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PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA
NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
ALCEBÍADES FEITOSA DOS SANTOS FILHO
A LIBERDADE NA CARTA AOS GÁLATAS
ANÁLISE DE GL 5,1
VERSÍCULO DE DUPLA FUNÇÃO
São Paulo
2006
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PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA
NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
SACERDOTE ALCEBÍADES FEITOSA DOS SANTOS FILHO
A LIBERDADE NA CARTA AOS GÁLATAS
ANÁLISE DE GL 5,1
VERSÍCULO DE DUPLA FUNÇÃO
Tese apresentada à Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa
Senhora da Assunção, como exigência parcial para a obtenção
do título de Especialização em Bíblia, sob a orientação do Prof.
Dr. Cônego Celso Pedro.
São Paulo
2006
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GLOSSÁRIO
Ap.: Apocalipse
At.: Atos dos apóstolos
a.C.: Antes de Cristo
cf.: Confira
Col.: Colossensses
Cor.: Corintios
d.C.: Depois de Cristo
Dt.: Deteuronômio
E.G.: Egressos
Ex.: Êxodo
Fl.: Filipenses
Gl.: Gálatas
Gn.: Gênesis
Hb.: Hebreus
Ibidem: No mesmo lugar
Is.: Isaías
Jer.: Jeremias
Jo.: João
Jub.: Jubileus
Lc.: Lucas
Lv.: Levítico
LXX: Septuaginta
Mc.: Marcos
Mt.: Mateus
4
Ne.: Neemias
Op. cit.: Obra citada
Rm.: Romanos
Rs.: Reis
s: Seguinte
Sam: Samuel
Sl: Salmos
ss: Seguintes
Ts.: Tessalonicensses
v.: Versículo
vv:. Versículos
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................... 07
I – CARTA AOS GÁLATAS............................................................................................. 09
1. A epístola e sua importância...................................................................................... 09
1.1. Gálatas: sua terra e sua gente............................................................................. 10
1.2. A composição da carta....................................................................................... 13
1.3. Compreendendo a origem da controvérsia......................................................... 15
1.4. Os judaizantes e seu modus operandi................................................................ 18
1.4.1. Reconstituindo os passos da pregação judaizante...................................... 19
1.5. Aceitação da lei pelos gálatas............................................................................ 20
1.6. Uma situação complexa..................................................................................... 22
1.7. Missão vinda de Deus........................................................................................ 23
1.8. O Cristo vivo...................................................................................................... 25
II – PARA A LIBERDADE CRISTO NOS LIBERTOU................................................ 28
1. A alegoria de Sara e Agar........................................................................................... 31
2. A metáfora da redenção.............................................................................................. 33
2.1. A redenção em Israel......................................................................................... 36
2.2. Redenção/libertação: duas palavras para uma mesma imagem......................... 39
2.3. Maldição/escravidão.......................................................................................... 41
3. A liberdade em sentido absoluto................................................................................ 43
3.1. A liberdade no Antigo Testamento.................................................................... 46
3.1.1. (Uma) aliança para a liberdade................................................................. 46
3.2. Jesus: o livre e o libertador................................................................................ 54
4. Revelação, comunidade e missão............................................................................... 57
4.1. Jesus: fonte de liberdade.................................................................................... 58
6
4.2. Sobre a etimologia............................................................................................ 61
4.3. A nova criação.................................................................................................. 67
4.4. O homem bíblico.............................................................................................. 69
III - MOVIMENTO DE ABERTURA.............................................................................. 71
1. Justiça da lei ou da fé?................................................................................................ 73
2. Justiça de Deus........................................................................................................... 75
3. A justificação sob a ótica paulina............................................................................... 79
3.1. Justificação e batismo........................................................................................ 80
3.2. Justificação em Gálatas..................................................................................... 81
3.3. Justificação e liberdade...................................................................................... 85
3.3.1. Da carne à liberdade................................................................................. 86
3.3.2. Da liberdade como servidão..................................................................... 87
3.3.3. Da liberdade como fruto do espírito......................................................... 88
3.3.4. Liberdade e lei de Cristo........................................................................... 90
CONCLUSÃO..................................................................................................................... 92
1. Lições e provocações de Gálatas................................................................................ 92
2. Liberdade e modernidade........................................................................................... 93
3. A lei............................................................................................................................ 93
4. Ecumenismo............................................................................................................... 94
5. Sobre o sentido da fé.................................................................................................. 95
ANEXOS.............................................................................................................................. 97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 113
7
INTRODUÇÃO
No decorrer desta pesquisa procuramos, inicialmente, fazer uma pormenorizada
apresentação da Carta aos Gálatas, a fim de situar o leitor nas grandes questões que
provocaram o aparecimento desse escrito, entre outras questões menores, para em seguida
desenvolver o grande tema da liberdade, ora tentando defini-lo a partir do lugar em que se
encontra: Gl 5,1, ora tentando situá-lo no conjunto literário de todo o escrito. Desse modo,
estaremos trilhando dois caminhos inevitáveis perguntando-nos em que lugar especificamente
a liberdade se encontra no corpo da Epístola, ao mesmo tempo em que, procuramos explicá-
la, na tentativa de definir o seu correto significado.
Alguns comentários da Carta aos Gálatas, embora reconheçam a relevante
importância do escrito para a compreensão do universo teológico paulino insinuam neste, uma
certa desordem literária, atribuindo tal aspecto à situação de conflito em que ele veio à tona.
Nesse caso, a Carta aos Gálatas padeceria de um certo rigor na formulação de suas principais
idéias. Isto significa que, para muitos, somente em Romanos poderíamos encontrar idéias
mais bem ordenadas e matizadas.
Diante dessa concepção, uma das indagações que acompanha a nossa investigação
é: Será que a Carta aos Gálatas padece realmente de uma ligeira desordem literária? O mundo
nervoso e tempestivo do Apóstolo de fato obnubilou a exposição clara de suas premissas? Ao
contrário dessas afirmações indiretas, procuramos com esforço, demonstrar que a Carta aos
Gálatas revela uma coerência literária formidável. Ademais, analisado de perto, o texto de
Gálatas surpreende em coerência e rigor literários.
Na verdade, como tentaremos mostrar, Paulo faz do princípio fundamental da
liberdade o marco teórico em torno do qual toda a sua escritura é criativamente pontuada.
Como variações de um mesmo tema, o Apóstolo costura a sua temática com diferentes e
8
complexos elementos retirados, tanto do Primeiro, como do Segundo Testamentos. Desse
modo, há na Carta aos Gálatas, uma síntese perfeita entre uma paixão avassaladora pelo
ressuscitado e, ao mesmo tempo, uma cerrada argumentação doutrinal, densamente
concatenada, linear, coerente, sem absolutamente quebras, mas cheia de direção.
9
I – CARTA AOS GÁLATAS
1
1. A epístola e sua importância
A Carta aos Gálatas, embora esteja entre as cartas relativamente breves do
Apóstolo, nem por isso figura como menos importante no corpo doutrinal paulino. Nela
encontramos, como num longo esboço, as principais e fundamentais linhas teológicas de
raciocínio do Apóstolo. Paulo procurou responder aos seus interlocutores a partir de temas
fundantes e, que permanentemente se entrecruzam nos Testamentos, tais como: a lei e a
liberdade, a promessa, a graça, a obediência, a fé como pressuposto de uma vida cristã, o
batismo, a adoção filial, o amor como fruto do Espírito, entre outros.
Há, na Carta aos Gálatas, um outro aspecto interessante: o de que em nenhuma
outra carta Paulo se deixa revelar tão abertamente. O Apóstolo nunca se mostrou tão
apaixonado e nervoso como aqui. Ele parece se dar por inteiro, sem disfarces, com todos os
sentimentos que dele podemos captar: surpresa, indignação, tristeza, angústia, ternura e amor,
filiação para com os seus na fé. Nesse aspecto, Van Den Born (1977) revela o seguinte: “São
Paulo escreve esta Epístola, a mais violenta de todas, cheia de indignação e ironia amarga
(5,12), mas também cheia de um amor apaixonado”.
2
Dois outros aspectos devem ser pontuados quando tratamos da importância da
leitura de Gálatas. Primeiramente, há o fato de esta Carta haver registrado o início do
crescente distanciamento entre cristianismo e judaísmo, provocado pelo conflito com os
judaizantes. A história da Igreja primitiva e nela, do cristianismo, foi assumindo identidade
própria. Nesse sentido, segundo Ballarini (1974):
1
Para maiores informações vide tradução da Carta aos Gálatas na íntegra, na seção Anexos no final deste
trabalho.
2
VAN DEN BORN, A. (org.) Dicionário enciclopédico da Bíblia. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 616.
10
Em Gálatas vemos a Igreja que vai conquistando a própria personalidade,
desapegando-se progressivamente do judaísmo, com o qual, de início, se
confundia. Isso aconteceu não sem dificuldades, choques e hesitações
internos, superados, no entanto, sob a direção do Espírito.
3
Em segundo lugar, não devemos esquecer que Gálatas, juntamente com Romanos,
são cartas inspiradoras da reforma protestante, justamente por causa do seu tema: A
reivindicação da liberdade cristã.
Finalmente, pelo fato de sempre despertar no leitor moderno certa atração,
motivada pelo seu raciocínio e por suas linhas argumentativas, especialmente no que tange à
idéia de liberdade, pressuposto básico da cultura ocidental moderna, devemos ainda
determinar até que ponto há realmente uma proximidade entre os escritos do Apóstolo e a
modernidade, de forma concreta no termo liberdade.
1.1. Gálatas: sua terra e sua gente
Ao revelar a presença de nomes celtas, gregos, romanos e frígios, os estudos
epigráficos mostram que a região habitada pelos gálatas constituiu-se numa complexa
formação étnica e cultural. Falando resumidamente da Galácia, Mackenzie (1993) nos relata o
seguinte:
O nome geográfico e político Galácia é usado em dois sentidos. O primeiro
significado designa o Planalto da Anatólia Central entre o Ponto, a Bitínia, e
a Licaônia. O nome deriva dos gauleses que invadiram a Macedônia, Grécia,
e Ásia Menor em 279 a.C. e anos seguintes; finalmente eles se estabeleceram
3
BALLARINI, T. Introdução à Bíblia. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1974, p. 396.
11
na Anatólia, onde formaram um reino. Em 64 a.C. a Galácia tornou-se um
estado dependente de Roma, e nos anos seguintes o território do reino foi
ampliado pelas regiões vizinhas. No segundo sentido, Galácia designa a
província romana da Galácia, estabelecida em 24 a.C., depois da morte do
último rei, Amintas; Incluía a região da Galácia e as regiões da Pisídia,
Panfília, e parte da Licaônia. Depois desta data, o nome Galácia foi usado
para designar a província.
4
Por sua vez, O’Connor (2000), nos informa que: “No ano 21 ou 22 a.C., o
Imperador Augusto dividiu a Galácia, dando-lhe nomes correspondentes a três tribos gálatas
que correspondiam a três povoados transformados em cidades por decreto imperial”.
5
Quanto à região em que habitavam, os livros a descrevem como um lugar de
grandes contrastes e de um clima de extremos: no verão um calor causticante, no inverno um
frio avassalador, refletindo o clima e suas diferenças, talvez, um traço da personalidade do
povo celta, daquele lugar. Ainda, sobre a descrição da região propriamente dita, O’Connor
(2000) nos diz o seguinte:
Consiste em uma vasta série de terras altas, áridas, descampadas e encostas
íngremes. É quase desprovida de árvores, exceto talvez, em alguns lugares
nas fronteiras do Norte; e a falta de sombra torna o calor do verão mais
exasperante, enquanto no inverno o clima é rigoroso [...] Não há
praticamente nenhum aspecto notável e um pedaço é igual ao outro. As
cidades estão longe uma das outras, separadas por longos trechos do mesmo
4
MACKENZIE, J. L. Dicionário Bíblico. Tradução de Álvaro Cunha. São Paulo: Paulinas, 1993, p. 369.
5
O’CONNOR, J. M. Paulo: biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000, p. 199.
12
território, cansativo, poeirento, quente e árido no verão, coberto de neve no
inverno.
6
Estudos revelam que estradas romanas cruzavam a Galácia no tempo de Paulo. De
qualquer modo, no que se refere à economia dos gálatas, era incrementada pela produção e
criação de ovelhas, com a exploração da lã. Havia também o cultivo da vinicultura, mas na
verdade, a produção de cereais, como o trigo, destacava-se como principal atividade,
constituindo-se como base da economia galática.
O povo gálata, como boa parte das tribos indo-européias, era marcadamente
guerreiro, acostumado desde muito às derrotas e conquistas. Alguns escritores antigos nos
informam que existiam regras e costumes característicos da personalidade gálata. Através
desses relatos foi possível conhecermos um pouco mais de seu cotidiano, como por exemplo,
o modo como faziam suas refeições e as disposições de seus membros à mesa. Tudo isso
refletia o modo como se organizavam em sua estrutura hierárquica tribal.
Outros detalhes nos chegam desses escritos e narram o apetite voraz desse povo.
Gostavam de cantar seus feitos e eram, em todo mundo, tidos como destemidos guerreiros. O
fato é que, embora com o alto número de casamentos inter-raciais, a adoção da religião local e
do grego como segunda língua, não conseguiram modificar sua forma de organização.
Entre alguns povos, os gálatas eram pouco considerados, vistos como bárbaros e
desprovidos de certa civilidade. O’Connor (2000), nos conta que entre os gregos, os gálatas
não gozavam de muita simpatia, sendo considerados por estes, como uma “raça misturada,
simplórios, imprevisíveis, cruéis, sem perseverança e, fáceis de enganar”.
7
6
O’CONNOR, J. M. Paulo: biografia crítica. Op. cit. p. 200.
7
Ibidem, p. 199.
13
1.2. A composição da carta
A composição da Carta aos Gálatas não representa uma discussão pacífica. Muitos
exegetas discordam no tocante à data da Epístola. Nada mais compreensível, tendo em vista
tratar-se de um escrito antigo, cujo esforço de pesquisa deveria ser encarado como tarefa de
aproximação, nunca de conclusão. Douglas (1995), em O novo dicionário da Bíblia tenta
resumir tais divergências ao nos relatar o seguinte:
Conforme o ponto de vista que diz que a Epístola estava endereçada a
Galácia do Norte, a Epístola não poderia ter sido escrita antes de 49/50 d.C.,
quando teve início a segunda viagem missionária de Paulo (At 16,6), e foi
mais provavelmente escrita depois de 52 d.C., quando começava a terceira
viagem e Paulo visitara a Galácia pela segunda vez (At 18,23), visto que sua
referência ao fato de ter-lhes pregado pela primeira vez (Gl 4,13) -
literalmente ‘a vez anterior’ (em grego to proteron) - subentende duas visitas
feitas a eles.
8
Em seguida Douglas (1995) descreve o ponto de vista de uma segunda corrente:
Conforme a Teoria da Galácia do Sul, a Epístola poderia ter sido escrita
antes disso; as palavras (Gl 1,6) de fato deixam subentendida uma data não
muito distante da primeira viagem missionária (47/48 d.C.), enquanto que a
expressão a primeira vez (Gl 4,13) poderia ser entendida à luz do fato que,
no curso da primeira viagem, Paulo e Barnabé visitaram o Sul da Galácia por
8
DOUGLAS, J. D. G. (org.) O novo dicionário da Bíblia. Tradução de João Bentes. São Paulo: Vida Nova,
1995, p. 648.
14
duas vezes, indo de Antioquia da Pisídia para Derbe, e daí de volta para
Antioquia da Pisídia (At 14,21).
9
Longe naturalmente da presunção de querer solucionarmos os conflitos de
interpretação em torno da composição da carta, o que podemos observar é que há, pelo menos
na maioria dos autores lidos, certa unanimidade acerca de alguns temas, como por exemplo, a
incontestável integridade literária, refletida na Carta. Além disso, não podemos duvidar de sua
autoria, pois segundo Giavini (1987):
São muitos os testemunhos antigos que atribuem esta carta a Paulo, e todos
são tão unânimes em confirmá-lo que, se Gl não fosse sua, deveríamos
duvidar também da existência do sol. Ou então, deveríamos inventar outro
Paulo, em tudo igual ao primeiro, e atribuir-lhe a autoria de Gl.
10
Por último, tentando inserir, na cronologia paulina, a Carta aos Gálatas, esta
deveria ocupar o seu lugar como aquela que precedeu imediatamente à Carta aos Romanos,
visto que os temas tratados na primeira vinculam-se estreitamente aos da segunda,
especialmente a doutrina da justificação. Se em Gálatas Paulo escreve de modo apaixonado e
nervoso, em Romanos tem a oportunidade de considerar mais demoradamente os temas
prefigurados em Gl. Mediante tais fatos, com base em Schnelle (1999)
11
, ao fazermos um
estreito esquema de ligações entre Gl e Rm teríamos o seguinte:
9
DOUGLAS, J. D. G. (org.) O novo dicionário da Bíblia. Op. cit. p. 648.
10
GIAVINI, G. latas: liberdade e lei na igreja. Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola,
1987, p. 9.
11
SCHNELLE, U. A evolução do pensamento Paulino. São Paulo: Loyola, 1999, p. 32.
15
Gl 1,15-16 Rm1,1-5 Separação para o apostolado.
Gl 2,15-21 Rm 3,19-28 Justiça da fé.
Gl 3,6-25,29 Rm 4,1-25 Abraão.
Gl 3,26-28 Rm 6,3-5 Batismo.
Gl 4,1-7 Rm 7,1-8,16 Servidão e liberdade.
Gl 4,21-31 Rm 9,6-13 Lei e promessa.
Gl 5,13-15 Rm 13,8-10 Liberdade e amor.
Gl 5,16-26 Rm 8,12 ss Vida no espírito.
Sendo assim, poderíamos reconhecer nitidamente que “o fio condutor do
pensamento em Rm está prefigurado em Gálatas. Já a polêmica específica de Gálatas é
transposta em Romanos, para questionamentos fundamentais, a argumentação é mais
refletida; a demonstração, mais cerrada”.
12
1.3. Compreendendo a origem da controvérsia
Em suas observações, os biblistas são claros quando tratam do surgimento da
grande divergência que envolveu Paulo e os judaizantes. De fato, não se tratava de problemas
corriqueiros, ou de pequenas crises internas, comumente registradas por murmúrios de
Igrejas, pois segundo Mullins (1969):
De notícias inquietantes de que alguns haviam convencido os cristãos da
Galácia de que eles não podiam ser cristãos corretos sem serem circuncisos e
sem observar a Lei de Moisés. Eles lembraram que Paulo não era um dos
12
SCHNELLE, U. A evolução do pensamento Paulino. Op. cit. p. 32.
16
doze, mas apenas uma espécie de apóstolo secundário, e que seu Evangelho
não era o mesmo seguido pelos outros apóstolos.
13
Quase na mesma linha encontram-se as observações de Schneider (1967), quando
escreve:
O Evangelho estava correndo sério perigo entre os gálatas. Missionários de
fora haviam penetrado nas comunidades. A posição deles era de um
cristianismo judaizante ao extremo, exigiam dos gentios cristãos da Galácia
a circuncisão (Gal 5,2s; 6,12s) Confundiam as jovens comunidades
declarando que, sem a circuncisão, exigida pela Lei Mosaica, não há
salvação.
14
Continuando a colher visões dos teólogos sobre a crise em Gálatas lembremo-nos
de Carrez et al (1987), que sintetiza de modo categórico: “O apóstolo tinha que enfrentar uma
contra-missão judaizante, cujas teses esvaziavam o Evangelho de seu conteúdo essencial
(‘eram outro evangelho’, 1,7) e que reduzia a nada a cruz de Cristo (Gl 2,1; 3,13; 5,11; 6,12-
14)”.
15
Para além desses diagnósticos, concordes em sua maioria, surge naturalmente a
pergunta: Quem eram esses forasteiros e de onde vinham? Na Carta aos Gálatas, Paulo os
chama de modo genérico e desprezível como “pessoas” (Gl 1,7), “alguém” (Gl 1,9), “eles”
(Gl 4,17; 6,13). Além de serem intrusos, segundo a Carta, podemos colher outras
informações: eram cristãos de origem judaica, pelo nascimento ou pela conversão,
13
MULLINS, A. G. Nova enciclopédia católica. v. II. Rio de Janeiro: Renes, 1969, p. 156.
14
SCHNEIDER, G. Epístola aos gálatas. Coleção Novo Testamento, Comentário e Mensagem. Petrópolis:
Vozes, 1967, p. 8.
15
CARREZ, M. et al. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Paulus,
1987, p. 124.
17
circuncidados (Gl 6,13), que consideravam a mensagem transmitida aos gálatas como
“Evangelho” (Gl 1,6). O fato é que tais informações se repetem no modo com que os teólogos
vêem o conflito. Há, porém, escritores que, além da constatação do problema existente,
procuraram mapear sua origem, seu princípio. É o caso de O’Connor (2000), que parece
convincente quando afirma que os missionários intrusos teriam vindo não de Jerusalém, como
muitos afirmam, mas de Antioquia.
Quando fundou as Igrejas da Galácia, Paulo atuou como emissário de
Antioquia. Todavia, sob pressão de Jerusalém, a comunidade antioquina
optou por uma versão de cristianismo completamente judaica, que Paulo não
aceitava (Gl 2,11-21). Seu fracasso em persuadir aqueles que outrora
patrocinaram sua campanha missionária na Europa, de que estavam sendo
injustos com membros pagãos da Igreja, levou-o a um rompimento.
16
A verdade é que ao considerarmos esse alinhamento da visão cristã, mais judaica
por parte de Antioquia e por parte da Igreja-Mãe, Jerusalém, teríamos que admitir como
natural a pressão sobre as Igrejas irmãs, e naturalmente, sobre as comunidades fundadas por
Paulo. Estava formado, portanto, o quadro da origem da Carta aos Gálatas: de um lado Paulo,
reagindo com indignação aos intrusos judaizantes, de outro, estes, alegando que Paulo, por
fazer certas concessões, perdera sua autoridade sobre as Igrejas da Galácia, já que eram
fundações antioquinas. O que vieram fazer, então, os judaizantes? Restabelecer a disciplina e
reimplantar o que consideravam o autêntico cristianismo.
16
O’CONNOR, J. M. Paulo: biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000, p. 203.
18
1.4. Os judaizantes e seu modus operandi
Houve, no modo de agir judaizante, algo absolutamente grave e cruel no tocante
ao tratamento dado a Paulo, especialmente por quem se dizia vindo da parte de Deus Pai, e de
seu Filho Jesus. Começaram suas ações lançando dúvidas sobre a própria pessoa de Paulo ao
divergir num primeiro momento, não de suas convicções profundas, mas tentando torná-lo
desacreditado. Drane (1982), chama as acusações feitas a Paulo de “malicioso ataque às suas
credenciais de evangelizador”.
17
Com tamanho artifício, o fato de colocarem em crise sua
idoneidade de missionário de Cristo, talvez tenha feito com que seus inimigos tenham se
julgado vencedores.
Como segunda linha de ataque a Paulo, procuraram convencer com toda força e
clareza que este teria omitido algumas certezas fundamentais do cristianismo e que somente
eles poderiam anunciá-las de modo completo e perfeito, mostrando-lhes a face verdadeira do
cristianismo. Talvez por tudo isso seja plenamente compreensível a reação nervosa e
apaixonada de Paulo. Embora ele não estivesse frente-a-frente com seus opositores, não
poderíamos acusá-lo de falta de percepção do que estava ocorrendo. Portanto, se quiséssemos
falar resumidamente das razões dos judaizantes, no tocante à natureza dos problemas em
Gálatas, diríamos: as testemunhas qualificadas, fidedignas, são unicamente os chefes de
Jerusalém, pois estes conheceram o Mestre e dele receberam diretamente a autoridade. Depois
disso, se Paulo tivesse alguma autoridade esta, ter-lhe-ia sido concedida por Jerusalém.
Finalmente, após haver partido em missão para a Síria e Cilícia, tomou no ensino do
Evangelho, uma direção própria, fazendo concessões não autorizadas pelas primeiras
testemunhas, como a não obrigatoriedade da circuncisão, das observâncias alimentares, e
17
DRANE, J. Paulo: um documento ilustrado sobre a vida e os escritos de uma figura-chave dos primórdios do
cristianismo. Tradução de Alexandre Macintire. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 52.
19
outras, com o intuito de agradar os gentios. É assim que o Apóstolo Paulo teria provocado a
desaprovação dos Doze, fato evidenciado em Antioquia, no confronto com Pedro.
1.4.1. Reconstituindo os passos da pregação judaizante
Devemos compreender que em Gálatas, criou-se certa confusão com a presença
dos judaizantes, porque ainda era recente a presença do cristianismo na Galácia e, portanto,
ainda não havia criado profundas raízes. Em seguida, porque os judaizantes apresentavam-se
como autênticos representantes do verdadeiro Evangelho, e o faziam por meio de uma
pregação retórica coerente e bem concatenada. Eis as suas diretivas: Abraão é o marco de
tudo, o modelo de todo fiel, pois foi o primeiro a abandonar o culto aos ídolos e converter-se
ao Deus Verdadeiro.
Depois de abraçar a fé no Deus Único, Deus o fez pai de uma grande nação, mais
do que isso, de todas as nações. Pela boca de um anjo, todas as famílias da terra, por
determinação divina, foram abençoadas em Abraão, neste e, em toda a sua descendência (Gn
15,5). Surgiu então da parte de Deus para com Abraão, uma aliança perpétua e o sinal desta
aliança: o mandamento da circuncisão (Gn 17,23), além de outros sinais, como o calendário
festivo (Jub 15,1-2) e os sagrados requisitos dietéticos (Gn 2,11-14). Desse modo, Abraão
tornou-se antecipadamente um fiel observador da Lei, que seria promulgada no Sinai pelo
mediador Moisés (Ex 19) e confirmada, agora e para sempre, pelo Messias. Em resumo, a Lei
seria um dom dos céus, revelada para Abraão, promulgada em Moisés e confirmada
plenamente pelo Messias.
Em meio a toda essa pregação judaizante, a pergunta é: Como deveriam agir os
pagãos a fim de serem descendentes abençoados de Abraão? Pois também haviam se tornado
20
irmãos por meio de Ismael e de Agar, a serva (Gn 15), dos que nasceram de Sara, a mulher
livre (Gn 21,1-7)!
As respostas a tais indagações, depois de estabelecidos os parâmetros da pregação
judaizante, nos parecem inevitavelmente óbvias: após abandonar os falsos ídolos e fugir do
impulso do mal, deveis converter-vos à Santa Lei de Deus, como nosso Pai Abraão,
abraçando o mandamento da circuncisão e todos os outros sinais a ele revelados. Então, o que
é preciso para serem fiéis observadores, considerados verdadeiros descendentes de Abraão?
Abandonar o antigo modo de vida e observar fielmente a Lei de Abraão.
Se, de fato, essa foi a pregação judaizante, e não estava alinhada ao pensamento
Paulino, compreendemos então os judaizantes quando afirmam aos gálatas que Paulo,
verdadeiramente, não os havia evangelizado, chamando para si a missão de arrancá-los da
escravidão e conduzi-los ao verdadeiro Evangelho, o que passa necessariamente pela fiel
observância da Lei, como haveria ensinado Abraão. Paulo se perdera em concessões para
atrair os gálatas à conversão, omitindo pontos basilares da vivência do Evangelho.
1.5. Aceitação da lei pelos gálatas
Depois de procurar explicar, pela ótica dos judaizantes, o lugar de Abraão na
história da salvação, O’Connor (2000)
18
, procura responder porque tão facilmente os gálatas
teriam se deixado fascinar pelo discurso dos judaizantes. A resposta a essa questão parece
estar, de um lado, na formação psicológica do povo gálata, e de outro, no modo evangelizador
de Paulo. O fato é que Paulo reconhecia a importância e a bondade da Lei (Rm 15,4; 1 Cor
10,6), e dela se utilizava em seu discurso ético (Rm 7,7; 12, 19 s; 1 Cor 9,9; 2 Cor 8,15).
18
O’CONNOR, J. M. Paulo: biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000, p. 207.
21
O Apóstolo, em sua práxis apostólica, não é o que rigorosamente poderíamos
chamar de um legislador, um criador e sistematizador de leis, pois segundo O’Connor (2000):
[...] era costume de Paulo, ao fundar uma comunidade, dar algumas
instruções gerais que tinham a finalidade de indicar aos novos fiéis que
agora se esperava deles um novo estilo de vida (1 Ts 4,1-12). O apóstolo
esperava que eles descobrissem por si mesmos o que essa encarnação do
evangelho significava na prática.
19
O’Connor (1994) já tinha considerado essa questão:
A complexidade da realidade era bastante aterradora, o fardo da
responsabilidade bastante grande e, em face desse medo, o pormenor
concreto e preciso da lei fornecia refúgio e sensação de segurança. Os
humanos podiam afastar o olhar da realidade e focalizá-lo exclusivamente na
lei.
20
Sobre tal visão missionária, Sanders (1990) parece concordar, afirmando que:
Nesse contexto, no qual a vinda do Senhor estava próxima e os cristãos
tinham de ficar irrepreensíveis, compreende-se que a explicação da lei como
lei teria papel limitado. Paulo não desenvolveu nem Halacá precisa para
reger o comportamento, nem sistema para expiação de faltas cometidas após
a conversão.
21
19
O’CONNOR, J. M. Paulo: biografia crítica. Op. cit. p. 207.
20
O’CONNOR, J. M. Antropologia pastoral. Tradução de Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1994, p. 119.
21
SANDERS, P. Paulo, a lei e o povo judeu. Tradução de José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulinas, 1990, p.
123.
22
Os gálatas, portanto, ficaram entregues à sua liberdade e responsabilidade em
procurar viver criativamente sua nova religião. O fato de aderirem ao discurso legalista dos
judaizantes revela que ainda não estavam preparados para encarnar o Evangelho em suas
vidas. A Lei, sem dúvida, arrancava-lhes tal angústia e respondia claramente como deveriam
se comportar. Dava-lhes uma direção cotidiana e um porto seguro. Ao imaginarmos os gálatas
vivendo sob regras claras, em sua sociedade tribal, quer do ponto de vista social ou religioso,
deveríamos, sem dúvida, compreender a dificuldade diante dos desafios da nova conversão.
1.6. Uma situação complexa
A situação vivida por Paulo na Galácia foi, sem dúvida, algo inaudito. Em
nenhuma outra comunidade o Apóstolo havia enfrentado um conflito tão delicado e de
matizes tão complexos. Nem seus percalços em Corintos (2 Cor 10-15), nem tampouco os
desapontamentos do seu passageiro mal-entendido com os tessalonicenses exigiram tanto da
sua inteligência. Como diz O’Connor (2000): “A deliberada oposição revelada pelo relato
vindo da Galácia era um assunto completamente diferente. Havia a possibilidade, muito real,
de que sistematicamente se estendesse às outras Igrejas que fundara sob a égide de
Antioquia”.
22
Podemos imaginar que a reação de espanto (Gl 5,7), beirando quase ao desespero
(Gl 4,11) não favoreceu nenhuma resolução, a não ser diminuir a tensão psicológica. Seria
preciso, nesse caso, mais do que uma atitude básica. Uma reação calculada, inteligente,
precisa, é o que exigiria a situação. Assim, Paulo agiu, embora tomado por uma ira moderada.
Duas questões importantíssimas e difíceis precisavam de respostas adequadas. Primeiro, a
acusação que poderia minar sua credibilidade, sua fidedignidade como Apóstolo do Senhor.
22
O’CONNOR, J. M. Paulo: biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000, p. 209.
23
Paulo deveria recuperar a sua condição de Discípulo do Senhor contestada pela ação
judaizante. Segundo, demonstrar com toda sua capacidade literária e sua habilidade retórica,
que sua pregação não se fundava em saber humano ou, segundo os homens (Gl 3 ss), mas por
revelação de Jesus Cristo.
Paulo teve uma reação nervosa à argumentação teologicamente densa, complexa e
inteligente, tentando desconstruir a pregação judaizante naquilo que havia de mais
convincente. Se assim não procedesse, as comunidades evangelizadas, o cristianismo
anunciado e a sua própria pessoa estariam, sem dúvida, incorrendo em sério risco. O futuro
poderia estar comprometido.
Em síntese, Paulo precisava restabelecer a sua autoridade e o cristianismo, por ele,
incansavelmente anunciado.
1.7. Missão vinda de Deus
Paulo precisava responder com inteligência ao ataque feito pelos judaizantes à sua
pessoa, como missionário do Senhor. O’Connor (2000) acredita que um erro de direção na
crítica de seus adversários teria facilitado, de algum modo, tal tarefa, visto que insistiam no
fato de Paulo estar distante da comunhão com a Igreja de Jerusalém. Nesse sentido, em favor
de Paulo, encontra-se o fato de sua diminuta permanência em Jerusalém. Ademais, poderia
haver contra-argumentado do acolhimento dos notáveis da Igreja quanto à confirmação de sua
obra (Gl 2,1-10), o que não teria ocorrido tão facilmente se a insistência tivesse recaído sobre
Antioquia, cidade em que Paulo residiu por anos e o aceitou como missionário, pelas mãos de
Barnabé e, que agora, objetava a sua missão.
23
23
O’CONNOR, J. M. Paulo: biografia crítica. Op. cit., p. 89.
24
A pergunta é: O que faria de Paulo, naquele momento, verdadeiramente um
Apóstolo do Senhor? No plano, meramente humano, deixara para trás sua perseguição furiosa
à Igreja de Cristo. Em decorrência dessa mudança de atitude, o encontro com o próprio
ressuscitado, nas estradas de Damasco (At 9,3) teria provocado a mudança de vida,
justificando desse modo, o seu mandato como tendo sido conferido pelo próprio Cristo.
É por isso que Paulo insistia em dizer que seu Evangelho não havia vindo da
“parte dos homens, nem por um homem” (Gl 1,1). Sustentando tal afirmação, Paulo estaria
antecipando e respondendo à objeção de que a sua missão precisava da aprovação do
Conselho dos Notáveis. Nessa linha, O’Connor (2000) coloca o seguinte: “Seus adversários
podiam assegurar que, para o conteúdo do seu Evangelho, ele dependia da tradição cristã que
Jerusalém representava com muita autoridade”.
24
Prevendo essa objeção, Paulo insistiu que “este Evangelho que vos anuncio não é
de inspiração humana, aliás, não é por um homem que ele me foi transmitido ou ensinado,
mas por revelação de Jesus Cristo” (Gl 1,1).
É importante insistir no encontro de Paulo com o ressuscitado. Isto porque Paulo
poderia usá-lo como contraponto à pregação judaizante, primeiro como um acontecimento
inusitado, surpreendente e que transformou completamente seu antigo sistema de valores. A
aparição de Cristo a Paulo teria sido algo inesperado, violento (1 Cor 15,8). Num segundo
momento, descobrindo que o Cristo estava vivo e ressuscitado, coisa que como fariseu
negava, forçosamente tal fato remeteu Paulo a reavaliar boa parte de seu arraigado sistema de
convicção farisaico. Nesse contexto, O’Connor (2000), é feliz quando afirma:
Se uma das ressonâncias que o nome de Jesus estabeleceu em sua mente
farisaica era verdade (isto é, a ressurreição), então as outras,
automaticamente, teriam de ser vistas em uma perspectiva completamente
24
O’CONNOR, J. M. Paulo: biografia crítica. Op. cit. p. 90.
25
diferente. Já não eram as pretensões irreverentes de um louco e seus
joguetes, mas verdade absoluta.
25
A verdade que se abrira para Paulo no encontro com o ressuscitado parece ter sido
definitiva em sua vida, na medida em que toda a sua perspectiva da história da salvação
(revelação, aliança-escolha, profecia e outros grandes temas da teologia) passou a ser
observada a partir da fé no Cristo ressuscitado. Portanto, toda a história da salvação passou a
ter em Cristo a sua plenitude. Mais uma vez O’Connor (2000) resume de forma magistral o
episódio de Damasco:
Seu encontro com Cristo revelou a verdade do que ele outrora considerava
falso, forçando uma nova avaliação do que viriam a ser os pólos cristológico
e soteriológico de seu Evangelho. Cristo era o novo Adão, a personificação
da humanidade autêntica. A lei já não era obstáculo à salvação dos pagãos;
eles podiam ser salvos sem se tornarem judeus.
26
1.8. O Cristo vivo
Nas primeiras cartas Paulo se deteve apenas no anúncio tradicional da morte
salvífica do Cristo, aprofundando sua cristologia, sobretudo, no aspecto da humanidade de
Cristo. É em Gálatas que assistimos a formação da típica cristologia paulina e suas
implicações na natureza da comunidade cristã.
O Apóstolo lembrou aos gálatas, com a expressão “nascido de mulher”, a pertença
comum de Cristo à raça humana. Ademais, Paulo insistiu sobremaneira numa dimensão da
vida de Cristo: a sua fé.
25
O’CONNOR, J. M. Paulo: biografia crítica. Op. cit. p. 92.
26
Ibidem, p. 93.
26
Paulo usou, em várias passagens, a expressão fé em Jesus Cristo (Gl 2,16);
também em (Rm 3,22). O’Connor (2000) lembra a longa problematização em torno dessa
expressão:
Fé pode ser compreendida com dois significados, crença ou fé-fidelidade.
No caso de Jesus, que é um genitivo, pode ser objetiva ou subjetiva. A
primeira, a fé em Cristo, foi a mais corrente. Nestes tempos recentes, porém,
alguns assumiram a segunda a fé de Cristo.
27
Ao acolhermos as duas interpretações poderíamos dizer que Cristo é o começo e o
fim da fé de todo cristão, causa e, ao mesmo tempo, exemplo. Nessa linha, O’Connor (2000),
resume: “A implicação dessas observações é que a fé-fidelidade é evocada, não em si e por si
mesma, mas porque ambos, a causa e o exemplo da fé-fidelidade, são dos cristãos. A
dedicação ativa deles é possibilitada e modelada pela de Cristo”.
28
Tal menção nos permite aprofundar, cada vez mais, a reflexão, na medida em que
esta identifica a fé de Cristo com o amor por ele expresso no auto-sacrifício da cruz pelos
homens. “A fé age pela caridade” (Gl 5,6).
O amor em Cristo e de Cristo revela-se no auto-sacrifício. Esse amor não é apenas
um acontecimento, é o poder pelo qual Paulo foi trazido da morte para a vida. O amor de
Cristo, sua autodoação consiste num “ato criador [...] essência da humanidade autêntica”.
29
Aos poucos, conseguimos compreender que é somente o amor criador de Cristo na
cruz que torna a pessoa autenticamente humana e cristã. Como menciona o belo Hino aos
Corintos (1 Cor 13), sem esse amor a pessoa não é nada. Tudo isso nos leva a uma conclusão
inevitável: em primeiro lugar, o exemplo de Cristo nos torna autênticos; em segundo, para
27
O’CONNOR, J. M. Paulo: biografia crítica. Op. cit. p. 213.
28
Ibidem, p.214.
29
Ibidem, p. 213.
27
Paulo, Cristo se tornou a lei: “carregai o peso uns dos outros e assim cumprireis a lei de
Cristo” (Gl 6,2).
Podemos vislumbrar cristologias que não se tocam e se excluem mutuamente: a
judaizante e a de Paulo. A primeira pregava Cristo como fiel intérprete da lei, e por isso
mesmo, não somente a confirmou, como a ela se submeteu, obedecendo-a até o fim.
Na segunda, paulina, a lei estava incluída no Cristo, mas, Cristo era a lei no
sentido mais radical. Segundo O’Connor (2000): “De um só golpe, Paulo substituiu a
obediência pela fé-fidelidade e, ao invés de descrever a fé-fidelidade, o que trazia o risco de
criar nova lei, exemplificou-a com o comportamento de Cristo”.
30
Assim, olhando para o que Cristo havia se tornado, caberia aos cristãos viver
criativamente, seja qual fosse a sua situação, viver a lei de Cristo. Isso porque, no ato de amor
Cristo deu uma nova existência a Paulo, fazendo com que sua conduta passasse a ser
modelada por Cristo. Paulo, bem como a comunidade, passaram a ser Cristo na medida em
que aprenderam a amar. É nesse sentido que devemos entender expressões como “revestir-se
de Cristo”, “ser um só em Jesus Cristo” (Gl 3,27-28).
30
O’CONNOR, J. M. Paulo: biografia crítica. Op. cit. p. 214.
28
II – PARA A LIBERDADE CRISTO NOS LIBERTOU
“Para a liberdade Cristo nos libertou. Ficai firmes, portanto, e não vos prendais
novamente ao jugo da escravidão” (Gl 5,1).
As observações iniciais, feitas diante de uma primeira leitura da Carta aos Gálatas,
levaram-nos a Gl 5,1. A nossa percepção é que tal versículo ocupa em todo o escrito um lugar
central. Isso significa, num primeiro momento, que Gl 5,1 liga-se de forma estreita aos quatro
capítulos que precedem a carta e os conclui. Nesse capítulo, nossa tentativa será a de
demonstrar a forma pela qual o Apóstolo estabelece essa ligação, preparando assim a solene
proclamação da liberdade cristã.
Inicialmente, notamos que o versículo é construído para destacar, de modo
incisivo, o substantivo liberdade. Nessa linha, Cothenet (1984), observa o seguinte: “A
palavra liberdade é realçada: ‘É para a liberdade que...’, em si mesma a fórmula parece
redundante. Tratar-se-ia de um hebraísmo em vista de reforçar o sentido do verbo principal.
Assim: ‘Desejei com desejo’, significa ardentemente (Lc 22,115)”.
31
Ademais, a liberdade
nos foi concedida, não como um bem que desvanece ou que traz a marca da contingência, mas
sem dúvida, como um dom total, absoluto. É também nesse sentido que Schneider (1967),
comenta: “Cristo tornou-nos livres para a liberdade. Não nos aliviou somente, por curto prazo,
do jugo da servidão. Constituiu-nos em estado de liberdade. Estamos nela agora. ‘Possuímo-la
em Cristo’”.
32
No entanto, a grande questão a ser levantada é de como situar Gl 5,1. Para a
maioria dos autores esse versículo situa-se na assim chamada, seção parenética. É importante,
porém, ressaltar inicialmente que paira uma certa dúvida na Epístola sobre a posição que esse
versículo ocupa no corpo da mesma. Cothenet (1984), confirma tal observação ao colocar o
31
COTHENET, E. A epístola aos gálatas. Tradução de Monjas Dominicanas. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 75.
32
SCHNEIDER, G. Epístola aos gálatas. Coleção Novo Testamento, Comentário e Mensagem. Petrópolis:
Vozes, 1967, p. 126.
29
seguinte: “Hesita-se a respeito da pertença Gl 5,1. Será a conclusão da alegoria sobre os filhos
de Agar e Sara, ou de fato a introdução aos capítulos 5 e 6?”.
33
Algumas traduções bíblicas conhecidas preferem, sendo que Cothenet (1984),
também vai por essa linha, a construção que situa o referido versículo, como aquele que
funciona como versículo de abertura ou introdução aos capítulos 5 e 6, “o que permitiria
conferir ao versículo todo o seu peso como uma proclamação de vitória”.
34
É o caso também
das principais traduções bíblicas: Novum Testamentum, Grécia: Nestlé-Aland, 1994; da TEB
(Tradução Ecumênica da Bíblia) em edição portuguesa, 1994; Novo Testamento Interlinear
Grego-Português, da Sociedade Bíblica do Brasil, 2004; Bíblia Sagrada, São Paulo: Ed.
Pastoral/Paulus, 1990; Bíblia Sagrada, tradução da CNBB, 2001; Bíblia Sagrada Ave-Maria,
38ª ed., 1982.
Quanto à Bíblia de Jerusalém, São Paulo: Paulus, 2002, embora situe o versículo
1 do capítulo 5 de Gálatas, como versículo de abertura do capítulo, parece intuir que este
mesmo versículo se liga de alguma forma ao(s) capítulo(s) precedentes, tendo em vista
colocar como expressão inicial do capítulo, o termo “conclusão”. É esta a linha de pesquisa
que queremos seguir e desejamos nos aprofundar, pois acreditamos, como foi dito, que tal
versículo ocupa um espaço central, já que conclui uma série de argumentos e abre, ao mesmo
tempo, uma nova seção na Carta, configurando-se como versículo de dupla função.
Visto de perto, o versículo escolhido forma um enunciado orgânico, coeso,
revelando, de forma clara, uma unidade interna. Podemos perfeitamente identificar seu início
e fim. Tal versículo caracteriza-se pelo emprego e pela insistência da palavra liberdade, aliás,
é o Apóstolo Paulo quem mais utiliza o substantivo liberdade e seus derivativos no Novo
Testamento. O dicionário registra que “das 11 vezes em que ocorre o seu emprego, 7 devem-
33
COTHENET, E. A epístola aos gálatas. Tradução de Monjas Dominicanas. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 75.
34
Ibidem, p. 75.
30
se a Paulo; já quanto ao emprego de livre, das 23 vezes em que aparece, 16 são empregadas
por ele. O verbo libertar, 5 das 7 vezes em que é utilizado, são atribuídas a Paulo”.
35
No caso do versículo ora pesquisado, é facilmente identificado o esforço do
Apóstolo em chamar a atenção para o substantivo “liberdade”, pelas repetidas vezes que
emprega, expressando de modo intenso o seu significado como quem deseja fazer uma
afirmação absoluta e não um mero enunciado. Ao mesmo tempo, esse versículo sugere um
sabor de conclusão, não de toda a Carta, mas de sua primeira parte, na qual Paulo, para
defender o Evangelho e sua idoneidade de Apóstolo, constrói uma longa fundamentação, cujo
ápice desemboca em Gl 5,1.
Quais os indícios de ligação de Gl 5,1 com o capítulo que o precede? Vemo-lo
justamente, no fato de o mesmo apresentar a conjunção grega
0υν
, portanto. A pergunta seria
sobre a função gramatical ocupada por esta conjunção, dentro do versículo. Para
conseguirmos elucidar tal indagação, recorremos a Rusconi (2003), que ensina que essa
conjunção grega é “partícula coordenativa consecutiva pós-positiva, cuja função é justamente
tirar as conseqüências, principalmente de natureza lógica, daquilo que precede”.
36
Em um
contexto mais próximo, fica clara a ligação do versículo 1º com o capítulo que o precede,
mediante a presença dessa conjunção.
Além do uso da conjunção portanto, que, por seu significado, nos remete
diretamente à temática precedente, podemos ressaltar outras duas questões de caráter
lingüístico que servirão como forte indício dessa ligação: o fato de Paulo encerrar o capítulo 4
com o adjetivo genitivo feminino singular livre, o que o aproximaria do substantivo dativo
feminino singular liberdade e do verbo aoristo, que aparece na terceira pessoa do singular,
libertou, os quais Paulo usa como termos imediatamente próximos do versículo seguinte.
35
BROWN, C.; COENEM, L. (orgs.) Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de
Gordon Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 1196.
36
RUSCONI, C. Dicionário grego do Novo Testamento. Tradução de Irineu Rabuske. São Paulo: Paulus, 2003,
p. 343.
31
Outro dado lingüístico que ligaria Gl 5,1 ao capítulo precedente é o uso do
adjetivo livre, ou seja, por cinco vezes notamos seu uso nesse capítulo (Gl 4, 22, 23, 26, 30,
31).
1. A alegoria de Sara e Agar
Sem dúvida, não precisamos fazer grande esforço para perceber a íntima relação
temática de (Gl 5,1; 4, 21-31), em que Paulo constrói a aparentemente confusa e complexa
alegoria, envolvendo as figuras de Abraão, Sara e Agar. Segundo Cothenet (1984): “a alegoria
de Agar e Sara é a parte mais obscura da Epístola aos Gálatas”.
37
Já para Turrado
(MCMLXV), Paulo constrói uma perícope no mínimo original:
Pero ahora, en esta perícopa, lo hace de manera bastante original, en forma
un poco desconcertante para nuestra mentalidad y modos de expresión. En
las esposas de Abraham, Agar la esclava y Sara la libre, de que nos habla la
escritura (Gn 16, 1-23, 20), mira San Pablo representadas las dos alianzas: la
del Sinai o de la Ley, representada por Agar, y la de la promesa o del
Evangelio, representada por Sara.
38
Analisando a alegoria em suas oposições estruturais podemos afirmar que toda a
sua tessitura literária se dá sobre dois binômios contraditórios: a escravidão e a liberdade.
Esse, com certeza, é mais um forte indício ligado a Gl 5,1. Nesse sentido, Cothenet (1984),
parece confirmar nossa intuição, quando ressalta que na alegoria paulina:
37
COTHENET, E. A epístola aos gálatas. Tradução de Monjas Dominicanas. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 71.
38
TURRADO, L. Hechos de los apóstoles y epístolas paulinas. Madrid: Biblioteca de Autores Cristinianos,
MCMLXV, p. 547.
32
[...] tudo gira em torno da antítese escravo-livre. Do lado da escravidão:
Agar e Ismael, nascidos segundo a carne, Sinai, aliança para a servidão,
Jerusalém atual, Ismael perseguido e expulso com sua mãe. Do lado da
liberdade: Sara e Isaac, nascidos segundo o espírito, em razão da promessa,
Jerusalém celeste, Isaac único herdeiro.
39
Por outro lado, esse contraste temático, aqui assinalado como oposição estrutural,
torna-se ainda mais evidente ao traçarmos, a partir da alegoria, o chamado paralelismo
antitético, que pode ser representado da seguinte forma:
Agar, a escrava Ö
Sara, a livre
Dá à luz segundo a carne Ö
Dá à luz segundo o espírito
Um filho da escrava Ö
Um filho da livre
Jerusalém atual, Sinai, escrava Ö
Jerusalém celeste, livre e nossa mãe
Aliança de servidão Ö
Aliança de liberdade
Filho da escravidão Ö
Filho da liberdade
Apontados todos os matizes lingüísticos, fica mais claro o sentido global da
alegoria paulina que bem poderia levar o título de uma alegoria da liberdade. Para nós, o
sentido reside no fato de que somente a partir do evento da salvação do Cristo ressuscitado é
possível viver plenamente a liberdade; conseqüentemente, a lei não pode outorgar a nenhum
cristão o verdadeiro sentido de viver livremente. Eis, portanto, as implicações que o Apóstolo
levantou aos Gálatas caso acolhessem a visão judaizante: permanecer nos limites da aliança
configurada por Agar/Lei é renunciar o Cristo libertador e, portanto, viver sob o alcance da
39
COTHENET, E. A epístola aos gálatas. Tradução de Monjas Dominicanas. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 71.
33
lei, do pecado e da morte. Robert; Feuillet (1968), concordam com esse raciocínio ao dizerem
o seguinte: “Ora aceitar a circuncisão seria retornar à servidão e equivalentemente renunciar
ao Cristo, como libertador, donde, a violência de Paulo contra os que convulsionam os gálatas
(Gl 5, 1-12)”.
40
De fato, Paulo, num rasgo de inteligência irada, usando como base os textos da
Torá, voltou-se contra os judaizantes, acusando-os de nem mesmo tê-la compreendido, pois
estavam relativizando o que não poderia ser relativizado: a liberdade como dom de Cristo.
Erdman (1930), é categórico quando escreve: “Como poderia ser Paulo mais severo para com
os judaizantes do que os colocando, como o fez aqui, no lugar dos israelitas? De que modo
mais expressivo poderia ele ilustrar o contraste entre os resultados da escravidão à lei e os da
liberdade cristã?”.
41
Também Carrez et al (1987), reforçam o tema da liberdade na alegoria
paulina, ao explicitarem o que segue:
Ora, se nos referirmos ao caso de Abraão, veremos que a filiação carnal (a
de Ismael) é a da escravidão, ao passo que a que resulta na promessa (Isaac),
é a da liberdade. Logo, somente aqueles que são filhos de Abraão, segundo a
fé, é que se tornam livres e herdeiros da promessa (Gl 4, 22-31).
42
2. A metáfora da redenção
“Cristo nos resgatou da maldição da lei tornando-se por nós maldição, porque está
escrito: maldito todo o que é pendurado sobre madeiro” (Gl 3, 13).
40
ROBERT, A.; FEUILLET, A. Introdução à Bíblia. São Paulo: Herder, 1968, p. 32.
41
ERDMAN, C. R. Comentário à epístola de São Paulo aos gálatas. Tradução de Jorge César Mota. São Paulo:
Casa Editora Presbiteriana, 1930, p. 97.
42
CARREZ, M. et al. As cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. Tradução de Benôni Lemos. São Paulo: Paulus,
1987, p. 133.
34
Vemos que nesse versículo, um tanto violento na sua formulação, Paulo mais uma
vez defendeu e professou a fé no Cristo ressuscitado, como sendo unicamente e, de forma
definitiva, aquele que nos resgatou, nos libertou da dominação e da coação da lei sobre os
crentes. Nesse sentido, propomos o estabelecimento de uma correlação temática entre Gl 5,1;
3,13, levando em conta que tal alinhamento de significado ajuda a demonstrar precisamente
uma das imagens mais ricas e complexas da literatura do mundo antigo, a chamada lei da
redenção.
Ao substantivo redenção é preciso começar observando que o Novo Testamento
lhe confere vários outros termos. Temos, portanto, diversas expressões para uma só palavra
como nos lembra Bauer (2000), ao afirmar que no Novo Testamento: “há vários termos para
redenção, dos quais sete são derivados da raiz lyo = ‘soltar, resgatar’; há também agorazó =
‘resgatar’ (comprando) e eleutheroó = ‘libertar’.
43
No trecho Gl 3,13 Paulo usa o verbo agorazó, que nessa passagem está no
indicativo aoristo ativo da terceira pessoa do singular, “resgatou”.
Analisando mais demoradamente esse verbo, assinalamos que se trata da
preposição
∈ξ
posta sempre antes de vogal com o verbo denominativo agorazó, que significa
freqüentar o mercado: comprar algo para alguém ou de alguém com dinheiro, com o resgate.
44
Por sua vez, a semântica da palavra agorazó nos remete ao substantivo agorá,
que, além de significar assembléia dos cidadãos, também é sinônimo de praça de mercado e
comércio. Por outro lado, sabemos que nesses centros comerciais era natural encontrar, ao
lado de produtos diversos para consumo, escravos comprados e vendidos diariamente. Temos
vasta literatura atestando a existência da escravidão no tempo de Paulo. Por isso, acreditamos
que tal expressão inspirou Paulo a retomar a idéia de redenção e a aprofundar-se em outras
43
BAUER, J. B. Dicionário bíblico-teológico. Tradução de Fredericus Antonius Stein. São Paulo: Loyola, 2000,
p. 358.
44
RUSCONI, C. Dicionário grego do Novo Testamento. Tradução de Irineu Rabuske. São Paulo: Paulus, 2003,
p. 19.
35
bases de significado. Nessa linha, de acordo com Dunn (2003): “Numa sociedade
escravocrata a imagem de alforria e libertação era imagem que dificilmente podia deixar de
atrair o interesse dos proclamadores do Evangelho”.
45
Dessa forma, compreendemos que em Gl 3,13, Paulo metaforizou, burilando em
seu sentido mais profundo um termo oriundo do mundo jurídico-comercial da sociedade
escravocrata do seu tempo, aplicando-o, como acima dito, ao evento salvífico do Cristo
redentor. Na verdade, como nos lembra Douglas (1995): “Paulo está empregando três
metáforas: as metáforas do tribunal legal, dos sacrifícios e da alforria”.
46
Esta última,
naturalmente, terá maior apreciação nos nossos apontamentos. É preciso, portanto,
analisarmos em que sentido empregava-se a redenção e seus correlatos, inclusive sua
correspondência de significado com o Antigo Testamento e, de que modo, Paulo fez sua
apropriação.
No que se refere à lei do resgate, constatamos que se tratava de um processo
aplicado aos animais, propriedades ou pessoas, significando, justamente, o preço pago para
libertar uma pessoa da escravidão ou os bens de família do poder alheio.
Sobre os processos de alforria, havia um, muito interessante, ligado ao culto
chamado redenção, que acreditamos tenha inspirado os autores do Novo Testamento,
especialmente Paulo. Nesse processo, a alforria era realizada tendo como mediação uma
divindade qualquer. O escravo oferecia o pecúnio poupado, entregue ao seu senhor e esta
transação era feita num templo, garantida por aquela divindade. Desse modo, pensava-se no
Deus como redentor e guardião do escravo, mantendo-o livre sob sua proteção.
Ainda, dando prosseguimento a esse fio de leitura e buscando a autoridade da
arqueologia, lembramos Cothenet (1984), que recolheu uma ata, de cerca de 1200 atas
45
DUNN, J. D. G. A teologia do Apóstolo Paulo. Tradução de Edwino Royer. São Paulo: Paulus, 2003, p. 274.
46
DOUGLAS, J. D. (org.) O novo dicionário da Bíblia. Tradução de João Bentes. São Paulo: Vida Nova, 1995,
p. 1373.
36
gravadas nas paredes do santuário de Delfos entre 201 a.C. e 90 d.C., a fim de comprovar o
processo de redenção; eis uma delas:
(...) nas condições seguintes, Pátreas, filho de Adrônico, e Dariotimo, ambos
em Delfos, venderam a Apolo Pítio uma escrava chamada Heracléia, pelo
preço de três minas de prata – e receberam este preço em sua totalidade – em
conformidade com a missão confiada ao Deus por Heracléia: Heracléia será
livre e independente de todos para sempre, e poderá fazer o que quiser e ir
para onde quiser (...) Se alguém quiser reduzir Heracléia à escravidão, que os
vendedores Pátrias e Dariotimo garantam ao Deus a compra; se eles não
garantirem ao Deus a compra, serão passíveis de sanções pecuniárias, em
conformidade com a lei.
47
Essa forma de redenção de escravos por um Deus, não deixa de ser a mais curiosa
e interessante, do ponto de vista dos estudos do Novo Testamento.
2.1. A redenção em Israel
Estudos nos dão conta de que a prática da alforria, pela redenção, também era
costume entre os judeus. Dicionários apontam, que no hebraico, os termos correspondentes
para o grego agorazó (resgate) são padah (resgatar, remir, livrar) e seu derivativo pidyon
(dinheiro de resgate).
Sobre o sentido etimológico desse verbo, a seguir Harris (1998), de forma simples
e didática nos explica que:
47
COTHENET, E. A epístola aos gálatas. Tradução de Monjas Dominicanas. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 100.
37
O sentido básico da raiz hebraica é o de conseguir a transferência de
propriedade de uma pessoa para outra, mediante pagamento de uma quantia
ou de um substituto equivalente. A raiz ocorre em assírio, com o sentido de
‘poupar’, e em ugarítico é usada com o significado de ‘resgatar’. A raiz e
seus derivativos aparecem 69 vezes no Antigo Testamento.
48
Avançando um pouco mais sobre o emprego do verbo padah (resgatar, remir,
livrar), notamos que este ocorre muitas vezes paralelamente a outras raízes, como, por
exemplo, o verbo ga’al (redimir, resgatar, livrar, cumprir o papel de resgate). É novamente de
Harris (1998), a explicação de tal similitude:
O emprego de padah e seus derivados ocorre, às vezes, em paralelo com
outras raízes. Deve-se destacar particularmente que ga´al é usado como
sinônimo. As duas raízes dizem respeito à redenção mediante o pagamento
de um resgate, embora seja sugerido que ga’al está basicamente associado à
situação familiar e, dessa forma, dá a idéia da ação de um parente
consangüíneo.
49
Quanto ao substantivo masculino singular pidyon (dinheiro de resgate), é
empregado somente em Êxodo 21,30 e Salmos 49,8.
A fim de exemplificar isso citamos três casos da Sagrada Escritura, os mais
comuns, onde constatamos a aplicabilidade do processo de alforria pela redenção presente na
vida de Israel. O primeiro, no caso de animais impuros que não puderam ser oferecidos a
YHWH, o Levítico abre a possibilidade de resgate feito pelo ofertante. Segundo o texto:
48
HARRIS, R. L. et al. Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento. Tradução de Márcio
Loureiro Redondo; Luiz A. T. Sayao; Carlos Oswaldo C. Pinto. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 1200.
49
Ibidem, p. 1203.
38
Em se tratando de animal impuro não se pode oferecer a YHWH, qualquer
que seja, será levado ao sacerdote e este fará a avaliação do animal,
declarando-o bom ou mal; e de acordo com a avaliação, tal será o seu preço.
Porém, ao se desejar resgatá-lo, dever-se-á acrescentar à avaliação mais um
quinto do seu valor (Lv 27,11-13).
O segundo caso se refere à propriedade. É o próprio Levítico que narra mais este
caso, referindo-se a um homem que consagrou sua casa a YHWH, mas que deseja resgatá-la.
Diz o texto: “Contudo, se o homem que fez voto da casa desejar resgatá-la, acrescentará à
avaliação um quinto de seu preço e ela será dele” (Lv 27,15).
Um terceiro exemplo de redenção, agora envolvendo não propriedades, nem
animais, mas pessoas, é o caso de Jônatas, que foi resgatado pelo povo de Israel, ao ser
condenado por Saul. Diz o versículo:
Porém o povo disse a Saul: Jônatas, aquele que alcançou esta grande vitória
em Israel, vai morrer? De maneira alguma! Tão certo como vive YHWH,
não cairá um só cabelo da sua cabeça, porque foi com Deus que ele fez hoje
o que fez. Assim o povo libertou Jônatas e ele não morreu. (1 Sam 14,45).
Em torno da imagem de redenção, como assinalamos oportunamente, houve de
fato um desenvolvimento semântico tecido na consciência de fé do povo hebreu, cujas raízes
terão grande relevância para a teologia cristã. De início, um termo empregado apenas no
restrito mundo jurídico-comercial recebe agora do judaísmo, aprofundado pelo cristianismo,
uma elaboração literária mais sofisticada, mais refinada; este significado consiste num fato
que marcaria para sempre a vida de Israel: a libertação do Egito.
39
Deus é por excelência o go’el (o redentor) que arrancou Israel da casa da
escravidão. Se nos textos de Levítico, anteriormente citados, a idéia de resgate fundava-se
especialmente num preço material a ser pago, em Dt 7,8; 9,26, o resgate passa a ter outro
matiz em seu significado: o da atividade redentora de YHWH, que por seu poder, amor e
fidelidade, redimiu Israel da casa da escravidão.
Podemos, enfim, notar que o processo de redenção, posto a serviço da linguagem
teológica de Israel, sedimentará uma das imagens mais caras, marcando definitivamente o
judaísmo e seus escritores: a imagem do Deus libertador, imagem esta, que favorecerá a
convicção profunda da identidade de Israel como o povo da aliança. Brown; Coenem (2000),
conseguem resumir bem esta convicção, quando dizem:
Parece provável que as palavras Gã’al e Pãdâh, que tinham estreita ligação
com a idéia de libertar escravos e resgatar pessoas e coisas, foram retomadas
no vocabulário dos escritores de Israel como sendo os termos mais
apropriados para descrever a libertação da escravidão daqueles que tinham
sido conquistados pelo Egito e pela Babilônia, e a recuperação por Javé, para
sua propriedade legal, do povo da sua possessão. Este desenvolvimento
semântico não faz mais do que estender e ressaltar aquilo que já era o tema
essencial de Gã’al e Pãdâh, no seu emprego especializado, a saber, o de
trazer as pessoas para a liberdade.
50
2.2. Redenção/libertação: duas palavras para uma mesma imagem
Até aqui, nossos apontamentos demonstraram que o processo de alforria, chamado
redenção, é um fenômeno conhecido dos dois Testamentos e que este termo, inicialmente
50
BROWN, C.; COENEM, L. (orgs.) Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de
Gordon Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 1989.
40
oriundo do mundo jurídico-comercial, foi empregado para regular as transações comerciais,
especialmente a compra e venda de escravos.
Paulo dele se apropria para fundamentar uma das tantas imagens cristológicas
presentes no seu universo literário. No fundo, Paulo deu continuidade à leitura de fé por Israel
no Deus libertador, vista agora sob uma perspectiva eminentemente cristológica.
Há, porém, uma evidente observação no nosso estudo sobre redenção e que, de
saída, nos remete à Gl 5,1; qual seja, em todas as formulações encontradas, quando da
aplicabilidade do processo de redenção, quer para coisas, animais ou pessoas, persiste o
substrato de significado da liberdade, pois redimir é, invariavelmente, arrancar fora, deixar ir,
libertar, soltar as amarras. Desse modo, não há como pensarmos em redenção, sem ter
presente seu objeto correspondente: a libertação. Portanto, quando usamos redenção e seus
correlatos, estamos inevitavelmente falando de liberdade, quer como um bem adquirido à
custa de alguma compensação, quer como um dom que nos foi concedido pelo alto.
Por isso podemos, com segurança, traduzir Gl 3,13 como: “Cristo nos libertou da
maldição da lei”, pois no fundo, estamos dizendo que Gl 3,13 é uma variação do mesmo tema
proposto em Gl 5,1, isto é, a liberdade diante da lei que nos foi dada como um dom, mediante
o resgate que a morte e ressurreição de Cristo nos oferecem, a preço do seu sangue.
Quanto a isso, foi Paulo quem disse em 1Cor 7,23: “Alguém pagou alto preço
pelo vosso resgate; não vos torneis escravos dos homens”. Na carta aos Romanos, disse (Rm
3,24): “E justificados gratuitamente, por sua graça em virtude da redenção realizada em Cristo
Jesus”.
Desse modo, o Novo Testamento, e especialmente Paulo, compreendem que o
preço do resgate e da aquisição foi o sangue de Cristo inaugurado na sua cruz. Assim sendo,
podemos afirmar que uma vez resgatados pela cruz, somos livres. Cristo nos resgatou e,
conseqüentemente, nos libertou.
41
2.3. Maldição/escravidão
Até aqui, o nosso esforço se deu no intuito de demonstrar a proximidade de
significado entre redenção, termo posto em Gl 3,13, com a liberdade expressa em Gl 5,1,
chamando a atenção para a profunda correlação entre esta e aquela.
Na medida em que afirmamos que ao usar redenção, Paulo teve diante dos olhos a
imagem do homem que saiu do estado escravo para o estado livre, ele estava no fundo
dissertando sobre a liberdade. Com igual clareza, podemos dizer que a maldição presente em
GL 3,13 encontra ressonância e afinidade com a escravidão de Gl 5,1. Num certo sentido,
podemos observar claramente a mútua relação entre os termos. Dito isto, é preciso estabelecer
precisamente em que medida tal proximidade é feita, respondendo inicialmente às perguntas:
Em que consistiu a expressão usada pelo Apóstolo: “maldição da lei”? Em que medida a lei se
tornaria maldição?
Para responder a tais indagações, é importante compreendermos a complexa
dialética que há em torno de lei/maldição. Paulo disse: “Os que são pelas obras da lei, esses
estão debaixo de maldição, pois está escrito: maldito todo aquele que não se atém a todas as
prescrições que estão no livro da lei para serem praticadas” (Gl 3,10).
Em outras palavras, para Paulo a maldição estava em que a lei cria nas pessoas um
estado compulsório no qual são encarceradas, obrigadas a cumprir toda a sua carga de
prescrições e proibições e, sendo obrigadas a cumpri-las por inteiro, tornam-se escravas da lei.
Ao mesmo tempo, como sua restrita observância é impraticável, se fazem violadoras da lei,
tornando-se malditas diante dela. Por isso, acreditamos que quando Paulo pensa em maldição
da lei, igualmente pensa em escravidão da lei. É precisamente nesse sentido que Gl 3,13; 5,1
constitui um claro paralelismo.
42
Há um outro aspecto importante observado por Paulo e anotado por Leon-Dufour
et al (1972): “a lei lança as pessoas num estado de maldição/escravidão na medida em que a
lei tem por seu papel e sua natureza a função única de manifestar as transgressões feitas,
revelando pecados cometidos, sem conceder a estas o poder de superá-los”.
51
É o que o
Apóstolo afirmou em Gálatas, quando disse: “Por que então a lei? Foi acrescentada para que
se manifestassem as transgressões...” (Gl 3,19a). Idéia que se encontra também em Rm 7,7.
Diante desse quadro, a pergunta que se impõe é: Como romper com esse círculo
de maldição imposto pela lei? O capítulo quinto responde que é possível somente pela
liberdade com que Cristo nos libertou. Em outras palavras, somente pelo caminho da fé,
unindo-nos a Cristo e recebendo dele o Espírito, fonte de liberdade.
Devemos chamar a atenção para outro aspecto não menos importante, sobretudo
visto no contexto geral da Carta aos Gálatas com relação à maldição e à salvação oferecida
aos gentios. Ao considerarmos a bênção como mistério de eleição e a maldição como mistério
de rejeição devemos concluir que, Paulo fez voltar a maldição sobre aqueles que
amaldiçoavam, no caso, os judaizantes, que impediam os gentios de serem considerados
fidedignos partícipes da família dos filhos de Deus, do número dos eleitos, por não cumprirem
a lei.
Nesse caso, a pregação judaizante e suas exigências seriam na prática, uma
pregação excludente por não considerar a participação e a entrada dos pagãos na Igreja. Bauer
(2000), resume bem essa idéia, ao relatar que:
A lei de Moisés, sancionada por maldições, operava realmente maldição (Gl
3, 10,13). Mt 27,25 não significa uma culpa ou maldição coletiva de Israel, e
51
LÉON-DUFOUR, X. et al. Vocabulário de teologia bíblica. Tradução de Frei Simão Voigt. Petrópolis: Vozes,
1972, p. 550.
43
sim, no contexto da interpretação da catástrofe do ano 70 d.C., como
julgamento, à entrada da igreja aos gentios na herança de Israel.
52
Por último, para melhor visualizar nossa tentativa de ligar Gl 3,13 a Gl 5,1
apresentamos, graficamente, o paralelismo sintético existente entre os termos abordados nos
dois textos e que de algum modo se relacionam:
Cristo Ö
Cristo
Redenção Ö
Libertação
Maldição Ö
Escravidão
Lei Ö
Rejeição
Benção Ö
Eleição
3. A liberdade em sentido absoluto
Somos convidados agora, como num retrovisor, a olharmos para o que foi dito,
procurando compreender nosso objeto de pesquisa (Gl 5,1), a partir do seu antecedente (Gl
2,4). Aquilo que se diz no passado e que, em seguida, quase se repete, toma um significado
muito importante porque figura como expressão inaugural daquilo que posteriormente será
retomado e aprofundado. Portanto, quando vemos Paulo afirmar: “Para a liberdade Cristo nos
libertou...” (Gl 5,1), estamos interpretando este versículo, em ordem de significado, em parte,
como decorrência e síntese natural daquilo que o Apóstolo dissera anteriormente: “Nós temos
a liberdade em Cristo Jesus” (Gl 2,4).
52
BAUER, J. B. Dicionário bíblico-teológico. Tradução de Fredericus Antonius Stein. São Paulo: Loyola, 2000,
p. 237.
44
Antes de tudo, precisamos situar (Gl 2,4), dentro do contexto geral de (Gl 2,1-10).
Estamos na chamada Assembléia de Jerusalém, fato também mencionado por Lucas 15. Aqui,
temos os personagens que compõem este evento: Paulo, Tito e Barnabé; os intrusos ou falsos
irmãos, como os adjetiva Paulo (Gl 2,4) e os chamados notáveis de Jerusalém: Tiago, Cefas e
João (v. 9). Esse texto suscitou, ao longo dos tempos, variadas e discutidas questões sem
qualquer unanimidade. Quando Paulo diz: “Em seguida, catorze anos mais tarde...” (Gl 2,1),
esse número refere-se aos anos posteriores à sua conversão ou à visita que o Apóstolo
menciona em Gl 1,18?
Outra questão refere-se à motivação de fundo deste evento quando Paulo foi à
Jerusalém em primeiro lugar por ordem divina, “em virtude de uma revelação...” (Gl 2,2). Já
para Lucas, Paulo teria sido escolhido por uma delegação oficial. Sendo assim, nos
perguntamos: A quem dar razão? Quem seriam esses intrusos não nomeados por Paulo e,
onde teria ocorrido tal infiltração? Os conservadores de Jerusalém teriam se infiltrado em
Antioquia ou o inverso?
Foram essas questões que alimentaram grandes debates entre os exegetas.
Entretanto, sem entrar no mérito dessas discussões, o objetivo deste estudo consiste em
anotarmos a importância diríamos quase central, que a liberdade toma nesse texto, quando
Paulo afirmou, “a liberdade que temos em Cristo Jesus” (Gl 2,4).
Pela primeira vez Paulo defendeu na Carta aos Gálatas, de forma aberta, o
Evangelho como liberdade dos gentios em relação à lei, aliás, é a primeira vez que ocorreu o
emprego do substantivo liberdade. Por isso, propomos em todo o texto um corte
epistemológico de Gl 2,4, como tentativa de compreendermos a liberdade e sua posterior
ligação com Gl 5,1.
Assim, a fim de esclarecermos essa categórica afirmação de Paulo sobre a
liberdade (Gl 2,4), é interessante notarmos que num texto por vezes truncado, enxuto,
45
nervoso, polêmico, há duas afirmações importantes: temos em Cristo a liberdade (Gl 2,2) e,
Deus não faz acepção de pessoas (Gl 2,6). No entanto, precisamos perguntar: De que tratava a
Assembléia de Jerusalém? Qual era a temática da discussão? Afinal, qual foi o assunto sobre
o qual as partes divergiram? A resposta a essas questões, para além das dificuldades que o
texto apresenta, goza de unanimidade entre os exegetas como, por exemplo, O’Connor (2000)
que revela o seguinte: “A controvérsia em Jerusalém dizia respeito à circuncisão dos pagãos
convertidos”.
53
Não é sem importância que a circuncisão apareça pelo menos cinco vezes ao
longo do texto. Portanto, se pudéssemos resumir o status questionis da Assembléia de
Jerusalém com a pergunta: Os gentios convertidos ao Evangelho deveriam ser circuncidados?
A proclamação do Evangelho aos gentios deveria passar necessariamente pela circuncisão?
Alguns diziam que sim; Paulo, porém, afirmava que não.
Tendo tomado a circuncisão como objeto da controvérsia de Gl 2,1-10 se faz
necessário darmos um passo adiante; ora, se afirmamos como a maioria dos autores que a
circuncisão figura como a questão central de Gl 2,1-10 o que significa precisamente nesse
contexto a afirmação paulina da liberdade? Como situá-la, visto que no mesmo capítulo,
Paulo a estende também às questões alimentares?
A primeira observação a ser feita é a de que Paulo não define propriamente o que
é liberdade, exceto quando faz um contraponto com as leis alimentares (Gl 2,12) e,
especialmente, com a circuncisão (Gl 2,3), que juntamente com a observância do calendário
de festas (Gl 4,10) constituíam, para os judaizantes, os pontos fundamentais da lei. Lei que o
Apóstolo tanto em Gl 2,4, como em Gl 5,1, adjetiva como escravidão. Temos, portanto, do
ponto de vista literário, a antítese perfeita elaborada por Paulo: de um lado, a liberdade dada
por Cristo, de outro, a escravidão imposta pela lei. Nesse quadro, é mera decorrência
afirmarmos: compreender o significado de liberdade significa, ao mesmo tempo, procurar
53
O’CONNOR, J. M. Paulo: biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000, p. 145.
46
relacioná-lo com o objeto que se lhe configura como sua oposição, ou seja, a lei. Estamos,
portanto, no universo teológico-judaico e é dentro deste que devemos procurar entender o
significado de liberdade.
3.1. A liberdade no Antigo Testamento
Por outro lado, ao admitimos que a idéia de liberdade paulina, além de outras
influências, deita raízes no entendimento de liberdade judaica e, ao mesmo tempo, vai além
dele, antes de procurarmos compreender a questão do Apóstolo, a da liberdade diante da lei,
faz-se mister perguntar: Como a liberdade aparece no Antigo Testamento? Qual a
compreensão judaica de liberdade e que lugar esta ocupa na vida de Israel? Se de fato ela es
presente, qual o seu pensamento último? Paulo simplesmente a repete ou a redimensiona em
bases mais profundas? Os judaizantes a compreenderam?
3.1.1. (Uma) aliança para a liberdade
A primeira e importante observação a ser feita é a de que, no Antigo Testamento,
não encontramos maiores considerações a respeito do conceito de liberdade. Não há
formulações sobre essa palavra; ela, a rigor, não existe. Ademais, quando Israel fala de
liberdade o faz através de verbos como “soltar”, “redimir”, “salvar”, “arrancar” e
semelhantes. Nessa linha, é importante lembrarmos de Bauer (2000), quando afirma: “Em
Israel os aspectos políticos, sociais e religiosos formam uma unidade”.
54
O que nos leva a
concluir que pelo fato da ausência do conceito de liberdade, não significa que esta não esteja
54
BAUER, J. B. Dicionário bíblico-teológico. Tradução de Fredericus Antonius Stein. São Paulo: Loyola, 2000,
p. 238.
47
presente na vida de Israel, pelo contrário, sua história é marcadamente uma história de
liberdade e a vida de Israel é testemunho disso.
Ao tratar do tema liberdade no Antigo Testamento, os autores, em sua maioria,
nos remetem imediatamente ao acontecimento fundante, que marcou para sempre a vida de
Israel: a libertação do Egito, da casa da servidão; é esse sem dúvida, o marco político-social
sobre o qual Israel passou a assentar toda a sua convicção existencial e de fé, e que recebeu,
ao longo da história da salvação, por parte de juizes, profetas, sábios e evangelistas, um
significativo desenvolvimento teológico. Portanto, na percepção da esmagadora maioria dos
escritores bíblicos, não há como falar da liberdade em Israel sem partir do que aconteceu no
episódio do Êxodo.
Tomemos, sobre esse ponto de vista, a observação de alguns deles, como por
exemplo, Cothenet (1984):
Devemos concluir, pelo fato da ausência da palavra que os israelitas não
tinham o senso da liberdade? Sua história dá testemunho do contrário. O
acontecimento fundador é a libertação da Casa da Servidão onde os
antepassados eram submetidos a duros trabalhos forçados.
55
Por sua vez, Brown; Coenem (2000), prosseguem na mesma linha, ao escreverem
que:
A liberdade de Israel, e a de seus membros individuais, não era considerada
assunto independente dos atos remidores e salvadores de Deus. Para Israel, a
55
COTHENET, E. A epístola aos gálatas. Tradução de Monjas Dominicanas. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 78.
48
liberdade significava ser libertado por Javé, como E. G. da escravidão no
Egito. Sendo assim, identificava-se com a redenção.
56
Falando ainda da marca indelével que se impregnou na consciência de liberdade
de Israel, notemos também o que diz Comblin (1977), em seu livro A liberdade cristã:
Os acontecimentos que marcaram a liberdade do Egito – os sinais e
prodígios do Mar Vermelho e do deserto, a revelação de Deus, os atos
fundadores da aliança – fornecem uma referência permanente para que o
povo de Israel pudesse compreender, julgar e orientar todos os
acontecimentos da História. O Êxodo era a norma, o modelo, a imagem
ideal.
57
Em outro lugar, falando mais uma vez da memória desse acontecimento, Comblin
(1977), relata o seguinte: “Esta lembrança nunca está ausente da consciência do israelita. Ela
é a tela de fundo de toda a sua representação de Deus, do mundo de si próprio”.
58
Assim, tantos quantos pudéssemos nomear, diriam que de fato o acontecimento
básico que marcou a origem de Israel como povo eleito foi, sem dúvida, a libertação do Egito.
A essa altura, ao situarmos a liberdade judaica ligando-a ao acontecimento do
Êxodo, diríamos que a liberdade para Israel e seu entendimento foi percebida e sentida como
um dom de Deus, como bem dizem Brown; Coenem (2000): “A liberdade não era outorgada
56
BROWN, C.; COENEM, L. (orgs.) Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de
Gordon Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 1195.
57
COMBLIN, J. A liberdade cristã. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 8.
58
Ibidem, p. 7.
49
pela natureza, pelo contrário, sempre era experimentada como dádiva preciosa da parte de
Deus”.
59
A liberdade aconteceu na vida do povo israelita, por pura misericórdia e graça de
Deus, que resolveu escolher Israel como povo de sua herança. Quando falamos de escolha,
estamos falando de um dos componentes que formam o conjunto de postulados da aliança,
justamente a eleição. Deus revelou-se a Israel mediante suas intervenções em favor deste
povo, e resolveu escolhê-lo como sua herança. Nesse horizonte, devemos olhar a liberdade
judaica, sempre sob da perspectiva da aliança estabelecida por Deus.
Ao olharmos a liberdade sob o prisma da aliança e, portanto, da eleição, jamais
poderíamos considerá-la como uma construção meramente humana, mas algo dado pelo alto,
“bênção ligada ao pacto, algo que Deus prometeu manter enquanto seu povo for fiel”.
60
Assim, para Israel, a liberdade veio de Deus e para ele se dirige no sentido de que
somente podemos vivê-la verdadeiramente se estivermos a serviço de Deus. É assim Douglas
(1995) explicita tal idéia:
A liberdade conforme concebida pelo Antigo Testamento significa, por um
lado, livramento de forças criadas que impedem o homem de servir e de
desfrutar de seu criador; e, por outro, significa a felicidade positiva de viver
em comunhão com Deus, sob sua aliança no lugar onde ele achou por bem se
manifestar e abençoar aos que lhe pertencem.
61
Essa consciência de povo eleito, agraciado com a liberdade por YHWH, jamais
deixará de estar presente na vida de Israel, mesmo nas graves crises internas e externas;
59
BROWN, C.; COENEM, L. (orgs.) Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de
Gordon Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 1195.
60
DOUGLAS, J. D. (org.) O novo dicionário da Bíblia. Tradução de João Bentes. São Paulo: Vida Nova, 1995,
p. 928.
61
Ibidem, p. 928.
50
sobretudo, nesse contexto, irá aflorar, ainda com mais intensidade, a imagem de YHWH como
o libertador, o resgatador. A extensão, o alcance desse acontecimento viverá como que nas
entranhas dos israelitas e, tanto individualmente, estão os salmistas a cantar esta liberdade,
quanto socialmente, tendo em vista os profetas que não deixam o povo esquecer a história
subseqüente de Israel, a qual é um prolongamento do que aconteceu no Egito.
Sobre a permanente e viva memória de YHWH, na vida do povo, alguns autores
revelam uma feliz percepção, como o caso de Léon-Dufour et al (1972), quando falam de
“prolongamentos pessoais e sociais” dessa liberdade: “No plano pessoal, a libertação operada
por Deus em favor do seu povo se prolonga e se renova de certo modo na vida de cada fiel
(CF. 2-5 4,9: ‘Pela vida de Javé que livrou de toda aflição’), e este é um tema freqüente na
oração dos salmos”.
62
Um pouco mais adiante, falando dessa lembrança e sua influência na organização
social de Israel, Léon-Dufour et al (1972) também nos lembram que:
No plano social, a própria legislação bíblica está marcada pela lembrança da
primeira libertação de Israel, sobretudo na corrente deuteronomista. O
escravo hebreu devia ser posto em liberdade no sétimo ano, em recordação
ao que Javé tinha feito pelos seus (Dt 15, 12-15; cf. Jr 34,8-22). A lei, de
resto, não era sempre respeitada e, mesmo depois do retorno do exílio
Neemias teria que se insurgir contra as exações de certos compatriotas que
não hesitavam em reduzir à escravidão os seus irmãos resgatados (Ne 5,1-8)
e não obstante, ‘dar liberdade aos oprimidos, quebrar todos os jugos, é uma
das formas do jejum que agrada a YHWH’ (Is 58,6).
63
62
LÉON-DUFOUR, X. et al. Vocabulário de teologia bíblica. Tradução de Frei Simão Voigt. Petrópolis: Vozes,
1972, p. 527.
63
Ibidem, p. 527.
51
Até aqui, procuramos compreender a questão da liberdade na vida de Israel,
situando-a no interior do contexto da aliança, mostrando em que bases originalmente se
encontra e quais os seus impactos na vida do povo de Deus. Queremos agora, retornar aos três
aspectos importantes dessa conseqüente liberdade na vida do povo e, posteriormente, precisar
de que modo estes influenciaram o Novo Testamento, especialmente, a visão do Apóstolo.
O primeiro aspecto, repetidamente lembrado e que perpassou a vida do povo
eleito em todas as suas fases históricas, é o de que a liberdade não teria sido algo merecido,
não teria sido uma conquista humana.
Todos os debates, em se tratando da vida de Israel, e naturalmente de sua
liberdade, partem do pressuposto de que Israel é o povo eleito por Deus e que, por isso
mesmo, poderia contar sempre com a fidelidade desse mesmo Deus à aliança, aliança que se
deu unicamente por meio da atividade redentora, amorosa e gratuita de YHWH. Isso
significaria dizer que: não corresponder a esta graça e a este amor de YHWH seria certamente
trilhar o caminho mais próximo da perda dessa liberdade. Brown; Coenem (2000), resumem
de forma categórica essa idéia ao relatarem que:
A dádiva da liberdade continuava vinculada ao doador. Abandonar Javé
tinha como conseqüência necessária a perda da liberdade. Esse fato é
demonstrado pela era dos juízes, uma época de apostasia de Javé, de
escravidão, de arrependimento e de libertação (Jer 2:1 e s.). A história dos
reinos do norte e do sul foi semelhante. A conquista pelos assírios foi a
conseqüência da impiedade do reino do norte (2Rs 17:7-23). Assim como o
cativeiro na Babilônia foi conseqüência da impiedade do reino do sul (2Rs
52
21:10-15; 22:19-20; 23:25 e seg.). O fim da liberdade política de Israel
achou expressão intensamente comovedora nas lamentações de Jeremias.
64
Um segundo, e não menos importante aspecto a considerarmos, mais adiante
retomado por Paulo, é o fato de a liberdade para o povo bíblico ser considerada como um
projeto coletivo. Em outras palavras, não encontramos aí o modo de definir a liberdade como
o faz a modernidade, ou seja, como a possibilidade de escolher entre duas coisas contrárias,
ou mesmo o poder decisório de fazer o que bem se deseja.
Para Israel a liberdade consiste em estar submisso à Torá, o que não deve ser
confundido com escravidão, mas como caminho para se conservar a verdadeira liberdade. A
ação de Deus não se dirige a um indivíduo em particular, nem sua aliança é outorgada a um
pequeno grupo, mas a toda a comunidade.
O próprio Decálogo é dado em vista do aperfeiçoamento das relações, e com isso,
da garantia de se viver livremente na comunidade. Falando nessa linha, encontramos Zenger
(1989) para quem: “Os Dez Mandamentos são como pedra preciosa na qual, mediante a
atuação do espírito, se cristalizaram as muitas experiências que Israel fez ao aceitar a vida
oferecida por Javé no deserto da sua história”.
65
Desse modo, ao compreendermos a atuação de Deus dirigida à coletividade,
devemos também entender, que somente na comunidade, a liberdade poderia ser vivida de
modo autêntico garantida pela lei que gera a vida. Sobre o assunto, Zenger (1989), diz ainda:
As narrativas dos Dez Mandamentos não querem comprovar que Javé
revelou em algum momento no deserto do Sinai estes mandamentos, mas
que Javé quis, nesses Mandamentos, estar perto do seu povo como aquele
64
BROWN, C.; COENEM, L. (orgs.) Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de
Gordon Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 1195.
65
ZENGER, E. O Deus da Bíblia. Tradução de F. Glenk. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 57.
53
Deus que impede a destruição ameaçadora. Através dos Dez Mandamentos
Javé quis mostrar-se como Deus que pode fazer do deserto um lugar de
vida.
66
Portanto, a liberdade seria, antes de tudo, fruto, bênção, dom de Deus que suscita
a vida no meio do povo, mediante seus ensinamentos, suas instruções. Sendo assim, Brown;
Coenem (2000) nos revelam o seguinte:
Os atos de Deus são fundamentais para a vida humana em comum.
Conforme o Decálogo, a liberdade, a vida (Ex 28:13), o casamento (20:13), a
honra (20:16) e as posses (20:17), pertencem aos direitos básicos do homem,
que Javé concede ao povo da sua aliança e mantém para ele.
67
Um terceiro e último aspecto reside no fato de que a ação do Deus que liberta o
seu povo no Egito é a mesma que está presente na vida dos profetas. No fundo todos os
profetas, ao seu modo, e no seu tempo devido, fazem com que Israel não se esqueça de que
toda a sua missão está no esforço de conservar a liberdade que recebeu de YHWH.
Mediante tais fatos, podemos dizer que todo profeta é um intérprete da liberdade,
dada pela graça e pelo amor de YHWH. Este liberta e, ao mesmo tempo, pelos profetas,
indica o caminho de como conservar esta liberdade. Sobre o assunto, segundo Croatto (1981):
Israel conheceu a Deus em sua obra de libertação. ‘Conhecê-lo’ implica,
desde então, viver a libertação e libertar os outros; para o rei, fazer ‘justiça’
66
ZENGER, E. O Deus da Bíblia. Op. cit. p. 57.
67
BROWN, C.; COENEM, L. (orgs.) Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. Tradução de
Gordon Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 1196.
54
aos humildes. Efetivamente ele representa Javé. Oprimir equivale a
desconhecer o Deus que deu a liberdade.
68
Temos, portanto, as dimensões básicas sobre as quais se apóia a compreensão de
liberdade judaica: a liberdade como uma dádiva dos céus, o entendimento de que esta só é
possível como projeto coletivo, autenticamente vivida no meio da comunidade, e ao mesmo
tempo, a perene necessidade de conservá-la, por seus profetas.
Agora, ao acreditarmos que esse arcabouço de entendimento influenciou e
inspirou Paulo no seu conceito de liberdade, resta-nos saber como e precisamente em que
medida e, até que ponto isso ocorreu.
3.2. Jesus: o livre e o libertador
No Novo Testamento, especialmente nos sinóticos, não encontramos maiores
destaques a respeito da palavra liberdade, exceto como anteriormente assinalamos, nas cartas
paulinas, especialmente na Carta aos Gálatas e na Carta aos Romanos. Aliás, como nos
lembra Bauer (2000):
Jesus não usa a palavra liberdade, mas fala dela de modo indireto. Como
toda a tradição grega, bíblica e judaica, ele supõe a liberdade quando
convoca a seguir sua pessoa e sua mensagem. Também concretamente, ele
vive e possibilita liberdade tornando-se síntese de uma nova existência dada
por Deus.
69
68
CROATTO, J. S. Êxodo: uma hermenêutica da liberdade. Tradução de José Américo de Assis. São Paulo:
Paulinas, 1981, p. 98.
69
BAUER, J. B. Dicionário bíblico-teológico. Tradução de Fredericus Antonius Stein. São Paulo: Loyola, 2000,
p. 238.
55
Isto implica dizer que toda obra salvífica de Cristo tem como fundamento o ato
redentor e libertador de sua morte e ressurreição. “É de Cristo redentor que partem o seu
pensamento e a sua ação, quando diante dos dramas que dilaceram o mundo, ela reflete sobre
o significado e os caminhos da libertação e da verdadeira liberdade”. E mais: “A verdade, a
começar pela verdade sobre a redenção, que está no âmago da fé, é, pois, a raiz e a regra da
liberdade, fundamento e medida de qualquer ação libertária”.
70
Quando consideramos, com todo o Novo Testamento, o evento salvífico de Cristo
na cruz redentora como ato fundante de onde emana a verdadeira liberdade estamos aludindo
a um argumento central, a uma premissa fundamental da teologia cristã e paulina: Jesus
tornou-se, e assim ele se auto-compreendia, a revelação definitiva da vontade de Deus para a
salvação de todos os homens. Vontade de Deus, que o Novo Testamento acredita expressa, já
na Torá, em forma de promessa. Nesse sentido, podemos compreender Jesus como aquele que
veio, não para destruir a Torá, mas dar-lhe pleno cumprimento, acabamento, já que esta tinha
a função de anunciar a sua chegada.
Lucas diz claramente em seu texto: “E, começando por Moisés e percorrendo
todos os profetas, interpretou-lhes em todas as escrituras o que a ele dizia respeito” (Lc
24,27). Portanto, cumprindo plenamente a Torá, ele a ultrapassou, a superou, pois agora o seu
corpo ressuscitado e glorificado teria se tornado o centro do verdadeiro culto espiritual,
irradiando a verdade profunda sobre o sentido da verdadeira liberdade.
Mateus, por sua vez, também percebeu claramente os dois movimentos contidos
na missão e na realização da obra de Cristo: o de realizador da esperança de Israel e o de
revelador da salvação aos gentios, quando, no capítulo do Sermão da Montanha, disse: “Não
penseis que vim revogar a lei ou os profetas. Não vim revogá-los, mas dar-lhes pleno
cumprimento” (Mt 5,17). Dar pleno cumprimento significa realizar, levar a cabo a promessa
70
BAUER, J. B. Dicionário bíblico-teológico. Op. cit. p. 238.
56
contida na lei, estendendo-a agora para todas as nações. Nesse sentido, Jesus não poderia ser
acusado de antinomista, pois não havia negado a função da lei como anunciadora da
promessa, tampouco poderia ser acusado de heteronomista, porque ao se tornar revelação
definitiva do Pai para a humanidade, teria superado a Lei. Sobre o assunto, Jeremias (1977),
declara com propriedade que:
Jesus, respondendo à insinuação (mè nomisate) de que ele é antinomista, está
dizendo que sua tarefa não é a dissolução da Torá, mas sua complementação.
A tradução de ósope (‘acrescentar’) por plerôsai, no grego, expressa
adequadamente que o propósito da ‘complementação’ é atingir a medida
completa. Temos aí a idéia da medida escatológica, que Jesus usa em outros
lugares, Plerôsai é, portanto, termo tecno-escatológico. Em outras palavras,
com o lógion de (Mt 5,17) Jesus está a reclamar para si ser o mensageiro
escatológico de Deus, o profeta prometido igual a Moisés (Dt 18,15. 18) que
é o portador da revelação definitiva e que, por isso, exige obediência
absoluta. De fato, esta pretensão de Jesus, de ser o portador da revelação
consumada de Deus pelas suas palavras, é especialmente clara no esquema
antitético de Mt 5,21-48, que, por envolver uma inaudita contraposição à
Torá, aos ouvidos do tempo, faz parte da rocha original da tradição. Jesus
está a proclamar que a vontade divina na Basiléia se sobrepõe à vontade
divina expressa na era veterotestamentária (Mc 10,1-12).
71
Portanto, vemos com Jesus à volta do Espírito de Deus trazendo o tempo da
misericórdia e salvação para todo aquele que nele crê. O Espírito do Senhor, que conforme a
escritura se apagara da vida dos homens que pecaram contra Deus, retorna agora na
71
JEREMIAS, J. Teologia do Novo Testamento: a pregação de Jesus. v. 1. Tradução de João Rezende Costa.
São Paulo: Paulinas, 1977, p. 133-134.
57
encarnação do filho, restituindo a comunicação plena com o Pai, como bem diz Jeremias
(1977):
A presença do Espírito é sinal da irrupção do tempo salvífico. Seu retorno
significa o fim do julgamento e o começo do tempo da graça. Deus se
debruça novamente sobre o seu povo. Como portador do Espírito, Jesus não
é apenas um elo na série dos profetas, mas o último e definitivo mensageiro
de Deus. Sua pregação é evento escatológico. Manifesta-se nela a aurora da
consumação do mundo. Deus está a falar sua última palavra.
72
Diante do acima exposto, a pergunta fundamental é: Porque falando de liberdade
no Novo Testamento e em Paulo, a insistência em considerar Jesus Cristo como revelação
derradeira do Pai para os homens? Ou seja, por que, necessariamente, partir da cruz de Cristo
como imperativo categórico, para falarmos da liberdade em Paulo? Que matizes trouxeram ao
discurso de liberdade paulina a morte e ressurreição de Cristo? As respostas a estas
indagações nos parecem simplesmente determinantes para a compreensão, não somente da
liberdade em Paulo, mas de todo o seu pensar teológico.
4. Revelação, comunidade e missão
Quando direcionamos as dimensões sobre as quais se assenta a liberdade para
Israel, e que estas apontam inevitavelmente para a pessoa de Jesus como a revelação
definitiva da salvação para judeus e gentios, presente já no Antigo Testamento, estamos ao
mesmo tempo afirmando que devemos agora buscar, em Jesus, a fonte e a raiz da verdadeira
liberdade.
72
JEREMIAS, J. Teologia do Novo Testamento: a pregação de Jesus. Op. cit. p. 134.
58
Em segundo lugar, queremos reiterar que a idéia da liberdade como um projeto
que se vive coletivamente, permanece e, é fonte de inspiração no pensamento paulino: é em
torno da liberdade concedida pela cruz de Cristo que a comunidade se origina. Jesus gera e
vivifica a comunidade dos crentes. Sobre ele esta comunidade existe e se desenvolve.
Finalmente, queremos mostrar que a missão confiada aos profetas como
defensores da liberdade também apresentou influência na vida de Paulo, que por vocação,
alinhou-se ao chamado do Pai, sentindo-se em Cristo, herdeiro deste mandato.
4.1. Jesus: fonte de liberdade
Se anteriormente dissemos que, para Israel, a liberdade é bênção do alto, dom de
Deus, não podendo, portanto, ser atribuída ao esforço meramente humano, e que Jesus tornou-
se, pela vontade do Pai, o centro de toda a salvação, devemos concluir, num raciocínio lógico,
que para o Novo Testamento, especialmente para Paulo, a liberdade passou a ser obra e graça
do filho de Deus. Portanto, o sacrifício de Cristo na Cruz passou a ser o gerador da verdadeira
liberdade. Agora, devemos encarar a liberdade, não como um esforço da humanidade, mas
como dádiva do filho de Deus e de sua redenção. A nossa liberdade é vivida no filho de Deus,
a Ele somos devedores: devemos compreender que, nesse sentido, a idéia de liberdade e sua
origem no Antigo Testamento influenciaram diretamente São Paulo.
Sobre isso, Brown; Coenem (2000), vêm em nosso auxílio, ao assegurarem que:
A idéia de liberdade no Novo Testamento, portanto, segue aquela do Antigo
Testamento. A dádiva da liberdade é vinculada ao doador. ‘Porque tudo é
vosso... e vós sois de Cristo, e Cristo de Deus’ (1 Cor 3:21, 23). Essa
sujeição é, ao mesmo tempo, uma aliança. Seu âmbito até se estende aos
poderes e dominadores sobrenaturais que são despojados de sua autoridade
59
absoluta, porque foram conquistados por Cristo, e já não podem fazer
separação entre o homem e Cristo (Rm 8: 38; Gl 4:3, 9; 1Cor 15:24). O
horizonte impenetrável torna-se transparente à luz desta liberdade.
73
Ainda, como já mencionado Deus atua para a comunidade, não para o indivíduo.
Sua aliança, em primeiro lugar, é com o coletivo, não com o individual. É dentro desse
contexto que deveria ser vista a liberdade. No Novo Testamento essa idéia continua presente,
agora sob uma perspectiva cristológica. Se no Antigo Testamento a lei garantia uma vida
autêntica e livre para a comunidade, no Novo Testamento a fé e o batismo passam a autenticar
uma vida sinceramente vivida na comunidade. Em torno da cruz de Cristo se origina a
comunidade que se dirige para esta salvação. Nessa linha, O’Connor (1994), nos diz o
seguinte:
É para frisar este ponto que Paulo emprega uma variedade de expressões,
visando evocar a natureza comunitária da existência autêntica: ‘em Cristo’,
‘vos vestistes de Cristo’, ‘ser de Cristo’ e do modo mais dramático, ‘todos
vós sois um só homem em Cristo Jesus’.
74
Ademais, ao contrário dos cultos da religião de mistério dirigidos ao indivíduo
que acreditava incorporar parte do poder do Deus adorado pela ingestão de um alimento
sagrado, o corpo de Cristo ressuscitado em torno do qual os fiéis se unem, produz
necessariamente, em cada indivíduo, abertura para construir a comunidade no amor, na
solidariedade e, sobretudo, na liberdade.
73
BROWN, C.; COENEM, L. (orgs.) Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2ª ed. São
Paulo: Vida Nova, 2000, p. 1197.
74
O’CONNOR, J. M. Antropologia pastoral. Tradução de Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1994, p. 180.
60
Finalmente, atentemos para o fato de os Profetas representarem os guardiões da
liberdade. Eles são os fiéis intérpretes da lei de Deus, que assegura uma vida livre para todos.
São chamados e separados por Deus para essa missão.
Nesse sentido, podemos dizer que é inequívoca a inspiração do Antigo
Testamento na vida do judeu Paulo, especialmente, no relato de sua vocação, pois Paulo
acredita que seu chamado é obra do Senhor, como o fora o dos Profetas. Sua vocação
encontra-se na mesma linhagem.
Além disso, para falar do seu chamado, Paulo utilizou-se do mesmo quadro dos
elementos das aparições dos Profetas no Antigo Testamento, tanto que suas palavras em
Gálatas não deixam dúvidas: “Mas quando aquele que me pôs à parte desde o seio de minha
mãe e me chamou por sua graça, houve por bem revelar em mim o seu filho, a fim de que eu
anuncie aos pagãos” (Gl 1,15-16).
Tais palavras evocam duas conhecidas vocações: a de Jeremias e a de Isaías. Para
ficar com o primeiro, lembremo-nos das palavras que ele usou no seu chamado: “Antes
mesmo de te modelar no ventre materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te
consagrei. Eu te constituí Profeta para as nações” (Jer 1,5).
Escrevendo sobre esse aspecto, O’Connor (1994) nos lembra que: “a repetição das
três palavras-chaves não é coincidência. Como no caso dos dois grandes predecessores, Paulo
via sua conversão como obra de um plano que Deus arquitetou muito antes”.
75
Dessa maneira,
Paulo considerava-se como os outros Profetas: intérprete e defensor da liberdade concedida
por Cristo.
Portanto, as dimensões presentes no sentido de liberdade do povo da Antiga
Aliança, se revelam, de algum modo, presentes no pensamento paulino, agora sob uma ótica
75
O’CONNOR, J. M. Antropologia pastoral. Op. cit. p. 93.
61
eminentemente cristológica: “O que deu a si mesmo pelos nossos pecados, para que libertasse
a nós do presente século mau, segundo a vontade do Deus e Pai nosso” (Gl 1,4).
Com essa introdução, de tom mais seco e duro, Paulo passou a anunciar na Carta
os principais temas que seriam por ele desenvolvidos: a defesa de sua missão como Apóstolo
do Senhor e a liberdade cristã, cujo fundamento encontrava-se na boa nova da salvação, pela
fé, em Cristo Jesus.
Em primeiro plano, vemos aqui, o começo de uma série de enunciados:
afirmações que vão num crescente significado, cujo sentido é a preparação e fundamentação
da grande verdade, a afirmação central de Paulo aos gálatas: “Para a liberdade Cristo nos
libertou...” (Gl 5,1). Ora, se entendemos Gl 1,4 e 5,1 ligados entre si, há necessidade de
estabelecermos, precisamente, onde se encontra tal relação, e que significado comporta.
Há dois conceitos presentes nesses versículos, os quais acreditamos possibilitarão
estabelecer a ligação acima proposta: o verbo subjuntivo aoristo 2º médio, 3ª pessoa do
singular
∈ξ∈ληται
e a expressão/ aivw/noj tou/ evnestw/toj ponhrou/, um substantivo e outro
adjetivo, ambos no genitivo masculino singular.
4.2. Sobre a etimologia
O termo presente em Gl 1,4,
∈ξ∈ληται
, é um verbo composto, formado por uma
preposição
∈ξ
, vinda antes de vogal, que significa de, fora de, e o verbo
αιρ∈ω
, cujo
significado é pegar, agarrar, levar embora, conquistar, tomar para si.
Como podemos ver, aqui já se revela, ainda que preliminarmente, a verdade
fundamental sobre a qual Paulo, ao longo da Carta deita toda uma gama de argumentos. O
Cristo Ressuscitado, que é o mesmo Cristo Crucificado, nos arrancou, nos livrou. Devemos
atentar para a profunda intensidade de sua ação, expressa no verbo: por um ato livre arrancou-
62
nos dos nossos pecados, tomando-nos para si. “Uma vez livres, nos libertou para a liberdade”
(Gl 5,1). Tudo isso como uma resposta obediente ao Pai. Temos, portanto, revelado o
fundamento da nossa justificação.
O Pai, fiel a si mesmo, estabelece na cruz redentora de Cristo, uma aliança
definitiva de amor para com a humanidade, libertando-a do pecado e do seu poder, assim
como diz Erdman (1930): “O propósito último de Deus é libertar-nos, não apenas da culpa do
pecado, mas do seu poder”.
76
O pronome “nos” junto ao verbo “livrar”, precedido da conjunção “a fim de...”
compõem, com o todo do versículo, uma perfeita unidade, na qual se entrelaçam visivelmente
as três grandes verdades teológicas no pensamento paulino: o amor do Pai, a ação salvífica do
Filho e o dom da Liberdade para o Homem. Nesse versículo, tido como saudação, também
vemos o Apóstolo resumir todo o credo fundamental da fé apostólica professado pela Igreja
primitiva.
Paulo expressa o mistério da redenção com o verbo composto ou/t do,ntoj e`auto.n
(dar, entregar, transmitir). O mesmo verbo se repete em Gl 2,20: “entregou-se a si mesmo”.
É a redenção vista sob a ótica da graça, do dom. O Filho agiu livremente,
entregando-se a si mesmo. Sua decisão foi em primeiro lugar, um ato de amor. Nesse sentido,
de acordo com Cothenet (1984): “A fórmula de Gálatas tem a vantagem de colocar o mistério
sob o sinal do dom. O dom e a graça provêm do mesmo registro, muito longe de qualquer
transação ou compensação”.
77
Devemos perceber como a ação expressa pelo verbo “que se deu a si mesmo”, e
que revela a gratuidade e o dom da salvação, que chegou até nós, está ligada diretamente à
liberdade, também como dom, pois é somente na gratuidade do gesto do Filho que adquirimos
a liberdade. A linha argumentativa nos parece concatenada numa perfeita proposição lógica: a
76
ERDMAN, C. R. Comentário à epístola de São Paulo aos gálatas. Tradução de Jorge César Mota. São Paulo:
Casa Editora Presbiteriana, 1930, p. 29.
77
COTHENET, E. A epístola aos gálatas. Tradução de Monjas Dominicanas. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 18.
63
entrega de si mesmo, o dom revelado, a liberdade adquirida. Portanto, ao verbo “livrar” liga-
se diretamente a afirmação “entregou-se a si mesmo”, deixando patente a verdade profunda
defendida em Gálatas: é Cristo que nos liberta e longe do alcance da sua ação não se pode
compreender o dom da liberdade. Desse modo, Paulo lançou as bases argumentativas daquilo
que iria afirmar adiante: “Para a liberdade Cristo nos libertou” (Gl 5,1). Assim sendo, Gl 1,4 e
5,1 se tocam perfeitamente num claro paralelismo teológico.
Contudo, há outro aspecto importante nesse versículo, quando Paulo usa a
expressão “o que se deu”, pois está respondendo, inicialmente, de forma clara, que a nossa
justificação e, portanto, a nossa liberdade encontra o seu fundamento não na lei ou em
qualquer forma de rito, mas tão somente no evento salvífico de Cristo.
É uma resposta direta aos seus inimigos e para alguns da comunidade gálata, que
porventura tenham se deixado seduzir pelo discurso judaizante. Segundo Bosch (2002), aí
estaria a especificidade da Carta. “[...] este seria o aporte específico da Carta aos Gálatas,
querer justificar-se pelas obras da lei simplista, mudando uma justificação verdadeira por uma
falsa, porque a lei em si é incapaz de justificar ninguém”.
78
Portanto, nesse primeiro momento, a nossa tentativa consistiu em demonstrar de
que forma as passagens Gl 1,4 e 5,1 se ligam mutuamente, precisamente por meio do verbo
∈ξ∈ληται
(livrar, arrancar). O Apóstolo preparou assim a afirmação conclusiva sobre a
liberdade contida no capítulo 5.
Queremos agora concentrar a nossa atenção justamente na expressão
αιω
ος
πο
ηρου
(mundo mau), para em seguida verificarmos o paralelismo estabelecido pelo Apóstolo
entre esta e a imagem utilizada em Gl 5,1, precisamente “jugo de escravidão”. Está claro que
Paulo usou ambas as expressões quando se referiu à força da lei e ao poder que esta exercia
sobre os gálatas e os judaizantes. A pergunta fundamental a ser respondida é: Que elemento(s)
78
BOSCH, J. S. Escritos paulinos: introdução ao estudo da Bíblia. v. II. Tradução de Alceu Luiz e Jaime
Sanchez. São Paulo: Ave Maria, 2002, p. 232.
64
a lei traria consigo que a tornasse um mundo mau? Dizendo de outro modo: na sua
constituição, de que forma a lei poderia se configurar como mundo mau? E, portanto, jugo de
escravidão?
A primeira observação que salta aos nossos olhos é o adjetivo que acompanha o
conceito mundo, mau, lançando sobre este um juízo moralmente negativo, seguindo assim
Paulo, a linguagem do Evangelho de João. Aliás, é em Paulo e João que se registra com mais
freqüência no Novo Testamento este conceito. A esse respeito, Bauer (2000) esclarece que:
No Novo Testamento, é nos escritos joaninos que o conceito de cosmos se
encontra com mais freqüência (Jo 78 vezes; 1 e 2Jo, 23 vezes); nas Cartas
Paulinas (46 vezes). Este conceito costuma, com raras exceções, apresentar
um aspecto negativo: corruptabilidade e morte caracterizam o mundo.
79
Ora, se afirmamos costumeiramente que o mundo ou “este mundo”, “esta era”,
como aparece em Paulo, tem geralmente um aspecto negativo, a pergunta que se segue é: Não
traria Paulo uma visão pessimista sobre a criação e, por conseguinte, sobre o criador? Para
responder essa questão é preciso retornar ao conceito judaico de mundo, do qual Paulo é
devedor.
O Antigo Testamento não tem o conceito mundo, em lugar disso, a Torá fala de
“céu e terra”, ou “o todo”. Diz o texto que “Deus criou o Céu e a Terra” (Gn 1,1), ele é o
Senhor absoluto da criação, e segundo a tradição sapiencial, “o mundo foi criado do nada e
está nas mãos de Deus” (2 Mc 7,28). Mediante tais fatos, Harris et al (1998), nos relatam que:
79
BAUER, J. B. Dicionário bíblico-teológico. Tradução de Fredericus Antonius Stein. São Paulo: Loyola, 2000,
p. 279.
65
Tudo é feito pelo divino. A terra não é produto de uma substância
primordial, como no caso do Enuma Elish Babilônico, onde a Terra é
formada a partir do cadáver do deus Tiamate caído e morto. Trata-se de uma
esfera que está totalmente sob o controle da soberania divina. A Terra é do
Senhor (Sl 24,1). Ele é o seu Rei (Sl 47, 2 [3]), e o seu Senhor (Sl 97,5).
Como tal, o mundo é bom, e não deve ser descrito como intrinsecamente
mal, como obra do demiurgo; nem mesmo um mínimo sinal de ‘mentalidade
escapista’ é encontrado no Antigo Testamento.
80
Portanto, a criação é obra do Altíssimo e é posta a serviço do homem para que
dela disponha e nos seus sinais honre o Deus Criador, reconhecendo por meio dela o amor
incomensurável de Deus e sua justiça. Mesmo no relato do Gênesis, sobre a primeira
destruição, fica claro sempre o desejo de aliança eterna de Deus para com o seu povo. Nesse
sentido Harris (1998), também declara o seguinte:
Contudo, no final das contas, o nosso Deus justo não tem prazer no simples
juízo, porque isto apenas destrói o ímpio. É o oposto de criar. A última
palavra a respeito da justiça não é nem ‘des-criar’, nem voltar atrás no
tempo. É a justiça redentora que é a justiça final. Esta é a razão porque temos
a aliança do arco-íris. A intenção de Deus é estabelecer um novo céu e uma
nova Terra.
81
Ora, se como acabamos de ver, o Antigo Testamento tem uma visão positiva sobre
a criação, assim como o Apóstolo Paulo, em que precisamente consistiria a maldade no
mundo? Que elemento desagregador, divisor, negativo pesa no mundo?
80
HARRIS, R. L. et al. Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento. Tradução de Márcio
Loureiro Redondo; Luiz A. T. Sayão; Carlos Oswaldo C. Pinto. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 125.
81
Ibidem, p. 167.
66
Para o Antigo Testamento e Paulo este elemento é o pecado. Ademais, de acordo
com o segundo, os homens se afastaram de Deus: “com efeito, a tristeza segundo Deus produz
arrependimento que leva à salvação e não volta atrás, ao passo que a tristeza segundo o
mundo produz a morte” (2Cor 7,10). Por isso, o mundo é pecaminoso e mal. Os homens são
réus, dignos de castigo e condenação: “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, é para os que
estão sob a lei que o diz, a fim de que toda boca se cale e o mundo inteiro se reconheça réu em
face de Deus” (Rm 3,19). Paulo recorre à figura de Adão para falar do pecado que entrou no
mundo, tornando a humanidade toda pecadora: “Eis porque, como por meio de um só homem
o pecado entrou no mundo e, pelo pecado a morte, assim a morte passou a todos os homens,
porque todos pecaram” (Rm 5,12).
Desse modo, Paulo entende que o pecado separa o mundo de Deus para mais
adiante acontecer, pela morte de Cristo, a reconciliação do mundo com Deus: “pois era Deus
que em Cristo reconciliava o mundo consigo, não imputando aos homens suas faltas e, pondo
em nós a palavra de reconciliação” (2Cor 5,19).
Portanto, devemos compreender o mundo no Novo Testamento e em Paulo como
“o mundo organizado”, o espaço habitado pelos homens e todas as formas de Leis, de
diretrizes que o regem, quer socialmente, quer politicamente. O lugar onde os homens
nascem, crescem e formulam o modo de como nele proceder. Nesse contexto, o mundo como
Terra habitada, e tudo o que ele contém é limitado, provisório e até contrário a Deus, ao
Senhor, ao Espírito, à Liberdade. É nesse sentido que Paulo contrapõe a sabedoria de Deus à
sabedoria “deste século” (1Cor 1,20). O mundo, enfim, é concebido em relação ao seu
contrário, isto é, Deus. Por isso, de acordo com Fries et al (1970): “O mundo é temporalidade,
breve espaço inserido ‘entre’ o hoje e a parusia, e contém em si a soma de todas as coisas que
ameaçam o homem, oprimem-no e tornam-no escravo”.
82
82
FRIES, H. et al. Dicionário de teologia: conceitos fundamentais de teologia atual. v. III. São Paulo: Loyola,
1970, p. 391.
67
4.3. A nova criação
Sem dúvida, quando Paulo falou do mundo presente, desta era, deste século, o fez
contrapondo-o ao mundo do Messias; mesmo quando o Apóstolo combateu as religiões de
mistério, como era comum no seu tempo, como, por exemplo, o caso dos colossenses (Col
2,15), não pretendeu produzir um tratado sobre cosmologia ou a influência dos espíritos sobre
os homens, mas deixar claro que com a morte e a ressurreição de Cristo, todas as potências,
forças e espíritos foram a ele submetidos: “[...] na qual despojou os principados e as
autoridades, expondo-os em espetáculo em face do mundo, levando-os em cortejo triunfal”
(Col 2,15).
Assim Paulo ressaltou que anjos, Moisés e a própria lei eram meramente
intermediários, mediadores, ao passo que a promessa era emanada tão somente de Deus e do
seu Cristo. Nesse sentido, o significado do versículo em questão se impõe: no centro de tudo
figura Cristo, morto e ressuscitado, cuja ação salvífica opera uma ruptura e uma passagem,
arrancando-nos do mundo antigo e conduzindo-nos a uma nova criação, cuja cabeça é o
próprio filho de Deus. O Apóstolo Paulo disse isso de forma categórica: “Ele nos arrancou do
poder das trevas e nos transportou para o reino de seu filho amado, no qual temos a redenção
– a remissão dos pecados” (Col 1,13).
Por outro lado, se podemos anotar, aqui ou acolá, em Paulo, algum conceito do
gnosticismo, ou da apocalíptica judaica é para simplesmente tornar claro o papel definitivo da
ação de Cristo na história da salvação, por vontade unicamente do Pai. Bauer (2000) vem de
encontro a essa verdade, ao nos dizer que:
O conceito de ‘mundo’, que faz pensar em céu e Terra, universo, cosmo, era,
princípio e fim, que está ligado com temas filosóficos (gregos), sapienciais,
apocalípticos e gnósticos, procura em última análise explicar Deus como
68
sendo o criador. Diante dele todo criado continua finito, e também a vitória
sobre o fim, por um novo começo, será obra sua. A jovem Igreja expressou
isso pela estrutura do Cânon da Bíblia, que começou com a criação do céu e
da Terra e encerra com a promessa de um novo céu e uma nova Terra (Ap
21,1 ss).
83
Dito isso, podemos compreender agora o alcance da crítica de Paulo ao utilizar a
expressão “mundo mau”, especialmente, no que se refere à lei. Ora, ao aceitarmos o sentido
de lei na perspectiva judaizante, teríamos que enfrentar graves implicações. Em primeiro
lugar, esta esvazia completamente a eficácia redentora da cruz de Cristo, tornando-se o
instrumento de salvação por excelência. A lei perde seu verdadeiro sentido de transição, de
pedagoga, para tornar-se absoluta. Ao contrário, para o Apóstolo a lei desempenha apenas
uma ação passageira, educativa, até que venha o prometido. Esse é o sentido da lei em
Gálatas. Quesnel (2004) sintetiza bem esta verdade, revelando que:
O tempo da lei tal como apresentado na Epístola aos Gálatas, é como um
tipo de parêntese; ela desempenhou um papel pedagógico no acesso do povo
de Deus eleito à fé; mas esta situação não estava destinada a durar (Gl 3, 24,
25). Ademais, o pedagogo, na civilização greco-romana, era um escravo. Ele
próprio estava privado de liberdade; e Paulo repassa a falta de liberdade do
escravo pedagogo à falta de liberdade do adolescente que ele estava
encarregado de educar. Ser submisso à lei é como estar no cativeiro (Gl 3,
23). Mas em Cristo chegou a libertação, como a maturidade sucede à
83
BAUER, J. B. Dicionário bíblico-teológico. Stein. São Paulo: Loyola, 2000, p. 280.
69
adolescência, sem que haja mais nenhuma razão para permanecer submisso a
esse pedagogo, nem prolongar essa escravidão.
84
Outra importante crítica de Paulo aos judaizantes é que, uma vez encerrando-se na
lei, os inimigos de Paulo davam a ela um poder fascinante e misterioso, comparada à
consciência mítica presente em muitos movimentos religiosos de seu tempo, transformando-a
num poder asfixiante e retirando, do homem, a condição de liberdade, de ser mais, de co-
participe da criação, cuja tarefa de fazedor e continuador da criação a ele foi confiada. O
homem entregue a esse mundo mau, cheio de anjos e demiurgos, renuncia sua capacidade
criativa e submete-se à mitologização de tudo e de todos, tornando-se, ele e a natureza, um
joguete na mão dos deuses: “Outrora, é verdade, não conhecendo Deus, servistes a deuses,
que na realidade não o são” (Gl l,4,8).
Dessa maneira, o mundo mítico, que é um mundo mau, que retira a possibilidade
da liberdade humana, submete-o a um jugo de escravidão. O paralelo, assim, de “mundo mau”
(Gl 1,4), com jugo de escravidão (Gl 5,1) é evidente.
4.4. O homem bíblico
Ao contrário da visão de mundo mítico, o que acontece com o mundo hebraico? A
diferença para os israelitas está justamente na idéia de Deus como criador do mundo (Gn 1,1),
e, portanto, como um Deus que está acima do mundo e cuja existência independe do cosmo. A
marca de Israel é justamente adorar um Deus, independentemente da natureza, que está acima
dos outros deuses. Esta percepção faz toda a diferença, pois ao contrário da visão mítica do
mundo, Deus não se confunde com o mundo, nem se transforma nele. O mundo, ao contrário,
84
QUESNEL, M. Paulo e as origens do cristianismo. Tradução de Paulo Valério. São Paulo: Paulinas, 2004, p.
80.
70
é o lugar do homem e, por isto, como bem nos lembra Croato (1981): “O homem não precisa
se associar aos ritmos do cosmo, para beber o sagrado. Deus, distinto do mundo, se manifesta
nos acontecimentos da história”.
85
Ora, na medida em que Deus não é o mundo, nem se transfigura nele, é permitido
ao homem resguardar seu papel de construir a sua história e desenvolver suas potencialidades.
Assim sendo, é perceptivelmente inteligente a observação de Croato (1981), quando afirma:
“A relação Deus-Homem já não é cósmica, mas dialógica no seio de uma historicidade em
que o homem é responsável por um destino, mas em que é também interpelado pelo Profeta e
pelo Evangelho”.
86
Por fim, compreendemos a crítica de Paulo aos judaizantes, pois, amoldando-se à
Lei, o Messias não passaria de um mero cumpridor da lei, e o que é mais grave, enredando-se
na lei não teria o poder de nos comunicar a liberdade. O que Paulo estaria dizendo aos
judaizantes é que estes não se encontravam muito distanciados das religiões de mistérios e
suas superstições.
85
CROATO, S. Êxodo: uma hermenêutica da liberdade. Tradução de José Américo de Assis. São Paulo:
Paulinas, 1981, p. 83.
86
Ibidem, p. 83.
71
III - MOVIMENTO DE ABERTURA
Levando em conta que a partir do Capítulo 5, Paulo teria iniciado o segundo
movimento da Epístola: o de abertura dos Capítulos 5 e 6, a pergunta a ser feita seria: O que,
precisamente, nos levaria à afirmação de que Gl 5,1 teria aberto a segunda parte da Epístola
ou, melhor dizendo, o que caracterizaria Gl 5,1 como versículo de dupla função, concluindo,
como tal, a primeira parte da Carta aos Gálatas e, concomitantemente, dando abertura aos dois
capítulos finais?
Para nós está claro o grande tema que permeia os Capítulos 5 e 6: o tema da
liberdade cristã.
Podemos, aliás, afirmar que entre os temas predominantes, nestes dois capítulos,
encontram-se os temas da liberdade e da caridade. No recorte que segue, Paulo abriu
solenemente o trecho (Gl 5,1), anunciando a origem da liberdade a que todo homem foi
dotado:
Sua fonte é precisamente Cristo Jesus, graças a ele nós a possuímos. Esta
declaração é feita seguida de uma advertência: A liberdade que agora tendes
e que é verdadeira, deveis cultivá-la não vos expondo ao risco de perdê-la,
pois a esta altura, uma volta à circuncisão seria renunciá-la. Diz Paulo: E
daí? Pecamos, porque não estamos mais debaixo da lei, mas sob a graça? De
modo algum! Não sabeis que, oferecendo-vos a alguém como escravos para
obedecer, vos tornais escravos daquele a quem obedeceis? (Rm 6,15ss)
.
Paulo segue reiterando em Gl 5, 2-3, o peso, a intensidade de sua afirmação,
prendendo ainda com mais força a atenção dos gálatas e despertando nestes, a gravidade do
dilema a que foram expostos: ou Cristo ou a lei. Na verdade, podemos perceber em Gl 5,1-12
72
dois claros movimentos: a proclamação, o anúncio posto no v.1, ou seja, a liberdade e a
chamada de atenção para os perigos em que incorreriam os gálatas, caso renunciassem à
liberdade. Isso tudo ele o faz por meio de expressões de confiança (v.1), de confronto (v.v. 7b.
8s), de investidas contra os adversários (v.10b. 12), de elementos de autodefesa (v.11b) e, até,
do recurso da ironia (v.12).
Por outro lado, encontramos nesse capítulo entremeado por frases densas e
cortantes, afirmações dogmáticas incisivas, polêmicas, surpreendentes, afáveis como toda a
Carta. No fundo, Gl 5 poderia ser considerado uma micro-visão do que vem a ser toda a
Epístola, com suas mais ricas e complexas expressões literárias e teológicas.
O que interessa, no entanto, é respondermos à principal questão sobre Gl 5,1,
como tema de abertura dos dois capítulos finais de Gálatas. Para este fim, somos chamados a
nos deter mais demoradamente em Gl 5,13, pois acreditamos que este versículo pode nos
oferecer o suporte teórico da resolução da problemática ora levantada.
Gl 5,13 faz parte das, assim chamadas, exortações éticas. Depois de proclamada a
condição de livres, o Apóstolo passaria a esclarecer a consistência de tal condição: “Vós, pois
para a liberdade fostes chamados, irmãos. Somente não (se torne) a liberdade em
oportunidade para a carne, mas mediante o amor, servir uns dos outros” (Gl 5,13). Antes de
mais nada é importante notarmos que na estrutura literária da Carta ou, melhor dizendo, do
Capítulo 5, o versículo 13 situa-se, num conjunto de 26 versículos, exatamente no centro do
capítulo, o que lhe confere certa importância. Um outro aspecto e, este é o que nos interessa
de perto, é a retomada do tema inicial em Gl 5,13, cujo tema é a “liberdade”.
Mediante tais observações, alguns autores confirmam nossa percepção, dentre os
quais podemos citar Giavini (1987), quando aponta: “O tom severo e até mesmo mordaz
reaparece também nos versículos 13-15, ligados aos precedentes, inclusive pela temática. O v.
73
13 bate na mesma tecla da liberdade, já enunciada em 5,1 e confirmada com força dogmática
e polêmica nos vv. 2-12”.
87
A mesma observação é corroborada por Cothenet (1984), ao afirmar que: “A
proclamação do v. 13 retoma a do v.1, mas apresenta a Liberdade como um apelo, uma
vocação”.
88
Ora, ao divisarmos claramente o v. 13 como aquele que nos remete ao seu texto
inicial, logicamente Gl 5,1 passaria a ter a importância de um versículo de abertura, visto que
o v. 13 repete a temática de Gl 5,1 aprofundando-a, e não o inverso. Assim, o que tornaria
possível a afirmação no v.13 de que somos “chamados à liberdade” seria a certeza de que
“Cristo nos libertou verdadeiramente”.
1. Justiça da lei ou da fé?
A partir de Gl 5,2-5 Paulo retomou ainda com mais vigor o tema da justificação,
alertando os gálatas cristãos sobre as profundas implicações e riscos que representaria uma
adesão de cristãos à lei. Para tanto, iniciou o v. 2 com um enfático pronome singular na
primeira pessoa: “Eu, Paulo”, fazendo soar, desse modo, o peso da afirmação remetida
claramente ao seu poder de autoridade apostólica, outorgada e confirmada diretamente por
Cristo (Gl 5,1).
Ocorre que Paulo era movido, na sua dura crítica aos gálatas e aos judaizantes,
não por meras questões casuísticas ou formais, mas por algo que definia suas próprias vidas
de fé como cristãos, questão essa capaz de produzir efeitos que os empurravam para fora do
processo de salvação. Schneider (1967), sintetiza bem o quadro, quando declara: “Quem
como cristão entrar pela circuncisão no caminho da justiça da lei, não rejeita somente o
87
GIAVINI, G. latas: liberdade e lei na igreja. Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola,
1987, p. 76.
88
COTHENET, E. A epístola aos gálatas. Tradução de Monjas Dominicanas. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 80.
74
auxílio de Cristo e se entrega à maldição, mas também se desliga de Cristo. Rompe com
Cristo, sai de Cristo no qual se encontrava desde que foi batizado (3,27s)”.
89
Esse comentário é tanto mais verdadeiro quando observamos o peso do verbo
empregado por Paulo: katarguéo (anular, aniquilar, abolir, fazer desaparecer). Portanto, o que
estava em jogo era o próprio Cristo, como enviado de Deus, e a eficácia de sua missão
redentora. Nesse sentido, Paulo usou duas categorias, que lhe foram recorrentes, para reforçar
mais ainda a sua posição: a justiça na lei e a justiça que vem da fé, categorias importantes para
a compreensão do universo teológico paulino, presentes na Carta aos Gálatas e,
especialmente, na Carta aos Romanos.
Dessa forma, podemos afirmar, sem dúvida, que boa parte da controvérsia paulina
com os judaizantes parece ter sido radicada em torno da compreensão do que vem a ser justiça
de Deus, sobretudo quando vista sob uma perspectiva cristológica. Sobre o assunto, Bauer
(2000), explica que:
[...] o substantivo dikaiosyne (justiça) encontra-se 49 vezes nas Cartas
autenticamente Paulinas e 7 vezes no Evangelho de Mateus; o adjetivo
dikaios respectivamente 10 vezes e 17 vezes. Tanto em Paulo como em
Mateus, o conceito de justiça ganhou um sentido característico, de acordo
com a teologia de cada um nos demais escritos do Novo Testamento (por
exemplo, Lc/At 5 vezes o substantivo, 17 vezes o adjetivo; Hb 6 vezes o
substantivo, 3 vezes o adjetivo).
90
89
SCHNEIDER, G. Epístola aos gálatas. Coleção Novo Testamento, Comentário e Mensagem. Petrópolis:
Vozes, 1967, p. 128.
90
BAUER, J. B. Dicionário bíblico-teológico. Tradução de Fredericus Antonius Stein. São Paulo: Loyola, 2000,
p. 224.
75
2. Justiça de Deus
Sobre o conceito de justiça, que aparece com freqüência nos escritos paulinos é
importante assinalarmos, inicialmente, que o Apóstolo segue e aprofunda muito mais o
entendimento do significado hebraico do que propriamente a sua forma grega. Para o mundo
grego, nos recorda Dunn (2003): “Justiça é idéia ou ideal em relação ao qual pode ser medido
o indivíduo ou a ação individual. O uso inglês (e também português) contemporâneo reflete
esta mentalidade antiga quando continua a usar expressões tais como: ‘A justiça precisa ser
feita’”.
91
Nessa linha, justiça de Deus seria o julgamento de Deus correspondente à ação
praticada por cada indivíduo isoladamente. Tal concepção não ultrapassaria o sentido
meramente jurídico ou forense de aplicar a justiça, exigir como direito, castigar, dar a cada
um o que lhe é devido.
Ao contrário, na concepção hebraica, se é possível anotar aqui ou acolá alguma
influência do direito sobre o entendimento de justiça, ela é muito mais que isso. Para o
pensamento hebraico, justiça “é um conceito mais relacional: justiça como o cumprimento de
obrigações impostas ao indivíduo pela relação da qual faz parte”. Mais adiante Dunn (2003),
complementa tal pensamento nos esclarecendo que:
Justiça denota o cumprimento da parte de Deus das obrigações que se impôs
a si mesmo ao criar a humanidade e particularmente ao chamar Abraão e
escolher Israel como seu povo. Portanto, fundamental para esta concepção
da justiça de Deus é o reconhecimento da iniciativa anterior de Deus, tanto
na criação como na eleição.
92
91
DUNN, J. D. G. A teologia do Apóstolo Paulo. Tradução de Edwino Royer. São Paulo: Paulus, 2003, p. 394.
92
Ibidem, p. 395.
76
Fica, pois, claro que com a concepção de liberdade paulina, devemos buscar ou
compreender a concepção de justiça do Apóstolo, ligada profundamente à fé na aliança de
Deus com Israel.
Desse modo, a justiça poderia ser compreendida a partir do relacionamento de
amor e misericórdia com que Deus amou Israel, ainda que este viesse a fracassar na
correspondência do gesto salvífico de Deus. Podemos assim compreender que tanto para os
judeus, quanto para Paulo, Deus, ao fazer aliança com Israel e, para o Apóstolo, mais ainda
com a humanidade, não condicionou a salvação ao comportamento deste ou daquele
indivíduo, mas a estabeleceu por pura graça. Aliás, ao falar da justiça em Gálatas, Paulo não o
faz sem antes relacioná-la à graça ao dizer que os judaizantes, na sua defesa das obras da lei,
caíram fora da graça (Gl 5,4).
Até aqui, devemos ressaltar dois aspectos que nos parecem fundamentais para o
entendimento de justiça: Paulo estaria em acordo com os judeus ao tratar a aliança como dom
de Deus para o homem. Aliás, ao recordar a teologia deuteronomista e sacerdotal Bauer
(2000), reforça nossa opinião afirmando o seguinte:
A teologia deuteronomista, no contexto de Dt 9, 1-8. 22-24, permite a
conclusão de que os dons salvíficos de Deus, independentemente da justiça
de Israel, são outorgados tão somente na base da justiça de Deus. Na teologia
sacerdotal da expiação (Lv 16), é tornada possível à Israel, pela justiça de
Deus, mesmo quando fracassar no cumprimento da vontade de Deus, uma
vida diante de Deus. Is 53, vai mais longe e chega a pensar que alguém
poderia sofrer, de modo vicário as conseqüências da infidelidade de Israel e
com isso abrir para o povo um novo caminho para a vida.
93
93
BAUER, J. B. Dicionário bíblico-teológico. Tradução de Fredericus Antonius Stein. São Paulo: Loyola, 2000,
p. 224.
77
Paulo adiantou-se, ainda mais, ao dizer que a justiça de Deus realizava-se
plenamente no ato redentor de Cristo, ao escrever:
Deus o expôs como instrumento de propiciação por seu próprio sangue,
mediante a fé. Ele queria assim manifestar sua justiça, pelo fato de ter
deixado sem punição os pecados de outrora, no tempo da paciência de Deus;
ele queria manifestar sua justiça no tempo presente para mostrar-se justo e
para justificar aquele que apela para a fé em Jesus (Rm 3, 25-26).
Por outro lado, ao falar de justiça como fidelidade ao próprio desígnio salvador de
Deus, temos que, em nada esta salvação dependeu do esforço de Israel. Nada houve que
fizesse Israel merecer a sua escolha e eleição, mas tudo se deveu, primeiramente, à iniciativa
de Deus, ao seu amor e ao juramento que fizera a seus pais, como tão insistentemente repete o
livro do Deuteronômio (Dt 4,32-40; 6,10-12.20-23; 7, 6-8). Desse modo, como insiste
novamente Dunn (2003): “justiça era simplesmente o cumprimento da sua obrigação de
aliança como Deus de Israel em libertar, salvar e vingar Israel, apesar de sua falta”.
94
Por tudo isso, mais do que um conceito puramente legal de justiça, falamos em
justiça salvífica, dando a esta um caráter eminentemente relacional que paira acima das faltas
deste ou daquele indivíduo. É interessante notarmos o mesmo entendimento presente na
teologia de Qumrã cuja visão certamente seria confirmada por Paulo:
Quanto a mim, se tropeçar, as misericórdias de Deus serão minha eterna
salvação. Se vacilar por causa do pecado da carne, minha justificação
(MSHPTI) será pela justiça de Deus que permanece para sempre. Ele me
aproximará pela sua graça e pela misericórdia trará a minha justificação
94
DUNN, J. D. G. A teologia do Apóstolo Paulo. Tradução de Edwino Royer. São Paulo: Paulus, 2003, p. 396.
78
(MSHPTI). Ele me julgará na justiça da sua verdade e na grandeza da sua
bondade perdoará (YKIPPER) todos os meus pecados. Pela sua justiça ele
me lavará de toda a impureza do homem e dos pecados dos filhos dos
homens (Vermes).
95
Portanto, podemos vislumbrar três elementos no conceito de justiça de Deus, tanto
no Antigo quanto no Novo Testamento: dom, promessa e fidelidade, que no Apóstolo Paulo
assume um viés marcadamente cristológico, pois para Paulo, Deus é justo, mas também é
aquele que justifica todos os que têm fé em Cristo Jesus (Rm 3,26). Vemos, portanto, o
Apóstolo partir do conceito de justiça como cumprimento da lei (Rm 2,13), para em seguida,
aprofundar e romper com esta visão, ao elaborar a antítese obras da lei-fé em Jesus Cristo (Gl
2,16; Rm 3,20. 21-24).
É por essa linha que seguem os apontamentos de Bauer (2000), ao perceber que na
esteira da tradição cristã anterior e da linguagem veterotestamentária e judaica, a justiça de
Deus em Rm 1,17; 3.21-26 assume um sentido teológico-soteriológico, acompanhado pelo
conceito da fé em Jesus Cristo. Em suas palavras:
A justiça de Deus, revelada no Evangelho, efetua assim o perdão dos
pecados, a paz com Deus, a reconciliação; ela mostra ser idêntica ao seu
‘amor’, mediado e experimentado por obra do Espírito Santo que é dado à
quem crê (Rm 5,5) e esta justiça de Deus leva finalmente ao domínio
universal da ‘graça’, destruindo o mortal império do pecado (5,21). Com
isto, os que crêem são chamados a seguir a justiça, em sua vida, serviço este
em que se manifesta e se comprova a ‘liberdade’ alcançada em Cristo (6,18-
20). A atuação da justiça divina em Jesus Cristo funda assim, para os que
95
DUNN, J. D. G. A teologia do Apóstolo Paulo. Op. cit. p. 396.
79
crêem, uma ética da obediência, que se expressa de maneira abrangente pelo
‘oferecimento de seus corpos’ (12,1-2) e pelo mandamento do amor ao
próximo (13,8-10).
96
3. A justificação sob a ótica paulina
A esta altura é importante ressaltarmos, com relação aos elementos postos sobre o
significado de justiça de Deus, alguns aspectos muito importantes: Paulo seguiu de perto a
doutrina da justificação veterotestamentária, para a qual, justificação é uma prerrogativa
eminentemente divina. Só Deus poderia justificar, porque somente Ele consiste na verdade.
Segundo o Apóstolo: “Deus é veraz enquanto todo homem é mentiroso” (Rm 3,4) e, ainda,
citando a LXX (Sl 50,6): “para que sejas justificado nas tuas palavras e triunfes quando fores
julgado”.
A condição de justo, do homem, vem de Deus. O seu direito é o direito de Deus.
De acordo com Bauer (2000): “Em litígio contra Deus, o homem só encontra seu direito, se
vier da parte de Deus; para isso ele tem de reconhecer o direito de Deus, a prova de sua
verdade. É esta a afirmação básica da doutrina da justificação no Antigo Testamento”.
97
Existem outros momentos, nos quais percebemos a compreensão do Antigo
Testamento na teologia paulina, quando para afirmar que “não há justo, nenhum sequer”.
Paulo cita o Sl 14,1 ao lado de Rm 3,10. E, da mesma forma, Rm 3,20 que é acompanhado do
Sl 143,2. Em síntese, Paulo está de acordo com a religião de seus pais, quando a acolhe como
religião da graça. No entanto, dá um passo mais adiante, como foi dito, ao aprofundar a
teologia da justificação, sob uma perspectiva cristológica.
96
BAUER, J. B. Dicionário bíblico-teológico. Tradução de Fredericus Antonius Stein. São Paulo: Loyola, 2000,
p. 225.
97
Ibidem, p. 226.
80
3.1. Justificação e batismo
Além da influência da herança judaica, por meio da qual Paulo foi inspirado nos
fundamentos de sua teologia da justificação, o Apóstolo também se inspirou na compreensão
de justificação professada pela Igreja primitiva presente, especialmente, na teologia do
batismo. Nela, a justificação é vista como a graça de Deus ao pecador, dada mediante o
batismo, por meio do perdão dos pecados. Em 1Cor 6,11 Paulo disse que “fomos lavados e
justificados em nome de Cristo Jesus”. Sobre o assunto Bauer (2000), acrescenta que:
“justificação (ser tornado justo) é o dom de Deus ao pecador; esse dom é dado no batismo,
isto é, baseia-se na relação com Jesus Cristo, e é operado pelo Espírito Santo”.
98
Mediante tais fatos, Bauer (2000) chama a nossa atenção para a Carta aos
Romanos como aquela na qual aparece a ligação feita pela tradição cristã anterior a Paulo,
entre justificação e batismo: “justificação é a libertação do domínio do pecado; seu
fundamento é Jesus Cristo, isto é, sua morte e ressurreição. E, por conseguinte, o batismo
como assimilação sacramental à sua morte (6,5)”.
99
Na interpretação cristã antiga, a base da justificação está no sacrifício redentor de
Cristo. Na morte vicária de Cristo fomos justificados e tivemos acesso à graça. A justiça dada
por Deus, que opera como perdão dos pecados, tem sua base na morte de Cristo, caracterizada
pela palavra expiação, que vem do contexto cultual do Antigo Testamento (Lv 16,14-15; cf
Hb 2, 17; 9,5). É sob esta ótica que Paulo se expressou ao dizer: “Deus o expôs como
instrumento de propiciação, por seu próprio sangue, mediante a fé” (Rm 3,25).
98
BAUER, J. B. Dicionário bíblico-teológico. Op. cit. p. 226.
99
Ibidem, p. 226.
81
3.2. Justificação em Gálatas
O tema da justificação que aparece em Gl 5,4-6 surge pela primeira vez no
Capítulo 2, no contexto da Assembléia de Jerusalém, marcadamente tensa na qual Paulo
chamou seus inimigos de falsos e intrusos espiões (Gl 2,4). É nesse momento que o Apóstolo
resumiu o seu pensamento, ao afirmar: “sabemos, entretanto que o homem não se justifica
pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo” (Gl 2,16).
Outro dado a ser observado no Capítulo 2 é que, em apenas um único versículo,
(v. 16) o Apóstolo repete, por quatro vezes, o verbo justificar, afirmando acirradamente a sua
posição diante dos inimigos, o que se explica pela situação de conflito e provocação daquele
momento.
O fato é que toda vez que Paulo, na Carta aos Gálatas, sai em defesa da doutrina
da justificação, esta é posta como antítese em relação às obras da lei, colocando-se assim o
centro da discussão na lei mosaica. Podemos resumir a questão na pergunta: os cristãos são
obrigados, pela sua fé, a validar a lei mosaica e, por conseguinte, estão obrigados a cumpri-la?
Dizendo de outro modo: como cristão, para ser considerado ou reconhecido membro da
comunidade dos fiéis seguidores de Jesus, é preciso observar a Torá, tornando-se antes judeu,
para ser justificado e adquirir a salvação? Esta é a questão que marca e envolve o debate de
Paulo com os judaizantes, cujo foco é o tema da justificação.
A pergunta feita anteriormente revela o conteúdo em torno do qual desenrolou-se
a discussão da justificação na Carta aos Gálatas. Os judaizantes ligam a observância da lei
como caminho para se obter a salvação e, nesta defesa, por parte dos judeu-cristãos, toda a lei
mosaica, especialmente o mandamento da circuncisão, revestia-se de grande importância.
Embora alguns críticos modernos coloquem que a circuncisão, em Gálatas, não teria status de
caminho de salvação, mas apenas de perfeição cristã, a verdade é que a maioria compreende,
82
de fato, aquilo que se observa em Gálatas: a necessidade da lei mosaica, especialmente, da
circuncisão, como atestado de pertença ao povo eleito. Assim é que compreenderam os
leitores antigos dessa carta, tanto latinos quanto gregos.
Paulo disse com veemência e sem medo, que alguns procuravam corromper o
Evangelho de Cristo (Gl 1,7), que se apoiavam e mantinham sua fé não no Espírito, mas nas
obras da lei (Gl 3,2) obrigando os gálatas a seguirem o judaísmo (Gl 6,12). Aceitando o
discurso dos judaizantes, estavam os gálatas retrocedendo no caminho da maturidade da fé
como cristãos (Gl 4,8). Ballarini (1974) resume, de modo claro e simples, tal situação:
Verdade é que os gálatas pensam poder conservar a sua fé em Cristo, mas
Paulo demonstra que a sua atitude implica - sem que eles o percebam - em
que Cristo deixa de ser, para eles, o único redentor, o único por meio do qual
o homem seja ele gentio ou judeu, pode ser salvo (At. 4,12).
100
Daí o questionamento do Apóstolo: Se vocês receberam o Evangelho como dom
do Espírito, na gratuidade de Deus, por que desejam voltar às obras da lei?
Obras da lei que, na Carta aos Gálatas, é sempre oportuno repetirmos, significa
procurar no velho caminho da lei mosaica, o caminho da salvação, desconsiderando o novo
caminho da salvação em Jesus Cristo.
No que diz respeito aos gentios, este é o sentido típico de obras da lei, já que
também é tipicamente paulina a relação estabelecida entre obras e lei; somente em Gálatas a
expressão se repete por seis vezes. Isto aponta para o fato de que, a lei que deveria ser a
expressão do amor de Deus misericordioso na aliança tornou-se, para os judaizantes, a própria
aliança, e como sabemos, a lei era um aspecto da aliança. Na opinião de Giavini (1987): “a lei
100
BALLARINI, T. Introdução à Bíblia. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1974, p. 410.
83
passou a significar um instrumento atuante no processo de amadurecimento histórico da
salvação”.
101
A esta defesa dos judaizantes, privilegiando as obras da lei como caminho
excelente de salvação, deixando de lado os gentios, Paulo respondeu com a justificação pela
fé em Jesus Cristo. Primeiro, recordando que, verdadeiramente, é o caminho da fé a
justificação de todo homem. Assim foi com Abraão (Gn 15,6). Paulo cita Hababuc, ao dizer:
“o justo viverá por sua fidelidade” (Hb 2,4b), fazendo da fé o fundamento escriturístico de sua
doutrina da justificação.
Em segundo lugar, esta fé é a fé no filho de Deus que pela redenção, realiza
plenamente a promessa do Pai, tornando-se o único caminho através do qual devemos ser
salvos.
Paulo deixou claro que, ao se enredarem nas obras da lei, os judaizantes, para
dizer o mínimo, relativizavam o papel de Cristo na história da salvação, coisa que para um
cristão representaria uma contradição de per si, pois Cristo, neste modo de entender, não teria
passado de um mero cumpridor da lei; daí compreendermos toda a força e o peso da sua
antítese fé em Cristo – obras da lei.
Ainda, o Apóstolo ligou, claramente, a fé ao ato redentor de Cristo, como ato
salvífico do Pai para a humanidade. A fé em Cristo Jesus seria a fé no Deus que salva. Esta
verdade, para Paulo, significava a base da justificação. De modo claro, Bauer (2000), assim
resumiu tal visão:
A razão disso é o modo como ele entende a Deus, indissoluvelmente ligado à
sua fé em Jesus Cristo. Em Jesus Cristo, Deus se revelou como o Deus que
se mantém fiel às promessas feitas aos patriarcas e, na soberania que lhe
101
GIAVINI, G. Gálatas: liberdade e lei na igreja. Tradução de José Maria de Almeida. São Paulo: Loyola,
1987, p. 281.
84
compete como Deus único de judeus e gentio (Rm 3,29s), as torna realidade,
desde já e ‘sem a lei’ (Rm 3,21), isto é, livre da estreita interpretação judaica
da lei, que antes impede a vontade salvífica universal de Deus do que a
medeia, pondo-se à sua disposição.
102
É importante ressaltarmos, na complexa discussão do sentido da lei em Paulo que,
de um modo geral, o Apóstolo não a rejeitou completamente, tendo sob certo aspecto, uma
acolhida para com a lei. Em sua afirmação: “toda a lei está contida numa só palavra; amarás a
teu próximo como a ti mesmo” (Gl 5, 14). Em Romanos, afirmou o seguinte: “de fato, os
preceitos: não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e todos os outros
se resumem nessa sentença: amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Rm 13,9). Na verdade,
Paulo considera a Lei desnecessária na admissão dos gentios ao cristianismo, o que significa
dizer que a justificação não se dá pelas obras.
Assim, sempre que Paulo se contrapõe aos missionários cristãos com o discurso
sobre as obras da lei, não pretende condenar o judaísmo, mas como afirma Sanders (1990),
“refutar a opinião de que os gentios devem aceitar a lei como condição ou como exigência
básica para a sua entrada no cristianismo”.
103
Mais adiante esclarece o referido autor: “o argumento de Paulo não é em favor da
fé nem contra as obras propriamente. É muito mais particular: é contrária a que se exija dos
gentios a observância da lei mosaica para poderem ser verdadeiros filhos de Abraão”.
104
Por sua vez, Cothenet (1984) escreve o seguinte: “A tese paulina relativa à
escravidão, sob a lei, não se pode compreender, senão em razão de sua descoberta do Cristo,
102
BAUER, J. B. Dicionário bíblico-teológico. Tradução de Fredericus Antonius Stein. São Paulo: Loyola,
2000, p. 227.
103
SANDERS, P. Paulo, a lei e o povo judeu. Tradução de José Raimundo Vidigal. São Paulo: Paulinas, 1990,
p. 31.
104
Ibidem, p. 31.
85
único salvador, e da urgência da missão: seria errôneo utilizá-la sem matizes, a fim de prestar
contas da experiência religiosa do judaísmo”.
105
3.3. Justificação e liberdade
Outra idéia que aparece em Gálatas, defendida pelo Apóstolo com muita paixão, é
a dimensão da justificação como liberdade, que segundo Paulo, é estendida aos pagãos. Pelo
sacrifício redentor de Cristo, aqueles que estavam longe sem Deus, seriam incorporados ao
povo de Deus e, passariam a ter acesso, pela justificação, à liberdade dos filhos de Deus. A
posição dos judaizantes era excludente, porque com a defesa das obras da lei, deixavam de
fora aqueles que não as praticavam. Segundo Käsemann (2003) comenta:
[...] o seu senhor, ao contrário dos fariseus, dos zelotes e da comunidade de
Qumrã, não quis tornar as pessoas mais piedosas: ele foi ao encontro dos
publicanos e pecadores isto é do mundo sem Deus. Os piedosos em geral
ficaram contra ele e, se é verdade o que narram os evangelhos, acabaram por
levá-lo à cruz.
106
Isto, com certeza, é válido para Paulo, na medida em que este levou o Evangelho
ao encontro dos sem lei, dos afastados do povo de Deus. Nesse sentido, com a sua doutrina da
justificação, Paulo acabou produzindo uma teologia de inclusão, pois o Deus de Paulo, Pai de
Jesus Cristo tornou-se o “Deus dos que estão longe de Deus”.
Inspirados na perspectiva de Käsemann (2003), devemos compreender que a
morte e a ressurreição de um escravo sobre a cruz (Fl 2,8) representa a morte e a ressurreição
105
COTHENET, E. A epístola aos gálatas. Tradução de Monjas Dominicanas. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 80.
106
KÄSEMANN, E. Perspectivas paulinas. 2ª ed. São Paulo: Teológica, 2003, p. 120.
86
de todo escravo, de todo aquele que vive sob o peso asfixiante de alguma forma de
escravidão, seja espiritual, social, política ou econômica. Assim, na cruz de Cristo, todos,
especialmente os pecadores, são arrancados do domínio da escravidão para viver o dom da
verdadeira liberdade. Dessa maneira, Paulo intuiu que a morte de Cristo na cruz implica na
ação de Deus, cuja justiça se dá em favor dos deserdados, dos afastados de Deus. A cruz de
Cristo é a aniquilação de toda forma de separação e exclusão, como bem diz Elliott (1998): “a
doutrina de Paulo sobre a cruz é, portanto, doutrina da justiça e parcialidade de Deus para
com os oprimidos”.
107
3.3.1. Da carne à liberdade
Depois de lembrar aos irmãos o chamado de Deus à liberdade (Gl 5,13a),
retomando Gl 5,1, o Apóstolo seguiu desenvolvendo e aprofundando a temática da liberdade
em Gl 5,13b, na medida em que, lançando mão da partícula negativa “não”, opôs liberdade à
carne, aproximando-a da caridade.
Vimos, anteriormente, que a liberdade flui como um dom de Deus, que para nós
foi concedido no ato salvífico e amoroso de Cristo. Ora, se a liberdade é, em última instância,
um ato de amor do filho para conosco, acreditamos que não haja outro meio de se viver a
verdadeira liberdade, senão como um dom. A resposta de todo homem livre deve ser amorosa
e fraterna, como o foi a do Filho ao Pai, e deste para com a humanidade. É por isso, que
tratando do tema liberdade, Paulo, nos lembra que o coração da lei é o mandamento do amor:
“pois toda lei está contida numa só palavra: amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gl
5,14). Nesse sentido, a raiz da liberdade verdadeira se encontraria no amor, ou dizendo de
107
ELLIOT, N. Libertando Paulo. Tradução de João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 1998, p. 185.
87
outro modo, o exercício da liberdade paulina tenderia sempre a desembocar no amor e no
serviço.
Podemos compreender então que, para o Apóstolo, a vivência da liberdade-
caridade consiste no apelo constante de superação das obras da carne, no sentido de
fragilidade, de debilidade do homem e, sobretudo, a sua estreita solidariedade com o pecado,
ou seja, “comportamo-nos no mundo, e mais particularmente em relação a vós, com a
simplicidade e a pureza que vem de Deus, não com a sabedoria carnal, mas pela graça de
Deus” (2 Cor 1,12). É nesse sentido que, Paulo usando uma forma antitética, convocou, na
sua Carta aos Romanos, os cristãos a usarem seus membros não a serviço da escravidão, mas
a serviço da justiça, para a santificação (Rm 6,19).
3.3.2. Da liberdade como servidão
É importante notarmos que Paulo acabou produzindo no Capítulo 5 um
desenvolvimento teológico, especificamente no que diz respeito ao substantivo escravo. Em
Gl 5,1 o substantivo escravidão aparece em flagrante antítese com o substantivo liberdade.
Nesse contexto, a servidão é posta como um elemento extremamente negativo, pois significa a
servidão das obras da lei, renunciando, ao mesmo tempo, a liberdade dada por Cristo.
Liberdade e servidão não se tocam; servir a uma é renunciar à outra.
Em Gl 5,13b vemos, ao contrário, Paulo de forma paradoxal, fazendo uma
aproximação entre o substantivo liberdade e o verbo servir, no imperativo, que passa a ter um
significado positivo. A servidão não é uma resposta afirmativa à carne, mas é, sobretudo, estar
a serviço uns dos outros. Aliás, não nos esqueçamos que, logo no princípio da Carta, Paulo
apresentou-se como escravo, servo de Cristo (Gl 1,10). Ademais, como recorda Cothenet
(1984), Paulo tinha em mente o significado do verbo abad do Antigo Testamento, que
88
significa servir. Em suas palavras: “a noção de serviço conota tanto a dependência absoluta
em relação ao Senhor, quanto à obrigação de consagrar toda a sua atividade a seu serviço”.
108
3.3.3. Da liberdade como fruto do espírito
No desenvolvimento que se segue, especificamente na perícope de Gl 5,16-25, o
tema dominante é de que maneira deveríamos nos deixar conduzir pelo Espírito. Como nos
tópicos precedentes, o vemos intimamente ligado à Gl 5,1 agora sob o enfoque Espírito-
liberdade.
De qualquer modo, Paulo continuou aprofundando o dom da liberdade por ele
proclamada no início do capítulo. Sua tentativa foi a de responder o que seria, propriamente,
viver na liberdade dada pelo Espírito.
Antes de tudo, Paulo compreendia o seu Evangelho como Evangelho da
Liberdade, sendo que a presença do Espírito atestaria esse dom recebido, pois segundo o
Apóstolo: “o Senhor é o Espírito e, onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade” (2Cor.
3,17). Por isso mesmo, Paulo insistiu junto aos gálatas, que a liberdade adquirida não se daria
mediante a letra da lei, mas pela experiência no Espírito, que os havia arrancado da escravidão
para conduzi-los à graça. Acrescenta o Apóstolo: “e porque sois filhos, enviou Deus aos
nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abba, Pai!”(Gl 4,6). Portanto, uma vez
dotados do Espírito, os gálatas deveriam viver sua conduta pautada pelo Espírito.
Segundo Schnelle (1999): “no Espírito, eles são filhos de Deus e, assim os
verdadeiros herdeiros (Gl 4,6s, 3,26); no Espírito aguardam o produto da esperança da justiça
(Gl 5,5) e, por viverem no Espírito, eles também andam no Espírito e realizam os frutos do
Espírito (Gl 5, 22)”.
109
108
COTHENET, E. A epístola aos gálatas. Tradução de Monjas Dominicanas. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 81.
109
SCHNELLE, U. A evolução do pensamento Paulino. São Paulo: Loyola, 1999, p. 64.
89
Em Gl 5,19-23, o Apóstolo passou a definir, por meio de uma lista de vícios e
virtudes, o que seria concretamente viver uma vida segundo a liberdade no Espírito, e o que
seria levar uma conduta sem a presença do Espírito. Se bem notarmos, Paulo tentou explicar
de maneira diversa o significado de viver, na prática, o resumo da grande lei, da lei do amor.
Devemos atentar para o fato de que a maioria dirige-se contra a comunidade. Com isso, o
Apóstolo queria, talvez afirmar que somente na comunidade seria possível comprovar a vida
autêntica da verdadeira fé e liberdade.
A seguir, Paulo passou a descrever o que seria o fruto do Espírito: “amor, alegria,
paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio” (Gl 5,22).
Essa seria a nova lei, aquela que passaria a reger toda a comunidade dos fiéis, aquela que não
aponta para um catálogo ou manual de erros e acertos, mas que exige dos fiéis uma resposta
criativa e responsável para se viver a liberdade no meio dos irmãos. Disso resultaria o
seguinte: se o Espírito é liberdade e os seus frutos são estes mencionados pelo Apóstolo,
conclui-se, evidentemente, que o critério para que se pudesse dizer que o fiel e, por
conseguinte, a comunidade, viviam a verdadeira liberdade seria, sem dúvida, o esforço de
viver o amor, a alegria, a paz e todos os frutos advindos do Espírito.
Sem dúvida, a linha argumentativa de Paulo para com os gálatas foi a de recordar-
lhes que a liberdade ora possuída por eles era fruto da experiência do Espírito. O Espírito era
o responsável por torná-los filhos da liberdade, de modo que “tudo dependeria de conseguir a
liberdade fundamentada no evento crístico, oferecida na doação pneumática e corroborada
pela escritura, e não convertida em seu contrário pela observação da Torá”.
110
O Espírito seria contrário à lei, porque teria possibilitado aos gálatas, mediante a
fé, serem alcançados pela salvação. No Espírito, os gálatas que antes eram mantidos distantes
da salvação e longe do número dos eleitos, poderiam participar, igualmente, da grande família
110
SCHNELLE, U. A evolução do pensamento Paulino. Op. cit. p. 67.
90
dos filhos de Deus. Por isso, para Schnelle (1999), a antítese que determina a Carta aos
Gálatas não seria outra senão Espírito-lei. Em suas palavras:
As múltiplas chamadas da crítica paulina à lei em Gl recebem sua unidade e
marca decisivas apenas da pneumatologia! Pelo dom do espírito torna-se
desnecessária e, ao mesmo tempo, impossível a submissão à lei (Gl 5,18).
Visto que os cristãos não receberam o decisivo dom da salvação do espírito
pelas obras da lei, mas tão somente pela mensagem da fé (Gl 3,2. 5), deixam
de fazer sentido a circuncisão e a observância do calendário, pois estas
convertem, novamente, em seu contrário, a liberdade conferida no
pneuma.
111
3.3.4. Liberdade e lei de Cristo
No Capítulo 6, Paulo seguiu aprofundando o sentido de liberdade posto em Gl
5,13 no qual a liberdade é estar a serviço uns dos outros. Por mais de uma vez, o Apóstolo
disse que o cristão livre é aquele que a exemplo de seu Mestre, faz da sua vida um caminho de
solidariedade e serviço. Nesse capítulo, Paulo reforçou ainda mais que o “exercício da
liberdade desabrocha na ajuda mútua”.
112
Por meio de exortações como: “carregai o peso uns dos outros” (Gl 6,2), da
exortação para que “aquele que está sendo instruído na palavra partilhe seus bens com aquele
que o instrui” (Gl 6,6), do conselho para que não desanimemos na prática do bem (Gl 6,9), ou
mesmo, do bem que devemos ter “para com todos” (Gl 6,10), o Apóstolo insiste em que a
liberdade não implica na busca dos próprios interesses, mas, necessariamente, em testemunhar
o amor de Cristo no meio da comunidade humana (Rm 12,17).
111
SCHNELLE, U. A evolução do pensamento Paulino. Op. cit. p. 64.
112
COTHENET, E. A epístola aos gálatas. Tradução de Monjas Dominicanas. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 81.
91
Paulo que até agora tinha dado à lei um sentido negativo e que tanto a combatera,
passa a usar a expressão “lei de Cristo”. Evidentemente, o Apóstolo compreendeu, nessa
expressão, a lei não como uma lista de preceitos, como havia se transformado a lei mosaica
para os judaizantes, mas como o ideal de amor vivido e proposto por Jesus, sintetizado na
crucificação e na ressurreição. Mais ainda, a liberdade alcançada por essa nova criatura seria
estendida não a um indivíduo ou a um pequeno grupo, mas a todo aquele que, pela fé,
participasse da vida em Cristo, tanto no sofrimento, quanto na alegria. Por isso, como resposta
aos judaizantes, Paulo não poderia encerrar sua Carta com frase mais certeira e completa:
“Ademais, nem a circuncisão é alguma coisa, nem a incircuncisão, mas a nova criatura” (Gl
6.15).
92
CONCLUSÃO
1. Lições e provocações de Gálatas
Há uma importante lição, profundamente atual, no discurso teológico de Paulo
presente na Carta aos Gálatas, sobretudo no que tange à liturgia, ou seja, ao nosso modo de
celebrar a fé.
Acreditamos que Paulo não teve a pretensão de desenvolver ou enquadrar o
comportamento dos fiéis, muito menos impor um sistema novo a fim de ordenar aos neo-
convertidos regras de como viver a fé, além de algumas orientações gerais. Não teve também
a intenção de criar qualquer código disciplinar, tampouco inventar uma cartilha de como
deveria agir o novo crente. Ao contrário, esperava que cada comunidade encontrasse a forma
de viver criativamente o Evangelho, fundado, sobretudo, na lei maior do amor.
A questão que se coloca é se, por medo do relativismo e de outros males advindos
da modernidade, não impedimos o florescimento da criatividade nas nossas celebrações? Não
engessamos nossa vida de fé num formalismo religioso maior talvez, do que aquele que o
Apóstolo combateu em sua Carta, quando introduzimos em nossos documentos pequenas e
incontáveis regras litúrgicas, e até mesmo o modo de como os cristãos devem se aproximar da
Eucaristia? Não acabamos por suprimir um culto alegre e sincero que expresse honestamente
o sentido maior de estarmos reunidos? Quando determinamos que até mesmo a indicação de
um ministro da eucaristia deve passar pelo do crivo do bispo local, não anulamos a
capacidade da Assembléia de viver maduramente a fé e de tomar decisões?
93
2. Liberdade e modernidade
Outra importante discussão encontra-se exatamente no sentido do que representa a
verdadeira liberdade. Como notamos repetidamente na Carta aos Gálatas, a liberdade é, antes
de tudo, um dom que nos leva, pelo Espírito, a reconhecer a condição de filhos de Deus
revelada no amor e na entrega livre e obediente do Filho na cruz. A marca dessa liberdade é,
portanto, a vivência autêntica do serviço mútuo na comunidade. Ser livre, nesse caso não é
fazer o que queremos, mas colocar-nos constantemente na defesa da vida e da esperança. É
promover o bem superando toda forma de egoísmo.
Por isso perguntamos: Esse sentido paulino de liberdade não escapa ou é ignorado
pelo homem do nosso tempo? Não promovemos uma concepção excessivamente
individualista de liberdade? Desconhecendo a liberdade como dom do alto, não abrimos
espaço para toda forma de auto-suficiência, de autoritarismos e de exagerada confiança na
força do homem? Acaso estaríamos sendo anacrônicos ao afirmar que o entendimento de
liberdade para o homem de hoje está indissociavelmente ligado ao seu poder econômico,
imaginando que, quanto mais temos, mais livre somos?
3. A lei
Na defesa da fé em Jesus Cristo contra o discurso dos judaizantes, Paulo acabou
criando uma teologia libertadora. Os gentios, que para o Apóstolo não precisavam se judaizar,
foram alcançados pela salvação na medida em que passaram a acreditar em Jesus Cristo e na
sua eficácia redentora realizada na cruz. Os judaizantes, ao contrário, ainda que cristãos,
colocavam a Lei como pedra de toque de salvação, como conjunto de normas irrefutáveis que
94
deveria guiar todo homem. Faziam da Lei a esperança última e única de salvação para toda
criatura humana.
Paulo desconfiava da Lei como princípio básico e universalmente válido para tudo
e todos. Tal postura dialética do Apóstolo não deveria ser um princípio válido com relação a
toda espécie de lei? Especialmente àquelas tradicionalmente sedimentadas e que não mais
contribuem ao desenvolvimento humano? Esse posicionamento paulino não seria
extremamente atual na medida em que acabou lançando, por exemplo, um dramático
questionamento ao estado moderno burocrático que acaba criando uma intrincada teia de leis,
códigos, expulsando para longe os pobres, os novos gentios, que não têm como ter acesso aos
seus “serviços”? Essa provocação paulina não poderia ser dirigida especialmente ao Poder
Judiciário, tenha este um toque religioso ou não, que no dito Estado democrático de direito
legisla para os fortes em detrimento dos pequenos? Não teria se tornado o Estado moderno e
sua máquina de fazer leis um Estado de exclusão?
4. Ecumenismo
Na crítica de Paulo aos judaizantes, em nenhum momento o Apóstolo se erigiu em
julgador do judaísmo, tampouco teve a pretensão de revisar a religião de seus pais. Como
fizemos questão de sublinhar, Paulo carregou grande parte de sua herança judaica,
especialmente seu jeito de argumentar. Toda a mudança nele ocorrida só se deu em razão do
seu encontro com o ressuscitado em Damasco. Nesse sentido é sempre importante repetirmos
que a discussão travada por Paulo na Carta aos Gálatas teve a intenção de direcionar-se de
cristãos para cristãos e não de um cristão tentando desqualificar uma religião.
Sendo assim, nos perguntamos: Nesse momento em que Ocidente e Oriente são
varridos por uma onda violenta de todo tipo de proselitismo, Paulo não nos teria ensinado, a
95
partir de Gálatas, o valor fundamental da tolerância? Quando em nome de uma religião somos
até capazes de destroçar milhares de vidas inocentes, Paulo não teria provocado ao apresentar
a imagem de um Cristo que está em todos e que em vez de Senhor é servidor? Retomando e
proclamando ainda com mais força a centralidade do amor no coração de todo aquele que crê
não estaria o Apóstolo questionando profundamente a raivosa intolerância de algumas
religiões do mundo de hoje? A universalidade da salvação defendida por Paulo não seria, por
si só, uma crítica radical a toda forma de sectarismo?
5. Sobre o sentido da fé
Na Carta aos Gálatas, Paulo defendeu incansavelmente a fé no Deus de Jesus
Cristo como elemento central da vida do cristão e, porque não dizer, da vida de todo homem.
Nesse contexto, a fé representaria, de fato, a única e verdadeira dimensão capaz de provocar
uma autêntica e radical mudança no coração do homem, lançando-o num contínuo processo
de conversão e santificação. Isso significa dizermos que toda a atividade humana, política,
social, econômica deveria se deixar iluminar pela fé no Deus de Jesus Cristo, Deus que revela
na aliança seu amor incomensurável e sua misericórdia infinita, a partir da cruz de Cristo.
Contudo, a grande questão a ser posta é: Uma vez privatizando a fé, encarando-a
como uma questão meramente individualista, especialmente depois da revolução francesa, a
modernidade e, a pós-modernidade não teriam incorrido numa auto-ilusão, imaginando que o
tecno-cientificismo nos salvaria de todos os nossos males? Não seria esta a raiz da crise do
mundo contemporâneo, ao imaginar que a vida, sem a dimensão da fé, poderia ser tão
somente fruto da construção humana?
Nesse caso, a grande e mordente indagação feita pelo Apóstolo era: teria o homem
do nosso tempo compreendido em profundidade a fé no Deus de Jesus Cristo ao acusar que
96
esta mesma fé retira-lhe a liberdade de viver, aprisionando-lhe a capacidade de vir a ser? Não
seria justamente o oposto? A presença da divindade teria a capacidade de nos garantir uma
vida livre?
97
ANEXOS
Tradução da Carta aos Gálatas na íntegra
1.
1
1 au/loj avpo,stoloj ouvk avpV
avnqrw,pwn ouvPde. diV avnqrw,pou
avlla. dia. VIhsou/ Cristou/ kai. qeou/
patro.j tou/ evgei,rantoj auvto.n evk
nekrw/n(
Paulo apóstolo não da parte de seres
humanos nem mediante um homem mas
mediante Jesus cristo e Deus Pai que o
ressuscitou dentre (os) mortos,
2
kai. oi` su.n evmoi. pa,ntej avdelfoi. tai/j
evkklhsi,aij th/j Galati,aj(
e todos os irmãos (que estão) comigo às
igrejas da galácia,
3
ca,rij u`mi/n kai. eivrh,nh avpo. qeou/
patro.j h`mw/n kai. kuri,ou VIhsou/
Cristou/
Graça a vós e paz da parte de Deus Pai
nosso e (do) Senhor Jesus Cristo
4
ou/t do,ntoj e`auto.n u`pe.r tw/n
a`martiw/n h`mw/n( o[pwj evxe,lhtai
h`ma/j evk tou/ aivw/noj tou/ evnestw/toj
ponhrou/ kata. to. qe,lhma tou/ qeou/ kai.
patro.j h`mw/n(
O que deu a si mesmo pelos nossos
pecados, para que libertasse a nós do
presente século mau segundo a vontade
do Deus e Pai nosso,
5
w-| h` do,xa eivj tou.j aivw/naj tw/n
aivw,nwn( avmh,nÅ
a quem (seja dada) a glória pelos séculos
dos séculos, amém.
6
Qauma,zw o[ti ou[twj tace,wj
metati,qesqe avpo. tou/ kale,santoj u`ma/j
evn ca,riti ÎCristou/Ð eivj e[teron
euvagge,lion(
Admiro-me que assim depressa vos
desviais do que chamou a vós na graça
de Cristo para outro evangelho,
7
o] ouvk e;stin a;llo( eiv mh, tine,j eivsin
oi` tara,ssontej u`ma/j kai. qe,lontej
metastre,yai to. euvagge,lion tou/ Cristou/Å
Não que (haja) outro, exceto alguns
existem que estão agitando a vós e
querendo perverter o evangelho de
98
Cristo.
8
avlla. kai. eva.n h`mei/j h' a;ggeloj evx
ouvranou/ euvaggeli,zhtai Îu`mi/nÐ parV
o] euvhggelisa,meqa u`mi/n( avna,qema
e;stwÅ
Mas mesmo se nós ou (um) anjo do céu
anunciasse um evangelho além do que
(já) anunciamos a vós, anátema seja.
9
w`j proeirh,kamen kai. a;rti pa,lin le,gw\
ei; tij u`ma/j euvaggeli,zetai parV o]
parela,bete( avna,qema e;stwÅ
Como previamente dissemos a vós
anátema seja. Como previamente
dissemos e agora novamente digo se
alguém a vós anuncia um evangelho
além do que recebestes, anátema seja.
10
:Arti ga.r avnqrw,pouj pei,qw h' to.n
qeo,nÈ h' zhtw/ avnqrw,poij avre,skeinÈ
eiv e;ti avnqrw,poij h;reskon( Cristou/
dou/loj ouvk a'n h;mhnÅ
Agora pois (a) pessoas persuado ou a
Deus? ou procuro a pessoas agradar? Se
ainda a pessoas estivesse agradando, de
Cristo servo não seria.
11
Gnwri,zw ga.r u`mi/n( avdelfoi,( to.
euvagge,lion to. euvaggelisqe.n u`pV
evmou/ o[ti ouvk e;stin kata. a;nqrwpon\
Dou a conhecer pois a vós, irmãos, que o
evangelho anunciado por mim não é
segundo ser humano.
12
ouvde. ga.r evgw. para. avnqrw,pou
pare,labon auvto. ou;te evdida,cqhn avlla.
diV avpokalu,yewj VIhsou/ Cristou/Å
nem pois eu da parte de ser humano recebi nem
fui ensinado mas mediante revelação de Jesus
Cristo
13
VHkou,sate ga.r th.n evmh.n
avnastrofh,n pote evn tw/| VIoudai?smw/|(
o[ti kaqV u`perbolh.n evdi,wkon th.n
evkklhsi,an tou/ qeou/ kai. evpo,rqoun
auvth,n(
Ouvistes pois a minha conduta outrora no
judaismo, que com excesso perseguia a
igreja de Deus e devastava a mesma
14
kai. proe,kopton evn tw/| VIoudai?smw/|
u`pe.r pollou.j sunhlikiw,taj evn tw/| ge,nei
mou( perissote,rwj zhlwth.j u`pa,rcwn tw/n
patrikw/n mou parado,sewnÅ
e progredia no judaismo mais do que
muitos contemporâneos (da) minha raça,
muito mais zeloso sendo (que) meus
ancestrais pelas tradições.
15
{Ote de. euvdo,khsen Îo` qeo.jÐ o`
avfori,saj me evk koili,aj mhtro,j mou kai.
kale,saj dia. th/j ca,ritoj auvtou/
Quando porém houve por bem [Deus] o
que separou a mim desde o ventre de
minha mãe e (me) chamou por sua graça
(aprouve)
99
16
avpokalu,yai to.n ui`o.n auvtou/ evn
evmoi,( i[na euvaggeli,zwmai auvto.n evn
toi/j e;qnesin( euvqe,wj ouv prosaneqe,mhn
sarki. kai. ai[mati
revelar o seu filho em mim, para que (eu)
pregasse o mesmo entre os gentios,
imediatamente não consultei carne e
sangue
17
ouvde. avnh/lqon eivj ~Ieroso,luma pro.j
tou.j pro. evmou/ avposto,louj( avlla.
avph/lqon eivj VArabi,an kai. pa,lin
u`pe,streya eivj Damasko,nÅ
nem subi a Jerusalém para junto dos (que
eram) apóstolos antes de mim, mas parti
para (a) Arábia e novamente retornei a
damasco.
18
:Epeita meta. e;th tri,a avnh/lqon eivj
~Ieroso,luma i`storh/sai Khfa/n kai.
evpe,meina pro.j auvto.n h`me,raj
dekape,nte(
Em seguida depois de três anos subi a
Jerusalém para visitar Cefas e permaneci
junto a ele quinze dias,
19
e[teron de. tw/n avposto,lwn ouvk
ei=don eiv mh. VIa,kwbon to.n avdelfo.n
tou/ kuri,ouÅ
mas outro apóstolo não vi exceto Tiago o
irmão do Senhor.
20
a] de. gra,fw u`mi/n( ivdou. evnw,pion
tou/ qeou/ o[ti ouv yeu,domaiÅ
As coisas que escrevo a vós, eis perante
Deus que não minto.
21
:Epeita h=lqon eivj ta. kli,mata th/j
Suri,aj kai. th/j Kiliki,aj\
em seguida fui para as regiões da Síria e
da Cílicia
22
h;mhn de. avgnoou,menoj tw/|
prosw,pw| tai/j evkklhsi,aij th/j VIoudai,aj
tai/j evn Cristw/|Å
era desconhecido de rosto às igrejas da
Judéia ( que estão) em Cristo
23
mo,non de. avkou,ontej h=san o[ti o`
diw,kwn h`ma/j pote nu/n euvaggeli,zetai
th.n pi,stin h[n pote evpo,rqei(
mas estavam somente ouvindo: o que
perseguia a nós outrora agora anuncia a
fé que outrora devastava,
24
kai. evdo,xazon evn evmoi. to.n qeo,nÅ e glorificavam em mim a Deus
2
1 :Epeita dia. dekatessa,rwn evtw/n pa,lin
avne,bhn eivj ~Ieroso,luma meta.
Barnaba/ sumparalabw.n kai. Ti,ton\
Em seguida depois de catorze anos subi
novamente a Jerusalémcom Barnabe
levando junto também Tito
100
2
avne,bhn de. kata. avpoka,luyin\ kai.
avneqe,mhn auvtoi/j to. euvagge,lion o]
khru,ssw evn toi/j e;qnesin( katV ivdi,an
de. toi/j dokou/sin( mh, pwj eivj keno.n
tre,cw h' e;dramonÅ
Subi segundo revelação e apresentei a eles
o evangelho que proclamo entre os
gentios, e em particular aos notáveis, para
que de algum modo em vão não tenha
corrido ou corra.
3
avllV ouvde. Ti,toj o` su.n evmoi,(
{Ellhn w;n( hvnagka,sqh peritmhqh/nai\
Mas nem Tito ( que estava) comigo, sendo
grego, foi obrigado a ser circuncidado.
4
dia. de. tou.j pareisa,ktouj
yeudade,lfouj( oi[tinej pareish/lqon
kataskoph/sai th.n evleuqeri,an h`mw/n
h]n e;comen evn Cristw/| VIhsou/( i[na
h`ma/j katadoulw,sousin(
Mas por causa dos intrusos falsos irmãos,
os quais se infiltraram para espionar a
liberdade que temos em Cristo Jesus, para
que a nós escravizassem
5
oi-j ouvde. pro.j w[ran ei;xamen th/|
u`potagh/|( i[na h` avlh,qeia tou/
euvaggeli,ou diamei,nh| pro.j u`ma/jÅ
Aos quais nem por (uma) hora cedemos
em submissão, para que a verdade do
evangelho permanecesse para vós.
6
VApo. de. tw/n dokou,ntwn ei=nai, ti(&
o`poi/oi, pote h=san ouvde,n moi
diafe,rei\ pro,swpon Îo`Ð qeo.j
avnqrw,pou ouv lamba,nei& evmoi. ga.r
oi` dokou/ntej ouvde.n prosane,qento(
e os que pareciam ser algo, quais então
eram a mim não importa; Deus das
pessoas não aceita (a) aparência a mim
pois os notáveis nada acrescentaram
7
avlla. touvnanti,on ivdo,ntej o[ti
pepi,steumai to. euvagge,lion th/j
avkrobusti,aj kaqw.j Pe,troj th/j
peritomh/j(
Mas pelo contrário vendo (eles) que me
foi confiado o evangelho da incircuncisão
como a Pedro da circuncisão,
8
o` ga.r evnergh,saj Pe,trw| eivj
avpostolh.n th/j peritomh/j evnh,rghsen
kai. evmoi. eivj ta. e;qnh(
o que agiu pois em Pedro para (o)
apostolado da circuncisão agiu também
em mim para os gentios,
9
kai. gno,ntej th.n ca,rin th.n doqei/sa,n
moi( VIa,kwboj kai. Khfa/j kai.
VIwa,nnhj( oi` dokou/ntej stu/loi ei=nai(
dexia.j e;dwkan evmoi. kai. Barnaba/|
koinwni,aj( i[na h`mei/j eivj ta. e;qnh(
auvtoi. de. eivj th.n peritomh,n\
E conhecendo eles a graça que foi dada a
mim, Tiago e Cefas e João os que
pareciam ser colunas, as mãos direitas da
comunhão deram a mim e Barnabé para
que nós ( fossemos) para os gentios, e
eles para a circuncisão
101
10
mo,non tw/n ptwcw/n i[na
mnhmoneu,wmen( o] kai. evspou,dasa
auvto. tou/to poih/saiÅ
Somente dos pobres ( é) que nos
lembrassemos o que também me esforcei
por isso mesmo fazer
11
{Ote de. h=lqen Khfa/j eivj
VAntio,ceian( kata. pro,swpon auvtw/|
avnte,sthn( o[ti kategnwsme,noj h=nÅ
Mas quando veio Cefas a Antioquia, em
face a ele me opus porque errado estava.
12
pro. tou/ ga.r evlqei/n tinaj avpo.
VIakw,bou meta. tw/n evqnw/n
sunh,sqien\ o[te de. h=lqon( u`pe,stellen
kai. avfw,rizen e`auto,n fobou,menoj tou.j
evk peritomh/jÅ
Antes pois de virem alguns de Tiago com
os gentios comia mas quando vieram ,
recuava separava-se temendo os da
circuncisão.
13
kai. sunupekri,qhsan auvtw/| Îkai.Ð oi`
loipoi. VIoudai/oi( w[ste kai. Barnaba/j
sunaph,cqh auvtw/n th/| u`pokri,seiÅ
E participaram da hipocrisia com ele
[também] os demais judeus assim também
Barnabé foi levado pela hipocrisia deles
14
avllV o[te ei=don o[ti ouvk
ovrqopodou/sin pro.j th.n avlh,qeian tou/
euvaggeli,ou( ei=pon tw/| Khfa/|
e;mprosqen pa,ntwn\ eiv su. VIoudai/oj
u`pa,rcwn evqnikw/j kai. ouvci.
VIoudai?kw/j zh/|j( pw/j ta. e;qnh
avnagka,zeij ivoudai<zeinÈ
Mas quando vi que não andam retamente
conforme a verdade do evangelho, disse a
Cefas perante todos: se tu sendo judeu
vives como um gentio e não como um
judeu como constranges (os gentios) a
judaizarem-se?
15
h`mei/j fu,sei VIoudai/oi kai. ouvk evx
evqnw/n a`martwloi,\
Nós ( somos) judeus por natureza e não
dentre( os ) gentios pecadores
16
eivdo,tej Îde.Ð o[ti ouv dikaiou/tai
a;nqrwpoj evx e;rgwn no,mou eva.n mh.
dia. pi,stewj VIhsou/ Cristou/( kai. h`mei/j
eivj Cristo.n VIhsou/n evpisteu,samen(
i[na dikaiwqw/men evk pi,stewj Cristou/
kai. ouvk evx e;rgwn no,mou( o[ti evx
e;rgwn no,mou ouv dikaiwqh,setai pa/sa
sa,rxÅ
[Mas] sabendo que o homem não é
justificado por obras da lei exceto
mediante ( a ) fé ( de ou em ) Jesus
Cristo, também nós em Cristo Jesus temos
crido, para que fôssemos justificados
mediante a fé ( de ou em ) Jesus Cristo e
não por bras da lei, porque por obras da lei
não será justificado toda carne
17
eiv de. zhtou/ntej dikaiwqh/nai evn
Cristw/| eu`re,qhmen kai. auvtoi.
mas se procurando sermos justificados em Cristo fomos
achados também nós mesmos pecadores, então do pecado
102
a`martwloi,( a=ra Cristo.j a`marti,aj
dia,konojÈ mh. ge,noitoÅ
Cristo é ministro? não seja assim !
18
eiv ga.r a] kate,lusa tau/ta pa,lin
oivkodomw/( paraba,thn evmauto.n
sunista,nwÅ
Se as coisas que demoli estas novamente
construo, transgressor a mim mesmo
constituo.
19
evgw. ga.r dia. no,mou no,mw|
avpe,qanon( i[na qew/| zh,swÅ Cristw/|
sunestau,rwmai\
Pois eu mediante (a) lei para (a) lei morri,
a fim de que para Deus eu viva com Cristo
crucificado
20
zw/ de. ouvke,ti evgw,( zh/| de. evn
evmoi. Cristo,j\ o] de. nu/n zw/ evn sarki,(
evn pi,stei zw/ th/| tou/ ui`ou/ tou/ qeou/
tou/ avgaph,santo,j me kai. parado,ntoj
e`auto.n u`pe.r evmou/Å
Vivo, não mais eu, vive em mim Cristo o
(que) agora vivo na carne, vivo na fé do
filho de Deus que amou a mim ( e se )
entregou a si mesmo por mim
21
Ouvk avqetw/ th.n ca,rin tou/ qeou/\ eiv
ga.r dia. no,mou dikaiosu,nh( a;ra Cristo.j
dwrea.n avpe,qanenÅ
Não anulo a graça de Deus; se pois
mediante (a) lei (vem) a justiça, então
Cristo morreu em vão morreu.
3
1 +W avno,htoi Gala,tai( ti,j u`ma/j
evba,skanen( oi-j katV ovfqalmou.j
VIhsou/j Cristo.j proegra,fh
evstaurwme,nojÈ
Ó insensatos gálatas, quem vos seduziu,
aos quais perante (os) olhos Jesus Cristo
foi exposto como crucificado?
2
tou/to mo,non qe,lw maqei/n avfV
u`mw/n\ evx e;rgwn no,mou to. pneu/ma
evla,bete h' evx avkoh/j pi,stewjÈ
Somente isto quero aprender de vós: por
obras da lei recebestes o Espírito ou
(pela) escuta da fé?
3
ou[twj avno,htoi, evste( evnarxa,menoi
pneu,mati nu/n sarki. evpitelei/sqeÈ
Assim sois insensatos, tendo começado no
Espírito agora na carne estais vos
aperfeiçoando?
4
tosau/ta evpa,qete eivkh/|È ei; ge kai.
eivkh/|Å
Tantas coisas sofrestes em vão? Se de fato
também (fosse) em vão.
5
o` ou=n evpicorhgw/n u`mi/n to.
pneu/ma kai. evnergw/n duna,meij evn
Pois o que concede a vós o Espírito e que
opera milagres entre vós, (é) por obras da
103
u`mi/n( evx e;rgwn no,mou h' evx avkoh/j
pi,stewjÈ
lei ou por escuta da fé?
6
Kaqw.j VAbraa.m evpi,steusen tw/|
qew/|( kai. evlogi,sqh auvtw/| eivj
dikaiosu,nhn\
Abraão creu em Deus, e isto lhe foi
atribuido para a justiça.
7
ginw,skete a;ra o[ti oi` evk pi,stewj( ou-
toi ui`oi, eivsin VAbraa,mÅ
Sabei então que os (que são) pela fé, estes
filhos são de Abraão
8
proi?dou/sa de. h` grafh. O[ti evk
pi,stewj dikaioi/ ta. e;qnh o` qeo.j(
proeuhggeli,sato tw/| VAbraa.m o[ti
evneuloghqh,sontai evn soi. pa,nta ta.
e;qnh\
Prevendo a escritura que pela fé Deus
justifica os gentios anunciou
antecipadamente a Abraão serão
abençoados em ti todos os gentios;
9
w[ste oi` evk pi,stewj euvlogou/ntai su.n
tw/| pistw/| VAbraa,mÅ
Assim pela fé são abençoados com o
crente Abraão
10
{Osoi ga.r evx e;rgwn no,mou eivsi,n(
u`po. kata,ran eivsi,n\ ge,graptai ga.r o[ti
evpikata,ratoj pa/j o]j ouvk evmme,nei
pa/sin toi/j gegramme,noij evn tw/|
bibli,w| tou/ no,mou tou/ poih/sai auvta,Å
Todos quantos pelas obras (da) lei são sob
maldição estão; está escrito pois maldito
todo o que não permanece em todas as
coisas escritas no livro da lei para fazer as
mesmas.
11
o[ti de. evn no,mw| ouvdei.j dikaiou/tai
para. tw/| qew/| dh/lon( o[ti o` di,kaioj evk
pi,stewj zh,setai\
Que na lei ninguém é justificado junto a
Deus é evidente, porque o justo pela fé
viverá
12
o` de. no,moj ouvk e;stin evk pi,stewj(
avllV o` poih,saj auvta. zh,setai evn
auvtoi/jÅ
A lei não é pela fé , mas o que faz estas
coisas viverá por elas.
13
Cristo.j h`ma/j evxhgo,rasen evk th/j
kata,raj tou/ no,mou geno,menoj u`pe.r
h`mw/n kata,ra( o[ti ge,graptai\
evpikata,ratoj pa/j o` krema,menoj evpi.
xu,lou(
Cristo nos resgatou da maldição da lei
tornando-se por nós maldição porque está
escrito: maldito todo o que é pendurado
sobre madeiro,
14
i[na eivj ta. e;qnh h` euvlogi,a tou/
VAbraa.m ge,nhtai evn Cristw/| VIhsou/(
i[na th.n evpaggeli,an tou/ pneu,matoj
Para que os gentios a benção chegasse em
Cristo Jesus, a fim de que a promessa do
Espírito recebêssemos mediante a fé.
104
la,bwmen dia. th/j pi,stewjÅ
15
VAdelfoi,( kata. a;nqrwpon le,gw\
o[mwj avnqrw,pou kekurwme,nhn
diaqh,khn ouvdei.j avqetei/ h'
evpidiata,ssetaiÅ
Irmão, como um homem falo: embora
tendo sido ratificada (por) uma pessoa
uma aliança ninguém (a) anula ou
suplementa.
16
tw/| de. VAbraa.m evrre,qhsan ai`
evpaggeli,ai kai. tw/| spe,rmati auvtou/Å
ouv le,gei\ kai. toi/j spe,rmasin( w`j evpi.
pollw/n avllV w`j evfV e`no,j\ kai. tw/|
spe,rmati, sou( o[j evstin Cristo,jÅ
17
tou/to de. le,gw\ diaqh,khn
prokekurwme,nhn u`po. tou/ qeou/ o`
meta. tetrako,sia kai. tria,konta e;th
gegonw.j no,moj ouvk avkuroi/ eivj to.
katargh/sai th.n evpaggeli,anÅ
(à) Abraão foram ditas e à descendência
dele. Não diz: e as descendências, como
acerca de muitas, mas como acerca de
uma (só), e à tua descend^ncia que é
Cristo.
17
tou/to de. le,gw\ diaqh,khn
prokekurwme,nhn u`po. tou/ qeou/ o`
meta. tetrako,sia kai. tria,konta e;th
gegonw.j no,moj ouvk avkuroi/ eivj to.
katargh/sai th.n evpaggeli,anÅ
Isto (eu) digo: (uma) aliança previamente
ratificada por Deus depois de quatrocentos
e trinta anos que veio a ser lei nào a-broga
para anular a promessa.
18
eiv ga.r evk no,mou h` klhronomi,a(
ouvke,ti evx evpaggeli,aj\ tw/| de.
VAbraa.m diV evpaggeli,aj keca,ristai o`
qeo,jÅ
Se pois pela lei (é) a herança, já não (é)
por promessa; mas a Abraão mediante (a)
promessa Deus (a) deu de graça.
19
Ti, ou=n o` no,mojÈ tw/n paraba,sewn
ca,rin prosete,qh( a;crij ou- e;lqh| to.
spe,rma w-| evph,ggeltai( diatagei.j diV
avgge,lwn evn ceiri. mesi,touÅ
Para que pois a lei? Foi acrescentada por
causa das transgressões até que viesse a
descendência a quem foi prometido,
promulgada por anjos em mão de
mediador,
20
o` de. mesi,thj e`no.j ouvk e;stin( o` de.
qeo.j ei-j evstinÅ
Não é o mediador de um , mas Deus é (só)
um.
21
o` ou=n no,moj kata. tw/n
evpaggeliw/n Îtou/ qeou/ÐÈ mh.
Portanto a lei (é) contra as promessas [de
Deus]; não seja (assim)! Se pois fosse
105
ge,noitoÅ eiv ga.r evdo,qh no,moj o`
duna,menoj zw|opoih/sai( o;ntwj evk
no,mou a'n h=n h` dikaiosu,nhÅ
dada (uma) capaz de dar vida,
verdadeiramente pela lei seria a justiça;
22
avlla. sune,kleisen h` grafh. ta. pa,nta
u`po. a`marti,an( i[na h` evpaggeli,a evk
pi,stewj VIhsou/ Cristou/ doqh/| toi/j
pisteu,ousinÅ
Mas encerrou a escritura todas as coisas
sob pecado, para que a promessa pela fé
de Jesus ( ou em Jesus ) fosse dada aos
que crêem.
23
Pro. tou/ de. evlqei/n th.n pi,stin u`po.
no,mon evfrourou,meqa sugkleio,menoi
eivj th.n me,llousan pi,stin
avpokalufqh/nai(
Antes (de) vir a fé sob (a) lei éramos
guardados confinados para a fé que iria
ser revelada
24
w[ste o` no,moj paidagwgo.j h`mw/n
ge,gonen eivj Cristo,n( i[na evk pi,stewj
dikaiwqw/men\
Assim a lei se tornou nosso pedagogo
(levando) a Cristo para que pela fé
fôssemos justificados.
25
evlqou,shj de. th/j pi,stewj ouvke,ti
u`po. paidagwgo,n evsmenÅ
Mas tendo vindo a fé já não estamos sob
pedagogo
26
Pa,ntej ga.r ui`oi. qeou/ evste dia. th/j
pi,stewj evn Cristw/| VIhsou/\
Pois todos sois filhos de Deus mediante a
fé em Cristo Jesus;
27
o[soi ga.r eivj Cristo.n evbapti,sqhte(
Cristo.n evnedu,sasqeÅ
Pois todos quantos em Cristo fostes
batizados, (de) Cristo vos revestistes.
28
ouvk e;ni VIoudai/oj ouvde. {Ellhn(
ouvk e;ni dou/loj ouvde. evleu,qeroj( ouvk
e;ni a;rsen kai. qh/lu\ pa,ntej ga.r u`mei/j
ei-j evste evn Cristw/| VIhsou/Å
Não há judeu nem grega, não há escravo
nem livre, não há homem e mulher; pois
vós sois um em Cristo Jesus.
29
eiv de. u`mei/j Cristou/( a;ra tou/
VAbraa.m spe,rma evste,( katV
evpaggeli,an klhrono,moiÅ
Se vós (sois) de Cristo, então sois
descendência de Abraão, herdeiros
segundo a promessa.
4
1 Le,gw de,( evfV o[son cro,non o`
klhrono,moj nh,pio,j evstin( ouvde.n
diafe,rei dou,lou ku,rioj pa,ntwn w;n(
Mas digo, por quanto tempo o herdeiro
menor (for), sendo Senhor de todas as
coisas em nada difere de escravos,
106
2
avlla. u`po. evpitro,pouj evsti.n kai.
oivkono,mouj a;cri th/j proqesmi,aj tou/
patro,jÅ
mas sob guardiões e administradores está
até o tempo fixado do Pai.
3
ou[twj kai. h`mei/j( o[te h=men nh,pioi(
u`po. ta. stoicei/a tou/ ko,smou h;meqa
dedoulwme,noi\
Assim também nós, quando éramos
menores, sob os elementos do mundo
estávamos mantidos em escravidão;
4
o[te de. h=lqen to. plh,rwma tou/
cro,nou( evxape,steilen o` qeo.j to.n ui`o.n
auvtou/( geno,menon evk gunaiko,j(
geno,menon u`po. no,mon(
Mas quando veio a plenitude do tempo,
enviou Deus o filho dele, vindo de
mulher, vindo sob (a) lei,
5
i[na tou.j u`po. no,mon evxagora,sh|(
i[na th.n ui`oqesi,an avpola,bwmenÅ
Para que os sob a lei resgatasse para que a
adoção de filhos recebêssemos.
6
{Oti de, evste ui`oi,( evxape,steilen o`
qeo.j to. pneu/ma tou/ ui`ou/ auvtou/ eivj
ta.j kardi,aj h`mw/n kra/zon\ abba o`
path,rÅ
Porque sois filhos, enviou Deus o Espírito
do Filho dele aos nossos corações que
clama: abbá, Pai.
7
w[ste ouvke,ti ei= dou/loj avlla. ui`o,j\
eiv de. ui`o,j( kai. klhrono,moj dia.
qeou/Å
de sorte que já não és escravo, mas filho; e
se filho, também herdeiro mediante Deus.
8
VAlla. to,te me.n ouvk eivdo,tej qeo.n
evdouleu,sate toi/j fu,sei mh. ou=sin
qeoi/j\
Mas por outro outrora não conhecendo a
Deus servistes aos que por natureza não
são deuses;
9
nu/n de. gno,ntej qeo,n( ma/llon de.
gnwsqe,ntej u`po. qeou/( pw/j
evpistre,fete pa,lin evpi. ta. avsqenh/ kai.
ptwca. stoicei/a oi-j pa,lin a;nwqen
douleu,ein qe,leteÈ
Mas agora conhecendo a Deus, como
estais voltando novamente aos fracos e
pobres elementos aos quais novamente
outra vez quereis servir como escravo?
10
h`me,raj parathrei/sqe kai. mh/naj kai.
kairou.j kai. evniautou,j(
Guardais dias e meses e tempos e anos,
11
fobou/mai u`ma/j mh, pwj eivkh/|
kekopi,aka eivj u`ma/jÅ
Temo que por vós de algum modo
trabalhei em vão
12
Gi,nesqe w`j evgw,( o[ti kavgw. w`j
u`mei/j( avdelfoi,( de,omai u`mw/nÅ
Sede como eu, pois também eu (sou)
como vós , irmãos, suplico a vós( em)
107
ouvde,n me hvdikh,sate\ nada me injustiçastes;
13
oi;date de. o[ti diV avsqe,neian th/j
sarko.j euvhggelisa,mhn u`mi/n to.
pro,teron(
Sabeis que por causa de enfermidade da
carne da proclamei o evangelho a vós
14
kai. to.n peirasmo.n u`mw/n evn th/|
sarki, mou ouvk evxouqenh,sate ouvde.
evxeptu,sate( avlla. w`j a;ggelon qeou/
evde,xasqe, me( w`j Cristo.n VIhsou/nÅ
E a minha tentação na carne ( vós) não
desprezastes nem desdenhastes, mas como
anjo de Deus recebestes a mim, como
Cristo Jesus.
15
pou/ ou=n o` makarismo.j u`mw/nÈ
marturw/ ga.r u`mi/n o[ti eiv dunato.n
tou.j ovfqalmou.j u`mw/n evxoru,xantej
evdw,kate, moiÅ
Onde pois a vossa bem-aventurança
testifico pois a vós se possível vossos
olhos tendo arrancado terieis dado a mim
16
w[ste evcqro.j u`mw/n ge,gona
avlhqeu,wn u`mi/nÈ
De sorte que vosso inimigo (me) tornei
dizendo a vós a verdade?
17
zhlou/sin u`ma/j ouv kalw/j( avlla.
evkklei/sai u`ma/j qe,lousin( i[na auvtou.j
zhlou/te\
Não corretamente são zelosos por vós,
mas excluir a vós desejam , para que por
ele sejam zelosos.
18
kalo.n de. zhlou/sqai evn kalw/|
pa,ntote kai. mh. mo,non evn tw/|
parei/nai, me pro.j u`ma/jÅ
Bom é ser zeloso no bem sempre e não
somente no estar presente junto a vós.
19
te,kna mou( ou]j pa,lin wvdi,nw me,crij
ou- morfwqh/| Cristo.j evn u`mi/n\
Meus filhos, pelos quais novamente sofro
dores de parto até que seja formado
formado Cristo em vós;
20
h;qelon de. parei/nai pro.j u`ma/j a;rti
kai. avlla,xai th.n fwnh,n mou( o[ti
avporou/mai evn u`mi/nÅ
(eu) quisera estar presente junto a vós
agora e alterar minha voz, porque estou
perplexo em vós ( a vosso respeito)
21
Le,gete, moi( oi` u`po. no,mon
qe,lontej ei=nai( to.n no,mon ouvk
avkou,eteÈ
Dizei a mim, os que sob (a) lei quereis
estar, a lei não ouvis?
22
ge,graptai ga.r o[ti VAbraa.m du,o
ui`ou.j e;scen( e[na evk th/j paidi,skhj kai.
e[na evk th/j evleuqe,rajÅ
Está escrito pois que Abraão dois filhos
teve, um da escrava e um da livre.
23
avllV o` me.n evk th/j paidi,skhj kata. Mas por um lado o da livre foi gerado
108
sa,rka gege,nnhtai( o` de. evk th/j
evleuqe,raj diV evpaggeli,ajÅ
segundo (a ) carne, por outro o da livre
mediante (a) promessa
24
a[tina, evstin avllhgorou,mena\ au-tai
ga,r eivsin du,o diaqh/kai( mi,a me.n
avpo. o;rouj Sina/ eivj doulei,an
gennw/sa( h[tij evsti.n ~Aga,rÅ
Coisas as quais são ditas alegoricamente
pois estas são as duas alianças, por um
lado uma do monte sinai para a escravidão
gerado, a qual é Agar
25
to. de. ~Aga.r Sina/ o;roj evsti.n evn
th/| VArabi,a|\ sustoicei/ de. th/| nu/n
VIerousalh,m( douleu,ei ga.r meta. tw/n
te,knwn auvth/jÅ
E Agar é o monte sinai na Arábia;
corresponde à atual Jerusalém, pois serve
(como escrava) com os filhos dela.
26
h` de. a;nw VIerousalh.m evleuqe,ra
evsti,n( h[tij evsti.n mh,thr h`mw/n\
Mas a Jerusalém do alto é livre, a qual é
nossa mãe
27
ge,graptai ga,r\ euvfra,nqhti( stei/ra h`
ouv ti,ktousa( r`h/xon kai. bo,hson( h`
ouvk wvdi,nousa\ o[ti polla. ta. te,kna th/j
evrh,mou ma/llon h' th/j evcou,shj to.n
a;ndraÅ
Pois está escrito: alegra-te, estéril a que
não deu à luz, irrompe e grita, a que não
teve dores de parto; porque muitos (são)
os filhos da abandonada mais do que da
que tem o marido
28
u`mei/j de,( avdelfoi,( kata. VIsaa.k
evpaggeli,aj te,kna evste,Å
Mas, vós irmãos, sois filhos da promessa
segundo Isaque.
29
avllV w[sper to,te o` kata. sa,rka
gennhqei.j evdi,wken to.n kata. pneu/ma(
ou[twj kai. nu/nÅ
Mas como outrora o gerado segundo a
carne perseguia ( o gerado ) segundo (o)
Espírito, assim também agora.
30
avlla. ti, le,gei h` grafh,È e;kbale th.n
paidi,skhn kai. to.n ui`o.n auvth/j\ ouv ga.r
mh. klhronomh,sei o` ui`o.j th/j paidi,skhj
meta. tou/ ui`ou/ th/j evleuqe,rajÅ
Mas que diz a escritura? Expulsa a
escrava e o filho dela; pois não herdará o
filho da escrava com o da livre.
31
dio,( avdelfoi,( ouvk evsme.n paidi,skhj
te,kna avlla. th/j evleuqe,rajÅ
Portanto, irmãos, não somos filhos da
escrava mas da livre
5
1 Th/| evleuqeri,a| h`ma/j Cristo.j
hvleuqe,rwsen\ sth,kete ou=n kai. mh.
Para a liberdade Cristo nos libertou; ficai
frmes portanto e não vos prendais
109
pa,lin zugw/| doulei,aj evne,cesqeÅ novamente ao jugo de escravidão
2
:Ide evgw. Pau/loj le,gw u`mi/n o[ti
eva.n perite,mnhsqe( Cristo.j u`ma/j
ouvde.n wvfelh,seiÅ
Eis (que) eu Paulo digo a vós que, se
fordes circuncidados, Cristo a vós (de)
nada aproveitará.
3
martu,romai de. pa,lin panti. avnqrw,pw|
peritemnome,nw| o[ti ovfeile,thj evsti.n
o[lon to.n no,mon poih/saiÅ
Declaro novamente a todo homem
circuncidado que devedor é a toda a lei
para cumprir.
4
kathrgh,qhte avpo. Cristou/( oi[tinej evn
no,mw| dikaiou/sqe( th/j ca,ritoj
evxepe,sateÅ
Fostes separados de Cristo, os que na lei
sois justificados, da graça decaistes.
5
h`mei/j ga.r pneu,mati evk pi,stewj
evlpi,da dikaiosu,nhj avpekdeco,meqaÅ
pois nós aguardamos pelo (o)
Espírito, pela (a) fé (a) esperança de
justiça.
6
evn ga.r Cristw/| VIhsou/ ou;te
peritomh, ti ivscu,ei ou;te avkrobusti,a
avlla. pi,stij diV avga,phj
evnergoume,nhÅ
Pois em Cristo Jesus nem circuncisào
agora pode nem incircuncisão mas (a) fé
operando mediante (o) amor
7
VEtre,cete kalw/j\ ti,j u`ma/j evne,koyen
Îth/|Ð avlhqei,a| mh. pei,qesqaiÈ
Corríeis bem; quem vos obstrui para à
verdade não obedecer?
8
h` peismonh. ouvk evk tou/ kalou/ntoj
u`ma/jÅ
A persuassão não (vem) do que chama a
vós.
9
mikra. zu,mh o[lon to. fu,rama zumoi/Å Pouco fermento toda a massa leveda.
10
evgw. pe,poiqa eivj u`ma/j evn kuri,w|
o[ti ouvde.n a;llo fronh,sete\ o` de.
tara,sswn u`ma/j basta,sei to. kri,ma( o[stij
eva.n h=|Å
Eu tenho confiança para convosco no
Senhor que nada diferente cogitareis mas
o que está agitando a vós suportará o
juizo, quem quer que seja..
11
VEgw. de,( avdelfoi,( eiv peritomh.n
e;ti khru,ssw( ti, e;ti diw,komaiÈ a;ra
kath,rghtai to. ska,ndalon tou/ staurou/Å
Mas eu, irmãos, se cincuncisão ainda
proclamo, porque ainda sou perseguido?
Então está anulado o escândalo
12
:Ofelon kai. avpoko,yontai oi`
avnastatou/ntej u`ma/jÅ
Os que perturbam a vós tomara se
castrassem
13
u`mei/j ga.r evpV evleuqeri,a|
evklh,qhte( avdelfoi,\ mo,non mh. th.n
Vós pois para (a) liberdade fostes
chamados, irmãos; somente não (se torne)
110
evleuqeri,an eivj avformh.n th/| sarki,(
avlla. dia. th/j avga,phj douleu,ete
avllh,loijÅ
a liberdade em oportunidade para a carne,
mas mediante o amor servir uns aos
outros.
14
o` ga.r pa/j no,moj evn e`ni. lo,gw|
peplh,rwtai( evn tw/|\ avgaph,seij to.n
plhsi,on sou w`j seauto,nÅ
Pois toda a lei em uma palavra é
cumprida, nesta: amarás o teu próximo
como a ti mesmo.
15
eiv de. avllh,louj da,knete kai.
katesqi,ete( ble,pete mh. u`pV avllh,lwn
avnalwqh/teÅ
Mas se uns aos outros mordeis e devorais,
vede que não sejais destruidos uns pelos
outros.
16
Le,gw de,( pneu,mati peripatei/te kai.
evpiqumi,an sarko.j ouv mh. tele,shteÅ
Mas digo, pelo Espírito andai e (o) desejo
da carne de modo algum cumprireis.
17
h` ga.r sa.rx evpiqumei/ kata. tou/
pneu,matoj( to. de. pneu/ma kata. th/j
sarko,j( tau/ta ga.r avllh,loij avnti,keitai(
i[na mh. a] eva.n qe,lhte tau/ta poih/teÅ
Pois a carne deseja contra o Espírito, o
Espírito contra a carne, pois estas coisas
umas às outras se opõem, para que estas
coisas que desejardes não façais.
18
eiv de. pneu,mati a;gesqe( ouvk evste.
u`po. no,monÅ
Mas se pelo Espírito sois guiados, não
estás sob a lei.
19
fanera. de, evstin ta. e;rga th/j sarko,j(
a[tina, evstin pornei,a( avkaqarsi,a(
avse,lgeia(
Manifestas são as obras da carne, as quais
são imoralidade sexual, impureza,
lascívia,
20
eivdwlolatri,a( farmakei,a( e;cqrai(
e;rij( zh/loj( qumoi,( evriqei/ai(
dicostasi,ai( ai`re,seij(
Idolatria, feitiçaria, inimizades, contenda,
ciúme, iras, discórdias, dissenções,
facções,
21
fqo,noi( me,qai( kw/moi kai. ta. o[moia
tou,toij( a] prole,gw u`mi/n( kaqw.j
proei/pon o[ti oi` ta. toiau/ta pra,ssontej
basilei,an qeou/ ouv klhronomh,sousinÅ
Invejas, bebedeiras, orgias e as coisas
semelhantes a estas, as quais digo
antecipadamente a vós como disse
anteriormente que os que praticam tais
coisas não herdarão o reino de Deus.
22
o` de. karpo.j tou/ pneu,mato,j evstin
avga,ph cara. eivrh,nh( makroqumi,a
crhsto,thj avgaqwsu,nh( pi,stij
Mas o fruto do Espírito é amor alegia paz,
longanimidade, benignidade bondade,
fidelidade
23
prau<thj evgkra,teia\ kata. tw/n Mansidão auto-domínio; contra tais coisas
111
toiou,twn ouvk e;stin no,mo não existe lei
24
oi` de. tou/ Cristou/ ÎVIhsou/Ð th.n
sa,rka evstau,rwsan su.n toi/j paqh,masin
kai. tai/j evpiqumi,aijÅ
Mas os de Cristo Jesus crucificaram a
carne com as paixões e os desejos
25
Eiv zw/men pneu,mati( pneu,mati kai.
stoicw/menÅ
Se vivemos pelo Espírito, pelo Espírito
também andemos.
26
mh. ginw,meqa keno,doxoi( avllh,louj
prokalou,menoi( avllh,loij fqonou/ntejÅ
Não nos tornemos presunçosos,
provocando uns aos outros, tendo
inveja uns dos outros.
6:
1 VAdelfoi,( eva.n kai. prolhmfqh/|
a;nqrwpoj e;n tini paraptw,mati( u`mei/j
oi` pneumatikoi. katarti,zete to.n toiou/ton
evn pneu,mati prau<thtoj( skopw/n
seauto.n mh. kai. su. peirasqh/|jÅ
Irmãos, se também (uma) pessoa for
surpreendida em alguma trangressão, vós
os espirituais restaurai a (tal) pessoa em
espírito de mansidão, ( para que )
tamb’’em tu não sejas tentado.
2
VAllh,lwn ta. ba,rh basta,zete kai.
ou[twj avnaplhrw,sete to.n no,mon tou/
Cristou/Å
Levai as cargas uns dos outros e assim
cumprireis a lei de Cristo.
3
eiv ga.r dokei/ tij ei=nai, ti mhde.n w;n(
frenapata/| e`auto,nÅ
Pois se alguém ser algo nada sendo,
engana a si mesmo.
4
to. de. e;rgon e`autou/ dokimaze,tw
e[kastoj( kai. to,te eivj e`auto.n mo,non to.
kau,chma e[xei kai. ouvk eivj to.n e[teron\
Cada qual examine a obra de (si) próprio e
então para si somente ( o ) orgulho terá e
não para o outro;
5
e[kastoj ga.r to. i;dion forti,on
basta,seiÅ
pois cada qual levará o próprio fardo
6
Koinwnei,tw de. o` kathcou,menoj to.n
lo,gon tw/| kathcou/nti evn pa/sin
avgaqoi/jÅ
O que instrui faça participante o que está
sendo instruido na palavra ( e ) em todas
as boas coisas.
7
Mh. plana/sqe( qeo.j ouv mukthri,zetaiÅ
o] ga.r eva.n spei,rh| a;nqrwpoj( tou/to kai.
qeri,sei\
Não vos enganeis, Deus ão é tratado com
desprezo. Pois o que ( ) uma pessoa
semear, isto também colherá;
112
8
o[ti o` spei,rwn eivj th.n sa,rka e`autou/
evk th/j sarko.j qeri,sei fqora,n( o` de.
spei,rwn eivj to. pneu/ma evk tou/
pneu,matoj qeri,sei zwh.n aivw,nionÅ
Porque o que semeia para sua própria
carne da carne colherá corrupção , mas o
que semeia para o Espírito do Espírito
colherá vida eterna.
9
to. de. kalo.n poiou/ntej mh.
evgkakw/men( kairw/| ga.r ivdi,w|
qeri,somen mh. evkluo,menoiÅ
e fazendo o bem não nos cansemos, pois
no tempo próprio colheremos, não nos
desfalecendo.
10
:Ara ou=n w`j kairo.n e;comen(
evrgazw,meqa to. avgaqo.n pro.j pa,ntaj(
ma,lista de. pro.j tou.j oivkei,ouj th/j
pi,stewjÅ
Assim, portanto enquanto tempo temos,
façamos o bem a todos, mas
principalmente os membros da família da
fé.
11
i;dete phli,koij u`mi/n gra,mmasin
e;graya th/| evmh/| ceiri,Å
Vede com que grandes letras a vós escrevi
com a minha mão.
12
{Osoi qe,lousin euvproswph/sai evn
sarki,( ou-toi avnagka,zousin u`ma/j
perite,mnesqai( mo,non i[na tw/| staurw/|
tou/ Cristou/ mh. diw,kwntaiÅ
Todos que querem mostrar boa aparência
na carne estes vos constrangem a ser
circuncidados, somente para que quanto a
cruz de Cristo não sejam perseguido.
13
ouvde. ga.r oi` peritemno,menoi auvtoi.
no,mon fula,ssousin avlla. qe,lousin
u`ma/j perite,mnesqai( i[na evn th/|
u`mete,ra| sarki. kauch,swntaiÅ
Pois nem os que são circuncidados eles
mesmos ( a ) ( não ) guardam mas qurem
( a ) circuncidados para que na vossa
carne se gloriem.
14
VEmoi. de. mh. ge,noito kauca/sqai eiv
mh. evn tw/| staurw/| tou/ kuri,ou h`mw/n
VIhsou/ Cristou/( diV ou- evmoi. ko,smoj
evstau,rwtai kavgw. ko,smw|Å
Mas a mim não aconteça gloriar-me
exceto na cruz do nosso Senhor Jesus
Cristo mediante quem para mim ( o )
mundo está crucificado e eu para o
mundo.
15
ou;te ga.r peritomh, ti, evstin ou;te
avkrobusti,a avlla. kainh. kti,sijÅ
Pois nem cincuncião é algo nem
incircuncisão mas nova criação.
16
kai. o[soi tw/| kano,ni tou,tw|
stoich,sousin( eivrh,nh evpV auvtou.j kai.
e;leoj kai. evpi. to.n VIsrah.l tou/ qeou/Å
E todos que por esta norma andarem, paz
e misericória sobre eles, e sobre o Israel
de Deus.
17
Tou/ loipou/ ko,pouj moi mhdei.j
parece,tw\ evgw. ga.r ta. sti,gmata tou/
Quanto ao mais, problema a mim ninguém
cause, pois eu levo as marcas de Jesus em
113
VIhsou/ evn tw/| sw,mati, mou basta,zwÅ meu corpo
18
~H ca,rij tou/ kuri,ou h`mw/n VIhsou/
Cristou/ meta. tou/ pneu,matoj u`mw/n(
avdelfoi,\ avmh,nÅ
A graça do nosso Senhor Jesus Cristo seja
com o vosso Espírito, irmãos ; amém.
114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Vozes, 1974.
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Paulo: Loyola, 2000.
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117
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