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MARINA DE AQUINO PARREIRA XAVIER
BÚZIOS:
Estética, poder e território
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa
de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em
Planejamento Urbano e Regional.
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Ana Clara Torres Ribeiro
Doutora em Sociologia / USP
Rio de Janeiro
2006
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2
X3b Xavier, Marina de Aquino Parreira.
Búzios : estética, poder e território / Marina de
Aquino Parreira Xavier. – 2006.
243 f. : il. color. ; 30 cm.
Orientador: Ana Clara Torres Ribeiro.
Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e
Regional)–Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2006.
Bibliografia: f. 235-242.
1. Sociologia urbana. 2. Identidade social. 3.
Semiótica. 4. Planejamento urbano – Armação de
Búzios (RJ). 5. Armação de Búzios (RJ) – Teses. I.
Ribeiro, Ana ClaraTorres. II. Universidade Federal
do
Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional. III. Título.
CDD: 307.76
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3
MARINA DE AQUINO PARREIRA XAVIER
Búzios:
Estética, poder e território
Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre em Planejamento
Urbano e Regional.
Aprovado em:
__________________________________
Prof. Dra. ANA CLARA TORRES RIBEIRO – Orientadora
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
__________________________________
Prof. Dr. GLAUCO BIENENSTEIN
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - UFF
__________________________________
Prof. Dr. JORGE LUIZ BARBOSA
Departamento de Geografia - UFF
4
A todos os buzianos
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, à generosidade pessoal e intelectual de Ana
Clara Torres Ribeiro que, para mim, tornou-se um exemplo, pela dedicação à sua
praxis e lucidez quanto a interface entre o campo acadêmico e o profissional. O
incentivo e apoio dedicados a este trabalho fizeram de minha orientadora, parceira e
fonte - constantemente recarregável - de estímulos intelectuais.
À professora e orientadora do meu Projeto Final de Graduação, Cristina
Nacif, que foi de fundamental importância para minha escolha na área de
planejamento urbano e para a minha procura pelo IPPUR.
Algumas pessoas que surgiram no meu caminho fizeram com que este se
tornasse mais rico e agradável. Lembro, com grande carinho, de Neuza e Nardeli
(“capitão” - in memorian) capazes de fabricar momentos especiais às minhas visitas
a Búzios, mesmo quando estas tinham por objetivo somente o trabalho. Permanece,
até hoje a amizade de Chico Salles, iniciada durante os trabalhos do Plano Diretor
de Búzios, a quem devo agradecer, principalmente ao me manter informada sobre
os últimos acontecimentos buzianos. Agradeço a toda a equipe de realização do
Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável de Armação dos Búzios pela
experiência compartilhada, além das muitas pessoas que participaram das
discussões para elaboração deste plano, que contribuíram para ampliar meu
conhecimento sobre o lugar, assim como meus questionamentos.
Ao Núcleo de Águas da FGV - Fátima Casarin, Lídia Motta e Marilene
Ramos - pelo apoio à minha escolha em aprimorar meus estudos.
6
Aos professores Fernanda Sánchez e Glauco Bienenstein pelas valiosas
contribuições efetuadas do exame de qualificação. Glauco, em extensão pelo
acompanhamento durante minha formação na graduação. Lembro, também, dos
colegas da disciplina Globalização e Metrópole (do curso de mestrado em
arquitetura da UFF) pelo acolhimento, atenção e trocas importantes.
Ao professor Ruy Moreira, da UFF, pela disponibilidade, gentileza e
generosidade intelectual que serviu para ampliar meus questionamentos e aos
colegas da disciplina Epistemologia do Pensamento Geográfico.
A todos os professores do IPPUR, principalmente, Adauto Cardoso, Henri
Acselrad, Hermes Tavares, Jorge Natal, Luciana Lago, Luiz César Ribeiro e Pedro
Abramo. Também do IPPUR, agradeço, de modo singular, ao professor Frederico
Guilherme Bandeira de Araújo pela gentileza e generosidade no trato acadêmico e
pessoal.
À toda a turma do IPPUR do ano de 2004, com a qual dividi momentos de
felicidade, angústia, noites de leituras e profícuos debates interdisciplinares: Aglaé,
Alice, Aline, Beatriz, Breno, Cida, Daniele, Gabriel, Miriam, Régis, Rodolfo e Simone.
Cada um, a seu modo, teve sua importância durante o curso. Agradeço, em
especial, ao Cláudio pelo apoio durante a ‘mudança’ para o núcleo duro e na minha
adaptação no novo espaço e, às amigas Cristiane, Dora e Juliana pela rica
interlocução e companheirismo na ocasião da disciplina Identidade e Território.
Desta turma guardo somente boas lembranças e grande afeto, em particular à Dora
pela cumplicidade e afinidades extras descobertas durante as travessias e aventuras
ocorridas na ponte Rio-Niterói.
7
À todos da secretaria do IPPUR, sempre prestativos e de trato
agradabilíssimo para comigo, em especial à Maria José, Verinha, Zuleika (Zu), Bel e
Josemar. À equipe da biblioteca, reconhecendo sobretudo, Ana Lúcia, Cátia e
Luiza.
Agradeço, sobremaneira, à CAPES pela concessão da bolsa de estudos.
À todos meus amigos (uma lista interminável) que compreenderam minha
constante ausência nas suas vidas durante esses dois anos de dedicação intensa
aos estudos.
A minha família foi, sem dúvida, o meu sustentáculo nesta aventura do
conhecimento. À Beth pelo apoio logístico e atenção especial. Às famílias Brito e
Caldas - extensivo à família Montes - pela adoção tua e enorme carinho. Ao meu
tio Babadi e ao meu pai (Zé de Aquino), apesar da distância física que os próprios
estudos me forçaram a ter, agradeço a torcida e incentivo.
Agradeço com enorme amor à minha mãe (Zeza), eterna incentivadora,
companheira para todas as horas, com quem pude dividir experiências intelectuais e
pessoais e compartilhar a batalha da vida.
Mais do que um agradecimento, manifesto a minha admiração ao
cúmplice de minha vida, sabedor e parceiro de meus desejos e planos, o homem
que escolhi. Guilherme soube fazer-me sentir realizada, completando minha
satisfação nos outros aspectos do meu ser, pela simples essência e profundo amor
que carrega dentro de si.
8
RESUMO
Este trabalho desenvolve uma releitura acerca do processo de construção social da
imagem da cidade de Armação dos Búzios, entre 1964 e 2005, e pretende
estabelecer uma re-interpretação crítica da comercialização da cidade. A análise
identifica os elos entre o simbólico e o material em convergência à produção e
permanente renovação de imagens-síntese orientadas para o controle da vida social
do lugar. O presente estudo procura recuperar os vínculos entre cultura, economia,
comunicação e planejamento que deram sustentação ao projeto de modernização e
sua rápida implementação na cidade. Mediante um olhar interdisciplinar, este
trabalho pretende refletir sobre os processos excludentes, de omissão, inserção e
seleção de espaços, e contribuir para a construção de um novo ângulo para iluminar
o objeto.
9
ABSTRACT
This work develops a re-interpretation about the social process responsible for the
construction of the city image in Armação dos zios. The studies were confined to
the period between 1964 and 2005, and is intended to stablish a critical review about
the particular practices of marketing of the city. The analisis identifies the links
between the symbolic and the material, converging to the production and permanent
renewing of sinthesis-images which are intended to control the place’s social life.
This studies try to recover the links between culture, economy, comunication and
planning which support the modernization projects and their fast consequences to
the city. Through an interdisciplinary look, this work intends to expose considerations
about excluding processes of omission, selection and insertion of spaces, and
contributes to build a new angle to enlight the referred object.
10
Lista de Gráficos
Gráfico 01 Distribuição da população por região do Estado do Rio de
Janeiro (2004)
Pg. 29
Gráfico 02 Distribuição da população entre os municípios da Região
das Baixadas Litorâneas (2004)
Pg. 30
Gráfico 03 Crescimento Demográfico de Armação dos Búzios (1950 a
2004)
Pg. 31
Gráfico 04 Migração anual média (períodos de 5 anos - de 1998 a
2000)
Pg. 33
Gráfico 05 Taxa de Crescimento Demográfico: Armação dos Búzios,
Região das Baixadas Litorâneas, Região Metropolitana,
Estado do Rio de Janeiro e Capital do Rio de Janeiro
(1940 a 2000)
Pg. 37
Gráfico 06 Taxa Acumulada de Crescimento Demográfico: Armação
dos Búzios, Região das Baixadas Litorâneas, Região
Metropolitana, Estado do Rio de Janeiro e Capital do Rio
de Janeiro (1940 a 2000)
Pg. 38
Gráfico 07 Taxa de Crescimento da Densidade Demográfica:
Armação dos Búzios, Região das Baixadas Litorâneas,
Região Metropolitana, Estado do Rio de Janeiro e Capital
do Rio de Janeiro (1940 a 2000).
Pg. 39
Gráfico 08 Variação das parcelas de participação no turismo
receptivo internacional (1994 a 2003)
Pg. 41
Gráfico 09 Evolução das escalas de transatlânticos em Armação dos
Búzios (1997 a 2002)
Pg. 44
Gráfico 10 Parcelas de empregados no turismo em relação ao
número total de empregados - Armação dos Búzios, 2001
Pg. 78
Gráfico 11 Composição do PIB de Armação dos Búzios por
atividades (2002)
Pg. 80
Gráfico 12 Variação do Índice Gini em Armação dos Búzios (1991-
2000)
Pg. 87
Gráfico 13 Evolução dos Royalties e Participações Especiais aos
municípios da Bacia de Campos (1998 a 2002)
Pg. 197
Gráfico 14 Composição da receita corrente da administração pública
de Armação dos Búzios (1998 a 2003)
Pg. 198
11
Lista de Mapas
Mapa 01 Mapa da divisão regional do Estado do Rio de Janeiro -
Microrregiões geográficas
Pg. 27
Mapa 02 Mapa de localização da Região das Baixadas Litorâneas /
Localização de Armação dos Búzios / Divisão interna de
bairros.
Pg. 28
Mapa 03 Mapa da divisão do Estado do Rio de Janeiro em Regiões
Turísticas (Turisrio) / Localização da Região Turística Costa
do Sol
Pg. 117
Mapa 04
Localização dos novos projetos para intervenção urbana
elaborados pela prefeitura de Armação dos Búzios (2005)
Pg. 169
Mapa 05 Mapa de desmembramentos municipais por períodos
históricos - Estado do Rio de Janeiro (1950 a 1995)
Pg. 191
Mapa 06 Cenário de referência: Diversificação econômica e
valorização ambiental
Pg. 211
Lista de Figuras
Figura 01 Síntese esquemática da evolução da ocupação e
remanejamentos de grupos sociais em Búzios (décadas
de 60 a 90)
Pg. 82
Figura 02 Projeto: cidade irmãs”: vínculo comparativo à Saint-
Tropez - busca de valores positivos - continuidade da
produção de cidade atraente
Pg. 122
Figura 03 Encontro de turistas com imagens pré-conhecidas através
dos roteiros de viagem
Pg. 126
Figura 04 Representações cartográficas e artísticas da “Península
dos Búzios”, seus pontos turísticos e ênfases nas áreas
mais adensadas e valorizadas
Pg. 130
Figura 05 Configuração territorial -
porção continental e porção
peninsular e localização do Pórtico de Búzios
Pg. 159
Figura 06 Publicidade com o percurso da Via Azul Pg. 171
Figura 07
Seleção do O Perú Molhado com imagens da campanha
do próprio jornal pela emancipação de Búzios
Pg. 194
Figura 08 Esquema da metodologia de construção de cenários
utilizada para o Plano Diretor de Armação dos Búzios
Pg. 212
12
Lista de Quadros
Quadro 01
Cronologia do processo de modernização em Armação
dos Búzios - 1950/2005
Pg. 52-54
Quadro 02
Imagens-síntese e correspondentes períodos históricos
inaugurais (1964 a 2004)
Pg. 100
Lista de Tabelas
Tabela 01 Taxa de crescimento da população residente - Estado do
Rio de Janeiro, Região Metropolitana, capital do Rio de
Janeiro e Região das Baixadas Litorâneas - (1940 a 2000).
Pg. 32
Tabela 02 Residentes migrantes segundo anos de moradia, município
de Armação dos Búzios (2000)*
Pg. 33
Tabela 03 Moradores do município de Armação dos Búzios segundo
Local de Residência em 31 de julho de 1995 (2000)*
Pg. 35
Tabela 04 Principais cidades visitadas pelo turista estrangeiro (1994 a
2003)
Pg. 41
Tabela 05 Área total: Armação dos zios, Região das Baixadas
Litorâneas e Estado do Rio de Janeiro - 2000
Pg. 42
Tabela 06 Histórico das escalas de transatlânticos em Armação dos
Búzios (1997 a 2002)
Pg. 44
Tabela 07 Número de estabelecimentos hoteleiros dos municípios do
Estado do Rio de Janeiro (2002)
Pg. 79
Tabela 08 Desigualdade de renda apropriada por estratos de
população - Índice Gini de Armação dos Búzios (1991/2000)
Pg. 87
Lista de Fotos
Foto 01 Brigitte Bardot e Bob Zagury em Búzios (janeiro de 1964) Pg. 61
Foto 02
Empreendimento Nas Rocas Islands Hotel, implantada na
ilha Rasa
Pg. 69
Foto 03
Vista aérea (situação) da Ilha Rasa com o Nas Rocas
Islands Hotel e parte do loteamento Marina Porto Búzios
Pg. 70
Foto 04
Abertura dos canais para embarcações do loteamento
Marina Porto Búzios (janeiro de 82)
Pg. 71
Foto 05
Vista aérea dos canais do loteamento Marina Porto Búzios
Pg. 71
13
Foto 06 Estátua de Brigitte Bardot em tamanho natural instalada na
Orla Bardot
Pg. 111
Foto 07
Estátua dos três pescadores instalada na Armação
Pg. 111
Foto 08
Estátua do negro que segura criança, localizada na Rasa
Pg. 112
Foto 09
Estátua de vela estilizada, localizada no trevo do rtico de
Búzios
Pg. 114
Foto 10
Placa indicativa do Projeto Caminhos Geológicos: Armação
dos Búzios, o Himalaia brasileiro, instalada no acesso
principal à cidade
Pg. 119
Foto 11
Encontro de turistas com a estátua de Brigitte Bardot
(formação de fila para tirar foto)
Pg. 126
Foto 12
Casas de pescadores e Igreja de Sant’Ana na praia dos
Ossos
Pg. 138
Foto 13
Antigo escritório da fazenda Campos Novos
Pg. 138
Foto 14
Pórtico de Búzios, enquadrado nas adaptações formadoras
do “Estilo Búzios” de construção
Pg. 140
Foto 15
Vista da porção continental, aproximadamente 82% do
território de Búzios
Pg. 164
Foto 16
Foto aérea da porção peninsular, aproximadamente 18% do
território de Búzios
Pg. 165
Foto 17
Campanha para emancipação de Armação dos Búzios
(mídia impressa)
Pg. 195
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................16
1.1 Problemática ...............................................................................................16
1.2 Búzios: notas para conhecimento de Armação dos Búzios ........................24
Sobre a origem:......................................................................................................24
Características importantes ..................................................................................26
CAPÍTULO I A MODERNIZAÇÃO DE BÚZIOS: A RETÓRICA DA IDENTIDADE47
1.1 Condições prévias: a preparação da cidade...............................................56
1.2 Representações apropriadas e difundidas pelos meios de comunicação: a
construção da imagem externa..............................................................................60
1.3 De Aldeia a Balneário: mudanças estruturais .............................................63
1.3.1 A turistificação do lugar........................................................................64
1.3.2 Implementos do meio técnico (infra-estrutura).....................................66
1.3.3 Consolidação da internacionalização da cidade ..................................67
1.3.4 Expansão do porte dos empreendimentos ..........................................68
1.3.5 Formação dos meios locais de comunicação ......................................74
1.4 A (des) apropriação de Búzios: em direção às hipóteses ...........................75
1.4.1 Exclusão de memórias e práticas sociais; ampliação da desigualdade
80
1.4.2 O projeto de apropriação e uso do solo urbano: a transnacionalização
do território.........................................................................................................88
CAPÍTULO 2 A RE-INVENÇÃO DA CIDADE: ESTRATÉGIAS PARA A
PROMOÇÃO DO LUGAR........................................................................................95
2.1 A produção da imagem de Búzios: reduções e formação da ideologia local
96
2.1.1 Re-invenção da história .....................................................................103
a. A história seletiva: apropriação para a produção física e simbólica do lugar105
b. Símbolos e Estátuas: a cristalização seletiva da história..............................108
2.1.2 Apropriação de valores positivos atuais.............................................115
2.2 Direcionamentos do olhar .........................................................................122
2.2.1 Seleção fotográfica e venda da paisagem: a orientação do olhar.....123
2.2.2 Representações iconográficas e roteiros turísticos: orientação do
ocultamento......................................................................................................127
2.2.3 Publicidade: a fusão da cidade-produto ao produto na cidade ..........130
CAPÍTULO 3 ESTÉTICA, ESTILO E MATERIALIDADE...................................134
3.1 “Estilo Búzios”, a estética na marca da cidade .........................................135
3.1.1 Outros sentidos atribuídos ao “Estilo Búzios ....................................149
15
3.2 Fragmentação espacial: condições, estratégias e conseqüências do projeto
de cidade .............................................................................................................155
3.2.1 A dialética península-continente............................................................157
3.3 O urbanismo: um agente reestruturador da vida social.............................167
3.3.1 O efeito centro e a recomposição estética da imagem urbana..............173
3.3.2 Espaço urbano e fronteiras sócio-espaciais: o público e privado ..........174
CAPÍTULO 4 RACIONALIDADE ESTRATÉGICA ............................................180
4.1 Empresariamento e espetacularização da cidade ....................................184
4.2 Estímulos à instalação da racionalidade empresarial ...............................188
4.2.1 Autonomia político-administrativa ......................................................189
4.2.2 Aumento e apropriação de recursos econômicos: os royalties de
petróleo 196
4.3 O Planejamento urbano-empresarial ........................................................199
4.3.1 Como foi possível a institucionalização do Planejamento Estratégico
em Búzios? ......................................................................................................200
4.3.2 Plano Diretor: a retórica da sustentabilidade .....................................203
a. A causalidade teleológica: “Cenários de Desenvolvimento”.........................208
b. Objetivo central: município empreendedor ...................................................213
c. Estratégia territorial e perspectiva da eficiência ...........................................215
d. Patrimônio e sustentabilidade.......................................................................218
CONCLUSÕES......................................................................................................220
REFERÊNCIAS......................................................................................................235
ANEXO ..................................................................................................................243
16
INTRODUÇÃO
1.1 Problemática
O presente trabalho constitui-se em um esforço para o entendimento da
produção social de imagens referentes ao município de Armação dos Búzios, e
pretende estabelecer uma re-interpretação crítica da comercialização da cidade,
tanto no plano local, quanto nacional e internacional. Essa imagem, fabricada,
emerge de várias maneiras: povoando o imaginário de atores sociais, no espaço
físico, nos meios de comunicação e nos discursos políticos.
Grife Búzios /Búzios é marca
Búzios, cidade cosmopolita, multicultural
Búzios: balneário sofisticado
Búzios -qualidade
Búzios: O “Himalaia Brasileiro”
Búzios: pequena Babel
Búzios: turismo de qualidade
Búzios: “cidade do sol”
Cidade dos amores (im) possíveis
Búzios: “Saint Tropez do Brasil"ou “Cotê D’Azur brasileira”
Búzios: Aldeia Global
Búzios: paraíso natural
Búzios, cidade-qualidade de vida
Essas são algumas das imagens sintéticas identificadas, reconhecidas e
veiculadas de forma transescalar, expressas em slogans publicitários para a venda
promocional da cidade-mercadoria.
A atribuição de amplo valor simbólico à cidade remete-nos à construção
do mito BÚZIOS
1
, noção adotada no reconhecimento de que o significante Búzios
1
Reconhecemos por mito zios a construção ideológica da compreensão sobre a cidade de
Armação dos Búzios, ou seja, o conjunto constituído por vários relatos (tornados míticos) referentes a
fatos e invenções formadores de sentidos associados ao lugar. Nas sociedades pré-modernas, o mito
não tem sentido ideológico. Ele explica a gênese e organização de grupos humanos e faz parte da
sua configuração cultural. Nas sociedades complexas, o mito muda de função e adquire papel
17
apresenta-se carregado de significações - prenhe de signos, portanto - fazendo
cumprir a dupla função do mito, de “designa[r] e notifica[r], faz[er] compreender e
impõe [por]” (BARTHES, 2003, p. 208). Essa leitura ganha sustento com a
perspectiva de Roland Barthes quanto às conexões identificadas entre mito e
ideologia
2
, percebidos em estreita relação com o discurso e o sistema semiológico
proveniente de seus vínculos. Nessa direção, observamos o imperativo de uma
única versão da realidade
3
, naturalizada para seu próprio sucesso (poder de
convencimento).
importante na dinâmica da ideologia. A ideologia, por sua vez, corresponde aos desejos e interesses
de uma parcela da sociedade. Como entendemos que o mito opera através da seleção de narrativas
que re-contam eventos sociais, este pode ser apropriado pela ideologia dominante com a finalidade
de difundir a interpretação da sociedade que interessa a determinados grupos. Nesta direção, a
associação entre os conceitos de mito e ideologia que fundamenta nossa perspectiva analítica.
2
É importante destacar que não entendemos a ideologia como idéias / concepções falsas, mas como
noção âncora do real”, ou seja, inscrita num processo de dominação e legitimação de um grupo em
torno de lutas sociais. Empregaremos o termo ideologia no sentido amplo do marxismo, expresso na
Ideologia Alemã. Esta obra explora a indissociabilidade entre a produção de idéias e a atividade
material, o intercâmbio material dos homens e a luta de classes. Os autores (Marx e Engels)
apresentam a perspectiva de que as formações ideológicas explicam-se a partir da práxis material.
Assim, não se deve partir “daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e tampouco dos
homens pensados, imaginados e representados para, a partir daí chegar aos homens de carne e
osso; parte-se de homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expõe-se também
o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse processo de vida” (MARX e ENGELS,
1984, p. 37). O nexo entre a atividade material e a formação ideológica explicita a luta de classe das
produções imateriais e materiais onde “as idéias (Gedanken) da classe dominante são, em cada
época, as idéias dominantes; isto é, a classe que é força material dominante da sociedade é, ao
mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de
produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que a
ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios
de produção espiritual. [...] Os indivíduos que constituem a classe dominante possuem, entre outras
coisas, também consciência e, por isso, pensam; na medida em que dominam como classe e
determinam todo o âmbito de uma época histórica, é evidente que o façam em toda a sua extensão e,
conseqüentemente, entre outras coisas, dominem também como pensadores, como produtores de
idéias; que regulem a produção e a distribuição das idéias de seu tempo e que suas idéias sejam, por
isso mesmo, as idéias dominantes da época” (MARX; ENGELS, 1984, p. 72).
3
Este trabalho reconhece que não existe uma realidade única, já que o “real” é construído pela
sociedade em sua complexidade, constantemente em movimento. Os termos verdade, real e
realidade, se utilizados neste texto, não expressam o sentido da fiel existência destes, mas como
forma de explicitar um instrumental de constituição de uma versão dominante. Ao se falar em
realidade, deve se questionar: Para quem? Por que? E, como foi construída?
18
Algumas motivações resultaram na escolha pelo estudo do tema - a
construção da imagem de Búzios.
A primeira motivação é fruto do reconhecimento da importância dos
processos a serem analisados aqui para apreensão dos aspectos contemporâneos
da cidade. Esses processos foram identificados em decorrência de estudo anterior
sobre Búzios, com outro foco de análise, que nos chamou a atenção para
fenômenos mais amplos. Com nosso envolvimento profissional, nos debates
promovidos pelo Plano Diretor
4
, tornou-se necessário dar continuidade aos estudos,
especialmente acerca da forte imagem associada à localidade juntamente com seus
agentes construtores e desdobramentos nas decisões sobre o futuro do lugar.
Concomitantemente, vieram as dificuldades. Ao mesmo tempo em que
revelava-se o quadro de interesses dominantes, a experiência profissional na cidade
não permitiu, na relação pesquisador-objeto, o distanciamento necessário à
construção de um olhar mais crítico.
A segunda motivação corresponde ao desejo de alcance dos próprios
objetivos desta pesquisa. São alguns:
Recompor analiticamente as matrizes simbólicas, discursivas e identitárias de
Búzios relacionando-as ao processo de modernização da cidade;
Proceder à leitura morfológica do lugar em sua face atual e, avaliar a
desigualdade no acesso à cidade;
4
Nossa formação em arquitetura e urbanismo permitiu a trajetória profissional relacionada à cidade
de Búzios. Nosso trabalho Final de Graduação teve como título “As Ocupações Irregulares e
Degradação Ambiental em Búzios” (Universidade Federal Fluminense, 2001). Após a conclusão do
curso de graduação, participamos do trabalho de elaboração do Plano Diretor da cidade, até 2004.
Foi com a participação profissional na cidade que surgiram algumas questões que pretendemos
discorrer neste trabalho.
19
Reconhecer os discursos dominantes na construção do aparente consenso sobre
o futuro da cidade e identificar as diversas visões de mundo que envolvem as
disputas sociais.
O trabalho intenciona, portanto, re-avaliar a trajetória do mito BÚZIOS
tratando especialmente a produção da imagem da cidade, considerando a
articulação sociedade e espaço na apropriação dos recursos territorializados e do
próprio valor simbólico atribuído pela cidade. Reconhecendo esses elos, a dimensão
espacial exerce importância no processo da construção da imagem dominante, ao
se tornar portadora de um importante sistema semiológico; apoiando um tipo de
linguagem com a mesma função significante de uma linguagem-objeto (BARTHES,
2003). Assim, entendemos a produção de signos do lugar como uma ação
estratégica que consolida o pensamento hegemônico sobre a cidade.
Nessa direção, a produção do cenário da Rua das Pedras, a praça dos
Ossos, a implantação de estátuas, o Pórtico de Búzios, além do Estilo Búzios
constituem a materialização da imagem tornada hegemônica da cidade, construindo,
impondo ou reforçando a metanarrativa do lugar. Essa concretude resulta em uma
estetização do urbano ou na materialização do mito para fins mercantis.
O objetivo desta dissertação é tentar entender e questionar a distribuição
social dos investimentos e a sua espacialização - que não deveria contemplar
somente o que se quer maquiar e renovar a cada alta temporada, mas sobretudo
responder ao território enquanto totalidade.
20
Entendemos que nossa análise tem relevância por apoiar o
redirecionamento do olhar analítico, afastando-o do que parece glamouroso e
magnífico e direcionando-o para o que se exclui desse cenário.
A escolha de nosso material empírico baseia-se, em vasta pesquisa.
Entre as diversas fontes pesquisadas, estão a mídia impressa, áudio-visual, dados
estatísticos, páginas da WEB e encartes publicitários e/ou turísticos. Os documentos
técnicos, pesquisas, planos, projetos e depoimentos servem de base à análise do
discurso político-corporativo e para o entendimento de metodologias acionadas em
intervenções na cidade, assim como, para sua legitimação.
Recorreremos também a utilização de fotos (de variados acervos)
selecionadas sistematicamente para a exposição (discurso visual) da seleção de
paisagens, além de constituir recurso metodológico para a leitura morfológica e
estética do lugar. Outro recurso importante para nossa pesquisa, foi a utilização de
depoimentos
5
, e de redações, elaboradas pelos participantes do concurso “A cidade
que queremos”, promovido em 2001, para estudantes das escolas públicas e
particulares, fundações ou organizações educacionais localizadas em zios
6
. Para
a análise morfológica e o desvendamento sobre o acesso ao território de Búzios,
julgamos necessárias, a elaboração de mapas e a utilização de fotos de satélite.
5
Estes depoimentos foram obtidos em diversas fontes. São elas: livro Búzios (MARTINHO, A;
LARTIGUE, M, 1980?), registros impressos e fitas K7, VHS, DVD com participações realizadas
durante as consultas públicas quando da elaboração do Plano Diretor (2001 - 2004).
6
O concurso “A cidade que queremos” foi organizado através do convênio PMAB/FGV-CIDS (PMAB -
Prefeitura Municipal de Armação dos Búzios / FGV - Fundação Getulio Vargas / CIDS - Centro
Internacional de Desenvolvimento Sustentável). Este concurso foi realizado em 2003, quando do
processo participativo instaurado para a discussão do Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável
de Armação dos Búzios.
21
A utilização de material fotográfico, gráficos e relatos constitui uma
alternativa profícua, sobretudo em função de dificuldades encontradas na obtenção
de determinados dados oficiais. Tais dificuldades decorrem da condição de
Búzios ser apresentado, nas fontes oficiais de informação, como terceiro distrito de
Cabo Frio, até 1996.
O elo analítico entre imagem e espaço se fará presente nas diversas
partes desta reflexão, ancorado na idéia de que as representações sociais,
apropriadas pelos meios de comunicação, ao ganharem materialidade, reforçam e
cristalizam a imagem dominante da cidade. Essa corporificação de imagens acaba
por consolidar a ideologia contida, de modo discreto, na formulação técnica da
imagem.
Os elementos físicos da cidade incorporam informações, constantes do
imaginário urbano, que são também reproduzidas pelo Estado, pela mídia, pela
publicidade e pelos veículos de comunicação. De fato, elementos do imaginário
corporificam-se em mais elementos construídos, confirmando uma ideologia apoiada
na estética. A imagem, dessa maneira, impõe uma materialidade que contribui para
a disseminação e o reconhecimento de uma representação hegemônica do lugar.
Assim, o cenário urbano produzido fisicamente funciona como recurso de
reprodução, material e imaterial, da ideologia que se quer veicular e de uma imagem
de cidade construída pela coalizão formada por agentes dominantes.
A cidade constituindo-se em arena de conflitos e campo de disputas; o
embate pela representação legítima de cidade e a apreensão das facetas do poder
comporão, na nossa perspectiva, um relevante pano de fundo para a compreensão
22
do lugar. Em paralelo ao estudo das imagens, será feita presente também a reflexão
da modernização da cidade.
Para o tratamento de nosso objeto, estruturamos a pesquisa em quatro
capítulos:
O primeiro capítulo diz respeito ao contexto que possibilitou a
construção da identidade analisada e o projeto específico de modernização da
cidade. Decompomos os processos históricos importantes para uma análise
embasada do objeto da dissertação - a construção da imagem de Búzios: as
mudanças estruturais advindas da substituição da aldeia pelo balneário, a formação
de grupos dominantes, a consolidação dos meios de comunicação locais, a
autonomia político administrativa. Neste capítulo, explicitamos, também, algumas de
nossas hipóteses.
No segundo capítulo, trataremos da presença da lógica capitalista que
transforma o lugar em espaço-mercadoria pré-destinada ao consumo globalizado
efetivo. Contemplaremos as estratégias utilizadas na consolidação das imagens
hegemônicas e a conformação física-estrutural-econômica do turismo: as
representações, os signos, as relações sociais, as formas urbanas, os meios, enfim,
a própria cidade traduzida em valores mercantis. Investigaremos como as diversas
categorias (a história, o simbólico e a materialidade) sofrem uma re-adaptação ao
ser re-inventada a cidade. Neste capítulo, destacamos as marcas, seleções e
ocultamentos, as sobredeterminações e as condições que, juntos, formatarão a
representação hegemônica da cidade.
23
O terceiro capítulo ocupa-se da investigação morfológica, a
implementação do urbanismo em obediência a uma determinada intenção de cidade
e as conseqüências sócio-espaciais do modelo de política adotado por este
município. Com base nestes resultados materiais, discorreremos sobre a formulação
“autônoma” (ou que se diz) da estética e / ou estilo local, em associação com a
identidade constituída através dos mecanismos tratados no capítulo anterior.
O quarto capítulo é dedicado ao tratamento de uma nova racionalidade
local, inspirada no planejamento urbano - relativo aos planos locais, a determinadas
práticas e à retórica política em prol de um ideal de cidade, modelada por um padrão
que é fruto da constituição de um mercado internacional de cidades.
É relevante observar que reconhecemos, entretanto uma outra imagem /
representação que se mantêm à margem das representações difundidas pelo
pensamento hegemônico. É provável encontrar - no discurso do nativo (ou
descendente ou na população de baixa-renda), que não transita pelas frações do
espaço buziano (pelo menos não o freqüentemente) dedicadas ao turismo ou
territórios elitizados, - uma versão da realidade oposta ou diferente da versão de luxo
e glamour internacionalmente projetada da cidade. Procuraremos discorrer sobre
essas representações, entremeadas nos planos constitutivos desse trabalho como
meio de resistir à naturalização da realidade social do lugar.
Cabe ainda destacar dois pontos. O primeiro é que consideramos esta
análise apenas uma possibilidade diante das várias cabíveis para iluminar o objeto,
oferecendo uma visão crítica diante das representações dominantes da cidade. O
segundo ponto que ressaltamos é que, embora para uma leitura superficial, nossas
24
proposições possam parecer desfavoráveis ao lugar, entendemos que a crítica
contribui para a inauguração de novas possibilidades urbanas e sociais.
7
1.2 Búzios: notas para conhecimento de Armação dos Búzios
Sobre a origem:
A origem da presença humana em Búzios remonta à ocupação do
território pelos grupos tupinambás
8
e às disputas pela exploração do pau-brasil,
envolvendo navios piratas franceses, ingleses e holandeses (entre 1501 até
aproximadamente 1617).
Entre 1720 e a aproximadamente 1768, os habitantes de Búzios
encontram na caça às baleias uma atividade compensadora, valorizada pela
redução da pesca de mamíferos na Guanabara devido à grande movimentação de
navios naquela época e propiciada por diversas condições locais
9
, como a devida
construção de uma armação baleeira
10
(CUNHA, 2002). Neste período, a ponta dos
Búzios era conhecida como Armação das Baleias dos Búzios.
Após o abandono das armações das baleias, a pequena população de
pescadores-agricultores (famílias de tripulantes e arpoadores das lanchas baleeiras)
7
Para outra abordagem sobre Armação dos Búzios, ver trabalho de Daisy Justus: JUSTUS, D. A
Cidade Natural: Imagens e Representações de Armação dos Búzios. 1996, 167f. Dissertação
(Mestrado em Antropologia Social) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 1996. Justus define a cidade como sendo “antitética”, possuindo diversas tensões entre
múltiplos pares de opostos, como natureza x diversidade cultural; rústico x sofisticado; local x global;
e regional x internacional.
8
A economia desses grupos fundamentava-se na horticultura, pesca, caça e coleta e conhecimento
de cerâmica. No território de Armação dos Búzios, há indícios de natureza documental e arqueológica
sobre as respectivas existências das aldeias da Baía Formosa e de Manguinhos, a primeira nunca
encontrada e a segunda destruída em 1955 (CUNHA, 2002).
9
Pela presença de enseadas de águas tranqüilas, água potável subterrânea, abastecimento de
peixes, carne, mandioca e sal e pelas existentes atividades locais e guarnição da fortaleza de São
Matheus contra eventuais desembarques piratas (CUNHA, 2002).
10
Esta atividade serviu para viabilizar a atividade de caça às baleias para exportação do óleo.
25
voltou à vida simples, possivelmente vendendo a produção salgada para Cabo Frio,
de onde era exportada, por via marítima, para o Rio de Janeiro (CUNHA, 2002).
O contrabando de escravos também relaciona-se à ocupação do território
de Búzios, onde mesmo depois de proclamada a lei Eusébio de Queiroz, em 1850
11
,
eram realizados os desembarques (preferencialmente nas praias Rasa e das
Emerências - que depois se chamaria JoGonçalves, nome do membro da elite
responsável pelo tráfico humano). Após a abolição, em 1888,
[...] a maioria dos antigos escravos reagrupou-se e apossou-se de
terras na praia Rasa, passando a trabalhar em pequenos barcos, na
pesca de linha, e na agricultura de subsistência, ao contrário da
recente suposição fantasiosa, que afirma ter a povoação origem no
quilombo estabelecido a partir do naufrágio de um navio negreiro
nessa costa
12
(CUNHA, 2002, p. 8).
Por volta de 1915, Eugenne Honold
13
, imigrante alemão, inicia o cultivo de
bananas em grandes porções de terra, compreendidas entre a Rasa e Jo
Gonçalves e entre Geribá a Saco Fora e a fazenda Campos Novos - além de ser
proprietário também de edificações e terrenos na praia da Armação
14
. Ali também foi
cultivada mandioca, incluindo a criação de gado leiteiro (CUNHA, 2002),
empregando grande parte dos moradores. Essas terras foram herdadas por suas
filhas que logo se tornaram acionistas majoritárias da Companhia Industrial Odeon
11
A lei Eusébio de Queiroz extinguia o tráfico negreiro.
12
Provavelmente, essa fantasia tenha surgido com intenção de produção da imagem de existência de
um grupo social organizado, objetivando a construção de um território ou parque étnico, interessante
para a atração de turistas à localidade. Essa possibilidade ganha reforço com a implantação de uma
estátua que representa “um negro que segura criança” como marco físico da presença desse grupo.
13
Eugenne Honold era dono de casa bancária carioca com clientela salineira cabofriense (CUNHA,
2002, p. 10).
14
O mapeamento das propriedades de Eugenne Honold é tarefa difícil devido à falta de precisão nos
limites entre as porções de terra descritas por Cunha (2002). Além disso, ocorreram mudanças nos
nomes dos lugares mencionados na descrição exposta. Saco Fora, por exemplo, é chamado, hoje, de
São José (ver Mapa 02).
26
(CUNHA, 2002), cujas terras permitiram grande renda em decorrência dos
loteamentos para construção de residências de veraneio.
Existe um hiato, compreendido entre os anos 20 e os 50, relativo a
informações disponíveis sobre a história de Búzios. Segundo Cunha (2002), neste
período ocorreram poucas alterações no território. A desaceleração do ritmo dos
eventos, talvez, seja a causa da escassez de informações.
Características importantes
Tentaremos desenvolver, aqui, um quadro referente às características do
município de Armação dos Búzios, relacionadas para a compreensão da produção
da imagem do lugar.
Os investimentos técnicos direcionados ao litoral do Estado do Rio de
Janeiro, a partir da década de 50 (ver item 1.1.), ocasionam alterações na Região
das Baixadas Litorâneas como um todo, na qual insere-se Armação dos zios (ver
Mapa 01)
15
.
15
O Município de Armação dos Búzios faz parte da Região das Baixadas Litorâneas do Estado do
Rio de Janeiro, classificada pelo IBGE como mesorregião 3304 (Ver Mapa 01), composta por 12
municípios: Araruama, Armação dos Búzios, Arraial do Cabo, Cabo Frio, Cachoeiras de Macacu,
Casimiro de Abreu, Iguaba Grande, Rio Bonito, Rio das Ostras, São Pedro da Aldeia, Saquarema e
Silva Jardim.
27
Mapa 01 - Mapa da divisão regional do Estado do Rio de Janeiro -
Microrregiões geográficas
Fonte: Fundação CIDE, 2003.
BÚZIOS
28
Mapa 02: Localização da Região das Baixadas Litorâneas / Localização de
Armação dos Búzios / Divisão interna de Bairros
Fonte: ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a.
29
Apesar da Região das Baixadas Litorâneas abrigar somente 4% da
população do Estado do Rio de Janeiro (Ver Gráfico 01), nas duas últimas décadas,
o interior fluminense vem apresentando sinais de dinamização de sua economia,
implicando na “reversão do contínuo processo de concentração metropolitana”
(MASCARENHAS, 2004, p. 2). Influencia nesta reversão, o turismo, o veraneio e as
atividades de lazer, especialmente no que se refere às áreas litorâneas
16
.
Gráfico 01: Distribuição da população por região do Estado do Rio de Janeiro
(2004)
Fonte: RIO DE JANEIRO (Estado), 2004.
A população de Búzios corresponde a 3% (três por cento) do total da
Região das Baixadas Litorâneas. Nesta região, a maior concentração demográfica
acontece em Cabo Frio, com 20% (vinte por cento) do total - ver Gráfico 02.
16
O turismo litorâneo e atividades correlatas têm influência preponderante nas taxas de crescimento
compreendidas no intervalo entre 5 e 7% ao ano, abrangendo os municípios de Angra dos Reis,
Araruama, Armação dos Búzios, Cabo Frio, Rio das Ostras, Mangaratiba e Maricá. Para efeito de
comparação, por sua vez, o turismo serrano apresenta índices menores, entre 3 e 5%, envolvendo os
municípios de Miguel Pereira, Paty de Alferes, Itatiaia e Santo Antônio de Pádua (DAVIDOVICH,
2005).
30
Gráfico 02: Distribuição da população entre os municípios da Região das
Baixadas Litorâneas (2004)
Fonte: RIO DE JANEIRO (Estado), 2004.
A partir da década de 70, podemos perceber que, em concordância com a
inauguração da ponte Rio-Niterói, o município de Armação dos zios exibe um
acentuado aumento no número de habitantes: de 4.108
17
, em 1970, para 18.204
18
,
em 2000 - Ver Gráfico 03.
17
CIDE, 2001.
18
IBGE, 2002.
31
Gráfico 03: Crescimento Demográfico de Armação dos Búzios (1950 a 2004)
CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO DE ARMAÇÃO DOS ZIOS
3.231
3.520
4.108
5.354
8.309
18.204
22.140
0
5.000
10.000
15.000
20.000
25.000
1950 1960 1970 1980 1990 2000 2004
DATA (ANO)
POPULAÇÃO RESIDENTE
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - (IBGE), Censos Demográficos.
Davidovich (2005) lembra que, em 1996, Búzios apresentou a maior taxa
de crescimento populacional de todo o Estado do Rio de Janeiro (10,7%),
coincidente com a emancipação do município em 1995, como é possível verificar na
Tabela 01. A taxa média de crescimento populacional anual, entre 1991 e 2000, foi
de 8,67%, fazendo com que o município liderasse a lista dos municípios de maior
crescimento populacional do Estado do Rio de Janeiro, sendo a migração o
principal fator deste incremento (Ver Tabela 02 e Gráfico 04). O índice torna-se
ainda mais expressivo quando constatamos a vigência de uma taxa média superior
ao dobro da observada na Região das Baixadas Litorâneas para o mesmo período
(apurada em 4,12%) sendo, ainda, mais de 6 vezes superior à taxa para o Estado do
Rio de Janeiro (1,28%).
32
Tabela 01: Taxa de Crescimento da População Residente - Estado do Rio de
Janeiro, Região Metropolitana, capital do Rio de Janeiro e Região das Baixadas
Litorâneas - 1940/2000.
Regiões de Governo e
municípios
1940-
1950
1950-
1960
1960-
1970
1970-
1980
1980-
1991
1991-
1996
1996-
2000
1991-
2000
Estado
2,61 3,68 2,97 2,30 1,15 0,92 1,75 1,28
Região Metropolitana
3,61 4,36 3,52 2,44 1,03 0,76 1,63 1,14
Rio de Janeiro
3,03 3,36 2,54 1,82 0,67 0,26 1,32 0,73
Região das Baixadas
Litorâneas 0,33 2,52 2,82 2,36 2,36 3,83 4,49 4,12
Araruama
0,47 1,65 2,62 2,21 1,55 2,31 5,75 3,82
Armação dos Búzios
-0,01 0,86 1,56 2,68 4,41 10,78
6,08 8,67
Arraial do Cabo
0,98 8,58 4,20 3,42 2,36 1,64 2,59 2,06
Cabo Frio
1,01 5,49 5,82 5,54 3,87 5,85 5,77 5,81
Cachoeiras de Macacu
1,47 5,22 2,25 0,60 1,04 1,58 2,75 2,10
Casimiro de Abreu
-1,92 5,76 1,68 1,65 2,49 5,25 2,20 3,88
Iguaba Grande
0,00 2,06 1,64 -0,05 6,28 3,77 11,57
7,17
Rio Bonito
0,97 0,97 2,20 1,52 1,10 0,58 1,63 1,05
Rio das Ostras
-0,39 3,87 3,90 4,38 5,37 9,09 6,95 8,13
São Pedro da Aldeia
1,17 -0,15 4,04 3,54 2,20 5,51 3,25 4,50
Saquarema
-0,05 0,51 2,07 1,46 2,72 3,04 4,49 3,68
Silva Jardim
-2,30 3,12 1,22 -0,21 0,68 0,96 2,79 1,77
Fonte: Fundação CIDE, 2000.
Com a Tabela 02 - que mostra a distribuição do contingente de migrantes
segundo os anos de moradia ininterrupta em Búzios -, podemos verificar que a
migração foi responsável pelo incremento populacional em uma proporção de
57,9%, contra 42,1% de crescimento vegetativo. Quase a metade dos migrantes
chegaram à cidade entre 1996 (ano da emancipação de Búzios) e 2000 (ano de
realização do Censo), resultando em 4.759 novos residentes - mais de um quarto da
população de Armação dos Búzios na época. O cruzamento dessa informação com
os dados do crescimento populacional permite relacionar o salto verificado no
crescimento demográfico com o aumento da migração na época pós emancipação
do município (1996 a 2000), de acordo com o Gráfico 04.
33
Tabela 02: Residentes migrantes segundo anos de moradia, município de
Armação dos Búzios (2000*)
RESIDENTES
ANOS COMPLETOS DE MORADIA
PESSOAS (N
O
ABSOLUTO) PESSOAS (N
O
RELATIVO) %
Não migrantes 7.654 42,1
Migrantes 10.540 57,9
0 a 4 anos de moradia 4.759
26,1
Menos de 1 ano de
moradia
607
3,3
1 ano de moradia 1.512
8,3
2 anos de moradia 1.206
6,6
3 anos de moradia 695
3,8
4 anos de moradia 740
4,1
5 a 9 anos de moradia 2.137
11,7
10 a 14 anos de moradia 2.077
11,4
15 anos de moradia e mais 1.567
8,6
TOTAL 18.204 100,0
Fonte: Censo Demográfico 2000 - microdados da amostra. Região Sudeste. Rio de Janeiro. IBGE,
2003 (CD ROM), apud BOLLIGER, F; DESCHAMPS, M, 2003.
* Ano do último censo realizado.
Gráfico 04: Migração anual média (períodos de 5 anos - de 1986 a 2000)
NÚMERO ANUAL MÉDIO DE MIGRANTES (POR PERÍODO)
415
427
952
0
100
200
300
400
500
600
700
800
900
1000
1986 A 1990 1991 A 1995 1996 A 2000
PERÍODOS
MIGRANTES
Elaboração própria com base nos dados da Tabela 02.
34
Quanto à procedência destes migrantes, podemos examiná-la em dados
recentes através da Tabela 02, que informa sobre o local de moradia dos migrantes
na data fixa de 31 de julho de 1995. Verificamos que - a partir desta data
determinada (IBGE) - a grande maioria era egressa de localidades do próprio Estado
do Rio de Janeiro (70,9%, com 2.872 pessoas). A região Nordeste participou com
8,9% (359 migrantes), Minas Gerais com 5,9% (228) e São Paulo com 5,2% (209). A
migração com origem noutros países foi de 4,7% (190 migrantes), em grande
maioria, argentinos (155 pessoas), configurando 3,8% do total da migração em
Armação dos Búzios.
35
Tabela 03: Moradores do município de Armação dos Búzios segundo local de
residência em 31 de julho de 1995 (2000)*.
LOCAL DE RESIDÊNCIA - 31 de julho de 1995 PESSOAS (N
O
ABSOLUTO)
Não migrantes 7.664
Migrantes 10.540
Município de Armação dos Búzios 6.063
Outras localidades no país 3.859
Rio de Janeiro (1) 2872
Metropolitana do Rio de Janeiro 1.218
Rio de Janeiro - capital 711
Norte Fluminense 614
Campos dos Goytacazes 507
Baixadas 535
Cabo Frio 430
Noroeste Fluminense 264
Itaperuna 178
Centro Fluminense e Sul Fluminense 125
Nordeste 359
Minas Gerais 228
São Paulo 209
Demais Unidades da Federação (2) 191
Paises Estrangeiros 190
Argentina 155
Não era nascido 428
TOTAL 18.204
Fonte: Censo Demográfico 2000 - microdados da amostra. Região Sudeste. Rio de Janeiro. IBGE,
2003 (CD ROM), apud BOLLIGER, F; DESCHAMPS, M, 2003.
(1) Inclui os casos sem especificação de município.
(2) Inclui os casos sem especificação de UF.
* No que diz respeito a procedência de migrantes esta tabela representa a primeira base onde os dados de
Armação dos Búzios aparecem separado de Cabo Frio em função de sua emancipação ter acontecido no ano de
1996 e o Censo posterior a esse fato ocorrer somente em 2000.
De acordo com o Censo 2000
19
, os estrangeiros em Búzios somam 444
habitantes, correspondendo a, aproximadamente, 2,44% da população total (18.204)
do município. Esta informação faz-nos pensar que a reconhecida presença de
estrangeiros, na cidade pelo menos atualmente, fundamenta-se no fluxo de turistas
vindos do exterior. Como é possível observar na Tabela 04, Búzios disputa a 7ª
19
O Censo do ano de 2000 corresponde à única fonte sobre a população estrangeira residente em
Búzios. Antes deste ano, os dados obtidos pelo IBGE referem-se ao município de Cabo Frio, de onde
Búzios ainda era distrito.
36
colocação na atração de turistas estrangeiros no país. Outras possibilidades
relacionam-se ao passado do lugarejo e à elevada concentração espacial de
estrangeiros em determinados pontos do território, fazendo com que estes pareçam
representar a grande maioria dos habitantes.
No Gráfico 05, observamos que a projeção de crescimento para 1996
(linha tracejada marrom) foi superada, de forma categórica, pelo crescimento
efetivamente apurado (linha laranja contínua), voltando à tendência anterior a partir
de 1996. Este surpreendente pico ocorre por um provável acúmulo de condições,
dentre as quais, conforme explicitado, a própria emancipação do município (Ver
no Item 4.2.1 que o projeto de emancipação do município foi, estrategicamente,
realizado com base em forças com elevado poder de atração de novos moradores).
37
Gráfico 05: Taxa de Crescimento Demográfico: Armação dos Búzios, Região
das Baixadas Litorâneas, Região Metropolitana, Estado do Rio de Janeiro e
Capital do Rio de Janeiro (1940 a 2000)
TAXA DE CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO
-2,00
0,00
2,00
4,00
6,00
8,00
10,00
12,00
1940-1950 1950-1960 1960-1970 1970-1980 1980-1991 1991-1996 1996-2000
PERÍODO
CRESCIMENTO (%)
Estado Região Metropolitana Rio de Janeiro
Região das Baixadas Litorâneas Armação de Búzios Projeção (Búzios)
Elaboração própria com base de dados IBGE, Censos Demográficos (dados brutos) e CIDE (dados
derivados).
Para se ter uma idéia do grande incremento populacional, ressaltamos o
aumento da taxa acumulada de crescimento demográfico em Búzios, que ultrapassa
a verificada na cidade do Rio de Janeiro, no Estado (RJ), além da observada na
Região Metropolitana (RJ), numa tendência seguida pela Região das Baixadas
Litorâneas, em menor escala. Essa superação veio a ocorrer no período
compreendido entre 1991 e 1996. Antes, essa taxa permaneceu (desde 1940)
inferior a todas as outras bases espaciais de referência (ver Gráfico 06 - Taxa
acumulada de crescimento demográfico).
38
Gráfico 06: Taxa Acumulada de Crescimento Demográfico : Armação dos
Búzios, Região das Baixadas Litorâneas, Região Metropolitana, Estado do Rio
de Janeiro e Capital do Rio de Janeiro (1940 a 2000)
TAXA ACUMULADA DE CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO
-5,00
0,00
5,00
10,00
15,00
20,00
25,00
30,00
1940-1950 1950-1960 1960-1970 1970-1980 1980-1991 1991-1996 1996-2000
PERÍODO
CRESCIMENTO ACUMULADO (%)
Estado Região Metropolitana Rio de Janeiro Região das Baixadas Litorâneas Armação de Búzios
Elaboração própria com base de dados IBGE, Censos Demográficos (dados brutos) e CIDE (dados
derivados).
A densidade demográfica de 253,5 hab/km
2
é a terceira entre a dos
municípios da região das Baixadas Litorâneas, ficando atrás apenas de Iguaba
Grande (309,1 hab./km
2
) e Cabo Frio (308,9 hab./km
2
).
No que se refere à Taxa de Crescimento da Densidade Demográfica
20
, é
interessante notar que, a partir da cada de 50, uma tendência contrária
quando comparamos Búzios e as escalas regional e estadual, desenvolvendo
movimentos opostos que perdurou 60 anos (até 2000). (Ver Gráfico 07). No período
compreendido entre 1950 e 1996 observa-se em Búzios uma crescente aceleração,
20
Chamamos aqui de taxa de crescimento da densidade demográfica o resultado numérico obtido
pela relação de incremento percentual entre a densidade demográfica de um período em relação ao
imediatamente anterior, representativo, portanto, da velocidade com que as localidades se tornam
mais densas.
39
enquanto constata-se o declínio da densidade nas outras escalas de observação. A
partir da década de 70, as taxas de densidade do município em estudo passam a
aumentar em velocidade maior do que as da Cidade do Rio de Janeiro, da Região
Metropolitana (RJ), Estado (RJ), e também da Região das Baixadas Litorâneas. Em
contrapartida, após 1996, observamos uma suave re-aceleração, enquanto nota-se,
em Búzios, uma acentuada desaceleração
21
.
Gráfico 07: Taxa de Crescimento da Densidade Demográfica: Armação dos
Búzios, Região das Baixadas Litorâneas, Região Metropolitana, Estado do Rio
de Janeiro e Capital do Rio de Janeiro (1940 a 2000)*
TAXA DE CRESCIMENTO DA DENSIDADE DEMOGRÁFICA
-10,00%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
1940-50 1950-60 1960-70 1970-80 1980-91 1991-96 1996-2000
PERÍODOS
CRESCIMENTO (%)
Estado Região Metropolitana Rio de Janeiro Região das Baixadas Litorâneas Armação de Búzios
Fontes: IBGE, Censos Demográficos [dados brutos] e CIDE [dados derivados]
* Este gráfico é representativo quanto à “velocidade” com que as localidades se tornam mais densas.
A busca de turismo e lazer durante as estações de veraneio provoca
aumento significativo do número de pessoas em Búzios. Nos períodos de alta
temporada, essa variação chega a aumentar cinco vezes a população (FUNDAÇÃO
21
Uma hipótese provável quanto à acentuada desaceleração da taxa de densidade de Búzios a partir
de 1996, seria o esgotamento relativo no que concerne ao processo de crescimento demográfico. A
densidade haveria sido completada no período precedente, entre o início de 70 até 1996.
40
ESTADUAL DE ENGENHARIA DE MEIO AMBIENTE,1988). Soma-se a isto, outro
tipo de variação, observada durante feriados e finais de semana. Dessa maneira,
podemos reconhecer alterações expressivas da população flutuante, por conta das
atividades do turismo e do veraneio.
A exposição da cidade apresenta padrões mundiais, revelando a escala e
a potência alcançadas pela projeção de sua imagem. Em matéria de turismo, a
conceituada revista americana Leasure and Travel descreve zios como “um dos
dez paraísos do mundo”, “um paraíso com personalidade”
22
.
A construção da imagem da cidade conecta-se com o turismo
internacional que pode ganhar novas conotações, como acontece quando os
visitantes estrangeiros decidem residir no lugar. Búzios exerce grande atração
mundial, comparada a das capitais dos Estados brasileiros no tocante ao número
de turistas estrangeiros, conforme mostra a Tabela 04. Em 2003, a cidade aparece
como o destino turístico internacional no território nacional. No período de 1994 a
2003, a parcela de participação no turismo receptivo internacional de Búzios
aumenta 71,43%, variação somente inferior à de Fortaleza, quando considera-se as
10 cidades mais visitadas no Brasil (Ver Gráfico 08).
Essa exposição mundial ganha maior significado se lembrarmos que o
território de Búzios corresponde a apenas 1,4% da área total da Região das
Baixadas Litorâneas e a 0,16% da área total do Estado do Rio de Janeiro, conforme
é demonstrado na Tabela 04.
22
Informação obtida em reportagem veiculada no jornal O Globo, de 5 de janeiro de 1996 (apud
Justus, 1996, p. 21).
41
Tabela 04: Principais cidades visitadas pelo turista estrangeiro (1994 a 2003)
1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
VARIAÇÃO
ACUMULADA
RIO DE JANEIRO
39,50
41,80
30,50
37,40
30,20
32,50
34,10
28,80
38,58
36,90
-6,58%
SÃO PAULO 21,30
19,90
22,40
23,50
18,40
13,70
19,70
17,00
20,84
18,53
-13,00%
SALVADOR 9,30
8,80
7,70
12,20
10,90
12,70
13,50
11,10
12,76
15,76
69,46%
FORTALEZA 2,30
4,10
3,20
3,40
4,60
4,70
5,39
5,61
7,16
8,50
269,57%
RECIFE 4,80
5,70
4,70
5,70
7,20
6,40
5,80
7,30
8,24
7,51
56,46%
FOZ DO IGUAÇU 12,70
16,00
16,60
11,80
8,90
11,80
12,90
11,50
9,28
7,40
-41,73%
BÚZIOS 3,50
3,40
2,70
2,80
5,40
4,56
4,00
3,87
3,56
6,00
71,43%
PORTO ALEGRE 7,80
9,70
10,10
7,90
7,90
6,01
5,90
7,10
7,93
5,87
-24,74%
FLORIANÓPOLIS
15,30
11,40
17,00
13,90
14,00
17,70
18,70
15,80
6,42
5,28
-65,49%
BALNEÁRIO
CAMBORIÚ
6,60
6,20
5,40
3,70
5,10
4,90
6,60
4,90 4,90
3,37
-48,94%
Fonte: Estatísticas Básicas do Turismo no Brasil, EMBRATUR, atualizado em abril de 2005.
Gráfico 08: Variação da participação no turismo receptivo internacional (1994 a
2003)
VARIAÇÃO DAS PARCELAS DE PARTICIPAÇÃO NO TURISMO RECEPTIVO INTERNACIONAL
(AS 10 CIDADES MAIS VISITADAS)
269,57%
69,46%
56,46%
-48,94%
-6,58%
-13,00%
-24,74%
-41,73%
-65,49%
71,43%
-100,00% -50,00% 0,00% 50,00% 100,00% 150,00% 200,00% 250,00% 300,00%
FORTALEZA
BÚZIOS
SALVADOR
RECIFE
RIO DE JANEIRO
O PAULO
PORTO ALEGRE
FOZ DO IGUAÇU
FLORIANÓPOLIS
BALNÁRIO CAMBORIÚ
1994 2003 VARIAÇÃO
Elaboração própria com base nos dados de Anuário Estatístico da Embratur - 2004. Brasília:
Ministério do Turismo/ Instituto Brasileiro de Turismo/ Diretoria de Estudos e Pesquisas, 2004. v. 31
180 p. dados de 2003.
42
Tabela 05: Área total: Armação dos Búzios, Região das Baixadas Litorâneas e
Estado do Rio de Janeiro - 2000.
MUNICÍPIOS
ÁREA TOTAL
(km
2
)
ÁREA TOTAL EM
RELAÇÃO À REGIÃO
DAS BAIXADAS
LITORÂNEAS (%)
ÁREA TOTAL EM
RELAÇÃO AO
ESTADO DO RIO
DE JANEIRO (%)
Araruama 639,3
12,6
Armação dos Búzios 71,7
1,4
0,16
Arraial do Cabo 157,6
3,1
Cabo Frio 410,8
8,1
Cachoeiras de Macacu 956,8
18,9
Casimiro de Abreu 455,9
9,0
Iguaba Grande 48,7
1,0
Rio Bonito 463,1
9,1
Rio das Ostras 230,4
4,5
São Pedro da Aldeia 336,7
6,6
Saquarema 353,6
7,0
Silva Jardim 939,5
18,6
TOTAL: Região das
Baixadas Litorâneas
5 064,1
100
11,54
Estado do Rio de Janeiro 43 864,3
- 100
Fonte: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (metodologia) e Fundação
Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro - CIDE (definição dos polígonos e lculo das
áreas).
Bastante evidente nos dias de hoje, a “grande massa de estrangeiros”
decorre da ampla atuação da mídia na elaboração de imagens atraentes de Búzios.
O livro Praia de Babel, publicado em 1994, exaltava o fato de existir, em Búzios,
48 nacionalidades diferentes. O processo de configuração de um turismo
internacional relaciona-se à seleção social, de caráter elitista, dos visitantes e novos
moradores do lugar.
Na atual fase, verificamos a importante inserção de Búzios na atividade
do turismo de transatlânticos. A rede de fluxos de turistas em expansão na cidade
transforma o território em fonte de recursos para grandes corporações
transnacionais, ampliando o conjunto dos interesses que intervêm na localidade.
43
Essas corporações, ao exporem seus navios e cruzeiros, seus produtos, exibem as
cidades incluídas no roteiro de visitas, que o, elas, parte do produto à venda.
Assim, podemos reconhecer a ampliação do processo de transnacionalização
23
do
território buziano pelo mero de transatlânticos aportados na cidade e pela
existência de recursos logísticos
24
disponíveis para a implementação de negócios
pelas empresas transnacionais. No período compreendido entre 1997 e 2002,
quadruplicou o número de passageiros, passando de 25 mil para 100 mil (ver Tabela
06 e Gráfico 09), confirmando o crescimento do turismo por transatlânticos na
cidade.
23
O fenômeno da transnacionalização é trabalhado pelo campo da economia a partir de fatos
observados na organização de empresas e na maneira como elas atuam de modo a criar fluxos de
capital, bens e informação, constituindo redes internacionais de interação e acumulação. A
transnacionalização transposta para a gica da acomodação da economia de Búzios, refere-se ao
desenvolvimento de empresas ou empreendimentos que guardam na sua origem, a multiplicidade de
capitais (multinacionais). Desse modo, entendemos que a transnacionalização de Búzios relaciona-se
à questão dos estrangeiros e à composição do capital investido neste território, conseqüentemente,
criando fluxos externos de apropriação dos recursos locais. Explicitando de outra maneira,
observamos que a acomodação da economia de Búzios, implica na multiplicidade de capitais
existentes de maneira concentrada no território buziano e estrutura-se a partir de forças internas
ativas que criam e resgatam parcerias com interesses de diferentes origens que se reúnem para
realizar a exploração mercantil do espaço buziano.
24
Entre os investimentos realizados para o turismo de transatlânticos, eso Porto Veleiro zios,
receptivo de turistas, localizado na praia da Armação, que oferece um posto de abastecimento para
embarcações de pequeno e médio porte e também aluga lanchas, helicópteros, carros, dentre outros
serviços.
44
Tabela 06: Histórico das escalas de transatlânticos em Armação dos Búzios
(1997 a 2002)
CRESCIMENTO
ESCALAS
ANO
ESCALAS PASSAGEIROS
GASTO
MÉDIO
POR PASS
/ US$
GASTOS NA
CIDADE
ANUAL
(%)
ACUMULADO
(%)
1996/ 1997 0 8.000 20 160.000,00 - -
1997/ 1998 26 25.400 25 635.000,00 225 225
1998/ 1999 44 52.400 30 1.572.000,00 69 450
1999/ 2000 33 39.600 50 1.980.000,00 -25 312
2000/ 2001 50 71.000 110 7.810.000,00 51 525
2001/ 2002 55 103.476 100 10.347.600,00 10 587
2002/ 2003 57
Fonte: Brasil Cruise Portos Turísticos (Associação Brasileira de Portos Turísticos).
Gráfico 09: Evolução das escalas de transatlânticos em Armação dos Búzios
(1997 a 2002)
EVOLUÇÃO DAS ESCALAS DE TRANSATNTICOS EM BÚZIOS
26
25 25
64
225 225
44
52
30
157
69
450
33
40
50
198
-25
312
50
71
110
781
51
525
55
103
100
1.035
10
587
ANUAL (%) ACUMULADO (%)
ESCALAS PASSAGEIROS (em
milhares de pessoas)
GASTO MÉDIO POR
PASS. (US$)
GASTOS NA CIDADE
(em US$ 10.000)
CRESCIMENTO ESCALAS
1997/ 1998 1998/ 1999 1999/ 2000 2000/ 2001 2001/ 2002
Elaboração própria com base nos dados da Brasil Cruise (Associação Brasileira de Portos
Turísticos).
45
Entendemos que o aumento das escalas de transatlânticos e os
conseqüentes gastos realizados pelos turistas na cidade - observados na Tabela 06
e no Gráfico 09 - exerceram grande influência no ordenamento das atividades
econômicas e em sua consolidação material no espaço urbano. O intervalo de tempo
compreendido entre as temporadas de 1997 /1998 a 2001/2002 revela nos dados
disponíveis, um crescimento dos gastos na cidade de U$ 160.000,00 (cento e
sessenta mil dólares) para U$ 10.347.600,00 (dez milhões, trezentos e quarenta e
sete mil e seiscentos dólares).
A conformação da economia local aos fluxos internacionais acarretam a
crescente dependência dos fluxos internacionais fazendo coexistir uma rede local de
atividades conexas ao fluxo de consumo gerado pelo turismo realizado por
transatlânticos. Este é um turismo que reforça pontos e, não trajetos, circuitos,
aumentando a excepcionalidade do lugar. Este caráter específico do turismo
desempenhado por transatlânticos, radicaliza as práticas pontuais e controladas e
torna seus efeitos ainda mais excludentes.
É a partir do panorama anteriormente traçado e das especificidades
encontradas, que identificamos o município de Armação dos Búzios como locus
privilegiado para a análise da construção de uma imagem hegemônica devido aos
seguintes aspectos: (1) pelo exponencial crescimento demográfico experimentado
nos últimos anos; (2) pela escala e potência alcançadas pela projeção de sua
imagem; (3) pela grande concentração de estrangeiros em seu território
transnacional (representados por turistas, investidores e moradores radicados); (4)
46
pelos expressivos investimentos para reforço e cristalização da imagem - tornada
hegemônica - de Búzios e (5) pelo poderoso valor simbólico atribuído a essa cidade.
47
CAPÍTULO I A MODERNIZAÇÃO DE BÚZIOS: A RETÓRICA DA
IDENTIDADE
Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura,
poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das
coisas ao redor - mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que
temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos (BERMAN, 1987, p.
15).
Procuraremos, nessa parte de nossa reflexão, verificar como ocorreu o
processo de modernização de Búzios, desvendando as bases para a construção da
imagem hegemônica da cidade e a afirmação de uma aparente sociedade
consensual, apesar de contraditória e multicultural. Trataremos neste capítulo da
contextualização e explicitação de fenômenos e processos interligados à produção
das representações da localidade, para a elaboração de nosso quadro analítico da
cidade de Armação dos Búzios.
Identificamos, com as mudanças ocorridas a partir da década de 50, o
fenômeno que chamamos de modernização de Búzios, que guarda relevantes
singularidades.
Trata-se, na nossa perspectiva, de um tipo de modernização que parte de
um dilema inscrito, por um lado, na busca da identidade local como mecanismo
estratégico para formatação de uma imagem peculiar de cidade e, por outro lado, na
ruptura de certas práticas sociais e econômicas estruturantes da identidade
historicamente construída. Essa visão do moderno, como percebemos, não rompe
completamente com as raízes do local, mas prepara a reinvenção seletiva e
excludente da história do lugar.
48
Vale evidenciar, neste momento, uma importante conexão entre a
problemática da modernidade e a da identidade: o contexto histórico das
experiências modernas.
Antes da modernidade, o mundo era considerado como dado. A
determinação divina (inquestionável) regia o mundo e perpassava os três campos da
cultura (ético-político, estético e gnosiológico). Havia um sentido maior, um
fundamento comum transcendental, que permitia a experiência de uma totalidade
entre estes campos e que impedia que os homens estabelecessem relações
identitárias entre si, em função da conexão totalizante que tornava o “outro” idêntico
ao “eu”. Os valores que determinavam a identidade - pessoais e relacionais - eram
concebidos por harmonia a esses princípios transcendentais, permitidos pela religião
ou pelo mito. (ARAÚJO; NADER; OLIVEIRA, 2001).
A problemática da identidade só emerge no mundo moderno, possibilitada
pelo princípio da liberdade, que estimulava o confronto entre diferentes visões de
mundo. Este princípio afirmou-se através de três acontecimentos: “a Reforma - em
que no âmbito subjetivo o sujeito passa a discernir por si, não mais por qualquer
padrão religioso; e o Iluminismo e a Revolução Francesa - em que, em detrimento da
jurisprudência, o livre jogo entre iguais opera como base à política” (ARAÚJO;
NADER; OLIVEIRA, 2001, p. 1825). A unidade paradoxal - a unidade de desunidade
(BERMAN, 1987, p. 15) - da época moderna vai permitir “um turbilhão de
permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambigüidade e
angústia” (BERMAN, 1987, p. 16), mantendo-se num “perpétuo estado de vir-a -ser”
49
(BERMAN, op. cit., p. 16), que se constituirá a partir de vitoriosas visões de mundo
nascidas dos embates sociais.
Assim sendo, entendemos o processo identitário como um recurso
estratégico moderno, envolvido na disputa pela criação da “realidade social”. Este
recurso é acionado por grupos sociais dominantes formatadores de uma versão da
“realidade” tornada hegemônica. Esses agentes produtores de um “pensamento
único
25
classificam e são classificados, legitimando conceitos, práticas e
representações, ao mesmo tempo em que negam outras visões de mundo, em
desacordo com a sua posição na estrutura do espaço social. A identidade é, nesse
ponto de vista, uma construção, oriunda deste processo.
A teoria do simbólico de Bourdieu (2004) orienta-nos no entendimento da
disputa pelo poder na esfera da construção da “realidade”. A função social do
simbolismo articula-se à função política autêntica. Nos termos deste autor,
As diferentes classes e fracções de classes estão envolvidas numa
luta propriamente simbólica para imporem a definição do mundo
social mais conforme seus interesses e imporem o campo das
tomadas de posições ideológicas reproduzindo em forma
transfigurada o campo das posições sociais. Elas podem conduzir
esta luta quer diretamente, nos conflitos simbólicos da vida cotidiana,
quer por procuração, por meio da luta travada por especialistas da
produção simbólica (produtores a tempo inteiro) e na qual está em
jogo o monopólio da violência simbólica legítima, quer dizer, do poder
de impor - e mesmo de inculcar - instrumentos de conhecimento e de
expressão (taxinomias) arbitrários - embora ignorados como tais - da
realidade social (2004, p.11-12)
Cabe lembrar que esse processo contínuo - que envolve a problemática
da identidade - cristaliza resultados de acordo com as configurações sociais de cada
25
Entendemos o “pensamento único” como idéias que o impostas ou apresentadas como
consensuais ou superiores a todas as demais.
50
época. Esta mesma cristalização constitui um recorte arbitrário, com o qual o grupo
dominante traz à tona o que pretende destacar, controlando a construção da
memória coletiva.
Em vista disso, a construção da imagem de Búzios se através das
lutas pela conquista da hegemonia sobre as representações, sobre o poder de
enunciar os signos e símbolos locais, onde
Os símbolos são os instrumentos por excelência da <integração
sócial>: enquanto instrumento de conhecimento e comunicação [...],
eles tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo
social, que contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem
social: a integração <lógica> é a condição da integração <moral>
(BOURDIEU, 2004, p. 10).
A disputa simbólica associa a imagem dominante da cidade ao poder e
interesses locais, de maneira a viabilizar a apropriação dos recursos materiais e
imateriais do território.
A dimensão material, por seu lado, é capaz de reforçar e cristalizar os
significados simbólicos, que o espaço pode ser lido enquanto significante,
suscetível a atribuições de significados, ou seja, o espaço detém possibilidades
concretas de emitir mensagens e de constituir-se em linguagem. Assim, o poder
desigual dos grupos sociais reflete também a apropriação desigual do mundo
material e a divisão desigual de recursos territorializados.
Partindo desse horizonte, identificamos um conjunto de investimentos
modernizadores em Búzios impostos a partir da retórica identitária, constituinte do
próprio processo de modernização da cidade, na medida em que legitima posições
de grupos de poder no quadro de mudança estrutural da cidade.
51
Para uma melhor compreensão histórica, propomos a sistematização das
principais informações relevantes para nossa análise quanto a enunciação do local
pelos meios de comunicação, os instrumentos legais, as mudanças institucionais, as
intervenções urbanas, os investimentos e empreendimentos (Quadro 01). Essas
informações constituem , na nossa visão, um conjunto de elementos explicativos -
que relacionam-se dialeticamente - fundamentais para o entendimento do processo
de modernização de Armação dos Búzios.
52
Quadro 01 - Cronologia do processo de modernização em Armação dos Búzios
- 1950/2005
DÉC ANO HISTÓRICO ESPECIFICAÇÕES
~1950 Abertura da rodovia litorânea Niterói - Campos dos
Goytacazes.
Executada pelo Governo do Estado
do Rio de Janeiro.
1950 Implantação da primeira estrada / avenida José
Bento Ribeiro Dantas.
Ação implementada pelas famílias
Sampaio e Ribeiro Dantas .
~1951 Propaganda “boca a boca”. Produção social da imagem.
Estrangeiros se hospedam na casa
de José Bento Ribeiro Dantas.
~1951 Pavimentação da av. litorânea Niterói-Campos dos
Goytacazes.
Ação do Governo do Estado do Rio
de Janeiro
1951 Abertura da primeira linha de ônibus Cabo Frio /
Búzios.
-
1951 Construção da primeira residência de veraneio em
Búzios.
Propriedade de José Bento Ribeiro
Dantas.
50
1951 Surgem os primeiros loteamentos e venda de
terrenos em Búzios.
Execução da empresa ECIA
Odeon (Joaquim Sampaio -
herdeiros de Honold).
~1960 Construção da casa de estrangeiros, chegada à
Búzios da 1ª bomba de gasolina e do 1º telefone.
A casa de estrangeiros foi
construída por André Mouraviev.
1964 Brigitte Bardot se hospeda em Búzios. Aparição de Búzios na mídia
nacional e internacional.
60
1967
Invenção / início do boato que deu origem ao Estilo
Búzios”.
Discurso construído pelo arquiteto
Otávio Raja Gabaglia.
1971 Projeto e colocação das pedras na “Rua das Pedras”. Intermédio do arquiteto Otávio Raja
Gabaglia e do empresário César
Thedim.
1974 Inauguração da ponte Rio-Niterói. Facilidade e maior rapidez no
acesso à região.
1976 Assassinato de Ângela Diniz - famosa socialite - em
Búzios.
Retorno do tema Búzios aos
noticiários.
1976 “Movimento buziano”: grande chegada/ “tomada”
dos argentinos.
Provocado pela crise instaurada na
Argentina.
~1977 Expulsão dos habitantes nativos (baixa-renda) para a
periferia.
Fruto da especulação imobiliária.
70
1979 Proibição de construção de edificações com mais de
dois pavimentos no distrito de Armação dos Búzios.
Lei de Zoneamento e
Parcelamento e Uso do Solo de
Cabo Frio.
53
~1980 Estrada é asfaltada: avenida José Bento Ribeiro
Dantas.
1981
Implantação dos empreendimentos Marina Porto
Búzios e o Nas Rocas Islands.
Empreendimentos implantados
pela família Modiano.
1981 Campanhas publicitárias nacionais e internacionais.
Fundado o jornal O Perú Molhado.
Jornal O Perú Molhado tem papel
importante no lançamento dessas
campanhas.
1985 Início da campanha para emancipação de Búzios. Campanha publicitária promotora
de consenso em prol da
emancipação, veiculada em
diversas escalas.
1988 Inaugurado o aeroporto na Rasa, Búzios. Empreendido da família Modiano.
80
~1981 Inaugurado precário sistema de abastecimento de
água.
Ação do Governo Estadual do Rio
de Janeiro.
90 1993
Fundada a ENARQ - Associação de Engenheiros e
Arquitetos (então ENAC).
Em 16 de abril de 1993, em
assembléia realizada com 29
membros, formatada dentro dos
desejos emancipacionistas.
1994
Inauguração do Grand Cine Bardot.
Iniciativa do argentino radicado em
Búzios, Mário Paz.
1996 Plano Estratégico de Búzios (PEB). Coalizão de forças ativas locais,
composta oficialmente pela
Associação de Engenheiros e
Arquitetos e Construtores,
Associação de Hotéis e
Associação Comercial de Búzios.
1995 Emancipação de Armação dos Búzios. Lei n
o
2498, de 28 de dezembro de
1995.
1995
Fundado o jornal O Buziano.
Por Tito Rosemberg.
1996 Campanhas eleitorais para nova prefeitura de
Armação dos Búzios.
Luiza Brunet cogita de candidatar.
1996 Eleição do primeiro prefeito Delmires Braga, o
“Mirinho”- PDT
O “Mirinho” é filho de pescador da
região.
1997 Inauguração da “Orla Bardot”. Constituiu intervenção urbana de
revitalização da Orla da praia da
Armação.
1997 Instalação do município de Armação dos Búzios. No mês de janeiro de 1997.
1997 Promulgada a Lei Orgânica de Armação dos Búzios. Data do dia 11 de novembro de
1997
1997 Inauguração do Pórtico de Búzios Inaugurado no dia 27 de
dezembro.
54
1999 Início da implantação de estátuas temáticas no
território buziano.
1999 - Estátua de Brigitte Bardot /
2000 - Estátua dos pescadores /
2000 - Crianças na Praça dos
Ossos / 2001 - Negro na Rasa /
2002 - Profeta em Manguinhos /
2002 - Crianças na Rua das
Pedras (menino em cima do poste
e menina na fonte) / 2003 - Vela
instalada em frente ao Pórtico de
Búzios.
2000 Criação de incentivo fiscal, previsto em lei, para
edificações que se enquadrassem no Estilo Búzios
de arquitetura.
Incentivo previsto pela Lei de Uso
e Ocupação do Solo (Lei
Complementar n
o
002, de 24 de
fevereiro de 2000).
2000 Revitalização da praça dos Ossos Intervenção da Prefeitura Municipal
de Armação dos Búzios.
2001 Inaugurada capela Nossa Sra. Desatadora dos Nós Surgimento do turismo religioso em
Búzios.
2001 Início do Plano Diretor de Desenvolvimento
Sustentável de Armação dos Búzios.
A elaboração do Plano Diretor
previa a produção concomitante da
lei de Parcelamento, Uso e
Ocupação do Solo e do Código de
Obras do município.
2001
Definição de Áreas de Preservação Ambiental (APA
Estadual do Pau Brasil, Parque da Lagoinha)
Intervenção do Governo do Estado
do Rio de Janeiro.
04/05 Eleito prefeito Antônio Carlos Pereira da Cunha -
PMDB.
Conhecido como “Toninho Branco”.
2005 O Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável,
entregue à Câmara em 2004, entra em processo de
“revisão”, parando o processo de votação na Câmara
Municipal.
Ação empreendida pela nova
gestão que caracteriza-se
enquanto oposição à gestão
anterior.
00
2005 Tentativas de aprovar, na Câmara Municipal, o
Decreto que institui o licenciamento a edificações
somente se utilizarem de parâmetros que definem o
Estilo Búzios” em todo o território buziano.
Governo do prefeito Toninho
Branco.
Fontes:
CUNHA, 2002, 1997;
Documentos oficiais disponibilizados pela Prefeitura Municipal de Armação dos Búzios -
PMAB;
JUSTUS, 1996 / CARNEIRO, 1997;
Pesquisas em diversas edições do jornal O Perú Molhado;
Informações diretamente obtidas na Secretaria de Turismo da Prefeitura Municipal de
Armação dos Búzios - SECTUR / PMAB.
55
Para a formulação do Quadro 01, selecionamos acontecimentos que
julgamos relevantes para entendermos os elos referentes às possibilidades
históricas e ao rumo tomado, através do projeto de modernização do território
buziano. Para tal, nos orientamos através da perspectiva de Santos (1988), quanto
a interação de fixos e de fluxos para a formação do espaço.
Estes conceitos revelam o caráter social da materialidade, já que os fluxos
se originam, chegam ou passam pelos fixos. Um fixo, ou um objeto geográfico, é
também um objeto social, graças aos fluxos (movimentos, circulação) gerados.
Entendemos, desse modo, que a dinâmica gerada entre os sistemas de
objetos (dotação técnica do território) e os sistemas de ações (fluxos provenientes
das implementações), estruturaram o espaço buziano, imprimindo-lhe uma tipologia
e uma sociabilidade. A materialidade e imaterialidade, geradas a partir dessa
dinâmica, serão tratadas a seguir, com maiores detalhes, tendo como apoio os
condicionantes elencados naquele quadro cronológico (Quadro 01).
56
1.1 Condições prévias: a preparação da cidade
Consideramos necessário discorrer sobre as condições sócio-espaciais
da produção da imagem da cidade, na medida em que os investimentos (o meio
técnico) e os recursos naturais (o meio natural) condicionam os propósitos e as
metas para o lugar. Sendo assim, em proximidade ao pensamento de Milton Santos,
concordamos com a afirmação de que “os lugares se especializam, em função de
suas virtualidades naturais, de sua realidade cnica, de suas vantagens de ordem
social” (2004, p. 248).
Estes três aspectos - investimentos técnicos, o meio natural e as imagens
- conformam o contexto da modernização de zios, no sentido anteriormente
descrito.
Durante toda a primeira metade do culo XX, o acelerado processo de
urbanização em curso no país não alcançou o território de Búzios. Na década de 50,
essa pequena localidade desenvolvia atividades de subsistência e constituía o
terceiro distrito de Cabo Frio, o mais importante pólo da região.
A partir dos anos 50, com a implantação de rodovias e a abertura de vias,
inaugura-se pequeno fluxo de visitantes, direcionado para esta porção do Estado. A
integração permitida pelas facilidades de acesso consolidou o processo de
modernização no lugarejo. Essas ações traduzem-se em:
57
Pavimentação da rodovia litorânea Niterói - Campos dos
Goytacazes
26
(RJ-106), executada pelo governo estadual no início dos anos
50. Mesmo não percorrendo o território de Búzios, permitiu um fluxo
direcionado àquela parte da região.
Criação da companhia ODEON ou Irmãos Araújo e do primeiro
loteamento de Búzios (1951)
Os “Sampaio”
27
(Jack e Boy Sampaio), herdeiros de grande porção de
terras no lugarejo, implantaram, em 1951, o primeiro loteamento de Búzios para
construção de casas de veraneio
28
na praia de Manguinhos, cujos proprietários eram
todos diplomatas estrangeiros e famílias da burguesia brasileira” (CUNHA, 2002, p.
2).
Abertura da primeira estrada do balneário (1951): a avenida José
Bento Ribeiro Dantas
Essa ação foi fruto do investimento de José Bento Ribeiro Dantas
29
e,
ainda hoje, firma-se como o mais importante eixo viário de Búzios. Essa avenida
constitui a continuidade da RJ-106, permitindo atingir as terras buzianas.
Estabelecimento a primeira linha de ônibus Cabo-Frio-Búzios, ainda
em 1951.
Essa ação tem importância na configuração da base de apoio ao terceiro
distrito de Cabo Frio, que os serviços, em geral, concentravam-se na sede
administrativa de Cabo Frio.
26
A Rodovia Amaral Peixoto foi aberta na década de 40, e asfaltada somente na década de 50. Antes
de sua abertura, “as comunicações com o Rio de Janeiro eram precárias fazendo-se sobretudo, por
via marítima ou pela Estrada de Ferro Maricá, através da qual atingia-se Niterói depois de mais de um
dia de viagem” (COELHO, 1986, p. 67).
27
Eugenne Honold, alemão de nacionalidade, descobriu o local e foi o maior dono de terras de
Búzios. Comprou a fazenda Campos Novos, plantou bananas para exportar para a Alemanha e
comprou terras nas praias dos Ossos, Armação, Tartaruga, Azeda e Forno. Por volta de 1950,
Joaquim Sampaio, cunhado da neta de Eugenne Honold empreendeu o primeiro loteamento da
localidade. Paulo Sampaio havia herdado a maioria das terras de Búzios por conta de seu casamento
com Gilda Sampaio, neta de Eugenne Honold.
28
Ver a Tese de Maria do Socorro Alves Coelho, A Segunda Habitação: Reflexões sobre a expansão
da metrópole do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, UFRJ, PUR, 1986.118p.
29
José Bento Ribeiro Dantas era, na época, Presidente da empresa aérea Cruzeiro do Sul.
58
Além dessas ações, outras condições espaciais favoreceram as
mudanças que afetarão o lugarejo a partir de meados da década seguinte (década
de 60). São elas:
A proximidade com o Rio de Janeiro e, por conseqüência, de aeroportos;
A condição natural: a beleza de suas terras e paisagens
30
.
Merece destaque na nossa análise, entre os proprietários do primeiro
loteamento de Búzios (1951), José Bento Ribeiro Dantas
31
, por seu papel
determinante como “anfitrião”, influindo na prática de visitação à cidade por pessoas
de alto poder econômico e simbólico, apresentando o lugarejo a ilustres
convidados, todo final de semana, inclusive os estrangeiros que vinham de diversas
partes do mundo e que se hospedavam em sua casa em Manguinhos
32
.
Esta persona - que incorporou o “patrono” e o “paizinho de Búzios” da
população local (JUSTUS, 1996, p. 134) -, tratou de divulgar a cidade aos seus
amigos influentes da alta elite nacional e internacional, além de se apresentar como
30
A forte atração de pessoas para essa região foi ocasionada também pela abundância da caça
submarina, trazendo amantes desse esporte a Búzios (CUNHA, 2002; JUSTUS, 1996).
31
Em entrevista ao Jornal local O Perú Molhado de outubro de 1987, Eudóxia Ribeiro Dantas,
viúva de José Bento, relata: “Naquela época [refere-se a 1955] as pessoas ‘de fora’ eram poucas e
nós tínhamos a casa aberta a todos, todos os sábados. As pessoas iam jantar na minha casa,
especialmente o pessoal do corpo diplomático. A embaixada completa da Inglaterra passava os fins
de semana em Búzios. E eram animadíssimos, ao contrário do que pudemos supor. O carnaval e as
festas de fim de ano foram as temporadas mais divertidas de zios para mim. naquela época
havia muitos franceses. Grande parte vinha direto do Galeão [hoje, Aeroporto Internacional Tom
Jobim] sem passar um dia sequer na Capital” (O Perú Molhado: outubro de 1987, apud Justus, 1996,
27).
A viúva de José Bento Ribeiro Dantas clarifica a importância histórica da hospedagem oferecida por
seu marido quanto aos visitantes de alta classe social do lugarejo, em mais um depoimento: “As
relações do meu marido [José Bento Ribeiro Dantas] transformaram nossa casa numa espécie de
embaixada para os primeiros visitantes de Búzios [...] A embaixada da Inglaterra transferia- se em
peso para Manguinhos nos sábados e domingos de sol” (MARTINHO, A; LARTIGUE, M, 1980?).
32
Entre os convidados de prestigio, Charles Read, representante da "Rolls-Royce" no Rio e, André
Mouravieff, da delegação da ONU no Rio de Janeiro. Mouravieff era filho do príncipe Apostol que, em
1914, foi o último Tzar da Rússia, na Inglaterra e, durante a guerra imigrou para o interior do Brasil.
Em Búzios, foi o primeiro estrangeiro a construir residência, instalou o primeiro telefone e a primeira
bomba de gasolina locais (JUSTUS, 1996, p. 27-28). Depois, em 1964, hospedou Brigitte Bardot em
sua residência em Manguinhos.
59
o benfeitor do lugarejo, “responsável pela abertura da estrada zios-Rasa e do
canal de saneamento Saco Fora-Manguinhos; pelo cais de pedra desde o mangue
até a Armação e muitos outros benefícios comunitários” (CUNHA, 2002, p. 2).
Desse modo, foi baseado no discurso patriarcal de responsável pelas
melhorias das condições de vida da população local que, estrategicamente, abriu
novas frentes de investimento para o capital imobiliário, dando início à
implementação de loteamentos e venda de terrenos
33
e introduzindo ares de
modernidade no lugarejo. Nesta direção, Maricato lembra a “simbiose entre
aberturas de grandes vias e a criação de oportunidades para o investimento
imobiliário” (MARICATO, 2002, p. 158), supondo até que seria a lógica da
rentabilidade imobiliária que orientaria esse tipo de investimento.
A criação do primeiro loteamento de Búzios e a abertura da avenida José
Bento Ribeiro Dantas interligam-se, explicitando uma ação que viabiliza outra (nos
termos de MARICATO, op. cit.). Desse modo, com investimentos de particulares, o
lugarejo abriu suas “portas” para os visitantes, permitindo a exeqüibilidade dos
loteamentos e a venda de terrenos. Assim, inaugura-se a veia econômica moderna
da cidade vinculada ao turismo de veraneio, à divisão e à internacionalização de
suas terras.
A década de 50 assistiu a uma série de investimentos técnicos e em infra-
estrutura básica, executados, principalmente, por particulares, representantes da
classe dominante.
33
Entretanto, esse mecanismo discursivo não foi criado pelo Estado, que comumente utilizava-se
desse instrumento legitimador da própria instituição, e sim por empreendedores particulares.
60
1.2 Representações apropriadas e difundidas pelos meios de
comunicação: a construção da imagem externa
Ainda na década de 50 e início da década de 60, a divulgação da
localidade acontecia pelo sistema de propaganda “boca a boca”; porém se
delineava um grupo com características sócio-econômicas específicas
34
. Eis que
entre os veranistas da burguesia nacional e estrangeira, atraídos pelos relatos dos
que lá estiveram, chega ao lugarejo a mais famosa e desejada atriz francesa, Brigitte
Bardot, em 1964
35
. Esse fato constituiu, sem dúvida, a grande inflexão e marco
histórico simbólico da projeção transescalar de Búzios.
O vilarejo encontrado por Brigitte Bardot possuía
[...] uma escola em Manguinhos, onde estudou toda a velha guarda
de Búzios, 3 armazéns e um sub-cartório. Nesta década já havia sido
implantada a iluminação elétrica, fornecida por um motor a diesel,
localizado na Usina, acionado ao anoitecer para funcionar até a meia
noite, nos sábados e domingos. Dois aparelhos telefônicos com
manivela e auxílio de telefonista, ligados em extensão, um em
Manguinhos e outro na praia dos Ossos, e um posto de saúde
precário, equipado com água a bomba e fogão à lenha [...] o núcleo
central da cidade, na época, limitava-se à praia dos Ossos,
coexistindo com outra concentração em Manguinhos (Armação dos
Búzios (RJ). Prefeitura, 2004a, p. 7).
A dimensão simbólica do vínculo entre Brigitte Bardot e a localidade,
segundo Justus, “despertou um duplo movimento identificatório: o fetiche feminino
de ser como Brigitte, famosa, rica, internacional e valorizar a vida simples do
34
Essa seleção social fundadora aparece no depoimento que segue: “[...] Mas era da época da pré-
ponte, eram pessoas de nível sócio-cultural, de um modo geral, alto, eram poucas pessoas, muito
pouca gente mesmo e nós vivíamos num paraíso...Isso foi um misto de sorte por esse cuidado das
pessoas, quer dizer, foi o destino de Búzios. Porque as pessoas que vieram para cá eram pessoas de
um nível cultural muito alto [...]” (Otávio Raja Gabaglia em depoimento para JUSTUS, 1996, p. 112).
35
Brigitte Bardot se hospedou em Búzios duas vezes em 1964.
61
lugarejo; e o fetiche masculino de ser como Zagury, brasileiro, e namorar, em
Búzios, uma celebridade francesa”
36
(1996, p. 30).
O romance de Brigitte Bardot e Bob Zagury (um marroquino naturalizado
brasileiro que a conheceu na Europa) teve, como ambientação, a aldeia de
pescadores, de população simples
37
- ver Foto 01. Encantada com a localidade, a
atriz voltou no mesmo ano, acrescentando maior “encanto” à região, projetando a
pequena e singela localidade, de maneira explosiva, na mídia nacional e estrangeira.
O distrito de Búzios era apresentado, então, como paraíso natural e aldeia de
pescadores, fortalecido pela carga simbólica trazida pela presença de Brigitte Bardot
no lugar.
Foto 01: Brigitte Bardot e Bob Zagury em Búzios (janeiro de 1964)
Foto de Denis Albanèse.
36
E, citando Bleichmar, completa: “[...] trata-se de uma instância resultante da convergência entre o
narcisismo e as identificações que são feitas ao longo da vida, entre elas aquelas com os ideais
coletivos. Constitui um modelo ao qual o sujeito procura conformar-se. É algo fantasiado, como algo
que não é, mas se fosse, traria consigo o “prazer ideal” (BLEICHMAR, 1987 apud JUSTUS, 1996).
37
Algum tempo depois da hospedagem de Brigitte Bardot em Búzios, empresários da indústria do
turismo e comerciantes, em geral, não mediam esforços na tentativa de receber novamente a musa
francesa.
62
A imagem romântica, valorizada pela presença de Brigitte Bardot no
cenário buziano, teve continuidade trágica, mas que não impediu o fortalecimento do
vínculo entre Búzios e grandes paixões. Em dezembro de 1976, o lugarejo retorna
ao noticiário internacional através do assassinato, em denso clima de mistério, de
Ângela Diniz, uma das mais famosas “socialites” brasileira dos anos 70 - conhecida
como “A Pantera de Minas”. Ângela foi morta com quatro tiros, disparados por Raul
Fernandes do Amaral Street, o “Doca” Street, seu namorado de então
38
.
A imprensa local, nacional e internacional explorou o fato exaustivamente,
inclusive na “Argentina, Uruguai, França, Estados Unidos, até em países africanos”
(SILVA, 1980, p. 295). As fotografias de Ângela, bem como o nome e imagens de
Búzios (na época ainda terceiro distrito de Cabo Frio), inscreveram-se no imaginário
coletivo, associando o balneário a paixões, crime, ao estilo de vida simples, mas
com alto valor simbólico. Os nomes dos amigos do casal da alta sociedade, que
prestaram depoimentos, refletiam a imagem de paraíso elitizado de Búzios.
Com base nas representações de paraíso natural, aldeia de pescadores e
cidade dos amores, a mídia começa por conduzir e formatar a imagem da localidade.
Os fatos, em que baseavam-se os meios de comunicação, projetaram a imagem de
Búzios como um lugar de pessoas bonitas, ricas, influentes e famosas. Dessa
associação, Búzios passa a traduzir um local que fazia jus a adjetivos paradisíacos,
e a representar símbolo de status social - relacionado aos veranistas e turistas que
lá construíram sua segunda residência. A partir desses significantes, já reconhecidos
38
Sobre o crime envolvendo a morte de Ângela Diniz, ver o livro publicado em 1980, A Defesa tem a
Palavra (o caso Doca Street e algumas lembranças) de Evandro Lins e Silva, com o detalhamento do
processo criminal de Doca Street, além de repercussões do fato na mídia. O crime mobilizou
movimentos sociais contra a violência à mulher sob o lema: “Quem ama não mata”.
63
pela coletividade, a imagem hegemônica de Búzios é externalizada com forte
impulso transescalar.
A soma dessas representações acabou vinculando-se à figura da mulher
que, como veremos mais adiante, será reproduzida com a finalidade de estender e
explorar estrategicamente a associação desse significado ao lugar, em novos
híbridos culturais.
1.3 De Aldeia a Balneário: mudanças estruturais
Neste mundo, estabilidade significa tão somente entropia, morte
lenta, uma vez que nosso sentido de progresso e crescimento é o
único meio de que dispomos para saber, com certeza que estamos
vivos. Dizer que nossa sociedade está caindo aos pedaços é apenas
dizer que ela está viva e em forma (BERMAN, 1987, p. 94).
A mudança estrutural que Búzios atravessou, desde a projeção explosiva
de meados da década de 60, explicitou a substituição da aldeia dos pescadores pelo
balneário sofisticado, levando os primeiros protagonistas de sua história, os
pescadores e seus descendentes, a um papel cada vez mais secundário no
processo de construção social da cidade. Essa mudança, ao nível macro, repercutiu
nas dimensões simbólica, econômica e social do novo quadro social em formação.
Após o trabalho da mídia em torno de Brigitte Bardot, o governo
fluminense instalou a energia elétrica, impulsionando a prestação de serviços aos
“visitantes” e estimulando o surgimento de negócios, inexistentes até então.
Constatamos, no movimento histórico permanente, vicissitudes
expansivas nas diversas esferas que conformam a vida do lugar: simbólica,
econômica, material-urbana e comunicacional. Dentre as mudanças estruturais,
64
ocorridas a partir da cada de 50 - que integram a modernização de Búzios -,
destacamos:
1.3.1 A turistificação do lugar
O processo de turistificação
39
guarda múltiplas relações com as
dimensões econômica, espacial, cultural e política. A influência que a atividade
turística exerce na organização dos espaços onde se instala, diversifica a economia
alterando os perfis de emprego, de renda e da base produtiva. O espaço passa a ser
utilizado, concomitantemente, como meio de produção e produto de consumo. A
cultura também é convocada a participar da formação do produto turístico. Desse
modo, o nexo formado entre a atividade turística e a cultura transforma os valores, o
estilo de vida e os padrões de consumo da população local. Uma outra adequação
ao processo de turistificação manifesta-se politicamente ao redefinir o papel do
Estado como administrador e financiador da infra-estrutura com finalidade turística.
Respaldada pelo discurso desenvolvimentista (inaugurado nos anos 60),
a nova ordem urbana veio ao encontro da imposição do destino turístico à
cidade. Instituía-se, assim, uma atividade econômica que dependia da “reputação”
de zios, em comparação a de outros lugares. Buscava-se, portanto, garantir a
continuidade da atração de pessoas e investimentos para o desenvolvimento e
crescimento econômico da cidade.
O turismo era apresentado como atividade óbvia, evidente, relacionada às
potencialidades locais, exemplificadas com a beleza natural local, as diversas praias,
39
O fenômeno da generalização espacial do turismo ou a turistificação de lugares (termo trabalhado
no campo da geografia) corresponde à acomodação do território para a finalidade turística.
Entendemos que os processos que relacionam-se a esse fenômeno, derivam ou expressam a
transnacionalização no nosso estudo de caso, em específico.
65
e valorizadas pelas imagens produzidas do lugar. Com objetivos clarificados e
oportunidades de ganhos em grande escala, a elite dominante local agiu no sentido
de preparar as condições simbólicas e materiais adequadas ao exercício de
“vocação” pré-estabelecida e de buscar legitimar ações implementadas no espaço
buziano orientadas para a atividade turística. O processo de turistificação de Búzios
deu-se concentrado no território compreendido entre Ossos e Manguinhos, os
primeiros núcleos urbanos constituídos a partir das forças locais. Dessa maneira, o
território passou a ser moldado e acomodado ao seu novo destino.
A alocação e a apropriação de recursos na viabilização financeira da
atividade turística, impressa na relocação dos grupos sociais anteriormente
estabelecidos, tinha como arma básica o “consenso” imposto de que o turismo
possibilitaria a obtenção de trabalho ou ocupação favorável a uma possível
mobilidade sócio-espacial.
Desde a década de 50 o desenvolvimento econômico esteve associados,
pelos agentes detentores do poder de enunciação e de capacidade de investir a
benefícios vinculados à redistribuição de renda, à garantir a equidade social e à
melhoria na qualidade de vida. Diversos autores alertam para o perigo de atribuir ao
desenvolvimento econômico, melhorias sociais inexoráveis,
[...] como se ele, em vez de um simples meio de promoção de
qualidade de vida e justiça social, fosse um fim em si mesmo [...],
uma vez que, entre o crescimento e a modernização, de um lado, e a
satisfação das várias necessidades humanas (materiais e imateriais),
muitos fatores de natureza não econômica (políticos, culturais...) se
fazem presentes, dificultando ou facilitando a tarefa (SOUZA, 2003,
p. 97).
66
Desenvolvendo esta reflexão, SOUZA (2003) adverte-nos para os limites
do próprio modelo econômico capitalista em sua capacidade de produzir justiça
social e também no que concerne a exploração do trabalho assalariado.
Os condicionantes, os agentes que intervieram localmente, juntamente
com a mitificação de alguns fatos, contribuíram historicamente para a conformação
exclusivista (e excludente) da cidade. Deste modo, a partir da cada de 50,
especialmente depois de 1964, a cidade “desenvolveu-se” em prol de um novo fluxo
de pessoas de alto poder aquisitivo, em detrimento dos que já habitavam ali.
1.3.2 Implementos do meio técnico (infra-estrutura)
A implementação de facilidades de acesso, verificada a partir da década
de 50
40
e continuada nas décadas seguintes, remete-nos à perspectiva da difusão
da técnica enquanto fenômeno social, com dupla influência sobre o espaço:
primeiro, em relação a sua ocupação (avenidas, rodovias e ponte, nesse caso
específico) e, em segundo, em relação às transformações espaço-temporais
trazidas, tais como a redução do tempo dispensado em viagens sobretudo na
conexão com centros metropolitanos e, nesse caso, com a metrópole do Rio de
Janeiro.
Com a inauguração da ponte Rio-Niterói, em 1974, o encurtamento de
distâncias e as facilidades de acesso geraram o aumento do número de visitantes ao
lugarejo, principalmente da alta burguesia do Rio de Janeiro.
40
Com a pavimentação da rodovia litorânea Niterói-Campos dos Goytacazes / RJ-106, com a
abertura da avenida José Bento Ribeiro Dantas e a implantação da linha de ônibus Cabo Frio -
Búzios na década de 50 e, ainda, com a construção da ponte Rio-Niterói, em 1974.
67
1.3.3 Consolidação da internacionalização da cidade
Desenvolve-se, ao longo da década de 70, o movimento denominado “a
tomada dos Argentinos” (JUSTUS, 1996, p. 32), que caracterizou-se pelo grande
fluxo desta nacionalidade e a apropriação territorial de Búzios. Essa apropriação
deu-se de forma espacialmente concentrada nos espaços turistificados, onde “o
comércio é dominado por imigrantes, sendo uma grande parte de estrangeiros,
notadamente os argentinos” (BARBOSA, 2003, p. 38).
Segundo CUNHA, apesar do distrito-sede de Cabo Frio constituir o
grande pólo concentrador da região, a situação de clandestinidade de muitos
estrangeiros acabou por levá-los, em volume surpreendente, a Búzios, que surgia
como alternativa mais afastada da intensa fiscalização (2002).
A atração de argentinos pelo balneário possuía, segundo Daisy Justus
(1996), raízes ainda mais profundas. Os habitantes de Buenos Aires, habituados ao
fenômeno histórico-sociológico portenho denominado mimetismo europeísta, talvez
apreciassem experimentar um tipo de dualidade - “ser Europa” e “ser América”,
presente na atmosfera buziana desde a chegada dos primeiros estrangeiros, entre
eles numerosos franceses e suíços, que tradicionalmente apresentam uma forte
atração por penínsulas (JUSTUS, 1996). Assim como a capital Argentina, Búzios
também sustentava os opostos num equilíbrio mantido pelas fortes raízes locais e a
inclinação “estrangeirista” dos novos hábitos trazidos pelos europeus.
Nos anos 70, entram em cena também os hippies, atraídos pelo pequeno
policiamento no lugarejo e pela natureza exuberante do local. Aventuraram-se por
atrás de liberdade, segundo Cunha (2002), hippies estrangeiros que disseminaram a
68
prática de sexo livre, o consumo de drogas e as festas de embalo, iniciando assim
uma das vertentes do turismo buziano: o lazer noturno.
1.3.4 Expansão do porte dos empreendimentos
Superada as distâncias com o novo meio técnico, concomitantemente ao
processo de consolidação do turismo como atividade econômica nos anos 70
41
,
criaram-se, no início dos anos 80, condições para que os empreendimentos
aumentassem seu porte, sobretudo em relação ao caráter suntuoso de suas
instalações. O aumento da demanda por novos investimentos viabilizava o lugar
como ponto privilegiado de apropriação de excedente econômico nas escalas
nacional e internacional.
O capital investido, que deu origem a empreendimentos de maior porte,
demonstra a presença efetiva do investidor estrangeiro, resultando na (des)
apropriação dos recursos locais. No início dos anos 80, o imigrante franco-argeliano
Umberto Modiano constrói, somente por sua iniciativa, um pomposo complexo na
Rasa, iniciando uma nova materialidade em Búzios. Essa nova materialidade
inaugurava um formato, corporativo e fragmentador, premonitório das formas
dominantes, posteriormente desenvolvidas neste território. Este complexo
configurou, também a fase de investimentos pré-península
42
, que, na década de 80
desenvolveu-se no litoral da Rasa. Este complexo pioneiro era composto por:
41
Nos anos 70, o turismo foi fortemente alavancado. Houveram muitos financiamentos, além da
criação de órgãos articulados a esta atividade.
42
No início da década de 80, quando iniciou-se a construção do Marina Porto Búzios (o primeiro
empreendimento do complexo), o sistema de abastecimento da água era precário e a avenida José
Bento Ribeiro Dantas estava ainda recebendo o asfaltamento. Desse modo, ainda não era viável
empreendimentos de grande porte na península de Búzios.
69
um hotel 5 estrelas (o Nas Rocas Islands Hotel, localizado na Ilha Rasa) - Ver Foto
02 e 03,
Foto 02: Empreendimento Nas Rocas Islands Hotel, implantado na ilha Rasa
Fonte: arquivo do jornal O Perú Molhado.
um luxuoso loteamento, com a primeira marina localizada em Búzios - o Marina
Porto Búzios
43
- ver Foto 03, 04 e 05.
43
O Marina Porto zios compreende um loteamento no qual desenvolve-se um sistema de canais,
abertos artificialmente para acesso a alguns lotes de pequenas embarcações, prevendo o
desenvolvimento de atividades náuticas e de lazer. Segundo o Diagnóstico Ambiental, elaborado pelo
IBAM, em 1999, o impacto ambiental causado pela abertura dos canais implica em problemas
constantes de assoreamento.
70
Foto 03: Vista aérea (situação) da Ilha Rasa com o Nas Rocas Islands Hotel e
parte do loteamento Marina Porto Búzios
Foto: MARTINHO, A; LARTIGUE, M, 1980?.
Ilha Rasa /
empreendimento Nas
Rocas Islands Hotel
Parte do loteamento
Marina Porto Búzios
71
Foto 04: Abertura dos canais para embarcações do loteamento Marina Porto
Búzios (janeiro de 82)
Fonte: MARTINHO, A; LARTIGUE, M, 1980?.
Foto 05: Vista aérea dos canais do loteamento Marina Porto Búzios
Fonte: Usina Comunicações LTDA.
e um pouco mais tarde (em 1988), um aeroporto para operação de jatos médios.
72
Esse elevado investimento já denota a presença em Búzios, naquele
momento, da indústria turística, considerando o porte desses empreendimentos e a
expectativa de um usuário cada vez mais elitizado, inscrevendo o processo de
polarização social na localidade. Este conjunto de empreendimentos implica num
determinado nível de fechamento” frente as condições pretéritas do lugar e denota
uma materialidade voltada para a atração de pessoas, de alto poder aquisitivo.
É possível entendermos as distâncias econômicas, espaciais e sociais,
marcadas com a implantação destes empreendimentos frente à formação pretérita
buziana, a partir “da consideração do espaço como um conjunto de fixos e fluxos”
(SANTOS, 2004, p. 61). Segundo Santos,
Os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que
modificam o próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as
condições ambientais e as condições sociais, e redefinem cada
lugar. Os fluxos são um resultado direto ou indireto das ações e
atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua significação
e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também se modificam
(2004, p. 61).
Assim, os fixos “provocam fluxos em função de seus dados técnicos, que
são geralmente locacionais, mas, também, em função dos dados políticos”
(SANTOS, 1988, p. 78). Nesta direção, com o tipo de dotação técnica (novos fixos),
em Búzios, criaram-se uma nova tipologia de fluxos exclusivos. Reconhecemos,
então, que o complexo empreendido na década de 80 no litoral da Rasa, rompeu
com o entorno e passou a abrigar fluxos exclusivos (e excludentes), promovendo a
homogeneização social no lugar. Passa a haver, então, uma estratégia dos fluxos
dominantes para a apropriação e implantação de fixos.
73
Nessa mesma década, enquanto o governo estadual inaugura o precário
sistema de abastecimento da água da ponta de Búzios, a Companhia Industrial
Odeon - ECIA ODEON
44
implanta loteamento na praia de João Fernandes,
expandindo a venda de lotes às colinas adjacentes (CUNHA, 2002, p. 2). É
importante lembrar que esse loteamento de ser implementado após a compra
do direito de posseiros e a vitória judicial dessa empresa contra anteriores ocupantes
dessas terras.
O grande volume e a origem múltipla do capital ali aplicado leva-nos a
considerar o território tornado transnacional como forma de apropriação dos
recursos territoriais de Búzios, num ritmo e numa intensidade estranhos à gica das
trocas locais. A expansão dos empreendimentos e os elevados investimentos
advindos da apropriação estrangeira dos recursos territoriais da localidade são
expressos, de maneira significativa, nas palavras de Umberto Modiano em entrevista
ao jornal O Perú Molhado:
Búzios se dará muito bem, especialmente pelo investimento
estrangeiro. houve provas como o Saint Tropez e o Le Club.
Também os italianos de João Fernandes. O pouco que estou
vendendo de terrenos e casas é praticamente em sua totalidade para
estrangeiros. E nós somos essa glória de microclima e bom astral
que não atrai os tupiniquins como o estrangeiro, que fica
fascinado (O Perú Molhado, 1991).
44
A ECIA ODEON é uma empresa formada pelos herdeiros de Eugenne Honold, conforme já citado
antes, na nota n
o
27.
74
1.3.5 Formação dos meios locais de comunicação
Simultaneamente ao aumento dos investimentos privados, inicia-se a
implantação dos meios locais de comunicação
45
. Em 1981, começa a circular o
jornal O Perú Molhado, para o qual Umberto Modiano “era como um sócio, um cio-
atleta. Foi ele quem deu praticamente todo o suporte financeiro ao noticioso”
(JUSTUS, 1996, p. 64).
A publicação desse jornal corresponde, também, à divulgação da cidade
em diversas escalas, como é possível apreender na transcrição seguinte:
“Já houve época em que a tiragem do jornal era superior ao número
de leitores da cidade, tempo em que era distribuído em toda a região
(até as bancas da Avenida Rio Branco (RJ) recebiam O Perú
Molhado) e também no exterior. A procura sempre foi muito grande
em Buenos Aires e Mar Del Plata. Num desses dias de pesquisa na
redação, encontrei ao chegar um argentino que estava recolhendo
um exemplar de todos os números antigos disponíveis para mandar
para um amigo em Buenos Aires. Disse-me que um bom regalo para
alguns argentinos que conhecem Búzios é mandar alguns
exemplares do Jornal” (JUSTUS, 1996, p. 64)
46
.
As edições desse jornal acompanhavam também os negócios de Umberto
Modiano. Eram produzidas edições em inglês ou espanhol, que divulgavam seus
empreendimentos e, logo, as características excepcionais do lugarejo. Assim, o
primeiro veículo de comunicação local vencia fronteiras, alcançando a
45
Entendemos, em proximidade com Bourdieu, que as relações de comunicação são indissociáveis
das “relações de poder que dependem, na forma e conteúdo, do poder material ou simbólico
acumulado pelos agentes (ou pelas instituições) envolvidos nessas relações e que [...] podem permitir
acumular poder simbólico” (1989, p. 11).
46
O clima de ansiedade da população local pela chegada dos números novos do O Perú Molhado, é
relatado por Justus: “[...] aos sábados, quinzenalmente, por volta de meio-dia, um clima de grande
expectativa quanto à chegada do noticioso. O jornal é impresso no Rio de Janeiro e depois é trazido,
por um dos seus diretores, para Búzios. A secretária aguarda sua chegada e tem um motorista à
disposição para auxiliá-la na distribuição junto aos principais pontos de comércio (lojas e
restaurantes) e hotéis de Búzios. Por volta de dez horas da manhã, as pessoas começam a passar
pela redação, a pé ou de automóvel, para conferir a hora de sua chegada” (JUSTUS, 1996, p. 129).
75
transescalaridade comunicativa, envolvendo-se em importantes campanhas
publicitárias da cidade.
O sucesso desse periódico confirma a relevância da imprensa local, que
ultrapassa a escala do lugar. Na década seguinte, a afirmação dos meios locais de
comunicação manifesta-se com a circulação do jornal O Buziano (1995) e, em
seguida, com O Pescador, o Siri na Lata e o Jornal Armação dos Búzios, a revista
Búzios Mais, o jornal Ênfase (2004), com duas rádios FM - a Rádio Popular de
Búzios e a Nativa Búzios -, além de uma estação AM.
1.4 A (des) apropriação de Búzios: em direção às hipóteses
No seu movimento permanente, em sua busca incessante de
geografização, a sociedade está subordinada à lei do espaço
preexistente. Sua subordinação não é à paisagem, que tomada
isoladamente, é um vetor passivo. É o valor atribuído a cada fração
da paisagem pela vida - que metamorfoseia a paisagem em espaço -
que permite a seletividade da espacialização (O grifo é nosso -
SANTOS, 1988, p. 74).
Assumimos, diante de nossa opção metodológica, o elo existente entre a
produção simbólica e a construção física do espaço. Assim, supomos que a
coerência das representações em Búzios tem sido demonstrada - e
estrategicamente reforçada - através de intervenções urbanas que efetivamente
reforçam as imagens (e os projetos) dominantes. Dessa maneira, os nexos entre
estes níveis de realidade passam a relacionar-se dialeticamente na nossa análise.
Vimos que a projeção das representações sociais pelos meios locais de
comunicação apóia a criação da imagem hegemônica do lugar, influenciando na
76
consolidação da cidade como destino turístico, cabendo à economia local apoiar os
ganhos da indústria do turismo.
Julgamos, diante disto, que a construção do consenso em torno da
“vocação de Búzios” configura a produção de um mecanismo legitimador do projeto
de cidade que foi responsável pela elitização do lugar.
Entendemos, assim, que o discurso hegemônico do turismo ocasionou o
crescimento e a geração de empregos, porém como uma armadilha que trouxe
ganhos efetivos apenas para alguns segmentos sociais. Dessa maneira, o discurso
da “vocação de Búzios” legitima intervenções que favorecem a apropriação de
recursos territorializados por minorias privilegiadas.
A “predestinação” de Búzios, absorvida no senso comum, associa o
significante Búzios ao significado “cidade turística”. Esta associação pode ser lida
através de URRY quando este autor questiona aque ponto os turistas podem ser
responsabilizados pelos impactos econômicos e sociais supostamente negativos do
turismo, e nos dá uma pista:
[...] isso é obviamente mais comum quando tais visitantes são
economicamente e/ou cultural e/ou etnicamente distintos da
população que os acolhe. É também mais comum quando esta
população está passando por uma mudança econômica e social
rápida (URRY, 2001, p. 87).
Ao constatarmos a expressiva quantidade de estrangeiros visitantes ou
com residência fixa em Búzios, devemos desvendar os interesses específicos
envolvidos, principalmente levando em consideração o poder simbólico detido por
estrangeiros, portadores de uma assim considerada “cultura superior”. Nessa
direção, alguns estudos identificaram que a cidade importa trabalhadores para as
77
atividades mais especializadas durante a alta temporada. Estes, por sua vez,
acabam por se fixar no município. Uma vez que é alto o custo de vida em Búzios,
principalmente na península, os antigos moradores terminam por serem alocados
nos bairros limítrofes da cidade, na parte continental, aumentando a periferia e,
como não há trabalho suficiente durante o ano, ficam sem ocupação na baixa
temporada, o que ocasiona problemas sociais sérios (BARBOSA, 2003)
47
.
Reconhecemos que a construção econômica e ideológica do “talento
natural” do ente zios para uma atividade econômica espefica, produziu a
dependência do habitante em relação ao ritmo e às características da atividade
turística. Observe-se, no Gráfico 10, que, pelo volume dos empregados pela
atividade turística, Búzios depende mais do que 4 (quatro) vezes desta atividade
frente a média da Região das Baixadas Litorâneas e 3 (três) vezes mais do que o
município de Cabo Frio.
47
Esta dinâmica remete-nos ao “Banquete e o Sonho”, de Chico de Oliveira. Segundo este autor,
àqueles que não aderiram (ou não conseguiram aderir) ao novo ritmo imposto ao lugar, restam
somente as “sobras do banquete”. Enquanto uma minoria privilegiada, ritmada na cadência do
“crescimento econômico”, empanturra-se, sob efeito da gula” com que “devoram as partes
respectivas do “bolo do produto nacional bruto”, servido no “banquete de comemoração aos índices
recordes do crescimento” (econômico, e, somente para alguns, obviamente).
78
Gráfico 10: Parcela de empregados no turismo em relação ao número total de
empregados - Armação dos Búzios, 2001
PARCELA DE EMPREGADOS NO TURISMO EM RELAÇÃO AO NÚMERO TOTAL DE
EMPREGADOS (POR MUNICÍPIO)
11,58%
10,77%
7,82%
6,18%
5,81%
5,69%
5,05%
4,76%
4,47%
3,81%
2,88%
2,77%
1,15%
32,08%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
35,00%
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Elaboração própria baseada em dados brutos - CIDE, 2005.
Ainda a Tabela 07 reúne informação relativa aos estabelecimentos
hoteleiros instalados nos municípios do Estado do Rio de Janeiro. Com esta
informação, verificamos que Armação dos Búzios apresenta um número inferior de
estabelecimentos deste tipo somente frente à capital (Rio de Janeiro), superando
todas as outras cidades deste Estado. Este dado revela o poder de definição do
presente-futuro do lugar detido pelos empresários.
79
Tabela 07: Número de estabelecimentos hoteleiros dos municípios do Estado
do Rio de Janeiro (2002)
MUNICÍPIOS SELECIONADOS ESTABELECIMENTOS HOTELEIROS
Estado 1.800
Rio de Janeiro 475
Armação dos Búzios 138
Angra dos Reis 102
Itatiaia 78
Cabo Frio 74
Petrópolis 66
Nova Friburgo 65
Parati 64
Niterói 45
Teresópolis 45
Campos dos Goytacazes 39
Rio das Ostras 37
Macaé 36
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego - Mtbe - Relação Anual de Informações Sociais - RAIS, apud
Fundação CIDE. Caderno Dados de Referência, janeiro de 2005.
Também a composição do PIB em Búzios reflete sua estreita
dependência em relação à atividade turística. Esta dependência evidencia-se
quando notamos que as alternativas “prestação de serviços”, “aluguéis” e
“construção civil” respondem por quase 60% de toda a riqueza (ver Gráfico 11).
Estas 3 atividades são impulsionadas pelos serviços de hospedagem, que seguem
em expansão, a julgar pela marcante participação da construção civil no cenário
econômico municipal, numa resposta do capital imobiliário às demandas, cada vez
maiores, por espaços e acomodações, sejam estas para uso permanente ou
temporário.
80
Gráfico 11: Composição do PIB de Armação dos Búzios por atividades (2002)
Fonte: RIO DE JANEIRO (Estado), 2004.
1.4.1 Exclusão de memórias e práticas sociais; ampliação da
desigualdade
...É assim que se criam correntes migratórias nos dois sentidos:
levando à expulsão dos que não se adaptam aos níveis técnicos e de
capital que se instalam e trazendo para a área aqueles dotados das
novas capacidades exigidas para movimentar o novo instrumental
científico e técnico. (SANTOS, 1988, p. 85)
Apesar da produção da imagem da cidade estar ancorada no passado, a
mudança estrutural atravessada pelo município - como visto anteriormente no Item
1.3 - nega as próprias origens da cidade. Nessa direção, supomos que a construção
das imagens / representações dominantes de zios refaz seletivamente a história
do lugar, excluindo memórias e práticas populares.
O rearranjo espacial e econômico, através da compra das primeiras casas
de pescadores nas praias dos Ossos, da Armação, no Centro e em Manguinhos,
81
iniciado na década de 60 e intensificado na década de 70, evidencia a migração
interna dos pescadores e nativos para as áreas interiores da localidade, ocorrendo a
apropriação do litoral de Búzios pelos que vinham de fora - ver Figura 01. Esse
afastamento do cleo original dos nativos acontecia por meio de ofertas atraentes
para a venda de suas propriedades, com conseqüências sócio-territoriais
irreversíveis.
82
Figura 01: Síntese esquemática da evolução da ocupação e remanejamentos
de grupos sociais em Búzios (décadas de 60 a 90)
Elaboração própria com base nos dados contidos em CUNHA, 2002 e 1997; CARNEIRO, 1997;
JUSTUS, 1996 e informações obtidas diretamente na Secretaria de Turismo de Armação dos Búzios -
SECTUR / PMAB.
83
Ainda na década de 70, a hoje famosa rua das Pedras
48
recebe blocos
irregulares de pedra - com o intuito de diminuir a velocidade dos veículos de
passagem - visando a criação de comércio sofisticado mediante a substituição
gradual das casas de pescadores e residências de veranistas, ainda ali localizadas
(CUNHA, 2002b). Podemos entender os processos ocorridos na Rua das Pedras em
sintonia ao fenômeno que alguns autores denominam de gentrification (termo
originalmente proposto por Ruth Glass em estudo sobre Londres, em 1964) ou
gentrificação
49
.
A gentrificação, teoricamente estudada decorreria de processos que
entraram para a pauta de políticas públicas através dos conceitos de revitalização,
renovação, requalificação ou reabilitação urbana de áreas degradadas (normalmente
as áreas centrais das grandes cidades), que promoviam o retorno ao centro das
classes mais abastadas.
Apesar de zios não ser um grande centro urbano e da rua das Pedras
nunca ter sido considerada uma área degradada, podemos entender o tipo de
intervenção urbana empreendido ali, em sua área central, como renovação e
requalificação urbanas no sentido de que a primeira denomina o processo de
48
A rua das Pedras, hoje a mais badalada da cidade de Búzios, era, na década de 60, apenas uma
passagem em terra-batida a caminho do mar, com casas de pescadores nativos (só umas 10) com
pitangueiras no quintal de areia. O comércio chegou com o armazém de secos & molhados do seu
Antônio Alípio da Silva e, depois, mais adiante, com o Bar Central, lugar de comes & muitos bebes
dos boêmios locais. As pedras da rua chegaram bem depois, na década de 70, iniciativa do
falecido empresário carioca César Thedim, junto com o arquiteto Octávio Raja Gabaglia. A colocação
dos pés-de-moleque permitiu a circulação dos veículos dos poucos forasteiros da época.
49
No caso da cidades latino-americanas, os projetos de revitalização ou regeneração urbana
objetivam preservar ou restaurar os “espaços de interesse histórico”, fomentar atividades ligadas ao
turismo, lazer e cultura. A ação de gentrificação de lugares consiste, bastante resumidamente, na
substituição da população de classe de renda mais baixa para as mais abastadas. Cumpre ressaltar
que o processo gentrificação (originado do termo gentrification) de Armação dos Búzios possui nexos
existentes entre a turistificação, ao papel cada vez mais importante do capital imobiliário na
reprodução do capital e à competição entre lugares por atração de pessoas e investimentos.
84
substituição das formas urbanas existentes por outras modernas (GOULART, 2005)
e a segunda “engloba processos de alteração em uma área urbana com o fim de
conferir-lhe nova função (ou novas funções), diferente(s) daquela(s) pré-existente(s)
(ibid., p. 2).
Ainda que a colocação das pedras não tenha promovido o retorno da
moradia da população de alto status à área central, esta intervenção impulsionou a
substituição das classes populares pelas classes abastadas e a propagação de
estabelecimentos de consumo de luxo. Assim sendo, considerando a rua das Pedras
podemos reconhecer o teor da transformação ocorrida com a noção de gentrificação
de consumo que a intervenção realizada visou atender às classes médias e altas
através da abertura de lojas sofisticadas, restaurantes, cafés, livrarias, elegantes
mercados, boutiques, neste caso em específico, em associação com a turistificação
do território
50
. Entendemos, assim, que essas mudanças significativas de uso não
são acidentes. Encontram-se enraizadas na reestruturação da sociedade capitalista,
terminando por transformar muitos espaços em “playgrounds da burguesia”
(SÁNCHEZ, 2003, p. 515).
Com a exclusão dos antigos moradores do processo de desenvolvimento,
estes passam a habitar, em grande maioria, áreas periféricas com infra-estrutura
urbana precária, sendo cada vez mais dificultada a tradicional atividade pesqueira.
Entendemos que o processo de urbanização da cidade privilegiou o
território utilizado pelos visitantes (que compreende os núcleos urbanos populares
50
No que diz respeito à forma-estética-conteúdo, a rua das Pedras é contemplada como um espaço
significativo por representar, hoje, o poder hegemônico territorializado, sendo a concentração dos
sentidos e os serviços para sua atividade econômica hegemonizados em sintonia com as atuais
premissas mercadológicas.
85
dos Ossos, Armação, Centro e Manguinhos) - e onde concentram-se estrangeiros e
grupos detentores da renda mais alta do município. A corrida imobiliária e as ações
especulativas acabaram por ampliar os contrastes sociais, que os loteamentos e
condomínios aumentam o valor da terra, ampliam ainda mais a desigualdade social
e fragilizam a população de renda mais baixa, que é forçada a habitar em áreas não
infra-estruturadas, localizadas, em grande maioria, na porção continental do
município.
Os pescadores, da antiga aldeia dos pescadores, tiveram que se adaptar
a um novo modelo econômico ditado pela indústria do turismo, que os peixes não
existem mais em fartura como antes, devido à poluição das praias e ao intenso
movimento dos barcos e transatlânticos. Os nativos, quando não são trabalhadores
assalariados a serviço das atividades advindas com a nova economia (serviço de
caseiro, ambulantes e prestações de serviços), passam a alugar suas propriedades
ou equipamentos. Os barcos dos pescadores, que antes tiravam seu sustento do
mar, agora o utilizados em passeios para turistas. Desse modo, a aldeia dos
pescadores adquire novos comandos, novos donos. Assim, entendemos que as
imagens / representações sociais dominantes de Búzios foram prioritariamente
construídas para o olhar externo (investidores, prestadores de serviços, novos
moradores das classes média e alta e turistas), mesmo quando parecem valorizar as
atividades tradicionais do lugar.
Os investimentos espacialmente concentrados, seguindo a fragmentação
elitizada do espaço buziano, ampliam as diferenças sociais no que concerne ao
usufruto da cidade, promovendo a divisão social do território, onde para as classes
86
menos abastadas são destinados apenas serviços básicos de sobrevivência, quando
existem, enquanto amplia-se a produção lúdica do espaço buziano para o turismo,
com elevado grau de sofisticação. Essa política revela o Estado como o maior
promotor de diferenças sócio-espaciais, onde o capital público acaba sendo
apropriado por empreendedores e investidores particulares, que a administração
oferece infra-estrutura para o desenvolvimento de negócios, em detrimento da
superação das carências existentes nos territórios das classes populares, do nativo,
do pescador.
Compreendemos, nessa direção, que os investimentos que propiciam a
eficiência do turismo escolhem alocar-se em territórios ocupados ou utilizados pelas
classe média e alta, reforçando a desigualdade social, através de um pacto intra-
elites que envolve o Estado.
O Atlas de Desenvolvimento Humano
51
apresenta as seguintes
informações relativas ao município de zios: entre os dois últimos censos, embora
a renda per capita média do município crescesse 69,32%, passando de R$ 222,17
em 1991 para R$ 376,18 em 2000 e a pobreza
52
diminuísse 24,15%, passando de
24,1% em 1991 para 18,3% em 2000, a desigualdade social cresceu: o Índice de
Gini
53
passou de 0,54 em 1991 para 0,59 em 2000 (Ver Tabela 08 e Gráfico 12).
Assim, a apropriação da renda em Búzios segue a tendência mundial, concentrando-
51
Apud RIO DE JANEIRO (Estado), 2004.
52
A pobreza é medida pela proporção de pessoas com renda domiciliar per capita inferior a R$ 75,50,
equivalente à metade do salário mínimo, vigente em agosto de 2000.
53
A interpretação do índice Gini dá-se entre resultados que variam entre 0 (zero) e 1 (um): quanto
mais próximo de 1 (um), maior a desigualdade e quanto mais próximo de 0 (zero), maior o equilíbrio,
ou seja, o índice 0 (zero) representa uma distribuição absolutamente isonômica dos recursos,
enquanto o índice 1 (um) representa a concentração de todos os recursos nas mãos de um único
indivíduo.
87
se em uma pequena minoria de privilegiados. Por outro lado, desconhece-se o
volume de riqueza extrovertida, ou seja, aquele que é apropriado pelas cadeias
transnacionais dos serviços turísticos e por investidores que não habitam no lugar.
Tabela 08 - Desigualdade de renda apropriada por estratos de população -
Índice Gini de Armação dos Búzios (1991/2000)
1991
2000
VARIAÇÃO (%)
20% + RICOS
58,7
63,7
8,52
80% + POBRES
41,3
36,3
-12,11
60% + POBRES
24,3
19,4
-20,16
40% + POBRES
11,8
9,1
-22,88
20% + POBRES
4,3
2,5
-41,86
Fonte: RIO DE JANEIRO (Estado), 2004.
Gráfico 12: Variação do índice Gini em Armação dos Búzios - 1991-2000.
VARIAÇÃO DO ÍNDICE GINI EM ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
INTERVALO DE 1991 A 2000
58,7
41,3
24,3
11,8
4,3
63,7
36,3
19,4
9,1
2,5
-12,11
-20,16
-22,88
-41,86
8,52
20% + RICOS
80% +
POBRES
60% +
POBRES
40% +
POBRES
20% +
POBRES
CATEGORIAS
VALORES
1991 2000 VARIAÇÃO (%)
Elaboração própria com base nos dados em RIO DE JANEIRO (Estado), 2004.
Com base nesses dados, reconhecemos que, apesar da projeção
imagética de balneário sofisticado, paraíso natural, onde os amores acontecem em
88
um ambiente envolto em glamour, os mesmos padrões de desigualdade e
segregação social que ocorrem em grande escala no país, repetem-se em Búzios. A
dura realidade social, provocada pelo turismo e pela urbanização acelerada, foi fruto
de um modelo de desenvolvimento contraditório. A veiculação da imagem da cidade
como, ao mesmo tempo, simples e sofisticada produziu duas realidades distintas,
onde uma fração é identificada como pertencente ao território de Búzios, em
detrimento da porção menos abastada, que é oculta e também instrumentalizada
nas referências à cidade
54
. Evidentemente, o simples apropriado e vendido perde
suas características originais, amoldando-se à carência e a pobreza.
É no tocante às contradições mascaradas na produção da imagem de
Búzios que nossas hipóteses ganham sustento, que, por trás do discurso
hegemônico, a cidade apresenta problemas comuns às grandes cidades brasileiras
submetidas a intenso ritmo de crescimento, estimulado pela modernização
excludente.
1.4.2 O projeto de apropriação e uso do solo urbano: a transnacionalização
do território
Até o final dos anos oitenta, a população de Búzios concentrava-se na
porção peninsular do território. Contudo, a partir da última década, com o aumento
das migrações provocadas pela busca de trabalho, as áreas da Rasa, Cem Braças e
Capão passaram a ser ocupadas e, atualmente, constituem parte considerável da
54
Não nada de novo no jogo de “descartar o que não se quer ver”. Esta prática está na gênese da
nossa “cidade moderna”, como, por exemplo, no Rio de Janeiro. Desde o início do século XX, com
Pereira Passos, que as elites e o Estado buscam “esconder” os pobres fora das áreas centrais, nas
periferias, ao mesmo tempo em que permanecem referências positivas à cultura popular.
89
área urbanizada (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a). Talvez o grande
contingente de trabalhadores, que se dirige a estas áreas seja atraído pela própria
projeção da imagem da cidade, veiculada como “chique, charmosa, rica e próspera”
(ver Figura 01 anteriormente apresentada).
Essa periferia desassistida, instalada na porção continental do município
é formada, na maioria, por migrantes do norte do Estado do Rio de Janeiro,
principalmente do município de Campos dos Goytacazes. Este contingente chegou à
procura de trabalho na alta temporada ou na construção civil ou, ainda, em busca de
escola para os filhos. também, um cleo de migrantes nordestinos estabelecido
na Rasa (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a) - Para localizar a Rasa,
ver Mapa 02 (anteriormente apresentado) que registra a divisão por bairros.
Essa ocupação acontece na parte continental do município, enquanto que
a população mais abastada estabelece-se na península. A cidade assume, na nossa
perspectiva, um aspecto dual, inscrito no uso / apropriação do território, com reflexos
na construção da imagem de Búzios. Trata-se da fragmentação do território em
porção peninsular e porção continental e, assim, da ruptura da solidariedade sócio-
territorial do lugar.
As diferenças nas condições de vida, entre a península e o continente,
obviamente, são fruto de decisões administrativas. Resultam de embates político-
sociais, onde a escolha, para a localização de investimentos, aponta nitidamente
para a porção peninsular do município. Esta é justamente a fração do território
selecionada para representar a cidade como um todo. Ao considerarmos que a
península constitui, aproximadamente apenas 18% do território municipal e o
90
continente os outros 82%, é possível reconhecer, em Búzios, uma excepcional
representação físico-simbólica da concentração da riqueza nas os de uma
minoria. A periferia buziana - lê-se o continente - ocupa áreas sem serviços e infra-
estrutura, apoiando o lucro dos grupos empresariais pela venda de mão de obra
barata para pousadas, comércio e serviços em geral.
Entendemos, nessa linha de reflexão, que a transnacionalização de
Búzios é diretamente responsável pela fragmentação territorial e pela segregação
sócio-espacial das camadas populares. Notadamente, os imigrantes argentinos,
franceses, suíços, alemães fixaram residência e montaram negócios em Búzios.
Porém, a grande concentração dos investimentos na porção peninsular do território
de Búzios, com maior intensidade na rua das Pedras, acarretou a dolarização da
economia (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a) e a expulsão gradativa,
das áreas litorâneas, das pequenas atividades tradicionais e dos pescadores.
A fragmentação do território, em primeira análise, apresenta-se, portanto,
na fratura do território de Búzios em península e continente. Tal fragmentação dá-se
pelo ocultamento mútuo das duas faces da cidade.
Ressaltamos aqui, porém, que, na nossa visão, a fragmentação territorial,
pretendida pelo projeto dominante, que corresponde aos interesses hegemônicos,
encontra resistências que têm origem nas táticas populares de apropriação do
território.
A imagem hegemônica tenta suplantar e subordinar as diversas visões de
mundo, integrantes do complexo mundo urbano que se constituem como
resistências ao imperativo jogo do poder. Essa face que resiste às imposições dos
91
modelos dominantes ganha relevância, com a leitura da multiplicidade de sujeitos e
interesses presentes no lugar. A cidade, sobretudo a cidade grande, revela-se como
diversidade sócio-espacial e, por constituir o palco de todos os capitais de todas as
atividades, é que é possível a atração e o acolhimento dos pobres. É justamente na
presença dos menos abastados que “tanto se ampliam a necessidade e as formas
da divisão do trabalho, como possibilidades e as vias da intersubjetividade e da
interação” (SANTOS, 2004, p. 323). Assim, segundo Santos (2004),
[...] a cidade grande é um enorme espaço banal, o mais significativo
dos lugares. Todos os capitais, todos os trabalhos, todas as técnicas
e formas de organização podem se instalar, conviver, prosperar.
Nos tempos de hoje, a cidade grande é o espaço onde os fracos
podem subsistir (SANTOS, 2004, p. 322).
Desse modo, o espaço banal ou espaço de todos trata da totalidade
social, complexa e divergente. Sendo assim, na direção analítica apontada por
Milton Santos (1994), a velocidade imposta pelo tempo rápido da competitividade,
sofre a resistência de uma força contrária, de uma outra temporalidade,
potencializada, inclusive, pela chegada incessante de migrantes à cidade. O
aumento do número de homens comuns torna maior a diversidade dos sujeitos co-
presentes e, conseqüentemente, as diferentes representações do lugar. Para este
autor, é na resistência à rapidez da competitividade que reside a força dos “lentos”,
dos homens comuns
55
.
Assim, denomina-se homem lento, o agente que trata de desvendar meios
e recursos essenciais à luta cotidiana pela sobrevivência instaurando a luta contra-
hegemônica. A coexistência de meios de sobrevivência e a luta pela apropriação
55
A mundialização multiplica o número de vetores e, na verdade, aumenta as distâncias entre
instituições e pessoas. Ubiqüidade, aldeia global, instantaneidade são, para o homem comum,
apenas uma fábula (SANTOS, 1994).
92
dos recursos territorializados, torna possível o reconhecimento de tensões e
conflitos, construindo ou fragilizando o consenso que sustenta a legitimação do
pensamento único do lugar.
Para Santos, a própria facilidade e mobilidade dos que detêm a
velocidade fazem com que pouco presenciem a cidade e facilitam a perdição destes
no próprio convio com as imagens pré-fabricadas. Ao contrário, para os homens
lentos, essas imagens são miragens. Assim, estes homens terminam por reconhecê-
las como fabulações (SANTOS, 1994, p. 84). Nos termos originais,
Se velocidade é força, o pobre, quase imóvel na grande cidade, seria
o fraco, enquanto os ricos empanturrados e as gordas classes
médias seriam os fortes.
Creio, porém, que na cidade, na grande cidade atual, tudo se ao
contrário. A força é dos lentos” e não dos que detêm a velocidade
[...] Quem, na cidade, tem mobilidade - e pode percorrê-la e
esquadrinhá-la - acaba por ver pouco da cidade e do Mundo. Sua
comunhão com as imagens, freqüentemente prefabricadas, é sua
perdição. Seu conforto, que não desejam perder, vem exatamente do
convívio com essas imagens. Os homens “lentos”, por seu turno,
para quem essas imagens são miragens, não podem, por muito
tempo, estar em face com esse imaginário perverso e acabam
descobrindo fabulações (SANTOS, 1994, p. 84).
Segundo este autor, o homem lento virá construir o período histórico
posterior ao que vivemos atualmente, denominado de período popular da história
(SANTOS, 2000).
Entendemos, com essa orientação, que, embora com forte adesão social,
a imagem hegemônica de zios não é absorvida na totalidade social, coexistindo,
no espaço vivido, diversas visões de mundo, discursos fragmentários, relativos às
representações buzianas que conseguem se manter à margem da ideologia ali
disseminada, de modo tão veemente.
93
Em outras palavras, o movimento vertical da cultura das massas,
difundida pelos meios de comunicação e seu maquinário informacional, tenta impor-
se sobre a cultura popular orientado pelas premissas do mercado. Entretanto, essa
conquista não é completa. O entusiasmo da vida cotidiana e o reuso comum opõem-
se ao pensamento dominante conduzindo as práticas populares de subsistência.
É possível reconhecer formas de resistência frente aos interesses
hegemônicos em Búzios. Um exemplo, é a posição assumida pelos pescadores e
ambientalistas em relação à atividade turística dos transatlânticos na costa buziana.
Estes advertem que a ancoragem dos navios muito junto à costa, provoca danos ao
ecossistema marinho, o que prejudica a pesca.
As embarcações têm em média 9 metros de calado e param em
trechos com 14 metros de profundidade. A hélice fica próxima do
fundo e provoca o efeito de um liquidificador (pescador Luiz Carlos
de Carvalho, da Colônia Z-23 em depoimento para Veja Rio,
28/12/2005).
As âncoras formam crateras e as hélices destroem ovas. Isso está
prejudicando a pesca de arrasto no local, diz (pescador Amilton Faria
- ibid.).
Do outro lado da questão, estão a Associação Comercial, a Prefeitura de
Armação dos zios, as grandes empresas turísticas e a Associação Brasileira de
Terminais de Cruzeiros Marítimos em Portos Turísticos. Para este grupo, os
interesses voltam-se para a otimização do turismo na alta temporada. Nesta visão, o
turismo marítimo
94
[...] é ótimo para os negócios e divulga a cidade (Armando
Ehrenfreund, presidente da Associação Comercial de Búzios em
depoimento para Veja Rio, 28/12/2005).
Gostaríamos de esclarecer que o turismo marítimo gera empregos e
recursos para o município e que a prefeitura ampliará o cais para que
na próxima temporada os turistas tenham mais conforto no
desembarque (Claudia Morgado, diretora de Meio Ambiente da
Prefeitura de Armação dos Búzios em depoimento para Veja Rio
11/01/2006).
Novamente observamos o discurso sobre a geração de emprego e renda
e o financiamento do poder público voltado para atividades vinculadas ao capital
estrangeiro e que privilegiam os turistas em detrimento dos locais, sobretudo, os
pescadores.
95
CAPÍTULO 2 A RE-INVENÇÃO DA CIDADE: ESTRATÉGIAS PARA
A PROMOÇÃO DO LUGAR
Chegamos agora, e isso é uma característica das cidades
contemporâneas, à presença da dialética massas-tribos. Sendo a
massa o pólo englobante, e a tribo o pólo da cristalização particular,
toda a vida social se organiza em torno desses dois pólos num
movimento sem fim. Movimento mais ou menos rápido, mais ou
menos intenso, mais ou menos estressante” conforme os lugares e
as pessoas. De certo modo, a ética do instante, induzida por esse
movimento sem fim, permite conciliar a estática (espaços estruturas)
e a dinâmica (histórias, descontinuidades) que em geral propomos
como antinômicas. Ao lado de conjuntos civilizacionais, que serão
‘reacionários’, isto é, privilegiarão o passado, a tradição, a inscrição
espacial e, ao lado de conjuntos ‘progressistas’, que acentuarão os
tempos vindouros, o progresso e a corrida para o futuro, podemos
imaginar agregações sociais que reúnam ‘contraditoriamente’ estas
duas perspectivas e, sendo assim, farão da ‘conquista do presente’
seu valor essencial (MAFFESOLI).
Este capítulo destina-se à análise de processos abrangentes, mas
relacionados ao nosso objeto de estudo. Abordaremos os instrumentos acionados
para a reconstrução da imagem e a legitimação do processo de reinvenção da
cidade de Armação dos Búzios, condicionadas pela reprodução simbólica da
sociedade local.
Para tal, buscaremos evidenciar a emergência da cultura em proximidade
- quase hibridação - com a economia (DEBORD, 1997; ARANTES, 2000; SÁNCHEZ,
2003), observável, empiricamente através da produção de signos e do espaço da
cidade para o mercado.
Guy Debord previu, na Sociedade do Espetáculo (1997, p.126-127), que a
cultura tornar-se-ia a “mercadoria vedete” no atual período da evolução do
capitalismo, desempenhando o papel similar do antes desempenhado pela estrada
96
de ferro e pelo automóvel no processo de acumulação. A centralidade que a cultura
assume na atualidade também foi tratada por Arantes (2000), quando esta autora
indica que estaríamos vivendo uma época de cultural turn
56
, que imprime, a esta
esfera, papel preponderante na engrenagem da gestão urbana.
A “invenção do cultural”, no dizer de Arantes (2000, p. 45), acabou por
produzir também uma nova classe de intermediários culturais, produtora e
monopolizadora de sentido dos bens materiais e imateriais e capaz de culturalizar
interesses privados, transformando-os em interesses coletivos.
Neste contexto, os veículos de comunicação de massa adquirem
crescente função cultural e política atuando como instrumentos fundamentais na
formatação do imaginário social e construindo imagens oficiais da cidade. Assim,
reconhecemos a influência e expansão da esfera cultural através dos canais de
comunicação e informação, que propagam a ideologia e as experiências urbanas
relevantes à construção e ao alargamento da influência exercida pelo pensamento
hegemônico.
2.1 A produção da imagem de Búzios: reduções e formação da
ideologia local
A produção simbólica, associada a Búzios, parece próxima de uma de
suas exeqüíveis funções: a da dominação social. Afinal, existem claras relações
entre os símbolos produzidos e os interesses da classe dominante. A cultura
dominante promove a preservação das diferenças entre as classes sociais e a
56
“A denominação cultural turn surgiu nos meios de esquerda dos campi anglo-americanos, nos anos
1980, designando uma dessas mudanças ditas revolucionárias de paradigma, graças à qual tudo teria
se tornado “cultural” (ARANTES, 2000, p. 39).
97
desmobilização dos dominados (falsa consciência ou êxito de somente uma versão
possível da realidade social). Na visão de Bourdieu (1989, p. 10-11), a cultura
dominante, mediante o exercício da comunicação, dissimula a divisão social dos
recursos e das oportunidades. A cultura une (assegurando uma comunicação
imediata entre todos os membros da classe dominante, contribuindo para a
integração de seus membros) e também separa (distinguindo-os das outras classes
sociais). Essa dupla função da cultura “legitima as distinções, compelindo todas as
culturas (designadas como subculturas) a definirem-se pela sua distância em relação
à cultura dominante” (BOURDIEU, p. 11).
Para a análise da produção da imagem de Búzios, apoiamo-nos na noção
de imagem-síntese proposta por Ribeiro (1988). Para esta autora, a recorrência de
afirmações genéricas sobre o lugar cristalizam estereótipos e sínteses quotidianas.
Deste modo, a sintetização da vida social condensa determinados ângulos tornando-
os dominantes através de “processos de exemplificação, seleção, inclusão e
omissão de espaços e de ângulos das práticas sociais e culturais” (RIBEIRO, p. 21).
O formato facilmente assimilável das imagens-sínteses impulsionam a
adesão social
57
e fortalecem os mecanismos de poder articulados pela comunicação
moderna e pela base técnico-científica. Obviamente, este processo é desigual:
57
Para Ribeiro, a absorção das imagens-sínteses ocorre “pelos fatores históricos de desarticulação
de tecido social e espacial urbano-metropolitano[...]; pela presença de novos interesses econômicos
diretamente situados na esfera da cultura e da ideologia e pela resistência à transformação
decorrente dos processos históricos de consolidação da escala metropolitana, que limitam o caráter
inovador do espaço urbano” (1988, p. 18). Entendemos que, apesar de não ser uma metrópole,
Búzios apresenta a desarticulação de seu tecido social e espacial e enfrenta situações similares às
vividas em escalas metropolitanas de vida.
98
[...] as idéias coletivas sobre o espaço vivido [...] constituem a
expressão de possibilidades sociais desiguais de comunicação, de
absorção, de preconceitos ou de interferência na produção de
imagens sintéticas da vida coletiva (RIBEIRO, 1988, p. 14).
No plano físico, a apropriação dos recursos territoriais locais em estreita
relação com a dinâmica do poder, dá-se em conexão com o incremento do turismo
como meio de obtenção de maiores ganhos pela classe dominante buziana. Búzios
tem sido inscrita, através dos grupos locais mais poderosos, em uma ampla disputa,
entre cidades, pela imagem vendável - representações consumíveis. Trata-se de
uma disputa que acontece em escalas progressivamente mais abrangentes.
Dessa maneira, para a potencialização da venda das cidades, “uma
combinação de transformações materiais e representações, reunidas em imagens-
síntese, são acionadas como atributos mercadológicos do produto-cidade,
construído por meio de [...] city marketing” (SÁNCHEZ, 2003, p. 548), que constitui
num instrumento de difusão de representações objetivadas tornadas hegemônicas.
Assim, para a construção da zios-mercadoria para o mercado mundial, a indústria
da produção de imagens conduz, através de signos, os sentidos associados ao
lugar. Esta é uma criação cognitiva, reconhecível a partir de meados da década de
60, que decorre da primeira grande aparição do lugarejo na mídia, causada pela
dupla estadia de Brigitte Bardot no lugar
58
.
A construção dessas imagens-sínteses expressa valores de cada período
histórico, implicando em mutações constantes, decorrentes das conjunturas
econômicas, culturais, políticas e espaciais. Desse modo, a construção da imagem
de Búzios evoca diferentes sentidos, de acordo com o período refletido. Assim, é
58
Conforme já explicitado antes, no Capítulo 1 - A modernização de Búzios: a retórica da identidade.
99
possível identificar a mutação imagética, gerada por agentes econômicos e atores
políticos, de Armação dos Búzios ao longo do tempo:
100
Quadro 02: Momentos inaugurais de imagens-síntese de Búzios (1964 a 2004)
IMAGENS-
SÍNTESES
MOMENTO INAUGURAL E ESPECIFICAÇÕES
Búzios: aldeia dos
pescadores
a partir de 1964 com a chegada de Brigitte Bardot, como descrição adotada do lugarejo.
Búzios: paraíso
natural
Idem.
Cidade dos
amores ([im]
possíveis)
Aparece mais fortemente depois do assassinato de Ângela Diniz, em 1976. Superposição
das representações entre os romances vividos por Brigitte Bardot e Ângela Diniz.
Búzios, cidade
cosmopolita,
multicultural
Evocada mais fortemente a partir da década de 70, com a “tomada dos argentinos”.
Búzios: balneário
sofisticado
Aparece, a partir da década de 70, agregando a idéia de sofisticação em articulação com
a presença da cultura estrangeira.
Búzios: pequena
Babel
Inaugurada na década de 70. Utiliza-se coligando as idéia de lugarejo, aldeia, com a
globalização ou “estrangeirização” do lugar.
Búzios: Aldeia
Global
Idem.
Búzios: “Saint
Tropez do Brasil"
Aparece a partir da década de 90, com maior ou menor intensidade nos vários períodos,
retomando em 2000 com políticas para atração de estrangeiros, associando a imagem
de outras cidades à Búzios.
Búzios: “ Côte
D’Azur” brasileira
Idem.
Búzios: “Cidade
do Sol”
Essa imagem constitui-se em subproduto da proposta de mudança da nomenclatura da
Região dos Lagos para Costa do Sol, durante a década de 90.
Búzios: O
“Himalaia
Brasileiro”
Essa comparação surgiu como desmembramento de um estudo científico (ver item
2.1.2) realizado em 2001 sobre as rochas de Búzios, na tentativa de criar uma nova
especialidade turística.
Búzios: turismo
de qualidade
Evocada mais nitidamente a partir da década de 90. Necessidade de atribuir um sentido
profissional ao turismo buziano, objetivando garantir a presença do turista capaz de
dispender grandes somas em suas visitas ao município
Búzios -
qualidade
Idem.
Búzios, cidade-
qualidade de vida
Evocada mais nitidamente a partir da década de 90. Com o Plano Estratégico de Búzios,
em 1994 e com o Plano Diretor, em 2001 (o slogan da Prefeitura era Por uma melhor
qualidade de vida”).
Búzios, cidade
sustentável
Inaugurada com a importação do discurso da sustentabilidade na década de 90.
Oficialmente e mais claramente, a sustentabilidade aparece em Búzios com o Plano
Estratégico de Búzios (PEB), em 1994 e o Plano Diretor de Desenvolvimento
Sustentável de Armação dos Búzios, em 2001.
Elaboração própria a partir de pesquisas diversas.
101
Entendemos este conjunto de imagens-síntese como expressão do
projeto da classe dominante para a continuidade e a renovação do poder de atração
de Búzios, articuladas à fabricação e à conservação do discurso da vocação turística
do lugar.
Juntamente com esse rol de imagens e, seguindo o mesmo princípio,
surgem materializações ou intervenções urbanas pontuais, que criam os espaços-
síntese
59
, ou seja, correspondentes físicos dos símbolos expressos pelas imagens-
sintéticas e que reforçam seu papel.
É no nexo formado entre as produções simbólicas e as intervenções no
espaço que percebemos a consolidação de uma ideologia urbana local, formada
pelos grupos que detêm o poder de enunciar os destinos da cidade. Dessa maneira,
reconhecemos a existência de significantes materiais alusivos às imagens-sínteses.
Por conseguinte, a materialidade, os espaços-síntese, reforça o discurso dominante
e este, por sua vez, destaca a potencialidade simbólica da materialidade.
Ao desconsiderar a complexidade do urbano, simplificando a leitura da
cidade, os agentes envolvidos na promoção do lugar simulam uma totalidade, já que
o espaço que valorizam constitui apenas parte de um todo maior, oculto pelo véu
mercantil. Ou seja, estes agentes ocultam grandes parcelas do tecido urbano e
social, que não interessam aos agentes econômicos. Nessa direção, acontecem
reduções que capturam fragmentos do espaço buziano, objetivando a composição
59
Os espaços-sínteses o deixam de ser imagens-sínteses. Daisy Justus (1996, p. 76)
identificava a existência em Búzios de “lugares ou características especiais da cidade que
desempenham em comum um papel de destaque para os habitantes, tanto estrangeiros como locais,
espaços que tem capacidade de recapturar o fato e de reconstruir, incessantemente, um repertório de
referências simbólicas”, como é o caso da rua das Pedras.
102
de uma imagem que simule o todo. Tal composição recorre a um jogo em que se
escolhe o que exaltar e o que ocultar da cidade.
Compartilhamos da perspectiva de Sánchez (2003) quando esta autora
afirma que a leitura do lugar promovida pelas imagens-síntéticas significa uma
violência simbólica, que são ignoradas representações à margem do
pensamento hegemônico, o único aceito na produção da identidade do lugar. Ou,
nas palavras de Bourdieu,
É enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de
comunicação e conhecimento que os <sistemas simbólicos>
cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de
legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a
dominação de uma classe sobre a outra (violência simbólica) dando
reforço da sua própria força às relações de força que as
fundamentam e contribuindo assim, segundo a expressão de Weber,
para a <domesticação dos domesticados> (1989, p. 11).
Essa leitura da cidade, fomentada pelas classes dominantes,
exaustivamente divulgada pelos meios de comunicação e informação, contribui para
que, no plano do imaginário social, as imagens-sínteses ganhem o que Magnani
(1984 apud nchez, 1993, p. 15) denomina de “verossimilhança”, ou seja, o que é
“capaz de parecer-se às representações que se tinha da realidade urbana”
60
(SÁNCHEZ, 1993). Nesta visão, o caráter verossímil das representações dominantes
explicaria a sua capacidade de capturar a opinião pública, embora seja necessário
lembrar que continuam existindo imagens espontâneas construídas com base em
mitos e aspectos parciais de vida do lugar.
60
“O caráter verossímil da linguagem-síntese verbal e visual que configurou a imagem dominante
reside na capacidade que esta teve de ajustar o registro em que foi produzida aos registros daqueles
que passaram a compartilhar suas premissas” (SÁNCHEZ, 1993, p. 15).
103
Assim, algumas formas e elementos físicos significativos e destacados
pelas classes dominantes detêm a capacidade da verossimilhança ao constituírem
como simulacros
61
do real e, sobretudo como significantes de um sentido único e
excepcional atribuído à cidade posta em promoção. Estas formas urbanas passam a
desempenhar a função comprobatória de uma pré-representação anteriormente
absorvida pela projeção da imagem construída de Búzios. Isto posto, a essência das
imagens-síntese revela a
[...] negação da possibilidade de existência de outras imagens e de outras
leituras. Ao operar com imagens-síntese, aqueles que a produzem retiram da
cidade o que lhe é politicamente essencial: a multiplicidade como co-
existência e possibilidade de conflito, de exercício da política (SÁNCHEZ,
2003, p. 121).
Portanto, consideramos as representações, como “expressões da
ideologia” e “fatos essencialmente políticos” (SÁNCHEZ, 2003, p. 121), ao
representarem a totalidade a partir de um fragmento. Reconhecemos, em Búzios, o
exercício de uma hegemonia que oculta diferentes leituras possíveis da cidade.
Sendo assim, as representações e sua tradução material consolidam e criam a
realidade local, impondo uma versão da cidade como sendo um conjunto de signos,
expressivo do consenso harmonicamente alcançado.
2.1.1 Re-invenção da história
“O que é a história senão uma fábula convencionada?” (Napoleão
Bonaparte)
61
Entendemos simulacro como a imagem distorcida ou a simulação do que poderíamos chamar de
real ou autêntico com o intuito de vender um imaginário. Trata-se de imitação ou reprodução simulada
de algo, que pode ser uma imagem, uma edificação, um objeto ou uma ação.
104
A imagem de Búzios procura evocar episódios ocorridos em momentos de
seu passado recente, vinculando à escolha da cidade por famosos, ricos e
influentes, símbolos de status social reunidos num lugar de rara natureza
62
. Mas,
essa volta ao passado, na nossa visão, não contempla a história da cidade em sua
totalidade. Ao contrário, refaz a história de maneira seletiva, excluindo memórias e
práticas populares, o que seria indispensável à realização dos interesses
dominantes.
O passado, ao ser acionado para a construção de identidade, é um
passado recuperado e reconstruído mediante o olhar do presente. Este olhar
contemporâneo é capaz de modificar a própria origem dos fatos (tornando-os
“matéria-prima” moldável) através da transformação do passado em produto de
interesse dos grupos dominantes no presente. Nos termos de Stuart Hall,
As identidades culturais provém de alguma parte, têm histórias. Mas,
como tudo o que é histórico, sofrem transformações constantes.
Longe de fixas eternamente em algum passado essencializado,
estão sujeitas ao continuo “jogo” da história, da cultura e do poder.
As identidades, longe de estarem alicerçadas numa simples
“recuperação” do passado, que espera para ser descoberto e que,
quando o for, de garantir nossa percepção de nós mesmos pela
eternidade, são os nomes que aplicamos às diferentes maneiras
pelas quais nos posicionam e nos posicionamos, nas narrativas do
passado (HALL, 1996, p. 69)
Em seus vínculos com a história, o processo de construção de identidade
apóia-se em transformações, hibridizações. Para Hall, o passado não é um simples
62
Esta imagem, inaugurada amplamente com a visita de Brigitte Bardot, ganha reforço constante na
atualidade. Uma extensa reportagem, de 14 páginas, veiculada na revista Veja Rio, em 08/02/2006)
indicava os melhores points, pousadas, restaurantes e os famosos que transitaram por Búzios no
último verão, considerados habituès do local. O título anunciava: Verão em Búzios: o balneário, cada
ano mais concorrido, ainda é o principal refúgio dos cariocas bonitos e famosos. Dentre os famosos
assíduos do balneário destacados na reportagem, estavam Juliana Paes, Marcio Garcia e família,
Carolina Dieckmann, Cynthia Howlett, Cláudio Heinrich, Toni Ramos, Marcelo Serrado, Joana
Balanguer, Vanessa Machado, Andréa Beltrão, Carolina Ferraz, Felipe Dylon, a apresentadora Ana
Luiza Castro, Luciano Huck e os diretores de TV Wolf Maia e Marcos Paulo.
105
passado factual, “é construído [ou reconstruído] sempre por intermédio de memória,
fantasia, narrativa e mito” (1996, p. 70).
O processo de re-invenção da cidade implica num re-arranjo de suas
bases identitárias ou na fabricação de sua história. Deste modo, toda construção
identitária, em seu processo de criação e reconstrução, utiliza-se de mecanismos de
reiteração de fatos fundamentais práticas e rituais que remetem a eventos
passados, retornados como “memória coletiva”. o enlace da identidade com a
clivagem que garante a preservação da história “desejada” e, portanto, a reafirmação
do poder simbólico. Este compreendido como
[...] poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer
crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste
modo, a acção sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase
mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela
força (física ou econômica), graças ao efeito específico da
mobilização, se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado
como arbitrário (BOURDIEU, 1989, p. 14).
a. A história seletiva: apropriação para a produção física e simbólica do
lugar
Na direção apontada por URRY, identificamos, em Búzios,
posicionamentos estratégicos apoiados na história, visando “fazer do passado uma
mercadoria” (2001, p. 146). Num momento em que tudo é apropriado na intenção de
atrair investimentos e gastos financeiros, a construção da tradição (enquanto
indústria atrativa e produtiva) reafirma valores já antes antidemocráticos, o que
também reprime e controla a cultura do presente (URRY, 2001).
106
Além do discurso e de práticas preservacionistas, identificamos a seleção
de uma versão do passado que se deseja resguardar ou ainda, re-construir,
permitindo novas inserções (simbólicas e espaciais) no lugar. Assim, identificamos
na [re] criação da história de Armação dos Búzios, que a apropriação do passado
encontra-se relacionada às seguintes orientações discursivas
63
:
A ênfase nos amores e nas belas mulheres
A reconstrução histórica ocorre pelo vínculo às musas que marcaram o
lugar com a sua presença, como Brigitte Bardot, Ângela Diniz, Luiza Brunet, para
citar somente três. Os esforços midiáticos dirigidos à continuidade da associação da
imagem de cidade à presença de mulheres bonitas, onde os amores acontecem,
traduzem-se de diversas maneiras. Segundo Dayse Justus,
O Perú Molhado
64
mantêm esse traço da mulher bonita, sensual e
envolvente como símbolo da cidade: raros os números que não
trazem uma grande foto, na ilustração da primeira página, de uma
moça residente ou turista assídua da cidade. A conclusão é que, em
Búzios, ao lado de uma natureza soberba, duas fortes marcas: a
da sedução feminina e a da presença dos estrangeiros (1996, p. 32).
Em associação com a natureza soberba
O discurso, sempre veiculado, que realça a beleza natural de Búzios,
ganha força na atualidade com o advento do ecoturismo e dos esportes de aventura.
63
Segundo Justus (1996), “ao lado de uma natureza soberba duas fortes marcas associadas a
Búzios: a da sedução feminina e a da presença dos estrangeiros”.
64
Jornal de repercussão local, na cidade do Rio de Janeiro e em Buenos Aires.
107
A valorização do cosmopolitismo
Búzios, dizem, é uma esquina do mundo. Ponto de encontro e
mistura de nacionalidades, cores, religiões, moedas, idiomas,
culinárias, modas e talentos. O sucesso de Búzios como grande
centro turístico se fez pela sustentação da marca da
internacionalização: a concentração de estrangeiros é, sem dúvida, a
sua particularidade (JUSTUS, 1996, p. 33).
A conhecida imagem: zios, cidade cosmopolita é fruto da exaltação da
presença de estrangeiros pelos meios de comunicação. A esse respeito, vale
destacar que o multiculturalismo
[...] constitui uma estratégia a mais na elaboração de uma imagem de
cidade atenta aos valores sociais contemporâneos, inserida e
internacional. As imagens enfatizam a importância da diversidade
cultural e das diferenças étnicas, mas recuperam essa diversidade
como um valor a mais da cidade-espetáculo, como recurso
mercadológico (SÁNCHEZ, 2003, p. 532).
O multiculturalismo é, portanto, uma estratégia utilizada no processo de
construção da identidade social. Constitui, portanto, mais um mecanismo para a
obtenção de uma imagem sedutora de cidade.
Os meios de comunicação, a partir da década de 60, sobretudo na
década de 70, passam, então, a inscrever essa exaltada característica nas imagens
sintéticas da cidade: zios: Cidade Cosmopolita, multicultural e pequena babel ou
Praia de Babel. A ênfase na pluralidade cultural, que tornaria Búzios um lugar capaz
de acolher as diferenças, conferiu à cidade uma potente marca, através da relação
entre localidade e cosmopolitismo. A criação dessa marca implica, também, na
associação ao lugar, de atributos ilimitados, que o cosmopolitismo significa a
potencial absorção conjuntural de novos atrativos de investimentos privados,
inovação cultural e fluxos turísticos.
108
b. Símbolos e Estátuas: a cristalização seletiva da história
Em paralelo à difusão das representações de paraíso natural, aldeia dos
pescadores, cidade dos amores e cidade cosmopolita, tem sido implementado um
conjunto de intervenções no espaço, que reforçam e cristalizam a imagem
dominante da cidade de Armação dos Búzios. A materialização de sentidos
simbólicos do lugar implica em reforço do consenso, que garante o fortalecimento da
ideologia dominante e a satisfação dos interesses dos grupos com maior poder
econômico e político.
Na nossa perspectiva, a materialização do sentido produzido para um
lugar constitui um estratagema acionado pela elite e as classes dominantes para
instaurar e garantir o domínio do território e, assim, a apropriação e o controle dos
recursos do lugar.
Fundamentados nesta orientação, observamos que, a partir de 1999, a
paisagem da cidade passou a ser “ornamentada” com estátuas temáticas, que
atualizam o passado no tempo presente. Assim, quando são implantadas as
estátuas, o mito cristaliza-se fisicamente, estabelecendo um sentido estético de
referência para a leitura do lugar. Esta é uma clara manifestação da sagacidade da
classe dominante, que cria a tradução material do relato desejado da formação
sócio-espacial de Búzios.
Assim, podemos entender as estátuas - formas esculpidas - como
materializações correspondentes às imagens-síntese de Búzios, desempenhando,
outrossim, a “condição serena e atemporal de prazeres estéticos burgueses”
(JEUDY, 2005, p. 99).
109
No caso das imagens cidade dos amores impossíveis e aldeia dos
pescadores, as estátuas de Brigitte Bardot e dos pescadores traduzem, de maneira
óbvia, os signos anteriormente desenhados pelas imagens-síntese do lugar.
Implantadas em espaços estrategicamente escolhidos da cidade, as
estátuas temáticas eternizam cenas de um passado recente territorializado. Segundo
Harvey,
[...] um produto explícito da indústria da produção de imagens é o
“simulacro”, “um estado de réplica tão próxima da perfeição que a
diferença entre o original e a cópia é quase impossível de ser
percebida (2004, p. 261).
A cristalização da memória, através da disseminação de estátuas no
território de Búzios é um instrumento material da manutenção desejada da referência
identitária escolhida por uma leitura simbólica claramente seletiva do espaço social.
A primeira escultura encomendada pela prefeitura da cidade, em 1999, foi
a de Brigitte Bardot
65
, grande símbolo da cidade, cercado de “orgulho coletivo”. Este
símbolo materializa-se embasado em um discurso consensual, que, por vezes,
engloba a imagem-síntese da cidade: “a cidade de Brigitte Bardot”. A exaltação de
sua passagem por Búzios reforça, sem dúvida, um “passado gico e glamouroso”,
que lançou as bases para o processo de elitização do lugar.
Lendo a implantação das estátuas no território de Búzios à luz de Zukin
(2003), identificamos aspectos relacionados com o que a autora denomina de
disneyficação dos lugares. Através dessa noção, talvez seja possível reconhecer
65
A escultura de Brigitte Bardot teve por modelo uma foto de Denis Albanèse onde a atriz aparece de
camiseta branca e azul listrada e calça jeans e foi esculpida pela artista plástica Christina Motta. Esta
estátua Bardot foi inaugurada por ocasião do festival de Cinema de 1999, que teve o patrocínio da
Visa. Esse mesmo patrocínio viabilizou as estátuas dos pescadores e do Negro da Rasa (informação
obtida em comunicação pessoal com a artista plástica Christina Motta).
110
que a estátua de Brigitte Bardot está para Búzios assim como o Mickey Mouse está
para Disney World. O valor simbólico desses dois personagens - onde encontra-se a
fronteira de ficção? - foi avidamente conectado a esses dois espaços cujos atrativos
encontram-se continuamente postos à venda.
A perpetuação do vínculo da cidade à imagem de Brigitte Bardot é
alcançada, pelos agentes da administração pública e os segmentos profissionais
conectados ao turismo, através de diversos instrumentos. Identificamos alguns
deles: eventos culturais / exposições de fotos da atriz; supervalorização da pousada
que a hospedou (e do quarto onde dormiu); seguidas lembranças realizadas pelo
Grand Cine Bardot (onde exibe-se permanentemente fotos da musa francesa);
nomeação do caminho da orla como Orla Bardot, e, especialmente, a implantação
da estátua em tamanho natural de Brigitte
66
.
Outra aparição cristalizada na paisagem buziana em 2000 relaciona-se à
representação do lugar como aldeia dos pescadores. Tal cristalização ocorre através
das estátuas de três pescadores em tamanho natural, simulando a prática da pesca,
atividade que não mais ocorre no local onde as estátuas foram instaladas. Estas
imagens reforçam o imaginário de Búzios com as idéias-conceitos de simplicidade,
natureza, ritmo lento, passado resguardado para o usufruto do turista.
66
Na estátua da atriz francesa está gravada a inscrição: Brigitte Bardot esteve nesta praia na década
de 60.
111
Foto 06 - Estátua de Brigitte Bardot em tamanho natural, localizada na Orla
Bardot
Arquivo particular, 2005.
Foto 07 - Estátua dos três pescadores, localizada na Armação
Arquivo particular, 2005.
Outras estátuas foram inscritas no espaço buziano marcadamente
impregnadas de sentidos trabalhados por imagens-síntese do lugar. Desse modo,
o espaço buziano absorve metanarrativas, preservadas e reforçadas por suas
formas. Em 2000, foram implantadas, ainda, estátuas de crianças na praça dos
112
Ossos e, no ano seguinte (2001), a estátua de um negro que segura uma criança ao
alto foi localizada em um ponto focal da Rasa (ver Foto 08). Esta estátua faz alusão
a relatos que afirmam que a povoação desta área teve origem em num quilombo
motivado pelo naufrágio de um navio. Esta versão é criticada por Marcio Werneck
Cunha, historiador da região, (conforme citado no item 1.2), para quem a “maioria
dos antigos escravos reagrupou-se e apossou-se de terras na praia Rasa, passando
a trabalhar em pequenos barcos, na pesca de linha, e na agricultura de subsistência”
(CUNHA, 2002, p. 8).
Foto 08: Estátua do negro que segura criança, localizada na Rasa
Arquivo particular, 2006.
Podemos apreender as conseqüências sócio-econômicas e culturais
destas intervenções no território de Búzios, fundamentadas numa história reificada
do lugar, através da seguinte orientação analítica:
113
A ausência do que foi possibilita qualquer invenção presente da
memória. Assim a sensação de desaparecimento não provoca
nostalgia, mas, ao contrário, provoca efeitos de atualização do local
cuja atração visual está relacionada à exibição presente de sua
metamorfose (JEUDY, 2005, p. 89).
Assim, em 2002, foi implantada a estátua de um profeta em Manguinhos.
Neste mesmo ano, mais estátuas foram instaladas no plano físico da cidade. A rua
das Pedras recebeu intervenções pontuais de estátuas que sugerem a associação
simbólica de cenas bucólicas ao “coração” de Búzios. Estas simulam a aldeia
originária, onde crianças sobem em postes à busca de pipas, bebem água da fonte,
gatos passeiam sob a fachada das edificações mais modernas da cidade revelando,
novamente, ares bucólicos, sofisticados e modernos ao mesmo tempo.
Dando continuidade à prática de pontuar o território buziano com formas
semióticas, em 2003 foi instalada uma estátua de vela estilizada em frente ao Pórtico
de Búzios, inaugurada durante uma regata de windsurf. Esta intervenção
correspondeu à intenção de marcar a cidade como “capital da vela”
67
(ver Foto 09).
67
Referência advinda das diversas práticas esportivas à vela, favorecidas pelos ventos constantes e
propícios. Na estátua em forma de vela, está gravada a inscrição: “’Rei de Búzios’. Uma vez a cada
ano, os melhores windsurfistas reúnem-se em uma competição de técnica e coragem. Partindo de
Manguinhos, os competidores devem contornar uma marca em Geribá e retornar a Manguinhos,
percorrendo um dos mais duros trechos do litoral brasileiro. Pelo grau de dificuldade e pela conquista
do perímetro completo da península, o vencedor e a vencedora recebem o título de ‘Rei e Rainha de
Búzios’ e têm aqui seus nomes eternizados”.
114
Foto 09 - Estátua de vela estilizada, localizada no trevo do Pórtico de Búzios
Arquivo particular, 2006.
Assim, a industria do turismo, juntamente com a administração blica
manipula a imagem buziana, com o objetivo de reconstruir a identidade do lugar e
ampliar sua atratividade. A áurea produzida, cenográfica, cuidadosamente
iluminada, constitui um ambiente ao qual o cidadão é convidado como espectador,
ao mesmo tempo em que este mesmo cidadão surge como personagem na
composição de cenas em que, progressivamente, alienam-se de si mesmos. Desta
maneira, “cumpre-se na cidade-espetáculo o aspecto contemplativo que concebe o
mundo como representação e não como atividade. O encontro de cidadãos é
substituído pela falsa consciência do encontro” (SÁNCHEZ, 2003, p. 498).
115
2.1.2 Apropriação de valores positivos atuais
A procura e a captura de características potencialmente interessantes ao
incremento do rol de atrações da cidade, são realizadas por agentes envolvidos na
produção da imagem, em associação com as agências promotoras do turismo e o
comércio local.
O turismo transforma-se, na atualidade, em produto, em mercadoria. O
valor de uso do território é subordinado ao valor de troca, que o status vinculado
ao produto turístico conduz os processos responsáveis pela valoração do lugar.
Compreendemos que o valor atribuído aos lugares fabricados para o estímulo ao
consumo é composto por fetiches, fantasias, simulacros que reforçam mitos.
As representações sociais sofrem a intervenção de uma recondução
técnica, que orientam a sua exibição como um fator a mais na veiculação da cidade-
mercadoria, envolvida na competição interurbana. Dessa forma, a matéria-prima (a
característica primária do lugar), acrescida de trabalho (formulação técnica de
sentidos e maneiras de apresentação), adquire maior valor econômico e simbólico.
Para fazer perdurar a imagem inaugural ufanística da cidade, a tendência ao
inchaço das imagens e, assim, à proliferação vertiginosa dos signos. Em
aproximação ao panorama vislumbrado por Jeudy, a cidade passa a ser nutrida
[...] de tudo que serve de signo porque tudo é chamado a funcionar
como signo, de forma fugidia ou durável. Este sobrepeso de signos e
de suas potencialidades incomensuráveis passa a traçar as
condições da aventura da percepção cotidiana da cidade (2005, p.
82).
116
Segundo o autor citado, a afirmação das singularidades urbanas sustenta-
se num jogo de “superposição e de condensação de imagens mnemônicas” (2005,
p. 84).
Coerentemente com o exposto, acontecem em Búzios, a partir da década
de 90, apropriações do lugar que expressam o objetivo de exaltar a cidade e,
especialmente, as suas características relacionadas a:
Clima ensolarado com baixa pluviosidade
A Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro, a TURISRIO,
apresenta uma outra divisão do Estado, em contraposição à elaborada pelo IBGE
(Ver Mapa 01), dividida, agora, em treze regiões distintas, conforme seus
respectivos potenciais turísticos: Araruama; Armação dos zios; Arraial do Cabo;
Cabo Frio; Carapebus; Casimiro de Abreu, Barra de São João; Iguaba Grande;
Macaé; Maricá; Quissamã; Rio das Ostras; São Pedro da Aldeia e Saquarema
pertencem, segundo este órgão da administração pública, à Região Turística Costa
do Sol (Ver Mapa 03)
68
.
68
A denominação de Região dos Lagos foi substituída por Região Costa do Sol, com o argumento de
que esta região o possui lagos, mas sim lagunas. Essa alteração pode ser melhor explicada pelos
fins de divulgação turística. Visa ressaltar o clima ensolarado. Essa nova denominação valoriza o
clima, impedindo a associação, principalmente por parte de turistas europeus, entre a presença de
lagos e lagoas e clima frio, nublado.
117
Mapa 03 - Divisão do Estado do Rio de Janeiro em Regiões Turísticas
(TURISRIO) / Localização da Região Turística Costa do Sol
Fonte: RIO DE JANEIRO (Estado), 2004.
A partir da identificação de um clima privilegiado para o turismo de sol e
mar, com baixa pluviosidade
69
e temperatura amena o ano inteiro, os promotores da
imagem de Búzios aliados à indústria turística - bem como seus agentes indiretos e
de atividades correlatas - incorporam, no rol das imagens-sintéticas a representação
cidade do sol. Esta imagem segue, então, o mesmo princípio acionado para a
regionalização (turística) do Estado
70
.
Cidade-sustentável, espaço com qualidade de vida
O discurso da sustentabilidade e da qualidade de vida sustenta-se na
construção de um contraponto com os grandes centros urbanos. A imagem tornada
emblemática de Búzios propõe a competição com as grandes cidades brasileiras no
69
O índice de pluviosidade média anual da Região dos Lagos é de 820mm/ ano, índice mais baixo do
que a média anual de pluviosidade de Angra dos Reis (2241mm/ ano) e da cidade do Rio de Janeiro
(1788mm/ ano) (Plano Estratégico de Búzios - P.E.B., 1996).
70
Denominada de Região Turística Costa do Sol.
118
que se refere aos níveis de poluição, aos engarrafamentos, à violência e todo o
elenco dos problemas urbanos.
O Plano Estratégico de Búzios (PEB - iniciado em 1995) e O Plano Diretor
de Desenvolvimento Sustentável de Armação dos zios (denominação do Plano
Diretor da cidade), que teve início em 2001, reforçam a imagem de cidade
sustentável, procurando ampliar a atração exercida pela cidade, juntamente com a
síntese Búzios, cidade-qualidade de vida (tema abordado mais detalhadamente no
item 4.3.2).
Geologia ímpar - Projeto Caminhos Geológicos
71
.
O meio científico também tem sido fonte de inspiração para a preservação
e promoção da imagem da cidade. Assim, obedecendo ao apelo representado por
um possível interesse turístico, foi criado o Projeto Caminhos Geológicos. O
Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro (DRM RJ), em
parceria com o Departamento de Estradas e Rodagem (DER-RJ,) a TURISRIO e
universidades, instalaram placas explicativas da excepcionalidade geológica de
Búzios na orla Bardot, no Pórtico Turístico, na Ponta da Lagoinha, na Ponta do
Marisco e na Praia Rasa (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a, p. 17).
Com o argumento da existência de uma formação geológica peculiar,
baseado em estudo
72
elaborado pelo Departamento de Recursos Minerais do Estado
71
O projeto Caminhos Geológicos foi criado pelo Departamento de Recursos Minerais do Estado do
Rio de Janeiro (DRM RJ), vinculado à Secretaria da Indústria Naval e do Petróleo (SEINPE) [...]
(ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a, p. 17).
72
SCHMITT, R.S. 2001. A orogenia Búzios - caracterização de um evento tectono-metamórfico no
Domínio Tectônico Cabo Frio sudeste da Faixa Ribeira. Curso de Pós-Graduação em Geologia.
Departamento de Geologia, UFRJ. Tese de Doutorado 271p. Ver também Projeto Caminhos
Geológicos, DRM.
119
do Rio de Janeiro (DRM-RJ), cria-se mais uma imagem-sintética: zios, o Himalaia
brasileiro (Ver Foto 10: zios, o Himalaia brasileiro - Placa instalada no acesso a
Búzios). A comparação se devido à presença de formações rochosas,
denominadas Gnaisses Búzios, comparáveis a rochas existentes no Himalaia.
Foto 10 - Placa indicativa do Projeto Caminhos Geológicos: Armação dos
Búzios, “o Himalaia brasileiro”, instalada no acesso principal à cidade
Fonte: Departamento de Recursos Minerais, DRM - RJ.
Disseminação de eventos temáticos
Consta da agenda dos promotores culturais, a divulgação sistemática de
eventos que distinguiriam os lugares. Em Búzios, essa prática traduz-se na
disseminação de informações sobre festas temáticas, tais como: o Festival de Jazz e
Blues, o Festival de Cinema, o Festival de Gastronomia, a Festa da Nossa Senhora
Desatadora dos Nós
73
, além das competições dos esportes à vela e outras
inovações de cada temporada.
73
A Festa da Nossa Senhora Desatadora dos Nós constitui em apelo ao turismo religioso. Vale
ressaltar, aqui, que a única capela construída no Brasil em homenagem à Santa está localizada em
Búzios.
120
Associação a lugares positivamente avaliados, que
guardariam semelhanças com Búzios
Vimos que duas das imagens sintéticas de Búzios realizam a comparação
da cidade com dois balneários franceses: Búzios: “Saint Tropez do Brasil" > Búzios:
“Côte D’Azur brasileira”. O trecho de reportagem abaixo expõe a atração por Búzios
por sua “proximidade” com Saint Tropez:
Os franceses têm forte atração por penínsulas e Búzios, além de
tudo, ainda tem a vantagem do clima tropical. Pela semelhança da
geografia e do charme, Búzios é conhecida na França como a Saint
Tropez brasileira (Françoise Lindeman em entrevista para o jornal O
Perú Molhado, apud JUSTUS, 1996, p. 71).
Nesta direção, Ycarim Barbosa (2001) recorda que o turismo busca a
superposição de identidades, omitindo singularidades do lugar. Refletindo essas
imagens através das orientações analíticas deste autor, podemos compreender que
o ícone representado por Côte D’Azur ou Saint-Tropez, ao ser vinculado à cidade de
Búzios, instaura o simulacro de lugares famosos ou o não-lugar
74
. Em outras
palavras,
Certos lugares existem pelas palavras que os evocam, são não-
lugares nesse sentido, ou, antes, lugares imaginários, utopias banais,
clichês (AUGÉ, 1994 apud BARBOSA, 2001, p. 60)
Compreendemos, assim, que a similitude estabelecida com um espaço
icônico (Côte D’Azur ou Saint-Tropez) desloca a identidade do lugar,
internacionalizando-o. Assim, compartilhamos da visão de Barbosa, em sua análise
do vínculo entre Côte D’Azur e Búzios, conforme explicitada a seguir:
74
Na visão de Marc Augé, citado em Barbosa, Y. M ., 2001 - ver referências.
121
O nome Côte D’Azur para os antigos moradores de zios, famílias
de pescadores, soa totalmente estranho. O fato mais crítico de toda
essa situação é que uma estrangeira [refere-se à Brigitte Bardot], ao
comparar o lugar em que se encontra com outra localidade que ela já
conhece, acaba fazendo o batismo que ofusca a identidade do
primeiro (BARBOSA, 2001, p. 63).
Cabe lembrar, ainda, a apropriação mercantil da comparação entre Saint
Tropez e Búzios. Em novembro de 2005, representantes destas duas cidades
assinaram um protocolo de intenções no intuito de firmar uma parceria voltada à
mútua promoção (ver Figura 02). Em matéria vinculada no jornal O Perú Molhado
(de 25 de novembro de 2005), foram publicadas as intenções deste protocolo:
Teremos parceria com a hotelaria das duas cidades, que vai
promover a participação conjunta em feiras internacionais de turismo.
Na realidade, temos uma serie de ações que podem ser feitas.
Vamos criar grupos de trabalho, em Búzios e em Saint Tropez,
específicos, para cada tipo de ação. Vamos envolver e discutir
questões de urbanismo, esporte náutico, hotelaria, gastronomia,
etc... São ações de médio e longo prazo, nada será para a semana
que vem, pois os europeus estão acostumados a trabalhar com
profissionalismo, e isso requer tempo, pois as coisas planejadas,
sem improvisos, trazem resultados significativos e, é isso que
buscamos com essa parceria (Armando Ehrenfreund da organização
da recepção da comitiva de Saint Tropez).
122
Figura 02 - “Projeto: cidade irmãs”: vínculo comparativo a Saint-Tropez - busca
de valores positivos, continuidade da construção de cidade atraente e a
produção do não-lugar
Fonte: O Perú Molhado, 21 maio de 2004.
2.2 Direcionamentos do olhar
A produção da imagem da cidade ganha o reforço de mecanismos que
ocultam ao mesmo tempo que revelam paisagens. Como um jogo de quebra-
cabeças, escolhe-se peças a exibir e perde-se propositalmente outras.
123
Podemos observar, através de instrumentos como a fotografia
75
e as
representações iconográficas (mapas), a seleção ou captura do olhar em direção à
verossimilhança desejada para as imagens hegemônicas de zios. Afinal, a
eficiência simbólica destas imagens apóia-se na economia do uso da linguagem
verbal. Trata-se do alcance da adesão a imagens visuais que facilitem o consumo e
a absorção de sentidos.
2.2.1 Seleção fotográfica e venda da paisagem: a orientação do olhar
Fotos aéreas que revelam a beleza geográfica da cidade, a península e
seus recortes, as praias, as lagoas, o encontro das rochas com o mar;
enquadramentos que capturam o pôr do sol denunciando a silhueta de seus morros
e das traineiras em descanso, a iluminação dourada e a aglomeração de pessoas na
rua das Pedras em noites de verão, as mulheres bonitas, as pitadas de
cosmopolitismo com a miscelânea de elementos de culturas variadas “convivendo
em harmonia”, os barcos e as redes de pesca. Estes são alguns dos ângulos
(significantes) selecionados de Búzios, constantemente (ex) postos à venda, visando
(e realizando) a formação da cidade-mercadoria
76
.
Apreendidas em seleções fotográficas, utilizadas em encartes e folders
turísticos, expostas em revistas, jornais e até mesmo nos álbuns particulares de
turistas, algumas paisagens tornadas espetaculares passaram, ao longo do anos, a
simbolizar Búzios. Entendemos que essas paisagens (ou cenas) transformaram-se
75
A utilização do cartão postal está cada vez mais deixado de lado por conta da disseminação de
imagens através da Internet e meios de comunicação de massa.
76
Entendemos a noção de cidade-mercadoria como a tendência em direção à mercandificação da
cidade. A cidade, na nossa visão, não é vendida em si. A cidade, como totalidade, ajuda a vender
muitas coisas, e, para isso, ela é vendida imageticamente. Deste modo, a cidade não é uma total
mercadoria.
124
em uma espécie de convite para futuros visitantes (e motivo de lembrança para
aqueles que estiveram), pelo fato de concretizarem o produto turístico
associado às imagens-síntese (item 2.1.).
A fotografia expressa pedaços miniaturizados (e imobilizados) do real.
Assim compreendida, a foto representa algo que realmente existe, garantindo a
verossimilhança das imagens hegemônicas. “Pensa-se que a câmera não mente”
(URRY, 2001, p. 186).
Sendo assim, a capacidade que a fotografia tem de produzir afirmações /
informações apresenta uma força legitimadora das representações dominantes do
lugar, além de nortear ações de apropriação do território buziano.
Contudo, entendemos que o poder semiológico da fotografia decorre do
seu conteúdo ideológico, expresso na seleção, estruturação e amoldamento daquilo
que será registrado, além da usual tentativa de embelezar o objeto fotografado
(URRY, 2001).
A mensagem absorvida externamente ao lugar, advinda dos meios de
comunicação, não pára por aí. Ela é reproduzida através de processos que
reafirmam o seu conteúdo original, ou seja
uma espécie de círculo hermenêutico envolvido em boa parte do
turismo. Aquilo que se procura durante as férias é um conjunto de
imagens fotográficas, como as que se vêem nos folhetos das
excursões, distribuídos pelas agências de turismo, ou em
propaganda de televisão. Quando o turista está viajando, ele se põe
a buscar essas imagens e as captura para si. No final, os viajantes
demonstram que estiveram realmente em determinado lugar,
exibindo sua versão das imagens que haviam visto originalmente,
antes da viagem (URRY, 2001, p. 187).
125
É essa, aliás, a fórmula dos encartes produzidos pelas agências de
turismo. uma oferta de imagens dos lugares visitados que, por sua vez, orientará
o registro fotográfico do visitante.
Não divergindo dessa tendência, constatamos no texto publicitário do livro
do fotógrafo argentino Aníbal Sciaretta, Búzios Imagens & Cores, o direcionamento
do olhar do turista em associação com as agências do setor.
Chegando em Búzios procure pelo livro do fotógrafo argentino,
radicado no Brasil mais de 20 anos e profundo conhecedor de
Búzios. Através da sua lente, Sciaretta capturou imagens eternas de
Búzios, [...] que demonstram seu talento e sensibilidade. O livro,
lançado recentemente, além de ser útil para conhecer a cidade,
acaba sendo um guia de ângulos para fotografar e serve como
excelente lembrança e presente para os amigos. Está à venda em
vários locais, inclusive nas pousadas da cidade (O grifo é nosso - em
http://www.estradas.com.br/materia_113_buzios.htm, acessado em
01 de novembro de 2005).
Assim, as agências de turismo têm, entre outras funções, aquela de
indicar as fotos que devem ser tiradas. Conforme apontado por Urry, “boa parte do
turismo torna-se uma busca do fotogênico” (2001, p. 187).
A veiculação desses cenários ocasiona o reforço do direcionamento do
olhar. Com este direcionamento, o visitante adquire a certeza de ter feito parte de
uma paisagem tornada símbolo do lugar. Afinal, a sua inclusão pode ser constatada
nos álbuns que eternizarão a paisagem
77
.
77
Vale ressaltar também a existência, na atualidade, de uma tendência inversa à intenção de
dominação através do olhar orientado. Para Jeudy, contemporaneamente, a fotografia profissional
busca fazer falar o que as cidades parecem esconder” (2005, p. 82). Segundo este autor, grande
número de fotógrafos têm insistido nos “‘não-lugares’, nos territórios indefiníveis, continuam
fascinados pelos ‘entre-dois-espaços [...] a fim de provocar e de manter uma sensibilidade própria das
aparições insólitas” (2005, p. 82). Em zios, esta tendência não afirmou-se ainda. Pelo contrário, os
ângulos privilegiados pelos fotógrafos profissionais são aqueles que reforçam a imagem dominante,
focando a arquitetura, os pescadores e, principalmente a beleza natural do lugar.
126
O encontro entre turistas e espaços-síntese produzidos para seduzir e
encantar pode ser verificado em páginas pessoais disponíveis na Internet, conforme
o exemplos abaixo (ver Figura 03 e Foto 11):
Figura 03: Encontro de turistas com imagens pré-conhecidas através dos
roteiros de viagem
Fonte: http://olhanosae.flogbrasil.terra.com.br/foto9901921.html. Encontro de turistas com: (1) Estátua
de Brigitte Bardot; (2) Placa do projeto “Caminhos Geológicos” (DRM).
Foto 11: Encontro de turistas com a estátua de Brigitte Bardot (formação de
fila para tirar fotos)
Arquivo particular, 2006.
1 2
127
A inclusão do turista na paisagem buziana cristaliza a seleção de espaços
através do direcionamento do olhar, desempenhada pela fotografia e pelos roteiros
turísticos. Apesar das imagens dominantes instaurarem (e estimularem) o consumo
que tende à massificação, a inclusão dos turistas na cena buziana, sugere a
personificação do lugar. Trata-se da existência de duas tendências contrárias, que
se dá a nível da dimensão simbólica. A primeira, o consumo de massa, impulsionado
pela imagem dominante e, a segunda, o consumo personalizado do lugar,
estabelecido pela inserção do turista na paisagem.
2.2.2 Representações iconográficas e roteiros turísticos: orientação
do ocultamento
O olhar direcionado pela produção da imagem hegemônica da cidade
possui função específica na construção mental da representação urbana. Esta
premissa referente à imagem construída da cidade também inscreve-se
territorialmente, de forma estudada e planejada.
Consoante a proposta analítica de Otília Arantes, uma das camadas da
troca simbólica desigual “consiste na manipulação de linguagens simbólicas de
exclusão e habilitação” (2000, p. 33). Por conseguinte,
O “visual de uma cidade, bem como a maneira pela qual ela se
deixa por assim dizer manusear, seu aspecto “tátil”, podemos
acrescentar, refletem decisões sobre o que, e quem, pode estar
visível ou não, decisões em suma sobre ordem e desordem, o que
acarreta algo como uma estetização do poder, da qual o desenho
arquitetônico é um dos instrumentos mais aparatosos (O grifo é
nosso - ARANTES, 2000, p. 33).
128
A simbologia segregacionista do espaço buziano denuncia a estética do
poder. Esta estética oculta a parte continental do território, que é indissociável da
porção socialmente valorizada de seu território, a península.
A expressão territorial de Búzios construída pelos grupos sociais
dominantes e pelo Estado é evocada na competição entre cidades pela atração de
investimentos. Estes atores selecionam a porção do território a ser reconhecida
como charmosa, rústico-chique, cosmopolita / multicultural, enfatizando valores
sociais que estimulam o orgulho coletivo. Concomitantemente, esse processo
sedimenta as frações marginalizadas e estigmatizadas da parte continental do
território, habitada, na maioria, pela massa menos abastada do município. Assim é
construído o ocultamento das frações desvalorizadas do território buziano.
Essa parte do território, o continente e as frações estigmatizadas (mesmo
quando inseridas na península), não são apresentadas como constitutivas deste
todo denominado de “Búzios - qualidade”. Entretanto, servem de apoio logístico à
estrutura montada para o turismo, essencialmente localizada na porção peninsular
do município. Apesar da interdependência dessas duas frações do território de
Búzios, o espaço da península é tratado como “o território de Búzios”.
Jean Michel Couve, prefeito de Saint Tropez, em comitiva para firmar a
parceria entre Búzios e Saint Tropez, parece ter percebido que o início da cidade
não acontece no Pórtico.
129
No primeiro dia que chegou a Búzios, o prefeito ficou meio triste
quando viu a entrada da cidade e pensou isso é Búzios?” no
domingo, quando foi jantar no Restaurante Briguitta, no dia seguinte,
quando foi à casa do Octavinho, quando viu o mar e passeou na rua
das Pedras, ele disse que tinha a sensação de ter estado em
Búzios antes (O Perú Molhado, novembro de 2005).
A entrada da cidade não me entusiasmou muito. Depois conheci o
hotel El Cazar, onde estou hospedado. Linda vista pro mar, os
barquinhos. me levaram à praia da Tartaruga, maravilhosa! O
centro da cidade, então, é mágico (O grifo é nosso - Jean Michel
Couve em entrevista para O Perú Molhado, novembro de 2005).
A impressão negativa causada no prefeito pelo lado menos enaltecido da
cidade também atinge aqueles que não seguem os roteiros pré-estabelecidos. Estes
roteiros pinçam fragmentos do território e concebem, de maneira geral, a península
como a porção legítima de Búzios e o continente como algo pra da porta (pórtico)
da cidade.
Reconhecemos, assim, a existência de roteiros turísticos - peninsulares
em grande maioria - que excluem outras (grandes) frações do espaço. Estes
roteiros, representados graficamente (ver Figura 04), acabam por privilegiar aquele
território apresentado como a totalidade buziana, ou que reforçam a afirmação da
imagem hegemônica da cidade.
130
Figura 04: Representações cartográficas e artísticas da “Península dos
Búzios” [1], seus pontos turísticos [2] e ênfase [zoom] nas áreas mais
adensadas e valorizadas [3 e 4].
Fonte: (1) Brasil Turismo, 2001. Produzido por Manolo Caminos; (2) www.buziosdirect.com.br,
acessado em maio de 2005; (3) Mapa turístico produzido por Manolo Caminos, capturado de
www.buziosturismo.com, em abril de 2005; (4) www.interhabit.com, acessado em maio de 2005.
2.2.3 Publicidade: a fusão da cidade-produto ao produto na cidade
Entendemos que a publicidade constitui um discurso portador de sentidos
e valores. Corresponde, portanto, a um forte mecanismo para a propagação da
ideologia dominante com grande influência na ordenação do espaço urbano.
Em nossa avaliação, o recurso publicitário constitui um poderoso
instrumento de lutas simbólicas, inscritas na definição e defesa da ordem social.
Dessa maneira, julgamos profícuo identificar os elos entre as representações
dominantes do lugar e a submissão do valor de uso do espaço ao seu valor de troca.
131
Considerando a feitichização dos bens sociais e naturais e os valores
propagados por uma ideologia globalizante dos desejos e necessidades sociais, não
poderíamos deixar de atentar para a publicidade em sua função de orientar o
consumo, e, assim, estilos de vida e a própria estética.
Isto posto, podemos considerar, lembrando Lefèbvre (2001, p. 64) que
cada “objeto”, cada “bem”, desdobra-se numa realidade e numa imagem. Assim, a
sua realização integra-se a uma produção global desempenhando papel integrador
fundamental em relação a outras atividades sociais produtivas e organizadoras.
Desse modo, ao protagonizar uma sobredeterminação acerca dos modos
de vida e a materialidade urbana, acrescenta-se à publicidade resquícios de
contextos diferenciados, do passado, ou até do futuro, imagens, signos
reprogramados a ganhar nova face apropriada à sociedade posta ao consumo
dirigido
78
. Ao orientar os valores atuais, a publicidade também vai interferir na ordem
criada pela sociedade de consumo. O modo de morar - viver em condomínios
afastados dos diferentes, por exemplo, conforme será tratado no item 3.3.2. -, os
sinônimos de felicidade, o estilo de vida e a estética adequados se dará conforme as
regras do consumo orientado.
Assim, o consumo exacerbado de signos transforma o mundo sensível em
mundo significante categórico, o cidadão em consumidor e, enfim, a cidade em
mercadoria. Na escrita precisa de Lefèbvre,
78
Segundo Lefèbvre, a feitichização da relação formal significante-significado “aceita passivamente a
ideologia do consumo dirigido. Ou antes, ela contribui para tanto. Na ideologia do consumo e no
consumo ‘real’ (entre aspas), o consumo de signos desempenha um papel cada vez maior. Este
consumo não suprime o consumo de espetáculos ‘puros’, sem atividade, sem participação, sem obra
nem produto. Acrescenta-se e se sobrepõe a este como uma sobredeterminação” (2001, p. 64).
132
O signo é comprado e vendido; a linguagem torna-se valor de troca.
Sob a aparência de signos e de significações em geral, são as
significações desta sociedade que são entregues ao consumo. Por
conseguinte, aquele que concebe a cidade e a realidade urbana
como sistema de signos está entregando-as implicitamente ao
consumo como sendo objetos integralmente consumíveis: como valor
de troca em estado puro. Mudando os lugares em signos e valores, o
prático-sensível em significações formais, essa teoria também muda
em puro consumidor de signos aqueles que o percebem (2001, p.
64).
Respaldados no acima exposto, identificamos, na propaganda de
produtos relacionados à cidade de Búzios, a fusão da cidade-produto (Búzios) ao
produto na (ou da) cidade. Essa hibridação, na nossa análise, constrói signos que
refletem a felicidade associada à garantia de status (elemento capturado do
passado) que decorreria de “estar em Búzios”, e que ofereceria um “estilo de vida
único”
79
.
Mais que um lugar. Um estilo de vida. Costa do Atlântico. Seu sonho
em Búzios agora é real.
Loft Aldeia da Praia - Búzios. Loft 1 e 2 quartos entre Manguinhos e
Geribá. Pra quem é Bon Vivant (Anúncios imobiliários de
condomínios fechados, veiculados em revista publicada pela
PATRIMÓVEL - revista da PATRIMÓVEL, n
o
11, primeiro trimestre
de 2005)
80
.
79
O “estilo de vida único” do buziano parece ter sido capturado ou impregnado por um outro termo
socialmente e politicamente consagrado: o estilo Búzios, que originalmente referia-se a um certo
padrão estético arquitetônico. Contudo hoje este termo parece abranger o estilo de vida do buziano,
conforme será tratado com maiores detalhes no item 3.1.
80
Este anúncio apresenta considerações interessantes quanto à caracterização do produto
imobiliário. O encarte publicitário referido descreve “loft 1 e 2 quartos”. Essa descrição causa
estranheza ao se considerar que o advento do loft em cidades como Nova Yorque, Londres e Paris
fez parte de um movimento que buscava o reconhecimento da herança arquitetônica destas cidades
e o valor de sua preservação, aonde os incorporadores imobiliários, ao invés de demolirem antigas
construções para erguerem prédios modernos, optaram por preservá-los e reciclá-los, transformando-
os em lofts. Este se caracteriza pelo compartilhamento de todos os seus espaços internos, onde não
haveria mais divisão entre dormitórios, suítes e salas e sim um único espaço útil a ser aproveitado da
melhor maneira pelo morador. Entretanto, como hoje os lofts são consideradas moradias donas de
“um estilo de vida consagrado e estabelecido”, associa-se o empreendimento a uma imagem de
pessoas bon vivant dotadas de charme, originário das cidades americanas e européias, tudo a ver
com a história de zios. Reconhecemos, nesta localidade, a utilização da denominação loft,
distanciada do conceito original deste termo. Na execução do loft em Búzios não são realizadas
adaptações em antigas edificações para moradia. Pelo contrário, é chamado de loft, um
empreendimento ainda não construído, e que, além do mais, promete a divisão dos espaços internos
em “um ou dois quartos”. Desse modo, observamos a apropriação do termo que remete a um estilo
133
A publicidade, nesse caso, é indissociável da sedução e está articulada
ao convencimento. Uma vez instituído o convencimento relativo aos produtos e a
imagem do lugar, inicia-se a utilização racional de elementos, objetivando a
sedução. Do mesmo modo, uma vez exercida a sedução, é acionado um conjunto de
argumentos racionais em direção ao convencimento. Assim, entendemos que
sedução e convencimento se retroalimentam.
reconhecido socialmente de maneira positiva. É relevante dizer que essas duas campanhas
publicitárias foram veiculadas durante o mês de janeiro até junho de 2005, no Rio de Janeiro, pelos
jornais O Globo e Jornal do Brasil.
134
CAPÍTULO 3 ESTÉTICA, ESTILO E MATERIALIDADE
Tome um fio comum de crença, uma paixão que o povo compartilhe -
sem que seja necessário lutar por ela - e a desenvolva em uma
imagem visual. Comercialize essa imagem como o símbolo da
cidade. Pegue uma área da cidade que reflita: um tremulante
complexo comercial à beira d’água para simbolizar a renovação, uma
rua de pequena escala e lojas de tijolos vermelhos para simbolizar a
memória histórica. E, por último, coloque a área sob administração
privada, cujo desejo de limpar o espaço público tem ajudado a fazer
dos corpos de segurança privada uma das ocupações em mais
rápida expansão (ZUKIN, 2003, p. 13).
Com a interferência dos produtores culturais ou intermediários culturais
(ARANTES, 2000, p. 45), forma-se uma nova sociedade. A identidade, o estilo e a
estética configuram uma ordem renovada, a ser atingida pelos indivíduos /
sociedade e, então, pela cidade em suas faces como um todo. A conformação de
uma única disposição tende a ocultar ou anular outras possíveis formas societárias,
compostas pela totalidade do espaço social em movimento.
Sendo assim, reconhecemos a crescente incorporação de processos
técnicos de comunicação na materialidade urbana que interferem na construção da
nova ordem cultural e esta, por sua vez, reforça esta incorporação. Deste modo é
instaurado o vínculo cada vez mais denso, entre comunicação, informação, cultura e
espaço.
As soluções espaciais adotadas, nesta perspectiva, passam a ser
orientadas pela seleção de conteúdos emblemáticos e valores que resultam de lutas
simbólicas. O plano físico, então, transcende a materialidade, passando a assumir
função semiológica fundamental na constituição da imagem considerada positiva de
cidade.
135
Posto isso, a cultura dominante, ao firmar-se enquanto ideologia, interfere
nas decisões e atividades cotidianas da população e na expressão formal da
materialidade do lugar. Aproximamo-nos, desta ótica, de análise crítica da ideologia
do consumo, ao tomarmos como premissa que as criações, retóricas e produtos
encontram-se diretamente relacionados à lógica social, ou seja, à conformação de
códigos sociais de distinção, que conduzem as relações entre as classes sociais
(subordinação, exploração e opressão).
Neste capítulo, focaremos o aspecto físico, em seus vínculos com a
dinâmica da esfera cultural e comunicacional. A inclusão analítica do plano físico na
construção da imagem buziana direciona-nos ao enfrentamento de nosso objetivo
relativo à análise da distribuição de investimentos no espaço social, relacionada à
projeção de imagens e à fabricação da marca Búzios e, portanto, à formação do mito
Búzios.
3.1 “Estilo Búzios”, a estética na marca da cidade
O que nós temos em comum? A escala. Nós temos o mesmo
tamanho... (em que pese a sua altura e a minha)...nós temos a
mesma altura. A escala de Búzios é extremamente humana. Foi
que comecei a brigar - antes inconscientemente, mas
conscientemente - ...a brigar pela altura das casas. As casas de
Búzios, como você pode ver, são muito baixinhas, porque isso
começou antes de mim [...] com as casinhas de pescador, com 1,90
de altura no beiral. Você ainda encontra exemplos, né? Então, hoje,
nós temos uma escala que eu luto fortemente para manter, que as
pessoas não estão entendendo, quando agridem. No momento em
que você perder a escala, nós seremos mais uma cidadezinha
charmosa igual a todas as outras, e aí...[faz gesto negativo] (Otávio
Raja Gabaglia em depoimento para ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ)
Prefeitura, 2003?a).
136
O Estilo zios” constitui o resultado da construção social de um padrão
estético-arquitetônico que se auto intitula “peculiar ao local”
81
. Essa “marca”
materializa-se em um número considerável de construções inscritas no território
desse município.
No esforço para entendermos o Estilo Búzios”, remetemo-nos,
primeiramente, à chamada arquitetura vernácula, entendida como um tipo de
construção que se utiliza de materiais e técnicas do ambiente onde será erguida a
obra. Assim sendo, tentaremos resgatar a origem da criação do Estilo zios em
seus alegados elos com um modo de construção vernacular
82
.
Para tal, devemos também colocar em evidência a persona Otávio Raja
Gabaglia e a sua transformação em personagem mítico na história recente do lugar,
reconhecido como “xerife de Búzios” ou “inventor do Estilo Búzios”:
81
Tradicionalmente, a noção de estilo, no campo da arquitetura, envolve a apreensão de um certo
conjunto de fatores e características formais dos edifícios. Ou seja, a noção de estilo está associada à
forma, e, sobretudo, aos detalhes estético-construtivos da arquitetura. Esta é uma idéia que, após os
movimentos modernos da Arquitetura (e mesmo os pós-modernos, que voltaram a debater o estilo),
passou a ser utilizada com o fim de classificar os períodos da história da arquitetura, de acordo com
as suas características formais, técnicas e materiais. Esta classificação tem, por vezes, resultados
arbitrários, no entanto, considera-se a existência de características comuns nas obras de arquitetos
que trabalharam na mesma época, na mesma região geográfica ou, simplesmente, quando têm
conhecimento dos trabalhos desenvolvidos pelos outros (as chamadas “influências” na obra individual
de cada profissional). Aquilo que era considerado estilo passou a ser chamado simplesmente de
momento histórico ou de escola. No caso do Estilo Búzios”, consideramos a inspiração na técnica
construtiva dos pescadores e seus elementos formais, inscritos no espaço buziano, marcado,
socialmente, como modo de construção peculiar ao lugar (ver análise mais detalhada no corpo do
texto).
82
Françoise Choay, ao discorrer sobre arquitetura vernácula, esclarece: “O adjetivo vernáculo faz
parte do léxico da lingüística, indicando o que pertence a uma língua de uma região. Mas pode ser
usado como substantivo. O inglês aplica o termo vernacular às artes (locais) e em particular à
arquitetura característica de uma região. Esse uso foi mais recentemente introduzido no francês, em
que vernáculo é muito confundido com popular” (T.d.a.) Vernáculo, do latim vernaculus, ‘indígena,
doméstico’, é derivado de verna, ‘escravo nascido em casa’” (CHOAY, apud JACQUES, 2003, p. 17).
137
no início da década de 60, comecei a prestar atenção: a
população local mantinha um padrão de arquitetura herdado de seu
país. O mesmo tipo de casa de pescador, às vezes um pouco maior
ou menor. [...]
Procurei racionalizar, em termos de construção a simplicidade que
encontrei.
O pessoal daqui não precisava de grandes vãos . Preferia janelinhas,
de 50,60 cm de largura. Não usando viga , bastava um pauzinho de 6
x 6, 10 x 10, ou o que pintasse. Já o pessoal que vinha do Rio queria
vidro, a vista. Precisávamos de peças maiores para vencer vãos
maiores. O estilo de Búzios não nasceu, portanto, por acaso. Nasceu
de um aprimoramento, de uma busca (O grifo é nosso - Otávio Raja
Gabaglia, em depoimento apud MARTINHO, A; LARTIGUE, M,
1980?).
Conforme podemos apreender neste depoimento
83
, o padrão
arquitetônico do “Estilo Búzios” foi desenvolvido pela racionalização de elementos da
construção tradicional dos pescadores” (ver Fotos 12 e 13 exemplos do reconhecido
padrão construtivo dos pescadores), internalizando, neste modo de construção, os
desejos dos que chegavam ao balneário - veranistas e novos moradores.
83
Reconhecemos a força de um relato quando este é repetido diversas vezes, conforme
anteriormente explicitado. Identificamos esta prática como matéria-prima viva para a formação de
mitos. Assim, o discurso insistentemente proferido sobre a criação do estilo Búzios mescla-se com o
personagem Otávio Raja Gabaglia. Pudemos presenciar diversas situações onde este discurso foi
proferido pelo citado arquiteto, praticamente com as mesmas palavras: em diversas publicações,
inclusive no livro Búzios; no vídeo A magia de Búzios por ocasião do Plano Diretor (2003) e no
seminário Estilo Búzios realizado em Armação dos Búzios, dias 16 e 17 de abril de 2005.
138
Foto 12: Casas de pescadores e Igreja de Sant’Ana na praia dos Ossos
Fonte particular.
Foto 13: Antigo escritório da fazenda Campos Novos
Fonte particular.
Rossi pode nos ajudar a compreender a origem do Estilo Búzios”. Para
este autor, o começo da individualidade de um fato urbano está no acontecimento e
no signo que fixou o acontecimento (itálico original - 2001, p. 151), já que os artistas
139
sempre se basearam em algo original, em um fato que vem antes do estilo” (ibid.).
Em direção ao sublime, eles (os artistas) aprendem a separar o elemento causal
das formas; surgindo tipos e, enfim, inícios de ideais (BURKHARD, apud ROSSI,
2001, p. 151). Nesta perspectiva, tentamos resgatar a origem do “Estilo Búzios” a
partir da relação existente entre o elemento que preexistiu à estilização formal e sua
reproposta como fundamento. Assim,
[...] a arquitetura, enquanto recoloca em discussão todo seu domínio,
os seus elementos e seus ideais, de outro tende a se identificar com
o fato, sem mais levar em conta aquela separação que ocorrera no
início e que lhe permite desenvolver-se com autonomia (ROSSI,
2001, p. 151).
Desse modo, o Estilo zios constitui um artefato - produto
manufaturado -, onde o fato (fundamento) refere-se às construções de pescadores
da antiga aldeia expandindo-se, na formatação de um modelo construtivo, com o
aval racional da arquitetura enquanto disciplina legítima
84
. Essas aspirações
adequavam-se a uma lógica local mas, com elementos adaptados provenientes de
uma outra ordem social, implantada em Búzios com o apoio dos objetos
reafirmadores do estilo (Ver Foto 14, exemplo do “Estilo zios com suas devidas
adaptações).
84
Mais recentemente podemos constatar uma nova característica construtiva em Búzios relativa,
emblematicamente, ao trabalho do arquiteto lio Pelegrino. A utilização farta de materiais de
demolição, combinados a panos de vidro estrategicamente iluminados, revelam - ou parecem revelar
- características que envolvem, ao mesmo tempo, aspectos rústicos e sofisticados que combinam,
sagazmente, com a inauguração das imagens-sínteses da localidade. São exemplos destas
construções o restaurante Boom, o restaurante Buzin e o próprio Pórtico de Búzios.
140
Foto 14: Pórtico de Búzios, enquadrado nas adaptações formadoras do
Estilo Búzios” de construção
Fonte: Arquivo particular, 2006.
Cabe ressaltar a reprodução do “Estilo zios” por vários meios técnicos.
Este estilo realiza-se materialmente e através da sua veiculação na mídia.
Conforme tratado no capítulo 2, reconhecemos que o próprio “Estilo Búzios” é
produzido como imagem imaterial, sintética, cujo mecanismo de reforço evoca a
articulação entre a simplicidade e a sofisticação (o rústico-chique ou o “charme de
Búzios”) como sentidos associados ao lugar
85
.
Sendo assim, a sistematização de traços culturais, através de técnicas e
materiais construtivos, permitiu a organização de significantes que sustentam a
identidade social imposta como marca da cidade. Por conseguinte, o Estilo zios”,
além de traduzir o estabelecimento de um padrão construtivo e estético envolto em
85
“Procurei uma casa que mantivesse charme e simplicidade, a essência de Búzios” (depoimento do
diretor de TV Wolf Maia para a revista Veja Rio - fevereiro de 2006).
141
um pretenso rótulo de identidade, é re-conhecido como símbolo de status e de
enraizamento nas tradições do lugar, em decorrência da evocação do fato original:
um “modelo inspirado na tradição local, ou seja, na construção dos pescadores”.
Em 1970, fiz uma casa em que mandei lavrar todas as madeiras que
chegaram cortadas a máquina. Decidi usar madeira lavrada e
ninguém sabia o que era isso.
Tenho um certo orgulho em dizer: a madeira lavrada existe porque
criamos este mercado. E como queria me aproximar ao máximo da
construção do pescador, comecei a procurar telhas velhas. Primeiro
tive de pesquisar, estudar, procurar entender aquilo que o pescador
fazia por instinto, como os ângulos da queda de um telhado.
eu não poderia trabalhar assim, não tenho este instinto. Então fui
fazendo tentativas, observando [...]
Nasceu, então, um estilo. As obras que fazia respeitava [sic] estes
princípios. As pessoas que chegavam de fora e viam aquilo se
casando direitinho, tendia [sic] a seguir o estilo, a não ser um ou
outro profissional sem escrúpulos... (O grifo e negrito são nossos.
Otávio Raja Gabaglia em depoimento apud MARTINHO, A;
LARTIGUE, M, 1980?).
Podemos observar que, com a racionalização do modo de construção
próprio dos pescadores, o afastamento do saber popular historicamente
acumulado. Com o passar do tempo, o “Estilo zios”, depois de socialmente
consagrado, nega suas raízes, alicerçadas na racionalidade alternativa, fruto do
modo de construir instintivo dos pescadores
86
.
Assim, é possível reconhecer que o Estilo zios corresponde à
afirmação de uma tipologia arquitetônica que se tornou uma espécie de arquitetura
“cultural”, orientada para reafirmar a imagem-síntese aldeia de pescadores; aspecto
rústico e, ao mesmo tempo aparência moderna, em sintonia com os desejos dos que
vinham de fora. Uma vez consolidada essa leitura, os construtores passam a utilizar
86
Segundo Jacques, “os arquitetos sempre definiram a arquitetura como aquilo que, por seu lado
artístico, vai além da construção comum. Ou seja, a arquitetura como arte começa [ria] onde acabaria
a arquitetura vernácula” (2003, p. 12).
142
madeira lavrada (e não serrada), telhas e materiais de demolição, em convivência
com enormes panos de vidro e equipamentos sofisticados como banheiras luxuosas,
piscinas, constituindo uma nova tipologia buziana.
Mas é preciso frisar um dado importante em toda essa história. As
pessoas da cidade desenvolveram consciência da situação e
promoveram por conta própria, o que pode ser chamado de auto-
tombamento, sem nenhuma ingerência do Estado. Ao contrário de
Parati, por exemplo, que é uma beleza, mas que foi tombada por
decreto (Otávio Raja Gabaglia em depoimento apud MARTINHO, A;
LARTIGUE, M, 1980?).
O fato é que essa estética foi codificada como instrumento e marca de
distinção social
87
(BOURDIEU, 1989) entre os proprietários de edificações em
Búzios. Como ideologia materializada, ícone de uma classe e de seus valores,
desencadeia uma tentativa de homogeneização estética local, ao acionar o discurso
identitário fortemente apoiado noutras intervenções no espaço físico da cidade.
Mas como foi possível a internalização dessa lógica formalista que impôs-
se objetivamente? Identificamos, inicialmente, o empenho do inventor do “Estilo
Búzios” e sua visão empreendedora.
Comecei a doar projetos para a população que não podia pagar um
arquiteto e, muitas vezes, até para pessoas com recursos. Com que
intenção ? Ser bonzinho ? Eu não sou bonzinho. Para uma pessoa
da terra, receber de graça um projeto assinado por um arquiteto,
torna tudo muito mais fácil. Quando alguém me dizia que não tinha
dinheiro para colocar telha velha, não tinha problema. Colocava-se
telhas francesas. Quando não havia dinheiro para empregar madeira
lavrada, ou mesmo peças maiores, eu conseguia com o fornecedor o
preço de custo (O grifo é nosso - Otávio Raja Gabaglia em
depoimento apud MARTINHO, A; LARTIGUE, M, 1980?).
87
Ver: JUSTUS, D. A cidade Natural: Imagens e representações de Armação dos Búzios. 1996. 167f.
Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 1996.
143
Podemos, talvez, ler o esforço empreendedor deste arquiteto com o apoio
de palavras de Jeudy:
Os financiadores de obras artísticas ou arquitetônicas podem sempre
fazer crer que se inspiram em uma certa poesia da cidade, mas
estão mais preocupados em produzir uma imagem determinante de
sua cidade do que em responder a uma sensibilidade comum aos
habitantes (2005, p. 83).
Em conexão com a imagem-síntese aldeia dos pescadores, o mesmo
arquiteto aciona ideários preservacionistas que vão além da arquitetura.
Nossa maior vitória reside no fato de que a população já tem a
consciência de que, se não houver uma defesa, tanto das praias
quanto de tudo mais, não vai mesmo dar (Otávio Raja Gabaglia
em depoimento apud MARTINHO, A; LARTIGUE, M, 1980?).
Possivelmente, a internalização do ideário da preservação (construção)
de uma estética própria, originária de Búzios, também pode ser refletida a partir de
URRY, “a proteção do passado disfarça a destruição do presente” (2001, p. 150).
Segundo este autor, cada vez mais, a fabricação de mercadorias é
substituída pela fabricação de tradições, em torno das quais constrói-se um conjunto
de fantasias ou fábulas
88
. A tradição “(...) mascara as desigualdades sociais e
espaciais, introduz um consumismo e uma comercialização superficiais e pode, em
parte, destruir elementos ou artefatos que, supostamente, estão sendo conservados”
(URRY, 2001, p. 150)
89
.
88
Segundo Santos, vivemos num mundo confuso e confusamente percebido” (SANTOS, 2003, p.
17), um mundo de fabulações, cujos fundamentos são a informação e o seu império, que encontram
alicerce na produção de imagens e do imaginário, e se opõem ao serviço do império do dinheiro,
fundado este na economização e na monetarização da vida social e da vida pessoal (SANTOS, ibid.,
p. 18).
89
Urry, citando Hewison, argumenta que “se realmente estivermos interessados em nossa história,
então talvez teremos que preservá-la dos conservacionistas” (HEWISON, R. The heritage Industry.
London, Methuen, 1987) e completa: “A tradição é uma história falsificada” (URRY, 2001, p. 150).
144
Nessa direção, entendemos que o discurso materializado pela arquitetura
busca a sua legitimidade na preservação do passado e da escala construtiva da
localidade. Essa linguagem física constitui, no nosso modo de ver, a escolha de um
fragmento da história, transformado em tradição. Para Urry, a distinção absoluta
entre história (autêntica e contínua) e tradição (passada e morta) é que “a tradição é
uma história falsificada” (2001, p. 151). A primeira oferece perigos para o
pensamento instrumental e mercantil e a segunda, maior segurança. Assim sendo,
“a possibilidade de perder o estilo, a marca acarreta o risco ‘de não atrair quem
atraía antes’. Referem-se (a classe dominante local) freqüentemente a essa
preocupação de que não aconteça com Búzios o mesmo que aconteceu com Cabo
Frio” (JUSTUS, 1996, p. 127).
A criação do estilo arquitetônico peculiar do município de Búzios pode ser
considerada, nessa visão, a fabricação de uma tradição estética-visual. Trata-se de
história artefactual, de um produto turístico
90
incorporado no rol de imagens
construídas da cidade. Segundo Urry,
90
Reconhecemos, com o controle do território (da volumetria e da estética), a valorização do parque
imobiliário e a garantia do investimento e do lucro. Se a edificação for enquadrada no “Estilo Búzios”,
consegue-se uma valorização patrimonial maior. Deste modo, é possível identificar a relação entre o
“Estilo Búzios e a incorporação de valor a essas edificações. “[...] Então, vamos supor que uma
pessoa de terra tenha uma casa dentro do “Estilo Búzios”. Um outro, do lado, ao contrário, é
proprietário de uma casa, cujo projeto comprou no Rio de Janeiro, com telhas retas, pintada de roxo,
amarelo e branco, aquela coisa horrorosa... O que seguiu o estilo aluga a casa sem maior dificuldade.
E aquele outro, o modernoso, só consegue a terça parte. O cidadão da casa modernosa raciocina: "
Eu tenho três quartos, o outro tem três quartos. O banheiro é igual, a cozinha igual. Qual é a
explicação ?" É claro, é o estilo . Então, o que ele faz ? Parte imediatamente para a reforma. E é isso
que se mais em Búzios” (Otávio Raja Gabaglia em depoimento apud MARTINHO, A; LARTIGUE,
M, 1980?).
145
O que precisa ser enfatizado é que a história da tradição é distorcida
devido ao predomínio da ênfase na visualização, no fato de se
apresentar ao visitante um conjunto de artefatos, incluindo
edificações (artefatos reais” ou “manufaturados) e, em seguida,
tentar visualizar o padrão de vida que se teria estruturado em torno
deles. Isso é essencialmente história “artefactual”, na qual toda uma
variedade de experiências sociais são necessariamente ignoradas ou
banalizadas, tais como a guerra, a exploração, a fome, a doença, a
lei, etc. (URRY, 2001, p. 153).
A escala construtiva, em suas conseqüências para a ordem urbana
desejada, também guarda importantes relações na formação sócio-espacial de
Búzios. Foi alcançada a proibição da construção de edificações - em todo o território
de Armação dos Búzios - com mais de dois pavimentos (acrescida do volume do
castelo d’água), pela Lei de Zoneamento e Parcelamento e Uso do Solo de Cabo
Frio de 1979, como é possível verificar no trecho a seguir:
[...] será permitida a execução de castelo d’água com área máxima
de 2,5 m
2
e altura máxima de cumeeira de seis metros a partir do
piso de nível mais alto (CABO FRIO (RJ). Prefeitura, 1979).
A volumetria garantida por lei é item-componente do Estilo zios” que,
além de se constituir num produto arquitetônico, alcança a função de produtor do
espaço, que orienta os seus usos, limitando o acesso de grandes hotéis e
empreendimentos. Manteve-se, assim, uma paisagem com ares bucólicos, em
oposição ao potencial de ganhos imediatos da atividade turística. Assim, para
determinadas demandas, o Estilo zios” impõe-se efetivamente como fator
limitador dos programas arquitetônicos
91
. a evidência, portanto, de uma
contradição no discurso que vincula a produção das formas e do ordenamento
urbano à dinamização da economia local. Afinal, a satisfação da demanda por
91
Desde 1979, com essa limitação de gabarito, definida pela Lei de Zoneamento e Parcelamento de
Cabo Frio, a forma que os empreendedores encontraram para dinamizar o lucro de seus
empreendimentos é a disseminação de condomínios horizontais, em sua grande maioria, com casas
padronizadas, implantadas de maneira programada.
146
serviços e produtos turísticos é constrangida pelo crescimento vertical permitido das
unidades edificantes de Búzios
92
.
Esta normatização contradiz o sugerido no depoimento de Otávio Raja
Gabaglia, ou seja, ter acontecido uma espécie de auto tombamento ou um
tombamento social correspondente ao “Estilo zios”. Ao contrário, houve o
tombamento da estatura formal (altura das construções) de maneira
institucionalizada.
Em passagens do livro zios, este arquiteto expõe sua versão da criação
do boato-lei que por determinado período conseguiu impedir o crescimento vertical
nas construções buzianas.
92
O Hotel Atlântico, construído na Estrada da Usina, foi projetado pelo arquiteto Otávio Raja
Gabaglia, o criador do Estilo Búzios. Este fato revela uma ambigüidade ou a exacerbação da
aparência na construção do espaço da localidade. porém, formas de ludibriar o limite construtivo
com a expansão das áreas construídas, como é o caso do Hotel Atlântico que enterrou um
pavimento, com a justificativa de que a aparência externa da fachada revelaria somente dois
pavimentos. O próprio defensor da proibição da construção de edificações, no território de Búzios
com mais de dois pavimentos não se furtou de projetar o empreendimento com efetivos três
pavimentos.
147
O que salvou Búzios das construções absurdas, de mais de dois
andares, foi, na verdade, uma discussão que tive com um sujeito
chamado Tuíco, que era dono do que é hoje o Vip Club. Devia ser
por volta de 1970. O Tuíco começou a fazer aquele absurdo... e eu a
discutir com ele. Brigávamos sempre, discutindo horas cada vez que
nos encontrávamos. Sempre o mesmo assunto. Eu oferecendo até
mão-de-obra para reformar o projeto. Ele teria de fornecer somente o
material. Nessa época, a obra estava no início, no segundo andar
mas não havia jeito de dobrar o homem. Ele falava de lá, eu de e
ninguém se acertava.
Até que um dia , voltando para casa para almoçar, vindo pela praia
do Canto, resolvi dar uma nadada. Nadei até fora e quando resolvi
virar para boiar... nunca mais me esqueço disso. Quando eu me virei,
tive um choque... A cidade era bem mais baixa do que é hoje e
pude ver aquele tremendo elefante pintado de rosa-choque, aquele
rosa-mangueira. Nadei de volta como se fosse um campeão. Saí
correndo pela praia, esqueci do almoço e parti para a obra.
O Tuíco estava e a discussão quase deu em briga. A obra tinha
uns tubos de Eternit servindo de pilastras, cada qual pintada de uma
cor: azul, preto e amarelo. E o prédio, num glorioso cor-de-rosa. Um
rosão... ele me disse que estava partindo para o terceiro andar.
Virei bicho. Disse que não podia, que tinha uma lei. Mentia, porque
na verdade não havia nenhuma que impedisse aquilo. Deus me
iluminou naquela hora. Saquei uma lei, com tanta segurança, com
tanta categoria... Eu disse a Tuíco que as construções em Búzios, se
tivessem telha canal, ou cerâmica, podia ter 7,50m de altura máxima.
Se fosse hoje, como era a construção dele, telha plana, de fibro-
cimento, podiam ter 7,20m. Inviabilizei a casa dele porque iam
morrer de calor debaixo daquela laje. Com isso forçava o uso da
telha canal, francesa, ou de cerâmica. Mas, juro que nunca tinha
pensado nisso na minha vida.
O Tco deu aquela baqueada e, aproveitando, dei o golpe final.
Lembrei-lhe do formulário de anotações técnicas do CREA , no qual
tinha de estar declarado os responsáveis pelo cálculo da obra,
elevador... e tudo mais. E continuei batendo: "Além do mais, quem é
responsável pelo cálculo estrutural ?". O Tuíco vacilou, sentindo o
golpe: "Bem... hum...hum...ninguém". E eu: "São quatro salários
mínimos de multa. E quem é responsável por isso, por aquilo...?". E
em três minutos, sapequei uns 20 salários de multa nele. O Tuíco,
batido, jogou a toalha: "vamos fazer um acordo. Eu não faço o
terceiro andar...". Emendei: "Ok. Mas tem mais uma coisa. Você vai
ter de pintar tudo de branco, as janelas de azul e aquelas coluninhas
ali também de branco...". Com testemunhas e tudo mais, fechamos o
trato.
Mas o pessoal que assistiu toda a discussão espalhou a tal lei e ela
passou a vigorar de fato. E eu acreditei muito mais... Modéstia a
parte, era uma lei inteligente, pois limitava a altura. E se alguém, em
sete metros, com telhas cerâmicas, francesas, ou canal, conseguisse
fazer oito andares, ia ser uma colméia... (Otávio Raja Gabaglia em
depoimento apud MARTINHO, A; LARTIGUE, M, 1980?).
148
Vale ressaltar que a percepção da paisagem está inclusa na gênese da
produção da imagem de Búzios, sobretudo na idéia da manutenção da visada e do
estilo do lugar. Observamos que a incorporação da visada ao valor do imóvel é algo
prometido pelo “Estilo zios”, através da valoração da estética associada à
natureza soberba
93
. Deste modo, a relevância da paisagem passou a fundamentar a
criação da norma relativa à volumetria das construções do lugar.
A formalização da legislação de Cabo Frio (1979), no que se refere à
limitação de 02 (dois) pavimentos por edificação em todo o território buziano,
aconteceu em continuidade ao boato-lei, conforme destaca o relato a seguir
reproduzido.
Passaram-se os anos. Em 1976, fui procurar o prefeito José
Bonifácio, recém eleito, e disse: "Vim aqui para me prontificar a
ajudar em qualquer coisa e também para fazer uma brincadeira com
você. Um joguinho. Você é o prefeito e eu um investidor
inescrupuloso. Vim aqui para participar ao senhor que comprei um
terreno na praia dos Ossos e vou fazer um condomínio vertical
Ângela Diniz, com 50 apartamentos de sala e quarto por andar e com
50 andares. O prefeito se inchou todo e disse: "Não pode". E porque
não pode, prefeito ?", perguntei. "Não pode porque uma lei que
diz que 7,50m se for de telha". E repetiu a lei que não existia,
literalmente.
A brincadeira dera resultado. Expliquei em que condições foi criada a
tal lei e, finalmente, em 1979, Lísia Bernardes, da SECPLAN,
transformou-a em realidade (Otávio Raja Gabaglia em depoimento
apud MARTINHO, A; LARTIGUE, M, 1980?).
As restrições, traduzidas com a criação da limitação da altura das
edificações (na medida da cidade tradicional) e da caracterização do Estilo Búzios”
93
Contudo, com o passar dos anos, a incorporação de valores, que acontece com a percepção da
paisagem, vai sendo contrariada por uma série de razões, como a criação de corredores ou labirintos
(que surgem da ampliação dos muros e das construções de condomínios), juntamente com a
degradação ambiental. Sendo assim, a paisagem passa a não ser mais tão usufruída coletivamente,
que a apropriação individual do lugar passa a priorizar a construção de muros (ver item 3.3.2).
Reconhecemos, assim, o crescimento das contradições quando o valor acumulado do bem coletivo
(da paisagem) vai desaparecendo, em favor da necessária segurança da propriedade privada.
149
fazem-nos recordar afirmações de Henri Lefèbvre sobre o urbanismo dos homens de
boa vontade. No dizer ardente deste autor, ao querer
[...] construir imóveis e cidades “em escala mundial”, “na sua
medida”, sem pensar que no mundo moderno “o homem” mudou de
escala e que a medida de outrora (aldeia, cidade) transforma-se em
desmedida. Na melhor das hipóteses, esta tradição resulta num
formalismo (adoção de modelos que não têm conteúdo, nem sentido)
ou num estetismo (adoção de modelos antigos pela sua beleza, que
se joga como ração para o apetite dos consumidores) (2001, p. 24).
Assim, com uma expansão efetivamente horizontal, reconhecemos o controle do
território de Búzios de modo rápido e facilitado, além da valorização da terra, em razão da
escassez de lotes.
3.1.1 Outros sentidos atribuídos ao “Estilo Búzios
Nas páginas anteriores, tratamos da origem do “Estilo zios e da
inauguração do discurso que orientará a atuação das lideranças locais. Neste item,
discutiremos a ampliação dos significados articulados a este conceito-produto, ou
seja, valorizaremos as mutações, apropriações e sentidos que foram atribuídos ao
Estilo Búzios no transcorrer do tempo.
A estética sempre foi uma alternativa ao racionalismo, desde o seu
surgimento como disciplina (JACQUES, 2003, p. 12). Se a origem do Estilo zios”
guarda relações com a arquitetura vernacular, a racionalização que sustenta a sua
formulação foi capaz de produzir, conforme referência anterior, um artefato que
guarda, ao mesmo tempo correspondência material à imagem-síntese de aldeia dos
pescadores (tradição) e concretiza desejos modernos.
150
Segundo Aldo Rossi, “para se impor como um vasto movimento cultural e
ser discutida e criticada fora do estreito círculo de especialistas, é necessário que a
arquitetura se realize, que se torne parte da cidade, que se torne ‘a cidade(2001,
p. 163). Nesta direção, podemos dizer que o Estilo zios e Búzios se confundem
porque um vira o controle do outro. Observamos esta articulação através do seguinte
trecho do documento Perfil do Município, elaborado para o Plano Diretor da cidade:
Cada localidade ou bairro” apresenta traçado urbanístico distinto e
características próprias. O que se observa, em comum, são as
características do chamado estilo Búzios”, internalizadas pela
população como aspectos a serem preservados. (ARMAÇÃO DOS
BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a, p. 71).
Assim, independentemente do poder aquisitivo da população,
O estilo Búzios das residências foi internalizado por toda a população
que o explicita, com maior ou menor sofisticação, em suas
habitações (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a, p. 57).
Por constituir uma referência valorizada ao representar um termo
consensualmente positivado, o Estilo Búziosé acionado no centro da disputa por
legitimidade na definição da ordem urbana desejada (e desejável).
Uma polêmica local parece introduzir a vida sobre se o Estilo zios
consistiria, de uma forma geral, num estilo arquitetônico, predominante em Búzios,
ou no modo de vida do buziano. Para não incorrer em equívocos, tentaremos
reconhecer alguns sentidos incorporados à expressão “Estilo Búzios”.
Em Seminário realizado nos dias 16 e 17 de abril de 2005, o Estilo
Búzios” foi expresso em diversas acepções: como o estilo de vida buziano, como
estilo arquitetônico dominante no território, como uma questão de escala e como
151
recurso identitário. Cabe dizer que a apropriação desse termo, socialmente
introjetado como positivo, pode adquirir novos significados.
O sentido mais usual e, talvez, originário do termo, remete aos requisitos
arquitetônicos que uma edificação deve contemplar para se intitular orgulhosamente:
construção “Estilo Búzios”. Essas características foram instituídas em 2000, na Lei
Complementar do município, que tinha por objetivo incentivar este tipo de construção
através de redução tributária. Assim, o projeto arquitetônico, para ser reconhecido
como expressão do Estilo zios”, deveria contemplar, no mínimo, 03
características das citadas a seguir:
I - Elementos estruturais de madeira aparente; II - Telhado coberto
por telhas cerâmicas; III - Beirais com, no mínimo 0,60m.; IV -
Caixilho em madeira, com alizares de, no mínimo 0,07m.; V -
Esquadria em madeira e/ou vidro; VI - Altura do frechal com, no
máximo 3,50m.; VII - Paredes externas revestidas de massa ou
pedra.
Em 2005 - na gestão do prefeito Toninho Branco (PMDB) - os novos
gestores urbanos tentaram colocar em votação na Câmara Municipal um decreto
que, dentre outras disposições, instituiria que, “as novas edificações no território do
Município somente serão (seriam) licenciadas se observarem os seguintes
parâmetros” [os mesmos citados acima, que descrevem o Estilo Búzios”]
(ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2005). Além dessas especificações
formais ainda consta deste texto:
Não serão licenciadas e permitidas edificações que apresentarem
cobertura plana de laje, telhas planas, telhas de fibrocimento ou
similares, estrutura de concreto aparente, revestimento de mármore,
azulejos ou pastilhas, ou esquadrias de alumínio (ARMAÇÃO DOS
BÚZIOS (RJ). Prefeitura. Minuta de Projeto de Lei; Capítulo VIII, art.
20, parágrafo primeiro, 2005).
152
Sem dúvida, com estas iniciativas, podemos reconhecer com Aldo Rossi a
existência de uma “relação direta entre a arquitetura enquanto formulações de certas
propostas e as construções que se colocam na cidade” (2001, p. 163). Dessa
maneira, o poder de enunciação, que é produzido e legitimado pela arquitetura,
combinado com a lei, exprime e define a ordem formal da cidade, ou a cidade como
deve ser vista. Evidencia-se que a legislação constitui um “instrumento fundamental
para o exercício arbitrário do poder” (MARICATO, 2002), também favorecendo
interesses corporativos. Assim sendo, na perspectiva de Rossi,
A arquitetura pressupõe a cidade, mas pode se constituir no interior
de uma cidade ideal, de relações perfeitas e harmoniosas, onde ela
desenvolve e constrói seus termos de referência [...]
Assim, é compreensível a contínua atitude demiúrgica dos arquitetos
no sentido de apresentar sistemas em que a ordem espacial se torna
ordem da sociedade, como uma sobreposição de planos diversos e
não-congruentes (o grifo é nosso. 2001, p. 163).
Nesta direção, a possibilidade do incentivo se transformar em
obrigatoriedade, determinada em lei, é levantada como garantia da identidade de
Búzios conforme concebida pelas elites locais e associadas. Mas, em que termos tal
lei se aplicaria? Diante das desconcertantes desigualdades sociais, será que
TODOS os buzianos conseguiriam ter sua casa no Estilo zios? Neste contexto,
evidencia-se as contradições entre ocupações legalizadas e construções irregulares,
ordem e desordem urbanas, que o não enquadramento nesse estilo arquitetônico
redundaria, ao final, em não regularização das edificações provenientes das classes
mais baixas.
E mais: teria sentido a obrigatoriedade da aparência que resulta de
adesão ao Estilo Búzios”, se na sua maior parte, as fachadas escondem-se por
153
detrás dos muros? Essas formas - hermeticamente e esteticamente fechadas - não
seriam, por si só, a descaracterização das construções de Búzios por importação de
padrões e elementos arquitetônicos e urbanísticos dos grandes centros?
A disseminação da construção de muros e a fisionomia gerada por essa
prática são explicitadas no Perfil do Município, como é possível apreender nos
trechos apresentados a seguir:
Como aspectos comuns a todos os bairros, no tocante aos padrões
espaciais, podem ser observados o “castelo de água” no corpo das
edificações, encimado por telhado colonial, e os muros cada vez
mais altos, que ocultam as construções de quem circula nas ruas,
quase todas um túnel a céu aberto. Apenas os estabelecimentos
comerciais, pela natureza de suas atividades, não levantam muros.
Quanto mais sofisticado o padrão das construções, maior o muro à
frente dos lotes. Apenas as fachadas voltadas para as praias ficam
liberadas e abertas.
Como a maioria dos bairros é predominantemente residencial,
apenas nos cruzamentos os muros são interrompidos. O aspecto
final as ruas é de um imenso corredor, deserto e sem vida. A grande
quantidade de casas de veraneio, fechadas durante a maior parte do
ano, contribui para essa “desertificação social” dos bairros,
principalmente na península (O grifo é nosso - ARMAÇÃO DOS
BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a, p. 57).
A tentativa da imposição de uma ordem urbana pressupõe o
acompanhamento direcionado por um modelo pré-estabelecido de cidade.
Encontramos essa prática orientadora no exemplo oferecido pela criação de um
bairro modelo.
Decididos a não morar numa favela, um grupo de aproximadamente
40 moradores [...], procuraram o IAB
94
[...] para que soubessem fazer
tudo direitinho. [...] Os arquitetos do IAB aceitaram e apoiaram a
Cooperativa Bairro Modelo oferecendo os projetos arquitetônicos a
preço de custo, dando orientação técnica para a construção,
cuidando do estilo das construções para que não fujam do estilo da
cidade (Prospecto Arquitetanto Búzios: a resposta que depende de
todos, 2005).
94
IAB Búzios - Instituto dos Arquitetos do Brasil - seção Búzios.
154
A entrada do IAB na Cooperativa garante aos futuros moradores do
Pórtico que suas casas não terão os erros e os desperdícios que
ocorrem freqüentemente em construções onde não existe um
profissional que os oriente (Prospecto Arquitetanto Búzios: a
resposta que depende de todos, 2005).
O resultado é óbvio. Com casas e bairro planejados, além de
proporcionar o bem estar social, o visual contribui muito para que
Búzios mantenha a sua identidade arquitetônica homogênea (o grifo
é nosso - Prospecto Arquitetanto Búzios: a resposta que depende de
todos, 2005).
Se entendermos o “Estilo zios como linguagem e, portanto como
cultura, este deveria assumir as características de um projeto mediador entre o
agente que percebe - “arquiteta”- o espaço. Nesse sentido, compreendendo a
arquitetura como comunicação, a cidade se evidenciaria num discurso singular.
Dessa perspectiva, é relevante refletir o discurso que acompanha e “explica” projetos
e intervenções no espaço urbano. Afinal, essa fala, reforçada pelo saber técnico, é
absorvida pelo coletivo. A importância deste discurso cresce nas cidades
consideradas com vocação turística, onde a interação com “os que vem de fora” se
dá, de imediato, através do ambiente construído, da paisagem. Assim, cabe
interrogar se a diversidade cultural, tão valorizada em Búzios, poderia se traduzir em
uma linguagem espacial única.
Numa outra leitura, o “Estilo zios, é entendido, antes de tudo, como o
modo de vida do buziano. Quando a cidade é tornada mercadoria, também torna-se
campo privilegiado para a produção e acumulação de capital simbólico. Na cidade-
mercadoria são criadas estéticas associadas a estilos que são disseminados pelas
teias da sedução ideológica. Assim, “ter estilo” termina por significar um meio para
pertencer àquele local, àquele território. Pergunta-se: a qual buziano corresponde o
155
modo de vida do “Estilo zios”, frente a citada diversidade cultural
95
? A alguns?
A todos? Afinal, será que TODOS os buzianos vivem da mesma maneira e
vivenciam da mesma forma o espaço buziano? Existe somente uma forma de viver
em Búzios? Frente a um contingente de 20 mil habitantes, selecionar um único modo
de viver como peculiar, não implica necessário em valorizar outros? Ou para “fazer
parte” e ser buziano é indispensável adotar um padrão de vida pré-determinado?
Essa padronização da vida social ainda apresenta verossimilhança com a aldeia, tão
evocada ainda hoje?
3.2 Fragmentação espacial: condições, estratégias e conseqüências do
projeto de cidade
Pretendemos proceder à leitura morfológica do território de Búzios,
enfatizando os usos diferenciados do espaço urbano, as distâncias físicas e sociais
e as interações (ou não-interações) entre classes e segmentos sociais.
A problemática do território e a da identidade o interdependentes, na
medida em que as identificações - dos que se consideram iguais - e as diferenças -
relativas aos “outros” - territorializam-se, garantindo a reprodução dos códigos
identitários. Assim, entendemos que a forma urbana e as disputas sociais devem ser
analisadas conjuntamente, pois coexistem na construção dialética da experiência
social.
95
Sobre a diversidade existente em Búzios, Justus, em sua dissertação de mestrado, afirma que
“falar de zios é dizer de imediato que uma de suas características básicas é a coexistência de
diferentes estilos de vida e visões de mundo, marca fundamental das sociedades complexas [...]
Búzios sustenta complexidade e heterogeneidade, trazendo em sua própria estrutura movimentos
inteiramente diferentes” (1996, p. 38).
156
A constituição de territórios corresponde à disputa pelo poder de decidir o
modo de viver, ao estilo de vida, à invenção e à organização de práticas e de
simbologias. Assim, o território possui uma face eminentemente política, ao ser
acionado nas disputas identitárias.
Ao analisarmos as formas arquitetônicas e o urbanismo na localidade,
observaremos concomitantemente, a organização social. Apoiamo-nos, dessa
maneira, da orientação teórica de Lefèbvre (2001) e Santos (1985), quando afirmam
a indissociabilidade entre sociedade e espaço. Deste modo, para o estudo do
espaço,
Cumpre apreender sua relação com a sociedade, pois é esta que dita
a compreensão dos efeitos dos processos (tempo e mudança) e
especifica as noções de forma, função e estrutura, elementos
fundamentais para nossa compreensão da produção do espaço
(SANTOS, 1985, p.49)
Aproximamo-nos do estudo de Caldeira (2000) ao realizarmos a leitura
morfológica do território buziano. Para a cidade de São Paulo, esta autora
reconhece três diferentes configurações espaciais ao longo do século XX:
1. Cidade concentrada (do início da industrialização, final do séc. XIX, até os
anos 1940); a segregação social produziu uma cidade concentrada,
caracterizada pela compressão de diferentes grupos em uma área urbana
pequena, segregados por tipos de moradia;
2. Centro-periferia (dos anos 40 até os anos 80): os diferentes grupos sociais
encontram-se separados por grandes distâncias. Nos bairros centrais (boa
infra-estrutura) concentram-se a classe média e alta e, nas periferias
distantes, habitam os pobres;
157
3. “Enclaves fortificados” (desde os anos 80 até a atualidade): esse padrão
sobrepõe-se ao anterior, de centro-periferia. Os diferentes grupos sociais
estão próximos, embora separados por muros e tecnologias de segurança.
Esses grupos tendem a não interagir em áreas comuns. “Trata-se de espaços
privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo lazer e
trabalho. A sua principal justificação é o medo do crime violento” (CALDEIRA,
2000, p. 211).
Com base na realidade tão diferente, que é a da grande São Paulo, é
possível identificar as duas últimas formas de expressão do urbano em Armação dos
Búzios, revelando obviamente suas peculiaridades. À forma centro-periferia
podemos relacionar a interação dialética península e continente e, aos enclaves
fortificados, associamos a propagação de condomínios horizontais fechados e a
privatização de áreas públicas.
Cabe ressaltar a diferença de escala da metrópole de São Paulo,
evidenciando o caráter de ponta, hipermoderno, das mudanças ocorridas em Búzios.
A transformação desta localidade aconteceu mediante processos internos e,
sobretudo, por processos transescalares que ultrapassaram o lugar. Assim,
reconhecemos, que as duas últimas configurações espaciais, propostas por Caldeira
(2000), manifestam-se com maior rapidez em Búzios, mediante os impactos
trasescalares que atingiram (e atingem) o território buziano.
3.2.1 A dialética península-continente
A configuração territorial de Búzios reserva especificidades no que se
refere aos fenômenos aqui estudados. Por um lado, a forma geográfica de Búzios
exerce uma forte atração dos fluxos internacionais de pessoas e investimentos
158
(conforme já explicitado anteriormente). Por outro lado, esta forma facilita e preserva
modos de apropriação territorial específicos e significativos, especialmente no que
concerne à produção e à reprodução da diferença.
Os conteúdos da diferença sócio-territorial, por sua vez, possuem elos
importantes com a esfera da cultura, conectando a construção da identidade local.
A leitura morfológica deste território revela, neste sentido, fortes relações entre a
apropriação dos recursos, as relações de poder (dominação e subordinação) e a
maneira como é configurado o espaço de Búzios.
Essas duas porções territoriais o fisicamente conectadas pelo
estrangulamento geográfico existente na altura da lagoa de Geribá, conforme é
possível perceber na Figura 05.
159
Figura 05: Configuração territorial - porção continental e porção peninsular e
localização do Pórtico de Búzios
Elaboração própria com base em foto de satélite fornecida pela Prefeitura Municipal de Armação dos
Búzios - PMAB.
Em geral, a porção peninsular apresenta um elevado nível sócio-
econômico proporcionado por sua ocupação por uma população de alta renda. A
sedução que a península exerce fez com que essa parte do território de Búzios
concentrasse em níveis mais elevados a divulgada presença estrangeira e a
população mais abastada do município. Este território concentra empreendimentos /
investimentos turísticos e grande parte do capital estrangeiro. Estes investimentos
reservam características transnacionais, desde os primeiros momentos da chegada
dos “de fora” às terras buzianas.
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RTICO DE BÚZIOS
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160
O acesso por terra ao município dá-se, primeiramente, através da porção
continental (82% do território). Contudo, foi construído, de forma a evidenciar o que
se quer valorizar na cidade, um elemento arquitetônico, o Pórtico de zios
96
,
localizado quando se chega à península, depois de ter passado por toda a extensão
do continente. Assim, o Pórtico de zios, embora represente a chegada a Búzios,
localiza-se na entrada da península, depois de ter sido percorrida a porção
continental, sendo deixada para trás a maior parte do território do município.
Como evidência da contraditória relação entre península x continente, o
Pórtico de Búzios ganha relevância por marcar a partição do território e imprimir uma
distância - física e social - que promove o ocultamento de frações importantes do
território.
O Pórtico de Búzios constitui-se num marco físico e simbólico implantado
pela ação do Estado, que legitima a escolha da península como único território de
Armação dos Búzios. O rtico simboliza materialmente a fragmentação territorial,
sinalizando e reforçando a segregação sócio-espacial. Este papel exercido pelo
Pórtico, de estabelecer fronteiras sociais no território buziano, é socialmente
reconhecido, como é possível apreender no trecho selecionado abaixo:
Búzios hoje é dividida entre Búzios pré e pós pórtico. Se a população
fosse mais solidária talvez acabaria com a discriminação entre os
moradores do Centro, Manguinhos e Geribá (Búzios pós-pórtico) e os
moradores de Cem Braças, Rasa e Caravelas (Búzios pré-pórtico) (o
grifo é nosso - Ana Júlia Soares, em trecho de redação elaborada
para o concurso “A cidade que queremos”, intitulada “Transformando
para melhor” - aluna do 1º ano do ensino médio do Colégio Municipal
Paulo Freire).
96
Por pórtico, se depreendermos o significado lexicológico, entenderemos átrio, entrada, portaria,
alpendre (Dicionário de Sinônimos e Antônimos, Osmar Barbosa; Ediouro). Logicamente, este é mais
um elemento classificado no “Estilo Búzios”.
161
Deste modo, no território de Búzios, podemos reconhecer um espaço
idealizado, um modo de vida, que oculta uma desordem suburbana (territorializada
no continente) através da sobredeterminação de uma ordem (instalada na
península). Esta sociedade dividida resvala por um sistema de significações
projetadas com base na oposição entre estes dois espaços sociais constitutivos do
território buziano. Lefèbvre (2001, p. 46) reconhece a existência de duas ordens,
entre as quais a cidade situa-se: a ordem próxima, composta de relações entre
indivíduos, vinculados a grupos mais ou menos amplos, mais ou menos organizados
e estruturados, e as relações desses grupos entre si e a ordem distante, “a ordem
da sociedade regida por grandes e poderosas instituições (Igreja, Estado), por um
código jurídico formalizado ou não, por uma “cultura” e por conjuntos significantes”.
O efeito das interações entre essas duas ordens, segundo este autor, resulta no
posicionamento da ordem distante em um nível “superior”,
[...] isto é, neste nível dotado de poderes. Ela se impõe. Abstrata,
formal, supra-sensível e transcendente na aparência, não é
concebida fora das ideologias (religiosas, políticas). Comporta
princípios morais e jurídicos. Esta ordem distante se projeta na
realidade prático-sensível. Torna-se visível ao se inscrever nela. Na
ordem próxima, e através dessa ordem, ela persuade, o que
completa seu poder coator (LEFÈBVRE, 2001, p. 46).
Dessa maneira é que a ordem formal ou ordem distante impõe-se a outra
ordem que, interpretada visualmente, é chamada de desordem. Por ser assim
interpretada, deve ser convertida em ordem para que o espaço que constrói possa
ser valorizado e reconhecido publicamente. Entretanto, “a cidade resiste ao que se
espera dela, sobretudo quando não se espera mais nada, e ao que vão fazer com
ela, sobretudo quando se crê poder decidir o que ela se tornará” (JEUDY, 2005, p.
100).
162
A ordem distante faz-se presente, portanto, o apenas sob a forma de
imposição do aspecto físico da cidade, mas sobretudo, em relação ao ordenamento
da vida social. À esta ordem distante, abstrata, compete construir representações
sobre o que é certo e errado, legal e ilegal, belo e feio, coerente e incoerente e,
enfim, sobre os processos que devem orientar as interações espaciais. Assim, os
opostos - península e continente - representam muito mais do que somente uma
diferenciação entre segmentos do território de Búzios. Essa disposição objetiva a
segregação e a estigmatização tornada física entre grupos e segmentos sociais.
Regidos pelo imperativo da modernização e do desenvolvimento, os
investimentos públicos e privados estimulam de maneira restrita e distorcida o
autodesenvolvimento de apenas fragmentos do território, contribuindo para o
crescimento da distância social entre as partes constitutivas do todo. Em direção a
Berman, podemos ler a seleção da península em detrimento da porção continental
de Búzios baseados nas práticas sociais, onde:
As disponibilidades, impulsos e talentos que o mercado pode
aproveitar são pressionados (quase prematuramente) na direção do
desenvolvimento e sugados até a exaustão; tudo o mais, em nós,
tudo o mais que não é atraente para o mercado é reprimido de
maneira drástica, ou se deteriora por falta de uso, ou nunca tem
chance real de se manifestar (BERMAN, 1987, p. 95).
Entretanto, a relação península e continente é, de fato, de
interdependência, caracterizada por uma espécie de “simbiose”. A diferenciação
estampada na geografia do município, aliada à disputa pelo poder local, reflete-se na
própria constituição do tecido urbano, onde é possível reconhecer enormes abismos
sociais, culturais e econômicos.
163
A diferença de oportunidades e a desigualdade na conformação destas
duas porções territoriais pode ser apreendida em um simples passeio nestes
espaços. Todavia, encontramos dificuldades na obtenção de dados oficiais que
comprovem esta afirmação
97
. Podemos aqui encontrar um endosso para o relato da
experiência sensível obtida pelo conhecimento desta configuração espacial no
seguinte documento:
[...] característica da cidade é a nítida segregação sócio-espacial
existente entre a península e a parte continental e, em ambas, entre
bairros distintos. Mesmo sem uma análise dos padrões sócio-
econômicos da população, apenas pela visualização de sua
configuração urbana e das edificações, é possível distinguir as
diferenças de estratificação econômico-cultural da população
(ARMAÇÃO DOS BÚZIOS, (RJ). Prefeitura, 2004a, p. 71).
Os proprietários tradicionais da península, a partir da década de 60, foram
gradativamente cedendo ao poder econômico, terminando por serem “empurrados”
para áreas periféricas menos valorizadas, ao mesmo tempo em que “migrantes
pobres foram chegando para trabalhar na construção civil (o que ocorre até hoje) se
estabelecendo nestes bairros” (BARBOSA, 2003)
98
.
Outro recurso que dispomos para avaliar as diferenças sócio-espaciais
entre as porções continental e peninsular da localidade é a imagem, como
exemplifica a Foto 15, que tenta capturar a porção continental vista de cima; e a Foto
16, que apresenta a porção correspondente à península de Búzios.
97
A dificuldade na obtenção de informações que revelem a diferença interna do território de Armação
dos Búzios deve-se a diversos fatores. Entre eles, está o fato de que os dados do IBGE por setores
censitários só foram gerados para municípios que, em 1996 possuíam população acima de 25.000
habitantes. Além disso, oficialmente, - institucionalizado em lei, não existe divisão por bairros em
Búzios. Outro aspecto que impossibilitou a obtenção de informações referentes a zios foi a sua
condição de 3º distrito de Cabo Frio até 1996. Com a realização decenal dos Censos, somente no
ano de 2000 Armação dos Búzios foi tratado, como município pelo IBGE.
98
Esse processo histórico foi sintetizado com o objetivo básico de oferecer um primeiro entendimento
da dinâmica sócio-espacial do município.
164
Foto 15: Vista da porção continental, aproximadamente 82% do território de
Búzios
Fonte: Ernesto Gallioto.
165
Foto 16: Foto aérea da porção peninsular, aproximadamente 18% do território
de Búzios
Foto: Ernesto Gallioto.
O documento Perfil do Município ressalta o fato de que os habitantes da
porção continental desenvolveriam práticas ilegais. Da perspectiva macro,
considerarmos esta parte do território de Búzios como representante mais
significativo da ordem próxima, subjugada pela ordem distante, aquela regida por
leis (LEFÈBVRE, 2001).
Na porção continental do município, a ocupação irregular é mais
freqüente. Os parcelamentos resultantes de partilha, realizada
informalmente, sem o devido procedimento de inventário, a falta de
documentação da cadeia dominal de imóveis e os parcos recursos
dos proprietários para proceder à regularização fundiária são comuns
(ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a, p. 55).
166
A orientação analítica por Santos reforça nossa hipótese sobre a seleção
de espaços e práticas sociais na construção da imagem hegemônica da cidade, que
utiliza a partição do território como recurso de exaltação e ocultamento de porções
integrantes do todo (1994, p. 2004).
Ao empreender a leitura da co-presença urbana de variados grupos
sociais relacionados à oposição península e continente, é possível, conforme
assinala Milton Santos (op. cit.), apreender o território de Búzios considerando a
porção peninsular do município como espaço luminoso e a porção continental como
espaço opaco
99
. Na perspectiva deste autor, os espaços luminosos diferenciam-se
dos espaços opacos por acumularem densidades técnicas - são bem servidos pelas
redes de comunicação e informação (telecomunicações, transporte, infra-estrutura
urbana). Nestes espaços, agentes hegemônicos, representantes dos interesses da
população mais abastada, ditam as regras. A presença controlada dos grupos
sociais e suas territorialidades específicas dá-se, contudo, através de movimentos
dialéticos, relacionais e interdependentes.
Entretanto, a afirmação dos espaços luminosos dá-se às custas da ampla
reprodução de espaços opacos. Estes, por sua vez, posicionam-se nos interstícios e
opõem-se à reprodução da racionalidade urbana e das redes. Nestes espaços, não
chegam as modernizações e as políticas públicas, apesar de seus habitantes
participarem da lógica que move a cidade como trabalhadores de baixa
remuneração.
99
Obviamente, estamos pensando em termos macros, não considerando as diversas matizes desses
dois conceitos (espaços luminosos e espaços opacos) e relativas situações extremas (porção
peninsular e porção continental).
167
Concordando com Santos, reconhecemos que
[...] as ações hegemônicas se estabelecem e se realizam por
intermédio de objetos hegemônicos, privilegiando certas áreas.
Então, como num sistema de sistemas, o resto do espaço e o resto
das ações são chamados a colaborar (2004, p. 247).
3.3 O urbanismo: um agente reestruturador da vida social
Após um ano da gestão do prefeito Toninho Branco (2005), foi publicada
(no jornal O Peru Molhado de 16 de dezembro de 2005) uma reportagem de duas
páginas que expunha a “atuação da SECPLAMA” - Secretaria de Planejamento e
Meio Ambiente
100
. Dentre os elementos desta atuação, constava uma breve
descrição dos projetos de arquitetura e urbanização “para todo o território municipal,
de acordo com prioridades definidas pelo Executivo”.
Primeiramente, cabe salientar que dos treze projetos urbanísticos listados,
somente 03 (três) localizam-se fora da península: o projeto de urbanização do bairro
de José Gonçalves e os projetos de drenagem dos bairros de Cem Braças e Capão.
Outros dois projetos estendem-se da península ao continente: o projeto da criação
da Via Azul e o projeto de duplicação da Avenida José Bento Ribeiro Dantas.
Fundamentados na utilização destas vias, reconhecemos a preocupação com o
acesso à cidade.
A proporção entre os projetos localizados na península e os localizados
no continente, demonstra a prioridade atribuída aos investimentos espacialmente
concentrados na porção peninsular do município, contribuindo para agravar a
100
Na gestão de Toninho Branco foi criada a SECPLAMA unindo, em uma mesma secretaria, as
anteriores SECMAS (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saneamento) e a SECPUR (Secretaria
Municipal de Urbanismo e Planejamento Urbano e Regional).
168
desigualdade sócio-espacial e dificultando o acesso aos serviços urbanos pela
população menos abastada.
Os projetos de urbanização em desenvolvimento pela Prefeitura de
Armação dos Búzios - sob a administração do atual prefeito Toninho Branco –
encontram-se espacializados no Mapa 04 e são apresentados a seguir:
Projeto de urbanização do bairro de João Fernandes - Paisagismo, calçamento, áreas de
lazer, pavimentação de ruas e revitalização dos pontos turísticos e mirantes.
Projeto de urbanização do bairro de Jo Gonçalves - Requalificação e definição da
centralidade do bairro, área de lazer e implantação de equipamentos para valorização das
atividades turísticas.
Projeto de urbanização no bairro da Ferradura - Revitalização do Brejo da Helena e da
lagoa existente no local, criação de heliponto, paisagismo, calçada, estacionamentos e
drenagem.
• Projeto de drenagem do bosque de Geribá - Reforma com instalação de drenagem,
esgotamento sanitário, calçamento e paisagismo.
Projeto de drenagem do lado esquerdo de Geribá - Reforma com instalação de drenagem,
esgotamento sanitário, calçamento e paisagismo.
Projeto de drenagem do bairro de Cem Braças - Reforma com instalação de drenagem,
esgoto, calçamento e paisagismo.
Projeto de drenagem do bairro do Capão - Reforma com instalação de drenagem,
esgotamento sanitário, calçamento e paisagismo
Projeto de revitalização da Estrada da Usina - Reforma, com novo calçamento, ciclovia,
arborização, mobiliário urbano e canteiro central com galeria subterrânea para passagem de
tubulação.
Projeto do Parque Lagoa do Canto (no bairro do Canto) - Implantação de um parque,
criando uma faixa de transição entre o Centro da cidade e o final da estrada Bento Ribeiro
Dantas, com ampliação da lagoa existente, paisagismo, estacionamento, anfiteatro e
ciclovia.
Projeto de revitalização do Centro da Cidade - Reforma, com acréscimo de calçamento,
arborização, mobiliário urbano e sinalização, com galeria subterrânea, para passagem de
tubulação.
Projeto do Píer da Armação (Orla Bardot) - Reforma do píer existente, com ampliação e
instalação de cobertura.
Projeto da Via Azul - Criação de uma nova via de acesso ao Município, com revitalização
dos bairros no trecho entre a Rasa e o Pórtico de Búzios.
Projeto de duplicação da avenida José Bento Ribeiro Dantas - Duplicação das pistas com
implantação de canteiro central, novos pontos de ônibus, estacionamento, calçada, faixas
para pedestres e ciclovia.
(O Perú Molhado, 16 de dezembro de 2005).
169
Mapa 04 - Localização dos novos projetos para intervenção urbana elaborados
pela Prefeitura de Armação dos Búzios (2005).
Elaboração própria com base nas informações acima descritas, contidas no O Perú Molhado, 16 de
dezembro de 2005 . *Ver Figura 06 o percurso da Via Azul.
Diante deste conjunto de projetos apresentados, consideramos que o
sistema de urbanização, juntamente com o rol de processos que visam a
recuperação de áreas urbanas consideradas degradadas, guardam intensa relação
com a preocupação de alcançar e garantir uma imagem positiva de cidade. Assim,
com a crescente globalização da economia, a composição de um mercado mundial
de cidades e a centralidade do capital imobiliário, desenvolve-se o discurso, com
P
P
Ó
Ó
R
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I
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B
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Z
Z
I
I
O
O
S
S
170
suas práticas correlatas da revitalização
101
, da renovação, da requalificação ou da
reabilitação urbana. Nesta direção, reconhecemos, no contexto atual de competição
entre cidades, que a reestruturação urbana assume papel central no projeto de
cidades orientado para a “promoção econômica das cidades”.
Entendendo o urbanismo como técnica e ideologia acionadas na
conformação da ordem urbana, é possível apreender as mudanças na forma urbana
como uma maneira de modificar, também, a vida social que ali constituiu-se. No
caso de Búzios, sobretudo, aproximamo-nos do conceito de urbanização turística
ou tourism urbanisation
102
. Este termo refere-se ao reconhecimento de “formas
específicas de produção do espaço urbano engendradas a partir da atividade
turística, sobretudo quando esta se impõe como dominante na economia local”
(MASCARENHAS, 2004, p. 3). Assim, por exemplo, o traçado da Via Azul (ver
Figura 06) promete o
[...] desenvolvimento da área continental de Búzios, com a criação de
novos pólos turísticos e de emprego no município, contribuindo para
a preservação da península e conseqüentemente para o
desenvolvimento sustentável da cidade como um todo (O Perú
Molhado, 11 de março de 2006).
101
Vale aqui considerarmos que, etimologicamente, o termo revitalização sugere “[...] uma visão
preconceituosa e errônea da área de intervenção. Não é o caso de voltar a dar vida a uma área que
não estava morta, ainda que seja compreensível que não seja essa a perspectiva de muitos que
empregam essa palavra ao se referirem a processos de recuperação de áreas degradadas”
(DUARTE, 2005, p. 2).
102
Patrick Mullins.
171
Figura 06 - Publicidade com o Percurso da Via Azul
Fonte: O Perú Molhado, 11 de março de 2006.
Deste modo, ao determinar o desenvolvimento de uma porção do território
e a preservação de outra, constrói-se, através das novas intervenções, a força motriz
das mudanças locais. Observamos, também, na proposta da Via Azul, a promessa
da mudança social ao facilitar o cotidiano dos habitantes de determinadas áreas,
atribuir status à outras, conforme o trecho abaixo:
A primeira fase da obra, que contempla o trecho entre o Banco
Bradesco e a entrada da Tartaruga deverá ficar pronta em seis
meses. A pista terá sua largura aumentada para 20 metros, quase o
dobro da metragem atual. A via terá canteiro central, paisagismo,
ciclovia e calcadas, que são objetos de insistentes reivindicações por
parte dos moradores da Vila Caranga, Tartaruga, Alto de Búzios e de
outros bairros que serão atendidos nas próximas etapas da Via Azul.
Mas tão importante quanto as obras de superfície serão os trabalhos
de infra-estrutura, drenagem e saneamento, que deverão
acompanhar a implantação da obra. Em sua parte continental a Via
Azul vai trazer benefícios também para os bairros da Rasa, Baía
Formosa, São José e Cem Braças, pois trará segurança e conforto
para os moradores de toda a região. A população da Rasa terá
acesso mais rápido ao centro da cidade, bem como ao Hospital
Municipal. A Baía Formosa, por sua vez, deixará de ser uma rota de
tráfego intenso e irá ganhar o “status” de um bairro tranqüilo e
acolhedor (O Perú Molhado, 11 de março de 2006).
172
Vale lembrar a perspectiva analítica proposta por Milton Santos (1985)
para a aproximação do conhecimento sobre os fenômenos espaciais em sua
totalidade, através das categorias forma, função, estrutura e processo. Considerando
a relação intrínseca entre espaço e sociedade, este autor, afirma que estas
categorias devem ser estudadas em conjunto porque constituem, juntas, uma
“complexa rede de interações, e esta, na qualidade de uma complexa rede de
interações, é maior que a mera composição das partes” (SANTOS, 1985, p. 52)
103
.
Assim, entendemos as determinações da classe dominante, em zios,
durante a substituição da aldeia de pescadores pelo balneário sofisticado, quando
foram atribuídas funções associadas à atividade turística a este território.
Reconhecemos, em relação direta a estas funções, a predominância de uma forma
definida e desejada pelas classes dominantes, que se expressa nos aspectos
rústico-sofisticados das edificações, na adoção de um padrão construtivo evocado
como marca da cidade e na organização espacial capaz de receber o novo fluxo de
visitantes. Desse modo, a forma e a função urbanas do espaço buziano direcionam-
se ao encontro dos programas de renovação urbana e de requalificação da imagem
em escala local, em meio ao processo da busca pela dinamização da economia
local.
103
Segundo Santos, a forma é o aspecto visível de uma coisa. Refere-se ao arranjo ordenado de
objetos, de um padrão. A função sugere uma tarefa ou atividade esperada de uma forma, pessoa,
instituição ou coisa. A estrutura implica a inter-relação de todas as partes de um todo; o modo de
organização ou construção e o processo pode ser definido como uma aão contínua, desenvolvendo-
se em direção a um resultado qualquer, implicando conceitos de tempo (continuidade) e mudança
(1985, p. 50).
173
3.3.1 O efeito centro e a recomposição estética da imagem urbana
Discorremos sobre como a reificação do passado no presente
reconhecendo que a tradição, tornada produto, apresenta, no caso de Búzios,
relativo sucesso na conformação das imagens dominantes da cidade. A costura de
03 (três) temporalidades - postas situação de interdependência e
complementaridade constrói o sentido mais atual da porção do espaço tornada
central pela concretização dos projetos dominantes, como exemplifica a rua das
Pedras.
Conforme exposição anterior, a Orla Bardot, mais recentemente, e, em
especial, a rua das Pedras adquiriram reconhecimento por representarem “a vitrine
de Búzios” ou “a alma de Búzios” (JUSTUS, 1996, p. 77). Correspondem às sínteses
simbólicas espaciais do lugar, capturando e refletindo a ordem urbana local.
A substituição paradigmática da aldeia dos pescadores pelo balneário
sofisticado, quando observada num recorte territorial que evidencia as vicissitudes
de áreas mais antigas da cidade - como é o caso do centro - apresenta as
características das mudanças cio-espaciais realizadas e projetadas de maneira
muito mais exacerbada.
Por outro lado, as novas intervenções, orientadas à requalificação da
imagem e à renovação urbana selecionam e produzem um conjunto de espaços-
síntese que são chamados a participar do projeto de cidade dominante. Deste modo,
reconhecemos que é a partir da refuncionalização destes fragmentos que
determinadas “novas centralidades” são inscritas no circuito voltado à dinamização
da economia local.
174
3.3.2 Espaço urbano e fronteiras sócio-espaciais: o público e
privado
A competitividade transposta para a dimensão da cultura urbana favorece
o uso privado do espaço, em detrimento do espaço público, descaracterizando as
expressões culturais que antes “davam vida” a ruas, avenidas, praças e parques.
A acumulação material transformou-se em condição da aceitação social e
o crescimento dos espaços privados é expressão disso. Quando todos os aspectos
da vida transformam-se em mercadoria, o espaço coletivo é sugado para dentro
dos empreendimentos privados, como exemplificam os condomínios.
Os condomínios fechados são a versão residencial dos enclaves
fortificados. Com eles, muda o padrão de segregação espacial entre as classes,
agregando valor ao espaço privado e de acesso restrito e, desvalorizando os
espaços públicos e abertos. De acordo com Caldeira, “o uso de meios literais de
separação é complementado por uma elaboração simbólica que transforma
enclausuramento, isolamento, restrição e vigilância em símbolos de status” (CALDEIRA,
2000, p. 259).
Os enclaves são, portanto, opostos à cidade moderna, ou seja, a cidade
do “encontro” onde as classes se reconhecem no espaço público. Esta cidade antes
desejada tem sido cada vez mais representada como um mundo deteriorado
104
. A
imagem atual do status, socialmente introjetada, articula-se à residência
enclausurada, fortificada e isolada, que garante a homogeneidade social.
104
Os discursos atuais sobre a desordem e decadência das cidades têm como referência o ideário da
cidade moderna.
175
Entretanto, a questão abordada por Caldeira (2000), não diz respeito
apenas à construção de muros, refere-se à gica urbana. A valorização da
segregação, materializada no muro, legitima a fronteira entre segmentos sociais.
Mas como é legitimada a prática segregacionista? Para Caldeira, a
violência legitima o enclausuramento da elite, que justificaria a busca de
“proteção” contra ameaças, com origem na heterogeneidade das ruas. A legitimação
das práticas de auto-isolamento é alcançada, deste modo, pela exacerbação do
medo. Para a carência de segurança, novas propostas formais, novos produtos.
[...] fazer uma preparação mais qualificada para os guardas
municipais, iluminar mais as ruas escuras como algumas da
Ferradura para tentar assim diminuir a violência, [...] Willyan Farias
da Silva, aluno do ano do ensino médio do colégio C. M. Paulo
Freire - trecho selecionado do texto vencedor da “categoria especial”.
[...] A estrutura social também precisa melhorar em relação à
violência, a cidade precisa de mais segurança. Ana Júlia Soares,
lugar com redação intitulada de “Transformando para melhor”, aluna
do 1º ano do ensino médio do Colégio Municipal Paulo Freire.
A construção econômico-ideológica da questão da violência parece
propor a escolha entre beleza e segurança. Ou consegue-se manter muros baixos
que proporcionem ampla visão, ou opta-se pelo fechamento atrás de grandes muros
garantindo a segurança, perdendo a paisagem. Assim, tem sido enraizada com
apoio no discurso da violência, a estética do medo: os labirintos urbanos.
[...] Conversei com um senhor que já foi seqüestrado duas vezes
aqui em Búzios e ele nega terminantemente em baixar seu muro
[sic]. É uma situação complicada porque temos que substituir a
beleza pela segurança. È claro que a gente tem que optar...se a
gente tiver segurança, nós podemos ter isso [refere-se a implantação
de muros baixos] Nós estamos vivendo uma situação de terror (Dr.
Celso, procurador geral do município, em intervenção oral, na
consulta popular do Plano Diretor de Búzios, realizada no dia
16/12/2003).
176
[...] Independente se o território é ou não particular, nós temos aqui
uma visão cênica, essa visão da paisagem, essa visão do todo
[refere-se, neste caso obviamente às vistas amplas] tem que ser
privilegiada porque hoje em dia o cara sobe o muro e a gente fica
andando em labirintos [...] Você vai na Brava [refere-se à praia
Brava], às vezes mesmo do alto não consegue ver a praia, porque o
muro daqueles lotes que estão sendo edificados não permitem ver a
paisagem (Marcelo em intervenção oral na consulta popular do Plano
Diretor de Búzios, realizada no dia 16/12/2003).
O que é passível de discussão é se a prática de construção de muros
realmente resolveria o problema da violência, ou se o fechamento (auto-isolamento)
não potencializaria o ódio e a hostilidade. Conforme Teresa Caldeira (2000), quando
diminui a socialização e demarca-se a fronteira física entre quem “está dentro” e
quem “está fora”, acentua-se a fragmentação do tecido social, a estigmatização e a
marginalização.
Se pensássemos a violência como processo e não como fato consumado,
seria possível concluir que a produção do espaço, por princípios da exclusão,
também contribui para o agravamento da violência, além de se constituir em
violência simbólica.
Condomínios horizontais: a privatização do espaço público
A valorização do espaço socialmente homogêneo estimulou a ruptura da
co-presença para além dos limites de terrenos particulares. A ocupação de lotes até
o limite da areia tornou-se comum no município de Búzios, apesar de proibida por
avançar sobre terrenos da União. Mais do que isto, esta prática se disseminou e é
considerada pela população, como fato normal e corriqueiro. Esse tipo de
apropriação reserva ao acesso público às praias, servidões, quase imperceptíveis,
dificultando o reconhecimento dessas praias, como espaço de todos.
177
Segundo Caldeira, nas cidades fragmentadas por enclaves fortificados, os
princípios da acessibilidade e da livre circulação (valores importantes das cidades
modernas) não podem ser mantidos.
As praias de ocupação consolidada passaram a ser percebidas
como extensão das propriedades particulares, sejam residências
unifamiliares, sejam condomínios ou pousadas. O acesso a elas se
apenas por servidões, passagens estreitas, em certos locais, de
não mais que 3,0m. de largura (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ).
Prefeitura, 2004a, p. 52).
Caldeira anunciava a crise da modernidade. A autora afirma que o
espaço público não mais se relaciona com o ideal moderno da universalidade. A
nova cidade reforça a segregação sócio-espacial, acentuando as diferenças de
classe. Neste contexto, as estratégias de distanciamento entre segmentos sociais
orientam, também, a administração pública.
As praias constituem um dos maiores atrativos de Búzios, mas para o seu
desfrute, a elite buziana tratou de afastar, física ou simbolicamente, os considerados
diferentes e utilizou a propriedade privada da terra urbana para isso. Um exemplo
típico é oferecido pela praia da Ferradura, onde um aglomerado de casas luxuosas
avança sobre a pequena faixa de areia até quase impedir o acesso ao litoral,
cerceando, desta forma, o exercício de direitos garantidos pela Constituição
Brasileira. Pelo canto da praia, limitado pelos muros, um caminho de terra permite o
acesso à praia. Seguindo pela trilha, o luxo esconde casebres habitados pelos
menos abastados do município que, geralmente, tomam conta dos carros dos
visitantes. Na praia de Caravelas (situada ao sul de Tucuns), a restrição do acesso é
mais acintosa. Diz o Guia Quatro Rodas Praias que “os visitantes devem se
identificar na portaria do condomínio” (2001, p. 35).
178
Essa extensão da propriedade privada - elitizada - em áreas públicas
limita a construção e a experiência do espaço democrático. restrição do seu uso
e seleção de público, como podemos confirmar através da citação do Perfil do
Município:
Não se identificam muitos espaços públicos, como praças ou
parques urbanos. As áreas de lazer estão privatizadas nos
condomínios, dispersos por todo o tecido urbano (ARMAÇÃO DOS
BÚZIOS (RJ) Prefeitura, 2004a, p. 71).
Em Armação dos Búzios, a beira da praia delimita os lotes ocupados pela
classe de alta renda. erguem-se suntuosas edificações, isoladas do mundo
externo, marcando a diferença entre atores sociais. Conforme se avança para longe
do mar, aparecem os traços mais comuns da cena urbana brasileira: a pobreza e a
miséria.
Com apoio na reflexão proposta por Teresa Caldeira para outro contexto,
confirmamos os efeitos sociais da incorporação de condomínios fechados em
Búzios. Nesse caso, trata-se de condomínios horizontais, dada a impossibilidade
prevista por lei e construção de edificações com mais de dois pavimentos
105
.
Segundo a autora, aqueles que escolhem viver em condomínios valorizam
viver distante de interações indesejadas, da heterogeneidade e do perigo e
imprevisibilidade, mas, também, dos acasos e das descobertas que a vida
105
Uma diferença das práticas observadas no município de Búzios e com relação à abordagem de
Caldeira (2001) é a homogeneidade das casas construídas emzios. A heterogeneidade observada
em São Paulo corresponderia, para a autora, à necessidade de preservar a diferenciação
(singularidade entre iguais). A autora ressalta a importância, na capital paulista, da singularidade
arquitetônica preservada entre as casas de um mesmo condomínio, mesmo que os proprietários se
considerem socialmente iguais. Talvez, esse fato o aconteça em Búzios, porque as casas não
sejam utilizadas como primeira moradia pela grande maioria. Entretanto, essa questão mereceria
maior investigação. Contudo, reconhecemos, dentre as diferenças entre São Paulo e zios, que a
adoção de um estilo arquitetônico como modelo dominante, não poderia ocorrer naquela metrópole. A
ampla concorrência entre os agentes modeladores do espaço impossibilita a evidência de somente
um padrão construtivo.
179
espontânea oferece. Esse modo de viver é transformado em estilo e ofertado como
símbolo de status reconhecido, sobretudo pelos “iguais”. E, assim é solidificada a
cultura dominante, servindo de parâmetro para a distância vivida pelos “outros” do
modelo propagado como positivo e desejável.
Reconhecemos, dentro das transformações materiais em curso na cidade,
a tendência ao consumo de serviços e lazer, ao isolamento e à valorização da
propriedade privada. Assim, novas centralidades são criadas para esta finalidade,
dando continuidade ao processo de turistificação do território. Nesta direção,
enquanto algumas formas voltam-se para o olhar externo, sobretudo de turistas;
outras formas, de propriedade particular, fecham-se para qualquer olhar que possa
identificar diferenças sociais.
180
CAPÍTULO 4 RACIONALIDADE ESTRATÉGICA
Na tentativa de apreender a estética e a ideologia em seus vínculos com
o território, parece ser indicado o estudo do pensar / intervir na cidade, na medida
em que este pode orientar a reflexão da construção da materialidade, das disputas
políticas e das tomadas de decisão que se apóiam em um consenso mobilizador dos
habitantes. Os discursos legitimadores caminham em direção à busca da coerência,
entre o desenvolvimento local e a suposta “qualidade de vida da população”,
segundo princípios estratégicos abrigados na retórica da sustentabilidade.
Assim sendo, a gestão urbana, agora assumidamente empresarial,
fundamenta a formatação desejada das esferas constituintes da vida na cidade:
simbólica, material, econômica, cultural e social.
O desenvolvimento urbano, desde a década de 50, gerou expectativas,
por ser formulado em estreita relação com o desenvolvimento econômico (SOUZA,
2003, p. 96).
Como vimos, a turistificação de Búzios segue elementos dos ideários
desenvolvimentistas. De fato, o turismo é recorrentemente apresentado como meio
de desenvolver a localidade, e não mais do que isso. A supressão do termo
econômico na defesa do turismo, revela a fabricação de equívocos, que o projeto
de desenvolvimento parece corresponder à cidade como um todo.
A percepção de que a melhoria no emprego não acontece
concomitantemente à instalação ou implementação do turismo está expressa em
trecho da redação intitulada “Transformando para melhor”:
181
Com relação a economia, é preciso a garantia de emprego fixo para
o crescimento econômico, pois geralmente as ofertas de emprego
são para o verão. Existindo emprego para estas pessoas, elas não
ficariam esperando o verão para trabalhar. Creio que se todos
cooperarem, Búzios se tornará a cidade que queremos (Ana Júlia
Soares, para o concurso “A cidade que queremos” - aluna do ano
do ensino médio do Colégio Municipal Paulo Freire).
Podemos observar a convergência, ao longo da história de Búzios, com o
discurso desenvolvimentista, sustentando o consenso a partir do qual acontece,
efetivamente, a disputa dos recursos simbólicos, materiais e econômicos da cidade.
Entretanto, conforme nos lembra Otília Arantes, “todo incremento de crescimento
local, mantidas as correlações sociais vigentes, implica uma transferência de riqueza
e chances de vida, do público em geral para os grupos rentistas e seus associados”
(2000, p. 28). A idéia de cidade como growth machine ou máquina-de-crescimento
106
implica, deste modo, na fabricação de consensos em torno do crescimento a
qualquer preço, caracterizando a “fabulação de senso comum econômico, segundo
o qual o crescimento enquanto tal faz chover empregos” (ARANTES, 2000, p. 27).
Nesta direção, observamos que as forças locais coligadas, com origem na
década de 50 e apoio na retórica do crescimento, propagaram-se proporcionalmente
ao incremento dos recursos que obtiveram e controlaram: econômicos, simbólicos,
paisagísticos e culturais.
Ora, frente a esse fato, observamos o desenvolvimento desigual de
Búzios, conforme nos indicam diversos autores (por exemplo, ARANTES; VAINER;
MARICATO, 2000; COMPANS, 2005; HARVEY, 1996; LEFÉBVRE, 2001; RIBEIRO,
106
Otília Arantes resume a idéia de cidade como máquina de crescimento da seguinte forma:
“coalizões de elite centradas da propriedade imobiliária e seus derivados, mais uma legião de
profissionais caudatários de um amplo arco de negócios decorrentes das possibilidades econômicas
dos lugares, conformam as políticas urbanas à medida em que dão livre curso ao seu propósito de
expandir a economia local e aumentar a riqueza” (2000, p. 27).
182
1995 / 2004; SÁNCHEZ, 2003; SANTOS, 1994 / 2003 / 2004; SOUZA, 2003), pois a
desigualdade é intrínseca ao desenvolvimento do próprio capitalismo, com suas
contradições.
É notável, nesta direção, a presença de representações sociais relativas à
transnacionalização do território. Observamos a absorção, pelo senso comum, do
discurso neoliberal, que estabelece o destino global da cidade, mesmo com o
prejuízo da população nativa:
[...] É preciso que se tenha uma sociedade formada por cidadãos que
repudiem os erros, sem deixar de contribuir para os acertos. E que
se façam críticas, mas construtivas. Devemos, juntos, dos mais ricos
aos mais pobres, nos unir para encontrarmos, a cada dia, soluções
para melhor vivermos e aprendermos a tratar melhor esta cidade que
a natureza nos proporcionou, e para transformar a pequena aldeia de
pescadores em uma das mais importantes penínsulas do mundo. (O
grifo é nosso - Leandra Mello Benjamin, em trecho de redação
elaborada para o Concurso “A cidade que queremos - aluna da
série do Instituto Santa).
Assim, constatamos a presença do ideal da transnacionalização do lugar,
até mesmo entre as novas gerações de Búzios
107
. Mas, como conjugar as leis
coercitivas da globalização com a união entre pobres e ricos?
A relação sociedade-espaço encontra-se em permanente mudança
(SANTOS, 1985). Ao admitir-se a globalização como fenômeno determinante desta
dinâmica, a questão urbana ganha um novo formato, novos discursos e diferentes
ênfases no que concerne a participação dos atores e segmentos envolvidos. Ocorre,
então, dentre as metamorfoses da problemática urbana, a emergência da
competitividade urbana como nexo central, frente a temas como “crescimento
107
Não podemos descartar a hipótese de que a autora possa ter se valido do discurso desejado para
a elaboração da redação apresentada quando da realização do concurso “A cidade que queremos”.
183
desordenado, reprodução da força de trabalho, equipamentos de consumo coletivo,
movimentos sociais urbanos, racionalização do uso do solo” (VAINER, 2000, p. 76)
anunciados no período anterior.
O marco legitimador da racionalidade empresarial, que comanda a
modernização de Búzios, é o Plano Estratégico (P.E.B., iniciado em 1994),
caracterizado pela clareza com que são delimitadas as forças internas que definem o
destino da cidade. A tentativa da elaboração do Plano Diretor (iniciado em 2001), por
sua vez, desenvolveu-se em condições diferentes: autonomia administrativa de
Búzios e maiores recursos financeiros (tratadas no Item 4.2), porém, com
implicações e sentidos similares aos do Plano Estratégico.
Este recorte analítico - referente à elaboração dos planos urbanos -
permite contemplar as duas gestões de Delmires Braga, o “Mirinho” (PDT), e o início
da gestão de Antônio Carlos Pereira da Cunha, “Toninho Branco” (PMDB), ou seja,
as administrações municipais posteriores à autonomia municipal, em 1995
108
. As
duas últimas gestões municipais envolveram-se na formulação do Plano Diretor,
iniciado em 2001.
108
Não pretendemos dispor de uma análise pormenorizada do modelo de política urbana adotado
pelos gestores da cidade, muito menos desmembrar especificidades de racionalização do destino da
cidade. Entendemos que esse tema consistiria, por si só, um estudo complexo, o qual não é o foco
desta reflexão, mas consideramos importante discussão do pensar a cidade em vários veis. Ao
inserir o tema do planejamento urbano em Búzios, é nosso ângulo de análise a comercialização” da
cidade e as estratégias de legitimação de parâmetros que privilegiam os que detêm, em maior grau,
os recursos simbólicos e materiais do local, garantindo ganhos progressivos aos que possuem a
capacidade de investir no lugar.
184
4.1 Empresariamento e espetacularização da cidade
O espetáculo é a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta
em sua plenitude a essência de todo o sistema ideológico: o
empobrecimento, a sujeição e a negação da vida real. O espetáculo
é, materialmente, “a expressão da separação e do afastamento entre
o homem e o homem” (DEBORD, 1997, p. 138).
Com a falência da estrutura produtiva-comercial e a erosão da base
econômica fiscal das cidades, pela passagem do sistema “fordismo-Keneysiano” à
acumulação flexível
109
, os governos urbanos passam a enfrentar a “crise
estrutural”
110
por meio das estratégias e atividades que Harvey (1996) denomina de
empresariamento urbano
111
.
O esforço de transpor a lógica empresarial para a administração pública
não prioriza a superação do empobrecimento ou a mitigação das desigualdades
sócio-espaciais. Volta-se, efetivamente, para a construção de uma imagem de
sucesso e prosperidade, que constitui uma senha emblemática dos novos tempos de
competitividade interurbana.
A estratégia privilegiada é, de modo geral, guiada pela noção de
qualidade de vida, traduzida em espaços que atraiam o consumo e os negócios,
como shoppings, centros de convenções, entretenimentos: espetáculos, festas
109
Ver mais sobre as transformações político-econômicas do capitalismo em HARVEY, D. Condição
Pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1994, parte II, pgs. 115 a 184.
110
Borja e Castells (1997) e Harvey (1996) tratam a crise“ do fordismo e do Estado-nação,
identificando a tendência à formulação de uma nova trama institucional constituída por uma rede
internacional de governos locais, articulada a organismos supranacionais de coordenação política e
econômica.
111
A investigação de Compans (2005), em Empreendedorismo Urbano, identifica diferentes
denominações, adotadas por diferentes autores, para este modelo de planejamento, que privilegia a
perspectiva mercadológica e concorrencial para a gestão urbana: empresariamento urbano
(HARVEY), gerenciamento urbano (ASCHER), gerenciamento blico urbano (LE GALÈS),
governança urbana (PARKINSON; FAINSTEIN; FAINSTEIN), empreendedorismo competitivo
(MOURA), além de empreendedorismo urbano, denominação acionada pela autora (ver referências).
Segundo Compans (ibid.), as diferentes denominações atribuídas ao mesmo modelo, diz respeito à
ênfase que cada autor confere às características deste modo de gestão público-privada.
185
temáticas e eventos culturais. Esse tipo de intervenção enquadra-se no que
Lefèbvre (2001) chama de urbanismo dos promotores de venda ou, segundo
Ascher (1994), urbanismo de resultados. Esta corrente valoriza os agentes
privados, a economia de mercado e concebe o produto cidade com base nas
técnicas de marketing.
Nesta direção, observamos, na gestão urbana atual, o predomínio da
dimensão econômica sobre a político-administrativa.
Com este predomínio, a cidade passa a ser vista como uma mercadoria a
ser “vendida” no mercado competitivo interurbano, visando a atração de pessoas e
investimentos.
Identificamos, no atual estágio de desenvolvimento do capitalismo,
mecanismos de inserção das cidades no mercado mundial. Assim, emerge o uso da
cultura associada aos meios de comunicação na promoção da cidade. Tal
promoção envolve o encontro de uma marca peculiar, que faça sobressair a cidade
frente às demais
112
.
Na busca de um consenso, que legitime o projeto de cidade, procura-se
reconstituir as bases culturais do senso comum, vinculando-o à cultura dominante
através dos meios de comunicação, que o “marketing substitui o debate e a
publicidade instaura barreiras à contestação” (SÁNCHEZ, 2003, p. 556).
O papel desempenhado pelo viés culturalista nas novas estratégias de
planificação urbana culminam no que Arantes denomina de cidade-empresa-cultural
112
Conforme apontado por Sánchez, “uma das bases para a reconversão das políticas urbanas
contemporâneas, dentro dos processos mais abrangentes de reestruturação econômico-espacial,
está no encontro entre cultura e economia. É nesse encontro que é construído o campo favorável
para a cidade-espetáculo” (2003, p. 493).
186
(2000, p. 39), que corresponde à tendência dos gestores urbanos atribuirem à
cultura (como produto) centralidade no alcance da governabilidade, através da
simbiose entre imagem e produto (ARANTES, 2000, p. 34)
113
.
Desta forma, parte das estratégias da cidade-empreendimento apóia-se
na hipertrofia da esfera cultural, próxima do que Arantes (2002, p. 16) denomina de
culturalismo de mercado. É, aliás, quando a cultura torna-se imagem - representação
e interpretação - que se manifesta o “verdadeiro poder da identidade” (ARANTES,
2002, p. 16), moldando, por um lado, os indivíduos,“pelo consumo ostensivo de
estilos e lealdade a todo tipo de marca”; e, por outro, o sistema altamente
concentrado de provisão desses produtos, tão intangíveis quanto fabulosamente
lucrativos (ARANTES, op. cit, p. 16).
Nessa perspectiva, a cultura é transformada em isca e alçada a um
patamar ímpar de importância na contemporaneidade, uma vez traduzida em uma
gama de produtos e serviços. A transformação da cultura em produto constitui uma
“vantagem comparativa a ser criada”, apropriada pelas políticas de image-maker
(ARANTES, 2000) ou pela indústria da produção de imagem (HARVEY, 1992), uma
indústria que produz, além de signos, representações sociais hegemônicas.
[...] a publicidade e as imagens da mídia passaram a ter um papel
muito mais integrador nas práticas culturais, tendo assumido agora
uma importância muito maior na dinâmica de crescimento do
capitalismo. Além disso, a publicidade não faz parte da idéia de
informar ou promover no sentido comum, voltando-se cada vez mais
para a manipulação dos desejos e gostos mediante imagens que
podem ou não ter relação com o produto a ser vendido (HARVEY,
1992, p. 259).
113
Inspirada em Sharon Zukin in The cultures of Cities, Cambridge, Blackwell, 1995.
187
A dimensão espacial também adquire nova importância, já que
“inserido nessa dinâmica, vem sendo produzido, na escala mundial,
um espaço próprio à fase atual do capitalismo, específico das
sociedades urbanas dirigidas e dominadas por novas relações de
produção capitalista, com a adaptação técnica do território, a
renovação de infra-estruturas de mobilidade e de telecomunicações e
a construção de espaços e equipamentos seletivos, voltados aos
negócios, ao turismo, ao consumo e à habitação” (SÁNCHEZ, 2003,
p. 552).
Esses processos mais abrangentes podem ser reconhecidos, de modo
recorrente, no discurso dos agentes econômicos que atuam em Búzios, uma vez que
se construiu, neste local, a dependência com relação ao turismo, a partir do
discurso da vocação da cidade para esta atividade. Na direção de URRY, “devido à
importância do visual e do olhar, o turismo sempre se preocupou com o espetáculo e
com as práticas culturais que, em parte, implodem uma às outras” (2001, p. 122).
Somando-se essa visão com a fase atual do capitalismo, Búzios pode ser colocado
em especial evidência, porque o processo de turistificação ali ocorrido, a partir da
década de 60, foi sempre embasado em parâmetros da escala mundial, com a
presença efetiva do capital estrangeiro
114
.
Com a ascensão do produto cidade, exposto para consumidores de
investidores consubstancia-se uma gestão urbana que, embora pública, acontece
através de um corte eminentemente empresarial. É esta gestão que cria a cidade-
espetáculo: “lugar aberto às inovações” (RIBEIRO, 1995).
Ao sistematizar as relações entre cultura e economia, a nova gestão
aciona as dimensões espaciais e simbólicas, que garantem o sucesso da
114
Reconhecemos que Búzios antecipa e sintetiza discursos e práticas que apenas a partir da
segunda metade dos anos 80, e sobretudo na década de 90, tornaram-se mais nítidos, constituindo-
se em objeto do pensamento crítico.
188
espetacularização dos lugares. Dessa forma, os nexos entre as dimensões
econômica (mercantilização das relações sociais), simbólica (advinda das imagens)
e espacial (intervenções urbanas) reforçam a construção da cidade-mercadoria
115
.
Como Fernanda Sánchez, atribuímos “relevância analítica à mútua
dependência entre materialização e simbolização, pois essa relação constrói as
possibilidades históricas de efetivação dos interesses globais e seus agentes na
nova espacialidade urbana” (2003, p. 547).
Lembramos, ainda, que “[...] quase todos os lugares se tornam centros de
“espetáculos e exibição [...]”, os balneários, hoje, distinguem-se relativamente muito
pouco dos outros lugares” (URRY, 2001, p. 131). Assim, o balneário de Armação dos
Búzios tem sido submetido às exigências da última modernização pelas lideranças
locais e estrangeiras, através da produção de uma imagem atraente e única de
cidade. Esta construção imagética é legitimada e impulsionada pelo discurso, que
afirma ser indispensável “dinamizar a economia local, gerando emprego e renda à
população local”, o que seria possível pela inserção da localidade no mercado
mundial de cidades.
4.2 Estímulos à instalação da racionalidade empresarial
Consideramos, ainda, dois processos que estimularam a organização
social em torno das lutas político-econômicas locais, inscritas na concorrência inter-
cidades. O primeiro diz respeito à conquista da autonomia (1995) e à instauração
115
A obsessão atual pelo turismo internacional e pelo capital multinacional amplia os investimentos e
a atração dos fluxos de pessoas e recursos financeiros. Assim, cidades que até então constituiam-se
em centros de negócios, passam a incluir o turismo como meio para dinamizar sua economia. Este
não é o caso de Búzios, mas aumentam as alternativas turísticas e a competição nessa atividade.
189
do município de Armação dos Búzios (1996). Com o embate que levou à
autonomia, inicia-se um período marcado pelo acirramento das disputas político-
econômicas. Este período é assinalado pela elaboração do Plano Estratégico e por
um eficiente programa de comunicação social, viabilizado, especialmente, pela mídia
local.
O segundo processo, relacionado ao primeiro, refere-se ao incremento
das finanças públicas, a partir do aumento e da apropriação local dos royalties
do petróleo que, antes da emancipação, não eram alocados no território de Búzios.
4.2.1 Autonomia político-administrativa
É na dimensão político-administrativa que melhor evidenciam-se as lutas
discursivas e simbólicas, envolvendo, especialmente, a disputa pelo poder e a
configuração dos grupos políticos locais, que utilizam os meios de comunicação
como instrumento de convencimento e de legitimação dos seus interesses.
No contexto da redemocratização do país, ganha impulso a luta pela
autonomia do então terceiro distrito de Cabo Frio, iniciada em 1985
116
.
Os diversos desmembramentos municipais à época do movimento pela
emancipação de Búzios aparecem no Mapa 05. Na Região dos Lagos, existiam
Araruama, São Pedro da Aldeia e Cabo Frio. Primeiramente, Arraial do Cabo se
116
A Constituição de 1988 fortaleceu a descentralização político-administrativa, dando aos
municípios maior autonomia e elevando-os, pela primeira vez, à condição de ente federativo. A
conquista da nova Constituição Federal traduziu-se em textos legais, leis orgânicas, planos diretores,
mas efetivamente não garantiu compromissos sociais mais amplos seja pela não regulamentação de
dispositivos constitucionais, seja pela não implementação dos mecanismos regulatórios redistributivos
nas localidades. Assim, foram reduzidos os impactos esperados dos instrumentos legais que
garantiriam os direitos acolhidos pela nova constituição.
190
emancipou, inspirando a ação emancipacionista buziana e, também, a de Arraial do
Cabo e Iguaba.
191
Mapa 05: Desmembramentos Municipais por períodos históricos - Estado do Rio de Janeiro (1950 a 1995)
Fonte: Fundação CIDE
192
A argumentação a favor da emancipação, veiculada nos meios de
comunicação e tornada senso comum, fundamentava-se em pelo menos três
diretrizes discursivas:
Os recursos públicos não alcançavam o território buziano, mesmo com a
melhoria da condição financeira de Cabo Frio que passou a receber, a partir dos
royalties de petróleo, as receitas que caberiam ao terceiro distrito.
A matéria veiculada no jornal O Perú Molhado, citada a seguir,
exemplifica a ênfase nas vantagens econômicas e materiais esperadas da
autonomia de Búzios:
Se a emancipação fosse hoje, o município de Armação dos Búzios
teria recursos da ordem de 13,8 milhões de reais, para uma
população, digamos de 20 mil pessoas. Justamente 25% do que
arrecada Cabo Frio que, para uma população de 100 mil pessoas,
dispõe de 46 milhões, como prevê o orçamento para 1996. E melhor:
a nova prefeitura tem condições de melhorar sua receita, através de
impostos próprios que, hoje, já são mais de 30% da receita municipal
(O Perú Molhado: 16 a 30 de setembro de 1995).
A falta de fiscalização contra ações ilegais com ênfase no crescimento
impetuoso verificado em Búzios, com a agravante do licenciamento de obras em
“áreas verdes” para empreendimentos imobiliários (CUNHA, 2002b);
O desejo de diferenciação simbólica para a imagem que se construía de Búzios,
frente à imagem considerada negativa de Cabo Frio.
O confronto simbólico Cabo Frio - zios é nítido e corresponde às ações
estratégias na luta dirigida pelas classes dominantes, a elite local, em escalas mais
amplas. O discurso da elite buziana destacava a intensa popularização de Cabo Frio
e, definitivamente, não era este o seu projeto para zios. São criadas, assim, as
193
condições ideológicas para a estigmatização do turismo de massa cabofriense
117
. A
luz de Bourdieu (2004), podemos afirmar que as posições sociais são definidas de
forma relacional. Assim, o confronto Cabo Frio - zios assegura o movimento
incessante de afirmação simbólica que garante a posição social da elite.
O descontentamento de investidores com a administração de José
Bonifácio (PDT), aliados a influentes proprietários, desencadeou o movimento de
emancipação de Armação dos Búzios, que se concretizou dez anos depois, em
1995
118
.
Durante os 10 anos da mobilização pró-emancipação, o jornal O Perú
Molhado atuou divulgando a face positiva da separação política de Búzios. Este
processo de convencimento apoiou-se na construção de um projeto e também em
mecanismos de comunicação e “educação”. Essa relação de poder é confirmada
pelo depoimento de Daisy Justus:
O Jornal é um controlador da opinião: isso ficou claro recentemente
quando foi o grande dirigente no movimento pró-emancipação.
Foram empregados numerosos artifícios de propaganda social,
movidos por iniciativas privadas, mas era o nome do O Perú Molhado
que aparecia, a fim de “educar” o público e direcionar a população no
movimento do que era considerado a melhor das condições da vida
comunitária (Aspas e itálicos originais - JUSTUS, 1996, p. 131).
O Perú Molhado foi um instrumento importante na promoção de consenso
em torno da emancipação (verificar campanhas em prol da emancipação na Figura
07). Membros da elite, externos e locais passaram a “vestir a camisa” da
117
Cabo Frio representava, no discurso da elite de Búzios, o parâmetro negativo do que zios
deveria ser, visando a conservação da hegemonia que esse grupo detinha.
118
A lei n
o
2498, de 28 de dezembro de 1995, instituiu a emancipação de Armação dos Búzios, em
votação realizada a 12 de novembro de 1995. Antes foram feitas quatro tentativas frustradas. A
instalação do município deu-se em janeiro de 1997 (RIO DE JANEIRO (Estado), 2004).
194
emancipação, literalmente, com o SIM estampado com ampla veiculação em
diversos jornais da época. Desta maneira, o SIM ganhou força e sentido,
determinando o considerado melhor para todos, como pode ser reconhecido na Foto
17. A atuação na construção do consenso e o patrocínio da separação política de
Búzios aparecem emblematicamente na camisa utilizada para divulgação do
movimento, com o logotipo de O Perú Molhado (acima do “SIM”).
Figura 07: Seleção do O Perú Molhado com imagens da campanha do próprio
jornal pela emancipação de Búzios
Fonte: O Perú Molhado de 17 de setembro de 2004, edição 668, Ano XXIV.
195
Foto 17: Campanha para emancipação de Armação dos Búzios
Fonte: acervo do jornal O Perú Molhado.
Durante os anos do movimento em favor da emancipação, a imprensa
nacional registrou o envolvimento de ilustres personalidades, como músicos, atores
e escritores. Levantou-se até a possibilidade de candidatura de Luiza Brunet à
prefeitura do novo município
119
. Essa aparição na mídia apoiou, fortemente, a
construção da imagem externa do lugar - mulheres bonitas, pessoas famosas -, com
a diferença de que, com a emancipação, o lugar teria a sua identidade (sofisticada,
elitizada) reconhecida.
Assim, em 1996, foi eleito o primeiro prefeito, Delmires de Oliveira Braga,
o “Mirinho”, do PDT, filho de pescador que, em 2000, viria a reeleger-se
120
. Vale
119
Uma das modelos brasileiras mais cobiçadas e também empresária, Luiza Brunet dava entrevistas
levantando a possibilidade de candidatar-se à prefeitura do município prestes a se emancipar. Nessa
ocasião, inclusive, Luiza era proprietária de uma loja no Centro de Búzios.
120
O prefeito de Cabo Frio, na ocasião da emancipação de Armação dos Búzios, era José Bonifácio
Ferreira Novellino, do PDT.
196
ressaltar que o movimento de emancipação favoreceu a configuração de novas
forças sociais, com interesses diversos, em disputa pelo poder local
121
.
4.2.2 Aumento e apropriação de recursos econômicos: os royalties de
petróleo
O recebimento dos royalties, possibilitado pela exploração de petróleo na
Bacia de Campos, trouxe o incremento de recursos externos aos municípios da
região. Em 1985, foi instituída a cobrança dos royalties com alíquota total de 5%.
Entretanto, somente em 1999, após a instalação do município de Armação dos
Búzios (1996), esse montante de recursos passou a fazer parte do orçamento a ser
administrado com enfoque local.
Dois fatores estruturais determinaram a receita proveniente dos royalties,
alocada aos municípios da região, a partir de 1999. Foram eles:
1. Aumento da produção de óleo e gás natural;
2. Aumento da alíquota dos royalties promovido pela Lei do Petróleo e início da
cobrança das Participações Especiais, no ano de 2000
122
.
121
Apesar do aparente consenso social, é possível resgatar um sentimento não muito confortável
com a idéia da emancipação de Búzios, já que as estruturas da vida prática localizavam-se em Cabo
Frio: “Eu não sei o que vai melhorar com a emancipação. Búzios vai se separar de Cabo Frio, dizem
que vai melhorar o comércio isso e aquilo... Mas se você quer uma loja de sapatos em Búzios, não
tem... Se você quer um sapateiro, tem que ir a Cabo Frio...Acho que Búzios não está preparado “pra”
essa emancipação. A maioria é a favor da emancipação. É até ignorância você comentar com alguém
que você é contra” (O grifo é nosso - Comerciante local in JUSTUS, 1996). Neste depoimento,
evidencia-se a pressão imposta sobre os habitantes e o constrangimento de perceber-se contrário à
força maior com o seu poder de coerção no plano das idéias e na disputa pelo poder.
122
A chamada Lei do Petróleo, estabelecida em 1997, alterou a lógica da exploração petrolífera, ao
extinguir o monopólio da Petrobrás, permitindo a atuação de outras empresas. A partir dessa lei, a
alíquota máxima dos royalties passou de 5% para 10% . Em 2000, começaram a ser pagas as
Participações Especiais (direitos de produção em poços de alta lucratividade).
197
Apesar dos municípios mais privilegiados com o recebimento dos
royalties, em termos absolutos, serem Campos dos Goytacazes, Rio das Ostras e
Macaé
123
(ver Gráfico 13), o peso relativo dessa contribuição no orçamento
municipal também é significativo em Armação dos Búzios
124
(ver Gráfico 14).
Gráfico 13 – Evolução dos Repasses de Royalties e Participações Especiais
aos Municípios da Bacia de Campos (1998 / 2002)
Fonte: Agência Nacional do Petróleo. Secretaria do Tesouro Nacional. Tribunal de Contas do Estado do Rio de
Janeiro. Elab.: Cláudio Stenner, apud ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a.
123
Os recursos provenientes do petróleo, contudo, não se distribuem uniformemente na Bacia de
Campos. forte concentração em alguns municípios, sendo Campos o mais aquinhoado. Em 8
anos, aumentou seu orçamento em aproximadamente 1.100%. No trimestre de 2001, cerca de
96% dos recursos concentraram-se em três municípios: Campos, Rio das Ostras e Macaé, sendo de
Campos a metade desses recursos, graças à presença de poços de alta rentabilidade comercial
(Carvalho, A. M et al, 2002).
124
Devemos ressaltar que o petróleo e o gás são recursos finitos. A receita proveniente de sua
exploração tende a diminuir ao longo do tempo.
0
50
100
150
200
250
300
1998
1999
2000
2001
2002
Campos
Macaé
Rio das
Ostras
Cabo Frio
Quissamã
Búzios
C. Abreu
Carapebus
S.J.Barra
S.F. Itabap.
A. do Cabo
P. Kennedy
Os dados de 2002 foram projetados a partir da média dos 8 primeiros meses do ano
198
Gráfico 14- Composição das receitas correntes da administração pública de
Armação dos Búzios, por ano (1998 a 2003).
Fonte: RIO DE JANEIRO (Estado), 2004.
É possível perceber, no Gráfico 14, que, em 2000, os recursos
provenientes dos royalties de petróleo representavam 39% da receita municipal
alcançando, em 2003, 50% dos recursos disponíveis.
Podemos dizer, então, que o aumento dos recursos amplia o poder
econômico da Prefeitura de Armação dos Búzios, possibilitando maior
199
implementação de políticas públicas por parte dos novos administradores da cidade.
Entretanto, a localização dos investimentos revelará as prioridades da
administração, deixando transparecer o modelo seguido pelos gestores urbanos.
4.3 O Planejamento urbano-empresarial
O planejamento estratégico emerge na cena urbana fundamentado em
conceitos e técnicas oriundos do planejamento empresarial, originalmente
sistematizados pela Harvard Business School nos anos 60. Este modelo de
planejamento
125
dissemina-se entre os gestores urbanos, transpondo às cidades os
mesmos objetivos e desafios enfrentados pelas empresas
126
. Assim, as medidas
preconizadas por este método deveriam ser adotadas pelos governantes com o
intuito de inserir a cidade nos circuitos do mercado mundial.
A cidade, tornada mercadoria e vendida como “modelo” por meio de
estratégias de marketing, é inserida no mercado global de cidades
[...] Na construção desse mercado, impera uma orientação político-
estratégica de circulação de “modelos”, com o intuito de engajar os
governos de cidade numa competição desenfreada para favorecer
capitais globais, nacionais ou locais em nome do “desenvolvimento”
e da inserção das cidades no mundo globalizado (SÁNCHEZ, 2003,
p. 262-263).
Estas estratégias e os modelos são criados para que as demais cidades
sigam os passos para adequar-se a uma nova ordem urbana, como se fosse uma
necessidade imperativa para que as cidades continuem presentes no mundo
(SÁNCHEZ, 2003, p. 375) ou como “único meio eficaz para fazer frente às novas
125
A metodologia deste plano denomina-se “SWOT”, em inglês, Strenglhs, Weaknesses, Oportunities,
Threats, ou seja, fundamenta-se na análise dos Pontos Fortes, Pontos Fracos, Oportunidades e
Ameaças, tendo sido largamente utilizada nos Estados Unidos nos anos 70 e 80 (COMPANS, 2005,
p. 196).
126
A difusão no Brasil e na América Latina deste modo de planejar ocorre pela ação conjunta de
agências multilaterais, como o BIRD, HABITAT, e consultores internacionais.
200
condições impostas pela globalização às cidades ou aos governos locais” (VAINER,
2000, p. 78). Deste modo têm sido internalizados elementos de uma ordem global na
localidade, com base num diagnóstico de problemas e no intuito de desenvolver um
“município modelo, que resgate a auto estima e o orgulho” da população buziana
(PEB, 1996, p. 8).
4.3.1 Como foi possível a institucionalização do Planejamento
Estratégico em Búzios?
O mercado mundial de cidades “é movido e, ao mesmo tempo, movimenta
alguns outros mercados” (SÁNCHEZ, 2003, p. 267), dentre eles, o mercado do
turismo que se conecta em profundidade ao nosso estudo específico. Essa relação -
entre mercado de cidades e mercado do turismo - determina, explicitamente, a
venda de cidades, onde o público-alvo será desenhado por características
reforçadas pelo marketing de cidades. Deste modo, através de agências e
promotores urbanos, Búzios foi inscrita na disputa por uma colocação no mercado
turístico e avaliada através das suas potencialidades para a atração de fluxos de
pessoas e investimentos.
Merece consideração o papel desempenhado pelo Plano Estratégico na
consolidação da emancipação da cidade, sendo esta, também, condição para o
fortalecimento e efetivação das proposições do Plano. A grande vitalidade da visão
empreendedora e o poder de articulação detido pelos agentes econômicos e atores
políticos no município de Búzios estimularam a autonomia político-administrativa da
localidade.
201
Foram muitos anos sonhando com a emancipação e agora que se
tornou realidade, nossa obrigação é a de formarmos um município
modelo, planejado e sadio, e se não o realizarmos, teremos o resto
de nossas vidas para nos arrepender (PEB, 1996, p. 2).
Antes mesmo da autonomia administrativa do município, empresários,
comerciantes, arquitetos, engenheiros, entre outros agentes, reuniram-se para a
elaboração do Plano Estratégico. Esse fato denota a efetiva presença, naquela
época, de forças com capacidade de definir e defender um projeto para Búzios.
O tripé responsável pela institucionalização do Plano Estratégico de
Búzios foi composto pela Associação de Engenheiros e Arquitetos (ENARQ), a
Associação Comercial e a Associação de Hotéis de Búzios, o que esclarece a
natureza técnico-empresarial do planejamento proposto.
Existe uma relação intrínseca entre a construção ideológica do
planejamento estratégico e a difusão de uma espécie de consciência de crise, ou
melhor da percepção de um período problemático, a ser enfrentado com urgência e
eficácia. Nesta direção, Vainer percebe, a partir desta associação, que o sentimento
de crise cria “condições para uma trégua nos conflitos internos ou, se se prefere, a
paz social interna(2000, p. 93). Assim, a condição básica do sucesso do Plano é o
alcance do consenso ou a “transformação do fugaz sentimento de crise num
consistente e durável patriotismo de cidade” (Itálicos originais - ibid., p. 94).
202
Foi enfrentando as dificuldades ao longo dos últimos tempos que
nossa comunidade, em seus diversos setores começou realmente a
se organizar, em movimentos e associações; seria o início da
conscientização da necessidade de uma sociedade organizada,
capaz de reivindicar seus direitos e saber quais os seus deveres [...]
Pela primeira vez, a comunidade pensa e discute o seu destino, se
propondo a planejar o futuro almejado, possível e realizável,
resultado direto de nossa vontade no exercício pleno de nossa
cidadania (O grifo é nosso - PEB, 1996, p. 1).
O patriotismo de cidade seria, então, resultado (e condição) do projeto de
cidade. Instaurado pelo discurso dominante, ao contrário do sentimento de crise,
conforma a articulação entre analogias: cidade-mercadoria, cidade-empresa e,
agora, cidade-pátria (VAINER, 2000, p. 94).
A elaboração do Plano Estratégico de Búzios guarda importantes
conexões com o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (PECRJ)
127
.
Após contatos realizados com o Plano Estratégico do Rio de Janeiro
e de palestra ministrada por seu então Diretor Executivo, o Prof.
Carlos Lessa, no dia 18 de abril de 1995, no auditório da Pousada La
Mandrágora, optou-se por utilizarmos a metodologia empregada no
Rio de Janeiro, adaptada às circunstâncias e necessidades de
Búzios (O grifo é nosso - PEB, 1996, p. 4)
128
O Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (PECRJ), por sua vez,
foi inspirado no Plano Estratégico de Barcelona. Dessa maneira, forma-se uma rede
de cidades-modelos que servirão de exemplos a outras cidades, em um movimento
sem fim de captura da questão urbana pelos códigos do pensamento empresarial.
Deste modo, foi considerada uma obrigação do PEB, a formação de “um município
modelo, planejado e sadio” (Plano Estratégico de Búzios, 1996, p. 2).
127
O Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (PECRJ) foi concebido entre 1993 e 1994.
128
Seguindo exatamente as mesmas premissas do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro
(PECRJ), “em 28/07/1995 foi instituído o embrião do consórcio mantenedor do Plano Estratégico de
Búzios que veio a ser oficializado a 14 de fevereiro de 1996” (PEB, 1996, p. 4). Em agosto de
1995, a estruturação do Conselho Diretor, do Comitê Executivo e dos Grupos de Pesquisa e
Diagnóstico já estava realizada. Em 30 de março de 1996, deu-se o início da formatação do Conselho
da Cidade (PEB, 1996).
203
A exposição inevitável de nossos problemas e a falta de capacidade
de resolvê-los, tem sido o principal vetor a impulsionar o desejo de
todos no sentido de termos um município modelo, que resgate a
auto-estima e o orgulho de nossa população (PEB, 1996, p. 8).
O anseio pela objetivação de um modelo também é absorvido pela
população local, como podemos apreender a seguir:
Nossa cidade deverá ser vista como um lugar que todos gostariam
que fosse sua cidade, transformando Armação dos Búzios em um
símbolo de qualidade de vida para nosso país e para o mundo. /
Esta é a cidade que queremos e que podemos juntos alcançar
(Leandra Mello Benjamim, em trecho de redação elaborada para o
concurso “A cidade que queremos”, intitulada de “Búzios Paradise” -
aluna da 8ª série do Instituto Santa Rosa).
4.3.2 Plano Diretor: a retórica da sustentabilidade
Búzios é a primeira cidade do Brasil a fazer um Plano Diretor com a
filosofia de desenvolvimento sustentável. O conceito de
desenvolvimento sustentável do Plano Diretor de Búzios é atual por
que pensa em investimento, em expansão. O Plano quer o
desenvolvimento de Búzios como uma cidade economicamente forte,
social e ambientalmente preservada. O crescimento da cidade
precisa garantir o uso racional dos recursos naturais, histórico-
culturais e dos atrativos turísticos, o desenvolvimento sócio-
econômico e a proteção do meio ambiente, para garantir a qualidade
de vida das gerações presentes e futuras (JORNAL BÚZIOS: PLANO
DIRETOR EXTRA, 2004, p. 3).
No decorrer das cadas de 60 a 90, a marca tão orgulhosamente
projetada da localidade - detentora de um conjunto de habitantes classe A e turistas
Vip - enfrentou o contraste com uma visão negativista e discursos que incorporavam
questões tratadas em escalas mais abrangentes: degradação ambiental, poluição
(sonora, paisagística e atmosférica), engarrafamentos, violência, infra-estrutura
deficiente, carência de empregos, sobretudo os formais, e, especificamente, em
Búzios a mudança tendencial do “turismo de qualidade” em “turismo de massa”.
204
Diante deste quadro, a “falta de planejamento” ou a “ausência de um plano diretor
para a cidade” foram reconhecidos como as maiores causas dos problemas urbanos.
Com este diagnóstico, o Plano Diretor
129
tornou-se, no imaginário buziano,
o documento “salvador” da cidade.
As cidades sem Plano Diretor são cidades sem prioridades. Cidades
como Búzios, que implementa um Plano Diretor ainda no começo de
sua trajetória, têm uma visão do futuro, sabem para onde querem ir
(Jaime Lerner em depoimento para JORNAL BÚZIOS, PLANO
DIRETOR EXTRA, 2004, p. 8).
Após 5 anos da emancipação de Búzios é iniciado o Plano Diretor através
de um convênio entre a Prefeitura Municipal de Armação dos Búzios (PMAB) e a
Fundação Getulio Vargas (FGV-RIO). A elaboração do Plano aconteceu
concomitantemente à elaboração da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo
e do Código de Obras e estendeu-se durante o período compreendido entre 2001
até o final da gestão de Mirinho Braga, em 2004. Contudo, depois do seu
encaminhamento à Câmara dos Vereadores, a nova administração da prefeitura
municipal apresentou um pedido de revisão e retirou o documento
130
.
É possível verificar a influência do Planejamento Estratégico na
metodologia do Plano Diretor de Búzios, que passa a ser veiculado localmente como
a “base estratégica de captação de recursos para a cidade” (JORNAL BÚZIOS:
129
Apesar do Plano Diretor de Búzios não ter sido ainda votado pela Câmara Municipal,
reconhecemos seu valor como arma política. Cabe ressaltar as divergências, explícitas no jogo
político, e os conflitos entre cada corpo administrativo dificultando a conclusão do documento.
Tentaremos aqui incutir um posicionamento de imparcialidade e um olhar distanciado quanto ao
nosso envolvimento técnico na ocasião da elaboração do Plano Diretor de Búzios. Essa postura visa
privilegiar nosso olhar enquanto pesquisadora, atribuindo a este novo ângulo de visão uma postura
crítica quanto ao foco deste estudo.
130
Este fato gerou movimento contestatório por parte de lideranças políticas e representações
comunitárias, provocando divisões internas e conflitos de interesses, especialmente daqueles que
haviam participado desde o início do processo de elaboração do Plano Diretor. A votação deste
documento continua pendente até a presente data (março/2006).
205
PLANO DIRETOR EXTRA, 2004, p. 1), confirmando a tendência anunciada de
empresariamento da cidade (HARVEY, 1996) ou a adesão ao empreendedorismo
urbano
131
(COMPANS, 2005). Deste modo, o Plano Diretor, foi apresentado como
“inédito sob vários aspectos”, dentre eles, a abrangência de um “planejamento
estratégico, com ações e objetivos claros e prioritários para a cidade” (JORNAL
BÚZIOS: PLANO DIRETOR EXTRA, 2004, p. 2). Com a semelhança entre os
princípios do planejamento estratégico e os do Plano Diretor de Búzios,
reconhecemos que, desde o PEB, a retórica da sustentabilidade é expressa através
da “busca de um modelo de desenvolvimento sustentável, humano e racional, que
privilegie a qualidade de vida de nosso meio ambiente” (P.E.B., 1996, p. 5).
O “ecodesenvolvimento” dos anos 70, foi substituído, nos anos 80, pelo
discurso do “desenvolvimento sustentável”, demonstrando a continuidade (efetiva ou
discursiva) da questão ambiental. Assim, vêm sendo associados à noção de
sustentabilidade, sentidos advindos e diversas matrizes discursivas (ACSELRAD,
2001).
Uma coisa é certa: “a sustentabilidade é vista como algo bom, desejável,
consensual” (ACSELRAD, 2001, p. 29). Por isso, a luta se dará em torno do
reconhecimento daquele que pode, com autoridade, falar em nome da
sustentabilidade. A noção de sustentabilidade, estará submetida, então, a disputa
131
A origem do termo empreendedorismo remete a Joseph Schumpeter. Este economista afirmava,
em 1949, que o empreendedor é aquele que destrói a ordem econômica existente, através da
introdução de novos produtos e serviços, pela criação de novas formas de organização ou pela
exploração de novos recursos e materiais. Segundo Schumpeter, a inovação trazida pelo
empreendedorismo permitiria ao sistema econômico, renovar-se e progredir constantemente, gerando
novos desequilíbrios, num processo contínuo de destruição criadora.
206
“pelo monopólio da nomeação legítima como imposição oficial” (BOURDIEU, 2004,
p. 146)
132
.
Mais uma vez, podemos verificar a proximidade entre o Plano Estratégico
de Búzios e o Plano Diretor através da adoção, por ambos, do discurso da
sustentabilidade. O Plano Estratégico buscaria “um modelo de desenvolvimento
sustentável, humano e racional que privilegie a qualidade de vida de nosso meio-
ambiente” (O grifo é nosso - PEB, 1996, p. 5), enquanto “a questão central do Plano
Diretor é o futuro, em como garantir a existência de uma cidade sustentável” (O grifo
é nosso - JORNAL BÚZIOS: PLANO DIRETOR EXTRA, 2004, p. 2).
Visando a reflexão desta ênfase, procuramos relacionar as matrizes
discursivas identificadas por Acselrad (2001, p. 27) com os discursos que
acompanharam a elaboração do Plano Diretor:
“Da eficiência - tem a pretensão do combate ao desperdício da base material do
desenvolvimento, estendendo a racionalidade ao espaço não-mercantil planetário;
Da escala - propugna um limite quantitativo ao crescimento econômico e à pressão
que ele exerce sobre os “recursos ambientais”;
Da equidade - articula analiticamente princípios de justiça e ecologia;
Da auto-suficiência - prega a desvinculação de economias nacionais e sociedades
tradicionais dos fluxos do mercado mundial como estratégia apropriada para
assegurar a capacidade de auto-regulação comunitária das condições de reprodução
da base material do desenvolvimento;
Da ética - inscreve a apropriação social do mundo material em um debate sobre os
valores de bem e de mal, evidenciando as interações da base material do
desenvolvimento com as condições de continuidade da vida no planeta”.
132
Assim, segundo Bourdieu, de um lado está o universo das perspectivas particulares, dos agentes
singulares que, a partir do seu ponto de vista particular, da sua posição particular, produzem
nomeações. [...] De outro lado, es o ponto de vista autorizado de um agente autorizado, a título
pessoal, como certo grande crítico, certo prefaciador ou certo autor consagrado (J’accuse) e,
sobretudo, o ponto de vista legítimo do porta-voz autorizado, do mandatário do Estado” [...] (2004, p.
146-7).
207
No contexto da ”venda” das cidades, com o objetivo de atração de
investimentos, e diante da gama de imagens-sintéticas antes apresentadas, faltava a
Búzios elementos que comprovassem as suas pretendidas qualidade, eficiência e
auto-suficiência. A tecnocracia, ou agora, a ecocracia
133
local tratou de implantar o
Plano Diretor da cidade evocando os pressupostos da sustentabilidade,
denominando-o Plano de Desenvolvimento Sustentável de Armação dos Búzios.
VILLAÇA (1999) demonstrou que mudanças na nomenclatura da
planificação - na década de 30 e 40, o urbanismo e, atualmente planejamento
urbano - tiveram por objetivo legitimar documentos de planejamento e garantir a sua
reprodução. É seguindo esta linha de pensamento, que podemos entender o apelo à
inclusão da sustentabilidade no título do Plano Diretor de Búzios.
[...] somente entendida enquanto ideologia, é possível compreender
a produção e principalmente a reprodução no Brasil, [...], do
planejamento urbano, cristalizado na figura do Plano Diretor.
Sustenta-se também que as constantes mudanças de nome, de
metodologia de elaboração e de conteúdo dos planos ao longo de
sua história, foram estratagemas dos quais as classes dominantes
lançaram mão para renovar a ideologia dominante e com isso
contrabalancear a tendência de enfraquecimento de sua hegemonia,
contribuindo, assim para sua manutenção no poder e para o
exercício de dominação (VILLAÇA, 1999, p. 182).
Essas são questões relevantes para a compreensão dos aspectos sociais
que condicionaram a elaboração da política urbana. É necessário compreender a
natureza do discurso político e seus vínculos com intenções e interesses reais. Além
disso, é necessário identificar os atores envolvidos na disputa pelo poder - os
dominantes e os que se ressentem face à expansão da lógica do capitalismo na
definição do futuro dos lugares.
133
Pela incorporação do discurso do meio ambiente às políticas urbanas.
208
Em meio às matrizes discursivas apresentadas, resta identificarmos as
falas / discursos difundidos em Armação dos Búzios, principalmente no que diz
respeito à projeção da cidade-sustentável, em seus supostos atributos para a
atração de investimentos no contexto da competição global. Conforme Acselrad,
A noção de “cidade sustentável” instaura uma nova cena de
enunciação, onde uma trama de múltiplos personagens e falas
entrecruzadas reelabora as representações da cidade. Desencadeia-
se um jogo lendário de singularização das cidades, de ligação entre
seu passado, presente e futuro através de uma ordem linear, de sua
transformação em quase-personagem dotado de um corpo / território
e uma alma / cultura citadina (1999, p. 49).
Em Búzios, o discurso de sustentabilidade adere a diversos sentidos,
como podemos identificar em diferentes passagens dos documentos cnicos
contemplados. A noção de sustentabilidade apresenta-se, então, como propícia à
defesa de interesses em busca de afirmação.
a. A causalidade teleológica: “Cenários de Desenvolvimento”
A metodologia adotada para a elaboração do Plano Diretor de Búzios foi a
[...] construção de Cenários de Desenvolvimento, ou seja, visões
prospectivas de como o Município pode se desenvolver, para definir,
a partir da situação atual objetivamente identificada, o futuro a ser
atingido por meio de estratégias e ações claramente definidas
(ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b, p. 11).
Assim, em conformidade com o afirmado por Acselrad, o presente e o
futuro adquirem atributos que permitem a comparação entre objetos e práticas, o
que diria do seu caráter sustentável ou não.
134
Essa concepção do presente-futuro é
denominada por alguns autores, criticamente, de causalidade teleológica, ou seja,
134
A comparação entre passado e presente, no atual modelo de desenvolvimento, expressa o que se
pretende ser insustentável.
209
“a causa é definida pelo fim [...] É sustentável hoje aquele conjunto de práticas
portadoras de sustentabilidade no futuro" (ACSELRAD, 2001, p. 30).
O futuro incerto corresponde, dessa forma, em um meio de orientar as
ações do presente, que devem ser consideradas sustentáveis para serem aceitas
consensualmente. Uma visão crítica deve ressaltar que esse suposto futuro é
produto da representação e idéias que os agentes sociais que ocupam posições
dominantes e, por assim dizer, detêm o poder da construção de conceber e escolher
o cenário futuro ao qual as forças da cidade devem objetivar. É possível, então,
formatar representações sugerindo idéias em conexão ao termo sustentabilidade por
este indicar uma noção ainda imprecisa pela ausência de um discurso hegemônico
(ACSELRAD, 2001). Assim, em proximidade com Bourdieu,
[...] àqueles que vissem neste projecto de tomar para objecto os
instrumentos de construção do objecto, de fazer a história social das
categorias de pensamento do mundo social, uma espécie de desvio
perverso da intenção científica, poder-se-ia objectar que a certeza
em nome da qual eles privilegiam o conhecimento da <realidade> em
relação ao conhecimento dos instrumentos de conhecimento nunca
é, indubitavelmente, tão pouco fundamentada como no caso de uma
<realidade> que, sendo em primeiro lugar, representação, depende
tão profundamente do conhecimento e do reconhecimento
(BOURDIEU, 1989, p.107-108).
Assim, no processo de participação popular
135
, o poder detido por
determinados grupos provavelmente define as representações do “futuro desejável”,
pretensamente consensuais.
135
Não pretendemos discorrer aqui sobre a participação popular, o que implicaria em um novo
estudo. Contudo, reconhecemos que os eventos abertos à participação popular se configuraram em
arenas de disputa das ões e diretrizes a serem inscritas na Lei do Plano Diretor. A disputa por
enunciar desejos e diretrizes, pelos minutos de atenção levaram a situações que mereceriam um
estudo como forma de identificar as forças sociais envolvidas em conflitos específicos. É óbvio
também que a tecnocracia detém o poder da escrita, sistematização e seleção das contribuições dos
grupos em disputa. A participação não necessariamente significa a existência de consenso
210
O recurso utilizado para a elaboração do Plano Diretor de Búzios (2004),
conforme referência anterior, fundamentou-se na construção de quatro cenários, dos
quais um foi apontado como o cenário desejado ou cenário de referência para o
município
136
:
Cenário Tendencial, denominado de Cenário de Estagnação,
parte do pressuposto de que as tendências atualmente existentes
continuarão, sem correções efetivas quanto aos rumos do
desenvolvimento municipal. A persistir o atual modelo de
“desenvolvimento”, os problemas municipais tenderão a se agravar,
não obstante as melhorias constatadas no período de 1991 a 2000;
Dois Cenários Contrastados, o de Requalificação Turística e
Proteção Ambiental e o de Recrudescimento Turístico e
Ambiental, partem do pressuposto de que haverá mudanças na
evolução das tendências atuais e representam futuros plausíveis ou
prováveis, qualitativamente distintos, com maior ou menor grau de
probabilidade de ocorrência. Representam situações nas quais fica
patente que a falta de planejamento e de visão de longo prazo
poderá agravar, em muito, as tendências identificadas no Cenário
Tendencial e nas análises elaboradas no período anterior à
emancipação do Município, quando da formulação do Plano
Estratégico de Búzios. Os problemas existentes apenas serão
minorados, sem que sejam resolvidas as questões de fundo,
impedindo que se redirecione o Município para um desenvolvimento
sustentável.
Cenário de Referência, o de Diversificação Econômica e
Valorização Ambiental, resultado da análise dos Cenários
mencionados e da discussão com os atores locais, é considerado
como o Cenário desejável e plausível. [...], foi definido como o
CENÁRIO FUTURO DESEJADO para Armação dos Búzios. (O grifo
é nosso - ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b, p. 59) -
Ver Mapa 06, que representa esse cenário.
(sobretudo porque este é construído socialmente) e a consideração de interesses diversos. Ver, no
anexo 01, as 65 associações e agremiações participantes dos encontros para a elaboração desse
plano.
136
Segundo a Proposta de Desenvolvimento - Documento Técnico, parte 2, 2004b, a construção
desses cenários foi desenvolvida por ocasião das consultas populares.
211
Mapa 06: Cenário de referência: Diversificação econômica e valorização
ambiental
Fonte: ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b.
A utilização da comparação na concepção da relação presente - futuro, foi
nitidamente incluída na metodologia usada para a elaboração do Plano Diretor de
Desenvolvimento Sustentável de Armação dos zios. A passagem a seguir,
constante do Documento Técnico, parte 2, ressalta, a referência ao futuro na
elaboração do documento final do Plano Diretor de Búzios.
Com base na seleção do Cenário de Diversificação Econômica e
Valorização Ambiental é que foram estabelecidas as linhas
estratégicas e os programas estratégicos de ações, assim como as
demais medidas contidas no Plano Diretor de Desenvolvimento
Sustentável (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b, p. 13-
14).
212
Segundo esta afirmação, a elaboração de todas as diretrizes, programas,
linhas estratégicas para o município baseia-se e é norteada pelo cenário
selecionado: a sustentabilidade que o município deverá apresentar no futuro. O que
precisa ser questionado é exatamente o processo de construção deste cenário e a
sua seleção. Ou, quais foram os atores favorecidos e os que perderam com esse
cenário / projeto? E mais, qual é a garantia de que as ações e diretrizes legitimadas
pela adesão ao cenário permitirão o alcance do futuro escolhido?
A relação estabelecida durante a elaboração do Plano, entre os cenários,
aparece de forma esquemática na Figura 08, que consta do documento explicativo
da metodologia aplicada.
Figura 08 - Esquema da metodologia de construção de cenários utilizada para
o Plano Diretor de Armação dos Búzios
Ontem
Hoje
Variáveis e
Indicadores
Tempo
Contrastado 1
Contrastado 2
Tendencial
Referência
Campo de
Possibilidades
Amanhã
O passado O futuro
Fonte: ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b, p. 14.
213
É necessário ressaltar outro fator importante para a análise da
metodologia de definição do cenário futuro desejável
137
: a utilização de indicadores e
variáveis (coordenada vertical) para a obtenção dos melhores parâmetros e,
conseqüentemente, para a previsão do futuro em cada cenário.
Uma visão mais crítica diante desses indicadores
138
precisaria questionar
as variáveis finais obtidas nesses estudos porque, dependendo das categorias em
questão, pode-se chegar a diferentes resultados e, assim, a diversas avaliações.
Caberia ressaltar, então, a importância do papel político exercido por essas
pesquisas e não somente a sua utilidade / praticidade.
b. Objetivo central: município empreendedor
No Documento Técnico da Proposta de Desenvolvimento do Plano
Diretor, o objetivo central da política municipal de desenvolvimento sustentável é
expresso através do desempenho esperado do município na relação local-global.
Esta postura surge no seguinte trecho:
Búzios como um Município empreendedor, com crescimento urbano
controlado, economia estruturada para a geração de oportunidades
de trabalho e negócios e conseqüente distribuição de renda, meio
ambiente protegido e valorizado, identidade cultural preservada,
oferecendo habitação, equipamentos públicos, circulação e
transporte de qualidade, no qual se fortaleçam a solidariedade e a
integração entre todos os seus habitantes (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
(RJ). Prefeitura, 2004b, p. 9).
137
“A construção destes Cenários exigiu estudos relativos às projeções populacionais, ano a ano,
para o horizonte temporal de 2010, tomando-se como base os dados censitários do Município, de
2001, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Foram consideradas três hipóteses de
crescimento: alta, média e baixa” (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b, p. 14).
138
Os indicadores que balizaram a elaboração e a escolha do cenário para o futuro de Búzios foram,
segundo o Documento Técnico, parte 2 - Proposta de Desenvolvimento, os Índices de
Desenvolvimento Humano Municipal – IDH-M, correspondentes aos anos de 1991 e 2000
.
214
Assim, como afirma o documento, o município caminharia em direção à
valorização do apelo mercadológico da “marca” zios
139
, cujo objetivo é o
fortalecimento da imagem de qualidade da cidade e do Município, como um lugar
onde o desenvolvimento se dá de forma sustentável, com respeito ao cidadão,
valorização da identidade cultural e proteção do meio ambiente natural e
construído”.
Segundo a ótica da competição global, a re-qualificação ou restauração
de unidades vincula-se à recuperação da imagem da cidade. Assim, no contexto
neoliberal de valorização do mercado, as ações previstas no Plano Diretor de Búzios
buscam “ampliar a atratividade do Município”, diversificando os produtos
turísticos
140
e atraindo novos segmentos de mercado que representem demanda
turística de qualidade
141
. Estes dois programas estratégicos
142
(PEA 2.2 e PEA 2.4)
foram delineados de forma a “consolidar a vocação turística do Município
143
.
Essas diretrizes remetem-nos à lógica do mercado, que “destrói
simultaneamente as bases reprodutivas da natureza e dos grupos sociais que dela
dependem” (ACSELRAD, 2001, p. 34), impedindo o desenvolvimento autônomo da
equidade frente a escala do crescimento econômico desejado.
O modelo imperante de inserção competitiva na economia globalizada
não apresenta perspectivas coerentes para os vastos contingentes de excluídos, o
139
Programa Estratégico de Ação - (PEA 1.13) (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b).
140
PEA 2.2 (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b, p. 61/62).
141
PEA 2.4 (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b, p. 62.
142
Os Programas Estratégicos de Ação (PEA) estão apresentados, na Proposta de Desenvolvimento
(ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b), como desdobramentos das Linhas Estratégicas.
O PEA 1.6 é um dos desmembramentos da Linha Estratégica (LE) 1 - Apoio ao desenvolvimento de
uma economia forte, diversificada e sustentável, geradora de oportunidades de trabalho e negócios.
143
Linha Estratégica - LE 2.4 (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b, p. 61.
215
que demonstra a subordinação do local ao global e traduz-se em contínua
segregação sócio-espacial. Segundo Acselrad,
em nome de possíveis ganhos futuros por via competição, são
justificadas as medidas que concorrem para aumentar a segregação
sócio-espacial, a desigualdade ambiental e o enfraquecimento
político da população residente nas áreas empobrecidas
(ACSELRAD, 2001, p. 24).
c. Estratégia territorial e perspectiva da eficiência
Conforme exposto, a geografia do município apresenta um território
constitutivo por uma porção peninsular e outra porção continental. Uma importante
diretriz do Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável de Armação dos zios é
a que aparece, na Proposta de Desenvolvimento, como Programa Estratégico de
Ação (PEA 1.6) “Estimular a ocupação da porção continental do Município”. Esse
programa teria por objetivo:
Promover o desenvolvimento de projetos na porção continental do
Município, atendendo, em especial, a construção de moradias para a
população de média e baixa renda e a implantação de novos pólos
de atividades e de negócios (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ).
Prefeitura, 2004b, p. 59).
Esta estratégia exige algumas considerações importantes, que a
representação técnico-material das cidades constitui uma das diversas lógicas
posicionadas entre a reprodução das estruturas sociais e sua base especificamente
material. O objetivo, apresentado no PEA 1.6 - ação supostamente conectada ao
alcance da sustentabilidade do município - remete-nos à matriz discursiva da
escala - identificada por Acselrad (2001). Segundo a representação hegemônica da
territorialidade de Búzios seria necessário estancar a ocupação da porção peninsular
216
(que corresponde aproximadamente a 18% do território do município), diminuindo a
pressão social sobre os recursos naturais.
O argumento utilizado na defesa da ocupação da porção continental do
município é o de que todas as pontas da península são passíveis de preservação e
constituem patrimônio ambiental, o que obviamente visa a recuperação e a
valorização da imagem de paraíso natural de Búzios. Relacionando essa questão à
problemática malthusiana
144
, recordada por Acselrad, também observamos a sua
inscrição no quadro urbano. Trata-se da hipótese do limite da capacidade urbana,
que sustentará a defesa de estratégias que visam o redirecionamento e a
distribuição de funções do centro para os subcentros da cidade, e, no caso de
Búzios, da península para o continente.
Segundo a perspectiva da eficiência especificamente material, a
insustentabilidade traduz-se na incoerência criada pela pressão excessiva sobre o
meio físico, em decorrência da, assim considerada, imprópria distribuição espacial
da população. Visa-se, então, em correspondência direta com a estratégia apontada
pelo Plano Diretor de zios, ao estancamento do crescimento urbano na
península.
Tanto esta diretriz quanto a mencionada unidade de planejamento de
microbacia hidrográfica sugerem o recurso à metáfora biológica da resiliência, que
procura descrever a capacidade adaptativa dos ecossistemas urbanos, tendo em
144
A problemática malthusiana diz respeito ao equilíbrio entre o número de seres humanos e os
recursos disponíveis na natureza. A publicação de Essay on the principle of population as it affects
the future improvement of society de Robert Malthus, em 1798, marca o início formal de uma
discussão, simplesmente quantitativa, entre a utilização dos recursos naturais (que crescia em
progressão aritmética na razão um) e o aumento da população (crescendo em progressão geométrica
na razão dois).
217
vista a superação da sua condição de vulnerabilidade frente a choques externos
(GODARD, apud ACSELRAD, 1999, p. 41), conforme a citação abaixo:
Um dos maiores desafios para o desenvolvimento sustentável
municipal é conhecer o funcionamento dos ecossistemas e
prognosticar os cenários futuros, obedecendo à sua capacidade de
suporte. O primeiro passo é a verificação da capacidade de suporte
dos seus ecossistemas, o atual nível de impacto, a sua resiliência,
considerados a realidade atual e o provável desenvolvimento futuro
(ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a, p. 18).
Neste sentido, foram delimitadas as microbacias hidrográficas com o
intuito de se trabalhar com uma unidade territorial que, supostamente, auxiliaria na
avaliação da capacidade de suporte sobre o meio físico.
Microbacia hidrográfica é uma área delimitada por divisores de água,
onde um direcionamento e sistematização dos diversos tipos de
fluxos hídricos que dependem da natureza do meio físico e das
ações que a sociedade exerce sobre eles. É uma unidade de
planejamento ambiental, pois agrega elementos técnicos para avaliar
a capacidade de suporte sobre o meio físico, incluindo a ação dos
diversos segmentos da sociedade (O grifo é nosso - ARMAÇÃO DOS
BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a, p. 24).
[...] Assim sendo, poder-se-ão construir modelos que retratem o
funcionamento dos ecossistemas que alicerçam a base física do
desenvolvimento sustentável do Município, definindo sua capacidade
de suporte / carga (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a,
p. 25).
As propostas políticas precisam ter garantidas as suas condições de
execução para que a sua legitimidade seja preservada. Assim sendo, a noção de
sustentabilidade será acionada como mecanismo que expressa capacidade
administrativa na adaptação das intervenções urbanas ao meio físico e sistemas
ecológicos. Concordando com Acselrad,
Sendo a materialidade das cidades politicamente construída, as
modalidades de sua reprodução são vistas também como
dependentes das condições que legitimam seus pressupostos
políticos. A idéia de sustentabilidade é, assim, aplicada às condições
de reprodução da legitimidade das políticas urbanas (1999, p. 85).
218
d. Patrimônio e sustentabilidade
O Plano Diretor relaciona a vocação para o turismo atribuída a Búzios à
base patrimonial do município. Evoca esta base como garantia de alcance da
sustentabilidade por sua atratividade e beleza cênica.
A matriz econômica do Município baseia-se no turismo que, por sua
vez, está diretamente relacionado à sanidade do patrimônio
ambiental e à beleza cênica disponível, ou seja, boa parte da
economia depende do meio ambiente preservado (ARMAÇÃO DOS
BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004a, p. 49).
É clara, assim, a evocação de uma noção de sustentabilidade associada
à categoria de patrimônio, numa perspectiva que valoriza a continuidade da
atividade turística, hoje considerada como base econômica da região. Para tal, o
plano prevê uma linha estratégica especial de “proteção e valorização do meio
ambiente natural e construído”
145
, com os seguintes programas:
PEA 4.1 - Delimitar as Áreas de Preservação Permanente; PEA 4.2 -
Criar novas Unidades de Conservação e implantar as existentes;
PEA 4.3 - Promover a recuperação de áreas degradadas; PEA 4.4 -
Proteger os recursos hídricos, em especial das áreas urbanas; PEA
4.5 - Revitalizar os núcleos originais do Município; PEA 4.6 -
Preservar o patrimônio natural, cultural, histórico e arqueológico
(ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b).
Entretanto, as estratégias não incluem somente o meio físico mas,
também “seu caráter e suas identidades, valores e heranças construídos ao longo do
tempo” (ACSELRAD, 1999, p. 84-85). E mais,
145
Linha Estratégica (LE) 4 (ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ). Prefeitura, 2004b, p. 67.
219
A perspectiva de fazer durar a existência simbólica de sítios
construídos ou sítios naturais significados”, eventualmente
“naturalizados”, pode inscrever-se tanto em estratégias de
fortalecimento do sentimento de pertencimento dos habitantes a suas
cidades, como de promoção de uma imagem que marque a cidade
por seu patrimônio biofísico, estético ou cultural, em sentido amplo
de modo a atrair capitais na competição global, realizando aquilo que
alguns descrevem como um processo de promoção da “economia da
beleza em nome da beleza da economia” (EMELIONOFF, 1995;
COSTA, 1997 apud ACSELRAD, 1999, p. 85).
220
CONCLUSÕES
Faz-se necessário, agora, recuperar o percurso empírico-analítico deste
estudo dedicado à produção social da imagem de Búzios. A trajetória seguida,
podemos dizer, resultou do tratamento de algumas hipóteses e questões latentes
originadas de nosso conhecimento anterior do lugar, apresentadas no final do
capítulo 1.
Nesta direção, é necessário lembrar a ambigüidade vivenciada ao longo
desse percurso, relacionada à observação de alguns valores que compartilhávamos
durante o período de prática profissional na cidade e, também, alguns
questionamentos que fazíamos na época. Mediante a adoção de uma perspectiva
crítica, contestamos, simultaneamente, as possibilidades anunciadas no projeto de
cidade e o nosso próprio desempenho profissional, o que, acreditamos, contribuiu
para o aprimoramento de nossa formação.
Relutamos, por vezes, em refutar algumas premissas que orientavam o
projeto de cidade, provavelmente em decorrência do próprio poder de sedução das
idéias hegemônicas (ditas democráticas) e, em parte, da força adquirida pelo
processo de legitimação dos rumos tomados pela modernização do lugar.
Consideramos que foi de fundamental importância, para os resultados
obtidos, a apreensão do conceito de imagem proposto por RIBEIRO (1988),
especificamente dedicado à reflexão de processos excludentes, de omissão,
inserção e seleção de espaços, coerentes com nossas hipóteses e, conforme
demonstrado, com processos em curso no local. Reconhecemos, ainda, que foi de
221
fundamental importância a opção metodológica por uma abordagem crítica, e
conduzida por um ponto de vista plural e interdisciplinar, para o desvendamento de
nosso objeto de estudo. Esta abordagem permitiu interrelacionar as diversas
dimensões, da vida do lugar, que, efetivamente, constróem-se mutuamente num
permanente movimento dialético.
Entendemos que esta reflexão é apenas uma primeira aproximação às
relações entre estética, imagem e poder. Durante a elaboração deste estudo,
percebemos, diante do potencial sugerido pelos termos da sua proposta analítica,
que nossa reflexão pode ser ainda muito aprimorada e desenvolvida, em suas várias
vertentes. Contudo, podemos dizer que o processo de reflexão de fato realizado
permitiu-nos reconhecer a existência de orientações paradigmáticas alternativas,
frente aos discursos dominantes e a amplas tendências mundiais, sobretudo no que
concerne à trajetória das decisões administrativas e econômicas e suas
conseqüências locais.
Uma releitura do processo de modernização da cidade
Em nossa trajetória de conhecimento, tivemos, na primeira parte deste
estudo, o propósito de retomar o contexto da produção social da imagem dominante
de Búzios. Pretendíamos recuperar, ao nível local, os elos políticos, econômicos e
culturais que deram sustentação ao projeto de modernização da cidade.
Iniciamos o primeiro capítulo com a reflexão sobre a problemática da
identidade e a sua emergência no mundo moderno, assim como sobre a apropriação
do processo de construção de identidades (identificações) como recurso estratégico
envolvido na disputa pela criação da ‘realidade social’.
222
Compreendemos, assim, que a produção da imagem / identidade de
Búzios deu-se mediante lutas pela conquista da hegemonia política e econômica
através de representações sociais, onde os símbolos e signos teriam o poder de
enunciar os sentidos do lugar. Por sua vez, estes sentidos, tornados dominantes,
constituiriam, juntamente com a seleção de algumas narrativas históricas, parte do
arcabouço, formado por discursos e práticas, que denominamos de mito Búzios.
Ao retomarmos o processo de modernização do lugar e a substituição da
aldeia de pescadores pelo balneário sofisticado, observamos a secundarização dos
primeiros habitantes do lugar. Assim, durante a mudança estrutural que Búzios
atravessou, os grandes investimentos, realizados na década de 80, romperam as
condições pretéritas de vida, inaugurando uma nova forma-conteúdo fragmentadora,
pontual e corporativa.
Verificamos, ainda, em consonância com o capítulo 3, que os grandes
investimentos implantados no espaço buziano no início da década de 80
consolidaram fluxos exclusivos e excludentes e inauguraram uma nova ordem
espacial, que se tornou dominante nas cadas posteriores. Deste modo,
reconhecemos, também, que estas formas, voltadas para o turismo, buscaram
promover e garantir uma certa homogeneização social, favorável aos negócios e
coerente com o habitus das classes dominantes, evitando o encontro interclassista.
Constatamos, assim, que a construção físico-simbólica da identidade do
lugar constituiu o fundamento legitimador da reinvenção da cidade, tornada
”sofisticada, porém simples”, famosa, “bela” e, sobretudo, turistificável. Encontramos,
nesta fase da reflexão, interesses compartilhados entre agentes econômicos
223
vinculados a diferentes faces do turismo, que construíram e difundiram as imagens
dominantes de Búzios, com o apoio em diversos relatos transformados em mitos.
Hoje, Búzios tornou-se um lugar sobre o qual é quase obrigatório ter
algum conhecimento, antes mesmo de lá ter estado. Em razão deste amplo e
eficiente processo de construção-difusão da imagem de Búzios, o lugar tornou-se a
expressão privilegiada de um novo tipo de centralidade, apoiada por interesses
corporativos e fluxos internacionais. Assim sendo, a mudança ocorrida na leitura do
lugar, a partir de meados da década de 60, encontra-se fortemente relacionada, no
nosso modo de ver, aos processos de elitização e à hierarquização do espaço
buziano.
Nas últimas décadas, foi construída, também, a dependência econômica
do turismo, cuja legitimação apoiou-se no discurso da dinamização da economia
local, aliado à construção do consenso em torno da ‘vocação de Búzios’. Este
discurso estabeleceu o conjunto de mecanismos legitimadores do projeto de cidade
que foi responsável pela seletividade social observada no lugar.
Finalizamos esta fração da Dissertação com as resistências originadas
nas práticas populares de apropriação do território, ritmadas de modo a contrariar o
projeto dominante e os interesses hegemônicos que buscam controlar o lugar.
Pudemos então apreender outros olhares e encontrar, por este caminho, os sentidos
contraditórios e a complexidade da cidade.
A reinvenção de Búzios: processos excludentes e seleção de espaços
No capítulo 2, discorremos sobre os instrumentos acionados para o
reforço e para a renovação da imagem dominante da localidade. De acordo com o
224
demonstrado, o processo de reinvenção da cidade implicou no rearranjo estratégico
da identidade e da história do lugar, através da reiteração e reificação de fatos
retomados como memória coletiva.
Verificamos que a produção de imagens-síntese vinculadas a Búzios
baseou-se em valores / fatos de cada período histórico, mas persiste a tendência à
sua veiculação através de uma espécie de “inchaço” de sentidos associados ao
lugar. Reconhecemos, com o congelamento de valores / fatos do passado, a
apropriação de recursos territorializados do presente e a projeção, dos princípios
que conduzem esta apropriação, no futuro, num enlace atemporal da identidade com
a preservação da história “desejada’.
Diante de um conjunto inflado de sentidos, reconhecemos a tendência à
proliferação vertiginosa de signos vinculados à cidade de Búzios, impulsionada pelo
discurso da vocação turística como inerente ao lugar. Assim, confirmamos a
hipótese de que as imagens dominantes de Búzios foram prioritariamente
construídas para o olhar externo, visando a atração de novos fluxos de pessoas e
investimentos.
Em continuidade ao processo de seleção estratégica de elementos da
história do lugar, identificamos correspondentes físicos das imagens-síntese.
Reconhecemos que as estátuas temáticas e o “Estilo zios” apresentam-se como
verossímeis, já que são experimentados antes mesmo de qualquer vivência no lugar.
Trata-se da existência de pré-representações trabalhadas como simulacros da
imagem projetada de Búzios. Observamos, assim, a dupla recorrência (material e
imaterial) de elementos do mito zios, através do mútuo reforço entre as
225
dimensões simbólica e espacial em direção à cristalização da imagem dominante do
lugar. Deste modo, ao naturalizar a economia dos sentidos urbanos, as imagens-
espaços-síntese extinguem a complexidade dos fatos, conferem simplicidade às
intervenções urbanas, reduzem os variados ângulos da vida urbana a uma versão
domesticada do olhar. As sínteses da vida social são chamadas a participar do
processo de alienação, que favorece o controle e a dominação do espaço buziano.
Vimos que os relatos tornam-se mitos quando submetem-se à escolha de
fragmentos históricos (simbólicos – materiais), acionados em repetições sistemáticas
do “mesmo”. O mito, então, pode continuar sendo um relato verbal estimulado pela
classe dominante, ou pode materializar-se no espaço urbano, em sustento do relato.
A materialização destes relatos tornados míticos estabelece a tradução estética do
mito, trazendo o mundo material para a esfera semiótica, organizadora e produtora
de sentidos colados a formas.
A especificidade da ornamentação do espaço buziano pelas estátuas, por
placas indicativas e pelo próprio “Estilo zios” (analisado no capítulo 3), pareceu-
nos a criação de um sentido estético de referência que orienta e limita a leitura do
lugar. Essas intervenções no plano físico e seus desmembramentos simbólicos, ao
nosso modo de ver, constituíram-se em expressões da ideologia local, tornando-se
fatos essencialmente político-culturais e econômicos.
Com a reflexão dessas práticas, apreendemos a violência simbólica que
acompanha a história recente de Búzios, que a leitura, tornada consensual, do
lugar ignora representações à margem do pensamento hegemônico, reduzindo a
complexidade da experiência urbana. Os agentes produtores da imagem dominante,
226
detentores do poder de enunciar os sentidos do lugar, impulsionaram a adesão
social ao projeto de cidade ao facilitarem a apreensão de sentidos do espaço,
utilizando-se de signos e economizando a linguagem verbal. Esta veiculação de
sentidos associados à cidade, em nossa perspectiva, dependeu do acionamento de
mecanismos de poder articulados à comunicação moderna e à base técnico-
científica.
Por último, refletimos sobre instrumentos como a fotografia e as
representações iconográficas que incidem sobre os mesmos processos de captura e
seleção do olhar em direção ao poder de convencimento das imagens dominantes
de Búzios. Ao procedermos a esta análise, identificamos uma estética do poder,
transformando em mbolos determinadas paisagens e registrando o encontro de
turistas com elementos reificados do lugar. Por fim, identificamos a porção
peninsular do município como o território que incorpora os valores veiculados como
positivos. Assim sendo, esta é a porção do território buziano apresentada em
roteiros que buscam a coerência com os valores propagados pela publicidade que
orienta o consumo desejado, através de estilos de vida e da estética buziana.
Materializações verossímeis: a imagem dominante da cidade
No capítulo 3, tínhamos como tarefa a leitura da face físico-morfológica do
território de Búzios e seus nculos com a dinâmica das esferas cultural e
comunicacional. Para tal, fundamentamo-nos na perspectiva de que o plano material
assume função semiológica essencial na constituição da imagem considerada
positiva de cidade.
227
Por outro lado, ao investigarmos a origem do “Estilo zios”,
identificamos, como fato fundamental, a sua inspiração na arquitetura vernacular,
aquela dos primeiros pescadores. Este padrão estético-arquitetônico transformou-se
em artefato ao sistematizar traços culturais, valorizando significantes que sustentam
a identidade social imposta como marca da cidade. A racionalidade técnica,
sustentada pela arquitetura e associada à lei, pareceu-nos responsável pela
legitimação deste modelo auto intitulado ‘peculiar’ do lugar, que define a ordem
formal da cidade ou como a cidade deve ser reconhecida.
Articulando os elos desta reflexão, entendemos que a naturalização do
“Estilo zios” corresponde a um mecanismo de afirmação de uma tipologia, que
tornou-se uma espécie de arquitetura cultural, orientada a reafirmar a imagem-
síntese de aldeia dos pescadores, de ‘aspecto rústico, porém sofisticado’. Neste
processo, a cultura é incorporada na fabricação de mercadorias, sendo substituída
pela fabricação da tradição. Dá-se, assim, mais uma seleção de fragmentos da
história do lugar, mediante a fabricação de uma tradição estética-visual. Esta
tradição é mais um produto turístico, incorporado no rol das imagens construídas da
cidade.
Discutimos, também, a ampliação dos significados articulados ao
conceito-produto “Estilo Búzios”. Tal ampliação decorreu da grande adesão e do
reconhecimento social alcançados por este conceito-produto. Assim, a leitura
morfológica do território de Búzios revelou-nos vínculos importantes entre a
apropriação dos recursos, as relações de poder (dominação e subordinação) e a
maneira como o espaço foi sendo (re) construído.
228
Nesta (re) construção, reconhecemos, primeiramente, duas facetas. Por
um lado, a forma geográfica exerceu (e exerce) forte atração de fluxos internacionais
e, por outro, facilitou a formação e a preservação de modos significativos de
apropriação dos recursos, sobretudo no que concerne à produção e à reprodução
das diferenças sociais.
Ao refletirmos sobre as transformações ocorridas em Búzios,
reconhecemos processos internos e, principalmente, transescalares que atingiram (e
ainda atingem) o espaço. Nesta direção, observamos que a escolha da atividade
turística como epicentro da economia local, aliada aos impulsos transescalares,
foram responsável pela fragmentação social e pela segregação espacial das
camadas populares.
Identificamos, como marco físico e simbólico da partição do território, o
Pórtico de zios, que promove o ocultamento e o esquecimento de frações
importantes do território buziano, sinalizando e reforçando a segregação sócio-
espacial. O Pórtico afasta uma (assim considerada) desordem - territorializada na
porção continental do território - e legitima um espaço idealizado através da
sobredeterminação da ordem na porção peninsular do município.
Quanto aos investimentos que propiciam a eficiência do turismo,
identificamos a prioridade de sua alocação espacialmente, de forma concentrada, na
porção peninsular do município, o que contribui para agravar a desigualdade cio-
espacial, dificultando o acesso aos serviços urbanos pela população menos
abastada. Reconhecemos que as novas formas e funções, definidas e desejadas
pelos setores dominantes, direcionam-se a programas de renovação urbana e de
229
requalificação da imagem orientados à dinamização da economia local. Conforme foi
possível demonstrar, as intervenções urbanas selecionam e produzem um conjunto
de novos espaços-síntese, que são chamados a participar do projeto dominante de
cidade.
Reconhecemos, também, outra expressão do urbano, representada pelos
condomínios horizontais que, na nossa visão, correspondem à versão residencial
dos enclaves fortificados. A produção do espaço por princípios de exclusão (como,
exemplificam os condomínios fechados e os muros altos) valoriza o território
socialmente homogêneo e estimula a ruptura da co-presença para além dos terrenos
particulares. A referência constante e a fabricação do consenso em torno da
violência (dita urbana) legitimam a construção de uma estética do medo, onde a elite
fecha-se e esconde-se atrás de muros contra trabalhadores precarizados,
desempregados, enfim, a considerada “classe perigosa”, que também habita a
cidade.
Assim, conforme observamos no final do capítulo 3, a valorização e a
extensão da propriedade privada (muitas vezes elitizada) em áreas públicas retém a
construção e a experiência do espaço democrático, reforçando os mecanismos de
segregação existentes na dinâmica social do lugar.
Racionalidade estratégica e a retórica da sustentabilidade
Com a perspectiva de que o estudo acerca das tomadas de decisão
político-administrativa guarda importante relações com a estética, a organização
espacial e as relações de poder, recuperamos, no quarto capítulo, os discursos
230
proferidos pela administração local e o modelo de gestão adotado pelo município de
Armação dos Búzios.
Durante a trajetória deste estudo, foi possível compreender a relação
existente entre mudanças constatadas em Búzios e tendências mundiais
relacionadas ao empresariamento urbano. Tão logo identificamos a inserção de
Búzios na lógica da competitividade interurbana, reconhecemos a continuidade das
ações - intervenções orientadas pelo paradigma da cidade - mercadoria. As ações
da administração urbana voltam-se, então, para a requalificação da imagem da
cidade e a articulação das atividades associadas ao turismo, de modo ampliado e
assumidamente empresarial.
Em nossa trajetória de apreensão da racionalidade empresarial instalada
no lugar, reconhecemos que, com a crescente dependência do turismo, evidenciam-
se as conseqüências sociais da adoção de um modelo de gestão eminentemente
empresarial, sobretudo quando esta atividade respalda-se em parâmetros
internacionais.
Um outro tema tratado nesta parte da dissertação foi a mobilização em
prol da emancipação do município, que usufruiu da aliança dos meios de
comunicação como instrumento importante na promoção do consenso e legitimação
dos interesses dos grupos políticos locais. Observamos, neste sentido, o registro do
posicionamento, através dos veículos de comunicação e informação, de ilustres
personalidades em favor da emancipação, fortalecendo a associação do lugar à elite
nacional e internacional.
231
Uma vez instalado o município, registramos o incremento dos recursos
orçamentários em decorrência dos royalties de petróleo, ampliando o poder
econômico e a importância política do lugar. Contudo, como visto no capítulo 3, a
alocação dos investimentos priorizou o financiamento da atividade turística e, assim,
o território turistificado, localizado, em sua maioria, na porção peninsular do
município. Pareceu-nos, então, que a tendência à desigualdade social foi
alavancada pelo modelo seguido pelos novos gestores urbanos, fortalecido pela
autonomia municipal e a capitalização dos recursos públicos.
Tratamos, igualmente no capítulo 4, o Plano Estratégico de Búzios e a
consolidação da emancipação da cidade, considerada como uma condição para a
efetivação das proposições do Plano.
Na reflexão do Plano Estratégico de Búzios, reconhecemos uma rede de
planos-modelos-de-cidade com inspiração noutras cidades. Assim, o Plano
Estratégico de Búzios foi inspirado no Plano Estratégico da cidade do Rio de Janeiro
e este, por sua vez, produzido com base no Plano Estratégico de Barcelona. Esta
observação revela-nos um movimento, sem fim, de captura da questão urbana pelos
códigos do pensamento empresarial e por modelos consolidados seguidos pelos
administradores municipais.
Vimos que esta tendência à absorção de modelos transborda os limites do
Plano Estratégico e domina a nova racionalidade urbana. Deste modo, o Plano
Diretor de Búzios obedece à formulação empresarial do planejamento urbano,
colocando-se como “base estratégica para a captação de recursos para a cidade”.
Além disso, vimos que o Plano Diretor de Búzios foi reconhecido como o documento
232
‘salvador’ da cidade e, desta maneira, veiculado como contraponto a “discursos
negativistas”. A importância adquirida por este documento talvez ajude a explicar a
demora sofrida em sua aprovação (até o final deste estudo o Plano Diretor de
Desenvolvimento Sustentável de Armação dos Búzios ainda não fora aprovado),
com direito a diversas ‘revisões’ e consultas, dentre outros procedimentos e ações.
Frente à emergência, antes identificada, de novas imagens a serem
vinculadas ao lugar, faltaria, ainda, a comprovação, no Plano Diretor, da tão em voga
qualidade, eficiência e auto-suficiência. É neste contexto que surge a utilização de
determinadas matrizes discursivas em nome da sustentabilidade, cujo conteúdo
prático ainda encontra-se em disputa. Desta maneira, reconhecemos que tanto o
Plano Estratégico de Búzios como o Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável
de Armação dos Búzios seguem diretrizes similares, envoltas num discurso, ainda
em aberto, orientado pela noção-ideário da sustentabilidade.
Consideramos, então, que, através do recurso a esta noção, propícia à
defesa de interesses em busca de afirmação, a metodologia do Plano Diretor vai de
encontro à causalidade teleológica, criticamente atribuída àquelas práticas que se
dizem portadoras de sustentabilidade no futuro.
Neste momento, observamos o enlace das temporalidades passado -
presente - futuro. De acordo com o capítulo 2, verificamos o resgate (e seleção) de
fatos do passado como matéria-prima para a construção de imagens-síntese no
presente (assim como sua continuidade - ad continuum - no futuro). No capítulo 4,
reconhecemos o futuro incerto de ações que se desdobram no presente, e que
devem ser consideradas sustentáveis para serem aceitas. Deste modo, nossa
233
trajetória de conhecimento possibilita reconhecer uma espécie de atemporalidade na
construção do lugar, onde as fronteiras do tempo perdem-se quando emerge a
necessidade de manutenção continuada do apelo mercadológico da ‘marca Búzios’.
Discorremos também, nesta parte de nosso estudo, sobre as matrizes
discursivas identificadas com as linhas e programas estratégicos de ação.
Reconhecemos, ao empreender esta tarefa, a matriz discursiva da escala diante da
proposta de controle do território, através da qual é estimulada a ocupação da
porção continental do município como estratégia de redução da pressão social sobre
os recursos estrategicamente concentrados na península.
Observamos a utilização de um outro uso da noção de sustentabilidade,
associado à categoria patrimônio, considerado um sustento e uma garantia da
atratividade do lugar. Trata-se da preservação de sua beleza cênica, através da
perspectiva que valoriza a continuidade da atividade turística como fundamento da
dinâmica econômica do lugar.
Julgamos, ao reavaliar o percurso deste estudo, que o poder inscrito no
território de Búzios captura elementos-chave da história do lugar, escolhe a atividade
econômica a ser desenvolvida, constrói simulacros materiais para reforço de
sentidos valorados positivamente, amplia a presentificação (extinguindo a percepção
do tempo: passado - presente - futuro), desenvolve e reconstrói centralidades
urbanas que traduzem em orgulho coletivo, absorvendo, com grande rapidez,
discursos emergentes na agenda mundial da competitividade entre cidades.
Cabe finalmente expor a nossa expectativa de que seja possível fazer de
Búzios um lugar realmente democrático, mediante a adoção de novos ângulos na
234
leitura do lugar. No momento que o pensamento único parece se constituir numa
tendência imperativa para o futuro das cidades, o pensamento crítico precisa aceitar
a tarefa de contribuir para um outro entendimento da dinâmica sócio-espacial e para
a afirmação de racionalidades alternativas, solidárias e justas.
235
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243
ANEXO
01- Listagem das associações e agremiações presentes em consultas,
audiências, encontros e eventos, em geral chamados de participação popular do
Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável de Armação dos zios. Ao todo,
foram 65 ocasiões deste tipo.
Associação de Moradores do Canto Esquerdo de Geribá; Associação de Moradores e
Amigos da Praia de Tucuns; Associação de Moradores do Cruzeiro; Associação dos
Moradores da Baía Formosa; Associação dos Moradores da Marina; Associação de
Moradores de Vila Verde; Associação de Moradores do Alto da Rasa; Associação de
Moradores da Rasa; Associação dos Moradores de São José; Associação dos Moradores
de Cem Braças; Associação de Moradores de Manguinhos e Enseada do Gancho;
Associação de Moradores da Armação, João Fernandes e Brava; Associação de Moradores
e Amigos da Praia dos Ossos; Associação de Moradores de José Gonçalves; Associação
de Moradores de Vila Caranga; Associação de Moradores da Brava; Associação dos
Moradores e Amigos do Loteamento Praia Baía Formosa; Associação dos Moradores e
Amigos de Geribá; Associação dos Moradores e Amigos da Rua Alfredo Silva e Adjacentes;
Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Município de Armação dos Búzios;
Associação de Pequenos Produtores Rurais de José Gonçalves; Associação Protetora dos
Animais São Francisco de Assis de Armação dos Búzios; AMA Sítios da Amizade;
Associação dos Quiosques da Praia de Geribá; Associação dos Músicos e Compositores de
Búzios; ASENAB - Associação de Esportes Náuticos de Armação dos Búzios; Associação
Beneficente de Mulheres de Búzios; Associação de Mulheres da Rasa e Adjacências;
ASFAB - Associação Servidores e Funcionários do Município de Armação dos Búzios;
Associação dos Trabalhadores Desempregados de Búzios; COEDUC - Associação Pró
Educação, Cultura, Lazer e Trabalho; Associação de Pescadores de Manguinhos; Colônia
dos Pescadores Z-23 Búzios; Associação dos Artesãos da Feirarte de Búzios; Associação
dos Táxis Marítimos; ACB - Associação Comercial de Búzios; Associação Amigos das
Lagoas de Búzios; Associação de Pais e Mestres da Escola Nicomedes; Associação Civil
Instituto Bárbara Wright; Associação Apoio Escola Estadual João Oliveira Botas; Associação
da Igreja Metodista Região Eclesiástica; Associação das Pousadas de Búzios;
Associação Pró Vida de Búzios; Associação de Arte e Cultura de zios; Associação da
Feirinha do Centro; Associação de Hotéis de Búzios; Movimento Viva Búzios; IAB-Búzios -
Instituto de Arquitetos do Brasil; Núcleo Ecológico de José Gonçalves; Grêmio Social,
Cultural e Carnavalesco Unidos do Cruzeiro; União Contra as Drogas; Associação Cultural
de Capoeira Meia Lua de Búzios; Associação SURF; Associação Vôo Livre; Comitê de
Defesa do Consumidor; APAE - Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais; APAB -
Associação dos Pastores; Associação de Jovens Cristãos; Associação de Familiares,
Amigos e Usuários da Saúde Mental do Município de Armação dos Búzios; Cooperbúzios;
ENARQ - Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Búzios; Associação de Jovens de
Búzios; Associação de Turismo de Búzios; Rotary Club de Búzios; Fundação Bem Te Vi.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
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Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
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