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ASPECTOS COGNITIVOS NA CONSTITUIÇÃO DA IRONIA
MONICA ALVAREZ GOMES DAS NEVES
Tese de Doutorado em Língua Portuguesa
apresentada à Coordenação dos Cursos de
Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Orientador:
Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de
Almeida.
UFRJ – Faculdade de Letras
Rio de Janeiro, 1º semestre de 2006.
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Neves, Monica Alvarez Gomes das.
Aspectos cognitivos na constituição da ironia / Monica Alvarez
Gomes das Neves. Rio de Janeiro, 2006. 194 f.
Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) – Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2006.
Orientador: Maria Lúcia Leitão de Almeida
1. Ironia e cognição. 2. Língua Portuguesa. 3. Língua Portuguesa –
Teses.
I. Almeida, Maria Lúcia Leitão de (Orient.). II. Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras/Pós-graduação em Letras
Vernáculas. III. Título.
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MONICA ALVAREZ GOMES DAS NEVES
ASPECTOS COGNITIVOS NA CONSTITUIÇÃO DA IRONIA
Rio de Janeiro, de de 2006.
Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida – Orientadora/UFRJ
Professora Doutora Lílian Ferrari / UFRJ
Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa / UFRJ
Professora Doutora Renata Mousinho / UFRJ
Professora Doutora Sandra Pereira Bernardo / UERJ
Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis / UFRJ
Professora Doutora Valéria Coelho Chiavegatto / UERJ
Dedico este trabalho à minha mãe, incentivadora de todos os tempos
E às minhas filhas, pedaços de mim.
AGRADECIMENTOS
À CAPES, pelo suporte financeiro concedido;
À querida orientadora Professora Doutora Maria Lúcia Leitão de Almeida, que me
conduziu aos estudos de Lingüística Cognitiva, pela paciência, pela amizade tão especial e
pela valorosa contribuição na organização das idéias;
Aos familiares, principalmente minha sogra Marlúcia Batista das Neves, pelo apoio
especialmente carinhoso com minhas duas princesas;
Ao meu antigo, ex e atual (de novo) marido e amigo Luiz Sérgio Batista das Neves,
pelo apoio e pela paciência com tantas lágrimas;
Ao colega Marcelo Leite, pelo fornecimento de textos tão preciosos;
À amiga Marília S. Villar, pela ajuda tão prestimosa;
Aos colegas de trabalho e à instituição Universidade Veiga de Almeida, pela
compreensão;
A todos, os meus agradecimentos.
“The way we think is not the way we think we think”
Fauconnier & Turner*
NEVES, Monica A. Gomes das. Aspectos cognitivos na constituição da ironia.
Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2005. Tese (Doutorado em
Língua Portuguesa).
O presente trabalho apresenta um estudo do recurso lingüístico da ironia em textos de
opinião em que, além de terem sido levantados os diversos formatos para o conceito de ironia,
foram pesquisados os trabalhos sobre o fenômeno em questão, disponíveis na literatura
específica. Como suporte teórico, estudaram-se conceitos básicos da Lingüística Cognitiva,
além daqueles específicos para a análise da ironia no sintagma nominal, principalmente a
aplicação da rotina cognitiva de mesclagem conceptual: os mecanismos de compressão e
descompressão das mesclas, a desanalogia criada entre um dos inputs e o espaço mescla (que
possibilita a geração das inferências, recursos para o reconhecimento da ironia). O estudo foi
coroado com o apontamento de algumas generalizações -- comprovações das hipóteses de que
ironia é resultado de mescla e promove reenquadre e estabelecimento de uma tipologia para o
enunciado irônico -- e sugestões para outras pesquisas, como o estudo da ironia em outras
estruturações (fora do sintagma nominal), inclusive a discursiva, ironia como construção
gramatical, ironia como recurso de expressão da modalidade.
NEVES, Monica A. Gomes das. Aspectos cognitivos na constituição da ironia.
Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2005. Tese (Doutorado em
Língua Portuguesa).
La thèse présente une étude de la ressource linguistique de l’ironie dans des textes
d’opinion où l’auteur a relevé les divers formats pour le concept du phénomène en question,
en tenant compte des travaux disponibles dans la littérature spécifique. Comme support
théorique, on a étudié les concepts de base de la Linguistique Cognitive, en plus de ceux qui
sont spécifiques pour l’analyse de l’ironie dans le syntagme nominal, surtout l’application de
la routine cognitive du blend conceptuel: les mécanismes de compression et de décompression
des blends, la disanalogie créée entre l’un des inputs et l’espace du blend (qui rend possible la
généralisation des inférences, ressource pour la reconnaissance de l’ironie). L’étude a été
couronnée par quelques généralisations inédites – les confirmations des hypothèses de l’ironie
comme résultat du blend et promotrice du déplacement de frame et l’établissement d’une
typologie pour l’énoncé ironique – et des suggestions pour d’autres recherches, comme
l’étude de l’ironie dans d’autres structures (hors du syntagme nominal), y compris la
discursive, l’ironie comme construction grammaticale, l’ironie comme expression de la
modalité.
NEVES, Monica A. Gomes das. Aspectos cognitivos na constituição da ironia.
Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2005. Tese (Doutorado em
Língua Portuguesa).
The present work introduces a study of the linguistic resource of irony on texts of
opinion. Besides, not only diverse formats for the concept of irony have been raised for those
texts but also the works about the studied phenomenon available in the specific literature have
been researched. As for a theoretical foundation, basic concepts of the cognitive linguistics
were studied besides those specific for analysis of the irony on the noun phrases, mainly the
application of the cognitive routine of the conceptual blending: the compression mechanism
and decompression of the blends, the disanalogy created between one of the inputs and the
blended space (which allows the inference generation, resources for the irony recognition).
The study was crowned by the pointing up of some generalizations – the substantiation of the
hypothesis that the irony is the result of the blend and promotes the frame shifting and the
establishment of a typology for the ironic utterance – and suggestions for future research, like
in the study of irony in other structures (beyond the noun phrase), including the discursive,
irony as a grammatical construction, irony as a resource for modality expression.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 46
Figura 2 52
Figura 3 59
Figura 4 71
Figura 5 110
Figura 6 111
Figura 7 112
Figura 8 113
Figura 9 115
Figura 10 118
Figura 11 119
Figura 12 120
Figura 13 120
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 12
1.1 Considerações Iniciais 14
1.2 A ironia através dos tempos 18
2 METODOLOGIA 21
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 24
3.1 Pesquisas em Português 24
3.2 Outras pesquisas – da Pragmática à Psicolingüística 27
3.2.1 Estudos mais tradicionais 28
3.2.2 Estudos ligados à psicolingüística 29
3.2.3 Estudos cognitivistas do processamento da leitura 36
4 A LINGÜÍSTICA COGNITIVA 40
4.1 Conceitos fundamentais à Lingüística Cognitiva 40
4.2 Conceitos fundamentais para a compreensão da ironia 47
4.3 O processamento da leitura irônica – estabelecendo diálogos 64
5 ANÁLISE DOS DADOS 79
5.1 Possibilidades de análise 79
5.2 A ironia no Sintagma Nominal 87
5.2.1 Funcionamento do SN irônico 87
5.2.1.1 SN irônico e contexto discursivo 89
5.2.1.2 Nível interno do SN 102
5.2.1.3 Nível da palavra 106
5.2.1.4 Nível gráfico 107
5.2.2 Processamento do SN irônico 108
5.3 Tipologia do recurso irônico 115
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 117
7 BIBLIOGRAFIA 123
8 ANEXOS 128
12
1 INTRODUÇÃO
Para esta pesquisa, estabeleceu-se, como propósito, alcançar o estudo das marcas
lingüísticas da ironia em português escrito, ou, dizendo de outra maneira, a diretriz que
permeia este trabalho encaminhou-se no sentido de descrever e analisar os recursos
lingüísticos que produzem ironia em português escrito formal
1
.
Dentro dessa proposta, é preciso entender, em primeiro lugar, a problematização
motivadora dessa investigação: por que o enunciado é irônico? Como ele estabelece a crítica
ou o comentário? Há marcas lingüísticas específicas? É possível estabelecer uma tipologia
para o enunciado irônico?
A partir desse encaminhamento, restringindo-se ao SN, aventaram-se duas hipóteses
específicas que serviram de norteadores para a pesquisa acima apontada, quais sejam:
a) ironia provoca reenquadre;
b) ironia é resultado de mescla (blending).
A comprovação de tais hipóteses evidencia o papel dos mecanismos cognitivos tais
como tiveram seu funcionamento recentemente delineados em pesquisas de ponta lideradas
por Fauconnier & Turner (2002) e Coulson (2001).
Cumpre ressaltar que, diferentemente desses autores, a pesquisa aqui apresentada
trabalha com ocorrências de uso lingüístico (embora Fauconnier & Turner (2002) tenha se
valido de alguns exemplos publicados em periódicos).
A linha de pesquisa escolhida para suportar teórica e cientificamente este trabalho é a
Lingüística ou Semântica Cognitiva – cunhada por Langacker (1987), Fillmore (1977), Lakoff
& Johnson (1999), Lakoff (1987), Coulson (2001), Fauconnier & Turner (2002), Talmy
1
Segundo Travaglia (2002), entende-se por português formal textos de jornais prestigiados pela sociedade de um
modo geral, com edição cuidadosa e elaborada e correspondências oficiais.
13
(1987), Giora (1995, 2001), Giora, Fein & Schwartz (1998), Sweetser (1990), Fauconnier
(1994, 1997), Goldberg (1995); e, no Brasil, por Salomão e o grupo de pesquisa Gramática e
Cognição (1999, CNPq), que contou com pesquisadores como Maria Lúcia Leitão, Lílian
Ferrari, Neusa Salim Miranda – por focalizarem o olhar no processo constitutivo da
linguagem, não abandonando o contexto social e as implicações que dele advêm, e, ainda,
afirmando a existência dos sujeitos concretos, reais no uso da linguagem.
Hoje, no seio dos estudos cognitivistas, é ressaltada a Hipótese Sócio-cognitiva da
Linguagem – cunhada por Salomão (1997) – que focaliza a dimensão social da significação.
Essa visão respalda a significação relevante ou, em outras palavras, a significação diz respeito
à moldura comunicativa que ensejou os enunciados (portadores do significado em questão).
Dois mecanismos cognitivos se mostraram cruciais para a compreensão do movimento
(dinâmico) cognitivo dos enunciados estudados, a saber: a mesclagem e o reenquadre
léxico-sintático.
Essa pesquisa foi desenvolvida a partir de coleta e organização dos dados retirados do
corpus selecionado (textos opinativos de jornais como O Globo, Jornal do Brasil, Folha de
São Paulo etc); análise dos enunciados irônicos; estruturação das conclusões. Espera-se
consolidar observações produtivas para a descrição do português, e, conseqüentemente, para o
ensino da língua.
Ressalte-se que, mesmo no âmbito da Lingüística Cognitiva, os autores trazidos ao
coração desta Tese não estudaram especificamente ironia (à exceção de Giora). As conclusões
e as análises feitas são produtos inéditos deste trabalho.
14
1.1 Considerações Iniciais
Nesta seção, serão levantados alguns problemas relacionados ao estudo da ironia,
especialmente no Brasil. Afinal, por que e para que estudar ironia?
Assim como a metáfora, vê-se que a ironia é um recurso lingüístico amplamente
empregado na conversação ordinária e em textos escritos dos mais diversos tipos.
Seguindo até certo ponto a trilha dos estudos sobre os processos metafóricos, pode-se
constatar que o tratamento comumente dado à ironia assemelha-se ao que era dado à metáfora
(definições marginais com olhar exclusivamente literário), até o texto de Lakoff & Johnson
(1999). Vejam-se as seguintes definições como exemplos:
Aurélio, 2000: "modo de exprimir-se que consiste em dizer o contrário daquilo que se
está pensando ou sentindo, ou por pudor em relação a si próprio ou com intenção
depreciativa e sarcástica em relação a outrem; contraste fortuito que parece um
escárnio; sarcasmo, zombaria".
Infante, 1997: "consiste em, aproveitando-se do contexto, utilizar palavras que devem
ser compreendidas no sentido oposto do que aparentam transmitir. É um poderoso
instrumento para o sarcasmo."
Manoel P. Ribeiro, 2004: “consiste em declarar o oposto do que na verdade se pensa”.
Maingueneau & Charaudeau, 2002: os autores começam a definir ironia a partir da
visão da filosofia e da retórica. Segundo essas disciplinas, a ironia mostra a inversão
daquilo que se quer dizer.
Em seguida, fazem referência às “teorias” que aplicam diferentes modos de
manipulação da ironia, citando:
15
a) menção: Sperber & Wilson (1998) entendem a ironia como eco do enunciado
pertencente a outro locutor, com forte apelo à comparação com o contexto.
b) polifonia: Ducrot (1984) compreende ironia como recurso para estabelecer a polifonia
no discurso.
c) paradoxo: Berrendonner (1981) propõe a visão da ironia como paradoxo, uma vez que
o locutor invalida sua enunciação ao dizer algo ironicamente.
A forma como os autores compreendem o recurso irônico é apresentada de modo
breve e sem exemplificação.
Acrescentam ainda o valor pragmático da ironia, como a não-obediência a uma das
máximas de Grice (“ser claro”), e ainda os caráteres desqualificador e defensivo que esse
recurso impõe.
É importante salientar que esse Dicionário, organizado por Maingueneau e
Charaudeau (2002), é uma publicação recente e de uso restrito aos estudos de nível superior.
Apesar de oferecer uma visão mais abrangente de ironia, os autores retomam trabalhos
publicados há, aproximadamente, vinte anos, e se apóiam na definição tradicional desse
recurso lingüístico.
Dicionários de termos lingüísticos, como o de Jean Dubois (1998), por exemplo, não
registram o termo, como também deixa de fazê-lo a gramática, tão usada em nossos colégios e
cursos de graduação em Letras, de Cunha e Cintra (1985).
Além do "descaso" percebido pela observação da literatura específica em Lingüística e
Língua Portuguesa, percebe-se também, na atuação em sala de aula, o despreparo dos jovens
universitários diante de texto argumentativo que utiliza o recurso lingüístico em questão.
O texto argumentativo, por suas especificidades, já traz em si um razoável nível de
dificuldade de leitura para nossos estudantes tão habituados às revistas “adolescentes” e à
televisão.
16
Nesse contexto, dificilmente o aluno percebe a ocorrência da ironia em um texto que
se propõe objetivo, sério, não irônico (em conformidade até com o que manuais de redação,
editados por grandes jornais brasileiros, prescrevem), com discurso marcadamente
institucional e, portanto, na esteira dos discursos mais referenciais. Ao lado disso, há o fato de
que o processamento do enunciado irônico não se restringe à sentença, mas, ao contrário,
amplia seu escopo ao nível do discurso.
O que não se pode deixar de levar em consideração é que os atos de linguagem
envolvem interlocutores, e também o texto opinativo ou o editorial tem dimensões apoiadas
na interação e no background do leitor, presumidas pelo autor. O tipo de texto analisado é um
produto de interação, com uma previsibilidade que remete ao gênero, à situação e ao
imaginário implicados.
A esse respeito, é importante retomar algumas observações sobre argumentação e
ironia, segundo Perelman & Olbrechts-Tyteca (1996, p.233), “é o ridículo, e não o absurdo, a
principal arma da argumentação [...]” .Basta o conflito entre uma afirmação sem justificativa e
uma opinião aceita para termos um caso de exposição ao ridículo.
A insuficiência (quer por ignorância ou por inconsciência) da transmissão da opinião
“nova” leva ao ridículo, portanto ele é também uma forma de sedução. Sua ação pedagógica
se dá para a conservação do que é admitido.
Segundo os autores, o ridículo é poderoso contra quem quiser abalar a argumentação
e, sobretudo, contra os que ousam aderir a teses consideradas incompatíveis. Não só os que se
opõem à lógica são considerados ridículos, mas também os que se opõem a concepções
naturais numa dada sociedade.
A argumentação pelo ridículo consiste, basicamente, em suportar momentaneamente a
tese oposta a que se está defendendo de fato para mostrar as conseqüências indesejáveis e
17
ridículas desse ponto de vista. É como o raciocínio pelo absurdo da Geometria que admite
uma hipótese para mostrar sua falta de fundamento, o absurdo.
Esse gênero de raciocínio implica ironia. Consoante os autores (op. cit.) é este um
caso de argumentação indireta. Ela também pressupõe mais conhecimentos acerca dos fatos.
Por isso
[...] a ironia não pode ser utilizada nos casos em que pairam dúvidas acerca
das opiniões do orador. Isto dá à ironia um caráter paradoxal: se a
empregam, é porque há utilidade em argumentar; mas, para a empregar, é
preciso um mínimo de acordo. (...) A ironia fica ainda mais eficaz quando é
dirigida a um grupo bem-delimitado. Apenas a concepção que se faz das
convicções de certos meios pode fazer-nos adivinhar se determinados textos
são ou não irônicos.
O uso da ironia é possível em todas as situações argumentativas. Não
obstante, algumas parecem convir-lhe particularmente.
É preciso audácia para afrontar o ridículo, uma certa capacidade de
superar a ansiedade, mas não basta isso para ter sucesso: para não soçobrar
no ridículo, é preciso um prestígio suficiente, e nunca se está certo de que ele
o será. Com efeito, afrontando o ridículo que é suscitado pela oposição
injustificada a uma norma admitida, o orador compromete toda a sua pessoa,
solidária desse ato arriscado, lança um desafio, provoca um confronto de
valores cujo desfecho é incerto. (Perelman & Olbrechts-Tyteca, 1996, p.236-
237).
É justamente para preencher esta lacuna de compreensão e de descrição do enunciado
irônico em língua portuguesa que esta pesquisa se desenvolve.
Os objetivos deste estudo estão ligados a esse status diagnosticado em sala de aula e
em volumes didáticos, a saber: descrever e analisar os mecanismos lingüísticos que produzem
a ironia em Português escrito em registro formal e no padrão culto
2
da língua.
O autor que usa a ironia se vale de um recurso lingüístico que, num certo aspecto, une
dizer e negar. O porquê dessa escolha, embora intrigante, não é o objetivo desse trabalho, nem
a carga intencional dela, e outras considerações dessa natureza. Interessa sobretudo a este
trabalho o modo pelo qual se constrói o sentido dos enunciados irônicos, e análise feita
partirá, para tanto, das marcas lingüísticas do discurso.
2
Padrão culto da língua é entendido como o conjunto de usos correspondentes ao que é apreciado pela classe
social de prestígio.
18
Finalmente, é importante salientar que, por um lado, o objeto ora em estudo é
inovador dentro da área lingüística e será pesquisado com metodologia (o suporte da
Lingüística Cognitiva) também inovadora – e, por outro, que a amplitude do objeto será
restringida (uma vez que seu escopo é bastante amplo, conforme se vê na análise dos dados).
1.2 A ironia através dos tempos
Através da história das idéias, segundo o Dictionary of the history of ideas (1973),
encontram-se diferentes olhares a respeito da ironia. O mais importante deles é o dos
socráticos platônicos, embora não associassem a palavra eironeia à compreensão moderna da
ironia socrática.
Aristóteles reconheceu que a eironeia deve ter vários níveis de diferença da verdade,
incluindo a negação total dela. Segundo ele, em Arte retórica, há diferentes tipos de facécia e
um deles é o que faz confundir a seriedade dos adversários. A ironia é um dos tipos e se presta
mais a deliciar o próprio orador, ao contrário da bufonaria, que delicia os outros.
O padrão completo foi formulado no séc. IV a.C. com a Retórica para Alexandre: a
ironia “é culpa pensada elogio e elogio pensado culpa” (idem). Dois aspectos da ironia
estavam implicados nessa definição: "culpar pelo elogio" é ironia satírica; "elogiar pela culpa"
é ironia cômica, que se dá através de características indesejáveis atribuídas a uma vítima
simpática, em que se chama atenção do auditório para suas reais virtudes.
Cícero (s.d.) postulou que alguns tipos de ironia não querem dizer "o exato reverso do
que se diz" mas somente algo "diferente", a zombaria, a dissimulatio, que para ele, segundo
Haury (1955) engloba também a ilusão e o eufemismo. Cícero acrescenta ainda que a ironia
põe em jogo um problema moral mais amplo, na medida em que ela “não se confina nem na
filosofia, nem na eloqüência, mas se mistura à vida cotidiana” (De Oratore, II).
19
Já Quintiliano (Institutio Oratoria) e retóricos tardios classificaram a ironia como um
tipo de alegoria (entendida como illusio), mas a Cyclopaedia de Chambers (1778-88) estreitou
o conceito de alegoria para excluir a ironia: "alegoria implica similitude entre a coisa falada e
a entendida; ironia, uma contrariedade entre elas".
Quintiliano (op. cit.) também ilustrou a concessão irônica, que expõe as idéias da
vítima, ecoando-as com uma falsa aprovação e o conselho irônico, que recomenda que sua
vítima continue a perseguir as loucuras ou vícios que ele de fato está perseguindo.
Os retóricos tardios reconheceram todas essas estratégias como ironia, além do
argumento falacioso, a reductio ad absurdum, a paródia, o burlesco e o caráter fictício, dentre
outras.
Na Alemanha, no séc. XVIII e início do séc. XIX, a ironia de Cervantes e Sócrates
misturam-se à filosofia transcendental e a ironia começa sua fase moderna.
Segundo o Dictionary of the history of ideas (1973), depois de Shaftesbury e de
Friedrich Schlegel, a ironia passa a ser então, ao mesmo tempo, forma de aderir ou de se
separar de um ponto de vista.
Para Goethe (idem), a ironia possibilita um estado de espírito acima do bem e do mal
de modo que os próprios erros podem ser vistos com humor.
Schlegel (op. cit.) compreende a ironia como diálogo contraditório no pensamento: a
fé nos valores humanos e a ausência da realidade ideal, o objetivo e o subjetivo.
Atualmente, no que concerne à ironia verbal, alguns conceitos da retórica têm sido
retomados pela prática de alguns estudiosos. Incongruência irônica tem sido encontrado nos
mais sutis níveis de diferenças entre os sentidos.
São apresentados ainda fatores variáveis na estrutura irônica, a saber:
a) O nível de conflito é variável, numa extensão que vai de sutis diferenças a
significações diametralmente opostas.
20
b) O campo de observação também é variável em sua extensão (uma expressão ou uma
palavra). Os campos mais comuns são:
Ironia verbal: estabelece uma ponte entre o sentido dos itens lexicais e o contexto.
Ironia dramática ou do destino: a relação entre um evento ou situação sendo
interpretada a partir de um limitado ponto de vista e o evento sendo interpretado
como um conhecimento maior da situação ou dos eventos subseqüentes.
Atitude irônica: a relação entre os fatos e o estado de espírito do sujeito, que pode
externalizar os outros tipos de ironia.
c) O autor do enunciado irônico é um super observador, ele sempre tem uma audiência,
mesmo se ele se diverte sozinho; e uma vítima, que pode ser até o próprio autor, como
pseudo-vítima.
d) Os aspectos da ironia: a concepção da realidade, o nível em que o autor e auditório
simpatizam ou identificam-se com a vítima, e o destino da vítima (triunfo ou derrota).
Nas próximas seções, serão apresentados capítulos de metodologia, com as etapas da
elaboração da pesquisa; revisão bibliográfica, em que trabalhos sobre ironia são
retomados; lingüística cognitiva, em que princípios e premissas desta ciência são
apresentados; análise dos dados e considerações finais.
21
2 METODOLOGIA
A pesquisa seguiu as etapas do método científico de levantamento de dados, análise e
descrição do material selecionado e estudado.
A proposta era a de fazer um estudo da ironia em editoriais jornalísticos, por serem a
palavra do editor sobre dado assunto e por serem eles argumentativos – modalidade textual
em que há alta incidência de enunciados irônicos – o que se revelou pouco produtivo, na
medida em que não há muitas ocorrências nesse tipo de texto. Constatado esse fato, passou-se
a buscar textos opinativos que, no caso dos jornais usados, ficam na página ao lado dos
editoriais.
Inicialmente, toda ocorrência de ironia era então selecionada como parte integrante do
corpus sobre o qual esta pesquisa se debruçaria. Em mais de um ano de seleção (enquanto a
fundamentação teórica começava a ser delineada, alguns textos ainda eram adicionados ao
conjunto), muitos textos de jornal impresso (do modo tradicional) foram avaliados e somente
os que portavam ironia foram separados. Como o número de textos ainda era pequeno, partiu-
se, mais adiante, para ferramentas de busca na Internet. Para tanto, foram utilizadas
expressões que, previsivelmente, poderiam aparecer em enunciados irônicos, a partir das
ocorrências dos textos já selecionados, confirmando as conclusões de Fillmore (1977) sobre o
falante inocente e o não inocente
3
.
Para a confirmação dos dados como enunciados irônicos, o texto “Sociedade e
norma”, que apresenta quatro ocorrências de ironia foi apresentado a duas turmas na
Universidade Veiga de Almeida, totalizando o número de 73 alunos. Todos reconheceram
através de leitura e de análise em exercícios de interpretação de texto as ocorrências de ironia.
Para as demais ocorrências, entretanto, foi utilizada a intuição de falante nativa da Autora.
3
Depreende-se da leitura de Fillmore (1977) que o falante não inocente reconhece idiomas semi-abertos, dentre
outros recursos.
22
Na observação dos dados, aplicou-se o método indutivo: da tentativa de análise e
classificação dos tipos de ironia no corpus para a tentativa de generalização.
Nessa etapa, adotou-se a análise qualitativa em que se procedeu ao exame do dado,
formulou-se a hipótese de trabalho e verificou-se o funcionamento do material em estudo em
outros textos.
Diante da imensa variedade encontrada e da constatação da presença de muitos focos –
possível pela vastidão do corpus selecionado nos primeiros passos da pesquisa-, dada a
riqueza do fenômeno e da pobreza de estudos desse porte, foi imprescindível um recorte
epistemológico do recurso lingüístico estudado. Passou-se, então, à análise da ironia no
Sintagma Nominal
4
(SN).
É importante dizer que, nesse momento de novas definições no escopo da pesquisa,
optou-se pela manutenção de exemplos já então selecionados para ilustrar parte dos conceitos
teóricos, que são ocorrências de ironia que não mais se adequavam ao corpus estudado. Essa
manutenção implicou a formulação de um corpus, ora denominado corpus B (em que várias
estruturações foram encontradas: ocorrências de ironia em “Painel do leitor” (seção de cartas
dos leitores) e outras colunas bastante populares também foram selecionadas com a finalidade
de comprovar a produtividade do recurso lingüístico ora estudado), ao lado do corpus A
(somente ocorrências no SN), ambos acrescentados em Anexos (seção 8). Além disso, a
numeração das ocorrências se deu de acordo com a apresentação das mesmas no corpo do
trabalho e, mesmo na retomada de um exemplo já citado, procedeu-se ao seguimento da
seqüência numérica – considerada forma mais clara para fins de leitura.
A análise, dada a importância e a extensão do fenômeno estudado (mesmo no SN), se
deu em dois momentos. Em primeiro lugar, uma análise do ancoramento da ironia no dado
lingüístico stricto senso.
4
Nomenclatura usada por Mira Mateus et alii (1983).
23
Para tanto, considerou-se a falha dos modelos semânticos clássicos no que se refere ao
estudo da referenciação, por não considerarem, em sua aplicação, a dinâmica da interação e os
dados histórico-sociais então relacionados.
Quanto à dinâmica de interação, muitos aspectos estão envolvidos. A cognição, por
exemplo (que interessa de modo especial à proposta desta Tese), figura, nos modelos
clássicos, por exemplo, como um cenário à parte, impossível de ser desvendado. A partir daí,
perdem-se noções importantes, como o fato de a referência ser um processo de construção on-
line na interação, isto é, uma construção local.
Por outro lado, um cognitivismo de escopo mais amplo deve indicar a natureza da
informação semântica envolvida e quais tipos de processos interagem no uso concreto da
língua.
Esse é o status quo que implicou a necessidade de uma análise lingüística de cunho
funcional – a manipulação do dado lingüístico para se chegar, mais adiante, aos processos
cognitivos diretamente envolvidos na compreensão e construção dos sentidos.
Procedeu-se, então, à análise do valor semântico-cognitivo do adjetivo, uma vez que,
no SN, a ironia, na maioria das vezes, se faz com a combinação “Nome Adjetivo”, em que
este segundo elemento tem muita importância.
O segundo momento da análise dos dados contou com o estudo e a verificação dos
processos não só de reenquadre e mesclagem, bem como os de compressão/descompressão da
informação nas ocorrências selecionadas, indicando o processamento cognitivo detonado na
leitura do enunciado irônico.
Finalmente, na conclusão, chegou-se a algumas generalizações, conforme se faz
necessário a uma tese.
24
3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Nesta seção, serão apresentadas as diferentes conclusões, críticas e propostas de vários
autores a respeito do que estabelece o enunciado irônico, perfazendo um panorama dos
estudos lingüísticos desse tipo de enunciado.
Na primeira parte, serão revisados os trabalhos sobre o tema, produzidos em
português, que têm a Língua Portuguesa como objeto de estudo e que, coincidentemente,
trilham o caminho da Análise do Discurso, sobretudo de linha francesa.
Depois, apresentam-se pesquisas de lingüistas estrangeiros que se dedicaram, de
algum modo, ao tema em questão, sejam tais autores advindos dos estudos da Pragmática, da
Psicolingüística, sejam mesmo da área dos estudos cognitivistas, com os quais esta proposta
de trabalho se identifica.
Este protocolo de leitura foi assim estabelecido porque (1) a abordagem deveria ser a
mais ampla possível, (2) os trabalhos encontrados na pesquisa bibliográfica são de diferentes
áreas dos estudos lingüísticos e (3) essa subdivisão, do ponto de vista didático, torna a leitura
mais produtiva.
3.1 Pesquisas em Português
Machado (1995) aborda a ironia retórica como uma estratégia de argumentação, em
que o locutor veicula sua mensagem sem correr “certos riscos”, como ser punido pelo que
disse abertamente. É ainda uma forma de levar adiante a argumentação, em que o enunciado
irônico provoca o “riso de exclusão”, fazendo com que o interlocutor perdoe o que foi dito e
continue a interagir.
25
O movimento argumentativo que a ironia provoca é descrito na teoria semiolingüística
de Charaudeau (Grammaire du sense et de l’expression,1992), segundo a qual há:
-eu-comunicante pensa não-p
-eu-enunciador diz p a tu-destinatário
-eu-enunciador deixa escapar índices para que tu-destinatário perceba a enunciação
como não séria ou direta, ou que p=não-p.
-eu-comunicante espera que tu-interpretante se identifique a tu-destinatário e perceba
seu jogo.
É sobre esse esquema que Machado pauta sua análise.
A autora salienta que o ironista só conta com estratégias linguageiras, pois a ele falta a
possibilidade de entonação e de expressão corporal (o corpus utilizado só contempla língua
escrita). Como estratégias linguageiras, Machado aponta elementos figurativos (como
hipérbole e metáfora), o uso de discurso “reportado”, em que tal conteúdo será subvertido, o
uso de expressões modalizantes e inversão do sentido do enunciado.
Na análise que Machado faz do texto “A praga”, de Veríssimo (JB, Revista de
Domingo, out. 1992) são identificadas as informações de base ou sérias e as derivadas, o que
provoca o riso ambíguo. Ela marca noções de intertextualidade, inversão de expectativas e
argumentação pelo absurdo.
Brait (1999) estuda ironia a partir da perspectiva polifônica, também apoiada na
Análise do Discurso francesa, considerando o mecanismo como estratégia argumentativa e
aspecto constitutivo da linguagem.
Como Machado (1995), a autora também considera e identifica elementos figurativos,
embora focalize a análise sobre o que considera metonímia irônica.
26
Os recursos explicitados na análise da ironia foram a intertextualidade, os elementos
de coesão como a citação explícita, além do que chama de metonímia irônica, quando procede
à observação da foto de desempregados brasileiros, posta ao lado da foto da obra de Tarsila do
Amaral (Operários), numa notícia de jornal.
Paiva (1998) propõe o estudo dos atos de fala indiretos, focalizando o enunciado
irônico, na medida em que um “ato ilocucionário é realizado indiretamente através da
realização de um outro”. Para tanto, ela parte dos estudos de Searle (Expressão e significado:
estudo da teoria dos atos de fala, 1995) e da teoria semiolingüística também explorada por
Machado (A ironia como fenômeno lingüístico-argumentativo, 1995).
Análise de Paiva é a do texto “O povo”, de Veríssimo (O nariz e outras crônicas,
1994), e segue fielmente o encaminhamento da análise de Machado (1995), somente
acrescentando o estudo dos atos indiretos de fala.
A ironia, também no trabalho de Silva (1998), como em Brait (1999), é vista sob a
perspectiva polifônica e, mais especificamente, sob a teoria de Ducrot (1984), segundo a qual:
falar de um modo irônico é, para um L, apresentar a enunciação como
expressando a posição de um enunciador. Posição de que se sabe por outro
lado que o locutor L não assume a responsabilidade, e, mais que isso, que ele
a considera absurda. Mesmo sendo dado como responsável pela enunciação,
L não é assimilado a E, origem do ponto de vista expresso na enunciação
(Ducrot, 1984:98).
Através do conector aliás, a autora analisa o movimento enunciativo em que o locutor,
além de concretizar enunciadores E1 e E2, é levado a concretizar também E3, que concorda
com E2, sendo estes os que de fato expressam a ironia.
Silva apresenta o seguinte esquema (1998:144), a partir do exemplo (1) “O carnaval é
uma porcaria, aliás a porcaria mais gostosa do mundo”:
27
l
o E1-O carnaval é uma porcaria não vamos pular o carnaval
c
u E2-O carnaval é uma porcariavamos pular o carnaval
t aliás
o E3-A porcaria mais gostosa do mundovamos pular o carnaval
r
Silva ampara ainda sua análise na teoria dos topoi, em cuja formação Ducrot (1989)
ancora as crenças partilhadas, admitindo o caráter gradual deles.
A autora descreve a proposta de Ducrot e faz uma aplicação bem simplificada, com
exemplos em que ocorra aliás.
É importante observar que estes trabalhos se caracterizam por abordar o tema (ironia)
em português. Além disso, sequer chegam a definir o fenômeno estudado, deixando a análise
restrita aos elementos tradicionalmente conhecidos. Em outras palavras, resumem-se às
possibilidades de alguns recursos e resistem à descrição do fenômeno.
Entretanto, é interessante observar que reconhecem a figuratividade da linguagem
como integrante do recurso irônico, assim como a existência do não dito pelo dito, questões
de que não se pode abrir mão.
3.2 Outras pesquisas – da Pragmática à Psicolingüística
Inicialmente, mostrar-se-ão os estudos tradicionais advindos da Pragmática que
abordam o enunciado irônico; em seguida, serão mostrados os trabalhos que consideram mais
28
o lado psicológico envolvido na constituição desse tipo de enunciado; por fim, serão
apresentadas as pesquisas cognitivistas no âmbito do processamento das rotinas cognitivas
envolvidas na leitura da ironia.
3.2.1 Estudos mais tradicionais
Em primeiro lugar, deve-se apontar a relação que Grice (1982) faz entre as máximas
conversacionais e a ironia.
Quando trata dos casos em que a primeira máxima de qualidade é abandonada, cita a
ironia. Em linhas gerais, resume a ocorrência dela nos termos de uma interpretação
contraditória do que se disse, lembrando que o enunciador, ao proferir o enunciado irônico
(violando a máxima da qualidade), sinaliza para o ouvinte que o que ele quer dizer não é,
nesse caso, o que de fato disse.
Searle (1993), por sua vez, ao estudar a metáfora, faz uma breve observação para
diferenciar essa figura e a ironia.
É preciso, em primeiro lugar, levar em consideração a postura de Searle frente ao
estudo da metáfora. Para ele, “o ouvinte solicita algo mais do que seu conhecimento da
língua, sua consciência das condições do enunciado, e do background assumido que troca
com o falante”
5
(1993, p.89). Essa solicitação é chamada de call to mind e obedece a alguns
princípios e procedimentos.
Assim como Grice, Searle (idem) também considera que o significado literal do
enunciado irônico é inapropriado à situação e isso requer do ouvinte uma interpretação no
sentido do oposto, do contrário do que foi dito. Apesar disso, reconhece a existência de outros
5
“ [...] the hearer require ssomething more than his knowledge of the language, his awareness of the conditions
of the utterance, and background assumptions that he shares with the speaker.”
29
recursos para ironizar a depender da cultura em que se está inserido, mas não dá exemplo
algum disso.
Para Searle (ibidem), bastam os princípios da conversação e regras gerais para realizar
os atos de fala e para reconhecer os princípios básicos da ironia.
Reconhece ele também a impossibilidade de parafrasear a expressão metafórica (o que
também é válido para a ironia, embora o autor não explicite isso), porque não se pode
reproduzir a compreensão do ouvinte, somente as condições de verdade do enunciado.
Tanto para Grice quanto para Searle, o estudo da ironia, nos textos citados, diz
respeito somente a uma interpretação contrária do que se disse – a observação é simples, sem
detalhamento.
3.2.2 Estudos ligados à psicolingüística
Para Winner & Gardner (1993), quase nunca dizemos aquilo que queremos significar.
Por isso, no discurso por eles chamado de literal, os falantes fazem significar o que dizem e
algo mais (relação de consonância) e, no discurso não literal (para os autores), os falantes não
fazem significar o que dizem , o que os autores chamam de relação de dissonância.
Os autores entendem, ainda, que as maiores formas de discurso não literal são, em
todas as línguas provavelmente, a metáfora e a ironia, inclusive na conversação ordinária,
recursos tais guiados por princípios comuns.
A dificuldade em entender esses dispositivos da língua está no fato de que sua
compreensão requer algumas habilidades. Isso implica que tais recursos são entendidos em
diferentes graus pelos ouvintes.
As principais habilidades envolvidas são a inferência, também muitas vezes chamada
de interpretação, e a inserção de conhecimento metalingüístico
, as quais permitem o
30
reconhecimento da metáfora e da ironia como recursos que querem fazer significar não
literalmente, isto é, como uma outra modalidade do discurso.
Uma outra contribuição dos autores é a conclusão sugerida de que a interpretação
irônica é possível pela habilidade de “inferir crenças de outras pessoas e suas crenças sobre as
crenças”, pela “teoria da mente” (a esse respeito, os autores citam Astington, Harris & Olson,
1988; Wellman, 1990).
Estruturalmente, as habilidades fundamentais para a compreensão da metáfora e da
ironia travam relações diferentes entre as mesmas. Segundo os autores, pode acontecer que,
“no caso de metáforas difíceis, alguém pode compreender o enunciado como não literal e
ainda não interpretá-lo corretamente; para a ironia, compreender um enunciado como irônico
implica automaticamente uma interpretação correta (grosso modo) do significado pretendido
pelo falante”
6
(p. 428).
Essas diferentes relações entre as habilidades e os recursos discursivos em questão
orientam a conclusão de que a metáfora envolve níveis de compreensão e a ironia, não; ou ela
é, ou ela não é compreendida.
Dentro de suas funções comunicativas, metáfora e ironia diferem basicamente. A
metáfora significa algo novo porque acrescenta essa novidade em sua descrição. Por sua vez,
a ironia não descreve algo do mundo de um novo
ponto de vista, mas, principalmente, deixa
claro a atitude, quase sempre crítica, do falante.
Dentre as demandas de compreensão estabelecidas pelos dois recursos de discurso não
literal em questão, as principais para a ironia são: em primeiro lugar, a percepção de outras
mentes, isto é, da intenção comunicativa do falante que a produziu, deve-se inferir que o
falante não deseja que se acredite em suas palavras literais para que o enunciado não seja
tomado como “erro” ou decepção. Em segundo lugar, é preciso ter acesso às informações
6
“In the case of difficult metaphor, one can be aware of the utterance as nonliteral yet not interpret it correctly;
for irony, awareness of the utterance as ironic automatically entails a (roughly) correct interpretation of the
speaker’s meaning”.
31
contextuais do enunciado em questão, já que a ironia se torna impossível de ser distinguida
sem elas, “[...] o ouvinte precisa fazer inferências específicas sobre as crenças e intenções do
falante”
7
(p. 430). A falta de tais informações pode levar o ouvinte/ leitor a compreender um
enunciado irônico como erro e/ ou mentira.
Os autores desenvolvem algumas observações sobre a interpretação da metáfora e
também da ironia. Sobre esta última, eles constatam que, curiosamente, antes de seis anos a
criança ainda não desenvolveu habilidades para a compreensão de crenças de “segunda
ordem”
8
( que são, segundo eles, “crenças sobre o estado de crenças de outra pessoa” (p.
436)).
A dificuldade da interpretação da ironia está, dessa forma, ligada ao esforço e à
habilidade de inferir as crenças do falante e as intenções sobre as crenças do ouvinte/leitor; o
ouvinte/leitor deve, portanto, ser hábil em pensar sobre outras mentes. O movimento
cognitivo exigido pela ironia difere então do da metáfora, que envolve outras habilidades,
outras demandas de compreensão. Elas se aproximam na exigência de um certo nível de
conhecimento metalingüístico.
É somente através desse conhecimento que estes dois recursos discursivos podem ser
reconhecidos como uma forma específica, (marcada) de discurso, opondo-se ao “falar claro”
e, no caso da ironia, o reconhecimento de que se diz “algo crítico”.
Com Winner & Gardner (1993), há uma comparação um pouco mais detalhada entre
metáfora e ironia, embora recorram também aos conceitos de literal e não literal, que, segundo
Langacker (1987), é uma falsa dicotomia, e à metodologia de relacionar a forma lingüística
escolhida a um estudo sobre as crenças dos falantes, o que, nem de longe, é preocupação desta
tese.
7
“[...] the listener needs to make specific inferences about the speaker’s beliefs and intentions”.
8
As de primeira ordem são as crenças sobre o mundo.
32
Sperber & Wilson (1998) tratam a ironia a partir da teoria da relevância, estudada
principalmente por Grice, e a partir da noção de eco, sendo este último um conceito
fundamental em suas pesquisas.
Para os autores, a ironia verbal é necessariamente ecóica.
O eco aí tem o sentido raiz da palavra. Ele pode se dar em seguida ao que foi dito, mas
também pode estar “repetindo” pensamentos reais ou imaginários ou expectativas de normas e
padrões.
Os autores assim exemplificam:
Para alguém que diz que vai ficar pronto até às cinco horas, no máximo, os seguintes
enunciados ecoados podem acontecer:
Certamente você estará pronto às cinco
Eco mais comum
Você quer dizer às cinco horas de amanhã?
Eco de pensamento atribuído
Você é tão pontual!
Eco de expectativas de
normas e padrões
É uma grande virtude estar no horário!
Eco de expectativas de
normas e padrões
Eco é uma noção ampla, mas tem suas restrições definidoras e, assim, uma
representação acessível não pode ser tomada como eco. Ele será evocado a partir da
inacessibilidade à representação, em que haverá uma checagem com a relevância do
enunciado.
Esses autores fazem uma importante contribuição: apontam a ocorrência do uso de
ironias idiomáticas, que têm um forte paralelo com metáforas “mortas” em sua
caracterização e uso. Ironias desse tipo também têm sua rotina interpretativa empobrecida,
perdem seu caráter ecóico original e sua força irônica.
33
Embora os autores não exemplifiquem, é importante salientar que, em português, é
comum ver o uso das expressões “grandes coisas” para se referir a uma bobagem e “detalhe”
para fatos importantes, conforme atesta o texto “Não basta investir”, do corpus desta
pesquisa:
(6) “No pensamento de Keynes, isso só ocorreria em situações recessivas, mas a
tentação de esquecer esse “detalhe” seria grande demais para os políticos” (Texto 2, corpus
A
9
).
Uma característica importante da abordagem ecóica da ironia é a visão segundo a qual
não há limites rígidos entre enunciados irônicos e não irônicos. A ironia é vista aqui como um
continuum, em que há níveis de atitude frente ao material ecoado.
Os autores concluem que o caso prototípico da ironia é a característica de seu
ecoamento por recobrir um número maior de casos, e não uma inversão semântica
(“mecanismo explanatoriamente inadequado”).
Para tanto, eles observam que a ironia como inversão semântica é uma visão leviana
na medida em que não se explica como ela surge espontaneamente em diferentes culturas,
como as crianças adquirem esse mecanismo, como ele tem sido associado à atitude irônica,
como ele tende a culpar pelo elogio mais facilmente que elogiar pela culpa, como generalizar
casos etc.
Essas são evidências de que o mecanismo da inversão deve ser eliminado.
É importante salientar que esses autores trazem contribuições produtivas para o estudo
da ironia através da visão ecóica, como a visão de continuum, a aplicação da teoria dos
protótipos, a observação de ironias lexicalizadas (que também são ecóicas na origem), o
reconhecimento da inversão semântica como descrição inadequada, a análise dos casos mais
complexos. Entretanto, algumas questões se fazem presentes.
9
Doravante, na indicação das fontes, “Texto” será indicado como “T” e os corpora A e B virão indicados
somente por “A” ou “B”, conforme o caso.
34
Eles partem da teoria de Grice e, ao mesmo tempo, discordam da visão apresentada
por ele sobre o fenômeno estudado, estabelecem a oposição literal x não literal, aniquilam
com o mecanismo de inversão semântica enquanto critério de reconhecimento da ironia, sem
explicar como o eco se associa à atitude irônica e sem ancorar suas conclusões em marcas
lingüísticas.
Gibbs (1993) discute a importância do conhecimento pragmático e conceptual para
compreensão através de imagens (metáfora, metonímia, ironia, hipérbole, expressões
idiomáticas).
Os esquemas figurativos do pensamento (metáfora, metonímia, sinédoque e ironia)
dão a base para a conceptualização da experiência. Eles próprios a constituem. Segundo o
autor, é por essa razão que os tropos são usados na conversação, além de essa capacidade de
conceptualizar através dos tropos ser ampla e de fácil aceitação pelo ouvinte.
O autor ressalta ainda que a compreensão é tradicionalmente atribuída ao contexto,
mas, na verdade, o contexto é baseado em conhecimento, crenças e atitudes.
Segundo ele (Gibbs, 1993), Grice e Searle seguem os séculos de tradição que vêem no
texto literal a expressão do pensamento e o que difere disso é distorção. E, ao lado dessa
tradição, há evidências experimentais que apontam para o fato de que os tropos não violam as
normas de cooperação conversacional. Resultados de experimentos psicolingüísticos mostram
que a interpretação dos tropos não deve analisar ou rejeitar significados literais quando vistos
em contexto social real.
Uma primeira razão para o fato de que alguns pesquisadores analisaram tropos como
violação das máximas conversacionais é a confusão entre processos e produtos da
compreensão lingüística.
Acontece que muitos vêem o tropo como um produto e o estudam como interpretação
e apreciação. Há também evidências psicolingüísticas que subsidiam essa conclusão,
35
apontando para o fato de que julgamentos da metáfora acionam atos psicolingüísticos
diferentes. Assim, para Gibbs (idem)“isso não é surpreendente, uma vez que a compreensão e
a apreciação da metáfora são atividades mentais, cada uma refletindo partes diferentes do
continuum da compreensão lingüística.”
10
(p. 256)
A segunda razão para ver o tropo como violação é o problema da definição do
significado literal (o que é, em que contexto ocorre, o que atinge etc).
As visões tradicionais da ironia e a própria literatura analisam esse tropo como uma
forma de expressar incongruência entre realidade e expectativa, a partir da intenção de um
ator. De fato, em alguns casos, a ironia aparece a partir dessa relação de incongruência entre
realidade e expectativa.
Uma análise mais ampla do fenômeno, consoante Gibbs Jr. (op. cit.), é a teoria da
menção ecóica, que propõe a diferença entre uso (efeito) e menção (o dito – que é irrelevante
para a proposição que especifica), cunhada por Sperber & Wilson.
Mas Gibbs, ao contrário de Sperber & Wilson, afirma que nem todo enunciado irônico
é ecóico. Ele exemplifica com (7) “Outro dia lindo!” (“Another gorgeous day!”, 1993, p. 264)
– em que há expectativa generalizada ou desejo ou desapontamento com o mau tempo.
Gibbs (idem) considera que “a menção ecóica pode ser um caso especial de
lembranças que aludem a ocorrências anteriores ou estados de processos. Ou, ainda, que a
ironia verbal possa envolver um significado pretendido”.
Para Gibbs (ibidem), a pretensão é mais abrangente do que a menção ecóica, por
exemplo, porque o falante pretende “ser” outra pessoa (não vista) ou falar com outra pessoa
além do ouvinte. Segundo ele, quando isso fica claro, o ouvinte pode entender que o falante
está assumindo uma atitude depreciativa em relação aos elementos envolvidos nessa situação
(falante imaginário, ouvinte imaginário, a idéia).
10
“This is not surprising given that comprehension and appreciation of metaphor are different mental activities,
each reflecting different parts of the temporal continuum of linguistic understanding”.
36
De fato, percebe-se que o caminho percorrido pelo autor é muito mais uma tentativa de
explicar a postura psicológica do falante do que o fenômeno da ironia, contando com poucos
dados lingüísticos.
3.2.3 Estudos cognitivistas do processamento da leitura
Em artigo de Giora, Fein & Schwartz (1998), evidencia-se, através de vários
experimentos aplicados a universitários, que a compreensão da ironia envolve a retenção do
significado literal (assim nomeado pelos autores) para que o interpretante complete a
diferença entre o estado das coisas e o enunciado literal, para chegar à situação ironizada.
Em seus testes, observaram que a ironia demora mais tempo para ser lida e derrubaram
a teoria do processamento-equivalência em favor da hipótese do nível de saliência
(convencionalidade) no enunciado irônico como negação indireta.
Embora ainda conserve a distinção entre literal e figurado, essas conclusões são muito
produtivas para o estudo da ironia, sobretudo para esta tese – trata-se de uma pesquisa
cognitiva de fato que comprova a retenção do enunciado mais convencional em primeiro
lugar, para a possibilidade de acesso ao sentido irônico.
Essa pesquisa dialoga, de certo modo, com as conclusões de Sperber & Wilson (1998)
no que concerne à importância dada à teoria da relevância ou saliência, convencionalidade e,
conseqüentemente, no aproveitamento do significado do enunciado literal, e ainda no que
concerne à discordância da teoria do processamento-equivalência, formulada principalmente
por Gibbs Jr.
Giora, em recente trabalho (2001), elabora estudo inovador a respeito da antiga
dicotomia sentido literal x figurado. Apesar de não falar unicamente de ironia, suas pesquisas
são bastante pertinentes ao estudo ora proposto.
37
A problematização se dá a partir de algumas questões fundamentais como o fato de a
diferença entre literal e não-literal estar pontuada nos momentos iniciais da compreensão e o
debate entre os pesquisadores mais tradicionais e outros nem tanto que apontam o peso do
contexto ou do significado lingüístico na determinação desses processos iniciais.
Grice (1982), Searle (1993), dentre outros, priorizam o dado lingüístico (sobre a
informação contextual) e a tentativa imediata de se atribuir o significado chamado literal ao
enunciado, de forma que o não-literal, diferentemente do primeiro, requisitará um esforço
maior, envolvendo outros processos inferenciais.
Já Gibbs (1993) observa que processos lexicais interagem com informação contextual
desde os momentos iniciais da compreensão, o que implica, num contexto apropriado, a
obtenção do significado compatível e o não envolvimento com os incompatíveis. Segundo ele,
o literal não é chamado obrigatoriamente em primeiro lugar nos momentos iniciais, mas prevê
que a interpretação literal seja computada como um todo antes que a não-literal seja tentada.
Giora trabalha com a noção de saliência, e prevê que enunciados, para serem salientes,
têm de ser codificados no léxico mental e, além disso, têm de considerar a proeminência
resultante de sua convencionalidade, freqüência, familiaridade, ou prototipicalidade. Os
que não estão no léxico mental não são salientes (implicaturas construídas on-line). Saliência
é, portanto, uma questão de nível e é melhor compreendida como disposta num continuum.
É importante a observação de Giora ao mostrar que os diferentes níveis possibilitam ao
falante a projeção de uma estrutura conceptual de um domínio diferente.
A autora explica, então, com a hipótese da saliência graduada, que o contexto afeta
imediatamente a compreensão, mas não bloqueia significados salientes, mesmo que sejam
contextualmente incompatíveis, por não interagirem com processos lexicais, e sim por se
desenvolverem paralelamente a eles.
38
Em contextos fortes e com o mesmo nível de saliência, enunciados literais e não-
literais envolvem processos iniciais de modo similar. Quando saliência e contexto têm o
mesmo peso, o segundo fator não inibe o primeiro, mas sim o significado não pretendido.
Somente a incompatibilidade entre significado saliente e contexto promove a requisição de
processos adicionais ou a busca por um contexto mais forte.
Giora observou e/ou promoveu inúmeros testes de leitura em que os dados apontaram
(nos momentos iniciais da comparação) a supremacia da saliência e, portanto, da hipótese da
saliência graduada sobre outros estudos como o modelo pragmático padrão e a visão de
acesso direto.
Os processos que não fazem parte da fase inicial da compreensão, isto é, processos não
iniciais mostram que a direção do escaneamento (cf. seção III.3) revela uma diferença sutil.
Quando a compreensão vai em direção ao não-literal, o literal é retido porque é relevante para
a interpretação, mas quando a direção é rumo ao literal, o não-literal é cancelado.
Consoante Giora, saliência e funcionalidade são os melhores critérios para prever
diferenças e similaridades entre o caráter literal e não-literal dos enunciados: nos processos
iniciais, o fator crucial é o nível de saliência, o que implica o fato de que não há, nesse
momento, diferença entre eles; as etapas não iniciais da interpretação são regidas por um
processo funcional que distingue as duas leituras – as quais, nas palavras de Langacker
(1987), dependem da direção do escaneamento, enunciados literal e não literal terão
tratamentos diferenciados (Giora observa que essa ainda pode ser considerada uma conclusão
“prematura”).
39
Feito o panorama dos estudos lingüísticos da ironia, é importante dizer que os
trabalhos de Giora (Giora et alii, 1998; Giora, 2001) trazem contribuições de fato inovadoras
e consistentes e que podem ser aproveitadas para os estudos em Língua Portuguesa.
Dessa seção, destacam-se as noções de saliência, prototipicalidade e, portanto, a visão
do continuum.
40
4 A LINGÜÍSTICA COGNITIVA
Depois de visitada a bibliografia pertinente ao estudo da ironia, apresentam-se
conceitos fundamentais à Lingüística Cognitiva, além, ainda, de outras noções que se
mostraram ligadas ao mecanismo irônico, fulcro de interesse deste trabalho, a fim de iluminar
os caminhos percorridos até a análise do corpus e posteriores considerações.
4.1 Conceitos fundamentais à Lingüística Cognitiva
Muito se tem descoberto no campo da ciência cognitiva. As três maiores premissas
(segundo Lakoff & Johnson, 1999, p.3) interessam sobremaneira no que concerne ao estudo
da língua:
a) “A mente é inerentemente corporificada”.
b) “O pensamento é, em grande parte, inconsciente”.
c) “Conceitos abstratos são altamente metafóricos”.
Depois dessas descobertas, a “filosofia não pode ser a mesma”, conforme reiteram os
autores (idem). Essas descobertas derivam de outras igualmente impactantes e relevantes para
esta pesquisa, a saber:
O pensamento é corporificado e advém da nossa experiência corpórea, isto é, é ela que
possibilita a formação dos nossos sistemas conceptuais.
O pensamento é a força evolutiva. Não há, portanto, separação rígida entre seres
humanos e não humanos, mas sim a organização dos seres vivos num continuum.
41
O pensamento se desenvolve a partir de rotinas e de princípios comuns a todo ser
humano.
O pensamento é tanto consciente quanto inconsciente.
O pensamento é metafórico e imaginativo.
O pensamento é de cunho subjetivo, emocional.
Além disso, dizem os autores que o funcionamento inconsciente da conceptualização
humana funciona como uma “mão escondida” (“hidden hand”, 1999, p.13), dirigindo a forma
como concebemos aspectos da experiência, ou seja, o pensamento humano de sentido comum,
cotidiano e filosófico.
Segundo a tradição filosófica ocidental, a visão segundo a qual o pensamento é
independente de percepção e movimento corporais traz implicações como o fato de que é o
pensamento autônomo que nos distingue de outros animais. Mas, com o despontar da ciência
cognitiva, essa compreensão tradicional cai por terra, uma vez que o pensamento não é
autônomo, isto é, não independe de capacidades corporais (percepção, movimento, emoção
etc) e a delimitação entre os seres humanos e os outros seres vivos passa a não ser tão nítida.
Nessa separação entre seres vivos, o que deve ser levado em conta é o nível de
sensibilidade do aparelho sensório-motor e a habilidade de manipular objetos. Lakoff &
Johnson (1999) lembram que todo ser vivo categoriza (até mesmo uma ameba!), mas como
isso se dá vai, justamente, depender das experiências corporais de cada ser.
O conhecimento desse fato leva a um outro degrau na escala das pesquisas em
cognição, o de que categorias são formadas a partir da experiência, e são organizadas em
protótipos, cada um correspondendo a uma estrutura neural que possibilita inferências e
conclusões imaginativas no processo de categorização.
42
Como os conceitos possíveis através da cognição humana são viabilizados pela
experiência do corpo, do cérebro e do sistema sensório-motor, a noção de esquema imagético
surge para acomodar esses elos.
Esses esquemas são rotinas cognitivas básicas que relacionam conceitos a partir da
nossa experiência física, corporal, básica. Primeiramente, há a experienciação corporal dos
fatos para haver a abstratização do conceito, extensível a infinitas situações e aplicáveis a
incontáveis novos conceitos. Dessa forma, todo conceito humano é estruturado por um
esquema imagético, ratificando o posicionamento da ciência cognitiva de que a mente e os
conceitos humanos são corporificados.
Interessa de modo especial a esta pesquisa os conceitos de relações espaciais, na
medida em que refletem a experiência básica “abstratizada” pelo enunciado irônico. Por isso é
necessário rever a importância dos conceitos baseados nessas relações, que, aliás, procedem
ao mesmo protocolo cognitivo, uma vez que dão suporte aos esquemas imagéticos (eles
também advêm da interação da experiência humana com o mundo através do aparato
sensório-motor, propiciando a criação e a compreensão de conceitos humanos).
Tais conceitos têm uma estrutura interna que engloba os esquemas imagéticos, a
designação e a estrutura trajetor/marco, abordadas, estas últimas, intensamente por Langacker
(1987).
Como essas relações espaciais são experienciadas fisicamente pelo ser humano e,
depois, estendidas para o plano abstrato do raciocínio, elas guardam em si sua lógica básica.
Essas relações contam com experiências como:
Esquema de “container”: grosso modo, pode-se dizer que há um elemento contido em
um espaço delimitado por barreiras definidas. Sua lógica básica conta com a idéia de
dentro-fora.
43
Esquema fonte-caminho-alvo: grosso modo, pode-se dizer que há um ponto de partida
para um trajetor até seu marco. Sua lógica básica conta com chegar antecipadamente
ou posteriormente, movimento, direção, tempo etc.
Projeções corporificadas: mostram com maior clareza o quanto o corpo é importante
para formar a estrutura conceptual. Em geral, há a relação frente-atrás (costas).
Consoante Lakoff & Jonhson (1999:34), “nossos corpos definem um conjunto de
orientações espaciais fundamentais que usamos não somente na orientação de nós mesmos,
mas na percepção do relacionamento de um objeto com outro”
11
. Dessa forma, a percepção
de “um gato atrás da árvore”(exemplo dos autores) “requer uma projeção imaginativa baseada
na nossa natureza corporificada” (p. 35)
12
. Em suma, o conceito frente-atrás é apreendido por
uma orientação corporal.
A partir do alcance das conclusões da ciência cognitiva, surge então a Lingüística
Cognitiva que, obviamente, comunga das premissas e princípios básicos estabelecidos pela
primeira e traz esse repertório teórico para a realidade lingüística. A Lingüística Cognitiva
apresenta a contraparte de todos os modelos teóricos desenvolvidos pela Lingüística de um
modo geral. Quem já passou por muitos deles, sente a necessidade de um que conjugue o
rigor científico da descrição e da projeção de estruturas com o caráter processual, dinâmico do
discurso, social e culturalmente inscrito.
São já conhecidos modelos ricos em descrição como o gerativista e os que fazem a
ligação entre discurso e uso como o funcionalista, o pragmático e o da análise do discurso, por
exemplo, mas, em todos eles, o que se vê é a existência de sujeitos desencarnados (quando há
um sujeito!), desvinculados de situações reais de uso da língua; discursos submetidos a
qualquer comentário ou tentativa da análise baseada em mera paráfrase; ou, ainda, tentativas
11
Our bodies define a set of fundamental spatial orientations that we use not only in orienting ourselves, but in
perceiving the relationship of one object to another”
12
“(In this way, perceiving the cat as being behind the tree) requires na imaginative projection base don our
embodied nature”.
44
esforçadas de conjugar o estático e o processual sem um aparato científico-metodológico que
dê conta desse objetivo.
A Lingüística Cognitiva é uma linha de pesquisa capaz de suportar esses dois veios (o
estático e o processual), e, mais especificamente, a Hipótese Sócio-cognitiva da Linguagem,
segundo a qual a língua é uma construção de sentidos negociados on-line pelas partes,
autorizados por uma moldura comunicativa que direciona o caminho da negociação.
A Lingüística Cognitiva tem como premissa básica o fato de que a “linguagem
não porta o sentido, mas o guia”
13
(Fauconnier, 1994). Essa premissa implica o
processamento de múltiplas rotinas cognitivas de acesso ao significado e também a disputa
das semioses para a interpretação mais adequada.
Diante desse quadro, vê-se que além das rotinas cognitivas permitirem uma
determinada direção para a interpretação, há uma outra premissa que atua para que o leque de
possibilidades não se abra demais, a da dimensão pública da interpretação, erguida por
Salomão (1997). Esse princípio atua também no sentido de chamar novamente os sujeitos
para o processo interativo.
Quanto às rotinas cognitivas, é fundamental dizer que elas são suportadas por bases
(relativamente) estáveis de conhecimento, relacionadas ao cultural e socialmente
“partilhável”, isto é, esquemas e frames, de modo geral. São elas:
Há o que se chama Modelos Cognitivos Idealizados (MCIs), que são scripts
culturais, isto é, conhecimentos armazenados na memória que estão relacionados a scripts
contando, portanto, com um elenco de comportamentos padronizados socialmente, e também
com padrões culturais, de modo idealizado. Segundo Lakoff (1987, p.68), “cada MCI é uma
estrutura total complexa, uma gestalt, que usa quatro tipos de estruturação de princípios:
13
Esta máxima está disponível em Mental Spaces, de G. Fauconnier, 1994, p. xxii (“language does not carry
meaning,but it guides it”).
45
-estruturas proposicionais;
-estruturas de esquemas imagéticos;
-projeções metafóricas;
-projeções metonímicas.”
Reitera ainda o autor que um elemento de um MCI “pode corresponder a uma
categoria conceptual”(p. 69). Lakoff explica com a visão de Rumelhart, para quem os MCIs
podem ser vistos como uma rede de nós e elos num esquema teórico. Cada nó corresponderia
a uma categoria conceptual e cada categoria implicaria um papel, uma relação com outra, com
o esquema, de um esquema para outro etc.
Há também o que se chama de esquemas genéricos. São eles conceitos fundados em
nível abstrato, embora estruturem experiências mais ou menos concretas (incluindo-se aí os
esquemas imagéticos, abordados no início desta seção). Para melhor compreendê-los, pode-
se pensar em uma forma de “apreensão desencarnada”, como exemplifica Salomão (1999),
com (8) “ir ao supermercado”: através de expectativas cada vez mais genéricas de um
contexto específico, o falante pode estruturar esquemas conceptuais de “ir ao Carrefour de
Juiz de Fora”, “ir ao Carrefour”, “ir ao supermercado”.
Os MCIs são um caso mais específico desse esquema abstrato.
Essas rotinas cognitivas são balizadas por situações interativas reais caracterizadas
pelas molduras comunicativas, definidoras das identidades e dos papéis sociais
desempenhados e, principalmente, do tipo de agenda escolhida para um dado encontro (aula,
discussão, culto religioso, campanha política, texto opinativo de jornal etc).
Essas rotinas servem, na verdade, para comportar as precárias (por serem instantâneas
e renováveis) formulações da cognição humana. Fauconnier (1997) estruturou a teoria dos
46
espaços mentais
14
com o objetivo de encaminhar a questão da referência indireta e opacidade
referencial, e por isso ela é uma teoria da “estrutura referencial” que conjuga os elementos
que estão em jogo e a forma lingüística que os suporta.
Os espaços mentais representam, portanto, a articulação discursiva em suas diferentes
realizações, portando a informação pertinente sobre um dado domínio. Logo o espaço mental
é a representação de uma entidade e das relações que estabelece num contexto, que pode ser,
por exemplo, imaginado, percebido, lembrado pelo falante. Ele conta com elementos e frames
que estruturam suas relações, tanto do ponto de vista das entidades como de seus papéis-
funções (role). Considere-se, para o exemplo adaptado de Fauconnier (1997), (9) Paulo é
marido de Maria, a representação abaixo:
Figura 1
Muitas extensões de espaços mentais são possíveis, estabelecendo novos elos com
suas contrapartes. Mas, se a extensão causar representação de informação contraditória, um
novo espaço pode ser formulado – e, para tanto, recorre-se aos construtores de espaço (space
14
Serão retomados alguns conceitos da Teoria dos Espaços Mentais por serem eles importantes na compreensão
dos “saltos semânticos”(semantic leaps).
P
M
Elementos:
P: Paulo
M: Maria
Relações:
Casal
Marido (P)
Esposa (M)
Paulo é marido de Maria
47
builders): advérbios de modo e de tempo, verbi dicendi, conjunções – , mantendo aspectos ou
valores do conhecimento prévio ou background.
Para um dado enunciado, por exemplo, muitas configurações de espaço são possíveis e
somente os falantes é que escolherão a configuração adequada, explorando o conhecimento
prévio e o contexto.
A partir de um espaço mental Base, outros espaços vão sendo criados na representação
de um determinado enunciado. Espaços pais e espaços filhos se estruturam em termos de foco
(em que o significado está sendo construído) e de ponto de vista (espaço a partir do qual
outros vão sendo acessados). A significação, então, se configura a partir do mapeamento dos
MCIs de um espaço para outro, considerando sempre os elementos e suas relações com suas
contrapartes, possibilitadas, tais relações, muitas vezes, pelo Princípio de Acesso (cf. seção
4.2).
4.2 Conceitos fundamentais para a compreensão da ironia
Nesta seção, serão considerados os conceitos levantados por Coulson (2001),
Fauconnier (1997), Fauconnier & Turner (2002), no que concerne ao estudo da ironia. Vale
lembrar que esses autores não estudam esse fenômeno em particular.
A ironia promove o que Coulson (2001) chama “saltos semânticos” (semantic leaps),
definidos como a construção de significados não standards, não obtidos em dicionários e nem
através de uma tentativa composicional. Esses “saltos” somente são possíveis por uma
compreensão construtivista dos processos de significação, especificada pela requisição de
enquadres ativados pela memória e integrados aos dados do contexto, isto é, a uma moldura
comunicativa (termos de Salomão, 1997).
48
A referida autora trata, exaustivamente, da primazia do conhecimento prévio e do
contexto para a construção do significado. Ela conclui que significado independente de
contexto é uma “ilusão”, pois o ouvinte sempre buscará um contexto apropriado ao
enunciado. Segundo ela, até o que se chama corriqueira e tradicionalmente literal está preso a
um contexto. Dessa forma, os falantes têm somente uma expectativa sobre a natureza vaga do
termo.
Nesse esforço para construir a significação, quando há ausência de restrições
contextuais, os interlocutores recorrem ao que é freqüente somado aos mecanismos dinâmicos
de inferência na construção do significado. Vale lembrar, portanto, a observação de Coulson
de que “a construção do significado é melhor entendida como ocorrendo num continuum [...]”
(2001: 47), de frames
15
padronizados à criação, de um modo geral, de novos sentidos.
Mostra ainda a autora que a construção de alguns significados envolvem escalas
pragmáticas, entendidas como “conjuntos de objetos ou cenários ordenados em alguma
dimensão” (p.67), que violam expectativas de modo tácito, vistas como conhecimento
avaliativo, dado pertinente a esta pesquisa. Observe-se o exemplo do corpus desta pesquisa:
“Em economia não dá para criar algo a partir do nada. A multiplicação dos pães e a
transformação da água em vinho é possível apenas ao Senhor, não aos políticos”.
Pelo exemplo, percebe-se a disposição dos fatos de alguma forma ordenados numa
escala pragmática, restringindo certas expectativas tacitamente (por exemplo, a de que
“políticos podem tudo”), segundo um conhecimento avaliativo consolidado pelo cunho
irônico do enunciado em afirmar o óbvio, reclamando um estado desejado.
A partir de uma visão construtivista, segundo a qual a significado só é acessível pela
ativação do conhecimento prévio e do contexto, o estudo dos processos de significação faz
15
Para Coulson (2001), frame é entendido como a conjugação de informação armazenada com dados
situacionais. Segundo essa autora, a noção de frame abrange script, esquema, cenário, MCI, enquadre e senso
comum. Nesta pesquisa, usar-se-á o termo frame no mesmo sentido atribuído por Coulson (2001)
49
ressaltar: a) projeção entre domínios, b) mudança de enquadre e c) mesclagem conceptual, os
quais
16
serão mais especificados a seguir:
a) Projeção entre domínios
A projeção está, segundo Fauconnier (1997), no centro da capacidade cognitiva
humana de produzir, transferir e processar o sentido, e implica desenvolver o pensamento sob
um ângulo (aspectos do domínio alvo) e agir sobre ele. Essa operação inclui integração e
mescla conceptuais, analogia, referência e contrafactualidade, lexical e culturalmente
entrincheiradas.
Dentro do conceito de projeção opera um valioso princípio cunhado por Fauconnier
(idem) como Princípio de Acesso, segundo o qual “se dois elementos a e b estão ligados pelo
conector F (b=F(a)), então o elemento b pode ser identificado por nomenclatura, descrição ou
apontamento para a contraparte a” (p.41)
17
.
O princípio de acesso permite a realização da função pragmática em que “uma
entidade pode ser identificada em termos de sua contraparte na projeção”(idem,p.11)
18
.
Consoante tais estudos cognitivistas, a gramática guia o sentido segundo os níveis da
construção (da projeção) e da pragmática (implicações relevantes ao contrafactual).
Em termos de inferências, três noções dinâmicas são elencadas por Fauconnier (1997)
como fundamentais, a saber:
ponto de vista: espaço a partir do qual outros são acessados ou estruturados.
foco: espaço para o qual a atenção se volta.
base: ponto inicial da construção.
16
Esses conceitos são assim ordenados, seguindo a proposta de Coulson (2001).
17
If two elements a and b are linked by a connector F (b=F(a)), then element b can be identified by
naming,describing, or pointing to its counterpart a”.
18
“(In language use, pragmatic function mappings allow) an entity to be identified in terms of it counterpart in
the projection”.
50
Essas são noções muito mais produtivas ainda no raciocínio analógico (que engloba o
contrafactual), isto é, na projeção da estrutura de um domínio para outro, na extração de
esquemas induzidos (frames), nas operações de extensão, fluidez e reanálise.
No raciocínio analógico, a projeção entre domínios conta com o estabelecimento de
analogia ao projetar a estrutura parcial do domínio fonte para o domínio alvo.
Nos esquemas induzidos há uma projeção parcial entre dois domínios. Fauconnier
exemplifica com estrutura abstrata: um filho mostra para sua mãe a situação de seu amigo que
paga contas com o cartão de crédito da mãe e, implicitamente, sua mãe deve fazer o mesmo
que a mãe de seu amigo.
Na extensão, há a criação de uma estrutura nova no domínio alvo ou a reinterpretação
da antiga estrutura no domínio alvo: por exemplo, para o esquema induzido apontado pelo
exemplo (10) “Adoro pessoas que usam a seta” (para um carro que cortou o falante sem usar a
seta), há como extensão a compreensão irônica de que este motorista não é agradável como
tal ao falante.
Na reanálise observa-se a comparação de objetos diferentes, mas com conseqüências
semelhantes entre eles:
(11) “Modelo econômico Macunaíma” (T 9, A)
Há, nesse exemplo, a analogia entre objetos diferentes (modelo econômico viável e
Macunaíma), mas com conseqüências válidas para ambos objetos (eles acabam sendo
parecidos sob um determinado ponto de vista).
Segundo as características de fluidez e reanálise, a analogia pode ter outros
direcionamentos a depender da seleção mais convencional e conveniente que o interlocutor
prefira fazer, uma vez que não existe uma resposta “certa” (em oposição à “errada”) para o
problema da projeção. Pesam, portanto, novamente o conhecimento cultural previamente
adquirido (organizado em frames) para obter a inferência de (in)compatibilidade.
51
b) Mudança de enquadre
No entender de Coulson (2001), mudança de enquadre é “um conjunto de operações
cognitivas para a combinação de frames de diferentes domínios” (p.xii). Através dessas
operações, frames armazenados na memória e inferências são evocados a partir de
informações que, a princípio, não estão conectadas, implicando, portanto, o processamento de
reanálise da representação contextual.
O processamento de uma piada que opera, por exemplo, mudança de enquadre,
possibilita ao pesquisador o acompanhamento de uma dada leitura observada, permitindo-lhe
reconhecer a capacidade do interlocutor de ir além do conhecimento básico, atingindo
significados menos convencionais.
Isso se dá, por exemplo, com o processamento do enunciado irônico. Esse tipo de
enunciado é sempre mesclado, ativa frames distintos, de forma a resultar um terceiro
elemento.
Assim, em (12) “Prefeito reacionário”
19
(T 9, A), há:
19
Essa ocorrência está inserida na seguinte situação: Felix Rohatyn, banqueiro privado, foi facilmente rotulado
como reacionário, por oposição a políticos reconhecidos como progressistas, mas foi ele quem conseguiu pôr
Nova Iorque na “crista da onda” e se tornou figura popular (cf. texto do corpus).
52
Input 1 Input 2 Espaço genérico Mescla
Prefeito reacionário
Prefeito não-
reacionário
Comportamento
político
Prefeito
reacionário como
não reacionário
Elementos Elementos Elementos Elementos
Humano
Retrógrado
Retrocesso
Humano
Não-retrógrado
Não-retrocesso
Prefeito
retrógrado
Paciente
Agente
prejuízo
Agente
Humano
Prefeito
Progresso
Retrocesso
Reacionário
Relações Relações Relações Relações
Causar
(humano,retrógrado)
Resultar (retrocesso)
Causar (humano, não
retrógrado)
Resultar (não
retrocesso)
Causar
(retrocesso,
meios, pacientes)
Resultar
(prejuízo)
Governo (agente,
não-retrógrado,
prefeito)
Resultado
(prefeito
reacionário)
Figura 2
Percebe-se a complexidade da mescla em que o ouvinte deve buscar projeções mais
abstratas, partindo da constatação de que o frame construído pelo texto provavelmente
conflita com um dos inputs.
A leitura de “prefeito reacionário” com apreciação irônica solicita uma reanálise
semântica e, portanto, mudança de enquadre em um novo frame (frame shifting). Se se
observar somente o input 1, por exemplo, percebe-se que certamente haveria outro enquadre e
outro frame construído. Com a existência do input 2, há uma nova perspectiva, possibilitada
pela consideração do conhecimento prévio e do contexto que permitiu a inferência necessária.
A flexibilidade da interpretação é fundamental para o alcance da leitura irônica que,
como em textos de humor, objetiva quebrar a expectativa do interlocutor.
53
A referida autora aborda também a mudança de enquadre operada por construções
contrafactuais. Sua própria natureza de contrafactualidade, da remissão para um estado
possível, exige a mudança de enquadre.
Como pensar uma realidade possível é básico na cognição humana, as estruturas
contrafactuais são extremamente produtivas na língua e sua leitura obedecerá ao
processamento da mudança de enquadre, que se dá através da requisição de estruturas
parciais de diferentes domínios e inputs, integrando a informação nova.
É assim que, por exemplo, em
(13) “Se eu fosse você largava tudo”
inputs no espaço atual (eu, você) e um frame de decisão: continuar ou parar (largar
tudo). Na mesclagem, constrói-se um cenário contrafactual de “eu ser você” no espaço mescla
e, por essa leitura, a reanálise é suportada (contrafactualmente) para a decisão a ser tomada.
c) Mesclagem conceptual
Fauconnier (1997) apresenta a noção de mesclagem como uma operação simples, o
que resulta em múltiplas possibilidades de construção e de compreensão. Além disso, salienta
o autor o fato de que, através dessa operação, há, para a estrutura, o acesso à integração e à
eficiência, qualidades não disponíveis em outros espaços.
Consoante Coulson (2001), trata-se de “um conjunto de operações cognitivas para
combinar frames de diferentes domínios”
20
(p.xii).
Para essa combinação, conta-se com, no mínimo, quatro domínios: o espaço genérico,
dois domínios fontes e o da mescla. Para se chegar ao espaço resultante não se procede a uma
análise composicional, mas sim a uma leitura constrututivista dos inputs, pois esse espaço de
20
“[…] a set of cognitive operations for combining frames from different domains.”
54
mescla não é passível de decomposição mantendo-se o mesmo sentido. Assim, a estrutura que
surge é amalgamada e única.
A estrutura resultante do processo de mesclagem pode ocorrer por composição,
complementação ou elaboração, segundo Coulson (2001), a saber:
Composição: relação de um espaço com um ou mais elementos de outro espaço.
Exemplo:
(14) “Saltou do trem com uma piteira, um relógio de pulseira, boas roupas e uma nova
concepção do universo”. (Guimarães Rosa, em Duelo
21
).
Os inputs são de domínios diferentes e, na mescla, surge um domínio que acomoda as
diferenças criando uma significação única.
Completamento: uma estrutura projetada de um input combina-se a dados projetados
de memória.
Exemplo:
(15) “Romanée-Conti não é pro teu bico não, ó retirante.” (T 17, B)
A fala do locutor projeta um input que se combina com dados da memória
(relacionados à fala dos opositores de Lula).
Segundo Fauconnier (1997), a inferência automática é possibilitada pelo frame
adquirido que é quem requisita a estrutura familiar.
Elaboração: processo criativo de simulação mental de evento sem perder a
característica de convencional.
Exemplo:
(16) “Lá não há Pastoral do Criminoso (...)” (T 9, A).
(17) “Policiólogos” (T13, A).
21
Apud CARONE, Flávia de Barros. Subordinação e coordenação. São Paulo, Ática, 6ª ed., 2002 (p. 43)
55
O locutor levanta os inputs (Pastoral da família, do idoso etc; policiais e sociólogos)
com criatividade e simulação do evento no domínio mesclado.
A autora comenta especificamente o uso das metáforas e de nomes compostos para
explorar o processo da mesclagem.
Como na base do raciocínio humano está a estrutura metafórica, ela também será
básica para a expressão lingüística. Organizada a partir da experiência física e cultural, essa
estrutura também se constituirá na combinação de quatro domínios, formando novos frames.
Coulson aborda especialmente as metáforas no que concerne às características de que
(1) nem todos os atributos do domínio fonte são relacionados ao domínio alvo (como em (18)
“O casamento é uma prisão”, em que nem tudo de prisão está relacionado a “casamento”,
senão algumas características) e de que (2) as implicações não estão necessariamente
disponíveis na fonte e no alvo, mas na inferência da combinação (como no exemplo acima,
em que a idéia de falta de liberdade na relação de casamento surge na combinação dos inputs).
Quanto aos nomes compostos, a situação é, em geral, a de que cada um deles relacione
um input e, conseqüentemente, o espaço mescla contará com elementos projetados dos dois
domínios de forma indecomponível.
Por exemplo, (18) “privilegiada cabeça” (T 8, A) e (19) “policiólogos” (T 13, A),
mostram a mesclagem entre frames mais abstratos e entre frames léxico-semânticos
(conforme se vê na análise dos dados).
Fundamentalmente, a autora (idem) aponta ainda funções do processo de mesclagem
conceptual. Dentre eles, devem ser citados a possibilidade de novas inferências sobre o
domínio alvo, a ênfase em um construto do domínio fonte, designação de um aspecto da cena,
a escalaridade de elementos disponíveis, dentre outras coisas. Por fim, ela salienta que os
modelos construídos para a mescla são escolhidos com a finalidade de “habilitar inferências,
evocar respostas afetivas e ação motivada” (2001, p.202).
56
Esse processo é extremamente produtivo na língua, uma vez que os falantes são
flexíveis para compreender e formar novas mesclas e evocam e manipulam frames
constantemente, garantindo o sucesso da operação.
No que tange ao enunciado irônico, encontrar-se-ão nele mesclagem e mudança de
enquadre.
Coulson (idem) tece ainda alguns comentários que também são concernentes ao
enunciado irônico de modo especial, embora não fale dele explicitamente. A autora observa
que mesclas metafóricas têm serventia retórica. Esse é um dado importante para o presente
trabalho na medida em que a ironia é um recurso argumentativo. Através da mesclagem de
cunho irônico, um frame ganha nova relevância, evitando, assim, a necessidade de endereçar
controvérsia num dado domínio.
A ironia reflete a operação de mecanismos enraizados na base do sistema conceptual,
assim como a metáfora. Também constitui ela um subgrupo de fenômenos de mapeamento
entre domínios, exemplificando o caráter produtivo dele e da mescla como processo cognitivo
fundamental.
Ironia (assim como metáfora e analogia, nos estudos de Coulson, ibidem) pode ser
motivada por objetivos retóricos como a necessidade de promover informações, provocar
reações ou “elicitar um construto apropriadamente motivado” (p.200), como se pode
comprovar neste trabalho.
Conforme já foi dito, uma das funções da mescla é operar de modo a pesar
diferentemente os elementos disponíveis, sendo possível a servir à retórica através de um
cenário evocado para uma construção particular para um dado evento, como por exemplo:
(20) “Em economia, não dá para criar algo a partir do nada. A multiplicação dos pães e
a transformação da água em vinho estão reservadas apenas ao Senhor, não aos políticos” (T 1,
B).
57
Aí percebe-se o cenário evocado (milagre) para a dada construção com finalidade
argumentativa e a explicitação não da asserção de base, mas da implicatura escalar, que
desencadeia a mudança de enquadre, possível a partir do conhecimento prévio e da
informação contextual na medida em que promovem as inferências dos falantes. No exemplo
em questão, o autor dá uma informação óbvia, entendida como verdade geral, negando um
fato (político não faz milagre) para mostrar que há um comportamento social que possibilita a
leitura de que políticos fazem milagre para, a partir daí, voltar a negá-lo (político não faz
milagre).
A noção de implicatura escalar mostra-se bastante produtiva para esta pesquisa na
medida em que requer habilidade de pensar o senso comum, enfatizando o que é
maximamente informativo. É importante ressaltar que essa habilidade é suportada por
modelos culturais. O mais básico desse tipo de modelo, o modelo idealizado de ação,
concerne à consideração de um agente com uma intenção que executa uma ação que tem suas
conseqüências. Por isso um frame pode ser contestado – ele é central para a experiência
social, na medida em que estrutura nossas ações e expectativas de interação e é passível de
argumentação.
Essas observações interessam sobremaneira no que se refere à presente pesquisa, que
estuda ironia em textos de opinião. Coulson (2001) textualmente diz que sua premissa é a de
que toda ação humana é movida por intenções. E o texto opinativo claramente (ou
prototipicamente) ilustra tal princípio. Além disso, a ironia presente nesse tipo de texto
mostra-se de natureza avaliativa. Portanto, a partir dessa característica, volta-se à seguinte
observação de Coulson (idem), segundo a qual “a atribuição de elogio, culpa ou punição é
baseada no conceito de responsabilidade, e conseqüentemente envolve um uso similar do
modelo idealizado da mente” (p.229), isto é, o reconhecimento da existência do outro como
agente intencional (conforme explica Tomasello, 1999).
58
Voltando à noção de implicatura escalar, é relevante dizer que certas expressões, como
é o caso de “quanto mais X” ( “let alone X”), citadas por Coulson (2001), além de conter tal
tipo de implicatura, estão a serviço da persuasão através de uma experiência convencional,
sublinhando o papel do conhecimento prévio que implica diferenças extraordinárias nos
significados de natureza avaliativa.
Coulson (ibidem), a esse respeito, ainda acrescenta que “dessa forma, nós negociamos
a saliência de várias partes dos modelos e complementamos nossa compreensão da realidade
social”
22
(p.266), sinalizando que todas essas noções comentadas são instrumentais para a
construção da compreensão cultural de nosso mundo.
Coulson finaliza seu texto lembrando dois problemas observados na abordagem
lingüística baseada em frames, a saber: o da simplicidade dos frames frente à complexidade
do comportamento humano e o da natureza estática da estrutura dos dados relacionada à
dinamicidade da realidade que eles devem comportar. Tais questões são devidamente
encaminhadas a partir do estudo dos processos de mescla, como estrutura Fauconnier (1997).
Fauconnier (1997) aponta um tipo específico e igualmente produtivo de mescla que é a
de natureza contrafactual. Segundo ele, a contrafactualidade também é uma expressão do
raciocínio analógico, porém fundada na desanalogia.
Fauconnier (idem) exemplifica: “Na França, Watergate não teria provocado nenhum
prejuízo a Nixon”
23
.
A mesclagem é uma conseqüência “diferente” porque há diferença entre a inferência
orientada pelo input 2 e o que se espera a partir da experiência demonstrada no input 1. O
autor assim representa:
22
“In this way, we negotiate the salience of various parts of the models and supplement our understanding of
social reality”.
23
“In France, Watergate wouldn’t have done Nixon any harm”.
59
Espaço Genérico
Input I
1
Mescla
Input I
2
Figura 3
Fauconnier (ibidem) põe em relevo o fato de não haver informação clara, objetiva no
que concerne à origem das propriedades da mescla, se vêm do input 1 ou do 2: “Tudo é
negociável em elaborações futuras na conversação”(p.159).
A partir de uma mescla generalizada, várias extensões de leitura, às vezes até mesmo
opostas, podem ser dadas. Em outros usos, a mescla é compatível com a sentença inicial, mas
pode haver uma extensão que bloqueie a projeção do input 2: “Na França, Watergate não teria
causado nenhum prejuízo a Nixon, porque ele é amado pelos franceses
”.
Fauconnier (op. cit.)observa que o espaço mesclado tem possibilidade pragmática de
focalizar a desanalogia entre input 1 e a mescla. Porém não se deve pensar que a construção
seja vaga; ela é, na verdade, subespecificada – não se sabe o que será projetado, garantindo,
assim, a flexibilidade do sistema. Essa conclusão é crucial para o presente estudo (a
desanalogia entre um dos inputs e o espaço mescla na ironia).
60
A respeito do significado construído a partir do não factual, é importante lembrar que,
consoante Fauconnier & Turner (2002), a construção do irreal é fundamental para a expansão
do conhecimento, principalmente o científico. Ela se dá, além da fórmula já conhecida “se x,
então y”, por dois mecanismos importantes: o efeito causal e a reductio, ambos através de
mesclagem conceptual (blending).
O efeito causal consiste na inferência possível a partir do levantamento de dois
cenários e seus resultados na vida cotidiana. A diferença entre esses dois cenários é o que
permite a formulação dessa inferência.
A reductio é o pensamento ou argumento ad absurdum, segundo o qual é necessário
pensar em termos contraditórios para se evidenciar a não-viabilidade de determinado princípio
ou fato.
Fauconnier (1997) exemplifica com a seguinte situação: há um espaço com
determinados axiomas e teoremas matemáticos em que P não esteja estabelecido. Há um outro
espaço em que P está estabelecido, mas não suportado por axiomas e teoremas. Desenvolve-
se, a partir daí, o raciocínio por reductio em que se admite a situação como viável para
demonstrar sua inconsistência (é também conhecido como argumentação ad absurdum, de
que já se falou nas seções 1.1 e 1.2). Através de uma “ficção” consegue-se provar a não
contradição do primeiro espaço; essa é a conhecida forma de provar pelo absurdo.
Nos enunciados irônicos aparecem, por exemplo:
(21) “Grande José!” (T 8, A)
(22) “Ô Lula, vê se te enxerga!” (T 17, B)
O raciocínio por reductio pode falhar e acabar promovendo uma descoberta, conforme
Fauconnier exemplifica com o desenvolvimento da geometria não euclideana.
61
Esses mecanismos são formas extremamente criativas de organizar o pensamento.
Observe-se, por exemplo:
(23) “Gentinha que não conhece o seu lugar é capaz de tudo” (T 17, B).
Há uma gama de significações e o interlocutor pinça uma delas (ou até algumas). Isso
não é algo fora do comum, mas, ao contrário, faz parte do nosso cotidiano. Frente a essa
complexidade, o que leva os falantes à escolha adequada é o engajamento cognitivo de
atividade criativa. Para Fauconnier (1997) “compreender é criar. Comunicar é iniciar
processos criativos dinâmicos em outras mentes e na nossa própria.”(p. 182)
24
Além disso, os autores mostram como se pode cair na falácia do isomorfismo de
causa-efeito com o pensamento contrafactual, em que se assume que diferenças nos produtos
são causadas por diferenças nas operações mentais básicas que os compõem. Mas, a partir da
compreensão das mesclas, através da teoria dos espaços mentais, vê-se que a desanalogia
entre os inputs, por exemplo, está integrada na mescla conceptual, através das rotinas de
compressão/descompressão – e conta, é claro, com bases de conhecimento para alimentar essa
integração (os esquemas imagéticos, o espaço genérico, o frame, os MCIs etc). Essa
integração reúne fatos lingüísticos tradicionalmente considerados divergentes e incompatíveis.
No caso da combinação “Nome Adjetivo”, o gatilho gramatical para a construção do
irreal (e, conseqüentemente, a compreensão de uma desanalogia) não é a estrutura “se x, então
y”, mas o próprio adjetivo, como é o caso de “casa errada”.
Em (24) “dor de cabeça de cafeína” (“caffeine headache”), a noção de ausência de
cafeína emerge da rede inteira, mas não é explicitamente indicada por nenhuma expressão –
24
“Understanding is creating. To communicate is to trigger dynamic creative processes in other minds and in
our own”.
62
embora haja expressões específicas que indicam ausência explicitamente, como “ausência de,
falta de “ etc.
“Dor de cabeça de cafeína” mostra que a “contrafactualidade não é uma propriedade
absoluta” (Fauconnier& Turner, 2002:230), dependendo do ponto de vista do qual se toma o
enunciado. É o que acontece com os enunciados irônicos.
Construir o irreal acaba por viabilizar, em alguns casos, a construção de uma nova
categoria, como se deu com os números complexos, considerados como impossíveis e
imaginários, inicialmente.
A metamorfose de categoria é capaz de alterar estruturas e princípios de organização
por completo, como é o caso de (25) “same-sex marriage” (casamento entre pessoas do
mesmo sexo).
“Dor de cabeça de cafeína” apresenta um contraste gritante entre cafeína e não cafeína
e essas idéias opostas estão presentes nos espaços mentais. Os autores (Fauconnier& Turner,
2002:276) apontam que esse contraste apresentado é o que permite que uma palavra tenha
“múltiplos significados”, e que torna possível criar novas categorias com palavras já
existentes. Os autores listam quatro princípios aplicáveis nessas situações:
projeção seletiva, em que se projeta para o input aquilo que é relevante para a
combinação.
a combinação de expressões pode ser estranha ou agramatical, mas se torna viável e
cheia de significado na mescla.
os termos da estrutura emergente podem não ser aplicados diretamente aos inputs
(caso em que tais termos não fazem sentido, se se considerar somente um input).
a mescla necessariamente expande o uso das palavras, mas nem sempre essa atividade
é percebida.
63
Estudando a combinação “Nome Adjetivo”, os autores elencaram exemplos em que o
adjetivo promove a ativação de um cenário contrafactual.
Em (26) “praia segura” (“safe beach”), mostraram à exaustão como se processa tal
enunciado: primeiramente, há a mescla de um espaço mental para a situação corrente com um
frame abstrato de perigo, que promove um espaço mental contrafactual específico, em que
praia é ligada a um papel no frame de perigo. Esses dois espaços, apresentando divergência,
funcionam como inputs para uma nova mescla. A desanalogia entre eles é comprimida na
propriedade “segura(“safe”).
É interessante notar a regularidade dos fenômenos descritos. As capacidades
necessárias aos falantes são as mesmas, desde as mesclas menos entrincheiradas até as mais
entrincheiradas.
Os padrões relevantes são requisitados por frames culturais com estruturação rica, ou
frames mais genéricos (concorrendo com outros frames), ou por uma situação específica no
momento da enunciação.
Os compostos nominais, de um modo geral, apresentam unidades formais que
apontam dois elementos em espaços diferentes e encaminham o falante (locutor ou
interlocutor) para que ele percorra o resto do caminho.
Esses dados ilustram a máxima de que “a linguagem não porta o significado, mas o
guia”
25
.
Fauconnier & Turner (2002) retomam essa característica lingüística básica quando
dizem que as palavras constroem significados, mas não os representam ( cf. p. 277).
Finalizando, é fundamental lembrar as palavras de Fauconnier & Turner (idem):
“Novamente, nós vemos a forma lingüística mais simples possível
promovendo redes de integração notavelmente complicadas. Comunicar
através de formas gramaticais simples é possível porque os seres humanos
cognitivamente modernos podem suportar todas as integrações de duplo
escopo e seus princípios de funcionamento e objetivos extensíveis. A língua,
25
Vide nota 12.
64
ela mesma, não tem que carregar tais operações, como compressão ou
preenchimento de padrão, porque os cérebros humanos fornecem aquelas
operações sem nenhum custo lingüístico” (Fauconnier & Turner, 2002,
p.358)
26
.
Dada a essência esquemática dos modelos de construção do significado, somente as
habilidades de integrar padrões, explorar escalas, reenquadrar e mesclar frames suportam os
dados lingüísticos. Por isso, a constatação – que é uma máxima dos estudos lingüísticos
cognitivistas – assim disposta por Coulson (2001, p.279): “a informação gramatical não é
sempre necessária nem suficiente para a computação on-line do significado”.
Assim, são resgatadas as características estática e dinâmica, simples e complexa do
processamento da linguagem. Sobre o primeiro problema, são apontadas as rotinas que
reúnem os modelos cognitivos, possibilitando a interpretação, a ação e a interação, e sobre o
segundo, aponta-se a necessidade de retenção dos dados, como os frames, para os processos
de mesclagens e, portanto, de construção de conceitos, e ainda o fato de que a representação
do conhecimento é mais dinâmica do que a princípio parece. Coulson (op. cit.) diz que
pessoas assumem valores padronizados quando nenhum outro é oferecido e que a atividade de
preenchimento de lacunas é fundamental.
4.3 O processamento da leitura irônica – estabelecendo diálogos
Nesta seção, apresentam-se conclusões de Giora (1995) que, além de muito produtivas
para o estudo da ironia, funcionam como coluna vertebral para a integração de algumas
noções desenvolvidas por outros cognitivistas (como Langacker, Goldberg, dentre outros).
26
Again, we see the simplest possible linguistic form prompting for remarkably complicated integration
networks. Communicating through simple grammatical form is possible because cognitively modern human
beings can bring to bear on those forms all of double-scope integration and its governing principles and
overarching goals. The language itself does not have to carry such operations as compression or pattern
completion because human brains supply those operations at no linguistic cost”.
65
Desse modo, pode-se aproveitar a oportunidade para estabelecer pontos de contato entre o que
esses lingüistas propuseram e o estudo da ironia.
Comumente diz-se que a ironia quer significar o oposto do que se disse. É o que Grice
(1982) chama de violação da máxima da qualidade.
Segundo esse autor, esse tipo de enunciado leva o interlocutor a um movimento
interpretativo que o faz cancelar o significado superficial literal e criar uma implicatura
compatível com o contexto que o permita acessar uma leitura também compatível.
A hipótese é de que em primeiro lugar é processado o significado literal e depois o
irônico, sendo este mais complexo.
Segundo Sperber & Wilson (1998), conforme seção 3.2, a ironia explicita o eco de um
enunciado não dito. Há somente a captação da leitura irônica, que é, em geral, da não
aprovação do fato.
Apesar da modernidade de tais conclusões, o mecanismo do recurso irônico é melhor
entendido nos termos de Giora (1995) e é sobre ele que este presente estudo (sobretudo na
seção 5) se debruçará:
O recurso irônico é a negação de um estado de coisas e a afirmação do desejado.
Segundo Giora (idem), ironia é uma forma de negar indiretamente, isto é, não se usa o
marcador explícito da negação. Para ela, a ironia não deixa que se perca a mensagem
indiretamente negada, nem quer fazer significar exatamente o seu oposto.
Com isso, essa autora retoma as noções de explícito e de implicatura, além de indicar a
quebra de expectativas do falante.
66
Entretanto, o que motiva tais escolhas? Para responder a essa pergunta, é necessário
considerar os seguintes aspectos: as características da negação direta, a adequação irônica, as
características da negação indireta e os efeitos de sentido.
a) Características da negação direta
Giora (ibidem) elenca características da negação direta muito valorosas para o
entendimento da diferença entre este tipo e a negação indireta.
Desse modo, na negação direta, há a possibilidade de se estabelecerem interpretações
escalares – conseqüência que a ironia evita – como é o caso de como acontece em (27) “Ela
não está feliz, mas ela está bem” (exemplo de Giora, 1995, p.242).
A negação direta tem cunho autoritário, desagradável, enquanto a indireta atenua esse
efeito, é um uso mais polido (não exemplificado).
A negação direta tem um escopo limitado: enunciados angulados, intensificados,
aproximações e metáforas tornam-se enunciados mal-formados (enquanto a negação indireta
não tem essa limitação). Considere-se o exemplo de Giora (1995, p.243):
(28) “Ele é um tipo de idiota”.
-“Eu não penso assim. *”Ele não é um tipo de idiota”.
-”Ele não é idiota”
27
.
Já a negação indireta remete a implicaturas que direcionam a interpretação com opções
diferentes da interpretação da leitura não-irônica. A ironia propicia uma interpretação
positiva, negativa ou oposta, apontando um caminho menos vago do que o da negação direta.
27
“He is sort of silly.”
-“I don’t think so. *He is not sort of silly”.
- “He is not silly”.
67
b) Adequação irônica
Segundo Giora (idem), a ironia é considerada bem formada se (1) está em
conformidade com a exigência de relevância, trazendo informação nova sobre um tópico do
discurso acessível; (2) viola a requisição de informatividade graduada através da mensagem
menos provável, e também mais ou menos informativa que o requerido em um dado contexto
(critério da requisição da informatividade marcada); (3) faz o destinatário evocar a
interpretação não marcada (isto é, a implicatura) comparável com a mensagem marcada de
modo que a diferença entre elas se torna perceptível (a condição de “não cancelabilidade”).
Essas observações de Giora (ibidem) fazem lembrar os “saltos semânticos” de que
trata Coulson (2001), na medida em que se descrevem as condições ótimas para realizar o
reenquadre ou deslocamento de frame.
c) A negação indireta
A negação indireta se vale de uma mensagem pouco provável ou improvável em uma
dada situação para que se chegue ao menos marcado, mas mais provável.
É nesse jogo de mensagens inesperadas, uma vez que se apresenta o improvável, que a
ironia pode adquirir e instaurar seu veio humorístico. A esse respeito, considere-se o
ilustrativo trecho de Bergson (1987):
A mais geral dessas oposições seria talvez a do real com o ideal: do
que é com o que deveria ser. Ainda aqui a transposição poderá ser feita nas
duas direções inversas. Ora se enunciará o que deveria ser fingindo-se
acreditar ser precisamente o que é. Nisso consiste a ironia. Ora, pelo
contrário, se descreverá cada vez mais meticulosamente o que é, fingindo-se
crer que assim é que as coisas deveriam ser. É o caso do humor. O humor,
assim definido, é o inverso da ironia. Ambos são forma da sátira, mas a
ironia é de natureza retórica, ao passo que o humor tem algo de mais
científico. Acentua-se a ironia deixando-se arrastar cada vez mais alto pela
idéia do bem que deveria ser. Por isso a ironia pode aquecer-se interiormente
até se tornar, de algum modo, eloqüência sob pressão. Acentua-se o humor,
pelo contrário, descendo-se cada vez mais baixo no interior do mal que é,
para lhe notar as particularidades com mais fria indiferença. [...] O humorista
68
é no caso um moralista disfarçado em cientista, algo como um anatomista
que só faça dissecação para nos desagradar; e o humor, no sentido restrito
que damos à palavra, é de fato uma transposição do moral em científico.
(Bergson, 1987, p. 68)
Consoante Giora (1995), a negação operada pela ironia não cancela o enunciado não
marcado, conforme tratamento dado pela abordagem tradicional. O que de fato o recurso
irônico faz ver (com o não cancelamento do enunciado não marcado) é a existência de uma
realidade diferente da desejada, resultante de um processo de comparação.
Ressalte-se que a visão de Giora (idem) não está de acordo com as visões tradicional
(da substituição) e ecóica (cunhada por Sperber & Wilson, 1998). Ela conclui (sem
contradizer as orientações de Langacker) que os dois significados relacionados a um
enunciado irônico (“literal e não literal”) são ativados para que se proceda à comparação.
Quanto à comparação, convém dizer que Langacker (1987), em sua obra Foundations
of Cognitive Grammar, propõe, dentre outros, este estudo como via de acesso à significação.
Numa dada situação, o falante pode sentir a necessidade de uma expressão especial
para conceptualizar algo. E, de fato, freqüentemente o faz, mas há uma série de restrições para
que tal expressão não seja aceitável. Nesse caso, o autor cita restrições do tipo:
quantos detalhes o falante considera relevante; quais aspectos da
conceptualização ele deseja enfatizar; seu relacionamento social com o
ouvinte; sua avaliação de quanto o ouvinte sabe sobre o contexto e sobre a
idéia a ser veiculada; como a expressão será integrada com discurso prévio e
antecipado; o efeito que ele quer ter sobre o ouvinte; sua estimativa da
habilidade lingüística do ouvinte; e até que ponto ele tem a intenção de
desviar da convenção lingüística (Langacker, 1987, p.65)
28
.
28
“(We need not dwell on these constraints, which include such factors as the following:) how much detail the
speaker considers relevant, which aspects of the conceptualization he wishes to emphasize; his social
relationship to the hearer; his assessment of how much the hearer already knows about the context and the
notion to be conveyed; how the expression is to be integrated with previous and anticipated discourse; the effects
he wants to have on the hearer; his estimation of the hearer’s linguistic ability; and how far he is willing to
deviate from linguistic convention”.
69
Os itens acima elencados são também verificáveis no corpus dessa pesquisa e são os
enjeux” no processamento do significado.
Encontrar a expressão lingüística adequada para a conceptualização pretendida é,
consoante Langacker, o ato de codificação (coding), e a solução, a estrutura alvo (target
structure). Essa organização se constitui de uma conceptualização requerida pelo contexto e
de uma realização fonológica. Conseqüentemente, torna-se claro o fato de que uma gramática
não pode oferecer, de modo completo, a estrutura alvo. É somente a partir do momento em
que se considera a convenção lingüística – como forma de sancionar o uso, uma vez que essa
operação se dá em níveis, porque parte do julgamento do falante – que se torna possível o
acesso à estrutura alvo.
Essas noções são norteadoras para o estudo da ironia. Ela pode se dar a partir de uma
necessidade especial de conceptualização, contando, obviamente, com a relação entre
convenção e uso. Os fatores restritivos apontados por Langacker (op. cit.) de fato também
permeiam todo o movimento da expressão irônica, mas alguns deles não serão priorizados
neste estudo.
O enunciado irônico torna-se um problema justamente pelo fato de que tanto a
codificação quanto, e principalmente, a estrutura alvo não podem ser completamente
oferecidas pela gramática (são relações contextualmente dependentes) e pelo fato de serem
necessárias à convenção lingüística.
Aqui interessa sobremaneira o ato comparativo do ponto de vista da estruturação da
experiência e do processamento cognitivo na medida em que ele revê as operações de
codificação, sanção e estrutura alvo (que são também atos de comparação). O estudo do ato de
comparar, instanciado nos princípios cognitivos, oferece a chave para a compreensão do
processamento de enunciados irônicos.
70
É a comparação um ato contínuo, generalizado, que envolve abstração e
complexidade. Esse ato coordena dois eventos e a relação entre eles, que, segundo Langacker
(idem), se dá entre o padrão (standard), o alvo (target) e o escaneamento que os conecta
(scanning). Esse evento cognitivo de comparação constitui uma rotina cognitiva e pode ser
mais especificada nos termos descritos abaixo.
Na representação do autor, a comparação opera movimento
S (standard) > T (target)
Em que S é o ponto de referência da avaliação do alvo, > é o escaneamento e aponta
na direção de S para T, e T é o alvo, o resultado.
Exemplo: Num dia de tempestade, um falante, vendo suas expectativas de passeio a
céu aberto frustradas, diz diante da janela: (29) “Que dia lindo!”
Daí:
S > T
Que dia lindo! negação de “Que dia lindo!”
Na descrição do processamento de enunciados irônicos, poderá estar em atividade a
operação comparativa demonstrada acima. Assim, parte-se de um padrão, inscrito na
convenção lingüística e portanto sancionável, em direção ao alvo (a conceptualização
requerida pelo contexto) através do escaneamento, que efetua a varredura das informações de
S para T para atingir a resultante.
Assim como a Física postula, há uma força F1 que atua num sentido, uma força F2 que
atua em outro sentido, e o vetor resultante FR, sendo de modo tal que trará em si
características tanto de F1 quanto de F2, como ilustrado abaixo:
71
F1
F2
FR
Figura 4
O resultado irônico se encontra sempre no vetor resultante da comparação (Vst).
No caso da ironia, o vetor resultante nunca terá valor igual a zero, pois isso implicaria
ausência de discrepância entre S e T, e o enunciado irônico sempre marcará um nível de
discrepância entre eles.
Completando o exemplo acima:
Vst = “Que dia lindo!” com negação irônica.
Chegando a níveis mais específicos, deve-se observar que a comparação evoca o
reconhecimento de regularidades e a estruturação de dados no processo cognitivo.
Essas duas operações são, porém, como uma “faca de dois gumes”, uma vez que
também o falante/ouvinte é sempre tentado a reconhecer regularidades ou reconhecer
entidades familiares para processar o significado a partir de experiência prévia. No caso da
ironia, alguns enunciados podem não ser lidos como irônicos por causa dessa “tentação”. É,
por exemplo, o que aconteceu com a leitura do texto (30) “A audácia!” (T 17, B), de
Veríssimo. A partir do texto publicado, observem-se os seguintes resultados:
72
O Globo – Terça-feira, 15 de outubro de 2002
Quem o Lula pensa que é, tomando Romanée-Conti? Gente! O que é isso, onde é que estamos? Romanée-
Conti não é pro teu bico não, ó retirante. Vê se te enxerga, ó pau-de-arara. O teu negócio é cachaça. O teu
negócio é prato-feito, cerveja e olhe lá. A audácia do Lula!
Hoje tomam Romanée-Conti, amanhã vão querer o quê? No mínimo se achar iguais a nós. Pedir os mesmos
direitos. Viver como a gente, que tem berço, que tem classe, que tem bom gosto e portanto merece o melhor. E
nós sabemos como isso acaba. Logo, logo vão estar querendo subir pelo elevador social.
O Lula tomando Romanée-Conti ... Ora faça-me o favor. Que coisa grotesca. Que coisa ridícula. Que acinte.
Que escândalo. E que desperdício. Vai ver ele não sabe nem pronunciar o nome, quanto mais apreciar o sabor.
Vai ver derramou um pouco pro santo, na toalha. Romanée-Conti não é pra gentinha, não, Lula. As coisas boas
da vida são para as pessoas finas do mundo, não pra pé-rapado que bota gravata e acha que é doutor. Muito
menos pra pé-rapado brasileiro.
Está bom, foi só um gole. Mas é assim que começa. Hoje tomam um gole de Romanée-Conti, amanhã estão
com delírio de grandeza, pedindo saneamento básico, habitação decente, oportunidade de trabalho e até -
gentinha metida a grande coisa não sabe quando parar - mais saúde pública, mais igualdade e caviar. Enfim,
essas coisas que intelectual comunista põe na cabeça deles. Sim, porque a índole natural da. nossa gentinha, em
geral, é boa. Se pudessem escolher, escolheriam angu aguado e vinho Boca Negra, coisas autênticas, às vezes
mortais, mas pitorescas. Como eles, que até hoje nunca tinham incomodado ninguém, que até hoje conheciam o
seu lugar. Agora, depois da gentinha provar Romanée-Conti, ninguém sabe o que pode acontecer neste país.
Deram álcool para os índios! Nenhum branco está mais seguro.
O Lula tomando Romanée-Conti... É o cúmulo. É uma inversão completa dos valores sob os quais nos
criamos, segundo os quais se Deus quisesse que os pobres tomassem vinho de rico daria uma ajuda de custo. É o
fim de qualquer hierarquia social, portanto o caos. Ainda bem que ainda existem patriotas alertas para denunciar
o ridículo, o acinte, o escândalo, e chamar o Lula de volta à humildade. Para mandar o Lula se enxergar.
Sim, porque hoje é Romanée-Conti e amanhã pode ser até a Presidência da República. Gentinha que não
conhece o seu lugar é capaz de tudo.
A coluna de Veríssimo de 15/10 é um amontoado de besteiras preconceituosas contra o candidato do PT Luiz
Inácio Lula da Silva foi chamado de retirante, pau-de-arara, gentinha, pé-rapado brasileiro. Tudo porque ganhou
uma garrafa de vinho Romanée-Conti. Veríssimo cometeu discriminação quando o "chamou de pau-de-arara e
falou em “subir pelo elevador social”.
DOMINGOS PIRES
(por e-mail, 15/10), Rio
73
Ao ler a coluna de Veríssimo "A audácia!" (15/10), fiquei indignada com o tamanho do preconceito desse
intelectual. Lula é o sinônimo do brasileiro que, como milhares, não teve oportunidade de quase nada, e corre
atrás do seu objetivo: um Brasil mais justo.
REGINA RIBEIRO
(via Globo On Line, 15/10), Brasília, DF
Eu e minha família estamos indignados coma opinião do Veríssimo em sua coluna de 15/10, por ele ter
demonstrado claramente que não gosta de pobre decente, capaz de ser alguém na vida e na sociedade. Ele não só
humilhou o Lula como toda uma nação, que luta para um país melhor.
JUCÉLIA MACIEL DO N. OLIVEIRA
(por e-mail, 15/10), São João de Menti, RJ
Como pode um escritor do quilate, do berço, da inteligência e da elite de Veríssimo escrever um texto racista
e 'elitista como esse de 15/10? A humildade tem que fazer parte desse escritor, que excluí uma enorme parcela da
sociedade das coisas mais finas que ele julga ser só para os ricos e para ele.
LUÍS HENRIQUE BARROS HONÓRIO LOURES
(por e-mail, 15/10), Juiz de Fora, MG
Veríssimo foi infeliz, sobretudo, ao chamar-nos de gentinha. Posso não ser dotado de uma situação que me
permita tomar Romanée-Conti, mas vale lembrar que à maior parte deste país também não. E que não é por conta
disto que podemos ser considerados gentinha. Pelo contrário o povo, de maioria humilde, é trabalhador. A
questão está no secular problema da desigualdade. Que Veríssimo me perdoe caso tenha interpretado de forma
equivocada seu texto.
JEAN PHILIPPE
(por e-mail, 15/10) Rio
Veríssimo tem inteligência suficiente para criar uma sinfonia a partir de uma nota, mesmo mal tocada. Tem
um preparo inigualável para falar sobre o imperceptível. E, acima de tudo, tem a virtude da coragem. Não deve
ter sido fácil escrever e assinar o artigo "A audácia!". Pois sabe que do outro lado estará alguém com preparo
jamais igual para compreender a narrativa. O que me preocupa é sua ironia defendendo uma situação que temos
tentado derrubar. O PT particularmente Lula, representa o novo, o ainda não corrompido. O Romanée-Conti é o
símbolo do extravagante. Todos acreditam que houve mudanças. Portanto, sinalizar que irá continuar a
extravagância que foram os últimos governos é impossível de deixar passar.
RODRIGO PAULINELLI.
(por e-mail, 15/10), Shrewsburry MA, EUA
Impecável como sempre foi á crônica de Veríssimo sobre a enorme audácia de Lula de tomar Romanée-
Conti. Um tapa com luva de pelica que só sentiu quem vestiu a carapuça. E certamente não foram poucos: Nada
acrescentar ou censurar. Só aplaudir:
CARLOS HENRIQUE DE CARVALHO
(por e-mail 15/10), Rio
O instigante artigo “A audácia!” (15/10); de Veríssimo; deve ter chamado a atenção de todos os leitores:
Nela, o jornalista criou uma série de ironias acerca do vinho saboreado por Lula, o Romanée-Conti. Sua fina
ironia certamente soará para alguns como um desacato a Lula. Outros, conhecedores de sua história, farão a
leitura correta: subliminarmente Veríssimo zomba da arrogância de José Serra e de setores da sociedade
74
brasileira que querem transformar Lula em uma figura grotesca, truculenta, incompetente e ignorante. Não
faltará quem interprete ao pé da letra e diga que é isso mesmo e que Lula está querendo ir mais longe do que
pode. Esses arrogantes não. têm sintonia com o clamor das ruas.
ISA MUSA DE NORONHA
(por e-mail, 15/10), Belo Horizonte, MG
VERISSIMO RESPONDE: Quando o leitor não entende o que um jornalista escreveu, a culpa é sempre do
jornalista. Peço desculpa a quem não entendeu a intenção da coluna. O alvo era o preconceito social implícito na
reação desmedida ao fato do Lula ter tomado um bom vinho. Talvez tenha faltado o aviso “Atenção: ironia”. De
qualquer jeito, culpa minha.
Por outro lado, é justamente a partir do reconhecimento de regularidades que a ironia é
processada e que usar a língua é possível, como comprovam vários autores, como Fillmore
(1977), quando descreve o falante inocente.
Um outro aspecto importante no processamento do fenômeno estudado é justamente o
reconhecimento do escopo da predicação, o que ele designa.
No movimento da comparação, o falante, para recuperar o sentido, precisará
identificar o escopo da predicação, isto é, o contexto relativo a uma dada cena, que autoriza,
por sua vez, a compreensão do objeto designado. A busca por esse escopo ativará um modelo
cognitivo idealizado e o objeto designado, dada a sua natureza, operará o realinhamento do
discurso. Por isso, quando se diz (31) “Que dia lindo!” para o um dia feio, o enunciado
irônico põe em relevo o dado negativo da situação e realinha o discurso acrescentando a
indignação ou o reconhecimento de uma realidade contrária de quem tinha outra expectativa –
isto é, reenquadra o discurso.
Vê-se, daí, que a comparação é um evento mais elaborado, que conta com várias
operações mentais. Cada evento coordenado constitui por si só uma rotina cognitiva (S, T) e a
relação entre eles, uma rotina de alta ordem estruturando as subrotinas (que podem estar em
cadeias de atos comparativos) e, por isso, cada um desses eventos designa uma região de
interconectividade e atualiza sua própria concepção.
75
A comparação estudada por Langacker (1987) é identificada como um estágio pré-
teórico do atual conceito de mesclagem conceptual (desenvolvido por Fauconnier, 1997 e
Fauconnier & Turner, 2002) – de importância fundamental para esta Tese.
d) Efeitos de sentido
Giora (1995) aponta alguns efeitos de sentido interessantes para que se escolha o
recurso irônico em dado discurso.
Em primeiro lugar, usar o recurso irônico é escolher uma forma menos agressiva para
significar algo do que diretamente culpar ou até elogiar. Portanto, a ironia é identificada como
uma estratégia de polidez e de preservação da face (cf. Levinson, 1987).
Giora (idem) mostra, ainda, a partir da discussão de alguns exemplos, que a afirmação
do óbvio implica, de um modo geral, a diminuição de expectativas positivas do falante (do
tipo (32) “A multiplicação dos pães e a transformação da água em vinho estão reservadas
apenas ao Senhor, não aos políticos” (T 1, B) etc).
Convém ressaltar que, quanto ao processamento do significado, Gibbs Jr. não
considera, a partir de seus experimentos, que a ironia seja mais difícil de ser processada do
que um enunciado não irônico. Essa conclusão contrasta com a de Giora, mas, para corroborar
seus resultados, a autora lembra que na pesquisa de Gibbs Jr. os itens não compreendidos
pelos falantes foram desprezados.
No que concerne à relação do enunciado irônico com sua contraparte, a realização
superficial, Giora aponta o fato de que a comparação entre eles é problemática, tanto no
quesito informatividade, quanto no adequação (o que é superficialmente dito para se atingir
uma leitura irônica é muito pouco informativo, portanto torna-se também muito pouco
adequado – ninguém tece argumentos para falar que a água, quando atinge 100° graus, entra
em ebulição, pois, sendo informação sabida e tratada como verdade geral, tais argumentos se
76
tornariam inadequados ou, como no caso do exemplo acima, todos sabem que milagres estão
restritos ao Senhor).
Giora aponta ainda o exemplo (33) de um irmão que, não obtendo a ajuda prometida
do outro, diz: “Você ajudou muito”. A leitura irônica é visivelmente mais apropriada, segundo
ela, do que um enunciado não irônico como “Você não está me ajudando”, que é, por seu
turno, redundante, óbvia e, por isso, soa idiota.
O que pode ser fascinante no enunciado irônico é que se consegue aliar
informatividade dizendo o improvável, quebrando expectativas, e afirmando o desejado.
Na piada, por exemplo, há a transição do discurso não-marcado para o marcado, a
partir da ambigüidade, enquanto a ironia faz gerar, a partir do discurso não-marcado, o
marcado e, ao mesmo tempo, mantém as duas formas discursivas.
Quanto à metáfora, a questão entre ela e a ironia reside no fato de que a primeira gera
similaridades e a segunda, uma diferença entre os discursos marcado e não-marcado.
A diferença entre esses discursos suscita a ativação de cenas e ângulos diferentes. Para
tanto, deve-se retomar a conclusão de Fillmore (1977) de que “significados são relativizados
às cenas” e que elas designam, em outras palavras, um modelo cognitivo idealizado (MCI) -
isto é, um conjunto de conhecimentos de ordem social e cultural. Pronto está o terreno para o
florescimento da compreensão do enunciado irônico.
A idéia de enquadre surge como a contraparte da noção de Construção Gramatical
(explorada no próximo capítulo) que, conforme Miranda (2000) orienta, formam, ambas, a
face processual e a estável, de uma mesma moeda.
O enquadre é entendido como estruturas de informação que são focalizadas,
destacadas em um domínio conceptual das quais resultam categorias (cf. cap. 3, Coulson,
2001).
77
Em (34) “A resposta de Chico Lopes é uma delícia” (T 16, B), promove-se
categorização, (rotularização de um evento, de uma situação comunicativa) a partir do
enquadre feito, focalizando uma perspectiva, dentre as várias possíveis. É dele que decorre a
estrutura semântica coerente.
O enquadre suscitado no referido exemplo perspectiviza a cena e, conseqüentemente,
o significado; o autor predica um fato.
Predicar nos remete à cena básica da experiência humana, em que a adjetivação é
elemento central. É assim que, no exemplo anterior (34), ocorre, na oração, a estrutura SN
SV, em que o SV se apresenta com verbo predicativo e recebe o complemento adjetivo
predicativo.
Julgamentos são constantes em cenas básicas. A esse respeito, relembre-se o que as
crianças demonstram: alguns cenários básicos, como a hora de comer, por exemplo,
correspondem a certas formas lingüísticas. Essa evidência comprova a Hipótese de
decodificação de cenas, estruturada em Goldberg (1995: 39), de que “construções que
correspondem a sentenças de tipo básico decodificam tipos de evento de sentidos centrais que
são básicos para a experiência humana”
29
. A autora acrescenta ainda a noção de cenário dos
participantes, considerando aí hierarquia, tipo de atuação, elementos participantes, ângulo da
cena etc.
Bem entendido, o conhecimento, amplo senso, engloba o conhecimento lingüístico e,
consoante Goldberg (op. cit.), conhecimento lingüístico é também conhecimento (axioma
adotado pela referida autora). Para unir o conhecimento lingüístico ao uso na interação verbal,
é implicada a idéia de MCI.
29
“Constructions wich correspond to basic sentence types encode as their central senses event types that are
basic to human experience”.
78
Em suma, a ironia opera uma atividade cognitiva diferente da negação direta, tanto na
sua estruturação – o irônico tem função comunicativa, é marcadamente informativo, não
envolve escala interpretativa, gera sempre uma implicatura, viola a requisição de
informatividade, detona uma operação de processamento duplo –, quanto nos seus efeitos de
sentido – por exemplo, enquanto a ironia é uma estratégia de polidez, a negação direta é um
ato ameaçador de face.
Além disso, a ironia é um recurso mais complexo do que a negação explícita e espraia
seus objetivos a pontos inatingíveis para a forma de negar diretamente (pelo menos, de forma
tão econômica).
79
5 ANÁLISE DOS DADOS
Nesta seção, serão apresentadas as possibilidades de análise que os dados
apresentaram no percurso desta pesquisa. Tais possibilidades são indicadas para pesquisas
futuras. A análise mais aprofundada dos dados focalizará o enunciado irônico no Sintagma
Nominal, escopo escolhido como objeto de estudo desta tese.
5.1 Possibilidades de análise
A ironia provoca um reenquadre assegurado por pistas lingüísticas de natureza
léxico-sintática. Essas pistas são codificadas, instanciadas na formação de um conceito lexical
conflitante com o explícito no texto que se dá através dos seguintes recursos:
a) No item lexical
No item lexical, a ironia se vale da escolha de nomes que apresentam um
funcionamento clicherizado para esse recurso – confirmado por uma testagem que se deu
através de meios eletrônicos (buscadores na Internet), nos sites dos jornais escolhidos para
corpus, seção editorial. É o que acontece em casos como os de solução, pérola, convite,
benefícios, defesa, detalhe.
Ainda nas possibilidades de nível lexical, aparecem, com freqüência bem menor, os
casos de cruzamento vocabular, como (35) policiólogos (policiais e sociólogos) (T 13, A),
(36) pedagocrata (pedagogo e burocrata)(T 12, A).
80
b) No sintagma
No âmbito do sintagma, o recurso irônico se localizará basicamente no sintagma
nominal e/ ou no verbal. Por exemplo:
Nominal: N SAdj ((37) “alforria generosa” (T 6, A), (38) “descaso solene” (T 12, A)
etc); N Sprep ((39) “Pastoral do criminoso” (T 9, A) etc).
Verbal: V SPrep ((40) “Quem ainda pensa o MST como um movimento social padece
de santa inocência” (T 16, A) etc)
30
.
c) Na oração: com modificadores, como por exemplo:
SN SV (V SAdj): (41) “A resposta de Chico Lopes é uma delícia” (T 16, B).
SN SV (V SPrep): (42) “Antes dele, só um tal de Jesus ousou tamanho milagre”
31
(T 3,
B).
d) No período:
A construção do recurso irônico se apresentou de duas formas distintas: ou (1) pelo já
conhecido mecanismo da adjetivação, que aqui se forma a partir de orações adjetivas, com a
combinação O1 + O2 adjetiva, como por exemplo: (43) “... o ‘moderado palestino’ xeque
Yassin (...) que orgulhosamente assumiu a responsabilidade de ataques e centenas de mortos
civis israelenses” (T 10, A); ou (2) através da escolha de construtor de espaço mental que, no
contexto em questão, cria uma incongruência, tornando a combinação implausível, estruturada
com construtor de Espaço Mental (space builder)+O1+O2, como por exemplo (44) “Na hora
exata em que eu tomava um chá com chocolate no alto dos Andes, na fronteira com o Chile,
meu espírito transitava em alta velocidade pela Marginal Tietê, em São Paulo” (T 14, B).
30
Note-se que o escopo do recurso irônico se dá no SV (verbo e complementos).
31
Note-se que o escopo do recurso irônico aqui se dá na combinação entre sujeito e predicado.
81
É importante observar que o que caracteriza todas as combinações é, via mescla, o
reenquadre, a possibilidade de reprocessar o que foi dito, remetê-lo a uma outra (nova) cena
(cf. Fillmore, 1977).
Há também a instanciação apoiada no contexto, em que se recupera a negação da
proposição operada pela ironia, através do senso comum, do conhecimento prévio
(background) e de elementos do próprio texto, que funcionam como a “piscadela” de que fala
Bergson, em O Riso (1987), em relação ao teatro.
Pode-se verificar essas “piscadelas” no texto (45) A imaginação no poder (T 2, B), em
que o autor conduz o leitor para o universo do marketing e de suas agruras. Os três primeiros
parágrafos são incansavelmente destinados a preparar o “terreno”, a “piscar” para o leitor para
que ele compreenda o teor de falsidade do universo “marqueteiro”. No quarto parágrafo o
autor saca o exemplo-sugestão para que o PT use o Fasano como locação para propaganda do
Fome Zero, restaurante seguramente dos mais caros do Brasil, localizado em São Paulo.
Verifica-se, na análise dessas instanciações, um padrão comum de especificação
léxico-sintática que é
X Mod
em que X se apresenta como N, Adj, Oração, alterados por um modificador (mod). Sob esse
padrão estão todos os exemplos selecionados do corpus. Considerem-se alguns deles:
82
46 (T1,A) ..............................................................
47 (T9,A) ..............................................................
48 (T9,A) ..............................................................
49 (T13,A) ..............................................................
50 (T15,B) ..............................................................
51 (T16,B) ..............................................................
52 (T20,A) ..............................................................
Almas sensíveis profissionais
N
mod
mod
Patriótico “Custo Brasil”
N
mod
Pastoral do criminoso
N
mod
Policiólogos
N
mod
FHC, o autista
N
mod
A resposta de Chico Lopes é
uma delícia
N
mod
Terrível ataque de amnésia
N
mod mod
83
53 (T21,A) ..............................................................
54 (T14,B) ..............................................................
O esquema básico (mod) N mod (mod) é, como se pode comprovar, bastante
produtivo, a ponto de possibilitar uma recursividade na aplicação dos mecanismos irônicos de
negação como acontece no exemplo apresentado (53).
Há ainda outras ocorrências que se apóiam em intensificadores (que não deixam de ser
modificadores), em nomes qualificadores
32
(como (55) defesa (T 1, A), (56) benefício (T 6,
A), (57) convite (T 3, A), (58) pérola (T 8, A), (59) solução (T 4, A) etc), com a ajuda de
verbos ((60)“...padece de santa inocência” (T 16 A) e (61)“...só um tal de Jesus ousou
tamanho milagre” (T 3, B)).
A rotina cognitiva que suporta o reconhecimento da ironia através de tais pistas
lingüísticas é o mecanismo da mescla e, conseqüentemente, do reenquadre que a leitura da
mescla promove.
32
PERINI, Mário A. Gramática descritiva do português.São Paulo, Ática, 4
a
edição, 2002.
Cada “pedagocrata” ungido
em cargo
público, extasiado no palco
iluminado, tem a sua
N
mod
mod
mod
Na hora exata em que eu
tomava um chá com chocolate
no alto dos Andes, na fronteira
com o Chile,
O Sub. Adv. Temporal
Oração Principal
meu espírito transitava em alta
velocidade pela Marginal
Tietê, em São Paulo.
84
Na mescla, os inputs provocam o que Fauconnier & Turner (2002) chamam
compressão. Em toda mescla há a compressão dos conteúdos trazidos pelos inputs, e essa
compressão é carregada pela estrutura emergente.
Na compressão estão em jogo algumas relações vitais. Quando há a descompressão da
mescla, outras relações vitais emergem para que a leitura irônica se dê e é aí que há o
deslocamento de frame (frame shifting) ou reenquadre. Vale ressaltar,
a ironia é, portanto, resultado do processamento cognitivo na descompressão da
mescla.
É possível então observar as relações vitais envolvidas na compressão/descompressão
das mesclas que portam ironia: mudança, identidade, tempo, espaço, causa-efeito, parte-todo,
representação, papel, categoria, unicidade, propriedade, similaridade, analogia, desanalogia
estando, essas últimas, presentes em todas as formulações irônicas. Observem-se:
(61) “Só que, para surpresa dos seus autonomeados defensores, tais minorias não
quiseram saber dessa “defesa”(...)” (T 1, A).
Analogia (autonomeados defensores e não-autonomeados defensores)
Desanalogia (autonomeados defensores são diferentes de não-autonomeadors
defensores)
Causa-efeito (autonomeados defensores-defesa)
Papel (autonomeados defensores)
(62) “Para cobrir o atávico déficit do INSS, sua privilegiada cabeça conseguiu mais
uma vez colocar o ovo de Colombo em pé” (T 15, A).
Analogia (privilegiada cabeça e não privilegiada cabeça)
85
Desanalogia (privilegiada cabeça é diferente de não-privilegiada cabeça)
Parte-todo (almas perversas irrecuperáveis – credores)
(privilegiada cabeça – ministro da Previdência)
(Estado de Israel – os que são contra)
Além do processamento cognitivo stricto senso, é também possível compreender a
ironia como construção gramatical.
É possível identificar no enunciado irônico a concretização de uma construção
gramatical nos termos de Goldberg (1995), isto é, há um pareamento forma / significado e
nenhum aspecto de suas partes pode ser estritamente predizível. Assim, o exemplo abaixo
constitui uma construção gramatical:
(63) “A resposta de Chico Lopes é uma delícia” (T 16, B).
O problema para reconhecer as possibilidades de significações a partir de formas
lingüísticas aparentemente idênticas como construção gramatical se dissolve a partir da
dimensão pública do significado e de princípios como o de Economia, fatos que tornam
possível aceder à significação, fazendo reconhecer os MCIs então relacionados.
A partir dos conceitos implicados, pode-se dizer que o enunciado irônico caracteriza-
se como construção gramatical, basicamente por: em primeiro lugar, o significado resultante
não poder ser previsto com base nos componentes que o formam, incluindo construções
previamente estabelecidas; em segundo lugar, por haver construção polissêmica, abrigando
diferentes MCIs e enquadres da mesma cena; em terceiro lugar, porque, ao negar
indiretamente, constitui-se uma construção gramatical básica (X Mod
33
), ainda que descrita de
forma genérica até o presente momento, e remete-se aos esquemas básicos corporificados; e,
33
É importante salientar que, segundo a observação dos dados, várias estruturas se adequam a essa construção,
conforme se pode ver nos textos do Corpus B, seção Anexos).
86
finalmente, porque a construção gramatical da ironia quebra o cânone (a construção
gramatical habitual) por não usar marcador de negação explícito.
A ironia também organiza a interação de modo relevante para a descrição do
Português, na medida em que opera modalidade nos termos de Talmy (1987), uma vez que a
literatura sobre essa noção tradicionalmente oferece conceitos bastante fluidos e
inconsistentes.
A nebulosidade em torno dele se deu ao fato de ser considerado como tal somente
aquilo que constitui uma apreciação do sujeito a respeito de algo.
Torna-se difcultoso delimitar o conceito de modalidade como descrito acima
(apreciações subjetivas). Foi nessa ebulição de impossibilidades de delimitar o campo de
atuação da modalidade que Talmy (1987) propôs a mais produtiva definição para o esse
processo: modalidade traduz mecanismos de imposição de força ou remoção de barreiras
conceptuais e não tudo o que se diz, simplesmente.
Com a tese de Miranda (2000), segundo a qual a modalidade gerencia a interação e
com o conceito de modalidade exposto acima, observa-se que todo enunciado irônico impõe
forças ou suspende barreiras, conforme a situação, e que esse peso da modalidade realinha a
direção do discurso do texto escrito (corpus desta pesquisa) para o leitor, ativando um efeito
de sentido pretendido na elaboração da argumentação, orientando a leitura para uma
determinada direção.
Sejam os exemplos:
(64) “...quando não, nas versões mais ingênuas, para a própria vítima, a qual, como
“privilegiado”, tem a “culpa objetiva” de ser um “inimigo de classe” (T 1, A).
(65)“E o atual prefeito “reacionário” ...” (T 9, A).
87
Em (64) vê-se claramente a estratégia de imposição de força na crítica que o autor
constrói, predominando a modalidade deôntica. Em (65), vê-se a suspensão de barreiras ao
ironizar-se a situação do prefeito, sob o aspecto da modalidade epistêmica.
Essas conclusões são validadas pelos dados, mas, à exceção das noções de mescla e de
reenquadre, não são o foco de estudo deste trabalho, nem no que concerne à ampla variedade
de estruturas do corpus, nem no que concerne ao reconhecimento de uma construção
gramatical e à visão de ironia como recurso de modalidade. Conforme especificado no
capítulo 2, esta pesquisa restringiu-se ao estudo da ironia no Sintagma Nominal.
Essas conclusões aqui apontadas ficam como propostas para pesquisas vindouras.
5.2 A ironia no Sintagma Nominal
Nesta seção, será estudada a ironia no SN: seu funcionamento e seu processamento.
A análise dos dados será realizada em dois momentos, dada a complexidade do
assunto e a falta de estudos lingüísticos stricto senso sobre ironia. Em um primeiro momento,
serão analisadas e descritas as diversas relações do SN irônico no texto em que ocorre e as
relações dos seus elementos constituintes.
Em um segundo momento, verificar-se-ão os mecanismos cognitivos provocadores da
ironia, consoante, sobretudo, a análise de Fauconnier (1997) e Fauconnier & Turner (2002).
5.2.1 Funcionamento do SN irônico
Nesta seção, será apresentada a análise dos dados, cujo foco será o eixo sintagmático.
Conforme foi mostrado nos pressupostos teóricos (do ponto de vista da Lingüística
88
Cognitiva), a codificação lingüística é instrução de processamento cognitivo. As já citadas
palavras de Fauconnier
34
– “a linguagem não porta o significado, mas o guia” – apontam para
a implicação de que várias rotinas cognitivas entram em ação a partir do dado lingüístico.
Eleito o SN como objeto de análise mais específico para esta tese, procedeu-se à
observação de como enunciados irônicos se comportam no texto de opinião. Nesse estudo,
ficaram nítidos quatro níveis de relação do SN.
No item 5.2.1.1, serão observados os recursos da ironia – no SN – que interagem com
o contexto maior, segundo as relações de anáfora e de catáfora, de coesão e de coerência.
No item 5.2.1.2, serão analisadas as relações de nome e adjetivo. Nesse caso,
entretanto, como serão verificadas as relações sintáticas, utilizar-se-ão as designações Nome e
Complemento, verificar-se-á a natureza da adjunção: se meliorativa, se pejorativa.
No item 5.2.1.3, serão vistas as ocorrências de cruzamento vocabular.
No item 5.2.1.4, apresentam-se os casos de ironia marcada com aspas e,
conseqüentemente, a contribuição dessa marca gráfica para a compreensão desse tipo de
enunciado.
É importante dizer que o aparecimento de um mesmo exemplo em várias seções se dá
porque há casos de a ironia ser potencializada por utilização de mais de um recurso. Assim é
que, nas seções abaixo, serão observados exemplos representativos, em que os fenômenos
estudados podem ser descritos e analisados. Em anexo, encontram-se exemplos similares,
organizados por seus tipos. Além disso, os exemplos são recortados de seus textos com
diferentes tamanhos de fragmentos (o texto todo, um ou dois parágrafos, períodos), em função
da necessidade de discussão de elementos neles presentes.
34
Vide nota 12.
89
5.2.1.1 SN irônico e contexto discursivo
Considerando a malha textual, serão apontadas, em primeiro lugar, as relações que
estabelecem coesão (anáfora e catáfora) e coerência, seja no âmbito do parágrafo, seja no
âmbito do texto (como um todo); em segundo lugar, identifica-se o caráter da intensidade do
SN: se é de cunho meliorativo ou pejorativo.
a) Ironia e coesão
No domínio da coesão, o SN irônico pode trabalhar com os processos de retomada que
são os recursos anafóricos e catafóricos.
Observe-se que os termos relacionados encontram-se em negrito.
Casos de anáfora:
O exemplo abaixo é ilustrativo, sobretudo, de redes referenciais com ironia. E, por
necessitarem de um fragmento textual bem maior do que o usual, optou-se pela colagem do
texto inteiro.
90
ROBERTO CAMPOS
A escalada da criminalidade violenta e a total
impunidade dos menores de 18 anos estão
levando mais de 70% da população das grandes
cidades brasileiras a quererem a pena de morte. A
raiva não é boa conselheira, tanto mais quanto,
no caso a irreversibilidade da punição se combina
com a falibilidade dos nossos mecanismos
judiciais. Mas é bom reconhecer-se que os limites
do tolerável já foram ultrapassados, e que, à
quase falência múltipla dos órgãos do Estado, é
preciso acrescentar-se a precariedade do processo
normativo, de uma ponta à outra.
A criminalidade, obviamente, é uma questão
complexíssima, em que interagem fatores
econômicos, ambientais, culturais, sociais,
genéticos, psicológicos etc. E é justo reconhecer-
se que pesam muito o desemprego, a recessão, a
anomia das situações de crise, os problemas
urbanos, a televisão, a droga, o consumismo, a
falta de estruturas sociais de integração e a
deterioração dos valores comuns, inclusive
religiosos.
Sociedade alguma é isenta de delito, porque
os indivíduos variam segundo uma distribuição
estatística de Gauss, ou "normal", aquela em
forma de sino. Numa aba, uns poucos santos, na
outra, outros tantos demônios, e na larga faixa
intermediária, a maioria (para quem gosta de
detalhe, 68%, dentro de um desvio padrão para
cada lado). A mesma distribuição observável em
todo o universo, das peças de automóveis e
tampinhas de garrafas, aos desvios dos chutes dos
atacantes no futebol. Sempre haverá desvios em
relação à norma - e só resta tirar os que fiquem
fora do gabarito.
Sem que a sociedade exija efetivamente um
alto padrão de ordem pública, dificilmente a
repressão ao crime funcionará bem. O que quer
dizer polícias eficientes, que dêem resultados e
respeitem o cidadão. Criou-se, porém, uma
demagógica confusão entre direitos humanos e
operação do sistema. Madre Teresa não seria a
melhor chefe de polícia. Além disso, a irrefletida
descentralização da autoridade, na Constituição
de 88, ainda que agrade aos políticos que têm
vinculações com as polícias locais, atrapalha a
coordenação e o combate às máfias.
Os problemas seriam menores se a vontade da
maioria da sociedade fosse expressada
firmemente. Infelizmente, os interesses gerais
difusos acabam dominados por manipulações de
minorias estridentes ou que controlam
mecanismos-chave do sistema. Para mais,
persiste entre nós ainda uma fantasia ideológica à
la J. J. Rousseau, século XVIII, pela qual a
responsabilidade do crime fica transferida do seu
perpetrador para "a sociedade" - quando não, nas
versões mais ingênuas, para a própria vítima, a
qual, como "privilegiado", tem a "culpa objetiva"
de ser um "inimigo de classe".
Questões em que as conseqüências recaem
sobre terceiros não são moralmente gratuitas.
Quem desqualifica a violência contra o inocente
torna-se ipso facto cúmplice dela. E que dizer dos
que, tornando impune o menor, fizeram dele o
natural veículo do crime organizado e da droga?
Nas sociedades pré-modernas, a idéia da lei
estava presa a uma concepção moral, inseparável
de uma visão religiosa, que funcionava como o
cimento da estrutura social. Hoje, porém, não
temos a experiência do que era o culto dos
antepassados de uma "religião cívica", como a
dos romanos antigos. E a noção de "culpa" é uma
idiossincrasia judaico-cristã, enxertada na
civilização clássica (que também nos legou, por
outro lado, a lei formalizada em conceitos
universais).
Nas sociedades modernas, não mais
integradas pela religião, a norma passou a ser
encarada como "regra do jogo". Não há mais
como esperar-se que a consciência do indivíduo
esteja fundida na consciência sacralizada do
grupo. Idéias de culpa e perdão são hoje
percebidas como questões da consciência de cada
um, e não como referências operacionais para o
sistema. A norma deve garantir a previsibilidade
de condutas aceitáveis e a exclusão das não-
aceitáveis. Clubes, condomínios, jogos de
futebol, tudo precisa de regras. Os europeus, há
muitos anos, passaram a tratar acidentes de
trânsito, mesmo sem vítimas, como de
responsabilidade objetiva. Quem bate por trás,
por exemplo, é responsabilizado, sem discussões
de "culpa".
É essa objetividade que se faz necessária. A
norma está aí para ser cumprida. Graças à
"tolerância zero", Nova York reduziu quase pela
metade os índices de criminalidade. "Almas
sensíveis" profissionais objetaram que a
repressão iria recair sobre os grupos minoritários
- negros, latinos, marginalizados, pobres. O que
era até possível. Só que, para surpresa dos seus
autonomeados defensores, tais minorias não
quiseram saber dessa "defesa". Em vez de se
deleitarem com a gloriosa perspectiva do
sacrifício às mãos dos "injustiçados", preferiram
91
mandá-los para a cadeia. E nos países
democráticos, quem decide não são os donos das
"opiniões sociais avançadas", e sim os eleitores...
A pobreza não é uma boa desculpa para o
crime violento. O problema distributivo depende
de quem define quem deve ter direito a que, e
quem tem a obrigação de pagar por isso. Mas em
caso algum legitima alguém matar um inocente.
Bom senso e boa vontade podem ajudar a
encontrar posições políticas convergentes. Mas
colocar a solução de "problemas sociais", reais ou
supostos, como condição prévia para se permitir
a defesa da ordem social é inverter a lógica. E
fazer apologia do crime.
ROBERTO CAMPOS é economista
92
(66) “[...] “Almas sensíveis” profissionais objetaram que a repressão iria recair sobre
os grupos minoritários – negros, latinos, marginalizados, pobres. O que era até possível. Só
que, para surpresa dos seus autonomeados defensores, tais minorias não quiseram saber
dessa “defesa”[...]” (T 1, A).
Entendendo a anáfora nos termos de Kleiber, Schnedecker & Ujma (1994), há nos
exemplos acima processos de retomada, que se caracterizam por não serem rigidamente co-
referenciais, também chamados de processos de anáfora associativa.
A anáfora associativa compreende, segundo a concepção estreita, processos de
retomada em que o referente é identificado por informações contidas (anteriormente) no texto
e, segundo a concepção larga, processos de retomada indireta que só reconhecem como tal a
estrutura de SN com artigo definido.
No exemplo em questão, a primeira referência estudada é “almas sensíveis
profissionais” que aparece sem nenhum artigo, e sem antecedente co-referencial. O
conhecimento do co-texto e o conhecimento de língua permitem identificar que se trata – uma
vez que o tema é a discussão de comportamentos sociais e das devidas aplicações das leis – de
um grupo social que pensa defender minorias, desfavorecidos socialmente.
Já a segunda referência se dá no modo do conhecido, com artigo definido (“...dos seus
autonomeados defensores...”), seguida de outra referência, que é “dessa defesa”. Observe-se,
então, a complexa rede de associações: há a retomada da objeção feita por almas sensíveis
profissionais, ao lado de autonomeados defensores. A “chamada” dessas associações é que
permite o enquadre de defesa.
A quarta menção é a de “donos de opiniões sociais avançadas” (com artigo definido),
que também retoma “almas sensíveis profissionais” e estabelece oposição com “eleitores” (de
modo geral).
93
Ressalte-se que, à exceção de “eleitores”, todos os exemplos, em cadeia, são de
natureza irônica. Além do esforço de cooperação do interlocutor em recuperar que se está
retomando uma parte de sociedade, ainda há outro esforço interpretativo: o reconhecimento
desses enunciados com ironia em que o leitor processará o enquadre e os sucessivos
reenquadres inesperados, operados pelo autor do texto ora estudado.
O conhecimento de língua, aliado aos MCIs, propiciam o reconhecimento do referente
com grau de imprecisão associado (Almeida, 1991), ou seja, de referência imprecisa (almas
sensíveis profissionais).
Görski (1985), ao explicar a taxonomia de Prince, diz que as entidades inferíveis são
as que até então não haviam aparecido na superfície textual, mas já faziam parte do modelo de
discurso do texto em questão. Tais entidades inferíveis podem estar contidas em outras
entidades, também presentes no modelo de discurso.
Este é o caso do exemplo supra-citado. É uma entidade inferível, de familiaridade não-
contida, assim definido a partir do enquadre léxico-sintático produzido pelo autor do texto.
Em “Sociedade e norma”, almas sensíveis profissionais é uma entidade inferível, uma
vez que se fala das normas sociais e de como devem ser tratadas pelos integrantes da (nossa)
sociedade. Falando de modo genérico e citando somente nomes de pessoas extremamente
conhecidas, o autor impessoaliza maximamente suas considerações e seus exemplos, forma
que vai ao encontro do conteúdo, como por exemplo: (67) “Quem bate por trás, por exemplo,
é responsabilizado, sem discussões de “culpa”(T 1, A); ou ainda (68) “Nas sociedades
modernas, não mais integradas pela religião, a norma passou a ser encarada como “regra
do jogo” (T 1, A).
O MCI construído pelo texto é o de comportamentos sociais, tratados de um modo
geral, e o conhecimento de língua implicado (no texto, de forma genérica) é o de
94
impessoalização, que aponta o reconhecimento de uma referência imprecisa, seja de
codificação definida ou indefinida.
Almas sensíveis profissionais é reenquadrado duas vezes com relações léxico-
sintáticas diferentes, a saber: autonomeados defensores e donos das opiniões sociais
avançadas, em que a cena de demagogia e de pouca consistência intelectual para caracterizar
certos grupos, através de recurso irônico, é evocada, perspectivizando ricamente os itens
lexicais escolhidos e dispostos nessas combinações sintáticas. Essas mudanças lexicais
implicam alteração do status do referente
, que, ao invés de permanecer na cadeia associativa
como velho, passa a inferível.
Vale acrescentar ainda que essas operações de anáforas associativas são
procedimentos econômicos por natureza, na medida em que introduzem um referente e
predicam a seu respeito, ao mesmo tempo em que evitam rupturas com pausas e retomadas
co-referenciais. Dessa maneira, tais operações contribuem para a coesão do texto.
Quando essas operações são veiculadoras de ironia, a introdução do referente com sua
predicação se dá de modo mais ampliado, incluindo uma avaliação do objeto, o que torna a
combinação mais econômica ainda.
O exemplo abaixo ilustra uma cadeia referencial mais simples do que a anterior, e com
a diferença de que “isso” (criar dinheiro) e “esse detalhe” (criar dinheiro só em situação
recessiva) retomam objetos diferentes.
(69) “[...] Em 1936, Keynes havia feito a cabeça dos economistas – deixando sem graça,
por um quarto de século, os neoclássicos tradicionalistas – com uma idéia surpreendentemente
simples: a de que, numa conjuntura recessiva, em que há ociosidade de mão-de-obra e de
máquinas e equipamentos, pode-se aumentar a demanda real simplesmente pela injeção de
recursos para aumentar a demanda monetária. Criando dinheiro, o governo conseguiria
provocar um aumento efetivo da renda e, graças a isso, reduzir o desemprego da força de
95
trabalho. No pensamento de Keynes, isso só ocorreria em situações recessivas, mas a tentação
de esquecer esse “detalhe” seria grande demais para os políticos” (T2, A).
Detalhe refere-se à situação em que o governo poderia criar dinheiro para aumentar a
renda e reduzir o desemprego somente em situação recessiva (informação dada no mesmo
parágrafo).
A ironia reside na negação do estado de coisas (criar dinheiro só em situações
recessivas não é um (pequeno) detalhe) e na afirmação do desejado (seria bom que fosse um
pequeno detalhe).
Semelhantemente ao exemplo (66), a informação dada é retomada por isso e, depois,
por esse detalhe. Novamente há uma cadeia anafórica, embora mais simplificada que a
anterior: os pronomes demonstrativos (isso e esse) apontam mais obviamente o que está sendo
retomado. O único fator surpreendente é o uso da ironia em detalhe, embora seja um caso de
fossilização (que será visto na seção 5.2.1.1, letra b).
Nos exemplos a seguir, serão apresentados outros casos análogos ao de “detalhe” em
que o SN resumitivo reenquadra ironicamente a questão discutida no texto.
(70) “Na verdade, o Brasil se ofereceu para o comando, acertou tudo com os EUA e
dourou a pílula botando a ONU no meio.Não ficaria bem todo mundo saber todo mundo saber
do acordo com os EUA, acusados de terem deposto, posto e novamente deposto presidentes
haitianos. Daí a entrada em cena da ONU como autora do “convite”.”(T 3, A)
Convite refere-se ao acordo entre Brasil e Estados Unidos para a ajuda ao Haiti, fato
que desmente a chamada da ONU para essa missão (“dourou a pílula botando a ONU no
meio”).
96
A ironia implica a negação do estado de coisas (não houve convite) e a afirmação do
desejado (seria bom que tivesse havido o convite).
O enquadre lexical, mais uma vez, contribui para a percepção da ironia, já que há um
nítido contraste entre “dourar a pílula, botar no meio” e “convite”.
Observe-se que o exemplo a seguir também lança mão do contraste referido.
(71) “O governo deve contar com um leque amplo de apoio nos setores inimigos ou
concorrentes do MST. Sem isso, será mais do que um erro ordenar o uso das armas contra os
militantes. Eldorado de Carajás alerta contra essa “solução”.”(T 4, A)
Solução refere-se ao uso de armas, única forma de governar que restará ao PT (dito no
mesmo parágrafo), que primeiramente é enquadrado como “mais do que um erro”.
A ironia faz negar o estado de coisas (usar armas não é solução) e afirmar o desejado
(seria bom que houvesse uma solução verdadeira).
Por fim, é importante observar que os dados apontam a ocorrência de dois caminhos
de estruturação anafórica: com SN que promova alteração de status referencial e com SN
resumitivo.
Casos de catáfora:
Assim como no caso da anáfora (o estudo das anáforas associativas aponta também a
existência de catáforas associativas), as retomadas catafóricas serão entendidas como
remissões lato senso. Elas também se apresentarão através de SNs resumitivos, que serão de
dois tipos: os clicherizados e os não-clicherizados.
Os exemplos representativos de catáfora são:
(72) Detalhe: o advogado que cuidou dos recursos e foi o primeiro a falar em
“censura” acumula a função de presidente da OAB-SP [...]” (T 5, A).
97
Detalhe refere-se ao fato de que o advogado que defendeu a liberdade dos programas
de TV é também presidente da OAB.
Consoante o conceito de ironia, nega-se o estado de coisas (o fato de o advogado que
defendeu o programa ser presidente da OAB não é um (pequeno) detalhe) e afirma-se o
desejado (seria bom que esse outro cargo do advogado fosse de fato um (pequeno) detalhe,
minimamente importante).
O mesmo mecanismo é usado no texto a seguir em que “benefícios” opera catáfora.
(73) “O presidente da república enviou ao Congresso Nacional a medida provisória
148/03, cuja finalidade é levar aos 22 milhões de usuários de planos de saúde adquiridos antes
de 1999 os ‘benefícios” da lei 9.656, que os regulamenta, dando ampla liberdade à Agência
Nacional de Saúde Suplementar [...]”(T 6, A).
Benefícios refere-se à normatização da lei 9656 que autoriza vários aumentos, como o
de 500% no plano de saúde dos idosos, além de baixar o limite de idade de 71 para 59 anos
(para a efetivação do aumento).
A negação do estado de coisas reside na leitura de benefício como não benefício
(aumentar os planos de saúde dos idosos e baixar o limite de idade não é benefício) e a
afirmação do desejado, na possibilidade de haver um real benefício.
É interessante também considerar o exemplo abaixo em que “pérola” opera catáfora.
(74) “Além dos integristas, há supostos historiadores que mais parecem historicidas.
Um historiador de 40 anos de idade escreve sobre Castello Branco. Comete erro factual:
“Castello prepara o golpe articulado com o general Costa e Silva”. Não é verdade. E sai-se
com esta pérola: “Para desencadeá-lo, seria divulgada por telefone a todas as unidades do
Exército a senha “o bebê acabou de nascer”.”(T 7, A)
Pérola refere-se à senha “o bebê acabou de nascer”, digna de “parteira fardada”,
segundo o autor.
98
A negação do estado de coisas é a de que a senha não é “uma pérola”, uma idéia muito
boa; e a afirmação do desejado é a de que deveria criativa, bem elaborada.
“Pérola”, como SN resumitivo clicherizado é encontrado também no texto abaixo.
(75) “Com pose de mandatário supremo da Nação, desfiou a pérola: O caso
Waldomiro é um caso de polícia. Mandei investigar e ponto.” Ou seja, o caso Waldomiro não
é para o Lula, o José, o Genoíno, o PT e para os aliados, uma questão política nem ética. É
apenas mais um caso policial.” (T 8, A)
Pérola refere-se à afirmação do Presidente da República, segundo a qual “o caso
Waldomiro é um caso de polícia”, e não problema do PT, nem de ética.
A negação do estado de coisas, operado pela ironia, implica a negação de pérola como
algo especialmente bom e a afirmação do desejado implica a expectativa de que a declaração
do Presidente fosse verdadeiramente algo bom.
Esses nomes, responsáveis pelos elos de retomada, são de natureza qualificadora
(Perini, 2002), todos são tomados no texto em sentido abstrato (cf. (76) pérola (T 8, A) e (77)
convite (T 3, A), por exemplo) e se caracterizam por serem clichês (com a exceção de (78)
“benefício”(T 6, A)). Essa regularidade sugere que pode haver um conhecimento de língua
que suporte o uso irônico de determinados nomes na estruturação textual.
A respeito dessa regularidade e do fato de serem clichês, deve-se lembrar o trabalho de
Fillmore (1977), em que foram identificados padrões lingüísticos repetitivos para a construção
de novas significações.
b) Ironia e coerência
No que concerne à coerência, os elementos se caracterizam por veicular ironia através
de uma combinação inesperada entre os itens ou mesmo de uma combinação recuperável, isto
99
é, que resgate a ironia na sua ligação com o texto todo (fenômeno mais discursivo) – podendo
ser identificada como “ironia discursiva”.
Assim:
Combinação inesperada: dada a implausibilidade da combinação, só haverá acesso à
coerência se se levar em conta a possibilidade de leitura irônica. Em geral provoca o
riso (ainda que irônico), dispondo criatividade e elemento surpresa, próprios do
humor.
Convém lembrar que a moldura comunicativa é a de texto jornalístico de opinião, em
que avaliações são constantes, bem como os mecanismos textuais de preservação da face.
É fundamental considerar o papel dos MCIs, evocados por expressões do texto, que
são as rotinas de conhecimento cultural idealizado. Quando o autor produz (79) Pastoral do
Criminoso (T 9, A), por exemplo, imediatamente duas fontes de conhecimento podem ser
ativadas – a das Pastorais promovidas pela Igreja Católica, que pretendem cultivar e defender
o bom relacionamento social, pautado nos ideais cristãos e a de defesa de criminosos; ou
ainda (80) moderado palestino (T 10, A), que no momento histórico atual é de extrema
relevância e que implica o conhecimento idealizado de que “nenhum” palestino é moderado,
além das identificações (cheque Yassim e Bin Laden) e da caracterização de Yassim (“...que
orgulhosamente assumiu a responsabilidade de ataques e centenas de mortos civis
israelenses.”).
Nesse caso, merecem atenção (81) “modelo econômico Macunaíma” (T 9, A), (82)
“gratificação faroeste” (T 11, A), (83) “Pastoral do Criminoso” (T 9, A), (84) “moderado
palestino” (T 10, A), (85) “descaso solene” (T 12, A), combinações altamente incompatíveis,
mas que, apesar disso, são possíveis de serem compreendidas pelo processo de mescla,
100
através da ironia e, portanto, tais combinações se caracterizam como um tipo específico desse
recurso.
Combinação recuperável: a combinação é recuperada com o acesso a um contexto
maior, o parágrafo ou o texto todo ( e até fatos não retomados explicitamente). Assim,
este tipo difere do anterior por ser este de escopo macrotextual, e aquele, de escopo
microtextual.
Desse modo:
Em (86) policiólogos (T 13, A), há cruzamento vocabular (comentado no item 5.2.1.3
desta seção). Esse cruzamento permite a compreensão de policial sociólogo, com negação de
policial, recuperado somente com a leitura do texto.
Em (87) “sábias sugestões” (T 14, A) e em (88) “argumento muito pedagógico” (T 14,
A) recupera-se o efeito irônico de negar sábias e pedagógico pelo fato de a alegação ser que a
outra reforma universitária tinha sido feita na época da ditadura militar.
Em (89) “privilegiada cabeça” (T 15, A), resgata-se a negação de privilegiada através
do texto, que mostra que o ministro concluiu o óbvio.
Em (90) “santa inocência” (T 16, A), capta-se a negação de inocência através do
contexto. “Pensar o MST como movimento social” e “padecer de santa inocência” revelam a
negação operada pelo recurso irônico.
Já em (91) “muito nobre” (T 17, A), é somente através do contexto que se percebe a
negação operada pela ironia, uma vez que não há inversão semântica, característica tão
própria desse recurso – a escolha dos políticos em ir contra a imoralidade na captação de
recursos para campanhas eleitorais é realmente nobre, mas se se considerar os outros dados,
argumentos do autor, é possível captar o viés irônico.
101
Percebe-se que (91) “real forte” e (92) “boa teoria” (ambos em T 18, A) implicam a
leitura do texto, isto é, o resgate de mais contexto (“de FHC” e “da meta de inflação
alucinada...”, respectivamente), para que se proceda à leitura da negação de forte e boa.
Como a ironia é uma situação marcada (por oposição a situações não-marcadas, como
a negação através do advérbio – possibilidade da língua mais distanciada do “ego”) convém
considerar, dentro do plano discursivo, a modalidade avaliativa escolhida pelo autor. A
avaliação ou qualificação nele contida trabalha com os aspectos pejorativo e meliorativo.
Tanto nas combinações pejorativas, quanto nas meliorativas, o efeito pode ser dado
diretamente pela aposição de um adjetivo ou mais que confere à expressão determinadas
qualidades, como em (93) “injustiçados” (T 1, A) e (94) “almas perversas irrecuperáveis”(T 9,
A).
Em outros casos, embora o recurso da aposição do adjetivo se mantenha, há a
acentuação da pejoratividade (ou de melioratividade) pela implausibilidade da mescla que se
forma, devido à inusitada combinação de modificado e modificador (conforme comentado
acima).
Com expressão pejorativa, ocorrem somente alguns exemplos (16,7% dos casos): (95)
injustiçados (T 1, A), (96) almas perversas irrecuperáveis (T 9, A), (97) modelo econômico
Macunaíma (T 9, A), (98) prefeito reacionário (T 9, A), (99) Pastoral do Criminoso (T 9, A),
(100) gratificação faroeste (T 11, A), (101) má vontade (T 19, A), (102) terrível ataque de
amnésia (T 20, A).
Todos os outros (83,3% dos casos) aparecem com expressão meliorativa. É a forma
mais usual, historicamente falando, de operar ironia. É a condenação pelo elogio, é a
punhalada com sorriso nos lábios.
Para muitos é um recurso de polidez, mas é mais preciso dizer, consoante os estudos
de Levinson (1987), que se trata de recurso de proteção da face. O locutor não parece estar se
102
importando se vai constranger ou não a pessoa (ou Instituição) a quem condena, mas
preocupado em não se expor demais, evitando os ataques ao seu ponto de vista.
5.2.1.2 Nível interno do SN
Considerando o nível interno do SN, a ironia pode se estabelecer através de diferentes
estruturações sintáticas, a saber: a) a adjunção (simples e com âncora), b) expressões fixas.
a) A adjunção:
A ironia é implantada em SNs que compreendem especificadores e complementos,
principalmente SAdjs e SPreps para o estudo da ironia.
Os complementos são o ponto alto do enunciado irônico: ou a ironia reside ou está
apoiada neles. Aparecem tanto Comp N , quanto N Comp.
As ocorrências se configuram da seguinte maneira:
Adjunção simples: o escopo da negação ora incide sobre o N, ora sobre o Comp. Em
geral, o primeiro elemento da combinação é aquele sobre o qual recai a negação
irônica. Observem-se as ocorrências listadas abaixo:
(103) autonomeados defensores (T1, A)
não N
(104) gloriosa perspectiva (T 1, A)
não Comp
(105) donos das “opiniões sociais
avançadas”(T1, A)
não Comp
(106) patriótico “Custo Brasil”(T 9, A)
não Comp
(107) Pastoral do Criminoso (T9, A)
não N
(108) humor sensacional (T 8, A)
não N
103
Há aqui uma distribuição equilibrada entre os dados. Em Comp N, há duas ocorrências
de negação de Comp e uma de N. Em N Comp, há duas ocorrências de negação de N e uma
de Comp.
O que importa, pois, é o contraste.
É importante observar que o apontamento do escopo da negação não invalida a
compreensão da ironia via mescla conceptual.
Adjunção com âncora: neste caso, o SN irônico vem com o adjetivo âncora, que
funciona como mais uma pista e como um reforço de efeito irônico, como se pode
comprovar nos exemplos dados abaixo:
(109) Almas sensíveis profissionais (T 1, A): profissionais como “reforço” para
compreender ironicamente sensíveis.
(110) Almas perversas irrecuperáveis (T 9, A): irrecuperáveis como reforço para
perversas.
(111) Sábios educadores e pedagogos do Executivo e do Legislativo (T 21, A): do
Executivo e do Legislativo como pista para sábios.
(112) Alforria generosa dos escravos sexagenários, que davam mais despesa que lucro
(T 6, A):dos escravos....lucro como pista para generosa.
104
(113) Moderado palestino, xeque Yassim, fundador do grupo terrorista Hamas, que
orgulhosamente assumiu a responsabilidade por milhares de ataques e centenas de
mortos civis israelenses (T 10, A): fundador...israelense, como pista para moderado.
(114) Terrível ataque de amnésia (T 20, A):terrível como pista para de amnésia.
É interessante considerar a possibilidade de reincidência desse recurso (âncora) que os
dados apresentam. Em “alforria generosa dos escravos sexagenários, que davam mais despesa
que lucro”, há a oração adjetiva reincidindo no SPrep “dos escravos sexagenários”, que é o
reforço de “generosa”. No caso de “moderado palestino”, há uma oração adjetiva reincidindo
no novo aposto que, por sua vez, reincide em “moderado”.
Nesta tese, os dados apresentam a estruturação do SN com âncora assim reescrito:
SN N (SPrep) (SAdj) (S O)
Ainda no que concerne à adjunção, observou-se a ocorrência de adjetivos que
funcionam como adjetivos privativos, em função da carga irônica que portam.
Segundo o que propõe Coulson (2001) entre outros, os adjetivos privativos operam um
tipo especial de adjetivação: negam aspectos do Nome
35
. Assim:
Nenhum Nome Adjetivo é um Nome
A autora discute, basicamente, os seguintes exemplos:
(115) “Leão de pedra”, em que: “Leão de pedra não é um leão” e
35
A negação operada pelos adjetivos privativos não é da mesma natureza da negação irônica. Aqui, ela remete
para a natureza material do objeto, segundo o binômio verdadeiro/falso.
105
(116) “revólver falso”, em que “revólver falso não é revólver”.
Essa organização também se dá em alguns enunciados irônicos. Dessa forma, os dados
apontam a existência de um outro tipo de privativo, que aqui será chamado de adjetivo
privativo pragmático – em oposição aos que a literatura propõe, que seriam mais
propriamente semânticos.
No corpus aparecem as seguintes ocorrências
36
:
(117) Almas sensíveis profissionais não são sensíveis.
(118) Autonomeados defensores não são defensores.
(119) Gloriosa perspectiva às mãos dos injustiçados não é gloriosa perspectiva.
(120) Donos das opiniões sociais avançadas não são donos de opiniões.
(121) Modelo econômico Macunaíma não é modelo econômico.
(122) Pastoral do Criminoso não é Pastoral.
(123) Policiólogo (policial sociólogo) não é policial.
(124) Pedagocrata (pedagogo burocrata), ungido em cargo público, extasiado no
palco iluminado não é pedagogo.
(125) Pedagocrata (pedagogo burocrata) não é pedagogo.
(126) Planejadores sociais animados com o desejo de fazer o bem com o dinheiro dos
outros não são planejadores sociais e nem querem fazer o bem.
b) Expressões fixas: apontam-se aqui idiomas semi-abertos e expressões fossilizadas.
Muitas vezes a ironia se realiza em expressões extremamente habituais, o que permite
o reconhecimento desse recurso, pelos falantes, com maior segurança e rapidez (cf. Fillmore,
1977, a respeito das considerações sobre o falante inocente).
36
Observe-se que “pedagocrata” é incluído duas vezes porque há duas ocorrências dessa expressão em diferentes
textos.
106
Emprego de expressões como “santa inocência”, gerados a partir do modelo [“santa”
+ nome] (como “santa burrice”, “santa estupidez”); intensificador “muito” acompanhado de
adjetivo meliorativo, como é o caso da ocorrência de “muito nobre” -- há casos bastante
comuns como “muito bonito”, “muito bom” e “tão bonito”, “tão bom” etc; “ter um ataque de
(alguma doença pouco comum)” em um enunciado completamente descontextualizado (“...
sofreu um terrível ataque de amnésia”); “Pastoral” combinado com os nomes dos grupos
sociais defendidos e conservados pela Igreja Católica (como família, idoso, criança,
adolescente, juventude, etc), que permitiu a geração de Pastoral do Criminoso; verbo dicendi
com o nome “pérola” (como em “... desfiou a seguinte pérola...”) aparecem no corpus.
No esteio das expressões idiomáticas, há ocorrência de ironia fossilizada. No corpus,
apareceu somente (127) “detalhe” (T 2, A e outros).
5.2.1.3 Nível da palavra
No nível da palavra, apresenta-se a mesma estrutura do SN com Comp.
O cruzamento vocabular, além de espirituoso, comporta em si um Nome com função
sintática adjetival em relação a outro Nome – movimento sintático habitual no Português.
Assim (128) pedagocrata, cruza aspectos de pedagogo com burocrata, ironicamente
negando dados de pedagogo. (129) Policiólogo
cruza policial e sociólogo e nega ironicamente
dados de policial.
107
5.2.1.4 Nível gráfico
Várias ocorrências de ironia vêm marcadas graficamente através do uso de aspas, que
corresponderia à entonação específica no texto falado, isto é, a um padrão prosódico
específico para ironia no texto oral. Dos casos analisados 39,9% vêm com aspas.
Os dados mostram que não há uma sistematização desse recurso para marcar o
enunciado irônico e parece ser mais uma variação de estilo, que vai de autor para autor, do
que uma convenção própria da redação de textos.
A única regularidade que os dados demonstram é a de que as aspas recortam
produtivamente um nível de uso do recurso irônico. Sejam os seguintes casos:
(130) “Almas sensíveis” profissionais (T 1, A): “almas sensíveis” por si só já é
irônico, conforme marcam as aspas (mas vem acrescido de profissionais como âncora (ver
sessão 5.2.1.2, letra b), fortalecendo e garantindo a leitura irônica). Elas fazem um recorte do
fragmento que porta ironia e que corresponde à prosódia específica no texto oral. A exceção é
o exemplo (131) patriótico “Custo Brasil” (T 9, A), em que as aspas aprecem em “Custo
Brasil” e não em “patriótico”, que é portador de ironia.
Essa ocorrência deve ser atribuída ao fato de o uso das aspas não ser um recurso
gráfico rigorosamente sistematizado no Brasil, o que provoca uma certa lassidão na escolha
dessa forma gráfica. Esse dado é facilmente observável em textos de nível secundário e
universitário.
Esse mesmo efeito, provocado pelo uso das aspas, acontece nos seguintes exemplos:
(131) “defesa” (T 1, A), (132) “injustiçados” (T 1, A), (133) “opiniões sociais avançadas”(
T1, A), (134) “avanços sociais” (T 9, A) e (135) modelo econômico “Macunaíma” (T 9, A),
(136) patriótico “Custo Brasil” (T 9, A), (137) “reacionário” (T 9, A), (138) “pedagocrata” (T
21, A), (139) “entusiasmados” (T 23, A), (140) “planejadores sociais” (T 22, A), (141)
“solucionistas” ideológicos (T 22, A), (142) “benefícios” (T 6, A), (143) alforria “generosa”
108
(T 6, A), (144) “moderado palestino” (T 10, A), (145)“moderado” (T 10, A), (146) “convite”
(T 3, A), (147) “real forte”, (148) “boa teoria” (ambos em T 18, A).
A leitura atenta dos dados permite observar que as aspas marcam aquilo que não é
irônico por si – como defesa, injustiçados, opiniões sociais avançadas, avanços sociais etc –
ou aquilo que está em uso mais desviante cujo exemplo mais ilustrativo é Macunaíma.
5.2.2 Processamento do SN irônico
Nesta seção, serão verificadas as rotinas cognitivas envolvidas no processamento do
mecanismo da ironia.
A análise dos dados apresentará uma discussão dessas rotinas com finalidade
explanatória.
Primeiramente, alguns aspectos devem ser considerados.
Para a compreensão da ironia, o falante parte de um cenário acessível, de uma situação
convencional – acessado pelo MCI do leitor ou pelo cenário que o autor do texto constrói –
que será checado com outro cenário, produzindo uma relação de negação de algum aspecto
envolvido, geralmente uma propriedade, gerando-se, a partir daí, a inferência de uma
desanalogia entre um dos inputs e o espaço mescla. Essa desanalogia implica o
reconhecimento da ironia.
Fauconnier & Turner (2002) discutem o caso não-irônico de (149) “praia segura” (safe
beach). A combinação requisita a integração de um frame abstrato (o de perigo) – com uma
situação específica (uma criança na praia) para a formação do cenário de evento contrafactual
de “perigo para criança”.
Mais interessante ainda para o fenômeno aqui estudado é o fato de que situações
opostas estão em jogo e fazem parte do espaço mescla (a praia que causa e a que não causa
perigo).
109
Nestes termos, a ironia sempre se dá através de mesclagem conceptual (blending),
obedecendo o caminho percorrido pela mescla descrita por Fauconnier & Turner (2002) no
que se refere à combinação “Nome Adjetivo” (escopo de trabalho desta pesquisa).
Deste modo aparecem (150) “Pastoral do Criminoso” (T 9, A) e (151)“modelo
econômico Macunaíma” (T 9, A), por exemplo, em que a combinação criada pelo autor do
texto, por ser implausível, conforme já estudado na seção anterior, não requisita
necessariamente, embora esteja disponível, o cenário construído pelo autor.
O processamento partirá do MCI de Pastoral, por exemplo, ativando um frame abstrato
dessa situação, que, através de analogia e desanalogia, será posto em cheque, dentro de um
cenário imaginário, com a combinação “Pastoral do Criminoso”. Desse processo de
mesclagem será descomprimida a relação vital de similaridade, que fará parte da leitura
irônica.
A inferência a que se chega pela checagem entre os dois frames permite o
reconhecimento de desanalogia entre o input 1 e o espaço mescla.
Observe-se:
110
Pastoral do Criminoso
desanalogia
I2
MCI
Religião
defesa de grupos sociais a
Grupos sociais bb' criminosos
a' defesa de grupos sociais
a"
b"
EM
I1
MCI
Criminalidade
Figura 5
111
Modelo econômico Macunaíma
desanalogia
I2
MCI
Modelo Econômico Fordista
modelo econômico a
Ford bb' macunaíma
a' modelo econômico
a"
b"
EM
I1
MCI
Modelo Econômico
brasileiro
Figura 6
Para destoar da situação corrente, é preciso uma combinação implausível para marcar
mais o recurso, piscar mais para o interlocutor.
O segundo tipo de combinação “Nome Adjetivo”, de cunho irônico, se dá como em
(152) “avanços sociais” e (153) “opiniões sociais avançadas”, por exemplo.
Em casos como esses, a combinação não é a priori irônica. Pode-se pensar neles sem o
contexto apropriado e não há, então, combinação “estranha” ou implausível, como nos
exemplos anteriores, estudados acima.
112
Por isso, ao iniciar o processamento, requisita-se o MCI da situação corrente (não
progresso), com o espaço de “não - avanços sociais”, por exemplo, para proceder à integração
com o cenário imaginário de “avanços sociais” (alimentado pelo MCI de progresso), gerando-
se o espaço mescla, que traduz um espaço com as possibilidades opostas. Esse novo espaço
descomprimirá as relações vitais de similaridade e propriedade e a inferência produzida
possibilitará o reconhecimento da divergência entre o input 2 e a própria mescla ( e que,
segundo Fauconnier (1997), constitui uma função pragmática).
Observem-se:
Avanços sociais
desanalogia
I2
MCI
Retrocesso
causador (de avanço) a
não avanço b
b' avanço
a' causador (de avanço)
a"
b"
EM
I1
MCI
Progresso
Figura 7
113
Opiniões sociais avançadas
desanalogia
I2
MCI
Retrocesso
opiniões sociais a
não avanço b
b' avanço
a' opiniões sociais
a"
b"
EM
I1
MCI
Avanço
Figura 8
Para destoar do cenário imaginado, da expectativa do grupo social em que se produziu
o enunciado, basta uma combinação mais habitual, somente capaz de portar a negação,
propiciada pela inferência da desanalogia. Desse modo, é importante retomar as palavras de
Fauconnier (1997), segundo as quais, apesar da construção ser subespecificada, nela não há
vagueza propriamente dita : “os falantes, na conversação, estão gramaticalmente aptos a
construir a mescla, a encontrar traços contextualmente relevantes que produzem inferências e
as exportam via conectores” (idem,p. 163).
114
É importante ressaltar que a combinação irônica “Nome Adjetivo” obriga à checagem
entre as possibilidades de leitura evocadas pelos cenários envolvidos para viabilizar a
inferência a partir de um cenário apropriado para a combinação e o contexto. Essa verificação
vai ao encontro da descrição de Fauconnier & Turner (2002), segundo a qual,
as oposições não são suprimidas; pelo contrário, ativá-las todas
simultaneamente é parte do propósito da rede de espaços, e os participantes
devem manter esses espaços distintos.[...] A raison d’être dos espaços
mentais é manipular representações que, no mundo real, são incompatíveis
umas com as outras”. (idem, p.30)
37
.
Segundo os autores, é o que os lógicos e os filósofos da linguagem chamam
“opacidade”, “pensamento contrafactual” e “projeção de pressuposição”.
Esse jogo (com representações incompatíveis) de que falam os autores é também
importante para gerar o efeito de sentido conhecido como efeito causal e entendido como a
diferença entre o resultado proposto pelo cenário real e o resultado proposto pelo cenário
imaginário. Conseqüentemente, na ironia, a inferência gerada por essa diferença é sempre de
cunho argumentativo, na medida em que se traduz como uma restrição amplo senso
38
. Assim:
(154) Modelo econômico Macunaíma não é modelo econômico, mas deveria haver
um.
(155) Pastoral do criminoso não é Pastoral, portanto as pessoas não deveriam defender
criminosos como se fossem inocentes.
(156) Opiniões sociais avançadas não são avançadas, mas deveria haver muitas.
(157) Avanços sociais não são avanços, mas deveria haver muitos.
Esse efeito de sentido (promovido pelo reenquadre) reforça o cunho argumentativo do
recurso irônico e justifica seu amplo uso em textos opinativos.
37
“These oppositions are not suppressed; on the contrary activating them all simultaneously is part of purpose
of the network of the spaces, and the participants must keep this spaces distinct. […]The raison d’être of mental
spaces is to juggle representations that, in the real world, are incompatible with each other”.
38
Escolheu-se restrição em sentido amplo porque ora ela se concretiza como restrição discursiva, ora como
conclusão, conforme o exemplo (155) mostra.
115
5.3 Tipologia do recurso irônico
A partir da teoria dos protótipos, elaborada por Rosch (em Lakoff, 1987), segundo a
qual, em uma categoria, há um centro prototípico do recurso irônico que reúne o máximo de
características da categoria e instâncias que vão, gradativamente, se afastando desse centro.
Dessa forma, o recurso ora estudado é visto sob o aspecto de um continuum, em que as
ocorrências são consideradas mais ou menos prototípicas em relação ao centro agregador do
maior número de características e/ou das características mais comuns. Assim:
Figura 9
O significado não é
a negação do que se
diz
O significado não é
a negação do que se
diz
O resultado é a
inversão ou a
negação do que foi
dito
Veiculada pela
descrição de uma
dada situação
Veiculada através do
desejável
Freqüentemente
elaborada com
hipérbole
Mais distante do ego
Mais distante do ego
Mais próxima do
ego
Mescla MCI e itens
lexicais e opera
reenquadre
Mescla MCI e opera
reenquadre
Mescla MCI e opera
reenquadre
(158) “O milagre da
multiplicação está
reservado apenas ao
Senhor, não aos
políticos”(T 1, B)
(159)“...(pedagogos)
de enorme sabença,
pródigos em leis
geniais e novas
(...)”(T 21, A)
(160)“(...) sua
privilegiada cabeça
(...)”(T 15, A)
(162) “Grande
José!”(T 8, A)
(161) “Os
policiólogos”(T 13,
A).
+-
Ironia prototípica
116
A tipologia ora proposta deve ser vista como uma primeira organização do enunciado
irônico segundo a teoria dos protótipos (supra-citada), de caráter eminentemente inicial.
Ela figura aqui por se considerar que há nessa estrutura uma contribuição aos estudos e
à compreensão da ironia.
117
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do corpus selecionado para esta pesquisa, comprovam-se as hipóteses iniciais
deste trabalho, quais sejam:
Ironia é resultado de mescla, uma vez que em todos os exemplos estudados há essa
rotina cognitiva: a partida de um input 1 que se combina a um input 2, tendo um
espaço genérico comum que os suporte, e a combinação dos inputs no espaço mescla.
Ironia provoca reenquadre, promovido pela mescla. Ao se proceder à mesclagem, o
falante, obrigatoriamente, reenquadra a significação a partir de uma nova cena.
Ironia promove recategorização, uma vez que a leitura se processe como irônica.
Há uma tipologia para a ironia, conforme apresentado na seção 5.3.
Além disso, percebe-se a ocorrência de um tipo de ironia mais lingüístico stricto senso
e outro contextualmente mais amplo (identificado nos textos da seção Anexos, corpus B). No
presente trabalho, optou-se pelo primeiro tipo, basicamente por dois motivos : (a) a
necessidade de uma primeira versão dos estudos de ironia, ancorada na língua stricto senso e
(b) a necessidade de delimitação que uma produção acadêmico-científica exige. Em resumo, o
primeiro tipo foi identificado com o padrão X-mod. O segundo tipo não foi objeto de estudo
desta Tese, mas espera-se que o seja em oportunidades vindouras.
Posto isso, deve-se observar ainda outras considerações, a saber:
A organização do conteúdo proposicional se dá da seguinte maneira:
118
Figura 10
É a partir dessa organização que se localiza o movimento irônico. A ironia realiza a
negação de uma proposição, conforme conceito adotado de Giora (1995), visto na seção 4.3.
Com isso, a negação em Português se dá da seguinte forma:
Negação através de especificação lexical
Negação através de marcação gráfica (aspas)
39
Negação contextual
Nos dois últimos casos, há negação através de construção irônica. Assim, a ironia
engendra uma rede construcional que parte dos padrões sintagmáticos de negação:
39
As aspas se referem, obviamente, ao texto escrito. Na fala, elas correspondem quase sempre a uma entonação
específica, própria para marcar ironia.
Padrão sintagmático
Afirmação Negação
Com
especificação
lexical
Sem
especificação
lexical
Conteúdo
proposicional
negado
119
Figura 11
Dessa forma, a partir dos padrões sintagmáticos da negação é possível chegar à
construção marcada do enunciado irônico.
A proposição é então negada através de recursos inscritos na língua, advindos de
mecanismos cognitivos, tais como MCI, enquadre, mescla. Portanto pode-se visualizá-los
tanto do ponto de vista lingüístico stricto senso como do ponto de vista cultural.
Embora as relações se dêem, com efeito, em qualquer nível da organização sintática
do texto (entre sintagmas, entre sintagma e oração, entre orações, e entre períodos), as
estruturas básicas pertinentes ao objeto ora estudado se resumem ao padrão X – Mod, em que
X constitui N, Adj, Oração, ao lado de um modificador.
Essa constatação aponta para o fato de a ironia não estar inscrita numa organização
fechada, na gramática do Português, mas estar disponível como recurso de atribuição de
propriedade e, sobretudo, de recategorização.
Padrões sintagmáticos de negação
Uso não marcado
Construção irônica
Uso marcado
Negação da proposição
120
Dessa forma, os pólos semântico e significante (que na fala se identifica com o
fonológico) assim se dispõem
40
:
Pólo Semântico
Base conceptual que é a negação
do que se especificou
lexicalmente
Pólo Significante X-Mod
Figura 12
Partindo dessa estrutura básica X-Mod, chega-se a uma estrutura geral da ironia:
Conceito fornecido
por informação
lexical
Atribuição de
negação de
expectativa
(Mod) X Mod (Mod)
Figura 13
40
O esquema proposto é adaptado de Langacker (1987).
121
É assim que, consoante Coulson (2001), se emparelham as naturezas estática e
dinâmica do processamento da linguagem (com os MCIs e frames) e, ainda, a natureza
simples e complexa dessa operação (através da mescla – com suas compressões e
descompressões e sua capacidade de habilitar inferências, reações afetivas e ações motivadas
– e do reenquadre, da conceptualização através de uma nova perspectiva).
Finalizando, deve-se ressaltar a valorosa contribuição desta Tese em relação:
a) à conexão dos conceitos do campo da Lingüística Cognitiva, erigidos por Langacker,
Fauconnier, Goldberg, Coulson, Lakoff & Johnson, Sweetser, Salomão , dentre outros,
ao estudo da ironia, uma vez que nenhum desses estudiosos trataram desse assunto
especificamente.
b) à descrição do Português no que concerne ao conceito de ironia desenvolvido por
Giora (1995), por ser ele, no mínimo, mais completo do que aquele com que
comumente se depara nas gramáticas.
c) ao ineditismo:
do padrão léxico-sintático encontrado para a ironia no português (no corpus
selecionado);
da rede construcional da negação;
da tipologia do recurso irônico;
da compreensão da ironia através de esquemas básicos de natureza experencial,
além
122
da elucidação das rotinas cognitivas de mescla e de reenquadre no processamento
do enunciado irônico.
d) à abertura de novos percursos investigativos: frente à constatação da pouca exploração
do material lingüístico de natureza irônica, outros (novos) caminhos foram indicados,
como convém a uma pesquisa desta envergadura.
Em última análise, espera-se a consolidação de novas perspectivas de trabalhos em sala de
aula a partir dos resultados obtidos.
123
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128
8 ANEXOS
129
Corpus
A
130
Texto 1 – Sociedade e Norma
O Globo – 24 de Outubro de 1999
131
Texto 2 – Não basta investir
O Globo – 30 de Janeiro de 2000
132
Texto 3 – Confundindo a platéia
Folha de S. Paulo – 9 de Março de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0903200405.htm
133
Texto 4 – Sobre ética e fé pública
Folha de S. Paulo – 03 de Abril de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0304200410.htm
134
Texto 5 – O domingo ilegal e a jabuticaba
Jornal do Brasil – 29 de Setembro de 2003
135
Texto 6 – Alforria moderna
Folha de S. Paulo – 23 de Março de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2303200410.htm
136
Texto 7 – Julgar pressupõe equilíbrio
Folha de S. Paulo – 19 de Março de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1903200409.htm
137
Texto 8 – E agora José?
Tribuna da Imprensa online – 03 e 04 de Abril de 2004
http://www.tribuna.inf.br/anteriores/2004/abril/03-04/coluna.asp?coluna=opiniao
138
Texto 9 – Todos pecadores
O Globo – 21 de Fevereiro de 1999
139
Texto 10 – A morte de um “moderado palestino”
Folha de S. Paulo – 24 de Março de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2403200409.htm
140
Texto 11 – A morte por testemunha
O Globo – 29 de Março de 2004
http://oglobo.globo.com/jornal/opiniao/141503788.asp
141
Texto 12 – O melhor dos tempos
Jornal do Brasil – 31 de Julho de 2003
142
Texto 13 – Os ‘policiólogos’
O Globo – 2 de Outubro de 1999
143
Texto 14 – Brado retumbante
Jornal do Brasil – 14 de Agosto de 2003
144
Texto 15 – O preço da fatura
Folha de S. Paulo – 22 de Março de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2203200406.htm
145
Texto 16 – Vendeta na reforma
O Globo – 13 de Abril de 2004
http://oglobo.globo.com/jornal/opiniao/141682712.asp
146
Texto 17 – Telhados de vidro
Tribuna da Imprensa online – 23 e 24 de Fevereiro de 2004
http://www.tribuna.inf.br/anteriores/2004/fevereiro/23-24/coluna.asp?coluna=opiniao
147
Texto 18 – O Brasil é irreversível?
Folha de S. Paulo – 12 de Abril de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1204200404.htm
148
Texto 19 – O pão e o diabo
Folha de S. Paulo – 13 de Abril de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1304200406.htm
149
Texto 20 – O senador, a amnésia e a tergiversação
Folha de S. Paulo – 02 de Abril de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0204200409.htm
150
Texto 21 – Palco iluminado
Jornal do Brasil – 12 de Julho de 2003
151
Texto 22 – Dois anos sem bons combates de idéias
Jornal do Brasil – 6 de Outubro de 2003
152
Texto 23 – O saldo provável da reforma da Previdência
Jornal do Brasil – 5 de Agosto de 2003
153
Texto 24 – Socorro, eles apagaram
Folha de S. Paulo – 23 de Maio de 2001
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2305200104%2ehtm
154
Texto 25 – A grande festa
Folha de S. Paulo – 14 de Junho de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1406200406%2ehtm
155
Texto 26 – “Catarse” no MCT
Folha de S. Paulo – 11 de Novembro de 2003
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1111200309%2ehtm
156
Texto 27 – Policiais brasileiros em Cuba
Folha de S. Paulo – 14 de Março de 2005
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fc1403200512%2ehtm
157
Texto 28 – Mágicas e Milagres
Folha de S. Paulo – 17 de Agosto de 1999
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz17089902%2ehtm
158
Texto 29 – Farinhas do mesmo saco
Folha de S. Paulo – 21 de Outubro de 1998
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz21109806%2ehtm
159
Texto 30 – Pensando bem, não perdoem as maíusculas
O Globo – 9 de Março de 2004
http://oglobo.globo.com/jornal/colunas/garcia.asp
160
Texto 31 – Derrota Moral
JB Online – 9 de Abril de 2004
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/editorialistas/2004/04/09/joredl20040409001.html
161
Texto 32 – “A mídia diz: somos onipotentes e fazemos seu silêncio falar”
Folha de S. Paulo – 21 de Setembro de 2005
162
163
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2109200526.htm
164
Texto 33 – Vale tudo?
Folha de S. Paulo – 7 de Agosto de 2000
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0708200007.htm
165
Texto 34 – Um por todos e todos por um
Folha de S. Paulo – 19 de Janeiro de 2006
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1901200605.htm
166
Texto 35 – Pesos e medidas
Folha de S. Paulo – 3 de Dezembro de 2005
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0312200505.htm
167
Texto 36 – Considerações
Folha de S. Paulo – 7 de Agosto de 2005
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0708200504.htm
168
Texto 37 – O AEROPORTO DE ALCKMIN
Folha de S. Paulo – 8 de Setembro de 2005
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0809200503.htm
169
Texto 38 – O que a LRF não é
Folha de S. Paulo – 24 de Fevereiro de 2001
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2402200114.htm
170
Texto 39 – Pedro Taques, eis um homem que FHC deveria conhecer
Folha de S. Paulo – 20 de Agosto de 2000
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2008200009.htm
171
Texto 40 – Naufrágio de uma estratégia
Folha de S. Paulo – 19 de Agosto de 1999
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi19089904.htm
172
Texto 41 – A Alca ficou chata
Folha de S. Paulo – 15 de Fevereiro de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1502200409.htm
173
Texto 42 – Exportadores da morte
Folha de S. Paulo – 18 de Fevereiro de 2001
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1802200105.htm
174
Texto 43 – Dedução de previdência privada no IR depende de pagamento ao
INSS
Folha de S. Paulo – 28 de Novembro de 2005
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2811200521.htm
175
Texto 44 – Publicitários travam a batalha do creme
Folha de S. Paulo – 24 de Janeiro de 2006
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi2401200638.htm
176
Texto 45 – Ridículo
Folha de S. Paulo – 10 de Março de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1003200404.htm
177
CORPUS
B
178
Texto 1 – Discutindo o social
O Globo – 10 de Outubro de 1999
179
Texto 2 – A imaginação no poder
Folha de S. Paulo – 03 de Abril de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0304200404.htm
180
Texto 3 – Chega de autoflagelação
O Globo – 01 de Abril de 2004
http://oglobo.globo.com/jornal/opiniao/141543238.asp
181
Texto 4 – Retrovisor inútil
Folha de S. Paulo – 13 de Abril de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1304200404.htm
182
Texto 5 – Do Lula ao Parreira
Folha de S. Paulo – 26 de Dezembro de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2612200403%2ehtm
183
Texto 6 – Que sacanagem! Dia do Trabalho no domingo?
Folha de S. Paulo – 1 de Maio de 2005
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fq0105200503%2ehtm
184
Texto 7 – Buemba! Agora é Fugabem ou Febelião?
Folha de S. Paulo – 15 de Março de 2005
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1503200503%2ehtm
185
Texto 8 – Humilhação bancária
Folha de S. Paulo – 30 de Julho de 2001
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3007200111%2ehtm
186
Texto 9 – Cobrança
Folha de S. Paulo – 8 de Julho de 2003
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0807200311%2ehtm
187
Texto 10 – Dialética formidável
O Globo – 27 de Março de 2004
http://oglobo.globo.com/jornal/colunas/olavo.asp
188
Texto 11 – FOGO AMIGO
Folha de S. Paulo – 10 de Março de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1003200401.htm
189
Texto 12 – A conspiração
Folha de S. Paulo – 2 de Abril de 2004
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0204200405.htm
190
Texto 13 – o furacão transgênico
JB Online – 6 de Abril de 2004
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/opiniao/2004/04/05/joropi20040405001.html
191
Texto 14 – Multai-vos uns aos outros
Jornal do Brasil – 26 de Agosto de 2003
192
Texto 15 – FHC, o autista
Folha de S. Paulo – 20 de Janeiro de 1999
193
Texto 16 – O teatro de Chico Lopes e ACM
Folha de S. Paulo – 20 de Janeiro de 1999
194
Texto 17 – A audácia!
O Globo – 15 de Outubro de 2002
195
Texto 18 – Reformas sem fim
Jornal do Brasil – 2 de Outubro de 2003
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