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PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS E OS MATERIAIS DIDÁTICOS:
UM OLHAR DISCURSIVO
DENISE GOMES LEAL DA CRUZ PACHECO
UFRJ – DOUTORADO EM LETRAS
ORIENTADOR: PROFª DRª MARIA APARECIDA LINO PAULIUKONIS
Rio de Janeiro
2006
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Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
2
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS E OS MATERIAIS DIDÁTICOS:
UM OLHAR DISCURSIVO
Tese apresentada ao Curso de Pós-
Graduação em Letras do Instituto de
Letras da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como parte dos requisitos
para a obtenção do título de Doutora
em Letras.
Orientação: Profª Drª Maria Aparecida
Lino Pauliukonis
Co-orientação: Regina Lúcia Péret Dell’
Isola
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Letras
2006
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Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
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FICHA CATALOGRÁFICA
PACHECO, Denise Gomes Leal da Cruz
Português para estrangeiros e os materiais didáticos:
um olhar discursivo / Denise Gomes Leal da Cruz
Pacheco. Rio de Janeiro, 2006.
xi, 335 f.: il.
TESE (Doutorado em Letras) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Letras, 2006.
Orientadora: Maria Aparecida Lino Pauliukonis
Co-Orientadora: Regina Lúcia Péret Dell’ Isola
1. Português para Estrangeiros 2. Ensino
2. Materiais Didáticos. 4. Análise do Discurso
5. Lingüística Aplicada
– Teses.
Pauliukonis, Maria Aparecida Lino, (Orient.) II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto
de Pós-Graduação em Letras. III. Título.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
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Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
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RESUMO
PACHECO, Denise Gomes Leal da Cruz. Português para estrangeiros e os
materiais didáticos: um olhar discursivo. Orientadora: Maria Aparecida Lino
Pauliukonis. Co-Orientadora: Regina Lúcia Péret Dell‘ Isola. Rio de Janeiro:
UFRJ/PGL, 2006. Tese (Doutorado em Letras), 335 páginas.
Português para estrangeiros (PLE) sob um olhar discursivo. Tomando
como base de análise a materialidade lingüística (textos monomodais e modais) dos
materiais didáticos (MDs) de PLE dirigidos a adolescentes, publicados no Brasil, com
base em constructos teóricos de área interdisciplinar entre a Análise do Discurso
(Semiolingüística Discursiva – CHARAUDEAU: 1983) e a Lingüística Aplicada, a
presente tese discute os contratos de comunicação firmados nesses MDs e os
efeitos da implementação da abordagem comunicativa de ensino (WIDDOWSON:
1978); reflete sobre os conceitos de autenticidade e comunicação, no ensino de
línguas estrangeiras, enfocando o letramento em PLE- ensino da leitura, da
metalíngua e da escrita sob a ótica discursiva dos gêneros textuais. É apresentada
ainda uma reflexão sobre o jogo discursivo no ensino de PLE, com foco no
funcionamento das instâncias discursivas e nos processos de construção identitária
do MD, do professor e do aprendiz de PLE, segundo os mecanismos de
fragmentação e homogeneização que a materialidade lingüística dos MDs revela.
Finalmente são apontadas perspectivas para o ensino de PLE no século XXI diante
das novas formas de multiletramento e sugeridos alguns encaminhamentos de
(re)institucionalização do ensino de PLE em nível nacional e internacional.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
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ABSTRACT
PACHECO, Denise Gomes Leal da Cruz. Português para estrangeiros e os
materiais didáticos: um olhar discursivo. Orientadora: Maria Aparecida Lino
Pauliukonis. Co-Orientadora: Regina Lúcia Péret Dell‘ Isola. Rio de Janeiro:
UFRJ/PGL, 2006. Tese (Doutorado em Letras), 335 páginas.
The aim of this work is to analyze guidelines of materials published with
the purpose of teaching Portuguese for Foreigners (PLE), to teenagers, using the
Communicative Approach (WIDDOWSON, 1978). This approach aims at orienting the
experiences of teaching and learning Brazilian culture and Portuguese language for
foreigners during the last twenty five years in Brazil. In order to fulfill the objectives we
have established for the development of our work, we started by discussing the
concept of authenticity, communication and the communication contract in didactic
textbook and materials with the support of two different but related theoretical points
of view - Discourse Analyses (Semiolingüística Discursiva–CHARAUDEAU, 1983)
and Communicative Approach (Applied Linguistics). From this comprehension of the
concept of communication and communication contracts we reflected upon the
relations between the discursive ‘game’ developed by the usage of these materials
and the image of the ‘learning materials’ – the didactic textbook (and its
complements); the images of the teacher and the student (a foreigner). We also
reflect about the teaching of reading and writing based on the concept of gender; the
teaching of the language structures. We propose ‘multiliteracy’ based on a discursive
approach and on the concept of gender and the usage of technological tools. We
analyze how the teacher and the foreigner language learners’ identity are “created” by
the materials. Adding to this we present some suggestions for teaching (PLE) in the
XXI century not only in Brazil but around the world.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
7
Dedico este trabalho a:
Meus pais, Jayme e Elza, raízes das quais sou fruto...
Stelly e Giselly, frutos meus que frutificaram e dos quais me orgulho muito...
João Victor, fruto do meu fruto, minha chance mais intensa de amar...
Minha família, graças a ela, aprendi a ser o que sou...
Meus professores, que me despertaram o gosto por tão digna profissão;
Meus alunos, com quem aprendi muito do pouco que sei...
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Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
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Agradecimentos
A Deus que sempre me ‘protegeu enquanto eu andava distraída’ e me deu chance
de viver e fazer muito mais do que jamais pudesse merecer e imaginar;
A Stelly e Giselly, através das quais tive a chance de ser mãe e vivenciar
momentos de mais intensa superação de mim e das mais intransponíveis barreiras,
mostrando que o esforço nos leva onde não pensávamos chegar;
A Maria Aparecida Lino Pauliukonis, minha orientadora, pelas lições, pela
paciência e principalmente pela confiança;
A Ana Catarina Nobre, pelo apoio bibliográfico, mas principalmente pelas
orientações, que me ajudaram a materializar o tema da presente tese;
A Vanise Medeiros, pela amizade, pelas lições, pela paciência, pelo incentivo no
enfrentamento de minhas crises teóricas;
A José Carlos de Azeredo, pelo incentivo e pelos exemplos de sabedoria na arte
de ensinar;
A Regina Dell’ Isola e Danielle Grannier, pelas orientações e pela chance do
encontro nos caminhos da pesquisa aplicada;
A todos os meus professores, que colaboraram para que eu me tornasse a
profissional que hoje sou;
A meus amigos (que não nomeio para evitar imperdoáveis omissões), de quem
sempre recebi incentivo para continuar, mesmo quando o tempo era pouco e a
vontade de continuar e acabar, muita...;
A todos os meus alunos, com quem tenho aprendido muito, muito, muito, com o
pretexto de lhes ensinar;
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
9
‘Essa estrangeira, que talvez jamais venha
ser inteiramente a língua para mim, no
sentido que o é minha língua materna,
desestrutura o meu pensar, desorganiza
minha sintaxe, rearruma espaços, cria
efeitos de sentido novos, insuspeitados no
meu dizer o mundo. Falando outra língua,
sou em outro lugar, faço sentidos diversos
do que faria se só conhecesse a minha’.
(PIETROLONGO, 2001, p. 196-197).
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SUMÁRIO
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE ABREVIATURAS
CAPÍTULO 1 – PONTO DE PARTIDA OU HISTÓRIA DE UMA ESCOLHA
1. INTRODUZINDO A TEMÁTICA
2. EQUACIONANDO A ESCOLHA
2.1. Traçando objetivos
2.2. Formulando hipóteses de trabalho
3. ORGANIZANDO A TESE
4. DEFININDO A METODOLOGIA DE PESQUISA
CAPÍTULO 2 – O LETRAMENTO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
2.1. O CONCEITO DE LETRAMENTO EM LE
2.2. ABORDAGENS E MÉTODOS DE ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
2.2.1. Abordagens audio-orais/visuais situacionais
2.2.2. Abordagens nócio-funcionais comunicativas
2.3. O ENSINO DE LE E LIVRO DIDÁTICO
2.3.1. Histórico do livro didático
2.3.2. O livro didático de PLE
2.3.2.1. Cronologia da produção de livros didáticos em PLE
2.3.2.2. Os materiais didáticos de PLE para adolescentes
12
13
15
18
20
26
28
29
32
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42
45
53
62
62
69
81
85
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CAPÍTULO 3 OS MATERIAIS DIDÁTICOS DE PLE E OS CONTRATOS
DE COMUNICAÇÃO
3.1. FUNDAMENTOS DA SEMIOLINGÜÍSTICA DISCURSIVA
3.1.1. A situação comunicativa e o contrato de comunicação
3.1.2. A noção de texto
3.1.3. A noção de discurso
3.1.4. As competências discursivas
3.2. DO CONTRATO DIDÁTICO EM LE
3.2.1. A questão da autenticidade
3.2.2. As finalidades sociocomunicativas
3.3. LEITURA EM PLE
3.3.1. O trabalho com textos
3.3.2.Do lugar da interculturalidade
3.3.3. A aquisição do repertório vocabular
3.4. DO LUGAR DA METALÍNGUA NO ENSINO/APRENDIZAGEM DA LE
3.5. DA PRODUÇÃO DE TEXTOS: A (DES)CENTRALIDADE DOS
GÊNEROS TEXTUAIS
3.6. O GÊNERO DIDÁTICO NOS LDS
3.6.1. A constituição do gênero didático
3.6.2. Abordagem didática com os gêneros em PLE
CAPÍTULO 4 – O JOGO DISCURSIVO NO ENSINO DE PLE
4.1. O FUNCIONAMENTO DAS INSTÂNCIAS DISCURSIVAS NOS MDs
4.1.1. Imagens que fazem de si e do outro as instâncias discursivas
4.1.1.1. A imagem que o EUc tem do EUe
4.1.1.2. A imagem que o EUc tem da imagem que o TUi tem do referente
4.1.1.3. A imagem que o EUc tem do TUi
A . A imagem de aluno como TUi
B. A imagem de professor como TUi
4.2. O APAGAMENTO NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE PROFESSOR
92
92
101
106
111
121
126
134
139
144
166
171
180
191
207
208
221
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231
231
235
239
240
246
250
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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CAPÍTULO 5 – PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE PLE
5.1. O ENSINO DE PLE E O MULTILETRAMENTO
5.2. (RE) INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ENSINO DE PLE
CAPÍTULO 6 – ‘ARREMATE COM RETICÊNCIAS’
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
254
263
283
295
303
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICOS
Gráfico 1
Gráfico 2
Gráfico 3
Gráfico 4
Gráfico 5
Gráfico 6
Gráfico 7
Gráfico 8
Gráfico 9
Gráfico 10
Gráfico 11
A língua portuguesa no mundo
Projeções demográficas de falantes de Português LM
Classificação das atividades em TB?: abordagem e metodologia
Classificação das atividades em S A : abordagem e metodologia
Meio de produção textual: Tudo Bem?
Meio de produção textual: Sempre Amigos
Modo de realização das atividades em Sempre Amigos
Modo de realização das atividades em Tudo Bem?
Produção textual Gêneros Tudo Bem??
Materialidade lingüística: imagem do EUe nos MDs
Apagamento do professor nos MDs do corpus
21
22
184
185
202
202
203
204
204
235
252
QUADROS
Quadro 1
Quadro 2
Quadro 3
Quadro 4
Quadro 5
Quadro 6
Quadro 7
Quadro 8
Quadro 9
Tabela comparativa da proximidade entre português e outras línguas
Esquema de competência comunicativa
Classificação das abordagens e metodologias no Pós-método
Tabela de textos ‘autênticos’ em TB?
Distribuição de gênero: meio de produção e concepção de leitura
Objetivos comunicativos na Teoria Semiolingüística
Gêneros textuais
Gêneros emergentes na mídia virtual
Formatos de comunicação por computador (Marcuschi, 2004)
23
119
183
216
217
226
256
257
258
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Figura 5
Figura 6
Figura 7
Figura 8
Figura 9
Figura 10
Figura 11
Figura 12
Figura 13
Figura 14
Figura 15
Figura 16
Figura 17
Figura 18
Figura 19
Figura 20
Figura 21
Figura 22
Figura 23
Figura 24
Figura 25
Figura 26
Figura 27
Figura 28
Figura 29
Figura 30
Figura 31
Figura 32
Fatores internos e externos do processo de aprender e ensinar línguas
Abordagem de ensino de línguas
Esquema de funcionamento da proposta RODA
Reprodução de tira de Pátio Revista Pedagógica
Capa de Tudo Bem vol. 1
Ícone de recurso à internet em TB?
Página de entrada de TB? na internet
Detalhamento da situação comunicativa
O funcionamento do discurso (Charaudeau)
Excerto I de TB?
Excerto I de S A
Excerto II de TB?
Excerto I de Interagindo em Português
Excerto II de S A
Excerto III de S A
Excerto III de TB?
Esquema de fluxo hierárquico e não–hierárquico no texto
Página 15 de Português para Estrangeiros (Marchand) (20ª ed).
Página 16 de Português para Estrangeiros (Marchand) (28ª ed).
Página 1 de Passagens
Página 1 de Interagindo em Português (vol. 1)
Foto de TB? capturada na internet
Foto da Revista MTV
Excerto IV de TB?
Capa de S A
Capa de TB? volume I
Excerto IV de S A
Excerto V de S A
Excerto V de TB?
Excerto VI de TB?
Excerto VII de TB?
Excerto VI de SA?
40
44
59
63
90
91
91
95
96
101
101
115
124
129
129
130
146
147
147
148
148
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156
157
158
159
167
181
194
200
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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15
Figura 33
Figura 34
Figura 35
Figura 36
Figura 37
Figura 38
Figura 39
Figura 40
Figura 41
Figura 42
Figura 43
Figura 44
Figura 45
Figura 46
Figura 47
Figura 48
Figura 49
Excerto VIII de TB?
Excerto VII de S A
Dimensões dos gêneros do discurso
Excerto X de TB?
Excerto VIII de S A
Abordagem didática dos gêneros
Excerto IX de S A
Excerto X de S A
Excerto XI de S A
Print Screen de TB? Internet Psiu
Print Screen de TB? na internet Dicas e sugestões
Excerto XI de TB?
Contínuo de gêneros na comunicação tradicional
Contínuo de gêneros na comunicação digital
Reprodução de e-mail de aprendiz de PLE
Reprodução de página de MD de Russo
Reprodução de página de MD de Japonês
201
210
213
218
219
222
240
240
241
243
244
250
258
259
269
284
284
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LISTA DE ABREVIATURAS
ACD
AD
ABRALIN,
ALFAL
ANPOLL
CALL
CC
CD
CELPE-Bras
CNLD
COLTED
CP
DA
DB
DUDL
ELE
EPLE
ET
EUc
EUe
FAE
FENAME
GEL,
ICT
INPLA
LA
LD
LE
LIBRAS
Análise Crítica do Discurso
Análise do Discurso
Associação Brasileira de Lingüística
Associação de Lingüística e Filologia da América Latina
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e
Lingüística
Computer Assisted Language Learning)
Contratos de comunicação
Compact Disc
Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros
Comissão Nacional do Livro Didático
Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático
Condições de Produção
Deficientes Auditivos
Dicionários bilíngües
Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos
Ensino de Língua Estrangeira
Ensino de Português Língua Estrangeira
Excertos Textuais
Eu comunicante
Eu enunciador
Fundação de Assistência ao Estudante
Fundação do Material Escolar
Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo
Information and Communication Technologies
1
Intercâmbio de Pesquisa em Lingüística Aplicada
Lingüística Aplicada
Livro didático
Língua estrangeira
Língua Brasileira de Sinais
1
Esse termo é empregado no sentido de unidade intermediária entre o texto (unidade ‘menor’ e sua
materialidade lingüística) e o discurso (unidade maior).
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17
LM
MASTOR
MDs
MEC
MRE
PALOP
PBSL
PCNs
PLE
PLID
PLIDEF,
PLIDEM
PLIDESU
PLM
PNLD
PSL
SA
SC
SD
SESU
SIPLE
TB
TUd
TUi
UFF
UFRJ
UNB
WWW
Língua Materna
Multilingual Automatic Speech-to-speech Translator
Materiais Didáticos
Ministério da Educação e Cultura
Ministério das Relações Exteriores
Países de Língua Oficial Portuguesa
Português do Brasil Segunda Língua
Parâmetros Curriculares Nacionais
Português Língua Estrangeira
Programa do Livro Didático
Programas do LD para Ensino Fundamental
Programas do LD para Ensino Médio
Programas do LD para Ensino Supletivo
Português Língua Materna
Programa Nacional do Livro Didático
Português Segunda Língua (SL ou L2)
Sempre Amigos
Situação comunicativa
Semiolingüística Discursiva
Secretaria de Educação Superior do MEC
Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira
Tudo Bem?
Tu destinatário
Tu interpretante
Universidade Federal Fluminense
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade de Brasília
World Wide Web
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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CAPÍTULO I - PONTO DE PARTIDA OU HISTÓRIA DE UMA ESCOLHA
O Brasil é (...) purilíngüe e multicultural (...) a imagem do país que fala
somente português, e de que o português brasileiro ‘não tem dialetos’, é
conseqüência da intervenção do estado e da ideologia da ‘unidade
nacional’ que desde sempre, com diferentes premissas e em diferentes
formatos, conduziram as ações culturais no Brasil’.
(OLIVEIRA: 2003, p. 8-9)
1.1. INTRODUZINDO A TEMÁTICA
O Brasil é plurilíngüe
2
. E sabemos que o é desde 1500, quando aqui
chegaram os primeiros jesuítas, incumbidos pelo rei português da tarefa de educar
‘os gentios’, de estruturar um sistema de ensino, enfrentando uma primeira
dificuldade - o plurilingüismo e as tensões desse processo decorrentes.
Quatro séculos de intercambialidade cultural separam o momento histórico
inicial de aculturação dos habitantes de nossa terra e a chegada de imigrantes
estrangeiros, que ao Brasil aportaram, motivados principalmente pelas novas
demandas da economia no cenário nacional e internacional.
É importante analisar a menção explícita feita à educação desses novos
integrantes da população brasileira no texto constitucional, pois ela dá visibilidade a
esse processo histórico, conforme podemos observar na reprodução do artigo 149
da Constituição Federal de 1934, feita a seguir:
A educação é direito de todos e deve ser ministrada pela família e pelos poderes
públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e estrangeiros
domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e
econômica da Nação, e desenvolver num espírito brasileiro, a consciência da
solidariedade humana.’ (Ênfase adicionada).
2
Retomo o conceito de plurilingüismo em comunidades lingüísticas de contato: línguas autóctones (indígenas),
línguas alóctones (em escolas bilíngües), línguas de fronteira (faladas em regiões de fronteira entre os países) e
línguas estrangeiras (de imigrantes), conforme SAVEDRA (2003, p. 49).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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19
A presença da palavra estrangeiros no texto constitucional citado tem uma
significância muito especial, porque fica assumida, de modo oficial, a presença de
uma plurietnia e, conseqüentemente, de um plurilingüismo no Brasil. A própria
omissão de artigo antes do substantivo (estrangeiros) cria um efeito de sentido que
confirma a ‘conhecida’ diversidade de grupos de imigrantes, que para o Brasil vieram
no início do século XX, processo que foi ‘exigindo’ mudanças no sistema
educacional estruturado até então.
Percebe-se que houve mudanças. E é assim todo e qualquer processo
histórico. Como podemos analisar essa trajetória? Vivemos hoje a Era dos Direitos,
da Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos (DUDL)
3
. Em relação à realidade
brasileira, eles são a conquista de uma longa trajetória histórica de cinco séculos,
que chegou a ser classificada como lingüicídio (LUNA: 2000, p.14), uma vez que
foram enfrentados muitos conflitos para a implementação do que hoje podemos
denominar Política Lingüística.
Esse processo teve como marco inicial o nosso ‘descobrimento’, desde a
chegada dos jesuítas no Brasil no início do século XVI. Não podemos, pois, ignorar a
importância desses religiosos no desenvolvimento de um sistema educacional na
colônia, na ‘fundação’ de um discurso didático e na instituição de práticas
pedagógicas, cujas ressonâncias discursivas
4
podem até hoje ser identificadas.
Podemos atribuir também aos jesuítas o pioneirismo no processo histórico de
constituição dos Materiais Didáticos (MDs) no território brasileiro, a influência sobre
as primeiras escolas de imigrantes alemães, poloneses, italianos, japoneses. Esses
3
Ela foi proclamada em junho de 1996, em Barcelona, tendo como pressupostos a Declaração Universal dos
Direitos do Homem (1948), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966), Declaração sobre os
Direitos de Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Lingüísticas (1992), a Carta
Européias sobre as Línguas Regionais ou Minoritárias (1992), Declaração de Santiago de Compostela (1995),
Declaração do Recife de 09/10/1987, Declaração Universal dos Direitos Coletivos dos Povos, Barcelona (1990),
Declaração Final da Assembléia Geral da Federação Internacional dos Professores de Línguas Vivas , Hungria,
1991, entre outros.
4
No dizer de SERRANI-INFANTE (1994).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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20
constituem os primeiros ensaios de ensino de Português como Língua Estrangeira
(PLE) no solo do Brasil, a produção de MDs, a pressão das políticas públicas de
educação.
De Pombal à DUDL, muitos aspectos constituem elementos fundamentais
para a compreensão dos contratos de comunicação que dão suporte ao discurso
didático veiculado pelas políticas lingüísticas adotadas no país durante o período
colonial e republicano no que se refere ao ensino de PLE. E a essa temática iremos
nos dedicar.
1. 2. EQUACIONANDO A ESCOLHA
‘A Língua Portuguesa encontra-se, pois, particularmente bem
posicionada no contexto da disputa linguística que actualmente se trava
no panorama internacional, sendo um dos raros idiomas que detém o
estatuto de língua materna em estados ou territórios de quatro
continentes’.
(COUTO: 2004)
Dados estatísticos sobre as cem línguas maternas mais faladas no mundo,
divulgados em 1999, colocavam a língua portuguesa em sexta posição, com um total
de falantes calculado em 170 milhões. Verificava-se, por conseguinte, que entre as
dez línguas maternas com maior expansão no planeta, o Português apenas era
suplantado pelo Chinês (Mandarim), o Espanhol, o Inglês, o Bengali e o Hindi,
ocupando a posição de terceira língua européia, embora com um número de falantes
idêntico ao Russo. O Português é, atualmente, a língua oficial de oito Estados
5
em
quatro continentes; língua de trabalho em doze organizações internacionais, sendo
5
Portugal, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Mocambique, Angola, Brasil.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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utilizado quotidianamente por cerca de 200 milhões de seres humanos. O gráfico 1
mostra a importância da língua portuguesa entre as dez principais línguas maternas
do mundo:
6
Gráfico 1: A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO
(In: http://www.instituto-camoes.pt/bases/lingua/portugues.htm)
Os dados, apesar de recentes, já estão defasados, visto que a população
brasileira atinge hoje 182 milhões de habitantes, representando quase o dobro das
93 milhões de pessoas existentes no país em 1970. Ou seja, em 34 anos a
população do país praticamente
duplicou. Em 2050, o contingente populacional do
Brasil poderá alcançar os 259,8 milhões de habitantes, o que colocaria o país na 6ª
posição do ranking mundial, precedido da Índia, com 1,531 bilhão; da China, com
1,395 bilhão; Estados Unidos, com 408,7 milhões; Paquistão, com 348,7 milhões; e
Indonésia, com 293,8 milhões.
7
A sociedade mundial está em rápida transformação e os principais motores
desse processo são o avanço tecnológico e das novas tecnologias do conhecimento;
a internacionalização e o processo de globalização, favorecidos pelo uso cada vez
6
In: <www.sil.org/ethnologue/top100.html>. Acesso em 03 de outubro de 2004.
7
Os dados estão na publicação ‘Projeção da População do Brasil por sexo e Idade para o período 1980-2050,
Revisão de 2004’, do Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE). Dado colhido em 06 de novembro de
2004 no site governamental: <htpp://interlegis.gov.br/comunicacao/20020206120503/20040831105243/view>.
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mais amplo da internet, pela formação de blocos de países como a Comunidade
Européia (com moeda única) e o MERCOSUL, só para citarmos alguns exemplos.
‘O MERCOSUL prevê medidas de integração educativas, culturais e lingüísticas,
dentre as quais o ensino de português e de espanhol nos países membros [...]
Quanto aos resultados, eles se mostram ainda bastante tímidos, e
provavelmente isto se deve em parte ao fato da [sic] língua portuguesa assim
como a língua espanhola ocuparem um lugar de pouco prestígio como língua
estrangeira no sistema escolar dos países da América do Sul’. (PEREIRA: 2003,
p. 59).
Os alunos que hoje aprendem PLE vivem nesse mundo globalizado, em um
contexto intercultural, o que lhes permite construir uma bagagem de experiências e
de conhecimentos cada vez mais heterogênea. O gráfico 2, a seguir, mostra a
projeção estatística feita para 2050:
Gráfico 2 PROJEÇÕES DEMOGRÁFICAS DE FALANTES DE PORTUGUÊS LM
Ainda conforme COUTO (2004):
A partir do cruzamento dos dados fornecidos pelas organizações de cariz
regional em que o Português assume a função de uma das duas línguas
oficiais com as projecções demográficas das Nações Unidas até 2050
chegamos à conclusão de que o nosso idioma encontra as maiores
potencialidades de crescimento, enquanto língua de comunicação
internacional, na África Austral e na América do Sul [...] O recente fenómeno
de integração regional que conduziu à criação do MERCOSUL está a contribuir
de forma intensiva para um movimento recíproco de ensino do Português e do
Espanhol entre os países membros. A associação deste elemento novo e
dinâmico com as projecções demográficas revela que existe um vastíssimo
espaço para um crescimento exponencial do ensino da Língua Portuguesa na
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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Argentina, no Uruguai e no Paraguai, actualmente com uma população global
de 44,5 milhões de indivíduos e que rondará os 60 milhões em 2025 e os 71
milhões em 2050” (COUTO, Ibidem)
Dentro desse panorama de intenso crescimento é que podemos conceber a
análise de Materiais Didáticos (MDs) de PLE que se constituem como instrumento
de veiculação da língua/cultura brasileira em idioma português para falantes de
outras línguas e, portanto, de culturas diferenciadas em contextos de imersão ou
não, (ou endolíngüe e exolíngüe, no dizer de FRANZONI, 1992), em um contexto
de forte demanda internacional. Mas devem levar em conta também a distância ou
proximidade da língua portuguesa em relação à do estrangeiro que deseja estudar
PLE, se tomarmos por base bem genérica, o quadro a seguir, elaborado por
GRANNIER (2002, p. 58).
Quadro 1: Tabela comparativa da proximidade entre português e outras línguas
O quadro apresentado destaca a relação de proximidade entre as línguas e o
português, e identifica as possibilidades maiores ou menores de ser adotada a
estratégia de análise contrastiva no ensino de PLE a alunos estrangeiros das
nacionalidades apresentadas.
Para que possamos entender mais claramente esse processo, é necessário
distinguir Segunda Língua (SL ou L2) de Língua Estrangeira (LE), tal como
concebemos PLE na presente pesquisa.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
24
Citando RICHARDS 1978, HEYE (2003, p. 31) situa a distinção entre LE e SL
(L2) em termos de aquisição versus aprendizagem. Há, em alguns casos,
preferência por distinguir LE de L2, considerando a primeira (LE) como a língua que
se adquire depois da materna (ou primeira), em um ambiente onde ela não é usada
naturalmente, ou seja, em ambiente de sala de aula. A segunda (L2) é a língua que
se adquire depois da primeira (L1), num ambiente social onde ela é usada como
meio de comunicação, tornando-se, para quem a adquire, uma outra ‘ferramenta’ de
comunicação, além de sua L1.
O autor distingue também bilingualidade de bilingüismo, que, segundo ele é
entendido como ‘a situação em que coexistem duas línguas como meio de
comunicação num determinado espaço social, ou seja, um estado situacionalmente
compartimentalizado de uso de línguas’ (HEYE: 2003, p. 33-4). Bilingualidade
seriam ‘os diferentes estágios distintos do bilingüismo, pelos quais os indivíduos,
portadores da condição de bilíngüe, passam na sua trajetória de vida. Os estágios
são vistos como processos situacionalmente fluidos e definem, de forma dinâmica a
bicompetência lingüística, comunicativa e cultural nas diferentes épocas e situações
de vida (HEYE, Ibidem, idem).
Para ALMEIDA FILHO (2004b), LE é uma outra língua em outra cultura de um
outro país pela qual se desenvolve um interesse autônomo (particular) ou
institucionalizado em conhecê-la, enquanto L2 é uma L não-materna que se
sobrepõe a outra(s) que não circula(m) ou circula(m) setorialmente com restrições
[...] que os alunos dominam bem ou dominam com lacunas.
GRANNNIER (2001, p. 2) introduz o termo ‘nova língua’, referindo-se à
segunda língua lato sensu. Neste grupo a autora insere os brasileiros que têm como
L1 uma das mais de 180 línguas indígenas brasileiras, [...] os que têm como a
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
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Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como sua L1, é o caso dos africanos dos
países de língua oficial portuguesa (PALOP), que têm uma perto de 200 línguas
africanas como sua L1 (...)’.
Diante dessa fundamental delimitação, vamos aprofundar nossa análise nos
processos de constituição do PLE, assim como o português que foi sendo ensinado
pelos jesuítas nos primeiros anos de nossa colonização o era. Com o passar do
tempo, os descendentes dos ‘nativos’, que foram aprendendo português, passaram
a aprendê-lo como L2 ou SL.
No exercício de regência de turmas de PLE, em turmas com alunos de
nacionalidades distintas, compostas de filhos de estrangeiros que têm o inglês como
língua materna (LM), a prática demonstra necessidades e interesses diferenciados
dos aprendizes. Essa constatação, ajuda a descortinar as distintas formas de lidar
com o aprender PLE de cada estrangeiro, o que vai demandar escolhas distintas no
que tange a estratégias de ensino, abordagem e métodos, tipo de recursos a serem
explorados, os MDs a serem utilizados.
Ao lado da importante (às vezes confortável ou desconfortável) inquietação
que a escolha/utilização de um MD suscita, outras não menos importantes surgem,
como fruto do estudo de textos teóricos da Lingüística Aplicada (LA) como o desejo
de fugir do modelo perverso de simplesmente criticar os MDs por estarem ou não
estruturados com base nos constructos teóricos eleitos para fundamentar a análise,
na qual eles vão sendo enquadrados. O presente trabalho vai buscar no MD, na
materialidade lingüística de sua estruturação, incluindo os efeitos de sentidos
criados a partir da análise de sua gramática verbal e visual (KRESS & LEEUWEN:
1996) as bases teóricas, reveladas por sua estruturação - uma concepção de ensino
aprendizagem que extrapola o âmbito da LA e vai descortinando a exigência por um
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
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olhar inter e transdisciplinar como tão bem sugeriu BORDIEU (2002, p. 105). O
principal objetivo é refletir e apresentar possíveis caminhos de ‘superação
metodológica no ensino de línguas’ (ALMEIDA FILHO: 2005, p. 87) na tentativa de
apresentar algumas respostas às perguntas por ele formuladas: Que novas
transformações esperar agora? Por que chegamos só até aqui? Até onde podemos
chegar? Como chegaremos lá? (ALMEIDA FILHO: Ibidem, p. 97-100). Ousadia ou
Obstinação? Somente a partir da leitura e análise do texto da presente tese essa
última pergunta poderá ser respondida.
1.2.1. Traçando objetivos
A principal meta da presente tese é identificar como se dão os contratos de
comunicação (CC) em MDs de PLE dirigidos a adolescentes com base nos
constructos teóricos de uma área interdisciplinar entre a Análise do Discurso (AD) –
Semiolingüística Discursiva de Charaudeau
e a LA. Ela é, portanto, produto do
entrecruzamento de referências teóricas específicas da LA e da AD confrontadas
com as experiências didáticas, vivenciadas através de minha prática pedagógica
como professora regente de PLE. No decorrer do trabalho serão investigados os
efeitos de sentido criados pelo respeito ou infração dos contratos de comunicação
(CC) firmados na elaboração dos MDs de PLE, que explicitam seu objetivo (ensino
comunicativo), seu público-alvo (adolescentes), suas estratégias para atingir essas
‘condições de produção’. Fica evidente que a complexidade do objeto de estudo vai
além do ensino de LE, uma vez que trata a linguagem compreendida como um
conjunto de práticas sociais, com foco nos textos e nas circunstâncias nas quais eles
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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são utilizados, segundo os CC firmados entre as instâncias subjetivas. Objetiva, ainda,
observar a construção do processo identitário das instâncias subjetivas no discurso
dos MDs, justificada através da análise da materialidade lingüística com que ele é
estruturado; fazer o levantamento e análise dos itens lingüísticos mais recorrentes e
relevantes para a construção das imagens das instâncias enunciativas, segundo os
CC firmados entre elas (os itens que definem essas instâncias); identificar possíveis
relações entre os CC e o contrato didático (CHARAUDEAU, 1984) ao qual as
instâncias enunciativas estariam/estão subordinadas; identificar possíveis relações
histórico-pedagógicas entre a trajetória do ensino de PLE e de elaboração de MDs de
PLE e a história do Livro Didático no Brasil; relacionar as implicações histórico-sócio-
culturais, pedagógicas e lingüísticas dos contratos (didático e de comunicação),
visando à identificação de processos discursivos entre elas existentes que, pela
análise dos CC, são evidenciados. Finalmente, objetiva sinalizar alguns caminhos de
(re)institucionalização do ensino de PLE, sob o olhar discursivo.
Como docente/pesquisadora de PLE, sinto-me nesse início de século XXI,
desafiada a colaborar no resgate de ressonâncias fundadoras do ensino de PLE no
Brasil: o início das atividades jesuíticas na colônia, as medidas tomadas pela
metrópole – a expulsão dos jesuítas, o processo de institucionalização do português
como língua nacional e as medidas de nacionalização diante da expansão das escolas
de imigrantes-, a retomada do ensino de português como língua estrangeira e,
finalmente, a configuração do atual quadro do Ensino de Português Língua
Estrangeira (EPLE) e da pesquisa em PLE.
Passado tanto tempo do marco inicial do processo histórico de disciplinarização
da língua portuguesa como LE, a presente tese pretende contribuir para o
delineamento do espaço que o ensino de PLE tem ocupado e eventualmente poderá
ocupar no contexto geral de ensino da língua portuguesa no Brasil no século XXI.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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1.2.2. Formulando hipóteses de trabalho
Como a presente pesquisa situa-se no campo interdisciplinar entre a AD e a
LA, estão sendo levadas em consideração algumas hipóteses de trabalho nessa
dimensão, para serem devidamente analisadas, segundo os elementos que
comprovem ou não dados colhidos no transcorrer do trabalho com base na
metodologia da AD – empírico-dedutiva. São elas as seguintes:
1. Fazendo a retrospectiva histórica do EPLE no Brasil, poder-se-ia
estabelecer uma relação direta entre o modelo de constituição do livro didático (LD)
de Português Língua Materna (PLM) e os LDs de PLE, dada uma aparente
semelhança entre eles quanto à estruturação (fragmentação, descontextualização de
textos e exercícios). Contudo, de modo específico, os MDs de PLE, tal como
constituídos, apresentariam uma importante incoerência constitutiva, cujas causas
estariam no seu modelo de produção, (des)focado dos fundamentos da abordagem
comunicativa, na qual consideram estar estruturados (autenticidade e sociointeração);
2. As instâncias enunciadoras das práticas educativas pressupostas
pelos/nos MDs – eu comunicante e tu interpretante – poderiam produzir entre si (e de
si) um entrecruzamento
ou provável ‘apagamento’ em relação À instância
enunciadora, cuja imagem ilusoriamente aparenta ser comunicante. Poderia haver
uma estreita ligação entre o contrato didático e os CC armazenados na memória das
situações de comunicação firmados nos MDs de PLE (CHARAUDEAU, 1984;
CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2004), provocando determinados efeitos de
sentido, cuja investigação poderia elucidar o modelo de estruturação dos MDs no que
concerne à concepção de ensino e sua conseqüente implementação.
3.
O eu enunciador (EUe) dos MDs seria, na verdade, a instância subjetiva
do discurso pedagógico (o Estado, as Leis de Educação, os editores) e funcionaria
como um superpoder
,
pré-determinando as regras do CC firmado entre o eu
comunicante e o tu interpretante (consumidores potenciais dos livros: professores,
alunos, escolas de línguas) e a constituição do modelo identitário das instâncias
subjetivas enunciadora e destinatária.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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1.3. ORGANIZANDO A TESE
O presente trabalho organiza-se, considerando as suas partes principais, em
cinco capítulos, além das considerações finais, referências bibliográficas
consultadas durante a pesquisa e a listagem de figuras, quadros, gráficos e siglas.
O Capítulo I, intitulado Pontos de partida ou história de uma escolha traça
uma panorâmica das inquietações vividas como professora-pesquisadora e os
passos dados no desenvolvimento do trabalho investigativo, situando o contexto de
sua realização. Mais do que um capítulo de introdução, visa pontuar uma tensão de
caráter constitutivo do ser professor, do ensinar/aprender uma LE. Tem como
objetivo principal postular o ser aprendente de uma LE, fazendo a distinção
necessária entre LE, SL, L2, esclarecendo o conceito de bilingüismo, de
bilingualidade e especificando as características da interlíngua. Retratanto o
contexto do ensino de PLE, notadamente no Brasil e no exterior, sinaliza a
relevância do estudo realizado e as possibilidades de extensão dos caminhos que
por ele serão apontados.
O capítulo I ressalta ainda o caráter interdisciplinar da pesquisa, entre a LA e
a AD – Semiolingüística Discursiva - CHARAUDEAU, 1983a, 1984, 1992;
1995/2005, 1996, 1999, 2002; CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2004. Finalmente
é explicitada a metodologia de pesquisa, são equacionadas as hipóteses formuladas
e elucidados os procedimentos adotados para consecução dos objetivos definidos.
No capítulo 2, intitulado O letramento em língua estrangeira, é estabelecida a
distinção entre abordagem e método e feita uma sucinta categorização das
abordagens, segundo os dois tipos em que foram divididas: as abordagens audio-
orais/visuais situacionais e as nócio-funcionais comunicativas. A seguir, seguindo a
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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unanimidade dos teóricos em relação à centralidade do LD no processo de
ensino/aprendizagem de LE, é feito um histórico do LD no Brasil, do LD de PLE e
elencadas as obras publicadas na área. É feita a caracterização dos MDs de PLE
para adolescentes, Sempre Amigos e Tudo Bem? que compõem o corpus de
análise.
O capítulo 3 – Os materiais didáticos de PLE e os contratos de comunicação
é iniciado com a definição desse tipo de contrato, em paralelo com o conceito de
contrato didático (CHARAUDEAU, 1984). No que tange a PLE, são discutidos os
pilares da abordagem comunicativa e discutida a questão da autenticidade e das
finalidades sócio-comunicativas nas práticas discursivas de leitura em PLE (com
destaque para o lugar da interculturalidade no trabalho com textos) e os processos
de aquisição de vocabulário. São explicitados os conceitos de texto, discurso,
contexto discursivo, estratégias e competências discursivas. Além disso, é
configurado o espaço do ensino da metalíngua dentro do contexto teórico
comunicativista e estudadas as estratégias de ensino da produção de textos orais e
escritos em PLE. Finalmente, abordando o conceito de tarefa em perspectiva
relacional com o que preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de
LE, é discutido o conceito de gênero textual e sua importância para a definição de
um ensino/aprendizagem de língua numa abordagem discursiva. Finalmente, com
base na análise do corpus, é formulado o conceito de transposição didática de
gênero e de gênero didático.
No capítulo 4, intitulado O jogo discursivo no ensino de PLE é feita a
apresentação das características das trocas linguageiras e definidas as instâncias
discursivas que firmam entre si CC. No desenvolvimento da análise é descrito o
processo de ocupação dos papéis discursivos e estabelecida a necessária relação
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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31
entre a ocupação desses papéis e a (re)caracterização das práticas discursivas de
que eles são parte, segundo o critério da autenticidade. São caracterizadas a
imagem de aluno, de professor e de LD; são explicitados os de seus modos de dizer
discursivo, os processos de homogeneização, fragmentação e de apagamento
identitário das instâncias discursivas, o que, segundo a análise vai comprovar,
interfere sobremaneira no desenvolvimento das práticas discursivas, abalando,
fortemente, os pilares da abordagem comunicativa apontados anteriormente: a
autenticidade e a sóciocomunicação.
No capítulo 5, são propostos caminhos e são retomadas, conseqüentemente,
as hipóteses de pesquisa e as reflexões sedimentadas na análise dos dados. Com
base na análise da materialidade lingüística dos próprios MDs, são analisados os
seus processos de fragmentação e homogeneização e revelada a circularidade do
discurso didático. No que tange ao ensino da leitura em PLE, é destacada a
imprescindibilidade de uma ação de perspectiva intercultural e interdisciplinar.
Finalmente, são apontadas perspectivas para o ensino de PLE e sugeridas novas
práticas discursivas de multiletramento. São sugeridas, ainda, ações de
(re)institucionalização do ensino de PLE.
No capítulo 6 são apresentadas as conclusões gerais da tese e, a seguir,
elencadas as referências bibliográficas que sustentaram teoricamente o presente
trabalho.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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1.4. DEFININDO A METODOLOGIA DE PESQUISA
Como explicitado anteriormente, o presente trabalho foi estruturado em área
interdisciplinar entre a AD e a LA. Por essa razão, a tradicional apresentação dos
fundamentos teóricos em que a tese será embasada vai sofrer uma necessária
adaptação. Segundo o próprio CHARAUDEAU (1995/2005, p. 19-20):
‘A análise do discurso, do ponto de vista das ciências da linguagem, não é
experimental, mas empírico-dedutiva. Isto significa que o analista parte de um
material empírico, a linguagem, que já está configurada numa certa substância
semiológica (verbal). É esta configuração que o analista percebe, podendo
manipulá-la através da observação das compatibilidades e incompatibilidades das
infinitas combinações possíveis, para determinar recortes formais, simultaneamente
às categorias conceituais que lhes correspondem. Uma análise do discurso, deve,
pois, determinar quais são seus objetivos em relação com o tipo de objeto
construído, e qual é a instrumentalização utilizada, de acordo com o procedimento
escolhido’.
É importante destacar a existência de três vertentes da AD. Aquela com a
qual vamos trabalhar, a Semiolingüística Discursiva - (CHARAUDEAU, 1983), com
filiações pragmáticas, psicossociológicas, retórico-enunciativas e mesmo
socioideológica, enfim, de caráter pluridisciplinar. Segundo essa abordagem teórica,
na semiotização do mundo, a linguagem é multidimensional e estruturada com base
no pressuposto de intencionalidade das instâncias discursivas na
estruturação/interpretação do discurso. (CHARAUDEAU, 1995/2005). O principal
objetivo de análise da AD é “destacar as características dos comportamentos
linguageiros (o ‘como dizer’) em função das condições psicossociais que os
restringem segundo os tipos de situação de troca (os ‘contratos’)” - CHARAUDEAU,
ibidem, p. 21- ênfase do autor. A outra corrente da AD é denominada de linha
francesa (Pêcheux/Orlandi). PAULIUKONIS (2002) assim a define:
‘[...] prática comum de análise que começou na década de 60 na França (em 1969
apareceu um número especial da revista Langages com o título Analyse du
discours ), que se dispôs a caracterizar a nova tendência: nessa época, foi também
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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importante a influência da obra Analyse Authomatique du Discours, de Michel
Pêcheux (1967) [...] denunciava-se como sendo uma ilusão a idéia de ser o sujeito
a fonte do sentido, uma vez que ele estaria sendo sempre assujeitado a uma
ideologia coletiva e social; privilegiava-se a desestruturação dos textos, para se
revelar a ideologia social. Pode-se, em sentido amplo, definir essa corrente como
uma tentativa de aproximação com a linha analítica do discurso de modo
psicanalítico, em que se decompõe a totalidade para se chegar ao sentido’
.
A terceira corrente designada Análise Crítica do Discurso (ACD) é centrada
na análise dos discursos preconceituosos, como o racista, o machista, o xenófobo
entre outros. Essa corrente de análise tem arrebanhado adeptos que estudam as
influências desses discursos nos espaços institucionais, uma vez que, envolvendo
valores, requerem, como conseqüência, um tratamento crítico. Seus maiores
representantes são Fairclough, Van Dijk, Emília Ribeiro; Meurer e Motta-Roth (no
Brasil).
Apesar das reflexões que a pesquisa em AD tem apontado, sua importância
na área do ensino de línguas é ainda vista de forma controversa, sendo criticada por
alguns e defendida por outros, respectivamente citados a seguir:
“[...] os resultados de pesquisa aplicada sobre questões do ensino comunicativo
não têm sido suficientes para compor um quadro teórico sólido que respalde a
prática renovadora. Isso pelos motivos que passo a expor: [..] idéias com forças
tomadas de fora da lingüística aplicada/ensino de línguas que se candidatam a
alavancar ‘mudanças’ metodológicas de amplo alcance, quase sempre além do que
podem oferecer à grande operação do ensino de línguas na prática. (Acompanha
uma postura aplicadora e muitas vezes salvadora que os inocentes não podiam
ver: por exemplo, alguns criticalistas escorados na AD de linha francesa ou
criticalistas-transformadores na perspectiva de Freire)”. (ALMEIDA FILHO: 2005,
p.100)
‘(...) A AD – que tem basicamente três vertentes distintas é um campo teórico que
oferece ferramentas imprescindíveis para o tratamento das relações entre línguas,
na medida em que propõe, como pressuposto teórico, a indissociabilidade entre as
regularidades discursivas e as representações de identidades sociais’.(FANJUL:
2002, p. 14).
Reiterando a crença na eficácia de uma abordagem interdisciplinar entre a AD
e a LA e, concordando com Fanjul, acreditamos que o processo de
inter(in)compreensão momentaneamente travado entre as falas destacadas acima
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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seja extremamente profícuo para o desenvolvimento de pesquisas na área de
ensino/aprendizagem de línguas. Que as conclusões a que chegamos no
desenvolvimento da presente tese sirvam para ratificar essa afirmação.
Conforme o exposto, a seguir são definidos conceitos teóricos basilares na
fundamentação da Semiolingüística Discursiva (cf. capítulo 2) e da LA ao ensino de
línguas. No que se refere à LA, é basilar o conceito de abordagem.
Conjunto de conceitos nucleados sobre aspectos cruciais do aprender e ensinar
uma nova língua (...) a abordagem é mais ampla que a metodologia por se
endereçar não só ao método mas também às outras três dimensões de
materialidade do ensino a saber:, a do planejamento (...) a dos materiais (que se
escolhe e se produzem)e a do controle do processo mediante avaliações’.
(ALMEIDA FILHO: 2005, p. 93).
No ensino de línguas, as abordagens podem ser classificadas em dois
grandes ramos a saber: as áudio-orais /visuais situacionais e as nócio–funcionais
/comunicativas. É importante esclarecer que os MDs que compõem o corpus de
análise da presente tese são
ditos representantes da abordagem comunicativa de
ensino, portanto do segundo tipo identificado.
Outros dois conceitos teóricos da LA são importantes para o desenvolvimento
de nossa análise. O primeiro é o de autenticidade que, apesar de ser atribuído a
WIDDOWSON (1978/1991) nas exaustivas referências feitas a este conceito por
lingüistas aplicados, já era definido, em relação ao ensino de línguas, duas décadas
antes, por COSTE (1970): ‘[...] tudo aquilo que não foi preparado para ao ensino de
francês como língua estrangeira [...] aquilo que não é adaptado ou retocado [...] que
não se limita a formas escritas’.
É interessante o registro do pioneirismo de COSTE (na área de LA com o
conceito de autenticidade) e de Charaudeau, em 1984, em análise desenvolvida em
campo interdisciplinar entre a LA e a AD, distinguindo, com base nesse mesmo
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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conceito, o professor nativo (aquele que, no contrato didático, ocupa o lugar
discursivo de testemunha autêntica), do professor não-nativo (a testemunha crítica).
Os desdobramentos dessa formulação teórica de Charaudeau vão ser definidos e
utilizados para análise dos contratos didáticos em PLE.
O outro conceito basilar da LA é o de comunicação, ou seja, a qualidade de
ser comunicativo. ALMEIDA FILHO (2005, p. 102-3) assim o define:
Para responder com maior segurança sobre a centralidade da comunicação, para
se aprenderem outras línguas, precisamos considerar os seus vários sentidos
gerais possíveis: (...)
1 Entrar numa relação dialógica com outros permitindo que emerjam significados,
laços sociais, consciência e, eventualmente, ação transformadora;
2 Desenvolver atividades orais (compreensão de linguagem oral, repetições para
ajudar a fixar, desempenho de papéis em grupos e dramatizações) com instruções
na própria língua-alvo;
3 Ensinar num ritmo rápido mantendo interações orais breves com os alunos com
o intuito de praticar e testar a aprendizagem da língua-alvo;
4 Na própria língua-alvo (ou crescentemente nela) criar ambientes de uso ou
vivência enquanto se estuda algum tópico ou área ou se busca resolver tarefas e
projetos; (...)
Ao entrarmos em comunicação aumentamos fortemente a demanda nos alunos por
língua (vocabulário, regras fonológicas, sintáticas e discursivo-culturais) num
momento em que eles (os aprendizes) ainda não as possuem. Este é o grande
desafio pedagógico inicial – o de abrir comunicação com poucos recursos
lingüísticos.” (Ênfase adicionada)
Na relação entre o conceito de comunicação formulado acima (notadamente
nos itens de ênfase adicionada) com os de AD no transcorrer da análise, vamos
investigar se os
contratos de comunicação firmados nos MDs implementam a
‘comunicação autêntica´, tão buscada pelos comunicativistas.
A confluência entre os pilares teóricos até agora explicitados sugere
(exigem?) assumir o risco de delimitar fronteiras do(s) novo(s) território( s),
definido(s) a partir do conceito de desterritorialização: ‘a dimensão cultural na
definição de território, o vê antes de tudo como um espaço dotado de identidade,
uma identidade territorial’ (HAESBAERT: 2002, p. 35). Em que territórios dentro e
fora do Brasil se fala o português? Qual é o território do EPLE no Brasil e no
exterior? Qual o território da pesquisa aplicada do ensino de línguas? No
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem de LE, qual o território do
aluno? E do professor? Estamos falando de polissemia ou de constitutividade?
Para concluir o presente capítulo, cito SERRANI-INFANTE (1998, p. 232), que
reitera o encaminhamento da pesquisa em LA em direção multidisciplinar:
‘Os desenvolvimentos atuais dessa disciplina (Lingüística Aplicada),
particularmente nas propostas de perspectiva transdisciplinar, a meu ver, permitem
repensarmos, no cruzamento com outros domínios, fatores fundamentais no
condicionamento de processos tais como o de aquisição de segunda língua/língua
estrangeira – e seu correlativo de ensino –aprendizagem’. (Ênfase adicionada)
Segundo as atuais necessidades do mundo pós-moderno (HALL, 1996), não
pode ser considerada uma atitude perdulária ou teoricamente confusa, mas
intrinsecamente constitutiva do ‘ser-pesquisador’, a incursão por vários ‘territórios’
acadêmicos. Simultaneamente. Embasada nesses pressupostos, a presente tese faz
essa opção metodológica.
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CAPÍTULO 2. O LETRAMENTO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
Nós somos medo e desejo/ somos feitos de silêncio e som
Tem certas coisas que eu não sei dizer...”
(Lulu Santos, Certas Coisas)
2.1. O CONCEITO DE LETRAMENTO EM LE
Não saber dizer. Não conseguir compreender. Querer expressar-se e não ‘ter’
palavras para fazê-lo. Assim se sente o estrangeiro ao iniciar o processo de
aprendizagem de uma LE entrecruzando domínios, (re)delimitando fronteiras,
(re)dimensionando valores culturais... ‘Falar é sempre navegar à procura de si
mesmo com o risco de ver sua palavra capturada pelo discurso do Outro [...] Não é
raro que esse navegar mude de direção’ (CHARAUDEAU: 2002).
O domínio de línguas estrangeiras ‘globalizou-se’, tornou-se indispensável e
sempre muito bem-vindo, tanto no que tange à facilidade de interação em tempos de
popularização da interação digital quanto nos processos de interação face-a-face, no
campo profissional, nas formas de lazer e de aprimoramento acadêmico. Uma das
razões para alguém se tornar bilíngüe é, segundo MACKEY (1962) a existência de
diferentes comunidades monolíngües com as quais se precisa interagir. Do contato
lingüístico resultará o bilingüismo em diferentes graus de competência, dependendo
das funções de cada língua na vida de cada falante.
No que tange a adolescentes, público a quem se dirige os MDs analisados na
presente tese, a situação de aprendizagem de uma língua estrangeira pode ser uma
necessária mas indesejada imposição. Na condição de imigrante compulsório,
muitos chegam ao Brasil em função das oportunidades de trabalho dos pais. Deixam
para trás um lastro de amizades, de expectativas – um universo sociocultural com
que se exprimem em língua materna. Nesses casos, a saudade dos amigos
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38
deixados no país natal e até mesmo um eventual namorado(a) podem criar
situações de dificuldade no processo ensino/aprendizagem, com as quais o
professor de LE deverá saber lidar atenta e cuidadosamente, para que o processo
deslanche de modo positivo.
Em um primeiro momento, elas se evidenciam fisicamente, através da
adaptação do aparelho fonador às necessidades articulatórias para produção dos
sons da nova língua:
‘Começar o estudo de uma língua estrangeira é se colocar em uma situação
de não saber absoluto, é retornar ao estágio do infas, do neném que não fala
ainda, (re)fazer a experiência da impotência de se fazer entender. O
sentimento de regressão associado a essa situação é reforçado quando a
aprendizagem privilegia, no início, como acontece freqüentemente,, um
trabalho exclusivamente oral focalizando os sons. [...] É tão difícil para eles
(aprendizes de uma LE) sair dos automatismos fonatórios de sua língua
materna que não conseguem, repetir mesmo as seqüências mais simples’
(REVUZ: 1998, p.221).
Outras dificuldades vão surgindo, conforme a realidade de cada aprendiz, que
lida com um segundo importante e flagrante entrave: a visibilidade da arbitrariedade
do signo lingüístico:
‘[...] a operação de nominação em língua estrangeira, mais do que uma
regressão, vai provocar um deslocamento das marcas anteriores. A língua
estrangeira vai confrontar o aprendiz com um recorte do real mas sobretudo com
um recorte em unidades de significação desprovidas de sua carga afetiva [...] o
que se estilhaça ao contato com a língua estrangeira é a ilusão de que existe um
ponto de vista único sobre as coisas, é a ilusão de que uma possível tradução
termo a termo, de uma adequação da palavra à coisa [...] o arbitrário do signo
lingüístico torna-se uma realidade tangível, vivida pelos aprendizes na exultação
... ou no desânimo’ (REVUZ: Ibidem, p. 223 - Ênfase da autora
).
O aluno vai ‘aprender’ o significado das palavras e expressões utilizadas, mas
inicialmente, não conseguirá sentir o seu ‘peso’, processo que vai mobilizar ou não
os filtros afetivos (KRASHEN: 1982), conforme seja sua experiência pessoal diante
desse ‘estranhamento do dito na outra língua’. Os processos anteriormente
apresentados, ainda segundo a autora, mobilizam as mais variadas reações nos
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39
aprendizes, que vão desenvolver diferentes estratégias para lidar com a ‘nova’
situação (REVUZ: Ibidem, p. 224-5).
A primeira é a da ‘peneira’ – o aprendiz retém muito pouco do que lhe é
ensinado. A segunda, a do ‘papagaio’ – os alunos ‘decoram’ frases-tipo para
empregá-las em situações específicas (termos técnicos, por exemplo, ainda que seu
uso seja inadequado ao contexto discursivo). Na terceira, a do ‘caos’, ou seja, [...] ‘a
língua estrangeira ficará eternamente um acúmulo de termos não organizado por
regra alguma’. Finalmente, na do ‘afastamento total’, os aprendizes rejeitam todo
contato direto com a língua estrangeira. Ela é freqüente nos casos de adolescentes
imigrantes que não aceitam a nova condição e, muitas vezes, para agredirem os
pais, se recusam, a aprender a LE. Dois sentimentos são manifestados pelos
aprendizes diante dessa constatação: exultação ou desânimo (REVUZ: Ibidem, p.
223)
8
.
A complexidade do processo de ensino-aprendizagem de uma LE é bastante
significativa: ‘[...] quando se aprende uma nova língua, não se aprende apenas uma
nova técnica – palavras, sons, regras – mas se aprende também a recortar o mundo
de forma diferente. [...] Ao professor de LM cabe ampliar a competência lingüística
do falante e ao professor de LE constituí-la’ (BITTENCOURT:1997, p. 92-98). E a
própria autora complementa sua afirmação, através da tipologização dos saberes
necessários à aprendizagem de uma LE: elocucional (saber sobre as coisas do
8
Em relação aos adolescentes, minha experiência docente destaca o interesse e a enorme curiosidade. Lembro-
me de um momento marcante em que, ao trabalhar com os alunos uma situação de comunicação telefônica, eu
lhes expliquei uma das maneiras brasileiras de dizer não. Uma delas seria dizer – ‘A gente se fala’. Os alunos
riram, se divertiram, experenciando o entrecruzamento das ressonâncias de sentidos: os da LM (‘A gente se fala,
significando – ‘Vou ligar mais tarde para combinar’) e dos aprendidos nas aulas de PLE - o brasileiro que,
dizendo isso, não vai ligar, ou seja, está polidamente dizendo ‘não’. Outro exemplo a ser mencionado é o da
vivência de dois sentidos da palavra gostosa: A pizza está gostosa. Essa garota é gostosa. Um ex-aluno
estrangeiro, descobrindo o sexo em plena juventude, em toda situação de comunicação oral, proposta em aula,
inventava uma maneira de incluir uma mulher passando para ele dizer ‘Gostosa’. Através dessa repetição (e os
movimentos de face e a entonação com que proferia a frase), manifestava também uma sombra de machismo
que os meninos da classe curtiam muito, pois irritavam as meninas...
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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40
mundo), idiomático (saber lingüístico) e expressivo (saber concernente a uma dada
situação).
As considerações iniciais sobre o aprender/ensinar uma nova língua até aqui
apresentadas podem ser visualizadas no esquema a seguir (figura 1), no qual são
listados os fatores que interferem no processo de ensino/aprendizagem de uma LE.
Observe-se a presença de vários fatores intercorrentes, cuja influência no processo
será apresentada no transcorrer da análise.
Figura 1: Fatores internos e externos do processo de aprender e ensinar línguas
9
Analisando os discursos dos aprendizes sobre a história deles com a
aprendizagem de uma língua estrangeira, TAVARES (2003, p. 10-11) mostra que:
9
In: Almeida Filho,2005, p.18. Registre-se que na produção dos esquemas e gráficos nas obras mais recentes
pode-se perceber uma inevitável polifonia, fruto das relações intertextuais entre elas e os textos dos
pesquisadores que produziram os conceitos fundadores empregados na LA como Fillmore, Krashen, Widdowson
entre outros.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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41
‘[...] fica claro que há algo da ordem das subjetividades [...] o papel que eles
conferem à língua estrangeira na vida deles, a frustração por, muitas vezes, não
alcançar o sucesso na aprendizagem e o desejo por dominar a língua estrangeira
[...] o grande desejo subjacente ao aprendizado de uma língua estrangeira: o
dizer-se na língua do outro, a possibilidade de ter outros significantes que
possam significar os sujeitos’.
Ainda que sejam levados em consideração todos os fatores até agora
elencados, é imprescindível frisar que a mobilização dos saberes necessários à
aprendizagem de uma LE se dá sempre através de um trabalho de expressão, no
qual o aprendiz vai vivendo um ‘questionamento permanente sobre a adequação
daquilo que diz àquilo que quer dizer’ (REVUZ: Ibidem, p. 227). E os que aprendem
uma língua estrangeira sabem que a LM continua sendo a eleita para expressar as
emoções mais intensas, os assuntos mais pessoais. Parafraseando a epígrafe do
presente capítulo, de autoria de Lulu Santos, usando a LE ‘tem certas coisas que
não se sabe dizer’.
Assim, o letramento em PLE é o processo de aprendizagem não só da
estrutura gramatical da língua-cultura/alvo, mas a aquisição do saber elocucional,
idiomático e expressivo dessa língua. É o desenvolvimento da competência
comunicativa para a leitura e produção de textos nessa língua, de modo que,
paulatinamente, possam ser identificados ‘o peso das palavras’, ou seja, o seu valor
discursivo. Nesse processo, o aluno vai estar utilizando os conhecimentos
adquiridos na aprendizagem de sua LM e de outras LE, no que se refere às
estruturas gramaticais, aos processos de discursivização, bem como de identificação
dos diferentes gêneros textuais e de sua materialidade lingüística constitutiva, para o
atingimento cada vez mais eficiente de seus objetivos comunicativos.
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2.2. ABORDAGENS E MÉTODOS DE ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA
Adquire-se uma língua materna, mas aprende-se uma língua estrangeira
(KRASHEN: 1982).
Muitos pesquisadores têm-se dedicado a pesquisas em LA em busca da
melhor maneira de ensinar uma LE, movidos pelo desejo de equacionar o método
mais eficiente, a abordagem mais adequada. Para dar prosseguimento à análise
do letramento em LE, vamos, inicialmente fazer a distinção entre abordagem e
método:
A abordagem seria [...] refletidora de câmbios e equação contínua de um
paradigma ou modelo de fazer pesquisa aplicada rumo à produção de mais
conhecimentos relevantes sobre o ensino e aprendizagem de línguas nas
condições que temos [...] a abordagem encapsula um corte epistêmico cujo
reconhecimento rigoroso traz benefícios ao desenvolvimento teórico do ensino de
línguas’ (ALMEIDA FILHO: 2005, p. 95).
‘[...] método é basicamente um conjunto ordenado, estável e coerente de
procedimentos, atividades e técnicas de ensino, utilizados pelos professores para
desenvolver o conteúdo programático [...] método é a aplicação de princípios
teóricos” e, “por estarem atrelados às teorias, os métodos apresentam poder
normativo, com técnicas padronizadas de ensino a serem seguidas pelo
professor. Dessa forma, a prática pedagógica limita-se aos procedimentos
prescritos pelo método, ou seja, significa ser fiel a ele’ (MENEGAZZO & XAVIER:
2004, p. 116).
Método significa, então, uma combinação de ‘princípios e técnicas’. Os
princípios representariam a estrutura teórica do método envolvendo cinco aspectos
do ensino de LE: o professor, o aluno, o processo de ensino, o processo de
aprendizagem e a cultura da língua-alvo, enquanto as técnicas (estratégias)
englobariam atividades feitas em sala de aula, realizadas com base na aplicação
dos princípios (LARSEN-FREEMAN:1986). Caso dois métodos compartilhem
princípios, uma determinada estratégia poderá ser desenvolvida em ambos.
Alguns autores consideram questionável o conceito de método, visto que as
técnicas, atividades e procedimentos específicos de um método não são exclusivos
dele. Podemos citar como exemplo, os diálogos dramatizados, que podem ser
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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43
utilizados nos mais diversificados métodos. Segundo PRAHBU (1990), muitos
fatores interferem na escolha do ‘melhor’ método, dentre os quais podemos destacar
os ‘relacionados ao próprio aluno (ex. suas aspirações, personalidade, estilo de
aprendizagem), ao professor (ex. sua motivação, habilidade, atitude frente à língua
que ensina) e à organização educacional (ex. objetivos da escola, carga horária,
recursos).
Em relação ao ensinar LE de modo institucionalizado, podemos identificar os
dois extremos. Há docentes que só dispõem de um título de livro didático (para
estudo dos alunos e seu próprio) e um aparelho de som (com entrada para fita
cassete), quando há. É o caso de muitos profissionais que atuam em escolas,
geralmente da rede pública, em que as condições de ensino clamam por revisão. Há
aqueles que trabalham em instituições na qual o professor dispõe de recursos os
mais variados (dentre os quais livros didáticos de vários autores e livros teóricos,
laboratório com computadores conectados à internet ininterruptamente e interligados
em rede, Smart Board
10
, assinatura para acesso a vários links institucionais
educativos). Acrescente-se aos fatores anteriormente mencionados a diferença nos
estilos de aprendizagem, de conhecimentos prévios em LE trazidos por alguns
alunos, de bagagem cultural acumulada em ensino-aprendizagem de LM, fatores
que influenciam decisivamente na eficiência e agilidade do processo. Sem falar nos
aspectos emocionais, que são extremamente importantes.
A relação direta existente entre a escolha da abordagem e a seleção das
estratégias de ensino/aprendizagem e de avaliação, bem como a identificação do
10
O Smart Board é um quadro computadorizado onde o professor pode escrever e ir abrindo novos ‘quadros’ –
novas telas. Tudo o que escreve fica armazenado e ele pode ir retomando o que foi escrito e vários ‘quadros’
podem ser abertos ao mesmo tempo. Toda a aula em áudio e vídeo pode ser registrada (esses arquivos ficam
disponibilizados para os alunos ou para consulta posterior). Durante o uso do Smart Board o professor tem
inclusive acesso à internet. O uso desse equipamento permite o encaminhamento diferenciado das atividades de
fixação dos conteúdos estudados. Sobre os recursos citados cf capítulo 5 da presente tese.
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44
público-alvo, são de extrema relevância no planejamento de cursos e elaboração de
MDs, conforme podemos visualizar na figura 2, reproduzida a seguir:
Figura 2 Abordagem de ensino de línguas
11
Segundo CORACINI (1995) a concepção de língua(gem) e as visões de
leitura podem ser classificadas em três tipos distintos: o de base estruturalista,
cognitivista e discursiva. Segundo cada tipo de abordagem, há variações no conceito
de texto. Para os estruturalistas, o texto é visto como ‘fonte única de sentido’. Para
os cognitivistas, ele é o ‘conjunto de pistas deixadas para serem descobertas pelo
leitor. Na abordagem discursiva, o texto e sua materialidade lingüística são
concebidos como uma infinita rede de jogos de linguagem (WITTGENSTEIN: 1969),
de significados partilhados por instâncias enunciativas em determinado
sócio-
histórico-ideológico.
Para os estruturalistas, o leitor é decodificador, receptáculo do saber contido
no texto. O sentido (único existente) encontra-se nas palavras e nas frases; a leitura
(autorizada pela forma do texto) é um processo passivo de decodificação. Na
concepção cognitivista, a língua é um sistema de esquemas socialmente adquiridos;
11
In: ALMEIDA FILHO (2002, p.22).
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45
o leitor é um sujeito ativo, inferidor de sentidos, recuperados pelas pistas deixadas
pelo autor, e a leitura é um processo ‘interacionista autor/leitor/texto’ realizado com
base no confronto entre os conhecimentos prévios do leitor e os dados do texto. Na
concepção discursiva, a produção de sentidos se dá pela ação das instâncias
enunciativas (é, portanto, processual) e, por conseguinte, cada leitura é única, pois
serão sempre variáveis o momento, os sujeitos e os lugares em que ela se
desenrolar.
As numerosas pesquisas em LA têm revelado o ecletismo com que tem sido
desenvolvido o trabalho de ensino de línguas. Vamos, portanto traçar um sucinto
panorama dos principais métodos de ensino de línguas, dividindo-os em dois
grandes ramos de abordagens: as áudio-orais/visuais situacionais e as nocio-
funcionais comunicativas.
2.2.1. Abordagens áudio-orais/visuais situacionais
De base estruturalista, no Método da Tradução e Gramática ocorre o privilégio
da leitura, habilidade a ser desenvolvida além da escrita. A capacidade de se
comunicar oralmente na língua-alvo não é um objetivo de ensino. A tradução, meta
mais importante para o aluno, é empregada no ensino da LE (sendo inclusive, ponto-
chave na avaliação). Para uma boa tradução, acredita-se ser necessário o domínio
das regras gramaticais e das conjugações verbais da língua-alvo, além, é claro, da
memorização do vocabulário.
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46
O professor ‘domina’ os turnos de fala durante a aula. A participação do aluno
é bastante restrita e quase nula a interação aluno-aluno. Entre as atividades mais
desenvolvidas destacam-se exercícios de tradução de passagem literária da língua-
alvo para a materna (momento em que o aprendiz desenvolve sua capacidade de
procurar de sinônimos e antônimos, de identificar cognatos e aplicar, ainda que
intuitivamente, regras gramaticais ‘assimiladas’).
A ampliação de vocabulário se dá pela memorização de palavras, que se
espera sejam insumo para formação de frases. São realizados exercícios de
preenchimento de espaços com palavras omitidas nos textos e testes de
compreensão de leitura. Como atividade de produção escrita, os alunos fazem
‘composições’ partindo de um tópico dado pelo professor.
O Método Direto segue na contramão e condena a tradução para a LM.
Conseqüentemente, as aulas são totalmente ministradas na língua-alvo (inclusive
para principiantes), através de mímicas e simulações de situações reais, nas quais é
fundamental o uso, pelo professor, de reálias (objetos, fotos, ilustrações em geral),
de gestos e mímicas na introdução do conteúdo e depreensão dos significados pelos
alunos.
A divisão dos turnos de fala é equânime entre alunos e professores e entre
alunos e seus colegas de classe. A gramática ‘nunca’ é apresentada explicitamente,
mas deve ser intuída pelos alunos. Leitura em voz alta de passagens, peças ou
diálogos; ditados e exercícios de pergunta e resposta, de preenchimento de lacunas
são conduzidos na língua-alvo. Ocorre ainda a simulação de conversação e
produção escrita discente sobre situações ‘reais’.
O Método Audiolingual e o Método Direto têm muitos aspectos em comum,
mas muitas diferenças também. Surgido a partir das idéias geradas pela lingüística
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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47
descritiva e pela psicologia behaviorista, o principal objetivo no método Audiolingual
é tornar os alunos capazes de usar a língua-alvo para a interação. Presumia-se,
quando de sua implementação, que os aprendizes podiam aprendê-la
automaticamente, sem ‘parar para pensar’, formando ‘novos’ hábitos na língua-alvo
e superando os antigos assimilados de sua LM. Nesse método, o conteúdo é
sempre bastante estrutural e introduzido através de diálogos iniciais aprendidos com
memorização, imitação e repetição. A partir desses ‘recortes interativos’ são
propostos exercícios de fixação dos conteúdos e do vocabulário ‘novo’.
A estratégia de proposição de jogos também é adotada e as repostas corretas
apresentadas pelos alunos são reforçadas positivamente com prêmios ou elogios.
Introduzido de modo ‘indireto’, através dos ‘recortes estruturais’, incluídos
intencionalmente nos diálogos, o conhecimento gramatical não vem acompanhado
de sistematização de regras. A interação aluno-aluno é uma constante,
especialmente nos ‘drills’, quando cada aprendiz se reveza nos diferentes papéis do
diálogo. Essa ‘interação’ é dirigida pelo professor, responsável por apresentar aos
alunos um modelo de fala, além de ser o facilitador no processo de dirigir e controlar
o aprendizado lingüístico dos discentes.
Sendo o foco a competência oral, a pronúncia é ensinada desde o começo,
geralmente com os alunos trabalhando em laboratórios de línguas e em atividade
em pares. As estratégias mais empregadas são as de memorização de frases
longas parte por parte, de memorização e dramatização de diálogos, para a
realização de jogos de completar esses mesmos diálogos ou bem similares. São
também desenvolvidas atividades de conversação em pares; drills ou jogos de
vários tipos como repetição (para memorizar estruturas ou vocabulário); de
pergunta-resposta (para praticar estruturas); de construção de frases a partir de
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48
pistas (palavras) dadas; de transformação de frases negativas em afirmativas (entre
outros), além de jogos para diferenciar palavras parecidas (tia /dia; pão/pau) ,
realizados com o objetivo de melhorar a pronúncia dos alunos.
No ‘Silent Way’ (ou método silencioso), a aquisição lingüística é considerada
um processo no qual as pessoas, através do raciocínio, descobrem e formulam
regras sobre a língua aprendida, com o objetivo de estimular a expressão do
pensamento, a percepção e o sentimento dos alunos e desenvolver sua
autoconfiança e independência. Centrado no aluno e na crença de que ele e
somente ele constrói seu processo de aprendizagem, o papel do professor é o de
provocar o raciocínio discente usando o ‘silêncio’ como estratégia tanto para atingir
esse objetivo como estimular o trabalho cooperativo entre os aprendizes. Segundo
sua estrutura de funcionamento, a implementação do método requer a elaboração
de fichas com cores, ou sinais que representem sons ou palavras. Os sons da língua
são distintos e aprendidos através da memorização das cores de cada uma das
fichas manipuladas pelo professor. Paulatinamente, os alunos vão formando
palavras com a ‘associação’ dessas fichas aos sons que elas representam.
O ensino da estrutura da língua é feito pelo professor, à medida que vão
sendo criadas situações que focalizam a atenção dos alunos para o mínimo de
pistas faladas, em cuja base eles são conduzidos a produzir a estrutura. As
habilidades de falar, ouvir, ler e escrever se reforçam mutuamente. Como o próprio
nome diz, o silêncio do professor é a mola mestra do método. Aliado a ele, o uso de
fichas coloridas associadas a sons ou palavras, uso de gestos e de um ‘quadro’ de
palavras. A avaliação dos alunos é realizada através de correção em pares -
avaliação da lição no final da aula pelos próprios alunos, o que favorece o
desenvolvimento de uma atitude contínua de autocorreção.
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49
SERRANI-INFANTE (1989, p. 261), estudando os bloqueios provocados nos
aprendizes em suas etapas iniciais do processo de aprendizagem de uma LE,
mostra como eles podem interferir no processo de aquisição dessa LE. A etapa de
silêncio funcionaria como um marco de produção pré-verbal. Essa posição é
defendida por GRANNIER (s/d, p. 2)
12
que, estudando as dificuldades de
comunicação de aprendizes hispanofalantes devido a falhas de pronúncia, afirma:
‘(...) quando a percepção estiver bem consolidada é que o aprendiz deverá
começar a produzir enunciados com a distinção em questão. A queima de etapas e
o estímulo à produção oral espontânea constituem impedimento à aquisição de
propriedades distintivas. Na maioria das vezes, o impedimento torna o processo
irrecuperável, pois o aprendiz se acostuma a transferir o português para a fonologia
de sua língua materna (o espanhol)’.. (Ênfase da autora).
Outros autores também reforçam a importância da consolidação de
conhecimento comunicativo-alvo antes de o aluno ser impelido a realizar atividades
em que esse conhecimento seja exigido. Em outras palavras, preconizam que não
se cobrem do aluno a sua exploração, sem um preliminar e consistente trabalho de
ensino/aprendizagem.
‘Suggestopedia’ (Sugestopedagogia) é um método que parte do princípio do
esperado ‘atraso’ da aprendizagem lingüística em decorrência de ‘barreiras’ que o
próprio aprendiz se impõe, por medo ou auto-sugestão. Há uma grande
preocupação no sentido de ajudar os alunos a superarem esses ‘entraves’ e o
trabalho é concentrado no sentimento dos alunos e na necessidade de ativação de
suas potencialidades cerebrais. Há também um grande investimento na composição
do ambiente de estudo, que deve ser acolhedor, relaxante e confortável, pois o
aluno precisa sentir-se bem, confiar no professor, para que este possa ativar sua
imaginação e ajudá-lo no desenvolvimento de seu processo de aprendizagem.
12
Texto capturado em http://lamep.aokatu.com.br, acesso em 30 de julho de 2005.
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50
A utilização de reforços visuais como pôsteres com informações gramaticais
dispostos pela sala é um recurso empregado para incitar a aprendizagem periférica
do aluno, ou seja, sua capacidade de aprender através de estímulos externos e do
recebimento de insumos constantes no ambiente escolar, como mecanismo de
suprir os que muitas vezes não são objetivamente explicitados numa lição.
Dada a sua função, esses estímulos visuais são trocados periodicamente. A
apresentação do conteúdo é feita em duas etapas. Na primeira, a receptiva, em um
ambiente bastante favorável, geralmente com música ao fundo ou ambiente, o
professor apresenta (lê) um diálogo. Esta estratégia objetiva primordialmente à
ativação dos dois lados do cérebro dos estudantes, que acompanham a leitura do
professor e checam a tradução. Concluída esta etapa, o professor repete a leitura
enquanto os alunos apenas ouvem e relaxam. Em casa, a releitura do texto é feita à
noite, antes de dormir e de manhã, ao acordar, com o objetivo de fixar o conteúdo.
A fase ativa, visa à introdução e prática de novas estruturas, momento em que os
alunos organizam atividades de dramatização, jogos, música e exercícios de
pergunta-resposta.
O método ‘Community Learning’ (Comunidade de aprendizagem) tem como
pilar o conceito de que os alunos devem ser vistos como ‘pessoas por inteiro’
(LARSEN-FREEMAN: 1986, p. 89). Assim, são igualmente valorizados os
sentimentos e o intelecto de cada aprendiz e priorizada a relação entre suas reações
físicas, instintivas e a vontade de aprender. O professor precisa estar sempre
sintonizado para a necessidade de apoio a seus alunos com relação a seus medos e
inseguranças na aprendizagem. Para isso, é necessário um redimensionamento nas
relações de poder: o professor deverá ocupar uma posição menos autoritária e
ameaçadora, fomentar a construção de um clima cordial e de integração na classe.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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51
Para que se sintam cada vez e sempre mais seguros, os alunos devem estar
sempre muito bem informados sobre o que foi planejado para cada aula, de modo
que sejam levadas em consideração suas limitações com vistas a seu bom
desempenho no processo de avaliação.
O controle da interação deve estar sempre na mão dos alunos. Essa é uma
estratégia poderosa de auto-avaliação e de autocontrole do processo de
aprendizagem por cada discente. Mas o individualismo não deve ser incentivado,
sendo evitada assim a competição. A palavra–chave de todo processo é a
cooperação. A aprendizagem lingüística visa à comunicação e expressão de idéias.
O apoio da língua nativa é bem-vindo, visto que, muitas vezes, os alunos
constroem frases a partir de blocos de palavras traduzidas pelo professor. É
costume os alunos gravarem estas frases em pedaços e depois transcrevê-las por
inteiro em textos, considerado suporte para o desenvolvimento de atividades de
reforço de tópicos gramaticais. A prática da auto-avaliação é altamente valorizada.
Os alunos são constantemente convidados a expressarem seus sentimentos diante
do processo de aprender. O professor deve estar sempre preparado e aberto a
compreender as reações dos aprendizes e apto a conduzi-los a uma aprendizagem
cada realmente efetiva, superando os pontos de entrave. As principais estratégias
desenvolvidas nesse método são a gravação e transcrição da conversa dos alunos,
material usado ainda para as atividades de aprimoramento da pronúncia e de
ampliação das frases já elaboradas. As atividades são realizadas em pares ou em
pequenos grupos e a avaliação das atividades, feita de modo aberto e na própria
sala de aula.
Total Physical Response’ (Total resposta física) é um método ligado a uma
abordagem de ensino de línguas chamada de ‘abordagem de compreensão’, assim
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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52
denominada, pois, ao contrário dos métodos que enfocam as habilidades de fala
primeiramente, no Total Physical Response é enfatizada a compreensão auditiva.
Essa opção metodológica se dá a partir da observação do processo de
aprendizagem da língua materna, cuja primeira fase é a de recepção de intenso
insumo auditivo, para somente então começarem a esboçar as primeiras formas de
conversação oral.
Esta abordagem se assemelha ao método direto em muitos pontos. A
diferença básica está no fato de a língua materna ser usada no início como
ferramenta de facilitação da aprendizagem dos alunos, que deve ocorrer de forma
prazerosa, ponto essencial do método. Para a consecução desse objetivo, são
realizadas muitas atividades divertidas e engraçadas, tendo a mímica e movimentos
corporais papel de destaque como um grande recurso para ajudar na compreensão.
Muitas estruturas são aprendidas e praticadas através de comandos. O
professor pode dar um comando do tipo: ‘Todos sentados’, fazendo a mímica da
ação para que os alunos assimilem a ordem e o movimento certo. Concluída a
repetição de uma série de comandos, os aprendizes passam a demonstrá-los ao
resto da turma. Depois de terem domínio de uma série deles, os alunos aprendem a
lê-los e escrevê-los e, somente então é iniciada a exposição a novas estruturas. A
seguir são realizadas atividades orais e novos comandos são apresentados.
Como destaque das atividades desenvolvidas podemos citar o uso de
comandos tanto do professor, ditando um comportamento aos alunos, quanto destes
propondo ações que os professores devam executar. É importante frisar a rigidez
seqüencial das ações: o professor dita uma série de ações de uma só vez e o aluno
a executa ou vice-versa.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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53
2.2.2. Abordagens nócio-funcionais comunicativas
O emprego do adjetivo comunicativo faz alusão à base teórica na qual se
fundamentam inúmeras pesquisas em ensino de LE na área da Lingüística Aplicada,
o comunicativismo.
Sabemos que o comunicativismo é de base teórica cognitivista, ou seja,
fundado a partir das noções de ‘competência’ e ‘desempenho’ contidas nas teorias
chomskinianas. Com esse referencial teórico, HYMES (1972) trabalhou para
formular o conceito de competência comunicativa, segundo o qual fica reconhecida a
importância fundamental do uso coerente, adequado e lingüisticamente consistente
da linguagem em situações interativas.
É relevante que se destaque o contexto histórico da formulação desses
conceitos. Na década de 70 (séc. XX), época de domínio do método audiolingual de
ensino de LE, o aumento do fluxo imigratório foi determinando novas demandas,
entre as quais pode-se citar a aceleração dos processos de ensino-aprendizagem de
línguas, em situações reais, nas quais os aprendentes pudessem se comunicar
realmente. No dizer de HYMES (ibidem), passou a ser exigida uma competência
comunicativa na língua alvo.
Àquela época (décadas de 60 e 70), no Brasil, a produção teórica na área da
LA ainda era inconsistente; insuficiente, portanto, para proceder a uma análise
crítica do método audiolingual já tão fragilizado na Europa e nos Estados Unidos
(ALMEIDA FILHO: 2001).
A contribuição de Hymes foi muito importante para que pudéssemos
compreender como se deu o deslocamento de uma abordagem centrada na
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54
estrutura lingüística para a abordagem comunicativista, que preconiza a
interdependência entre língua e comunicação.
É muito importante reforçar ainda o fato de que a abordagem comunicativa
não preconiza o abandono do estudo metalingüístico da língua, como inicialmente se
pensou. Tal como no começo do EPLE no Brasil, a implantação da abordagem
comunicativa teve que enfrentar um dos seus mais fortes inimigos, o despreparo de
docentes.
O primeiro princípio básico da abordagem comunicativa é considerar como
basilar o desenvolvimento das habilidades de ouvir, falar, ler e escrever, concebidas
em uma perspectiva integrada, que já existia no áudio-lingual, é importante registrar.
Por ter como objetivo principal a comunicação, o ensino objetiva também levar o
aluno a ser capaz de enfrentar desafios cognitivo-lingüísticos, à semelhança do que
ele, como aprendente de LE, vai enfrentar nas situações do dia-a-dia, se estiver em
contexto endolíngüe. Cada uma dessas situações deve ser autêntica,
consubstanciada no conceito de tarefa
13
que o aprendente deve realizar e, através
da qual vai comprovar o atingimento do principal objetivo de aprendizagem de uma
LE – a comunicação, na ação do aprendiz como fundamento do processo de
aprendizagem.
O objetivo do ensino de LE é, segundo a abordagem comunicativista, de
cunho sócio-interacionista e preconiza o fato de se tornar os alunos
‘comunicativamente’ competentes. Assim, é insuficiente o simples conhecimento das
formas da língua-alvo e de seu significado e funções, pois a aprendizagem
13
Para PRABHU (1987, p. 27), tarefa é ‘um tipo de atividade que requer que os aprendizes cheguem a um
resultado a partir de uma dada informação, através de algum processo de pensamento controlado e regulado
pelo professor’. O manual do exame CELPEBras (Exame de Certificação em Português Língua Estrangeira),
organizado pelo MEC, define assim o conceito: ‘Fundamentalmente a tarefa é um convite para agir no mundo,
um convite para o uso da linguagem com propósito social. Em outras palavras, uma tarefa envolve basicamente
uma ação, com um propósito, direcionada a um ou mais interlocutores’ (BRASIL: 2002a, p. 5):
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
55
lingüística só pode ser compreendida enquanto processo de comunicação, na
interação, fazendo uso da língua no contexto social.
O falante tem de saber escolher entre diferentes estruturas a que melhor se
aplica às circunstâncias da interação entre ele e o ouvinte ou, entre o escritor e
leitor, como por exemplo, em situações formais de interação. Deve saber empregar
formas sutis para mostrar desagrado, recusar, aceitar, convidar, pedir algo, mostrar
desinteresse entre outras.
É evidente que esse comportamento lingüístico vai demandar o domínio não
só de competência gramatical ou lingüística, mas também de habilidades
sociolingüísticas, discursivas e estratégicas, desenvolvidas através de várias
práticas, dentre as quais podemos destacar as de comunicação ‘autêntica’ (trabalho
centrado em textos ‘autênticos’)
14
.
O carro-chefe do estudo do texto na abordagem comunicativa é encontrado
em WIDDOWSON (1978/1991) - a noção de texto autêntico, a qual tem sido
amplamente reiterada por lingüistas aplicados, mas que é, na presente tese,
revisitada. Segundo a concepção desse autor, o texto e seus excertos devem ser
‘uma porção de discurso genuíno, uma mostra real de uso’ e é ‘exatamente a
capacidade de trabalhar com discurso autêntico que buscamos desenvolver no
aprendiz’ (WIDDOWSON: Ibidem, p.113).
Segundo os teóricos do comunicativismo, é adequado que o professor faça
uso de material autêntico como artigos de revistas, jornais, trechos de programas de
rádio e TV e desenvolva atividades que englobem a resolução de problemas, a
discussão de idéias e de posições. Os jogos e as dramatizações constituem também
importantes estratégias para que os alunos tenham acesso à língua como ela é,
14
A discussão sobre nossa concepção de ‘autenticidade’ será feita ao longo do trabalho, mas especialmente no
capítulo 3.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
56
usada efetivamente por seus falantes em situações autênticas de comunicação. São
muito exploradas as atividades de conversação em pequenos grupos, dessa forma,
maximiza-se o tempo de uso da língua pelos alunos.
Face ao grande lastro de pesquisa aplicada centrada nos aspectos teóricos
do comunicativismo, inúmeros materiais e técnicas têm sido publicados. Todos
tendo em comum a preocupação com o uso de material autêntico: (re) construção de
textos, cujas frases foram ‘desordenadas’; realização de jogos de cartões nos quais
os alunos dispõem de pistas para produzirem uma situação de interação na qual
formulem perguntas autênticas para obterem repostas também pessoais e
autênticas; construção de narrativas a partir da ordenação de figuras ou ilustrações
apresentadas pelo professor; dramatização de cenas propostas pelos próprios
alunos ou pelo professor.
Para ALMEIDA FILHO (1993, p. 42-43), ser comunicativo é realizar um ensino
centrado no aluno enquanto sujeito de seu processo de aprendizagem, realizar
práticas significativas e relevantes no que tange às ‘mensagens contidas nos textos,
diálogos e exercícios para a prática da língua’; manifestar tolerância quanto ao apoio
da LM no desenvolvimento do processo de aprendizagem da LA; reconhecer os
erros como sinais de crescimento do aluno; realizar exercícios mecânicos para
exercitar os subsistemas lingüísticos (pronomes, conjugação verbal) e fixar as
regularidades lingüísticas; ficar atento às manifestações afetivas do aluno
(ansiedade, inibição, empatia com a cultura de outros povos, além dos diferentes
estilos de aprender); avaliar a produção lingüística dos alunos (sua proficiência)
sempre ‘dentro de eventos comunicativos de fala/escrita’.
De modo bastante diverso das iniciativas de implementação dos seus
pressupostos basilares, na abordagem comunicativista não há (pre)visão de
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
57
sistematização em termos de estruturas ou do ensino de itens gramaticais na língua-
alvo. O ensino gramatical ocorre quando essa necessidade é sentida por parte do
aprendiz, já que ele é o centro do processo ensino-aprendizagem, o núcleo em redor
do qual as atividades devem ser planejadas, realizadas e avaliadas.
Para que a proficiência na língua-alvo vá, gradativamente, se desenvolvendo,
é necessário, então, que o professor disponha de uma consistente base teórica.
Além disso, como orientador da aprendizagem, o docente deve ir lançando mão de
estratégias de ensino e de metodologia adequadas à realidade e às necessidades
dos alunos, através do uso de materiais que apresentem a língua em situações
autênticas de uso, de modo a que o aluno se torne capaz de interagir na língua-alvo
nas situações com que deparar, principalmente, atendendo aos seus interesses e
expectativas comunicativos.
A necessidade do desenvolvimento da competência comunicativa foi
apontada por HYMES (1972), que a definiu como sendo mais abrangente que a
competência lingüística, na medida em que ela englobaria ação através do
cumprimento de uma tarefa por parte do aprendente. Podemos perceber que a
abordagem comunicativista preconiza o deslocamento do eixo do ensino de LE da
perspectiva nitidamente estruturalista.
Classificada como “emergente” em 1994, ainda hoje, identifica-se um
ecletismo entre atividades elaboradas em uma abordagem comunicativista e
atividades de base estruturalista. Esse ecletismo cria um efeito de sentido de
fragmentação, conforme vamos mostrar na análise dos MDs (capítulo 4).
Os reflexos da abordagem comunicativista ainda podem ser sentidos na
atualidade. Alguns lingüistas aplicados, discordando do ecletismo com que sempre
tem sido conduzido o ensino de LE, e, baseando-se na condição pós-método,
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
58
formulada por KUMARAVADIVELU (2001), propõem a adoção de um ‘pragmatismo
com princípios’, isto é, ‘a valorização das atividades de ensino moldadas e geridas
pelo professor através de sua postura engajada, reflexiva e crítica’ (MENEGAZZO &
XAVIER: 2004, p.121).
O pós-método seria uma alternativa para o tão buscado, mas nunca
encontrado ‘bom método’. A condição pós-método é concebida no escopo da
pesquisa-ação, definida por MOITA LOPES (1996), NUNAN (1997) E ALLAN (1997),
segundo a qual o professor deixa de ser consumidor de teorias produzidas e
veiculadas por outrem, para assumir a posição de produtor de conhecimento, com
base não só na sua reflexão sobre o que foi assimilando da produção teórica a que
teve oportunidade de acesso, mas, principalmente, pela reflexão acerca da prática
que desenvolve, a qual o embasará para tomada de decisões pedagógicas
.
A condição pós-método tem sua implementação subordinada à posição
filosófico-pedagógica da instituição em que o professor trabalhe, pois a autonomia
na condução das atividades docentes e discentes, a adoção ou não de um livro
didático, a opção por elaborar ou não o próprio material de ensino vão estar
condicionadas a fatores outros como a instituição em que o professor atue ou às
expectativas definidas nos CC firmados para ensino de uma LE.
Através da retrospectiva até aqui feita podemos perceber que o avanço da
pesquisa aplicada vai, aos poucos, apontando direcionamento a uma abordagem
discursiva. Nesse sentido, é interessante registrar a proposta pedagógica conhecida
como ‘ciclo australiano’ – A RODA (The Wheel), reproduzida na figura 3, segundo a
qual, o ensino deve ser calcado no gênero, com o objetivo primordial de suprir as
lacunas apresentadas pelos alunos, no domínio da escrita.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
59
Figura 3: Esquema de funcionamento da proposta RODA
A proposta RODA ‘[...] é constituída de três fases e tem sido aplicada
naquele continente (Austrália) no ensino do inglês como segunda língua, no
letramento e no treinamento dos trabalhadores’ (TICKS: 2005, p. 24). Com base
teórica em BAKHTIN (1992), ela é constituída de quatro etapas. A primeira,
denominada negociação do campo negotiating field, parte da premissa de que, se o
gênero é X, devemos considerar os eventos comunicativos relativos a ele que
poderíamos/gostaríamos de explorar. Considera ainda a relação desses
eventos
selecionados com as experiências pessoais dos alunos nessa área - os já
vivenciados pelos aprendizes. Caso eles não tenham vivido essa experiência, fica
pressuposto que o façam durante o evento, momento em que é estabelecida a
relação com o contexto sócio-cultural do aprendiz e são organizadas as informações
obtidas nessa etapa exploratória.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
60
A segunda etapa, desconstrução (desconstruction), constitui-se do trabalho a
partir do contato com um exemplar do gênero, momento em que é explorado o
conteúdo (inter)cultural. Ela tem por meta explorar o objetivo social desse(s) evento
(s), determinar quem o(s) utiliza e por quê; descortinar o contexto de situação - qual
a natureza do(s) evento(s), os papéis que os participantes desempenham e a
linguagem necessária para realizá-lo(s) e o contexto propriamente dito, que engloba
as características da linguagem utilizada nesse(s) evento(s). O levantamento de
todos esses dados permite o reconhecimento do texto como se tratando de
determinado gênero específico e enseja o posicionamento discursivo dos alunos
diante daquele evento.
A terceira etapa, joint construcion, é a de produção do novo gênero.
Inicialmente os alunos são exaustivamente expostos a outros exemplos de textos
construídos segundo o gênero em que deverão escrever. O professor pode
inicialmente explorar as condições de produção do texto, além de produzir
cooperativamente uma primeira versão. A quarta etapa, independent construction of
the text, é desenvolvida de modo individual ou em grupo, sempre com o apoio do
professor. Engloba a produção de exemplares do gênero acompanhada de uma
edição final (trabalho cooperativo).
A título de fechamento, é oportuno que seja mencionado o trabalho de muitos
pesquisadores que se dedicaram ou têm-se dedicado ao estudo das teorias de
aquisição, dando assim, sua contribuição para o desenvolvimento da pesquisa
aplicada ao ensino / aprendizagem de línguas, ensejando o aparecimento de
diferentes abordagens. Sua contribuição teórica pôde ser paulatina e eficazmente
aproveitada para que fossem formulados os constructos das teorias de aquisição,
cujo detalhamento fazemos sucintamente a seguir.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
61
O primeiro é o modelo behaviorista, que nos legou a prática da imitação e da
repetição. Ele concebe a aquisição como criação de hábitos automáticos. A seguir,
KRASHEN (1982) formula a hipótese do input, cunhada no conceito de zona de
desenvolvimento proximal de Vigostky. O autor ressalta a importância de input
significativo e compreensível, adicionado a um nível de dificuldade (i+1) para que a
aquisição ocorra. A formulação teórica de Krashen deu base de sustentação a várias
abordagens de ensino de línguas, inclusive à comunicativista.
A seguir, é identificada a importância da interação na aquisição de
vocabulário e na negociação de sentidos entre o aprendiz e o falante mais
proficiente. SWAIN (1985) introduz a essencialidade do ‘output’ dos aprendizes
como feedback ao professor, para a realização de um trabalho compreensível e
significativo com a interlíngua
15
do aprendiz. SCHUMANN (1978) formula a idéia de
que quanto mais o aprendiz imerge em um processo de aculturação mais ele
aprende a língua, postulado que favoreceu sobremaneira o desenvolvimento de
reflexões acerca do ensino em contextos de imersão.
Sabemos que, em relação a PLE, o ensino tem primado por muito ecletismo,
o que pode sugerir, em alguns casos, um incipiente embasamento teórico. Para que
possamos concluir o presente capítulo, que aborda o letramento em língua
estrangeira, não podemos deixar de traçar um panorama do livro didático. Segundo
o que comprovam algumas das pesquisas sobre o assunto, dentre as quais citamos
ALMEIDA FILHO (1993, p. 35); PEREIRA (2000, p. 7); CORACINI (1999, p. 7);
15
SELINKER (1972) propõe o conceito de interlíngua que denomina a formação de sistemas estruturais
lingüísticos entre a LM e a língua alvo. Sabe-se que há interferência muito grande da LM e de outras LE que o
aprendiz já saiba ou esteja aprendendo no desenvolvimento da interlíngua. Quatro elementos são característicos
das interlínguas: estabilização, inteligibilidade, reincidência de erros e sistematicidade. Em alguns casos as
estruturas assimiladas na interlíngua (língua entre) que não condizem com o padrão da língua-alvo podem levar
ao processo de fossilização. É o caso de um falante não nativo que após anos de convívio com a língua/cultura-
alvo, continua cometendo ‘erros’, como a troca de artigos (masculino pelo feminino ou vice-versa) em português.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
62
SOUZA (1995, p.119), ele continua sendo ainda basilar no desenvolvimento do
ensino/aprendizagem em LE.
2.3. O ENSINO DE LE E O LIVRO DIDÁTICO
‘Ainda hoje alvo de críticas, os livros didáticos são apontados como um dos
principais responsáveis pela permanência, na maioria das escolas do país,
de um ensino tradicional e pouco criativo [...] não existe o livro didático
ideal, mas [...] ele continua sendo um instrumento escolar muito
importante[...]’ (BITTENCOURT: 2003, p. 53-4).
A panorâmica que vamos traçar sobre a constituição do lugar discursivo do
livro didático no contexto de ensino de línguas no Brasil parte de uma abordagem
histórica - desde o período colonial, quando se iniciou no Brasil o EPLE. O principal
objetivo é mostrar como foi sendo construída, na memória pedagógica no Brasil, a
imagem de professor de português L2 e de LE de modo muito semelhante. A
retrospectiva histórica também vai nos ajudar a compreender como as imagens de
professor de PSL e de PLE foram se configurando também de modo curiosamente
semelhante.
2.3.1. Histórico do livro didático
O livro didático no Brasil é muito importante porque, em muitas regiões,
ele é a única informação que o aluno e o professor têm’.
(Folha de São Paulo, 25/06/96, caderno 3, p.4)
.
Já ‘deu’ até no jornal: O LD é imprescindível às atividades de ensino-
aprendizagem em inúmeros espaços e em diferentes tempos em que esse processo
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
63
tem-se desenvolvido. Ele é veiculador de saberes, é apoio ao professor. A presente
pesquisa pretende comprovar como são firmados através dos MDs os CC no ensino
de PLE, com base em um processo de normatização, constitutivo do próprio modelo
organizacional da instituição escola. A análise da tira a seguir é bastante oportuna
no estabelecimento do passo inicial de análise, pois favorece a relação entre o
discurso didático e sua materialização nas instituições de ensino:
Figura 4 Tira de Pátio: Revista Pedagógica, Ano II, Nº 5 mai. / jul.1998, p. 66.
A tira tematiza a imagem do discurso didático guardada na memória
discursiva social e suscita uma reflexão sobre os “saberes escolares” e sua
veiculação através dos MDs. Várias questões podem ser levantadas: Quais seriam
as condições de elaboração de materiais de PLE: sua forma de constituição, os
elementos priorizados ou levados em consideração no estabelecimento dos CC e os
projetos de fala por eles firmados entre as instâncias enunciativas: editoras / autores
de LDs / escola / professores / alunos? Quais os termos dos CC por eles
evidenciados (respeitados ou violados)? Finalmente quem seria o eu enunciador? O
eu comunicante? O tu destinatário e o tu interpretante? Quem ocuparia a instância
enunciativa do tu destinatário nos dois materiais - professor? aluno? Ou os dois?
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
64
Já virou clichê dizer que o LD é considerado um material de apoio ao
professor imprescindível na sala de aula, na medida que, em alguns casos, é o
principal quando não o ‘único mediador no ensino promovido pela instituição-escola’
- (CORACINI:1999, p. 17; PEREIRA:, 2000, p. 7; ALMEIDA FILHO: 2002, p. 35;
SOUZA: 1999, p. 94, ORLANDI: 1998, TICKS: 2005, p. 17). Não se pode ainda
deixar de apontar aspectos importantes a serem considerados acerca dos MDs: as
suas funções econômica e político-pedagógica e a sua incontestável inserção na
política educacional, o seu papel nas políticas editorial e pública; a sua legitimidade
no meio educacional, o que lhe atribui um poder de ‘enformação’ muito grande, na
corrente do discurso da competência, tendo em vista as ‘verdades’ sacramentadas
que ele permite sejam transmitidas e partilhadas.
Nos termos do CC firmado entre escola/professores/alunos são esses os
papéis a serem desenvolvidos. É essa a imagem de professor reforçada pela
utilização que é feita deste MD no espaço escolar. Já que o livro tem tão
fundamental missão, cabe saber de onde surge essa ‘missão’, Por quem ela foi
‘delegada’ para ser cumprida? Quando esse processo de delegação começou?
Sabemos, com base em PETITAT (1994)
16
, que no século XVI ocorreu uma
revolução do espaço de ensino, a substituição dos locais dispersos mantidos por
‘professores independentes’ por um prédio único abrigando várias salas de aula’. Foi
quando surgiu o ‘tempo’ do ensino, que originou o regime seriado e a divisão
horizontal e vertical do currículo. Junto com as séries, surgiram as disciplinas, as
matérias, o currículo. Para manter funcionando esse sistema fechado, foi criada uma
‘estrutura de poder’. É o que conhecemos hoje como sistema público de ensino,
onde há um controle que tem face (o Ministério da Educação e Cultura - MEC), as
16
Apud SOARES (1996).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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65
Secretarias de Educação e os programas de avaliação, mecanismos criados para
que a estrutura funcionasse com ‘qualidade total’ (SILVA b, 1999).
17
A principal conseqüência desse processo foi a categorização dos membros
dessa estrutura e a conseqüente hierarquização dos papéis ocupados por cada um.
Os alunos separados em turmas por séries e idade, com horários a cumprir, volume
de trabalho a fazer, saberes a aprender, avaliações a realizar, conhecimento
adquirido a ser quantificado em notas ou menções, cuja normatização (e
conseqüente burocratização) foi se tornando uma exigência nos meios escolares.
O surgimento do livro didático faz parte desse contexto. A primeira questão
que se levanta ao se iniciar uma retrospectiva histórica do LD se refere à própria
conceituação do que ele seja.
A conceituação de livros didáticos não traz, à primeira vista, muitos problemas.
Trata-se desse tipo de livro que faz parte de nosso cotidiano, que é adquirido,
em geral, no início do ano, em livrarias e papelarias, quase sempre lotadas;
que vai sendo utilizado á medida que avança o ano escolar e que, com alguma
sorte, poderá ser utilizado por um outro usuário no ano seguinte. Seria, afinal,
aquele livro ou impresso empregado pela escola, para desenvolvimento de um
processo de ensino ou de formação.[...] O termo ‘livro didático’ é usado – de
modo pouco adequado – para cobrir uma gama muito variada de objetos
portadores dos impressos que circulam na escola. Com efeito, o livro é apenas
um dos muitos suportes de textos presentes na sala de aula e várias coleções
didáticas assumem formas que não a de um livro’. (BATISTA: 1999, p. 534-
535).
LD não é, contudo, uma expressão ‘atual’. Analisemos como era concebido
no Brasil em séculos anteriores.
‘1º Compêndios são livros que exponham total ou parcialmente a matéria das
disciplinas constantes dos programas escolares; 2º. Livros de leitura de classe
são os livros usados para leitura dos alunos em aula: tais livros também são
chamados de livros de texto, livro-texto, compêndio escolar, livro escolar, livro
de classe, manual, livro didático’. (OLIVEIRA: 1980, p.13).
17
O autor faz uma abordagem da educação na perspectiva da qualidade total do modelo neoliberal. O termo aqui
está sendo empregado nessa concepção. È feita uma referência à macdonaldização da educação, na medida
em que ela tem primado pela agilização do fluxo, redução da permanência do aluno no sistema, sem um
aprofundamento das interferências desse processo na qualidade do ensino oferecido.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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66
Desde sua definição ‘fundadora’, fica patente que a função do LD sempre foi a
de intermediador entre os saberes e os alunos, numa perspectiva bancária (PAULO
FREIRE: 1991). Algumas correntes afirmam que o LD não possui uma história
própria no Brasil, pois as mudanças que ocorreram não foram geradas por grupos
diretamente ligados ao ensino, mas foram resultados de decretos, leis e medidas
governamentais, cujos efeitos de sentido só podem ser dimensionados à luz do
contexto sócio-político-econômico social do país. Essa é a sua injunção ideológica e
histórica, que não podemos
negar.
Desde o início século XIX, quando foi fundada a primeira escola pública no
Brasil, o Colégio Pedro II, foi montado um cenário educacional, cujo contexto
filosófico teve no LD um papel importante de legitimação do saber, pois ele
constituía (e constitui até hoje) a fonte autorizada de transmissão dos saberes
acumulados na sociedade. Em outras palavras, o LD nasceu para servir à
reprodução do poder e continua cumprindo essa missão até hoje.
Podemos considerar como marco fundador da institucionalização do processo
de produção do LD no Brasil a criação, em 1937, do INL (Instituto Nacional do Livro),
órgão subordinado ao MEC, responsável pela divulgação e distribuição de obras de
interesse educacional e cultural. Uma das coordenações do INL ficava incumbida de
acompanhar a produção do LD. Mudaram as siglas, mas as funções continuaram
similares.
É interessante retomar a legislação disciplinadora da política do LD no Brasil
e mencionar algumas das ações em relação ao LD, que foram se materializando por
via legal, para melhor entendimento do processo.
Iniciamos pelo Decreto 06/1938 em que foi criada a Comissão Nacional do
Livro Didático (CNLD) com a função de controle político-ideológico. Em seu artigo 20
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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67
são enumerados onze impedimentos à autorização do livro e somente cinco dizem
respeito a questões genuinamente didáticas. A seguir, o Decreto-Lei 1177 ampliou,
de sete para doze, o número de membros da CNLD. O Decreto 8460/45 deliberou
sobre a autorização para adoção e uso do
LD, sobre a atualização e substituição dos
LDs, e estabelecia precauções que deviam ser tomadas em relação à especulação
comercial.
Na década de 70, foram firmados acordos entre o governo brasileiro e
americano Convênios MEC/USAID – Agência Norte Americana para o
desenvolvimento Internacional - a partir dos quais foi criada a COLTED (Comissão
do Livro Técnico e do Livro Didático) com o objetivo principal de distribuir
gratuitamente 51 milhões de LD no período de três anos. O acordo previa ainda
instalação de bibliotecas e um curso de treinamento de instrutores e professores.
Por ser um período de ditadura militar, a ajuda americana foi interpretada como
controle do mercado livreiro e, conseqüentemente, um controle ideológico. Essa
denúncia soou mais fortemente após a publicação da pesquisa de ROMANELLI
(1979), época em que pesquisadores brasileiros iam aos Estados Unidos para
formarem equipes interdisciplinares envolvidas na criação de métodos de ensino de
línguas (MATOS, 1989).
A seguir, foi criada a Fundação do Material Escolar (FENAME), com a função
de definir as diretrizes para a produção de MDs, assegurar a sua distribuição em
território nacional, formular programa editorial e executar os programas do LD.
O Decreto 68728 /1971 determinou a extinção da COLTED e criou o
Programa do Livro Didático (PLID). Na década seguinte, o PLIDEF, PLIDEM e
PLIDESU – respectivamente programas do LD para Ensino Fundamental, Ensino
Médio e Ensino Supletivo foram implementados. Em 1983, a Lei 7091 criou a FAE
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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68
(Fundação de Assistência ao Estudante), que passou a aglutinar programas
editoriais, de material escolar, de bolsa de estudos entre outros, revelando uma forte
centralização da política assistencialista estatal. A FAE criou um Comitê de
Consultores para a Área Didático-Pedagógica, cujas funções na realidade não
saíram do papel e o comitê criado não chegou a ter o mesmo peso da CNLD
e da
COLTED. A partir de 1985, o Decreto Lei 91542 fixou parte das características
atuais do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD): adoção de livros reutilizáveis
(exceto para a 1ª série), escolha do livro pelo conjunto dos professores, a partir de
listas fornecidas pela Diretoria do Livro Didático da FAE.
Na década de 90, mais especificamente, 1996 (ano da extinção da Fundação
de Assistência ao Educando), o MEC (representante do Estado na política
educacional do LD), limitava-se à tarefa de adquirir e distribuir gratuitamente livros
didáticos escolhidos pelos professores e encaminhados às escolas. Desde este
mesmo ano, quando foi criado, até os dias atuais, o PNLD é a referência em relação
a LDs no Brasil (ROJO & BATISTA: 2003, p.27).
18
Como se pôde constatar, a ‘história’ do LD no Brasil manteve e mantém uma
inquestionável e estreita relação de coerência com o sistema educacional brasileiro,
cujas leis e políticas são institucionalizadas e foram se concretizando através da
imposição de um programa estatal (PACHECO 2005c). Desde o tempo da colônia,
na área de educação, tem sido veiculado um discurso autoritário, elitizante e,
principalmente, excludente em relação aos segmentos que deveriam estar mais
envolvidos na discussão sobre as questões educacionais – docentes, discentes e
família.
18
Não pode deixar de ser registrada a ocorrência de inúmeros problemas nessa escolha e distribuição. Nos dias
atuais ainda são expressivas as reclamações de professores em cujas escolas foram entregues livros não
selecionados, em quantidade inadequada ao número de alunos. O problema tem ‘consistência’, se
considerarmos o fato de que, em 2003, ainda segundo ROJO E BATISTA (Ibidem), o MEC distribui 80 milhões
de livros...
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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69
2.3.2. O livro didático de PLE
Caracterizada pelo anonimato, a produção de MDs de PLE, cujo primeiro
registro data de 1901
19
, foi cunhando o apagamento e o silenciamento da posição de
eu enunciador de MDs de PLE, através de campanhas de nacionalização do ensino,
que impuseram inúmeras e severas restrições à convivência da LM e da LE (PLE).
Um diferencial dos MDs de PLE em relação aos de PLM precisa ser registrado.
Enquanto em relação a PLM os esforços oficiais do MEC voltaram-se para a
melhoria de qualidade e barateamento de custos (atender cada vez mais e melhor -
CARMAGNANI: 1999, p. 128
20
), em relação a PLE, não se verifica esse tipo de
influência. Analisando a produção editorial de PLE, podemos perceber um grande
investimento em sua qualidade estética, combinado a uma propalada renovação
constante, tendo em vista o potencial mercadológico e a concorrência crescente nos
últimos anos. Essa preocupação com a parte visual do material acaba por criar uma
imagem de ‘qualidade’, nem sempre verdadeira, mas altamente eficiente, se
considerarmos o mercado para o qual é dirigido: usuários que constituem um grupo
de poder aquisitivo mais alto, que podem pagar mais pelo adicional tecnológico
(CARMAGNANI: Ibidem, idem).
Os manuais de PLE, de um modo geral, no começo de sua produção, não
continham instruções especiais para o professor. Paulatinamente, seguindo a
tendência dos MDs de PLM elas foram sendo incluídas, mas com certas
19
Manual produzido por um professor de PLE de uma escola alemã. Para tornar possível o estudo da língua
portuguesa, os próprios imigrantes alemães produziram e publicaram seus livros didáticos (WIESSE &
VANDRESSEN: 2003, p. 125; LUNA: 2000). Muitos materiais se perderam não somente em função da pressão
proibitiva da legislação brasileira, como também pela própria dispersão constitutiva do processo de produção dos
MDs, que eram elaborados por professores em escolas geograficamente distantes que não mantinham entre si
qualquer tipo de intercâmbio. Além disso, não houve preocupação de preservação desse acervo. LUNA (Ibidem)
registra o esforço que tem sido feito para resgatar essa ‘história’ do LD no sul do país, onde foi muito mais
significativa a presença de imigrantes estrangeiros no Brasil.
20
Daí a ‘luta travada entre as editoras nem sempre norteada pela qualidade do livro, mas pelo preço e
quantidade de livros vendidos’ (CARMAGNANI: Idem).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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70
especificidades. Os grupos de imigrantes aqui chegados não economizavam
esforços para oferecer uma educação de qualidade a seus filhos, incentivando a
‘ampla produção de material didático’ e criando ‘toda uma estrutura de apoio para o
processo escolar’. Aproveitando-se da obrigatoriedade imposta de escolaridade
mínima de cinco anos (a partir de 1920), foram organizadas associações de
professores, jornal do professor, cursos para professores e dado amplo incentivo à
produção de MDs. No Rio Grande do Sul, chegaram a editar uma revista
especializada sobre o livro escolar (de 1917 a 1938). Produziram ainda mais de 150
manuais didáticos para uso específico da escola teuto-brasileira (KREUTZ: 2003).
21
Mas cada grupo de estrangeiros administrava ‘suas escolas’, segundo a
herança acadêmica que trazia do exterior. No que concerne às italianas, os MDs
eram subsidiados pelo governo, através do Ministério das Relações Exteriores da
Itália. Já os poloneses revelavam uma grande preocupação com a manutenção dos
valores étnico-culturais de suas origens, reconhecendo também a importância do
aprendizado do português, para que pudessem se inserir ‘como cidadãos ativos em
seu contexto’ novo – o Brasil. Em virtude disso, fundaram a União dos Professores
de Escolas Polonesas Particulares no Brasil, em 1921, que promovia ‘treinamento
intensivo de professores em períodos de férias e mantinha bibliotecas volantes, com
acompanhamento de professores’ (KREUTZ: Ibidem, p. 362). Houve também forte
incentivo à produção de MDs. Como exemplo podem ser mencionadas a Cartilha
para as crianças polonesas no Brasil e as Normas prático-metodológicas para as
escolas polonesas no Brasil, editadas em 1926 (KREUTZ: Ibidem, idem).
Os japoneses vinham com uma forte tradição escolar e quase a totalidade de
imigrantes era alfabetizada. Chegando a São Paulo, estado em que se
21
Outros dados sobre as escolas étnicas alemãs, polonesas, italianas e japonesas (Cf. KREUTZ: Ibidem)
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
71
concentraram, também se preocuparam imediatamente em construir escolas para
seus filhos, adaptando-se às orientações da legislação existente no país.
A partir da década de 30, porém, por imposição estatal - Decreto 58 de 28 de
janeiro de 1931 - o português para os estrangeiros deveria ser ‘tratado como língua
nacional, devendo ser ensinado indiferentemente com estratégias de língua materna
(LUNA: 2000, p. 72). A nacionalização compulsória foi o prosseguimento do
processo de institucionalização do ensino de português, iniciado no século anterior,
em 1864, com a Lei 579 que, entre outras medidas, determinava remuneração
especial a professores que ensinassem o português e um subsídio especial,
condicionado a duas horas diárias de aula em português.
22
Finalmente, o governo providenciou a abertura de escolas públicas junto às
de imigrantes, praticamente inviabilizando seu funcionamento, em virtude do apelo à
gratuidade e a uma ‘melhor qualidade’ de ensino do português, língua social com
que os estrangeiros e seus descendentes tinham de se comunicar.
Pode-se imaginar como deve ter sido forte o impacto dessas medidas, que
chegaram a fechar gráficas dos grupos étnicos, a impor a proibição de ensino de
língua estrangeira a menores de 14 anos; a obrigatoriedade de serem brasileiros
natos todos os diretores das escolas e membros do corpo docente e, a introdução
obrigatória de História e Geografia do Brasil nos currículos, proibindo, ainda, a
circulação de textos, livros, jornais ou revistas em língua estrangeira. O Decreto
Federal 1006 de 10/12/1939 delegou ao Ministro da Educação a função de
supervisionar todos os livros usados na rede de educação básica.
23
Houve inclusive
exageros como a prisão de algumas lideranças docentes e destruição de MDs.
22
Até hoje em algumas escolas internacionais a língua portuguesa é denominada ngua Pátria e o ensino de
português a estrangeiros como Cultura Brasileira.
23
As ressonâncias discursivas desse decreto também se materializam no discurso do MEC através do atual
Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Segundo ROJO & BATISTA (2003, p. 25-6), ‘a fim de e assegurar
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
72
Para o governo, tudo parecia ‘homogeneizado’ em relação ao ensino de
português. Mas os regentes de turmas de PLE, que lidavam diretamente com os
estrangeiros, sabiam das dificuldades que enfrentavam no gerenciamento desta
imposição estatal.
Até a década de 50, do século XX, o ensino de PLE foi enfrentando muitos
entraves. O maior deles se referia aos MDs disponíveis, já que ‘a quase totalidade
dos (pouquíssimos, aliás) cursos de Português do Brasil oferecidos em nosso país,
na década de 50 dependiam de textos escritos no exterior, principalmente nos
Estados Unidos’ (MATOS: 1989, p.11).
A partir da década de 50, os professores de PLE iniciaram um processo de
criação de MDs, ainda fortemente influenciados pelas teorias cognitivistas, cujas
discussões começavam a se destacar nos meios acadêmicos da época.
Em 1954, foi publicado Português para Estrangeiros, fruto do
empreendedorismo de professores e de lingüistas brasileiros, que, baseados em sua
prática e nos modelos de MDs ‘importados’ do exterior, uniram-se para produzir MDs
que refletissem a realidade brasileira.
Somente na década de 60 começou a ter impulso a Lingüística Aplicada ao
Ensino de Português como Língua Estrangeira. Foi formada uma equipe binacional
(norte-americana e brasileira) que se reuniu em Austin para elaborar um manuscrito
para uma edição experimental de Modern Portuguese, um projeto subsidiado pela
Modern Language Association of America (MATOS, 1989). Esse grupo de trabalho
levantou algumas questões fundamentais: ’Que estruturas frasais selecionar e por
quê? Que amostra do léxico do Português oral informal incluir e por quê? (...) Que
usos do Português descrever? Com base em que descrições? Na ausência destas
a qualidade dos livros a serem adquiridos, o programa desenvolve, a partir de 1996, um processo de avaliação
pedagógica das obras nele inscritas... (Ênfase adicionada).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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73
(fato que dificultava sobremodo, a preparação de material didático), como
proceder’?
24
.
Foi nessa mesma época que a educação bilíngüe e o ensino de PLE
passaram por novo movimento de mudança: outros motivos foram exigindo sua
oferta nas escolas localizadas em solo brasileiro como decorrência da abertura da
economia nacional ao mercado externo. A importância do Rio de Janeiro como pólo
cultural desde o século XIX, quando aqui se instalou a corte portuguesa é um fator a
ser também considerado.
Essa ‘hegemonia’ se estendeu até 1960, quando o Rio deixou de ser a capital
do país (Distrito Federal), que foi transferida para Brasília - projeto do ex-presidente
Juscelino Kubistcheck, cujo lema de governo era 50 anos em 5. Durante seu
governo, além da transferência da capital federal, a nossa indústria, principalmente a
automobilística, explodiu. O Brasil passou a ser reconhecido como nação com
desenvolvimento potencial. Muitos executivos passaram a vir do exterior para
assumirem os cargos de direção das empresas multinacionais que no país se
instalavam, especialmente no sudeste do país. Além disso, convênios foram
firmados, e alguns grandes projetos ‘multinacionais’, como a construção da usina
nuclear de Angra dos Reis, foram também responsáveis pela vinda de técnicos
especializados estrangeiros, que imigravam
acompanhados de suas famílias e
matriculavam seus filhos em escolas internacionais, existentes no Rio e em outros
estados da federação. Esses novos alunos passavam a freqüentar aulas de PLE,
como forma de acelerar seu processo de adaptação ao país.
24
Podemos perceber a forte influência das teorias estruturalistas nas questões propostas pelo grupo de
pesquisadores a que Matos faz referência. As estratégias buscadas para enfrentar este desafio – ‘a necessidade
de a prática (o bom senso prático, intuitivo) preceder a teoria’ pode hoje ser analisada como um dos
fundamentos para a instauração da circularidade no discurso pedagógico, analisada por ORLANDI (1987); o que
permite pouco espaço à produção da polissemia. Orlandi analisa, em seu texto, o caráter nitidamente
parafrástico do discurso pedagógico.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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74
Mas a presença de brasileiros foi se intensificando em escolas internacionais,
desde o momento em que a elite do país ‘descobriu’ que saber inglês era (e ainda é)
forte símbolo de status. Aprender uma LE sem sotaque e sem sair do país era um
atrativo à matrícula nessas escolas. Não pode deixar de ser mencionada ainda a
perspectiva de migração para o exterior, que foi influenciando algumas famílias a
preferirem a educação bilíngüe à oferecida em escolas brasileiras, por
considerarem-na de maior status e de uma maior completude lingüística e cultural
25
.
Mas o processo de globalização, a rapidíssima expansão das tecnologias digi-
tais e a inevitável ruptura das barreiras do tempo e do espaço através das malhas da
internet foram esboçando novos contornos e novas políticas lingüísticas passaram a
ser ‘exigidas’. O inglês passou a ser considerado a ‘língua universal’, enquanto o
espanhol e o português foram ganhando espaço em virtude da criação do MERCO-
SUL, na década de 90. A estabilidade econômica do Brasil foi colocando o país em
posições mais privilegiadas no cenário político e econômico internacional, trazendo
um novo tipo de fluxo imigratório constituído de famílias de classe média alta, com
perspectiva pré-definida do tempo de permanência no país, geralmente de dois a
cinco anos.
O ensino de PLE vai se recolocando em outros patamares dentro deste novo
contexto. Pode-se afirmar que vivemos uma nova etapa do processo de instituciona-
lização do ensino de PLE. Várias frentes de trabalho têm sido abertas simultânea-
mente. O governo federal, através de iniciativas ainda tímidas, tem também colabo-
rado nessa tarefa. A partir da década de 90, pode ser citada a formação de centros
de referência de PLE, nas universidades federais do país, além da criação da Co-
missão Nacional para a Elaboração do Exame de Português para Estrangeiros – o já
25
A análise desse processo é feita em PACHECO & SIMÕES (2004).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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75
conhecido CELPEBras - Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Es-
trangeiros – da Secretaria de Ensino Superior (SESU) do MEC.
26
Atualmente são desenvolvidas pesquisas em EPLE em muitas instituições de
ensino superior no país, dentre as quais podemos citar: Universidade Federal de
Pernambuco, Universidade Estadual de Campinas, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Universidade de Brasília, Universidade Federal de São Carlos,
Universidade de São Paulo, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal
de Minas Gerais, Universidade Franciscana de Santa Maria, Universidade Federal
de Santa Catarina, Universidade Federal do Rio de Janeiro; Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, a Pontifícia Universidade Católica de Pelotas, Pontifícia
Universidade Católica do RS, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro,
para citar as que mais têm se destacado em pesquisa na área.
O Programa de Estudos Pós-Graduados em Lingüística Aplicada e Estudos
da Linguagem (LAEL) e o Núcleo de Pesquisa Português Língua Estrangeira
(NUPPLE) do Instituto de Pesquisa Sedes Sapientiae (IP) da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC – SP) e o Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da
UNICAMP são hoje referência em relação à produção acadêmica em PLE. Cabe
registrar que já existe a oferta de licenciatura em professor de PBSL (Português do
Brasil Segunda Língua) iniciada na UnB, em 1998, e a expansão dessa oferta deve
ser acelerada em função das necessidades emergentes.
A SIPLE (Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira), desde a
sua fundação (1992), é referência nacional e internacional no que tange a PLE e tem
realizado, sistematicamente, congressos e seminários.
Sua atuação iniciou-se em
1993, no Seminário Educação sem Fronteiras, em Foz do Iguaçu, no período de 16
26
A evolução desse trabalho permitiu que hoje tenhamos um sistema de certificação nacional – CELPE-BRAS-
um exame oficial já reconhecido internacionalmente. Maiores informações podem ser obtidas no site:
<htpp://www.mec.gov.br/sesu/celpe/>.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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76
a 19 de novembro de 1993, ocasião em que foi realizada uma mesa-redonda
específica sobre PLE no dia 16/11.
O I Seminário da SIPLE, cujo tema foi “O interculturalismo no Ensino de
Português Língua Estrangeira”, ocorreu em 1994, na UNICAMP. No ano seguinte,
no mesmo local, realizou-se o segundo seminário, como parte do IV Congresso
Brasileiro de Lingüística Aplicada. O terceiro ocorreu em 1996, na UFF e o quarto,
em 1998 na UFRJ, quando foi discutido o tema – A formação do professor de PLE.
Em ambos houve publicação de anais. Os seminários seguintes ocorreram
respectivamente na UNICAMP, em 2002, e em dezembro 2005, na Universidade
Federal de São Carlos
27
.
O I Congresso da SIPLE ocorreu na UFF, em 1997; o segundo, na PUC-Rio,
em 1999, ambos com publicação de anais. O terceiro foi realizado na UnB, em 2000;
o quarto, na PUC-Rio em 2001. Os trabalhos apresentados nos dois congressos
foram publicados em um só CD, sob a forma de anais, organizado pela equipe da
PUC-Rio.
28
O V Congresso Internacional, na UnB, em 2004, teve como tema geral –
“Contemporaneidade no Ensino de PLE: Perfil da Área, Políticas e Ações” - contou
com debates em torno de temas tais como aquisição de língua portuguesa por
usuários de LIBRAS, por hispanofalantes; o papel da SIPLE, a avaliação do CELPE-
Bras e o ensino de Português como L2 e LE. A discussão sobre o futuro da
abordagem comunicativa, sobre o ensino de PLE baseado em tarefas e o ensino da
gramática na abordagem comunicativa foram também temas abordados. Além disso,
27
Nesse seminário, houve, aproximadamente, 100 participantes (Brasil, maior parte; Argentina, Bolívia, México,
Chile). Não houve publicação de anais, apenas o caderno de resumos. Atualmente as pessoas que apresentam
trabalhos em eventos não gostam muito da idéia de publicar seus textos em anais devido a não valorização
dessa modalidade. (Informações fornecidas pelo professor Nelson Viana, da UFSCAR, atual presidente da
SIPLE, segundo o qual, em alguns eventos, os textos são submetidos ao conselho editorial e os que são
aprovados são publicados em um número especial de revista a ele relacionada).
28
De acordo com o Boletim no. 4, Ano III de novembro de 2001, os congressos II, III e IV foram internacionais.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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77
a organização do evento internacional preocupou-se em incluir minicursos sobre
avaliação, planejamento, materiais didáticos, cultura, línguas próximas, questões de
interlíngua na aprendizagem de línguas próximas. A composição de um grupo tarefa
com o objetivo de terminar o congresso com uma minuta, propondo diretrizes ou
linhas gerais para os PCNS de PLE lamentavelmente não foi concretizada. Essas e
outras iniciativas na área acadêmica, ao lado da realização semestral do
CELPEBras, constituem os passos até o momento dados no processo de
institucionalização do ensino de PLE (em nível nacional e internacional).
Devem ser ainda mencionadas as publicações especializadas em PLE, dando
conta de atualizar a divulgação dessa crescente produção acadêmica na área.
Nesse aspecto, os centros de pesquisa espalhados pelo país têm colaborado
consubstancialmente para a aceleração desse processo.
29
Quanto aos fóruns e
congressos na área de PLE, estes têm seguido o modelo dos de Lingüística, ou
seja, seguindo de perto ‘l’ air du temps’. A UFF tem promovido, desde 1994, Ciclos
de Palestras sobre PLE. Até 2005 já foram realizados sete.
O NUPPLE da PUC-SP já realizou três encontros, sendo que o primeiro,
realizado em 1997, resultou na publicaçãoPortuguês Língua Estrangeira
Perspectivas, organizada pela professora Regina Célia P. Silveira.
Se considerarmos como referência somente os anos de 2003 a 2004,
percebemos um rapidíssimo avanço do campo de abrangência. A PUC-Rio, a UFRJ
e a UFF têm promovido o PLE (encontro anual, que acontece, revezadamente em
29
O Projeto CD TELA de Wilson Leffa é um exemplo do aproveitamento do suporte digital na difusão da
pesquisa aplicada. Há, ainda, muito a ser feito no processo de institucionalização do ensino de PLE. Há ainda no
país muitos espaços acadêmicos com pesquisas em PLE (inclusive interdisciplinares) em andamento, buscando
dar visibilidade a essa rápida evolução. Como exemplo, pode ser citada a presente tese, que tendo sido
desenvolvida em um Departamento de Letras Vernáculas, abrange, indiscutivelmente, a área de Lingüística
Aplicada. Este exemplo revela que a pesquisa em PLE não está circunscrita a linhas de pesquisa em LA
conhecidas no país. Este é um argumento a favor da integração dos fóruns de Lingüística e de LA e sua
relevância no estabelecimento de uma Política Lingüística para o Brasil. Para um maior aprofundamento,
consultar o capítulo 5 da presente tese.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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78
cada instituição). É importante registrar ainda que, na UFRJ, há inclusive um fórum
permanente em PLE, o que favorece a constante atualização da pesquisa na área.
A PUC-SP, uma das pioneiras na pesquisa aplicada, promove anualmente o
INPLA (Intercâmbio de Pesquisa em Lingüística Aplicada) e, na 14ª edição, já incluía
em sua programação uma mesa redonda de encerramento sobre o tema
Linguagem, inserção e cidadania em diferentes contextos, no qual foi discutida a
escolarização de comunidades carentes, de populações indígenas, de Deficientes
Auditivos (DAs), ou seja, ampliou-se a concepção do ensino da língua portuguesa
como PSL e/ou PLE, o que pode ser considerado um resgate tardio, mas muito
importante.
O processo histórico de institucionalização do ensino de PLE no Brasil aqui
descrito teve o objetivo de mostrar o permanente litígio em termos de política
lingüística, desde o tempo de nosso ‘descobrimento’. Litígio que não se circunscreve
ao ensino de PLE, mas que teve nele uma incidência muito forte, a ponto de
distinguir a língua da escola (as escolas públicas criadas pelo governo, as quais
deveriam freqüentar e apreender português) e a língua da família, onde os
estrangeiros podiam exercer seus direitos lingüísticos
30
.
A tendência atual aponta para um direcionamento das pesquisas na área de
PLE como fruto do trabalho conjunto de docentes e de pesquisadores em
perspectiva interdisciplinar. Esse processo tem ocorrido paralelamente a ações de
caráter formador dos profissionais que se dedicam à área de PLE, e tem sido
fomentado pelas iniciativas de instituições de ensino superior e de associações
promotoras de congressos, seminários e fóruns, através da divulgação da produção
científica em nível nacional e internacional na área da lingüística.
30
Cf PACHECO & MEDEIROS 2004 no artigo intitulado Entre a teoria e a prática: reflexões sobre a relação entre
os manuais de ensino e o lugar do professor de PLE ainda inédito, em que é feito um aprofundamento do tema.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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79
A adoção de medidas como a participação de docentes/pesquisadores de
associações de Lingüística como a Associação Brasileira de Lingüística (ABRALIN),
a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Lingüística (NA-
POLL), o Grupo de Estudos Lingüísticos do Estado de São Paulo (GEL), a Associa-
ção de Lingüística e Filologia da América Latina (ALFAL), entre muitos outros fóruns
de pesquisa/debate em Lingüística e em LA
e, mais intensamente, em fórum especí-
fico de pesquisa em PLE – a SIPLE - é fator determinante para a aceleração do pro-
cesso de implementação de políticas lingüísticas mais afinadas com as necessida-
des atuais.
Tentou-se no Brasil praticar o lingüicídio nas comunidades indígenas que aqui
viviam e na dos imigrantes que aqui chegaram. Foi imposto o ensino de Português
como segunda língua e/ou como língua estrangeira para os filhos dos imigrantes que
aqui viviam. Além disso, temos que considerar ainda tímidos
31
os mais recentes pro-
jetos de inclusão de DAs, usuários de LIBRAS, até bem pouco tempo, excluídos do
sistema educacional e não contados na estatística dos brasileiros a que os artigos
215 e 216 da CF se referem, como os que também têm direito à educação pública.
Assiste-se, atualmente, a um movimento de pesquisas na área de Políticas
Lingüísticas jamais testemunhado; ao incremento da pesquisa aplicada sobre o em-
sino do Português como L2 e como LE. O grande diferencial é que as ações eram
praticadas de modo dissociado e assíncrono. Nos últimos anos têm sido desenvolvi-
dos fóruns multidisciplinares e interdepartamentais, dos quais têm participado pro-
fessores /pesquisadores vindos das mais distantes partes do país e do mundo. Essa
troca de experiências, socialização de dificuldades enfrentadas e soluções busca-
das, esse intercâmbio de papéis incorporados por professores / pesquisadores que
31
Paliativos em alguns casos. A análise do quadro de ensino de PLE a portadores de necessidades especiais
auditivas foi feita no artigo de PACHECO (2004): O confronto identidade e alteridade em contexto bilíngüe –
Português/LIBRAS, ainda inédito.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
80
se tornam pesquisadores / professores, ou seja, aqueles que ensinam aprendendo e
aprendem ensinando é extremamente saudável e necessário. Essa reversibilidade
de ‘papéis que constitui o discurso e que o discurso constitui’ (ORLANDI: 1987, p.
239).
Todas essas ações vão dando materialidade ao discurso em/de PLE, e são o
testemunho de uma política de remissão dos atos de violência praticados, do
lingüicídio contra os direitos lingüísticos que nossa gente testemunhou e tem
testemunhado na História da Educação no Brasil.
Esta tarefa é muito abrangente e tem exigido uma ação coordenada. A ela
estão e deverão estar integrados (e trabalhando interdisciplinarmente), profissionais
de diferentes setores, professores (dentre os quais incluímos os especializados em
portadores de necessidades especiais), pedagogos, historiadores, lingüistas,
lingüistas aplicados, dentre tantos outros que poderão dar sua contribuição no
estabelecimento da Política Lingüística Brasileira do século XXI, afinada com a
DUDL, proclamada em Barcelona no dia 09 de junho de 1996.
Há alguns sinais que nos transmitiram esperança forte de sucesso nesta
empreitada, quando alguns membros dos setores universitários, professores e
pesquisadores da área da Lingüística e de Ensino da Língua Portuguesa, em junho
de 2004, foram chamados a integrar um grupo de trabalho, especialmente criado
para discutir as bases de uma Política de Ensino da Língua Portuguesa que atenda
à realidade brasileira, culminando com a criação do Instituto Machado de Assis. O
processo de organização do instituto já está praticamente concluído. A formalização
do ato de criação só depende de uma decisão política - arrefecimento da disputa
entre o MEC e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) que disputam a gestão
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
81
das políticas de ensino de PLE no exterior.
32
. Lamentavelmente, não temos notícia
de resultados práticos dessa iniciativa. A implantação do projeto CELPE-Bras,
porém, já se consolidou e o exame é hoje reconhecido nacional e
internacionalmente na certificação de proficiência em PLE.
2.3.2.1. Cronologia da produção de LDs em PLE
1901- Manual de língua portuguesa - Rudolf Damm.(cf. nota 19)
1954 – Português para Estrangeiros, 1° Livro, Mercedes Marchant, Porto Alegre:
Sulina.
1973Português: conversação e gramática. Haydée Magro & Paulo de Paula. São
Paulo: Brazilian American Cultural Institute / Livraria Pioneira Editora.
1974 - Português para Estrangeiros, 2° Livro, Mercedes Marchant, Porto Alegre:
Sulina.
1978- Português do Brasil para estrangeiros. Vol. 1. S. BIAZOLI & Francisco G.
MATOS. São Paulo: Difusão Nacional do Livro.
1978Português para estrangeiros I e II: conversação cultura e criatividade. S
BIAZOLI & Francisco G. MATOS. São Paulo: Difusão Nacional do Livro Editora e
Importadora Ltda.
32
A criação do Instituto é fruto do trabalho da comissão de especialistas, designada pela Secretaria de Ensino
Superior SESU/MEC e coordenada pelo professor Godofredo de Oliveira Neto. Temos notícia da participação
dos professores Eni Orlandi, José Fiorin, Dinah Callou, Luís Antônio Marcuschi, Carlos Faraco, Suzana Alice M.
Cardoso, José Carlos de Azeredo, Ataliba T. de Castilho, Evanildo Bechara, Rosa Virgínia de Mattos Silva,
Ingedore Koch e Stella Maris Bortoni-Ricardo (primeira equipe que atuou no desenvolvimento dessa tarefa).
Essas informações foram capturadas em http://www.unb.br/abralin/index.php?id=4&destaque=5
, acesso em
26/10/2004, acrescidas de dados obtidos em conversa informal com o prof. José Carlos de Azeredo, membro da
comissão. A conjugação de esforços entre este grupo de lingüistas e de professores /pesquisadores
especialistas em PLE poderia ter sido muito positiva no desenvolvimento e no sucesso da iniciativa.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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82
1978 - Português do Brasil para estrangeiros Vol. 2. S. BIAZOLI & Francisco G.
MATOS. São Paulo: Difusão Nacional do Livro.
1980Falando, lendo, escrevendo português: Um Curso para Estrangeiros, Emma
Eberlein O. F. Lima & Samira A. Iunes, São Paulo: Ed. EPU (Editora Pedagógica e
Universitária).
1983 Português para falantes de espanhol. Leonor Cantareiro Lombello e Marisa
de Andrade Baleeiro. Campinas, SP: UNICAMP/FUNCAMP/MEC.
1984Tudo Bem 1: Português do Brasil, Raquel Ramalhete, Rio de Janeiro: Ed. Ao
Livro Técnico S/A, Indústria e Comércio.
1985 – Tudo Bem 2: Português do Brasil, Raquel Ramalhete, Rio de Janeiro, Ed. Ao
Livro Técnico S/A.
1989Fala Brasil, Português para Estrangeiros, Elizabeth Fontão do Patrocínio e
Pierre Coudry, São Paulo, Campinas, Pontes Editores Ltda.
1989 – Muito Prazer! Curso de Português do Brasil para Estrangeiros. Ana Maria
Flores. Volumes I e II. Rio de Janeiro: Ed. Agir.
33
1990Português Via Brasil: Um Curso Avançado para Estrangeiros, Emma Eberlein
O. F. Lima, Lutz Rohrman, Tokiko Ishihara, Cristián Gonzalez Bergweiler & Samira
A. Iunes. São Paulo: Ed. EPU.
1990 - Português como Segunda Língua. ALMEIDA, M. & GUIMARÃES, L. Rio de
Janeiro: Ao Livro Técnico.
1991Avenida Brasil 1: Curso Básico de Português para Estrangeiros, Emma
Eberlein O.F. Lima, Lutz Rohrmann,Tokiko Ishihara, Cristián González Bergweiler &
Samira Abirad Iunes. São Paulo: Ed. EPU.
33
Essa obra não tem sido incluída na relação de livros de PLE, mas constitui-se mais uma contribuição para a
história da produção de MDs de PLE, o que valida seu registro. Como este, muitos outros MDs de PLE foram
produzidos em instituições privadas, com circulação restrita, ainda não difundida. (Cf. PACHECO & SIMÕES:
2004).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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83
1992Aprendendo Português do Brasil, Maria Nazaré de Carvalho Laroca, Nadine
Bara & Sonia Maria da Cunha. Campinas, São Paulo: Pontes Editores Ltda.
1994 Português para estrangeiros: infanto-juvenil. Mercedes Marchand. Porto
Alegre: Age.
1995- Avenida Brasil II- Emma E. Lima, Cristián Gonzaléz & Tokiko Ishihara. São
Paulo: EPU.
1997 Português para estrangeiros: nível avançado. Mercedes Marchand. Porto
Alegre: Age.
1998- Português para estrangeiros I e II. MEYER, R. M et alii. Rio de Janeiro: PUC-
Rio. (Edição experimental).
1999 – Falar, Ler e Escrever Português: Um Curso para Estrangeiros (reelaboração
de Falando, Lendo, Escrevendo Português) de Emma E. O.F. Lima e Samira A I.
São Paulo: Ed. EPU.
1999Bem-vindo! Maria Harumi Otuki de Ponce; Silvia R.B. Andrade Burin &
Susanna Florissi. São Paulo, Editora SBS.
2000 – Sempre Amigos: Fala Brasil para Jovens. Elizabeth Fontão do Patrocínio &
Pierre Coudry. Campinas, SP: Pontes.
2000 - Sempre Amigos: De professor para professor. Elizabeth Fontão do Patrocínio
& Pierre Coudry. Campinas, SP: Pontes.
2001 – Tudo Bem? Português para Nova Geração. Volume 2. Maria Harumi Otuki
de Ponce, Silvia Regina. B. Andrade Burim & Susana Florissi. São Paulo: Ed.
SBS.
2001 Interagindo em Português. Eunice Ribeiro Henriques & Danielle Marcelle
Granier. Brasília: Thesaurus.
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84
2002 – Passagens: Português do Brasil para Estrangeiros com Guia de Respostas
Sugeridas . Rosine Celli. Campinas, SP: Pontes.
2003 - Diálogo Brasil: Curso Intensivo de Português para Estrangeiros. Emma
Eberlein O. F. Lima, Samira Abirad Iunes & Marina Ribeiro Leite. São Paulo: Ed.
EPU.
2004 Aquarela do Brasil: Curso de Português para falantes de espanhol. Edileise
Mendes Oliveira Santos (MD proposto em sua Tese de Doutoramento, apresentada
na UNICAMP, em 2004).
2005 Estação Brasil: Português para estrangeiros. BIZON, A C. Campinas, SP: Ed.
Átomo.
Há ainda algumas obras que foram lançadas, cuja referência é incompleta.
Podemos citar Português básico para estrangeiros de Sylvio MONTEIRO, publicada
em São Paulo pelo Instituto Americano de Idiomas, mas não temos a referência de
data (RAMALHETE: 1986, p. 83). Outra obra é o Curso de Português para Falantes
de Francês - Daniele Marcelle Grannier – Rodrigues, ms, n.d.
(Edição experimental),
citada por GRANNIER & LOMBELLO 1989, p. 143. Em contato com Grannier, foi
confirmada sua utilização na década de 80 na Unicamp, mas o material não chegou
a ser ‘oficialmente’ publicado.
Cabe ressaltar, ainda, a especificidade do ensino de PLE a falantes de inglês
ensejou a produção de Brazilian Portuguese: Your Questions Answered de Daniele
M. G. Rodrigues, Linda G.El-Dash e Leonor C. Lombello, obra escrita em inglês com
exemplos em português, que pontua alguns aspectos do ensino de PLE e compara o
emprego de algumas estruturas lingüísticas de PLE com as do inglês.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
85
2.3.2.2. Os materiais didáticos de PLE para adolescentes
O corpus da presente pesquisa é resultado de um recorte feito na produção
de MDs de PLE apresentados anteriormente. Adotando a pesquisa/ação (MOITA
LOPES: 1996), procurei associar teoria e prática. Na qualidade de docente de PLE
para adolescentes procurei fazer o recorte nos MDs direcionados explícita e
especificamente a este público-alvo.
O corpus é constituído de MDs de PLE para adolescentes, publicados no
Brasil. Mas é importante registrar o fato de que nesse recorte não estão englobados
somente os LDs. Adotamos a concepção de LD como suporte (cf. capítulo 5) e,
dentro dessa perspectiva, foram incluídos no corpus de análise outros materiais
como catálogo das editoras (disponível em papel e na internet), o manual do
professor (impresso e na internet), materiais impressos ou recursos sonoros (CDs)
relacionados às obras:
[...] o livro didático (LD), particularmente o LD de língua portuguesa, é um
suporte que contém muitos gêneros, que mesmo depois de reunidos no livro,
continuam com suas especificidades, pois a incorporação dos gêneros textuais
pelo LD não muda esses gêneros em suas identidades, embora lhe dê outra
funcionalidade [...] reversibilidade de função” - ênfase adicionada. (MARCUSCHI:
2003 a, p.12).
Em pesquisas lingüísticas em geral o conceito de corpus designa o
agrupamento parcial fechado e determinado de dados nos quais vai sendo
embasada a análise de determinado fenômeno lingüístico (CHARAUDEAU &
MAINGUENEAU: 2004, p.137).
Em Análise do Discurso, porém, sua constituição pressupõe a inclusão,
no corpora, de recortes variados, o que enseja uma abordagem não só
lingüística, mas também sócio-histórica. No presente trabalho, o corpus foi
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
86
selecionado de modo a se obter um conjunto o mais possível ‘homogeneizado
34
em
relação ao pertencimento ideológico dos sujeitos ou à conjuntura histórica’
(CHARAUDEAU & MAINGUENEAU: Ibidem, p.140).
Torna-se relevante, assim, para validar a interpretação a que nos propomos
na presente pesquisa de perspectiva transdisciplinar, a consideração dos aspectos
de intertextualidade, que nos ‘textos’ dos variados suportes com que os MDs se
constituem é interna – MAINGUENEAU (1997). O fenômeno de intertextualidade
interna é explicado através da identificação do funcionamento do discurso veiculado
nos/pelos MDs nos diferentes suportes em que são produzidos. É relevante destacar
também a impossibilidade de fechamento do corpus somente nos MDs. Essas
variáveis foram consideradas também e estabelecidas com base em CHARAUDEAU
& MAINGUENEAU (Ibidem, idem).
Em virtude desses fatores, o espectro a ser investigado na presente análise
interdisciplinar, realizada com referencial teórico da AD, exige retomadas e
incursões a suportes outros (catálogos, página na internet, manual do professor). O
LD definido como suporte de gêneros textuais específicos do discurso pedagógico e
do gênero didático
35
, autoriza ainda a inserção da página da internet na constituição
do corpus. Ele não é um suporte convencional, é ainda uma ‘novidade’ em matéria
de produção de MDs, mas sua função no MD do corpus já extrapola as de um
suporte ‘ocasional’ (MARCUSCHI: 2003
a, p.10).
Sempre Amigos (S A) e Tudo Bem? Português para a nova geração (TB), os
MDs que compõem o corpus, são dirigidos a adolescentes que desejem aprender o
português do Brasil, conforme podemos ler em sua apresentação. Ambos são ‘livros
de papel’, mas cada um apresenta outros suportes para o desenvolvimento do
34
Cf capítulo 5 em que essa marca de homogeneização é questionada.
35
Cf capítulo 5.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
87
ensino/aprendizagem de PLE a que se propõem. SA é composto de livro do aluno,
no qual há um apêndice com cartelas auto-adesivas para jogos. TB é composto de
livro do aluno (em dois volumes), e dois áudio CDs (um para cada volume). Os dois
MDs têm manual do professor. Em SA ele vem sob a forma de um volume separado,
intitulado ‘De professor para professor’ (no qual são encontradas orientações
metodológicas e explicitada a abordagem da obra). Não há, como geralmente ocorre
nos MDs, uma parte específica para respostas. Em TB o manual do professor é
acessível através da internet (o acesso é aberto a qualquer internauta). Ele é
dividido em dois volumes.
No primeiro, estão disponíveis cinco links: informações extra-essenciais
(disponível somente para o volume I), dicas e sugestões (onde são apresentadas
estratégias de ensino, também disponível somente para o volume I), instruções
gerais (onde são apresentadas outras estratégias de ensino e sugerida uma
ampliação do conteúdo, que estão disponíveis nos dois volumes), respostas dos
exercícios e transcrição do material em áudio (também nos dois volumes).
É interessante mencionar o fato de que na página que disponibiliza todo esse
material, há um link denominado ‘detalhes’ que, ao ser clicado, abre a página da
editora na qual é feita a apresentação do produto – o MD. O outro link (o desenho de
um carrinho) abre a página de compra do produto também pela página principal da
editora. Essa materialidade revela o TUi a que o MD se dirige (cf.capítulo 4). Na
página de TB na internet são disponibilizados também, com acesso público e aberto
– sem senha – os links especificados a seguir.
No Release é inserido o texto reproduzido na contracapa
,
dos dois volumes.
Na contracapa do volume I (1ª edição) constava o detalhamento dos outros suportes
do MD – livro do aluno, livro do professor, áudios CDs e cartelas ilustradas. Segundo
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
88
o que se lê ainda na contracapa e na apresentação do vol.I, 1 ª edição, 2001, o
projeto inicial da obra englobava a elaboração de três volumes com livro do aluno,
livro do professor, áudios CDs e cartelas ilustradas, mas até 2006 só foram
publicados dois volumes. Lê-se na apresentação da 1ª edição do volume I: “Tudo
Bem? Português para a nova geração, o primeiro de uma série de três volumes,
apresenta em 10 unidades, as
estruturas básicas da língua [...] objetivando,
principalmente a ‘comunicação natural e espontânea” (ênfase adicionada).
Na contracapa do volume II (1ª edição) a especificação do suporte é alterada:
livro do aluno, exercícios extras (on line), dicas para o professor (on line), transcrição
do material em áudio (on line) e áudio CDs. As cartelas não foram produzidas (não
são mencionadas na página do MD na internet). Na contracapa do MD, o manual do
professor passou a ser denominado ‘dicas’.
36
Os dois MDs se destacam pela apresentação gráfica, notadamente a
qualidade do papel com que são impressos. Cumprem, assim, um dos termos de
CC, haja vista o público a que são direcionados.
S A (livro do aluno) é dividido em seis módulos e um apêndice. Cada parte
tem características e funções específicas, detalhadas na contracapa e no ‘manual
do professor’. No final do material do aluno, há oito páginas com etiquetas auto-
adesivas para confecção de jogos, que ‘além de entreter o aluno (...) reforçam a
aprendizagem do português’ (S A, p. 8, Manual do Professor - MP).
Cada módulo tem uma numeração própria, posicionada no centro da
página, na sua cor característica. Assim, temos azul em A palavra é sua - (23
páginas); laranja em Organizando as idéias - (25 páginas); verde em Os verbos
em ação (17 páginas); marrom na seção de Jogos – (5 páginas); bege em Fique
36
Os efeitos de sentido dessa alteração são analisados no capítulo 4.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
89
por dentro (11 páginas); roxo em Para falantes de espanhol (10 páginas) e,
finalmente, vermelho no Apêndice, composto de 5 páginas. Ainda segundo
afirmação dos editores (na página 34 do catálogo), a função das cores é ‘quebrar
a monotonia’.
[...] a obra é uma resposta para professores que há muito sinalizam a
necessidade de um livro em sintonia com o jovem que não quer aula de
repetição, mas de criação [...] Sãovários’ livros em um só formando um todo
homogêneo identificado visualmente. (S A, MO, p. 8, ênfase adicionada).
O manual do professor já desde a apresentação confirma o que os editores
divulgam no catálogo. Nele é feito o esclarecimento quanto à pretendida
concepção de ensino da obra – ‘de bases comunicativas’, afirmação ratificada no
texto do catálogo da editora: ‘Sempre Amigos é um material comunicativo em sua
essência’.
No que se refere ao embasamento teórico em que a obra se calca, as duas
citações incluídas em nota de rodapé (p. 8 do MP) constituem a única referência
bibliográfica presente. Mesmo as fontes de onde foram retirados textos ‘autênticos
(p. 6 -7, módulo 5, livro do aluno) não são explicitadas.
O livro apresenta formato adequado ao manuseio. A ilustração é composta
de desenhos e apenas três fotos, sendo apenas uma não fragmentada,
contrariando o que afirma o catálogo impresso da editora – ‘O livro é totalmente
colorido com ilustrações e fotos contextualizadas’ (p. 34). Repleto de desenhos,
sua apresentação gráfica sugere a remissão ao público adolescente e jovem a
que se destina (cf. capítulo 4).
O MD SA se autocaracteriza como ‘bem humorado’, sintonizado com os
avanços da pesquisa (‘material comunicativo’) e com as demandas dos seus
consumidores. Essa mesma preocupação é sugerida pela equipe que elaborou o
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
90
MD Tudo Bem?, conforme resenham DEL´ISOLA e JUDICE (2001, p. 5-6) em
relação ao outro MD do corpus:
Tudo Bem?, volume I, testado em cursos de imersão no Brasil (São
Paulo) e em não-imersão em países de língua espanhola (Argentina,
Uruguai, Espanha), apresenta pontos positivos e alguns problemas,
estes talvez decorrentes do regime acelerado de produção de material
didático de PE pelo grupo, que vem tentando dar sua colaboração para
um mercado em expansão acelerada e ainda carente de conjuntos
pedagógicos’.
O título de TB? retoma de forma
interrogativa a obra Tudo Bem (figura 5) de
Raquel Ramalhete, cujo primeiro volume foi
lançado em 1984. Outra semelhança entre as
obras é o número de livros do aluno (2). Tubo
Bem também oferecia suporte de áudio. Cada
volume de TB? é composto de 10 unidades,
abertas com uma foto e o detalhamento do
conteúdo a ser nelas trabalhado. O diálogo, no
CD, é sempre introduzido pela forma verbal
APRENDA.
Figura 5 Capa de Tudo Bem, vol. I
Após o diálogo há um ícone introduzindo uma seção de reflexão a partir do
tema apresentado pelo texto. Em cada unidade de TB há seções fixas: Enfoque
(Diálogos e detalhamento do conteúdo gramatical a ser estudado), Solte a língua!
(atividades de cunho fonológico), Piadas (que no volume II recebe a denominação
de Humor), Psiu (seção de vocabulário na maioria descontextualizado), Conectando-
se (sugestão de acesso a páginas na internet). Há ainda as seções O que é o que
é? e Você sabia que...? – ambas com nítido objetivo de enriquecimento cultural,
principalmente no volume II.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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91
Figura 6 Ícone de recurso à internet em TB?
O acesso ao suporte digital é sempre
sinalizado no livro do aluno por ícone
(figura 6).
É importante destacar que há outras informações no site que não são sinali-
zadas pelo ícone. São os exercícios extras e suas respectivas respostas. Acessando
a página de abertura do MD na internet, visualizamos a imagem da figura 7. O inter-
nauta pode selecionar o volume sobre o qual deseja informações, acessadas a partir
dos seguintes links: informações extra essenciais dicas e sugestões (somente no
link do vol. I), instruções gerais, respostas aos exercícios do livro do aluno,
transcrição do material em áudio , script (somente no link do vol. II) e errata (a
mesma para os dois volumes).
Figura 7 Página de entrada de TB na internet
Para a compreensão do processo de constituição do corpus é importante
retomar as razões expostas na justificativa do presente trabalho. A constatação da
existência de somente duas publicações especialmente direcionadas ao público
discente infanto-juvenil despertou a curiosidade de estudar os termos em que se
estabelecem os CC nesses MDs. O recorte para constituição do corpus pode ser
assim sintetizado: MDs de PLE produzidos no Brasil especialmente para
adolescentes.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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92
CAPÍTULO 3 OS MATERIAIS DIDÁTICOS DE PLE E OS CONTRATOS DE
COMUNICAÇÃO
Segundo a Teoria Semiolingüística ‘o sentido é resultante de operações
discursivas de instâncias subjetivas do discurso, a partir de uma
situação bem determinada e regulada por um contrato comunicativo’.
(PAULIUKONIS: 2002 - Ênfase da autora)
3.1. FUNDAMENTOS DA SEMIOLINGÜÍSTICA DISCURSIVA
3.1.1. A situação comunicativa e o contrato de comunicação
Os pressupostos teóricos que dão sustentação ao presente trabalho – que faz
uma análise dos MDs de PLE direcionados a adolescentes – são fundamentados na
Semiolingüística Discursiva (SD) de Patrick Charaudeau, situada, portanto, no ramo
do conhecimento de essência multidisciplinar que é a Análise do Discurso (AD).
Cabe relembrar aqui que a expressão Análise do Discurso engloba linhas teóricas
de caráter interdisciplinar quer vão desde uma perspectiva preponderantemente
ideológica (AD Francesa - PÊCHEUX/ORLANDI) até a que adotamos como suporte
teórico deste trabalho, a de Charaudeau.
‘[...] uma análise semiolingüística do discurso é semiótica porque o objeto de
que se ocupa só existe dentro de uma intertextualidade dependente dos
sujeitos da linguagem, em que se procura identificar possíveis significantes, e
é lingüística porque o instrumento por meio do qual questiona esse objeto se
constrói após um trabalho de conceptualização estrutural dos fatos
discursivos’.(CHARAUDEAU: 1983 a, p. 14)
Passemos a estabelecer como são concebidos os conceitos que serão
utilizados segundo a SD. Adoto a perspectiva charaudeauniana de sujeito
logocêntrico e racional, consciente das escolhas lingüísticas que faz segundo os
contratos de comunicação (CC) que firma.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
93
É ainda adotada no presente trabalho a concepção de linguagem hallidayana
(HALLIDAY & HASSAN: 1976), ou seja, ‘considerada um sistema sociossemiótico
que relaciona vários sistemas de significação constituintes da cultura humana, na
produção de sentidos, materializando-se no texto’; a linguagem na perspectiva
pragmática, ou seja, considerada como ‘uma forma de ação’, diretamente
relacionada a uma instituição a qual lhe dá sustentação discursiva (MAINGUENEAU:
1997). Foi feita a escolha do paradigma da língua em uso já que é nele que se
apóiam os MDs de PLE que vamos analisar. Fazemos aqui menção à língua em uso
como a realização lingüística em eventos comunicativos, ou seja, em situação de
comunicação.
‘Falar é uma aventura porque não sabemos nunca se o tu interpretante vai
coincidir com o tu destinatário que construímos’. (CHARAUDEAU: 2002). As
instâncias enunciativas que interagem – EUe (Eu enunciador) e TUd (TU
destinatário) - vivem um combate permanente entre o pensamento e a linguagem. No
dizer de CHARAUDEAU (Ibidem), vivem a ‘ilusão platônica
37
da linguagem como
espelho do pensamento’.
Na escola, somente para citar um exemplo, essa ilusão é maximizada a tal
ponto que existe um modelo de bem falar (ilusão estetizante da linguagem), ratificado
pela abordagem que é dada, por exemplo, à literatura, seguindo uma historiografia
pré-determinada, na qual são valorizados os mesmos autores e as mesmas obras,
criando no aluno a ilusão de que a produção literária restringiu-se àquelas ‘citações’
existentes nos MDs.
Sabemos que, para manifestar nossos pensamentos, idéias e emoções,
lançamos mão da linguagem, que é constituída de signos situados em contexto, o
37
A análise desse platonismo é feita no capítulo 4.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
94
que inexoravelmente lhe atribui uma perspectiva de opacidade. Estudos cognitivistas
apontam para a impossibilidade de a linguagem refletir fielmente o pensamento
consubstanciado em linguagem por determinada instância enunciativa dentro de
determinado contexto. Somente estes dois fatores (em nível de produção, portanto,
desconsiderado o nível da recepção), já são suficientes para confirmar a
impossibilidade de a linguagem ser reflexo do pensamento.
Assim, a linguagem, como fruto de um trabalho social, não pode ser
considerada transparente, mas em suas dimensões referencial (consubstanciação
do mundo), situacional (“mostra os ‘enjeux’ do discurso” – CHARAUDEAU: 2003),
contextual (em sua relação com os outros signos). Ela é, portanto, indispensável nos
processos de comunicação, informação, interpretação. Serve para prescrever,
dividir, verificar, lembrar, relembrar; para justificar, analisar, argumentar, concordar,
divergir, para negociar, decidir, criar...
Para CHARAUDEAU (1995/2005, p.13), o fenômeno da linguagem é
multidimensional e deve ser analisado a partir do relacionamento entre dois tipos de
fatores: ‘mais externos (lógica das ações e influência social), outros mais internos
(construção de sentido e construção de texto)’.
À luz da SD charaudeauniana, precisamos definir claramente como
entendemos o processo de comunicar, denominado por Charaudeau de trocas
linguageiras; elucidar como se dá a conquista do direito à palavra, um processo de
assunção dos riscos, das restrições e das liberdades impostos pela situação
comunicativa.
O esquema a seguir (figura 8) faz o detalhamento desse processo.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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95
Figura 8: Detalhamento da situação comunicativa
SITUAÇÃO
Para quê? Finalidade
EU
Quem?
Identidade
MUNDO
A propósito de quê?
Tematização
TU (eu?)
A quem?
Identidade
MEIOS
(Como?)
MEIOS
DISCURSIVOS
MEIOS
LINGÜÍSTICOS
A figura 8 representa o esquema da situação comunicativa, no qual são
demonstrados os elementos que a compõem: a finalidade, o propósito, as
instâncias enunciativas – EUe (eu enunciador) e TUd (tu destinatário), além dos
modos de organização do discurso – enunciativo, descritivo, narrativo e
argumentativo (CHARAUDEAU: 1992). Pode-se perceber pela análise do esquema
que todo ato de linguagem resulta de uma relação de troca linguageira, cuja
realização depende de competências determinadas, tanto do eu quanto do tu, em
situação de enunciação, ou seja, de construção de uma identidade discursiva do
sujeito falante (comunicador) e do sujeito destinatário (interpretante).
Partindo do postulado da intencionalidade como fundamento do ato de
linguagem, CHARAUDEAU (Ibidem), ressalta que, para a compreensão dos CC,
devem ser analisadas as condições de produção (CP) da situação discursiva, ou
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
96
seja, os elementos estruturantes e indispensáveis à existência do discurso: os
espaços de cooperação, o preenchimento das identidades sociais e discursivas, ‘um
mínimo de saberes partilhados na troca linguageira’. Assim o autor resume o
processo de estruturação de um ato de linguagem:
‘Dizemos então que a estruturação de um ato de linguagem comporta dois
espaços: um espaço de restrições, que compreende as ações mínimas às
quais é necessário atender para que o ato de linguagem seja válido, e um
espaço de estratégias, que corresponde às escolhas possíveis à disposição
dos sujeitos na mise-em-scene do ato de linguagem’. (CHARAUDEAU: Ibidem,
p. 18-19 – Ênfase do autor).
Para Charaudeau, o funcionamento dos mecanismos discursivos se dá em
dois circuitos distintos: um externo e um interno, conforme podemos visualizar na
figura a seguir (cf. figura 9)
Figura 9: O funcionamento do Discurso (Charaudeau)
CIRCUITO EXTERNO
FAZER / AÇÃO
DIZER
CIRCUITO INTERNO
EU
enunciador
TU
destinatário
SUJEITO EMPÍRICO
EU
comunicante
Identidade Social
SUJEITO EMPÍRICO
TU
interpretante
Identidade Social
Projeção imaginária
CIRCUITO INTERNO
Ajuste intencional
Do circuito externo fazem parte as identidades sociais, ou seja, os seres
humanos, identificáveis psicossocialmente: o EU comunicante - aquele que fala ou
escreve e o TU interpretante – aquele que ouve ou lê – interpreta- o texto. Do
interno, as identidades discursivas, cuja existência é teórica: o EU enunciador e o
TU destinatário. O ato de comunicar ou os jogos de linguagem, em cujas bases se
fundamentam os CC, são, segundo Charaudeau, uma aventura, pois todas essas
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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97
variáveis vão interferir na confecção desse projeto de comunicação, que, como todo
projeto, pode ou não ser bem sucedido (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU: 2004).
Segundo a SD, todo ato comunicativo implica o desempenho de determinados
papéis sociais - imagens que vamos produzindo a partir dos lugares de onde
enunciamos; imagens que o(s) nosso (s) interlocutor(es) tem(têm) de nós e que nós
fazemos dele(s). Elas fazem parte das condições de produção do discurso,
indispensáveis ao projeto de comunicação e devem ser entendidas em sua dimensão
histórico-social ao se processarem nos dois circuitos descritos.
Para a SD, os atos de linguagem que usamos em nossa vida em sociedade
são encenações, resultantes de um ’jogo’ de constante equilíbrio e ajustamento
entre as normas de um dado discurso e as margens de manobra que tal discurso
permite, o que dá lugar à produção de estratégias. É interessante ressaltar que a
origem do conceito de jogo de linguagem a que a SD se refere pode ser buscada em
WITTGENSTEIN (1969), para quem a linguagem não pode ser reduzida a um único
modelo (padrão), já que são inúmeros e infinitamente díspares os usos que dela
podemos fazer, como em um caleidoscópio, ou em um mosaico.
A SD leva em consideração também os aspectos semióticos (os que
extrapolam o valor semântico dos signos verbais), bem como os efeitos de sentido
produzidos pela conjugação desses elementos no contexto discursivo, o paratexto
38
.
A SD analisa ainda os processos semióticos, englobando a equação verbal / não-
verbal, as relações contextuais dos dados extralingüísticos implícitos ou
pressupostos pela situação comunicativa, bem como o funcionamento discursivo das
instâncias enunciativas que a compõem. Considera que o sujeito, “ao enunciar
presume uma espécie de ‘ritual social de linguagem’, implícito, partilhado pelos
38
O conceito de paratexto tem sido bastante ampliado, segundo as pesquisas que vêm sendo realizadas sobre o
hipertexto. Como exemplo, podemos citar o e-mail, onde ele se materializa através da inserção de data e horário
do envio do texto, a identificação do EUc, do TUi. O paratexto situa no tempo e no espaço o texto do e-mail.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
98
interlocutores” (cf MAINGUENEAU: 1997, p.30). Para fins de nossa análise,
consideramos ainda o fato de que ‘[...] a construção de um discurso não é
unicamente o desenvolvimento de premissas dadas no início; é também
estabelecimento de premissas, explicitação de estabilização de acordos’.
(PERELMAN: 1996/2002, p.124).
As relações entre as instâncias subjetivas do discurso acionam ‘convenções’
responsáveis pela ‘regulação’ das relações entre essas instâncias enunciativas, ou
seja, firmam entre si o que CHARAUDEAU (1983b) denomina contrato. Para
entender a noção de CC para a SD, cito o próprio autor:
A noção de contrato pressupõe que os indivíduos pertencentes a um mesmo
corpo de práticas sociais sejam capazes de entrar em acordo a propósito das
representações de linguagem dessas práticas. Conseqüentemente, o sujeito que
se comunica poderá, com certa razão, atribuir ao outro (o não-EU), uma
competência de linguagem análoga á sua que o habilite ao reconhecimento. O
ato de fala transforma-se, então, em uma proposição que o EU dirige ao TU e
para a qual aguarda uma contrapartida de conivência.[...]’ (CHARAUDEAU:
1995/2005, p. 50)
Os CC regulam o processo interativo e determinam as escolhas lingüísticas
segundo a situação de comunicação e, segundo as imagens das instâncias
subjetivas produzidas no/pelo discurso. Ao serem realizados os atos de fala, vão
sendo acionadas convenções que consubstanciam os termos do contrato que será
‘assinado’ naquela determinada situação enunciativa.
Para Charaudeau, o CC pressupõe a existência de uma situação enunciativa,
o que permite que entendamos como se processam as práticas linguageiras, que se
materializam lingüisticamente no texto:
Um processo de “operação estratégica de comunicação” se concretiza, visto que a
linguagem firma-se como [...] uma forma de atuação política entre os homens, o
texto, como resultado do processo interativo e de influência, [...]. A noção de texto
[...] portanto prevê que ele é resultado de uma operação estratégica de
comunicação, produzida por um enunciador e decodificada como tal por um leitor,
em três
níveis: o referencial, que diz respeito ao conteúdo, o situacional, referente
aos entornos sociais e o pragmático, ao processo interativo”. (PAULIUKONIS et alii:
2003, p.2 - Ênfase adicionada).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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99
A linguagem é, então, elemento estruturante desse processo interativo. No
dizer de AZEREDO (2000, p. 16), ‘uma forma socialmente adquirida de interpretá-la
(a realidade) e de torná-la assunto de nossos atos de comunicação’. Para
PERELMAN (1996/2002, p. 149-150), ela ‘não é somente meio de comunicação, é
também instrumento de ação sobre as mentes, meio de persuasão’.
39
Para CHARAUDEAU (1992), na interpretação dos termos de um CC e na
identificação dos sentidos por ele propostos, devemos nos perguntar sobre os
‘quens’ (em francês – quis) que o texto fez ‘falar’. CHARAUDEAU (Ibidem) fala
também de um ça e de um on, afirmando que quando falamos, fala uma instância
subjetiva comunicante com nossas características pessoais, mas fala também um ça,
ou seja, um segmento social, um grupo social, legitimado pelas instituições e que por
isso, legitima nosso discurso. Esse ça charaudeauniano parece remeter ao que
Perelman chama de ‘acordo do auditório universal’:
‘[...] que não é, portanto, uma questão de fato, mas de direito [...] Uma
argumentação dirigida a um auditório universal deve convencer o leitor do caráter
coercitivo das razões fornecidas, de sua evidência, de sua validade intemporal e
absoluta, independente das contingências locais ou históricas (PERELMAN: 1996
/2002, p. 35).
40
Charaudeau propõe ainda o on - em francês, empregado nas expressões: On
sait que... - uma espécie de ‘sujeito coletivo’, com cuja imagem o eu comunicante
conta (co-enuncia) em seu projeto de comunicação, para obter a adesão do tu
destinatário às teses por ele formuladas. É com a voz do on que o eu enunciador
produz seu discurso; com sua voz ele opera no jogo entre os circuitos externo e
39
Não podemos desconsiderar esse emprego da linguagem nos enunciados dos exercícios dos LDs e nos das
sugestões constantes do manual do professor desses MDs, objeto de análise no capítulo 4.
40
Parece ser baseado nesse pressuposto que o discurso pedagógico se constitui. Remeto o leitor ao capítulo 4,
onde este aspecto é aprofundado.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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100
interno, para introduzir uma norma, ou seja, produzir um efeito de sentido coercitivo,
argumentativo (PERELMAN: Ibidem; p.182).
41
Para explicar o funcionamento discursivo do on, há exemplos abundantes nos
MDs do corpus. Nos manuais didáticos de PLE, o on se materializa lingüisticamente
pela inserção de expressões modalizadoras que podem ser identificadas no trecho:
‘Logo adiante vamos discutir mais detalhadamente cada um dos módulos. Antes,
porém, é necessário*
esclarecer a terminologia que aí empregamos’ (Trecho do MD
Sempre Amigos - SA - p. 8 do Manual do Professor - MP). Podemos observar que o
tom do discurso atribui ao dito o caráter de verdade inquestionável. Na medida em
que o postulado se faz através desse on, ou seja, através da voz da ciência, do
discurso científico, faz-se reconhecido socialmente como veiculador de uma verdade
absoluta. O emprego da expressão modalizadora – é necessário - confirma essa
análise, pois manifesta a predeterminada concordância com o que discurso que está
veiculando.
A presença do ça e do on que a SD identifica vem de longa data. Aristóteles,
em seus conceitos de Retórica, já previa a manipulação de provas lógicas, para que
se garantisse a adesão do que denominava auditório universal, definido,
posteriormente por Perelman como ‘o conjunto daqueles que o orador quer
influenciar com sua argumentação’ (PERELMAN: Ibidem, p. 22). O uso do on
charaudeauniano é uma forma de certificação antecipada dessa concordância, cuja
materialidade lingüística pode ser identificada na superfície dos textos analisados e é
a base na qual se apóiam as análises semiolingüísticas da presente tese.
41
Maria Ermantina Galvão, tradutora desta obra analisa lingüisticamente o pronome pessoal indefinido on: “de
largo uso e oriundo do nominativo latino homo , não tem equivalente em português. Em nosso idioma, para os
mesmos fins, indetermina-se o sujeito através da partícula apassivadora – se - ou, numa linguagem coloquial,
utiliza-se a gente” (NT). Os efeitos de sentido produzidos pelo emprego dessa e de outras estruturas lingüísticas
nos MDs são analisados no capítulo 4.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
101
3.1.2. A noção de texto
Sabemos que o conceito de texto tem sido revisitado no decorrer do tempo.
Os avanços da pesquisa na área da Lingüística, notadamente a partir da década de
60 do século XX permitiram que fossem sendo incorporados outros contornos. Sem
dúvida, a definição de texto não é mais gramatical e tipologizante como era
inicialmente. Para as gramáticas de texto, um texto ainda é concebido como uma
‘seqüência bem formada de frases ligadas que progridem para um fim’. Segundo
essa formulação, as figuras a seguir seriam compostas de ‘vários textos’:
42
Figura 10 Excerto I Tudo Bem? (TB)
Vol. I p. 70
Figura 11 Excerto I de SA - módulo 1 p. 21
Cada número estaria iniciando um ‘texto’. Poderíamos identificar, assim, 10
(dez) textos na figura 10 e cinco na figura 11. Não se poderia considerar todo o
conjunto como um único texto, pois não há relações de coerência nem de coesão
entre eles e, portanto, não há produção de um sentido geral.
VILELA & KOCH (2001, p. 452-453) ressaltam como o texto passou a ser
encarado à luz das orientações teóricas da pragmática: inicialmente pela teoria dos
42
A reprodução parcial de páginas tem o objetivo de reforçar o processo de fragmentação que ocorre nos MDs,
analisado no capítulo 4.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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102
atos de fala, a seguir pelas vertentes cognitivistas, como resultado de processos
mentais e, finalmente, como parte das ‘atividades mais globais de comunicação’ das
quais seria apenas uma parte. O texto passou a ser abordado não como um
constructo fechado e acabado, mas em seu processo de tessitura. Só se considera
texto a produção em processamento – planejamento, verbalização e construção.
Considerado como resultado parcial da atividade comunicativa humana, ou
seja, de trocas linguageiras, o texto pode ser concebido como uma atividade verbal,
consciente, estrategicamente organizada, teleológica e interacional. É fruto de
processos de interação social, que ocorrem segundo determinadas situações
comunicativas.
O texto é então definido a partir da origem, tanto por sua unidade quanto pela
sua abertura, que posteriormente foi teorizada como transtextualidade por
Genette (1979, 1982, 1987). Esse autor distingue oportunamente o paratexto *
(o que cerca materialmente o texto), metatexto e o epitexto* (comentários de
um texto em e por um outro texto), o intertexto* (citação, alusão a outro texto), o
hipertexto (no sentido de retomada, pastiche, paródia) e, finalmente, o
arquitexto (gêneros de discurso e modelos de textualidade como a narrativa, a
descrição*, o comentário e as diferentes formas de encenação da palavra) [...].
(CHARAUDEAU & MAINGUENEAU: 2004, p. 466).
Quando comunicamos, a concretização do processo de encenação se dá
através do discurso e a materialização deste discurso se faz através do texto.
Portanto, segundo a teoria charaudeauniana, um texto não é um conjunto de signos
inertes, mas o rastro deixado por um discurso em que a fala é encenada
(MAINGUENEAU: 2001, p. 85).
As marcas desse discurso encenado podem ser identificadas na relação de
um texto com outros textos – intertextualidade. O intertexto pode ser exemplificado
no nosso corpus, quando reciprocamente manual do professor e livro do aluno
fazem remissão a trechos entre si. A perspectiva de transtextualidade pode também
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103
ser identificada, quando, no texto dos MDs, são feitas remissões a outros textos; são
estabelecidas relações interdiscursivas.
O metatexto e o epitexto podem ser identificados no manual do professor e no
catálogo das editoras com referências explícitas a tópicos gramaticais (cf a
bibliografia de TB - disponível na internet) bem como nos manuais, através da
inserção de dicas, sugestões e orientações ao professor. Cabe destacar que, apesar
da remissão à internet, as práticas discursivas vivenciadas a partir dos MDs apontam
para textos eminentemente monomodais, não sendo valorizados os textos
multimodais, característicos da veiculação em suporte digital.
Retomando o ‘texto’ 2 da figura 11, percebemos a inserção de um recurso
gráfico que atribui à superfície textual uma marca de hipertextualidade, atualmente
muito usada em revistas escritas (em papel). Essa inserção sugere uma
instabilidade teórica quanto ao conceito de texto adotado no MD, visto que agrega a
noção estruturalista de texto como sinônimo de frase, mas, ao mesmo tempo, insere
elementos paratextuais (MARCUSCHI: 2004), que sugerem uma visão atual e
sintonizada com a pesquisa aplicada.
A referida instabilidade teórica constitui aspecto importante na análise a que
nos propomos das práticas discursivas desenvolvidas no processo de
ensino/aprendizagem de uma LE, quando foi identificado o emprego polissêmico das
palavras texto, excerto de texto e discurso. Logo, é necessário e preliminar à nossa
análise, que essa distinção seja feita.
No presente trabalho, em que vamos analisar MDs de PLE, o texto é definido
em sua perspectiva plurissemiótica (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU: 2004) ou
seja, considerando o fato de que ele pode comportar não só signos verbais, mas
também imagens - fotografias, desenhos, infogramas (MARCUSCHI: 2004) e ainda
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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104
gestos e entonações dependendo do suporte em que é materializado. Se
considerarmos a utilização de webpages como suportes digitais, ao texto passam a
ser incorporados simultaneamente som, imagem, movimento. Ele passa a ser
multimodal. Comunicar pressupõe proceder à encenação, ou seja, ocupar papéis
sociais e históricos. Para que possamos fazer a análise SD do discurso, temos que
compreender os mecanismos em que são constituídos os projetos de comunicação,
levando em consideração o sistema da língua, o próprio texto (materialidade
lingüística do discurso), a situação comunicativa (SC) e os modos de organização do
discurso (sintonizados com específicos gêneros textuais).
Todo discurso se dirige a um auditório sendo muito freqüente esquecer que se
dá o mesmo com o todo escrito. Enquanto o discurso se dirige a um auditório, a
ausência material de leitores pode levar o escritor a crer que está sozinho no
mundo, conquanto na verdade, seu texto seja sempre condicionado, consciente
ou inconscientemente, por aqueles a quem pretende dirigir-se. (PERELMAN:
1996/2002, p. 7, ênfase adicionada)
Precisamos conhecer as condições de produção (CP), ou seja, os elementos
estruturantes e indispensáveis à existência do discurso. Para que esse projeto tenha
mais chance de êxito, deve ser levada em consideração a necessidade de
adaptão entre as instâncias enunciativas:
Mudando o auditório, a argumentação muda de aspecto e, se a meta a que ela visa
é sempre a de agir eficazmente sobre os espíritos, para julgar-lhe o valor temos de
levar em conta a qualidade dos espíritos a que ela consegue convencer.
(PERELMAN: Ibidem, p. 8)
Fazem parte das CP do discurso o referente – o que dizer, o que é dito,
segundo os sistemas básicos de coerência e de restrições; a forma de dizer
estratégias eleitas ou impostas para a concretização do projeto de comunicação,
segundo as relações entre as instâncias enunciativas dos circuitos interno e externo.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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105
Essa forma de dizer é primariamente determinada pelos padrões da língua
empregados no tipo de discurso que está sendo veiculado. Além disso, faz parte da
escolha da ‘forma de dizer’, a concepção que o eu comunicante tem do auditório a
que se dirige. ‘O papel do autor é apenas manter, entre ele e o público, o contato
que a instituição científica possibilitou estabelecer’ (PERELMAN: Ibidem, p. 20). Em
extensão, na relação professor / aluno, o que se diz, como se diz, por que se diz,
para que se diz, tudo está previamente estabelecido pela instituição escolar, que
legitima o professor como agente intermediador entre os saberes que devem ser
transmitidos e assimilados e o aluno que os deve apreender. A presente pesquisa
relativiza essa dicotomia incluindo interferências outras nesse processo
aparentemente tão transparente e homogeneizador.
43
Faz ainda parte das CP a cena - situação comunicativa - que podemos
denominar contexto. Em sentido estrito, a expressão contexto pode se referir às
condições imediatas
em que se dá o discurso. Em sentido amplo, refere-se às
condições sócio-histórico-ideológicas em que o discurso é produzido. Engloba ainda
o quadro das instituições que legitimam ou não a veiculação do discurso (escola,
igreja, política entre outras) bem como o sistema de restrições que determina não só
as escolhas temáticas, mas também as modalidades enunciativas, as relações
interdiscursivas para que seja levada em consideração a adesão do auditório a que
se destina.
43
Cf capítulo 4.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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106
3.1.3. A noção de discurso
Empregada desde a filosofia clássica, a noção de discurso é relacionada ao
conhecimento intuitivo, ou seja, próximo ao logos grego e conheceu um impulso
fulgurante com o declínio do estruturalismo e o crescimento das correntes
pragmáticas. Definir discurso é, assumir determinadas concepções de linguagem e
de semântica.
Historicamente em Lingüística a noção de discurso foi se distinguindo da de
frase (HARRIS: 1952/1963), de língua (BENVENISTE: 1966, p. 266); foi aproximada
de enunciação; de texto (discurso concebido como a inclusão de um texto em seu
contexto e no interdiscurso); de enunciado – ou seja, como unidade transfrástica.
Temos como pressuposto, segundo a perspectiva da SD, que o discurso é
orientado (não só em função da intencionalidade manifesta pelas instâncias
enunciativas, bem como se posiciona diante de determinado tempo histórico); ele é
uma forma de ação, pois sua manifestação em linguagem se dá por determinadas
formas de dizer; é interativo (tem a interatividade como marca constitutiva); é
contextualizado, supõe uma organização transfrástica. Por exemplo, a palavra
silêncio pode ser interpretada como apelo
ou ordem, ou seja, em uma perspectiva
discursiva, se ela estiver afixada à parede de um hospital.
Essa relação deve ser feita imediatamente pelo leitor, para que haja uma
interpretação em nível discursivo. A palavra isoladamente escrita, em uma folha
solta de papel, vai produzir efeitos de sentido diferentes dos que produziria, caso ela
estivesse relacionada a uma instituição que lhe conferisse legitimidade de um pedido
ou ordem de calar-se, ou seja, ele é regido por normas (CHARAUDEAU &
MAINGUENEAU: 2004, p.170-172).
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107
O discurso só pode ser considerado como subconjunto de um conjunto maior
– o interdiscurso – universo de outros discursos no qual a veiculação de um discurso
determinado provoca determinados (e não outros) efeitos de sentido. Segundo
esses autores (Ibidem, p. 172), ‘para interpretar o menor enunciado, é preciso
colocá-lo em relação com todos os tipos de outros, que se comentam, que se
parodiam, que se citam...”.
Para interpretar o enunciado silêncio, no exemplo anteriormente citado, é
preciso colocá-lo em relação aos outros tipos de discurso, segundo determinado
gênero, processo que por si só já o identifica como tal.
Concebido como o modo de existência sócio-histórica da linguagem, fora da
dicotomia saussureana (língua- sistema abstrato / fala – realização concreta e
individual), o discurso cria uma exigência: que a sua interpretação como fenômeno
de linguagem não seja buscada somente na língua, sistema ideologicamente neutro,
mas em um nível situado fora dos pólos da dicotomia língua/fala.
Discurso pressupõe, deste modo, processos discursivos; aspectos sociais,
históricos, ideológicos, psíquicos de instâncias subjetivas (eu e tu), interagindo nos
circuitos interno e externo da comunicação (produção/ recepção).
Enunciamos de determinada posição sócio-histórica para um tu que também
ocupa determinada posição sócio-histórica. A esse processo denominamos
enunciação. Cito Brandão, na definição dos pressupostos para o estudo da
linguagem, as condições de produção do discurso:
Discurso é, assim, o espaço em que saber e poder se articulam, pois quem fala,
fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucionalmente. Esse
discurso, que passa por verdadeiro, que veicula saber (o saber institucional), é
gerador de poder; a produção desse discurso gerador de poder é controlada,
selecionada, organizada e redistribuída por certos procedimentos que têm por
função eliminar toda e qualquer ameaça à permanência desse poder
(BRANDÃO: 2002, p. 31)
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108
A compreensão de discurso neste sentido será fundamental, para
analisarmos as relações entre as instâncias enunciadoras dos MDs, no processo de
concretização dos projetos de fala nos CC entre elas firmados.
Sabemos que o discurso tem leis. A atividade verbal e sua respectiva
interpretação estarão pressupondo a existência de um CC que regula o direito à fala,
licenciando e interditando o que pode ou não pode ser dito; a aceitação tácita de
suas regras, das regras do jogo comunicativo, ou das condições discursivas
(CHARAUDEAU & MAINGUENEAU: 2004).
Esse CC se estabelece segundo determinada situação discursiva, na qual se
concretiza o projeto de fala. A situação discursiva seria então um conjunto de fatores
socioculturais representados nos papéis sociocomunicativos assumidos pelos
participantes de um evento comunicativo qualquer.
A relevância dos fatores socioculturais é mais ou menos perceptível segundo
a língua em que o evento comunicativo se desenvolve. Se o projeto de fala se
concretiza em língua materna, não nos conscientizamos desse processo. Tudo fica
implicitamente ‘acordado’, ajustado no CC. É o que denominamos princípio da
cooperação (GRICE: 1979).
Mas, em se tratando de LE, principalmente na interlocução entre aprendizes e
falantes nativos (ou que tenham pleno domínio da LE, para ele LM), esse processo
se torna bem evidente. Percebemos quando o TUi, assumindo o turno de fala (e,
conseqüentemente, o papel de EUc), emite uma palavra ‘inadequada’. Evidencia-se
seu grande esforço para a contextualização do que fala e de se fazer compreendido.
Usando o princípio do encadeamento, da cooperação, do interesse, e
principalmente da economia, muitas vezes, o falante, percebendo a dificuldade de
seu interlocutor antecipa a fala, considerando o que provavelmente ia ser dito,
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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109
segundo o que ficou ‘inscrito’ até então no enunciado (lei da informatividade). O
subentendido processa-se quando é efetuado o confronto entre o que foi até então
dito no enunciado com o contexto de enunciação.
Podemos concluir, então, que o discurso é uma organização transfrástica,
uma forma de ação orientada, logo, interativa. Como ele é contextualizado, deve ser
assumido, tendo como suporte um projeto de comunicação. Ele é regido por normas
registradas na memória do discurso (memória discursiva) e ‘renovadas’ durante o
estabelecimento dos CC (memória dos contratos), das situações de comunicação
(memória situacional), das formas (memória semiolingüística) e dos sentidos
(memória semântica) (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU: 2004).
Finalmente, o discurso é assumido em um interdiscurso, quando as relações
transfrásticas, intertextuais e polifônicas são desencadeadas. CHARAUDEAU &
MAINGUENEAU (2004, p. 286) assim definem o interdiscurso:
‘[...] conjunto das unidades discursivas (que pertencem a discursos anteriores do
mesmo gênero, de discursos contemporâneos de outros gêneros etc) com os quais
um discurso particular entra em relação implícita ou explícita;. [....] sentido
interdiscursivo tanto para as locuções ou enunciados cristalizados ligados
naturalmente às palavras, contribuindo para lhes dar um valor simbólico’.
MAINGUENEAU (1997, p. 26) afirma que ‘a enunciação não se desenvolve
sobre a linha de uma intenção fechada; ela é parte da parte atravessada pelas
múltiplas formas de retomada de falas, já ocorridas ou virtuais, pela ameaça de
escorregar naquilo que não se deve jamais dizer’. Esse conceito precisa ser
estudado mais a fundo: o que determina o que não se deve jamais dizer? Seriam os
rituais do CC como quer Charaudeau?
No que tange ao domínio de uma LE, a vivência da incerteza dos
mecanismos adequados nos processos de enunciação e o temor dos deslizes são
mais intensos e constantes. É, portanto, objetivo dos aprendizes e missão dos
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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110
professores desenvolver as competências discursivas dos alunos, para enfrentar
essas situações discursivas. Passemos à especificação dessas competências
segundo a SD.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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111
3.1.4. As competências discursivas
‘Começar o estudo de uma língua estrangeira é se colocar em uma
situação de não saber absoluto, é retornar ao estágio do infans, do
neném que não fala ainda, (re)fazer a experiência da impotência de se
fazer entender’. (REVUZ: 1998, p. 221).
No desenvolvimento das atividades de ensino de PLE, o professor depara
com situações que confirmam categoricamente a fala de Revuz. Com muita
freqüência, identifica-se o uso de estratégias de compensação, quando o aprendiz
de PLE vê-se diante da urgência de expressar sentimentos e de satisfazer
necessidades imediatas. Este processo se torna mais evidente nas turmas dos
recém chegados ao país. Por não saberem ainda empregar as estruturas lingüísticas
de que precisam para se comunicar, lançam mão de estratégias como: ‘recorrer à
língua materna, pedir ajuda, usar mímicas e gestos, evitar comunicação de forma
parcial ou total, selecionar o tópico, ajustar ou aproximar a mensagem (alterando-a,
omitindo itens, simplificando as idéias), criando palavras, usando a circunlocução ou
sinônimo’ (PAIVA: 2001a, p. 27).
Qual deve ser, então, o papel do professor? Saber lidar com essa ‘impotência’
inicial, ensejando a vivência de mecanismos lingüísticos que vão desenvolvendo a
competência comunicativa dos alunos.
A noção de competência tem estreita relação com os conceitos cognitivistas.
O modelo de tipologia das competências discursivas é variável segundo os autores
que se dispuseram a estudar o assunto. Segundo CANALLE (1983) divide-se em
quatro tipos. A competência gramatical é o domínio do código lingüístico (incluindo
vocabulário, gramática, pronúncia, ortografia e formação de sentenças e de
palavras). A competência sociolingüística englobaria o domínio do uso das
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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112
estruturas lingüísticas em contexto apropriado, incluindo fatores tais como status dos
participantes, propósito da interação, normas e convenções interacionais. A
competência discursiva, a habilidade em combinar idéias com coesão e coerência
acima do nível frasal, em textos orais e escritos, de diferentes gêneros. A
estratégica, o domínio de estratégias de comunicação verbal e não-verbal usadas
para compensar falhas na comunicação e lapsos de memória; para realçar a
eficiência da comunicação, como por exemplo, a modulação de voz no uso retórico.
Para Maingueneau, a noção de competência discursiva recebe um valor mais
restrito. Segundo ele, a competência genérica engloba o domínio das leis do
discurso e dos gêneros textuais, componentes indispensáveis para o bom
desenvolvimento de nossa competência comunicativa (MAINGUENEAU: 2001, p.
41-43). O autor desdobra a competência comunicativa em competência lingüística
(domínio da língua em questão).
Cabe o comentário de que essa tipologia apresenta de modo muito
englobante e genérico a competência lingüística. Afinal o que seria ter ‘domínio’ da
língua em questão, no caso específico de ensino de PLE? Em relação a PLM, tenho
deparado com situações em que falantes de variações dialetais do português
bastante afastadas do padrão da norma culta sabem se comunicar (entre si e nos
grupos que dominam o dialeto), mas são considerados lingüisticamente
inconsistentes (‘incompetentes’) por alguns professores de português. Considere-se
esse exemplo apenas a título de ilustração, pois o aprofundamento do tema foge aos
objetivos da presente pesquisa.
Finalmente, a competência enciclopédica engloba conhecimentos sobre o
mundo e sobre o universo cultural com que a situação comunicativa estabelece
relações.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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113
Para AZEREDO (2000, p. 42), a noção de competência pode ser categorizada
sob duas ordens: a competência léxico-gramatical e a competência pragmático-
textual. Segundo o autor, a primeira refere-se ‘ao conhecimento das unidades dos
dois planos da língua – expressão e conteúdo – e respectivas regras combinatórias’,
(aspectos diacronicamente mais estáveis - saberes denominados fonologia,
morfologia, léxico e sintaxe). A segunda, ‘habilita os usuários da língua a comunicar-
se em situações concretas por meio de textos’ e engloba os componentes
discursivos e as estratégias discursivas, tais como registro, tipologia textual, modos
de organização do discurso; significados implícitos e valores não literais dos
enunciados, articulação coerente e conexão de frases, além da expressividade
44
-
fatores sincronicamente bastante variáveis segundo os projetos de fala, os CC
firmados, a situação comunicativa em que se desenrola o evento de comunicação e
os gêneros textuais e os respectivos suportes.
Para Charaudeau, existem quatro tipos de competência linguageira, cada qual
determinando uma aptidão para reconhecer e manipular um certo tipo de material,
segundo a situação comunicativa: competência situacional, discursiva,
semiolingüística e semântica.
A competência situacional poderia ser explicitada através da seguinte
pergunta: Estou aqui para dizer o quê? Em outras palavras, é a aptidão da instância
subjetiva enunciadora de identificar as identidades (estatuto e papel social), a
finalidade (o direito à fala), o propósito temático do que se fala (macrotemas e
microtemas) e as circunstâncias materiais – as condições de produção do discurso.
Charaudeau fala ainda da competência discursiva, que inclui o domínio e a
utilização adequada dos modos de organização do discurso (descritivo, narrativo,
44
AZEREDO (Ibidem, p. 43). De minha parte, tenderia a incluir nesse rol o domínio dos gêneros textuais e seus
suportes de que trata MARCUSCHI (2003 a).
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114
argumentativo e enunciativo) de modo atingir o mais plenamente possível o objetivo
desejado.
A competência semiolingüística é o saber fazer: conhecimento da composição
textual (do texto e paratextual); a construção gramatical; o emprego das palavras do
léxico. Ela engloba o domínio das formas dos signos, suas regras de relação no que
tange ao significado.
A competência semântica exige que para poder co-construir sentido se tenha
conhecimento partilhado dos sentidos, ou seja, o processo de compreensão de
sentido, na teoria charaudeauniana, envolve o domínio do entorno cognitivo
mutuamente partilhado.
No que tange ao desenvolvimento dessas competências para expressão na
língua estrangeira, mesmo em situação de imersão, o aluno adolescente (universo a
que se dirige os MDs com que trabalha a presente pesquisa), vai enfrentar desafios
mais intensos que o falante nativo por duas razões. A primeira é que vai iniciar do
estágio zero. Retomando REVUZ (1998), já somos falados e ouvimos sons na LM
desde o útero materno. O processo de familiarização aos sons da língua-alvo
enfrentado pelo estrangeiro não é tão simples como se possa imaginar. Os entraves
se situam inicialmente em aspectos físicos, como o treinamento do aparelho fonador
para emissão dos sons corretos.
A segunda se refere ao desenvolvimento das competências linguageiras -
discursiva, semiolingüística, semântica e até situacional, as quais, ainda que já
desenvolvidas durante o processo de aprendizagem da LM, precisam ser
(re)aprendidas, quando nos lançamos à aprendizagem de uma LE, pois há
especificidades, principalmente quando entram em cena os componentes culturais,
muitas vezes tão distintos da cultura da LM. Eles precisam ser incorporados, para
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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115
que o estrangeiro, ocupando o lugar discursivo de instância subjetiva enunciativa na
língua-alvo, seja capaz de elaborar seu discurso (e construir seu projeto de fala),
segundo um EUe e/ou TUd que coincidam com os dados da situação comunicativa
e/ou os mascare, como podemos comprovar no exemplo a seguir.
Figura 12 Excerto 2 de TB (Vol I p. 151)
Observe-se a frase com que é iniciado o exercício. Ela traz em si um sentido
que o aluno estrangeiro precisa compreender, para se sentir desafiado. Podemos
considerar este apenas como um exemplo da importância do domínio das
competências discursivas para compreender a situação enunciativa e participar,
assim, efetivamente das trocas linguageiras: a competência situacional, para saber
que, na relação prof/aluno, o enunciado formulado pelo professor no início do
exercício deve ser interpretado como uma forma de incentivo, de desafio; a
competência discursiva, para entender por que o enunciado do exercício começa
dessa forma e não logo com o comando do que deveria (deverá) ser feito, como
seria de se esperar; a competência semiolingüística, para ser capaz de entender os
sentidos da expressão e das regras de sua aplicabilidade, segundo o contexto
sociocultural escolar; e, finalmente, a competência semântica, ou seja, capacidade
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116
de compartilhamento dos sentidos possíveis, adequando-os à situação comunicativa
(naquela determinada língua-cultura), durante o processo de leitura do enunciado do
exercício e correspondendo à imagem projetada pelo EUe, ou seja, segundo a
elaboração do texto do enunciado.
Para BACHMAN (2003, p. 80), a habilidade comunicativa deve englobar a
competência lingüística, estratégica e mecanismos psicofisiológicos. Ela é mais do
que proficiência, se tomarmos como parâmetro a testagem de língua oral, inclusive
em situações de ensino-aprendizagem de LM. Em LE a situação fica mais
contundente, pois a defasagem vocabular em determinada situação pode inibir até
um falante proficiente.
45
Ainda segundo Bachman, para uma boa habilidade comunicativa várias
competências são necessárias: lingüística, textual (que engloba também o
conhecimento dos gêneros textuais, no que se refere à macroestrutra dos textos
46
),
gramatical (incluindo aspectos pragmáticos, como por exemplo, na produção de uma
crônica, na descrição de uma personagem feminina, a seleção lexical vai estar
condicionada às condições de
produção e aos objetivos do texto a ser produzido).
No exemplo citado, pode-se considerar adequada a utilização do adjetivo ‘gostosa’
em um contexto de informalidade (dois colegas em uma praia, por exemplo),
enquanto essa mesma palavra pode criar um efeito de sentido totalmente contrário
em outra situação de comunicação formal.
Uma competência importante precisa ser destacada que é estratégica,
definida por CANALE (1983, p. 339) ‘domínio de estratégias verbais e não-verbais
para (a) compensar rupturas na comunicação, devido à competência insuficiente ou
45
Em salas de LE, alunos de cultura oriental tendem a ser mais tímidos, a falar extremamente baixo. Quando
interagem em situações virtuais (chats, fóruns virtuais), surpreendem por sua participação, tanto no que se refere
à intensidade quanto à qualidade de sua ‘fala’. Esse processo vai ser aprofundado no capítulo 5
46
A macroestrutura é a forma visualizável de um texto (ao ver o desenho da forma de um soneto, por exemplo,
mesmo que não haja palavras escritas nele, somos capazes de identificá-lo imediatamente).
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117
a limitações de desempenho e (b) aperfeiçoar o efeito retórico dos enunciados’. È
segundo essa competência que mesmo falantes de PLM , ao responderem sucinta e
afirmativamente à pergunta: Você compete pelo Flamengo? Na dúvida quanto à
conjugação correta do verbo competir não saberiam escolher entre as formas -
Compito? Competo? E optariam por apresentar respostas como Jogo (se for jogador
de um esporte coletivo) ou treino (em caso de ginasta, por exemplo) ou mesmo – É
represento o rubronegro. Podem ainda ser utilizadas as perífrases verbais: ‘É, pois
é.... Estou ainda competindo na Europa’.
Percebe-se, através do exemplo apresentado, a aplicação da lei da
pertinência do discurso. Ao incluir o substantivo Europa, o falante está usando o
princípio da informatividade, partindo da premissa de que o seu interlocutor já sabe
que a Itália fica naquele continente. Quando o interlocutor confirma essa hipótese do
falante, lançando mão da lei da exaustividade, pode mudar de tópico. Caso sua fala
prossiga, através de um comentário sobre a dificuldade de empregar o verbo
competir, por ser ‘defectivo no uso’, sua intervenção, dependendo do CC firmado
entre os locutores, pode ser interpretada como uma ameaça à face positiva do
destinatário (GOFFMAN, 1974). Se o erro é assumido, confirmado o emprego dessa
estratégia discursiva, o falante poderá estar ameaçando sua face positiva. Se
prometer encaminhar por e-mail o endereço de um site em que esses verbos podem
ser estudados (e não cumpra sua promessa), o locutor está ameaçando sua face
negativa. A ameaça à face negativa do destinatário aconteceria se lhe fosse
perguntado sobre uma possível dificuldade em estudar esses conteúdos na escola,
após uma explanação purista sobre como descobrir se um verbo é defectivo ou não.
Quando o CC é firmado em LE, com muita freqüência, o funcionamento se
de modo diferente. O preenchimento é feito pelo interlocutor, não pelo que detém o
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118
turno da fala. Enquanto o falante titubeia acerca da escolha da palavra ‘correta’,
pode inserir uma palavra ‘incorreta’ naquele contexto enunciativo ou pronunciar a
palavra de modo equivocado. Nesse caso, o falante ‘nativo’ o auxilia a ‘avançar’ na
fala, emitindo a palavra ‘buscada’. Geralmente, o falante de LE interpreta essa
atitude positivamente, uma vez que percebe a intenção de ajuda (prevista no/pelo)
CC. Estará sendo acionado, assim, o já mencionado princípio de cooperação, tão
indispensável para que os CC sejam bem sucedidos. Fica evidenciada, desse modo,
a importância da assimilação dos sentidos dicionarizados e dos valores sociais
(socioculturais) dos vocábulos. Ela é realizada através de aprendizagem social, que
é altamente relevante para o sucesso de qualquer projeto de fala.
Cabe um parêntese ainda para alguns comentários. O primeiro se refere aos
PCNs de LE do MEC, documento o qual define que o objetivo primordial do
professor de LE deve ser o de tornar possível a seu aluno atribuir e produzir
significados, meta última do ato de linguagem, partindo do texto e a ele retornando
em atividades de leitura e interpretação. O segundo se refere às competências e
habilidades de LE previstas nos PCNs, listadas a seguir, as quais se adaptam ao
ensino de PLE (BRASIL, 2002b):
Analisar e interpretar no contexto de interlocução – identificar sentidos
gerados pelos atos de linguagem nos processos de interlocução em
situações do dia-a-dia, que é o princípio básico do comunicativismo.
Reconhecer recursos expressivos das linguagens – competência que
implica a interpretação das intenções comunicativas que presidem a
escolha de diferentes registros, o uso de gírias, da norma culta ou de
variações dialetais.
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119
Identificar manifestações culturais no eixo temporal, reconhecendo
momentos de tradição e de ruptura – perceber a dinâmica de
interferência de fatores ideológicos, políticos, sociais e culturais nas
variações lingüísticas.
Emitir juízo sobre as manifestações culturais – atitude reflexivo-
analítica sobre a LM e a língua-alvo, estabelecendo relações
identitárias e vínculos entre as culturas.
Analisar metalingüisticamente as diversas linguagens. Conhecer e
estrutura fono-morfo-sintático-discursiva da língua-alvo em contextos
de uso.
Aplicar tecnologias de informação em situações relevantes – uso de
recursos eletrônicos e digitais para buscar informações, saber trabalha-
la produzir conhecimento fazendo uso de recursos tecnológicos.
O aprendiz de LE deverá desenvolver essa(s) competência(s)
comunicativa(s), para se expressar sob forma de textos que vão compor seu
discurso. Para finalizar, é apresentado o esquema de competência comunicativa
proposto por ALMEIDA FILHO (1993, p. 9).
Quadro 2 Esquema de competência comunicativa
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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120
A análise do quadro apresenta a necessidade de o trabalho em PLE ser
desdobrado em duas frentes: a do âmbito gramatical e a do pragmático, como
vamos mostrar a seguir. Vejamos como o funcionamento desses campos se dá nos
CC firmados nos MDs do corpus, se em caráter integrado ou dissociado; se na
perspectiva comunicativa ou metalingüística.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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121
3.2. DO CONTRATO DIDÁTICO EM LE
A compreensão dos CC instaurados na instituição escola nos permite
entender como se constitui a operação estratégica de comunicação nesse ambiente.
É o que passaremos a denominar de contrato didático (CHARAUDEAU: 1984);
(BROUSSEAU: 1986).
Genérico para toda instituição escolar, o contrato didático é um CC que se
processa de forma legitimada pela instituição escola. Ele pressupõe a configuração
de um espaço de institucionalização do saber legitimado e da metodologia de
transmissão desse saber, baseado em um determinado comportamento-padrão de
professor e de aluno. O primeiro, como o transmissor; o segundo como o receptor.
Segundo CHARAUDEAU (Ibidem), “o contrato que o (professor) liga ao aluno
não lhe permite ser ‘não-possuidor do saber’: ele é antecipadamente legitimado”.
Assim, no jogo discursivo da escola, espera-se que o professor ensine e que o aluno
aprenda. Cabe ao primeiro coordenar o processo, ‘dar as cartas’ desse jogo, pois,
legitimado pela sociedade, que o reconhece profissionalmente, ele tem a obrigação
social de ensinar o que ‘é necessário’ sobre o saber
. 47
.
A abordagem em perspectiva diacrônica nos obriga a registrar um
encaminhamento de forte mudança, apesar de as instituições zelarem pela
manutenção de aspectos que consideram básicos. Como os contratos variam no
tempo e no espaço (e em cada situação comunicativa), temos que levar em
consideração também os aspectos culturais, em sua perspectiva temporal. Além
disso, as resistências às mudanças contratuais podem ser concretizadas de modo a
ir alterando paulatinamente, os implícitos codificados interpretáveis nos contratos já
47
O presente trabalho discute o estabelecimento dessas ‘necessidades’ – por quem? por quê? por quem? Para
quê? Percebe-se o emprego dos artigos sugerindo um efeito de sentido de completude, que é analisado no
capítulo 4.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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122
firmados. Na escola da década de 50 seria no mínimo ‘estranho’ um aluno ensinar
alguma coisa a um professor. Hoje é o que mais se vê. Com a evolução quase
‘diária’ dos equipamentos tecnológicos, é muito comum assistirmos a essa inversão
de papéis, apesar de estar registrado na memória institucional que professor deve
ensinar e alunos, aprender.
A quebra dessa relação pode se dar pela ameaça de apagamento da função
professor, ou a construção de uma imagem diversa, a atualmente reconhecida.
Assim, paradoxalmente, ao se predispor a ensinar, o professor se vê instado a
determinar o quê, como, quando, quanto e onde o aluno deve aprender. Esse “poder
de determinação” de que o papel de professor está revestido assume posição
contraditória em relação ao modelo comunicativista de ensino de LE, no qual o aluno
é o centro do processo (concepção pedocêntrica de ensino).
Enquanto o discente, predispondo-se a aprender (tal como o contrato didático
determina), vê predeterminada também sua capacidade de acesso e de ‘produção’
de novos conhecimentos, segundo variadas e definidas formas de aprendizagem.
Esse processo, tal como se apresenta aqui delimitado, deixa transparecer toda a sua
previsibilidade e coercitividade, implícitas em sua própria constituição.
O contrato didático reúne (criando-os como tal) três termos (três instâncias) e não
duas como se acredita algumas vezes. O aluno (o sujeito a quem se ensina), o
professor (o sujeito que ensina) e o saber, considerado como ‘o saber ensinado’. O
contrato rege, portanto, a interação didática entre professor e alunos a propósito do
saber – isto é o que chamo de relação didática (que não é a tão famosa relação
professor-aluno”) [...] as cláusulas do contrato organizam as relações que os alunos
e professores mantêm com o saber. O contrato rege até os detalhes do processo.
Cada noção ensinada, cada tarefa proposta está submetida à sua legislação.
(CHEVALLARD: 1988, p.12; ênfase adicionada).
È interessante ratificar que, no contrato didático, professores e alunos têm
papéis pré-determinados. Em função desse contrato e dos termos nele firmados, são
feitas as escolhas pedagógicas. O que nos propomos na presente tese é
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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123
inicialmente observar, em relação aos MDs do corpus selecionado, como se dá o
‘fechamento’ dos termos desse contrato com o objetivo de ‘buscar sentido para as
práticas cotidianas do educador em suas ações localizadas, contingentes, no mundo
da vida’. E, para tal, segundo BERTICELLI (2004, p. 74), ‘é necessário que a
educação, a exemplo do que ocorreu em arte, se volte contra si mesma de forma a
refazer-se’.
As reações do meio sócio-cultural em relação à ruptura do CC e os efeitos de
sentido de uma infração ao contrato didático no meio social podem ser
exemplificados através de dois fatos ocorridos no Brasil. Uma professora de Biologia
em São Paulo adotou estratégias diferenciadas e, como conseqüência disso, teve
sua ‘metodologia’ estampada em página inteira no Jornal Extra
48
. Ela aceitou a
proposta de dois alunos que se dispuseram a colher sêmem para comprovar no
laboratório de biologia da escola a movimentação dos espermatozóides. O caso
virou assunto de polícia e foi noticiado em todos os jornais brasileiros.
Outro exemplo que podemos mencionar ainda no ambiente escolar são as
estratégias discursivas adotadas pelos alunos para ‘fugir’ das ‘regras’ dos CC
impostos durante as aulas. Insurgindo-se contra elas, eles fundam um CC paralelo e
começam uma conversa ‘dissimulada’ através de bilhetinhos que vêm e vão de
mesa em mesa
49
.
A mais desafiadora das tarefas é identificar os implícitos codificados dos
contratos de comunicação escolares. Para compreendê-los, retomemos o conceito
de CC:
‘(...) o conjunto das condições nas quais se realiza qualquer ato de comunicação
(qualquer que seja sua forma, oral ou escrita, monolocutiva ou interlocutiva). É o
que permite aos parceiros de uma troca linguageira reconhecerem um ao outro
48
Edição de 09 de agosto de 2004, p. 3 e 10 de agosto de 2004, p. 6
49
Os efeitos de sentido dessa prática tão comum na escola constam do artigo Os bilhetinhos como manifestação
discursiva de resistência (PACHECO, 2005b).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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124
com os traços identitários que os definem como sujeitos desse ato que
(identidade) reconhecerem o objetivo do ato que os sobredetermina (finalidade),
entenderem-se sobre o que constitui o objeto temático (propósito) e considerarem a
relevância das coerções materiais que determinam este ato (circunstâncias).’O
contrato de comunicação define essas condições em termos de desafio
psicossocial pelo viés de seus componentes situacionais e comunicacionais,
constituindo, assim, nos seres da linguagem, uma ‘memória coletiva’, ancorada
sócio-historicamente’. (CHARAUDEAU & MAINGUENEAU: 2004, p. 132).
O autor aponta três aspectos fundamentais nos CC que são objeto de nosso
estudo: identidade, finalidade e circunstâncias. Na presente tese, parte-se do
pressuposto de que o discurso é lingüisticamente materializado nos MDs, segundo
os CC estabelecidos entre as instâncias enunciativas em seu processo de criação e
utilização envolvidas a saber: escola / autor / editora; professores / alunos (no caso
de PLE, estrangeiros).
Sabemos que, para firmar um CC, é preciso, obviamente, haver comunicação
e não podemos nos esquecer de que não é preciso verbalizar para simbolizar.
Comecemos
por comprovar a veracidade dessa afirmação, através da análise das
imagens, reproduzidas a seguir (figura 13).
Figura 13 Excerto I de Interagindo em Português.
Podemos perceber que as imagens exibem pessoas se comunicando
(interlocucionando). Há explicitamente identificada, pelo menos, uma instância
subjetiva – EUc (eu comunicante) - que conduz um diálogo envolvente, participado.
Há ainda esboço da cena genérica e da englobante. Na primeira imagem à
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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125
esquerda, a presença do microfone deixa pressuposta a presença de vários “Tus
interpretantes”. O posicionamento das mãos cria um efeito de sentido de segurança,
convicção da instância comunicante, em um ambiente de argumentação. As fotos
em seu conjunto sugerem uma situação formal de interação e nos permitem
pressupor que esteja sendo desenvolvida em uma situação comunicativa que exija
distinção ao trajar-se. Podem ser imaginados os rituais de abordagem eleitos para
esses CC.
Para a realização da análise anteriormente feita, houve uma conjugação de
competências e de memórias (semiolingüística, situacional, semântica e discursiva).
Foram acionados os sentidos ‘dicionarizados’ e os relacionados aos valores culturais
e sociais que produzem efeitos de sentido, segundo os papéis que as instâncias
subjetivas desempenham nesta específica situação comunicativa.
Foram levados em consideração também os elementos semiolingüísticos, ou
seja, destacada a importância dos elementos visuais para o acionamento de uma
memória que poderia ser chamada de paradiscursiva. Dela podem estar fazendo
parte os elementos que situam as imagens no paratexto do mundo ocidental, ou
seja, os que permitem a identificação cultural (ainda que Eus e Tus estejam em
países diferentes).
A análise feita nos MDs aborda o texto e seus componentes constitutivos
nessa perspectiva semiolingüística, passando antes pela definição do conceito de
autenticidade, basilar na classificação dos elementos estruturais que integram os
MDs analisados, sugerindo a abordagem à qual assumem estar filiados.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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126
3.2.1. A questão da autenticidade
O emprego da palavra autêntico surge vinculado a material didático, em
COSTE (1970), quando o autor se dedicou a pesquisas sobre o ensino de francês
língua estrangeira.
50
Analisando o funcionamento do contrato didático, CHARAUDEAU (1984),
refere-se aos lugares discursivos e considera o professor nativo como ocupante do
lugar discursivo de testemunha autêntica, enquanto o professor não nativo, de
testemunha crítica. Essa postulação redefine o lugar discursivo do professor não
nativo (não autêntico) e abre um lastro para que sejam pensados os papéis
discursivos de professor (o que detém o saber) e o aluno (o que não detém o saber).
A pergunta que se faz é: Seria sempre essa a ocupação dos papéis discursivos em
LE?
No que tange ao ensino de LE, identifica-se um importante intercâmbio de
papéis sociais, cuja relevância interfere constitutivamente na construção da
identidade de professor e de aluno, já que é na alteridade (o lugar que o outro ocupa
e, por extensão o eu não está ocupando) que se forjam as identidades.
Segundo cada situação interativa ou prática discursiva realizada em LE, o
poder, (relacionado ao domínio do saber ou dos processos de se chegar ao saber)
pode intercambiar entre as instâncias enunciativas - aluno e professor. Em uma
atividade de aprendizagem da estrutura da língua, por exemplo, um aluno americano
poderia ter perguntado ao professor não nativo de inglês, acerca de um determinado
uso do verbo em inglês – uma associação que ele tenha feito na tentativa de
entendimento do conceito que estava sendo explicado pelo professor. Um colega,
50
Apud FRANZONI (1992, p. 42).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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127
americano, poderia, em inglês, elucidar a questão. Sua LM - inglês. Sua LA – PLE.
Sua compreensão do que foi ensinado pelo professor em português foi elemento de
suporte para sua ocupação do papel de professor na ajuda ao colega. Essa
situação, comum em classes ‘multinacionais’, dá visibilidade ao curioso intercâmbio
de papéis sociais na aula de LE, que pode tornar, mesmo uma atividade de
metalíngua, uma situação de comunicação autêntica.
Retomamos então a questão: o que é autenticidade no ensino de LE? Cremos
que a condenação ao ensino metalingüístico, precisa ser redimensionada. O estudo
reflexivo das formas da língua é extremamente positivo tanto no ensino de LM
quanto de LE. O desenvolvimento de atividades epilingüísticas faz com que o aluno
parta da análise da materialidade lingüística dos textos com que travar contato,
refletindo sobre suas formas de realização e identificando as estruturas-padrão que
dão sustentação gramatical.
Para a realização desse tipo de atividade, temos que considerar a
impossibilidade de se querer proteger o aluno da artificialidade das situações de
ensino. Ele sabe identificar o que é comunicação autêntica dentro e fora da sala de
aula. Ele sabe ser aprendiz. Sabe que, dentro do contrato didático, ele e professor
têm papeis específicos a serem desempenhados. Sabe ainda (em LM) que, na
instituição escolar, existem instâncias de autenticação que se consubstanciam
através do uso dos atos de fala.
Segundo a principal premissa do ensino comunicativo, é indispensável
considerar o próprio aluno como sujeito e agente do processo de formação através
da nova língua, o que significa menor ênfase no ensino e mais força no que tem
sentido para o aluno. Uma significativa questão se coloca: A análise até agora feita
contrariaria essa concepção?
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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128
Aprender uma língua é construir no discurso (a partir de contextos sociais
concretos e experiências prévias) ações sociais e culturais apropriadas às situações
comunicativas que estejam sendo vivenciadas. Como fazê-lo, mantendo a premissa
do ensino comunicativista de autenticidade das situações, dentro de um modelo de
ensino calcado na centralidade do livro didático, cujas situações primam pela
artificialidade?
Para que as situações de interação (comunicativas) propostas pelo professor
se dêem de modo efetivo e eficiente é unanimidade, entre os lingüistas aplicados, o
recurso a textos autênticos. A análise do corpus e dos textos teóricos foi revelando,
porém, que a dicotomia autêntico / não autêntico e a diversidade no emprego do
termo, até mesmo em pesquisas mais recentes no âmbito da Lingüística Aplicada,
tem apresentado outros contornos.
WIDDOWSON (1978/1991, p. 113) classifica o texto de leitura em três
categorias: excertos, versões simplificadas e relatos simples. No que se refere ao
excerto, ele assim o define:
‘O excerto é simplesmente uma porção de discurso genuíno, uma amostra real de
uso (...) Há contudo certas complicações. Para começar, o fato mesmo de que
esses textos são extraídos do contexto de unidades comunicativas maiores e
apresentados isoladamente no ensino de línguas reduz forçosamente a sua
naturalidade enquanto discurso” (Ibidem, idem, ênfase adicionada)
O autor emprega duas vezes, no mesmo parágrafo, a palavra discurso,
deixando evidente uma divergência no conceito que formula em relação ao que
define a Semiolingüística Discursiva, constructo teórico no qual se embasa a análise
da presente tese. Para Widdowson, discurso parece ser sinônimo de texto, visto que
ele considera que o ‘corte’ de partes do texto ‘reduz forçosamente a sua
naturalidade’. Para a SD, esse ‘corte’ produz um novo texto e, conseqüentemente,
novos efeitos de sentido.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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129
Mais adiante, analisando as estratégias de apresentação de excertos,
WIDDOWSON (Ibidem, p. 114) assim
enuncia:
‘[...] trabalhar com uma carta de cada vez, ou um artigo e lidar com um ou mais
parágrafos por sessão. Em cada caso, tendo apresentado as partes do discurso
uma a uma em seqüência, poder-se-ia, então, estudar o todo como uma unidade
completa [...] dessa maneira, a língua estrangeira é representada como possuindo
o mesmo tipo de função comunicativa que a sua língua materna’.
Já encontraríamos, segundo o exposto até aqui, algumas questões de fundo
importantes. Inicialmente, no que se refere ao conceito de discurso. A seguir, quanto
à apresentação do conceito de excerto, que nos faz retomar os conceitos de texto e
de suas condições de produção. O principal aspecto a ser destacado na citação
acima é que o autor discute a concepção de texto, mas não na perspectiva
discursiva. Como estudar cada ‘parte de discurso’ por sessão, se, segundo a SD, o
sentido de um texto
51
se dá na percepção da sua materialidade lingüística
(englobando elementos verbais e não verbais) em um contexto segundo a
compreensão de suas condições de produção?
Seguindo o lastro de Widdowson, a pesquisa aplicada tem reiterado o
emprego do termo – texto autêntico - sem levar em conta a sua dimensão discursiva.
Para compreendermos a aplicabilidade dessa formulação, na materialidade
lingüística do corpus, analisemos as figuras a seguir:
Figura 14 Excerto II de SA (módulo 1, p. 11) Figura 15 Excerto III de SA (módulo 1, p.12)
51
Discurso, na concepção de WIDDOWSON (1978/1991)
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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130
A foto da figura 14 representa um texto ‘autêntico’ de divulgação de um show
do grupo Skank. A transposição de suporte (do original para o LD) provoca
alterações significativas em sua ‘leitura’. No exercício do MD sua função é ilustrativa,
visto que a proposta feita ao aluno limita-se à fixação do ‘uso’ dos adjetivos que
aparecem nas perguntas da figura 15 (página 12 do livro do aluno). Observemos na
figura a seguir, retirada do outro MD do corpus – TB - como esse mesmo
funcionamento é também identificado.
Figura 16 Excerto III de TB volume I p. 129
O texto da figura 16 foi retirado de
um Guia do Turista. Apesar de ser
‘autêntico’, sua função no suporte LD
é totalmente diversa da exercida no
suporte original. Apesar de
teoricamente não ter sido adaptado,
o simples fato de ter sido transposto
de suporte, o descaracteriza e
(re)categoriza a função textual de ele
mentos como a diagramação (sua disposição na página, e desta no ‘guia’); a
(in)existência de ilustração; sua possível inserção no rol de descrições das cidades
de determinado lugar, entre outros aspectos não foram levados em consideração.
No exercício que estamos analisando, a função do texto dito ‘autêntico’ é
verificar a capacidade do aluno em dominar as estruturas sintáticas do português –
notadamente das formas de plural ‘irregulares’.
O conceito de autenticidade na pesquisa aplicada, porém, não se restringe à
seleção ou não de textos. CHARAUDEAU (1984, p.118) já discutia essa questão, no
que se refere à ocupação dos papéis discursivos de professor/aprendiz. Para ele, o
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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131
professor nativo ‘deve confrontar sua cultura com a do aprendiz e deixar visível a
este a maneira como ele próprio enxerga’, enquanto o não nativo deve ser ‘a
testemunha crítica da visão que estende à cultura estrangeira, pondo-a em contraste
com sua cultura materna que é, igualmente, a dos aprendizes’.
Certamente o que o autor pretendeu distinguir é o direcionamento do olhar
que, segundo a situação comunicativa vivenciada (nativo ou não nativo) prospecta
semelhanças e aponta diferenças do ponto de vista do eu enunciador, o professor, e
do tu interpretante – o aluno (ou vice-versa). O modo como cada um interpreta
depende das condições de produção do discurso e da cena enunciativa em que este
for veiculado. Não podemos nos esquecer ainda de que, no espaço escolar, já há
papéis discursivos definidos de aluno e de professor, segundo os ‘rituais’ escolares
de normatização, previsto no contrato didático.
Seguramente, o papel de crítico, atribuído ao professor não nativo, pode
funcionar positivamente em relação ao desenvolvimento do processo de
ensinar/aprender. Quando o aprendiz ocupa o lugar discursivo de forasteiro, no qual
não há espaço para a ingenuidade (característica dos nativos) nem para a lucidez
(sua marca constitutiva), abre-se espaço para o jogo discursivo, cujas regras podem
ser, a todo momento, (re)negociadas, segundo
as intenções dos que ocupam as
instâncias subjetivas que ‘subscrevem’ os CC firmados.
A análise feita até agora já nos autoriza a apresentar algumas respostas às
questões levantadas no início desse capítulo e apontar alguns encaminhamentos
críticos em relação à implementação da abordagem comunicativista. Poder-se-ia
afirmar que o fato de não ter percebido o texto e o trabalho com ele realizado em sua
dimensão discursiva, levando em consideração as condições de produção do
discurso é um primeiro aspecto. A reiteração de uma autenticidade inatingível foi
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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132
produzindo um ensino, cujas práticas discursivas, em linhas gerais, materializaram
exatamente o que não preconizavam. Pretenderam favorecer a interação, a
‘comunicação autêntica’, baseando-se em atividades que a (in)autenticidade era
marca constitutiva. Essa contradição fundamental é, inclusive, assumida, pelos
próprios PCNs de LE, que, assim afirmam: ‘Ainda que em ambiente de simulação, a
mobilização de competências e habilidades para atividades de uso do idioma [...]
deve ocorrer por meio de procedimentos intencionais de sala de aula’ (BRASIL:
2002b, p. 94, ênfase adicionada).
A obstinada busca pela autenticidade sugere um esquecimento inevitável: o
aluno conhece o seu papel social de aprendiz, ele sabe que existe uma grande
diferença entre ocupar a instância discursiva de eu enunciador e a de tu interpretante
nas situações enunciativas que ocorrem dentro do normativo ‘contexto discursivo
escolar’. Por isso, segundo FRANZONI (1992, p.55), a questão que se coloca ´não
pode ser compreendida em uma perspectiva dicotômica: ser ou não ser autêntico’.
Acrescentamos: ser ou não ser sujeito enunciador; lidar com os determinantes da
situação comunicativa e com os termos do CC firmado, com todas as determinantes
que esse estabelecimento impõe.
É inegável que o aprendiz conhece o ritual das situações de ensino que não
são distintas no que tange à aprendizagem de LM e de LE – o seu papel discursivo,
o de aprendiz, já está institucionalmente demarcado.
Um outro aspecto que se pode destacar em relação à implementação do
comunicativismo é que, segundo os pressupostos dessa abordagem, o aluno é o
centro do processo, seus interesses e necessidades devem direcionar a ação
pedagógica.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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133
Mas pergunta-se, se, e somente se, o professor pode ‘ter o controle’ do
processo ensino-aprendizagem, segundo o papel discursivo que a instituição lhe
delega, não estaríamos diante de um paradoxo? Como ser ao mesmo tempo agente
e paciente de um mesmo processo?
Sabemos que o professor, especialmente o autêntico, o nativo, deve assumir
a postura reflexiva, o de veiculador de um discurso ‘autoritas’, o discurso da ciência,
o que está nos MDs que ele (professor) se utiliza para ‘ensinar’. No ensino de LE,
por ter fluência na língua, efetivamente é ele, o professor, quem controla o fluxo das
atividades. Esse processo tem desdobramentos outros, que esse modelo fixo de
concepção não contempla.
O processo de ocupação dos papéis discursivos nos CC desenvolvidos na
escola é decisivo quando pensamos em termos de planejamento e implementação
de práticas discursivas calcadas em MDs, conforme veremos mais adiante.
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134
3.2.2 As finalidades sociocomunicativas
‘[...] os contratos de comunicação que regem nossa atividade lingüística
permitem certos comportamentos e interditam outros’.
(OLIVEIRA: 2003, p. 33)
CHARAUDEAU (1992, p. 638) estabelece as características dos CC, suas
concessões, suas interdições, saberes fundamentais para uma bem sucedida
interação. Para que sejam firmados os CC, alguns aspectos deverão ser definidos
como a natureza da interlocução (se monolocutiva ou interlocutiva), os papéis na
comunicação - as imagens que fazem de si e do outro o eu comunicante e o tu
interpretante em uma situação de interlocução, além dos rituais de abordagem. Os
fatores anteriormente mencionados atuam de modo interdependente, tendo a
linguagem como condição sine qua non para o estabelecimento dos CC. Ela é o
veículo através do qual eles são firmados.
No que se refere aos papéis na comunicação, eles podem ou não ser
legitimados pela instituição, em que os projetos de fala que regem os CC vão se
concretizar. Assim, na escola, ambiente em que são veiculados os MDs, objeto de
nossa pesquisa, há papéis pré-determinados como mostramos anteriormente.
Segundo esta perspectiva, a imagem de professor e de aluno, os que vão utilizar os
MDs, está, naturalmente, pré-determinada pelos projetos de fala acionados, o que
engloba as situações de comunicação vivenciadas, desde a criação dos primeiros
MDs e é operacionalizada nas práticas discursivas desenvolvidas durante as aulas
ou na consulta que alunos e professores fazem a esses MDs.
A concretização de um processo de interação é bastante complexa, pois
estará sempre subordinada a rituais de abordagem. CHARAUDEAU (Ibidem, idem)
assim define esses rituais:
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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135
[...] constituem as restrições, obrigações ou simplesmente condições de
entrada em contato com o interlocutor. Em uma situação de interlocução,
trata-se de saudações, trocas de gentilezas, perguntas, desculpas etc e
numa situação monolocutiva escrita, trata-se de introduções e fechos de
cartas, das manchetes, de jornais, dos títulos dos livros, dos slogans,
dos prefácios, das advertências etc.
No desenvolvimento de atividades interativas em LM, já dominamos
naturalmente esses rituais de abordagem. Em relação ao ELE, porém, ocorrem
intercorrências, em virtude da influência do componente cultural. Devemos
considerar, então, o desenvolvimento do que GOMES (1994, p. 37) denomina
discurso colaborativo, típico da interação verbal nativo X não nativo.
Imaginemos a realização de uma tarefa escolar em LE, na qual alunos
orientais e latinos interagindo, simulem uma situação comunicativa – sua
apresentação aos outros membros da classe. Para o desenvolvimento desta
atividade, será acionado, certamente, um determinado projeto de fala. Os EUs
enunciadores e TUs destinatários vivenciarão rituais discursivos distintos dos que
eles como EUs comunicantes e TUs interpretantes vivenciam / vivenciariam em sua
cultura natal ou ainda deverão estar assumindo, durante a representação de um
diálogo em uma atividade escolar proposta.
Esse é um dos exemplos que podem ser mencionados dentre as inúmeras
atividades desenvolvidas com alunos estrangeiros, iniciantes (ou não), que podem
reiterar a relação de interdependência entre as finalidades sócio-comunicativas e as
características dos rituais de abordagem que cada situação comunicativa vai exigir,
considerando-se ainda as exigências constitutivas da própria tarefa escolar. Essa
complexidade, ainda em relação ao ensino/aprendizagem de uma LE torna-se mais
específica quando, em atividades de interação face a face, são desenvolvidas
práticas discursivas totalmente artificiais, como a mencionada anteriormente, ou as
que ocorrem nas dramatizações ou de jogos de perguntas orais feitas aos alunos,
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136
criando um grande ‘jogo de faz de conta’, pois os exercícios não passavam de uma
‘simulação artificial’ (WEININGER: 2001).
A situação descrita revela contundentemente a importância do imbricamento
entre o componente sócio-cultural e desenvolvimento de atividades discursivas em
aula de LE. Processos simples como o de leitura oral (individual ou dialogada),
memorização de pequenos diálogos para apresentação oral, bem como a correção
coletiva de uma tarefa, podem interferir de forma positiva ou negativa para o
desenvolvimento da proficiência oral do aprendiz de LE. Um aprendiz oriental
geralmente é calmo, simples, fala baixo; prefere atividades individuais e escritas. O
norte-americano e o latino-americano são geralmente mais extrovertidos, falantes,
menos tímidos; preferem as atividades coletivas e em grupo. As características
culturais de cada aprendiz associadas às especificidades das tarefas propostas
devem ser levadas em consideração no desenvolvimento de práticas discursivas
escolares no processo de ensino/aprendizagem de uma LE.
É ainda importante mencionar, no ensino de LE, o desenvolvimento de
atividades discursivas colaborativas (interativas), vistas sob uma perspectiva
pragmática. Citando CHAFE (1985) GOMES (1994, p. 39)
52
as classifica como
práticas de envolvimento na conversação, especificando três tipos distintos: o do
falante consigo mesmo, o do falante com o assunto e o do falante com o seu
interlocutor.
Assim, a associação dessa tipologia com a interferência do componente
cultural anteriormente mencionado revelam quão inadequadas são as estratégias de
padronização das práticas interativas no desenvolvimento do ensino/aprendizagem
52
A autora não especifica a referência de CHAFE (1985) em seu trabalho.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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137
de línguas, pois cada aprendiz vai se posicionar e agir em cada prática segundo seu
envolvimento na situação de interação.
Um outro aspecto é relevante no trabalho do professor de LE - o
desenvolvimento de estratégias discursivas de cooperação diante dos ‘erros
culturais’. Existe uma predisposição, por parte dos falantes nativos, no sentido de
realizar esforços para entender aquilo que um estrangeiro quer dizer, desde que o
contexto sociocultural seja respeitado por ele. Na prática de atividades orais
(especialmente as desenvolvidas em grupo, em turmas mistas) as atitudes
cooperativas tornam-se mais evidentes. Nesse momento, há intercâmbio de papéis
discursivos (alunos e professor/ professor e alunos; alunos entre si), o que enriquece
culturalmente todo o grupo.
O desenvolvimento da competência sociocultural é bastante importante para
que os aprendizes de LE possam praticar atos de fala em situações de comunicação
real com correção e adequação ao contexto sócio-cultural; para que eles possam
saber quando devem calar-se, quando podem ou devem falar com quem, onde e de
que maneira. O falar bem para os estrangeiros não se restringe à correção
gramatical, ao respeito à norma culta. A pronúncia e a entonação também interferem
sobremaneira no processo. Sabemos que a articulação incorreta dos sons pode criar
constrangimentos – ou mais um dos erros culturais apontados acima.
53
Considerando-se os aspectos até aqui explicitados podemos perceber a
importância do papel do professor no planejamento das atividades de interação
53
Isso me faz lembrar uma história real e embaraçosa, vivida por uma norte-americana, ao chegar a uma
padaria. Sem saber pronunciar os fonemas nasais, ela os oralizava sempre. Em vez de pronunciar pão (nasal),
dizia pau. Chegando ao estabelecimento, ela se dirigiu a um funcionário dizendo: ‘Eu quero um pão (pau) duro’ -
entenda-se de casca dura. O rapaz olhou para ela, ressabiado, não conseguindo controlar o riso. Ela ficou sem
entender nada. Somente depois de algum tempo vivendo no Brasil, ela pôde compreender o porquê do riso do
balconista naquela situação. Para ajudar os estrangeiros a enfrentarem situações como essa, o estudo da
língua-alvo, com foco na forma (os sons da língua) é verdadeiramente uma estratégia autêntica e necessária. A
troca de experiências em situações autênticas como a descrita pode facilitar o processo ensino/aprendizagem da
LE.
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138
entre os aprendizes de uma LE, na seleção dos MDs e das atividades por eles
propostas a serem desenvolvidas. O docente deve estar bastante atento à
conjugação de todos esses fatores, pois, caso não esteja, poderá desenvolver
práticas interativas que podem prejudicar em vez de favorecer o processo ensino-
aprendizagem de seus alunos.
O reconhecimento da sala de aula como ambiente potencialmente
comunicativo do contexto de ensino-aprendizagem é, com certeza, fundamental para
que possam ser vividas situações realmente autênticas de aprendizagem de uma
LE. A visão de método como receita, como fórmula mágica para transformar aulas,
corresponde a uma visão que acredita e aposta na prescrição. A prática mostra que
nem sempre a receita funciona, quando o assunto é aplicabilidade de estratégias em
situações sócio-comunicativas.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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139
3.3. LEITURA EM PLE
‘No momento em que o falante, o escrevente, o autor, qualquer um de nós ,
escolhe um plano de expressão específico para a mensagem, não apenas
configura a mensagem, articulando forma e conteúdo, mas também prevê e
constitui o seu leitor’.(BRAIT: 2003, p. 15)
Desde 1978, quando, segundo ALMEIDA FILHO (2005, p. 97), houve o
lançamento do comunicativismo no Brasil, professores e aprendizes de LE vêem-se
diante do desafio de construir leitores em LE, processo que guarda semelhanças
com a formação de leitores em LM, mas que também apresenta inúmeras
peculiaridades.
Sabemos que a constituição do leitor vai se consolidando a partir de
sucessivos e ininterruptos projetos de fala, materializados através dos CC, quando a
troca linguageira se efetiva e as instâncias enunciativas, segundo os rituais de
abordagem, se posicionam em seus papéis discursivos, postando-se diante do(s)
texto(s) não como um objeto acabado, mas construindo, a partir da leitura, um
prazeroso processo de ‘ruminação’.
Em relação à leitura em LE, o termo mais adequado seria ruminação mesmo.
Inicialmente, serão trabalhados os sentidos mais primários, através da consulta ao
dicionário. Serão resgatados, na memória discursiva, eventos comunicativos
anteriormente vivenciados - alguma situação de interação em que aquela
determinada palavra fora empregada. Serão desenvolvidos ainda processos
analógicos entre a LE e a LM ou outras línguas que se conheça ou se fale, no
trabalho de compreensão de termos cognatos... Serão, assim, produzidos efeitos de
sentidos.
No caso dos aprendizes de LE, o conhecimento prévio do aprendiz (sua
história de leitura em PLM e em outras LE) vai sendo paulatinamente aperfeiçoado,
através do estudo das formas da língua-alvo. Vão se aprimorando também seus
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140
conhecimentos prévios dos processos lingüísticos (gêneros textuais e sua
materialidade lingüística), elementos que vão compondo sua memória discursiva e o
mundo do escrito, expresso no texto, sua relação com o contexto e com a situação
discursiva, segundo as condições de sua produção.
Mas esse processo nem sempre foi concebido desse modo. O conceito de
leitura tem sofrido importantes alterações ao longo da história dos estudos
lingüísticos. Na visão estruturalista, ela era concebida como um mero processo de
decodificação do sentido único contido no texto. Assim, a única leitura possível era a
autorizada pelo texto. Com o desenvolvimento dos estudos cognitivistas a leitura
assumiu o status de interação. O leitor, construtor do sentido, conseguiria ler o texto
e depreender os sentidos através do acionamento de conhecimentos prévios, que,
confrontados com as pistas textuais, sinalizariam as leituras possíveis, realizadas.
Com os avanços da pesquisa em Lingüística, podemos perceber o texto em
sua dimensão discursiva. Nessa concepção, ler é realizar um processo
plurissemiótico; é produzir efeitos de sentido, através da análise da materialidade
lingüística dos textos monomodais e multimodais. Ler é interpretar o discurso em sua
dimensão sócio-histórica. Nesse sentido, o papel do leitor e o de sua história de
leitura são fundamentais, especialmente no que se refere a PLE, em que a
dimensão sócio-histórica da língua/cultura-alvo passa necessariamente por um
processo de formação e de maturação.
Os PCNs /LE propõem o estabelecimento dos conteúdos segundo interesse
dos alunos, bem em consonância com a abordagem comunicativista de ensino, de
perspectiva sociointeracional. Segundo o documento, o ensino da língua estrangeira
deve se dar ‘conforme o enfoque das quatro habilidades (ouvir, falar, ler e escrever),
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141
nos níveis formal e informal, valorizando as funções comunicativas e o caráter
prático de uso dos códigos estrangeiros’ (BRASIL: 2002b, p.123)
Podem ser encontradas também no documento estratégias para ação em
ensino de LE (BRASIL: Ibidem, p. 108-112) que passam a ser citadas e comentadas
a seguir. Inicialmente é feita a proposição de ‘leitura e interpretação de textos
variados, em atividades que remetam, sempre que possível, a uma perspectiva
interdisciplinar e vinculada a contextos reais’ (Ênfase adicionada). Cabe ao leitor do
documento uma reflexão acerca do emprego do adjetivo grifado, dimensionando o
que seriam textos variados: Em prosa? Em verso? De diferentes gêneros?
Monomodais ou plurimodais? Em que tipo de suporte?
Sabemos que, segundo cada uma das opções acima apresentadas, o tipo de
leitura a ser realizado vai exigir estratégias também distintas, específicas. Como o
documento se dispõe a traçar diretrizes gerais de leitura, a amplitude do termo pode
até ser vista como positiva, pois vai caber ao professor conhecer essas
especificidades e explorá-las adequadamente.
A seguir o documento exorta os professores a se empenharem no sentido de
‘reduzir as lacunas intrínsecas da fragmentação das disciplinas’, a expor os alunos ‘a
leituras diversificadas: didáticas, paradidáticas, extradidáticas, de cunho formal e
informal’. Finalmente, o documento propõe trabalho de ‘improviso planejado’
(BRASIL: Ibidem, p. 122). Dois aspectos são dignos de comentários acerca do
emprego dessa expressão.
Todos os tipos de leitura que o documento recomenda têm na instituição
escola seu foco, seu referencial – leituras diversificadas: didáticas, paradidáticas,
extradidáticas. Mais uma vez um adjetivo genérico é empregado e uma questão se
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142
coloca: o que seriam leituras didáticas? As propostas pelo professor? As
encontradas nos livros didáticos? As incentivadas pela escola?
Um segundo comentário pode ser feito em relação à expressão - improviso
planejado. No contexto em que ela se insere no documento, refere-se ao trabalho
com projetos, bastante interessante, mas infelizmente ainda não muito
implementado na escola, mesmo em relação ao ensino de PLM. A proposta didática
apresentada pelos PCNs sugere flexibilidade, com acompanhamento atento,
constante, ininterrupto. Sugere ainda abertura a mudanças de rota, ao
desenvolvimento de competências e habilidades de pesquisa (tanto do aluno quanto
do professor). Pressupõe a leitura como forma de resgate da produção cultural
produzida para que novas leituras sejam produzidas, sugerindo um ciclo de
apropriação, reflexão, produção e difusão de conhecimentos.
Poder-se-ia ainda interpretar ‘improviso planejado’ como um replanejamento,
elaborado com base na avaliação dos procedimentos adotados, ou seja, uma
postura aberta a passíveis e necessárias mudanças de rota.
O que se pode acrescentar acerca da leitura em LE é que o seu
desenvolvimento no processo de ensino-aprendizagem não pode ser rigidamente
pré-determinado, visto que vários fatores vão interferindo no decorrer do processo e
que devem ser levados em consideração para que seu desenvolvimento se dê a
contento.
Assim como ocorre em LM, devemos encarar a leitura em LE como uma
‘forma de processo criador, ativo e construtivo que vai além da informação
estritamente textual’ (MARCUSCHI: 2003d, p. 58) e trabalhá-la através de atividades
que envolvam a identificação das proposições centrais do texto. As estratégias mais
adequadas a este tipo de atividade são as que envolvem trabalho com a
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143
materialidade lingüística dos textos, incluindo nela a análise das imagens
constitutivas. Podem ainda ser propostas atividades de produção de resumos, de
reprodução do conteúdo do texto trabalhado em outro gênero textual. A reprodução
do texto pode ser ainda realizada em forma de diagrama ou oralmente, através de
exercícios de revisão da compreensão (de modo individual e , principalmente, em
duplas ou grupos), o que vai favorecer a interferência dos elementos culturais e das
competências que cada aprendiz já traz de seu processo de aprendizagem da LM e
do de outras LE que já tenha aprendido.
Podemos concluir essa seção, reproduzindo o conceito de leitura elaborado
por JOAN-CARLES MÉLICH: 2002, p. 36.
‘[...] a leitura é uma relação com o outro. Na leitura, esse outro é um conjunto de
elementos que permanecem em qualquer contexto. Sempre que lemos, entramos
em relação com quem escreveu o livro, com os personagens, com um tempo e um
espaço, com outras situações e com outros livros lidos anteriormente. As relações
humanas são relações com outros presentes e ausentes. A relação através da
leitura é uma relação com ausentes, com aqueles que não estão e talvez nunca
estarão presentes [na realidade do aluno ou] na minha realidade. Por exemplo, eu
nunca estarei com Platão que é um autor com o qual me relacionei com freqüência
ao longo dos anos. Nunca estarei com os personagens das obras que foram
marcantes e ajudaram a configurar minha identidade. [...] Através da leitura temos
presentes em nossa vida, ausências que nos constituem como pessoas’
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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144
3.3.1.O trabalho com textos
‘[...] a unidade básica da linguagem verbal é o texto, compreendido como a
fala e o discurso que se produz, e a função comunicativa, o principal eixo
de sua atualização e a razão do ato lingüístico [...] O texto é único como
enunciado, mas múltiplo enquanto possibilidade aberta de atribuição de
significados’. (BRASIL: 2002b, p. 139-140).
Quando se pensa em texto, imediatamente se pensa em escrita. Isso se dá
em decorrência da visão grafocêntrica do ensino sistematizado que privilegia esse
tipo de atividade. Pesquisas aplicadas têm sido desenvolvidas objetivando identificar
o papel do texto (escrito, mas também o oral) no livro didático de LM e de LE. Elas
têm demonstrado como ‘muitos textos do livro didático conseguem existir no vácuo,
através de práticas vazias de sentido, que só funcionam num contexto alienador que
[...] não tem nada a ver com ele (aluno) enquanto sujeito social, só diz respeito a ele
enquanto objeto, seja do ensino ou da avaliação’ (KLEIMAN & MORAES: 1999, p.
66).
Na abordagem comunicativa, atualmente considerada como ‘a mais eficiente’
no ensino de línguas estrangeiras, ler e escrever textos parece sugerir idealização
das situações de interlocução, dada a artificialidade com que se constituem nos MDs
de LE. Sabemos, contudo, que elas são ‘marcadas por circunstâncias conflitivas,
determinadas pelas condições de produção dos discursos dos interlocutores em
situações específicas’ (BERTOLDO, 2005, p.117).
Na análise feita nos MDs do corpus observou-se uma forte predominância de
textos escritos. Os textos orais ficam restritos aos diálogos dramatizados,
geralmente apresentados também na forma escrita. Em TB, os textos apresentados
em áudio nos CDs são transcritos e capturáveis (com possibilidade de cópia e
colagem, salvamento e impressão) no site disponível na internet:
www.sbs.com.br/tudobem
.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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145
Esse império da escrita identificado nos MDs não invalida o fato de que eles,
notadamente os livros dos alunos, apresentam aspectos bastante interessantes
quanto ao trabalho com os textos. Tanto em TB, mas principalmente em SA, a
diagramação das páginas favorece a retomada do modelo peripatético
54
de
aprendizagem, ou seja, favorece o trabalho de leitura dos textos tanto de modo
linear (da esquerda para direita, de cima para baixo) como em redes hipertextuais,
em que a não-linearidade é marca constitutiva. Podemos observar esse
funcionamento nos esquemas reproduzidos na figura 17, a seguir:
Figura 17 – Esquema de fluxo de informações no texto
55
54
[Do gr. peripatetikós, 'é, ón]. Adj. 1. Relativo ao pensamento do filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C) 2. Que
se ensina andando, passeando, como o costume de Aristóteles; [...] ‘a doutrina peripatática’ [...] passear, ir e vir
conversando (que era como fazia Aristóteles com seus discípulos nos jardins do Liceu). (HOUAISS: 2001, p.
2190)
55
Capturado em FACHINETTO (2005, p. 13).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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146
Em SA, apesar de não haver oferta de recurso à internet, a própria estrutura
do material favorece a leitura não linear, uma vez que ele é estruturado em módulos.
Além disso, em muitas páginas é ‘puxado’ um link gráfico, que é ligado a um quadro
intitulado ‘Oriente-se’, no qual são oferecidas informações complementares
(geralmente gramaticais) acerca do emprego de palavras ou expressões em frases
apresentadas.
TB tem uma página na internet (www.sbs.com.br/tudobem
), que permite o
acesso digital a informações. Apesar disso, os textos por ela disponibilizados têm
estrutura linear. Eles devem ser lidos da esquerda para direita, de cima para baixo e
apresentados em seqüências de telas que reproduzem exatamente as páginas de
um livro em códex. A novidade que TB apresenta está no acesso não hierarquizado
às informações, pois o internauta pode viajar pelos links e ler na ordem que desejar,
ainda que uma leitura em
estrutura linear.
Sabemos que trabalhar com LE exige um processo específico, uma vez que é
necessário ser estabelecida uma relação entre os sentidos ‘dicionarizados’ e os
‘sentidos culturais’, atribuídos aos enunciados segundo as situações comunicativas.
Essa memória semiolingüística e semântica, muitas vezes, os alunos estrangeiros
não têm. Por esse motivo, os aspectos visuais têm alta relevância nos MDs de LE.
As imagens também são elementos constitutivos da materialidade lingüística
do texto do MD . Uma incursão diacrônica na história do visível nos apresenta três
‘momentos’ na produção de imagens: o paradigma pré-fotográfico, o fotográfico, o
pós-fotográfico. Segundo SANTAELLA (1998, p. 157-158), essa categorização pode
ser ampliada, incluindo o da editoração fotográfica, no qual imagens
computadorizadas podem associar cor, som e movimento. O uso do suporte digital
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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147
dá um caráter de virtualidade e permite que as imagens sejam remasterizadas,
alterando as noções de perspectiva, de tempo, espaço, cores, dimensões.
Ao fazermos a comparação entre a página de um MD do século XX e a de um
livro editado no século XXI, podemos perceber diferenças significativas. Analisemos
exemplos colhidos em alguns MDs, para estabelecermos parâmetros de
comparação com os que compõem nosso corpus de análise:
Figura 18 Reprodução da página 15
(Marchand, 20ª ed).
Figura 19 Reprodução da página 16
(Marchand, 28ª ed).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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148
Figura 20 Página 1 (Passagens)
Figura 21 Página 1
(Interagindo em Português)
Ao compararmos as páginas dos MDs reproduzidas, podemos perceber a
diferença flagrante entre elas, no que concerne à cena enunciativa, sem a qual fica
inviabilizada a produção de sentido na perspectiva discursiva.
A compreensão do conceito de cena (que nos remete à situação enunciativa),
engloba o conceito de dêixis discursiva (MAINGUENEAU: 1997, p. 41) em que se
distinguem o locutor e destinatários discursivos (o Eu enunciador e o Tu
destinatário segundo a SD de Charaudeau), a cronografia e a topografia (o aqui e
o agora da dêixis discursiva), que formam a equação EU TU – AQUI – AGORA
(MAINGUENEAU: Ibidem, idem).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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149
Esta equação (dêixis discursiva) ‘consiste apenas em um primeiro acesso à
cenografia de uma formação discursiva; esta última possui ainda um segundo ponto
através do qual é possível alcançá-la; trata-se da dêixis fundadora’
(MAINGUENEAU: Ibidem, p. 42). Explico: Parte da legitimidade de uma determinada
dêixis discursiva atual é buscada em situações comunicativas anteriores, retomadas
por ela em um processo de repetição, ou seja, é feito o acesso a uma dêixis
fundadora, aquela cujo registro pode ser captado pela memória discursiva, pela
história resgatada através do processo de inserção em determinada formação
discursiva. Vejamos como esse conceito é compreendido na SD (CHARAUDEAU &
MAINGUENEAU: 2004, p. 240-2):
‘[...] a noção de formação discursiva foi introduzida por Foucault e reformulada
por Pêcheux no quadro da análise do discurso. Em função dessa dupla origem,
conservou uma grande estabilidade.[...] e obteve êxito mesmo fora dos trabalhos
inspirados pela Escola* Francesa. Ela permite, com efeito, designar todo conjunto
de enunciados sócio-historicamente circunscrito que pode relacionar-se a uma
identidade enunciativa: o discurso comunista, o conjunto de discursos proferidos
por uma administração, os enunciados que decorrem de uma ciência dada, o
discurso dos patrões, dos camponeses, etc.; basta postular que ‘para uma
sociedade, um lugar, um momento definidos, somente uma parte do dizível é
acessível, que esse dizível forma sistema e delimita uma identidade’
(MAINGUENEAU: 1984, p. 5).
Em uma cena, as instâncias discursivas cumprem papéis a elas
(pré)determinados. A memória atua de modo a impedir infrações aos termos do CC
que define os papéis ‘ocupáveis’. Assim, cada cena discursiva criada durante um
evento comunicativo encontra respaldo na memória dos CC (dêixis fundadora),
inscrevendo-se na respectiva formação discursiva.
A cena englobante é a responsável pela atribuição de um estatuto pragmático
ao tipo de discurso a que pertence um texto (MAINGUENEAU: 1997). Ela permite
que sejamos capazes de imaginar a cena como um todo: os acontecimentos
anteriores, que geraram a situação comunicativa, a atuação das instâncias
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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150
subjetivas. Somente através da percepção da cena englobante, nos tornamos
capazes de interpretar.
A cena genérica tem relação direta com os gêneros do discurso. Segundo
esse conceito, em uma situação de conferência, determinados gêneros discursivos
são autorizados, enquanto outros, interditados. Como exemplo, podemos citar um
episódio ocorrido na Câmara de Deputados em Brasília, quando como deputado,
presidindo a sessão de reconhecimento oficial da religião espírita (o espiritismo), o
deputado presidente, praticante do espiritismo, ‘recebeu o santo’ e começou a falar a
linguagem dos que estão em transe. A cena foi patética porque houve infração do
gênero textual próprio àquela situação enunciativa, aos papéis sociais, aos rituais de
abordagem previstos. Houve uma ruptura do que Maingueneau denomina
cenografia.
‘[...] ao mesmo tempo a fonte do discurso e aquilo que ele engendra; ela legitima
um enunciado que, por sua vez, deve legitimá-la, estabelecendo que essa
cenografia onde nasce a fala é precisamente a cenografia exigida para enunciar
como convém, segundo o caso, a política, a filosofia, a ciência, ou para promover
certa mercadoria [...]’ (MAINGUENEAU: 2001, p. 87-88)
Tomando ainda o exemplo do episódio mencionado, podemos explicar cada
um desses conceitos. A cena englobante seria a caracterização do espiritismo como
ceita, passando ao status de religião. Ela envolve um deputado espírita que trabalha
para alcançar esta meta presidindo uma sessão da Câmara dos Deputados em
Brasília, cujo ritual de abordagem é explicitamente formal no que tange a vestuário,
linguagem, respeito aos turnos de fala, protocolos etc. A cena genérica, o presidente
da sessão fazendo o discurso como deputado presidente, incorporando um espírito
e passando a falar uma linguagem dos que estão em transe – logo,
ininteligivelmente. A cenografia, um discurso proferido misturando o discurso do
deputado e o do ‘espírito incorporado’.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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151
É bastante oportuno investigar como esses conceitos são explorados nos
MDs de PLE. Retomando as figuras anteriormente reproduzidas, podemos perceber
a importância do elemento visual na produção de efeitos de sentido. As
características permitem formularmos, no mínimo a cena genérica e a cenografia.
Através da visualização, podemos compreender a evolução por que passou a função
do componente semiótico no LD.
Retomemos a análise das figuras 18 a 21. Na primeira, não fica registrada a
cena como um todo. Ela é a-histórica, a-espacial. O diálogo, muito longe de
caracterizar uma situação real, reproduz a lição inicial de todo livro de LE –
apresentação dos personagens. Um leve traço representa o sol; outro, a lua. Os
personagens não têm rosto, não expressam sentimentos. Percebe-se claramente a
concepção de ensino estruturalista. O texto e o respectivo paratexto não apresentam
elementos semiolingüísticos que possam ajudar o aluno estrangeiro a compreender
a cenografia, a cena genérica; a saber por que usar senhor em vez de você, como
ocorre nos diálogos apresentados.
Na segunda figura, há fotos em preto e branco, as pessoas ganham
‘identidade’. A cena genérica é composta e o texto continua o mesmo, mas já
elementos que ajudam no estabelecimento da relação entre o texto e a situação
comunicativa que ele materializa. A figura traz ainda elementos espaço-temporais,
os quais deixam evidentes traços que caracterizam a relação sócio-histórica que o
texto manifesta, esclarecendo algumas das escolhas lingüísticas feitas.
À terceira figura é acrescido um texto, que estabelece com o desenho uma
relação de complementaridade. Esse processo ajuda na construção da situação
comunicativa. Apesar disso, o ‘fundo’ da imagem é vazio, sugerindo um caráter a-
espacial e atemporal (a cena ocorre em que momento do dia?).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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152
A quarta figura poderia suscitar a dúvida acerca de sua ‘especificidade’ ou
adequação ao MD de PLE, se levado em consideração o ‘modelo’ de imagens ditas
‘politicamente corretas’ para ‘mostrar’ a imagem de Brasil aos estrangeiros
materializado nos MDs consultados. A foto poderia ser perfeitamente estar inserida
em um livro de História, de Geografia, visto que podemos perceber nela alguns
56
componentes espaço-temporais, atribuindo-lhe um caráter sócio-histórico. Sua
inserção em um livro de PLE revela dados em relação à concepção de ensino
expressa no livro, bem adequada à visão de interdisciplinaridade, estratégia
considerada a mais adequada ao ensino da língua-cultura brasileira.
Podemos perceber claramente ainda o processo evolutivo da história do
visível em perspectiva diacrônica, quando partimos do traço (na primeira figura) e
chegamos à fotografia colorida (quarta figura). Quando comparamos essas quatro
imagens às que encontramos nos MDs do corpus, chegamos a algumas conclusões
curiosas. Observemos atentamente a figura 22, reproduzida de TB:
57
Figura 22 Foto de TB (internet)
A primeira observação a ser feita se refere à
evidente/explícita ‘produção gráfica’ por que essa
imagem passou. Percebe-se uma nítida
desproporção no tamanho das pessoas. A
proximidade que elas apresentam na foto é surreal.
A imagem é masterizada, ‘trabalhada’ através dos
meios digitais e de recursos gráficos, bem ao jeito
pós-fotográfico de ilustração, no qual qualquer tipo de composição alteração de
tamanho, de forma, de posição, de cor, de textura pode ser feita a partir de imagens
56
A materialidade da foto não permite que seja construída a cena genérica.
57
Capturada no seguinte endereço eletrônico: http://www.sbs.com.br/bin/tudobem/default_gera.asp?volume=1
Acesso em 22 de maio de 2004.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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153
‘mixadas’ (manipuladas) através de programas de edição de imagens. Tudo é
possível de ser feito, passível de ser operacionalizado.
O fato de esta ‘foto’ não provocar um efeito de estranhamento é resultado da
imagem que se faz do LD. Os efeitos de sentido criados pelo discurso através dele
veiculado. É interessante inserir essa reflexão sobre a análise das imagens no
contexto de letramento dos alunos, tal como SOARES (1998) concebe essa noção.
A autora mostra como hoje em dia há letrados ‘lingüísticos’ que não dominam bem
as técnicas de interpretação semiolingüística. Para exemplificar o significado dessa
afirmação, observemos a foto ao lado, que foi divulgada pela internet, logo após o
11 de setembro/2003, rendendo ao seu protagonista um acréscimo substancial de
dólares à conta bancária, em função das entrevistas e convites para participar de
eventos corresponder a um fato real.
A identificação do absurdo das
imagens se faz perceptível apenas pela
situação ‘empírica’ do discurso. Tal como
a imagem capturada no site de TB, essa
é uma foto ‘possível’ por estarmos
vivendo no momento pós-fotográfico. Os
meios digitais permitem a inserção
‘perfeita’ de itens na cena inexistentes na
vida (foto) real. O que se pode estranhar
é o fato de ela ter sido exibida em
país(es) cujo percentual de pessoas letra
Figura 23 Foto da revista MTV
(Out.2004 /p.76)
das é bastante alto. Esse fato ilustra a necessidade de serem desenvolvidas formas
de multiletramento (tanto em LM quanto LE), conforme apresentado no capítulo 5.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
154
A exemplificação apresentada deixa clara a necessidade de se observar,
atentamente, o papel da imagem na produção de MDs de LE, já que fazer
letramento em LE é também desenvolver a capacidade de os aprendizes lerem
imagens, como texto ou como elementos constitutivos dele, identificando nelas (e
neles, por conseguinte) efeitos de sentido que caracterizam a identidade, a
língua/cultura-alvo.
O letramento visual pode então ser implementado através da análise calcada
no que KRESS & LEEUWEN (1996, p. 3) denominam ‘Gramática do Visual’, através
da qual podem ser destacadas nas imagens as qualidades lexicais (cores,
saturação, nitidez), sintáticas (aparência e movimento, linhas, padrões, tamanhos e
formas) semânticas (objetos representados explicitamente ou apenas sugeridos e
como podem ser interpretados) e pragmáticas (inteligibilidade geral da imagem,
utilidade, função).
Nos MDs do corpus podemos perceber uma posição bastante curiosa em
relação ao que postula essa ‘gramática do visual’. Quanto aos aspectos lexicais,
ambos apresentam imagens de cores vivas e nítidas, reproduzidas em papel de
ótima qualidade, como é característica dos MDs de LE.
Em SA elas funcionam ainda como marca d’ água da página sobre as quais a
impressão é feita. Apesar dessa proliferação de imagens em todas as páginas do
MD, foram identificadas apenas quatro fotos (cuja análise será feita em item
posterior). Em TB parece haver um equilíbrio entre imagens e fotos. Dentre estas,
algumas são pouco nítidas, em função da excessiva redução de tamanho realizada.
Quanto aos aspectos sintáticos, há bastante diferença entre as imagens
encontradas nos dois MDs. Em SA, os desenhos procuram sugerir um tom de
brincadeira, de desprendimento, característico do jovem. Eles são ‘soltos’ nas
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
155
páginas entre os textos e seu tamanho e forma quase sempre uniformes, criando às
vezes uma certa desproporcionalidade. Quanto às qualidades pragmáticas, essas
são de certo modo comprometidas, uma vez que a função das imagens parece ser
meramente ilustrativa (ocupação do espaço da página), sem estabelecer uma
relação de sentido com o texto que elas poderiam estar acompanhando.
Em TB a diagramação é bem cuidada. Não há acúmulo de imagens e ícones na
página. Aliás, a inserção desses ícones é regular nos dois volumes do MD, pois sua
função é introduzir determinadas seções do livro (cf figura 24, reproduzida a seguir).
Figura 24 Excerto IV de TB?
A
s imagens da figura 24 são
utilizadas em TB para identificar,
respectivamente, a seção de
introdução à produção escrita
(balão, que sugere uma viagem
livre, criadora, leve, solta – bem ao
estilo que a produção escrita ‘deva’
ser) e a seção PSIU – a de
vocabulário novo, de informações
culturais - sinalizada pelo ícone de
um palhaço.
Em SA, a linguagem sugere descontração; ter sido empregada com o objetivo
de despertar o interesse do jovem, apagando o efeito de sentido de ‘obrigatoriedade’
em prestar atenção, que o ensino de ‘conteúdos novos’ normalmente exige na
escola. Cria também o efeito de sentido de aprender de forma lúdica, tão ao gosto
da pedagogia moderna.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
156
Em certos trechos do outro MD – TB - esse efeito de sentido funciona de modo
contraditório. Muitas páginas em que o ícone do balão aparece são encabeçadas
por um outro ícone, no qual aparece um CD (indicando que o material, está
disponível em áudio) e a forma verbal APRENDA, criando um efeito de sentido
antitético – lembra que o aprendiz deve prestar atenção, calar-se, compenetrar-se
atentamente à realização da tarefa.
Ainda quanto às qualidades semântico-pragmáticas, é necessário que seja
registrada a presença, nos dois MDs, de imagens ‘fabricadas’, que comprometem a
coerência interna da ‘gramática visual’ das obras. Algumas peculiaridades acerca do
funcionamento dessas imagens são dignas de destaque.
Figura 25 Capa de Sempre Amigos
A barra que divide a capa de SA ao
meio lembra uma barra de ferramentas de
uma tela de computador. Há inclusive os
ícones disponíveis ‘clicáveis’. Os muitos
desenhos que compõem a página, sob forma
de marca de página, como figura fundo no
papel, traçam a identidade do TUd a que o
MD se dirige: gosta de esportes radicais
(mergulho, surfe, skate, patins), de soltar
pipa, de telefonar, de ‘navegar’ na internet.
Tem familiaridade com a tecnologia (rádio, gravador, computador, pager
58
,
TV). Como todo adolescente, anseia pela chegada do dia em que terá as chaves de
casa. Quer ter seu carro próprio. É guloso: adora sanduíches, sorvetes, milkshake.
Em sua agenda sempre tem espaço o estudo, para o namoro, para o sonho.
58
A evolução tecnológica é tão rápida que em 2000, quando S A foi lançado, o Pager era um equipamento
eletrônico ‘popular’. Hoje as funções que ele desempenhava foram incorporadas ao celular e ele não existe mais.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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157
Figura 26 Capa de TB?
O mesmo ocorre em TB. A capa do LD
impresso e as imagens de sua página na
internet sugerem a era digital. Aliás, até 2005,
TB é o único MD de PLE que oferece ao TUd
‘informatizado’ o acesso a partes do MD via
internet. A foto que aparece na capa é uma
montagem de várias fotos individuais as quais
foram nitidamente remasterizadas. Os
mouses que identificam o ‘assunto’ do livro
materializam a inscrição na era digital.
A inserção de um ícone (o mesmo encontrado no interior do livro, em cada
unidade em que ele é dividido), remete ao endereço eletrônico no qual o
complemento ‘digital’ da obra pode ser acessado e capturado. Como todo arquivo
digital, pode ser salvo no computador do usuário ou impresso, em papel segundo a
sua escolha. A própria forma com que a palavra site é escrita na capa, introduzida
pelo ícone [@], lembra os endereços eletrônicos (os de e-mails), nos quais a @ é
elemento constitutivo. Apesar de no texto da apresentação ser afirmado que o livro
se dirige a adolescentes a partir de 11 anos, os jovens cujas fotos aparecem na
capa, são mais ‘adultos’. Seu estilo é condizente com a identidade proposta pelo
MD: são despojados e esportivos. São de diferentes nacionalidades.
Nos enunciados verbais e não verbais presentes no MD fica, assim, retratada
a instabilidade constitutiva do ‘ser adolescente que se preze’.
Observemos agora o funcionamento ‘discursivo’ das imagens na figura 27, na
qual é reproduzida uma página de S A:
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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158
Os desenhos que
a ilustram formam uma
cena de desenho infantil,
no qual geralmente
aparece um sol amarelo.
O castelo e o avião
mencionados pelo
poema da música
também são incluídos,
no mesmo estilo,
lembrando nitidamente o
tempo da infância, não
tão distante dos TUds a
que o livro se dirige.
Figura 27 Excerto IV de S A
No texto da atividade proposta, há o levantamento de uma hipótese, cuja
confirmação fica ‘abalada’ pela inserção polifônica da expressão entre parênteses
‘(será?)’. Esse recurso lingüístico constrói uma imagem de um EUe que pretende
conhece bem os TUds, o que cria um tom de cumplicidade e de afetividade.
Em relação à inserção de fotos, em SA não podemos afirmar que elas
existam, já que foram identificados somente dois excertos delas (as cabeças dos
jogadores Ronaldinho e Maradona) ‘coladas’ ao desenho do corpo de dois jogadores
(figura 28) e a foto reproduzida na figura 14. A análise do funcionamento discursivo
das imagens em S A revela a concepção de linguagem, de texto e de sentido
concebidas pelo MD.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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159
Pode ser identificada
a concepção fragmentária
constitutiva. Percebe-se
ainda a (im)possibilidade
de se construir uma cena
enunciativa, se apenas
colocarmos lado a lado
imagem e frases Essa
constatação pode ser
confirmada logo no topo
da página, no exercício de
numeração proposto.
Figura 28 Excerto V de S A
Não é possível estabelecer relação entre o desenho e as frases que, entre si,
também não têm relação de sentido. Fica sugerido ao aluno, pelas formulações
conceituais e pelo exercício proposto, que o sentido se instaura a partir da união
aleatória de elementos verbais e não-verbais.
Dois outros fatores merecem destaque na análise dos elementos semióticos
no MD. Percebe-se que, no primeiro exercício, não há relação de coerência entre o
desenho (um morcego) e as frases que ele ‘ilustra’, que sequer falam de animais. A
seguir, as ‘fotos’ de Ronaldinho e Maradona são usadas para ‘ilustrar’ um ‘texto
conceitual’ (gramatical), mas a ‘cena’ que a imagem ‘simula’ prima pela
fragmentação constitutiva. Além disso, identifica-se o encaminhamento à reflexão
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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160
sobre o paradigma verbal: ‘Agora, ficou mais fácil entender o sentido da frase, não
é? Quando você conhece as terminações, você pode aprender sozinho. Em
Português as terminações dos verbos são: AR, ER, IR’.(S A, p. 03, módulo 3). O
enunciado deixa evidente uma ‘possível’ ‘transparência’ da linguagem, a
possibilidade de construção do sentido descontextualizadamente, pela compreensão
apenas de parte de uma determinada palavra. Esse ‘apre(e)nder’ sugere
implicitamente os processos de leitura, interpretação, fala e escrita de enunciados,
princípios típicos da concepção estruturalista de ensino da leitura e da escrita,
concretizada no MD. É a transformação do que entendemos por ‘conhecimento’ em
‘bits de informação’ (CARMAGNANI: 1999, p. 51).
Ao fazermos a análise da página como um todo, percebe-se que sua
estruturação se dá pelo ajustamento de partes que entre si são dissociadas,
contrariando a visão geral que se tem do papel das imagens nos MDs, como
identificamos em ALMEIDA (2005, p. 63):
‘O elevado grau de produtividade obtido com seu uso explica sua crescente atração
sobre a didática das línguas [...] as imagens ultrapassam facilmente as barreiras
lingüísticas, propiciando, assim, a comunicação, via linguagem icônica, de cenas e
situações interacionais [...] Via de regra, em um manual de língua estrangeira, o
icônico é, por si só, fator de elucidação.
Nos MDs as imagens não são ‘um segmento de realidade suspensa no
tempo, roubada da vida e a ela devolvida com revelações inesperadas’, como afirma
HUMBERTO (2000). Não foram encontradas no corpus (como em geral ocorre nos
MDs de PLE, como aponta JUDICE: 2005), imagens que retratem a realidade
brasileira que muitos aprendizes de LE devem trazer em sua memória discursiva,
por terem constatado in loco (caso de aprendizes em imersão), ou por terem ouvido
falar, visto em revistas ou através de imagens veiculadas pela imprensa ou via
internet. O Brasil do carnaval e dos cartões postais que convive com o Brasil da
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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161
exclusão, da fome, da precariedade na saúde, na educação, da luta pela reforma
agrária (só para citar algumas de nossas mazelas) ficou excluído dos MDs.
Os exemplos apresentados tornam evidente a necessidade de se observar,
de forma atenta, o papel da imagem na produção de MDs de LE. Fazer letramento
em LE é também desenvolver a capacidade de ler imagens, como texto ou como
componentes da materialidade lingüística deste, identificando nelas (neles) efeitos
de sentido que caracterizam a identidade, a língua e a cultura de um povo.
É relevante, a partir da análise até aqui apresentada, fazer alguns
comentários complementares quanto ao trabalho com textos orais. A prática de
ensino-aprendizagem de LE tem comprovado que ele é também muito importante.
Poder-se-ia afirmar que, nas fases iniciais, é essencial, principalmente quando o
processo de ensino-aprendizagem da LE se dá em contexto de imersão, pois vai
ajudar a melhorar a ‘qualidade de vida dos aprendizes’
59
, na medida que esse tipo
de ensino vai incluir aspectos relativos à polidez, ao tratamento interpessoal, às
relações interculturais
60
.
Muitas vantagens podem ser apontadas no ensino da oralidade. Ele ajuda a
ressaltar a contribuição da fala na formação cultural do povo falante nativo da LE
aprendida. Além disso, é uma oportunidade singular para esclarecer aspectos
relativos ao preconceito e à discriminação lingüística, bem como suas formas de
disseminação. Isso ocorre quando se ensina em PLE através de samba, forró, rap
ou axé. Ensinar a oralidade é também uma forma de ajudar os aprendizes a analisar
em que sentido a língua é um mecanismo de controle social e reprodução de
esquemas de dominação e poder implícitos em usos lingüísticos na vida diária,
59
Inspiro-me em TRAVAGLIA (2003) para fazer essa relação. O autor mostra em seu trabalho a relação entre o
ensino da metalíngua e qualidade de vida.
60
Isso tem sido demonstrado através de pesquisas aplicadas, dentre as quais podemos destacar (MARCUSCHI
2003, 2004a, 2004b, 2005).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
162
tendo em vista suas íntimas, complexas e comprovadas relações com estruturas
sociais (MARCUSCHI: 2003c, p. 25).
Analisando os MDs, porém, no trabalho com a oralidade, não foi identificada a
quebra da tradição, ou seja, os exercícios com a linguagem oral são feitos em
grande parte com expressões descontextualizadas; a língua falada aparece quase
sempre tratada como uma questão lexical, restrita a usos gírios, coloquiais e
simplificados.
Em TB, ao contrário de SA, existe a presença do recurso sonoro, como apoio
ao ensino da língua oral. Há dois CDs, nos quais podem ser ouvidos muitos textos e
diálogos gravados. É importante ressaltar que, quanto aos aspectos a serem
abordados no estudo da oralidade, não foram contempladas as falas das diversas
regiões brasileiras. Destaca-se a predominância do falar paulista, apesar de haver
alguns textos com outros registros. Cabe ao professor explorar o material disponível,
destacando aspectos relevantes como as diferenças de pronúncia de fonemas
específicos como o /t/ no nordeste, no Rio e no Sul do país, o falar ‘cantado’ do
nordestino, o caipira do interior paulista... Os alunos devem ser expostos a vários
registros para compreenderem a riqueza da diversidade lingüística do português
brasileiro.
Trabalhar a oralidade é também uma forma de identificação dos papéis
discursivos dos interlocutores e dos diversos gêneros produzidos com base em
indicadores tais como cena enunciativa, número de participantes, os papéis
desempenhados por eles, a forma de organização dos tópicos, formas de
seqüenciação, tomadas de turno. Além disso, é relevante ensinar aos estrangeiros
alguns aspectos típicos da produção oral como hesitações, marcadores
conversacionais, repetições de elementos lexicais, as constantes correções (de si
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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163
mesmo e dos outros), os modalizadores, os dêiticos, com que eles vão deparar ao
travarem contato com textos orais.
Para finalizar este tópico, é relevante frisar que não podemos condenar os
MDs por estarem ‘desatualizados’, na medida em que não exploram a cyberleitura e
o hipertexto. A revolução cibernética está se dando de modo velocíssimo
61
. Apesar
de muitos teóricos analisarem a desterritorialização da biblioteca, afirmarem que
vivemos um novo tipo de relação com o conhecimento – que se espraia em espiral
através coletividades humanas vivas, e não mais em suportes separados fornecidos
por intérpretes ou sábios; que não vivemos mais a oralidade arcaica, em que o
portador direto do saber era uma comunidade física e sua memória carnal, mas
estamos no ciberespaço (a região dos mundos virtuais), por meio do qual as
comunidades descobrem a constroem seus objetos e conhecem a si mesmas como
coletivos inteligentes) conforme afirma LÉVY (1998), o modelo atual de produção de
MDs para ensino de LE não consegue acompanhar tamanha rapidez.
Só para se ter uma idéia do gigantismo dessa evolução, a idéia de hipertexto
foi enunciada pela primeira vez por Vannevar Bush em 1945 no artigo intitulado “As
we think”. O termo hipertexto só foi empregado pela primeira vez nos anos sessenta,
com Theodor H. Nelson e seu projeto Xanadu (FACHINETTO: 2005).
A Internet surgiu em 1969, quando o Departamento de Defesa dos Estados
Unidos, preocupado com a guerra fria, a corrida armamentista e a necessidade de
compartilhar de forma segura informações sigilosas, criou uma rede eletrônica – A
ARPANET. Essa rede tinha a finalidade de transferir, de forma espantosamente
rápida, uma grande quantidade de dados de um computador para outro. A
ferramenta inicial da Internet foi o correio eletrônico associado à possibilidade de
61
A abordagem desse tipo de texto e de sua leitura/produção será feita no capítulo 5.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
164
transferência de arquivos textos através de acesso remoto (FTP – file transfer
protocol). Em seqüência, veio a World Wide Web (WWW) que reúne informações em
forma de texto, imagens, vídeo e som, de forma isolada ou multimídia. A primeira
versão da WWW foi colocada na Internet em 1991, mas foi com o lançamento do
navegador (browser) Mosaic, em 1993, e o conceito de hipertexto que o crescimento
da Web se intensificou (MENEZES: 2001). Hoje em dia o hipertexto é lido por todos
os que têm acesso à internet, cujos números de expansão são no mínimo curiosos.
No Brasil, 1995 foi o ano do marco inicial da internet. Em 2005 (dados de abril)
havia 11,4 milhões de usuários conectados à internet. Segundo HASS (2005),
batemos o recorde de tempo de navegação no mundo (15 horas e 14 minutos/dia),
vencendo inclusive o Japão, o segundo colocado. Os brasileiros são hoje maioria
dos registrados em sites como orkut (www.orkut.com
)
62
. Outro dado muito curioso
trazido por HASS (Ibidem) é que 65% dos usuários domésticos acessam a Internet
no chamado ‘horário nobre da família’, entre 20 e 22 h, possivelmente de modo
simultâneo ao uso da TV. Poder-se-ia afirmar com segurança que o público a que se
dirigem hoje os MDs de LE está no grupo mencionado anteriormente, o que faz com
que a produção de MDs e o trabalho com textos leve também em consideração
esses dados como referencial.
Em relação ao trabalho com os textos nos MDs é relevante destacar que eles
ainda não são concebidos em sua perspectiva discursiva. Na análise feita não foram
encontradas no corpus atividades de reconstrução das condições de produção dos
textos apresentados ou seja, não são apresentados a cena enunciativa, a situação
discursiva, os rituais de abordagem nem os papéis desempenhados pelas instâncias
62
Dados da edição de 23/11/2005 da Revista Veja apontam que ‘nove dos onze milhões de usuários do orkut
moram no Brasil’. O orkut foi também objeto de 22 matérias da mesma revista no período de 16/06/2004 a
25/01/2006 (dados pesquisados em http://vejaonline.abril.com.br
acesso em 27/01/2006).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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165
subjetivas segundo os CC firmados - as condições de produção do discurso
63
.
Assim, as fotos não são identificadas, os textos ‘autênticos’ quando inseridos não
contêm a fonte de onde foram retirados, ou quando a contém, o fazem de modo
incompleto, impedindo o leitor de a ela retornar, caso assim o deseje.
Finalmente, é muito importante que no trabalho com os textos a história de
leitura do aprendiz seja valorizada. Afinal a intertextualidade é constitutiva do
processo de leitura (tanto em LM quanto em LE):
‘Todo texto remete a textos no passado e remete a outros no futuro [...] Para todo
leitor o texto funciona como mosaico de outros textos [...], ou seja, a
intertextualidade é um fenômeno cumulativo: quanto mais se lê, mais se detectam
vestígios de outros textos naquele que se está lendo e mais fácil se torna
perceber as suas relações com outros objetos culturais e, portanto, mais fácil é
sua compreensão’. (KLEIMAN & MORAES: 1999, p. 62)
63
O termo CP foi formulado por Pêcheux (1969), segundo o que ensinam CHARAUDEAU & MAINGUENEAU,
2004, p. 114, mas é empregado aqui tal como o definimos neste tópico – o mesmo uso que ele tem PNLD do
MEC.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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166
3.3.2. Do lugar da interculturalidade
Indiscutivelmente, a sala de aula de PLE é, um ‘caldo cultural’, onde
interagem aprendizes de culturas distintas, às vezes familiares, vezes outras
conflitantes e o trabalho com textos em LE deve levar em conta a história de leitura
do aprendiz, a vinculação entre a LM, a língua-alvo – a LE - e as culturas que
nelas/através/com/por elas se constituem.
A tensão identitária entre o sujeito aprendiz (que se constitui enquanto
instância enunciativa comunicante e interpretante) e os textos com que trava contato
através dos MDs de LE pode criar situações, no mínimo, embaraçosas, quando
entram em diálogo o aprendiz, a LM e a língua/cultura-alvo. TROUCHE (2005, p. 72)
descreve esse diálogo como...
“[...] um ‘jogo de espelhos’ no qual ‘as diversas culturas presentes na sala de aula
entram em contato em busca de um diálogo que, mantendo as identidades
nacionais, promova uma compreensão mais aprofundada em nível humano,
realizando uma troca de experiências de vida e de modos de ser diferentes,
conduzida pelo fio da língua – o código que perpassa toda a linguagem”.
É inegável que o processo ensino-aprendizagem de uma LE prima pela
multiculturalidade, preconizada também pelos PCNs, documento que, quando se
refere ao componente interlocucional, sugere a identificação da diversidade cultural
como determinante dos modos de interlocução, como um dos objetivos da LE.
Assim, nos MDs devem estar representadas ‘as culturas hegemônicas e as
renegadas ou silenciadas: as culturas de nações do estado espanhol, as culturas
infantis, juvenis e da terceira idade, as etnias minoritárias ou sem poder; o mundo
feminino, as sexualidades’ (SANTOMÉ: 1995, p.161).
Segundo JAMESON (1983), a ruptura (e apagamento) entre as fronteiras
entre a ‘alta’ cultura’ e a ‘baixa’ cultura é uma posição pós-moderna, um ‘ecletismo’
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167
relevante para as preocupações pedagógicas e a escola é uma das mais
importantes instituições responsáveis pela manutenção dessas ‘fronteiras’. Não
pode ser ignorado o processo de esgarçamento do resistente tecido cultural
hegemônico, que, através da ação institucional da escola, tem se mantido ‘intacto’
durante séculos.
Sabemos que a percepção da cultura de um povo pode ter visibilidade
mediante evidências variadas, pode ser manifestada inclusive ‘nas formas de rir, de
ironizar de seu povo, reflexos dos diversos discursos em constante movimento
social’ (TROUCHE: Ibidem, p.75).
Figura 29 Excerto V de TB
(Reprodução da página 2 TB vol. II)
No que tange a MDs de
PLE de nosso corpus, percebe-
se que, na sua elaboração,
existe a pretensão de um
posicionamento neutro,
‘impessoal’ diante dos aspectos
culturais. Principalmente no
que se refere às imagens neles
inseridas. Ao observá-las, um
estrangeiro assimila muito
pouco da realidade cultural
brasileira. Há inclusive imagens
que retratam uma realidade
inexistente em nosso país.
A figura 29 permite perceber que o papel da imagem na página é manter o
padrão adotado nas unidades, que é o da inserção de uma ilustração
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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168
acompanhando cada diálogo introdutório. Apesar de o texto falar de praia e de férias
no Pará, a foto é de uma escola, como há pouquíssimas (e privadas) no território
nacional. Seguramente não na região Norte do Brasil, à qual o texto faz referência.
Mais adequada seria a reprodução de uma escola à beira dos rios, os alunos
chegando de canoas (remando), como são as existentes naquela região.
Sabemos que as imagens nos MDs de PLE devem cumprir a função de
possibilitar a abertura a um amplo espectro de artefatos culturais a serem
explorados durante as aulas de língua/cultura brasileira. Além disso, para o público
jovem (objeto da presente tese), na seleção das imagens, há que se considerar
aspectos outros, tais como o estilo de vida (que envolve a discussão de questões
vitais como a gravidez na adolescência, as doenças sexualmente transmissíveis,
dentre outros), formas de lazer, de se vestir, de se comportar. Além disso, deve
direcionar a reflexão dos aprendizes para objetivos profissionais, favorecendo uma
comparação entre a realidade do campo profissional em seu país natal e a
encontrada no país em que a língua-alvo é falada. Esses fatores trazem em si um
forte componente cultural, ao qual os aprendizes de PLE e os professores deverão
estar atentos, dada a sua relevância no processo de formação do cidadão do
mundo.
Quanto ao ensino de PLE para adolescentes, fica evidente ainda a
necessidade de se incluir nas aulas as culturas alternativas, até hoje apagadas, mas
que os aprendizes adoram. Na música, podemos mencionar o rap, o funk, o axé, o
forró; a música sampleada. No vestuário, uma mudança radical: a informalidade,
hábitos despojados; o culto ao corpo. No lazer, a proliferação de ferramentas digitais
– videojogos, salas de bate-papo, orkut, entre outros. Em contexto endolíngüe,
devemos destacar o cuidado que o professor de PLE deve tomar ao desenvolver um
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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169
trabalho em que o componente cultural seja priorizado. CHARAUDEAU E
MAINGUENEAU (2004, p. 319) denominam mal-entendido constitutivo, aquele ‘que
resulta de divergência de sistemas de normas dos interactantes (caso em particular
das situações interculturais). Segundo os autores, ele ‘[...] não é acompanhado
necessariamente de afrontamentos abertos’ (Ibidem, idem).
Por apresentar em alguns casos uma profunda diversidade em relação à
realidade cultural vivida pelo aprendente de LE, no estudo das interferências
culturais, a atenção do professor deve ser redobrada, para evitar os chamados mal-
entendidos culturais. A título de exemplificação podemos mencionar que existem
instituições cariocas (município do Rio de Janeiro) que promovem atividades
objetivando integrar culturalmente o estrangeiro, recém chegado ao Brasil. São
oferecidas várias opções ‘turísticas’, dentre as quais podemos citar o Indiana Jungle,
que consiste em ‘passeio em jipes abertos e roteiros de aventura como caminhadas
ecológicas, Favela da Rocinha, mergulho, arvorismo, escaladas, cavalgadas,
expedições de jipe, a pé, barco e a cavalo’
64
. Num clima de ‘aventura’ a visita à
favela é roteiro turístico; os turistas constatam in loco como as pessoas conseguem
viver em condições tão distintas de sua realidade natal. Esse exemplo permite que
se possa imaginar como se forja a identidade do carioca (habitante do município do
Rio de Janeiro) junto aos estrangeiros – mostrando a outra ‘cara’ da cidade como
uma aventura na selva. Juízos de valor à parte, como brasileiros podemos
compreender o choque cultural, social, sociológico que a oferta desse produto
turístico poderá ocasionar. Não podem deixar de ser mencionados também outros
mal-entendidos culturais, que podem ocorrer em vários tipos de situações
comunicativas: a presença de falsos cognatos, o desconhecimento de convenções o
64
Dados colhidos na página da RioTur acessada em 29 de dezembro de 2005:
< http://www.rio.rj.gov.br/riotur/pt/guia/?Canal=38
>.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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170
uso de rotinas (frases feitas), cujo contexto de uso é diferente, incluindo a sintaxe e
a entonação e a transferência da língua materna relacionada a fatores afetivos (cf.
GRETEL: 2002). O funcionamento da situação comunicativa pode sugerir efeitos de
sentido positivos ou negativos. Um tipo de trabalho coletivo, realizado entre latino-
americanos e orientais, por exemplo, vai permitir que se tornem visíveis as
diferenças culturais entre os aprendizes, que são flagrantes, a começar pela postura,
tom de voz, estratégias de trabalho eleitas entre outras.
Diante dessas evidências, o desenvolvimento do processo de
ensino/aprendizagem voltado para o componente cultural em PLE e em qualquer LE
tem muitas vantagens. O professor aprendiz de outra(s) cultura(s), familiariza-se
com o conteúdo e vocabulário específico de outras áreas e troca experiências com
profissionais de sua e de outras instituições. Por sua vez, os alunos aprendem a
língua e a cultura-alvo em situação de uso real – o processo de ensino
aprendizagem é dinamizado e aborda aspectos em nível nacional e internacional.
Percebe-se, assim, a riqueza, tanto para os alunos quanto para o professor, que
esse processo de convivência com a diversidade amplia a visão de mundo,
reconstitui a dimensão humana dos docentes e discentes, tão indispensável à
formação dos cidadãos do mundo que buscam a paz e a integração intra e
internacional.
65
Outro aspecto a ser observado é a agilização dos CC, uma vez que ocorre um
incessante intercâmbio de papéis discursivos e são apre(e)ndidos novos rituais de
abordagem. Podemos afirmar seguramente que, após um intercâmbio cultural
fomentado pela aprendizagem de uma LE, as relações interativas de qualquer
falante não poderão ser jamais as mesmas, mesmo em usos de sua LM.
65
Cabe destacar que essa convivência com a diversidade vai se intensificar ainda mais no caso do ensino de
PSL como ocorre com os indígenas e os portadores de necessidades especiais, que clama por pesquisa
aplicada.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
171
3.3.3.A aquisição do repertório vocabular
‘O falante não vai buscar palavras no dicionário antes de falar: o falante vai
buscar as palavras na boca dos demais, onde existiam em outros
contextos, em outras intenções. Ali as encontra dotadas de suas próprias
‘entonações’ que passarão, em nova modulação ao seu próprio discurso’
(REYES: 1990)
Estudar vocabulário em LE é uma aprendizagem que extrapola a descrição de
quaisquer processos implementados para sua aquisição. É antes de tudo fixar o
olhar sobre os processos de nomeação, pois ‘não basta estabelecer as diferenças
entre as formas constitutivas do vocabulário de cada um dos sistemas lexicais, faz-
se necessário estabelecer as causas dessas diferenças que sempre implicam
marcas de ancoragens diferenciadas para o processo de designação’
(TURAZZA:1998, p.107).
Algumas estratégias de descoberta de vocabulário totalmente novo na língua-
alvo podem ser citadas como as de determinação. Essa é a primeira etapa do
processo de aprendizagem de uma palavra nova, quando podem ser usados
recursos do próprio texto ou do contexto para identificação dos sentidos. A seguir, as
de consolidação, auxiliares no processo de retenção do vocabulário estudado,
objetivando posterior recuperação/utilização em atividades de produção escrita.
Podem ainda ser mencionadas outras formas: paráfrase, tradução, exemplificação,
sinonímia, gestos, associação, correção, imitação, soletração, antonímia, inferência;
sinonímia, hiperonímia, hiponímia; busca de palavra cognata, consulta à gramática;
recurso aos meios audiovisuais.
66
Nos MDs do corpus, o vocabulário é apresentado geralmente através de
palavras soltas ou em expressões isoladas. Adotando a tipologia de LAUFER
(1998), podemos afirmar que o vocabulário apresentado nos MDs analisados
66
Listagem ampliada da original apresentada por SCHMITT (1997).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
172
colabora para a formação de um conhecimento lexical passivo (receptivo) e, embora
a sua apresentação de modo descontextualizado comprometa o entendimento da
própria acepção de palavras e/ou expressões. Nos dois MDs há atividades que
favorecem o conhecimento lexical ativo controlado, na medida em que as palavras
novas são por essas atividades propostas. Há, ainda, o emprego de léxico de forma
livre, em textos longos, cuja função no MD, geralmente é a de transmissão de
informações sobre a cultura e a história do Brasil. Em TB há exemplos de atividades
que estimulam a formação de vocabulário passivo, a partir da leitura de diferentes
gêneros textuais, o que não ocorre em SA. Não podem ser destacadas nos MDs
atividades que privilegiem o funcionamento discursivo do vocabulário novo, sempre
associado à noção de gênero textual e por extensão, ao uso reflexivo da linguagem
em situações sociais e aos processos de discursivização da língua, descritos em
PAULIUKONIS: 2005.
Sabemos ainda que no estudo do vocabulário é relevante considerar sua
adequação ao espaço (em textos escritos no Brasil falar em fila como bicha é
inadequado, a menos que se queira criticar os portugueses); ao tempo (à época e ao
status social dos usuários); ao referente externo, ao contexto comunicativo, ao
emissor e à situação interativa, ao registro lingüístico escolhido, ao gênero textual,
ao código lingüístico vigente (PAULIUKONIS: Ibidem).
Mesmo quando se refere a ensino de LE, no processo de estudo discursivo
do vocabulário, devem ser incluídos os mecanismos de nominalização e
modalização do discurso, estratégias extremamente importantes no emprego do
léxico em situações discursivas, comprovando que não há seleção lexical gratuita e
reafirmando o imbricamento entre o lingüístico e o situacional, que se combinam na
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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173
organização textual e na intenção discursiva, processos descritos em
CHARAUDEAU (1996).
Tanto no ensino de LM quanto de LE é relevante destacar ainda a influência
do fantástico incremento lingüístico no século XX, notadamente em decorrência do
desenvolvimento da tecnologia e da cultura. Esse movimento crescente vem sendo
sucedido por um ininterrupto acréscimo no repertório vocabular (incluindo
neologismos e empréstimos) no século XXI, em função de novas demandas sociais,
quer de natureza científico-tecnológica, quer de origem sócio-cultural, como mostra
VALENTE (2005).
Seguindo essa linha de raciocínio, cada vez mais aumenta a demanda por
fios condutores que clarifiquem os mecanismos de nomeação, processo
eminentemente discursivo, pois vai demandar a compreensão do vocábulo (ou
expressão) em contexto, em situação discursiva.
No que se refere a estratégias metodológicas, pode-se imaginar a revolução
no ensino do vocabulário, se este for pautado, por exemplo, no trabalho com os
neologismos. Eles podem, inclusive, ser excelente mote para deslanchar o estudo
com foco na forma - processos de formação de palavras em português, numa
perspectiva interdisciplinar com outras línguas neolatinas ou mesmo disciplinas
como a biologia ou química, cujos termos têm a mesma matriz morfológica. Há ainda
a possibilidade de jogos, nos quais os aprendizes possam se valer do seu
conhecimento prévio enunciativo-pragmático dominado em LM e transpô-lo para a
aprendizagem em LE, afinal estamos em um mundo globalizado, os estrangeirismos
povoam o repertório vocabular de todas as línguas.
O mais importante no ensino do léxico em LE é não deixar que ele fique
restrito ao que pode ser encontrado nos dicionários, até porque eles não conseguem
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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174
acompanhar o ritmo da criação de expressões neológicas e das expressões
formulaicas.
67
Nesse sentido é fundamental o papel do professor, na identificação
das principais necessidades dos alunos. Como sabemos das limitações impostas ao
processo de identificação do valor discursivo das palavras e expressões no texto,
bem como da identificação das suas condições de sua produção em uma LE, o
professor deve atuar na agenciação e intercâmbio de sentidos entre o texto em LE e
o aprendente, estando bastante atento às inevitáveis interferências constitutivas de
qualquer processo de tradução.
Um ponto bastante controverso, que muitas pesquisas aplicadas têm
demonstrado é a inserção de glossários nos MDs, ou a utilização, durante o
processo de ensino-aprendizagem de dicionários bilíngües. BECHARA (1987),
analisando o processo de transformação do aluno em poliglota em sua própria
língua (LM), aponta reflexões que podem suscitar desdobramentos no ensino de LE,
em que o objetivo do processo ensino-aprendizagem é mesmo tornar o aluno
poliglota em todas as línguas–alvo que ele estiver estudando, a partir do
(re)aproveitamento dos conhecimentos lingüístico-culturais assimilados em LM e nas
LE apre(e)ndidas.
Partindo de uma perspectiva discursiva do texto, não podemos considerar
relevante que sejam apresentados glossários nos MDs de LE. Em TB e SA eles não
são encontrados, sugerindo que o trabalho com o vocabulário possa ser feito através
do uso de dicionários (o que é recomendado inclusive pelos PCNs de LE). O
documento reitera ainda que o trabalho com o vocabulário seja desenvolvido de
modo que haja por parte do aprendiz ‘familiaridade no manejo do dicionário, dentro e
fora da sala de aula [...] importante subproduto do desenvolvimento do repertório
67
Cf. ALENCAR (2005, p 96), para quem expressões formulaicas seriam uma espécie de transição às
expressões idiomáticas, geralmente ainda não dicionarizadas, muito comuns nas situações de fala coloquial (e,
por isso mesmo, atual).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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175
vocabular’ (BRASIL: 2002b, p.105). Ainda segundo os PCNS, ‘o professor de língua
estrangeira deve propiciar a seus alunos atividades que incluam [...] a mobilização
da competência de decodificação de verbetes [...] outras informações culturais
ligadas à língua estrangeira que o dicionário pode trazer’ (BRASIL, Ibidem, p.109).
Há ainda recomendação para que o estudo do vocabulário se dê através da
proposição de trabalho com os provérbios, slogans, clichês e de frases feitas,
segundo seus contextos de uso e intenções claras ou subjacentes. Todo o trabalho
centrado no texto (considerado a unidade de significado):
'O trabalho com a estrutura lingüística e a aquisição de vocabulário só se revestirá
de significado se partir do texto e remeter novamente ao texto como totalidade. É,
pois, a partir do texto e de sua leitura e interpretação que se propõe a seleção de
conteúdos gramaticais e de vocabulário [...]’ (BRASIL: Ibidem: idem)
Um comentário a ser fazer em relação a essa proposição do documento. Ela
parte da premissa de que o texto é a unidade máxima de significado, como
concebem as teorias cognitivistas, posição divergente, pois, do que defendemos na
presente tese, que concebe texto na perspectiva discursiva, o que, inclui o
componente histórico-ideológico-cultural.
Embora bastante controversa, a prática confirma a inevitável utilização de
dicionários bilíngües (DB) pelos alunos (principalmente na fase inicial da
aprendizagem da LE). Ainda que não incentivada pelo professor, essa prática ocorre
de modo informal. É recomendável um cuidado atento na seleção do DB quanto ao
seu processo constitutivo, conforme alerta BIDERMAN (1998, p. 81):
‘[...] levando em conta a heterogeneidade do universo e a complexidade da
sociedade contemporânea, é preciso postular um repertório maior para satisfazer
às necessidades de comunicação no mundo contemporâneo [...] vocabulário básico
usual um montante de 3000 palavras aproximadamente’
.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
176
Em estudo de ocorrências lexicais, a autora registra que 80 % de qualquer
texto em português são constituídos por mais ou menos 1000 palavras [...] São elas:
todas as palavras instrumentais como artigos, pronomes, preposições, conjunções,
advérbios, numerais e algumas palavras lexicais ou plenas das classes substantivo,
adjetivo e verbo.
O uso de DB é controverso, pois traz inevitáveis vantagens e desvantagens.
Como principais desvantagens, pode ser mencionada a insistência dos alunos na
busca ao dicionário para entenderem os diferentes usos das palavras e de
expressões idiomáticas e formulaicas. Além disso, seu uso provoca uma inevitável
interrupção do fluxo de concentração do estudante ao ler o texto. Não se pode
negar, contudo, que, na fase inicial do aprendizado, ele pode ajudar os aprendizes a
vencerem a primeira dificuldade no estudo do léxico, que é a designação. É
preferível o aluno buscar o item lexical no DB, mesmo que este ofereça uma
tradução simplória, do que ficar confuso e desnorteado.
Pesquisas apontam para pontos positivos no uso dos DB em aula de LE,
embora a questão quanto às estratégias de utilização permaneça ainda controversa.
Sabemos que em uma visão discursiva, não basta haver inserção do ‘vocabulário
mínimo’ no dicionário, uma vez que cada palavra vai ser compreendida em
determinado contexto, segundo determinada situação enunciativa, empregada em
um discurso que tem específicas condições de produção. O trabalho do professor
pode ajudar o aluno a compreender o uso do DB como ferramenta de aprendizagem
(TOSQUE: 2002, p. 102-13). Assim, o uso do DB pode funcionar como garantia de
gozo do direito lingüístico do aprendente de LE.
TURAZZA (1998, p. 113-4) propõe o ensino do léxico através de paráfrases
lingüísticas e discursivas como mecanismo de enriquecimento, diversificação,
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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177
estruturação, fixação e flexibilização do vocabulário do aprendiz, face às suas reais
necessidades de interação. Não podem, contudo, deixar de ser registradas algumas
dificuldades encontradas no trabalho com os dicionários, em turmas de iniciantes,
em que os alunos lançam mão do recurso aos dicionários on line ou dicionários
digitais, e se vêem embaraçados ante a ‘opacidade’ dos sentidos de que uma
tradução literal não consegue dar conta. A título de exemplificação, é interessante o
registro de que já existem hoje várias ferramentas digitais, criadas com o objetivo de
fazer a tradução tanto de textos escritos quanto orais. Reportagem da revista Veja
68
mostra a ineficácia do MASTOR (Multilingual automatic speech-to-speech translator),
tradutor automático de voz, que dispõe de um vocabulário básico de 30.000 palavras
em cada idioma. O equipamento foi criado com objetivo de auxiliar nos processos de
tradução de textos orais (como o caso de conferências, em que a tradução
simultânea era/é solicitada). A versão criada para tradução de textos escritos (sob
forma de uma caneta eletrônica) também não consegue atingir plenamente seu
objetivo, pois não é possível recompor eletronicamente, as condições de produção
de um discurso.
Em tempos de inimaginável avanço da tecnologia, é importante que o
professor trabalhe com os alunos a dimensão discursiva da aprendizagem do
vocabulário, levando-os a perceber que, através das formas vocabulares e de seus
diversos empregos em práticas discursivas, vão sendo configurados os espaços de
formalização dos valores, crenças, costumes e hábitos, ou seja, vai sendo
descortinada a matriz cultural do povo falante da língua-alvo. O mais importante é
que seja priorizado o contato com a língua em uso (inicialmente mais intensivo no
68
Edição Especial nº 52, Ano 38 (Veja 1932), novembro de 2005, pp. 40-41.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
178
que se refere ao domínio das estruturas gramaticais) e mais extensivo para o
vocabulário.
Em etapa mais avançada do processo de ensino-aprendizagem, conforme
forem avançando no domínio da língua-alvo, os alunos devem estar preparados para
trabalharem com DB bilíngües recíprocos, que englobam os DB de compreensão
(para entender a LE) e os DB de comunicação (para compreensão e produção em
LE), além dos dicionários escolares ou minidicionários na língua-alvo.
Na escolha do material, professor e aprendiz deverão estar cientes da
inevitável simplificação da linguagem realizada por esses instrumentos, nos quais a
limitação das categorias gramaticais contempladas e a redução das informações
presentes são marcas constitutivas.
Além disso, é importante frisar que, para o público adolescente, a quem se
dirigem os MDs do corpus, a pobreza do recorte é fator prioritário, pois a maioria dos
DB, por mais atualizados que sejam, não consegue acompanhar o ritmo frenético
com que se atualiza o ‘léxico do adolescente’, repleto de gírias, expressões
idiomáticas e formulaicas.
Pode-se concluir que, no tange à extensividade do vocabulário a ser
trabalhado no ensino de LE, não podem ser predeterminados parâmetros rígidos.
Cada aprendiz individualmente vai definindo suas necessidades, conforme vai sendo
desenvolvido o processo ensino-aprendizagem.
Pode-se afirmar, contudo, que com a formação de um ampliado vocabulário
passivo, o aprendiz de LE tende a se sentir cada vez mais capaz de perceber que é
também no vocabulário que poderá ser encontrado suporte para experiências,
crenças, idéias, ideologias do povo falante nativo da língua-cultura alvo. Essa
compreensão vai levá-lo a se arriscar, em contexto endo ou exolíngüe, a usar seu
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
179
vocabulário ativo em suas necessidades comunicativas, além de estar aberto a
ampliá-lo constantemente.
Finalmente, temos que concordar com PRETTI (2004, p.110-1): o léxico é a
parte mais flexível, mais sujeita a modificações dentro do processo de mobilidade
lingüística dentro da dinâmica da linguagem contemporânea. Por isso, o ensino do
vocabulário vai exigir do professor um ininterrupto processo de pesquisa e de
atualização.
69
69
Observações empíricas nos levam a concluir, quanto ao estudo do vocabulário, que no ensino de LE para
adolescentes, devem ser ensinadas as formas próprias de comunicação dos jovens. Deve ser elaborado um
glossário de palavras e expressões mais empregadas no seu dia-a-dia, pois, eles querem saber como ‘ficar’,
como sobreviver em tempo de delivery, como se comportar em festas e na escola (para não ‘pagar mico’). Enfim
querem aprender como ‘abalar’.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
180
3.4. DO LUGAR DA METALÍNGUA NO ENSINO/APRENDIZAGEM DA LE
‘[...] uma sacrossanta rigidez, que impede [...] o exercício da reflexão por
parte do aluno, o qual ficará até o fim do aprendizado numa situação de
dependência em relação ao professor, sem coragem ou permissão para
tomar em mãos seu aprendizado’ (RAMALHETE: 1986, p. 7).
Como já foi apontada na seção em que foi feito o estudo do texto e da
ampliação de vocabulário, o ensino da metalíngua nos MDs do corpus segue a
concepção de ensino adotada por eles. O conhecimento gramatical é apresentado
de modo descontextualizado. Inicialmente são apresentadas as estruturas e, a
seguir, propostos exercícios de fixação. O texto funciona como pretexto para o
desenvolvimento dessas atividades. Para ilustrar essa afirmação, analisemos a
figura 30, a reprodução de uma página de TB, na qual são transcritas quatro estrofes
do poema Construção, para realização de exercícios de acentuação gráfica.
Analisando a figura, percebemos que todas as atividades propostas na página
objetivam fixar o conteúdo gramatical – acentuação gráfica e relação entre verbos no
subjuntivo e seu emprego em frases condicionais.
Nota-se que houve preocupação em introduzir textos ‘autênticos’ -
pressuposto fundamental da proposta comunicativista à qual o MD declara
explicitamente aderir. Há, contudo, uma dissociação entre a ilustração e o texto
(poema), que mesmo sendo belíssimo e primar pela exploração metafórica das
palavras com que terminam os versos (todas proparoxítonas), não é reproduzido na
íntegra, o que seguramente produz efeitos de sentido em sua interpretação. Há que
se registrar ainda o fato de que o exercício propõe que o aluno ouça apenas a um
trecho da música Construção (ela é cortada abruptamente também na faixa de áudio
disponível no CD).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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181
Figura 30 Excerto VI de TB
O poema de Chico Buarque foi usado como pretexto da atividade proposta no
MD - o simples objetivo de fixar a acentuação de proparoxítonas, sem se deter a
aspectos semânticos da obra, do jogo imagético e simbólico tão intenso, no qual a
instauração de novos sentidos se dá pela transposição sintática das palavras (ou por
sua combinação com as outras palavras do poema em versos diferentes). A
associação imagem-texto, porém, abre ao professor a possibilidade de explorar a
capacidade de inferir sentidos do aprendente de PLE. A foto e a última palavra do
poema reproduzidas no exercício podem constituir mote para a formulação de
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
182
exercícios orais.
O terceiro exercício proposto na mesma página é estruturado a partir de um
excerto de um texto ‘autêntico’, transporto de suporte, incluído apenas também
como pretexto, para que o aluno faça a tarefa de fixação de acentuação de oxítonas
e paroxítonas e revele saber quando usar o til.
Os exemplos apresentados servem para ilustrar por que, no desenvolvimento
da análise do corpus, no que tange ao ensino das estruturas gramaticais da língua-
alvo, encontramos uma situação bastante uniformizadora. O critério adotado de
selecionar as atividades e os textos em que elas são baseadas como ‘autênticos e
não autênticos’, ‘de metalíngua /não metalíngua’ tornou-se improdutivo, para
desenvolver a análise proposta, visto que a totalidade da materialidade lingüística do
corpus se encaixava na mesma categoria.
Percebeu-se uma diversidade que o critério adotado não conseguia elucidar.
Apesar de os MDs se autodefinirem como comunicativos, a análise foi
demonstrando, a forte presença das características da concepção estruturalista e
behaviorista de ensino.
Considerando o constructo teórico da pesquisa-ação (MOITA LOPES: 1996),
identificamos que a tipologia proposta por TICKS (2005), calcada no conceito de
pós-método (KUMARAVADIVELU: 2001) conseguia dar conta de descrever o
funcionamento do ensino da metalíngua nos MDs, já que classifica as metodologias
e abordagens em três grandes grupos - as centradas na linguagem, as centradas na
aprendizagem e as centradas no aprendiz (Quadro 3).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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183
Quadro 3 Classificação das abordagens e metodologias no Pós-método
Centradas na linguagem Centradas na aprendizagem Centradas no aprendiz
Gramática-tradução Direto
Community Language
Teaching (Curran)
Audiolingual Suggestopedia (Lozanov) Comunicativos
Cognitive Code Learning
The Silent Way
Total Physical Response (Asher)
Natural
As abordagens centradas na linguagem são as que promovem a prática de
estruturas lingüísticas pré-seqüenciadas. São os exercícios de pronúncia e/ou
repetição de itens lexicais, denominados drills. Após ouvir e ler, o aluno repete. Elas
constituem a base das propostas encontradas nos métodos Gramática e Tradução,
Audiolingual e Cognitive Code Learning Aproach e sempre foram (e ainda são)
reconhecidas como eficazes no ensino da metalíngua.
As abordagens centradas na atividade o as que permitem que o aprendiz
participe de interações abertas, levando em consideração a negociação de
significados como proposta de aprendizagem. Exemplos seriam encontrados no
Método Direto, na Suggestopedia, no Silent Way (cuja base do ensino é a frase), o
Total Physical Response Method e a Abordagem Natural. Nessa categoria seriam
promovidas ‘interações abertas conhecidas como open-ended, que tomam a forma
de jogos, discussão de um tema, criação de uma situação imaginária na qual os
alunos devem interagir’ (TICKS: 2005, p. 21-2).
As abordagens centradas na função são as que oportunizam ao aluno
‘praticar estruturas pré-selecionadas, pré-seqüenciadas, focalizando, além da forma,
propriedades funcionais e nocionais da linguagem. A preocupação com a forma e a
função resultará, em última instância, em aprendizagem’ (TICKS: Ibidem, idem).
Adotados o critério e a base teórica, foi feita a leitura e classificação de todas
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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184
as atividades presentes nos MDs. Inicialmente foi percebida uma discrepância
gritante entre o número de atividades propostas em TB em relação às apresentadas
em SA. Muitíssimo mais numerosas e complexas no primeiro que no segundo. Esse
fator propiciou a adoção do critério da proporcionalidade para a confecção do gráfico
3, viabilizando, assim, o estabelecimento de parâmetros de análise. A seguir, foi feita
a triagem das atividades segundo a tipologia eleita, englobando tanto as que davam
foco na escrita quanto na oralidade, tanto realizadas individual como coletivamente.
Os resultados podem ser analisados no gráfico 3, reproduzido a seguir, que ajuda a
elucidar o funcionamento das atividades de ensino da estrutura gramatical em TB:
Gráfico 3 – Classificação das atividades em TB quanto abordagem e metodologia
Função
Linguagem
Atividade
Seguindo a tendência sugerida pelos exemplos apresentados anteriormente,
cuja análise resultou no gráfico 3, pode-se perceber que em TB a maioria das
atividades tem foco na forma gramatical. Inclusive os exercícios complementares,
sugeridos (acessíveis, via internet). Um comentário adicional acerca de sua inclusão,
bem como dos apêndices no MD. Há uma seção denominada Exercícios ‘especiais’
de fixação de ‘tu e vós’, incluídos no final dos dois volumes dos MDs. Sua inserção é
justificada na apresentação (nos dois volumes), como necessária, visto que ‘o
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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185
pronome tu é amplamente utilizado em algumas regiões do país, nos estados
próximos aos países do Mercosul’. A análise desses exercícios, porém, invalida essa
justificativa, dado o caráter nitidamente padronizador e metalingüístico com que eles
são apresentados, sem considerar suas variações regionais de emprego. No Rio de
Janeiro, por exemplo, na linguagem coloquial, pronome tu é apresentado com a
forma verbal na terceira pessoa do singular (sequer mencionada no apêndice).
No contraponto, grande parte das atividades centradas na atividade, se refere
à associação de conteúdos gramaticais e produção oral e escrita, em que o aluno
deverá associar o conhecimento assimilado e aplicá-lo na etapa de produção escrita.
Mesmo as atividades centradas na função, as menos numerosas no MD,
ainda se posicionam de modo distanciado de uma perspectiva discursiva de ensino,
haja vista a total ausência, em todos os enunciados das questões propostas
analisadas, de quaisquer elementos que pudessem configurar as condições de
produção dos textos (tanto os apresentados para leitura quando os que os sugeridos
que os alunos produzissem).
Quanto a SA, apesar de sua estrutura modular sugerir a produção de um
efeito diferenciado na aplicação do critério adotado, podemos perceber, pela análise
do gráfico 4, que a tendência apresentada em TB é, no geral, mantida.
Gráfico 4: Classificação das atividades em SA segundo abordagem e metodologia
Linguagem
Atividade
Função
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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186
Percebeu-se na análise do MD, concretizada pelo gráfico 4, o que formula o
manual do professor. Fica muito a cargo do professor, a responsabilidade de
elaborar propostas de exploração dos textos presentes no MD.
Os enunciados são apresentados de modo genérico e ‘aberto’, permitindo
qualquer tipo de resposta do aluno. Cabe destacar ainda a simplicidade e a
obviedade das atividades propostas.
A análise dos MDs representadas nesses gráficos comprova ainda que,
apesar de eles se auto-intitularem comunicativos, a concepção de ensino que
desenvolvem é ainda de consistente base estruturalista. O foco nas atividades de
forte tendência metalingüística é ainda distante do que a proposta comunicativista
sugere:
‘[...] o ensino comunicativo é aquele que não toma as formas da língua
descritas nas gramáticas como o modelo suficiente para organizar as
experiências de aprender outra L, mas sim aquele que toma unidades de ação
feitas com linguagem como organizatórias das amostras autênticas de língua-
alvo que se vão oferecer ao aluno-aprendiz’ (ALMEIDA FILHO: 2002, p. 36).
Percebemos mais uma vez o emprego do adjetivo autêntico, em torno do qual
a formulação do conceito de comunicativismo se dá. A buscada sintonia entre a
concepção comunicativista de ensino e a preconizada pelos PCNs de LE, segundo o
qual o foco do aprendizado de LE ‘deve considerar que o estudo da estrutura
gramatical e a aquisição do vocabulário constituem suportes para a compreensão,
não sendo, portanto, o objetivo final da aprendizagem’ (BRASIL: 2002b, p.123) não
atingido.
Segundo os PCNs, o ensino de línguas deve estar centrado na comunicação
e não no estudo metalingüístico. O documento propõe o desenvolvimento de
projetos de pesquisa orientada, desenvolvidos através de ‘atividades diversificadas
que permitam perceber o caráter dinâmico da língua, seu uso formal e informal, bem
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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187
como transgressões [...] segundo contextos de uso e escolhas realizadas pelos
autores dos enunciados’ (BRASIL: 2002b, idem). Finalmente, recomenda a
valorização do conhecimento lingüístico-cultural do aluno adquirido no processo
aprendizagem de outras línguas e a consideração da heterogeneidade do
conhecimento dos estudantes sobre o idioma alvo, procedimentos também não
adotados pelos MDs analisados.
É importante retomar as reflexões feitas quando da análise da interferência e
extrema relevância do componente cultural no desenvolvimento do processo de
ensino de uma LE (item 3.3). Foram citados naquele capítulo exemplos que
comprovam a significância e ‘autenticidade’ do ensino de conhecimentos puramente
metalingüísticos dada a sua imprescindibilidade para a efetivação de uma
‘comunicação autêntica’. Com base nesses dados e nas pesquisas recentemente
desenvolvidas por alguns lingüistas aplicados (WARSCHAUER: 1998; GRANNIER:
2002; MADEIRA: 2003) é oportuno concluir o presente capítulo apresentando dados
teóricos sobre o que DOUGHTY & WILLIAMS (1998) denominam foco na forma
(‘foco na forma e no significado, ou seja, a partir do uso natural da língua’); um
‘redespertar’ não de um modelo calcado nos moldes estruturalista e behaviorista (da
década de 40 do século XX). Essa opção de abordagem funcionaria como uma
postura não ortodoxa de ensino, não dicotômica, evitando a radicalização entre o
foco na forma (entenda-se de cunho nitidamente metalingüístico) e o ensino
comunicativista
70
.
70
Uma proposta alternativa para o enisno de PLE a adolescentes de nacionalidades bastante variadas tem
revelado que, no ensino da metalíngua, é bastante eficiente a adaptação de modelos pedagógicos propostos por
GRANNIER (2002). ‘Na fase inicial, desenvolve-se a fase I, denominada ‘o pacote’. Nesta estapa são adotadas
estratégias conjuntas e desenvolvidas atividades com foco no desenvolvimento rápido de um vocabulário básico,
e os pontos críticos da oralidade para firmar a pronúncia (afinal os jovens não querem ‘fazer feio’). Podem ainda
ser trabalhados de modo integrado alguns aspectos morfossintáticos, notadamente o emprego de preposições,
de artigos e conjugaação dos principais verbos (nos tempos do modo do presente, passado e futuro do indicativo
simultaneamente). Na fase II, são implementadas práticas discursivas (orais e escritas0, principalmente usando
atividades variadas, apresentadas em MDs consultados (e seus respectivos recursos) como também atividades
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Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
188
O conhecimento lingüístico em PLE trabalhado nessa fase é obtido através de
atividades que são planejadas a partir do interesse dos alunos. Sem uma
preocupação exagerada com uma seqüenciação dos conteúdos que ‘devam ser’
ensinados. Os resultados apontam que os aprendizes, em muito pouco tempo,
revelam um rápido e expressivo progresso. Na fase II, é dada prioridade ao
desenvolvimento da fluência na língua oral. Paralelamente, em perspectiva inclusiva,
para todo tipo de aprendiz
71
, uma adaptação da proposta heterodoxa (GRANNIER:
2002), sistematizada no quadro abaixo, que tem a seguinte seqüência: (1) revisita ao
percurso e análise de erros (AE), identificação dos pontos críticos (PC)- análise
contrastiva (AC) – elaboração de materiais didáticos (MD):
AE –PC – AC - MD
Dada a heterogeneidade das classes de PLE (notadamente a de iniciantes), o
trabalho pode primar pela diversificação das atividades e o seu direcionamento com
foco na forma ou na comunicação como opções de abordagem a serem feitas, sem
desconsiderar as características individuais dos aprendizes - uma forma de respeitar
o direito lingüístico do aprendiz, preconizado na DUDL que, em seu artigo 25, assim
determina:
Toda comunidade lingüística tem direito a dispor de todos os recursos humanos e
materiais necessários para conseguir o grau desejado de presença de sua língua
em todos os níveis da educação dentro do seu território; profissionais devidamente
formados, métodos pedagógicos adequados, manuais, financiamento, locais e
equipamentos, meios tecnológicos tradicionais re inovadores. (Ênfase adicionada).
É interessante destacar que a expressão grifada - meios tecnológicos
tradicionais re inovadores - aparece duas vezes no documento (no artigo 25 e no
coletivas, desenvolvidas através de meios digitais (sala de bate-papo, fórum virtual, e-mail, atividades orais e
escritas on line, dentre outras).
71
Não só para hispano-falantes como a proposta original de Grannier.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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189
artigo 36) e parece sugerir não só os instrumentos, mas as metodologias através
dos quais eles vão ser utilizados.
O ensino da metalíngua em LE (como o é em LM) deve apresentar a norma
culta ou padrão, dada a sua importância política, econômica e cultural em nossa
sociedade, inclusive como instrumento de mobilidade social para os cidadãos, mas é
preciso que fique claro, para os aprendentes, que ela é uma forma de usar a língua
apropriada para uso em um grande número de situações, de modo semelhante ao
fato de que se deva usar roupa social e não bermuda e camiseta em uma série de
situações, dentre as quais os aprendizes de PLE devem vivenciar nas reuniões
sociais a que seus pais são convidados. Mas o aprendiz, especialmente o
adolescente, deve aprender também em PLE o jeito descontraído de ser do
brasileiro, elemento constitutivo de nossa identidade cultural. Somente assim ele vai
perceber que o uso da bermuda, das gírias e da linguagem descontraída não só é
permitido, mas exigido, em uma festa de seus novos amigos brasileiros, para a qual
seja convidado.
O ensino da metalíngua em perspectiva discursiva deve ser calcado em
situações comunicativas em que a necessidade de esclarecimento sobre a estrutura
da língua-alvo seja um fator favorável à sua melhor assimilação, conseqüentemente,
de melhor integração do aprendiz à realidade de uso das estruturas dessa LE. Deve
ser realizado de modo a evitar e a minimizar as situações de mal-entendidos
culturais, que muitas vezes deixam o estrangeiro em situações que beiram o ridículo.
Finalmente, deve favorecer uma reflexão sobre as estruturas da língua-alvo e de
seus usos e funcionamento, de modo que o aprendente possa desenvolver
simultaneamente competências discursivas necessárias ao aprimoramento gradativo
e de seus estudos na língua-cultura/alvo.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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190
Uma certeza: não há limites pré-determinados para esse estudo. Como já
afirmava RAMALHETE (1986, p. 18): ‘Procurei cobrir as noções e funções [...] não é
possível fazer-se um repertório finito de todo o saber lingüístico’. O ensino das
estruturas gramaticais da língua-cultura/alvo deve ser intensivo, para que o aprendiz
possa constituir uma consistente base lingüística de sustentação da qual lançará
mão nas situações discursivas, segundo suas necessidades comunicativas.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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191
3.4. DA PRODUÇÃO DE TEXTOS: A (DES)CENTRALIDADE DOS GÊNEROS
TEXTUAIS
‘Todos nós encontramos um mundo já articulado anteriormente de modos
diferentes – já falado por alguém. Assim, a linguagem nunca está completa,
é um projeto sempre inacabado’.
(MELLO: 2004, p.15)
A proposta de produção de textos, segundo uma perspectiva discursiva passa
obrigatoriamente pela apresentação de propostas calcadas nos gêneros textuais.
Este é um conceito que parece sempre ter sido relacionado ao estabelecimento de
parâmetros, ou seja, a aspectos ‘coercitivos’ a serem considerados padrão, para a
produção de textos.
Os clássicos já distinguiam três formas genéricas - épico, lírico e dramático,
vinculadas ao modo de imitação ou de representação da realidade. Não é demais
relembrar que Aristóteles já propunha ‘divisões’ dos gêneros fazendo nascer o
‘ditirambo, a epopéia, a tragédia e a comédia, gêneros que se caracterizavam pela
especificação de conteúdo e nada lembravam o gênero do qual derivaram’
(MEURER & MOTTA-ROTH: 2002, p. 263).
O avanço tecnológico e a evolução das formas de representação da escrita e
de veiculação de textos foram ensejando a criação de novos gêneros que, em sua
especificidade, passaram a exigir mudanças várias de veiculação e de
representação. O conceito de gênero tal como o entendemos hoje foi formulado
inicialmente por BAKHTIN (1979/1992):
Gênero é pensado como um evento recorrente de comunicação em que uma
determinada atividade humana, envolvendo papéis e relações sociais, é mediada
pela linguagem. É de responsabilidade central do ensino formal o desenvolvimento
da consciência sobre como a linguagem se articula em ação humana sobre o
mundo através do discurso ou, como preferimos, chamar, em gêneros textuais.
Estudamos gêneros para poder compreender com mais clareza o que acontece
quando usamos linguagem para interagir em grupos sociais, uma vez que
realizamos ações na sociedade, por meio de processos estáveis de escrever/ler e
falar/ouvir, incorporando formas estáveis de enunciados. (Ênfase adicionada)
Ele tem sido objeto de inúmeras pesquisas e os autores que a elas têm se
dedicado são veementes quanto à relevância de seu estudo. Para a compreensão
do lastro que se abre a partir dessa nova abordagem, consideramos importante
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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192
retomar a noção discursiva de gênero, que concebe seu estudo como forma de
compreensão, com mais clareza, do que acontece quando usamos a linguagem para
interagir em grupos sociais, uma vez que realizamos ações na sociedade, por meio de
processos estáveis de enunciados (MEURER & MOTTA-ROTH: Ibidem, p.12).
A visão bakhtiniana, a despeito de seu vanguardismo em expandir o conceito
para a esfera discursiva, ainda é centrada num pressuposto de estaticidade que o
mundo pós-moderno, de modo inacreditavelmente rápido, vem deixando para trás. Pelo
processo de institucionalização, os gêneros ainda estabelecem laços entre textos e
autores da sociedade
em que existem, mas a globalização, a velocidade com que se dá
a transmissão de textos e os avanços tecnológicos vêm ininterruptamente exigindo
uma mudança na tipologia dos gêneros textuais, o abandono dos modelos clássicos e
a assunção de gêneros híbridos (PINHEIRO: 2002, p. 262) como híbridas e
fragmentadas são as identidades pós-modernas (HALL: 1996).
Assistimos na contemporaneidade a uma acelerada ‘proliferação’ de ‘novos
gêneros, que vão rompendo o paradigma das estruturas-padrão. Como exemplo
podemos mencionar os textos eletrônicos que, elaborados, transmitidos e recebidos
digitalmente, hoje já diversificam muito a variedade de gêneros de que se utilizam,
cujas atuais e principais características são a (trans)mutabilidade, a hibridação, a
mixagem.
A instituição escola, através dos MDs com que os professores realizam seu
trabalho com os alunos, tem um papel fundamental na produção, difusão e (des)
cristalização dos gêneros legitimados pelo discurso pedagógico e por ele veiculados.
MEURER & MOTTA-ROTH (Ibidem, p.12) inclusive consideram ‘de responsabilidade
central do ensino formal o desenvolvimento da consciência sobre como a linguagem
se
articula em ação humana sobre o mundo através do discurso [...] em gêneros
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193
textuais’. E essa tarefa constitui-se no domínio das regras do jogo dos CC, nos circuitos
interno e externo do processo enunciativo onde se embatem, se projetam e se
materializam as instâncias subjetivas, em seu projeto de dizer, tendo a língua, tanto na
modalidade falada quanto escrita, como um reflexo da organização da sociedade em
determinado tempo/espaço (CHARAUDEAU: 1983).
A retomada do conceito de gênero em uma perspectiva discursiva é relacionada
à de CC. Cada ‘gênero’ presume um CC específico pelo ritual que define. ‘A eficácia da
enunciação resulta necessariamente do jogo entre as condições genéricas e o ritual
que elas implicam, a priori, tecido pela enunciação efetivamente realizada
(MAINGUENEAU: 1997, p. 34-40). O conceito de jogo a que o autor se refere nos
remete obrigatoriamente a pensar a produção de textos na vida social, em contextos
variados de situação (e de cultura), com papéis desempenhados pelas instâncias
subjetivas (enunciadora e destinatária) por intermediação da linguagem e com
pressuposições por essas instâncias compartilhadas.
Baseando-nos nessas noções teóricas, concebemos no presente trabalho o MD
como ‘um transmutador de gêneros, que engloba a produção de gêneros típicos ‘da
esfera do discurso pedagógico: explicação textual, exercícios escolares, a redação,
instruções para produção textual’ (MARCUSCHI: 2003 a). Seja sob a forma de papel,
na tela do computador, ou em suportes outros.
Não precisamos voltar muito no tempo para relembrarmos que, na década de
70, os professores preparavam seus trabalhos em mimeógrafos a álcool. As cópias
xerográficas não tinham sido ainda popularizadas. Vivíamos o império das
enciclopédias, dos dicionários de papel, das pesquisas em bibliotecas. Desde a década
de 90, porém, com o boom digital, as inovações tecnológicas foram proliferando
e
invadindo o mercado, bombardeando a sociedade de recursos que, seguramente,
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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194
foram impondo dinamismo ao processo pedagógico, que se viu instado a evoluir
rapidamente quanto ao suporte, mas nem tanto em relação à concepção de ensino,
como vai ser mostrado na análise dos MDs.
Hoje, nas escolas, a freqüência dos alunos, o controle das tarefas, das
atividades de classes e das avaliações, a divulgação de notas, a comunicação entre
aluno e professor podem ser feitos via computador. No que se refere a MDs,
atualmente há uma extensa variedade de suportes, entre os quais o LD se inclui.
Lançando mão desse recurso, TB apresenta meios de difusão sonoros (CDs) e a
internet. Para esclarecer as afirmações feitas e o conceito de suporte, consideremos
o exemplo a seguir, retirado de TB, no qual é explorado um dos gêneros muito
utilizado hoje em dia, o diálogo ‘digital’ (mensagem gravada em secretária
eletrônica). A partir de sua análise, vamos (re)formular os conceitos de gênero e de
suporte.
A atividade proposta pelo
exercício exige que, para execução
da tarefa, seja necessária a
reprodução da mensagem deixada
por Mariana, que só é acessível no
MD, através da consulta ao CD.
Nele são introduzidos sons
ambientes que permitem a criação
da cena em que se desenrola o
evento comunicativo.
Figura 31 Excerto VII de TB
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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195
três gêneros textuais presentes no ‘texto’ do exercício como um todo: o
‘diálogo’ oral (conversa) com a ‘secretária’, a receita impressa no livro e o texto
instrucional (o enunciado do exercício organizado no modo narrativo)
72
. Há, porém,
dois suportes: o CD que reproduz a voz da narradora e o recado deixado por
Mariana na secretária da irmã e o livro do aluno, no qual estão escritos o enunciado,
a narração introdutória e a receita.
O recado de Mariana não está escrito no livro e é impossível reproduzi-lo
totalmente de modo fiel no suporte livro de papel, dada a inserção de sons
ambientes feita na faixa do CD. Eles também fazem parte da materialidade
lingüística do texto, integram a situação de comunicação: os sons do ambiente e do
telefone, o tom, timbre e volume da voz da jovem, elementos inegavelmente
discursivos, fundamentais para a decisão do leitor acerca da ajuda a ser dada,
conforme ‘pede’ o enunciado do exercício. Ao ouvirmos o CD identificamos a voz
tranqüila de Mariana, revelando o ‘estado de espírito’ da jovem autora do pedido.
É interessante observar que, tendo em vista as limitações do suporte em que
o texto desta tese se desenvolve, o leitor precisa recorrer aos dois suportes para
compreender a proposta do exercício como um todo. O meio de concepção foi
sonoro e gráfico e a concepção discursiva oral e escrita. Considerando-se ainda o
parâmetro ‘tempo’, temos um exemplo de comunicação interpessoal, unilateral,
assíncrona.
Segundo essas características, poder-se-ia afirmar que o texto é do gênero
didático e que comporta outros gêneros tais como receita, o texto instrumental do
enunciado do exercício e ‘diálogo’ oral ‘digital’. A secretária eletrônica não é um
‘interlocutor’, é um meio de veiculação da mensagem, que estabelece a
72
Sobre os modos de organização do discurso, consultar CHARAUDEAU (1992).
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196
comunicação entre as instâncias subjetivas: comunicante e interpretante. Ela enseja
a existência de uma ‘interlocução’ em tempo e espaço distintos. Explico. Ao deixar
determinada mensagem gravada, o sujeito colabora, através da forma de ocupação
de seu turno de fala e, conseqüentemente, das escolhas lingüísticas realizadas, do
tom e do timbre de voz para a configuração da cena em que enuncia. Caso faça a
gravação em meio e espaço que permita a percepção sonora do ambiente, essas
escolhas interferirão no processo de recepção por quem ouve o ‘recado’’ gravado, o
que reforça o fato de a secretária eletrônica ser vista como suporte de recados.
Considero-a um suporte textual. Se considerarmos como parâmetro de
comparação os recados deixados na caixa postal de um celular com os de uma
secretária eletrônica convencional, podemos perceber que há diferenças que exigem
escolhas diferenciadas na formulação da ‘mensagem’ tanto a gravada, deixada pelo
‘dono’ da linha, quanto à resposta deixada (ou não) por quem ligou. Por ser mais
cara a ligação, a mensagem do celular exige uma concisão maior que a mensagem
deixada em uma secretária eletrônica convencional – na qual algumas pessoas
chegam até a gravar o ‘recado-padrão’ que deixa aos que ligarem, mensagens com
músicas ao fundo. Curiosas mesmo são as mensagens gravadas coletivamente –
em caso de famílias em que cada membro ocupa um turno de fala, dirigindo a um tu
destinatário virtual, pessoa que eventualmente telefone para aquele número.
A grande questão que se coloca na análise da ‘proposta’ de atividade de
produção apresentada na figura 31 é que ela não define que tipo de resposta (texto
a ser reproduzido) o aluno deve realizar. Assim se lê no enunciado: ‘Ouça o recado
que Mariana deixa na secretária eletrônica da irmã e veja se, lendo a receita abaixo,
conseguiria ajudá-la. Quais seriam as ‘respostas’ possíveis? Uma primeira opção
seria o aluno ler tudo e ‘ver’ que não poderia ajudar. Explicitamente não faria nada.
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197
Outra possibilidade seria a de ele perceber que poderia ajudar. Mas fazendo o
quê? Ligando de volta, deixando um recado explicativo? Escrevendo um e-mail, com
a explicação da receita? Ligando para o celular e conversando pessoalmente com a
irmã...
Ainda em relação ao suporte, cabe ressaltar que já há alguns métodos de
ensino de LE (inglês) que fazem uso de recursos até bem pouco tempo
inimagináveis. Os alunos assistem a aulas virtuais com professores e colegas reais.
À hora marcada para a aula, todos os membros da turma acessam a internet e,
através de uma senha, têm acesso à sala de aula virtual, onde vêem e ouvem um
professor real (ao vivo) e podem, em tempo real, fazer perguntas, conversar com
colegas, pedindo a palavra através de ícones que vão sendo introduzidos na tela.
Além disso, há possibilidade de um contato ‘virtual’ professor/aluno, caso este
possua uma câmera em seu computador.
O suporte digital já consegue dar conta de atender a algumas exigências dos
meios de produção e concepção discursiva, mas ‘ainda’ não substituem o calor da
convivência humana real, responsável pelo desenvolvimento de filtros afetivos -
(KRASHEN: 1982) - .tão importantes na aprendizagem de LEs.
Para concluir essas considerações é importante distinguir suportes
convencionais de incidentais. Entre os do primeiro tipo estão as pedras, os troncos
das árvores, onde recados, sinais e declarações de amor foram eternizados. Os
suportes convencionais evoluíram das pinturas rupestres ao papel. Atualmente
podem ainda ser incluídas, nessa categoria, as páginas na internet, e-books, blogs,
folders, encartes.
Entre os incidentais, podemos citar o busdoor, a parte costeira do banco
frontal de táxis, a parte traseira do encosto de cabeça de aviões e ônibus, suporte de
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198
textos publicitários, poemas, mensagens românticas; até mesmo o corpo humano,
suporte ‘cantado em verso’ por Drummond no poema “Eu, etiqueta”.
As opções de suportes dos MDs foram proliferando e o discurso por eles
veiculado deveria ter acompanhado essa mudança. Hoje podemos identificar a
veiculação do gênero texto didático em diversos suportes. A realização eletrônica,
porém, não modifica o padrão da escrita: ‘uma composição de letras, palavras e
frases etc, da esquerda para a direita e de cima para baixo, se for a nossa forma de
escrever, ou então em outra ordem, se for a escrita a japonesa ou a árabe
(MARCUSCHI: 2003a, p. 14-15). Uma outra possível distinção de suportes - o livro
de papel e o livro eletrônico é uma possibilidade aberta para a exploração
simultânea dos canais auditivo e visual, através de imagens que se movimentem e
produzam sons. No caso específico dos MDs de PLE que compõem o nosso corpus,
identificamos uma diversificação de suportes, conforme detalhamos em sua
apresentação.
Sabemos que as permissões e interdições estabelecidas entre os
interlocutores nas trocas linguageiras constituem o CC. A refutação de algum dos
termos desse CC constitui-se como resistência. São as obras dos artistas só
reconhecidos muito tardiamente. São os bilhetinhos que os alunos fazem circular
pelas carteiras durante as aulas em que eles não conseguem se concentrar
(PACHECO: 2005 b). São os livros didáticos de muitos autores reconhecidos pela
academia, que, curiosamente não conseguem explodir no mercado editorial, só para
citarmos alguns exemplos.
Mas os processos de contato, reconstrução e apropriação de práticas de
linguagem com os diferentes gêneros discursivos pelos aprendizes não acontecem
de uma vez só. Ocorre inexoravelmente uma complexificação paulatina dos gêneros,
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199
cujos desdobramentos devem ser de conhecimento amplo dos educadores. Assim
como a aprendizagem se dá do mais simples ao mais complexo (no que tange o
ensino de LM), segundo SCHNEUWLY (2004) quanto mais um gênero é autônomo
com relação a uma situação imediata, mais o aparelho lingüístico criado na língua
para falar dele se enriquece e se torna mais complexo.
Ainda segundo SCHNEUWLY (Ibidem, p. 36), ‘a aparição dos gêneros
secundários na criança não é o ponto de chegada, mas o ponto de partida de um
longo processo de reestruturação que, a seu fim, vai produzir uma revolução nas
operações de linguagem’. O autor se refere ao processo de evolução, que vai dos
gêneros primários (troca verbal espontânea) aos secundários (que são assim
considerados em função do seu desvencilhamento do contexto imediato, das
experiências pessoais, mas tem motivações mais complexas)’ - SCHNEUWLY
(Ibidem, p. 33).
Partindo-se das premissas de que a noção de gênero textual deve ser
concebida como fenômeno social e histórico e de que exista uma relação direta e
determinante entre os gêneros e os suportes, o boom dos meios digitais de
transmissão e de armazenamento de dados vem provocando, cada vez mais, a
formação do que MARCUSCHI (2004, p.14) denomina ‘discurso eletrônico’
73
,
processo de ‘radicalização da escrita’, ensejando a produção em novos gêneros.
‘Nossa sociedade parece estar textualizada’ (MARCUSCHI: Ibidem, p. 15).
Assistimos a uma associação entre a proliferação de gêneros ‘digitais’ e uma
produção cada vez mais grafocêntrica – uma escrita que não se restringe mais aos
elementos visuais somente. Ela inclui movimento e som (por enquanto, porque ainda
não estão disponíveis sensações táteis e olfativas). Assim, o modelo grafocêntrico
73
Segundo o próprio autor, esse conceito foi formulado por Ewa Jonson (1997). Cf. MARCUSCHI (2004, p.15).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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200
de hoje diverge bastante daquele com o qual deparavam os alunos nas escolas
brasileiras no início do século XX.
A proliferação de gêneros classificados como híbridos vem forçando fronteiras
até então delimitadas. Assim como o dinamismo e a evolução da língua
insistentemente desafiam a NGB (através da produção de exemplos
‘(in)analisáveis’), as atuais tipologias já estão exigindo novas reflexões e formulação
de novos modelos teóricos, para que a análise possa estar em sintonia com a
exemplificação colhida na ‘vida real’.
Considerando esses dados teóricos, ao retomar a análise da produção de
textos nos MDs, mantendo uma coerência metodológica, pretendíamos adotar o
mesmo critério empregado para análise das atividades de metalíngua. Encontramos
uma dificuldade. A abordagem adotada engloba a concepção de linguagem
enquanto gênero, ou seja, a que concebe a linguagem a partir de uma perspectiva
sociossemiótica, procedimento considerado extremamente eficiente para a
elaboração de materiais didáticos para o ensino de LE, mas não explorado no nosso
corpus de análise, conforme podemos observar na figura 32.
Figura 32 – Excerto VI de SA
Considerando-se as propostas de produção encontradas no MD como um
todo, percebemos que em parte alguma anterior do MD é explorado o gênero textual
entrevista. A atividade apresentada na figura já propõe uma simulação, o que
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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201
pressupõe um caráter de artificialidade, a partir da qual ficam invalidados elementos
fundamentais e constitutivos do processo de produção do texto como a razão da
entrevista, a identificação da identidade social do entrevistador, o lugar discursivo de
onde ele vai entrevistar; a finalidade da entrevista; o veículo de sua divulgação. Não
tendo sido explicitados esses critérios de produção, como poderá se desenvolver a
avaliação para escolha da melhor apresentação? Seria a mais engraçada? A mais
longa? A mais ‘real’?
Analisemos um outro exemplo colhido no corpus:
Figura 33 Excerto VIII de TB
As mesmas observações feitas à proposta anterior se adaptam a esta, que
tem como peculiaridade a exigência de volta ao passado.
Para que se pudesse então (re)analisar as propostas de produção nos MDs,
atendendo aos objetivos da pesquisa, foram (re)estabelecidos critérios, com base
nas observações feitas do funcionamento do corpus. O objetivo foi mantido: verificar
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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202
o funcionamento do CC nos MDs, no que tange ao enquadramento das propostas de
produção textual nos MDs na abordagem comunicativa.
O critério de análise das propostas de produção, adequado à abordagem em
que elas foram estruturadas, as tipologiza em duas categorias a saber: permitem a
comunicação oral ou escrita. Curiosamente, percebemos que uma outra categoria foi
ganhando visibilidade - a seleção das atividades segundo a sua forma de realização
individual ou coletiva.
Os gráficos a seguir ajudam na visualização do quadro encontrado. Mais uma
vez, foram adotados critérios percentuais para sua montagem, já que é enorme a
desproporcionalidade da oferta de atividades entre os dois MDs.
Gráfico 5 - Meio de produção textual: Tudo Bem?
Oral
Escrito
Não Definido
Gráfico 6- Meio de produção textual: Sempre Amigos
Oral
Escrito
Não definido
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203
O primeiro aspecto a considerar na categorização proposta nos gráficos é a
elucidação do que entendemos pela categoria indefinida. Foram nela incluídas as
propostas em que não é especificado o tipo de texto que o aluno deveria produzir
(como o exemplo apresentado na figura 32). As atividades incluídas nessa categoria
primam pelo ecletismo ou pela indefinição mesmo. Muitas sugerem o uso da
imaginação, apresentam lacunas para serem preenchidas (o aluno perfeitamente
pode apenas ler e pensar e não produzir concretamente qualquer tipo de texto).
A observação dos gráficos, logo de imediato, permite identificar a visão
grafocêntrica do ensino implementada pelos MDs. As atividades neles encontradas,
em sua maioria, são escritas. Retomando-se a abordagem a que os MDs afirmam
estar filiados e o público a que eles se destinam, percebe-se uma quebra de CC.
Adolescentes preferem a oralidade em atividades escolares (apesar de adorarem
ficar escrevendo no computador...). Com esse público específico, as propostas de
produção textual devem ser bastante diversificadas.
Um outro critério foi adotado para a análise das atividades encontradas no
corpus: se individuais ou coletivas:
Gráfico 7 Modo de realização das atividades em SA
74
Individual
Coletivo
Indefinido
74
Pode-se considerar a palavra indefinida no gráfico como sinônimo de indeterminada, inespecífica.
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204
Gráfico 8 Modo de realização das atividades em TUDO BEM?
Individual
Coletivo
Individual e coletivo
Não Identificado
O segundo critério selecionado para a análise é contundente para apontar um
processo de ruptura do CC nos MDs, que se intitulam de base comunicativa (foco na
comunicação): a maioria das atividades de produção textual por eles propostas são
individuais. Essa aparente incoerência constitutiva é mais um fator de comprovação
da concepção de ensino que os MDs implementam. Poder-se-ia perguntar então que
tipos de textos são trabalhados nos MDs? Não se enquadram em gênero textual
algum? A resposta a esta questão pode ser visualizada no gráfico a seguir:
Gráfico 9 – Produção textual – Gêneros TUDO BEM?
75
Entrevista
Texto Publicitário
Bilhete /Postal
Debate
Inquérito
Resumo
Narrativa
Texto em agenda
Conversação
Receita
Exposição informal
75
É importante esclarecer que não foi feito gráfico relativo aos gêneros textuais em SA porque no MD não há
trabalho com textos dentro da perspectiva do gênero. As propostas apresentam sempre a simulação de diálogos,
nos quais os alunos vão desenvolver sua proficiência em PLE.
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205
Como demonstra o gráfico 9, os alunos são convidados a produzirem textos
de vários gêneros textuais. Ressalte-se, porém, o fato de que, em parte alguma do
MD é feita sua preparação para tal atividade, através da análise de um texto do
mesmo gênero do que ele é chamado a produzir. As propostas sugerem que, para a
realização da atividade, o discente lance mão dos conhecimentos prévios em LM ou
outra LE, que já conheça ou esteja estudando. Além disso, na grande maioria das
propostas, não são especificadas as condições de produção – orientações nas quais
os alunos devam se basear.
Analisando esse funcionamento ‘uniforme’, tornou-se mais forte a exigência
de uma reflexão acerca de como são concebidos os ‘gêneros textuais’ nos MDs, o
que será analisado a seguir.
Em relação às propostas de produção de textos nos MDs, ficou evidente a
impossibilidade de diferenciação das atividades apresentadas, porque em nenhuma
delas o gênero textual foi considerado como referencial. Além disso, os comandos
apresentados aos alunos não levam em consideração aspectos muito importantes
para a concepção de texto em uma perspectiva discursiva: não é explicitado o
propósito consciente do locutor naquele determinado processo de interação e/ou de
engajamento a um gênero específico, segundo a situcionalidade manifesta em
determinado espaço e em específico tempo histórico. E é esperado do TUi, o aluno,
uma ação concreta que atenda aos termos daquele determinado CC. Em outras
palavras, não é explicitado o contexto discursivo, que determina as normas segundo
as quais o discurso é regido. Não são estabelecidas condições de produção daquele
determinado gênero textual: EUc e o lugar discursivo de que enuncia; o TUd e a
imagem projetada pelo EUe; a situação discursiva e as formas de veiculação do
texto a ser produzido (suporte); o objetivo do EUe para produzir o texto.
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206
O discurso é simplesmente assumido por uma instância enunciativa que o
veicula (legitimada a fazê-lo) e é direcionado a um TUi, instância enunciativa que
deve interpretar o que ‘deve ser feito’, o que ‘deve ser processado, de modo
‘correto’.
Esses procedimentos são perceptíveis nos MDs dada a predominância (ou
exclusividade) de determinado tipo de texto na sua estruturação. É o que vamos
analisar a seguir.
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207
3.6. O GÊNERO DIDÁTICO NOS MDS
[...] os gêneros se dão materializados em linguagem e são visíveis
em seus habitats. (MARCUSCHI: 2003)
Em função dessas evidências apresentadas pela análise, foi retomada a
formulação teórica proposta por KUMARAVADIVELU (1994, p. 29), em relação ao
ensino de LEs e seu modelo de abordagem denominada Pós-Método, ou seja, a
criação de teorias orientadas pelo professor ‘para e a partir de sua prática de sala de
aula’.
A análise aplicada dessa proposição teórica desencadeou dois
desdobramentos importantes. Em primeiro lugar, o resgate do docente da posição
de admirador e de consumidor de teorias, delegando-lhe o importante espaço de
professor/pesquisador, também capaz de produzir constructos teóricos, com base
não só na produção já existente, mas também em dados empíricos com que lida em
sua prática docente. Um outro aspecto relevante é o fato de que mais uma vez
questionou-se, sob uma nova ótica, a histórica ‘dicotomia’ teoria/prática, equação
cujo segundo termo (a prática) tem sido relegada a um papel coadjuvante.
Investindo no papel de professor/pesquisador, migrando do lugar discursivo
de repetidor, para o de enunciador, propomos um modelo híbrido de classificação
dos textos trabalhados no/pelo discurso escolar. A análise dos dados encaminhou a
formulação da hipótese de existência de uma possível homogeneização a que
mesmo textos autênticos estariam sendo submetidos, a partir de sua inserção no
suporte LD. A análise passou a ser direcionada ao funcionamento desses textos no
LD: o respeito à macroestrutura originária, e as atividades propostas no LD como
‘aproveitamento’ dos textos do LD. É o que apresentamos a seguir.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
208
3.6.1. A constituição do gênero didático.
Como diria Bahktin, por proceder de e se dirigir a outros enunciados, os
enunciados estão em permanente diálogo, sendo isto o que constitui a
sua terceira particularidade: concebidos como elos na cadeia de
comunicação verbal, os enunciados refletem-se uns aos outros, estão
repletos de ecos de outros enunciados e são sempre uma resposta a
outros tantos [...] (ROJO: 2000, p. 21)
O conceito bakhtiniano de enunciado traz à tona um aspecto bastante
interessante na caracterização dos discursos e de sua concretização lingüística,
através dos gêneros textuais. Na análise inicial dos MDs do corpus foi evidenciada a
presença três tipos de texto: os produzidos especialmente para o livro (pelos autores
ou por outros ‘autores’) com vistas ao ensino das expressões e das regras
gramaticais da língua (incluindo as expressões idiomáticas); os adaptados, ou seja,
aqueles em que os autores, baseando-se em textos ‘autênticos’, retirados de
revistas, livros, jornais, sites da internet, operaram modificações estruturais, de modo
que eles passassem a atender explicitamente aos interesses didáticos da unidade
de ensino onde seriam inseridos; e os textos ‘autênticos/autênticos’, os
‘reproduzidos na íntegra’, ou seja, aqueles em que se imaginava ter havido respeito
à fidedignidade dos textos verbais (mantendo todas as características da fala
original, em caso de texto oral e incluindo os textos na íntegra, em caso de textos
escritos).
No contraponto da exigência de autenticidade do comunicativismo,
deparamos com proposições teórico-pragmáticas colhidas em vários textos de LA,
dentre os quais podemos destacar o citado a seguir:
‘(...) a escola, enquanto instituição com função social, tem seus próprios gêneros,
por meio dos quais se constituem e se desenvolvem as interações escolares, as
atividades de ensino e de aprendizagem. específica. Esses podem ser
legitimamente denominados gêneros escolares, assim como se fala em gêneros
literários e jornalísticos, não incluindo, no entanto, aqueles criados pela escola
como conseqüência de redução das concepções de escrita e da leitura, de adoção
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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209
de tipologias textuais para a prática da produção escrita que tomam a parte pelo
todo, entendidos aqui como gêneros escolarizados, pois não encontram referência
concreta na comunicação discursiva’. RODRIGUES (2001, p. 213)
Começamos a aventar a possibilidade de testagem da hipótese da
escolarização dos gêneros nos MDs do corpus, reforçada após a leitura de
ROSENBLAT (2000, p. 191), para quem haveria ‘a ficcionalização de uma situação
criada artificialmente e exclusivamente para o exercício de produção, o que é
característico das atividades escolares’.
O corpus foi retomado. A seguir, realizada uma análise atenta dos textos
‘autênticos’ nele explorados. Foram selecionados então todos os textos incluídos
nos MDs, cujas fontes estavam explícitas, evidenciando uma aparente ‘reprodução’.
Os resultados foram apresentados no gráfico 9.
Observou-se que tanto para os dados de TB quanto para os de SA, o critério
presença de textos ‘autênticos’ não seria um bom parâmetro, pois em SA, só há dois
‘textos autênticos’. Analisando o gráfico e os MDs em que os textos foram
introduzidos, percebeu-se a tipologização segundo os gêneros e sua função no
suporte LD de modo diverso de uma possível classificação dos gêneros nos
suportes originários. Os demais textos teriam sido ‘especialmente’ elaborados para
serem inseridos na obra. Essa conclusão encaminhou a formulação de nova
hipótese. Os textos dos MDs seriam especiais? Em que consistiria esta
especificidade?
Retomamos mais uma vez a análise e identificamos que, ainda que
pudéssemos perceber uma certa preocupação em identificar a fonte no MD, prova
concreta de ‘autenticidade’, a macroestrutura original era desrespeitada ou
respeitada parcialmente, em virtude da transposição de suporte e da conseqüente
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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210
alteração de função social do texto, quando da inserção no suporte LD. Analisemos
o texto da figura 34, reproduzido a seguir, para elucidar essa afirmação:
Figura 34 Excerto VII de S A
São evidentes as adaptações realizadas quando foi feita a inserção do texto
no suporte LD. A confirmação de sua autenticidade fica prejudicada, porém, na
medida que em nenhum ponto da obra (em todos os suportes de que ela se
constitui) foi encontrada a referência completa: Onde e quando teria sido publicado?
Por que editora? Em que suporte?
Analisando a função desse texto no suporte LD, percebemos que ela é
diversa da exercida no imaginado suporte original. Apesar de aparentemente ‘não’
ter sido adaptado (já que parece ter sido reproduzido ‘sem alterações’), o simples
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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211
fato de ter sido transposto de suporte desencadeou um processo de
descaracterização constitutiva. Elementos como a diagramação (sua disposição na
página), a possível presença (ou retirada) de ilustração, entre outros aspectos, foram
desconsiderados no novo suporte. A principal alteração se refere à função do texto,
que, no MD é a de fornecer informações culturais.
As observações feitas a partir da análise desse pretenso ‘texto autêntico’
foram se reforçando na medida que ia-se evidenciando que, no suporte LD, sua
função estava sensivelmente restrita. Em outras palavras, identificamos uma
modificação de função do texto, que passou a assumir o status de pretexto para
desenvolvimento de uma atividade de ensino.
76
Uma característica importante foi identificada: a mudança das condições de
sua recepção, decorrente da transposição de suporte, teria provocado o que
passamos a denominar didatização (perda de ‘autenticidade’), que ROSENBLAT
(2002) denominou ficcionalização e RODRIGUES (2001), escolarização.
A inserção de um texto ‘autêntico’ (que apresenta um fato da história do
Brasil), acompanhado de ilustrações que seguem o padrão descontraído das demais
presentes no MD
77
evidencia como o procedimento discursivo da transposição de
suporte pode atribuir ao texto ‘autêntico’ outra função discursiva.
Podemos afirmar, após a atenta análise feita nos MDs, que os textos
‘autênticos’ neles inseridos, como conseqüência da transposição de suporte, se
didatizaram. A veiculação em suporte diferente deixa explícita a pressuposição de
auditórios distintos (PERELMAN: 1996/2002), quando confrontada a versão original
e a inserida no suporte LD.
76
Cf a figura 14 em que a função do texto ‘autêntico’ é a de ilustração de outro texto.
77
A concepção e efeitos de sentido decorrentes da inserção das ilustrações fazendo ‘parceria’ com os textos do
MD ensejam ainda uma interpretação de artificialidade desse processo de associação, que, curiosamente, a
macroestrutura do texto no LD suporta.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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212
Em momento algum nos MDs foi feita a exploração do texto, no que se refere
a seus elementos constitutivos: conteúdo e finalidade, escolhas lexicais e sintáticas
específicas e situação discursiva de produção e de recepção. Os sentidos
desencadeados e/ou os recursos lingüísticos e não lingüísticos responsáveis por sua
constituição no gênero e suporte originais também não foram considerados.
É especialmente interessante destacar o fato de que, além desses aspectos,
a exploração do texto através de atividades propostas permite que o aluno possa
cumprir as ‘tarefas’ sem sequer ter lido o ‘texto’ ao qual eventualmente elas
deveriam estar relacionadas.
A descoberta da possibilidade de ocorrência desse processo suscitou novos
procedimentos de análise. Uma nova varredura foi realizada nos textos do MD TB,
obra que apresentava à primeira vista, uma ‘diversidade significativa’ de gêneros
textuais. Curiosamente, não foi identificada qualquer proposta de atividade que
abordasse a estruturação enunciativa dos textos analisados nem em seus suportes
originais nem no suporte LD.
Fez-se necessária a retomada dos critérios para classificação dos gêneros
textuais, segundo a teoria SD de Charaudeau, para quem os gêneros são
determinados sócio-historicamente e devem se adequar a três fatores: aos atores do
discurso, ao CC, às finalidades sócio-comunicativas.
ROJO (2004, p. 3), citando BAKHTIN (1979) destaca que ‘os gêneros do
discurso apresentam três dimensões essenciais e indissociáveis’, representadas no
esquema a seguir (figura 35).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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213
Figura 35 Dimensões dos gêneros do discurso segundo Rojo
Gêneros do discurso
Temas Forma
composicional
Marcas
lingüísticas
Seguindo a estrutura do gênero proposta no esquema da figura acima,
adaptando-o à análise dos textos dos MDs do corpus, identificamos o tema
abordado - a reflexão sobre a língua; a forma composicional do gênero ‘original’-
elementos das estruturas comunicativas e semióticas compartilhadas pelos textos
pertencentes ao gênero original – totalmente ignorada na quase totalidade dos
textos analisados no suporte LD; as marcas lingüísticas ou as configurações
específicas das unidades de linguagem, traços da posição enunciativa do locutor,
antes da transposição de suporte, também não exploradas.
Sabemos que para BAKHTIN (1979): ‘Aos diferentes tipos de intercâmbio
comunicativo-social correspondem diferentes enunciados, que, historicamente,
constituem formas relativamente estáveis de enunciados, os gêneros do discurso’.
Poder-se-ia, com base nesse pressuposto, considerar a regularidade das formas de
exploração dos textos ‘autênticos’ nos MDs - ou seja, a inserção destes no suporte
LD – a cristalização, estabilidade dessas formas, o que ensejaria a constituição de
um novo gênero – o didático. Segundo RODRIGUES (2000, p. 212-3):
‘[...] cada instituição, dada as suas funções, produz discursos, constrói-os e
modula-os a partir de gêneros próprios, mostra que as esferas sociais se
apresentam como um critério pertinente na medida em que trazem indicações dos
gêneros necessários para a efetiva participação social, que se constituirão em
objetos de aprendizagem na escola [...] A relação entre enunciado, gênero e esfera
aponta para o fato de que a escola, enquanto instituição com função social
específica, também tem seus próprios gêneros [...] gêneros escolares, criados pela
escola como conseqüência de reduções das concepções da escrita e da leitura, da
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214
adoção de tipologias textuais para a prática da produção escrita que tomam a parte
pelo todo, entendidos aqui como gêneros escolarizados , pois não encontram
referência concreta na comunicação discursiva’ (Ênfase do autor).
Alguns outros elementos vieram reforçar a hipótese de didatização dos
gêneros nos MDs: o caráter monofônico da construção do discurso ‘didático’ – de
base cientificista; a situação material de produção do discurso e a relação
enunciativa com o dito, descortinando um processo de constituição de um discurso
disjunto, no qual ‘a referência é um mundo deslocado do presente, sobre o qual não
agimos mais (ou ainda concretamente)’ – ROSENBLAT (2000, p.188). Essa
afirmação refere-se à restrição da interlocução, ou seja, da esfera social do discurso,
dirigido, notadamente a um plano enunciativo - o professor/aprendiz (constituição de
auditório específico).
Uma (re)análise do gráfico 9 foi feita e iniciado um processo de
(re)interpretação dos
mecanismos de exploração dos textos nos MDs. Os textos do
‘gênero didático’ apresentaram como tema a fixação da gramática da língua. A sua
forma composicional mostrou-se marcada por estruturas fixas, nas quais o uso do
imperativo para proposição de questões e direcionamento de ‘respostas’ tornou-se
marca lingüística mais evidente.
ROJO (2004, p. 4) considera os gêneros mega-instrumentos ‘que fornecem
suporte para as atividades de linguagem nas situações de comunicação e que
funcionam como referência para os aprendizes’. As instâncias enunciativas destas
situações, o EUc e o TUi (alunos e professores), se revezam na ocupação desses
lugares discursivos. É importante destacar que essas relações ‘não se dão num
vácuo social. São estruturadas e determinadas pelas formas de organização e de
distribuição dos lugares sociais nas diferentes instituições e situações sociais de
produção dos discursos’.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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215
Assim, quanto aos elementos da situação de produção dos textos do gênero
didático, é incontestável que seu funcionamento está registrado na memória
discursiva escolar: escola é o lugar em que se ensina, se pergunta, se propõe e se
avalia (o professor é o agente mediador dessas ações).
Escola é também lugar de aprendizagem, de respostas às perguntas
propostas, segundo padrões pré-estabelecidos, dados por um interlocutor pré-
determinado - o aluno dirigindo-se ao professor, respondendo de modo a atender às
expectativas deste, realizando a atividade determinada.
Considerando a existência do gênero didático, a identificação de uma outra
variável, até então desconsiderada, se fez evidente: a exigência da conjugação de
dois ‘critérios’ simultaneamente – a presença do texto ‘autêntico’ e sua função
determinada no MD, enquanto suporte. Os primeiros resultados foram devidamente
organizados na tabela reproduzida na página a seguir (quadro 4), que apresenta os
dados, a partir dos quais passamos a embasar nossa (re)análise.
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216
Quadro 4: Tabela de textos ‘autênticos’ em TB
Gênero textual (o número entre
parênteses informa a quantidade de
ocorrências)
Referenc
iação
Exploração
características
gênero
Função textual explícita dos textos ‘autênticos”
em Tudo Bem
Localização
no livro
Teste S N Interpretar e Ilustrar o texto p. 124, V. II
Entrevista S N Fixar Verbos: futuro e pretérito (trecho transcrito do CD) p. 49, V. II
Notícia S N Resumir o texto p. 40 V. II
jornalística (2) N N Escrever frases relacionadas p. 41 V. II
Imagem da bandeira do Brasil (1)N
2,3,4(N)
N
N
Informar Dia Bandeira
Ilustrar textos
p. 105 V. II
Imagem de um cartão postal N N Criar frases empregando advérbios de dúvida p. 22 Vol. II
Diagrama de exercícios físicos N N Fixar a relação advérbios/tempo verbal p. 146 V. II
Mapas (7) N N Fornecer informações geográficas sobre o Brasil (relação com o tema
da unidade)
V. I , p. 68 / V. II p. 10,
15,30, 44, 61, 77, 117,
Narração de história (2) S N Continuar história e responder a questões XX
Piada (2) S
N
N
N
Divertir
Divertir
p. 54 V. I
p. 31, V. II
S N Fixar o imperativo p. 85, V. II Receita (2)
N N Fixar o imperativo p. 122 V. II
Instruções de jogo S N Fixar vocabulário sobre metereologia / Vivenciar desafios p. 49 V. I
P
As meninas N N Introduzir proposta de produção de texto
O A casa N N Completar frases com verbos / Produzir poema – tema CASA p. 67 V. I
E
Menino Maluquinho S N Estudar diminutivo / interpretar o texto p. 74 V. I
M
Menino Azul S N Empregar adequadamente tempos verbais p. 143 V. I
A
Canção do Exílio N N Informar sobre a Literatura Brasileira
78
p. 27 V. II
S
Noite de São João S N Explorar os sons da língua (onomatopéias) p. 118 V. II
Poema ? N N Estudar a macroestrutura do poema p. 139 V. II
M
Direitos da Criança S/I N Produzir um texto relacionado ao tema p. 41 V. I
U
Hino Nacional (Frag) N N Informar existência do Hino
79
p. 90 V. I
S
Eduardo e Mônica (frag) N N Ordenar fatos e interpretar o poema p. 98 V. I
I
Construção (fragmento) N N Fixar acentuação tônica/gráfica p. 57 V. I
C
Uma partida de futebol N N Ilustrar o poema p. 86 V. I
A
Tarde em Itapoã N N Fixar ortografia p. 140 V. II
Dia do Folclore S N Resumir o texto p. 88 V. I
R
Instrumentos musicais N N Informar história dos instrumentos p. 117 V. I
E Descrição de cidade S N Fixar formas de plural e singular p. 129 V. I
S Lágrimas de crocodilo S N Ensinar expressão idiomática p. 143 V. I
U Brincadeiras infantis S N Introduzir atividade linguagem oral p. 19 V. II
M Comidas típicas do Norte S N Informar culturalmente p. 21 V. II
O Festa junina S N Informar culturalmente p. 100 V. II
R
E Vida digital S N Introduzir debate p. 63 V. I
P Pelos direitos indígenas S N Identificar informações do texto p. 35 v. II
O Vida selvagem no asfalto N N Fixar numerais / pesquisar sobre os animais / conjugar verbos P; 36-7 V. II
R Você precisa aprender S N Fixar acentuação gráfica p. 57 V. II
T
A
Os últimos 100 anos
S N Pesquisar / Fixar voz passiva / acentuação / compreensão de texto /
Elaborar frases( Condicionais) / Criar entrevista e notícia de telejornal a
partir de dados propostos
p. 71 a 76 V. II
G Dia Mundial da Água S N Fixar sinônimos/ Interpretar o texto (Falso-Verdadeiro) p. 95 V. II
E Férias alternativas S N Introduzir debate (argumentar e contra-argumentar) p. 145
M Dando opiniões S N Introduzir debate sobre tema/ Produzir frases de opinião sugeridas p. 157 V. II
78
Curiosamente não é sequer mencionado o nome do autor no livro do aluno
79
Não há sequer menção aos nomes dos autores
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217
Tendo em vista a interpretação que se pode fazer desta tabela, consideramos
inicialmente que os textos dos MDs teriam perdido o status de autenticidade,
passando a integrar a categoria dos adaptados. Posteriormente um outro
encaminhamento foi proposto, isto é, a ‘classificação’ dos textos enquanto gênero
englobando duas sub-categorias de um único gênero - o didático: os adaptados e os
elaborados pelos autores, ambos com função específica de proposição de atividades
específicas, na maioria dos casos, metalingüísticas. Mas percebeu-se a irrelevância
de uma (re)análise do corpus considerando essa sub-categorização, visto a
evidência de seu processo de didatização.
Contudo, para continuar a testagem das evidências colhidas, foram
consideradas as duas perspectivas e duas formas de realização, a partir das quais
se configurariam os gêneros discursivos (segundo o meio de produção e concepção
discursiva), propostas por (MARCUSCHI: 2000, p. 39). Segundo essa tipologia,
teríamos, respectivamente - sonoro versus gráfico e oral versus escrita. A tabela
reproduzida a seguir foi elaborada a partir de exemplos aleatórios e ajuda a
compreender como funciona o modelo proposto pelo autor:
Quadro 5 Distribuição de gêneros textuais: meio de produção e concepção de leitura
Gênero textual* Meio de produção
Concepção discursiva
Sonoro Gráfico Oral Escrita
Diálogo oral
X
X
Editorial do webjornal escolar X X
X
Entrevista gravada em vídeo
no webjornal
X
X
Resumo sobre o livro
extraclasse de literatura
X
X
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218
Pôde-se perceber que o gênero, a despeito de alguns suportes, tende a
permanecer, ainda que ocorram variações no meio de difusão: papel, onda sonora,
computador etc... Como somente no MD TB a variante sonoro/gráfico está presente,
mais uma vez foi considerada desnecessária a retomada do corpus para
tipologização segundo essa categoria.
Algumas conclusões podem ser formuladas a partir da análise feita. Partindo-
se da premissa de que no processo de ensino/aprendizagem de uma LE o aluno não
é tabula rasa e que o conhecimento que traz de sua LM não pode jamais ser
desprezado na aprendizagem de uma LE, consideramos ter sido esse um dos
prováveis fundamentos em que foram embasadas as propostas de produção textual
nos MDs, visto que elas não consideram a exploração dos gêneros textuais como
pré-requisito de realização das tarefas que apresentam. Esse fato justifica a
presença de comandos do tipo ‘Monte o texto...’ (SA, módulo I, p. 13) , ‘Termine a
história...’ (SA, módulo I, p. 13), ‘Escreva uma redação...’ (TB, vol. II, p. 52, ex.4); ou
a ausência deles como em SA (módulo1, p.9) e em TB (Vol. II, p. 51, ex.3), conforme
podemos observar nas figuras reproduzidas a seguir:
Figura 36 Excerto X de TB
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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219
A proposta de produção é bastante genérica. O que e para quê o aluno
deverá escrever? Apesar dessa indefinição, é apresentado um ‘ensaio’ de algumas
das condições de produção, na medida que é definido o assunto (descrever o que
fará nas férias em Santa Catarina). Não é determinado de que lugar discursivo o
aluno vai enunciar; para quem o ‘texto’ será enviado; por que ele deveria ser escrito;
de que forma ele será enviado...
Figura 37 Excerto VIII de SA
O mesmo procedimento foi adotado em SA. A ausência de enunciado no
exercício da figura 37 e a presença das linhas ao lado de cada relógio desenhado
criam dois efeitos de sentido. O primeiro fica evidente, ao observarmos as imagens.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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220
Ele pode ter sido omitido, pois o aluno, após observar os relógios anteriores, já está
‘apto’ a ‘saber’ que deverá fazer o mesmo e escrever por extenso, as horas
apontadas nos relógios desenhados. O segundo efeito de sentido pode ser
estabelecido após ser feita uma relação entre o que se pode ‘ver’ no livro do aluno e
o que se lê nas orientações encontradas no manual do professor, garantindo ao
docente a assunção do comando do processo de utilização do MD. Dentro dessa
linha de raciocínio, não incluir o enunciado poderia estar significando ‘autonomia’ do
professor para criar o enunciado da atividade de fixação. O relógio seria a ilustração
para um possível ‘ texto’ do comando da proposta de atividade.
Para concluir essas observações acerca de gênero reiteramos a importância
da associação gênero/suporte textual no planejamento de atividades de
ensino/aprendizagem em LE. Para que elas sejam realizadas de modo a auxiliar os
alunos a produzirem adequadamente nos gêneros pedidos, o professor poderá,
antes de sua proposição, verificar se o enunciado elaborado por ele responde a
algumas questões, dentre as quais citamos: Quem escreve (em geral) esse gênero
discursivo? Com que propósito? Onde? Quando? Como? Com base em que
informações? Como o redator obtém as informações? Quem escreveu o texto que
está sendo lido? Quem lê esse gênero? Por que o faz? Onde o encontra? Que tipo
de resposta pode ser dado ao texto? Que influência pode-se sofrer devido a essa
leitura? Em que condições esse gênero pode ser produzido e pode circular na nossa
sociedade? As respostas a essas perguntas permitem o estabelecimento de alguns
direcionamentos como a escolha da materialidade lingüística do texto - seleção
lexical, a associação ou não de recursos lingüísticos e não lingüísticos; o tom, o
estilo; a opção pela inclusão, exclusão e/ou omissão de imagens, de informações
(LOPES-ROSSI: 2003, p. 64-5).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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221
Ficou evidente, a partir da análise apresentada, que para uma produção de
texto eficiente não basta que sejam oferecidas amostras de variados gêneros
textuais, se não for feito um trabalho de análise desses gêneros segundo sua
estrutura composicional e suas respectivas marcas lingüísticas constitutivas. Quando
os textos são reproduzidos fora de sua macroestrutura original (em outro suporte,
por exemplo), sua função modifica e os efeitos de sentido provocados também se
alteram, em conseqüência. A mesma placa, o mesmo texto, fotografado e colocado
em um livro modifica-se inteiramente. Mudam as condições de produção, as formas
de circulação e as formas de recepção. O ‘mesmo texto’ passa a fazer parte de outro
gênero, exigindo, assim, outros leitores, novas formas de veiculação e de recepção.
O ensino de PLE também deve levar em conta esse pressuposto, como afirmam
(ALMEIDA & DUARTE: 2005).
3.6.2. Abordagem didática com os gêneros em PLE
A análise apontou a necessidade de desenvolvimento de atividades didáticas
na perspectiva discursiva, com base nos gêneros textuais. Para que o aprendiz de
PLE saiba exatamente que tipo de texto está sendo convidado a produzir, é muito
importante a compreensão do enunciado da proposta de produção. E o trabalho do
professor é decisivo nessa etapa do processo. Mas essa tarefa docente não é tão
simples quanto possa parecer. É preciso que o professor conheça bem os
fundamentos de um bom enunciado, para que ele seja estruturado de modo que
haja sua correta interpretação: ‘Compreender um enunciado não é somente referir-
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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222
se a uma gramática e um dicionário, é mobilizar saberes muito diversos, fazer
hipóteses, raciocinar, construindo um contexto que não é um dado preestabelecido e
estável’ (MAINGUENEAU: 2001, p. 20).
O trabalho com os gêneros textuais em PLE é outra estratégia docente que
vai habilitar o aluno a desenvolver, de modo adequado, sua proficiência escrita, hoje
já avaliada, de modo oficial, através do exame CELPEBras, no qual, no manual do
candidato, são elucidados os critérios que norteiam a avaliação: ‘[...] a qualidade do
desempenho nas tarefas de compreensão e produção textual (oral e escrita) em três
aspectos: adequação ao contexto, cumprimento do propósito de compreensão e de
produção, levando em conta o gênero discursivo e o interlocutor [...]’ (BRASIL,
2002a , p. 6) (Ênfase adicionada). Uma proposta de abordagem didática dos
gêneros foi elaborada por ROJO, BARBOSA & COLLINS (2005) – figura 38, a
seguir:
Figura 38 Abordagem didática dos gêneros
Práticas de linguagem
Situação de comunicação
Esfera comunicativa
Tempo e lugar históricos
Participantes
(relações sociais
Tema
Vontade enunciativa
(apresentação valorativa
Modalidade de linguagem
ou mídia
Gênero do discurso
Tema
Forma composicional
Unidades lingüísticas
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223
O modelo demonstrado na figura permite uma flexibilidade na abordagem dos
gêneros, que vai exigindo novos contornos, conforme mudem as relações entre os
elementos estruturais que se conjugam entre si, segundo cada situação discursiva
diferenciada.
Sabemos que no desenvolvimento do processo de aprendizagem de uma LE,
o aluno já traz da LM o domínio dessa mobilidade. Assim, o trabalho do professor
deve considerar esse conhecimento prévio e explorá-lo na leitura/produção de textos
na língua/cultura-alvo. Os gêneros textuais têm certas características constitutivas
que não se alteram e são conhecimentos que devem ser utilizados no processo de
ensino-aprendizagem de uma língua-cultura/alvo. Uma carta sempre deverá conter
data, destinatário, três parágrafos no mínimo (introdução, desenvolvimento,
despedida), assinatura, embora algumas diferenças possam ocorrer na
materialidade lingüística de sua composição. Por exemplo, uma carta escrita em
inglês vai ter a dataescrita de modo diferente de uma produzida em português: Rio
de Janeiro, 06 de dezembro de 2005 e Rio de Janeiro, December 6 th, 2005 - em
inglês. Ambas, porém, devem conter data. Seu modo de organização (descritivo,
narrativo, dissertativo –argumentativo) independe da língua em que o texto vai ser
escrito. Ele estará muito mais condicionado às suas condições de produção, que
devem ser objeto de estudo tanto na aula de LM quanto de LE.
As similaridades quanto ao gênero textual vão se tornando especialmente
evidentes para os alunos quando o ensino da produção de textos em LE é calcado
nos gêneros textuais. Na perspectiva pesquisa/ação que propomos, a tarefa pode
estar embasada nos documentos ‘oficiais’ já existentes: o manual do candidato do
CELPE-BRAS e os PCNS. O primeiro apresenta as propostas de produção textual
explicitando cada um dos elementos. Analisemos uma delas, retirada da página 5:
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
224
“Ler uma coluna de aconselhamento de uma revista (ação) para escrever uma carta
(ação) para a seção ‘cartas do Leitor’ dessa revista (interlocutor) opinando sobre as
respostas do colunista aos leitores (propósito)”. Como se pode constatar, na
proposta, o meio de veiculação do texto, a finalidade e a especificidade do gênero.
Ela deixa explícita ainda a relação entre leitura e produção escrita. Nos PCNs de LE
encontramos também recomendação no sentido de que o trabalho com os gêneros
textuais seja valorizado:
‘O domínio lingüístico de um idioma estrangeiro, ainda que parcial, requer [...]
competência de ler e produzir textos, articulados segundo sentidos produzidos ou
objetivados intencionalmente, de acordo com normas estabelecidas nos vários
códigos estrangeiros modernos, percebendo contextos de uso bem como
diferenças entre os diversos gêneros textuais’. (BRASIL: 2002b, p. 97 - ênfase
adicionada).
Pesquisas já citadas na presente tese apontam o MD como única fonte de
leitura e de consulta do professor. A relação docente/escrita não foge muito dessa
visão restrita e muitas vezes limitada a dois momentos estanques: a entrega do
comando do exercício (do teste, da prova) ao aluno e a avaliação do texto produzido
pelo aprendiz (resposta à questão, redação elaborada). Assim, as relações do
professor com a escrita são virtuais, pois se manifestam através dos alunos e não no
seu próprio texto.
Esse processo deveria ser diferente: uma relação de trabalho em que a
posição do professor fosse fundamental para a construção do (seu próprio) texto e
para a do texto do aluno. Ao aprender a construir comandos de questões, refletindo
sobre sua constituição, o professor consegue compreender um pouco das
dificuldades que o aluno apresenta ao produzir um texto. A constante atualização
quanto às demandas de produção de texto, o desenvolvimento de um trabalho com
base nos gêneros textuais, e em constante sintonia com a pesquisa aplicada na área
são passos através dos quais o docente poderá propiciar ao aluno o
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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225
desenvolvimento de práticas efetivamente discursivas significativas de
leitura/produção de textos em LE.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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226
CAPÍTULO 4 – O JOGO DISCURSIVO NO ENSINO DE PLE
‘A identidade é realmente algo formado ao longo do tempo, através de
processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no
momento do nascimento. [...] Ela permanece sempre incompleta, está
sempre ‘em processo’, sempre ‘sendo formada’. [...] Assim, em vez de falar
da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação,
e vê-la como um processo em andamento’ (HALL: 1996, p. 38-39).
4. 1 O FUNCIONAMENTO DAS INSTÂNCIAS DISCURSIVAS NOS MDs
Na assunção dos papéis linguageiros (concretização do projeto de fala
através do CC), eus e tus jogam com várias possibilidades, com o ça e com o on
que circulam influenciam intensamente o EUe e o TUd, determinando como esse
jogo de imagens vai interferir nas escolhas enunciativas que fazem essas instâncias
subjetivas durante o processo de enunciação, nas suas formas de dizer.
O projeto de fala que sustenta cada CC, segundo CHARAUDEAU (1999), é
construído em torno de alguns objetivos específicos que determinam os objetivos
comunicativos, os quais são expressos de acordo com determinados modos de
dizer, materializando a construção dessas imagens.
Assim, nos CC, teríamos os objetivos e as respectivas posições dos
parceiros, reproduzidos no quadro a seguir (COURA SOBRINHO: 2004, p.43).
Quadro 6 Objetivos comunicativos na teoria Semiolingüística Discursiva
Posição dos parceiros no CC
EU TU
Objetivos
comunicativos
(Charaudeau, 1999)
FAZER-FAZER
FAZER-SABER
TER –QUE-FAZER
TER-QUE- RESPONDER
Prescrição,
Solicitação
FAZER-CRER TER-QUE-CRER Incitação
FAZER-SABER
FAZER-SABER-FAZER
TER –QUE-SABER
TER-QUE-SABER-FAZER
Informação
Instrução
ESTABELECER A VERDADE TER-QUE-AVALIAR Demonstração
PROPOR UMA VISÃO DE MUNDO COMPARTILHAR Ficção
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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227
A produção de MDs de PLE, iniciada com a chegada dos primeiros imigrantes
no Brasil, no século XX, inicialmente concretizava tentativas de apagamento dos
professores como instâncias enunciativas do discurso didático. Parece forte essa
afirmação, mas o processo histórico de institucionalização do ensino de português
(PLM e PLE) forjou a identidade do professor sob o qual pesa a responsabilidade de
saber e de saber-fazer e a do livro didático como um dos ‘documentos de identidade
do professor’. Segundo SILVA (1999
a, p.15), “(...) no fundo das teorias do currículo,
está, pois, uma questão de ‘identidade’ ou de ‘subjetividade’”. Se quisermos recorrer
à etimologia da palavra ‘currículo’, que vem do latim curriculum, ‘pista de corrida’,
podemos dizer que no curso dessa ‘corrida’ que é o currículo acabamos por nos
tornar o que somos’ (SILVA: Ibidem, idem). Podemos perceber, então, a importância
de cada documento e da escolha de sua materialidade lingüística no processo de
construção das instâncias subjetivas envolvidas no processo ensino-aprendizagem.
Depois de silenciados como produtores de MDs de PLE, os professores
passaram a ser meros ‘consumidores’ de MDs elaborados para o ensino de PLM,
conforme comprovam as pesquisas de
ROJO & BATISTA (2000) e BATISTA
(2004)
80
É interessante registrar que, no que se refere a PLE, o processo se
desenrolou da mesma forma.
A análise dos MDs é assim, uma forma de configurar a identidade de aluno e
de professor que os MDs forjam. A materialidade lingüística do corpus revela como
essas instâncias subjetivas se movem (intercambiando posições discursivas de Eu e
TU). Essa mudança é que vai moldando e forjando a identidade que a análise vai
demonstrar.
80
Não são mencionados aqui os efeitos de sentido que a instituição da NGB provocou na trajetória de produção
de MDs de PLM iniciada por professores do Colégio Pedro II , no século XIX.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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228
Inicialmente, foram identificados os objetivos comunicativos dos projetos de
fala dos CC nos MDs que se situavam dentro da tipologia charaudeauniana no eixo
da prescrição (solicitação), da incitação, da informação (instrução) e da
demonstração. Em todos os suportes analisados
81
, a ocupação dos papéis
discursivos pelas instâncias subjetivas identifica como EUc - os autores dos MDs,
seus editores, os pesquisadores (lingüistas aplicados), os docentes de PLE. Na
posição discursiva de TUi, foram identificados o aluno, o professor, professor e
aluno, quando foi configurado o apagamento do professor enquanto identidade
social, o que vai ser analisado mais adiante.
Vários são os recursos lingüísticos identificados nesse processo de
construção identitária e de ocupação dos papéis discursivos: a seleção lexical de
substantivos (professor, colega; aluno, aprendiz); o emprego especial de pronomes
(nós, você); o emprego das modalidades assertivas e deônticas, as formas de
imperativo, e muitas outras que serão exemplificadas no transcorrer da análise.
Antes porém, façamos algumas considerações sobre as modalizações encontradas
no corpus.
Sabemos que as modalidades remontam à lógica aristotélica e têm uma
categorização, que em sua materialidade lingüística, uniformizam certos modos de
dizer. As modalidades assertivas são as referentes ao eixo da existência e os
operadores lógicos são ligados ao necessário e ao possível. A asserção é um ato de
linguagem, cuja principal função é mostrar um enunciado como verdadeiro ou falso.
MAINGUENEAU (1991) chama a atenção para o uso do s (eu+ele) e explica
como, ao enunciar por meio de s, o enunciador marca sua autoridade e, a partir
daí, passa a falar de um lugar discursivo que o desloca da posição de indivíduo para
81
Já mencionados anteriormente, esses suportes incluem: livro do aluno, manual do professor, página na
internet, catálogo das editoras em papel e na Internet.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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229
a de representante da ‘empresa’ (no caso do nosso corpus de análise, a instituição
escolar).
As modalidades deônticas, materializadas nas formas ‘é importante’, ‘deve +
verbo’, ‘ter a certeza de ...’ são ligadas ao eixo do comportamento, ditando regras
com respeito ao que é obrigatório e permitido. O uso desta modalidade permite
avaliar o ‘referente’ e as situações criadas de forma categórica e incontestável,
contribuindo para o caráter de autoridade do discurso.
A seleção de figuras (desenhos, fotos) e de Excertos Textuais (ET)
82
feita no
corpus dá destaque aos elementos da sua materialidade lingüística considerados
importantes (mas nunca definitivos) na caracterização do processo de construção
das imagens das instâncias subjetivas e de consecução dos objetivos
comunicativos. Os ETs serão numerados, como forma de facilitar a identificação e a
exemplificação.
Sabemos que, no desenvolvimento do processo de aprendizagem de uma LE,
uma das primeiras dificuldades que o aluno estrangeiro vai enfrentar é a
‘incapacidade de jogar de modo diferente com a acentuação, com sons, ritmos e
entoações’ [...] ‘a intelectualização e a racionalização pelo recurso à escrita se
apresentam como uma proteção contra alguma coisa que parece ao mesmo tempo
regressiva e transgressiva’ (REVUZ: 1998, p. 222).
Por viverem um momento de vida extremamente paradoxal, os adolescentes
fundam um novo paradigma, instável e ambíguo quanto à opção entre um modelo
grafocêntrico (e preconizado pelos MDs de PLE), comum nas atividades
comunicativas que desenvolvem na internet e o calcado no desenvolvimento de
atividades orais. Muitos exemplos do corpus podem ser citados para clarificar como
82
Esse termo é empregado no sentido de unidade intermediária entre o texto (unidade ‘menor’ e sua
materialidade lingüística) e o discurso (unidade maior).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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230
se dão os processos discursivos necessários para o desenvolvimento do jogo
discursivo por aqueles que se lançam à experiência de aprender uma LE.
As imagens que os interlocutores fazem de si e do outro consubstanciam
esse jogo discursivo realizado entre as instâncias subjetivas, segundo o sistema de
licenciamento e interdição que cada CC vai impondo. Esse jogo de imagens é
materializado através de construções lingüísticas específicas identificadas nos MDs
do corpus, nos comandos (enunciados presentes no livro do aluno e no manual do
professor), na capa e contracapa dos MDs, nos textos de sua ‘apresentação’ - no
livro do aluno e nos catálogos impressos e disponibilizados na internet, através da
qual temos acesso ao material de apoio de TB.
Partindo da premissa de que o LD é um dos suportes do discurso didático,
consideramos pertinente ampliar a análise feita por GRIGOLETTO (2003, p. 76)
83
que comprova serem os prefácios do LD o “lugar de ‘entrada’ no livro didático e
espaço interlocutivo de relação com o professor [...]”. Nos MDs do corpus
analisados, essa ‘entrada’ é feita também através dos catálogos das editoras (o
impresso e o disponibilizado na página do MD na internet –
www.sbs.com.br/tudobem
), na capa e contracapa dos livros do aluno e, em grande
parte do material disponibilizado na página da internet (release, explicações
gramaticais, manual do professor)
84
. E essa entrada não tem na figura do professor
o único TUi, como a análise vai demonstrar.
A descrição das imagens identificadas no corpus, através das quais é forjada
a identidade das instâncias subjetivas, foi categorizada em três tipos, conforme
mostra a seqüência reproduzida a seguir, estruturada com base em CARDOSO
(2003, p. 40-41):
83
A análise que desenvolvo foi inspirada nesse artigo de Grigoletto.
84
Por sua própria constituição, a disponibilização de TB em suporte digital enseja a interlocução com os
internautas – professores ou não.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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231
1. I EUc (EUe): imagem que o Eu comunicante tem do eu enunciador, ou ‘a
imagem que o locutor tem para o sujeito colocado no lugar do locutor’. A
questão que subjaz é : Quem sou eu para que ele me fale assim?
2. I Eu c (Tu i(R): A imagem que o EUc tem da imagem que o TUi tem do
referente. A questão é: O que ele acha disso para que eu lhe fale assim?
3. I EUc (TUi) – A imagem que o Eu comunicante tem do Tu interpretante. E
a questão é: Quem é ele para que eu lhe fale assim?
A análise vai estar embasada na materialidade lingüística encontrada no
corpus que forja esse processo identitário
85
.
4.1.1. Imagens que formam de si e do outro as instâncias discursivas
Retomando o conceito de que, para a SD, na elaboração de seu projeto de
fala, o EUc, investido do papel de EUe, formula uma imagem do TUi que vai assumir
o lugar enunciativo de TUd, analisemos como se concretizam nos MDs esses
projetos.
4.1.1.1. A I EUc (EUe) - imagem que o EUc tem do EUe:
A ‘Imagem que o locutor
86
tem para o sujeito colocado no lugar do locutor’ se
materializa através da observação das respostas à seguinte questão: ‘Quem sou eu
85
Os suportes do MD empregados na análise vão ser identificados como MP – manual do professor; C –
catálogo da editora; L – livro do aluno.
86
O conceito de locutor está sendo empregado tal como o concebeu DUCROT (1984/1997): a instância
discursiva responsável pelo dizer e pode ser representado por diversos enunciadores, que ocupam distintos
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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232
para que ele me fale assim?’ Observemos, inicialmente os ETs para identificar esse
funcionamento discursivo.
87
ET 1: ‘No decorrer dos anos em que (nós) temos trabalhado com o ensino de
Português para Estrangeiros e a partir de permanente troca com colegas
da área,
(nós) observamos que a estrutura linear proposta pelos livros didáticos nem
sempre é aquela de que o aluno precisa’ (SA – MP – p. 7).
ET 2: ‘[...] o procedimento que (nós) temos adotado é o de anotar os problemas
apresentados para roteirizar ou sistematizar em outra oportunidade[...]’ (p. 10 SA -
MP)
ET 3 ‘(Nós) costumamos fazer um paralelo com uma orquestra Observe[...]’ (p. 10
SA – MP)
ET 4: ‘(Nós) Não vamos aqui nos estender em teorias, mesmo porque as visões do
que seja uma abordagem comunicativa são bastante diversificadas e polêmicas
[...]’ ( S A – MP- p. 8)
ET 5: ‘Nossa intenção é proporcionar flexibilidade ao uso do livro e liberdade para
criação de outras atividades, oferecendo ao professor oportunidade de melhor
atender às necessidades de seus alunos[...]’ (SA – MP – p. 7).
ET6: ‘Logo adiante (nós) vamos discutir mais detalhadamente cada um dos
módulos. Antes porém, é necessário esclarecer a terminologia que (nós)
empregamos [...]’ (p. 8, SA - MP)
ET 7 – ‘[...] Cabe lembrar que o Brasil é um dos poucos países em que não se vê,
na língua falada, a plena distinção de tratamento formal e informal [...]’ (Texto de
esclarecimento em TB, L, volume 2).
ET 8 ‘[...] Assim como no volume 1 optou-se por adotar a forma de tratamento
mais freqüente: você, predominante no português falado do Brasil.[...] Assim, nas
últimas páginas deste volume, apresentam-se a conjugação dos verbos com o
pronome tu [...] inclui-se também a conjugação dos verbos na segunda pessoa do
plural, vós, forma usada em textos mais antigos[...]’ (Texto de esclarecimento em
TB, L, volume 2).
ET 9: ‘Tudo Bem? Português para a nova geração – Volume I [...] apresenta, em
10 unidades [...].No site (...) professor e aluno dispõem de explicações gramaticais
mais detalhadas e de exercícios para aprofundamento e uma prática mais efetiva
dos tópicos gramaticais apresentados no livro [...]’ (Apresentação do TB - L).
ET 10: ‘[…] a opção de leitura do artigo Método, elaborado por um de nós [...]
os demais artigos tratam de temas igualmente relevantes para a reflexão crítica do
professor de português língua estrangeira [...] Para quem trabalha com falantes de
espanhol, (nós) indicamos […]’ (p.8, SA - MP) Nota de rodapé).
ET11: ‘PSIU! - Biquíni, maiô, fio-dental para as mulheres; sunga para os homens. O
protetor solar é também chamado de filtro solar. Após o bronzeamento, não
esquecer de usar um hidratante. Levar fotos para ilustrar cada objeto, tanto do
vocabulário referente à praia, quanto aos artigos para pesca.(TB, Informações
Extra essenciais relativas à unidade 10 - p.137(2))
lugares discursivos, constituindo assim a polifonia no discurso. A análise vai evidenciar como esse processo se
materializa nos MDs do corpus.
87
Todas as ênfases que aparecem nos ETs foram adicionadas para melhor atingir os objetivos da análise.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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233
Através de um discurso estruturado com modalizações assertivas, a
ocupação da instância subjetiva enunciadora (EUe) é uniforme: fala em nome da
ciência (autoritas), logo, do que é reconhecidamente comprovado e deve ser aceito
como verdade. Nesse funcionamento o EUe tem objetivos institucionalmente
constituídos: fazer-saber, fazer-fazer. Mas esse funcionamento discursivo não é (e
‘politicamente’ não deve ser) explícito. Por isso, em seu projeto de fala, a escolha da
materialidade lingüística (com que é estruturado o discurso desse EUe) simula
objetivos variados para o TUi: compartilhar (ET1 e ET2); instruir (fazer-saber-fazer ,
como em ET 3 e ET4) e informar (fazer-saber – ET4 a ET 10).
Nessa categoria, é especialmente interessante o uso do pronome nós, que,
através de um processo polifônico, exprime a voz de vários ‘locutores’ nos MDs: de
professores de PLE e autores dos LDs; autores do LD e, finalmente, autores e
pesquisadores em LA (respectivamente nos ET 1; ET 5).
Analisando o funcionamento da forma pronominal nós, citando BENVENISTE
(1966/1991), GRIGOLETTO (2003, p. 83) apresenta o nós ‘exclusivo’, ‘que seria a
junção da pessoa com a não-pessoa (eu+ele) e que não inclui o interlocutor’. Esse
funcionamento ocorre em ET1, ET 2 e ET10, onde ‘falam’ o autor do MD e o
professor de PLE, criando um dúbio efeito de sentido de proximidade, mas de
conhecimento de causa, de experiência (que dá autoridade ao enunciado). Em ET3
fala o professor de PLE através de um nós que cria o efeito de sentido de modéstia
no compartilhamento da experiência acumulada. Em ET4 e ET10 falam o autor de
MD e o lingüista aplicado, resgatando a antológica dicotomia teoria/prática tanto
problematizada nos meios educacionais, à qual a pesquisa aplicada tem se
dedicado.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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234
Finalmente, em ET 5, ET 6, ET 7, ET 8 e ET9 falam o(s) autor(es) e o(s)
editor(es) dos MDs, criando um efeito de sentido de credibilidade e de confiabilidade
ao enunciado.
O uso do pronome nós e das modalizações é uma estratégia argumentativa,
através da qual o EUe procura se ‘omitir’ como autoridade, mas atribui ao enunciado
um efeito de verdade, um efeito científico, dando a impressão de (com)partilhar com
os TUi seu projeto de fala. Esse funcionamento foi identificado ainda no corpus
através do emprego de alguns recursos lingüísticos específicos, como expressões
modalizadoras nas formas do verbo ser + adjetivo (ET 6); do verbo caber + infinitivo
(ET 7); da voz passiva com pronome SE (ET 9), da passiva analítica com agente
apagado (ET 9); da forma nominal infinitivo (ET11) e do verbo haver (impessoal), em
ET10.
Outro aspecto da materialidade lingüística é bastante interessante: o recurso
a notas de rodapé empregado em SA (ET10). Ele produz efeitos que também
merecem ser comentados. As notas são no MD um recurso eleito para materializar a
polifonia no discurso, para deixar falar as vozes dos docentes de PLE e dos autores
de textos acadêmicos (lingüistas aplicados). A adoção da estratégia de inserir essa
‘fala’ em nota de rodapé sugere, no mínimo três efeitos de sentido. Inicialmente,
ratifica a necessidade de remissão sugerida à teoria, direcionando a fala ao grupo
específico de professores que esteja trabalhando com hispanofalantes e aos demais
professores interessados em pesquisa aplicada, uma vez que é até recomendada a
leitura de um artigo de autoria de um dos autores do MD. Por outro lado, constrói
uma imagem de que essa teoria não deva ser imprescindível à prática do professor
de PLE que lide com estrangeiros que falem outras línguas, por isso é colocada em
nota de rodapé, acessível somente aos interessados no assunto. Sugere,
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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235
finalmente, a idéia de atualidade e de modernidade, de sintonia com a vanguarda da
pesquisa aplicada. Os dados colhidos no corpus e compilados viabilizaram a
produção do gráfico 10, no qual é apresentada a freqüência com que são
empregados os recursos que constroem a imagem do EUc e do EU e nos MDs.
Gráfico 10 Materialidade lingüística: imagem do EUe nos MDs
É bastante interessante registrar que no MD os recursos mais empregados
são os mesmos identificados nos processos discursivos de impessoalização e
‘esfriamento’ do texto, que provocam um efeito de sentido de ‘apagamento do
caráter subjetivo inerente à concepção e produção de um livro (GRIGOLETTO:
2003, p. 82), reforçando o caráter de ‘autoritas’ do discurso veiculo no/pelo MD.
4.1.1. 2. A Imagem que o EUc tem da imagem que o TUi tem do referente : I Eu c
(Tu i(R ).
Considerando a ocupação da posição discursiva TUi pelo professor, para
analisar essa imagem, foi trabalhada a materialidade lingüística do manual do
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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236
professor dos dois MDs e dos catálogos das editoras (impresso e na internet), como
mostram os ET reproduzidos a seguir:
ET 12 ‘Você vai poder observar a utilização dos termos ‘rotinização’ e
‘sistematização’, termos que (nós) tomamos emprestado de Almeida Filho
(1996)[...]( SA – MP – p. 8)
ET 13 ‘[...] (nós) apresentamos não um manual tradicional de respostas
apropriadas, mas sugestões de trabalho em sala de aula, exemplificadas com
algumas das atividades propostas [...]’ (SA –MP – p. 8).
ET 14 Nossa experiência demonstrou que, muitas vezes, é aconselhável ouvir e
repetir os diálogos propostos [...]’ (SA – MP – p.10)
ET 15.’É reconhecida a dificuldade de se traçar uma linha divisória entre ritmo e
entonação. Identificar a referência [...]’ (SA – MP – p.10)
ET 16: ‘Após terem praticado o alfabeto, leve (você, professor) cartões com
frases curtas e distribua aos alunos. Cada um soletra sua frase para toda a sala ou
para o grupo, e o primeiro aluno que descobrir qual é a frase ganha um ponto. O
aluno com o maior número de pontos deverá ser premiado pelo professor’.
(TB -,
Volume 1, Unidade 01 - p.02 .2).
ET 17: ‘Numa mesma frase, (nós/falantes de português) podemos mostrar
diferentes entonações [...] Mas dependendo da entonação que imprimimos
à frase,
o outro pode interpretar o nosso estado de espírito [...]’ (SA – MP – p. 11)
ET 18: ‘[...] observamos que a estrutura linear proposta pelos livros didáticos nem
sempre é aquela de que o aluno precisa (...)... já que cada aluno/classe
tem sua
especificidade [...]’ (SA – MP- p. 7)
ET 19: ‘[...] sendo o material didático - e suas concepções teóricas -, um
instrumento que, harmonizado ou não com a visão do professor, lhe dá
oportunidade da utilização crítica, do questionamento, da subversão” (S A – MP –
p.8)
ET 20: ‘Este tipo de atividade mais amarrada deve servir também como detonador
de atividades abertas. Cabe ao professor estar atento às demandas dos alunos,
abrindo espaços para a construção de um discurso livre, não se restringindo
apenas aos exercícios propostos no livro didático” (AS – MP - p. 12)
ET 21: Os Pronomes Indefinidos não devem ser apresentados todos de uma só
vez. Escolha os mais relevantes para o momento e faça com os alunos uma nova
lista dos pronomes que serão usados ao longo da unidade. (TB, Manual do
professor, Vol I, unidade 9, p. 121).
A analise dos ETs deixa evidente o processo polifônico através do qual
misturam-se as vozes do professor e do cientista, legitimando a produção de um
discurso de autoridade, sintonizado com os avanços da pesquisa em LA. Isso deixa
evidenciando o fato de que o referente – o MD – deve (e pode) determinar o que
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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237
pode/vai ser ensinado, em respeito ao papel institucional reconhecidamente
destinado ao professor no contrato didático - o que deve saber, o que deve saber
fazer alguém (o aluno) ‘fazer’. Mas, ainda em respeito a essa mesma imagem, essa
determinação deve ocorrer sob forma de sugestão, daí o tom de proximidade que
podemos identificar em ET13 e ET14, sugerindo ‘troca’ de conhecimento entre
‘colegas’ que exercem a mesma função, que (com)partilham os desdobramentos da
prática docente.
Outro efeito de sentido bastante curioso é o de ‘autonomia’ conferida ao
professor na escolha dos ‘conteúdos’ a serem trabalhados, como a sugerida pelos
ETs 17 - 20. Em ET 17, a ‘lembrança’ de que os conteúdos devem ser ‘adequados à
realidade dos alunos’ reforça também o preceito da abordagem comunicativa de
centralidade do processo de ensino no aprendiz e reaviva a grande discussão
teórica de se promover ou não o foco na forma. Em ET 18, a ‘autorização’ para que
o professor rompa com a estrutura linear e hierarquizante, característica de SA, ou
seja, a quebra da seqüência (pré)determinada de conteúdos, é ‘sugerida’. Observa-
se que o convite à ‘subversão’ dessa ‘ordem’ – explícito em S A (ET 18), é
materializado através de outros procedimentos discursivos: a estruturação modular
do MD (quando é finalmente ‘concedida’ ‘autonomia’ ao professor, já que não há
uma seqüência fixa pré-estabelecida para o ensino dos conteúdos) e o recurso à
internet e a inclusão de apêndice no livro do aluno e de exercícios complementares,
que ocorre em TB.
A inserção de um link com as respostas dos exercícios (em TB)
(re)estabelece a ambigüidade na construção da imagem desse referente. Elas estão
disponíveis e sua consulta é feita ou não, segundo as necessidades de cada
docente/aprendiz. São necessárias? Importantes? Descartáveis?
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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238
Os exemplos apresentados nesse tópico sugerem a construção ambígua e
instável da imagem do referente (os conteúdos do MD). Eles são necessários, mas
selecionáveis e apresentáveis em ordem a ser escolhida pelo professor. A
metodologia é apresentada como já testada, mas passível de pesquisa aplicada (em
SA); aberta a experimentações (cabe ao professor selecionar as atividades que vai
desenvolver entre a imensa diversidade de opções oferecidas - em TB). As
dificuldades de implementação do ‘conteúdo’ são apresentadas como já constituídas
sob forma de pesquisa aplicada (e, portanto, testadas e comprovadas), mas fica
sugerida uma abertura a nova investigação (o professor pode ou não acatar as
sugestões apresentadas e desenvolver as atividades que considerar as mais
adequadas).
Os recursos que aparentemente facilitariam uma ação ‘subversora’ do
professor cumprem, contrariamente, objetivos que exigem dos parceiros do CC as
posições de ‘fazer-saber’ (do Eu) e de ‘ter-que-saber – fazer’ (do Tu) tão ao gosto do
ensino metalingüístico da língua, como foi demonstrado no capítulo 3.
Podemos afirmar que, apesar da fragmentação e ambigüidade no processo
de constituição da imagem de referente no MD, ficou ratificado, através da análise,
que o LD ocupa o papel de principal ‘continente’ do conhecimento a ser transmitido
ao TUi (aluno e professor).
É ratificada nos MDs a imagem de professor como (re)transmissor,
sustentado na experiência ‘(com)partilhada’ com esse EUc desdobrado em várias
identidades sociais e representado por vários locutores, conforme foi demonstrado.
A constituição de imagem do referente, especialmente nos ETs 10, 19 e 20
revela, curiosamente, a imagem de um professor curioso, que se interessa em
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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239
aprofundar seus conhecimentos, por isso a ele deve ser oferecida a informação;
deve ser sugerida a pesquisa.
De modo também curiosamente contraditório, o recurso à pesquisa, sugerido
em relação à imagem de referente criada nos MDs, mantém inabalada a posição do
referente como conhecimento estabelecido, imagem cristalizada do LD e dos
conteúdos por ele veiculados. Esse efeito de sentido é produzido pela ausência de
bibliografia para consulta em SA e pelo conteúdo das referências bibliográficas
presentes em TB (página da internet), da qual não constam títulos de obras que
pudessem sustentar a ‘abordagem atualizada e sintonizada com o português do
Brasil falado pelo adolescente’ como os dois MDs sugerem apresentar
88
.
Interessante seria a revisão da proposta de ensino, calcando-a na exploração
do gosto pela descoberta. Assim, as atividades de aprendizagem das estruturas da
língua-alvo poderiam ser transformadas em um gostoso jogo de descoberta
partilhada, da qual professor e alunos participariam de modo muito mais produtivo e
prazeroso.
4.1.1.3. A imagem que o EUc tem do TUi
Podemos afirmar que esse tópico foi um dos mais instigantes na análise da
relação EUe / TUd nos MDs do corpus. A construção da identidade do Tu nos MDs
88
Em consulta ao site de TB (www.sbs.com.br/tudobem em 26 de janeiro de 2006, constam das referências
bibliográficas as seguintes obras: BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa, 33a. ed., São Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1989.CUNHA, Celso Ferreira da. Gramática da Língua Portuguesa, 11a. edição,
2a. tiragem, Rio de Janeiro, FAE, 1986 e MICHAELIS: Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, São Paulo,
Companhia Melhoramentos, 1998.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
240
se desdobra segundo o intercâmbio na ocupação dessa instância subjetiva pelo
professor e/ou pelo aluno.
Optamos por analisar esse processo separadamente, apesar da dificuldade
em desmembrar elementos dos MDs para lhe dar visibilidade.
A . A imagem de aluno como TUi
Para a compreensão desta imagem, baseamo-nos na seguinte questão:
Quem é ele para que eu lhe fale assim? Segundo a visão declarada explicitamente
nos/pelos MDs, o TUd é o aluno / jovem /aprendiz , ‘adolescente brasileiro’ (TB
contracapa).
Na construção dessa imagem, os MDs revelam o que se poderia denominar
grande ‘diversidade’. Em certas atividades, partem da premissa de um aluno
adolescente real, que tem na instabilidade, no questionamento e na inconseqüência
uma marca constitutiva do perfil identitário.
Analisemos como se materializa nos MDs essa imagem.
Figura 39 Excerto IX de SA
Figura 40 Excerto X de SA
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
241
Figura 41 Excerto XI de SA
As figuras 39 e 40 de SA apresentam uma imagem que seguramente é
comum nos ambientes em que há adolescentes. Eles adoram falar ao telefone, e,
por quererem ‘abraçar’ o mundo de uma só vez, de um modo geral, são
desorganizados, despojados, descontraídos.
Já a figura 41, que ilustra uma atividade de pronúncia de sons em PLE,
certamente causaria riso e pouca seriedade para o desenvolvimento da atividade
proposta. Sabemos que trabalhar uma dificuldade física articulatória em uma LE é o
(re)começar de um processo ’fundador’ de aprendizagem (REVUZ: 1998). Os
adolescentes certamente ririam bastante e resistiriam à realização dos exercícios
conforme sugeridos, por não quererem ‘pagar mico’. A imagem de adolescente
construída nos/pelos MDs está distante da que conhecemos na vida ‘real’ e revela
uma concepção de ensino bem distante da perspectiva discursiva, como podemos
comprovar nos ETs reproduzidos a seguir
89
:
ET 22: ‘Solte a língua - faça o aluno repetir a frase, seguindo o CD. Faça pausa
depois de cada frase. Peça ao aluno para ler a frase olhando-se no espelho,
para perceber a localização da língua quando estiver pronunciando o 'l' mudo’.
(TB, volume I, MP na internet, Instruções Gerais, unidade 2, p. 27).
ET 23: “No início é bom o aluno associar o ritmo a um movimento. Abaixar a
cabeça ou movimentar um dos braços (como um avião pousando
) ajuda a
89
Remeto o leitor à leitura de PACHECO 2005 a, onde o ensino dos sons da língua em perspectiva discursiva foi
objeto de estudo em relação ao ensino de PLM.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
242
marcar o movimento descendente do português e a alcançar essa
conscientização”. (S A, p. 10 MP)
Imaginemos os professores ‘fazendo’ os alunos repetirem frases olhando-se no
espelho... Imaginemos os adolescentes imitando ‘um avião pousando’...
Ao lado de propostas como essas, encontramos nos MDs atividades que sugerem
um efeito de sentido de descontração, muito semelhante à imagem real geralmente
relacionada à grande maioria dos adolescentes, qualquer que seja a sua
nacionalidade: quarto confuso (bagunçado), objetos pessoais espalhados; conversas
intermináveis ao telefone... Bem ao jeito adolescente de ser...
Como pudemos constatar, dois aspectos dão visibilidade à fragmentação com
que se constitui a imagem de adolescente nos MDs: as próprias atividades
sugeridas (como um exemplo pode ser citada a atividade reproduzida na figura 41) e
as ilustrações utilizadas na sua apresentação.
Brincar e jogar não tem idade e, pedagogicamente, o jogo é uma estratégia
de ensino aprendizagem bastante produtiva. Por isso, nos MDs, a sugestão de jogos
é uma marca bastante sugestiva na construção identitária de adolescente nos MDs.
A utilização (ou não) de jogos pelo professor vai estar condicionada a fatores vários.
As características do público-alvo (os alunos) devem ser consideradas como
prioritárias no processo de sua seleção.
Em TB, eles podem ser encontrados distribuídos ao longo do MD (e na página
do MD na internet). Em SA, há um módulo específico, preparado com material auto-
adesivo, que permite a elaboração de cartões para uso de professor e alunos.
Poder-se-ia considerar, porém, que algumas sugestões estão distanciadas da
realidade do adolescente de hoje. Infelizmente, no mundo pós-moderno, raríssimos
são os estrangeiros dessa idade que têm oportunidade de vivenciar jogos e
situações comunicativas como brincar de esconde-esconde. Este fato decorre do
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
243
tipo de vida em metrópoles, para as quais se mudam suas famílias, geralmente em
virtude de interesses profissionais de seus pais. Nelas, os adolescentes não
dispõem de espaço físico para este tipo de brincadeira, o que enseja (ou obriga) a
opção por outras formas de lazer, bastante ecléticas e diversificadas, mas que têm
revelado uma convergência para o mundo digital, conforme comprovam dados
recentes publicados nas revistas semanais como a VEJA, edições especiais nºs 46
(julho de 2005) e 52 (novembro de 2005) e ÉPOCA (05/12/2005).
Como demonstrado, as imagens encontradas nos MDs são importantíssimo
elemento no processo que dá visibilidade à construção identitária de adolescente
nos/pelos MDs, o que pode ser observado nas figuras 42 e 43, reproduzidas a
seguir.
Figura 42 Print Screen de TB Psiu
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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244
Figura 43 Print Screen de TB: Dicas e Sugestões
Na figura 43, é apresentada uma atividade que, bastante ao gosto das adolescentes,
continua a ser desenvolvida hoje pelas ‘meninas adolescentes’, mas em outro
suporte. Em tempo de ICT (Information and Communication Technologies)
90
os
adolescentes centralizam sua vida (principalmente seus momentos de lazer), em
torno das parafernálias eletrônicas. Muito mais próxima à realidade dos
adolescentes de hoje seria a proposta de criação de um blog pessoal na internet.
Além de possibilitar a produção de textos escritos em português ‘adolescente’,
permitiria a interação com outros alunos (estrangeiros ou não) tanto do Brasil quanto
do mundo (sabemos que a internet ‘eliminou’ as barreiras de tempo/espaço). No
blog, há possibilidade de troca de ‘textos’ materializados em vários suportes. Através
deles, os adolescentes trocam fotos, diálogos, mensagens, vídeos, músicas...
A análise da importância e efetividade desse tipo de texto como estratégia de
ensino de LE transcende em muito a proposta de escrita de diário, por duas razões
90
As ICT são as tecnologias de infocomunicação e englobam ‘computadores, telecomunicações, componentes
microeletrônicos, fibras ópticas, satélites, internet e redes de todos os tipos. A grande sinergia de nossos dias
decorre da atuação em conjunto dessas tecnologias, no processo denominado convergência digital’ (SIQUEIRA:
2004, p.9).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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245
fundamentais: no blog os jovens dialogam ‘por escrito’ e a vida privada fica à
disposição de todos, aberta a quaisquer tipos de comentários; ele é também
considerado um espaço que favorece o desenvolvimento da argumentação, pois as
respostas a críticas e ou comentários permitem o desenvolvimento dessa
competência lingüística.
Em tempos de ICTs e de comunicação síncrona via meios digitais, os adolescentes
estrangeiros, alunos de PLE podem ainda se comunicar com seus amigos em outros
países, através de programas de ‘messenger’ (conversa escrita via internet em
tempo real, durante a qual podem ser trocados arquivos de textos de som e vídeo).
Embora saibamos que a rapidez da evolução de novas tecnologias não pode
ser acompanhada na produção de um MD,
91
a seleção dos desenhos utilizados para
ilustrar os MDs não deve estar tão distanciada da imagem de adolescente, como
podemos perceber nas figuras 42 e 43. O desenho que ilustra a atividade
apresentada na primeira figura sugere uma idade infantil – mais ou menos 5 ou 6
anos. Além disso, a brincadeira a que a página se refere está praticamente em
extinção no Brasil; as crianças brasileiras que vivem nas grandes metrópoles não a
praticam mais (infelizmente, é bom registrar). Uma das causas desse processo
pode ser atribuída à sinergia provocada pela infocomunicação, que, assustadora e
avassaladoramente tem posicionado os adolescentes e jovens
92
diante do
computador para estudar (pesquisar) e desenvolver suas formas de lazer:
baixar músicas, conversar com amigos no messenger, produzir e participar de chats,
91
Um MD pode perfeitamente ser sempre atualizado se apresentado em suporte digital. Essa facilidade de
substituição tem dois efeitos de sentido: o desenvolvimento do império do consumismo e o apelo à participação
do professor no processo de elaboração de MDs. Essa postulação será desenvolvida no capítulo 5.
92
Os adultos também. Reportagem da revista VEJA, edição 1940, de 25 de janeiro de 2006 mostra como a
infidelidade (traição) virtual está aumentando e provocando problemas de relacionamento entre casais.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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246
trocar e-mails, jogar...
93
Mas ainda estudam (mesmo que diante do computador,
‘conversando’ com os amigos, ouvindo e baixando músicas).
Felizmente os adolescentes de hoje, como todo ser humano, são gregários.
Por isso, continuam tendo uma intensa vida social. Não brincam de amarelinha nem
de esconde-esconde, mas encontram os amigos no shopping, onde fazem compras
juntos, vão ao cinema e a discotecas
94
.
Os novos inputs trazidos pelas novas tecnologias ajudam a forjar uma
identidade para o adolescente, cujas características não podem ser
desconsideradas pelos professores na elaboração de seus cursos, na constituição
de seus programas de ensino de LE, na elaboração e utilização de MDs. Afinal, não
se pode negar que já faz parte do letramento em LE lidar com esse ferramental
eletrônico digital, que chegou e para ficar. Incontestavelmente.
B. A imagem de professor como TUi
Na análise que considera a ocupação da instância subjetiva interpretante pelo
professor, a materialidade lingüística que clarifica o processo de construção deste
TU revela um desdobramento bastante peculiar.
Os ETs reproduzidos a seguir nos ajudam a perceber como, apesar de estar
inserido no manual do professor dos MDs, o discurso é construído através da
referência ao professor como uma outra pessoa. Assim, pode ser identificada a
93
A análise dos efeitos de sentido dessa infoinvasão clama por pesquisa atenta, mas fogem aos objetivos do
presente trabalho.
94
Louve-se, mesmo assim, a iniciativa do MD em tentar manter as tradições , subvertendo essa ‘ordem’ pós-
moderna’. Isso é muito importante, principalmente em ensino de PLM.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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247
imagem do professor que sabe mais e, ao mesmo tempo, a do que ensina/aprende e
a do que aprende / ensinando, criando efeitos de sentido bastante diversos.
O MD ‘fala’ ao/com professor com distanciamento (ET 24, 26, 27, 28); com
proximidade (ET 29), com ‘autoridade’ (ET 26, 28, 30, 31). O MD ‘fala’ pelo/do
professor – apagando-o (figura 44). Para cada um desses processos, são utilizados
recursos lingüísticos específicos, como a análise a seguir vai demonstrar.
ET 24: ‘[...] tradicionalmente o ritmo se caracteriza pela alternância de sons breves
e longos, requinte que não caberia ser explorado aqui [...]’ (SA – MP - p. 10).
ET 25 ‘Experimente falar esta frase de maneiras diferentes e peça (você –
professor) a seus alunos para identificar raiva, surpresa, tristeza, alegria, desânimo
etc [...]’ (SA – MP – p. 8)
ET 26:’Para quem trabalha com falantes de espanhol indicamos, além desta, outra
coletânea do mesmo autor [...]’ (SA – MP – p. 8)
ET 27: Sempre Amigos é um material comunicativo em sua essência. Uma
resposta para professores, que há muito sinalizam a necessidade de um livro em
sintonia com o jovem que não quer aula de repetição, mas de criação.(SA, catálogo
da editora impresso, p. 34)
ET 28: ‘[...] é importante que o professor não iniba o esforço do aluno,
interrompendo suas tentativas de produção do discurso [...]’ (SA, MP, p. 10)
ET 29: ‘É importante que o professor, como par mais competente, proporcione
uma atmosfera que favoreça o respeito e a integração entre as diferentes culturas
[...]’ (SA , MP, p. 14).
ET 30: ‘Atualmente não há mais novelas em rádio. Entretanto, antigamente, elas
eram um dos programas mais concorridos da rádio brasileira’ (TB, Manual do
professor, Vol I, unidade 9, p. 117 – Informações Extra Essenciais).
ET 31: ‘Cuidado: os falantes da língua espanhola têm a tendência de pronunciar /s/
quando a palavra está escrita com 's'. Exemplo: 'casa' (TB, Manual do professor’
Vol I, unidade 10, p. 144).
Em ET 24, através do emprego nominalizado da palavra requinte e da passiva
com agente apagado, o discurso modalizado do MD ‘fala’ ao/com o professor. Esses
recursos ajudam a forjar a identidade de um TUi / professor fragmentado. Ele não
tem acesso ao conhecimento teórico, porque ‘as bases teóricas do ensino
comunicativo não estão disponíveis em formatos ou modelos portáteis que auxiliem
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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248
o professor comum a compreender o que seja ensinar e aprender
comunicativamente’ (ALMEIDA FILHO: 2005, p.100 - ênfase adicionada); não tem
conhecimento da história contemporânea (no ET 31 ele ‘recebe’ as informações
sobre a existência de novelas em rádio no Brasil); mas, como ‘par competente’ sabe
como lidar em situações de multiculturalidade (ET 29).
A imagem de professor criada é de pragmatismo e de superficialidade (são
oferecidas ‘dicas’ para facilitar seu trabalho – ET 28 e ET 29). A identidade forjada
está distante da de pesquisador (ET 28, ET 30 e ET 31) e a iniciativa de se lançar à
investigação dos fenômenos estudados parece ser desencorajada. É criado um
efeito de sentido de praticidade, de (re)produção.
Às vezes sim, às vezes não, o professor precisa de informações quanto ao
conteúdo teórico que vai ensinar. Para atender a essa ‘necessidade’, os MDs
adotam procedimentos diversificados. Em TB estão disponíveis na internet para
alunos e professores dicas e sugestões, exercícios extras, respostas aos
exercícios. Em SA não há respostas dos exercícios no manual do professor. O
documento também não sugere estratégias ou conteúdos complementares, já que
convida o professor à subversão da ordem pela estrutura constitutiva do MD em
módulos. Por outro lado, em TB esses conteúdos e estratégias estão disponíveis à
consulta pública no site da internet, nos links ‘Dicas e sugestões’ e ‘Instruções
gerais’.
É sugerida ainda, paradoxalmente, em outros trechos de SA, a imagem
professor/’pesquisador’, de parceiro, de colega de trabalho (como exemplificada em
ET 26), procedimento que retoma a dicotomia teoria/prática já apontada
anteriormente, expressando o objetivo comunicativo de (com)partilhar, mas também
de demonstrar (a verdade).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
249
Outro efeito de sentido identificado é o de proximidade entre a instância
subjetiva enunciadora EUe e o Tud – o professor, materializado lingüisticamente
através do emprego do pronome você (tendo como referente o professor, o professor
de PLE), de verbos no imperativo, da forma pronominal ‘nós’ exclusivo (Eue =
autores do MD) e você, professor de PLE, que é falante de português.
São também identificados efeitos de individualização. É criada uma imagem
de EUe que conhece bem o TUd, o professor, e dele se aproxima, assumindo uma
postura de partilha, de troca de experiência. As faces positiva e negativa do
professor ficam preservadas. Em caso de dúvida ele ‘pode’ consultar o manual, o
módulo Para falantes de espanhol (em SA), ou o apêndice com exercícios (TB)
95
e
se sentir à vontade, pois estará ‘dialogando’ com um ‘colega mais experiente’.
Em função da análise apresentada até agora, podemos afirmar que a
identidade do TUi e Tud professor, forjada nos/pelos MDs, prima pela fragmentação,
chegando até ao apagamento, como vamos demonstrar a seguir.
95
Em TB os termos do contrato assumido no texto do esclarecimento que abre os dois volumes é ‘cumprido’ no
volume 2, que tem um apêndice (módulo final) específico denominado “Exercícios especiais: Tu & Vós”. O efeito
de sentido é o de atender ao ensino das necessárias referências à gramática normativa , mencionadas no texto
de apresentação do MD.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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250
4.2. O APAGAMENTO NA CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE PROFESSOR
Esse processo foi identificado de modo disperso nos MDs. Vamos
exemplificar seu funcionamento através das figuras e dos ET reproduzidos a seguir:
Figura 44 Excerto XI de TB?
O enunciado da atividade proposta (fig 44) revela um objetivo comunicativo de
instrução. O TUi identificado é ao mesmo tempo o professor e aluno(s). Uma
possível razão para esse funcionamento seria a de ratificar a inevitável
intermediação do LD no processo ensino-aprendizagem da língua/cultura-alvo,
desenvolvido de modo cooperativo, tanto pelo aluno quanto pelo professor.
Fica sugerido, na materialidade do texto, o emprego ambíguo do pronome
(você – aluno/professor), identificado através da forma verbal - Trabalhe – no
imperativo, que modaliza assertivamente o discurso. A hipótese de que esse
pronome estivesse se referindo apenas ao aluno (aprendente de PLE) é descartada,
visto que, se assim o fosse, no lugar da expressão ‘aluno A’ e ‘aluno B’, poderiam
ter sido empregadas outras formas como o pronome de tratamento ‘você’ ou a
expressão nominal ‘seu colega de dupla’.
O objetivo comunicativo de instrução identificado promove o apagamento da
posição professor, pois o próprio enunciado do MD determina o quê esse TUi
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
251
professor e aluno – deverão realizar. O apagamento se torna ainda mais evidente. A
estruturação do texto do enunciado (o emprego da expressão ‘professor e aluno’ e
da forma verbal de imperativo), configura uma instrução explícita tanto para o aluno
quanto para o professor. Dirigindo-se explicitamente ao aluno, o texto instrui o
professor sobre o desenvolvimento da atividade - como ele ‘deve fazer para o aluno
fazer’. Dois objetivos comunicativos podem ser então identificados: o de
prescrição/solicitação (dirigido ao TUi – aluno - que vai fazer o exercício) e o de
informação/instrução (TUi – professor – que tem que saber fazer o outro –aluno -
fazer). Esse mesmo processo de apagamento apresenta outras intercorrências nos
MDs, como o ET a seguir pode demonstrar:
ET 33: ‘No site [...] professor e aluno dispõem de explicações gramaticais mais
detalhadas e de exercícios para aprofundamento e uma prática mais efetiva dos
tópicos gramaticais apresentados no livro’. (Apresentação do TB - livro impresso).
É interessante observar no ET a explicitude do processo analisado nos
exemplos anteriores, ou seja, a ocupação da posição discursiva TUi pelo aluno e
pelo professor, simultaneamente. Os efeitos de sentido desse emprego reforçam a
visão do LD como ‘um paradigma no contexto escolar brasileiro. Ele faz parte de
uma tradição e está inserido em um contexto que prioriza a transmissão de
conhecimentos, via livro didático’. (SOUZA: 1999, p. 93). Ele é o lugar de
estabilização, é legitimado pela escola e institucionalizado pela sociedade como a
única fonte de leitura de alunos e professores, norteando e (de)limitando a atuação
pedagógica do professor de LE e a atuação aprendente do aluno.
O papel do professor como agente do processo educativo, determinante na
constituição do processo educacional é desprestigiado. Ele deixa de ser instância
subjetiva enunciadora para ocupar outros papéis discursivos (simultaneamente): o
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
252
de mediador das práticas educativas a serem desenvolvidas no processo
ensino=aprendizagem de LE e de instância subjetiva destinatária (receptora) e,
portanto, também passível de receber (in)formação, como o aluno.
A materialidade lingüística desse processo de apagamento do professor é
sistematizada no gráfico 11, reproduzido a seguir. É importante esclarecer que ele
foi estruturado com base em dados percentuais. Dado o caráter qualitativo da
pesquisa, foi considerada relevante apenas a identificação do recurso e não o
referencial numérico de sua incidência. Outro fator que fundamenta a escolha feita
para sua estruturação é o fato de haver uma enorme discrepância numérica de
ocorrência entre os dois MDs (fato já esclarecido em capítulo anterior).
Gráfico 11 Apagamento do professor nos MDs do corpus
S A
TB
Os MDs que compõem o corpus na explicitude de seus ‘textos’, consideram a
autonomia do professor enquanto instância subjetiva enunciadora, mas,
paradoxalmente, não a operacionalizam. Considerando o suporte teórico até aqui
apresentado, podemos afirmar que a repetição ocorre de modo constante nos MDs
de PLE porque os termos dos CC firmados permanecem inalterados, a despeito das
inevitáveis mudanças que cada situação comunicativa sócio-histórico-
discursivamente condicionada impõe (cf. capítulo 5).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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253
O apagamento do professor como instância enunciativa nos MDs é um
processo discursivo, cujo resgate pode ser feito se adotada a posição pós-método
(KUMARAVIDEVIDELU: 2001) apresentada no capítulo anterior. A ocupação de
instância discursiva subjetiva enunciadora é basilar na formação do processo
identitário do professor/pesquisador, que fundamenta, na/pela prática mas também
na teoria, as práticas discursivas que desenvolve no seu processo de
ensinar/aprender.
Poderia soar incoerente uma análise que aponta o apagamento do professor,
mas que o insta à posição discursiva enunciadora e interpretante. Segundo a
proposta teórica da pesquisa/ação (MOITA LOPES: 1996) essa aparente
incoerência seria ‘solucionada’. Como será apresentado no capítulo 5, caso nos
MDs seja implementado um trabalho discursivo fundamentado na concepção de
gêneros textuais, o emprego dos gêneros digitais emergentes, por exemplo, vai
exigir um constante intercâmbio na ocupação da posição discursiva TUi (por alunos
e por professores), em virtude do caráter colaborativo das práticas discursivas que a
produção desses gêneros exige como marca constitutiva. Exortar os professores à
ocupação desses espaços discursivos é também forjar, em seu processo de
formação identitária, a competência, o espírito investigativo, a capacidade de
implementar a pesquisa/ação.
Os objetivos comunicativos a serem expressos em MDs, estruturados
segundo esse paradigma que propomos, deverão ser outros e sua concretização
será também um ato de exortação à realização de novas pesquisas na área. A
análise de seu funcionamento, foge, porém, aos objetivos do presente trabalho.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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254
CAPÍTULO 5- PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DE PLE
‘Paradigma é algo compartilhado pelos membros de uma comunidade, ou
seja, o consenso de uma comunidade científica em relação a alguns
conceitos que vão definir o que é válido para a comunidade’
(KUHN: 1970, p. 221-2).
A partir da leitura dessa definição de paradigma surge a confirmação:
Estamos diante de um novo paradigma. A análise do corpus até agora apresentada
aponta para uma questão que extrapola o âmbito das pesquisas em ensino LE. Os
dados revelam que o maior e mais importante desafio a ser enfrentado no ensino de
PLE parece estar centrado em um aspecto que interfere também quando se fala em
ensino em LM. É o que se denomina pedagogia da contradição:
‘[...] difunde-se um conhecimento fragmentado e exige-se um indivíduo por inteiro
[...] fragmenta-se o texto para que se aprenda a perceber o todo, procura-se fazer
com que o aluno responda somente ao que está previsto na leitura do professor ou
do autor do livro didático e exige-se um leitor crítico e participativo’. (KLEIMAN &
MORAES: 1999, p. 14-15)
A sintonia entre pesquisa aplicada e as práticas de ensino-aprendizagem de
línguas revela ainda sua insipiência. O manual do CELPEBras e os PCNs de LE se
posicionam contra a fragmentação (divisão arbitrária), a linearidade e propõem a
transversalidade, a interdisciplinaridade e o trabalho coletivo. Propõem ainda o
ensino centrado nos gêneros, através do desenvolvimento de práticas discursivas,
que têm no cumprimento de tarefas determinadas o elemento revelador da
competência comunicativa do aprendiz.
As novas tecnologias trazem em seu bojo exigências diversificadas e bastante
ecléticas em relação ao processo de letramento em LE. Em função dessas
demandas e, com base na prática de ensino de PLE, passamos a apontar alguns
encaminhamentos, que denominamos ‘Perspectivas para o ensino de PLE’.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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255
Iniciamos pela apresentação dos dados teóricos que fundamentam o ensino
desenvolvido em perspectiva discursiva, baseado nos gêneros textuais, assim
descritos por MAINGUENEAU (2001):
‘Os gêneros do discurso são atividades sociais que pertencem a um lugar institucional e
dependem das condições de êxito sócio-interacional, de uma finalidade reconhecida, dos
papéis dos parceiros, do lugar e momento, que devem ser legitimados. Assim, num hospital
teremos diferentes gêneros de textos: laudo médico, ordens escritas para o corpo de
enfermagem ou para sessões de terapia, entrevistas orais ou escritas para diagnóstico
(anamnese) etc; os gêneros estão presos a suas funções. Num estabelecimento de ensino,
aulas, provas, os textos de reuniões administrativas, as atas, os relatórios e diários de classe
dos professores, são gêneros de textos que cumprem funções diversificadas’.
Sabemos que os gêneros sempre variaram historicamente. Hoje não temos
mais epopéias como a Ilíada. Temos blogs. Nos primórdios da humanidade a
comunicação se dava por batidas de tambor, hoje falamos com pessoas do outro
lado do mundo, via computador, através do Skype
96
. Um aspecto parece resistir a
essa rapidíssima evolução de suportes disponíveis: para cada gênero há protocolos
sociais, que são seguidos à risca enquanto outros são quebrados todos os dias.
Muitos pesquisadores têm-se dedicado à investigação dos gêneros textuais,
procurando associar as duas formas fundamentais de expressão usadas pelo
homem (a escrita e a fala), distribuindo-os conforme sua aproximação ou
distanciamento da oralidade e da escrita. Podemos visualizar essa tipologização no
quadro a seguir:
96
Esse é um dos programas que permite a comunicação falada via computador. Para tal, os dois usuários, que
desejam se comunicar de qualquer parte do mundo, deverão instalar o programa e dispor de microfone e/ou
câmera. O serviço é gratuito e permite ligações nacionais e internacionais.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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256
Quadro 7 Gêneros textuais
97
Com a evolução rapidíssima dos meios virtuais de comunicação tem sido
também extremamente rápido o aparecimento do que MARCUSCHI (2004, p. 28-9)
denomina ‘gêneros emergentes’, uma espécie de transformação de alguns gêneros
anteriormente utilizados. E, com ela, a democratização do acesso aos meios digitais
foi provocando dois processos de mudança. O primeiro foi o fim das fábricas de
máquinas de escrever, reservando a elas espaço apenas em museus (ou escritório
de alguns persistentes escritores, de cujo amor continuam usufruindo). O segundo, a
97
In: MARCUSCHI (2003 a, p. 41).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
257
extinção da profissão de datilógrafo e o conseqüente surgimento da função de
digitador, também extinta após uma brevíssima existência. O computador
popularizou-se e, hoje, todos os que o usam desenvolvem as habilidades exigidas
para o exercício daquela profissão.
Atualmente, gêneros emergentes como o e-mail, o bate-papo virtual em
aberto, bate-papo virtual reservado, bate papo-agendado, bate-papo virtual em salas
privadas, entrevista com convidado, aula virtual, chat educacional, vídeo-
conferência, lista de discussão, weblogs estão popularizados exigindo o domínio de
competências específicas. Vejamos como MARCUSCHI (Ibidem, 31) sistematiza
essa transformação, no quadro 8 (adaptado):
Quadro 8 Gêneros emergentes na mídia virtual
GÊNEROS EMERGENTES GÊNEROS JÁ EXISTENTES
1 E-mail Carta pessoal// bilhete
2
Chat em aberto Conversações em grupos abertos
3
Chat reservado Conversações duais (casuais)
4
Chat ICQ (agendado) Encontros pessoais (agendados)
5 Chat em salas privadas Conversações fechadas
6
Entrevista com convidado Entrevistas com pessoa convidada
7
E-mail educacional (aula por e-mail) Aulas por correspondência
8
Aula Chat (aulas virtuais) Aulas presenciais
9 Vídeo-conferência interativa Reunião de grupo / conferência
10
Lista de discussão Circulares
12
Blog Diário pessoal, anotações, agendas
Outras reflexões podem ainda ser feitas. A concepção grafocêntrica, sobre a
qual têm sido ancoradas as práticas pedagógicas de ensino-aprendizagem de LE
nos MDs, até o momento, não perdeu sua hegemonia e a distinção fala/escrita
mantém sua centralidade. O modelo que era monolocutivo ou interlocutivo passa a
interlocutolivo e multi ou plurilocutivo. O que ficava centrado na dicotomia
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258
fala/escrita, passa a ter o componente tempo (sincronia ou assincronia) como
parâmetro distintivo, já que conectados podemos ‘estar’ em qualquer lugar.
Marcuschi redimensiona a distinção entre os gêneros propostos (figura 56), segundo
essa nova ótica, uma vez que a categoria espaço passa a ser irrelevante e superada
pela sincronia ou assincronia:
Quadro 9 Formatos de comunicação por computador
PARTICIPANTES TEMPO
SÍNCRONO ASSÍNCRONO
Bilateral Chat reservado E-mail
Multilateral Chat em salas abertas Informações / Lista de discussões
Aula Chat Blogs
As figuras a seguir permitem a visualização desse ‘novo’ paradigma
98
:
Figura 45 Contínuo dos gêneros de comunicação tradicional
98
MARCUSCHI (2004, p. 37-38).
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259
A figura 45 mostra uma relação que vai do mais formal para o informal; do
mais distanciado, para as interações face-a-face.
Figura 46 Contínuo dos gêneros de comunicação digital
A figura 46 mostra que a comunicação pode ser multilateral, bilateral,
multilateral; interindividual ou não. A comunicação digital permite ainda o que
MARCUSCHI (2004, p. 37) chama de ‘entrecruzamento que permite uma enorme
variedade de realizações em termos de formalidade, informalidade, relações
comunicativas e relações síncronas ou não’.
É interessante registrar que o processo é constituído de tal forma que muitas
pessoas chegam digitalmente ao nível mais profundo de intimidade e de
informalidade, sem sequer se conhecerem pessoalmente. A interlocução bilateral
digital tem provocado desdobramentos para os quais estamos ainda despreparados.
MARCUSCHI (Ibidem, p. 26) comenta sobre o processo de generacidade:
‘trata-se de um deslocamento epistêmico do encadeamento para um artefato
lingüístico dinâmico e holístico’. Os gêneros textuais emergentes ensejam a se
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260
pensar em gênero como um conjunto de ‘formações interativas, multimodalizadas e
flexíveis de organização social e de produção de sentidos’
. (MARCUSCHI: 2005, p. 19)
Hoje postula-se que a mobilidade dos gêneros vai exigindo sua ‘hibridação’ ou
‘mesclagem’. Esse processo é ‘de tal ordem que podemos chegar a uma situação
em que não mais haja ‘categorias de gêneros puros e sim apenas um fluxo’
(KRESS: 2003, p. 89-90).
Saímos de um modelo de estruturação monomodal (escrita ou fala;
veiculação através da voz ou do papel) para o modelo multimodal (hipertexto e a
utilização simultânea síncrona a assíncrona de cores, formas, imagens em
movimento, som). Dentro desse contexto, com que todos (inclusive os aprendizes de
LE, independentemente se estejam em contexto de imersão ou não) estamos
deparando, a multimodalidade, passa a ser traço constitutivo do discurso oral e
escrito. Nesse novo enquadre sócio-histórico, o tipo de letramento implementado vai
permitir que professores e aos aprendizes, no gozo do seu direito lingüístico
respondam satisfatoriamente ou não.
A análise do corpus mostrou que o advento de novas tecnologias (CD e
internet – suportes disponíveis em TB) não veio acompanhado de uma revisão na
concepção de ensino desenvolvida. Mudaram os meios, mas ela se mantém, como
mostra CORACINI (2005, p. 40-41):
‘Temos a impressão de que o acesso às novas tecnologias supre as deficiências do
ensino, as dificuldades de reflexão dos alunos, a desmotivação que mina nossos
cursos e os torna maçantes: só porque nossas aulas se utilizam do computador, por
exemplo, elas parecem atuais e interessantes. Ora, é preciso considerar que nos
encontramos, hoje, em situação semelhante àquela dos anos 80, em que foi abolido o
livro didático (sobretudo no ensino de línguas estrangeiras), em prol do uso de textos
autênticos: imaginava-se – e ainda se imagina – que trabalhar um texto de jornal ou
de revista é suficiente para inserir me nossas aulas no ensino comunicativo de
línguas. Ora, o que se tem observado, na maioria dos casos e não apenas no Brasil, é
a inserção de metodologias clássicas em cd-rom: as questões de compreensão, por
exemplo,
são as mesmas, os tipos de exercícios são semelhantes aos usados no livro
didático e no chamado ensino instrumental de línguas: questões de múltipla escolha,
preenchimento de lacunas, verdadeiro ou falso [...]’.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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261
Nossa prática, contudo, permite afirmar que o uso de novas tecnologias
contribui sim para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem de LE em
perspectiva discursiva, objetivando o letramento crítico dos aprendizes. Na leitura de
imagens, no trabalho com o texto, com o uso de novas ferramentas, com o
redimensionamento do MD, em um processo que denominamos multiletramento
99
.
Multiletramento é um trabalho que tem seu início considerando o texto a partir
de uma perspectiva discursiva; que não considera o sentido pré-existente à leitura.
Um incessante processo de trabalho com textos ‘[...] de rasgar, de amarrotar, de
torcer, de recosturar o texto para abrir um meio vivo no qual possa se desdobrar o
sentido.[...] É ao percorrê-lo, ao cartografá-lo, que o fabricamos, que o atualizamos’,
como sugere LÉVY (1998, p. 35-36).
Como projeto da pós-modernidade, que parte da perspectiva de pluralidade,
ou seja, de problematizar o homogêneo e o aparentemente simples e uno, a
fragmentação de tudo e de todos, o multiletramento postula a revisão do conceito de
textualidade dada a nova materialidade com que os textos são constituídos. O
trabalho se desenvolve em projetos, sobre temas transversais; em perspectiva
educacional e pragmática de percepção de si e da cultura do outro, considerando a
relação de poder pela e na linguagem. A leitura é feita em perspectiva interdisciplinar
via intertextualidade (quando são considerados aspectos como a história de leitura
do aprendiz em LM e em outras LEs). Os PCNs e o manual do CELPEBras deixam
de ser diretriz e assumem o papel de mote para reflexão sobre a relação
teoria/prática. O texto deixa de ser somente monomodal e passa a ser também
multimodal, no qual imagens, formas, movimentos produzem também efeitos de
sentido, refletem ou apagam aspectos histórico-ideológicos.
99
Inspiro-me em DIONÍSIO (2005) na escolha da terminologia.
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262
Em outras palavras, o multiletramento enfatiza também o letramento visual.
Não desconhece a centralidade do LD e seu papel como suporte de um gênero de
esfera pública, respaldado, portanto, pela instituição escolar, cuja principal
característica é o seu caráter normativo e regulador no processo ensino-
aprendizagem (BERTICELLI, 2005).
A resistência contra essa normatividade é identificada no desejo da
‘novidade’, tão explorado pelos editores e produtores de MDs. Fazendo uma
comparação entre a inserção dos constructos tecnológicos nos espaços de
produção de textos na sociedade, podemos ver como o LD prima pela resistência.
KELLNER (1995, p. 111) descreve esse processo, mostrando que a distância entre
a produção de livros didáticos e de textos midiáticos:
Enquanto na década de 90 do século XIX, os anúncios ‘começaram a fazer uso da
fotografia e ilustrações [...] com a imagem substituindo a racionalidade discursiva
[...] somente na década de 80 do século XX (portanto quase um século depois), os
livros didáticos de PLE começaram a introduzir fotografias (em preto e branco)
substituindo as ilustrações ou traços de desenhos que muito de leve sugeriam os
objetos que pretensamente representavam’.
Tendo em vista essa morosidade no acompanhamento, nossa proposta de
multiletramento problematiza a função e o papel do LD e propõe estratégias
diversificadas de utilização. Ela o reposiciona, demovendo-o do lugar de
centralidade que tem ocupado durante tantos séculos. Reconhece ainda o fato de
que mesmo no mundo digital, em que se imagina a proliferação de imagens e a
leitura de textos plurissemióticos, ainda vivemos o império da escrita, já que todos os
gêneros emergentes (híbridos e mesclados veiculados por meios digitais) são
fundamentalmente baseados na escrita.
O multiletramento propõe ainda a discuso da idéia de que ‘o impacto da
Internet é menor como revolução tecnológica do que como revolução dos modos
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263
sociais de interagir lingüisticamente’ (CRYSTAL: 2001). A elucidação de como se
operacionalizam esses processos passa a ser feita a seguir.
5.1. O ENSINO DE PLE E O MULTILETRAMENTO
‘O sentido de um texto não está ‘guardado’ nele como jóia em um cofre ou
como um segredo em um oráculo. O sentido não se extrai, o sentido se
constrói na relação discursiva [...] o sentido é mutante, já que vale, acima
de tudo, por sua serventia histórica e social entre os homens. Fenômeno
interacional por excelência, o discurso – e os textos com que ele se
materializa – é um jogo, um intercâmbio, uma negociação em cujo centro
está o sentido. [...] O sentido tem suas artimanhas. Às vezes dorme nas
dobras do inconsciente do autor do texto, mas, tendo sono leve, pode usar
do dom da dissimulação e descer à sombra das palavras. Nessas
ocasiões, não basta trazer os olhos abertos; é bom ter à mão uma
lanterna’.
(AZEREDO: 2004, p. 156).
A lanterna de que o professor e o aprendiz precisam tem seguramente
materialidades outras que não somente o MD. A pesquisa aplicada em perspectiva
diacrônica tem apontado as exigências feitas aos professores e os modelos de
socialização profissional dos docentes, notadamente a partir da década de 60 (séc.
XX) quando lhes era exigida unicamente ‘competência técnica: saber elaborar
exercícios e testes, formular objetivos operacionais.. Isso porque os conteúdos dos
cursos que deveriam planejar já estavam definidos no/pelo LD e pelas editoras que o
publicavam. Reitere-se: os únicos possíveis, os únicos pensáveis.
Não era (é?) difícil encontrarmos no ensino de LM docentes que, mesmo em
turma de alunos retidos vários anos na mesma série, ou seja, repetindo os mesmos
‘conteúdos’ há mais de um ano, insistem em manter o mesmo LD, pois é o que ‘tem
que ser trabalhado’. Esse comportamento docente registrado na memória do ensino
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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264
de LM é repetido no ensino de LE, basta observar a repetição das unidades nos
MDs, curiosamente explorando os mesmos conteúdos...
Ao analisar os MDs, identificamos a presença de atividades de significância
questionável tanto no ensino de vocabulário quanto no das estruturas lingüísticas
constitutivas do seu sistema gramatical. Constatamos um certo apagamento das
imagens ‘reais’ do Brasil. Os aprendizes de PLE são estrangeiros (em imersão ou
não no país). Vivendo na aldeia global, conhecem os processos políticos e
econômicos que determinam a hegemonia ou não de determinados países no mundo
globalizado. O multiletramento em PLE não pode jamais desconhecer essa marca
identitária constitutiva do aprendiz a quem se dirige o ensino da língua/cultura-alvo.
O ensino-aprendizagem em LE deve, pois, ser desenvolvido através de práticas
discursivas que permitam também a vivência e a reflexão acerca das desigualdades
e injustiças que são a causa dos conflitos mundiais que hoje testemunhamos; deve
favorecer o levantamento desses tópicos e levar os alunos a refletirem sobre eles.
Somente assim estaremos formando o cidadão do mundo, que não é passivo, mas
um agente de transformação.
Sabemos que essa tarefa é extremamente delicada. Não é tão simples, como
possa parecer, discutir sobre o terrorismo com grupo de aprendizes no qual haja
defensores, por exemplo, da guerra no Iraque; ou sobre a implementação do Tratado
de Kyoto, em turma de americanos.
O foco do trabalho de ensino-aprendizagem é deslocado para uma dimensão
discursiva. Nesse sentido, quando os textos forem utilizados, a interferência do
professor deve ocorrer no sentido de desenvolver um trabalho discursivo de
leitura/escrita, porque ler e escrever passam a ser processos indissociáveis e
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265
intercomplementares, na perspectiva de multiletramento em LE que estamos
propondo.
A análise da materialidade lingüística dos textos sai de uma atitude
contemplativa para um posicionamento discursivamente reflexivo. Os professores, do
lugar de conhecedores do processo histórico de transição da sociedade de produção
para membros de uma ordem semiúrgica, caracterizada pela proliferação de signos,
simulacro de imagens. Eles não escrevem mais na lousa (afinal, ‘saímos’ da cultura
impressa tipográfica); usam o computador e imprimem, produzem e enviam arquivos
digitais, gravam sons e imagens e os enviam; comunicam-se e ensinam a
comunicação de modo síncrono ou assíncrono. Têm consciência e trabalham com os
alunos a reflexão sobre o inexorável estado em que nos encontramos hoje, ‘imersos
num oceano de imagens [...] espécies que a teoria cultural contemporânea apenas
começou a classificar [...] a Era do Entretenimento, centrada na cultura da imagem, a
do discurso da mídia eletrônica, irracional, incoerente e fragmentado’ (BAUDRILLARD:
1981, p. 185 ss).
As imagens e o paratexto
100
deixam de ser acessórios, mas constitutivos,
produtores de efeitos de sentido, de visões de mundo, de estilos de vida e de um
sistema de valor congruentes com os imperativos do capitalismo de consumo
(KELLNER: 1995), daí a exigência de ler criticamente as imagens veiculadas no/pelo
MD. A sua função ilustrativa (representacional), tão importante na primeira fase de
aquisição de uma LE, passa a acumular também a função discursiva. Assim, ao ler
uma imagem, o aprendiz vai posicionar-se diante da realidade que ela ‘encapsula’ e,
como produtor/intérprete vai estabelecer com a cena, a partir da ativação de
100
Sua materialidade lingüística é identificada através de indicações do autor, tipo de texto, forma, época e
veículo de divulgação.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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266
mecanismos intertextuais, relações de estranhamento ou de intimidade, superioridade
ou subordinação, credibilidade ou questionamento, importância ou desinteresse.
Como realizações semióticas de práticas sociais, as imagens passam a ser
elemento central do processo de letramento visual, que pretende desenvolver a
'sintonia fina’ no olhar (OLIVEIRA: 2006, p.21), ou seja, a implementação de uma
abordagem, na qual o escrito/verbal possa ser lido/jogado e suas cores, formas, linhas,
ângulos, focos, luz e sombra favoreçam a descoberta de ‘visões de mundo complexas
e sutis’ (OLIVEIRA: Ibidem, p.32-33).
O multiletramento pressupõe também o letramento digital. Dois aspectos
preliminares precisam ser levantados em consideração, quando se analisa esse tipo
de letramento. O primeiro se refere à compreensão do hipertexto em suas marcas
constitutivas - a incompletude, a fragmentação, a (co)laboração. Segundo
MARCUSCHI (2000, p. 89), a produção hipertextual é colaborativa, seja na forma de
leitura ou de escrita. Isso significa leitura em ‘cascata ou arborescente’ (CORACINI:
2005, p. 36), na medida em que a trajetória percorrida pelo leitor, através do
acionamento de um ícone ou de uma tecla, vai favorecendo a abertura de novas telas,
conforme vão sendo acionados novos links.
Mudam as estratégias de leitura – a relação da instância enunciativa
interpretante com a materialidade lingüística com que depara - mas o funcionamento
interno da situação discursiva, no que tange ao papel do da instância subjetiva
interpretante, continua o mesmo. Explico. ‘Novas’ características são presumidas por
essa ‘nova’ textualidade. A leitura multilinear e multiseqüencial permite que duas
pessoas, entrando no mesmo site, provavelmente tenham duas leituras
completamente diferentes, em função de qual caminho sigam para construir seus
textos. Por isso, no hipertexto – especialmente mídia na/da internet “não basta saber
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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267
ler e escrever, é preciso ser ‘visually literate, ou seja, ter competência visual, a qual
compreende dois níveis: produção e consumo de imagens” (WILSON: 2005).
No letramento digital, é preciso ser capaz de reconhecer as ‘duas dimensões
dos hyperlinks: a navegacional (associada às diversas conexões que um texto pode
fazer com outros textos e outros contextos) e semântica (relaciona-se às ligações
semânticas que podem se tornar realidade, dependendo do caminho escolhido pelo
leitor)’ (BURBULES: 2002).
A textualidade do hipertexto refere-se não somente à organização do discurso
em nível interno (coerência, coesão entre outros fatores de textualidade já estudados
no texto em papel
101
), mas também ao layout da página. A ordem de disposição das
informações, em qualquer tipo de texto, revela intenções enunciativas; no hipertexto, a
definição da posição de determinado link, de determinada foto, de determinado texto
verbal é definida
pelas condições de produção do texto e do veículo (suporte) em que
ele está sendo divulgado. Para se ter uma idéia da complexidade do fenômeno de
textualização em meios digitais, o próprio texto é mais uma das imagens que
compõem a superfície da página. O espaço que ocupa, a fonte cor e forma com que
seja escrito, seu posicionamento na página (diagramação) são fatores que interferem
nos efeitos de sentido que a leitura/interpretação desse texto verbal como parte de um
hipertexto podem produzir. Apesar de todos esses aspectos, ‘no mundo digital,
vivemos ainda o império da escrita’ (MARCUSCHI: 2004, p. 15). Essa constatação traz
em seu bojo uma exigência para o planejamento de atividades que ensejem o
letramento digital - o conhecimento das características dos leitores de hipertexto, para
que sejam definidas as estratégias de leitura para este tipo de atividade. Eles buscam
dinamismo de leitura, logo os textos devem ser objetivos, concisos, curtos. Gostam de
101
COSTA VAL (2000) revisita os princípios de textualidade de BEAUGRANDE & DRESSLER (1981) e propõe
princípios de textualização, partindo da perspectiva de que ler (e cada leitura individualmente) é também produzir
o texto e de que a textualização é o fundamento constitutivo do texto.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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268
hyperlinks, por isso, ao iniciar um trabalho com hipertexto, o professor deve deixar
claro o objetivo final da tarefa (para evitar que os alunos fiquem viajando pelas
páginas sem chegar a conclusão alguma). Anseiam por credibilidade e agilidade, o
que vai exigir do trabalho de escolha dos sites uma seleção criteriosa para evitar a
oferta de opções com informações desatualizadas, com arquivos muito pesados que
tornem lento o seu descarregamentodownload- (COSCARELLI: 2003).
No trabalho de produção de textos informais em meios digitais (troca de e-
mails, fóruns virtuais síncronos e assíncronos, salas de bate-papo, pager digital), a
atenção do professor deve ser reforçada por razões que se desdobram em dois eixos.
Sob o ponto de vista dos usos da linguagem, temos uma pontuação minimalista, uma
ortografia bizarra, abundância de siglas, abreviaturas nada convencionais, estruturas
frasais pouco ortodoxas (CRYSTAL: 2001). Os alunos repetem na escola o que
vivenciam em suas práticas de letramento não-escolares e geralmente são
reproduzidos, na ortografia das palavras, por exemplo, somente os grafemas
consonantais. Segundo a natureza enunciativa da linguagem, percebemos a
integração a seus textos de outras semioses em gêneros textuais híbridos emergentes
(CRYSTAL: Ibidem).
É interessante registrar a popularização de determinados gêneros, como o e-
mail, que, até em turma de iniciantes, é uma ferramenta bastante explorada pelos
aprendizes, mesmo em situações comunicativas não intencionais, não sistematizadas
pelo professor.
Eles têm supremacia quantitativa sobre os textos de outros gêneros
hipertextuais. Os textos
produzidos/enviados por e-mail são menos ‘burocráticos’, mais
simples, concisos,
descontraídos e permitem uma comunicação mais rápida e objetiva
(ZANOTTO: 2005, p.163)
102
.
102
Os e-mails estão substituindo a comunicação via carta escrita (como reduziram o número de cartões de natal.
Todo ano viam-se filas enormes diante dos postos dos correios – hoje só manda cartão de natal um público
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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269
Podemos ressaltar a relevância do uso do e-mail no desenvolvimento da
aprendizagem da escrita em PLE. Os aprendizes já possuem o conhecimento do
gênero textual, pois escrevem e-mails em sua LM. Assim, ousam também fazê-lo na
língua-alvo. Observemos o e-mail a seguir, produzido por um aprendiz de PLE (falante
nativo de inglês) com três semanas de aula de PLE. Ele foi escrito com um propósito
comunicativo bastante explícito, como podemos observar na figura 47:
Figura 47 Reprodução de e-mail enviado por aprendiz de PLE
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Subject:
Why…
From:
Timothy
Date:
Fri, Aug 26 2005 11:02:11
Ms. Pacheco, Porque hoje ocê marked me as unexcused
absence? Eu venho para aula hoje! Sabe? Tim
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Podemos observar a importância dos elementos paratextuais e paralingüísticos,
pois eles trazem informações relevantes: a identificação dos interactantes, a
ancoragem dos textos no tempo e no espaço (sabemos que o e-mail
acima é
importante pois foi escrito quando o aluno era realmente iniciante na aprendizagem
de PLE); a sinalização das marcas de formalidade ou informalidade - o e-mail do
exemplo demonstra cordialidade, informalidade, o que pode ser observado a partir
da forma de saudação e de despedida empregada.
específico com objetivos definidos). Essa constatação demanda uma outra pesquisa e foge aos objetivos do
presente trabalho.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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270
Esse exemplo de emprego de tecnologias digitais traz novamente à tona um
questionamento sobre sua eficácia em educação. Para CHAVES (1999), tecnologia
é ‘tudo aquilo que o ser humano inventou, tanto em termos de artefatos, como de
métodos e técnicas para estender sua capacidade física, sensorial, motora ou
mental, assim facilitando e simplificando o seu trabalho enriquecendo suas relações
interpessoais ou dando prazer’.
Quais teriam sido as tecnologias que efetivamente mudaram a educação? ’A
escrita alfabética, a imprensa, o conjunto de tecnologias eletrônicas (...) telefone,
fotografia, cinema, rádio, televisão, vídeo, computador’ (BACALÁ: 2003, p. 22). Hoje
todas elas estão integradas ao computador e/ou ao celular.
Na década de 60, tínhamos as fitas cassetes usadas no método audiolingual.
Nessa época foram criados laboratórios de línguas com microfones, fones de
ouvido, toca-fitas, onde essas fitas auxiliavam/embasavam o trabalho do professor.
Havia inclusive laboratórios que dispunham de cabine, da qual os professores
‘controlavam’ a produção de seus alunos. Registre-se que pouco freqüente era a
comunicação entre os aprendizes, já que o trabalho primava pela individualidade.
Além disso, as atividades eram extremamente repetitivas e não auxiliavam muito no
desenvolvimento da capacidade do aluno em produzir textos.
Com o advento da abordagem comunicativa e a dimensão cognitivista da
aprendizagem, o ensino passou, contraditoriamente, por uma etapa de trabalho
ainda mais individualizada. É importante ressaltar a rapidez com que o avanço dos
recursos tecnológicos e o acesso a textos eletrônicos passaram a influenciar
fortemente o modelo de ensino de LEs. Eles são fatores que podem/devem ser
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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271
apontados na configuração do quadro atual do ensino de PLE, embora ainda
inexplorados pelos MDs de PLE constantes de nosso corpus.
103
Na década de 90, usávamos os disquetes flexíveis, passamos ao disquete de
3.5”, com capacidade de armazenamento de 1,44 MB; passamos ao CDR (que
armazena o equivalente a 300 livros de 200 páginas) (LEFFA: 2001a, p 135).
Atualmente, usamos o CDRW (CD regravável como os antigos disquetes); os memory
stickcs – de dimensões cada vez mais reduzidas. Para se ter uma idéia, os mais
vendidos hoje têm 0,5mm de altura, 5 cm de comprimento e 2 cm de largura, mas
apresentam memória variável, chegando à capacidade de armazenar o
correspondente a três CDs. Hoje, podemos gravar digitalmente os ‘quadros’ que
escrevemos, retomá-los, gravar uma aula inteira, acessar a internet para tirar uma
dúvida qualquer, baixar qualquer tipo de arquivo: texto, imagem, som, vídeo – quando
uma aula é desenvolvida através do Smart Board, cujas possibilidades de
multisemiose são inumeráveis. Através das ferramentas nele encontradas, os textos
produzidos em aula coletivamente e registrados no quadro da sala podem ser salvos
em arquivos de e disponibilizados para os alunos através desses programas. De casa,
os alunos podem ‘baixar’ esses arquivos (ouvi-los – com a voz do professor e lê-los
nos arquivos de imagem, que podem ser impressos). O programa permite também a
disponibilização, em arquivo com extensão .doc, dos textos escritos em sala de aula.
Através do SmartBoard, a aula a que um aluno tenha faltado poderá ser
‘recuperada’ na íntegra (o programa salva todo o som ambiente da sala, além dos
‘quadros’ que o professor for escrevendo no transcorrer da aula). O equipamento
permite ainda que várias telas sejam armazenadas e abertas simultaneamente,
103
Um pouco da visão histórica desse processo pode ser compreendida em PACHECO & SIMÕES (2004), artigo
ainda inédito, fruto de comunicação feita no 1º PLE/ PUC-Rio, setembro de 2004: Ensino de português para
estrangeiros na Escola Americana do Rio de Janeiro: relato de uma experiência educacional
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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272
conforme seja o andamento das atividades gravadas. Durante o desenvolvimento da
aula em uma das telas, o professor pode acessar as telas anteriores, conectar-se à
internet (caso precise fazer uma consulta, ilustrar a aula com um mapa, com um vídeo;
pode buscar um desenho, uma ilustração). Caso esteja trabalhando uma música e
deseje fazer menção a outra, pode acessar simultaneamente os arquivos com a letra e
a melodia. O registro de toda essa trajetória fica salvo no SmartBoard em arquivo que
pode ser disponibilizado ao aluno via internet.
Uma outra estratégia adotada com resultado bastante positivo é o
aproveitamento softwares para educação à distância, dentre os quais podemos citar o
Desire2Learn, no qual podem ser disponibilizadas, diariamente, em arquivos de
extensão ‘.wav’
104
e .doc (e outros, segundo o programa em que a atividade foi salva),
as atividades desenvolvidas na aula de LE. A agilidade que essa ferramenta traz para
o processo de ensino permite reduzir sobremaneira o artificialismo das atividades, na
medida que as expressões, as frases e os textos criados pelos alunos durante a aula
podem ser imediatamente inseridos e disponibilizados via internet.
Em sala, sob a supervisão do professor, os aprendizes aproveitam o tempo,
dedicando-se à (re)significação das palavras, expressões e frases em novos contextos
(em perspectiva interativa, pois estão atuando em grupo). Em casa, individual e
independentemente, podem trabalhar, segundo o seu ritmo de aprendizagem, na
fixação das atividades de metalíngua e de enriquecimento vocabular.
O material em texto escrito (com a extensão ‘.doc’) e de áudio (extensão ‘.wav’)
pode ser capturado em casa ou a partir de qualquer computador com acesso à
internet. Os arquivos armazenados pelo programa Desire 2Learn podem ser
capturados por cada aluno, que, individualmente, sem ‘os críticos e observadores
104
Arquivos “.wav” são arquivos de voz. Tendo um microfone, podemos gravar nossa própria voz, salvar em
arquivo com extensão .wav e ouvi-la através das caixas de som do computador.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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273
colegas de sala de aula’, pode ‘baixar’ os arquivos de texto, imprimi-los e ficar ouvindo
os textos em áudio. Pode ainda, se tiver um microfone, gravar sua própria voz e
compará-la com o arquivo (.wav) enviado pelo professor.
Outras atividades podem ser desenvolvidas a partir desse programa. Elas têm
demonstrado serem um recurso extremamente eficaz para vencer pequenas
dificuldades individuais e acelerar o processo de aprendizagem. Registre-se ainda a
vantagem de permitir que seja desenvolvido um trabalhado diversificado, normalmente
exigido do professor no atendimento ao ritmo de aprendizagem de cada aluno
(proposta da abordagem comunicativista). O recurso ao computador, com microfone e
fones de ouvido permite que os alunos trabalhem com arquivos visuais e auditivos,
mais independentemente e de modo mais racionalizado, acelerando seu processo de
aprendizagem. Eles gostam de trabalhar com esse ferramental com que estão cada
vez mais familiarizados no seu dia-a-dia.
Algumas atividades coletivas podem também ser realizadas. A primeira a ser
citada é o chat (síncrono) – desenvolvido em laboratório de informática com todos os
computadores ligados em rede, ou com todos (alunos e professor) acessando o
programa de casa, em horário pré-determinado. A conversa pode assim, ser síncrona,
independentemente do espaço físico em que cada aluno estiver trabalhando (de sua
casa, de outro estado, de outro país).
Essa conversa escrita (chat síncrono) tem revelado algumas vantagens
bastante significativas: os alunos mais tímidos conseguem se manifestar muito mais
do que quando estão em atividade presencial, visto que sua participação não depende
de ‘licença’ de seus interlocutores, ou seja, eles não precisam aguardar sua vez, seu
turno de fala. Todos podem falar simultaneamente. Assim, o ritmo de ‘fala’ de todos os
participantes também acelera. Os alunos desenvolvem simultânea e significativamente
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Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
274
a competência de ‘falar e escrever’, de ‘falar escrevendo’. É claro que com foco na
escrita, já que é dessa forma que a conversa se desenvolve. A ‘fala’ dos aprendizes é
acionada cada vez mais rapidamente, para que eles possam acompanhar o ritmo das
telas que vão se sucedendo, com o registro do que os outros participantes do chat
‘falaram’.
Uma outra modalidade é o chat assíncrono. São as salas de discussão, abertas
pelo professor que ficam à disposição do aluno, desde que acesse o programa através
de um computador ligado à internet. Nestes espaços virtuais, cada aluno deixa sua
opinião registrada acerca de determinado tema que está sendo discutido, segundo sua
disponibilidade de horário para acesso ao computador. Diferentemente da outra
modalidade de chat, esta escrita pode ser mais planejada. O aluno ‘entra’ na
discussão quando pode, momento em que tranqüilamente dedica-se à leitura dos
textos submetidos por seus colegas. Após reflexão acerca do que leu, pode mais
calmamente debater (concordando ou discordando) as idéias expressas, o que
favorece a formação de opinião, a partir da leitura crítica do material produzido.
Uma outra vantagem do uso desse programa é a de auxiliar também na
organização do horário do aluno, que, ao entrar, é relembrado das tarefas que deve
realizar (leitura que ele vai fazer de modo significativo). Além disso, caso esteja
impossibilitado de comparecer à escola, fica ciente das atividades realizadas pelos
membros da classe. Além disso, de onde estiver, pode imprimir, textos, exercícios,
roteiros de leitura, desde que tenha computador com acesso à internet. Pode ainda
realizar trabalhos e submetê-los à denominada dropbox, uma caixa virtual que recebe
os arquivos enviados pelos alunos e os armazena para correção pelo professor. O
docente pode, através do programa, devolver o arquivo corrigido, com inserção dos
comentários que se fizerem necessários, através dos recursos do hipertexto, ou seja,
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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275
os comentários aparecem em janelas separadas, o que permite o desenvolvimento de
um trabalho de autocorreção bastante interessante e produtivo na aprendizagem da
LE.
Em análise bastante superficial, pode-se afirmar que o uso dessas novas
tecnologias tem se mostrado um recurso bastante eficaz, para vencer as inevitáveis
dificuldades que os professores enfrentam em PLE com turmas de adolescentes ou
mesmo de adultos tímidos ou com baixa estima, sentimentos que inibem sua fala
105
.
As tarefas de casa se modificam bastante quando se trabalha com ferramentas
digitais. Os textos trabalhados podem ser bastante atuais (o professor pode trabalhar
com material do dia ou da semana), voltados para o interesse real dos alunos.
Geralmente as páginas dos jornais ou revistas eletrônicas on line disponibilizam
ferramentas de busca que favorecem bastante essa agilização.
O uso de gramáticas e dicionários on line e a consulta a sites de busca para
pesquisa (dicionários e gramáticas digitais; bibliotecas e museus virtuais) é uma
ferramenta bastante usada pelos alunos, mas sua eficiência é bastante questionável,
como foi mostrado no capítulo
3.
Quanto ao ensino das estruturas gramaticais, porém, há ainda significativas
contradições a serem vencidas. Por primar pela agilidade e dinamismo, o texto da/na
internet, produzido pelo aluno, revela um certo descuido (notadamente nas interações
síncronas), cujas razões são atribuídas a erros de digitação (pela pressa em
escrever). No contraponto, a escrita de endereços e a inserção de senhas exigem
precisão ortográfica. Ao digitar o endereço de um site, qualquer aspecto é revelante: a
omissão de um ponto, de uma letra, pode inviabilizar o acesso. Um outro fator que
interfere negativamente na escrita via internet é a facilidade de recortar, copiar, colar,
105
Os efeitos de sentido desse ferramental não serão aprofundados, pois fogem ao objetivo da presente
pesquisa, mas apontam para um estudo bastante interessante.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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276
editar textos escritos (fonte - cor, tamanho, negrito, itálico, sublinhado, espaçamento
de caracteres etc), imagens (tamanho, forma) que quase todos os softwares
oferecem. Essas ferramentas fazem com que o aluno não precise prestar muita
atenção no processo de ‘escrita’, o que é desvantajoso e contraproducente no caso de
aprendizagem de LE.
Mas essas mesmas ferramentas de edição facilitam o trabalho do professor na
correção de textos on line e na inserção de comentários no retorno que é dado ao
aluno sobre a produção escrita por ele apresentada. A possibilidade de ser(em)
criada(s) outra(s) superfície(s) textual(ais) - característica do hipertexto - permite que o
professor vá inserindo suas observações no texto produzido pelo aluno sem, no
entanto, alterá-lo, o que vai exigir do discente um trabalho criterioso e atento de
correção. Essas ferramentas permitem inclusive que um aluno corrija o trabalho de
outro (através da inserção de comentários) e essa correção seja analisada pelo
professor.
As formas de avaliação (pelo professor e a auto-avaliação) em ensino de LE
são também bastante aprimoradas com o uso de ferramentas digitais. Com a
possibilidade de armazenamento de arquivos de áudio, a produção oral do aluno pode
ir sendo ‘compilada‘ para consulta dele e do professor. Esse ‘portifólio digital’ é
extremamente eficiente e revelador do progresso do aprendiz na proficiência da
língua-alvo. Em caso de trabalho com iniciantes, ela é sobremaneira importante.
Oferecido ao aluno o acesso a um computador com microfone e fone de ouvido, ele
pode ir gravando e salvando suas leituras. Ele pode ir ouvindo e eliminando as
versões que considerar inadequadas (procedimento adotado em caso de alunos
interessados em auto-aperfeiçoamento). A facilidade de armazenamento que os atuais
softwares oferecem viabiliza esse processo.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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277
Esse material de produção oral autêntico e atualizado pode então ser
trabalhado por professor e aluno (oportunidade em que o docente pode ir mostrando
ao aprendiz, de modo individualizado os pontos em que precisa haver aprimoramento
da pronúncia). Em casos de domínio rápido pelo aluno, a atividade de retomar o texto,
ou de produzir oralmente outro texto pode se configurar como tarefa de casa, que ele
poderá enviar ao professor através de arquivo digital via software –‘colocar na dropbox
em caso de utilização de softwares educacionais, que disponibilizem essa ferramenta.
O interessante é que a execução dessas tarefas pode ser feita ainda que de forma
não-presencial (até mesmo se o aluno estiver fora do país), pois o programa é
acessível via internet, o que impede a ruptura do fluxo do processo ensino-
aprendizagem. O mesmo ocorre em outras ocasiões em que os alunos estejam
impossibilitados de virem à escola (casos de doença ou de viagem ao país natal para
regularização de visto, comum em caso de estrangeiros com permanência longa ainda
não autorizada). Se os aprendentes estiverem encontrando dificuldade maior na
oralidade (geralmente os hispanofalantes) o trabalho pode ser feito conjuntamente
(aluno e professor) usando os meios digitais.
No que se refere à leitura, as ferramentas digitais também ajudam bastante.
Nas aulas em que os alunos trabalhem com computadores com acesso à internet,
banda larga, por exemplo, a participação dos aprendizes é sempre mais intensa, mais
interativa e significativa, pois o acesso à internet favorece as atividades de
interpretação de textos os mais variados (vídeos, filmes etc). O acesso a vídeos via
computador permite que os textos trabalhados sejam sempre bem atuais e, por
conseguinte mais interessantes para os alunos. Além disso, sites com arquivos de
vídeos (reportagens, filmes, clips dentre outros) com acesso autorizado livremente (ou
por assinatura).
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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278
O professor pode selecionar os vídeos por assunto para exploração em sala de
aula. E poderá, em sua aula da tarde, discutir um assunto que aconteceu em tempo
bem recente ou está acontecendo em tempo real, o que confere às atividades um
caráter de significância e maior autenticidade, já que a inserção de textos (escritos e
de áudio) nas aulas pode advir de um comentário feito por um aluno. É o que
denomino CLUBE DA LEITURA, muito eficaz em turmas de nível avançado, mas
muito bom também para ser desenvolvido em turmas de intermediário e até de
iniciantes, segundo as especificidades de cada grupo.
Esta atividade desenvolvimento da linguagem oral é inspirada no conceito de
leitura do mundo de FREIRE (1991). Por ser diário, realizado nos primeiros minutos de
cada aula, o clube de leitura é um espaço em que os alunos são convidados a
fazerem uma resenha crítica de suas experiências culturais, havendo oportunidade
para que apresentem também uma análise dos principais acontecimentos do momento
(no Brasil e no mundo), ilustrando sua apresentação com quaisquer textos de revistas,
de jornais ou outros veículos de comunicação a que tenham tido acesso, usando os
recursos da sala de aula: tv, vídeo, retroprojetor e/ou computador (PACHECO: 2000).
Ferramentas de busca (como por exemplo www.google.com
) permitem que a
pesquisa acerca de um site visitado por um aluno em casa seja assunto da aula de
PLE, pois ele pode ser ‘encontrado’ no computador da sala e visitado durante a aula,
com socialização das informações para todos os alunos.
As famosas lições de ensino-aprendizagem em LE, em que os alunos
entrevistam seus colegas e perguntam onde moravam antes de vir para o Brasil, como
era sua casa, qual o caminho que percorriam para ir à escola; que meio de transporte
utilizavam, podem se tornar muito mais interessantes e contar com a participação mais
atenta de todos os alunos da classe, se a atividade for mediada pelo programa
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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279
GoogleEarth, através do qual, mediante cliques de mouse, os aprendizes viajam pelo
globo terrestre, via satélite, e identificam no mapa (através da tela do computador) a
casa onde residiam, a escola onde estudavam, a cidade onde moravam. Com o
programa, eles podem mostrar como chegavam à escola, falar sobre seus hábitos de
vida, suas formas de lazer (comprovando) suas afirmações... Pode haver
autenticidade maior?
As famosas aulas de falar sobre a família, a cidade (país) onde moravam e os
hábitos de seus moradores podem ser ilustradas também através de fotos (enviadas
pelos familiares que ainda permanecem no país de origem) via e-mail, abertos e
apresentados para a turma via projetor do computador de sala. Podem também ser
utilizados os blogs, nos quais as marcas da identidade (inclusive das características
culturais) poderão ser apresentadas, discutidas e comentadas.
Mas não imaginemos que tudo são maravilhas no mundo das aulas ‘hightech’.
O uso desse tipo de ferramenta requer uma estrutura de acesso continuamente
aperfeiçoada (sempre mais ágil, mais eficiente, mais ‘potente’) para viabilizar o
acesso. Usando o sistema operacional Windows (o mais popular e mais usado), é
necessária uma atualização constante. Por exemplo, um texto produzido em um
programa de versão superior (Word 2000) pode não ser lido em computador em que a
versão do Word seja 1995, a menos que o arquivo tenha sido salvo de modo especial.
Muitas vezes, esquecendo-se disso, o professor ou o aprendiz trabalha em casa (em
um computador mais atualizado) e traz sua tarefa para a escola, mas não consegue
abrir o arquivo, pois a versão disponível do programa é anterior e o arquivo salvo não
pode ser ‘aberto’.
Além disso, o trabalho com softwares educativos exige que o aluno domine
bastante o uso desse tipo de ferramenta com que vai ler/produzir textos. Nada mais
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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280
frustrante do que em uma aula o aluno ocupar todo o tempo trabalhando e não saber
salvar ou o sistema apresentar erro e ele perder todo o seu trabalho. A sensação de
frustração é terrível. Para minimizar essa dificuldade, caso o arquivo salvo não seja
muito grande, se os computadores onde o aluno trabalhe estejam conectados à
internet, uma opção é salvar o arquivo no drive do computador e enviar para o próprio
e-mail do aprendente.
Uma outra dificuldade com relação ao uso de tecnologias digitais se refere à
volatilidade dos dados devido à própria natureza do suporte: uma queda de luz faz
perder todo um trabalho que não tenha sido submetido a um salvamento constante
durante a fase de realização. A um clique do servidor, uma página pode ficar
indisponível (para manutenção) e uma aula planejada com o objetivo de consulta fica
inviabilizada. Trabalhamos ainda com problemas de memória digital, que afetam a
dinâmica do trabalho. Temos que imprimir tudo ou buscar mecanismos cada vez mais
possantes para gravar/salvar/armazenar os dados, com segurança para evitar perdê-
los, em pelo menos dois backups (CD ou disquete) diferentes.
O problema da incompatibilidade entre programas também é sério, pois muitas
vezes ficam inviabilizadas muitas transmissões de dados. Pesquisas recentes em
CALL (Computer Assisted Language Learning) situam-na já em uma terceira fase (a
integrativa), caracterizada pela inclusão da tecnologia multimídia e da Internet no
ensino de LE (HASS: 2005, p. 148). Essa terceira fase em CALL permite a interação
em tempo real e produção de textos síncronos (salas de bate papo, vídeo conferência,
programas educacionais como o Desire2Learn, em que professores e alunos podem
interagir em tempo real) e assíncronos (e-mails, fóruns de discussão).
Como vimos, ao contrário da ‘escrita pré-internet, que tinha sua recepção
sempre defasada no tempo (todos nós líamos os textos muito depois de escritos), na
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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281
era da internet, a recepção da escrita pode ser simultânea à sua produção,
sincronia temporal com o interlocutor. É claro que essa forma de temporalidade
interfere na forma de escrever, pela necessidade de reação em tempo real. Isto
constitui algumas das estratégias de textualização da oralidade que passam para a
escrita. A escola deve aprender a lidar com esse formato de escrita. ‘São essas
possibilidades que tornam a Internet um espaço de grande plasticidade com recursos
infindáveis para novas formas de interação pela escrita e por isso mesmo um desafio
muito mais promissor do que assustador. É o tipo da ruptura que constrói e não corrói.
(MARCUSCHI: 2005, p.11).
Mas não só de internet vivem os professores de PLE. O ensino através de
jogos é ainda bastante utilizado e sua eficácia bastante reconhecida. No jogo, o aluno
aprende a ‘se organizar, desenvolve a competência estratégica de viver em
sociedade, respeitando e compreendendo seus limites pessoais, através da aceitação
e da valorização de atitudes e modos de ser dos colegas. Aprende a esperar sua vez
através das regras internas que dirigem a atividade’ (CARDOSO: 2001, p. 87).
Na contextura da aprendizagem de LE, o jogo consiste em uma atividade
organizada que geralmente funciona como uma tarefa ou um objetivo específico;
possui um conjunto de regras definidas (e que devem ser seguidas pelos
participantes); promove competição entre os jogadores (e estimula as atitudes de
respeito); intensifica a comunicação entre os jogadores através da linguagem oral para
atingir o objetivo do jogo (CARDOSO: Ibidem: idem).
Para PRAHBU (1996)
106
, no ensino de uma segunda língua, devem-se
considerar três tipos de jogos conforme as tarefas neles implícitas: jogos em cujas
tarefas a forma da língua está subentendida ao esforço de compreender (foco no
106
A referência a Prahbu mencionada pela autora em seu trabalho é a de uma conversa pessoal com o autor.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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282
significado), mas podem propiciar a internalização do sistema gramatical; jogos cujas
atividades são significativas para os alunos através das quais a forma é aprendida
pela indução em associação com seu contexto (dominó, memória) e, finalmente, jogos
cujas atividades são baseadas exclusivamente na forma da língua com práticas
repetitivas que levam à aprendizagem por imitação, aprendizagem ‘bancária’,
receptiva” (CARDOSO: Ibidem, p. 91). Outro aspecto relevante sobre o jogo: ele
trabalha aspectos emocionais, afetivos tão indispensáveis à realização do homem
como ser individual e gregário. Os participantes de jogos denotam auto-estima
elevada, o que é expresso através do racionalismo e realismo, criatividade,
independência, flexibilidade, disponibilidade para admitir e corrigir erros, cooperação ,
persistência e determinação, conforme BRANDEN (2000).
Finalmente, o jogo desenvolve capacidade para superar mudanças e obstáculos,
tão necessários ao aprendiz de qualquer LE, seja em situação de imersão ou não, pois
ele estará deparando, muitas vezes, com um choque cultural bastante significativo. A
auto-estima elevada ajuda na capacidade de conscientização de problemas e de
limites (OLIVEIRA, 2000). O aprendiz adota atitudes pragmáticas na resolução dos
problemas enfrentados, não mascara sentimentos; tem, portanto, seus filtros afetivos
a seu favor para o desenvolvimento eficiente do processo ensino-aprendizagem.
‘Last but not least’, o LD. Esse suporte veiculador do discurso didático, que
apresenta os textos do gênero didático, conforme demonstramos na presente
pesquisa, não pode perder seu lugar histórico no ensino de PLE. A ‘ancestralidade’ de
seu papel histórico não pode ser desprezado. Essa afirmação pode ser ilustrada
através do depoimento de um descendente de imigrante comentando sobre a trajetória
do ensino de português na comunidade de Hamônia (SC): ‘Então o professor
Weckwerd deu mais aulas de Português para nós (...) o professor só falava pelo livro’
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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283
(WIESE & VANDRESEN: 2003, p. 124). Não se pode negar que existe uma relação
direta entre cultura escrita, LD e letramento. Mas seu papel deve ser
redimensionado. Ele pode servir como um dos instrumentos a serem empregados
pelo professor, não o único, como pudemos comprovar.
5.2. (RE)INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ENSINO DE PLE
‘O especialista contemporâneo em lingüística aplicada está sendo
desafiado pela interdisciplinaridade de seu campo a pelos conceitos-chave
com que trabalha, mas, acima de tudo, pela pré-condição para a
aprendizagem: o reconhecimento, a explicitação e a implementação dos
direitos dos aprendizes de línguas’. (MATOS: 1992, p. 305).
Por que propor um processo de (re)institucionalização do ensino de PLE? A
análise mostrou a estreita relação (as inúmeras semelhanças) entre o
desenvolvimento do ensino de PLE e o de PLM no Brasil. Os gestos fundadores da
prática pedagógica em LM identificados desde o início do processo de escolarização
no país foram repetidos em relação a PLE nas escolas de imigrantes, fundadas no
início do século XX. Poder-se-ia afirmar que as especificidades do ensino de LE são
enormes. Mesmo assim, a divisão em unidades de ensino, os conteúdos ensinados,
a estruturação gráfica dos MDs de LE (e em todas as línguas) têm na padronização
uma marca constitutiva. A título de exemplificação, observemos as figuras a seguir,
retiradas, respectivamente de manuais de ensino de russo e de japonês publicados
recentemente.
107
107
Telensino de Russo, Intermediário 1, v.2 (RÊGO, Lia Raquel Vieira et alii. Rio de Janeiro: Centro de Estudos
de Pessoal, 2001, p. 27) e Ensino de Japonês. Reprografia da Faculdade de Letras da UFRJ, em 03/01/2006.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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284
Figura 48 Reprodução de página de MD de Russo Figura 49 Reprodução de página de MD de Japonês
Não é muito difícil perceber a semelhança na concepção de ensino dos MDs,
independente da língua-alvo que eles representem. Destacamos o papel da imagem
como ilustração – de caráter universal – ‘cumprindo’ a função de designação tão
indispensável nas primeiras fases de ensino. Não podem ser identificadas nas
páginas, marcas evidentes da língua/cultura-alvo, a menos que consideremos como
tal a postura da mulher que tem feições de uma nacionalidade qualquer, curvando-
se para cumprir o papel da saudação feita em japonês.
Descontado o efeito de sentido que esse recorte dos MDs possa ter
produzido, a conclusão da ‘inevitável’ semelhança parece ser indiscutível. A reflexão
que a presente tese faz sobre o LD em perspectiva discursiva cria o espaço
necessário para que sejam apresentadas propostas de (re)institucionalização, o que
pressupõe a (pre)existência de um processo de institucionalização.
Até a década de 40, do século XX, a política de difusão do português
‘brasileiro’ se dava pela tradução de livros. A partir de então, uma política de
expansão da língua portuguesa nos países estrangeiros foi implementada. Foram
criados os primeiros Centros de Estudos Brasileiros, localizados em Montevidéu,
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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285
Buenos Aires, Assunção e La Paz, conforme atesta FERREIRA (1996 b, p.99).
Esses CEBs funcionavam sob a responsabilidade
do Ministério das Relações
Exteriores (MRE). Em função dos resultados obtidos desse trabalho, o MRE tem
adotado constantes procedimentos de reestruturação e de funcionamento desses
centros. O que ocorre nesses espaços de formação é o trabalho de um professor
contratado (ou requisitado, em caso de ocupantes de cargos públicos) e enviado em
missão oficial pelo MRE (Governo Federal do Brasil), para desempenhar um duplo
papel – de docente e de interculturalista. Essa afirmação é baseada em dados
colhidos em comunicações apresentadas no V Congresso da SIPLE/2004 e no I e II
PLE (PUC-Rio e UFF) respectivamente nos anos de 2004 e 2005. Por serem ainda
isolados e localizados, sugerem abertura de frentes de pesquisa o que foge aos
objetivos do presente trabalho. O que se espera de um professor de CEB é que, no
exterior, ele vá ‘mostrar com adequação intercultural os valores sociais, étnicos,
culturais, educacionais, científicos que permeiam nossas culturas’ (MATOS, 1995)
108
Os relatos dos que têm atuado nessa função, apontam dificuldades
localizadas precipuamente na falta de estabelecimento claro das funções desse
profissional nos CEBs. Cada um tem atuado, segundo sua experiência de ensino
acumulada no Brasil, mas seu trabalho é isolado e ‘sempre pioneiro’, uma vez que
não há formação de um acervo (que poderia ser centralizado no MRE), onde
poderia ficar guardada a memória do ensino de PLE no exterior. A falta de definição
clara da política de ensino de PLE nos CEBs (e no Brasil como já demonstramos),
permite a ocorrência de situações inusitadas. Muitas vezes, nas embaixadas a que
estão subordinados, os professores, a pedido dos embaixadores, ficam
responsáveis também pela organização de shows culturais, pela edição de livros
108
Apud FERREIRA, 1996 b, p.103 (A autora não incluiu a referência bibliográfica de Matos em seu trabalho).
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286
(coletâneas de textos de autores brasileiros), em eventos promovidos na/pela
própria embaixada. Suas funções ficam, assim, bastante pulverizadas e indefinidas.
Para a implementação do processo de (re)institucionalização do ensino de
PLE proponho objetivamente os seguintes passos, inspirados nas propostas de
FERREIRA (1996 b) e DELL’ ISOLA (2002).
O incremento e diversificação dos CEBs e dos Centros Culturais Brasileiros,
atuando em conjugação com o já existente Instituto Camões, de Portugal. Essa ação
conjunta, a despeito de interessas políticos, poderia ser oficializada através da
assinatura de acordo bilateral firmado entre os governos do Brasil e de Portugal.
Assim proponho o funcionamento de um Centro Internacional de Estudos Brasileiros
(CIEB), com atuação ‘binacional’ poderia mais eficientemente ‘incentivar o
intercâmbio com as autoridades e organizações da sociedade civil, no que diz
respeito ao ensino e à preservação da língua portuguesa’, integrando ‘todos os
centros brasileiros – sejam leitorados
109
, institutos, centros de línguas ou
universidades’ (DELL´ISOLA: Ibidem, p. 22). Proponho que essa integração, por
razões geográficas e econômicas ocorra também via internet. A criação de curso(s)
de PLE on line interligados(s) entre si em sistema de rede poderia integrar cursos de
PLE implementados nos CEBs. Em uma única sede, como já acontece em Portugal,
com curso promovido pelo Instituto Camões. Dessa forma, de qualquer lugar, e a
qualquer momento, aproveitando-se dos recursos que os gêneros digitais oferecem
(comunicação síncrona e assíncrona)- através de videoconferência, blogs, chats,
fóruns virtuais em tempo real ou não, todos interligados a um site institucional,
professores/aprendizes dos CEBs, professores e aprendizes de PLE (em imersão ou
não) teriam a oportunidade de acompanhar, via internet, a apresentação de projetos
109
Cf DEL ISOLA (2002, p. 11) para uma detalhada listagem dos CEBs, leitorados e institutos que divulgam PLE
no mundo.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
287
desenvolvidos em outros países; assistir a eventos ocorridos nos outros CEBs,
momento em que poderia ser aberto o espaço para interação entre os que
apresentam e os que assistem (a participação poderia ocorrer através de
comunicação ao vivo – voz e vídeo - ou através do envio de arquivos tanto em textos
escritos, quanto em áudio e áudio/imagem).
Em horários distintos, segundo o fuso horário de cada país, os profissionais
que atuam na área de PLE poderiam acessar informações do que estaria
acontecendo nos quatro cantos do mundo e trocar idéias com seus pares. Com a
centralização no CIEB, ações inter e transdisciplinares por meios digitais poderiam
ser agilizadas para constituição de uma memória da produção didática em EPLE.
Além disso, a formação integrada de professores de PLE poderia ser aperfeiçoada,
através de fóruns virtuais em sistema de videoconferência, com credenciamento
local (em cada CEB) de membros das instituições (professores e aprendizes de
PLE), com a participação e troca de experiências. Nesses encontros poderia,
inclusive, estar disponibilizada a possibilidade de envio de arquivos de voz (de modo
síncrono, através de programas que funcionem como o Skype) e assíncronos,
através do envio de arquivos de voz e de imagem. Poderia ser ainda aberto espaço
na página do CIEB para intercâmbio virtual entre alunos e membros das
comunidades através dos gêneros textuais emergentes: e-galeria de fotos, blogs,
salas de bate-papo. Em horários fixos diários (ou em regime de tempo integral, para
atendimento aos fusos horários diferentes) a possibilidade de consulta a tutores
virtuais de plantão, para gerenciamento das atividades de curso(s) de PLE on line,
promovidos pelo CIEB, ou para qualquer outro atendimento que se fizesse
necessário, momento em que os alunos poderiam tirar suas dúvidas ao vivo (som e
imagem simultaneamente).
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288
Os MDs produzidos em CEB e no/pelo CIEB poderiam ficar disponibilizados
em um Banco Digital de acesso aberto, fomentando a pesquisa e o aprimoramento
das práticas docentes desenvolvidas nos quatro cantos do mundo.
A (re)institucionalização que estamos propondo tem como sustentáculo a
formação docente, na perspectiva da pesquisa-ação, do pós-método que
procuramos mostrar ao longo do presente trabalho. Sabemos que a área ensino
aprendizagem de PLE está ainda debutando: o número de cursos de graduação em
PLE é ainda registrado por um único dígito; os programas de pós-graduação em
PLE ainda não completaram três décadas e somente no século XXI a disciplina PLE
passa a ser oferecida nos cursos de graduação em Letras
110
. O investimento em
formação docente parece ser indispensável. Ela deve levar em consideração
também o fato de que vivemos a vigência da Declaração Universal dos Direitos
Lingüísticos (DUDL). Estruturada na perspectiva política, cultural e econômica, a
DUDL prevê a formação da comunidade lingüística humana, na qual a ‘língua
própria de cada território’ deva ser respeitada (art. 1º); o ‘equilíbrio sociolingüístico’
(art.2º), a ‘diversidade lingüístico-cultural’ na educação (art. 23), a preservação do
patrimônio lingüístico-cultural (art.46), o respeito ao gozo do direito lingüístico de
oferta de oportunidades de ‘ensino das diversas línguas das comunidades’ – o
plurilingüismo (disposições adicionais) são aspectos prioritários. O documento
sugere, ainda, a ‘criação do organismo de direito internacional que deve amparar as
comunidades lingüísticas nos direitos reconhecidos por esta Declaração’
(disposições finais). Cinco anos antes da DUDL, o Tratado de Assunção de 26 de
março de 1991, instituiu o Mercosul, determinando que os idiomas oficiais do
110
A título de exemplificação, na UFRJ, somente em 2006.1, não havia até o início de janeiro docentes em
número suficiente para ministrar os cursos. No quadro de horário da grade aberta à inscrição dos alunos
constava a observação (professor substituto). O concurso em andamento durante o mês de janeiro, ofereceu,
contudo, uma remuneração nada condizente com as exigências para a função. Registre-se que o presente
trabalho é a primeira Tese em PLE produzida na instituição.
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Mercado Comum fossem o espanhol e o português e a versão oficial dos
documentos de trabalho, o idioma do país sede de cada reunião. Em seu artigo 4º o
tratado ‘demonstra o interesse de difundir as línguas oficiais do Mercosul por
intermédio dos sistemas educacionais’ (SAVEDRA: 2003, p.41).
A Constituição Federal, em seus artigos 215 e 216, admite que o Brasil é
plurilíngüe e multicultural; os PCNs de LE assumem nossa pluralidade cultural,
englobando a questão do multilingüismo/multiculturalidade e estabelecem como um
dos objetivos do ensino-aprendizagem: ‘[...] identificar a diversidade cultural como
determinante dos modos de interlocução [...] (BRASIL: 2002 b, p.96).
Apesar dessa base jurídico-filosófica, a lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional 9394/96 não aborda a pluralidade lingüística do/no Brasil, desconsiderando
situações diversas de bilingüismo e multilingüismo. Somente a educação indígena
está contemplada com propostas curriculares de educação bilíngüe em seus artigos
32, 78 e 79. Pouco tem sido feito sobre a questão do multilingüismo identificado no
país.
Em função de todas essas prerrogativas e justificativas, fica evidente a
necessidade de definição mais clara de uma política lingüística no Brasil, que
contemple as situações de bilingüismo, identificadas no território nacional,
notadamente, em decorrência dos contextos de imigração (SAVEDRA: 2003, p. 40),
e de reconhecimento do direito lingüístico dos portadores de necessidades
especiais, especialmente auditivas (os DAs). As necessidades emergentes em
decorrência da assinatura da Declaração de Salamanca, que garante aos portadores
de necessidades especiais a sua inclusão na sociedade
111
e o ensino de português
111
Foi regulamentada a lei que reconhece LIBRAS como língua para portadores de necessidades auditivas. O
Decreto 5626 de 22/12/2005 regulamenta a lei 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a língua
brasileira de sinais - LIBRAS, e o artigo 18 da LEI 10.098, de 19 de dezembro de 2000. O decreto prevê a
especialização em LIBRAS, no curso de Letras, para professores que atuam a partir da quinta série Em 2006, o
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Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
290
como segunda língua (PSL), atualmente desenvolvido em pouquíssimos espaços de
educação no Brasil de modo eficiente, exigem, em função desses fatores peculiares
e diversificados, um olhar atento da pesquisa aplicada.
Em função de tantas frentes de trabalho abertas por essas determinações,
reitero, na presente tese, a proposta feita ao embaixador Edgard Telles Ribeiro,
durante o debate aberto após a conferência por ele feita no V Congresso
Internacional da SIPLE/2004, ocorrido na UnB
112
, quando manifestei publicamente a
urgência de tomada de posição em função da morosidade no estabelecimento de
uma política integrada de ensino de PLE no Brasil e no exterior que considere todas
as variáveis acima apresentadas.
Sabemos que ensinar PLE é saber lidar com um público extremante eclético,
composto de alunos das mais variadas nacionalidades. Não se pode ignorar a
relevância histórica de ocupação imediata do espaço político que a penetração do
PLE tem conseguido. O Brasil é visto hoje com um novo olhar no cenário
internacional. Temos notícias de que, na Europa e no mundo todo, a imagem do
Brasil, no momento, é extremamente positiva
113
. Diferentemente do que ocorreu com
o ensino de PLM, quando estivemos atrelados a interesses outros que não os
genuinamente nacionais (a despeito da intensa luta dos artistas românticos em
instituir uma língua ‘brasileira’), temos, em relação a PLE, a chance única de
estabelecer um processo de institucionalização do ensino genuinamente brasileiro. A
Instituto Nacional para Educação de Surdos (INES), órgão vinculado ao MEC, com sede no Rio de Janeiro, vai
abrir turmas para professores surdos e ouvintes da primeira à quarta série do ensino fundamental. A
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) vai criar a graduação em LIBRAS. A disciplina será obrigatória
nos cursos de licenciatura e de fonoaudiologia e opcional nos demais. Após um ano de vigência, as instituições
terão em seus quadros um tradutor e intérprete de LIBRAS para atuar nos processos seletivos e nas salas de
aula. Do mesmo modo, o Sistema Único de Saúde (SUS) e os órgãos públicos federais reservarão 5% das vagas
a servidores e funcionários tradutores ou intérpretes de LIBRAS (Dados colhidos em www.senado.gov.br
, acesso
em 09 de janeiro de 2006.
112
E em texto enviado por e-mail, cujas idéias principais são aqui apresentadas.
113
Em pronunciamento oficial à nação (retransmitido para todo o mundo) no dia 15 de janeiro/2006, o presidente
Lula comunicou ao povo brasileiro o pagamento da dívida junto ao FMI, nossa ‘alforria’ junto ao organismo
financeiro internacional, segundo as palavras do estadista.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
291
divulgação de nossa língua e de nossa riquíssima cultura pelos quatro cantos do
mundo, segundo os mais profundos interesses nacionais (e não apenas calcada em
objetivos turísticos, superficiais) não pode deixar de levar em consideração a
participação dos que genuinamente conhecem as necessidades e possibilidades -
os professores regentes, que atuam junto ao alunado e podem, justamente por isso,
dar uma enorme e importantíssima contribuição para o bom andamento desse
processo.
Sabemos que os professores são peça imprescindível da engrenagem que
move o sistema educacional do país. Paradoxalmente, porém, sempre têm sido
excluídos do processo de estabelecimento das políticas educacionais, quando
‘recebem’ as regras a serem implementadas, através de publicação em veículos
oficiais, de leis, decretos, pareceres e portarias, em muitos casos, muito distantes de
nossa realidade educacional. Todos sabemos que o ‘chão’ da sala de aula é o lugar
onde as necessidades emergem, o trabalho flui, os dados são colhidos para
abastecimento do sistema. O desafio de abertura de espaço à voz dos docentes é a
chance única de reverter o quadro do ensino de PLE que vem sendo desenvolvido
nos espaços oficiais no exterior.
Sabemos das dificuldades para se quebrar paradigmas, mas devemos
demonstrar determinação em assumir, empreendedora e pioneiramente, essa
missão. Temos a chance de sermos os protagonistas de uma história que muitos
docentes tentaram encenar no final do século XIX e início do século XX, em relação
ao ensino de PLE, tarefa que foi mal sucedida, em função das campanhas de
nacionalização do ensino, implementadas especialmente no governo Vargas.
Será bastante eficaz e produtiva a integração de membros da SIPLE, de
professores de PLE e de membros do MRE e do MEC para um trabalho cooperativo
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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292
de planejamento integrado das ações a serem tomadas para a criação do CIEB, com
a tarefa precípua de discussão, elaboração e implementação de políticas de difusão
e de ensino de PLE, em atendimento ao preconizado nas disposições finais da
DUDL.
Não devemos permitir que entraves burocráticos estabeleçam os mesmos
efeitos que infelizmente testemunhamos em relação ao ensino de PLM, quando o
país apresenta um desempenho ainda sofrível, como pode ser comprovado em
incontáveis pesquisas amplamente divulgadas tanto nos meios acadêmicos quanto
pelos próprios órgãos oficiais dos governos em âmbito federal, estadual e municipal.
Já demos os primeiros passos no processo de institucionalização do ensino
de PLE. O CELPE-Bras já é um exame de certificação em Português Língua
Estrangeira com reconhecimento nacional e internacional. Cumpre destacar que,
infelizmente, a seleção para participação nas comissões de planejamento,
elaboração, aplicação e correção de provas é, ainda bastante restrita.
A (re)institucionalização que proponho poderia aprimorar o processo de
seleção de membros das comissões que planejam, organizam e implementam o
CELPE-Bras, bem como o de seleção de professores para atuarem nos CEBs:
através da adoção da prática já desenvolvida nos processos de seleção de
professores para a carreira de magistério público, ou seja, a realização de concurso
público aberto à participação de quaisquer membros do magistério em PLE. Fica a
reflexão para que a (re)institucionalização no presente trabalho proposta englobe
também esses aspectos e que seja também aberto espaço para discussão e
estabelecimento oficial das funções dos professores dos CEBs, bem como dos
mecanismos de preenchimento das vagas, seguindo a rotina do magistério estatal. A
inserção de docentes de PLE nas comissões que vão estudar o estabelecimento de
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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293
diretrizes para o ensino de PLE no Brasil e no exterior, bem como no processo de
criação do Instituto Machado de Assis (responsável pelo estabelecimento da política
de ensino e difusão da língua portuguesa e da cultura do Brasil no país e no exterior)
pode ser um outro passo decisivo a ser dado no processo de (re)institucionalização.
Para isso, devem ser rompidas as barreiras políticas e disputas de poder entre o
MEC e o MRE.
Todos sabemos que as diretrizes da política lingüística do /no Brasil a serem
estabelecidas serão, em última instância, implementadas pelos docentes, os que
colocam os ‘ingredientes’ em ação. Há mais de uma década (antes, portanto, da
assinatura oficial da DUDL), o professor Francisco Gomes de Matos, um dos mais
atuantes pesquisadores na área de PLE, alertava para a urgência em serem
estabelecidas ‘possíveis interações dos deveres ou responsabilidades dos parceiros
em processo (professores e aprendizes). Assim, um estudo holístico dos DLA
(Direitos Lingüísticos do Aprendiz) é bem mais amplo e interativo’ (MATOS,
1992:303). Pouco foi feito desde então nesse sentido. Infelizmente.
Portugal foi o primeiro poder europeu depois da Grécia e de Roma a exportar
uma cultura e língua européia a outros continentes onde a língua ainda é falada, ou
seja, na Ásia, na África e América. ‘De fato, os portugueses foram não somente os
primeiros, mas também os últimos colonizadores europeus. [...] a língua
correntemente falada em três continentes não é apenas um rico legado histórico,
mas também um importante elemento geopolítico [...]. Tornar o português uma das
línguas de comunicação internacional’ deve ser uma tarefa a ser urgentemente
implementada (FERREIRA: 1996b , p. 86-97). DELL´ISOLA (2002, p. 9-13) assim se
posiciona diante dessa urgência:
‘A língua portuguesa está entre os doze idiomas mais falados do mundo [...]
embora ainda não seja uma língua de expressão internacional significativa.[...]
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
294
‘no contexto’ que vai além das fronteiras brasileiras, o ensino de línguas,
sobretudo nas universidades, tem se caracterizado pelo interculturalismo e pela
multiplicidade de oferta de idiomas estrangeiros. Dessa forma, deseja-se que o
ensino de PLE seja oferecido em consonância com o ensino de outras línguas de
expressão internacional’
.
Esperamos tenha ficado evidente a partir da análise apresentada que não
bastam ‘ferramentas’ de implementação, se não houver um efetivo respeito às
identidades que vão sendo forjadas no processo de formação do
professor/aprendente de PLE independente de onde e de como esse ensino esteja
sendo desenvolvido.
O que se vislumbra a partir da internacionalização das trocas linguageiras em
EPLE é o alargamento (derrubada?) das fronteiras lingüísticas, havendo, assim, a
concretização do projeto de aldeia global e de respeito à DUDL.
A interação entre instâncias subjetivas aprendentes, independente do país de
origem, vão agilizar, seguramente o processo, com a possibilidade de redução ou
anulação de (pré)conceitos. Conhecidas as características das realidades locais,
cada olhar para o outro vai permitir que vá se edificando o processo identitário de
cada um em si e em relação à língua/cultura alvo.
Utopia? Não. Vontade política é o ingrediente indispensável para
implementação das práticas sugeridas no presente trabalho.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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295
CAPÍTULO 6: ARREMATE COM RETICÊNCIAS
114
Começamos esse arremate, retomando a afirmação feita por ALMEIDA
FILHO (2005, p. 101): ‘O paradigma comunicativo está longe de ter exaurido seu
grande potencial de recursos para renovar o ensino de línguas’ sob forma de
pergunta: Estaria mesmo?
Esperamos ter demonstrado que a comunicação autêntica, objetivo-mor da
abordagem comunicativa, só será atingida, se adotada uma abordagem discursiva
de ensino-aprendizagem de LE, na perspectiva de um multiletramento. Temos
também uma outra certeza: ‘Somos incapazes de antecipar com precisão quais
serão os requerimentos de letramento esperados quando uma criança que entra na
escola hoje se formar’ (MOREIRA: 2004, p.135).
Trabalhar com novas tecnologias hoje é tratar as práticas de letramento não -
escolares dos alunos adolescentes. Eles estão no orkut, têm seus blogs, trocam e-
mails e conversam no Messenger. Cada um tem suas preferências... Considerar
essas práticas no desenvolvimento do ensino-aprendizagem de PLE favorece o
respeito à heterogeneidade identitária dos alunos, visto que nem todos aprendem da
mesma maneira e no mesmo ritmo. Vimos que as práticas de armazenamento,
recuperação e intercâmbio de informações que as novas tecnologias disponibilizam,
permitem que esses processos sejam mais agilizados. O que os mais céticos em
relação à inserção de novas metodologias no ensino não podem negar é que o seu
uso traz à sala de aula o mundo real e o aprendiz opera na escola, estratégias de
multiletramento a que já está familiarizado. E isso não pode ser maléfico ao
processo ensino-aprendizagem de LE.
114
Parafraseio AZEREDO (2004, 156) – um artigo poético falando do ensinar... Com a devida licença do autor.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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296
Esperamos que, ao concluir a análise sobre os MDs de nosso corpus,
possamos ter revelado que o sonho do melhor método, do melhor e mais eficiente
livro; da mais adequada abordagem tenham sido redimensionados e que uma nova
forma de compreensão do LD tenha sido estruturada. O LD como uma fonte rica e
interessante (ainda que complexa) para o estudo do cotidiano e dos saberes
escolares, mais do que propriamente o objeto de análise “utilizado apenas para
apontar ‘defeitos’ ou para ver se as teorias acadêmicas estão sendo ‘transpostas’ de
forma coerente para o manual escolar”, como sinalizou BUNZEN: 2004, p.21.
A análise demonstrou que o MD deve perder a centralidade no processo
ensino-aprendizagem de LE, não sua funcionalidade. Aliás, vimos que ele pode
desempenhar funções até então não reconhecidas. Esperamos ter mostrado como o
professor pode fazer uso deles para o desenvolvimento de sua ação docente, tendo
consciência da concepção de ensino no MD implementada. Um mesmo MD pode
ser objeto de diferentes usos.
Na perspectiva da pesquisa-ação adotada na presente tese (como
docente/pesquisador), espera-se que cada professor possa fazer uso da
materialidade lingüística presente nos textos (com os que travar contato e selecionar
para trabalhar com os alunos, bem como nos encontrados nos MDs), segundo sua
concepção de língua, de ensino e de estratégias didáticas.
Dado o lugar que ocupa na memória do ensino de línguas, o MD deve não
pode ser jamais desconsiderado como suporte para apoio e estudo, tanto de
docentes quanto de discentes. Mas nunca o único.
Como o ensino de LE tem a individualização como marca característica,
mesmo no trabalho com turmas, o professor inexoravelmente vai percebendo, no
transcorrer do processo, a exigência de individualizar atividades, para o atendimento
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
297
de necessidades específicas de cada aluno (dinamizar o curso, para os que estão
progredindo rapidamente; auxiliar os que enfrentam dificuldades). Nesse caso, os
MDs podem se constituir mais uma fonte de apoio, e o trabalho desenvolvido a partir
de algumas das atividades por ele propostas ser bastante eficiente para
determinadas dificuldades surgidas.
Em tempos de Declaração Universal dos Direitos Lingüísticos (DUDL), no
ensino de línguas, é fundamental respeitar as peculiaridades individuais,
considerando o fato indiscutível de que há alunos que preferem o texto em códex e
oferecem resistência em ler e escrever textos através da internet (hipertexto, o texto
colocado em movimento - vetorizado, metamórfico). E, como aprendiz de LE, o gozo
desse seu direito lingüístico deve ser respeitado. O uso do MD (ainda que sob forma
de apostilas ou de exercícios avulsos compilados) pode ser de grande valia para o
atendimento de alunos nessa prerrogativa.
Mostramos ainda como é relevante a (re)discussão sobre o conceito de
autenticidade para a compreensão das dificuldades teóricas por que vem passando o
movimento comunicativista. A análise que fizemos do corpus apontou a estreita
relação entre o modelo de constituição dos MDs de PLM e de PLE e revelou que há
entre eles algumas características comuns como a fragmentação, a
descontextualização de textos e de exercícios. Ficou evidenciado como nos textos
neles encontrados é geralmente desconsiderada a importância da macroestrutura
textual, da percepção do texto em perspectiva discursiva (quando são acionados o
contexto e as condições de produção).
Finalmente, a análise descortinou a constituição identitária das instâncias
subjetivas interactantes nos MDs, segundo os CC firmados entre elas e os rituais de
abordagem identificados nas práticas discursivas. Demonstrou como se efetiva o
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
298
processo de apagamento do professor como instância subjetiva, processo similar ao
que ao que a pesquisa aplicada tem demonstrado em relação aos MDs de PLM.
As reflexões feitas durante a presente tese apontaram também algumas
‘saídas’ para o impasse em que se encontra o movimento comunicativista, cujos
principais pontos de estrangulamento foram verbalizados por ALMEIDA FILHO
(2005) e, para os quais foram sugeridas algumas vias de desembocamento, se
analisado o processo ensinar/aprender uma LE sob um olhar discursivo.
Considerados os suportes teóricos da SD e da LA conseguimos mostrar como
o contrato didático, um CC que firmam entre si alunos e professores, quando da
deflagração do processo ensino/aprendizagem de uma LE, ‘supostamente’ ancorado
na autenticidade e na comunicação, precisa ser redimensionado. Partindo da análise
da ocupação das instâncias subjetivas pelo aluno e pelo professor, segundo os
termos desse CC, é proposto o redimensionamento desses papéis, mesmo
considerando as forças de ‘enformação’ institucional realizada pelo sistema escolar,
cuja normatividade constitutiva tende para o engessamento e a perpetuação dos
processos de linearidade, não só do MD como do próprio ensinar/aprender uma LE.
Mostramos também como o funcionamento das instâncias enunciativas
(professor e aluno) que interagem na cena enunciativa evocada pelos MDs prima
pela previsibilidade, homogeneização e fragmentação. Assumindo o papel de
testemunha crítica no processo de ensinar PLE, proposto por CHARAUDEAU
(1984), o texto da presente tese foi enunciado do lugar discursivo de professor-
pesquisador de LE e as conclusões formuladas, em área interdisciplinar entre a AD
e a LA, apontam alguns ‘atalhos’ possíveis a serem percorridos por aqueles que
desejarem encarar o processo de ensinar/aprender PLE sob um olhar discursivo.
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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299
Aprender uma LE é um processo operativo, no sentido de que exige do
aprendiz um trabalho que mexe com o ser/estar em outra língua/cultura, partindo da
(re)aprendizagem de como utilizar o seu aparelho fonador para articular os sons da
língua alvo, passando pelo árduo trabalho de, com os ‘novos’ sons, articular palavras
e com elas designar, experenciando a visibilidade da arbitrariedade do signo no
desenvolvimento dos processos de enunciação na LE. É ainda saber lidar com as
tensões emocionais que uma eventual performance insuficiente na ‘tarefa’ possa
trazer; com o desafio de continuar tentando ou o descontentamento e a conseqüente
‘batida em retirada’, atitudes tão temidas tanto pelo aluno quanto pelo professor.
Mostramos ainda como um olhar discursivo pode ajudar na superação de
eventuais dificuldades. O primeiro é o de ruptura da visão dicotômica autêntico/não
autêntico na elaboração de MDs, uma vez que, nos CC firmados quando se
ensina/aprende uma LE, é importante assumir a situação de inevitável artificialidade
de muitas das práticas discursivas desenvolvidas durante o processo. Além disso, é
fundamental considerar o fato de que a LM e os processos de sua aquisição vão
interferir inevitavelmente (de modo positivo, cumpre destacar) nas práticas
discursivas realizadas com a interferência ou não do professor e do MD durante o
processo de aprendizagem de uma LE.
Demonstrou-se também a urgência de redimensionamento do papel do
professor, em relação ao ensinar/aprender/produzir/utilizar MDs, como itens de uma
equação constitutiva do ser-professor/pesquisador e, portanto, muito mais do que
ocupante da função de consumidor de idéias e de produtos alheios.
Foram descortinados os processos de apagamento do professor enquanto
instância enunciativa nos MDs, uma vez que um olhar discursivo viabilizou uma
análise do processo da estruturação desses materiais, com base na reconstituição
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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300
da presença das imagens de MD, de aluno e de professor na memória discursiva
institucional escolar, realizada a partir da análise da materialidade lingüística dos
MDs (incluindo as imagens presentes nos textos não-verbais por eles veiculados e
os mecanismos adotados para sua veiculação).
O olhar discursivo permitiu ainda que fosse redimensionado o ensino da
metalíngua e de sua importância no processo de ensinar/aprender uma LE. Propôs-
se a desmistificar a imprescindibilidade de ruptura com uma das mais fortes
fronteiras até então mantidas entre as abordagens de ensino áudio-orais / visuais /
situacionais e as nócio-funcionais / comunicativas: o ensino das estruturas
gramaticais da língua-alvo.
Revelou-se a fragilidade dessa resistência e foi apontada a necessidade de
desenvolvimento de pesquisa aplicada sobre as formulações teóricas que trazem um
novo olhar sobre o foco-na-forma. A exemplificação de situações de ensino em que
através de atividade de ensino da metalíngua desenvolveu-se uma efetiva prática
comunicativa incumbiu-se de justificar e valorizar esse encaminhamento.
Foram sugeridas também estratégias de multiletramento em LE, levando em
consideração a inevitabilidade de se lidar com as novas tecnologias, com que os
alunos estrangeiros estão intimamente familiarizados, conforme a exemplificação de
atividades testadas em ensino de PLE, usando essas tecnologias, pôde demonstrar.
Finalmente foram sugeridos alguns passos para a (re)institucionalização do
ensino de PLE em contexto nacional e internacional, através da criação do CIEB,
sob a coordenação do governo federal e dos professores de PLE e de sua entidade
representativa, a Sociedade Internacional de Português Língua Estrangeira – a
SIPLE. Esse centro teria a função precípua de estabelecer e implementar uma
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
Denise Gomes Leal da Cruz Pacheco
301
política de difusão do PLE em nível internacional, em trabalho conjunto com o
Instituto Camões, que difunde o português de Portugal (PE).
A difusão de todo o conhecimento teórico e pragmático produzido por
professores/pesquisadores envolvidos com o ensino/aprendizagem de PLE no Brasil
e nos CEBs poderia ser centralizada no CIEB. A implementação dessa iniciativa vai
agenciar ações que agilizem o intercâmbio entre pesquisadores e aprendizes,
permitindo que o processo de ensino/aprendizagem de PLE não fique tão defasado
em relação à oferta de meios que as novas tecnologias já disponibilizam (educação
à distância, tutoria virtual, videoconferência, fóruns virtuaisncronos e assíncronos),
só para citar alguns dentre os apresentados no capítulo 5.
A presente tese espera ter podido incentivar outros professores de PLE que,
do alto de sua experiência de ensino, sintam-se motivados a engrossar a corrente da
pesquisa aplicada. Afinal, se adotadas as sugestões neste trabalho propostas, quem
sabe, possamos no Brasil ou em qualquer parte do mundo acompanhar/participar
em tempo real de experiências de ensinar/aprender a língua e a cultura brasileira?
Em tempo de nanotecnologias, pode-se imaginar a sessão de defesa da
presente tese, com participação dos mesmos professores membros da banca
examinadora, ocorrendo através de meios digitais. Por que não ser argüida pelos
doutores, professores de outras instituições, que se deslocaram de seus estados, in
presentia - não a física no auditório da UFRJ, mas através de uma transmissão nos
moldes das videoconferências que já podemos hoje testemunhar? Seguramente o
intercâmbio seria muito maior, pois, havia possibilidade de veiculação da sessão de
defesa para vários outros espaços de pesquisa, o que favoreceria a participação de
muitos outros professores/pesquisadores não só do Brasil, mas do mundo inteiro.
Essa seria uma alternativa de difusão ‘instantânea’ do conhecimento produzido na
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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academia, historicamente identificada como a mola propulsora da produção do
conhecimento.
Utopia? Ou profecia?
Português para estrangeiros e os materiais didáticos: um olhar discursivo
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