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Programa San Tiago Dantas de Mestrado em Relações Internacionais
UNESP – UNICAMP- PUC-SP
Leandro Leone Pepe
AS OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU NO PÓS-GUERRA FRIA - A
ATUAÇÃO BRASILEIRA NO TIMOR LESTE.
São Paulo
2006
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Programa San Tiago Dantas de Mestrado em Relações Internacionais
UNESP – UNICAMP- PUC-SP
Mestrando: Leandro Leone Pepe
AS OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU NO PÓS-GUERRA FRIA - A
ATUAÇÃO BRASILEIRA NO TIMOR LESTE.
Dissertação de Mestrado apresentada
como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Relações Internacionais.
Área de Concentração: Política Externa
Brasileira
Orientadora: Profa. Dra. Suzeley Kalil
Mathias
São Paulo
2006
2
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Programa San Tiago Dantas de Mestrado em Relações Internacionais
UNESP – UNICAMP- PUC-SP
Leandro Leone Pepe
AS OPERAÇÕES DE PAZ DA ONU NO PÓS-GUERRA FRIA - A
ATUAÇÃO BRASILEIRA NO TIMOR LESTE.
Banca Examinadora:
_______________________________________
Profa. Dra. Suzeley Kalil Mathias
(Orientadora)
_________________________________________
Prof. Dr. Héctor Luis Saint-Pierre
(Membro)
_________________________________________
Prof. Dr. Amâncio Jorge de Oliveira
(Membro)
_________________________________________
Prof. Dr. Henrique Altemani de Oliveira
(Suplente)
__________________________________________
Prof. Dr. Paulo César de Souza Manduca
(Suplente)
Data de Aprovação:
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela conclusão de mais uma etapa de minha vida.
Quero expressar gratidão à minha orientadora, Professora Doutora Suzeley Kalil
Mathias, sempre bastante atenciosa, sincera e competente, pelos comentários bastante
pertinentes durante a pesquisa e elaboração do texto, pelo convite para fazer estágio-
docência em Franca e pelos artigos que escrevemos em parceria.
Agradeço o apoio constante de minha família em todos os meus projetos. Nada
seria possível sem os incentivos de minha mãe, Cesira Maria Leone, de meu pai, Sérgio
Luiz Pepe, de minha irmã, Maria Carolina Leone Pepe e de minhas avós, Aracy e
Zoraide.
Sou muito grato, igualmente, a todos os professores do Programa San Tiago
Dantas de Mestrado em Relações Internacionais pelos ensinamentos transmitidos
durante dois anos de prazeroso e enriquecedor convívio.
Quero igualmente agradecer Giovana Vieira, secretária do Programa, pela
atenção e profissionalismo.
Meus sinceros agradecimentos também à diretoria da UNESP - Campus de
Franca principalmente os professores Héctor Luis Saint-Pierre, Samuel Soares e Paula
Pavarina, pelo apoio, pelos ensinamentos e pela acolhida durante o semestre em que
estive na universidade fazendo estágio-docência.
Sou grato também a todos os meus colegas de curso, pelo incentivo nesta
empreitada.
Agradeço, por fim, a CAPES pelo apoio financeiro.
4
RESUMO
As operações de paz da ONU cresceram em importância com o fim da Guerra
Fria. Houve um aumento no número de missões de paz estabelecidas e uma
diversificação das atividades realizadas pelos capacetes azuis. Essa situação insere-se no
contexto de reformulação da idéia de segurança, que teve seu escopo ampliado e passou
a privilegiar os chamados novos temas como meio ambiente, narcotráfico, terrorismo e
direitos humanos.
Ao mesmo tempo em que essas mudanças se verificavam em âmbito externo,
internamente o Brasil atravessava processo de transição para a democracia. Com o fim
do regime militar, o país buscou garantir a aproximação com países latino-americanos e
realçar seu papel dentro da ONU em matéria de segurança internacional.
Ganhou importância renovada, por isso mesmo, a participação brasileira em
operações de paz, como forma de projeção de poder do país e de atendimento de
interesses nacionais. O Brasil envolveu-se nas missões de paz estabelecidas,
principalmente, na América Latina e em países de língua portuguesa.
Uma das missões em que o Brasil esteve entre os principais contribuintes com
pessoal civil, militar e policial foi no Timor Leste. As missões de paz da ONU nessa ex-
colônia portuguesa na Ásia são exemplos das chamadas operações de paz de segunda
geração, onde nem todos os princípios originais para estabelecimento de uma missão de
paz são observados, como o uso da força e o consentimento de todas as partes.
O Brasil esteve entre os países com maior número de destacados ao Timor, cerca
de 600. Porém, a atuação brasileira no Timor Leste é relevante, porque é um marco na
participação do país em operações de paz de segunda geração. Ademais, coaduna-se
com os interesses nacionais de aproximação com países de língua portuguesa e de
engajamento em missões de paz.
5
ABSTRACT
The peace operations of the United Nations had their importance grown since
the end of the Cold War. There was an increase in the number of peace operations
established and a diversification of the activities executed by the blue helmets. This
situation is within the contexto of the reformulation of the notion of security, which had
its scope widened and started to privilege issues like environment, drug trafficking,
terrorism and human rights.
At the same time these changes were happening in the external context,
internally, Brazil was crossing a transition process towards democracy. With the end of
the military regime, the country sought to get closer to Latin American countries and
highlight its role within the UN in the issue of international security.
Because of that, the Brazilian participation in peace operations won renewed
importance, as a way of project the power of the country and to attend to national
interests. Brazil had evolved in missions of peace established, mainly, in Latin America
and in Portuguese speaking countries.
One of the missions in which Brazil was one of the main contributors with civil,
militar and police personnel was in East Timor. The missions of peace of the UN in this
former Portuguese colony in Asia are examples of the so-called peace operations of
second generation, where not all the original principles to establish one mission of
peace were observed, like the use of force or the consent of all the parties.
Brazil was amongst the countries with the higher number of nationals deployed
to Timor, about 600. However, the presence of Brazilians in Timor is relevant because
this is a mark in the participation of the country in second generation peace operations.
Furthermore, it is intertwined with the national interests of getting closer to Portuguese
speaking countries and of engajement in UN peace operations.
.
6
SUMÁRIO
Introdução 08
Capítulo I – A inserção do Brasil no mundo pós Guerra Fria
1.1. O fim da Guerra Fria e suas implicações nas Relações Internacionais 12
1.2. O revigoramento da ONU e as novas abordagens da segurança internacional e dos
direitos humanos 16
1.3. O Brasil no cenário internacional pós Guerra Fria: a manutenção das diretrizes
básicas da política externa 21
1.4. A atuação brasileira em matéria de segurança internacional no pós Guerra Fria 29
Capítulo II - As operações de paz da ONU e a política externa brasileira
2.1 Os instrumentos de segurança coletiva da ONU e seus fundamentos jurídicos 36
2.2. O Brasil e as Operações de Paz das Nações Unidas 52
Capítulo III - O Envolvimento Brasileiro nas Operações de Paz da ONU no Timor
Leste
3.1 Breve Histórico da Questão Timorense 63
3.2 As Missões da ONU no Timor Leste – UNAMET, UNTAET e UNMISET 74
3.3 O Posicionamento Brasileiro na Questão Timorense 81
Conclusão 91
Bibliografia 94
7
INTRODUÇÃO
Desde a criação da Organização das Nações Unidas, em 1945, o principal
instrumento multilateral para garantir a paz e a estabilidade internacionais é a operação
de paz. Não se trata de uma novidade do pós-Segunda Guerra Mundial, visto que
modalidades semelhantes já haviam sido empregadas durante a Liga das Nações.
Tampouco era o mecanismo idealizado quando do estabelecimento da Organização, que
previa a formação de um braço armado para a atuação em matéria de segurança.
As operações de paz são uma adaptação à não observância do que se planejara
inicialmente e a única forma de atuação alternativa à indiferença e à intervenção
unilateral em tempos de Guerra Fria. Com o passar das décadas, as operações de paz
conheceram altos e baixos, mas foram se consolidando nas tarefas de evitar o
irrompimento de conflitos, mediar partes beligerantes e levá-las ao entendimento, ao
estabelecimento e manutenção da paz.
Com o fim da Guerra Fria, a questão da segurança internacional passou por uma
reformulação. Novos condicionantes passaram a ter um peso maior na matéria,
aumentando, dessa forma, o escopo do que se denomina segurança internacional. A
entrada de “novos temas”, como meio ambiente, terrorismo, direitos humanos,
narcotráfico e outros tiveram influência nas questões de segurança internacional.
Concomitante a esse processo, o Conselho de Segurança das Nações Unidas
passou a ter maior mobilidade para agir na área de segurança. Houve uma diminuição
sensível dos vetos no CSNU, que tanto emperravam a atuação da Organização em
questões cruciais para a paz internacional.
A conseqüência da queda no número de vetos e da entrada de “novos temas” na
agenda internacional possibilitou uma atuação mais consistente e eficaz da Organização.
O número de operações de paz, a partir de 1989, subiu vertiginosamente, ao mesmo
tempo em que as responsabilidades dos capacetes azuis também aumentaram. O modus
operandi deles também se alterou, resultado dos novos condicionantes na área de
segurança internacional e da prevalência de conflitos intra-estatais sobre os inter-
estatais, característicos do período que se encerrou em 1989.
A ONU encontrou alguns resultados bastante negativos com as operações de
paz, sobretudo em Ruanda e na Somália, mas obteve, também, êxitos, como em Angola,
8
Moçambique e Timor Leste. Trata-se, ainda, da principal modalidade de atuação da
Organização em matéria de segurança internacional.
Em meio a esse quadro de estabelecimento e consolidação das operações de paz
da ONU, busca-se compreender o posicionamento brasileiro diante desta modalidade de
atuação multilateral na área de segurança. A política externa do governo brasileiro,
desde a época da chamada Política Externa Independente, arquitetada pelo eminente ex-
chanceler San Tiago Dantas, é marcada pela continuidade. Não há traços de grandes
rupturas, de trocas radicais de paradigmas.
O Brasil sempre esteve entre os países contribuintes de pessoal policial, civil e
militar para as operações de paz da ONU. Participou de mais da metade das operações
estabelecidas sob a égide da Organização, esteve em todos os continentes e mandou
cerca de 15 mil brasileiros para trabalhar em prol da paz e da segurança internacionais.
Durante o regime militar, o país se manteve afastado do Conselho de Segurança
por vinte anos. Por isso, o engajamento em operações de paz conheceu um hiato de duas
décadas. Época, também, em que a modalidade de atuação multilateral atravessava
processo de decadência.
Com a redemocratização, o governo brasileiro voltou a ter papel de destaque no
CSNU. Igualmente, o país retomou a participação ativa em operações de paz. Havia
uma miríade de interesses por trás de tal engajamento como a aproximação do país com
regiões importantes para cálculo externo do país, como América Latina e países de
língua portuguesa. Estava em jogo, também, a projeção de poder e o engajamento nas
questões de segurança internacional como forma de justificar a candidatura do país a um
acento no CSNU caso ele venha a ser reformado. Destaca-se, igualmente, o contato das
forças armadas nacionais com militares de outros países.
O governo brasileiro buscou esta inserção mais ativa no cenário internacional em
meio a um quadro de mudanças no contexto externo provocado pelo fim da Guerra Fria.
A questão da segurança internacional também passava por reformulação e o governo
brasileiro esteve entre os que sustentavam a idéia de aliar desenvolvimento a
estabilidade internacional.
Assim, as operações de paz passaram por novos condicionantes. O governo
brasileiro defende o estabelecimento de missões de paz que se coadunem com os
antigos princípios da imparcialidade, do não uso da força e do consentimento das partes.
Entretanto, os conflitos dos anos 1990 apresentaram caráter diferente dos da época do
9
conflito ideológico bipolar. Ganharam dimensão maior as guerras civis, étnicas e
sectárias em relação às guerras entre Estados.
O governo brasileiro não apoiou ações multilaterais onde nem todas as partes
estavam de pleno acordo e onde o não uso da força foi relativizado. Prova disso, foi o
não engajamento do país nas operações de paz da ONU na Somália ou em Kosovo.
Todavia, o país se envolveria em uma missão de paz nestes novos moldes no
Timor Leste. Na crise humanitária na ex-colônia portuguesa, não houve anuência de
todas as partes para a atuação dos capacetes azuis. Mesmo assim, o governo brasileiro,
esteve entre os maiores contribuintes, mantendo pessoal civil, policial e militar por seis
anos no país. É por esta razão que o caso do Timor Leste se tornou único na história do
engajamento do país em operações de paz, sem se olvidar de que tal participação esteve
marcada por problemas como a falta de recursos e pela participação aquém das
possibilidades reais de contribuição.
Dessa forma, objetiva-se, com esta dissertação de mestrado, estudar a
participação brasileira em operações de paz da ONU, sobretudo no pós-Guerra Fria,
quando houve um sensível aumento. Busca-se identificar quais são os principais
interesses do país em jogo e como foi essa participação ao longo da história. Privilegia-
se o caso do Timor Leste por ter sido um dos casos em que o Brasil esteve entre os
principais contribuintes e pelas razões já expostas de que se trata de um caso sui
generis.
Para isso, no primeiro capítulo estão expostas as principais mudanças no cenário
internacional no período pós-Guerra Fria, as mudanças na temática da segurança
internacional e a atuação renovada da ONU na matéria. Ademais, pretende-se, neste
capítulo, expor como estava o Brasil neste contexto de mudança no cenário
internacional e também o processo de mudanças interno após o fim do regime militar.
Apresentar-se-ão as características da política externa brasileira do período como forma
de entender a participação do país em operações de paz e as razões que levaram a
chancelaria brasileira a optar por esta forma de projeção internacional de poder e porque
houve privilégios de certas áreas.
No segundo capítulo, apresenta-se a evolução das operações de paz da ONU ao
longo da história, com destaque para os desdobramentos atuais e as modalidades de
missão de paz como preventive diplomacy, peacemaking, peacekeeping e post-conflict
peace building. Além disso, procura-se apontar como foi a participação histórica
10
brasileira em operações de paz, quais regiões foram privilegiadas, quantas brasileiros
foram destacados e quais eram os interesses nacionais que estavam em jogo.
Por fim, no capítulo três é apresentado o caso do Timor Leste. As operações de
paz da ONU no país estão entre os casos de sucesso de atuação da ONU e se enquadram
claramente na categoria de operações de paz de segunda geração, onde, por exemplo,
não há necessidade de consenso de todas as partes beligerantes sobre o estabelecimento
de uma missão de paz. Ressalta-se, igualmente, a atuação brasileira no país, as razões, a
forma e os resultados obtidos na empreitada.
Para a elaboração desta dissertação de mestrado, buscou-se a obtenção de dados
por diversas fontes. Identificou-se escassez de livros sobre o tema, sobretudo no que se
refere à atuação brasileira em operações de paz e à atuação da ONU no Timor Leste.
Para preencher esta lacuna, foram consultadas fontes primárias como documentos
oficiais da ONU e do governo federal brasileiro, discursos de membros do alto escalão e
a consulta de artigos publicados em diversas revistas especializadas na área de Relações
Internacionais. Foi feita também uma entrevista com o embaixador Jadiel de Oliveira,
que estava lotado em Jacarta, Indonésia, na época em que o Timor Leste passava pelos
momentos decisivos rumo à independência.
11
Capítulo 1 - A inserção do Brasil no mundo pós - Guerra Fria
1.1 O fim da Guerra Fria e suas implicações nas Relações Internacionais.
O fim da Guerra Fria, que teve como fato mais simbólico a queda do Muro de
Berlim no ano de 1989, marcou o início de novos tempos nas Relações Internacionais.
O confronto ideológico leste-oeste se esvaiu e desnudou a presença de novos
condicionantes nas relações internacionais como a ascensão de outros atores no sistema
internacional, o fenômeno da interdependência, a emergência de novos temas na agenda
internacional, que passou a ser o parâmetro definidor das relações no cenário mundial.
Durante a Guerra Fria, o sistema internacional estava condicionado a três
elementos. Primeiro, a rivalidade entre as duas superpotências era de caráter
eminentemente político. Segundo, quase a totalidade dos acontecimentos importantes na
cena internacional estava de alguma forma relacionada à disputa entre EUA e URSS.
Terceiro, a ideologia possuía grande importância na caracterização dos pólos de poder.
1
Com o ocaso do bloco soviético, consolidou-se a presença de outros condicionantes no
sistema internacional, como conseqüência do processo de globalização que já estava em
curso.
Muitos dos elementos que passariam a ter maior influência na nova ordem em
formação já estavam em gestação bem antes de 1989. Os Estados Unidos da América,
apesar da superioridade nas esferas militar, econômica e tecnológica, passariam a ter
competidores nestas duas últimas áreas.
Essa situação foi resultado da recuperação de Alemanha e de Japão após a
derrota na Segunda Guerra Mundial. A economia destes dois países, já nos anos 1960,
deu sinais de conspícuo crescimento e levou ao surgimento de uma área de influência na
esfera econômica em seus entornos regionais: Europa e Ásia.
A Alemanha tem a economia mais forte da Europa e é o cerne da União
Européia, o projeto integracionista melhor sucedido da história. O Japão, por sua vez,
apesar de não fazer parte de nenhum bloco econômico nos mesmos moldes do existente
1
FONSECA JR., Gelson. Aspectos da multipolaridade contemporânea (notas preliminares). Revista
Contexto Internacional, RJ, No. 11, jan-jun 1990, p. 10-11.
12
na Europa, também é o motor da região econômica que se convencionou chamar de
Ásia-Pacífico.
Outro ator que vem fortalecendo-se nas últimas décadas é a República Popular
da China. Principalmente após o Programa das Quatro Modernizações, lançado em 1978
por Deng Xiaoping, a China fez uma abertura controlada ao capital estrangeiro,
permitindo a atuação de empresas transnacionais em determinadas regiões, as Zonas
Econômicas Especiais, ampliou enormemente suas exportações e passou a auferir taxas
de crescimento de dois dígitos, quase ininterruptamente, por duas décadas.
Esses países sobressaíram-se na cena internacional devido à maior importância
das questões econômicas e uma relativa diminuição da importância das questões
militares. Sobre isso, Celso Lafer sustenta que
No campo econômico, do fim da Segunda Guerra até a década de
80, o sucesso no processo competitivo do mercado mundial trouxe
mudanças na estratificação internacional, da qual são exemplos a
preeminência da Alemanha Ocidental e do Japão, e novas formas
de integração econômica entre os países, como é, por excelência, o
caso do Mercado Comum Europeu (MCE).
2
Os Estados Unidos continuam a ser, incontestavelmente, a maior potência
mundial. O país ainda permanece como a maior economia mundial, todavia a diferença
gritante que se verificava entre a economia norte-americana e as demais, diminuiu. A
esse respeito Luciano Martins coloca que
(...) a hegemonia do capitalismo não é mais sinônimo da
hegemonia de um único país capitalista, por maior que seja o
poder relativo (econômico, político ou militar) de que este ou
aquele país disponha em relação aos demais.
3
Esse fato é importante uma vez que houve uma relativa diminuição da
importância do uso da força militar no cenário internacional nos últimos anos. Assim, as
questões econômicas passaram a ter um papel que antes não tinham nas Relações
Internacionais.
Prova de que a economia estaria mais destacada na agenda internacional é a
crescente importância adquirida por outro ator e que, para muitos, colocaria em xeque a
2
LAFER. Celso. Reflexões sobre a inserção internacional do Brasil no contexto internacional. Revista
Contexto Internacional, Rio de Janeiro, No. 11, jan-jun 1990, p. 36.
3
MARTINS, Luciano. Novas dimensões da “Segurança Internacional”. In: O Brasil e as novas
dimensões da segurança internacional. VIGEVANI, Tullo e DUPAS, Gilberto (orgs.), SP: Ed. Alfa-
Ômega, 1999, p. 46.
13
centralidade do Estado-Nação no cenário internacional – as empresas transnacionais. As
maiores chegam a ser mais ricas que muitos países e passaram a ter maior poder de
pressão e de decisão. Há autores que propugnam a existência de um modelo de ator
misto nas Relações Internacionais contemporâneas, ou seja, o Estado age em conjunto
com outros atores não-estatais no sistema internacional.
A economia passou a ter maior destaque também porque, a partir dos anos 1970,
ficou mais evidente a chamada interdependência entre os países. Laços de dependência
entre os países existem há séculos. Todavia, o grau de aproximação e de interligação
entre as economias atingiu níveis nunca antes alcançados.
Trata-se de uma interdependência assimétrica, onde os países subdesenvolvidos
do sul apresentam uma dependência mais acentuada em relação aos países do norte do
que a dependências destes em relação àqueles.
4
Essa maior interdependência, bem
como o seu caráter assimétrico, coincide com o aumento da industrialização de países
da América Latina e da Ásia e com a modernização dos parques industriais da Europa,
da América do Norte e do Japão. Quando esse processo se iniciou, foi necessário um
acesso regular aos mercados dos países para sustentar as altas taxas de crescimento
econômico que passaram a se verificar.
Ademais, a interdependência é também resultado da evolução tecnológica,
mormente nos meio de comunicação, que encurtaram as distâncias, agilizaram a
produção e distribuição dos bens e possibilitaram a instantaneidade da informação.
A maior interdependência aliada ao desenvolvimento tecnológico e
informacional são componentes da chamada globalização, marca indelével dos novos
tempos pós-Guerra Fria. Concomitante a esse processo, há uma pressão muito grande
dos países ocidentais, sobretudo dos Estados Unidos, pela liberalização da economia e
abertura de mercado.
A busca por abertura de mercados e de regras menos rígidas para o comércio
internacional estavam entre os objetivos da Rodada Uruguai do GATT (Acordo Geral
sobre Tarifas e Comércio) que teve como resultado final a criação da Organização
Mundial do Comércio, em 1995.
Por outro lado, ampliam-se os mecanismos de proteção das economias em
âmbito regional. Assim, dois novos blocos econômicos surgiram nos anos 1990 – o
Mercosul (Mercado Comum do Sul) e o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da
4
DEUTSCH, Karl. Análise das Relações Internacionais. Brasília: Ed. UnB, 1982, p. 291
14
América do Norte), seguindo a tendência do Mercado Comum Europeu/União Européia,
já em operação desde a década de 1950. Na África e na Ásia, buscou-se um aumento do
diálogo e do intercâmbio entre os países como resposta à criação de blocos econômicos
verificada em outras regiões. São os casos da OUA (Organização para a União
Africana), SADC (Conselho de Desenvolvimento da África Austral) e da ECOWAS
(Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental), no primeiro, e da ASEAN
(Associação das Nações do Sudeste da Ásia) e ARF (Fórum Regional da ASEAN), no
segundo.
Estas foram algumas das principais mudanças advindas do fim do sistema
bipolar. Celso Lafer e Gelson Fonseca Júnior caracterizam esse período de mudanças
como aquele que apresenta movimentos contraditórios.
Houve uma aproximação entre a maioria dos atores em torno de alguns pontos.
Entre eles, estão a liberalização econômica - ainda que haja divergências sobre o que
deve ser liberalizado e quem deve ceder - e a defesa de certos valores políticos. A busca
de maior coordenação nestas áreas contribuiu para que emergisse um clima de otimismo
no início dos anos 1990.
Porém, igualmente, houve um afastamento entre os Estados no que se refere à
proteção da economia doméstica e à afirmação do nacionalismo. Os diversos
mecanismos de proteção das economias domésticas não-eliminados na Rodada Uruguai
do GATT e o surgimento de novos países (desagregação da Iugoslávia, da URSS e da
Tchecoslováquia, na Europa; a Eritréia e a Namíbia, na África, e o Timor Leste, na
Ásia) comprovam a existência de “forças desagregadoras” no sistema internacional.
Lafer e Fonseca Jr. deram o nome de forças centrífugas e centrípetas a esses
movimentos contraditórios. Sobre isso eles colocam que
Desenha-se, assim, no sistema internacional, uma situação
dicotômica. De um lado, a lógica integradora da economia, das
causas universais (direitos humanos, ecologia, etc.) e, de outro, a
dinâmica da resistência à globalização, ora identificada com
esforços de preservação da autonomia nacional, ora com defesa de
setores específicos da sociedade (protecionismo, por exemplo) ora
com manifestações de afirmação étnicas. Forças centrípetas a
comandar a primeira; forças centrífugas, a segunda. E induzem a
uma percepção de descontinuidades no sistema internacional, que
aparece, no momento, com as características de transitório,
instável, desarticulado e ambivalente.
5
5
LAFER, Celso e FONSECA JÚNIOR, Gelson. Questões para a diplomacia no contexto internacional
das polaridades indefinidas (notas analíticas e algumas sugestões) In: Temas de política externa
15
Na área da segurança internacional, houve também implicações significativas
com o fim da Guerra Fria. Esse processo esteve em sintonia com o fortalecimento do
papel que a ONU adquiriu nesta matéria. Igualmente, destaca-se a emergência de uma
série de “novos temas” na agenda internacional.
1.2 O revigoramento da ONU e as novas abordagens da segurança internacional e
dos direitos humanos.
Por um lado, o mundo viu as questões econômicas terem destaque maior do que
em outras épocas, motivo da maior relevância de atores como Japão e Alemanha, mas,
por outro, o conceito de segurança passou por uma revisão. Ainda que haja grandes
debates acerca da importância decrescente ou não do uso da força militar, procurou-se
adequar o tema à nova realidade, que levasse em conta a maior interdependência entre
os países, os novos atores e os chamados “novos temas”. Admitiu-se a chamada
extraterritorialidade das questões internacionais, ou seja, o reconhecimento de que os
problemas atravessam as porosas fronteiras e afetam outros países.
Estes novos condicionantes passaram a ter maior influência na área de segurança
internacional. Concomitantemente, a ONU fortaleceu sua atuação nessa área. Com o fim
da Guerra Fria, diminuíram muito os recorrentes vetos no Conselho de Segurança que
engessavam a organização.
6
Georges Lamazière coloca que
O fim da Guerra Fria tornou possível o funcionamento – ainda que
imperfeito, seletivo e passível de críticas – do sistema de
segurança coletiva previsto na Carta de 1945.
7
Não foram apenas as empresas transnacionais que passaram a figurar entre os
novos atores. As Organizações Não-Governamentais (ONGs) obtiveram maior poder de
pressão no cenário internacional sobre governos, empresas e organismos internacionais.
Muitas delas adquiriram respeitabilidade nos últimos anos por sua atuação nas mais
brasileira II. FONSECA JÚNIOR, Gelson e NABUCO DE CASTRO, Sergio Henrique (Orgs.) SP: Ed.
Paz e Terra, 1994, p. 59
6
Entre 1945 e 1991 foram 279 vetos. PATRIOTA, Antônio de Aguiar. O Conselho de Segurança após a
Guerra do Golfo: a articulação de um novo paradigma de segurança coletiva. Brasília: Instituto Rio
Branco/FUNAG/CEE, 1998, p. 212.
7
LAMAZIÉRE, Georges. Ordem, hegemonia e transgressão. Brasília: IRBr/FUNAG, 1998, p. 22.
16
distintas áreas como direitos humanos (Human Rights Watch, Anistia Internacional),
ajuda humanitária (Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha), meio ambiente
(Greeepeace, World Wide Fund) e outros. Muitas destas ONGs foram criadas antes dos
anos 1970, como é o caso da Cruz Vermelha Internacional, mas foi nessa época que sua
atuação passou a ter maior repercussão, como conseqüência da revolução nos meios de
comunicação.
Destacam-se, ainda, outros atores no seio das Relações Internacionais
contemporâneas, como os grupos para-estatais. Estes não agem em nome de nenhum
Estado e praticam os mais diversos ilícitos. As organizações criminosas se proliferaram
nas últimas décadas e se aproveitaram do progresso tecnológico para ampliar sua ação e
se aliar a outros grupos, tornando-se, dessa forma, fonte crescente de instabilidade e de
insegurança. Geralmente estão envolvidos no tráfico de drogas, de armas, de órgãos
humanos, de pessoas, no contrabando, na biopirataria e no terrorismo.
Trata-se, assim, de um fator adicional de preocupação para os países, uma vez
que estas ameaças são de caráter difuso, ou seja, não estão representadas em um Estado,
mas em núcleos para-estatais que, muitas vezes, atuam em mais de um país. Em boa
medida, a atuação de tais grupos contribui para explicar o alargamento do conceito de
segurança, que passou a abarcar, então, novas preocupações e passaria a influenciar
sobremaneira na redefinição da atuação da ONU via operações de paz, como será
demonstrado no próximo capítulo.
Convencionou-se considerar o conjunto de questões que emergiram com força
na pauta internacional no pós Guerra Fria como “novos temas”. Ressalva-se que não são
questões que passaram a ser discutidas apenas a partir deste momento. São velhas
preocupações que ganharam importância renovada. Além disso, a inclusão dos novos
temas se insere dentro da lógica de disputa por poder.
Luis Felipe de Seixas Correa defende que a inclusão de outras preocupações na
agenda internacional atendeu a interesses das principais potências em detrimento do que
era defendido pelos países mais pobres. Para ele,
A premência dessas questões crescera na década de 80 na mesma
proporção em que os países em desenvolvimento foram perdendo
o controle da agenda internacional e viram temas como a nova
ordem econômica internacional, o novo direito do mar, as teses da
UNCTAD, o desenvolvimento econômico, enfim, cederem lugar a
uma crescente mobilização dos países desenvolvidos em torno de
questões que inverteriam o ônus da acusação em direção do Sul:
17
narcotráfico, degradação ambiental, direitos humanos, imigração
ilegal, conflitos regionais, democratização.
8
Entre os novos temas, sobressaem-se, ainda, o crime organizado, a ajuda
humanitária, o terrorismo e o desarmamento, entre outros. Estas novas/velhas questões
“quase todas estão fora do Conselho [de Segurança] e da Assembléia [Geral da ONU],
como alerta o embaixador Ronaldo Sardenberg.”
9
Entretanto, houve um esforço da ONU nos últimos anos para que essas questões
fossem discutidas. Resultado disso foi a série de conferências que aconteceu nos anos
1990. A primeira delas foi a Conferência do Rio de Janeiro para o meio ambiente,
também conhecida como Eco-92. No ano seguinte, houve a Conferência de Viena sobre
Direitos Humanos e, em 1994, a Conferência do Cairo sobre População e
Desenvolvimento. No ano de 1995, houve duas conferências: a de Copenhague sobre
Desenvolvimento Social, e a de Beijing sobre a Mulher. Em 1996, aconteceu a
Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, também conhecida
como Habitat-II, realizada em Istambul, Turquia.
Estes conferências dos anos 1990 foram realizadas com o objetivo de discutir e
buscar regulação para estes temas, considerados globais.
10
Entre os temas que passaram
por essa securitização e que apareceram com maior destaque no pós Guerra Fria estão
os direitos humanos. Sua defesa estava prevista na Carta da ONU, porém ela não pôde
ser realizada de forma efetiva durante a Guerra Fria.
A primeira tentativa de discutir o tema foi em 1968 na Conferência de Teerã.
Porém, sob a égide do confronto ideológico, houve grande dificuldade por parte dos
Estados em acatar as disposições da Proclamação de Teerã, como a noção de
indivisibilidade dos direitos humanos. José Augusto Lindgren Alves aponta a existência
de duas fases de atuação da Comissão de Direitos Humanos (CDH) da ONU no que
tange à implementação de mecanismos de controle sobre os países nesta matéria.
A primeira delas foi a fase abstencionista, que durou de 1947 a 1966. Este
período é marcado pela busca de estabelecimento de normas e de instrumentos de
8
CORRÊA, Luis Felipe de Seixas. A política externa de José Sarney. In: Sessenta anos de política
externa brasileira. 1930-1990 – crescimento, modernização e política externa. ALBUQUERQUE,
José Augusto Guillon (org.). São Paulo: Cultura Editores/Nupri-USP, v.1, 1996, p. 363.
9
SARDENBERG, Ronaldo Mota. Segurança Global: Nações Unidas e Novas Vulnerabilidades. In: O
Brasil e as novas dimensões da segurança internacional. VIGEVANI, Tullo e DUPAS, Gilberto
(orgs.), SP: Ed. Alfa-Ômega, 1999, p. 170.
10
Outras conferências desse mesmo caráter continuaram de 1996 em diante, como a Conferência de
Kyoto sobre Mudança Climática, em 1997, e que deu origem ao famoso protocolo, a Conferência Rio+10
sobre Meio-Ambiente realizada na África do Sul, em 2002, e, também neste país, a Conferência de
Durban, sobre Racismo.
18
verificação da situação humanitária dos países. Foi época também de determinação das
regras e do tempo necessário para a ratificação destas. Os mais importantes documentos
elaborados no período abstencionista foram os pactos internacionais sobre direitos civis
e políticos e sobre direitos econômicos, sociais e culturais. Os pactos somente entraram
em vigor em 1976 quando atingiram a mínimo de ratificações necessárias.
11
A outra fase, cunhada de intervencionista, começou no ano de 1967 e continua
vigente. Está marcada pela atuação mais incisiva dos países do então Terceiro Mundo
na CDH na luta contra o regime do apartheid na África do Sul, contra o colonialismo e
contra a ocupação de territórios árabes por parte de Israel. Houve grande pressão por
parte dos países que compunham o G-77
12
para que a CDH garantisse o respeito aos
direitos humanos que estavam sendo violados naquelas regiões. O ano de 1967 ficou
como um marco dessa nova fase porque foi quando peritos da CDH estiveram na África
do Sul para investigar denúncias de abusos contra prisioneiros. Alves lembra que a
atuação da CDH foi eloqüente no caso da ditadura de Augusto Pinochet, no Chile.
13
A temática humanitária cresceu, assim, ao longo dos anos, e adquiriu maior
visibilidade no cenário internacional. Com isso, se tornou mais um dos temas globais e
também motivou a realização de uma conferência nos anos 1990 com o objetivo de
ampliar a discussão e buscar maior regulação e implementação de seus dispositivos de
proteção já existentes. Em 1993, foi realizada a Conferência de Viena para os Direitos
Humanos, que representou avanços em alguns aspectos. Como aconteceu com os outros
temas globais, buscou-se associar os direitos humanos à segurança internacional. Alves
coloca que
Eliminada a divisão (...) as realidades e conflitos nacionais
tornaram-se muito mais transparentes. Foi possível, assim,
verificar com maior clareza o estado deplorável dos direitos
humanos em vastas massas territoriais e o grau de ameaça que isso
significa à estabilidade internacional. A afirmação dos direitos
humanos como tema internacional prioritário fundamenta-se, pois,
do ponto de vista estratégico, pela percepção de que violações
maciças podem levar à guerra.
14
Todavia, o tema encontra grande dificuldade para se efetivar plenamente, uma
vez que há divergências a respeito da concepção de direitos humanos. Existem quatro
11
ALVES, José Augusto Lindgren. Os direitos humanos como tema global. SP: Editora Perspectiva,
2003, p. 07.
12
Países do chamado terceiro mundo e que compunham o “Grupo dos Não-Alinhados”.
13
ALVES, Op. Cit. p. 08.
14
Idem, p. 03.
19
categorias de direitos humanos: direitos civis, políticos, econômicos e sociais. Os
direitos civis estão fortemente vinculados ao respeito do indivíduo. Assim, garantem a
liberdade de pensamento, de ir e vir, o respeito à fé religiosa entre outros. Os direitos
políticos se referem à liberdade do homem de participar da definição dos rumos da
sociedade em que ele está inserido; entre eles estão o direito de votar e de ser votado e
de se associar a um partido político. Já os sociais abrangem o direito ao trabalho, à
educação, à saúde e ao lazer. Por fim, os econômicos, estão ligados às condições dignas
de trabalho, a um salário e ao direito de fazer greve.
A divergência de concepção a respeito dos direitos humanos envolve estas
quatro categorias. Os países ocidentais tendem a privilegiar os direitos civis e políticos
em detrimento dos econômicos e sociais. Isso se explica pela maior relação que os
primeiros têm com as liberdades individuais do homem em comparação com os últimos.
Por outro lado, nos demais países, com destaque para os muçulmanos e para os asiáticos
de fé budista, o enfoque está nos direitos sociais e econômicos. Nestes locais,
culturalmente, a coletividade é mais importante que o indivíduo.
A Conferência de Viena para os Direitos Humanos procurou resolver esse
impasse. Entre seus resultados mais frutíferos esteve a determinação da universalidade
dos direitos humanos, ou seja, válidos para todos, e ratificou a sua indivisibilidade –
reconhecimento de que as quatro categorias têm a mesma importância e, em conjunto
formam os direitos humanos.
Assim, a questão da segurança internacional passou por uma reformulação.
Novas questões, e outras nem tão novas, entraram na agenda internacional. Buscou-se
associar cada um destes temas à idéia de desenvolvimento, redução da pobreza e
melhoria das condições de vida das pessoas. Em especial, a questão dos direitos
humanos esteve mais presente na agenda internacional a partir dos anos 1980.
O tema serviu como justificativa principal ou acessória para uma série de
atuações da comunidade internacional nos anos 1990. Isso ajuda a explicar a ocorrência
de diversas operações de paz das Nações Unidas como um instrumento para a
pacificação e estabilização internacionais.
Para muitos países, significou uma atualização de suas posições nesta matéria,
tendo em vista as mudanças no sistema internacional e a ampliação do conceito de
segurança. A necessidade de revisão da eficácia da ONU em matéria de segurança foi
necessária tendo em vista que
20
O cenário político-militar mundial se caracteriza por uma
crescente concentração de poder no centro do sistema e pela
crescente instabilidade na periferia, crescentes tensões econômico-
político-sociais e o surgimento de crises de toda natureza, que se
tornam intermitentes e insolúveis pela deterioração física dos
países e pela desintegração política.
15
Em meio a todas essas mudanças no cenário internacional nos anos 1980 e 1990,
países como o Brasil passaram a levar em conta esses novos condicionantes na
formulação e condução da política externa.
1.3 O Brasil no cenário internacional pós Guerra Fria: a manutenção das
diretrizes básicas da política externa.
Em meio a esse quadro de alterações no cenário internacional, o Brasil passava
pela transição do regime autoritário para o governo democrático. O governo de João
Baptista Figueiredo (1979-1985) foi o último do ciclo de presidentes militares, ciclo
este iniciado no ano de 1964. No mesmo período, o Brasil enfrentava grandes
dificuldades no campo econômico, com o aumento da dívida externa, a elevação da
inflação, a queda da renda da população, a carestia e os sucessivos planos econômicos
que não funcionavam. Virou lugar-comum se referir a esse período como “a década
perdida”.
Durante esses anos marcados por mudanças no cenário internacional, a política
externa brasileira conheceu continuidade do que vinha sendo feito nos anos anteriores.
Assim, a mudança de regime político no Brasil não acarretou mudança nos rumos da
política externa brasileira. Pelo contrário. A política externa do primeiro governo da
“Nova República”, o de José Sarney (1985-1990), manteve as orientações de política
externa apresentadas no governo anterior.
No governo Figueiredo manteve-se a intenção de diminuir os laços de
dependência do Brasil com os Estados Unidos, seguindo tendência adotada desde a
época em que foi rompido o acordo militar Brasil - Estados Unidos no governo Geisel e
15
GUIMARÃES, Samuel Pinheiro. Uma estratégia militar para o Brasil. In: Reflexões sobre defesa e
segurança: uma estratégia para o Brasil. PINTO, J. R. Almeida, ROCHA, A. J. Ramalho, SILVA, R.
Doring Pinho da (orgs.), Brasília: Ministério da Defesa, Secretaria de Estudos e Cooperação, 2004, p. 40.
21
que se coaduna com os princípios da chamada ‘Política Externa Independente’ lançada
pelo ex-chanceler San Tiago Dantas na década de 1960.
A manutenção destas diretrizes implicou também a diversificação de parceiros.
Assim, objetivava-se ampliar os contatos com os países do então chamado Terceiro
Mundo. Estes países atravessavam problemas semelhantes aos enfrentados pelo governo
brasileiro, sobretudo no que se refere às dificuldades no campo econômico, o que ajuda
a explicar a identificação e solidariedade como razões para a aproximação.
Todavia, o relacionamento com os países mais desenvolvidos não foi deixado de
lado. Permaneceu como destaque na política externa dos anos 1980 os contatos entre o
Brasil e os Estados Unidos e a Europa Ocidental – a redução da dependência não
significava romper relações. Assim, o Brasil apresentou uma dupla inserção
internacional,
Uma, decorrente de seus laços históricos e tradicionais com o
Ocidente e, a outra, representada pela vinculação a um conjunto de
países que apresentam problemas e vulnerabilidades similares a
que se encontram em uma posição de desvantagem dentro do
sistema internacional. (...) são movimentos percebidos como
complementares.
16
Dessa forma, a política externa orientada pelo chanceler Saraiva Guerreiro
esteve voltada para a diminuição da dependência com os países ocidentais, no entanto
sem prejudicar as relações com estes países. Tratava-se de uma ação que visava reduzir
a vulnerabilidade do país. Ao mesmo tempo, a ação externa deste período tinha
interesse de promover a diversificação de parcerias – da mesma maneira que no governo
Geisel, “expandindo e aprofundando as relações com a América Latina, África e
China”
17
- como forma também de diminuir a dependência brasileira das regiões
tradicionais. A política externa desse período, assim, ficou conhecida como
universalista, pela recusa em alinhamentos automáticos, bem como pela negação em
privilegiar determinados atores no relacionamento externo.
18
Um passo marcante dessa política externa foi a gradativa reaproximação com os
países da América Latina. Neste sentido, foi emblemática a distensão das relações
argentino-brasileiras. As principais ações rumo a um entendimento entre os dois países
16
OLIVEIRA, Henrique Altemani. Política Externa Brasileira. SP: Saraiva, 2005, p. 169.
17
DANESE, Sérgio. Diplomacia Presidencial. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999, p. 359.
18
OLIVEIRA, Op. Cit. p. 182.
22
foram a solução das controvérsias em torno da geração da energia – as hidrelétricas de
Itaipu e Corpus – e também a posição brasileira na Guerra das Malvinas.
A Chancelaria apoiou a resolução do Conselho de Segurança da
ONU, em seus três aspectos coerentes com a conduta tradicional
(cessação das hostilidades, retirada das tropas argentinas,
negociação), mas ressalvou o direito argentino sobre as ilhas e
manteve uma neutralidade favorável ao país vizinho, ao perceber
que contra ele se voltava todo o Norte.
19
Mais tarde esta coordenação se intensificou e atingiu a área nuclear, com a
abdicação de ambos em construir armas de destruição em massa evidenciada no
estabelecimento da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de
Materiais Nucleares. A redução das desconfianças entre as partes teve como resultado
mais prolífico a criação do Mercosul, no ano de 1991.
A aproximação com os países latino-americanos não tinha o propósito único de
alterar os parceiros brasileiros na cena internacional. Havia, igualmente, a intenção de
modificar a imagem que esses países tinham do Brasil, que era visto como um ator que
estava sempre em sintonia com as diretrizes de Washington. Sobre isso, Oliveira afirma:
Neste sentido, pode-se aventar a hipótese de que a retomada da
inserção brasileira na região decorre, de um lado, das dificuldades
encontradas em outros espaços e, de outro, de uma reversão na
imagem negativa que o País detinha no espaço latino-americano.
20
Em 1985, assumiu a Presidência da República, José Sarney em decorrência da
morte da Tancredo Neves. Como informado, a política externa de seu mandato, que
durou até 1990, manteve, em linhas gerais, o que vinha sendo feito até então. Tanto no
que se refere à aproximação com os países latino-americanos, em particular com a
Argentina, como os fatores a influenciar na inserção externa, como a crise da dívida, as
gestões dos ministros Olavo Setúbal e Roberto Abreu Sodré não diferenciam do que
fora feito por Saraiva Guerreiro. Novamente, o mesmo Oliveira informa:
(...) independentemente das mudanças do regime político interno,
não serão constatadas alterações fundamentais em sua definição e
implementação. De forma bem direta, serão mantidas as diretrizes
básicas da política externa.
21
19
BUENO, Clodoaldo e CERVO, Amado Luiz. História da política exterior do Brasil. 2ª ed., Brasília:
Ed. UnB, 2002, p. 451
20
OLIVEIRA, Op. Cit. p. 199
21
Idem. p. 201.
23
Dessa forma, seguiu a aproximação entre Brasil e Argentina verificada no
governo anterior. Um dos pontos altos desse processo aconteceu em 1986, quando
Sarney e o presidente argentino Raúl Alfonsin firmaram a Ata para a Integração
Brasileiro-Argentina. Por meio desta, estava prevista a cooperação nas esferas
econômica, tecnológica, científica e cultural, preferências comerciais nas áreas agrícola
e industrial e fomento ao crescimento econômico e ao comércio bilateral.
22
Essa busca
por maior coordenação nas ações desses países foi favorecida pela transição de regime
não apenas no Brasil, mas também nos países da região.
Um problema enfrentado pelo governo Sarney foi a crescente deterioração da
imagem do Brasil perante a comunidade internacional. Em grande medida, ela se
acentuou graças à moratória decretada pelo presidente no ano de 1987 e que se tornou
um grande complicador das relações do Brasil com os países credores, sobretudo EUA,
CEE e Japão. A crise da dívida e a moratória influenciaram sobremaneira a forma de
atuação do Brasil no cenário internacional.
Por isso, graças às difíceis relações com os países desenvolvidos, o governo
brasileiro buscou ampliar contatos com parceiros não tradicionais como a então União
Soviética e a China. A aproximação com os soviéticos não rendeu maiores frutos.
Todavia, ela foi mais prolífica com os chineses. Datam dos anos 1980, os ensaios para a
cooperação nas áreas comercial, espacial, educacional, cultural, de transporte marítimo,
de ciência e tecnologia e de uso pacífico de energia nuclear
23
e que avançaram ainda
mais na década seguinte, sobretudo na área espacial.
Outra questão a minar a imagem do Brasil foi a degradação ambiental. O tema
meio ambiente desde os anos 1970 passou a ser mais discutido na agenda internacional.
No ano de 1972, durante a realização da Conferência de Estocolmo para o meio
ambiente, o Brasil foi severamente acusado de ser um dos responsáveis por problemas
como desflorestamento e mudança climática.
As denúncias prosseguiram na década seguinte, com a divulgação na mídia do
aumento do desmatamento na Amazônia e da morte do líder seringueiro Chico Mendes.
Estes dois pontos foram motivo para que o governo brasileiro fosse criticado e
considerado como negligente na questão ambiental. Reverter essa imagem de descaso
22
BUENO e CERVO. Op. Cit p. 453.
23
CORRÊA, Op. Cit. p. 379 e MINGDE, Li. As relações sino-brasileiras: passado, presente e futuro. In:
FUJITA, Edmundo (org.). O Brasil e a Ásia no século XXI – ao encontro de novos horizontes.
Brasília: Ipri, 2003, p. 73.
24
com o meio ambiente foi a principal razão para que o Brasil se oferecesse para sediar a
Conferência da ONU para o meio ambiente no ano de 1992, no Rio de Janeiro, e que se
popularizou como ECO-92.
24
Tais condicionantes permaneceram como influentes na inserção internacional do
Brasil nos anos 1990. A situação grave de alto endividamento externo determinou as
relações do Brasil com os organismos financeiros internacionais e se refletiu na relação
do país com os membros do Grupo de Paris, que reúne os maiores credores de países
endividados.
Fernando Collor de Mello assumiu a presidência no ano de 1990, quando a
Guerra Fria já havia virtualmente terminado. Na política externa de seu governo, houve
um enfraquecimento nos contatos com os países em desenvolvimento e buscou-se um
reforço nas relações com os países do Norte, sobretudo os Estados Unidos. Marco
Antonio Vieira sintetiza a situação encontrada pela chancelaria brasileira no ano de
1990
O Brasil encontrava-se, naquele momento, encapsulado
economicamente pela pressão financeira internacional, pela
perspectiva de perda de mercados externos para a recém
“liberalizada” Europa Oriental e pela marginalização comercial
imposta pelos megablocos econômicos.
25
A descrença na articulação política com os países em desenvolvimento levou a
uma valorização do ideário econômico do norte desenvolvido. Procurou-se, então,
harmonização com as diretrizes econômicas dos países mais ricos como forma de
modernizar o parque industrial brasileiro e aumentar a competitividade dos seus
produtos no mercado internacional.
26
Amado Cervo lembra que esse processo de abertura da economia brasileira e
busca pela modernização do país se insere nas três linhas de ação externa que
influenciaram a formulação de política externa nos anos 90 não apenas no Brasil, mas
também nos outros países latino-americanos, que são os paradigmas do Estado
24
CORRÊA, Op. Cit, p. 381.
25
VIEIRA, Marco Antonio M. de C. Idéias e instituições: uma reflexão sobre a política externa brasileira
do início da década de 90. Revista Contexto Internacional, Rio de Janeiro: vol. 23, No. 2
julho/dezembro 2001, p. 251.
26
A conseqüência prática desse processo foi a adoção do chamado Consenso de Washington. Os
diferentes governos (de Fernando Collor de Mello a Fernando Henrique Cardoso, passando por Itamar
Franco – 1990-2002) adotaram as etapas de reformas preconizadas no Consenso de Washington. A
primeira delas foi a diminuição do papel do Estado, com a redução de investimentos, privatização de
empresas públicas e a moderação dos benefícios do Estado de bem-estar social. Na segunda etapa,
procurou-se implementar uma estrutura regulatória estável e maior clareza nos gastos públicos.
25
Desenvolvimentista, do Estado Normal e do Estado Logístico. Trata-se de três
possibilidades de inserção internacional no pós Guerra Fria, sendo que uma delas
fortemente balizadas pelas diretrizes neoliberais.
O ‘Estado Desenvolvimentista’ busca diminuir os laços de dependência com o
exterior, tanto no que se refere à economia como à segurança, e assim atingir um estágio
razoável de desenvolvimento. É marcado fortemente pela construção de forças
produtivas nacionais, que ficou consubstanciada no processo de industrialização por
substituição de importações.
Já no ‘Estado Normal’ estão envolvidos três parâmetros: o ‘Estado
Subserviente’, o ‘Estado Destrutivo’ e o ‘Estado Regressivo’. Neles, o Estado,
respectivamente, aceita passivamente as determinações do núcleo capitalista, sucateia a
estrutura produtiva nacional com transferência de recursos para o exterior e leva ao
recuo das atividades produtivas nacionais, tanto no que concerne à complexidade
tecnológica quanto ao grau de capacitação dos recursos humanos nacionais.
Há ainda o ‘Estado Logístico’, em que se objetiva um relativo revigoramento das
atividades produtivas nacionais, principalmente da iniciativa privada. O Estado, assim,
teria o papel de auxiliar nas relações entre empresariado e capital internacional, onde se
espera uma relação de interdependência um pouco menos desigual.
27
Cervo aponta a existência de uma indefinição quanto às orientações de política
exterior no Brasil na década de 1990. Houve aqui a adoção dos três paradigmas acima
apresentados. A era desenvolvimentista terminou em 1989 após o esgotamento do
modelo de industrialização por substituição de importações, mas que levou o Brasil a
um razoável estágio de desenvolvimento.
O ‘Estado Normal’ entrou em vigor a partir da presidência de Fernando Collor
de Mello e durou até o mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Teve
como características principais, a retirada do Estado dos investimentos produtivos,
privatização de empresas públicas, diminuição dos benefícios do Estado de bem-estar e
maior transparência dos gastos públicos. Tudo isso como forma de tornar o país um
terreno fértil para a atuação e expansão das atividades de empresas transnacionais. Para
Cervo as conseqüências da implantação do ‘Estado Normal’ foram a transferência de
renda para o exterior e a sujeição à especulação financeira internacional, aumentando,
assim, a dependência estrutural do país.
28
27
CERVO e BUENO. Op. Cit., p. 456-462.
28
Idem, p. 459.
26
Traços do ‘Estado Logístico’ foram verificados ainda no governo FHC, e
continuam presentes no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Neste paradigma,
objetivou-se angariar maiores vantagens por meio do processo de abertura e de
liberalização econômica. Defendeu-se com maior ênfase a abertura dos mercados dos
países industrializados, o fortalecimento das atividades produtivas nacionais, com a
perspectiva de ampliação das exportações.
Dessa forma, Collor de Mello deu início à fase que ficou conhecida como
‘Estado Normal’. Em seu governo foi empreendido um amplo programa de privatização
de empresas estatais e de abertura do mercado para setores como a informática, até
então protegidos. Tratava-se de uma tentativa de obter tecnologia de ponta e de atrair
capital estrangeiro para investir no país com o objetivo de modernizar a indústria
nacional e aumentar a competitividade dos produtos brasileiros no mercado
internacional.
29
Também no seu governo aconteceu a formalização do Mercosul no ano de 1991,
que coroou o processo de aproximação e de integração com a Argentina, iniciado uma
década antes, e que incorporou dois outros países – Paraguai e Uruguai. O Mercosul
significou uma resposta dos países do Cone Sul aos desafios dos novos tempos e uma
forma de inserção internacional na ordem pós Guerra Fria ainda em formação.
Como destaca Oliveira, a política externa do governo Collor de Mello teve,
inicialmente, a intenção de alterar alguns pilares que sustentavam a atuação externa do
país. Prova disso foi a busca de alinhamento com o governo dos Estados Unidos e a
intenção de formar uma aliança especial com Washington.
30
O que contrariava as
diretrizes de política externa adotadas até então, quando defendia-se reduzir a
dependência do Brasil em relação aos países mais ricos, bem como de não alinhamento
automático com nenhum ator.
No entanto, ainda sob esta presidência, voltou-se às diretrizes vigentes antes de
1990. Vieira destaca a respeito da correção de rumos na diplomacia brasileira que
(...) com a nomeação de Celso Lafer, em abril de 1992, para o
cargo de ministro das Relações Exteriores, no lugar do jurista José
Francisco Rezek, verifica-se uma tentativa de inflexão na
condução da política externa. O novo arcabouço conceitual
introduzido por Lafer baseava-se na articulação da tradição
institucional do Itamaraty, de produzir os quadros cognitivos que
29
VIEIRA, Op. Cit., p. 251.
30
OLIVEIRA, Op. Cit., p. 232.
27
pautam a ação externa do país, com a adaptação criativa aos novos
desafios impostos pela realidade de um mundo reordenado.
31
Com isso, houve uma valorização do recém-criado Mercosul e os sucessivos
ministros de relações exteriores empenharam-se em fortalecê-lo. Ainda em 1992, a crise
política interna levou ao impeachment de Fernando Collor de Mello e, em seu lugar,
assumiu a presidência seu vice, Itamar Franco. Os dois ministros das relações
exteriores do período 1992-1994, Fernando Henrique Cardoso e Celso Amorim, deram
seqüência ao trabalho de Celso Lafer de aproximação e diálogo com os países latino-
americanos, de forma geral e do Cone Sul em particular.
Prova disso foi a cristalização do Mercosul e a sugestão de criar a Área de Livre
Comércio da América da Sul (ALCSA). O Mercosul se consolidou quando o bloco
passou a ser dotado de personalidade jurídica internacional a partir do Tratado de Ouro
Preto, de 17 de dezembro de 1994. Já a ALCSA foi proposta no ano de 1993. Esta
serviria de contraponto ao projeto da ALCA e teria como estratégia, o que não se
alcançou,
(...) a expansão dos interesses comerciais e empresariais brasileiros
sobre a região, a conseqüente elevação de seu desempenho e
competitividade e a percepção de que a proposta norte-americana
destinava-se a alijar a hegemonia brasileira [em termos
econômicos e comercias] em benefício próprio.
32
Nos anos em que Fernando Henrique Cardoso governou o país, de 1995 a 2002,
ganhou vigor a chamada “diplomacia presidencial”. Neste tipo de diplomacia, há um
envolvimento maior do Presidente da República nas decisões, na condução e na atuação
em matéria de política externa. Segundo Sergio Danese, diplomacia presidencial é
(...) a condução pessoal de assuntos de política externa, fora da
mera rotina ou das atribuições ex officio, pelo presidente, ou, no
caso de um regime parlamentarista, pelo chefe de Estado e/ou pelo
chefe de governo.
33
A diplomacia presidencial foi uma das marcas da política externa nos dois
mandatos de Fernando Henrique Cardoso. Cardoso teve uma ativa agenda diplomática,
visitando muitos países e recebendo diversos chefes de Estado. Configurou-se em uma
31
VIEIRA, Op. Cit., p. 254.
32
CERVO, Op. Cit,. p. 487
33
DANESE. Op. Cit. p. 51.
28
forma de expor ao mundo o Brasil que passava por reformas econômicas – implantação
do Plano Real,
34
- bem como de melhorar a imagem do país após o curto e mal-sucedido
mandato de Fernando Collor de Mello.
35
Todos estes elementos contribuíam para
macular a imagem do país perante a comunidade internacional. A “diplomacia
presidencial”, dessa maneira, era uma tentativa de reverter esse quadro e resgatar uma
visão mais respeitosa do país.
Além desse objetivo, a diplomacia presidencial de FHC, logrou ampliar os
canais de diálogo com atores de outras regiões, bem como consolidou o processo
integrativo do Mercosul. Foi durante seu mandato que o país obteve entendimento com
os países da Comunidade Andina e se aproximou de países considerados estratégicos
para a diplomacia brasileira - Índia, China e África do Sul. Além disso, iniciaram-se
negociações de natureza inter-regional que resultaram no Acordo Quadro Mercosul –
União Européia e no Fórum de Cooperação América Latina – Ásia do Leste
(FOCALAL).
36
Assim, não se verificam alterações substanciais na política externa brasileira no
período 1985-2000. Foi nesse período que os governos brasileiros procuraram apagar as
marcas do regime militar e inserir o país em um contexto de mudanças tanto interna
quanto externamente.
1.4 A atuação brasileira em matéria de segurança internacional no pós Guerra
Fria
A política externa brasileira após o fim do conflito ideológico bipolar leste-oeste
apresentou continuidade, conforme já exposto. A manutenção das diretrizes básicas da
atuação externa teve, igualmente, reflexos no que foi formulado e desempenhado em
matéria de defesa e segurança. A política externa brasileira após o fim da Guerra Fria
foi influenciada por fatores endógenos e exógenos.
Nestes últimos, destacou-se a reformulação da abrangência da área de segurança.
A associação entre desenvolvimento e segurança, preconizadas pelos que compunham o
chamado Terceiro Mundo, deu lugar a inclusão de “novos temas” na agenda
34
DANESE, Op. Cit. p. 29.
35
Idem, p. 31.
36
OLIVEIRA, Op. Cit., p. 254.
29
internacional de segurança por iniciativa dos países mais desenvolvidos. Entre eles,
figuram o narcotráfico, os direitos humanos, o meio ambiente, o terrorismo, as
migrações entre outros. Estes temas se vincularam fortemente à noção de segurança.
Internamente, o Brasil passou pelo processo de redemocratização. Com o fim do
regime militar, foi preciso repensar qual seria o papel das Forças Armadas dentro da
sociedade brasileira agora sob a égide de governos civis. A delimitação do papel das
Forças Armadas foi importante não apenas para superar o trauma provocado por duas
décadas de regime autoritário, mas objetivava também operacionalizar as Forças
Armadas brasileiras como instrumento para a consecução dos interesses nacionais, o
que significava colocá-las em sintonia com a política externa.
A Constituição Federal, no seu artigo 142 prevê que
As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e
pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob
a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à
defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por
iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
37
O desafio brasileiro tem sido o de formular uma política de defesa consistente,
que, de fato, articule defesa e segurança à política externa. Nesse contexto, arquitetou-
se, ao longo dos anos 90, a chamada política de defesa nacional com o objetivo de
delimitar o campo de atuação das Forças Armadas brasileiras nos tempos pós-regime
militar. Teve importância considerável a elaboração da Política de Defesa Nacional,
lançada no ano de 1996 e que, três anos depois, seria consubstanciada na criação do
Ministério da Defesa. A esse respeito,
(...) o documento contempla uma série de tópicos, arrolados sem
maiores critérios e analisados superficialmente. Ficam visíveis,
ainda, no texto da PDN, as dificuldades encontradas para elaborá-
lo, justamente para que fossem contemplados diversos interesses,
no final transformando-se apenas em mera carta de intenções.
38
Ainda que seja apontada como problema a falta de clareza no que se refere à
formulação e implementação de uma política de defesa nacional, destaca-se o objetivo
de integração das três forças militares, a consolidação do orçamento de defesa e a
37
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000.
38
MIYAMOTO, Shiguenoli. A política de defesa brasileira e a segurança regional. Rio de Janeiro:
Contexto Internacional, vol. 22, No. 2, jul./dez 2000, p. 461.
30
atuação coordenada com outros ministérios, notadamente o Ministério das Relações
Exteriores. Além disso, ressalta-se entre as principais diretrizes, participar ativamente
da tomada de decisão das principais questões internacionais, a cooperação com as
Forças Armadas de países vizinhos e a participação em operações de manutenção de paz
em consonância com os interesses nacionais.
39
A função das Forças Armadas e sua articulação com a política externa estão
ligadas às veleidades de o Brasil deixar de ser apenas um global trader para se tornar
um global player. Assim, ao reforçar os laços com os vizinhos, procurou estar mais
presente nas questões que envolviam outras regiões do globo. É o que explica a volta do
Brasil como membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU depois de 18
anos. A volta ao Conselho no biênio 1988-1989 era parte da intenção da diplomacia
brasileira de participar de maneira mais ativa das decisões do órgão na nova ordem
então em gestação, assim como de defender a sua reforma.
40
O significado do Conselho de Segurança das Nações Unidas para o governo
brasileiro pode ser percebido na quantidade de vezes que o país cumpriu mandatos de
dois anos como membro não-permanente. Foram nove vezes: 1946-47, 1951-52, 1954-
55, 1963-64, 1967-68, 1988-89, 1993-94, 1998-99 e 2004-05.
A intenção do Brasil de se tornar um global player demandou um
posicionamento quanto à questão dos direitos humanos mais condizente com a situação
do país após a redemocratização. A idéia vigente no período militar, de que os
mecanismos de proteção humanitária são um atentado à soberania nacional, deu lugar à
consideração de que são instrumentos importantes e complementares de garantia de
direitos aos cidadãos brasileiros. A esse respeito, Seixas Corrêa completa que
Logo nos primeiros meses do governo civil, o Itamaraty, levando
em conta a mudança significativa que ocorrera e o espaço político
interno que se abrira, influi decisivamente para que se alterasse o
“status” do Brasil diante do Pacto de São José (a Convenção
Interamericana de Direitos Humanos) e os Pactos de Direitos
Humanos das Nações Unidas, aos quais o Brasil aderiu ainda em
1985. Completado com a adesão à Convenção contra a Tortura da
ONU, também em 1985, essas iniciativas transformariam
definitivamente a maneira de o Brasil se relacionar com o sistema
internacional de proteção e promoção de direitos humanos.
41
39
Política de Defesa Nacional, 1996. Disponível em:
www.defesa.gov.br/enternet/sitios/internet/pdn/pdn.php. Acessado em 09/04/05
40
CORRÊA, Op. Cit. p. 380.
41
Idem, p. 371.
31
Estas foram ações importantes para que a questão humanitária se obliterasse
como fonte de constrangimento para o governo brasileiro perante a comunidade
internacional. Fora o que ocorreu largamente durante o regime militar, principalmente
nos anos 1970, quando a questão passou a ganhar contornos mais nítidos e também
quando o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter criticou a não observância dos
direitos humanos por parte do governo brasileiro. Para o embaixador Luiz Augusto de
Araújo Castro, em nome do Itamaraty,
Não admitíamos interferência externa sobre esses pontos de
soberania nacional até meados da década de 80, época da
redemocratização. Entretanto, passamos a aceitar a jurisdição de
órgãos internacionais e fomos recentemente um dos primeiros
países a fazerem o chamado convite permanente aos organismos
de fiscalização de direitos humanos da Organização das Nações
Unidas em casos como os de tortura, desaparecimento forçado e
violência contra a criança. Os relatores especiais estão convidados
a vir ao Brasil a qualquer hora. Basta agendar a visita, para que
organizemos o programa. Essa iniciativa foi tomada apenas por
quatro países latino-americanos e alguns europeus.
42
Além disso, ao reconhecer os instrumentos de proteção, também poderia, com
legitimidade, invocar seu uso em casos que interessassem ao Brasil. A ratificação de tais
mecanismos se enquadra no objetivo de o Brasil ter um papel de maior destaque no que
se refere à paz e estabilidade tanto na América Latina quanto em outras regiões. Foi em
nome dos direitos humanos que o governo brasileiro se valeu como uma das
justificativas para o seu envolvimento em operações de paz das Nações Unidas, como
aconteceu no Haiti, El Salvador, Angola, Moçambique, ex - Iugoslávia e Timor Leste.
Foi, igualmente, uma ação que visava dar maior credibilidade ao Brasil a adesão
a diversos acordos e convenções sobre controle e uso de armamentos nos anos 1980 e
1990. No que se refere à adoção de mecanismos de controle e proscrição de utilização e
comercialização de armamentos por parte do governo brasileiro, destacam-se: adesão ao
Tratado para Proibição Completa dos Testes Nucleares (CTBT), participação no
estabelecimento da Organização para a Proibição de Armas Químicas, a entrada em
vigor do Tratado de Tlatelolco em 1994 e, quatro anos depois, a adesão ao Tratado de
Não-Proliferação Nuclear.
42
ARAÚJO CASTRO, Luiz Augusto. O Brasil e o sistema de segurança internacional das Nações
Unidas, do Conselho de Segurança e dos organismos de não-proliferação. In: Seminário Política
Externa do Brasil para o século XXI. REBELO, Aldo, FERNANDES, Luis e CARDIM, Carlos
Henrique (orgs.), Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2003, p. 142.
32
Concomitante ao objetivo de ter maior peso nas decisões sobre os rumos da nova
ordem então em gestação, o governo brasileiro se aproximou de países latino-
americanos para também ter um papel mais protagonista quanto à segurança regional.
Neste sentido, o Itamaraty encetou uma aproximação com Cuba que resultou na
retomada das relações diplomática ainda no governo Sarney. Igualmente, decidiu
participar do Grupo de Apoio a Contadora em conjunto com Argentina, Uruguai e Peru.
O objetivo deste grupo de apoio era auxiliar os quatro países de Contadora – México,
Colômbia, Panamá e Venezuela – nos esforços para a estabilização da América Central.
Com isso, o governo brasileiro se aproximou dos mais importantes governos latino-
americanos. O resultado dessas ações foi que
Credenciou o Brasil para ações efetivas no plano regional e deu
origem ao que viria ser posteriormente conhecido como o “Grupo
do Rio”. Criou-se pela primeira vez na América Latina um canal
autônomo de ação diplomática, habilitado a discutir e influenciar
políticas sobre as principais questões regionais sem a participação
ou tutela dos EUA.
43
Ponto alto neste processo de aproximação do Brasil com os vizinhos foi o
entendimento com a Argentina. A superação de desconfianças entre os dois países, que
nos anos 1990 teve como resultado mais importante a criação do Mercosul, começou na
década anterior. Os dois países renunciaram aos seus projetos de construção de armas
atômicas e passaram a agir com mais transparência nesta questão.
Como antes informado, esse esforço de aproximação com o vizinho teve como
momento decisivo a resolução do impasse quanto à obtenção de energia hidrelétrica dos
rios da Bacia do Prata. As disputas nesta matéria foram resolvidas por meio do Acordo
Técnico Cooperativo Itaipu – Corpus, de 1979. A Guerra das Malvinas, em 1982, e as
suas conseqüências para a Argentina consolidaram essa fase de cooperação entre os dois
principais países da América do Sul.
Ressalta-se, na época da Guerra das Malvinas, a disponibilização de portos
brasileiros para a Argentina fazer seu comércio internacional, que fora embargada pela
Comunidade Econômica Européia e a embaixada brasileira em Londres que atendeu a
interesses argentinos como atos importantes na aproximação entre os dois países.
44
O governo brasileiro contribuiu também na criação de diversos arranjos
regionais de desarmamento, o que foi uma maneira de aumentar a confiança do país.
43
CORRÊA, Op. Cit., p. 372-373.
44
BRIGAGÃO e PROENÇA JR. Op. Cit. p. 106.
33
Entre os compromissos, ressalta-se o Acordo de Uso Pacífico da Energia Nuclear,
firmado com a Argentina em 1980; a criação da Agência Brasileiro-Argentina de
Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares, como resultado da Declaração
Conjunta de Política Nuclear de Foz do Iguaçu, do estabelecimento do Sistema Comum
de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares e do Acordo Bilateral para o Uso
Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear de Guadalajara; Declaração de Mendoza,
celebrada com a Argentina e o Chile para proibição de produção, comercialização e uso
de armas químicas; membro do Regime de Controle e Tecnologia de Mísseis; entrada
em vigor do Tratado de Tlatelolco; ratificação da Convenção de Armas Químicas e do
TNP.
Outro fator importante na intenção brasileira de se aproximar dos vizinhos e de
ter papel protagonista no entorno regional foi o apoio à constituição da Zona de Paz e
Cooperação do Atlântico Sul. O estabelecimento da ZPACAS foi sugestão do governo
brasileiro quando da XL Assembléia Geral da ONU. A Chancelaria brasileira consultou
países latino-americanos e africanos para apoiarem a proposta de criar uma zona livre
de conflitos entre os países do Atlântico Sul e que fomentasse a cooperação entre eles.
A proposta brasileira contou com 17 co-patrocínios e foi aprovada no ano seguinte por
meio da Resolução 41/11, com 124 votos, oito abstenções e o voto contrário dos
Estados Unidos.
45
Apesar de a ZPCAS ter mais um efeito simbólico, não deixava de mostrar o
anacronismo dos sistemas de segurança regionais – o TIAR e a OEA. Estes são
produtos dos tempos de Guerra Fria. Prova disso é que
Na Guerra das Malvinas, o apoio explícito de Washington a
Londres desmoralizou o compromisso hemisférico no TIAR. Na
crise haitiana de 1993-94, os Estados Unidos esvaziaram os
esforços de mediação da OEA pelo recurso ao Conselho de
segurança da ONU.
46
Dessa forma, o governo brasileiro tem buscado uma inserção internacional no
mundo pós Guerra Fria com uma posição de maior destaque. Por um lado, o Brasil
busca se legitimar como contribuinte efetivo para a promoção da paz e do entorno
45
MOURÃO, Fernando Augusto Albuquerque. Zona de paz e cooperação no Atlântico sul. São Paulo:
Revista Política e Estratégia, Centro de Estudos Estratégicos, Vol. 6, No. 1, 1988, p. 49.
46
MAGNOLI, Demétrio, CÉSAR, Luís Fernando Panelli e YANG, Philip. Em busca do interesse
nacional. Política Externa, vol. 9, No. 1 jun./jul./ago., São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2000, p. 49.
34
regionais. Por outro lado, também pretende ter papel mais relevante nas questões de
segurança referentes a outras regiões do globo de seu interesse.
É por esta razão que o Brasil defende uma reforma no Conselho de Segurança
das Nações Unidas, que contemple outros países ao posto de membros permanentes –
ainda que sem direito de veto. Como uma das justificativas para ocupar posto de
tamanha importância, o Brasil ampliou a sua participação em operações de paz da ONU.
35
Capítulo 02 - As operações de paz da ONU e a política externa
brasileira.
2.1 Os instrumentos de segurança coletiva da ONU e seus fundamentos jurídicos.
Como parte integrante desse quadro geral de mudanças na área da segurança
internacional, cresceu em importância o recurso aos instrumentos multilaterais para
garantir os princípios da Carta da ONU. A efetivação de tais instrumentos encontrou
maior possibilidade de se realizar após o fim da Guerra Fria. Com o término do conflito
ideológico leste-oeste e a diminuição do uso constante do veto por parte dos membros
permanentes no Conselho de Segurança, a ONU pôde desempenhar um papel de maior
destaque em matéria de segurança internacional.
Uma conseqüência direta dessa atuação foi o aumento no número de missões de
paz na década de 1990. Houve, igualmente, uma ampliação dos mandatos, ou seja, de
quais seriam os objetivos a serem alcançados pelos civis e militares envolvidos nas
missões, bem como as tarefas a serem realizadas por eles. As operações de paz não
faziam parte do sistema de segurança coletivo idealizado quando da criação da ONU.
Trata-se, na verdade, de uma adaptação diante do impasse entre os P-5 (países com
poder de veto no CSNU) e da não constituição de uma força militar permanente a
serviço da ONU.
A formulação de arranjos multilaterais de segurança foi imaginada antes da
década de 1940. Immanuel Kant, no século XVIII, já defendia o que viria a se converter
nos primórdios dos arranjos coletivos para a manutenção da paz e da estabilidade
através da formação de uma liga de nações européias com o objetivo de impedir que
houvesse guerra entre elas. A associação entre os soberanos levaria à prevalência de um
ambiente internacional pacífico.
Reduzir o risco de guerra entre as principais potências também estava entre os
objetivos do Concerto Europeu, no século XIX, quando foi arquitetado um esboço de
concertação coletiva. A ocorrência de poucas guerras no período evidencia que o
Concerto obteve certo êxito no gerenciamento das relações intra-européias. A guerra
total (aquela que envolve todas as grandes potências) não ocorreu por cerca de cem anos
36
– as Guerras Napoleônicas e a I
a
Guerra Mundial. Outros importantes conflitos
ocorreram no século XIX, como as guerras da Criméia e a Franco-Prussiana. No
entanto, não houve ameaça de guerra total que desestabilizasse o status quo europeu.
Foi somente no final da I
a
Guerra Mundial que os arranjos multilaterais de
manutenção da paz e da segurança passaram a ganhar mais viço. Pensou-se em algo
diferente do equilíbrio de poder presente no Concerto Europeu. O resultado foi o
surgimento da Liga das Nações e o conceito de segurança coletiva. Nele, os Estados
pactuantes se comprometiam a respeitar a integridade territorial e a independência dos
demais membros da Liga (Artigo 10), bem como a possibilidade de punição ao Estado
que recorresse à guerra contra uma das suas partes constitutivas (Artigo 16).
47
Neste modelo, propugnava-se que a comunidade internacional tinha o direito de
agir para impedir a ocorrência de conflitos. As contendas entre os países deveriam ser
submetidas à apreciação da Liga. Em sintonia, atuava a Corte Internacional de Justiça
que estabeleceu a prerrogativa ao Conselho para determinar sanções econômicas e
militares contra Estados recalcitrantes. Era facultado, entretanto, o direito de ir à guerra
caso todos os meios pacíficos se mostrassem insuficientes.
Porém, tal sistema falhou na manutenção da paz e na garantia da estabilidade. A
subjetividade na determinação de infração e de imposição de sanções esteve entre os
pontos mais fracos da Liga. Foram muitos os casos de desrespeito aos seus princípios
sem que houvesse uma punição ao transgressor. Algumas das grandes potências não
tinham interesse em aceitar a estrutura normativa da Liga e, aos poucos, ela teve a sua
legitimidade questionada. Entre os países transgressores estavam a Itália, que invadiu a
Etiópia, em 1936, a Alemanha, que invadiu Renânia, Áustria, Tchecoslováquia e
Polônia, o Japão, que invadiu diversas regiões no Extremo Oriente e a URSS, que
invadiu a Finlândia, países bálticos e o leste polonês.
48
Com a constituição da Organização das Nações Unidas, em 1945, procurou-se
corrigir as deficiências de sua predecessora. Na Carta da ONU, os fundamentos
jurídicos da segurança coletiva estão presentes nos Capítulos VI e VII. O capítulo VI
trata dos meios não coercitivos para a solução de impasses enquanto que o Capítulo VII
envolve a imposição das decisões e o uso da força.
47
PATRIOTA, Antônio de Aguiar. O Conselho de Segurança após a Guerra do Golfo. A articulação
de um novo paradigma de segurança coletiva. Brasília: IRBr/FUNAG, 1998, p. 09-10.
48
MC COUBREY, Hilaire e MORRIS, Justin. Regional peacekeeping in the post-Cold War era. The
Hague: Kluwer Law International, 2000, p. 07.
37
Por meio do capítulo VI, intitulado “Solução Pacífica de Controvérsias”, busca-
se a solução pelo consentimento das partes envolvidas, sem que haja a necessidade de
imposição. A solução por via de meios pacíficos pode ser feita por uma variedade de
formas. No Artigo 33 deste capítulo, está expresso que,
As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma
ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de
tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação,
conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou
acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico a sua escolha.
49
O capítulo VII, denominado “Ação em caso de ameaças à paz, ruptura da paz ou
ato de agressão”, refere-se às situações em que a solução pacífica não é possível e onde
se identifica o risco à segurança internacional. A característica primordial das decisões
emanadas deste capítulo é a ausência de necessidade de consentimento dos litigantes. A
imposição é feita de duas formas, por meio do isolamento e da intervenção. O
isolamento é feito através da imposição de sanções seguindo as determinações do
Artigo 41.
50
Já a intervenção pode ser empreendida através de uma ação coercitiva
conforme esposado no Artigo 42.
51
Foi conferido ao Conselho de Segurança o poder de zelar pela manutenção da
paz e da segurança internacionais, onde os Estados membros autorizam o Conselho a
atuar em seus nomes conforme disposto no Artigo 24.
52
A Assembléia-Geral também
detém poder para influenciar nas questões de segurança. Todavia, suas decisões
possuem eficácia duvidosa, uma vez que dependem do assentimento dos Estados
49
Carta das Nações Unidas, Capítulo VI, Artigo 33. Disponível em: www.un.org . Consultado em
16/01/06.
50
Artigo 41: O Conselho de Segurança poderá decidir que medidas que não impliquem o uso da força
armada serão empregadas para fazer efetivas suas decisões e poderá instar os membros das Nações
Unidas a que apliquem tais medidas, que poderão compreender a interrupção total ou parcial das relações
econômicas e das comunicações ferroviárias, marítimas, aéreas, postais, telegráficas, radiofônicas e
outros meios de comunicação, assim como a ruptura das relações diplomáticas.
51
Artigo 42: Se o Conselho de Segurança estimar que as medidas de que trata o Artigo 41 possam ser
inadequadas ou tenham demonstrado sê-lo, poderá exercer, por meio de forças aéreas, navais ou
terrestres, a ação que seja necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal
ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações executadas por forças aéreas,
navais ou terrestres de membros das Nações Unidas.
52
Carta das Nações Unidas, Capítulo V, Artigo 24, Parágrafo 1º: A fim de assegurar ação rápida e eficaz
por parte das Nações Unidas, seus Membros conferem ao Conselho de Segurança a responsabilidade
primordial de manter a paz e a segurança internacionais, e reconhecem que o Conselho de Segurança
atuará em nome deles ao desempenhar as funções que o impõe aquela responsabilidade.
38
membros para a sua implementação.
53
Em matéria de segurança, portanto, as decisões
da CSNU apresentam caráter obrigatório, enquanto que as da AGNU são
recomendatórias.
Questiona-se se não há desrespeito aos princípios de soberania e de não-
intervenção através da aplicação de dispositivos de coerção. Isso não se verifica, uma
vez que a determinação de uma situação que seja considerada de risco à segurança
internacional por parte do Conselho de Segurança não é conflitante com o Artigo 2.7 da
Carta – que trata da não-intervenção.
54
Neste mesmo artigo, determina-se que as
medidas do Conselho não são divergentes deste princípio, uma vez que cabe a ele
determinar se uma situação é ou não de assunto interno.
55
Há controvérsias, igualmente, na determinação de imposição de sanções a países
que desrespeitam os princípios norteadores da Carta. As conseqüências das sanções
geralmente atingem outros países e também grupos vulneráveis do próprio país em
questão. No entanto, para solucionar uma situação de risco à paz internacional, o
embargo de armas, primeiro, e sanções econômicas, em seguida, ainda são os meios
mais utilizados antes da opção por intervenção armada.
56
Para garantir o cumprimento destes princípios, a Carta prevê a constituição de
uma força militar a serviço da ONU, conforme expresso nos Artigos 43 e 45
57
. No
entanto, a idéia foi abandonada devido ao contexto da Guerra Fria e pelo temor de que
ela se tornasse um instrumento para um dos lados. O receio vinha por parte da URSS,
que não desejava que os EUA dominassem uma possível força militar da ONU. Os
soviéticos defendiam o “princípio da igualdade”, ou seja, que os P-5 contribuíssem da
53
GARCIA, Márcio P. P. O direito internacional e o uso da força. In: Panorama brasileiro de paz e
segurança. BRIGAGÃO. Clóvis e PROENÇA JR, Domício (orgs.). São Paulo: Ed. Hucitec, 2004, p. 72.
54
Artigo 2.7: Nenhuma disposição desta Carta autorizará as Nações Unidas a intervir nos assuntos que
são essencialmente de jurisdição interna dos Estados, nem obrigará os Membros a submeter tais assuntos
aos procedimentos de arranjo conforme a Carta; mas este princípio não se opõe à aplicação de medidas
coercitivas prescritas no Capítulo VII.
55
COMISSÃO SOBRE GOVERNANÇA GLOBAL. Nossa Comunidade Global. O Relatório da
Comissão sobre Governança Global. São Paulo: Ed. FGV,1996, p. 65.
56
Idem, p. 78-79.
57
Carta das Nações Unidas, Artigo 43, Par. 1: Todos os Membros das Nações Unidas, com o fim de
contribuir à manutenção da paz e da segurança internacionais, comprometem-se a pôr à disposição do
Conselho de Segurança, quando este o solicitar, e de conformidade com um convênio especial ou
convênios especiais, as forças armadas, a ajuda e as facilidades, incluído o direito de passagem, que sejam
necessários para o propósito de manter a paz e a segurança internacionais.
Artigo 45: A fim de que a Organização possa tomar medidas militares urgentes, seus Membros manterão
contingentes de forças aéreas nacionais imediatamente disponíveis para a execução combinada de uma
ação coercitiva internacional. A potência e o grau de preparação destes contingentes e os planos para a
sua ação combinada serão determinadas, dentro dos limites estabelecidos no convênio ou convênios
especiais de que trata o Artigo 43, pelo Conselho de Segurança e com a ajuda do Comitê de Estado-
Maior.
39
mesma forma na constituição de tal força. Dessa maneira, o desnível da China,
sobretudo no que se referia à força aérea ajudou a inviabilizar o projeto.
58
A força permanente a serviço da ONU para executar o sistema de segurança
coletiva não foi constituída. Emergiu, porém, uma série de mecanismos regionais de
segurança vinculados às grandes potências. É o caso da OTAN, criada em 1949, assim
como do Pacto de Varsóvia, em 1955. São os casos também do TIAR (Tratado
Interamericano de Assistência Recíproca) e do Tratado de Bruxelas (sobre segurança na
Europa Ocidental), ambos de 1948.
59
O surgimento de instâncias regionais de segurança foi o reflexo do início da
Guerra Fria e da busca por manutenção das áreas de influência obtidas. Buscava-se,
assim, promover a estabilidade em âmbito regional, uma vez que havia dificuldade da
ONU agir na matéria. Essa dificuldade não era em decorrência apenas do não
estabelecimento de um braço militar permanente. Havia, igualmente, indefinição sobre
em que casos havia ameaça à paz e a estabilidade, e como a Organização deveria agir
em cada caso. Na Carta da ONU não está definida de forma precisa em quais situações
as controvérsias se enquadrariam no capítulo VI ou no capítulo VII. A esse respeito
Patriota informa que
O Capítulo VI se aplicaria ao tipo de “controvérsia que possa vir a
constituir ameaça à paz e à segurança internacionais”, nos termos
do Artigo 33 da Carta. Mas a falta de clareza na distinção entre
situações de ameaça à paz e aquelas que podem vir a se
transformar em ameaça à paz contribuiria para que a fronteira
entre os Capítulos VI e VII se revelasse, no futuro, algo porosa.
60
Sendo assim, cabe ao Conselho de Segurança definir em qual capítulo uma
situação de insegurança se encaixa –, ficando à mercê do jogo de poder e dos interesses
das principais potências. O Conselho de Segurança se esteia no Artigo 39 da Carta que
confere poder para determinar a existência de risco de ruptura da paz.
61
Essa falta de
clareza no período da Guerra Fria provocou a recorrência freqüente aos vetos dos
membros permanentes e levou à quase paralisia do CSNU.
58
PATRIOTA, Op. Cit. p. 25.
59
MC COUBREY e MORRIS, Op. Cit. 38.
60
PATRIOTA, Op. Cit. p. 20.
61
Artigo 39: O Conselho de Segurança determinará a existência de toda a ameaça à paz, ruptura da paz e
ato de agressão e fará recomendações ou decidirá que medidas serão tomadas de conformidade com os
artigos 41 e 42 para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais.
40
Assim, os freqüentes vetos no CSNU e a não criação de uma força de paz a
serviço da ONU ensejaram o estabelecimento de um mecanismo inovador, como
resposta à inviabilização do sistema de segurança coletiva planejado outrora. Surgiram,
desse modo, as operações de paz como forma de solucionar ou prevenir a ocorrência de
conflitos. Elas se configuraram na única alternativa à intervenção unilateral e à
indiferença.
62
As operações de paz foram sendo moldadas ao longo do tempo de maneira a se
tornar um instrumento para a solução de conflitos. Na Carta das Nações Unidas não há
referência alguma às operações de paz. Devido a esta falta de clareza conceitual, suscita
questionamentos em que situações elas poderiam ser constituídas. É por essa razão que
o ex-secretário-geral da ONU, Dag Hammarskjöld, situou-as num suposto Capítulo VI e
½. Existe esta ambivalência porque as razões para o estabelecimento de uma operação
de paz se encontram no Capítulo VII da Carta, que versa sobre ameaças à paz, porém, a
solução para tais ameaças é baseada nos dispositivos do Capítulo VI, que trata da
solução pacífica de controvérsias. As operações de paz têm caráter militar sem, no
entanto, se utilizar de métodos coercitivos.
63
Dessa forma, as operações de paz se converteram em um instrumento de
gerenciamento e de solução de crises internacionais realizadas por terceiros, cujas
premissas são a imparcialidade, a multinacionalidade, o consentimento das partes e a
não-violência. Originariamente, não havia espaço nas operações de paz para ações de
enforcement, pois foram concebidas para pôr fim a crises internacionais por meios
pacíficos.
Os mandatos das operações de paz eram limitados, se comparados aos mandatos
das missões de paz no período pós–Guerra Fria. Destinavam-se a verificar o
cumprimento de cessar-fogos, tréguas e armistícios, a realizar o patrulhamento de
fronteiras e de zonas desmilitarizadas, monitorar a retirada de tropas, bem como levar os
litigantes à mesa de negociações. Tais missões possuíam caráter predominantemente
militar e em contingente reduzido, não mais que mil homens. Também apresentavam
como características a atuação de um pequeno número de atores institucionais, como a
ONU, os países beligerantes e os países que cederam militares. As primeiras operações
62
PINTO, Simone Martins Rodrigues. Intervenção humanitária: perspectivas teóricas e normativas. In:
Panorama brasileiro de paz e segurança. BRIGAGÃO. Clóvis e PROENÇA JR, Domício (orgs.). São
Paulo: Ed. Hucitec, 2004, p. 294.
63
PATRIOTA, Op. Cit. p. 30.
41
de paz, com tais características e lançadas no período que compreende a Guerra Fria
ficaram conhecidas como operações de primeira geração.
64
Nesse contexto, as operações de paz cresceram em importância ao longo das
décadas. Foram se consolidando como uma maneira de atuação das Nações Unidas em
situações de instabilidade, iminência de guerras e de gerenciamento e busca para o
desenlace de conflitos. A recorrência a elas encontrou alguns percalços, como o
malogro da operação de paz no Congo, nos anos 1960 e que provocou a diminuição em
número na década seguinte. Fora os anos 1970, houve sempre aumento de uma década
para outra no número de operações de paz, lançadas ou andamento. No período da
Guerra Fria, foram empreendidas no total 19 operações de paz, conforme ilustra a tabela
abaixo.
Década Número de operações de paz
1940 3
UNTSO, UNSCOB e UNMOGIP
1950 4
UNTSO, UNMOGIP, UNEF I e UNOGIL
1960 10
UNTSO, UNMOGIP, UNEF I, ONUC,
UNSF, UNYOM, UNFICYP, UNIPOM,
DOMREP e UNGOMAP
1970 7
UNTSO, UNMOGIP, UNFICYP,
UNGOMAP, UNEF II, UNDOF, UNIFIL
1980 10
UNTSO, UNMOGIP, UNFICYP,
UNGOMAP, UNDOF, UNIFIL,
UNIMOG, ONUCA, GANUPT,
UNAVEM I
64
BORGES, João Marcelo e GOMES, Renato Couto. Notas sobre as missões de paz da ONU. In:
Panorama brasileiro de paz e segurança. BRIGAGÃO. Clóvis e PROENÇA JR, Domício (orgs.). São
Paulo: Ed. Hucitec, 2004, p. 314-315.
42
Com o passar do tempo, houve, igualmente, um alargamento dos objetivos e das
atribuições dos capacetes azuis em suas missões. Hoje, os mandatos envolvem muito
mais que a atuação armada para evitar a hostilidade entre os beligerantes. Para impedir a
deflagração de conflitos, as tropas de paz também promovem reconciliações políticas,
prestam assistência humanitária e supervisionam eleições.
O alargamento nos mandatos e as modalidades de atuação puderam ser
realizados graças às múltiplas interpretações da Carta da ONU, e também quando se
começou a privilegiar não apenas o chamado Capítulo VI e ½ como base para o
estabelecimento de operações de paz, mas também o Capítulo IX, que versa sobre a
cooperação internacional econômica e social.
65
Um momento marcante de atuação do CSNU no sistema internacional em
processo de redefinição foi na Guerra do Golfo em 1991. A decisão de invadir o Iraque
e de criar a UNSCOM foi aclamada por ampla maioria. Nesta missão, os capacetes
azuis tiveram que desempenhar tarefas que fugiam do escopo tradicional de suas
atribuições. Entre elas estavam a demarcação de fronteiras, o desarmamento e a não-
proliferação de armas de destruição em massa.
66
A partir desta missão de paz, foi criado
precedente para que o CSNU atuasse em matérias pelas quais não se envolvia de forma
habitual. Em decorrência disso, houve um aumento nos pretextos para que uma
operação de paz fosse lançada. A instabilidade dentro de um único país passou a ser
considerada como razão para o estabelecimento de operações de paz. Messari sustenta
que
A função desenvolvida pelas instituições internacionais no pós-
Guerra Fria na área da Segurança internacional indica dois
padrões: um primeiro padrão é o de intervenções internacionais
não-regionais. Foi esse o caso no Kuwait, na Bósnia-Herzegovina,
na Somália e na Ruanda. Um segundo padrão é o de casos nos
quais se caracterizou uma intervenção sob liderança regional. É o
65
Carta das Nações Unidas, Capítulo IX (Cooperação Internacional Econômica e Social).
Artigo 55: Com o propósito de criar as condições de estabilidade e bem estar necessárias para as relações
pacíficas e amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e ao da
livre determinação dos povos, a Organização promoverá:
a. níveis de vida mais elevados, trabalho permanente para todos, e condições de progresso e
desenvolvimento econômico e social;
b. a solução de problemas internacionais de caráter econômico, social e sanitário e de outros
problemas conexos; e a cooperação internacional na ordem cultural e educativa;
c. o respeito universal aos direitos humanos e às liberdades fundamentais de todos, sem fazer
distinção por motivos de raça, sexo, idioma ou religião, e a efetivação de tais direitos e
liberdades.
Artigo 56: Todos os membros se comprometem a tomar medidas conjunta ou separadamente, em
cooperação com a Organização, para a realização dos propósitos consignados no Artigo 55.
66
PATRIOTA, Op. Cit. p. 41.
43
que sucedeu na Libéria, na Serra Leoa, no Kosovo e, de certa
forma, no Timor Leste.
67
No entanto, é preciso relativizar a importância do consenso que houve em torno
da questão da Guerra do Golfo e suas implicações para a segurança internacional e para
a efetivação de um sistema de segurança coletiva. A importância estratégica do Golfo
Pérsico, graças aos poços de petróleo, não se verificava em muitos outros cenários. A
falta de apoio das principais potências, graças ao desinteresse nessas regiões, dificultou
a implementação de mecanismos de segurança coletiva para o desenlace de crises como
em Ruanda, Somália e Serra Leoa.
Foi premente, dessa forma, que a possibilidade de recorrência a instrumentos
multilaterais de segurança fosse realizada em fundamentada base jurídica para obter
maior legitimidade perante a comunidade internacional. Havia a necessidade de um
posicionamento da ONU quanto às novas questões da segurança internacional, que
levasse em conta os seus novos condicionantes e a predominância de conflitos intra-
estatais como fonte de instabilidade. As operações de paz também passaram por uma
reflexão. Uma Agenda para a Paz, do ex-secretário-geral Boutros Boutros Ghali visava
preencher esta lacuna de imprecisão e de ambigüidade no que se refere à atuação
multilateral na área de segurança.
Assim, com o objetivo de tornar mais clara a questão das operações de paz, o ex-
secretário-geral Boutros Boutros Ghali elaborou um relatório a pedido dos países que
participaram da Cúpula de Chefes de Estado e de Governo dos membros do Conselho
de Segurança, realizada em 31 de janeiro de 1992.
68
No Relatório, que foi intitulado
Uma Agenda para a Paz, é definida a ampliação das responsabilidades da ONU em
matéria de segurança, bem como admite a existência de novos fatores nesta matéria,
como as questões humanitárias, em meio às transformações no cenário internacional.
No Artigo 1 do Relatório, está expresso que o seu objetivo é fazer “análises e
recomendações sobre maneiras de fortalecer e tornar mais eficiente, dentro da estrutura
e das provisões da Carta, a capacidade das Nações Unidas para diplomacia preventiva,
para a manutenção e estabelecimento da paz”
69
67
MESSARI, Nizar. Segurança no pós – Guerra Fria: o papel das instituições. In: Instituições
internacionais: comércio, segurança e integração. ESTEVES, Paulo Luiz (org.). Belo Horizonte: Ed.
PUC-MG, 2003, p. 180.
68
MESSARI, Op. Cit. p. 07.
69
Uma Agenda para a Paz – Diplomacia preventiva, promoção da paz e manutenção da paz. A/47/277 –
S/24111. Disponível em: www.un.org
44
Uma das determinações do relatório é que a ONU se declarou capaz de não
reconhecer autoridade soberana em um país que viole os princípios da Carta e as regras
de direitos humanos. Julga-se legítima a criar Estados, redefinir fronteiras e declarar a
inaplicabilidade dos princípios da soberania, da autodeterminação e da não-intervenção
em determinadas “zonas selvagens”. É o que aconteceu, por exemplo, na Somália.
70
Ghali defendia a idéia de que há algumas questões estão acima da soberania
nacional. Entre elas está o respeito à dignidade humana, considerado mais importante do
que as fronteiras do Estado. Assim, em situações de desrespeito ao direito humanitário,
a comunidade internacional, prevê o Relatório, tem o dever de intervir e assistir
indivíduos sob ameaças de outro ou até mesmo de seu próprio Estado.
71
Dessa forma, para o ex-secretário geral, as instituições poderiam garantir a
segurança da comunidade internacional baseada em dois pontos – as preocupações de
caráter humanitário e a responsabilidade internacional de garanti-los. As instituições
internacionais têm a responsabilidade humanitária e universal de assegurar a integridade
dos homens pelo fato de “estarem acima das diferenças entre o nacional e o
internacional, o doméstico e o externo”.
72
A garantia de tais princípios, todavia, não poderia ser feita através das
tradicionais forças de manutenção da paz, com mandatos limitados de atuação. Por isso,
Boutros Ghali sugeriu a criação de novas modalidades de forças de paz, em que seria
permitido o porte e, eventualmente, uso de armamento pesado. Tais forças estariam
submetidas ao comando do secretário-geral e mesclariam princípios tanto do Capítulo
VI como as disposições do Capítulo VII da Carta.
73
Por esta razão, as operações de paz
do período pós-Guerra Fria, com mandatos mais amplos e a possibilidade de deixar de
lado modos tradicionais de proceder como o uso da força em casos extremos e o
consentimento de todas as partes envolvidas, passaram a ser conhecidas como operações
de paz de segunda geração.
As modalidades de operações de paz presentes no relatório de Boutros Ghali,
prevendo ou não o uso de todos os meios necessários, enquadradas quer no capítulo VI,
70
NOGUEIRA, João Pontes. Estado, identidade e soberania na intervenção da ONU na Somália. Rio de
Janeiro: Contexto Internacional, vol. 19, N
o
. 1 jan./jul. 1997, p. 144-145.
71
No Parágrafo 17 do Relatório, está expresso que “O tempo da absoluta e exclusiva soberania passou;
sua teoria nunca se coadunou com a realidade”. Ghali vai mais além no Parágrafo 19: ”A soberania, a
integridade territorial e a independência dos Estados dentro de um sistema internacional estabilizado, e o
princípio da autodeterminação dos povos, todos de grande valor e importância, não podem trabalhar uns
contra os outros no período a seguir.”
72
MESSARI, Op. Cit. p. 179.
73
PATRIOTA, Op. Cit. p. 56.
45
quer no capítulo VII são as seguintes: Diplomacia preventiva (Preventive Diplomacy),
Promoção da Paz (Peacemaking), Manutenção da Paz (Peacekeeping), Construção da
Paz Pós-Conflito (Post-Conflict Peace-Building). Os três primeiros foram analisados
por solicitação dos membros do Conselho quando da já mencionada reunião de cúpula.
Já o último, foi uma inclusão feita pelo secretário-geral.
A Diplomacia Preventiva é definida no relatório como uma ação para impedir o
surgimento de disputas entre facções ou impedir que disputas já existentes se
transformem em conflito e que limite a propagação do conflito caso já tenho irrompido.
A Diplomacia Preventiva envolve a adoção de medidas que visem a aumentar a
confiança entre as partes litigantes e que requer a obtenção de informações via missões
de verificação formal ou informal. Ademais, tal instrumento pode ser empreendido
através do envio preventivo de tropas e a instituição de zonas desmilitarizadas.
Um dos principais instrumentos da Diplomacia Preventiva é a Mobilização
Preventiva (Preventive Deployment), que é feita em países sob risco de conflito interno,
onde haja uma requisição por parte do governo ou de todos os partidos/facções
implicados. A Mobilização Preventiva pode ocorrer também caso haja apenas o
consentimento de tais partes. Caso se trate de um conflito entre dois países, o pedido de
auxílio à ONU é feito quando se entende que a presença dos capacetes azuis dos dois
lados da fronteira possa prevenir a ocorrência de combates, assim como contribua para
diminuir a possibilidade de um dos beligerantes invadir o território do outro.
As funções do Preventive Deployment vão além do patrulhamento da fronteira.
Elas podem, igualmente, auxiliar na assistência humanitária, feita de forma imparcial e
com o assentimento do país receptor, assistir na manutenção da segurança, promover o
diálogo entre os litigantes e garantir as condições necessárias para que negociações
sejam feitas entre eles. A atuação da ONU envolve nesta modalidade pessoal militar,
policial e civil, bem como a participação de outras agências especializadas da ONU e a
colaboração de ONGs.
No Preventive Deployment, também pode ser realizada a delimitação de zonas
desmilitarizadas, onde a requisição ou o consentimento das partes envolvidas é
primordial. Os capacetes azuis podem ficar tanto dos dois lados da fronteira como de
apenas um dos lados com o propósito de evitar a ocorrência do conflito. As zonas
46
desmilitarizadas “simbolizam” a preocupação da comunidade internacional para evitar a
ocorrência de um conflito.
74
Como exemplo de Diplomacia Preventiva, há a atuação da ONU na Macedônia
nos anos de 1998 e 1999. O estabelecimento da Força de Engajamento Preventivo das
Nações Unidas (UNPREDEP) tinha como meta evitar que a tensão na fronteira norte da
Macedônia não se transformasse em conflito desestabilizando ainda mais os Bálcãs.
O Peacemaking, ou Promoção da Paz, é outra das modalidades de atuação das
tropas de paz da ONU previstas no Relatório de Boutros Ghali. É definida como a tarefa
de impedir a eclosão de um conflito, garantir a paz e levar as partes hostis a um acordo
segundo os preceitos do Capítulo VI da Carta, que versa sobre os meios pacíficos para a
solução de controvérsias.
Ghali destaca a importância da Corte Internacional de Justiça e que a confiança
nas suas decisões tem uma grande contribuição no processo de Peacemaking. A Carta
da ONU, no Artigo 36 já ressalta o papel da Corte para a solução de impasses.
75
As
formas pacíficas para a resolução de crises são negociação, investigação, mediação,
conciliação, arbitragem, acerto judicial, o recurso a organismos ou acordos regionais ou
outros meios pacíficos escolhidos pelos litigantes, conforme o Artigo 33 da Carta da
ONU.
Há a possibilidade também de imposição de sanções econômicas e militares
segundo os Artigos 41 e 42, já pertencentes ao Capítulo VII. O uso da força é permitido
somente quando todas as possibilidades de uma solução pacífica tiverem sido
insuficientes. O uso de força militar para ações de enforcement requer a autorização por
parte do CSNU para que Estados Membros atuem em tais empreitadas sob seu nome.
Foram os casos da atuação dos EUA para retaliar a invasão iraquiana ao Kuwait, assim
como a liderança australiana da INTERFET para agir na crise humanitária no Timor
Leste.
Uma das maneiras encontradas por Ghali para a comunidade internacional poder
agir de forma eficaz seria a reativação da idéia de um braço militar a serviço da ONU.
Em “Uma Agenda para a Paz”, essa antiga idéia de constituição de um braço armado
permanente para a ONU é resgatada. No Artigo 43 do relatório está expresso que
74
Uma Agenda para a Paz – Diplomacia preventiva, promoção da paz e manutenção da paz. A/47/277 –
S/24111. Cap. 3, Par. 33
75
Carta da ONU, Cap. VI, Art. 36: Ao fazer recomendações de acordo com este artigo, o Conselho de
Segurança deverá tomar também em consideração que as controvérsias de ordem jurídica, por regra geral,
devam ser submetidas pelas partes à Corte Internacional de Justiça, de conformidade com as disposições
do estatuto da Corte.
47
Sob o Artigo 42 da Carta, o Conselho de Segurança tem a
autoridade para tomar ação militar para manter ou restabelecer a
paz e a segurança internacionais. Enquanto esta ação pode ser
tomada apenas quando todos os meios pacíficos falharem, a opção
por ela é essencial para a credibilidade das Nações Unidas como
garantidora da segurança internacional. Isso requererá a existência,
por meio de negociações ou acordos especiais previstos no Artigo
43 da Carta, onde os Estados membros se comprometem a formar
forças armadas, assistência e recursos disponíveis para o Conselho
de Segurança para os propósitos estabelecidos no Artigo 42 não
apenas em base ad hoc, mas em base permanente.
76
Assim, a ONU teria capacidade para responder em casos de desrespeito aos
princípios da Carta e de ameaça de ruptura da paz. A hipótese da existência de forças
permanentes a serviço da ONU seria um fator de inibição para possíveis agressores, pois
o Conselho teria à sua disposição os meios para responder.
O ex-secretário geral da ONU sustenta que a linha divisória entre Peacemaking e
a outra modalidade de atuação da Organização, Peacekeeping, é tênue. Peacekeeping é
a continuação do trabalho feito pelo peacemaker, tendo assim, o dever da manutenção
da paz, feito através do destacamento de pessoal militar e civil para atuar no campo do
conflito. As características e modalidades de atuação não diferem muito das do
Peacemaking. Entre elas, destacam-se o consentimento e a cooperação das partes na
implementação do mandato, o apoio contínuo do CSNU, a disponibilidade dos Estados-
Membros de contribuir com pessoal militar, policial e civil, comando efetivo das
Nações Unidas com sede no país em questão e adequado apoio financeiro e logístico.
Em uma Operação de Manutenção da Paz (PKO – Peacekeeping Operation),
diversos atores possuem a mesma importância. Assim, oficiais políticos civis, monitores
de direitos humanos, especialistas em ajuda humanitária a refugiados, polícias e
militares desempenham papel de igual importância dentro da operação.
Foram lançadas diversas PKO na década de 1990, entre elas estão UNAVEM I,
II, e III, em Angola; UNAMIC, no Camboja; ONUMOZ, Moçambique; ONUSAL, El
Salvador, GANUPT, na Namíbia, UNTAET, no Timor Leste entre outras.
As três modalidades anteriores, Diplomacia Preventiva, Promoção e Manutenção
da Paz, não se tratavam de mecanismos desconhecidos quando apresentados no relatório
de Boutros Ghali. A novidade está na chamada Construção da Paz Pós-Conflito ou
Post-Conflict Peace-Building (PCPB). Muitas de suas atribuições não eram inéditas,
76
Uma Agenda para a Paz – Diplomacia preventiva, promoção da paz e manutenção da paz. A/47/277 –
S/24111. Disponível em:
www.un.org . Acessado em 29/01/06.
48
mas careciam de mais clara delimitação e foram cristalizadas no relatório. A PCPB foi
considerada como peça importante para consolidar a paz em regiões assoladas por
conflitos. Tem o papel de empreender esforços para consolidar as estruturas montadas
por missões de Peacemaking e de Peacekeeping, dando continuidade, assim, ao trabalho
destas missões.
A seqüência ao trabalho das outras missões é feita por meio de: desarmamento
das facções beligerantes, restauração da ordem, a custódia e possível destruição de
armamentos, a repatriação de refugiados, apoio consultivo e de treinamento de pessoal
local de segurança, monitoramento de eleições, esforços avançados na proteção de
direitos humanos, reforma e fortalecimento de instituições governamentais e promoção
formal e informal de processos de participação política.
A PCPB pode também ser encarada como a realização de diversos esforços
cooperativos que unem dois ou mais países cujos benefícios se estendem às esferas
econômica e social e auxiliam a cimentar a estabilidade. Ghali considera a PCPB como
a contraparte da Diplomacia Preventiva, onde esta é lançada para evitar a ocorrência de
um conflito e aquela é empreendida para impedir que um conflito ocorra novamente.
Como exemplos de PCPB estão a UNMISET, no Timor Leste, que visava
garantir o que fora realizado em outras duas missões no local, a UNAMET e a
UNTAET; é o caso também da MONUA, em Angola, que deu seqüência às três missões
anteriores, UNAVEM I, II, III; há igualmente a UNTAC, no Camboja, continuadora do
trabalho feito pela UNAMIC.
Verifica-se que houve um grande aumento no número de operações de paz nos
anos 1990. A “Agenda para a Paz” de Boutros Ghali visava dar maior racionalidade à
crescente recorrência às operações de paz como forma de atuar em prol da paz e da
segurança internacionais. Se no período 1948-1989 foram estabelecidas ou estavam em
andamento 18 operações de paz, na década de 1990 a cifra sobe para 47.
77
De 2000 a
2006, os números são equivalentes ao da década anterior, levando-se em consideração
que em 06 anos ocorreram 25 operações de paz.
78
77
As operações de paz criadas ou andamento nos anos 1990 foram as seguintes: UNTSO, UNMOGIP,
UNFICYP, UNDOF, UNIFIL, UNAVEM I, II, III, UNIMOG, ONUCA, UNGOMAP, ONUSAL,
UNIKOM, UNTAC, UNAMIC, UNPROFOR, ONUMOZ, UNOSOM I, II, UNMIH, UNOMIL,
MONUP, UNTAES, UNOMUR, MINUGUA, MONUA, MINURCA, UNASOG, GANUPT, UNAMIR,
UNOMSIL, UNSMIH, UNTMIH, MIPONUH, APRONUC, UNTAET, MONUT, ONURC, UNPSG,
UNPREDEP, UNMIBH, MONUC, UNAMSIL, MINURSO, UNOMIG, UNMIK e UNOGBIS.
78
Já as operações do período 2000-2006 são estas: UNMIS, ONUB, ONUCI, UNMIL, MONUC,
MINUEE, UNAMSIL, MINURSO, MINUSTAH, UNMOGIP, UNFICYP, UNOMIG, UNMIK, UNDOF,
49
Na Agenda para a Paz, portanto, constatou-se a dificuldade em observar todos os
pilares originais das operações de paz. A maioria dos conflitos, hoje, é de caráter intra-
estatal, o que inviabiliza o reconhecimento legítimo de todas as partes beligerantes.
Como conseqüência, outros sustentáculos das operações de primeira geração também
são questionados. A imparcialidade dos capacetes azuis nem sempre é reconhecida pelas
partes beligerantes, sobretudo por aqueles que não foram considerados legítimos pela
ONU, o que torna os militares a serviço da organização alvos em potencial. Isso
demanda, igualmente, uma revisão do uso da força por parte dos que estão a serviço da
Organização, principalmente pela ilegitimidade de algumas facções e da necessidade de
desarmá-las.
O papel da ONU em matéria de segurança angariou algumas histórias de
sucesso, mas ficou fortemente marcada pelos fracassos. Os resultados desastrosos na
Somália e em Ruanda evidenciaram a eficácia duvidosa do sistema ONU de segurança e
leva a crer que ele apenas funciona quando os interesses das grandes potências estão em
jogo. Os sinais mais claros disso foram a retirada melancólica das tropas dos EUA da
Somália após a morte de militares norte-americanos e a recusa dos 19 países que
mantinham tropas em prontidão para atuar em Ruanda após a prorrogação da Missão de
Paz da ONU no país, a UNAMIR.
Após esses reveses, houve uma reavaliação da atuação da ONU consubstanciada
em outro relatório de Boutros Ghali, o Supplement to an Agenda for Peace, de 1995,
que é mais pragmático que o relatório anterior. Neste, reconhece-se a importância das
questões econômicas e sociais na eclosão de conflitos. É admitido que o
desenvolvimento contribui para a manutenção da paz e da segurança internacionais.
79
A ONU, porém, não colecionou apenas fracassos. Há também histórias de
sucessos, principalmente na segunda metade da década de 1990 e início da década
seguinte. Países que por muitos anos foram assolados por guerras civis, hoje se
encontram em tempos de estabilidade mais duradouros, nunca conhecidos desde a
independência. São os casos de Angola, Moçambique e Timor Leste.
As operações de paz constituem-se no mais importante arranjo para a solução de
conflitos, como ficou evidenciado pelo aumento substancial no número de operações de
paz conforme ilustrado na tabela abaixo.
UNIFIL, UNTSO, MINURCA, MIPONUH, UNMISET, UNTAET, MONUT, UNMIBH, UNIKOM,
MONUP e UNOGBIS.
79
NAÇÕES UNIDAS. Supplement to na Agenda for Peace. A/50/60 – S/1995/1, de 03 de janeiro de
1995. Disponível em: un.org/Docs/SG/agsupp.html. Acesso em 10/03/2006
50
Década Número de operações de paz
1990 47
UNTSO, UNMOGIP, UNFICYP,
UNDOF, UNIFIL, UNAVEM I, II, III,
UNIMOG, ONUCA, UNGOMAP,
ONUSAL, UNIKOM, UNTAC,
UNAMIC, UNPROFOR, ONUMOZ,
UNOSOM I, II, UNMIH, UNOMIL,
MONUP, UNTAES, UNOMUR,
MINUGUA, MONUA, MINURCA,
UNASOG, GANUPT, UNAMIR,
UNOMSIL, UNSMIH, UNTMIH,
MIPONUH, APRONUC, UNTAET,
MONUT, ONURC, UNPSG,
UNPREDEP, UNMIBH, MONUC,
UNAMSIL, MINURSO, UNOMIG,
UNMIK e UNOGBIS.
2000 25
UNMIS, ONUB, ONUCI, UNMIL,
MONUC, MINUEE, UNAMSIL,
MINURSO, MINUSTAH, UNMOGIP,
UNFICYP, UNOMIG, UNMIK, UNDOF,
UNIFIL, UNTSO, MINURCA,
MIPONUH, UNMISET, UNTAET,
MONUT, UNMIBH, UNIKOM, MONUP
e UNOGBIS.
As operações de paz da ONU passaram, assim, por um grande aumento, quer em
número de operações estabelecidas, quer em tarefas a serem realizadas. Essa
modalidade de atuação multilateral ainda passa por fase de consolidação, tentando
apagar os reveses de ontem e colecionar mais histórias de êxito.
51
2.2. O Brasil e as Operações de Paz das Nações Unidas
Nestes sessenta anos de atuação da ONU nas questões de segurança via
operações de paz, o governo brasileiro procurou ser mais um entre os países
contribuintes de contingentes militares. A importância de tal participação sempre foi
ressaltada em diferentes épocas, ainda que, numericamente, tenha sido um tanto
modesta. O governo brasileiro enviou contingentes para 34 operações de paz da ONU,
desde 1948, num total de cerca de 13,5 mil brasileiros, civis e militares.
O maior envolvimento em número de operações de paz ocorreu nos anos 1990,
época em que o Brasil participou de 21 delas. Houve uma participação nas décadas de
1940 e de 1950, 6 na década de 1960, 2 na década de 1980 e 6 na presente década, entre
operações criadas ou em curso.
Apesar do número razoável de participações em operações de paz da ONU, o
número de civis, militares e policiais destacados não é elevado. Das 29 operações de
paz, em apenas 3 delas atuaram mais de mil brasileiros: UNEF I, 6300; UNAVEM III,
4222; e MINUSTAH 1200. Em um distante quarto lugar figuram as operações no Timor
Leste, com 574 enviados.
80
Em 19 delas, mais da metade do total de participações, o
número de destacados não chegou a 20.
Mesmo com contingentes reduzidos, o Brasil ainda esteve no comando da
operação em quatro oportunidades – UNAVEM II (Angola), UNPROFOR (ex-
Iugoslávia), ONUMOZ (Moçambique) e MINUSTAH (Haiti) – e dois brasileiros
estiveram na condição de representante do Secretário-Geral da ONU – na UNFICYP
(Chipre) e na UNTAET (Timor Leste).
A tabela abaixo apresenta o histórico da participação brasileira em operações de
paz da ONU.
80
Não foi levada em consideração a Força Interamericana de Paz, FIP, que atuou na República
Dominicana entre os anos de 1965 e 1966. A razão para tal é de que não se trata de uma operação de paz
sob a égide da ONU e sim da OEA, o que foge do proposto neste subitem da dissertação. O número de
brasileiros destacados para a FIP foi de 3000.
52
Operação Duração Número de
brasileiros
destacados
Observação
UNSCOB (Israel/Palestina) 1947-1949 4
UNEF I (Egito) 1956-1967 6300 7 baixas
ONUC (Congo) 1960-1964 179
UNSF (Indonésia) 1963-1963 2
DOMREP (República
Dominicana)
1965-1966 3
UNIPOM (Índia/Paquistão) 1965-1966 10
UNFICYP (Chipre) Desde 1964 20 Embaixador Carlos
Bernardes foi o
representante
especial do SGNU
entre set. 1964 e jan.
1967.
UNAVEM I (Angola) 1988-1991 16
ONUCA (América Central) 1989-1992 34
UNSCOM (Iraque/Kuwait) 1991-1993 n.d.
ONUSAL (El Salvador) 1991-1995 87 1 baixa
UNAVEM II (Angola) 1991-1995 120 1 baixa. General-de-
brigada brasileiro
Péricles Ferreira
Gomes chefiou a
missão entre mai. e
set. de 1991
UNTAC (Camboja) 1991-1993 19
UNPROFOR (ex-Iugoslávia) 1992-1995 113 General-de-brigada
brasileiro Newton
Bonumá chefiou a
missão entre nov. de
1994 e nov. de 1995.
ONUMOZ (Moçambique) 1992-1994 284 General brasileiro
53
Lélio Gonçalves
Rodrigues chefiou a
missão entre fev. de
1993 e fev. de 1994.
UNOMUR (Uganda/Ruanda) 1993-1994 13
UNAMIR (Ruanda) 1993-1996 n.d.
UNOMSA (África do Sul) 1994 12
UNOMIL (Libéria) 1993-1997 3
UNCRO (Croácia) 1995-1996 3
UNAVEM III (Angola) 1995-1997 4222 3 baixas
UNPREDEP (Macedônia) 1995-1999 5
UNTAES (Bósnia-Herzegovina) 1996-1998 13
UNMOP (Croácia) 1996-2002 6
MINUGUA (Guatemala) Janeiro a
maio de
1997
76
UNOGBIS (Guiné-Bissau) Desde 1999 1
MONUA (Angola) 1997-1999 89
UNAMET/UNTAET/UNMISET
(Timor Leste)
1999-2005 574 Sérgio Vieira de
Mello foi
representante
especial do SGNU
entre 1999 e 2002
UNMIL (Libéria) Desde 2003 1
ONUCI (Costa do Marfim) Desde 2004 5
MINUSTAH (Haiti) Desde 2005 1200 Comando da missão
exercido pelos
generais Augusto
Heleno Ribeiro
Pereira de jun. de
2005 a jan. de 2006,
e José Elito Carvalho
Siqueira a partir de
54
então.
UNMIS (Sudão) Desde 2005 24
Fontes: Mistério da Defesa, ONU, Escola de Comando e Estado Maior do Exército.
O Brasil iniciou sua participação em operações de paz sob a égide da ONU ainda
na década de 1940, na crise dos Bálcãs. O envolvimento na UNSCOB (Comitê Especial
das Nações Unidas para os Bálcãs) foi bastante modesto, com apenas quatro militares
destacados. No entanto, não foi a primeira atuação brasileira em arranjos multilaterais
para a promoção e manutenção da paz. O país participou ativamente de empreitadas
para restaurar a paz na América do Sul quando existia a Liga das Nações. Foram os
casos, por exemplo, da Questão Letícia (1932-34), envolvendo Peru e Colômbia e a
Guerra do Chaco (1928-1935), entre Paraguai e Bolívia.
81
O primeiro grande envolvimento em operações de paz sob a égide da ONU
aconteceu apenas entre os anos de 1956 e 1967 durante a vigência da UNEF I (Força de
Emergência das Nações Unidas) durante a crise do Canal de Suez. À nacionalização do
Canal feita pelo presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, seguiu-se uma crise enredando
França e Inglaterra, diretamente prejudicadas pela estatização e que passaram a atacar o
território do país africano, e Israel, que se sentiu ameaçada e invadiu a faixa de Gaza,
então sob soberania do Cairo.
O governo brasileiro foi favorável às duas principais resoluções nesta matéria,
uma que determinou o imediato cessar-fogo e a outra que instituiu a UNEF I.
82
Nos
nove anos de vigência da operação de paz, o Brasil contribuiu com 6300 militares, com
os rodízios, a média foi de 700 destacados por ano.
Nesse período, os presidentes brasileiros – Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros
e João Goulart – procuraram um papel mais ativo do país no cenário internacional. O
primeiro buscou energicamente inserir a temática do desenvolvimento na agenda
internacional e foi o idealizador da Operação Pan-Americana. Essa política externa mais
ativa objetivava dar maior visibilidade ao Brasil no cenário internacional, bem como
diversificar os parceiros internacionais, em um mundo já marcado pelo processo de
descolonização.
81
CERVO e BUENO. Op. Cit. p. 240-245.
82
BARRETO, Fernando de Mello. Os Sucessores do Barão – 1912-1964. São Paulo: Paz e Terra, 2001,
p. 215.
55
Quadros e Goulart mantiveram essa linha de atuação pautada pelo envolvimento
nas grandes questões da agenda internacional. Nesse período se desenvolveu a chamada
Política Externa Independente, quando as posições brasileiras estiveram marcadamente
divergentes das diretrizes de Washington. Ademais, outras áreas de atuação externa
passaram a ser consideradas pela Chancelaria brasileira, que antes estavam circunscritas
à Europa, EUA e América Latina. Segundo Bueno:
A política exterior inaugurada por Jânio Quadros (...) possuía um
caráter pragmatista, pois buscava os interesses do país sem
preconceitos ideológicos; e, para melhor consecução desses
objetivos, adotava postura independente em face das outras nações
que tinham relacionamento preferencial com o Brasil.
83
Uma forma de desempenhar um papel mais relevante em outros tabuleiros
geopolíticos foi o envolvimento em operações de paz da ONU distante dos centros
tradicionais de atuação externa do Brasil. Foram os casos da ONUC (Operação das
Nações Unidas no Congo), da UNIPOM (Missão de Observação das Nações Unidas na
Índia e no Paquistão) e da UNSF (Força de Segurança das Nações Unidas na Nova
Guiné Ocidental), além da já mencionada UNEF I. Nas três primeiras, o número de
brasileiros enviados foi pequeno, mas ainda assim demonstrou uma disposição por parte
do governo brasileiro de voltar seus interesses de política externa para outras partes do
mundo.
Com o início dos governos militares, o Brasil se afastou do Conselho de
Segurança da ONU e passou um longo tempo sem se envolver em operações de paz.
84
O
país voltaria a participar apenas em 1988, ou seja, vinte e quatro anos depois, e foi em
duas operações, a ONUCA, na América Central e a UNAVEM I em Angola.
O término da ditadura militar em 1985 coincidiu com o processo de
reformulação que estava em curso no CSNU. Com o fim iminente da Guerra Fria, o
Conselho de Segurança passou a se voltar para um número maior de temas. Assim, além
83
CERVO e BUENO. Op. Cit. pp. 310.
84
Antes desse não engajamento por longos anos em missões de paz, o Brasil ainda participou da
DOMREP (Missão do Representante do Secretário-Geral da ONU na República Dominicana) e da
UNFICYP (Força de Manutenção de Paz das Nações Unidas em Chipre). Nesta, trabalharam o general
Paiva Chaves, comandante da UNEF I e destacado para atuar no Chipre e o embaixador Carlos Alfredo
Bernardes, que se tornou representante especial do secretário-geral da ONU entre setembro de 1964 e
janeiro de 1967. Conforme AGUILAR, Sérgio L. C. (org.) Brasil em missões de paz. São Paulo: Usina
do Livro, 2005, pp. 29-31.
Há que se destacar, no entanto, que no Chipre apenas o referido general participou por parte do Brasil.
Os outros militares envolvidos, conforme apontado na tabela acima, passaram a atuar a partir de 1995,
mediante acordo com o governo argentino.
56
das preocupações tradicionais, como evitar a eclosão de guerras, ganharam atenção
crescente os direitos humanos, o meio ambiente, o terrorismo, o narcotráfico entre
outros, que passaram a ser pressupostos para a paz.
Desse modo, a política externa brasileira também passou a dar mais importância
aos chamados novos temas da agenda internacional, o que se transformou em meio para
buscar um papel mais destacado na ONU, principalmente no Conselho de Segurança. O
interesse de ter um papel de maior destaque na ONU se manifestou claramente na
candidatura exitosa para membro não-permanente no CSNU no biênio 1988-89.
Associado a esse fato, o Brasil se envolveu em um grande número de operações de paz,
em todas as partes do mundo, a partir de então.
Nos anos 1990, o Brasil participou de vinte e duas operações de paz em todos os
continentes. Os maiores envolvimentos foram em Angola, Moçambique e Timor Leste,
mas também esteve na maioria das operações de paz na América Latina
85
, ainda que
reduzidamente, e também na Europa, sobretudo na ex-Iugoslávia.
Na década seguinte, o país mandou contingentes para a Ásia (Timor Leste),
África (Libéria, Costa do Marfim, Sudão e Guiné Bissau) e América Latina (Haiti). Os
números foram expressivos apenas no Timor Leste e no Haiti. Nas demais operações
somadas, o número de destacados não chega a 10.
Evidencia-se, assim, que uma das maiores motivações para que o país se
lançasse em operações de paz foi a situação das ex-colônias portuguesas, áreas de
interesse direto do governo brasileiro. Haja vista que o país participou de todas as
operações de paz estabelecidas em países de língua portuguesa.
Em Angola, o Brasil desempenhou papel de relevo para pacificar o país. Houve
engajamento nas quatro missões da ONU no país: UNAVEM (Missão de Verificação
das Nações Unidas em Angola) I, II e III e MONUA (Missão de Observadores das
Nações Unidas). Entre os objetivos destas missões figuravam a saída pacífica das tropas
cubanas do país, a negociação de um cessar-fogo entre as facções beligerantes,
organização de eleições e implantação de um programa de desminagem. O governo
brasileiro, entre 1988 e 1997, contribuiu com cerca de 4500 homens entre militares,
observadores policiais, agentes de saúde, engenheiros e técnicos eleitorais. Durante a
UNAVEM II, a missão foi chefiada pelo general-de-brigada brasileiro Péricles Ferreira
Gomes, entre maio e setembro de 1991.
85
Digno de nota que o Brasil não participou das operações de paz da ONU no Haiti na década de 1990:
UNMIH (1993-1996), UNSMIH (1996-1997), UNTMIH (ago. - set 1997) e MIPONUH (1997-2000).
57
Em Moçambique, foi o mesmo caso. O Brasil esteve entre os contribuintes nos
arranjos da ONU para a pacificação do país entre a FRELIMO (Frente de Libertação
Moçambicana) e a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana). A ONUMOZ
(Missão das Nações Unidas em Moçambique) vigorou entre os anos de 1992 e 1994 e,
durante um ano, contou com o comando do general brasileiro Lélio Gonçalves
Rodrigues da Silva.
Cinco anos depois, o governo brasileiro mais uma vez mandaria militares para
outra ex-colônia portuguesa, o Timor Leste. Este caso foi singular, porque pela primeira
vez o país participou de uma operação de enforcement, fruto dos novos tempos em que
as partes beligerantes careciam de legitimidade e, por isso mesmo, os condicionantes de
outrora para o estabelecimento de uma operação de paz estavam em questão. O caso do
Timor, por ser de caráter sui generis, foi escolhido para estudo mais pormenorizado no
capítulo seguinte.
Outra esfera de interesse direto da política externa brasileira é a América Latina.
O Brasil já participou de diversas operações de paz sob a égide da ONU (e também da
OEA) na região. Entre elas figuram a DOMREP, na República Dominicana, a ONUCA,
na América Central, a ONUSAL, em El Salvador, MINUGUA, na Guatemala e
MINUSTAH, no Haiti, que ainda está em curso.
A MINUSTAH é, hoje, um dos grandes desafios para os capacetes azuis
brasileiros, pois o país está no comando desta operação. O Haiti enfrenta graves
problemas de instabilidade política há décadas. A ONU buscou solucionar a crise e, por
meio do CSNU, estabeleceu a Força Multinacional Interina, capitaneada pelos EUA.
Pouco tempo depois, através da Resolução 1542 de 30 de abril de 2004, foi criada a
Missão das Nações Unidas para Estabilização do Haiti (MINUSTAH), que passou a ser
comandada pelo Exército brasileiro. O total previsto de militares para a missão que
ainda está em curso é de 6700, sendo cerca de 1200 deles oriundos do Brasil. O
comandante das tropas foi o general brasileiro Augusto Heleno Ribeiro Pereira, de
junho de 2004 a janeiro de 2006. Após a morte do general, o comando passou a ser
exercido pelo general José Elito Carvalho Siqueira.
A América Latina é uma região de grande interesse para o cálculo externo do
país. Por isso, o país se envolve diretamente nas questões de segurança. A estabilidade
regional, para o governo brasileiro, está atrelada à consolidação da democracia e à
recuperação de indicadores sócio-econômicos. O desenvolvimento, assim, é
considerado a chave para a estabilidade da região.
58
É por esta razão que o governo brasileiro tem procurado desempenhar papel de
destaque em matéria de segurança. Na América Latina, quaisquer turbulências são
consideradas como ameaça direta ao interesse nacional e impelem o país a agir.
86
Foi o
que aconteceu, recentemente, no conflito entre Peru e Equador, nas crises paraguaias e
no Haiti, onde ficou evidenciada a importância do entorno regional para o governo
brasileiro.
Há outras razões inerentes que levam o Brasil a participar das operações de paz
da ONU. Uma delas, certamente, é a atualização das forças militares brasileiras, que,
dessa forma, trocam experiências com as forças armadas de outros países. Segundo
Aguilar,
A participação nessas missões e o contato com materiais da mais
alta tecnologia permitiu, e ainda permite, que se traga para o país
idéias e o sentimento da necessidade contínua de modernização
dos materiais de emprego militar.
87
Além disso, os militares ganham experiência tanto no que se refere à diversidade
de tarefas realizadas quanto na diferença de características físicas do território para onde
os militares são destacados. Neste quadro estão o terreno montanhoso da ex-Iugoslávia,
as selvas do Timor Leste e os centros urbanos do Haiti. Já quanto às tarefas, o Brasil
vem angariando respeitabilidade no auxílio à realização e monitoramento de eleições.
88
O respeitado sistema eleitoral brasileiro aliado à experiência internacional dos técnicos
do país são motivos fortes para que eles atuem nas eleições monitoradas pela ONU.
Constata-se, assim, que as operações de paz têm uma importância considerável
no cálculo externo do país. Elas se constituem em uma forma de o Brasil obter maior
visibilidade internacional, quer por meio da atuação em outros cenários regionais, quer
por ter um papel de maior destaque na área de segurança dentro da ONU. O embaixador
Araújo Castro sustenta que
Tem sido, e deve continuar a ser, sobretudo nos dias atuais, uma
das diretrizes centrais da nossa política externa, da inserção do
Brasil no mundo e da visão que o país tem de si no mundo, a
86
MAGNOLI, Demetrio, CESAR, Luis Fernando Panelli e YANG, Philip. Em Busca do Interesse
Nacional. São Paulo: Revista Política Externa – Jul. – Ago., 2000, p. 36.
87
AGUILAR, Sergio L. As forças de paz do Brasil: Balanço. In: Brasil e o Mundo: Novas Visões.
BRIGAGÃO, Clóvis e PROENÇA JR., Domício (orgs.). Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves
Editora, 2002, p. 438.
88
CARDOSO, Afonso José. O Brasil nas Operações de Paz das Nações Unidas. Brasília:
IRBr/FUNAG, 1998, p. 140.
59
insistência em participar ativamente das principais instâncias
internacionais intergovernamentais.
89
Há, igualmente, o interesse por trás da participação nas operações de paz de
pleitear uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, caso ele
venha a ser reformado. O governo brasileiro tem sido um dos maiores defensores de
mudanças drásticas na composição do Conselho, como contemplar países em
desenvolvimento com assento permanente.
O Brasil acredita dispor das condições necessárias para tal como a grandeza
territorial, populacional e econômica. Além disso, os adeptos desta concepção
propugnam que o país está inserido em uma das regiões mais pacíficas do mundo e que
não entra em conflito com seus vizinhos há cerca de 120 anos.
90
Há tempos o Brasil
defende não somente sua candidatura, como também a criação de membros permanentes
sem direito a veto. É a maneira encontrada para que a reforma do Conselho pudesse ser
efetuada com um prejuízo menor para os atuais P-5, que ainda deteriam a prerrogativa
do veto. Em 1989, no discurso na Assembléia-Geral da ONU, o ex-presidente da
República José Sarney, esposava esta idéia,
Se as Nações Unidas, atuando por meio do Conselho de
Segurança, estão aptas a desempenhar papel proeminente no
campo da paz e da segurança internacionais, algumas mudanças
devem ser feitas na estrutura e nos procedimentos do Conselho.
Como poderemos resolver importantes problemas referentes, por
exemplo, ao estabelecimento e financiamento de operações de
manutenção da paz sem reexaminar a adequação da composição do
Conselho? Este é um problema que merece ser examinado não
apenas do ponto de vista tradicional de estabelecer uma relação
apropriada entre o número de membros não-permanentes e o
aumento que tem acontecido no número de Estados membros das
Nações Unidas, mas também, e especialmente, à luz das mudanças
nas relações de poder que aconteceram no mundo desde que a
Organização foi criada. O tempo para reavaliação chegou para
tornar possível a reflexão da atual multipolaridade do mundo atual
no Conselho de Segurança, para que assim possa melhor cumprir
suas responsabilidades. Nós devemos considerar uma categoria
adicional de membros permanentes que poderiam não ter o
privilégio do veto.
91
89
CASTRO, Luiz Augusto de Araújo (2003). O Brasil e o Sistema de Segurança Internacional das
Nações Unidas, do Conselho de Segurança e dos Organismos de Não-Proliferação. In: REBELO, Aldo,
FERNANDES, Luis e CARDIM, Carlos H. (orgs.) Seminário Política Externa do Brasil para o Século
XXI. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, p. 146.
90
AMORIM, Celso. O Brasil e o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Política Externa.. São
Paulo: Ed. Paz e Terra, vol. 3, No. 4, março, 1995, p. 12.
91
Discurso do ex-presidente José Sarney à Assembléia-Geral das Nações Unidas no ano de 1989 In: The
voice of Brazil in the United Nations, 1946-1995. Brasília: FUNAG, 1995, p. 494-495.
60
Dessa forma, a participação em operações de paz da ONU – e também nas
operações que estão sob a égide de organismos regionais, como a OEA – é considerada
como oportunidade de contribuir para a paz e segurança internacionais. Trata-se de uma
maneira de demonstrar a capacidade de assumir grandes responsabilidades e de
desempenhar papel de relevo no cenário internacional, demonstrando assim o papel do
Brasil como contribuinte para a segurança regional, o que ajuda a justificar a
candidatura brasileira ao CSNU.
Destaca-se, porém, que não é apenas uma suposta reforma do Conselho que leva
o Brasil a participar de operações de paz. Há interesses, também de estreitar laços com
outras regiões, bem como de obter novos parceiros em âmbito comercial. O início de
uma parceria pode ocorrer com a contratação de empresas brasileiras para promover a
reconstrução de um país. A Petrobrás e a construtora Norberto Odebrecht, por exemplo,
têm acordos com o governo de Angola, que abarca desde a prospecção de petróleo até a
construção de pontes, estradas e usinas hidrelétricas.
A participação em operações de paz da ONU, portanto, constitui-se em
instrumento de política externa. Por meio delas, o Brasil atua em matéria de segurança,
projeta-se no cenário internacional e ainda promove a sua aproximação com outras
regiões.
92
A intenção dos governantes brasileiros é de agir conforme um global player, ou
seja, cuja área de atuação não se limita à América Latina, EUA e Europa ocidental. O
país busca aproximar-se de grandes potências regionais como África do Sul, China,
Índia, Rússia e Japão e também de estreitar laços com os países de língua portuguesa,
bem como outros países africanos de costa atlântica.
Evidenciou-se que havia certo padrão quanto às justificativas para o
envolvimento brasileiro em operações de paz. O governo brasileiro sempre se pautou no
consentimento das partes, no uso da força apenas em casos extremos e na
imparcialidade. Não é de costume, portanto, o apoio de Brasília a medidas
intervencionistas unilaterais.
Estas são características primordiais das chamadas operações de primeira
geração. No entanto, com o fim da Guerra Fria, novos condicionantes passaram a ter
influência na área de segurança. Por isso, as operações de paz passaram a ser
92
CANNABRAVA, Ivan. O Brasil nas Operações de Manutenção da Paz. São Paulo: Revista Política
Externa, Vol. 5, Nº. 3, Dez., 1996, p.99.
61
estabelecidas sem que, necessariamente, todos os requisitos de outrora fossem
observados.
Hoje não é mais uma condição sine qua non o consentimento das partes. Em
muitas das guerras civis e das guerras étnicas, características da década de 1990, há
facções que carecem de legitimidade, dispensando, assim, a anuência dos mesmos para
a atuação dos capacetes azuis. Houve, igualmente, considerável reposicionamento
quanto ao uso da força pela mesma razão.
Para o governo brasileiro, essa nova situação das operações de paz verificou-se,
na prática, anos depois. O país não participou das primeiras operações na década de
1990, onde os pilares originais das missões de paz não foram seguidos à risca. O Brasil
não enviou militares ao Iraque, a Ruanda à Somália ou ao Kosovo.
93
Ganhou destaque, por isso mesmo, o envolvimento brasileiro na questão do
Timor Leste. Neste caso, os mesmos princípios para o estabelecimento de uma operação
foram questionados. Todavia, o governo brasileiro participou desde o início do processo
que culminou com a independência do Timor Leste. Cedeu militares, inclusive, para a
INTERFET, cuja missão era restabelecer a paz, autorizada a fazê-lo por quaisquer
meios, entenda-se uso da força, e que não precisou do consentimento de todas as partes
envolvidas.
A participação do Brasil nas operações de paz da ONU no Timor Leste se
constituiu, assim, em um caso sui generis, exatamente pela concordância em questionar
os sustentáculos das operações de paz de primeira geração e pela admissão de novos
condicionantes em matéria de segurança. É por esta razão que a questão timorense, as
operações de paz da ONU e o envolvimento brasileiro nelas serão discutidos de forma
mais detalhada no capítulo seguinte.
93
O Brasil participou das operações de manutenção de paz – e não de imposição da paz – no Iraque a
partir de 1997e em Ruanda entre 1993 e 1996.
62
Capítulo 3 - O Envolvimento Brasileiro nas Operações de Paz da ONU
no Timor Leste
3.1 Breve Histórico da Questão Timorense.
O império português iniciou sua expansão ultramarina no século XV e se tornou
a primeira potência européia a se aventurar em busca de terras fora da Europa. A
dissolução desse império se completou apenas em 1975, após a ocorrência da
Revolução dos Cravos, realizada um ano antes, e que provocou a queda da ditadura
salazarista e abriu caminho para os processos de independência das colônias
portuguesas.
O projeto expansionista português se estendeu até a remota ilha do Timor, no
ano de 1515. Essa pequena ilha despertou o interesse da coroa lisbonense devido ao
lucrativo comércio do sândalo branco, cujas toras são utilizadas, entre outras formas, na
fabricação de incenso e de cosméticos. Os comerciantes portugueses trocavam toras
dessa madeira por armas com os nativos.
94
Assim, aos poucos, os portugueses foram aumentando sua influência sobre a ilha
e passaram a se estabelecer no local. Ainda no século XVI, os portugueses já
dominavam o comércio da ilha. Todavia, o lucrativo comércio do sândalo atraiu
também os holandeses que passaram a disputar espaço com os portugueses. Essa disputa
provocou conflitos envolvendo os nativos, holandeses e portugueses. A conseqüência
dessa rivalidade entre estes dois impérios europeus foi a divisão da ilha. O Timor Oeste
se tornou possessão holandesa e o Timor Leste coube a Portugal. Essa situação foi
definida formalmente, apenas, em 1913.
95
No entanto, bem antes do século XX, o comércio do sândalo há muito já havia
entrado em decadência após a devastação das florestas do Timor. Com isso, o Timor
caiu no esquecimento da metrópole e muito pouco foi feito por Lisboa para promover o
progresso local. Segundo Magalhães,
94
JARDINE, Mathew. Timor Leste – genocídio no paraíso. In: Timor Leste – este país quer ser livre.
SANT´ANNA, Sílvio L. (org.) São Paulo: Martin Claret, 1997, p. 21.
95
Idem, ibidem.
63
A colonização portuguesa de Timor foi ineficiente e até quase
inexistente. A falta de colonos, a distância à metrópole, (...) a falta
de recursos e a insalubridade de Díli e outras terras eram fatores
desmobilizadores que conduziram a esta estagnação.
96
A ilha voltou a ser lembrada, apenas, com a dissolução do império português.
Com a queda do regime salazarista as colônias portuguesas puderam efetivar seus
projetos independentistas. Entre 1974 e 1975, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe,
Guiné-Bissau, Angola e Moçambique se emanciparam.
O Timor Leste também passou por agitações políticas nessa mesma época.
Surgiram três partidos políticos. A União Democrática Timorense (UDT), a princípio,
defendia a manutenção dos laços com Portugal. Porém, depois advogou a idéia da
independência e, mais tarde, mudaria de posição outra vez. Outro partido criado foi a
Associação Social Democrática Timorense (ASDT), que também era favorável às idéias
emancipacionistas. Este partido, pouco tempo depois, mudaria de nome para Frente
Revolucionária do Timor Leste Independente (FRETILIN). Já Associação Popular
Democrática Timorense (APODETI) foi idealizada por autoridades indonésias e
pregava a incorporação do Timor por Jacarta.
97
Os três partidos foram formados em
maio de 1974 e a ASDT se converteu em FRETILIN em setembro do mesmo ano.
Em janeiro de 1975, a FRETILIN e a UDT se aliaram. O acordo entre elas
manifestou, entre outros pontos, a intenção de tornar o Timor Leste independente e de
repudiar a APODETI, partido em sintonia com as aspirações de Jacarta.
98
Todavia, o
fortalecimento da FRETILIN motivou a UDT a trocar de lado. Dessa forma, a UDT se
aliou à APODETI. O clima de tensão provocado pelas incertezas na metrópole e pela
intenção de cada um dos partidos de implementar seu projeto político fez irromper
graves distúrbios sociais no Timor Leste.
O passo inicial foi dado pela UDT, que, em agosto de 1975, empreendeu uma
tentativa de golpe militar para derrubar os portugueses do poder.
99
A FRETILIN, por ser
o partido mais organizado dos três, conseguiu rechaçar o golpe da UDT, tomou o poder
e declarou a independência do Timor Leste no dia 28 de novembro de 1975.
96
MAGALHÃES, António Barbedo de. Timor Leste na Encruzilhada da Transição Indonésia.
Lisboa: Gradiva Publicações, 1999, p. 14.
97
Idem, ibidem.
98
LIMA, Fernando. Timor – da Guerra do Pacífico à Desanexação. Macau: Instituto Internacional de
Macau, 2002, p. 220.
99
Idem, ibidem.
64
Todavia, das três possibilidades de desfecho para o caso timorense, a
independência era a que menos interessava ao poderoso vizinho, a Indonésia. Havia o
temor, em Jacarta, de que o Timor Leste se tornasse um foco comunista na região, uma
vez que a FRETILIN possuía inspiração marxista. Outra preocupação da Indonésia era a
de que a independência de um pequeno país na região desse viço a projetos
independentistas de outras províncias ou, até mesmo, que incorporasse a outra metade
da ilha do Timor.
100
O governo indonésio, ainda no ano de 1974, ao ver o crescimento da corrente
defensora da independência, determinou a execução do projeto de incorporação do
Timor Leste que ficou mais conhecido como “Operação Komodo”. A opção pelo uso de
força militar não era a mais desejada, porém não estava descartada. Privilegiou-se,
antes, a ação diplomática.
101
Entretanto, com os distúrbios do segundo semestre de
1975, Jacarta teve que usar a força. Magalhães aponta que,
A coberto do silêncio, e sob o pretexto de ir repor a paz e a ordem
que os timorenses teriam quebrado ao entrarem numa guerra
fratricida, em 07 de dezembro de 1975 a Indonésia invadiu e
ocupou o Timor Leste, com apoio militar, político e diplomático
do Ocidente e de muitos outros países.
102
Em boa medida, os condicionantes ideológicos da Guerra Fria justificaram a
anexação e muitas das potências ocidentais apoiaram o ato de Jacarta. Haja vista que no
ano de 1975, diversos países passaram a ter regimes comunistas. Etiópia, Angola,
Moçambique, Camboja, Laos e Vietnã reforçaram as posições dos defensores da
“Teoria do Dominó” e da contenção de um possível expansionismo soviético. Para
países como Estados Unidos, França, Reino Unido e Austrália, essa atitude teve um
significado ainda mais especial – se transformou em lucrativa oportunidade para a
venda de armas para as Forças Armadas da Indonésia.
103
Um dos países que mais apoiaram as ações de Jacarta no Timor Leste foram os
Estados Unidos. A Indonésia sempre foi considerada uma importante parceira pela
chancelaria norte-americana, por ser rica em recursos naturais e por ter uma localização
100
CUNHA, João Solano Carneiro da. A questão de Timor Leste: origens e evolução. Brasília:
FUNAG/IRBr, 2001, p. 74.
101
Idem, p. 76.
102
MAGALHÃES, Op. Cit. p. 130.
103
CHOMSKY, Noam. O mundo precisa saber. In: Timor Leste – este país quer ser livre.
SANT´ANNA, Sílvio L. (org.) São Paulo: Martin Claret, 1997, p. 125.
65
estratégica no sudeste asiático. Washington apoiou a independência da Indonésia frente
à Holanda na década de 1940.
104
O governo nacionalista e não-alinhado de Achmad Sukarno (1949-1965),
todavia, não esteve em sintonia com as diretrizes norte-americanas. Porém, quando
Suharto chegou ao poder, em 1965, os dois países novamente se aproximaram. As
relações comerciais entre EUA e Indonésia aumentaram muito a partir de então. Jacarta
se tornou atrativa para receber investimentos de empresas ocidentais e também se
tornou destacado importador de produtos norte-americanos.
Com tantos interesses econômicos em jogo, Washington apoiou a invasão do
Timor Leste em dezembro de 1975. Não interessava aos EUA a implantação de um
regime comunista no sudeste asiático, caso a FRETILIN conseguisse efetivar a
emancipação. A região também tinha importância estratégica, pois o mar do Timor é
rota de submarinos nucleares.
Assim, esse apoio ocorreu através da abstenção norte-americana na votação de
resoluções condenatórias à Indonésia na Assembléia-Geral e no Conselho de Segurança
das Nações Unidas. Outra forma de apoio foi por meio da venda de armas às forças
militares de Jacarta. Jardine coloca que, em 1977, época que as tropas indonésias
conheciam duros reveses frente às FALINTIL (Forças Armadas de Libertação Nacional
de Timor Leste, braço armado da FRETILIN), o governo do presidente norte-americano
Jimmy Carter autorizou um grande aumento na venda de armas para a Indonésia.
Apenas naquele ano, Jacarta comprou 112 milhões de dólares em armas dos EUA. Entre
1981 e 1986, no governo Ronald Reagan, as vendas de armas dos EUA para o país
ultrapassaram a cifra de meio bilhão de dólares.
105
Interesses de caráter econômico também enredaram o governo da Austrália no
caso do Timor. Primeiramente, no entanto, o governo australiano votou a favor da
resolução condenatória à invasão, no ano de 1975, em boa medida, graças à pressão da
opinião pública interna.
106
Prova disso foi que o primeiro-ministro australiano, Malcolm
Fraser, criticou Jacarta publicamente pela anexação.
107
A busca por boas relações com
Jacarta, pouco tempo depois, deu o tom da posição de Canberra a respeito da anexação
104
JARDINE, Op. Cit., p. 44.
105
Idem, p. 45-46.
106
LIMA,. Op. Cit, p. 272.
107
JARDINE, Op. Cit., p. 47.
66
do Timor, pois nas duas resoluções condenatórias seguintes, a Austrália absteve-se e, a
partir de 1978, passou a votar contra.
108
Interesses estratégicos aproximaram ainda mais Canberra e Jacarta. A existência
de petróleo e gás natural entre a Austrália e a Indonésia, no mar do Timor, motivou um
acordo entre estes dois países. Foi assinado, em 1989, o Tratado do Timor Gap que
dividia uma área de 61 mil km
2
para a exploração desses recursos. Segundo
levantamento feito por Cunha, como Jacarta estava em situação mais delicada, pois
havia invadido uma área sem a aquiescência da ONU, era mais interessante para
Canberra negociar com a Indonésia. A chancelaria australiana acreditava estar em
posição mais confortável e com maior poder de barganha se negociasse o acordo com
Jacarta. O governo australiano pensava que a mesma matéria negociada com Portugal
ou com o próprio Timor independente não seria tão vantajosa. Um apoio tácito à
ocupação se transformou, assim, em moeda de troca. Com isso, as negociações da
fronteira marítima entre Austrália e Indonésia “significaram o reconhecimento de jure
de Canberra da soberania de Jacarta sobre o Timor Leste.”
109
Entre as companhias
petrolíferas autorizadas a atuar no mar do Timor estavam a anglo-holandesa Shell, a
norte-americana Marathon e a australiana BHP (Broken Hill Propietry).
110
A posição australiana quanto à questão timorense sofreu fortes pressões da
opinião pública do país. Devido a uma série de fatores como a proximidade física do
Timor, a cobertura da imprensa australiana do caso – que vitimou alguns jornalistas do
país
111
e também graças à numerosa quantidade de exilados timorenses em solo
australiano, a pressão da opinião pública interna foi sempre forte. Em boa medida, isso
ajuda a explicar a revisão da posição australiana na questão na década de 1990.
Outras potências também estiveram ao lado de Jacarta. O Japão votou contra
todas as oito resoluções condenatórias da Assembléia-Geral. Já o Canadá, se absteve de
votar nas cinco primeiras resoluções e votou contra nas três últimas. Ao Japão,
interessava manter boas relações com o seu principal parceiro comercial no sudeste
asiático. Da mesma forma pensava a chancelaria canadense, cujas empresas haviam
feito grandes investimentos na Indonésia. A principal delas, era a empresa mineradora
Inco Ltd., que estava interessada na barata mão-de-obra local, na frágil legislação
108
CUNHA, Op. Cit., p. 174.
109
Idem, ibidem.
110
JARDINE, Mathew Op. Cit., p. 50.
111
Cinco jornalistas australianos foram assassinados na localidade de Balibó por militares indonésios no
ano de 1975.
67
ambiental e nas ricas jazidas de níquel da região de Sulawesi.
112
Empresas de armas
canadenses também lucraram com a venda de armas para o país.
O setor bélico também foi um fator interessante para o governo britânico não se
opor à Indonésia. O governo do Reino Unido se absteve nas oito resoluções a respeito
do Timor Leste na Assembléia-Geral. Em 1978, Londres autorizou a venda de oito jatos
de ataque terrestre Hawk para o governo da Indonésia. Estes jatos foram utilizados
exitosamente no combate às forças das FALINTIL.
113
Com o apoio tácito das grandes potências, o governo indonésio então iniciou seu
projeto de incorporação do Timor Leste. Essa integração, porém, não foi realizada com
sucesso. Isso porque, o povo timorense não pôde exercer o direito de autodeterminação,
expresso na Carta das Nações Unidas. O Conselho de Segurança e a Assembléia Geral
da ONU desaprovaram o ato de Jacarta por meio de diversas resoluções.
114
Ademais, os elementos responsáveis pela frágil união de diferentes povos dentro
da Indonésia não podiam ser aplicados ao território do Timor. A religião predominante é
o catolicismo e não o islamismo e a antiga potência administrante era Portugal e não a
Holanda. Destaca-se, ainda, que a integração se tornou mais difícil devido à violência
com que as tropas indonésias buscaram incorporar os timorenses à sociedade indonésia
durante os vinte e cinco anos de dominação.
A esse respeito, Lima argumenta que
Um relatório elaborado por uma delegação parlamentar australiana
denunciava que os militares indonésios continuavam a fazer
perseguições de toda a ordem. Essas perseguições incluíam
execuções sumárias, mortes indiscriminadas, desaparecimentos
não explicados, e tratamento desumano de prisioneiros. (...) Outra
dificuldade com que lutavam os timorenses, devido à dominação
indonésia, tinha a ver com a limitação do movimento das pessoas e
a falta de liberdade nos assuntos diários. Todo o correio que
chegava a Timor era censurado. Muitos foram proibidos de deixar
o território para se reunirem às respectivas famílias.
115
O resultado disso foi que, além do cerceamento do direito à autodeterminação, o
povo timorense passou a sofrer violações de cunho humanitário das mais brutais.
Vatikiotis qualifica a atuação das tropas de Jacarta da seguinte maneira:
112
JARDINE, Op. Cit., p. 51.
113
Idem, p. 53.
114
As resoluções são as seguintes: 3485 de 12 de dezembro de 1975; 389 de 22 de dezembro de 1975;
31/53 de 1º de dezembro de 1976; 32/34 de 28 de novembro de 1977; 33/39 de 13 de dezembro de 1978;
34/40 de 21 de novembro de 1979; 35/27 de 11 de novembro de 1980; 36/50 de 24 de novembro de 1981;
e 37/30 de 09 de dezembro de 1982. Todas estas resoluções estão disponíveis em www.documents.un.org
115
LIMA, Op. Cit, p. 270.
68
Na ex-colônia portuguesa do Timor Leste, onde um movimento
separatista nativo estava fumegando com diferentes graus de
intensidade desde 1975, os métodos de contra-insurgência do
exército eram na melhor das hipóteses, duros, na pior das
hipóteses, brutais.
116
Enquanto os condicionantes ideológicos da Guerra Fria estavam vigentes, o
desrespeito flagrante aos direitos humanos por parte da Indonésia quase não encontrou
oposição internacional. Nada pode justificar a morte brutal de uma pessoa, mas nos
primeiros seis anos de ocupação indonésia, de 1975 a 1981, o número de timorenses
mortos pelos militares de Jacarta atingiu a marca de 308 mil. Tendo em vista que a
população timorense à época era de 696 mil habitantes, em ternos relativos significou a
morte de 44% das pessoas deste lugar. Trata-se de cifra maior que a apresentada em
outros lugares onde houve também execuções sumárias e casos de graves violações
humanitárias como Camboja, Ruanda e Angola.
117
O Conselho de Segurança, como já foi mencionado, por diversas resoluções
condenou a anexação indonésia, não reconheceu o novo status político do Timor Leste e
considerava Portugal como potência administrante. A resolução 389, de 22 de dezembro
de 1975, em claro recado ao governo indonésio, exorta a comunidade internacional a
respeitar a integridade do povo do Timor Leste e seu direito à autodeterminação,
conforme a resolução 1514 da Assembléia-Geral da ONU, de 14 de dezembro de 1960.
Além disso, na resolução, foi sugerido a Jacarta a retirada das tropas presentes em
território timorense. Esta resolução foi adotada por doze votos a zero, porém com as
abstenções de Estados Unidos e Japão. A ONU, assim, emitia sinais de desaprovação do
ato de Jacarta. Todavia, as críticas à Indonésia passaram a perder força.
As resoluções condenatórias obtiveram, ao longo dos anos, um número cada vez
menor de votos. A posição de Jacarta foi, aos poucos, angariando apoio. Entre1975 e
1982, os votos favoráveis às resoluções sobre o Timor diminuíram de 72 para 50. Já o
número de países que se opuseram às resoluções deu salto ainda maior – de 10 para 46.
As abstenções mantiveram-se em um nível alto – de 43 para 50. Tudo isso em meio a
um clima de contemporização e de atenuação do tom condenatório contra Jacarta.
118
116
VATIKIOTIS, Michael R. J. Indonesian Politics under Suharto – Order, Development and
Pressure for Change. Nova York e Londres: Routledge, 1994, p. 184
117
MAGALHÃES, Op. Cit. p 131.
118
CUNHA. Op. Cit., p. 156-157.
69
O grande opositor da Indonésia na questão timorense acabou sendo Portugal. O
governo português não concordou com o desfecho da questão e foi o incentivador das
resoluções condenatórias na ONU. A oposição de forma mais explícita começou a partir
de 1986, com a entrada de Portugal na Comunidade Econômica Européia (CEE), que
deu vigor à divulgação da causa timorense. O governo português, com isso, aumentou
seu poder de atuação na cena internacional
119
e, por meio da CEE conseguiu dar maior
visibilidade à questão timorense. Sobre a mudança de rumo na questão timorense após a
entrada de Portugal na “Europa dos Doze”, Lima informa que
Empenhado em aproveitar o potencial de intervenção que lhe
proporcionava a adesão à Comunidade Européia, o governo
português iria multiplicar as iniciativas, algumas delas inéditas,
para que a defesa do povo timorense ganhasse nova visibilidade. É
assim que, em setembro de 1988, a presidência dos Doze, na
intervenção da Assembléia Geral da ONU, alude, pela primeira
vez, em nome da CEE, à situação no território. Ainda nesse mês, o
Parlamento Europeu aprovava, com a participação ativa dos
deputados portugueses, a primeira resolução sobre Timor Leste.
120
Antes mesmo do engajamento português na questão, a resistência timorense
recebeu grande apoio dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP):
Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. O conhecido
militante da resistência timorense, José Ramos-Horta, atribui a estes países o fato de que
a questão timorense não tenha sido definitivamente esquecida da agenda internacional
no final dos anos 1970 e início da década seguinte.
121
Assim, a causa timorense encontrou eco nesses países africanos de mesma
língua e semelhante história de dominação e de luta pela independência. Estes traços
comuns se transformaram em fator de sensibilização para a causa timorense.
Mesmo dois destes países, Guiné-Bissau e Moçambique, com considerável
população muçulmana, expressaram simpatia pela resistência timorense. Uma prova
disso foi a autorização do governo moçambicano de a FRETILIN abrir um escritório de
representação da sua causa em Maputo. O que diferencia estes dois dos outros três
PALOP é que a simpatia pela causa timorense não significava hostilidade à Indonésia.
119
LIMA. Op. Cit, p. 308.
120
Idem, ibidem.
121
RAMOS-HORTA, José. Timor Leste. Amanhã em Dili. Lisboa: Publicações dom Quixote Ltda.,
1994, p. 180, apud CUNHA. Op. Cit. p. 191.
70
Moçambique e Guiné-Bissau estabeleceram relações diplomáticas com Jacarta em 1992
e em 1996, respectivamente.
122
Grande apoio também foi dado por Cabo Verde e Angola. O apoio cabo-
verdiano remete à época em que o país ainda estava ligado à Guiné-Bissau, quando o
PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde) governava os
dois países. O governo de Cabo Verde sempre reconheceu a legitimidade da causa
timorense e procurou defendê-la na Assembléia-Geral e também na Comissão de
Direitos Humanos da ONU. O governo angolano, da mesma forma, apoiou o Conselho
Nacional de Resistência Maubere. Em Luanda, também foi aberto um escritório de
representação da FRETILIN, com apoio material e financeiro do governo deste país.
123
Um outro ator com papel importante na questão foi o Vaticano. A Santa Sé
encontrou-se em posição bastante difícil e agiu sempre de forma bastante comedida. O
catolicismo é a religião de 90% dos timorenses e de apenas 3% dos indonésios. No
entanto, em números absolutos, são cerca de 700 mil timorenses e 6 milhões de
indonésios.
124
Esses números ilustram a dificuldade que o Vaticano tinha em se
posicionar a respeito da questão.
Por um lado, o Vaticano não queria entrar em rota de colisão com a Conferência
Episcopal Indonésia, braço da Igreja Católica dentro do maior país islâmico do mundo.
Não era do interesse do Vaticano se indispor com o governo de um país com população
tão numerosa. Um atrito entre a Santa Sé e Jacarta não só dificultaria o trabalho de
evangelização da igreja nesse país asiático como também poderia levar muçulmanos e
católicos a hostilidades entre si. Por outro lado, o Vaticano não poderia ignorar a grave
situação humanitária do Timor Leste e a falta de reconhecimento da anexação indonésia
por boa parte da comunidade internacional e da ONU. Além disso, a diocese de Díli não
estava subordinada à Conferência Episcopal Indonésia. Ela esteve sempre diretamente
vinculada à Santa Sé.
125
A Conferência Episcopal indonésia havia convidado por três vezes no início dos
anos 1980 o papa João Paulo II a visitar a Indonésia. Todavia, a situação humanitária na
Indonésia e a indefinição da situação do Timor inviabilizaram a visita. A não
concretização da visita foi muito mal recebida por Jacarta. Um sinal da desaprovação
122
CUNHA. Op. Cit., p. 192-194.
123
Idem, p. 195.
124
Idem, p. 177.
125
Idem, p. 178 e LIMA,. Op. Cit, p. 299.
71
indonésia da atitude do papa foi percebido através de uma visita do presidente Suharto a
Roma, em 1986, quando ele não solicitou uma audiência com o papa.
126
Anos depois, o Vaticano decidiu aceitar o convite da referida Conferência para
visitar a Indonésia no ano de 1989. O papa aproveitaria a oportunidade para também
visitar o Timor. Houve temor de que a presença do papa no Timor Leste fosse uma
oportunidade para Jacarta propagandear sua posição. As autoridades indonésias
planejavam levar cerca de 50 mil indonésios para assistir a celebração da missa na parte
da frente da audiência. Estes fariam manifestações favoráveis à integração do Timor
com Jacarta. Já os timorenses, apenas alguns poucos teriam autorização para assistir a
missa.
127
Em outubro de 1989, o papa João Paulo II visitou o Timor Leste, onde reafirmou
a posição do Vaticano de não reconhecimento da soberania indonésia sobre o território.
Ao final da missa, cerca de vinte jovens se destacaram na parte da frente da audiência
pedindo a independência do Timor. A truculenta resposta dos militares indonésios a
estes manifestantes foi registrada pela imprensa internacional e divulgada
mundialmente.
128
No mesmo ano da visita de João Paulo II ao Timor, em 1989, o mundo passou
por uma série de acontecimentos que mudariam o rumo da história. Houve o fim dos
regimes socialistas no leste europeu e a queda do muro de Berlim. Foi o fim da ordem
bipolar.
Com o fim da Guerra Fria, a causa timorense ganhou novo ímpeto. As questões
humanitárias passaram a ter uma repercussão crescente dentro da agenda internacional.
A divulgação mundo afora de cenas flagrantes de desrespeito aos direitos humanos
chocou a opinião pública de diversos países. Nos países ocidentais, a questão
humanitária se tornou instrumento de pressão sobre os governantes.
Nesse quadro, ganhou ainda mais força a idéia de criação de arranjos
multilaterais para restabelecer a ordem em países assolados por guerras civis, limpeza
étnica e outras formas de desrespeito aos direitos humanos. Na década de 1990, foram
empreendidas operações de paz em diversas partes do globo, como Bósnia-
Herzegovina, Somália, Haiti, Libéria e Kosovo.
126
LIMA. Op. Cit, p. 299-300.
127
Idem, p. 301-302.
128
Idem, ibidem.
72
Da mesma forma, a questão do Timor Leste, paulatinamente, ganhou destaque
na pauta externa, em parte graças ao direito de autodeterminação do povo timorense e,
em parte também, devido à divulgação da precária situação humanitária do Timor Leste.
Ganhou fôlego, assim, a idéia daqueles que acreditavam que a comunidade
internacional não mais poderia ignorar o que acontecia no Timor. Com isto, Suharto foi
perdendo, aos poucos, o apoio que encontrara outrora das potências ocidentais.
A causa timorense foi divulgada com força ainda maior no cenário internacional
após o chamado massacre do cemitério de Santa Cruz, acontecido em 1991. Esse
massacre ocorreu com a repressão feita por militares indonésios a pessoas que
protestavam, no enterro de um militante timorense, contra a dominação de Jacarta. O
resultado foi a morte de 250 pessoas desarmadas, cujas cenas do massacre foram
captadas por jornalistas internacionais que cobriam o evento – e que também se
tornaram vítimas.
129
Esse episódio ganhou grande repercussão mundial.
Alguns dos antigos apoiadores de Jacarta reagiram imediatamente ao fato.
Resoluções condenatórias à Indonésia foram emitidas pelo Parlamento europeu e pelo
Congresso norte-americano. Holanda, Dinamarca e Canadá suspenderam a ajuda
financeira a Jacarta.
130
Vatikiotis complementa que
A cobertura da tragédia, na normalmente dócil imprensa regional,
foi inesperadamente detalhada e persistente – uma falta de
solidariedade regional que claramente irritou as autoridades
indonésias. Mais seriamente, pela primeira vez, o espectro de
países doadores retirando ajuda como uma forma de exercer
pressão da Nova Ordem chegou a um passo mais próximo da
realidade. Canadá e Países Baixos foram os primeiros a suspender
ajuda em dezembro [de 1991].
131
A divulgação da causa timorense ganhou mais força com o anúncio de que dois
ícones da resistência timorense, o bispo de Díli, Dom Ximenes Belo e o jornalista José
Ramos-Horta, receberam o prêmio Nobel da paz em 1996. Com o prêmio, evidenciava-
se a legitimidade da causa timorense, que então passava a ser reconhecida
internacionalmente.
A divulgação da causa timorense e as suspensões de ajuda à Indonésia por parte
de alguns países, tornaram-se grandes constrangimentos políticos para Jacarta. A
129
O ativista de Direitos Humanos, Mathew Jardine, relata de forma pormenorizada como aconteceu esse
massacre no seu artigo presente no já mencionado livro “Timor Leste – este país quer ser livre”.
130
JARDINE. Op. Cit. p. 19.
131
VATIKIOTIS. Op. Cit. p.188.
73
situação humanitária do Timor Leste, aos poucos, transformou-se em um fardo cada vez
mais pesado para a Indonésia. Mesmo após a entrega do prêmio Nobel aos dois
expoentes da causa timorense e após o aumento da pressão da comunidade
internacional, ainda havia grande divergência no seio do governo indonésio sobre a
questão.
No final dos anos 1990, houve grande divisão dentro da comunidade política
indonésia a respeito da questão do Timor Leste. De um lado, estavam aqueles
preocupados com a arranhada imagem da Indonésia perante a comunidade internacional
pelas constantes denúncias de que Jacarta violava os direitos humanos. Por outro lado,
havia os defensores da manutenção da dominação sobre o Timor como forma de evitar o
fortalecimento de movimentos secessionistas em outras províncias do país, garantindo,
assim, a unidade política da Indonésia.
132
A questão timorense ganhou novos contornos com a crise econômica que varreu
a Ásia e atingiu duramente a economia indonésia no ano de 1997. As dificuldades na
economia provocaram uma série de protestos no país e o velho general Suharto deixou o
poder em maio de 1998. Em seu lugar, assumiu o vice-presidente, Jusuf Habibie, que
contava com a difícil tarefa de recuperar a economia do país. No entanto, a questão
timorense emperrava a captação de empréstimos internacionais
133
- o governo dos EUA,
por exemplo, não empresta dinheiro a países que são condenados por violação dos
direitos humanos. Além disso, Jacarta não poderia mais invocar a idéia de contenção
comunista como fizera na década de 1970. O mesmo vale para outros países, como
Holanda e Canadá, que tradicionalmente ajudam países pobres.
Ao assumir o poder, Habibie nomeou uma comissão para estudar os caminhos
para a recuperação da economia indonésia. A conclusão foi que o principal entrave para
a obtenção de empréstimos para sanar a economia era exatamente a situação
humanitária no Timor Leste.
134
Sendo assim, Habibie teve que ceder.
3.2 As Missões da ONU no Timor Leste – UNAMET, UNTAET e UNMISET.
132
VATIKIOTIS. Op. Cit. p. 185.
133
CARRASCALÃO, Mário. Timor: um país para o século XXI. Edições Colibri, 2000, pág. 37, apud
CUNHA. Op. Cit., p. 226.
134
Revista Time, 25 de agosto de 1998, apud LIMA. Op. Cit, p. 314.
74
O passo inicial dado por Jacarta para rever seus posicionamentos sobre o Timor
foi dado em janeiro de 1999. O presidente Habibie anunciou que concordava com a
realização de uma consulta popular ao povo timorense a respeito da manutenção ou não
dos laços do Timor com a Indonésia. A partir dessa declaração, avançaram as
conversações entre Jacarta e Lisboa com vistas a um acordo.
135
Seguindo esses passos, Habibie consentiu com a realização de um referendo em
agosto de 1999, onde os timorenses escolheriam entre sim ou não ao projeto de
autonomia a Timor Leste proposto por Jacarta. No mês de maio do mesmo ano,
Portugal, Indonésia e ONU chegaram a um acordo sobre a realização da consulta
popular aos timorenses.
136
Esse acordo estava presente na resolução 1236 de 07 de maio de 1999, onde
ficou expresso tanto o entendimento entre Portugal e Indonésia, bem como o acordo
destes dois países com a ONU. Nesta mesma resolução, ficou estipulado que a
segurança de todo o processo de consulta popular ao povo timorense ficaria sob inteira
responsabilidade do governo da Indonésia. Foi decidido também que Jacarta deveria
garantir a ordem na preparação e execução do referendo e, igualmente, garantir a
segurança das pessoas envolvidas na realização da consulta – o que é importante para
compreender a eclosão dos distúrbios após a consulta, bem como o empenho modesto
dos militares indonésios em contê-los.
O significado desse referendo, na prática, foi o exercício do direito à
autodeterminação do povo timorense, cerceado vinte e quatro anos antes. Para organizar
a consulta popular, foi criada, em 11 de junho de 1999, por meio da Resolução 1246, a
UNAMET (Missão das Nações Unidas para o Timor Leste). A UNAMET tinha tempo
hábil bastante estreito para realizar seu objetivo, uma vez que o referendo estava
agendado para o mês de agosto do mesmo ano, ou seja, pouco mais de dois meses.
Neste curto espaço de tempo, a UNAMET conseguiu recensear quase 447 mil
eleitores
137
e veiculou a propaganda política do referendo. Ficou acertado entre as
partes, que, para dar maior legitimidade aos trabalhos da UNAMET, os funcionários da
ONU de nacionalidade portuguesa e indonésia não participariam das atividades.
Acordou-se que apenas observadores dos dois países poderiam fiscalizar o processo
eleitoral.
135
LIMA. Op. Cit, p. 316
136
CUNHA. Op. Cit., p. 227.
137
MAGALHÃES. Op. Cit. p. 146.
75
A Missão estava composta pelos seguintes componentes: Eleitoral, de
Informação Pública, Político, Policial Civil, Militar e Administrativo. O Componente
Eleitoral era representado pela Comissão Eleitoral, grupo de três pessoas nomeadas pelo
secretário-geral, cujo papel era monitorar a atuação das pessoas envolvidas na
realização do referendo. Parte ainda desse componente estavam todos os funcionários
responsáveis pelo recenseamento dos eleitores e pela execução do referendo.
O Componente de Informação Pública era responsável pela divulgação do
referendo aos timorenses. Tinha como objetivo precípuo esclarecer os eleitores de quais
eram as opções de votação e também de orientar os eleitores de como seria a cédula de
votação e como preenchê-la. A propaganda política foi veiculada nas rádios e jornais de
Timor Leste e também em órgãos de imprensa da Indonésia e de Portugal.
O Componente Político era formado por funcionários da ONU responsáveis por
fiscalizar e avaliar as condições em que a consulta seria feita nas diferentes regiões do
Timor, assegurar a liberdade de ação de organizações políticas e de ONGs e também de
monitorar e aconselhar o Representante Especial do Secretário-Geral da ONU em
problemas de implicação política.
Já a Polícia Civil, que contou com 280 oficiais
138
, não respondeu pela segurança.
Tinha como papel acompanhar o que foi feito em matéria de ordem pública por parte
das autoridades indonésias, estas sim responsáveis por prover segurança ao local.
O Componente Militar igualmente não respondia pela segurança. A função dos
50 militares destacados era de fazer a intermediação entre a UNAMET e as autoridades
de segurança da Indonésia. Por fim, o Componente Administrativo respondia pelas
partes administrativa e logística da UNAMET.
A segurança, portanto, ficou a cargo de autoridades militares da Indonésia, uma
vez que, antes do resultado final do referendo, o Timor Leste ainda estaria sob o
domínio de Jacarta, ainda que sem reconhecimento internacional. Os fatos futuros
demonstraram que a atuação dos militares indonésios foi bastante negativa. Magalhães
afirma que os militares indonésios dificultaram o recenseamento de eleitores e tentaram
coagir os timorenses a votar a favor do referendo e, até mesmo, de impedir que muitos
deles votassem.
139
138
Resolução 1246 de 11 de junho de 1999.
139
MAGALHÃES. Op. Cit., p. 146.
76
O resultado do referendo foi favorável à independência do Timor Leste. 78,5%
dos eleitores rejeitaram a proposta indonésia de autonomia especial ao Timor Leste.
140
Assim, que acabou a apuração, teve início uma série de choques entre os partidários da
emancipação e os favoráveis à integração com Jacarta. Estes contaram, inclusive, com o
apoio de militares indonésios. Iniciou-se, assim, uma grave crise humanitária, com
ataques desmedidos contra a população civil. Nem mesmo as dependências da ONU
foram poupadas.
141
Fernando Lima aponta que
(...) num documento do exército, redigido no momento em que
Jacarta dava o seu acordo à consulta, ordenava-se – massacres
deverão ser cometidos de aldeia em aldeia, se os partidários da
independência vencerem.
142
Diante das arbitrariedades cometidas por militares indonésios e da pressão
exercida pela comunidade internacional, estarrecida com as cenas de confronto entre as
milícias exibidas mundialmente pela imprensa, Brasil e Portugal solicitaram a
realização de uma sessão formal do Conselho de Segurança para discutir a questão
143
Concluiu-se que o melhor caminho a tomar era a atuação multilateral no Timor.
Todavia, era necessária tanto a aprovação do Conselho de Segurança como a
autorização de Jacarta para a entrada de tropas estrangeiras em seu território.
144
Primeiramente, era preciso a concordância de Habibie, para depois o Conselho autorizar
a entrada da força multinacional em território timorense. Mais uma vez, a Indonésia foi
pressionada. O presidente norte-americano Bill Clinton ameaçou suspender a ajuda
financeira que estava sendo feita à Indonésia via FMI e Banco Mundial. O porta-voz do
posicionamento da Casa Branca foi o almirante Dennis Blair, que, em visita a Jacarta,
afirmou que a questão timorense poderia ser um problema nas relações bilaterais entre
Washington e Jacarta. Três dias depois da visita do almirante, Habibie autorizou a
entrada de tropas da força multinacional de paz.
145
O envio de militares de diversos países ao Timor foi aprovado pelo Conselho de
Segurança da ONU em 15 de setembro de 1999, pela resolução nº. 1264. Os integrantes
da INTERFET (Força Internacional no Timor Leste) tinham a missão de restaurar a paz
140
LIMA. Op. Cit, p. 319.
141
FONSECA JR., Gelson. O Brasil no Conselho de Segurança da ONU. 1998-1999. Brasília:
IPRI/FUNAG, 2002, p. 157.
142
LIMA. Op. Cit., p.319.
143
FONSECA JR.. Op. Cit., p. 157.
144
LIMA. Op. Cit, p. 322.
145
Idem, Ibidem.
77
e a segurança em território timorense, proteger e apoiar o pessoal da UNAMET e
facilitar as operações de assistência humanitária.
146
Os militares da força multinacional
receberam carta branca para tomar quaisquer medidas necessárias para cumprir o
mandato.
147
Com a chegada da INTERFET, os militares indonésios deixaram o Timor Leste
em poucos dias. Uma importante tarefa da força multinacional na busca de restabelecer
a ordem foi desarmar as milícias e vigiar a fronteira para impedir a entrada de armas
vindas de Timor Oeste. As agências de ajuda humanitária intensificaram os trabalhos,
que passaram a ser ainda maiores. O resultado dos distúrbios foi grave, muita
destruição, muitos mortos e cerca de 500 mil refugiados.
148
Portugal e Indonésia concordaram em transferir a soberania do Timor Leste para
a ONU. No dia 19 de outubro de 1999, a Assembléia Consultiva Popular da Indonésia
reconheceu o resultado do referendo e cancelou a lei de 1975, que tratava da anexação
do Timor Leste.
149
Foi revogada, portanto, a lei que estabelecia o Timor Leste como 27ª
província indonésia e admitido, assim, o fim da soberania de Jacarta sobre a região.
O controle da ONU sobre o Timor foi exercido por meio de outra missão, a
UNTAET (Administração Transitória das Nações Unidas no Timor Leste), que
substituiu, assim, a UNAMET. A UNTAET foi criada por meio da resolução 1272 e
tinha o papel de administrar o Timor Leste no período de transição para a
independência. A Administração Transitória tinha autoridade para exercer funções
executiva e legislativa e de dirigir a justiça.
A UNTAET ficou com o encargo de reconstruir um país arrasado pelas milícias
e teve que criar instituições inexistentes para viabilizar a independência timorense,
processo este conhecido como nation-building. O ineditismo no caso do Timor Leste
reside no fato de que jamais a ONU teve tamanha responsabilidade sobre a
administração de um território. A ONU desempenhou papel administrativo em outros
locais como Kosovo, Namíbia, Moçambique, Camboja e Eslavônia Oriental, mas estes
não são casos em que a Organização administrou um país sem instituições
preexistentes.
150
.
146
CUNHA. Op. Cit. p. 230.
147
Resolução 1264 adotada pelo Conselho de Segurança em 15 de setembro de 1999.
148
Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. www.acnur.org
149
CUNHA. Op. Cit, p. 230-231.
150
TRAUB, James. Inventing East Timor. Revista Foreign Affairs, Vol. 79, No. 4, jul-ago 2000.
p. 74-75.
78
A chefia da UNTAET ficou a cargo do brasileiro Sergio Vieira de Mello. O
representante especial do secretário-geral tinha a autoridade de criar leis, bem como de
fazer emendas, suspender e, até mesmo, revogar as já existentes. Mello chefiava a
missão da ONU que deteve por três anos plenos poderes executivos, legislativos e
judiciários.
151
Entre os objetivos da UNTAET, destacavam-se: garantir a segurança do
território, manter a ordem, desarmar as milícias, estabelecer uma efetiva administração
do território, contribuir para a assistência humanitária, criar os instrumentos necessários
que levassem o Timor Leste ao autogoverno, fomentar o desenvolvimento de serviços
sociais e auxiliar o estabelecimento de condições para um desenvolvimento
sustentável.
152
No total, estiveram envolvidos na UNTAET 7687 militares, 1288 policiais civis
e 118 observadores militares. O número de civis que trabalhou na Administração
Transitória foi de 2482 entre timorenses e estrangeiros. Foram 48 países que enviaram
militares e policiais civis para a UNTAET, durante os quase três anos de mandato
(outubro de 1999 a maio de 2002).
Uma importante medida tomada para a consecução de tais objetivos foi o
estabelecimento do Conselho Consultivo Nacional (CCN), em dezembro de 1999. Este
Conselho era composto por 15 membros, sendo que 4 deles oriundos da UNTAET e os
restantes timorenses representantes do Conselho Nacional da Resistência Timorense e
da Igreja Católica.
153
O CCN foi acionado para tomar uma posição em uma série de medidas no
processo de institution-building que marcou a transição para a independência. Entre as
consultas, destacaram-se a determinação de um sistema legal, o restabelecimento do
poder judiciário, a instituição de controle de fronteira, a criação de uma moeda oficial,
de impostos e de um orçamento consolidado.
154
Dando seqüência a este processo de criação de instituições e de transferência
gradual de poder aos timorenses, foram criadas oito pastas para auxiliar na
administração do território: Administração Interna; Infra-estrutura; Assuntos
Econômicos; Assuntos Sociais; Finanças; Justiça; Polícia e Serviços de Emergência; e
151
Briefing concedido por Sérgio Vieira de Mello no Palácio do Itamaraty em 05/02/02 e disponível em:
www6.senado.gov.br/sicon. Acessado em 12/02/06.
152
Resolução 1272 adotada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 25 de outubro de 1999.
153
CUNHA. Op. Cit. p. 231.
154
Departamento de Informação Pública da ONU, Maio de 2002, www.un.org.
79
Assuntos Políticos. Os quatro primeiros chefiados por timorenses e os quatro últimos
por oficiais da UNTAET.
155
Ainda no ano 2000, no mês de outubro, o CCN deu lugar ao Conselho Nacional
(CN), maior que o antecessor no número de membros e também nas atribuições. O CN
passou a contar com 36 membros da sociedade civil timorense, representando os treze
distritos do território. O CN tornava-se, assim, o embrião da futura assembléia
timorense.
Em agosto de 2001, os eleitores timorenses voltaram às urnas, dessa vez para
escolher os 88 membros da Assembléia Constituinte. Este foi um passo decisivo no
processo de independência do Timor.
No ano seguinte, foi concluído o período de transição. Em março, a Assembléia
Constituinte aprovou a primeira Constituição. Em abril, o povo timorense elegeu
Xanana Gusmão como presidente do Timor Leste. Em maio, a Assembléia Constituinte
foi transformada em Parlamento. Foi efetivada, no dia 20 de maio de 2002, a
independência da República Democrática do Timor Leste.
O apoio da ONU ao Timor Leste, contudo, continuou. Em lugar da UNTAET,
foi criada a UNMISET (Missão de Apoio das Nações Unidas no Timor Leste) por meio
da resolução 1410 e que vigorou de maio de 2002 a maio de 2005. A UNMISET tinha
por objetivo auxiliar as estruturas administrativas timorenses, encarregar-se da aplicação
da lei, contribuir na criação do Serviço de Polícia do Timor Leste e ajudar na
manutenção da segurança do país.
Esta operação de paz da ONU, para cumprir seu mandato, era formada por três
componentes: civil, militar e policial civil. O componente civil era constituído por 100
funcionários e pelo representante especial do secretário-geral cuja função principal era
acompanhar a situação humanitária do Timor. Os outros dois componentes eram
formados por 5000 militares e 1250 policiais civis.
156
A UNMISET teve duas fases. A primeira delas, de maio de 2002 a maio de
2004, foi chefiada pelo indiano Kamalesh Sharma e possuía um contingente de pouco
mais de sete mil pessoas, incluindo militares, policiais civis, voluntários da ONU e
pessoas recrutadas no Timor. A outra fase, chefiada pelo japonês Sukehiro Hasegawa,
entre maio de 2004 e maio de 2005, contou com um efetivo bem menor, quase duas mil
155
CUNHA. Op. Cit. p. 232.
156
Resolução 1410 do Conselho de Segurança das Nações Unidas de 17 de maio de 2002. Disponível em
www.unmiset.org
80
pessoas, reduzido por meio da resolução 1543 do Conselho de Segurança das Nações
Unidas de 14 de maio de 2004, para o cumprimento do mandato.
Com uma situação interna bem menos complicada que a enfrentada pelas
missões anteriores, a UNMISET conseguiu cumprir seus objetivos. Foi criada uma força
de segurança pública no Timor Leste, assim como houve demarcação de 96% das
fronteiras do país com a outra parte da ilha.
A ONU mantém, atualmente, o monitoramento da situação no país através do
Escritório das Nações Unidas no Timor Leste (UNOTIL), estabelecida por meio da
resolução 1599. A função desse escritório é acompanhar o desenvolvimento das
instituições criadas pela organização no Timor Leste, como o poder judiciário, a polícia
e também a Unidade de Patrulha de Fronteira. Acompanha de perto, também, a situação
dos direitos humanos e da democracia no país.
157
A UNOTIL conta com cerca de 1400
pessoas no trabalho de monitoramento da ONU no país, que vigorará, a princípio, até
maio de 2006.
3.3 O Posicionamento Brasileiro na Questão Timorense
Desde os anos 1970, o governo brasileiro acompanhou de perto os
acontecimentos no Timor Leste, porém, não se envolveu diretamente na questão. Na
época, o país buscava aproximar-se de países do sudeste asiático que apresentavam altas
taxas de crescimento econômico e auspiciosos mercados consumidores.
A Indonésia estava entre estes países promissores e, por isso, era considerado
um dos chamados “novos tigres asiáticos”, ou seja, fazia parte da segunda leva de países
asiáticos que haviam conquistado consideráveis taxas de crescimento econômico por
meio da industrialização. Os tigres asiáticos tradicionais são a Coréia do Sul, Cingapura,
Hong Kong e Taiwan. Esse segundo grupo era formado por Tailândia, Malásia e
Indonésia. Isso ajuda a explicar o porquê do interesse brasileiro por esse país. Como
prova da importância atribuída a essa região, o Itamaraty enviou uma missão comercial
aos países da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático), em 1982, que foi
um importante marco da relação do Brasil com estes países.
158
157
Resolução 1599 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, 28 de abril de 2005.
158
CERVO e BUENO. Op. Cit. p. 447.
81
Assim, a questão timorense se tornou um ponto da agenda bilateral Brasil-
Indonésia que poderia comprometer as relações entre os dois países. Havia o receio de
que se o Brasil pendesse a favor do Timor, haveria prejuízo nas relações com a
Indonésia. A primeira abordagem do governo brasileiro ao tema, segundo Cunha foi que
Desde a primeira hora (...) a posição brasileira foi de fidelidade ao
princípio da autodeterminação, entendido este como direito do
povo do Timor-Leste a expressar-se livremente sobre seu futuro,
sem prejulgar as aspirações timorenses. Mas não cabia ao país
assumir nenhum protagonismo naquele tema específico.
159
O governo brasileiro não se encontrava, desse modo, em situação confortável a
respeito da questão timorense. Por um lado, o Brasil buscava, a partir dos anos 1980,
aumentar suas exportações e, por isso, procurou uma aproximação com os países da
ASEAN, onde a Indonésia é um dos principais atores.
O Brasil, encorajado pelo peso de sua economia [da Indonésia] e
por sua crescente inserção num mundo a caminho da globalização,
sentia-se apto a disputar, ao lado das potências industriais, nichos
de oportunidade naquela promissora região.
160
Dessa forma, um apoio explícito à causa timorense poderia minar o objetivo
brasileiro de estreitar laços com este país.
No entanto, esse distanciamento estratégico da questão foi rompido ainda nos
anos 1980. Após o fim do regime militar, o Brasil passou a ter papel de maior destaque
na ONU. É nessa época que a questão dos direitos humanos entra com mais força na
agenda internacional e passa a ter importância renovada também na política externa
brasileira. Segundo Sabóia,
Com a redemocratização ocorrida em 1985, foi possível avançar
muito no reconhecimento da existência de obrigações
internacionais em matéria de direitos humanos, consubstanciadas
ou não apenas em instrumentos convencionais específicos, mas
também no funcionamento dos foros e mecanismos estabelecidos
pelas Nações Unidas e por organismos especializados ou
regionais.
161
159
CUNHA. Op. Cit, p. 200.
160
Idem, p. 198.
161
SABÓIA, Gilberto V. Direitos Humanos. Evolução Institucional Brasileira e Política Externa –
Perspectivas e Desafios. In: Temas de Política Externa Brasileira II, vol. 1, FONSECA JR., Gelson e
CASTRO, Sergio H. N. de (orgs.) Brasília: FUNAG e São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1994, p. 189.
82
Ainda nos anos 1980, o governo brasileiro procurou uma redefinição de postura
no âmbito das Nações Unidas, o que demandou um posicionamento frente à entrada dos
chamados novos temas na agenda internacional. Um desses novos temas é exatamente a
questão dos direitos humanos. As violações humanitárias passaram a receber maior
preocupação por parte dos países após o fim da Guerra Fria. O fim do regime autoritário
no país exigia uma postura diferente da adotada entre 1964 e 1985 nesta matéria. Um
posicionamento firme na defesa dos direitos humanos era deveras importante para que
ficasse evidente não apenas o fim da ditadura no Brasil, mas também que a nossa
política externa estava em sintonia com a ascensão de novos temas na agenda
internacional, entre eles, os direitos humanos.
A trajetória da temática humanitária na política externa brasileira foi avaliada
por Amado Luiz Cervo:
A política exterior do Brasil envolveu-se com os direitos humanos
de modo distinto, em três fases: ao ensejo e logo após a Declaração
Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, foi assertiva
na promoção desses direitos adquirindo experiência no plano
regional (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) e global
(Comissão de Direitos Humanos da ONU); a partir de 1960, em
nome do constitucionalismo, mas em razão do regime autoritário,
abandonou tal esforço, tomando posições defensivas e
isolacionistas nos foros multilaterais; com o fim do ciclo
autoritário, remediou-se e recuperou-se, desde 1985, aquela
assertiva original.
162
A chancelaria brasileira ao dar maior importância para este tema na sua agenda,
acompanhando as mudanças verificadas em âmbito mundial no assunto, passou a
defender os direitos humanos e a contribuir para a implementação e efetivação de tudo
que foi acordado. Na Conferência de Viena sobre Direitos Humanos, em 1993, o Brasil
fez parte do grupo de países que defendeu a associação entre desenvolvimento e direitos
humanos.
A defesa desse binômio ajuda a explicar, em parte, a inclinação brasileira para a
causa timorense e a idéia de que os direitos humanos no Timor Leste, e em qualquer
outro lugar, envolvem também o desenvolvimento destes países. Por isso mesmo, o
Brasil exortou a comunidade internacional a colaborar nos projetos de desenvolvimento
do Timor Leste como forma de garantir a pacificação do país.
162
CERVO e BUENO. Op. Cit, p. 466.
83
Com o fim do regime militar e com a adoção e ratificação dos acordos no tema,
as questões humanitárias vicejaram na agenda política nacional. Isso não significa,
todavia, que o governo brasileiro, durante o regime militar, tenha apoiado a anexação e
as violações de cunho humanitário feitas por Jacarta. Trata-se de um papel mais ativo no
desenlace da questão em lugar do distanciamento apresentado até então. O governo
brasileiro sempre esteve em posição desconfortável, uma vez que a Indonésia é um
considerável ator no sudeste asiático e, também porque as questões humanitárias
emergiram com força na agenda política internacional, onde a indiferença ao tema não
seria bem vista.
Assim, por um lado, não era do interesse do governo brasileiro prejudicar as suas
relações com a Indonésia, mas, por outro lado, era preciso dar uma resposta aos abusos
humanitários feitos por Jacarta. Além disso, países com certa importância para a
diplomacia brasileira estavam engajados na emancipação do Timor Leste: Portugal e os
países africanos de língua oficial portuguesa. Com isso, o Itamaraty procurou agir como
mediador na questão timorense e incentivou o diálogo entre indonésios e timorenses,
segundo informação passada pelo ex-embaixador do Brasil na Indonésia, Jadiel Ferreira
de Oliveira.
163
Assim, o Brasil votou a favor das oito resoluções condenatórias à Indonésia na
Assembléia Geral da ONU e passou a ter papel mais destacado na CDH.
164
O que
demonstra igualmente tanto a desaprovação de Brasília em relação ao status político do
Timor, quanto a busca por desempenhar um papel de maior relevo no caso.
O Brasil co-patrocinou resoluções condenatórias à Indonésia nos anos de 1993 e
1997 junto à Comissão de Direitos Humanos da ONU. O governo brasileiro esteve ao
lado, nesta empreitada, de Portugal e de quatro países africanos de língua portuguesa
com assento no CDH naquela época – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau e
Moçambique.
165
O governo brasileiro sempre defendeu uma solução pacífica para a questão
timorense, mas não passou a ter um discurso de ferrenha oposição ao governo
indonésio. Além disso, o Brasil não era um advogado da independência timorense. Haja
vista que o governo brasileiro não autorizou a instalação de um escritório de
representação da resistência timorense no Brasil ao contrário do que já havia acontecido
163
Conforme relato do embaixador do Brasil na Indonésia no final dos anos 1990, Jadiel Ferreira de
Oliveira, em entrevista concedida ao mestrando no dia 09 de abril de 2005.
164
CUNHA. Op. Cit. p. 221.
165
Idem, p. 204.
84
em Luanda, Maputo e Lisboa. O governo brasileiro também não se mostrou favorável à
entrada do Timor Leste na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP),
quando de sua criação em 1996, pois o Timor ainda não havia se tornado oficialmente
um Estado independente e também porque suscitaria dúvidas de quem poderia
representá-lo com legitimidade.
166
Apenas em 2000, o Timor Leste participaria na condição de observador da
Conferência de Chefes de Estado da CPLP realizada em Maputo.
167
Atualmente, o
Timor Leste é um membro efetivo da Comunidade, tornando-se, assim, o oitavo Estado
a fazer parte da Comunidade. A adesão do novo membro aconteceu apenas com a
independência formal do Timor Leste, em 2002, conforme desejava a chancelaria
brasileira.
Um fator relevante, igualmente, para o envolvimento brasileiro na questão
timorense foi o interesse de estreitar laços com os países de língua portuguesa. Segundo
Saraiva, a importância da África, nos anos 1990, para a política externa brasileira, não
conheceu o mesmo vigor dos anos 1970 e 1980. Apesar do enfraquecimento, Saraiva
aponta quatro linhas de ação da chancelaria brasileira nas relações com a África na
década de 1990: África do Sul, país mais rico do continente; Angola, devido ao forte
intercâmbio comercial; ZPACAS (Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul), que
procura aproximar o Brasil dos países africanos do costa do Atlântico; e CPLP, países
africanos com afinidades culturais, históricas e lingüísticas.
168
O Brasil, assim, buscou aproximação dos países de mesmo idioma no continente
africano (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe) e o
posicionamento brasileiro sobre a causa timorense tinha importância nesse processo,
uma vez que os Palops eram amplamente favoráveis ao exercício do direito à
autodeterminação do povo timorense. A FRETILIN, como já foi mencionado, mantinha
escritórios nas cidades de Luanda e Maputo para ajudar a divulgar a sua causa no
exterior.
Uma outra razão que levou o governo brasileiro a se envolver de forma mais
direta no caso do Timor, já tratando da atuação do Brasil nos momentos decisivos do
fim da soberania indonésia sobre o país, foi a oportunidade de participar de uma
166
CUNHA, Op. Cit. p. 205
167
SARAIVA, José Flávio Sombra. CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Brasília:
IBRI, 2001, p. 48.
168
SARAIVA, José Flávio Sombra. O lugar da África – A dimensão atlântica da política externa
brasileira (de 1964 a nossos dias). Brasília: Ed. UnB, 1996, p. 219-230.
85
operação de paz da ONU. Participação esta que estaria em franca sintonia com os
interesses nacionais.
A atuação brasileira em termos de missões internacionais é
consistente quando considerada à luz dos princípios de igualdade
das nações e apoio a soluções pacíficas que pautam a política
externa. Há uma distinção brasileira nessa participação: ao
contrário de outros países, o Brasil claramente privilegia as regiões
que sua política externa considera prioritárias, como as Américas e
a África (...).
169
Desde o início dos anos 1990, é consenso que a participação brasileira em
operações de paz é imperiosa no objetivo de obter um assento permanente no Conselho
de Segurança da ONU. Ainda que a escassez de recursos financeiros seja um obstáculo
considerável, mesmo assim o Brasil se envolveu em missões de paz em Angola,
Moçambique e Haiti, entre outros. A mesma motivação impulsionou as tropas
brasileiras para o Timor.
A questão timorense ganhou importância na percepção brasileira na medida em
que o envio de tropas para o Timor representou uma ruptura com o que era feito até
então em termos de participação brasileira em operações de paz. Historicamente, o
Brasil considera a autodeterminação dos povos como um dos valores maiores nas
relações entre os Estados. Dessa forma, o governo brasileiro nunca apoiou
explicitamente as chamadas operações de interposição, onde tropas estrangeiras
intervêm em determinada região. Essa mudança de posicionamento aconteceu nos
últimos anos, uma vez que
(...) enfatiza-se a preferência, na medida do possível, e em
princípio, por ações consentidas. Mas tem apoiado missões
coercitivas em tempos recentes, entendendo este posicionamento
como necessário para a construção e reforço de uma agenda
multilateral em questões de segurança.
170
Assim, o Brasil atuou na INTERFET, uma missão coercitiva, o que evidencia a
importância da questão timorense na pauta externa brasileira, pois representou uma
169
BRIGAGÃO, Clóvis e PROENÇA JR., Domício. Concertação Múltipla – Inserção Internacional
de Segurança do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Ed., 2002, p. 124-5.
170
Idem, p. 126
86
ruptura em relação às justificativas empregadas para atuar em uma operação de paz até
então. Foi a primeira vez que o Brasil participou de uma missão coercitiva.
171
O país contribuiu significativamente no processo de transição política no Timor
Leste ao enviar de técnicos eleitorais a militares nas operações de paz da ONU
estabelecidas (UNAMET, UNTAET E UNMISET). Para a UNAMET, o governo
brasileiro contribuiu com 19 peritos eleitorais, cinco oficiais de ligação, seis
observadores militares
172
e 100 policiais do exército.
173
Já para a INTERFET, Brasília mandou 51 soldados da Polícia do Exército para
fazer parte desta força multinacional, enquanto que para a UNTAET foram enviados 71
soldados, 12 observadores militares e 14 policiais brasileiros
174
Já para a UNMISET
foram destacados 66 militares, sendo que destes 51 fizeram parte do Batalhão de Polícia
do Exército. Somando todas as missões de paz da ONU no Timor Leste e o rodízio entre
os militares
175
, houve um envolvimento total de 574 militares brasileiros, número
inferior apenas às participações brasileiras em missões de paz da ONU em Angola, Haiti
e Egito.
176
O apoio brasileiro ficou cristalizado com a visita do então presidente Fernando
Henrique Cardoso a Díli, em 22 de janeiro de 2001. Cardoso se reuniu com o chefe da
Administração Transitória da ONU, Sergio Vieira de Melo, com lideranças timorenses,
entre elas Xanana Gusmão e também com o bispo Carlos Ximenes Belo.
Na visita, o presidente reafirmou os compromissos assumidos pelo Brasil nas
áreas de alfabetização e de capacitação profissional. Ele visitou, inclusive, os espaços
que estavam destinados à realização dos projetos encabeçados pelo SENAI e pela
Alfabetização Solidária.
177
O envolvimento do Brasil no Timor se fortaleceu com o
estabelecimento de um escritório de representação em Díli que, mais tarde, se tornou a
embaixada brasileira.
Na visão da chancelaria brasileira, há quatro grandes áreas em que o governo do
Timor Leste deveria dar maior atenção: economia e emprego; educação; segurança; e
171
AGUILLAR, Sergio Luis. As forças de paz do Brasil: balanço. In: BRIGAGÃO, Clóvis e PROENÇA
JR., Domício. Brasil e o mundo – novas visões. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 2002.
172
CUNHA. Op. Cit. p. 236.
173
BRIGAGÃO e PROENÇA JR. Op. Cit., p. 121.
174
CUNHA,. Op. Cit. p. 237.
175
Foram destacados os Batalhões de Polícia do Exército de Brasília, Porto Alegre (3º BPE), São Paulo
(2º BPE), Rio de Janeiro (1º BPE) e Olinda (4º BPE).
176
Dados obtidos em www.exercito.gov.br
177
Jornal Folha de São Paulo, 22/01/2001. “FHC teve agenda intensa em Timor Leste”.
87
participação política.
178
Estes são setores vitais para a existência do Timor Leste no
cenário internacional e que, nos primeiros anos após a independência formal, em 2002,
o país precisou de ajuda externa para lidar com eles. É exatamente nessas áreas em que
o governo brasileiro procurou concentrar o seu apoio. Na área econômica, a intenção é
promover atividades do setor primário que podem vingar no Timor Leste, como a
cafeicultura ou a exportação de frutos do mar. Outra atividade econômica que pode
interessar o Brasil é a extração de petróleo. O governo timorense defende uma revisão
do acordo do Timor Gap com Austrália e Indonésia para poder também lucrar com as
atividades de extração de petróleo no mar do Timor.
O Brasil coopera com o Timor Leste em diversas áreas. Essa cooperação é feita
por meio da Agência Brasileira de Cooperação, ligada ao Ministério das Relações
Exteriores, que desenvolve projetos de cooperação bilateral nas áreas de educação,
agricultura, formação profissional e jurídica
179
. O primeiro passo para a cooperação
entre Brasil e Timor Leste foi a assinatura do Protocolo de Cooperação Técnica,
firmado entre o governo brasileiro e a UNTAET em 22 de julho de 2000. Com a
efetivação da independência do Timor Leste, em maio de 2002, a colaboração
prosseguiu após o estabelecimento formal de relações diplomáticas entre os dois países.
Na área de capacitação profissional, foi implementado um projeto do SENAI
(Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial). O SENAI criou um Centro de
Promoção Social, Formação Profissional e Desenvolvimento Empresarial de Becora, em
Díli. O projeto buscou capacitar os timorenses nas áreas de construção civil, marcenaria,
costura industrial, hidráulica, eletricidade, panificação e informática. Entre os anos de
2002 e 2005, o projeto teve cerca de 700 alunos que passaram a trabalhar na
reconstrução do Timor.
A educação era uma das áreas que mais interessavam o governo brasileiro.
Segundo relato do embaixador Jadiel Ferreira de Oliveira houve pressão por parte do
governo australiano para que o inglês fosse adotado como idioma oficial ao lado do
tétum. Porém, Brasil e Portugal conseguiram convencer as autoridades timorenses a
fazer do português idioma oficial juntamente com a língua local, o que possibilitaria que
178
Discurso do embaixador Luiz Tupy Caldas de Moura no CSNU no dia 27 de junho de 2000.
Disponível em:
www.un.int/brazil. Acessado em 27/10/05.
179
Os dados referentes à cooperação nas áreas de educação, capacitação profissional e agricultura têm
como fonte a Agência Brasileira de Cooperação, ligada ao Ministério das Relações Exteriores.
www.mre.gov.br
88
a CPLP ganhasse um novo membro e tornasse o português língua oficial de países na
América do Sul, Europa, África e Ásia.
O governo brasileiro trabalhou – e vem trabalhando - pela universalização e
consolidação do português entre os timorenses, uma vez que era língua dominada por
menos de 25% da população. Nesta área, o Brasil contou com a contribuição também da
sociedade civil. A ONG Alfabetização Solidária e a Fundação Roberto Marinho
implantaram projetos de ensino da língua portuguesa aos timorenses. A cooperação na
área de educação foi estabelecida por meio do Memorando de Entendimento na Área de
Cooperação Educacional, celebrado em 24 de agosto de 2001 e renovado pelo Acordo
de Cooperação Educacional em 20 de maio de 2002. Este último entrou em vigor por
meio do Decreto nº. 5104 de 11 de junho de 2004. Os objetivos do intercâmbio na
educação não envolvem apenas a alfabetização de timorenses, mas também a formação
de professores.
Há também esforços conjuntos no campo da agricultura. A ABC, juntamente
com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil têm procurado
revitalizar uma das poucas atividades econômicas promissoras do Timor – a cultura
cafeeira. Foi implantado o projeto de Transferência de Técnicas Cafeeiras, que
promoveu cursos para cafeicultores timorenses e a missão tanto de um técnico do
Ministério da Agricultura do Timor para fazer cursos no Brasil, como também a ida de
um técnico brasileiro para acompanhar o trabalho realizado em campos de cultivo de
café no Timor Leste.
O mais recente campo de cooperação entre Brasil e Timor é na área da justiça.
Prevê-se a implantação do Projeto de Apoio ao Fortalecimento do Setor de Justiça do
Timor Leste. Neste projeto, busca-se a formação teórica e prática de profissionais
timorenses a ser feita por dois defensores públicos, um promotor público e um juiz
brasileiros. Esse acordo na área jurídica foi promulgado por meio do Decreto nº. 5346,
de 19 de janeiro de 2005.
Constata-se, dessa forma, que a participação do Brasil nas operações de paz da
ONU no Timor Leste atende aos interesses nacionais. Segundo Borges e Gomes
180
, há
três razões principais que levam o governo brasileiro a se envolver em missões de paz:
180
BORGES, João Marcelo e GOMES, Renato Couto. Notas sobre as Missões de Paz da ONU. In:
Panorama Brasileiro de Paz e Segurança. BRIGAGÃO, Clóvis e PROENÇA JR., Domício (orgs.) São
Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2004, p. 322.
89
auxílio à ONU, promover estabilidade no entorno regional e contribuir para a paz em
países com laços culturais e lingüísticos com o Brasil.
Isso ajuda a explicar o envio de militares ao Egito, na Força de Emergência das
Nações Unidas (UNEF), na década de 1950, ao Congo (ONUC), nos anos 1960 e aos
Bálcãs nos anos 1990 (UNPREDEP, Macedônia, 1992; UNMOP, Prevlaka, 1992 e
UNTAES, Eslavônia Oriental, 1992-1997) no caso de apoio à ONU.
No segundo caso, em que o país buscava contribuir para a paz e estabilidade na
América Latina, o Brasil esteve presente na Nicarágua (ONUCA, 1989-1992), El
Salvador (ONUSAL, 1991-1992), América Central (MARMINCA, 1994), Guatemala
(MINUGUA, 1994) e Haiti (MINUSTAH, 2004 -).
Já no terceiro caso, em que o governo brasileiro objetivava contribuir para a paz
em países de mesma língua e semelhante passado de dominação portuguesa, o Brasil
esteve nas operações de paz da ONU em Angola (UNAVEM I, II, III – 1989-1997 e
MONUA -1997), Moçambique (ONUMOZ, 1992-1994), Guiné-Bissau (UNOGBIS,
2004) e Timor Leste (UNAMET, UNTAET e UNMISET).
O envolvimento do Brasil na questão timorense, portanto, atende aos interesses
nacionais. Mais além, tratou-se de uma participação necessária para um país que
defende uma reforma no Conselho de Segurança das Nações Unidas e postula um
assento como membro permanente. Ademais, está em sintonia com o objetivo de fazer
do Brasil um país com papel ativo na solução das questões de segurança, sobretudo em
países importantes para o cálculo externo brasileiro como a América Latina e os países
membros da CPLP.
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Conclusão
Contata-se que com o fim da Guerra Fria e com a redefinição de segurança
internacional, as operações de paz da ONU ganharam fôlego renovado como
instrumento de atuação multilateral em prol da paz. Elas passaram por um processo de
ampliação do escopo de seus mandatos, cujas tarefas foram além do patrulhamento de
fronteira e da interposição de forças beligerantes.
A ONU enfrentou duros reveses com o insucesso de missões de paz como na
Somália ou em Ruanda. Todavia, alguns casos de êxito, como no Timor Leste, Angola e
Moçambique garantiram relativa respeitabilidade à atuação da Organização nesta
matéria até os dias de hoje. Ressalta-se, porém, que o desempenho dela no campo da
paz e da segurança internacionais ainda está aquém do esperado.
O estabelecimento de operações de paz não está livre do jogo de poder entre os
atores. Há evidente seletividade em onde, como e quando agir. Ruanda, na década
passada, e o Sudão, nos dias de hoje, são exemplos de lugares que padeceram por causa
do desinteresse da comunidade internacional em resolver casos flagrantes de desrespeito
aos direitos humanos, desestabilização regional, deslocamentos populacionais e
militarização. Ademais, não se vislumbra a curto e médio prazo a possibilidade de que
os países mais poderosos sejam efetivamente cobrados por provocar insegurança,
instabilidade e violações de direitos humanos.
Ainda assim, o estabelecimento de operações de paz por parte da ONU é
reconhecido como o principal instrumento multilateral para a prevenção e interrupção
de conflitos. Trata-se de alternativa à indiferença dos Estados membros ou da
intervenção unilateral diante de situações de instabilidade e insegurança internacionais.
O aumento no número de missões de paz estabelecidas pelo CSNU, verificado
na década de 1990, também teve reflexos no Brasil. O país, recém saído do regime
militar, buscava um lugar de maior evidência no cenário internacional. Uma das
maneiras para auxiliar na consecução de tal objetivo foi o maior engajamento em
operações de paz.
Assim, o governo brasileiro mandou pessoal civil, militar e policial para mais da
metade das operações criadas a partir de 1988. Todavia, o número de brasileiros
destacados foi significativo em apenas 5 delas: Angola, Moçambique, ex-Iugoslávia,
91
Timor Leste e Haiti. Somente nestas cinco, há 50% do total de brasileiros que serviram
em missões de paz desde 1948.
O envolvimento nacional em operações de paz atende a uma série de interesses
nacionais. Há o intercâmbio com forças armadas de outros países, projeção de poder,
engajamento nas atividades da ONU e atuação na temática de segurança em locais de
maior interesse para a Chancelaria brasileira, sobretudo América Latina e países de
língua portuguesa.
A atuação brasileira no Timor Leste se encaixa neste contexto. A relevância de
estudar mais detidamente o caso se encontra no fato de que se trata de uma operação
dita de segunda geração – em que princípios como o uso da força e o consentimento de
todas as partes beligerantes são relativizados. A questão timorense dizia respeito a
violações constantes dos direitos humanos aliado ao cerceamento do exercício do direito
de autodeterminação desse povo na década de 1970.
O caso do Timor ganhou repercussão pela ampla divulgação da mídia e pela
militância dos timorenses. Porém, não forem razões humanitárias as únicas a levar o
governo brasileiro a se envolver nas operações de paz da ONU criadas na ex-colônia
portuguesa. Havia o interesse também de ampliar a presença brasileira na região, de
auxiliar no processo de independência de mais um país de língua portuguesa e a
possibilidade de intercâmbio comercial.
Além disso, faz parte da estratégia brasileira de reivindicar mudanças na
composição dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O Brasil defende há muito tempo essa mudança e se considera um candidato do mundo
em desenvolvimento. A participação nas operações de paz da ONU, assim, é
considerada como importante para que o Brasil possa ser contemplado com o almejado
assento.
O Timor Leste é o quarto país de língua portuguesa em que o Brasil manda
pessoal nos esforços de estabilização. Todos estes países – Guiné-Bissau, Angola,
Moçambique e Timor Leste passam hoje por momentos de paz e estabilidade inéditos
desde a independência, sobretudo os três últimos.
As operações de paz da ONU, portanto, configuram-se em importante
instrumento de política externa para o governo brasileiro. O envio de contingentes ao
Timor Leste e a outros países, atende a uma série de interesses que vai além das razões
humanitárias. Propicia a aproximação com países fora do eixo Europa Estados
Unidos. Além disso, garante que o Brasil esteja mais presente nas questões de segurança
92
na América Latina, cuja estabilidade é avaliada como estratégica. Ademais, estreitar
laços com países não só da América Latina, mas também da África e da Ásia são
desafios importantes para o Brasil do século
XXI, que pretende ter papel de maior
relevância nas relações internacionais e garantir o seu status de global player.
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