82
Definido o conflito, o mediador auxilia as partes a produzir opções
para resolvê-lo, a partir da ótica da mutualidade, não mais da unilateralidade. Esta
prática pode ser feita através do método conhecido como brainstorming (tempestade
de idéias). O objetivo desta técnica é conduzir as partes a gerarem “idéias” e
soluções, sem avaliá-las em um primeiro momento.
Uma vez listado, deve o mediador auxiliá-los a classificar tais opções
em possíveis, improváveis e impossíveis, e pode assim, haver uma pré-seleção.
Após, explora-se as conseqüências de cada uma, seus custos e benefícios. Se o
Brainstorming não atingir seu fim, qual seja, produzir opções, é possível ao mediador
sugeri-la a partir de casos similares.
Diante disso, busca-se assim, redefinir posições. Ao entrarem no
processo de mediação, tendem as partes a assumir posições que não condizem
com a realidade do conflito. Isto porque, negociam a partir de posições emocionais
ao invés de interesses, o que freqüentemente resulta em um impasse.
Ao mediador importa guiar os conflitantes a negociarem com base
em seus próprios interesses. O profissional deve conduzir as partes a ignorar as
posições introduzidas no início da sessão. Dessarte, ensinar aos mediados a
utilizarem do processo racional de resolução de problemas para identificar seus
verdadeiros e próprios interesses, formar as bases das negociações subseqüentes.
A partir do momento em que há a redefinição das posições, isto é,
que representa o real interesse das partes, os mediados poderão enfim, selecionar
quais soluções sejam mais benéficas a seu conflito. Assim, encaminha-se à fase de
transação do processo de negociação.
Após a realização das etapas supra citadas, as partes deverão
negociar sobre a escolha de soluções para que o acordo seja aceitável por todos os
envolvidos. Neste estágio, as posições são efetivamente modificadas e opções
definidas.
Os mediados somente podem transacionar quando dispuserem: a)
de todos os fatos do conflito, b) de definição adequadamente mútua do problema, e
c) de opções para a resolução do problema.
Por fim, com o término de todas as fases, ter-se-á acordo , se
necessário, – termo de entendimento - redigido pelo mediador, o qual fornecerá uma
cópia por cada participante.
83
Este termo deverá conter os dados passados, a definição do
problema, as opções escolhidas juntamente com a razão para tanto, e ainda o
objetivo do acordo. O acordo poderá ser homologado judicialmente a fim de evitar
qualquer conflito posterior. Para este mister, um advogado deve ser contratado.
4.8.5 Ciclos do procedimento
A mediação é composta pelos estágios já explicitados nos tópicos
anteriores, porém, estes fazem parte do processo global. Dentro deste processo, se
necessário, tem-se a formação de um ciclo, onde haverá a resolução de conflitos de
forma mais específica.
O ciclo da mediação contém as fases principais do processo global,
sendo elas a definição do problema, desenvolvimento de opções, definição das
posições e transação para a realização de acordos mútuos, e pode ser repetido
diversas vezes dentro do mesmo caso.
Tem-se como exemplo, o processo de divórcio, onde se utiliza o
ciclo para tratar de assuntos referentes à partilha dos bens, aspectos econômicos,
parentalidade, entre outros.
Em todas as fases do processo, o mediador deve assumir, como
facilitador de comunicação, sua postura de auxiliar e nunca de magistrado. Deve
levar as partes por si próprias a dirimirem seus próprios conflitos e não impor
decisões.
4.9 A experiência estrangeira da mediação
4.9.1 Nos Estados Unidos
A revalorização da mediação norte-americana teve por idealizador o
antropólogo Danzig, na década de 60. Em 1969, a Fundação Ford fundou o Instituto
de mediação e resolução de conflitos para mediar disputas comunitárias.
Historicamente, afirma Águida Arruda Barbosa (2003, p. 41),
84
Sob influência cultural da significativa população chinesa, que imigrou para
os Estados Unidos, os norte-americanos implantaram a prática milenar
da mediação. Assim, a Mediação foi tema de estudos junto à Harvard Law
School, concluindo por uma fundamentação teórica que a conceitua como
um modo de resolução de conflitos, já que objetiva o acordo entre as
partes, sem qualquer preocupação com as causas subjacentes ao
impasse.
Durante a década de 70, houve um forte movimento de
disseminação tendente ao “aperfeiçoamento do acesso à justiça”, como resposta à
explosão do contencioso em massa, marcando o início de uma tendência mundial de
criação de “circuitos derivados” como instâncias de conciliação para o trato de
pequenas causas. Essa iniciativa dirige-se principalmente à proteção do consumidor
e às relações locatícias.
Edwards P Davis (2001, p. 23), advogado e mediador na Califórnia,
em palestra proferida no Supremo Tribunal de Justiça em Brasília, corrobora com
esta assertiva e assegura que nos anos 70 e 80 houve um surto de processos
judiciais. Por conta disso:
os casos levavam mais de cinco anos para serem resolvidos na Corte
judicial, em primeira instância. Além disso, os juízes, litigantes estavam
ficando cada vez mais frustrados com a demora na resolução de suas
disputas. Conseqüentemente a confiança no sistema judicial começou a
perecer. A resposta mais rápida para este problema foi: ‘vamos ter de
construir mais salas de audiências e contratar mais juízes. (...). O congresso
vetou isso. Disseram: ‘Cortes, cabe a vocês resolver seus problemas,
porque não vamos dar-lhes mais dinheiro para construir novas salas e
contratar mais juízes’. Portanto, nos Estados Unidos, no que diz respeito à
resolução, a reforma foi desenvolvida inicialmente pelos próprios juízes e
advogados.
A mediação, portanto, atendia o propósito mais imediato, o de
desafogar o judiciário, tomado por uma quantidade inimaginável de litígios, a maioria
de pequeno valor, não justificando o alto custo acarretado ao Estado.
Águida A. Barbosa (1999, p. 5) assevera que “essas primeiras
tentativas são traduzidas como ‘justiça de segunda classe’ ou uma nova forma de
‘controle social’, aos poucos, desenvolvem-se experiências de mediação em todos
os campos das relações humanas, principalmente a mediação familiar
15
, que,
sobretudo no divórcio, encontra um campo propício.”
15
O termo mediação familiar foi desenvolvido por D.J.Coogler, advogado de Atlanta que, em 1.974,
inaugura um escritório de prática privada de mediação familiar, vindo a publicar a teoria da
85
Os resultados obtidos com a mediação, legitimaram todavia o
desenvolvimento de uma nova mentalidade no trato dos conflitos humanos. Neste
sentido, interessante perceber que a posição do doutrinador norte-americano John
W. Cooley (2001, p. 24), que narra como são utilizadas de forma comum as ADR:
Na última década do século XX, a profissão jurídica passou por grandes
mudanças. Entre elas, não é de pouco significado o interesse crescente
entre os advogados no uso de alternativas ao litígio tradicional em tribunais
para resolver as disputas de seus clientes de maneira mais eficiente e
econômica, com menos risco e melhores resultados. Na época de Samuel
Johnson não existiam quaisquer alternativas ao processo judicial. Os
advogados levavam seus casos aos tribunais e sujeitavam-se a um
trabalho árduo ‘autotorturante’ aparentemente interminável, com
potencialidade, na pior das hipóteses, da asfixia dupla. Felizmente, para os
advogados de hoje em dia, há alternativas. Podemos aprender e aplicar
métodos novos e inovadores para resolver disputas quando o processo
judicial não parece proporcionar a melhor alternativa processual para
satisfazer às necessidades e aos interesses emocionais, econômicos e
psicológicos de nossos clientes.
A mediação norte-americana ocorre em quatro modalidades:
estatutária, contratual, voluntária e por determinação judicial. A primeira delas
refere-se à aplicação em razão de lei: são pouco comuns e atingem algumas
situações de direito de família e trabalho. A mediação contratual ocorrer quando os
litigantes, geralmente na esfera empresarial, reúnem-se e chegam a um acordo
sobre um contrato para resolver seu conflito. A voluntária trata da procura pelas
partes de um mediador ao invés do sistema judiciário.
A forma de mediação mais relevante e eficiente nos Estados Unidos
decorre da determinação judicial. Pode se dar no início do processo – primeiros 90
dias - denominado avaliação inicial neutra, com mediadores nomeados ou privados.
Há ainda as chamadas conferências de conciliação, que se dá quando o juiz conduz
a mediação.
Por fim, vale salientar os resultados obtidos pela mediação nos
Estados Unidos. Edward P. Davis (2001, p. 25) assevera que “no norte da Califórnia,
na Corte Federal, onde trabalho a maior parte das vezes, noventa por cento dos
casos são resolvidos antes do julgamento. A maioria deles por meio de algum tipo
de mediação.”
Aduz ainda que no sul da Califórnia, as estatísticas são de noventa e
cinco por cento das demandas são solucionados pela mediação antes do
experiência em 1.978, sob o título de Structured Mediation in Divorce Settlement. A iniciativa é tão
aplaudida que, em 1.982, já havia mediadores familiares em 44 estados americanos.
86
julgamento. Afirma, por fim, que no norte da Califórnia havia um atraso de cinco
anos antes da institucionalização destes gerenciamentos dos casos e ADRs
obrigatórias. Hoje o prazo de solução de um processo judicial naquela localidade é
de sete meses.
4.9.2 Grã-Bretanha
A mediação na Grã-Bretanha encontra-se associado à questão
familiar. Havia, por parte de movimentos comunitários, a busca por promover auxílio
a famílias em processo de divórcio.
Em 1.977 Gwynn Davis (1989, p. 77), pesquisador em ciências
sociais da Faculdade de Direito da Universidade de Bristol criou o primeiro serviço
de conciliação familiar judicial, junto ao Tribunal, com o objetivo de atuar antes das
medidas judiciais que poderiam vir a ser promovidas. Caracteriza-se pela
especialidade dirigida aos conflitos que envolvem crianças.
O objetivo daquela conciliação não estava definido. A única certeza
era de que se tratava de uma ousada experiência, com o propósito de satisfazer a
demanda de um atendimento mais especializado nos conflitos de família. Porém,
não havia, ainda, a percepção das profundas diferenças entre conciliação e o que,
mais tarde, viria a ser conceituada como mediação. Embora com êxito, o trabalho,
assim, não teve seguimento.
A experiência pioneira de conciliação familiar, marcada pela
gratuidade e obrigatoriedade, paralelamente, deu suporte ao desenvolvimento de
outra iniciativa Em 1978 nasceu o primeiro serviço de mediação da Inglaterra, em
Bristol, concebido pela assistente social Lisa Parkinson. Este foi selado pelo caráter
privado e remunerado: firmou-se, deste modo, o reconhecimento da atividade
especializada da mediação.
Em 1.988, a difusão da mediação familiar britânica culminou com a
criação da “Family Mediators Association” – FMA, que retomou um projeto
experimental lançado em Londres, em 1.986. A mediação engloba todas as
questões do divórcio: da guarda ao patrimônio. São realizadas sessões em co-
mediação com advogado, em aproximadamente cinco encontros.
87
4.9.3 Na França
A mediação desenvolveu-se na França na década de oitenta por
pensadores que receberam o modelo advindo do Canadá. Jacqueline Mourret, Annie
Babus, Jean-Pierre Bonafe-Schimitt, Benoît Bastard deram início ao modelo francês
da mediação.
Em linhas gerais, a mediação já havia sido – de forma primária -
institucionalizada pela Lei 73-6 de 03 de janeiro de 1.973, que desenvolveu a figura
do Mediador da República, que intervém nos conflitos de direito público. De igual
sorte, o decreto 78-381 de 20 de março de 1.978, deu origem aos conciliadores que
buscavam solucionar pacificamente os conflitos de direito privado.
Em 1993 a lei 93-2 consagrou a prática mediadora. Estabeleceu
que: “O procurador da República pode, antes da decisão sobre ação pública e com o
consentimento das partes, decidir recorrer a uma mediação”.
Já no ano de 1995, a mediação foi institucionalizada no Código de
Processo Civil - no Título II, 1º parte, “A Conciliação e a Mediação Judiciária”, pela
lei 95-125/95. Lilia Maia de Moraes Sales (2004, p. 117) neste sentido afirma: “essa
lei determinou que o juiz pode depois de ter obtido o acordo das partes para realizar
a mediação ou a conciliação, designar uma terceira pessoa que preencha as
condições fixadas pelo decreto do conselho de estado para proceder: sejam as
tentativas de conciliação prescritas pela lei, seja uma mediação.”
O conceito de mediação familiar na França tem origem na École des
Parents, e no Conseil Conjugal et Familial, instituições genuinamente francesas,
sem correspondência institucional no Brasil. Na França, a mediação consolidou-se
com a obra de Jean-François Six, autor da “Dinâmica da ediação” e de Jean-Pierre
Bonafé-Schmitt, autor do artigo histórico “A Mediação: uma justiça doce”. A partir de
então, formou-se um pensamento norteador da mediação na França, sistematizado
em construção teórica.
Na esteira filosófico-comportamental da União Européia percebe-se
que, atualmente, não há mais um modelo francês: há o europeu. Este agrega o
modelo francês e o concebido na Grã-Bretanha por iniciativa de Lisa Parkinson.
88
4.9.4 Na Argentina
Na Argentina, a iniciativa do movimento em busca da
institucionalização da mediação de conflitos adveio do Poder Judiciário, quando o
ministro da Justiça Leon Carlos Arslanian procurou implementar um programa
Nacional de Mediação. Para isso formou-se uma comissão de juízes de primeiro e
segundo graus e advogadas incumbidos da elaboração de uma lei de mediação de
modo a difundir o instituto.
Em 1993, passou a funcionar o Centro de Mediação do Ministério da
Justiça, onde foi iniciada a experiência de mediação junto aos juizados cíveis. Em
1995, a lei 24.573 buscou descongestionar o judiciário e estabeleceu a mediação
obrigatória às ações judiciais.
Todavia, esta obrigatoriedade não se aplica às ações de separação
judicial ou divórcio, nulidade de casamento, adoção, com exceção das questões
patrimoniais, processos de declaração de incapacidade, causas em que o Estado
seja parte; medidas cautelares; dentre outros.
4.9.5 No Canadá
O início da mediação canadense se deu em 1.980, inicialmente pelo
setor público. Tinha natureza gratuita, não obrigatória, global e fechada - os juiz e os
advogados não tinham acesso às sessões de mediação.
Em abril de 1.984 foi criado o primeiro serviço de mediação familiar
de Montreal e este se tornou privado e de caráter interdisciplinar. Em setembro de
1.997, houve promulgação de lei que estabeleceu que aqueles envolvidos (cônjuges
e filhos) num conflito familiar poderão ter acesso a uma sessão de divulgação da
mediação e a cinco sessões de instância de mediação gratuitamente. Busca-se,
assim, divulgar e informar aqueles que necessitam, de uma nova possibilidade de
solução.
Marie-Claire Belleau e Aldo Moroni (2004) esclareceram que a
prática da primeira sessão da mediação é obrigatória, com caráter informativo. Este
primeiro encontro com a mediação pode ser realizado de modo individual ou em
grupo, de acordo com a escolha do casal. Quando os cônjuges ou companheiros
optam por participações individuais e, simultaneamente, escolhem grupos diferentes,
89
cada qual pode se inscrever no serviço de mediação de sua preferência,
exclusivamente para a sessão de informação, com outro critério para as sessões
sucessivas.
Vale ressaltar ainda a questão da remuneração dos mediadores
canadenses. Aceita a instância de mediação pelas partes, as cinco sessões serão
pagas diretamente pelo Estado aos mediadores credenciados e, caso seja
ultrapassado este número de sessões, a remuneração será paga pelos mediandos
diretamente ao mediador.
Interessante ressaltar, conforme Águida Arruda Barbosa (2002, p.
38) que:
Dada a característica do Canadá, de ter dois idiomas oficiais – inglês e
francês - o povo canadense absorveu a cultura da estrutura de pensamento
proveniente dos ingleses, dos norte-americanos e dos franceses. Assim, a
mediação no Canadá foi forjada no pragmatismo dos vizinhos dos Estados
Unidos e da filosofia dos ingleses e franceses, dando origem a um modelo
peculiar, harmonizando os recursos naturais advindos das diversas culturas,
exaltando as diferenças. Uma verdadeira mediação de culturas.
Em linhas gerais, a mediação canadense pode ser tida como modelo
de aplicação e desenvolvimento. Especificamente no viés familiar, concentra o uso
de práticas contemporâneas como a guarda compartilhada, a co-parentalidade,
dentre outras.
O Instituto de Direito de Família no Brasil (2004, p. 2) - IBDFAM -
integra um importante projeto em prol da divulgação da mediação familiar, o qual
aborda as experiências já realizadas no Canadá. O projeto é composto de três
fases: um documentário, a edição de um livro e a implantação da formação de
mediadores familiares.
A primeira fase do projeto, com duração prevista para seis meses,
já teve início no Canadá, em Montreal, em setembro deste ano. Estão sendo
filmados alguns casais em separação, com o acompanhamento integral do
procedimento por dois mediadores brasileiros, visando à produção de um
documentário que espelhe, o mais próximo possível, a prática da mediação.
Os recursos financeiros para esta fase do projeto advêm da CIDA -
Canadian International Development Agency (CIDA), por intermédio do Consulado
do Canadá, oriundos de um fundo de apoio a reformas do setor público e social de
90
países com o perfil do Brasil. Para as demais fases do projeto estão sendo captados
recursos com os incentivos da Lei Rouanet.
Na segunda fase, será editado livro, que conterá relatório nacional
do desenvolvimento da mediação familiar no Brasil, a ser elaborado com a
participação de todos os Estados da federação com representação do IBDFAM.
Conterá, também, o relatório das observações colhidas durante as filmagens no
Canadá, assim como das entrevistas realizadas naquele País, com mediadores e
profissionais que trabalham com conflitos familiares.
A terceira fase do projeto versará a formação de mediadores
familiares, com embasamento teórico criteriosamente construído durante o
desenvolvimento das fases precedentes. A metodologia a ser adotada será fruto da
observação e da reflexão advinda da elaboração dos relatórios já mencionados, para
corresponder à efetiva demanda da mediação familiar.
4.10 O contrato de mediação
Assume a medição a natureza contratual, em virtude de “serem duas
ou mais vontades orientadas para um fim comum de produzir conseqüências
jurídicas, extinguindo ou criando direitos”, conforme ensina Adolfo Braga Neto (1999,
p. 93). Esta natureza encontra-se fundamentada e embasada nos princípios da boa-
fé, que impõe a todos o dever de agir com lealdade, autonomia da vontade e
igualdade das partes.
Tarcísio Battú Wichrowski (2002, p. 29), com propriedade afirma
que: “trata-se de um modelo jurídico que tem sua fonte na autonomia privada, na
autonomia da vontade e no poder de disposição dos indivíduos.“
Antonio Carvalho Neto (1956, p. 17) referiu-se à mediação
imobiliária, como “a harmonia de interesses dirigida para um fim comum, com o
objetivo de criar, modificar ou extinguir um vínculo”. Na esteira deste entendimento,
pode-se compreender no âmbito global da mediação, seu caráter consensual, uma
vez que brota do consenso das partes, que por si mesmas, ressalvada a ajuda do
mediador, encontram a solução para seu conflito.
Pode-se classificá-la como um contrato bilateral, pois cria obrigações
para ambas as partes e essas são recíprocas. A vontade das partes é plenamente
91
estabelecida. Não são impostas aos mediados decisões que dos mesmos não
tenham advindo.
Entende-se também que se trata de contrato oneroso. Isto se dá,
pois, ambas as partes auferem benefícios e sacrifícios, sendo estes repartidos
mutuamente.
Figura-se como não formal, visto que na mediação há regras
flexíveis sobre o processo e o contrato. Não se exige formas ou solenidades, sempre
havendo o respeito ao acordo de interesse das partes. Sua eficácia decorre do
consensualismo.
Por fim, tem-se como contrato inominado e principal. Isto porque
além de possibilitar meio para que relações rompidas se refaçam, possui o fito de
solucionar o conflito e pacificar as partes.
4.11 A mediação e o direito positivo
4.11.1 O panorama axiológico constitucional – fortalecimento da democracia
pela mediação
É preciso, dentro do contexto normativo brasileiro, buscar a
adequação da mediação ao Texto Constitucional. Em linhas gerais, pode-se afirmar
que aplicação da mediação encontra-se autorizada pela Constituição de 1988. E vai
além: a democracia é fortalecida pela mediação, pois o poder decisório –
concretamente – advém das partes. Serão estas, portanto, as assertivas analisadas
neste momento.
Primeiramente, há que resgatar o proposto no Preâmbulo da
Constituição Federal:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-
estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na
harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a
solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus a
seguinte Constituição Federativa do Brasil.
92
É preciso se ater ao declarado neste preâmbulo: existe o
compromisso com a solução pacífica das controvérsias. Inegável esta tendência
constitucional, que conduziu o constituinte a estabelecer o texto sob estes
fundamentos. Ademais, há o pacto com justiça e com o bem-estar do ser humano, o
que demonstra, portanto, um interesse na mediação.
O art. 1º, III fundamenta a República Federativa do Brasil na
dignidade da pessoa humana, conforme apresentado no Capítulo I desta
dissertação. Ora, o instituto da mediação possui como escopo a valorização do ser
humano e os elementos que envolvem sua individualidade: seus conflitos e
sentimentos. Há, portanto, a idéia de resgate da condição de pessoa e cumprimento
real do referido art. 1º, III.
Ainda os incisos I e IV do artigo 3º, trazem os objetivos desta
república, a saber: construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como
promover o bem de todos independentemente de diferenças quaisquer.
No tocante ao valor da liberdade, cabe tecer breves considerações.
Liberdade, nas palavras de José Afonso da Silva (1996, p. 236), “consiste na
possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da
felicidade pessoal”. A Constituição, ao garantir o direito de liberdade, assegura o
direito à busca da felicidade. Esta felicidade pode ser atingida, muitas vezes,
somente quando o indivíduo coordenadamente compreende o objeto de sua
vontade. Assim, no direito de liberdade tem-se o direito de reger-se a si mesmo.
Buscar por si próprio soluções aos seus conflitos.
Ademais, inexiste impedimento constitucional para a utilização da
mediação. Não há contrariedade ao direito de ação ou acesso à justiça. Isto porque,
não há no ordenamento jurídico brasileiro a obrigatoriedade do indivíduo, diante de
uma lesão de seus direitos, ingressar com demanda judicial. Tem-se, ao contrário,
uma garantia de livre acesso ao judiciário, que pode ou não ser exercida.
O acordo obtido na mediação não possui caráter sentencial e as
partes podem optar pelo judiciário a qualquer tempo. A mediação propõe-se a
cooperar com o judiciário, no sentido de acrescentar maior dignidade à atividade
jurisdicional e não substitui-lo.
Na órbita específica do Direito de Família, a Constituição Federal
assegura o bem-estar, os interesses e direitos individuais de cada membro familiar
93
(enquanto membro e indivíduo), e concede a estes direitos indisponíveis. Todos
estes imersos no princípio da dignidade da pessoa humana.
Os conflitos, em especial os de família são de cunho subjetivo. Lida-
se com questões emocionais. É necessário, por isso, tratar pessoas como pessoas.
A mediação traz à baila um resgate desta dignidade. Visa restaurar a comunicação
entre as partes, levando-as à obtenção de um melhor acordo.
Deste modo, em face de um conflito concreto, (v.g. uma ação de
divórcio com filhos menores), o juiz pode com autorização constitucional – art. 1º, III,
art. 3º, I, bem como nos arts. 227 e 229 da Constituição Federal (BRASIL, 1988),
sugerir às partes a mediação.
José Eduardo Elias Romão (2003, p. 264), em sua dissertação de
mestrado prossegue na interpretação constitucional e afirma que para a Carta
Magna, a utilização da mediação deixa de ser método “alternativo”, e passa a ser
participante do processo de resolução de conflitos existentes no país. Isto porque,
ao observar os princípios da participação, da pluralidade e da abertura interpretativa
que fundam o sistema dos direitos a partir da Constituição e constituem tal
procedimento, é inapropriado o tratamento de “método alternativo”.
E conclui o autor:
A denominação alternativo não se justifica nem mesmo na comparação
usual entre métodos judiciais e métodos extrajudiciais de solução de
conflitos. Pois, enquanto estes possibilitam uma participação efetiva dos
interessados no processo de decisão sobre o problema e, assim, uma
conexão “forte”entre direito e democracia, entre sujeito autônomo e sistema
– tal como exige a Constituição vigente, o processo judicial reduz, dividindo
as pessoas em partes, as possibilidades de comunicação e de integração
pelo direito beligerante.
Em linhas gerais, pode-se asseverar que existem semelhanças e
relações entre a mediação e a democracia.
A Constituição Federal definiu ser o Brasil um Estado Democrático
de Direito. A democracia pode ser percebida como conceito que visa a
solidariedade, dignidade da pessoa humana, liberdade e igualdade. Nela, o poder
decisório emana do povo com fim ao próprio povo.
Em razão desta decisão (poder) proceder do povo para o povo, na
democracia, o poder advém de uma única classe. Semelhantemente na mediação,
as próprias partes decidem por si seu conflito. A decisão (poder decisório) surge da
94
parte para parte. Ora, nada mais é que a aplicação explícita do princípio democrático
na sociedade.
Ademais, a democracia busca obter uma sociedade justa, livre e
solidária, bem como participativa (o povo envolvido no processo decisório) e
pluralista (onde há a comunicação e o respeito às mais diversas opiniões e idéias, o
que possibilita a convivência de formas de organização e interesses diferentes).
Princípios estes adequados ao instituto estudado.
A intenção democrática confunde-se com o encargo da mediação. A
procura pela liberdade (retomada da autoria da vida das partes envolvidas no
conflito), a solidariedade e a retorno ao diálogo para a construção de um novo
relacionamento pós-conflito são os alvos perseguidos pela mediação. Deste modo,
mister é concluir que a mediação é forma de fortalecimento do princípio democrático
e a implementação da mediação pode auxiliar na implementação da democracia.
4.11.2 A possibilidade infraconstitucional e o Código Civil 2002
A utilização da mediação tem ocorrido de maneira concreta em
diversos países. Analisou-se já anteriormente a aplicação do instituto em nações
distintas e pôde-se concluir que existe um alicerce normativo para seu emprego.
Embora a realidade estrangeira se dê diferentemente, no Brasil ainda não existe
norma específica que regule o tema.
É preciso, todavia ressaltar a existência do Código de Ética dos
Mediadores (Anexo II). Este aponta as diretrizes básicas da mediação brasileira e
pode ser tido, ante a ausência de qualquer texto de lei, como parâmetro do correto
atendimento em mediação. O Código determina alguns princípios e estabelece
direitos e deveres do mediador junto às partes, ao procedimento, dentre outros.
Não obstante ausência de legislação específica, o presente estudo
procura demonstrar a possibilidade da aplicação da mediação através da legislação
vigente e existente, por meio da procura de regras implícitas e aparentes que
possibilitem esta resposta.
Analogicamente, pode-se utilizar a legislação atual para implementar
ou fundamentar a mediação, à luz do que ensina Marcial B. Casabona (2001).
95
A aplicação analógica da mediação das normas infraconsticionais
requer um esforço científico. Para que se possa enquadrar a mediação a outros
dispositivos jurídicos mister fazer este exercício.
Primeiramente, a percepção correta da mediação é técnica de
resolução de conflito e enquanto técnica a mediação difere significativamente da
conciliação. Todavia, sob a ótica jurídica (e somente por ela), pode-se analisar a
mediação como espécie do gênero conciliação. Isto porque a conciliação é instituto
processual que resulta na composição consensual das partes. Assim, pode-se tentar
enquadrar a mediação dentro do gênero conciliação e aplicar as normas previstas à
conciliação no Código de Processo Civil.
O art. 125, IV do Código de Processo Civil (BRASIL, 2001) (regula
os direitos e deveres do juiz), assegura que o juiz a qualquer tempo deve tentar a
conciliação. O artigo 331, § 1º do Código de Processo Civil determina a realização
de audiência de conciliação. Já o art. 447, determina que o juiz deve buscar a
conciliação antes do início da audiência de instrução e julgamento.
O art. 9º da lei 5478/68 também assegura a conciliação, que
estabelece: “aberta a audiência, lida a petição [...] o juiz ouvirá as partes litigantes e
o representante do Ministério Público, propondo conciliação.”
A lei 6.515/77, que regula a dissolução da sociedade conjugal e do
casamento, estabelece em seu art. 3º, § 2º que: “o juiz deverá promover todos os
meios para que as partes se reconciliem ou transijam [...]” Nele consta uma
permissão ao juiz possibilitando a remessa do conflito ao mediador. Nesta hipótese
poderá o juiz fornecer efetivamente às partes, todos os meios para que se
reconciliem ou transijam.
Em face do já exposto, a conciliação positivada pode se efetivar pela
mediação. Deste modo, quando da autorização legal para a conciliação, o
magistrado pode suspender o processo e encaminha as partes ao mediador. Esta
situação garante a concretização dos princípios propostos e conduz o direito atingir
seu fim.
Nas palavras de Águida Arruda Barbosa (2002, p. 96), pode-se
concluir que:
O juiz não está somente autorizado, mas obrigado a recomendar a
mediação aos litigantes, pois o dever de não ingerência nas relações
privadas cessa no momento em que nasce o risco da não assistência.
96
Enfim, a mediação é a aplicação do princípio ético da responsabilidade pelo
próximo e, no direito pátrio, encontra-se acolhida pela lei penal que tipifica o
crime de omissão de socorro.
Cabe ressaltar o dispositivo legal contido no Código de Ética e
disciplina da ordem dos Advogados do Brasil (2000) que determina em seu art. 2º,
IV, parágrafo único: “estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre
que possível, a instauração de litígios”. O advogado deve instigar a prática dos
métodos extrajudiciais e buscar a prevenção dos litígios judiciais. Isto não pela
falibilidade do judiciário, porém pelos benefícios oferecidos pela mediação.
O Código Civil de 2002 encontra-se estabelecido sobre três
princípios norteadores: eticidade, sociabilidade e operabilidade. Foram deixados
(ainda que não de forma plena) alguns paradigmas da modernidade como
individualismo ou patrimonialismo extremo e estabelecidos novos valores, à luz da
Constituição Federal.
Pôde-se perceber ênfase nos direitos da personalidade e princípios
humanistas como a função social e a boa-fé em seu sentido objetivo, os quais são
compatíveis à mediação.
Semelhantemente, a autonomia da vontade - princípios da mediação
- encontra-se amparada pelo Código. Vale ressaltar que esta deve estar inserida
num contexto de dignidade e boa-fé, que implica em deveres anexos de lealdade e
boa conduta.
Por tudo isso, pode-se afirmar que a mediação estabelece-se sob os
novos paradigmas do Código Civil apresentados acima. Igualmente, concretiza e
desenvolve os valores civilistas da atualidade inseridos legislação de 2002.
Em face desta análise legislativa, é possível concluir que a mediação
pode ser aplicada: a) seja pela ausência de impedimento legal, b) seja pela
efetividade dada aos princípios constitucionais e civilistas na nova perspectiva ou, c)
pela autorização nos dispositivos ordinários.
4.11.3 Movimentos pré-normativos
O Brasil carece de regulamentação específica para a mediação.
Todavia, surgem movimentos pré-normativos.
97
O primeiro movimento surgiu do pensamento interdisciplinar para a
implementação da mediação familiar. O Projeto de Lei que institui a mediação é de
autoria dos juristas Águida Arruda Barbosa, Luís Caetano Antunes, Antonio Cesar
Peluso e das Psicanalistas e mediadoras Eliana Riberti Nazareth e Giselle
Groeninga, com iniciativa legislativa da Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro (Anexo III).
A inspiração que se prestou de êmbolo a essa iniciativa foi o estudo
da inserção da mediação no Código de Processo Civil da França, que recepcionou o
instituto em reforma processual de 08 de janeiro de 1995. O projeto fulcra-se,
portanto, no modelo europeu.
Em dezembro de 1998 a Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro adotou
aquele estudo, o que gerou o Projeto de Lei n.º 4.827/98, atualmente sob o nº 94/02
no Senado Federal, que já tramitou pela Comissão de Justiça, pendente de votação
e aprovação para se tornar a lei nacional para instituir a Mediação no Brasil.
O conteúdo do projeto tratou no artigo 1º (BRASIL, 1998) do
conteúdo da mediação.
Atividade exercida por terceira pessoa, que, escolhida ou aceita pelas
partes interessadas, as escuta e orienta, com o propósito de lhes permitir
que, de modo consensual, previnam ou solucionem conflitos.
Tratou-se ainda sobre o mediador: definiu-se que: “Mediador é a
pessoa capaz, de reputação ilibada, aceita pelos mediandos e que tenha
qualificação adequada à natureza do conflito” (BRASIL, 1998). Quanto ao objeto da
mediação, com as devidas adaptações ao sistema jurídico brasileiro, determinou-se
que: “A mediação está prevista para toda matéria que admita conciliação,
reconciliação, transação ou acordo de outra ordem ou fins que a lei permita”.
Semelhantemente, disposição relevante fora a autorização do
magistrado para promover a mediação. Ficou estabelecido que: “o Juiz poderá,
obtida a concordância das partes, designar um mediador, em qualquer grau de
jurisdição e em qualquer fase do processo, suspendendo- o pelo prazo de até 3
meses, prorrogável por igual período”.
É possível ressaltar no texto legal a existência do vocábulo “escuta”.
Esta modalidade diferencia a mediação de qualquer outro método de resolução de
conflito extrajudicial. A mediadora francesa Jacqueline Mourret (1996) explica que a
metodologia da mediação é a tática e a estratégia em que a escuta entra como
atividade profissional, altamente qualificada, permitindo decodificar, imaginar e
98
concretizar. Trata-se de uma escuta dinâmica, que dá sentido ao silêncio, que
percebe as mensagens não verbais. Enfim, trata-se de uma atividade de ouvir para
depois escutar, ajustar, promover escolhas, realizar recortes, criar um novo colorido
para habitar as sombras do sofrimento humano.
Destacam-se outras características do projeto de lei, a saber: a)
quanto à natureza da mediação, constando do projeto que a mediação tanto pode
ser judicial como extrajudicial, tendo por objetivo a prevenção do litígio em atividade
que se desenvolve fora do processo; b) quanto ao seu objeto, podendo a mediação
versar sobre todo o litígio, ou parte dele.
Todavia, outro movimento pré-normativo (Anexo IV) para instituição
da Mediação no Brasil veio por intermédio de um anteprojeto de lei, em meados do
ano 2000, de iniciativa de um grupo de processualistas nomeados pela Escola
Nacional da Magistratura, sob a presidência da Professora Ada Pellegrini Grinover e
coordenação da Ministra Fátima Nancy Andrighi. A iniciativa tomou por modelo a
experiência da Mediação na Colômbia e se constitui de 29 artigos.
O anteprojeto define a Mediação como “um mecanismo alternativo e
consensual de solução de controvérsia, que tem como objetivo pacificar os
contendores através da atuação de um mediador”.
Há previsão de Mediação prévia e incidental, sendo que a formação
dos mediadores tem como pré-requisito ser advogado, com pelo menos dois anos
de experiência para exercer a atividade como auxiliar da justiça, cabendo à Ordem
dos Advogados do Brasil o credenciamento desses profissionais.
A iniciativa da Mediação será formalizada por petição inicial
remetida pelo distribuidor ao mediador sorteado. Outro aspecto a ser destacado no
estudo pré-legislativo é que a eficiência do mediador será medida pelo número de
acordo celebrados.
Ainda cabe perceber o esforço governamental no sentido da
educação para a mediação. Inserido nas recomendações do Ministério da Educação
– Secretaria de Educação Superior, em junho de 2001, a mediação deve ser
desenvolvida pelo núcleo de prática jurídica dos cursos de Direito.
Deste modo, para um curso de Direito obter conceito máximo,
recomenda-se que tenha promovido o ensino de técnicas da mediação, conforme
99
item 5, letra C, II – Organização Didático-Pedagógica, dos Padrões de Qualidade do
Curso de Direito.
Em linhas gerais, esta regulamentação não vem sendo fielmente
seguida pelas instituições de ensino. Todavia, o critério adotado pelo Ministério da
Educação seguramente estimula a prática da mediação e se aplicado corretamente
subsidia a articulação da formação humanista dos acadêmicos de direito. Diante da
necessidade de quebra de paradigmas, são necessárias algumas medidas práticas.
Neste sentido, afirma Ligia Maria Dornelles (2001, p.6):
Acredito que, através da formação integral do ser humano trabalhando os
valores da interioridade, do desenvolvimento, da intuição, da criatividade e
de uma concepção eco-ética da vida, é possível estender o raio da
existência individual a um ser universal, onde o ser humano possa
apresentar-se como pessoa livre, nobre, autônoma moral, emocional,
política, econômica e financeiramente capaz de se autogerir, dando sentido
a sua vida independente dos condicionamentos do cotidiano.
Cabe, por fim ressaltar a necessidade de docentes capacitados para
este mister, do modo a promover corretamente o ensino teórico-prático da
mediação.
Não resta dúvida de que a mediação será consagrada na
sistemática jurídica, se analisada do ponto de vista da ética. Isto porque ela auxilia e
fundamenta o dever de assistência à pessoa em situação de perigo. A mediação
surge, portanto, como socorro do indivíduo.
100
5 APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO. HUMANIZAÇÃO NO TRATO DOS CONFLITOS.
5.1 A mediação como consagração da dignidade da pessoa humana e
exercício da autonomia privada
A análise da mediação conduz a uma conclusão significativa: a
mediação se faz assaz necessária à realidade social da contemporaneidade. A
condição da sociedade, da economia mundial, do judiciário, bem como das atuais
vertentes do Direito Civil conduzem à prática desta modalidade de resolução de
conflito.
Como forma concretizadora do princípio da dignidade, a mediação é
uma possibilidade acertada. Garante aos envolvidos no conflito o respeito pelas
suas próprias questões e sua retomada decisória.
O princípio da dignidade e a mediação aliam-se sob duas óticas
distintas: a) é fundamentada por aquele e b) corrobora com sua implementação de
forma prática e alcançável.
Ainda tende a cumprir outras diretrizes decorrentes da dignidade:
promover o cumprimento do principio da boa-fé nas relações, originar o melhor
interesse da criança, fomentar as resoluções pacíficas, dentre outras.
Enfim, apresenta o ser humano, verdadeiramente, como núcleo do
direito, e não apenas como mero sujeito de direitos – abstrato e irreal. Trata-se de,
portanto, através de um método funcional, promover o bem estar social e humanizar
as possibilidades de solução de conflito.
No tocante ao princípio da autonomia privada, esta entendida
enquanto poder de decisão ou poder negocial, está na base da mediação, que é
uma forma de “negociação assistida”. Entende Christopher W. Moore (1998, p.43)
que a mediação:
é geralmente definida como a interferência em uma negociação ou em um
conflito de uma terceira parte aceitável, tendo um poder de decisão limitado
ou não autoritário, e que ajuda as partes envolvidas a chegarem
voluntariamente a um acordo, mutuamente aceitável com relação às
questões em disputa. Alem de lidar com questões fundamentai, a mediação
pode também estabelecer ou fortalecer relacionamentos de confiança e
respeito entre as partes e encerrar relacionamentos de maneira que
minimize os custos e os danos psicológicos.
101
Autonomia privada trata da possibilidade das partes regularem seus
próprios interesses, bem como do direito à autocomposição. A Mediação devolve às
partes este poder. Isto porque, os envolvidos possuem domínio do procedimento,
liberdade de comunicação e podem decidir seus conflitos.
Nas palavras de Luis Alberto Warat (2001, p.16): “em termos de
autonomia, democracia e Direito Humanos, a mediação pode ser vista como sua
melhor forma de realização”.
Em tempos hodiernos, é preciso que o ser humano retome o
controle de seus interesses e não somente os lance ao judiciário, quando ele próprio
pode resolvê-los. A autonomia privada reconhece a existência de um âmbito
particular de atuação do sujeito e mediação pode proporcionar esta liberdade de
agir.
Por tudo isso, pode-se afirmar que a mediação é exercício do
princípio da autonomia – isto é, materializa este princípio, na medida em
efetivamente torna esta autonomia real.
5.2 Humanização dos conflitos de família – possibilidade de transformação
“A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à
proteção da sociedade e do Estado.”
Declaração dos direitos do homem em seu art. XVI, 3
A mediação pode ser utilizada nos mais diversos campos. Como
analisado no Capítulo III, pode ser proveitosamente aplicada no âmbito
consumerista, nas práticas contratuais, em conflitos de diferentes espécies.
Todavia, é no campo do conflito familiar onde se possível perceber
significativos benefícios da mediação. Isto pode ser em razão do grau emotivo
destes conflitos. Em sendo assim, estudar-se-á a seguir a família, sua origem
histórica e sua caminhada normativa. Por fim, serão analisados os questões
familiares e possibilidade da humanização de suas decisões.
102
5.2.1 A família e o Direito: sua análise histórica e percepção atual
O instituto da família sempre existiu. Desde os primórdios da
humanidade - em concepções da idade antiga e também em períodos da pré-
história, a família possui significado.
Nas sociedades antigas, como sociedade hebraica, a percepção do
instituto era clara, com normas específicas sobre comportamentos familiares. Havia
a família parental – pai e mãe – conforme se pode perceber pela declaração bíblica
(G. 24-2.36): “Deixará o homem seu pai e sua mãe e apegar-se-á a sua mulher e
serão uma só carne.” Na evolução judaica, a família era preservada e valorizada, tal
como se pode perceber pelas declarações no livro dos Salmos e nas cartas do
Apóstolo Paulo.
Na sociedade romana, a família era definida segundo Reynaldo
Paini (1996, p. 9) como o “conjunto de pessoas que estavam sob a ‘patria potesta’
do ascendente comum mais velho”. Ao mesmo tempo, era uma unidade econômica,
religiosa, política e jurisdicional. Com o casamento, a mulher poderia escolher se
continuaria sob a autoridade do pater ou de seu marido.
A grande evolução da família romana se deu com o aumento da
autonomia da mulher e dos filhos, em detrimento do marido. Havia independência
entre eles. Em face disso, multiplicou-se a incidência de situações de adultério e
divórcios.
Interessante ressaltar que o casamento romano tinha como base a
affectio – afeto. Desde modo, poderia ser o matrimônio dissolvido ante ao término
daquela. No entanto, com a oficialização do cristianismo como religião no Império
Romano, transformaram de forma gritante as relações familiares.
Na idade média, sob o controle do direito canônico, o casamento
tornou-se indissolúvel e irretratável até o século XV. Ao contrário dos romanos, os
canonistas opuseram-se fervorosamente ao divórcio. Após século XV, passou-se a
admitir a separação de corpos. Subsistia, no entanto, os deveres de alimentos e
fidelidade recíproca.
A Reforma Protestante transformou o pensamento da época. Os
países que romperam com o catolicismo, receberam a permissão para o divórcio.
Quanto ao pátrio poder e às relações patrimoniais entre os cônjuges, mantiveram-se
103
os preceitos romanos. No entanto, apesar de toda evolução familiar, muito dos
dogmas canônicos permanecem nos dias atuais.
Quando do século XVIII na Europa e, no Brasil, na metade do século
XIX, houve mudança na produção dos bens de consumo e, consequentemente, na
economia, com o advento da revolução industrial. A produção artesanal foi
substituída pela manufatura fabril e a mão-de-obra, até então exclusivamente
masculina, torna-se insuficiente para a imensa demanda. Ocorre deste modo, a
participação da mulher no processo da produção especialmente pela inferioridade do
valor do salário em relação ao homem.
A partir desse marcante fato histórico, a mudança na economia
trouxe reflexos sobre a mulher e a família, já que ao papel biológico da mulher na
reprodução da espécie, foi acrescentado o da produção de bens, antes reservada
exclusivamente ao homem. Este fato acarreta uma imensa sobrecarga à mulher,
sem que ela obtenha o reconhecimento legal desta desigualdade pela dupla jornada
desempenhada. Assim, o aproveitamento do trabalho feminino na transformação e
no desenvolvimento da indústria acentuou mais a condição de desigualdade nos
direitos.
No Brasil, os conceitos de família do começo da colonização até os
tempos do império, eram derivados do pensamento português – isto é, com base no
direito romano e canônico. As primeiras legislações reguladoras das relações
familiares no Brasil, encontravam-se sob a égide das ordenações portuguesas.
Somente a partir do século XIX, surgiram regimentos para os não
católicos. A Lei nº. 1.144 de 1.861, concedeu efeitos civis aos casamentos religiosos
realizados pelos não católicos, desde que estivessem devidamente registrados.
Com a proclamação da República, houve a desvinculação da Igreja
com relação ao Estado, e foi promulgada a primeira lei de regulamentação do
casamento civil em 1890, de autoria de Rui Barbosa. Lentamente, foram delineadas
as leis genuinamente brasileiras, até o advento primeiro Código Civil Brasileiro
O Código Civil de 1.916 apresentava a realidade familiar proveniente
do pensamento português e ainda de franceses e holandeses que à época estavam
no Brasil. Embora promulgado no ano de 1916, representa a sociedade do final do
século XIX, ocasião da iniciativa de elaboração de seu projeto. Desta forma, não
mais correspondia à demanda das transformações sociais que ocorriam nas
primeiras décadas do século passado.
104
Nele, a família somente se constituía pelo casamento. Esta devia se
manter coesa, como uma unidade que se legitima por si mesma. Neste cenário, a
proteção atribuída à família tinha por finalidade afastar toda e qualquer ameaça à
estrutura familiar, o que justificou a indissolubilidade do vínculo matrimonial, a chefia
da sociedade conjugal exercida pelo marido, enquanto incapazes e a discriminação
dos filhos não matrimoniais.
Tanto que afirmou Clóvis Bevilácqua (1996, p. 15) ser a família “é ao
conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cuja eficácia se
estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias legislações.
Outras vezes porém, designam-se por família somente os cônjuges e a respectiva
progênie”.
Interessante perceber, pelo estudo realizado por Gustavo Tepedino
(2002, p. 395) e Ana Luiza Maia Nevares (2002, p. 291), que a legislação civil
conferia um interesse superior à entidade familiar, em detrimento de seus
componentes, justificados pela “paz doméstica”. Basta pensar que na disciplina
original do Código Civil, o vínculo matrimonial não se rompia após o desquite. Este,
por sua vez, poderia ser consensual ou litigioso, conforme o estabelecido no art.
317. Tinha-se por base a culpa, o adultério, enfim, todo o previsto na lei.
Assim, afirma a autora já citada (2002, p. 291), o Código Civil
apenas continuava um movimento inaugurado tempo antes ainda no império, que
definia a família em função da chamada proteção à moral, mas também por conta da
necessidade de circunscrever os limites dos direitos de propriedade.
No decorrer dos anos, em virtude das inúmeras mudanças sociais,
diversas transformações marcaram a disciplina jurídica da família, com destaque à
admissão do reconhecimento dos filhos adulterinos, emancipação da mulher casada
e dissolução do casamento.
A segunda metade do século XX trouxe consigo um contingente de
transformações sociais e acarretou a necessidade de alterar o Código Civil. O
declínio do sistema velado do patriarcalismo, a evolução dos direitos da mulher, a
exacerbação de uma sociedade de consumo, avanços científicos dos conceitos
biológicos de procriação, os meios de comunicação, dentre outros influenciaram este
feito.
Em 1967, o Estatuto da mulher casada inovou em matéria de bens e
de guarda de filhos. Em 1977, regulou-se a dissolução do vínculo marital, antes
105
proibido; mudou-se o sistema de legitimidade dos filhos, os alimentos e regime de
bens igualmente foram alterados. O casamento, assim, deixou de ser indissolúvel e
o divórcio, tornou-se prática comum.
Estas transformações encontraram seu ápice na Constituição
Federal de 1988. De fato, ao estabelecer como fundamento da República a
dignidade da pessoa humana (NEVARES, 2002, p. 295):
o constituinte opta por superar o individualismo, ou seja, a concepção
abstrata do homem que marcou o tecido normativo codificado, passando a
eleger a pessoa, na sua dimensão humana, como centro da tutela do
ordenamento jurídico.
Interessante perceber, à luz dos ensinamentos de Pietro Perlingieri
(2002, p. 243) a família passa a ser constitucionalmente tutelada enquanto aquela
promove o desenvolvimento dos seus membros. Não como portadora de um
interesse superior e superindividual, mas sim, em função da realização das
exigências humanas, como lugar onde se desenvolve a pessoa. No entanto, o
indivíduo somente será tutelado até o ponto de não satisfazer seus egoísmos
particulares ou tendências desagregadoras do núcleo familiar.
Além da mudança na concepção da família, a Constituição introduziu
no ordenamento jurídico novas formas de entidades familiares, O casamento deixou
de ser a única forma de união familiar. Reconhece-se a união estável.
Posteriormente, foram editadas as leis 8971/94 e 9278/96, que regulam
respectivamente o direito dos companheiros aos alimentos e à sucessão. Por fim,
vale ainda salientar o reconhecimento constitucional das famílias monoparentais ou
de famílias de caráter diverso.
A promulgada constituição de 1988 revolucionou todo o conceito de
família e seus dispositivos. Protegeu a família como instituto e acresceu a proteção
estatal a cada um de seus membros enquanto partícipes de uma família. Neste
sentido afirma Pietro Perlingieri (2002, p. 256) que a família,
não é uma pessoa jurídica, nem pode ser concebida como um sujeito com
direitos autônomos: ela é formação social-lugar-comunidade tendente à
formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de
maneira que exprime uma função instrumental para a melhor realização dos
interesses afetivos e existências de seus componentes. As ‘razões da
família’ não têm autonomia em relação às razões individuais.
106
Acolheu a União Estável, igualou direitos e deveres de homens e
mulheres, e findou – enfim - a existência de filhos ilegítimos. Com a alteração de tais
preceitos estruturais do direito brasileiro, tentou o constituinte acompanhar o ritmo
da família, sanando o descompasso entre a realidade e a lei.
Extinguiu-se a família patriarcal; tem-se a família eudemonista,
aquela pelo qual, nas palavras de Giselle Groeninga (2001), cada um busca na
própria família, ou por meio dela, a sua própria família, a sua própria realização, seu
próprio bem-estar.
Em 1.995, por ocasião da realização da Conferência Mundial da
ONU sediada em Beijing, China, os direitos da mulher foram alçados à categoria de
direitos humanos. Recomendou-se aos países participantes a implantação de uma
plataforma de ação capaz de priorizar o combate à feminização da pobreza e à
violência contra a mulher.
Para incitar a reflexão, a partir desse intercâmbio de movimentos
femininos, surgem dois neologismos: o empowerment e a maternagem, os quais
expressam a universalidade de conscientização em relação aos direitos da mulher.
O empowerment ou “empoderamento” da mulher expressa a idéia
de oportunidade de participação nas decisões que interferem na qualidade de vida
de uma nação. Empoderamento trata de:
um conceito que os organismos internacionais introduziram nas discussões
sobre os grupos desfavorecidos, especialmente o de mulheres. A questão
da eqüidade de direitos sobre homens e mulheres no Brasil contemporâneo
deve passar, necessariamente por um projeto de empoderamento das
mulheres incluindo um amplo trabalho de formação e treinamento de caráter
emancipatório (D’AVILLA NETO, 1989, p. 14).
A maternagem traduz o aspecto social e institucional da
maternidade, que advém da capacidade biológica de reprodução. Tem-se, então, o
reconhecimento do papel social da mulher, com a clara discriminação ao termo
“maternidade”, vocábulo reservado para expressar o exercício da subjetividade da
mulher em relação à prole natural, adotiva ou decorrente de reprodução assistida.
À face de tudo, foi no ano de 2002 que ocorreu a promulgação do
Código Civil, a fim de regular as relações jurídicas de direito privado, sob o
fundamento de três princípios basilares: eticidade, socialidade e operalidade.
107
A eticidade, que visa a recuperação do equilíbrio entre os valores
éticos e a técnica jurídica, pois a nova codificação contém normas mais genéricas e
cláusulas gerais, modelos jurídicos hermenêuticos que permitem aos operadores do
direito uma interpretação mais equânime; a socialidade, que supera o caráter
individualista contido no Código Civil de 1916 e faz predominar o social sobre o
individual e operabilidade traduzida numa linguagem clara para a realização do
Direito em sua concretude.
A nova legislação adequou o sistema constitucional de filiação:
proibiu as referências discriminatórias aos filhos, bem como o princípio da
responsabilidade parental, contido na máxima superior interesse da criança,
conceito amadurecido com interpretação do ECA – Estatuto da Criança e do
Adolescente.
O princípio do superior interesse da criança corresponde ao
compromisso dos países signatários da Convenção da ONU de 1989. Esta
convenção contém uma mudança no tocante ao papel da criança, que deixa de ser
passiva e sofredora, para exercer um papel ativo em busca das melhores condições
disponíveis para que seja criada e educada dentro do espírito de proteção para que
se torne um adulto mais capacitado para a formação das futuras famílias.
Deste modo, no que tange à guarda, o Código Civil de 2002 inova o
critério para a guarda dos filhos menores, que passa a ser “a melhor condição do
guardião no interesse do menor”, de acordo com o artigo 1.584. A norma é aberta e
cabe ao magistrado avaliá-la de maneira mais apropriada.
Ainda ao analisar a questão da guarda, em face do princípio da
igualdade de gênero, o Código Civil concede a ambos os genitores, idênticos direitos
quanto a ter os filhos em sua companhia com divisão igualitária do tempo. Dessa
forma, o modelo da guarda compartilhada tem sido largamente implantado quando
os genitores comunicam-se, adequadamente, enquanto casal parental. Aplica-se a
Mediação Familiar com excelentes resultados, como apoio para a reorganização da
nova família.
O Código Civil de 2002 reservou o livro IV para as disposições de
direito de família. Águida Arruda Barbosa (2002, p. 86) salienta distinção feita em
dois Títulos: Título I, no qual se inserem as disposições de direito pessoal e no Título
II que disciplina com o direito patrimonial.
108
Entende a autora que a nova codificação privilegia, nessa
discriminação, os efeitos pessoais e patrimoniais da família, reconhece seus
diferentes níveis, de modo a conceder caminho para reflexões de ordem objetiva e
subjetiva. Isto porque, há o reconhecimento legal de que a família comporta uma
gama inesgotável de relações.
A crítica ao Direito de Família no Código é severa. Aduz a doutrina
que o Código não resguardou a família como um organismo merecedor de tutela na
medida em que promove o desenvolvimento da personalidade de seus membros.
Para Gustavo Tepedino (1999) a “situação é crítica, sendo o mal maior a reprodução
de uma dogmática matrimonialista, institucionalizada que focaliza a família através
da lente do casamento e dos seus diversos regimes patrimoniais.”
Assim, legislador do Código Civil buscou adaptar o velho Projeto à
nova perspectiva paradigmática estampada na Constituição de 1988. De qualquer
sorte, encontra-se vigente no ordenamento jurídico o Código Civil. Com falhas e
exclusões, este deve ser adequado à Constituição Federal, sob à égide da
Dignidade da Pessoa Humana e sob o novo paradigma do direito civil familiar atual:
o da afetividade.
5.2.1.1. O paradigma da afetividade
Nos dias de hoje, as relações de afeto, nas palavras de Giselda
Maria Fernandes Novaes Hironaka (2001, p. 72):
caminham à frente nos projetos familiares e, por isso, conduzem à
assunção da responsabilidade pela constituição das famílias, bem assim
como podem conduzir à interrupção do casamento ou da união estável,
garantindo a cada um de seus membros, em princípio, o direito à
recuperação ou reformulação de seu projeto pessoal de felicidade, mantida
a responsabilidade original, em face daqueles que ainda se encontram em
liame de dependência
.
Com propriedade Paulo Luiz Netto Lobo (2003, p. 7) assevera que:
O princípio da afetividade tem fundamento constitucional; não é petição de
princípio, nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico. No que
respeita aos filhos, a evolução dos valores da civilização ocidental levou à
progressiva superação dos fatores de discriminação, entre eles. Projetou-
se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família
como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade, tendo
em vista que consagra a família como unidade de relações de afeto, após o
109
desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções
procracionais, econômicas, religiosas e políticas.
A Constituição abriga princípios implícitos que decorrem
naturalmente de seu sistema. Encontram-se na Constituição Federal brasileira
algumas referências, cuja interpretação sistemática conduz ao princípio da
afetividade, constitutivo dessa aguda evolução social da família, especialmente:
a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227,
§ 6º);
b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da
igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º);
c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes,
incluindo-se os adotivos, e a união estável têm a mesma dignidade de
família constitucionalmente protegida (art. 226, §§ 3º e 4º);
d) o casal é livre para extinguir o casamento ou a união estável, sempre
que a afetividade desapareça (art. 226, §§ 3º e 6º).
E conclui Lobo (2003, p.10):
A afetividade é construção cultural, que se dá na convivência, sem
interesses materiais, que apenas secundariamente emergem quando ela se
extingue. Revela-se em ambiente de solidariedade e responsabilidade.
Como todo princípio, ostenta fraca densidade semântica, que se determina
pela mediação concretizadora do intérprete, ante cada situação real. Pode
ser assim traduzido: onde houver uma relação ou comunidade unidas por
laços de afetividade, sendo estes suas causas originária e final, haverá
família.
Em face disso, mister se faz perceber que a “instituição” família
perpetua-se no tempo. Os costumes, as formas e valores podem transformar-se,
porém, permanece o sistema familiar. Nas palavras da já citada Giselda Maria
Fernandes Novaes Hironaka (2001, p.83 ):
Biológica ou não, oriunda do casamento do casamento ou não, matrilinear
ou patrilinear, monogâmica ou poligâmica, monoparental ou poliparental,
não importa. Nem importa o lugar que o indivíduo ocupe no seu âmago, se
o de pai, se o de mãe, se o de filho; o que importa é pertencer ao seu
âmago, é estar naquele idealizado lugar onde é possível integrar
sentimentos, esperança, valores, e se sentir, por isso, a caminho da
realização de seu projeto de felicidade pessoal.
110
Por tudo isso, e por isso mesmo é preciso ressaltar que o objeto do
direito de família é a própria família e, ante a este entendimento, deve-se, com
excelência buscar resguardá-la.
5.2.2 A nova família: sua dinâmica contemporânea
A família contemporânea difere significativamente da família de
década de sessenta. Este é um dado concreto da realidade social e jurídica no
mundo pós-moderno. Com fim a perceber e contextualizar a família atual, de modo a
identificar a necessidade e os benefícios da mediação, o presente tópico passa
estabelecer um breve panorama do momento familiar.
Historicamente, a partir da segunda metade do século XX, o mundo
ocidental observa que as conquistas femininas provocaram mudanças significativas
nas relações entre homens e mulheres e na estruturação familiar. A mulher, de
forma mais incisiva passa a ter papel no mercado de trabalho e conseqüentemente
dupla jornada – casa e trabalho.
O fenômeno do divórcio cresce nos EUA a partir da década de 50, e,
no Brasil, depois do advento da lei do Divórcio em 1977 começa a redesenhar a
família contemporânea. No final da década de 80 têm-se referências sobre
pesquisas clínicas realizadas com crianças e adolescentes que passaram pela crise
de divórcio dos pais, suas evidências devastadoras e prolongadas conseqüências.
A organização familiar contemporânea repousa em três fenômenos
sociais marcantes: a revolução da afetividade, a “maternalização” da célula familiar,
ao conceder um lugar especial para os filhos, e a prática sistemática da
contracepção, que permite uma organização mais individualizada da família.
Os casamentos são mais tardios, o casamento arranjado
praticamente desapareceu e, em decorrência dessas mudanças, a família nuclear
tradicional começa a tornar-se uma exceção em um universo marcado pelo trinômio
casamento, separação e recasamento.
Em dados intrigantes e confirmando o apontamento sobre as
tendências propostas pelo autor supra, o IBGE demonstra que em metade dos lares
brasileiros não mais existe o modelo clássico: pai, mãe e filhos do mesmo
casamento. E ainda, pesquisa realizada pela Revista Época (PEREIRA, 2003, p.82)
concluiu que: “na última década, o número de famílias – de qualquer espécie –
111
cresceu duas vezes mais que a população como um todo, embora o número de
divórcios tenha triplicado e o casamento de papel passado diminuído 12%.”
Essa aparente contradição sugere que cada vez haja mais famílias
se formando a partir de novas bases. Há um desmembramento do que antes era
uma única unidade familiar e para que se tenha novas “modalidades” de famílias, ou
novas formas de entidades familiares, nas palavras de Gustavo Tepedino (1999).
O casamento deixou de ser indissolúvel e os métodos contraceptivos
multiplicaram-se. Adriana Wagner, da PUC-RS, em pesquisa desenvolvida em Porto
Alegre com adolescentes de classe média, afirma que em 1996, 53% viviam em
famílias recasadas. Em 1999, 71% são famílias reconstituídas.
Todavia, embora estes novos movimentos aconteçam – o que
acarretaria um novo paradigma, aparentemente saudáveis - Elizabeth Carter (1999)
afirma que segundo o United States Census Bureau, a porcentagem de divórcios
nos Estados Unidos é mais elevada entre pessoas que estão no segundo
casamento. Isto significa que um quinto dos americanos que hoje têm trinta anos irá
passar, não somente por um, mas por dois divórcios. E mais, o fim do segundo
casamento acontece em menos tempo: depois de apenas 04, em média, contra sete
anos após o primeiro casamento. Interessante ainda ressaltar que 65% das
mulheres e 70% dos homens insistem num novo casamento.
Diante do apresentado neste tópico, torna-se imperioso ao Direito
Civil - que rege as relações privadas - perceber as necessidades da família atual e
observar o quão significativo pode ser o uso da mediação em tamanhos conflitos
existentes nos sistemas familiares contemporâneo. O prognóstico familiar não é
favorável – embora o paradigma seja da afetividade, a família ainda encontra-se
duvidosa no caminho a ser seguido: a mediação pode ser uma rota relevante ao
ajuste familiar.
5.2.3 Conflitos de separação e divórcio, guarda e alimentos – sua escalada
O casamento permanece na subjetividade da maioria dos indivíduos
que mantêm o sonho de uma união feliz. Quando, porém, um casal decide-se pela
separação, essa escolha representa a resposta final a um conjunto de frustrações
pessoais provocadas pela não realização de esperanças e anseios mútuos.
112
Esses acontecimentos, durante o processo de divórcio
desencadeiam disfunções comunicativas e interpretações errôneas permeadas de
mágoas e ressentimentos. O que produz conflitos que geram as disputas pela
guarda, visitas e discussões em torno da pensão de alimentos.
As causas que levam um casal a optar pela separação litigiosa são
extremamente complexas e multi-determinadas. Estas podem ser, segundo Corinna
Schabell (2005, p. 4): “a qualidade do relacionamento do casal na fase de pré-
separação, fatores sócio-ambientais que incentivam o litígio e a competição,
histórias individuais de perdas mal-elaboradas, relações de dependência patológicas
e estresse”.
Cada família reage e faz a leitura do processo de divórcio de acordo
com sua rede de significados e crenças. Estes não podem ser desconsiderados pelo
Direito: isto porque, constitucionalmente a família é célula basilar da sociedade, e
seus membros, enquanto indivíduos devem ser tratados com dignidade.
É fato concreto que conflitos vividos pelos pais antes e durante o
processo de separação geram problemas de ajustamento dos filhos. E ainda, o
relacionamento parental no período pós-divórcio constitui o fator mais crítico no
funcionamento da família. Somente para reflexão, apenas 30% dos pais divorciados
conseguem separar as funções conjugais das da criação dos filhos. E ainda,
problemas de ajustamento mais significativos são maiores quando há conflitos de
longo prazo vividos pelos pais durante o período de pré-separação do que no
período de divórcio propriamente dito (SCHABELL, 2005).
A renegociação dos limites de intimidade entre os ex-cônjuges
através da mediação, com o objetivo de promover uma aliança pacífica no cuidado
dos filhos, tem sido de grande benefício para o convívio familiar pós-separação
O divórcio legaliza um estado de discórdia entre o casal, leva a uma
liberação do clima de disputa e cria novas estruturas domésticas de convivência
entre pais e filhos.
Para os filhos, inicialmente, representa um mistério que precisa ser
explicado com clareza e objetividade. Trata-se de um marco legal que provoca em
todos os familiares, principalmente pais e filhos, angústias e incertezas, que
ameaçam a estabilidade pessoal e causam inúmeras mudanças na dinâmica do
cotidiano familiar.
113
A separação de um casal, quando mal conduzida, pode desagregar
toda a família e extinguir relacionamentos futuros. A ajuda especializada de
operadores jurídicos e não jurídicos não é apenas bem-vinda, mas crucial para a
retomada do ciclo de crescimento das famílias.
Quando há separação, a criança ou adolescente enfrenta o medo e
as conseqüências negativas de um lar desfeito. Neste sentido, Corinna Schabell
(2005, p. 6) afirma que:
Não é possível saber o número exato de crianças envolvidas em
separações no Brasil, porém, pesquisas realizadas em outros países
referem-se, basicamente, a duas percepções provocadas nos filhos: o
medo, consciente ou inconsciente de que o outro cônjuge também
embora, e a percepção de que os adultos não são confiáveis e nem
honestos. Tanto o casal que se separa quanto seus filhos passam por
momentos delicados e difíceis na tentativa de resolver questões práticas,
como guarda e visita, ou emocionais, como lidar com a interrupção de
certas tradições familiares, a perda da convivência diária com um dos pais e
a sensação de desamor, rejeição e abandono.
Nos conflitos entre os cônjuges, muitas vezes os “filhos” são motivos
de inúmeras ações: revisionais, pedido de alteração de guarda, dentre ouros. De
outra sorte, quando há novo relacionamento afetivo por um dos cônjuges, gera-se
conflito, o que pode acarretar novas demandas judiciais. Isto porque, alguns dos que
passam pela experiência de rompimento, sentem-se frustrados e não tem êxito
nesta mudança.
Os conflitos familiares comumente não findam quando da sentença.
Ocorre, ao contrário, um fenômeno jurídico: a denominada a escalada dos conflitos e
das demandas judiciais.
Conflitos não resolvidos geram sucessivamente novas ações e
novos desarranjos. Muitas vezes, situações corriqueiras alavancam anos de
disputas judiciais. Uma ação de divórcio gera uma revisional de alimentos, que
produz uma execução, e assim sucessivamente. Os tribunais permanecem
sobrecarregados de disputas desnecessárias, as quais poderiam ser solucionadas
de forma mais eficaz.
Quando ocorre desavença interpessoal, este pode comprometer a
aceitação da separação e, conseqüentemente, a negociação das questões
substantivas, bem como de novas alianças para cuidar dos filhos. A não elaboração
114
dos níveis do conflito, proporciona ações constantes e não permite a real solução do
problema que os conduziu ao judiciário.
5.2.4 Possibilidade de humanização do Direito: a mediação aplicada aos
conflitos familiares
A mediação aplicada traz consigo inovações sobre o como: como
definir e pacificar um conflito familiar; como restaurar a comunicação entre casais em
processo de separação; como compreender o questionamento sobre a
parentalidade; enfim, como humanizar o direito.
Segundo o estudo de Danièle Ganância (2001, p. 15), a mediação
familiar possui um tríplice escopo: pacificar o conflito, responsabilizar as partes e
permitir a continuação das relações de co-parentalidade. Como já visto
anteriormente, os problemas familiares, antes de serem de direito, são afetivos,
emocionais e relacionais, antecedidos de sofrimento e dor. Dizem respeito a casais
que, além da ruptura, devem imperativamente conservar as relações de pais, em
seu próprio interesse e no interesse das crianças.
A mediação de divórcio, para casais com filhos, procura,
potencialmente, servir aos interesses das crianças, uma vez que a qualidade das
relações entre pais e filhos está intimamente vinculada à qualidade de
relacionamento entre os pais pós-separação.
A pacificação do conflito através da mediação se refere ao despertar
das partes e dos operadores do direito da responsabilidade na reorganização da
família, revendo a ruptura do vínculo conjugal. Este ‘despertar’ pela mediação visa
criar um novo paradigma: o que antes revelava uma litigiosidade, transforma-se em
uma família pós-divórcio.
A mediação busca não mais o fim de uma família, mas sim sua
reorganização. As famílias passam a compreender sua nova estrutura: de pais de
família nuclear (pai, mãe, filhos) para binuclear (pai e filhos, mãe e filhos). Fixam-se,
ainda os papéis dos antigos cônjuges: deixam conjugalidade (marido e esposa) e
permanece a parentalidade (pais e filhos), distinguindo-os entre si.
Com o divórcio, os cônjuges perdem as funções maritais, porém
permanecem pais. Importa, portanto, um redimensionamento.
115
O vínculo marital é passível de dissolução, porém o vínculo parental deve
ser mantido, e especialmente no divórcio aprendido a ser preservado, pois
comumente estendem suas mágoas conjugais para a relação parental.
Deste modo é infrutífero debater sobre a possibilidade dos separandos, que
nunca se entenderam como casal, a partir de uma sentença, entender-se-ão
como pais (OLIVEIRA, 1999, P. 135).
E ainda leciona Schabell (2005, p. 12):
Não se pode pensar que a separação elimina a intimidade compartilhada
entre o casal durante anos. Decisões tomadas na mediação são
componentes de um novo quadro ao qual a família irá se adaptar. Esta
adaptação é acompanhada de ambivalências e incertezas quanto ao lugar
de cada um nos sistemas familiares que estão se formando e pode levar
anos para se completar.
No entanto, freqüentemente este novo paradigma (ex-cônjuges,
porém, pais) não é firmado. Sem a mediação, a belicosidade permanece e a família
(ainda que pós-divórcio) não se restabelece.
O entendimento destes fatos (sentimento, redimensionamento da
família e novos paradigmas a serem formados) é indispensável à humanização do
Direito de família. Lida-se com pessoas reais que buscam no direito socorro de seus
problemas. E como o Direito é feito para as pessoas, cabe este sanar esta busca,
promovendo meios eficazes de resolução de conflitos.
No Brasil a realidade do divórcio é alarmante. Pesquisas realizadas
(VEJA, 2001) demonstra que vinte e oito por cento dos casais divorciam-se. E, daqui
a vinte anos, projeta-se o número de famílias mononucleares seja menor que as
resultantes de novas uniões advindas de divórcios e separações. As rupturas de
vínculos (separação, divórcio, dissolução de união estável) são um fato. É preciso
somente humanizar estes conflitos, minimizando os traumas.
Como já narrado no item anterior, a experiência do divórcio e
separação, bem como do fim da união estável é por demais penosa aos cônjuges.
Estes convivem com sentimentos de culpa, fracasso, idealizações frustradas; seus
filhos recebem estes sentimentos e também coexistem com os mesmos. Florence
Kaslow (1995, p. 50)
afirma que:
Se o caminho desejado for o litígio, então os cônjuges têm muitas
probabilidades de se sentirem desamparados, pessimistas, abandonados e
deprimidos, pois as negociações estão principalmente nas mãos dos
advogados e as decisões relacionadas à custódia, às responsabilidades
116
paternas e à divisão de bens ficam a critério do juiz. Há uma grande
quantidade de ansiedade proveniente da incerteza. Dada a mistura de
confusão, solidão, tristeza e luto por todas as perdas que a ruptura do
casamento e da família trazem consigo, a retribuição pode se tornar um
objetivo dominante.
O cônjuge encorajado a procurar um advogado devido à ruptura da
vida conjugal, encontra-se repleto de sentimentos de culpa pelo fracasso do
matrimônio e frustração. E, na maior parte das vezes não consegue verbalizar seus
interesses ao profissional contratado.
Ora, um casal que nunca se comunicou nem se tornou apto a
relacionar-se em uma vida marital, não obterá no processo de divórcio (período este
de crise pessoal) condições para decidir pendências do passado e de sua base
futura.
De igual sorte, muito penoso é a disputa pela guarda de menores no
judiciário. Esta se regula pela ótica da culpa, isto é, há um vencedor e um perdedor.
A expectativa pela decisão arrasta-se por anos, causando danos muitas vezes
irreversíveis.
Comumente, os pais que perdem a guarda após a espera da
sentença, abandonam seus filhos, sustentando-os somente financeiramente (quando
assim o fazem). As crianças tornam-se joguetes dos pais. Estes lançam aos
menores seus conflitos de conjugalidade, esquecendo-se que mesmo findado o
casamento, continuam pais.
A mediação pode humanizar os conflitos relacionados a menores.
Isto porque elucida à criança quanto ao divórcio, bem como auxilia o casal a exercer
sua parentalidade independente da conjugalidade.
A aplicação da mediação não culpa os pais em relação a seus filhos,
pois todos os envolvidos no conflito familiar encontram-se em período de extrema
vulnerabilidade. Ao contrário, o instituto busca desenvolver a responsabilidade dos
cônjuges, superando o sentimento de culpabilidade.
Nas palavras de Giselle Groeninga (2001, p. 72),
Uma vez que a Mediação permite a elaboração dos níveis do conflito, que
ela permite a reorganização das funções e dos papéis, e da hierarquia,
dizemos que ela é a tradução metodológica do direito a se ter uma família.
O melhor interesse das crianças é entender suas prioridades e o que elas
representam e escutar a família, seus membros em suas diferenças. É
escutar as necessidades e desejos, estando a serviço dos Sujeitos do
117
Direito e não o contrário, utilizando a criança como alvo de paixões e
‘projeções’ adultas, sejam estas dos pais, dos profissionais ou das
ideologias dominantes.
A proposta da mediação voltada à cooperação, ao invés de
privilegiar o lado adversarial comum ao Direito, permite despertar nas pessoas que
desfazem um vínculo conjugal o desejo real de assumirem suas próprias vidas. A
mediação caracteriza-se por fortalecer a capacidade de diálogo a fim de chegar a
uma solução mais amena dos conflitos. Seu acordo, mesmo que parcial, previne
desgaste familiar significativo.
Ao abordar a confusão de papéis, permite que a posição e os
interesses de cada um sejam esclarecidos. Seu objetivo principal é colocar em
evidência a existência das diferenças individuais nos ciclos de sofrimento, no lidar
com a dor e com o sofrimento, além de esclarecê-los e endereçá-los, buscando
alertar os pais de sua obrigação em renegociar um relacionamento, a fim de
assumirem suas novas funções, separando os problemas individuais dos problemas
em comum.
Face à existência inegável dos conflitos familiares na sociedade
atual, urge a necessidade de métodos de auto resolução. A mediação é aquela que
prima por reconstruções, reposicionamentos valorização do ser humano. Evita a
promoção de mecanismos que fomentem a litigiosidade, envolvendo a família em
intermináveis disputas. Busca, enfim, atingir uma cultura de paz.
Os casais, as famílias e todos aqueles envolvidos no processo de
tomada de decisão sobre guarda, visita, pensão alimentícia e divisão patrimonial
movem-se em uma arena permeada pelas incertezas. Mesmo diante dos imensos
investimentos em pesquisas, dificilmente pode-se falar de certezas a respeito do
impacto do divórcio em toda a família. Porém, é no contexto da mediação que os
cônjuges têm a oportunidade de redescobrir o papel parental, criar novas regras de
convivência e aprender a prevenir conflitos futuros.
5.3 Experiência no cenário brasileiro
No Brasil, a mediação vem sendo aplicada ainda de forma inicial, há
aproximadamente quinze anos. Esta atua sobre a proteção de alguns dispositivos
118
legais não específicos. Câmaras e Institutos têm sido firmados, os quais buscam
estabelecer a mediação de maneira séria e competente.
Foi fundado o Conselho Nacional de Instituições de Mediação e
Arbitragem – CONIMA -, e através dele são formados profissionais, apresentados
trabalhos e demais projetos, sempre visando o aperfeiçoamento da mediação.
A Ministra Fátima Nancy Aldrighi, do Superior Tribunal de Justiça,
elaborou estudo intitulado “Juizados Especiais de Família” no qual propõe um
procedimento altamente qualificado para atender os conflitos familiares circunscritos
ao limite legal do valor da causa, em virtude de disposições constitucionais.
Sugere que esse atendimento seja interdisciplinar - Direito,
Psiquiatria e Psicologia. Ademais, sugere que o juiz contemporâneo tenha
conhecimento de Psicologia e Psicanálise, ou então, que seja auxiliado por
profissionais destas áreas para poder lidar com o drama humano sem afastar os
aspectos jurídicos ali envolvidos. Em síntese, a autora do estudo pré-legislativo
propõe que se instale o espírito da Mediação para transformar a cena judiciária mais
humana e menos traumática nos conflitos de família.
A política pública da Mediação no Brasil caminha para ser adotada
como procedimento ordinário no âmbito privado, exercido em instituições
especializadas e no âmbito do Poder Judiciário.
Em Santa Catarina, o Tribunal de Justiça realiza projeto de aplicação
da mediação nos casos de conflitos familiares, que foi regulamentado pela resolução
11/01
16
(Anexo V). Os atendimentos podem acontecer antes do ajuizamento da ação
ou pelo encaminhamento do juiz. São gratuitos e desenvolvidos equipes
multidisciplinares (advogados, psicólogos, assistentes sociais). A mediação familiar
do TJSC funciona em diversas cidades do Estado, dentre elas: Florianópolis,
Tubarão, Joinville, Chapecó, etc.
16
Resolução N. 11/2001 – TJ Dispõe sobre a instituição do Serviço de Mediação Familiar e dá outras
providências.( ...) Art. 1º - Recomendar aos Juízes das Varas de Família a instituição do Serviço de Mediação
Familiar, com a participação efetiva de Assistente Social integrante do quadro do Poder Judiciário e de
instituições, órgãos de comunidade e outros técnicos (Psicólogos, Pedagogos, Advogados, dentre outros), que
se mostrem interessados em cooperar, de forma gratuita, na implantação e execução desse serviço.
Parágrafo único – O Serviço de Mediação Familiar poderá ser implantado nas dependências de Fóruns, nas
Casas de Cidadania e, mediante, convênio, nas Universidades ou outras instituições congêneres.
Art. 2º - Tendo em vista que o mediador cuida das relações emocionais, psicológicas, sociais, econômicas e
jurídicas dos conflitos, convém estruturar a equipe com caráter interdisciplinar, apta a desenvolver o trabalho sob
todos esses aspectos. (...)” Na texto na íntegra, ver anexo IV
.
119
Em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, a psicóloga e mediadora
Marilene Marodin (2003) desenvolve juntamente com a Vara da Infância e Juventude
trabalho inovador de mediação entre adolescentes infratores e as vítimas agredidas.
O resultado tem sido muito satisfatório.
Outros estados brasileiros como São Paulo, Maranhão vem dando
início à prática da mediação em seus tribunais. Há experiências privadas em muitos
estados
17
e a mediação tem sido difundida pelo país. A título de reflexão, em anexo
(Anexo VI), apresenta-se entrevistas com duas mediadoras brasileiras e uma norte-
americana com fim a evidenciar a dinâmica e aplicação da mediação no Brasil e no
exterior.
Em Londrina, alguns movimentos estão sendo feitos buscando
despertar a prática da mediação local. A organização não governamental “Instituto
para o Cuidado da Família” visa desenvolver o estudo e atendimento da mediação,
através de uma equipe reflexiva compostas por advogados, psicólogos e assistentes
sociais. Os casos atendidos são privados ou encaminhados pelo juiz da 2º Vara de
Família e muitos têm obtido resultados satisfatórios. Encontra-se em fase de
oficialização o convênio entre as varas de família e o Instituto para o Cuidado da
Família, no qual haverá encaminhamento constante de casos para a mediação.
5.4 Estudo de caso
A presente dissertação, ao buscar complementar a pesquisa
doutrinária realizada, colaciona abaixo dois estudos de caso atendidos por esta
mestranda. O primeiro caso foi através da procura particular pela mediação. Foi
realizado no Instituto para o Cuidado da Família, com sede em Londrina-PR, com a
presença de uma equipe reflexiva interdisciplinar formada por advogados,
psicólogos e assistente social.
O segundo caso se deu forma institucional – o juiz encaminhou o
processo antes da citação à psicóloga forense. Foi realizado no Fórum da Comarca
17
Um exemplo bem sucedido de aplicação de Mediação é o Noos - Instituto de Pesquisas Sistêmicas
e Desenvolvimento de Redes Sociais, organização não-governamental, fundada em 1994 no Rio de
Janeiro e reconhecida como Utilidade Pública Federal. Tem como objetivo promover, baseados na
visão sistêmica de mundo, contextos colaborativos para a melhoria da qualidade das relações entre
pessoas, famílias, instituições e comunidades (www.noos.org).
120
de Londrina, com a presença desta mestranda e da mediadora e psicóloga forense
Salete Coser.
5.4.1. Mediação 01
V.M.A.S, genitora de M.A.P procurou o Instituto para o Cuidado da
Família (Londrina-PR) para atendimento em aconselhamento familiar de seus filhos.
Ao analisar o caso, a psicóloga responsável o encaminhou paralelamente para a
mediação.
Foram realizados 05 encontros e finalizou-se um ciclo. Na primeira
sessão foi possível compreender o caso: V.M. havia sido casada por 05 anos com
G. P e encontravam-se divorciados há 07 anos. G.P constituiu novo casamento e
outra filha. Todavia, ante os conflitos existentes entre eles (pais), G.P não
participava ativamente da vida dos filhos. Percebeu-se que o desajuste entre os
genitores provocava danos aos filhos, buscou-se uma solução.
No segundo encontro, houve o convite para que o genitor G.P.
comparecesse à sessão sozinho. Este se apresentou e se mostrou disposto a
desenvolver seu relacionamento com os filhos. Interessante foi perceber que G.P.
desejava atender aos anseios dos filhos, mas não gostaria de se envolver com a
mãe.
O próximo encontro foi conjunto: G.P e V.M. Embora, com alguns
conflitos, a sessão fluiu bem e foi sugerido que cada uma das partes trouxessem por
escrito no outro encontro sugestões para desenvolver o relacionamento: G.P, na
visita dos filhos e V.M. com o relacionamento com o genitor.
No quarto encontro foram apresentadas algumas propostas de
mudança tais como: a) seriam realizadas ligações do pai para os filhos todos os
dias, aproximadamente às 20h00min, quando aquele estivesse no trabalho; b) V.M.
se comprometeu a perguntar se o momento em que ligasse para G.P. era oportuno;
c) V.M. seria mais compreensiva; d) G.P entraria na casa das dos filhos para a visita.
Foi dado prazo de um mês para observar o cumprimento das
tarefas. No último encontro, houve o fechamento deste ciclo mediado, com a
formulação do acordo. Os resultados obtidos: a) o pai G.P. verdadeiramente
aumentou o contato com os filhos e o relacionamento dos mesmos encontra-se em
progresso; b) V.M tornou-se mais compreensível e facilitou a comunicação dos filhos
121
com o pai; c) semelhantemente, evitou ligações inapropriadas que causavam
desconforto a outra família. d) a questão de G.P. ingressar na residência de V.M.
para a visita, todavia, causou conflito com a atual esposa e não prosseguiu neste
ponto.
Como conclusão final, percebe-se que embora o acordo não tenha
sido completamente funcional, possibilitou o acesso do pai G.P aos filhos, atingindo
o melhor interesse da criança. O relacionamento entre os pais obteve alguma
melhora, porém ainda possuem alguns conflitos.
5.4.2 Mediação 02
Ao final de 2005, M.L ingressou com ação de guarda e
responsabilidade (autos 2.439/05, 2º Vara de Família, Comarca de Londrina) em
face de W.A.P, com fim a obter a guarda de sua filha L.A.L. M.L. (genitor) e W.A.P
tiveram relacionamento de namoro e deste adveio a menor L.A.L, com a idade atual
de seis anos. O relacionamento dos pais se desfez e a menor ficou sob a
responsabilidade da mãe e dos avós maternos. Em meados de 2005, a genitora
partiu para os Estados Unidos para lá trabalhar e habitar e deixou a menor com os
avós. Diante disso M.L pediu a guarda para si.
Antes de ocorrer a citação, o juiz com singular sensibilidade,
encaminhou o processo à psicóloga forense e mediadora, para alguma possibilidade
de conversa entre as partes e de resguardo para a criança, buscando seu melhor
interesse. Como a genitora se encontra nos EUA, os avós vieram representá-la.
O primeiro encontro se deu no dia 03 de março de 2006, quando
estavam presente M.L. e os avós maternos. A princípio, o clima foi hostil, porém ante
às intervenções da mediadora foi possível estabelecer reflexões entre eles.
Para este encontro, já haviam sido feitas visitas domiciliares e
conversar em separado com os envolvidos. Os avós a educavam com excelência e
pai laborava em dois empregos para suprir as necessidades da filha. Foi possível
perceber que todos amavam e cuidavam verdadeiramente da criança. Todavia, esta
se encontrava bem adaptada à realidade dos avós, que inclusive possuem filha de
10 anos e possui bom relacionamento com L.A.L.
Após muito diálogo, o pai M.L. apresentou suas motivações sobre
seu pedido de guarda: queria ser mais presente na vida de sua filha e não apenas
122
uma visita. Diante deste pedido legítimo e em face da adaptação adequada da
menor com os avós, ante à ausência de tempo do pai (a criança ficaria com a avó
paterna), ficaram as partes de pensarem num possível acordo.
Após uma semana da sessão, advogado do autor procurou a
mediadora e informou que um acordo estaria sendo articulado entre o pai e os avós
e também com a participação da genitora que reside nos Estados Unidos. Ficou
decidido que a criança permaneceria com os avós maternos, com a permanência da
criança com os avós e maior participação do pai na educação de suaa filha.
Diante disso, pode-se se perceber que um processo que poderia ser
conduzidos por anos no tribunal e que causaria prejuízo às partes, em especial à
criança, foi conduzido a solução pacífica.
123
6 CONCLUSÃO
As significativas transformações nas diversas áreas existentes
(científica, sociais, familiar) que ocorreram em especial a partir da revolução
industrial, geraram na sociedade contemporânea certa disfunção e uma busca
(velada ou aparente) por novas concepções, valores e paradigmas.
Semelhantemente no Direito, enquanto ciência social os dogmas que
outrora foram suficientes, hoje não mais o são. O arcabouço jurídico tradicional –
patriarcal e individualista – não corresponde aos anseios e necessidades da vida
contemporânea, nem mais conseguiu fornecer soluções aos novos problemas
emergentes. Este desarranjo jurídico produziu um repensar dos padrões.
Diante disso, o Direito tem vislumbrado paradigmas contemporâneos
que buscam atender à realidade social, tais como a dignidade da pessoa humana, a
função social, o afeto, dentre muitos outros. Almeja-se um Direito mais conectado
com a pessoa e não no indivíduo sujeito de direitos.
Como forma de concretizar estes novos valores, tem-se a
possibilidade da mediação. Surge como meio consolidador do princípio da dignidade
da pessoa humana e como resgate da autonomia privada – decisória - das partes.
A mediação recupera esta autonomia dos sujeitos e os transforma em co-autores
deste mesmo Direito.
Esta surge como recurso extrajudicial de resolução de conflitos,
utilizado para solucionar situações de litígio, confidencial, voluntário e com o auxílio
de um terceiro imparcial. Todavia, cabe às próprias partes a solução do conflito. Há
a reorganização do problema a partir de suas próprias singularidades, bem como da
capacidade individual da parte de se relacionar com as novas posições adquiridas.
O procedimento da mediação procura restabelecer a comunicação
perdida entre as partes e solucionar o conflito através de acordos duradouros.
Prioriza a interdisciplinaridade, quando recebe e utilizam diversas ciências. Aliás, o
estudo interdisciplinar do conflito e da comunicação gera a riqueza e êxito do
instituto.
A Teoria dos Sistemas pode ser entendida como um arcabouço
filosófico. Isto porque proporciona a compreensão do conflito, das relações humanas
de maneira abrangente e complexa. Auxilia os mediandos bem como o mediador a
analisar o conflito à luz da metáfora da rede, o que facilita sua solução.
124
Em enfoque constitucional, cabe apontar que o fortalecimento da
democracia pode ser proporcionado pela mediação. Isto se dá em razão dos
objetivos semelhantes: tanto na mediação como na democracia, o poder de decisão
flui das pessoas para as próprias pessoas. A mediação seria uma forma de auxiliar a
democracia de maneira prática.
No trato das questões familiares, a mediação encontra vereda ampla
e valor significativo. Os conflitos familiares possuem carga emocional e de valor
pessoal diferenciados. A mediação pode humanizar estes conflitos ao trazer respeito
aos sentimentos das partes, ao valorizar a escuta, ao perceber a dinâmica sistêmica
do conflito. Nestas questões, a mediação possui tríplice escopo: a pacificação e
humanização dos conflitos, a responsabilização das partes e a continuidade da co-
parentalidade.
À guisa da conclusão desta dissertação, é possível perceber que a
mediação é instrumento que permite a implementação de um Direito mais humano e
ético; voltado resgate pessoal e social. Enfim, como essência fundamental, a
mediação almeja a instauração de uma cultura que prime pela paz social – fim
magno do Direito – e eleve o indivíduo, verdadeiramente, à dignidade em toda sua
extensão.
125
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133
ANEXOS
134
ANEXO I -“O Direito e os Sinos”
José Saramago
“Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável
da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de
quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante
acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral
extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não
tarda.
Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos,
entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o
sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no
século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não
deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a
finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da
aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua,
juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em
pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes
dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais,
finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no
limiar. Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino,
compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o
sineiro e quem era o morto. "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a
resposta do camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e
o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a
finados pela Justiça porque a Justiça está morta."
Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar
(algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de
sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena
parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha
começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente
resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem
resultado, a expoliação continuou. Então, desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi
135
(uma aldeia tem o exacto tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte
da Justiça. Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria
comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e
costumes, que todos eles, sem excepção, o acompanhariam no dobre a finados pela
morte da Justiça, e não se calariam até que ela fosse ressuscitada. Um clamor tal,
voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por
cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e os mares, por força
haveria de acordar o mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se
o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os
vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram
resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É
bem certo que a História nunca nos conta tudo...
Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do
mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado
pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a
ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e
continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo,
longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez
que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham
confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito
de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro
e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe
vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre
corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça
companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais
exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão
indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do
corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os
determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação
espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse,
como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser
humano assiste.
Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger
aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite,
136
para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante
assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às
catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que
ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao
cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença
seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de
polícia. Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a
possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos
homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais
surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo.
Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de
tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa
justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a
condenação terrível que objectivamente tem sido.
Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais
forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social
que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que
todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua,
uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas
negações. Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação
prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra
consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, aquelas trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se
fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados
nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do
camponês de Florença. E também tenho dito que a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar
sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de
princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do
orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas
caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo
actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a
preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a
suprema aspiração dos seres humanos. Acrescentarei que as mesmas razões que
137
me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por
igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional
no seu conjunto.
De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado
sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo
adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso.
Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a
acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi
que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por
ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.
E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos
para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do
tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o
povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e
a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo
embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a
maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático
geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos
satisfatória dos direitos humanos. Nada mais certo, sob condição de que fosse
efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que
actualmente vimos chamando democracia. E não o é. É verdade que podemos
votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos
reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os
nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica
de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma
maioria vier a impor sempre resultará um governo. Tudo isto é verdade, mas é
igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O
eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu
lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível
sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua
pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele,
sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com
estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por
definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma
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espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos
factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e
actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas,
os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica. E não nos
apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos
governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto
os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários
políticos" do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a
esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e
particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar
demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente
descontentes...
Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de
estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso
mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido
se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se
discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então,
entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que
se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e
as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e
social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro
mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à
felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da
humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a
compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si
mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo.
Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir
um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à
torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor. “
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ANEXO II – Código de Ética dos Mediadores
Introdução
A credibilidade da MEDIAÇÃO no Brasil, como processo eficaz para
solução de controvérsias, vincula-se diretamente ao respeito que os Mediadores
vierem a conquistar, por meio de um trabalho de alta qualidade técnica, embasado
nos mais rígidos princípios éticos.
A Mediação transcende à solução da controvérsia, dispondo-se a
transformar um contexto adversarial em colaborativo. É um processo confidencial e
voluntário, onde a responsabilidade das decisões cabe às partes envolvidas. Difere
da negociação, da conciliação e da arbitragem, constituindo-se em uma alternativa
ao litígio e também um meio para resolvê-lo.
O MEDIADOR é um terceiro imparcial que, por meio de uma série de
procedimentos próprios, auxilia as partes a identificar os seus conflitos e interesses,
e a construir, em conjunto, alternativas de solução, visando o consenso e a
realização do acordo. O Mediador deve proceder, no desempenho de suas funções,
preservando os princípios éticos.
A prática da Mediação requer conhecimento e treinamento
específico de técnicas próprias, devendo o Mediador qualificar-se e aperfeiçoar-se,
melhorando continuamente suas atitudes e suas habilidades profissionais. Deve
preservar a ética e a credibilidade do instituto da Mediação por meio de sua conduta.
Nas declarações públicas e atividades promocionais o Mediador
deve restringir-se a assuntos que esclareçam e informem o público por meio de
mensagens de fácil entendimento.
Com freqüência, os Mediadores também têm obrigações frente a
outros códigos éticos ( de advogados, terapeutas, contadores, entre outros). Este
CÓDIGO adiciona critérios específicos a serem observados pelos profissionais no
desempenho da Mediação. No caso de profissionais vinculados a instituições ou
entidades especializadas somam-se suas normativas a este instrumento.
140
I. Autonomia da vontade das partes
A Mediação fundamenta-se na autonomia da vontade das partes,
devendo o Mediador centrar sua atuação nesta premissa.
O caráter voluntário do processo da Mediação, garante o poder das partes de
administrá-lo, estabelecer diferentes procedimentos e a liberdade de tomar as
próprias decisões durante ou ao final do processo
II. Princípios fundamentais:
O Mediador pautará sua conduta nos seguintes princípios: Imparcialidade,
Credibilidade, Competência, Confidencialidade, e Diligência.
Imparcialidade - condição fundamental ao Mediador; não pode existir qualquer
conflito de interesses ou relacionamento capaz de afetar sua imparcialidade; deve
procurar compreender a realidade dos mediados, sem que nenhum preconceito ou
valores pessoais venham a interferir no seu trabalho.
Credibilidade - O Mediador deve construir e manter a credibilidade perante as
partes, sendo independente, franco e coerente.
Competência - a capacidade para efetivamente mediar a controvérsia existente. Por
isso o Mediador somente deverá aceitar a tarefa quando tiver as qualificações
necessárias para satisfazer as expectativas razoáveis das partes.
Confidencialidade - os fatos, situações e propostas, ocorridos durante a Mediação,
são sigilosos e privilegiados. Aqueles que participarem do processo devem
obrigatoriamente manter o sigilo sobre todo conteúdo a ele referente, não podendo
ser testemunhas do caso, respeitado o princípio da autonomia da vontade das
partes, nos termos por elas convencionados, desde que não contrarie a ordem
pública.
Diligência - cuidado e a prudência para a observância da regularidade, assegurando
a qualidade do processo e cuidando ativamente de todos os seus princípios
fundamentais.
141
III. Do Mediador frente à sua nomeação:
1. Aceitará o encargo somente se estiver imbuído do propósito de atuar de acordo
com os Princípios Fundamentais estabelecidos e Normas Éticas, mantendo íntegro o
processo de Mediação.
2. Revelará, antes de aceitar a indicação, interesse ou relacionamento que possa
afetar a imparcialidade, suscitar aparência de parcialidade ou quebra de
independência, para que as partes tenham elementos de avaliação e decisão sobre
sua continuidade.
3. Avaliará a aplicabilidade ou não de Mediação ao caso.
4. Obrigar-se-á, aceita a nomeação, a seguir os termos convencionados.
IV. Do Mediador frente às partes
A escolha do Mediador pressupõe relação de confiança personalíssima, somente
transferível por motivo justo e com o consentimento expresso dos mediados, e para
tanto deverá:
1. Garantir às partes a oportunidade de entender e avaliar as implicações e o
desdobramento do processo e de cada ítem negociado nas entrevistas preliminares
e no curso da Mediação;
2. Esclarecer quanto aos honorários, custas e forma de pagamento.
3. Utilizar a prudência e a veracidade, abstendo-se de promessas e garantias a
respeito dos resultados;
4. Dialogar separadamente com uma parte somente quando for dado o
conhecimento e igual oportunidade à outra;
5. Esclarecer a parte, ao finalizar uma sessão em separado, quais os pontos
sigilosos e quais aqueles que podem ser do conhecimento da outra parte;
6. Assegurar-se que as partes tenham voz e legitimidade no processo, garantindo
assim equilíbrio de poder;
142
7. Assegurar-se de que as partes tenham suficientes informações para avaliar e
decidir;
8. Recomendar às partes uma revisão legal do acordo antes de subscrevê-lo.
9. Eximir-se de forçar a aceitação de um acordo e/ou tomar decisões pelas partes.
10. Observar a restrição de não atuar como profissional contratado por qualquer
uma das partes, para tratar de questão que tenha correlação com a matéria
mediada.
V. Do Mediador frente ao processo
O Mediador deverá:
1. Descrever o processo da Mediação para as partes;
2. Definir, com os mediados, todos os procedimentos pertinentes ao processo;
3. Esclarecer quanto ao sigilo;
4. Assegurar a qualidade do processo, utilizando todas as técnicas disponíveis e
capazes de levar a bom termo os objetivos da Mediação;
5. Zelar pelo sigilo dos procedimentos, inclusive no concernente aos cuidados a
serem tomados pela equipe técnica no manuseio e arquivamento dos dados;
6. Sugerir a busca e/ou a participação de especialistas na medida que suas
presenças se façam necessárias a esclarecimentos para a manutenção da
equanimidade;
7. Interromper o processo frente a qualquer impedimento ético ou legal;
8. Suspender ou finalizar a Mediação quando concluir que sua continuação possa
prejudicar qualquer dos mediados ou quando houver solicitação das partes;
9. Fornecer às partes, por escrito, as conclusões da Mediação, quando por elas
solicitado.
143
VI. Do Mediador frente à instituição ou entidade especializada
O Mediador deverá:
1. Cooperar para a qualidade dos serviços prestados pela instituição ou entidade
especializada;
2. Manter os padrões de qualificação de formação, aprimoramento e especialização
exigidos pela instituição ou entidade especializada;
3. Acatar as normas institucionais e éticas da profissão;
4. Submeter-se ao Código e ao Conselho de Ética da instituição ou entidade
especializada, comunicando qualquer violação às suas normas.
144
ANEXO III – Projeto Lei 4827/98
Projeto de Lei nº 4.827/1998, institucionaliza e disciplina a mediação, como
método de prevenção e solução consensual de conflitos.
Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Para os fins desta Lei, mediação é a atividade técnica exercida por terceira
pessoa, que, escolhida ou aceita pelas partes interessadas, as escuta e orienta com
o propósito de lhes permitir que, de modo consensual, previnam ou solucionem
conflitos.
Parágrafo único. É lícita a mediação em toda matéria que admita conciliação,
reconciliação, transação, ou acordo de outra ordem, para os fins que consinta a lei
civil ou penal.
Art. 2º Pode ser mediador qualquer pessoa capaz e que tenha formação técnica ou
experiência prática adequada à natureza do conflito.
§ 1º Pode sê-lo também a pessoa jurídica que, nos termos do objeto social, se
dedique ao exercício da mediação por intermédio de pessoas físicas que atendam
às exigências deste artigo.
§ 2º No desempenho de sua função, o mediador deverá proceder com
imparcialidade, independência, competência, diligência e sigilo.
Art. 3º A mediação é judicial ou extrajudicial, podendo versar sobre todo o conflito ou
parte dele.
Art. 4º Em qualquer tempo e grau de jurisdição, pode o juiz buscar convencer as
partes da conveniência de se submeterem a mediação extrajudicial, ou, com a
concordância delas, designar mediador, suspendendo o processo pelo prazo de até
três meses, prorrogável por igual período.
Parágrafo único. O mediador judicial está sujeito a compromisso, mas pode escusar-
se ou ser recusado por qualquer das partes, em cinco dias da designação,
aplicando-se-lhe, no que caibam, as normas que regulam a responsabilidade e a
remuneração dos peritos.
Art. 5º Ainda que não exista processo, obtido acordo, este poderá, a requerimento
das partes, ser reduzido a termo e homologado por sentença, que valerá como título
executivo judicial ou produzirá os outros efeitos jurídicos próprios de sua matéria.
145
Art. 6º Antes de instaurar processo, o interessado pode requerer ao juiz que, sem
antecipar-lhe os termos do conflito e de sua pretensão eventual, mande intimar a
parte contrária para comparecer a audiência de tentativa de conciliação ou
mediação. A distribuição do requerimento não previne o juízo, mas interrompe a
prescrição e impede a decadência.
Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
146
ANEXO IV – Anteprojeto – Profª Ada Pelegrini Grinover
PROJETO DE LEI DE MEDIAÇÃO
Institui e disciplina a mediação paraprocessual como mecanismo
complementar de prevenção e solução de conflitos no processo
civil, dá nova redação ao artigo 331 e parágrafos e acrescenta o
art. 331-A à Lei n o 5.869 de 11 de janeiro de 1973, Código de
Processo Civil.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
CAPÍTULO I - MODALIDADES DE MEDIAÇÃO
Art. 1 Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial
escolhido ou aceito pelas partes, com o propósito de permitir a prevenção ou
solução de conflitos de modo consensual
§1 Esta lei regula a mediação paraprocessual voltada ao processo civil.
§2 A mediação paraprocessual será prévia ou incidental, em relação ao processo
judicial; e judicial ou extrajudicial, conforme a qualidade dos mediadores. (arts. 16 e
17)
§3 É lícita a mediação em toda matéria que admita conciliação, reconciliação,
transação ou acordo de outra ordem.
§4 A mediação poderá versar sobre todo o conflito ou parte dele.
§5 A mediação será sigilosa, salvo estipulação em contrário das partes, observando-
se, em qualquer hipótese, o disposto no art. 14.
§6 A transação, subscrita pelo mediador, judicial ou extrajudicial, pelos transatores e
advogados, constitui título executivo extrajudicial.
§7 A pedido de qualquer um dos interessados, a transação, obtida na mediação
prévia ou incidental, poderá ser homologada pelo juiz, caso em que terá eficácia de
título executivo judicial.
§8 Na mediação prévia, a transação, desde que requerida, será reduzida a termo e
homologada por sentença, independentemente de processo.
147
CAPÍTULO II - SEÇÃO I - DA MEDIAÇÃO PRÉVIA
Art. 2 A mediação prévia é sempre facultativa, podendo ser judicial ou extrajudicial.
Art. 3 O interessado poderá optar pela mediação prévia judicial. Neste caso, o
requerimento adotará formulário padronizado, subscrito por ele e seu advogado, ou
só por este, se tiver poderes especiais.
§1 A procuração instruirá o requerimento, facultada, no curso da mediação, a
exibição de provas pré-constituídas.
§2 Distribuído ao mediador, o requerimento ser-lhe-á encaminhado imediatamente.
§3 Recebido o requerimento, o mediador designará dia, hora e local para a sessão
de mediação, dando ciência aos interessados por qualquer meio eficaz.
§4 A cientificação ao requerido conterá a advertência de que este deverá
comparecer à sessão de mediação acompanhado de advogado. Não tendo o
requerido advogado constituído, o mediador solicitará à Defensoria Pública ou, na
falta desta, à Ordem dos Advogados do Brasil, a designação de dativo. Na
impossibilidade de atendimento imediato a essa disposição, o mediador remarcará a
sessão para data tão próxima quanto possível, mantendo-se a indispensabilidade
dos advogados.
§5 Os interessados, de comum acordo, poderão escolher outro mediador, judicial ou
extrajudicial, dentre os cadastrados nos termos do parágrafo único do art. 5 o desta
lei.
Art. 4 Obtida ou frustrada a transação, o mediador lavrará o termo apropriado,
descrevendo circunstanciadamente todas as cláusulas do acordo ou consignando
sua impossibilidade.
Parágrafo único. O mediador devolverá ao distribuidor o requerimento,
acompanhado do termo, para as devidas anotações.
Art. 5 A mediação prévia extrajudicial, a critério dos interessados, ficará a cargo de
mediador independente ou de instituição especializada em mediação.
Parágrafo único. Para os fins do inciso IX do art. 6 o desta lei, os mediadores
independentes e as instituições especializadas em mediação deverão estar
cadastrados junto ao Tribunal de Justiça (art. 17).
148
SEÇÃO II- DA MEDIAÇÃO INCIDENTAL
Art. 6 Observado o disposto no §3 o do art. 1 o desta lei, a tentativa de mediação
incidental é obrigatória no processo de conhecimento, salvo nos seguintes casos:
I – na ação de interdição;
II – quando for autora ou ré pessoa de direito público e a controvérsia versar
sobre direitos indisponíveis;
III – na falência, na concordata e na insolvência civil;
IV – no inventário e no arrolamento;
V – nas ações de imissão de posse, reivindicatória de bem imóvel e de
usucapião de bem imóvel;
VI – na ação de retificação de registro público;
VII – quando o autor optar pelo procedimento do juizado especial ou pela
arbitragem;
VIII – na ação cautelar; e
IX – quando a mediação prévia, realizada na forma da seção anterior, tiver
ocorrido sem resultado nos cento e oitenta dias anteriores ao ajuizamento da
ação.
Art. 7 Nos casos de mediação incidental, a distribuição da petição inicial ao juízo
interrompe a prescrição, induz litispendência e produz os efeitos previstos no artigo
593 do Código de Processo Civil.
§1 o Havendo pedido de liminar, a mediação terá curso após a respectiva decisão.
§2 A interposição de recurso contra a decisão liminar não prejudica o processo de
mediação.
Art. 8 A petição inicial será remetida pelo juiz distribuidor ao mediador judicial
sorteado.
Art. 9 Cabe ao mediador judicial intimar as partes, por qualquer meio eficaz de
comunicação, designando dia, hora e local para seu comparecimento,
acompanhados dos respectivos advogados.
§1 A intimação constituirá o requerido em mora, tornando a coisa litigiosa.
§2 As partes, de comum acordo, poderão escolher outro mediador, judicial ou
extrajudicial, desde que registrado ou cadastrado junto ao Tribunal de Justiça (arts
16 e 17).
§3 Não sendo encontrado o requerido, ou não comparecendo qualquer das partes,
estará frustrada a mediação.
149
§4 Comparecendo qualquer das partes sem advogado, o mediador procederá de
acordo com o disposto na parte final do §4 o do art. 3 o .
Art. 10. Obtida ou frustrada a transação, o mediador lavrará o termo apropriado,
descrevendo circunstanciadamente todas as cláusulas do acordo ou consignando
sua impossibilidade.
§1 O mediador devolverá a petição inicial ao distribuidor, acompanhada do termo,
para as devidas anotações e remessa ao juízo para o qual a petição fora
inicialmente distribuída.
§2 Ao receber a petição inicial acompanhada do termo de transação, o juiz
determinará seu imediato arquivamento. Frustrada a transação, o juiz providenciará
a retomada do processo judicial.
§3 Decorridos noventa dias da data do início da mediação sem que tenha sido
encerrado o respectivo procedimento, com a obtenção ou não da transação, poderá
qualquer das partes solicitar a retomada do processo judicial.
CAPÍTULO III - DOS MEDIADORES
Art. 11. Consideram-se mediadores judiciais, para os fins desta lei:
I – os advogados com pelo menos três anos de efetivo exercício de profissão
jurídica, capacitados, selecionados e inscritos no Registro de Mediadores, na
forma deste Capítulo; e
II – os co-mediadores, capacitados, selecionados e inscritos no Registro de
Mediadores, na forma deste Capítulo.
Art. 12. Consideram-se mediadores extrajudiciais, para os fins desta lei, as
instituições especializadas em mediação e os mediadores independentes.
Parágrafo único. As instituições especializadas em mediação e os mediadores
independentes somente precisarão estar inscritos no Cadastro de Mediadores
Extrajudiciais, previsto neste capítulo, para atuarem na mediação incidental e para
os fins de que trata o inciso IX do art. 6 o desta lei.
Art. 13. Na mediação paraprocessual de que trata esta lei, os mediadores judiciais
ou extrajudiciais são considerados auxiliares da justiça.
Parágrafo único. Quando no exercício de suas funções, e em razão delas, os
mediadores ficam equiparados aos funcionários públicos para os efeitos da
legislação penal.
150
Art. 14. No desempenho de sua função o mediador deverá proceder com
imparcialidade, independência, aptidão, diligência e confidencialidade, vedada a
prestação de qualquer informação ao juiz.
Parágrafo único. Caberá, em conjunto, à Ordem dos Advogados do Brasil, ao
Tribunal de Justiça e às instituições especializadas em mediação, devidamente
cadastradas a formação e seleção de mediadores, para o que serão implantados
cursos apropriados, fixando-se os critérios de aprovação, com a publicação do
regulamento respectivo.
Art. 15. A pedido de qualquer das partes ou interessados, ou a critério do mediador,
este prestará seus serviços em regime de co-mediação, com profissional de outra
área, devidamente habilitado, nos termos do §2 deste artigo.
§1 A co-mediação será obrigatória nas controvérsias que versem sobre Direito de
Família, devendo dela sempre participar psiquiatra, psicólogo ou assistente social.
§2 O Tribunal de Justiça selecionará, como co-mediadores, profissionais indicados
por instituições especializadas em mediação ou por órgãos profissionais oficiais,
devidamente capacitados e credenciados.
Art. 16. O Tribunal de Justiça local manterá um Registro de Mediadores Judiciais,
contendo a relação atualizada de todos os mediadores habilitados a atuar no âmbito
do Estado, por área profissional.
§1 Aprovado no curso de formação e seleção, o mediador, com o certificado
respectivo, requererá inscrição no Registro de Mediadores Judiciais no Tribunal de
Justiça local.
§2 Do Registro de Mediadores Judiciais constarão todos os dados relevantes
referentes à atuação do mediador, segundo os critérios fixados pelo Tribunal de
Justiça local.
§3 Os dados colhidos na forma do parágrafo anterior serão classificados
sistematicamente pelo Tribunal de Justiça que os publicará, pelo menos anualmente,
para efeitos estatísticos.
Art. 17. O Tribunal de Justiça também manterá um Cadastro de Mediadores
Extrajudiciais, com a inscrição de instituições e entidades especializadas em
mediação e de mediadores independentes, para fins do disposto no inciso IX do art.
6 o desta lei e para atuarem na mediação incidental.
§1 O Tribunal de Justiça estabelecerá e divulgará os requisitos necessários à
inscrição no Cadastro de Mediadores Extrajudiciais.
151
§2 Enquanto o Tribunal de Justiça não cumprir o disposto no parágrafo anterior, os
mediadores extrajudiciais poderão atuar para todos os fins, sem necessidade de se
cadastrarem.
Art. 18. A mediação será sempre realizada em local de fácil acesso, com estrutura
suficiente para atendimento condigno dos interessados, disponibilizado por entidade
pública ou particular para o desenvolvimento das atividades de que trata esta lei.
Parágrafo único. O Tribunal de Justiça fixará as condições mínimas a que se refere
este artigo.
Art. 19. A fiscalização das atividades dos mediadores competirá à Ordem dos
Advogados do Brasil, através de suas seções e subseções, ou aos demais órgãos
profissionais oficiais, conforme o caso.
§1 Na mediação incidental, a fiscalização também caberá ao juiz.
§2 O magistrado, verificando a atuação inadequada do mediador, poderá afastá-lo
de suas atividades no processo, informando à Ordem dos Advogados do Brasil ou,
em se tratando de profissional de outra área, ao órgão competente, para instauração
do respectivo processo administrativo.
§3 O processo administrativo para averiguação de conduta inadequada do
mediador advogado, instaurado de ofício ou mediante representação, seguirá o
procedimento previsto no Título III da Lei 8.906 de 4 de julho de 1994, podendo a
Ordem dos Advogados do Brasil aplicar desde a pena de advertência até a de
exclusão do Registro de Mediadores, tudo sem prejuízo de, verificada também
infração ética, promover a entidade as medidas de que trata a referida Lei.
Art. 20. Será excluído do Registro ou do Cadastro de Mediadores aquele que:
I – assim o solicitar ao Tribunal de Justiça, independentemente de justificação;
II – agir com dolo ou culpa na condução da mediação sob sua responsabilidade;
III – violar os princípios de confidencialidade e neutralidade;
IV – funcionar em procedimento de mediação mesmo sendo impedido;
Parágrafo único. Os casos previstos nos incisos II a IV deste artigo, serão apurados
em regular processo administrativo, nos termos dos §§ 2 o e 3 o do art. 19 desta lei,
não podendo o mediador excluído ser reinscrito nos Registros ou Cadastros de
Mediadores, em todo o território nacional.
Art. 21. Não será admitida a atuação do mediador nos termos do artigo 134 do
Código de Processo Civil.
152
Parágrafo único. No caso de impedimento, o mediador devolverá os autos ao
distribuidor, que sorteará novo mediador; se a causa de impedimento for apurada
quando já iniciada a mediação, o mediador interromperá sua atividade, lavrará ata
com o relatório do ocorrido e solicitará sorteio de novo mediador.
Art. 22. No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o mediador
informará o fato ao Tribunal de Justiça para que, durante o período em que perdurar
a impossibilidade, não lhe sejam feitas novas distribuições.
Art. 23. O mediador fica impedido de prestar serviços profissionais a qualquer das
partes, em matéria correlata à da mediação, e, pelo prazo de dois anos, contados
a partir do término da mediação, em outra matéria.
Art. 24. Os serviços do mediador serão sempre remunerados, nos termos e segundo
os critérios fixados pela norma local.
§1 Nas hipóteses em que for concedido o benefício da gratuidade estará a parte
dispensada do recolhimento dos honorários.
§2 Havendo pedido de concessão de gratuidade, o distribuidor remeterá os autos ao
juiz competente para decisão.
Art. 25. Na hipótese de mediação incidental, ainda que haja pedido de liminar, a
antecipação das despesas do processo, a que alude o art. 19 do Código de
Processo Civil, somente será devida após a retomada do curso do processo, se a
mediação não tiver produzido resultados.
Parágrafo único. O valor pago a título de honorários do mediador será abatido das
despesas do processo.
Art. 26. O art. 331 e parágrafos da Lei n o 5.869, de 1.973, Código de Processo
Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 331. Se não se verificar qualquer das hipóteses previstas nas seções
precedentes, o juiz designará audiência preliminar, a realizar-se no prazo máximo de
trinta dias, para a qual serão as partes intimadas a comparecer, podendo fazer se
representar por procurador ou preposto, com poderes para transigir.
§1 Na audiência preliminar, o juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos
da demanda e tentará a conciliação, mesmo tendo sido já realizada a mediação
prévia ou incidental.
§2 A lei local poderá instituir juiz conciliador ou recrutar conciliadores para auxiliarem
o juiz da causa na tentativa de solução amigável dos conflitos.
153
§3 Segundo as peculiaridades do caso, outras formas adequadas de solução do
conflito poderão ser sugeridas pelo juiz, inclusive a arbitragem, na forma da lei, a
mediação e a avaliação neutra de terceiro.
§4 A avaliação neutra de terceiro, a ser obtida no prazo a ser fixado pelo juiz, é
sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para as partes, sendo sua finalidade
exclusiva a de orientá-las na tentativa de composição amigável do conflito.
§5 Obtido o acordo, será reduzido a termo e homologado pelo juiz.
§6 Se, por qualquer motivo, a conciliação não produzir resultados e não for adotado
outro meio de solução do conflito, o juiz, na mesma audiência, fixará os pontos
controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas
a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se
necessário” (NR)
Art. 27. Fica acrescentado à Lei n o 5.869, de 1.973, Código de Processo Civil, o art.
331- A, com a seguinte redação:
“Art. 331-A. Em qualquer tempo e grau de jurisdição, poderá o juiz ou tribunal adotar,
no que couber, as providências previstas no artigo anterior”.
Art. 28. O §1 o do art. 17 e o parágrafo único do art. 18 desta lei entrarão em vigor
no prazo de dois meses da data de sua publicação e os demais dispositivos 4
(quatro) meses depois.
Art. 29. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, de de 2004, 183 o da Independência e 116 o da República.
154
ANEXO V- Resolução 11/01 – Tribunal de Justiça de Santa Catarina
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no uso
de suas atribuições,
CONSIDERANDO a experiência vitoriosa em diversos países com a
utilização de métodos alternativos e não adversariais de resolução de conflitos inter-
pessoais, entre eles a mediação, inclusive no campo do Direito de Família;
CONSIDERANDO que, não raro, as soluções encontradas por esse
meio mostram-se menos traumatizantes para as partes, pois as posições
antagônicas são harmonizadas, não havendo quem ganhe ou quem perca (Juiz
Guilherme de Loureiro, “A Mediação como forma alternativa de solução de conflitos”,
RT 751/94);
CONSIDERANDO que a mediação se revela extremamente útil
sobretudo nos conflitos conjugais, quando esgotada a possibilidade de reconciliação;
CONSIDERANDO a necessidade de equipar os Fóruns, Casas da
Cidadania e Unidades Judiciais instaladas em Universidades, com aparelhamento
mínimo que possibilite a atuação mediadora;
CONSIDERANDO a conveniência de estruturar e divulgar o serviço
de mediação familiar;
CONSIDERANDO a conveniência de incorporar o trabalho dos
Assistentes Sociais do Poder Judiciário na prática das mediações,
RESOLVE:
Art. 1º - Recomendar aos Juízes das Varas de Família a instituição do Serviço de
Mediação Familiar, com a participação efetiva de Assistente Social integrante do
quadro do Poder Judiciário e de instituições, órgãos de comunidade e outros
técnicos (Psicólogos, Pedagogos, Advogados, dentre outros), que se mostrem
interessados em cooperar, de forma gratuita, na implantação e execução desse
serviço.
Parágrafo único – O Serviço de Mediação Familiar poderá ser implantado nas
dependências de Fóruns, nas Casas de Cidadania e, mediante, convênio, nas
Universidades ou outras instituições congêneres.
Art. 2º - Tendo em vista que o mediador cuida das relações emocionais,
psicológicas, sociais, econômicas e jurídicas dos conflitos, convém estruturar a
155
equipe com caráter interdisciplinar, apta a desenvolver o trabalho sob todos esses
aspectos.
Art. 3º - Envolvendo os conflitos familiares questões complexas, o mediador deve ser
escolhido, preferencialmente, entre portadores de diplomas de curso superior ou que
estejam cursando universidades, especialmente nas áreas psicossocial e jurídica.
Art. 4º - Para implantação e execução do Serviço de Mediação Familiar, o Tribunal
de Justiça disponibilizará aos interessados, para consulta, o projeto “Serviço de
Mediação Familiar”, de sua Assessoria Psicossocial, o qual poderá ser adaptado às
peculiaridades da Comarca.
Art. 5º - A forma de capacitação dos mediadores familiares será definida pelo Poder
Judiciário, que poderá celebrar, com tal finalidade, os convênios que julgar
necessários.
Art. 6º - Os recursos para instituição do serviço de mediação familiar poderão advir
de convênios firmados com órgãos governamentais e não governamentais.
Art. 7º - O serviço de mediação familiar manterá banco de dados e cadastro
atualizado dos acordos efetuados.
Art. 8º - O serviço em causa e os acordos que efetuar velarão pela observância dos
princípios da proteção integral da criança e do adolescente nos termos preconizados
pelo respectivo Estatuto.
Art. 9º - Os serviços de mediação serão desenvolvidos e operados em regime de
sigilo, para resguardo do interesse das partes, sendo impedidos de testemunhar em
audiências os que nele tiverem atuação efetiva.
Art. 10 – Os acordos firmados entre as partes através do Serviço de Mediação
Familiar, serão reduzidos a termo, subscritos por duas testemunhas e submetidos à
homologação judicial.
Art. 11 – Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.
Florianópolis, 20 de setembro de 2001.
FRANCISCO XAVIER MEDEIROS VIEIRA
Presidente
156
ANEXO VI- Entrevistas
Entrevistas realizadas no ano de 2006 a três profissionais de áreas
distintas atuantes na prática da mediação. A primeira – Águida Arruda Barbosa - é
advogada e presidente do núcleo de Mediação do IBDFAM; a segunda trata-se de
Salete Coser, psicóloga forense na cidade de Londrina. Por fim, a americana Lynn
Jacob, assistente social, mediadora e Coordenadora do Departamento de Divórcio
do Chicago Center for Family Health – Universidade de Chicago, Estados Unidos.
Águida Arruda Barbosa
Advogada, Mediadora, Mestre em Direito pela USP e Doutoranda em direito pela
USP. Presidente do Núcleo de Mediação do IBDFAM.
1.Quais os resultados da mediação de conflitos nos casos em que a senhora
tem atendido?
Os resultados são muito significativos, vistos como transformação da ótica do
conflito. Ás vezes há acordos bem construídos, outras vezes, os mediandos vão ao
Judiciário, buscar a lógica da sentença, mas com outra expectativa. O importante é
notar que há mudança de comportamento.
2. Como tem sido a procura (demanda) pela mediação?
Ainda chega mais pela via advocacia, para a lógica do litígio ou da conciliação. No
meu caso eu logo proponho o trabalho da mediação, que normalmente as pessoas
não conhecem. Uso muito, também, requerer ao juiz que marque uma audiência
pelo 331 CPC informando que pretendo realizar um trabalho de mediação. Há juizes
que concordam porque não entendem, e outros desejam conhecer.
3.Como tem sido a reação dos profissionais do direito – advogados e juízes –
ante à prática da mediação em seus casos?
Os advogados se sentem muito ameaçados, achando que vão tirar o cliente deles.
Os juizes começam a procurar cursos de mediação, como no Acre, onde Giselle e
eu fomos dar um curso na Escola da Magistratura, com a participação de muitos
juizes. Penso que já houve uma grande melhora da condição do instituto.
157
4.Em sua opinião, qual a perspectiva futura da mediação no cenário jurídico
brasileiro?
A mediação não tem volta. É uma tendência moderna de países desenvolvidos,
como na comunidade européia e no Canadá, com resultados na construção de uma
ética, um comportamento. .
Salete Coser
Psicóloga Forense na Comarca de Londrina-PR. Mediadora. Especialista em
Terapia de Casal e Família e Terapia Comunitária.
1.Quais os resultados da mediação de conflitos nos casos em que a senhora
tem atendido?
alguns tem sido frutíferos, outros, não. Quando consigo fazer a pessoa entender que
ela própria tem condição de resolver o conflito, a situação fica mais fácil. Outra
dificuldade é quando existem fortes sentimentos não resolvidos entre as partes que
estaõ litigando
2. Como tem sido a procura (demanda) pela mediação?
Pouca, normalmente a proposta é minha ou do Juiz.
3.Como tem sido a reação dos profissionais do direito – advogados e juízes –
ante à prática da mediação em seus casos?
Quando são mais conscientes, entendem e concordam. Entretanto, quando são
pessoas naturalmente mais combativas, vêem a iniciativa como uma intromissão em
seu trabalho.
4.Em sua opinião, qual a perspectiva futura da mediação no cenário jurídico
brasileiro?
Com certeza, o que existe é a necessidade de maior divulgação da proposta junto,
principalmente, aos meios universitários e jovens advogados.
158
Lynn Jacob
Mestre em Serviço Social. Especialista em Terapia de Casal e Família. Mediadora
em Divórcio. Presidente da Academia Americana de Mediação Familiar (1994-1995).
Presidente do Conselho de Mediação do Estado de Illinois (1987-1990). Membro do
Comitê de Mediação em Custódia de Crianças na Suprema Corte Americana (1991-
1992). Coordenadora do Departamento de Divórcio do Chicago Center for Family
Health – Universidade de Chicago. USA.
1.Quais os resultados da mediação de conflitos nos casos em que a senhora
tem atendido?
O sucesso ocorre no mínimo em 50% dos casos
18
.
2. Como tem sido a procura (demanda) pela mediação?
Em Chicago, nós temos uma mediação ordenada pelo juiz em todos os casos de
disputa. A corte oferece duas horas de sessão. Em todos os 50 estados norte-
americanos possuem alguma forma de programa de mediação. A lei referente ao
direito de família é estadual, então este programas foram desenvolvidos, estado por
estado desde 1970. Adicionalmente, há mediadores como eu, que praticam a
mediação privada. Imagino que menos de 10% dos casos de divórcio sejam
mediados de forma privada, mas este número está crescendo. Eu medio questões
relativas a guardas de filhos, questões financeiras e referentes ao pós-divórcio
19
.
3.Como tem sido a reação dos profissionais do direito – advogados e juízes –
ante à prática da mediação em seus casos?
Com a observação dos advogados e juízes, a mediação é aceita em questões
relativas às crianças, mas menos com relação aos problemas de partilha de bens.
18
This is successful at least 50% of the time. (Original)
19
We have "mandated mediation" which is required in the Chicago courts for all cases of contested
custody. The court offers two two-hour sessions. All 50 states in the US have some court programs.
Family law is governed by state law so these programs have been developing state by state since
1970. Additionally, there are mediators, like myself who practice in the private sector. My guess is
that less than 10% of all divorce cases are mediated privately though the number is growing. I
mediate child custody issues, financial issues and post-divorce issues
. (Original)
159
Talvez porque advogados confiem somente em advogados para este fim que tem
sido tradicionalmente deles
20
.
20
With regard to lawyers/judges, mediation is accepted for issues related to children but less so for
issues related to finance (support and division of assets and liabilities). It may be that lawyers trust
lawyers and not other professionals to do what has traditionally been their domain. (Original)
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