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ensinar naquele que aprende e naquilo que consideram importante ser aprendido, ou antes,
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memorizado. Simplificam um processo extremamente complexo, em que o próprio olhar e a
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própria pergunta influem na resposta de quem está sendo testado, reduzindo o processo ao
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resultado identificado, ao que denominam produto, também reduzido a números. São os
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especialistas em testes e medidas que vão se tornando mais e mais especialistas até que se perdem
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naquilo em que se especializaram sofrendo um estranho processo de esquecimento de onde e por
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que começaram. Com isto se perde o sentido da educação. Os aficionados deste enfoque avaliativo
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seriam “professores-gendarmes”, controladores competentes do resultado do que acontece numa
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sala de aula em que um professor ou professora ensina para alunos e alunas que devem aprender.
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Parte deles a idéia de “tempo pedagógico” e de “perda de tempo”, denunciado por Geraldi, pois
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consideram tudo o que não seja tempo de aula, de ensino de conteúdos pedagógicos, perda de
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tempo. Nada de perder tempo com entrada e saída demoradas, de recreio, de artes e de música, de
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conversas. O tempo de aula é o tempo de ensinar e de aprender, e o modo de avaliar é a “prova
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única”, única forma de comparar o que está sendo feito em cada escola e de identificar e destacar
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quem faz bem e quem pede tempo e não sabe bem o que fazer. Acreditam eles que a prova única
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irá mobilizar as professoras a ensinarem o que está proposto nos Parâmetros Curriculares
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Nacionais, garantindo assim a “qualidade total” tão almejada, cujo produto serão sujeitos capazes,
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competitivos e destinados ao sucesso. Este é o caminho do recrudescimento das exclusões, o que
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pouco lhes importa, porque será também (pelo menos acreditam) o caminho da formação de futuros
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partícipes do processo de inclusão do Brasil no Primeiro Mundo.
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O sistema de avaliação instituído no Brasil, melhor dizendo, imposto, acompanha o
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proposto por La Salle, ainda que talvez disso não tenham consciência os que o formulam. Tal
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sistema está sendo infligido ao sistema educacional brasileiro, desde as primeiras séries do ensino
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fundamental até a pós-graduação. Descarta uma cultura pedagógica produzida historicamente pelo
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coletivo de educadores e, enfatizando o aspecto meramente técnico da avaliação, reduz um
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complexo processo a números, quadros, médias, medianas, estatísticas. Este desemboca numa
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classificação em que as excelências são distinguidas, passando a se constituir em modelo, sendo
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elas próprias cópias de um modelo abstratamente denominado internacional, enquanto aqueles que
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não alcançam os almejados padrões internacionais são desmoralizados. Nada mais esperado,
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quando o que impera é a lógica do mercado, do que uma enlouquecidacompetição, em que os laços
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de solidariedade se rompem, pois é preciso disputar as escassas verbas destinadas à educação. Aos
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vencedores as batatas... e o ódio dos perdedores. Afinal, os nossos intelectuais governantes leram
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Maquiavel e com ele aprenderam a importância de “dividir para reinar”.
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Para consolidar o modelo de avaliação/controle vai sendo criada e difundida uma ideologia
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que escamoteia a máxima conhecida desde sempre, embora “esquecida”, de que “quem estabelece
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as regras do jogo anuncia antecipadamente quem serão os vencedores”. E tudo é feito com a capa
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do trabalho sério, competente, neutro, em que alguns colegas nossos ingenuamente cumprem o
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papel complicado de referendar as normas, desenvolvendo efetivamente um trabalho sério, que
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sérios, sem dúvida, são. Referendam também o modelo aqueles que solicitam a revisão da
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avaliação de sua instituição, já que ao fazê-lo reconhecem a validade da norma e, assim fazendo, a
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legitimam. Só pedem que o seu caso seja revisto por se sentirem injustiçados. Para eles, errou o
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comitê que usou mal um instrumento bom. Como se refere Cyrulnik, “diz-me para onde vão os teus
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fundos de investigação e dir-ti-ei quais os mitos da tua cultura”. E, assim, como todos são parte da
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mesma cultura, “fica tudo como dantes no quartel de Abrantes”.
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Feita esta introdução, vamos ao que pretendo desenvolver. Este capítulo está dividido em
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duas partes, ainda que elas se interpenetrem. Na primeira, me valerei sobretudo das reflexões de
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Ángel Díaz Barriga, pesquisador mexicano, muito conhecido na América Latina hispano-falante,
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embora, por motivos inexplicáveis, pouco conhecido no Brasil. Em minha avaliação, ninguém
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chegou a uma crítica tão radical sobre avaliação quanto Barriga. Na segunda parte trarei os
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resultados de uma jovem pesquisadora brasileira, Maria Teresa Esteban, recém-doutora da
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Universidade de Santiago de Compostela na Espanha que, partindo da crítica de Barriga, propõe
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novas abordagens avaliativas. Trata do que acontece e pode acontecer no interior da sala de aula
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em seu cotidiano. À crítica radical de Barriga, acrescenta uma proposta de abordagem pedagógica
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