Download PDF
ads:
U
U
N
N
I
I
V
V
E
E
R
R
S
S
I
I
D
D
A
A
D
D
E
E
F
F
E
E
D
D
E
E
R
R
A
A
L
L
D
D
O
O
P
P
A
A
R
R
A
A
N
N
Á
Á
DOUTORADO EM MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO
M
M
I
I
L
L
E
E
N
N
A
A
K
K
A
A
N
N
A
A
S
S
H
H
I
I
R
R
O
O
PAISAGENS ÉTNICAS EM CURITIBA:
um olhar histórico-espacial em busca de entopia
Curitiba PR
2006
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
U
U
N
N
I
I
V
V
E
E
R
R
S
S
I
I
D
D
A
A
D
D
E
E
F
F
E
E
D
D
E
E
R
R
A
A
L
L
D
D
O
O
P
P
A
A
R
R
A
A
N
N
Á
Á
DOUTORADO EM MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO
M
M
I
I
L
L
E
E
N
N
A
A
K
K
A
A
N
N
A
A
S
S
H
H
I
I
R
R
O
O
PAISAGENS ÉTNICAS EM CURITIBA:
um olhar histórico-espacial em busca de entopia
Tese de Doutorado em Meio Ambiente e
Desenvolvimento da Universidade Federal do
Paraná – UFPR, da linha de pesquisa
“Urbanização, Cidade e Meio Ambiente”, Turma
V, sob a orientação da Professora Dra. Yara
Vicentini.
Curitiba PR
2006
ads:
Ficha Catalográfica de Tese de Doutoramento
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Paraná, Curitiba PR, Brasil)
Kanashiro, Milena, 1968-
Paisagens Étnicas em Curitiba:
Um olhar histórico-espacial em busca de entopias/
Milena Kanashiro.----2006
332 f., enc.II.
Orientadora: Yara Vicentini
Tese (doutorado) – Universidade Federal do Paraná, Doutorado em
Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Dedico este trabalho à minha família
que sempre esteve ao meu lado nesta longa caminhada.
Ao Kao, pelo constante apoio e que tornou possível a realização desta tese.
AGRADECIMENTOS
À Professora Dra. Yara Vicentini pela dedicação, paciência, orientação segura e estímulo
constante.
Ao Professor Msc. Carlos Balhana pela vasta contribuição de bibliografias e insights
antropológicos sobre a pesquisa.
Ao Professor Dr. Dennison de Oliveira pelas críticas construtivas, na etapa de qualificação,
indicando inserções de novos olhares históricos de Curitiba e de seus imigrantes.
À Professora Dra. Salete Kozel pelas anotações na qualificação que definiram novos olhares
geo-simbólicos na apreensão do espaço geográfico.
Ao Diretor Técnico da SEMA - Professor Msc. Carlos Alberto Hirata - que disponibilizou o
acesso ao arquivo do ITC. Ao Carlos e Izaías que pacientemente me ajudaram na busca dos
arquivos.
Aos professores que contribuíram durante a realização da tese, Professora Dra. Yoshiya
Nakagawara Ferreira (Dept. Geografia – UEL) e Professor Dr. Humberto Yamaki (Dept.
Arquitetura e Urbanismo - UEL), que sempre permitiram a acessibilidade junto às suas
respectivas bibliotecas e laboratórios.
Aos meus colegas interdisciplinares da Turma V do Curso de Doutorado em Meio Ambiente e
Desenvolvimento.
ii
Quando evoco um passado longínquo, reabro o tempo,
recoloco-me num momento em que ele ainda comportava um horizonte de futuro,
hoje fechado, um horizonte de passado próximo, hoje longínquo.
Maurice Merleau-Ponty
iii
RESUMO
Esta tese tem como objetivo principal a investigação da gênese das paisagens étnicas em
Curitiba. Como as colônias de imigrantes implantadas na área da atual RMC-Região
Metropolitana de Curitiba - datam do período compreendido entre 1860 a 1926, utilizou-se
como estratégia analítica a recorrência histórica com o intuito de recompor as paisagens.
Primeiro fez-se o uso das visões dos três viajantes que relatam sobre a província – as
paisagens apreendidas por Saint-Hillaire [1826], Ave-Lalement [1858] e Bigg-Whiter [1872].
Podem-se verificar os valores coloniais na construção da província-colônia e os olhares
renascentistas e racionalistas com base nos valores europeus, nas suas descrições sobre as
paisagens iniciais. Segundo, pelas paisagens projetadas dos instrumentos de ordenação
urbana – diretrizes, código de posturas e planos – observa-se a ação sistemática de
construção de uma imagem ideal do urbano. A zonificação, a definição de gabaritos e de
materiais são maneiras de elitização da área urbana. A idéia de modernização partiu da
negação das estruturas coloniais. A partir do plano SERETE Curitiba entra na fase do
urbanismo moderno. Por fim, o processo de construção das paisagens étnicas demonstrou um
planejamento de necessidade no intuito de criar áreas de abastecimento agrícola para a
capital. São poucos os exemplos de projetos das colônias de imigrantes que tinham como
concepção projetual elementos como igrejas e escolas. A toponímia empregada na
denominação das colônias ressalta o poder provincial. A recomposição histórica das
paisagens revela a importância do processo espacial da construção das paisagens étnicas,
visto que Curitiba é a única metrópole brasileira que incorporou antigas colônias de imigrantes,
as quais atualmente são bairros da cidade. Reflexões sobre as paisagens étnicas
contemporâneas revelam a desconsideração desses fragmentos étnicos e a construção da
idéia da Capital de Primeiro Mundo, ou a capital mais “branca” do país com a ênfase de
espaços temáticos étnicos disseminados pelo processo de planejamento urbano desenvolvido.
Tal imagem é feita a partir de princípios eugenistas retomando-se de maneira romântica a
relação entre imigração européia e a articulação com a idéia de progresso. Traça-se a
reconstrução das paisagens com a discussão de busca de entopias – como estratégia para
redirecionar os olhares sobre o urbano na compreensão dos saberes ambientais do
planejamento e na incorporação de valores com base na história e na cultura.
Palavras-chave: Entopia. Paisagens. Paisagens étnicas. Colônias de imigrantes.
iv
ABSTRACT
This thesis has aimed the investigation of the ethical paysage´s genesis of Curitiba. As the
immigrant’s settlements had been established in the actual area of the RMC, into the period of
1860 until 1926, we used the historical searching as an analytical strategy to recompose the
paysage. First, we make use of the three voyage’s vision and their perceived paysage: Saint-
Hillaire [1826], Ave-Lalement [1858] e Bigg-Whiter [1872]. It has verified the colonial values
and the rationalistic and renascentistic viewers from the voyages in the composition of the initial
paysage. Second, the projected paysage from the urban instruments – acts, spatial ordinance
and urban plans – the systematic actions with the intention of creating an urban ideal. In order
to define the elite’s central area, it was used the zonification, the establishment of high pattern
and materials of the buildings. The idea of modernization started with the negation of urban
colonial structure. From the SERETE´s plans Curitiba enter into the called modern urbanism.
Lastly, the construction’s process of ethnical paysage illustrated that it was a “necessity
planning’ with merely the aim to created agricultural area. The analysis of the immigrants’
settlements demonstrated the fewer examples that considered religious and educational
spaces. The denominations of the settlements strengthen the political authority.
Notwithstanding, the historical paysage re-composition reveals the significant of the spatial
process, as Curitiba the exclusive Brazilian metropolis that adds its ancient immigrant’s
settlements and at present are districts of the city. Thinking about of contemporary ethnical
paysage it indicates the des-construction of earlier immigrants’ settlements and the
construction of the image as developed country’s capital, i.e., one “white city” giving emphasis
to European thematic´s spaces created by the urban planning. Those images have been
structured under eugenistic principles and withdraw the romantic relation of European
immigrants with the progress notion. These paysage´s re-construction allow us to considered
the entopia idea – as a strategy to re-focus the observation of the urban space with the
intention of understand the “environmental knowledge” of urban planning comprising historical
and culture values.
Key-words: Entopia. Paysage. Ethnical paysage. Immigrants’ settlements.
v
APRESENTAÇÃO
As discussões sobre os problemas ambientais têm direcionado para a afirmação
de novos objetos, novos métodos e novos olhares na tentativa de reincorporar os
conhecimentos compartimentados das ciências em uma visão mais integradora. Nesse
sentido, o curso de doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal
do Paraná – UFPR propõe a busca da interdisciplinaridade como maneira de compreensão da
relação entre sociedade e natureza.
O tema de tese proposto: Paisagens étnicas em Curitiba: um olhar histórico-
espacial em busca de entopias é conseqüência de uma curiosidade diletante que se exercitou
sobre a história, a cultura e o processo de construir as paisagens, utilizando-se de outras
visões, na busca de uma abordagem interdisciplinar, atravessando áreas desconhecidas.
Esta tese propõe a reconstrução das paisagens com o objetivo principal de
entender a “capital mais branca do país” formada por imigrantes. A pesquisa inicia-se com a
experiência interdisciplinar desenvolvida pela turma V – 2002 da linha “Urbanização, Cidade e
Meio Ambiente”. Apresenta-se o arcabouço teórico preliminar para a definição da temática –
entopia, e do conceito de paisagem, como objeto interdisciplinar e as suas várias visões que
permeiam campos disciplinares diferenciados. A partir disso definem-se três visões de
paisagens de Curitiba: paisagens apreendidas, paisagens projetadas e paisagens étnicas e,
expõem-se os pressupostos da tese.
A recorrência histórica fez recuperar os escritos de viajantes europeus que
percorreram a Província do Paraná e descreveram as paisagens iniciais: Saint-Hillaire [1929],
Ave-Lallement [1858] e Bigg-Whiter [1872]. Dessa forma, o primeiro capítulo trata das
paisagens apreendidas como estratégia para entender a gênese das paisagens. São olhares
individuais que permitem reproduzir os contextos e a formação inicial do núcleo urbano. São
olhares que julgam o que é visto com referências européias e utilizam biografias espaciais já
experenciadas para compor as descrições.
vi
O segundo capítulo – o das paisagens projetadas – faz o inventário dos
instrumentos de ordenação da paisagem de Curitiba: as primeiras “correições”, os postulados
do ouvidor Pardinho [1721], a intervenção de Taulois [1855], o Código de Postura [1895], as
diretrizes para a construção de uma paisagem moderna, o Código de Obras [1919], o plano de
Agache [1941-1943] e por fim o plano SERETE [1965]. Estes instrumentos são inseridos em
uma discussão que envolve os modelos ideais de organização dos espaços urbanos.
O terceiro capítulo – o das paisagens étnicas – recompõe as diretrizes de
políticas públicas que subsidiaram a implantação de várias colônias de imigrantes com o intuito
de criar estratégias de abastecimento da nova Capital. Apesar do senso comum de ser uma
cidade construída por imigrantes europeus, verificou-se a não-sistematização, principalmente
nas questões espaciais, dos dados referentes a esse processo. A maioria das pesquisas
existentes trata de estudos de caso. O processo de implantação, a política imigratória, os
estudos existentes sobre as colônias planejadas e a possibilidade de uma lógica projetual dos
assentamentos são verificados. A necessidade de uma pesquisa de dados primários para a
recomposição da historiografia espacial das colônias de imigrantes permitiu leituras
importantes sobre a gênese das paisagens étnicas curitibanas.
Tem-se por princípio que uma tese que propõe um resgate histórico deve
considerar o olhar atual. Nesse sentido são realizadas reflexões sobre as paisagens étnicas
contemporâneas para delinear questões de permanência. Verifica-se, no entanto, a
desconstrução e a desconsideração das paisagens das colônias e a criação de novas
paisagens intituladas étnicas que têm construído aquele entendimento de capital mais branca
do país em falsas continuidades.
E, por fim, faz-se a recuperação dos pressupostos e as reflexões decorrentes da
leitura das paisagens analisadas. O resgate histórico-espacial demonstra um olhar sobre o
processo de construção das paisagens curitibanas. Esta tese busca um caminho
interdisciplinar para outras formas de “olhar” a cidade, na discussão pela busca da entopia
como uma das possibilidades de entender o passado, interrogar o presente e projetar as
paisagens futuras.
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................................III
ABSTRACT.............................................................................................................................IV
APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................V
SUMÁRIO..............................................................................................................................VII
LISTA DE FIGURAS E MAPAS..............................................................................................IX
LISTA DE DIAGRAMAS, QUADROS E TABELAS................................................................XII
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS................................................................................XIII
I
I
N
N
T
T
R
R
O
O
D
D
U
U
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
O DESAFIO DA INTERDISCIPLINARIDADE......................................................................... 1
1. O Desafio do Crescimento Urbano com Qualidade de Vida................................................ 5
2. Entopia Urbana como Temática Individual........................................................................ 13
3. Paisagem como Objeto Interdisciplinar ............................................................................. 17
3.1 Várias Visões de Paisagem............................................................................................. 19
4. Três Visões de Paisagens de Curitiba............................................................................... 24
4.1 Pressupostos da Tese..................................................................................................... 27
Referências Bibliográficas .....................................................................................................31
C
C
A
A
P
P
Í
Í
T
T
U
U
L
L
O
O
1
1
1.
PAISAGENS APREENDIDAS – ESCRITOS E ICONOGRAFIAS................................. 37
1.1 Paisagens Apreendidas dos Campos.............................................................................. 40
1.2 Paisagens Apreendidas de uma Primavera..................................................................... 50
1.3 Paisagens Apreendidas de um Caçador ......................................................................... 55
1.4 Sobreposições de Paisagens Apreendidas de Curitiba.................................................. 65
1.5 Considerações Finais ...................................................................................................... 73
Referências Bibliográficas .....................................................................................................76
C
C
A
A
P
P
Í
Í
T
T
U
U
L
L
O
O
2
2
2.
PAISAGENS PROJETADAS ......................................................................................... 81
2.1 De La Plata à Curitiba de Taulois – 1855........................................................................ 98
2.2 Código de Posturas 1895 – pré- definição da Paisagem Curitibana............................. 103
viii
2.2.1 Diretrizes para a Construção da Paisagem Moderna.................................................111
2.3 Código de Obras 1919 - Zoneamento Preliminar .........................................................116
2.4 De Camberra à Curitiba de Agache – 1941-1943..........................................................125
2.5 A Durabilidade do Plano Serete – 1965.........................................................................131
2.6 Considerações Finais ....................................................................................................135
Referências Bibliográficas ...................................................................................................138
C
C
A
A
P
P
Í
Í
T
T
U
U
L
L
O
O
3
3
3.
PAISAGENS ÉTNICAS................................................................................................145
3.1 Espaço e Cultura – Especulações Necessárias............................................................145
3.2 Primórdios da Formação de um Mosaico Imigrante ......................................................150
3.3 Etnicidade dos Estudos Culturais das Colônias de Imigrantes......................................162
3.4 Colônias de Imigrantes Implantadas na Área da Atual RMC.........................................174
3.4.1 A ”Lógica” Espacial das Colônias de Imigrantes na RMC .........................................184
3.4.2 Toponímia como Afirmação de Poder ........................................................................205
3.5 Considerações Finais ....................................................................................................211
Referências Bibliográficas ...................................................................................................213
C
C
A
A
P
P
Í
Í
T
T
U
U
L
L
O
O
4
4
4. REFLEXÕES SOBRE AS PAISAGENS ÉTNICAS CONTEMPORÂNEAS....................221
4.1 Paisagens Étnicas das Antigas Colônias de Imigrantes................................................222
4.2 Paisagem Étnica Imaginária dos Descendentes ...........................................................236
4.3 Paisagem Étnica para a Construção da Capital de Primeiro Mundo.............................240
4.4 Veracidades sobre a Construção das Paisagens Étnicas Curitibanas..........................247
4.4.1 Des-construção das Paisagens Étnicas das Antigas Colônias de Imigrantes............247
4.4.2 Construção de uma Continuidade Artificial.................................................................251
RETOMANDO PRESSUPOSTOS E REFLEXÕES FINAIS...............................................257
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................271
APÊNDICE...........................................................................................................................287
ANEXOS..............................................................................................................................332
ix
LISTA DE FIGURAS E MAPAS
Figura 1 - Dimensões de Sustentabilidade Urbana........................................................... 06
Figura 1.1 - Paisagem de Castro - Debret (1827)................................................................. 47
Figura 1.2 - Paisagem de Paranaguá vista do mar - Debret (s/d)........................................ 56
Figura 1.3 - Detalhe de Ponta Grossa – Debret (1827) ....................................................... 60
Figura 1.4 - Vista da colônia Tereza por Willian Llyoid (1872) .............................................64
Figura 1.5 - Vista de Curitiba – Debret (1827)...................................................................... 66
Figura 1.6 - Vista de Curitiba - Jonh Henry Elliot (1885) ..................................................... 69
Figura 1.7 - Vista de Curitiba - Jonh Henry Elliot (1865) ..................................................... 70
Figura 1.8 - Panorama de Curitiba - Carlos Hünbental (1888)............................................. 70
Figura 2.1 - Quadro Sinoptico Geral de Torres (1996)......................................................... 83
Figura 2.2 - Diagrama de Morfo-genealogia de Yamaki (1994)............................................ 84
Figura 2.3 - Sobreposição a partir de Torres (1996) e Yamaki (1994)................................. 87
Figura 2.4 - Detalhe do litoral paranaense (s/d) ................................................................... 89
Figura 2.5 - Caminho de Viamão ......................................................................................... 94
Figura 2.6 - Planta de Curitiba (1850) .................................................................................94
Figura 2.7 - Mapa de Curityba (1857) ................................................................................. 97
Figura 2.8 - Planta de Curitiba (1857).................................................................................99
Figura 2.9 - Passeio Público (1894)...................................................................................102
Figura 2.10 - Vista da praça Municipal (atual Generoso Marques) ..................................... 106
Figura 2.11 - Mapa da Cidade de Curitiba (1894) ...............................................................109
Figura 2.12 - Eixos importantes .......................................................................................... 112
Figura 2.13 - Rua XV de Novembro – década de 1920....................................................... 112
Figura 2.14 - Área Nobre – proibição de construções em madeira .................................... 115
Figura 2.15 - Mapa da Cidade de Curitiba (1913) ...............................................................117
Figura 2.16 - Corte esquemático de vias (Código de 1919)................................................ 120
Figura 2.17 - Evolução do padrão de residências ............................................................... 120
Figura 2.18 - Remanescente de casa de madeira............................................................... 122
Figura 2.19 - Planta de Curitiba (1927)................................................................................124
Figura 2.20 - Plano de Camberra (1927) ............................................................................ 126
Figura 2.21 - Plano de Agache para Curitiba (1941-1943).................................................. 128
x
Figura 2.22 - Plano de Avenidas de Prestes Maia para São Paulo.....................................130
Figura 2.23 - Plano de Avenidas de Agache para Curitiba..................................................130
Figura 2.24 - Plano SERETE...............................................................................................132
Figura 2.25 - ZR2 - Adensamento e criação de paisagem propria......................................133
Figura 3.1 - Planta da colônia Assunguy ...........................................................................156
Figura 3.2 - Colônias fundadas no linismo .......................................................................159
Figura 3.3 - Produção agrícola e distribuição dos nucleos coloniais.................................161
Figura 3.4 - Croquis da colônia Marquez de Abranches....................................................179
Figura 3.5 - Planta da colônia Ferraria .............................................................................180
Figura 3.6 - “Mappa do Municipio de Curityba” (1906) .....................................................182
Figura 3.7 - Localização das antigas colônias de imigrantes na RMC ..............................183
Figura 3.8 - Mapa de Curitiba – “cinturão agrícola”...........................................................185
Figura 3.9 - Localização da colônia Santa Felicidade .......................................................187
Figura 3.10 - Colônia Antonio Olinto ...................................................................................187
Figura 3.11 - Colônias com lotes “rústicos” ........................................................................188
Figura 3.12 - Colônias Alfredo Chaves e Novo Tirol (1878) ................................................189
Figura 3.13 - Colônias Dona Mariana e Balbino Cunha (1889) ..........................................189
Figura 3.14 - Planta do Bairro Alto – detalhe da colônia Argelina.......................................190
Figura 3.15 - Planta da colônia Ibirama (SC).......................................................................191
Figura 3.16 - Detalhe do parcelamento de Santa Candida..................................................192
Figura 3.17 - Estruturação dos planos das colônias imigrante na região Sul......................194
Figura 3.18 - Estruturação das colônias: Novo Tirol e Dona Mariana .................................196
Figura 3.19 - Colônia Santa Cristina ...................................................................................196
Figura 3.20 - Planta da colônia Tomaz Coelho....................................................................198
Figura 3.21 - Tipo de loteamento proposto pela FPCI.........................................................204
Figura 3.22 - Planta do núcleo urbano de Novo Tirol..........................................................210
Figura 4.1 - Santo Inácio: projeto original (1877) e malha urbana atual............................226
Figura 4.2 - Igreja de Santo Inácio Martir ..........................................................................226
Figura 4.3 - Riviera, Augusta, Orleans e Santo Inácio - antigas colônias de imigrantes...227
Figura 4.4 - Paróquia Santo Antonio de Orleans e cemitério paroquial.............................228
Figura 4.5 - Letreiro comercial ..........................................................................................229
Figura 4.6 - Roofscape .....................................................................................................229
Figura 4.7 - Tipologias das casas em Orleans e Santo Inácio ..........................................230
Figura 4.8 - Manifestações de zelo ...................................................................................231
Figura 4.9 - Casa na antiga colônia Orleans .....................................................................232
xi
Figura 4.10 - Vilas na antiga colônia Santo Inácio...............................................................233
Figura 4.11 - Lote rural em Augusta.................................................................................... 234
Figura 4.12 - Paisagens atuais na antiga colônia de Santo Inácio...................................... 235
Figura 4.13 - Catedral Basílica Menor ................................................................................ 237
Figura 4.14 - Igreja Presbiteriana ........................................................................................237
Figura 4.15 - Clube Concórdia............................................................................................. 238
Figura 4.16 - Sociedade Garibaldi....................................................................................... 238
Figura 4.17 - Bosque João Paulo II ..................................................................................... 241
Figura 4.18 - Portal Italiano e Portal Polonês ..................................................................... 242
Figura 4.19 - Memorial da imigração ucraniana .................................................................. 243
Figura 4.20 - Bosque Italiano São Cristovan....................................................................... 244
Figura 4.21 - Bosque Alemão ............................................................................................. 244
Figura 4.22 - Palácio de Hyogo ...........................................................................................245
Figura 4.23 - Monumento à colônia afro-brasileira.............................................................. 251
MAPAS
Mapa 4.1 - Mapa de Evolução Urbana - IPPUC.................................................................. 224
Mapa 4.2 - Mapa de bairros de Curitiba – áreas de antigas colônias imigrante ................. 225
xii
LISTA DE DIAGRAMAS, QUADROS E TABELAS
Diagrama 1 - Relações de urbanização e suas implicações na qualidade de vida..............08
Diagrama 2 - Referências conceituais..................................................................................09
Diagrama 3 - Interfaces de pesquisa....................................................................................10
Diagrama 4 - Programa-comum: objetivos gerais e específicos .........................................11
Diagrama 5 - Cronograma preliminar dos Sub-grupos.........................................................12
Diagrama 6 - Flowsheet da tese...........................................................................................26
QUADROS
Quadro 3.1 - Síntese de estudos existentes........................................................................167
Quadro 3.2 - Relação das colônias de imigrantes na RMC.................................................175
Quadro 3.3 - Relação das colônias de imigrantes e gestão provincial................................177
Quadro 3.4 - Dimensão dos lotes das colônias de imigrantes ............................................201
Quadro 3.5 - Categorias toponímicas das colônias de imigrantes ......................................206
Quadro 4.1 - Gestões dos prefeitos e as obras de temática étnica.....................................240
xiii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APPUC – Assessoria de Pesquisa e Planejamento de Curitiba
B.A.M.C – Boletim do Archivo Municipal de Curitiba
CIAM – Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna
CIC – Cidade Industrial de Curitiba
C.L.D.A.M – Coleção de Leis, Decretos e Atas Municipais
CODEPAR – Companhia de Desenvolvimento Econômico do Paraná
COHAB – Companhia de Habitação de Curitiba
COMEC – Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba
FPCI – Fundação Paranaense de Colonização e Imigração
IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
ITC – Instituto de Terras e Cartografia
MADE – Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento
PNDU – Programa de Las Naciones Unidas para el Desarrollo
PPU – Plano Preliminar de Urbanismo de Curitiba
RMC – Região Metropolitana de Curitiba
SEMA – Secretaria do Estado de Meio Ambiente
SERETE – Sociedade Serete de Estudos e Projetos Ltda.
xiv
xv
O DESAFIO DA INTERDISCIPLINARIDADE
A questão ambiental tem sido um dos tópicos emergentes nas atuais discussões
científicas e acadêmicas. Leff (2001) atribui como uma das principais causas da problemática
ambiental, o processo histórico do qual emerge a ciência moderna e a Revolução Industrial.
Processo que deu lugar à distinção das ciências, ao fracionamento do conhecimento e à
compartamentalização da realidade em campos disciplinares confinados. A partir dessa
premissa, iniciou-se a busca por um método capaz de reintegrar esses conhecimentos
dispersos num campo unificado do saber, exigindo uma visão sistêmica e um pensamento
holístico para a reconstituição de uma realidade “total” (LEFF, 2001). Neste sentido, as
recentes discussões apontam para a necessidade de abordagens interdisciplinares para a
compreensão das relações ambientais. De acordo com Floriani (2001), uma hibridação de
saberes não deve estabelecer um saber sobre o outro, sem pretensão de impor uma
hegemonia de objeto ou de lógica no processo de construção de conhecimento.
Entre várias experiências que têm sido desenvolvidas, a Universidade de
Stantford propôs o desafio de reunir estudiosos
1
consagrados nas áreas exatas, biológicas e
humanas para uma experiência de interdisciplinaridade, publicada na Folha de São Paulo
(2002), com o título de “Ciência Nova”. O objetivo seria produzir no final do encontro, que
durou cinco dias, um documento sobre a possibilidade de tal desafio. O tópico, previamente
definido, foi a “emergência” e a discussão “interdisciplinar” convergiu para questões de
epistemologia. Questões de co-emergência, questão do divino, ilhas de instabilidade, natureza
e cultura, aspectos para uma combinação flexível foram reavaliadas em uma discussão
interdisciplinar.
1 Entre os principais integrantes estavam Carl Djerasse, inventor da pílula anticoncepcional, Robert Laughlin que
recebeu o Premio Nobel de Física em 1998, Andrei Lind, reconhecido pela nova teoria inflacionária sobre a origem
do universo, Denise Schmandt-Besserat, uma das principais especialistas mundiais na história da escrita, Terry
Winograd, destaque na ciência da computação. No grupo formado por 20 especialistas estavam reunidos também
John Bravman (engenharia e ciencia dos materiais), Richard Ford (estudos legais), Wlad Godzich (teoria literária),
Hans Ulrich Gumbreacht (literatura comparada), Robert Harisson (literatura italiana), Andreas Klabliz (filologia
romântica), Allegra McLeod (estudos legais e literatura moderna), Stephen Law (pesquisa de acústica por
computador), Andrew Milne (pesquisa de design), Sandra Mitchell (filosofia
da biologia), Catherine Pickstock
(teologia), Violeta Sanchez y Lorbach (filosofia e sociologia), Martin Seel (filosofia), Mathew Tiews (literatura
comparada) e Bernadette Weyler (estudos legais e lieratura inglesa). Ciência Nova, Folha de São Paulo,
São Paulo,
publicado em 24 de Nov. 2002, Mais nº 563.
2
O resultado foi a publicação de um manifesto que, embora tenha sido uma
prática interdisciplinar positiva, concluiu que esta não se caracteriza como uma receita frente
às várias temáticas. No entanto, como inferência importante, este manifesto reitera que
devemos “permitir que o potencial do pensamento inovador surja em um esforço colaborativo
de estudiosos de diferentes disciplinas, requer a liberdade, a coragem e o risco de trabalhar
sem objetivos predeterminados” (CIÊNCIA NOVA, 2002, p.8).
A discussão da experiência partiu inicialmente da premissa de três aspectos
diferenciados da interdisciplinaridade: a “trivial”, a de “fim de semana” e a “virtual”. A primeira
seria a versão da relação complementar entre disciplinas para a solução de problemas
complexos, como o genoma. A segunda, a de “fim de semana”, seria o (des) interesse polido,
entre especialistas de diferentes campos, pela disponibilização dos trabalhos uns dos outros.
Essa polidez pode compensar na convicção de todos na suposição de que nada do que “os
outros” possam ter a dizer teria importância real para o trabalho que cada um realiza. E por
fim, a interdisciplinaridade virtual, dar-se-ia quando acadêmicos de campos diferentes e com
projetos individuais bastante distintos passam juntos em instituições que se dedicam
oficialmente a pesquisas interdisciplinares, nessa modalidade, ocasião em que se espera que
os projetos de trabalhos conjuntos possam resultar em um potencial inovador. Destarte,
discutiu-se que a interdisciplinaridade não acontece sem um triplo risco: primeiro, sem o risco
de um diálogo entre disciplinas, baseado em conceitos fundamentais compartilhados;
segundo, sem o risco de investimentos em projetos não-executáveis, e terceiro, investindo-se
o tempo em discussões que não oferecerão resultados (CIÊNCIA NOVA, 2002).
No panorama de discussão interdisciplinar, a crise ambiental tem desencadeado
novas abordagens, necessitando diálogos verticais entre disciplinas. Neste sentido, no Brasil,
o MADE - Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento é um dos reflexos no âmbito
nacional com vistas a transpor o desafio de compreensão dos fatos em uma abordagem
interdisciplinar. Na primeira parte desse Programa - os Módulos de Fundamentação das
Ciências Sociais e das Ciências da Natureza - foi realizado um nivelamento dos
conhecimentos dos alunos. Fez-se a primeira incursão da prática interdisciplinar em áreas de
conflitos socioambientais em Curitiba. Do segundo módulo - Fundamentação Teórica –
aprofundou-se a discussão sociedade e natureza com disciplinas obrigatórias como:
Conservação da Natureza e Sustentabilidade Sócioambiental, Interdisciplinaridade e Meio
Ambiente, Natureza e Ética, entre outras. Estes módulos, em um ano e meio, contemplaram
39 créditos perfazendo um total de 840 horas de atividade.
3
A terceira parte do programa dividiu a turma V nas quatro grandes linhas de
pesquisa: Urbana, Rural, Teórica e Costeira, para Oficinas direcionadas em suas respectivas
áreas. A área de Urbano tem como linha de pesquisa: “Urbanização, Cidade e Meio Ambiente”
e compõe-se de quatro arquitetos (Antonio Manuel Castelnou, Roberto Adam Sabatella, Zulma
Schussel e a autora), dois geógrafos (Maria Eliza Zanella e Nilson César Fraga) e dois
engenheiros, sendo um florestal (Edson Strumiski) e o outro agrônomo (Andréia Cristina
Ferreira). Difere das turmas anteriores por não ter a participação de profissionais da área de
Sociologia e Economia, dando um caráter de certo modo mais pragmático, no que se refere ao
entendimento do espaço.
A Oficina I teve como resultado um diagnóstico da RMC - Região Metropolitana
de Curitiba que expunha as principais características referentes aos aspectos geoambientais,
históricos e culturais, urbanísticos e espaciais, sociais e econômicos. Tal exercício foi
importante para o conhecimento da área a ser pesquisada e principalmente dos principais
problemas socioambientais da cidade. Várias reuniões foram necessárias para a discussão de
um programa comum de pesquisa.
Até este momento, observa-se a transposição dos três diferentes aspectos da
interdisciplinaridade, citados no início. Preliminarmente, no curso, a forma “trivial” de formação
complementar individual em relação às disciplinas. A forma de interdisciplinaridade “de fim de
semana” quando em determinada disciplina se realizou trabalho empírico em grupos formados
por arquitetos, sociólogos e biólogos que, de certa maneira, se respeitaram e, cordialmente,
houve a aceitação das definições e conceitos de cada campo disciplinar. E, na última etapa, a
Oficina II iniciou-se de uma “forma virtual”, com o envolvimento do grupo da linha de pesquisa
urbana para possíveis trabalhos interdisciplinares. No entanto, a prática interdisciplinar
somente pôde ter um direcionamento das inter-relações entre os componentes da linha
urbana, quando os objetos de pesquisa foram definidos individualmente, isto é, somente após
a pré-qualificação, caminho inverso ao daquele adotado pela experiência proposta pela
Universidade de Stantford que concluiu que os objetivos para uma prática interdisciplinar não
devem ser previamente definidos.
4
Esta parte preliminar apresenta a “metodologia”, ou melhor, as etapas para o
desenvolvimento do trabalho adotado pela Turma V, da linha de pesquisa Urbanização,
Cidade e Meio Ambiente, na tentativa de interfaces de pesquisa e uma possível prática de
interdisciplinaridade, ou da chamada transdisciplinaridade, de enfoque integrador, ainda em
construção, na intenção de avançarmos em uma discussão que ajude a compreender a
complexidade dos fatos urbanos. Acredita-se que, como ocorreu com o Manifesto publicado
como resultado do Congresso sobre Interdisciplinaridade, não existe uma metodologia que
deva ser estabelecida. Entende-se que a realização de trabalhos interdisciplinares são
construídos e dependem, em primeira instância, da formação e da disposição do indivíduo em
incorporar outros saberes à sua maneira de compreender o espaço urbano.
5
1. O DESAFIO DO CRESCIMENTO URBANO COM QUALIDADE DE VIDA
A urbanização, de maneira simples, é representada pelo aumento da porção
urbana e incremento populacional em determinados períodos. Em relação ao espaço, o
processo de urbanização significa o incremento espacial de escala e densidade, além das
várias atividades desenvolvidas nas cidades. Se, no início do século XX, havia pouco mais de
dezesseis grandes cidades com mais de um milhão de habitantes, muitas em países de
capitalismo avançado, hoje temos mais de 500 cidades com mais de um milhão de habitantes,
nas mais diversas partes do mundo. Pouco mais de 7% da população poderia ser considerada
urbana. Hoje, porém, em países como o Brasil, mais de 80% da população vive em cidades. O
que leva Harvey a afirmar que o século XX foi o século da urbanização (Apud TORRES, 1996).
Neste processo crescente, observa-se a dinâmica de territorialização e conseqüente
apropriação dos espaços naturais. Sobrepõe-se a relação das questões urbanas e ambientais
e, atualmente, estas discussões têm reforçado as questões sociais em nome da chamada
sustentabilidade urbana.
Segundo Ascerald (2001, p.43), “a sustentabilidade urbana tem conduzido a
uma nova matriz técnica das cidades, pensada por razões de qualidade de vida –
componentes não mercantis da existência quotidiana e cidadã da população urbana”. O
documento desenvolvido pelo PNDU – Programa de Las Naciones Unidas para el Desarrollo,
que teve como finalidade criar uma metodologia de gestão ambiental urbana, afirma que, se o
desenvolvimento sustentável tem como objetivo o melhoramento da qualidade de vida
humana, isso requer o seu manejo correto. Inclui a transformação dos ecossistemas com a
finalidade de aproveitar seus bens e serviços, minimizando, porém, os conflitos derivados da
exploração dos mesmos, maximizando a harmonização entre as ações e as atividades
necessárias e distribuindo os custos e benefícios ecológicos entre as populações envolvidas.
Tal ação significa uma nova forma de desenvolvimento social capaz de estabelecer um vínculo
equilibrado entre a sociedade e o meio ambiente, considerando que a degradação ambiental
não é uma conseqüência da atividade humana, e sim uma resultante de alguns estilos de
modelo de desenvolvimento (PNDU, 1997).
Outra discussão refere-se à publicação do relatório preparatório para a
Conferencia Global sobre o Futuro Urbano URBAN 21, realizada em Berlim. O relatório é
dividido em quatro capítulos: no primeiro, abordam-se as mudanças do milênio e define as
6
dimensões de sustentabilidade, no segundo, as tendências e os resultados das cidades em
2025 e possíveis cenários e, nos últimos capítulos, delineiam-se os desafios urbanos de
gestão e política e os princípios básicos de um plano de ação para um desenvolvimento
urbano sustentável (HALL, 2000).
Segundo esta Agenda Global para as cidades no século XXI – Urban Future 21
são 7 (sete) as dimensões de sustentabilidade urbana para alcançar uma cidade propriamente
sustentável: Economia Urbana Sustentável, Sociedade Urbana Sustentável, Habitação Urbana
Sustentável, (Meio) Ambiente Urbano Sustentável, Acessibilidade Urbana sustentável,
Democracia Urbana Sustentável e uma Vida Urbana Sustentável. A agenda supõe que uma
boa governança possa ser elemento central de derivação para um desenvolvimento humano
sustentável (Figura 1).
Figura 1 – Dimensões de Sustentabilidade Urbana
Fonte: HALL, Peter e PFEIFFER Ulrich. Urban Future 21: a Global Agenda for Twenty-First
Century Cities, 2000, p.139.
7
Neste panorama, a turma V da linha de pesquisa “Urbanização, Cidade e Meio
Ambiente” iniciou a discussão das possíveis interfaces de pesquisa. No entanto,
questionamentos gerais e aprofundamentos necessários foram levantados. O primeiro trata da
necessidade de estudar a evolução histórica do processo de urbanização de Curitiba. O
segundo discute os conceitos de qualidade de vida em todos os níveis de conhecimento
científico, os modos de entender e interpretar suas diferentes concepções, além de estratégias
e tendências para avaliar as implicações do crescimento urbano sobre a qualidade de vida. E
por fim, reconhece-se necessidade de discutir as possibilidades de minimizar os conflitos entre
qualidade de vida e o crescimento urbano. Após essa discussão preliminar definiu-se a
temática proposta pela turma V: O Desafio do Crescimento Urbano com Qualidade de Vida.
Nesta temática, as concepções de Meio Ambiente e Desenvolvimento, Território
e Evolução Histórica tornaram-se uma tríade inter-relacionada, que produz o cenário da
proposta inicial do programa comum. O primeiro conceito - meio ambiente e desenvolvimento -
incluíram as principais temáticas em discussão na relação entre sociedade e natureza. O
território e a evolução histórica são questões de espaço-tempo. Tem-se, como território, a
região conurbada de Curitiba, e quanto à evolução histórica, entende-se que não se podem
desvincular as atuais circunstancias como resultado de transformações, desde a sua gênese,
sejam elas sociais, econômicas, ambientais e culturais. Na relação entre espaço e tempo,
portanto, ficou estabelecida a conurbação da RMC – Região Metropolitana de Curitiba, como
recorte espacial para o programa comum e, como recorte temporal, o período compreendido
no quadro contemporâneo de Curitiba.
O Diagrama 1 representa o resultado do primeiro brainstorm das questões
relacionadas com a urbanização e seus elementos representativos sobre a qualidade de vida.
Por exemplo, no que concerne ao processo de urbanização, as questões de infra-estrutura
básica como comunicação, saúde e transporte são desafios freqüentes no planejamento das
cidades e, geralmente na maioria delas, a sua ineficiência gera grande impacto sobre a
qualidade de vida.
Em relação à habitação, discussões referentes às moradias dignas, à
ilegalidade fundiária e a sua legitimação pelos poderes públicos, têm sido uma prática de
necessidade, porém uma solução ambientalmente insustentável. Em relação à qualidade de
vida e habitação, é temática emergente a segurança e o bem-estar. Por outro lado, a
quantidade mínima de áreas verdes tem sido objeto freqüente de medição de qualidade de
8
vida. Embora existam valores quantitativos desejáveis, a sua existência nos ambientes
urbanos tem sido ressaltada principalmente na conservação de áreas de proteção ambiental.
EVOLUÇÃO
HISTÓRICA
MEIO AMBIENTE
DESENVOLVIMENTO
TERRITÓRIO
CONURBAÇÃO
INFRAESTRUTURA
HABITAÇÃO
ÁREAS VERDES
PRODUÇÃO
EDUCAÇÃO
COMUNICAÇÃO
SAÚDE
TRANSPORTE
SEGURANÇA
BEM-ESTAR
LAZER
CONSERVAÇÃO
NATUREZA
CONSUMO
CULTURA
QUALIDADE
DE
VIDA
URBANIZAÇÃO
POL
TICAS P
BLICAS
PROCESSO CULTURAL
PROCESSO ECON
Ô
MICO
Diagrama 1 – Relações de urbanização e suas implicações na qualidade de vida
Fonte: Oficina II, Turma V – MADE - UFPR, 2004.
A questão de consumo geralmente está no cerne da discussão da qualidade de
vida humana, pois se refere às expectativas e necessidades humanas, nem sempre objeto de
quantificação. Redclif cita Manfred Max-Need, quando aponta diferentes dimensões de
qualidade de vida, acrescentando a dimensão do consumo e de outros componentes, como
um tipo de satisfação (Apud HERCULANO, 2000). A perda constante das individualidades, no
processo de globalização, também tem avançado nas discussões da revalorização da
dimensão cultural, e a sua permanência pode ser considerada uma questão de qualidade de
vida.
Na Agenda Global para as cidades no século XXI – Urban Future 21
anteriormente citada, a última dimensão, entre as 7 (sete) elencadas, refere-se à Vida Urbana
Sustentável e diz respeito à construção de uma cidade vivenciável, considerando os diferentes
aspectos de uso do solo e o ambiente construído que remetem a uma importante questão – a
qualidade de vida urbana. Difere das outras dimensões sobre sustentabilidade urbana pela
9
sua dimensão subjetiva, em razão de existirem lugares no mundo onde a qualidade de vida é
reconhecida, porém de difícil mensuração e quantificação. No entanto, sabe-se que os itens
descritos não são os únicos na discussão dos efeitos da urbanização sobre a qualidade de
vida, e a sua superação ou amenização depende de processos complexos como o da correta
implementação de políticas públicas que decorrem de processos culturais e de processos
econômicos.
Em um segundo momento de discussão, observou-se que as relações de
cultura, sociedade, política, economia e tecnologia inerentes a cada sociedade, são
definidores do ambiente produzido. Segundo Redclif, quando refletimos sobre a qualidade de
vida, o que vem a ser uma reflexão sobre nós mesmos e sobre nossa ação em relação ao
nosso ambiente, que transformamos em nossa própria imagem. Construímos e reconstruímos,
destruímos e reformamos a partir de nossa cultura, da nossa sociedade (Apud HERCULANO,
2000). Tais referências hierarquizadas, como demonstra o Diagrama 2, sobressaem como
elementos do plano conceitual e do plano concreto, e refletem nas questões dos projetos
individuais de pesquisa.
NÍVEL
CONCEITUAL
NÍVEL
CONCRETO
CULTURA
SOCIEDADE
POLÍTICA
ECONOMIA
TECNOLOGIA
QUALIDADE
DE
VIDA
URBANIZAÇÃO
Diagrama 2 – Referências conceituais
Fonte: Oficina II, Turma V – MADE-UFPR, 2004.
10
A partir disso, destacaram-se como palavras-chave, comuns nas intenções de
pesquisa, termos no plano conceitual tais como utopia, segregação e percepção, e no plano
mais concreto, expressões tais como espaço construído, uso e ocupação do solo/ legislação e
saneamento. Nesse momento, um possível caminho entre interfaces de pesquisa pôde ser
delineado, como se pode observar no Diagrama 3.
Iniciou-se uma discussão a respeito da divisão, formando-se subgrupos,
entre os componentes da linha de pesquisa urbana para possibilitar a prática interdisciplinar.
Tal encaminhamento pode ser vislumbrado com a definição de objetivos específicos de
referências conceituais. Em relação à utopia, existe a necessidade de estudar a relação entre
urbanização e utopia, apontando-se suas principais bases e definindo-se os pressupostos para
sua concretização, na suposição de que sempre há um desejo de boas intenções nas práticas
e propostas urbanas.
ANDRÉIA
Agronomia
ANTÔNIO
Arquitetura Urbanismo
EDSON
Engenharia
ELISA
Geografia
MILENA
Arquitetura Urbanismo
NILSON
Geografia
ROBERTO
Arquitetura Urbanismo
ZULMA
Arquitetura Urbanismo
conceituar e analisar a de diferentes
grupos da população curitibana;
percepção
estudar a relação entre urbanização e ,
apontando suas principais bases e definindo
os pressupostos para sua concretização;
utopia
NÍVEL
CONCEITUAL
NÍVEL
CONCRETO
discutir o processo de socioespacial;
segregação
interpretar o sob
a ótica das questões socioambientais;
espaço construído
analisar as diferentes formas de
, identificando
as correlatas;
uso e ocupação do solo
bases legais
avaliar as implicações do processo de urbanização
nas questões de e ;
saneamento saúde pública
UTOPIA
SEGREGAÇÃO
PERCEPÇÃO
USO E OCUPAÇÃO/ LEGISLAÇÃO
ESPAÇO CONSTRUÍDO
SANEAMENTO/SAÚDE PÚBLICA
Diagrama 3 – Interfaces de pesquisa
Fonte: Oficina II, Turma V – MADE-UFPR, 2004.
11
No caso da percepção, base teórica
2
da Oficina I, seu aprofundamento
conceitual e analítico sobre diferentes grupos da população curitibana sobressaiu como
temática importante. A discussão da segregação socioespacial no processo de urbanização,
reflete a própria produção do espaço de Curitiba, sendo um dos objetivos comuns entre os
componentes. Tal reflexo é inerente à análise das diferentes formas de uso e ocupação do
solo e possibilita a identificar as bases legais correlatas que produziram a cidade. E, interpretar
o espaço construído sob a ótica das questões socioambientais seria um dos caminhos de
compreensão da configuração dos vários espaços curitibanos. E por fim, a avaliação das
implicações do processo de urbanização nas questões de saneamento e saúde pública, faz-se
como intenção individual entre alguns componentes da linha urbana.
O Diagrama 4 representa um quadro sintético de objetivos gerais e específicos,
e ilustra as interfaces de pesquisa do programa comum da turma V da linha de pesquisa
Cidade, Urbanização e Meio Ambiente.
Diagrama 4 - Programa-comum: objetivos gerais e específicos
Fonte: Oficina II, Turma V – MADE-UFPR, 2004.
ANDRÉIA
Agronomia
EVOLUÇÃO
HISTÓRICA
SEGREGAÇÃO ESPAÇO
CONSTRUÍDO
USO do SOLO
LEGISLAÇÃO
SANEAMENTOTERRITÓRIO
CONURBAÇÃO
ANTÔNIO
Arquitetura Urbanismo
EDSON
Engenharia
ELISA
Geografia
MILENA
Arquitetura Urbanismo
NILSON
Geografia
ROBERTO
Arquitetura Urbanismo
ZULMA
Arquitetura Urbanismo
OBJETIVOS GERAIS -
OBJETIVOS ESPECÍFICOS -
OBJETIVOS ESPECÍFICOS -
UTOPIA
PERCEPÇÃO
MEIO
AMBIENTE
2 Após as primeiras reuniões em grupo, a percepção sobressaiu como um conceito-chave nas discussões. Em
virtude disso, os coordenadores da linha de pesquisa
Cidade, Urbanização e Meio Ambiente decidiram fazer um
seminário com pesquisadores envolvidos nessa temática. Entre eles o Prof. Marcio de Oliveira que abordou
questões da sociologia e as representações sociais, a Prof. Eda Teresinha Tassara que discorreu
sobre a
abordagem da Psicologia e a Percepção Urbana, a Prof. Roti Turin especificamente sobre a Semiologia e, por fim a
Prof. Salete Kozel
apresentou a tese de doutorado referente ao estudo da percepção na Geografia.
12
Questões gerais como a evolução histórica, território e conurbação e meio
ambiente fazem o panorama de discussão sobre a relação entre sociedade e natureza, e são,
portanto, inerentes a todos os projetos individuais. Observa-se que alguns componentes
poderão delinear estratégias para a prática da interdisciplinaridade, principalmente no que
concerne às referências conceituais comuns.
A discussão seguinte consistiu na elaboração de um cronograma preliminar dos
subgrupos, como se pode observar no Diagrama 5. As atividades pretendidas da prática
interdisciplinar foram realizadas, em um primeiro momento, por meio da elaboração de
referenciais teóricos principais e reuniões de discussão temática. Sabe-se que este também é
um dos objetivos do grupo, o qual entende que tal prática deve somar experiências e que
diferentes olhares contribuirão para compreender a complexidade do fato urbano.
Março Abril Maio Junho Julho Agosto
Utopia
Percepção
Segregação
Uso do Solo/ Legislação
Saneamento
Espaço Constrdo
Periodo
Temática
Diagrama 5 – Cronograma preliminar dos subgrupos
Fonte: Oficina II, Turma V – MADE-UFPR, 2004
A temática proposta para o programa comum de pesquisa tem emergido como
um dos maiores desafios de nossa civilização urbano-industrial, e como preocupação de
transformar estratégias na busca caminhos de sustentabilidade baseada na qualidade de vida.
A turma V da linha de pesquisa Cidade, Urbanização e Meio Ambiente pretende, na produção
de pesquisas de grupos e individuais, contribuir para avançar no entendimento do Desafio da
Urbanização com Qualidade de Vida.
13
2. ENTOPIA URBANA COMO TEMÁTICA INDIVIDUAL
A temática resultante das discussões entre os componentes da turma V - 2002
da linha de pesquisa urbana “O Desafio da Urbanização com Qualidade de Vida” induz a uma
sucessão de aproximações, a partir do momento em que os parâmetros referentes à qualidade
de vida nem sempre são mesuráveis e o tipo de satisfação tem uma forte conotação subjetiva.
Na eminência de definição temática da tese de Doutorado, reflexões a respeito do que foi
discutido na Oficina II, do grupo da linha urbana e, a respeito de backgrounds foram
necessários na tentativa de sobrepor interesses pessoais em um novo espaço urbano, no
caso, Curitiba.
Apesar do conhecimento da formação da cidade de Curitiba por imigrantes, o
insight para escolha do tema foi uma anotação em “nota de rodapé” durante uma discussão do
trabalho desenvolvido na Oficina I. Tal temática tem sido objeto de estudo desde a graduação
da pesquisadora, quando escolheu para desenvolver o trabalho de conclusão final do curso de
Arquitetura e Urbanismo, na Universidade de Londrina, a cidade imigrante de Uraí. Este
assentamento foi a última experiência, no Brasil, de colonização nos moldes de planejamento
e fundação idealizado por uma companhia japonesa, em 1936. Primeiramente, analisou-se o
plano inicial urbano e da área rural fazendo levantamento das habitações que refletiam
elementos da arquitetura dos imigrantes e seus espaços simbólicos.
Como membro de uma equipe foi realizado um trabalho de consultoria para a
Cidade de Assaí, esta também planejada por uma Cia. de Colonização Japonesa – a
BRATAC, em 1934. Foram desenvolvidos trabalhos com ênfase na manutenção das
características locais: Inventário Arquitetônico, que deu origem à Legislação de Manutenção
do Patrimônio e a reestruturação de caminhos históricos. Na mesma equipe, em Londrina,
participou-se da análise sistemática da Vila Casoni, bairro pioneiro com a presença de
imigrantes italianos vindos de São Paulo. A análise de permanências e transformações do
espaço permitiu uma leitura da existência invisível de uma cultura espacial. Este projeto pôde
subsidiar a área como área de Interesse Histórico-Morfológico, garantindo, na legislação
municipal, a permanência de suas características principais.
No curso de pós-graduação realizado com a Bolsa do Governo Japonês –
MONBUSHO, no Departamento de Planejamento Ambiental da Universidade de Osaka-Japão,
em 1999, a pesquisa de mestrado desenvolvida focava as diferenças de percepção de
14
espaços entre japoneses e estrangeiros. Dando continuidade a esse tipo de leitura espacial, o
elemento de identidade escolhido foi o “roofscape” – paisagens dos telhados, direcionado às
diferentes percepções entre insiders e outsiders.
Durante as disciplinas obrigatórias do curso de doutorado em Meio Ambiente e
Desenvolvimento, observaram-se pontos convergentes e necessários de outras disciplinas
como a Antropologia e a Geografia Humana, mais especificamente a Nova Geografia Cultural
apresentada pelo Prof. Sylvio Fausto Gil Filho da UFPR, com áreas de sobreposição de
temáticas de pesquisa até então desenvolvidas. Outra reflexão originada na disciplina
“Interdisciplinaridade e Meio Ambiente”, sob a coordenação do Prof. Dimas Floriani, foram as
duas linhas de pensamento interdisciplinar de Leff (2000): racionalidade ambiental e saber
ambiental. O primeiro, em linhas gerais, inclui novos princípios teóricos e novos meios
instrumentais para re-orientar as formas de manipulação produtiva da natureza. Esta
racionalidade está sustentada por valores, tais como qualidade de vida, identidades culturais,
sentido de existência, que não aspiram a alcançar status de cientificidade. E o segundo, o
saber ambiental, de onde emergem novas estratégias conceituais, envolve paradigmas de
conhecimento de diversas ordens, como um saber identificável, conformado por e arraigado
em identidades coletivas as quais dão sentidos a racionalidades e práticas culturais
diferenciadas (LEFF, 2001).
A partir dessas reflexões preliminares, a definição da temática para a pesquisa
de doutoramento constitui “Paisagens Étnicas em Curitiba: um olhar histórico-espacial em
busca de entopias”. Em relação à paisagem étnica, embora etmologicamente, a palavra grega
étnikos tenha uma conotação biológica de raça, este verbete vinculado a um grupo biológico,
deve-se enfatizar que, nesta tese a palavra étnica não tem esse caráter segregador mas deve
ser entendida no sentido de grupos de indivíduos com especificidades socioculturais. Assim,
toma-se o pressuposto entre construção do espaço e saberes ambientais, por meio dos quais
as referências culturais de identidades possa externalizar indícios no ambiente construído.
Referente à Entopia, dois são basicamente, os olhares da prática urbana. O
primeiro pessimista para qual a crise incessante do urbano não teria soluções e, segundo
Gomes (2000), o discurso para a explicação da idéia de crise, implicitamente traz as noções
de falência, esgotamento e incapacidade. O outro olhar é otimista e consiste em buscar a
existência de “coisas boas” dentro do caos.
15
A criação de ambientes urbanos ideais é constantemente observada em várias
proposições espaciais; são as chamadas utopias urbanas, existentes na história do
urbanismo
3
. A maioria das idéias utópicas tenta na sua essência, idealizar uma sociedade em
um determinado espaço. Mannhein (1971) afirma que a palavra utopia, de origem grega
significa “nenhum lugar”, porém, de acordo com Choay (1985), sabe-se que Mannhein preferiu
conceituar utopia um tipo de mentalidade.
A palavra utopia foi criada por Thomas More em seu livro de 1516 quando
designa uma ilha que se constitui como uma expressão de desejo de reforma de toda a vida
social, política e religiosa
4
. Dessa forma, o conceito da palavra utopia mais disseminado é de
um bom lugar, porém irreal e inexistente. De acordo com Choay (1985), a palavra encerra uma
denotação cada vez mais vaga e termina por incluir, em uma compreensão cada vez mais
vasta, o exato oposto de seu significado original. O atrativo exercido por esse arquétipo suscita
um grande número de variantes e demarcações, e considerando-se as idéias de More, inclui
traços comuns a todos os escritos do Urbanismo: a abordagem crítica de uma realidade
presente e a modelização espacial de uma realidade futura.
No início do século passado, Geddes (1994) criou alguns termos para definir
eventos e processos novos, gerados pelo rápido processo de transformação das cidades.
Entre seus conceitos urbanísticos mais difundidos estão os termos conurbação e eras
paleotécnica e neotécnica. Estes dois últimos relacionam-se à atitude do homem perante o
meio ambiente. A fuga da ordem paleotécnica
5
para a neotécnica é a fuga da kakotopia para a
eutopia. A primeira volta-se para a dissipação das energias e visa ganhos monetários
individuais, e a segunda, para a conservação de energias e organização do meio-ambiente e
visa à permanência e evolução da vida, social e individual, cívica e eugênica. Com a ordem
neotécnica, obter-se-ia o melhor uso de recursos materiais e humanos para o aprimoramento
do homem e seu meio ambiente, e, desta maneira, tem-se a criação de sua eutopia, que se
daria em cada cidade, em cada região, em cada lugar de efetiva prosperidade e bem-estar.
3
Não se pretende discorrer sobre a história das utopias urbanas. Ver NEUSUSS, A. Utopia. Barcelona: Barral,
1971; CHOAY. O Urbanismo: utopias e realidade – uma ontologia. São Paulo: Perspectiva, 1979.
4
Introdução sobre a vida e obra de Thomas More sob a consultoria de José Américo Pessanha. More, Coleção os
Pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2000.
5
Segundo Geddes, a era industrial pode ser dividida em dois períodos, em Paleotécnica e Neotécnica. Da mesma
maneira que a Idade da Pedra, o Paleolítico e o Neolítico. Observa-se a substituição da terminação, para
caracterizar as manifestações diferenciadas da era industrial. As cidades de mineração, a máquina a vapor, as
fábricas e as estradas de ferro, enfim as cidades industriais superpovoadas caracterizariam as Paleotécnicas.
16
Vale ressaltar que a palavra kakotopia muitas vezes é utilizada com o mesmo
significado de distopia, no entanto esta difere daquela por ser produto de um sistema político
de poder. Para Geddes (1994), portanto, o termo eutopia poderia ser traduzido por lugares
aprazíveis
6
, ou como coloca Gifford (1997), bom lugar (good place). Este poderia ser
alcançado por meio de atitudes mais coerentes com o meio ambiente e caracterizado por suas
especificidades.
Similarmente, Gifford (1997) apresenta a definição de Entopias. Segundo o
autor, a palavra utopia tem o significado de “lugar nenhum”. Topos em Grego significa lugar, e
u (ou-ouk) é advébio que significa não. Daí More cunhou o vocábulo com o significado de não
lugar – lugar nenhum. Enquanto utopia significa “nenhum lugar”, algo não realizável, entopia,
significa lugar em, isto é lugar realizável, e converte a idéia de que melhores situações podem,
com esforço, ser trazidas em existência. No mesmo sentido, Doxiadis (1964) traduz como
lugar exeqüível. O termo foi cunhado, segundo este autor, das palavras gregas “en” e “topos”,
in” e “place”
.
Desta maneira, as entopias possibilitam uma perspectiva prática, como um
caminho que poderia direcionar as discussões referentes à concepção dos espaços e de
melhor qualidade de vida. E como olhar otimista pretende-se direcionar a pesquisa para as
discussões de inserção de novos parâmetros qualitativos, da história, da cultura e da memória
enquanto referências que devem ser incorporados na discussão do ambiente construído.
Lynch (1981) coloca tais questões como parâmetros negligenciados face à hegemonia dos
valores fortes, mais frequentes e explícitos do planejamento urbano.
Nessa mesma linha de discurso, Silva (2002) afirma que o planejamento
urbano, ou melhor, a concepção do espaço com o qual nos identificamos, não pode surgir
apenas daqueles que tradicionalmente tem sido os seus protagonistas. É necessário incluir o
conhecimento da sua natureza, a interpretação da construção da sua paisagem, mas, acima
de tudo, daqueles que estão disponíveis para discutir a sua cultura, que é um dos
componentes que molda todas as coisas.
6
A discussão de “Lugar aprazível” retoma a questão de Topofilia realizada pelo geógrafo-humanista Yi-Fu Tuan
(1983), que define espaço como conceito genérico e que transmite a idéia de orientação, por loutro lado, Lugar é
definido, trasmite segurança e é menos abstrato.
17
3. PAISAGEM COMO OBJETO INTERDISCIPLINAR
Se Entopia encerra a idéia de lugares que podem ser trazidos em existência
significa que são espaços existentes de significado que tem, entre outras relações como a
topofilia, à relação entre cultura e história como elementos importantes a serem considerados.
Tais delineamentos convertem às discussões várias de elementos tangíveis e intangíveis que
compõem o ambiente urbano, entre eles a paisagem. Neste sentido, define-se a paisagem
como objeto, com um olhar interdisciplinar na interpretação de sua construção como um
caminho possível para a busca de entopias curitibanas.
Preliminarmente, deve-se discorrer sobre o conceito de paisagem, pois a
palavra possui várias acepções. Conforme o Dicionário Aurélio, paisagem vem do francês
paysage e tem dois significados: é espaço de terreno que se abrange num lance de vista e
pode ser considerada pintura, gravura, ou desenho que representa uma paisagem natural ou
urbana
7
. O Dicionário Houaiss inclui como correlata a palavra panorama.
No âmbito lingüístico, observando-se a origem da palavra, colocam-se outras
considerações. O termo alemão Landschaft é mais antigo, é medieval, e é uma associação
entre o sítio e seus habitantes, sua raiz é Land e schaffen, que significa criar ou produzir a
terra. O vocábulo transformou-se em landscape, em inglês, utilizado por Sauer (1998), em
1925, que enfatiza o sentido semelhante de formatar (land shape) a terra, pela associação das
formas físicas e culturais. No entanto, landscape, anteriormente, referia-se à pintura de
cavalete. Já no francês, o termo paysage, também utilizado em inglês até meados do século
XVI, tem sua origem no radical pays, que na Idade Média significava simultaneamente
habitante e território, assim, a Geografia francesa apropriou-se de paysage, destituindo-o de
seu sentido renascentista, e restituindo o sentido mais amplo de seu correlato alemão.
Cronologicamente o termo paysage surge na França em 1551, na Itália paesaggio aparece no
século XVII, paisaje na Espanha em 1708, e paisagem, em Portugal em 1608 (HOLZER,
1999).
7
Vale ressaltar que Landscape é definido de maneira similar no Chamber´s Etymological Dictionary como “the
shape or appearance of that portion of Land which the eye can at once view; the aspect of a country; a picture
representing the aspect of a country”.
18
Por outro lado, Cosgrove (1998), geógrafo britânico, afirma que a palavra surgiu
no Renascimento para indicar uma nova relação entre os seres humanos e seu ambiente,
concomitante a aplicação revolucionária de regras formais e geométricas euclidianas. Desta
forma, a invenção da perspectiva linear permite reproduzir em duas dimensões a ilusão
realista de um espaço composto por três dimensões. O termo paisagem, portanto, está ligado
a uma nova maneira de ver o mundo como criação racionalmente ordenada, designada e
harmoniosa, cuja estrutura e mecanismo são acessíveis à mente humana, assim como ao
olho, e agem como guias para os seres humanos em suas ações de alterar e aperfeiçoar o
meio ambiente.
Tais considerações indicam, primeiramente, uma dualidade na definição do
conceito. Na primeira interpretação, espaço que se abarca em um lance de vista, a paisagem é
definida como um campo de visibilidade, observado principalmente na Geografia por Vidal de
La Blache
8
, P. George, O. Dolfuss, entre outros. Na segunda acepção, como pintura, gravura,
ou desenho que representa uma paisagem natural ou urbana, a relação com o campo das
artes fica evidente e, de acordo com Troll, o conceito de paisagem está presente tanto na
ciência quanto na arte (TROLL,1997). Apesar da relação de visibilidade em ambos os
conceitos, a paisagem é associada a amplas porções de terras, significando uma amplidão
muito maior do que a vista pode alcançar, contrapondo-se, assim, ao panorama representado
na pintura de cavalete. Pode-se observar que o conceito encerra nas suas raízes problemas
de idioma que, apesar da aparente semelhança tem particularidades nem sempre análogas.
Por outro lado, a palavra paisagem é um termo introduzido no cotidiano com a
acepção do senso comum. Uma breve consulta nos jornais demonstra a crescente
incorporação do termo na mídia e no marketing imobiliário, entendido como capaz de
valorização da paisagem existente ou de seu usufruto. Corrêa (1997), em revisão bibliográfica
sobre a temática, faz referências a várias leituras de paisagens como: paisagem natural,
paisagem cultural, paisagem como vitrine e como matriz cultural, paisagem da cultura
dominante, paisagem residual, paisagem emergente, paisagem excluída, paisagem do medo,
paisagem do desespero, que encerram acepções diversas.
8
De acordo com Barbosa (1998) Vidal de La Blache é considerado um dos fundadores da Geografia como
disciplina acadêmica, definindo paisagem: “le que l´oeil embrasse du regard”. Tal conceito é reforçado por autores
de gerações posteriores, a exemplo de P. George paisagem é “porção do espaço geográfico analisada
visualmente”; e de O. Dolfuss afirma ser paisagem o “aspecto imediatamente perceptível do espaço geográfico
BARBOSA, Jorge Luiz. Paisagens Americanas: imagens e representações do Wilderness. In: Espaço e Cultura, n.5,
jan/jun 1998.
19
Desta maneira, a paisagem tem sido utilizada como conceito tanto nas ciências
como sendo elemento de discussão em várias disciplinas, principalmente na História,
Geografia, Arte e Arquitetura, quanto em linguagem não-acadêmica. De acordo com Holzer
(1994) que propõe um estudo fenomenológico da Paisagem e do Lugar, os filósofos não se
interessaram pela paisagem enquanto tema de reflexão, diversamente de como procedeu com
o conceito de Lugar. Desta forma, devem-se colher subsídios para a sua definição na
Geografia, nas ciências afins e na Arte (HOLZER, 1994).
3.1 VÁRIAS VISÕES DE PAISAGEM
Portanto, além das várias acepções da palavra Paisagem, deve-se buscar as
suas várias concepções e sobreposições nas ciências para a definição de outros sentidos de
paisagens que serão consideradas na tese. No preâmbulo do livro, “A Paisagem Urbana
Moderna”, o geógrafo Relph (1987) discorre assim sobre as paisagens:
as paisagens são os contextos visuais da existência quotidiana, embora eu
suponha que pouca gente utilize freqüentemente a palavra “paisagem” para
descrever o que se vê ao caminhar pela rua, ou através do vidro do carro. No
entanto, manipulamos as paisagens dos jardins, desfrutamos de um calmo
prazer ao contemplar a sua silhueta num por do sol, ou ao vê-los iluminados
pelo sol, quando este surge depois de uma trovoada; absorvemos as
paisagens como turistas e filmamo-las inconsciente. São facilmente
fotografadas – basta apontar a câmara para o exterior [...] tudo sugere que as
paisagens são coisas óbvias. No entanto, quando tentamos analisá-las, logo
se afigura que, em primeiro lugar, são tão familiares e envolventes que se
torna difícil enquadrá-las numa perspectiva nítida e, em segundo lugar, que
não podem ser facilmente desmontadas nas suas partes constitutivas, como
os edifícios e ruas, sem perder o sentido da panorâmica geral. Portanto, as
paisagens são simultaneamente tão obvias e esquivas; aparentemente
sabemos exatamente o que são, até o momento de escrever sobre elas, ou
modificá-las de alguma maneira; e então se tornam enigmáticas e frágeis [...]
as paisagens são coisas substanciais, embora intangíveis” (RELPH, 1987,
p.12-13 e 16).
Esta passagem revela várias dimensões e significados que se têm do conceito
de paisagem. Estas podem ser manipuláveis tanto no sentido de intervenção como no de
tranformação, em várias escalas. A paisagem, enquanto elemento de contemplação reveste-se
de um caráter estético, e se subjuga a um juízo de valor, enquanto imagem impregna-se na
20
memória e, muitas vezes, na sua reprodução, como um cenário que pode ser fotografado.
Apesar de óbvias são esquivas, são substânciais, porém intangíveis, questões que revelam as
dificuldades de definição e de vários métodos analíticos.
Cosgrove (1998) aponta essa complexidade quando afirma três implicações da
paisagem: primeiro, como um foco nas formas visíveis, sua composição e estrutura espacial,
segundo como unidade, coerência e ordem ou concepção racional e por fim, a idéia de
intervenção humana e controle das forças que modelam e remodelam o mundo.
Os vários olhares indicam o viés interdisciplinar, se consideramos as questões
estéticas, configurativas, perceptivas, de intervenção e de transformação da paisagem. O olhar
estético que, segundo Holzer (1999), teria subsídios de uma reflexão filosófica, com base de
seus significados. Tal questão pode ser verificada na coletânea resultante do I Colóquio
Internacional de História da Arte – Paisagem e Arte: a invenção da natureza, a invenção do
olhar, com ênfase na paisagem enquanto construção cultural, e produção material
especialmente pela representação. Salgueiro (2000, p.13) afirma que “o tema supõe relações
de interdisciplinaridade, e suscita enfoques plurais” e define uma postura em relação à
temática central: “a paisagem enquanto construção cultural [...] não se tratando simplesmente
de discutir a arte da paisagem, ou a paisagem na arte”. O objetivo do colóquio era o de
procurar identificar e compreender como a arte, em diversos contextos e situações históricas,
participou da produção material e cultural da paisagem, e como se formou e transformou o
olhar com que as sociedades se apropriam da natureza, especialmente pela representação. A
discussão entre historiadores (não somente da arte), arquitetos, engenheiros, filósofos,
geógrafos, antropólogos, paisagistas, artistas plásticos, entre outros, demonstra a
interdisciplinaridade da temática (SALGUEIRO, 2000).
No entanto, no balanço crítico do colóquio, Menezes (2000) revela que alguns
conceitos utilizados devem ser examinados, pois a indefinição verificou-se principalmente no
conceito de paisagem e mostra que, apesar do trabalho de A. Roger sistematizar conceitos
necessários para acompanhar o surgimento da paisagem no Ocidente, a maioria dos trabalhos
utilizou citações e referências e, às vezes, posição explicita ou implicitamente divergentes.
Afirma que “o problema ocorre por que paisagem tornou-se “moeda de troca”, com vantagens,
pela flexibilidade que propicia, mas também com desvantagens, pois se perde o “fio da meada
(MENEZES, 2000, p.434).” Diz que, o termo coincidiu, muitas vezes, com natureza ou espaço,
porém alerta para o risco de desistorização do conceito.
21
O olhar de configuração, quando a Geografia viabilizou-se como disciplina
acadêmica, tendo como objeto de estudo a “paisagem”. Sauer, em 1925, publica “A Morfologia
da Paisagem” e afirma que o termo paisagem definia o conceito de unidade na Geografia, para
caracterizar a associação peculiar dos fatos, assim, definida como uma área composta por
uma associação distinta de formas, ao mesmo tempo físicas e culturais. Acrescenta ainda que
a “paisagem tem sua identidade baseada na constituição reconhecível, e limita-se e relaciona-
se genericamente com outras paisagens, tendo sua estrutura e função determinada por formas
integrantes e dependentes” (SAUER, 1998, p.23).
Conquanto fosse considerado como um objeto central dos estudos geográficos,
o conceito de paisagem passou a uma posição marginal. Somente com a revalorização das
Ciências Sociais, que influenciou várias disciplinas, a paisagem reafirmou-se com uma das
temáticas principais, relacionando-se às questões culturais
9
como elemento central de
compreensão das diversas paisagens, como Claval (2001) em a Geografia Cultural e Berque
(1984) em Paisagem-marca e Paisagem-matriz.
Na Arquitetura, apesar de ser recorrente o uso da palavra paisagismo, no
Dicionário de Arquitetura de Corona e Lemos (1972), o verbete paisagismo é definido como
estudo dos processos de preparação e realização da paisagem como complemento da
arquitetura, no entanto, nele não se registra o termo paisagem. Por outro lado, Magalhães
(2001) afirma que o objeto de intervenção do arquiteto paisagista é a paisagem a qual vincula
seu aspecto cultural. Outros autores como Rossi (1995), ainda que se refiram à paisagem
urbana, consideram-na como sistema espacial em contraposição ao entender de Camillo Sitte
(1992) para quem é o espaço que se abarca em um lance de vista. Norberg-Shultz (1980)
concebe a paisagem como espaço não-edificado, e a propõe como elemento arquitetônico
unificador, como componente da forma resultante, pressupondo uma interligação entre as
estruturas edificadas e as estruturas do espaço não-edificado.
9
A relação entre espaço e cultura é detalhada no capítulo 3 que discorre sobre as Paisagens Étnicas.
22
Por outro lado, o arquiteto italiano Gregotti (1975), faz a fundamentação formal
da paisagem antropogeográfica, termo de Ratzel
10
, geógrafo que, porém lhe dá uma
interpretação diferenciada. Ratzel refere-se aos estudos sobre as atividades dos grupos
humanos em função do ambiente geográfico. Por outro lado, Gregotti por sua vez, ressalta que
tal conceito refere-se ao ambiente modificado pelo trabalho ou pela presença do homem, na
concepção de paisagem como conjunto ambiental total. Revela a diferenciação do objeto nas
disciplinas, primeiro, em uma questão de escala, ao ultrapassar uma determinada dimensão,
como descrição
11
técnica de um “circundante” e também como técnica de construção. O
segundo, o próprio propósito das disciplinas, caracterizando-se uma como descritiva e a outra
como projetual, sendo que a geografia não constrói proposições e não atribui valor de
comunicação estética (GREGOTTI, 1975). Para Gregotti, a paisagem arquitetônica (incluindo
a natural a qual se pode atribuir um valor simbólico ou mítico) deve-se sobrepor às questões
da paisagem enquanto objeto estético, a paisagem enquanto valor perceptivo e a paisagem
enquanto ação de proposição espacial.
Disto se desprende uma possibilidade de leitura e de juízo sobre o existente.
Como no caso da linguagem, o ambiente circunstante é o produto dos
esforços da imaginação e da memória coletiva. Se a partir disso adiciona-se a
questão da percepção da paisagem quando ela se converte em percepção
estética, quando se adquire consciência da qualidade figurativa da paisagem
(GREGOTTI, 1975, p.65).
Segundo o arquiteto japonês Narumi (1999), são várias as maneiras de
entendimento da paisagem: por exemplo, na observação da transformação da paisagem
regional; na compreensão de como se sustentam as boas paisagens imediatas; na avaliação
dos instrumentos de ordenamento da paisagem; na amenidade da paisagem como elemento
de atratividade urbana; na imagem urbana e na paisagem enquanto estratégia de conciliar a
cidade como figura e fundo. Por fim, o significado da arquitetura na paisagem e na paisagem
como herança.
10
De acordo com Torres (1996, p.3) Ratzel fundador da “antropogeografia” e da “geopolitica” propõe a
determinação natural dos processos humanos. Uma influência do darwinismo que inspirou as correntes geográficas
totalizadoras que pretendem a explicação causal e unitária dos fatos físicos e humanos.
11
Apesar do autor não dizer, a Geografia também tem como postulado seu aspecto crítico e não apenas descritivo.
No entanto, entende-se como diferencial nas duas disciplinas é o lado propositivo formal final, que apesar da
Geografia Urbana desenvolver programas de análise e definir diretrizes espaciais, não define formalmente o
resultado final da paisagem construída.
23
A paisagem como arquitetura, para o Narumi (1999), somente pode ser melhor
compreendida se observada enquanto paisagem a ser mantida, a ser construída e a ser
criada. A primeira é aquela com qualidades que se considera importante preservar, a segunda
é a das grandes intervenções. E por fim, a ser criada é importante repensá-la como fazendo
parte de um todo arquitetônico.
Em relação à questão da preservação e controle de paisagem com o enfoque
do Patrimônio, vale ressaltar a existência de duas recomendações nas Cartas Internacionais: a
Recomendação relativa à salvaguarda da beleza e do caráter das paisagens e sítios, de 1962,
e a Recomendação n. R9 - sobre a conservação integrada das áreas de paisagens culturais -
como integrantes das políticas paisagísticas do Conselho da Europa - Conselho de Ministros,
de 1995. Observa-se que num intervalo de 30 anos, o trato da paisagem enquanto patrimônio
redirecionou-se de salvaguarda de belezas para a conservação de aspectos culturais da
paisagem, a primeira considerando paisagem enquanto meio ambiente natural e a segunda
incorporando valores de percepção, de relação entre indivíduo e meio, entre cultura local e
tradições (KANASHIRO e YAMAKI, 2001).
O olhar perceptivo das paisagens é observado nas disciplinas de Geografia e
Arquitetura, que se sobrepõem enquanto fundamentação e métodos analíticos. Tal aspecto
vincula-se às relações de visibilidade e visualidade como coloca Ferrara (2002), a visualidade
corresponde à imagem do mundo físico e concreto, já a visibilidade, à elaboração reflexiva do
que é fornecido visualmente e transformado em fluxo cognitivo. Isto significa que o olhar não é
somente o exercício da visão, mas tem significados diferenciados que podem variar de acordo
com experiências prévias.
Estas sobreposições de olhares sobre a paisagem também se revelam nas
estratégias para avaliação de paisagem que envolve, basicamente, três pressupostos. O
primeiro, os elementos visuais de uma paisagem que de alguma forma influenciam a maneira
das pessoas se situarem em uma determinada área; segundo, os elementos visuais
significativos; e terceiro, a relação entre os componentes selecionados de uma paisagem e
seus valores percebidos que sofrem influência cultural.
24
4. TRÊS VISÕES DE PAISAGENS DE CURITIBA
As proposições anteriores acerca do conceito e das várias visões de paisagem
fazem-se necessárias para o recorte epistemológico que se pretende utilizar. Nesta tese outros
termos são incorporados, porém são reflexões e maneiras diversas de olhar no intuito de
contribuir para o entendimento do processo de construção das paisagens étnicas curitibanas
(Diagrama 6).
A imigração fez a população de Curitiba triplicar entre os anos de 1890 a 1914.
Nos anos entre 1890 e 1896 chegaram à capital paranaense 28.000 imigrantes e no período
de 1907 a 1914 vieram mais 27.000 novos imigrantes. Dessa forma, voltou-se aos primórdios
da formação da Província do Paraná, uma recorrência histórica como instrumento analítico. A
historiografia espacial fez resgatar os escritos de viajantes que percorreram a província
descrevendo suas primeiras paisagens. Assim, o primeiro olhar é a paisagem como campo de
visibilidade, ou seja, das paisagens apreendidas descritas nos relatos de três viajantes
europeus: Saint-Hilaire [1829], Avé Lallement [1858] e Bigg-Wither [1872]. Os relatos revelam
olhares apreendidos da maneira como a sociedade daquela época se apropriava da natureza -
olhares traduzidos nos escritos e iconografias - uma leitura carregada de juízo de valor, com
percepções individuais e de conotação subjetiva. No entanto, trata-se de descrições do
“espaço que se abarca em um lance de vista”; são olhares sobre a gênese das paisagens e
das maneiras de organização social, econômica e espacial baseadas nos preceitos europeus
de cada viajante. Apesar da ressalva de que se trata de olhares individuais, que muitas vezes
contêm informações além do que é visto, estes se tornam uma das maneiras de resgatar o
início do processo de construção da paisagem da Província do Paraná e de Curitiba.
A discussão de Berque (1998) sobre como se cria o inventário das políticas e
instituições para organizar o seu ambiente indicou o segundo olhar, o das paisagens
projetadas. Estas se referem ao processo de construção da paisagem idealizada pelos
instrumentos como as posturas, legislações e planos de ordenação urbana de Curitiba - dos
almoçatés, do ouvidor Pardinho, de Toulois - pelos Códigos de Postura de 1895 e de 1919,
pelo Plano Agache e pelo Plano SERETE. Por meio da análise das proposições, tanto pela
regra quanto pelo modelo, verificam-se as maneiras ideais de organização do urbano sendo a
paisagem entendida como unidade, como ordem ou como concepção racional.
25
Este resgate histórico-espacial fez-se necessário para (re) compor a visão e
conceber as paisagens iniciais onde foram inseridas as colônias de imigrantes. Assim, a
terceira paisagem diz respeito às paisagens étnicas projetadas para imigrantes nos arredores
de Curitiba. O estudo de Sauer vinculado ao conceito de “paisagem cultural” considera que a
cultura é o agente, a área natural é o meio, a paisagem cultural é o resultado, na acepção do
termo landshape (formatar a terra), associação recorrente entre formas físicas e culturais
(SAUER, 1998).
No intuito de produzir políticas públicas como estratégia para abastecimento
agrícola da Capital, criou-se uma série de colônias de imigrantes no entorno imediato da
cidade. Estudos existentes afirmam que determinantes culturais assumem importancia
significativa para a construção de uma comunidade ideal na concepção dos planos de colônias
imigrante no Brasil, em relação à imigração italiana, alemã e japonesa (YAMAKI e NARUMI,
1983). Diz Rapoport (1977, p. 299-300):
La forma urbana y el paisaje es el resultado de muchas intervenciones de
mucha genste, aunque se sumen en una totalidad. Tales paisajes reflejan
ideales; por ejemplo, en muchos casos se trata de las imágenes de los
inmigrantes que escogen su hábitat y transforman su nuevo paisaje en función
del antiguo.
No entanto, entende-se a proposição que uma pesquisa cujo aporte seja a
história, reflexões sobre as paisagens atuais devem ser consideradas. Desta maneira,
discorre-se sobre a existência de paisagens étnicas contemporâneas que podem ser
resquícios das paisagens étnicas das colônias de imigrantes; ou resultantes de várias
intervenções cuja temática imigrante foi realçada para reforçar a imagem de “Capital do
Primeiro Mundo” ou aquela imaginada pelos imigrantes e/ou descendentes.
Neste sentido, resgatar a formação das paisagens étnicas curitibanas e refletir
sobre as contemporâneas é uma das maneiras de compreendê-las, sob a perspectiva de que
paisagem é história, cultura e natureza, que permite definir as opções metodológicas e os
pressupostos da tese. A partir da leitura dessas paisagens pretende-se contribuir para o
entendimento do processo de construção das paisagens curitibanas.
26
27
4.1 PRESSUPOSTOS DA TESE
Em vista do que ficou exposto a respeito dos três olhares das paisagens
curitibanas, assume-se uma postura que, mais do que determinar uma metodologia a priori,
constitui-se como processo da pesquisa. No entanto, os seguintes estudos embasarão os
desenvolvimentos metodológicos examinando a cidade sob o enfoque da relação entre o
homem e o ambiente. Na investigação teórica sobre a paisagem, Bailly, Rafestin e Reymond
(Apud HOLZER, 1999) a consideram como um depósito de história, um produto da prática
entre indivíduos e da realidade material com a qual nos confrontamos. Para a sua análise,
seria preciso situarmo-nos no nível perceptivo, constituído da experiência cognitiva da
paisagem a ser estudada, a partir da intencionalidade.
Para Berque (1998), por meio da paisagem, podem-se fazer as correlações com
a cultura. Entretanto, a análise de uma paisagem não reside somente no objeto, nem somente
no sujeito, mas na interação complexa entre dois termos. O autor relata esquematicamente o
procedimento de leitura da paisagem cultural que tem sido aplicado no caso do Japão: 1.
Inventário ecogeográfico: Como, e em que grau, a sociedade transformou a natureza do seu
ecúmeno através da sua agricultura, do seu hábitat, etc?; 2. Inventário das representações:
Como tal paisagem é percebida? Como tal sociedade evoca e idealiza sua relação com a
natureza?; 3. Inventário de conceitos e valores: Como tal sociedade concebe e julga o natural,
o artificial, o sobrenatural, a natureza humana, a própria natureza? Como esse quadro mental
se traduz nas projeções do ecúmeno? (nos planos de arquitetura, na organização territorial,
nas utopias)?; 4. Inventário das políticas: Como tal sociedade gera, efetivamente, seu
patrimônio ecogeográfico? Que instituições se criam para organizar seu ecúmeno e qual a
eficácia destas?; 5. Exames sintéticos dessas diversas rubricas que fazem com que se
iluminem reciprocamente: o político sendo iluminado pelo ético, este pelo estético, este pelo
psicológico, este pelo ecológico, etc., e em todos os sentidos. Sem desesperar diante da
dificuldade e sem esquecer que se tais laços não existissem, não haveria sociedade, nem
cultura, nem paisagem.
Outros estudos abordados que servem como orientação metodológica são os
instrumentos de apreensão dos lugares. Zeisel (1984) destaca um método que é delineado a
partir da observação de campo, o chamado observing physical trace. Significa um olhar
sistematizado sobre o ambiente com o intuito de observar reflexos de atividades prévias. Este
28
método apresenta a seguinte discussão: as qualidades do método referem–se à
imageabilidade, à desobstrução, à durabilidade e à facilidade. Quanto aos instrumentos de
campo, podem ser utilizados diagramas, desenhos, fotografias e incidência. E, por fim, o que
pode ser observado espacialmente são os produtos de uso (erosões, “sobras”, traços
perdidos), adaptações de uso (suportes, separações, conexões), displays of self
(personalização, identificação, membros de um grupo) e mensagens públicas (oficiais, não -
oficiais, ilegítimas) e contexto.
Dandekar (1988) enfatiza a necessidade de utilizar métodos qualitativos para
análise dos espaços urbanos, com o objetivo de produção de políticas públicas no
planejamento urbano. De acordo com o contexto, pode-se optar por métodos mais apropriados
em situações específicas. O autor sugere três categorias de métodos de análises qualitativas:
estudo da forma construída, estudo das interações humanas e estudo do processo de
planejamento e das estruturas organizacionais. O autor se refere aos tipos de instrumentos
avaliativos que podem ser utilizados. No caso dos estudos da forma urbana, os planejadores
têm como objeto de análise elementos tangíveis da paisagem. Por outro lado, também lida
com elementos intangíveis como a relação estética. Deve-se considerar, além das três
dimensões, a quarta dimensão que seria o tempo. Métodos qualitativos têm sido aplicados nas
análises de intervenções urbanas e em suas relações espaciais, para qualificar as questões de
qualidade de vida e ambiência.
Similarmente, Chizzotti (1998), no seu livro Pesquisa em Ciências Humanas e
Sociais, salienta a necessidade de inclusão de pesquisas qualitativas, que são uma reação da
Sociologia à pesquisa experimental. Segundo o autor, a pesquisa qualitativa pressupõe que a
utilização das técnicas não deva construir um modelo único, exclusivo e estandartizado.
Tais estudos trilharam percursos possíveis para a concepção teórico-
metodológica da pesquisa. O trabalho iniciou-se com um arcabouço teórico que
fundamentasse a discussão da interdisciplinaridade e da temática proposta; no entanto, a
revisão bibliográfica é distribuída em cada capítulo, conforme a concepção do olhar sobre as
paisagens.
Na primeira aproximação buscou-se verificar as origens da “cidade mais branca
do país”. Autores, como Wachowicz (2001, p.19), afirmam que Curitiba é o “maior laboratório
étnico do Brasil ou do mundo”, onde se realizou “uma das maiores experiências étnicas”, e
Martins (1955, p.3) diz que o Paraná foi “um dos estados mais ricos de povoamento
29
imigratório”. Tais afirmações, embora indiquem uma gênese imigrante singular na área de
estudo, na formação de paisagens étnicas, contrapõem-se à pesquisa de Ianni (1988). O autor
afirma que, em 1767, os escravos perfaziam uma população próxima de 50%, e com a
chegada dos colonos e o processo de abolição é que se observou o declínio deste grupo e um
processo de branqueamento da população. No entanto, Ianni (1988) diz que embora a
escravidão em Curitiba fosse menor do que nas outras regiões, o regime escravo assumiu a
mesma importância básica na formação da sociedade.
As pesquisas já realizadas sobre a mesma temática enfocam principalmente
estudos de caso. Os dados não sistematizados e destituídos de uma listagem completa dos
assentamentos formaram uma “colcha de retalhos”. Foi necessária uma peregrinação aos
órgãos públicos para a procura dos projetos dos assentamentos: Casa da Memória, IPPUC-
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, COMEC-Coordenação da Região
Metropolitana de Curitiba. Por fim, deparou-se com o antigo arquivo do ITC – Instituto de
Terras e Cartografia, atualmente sob a responsabilidade da SEMA – Secretaria do Meio
Ambiente. Surgem quase 40 assentamentos projetados para os imigrantes, como resultado de
uma estratégia política da época para colonizar a mais nova província.
Em vista das reflexões iniciais sobre as visões de paisagens curitibanas que se
pretende abordar, definem-se os pressupostos da tese com estas questões: se a paisagem é
um produto definiram as visões dos viajantes e das iconografias do início da formação da
Província e da Capital as maneiras de olhar o novo continente e seu “genius loci
12
” inicial e de
que modo a produção dos relatos dos viajantes poderiam trazer os contextos, situações,
percepções que auxiliam a construção da gênese da paisagem de Curitiba?
Se as políticas e as instituições são agentes de formação e transformação das
paisagens poderia o inventário e a leitura das proposições projetadas indicarem as ideologias
e os modelos dominantes de organização para a construção da paisagem curitibana?
Se for possível ler a intencionalidade da construção das paisagens étnicas das
colônias dos imigrantes e se a relação entre espaço e cultura foi relevante na concepção dos
planos pressuporiam estas questões uma lógica de estruturação e de organização espacial
12
Segundo Norberg-Shultz (1980), o genius-loci é um conceito romano de que toda a entidade tinha o seu genius,
seu espírito guardião. Este espírito, responsável pelas pessoas e lugares, determinava seu caráter ou a sua
essência.
30
relacionadas às etnias na implantação de quase 40 assentamentos na atual área da RMC-
Região Metropolitana de Curitiba?
Se o estabelecimento imigrante na cidade foi produto de uma política que
resultou em um processo de espacialização, quais foram os resultados da construção da
paisagem étnica de Curitiba e se estas existem quais são as paisagens étnicas
contemporâneas de Curitiba?
Pressupõe-se, portanto, que o procedimento nos parcelamentos para a
formação de vários núcleos de imigrantes no entorno imediato de Curitiba induz a uma série
de questões de espacialização no processo de urbanização da Capital. Desta forma, por meio
da interpretação da leitura das paisagens pode-se recompor parte da historiografia espacial
curitibana, em vistas à concepção de elementos tangíveis, como o construído e os intangíveis
como o imaginário urbano. Um percurso para entender como a organização do urbano define
a paisagem e como uma idealização de concepção do espaço, articulando-se com o planejado
e o espontâneo, com o efêmero e o duradouro foram sedimentados ou reinventados na
cidade. Discussões necessárias para entendermos o passado, interrogarmos o presente e
indicarmos novos caminhos para as paisagens curitibanas futuras considerando as entopias.
31
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACSELRAD, Henri. Sentidos da Sustentabilidade Urbana. In: ACSERALD, Henri (org). A Duração de
Cidades. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p.27-55.
BARBOSA, Jorge Luiz. Paisagens Americanas: Imagens e Representações do Wilderness. In: Espaço
e Cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, nº5, Jan/Jun, p.43-53, 1998.
BERQUE, Augustin. Paisagem-marca, Paisagem-matriz: Elementos da Problemática para uma
Geografia Cultural. In: CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL (orgs). Paisagem, Tempo e
Cultura.. Rio de Janeiro: EdUFRJ, p.84-9, 1998.
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 3.ed. São Paulo: Cortez, 1998. 164p.
CHOAY, Françoise. A Regra e o Modelo: sobre a teoria da Arquitetura e do Urbanismo. São Paulo:
Perspectiva, 1985. 333p.
CIÊNCIA Nova. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 nov. 2002. Caderno Mais, nº 563.
CLAVAL, Paul. A Geografia Cultural. 2.ed. Florianópolis: UFSC, 2001. 453p. (trad. Luiz Fugazzola
Pimenta e Margareth de Castro. Afeche Pimenta).
CORRÊA, Roberto Lobato. A Paisagem Geográfica – Uma Bibliografia. In: Espaço e Cultura. Rio de
Janeiro: EdUERJ, nº4, Jun., p.50-54, 1997.
COSGROVE, Denis. A Geografia Está em Toda Parte: Cultura e Simbolismo nas Paisagens Humanas.
In: CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny (Orgs.). Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de
Janeiro: EdUERJ, p.92-123, 1998.
DANDEKAR, Hemalata C. Qualitative Methods. In: Urban Planning. Catanese, Anthony J. & Snyder,
James C.(orgs). United Satates: McGraw-Hill, 1988. 386p.
DOXIADIS, Constantinos. Global Ecological Balance – The Human Settlement that we Need. In:
EKISTICS, vol. 18, nov. 1964. Disponível em: <http://www.doxiadis.org/documents/articles/article
22asp>. Acesso em: 07 jun. 2002.
FERRARA, Lucrécia d´Alessio. Os Lugares Improváveis. In: YAZIGI, Eduardo (org). Paisagem e
Turismo. São Paulo: Contexto, 2002. p. 65-82.
FLORIANI, Dimas. A complexidade ambiental nos convida a dialogar com as incertezas da
modernidade. Desenvolvimento e Meio Ambiente: Teoria e Metodologia em Meio Ambiente e
Desenvolvimento, vol. 4, Curitiba: UFPR, 2001.
32
GEDDES, Patrick. Cidades em Evolução. Campinas: Papirus, 1994. 274p. (trad. Maria José Ferreira
de Castilho).
GIFFORD, Gibson. Environmental Psychology: Principles and Practice. 2
th
. London: Allyn and
Bacon, 1997. 505p.
GOMES, Paulo Cesar da Costa. Geografia e Modernidade. 2.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
368 p.
GREGOTTI, Vittorio. Território da Arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1975. 191p. (trad. Berta
Waldman-Villá e Joan Villá).
HALL, Peter e PFEIFFER, Ulrich. Urban Future 21: a Global Agenda for Twenty-First Century Cities.
London: E& FN Spon, 2000. 361p.
HERCULANO, Selene et all. Introdução: Qualidade de Vida e Riscos Ambientais como um Campo
Interdisciplinar em Construção. In: SELENE, Herculano et al. Qualidade de Vida e Riscos
Ambientais. Niterói: EDUFF, p.17-25, 2000.
HOLZER, Werther. Paisagem e Lugar: um estudo fenomenológico sobre o Brasil do século XVI.
1994.Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo.
______Paisagem, Imaginário, Identidade: Alternativas para o Estudo Geográfico. In: CORRÊA, Roberto
Lobato e ROSENDAHL, Zeny (org). Manifestações da Cultura no Espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ,
1999. 248p.
IANNI, Octavio. As Metamorfoses do Escravo: apogeu e crise da escravatura no Brasil Meridional.
2ed. São Paulo: Hucitec Curitiba: Scientia et Labor, 1988. 271p.
KANASHIRO, Milena e YAMAKI, Humberto. Sobre Paisagens. In: Anais da 9º Reunião Anual SBPN,
vol.5, nº1. Londrina:Eduel, p. 246-247, 2001.
LEFF, Enrique. Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental. In: PHILIPPI JUNIOR et al. In:
Interdiciplinaridade em ciências ambientais. São Paulo: Signus, 2000. 318p.
LEFF, Enrique. Epistemologia Ambiental. São Paulo: Ed. Cortez, 2001.240p.
LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade. Lisboa: Edições 70, 1981.446p. (trad. Jorge Manoel Costa
Almeida e Pinho).
33
MAGALHÃES, Manuela Raposo. A Arquitectura Paisagista: morfologia e complexidade. Lisboa:
Estampa Lda, 2001. 525p.
MANNHEIN, Karl. Utopia. In: NEUSUSS, Arnhelm. Barcelona: Barral, 1971.
MARTINS, Wilson. Um Brasil Diferente: Ensaio sobre fenômenos de aculturação no Brasil. São Paulo:
Anhembi Limitada. 1955. 506p.
MENEZES, Ulpiano Bezerra de. Balanço Crítico. In: SALGUEIRO, Heleiana Angotti (coord). Paisagem e
Arte: a invenção da natureza, a invenção do olhar. I Colóquio Internacional de Historia da Arte. São
Paulo: CBHA, 2000. 452p.
NARUMI, Kunihiro. New Visions of Landscape. In: YAMAKI, Humberto e KANASHIRO, Milena (orgs).
Reunião Anual SBPN. Londrina: EdUEL, p-9-13, 1999. (em japonês)
NORBERG-SHULZ, Christian. Genius-Loci: Towards a Phenomenology of Architecture. London:
Academy Editions, 1980. 205p.
Paisagem. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 15
imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, p.1018, [19--].
Paisagem. In: Houaiss, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,
p.326, 2001.
Paisagismo. In: CORONA, Eduardo & LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Dicionário da Arquitetura
Brasileira. São Paulo: EDART, 1972.
PNUD – PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Guia metodológica
ambiental para universidades de América Latina y Caribe. Santiago de los Cabaleros:
PNUD/UNOPS, 1997.
RAPOPORT, Amos. Aspectos Humanos de la Forma Urbana: hacia una confrontación de las Ciencias
Sociales com el diseño de la forma urbana. Barcelona: GG, 1977. 381p.
RELPH, Edward. A Paisagem Urbana Moderna. Lisboa: Edições 70, 1987. 245p. (trad. Ana
MacDonald de Carvalho).
______. Place and Placelessness. London: Pion Limited, 1976. 161p.
ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 309p.
34
SALGUEIRO, Heleiana Angotti (coord). Paisagem e Arte: a invenção da natureza, a invenção do olhar.
I Colóquio Internacional de Historia da Arte. São Paulo: CBHA, 2000. 452p.
SAUER, Carl O. A Morfologia da Paisagem. In: CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny
(Orgs.). Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, p.12-74,1998.
SILVA, João Gomes da. A Paisagem – Idéia ou Experiência?. In: Jornal Arquitectos, n.206, maio/jun.
Portugal, 2002.
SITTE, Camilo. A Construção das Cidades Segundo seus Princípios Artísticos. São Paulo: Ática,
1992. 239p. (trad. da 4º ed. alemã por Ricardo Ferreira Henrique).
TORRES, Horacio. El Origen Interdisciplinario de los Estudios Urbanos. In: Seminario Internacional
VAQUERIAS. Argentina, oct., 1-22, 1996. (mimeo).
TROLL, Carl. A Paisagem Geográfica e sua Investigação. In: Espaço e Cultura. Rio de Janeiro:
EdUERJ, nº4, jun., p.1-7, 1997.
ZEISEL, John. Inquiry by Design: Tools for Environment-Behaviour Research. London: Cambridge
University Press, 1984. 250p.
WACHOWICZ, Ruy. História do Paraná. 9.ed. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2001. 360p.
YAMAKI, Humberto Tetsuya e NARUMI, Kunihiro. Spatial Structure of Settlement Towns in Brazil: a
comparative study of Japanese, German and Italian Towns. In: Technology Reports of the Osaka
University. Osaka, vol. 33, nº 1736, oct, p.435-443,1983.
35
36
37
1. PAISAGENS APREENDIDAS – ESCRITOS E ICONOGRAFIAS
A partir dos pressupostos a respeito dos três olhares de paisagens curitibanas
que se pretende discorrer no intuito de contribuir para o entendimento do processo de
construção, as Paisagens Apreendidas são flashes de uma paisagem envolvente transcritas
nos relatos dos viajantes que percorreram a Província do Paraná. A própria conotação –
apreensão – dá-se a partir do olhar às formas físicas, um conhecimento imediato por meio da
percepção, memória ou imaginação, uma visão individualizada de parâmetros e interpretações
subjetivas.
Das visões de estrangeiros sobre o território brasileiro
13
, esse olhar tem
emergido nos estudos de construção de uma “identidade nacional”
14
. São várias as leituras
interdisciplinares basilares da produção literária: cartas de navegação, relatos de viagens,
mapas cartográficos, pinturas, xilogravuras produzidos na época da colonização, como
referências para a construção de uma imagem nacional. Entre essas pesquisas a publicação
Dossiê – Brasil dos Viajantes (1996) traz um compêndio das várias visões que englobam o
imaginário europeu, os flagrantes de olhares voltados para o Novo Mundo, o encontro entre a
sensiblidade e a razão, encontros que produz uma nova ordem visual e artifícios utilizados
para a construção de uma “natureza” brasileira.
O trabalho traz leituras sobre iconografias feitas por europeus que traduziam o
novo continente exótico, sua natureza quase intocada e seus primeiros habitantes. A
historiadora Belluzzo (1996) faz uma leitura dos trabalhos iconográficos da imaginação sobre o
continente desconhecido na época das descobertas. Afirma que as primeiras imagens foram
gravuras que acompanharam as cartas de Américo Vespucci. O imaginário visual nasce das
transcrições dos textos e revela o caráter intertextual e intercultural do processo de elaboração
da iconografia dos viajantes. No entanto, existiam várias concepções de imagens, por
exemplo, sobre os hábitos canibais dos índios americanos e, por outro lado, a concepção
13
Publicações como a Revista Dossiê: Brasil dos Viajantes editado pela Usp, sob a coordenação da historiadora
Ana Maria Belluzzo propõem um documento de caráter interdisciplinar em variados materiais iconográficos,
literários e históricos.
14
A discussão sobre a construção da “identidade nacional” é feita a partir de Lesser (2001), nos capítulos 3 e 4.
38
humanista emergente afirmava a existência de um mundo novo como marcos e parâmetros da
busca da ordem e coerência na relação do homem com o universo, com a importância das
disciplinas de Astronomia e com cálculo. A historiadora conclui que o legado iconográfico e a
literatura de viagem dos cronistas europeus trazem sempre a possibilidade de novas
aproximações com a história. O ver não é uma ocorrência natural e sim um fato histórico,
interligados aos critérios de valoração e aos modos operativos de que o homem dispõe.
O estudo de Silva (2003), “As Terras Inventadas” faz uma interpretação de três
viajantes: Jean de Léry, André João Antonil e Richard Francis Burton
15
. Segundo o autor,
podem-se identificar diversos olhares na interpretação dos relatos. O olhar medieval que
ressalta os aspectos fantásticos das viagens e as visões edênicas das terras descobertas; o
olhar mercantilista que busca identificar riquezas; o olhar renascentista fascinado pelas
possibilidades de ampliação do saber do novo mundo; o olhar racionalista que instrumentaliza
a natureza, que busca suas explicações e utilidades, incorporando se ao conhecimento
científico. Complementa ainda, sobre a experiência européia a respeito do novo mundo:
...esses relatos vão construir uma nova percepção da humanidade, espaço e
natureza, onde um processo de racionalização colocada em primeiro plano
permite a identificação de terras descobertas ao mesmo tempo como parte
separada, diferente e integrante do orbis terrarum, considerando o mundo com
algo a ser conquistado e construído pelo homem (SILVA, 2003, p.17).
Massimi (1995, p.145) faz uma classificação dos tipos de escritos na
confrontação entre a cultura portuguesa e a indígena no Brasil: 1. Roteiro de Navegação: de
teor técnico, descritivo, realista, organizado em termos de seqüências temporais e elaborado
por navegadores; 2. Relatos de Viagens: estruturados em forma de diário, na base dos
conhecimentos relevantes retirados dos autores; 3. Cartas Narrativas: onde a personalidade
do autor emerge de maneira mais evidente, bem como os valores do contexto cultural e social
ao qual ele pertence e do seio do qual deriva os significados para interpretar a realidade
vivenciada; 4. Regimentos, alvarás, requerimentos e todos os demais documentos de caráter
15
Sir Richard Burton possui uma das mais extensas produções biliográficas entre os viajantes estrangeiros que
percorreram terras brasileiras com relatos detalhados em termos de geografia, culturas, línguas e modos de vida,
apontando uma variedade de aspectos e de forte poder descritivo. Ver RICE, E. Sir Richard Burton. São Paulo:
Companhia das Letras, 1991. A pesquisa de Silva (2003) enfoca a natureza brasileira vista pelo viajante, apesar de
discorrer sobre a excentricidade e a personalidade de “camaleão” do viajante.
39
econômico, administrativo, ético, político acerca do Brasil e do índio; 5. Inquirições acerca dos
moradores, testemunhas da problemática vivencial das relações entre índios e colonos;
6.Tratados científicos, contendo observações de tipo etnológico, médico etc, elaborado por
viajantes; 7. Gramática de línguas indígenas, escritas pelos missionários.
Segundo Silva (2003), o conceito de “literatura de viagens” divide opiniões, pois
se trata de uma classificação recente, constituída de textos redigidos por participantes ou
testemunhas presenciais dos acontecimentos narrados, cujas balizas cronológicas se situam
entre o século XV e o XIX e é de natureza interdisciplinar. Essas narrativas identificam-se por
temas característicos como a descrição da alteridade geográfica e humana que a experiência
ultramarinha proporcionou, a revelação pela escrita de paisagens exóticas e da imagem do
“Outro”, de uma humanidade diferente, com culturas, crenças, governos e costumes próprios.
Especificamente sobre os estudos dos viajantes aqui definidos para compor as
Paisagens Apreendidas do Paraná, tem-se o estudo de Marco Pereira (1996), que analisa os
relatos dos viajantes, que percorreram a Capital da Província e de cronistas do início do século
XIX. A discussão é feita com base nos conceitos de governamentalidade de Foucault e de mito
em Ronald Barthes, que se compõem de discursos ufanistas sobre a urbe ordeira, disciplinada
e laboriosa.
Neste capítulo, pretende-se, através da visão de três relatos dos principais
viajantes
16
europeus, que percorreram o território paranaense, reconstruir a gênese das
paisagens da província por meio das descrições de suas Paisagens Apreendidas. Dardel
citado por Relph (1977) afirma que o espaço não é objetivo e indiferente, mas pode ser
qualificado em situações concretas e tem cor, profundidade, densidade e que estas
experiências espaciais são compostas pela complexidade de sensações visuais, auditivas e
olfativas presentes em circunstâncias, experiências anteriores e associações que podem ser
critérios pelos quais julgamos as paisagens.
16
Outros tipos de publicações como os apontamentos de 1863 do funcionário público Demétrio Acácio Fernandes
da Cruz que apesar de ser brasileiro nascido em Pernambuco, revela um viés crítico do panorama do sistema
agrícola dos lavradores nacionais. Por outro lado, a obra de Leo Weibel, geógrafo, contém descrições do Paraná
coletadas em pesquisas de campo realizadas entre 1946 e 1959. No entanto, fez-se um recorte epistemológico
excluindo-se, nesta parte da tese, trabalhos que não possuem o caráter de “relatos de viagens”.
40
Por meio das narrativas de Auguste de Saint-Hilaire, botânico francês que
esteve entre os anos de 1822 e 1826, no Brasil, e atravessou a Comarca de Curitiba; Robert
Avé-Lallemant médico alemão que em 1858 fez uma peregrinação pelo Paraná, e por fim
Thomas P. Bigg-Whiter, engenheiro inglês, que veio à Província para explorar e possibilitar a
demarcação da ferrovia entre 1872 a 1875.
Primeiramente, far-se-ão as principais observações individuais em relação à
Província do Paraná, percorrida em diferentes pontos geográficos. Em seguida, tem-se o
contexto da comarca de Curitiba que contem descrições, às vezes superpostas, e por fim, as
considerações finais delineiam a configuração das paisagens iniciais de Curitba apreendidas
pelos viajantes.
1.1 PAISAGENS APREENDIDAS DOS CAMPOS
Auguste Saint-Hilaire (1779-1853) foi um dos primeiros cientistas vindos da
Europa para percorrer livremente territórios do Brasil-Colônia. Chegou ao Brasil aos 37 anos e,
durante os anos de 1816 a 1822, visitou as províncias do centro e do centro-sul do Brasil,
recolhendo pelo caminho um grande acervo botânico que resultou na seleção de 30 mil
exemplares de plantas de 7 mil espécies, sendo 4.500 desconhecidas, todas remetidas ao
Museu de História Natural de Paris. A peregrinação foi registrada em diários de viagem,
publicados mais tarde na França em diversos volumes, retratando as paisagens e os costumes
do Brasil do início do século XIX. A relação dos livros das viagens de Saint-Hilaire relata sobre
os cerca de 16.500 quilômetros percorridos: Primeira e Segunda Viagem do Rio de Janeiro a
Minas Gerais e a São Paulo, Viagem ao Espirito Santo e Rio Doce, Viagem pelo Distrito dos
Diamantes e Litoral do Brasil, Viagens às nascentes do São Francisco, Viagem à Província de
Goiás, Viagem a Curitiba e Santa Catarina, Viagem a São Paulo e Viagem ao Rio Grande do
Sul.
41
A Comarca do Paraná foi visitada por Saint-Hilaire em 1826 após percorrer o
Rio de Janeiro, Minas Gerais, as proximidades do Rio São Francisco, a Província de Goiás,
antecedendo o Rio Grande do Sul e a sua volta para o Rio de Janeiro. São vários os correlatos
de diferenciação entre as áreas previamente observadas. Seus relatos são carregados de
descrições sistemáticas das várias vegetações. Botânico, faz comparação entre as relações
naturais, como clima e solo, além de comparação com cultivos da sua terra de origem. Sua
viagem pela Província do Paraná iniciou-se nos Campos Gerais cuja dissemelhança com
qualquer outra região já visitada no Brasil, o autor destaca:
esses campos são certamente uma das mais belas regiões que já percorri
desde que cheguei a América; suas terras são menos planas, não tendo a
monotonia das nossas planícies de Beauce, mas as ondulações do terreno
não chegam a ser acentuadas que limitem o horizonte. Até onde a vista
alcança, descortinam-se extensas pastagens; pequenos capões, onde
sobressai a valiosa e imponente Araucária [...] inúmeras éguas e bois pastam
pelos campos e dão vida à paisagem; vêem-se poucas casas, mas todas bem
cuidadas, com pequenos pomares de macieiras e pessegueiros. (SAINT-
HILAIRE, 1995 [1826], p. 12)
A visão da paisagem dos campos faz parte do seu repertório espacial europeu
já experenciado, porém diferencia-se pela imagem pregnante das Araucárias, que é
repetidamente observada, descrições quando isoladas e em grupos compondo “a fisionomia
característica aos Campos Gerais” (p.13). Desta forma, as araucárias aparecem com elemento
de realce na horizontalidade dos campos. Sua utilidade consiste no emprego da madeira
branca na carpintaria e marcenaria; na subsistência alimentar dos indígenas e exploradores
paulistas e na engorda de suínos. Saint-Hilaire ressalta que este tipo de vegetação é
característico de solo arenoso e, para os habitantes dos Campos Gerais, a sua abundância
significa terras impróprias para o cultivo.
Em relação aos aspectos geoambientais refere-se ao clima, comparando-o ao
das Províncias de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Goiás, as quais sofrem pela escassez de
água, enquanto na Província do Paraná o excesso de chuva não permite a queima das matas.
Observa também que o ar puro e a constante tarefa de montaria fazem com que os habitantes
dos Campos Gerais “desfrutem de excelente saúde” (p.14).
42
A sua descrição da fisionomia dos habitantes demonstra as influências da
hierarquia racial, formalizadas no século XVII e XVIII que promoviam um sentimento de
superioridade européia
17
:
há nessa região um número infinitamente maior de homens realmente brancos
[...] quase todos os operários da cidade pertenciam à nossa raça [...] não é de
se pensar que os habitantes dos Campos Gerais, apesar da sua profunda
ignorância, falem um português muito mais correto do que os habitam os
arredores da cidade de São Paulo [...] e os colonos dos distritos de Castro e
de Curitiba pouco se misturaram com os indígenas [...] bem diferentes dos
pobres mestiços que habitam as terras vizinhas de Itapeva, os habitantes dos
Campos Gerais são altos e bem proporcionados; tem cabelos castanhos e as
faces coradas; sua fisionomia traz a marca da bondade e da inteligência... [em
relação às mulheres] são geralmente muito bonitas; tem a pele rosada e uma
delicadeza de traços que eu ainda não tinha encontrado em nenhuma
brasileira. (SAINT-HILAIRE, 1995 [1826], p. 17)
Os costumes diferenciados entre as províncias visitadas são apontados,
primeiro na destreza de montaria e constante galope, prática iniciada desde a infância. No
entanto, relata o analfabetismo generalizado e, por outro lado, ressalta a qualidade hospitaleira
dos habitantes. Realçando que embora o clima temperado dos Campos Gerais favoreça o
trabalho, critica o “hábito da preguiça” que se relaciona diretamente com a criação de gado
cujos cuidados são menos requeridos.
Essa característica sedentária dos habitantes, segundo o viajante, tem reflexo
nas suas moradias: “suas casas estão longe de apresentar essa espécie de magnificência que
se nota nas fazendas dos antigos mineiros” (p.19). Tal caracteristica estava relacionada às
diferenças econômicas das províncias. Enquanto Minas Gerais era um dos núcleos dinâmicos
da economia colonial enriquecida pela atividade mineradora e pecuária, a Província do Paraná
era ainda pouco povoada e de povoação dispersa.
Porém o viajante complementa que as moradas têm a aparência limpa e uma
mobília simplória, sendo uma característica similar à da Província de Minas a concentração do
luxo nas camas. Quanto aos costumes alimentares observa que nas casas dos fazendeiros
serve-se chá, com o acompanhamento de queijo, biscoitos e doces, numa bonita bandeja
envernizada, um hábito de luxo que contrasta com a singular modéstia da casa” (p.19).
17
De acordo com Lesser (2001, p.24), o anatomista e naturalista alemão Johann Friedrich Blumenbach De generis
humani varietate nativa (1775-1776), era um dos mais citados dentre os primeiros racialistas científicos. Ele
43
A principal economia da região dispensa o uso de muitos escravos, e Saint-
Hilaire afirma que, em 1820, não se contavam mais de 500 escravos na cidade de Castro.
Relata que o trabalho braçal aqui não era tomado como ignomínia como o era na Província de
Minas, apesar de que: “aqui como no resto do Brasil, todo mundo trabalha o menos
possível”(p.20). Deve-se ressaltar que naquele determinado contexto havia o preconceito do
trabalho braçal, independentemente da atividade desenvolvida. Este era considerado, segundo
Ianni (1988, p.162), “ideologicamente como forma de utilização inferior da energia humana
[tornando-se] uma ocupação pejorativa e desabonadora”.
Desta forma, ainda registra que a vida dos homens pobres é semelhante à dos
índios selvagens; plantam somente o necessário para a sua subsistência e utilizam a caça
para completar o seu alimento. Verifica-se o olhar racionalista que, apesar da boa qualidade
dos lacticínios da região, como um dos principais alimentos para as pessoas de poucos
recursos, revela o contra-senso da não-fabricação dos produtos.
Descreve a criação de gado: aparentemente são menos selvagens do que os da
Europa. Correlaciona essa mansidão ao costume de dar o sal como complemento, devido ao
tipo de terra não-salitrosa da região. Algumas áreas apresentam a criação de cavalos e de
carneiros. Estes últimos eram criados unicamente por causa da lã; naquela época, eram
poucos os que apreciavam a sua carne. Relata o costume de atear fogo nos pastos para que,
depois da queimada, o gado tivesse um alimento mais saboroso e nutritivo. Tal prática faz com
que haja uma rotatividade nas áreas de pastagens, dispondo-se sempre de capim novo. A
qualidade das pastagens é aproveitada como invernada das tropas vindas do Rio Grande do
Sul, que permanecem nos Campos de fevereiro a outubro, para depois, seguirem para
Sorocaba.
Acerca do sistema agrícola nota que, apesar da região ser propícia ao cultivo de
milho, trigo, arroz, feijão, fumo e algodão, não há preocupação com o cultivo; a produção serve
apenas para o suprimento de suas necessidades. O sistema de derrubada das matas e a
subseqüente queimada são ilustrados como prática na agricultura brasileira. Revela o uso do
arado apenas para o cultivo do trigo na província e sublinha a necessidade desse bom
exemplo para outras regiões brasileiras. Destarte, observa que as terras são mais férteis e não
acreditava que a região em torno do Cáucaso havia produzido “a mais bela raça de homens”, e colocou a “raça
caucasiana” no topo de sua hierarquia racial.
44
se esgotam facilmente como as de Minas, podendo rapidamente ser fertilizadas. Todas as
culturas encontradas, como o milho, a cana-de-açúcar (somente nas proximidades de
Curitiba), o feijão, o trigo, o arroz, o fumo, o algodão e o plantio de árvores frutíferas, são
caracterizadas por Saint-Hilaire, desde as áreas de plantio, processo e época da semeadura,
colheita, rentabilidade e qualidade do produto.
Na primeira parte do seu relato, que concerne à descrição geral dos Campos
Gerais, é enfatizada a sua predileção pelo local a ponto de apelidá-lo como “paraíso terrestre
do Brasil” (p.32). Assinala que esta região seria ideal para uma colonização européia:
Entre todas as partes desse Império, que percorri até agora, não há nenhuma
outra onde uma colônia de agricultores europeus tenha possibilidade de se
estabelecer com mais sucesso. Eles encontrarão o clima temperado, ar puro,
frutas do seu país e um solo no qual poderão desenvolver qualquer tipo de
cultura a que estejam acostumados [...] teriam ensinado aos antigos
habitantes do lugar os métodos europeus de agricultura, que certamente são
aplicáveis a esta região [...] felizes em sua nova pátria, cujo aspecto lhes teria
lembrado, em certos pontos, a sua terra natal [...] e essa parte do império teria
adquirido uma população ativa e vigorosa (SAINT-HILAIRE, 1995 [1826], p.
32-33).
As similaridades das paisagens dos campos e do clima temperado
correlacionam-se às experiências de paisagens européias prévias do viajante, porém a
expressão de que o “clima da região de Curitiba é, no Brasil, o que se mais assemelha ao
clima europeu” é uma afirmação constante no estudo de Martins (1955) que analisa a
imigração européia no Paraná. No entanto, a passagem revela uma linguagem da eugenia
18
lamarckiana que teorizava que as caracteristicas e, portanto, a cultura era adquirida por
intermédio dos ambientes humanos e climáticos locais.
No itinerário entre a Fazenda Jaguariaíba a Caxambu, incluindo as distâncias
percorridas, observa-se uma descrição sensível e detalhada dos elementos naturais,
diferenciações de relevo e solo, paisagens imediatas e emergentes, contrates e variação de
tonalidade: “a paisagem não oferece esse ar de alegria mas é variada e pitoresca
19
”(p.41) e
essa paisagem tão pitoresca tinha, entretanto, um ar pouco austero, que se devia
18
O termo Eugenia foi criado por Francis Galton que define como “o estudo dos agentes sob o controle social que
podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”.
19
Descrição da paisagem antes de alcançar o rio Jaguaricatu
45
principalmente ao porte das Araucárias e à cor sombria de sua folhagem
20
”(p.43) ou mesmo
sua vista causou-me uma surpresa deliciosa [...] e tinha agora diante dos olhos uma
encantadora morada, cuja entrada me lembrava a de certas casas de campo nos arredores de
Paris
21
”(p.50). Neste percurso, as paisagens são adjetivadas nos seus contrastes, cores, na
relação entre luz e sombra, que são maneiras dos predicados do aprendizado do ver cujos
atributos são as diferenças entre as informações por meio das quais o espaço se manifesta ao
observador.
A cada parada observava atentamente as condições da fazenda, costumes, tipo
de cultivo e, às vezes, a relação familiar e o papel das mulheres. Nesses encontros com os
fazendeiros, ouviu os confrontos constantes com os chamados “bugres”, índios selvagens,
apontados como pertencentes à tribo dos Coroados.
22
Uma descrição detalhada da Fazenda Caxambu reforça o preconceito pelo
desmazelo ou mesmo “hábito da preguiça” dos habitantes. A simetria das construções, um
jardim extremamente bem cuidado com uma carreira de roseiras, entre pés de laranjeiras,
marmeleiros, limoeiros, romãzeiras, ameixeiras, pessegueiros, entre outras árvores frutíferas.
Um pomar alinhado de macieiras, bananeiras e plantações de cana-de-açúcar. Uma horta
junto à casa principal com couves plantadas em simetria e canteiros bem cuidados. Saint-
Hilaire (1995 [1826]) diz que tal observação não seria feita se descrevesse um dos jardins
europeus, mas “nesse país tudo que demonstra cuidado e perseverança deve ser cuidado
com uma maravilha” (p.52) e quanto ao esforço do proprietário “do deserto uma morada que
deveria ser considerada muito aprazível em um país civilizado” (p.53) e finaliza “desnecessário
dizer que o fazendeiro era ‘português europeu” (p.54).
Observam-se os valores realçados de
racionalidade/ortogonalidade que indicam a intervenção do homem desde a simetria das
construções e dos canteiros, alinhamento das plantações, características de acordo com os
preceitos de ordem vigente na Europa.
O objetivo do percurso seguinte era a Fazenda Fortaleza; no entanto, uma
breve parada foi realizada na Fazenda do Tenente Fogaça. Nesse local enfatiza a cortesia dos
escravos e acrescenta que “se os negros têm muitas vezes o ar melancólico, sofredor e
20
Refere-se a paisagem do Porto do Jaguariába.
21
Relato da chegada a Fazenda Caxambu.
22
Denominam Coroados pela utilização de tonsura no alto da cabeça, que em português significa coroa.
46
estúpido, e se chegam mesmo a se mostrar desonestos e audaciosos, é porque são
maltratados” (p.56). Na seqüência, faz uma observação, na relação do homem transformando
a natureza, e refere que “nada é mais monótono do que essas regiões desérticas, são os
trabalhos do homem que dão variedade à natureza” (p.57). Novamente a idéia da intervenção
do homem sobre a natureza como aspecto de dominação tecnológica e, portanto, de
civilidade.
Uma outra pousada, a Fazenda Fortaleza, incrustada em umas das regiões
mais vulneráveis aos ataques indígenas, Saint-Hilaire (1995 [1826]) conhece mais uma das
índias, pertencente à nação Coroados, capturadas pelos fazendeiros. Expressa uma
agradabilidade em relação à sua fisionomia e transcreve em seus relatos suas impressões e
simpatia para uma possível miscigenação, posicionando-se contra a escravidão indígena
23
:
...é mais do que evidente que em seu estado selvagem eles são superiores
em inteligência, engenhosidade e previdência a muitas outras populações
indígenas, e talvez o sejam em beleza física; por conseguinte, devia ser feito
todo o possível para aproximá-los dos homens de nossa raça e estimular os
casamentos entre eles e os paulistas pobres, que não se envergonhassem do
sangue indígena, pois há tempo esse sangue corre nas suas veias[...] seria
bem mais fácil fazer esses esforços [...] do que mata-los ou reduzi-los à
escravidão (SAINT-HILAIRE, 1995 [1826], p. 61).
Pode-se especular nessa passagem de Saint-Hilaire (1995 [1826]) que a
possibilidade de disseminação dos dizeres de Colombo, quando da descoberta das Antilhas,
realiza uma função “fundante”, no sentido de disseminar idéias sobre o Novo Mundo. Colombo
refere-se aos habitantes das Grandes Antilhas: “eram bem feitos, corpos proporcionais e
rostos atraentes [...] seriam muito bons servidores e muito inteligentes” (Apud MAZZOLENI,
1922, p. 39-40).
Nos arredores do rio Iapó, que deságua no rio Tibagi, existia uma vilinha do
mesmo nome, próxima parada de Saint-Hilaire. Segundo seus relatos, nos Campos Gerais,
este rio era considerado o mais rico em diamantes e ouro. Cita, pela primeira vez, o incômodo
das baratas, salientando a não-existência de insetos característicos de regiões quentes como
23
De acordo com Ianni (1988, p.40) a escravidão indígena era uma dos mecanismos de destribalização praticados
até início do século XIX. Cita trecho de uma Carta Régia expedida em 1808 por D. João VI ao Capitão Geral de São
Paulo que preconiza a qualquer morador o direito sobre os índios como “prisioneiro de gerra” por quinze anos
destinando-os a qualquer serviço.
47
mosquitos, borrachudos e carrapatos. Outra paisagem descrita, após a travessia da Serra de
Furnas, evoca a imagem dos campos suíços.
A viagem chega à vila de Castro, que fazia parte da comarca de Curitiba. Nesta
época, “compunha de uma centena de casas que se enfileiravam ao longo de três ruas
compridas. As casas eram muito pequenas e feitas de paus cruzados, parecendo bastante
com as dos nossos camponeses de Sologne” (p.75). Porém, a vila tinha aparência de
abandono, fato provocado pela emigração resultante da construção do caminho de
Guarapuava. Relata que até mesmo a Igreja local; que de um modo geral são construções
diferenciadas no Brasil; esta era desprovida de ornamentos e estava em estado de
degradação. Esta paisagem pode ser observada na pintura de Jean-Baptiste Debret, que se
refere à vila de Castro em 1827 (Figura 1.1).
Figura 1.1 – Paisagem de Castro de Debret em 1827
Fonte: Coleção Marques de Bonneval. In: Pintores da Paisagem Paranaense,
Secretaria de Cultura, 1982, p. 89.
Poucos comerciantes, prostitutas e artesãos constituíam a população da vila,
sendo predominante os seleiros. Neste sentido, explica que hábitos e costumes de um
determinado local podem ser inferidos de acordo com os ofícios desenvolvidos. Por exemplo:
48
Nas regiões auríferas [...] há os ourives, porque as mulheres querem usar jóias
de ouro, em São Paulo com o cultivo da cana-de-açúcar a profissão
predominante é do alfaiate, porque os habitantes do lugar podem andar bem
vestidos. Em Santos, porto marítimo, encontram-se muitos calafates, e os
carpinteiros proliferam nas regiões onde as constantes imigrações fazem
aumentar continuamente a população (SAINT-HILAIRE, 1995 [1826], p. 76).
O caminho direcionava a Curitiba. Alguns desvios foram realizados para chegar,
primeiro, à Fazenda Carambeí onde “a casa era pequena e bonita, lembrando um pouco as
casas dos burgueses de nossas aldeias de Beauce” (p.85), e depois a uma antiga propriedade
dos jesuítas, a Fazenda de Pitangui, com uma igreja central no pátio, e por fim, à Fazenda
Carrapatos, cujo verde das pastagens dos Campos Gerais descreve: “é tão fresco quanto o de
nossas Campinas, mas de um modo geral não se apresentam tão floridos [...] ao passo que o
amarelo e o branco são as cores predominantes em nossos prados, é o azul celeste que
colore as pastagens” (SAINT-HILAIRE, 1995 [1826],p.87).
Em outra localidade denominada Freguesia Nova, assistiu a uma missa e voltou
a reforçar a imagem da população branca dos Campos Gerais, “para meu grande espanto,
notei entre os fiéis, número muito maior de brancos do que de pessoas de cor – oposto do que
eu tinha visto em todos os lugares” (p.91). Acrescenta novamente comentários sobre a
hierarquia racial, na dualidade de branco e preto e de uma hierarquia racial entre os próprios
europeus, reforçando as discussões sobre a relação entre raça e cultura disseminadas na
Europa:
a maioria dos portugueses que se achavam estabelecidos no Brasil, eram
pessoas sem educação, mas ainda que pertencessem a um povo menos
laborioso do que os alemães e os franceses, eles eram infinitamente mais
ativos do que os brasileiros, e ainda que demonstrassem pouca sabedoria e
perseverança eles não tardavam em gozar de uma certa prosperidade (SAINT-
HILAIRE, 1995 [1826], p. 98).
A lembrança da terra natal faz com que algumas vegetações brasileiras tenham
características, ou odores, semelhantes às portuguesas, como o puejo. A proximidade de
Curitiba é observada na passagem por Campo Largo, que se tornou território de uma paróquia
criada pela Lei Provincial de 12 de março de 1841 e pelo Sítio de Ferraria. O viajante descreve
a paisagem emergente do território de Curitiba:
Encontra-se uma vasta planície entremeada de grupos de árvores e de
pastagens [...] a Serra do Mar limita o horizonte, formando um semicírculo e
seguindo a direção norte-sul. A extensão da planície, a natureza de sua
49
vegetação e as elevadas montanhas que se vêem ao longe tornam a
paisagem ao mesmo tempo risonha e majestosa (SAINT-HILAIRE, 1995
[1826], p. 101).
No itinerário dos Campos Gerais até a capital da Província, Saint-Hilaire faz
constantes comparações entre paisagens experenciadas européias e entre outras províncias
brasileiras previamente visitadas. Talvez pelo olhar científico de botânico, são sistemáticas
suas descrições do ambiente natural como clima, relevo, tipo de solo e tipos variados de
vegetação. A imponência das araucárias se torna a imagem mais pregnante das paisagens,
conferindo-lhe uma identidade própria.
São várias passagens em que o viajante reitera questões de hierarquias raciais.
Lesser (2001) afirma que a raça é uma categoria obscura, que demonstra uma preocupação
visceral em definir o outro. O padrão disseminado e formalizado na Europa, naquela época,
sobre as questões culturais de categorias raciais promoviam a superioridade européia, dessa
forma as transcrições de Saint-Hilaire na descrição dos habitantes da Província, refletia o
contexto dos parâmetros da Europa.
Seus relatos são carregados da visão eurocêntrica de aspectos civilizatórios
pois constantemente reforça que os habitantes não usufruem das vantagens de obter ganhos
com agricultura e outros meios contentando-se somente com necessário para viver. O hábito
da preguiça parece ser generalizado, além do analfabetismo. A preguiça dos nativos em
contraposição ao laborioso europeu revela aspectos de ideologias presentes no Brasil-Colônia.
Existia o preconceito sobre a relação ao trabalho braçal contraposto ao intelectual. Aquele, em
um primeiro momento, era realizado pelos escravos e, somente com a introdução da atividade
agrícola, novos padrões de trabalho produtivo foram sendo construídos para adequação das
exigências de uma transformação econômico-social.
O olhar racional do botânico questionava a técnica predominante da queimada e
o pouco uso do arado. E, nos Campos Gerais, a criação de gado seria mais uma razão para o
sedentarismo generalizado apesar de ressaltar que mesmo tendo a pecuária como economia
principal, podia-se agregar outros produtos facilmente industrializáveis. Observa nas vilas que
as edificações religiosas e as casas dos fazendeiros apresentavam-se de maneira mais
modesta e menos suntuosa que as construções da Província de Minas Gerais de maior
atividade econômica.
50
1.2 PAISAGENS APREENDIDAS DE UMA PRIMAVERA
Robert Avé-Lallemant, alemão, em 1858, fez uma peregrinação pelo Paraná.
Suas descrições muitas vezes diferem das de Saint-Hilaire, por terem viajado em épocas
sazonais diferenciadas, sendo que a primavera sugere novos elementos de composição da
paisagem observada e olfativa. Sua visão da paisagem paranaense inicia-se do Sul, vindo de
Joinville, e sobrecarrega a colônia de adjetivos qualitativos da aprazível cidadezinha teuto-
brasileira. Sua afetividade com o lugar pode estar correlacionada com o parentesco existente
na Colônia Dona Francisca. A viagem de Joinville à Província do Paraná estava programada
para demorar de seis a oito dias, mas o tempo gasto ultrapassou o programado, trazendo
transtornos vários.
Em sua viagem, ao contrário de Saint-Hilaire que vislumbrava os campos, Avé-
Lallemant (1995 [1858]), penetrou nas matas “diante de nós o mais original dos asilos na
floresta” (p.9), e “um oloroso mundo de floresta com magníficos vales” (p.10). A expedição
compreendia 12 homens estrangeiros, do Holstein, do Meclemburgo, da Renânia, da Holanda
e da Suíça. Descreve a maneira de abrir uma “picada
24
” completamente diferente da Europa,
visto que a remoção do mato era tão insignificante que se podia perder a trilha; atingia, em
média, 1.500 a 2.000 braças diárias
25
.
Divaga sobre o que se obtem em troca de todas as fadigas, trabalhos e perigos:
“a visão da floresta virgem em sua mais secreta profundidade, em seus últimos recantos!”
(p.12). Descreve detalhadamente a preparação para a instalação noturna: primeiro é preciso
uma quantidade razoável de folhas de palmeira, geralmente de oito a doze, cortam-se as
folhas e, com as quais encaixadas em quatro ou cinco camadas, cobre-se um teto em uma
armação inclinada de sete pés de altura e uns trinta de comprimento. Porém o chão
permanece úmido e frio.
O percurso tinha como referência o rio Cubatão, e as descrições das flores
desde amaryllis, orquídeas, broméliáceas são constantemente reforçadas pela variada
paisagem olfativa. Recordações da terra de origem como “florescia no chão úmido em
24
Picada tem o significado de abrir uma trilha na mata.
25
Respectivamente os valores equivalem a 3,3km e 4,4km.
51
exemplares grandes e numerosos, uma anêmona branca com leve matiz vermelho, cujo
“habitus” e porte me recordaram a nossa primaveril anemone nemerosa” (p.21).
Depois de imprevistos, de desbravar áreas pioneiras e de obstáculos devido à
forte chuva, a escassez de alimento já era iminente. Apesar de visualizar animais que
poderiam suprir a fome, a falta de um cão amestrado impossibilitava a caça. Uma paisagem
emergente de araucárias fez o anúncio da aproximação do planalto. Tal paisagem singular
pressagiava um fim próximo da aventura, além dos pinhões que poderiam servir de alimento. A
despeito dessa primeira imagem, por dias a travessia parecia interminável.
Destarte, o aumento de araucárias, em seguida à sonoridade de um tiro e, por
fim, a vista do campo aberto trouxe alívio aos viajantes. O primeiro sítio a receber os viajantes
tinha uma pequena casa de madeira, feita com traves de pinheiro, e uma pequena cabana
servia de cozinha. Ao redor uma horta com couves e outras hortaliças e pessegueiros. Foram
servidos de carne seca de anta, que “tinha gosto perfeito de carne defumada hamburguesa
(p.32), de porco do mato, de pinhão cozido e de bolo de milho.
Seguindo viagem, já conscientes da existência de área mais habitada, outro
som, o do galo “o profeta de um princípio da civilização” (p.34), e no alto de uma colina a vista
de outra estância. A habitação era feita de grossas tábuas de pinheiro e paredes de barro. O
casal era de origem indígena, entre os habitantes mestiços de índios e brancos. Avé-Lallemant
não pode afirmar com precisão as relações de miscigenação, e “aquela gente tinha a
rudimentar estância em comum e tudo entre eles parecia em condomínio” (p.34). Sua
impressão da casa principal onde “só uma porta dá entrada e nenhuma janela deixa penetrar a
luz [...] crepitava e chamejava o fogo lançando a sua luz vermelha sobre o pequeno mundo
índio-brasileiro” (p.35). Devaneia sobre as diferenças entre a Europa e a incivilização da
Província do Paraná: “como está a civilização européia longe de semelhante choça, de
semelhantes moradores da mata!” (p.35). Assim como Saint-Hilaire, Avé-Lallement tem nos
seus transcritos, para a descrição das paisagens, relações economico-sociais entre outros
aspectos como parâmetros de valores da civilidade européia.
52
Observa-se nos primeiros encontros com os habitantes da região e na
explicação sobre a expedição que tinha atravessado as matas, a constante pergunta a
respeito dos bugres
26
,
há alguma coisa de terrível na luta entre esses homens-animais da selva e o
civilizado da colônia! Por menos numerosos que sejam os primeiros e por
menos civilização que tenham os últimos, não se pode pensar em transição de
uns para outros, em nenhum tráfego, acordo ou conciliação (AVÉ-
LALLEMANT,1995 [1858], p.35).
A viagem segue atravessando o rio do Meio e a única palavra que parecia
imperar era “o mate”. Burros carregados de mate, muitos habitantes espalhados ocupados em
“fazer mate”. Mate era “a senha no planalto, nas terras baixas, na floresta, no campo. Nos
distritos inteiros, aliás, províncias inteiras, onde a gente desperta com mate, madraceia o dia
com o mate e com o mate adormece” (p.38). De acordo com Pereira (1996), a produção do
mate era desenvolvida por produtores artesanais autônomos, estando qualquer pessoa adulta
habilitada a produzi-lo. As tecnicas de beneficiamento eram de domínio público e não exigiam
uma concentração de capital, pois os arbustos de mate eram nativos e disseminados na
região.
Descreve detalhadamente as árvores do mate - as folhas que havia colhido
serviam como modelo para a sua descrição - e ressalta que, para um botânico, eram parecidas
com a Ilex aquifolium nórdica. Complementa com o processo de colheita, de fabricação e de
sua comercialização. Sobre o poder do mate como elemento de sociabilização relata que este
é “um símbolo de hospitalidade, um sinal de reconciliação, tudo o que em nossa civilização se
compreende com amor, amizade tudo está entretecido e entrelaçado com o ato de preparar o
mate, servi-lo e tomá-lo em comum” (p.39). Revela que o gosto, “ligeiramente amargo e
aromático, é sui generis” (p.40). Por fim conclui “o bebedor de mate constrói o seu próprio
mundo político e sozinho, diante da sua cuia de mate, é mais feliz do que se estivesse sentado
num café” (p.42).
A diferença de sensações topológicas, dos espaços apertados nas florestas
para a amplidão do campo foi recebida de maneira prazerosa. Várias são as paisagens dos
pessegueiros florescendo, “flores de pessegueiros e colibris, o mais gentil epistalâmio que em
26
A palavra “bugres” significa índios selvagens que habitavam as florestas.
53
qualquer parte possa produzir” (p.45), gados dispersos no campo, araucárias e pessegueiros.
Porém uma cena singular de um arado lhe chamou a atenção: “a passos tranqüilos e graves,
vinham dois bois encangados, atrelados a um arado [...] era a primeira vez, em minha vida
americana de muitos anos, que via um arado trabalhando, embora tenha vistos sinais nas
colônias alemãs” (p.49). Na Europa, a técnica do uso do arado era preponderante e a
queimada era considerada uma maneira primitiva aplicada em todo o Brasil nas regiões de
floresta, sendo o fogo um grande aliado para a destruição da floresta e das qualidades
naturais. Tal fato é ressaltado por Freyre (Apud MARTINS, 1955) em que a técnica da
queimada é destrutiva, predatória e de domínio absoluto.
A expedição seguia rumo ao norte, e a monotonia da paisagem transparece na
sua descrição:
...a região conservava sempre a mesma fisionomia [...] descortina-se, até onde
a vista alcança, um desordenado campo de relva, mesclado com muitas
singenesias, paisagem erma, sem alegria [...] ora aqui, ora ali, aparecem
araucárias [...] em alguns pontos do horizonte, uma serra azul; os olhos
aprazem-se com vivos contornos dos montes distantes [...] a mata monótona e
as profundas baixadas não oferecem variedade (AVÉ-LALLEMANT,1995
[1858], p.53).
A viagem atravessou muitos distritos, porém Avé-Lallemant observa a falta de
habitabilidade nas regiões de Campo Comprido, Campo do Tabuado e Campinho. Um cortejo
festivo lhe chamou a atenção: várias pessoas a cavalos, com trajes coloridos; era um
casamento. O cortejo voltava da igreja de São José, que distava nove léguas do distrito. O
viajante descreve São José como “uma bonita freguesia, uma ladeia com casas regulares e
vistosa igreja [...] uma enorme paróquia, mas de população muito escassa” (p.58). Questiona
as distâncias, tanto da igreja quanto da escola, e imagina que podem estar relacionadas com a
“ignorância” encontrada, e finaliza: “muita coisa deixa o europeu atônito” (p.58). A idéia de
urbanidade européia tinha como parâmetros elementos necessários como as instituições de
ensino de prática religiosa para o desenvolvimento de uma comunidade. A partir de São José,
o caminho desce a serra ao encontro do rio Grande. Deste ponto verificou-se o aumento de
estâncias, e lavouras e depois de um outeiro avistava-se Curitiba, “numa grinalda de
pessegueiros em flor [...] e descemos para o aprazível lugar” (p.59).
54
Robert Avé-Lallemant, em 1858, vindo da colônia Dona Francisca em Santa
Catarina, percorreu caminhos e épocas sazonais diferentes das de Saint-Hilaire, fato que
transparece nas suas descrições. Ao invés de paisagens campestres, a mata, ainda a
desbravar, era um desafio para a expedição. A primavera propiciava uma paisagem olfativa
peculiar de amaryllis, orquídeas, bromeliáceas, e dos pessegueiros em flor, não-registrada
pelo botânico.
O desbravamento de áreas pioneiras, a chuva, a falta de locais habitados e de
alimentos trouxeram vários transtornos no trajeto até a Capital da Província do Paraná. A visão
de áreas possivelmente habitadas e da chegada ao planalto deu-se pelo surgimento das
araucárias, imagem que prenunciava uma aproximação da Capital. Sensações topológicas das
paisagens fechadas das matas em contraste com a amplidão e monotonia dos campos são
descritas.
No seu percurso encontra alguns locais habitados e, muitas vezes, sente
dificuldade em estabelecer a origem da mestiçagem dos habitantes, porém assinala a
distância da civilização européia. Revela que o mate era o principal elemento de definição
espacial, social e temporal. Descreve detalhadamente as árvores do mate, as folhas, o
processo de colheita, de fabricação e de comercialização, além de observar o mate como
elemento de sociabilização. Ianni (1988) demonstra que cada uma das fases da economia
implica em um tipo histórico-econômico de sociedade, e a época da viagem de Avé-Lallement
poderia estar no auge da atividade sazonal do mate. O estudo de Pereira (1996) demonstra as
várias implicações de um reordenamento economico-social realizado pela burguesia do mate.
55
1.3 PAISAGENS APREENDIDAS DE UM CAÇADOR
Thomas Plantagenet Bigg-Wither (1845–1890) integrava uma equipe de
dezessete engenheiros ingleses e suecos contatados pela Paraná and Mato Grosso Survey
Expedition que tinha como finalidade a demarcação de uma estrada de ferro. Sua
permanência no Brasil deu-se no período de junho de 1872 a abril de 1875, tendo 26 anos ao
percorrer a Província do Paraná. Engenheiro formado pelo King´s College, em Londres obteve
experiência e currículo para integrar a expedição na construção das docas de Postsmounth.
Segundo Carneiro, em nota introdutória ao livro traduzido, já existia a pretensão de publicar
seus apontamentos sobre o Brasil, dada uma carta dirigida ao livreiro John Murray que
submeteu ao editor da Albemarle Street.
A equipe inicial foi dividida em quatro grupos, cada uma constituída de três
engenheiros e um cartógrafo. Os grupos I e II seguiriam para a Província do Paraná, o primeiro
dos quais operaria entre Curitiba e a Colônia Teresa e o segundo faria levantamento de parte
do Vale do Ivaí, entre a Colônia Teresa e a Corredeira de Ferro. Os grupos III e IV explorariam
a região entre Miranda e a Corredeira de Ferro, subindo o rio Paraguai. Bigg-Wither fazia parte
do grupo II. Vindo do Rio de Janeiro ao porto de Paranaguá percorre trajeto diferenciado de
Saint-Hilaire e Avé-Lallement. A Figura 1.2 mostra a paisagem de Paranaguá vista do mar e
reproduzida por Debret, e Bigg-Whiter assinala que “a baia era bonita embora não fosse
comparado com a do Rio” (BIGG-WHITER, 1974 [1872], p.60).
De Paranaguá devia seguir para Antonina da qual partia a estrada para Curitiba.
Apesar de existir uma ligação via Morretes, o caminho era estreito, destinado somente a
mulas, fato que inviabilizaria cerca de quarenta toneladas de material. Paranaguá, à primeira
vista, parecia ser uma cidade insalubre, cercada de brejos. Até a Serra do Mar parecia um
imenso pântano. De outro lado da baía, o terreno era montanhoso, com solos cultivados em
pequena extensão. A primeira impressão de Antonina é que seria para os ingleses uma aldeia:
56
continha uma rua principal e dela partiam pequenas ruelas ou becos em
angulo reto, “as casas, na sua maioria térreas, eram construídas de pedaços
de pedra trazidos do Rio como lastro, depois de sobrepostas em seco eram
cobertas de argamassa e cal. Poucas janelas eram envidraçadas [...] e não se
via nenhuma chaminé por cima dos telhados...ao lado sul da cidade, no alto de
uma pequena colina, assentava a igreja [...] este era o principal edifício do
lugar, no qual a arquitetura não teria saído de sua forma primitiva, ou seja
quatro paredes e um telhado [...] não obstante a simplicidade de suas
construções particulares, Antonina, seria certamente classificada de lugarejo
bonito e até pitoresco, situado entre terra e água, ao pé da gigantesca cadeia
de montanhas, a Serra do Mar e nas praias da baía de Paranaguá [...] contava
com talvez 1.200 habitantes dos quais grande porção eram alemães (BIGG-
WITHER, 1974 [1872], p. 65).
Figura 1.2 – Paisagem de Paranaguá vista do mar – Debret (s/d)
Fonte: Fundação Castro Maia. In: Pintores da Paisagem Paranaense,
Secretaria da Cultura, 1982, p.89.
Observa-se que na sua descrição refere-se à maneira de ordenamento e das
técnicas construtivas locais e a sua comparação com as paisagens de pequenas vilas
européias. Assinala a presença de um contingente significativo de alemães na cidade, os
quais em 1870 eram os estrangeiros mais numerosos na região.
A viagem seguiu pela encosta da Serra do Mar, e a expedição avistou uma
grande planície, com alguns bois pastando, e uma terra inculta, até a aldeia de São João. A
partir deste ponto, iniciava a subida da serra que, apesar de ser tecnicamente bem traçada,
conservava a inclinação uniforme de 1:16, construída de troncos de árvores preenchidos com
lama. Em altitude, de cerca de 2.300 pés, vislumbrava-se uma paisagem pregnante:
57
víamos a nossa estrada que de longe parecia uma fita estreita e sinuosa [...] lá
também estava a pequena aldeia de São João, como encerrada num nicho [...]
a distância, as casas brancas de Antonina, brilhando distintamente e, ainda
mais para a direita, as janelas das casas de Paranaguá, luzindo como
diamantes [...] e a baía pontilhada de ilhas e alvíssimas velas de barcos
(BIGG-WITHER, 1974 [1872], p. 71).
Entre os relatos dos viajantes, Bigg-Whiter é o que faz descrições de paisagens
vistas de pontos mais elevados e de certa distância. Desta maneira, são paisagens
contemplativas que as descreve sem delas participar.
A expedição chega a uma parada de tropeiros, na verdade uma “venda”, que
servia de ponto de pousada improvisada, de propriedade de um alemão, entre Curitiba e
Antonina. Pela manhã, o capim coberto de geada branca, indicava um clima completamente
diferente do das terras de laranjeiras, palmeiras e bananeiras antes vislumbradas. A frescura
do ar fez lembrar as manhãs de outubro da Inglaterra.
Descreve a região como uma “vasta planície ondulante, quase inteiramente
coberta pela copa verde-escura dos pinheiros” (p.73) e, muitos destes tinham “dimensões
gigantescas, medindo cerca de 20 a 22 pés de circunferência e 120 a 140 pés de altura que
estendia a uma copa abundante de galhos e folhas de 35 a 40 pés de diâmetro [...] visto à
distância, dava a impressão de uma floresta de cogumelos” (p.73-74).
A próxima parada, nas serrarias do Sr. Rebouças, observou surpreso que a
força motriz era a vapor e não a água, apesar do grande potencial dos rios na região.
Conquanto parte da expedição se hospedarem na serraria, Bigg-Wither e Faber seguiram
viagem a Curitiba, para providenciar acomodações na cidade. Deixada para trás a zona dos
pinheirais tinham um campo aberto, plano e alagadiço.
A incursão na capital da Província deu-se depois do anoitecer, pelas ruas
fracamente iluminadas, até um hotel também de propriedade de um alemão. Nesta época,
Curitiba contava com lampiões para a iluminação pública à base de azeite de peixe. Deste
ponto em diante separaram-se os grupos I e II; este último teria mais duzentas milhas para o
oeste, cujo destino era a Colônia Teresa. Faziam parte deste grupo Bigg-Wither, Curling, S. e
o sueco Lundholm. A incursão teve início, após dias de preparação, com uma tropa composta
de vinte e três muares.
58
A estrada seguia através de uma campina quase plana, em uma rede de trilhas
estreitas. “Viam-se de longe, em longe, algumas cassa e choupanas de madeira, à margem da
estrada, habitadas por campeiros e tropeiros” (p.86). Na primeira noite no acampamento o frio
era intenso. A região era dividida entre mata e campina, esta muito enxarcada. Bigg-Wither
para distrair-se, resolveu caçar algumas narcejas, já que a tropa ia a passos lentos. Uma
clareira serviu de local para o acampamento. As narcejas no espeto serviram de ceia.
Enquanto observava seus acompanhantes, devaneia sobre a inadaptabilidade do trabalhador
europeu às contingências: “começava a perceber que o erro em que havíamos incorrido
trazendo esses europeus [...] eles iriam mais atrapalhar-nos que ajudar-nos no serviço” (p.90).
Observa a grande mudança de temperatura na região, durante o dia cerca de
65 graus à sombra e de manhã as marcas de geada. No dia anterior ainda haviam avistado
algumas casas (umas afastadas das outras), chácaras e ranchos pobres, algumas vendas
que vendiam cachaça feita de cana-de-açúcar” (p.90). Porém, quanto mais distante da capital
da Província, menor era o sinal de habitabilidade. A região apresentava água em abundância.
Neste dia, a caçada resultou em uma codorna sul-americana que os tropeiros chamavam de
perdiz.
Chegaram ao limite ocidental do planalto de Curitiba, erguendo-se o penhasco
da “Serrinha” de elevação média de 800 a 1.000 pés. Sua distância da Serra do Mar era de
umas 40 milhas. A estrada seguia ziguezagueando pelo desfiladeiro, cheio de pinheiros
gigantes. Tal paisagem fazia lembrar a Ilha de Wight. Assim como outros dois viajantes, a
descrição de paisagens remete às paisagens conhecidas como maneiras de compor o
imaginário do que é visto.
Esta região não apresentava nenhum sinal de agricultura, ao contrário do que
ocorria nas imediações de Curitiba. Outras espécies de aves complementavam a região da
Serrinha: pica-paus, papagaios, periquitos de várias cores, além do corvo brasileiro. Bigg-
Wither sentia certa agradabilidade: “as copas eram planas e enormes dos pinheiros, sobre as
nossas cabeças, formavam uma alameda fresca e sombria, que tanto o homem como o animal
achavam refrescante” (p.93). A parada deu-se em um ponto alto do penhasco, e o autor
descreve tal panorama envolvente da paisagem:
59
Para o lado sul e do sudoeste, estendia-se vasto mar de relva dourada que se
perdia de vista, ondulando em vagas gigantescas até o profundo Vale do
Iguaçu [...] do outro lado diminuindo gradativamente até o céu e o terra
confundirem e se perderem na distância [...] surgiam apenas algumas árvores
raquíticas, vendo-se aqui e ali alguns pinheiros a refletirem nos cursos d´agua
que cruzavam as campinas...além disso, a grande planície não apresentava
um só marco onde os olhos pudessem repousar [...] para o lado do oriente e
do sul, estendia-se a linda planície coberta de florestas do planalto inferior,
limitado ao longe pelos picos azuis da Serra do Mar [...] pequeno arraial
chamado Campo Largo, era visto escondido entre duas faixas de mata, a
umas oito ou dez milhas de distância, dando à cena um ar de vida sem o qual
seria incompleta (BIGG-WITHER, 1974 [1872], p.94)
A vista relembrava uma parte do Kent ou Sussex, porém a vastidão
impressionava, dando idéia do ilimitado. A existência de poucos marcos visuais, a Serra do
Mar como elemento de limite e o pequeno arraial como fragmento de habitabilidade são
referências de contrastes na paisagem dos campos: “na nossa viagem do litoral para o interior,
não podíamos nos queixar de monotonia do cenário” (p.95).
No acampamento, o céu estrelado e claro, aos poucos se tornara escuro e
turvo: “é o campo que está queimando [...] o fogo estava a muitas milhas de distância, mas
avançava com velocidade surpreendente” (p.98). A paisagem sonora da queimada também é
descrita:
o ronco agora se tornava mais nítido e, por intervalos, explosões surdas se
ouviam, causadas por árvores e troncos, e bramiam através do terreno
intermediário com o troar de um canhão [...] o crepitar do capim incandescente
e os estalidos das árvores afugentavam as aves de seus esconderijos [...]
explosão seguida de explosão, em veloz sucessão [...] ao forte ronco, que na
última hora era ouvido implacavelmente, sucedeu o silêncio sepulcral (BIGG-
WITHER, 1974 [1872], p.98-99).
Observa-se nos relatos que a apreensão do espaço, apesar do predomínio da
visão, outros sentidos como o olfativo e o auditivo são incorporados na percepção dos
viajantes.
No primeiro reconhecimento do campo, um veio de argila mostrava que o barro
era puro. Observa que toda essa matéria-prima destinada à cerâmica, naquela época, era
importada da Europa. Um olhar racionalista que instrumentaliza a natureza, no sentido de
questionar a não exploração de riquezas naturais existentes. Pelas características do solo, a
campina parecia pobre, “esta região jamais poderia ser transformada em terra arável, pois até
60
o capim era duro ali parecia sofrer por falta de nutrição”(p.102). Bigg-Wither chega à planície
que, na noite anterior, tinha sido queimada. Registra, no seu diário, a causa: “elas são
incendiadas por fazer parte de uma operação agrícola, feita no mês de agosto, cada dois ou
três anos. Desta maneira o capim novo engorda o gado rapidamente, juntamente com o sal,
para facilitar a digestão” (p.103), e nas suas observações finais, relembra a noite anterior e
devaneia “uma simples operação agrícola pode ser um espetáculo impressionante”(p.104).
O próximo local de acampamento “parecia um oásis no deserto” (p.105),
contrastando com a região circundante, uma gruta flanqueada de pinheiros mostrando um
recinto como se fosse um parque. Por outro lado, sobre o campo reflete “sentíamos que em
geral faltava um relevo à identidade perpétua da cor e um colorido da forma” (p.105). A viagem
seguia e a tropa estava comprometida somente até Ponta Grossa. Durante o caminho,
algumas vezes avistavam sinais de civilização. Um aglomerado pequenino surgiu no campo.
Era a cidade de Palmeira, situada no vale superior do principal braço do rio Tibagi. Adiante,
situada em um ponto extremo de uma linha divisória de águas, entre dois vales, surgia a
cidade de Ponta Grossa (Figura 1.3).
Figura 1.3 – Detalhe de Ponte Grossa – Debret (1827)
Fonte: Coleção Marques de Bonneval. In: Pintores da Paisagem Paranaense,
Secretaria da Cultura, 1982, p.89.
61
Uma paisagem de casas brancas e quadradas dispostas em seus outeiros. “O
aparecimento de uma grande cidade no meio dos campos desertos [...] parecera-nos tão
curioso e incongruente quanto o aparecimento de uma aldeia florescente no meio das
planícies áridas do deserto da Saara” (p.117). Um detalhe da gravura de Debret de 1827,
aproximadamente 45 anos anteriores à descrição de Bigg-Whiter, observa-se a centralidade
da igreja e algumas poucas moradias implantadas ao seu redor (Figura 1.3). A primeira
impressão da cidade é descrita:
Chegado aos arredores da cidade passando pela primeira casa, construída no
mesmo estilo intensamente moderno que víamos adotado nos subúrbios de
todas cidades visitadas até aqui por nós no Brasil. A fachada pode ser descrita
como um paralelogramo pintado de branco e adornada de pilastras lisas, de
vitrais...e de venezianas verdes ortodoxas. O proprietário desta mansão era
um dos sócios da loja principal da cidade (BIIG-WITHER, 1974 [1872], p.118).
Relata um breve histórico da cidade. Inicialmente eram terras que pertenciam a
um único proprietário com fazendas de criação de gado. As casas grandes eram construídas
em pontos mais elevados, com o fim de se obter uma vista de todo o território. Ponta Grossa
se desenvolveu como entroncamento comercial entre Curitiba e as populações mais afastadas
do Oeste. Naquela época, contava com uma população de 4.000 hab., somada com Conchas,
uma colônia à beira do Tibagi. “Seus edifícios e ruas não ofereciam nada notável. Havia,
naturalmente, a habitual praça grande, com uma igreja de paredes caiadas de branco a uma
extremidade, e as casas, na maioria, eram de um pavimento” (p.120).
Registra um divertimento popular denominado “passeio” que era observar os
“estranhos”. Tal costume fazia parte também dos índios selvagens do sertão do Ivaí. Os
brasileiros diziam que era uma atitude de dar boas vindas e, quanto aos índios, confessavam
que era para satisfazer a sua curiosidade. No entanto, a recepção em Ponta Grossa tinha
como objetivo saber da possibilidade da estrada de ferro passar próximo à cidade.
Sabendo da existência de um morador compatriota, a visita era a programação
do dia seguinte. Ao aproximar, observou a primeira tentativa de cultivo naquelas terras: “uma
área de cerca de dois acres em frente da casa [...] ostentava vegetação verde e brilhante [...]
era uma plantação de centeio ainda nova e o terreno preparado e arado à moda inglesa
(p.121). Para se chegar a casa passava-se por um laranjal todo carregado de frutos dourados
e maduros. A conversa com o Sr. Edenborough demostrou as dificuldades e investimentos
62
necessários para tornar as terras cultiváveis naquelas regiões de campina. E a possibilidade
de loteamento não traria o retorno do investimento inicial.
Parecia senso comum que as terras de campina eram propícias à criação de
gado e as áreas mais ricas de florestas destinadas à agricultura. Durante a estada na região,
Bigg-Wither registrou um recorde dos mais altos e dos mais baixos graus de temperatura
ocorridos em 24 horas. De 17 a 24 de Agosto a média diária era de 44 a 72°F (6,6 a 22,2º C),
correspondente aos primórdios da primavera na Inglaterra. A hospitalidade do país também é
ressaltada como “lei tradicional”, “que une todas as classes por igual” (p.126).
Os relatos de Bigg-Wither são acompanhados por um mapa da Província que
diferencia dois aspectos básicos, a floresta e o prado. No intervalo existe uma faixa neutra
que, segundo o viajante, “representa parte importante na prosperidade da província” (p.134),
que poderia dar-se pela agricultura ou pecuária. A inserção dos vastos campos, apesar da
monótonia, produzia uma paisagem de “grandes planícies ondulantes e de horizontes
ilimitados” (p.135).
O mate era encontrado nos campos em abundância, parecido com o azevinho
inglês. O local seguinte do acampamento era a pequena povoação do Ipiranga. Próximo às
barracas, o “monjolo” - pequena máquina de triturar o milho para transformar em farinha -
chamou-lhe a atenção. Descreve como curiosidade o seu funcionamento movido por força
hidráulico.
Após atravessar o rio Bitumirim, por quase duas léguas, a paisagem era de uma
floresta subtropical brasileira: “embaixo da floresta de pinheiros crescia outra de caráter
distinto [...] composta de árvores de crescimento tropical [...] espécies de arbustos da família
da murta, palmeiras delgadas, samambaias gigantes e uma confusão de cipós” (p.142). O
itinerário continua pela Serra dos Macacos, que divide os rios Ivaí e Tibagi, até uma área
conhecida como Campinas Belas, propriedade do Sr. Andrade. Bigg-Wither a descreve:
consistia numa pequena sala de madeira de 14 por 12 pés, com portas em
cada parede, dando para outros compartimentos [...] o soalho era de chão
batido e no meio da sala havia uma mesa solitária. Sem janelas [...] a
claridade penetrava somente através das frestas da parede e pelo telhado [...]
em volta das paredes, feitas de tábuas com formato igual a dormentes de linha
ferroviária, ficando o lado convexo do lado de fora, estavam pendurados todos
os objetos necessários aos serviços diários dos moradores (BIGG-WITHER,
1974 [1875], p.151).
63
Registra com espanto um costume de deixar as “filhas guardadas”, fechadas em
casa até que fossem escolhidas pelos futuros maridos. Além da hospitalidade, de serem
servidos de leite fresco, pequenas xícaras de café, um jantar composto de “caldo”, feijão preto,
couves cortadas em tiras e farinha, leite coalhado com açúcar, cachaça e água. Tal refeição
poderia ser considerada como típica dos fazendeiros da região.
Campinas Belas situa-se cerca de 3.300 pés acima do nível do mar, sendo o
ponto final da expedição a Colônia Teresa, de pouco mais de 1.600 pés. Durante o percurso, a
paisagem era de densa floresta, tomando “um caráter mais tropical à proporção da descida
(p.159). A tropa passa por remanescentes de uma estrada e por duas choupanas, que
segundo os tropeiros eram de índios semi-selvagens, os Coroados que habitavam diferentes
partes do Vale do Ivaí.
A passagem por Curitiba já havia completado um mês. No último dia de jornada,
em face da natureza densa da floresta, não era possível a visualização do entorno. Um dos
tropeiros guia Bigg-Wither para um panorama que ficou impregnado na memória do viajante
“era uma vista maravilhosa, especialmente por ter surgido de modo inesperado” (p.161):
magnifico panorama de floresta virgem, cobrindo uma extensão não inferior a
1.500 milhas quadradas, compreendendo todo o Vale do Ivaí, desde a Colônia
Teresa até o grande anfiteatro rodeado de montanhas cobertas de vegetação
[...] pareceu que o caminhos das mulas serpeava ao longo da beira de um
profundo precipício (BIGG-WITHER, 1974 [1872],p. 161).
A pequena aldeia era Colônia Teresa que seria o quartel-general da expedição.
Parecia, à primeira vista (Figura 1.4):
um lugar ideal para quem quisesse ficar entregue às próprias ruminações,
parada e muda como um túmulo [...] avistei logo uma capela, mais em estado
de ruína, situada no alto de um morro, perto do centro da aldeia [...] o que nos
disseram acerca da pobreza e miséria da Colônia Teresa não fora exagero [...]
podia ver algumas casas de barro e de madeira, que não excediam a doze [...]
fiquei surpreso ao saber que contava com 400 habitantes, afora cerca de 40
índios mansos que viviam na própria aldeia (BIGG-WITHER, 1974 [1872],p.
161-168).
64
Figura 1.4 – Vista da Colônia Tereza do Alto do Rio Ivaí
- William Llyoid (1872)
Fonte: Coleção Particular. In: In: Pintores da Paisagem Paranaense,
Secretaria da Cultura, 1982, p.177.
Bigg-Wither chegou à Província pelo porto de Paranaguá, percorrendo trajeto
diferente do de Saint-Hilaire e Avé-Lalement. Talvez pela sua formação técnica, suas
observações detalhadas da pequena cidade como Antonina (que para os ingleses teria o
aspecto de uma aldeia) desde o tipo de arruamento até a descrição de materiais construtivos
dos edifícios e casas, são relatadas. O trajeto consistia de Paranaguá a Antonina e depois
Curitiba, pela encosta da Serra do Mar. Seus relatos são mais pragmáticos contendo
anotações técnicas detalhadas que poderiam ser uma das maneiras de dar maior veracidade
às suas informações. Desta forma, as descrições eram acompanhadas de distâncias entre as
vilas, registros de temperatura, dimensões de copas de árvores, altitude dos lugares,
inclinações de terrenos que eram constantemente calculadas.
Comparações de paisagens européias com a Ilha de Wright e parte de vistas de
Kent ou Sussex serviam de referêcias espaciais. Muitas das descrições das paisagens são
realizadas a uma certa distância do observador como a paisagem que se abarca em um lance
de vista. Dessa forma, ele reproduzia as paisagens também com esforços da imaginação
utilizando referências conhecidas. A paisagem do campo monótona e monocromática era
descrita com sensações de paisagens envolventes, além da paisagem sonora peculiar da
queimada. Reitera que, apesar de existir matéria-prima em abundância na região, desde a
possibilidade de utilizar os rios, o solo, a argila, a agricultura e a pecuária, pouco se fazia para
a produção, tudo são anotações por um olhar racionalista que revelam os apectos de
incivilização da Província.
65
1.4 SOBREPOSIÇÕES DE PAISAGENS APREENDIDAS DE CURITIBA
Os três viajantes Saint-Hilaire [1826], Avé-Lallement [1858] e Bigg-Whiter [1872
- 1875] têm registros da Capital da Província em seus relatos. Por meio de suas descrições da
cidade pode-se visualizar o início da formação de Curitiba e de suas transformações espaciais.
Saint-Hilaire (1995 [1826]) descreve a instalação de Curitiba em uma das partes mais baixas
de uma vasta planície ondulada e a caracteriza da seguinte maneira:
A cidade tem uma forma quase circular e se compõem de duzentas e vinte
casas, pequenas e cobertas de telhas, quase todas de uma só pavimento,
sendo um grande número delas feitas de pedra. Cada casa, como em Minas e
Goiás, possui o seu quintal mas nestas espécies de pomares, não se vê
apenas bananeiras, mamoeiros ou cafeeiros, e sim macieiras, pessegueiros e
se costuma plantar outras árvores frutíferas da Europa. As ruas são largas e
bastante regulares, algumas totalmente pavimentadas, outras calçadas
apenas diante das casas. A praça pública é quadrada, muito grande e coberta
por um relvado. As igrejas são em número de três, todas feitas de pedras. A
que mais se destaca é a igreja paroquial, dedicada a Nossa Senhora da Luz;
ela é construída isoladamente na praça pública, mais perto de um dos seus
lados do que dos outros, prejudicando a harmonia e sua regularidade. Vê-se
em Curitiba duas fontes de pedra sem nenhum ornamento. Abaixo da cidade
passam dois córregos, cujas águas são usadas pelos seus habitantes; um
deles, que tem uma ponte feita de tábuas, corta a estrada de Castro. Além das
três igrejas que mencionei, vê-se a uma centena de passos de Curitiba uma
capelinha construída no alto de um outeiro que domina não só a cidade como
uma parte da planície, e de onde se descortina uma bela vista (SAINT-
HILAIRE, 1995 [1826], p.106).
Segundo a descrição da época, Curitiba era composta de 220 casas, térreas e
feitas de pedra, assim como outras cidades coloniais no início da formação dos núcleos do
país, tendo três igrejas como elementos de destaque na paisagem. Diferem apenas pelas
árvores frutíferas dos quintais, semelhantes aos dos europeus. Na aquarela de Debret (1827),
reproduzida a partir da igreja do Rosário, pode-se observar as duas outras igrejas (a Matriz e a
da Ordem), sendo considerada um dos primeiros registros visuais de Curitiba (Figura 1.5)
66
Figura 1.5 – Vista de Curitiba – Debret (1827)
Fonte: Coleção Particular. In: Pintores da Paisagem Paranaense,
Secretaria da Cultura, 1982, p.89.
Os rios Ivo e Belém são indicados como fontes principais de água. Também a
regularidade das ruas e a falta de simetria da implantação da igreja matriz, na praça central,
são apontados por Saint-Hillaire, em uma época em que o geometrismo e a ciência
despontavam como referencias importantes no Velho Mundo. A característica de uma praça
“ideal”, no século XVI, é a de aproximação da regularidade de uma figura geométrica pura.
Sua impressão da cidade, durante a semana, era de uma cidade deserta.
Sendo a maioria dos habitantes agricultores, sua atratividade acontecia nos domingos e dias
santos. Conforme Reis Filho (1987), as casas urbanas, nesta época, eram utilizadas em
ocasiões especiais, porquanto somente nas chácaras é que se poderia resolver o problema de
abastecimento, tornando-as habitações características de pessoas abastadas; esse fato pode
justificar a falta de vitalidade do núcleo.
Sobressai a comparação, com outras províncias visitadas, da pouca austeridade
das casas cujas “paredes eram simplesmente caiadas e o mobiliário das pequenas salas onde
se recebia tinha apenas uma mesa e alguns bancos” (SAINT-HILAIRE, 1995 [1826], p.107).
Por outro lado, o comércio era bem abastecido de mercadorias vindas do Rio de Janeiro, para
os fazendeiros do distrito. Em relação aos produtos exportados, a cidade enviava à
Paranaguá, toucinho, milho, feijão, trigo, fumo, carne seca, além do gado que era vendido em
67
São Paulo e no Rio de Janeiro. O mate abastecia o mercado internacional sendo exportado
para Buenos Aires e Montevidéu. Pereira (1996) afirma que ao inverso das economias agrícola
e pecuária, o mate centrava-se preferencialmente nas cidades provocando uma rápida
urbanização
27
e novos arranjos sócio-economicos.
Por outro lado, Avé-Lallemant (1995 [1858]) se surpreendeu “muito
agradavelmente” com a cidade de uns 5.000 habitantes, porém complementa, não com toda a
ênfase inicial da primeira impressão do local:
Naturalmente nela nada se encontra de grande ou grandioso. Em tudo, nas
ruas e casas e mesmo nos homens, se reconhece uma dupla natureza. Uma
velha Curitiba, quando ainda não era capital de uma Província, mas um
modesto lugar central [...] aí se vêem ruas não calçadas, casas de madeira e
toda espécie de desmazelo, cantos sujos e pragas desordenadas, ao lado das
quais há muita coisa em ruína e não se pode deixar de reconhecer evidente
decadência e atraso. Na Segunda natureza, ao contrário, expressa-se decisiva
regeneração, embora não apareça nenhum grandioso estilo Renascença.
(AVÉ-LALLEMENT, 1995 [1858], p. 62)
A descrição de Avé-Lallement reafirma a constatação de Pombo (1980) que,
apesar de ser elevada à Capital da Província
28
a cidade ainda sofria dos mesmos problemas
de quando era uma vila: muita lama, pouco calçamento, escassez de água e falta de
saneamento e iluminação. Nos dias de muita chuva, a cidade se transformava em um imenso
banhado. Os edifícios que indicam o processo de regeneração, apontados por Avé-Lallement
(1995 [1858]) são o Palácio do Presidente da Província, “modesto porém asseado”(p.62) um
quartel-general que é “visto de longe e produz em belo efeito”(p.62), a Camara de Deputados,
o Tesouro, enfim, “Curitiba, a velha vila enfezada, marcha com energia para um novo
desenvolvimento” (p.63).
27
Exemplifica as questões relativas à economia do mate e à urbanização de cidades no caso de Porto de Cima. Em
1830, quando se esgotaram os córregos disponíveis em Morretes para impulsionar rodas d´agua, muitos
proprietários começaram a abrir engenhos em Porto de Cima provocando uma rápida urbanização e tornando o
município autonomo de Morretes. Com a decadência dos engenhos do litoral tornou-se um municipio fantasma e
incorporou-se à Morretes (PEREIRA, 1996, p.11)
28
Curitiba elevou-se à condição de Capital do Paraná em 26 de julho de 1854.
68
Descreve o festejo católico de 08 de setembro, dia da Virgem Maria, que
acontecia na praça da igreja. Esta constitui “uma grande campina verde de forma quadrada,
emoldurada de casas térreas [...] no centro a igreja matriz da cidade [...] a multidão que estava
na praça verde da igreja, na maioria em cavalos ricamente ajaezados, dava uma bonita
impressão” (AVÉ-LALLEMENT, 1995 [1858], p. 72).
Passados 50 anos após Saint-Hillaire, em 1872, as primeiras observações de
Bigg-Wither (1974 [1872-1875]) sobre a capital da Província em seu primeiro passeio matinal
pela cidade:
A cidade de Curitiba podia ter 9.500 habitantes, dos quais 1.500 eram
imigrantes especialmente alemães e franceses. Ela, portanto, não ocupava
grande extensão. As ruas seguiam as mesmas disposições peculiares às
cidades estrangeiras. No centro havia uma praça, com 200 jardas talvez de um
lado, achando-se a igreja em um dos cantos. Mesmo para esta cidade (capital
de uma Província cuja extensão era maior que a da Inglaterra inteira), a
arquitetura deste edifício era muito fraca. Somente em tamanho era superior
aos prédios da circunvizinhança. O presidente da Província também morava
ali. Sua casa, chamada de palácio, tinha três pavimentos, cômodos, mas de
aparência simples. Estava localizada na rua principal e cercada de lojas [...]
todas as lojas maiores pareciam ser de propriedade de brasileiros ou
portugueses, enquanto que as menores estavam nas mãos de alemães
(BIGG-WITHER, 1974 [1872], p.77-78).
As referências espaciais na descrição de Bigg-Whiter (1974 [1872]) expõem que
as ruas seguiam as mesmas disposições às cidades estrangeiras” (p.77), imagem de um
aglomerado urbano com certa regularidade. A igreja localizada em um dos cantos como se
deslocada de simetria e sua “arquitetura muito fraca [...] somente em tamanho era superior
(p.77), destacando-se por meio de seu gabarito como edificação simbólica. Um aspecto
diferente do dos outros viajantes é a observação de imigrantes, principalmente alemães
29
, com
atividades urbanas no comércio e pequenas indústrias.
Sendo seu hobby a caçada, Bigg-Wither sai pelas redondezas da cidade para
caçar narcejas, e observa a paisagem circundante na implantação da capital da Província em
uma planície com as suas extensas pastagens contrastando com a verticalidade das
aruacárias e delimitada pela Serra do Mar. Reitera sua a horizontalidade e sua
homogeneidade que dá a idéia de um local provisório:
69
Vimos que a cidade ficava em uma planície aberta, embora, à pequena
distância do lado norte, começassem os pinheirais entremeados de pastagens.
Para o lado sul, tudo era uma planície aberta de se perder de vista e tanto o
lado do ocidente quanto do oriente eram de extensas pastagens [...] a falta de
altas agulhas de torres ou de edifícios altos ou mesmo das usuais chaminés
de Curitiba, vista de longe, aspecto muito diferente de uma cidade inglesa.
Quase se podia classificá-la de aglomerado de tendas e cabanas, formando
um campo de exército na expectativa de receber ordens de partir para outra
localidade. O costume, quase universal, de pintar as casas de branco fortalece
essa semelhança (BIGG-WITHER, 1974 [1872], p.79).
Em duas gravuras de John Henry Elliot pode-se observar a paisagem “caiada”
de Curitiba, uma das técnicas de salubridade utilizada nas cidades européias. A primeira de
1855 e a segunda de 1865 têm como destaque a torre da Matriz como elemento de referência
na paisagem horizontal e homogênea das casas e a Serra do Mar a limitar o horizonte (Figura
1.6 e Figura 1.7).
Uma visão dos arredores de Curitiba é registrada por Carlos Hünbenthal em
1888, a qual destaca as duas torres das igrejas: da Matriz e da Ordem. Observa-se a Cadeia
Pública com dois pavimentos, o roofscape de telhas cerâmicas, a maioria de duas águas.
Pode-se perceber uma distinção do urbano e rural na dispersão progressiva das casas do
“rocio” com os lotes de dimensões maiores delimitados por cercas de madeira (Figura 1.8).
Figura 1.6 – Vista de Curitiba (1885) – Jonh Henry Elliot
Fonte: Coleção Particular. In: Pintores da Paisagem Paranaense,
Sec
r
eta
ri
a
da
Cu
l
tu
r
a,
1
98
2
,
p
.
9
4.
29
A partir da década de 1830, Curitiba recebeu um pequeno contingente de alemães reimigrados de Rio Negro e
posteriormente de Santa Catarina e da imigração direta.
70
Figura 1.7 – Vista de Curitiba – Jonh Henry Elliot (1865)
Fonte: Coleção Mário Pimenta Camargo. In: Pintores da Paisagem
Paranaense, Secretaria da Cultura, 1982, p.95.
Figura 1. 8 – Panorama de Curitiba – Carlos Hünbenthal (1888)
Fonte: Coleção Particular. In: Pintores da Paisagem Paranaense, Secretaria da
Cultura, 1982, p.104.
71
Saint-Hillaire (1995 [1826]) relata os vários acessos existentes e suas precárias
condições. Primeiro, a estrada que atravessava a Serra de Paranaguá caracteriza-a dizendo
“poucas estradas são tão horríveis como essa à época de minha viagem” (p.108). Segundo, o
trecho da Província de São Paulo, ligação de Sorocaba à Curitiba, era uma estrada estreita e
isolada. E por fim, para chegar a Lapa (antiga Vila Nova do Príncipe) era necessário
atravessar via Sertão do Sul, “área infestada de selvagens, onde a estrada não passa de uma
sucessão de perigosos toleiros” (p.109). Ressalta, ainda, a existência de outro caminho para
Paranaguá que partia da paróquia de São José dos Pinhais
30
conectando o litoral à altura da
Ilha de São Francisco.
Refere-se à Comarca de Curitiba, que na época compreendia, além da sede, as
cidades litorâneas de Guaratuba, Paranaguá, Antonina, Cananéia e Iguape, e no planalto,
Lajes, Castro e Vila Nova do Príncipe (atual Lapa). Lajes foi anexada à província de Santa
Catarina e Cananéia e Iguape à comarca do litoral. A Comarca de Curitiba contava com
36.104 hab. em 1813. Acrescenta, em seus relatos, os limites e extensão do distrito de
Curitiba, a oeste e noroeste por Castro, ao norte pelo de Apiaí, a leste pela Serra de
Paranaguá, ao sudoeste pelo distrito de São Francisco e parte da província de Santa Catarina,
e sudoeste por Lapa. Sua extensão de leste a oeste soma 28 léguas e de norte ao sul 40
léguas. À parte próxima ao distrito de Apiaí, ao norte, é praticamente deserta (SAINT-
HILLAIRE,1995 [1826]).
A população do distrito de Curitiba, em 1817, constava de 10.652 elevando-se
para 16.155 em 1838. Refere-se à composição da população distinguindo a partir dos
binômios: livres e escravos, brancos e negros, e seus relatos exaltam os preceitos de eugenia:
em nenhuma parte do Brasil encontrei tantos homens genuinamente brancos
quanto no distrito de Curitiba [...] pronunciam um português sem nenhuma das
alterações e que são sinais da mistura caucásica com o indígena. De um
modo geral são altos e bem constituídos, tem cabelos castanhos e a pele
rosada; suas maneiras são afáveis, sua fisionomia é franca [...] as mulheres
são delicadas do que todas as outras da região do império [...] são menos
arredias e conversam agradavelmente (SAINT-HILAIRE, 1995 [1826], p.118-
119).
30
Em nota de rodapé, Saint-Hilaire comenta que esta vila é mais antiga. Porém em 1820 era uma paróquia
dependente de Curitiba.
72
Esta impressão de composição majoritariamente branca não é apontada por
Avé-Lallement (1995 [1858], p. 62): “ao que se vê na população, parece ser bastante
mestiçada e em toda a parte aparecem linhas nítidas de genealogia indígena e africana na
multidão”.
Saint-Hilaire (1995 [1826], p.115) adiciona o tipo de atividades exercidas
naquela época na capital da Província: “havia no distrito de Curitiba 984 agricultores, 31
negociantes, 205 diaristas e 50 arrieiros [...] 1marceneiro, 11 carpinteiros, 8 serralheiros, 2
seleiros, 8 ourives, 5 oleiros, 1 pedreiro, 10 alfaiates e 12 sapateiros”. Como botânico detalha
os vários tipos de cultivo, em Curitiba e, relata as fortes geadas no inverno, em contraposição
ao calor intenso no verão. Em relação às árvores frutíferas ressalta o clima potencial para os
pessegueiros e os plantios existentes de macieiras, ameixeiras, pereiras e nogueiras. Quanto
aos vegetais cultivados na área, em grande escala, são: o milho, o arroz, o trigo, o feijão, o
fumo, o linho e o mate, estes plantados nas redondezas de Curitiba.
As descrições dos viajantes e as gravuras que retratam o início da formação do
núcleo demonstram paulatinamente a evolução espacial e a transformação de vila em Capital.
Avé-Lallement descreve as duas naturezas da cidade: a da vila inicial, com suas casas de
madeira e ruas não asfaltadas, e da capital da Província que delineia uma regeneração. Os
elementos circundantes como a Serra do Mar, a implantação da cidade em uma planície, a
imagem das araucárias sobressai como imagens pregnantes. A regularidade das ruas, a não-
simetria da praça central da Matriz, a imagem caiada configuram a paisagem inicial, definida
pelos viajantes que a comparam com referências do mundo europeu.
73
1.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na classificação de Massimi (1995), os relatos dos viajantes se enquadram
como relatos estruturados em forma de diário, na base dos conhecimentos importantes
observados; como cartas narrativas, no intuito de fazer emergir a personalidade e os valores
culturais e sociais que são utilizados para interpretação da nova realidade; e por fim como
tratados científicos, no caso de Saint-Hillaire e Bigg-Whiter que contêm observações
sistematizadas da vegetação e descrição da natureza existente.
Quanto aos tipos de olhares, os três viajantes apresentam o olhar renascentista
com a finalidade de ampliar o saber do novo mundo e registros para a divulgação dessas
descobertas. Porém, emerge das descrições, o olhar racionalista que, instrumentaliza a
natureza na busca de explicação e utilidade, pois observa-se que são identificadas e
questionadas constantemente nos relatos, a existência de riquezas naturais não exploradas.
As descrições demonstram aspectos diversos de paisagens apreendidas que
compõem as paisagens no início da formação da Província do Paraná e de Curitiba. Observa-
se que os três viajantes tinham objetivos diferentes para percorrer o território. No entanto, pré-
existia a intenção de tornar público seus relatos, em uma época que a Europa descobria
outros continentes e civilizações. Assim, as anotações qualitativas e quantitativas contêm a
visualização de terras imaginadas por europeus e de uma civilização ainda pouco conhecida.
Verifica-se a constante comparação das paisagens com as de suas terras de origem, como
estratégia de compor referências àquelas paisagens descritas.
Suas narrativas, muitas vezes, denotam um olhar crítico quando estabelecem
comparação com sua cultura de origem. Belluzzo (1996) afirma que este olhar aponta os
modos como as culturas se olham e olham as outras, como estabelecem igualdades e
identidades, como imaginam semelhanças e diferenças, como conformam a si mesmo e o
outro. A recuperação desse tipo de fragmentos impõe um percurso inverso ao dos viajantes, e
a busca da memória faz reviver o mito de todas as viagens: a experiência do viajante que se
perde em terra estranha e procuram encontrar referências que indiquem o caminho de casa,
os sinais de identidade.
74
De maneira semelhante, Mazzoleni (1992) reitera que a definição do “selvagem”
é, portanto, funcional principalmente na identificação da civilização ocidental, é como dizer
que, discorrendo sobre o “diverso”, a Europa “falava” de si a si mesma, identificando-se.
Verifica-se o preconceito entre o Velho Mundo - civilizado, e o Novo Mundo –
incivilizado: a existência de recursos e a sua não utilização, o elemento escravo, os índios
além da preguiça latente dos habitantes e o seu desmazelo que se configuram no modo de
vida. Deve-se ressaltar que, na época da colonização o trabalho braçal era associado ao
trabalho escravo, significando uma atividade inferior. Além da economia ervamateira, de
caracteristica sazonal, portanto, trabalhava-se muito apenas em determinados períodos
(PEREIRA,1996). Na época dos viajantes, os selvagens, ou bugres, faziam parte do imaginário
divulgado na Europa e mesmo nas histórias dos moradores da província. Destarte, os três
autores não tiveram conflitos com os indígenas aqui existentes. O contato amigável e de
bugres “civilizados” são referência nas suas narrativas.
Na descrição das paisagens, a maneiras de ordenamento já define os preceitos
europeus de ortogonalidade e simetria como elementos definidores de intervenção racional do
homem sobre a natureza. Tais características são observadas desde o arranjo do arruamento
das vilas, e da implantação da Matriz de Curitiba até as hortas e pomares alinhados refletem a
idéia de organização. Entre os viajantes Saint-Hilaire enfatiza questões raciais como forma de
definição do “Outro”, na correlação entre cultura e raça como elementos de formação de
civilização.
Os relatos dos três viajantes, no entanto, reiteram uma orientação diversa de
caráter eurocêntrico, segundo Mazolleni (1992), uma orientação “antropologizante” e que
distingue entre o sagrado e o profano, entre o religioso e o civil, entre o fideísta e o científico,
entre o dogmático e o racional, optando progressivamente pela segunda série de termos, e o
Ocidente acaba por se diferenciar, em sua orientação, em relação às “outras” culturas com as
quais entra em contato, entre os séculos XV e XVIII. Em partes dos relatos, esta comparação
faz-se também entre os povos europeus, no caso de Saint-Hilaire, francês, entre os ingleses e
alemães, ressaltando os aspectos positivos dos portugueses que caracterizavam fragmentos
de uma “civilização” neste novo país.
75
Segundo Lowenthal (Apud RELPH, 1976) as paisagens são individualmente
experienciadas por meio de lentes de atitudes, experiências e intenção e de acordo com as
circunstâncias. Portanto, apesar de serem relatos de carater subjetivo contem informações
sobre a configuração das paisagens iniciais da Província do Paraná, permitindo a percepção
de visões geográficas, históricas, sociais e antropológicas assim como contribuem para
caracterizar contextos vários. Relph (1976) refere-se aos escritos de Albert Camus sobre as
paisagens de Algéria e define três componentes importantes na descrição: o lugar geográfico,
as atividades e os significados são elementos de referência para a caracterização de
determinados lugares.
Não havendo uma intenção na natureza a ser lida pelos homens, eles passam a
apreender o mundo sensível que se apresenta como imagem da realidade. O caminho do
conhecimento é reduzido aos sentidos. Desta maneira, a escolha dos atributos para dar a
síntese do que é observado incluí não somente o que é visto, mas percebido e sentido. Na
descrição das paisagens, cada autor utiliza referências de biografias espaciais já
experimentadas, muitas vezes, fazendo comparações com paisagens européias. Verificam-se
impressões diferenciadas de paisagens pelo fato de percorrerem caminhos e épocas sazonais
distintas. Neste sentido, os relatos de viajantes podem ser estudados por recortes
epistemológicos diversos, e referem-se a registros que contêm parte da gênese das paisagens
da Província do Paraná e de Curitiba.
76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AVÉ-LALLEMANT, Robert. 1858, Viagem pelo Paraná. Curitiba: Fundação Cultural, 1995. 114p.
BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná, três anos de
vida em suas florestas e campos – 1872/1875. Rio de Janeiro: J. Olympio; Curitiba: Universidade
Federal do Paraná 1974, 420p. (tradução, introdução e notas de Temístocles Linhares, nota
bibliográfica de Newton Carneiro).
BELLUZZO, Ana Maria (org). Brasil dos Viajantes. São Paulo: USP, n. 30,1996. 155p.
______. A Propósito do Brasil dos Viajantes. In: BELUZZO, Ana Maria. Brasil dos Viajantes. São
Paulo: USP, n. 30, p.8-19,1996.
IANNI, Octavio. As Metamorfoses do Escravo: apogeu e crise da escravatura no Brasil Meridional.
2ed., São Paulo: Hucitec Curitiba: Scientia et Labor, 1988. 271p.
LESSER, Jefrey. A Negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade
no Brasil. São Paulo:UNESP, 2001. 344p.
MARTINS, Wilson. Um Brasil Diferente: Ensaio sobre fenômenos de aculturação no Brasil. São Paulo:
Editora Anhembi Limitada. 1955. 506p.
MASSIMI, M. Visões do homem e aspectos psicológicos no encontro entre a cultura portuguesa e as
culturas indígenas do Brasil, no séc. XVI. In: ALFONSO-GOLDFARB, A.M.. História da Ciência: o
mapa do conhecimento. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, São Paulo: Edusp, p.143-15, 1995.
MAZZOLENI, Gilberto. O Planeta Cultural: para uma antropologia histórica. São Paulo: Universidade
de São Paulo, 1992. 222p. (tradução Liliana Laganà e Helyo Lagabà Fernandes).
PEREIRA, Marco Aurélio Monteiro. A Cidade de Curitiba no Discurso de Viajantes e Cronistas do Século
XIX e Início do Século XX. In: Revista de História Regional. vol.1, nº1, Inverno, 1996. Disponível em:
<
http://www.uepg.br/rhr/v1n1/marco.htm>. Acesso em: 7 jul. 2004.
PEREIRA, Magnus. Semeando iras rumo ao Progresso. Curitiba: UFPR, 1996. 184p.
POMBO, J. F. da R. O Paraná no Centenário: 1500-1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980.
REIS FILHO, Nestor Goulart.Quadro da Arquitetura do Brasil. 6 ed.São Paulo: Perspectiva, 1987.
245p.
RELPH, Edward. Place and Placelessness. London: Pion Limited, 1976. 161p.
77
SILVA, Wilton Carlos Lima da. As Terras Inventadas: Discurso e natureza em Jean de Léry, André
João Antonil e Richard Francis Burton. São Paulo: UNESP, 2003. 329p.
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pela Comarca de Curitiba. Curitiba: Fundação Cultural, 1995.
182p. (tradução: Cassiana Lacerda Carollo)
78
79
80
81
2. PAISAGENS PROJETADAS
Paisagens projetadas são aquelas resultantes de códigos de posturas,
legislações e planos que interferem diretamente na construção da paisagem. A análise de tais
interferências pode ser realizada pelo viés histórico, no sentido não apenas cronológico, mas
principalmente das ideologias dominantes na maneira de organização do espaço. Neste
sentido “projetar” resulta em duas abordagens diferentes de concepção do espaço urbano,
segundo os códigos de posturas e legislações de maneira prescritiva, e segundo os modelos
como, por exemplo, o plano de Agache para Curitiba. Porém, ambos são baseados em
posições ideológicas do que deve ser desejável para a cidade.
Preliminarmente, devem-se fazer algumas inferências sobre a questão dos
textos configuradores do construído, seja de legislações ou seja de modelos espaciais.
Especificamente, a abordagem de Choay (1985) trata do “mundo escrito” do espaço
construído, que busca determinar as modalidades para a concepção de edifícios ou cidades
futuras. A autora define duas categorias de textos: os realizadores e os comentadores.
Aqueles têm por objetivo explícito a constituição de um aparelho conceptual que permite
conceber e realizar espaços, um projeto a ser realizado ou que contribui para o mundo
construído, e estes não têm a intenção de escapar do universo do escrito, porém exercem a
função incitadora. Dentro da primeira categoria, a dos textos realizadores, incluem-se os
chamados instauradores que seriam os tratados de arquitetura, as utopias e os escritos do
urbanismo. Desta maneira, o tratado e a utopia seriam dois procedimentos de criação do
espaço edificado, o primeiro como aplicação dos princípios e das regras e o segundo como
reprodução de modelos (CHOAY, 1985).
Destarte, optou-se pela conformação das paisagens projetadas de Curitiba,
tanto pela regra quanto pelo modelo. Choay (1985) abstrai o contexto para uma apuração real
dos significados dos textos instauradores, inversamente, neste trabalho, o percurso teórico-
metodológico insere o contexto da história das idéias e das mentalidades, para o entendimento
das transformações espacias nos caminhos do pensar e construir o urbano.
82
Para configurar o panorama, o das paisagens projetadas, utilizar-se-á dos
trabalhos de Torres (1996) e Yamaki (1994) que diferem enquanto abordagem, porém a
correlação pode definir questões da história das idéias em relação ao urbano e os projetos
paradigmáticos resultantes. O primeiro faz uma revisão das principais temáticas e enfoques
em diversas disciplinas, que historicamente têm-se constituído a literatura reconhecida como
Urbana (Urbanismo, Sociologia Urbana, Geografia Urbana, História Urbana, Economia
Urbana). A Figura 2.1 apresenta o quadro sinóptico geral da origem da interdisciplinaridade
dos estudos urbanos que indica: os textos básicos, a origem disciplinar, as referências
bibliográficas que se sobrepõem, e a base paradigmática sobre a construção do marco teórico.
Dessa forma, para a sua fundamentação fazem-se necessária a interrelação entre a
sociedade, a economia, a política e a história, e se encontra no fato de que as relações
espaciais dão expressão e forma material à sociedade (TORRES,1996).
A metodologia de Yamaki (1994) denominada Morfo-genealogia, por outro lado,
refere-se aos modelos paradigmáticos que, de certa forma, produziram suas genealogias nos
planos das cidades novas brasileiras. Por meio da análise do gráfico resultante, pode-se
definir a genealogia espacial das cidades, postuladas pelo próprio autor do projeto e teóricos
que fazem correlações à sua gênese. Por exemplo, Brasília teria como concepção projetual,
como consta no memorial descritivo do Arq. Lúcio Costa, aspectos do Piccadilly Circus, do
Times Square, de Champs Elysee e da Rua do Ouvidor. No relatório do concurso, o júri faz
referências ao plano de Christopher Wren para Londres de 1666, e as intervenções de
Hausmmann em Paris. Gallantay por sua vez, refere-se ao plano de Washington, e Bruand
aponta similaridades com o projeto de Goiânia de 1934. Uma segunda leitura possibilita as
ideologias dominantes como a Carta de Atenas promulgada em 1933, representativa na
história do Urbanismo Moderno, e as referências das capitais brasileiras projetadas, Belo
Horizonte por Araão Reis, em 1894, e Goiânia por Atílio Correia Lima, em 1934 (Figura 2.2).
83
84
Figura 2.2 – Diagrama de Morfo-genealogia
Fonte: YAMAKI, 1994.
85
A partir disso, fez-se um quadro sintese adaptado a partir dos referênciais
propostos e inserem-se os instrumentos de ordenação de Curitiba: as “correições” urbanas, o
plano de Taulois (1855), o Código de Posturas de 1895, as diretrizes promulgadas para a
construção da paisagem moderna, o Código de Obras de 1919, o plano de Agache (1941-
1943) e o Plano SERETE (1965). Dessa forma, pode-se recorrer a uma leitura dos modelos
paradigmáticos e da história das idéias como pano de fundo dos instrumentos que induziram a
construção da paisagem projetada de Curitiba (Figura 2.3).
O povoado de Curitiba
31
compõe somente o panorama brasileiro no século
XVII
32
tendo, no Paraná, apenas Nossa Senhora do Rosário de Paranaguá e Nossa Senhora
da Luz dos Pinhais de Curitiba. Apesar da imprecisão da data de sua fundação, oficialmente
sua criação é em 1654
33
, cento e cinco (105) anos após a fundação de Salvador e nove (09)
anos após o Recife dos holandeses
34
. A Figura 2.4 representa um detalhe do litoral do Paraná
e faz parte do acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Apesar da inexistência da data,
observa-se a indicação de rios como o Tibagi, Yapo e Rio Negro, e Curitiba e “Parnaguá”
como aglomerações existentes.
31
As primeiras referências de Curitiba datam de 1649 quando foi organizada uma expedição ao Campo de
Queritiba, dirigida por Eleodoro Ébano Pereira para encontrar novas minas de ouro. Em 1850 há registros da
criação de um pequeno povoado Vilinha, conhecido também como Vila Velha ou Arraial dos Cortês, às margens do
rio Atuba e Bacacheri, núcleo inicial de Curitiba. No entanto, o núcleo inicial da vila definitiva foi em uma área entre
os rios Belém e Ivo.
32
Cronologicamente Reis (2000) define as cidades e vilas e suas prováveis datas de fundação, no Século XVI: São
Vicente 1532; Salvador, Porto Seguro e Espírito Santo em 1535; Santa Cruz Cabrália, Ilhéus e Igaraçu em 1536,
Olinda 1537; Santos 1545; cidade de Salvador da Bahia de Todos os Santos 1549; São Paulo 1554; Vitória 1551;
Itanhaém 1561; Rio de Janeiro 1565; Iguape 1577; atual João Pessoa 1585; Cananéia 1587; São Cristovão em
1590; Natal 1599.
33
A respeito da fundação de Curitiba há uma lenda apontada por diversos historiadores que estaria vinculada às
famílias dos bandeirantes Seixas, Soares e Andrade que teriam pedido a um cacique para que indicasse o melhor
lugar para a instalação definitiva da povoação. Definido o lugar, os primeiros povoadores erigiram uma capela, local
da Capela Metropolitana de Curitiba. Alguns historiadores atribuem o fato à Eleodoro Ébano Pereira, que teria
fundado a primeira povoação em 1654, porém referências exatas e documentadas somente existem a partir do ano
de 1661(Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, 1959, p143-145).
34
De acordo com Castro (1954. p.85), verifica-se a semelhança da Holanda com o solo encharcado do Recife, as
barragens naturais das dunas ou dos arrecifes. Algo familiar aos olhos dos holandeses, aquela paisagem da
planície do Recife, com os linguados de areia, ilhas, mangues, braços de mar, arrecifes, deltas.
86
87
88
89
Figura 2.4 – Detalhe do litoral paranaense (s/d)
Fonte: Acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
Tem a sua implantação inicial nos moldes das cidades coloniais de referências
portuguesas: “uma igreja uma praça, regra geral nas povoações brasileiras [...] além de abrigar
o polé ou o Pelourinho, símbolo da ordem publica, das instituições e da condição jurídica da
povoação autônoma” (MARX, 1986, p.12). Desta maneira, em Curitiba, o Largo
35
da Matriz, a
Matriz e o pelourinho se fazem como elementos iniciais definidores de uma centralidade.
Conforme Pereira (1998), na região paulista, durante o século XVII, a praça da igreja, onde
mais tarde seria ereto o Pelourinho, era a expectativa urbana mais consistente:
35
Pereira (1998) inicialmente discorda da existência de praças, a partir do princípio que não existem elementos
empíricos que comprovem, visto que nas áreas adensadas das cidades medievais portuguesas os únicos espaços
abertos eram os adros da igreja, ou os largos que eram o alargamento da rua. Tais espaços eram espaços
residuais localizados nas imediações das igrejas, e eram utilizados para o comércio. Porém afirma que o termo
praça existe na Legislação Municipal de Lisboa do século XIV vinculado aos locais de venda de produtos como
frutas, verdura ou peixe. Por fim, conclui que o termo advém de uma confusão terminológica, às vezes utilizado em
aparente sinomínia.
90
Saibam quantos este público instrumento de posse e levantamento de
Pelourinho virem, em como aos quatro dias do mês de novembro de mil
seiscentos e sessenta e oito anos, nesta vila de Nossa Senhora da Luz dos
Pinhais, estando o capitão-mor Gabriel de Lara nesta dita vila, em presença de
mim Tabelião fizeram os moradores desta dita vila requerimento perante ele
dizendo todos a uma voz que estavam povoando esses campos de Curitiba
em terras e limites da demarcação do Sr. Marquez de Casacais, e assim lhe
requeriam como Capitão-mor e Procurador bastante do dito senhor mandasse
levantar Pelourinho em seu nome, por convir assim o serviço d’el-Rei e
acrescentar do donatário; e visto o requerimento dos moradores ser justo
mandou logo levantar Pelourinho com todas as solenidades necessárias, em
paragem e lugar decente nesta Praça (B.A.M.C., v.1,p.03)
A centralidade demarcada pela igreja, símbolo da superioridade do cristianismo,
era uma das posturas das “Leis das Índias” elaboradas, em 1573, por Don Felipe
(BROADBENT, 1999). No entanto, autores como Reis (2000) e Bruand (1981) afirmam que o
processo de formação da estrutura urbana das cidades brasileiras não seguia os postulados
espanhóis no início da colonização os quais determinavam maneiras de organização dos
conjuntos urbanos, com planos regulares em xadrez e espaços hierarquizados. Por outro lado,
Pereira (1998) assegura que na época em que foi construída, Salvador superava em
regularidade qualquer cidade portuguesa. Exemplifica com os traçados ortogonais de São Luís
do Maranhão, Rio de Janeiro e Parati.
Similarmente Marx (1980) diz que Portugal plantou na Renascença bastiões nos
quatro continentes, sob a bandeira da luta dos cristãos contra os infiéis, criando postos
marítimos intermediários para respaldar o comércio e o domínio virtual de novas terras. Os
espanhóis, ao contrário, fundaram as povoações. Desta maneira, as características espaciais
da cidade portuguesa, na América, opõem-se às das fundações espanholas, apreendidas nos
tratados de arquitetura dos teóricos renascentistas. Esta linha de pensamento, de certa forma
negativa, quanto aos aspectos de organização das cidades coloniais é observada em vários
estudos
36
. Reis (2000), porém, demonstra que esta é uma abordagem simplista disseminada
em que a não-regularidade corresponderia a uma “não-organização”.
36
Holanda (1956, p.34), em Raízes do Brasil, coloca a cidade colonial como “cidade sem rigor e sem método
contrariamente aos traçados dos centros urbanos da América Espanhola onde há o “esforço determinado [...] ato
definido da vontade humana [...] as ruas impõem-lhe um acento voluntário da linha reta”.
91
No entanto, a origem da organização dos núcleos urbanos coloniais
portugueses, de acordo com Pereira (1998, 2005), está baseada no direito de almotaçaria
37
que controlava o mercado, o sanitário e o construtivo, uma das instituições administrativas
herdadas das cidades islâmicas, reformuladas pelos novos senhores cristãos. O autor afirma
ainda que, as atribuições básicas dos almotacés foram mantidas em todas as colônias
portuguesas.
Demonstra, por meio de pesquisa nos livros de registros desses oficiais, que em
Curitiba as “correições” em relação ao mercado consistiam na verificação da licença de
funcionamento das casas de comércio e de artesãos, na averiguação dos pesos e medidas
dos produtos e na obediência ao tabelamento de impostos. Em relação à “sanidade urbana”,
os almotacés tinham a atribuição de conferir a limpeza das ruas (os comerciantes eram
obrigados a varrer defronte ao seu estabelecimento), além de serem responsáveis pela
preservação das fontes de abastecimento de água potável e da escavação dos valos para o
escoamento das águas. A terceira atribuição do almotacé, a do edificatório (construtivo),
contempla a configuração do traçado do núcleo urbano, a organização e manutenção das
pontes, a pavimentação das ruas, e a manutenção das edificações (PEREIRA, 1998).
Essas diretrizes de “políticas públicas” configuram o primeiro momento da
maneira de organização dos núcleos urbanos. Embora o papel do almotacé fosse de garantir a
ordem urbana, as suas atribuições também eram realizadas por Ouvidores enviados pela
Corte. Somente mais tarde, essas atribuições migraram para os vereadores. Desta forma,
pode-se afirmar que a primeira manifestação de intervenção urbana registrada em Curitiba,
data de 1721, com as posturas e os provimentos municipais formulados pelo Ouvidor Rafael
Pires Pardinho, atuando como urbanizador sendo sua atribuição respaldada pela legislação
portuguesa:
37
A pesquisa realizada por Magnus Roberto de Mello Pereira, resultado da tese de doutorado em História pela
UFPR, sob o título A Forma e o Podre, faz uma extensa análise do instituto da almotaçaria em Portugal e em suas
colonias. Almotaçaria designa a instituição ou as atribuições. Em sentido particular designa as atividades mais
correntes do almotacé e, depois a atuação da câmara em relação ao abastecimento das cidades. A almoçataria
seria a prática cotidiana do direito de administrar a cidade.
92
Se trabalhe mandar em todos os Lugares da Correição, que façam benfeitorias
públicas, convém a saber, calçadas, pontes, fontes, chafarizes, poços,
caminhos, e casas dos Conselhos, picotas, e outras quaisquer benfeitorias,
que forem necessárias, mandando logo assim fazer que cumprir de novo
serem feitas, como reparar as que reparo houverem mister (Apud PEREIRA,
1998)
38
.
Pode-se afirmar que os postulados do Ouvidor Pardinho sintetizam a cidade
desejável para a época. Os 129 itens referem-se aos setores de administração, de justiça e de
culto divino e o que pudesse exigir o estabelecimento de normas de ação (Enciclopédia dos
Municípios Brasileiros, 1959). O art. 37 estabelecia a forma de concessão de construção para
novas casas:
proveu que daqui por diante nenhuma pessoa com pena de seis mil reis para o
conselho faça casas de novo na vila sem pedir licença à Camara, que lhe dará
e lhe assinará chãos em que as faça continuando as ruas que estão
principiadas e em forma que vão todas diretas para a corda, e unindo-se umas
com as outras, e não consistam que daqui por diante, se façam casas
separadas e sós como se acham algumas, porque além de fazerem a vila e
povoação disforme ficam os vizinhos nela mais expostos a insultos e
desviados das outras vizinhas para lhe poderem acudir em qualquer
necessidade que de um dia ou de noite lhe sobrevenha (B.A.M.C.,v.1, p. 19).
O artigo acima define características espaciais desejáveis: continuidade e
regularidade do arruamento e contiguidade das fachadas; caso contrário, poderiam fazer uma
vila e povoação “disforme”. De acordo com Pereira (1996), a principal peculiaridade dos
provimentos desse ouvidor foi veicular uma concepção global da vila. Espacialmente resultaria
em uma área compacta, regular com a separação entre o público e o privado, imagem ideal de
um centro urbano contraposto ao rural.
O Artigo 39 referia-se à necessidade de delimitação dos terrenos em suas áreas
limítrofes e determinava: “que tenham as portas das ruas fechadas, sempre e que não haja na
vila pardieiros
39
e ranchos abertos” (B.A.M.C, v.1 p.20), reiterando a continuidade das fachadas
e a não-visualização de atividades internas das residências, para assim, configurar uma
continuidade da forma de quadra.
38
Este trecho refere-se às Ordenações Manuelinas, livro 1, tit.30, §15.
39
Significa edificações em ruínas.
93
Refere-se, ainda, às áreas de corte de árvores exigindo que as novas
construções fossem cobertas com telhas. A limpeza do rio Belém, era necessária para evitar
que um banhado se formasse em frente à Matriz. Pode-se observar a preocupação no
ordenamento, na continuidade de delimitação de ruas, preocupação de saneamento e de
relações de convivência de uma pequena comunidade que se formava.
Até os meados do século XVI, Curitiba configurava-se como uma pequena vila,
no entanto, com a abertura do Caminho do Viamão em 1738, ligando Guaíba, no Rio Grande
do Sul, à Sorocaba, em São Paulo, resultado de uma política portuguesa, Curitiba passa a ter
maior relevância, como ponto de invernadas para a recuperação do gado. A Figura 2.5 faz
parte dos “Mappas Particulares extraídos da Carta da Capit
na
do Rio Grande de S. Pedro e
suas circunuisinhancas athe o R
o
da prata”, elaborado pelo engenheiro e tenente coronel de
infantaria Francisco João Roscio, com bases em suas observações entre os anos de 1774 e
1778. Observa-se que o mapa abrange o Paraná e São Paulo e refere-se às vilas de Curitiba,
Sorocaba e Paranaguá.
Segundo Martins (1922), de 1820 a 1838 Curitiba tinha 220
40
casas, distribuídas
pela rua de São Francisco, Páteo da Matriz, ruas do Louro, do Chafariz, Direita
41
, Alegre,
Baptisada, da Entrada, das Flores, do Commercio, e uma população de 16.155 hab. Em 1842,
foi elevada à condição de cidade e em 1853, pela Lei Imperial n° 704, o Paraná tornou-se
Província, emancipando-se política e administrativamente de São Paulo, e Curitiba é elevada à
Capital da Província. Pode-se observar, na Figura 2.6, o mapa da área central de Curitiba, em
1850, tendo os principais espaços públicos o largo da Matriz e o largo da Ordem com suas
respectivas igrejas.
40
Saint Hillaire, ao descrever Curitiba em 1820 também afirma a existencia de 220 casas pequenas, cobertas de
telhas e de um pavimento.
41
Na tradição da cidade cristã portuguesa, direita não significa retilínea, mas o caminho direto a um local
considerado importante.
94
95
Para receber o primeiro presidente da Província Zacarias de Góes e
Vasconcelos, em 1853, a Câmara de Vereadores deliberou algumas providências no intuito de
“maquiar” a nova sede da capital como: “retocar as tintas do edifício da cadeia” e “lavrou-se
edital convocando os povos para caiar e limpar as frentes de suas casas, bem como o fiscal
mandar limpar os arbustos que estão na entrada de baixo e aqueles que ficarem nos pátios
públicos e ruas” (ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS, 1959, p. 159).
Nessa época, em 1853, Curiitiba tinha como elementos estruturadores duas
escolas primárias, uma para cada sexo, e 4 igrejas: a Matriz de N. Senhora da Luz, a de N. S.
do Rosário; a da Ordem Terceira e a de São Francisco de Paula. Segundo Martins (1922),
eram 27 os seus quarteirões: da Cidade, Ahú, Pilarzinho, N. S. das Mercês, Santa Quitéria,
Tatucoara, Campo Comprido, Botiatuvinha, Campo Magro, Atuba, Palmital, Cachoeira,
Veados, Ribeirão da Onça, Capivary, Boixininga, Borda do Campo, Campina Grande, Arraial,
Cerro Lindo, Marmeleiro, Botiatuva, Pacotuva, Tranqueira, Conceição, Ouro Fino e Assunguy
de Cima. De acordo com Castro Neto (2002), caso se considerasse um quarteirão com
equivalente a um hectare, a cidade era um núcleo coeso que mal chegava à quarta parte de
um quilômetro quadrado. Sua densidade urbana era, portanto, relativamente alta, pois
correspondia a 215 habitantes por hectare (Figura 2.6 e Figura 2.7).
Segue a descrição de Rodrigo Júnior sobre Curitiba no ano da instalação da
província, em 1853:
Vila pobre e modesta [...] era uma povoação pequena e insignificante [...[
consoante se deduz do exíguo número de seus moradores, não passava de
um pugilo de casas, mal alinhadas e separadas umas das outras por cercas
de tábuas e extensos muros de pedra e taipa. Eram as casas em número de
308, estando 52 em construção [...] três sobrados, sòmente três sobrados,
dominavam a casaria térrea da cidade: um situado no Largo da Ordem,
pertencente a D. Angelica do Biang, e o terceiro, que mais tarde se chamou
ironicamente de “Palácio de Cristal [...] ressentiam-se as ruas a falta de
calçamento, e, em muitas delas se ostentavam caldeirões temerosos.
Estendiam-se apenas, sobre o leito dessas calles primitivas, algumas pedras,
desiguais, mal ajustadas, mal unidas, inclinando-se de um lado e de outro,
para o seu meio, formando uma espécie de vala a fim de dar vazão às
correntezas pluviais (JUNIOR, 1953 p.42).
96
Rodrigo Junior (1953, p.42) segue a descrição em relação às ruas. Quanto à
vitalidade das ruas naquela época, a rua Fechada (atual José Bonifácio) era a que
apresentava melhor aspecto: “pedra em formas de lajes, mais bem assentadas, mais bem
dispostas, desciam de ambos os lados para o centro da via pública, com declividade suficiente
para dar escoamento as águas abundantes”. No entanto, a mais movimentada era a do
Comércio (atual Marechal Deodoro), “onde se achava estabelecidas lojas de fazendas e
armarinhos, negócios de secos e molhados. Existia então na cidade, localizada no pátio da
Matriz uma única padaria”. Era também no pátio da Matriz que se encontrava o mercado,
chamado de “as casinhas”:
era constituído de pequenas casas “quase em ruínas”, baixas, sem soalho
nem forro, esburacadas e de “triste aparência”. A edificação daquele lado da
futura praça Tiradentes era toda formada de moradias de pau-a-pique,
achatadas, cobertas de telhas goivas, e esclarecidas por janelas baixas. Este
estilo arquitetônico português, transportado de Lisboa para o nosso país,
desde os tempos da vila, seguiam-no a risca, obedecendo assim, os ditames
absolutistas da moda (JUNIOR, 1953 p.42).
Reis Filho (1987) analisa a evolução das edificações brasileiras desde a época
de fundação dos primeiros núcleos, relatando que as casas eram construídas de maneira
uniforme e que, tal padronização era fixada em posturas municipais. Dimensões e números de
aberturas, altura dos pavimentos e alinhamento com as edificações vizinhas eram exigências
correntes e revelam uma grande preocupação de caráter formal, cuja finalidade era, em
grande parte, garantir para as vilas e cidades brasileiras uma aparência portuguesa.
A descrição apresenta, ainda, as vias públicas como verdadeiros pantanais, nas
estações de inverno e verão, e um brejo que se estendia do Largo do Chafariz (Praça
Zacarias) até a ponte sobre o rio Ivo. As praças eram somente três: o Largo da Ordem,
denominado “patio da Capelinha”, o Largo da Matriz, conhecido como Patio e o Largo da
Ponte, atual Praça Zacarias.
No ano seguinte, em 1854, o panorama da cidade era formado por:
308 casas, 52 em construção, 38 estabelecimentos comerciais de fazendas e
35 de secos e molhados, 3 ouvesarias, 5 ferrarias, 2 marcenarias, 6
alfaiatarias, 3 açougues, 9 sapatarias, 1 selaria, 1 padaria, alem de diversas
casas particulares onde se vendiam pão, sequilhos e biscoitos e 1
typographia, com contrato para a publicação dos atos oficiais do governo da
Província (MARTINS, 1922, p.170).
97
Paulatinamente a construção da paisagem de Curitiba ia sendo definida, ainda
com configurações semelhantes às cidades coloniais portuguesas com a ressalva de ser a
Capital da Província. De acordo com Munford (1998), os clichês do planejamento do poder, no
caso das novas capitais, era na realidade, um ensaio cênico formal, como um telão de fundo
para realçar o poder hegemônico. Desta forma, a paisagem de uma capital sempre era
elemento de definição e ordenamento, na diferenciação de outras cidades. Assim obras
públicas são definidas para “providenciar” uma infra-estrutura adequada para a capital, como
edificações para sediar o Palácio do Governo e a Assembléia Legislativa além da elevação
das torres da Matriz.
98
2.1 DE LA PLATA À CURITIBA DE TAULOIS – 1855
A capital da Província tem o primeiro plano de ordenamento concebido pelo
engenheiro francês Pierre Taulois em 1855, contratado como inspetor geral de mediação de
terras públicas. Segundo Oliveira (2001), Taulois tinha a missão, à frente de uma equipe de
agrimensores, de propor a realização de reformas na infra-estrutura, sobretudo no que se diz
respeito ao arruamento e à retificação de algumas ruas (Figura 2.8).
De acordo com Pereira (1996), com a instalação do governo da Província os
profissionais com formação técnico-acadêmica deteriam o conhecimento científico e, portanto,
representava o “progresso”, adotando os fundamentos geometrizantes para a definição do
urbano.
Esta concepção é evidente no relatório de Taulois, que afirma a existência de
somente duas ruas se cortavam em angulo reto: a da Assembléia (Muricy) e a do Commercio
(Deodoro). Assim as diretrizes indicavam meios de endireitar as outras que se afastavam
através da desapropriação gradual por utilidade pública. A rua do Rosário, para o engenheiro,
era tão imperfeita que julgava impossível dar a sua continuidade além da igreja e indicava as
seguintes modificações:
recuar a extremidade de S.E. do quintal do 1° quarteirão, como também o
canto do quintal do 3° e quando se reedificasse a casa do N.E do mesmo,
construindo-se então a face do alinhamento recto; o mesmo se deve praticar
no quintal correspondente ao 11º (Apud MARTINS, 1922, p.171).
Para a rua Primeiro de Março, travessa da igreja Matriz, Taulois define:
a rua da travessa da Igreja Matriz, (então face L. da actual Praça Tiradentes)
que principia no lado da última casa da rua do Commercio para se tornar
paralela á precedente (do Rosário) passando no canto S.E. do 12° quarteirão,
cortará a rua das flores (Quinze de Novembro) os cantos a N.E. do dito
quarteirão e as casas do 11º em todo o comprimento até a entrada no Largo
da Matriz, e na direção da rua Fechada (José Bonifácio); esta não pode se
prolongar sem que a linha passe no lugar de diversas casas do 20º quarteirão,
correndo obliquamente a rua do Fogo (São Francisco) e a Direita (13 de Maio)
(Apud MARTINS, 1922, p-127).
99
Em relação à rua da Graciosa, atual Barão do Cerro Azul, que “não tendo casas
até agora nada tem a mudar-se, basta conservar o parallelismo” (MARTINS, 1922, p.173). A
rua Quinze de Novembro, atual rua das Flores, em 1857 apresentava-se torta e acidentada, e
Taulois a descreve “a rua não é paralela à precedente (a do Commercio) e custaria muito
reedifica-la; não é perfeitamente direita e se estende por sobre um terreno algum tanto
dobrado, e que formando ondulações não permitte vêr de uma á outra extremidade”(p.174).
Finaliza com a recomendação:
nas construccções futuras o prolongamento das ruas reedificadas deve ser
seguido a risca; e para evitar-se o desvio no alinhamento [...] será indicado na
planta [...] esses marcos servirão também para regular o melhor declive de
cada parte das ruas, para o prompto escoamento das aguas pluviais (Apud
MARTINS, 1922, p.176).
100
Observa-se nas diretrizes de Taulois, o ajuste necessário à imperfeição das
ruas, a dificuldade da visão perspectiva, o ideal dos ângulos retos e do “paralelismo” como
elementos necessários à organização da capital da Província. No plano das idéias, Torres
(1996) resume em alguns tópicos esses ideais e a questão positivista: a pretensão da
racionalidade, que considera a ciência positiva, em particular a física newtoniana, como
modelo universal para todas as ciências; a desacralização da natureza e a intervenção
humana na ordem natural; a importância crescente do pensamento científico e a fé no
progresso, conseqüência da intervenção racional do homem sobre a natureza. Dessa forma,
desde o final do século XV, as cidades portuguesas foram submetidas a um processo de
retificação e alargamento das ruas, bem como à eliminação dos becos – esse tipo de traçado
atende à regularidade da cidade renascentista portuguesa na maior parte dos séculos XVI e
XVII (PEREIRA, 1988).
No plano das intervenções urbanísticas, esta regularidade, segundo Bruand
(1981), estava de acordo com a nova estética neoclássica que tinha sido trazida pela missão
francesa ao Brasil em 1816, penetrou aos poucos e acabou por se impor, sem reservas,
depois de 1850 (BRUAND, 1981). Nessa época, de acordo com Kersten (2000), a cidade de
Curitiba foi estruturada para traduzir os valores simbólicos de capital e sede do poder.
Surgiram instituições como o Arquivo Público, em 1855, e a Biblioteca Pública, em 1857.
Simultaneamente a esse plano de ordenamento para Curitiba, as propostas de
Haussmann para Paris, iniciadas em 1852, projetava grandes intervenções para a re-
estruturação da cidade. No plano global, uma rede de vias que cortavam a cidade e,
associadas a estas criações de praças, as estações ferroviárias, os edifícios públicos
importantes, as avenidas e os chamados boulevares. Segundo Panerai (1980), três eram os
objetivos principais: revalorizar os monumentos, isolando-os e instituindo conexões visuais
entre eles; tornar a cidade mais salubre, contra o decrépito, e trazer a imagem da modernidade
de espaço e de luz; e a circulação entre estações e bairros. Afirma ainda que, pelo seu
conteúdo e modus operandi tal ordem se impôs mantendo a continuidade com a cultura
clássica. As intervenções com a cidade existente se deram pelas dualidades de concordância
e retificação, de continuidade e destruição e de aceitação e violência, dualidades frente ao
tecido urbano consolidado.
101
A repercussão do traçado de La Plata, premiado na Exposição Continental de
1822, conforme Gutierrez (1983) é o resultado teórico concretizado na prática urbana. Não
faltaram outras propostas de cidades ideais carregadas de conotações ideológicas
semelhantes. Martins (1922, p.175) chega a afirmar que, se as proposições de Taulois
tivessem sido realizadas, “Curitiba seria representada por um quadrilátero normal e teria a
feição aproximada de La Plata na sua divisão sistemática de ruas”.
A próxima intervenção urbanística da capital da Província foi realizada pelo
engenheiro italiano Ernersto Guaita (1843-1914/15), contratado para trabalhar na construção
da Estrada de Ferro, o qual chegou em Curitiba por volta de 1850. Recebeu a incumbência de
elaborar o primeiro cadastro urbano da cidade e, na década de 1880, tomando a Rua
Liberdade como eixo principal, Guaita definiu diretrizes para as ruas perpendiculares. A região
ficou denominada como “Nova Curitiba”. Assim, a Rua da Liberdade transformou-se na
chamada “Rua do Poder”, onde se situavam: o Palácio do Congresso, o Palácio do Governo e
o Paço Municipal, além de ser o local de desfiles e cortejos; referência espacial dos postulados
intervencionistas de Haussmann e nos dizeres de Munford (1998) tanto simbólica como
praticamente, estabelecia o planejamento em que todas as coisas se achavam “sob controle”.
Anteriormente à promulgação do Código de Posturas de Curitba, alguns atos da
Camara Legislativa demonstram aspectos importantes no “fazer” a nova Capital da Província,
de acordo com Pereira (1996), ainda com base nas noções de cidades herdadas do período
colonial. Em 1885, a Câmara e o Presidente da Província – Alfredo d´Escrangnolle Taunay
discutiam sobre a eleminação da rua da Matriz, necessária para a reorganização do
paralelismo das ruas e no ajuste simétrico da praça central.
Tal justificativa era incipiente na visão de Taunay que, provavelmente, já tinha
adquido outras noções de organização da cidade como “conservar o maior número possível de
largos e praças com áreas de saneamento da população e futuros locais ajardinados e
arborizados formando squares e pontos de recreio” (Apud PEREIRA, 1996, p.107). Nessa
incorporação de novos valores do urbano, em 1857 o governo provincial aprovara a criação de
um Jardim Botânico, que não foi executado. No entanto, o parecer de Taunay sobre o projeto
do Passeio Público
42
, em 1886, tais preceitos são enfatizados:
42
Ver Boletim Informativo da Casa Romário Martins, ano IV, nº 42, Agosto de 1980 – O Passeio Público. Esse
boletim contém descrições de localização, extensão e limites, além dos custos para a construção da obra.
102
A cidade de Curitiba ressente-se de uma grande falta, que já deveria Ter sido
motivo de algumas medidas por parte dessa Municipalidade: a de um passeio
ou Jardim Público, que servindo à população deameno e frequentado
logradouro, mostrasse a quantos procuram ou visitam esta localidade que ela
compreende devidamente a importância de certos melhoramentos cuja ligação
com a saúde e higiene gerais são hoje indiscutíveis e que nos centros de
aglomeração de gente se tornem até indispensáveis (Apud PEREIRA, 1996, p.
109)
Em 2 de maio de 1886 é inaugurado o Passeio Público “digno d´esta adiantada
capital [...] onde existião inaccessíveis pantanos, atravez dos quaes o Belem rolava pesadas
aguas, hoje esse mesmo rio corre limpido em factícias curva”
43
. Segundo Pereira (1996), as
obras foram administradas e parcialmente financiadas pelos magnatas do mate, assim com o
planejamento do Boulevard 2 de Julho, ao lado noroeste do Passeio Público. Nesta avenida
arborizada com palmeiras foram implantadas as residências palacianas da burguesia do mate
frequentadoras do novo espaço público. (Figura 2.9).
Preocupações como a salubridade dos espaços urbanos e a circulação em
ângulos retos, comos elemento ordenadores, já faziam parte dos preceitos de concepções da
forma de organização das cidades, utilizadas no Brasil por técnicos europeus. Dessa forma, a
ordem abstrata da geometria urbana e a vegetação como necessidade de “saúde” e “higiene”
foram questões essenciais na construção da paisagem de Curitiba.
Boulevard 2 de Julho
(Av. João Gualberto)
arborizado com palmeiras
e residencias palacianas
de industriais do mate
Figura 2.9 – Passeio Público – Detalhe da Planta de Curityba (1894)
Fonte: Acervo da Diretoria do Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Curitiba
43
Relatório apresentado a Assembleia Legislativa no dia 17 de fevereiro de 1887.
103
2.2 CÓDIGO DE POSTURAS 1895 – PRÉ- DEFINIÇÃO DA PAISAGEM CURITIBANA
Os registros mais antigos, daquilo que podem ser identificados como postura
municipal, aparece nos diplomas foralengos, que são fragmentos remanescentes do direito
consuetudinário, assegurados da perpetuação de uma ordem urbana sob tradições. Como
visto anteriormente, no caso de Portugal e de suas colônias, tal direito era o de almotaçaria
que controlava o mercado, o sanitário e o construtivo (PEREIRA, 1998).
Estes são semelhantes aos “editos comunais” italianos que, de acordo com
Choay (1985) são classificados como escritos argumentadores
44
. A autora os analisa dizendo
que podem ser entendidos como postura municipal e abarcavam o conjunto dos ordenamentos
que respondem às necessidades dos habitantes. No entanto, tinham como concepção
favorecer a realização e o desenvolvimento das atividades urbanas e definir regras para o
embelezamento das cidades. Portanto, suas decisões são prospectivas e se inscrevem em um
programa de intervenção a longo prazo, testemunhando uma vontade de racionalização e uma
estratégia de otimização.
Sob este enfoque, em 22 de novembro de 1895 são decretadas as “Posturas
Municipais” como instrumento de ação institucional dos vereadores. São ao todo 22 capítulos
que definem questões de “Limpeza da cidade, tranquilidade e segurança públicas”, “Da
Hygiene Salubridade Pública”, “Quadro Urbano”, “Dos edificios ruidosos e excavações”,
“Servidões”. Definem as seguintes posturas: o Capítulo XIII do “Commercio”; o Capítulo XIV
das “Fabricas, Officinas e Cortumes”; o Capítulo XV das “Casas de jogos e divertimentos
públicos”; o Capítulo XVI do “Mercado” e do “Matadouro público, seu asseio e economia,
açougues, conducção de carne e de deveres de veterinário; do “Cemiterios e enterramentos;
do “Rocio”; das “estradas, caminhos, conservação de arvores e extincção de formigueiros; das
“Cercas” e por fim da “Agricultura e criação”.
44
Para Choay (1985), apesar de ser um texto cujo objetivo é a construção do espaço, a autora, no entanto, não o
considera um texto instaurador. Afirma que as posturas diferem dos tratados de arquitetura, pois não são basilares
no poder de concepção do espaço, nem em um pensamento teórico; apenas reitera o poder político local.
104
Este “Código de Posturas” define ações individuais que, de uma certa maneira,
enquanto conjunto, transformaria fragmentalmente a paisagem da cidade. Os temas
abordados demonstram que o instrumento regulamentava o construído e as atitudes
individuais para uma ordem de viver em comunidade. Por exemplo, a obrigatoriedade de
manutenção de jardins e quintais, serviços que “deverão ser realizados aos sábados, até as
9:00hs no inverno, e até às 7:00hs no verão, para o recolhimento dos resíduos “(Capitulo I art.
1º e 3º). A arborização das praças e ruas era de responsabilidade da Câmara; no entanto, a
conservação das árvores no calçamento deveria ser realizada pelos moradores (Capítulo I art.
4º).
Uma paisagem “caiada” da cidade era prevista nos postulados
45
e, conforme
Rudofsky (1973) era uma prática de salubridade muito utilizada na Europa. O Parágrafo único
do Capitulo I definia: “a trazer decentemente rebocada, caiada ou pintada a frente dos seus
prédios, gradis ou muros” Tal disposição deveria ser aplicada aos “fabriqueiros” e nas capelas
e igrejas. O material para as calçadas deveria ser de “pedra ou lage”, contínua e independente
da edificação e, todas as construções “deverão ser assignaladas à noite por uma lanterna
(Art. 15, Capítulo II).
Proibições de animais nas ruas centrais, instalação de fábricas de “phosporos”,
venda de pólvora, conservação de materiais inflamáveis, entre outros tinham como posturas a
questão de segurança pública. Os sinos das capelas e das igrejas definiam a paisagem sonora
da época, sendo o elemento sinalizador de incêndios. Para evitar esses marcos sonoros, as
chaminés “deverão ser limpas de seis em seis meses” (Capítulo III. Art. 49° e 56°).
O Capítulo X refere-se ao “Quadro Urbano”, e a observação dos seus artigos
delineia a configuração da paisagem, na demarcação da morfologia urbana inicial. Um traço
característico da arquitetura urbana é a relação que a prende ao tipo de lote, e a arquitetura
mais adaptável às modificações ao plano economico-social que o lote urbano (REIS FILHO,
1987). Dessa maneira, o lote-padrão, definido pelo Código de 1895, prevê a forma quadrada
de 22m de frente e fundos, resultando no lote urbano de 484m², como padrão definidor da
paisagem inicial da cidade.
45
Ver Figuras 1.6 e 1.7: aquarelas de Jonh Henry Elliot de 1885 e 1865 respectivamente, que reproduzem as vistas
“caiadas” do núcleo de Curitiba.
105
Outros postulados como a obrigatoriedade do lote ser cercado por um gradil e
ter o calçamento frontal (Capítulo X Art. 95) e o reforço do alinhamento para novas
construções, muros e gradis, são posturas para a criação de uma paisagem ordenada e
contínua. Esta configuração determinava o público e o privado, na definição da rua. Esta deve
ter largura mínima de 18m com exceção daquelas que seriam prolongadas (Art. 101). O Art.
110 enfatiza a questão da necessidade do “embelezamento” da cidade proibindo “as cercas
que não sejam gradis ou muros feitos com o fim permanente de “embellezar a cidade”. A partir
do momento em que as questões normativas referiam-se ao espaço público, as fachadas ou
os elementos de fechamento também recebiam regulamentações. Esta ação referia-se à
possível modificação da fachada frontal, a qual deveria ser aprovada anteriormente, justificada
pelos padrões estéticos vigentes, na pré-definição de uma paisagem a ser construída.
Nos Art. 111 e 112, lê-se a proposição segundo a qual os gabaritos tinham o
intuito de projetar o skyline de Curitiba, no final do Séc. XIX. O padrão exigido era de no
máximo três pavimentos até uma altura de 17m, e as fachadas acabavam por ser definidas
pela homogeneidade das aberturas, com as janelas de 2.30m de altura por 1.15m de largura,
devendo as portas acompanhar o nível das janelas.
Configuravam-se, assim, os casarios de padrões semelhantes aos das várias
cidades coloniais brasileiras. Bruand (1981, p.325) reafirma que “a unidade dos edifícios
construídos foi uma transferência desejada pelas autoridades, que se dedicaram a conferir às
regiões conquistadas um caráter da mãe-pátria” (Figura 2.10). A contigüidade das edificações,
a definição de gabaritos, a homogeneidade de aberturas (portas e janelas) e a delimitação do
privado são posturas para a conformação de uma área urbana, a um modelo previamente
estabelecido e diferenciado do “rocio”.
Datam desta época, também, as posturas relativas às novas construções que,
em longo prazo, transformariam os padrões inicias. Por exemplo, no caso de construções fora
do alinhamento, ficava a obrigatoriedade de recuos frontais mínimos de 5m., para um
alinhamento secundário, e a proibição de construção de sótãos de cumeeira para frente, Art.
115 e 119, respectivamente. O padrão de alinhamento era um preceito importante no
ordenamento das vias, não sendo aceitáveis construções de elementos que “estorvem as
vistas das casas que ficam no alinhamento” (Art. 125º). Esta continuidade é proposta mesmo
nos terrenos vazios dentro da área da cidade, que “deverão ser fechados com muros ou gradis
de no mínimo 2m de altura” (Art. 126°), fato que daria a idéia de uma área compacta e regular.
106
Figura 2.10 – Vista da Praça Municipal (atual Generoso Marques)
Fonte: Acervo da Diretoria do Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Curitiba (Coleção
Julio Wanderle
y)
Outra determinação proibia a construção de meias-águas nas frentes das ruas,
para que a água pluvial não fosse direcionada para as vias públicas. Neste código de posturas
definiam-se os parâmetros de numeração adotados em quase todas as cidades brasileiras, de
números pares de um lado, e de ímpares do outro, além de regras de funcionamento do
comércio que “deverá permanecer fechado aos domingos a partir das 10hs, e nos dias úteis
até às 22:00hs”, exceto atividades como cafés, bilhares, restaurantes, hotéis e confeitarias que
teriam seu horário estendido até às 24:00hs. Dessa forma, pelo estabelecimento dos horários
e atividades permitidas eram definidas as áreas de vitalidade das ruas de Curitiba.
Os usos incompatíveis com as atividades da cidade constam no Capítulo XIV,
que proíbe o estabelecimento de “fábricas de sabão, azeite, oleo, velas de cebo, distilação e
outras pela qualidade de matérias primas, seus productos e combustivel empregados [...] ou
que exhalem vapores que tornem nociva a atmosphera, alterando as aguas potaveis ou
incomodem a visinhança” (Art. 159, Capítulo XIV). Pode-se observar um tipo de zoneamento
proibindo atividades não-adequadas, por questões de salubridade, na área urbana.
107
Em relação às áreas definidas como “rocio”, fora do perímetro da cidade, a
dimensão dos lotes era 12.100m², dimensão para a prática da agricultura de abastecimento,
em áreas periféricas ao núcleo urbano. Vale assinalar a impressão do agente oficial de
colonização do Império, Inácio da Cunha Galvão, sobre o rocio de Curitiba, em 1886:
Não devo tratando do assunto de colonização, deixar passar em silêncio o
interessante quadro que apresentam os subúrbios de Curitiba. De tudo que vi,
na minha longa excursão, foi o Rocio de Curitiba uma das que mais agradável
impressão em mim produziram. Vi ali uma nova prática, patente, de que
podemos ter já imigração espontânea
46
. Nos campos ondulados que
circundam a cidade de Curitiba, formando semi-círculo de um dos seus lados,
vêem-se pequenas chácaras, com nítidas casinhas algumas de gosto diverso
das do país [...] cuidadosamente cercado ou valado para obstar a danificação
pelo gado, o pequeno terreno dessas está todo aproveitado; junto à casa está
um pequeno pomar de pessegueiros e outras árvores frutíferas; o mais
roteado a arado, estrumado e plantado de centeio , cevada, favas, ervilhas e
outras hortaliças, forragens e algum trigo; e desses gêneros que abastecem o
mercado da capital (Apud MARTINS, 1955, p.90).
Os lotes rurais definem marcas de propriedade fundiária que, de certa maneira,
permanecem nas transformações de áreas rurais em urbanas. Os tipos de edificações do rocio
não são postulados no código, desta maneira, somente os aspectos para a construção de uma
paisagem urbana tinham seus parâmetros pré-definidos. Deve-se atentar ao fato de que, a
determinação de tipologias, materiais e gabaritos urbanos era uma das maneiras de definir um
padrão social que teria acesso a moradia no núcleo central.
Neste capítulo, definiram-se, também, as primeiras medidas de preservação
ambiental estabelecidas em 10m de distância mínima como área de proteção para a
conservação de nascentes, cabeceiras e margens dos rios. As estradas são divididas em
municipais e vicinais. As primeiras referem-se àquelas que comunicam os quarteirões com as
povoações do município, e as outras as de menor trânsito e comércio. Apesar do Art. 101
definir sua largura mínima em 18m, observa-se, no Art. 275, que a exigência mínima era de
13m. E por fim, determinava-se aos moradores a obrigatoriedade de extinção de formigueiros.
A Figura 2.11 refere-se à “Planta de Curityba em 1894”. Pode-se observar a
regularidade desejável das quadras e ruas e os elementos de infra-estrutura de uma capital.
Verifica-se a concentração das igrejas da Ordem, do Rosário e da Protestante e a implantação
108
“não assimétrica
47
” da Matriz. A Rua da Liberdade chamada por rua do Poder, na concepção
do projeto “Nova Curitiba” do Eng. Ernesto Guaita, é perpendicular à estação definindo o
primeiro eixo a ser visualizado com os palácios do governo e do congresso. São várias as
edificações de carater militar como o quartel geral, da artilharia, da cavalaria e infantaria. Na
parte Sudoeste, após a praça Tiradentes, tem-se uma área de características culturais com a
escola de artes e ofício, o teatro S. Theodoro e o museu, além de cinco escolas. As
construções marcadas na cor preta referem-se aos clubes existentes na época, como o Salão
Hauer, o Clube e o Cassino Curitybano e os clubes de imigrantes italianos e alemães.
Países em que o processo de urbanização e a emergência de epidemias
urbanas estavam se agravando, medidas sanitaristas e melhoria das condições de vida faziam
parte das estratégias de organização dos ambientes urbanos. De forma similar aos editos
comunais, na Itália, e os códigos de posturas, em Portugal, na Inglaterra eram publicados os
“Public Health Acts” que tiveram início nos anos de 1848. Porém, diretrizes de maior
disseminação foram os Acts ingleses de 1875 que definiam regulamentos para a infra-
estrutura, o setor sanitário, a drenagem, o esgoto, os padrões de construções, as larguras de
ruas, a prevenção de incêndios, entre outras posturas. Tais questões estavam atreladas à
crença da objetividade científica, com a atuação de profissionais de formação técnico-
acadêmica.
No Brasil, na mesma época da promulgação do “Código de Posturas” de
Curitiba, em 1885, Belo Horizonte era projetada por Araão Reis em 1884. As referências
urbanísticas do projeto da capital mineira estão vinculadas, segundo Bruand, às intervenções
de Haussmann em Paris e às cidades coloniais americanas, Gutierrez vincula o projeto ao de
La Plata, e Galantay ao projeto de Washington (YAMAKI, 1994).
46
No rocio de Curitiba, apesar de ter havido imigração espontânea, as várias colônias foram projetadas e
implantadas, em sua maioria, pelo poder Provincial. Ver Capítulo 3.
47
A implantação assimétrica da Matriz, em um dos cantos da Praça, é uma das observações descritas pelos
viajantes que visitam a capital da Província. Ver Capítulo 1.
109
110
Conquanto autores como Kersten (2001) se referissem a Cândido de Abreu,
engenheiro e primeiro prefeito eleito, como responsável pela revisão do Código de Obras de
1895, o mesmo renuncia ao mandato em dezembro de 1894. A convite de Araão Reis,
Candido de Abreu passa a fazer parte da Comissão Construtora de Belo Horizonte para o
projeto da Capital, em substituição a Ouro Preto. Pode-se supor que a revisão do Código teve
início na sua gestão, porém a aprovação deu-se na gestão Cyro Vellozo em novembro de
1895.
Observa-se que os artigos contêm também questões administrativas e fiscais,
ligadas à própria constituição do estado. No entanto, além da paisagem a ser construída, os
artigos abordam os mais variados aspectos que iam desde hábitos alimentares, gestual,
formas de lazer, atividades e horários permitidos, posturas que definiam padrões de
comportamento até a definição do que poderia ser visível do espaço público. As diretrizes do
Código de Obras de 1855, apesar de preverem os padrões de higiene e salubridade
disseminados na Europa, a configuração do núcleo urbano definiam características
construtivas das cidades coloniais brasileiras semelhantes à imagem de Portugal, por meio de
posturas de um modelo pré-estabelecido e desejável.
111
2.2.1 DIRETRIZES PARA A CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM MODERNA
São várias as leis promulgadas pela Câmara de Curitiba até a aprovação do
novo “Código de Posturas” de 1919, as quais definem deste os limites da área urbana, o
reforço da centralidade de ruas centrais e a rejeição do emprego da madeira nas construções,
até a criação de um órgão de planejamento. A seqüência de legislações contribui para os
primórdios de chamada “modernização das cidades brasileiras”, na negação das estruturas
urbanas coloniais.
Em 1903, a Lei n.º 117 definia as seguintes limitações do quadro urbano:
a partir do ponto de encontro das ruas do Cruzeiro e padre Agostinho, a linha
divisória seguirá por esta última rua até seu encontro com a Rua
Desembargador Motta; acompanhará esta última até seu ponto de cruzamento
com a rua Xavier de Miranda; seguirá por esta, na direção de Oeste, até
encontrar a Rua Tobias de Macedo, vai ter a rua do Batel; acompanhará o
referido caminho até a mesma rua do Batel; seguirá por esta até seu encontro
com a travessa Serro Azul; acompanhará o eixo desta travessa e continuará
com a mesma direção a procurar a cabeceira Norte do Córrego Água Verde;
acompanhará este córrego até seu encontro com a Rua Marechal Floriano
Peixoto; seguirá por esta até o encontro com a Rua Chile, descendo por esta
até seu encontro com a rua Guabirituba sobre as linhas da Estrada de Ferro;
seguindo pela rua Guabirituva, alcançará a rua General Carneiro,subindo por
esta até o encontro da rua 5 de maio; deste canto seguirá em direção do ponto
de cruzamento dos boulevards Capanema e Floriano Peixoto (na vila Murray);
seguirá por esta acima até o Cemitério da Comuna Alemã; daí acompanhará o
caminho que, do cemiterio vai a estrada da Graciosa, seguindo por esta até a
primeira travessa à esquerda (esquina da Casa Emilio Voss); por esta travessa
até o primeiro cruzamento com um caminho que, da cidade, converge com a
mesma travessa, e deste ponto, com a direção magnética de 119 N.0. (cento e
dezenove graus noroeste) irá encontrar o ponto de partida. (...) (Leis, Decretos
e Atos Municipais, p. 10).
A Lei n° 149 de 10 de outubro de 1905 definia a configuração das principais
áreas do centro referente às ruas: XV de Novembro, Liberdade e Praça Tiradentes, por meio
da definição de gabaritos, “só poderão ser de dois ou mais pavimentos”, indicando o reforço da
centralidade e importância desses eixos. Destarte, a Rua XV de Novembro recebe lei
complementar n°480 de 26 de abril de 1917 que restringia a área entre a Associação
Comercial até a Avenida Coronel Luiz Xavier e obrigava a que se fizessem construções de 3
ou mais pavimentos, reforçando a sua hierarquia (Figura 2.12 e 2.13).
112
Rua XV de Novembro
Praça
Tiradentes
R
u
a
d
a
L
i
b
e
r
d
a
d
e
Figura 2.12 – Eixos Importantes
Fonte: Mapa Base planta de Curityba de 1894
Figura 2.13 – Rua XV de Novenbro, década de 20
Fonte: Acervo da Diretoria do Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Curitiba
113
Dessa maneira, três espaços de uma hierarquia maior seriam definidos na
legislação: a rua da Liberdade representando um eixo político-administrativo, a praça
Tiradentes com a Matriz e a rua XV de Novembro, local de footing
48
na época com vários
pontos de encontro como os cafés, confeitarias e sorveterias.
A madeira como material de construção tinha restrições, primeiro quanto ao
risco de incêndios, e segundo pela não-compatibilidade com a idéia de modernidade que se
instaurava nas cidades brasileiras. Da mesma maneira, Curitiba tem, na aprovação do parecer
n°45 de 11 de abril de 1906, a proibição de construções de casas de madeira na área central
da cidade: (Figura 2.14)
Art. 1 – fica proibida a construção de casas de madeira na área abrangida pelo
seguinte perimetro: da rua 7 de Setembro- em frente a Estrada de Ferro –
subindo até o Largo 21 de Abril, deste, descendo a rua Brigadeiro Franco até
encontrar a rua Saldanho Marinho; por esta até pegar a rua Desembargador
Ermelino Leão; por esta subindo até o Alto de São Francisco; daí descendo
até apanhar a rua América, por esta abaixo até sair na rua Paulo Gomes, por
esta a sair no Largo 19 de Dezembro a apanhar a rua Riachuelo, desta até a
15 de Novembro e desta a apanhar o largo Santos Andrade, deste a apanhar
a rua Marechal Deodoro até a rua da liberdade, e por esta até fechar o
perímetro na Estrada de Ferro (C.L.D.A.M, p.48).
O efeito normatizador de definição de gabaritos e de materiais permitidos em
construções no núcleo central da cidade tem o poder de segregar espacialmente os
moradores do centro, além de que, segundo Yamaki (2001), havia a necessidade de criação
de urbs moderna com a construção da imagem de cidades de alvenaria ou de “material”.
Uma transcrição de Pereira (1993) sobre os relatos da Câmara Municipal de
Curitiba, no início do Século XX, descreve a cidade e o discurso da modernidade na
incorporação de signos urbanos, como o traçado regular, bondes, salubridade urbana e as
fachadas ecléticas, necessários como afirmação de “desenvolvimento” da capital do Paraná:
Ao acabar o século, o centro da cidade transformara-se numa espécie de
síntese das várias propostas para a cidade. O traçado racional, se impusera
muito mais por questões formais do que por qualquer outro motivo, e agora se
prestava principalmente ao tráfego de bondes e aos 1.000 veículos diversos.
As árvores e a água encanada garantiam a salubridade urbana. Enfim, não era
48
O footing era o hábito de “desfilar”, principalmente as mulheres com intenção de serem vistas e de estabelecer
em possíveis flertes na Rua XV de Novembro (BRANDÃO, 2002)
114
mais preciso viver apenas das notícias de Paris ou Rio de Janeiro. A erva-
mate tornara possível trazer à cidade todos os signos a mais evidentes da
condição urbana moderna: o boulevard, a fábrica, a iluminação e o burburinho
urbano das ruas. Por detrás das fachadas ecléticas que começavam a tomar
conta das ruas centrais de Curitiba, como a XV de Novembro (PEREIRA,
1993, p.73).
De acordo com Segawa (1999), algumas cidades brasileiras, nesta época,
assimilavam intervenções modernizadoras em sua infra-estrutura, à maneira das cidades
européias, como ressonância da questão do sanitarismo ou salubrinismo, e afirmava-se como
palco da modernização, tendo como referência a organização, as atividades e o modo de vida
do mundo europeu.
Cândido Ferreira de Abreu, após a experiência do projeto da nova capital
mineira, novamente é eleito como prefeito de Curitiba. Assume o cargo em janeiro de 1913 e,
em fevereiro, a Câmara Municipal promulga o decreto referente à doação de parcelas de áreas
de utilidade pública nos casos de divisões de terrenos para fins de loteamento:
Art.1- Só poderão ser feitas e aprovadas divisões em lotes de terrenos
particulares, no quadro urbano, ou rocio, quando sejam observadas as
seguintes condições:
Nos terrenos, cuja área foi inferior a 12:100m2, serão reservados lotes para de
utilidade municipal e na proporção de 15% no máximo da área a dividir.
Nos terrenos cuja área a dividir estiver compreendida entre 12.000m2 3
60.500m2, a área a reservar para o mesmo fim obedecerá, no máximo, a 15%
e no mínimo a 10%.
Nos terrenos de mais de 60.500m2 a proporção mínima será de 10%, não
tendo, porém, a área reservada nunca menos de 12.100m2 quando na planta
geral estiver projetada uma praça (C.L.D.A.M).
Tal prática, atualmente regulamentada por Legislação Federal, tem como
objetivo garantir áreas necessárias para vias, espaços livres e institucionais. Cândido de Abreu
também cria a Comissão de Melhoramentos da Capital, “com pessoal administrativo e técnico
estritamente indispensável e respectivos vencimentos que ocorrerão por conta da lei municipal
[para que] dentre os problemas, cuja a solução mais imperiosamente se faz sentir, pois afetam
as condições de higiene, salubridade pública e conforto dos munícipes, destacam-se a
pavimentação, recalçamento, macadamização das ruas e demais serviços complementares,
segundo o plano das obras que esta Prefeitura tem em elaboração”; com a finalidade de agir
115
dentro da lei, no caso de “desapropriações e assim efetuar obras de instalação e
embelezamento da cidade” (C.L.D.A.M) .
Cândido de Abreu já tinha desempenhado o papel de técnico em época anterior
junto ao Instituto de Terras sendo o responsável por vários assentamentos das colônias ao
redor de Curitiba. No entanto, pode-se afirmar que, a partir da segunda gestão de Cândido de
Abreu, Curitiba, define por meio de legislações, a imagem de uma cidade “moderna” e
institucionaliza, desde a criação da Comissão de Melhoramentos da Capital, um órgão de
planejamento urbano.
Figura 2.14 – Área Nobre – proibição de construções de madeira
Fonte: Mapa-base – Planta de Curityba (1894)
116
2.3 CÓDIGO DE OBRAS 1919 - ZONEAMENTO PRELIMINAR
Na história do planejamento da cidade, um novo Código de Obras é promulgado
pela Lei Municipal n° 527 em janeiro de 1919. No mapa de 1919, pode-se observar a
expansão do núcleo central com o reforço da forma reticulada e a área do “rocio” com suas
várias colônias implantadas. São definidos os municípios limítrofes da cidade de Curitiba: ao
norte, Tamandaré, ao sul e região sudeste, São José dos Pinhais, a leste Piraquara, a
nordeste, Colombo, a noroeste, Campo Largo e a sudoeste, Araucária. (Figura 2.15)
Na análise comparativa do código anterior, muitas posturas são idênticas.
Porém, observam-se preocupações de ordenação mais sistematizadas de uma área que
apresentava índices de crescimento espacial. No Capítulo I, a cidade é dividida em três zonas:
urbana, suburbana e do rocio, com especificações diferenciadas para cada área, divididas de
acordo com as suas funções e serviços (Art. 1° Capitulo I). Na Zona 1 concentram-se
habitações e casas comerciais de alvenaria, de segmentos sociais de maior poder aquisitivo.
Na Zona 2 localizam-se as fábricas, habitações de operários qualificados, de imigrantes e a
instalação de serviços públicos, e a Zona 3 destina-se aos demais operários e sitiantes. Ainda
que, de forma implícita, como a incompatibilidade de usos, e a proibição de construção de
casas de madeiras na área central, nesta legislação pode-se observar a zonificação na cidade
por meio da definição de uso do solo, elitizando algumas regiões e induzindo aos primórdios
da segregação espacial na cidade.
A proposta de divisão da cidade por zonas, historicamente, de acordo com
Mancuso (1980) e Relph (1987), é originária da Califórnia, da cidade de Modesto em 1885,
com o objetivo discriminatório, porém velado, de afastar os imigrantes chineses, em que
proibia a implantação de lavanderias na área central, e removia as existentes, principal
atividade desenvolvida por aqueles imigrantes. Prática seguida nas políticas públicas de San
Francisco, Sacramento e Los Angeles. Na Alemanha, no período após a Primeira Guerra, o
zoneamento foi utilizado para afastar os matadouros das áreas residenciais e, segundo Hall
(1988), o modelo alemão conjugava o solo e altura dos edifícios. De acordo com Gislene
Pereira (2002), o modelo alemão assume aspectos político-sociais enquanto a prática
americana reforça as questões econômicas.
117
118
Quanto ao Capítulo II, as posturas relativas à “Viação Pública Urbana”, à largura
das ruas e à criação de largos ou praças são “conveniências de ordem e esthetica ou
higyenica” (§2°, Art.7°, Capitulo II). Há regulamentação de toponímia de ruas e de numeração,
esta última acrescida de artigo que define, no caso de praças, que as edificações adjacentes
deverão estabelecer numeração contínua”, reforçando a centralidade e um possível
enclosure” dos espaços públicos (Art.9° e Art.12º, Capitulo II).
As citações de conveniências de ordem estéticas ou higiênicas são aportes de
referência, no âmbito nacional, das intervenções de Saturnino de Brito, nas cidades de
Campos (1903), Rio de Janeiro e Santos (1905-1910). De acordo com Segawa (1999),
Saturnino de Brito foi um importante técnico da área sanitária preocupado também com o
ambiente da cidade como um todo, reconhecendo em seus escritos a importância do aporte
urbanístico de Camillo Sitte. Em suas diretrizes para o plano de Santos, afirma a necessidade
da adoção da dimensão estética
49
para as cidades brasileiras.
A ênfase na continuidade do alinhamento é observada, mantendo-se este seja
recuado, ou seja, no nível das edificações, obedecendo a uma continuidade dos edifícios pré-
existentes, dos gradis ou dos muros (Art. 14° Capitulo II). As sebes vivas somente são
permitidas nas divisas internas dos terrenos (Art. 270° Capitulo XVIII). No entanto, este Código
de Obras regulamenta o novo padrão de recuos frontais de 5m adotados em várias cidades
brasileiras, porém ainda não obrigatório. Por outro lado, nas edificações construídas de
madeira, deve-se adotar o padrão mínimo de 10m de recuo frontal (Art. 16°).
Com o estabelecimento de recuos, a configuração espacial das ruas define
padrões diferenciados das primeiras cidades coloniais brasileiras, nas quais as edificações são
os elementos definidores das vias, modificando-se gradualmente seu caráter inicial. Segundo
Reis Filho (1987), esta nova prática indicava um avanço da tecnologia de construção, na
liberação da edificação no lote, e promovia o surgimento de novos tipos de jardins,
desaparecendo a uniformidade dos esquemas de residências.
49
A tradução em português resumida do livro de Camillo Sitte “A Construção das Cidades segundo seus Princípios
Artísticos”, traz um apêndice das propostas de Saturnino de Brito para a cidade de Santos. Siite, Camillo. A
Construção das Cidades segundo seus Princípios Artísticos. São Paulo: Ática, 1992.
119
Os Artigos 21, 22 e 23 definem a hierarquia viária e o uso do material petit-pavé,
ou pedra portuguesa: “os calçamentos dos passeios serão de cimento, de ladrilho, de
mosaico, de asplhato ou petit pavé e lajes de pedra de 0.20x0.20”, obedecendo a
determinação da Prefeitura. (Art.26, Capitulo II). Quanto às dimensões das vias, estas variam
de 30m, de 12 a 22m e de 10
a 20m. Nas ruas de 30m deverá haver um canteiro central de
5m. “convenientemente arborizada e, quando possível ajardinada”, criando a imagem dos
chamados boulevares, como, por exemplo, os propostos por Hausmmann em Paris (Figura
2.16)
Na “secção” III do Capítulo II, referente à construção de prédios, são
estabelecidos os seguintes gabaritos: o primeiro pavimento terá pé-direito de 4.50m., no
segundo 4.20m., e 4,00m. para os demais; as paredes externas não deverão ser de madeira
ou de estuque (4° e 5°, Secção III, Capitulo II). As questões de salubridade são definidas de
acordo com a necessidade de ventilação de todos os compartimentos, por meio da definição
de dimensões para aberturas como portas de 3.30 x 1.30; janelas de peitoril de 2.30 x 1.15;
janelas e portas de 3.30 x 1.30 e portas denominadas portes cochéres e portaes de 3.30 a 4.0
x 2.00. No Capítulo XX, o Art. 282 obriga os proprietários a renovar anualmente as pinturas
externas de seus prédios e, no caso de pintura a óleo a cada três anos. Esse tratamento é
justificado por questões de higiene. A altura das edificações, o tipo de revestimento externo e
a padronização de aberturas são os principais elementos que configuram uma paisagem da
rua, e podem, no seu conjunto, compor a caracterização das cidades.
O Art.47 estabelece a adoção obrigatória de porões, nos casos de edificações
destinadas à habitação, com altura mínima de 0.70m, contados do nível do passeio até a parte
inferior dos barrotes com aberturas para garantir a ventilação. Conforme Reis Filho (1987), nos
finais do século XIX, a arquitetura começou a adotar o esquema da casa de porão,
conservando uma altura discreta da rua e aproveitando simultaneamente este espaço para
alojamentos de empregados e locais de serviço (Figura 2.17).
120
121
As esquinas recebem um tratamento diferenciado na adoção de padrões de
construções proibindo “arestas vivas”. Desta maneira, as esquinas terão seus cantos cortados
em angulo de 45° ou em curvas assimétricas, sendo a primeira edificação considerada padrão.
O vão deverá ter obrigatoriamente janela, porta ou algum elemento de decoração. Tais regras
preveêm o aumento da visibilidade entre ruas; no entanto, a prática de adotar aberturas
reforça a esquina como espaço convergente na área central urbana
50
.
A seccção IV trata especificamente das casas de madeira e proibe, na zona
considerada urbana, a sua edificação, dando continuidade ao parecer n°45 de 11 de abril de
1906. Na segunda zona, a suburbana, o seu uso é permitido desde que: “haja no alinhamento
da rua ou praça gradil de ferro sobre alicerce de alvenaria”; alinhamento frontal de 10m. e
laterais de no mínimo 2m.; pé-direito (do assoalho ao forro) de no mínimo 4m., cada
compartimento de no mínimo 36m
2
; construída sobre alicerces de madeira; largura de janelas
de 2,30m e de 1,10m; as abas frontais dos telhados o ornamento lambrequim
51
; pintura externa
e interna a óleo; e aquelas avarandadas de no mínimo 1.50m. A Figura 2.18 demonstra um
remanescente de casa de madeira construída de acordo com as especificações da legislação.
Em relação às casas de madeiras construídas na terceira zona, denominada
“rocio”, a pintura das paredes poderia ser feita a cal. Não somente em Curitiba, mas em várias
cidades paranaenses, as casas construídas por imigrantes eram feitas de madeira, pelo fato
de domínio da técnica construtiva, mas também pela abundância de matéria-prima local. As
construções de madeira começaram a ser rejeitadas e, sua utilização proibida na área central
da cidade considerada urbana.
50
O Fórum Internacional das Culturas (2004) sediado em Barcelona foi organizado em três eixos temáticos:
diversidade de culturas, desenvolvimento sustentável e condições de paz. Nas discussões referentes ao
desenvolvimento sustentável foram abordadas as questões: o legado humanista, a base da legitimidade
democrática e a esquina como lugar urbano único - como “um santuário dos encontros” (Fórum 2004, Barcelona 9
de maio – 26 de setembro de 2004).
51
Dudeque (2001) refere-se aos lambrequins como uma lenda urbana de Curitiba, uma imagem da genuinidade da
arquitetura imigrante que não necessariamente seria original a partir do momento em que estava incluído o seu uso
no Código de Obras e relata que a caracterização européia da tipologia de chalés era utilizada em várias cidades
brasileiras como modismo. Porém, interpretação diversa pode ser dada, a partir do momento, em que estudos de
arquitetura da imigração têm observado que o lambrequim, no Brasil, não teria somente o aspecto funcional (como
pingadeira), mas como referência de autoria de mestres-carpinteiros, ou mesmo como elemento decorativo.
122
Figura 2.18 – remanescente de cada de madeira
Construção segundo o Código de Obras de 1919
O Capítulo V “Policiamento de Ruas; Liberdade de Transito” regulamenta uma
variedade de procedimentos não permitidos, como o lançamento de lixo nas ruas; não-
conservação de árvores; fixação de cartazes; roupas e tapetes estendidos de modo que sejam
vistos da via pública; obras em calçadas; trafego de animais; lavagem de veículos, bicicletas e
cavalos nas ruas; jogos recreativos em ruas, entre outros. Vários desses artigos impõem
regras de convivência comunitária e padrões ratificando a importância dos aspectos visuais e
de ordem nas vias públicas. Como observa Pereira (1998), as posturas compunham uma
manual de civilidade urbana, pois as regras de comportamentos referiam-se ao espaço
público, definindo as condutas consideradas aceitáveis.
Verifica-se a adição de níveis e categorias de atividades classificadas como
incommodos, insalubres ou perigosos” que deveriam localizar-se em áreas apropriadas, com
definição de distâncias mínimas para sua implantação, de acordo com os critérios da
Prefeitura (§1° Art.133 e Art.134 Capítulo VIII). Esta legislação afirmava que o progresso da
ciência e do avanço da tecnologia e da indústria pode ser fundamental para a revisão do que
pode ser considerado nocivo (§3° Art.133 Capitulo III).
Neste Código de Obras, observa-se, da mesma maneira que o código anterior,
a proteção das matas de mananciais e rios, como elementos de contenção de erosão. No
123
entanto, acrescenta a proibição de devastação de florestas, e também, um incentivo fiscal do
município ao proprietário “que tiver feito a maior plantação de pinheiros ou madeira de lei,
acima de cinco mil pés” (Art. 145 CapituloIX). Pode-se afirmar que, essas normas com
incentivos fiscais foram precursoras de uma legislação ambiental do Município de Curitiba.
Medidas consideradas de saúde pública, regulamentadas pela “Directoria de
Hygiene”, estabelecem locais e transportes adequados para corte e venda de carnes,
estábulos, venda de leite, fabricação de pães, barbearias, com definições de tipo de
construção, material, pintura, entre outros critérios que deveriam ser previamente obedecidos.
Outras regulamentações definem tipos de diversões e licenças para os carnavais, cemitérios e
processos para funerais (Capítulo XII, XIII, XV).
O Código de Obras de 1919 dá certa continuidade à maneira de organização
dos núcleos urbanos, herdados dos portugueses; contudo, o estabelecimento de recuos das
edificações, em relação às divisas do lote, transformaria a paisagem de Curitiba. A
contigüidade das fachadas anteriormente desejada era necessária para compor a definição de
volume das quadras. No momento em que a edificação pode ser isolada, enquanto volume, a
arquitetura é tratada e percebida individualmente, não mais enquanto componente de um
conjunto. A introdução dessas modificações de “construir” o urbano era consoante a certas
inovações tecnológicas e à nova maneira de construção da burguesia.
Em relação a algumas manifestações urbanísticas do Brasil, daquela época,
como anteriormente comentado, as ações de planejamento de Saturnino de Brito, no plano de
Santos, estabelecia diretrizes de salubridade e embelezamento das cidades cujas referências,
influenciaram nas diretrizes e condução do pensar urbano. A formulação do idealismo das
cidades-jardins de Howard teve desdobramentos no sentido de conciliação das vantagens da
cidade com o campo. Este pensamento se materializou nos projetos de Letchworth (1903) por
Louis de Soisson e Welwyn (1919), por Unwin e Parker (1906). A vinda de Uwin e Parker,
entre os anos de 1917-1919, para São Paulo, para desenvolver os projetos do Jardim América
e do City Lapa e a remodelação do Parque Trianon trouxe experiências de ressonância de
“projetação” urbana para o Brasil.
Dessa forma, os estabelecimentos das regras do Código de Obras de 1919
contêm, em linhas gerais, diretrizes para reforçar o caráter de capital moderna na área central,
124
negando as estruturas coloniais. Por meio da incompatibilidade de usos e de proibição de
casas de madeira, pode-se observar, na prática, uma zonificação, eletizando-se algumas
áreas. As regras de convivência comunitária referiam-se ao ordenamento do espaço público.
Os postulados desta lei dão continuidade às questões de regularidade, de higienização do
espaço urbano, e de preocupação com a dimensão estética.
Na planta de Curitiba de 1927, verifica-se o predomínio da malha reticulada nas
áreas expandidas, de acordo com os ideias de ordenamento, porém com quadras de
dimensões menores do que o núcleo inicial. No entanto, novas morfologias, como a praça Dr.
Luiz de Souza, em forma crescente, e o chamado patte dóie são linguagens formais urbanas
incorporadas ao repertório espacial de Curitiba, como pode ser observado na área de
expansão sul (Figura 2.19).
Figura 2.19 – Planta de Curityba de 1927
Fonte: Acervo da Diretoria do Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Curitba
125
2.4 DE CAMBERRA À CURITIBA DE AGACHE – 1941-1943
Curitiba entra no panorama mundial do urbanismo com o plano desenvolvido
pelo urbanista francês Alfred Donalt Agache
52
, entre 1941 e1943. No seu currículo constavam
várias experiências urbanas e o 3° lugar no concurso internacional para a nova capital da
Austrália. Reps (s/d) fez a transcrição do concurso de Camberra, e a concepção para projeto
urbano de Agache deveria ser subsidiada em três questões fundamentais: “utilitarian, hygienic
e architecture and beauty”.
Em seu plano para Camberra, na questão do utilitarismo leva-se em conta as
condições do solo, as provisões contra as enchentes e a divisão de áreas: política e
administrativa, comercial, industrial, universitária, residencial e jogos e esportes em parques e
jardins, e complementa-se com importantes edifícios e monumentos. Sob o ponto de vista da
higiene, definem-se os espaços livres, as reservas florestais e os projetos de drenagem.
Reafirma-se a necessidade de setorização e a configuração dos gabaritos definindo as áreas
52 ALFRED HUBERT DONAT AGACHE nasceu em 1875, em Tours na França, e faleceu no dia 5 de maio de
1959, em Paris. Formou-se na Escola de Belas Artes de Paris, onde foi aluno de Ladoux, Architect Diplomé Para
Le
Gouvernment e Chevalier de la Légion d`Honneur, lecionou como titular da cátedra de História de Arte, no College
Libre des Sciences Sociales. Tornou-se consultor de diversas sociedades e um especialista na remodelação de
cidades
, com trabalhos na Europa, Américas do Sul e Norte. Em 1903, ganhou seu primeiro Concurso Internacional
para a Crítica da Capital da Austrália: Camberra. Nesse mesmo ano publicou La housing – question a Londres, um
estudo da habitação popular em Londres, editado por FIRMIN DIDOT. Publicou, em 1911, Lá cité jardim (Alliance
d`Hygiène Sociale) no Congresso de Roubaix. Em 1913 publicou Cités jardins et villes futures, pela Câmara de
Comércio de Nancy e em 1914 lançou sua obra La grande ville
, a que ele deu o subtítulo de Estude d`urbanisme –
Les documents du progrés, edição de Félix Alcan. Reconstruire nos cités détruites, Notions d`urbanismes
s`appliquant auxvilles, bourgs et villages, trata de urbanismo para ser usado após a guerra, editado pela Livraria
Armand Colin e em 1917, a coleção La construction moderne. Antes de vir ao Brasil, publicou, em 1923, Comment
on fait un plan de ville do volume Ou en es l`urbanisme. A partir de 1919 foi responsável, na Europa, pelos
seguintes planos: Plano de Urbanização de Paris, Plano de Urbanização de Dunquerque, Plano de Urbanização de
Poitiers, Plano de Urbanização de Dieppe, Plano de Urbanização de Orleans e o Plano de Urbanização de Lisboa.
Em 1927 veio ao Brasil pela primeira vez a convite do prefeito do Distrito Federal, Prado Júnior, para elaborar
estudos urbanísticos sobre a cidade do Rio de Janeiro. Assim, durante três anos, contratado pela PDF Agache
,
trabalhou na execução do projeto de remodelação do Rio de Janeiro. Em 1930 publicou o livro ¨Cidade do Rio de
Janeiro – Remodelação, extensão e embelezamento¨, editado pela Foyer Brésilien Editor, de Paris, plano que
constitui um marco no desenvolvimento do urbanismo da cidade do Rio de Janeiro. Em 1933, escreveu um artigo
para a Revista Municipal de Engenharia, também tratando do Plano de Remodelação da Cidade do Rio de Janeiro
de forma sintética. Em 1939, organizou a Exposição do Progresso Social na cidade de Lille e retornou ao Brasil,
onde auxiliou na elaboração de planos de embelezamento de várias capitais brasileiras. Nesse mesmo ano, fixou
residência no Brasil e colaborou como consultor técnico dos engenheiros Jerônimo e Abelardo Coimbra Bueno.
Participou na elaboração de várias capitais e cidades brasileiras: Curitiba, no estado do Paraná, Campos, Atafona e
São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro, Vitória, no estado do Espírito Santo em colaboração ao Escritório
Otávio Catanhede, e em São Paulo, onde projetou Interlagos. Elaborou também os estudos do Parque Paisagístico
da Estância Balneária de Araxá, em Minas Gerais.
(Apud LEME, Maria Cristina da Silva (Coord.). Urbanismo no
Brasil, 18
95-1965. São Paulo: Nobel, 1999. p. 545-546).
126
da cidade: zona principal (centro da cidade que deve ser reservado para o comércio e
negócios com edificações altas); zona secundária, concêntrica, de diâmetro pré-determinado e
com edificações que atingem a metade das proporções da primeira zona. A terceira zona é
concêntrica em relação às anteriores, com gabarito estabelecido de 1/3. Por fim, a distribuição
de hospitais, mirantes, áreas militares e cemitérios. Em relação ao ponto de vista arquitetônico
e de beleza, os aspectos de monumentabilidade e de panoramas desejáveis para uma capital
federal, fazem parte da concepção do plano. Desta forma, descrevem-se as vistas, os
horizontes e reforça-se a potencialização dos elementos naturais (REPHS, s/d). (Figura 2.20)
Figura 2.20 – Plano de Camberra – Agache (1912)
– 3º lugar
Fonte: http://www.library.cornell.edu/Reps/DOCS/agache.htm
O estudo de Agache para o Rio de Janeiro (1927-1930), semelhante em sua
concepção ao de Camberra, baseava-se em três pontos: circulação, higiene e estética, porém
a proposta foi só parcialmente executada. Segundo Leme (1999, p.362), Agache compara a
127
aglomeração urbana a um organismo vivo” onde “nenhuma imagem poderia representar
melhor a constituição e a vida nas cidades. Estas nascem, vivem e como os seres animais
enfraquecem e morrem”. Observa-se o discurso biologista em que, de acordo com Torres
(1996), houve a substituição de um modelo mecanicista por um biologista.
Um planejamento regional foi esboçado, e as cidades de veraneio, Petrópolis e
Teresópolis foram projetadas como cidades-jardins. O plano tinha como diretrizes a questão
de circulação, o zoneamento por meio do estabelecimento de áreas hierarquizadas de
diferentes setores econômicos, e a criação de unidades de vizinhança separadas por áreas
verdes, bem como uma gradação que ia de edifícios altos até casas térreas nos subúrbios.
Esta proposta deu certa continuidade aos planos desenvolvidos por Pereira Passos, na
execução de grandes avenidas e praças, houve o cuidado com as perspectivas, quer quanto
aos edifícios existentes quer quanto aos monumentos modernos a serem erguidos. A previsão
de um zoneamento “moderno” para a capital tinha o intuito de assegurar um crescimento da
periferia através de uma acentuada especialização de usos. No entanto, o então Distrito
Federal já abrigava as favelas em locais de topografia acentuada, próximos ao centro, e
Agache de uma maneira simplificadora diante do problema emergente, propõe reservas de
áreas públicas destinadas à construção de moradias populares.
Em Curitiba, o plano desenvolvido pela empresa paulista Coimbra Bueno &
Cia
53
, contrata Agache
54
, como consultor. De acordo com Silva (2002), foi a primeira
experiência de planejamento urbano em Curitiba nascida de uma decisão política de intervir na
ordenação do solo, na remodelação da cidade e no embelezamento com a ajuda dos
progressos da ciência e da técnica.
Agache com concepções urbanas pré-definidas e baseadas em experiências
anteriores, prossegue de forma semelhante à empregada em Camberra e no Rio de Janeiro.
Os autores do plano argumentavam que “de uma aglomeração de casas sem uma
característica que a distingue, passaria a ser uma cidade orgânica, um complexo inteiriço, com
a fisionomia própria de uma capital” (Apud FARACO, 2002, p.55). O plano fundamenta-se em
53
A firma de engenharia Coimbra Bueno e Cia. Ltda havia se notabilizado pouco antes pela construção da capital
do Estado de Goiás, Goiânia.
54
De acordo com SILVA apud FARACO (2002) “quanto ao trabalho de estrangeiros, a ideologia nacionalista do
Estado Novo não favorecia a constratação de técnicos estrangeiros, tanto assim que Agache trabalhou como
colaborador e consultor e não como arquiteto do escritório”.
128
três postulados: saneamento, circulação (descongestionamento do tráfego urbano) e centros
funcionais. Observa-se que a dimensão estética dos planos anteriores é substituída por
“centros funcionais”, que segundo Trindade (1997) a organicidade de Curitiba dar-se-ie por
intermédio do perfeito funcionamento de seus centros ou “orgãos funcionais”, os quais
interagindo harmoniosamente constituiriam um conjunto sob regência de sua função maior – a
sede do Governo do Estado (Apud Relatório da Turma V, 2003) (Figura 2.21).
Figura 2.21 – Plano de Agache para Curitiba
Fonte: Acervo da Diretoria do Patrimônio Cultural da Fundação Cultural de Curitiba
Em relação ao saneamento, propõ-se a drenagem dos banhados, a canalização
dos rios e ribeirões, esgotos pluviais e rede de abastecimento de água. Conforme Segawa
(1999), já na segunda metade do século XIX a preocupação com a infra-estrutura era
observada nas cidades como Rio de Janeiro, Recife, Santos, Manaus, e Salvador, com
implementação de sistemas de drenagem, abastecimento de água e esgoto.
Quanto ao descongestionamento, estabelece-se um plano de avenidas ao qual
integram-se os centros funcionais. Define-se uma hierarquização do tráfego urbano, com vias
de acesso externo, caracterizados por avenidas perimetrais (AP-0, AP-1, AP-2, AP-3) para a
circulação da produção e abastecimento urbano; quatro radiais iniciadas na AP-1 (RP-1, RP-2,
RP-3, RP-4); e as diametrais. A abertura de largas avenidas no tecido urbano, reflexo da
“haussmanization” que, segundo Bruand (1981), dificilmente poderia ter ocorrido coisa diversa
de um discípulo de Haussmann quanto aos princípios de base.
129
O zoneamento da cidade é definido pelos centros funcionais ou centros
especializados. O centro cívico, de acordo com o arquiteto deveria ser “a sala de visitas da
cidade”. Uma praça de características especiais cercada por edifícios destinados aos órgãos
da administração. A sua localização, com fluxo pela Av. Cândido de Abreu, deslocaria o centro
de gravidade do núcleo inicial (Praça Tiradentes), possibilitando um conjunto arquitetônico
monumental e a criação de bairros residenciais modernos. Como centro comercial social
considera-se a Praça Tiradentes e a Rua XV de Novembro, área com previsão de garagens
subterrâneas, dado o número crescente de automóveis, continuando os arredores como centro
comercial da cidade. Próximo à estação rodoviária deverá ser localizado o centro de
abastecimento com um grande mercado central. Outras áreas especializadas são concebidas:
a militar (Bacacheri), esportiva (Tarumã), de educação (Centro Politécnico) e industrial
(Rebouças). O projeto prevê uma série de parques como elementos importantes, como o
Parque da Lagoa do Barigui, o Parque do Ahú, o Parque do Capanema e o Hipódromo, o
Cemitério Parque, o Parque entre as Avenidas Ivaí e Iguaçu, a Avenida Parque AP-3 (Boletim
da PMC, 1943).
Vários dos elementos de concepção propostos por Agache, em Curitiba, são
semelhantes àqueles descritos no memorial do concurso para Camberra. Agache trabalhou
também em Chicago e, observa-se que o plano da cidade de 1914, tem como diretriz principal
um anel em torno do centro. No entanto, de acordo com Faraco (2002) o Plano de Avenidas
de Curitiba foi instituído pelo Decreto Lei nº 23/1942 antes mesmo da conclusão do Plano de
Urbanização e inspira-se no Plano de Avenidas de Prestes Maia para São Paulo, concluído
em 1930. Verifica-se na comparação entre os planos de avenidas criados por ambos, são
formalmente bastante similares, no que tange à resolução espacial, mediante avenidas radiais
e perimetrais com parques que garantem um sistema de áreas verdes. (Figura 2.22 e Figura
2.23).
De acordo com Oliveira (1995), a série de avenidas radiais e perimetrais,
destinadas a organizar o tráfego presente e direcionar o crescimento futuro da cidade, seguem
os pressupostos urbanísticos da época. Na análise da Figura 2.3, pode-se supor a influência
das idéias da Escola de Chicago e, no Brasil, a construção de Goiânia, cuja concepção foi
vinculada à idéia da cidade-jardim, projeto construído pela mesma empresa responsável pelo
plano Agache em Curitiba. Porém, os postulados de maior disseminação eram os ideais da
paradigmática Carta de Atenas de 1933, que requeria a organização das funções básicas da
cidade em trabalhar, circular, cultivar o corpo e o espírito e habitar. Espacialmente, à
130
semelhança do plano de Agache, a divisão da cidade por funções e a ligação entre esses
setores era realizada por meio de vias expressas, tais ideais refletiam que a organização da
cidade seria capaz de ordenar a sociedade
55
.
No plano de Agache foi proposto um Código de Posturas e Obras o qual
continha o zoneamento e, segundo os autores, seria a base de todo o plano idealizado. Este
instrumento instituía a divisão da cidade naquelas quatro áreas distintas foi aprovado somente
em 1953. De acordo com Silva citado por Faraco (2002, p.58) este recebeu influências do
Código de São Paulo “[...] é possivel observar que as regulamentações do Código de Obras
Arthur Saboya para os anos 1930 se assemelham em muito às do Código de Obras de
Curitiba feito em 1953 [...]”. De acordo com Torres (1996), o urbanismo nesta época era
considerado como uma disciplina pragmática aplicado como política do Estado. Curitiba, assim
como outras capitais brasileiras, passa a fazer parte das inúmeras experiências de
organização das cidades, por meio de ordenamentos e incorporação tanto de regras como de
modelos.
Figura 2.22 – Plano de Avenidas de
Prestes Maia para São Paulo
Fonte: Folha de São Paulo, Caderno
Especial, Eleições, 2004, p.16
Figura 2.23 – Plano de Avenidas de
Agache para Curitiba
Fonte: AGACHE, 1943. In: Boletim da PMC,
v.2, n12, nov/dez/1943
55
Esta questão está na base das discussões sobre o urbano e há muito tempo faz parte da História da cidade.
Lavedan entende que Hipódamo considerou como verdadeira inovação compreender que a forma da cidade era a
forma de sua ordem social e que, para remodelar uma delas, é necessário introduzir mudanças apropriadas uma na
outra (Apud MUNFORD, 1998, p.192).
131
2.5 A DURABILIDADE DO PLANO SERETE – 1965
Nessa época o discurso do governo do Estado era o projeto de modernização
que tinha em vista o incremento da industrialização do Paraná. Dessa forma, as iniciativas em
torno do projeto de modernização disseminaram uma cultura de planejamento urbano. A
concorrência administrativa para elaboração do PPU - Plano Preliminar de Urbanismo de
Curitiba - foi vencido pelo consórcio SERETE o qual realizava para a CODEPAR, financiadora
da concorrência do PPU via Carta Convite, um estudo econômico da região Sudoeste do
Paraná. Segundo Faraco (2002), a elaboração de Planos Preliminares antecedendo a
elaboração do Plano Diretor era prática corrente no Estado de São Paulo, no fim da década de
1950 e início dos anos de 1960.
As diretrizes urbanísticas indicadas no Plano SERETE para Curitba foram:
crescimento linear de um centro servido por vias tangenciais de circulação rápida; hierarquia
de vias; desenvolvimento preferencial da cidade no eixo nordeste-sudoeste; policentrismo e
adensamento; extensão e adequação das áreas verdes; caracterização de áreas de domínio
de pedestres e criação de uma paisagem urbana própria.
De acordo com Faraco (2002), das diretrizes citadas quase todas independiam
do diagnóstico socioeconômico e urbanístico desenvolvido no plano. Eram idéias pré-
concebidas pelo arquiteto Jorge Wilheim que, em parceira com a Sociedade SERETE, foi
responsável pela elaboração do PPU
56
. Faraco (2002) afirma ainda que das diretrizes
apontadas somente o desenvolvimento preferencial da cidade ao longo do eixo nordeste-
sudoeste obedeceu à realidade local; todas as demais são teses préconcebidas ou objetivos a
serem alcançados.
As diretrizes propostas pelo PPU transformaram o sistema viário municipal
proposto por Agache, concebido com anéis concêntricos, para uma estrutura linear baseada
em duas grandes vias estruturais que moldariam o crescimento da cidade: a via rápida
estrutural Norte e a Sul que teriam largura constante de duas faixas rápidas e uma lenta e sem
cruzamentos no percurso de 300m (Figura 2.24).
56
Segundo Faraco (2002), “o crescimento linear de áreas centrais, vias rápidas estruturais tangenciando o centro
principal, anéis de dispersão de tráfego, policentrismo, vias exclusivas de pedestres são idéias que Wilheim
defendia para São Paulo e foram transpostas para Curitiba” (FARACO, 2002, p.99)
132
Figura 2.24 – Plano SERETE - Sistema Viário
Fonte: IPPUC
Ainda em relação ao sistema viário o PPU propunha um anel perimetral
envolvendo o centro e uma ligação com as vias de acesso à cidade, na construção da Avenida
das Torres e no projeto de quadras residenciais no entorno da BR-2 (atual BR-116) para
acelerar o adensamento (Figura 2.25). O Plano definiu ainda a criação de uma rua de
pedestres no centro da cidade de forma a criar espaços de encontro e utilização dos miolos de
quadra para o comércio. Tais questões transformariam a configuração da paisagem de
Curitiba, com suas propostas de adensamento ao longo das vias estruturais e do crescimento
linear ao longo desses eixos complementado por um cinturão verde formado pela zona rural
em todo o seu perímetro (SCHUSSEL, 2005).
133
Figura 2.25 – ZR2 – Adensamento e Criação de “paisagem própria”
Fonte: FARACO, 2002, p. 119.
São vários os autores, como Oliveira (1995), Souza (2001), Faraco (2002),
Leitão (2002) que afirmam a inspiração das recomendações expressas pelos CIAMs
57
Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna - em especial os postulados urbanos da
Carta de Atenas de 1933, no PPU. Dessa forma, as principais correlações caracterizavam-se
pela divisão em zonas funcionais (e excludentes), pela transformação das ruas em avenidas, e
pelas “necessidades básicas” do homem universal como habitar, circular, trabalhar e recrear.
Havia por fim, a crença de que o planejamento organizando a cidade iria contribuir para a
superação das contradições sociais.
Paralelamente à elaboração do Plano, ainda em 1965 foram criadas duas
instituições que tiveram importância fundamental na implementação do plano: a COHAB –
Companhia de Habitação popular de Curitiba e o APPUC – Assessoria de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba (atual IPPUC). Em seguida, em 1966 é aprovado o Plano
Diretor que transformou o espaço urbano da cidade na década de 70. Apesar de existir o
consenso de que o Plano SERETE foi quase que praticamente a base do Plano Diretor
(OLIVEIRA , 1995; SOUZA, 2001), de acordo com Faraco (2002), não são poucas as
diferenças entre as diretrizes básicas do plano SERETE e as do Plano Diretor do IPPUC, entre
as quais a desistência do policentrismo, a inclusão de setores históricos e a necessidade de
um planejamento integrado.
57
Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna surgem na segunda década do século XX, exercendo
grande influência sobre os arquitetos e planejadores urbanos. O primeiro de uma série de dez ocorreu em 1928, na
Suíça, e o último, em 1956, em Dubrovnik. Seus objetivos eram: formular o problema arquitetônico contemporâneo;
apresentar a idéia arquitetônica moderna e fazê-la penetrar nos círculos técnicos, econômicos e sociais; zelar pelo
problema da arquitetura. O mais importante resultado dos CIAMs é a Carta de Atenas, em 1933 (4º CIAM). A
principal versão da Carta é de Le Corbusier, publicada em 1941, e exprime o conteúdo do Urbanismo Racionalista.
In: LE CORBUSIER. A carta de Atenas. São Paulo: HUCITEC: EDUSP, 1993.
134
Entre 1971 e 1975 o arquiteto Jaime Lerner, ex-presidente do IPPUC e ex-
membro de acompanhamento do Plano SERETE assume a prefeitura e implementa, em sua
gestão, o plano aprovado de forma rápida e sem oposição. De acordo com Oliveira (1995) no
início da década seguinte o plano já está implantado de maneira irreversível, nada mais resta
a ser feito com relação ao espaço físico.
Em 1975 foi aprovada a Lei de Zoneamento de Uso e Ocupação do Solo que
vigorou até o ano de 2000, quando sofreu uma revisão, porém manteve a estrutura geral do
antigo plano alterando somente algumas de suas características secundárias. Em mensagem
enviada à Câmara Municipal, o prefeito engenheiro Cássio Taniguchi é enfático ao afirmar a
permanência das diretrizes vigentes “O Plano Diretor, por sua vez, é o conjunto de diretrizes
básicas que norteia o crescimento da cidade há 33 anos e não sofrerá alteração
58
”.
Assim, desde 1971 a maioria dos prefeitos procedeu do IPPUC ou do
Departamento de Urbanismo da Prefeitura Municipal, à exceção de Maurício Fruet (indicado)
e, Roberto Requião (eleito), e são formados em Engenharia ou Arquitetura. Deste modo,
Curitiba se fez na durabilidade dos postulados tanto do Plano Diretor, de 1966, quanto dos
representantes políticos que, em uma continuidade de gestão quase ininterrupta, vieram em
sua maioria do IPPUC. Tal fato demonstra que a construção da paisagem projetada,
principalmente nas últimas décadas, em Curitiba, é o rebatimento espacial das forças,
especialmente políticas, conjugadas pela crença na objetividade científica com a atuação de
governantes de formação técnico-acadêmica embasada em um discurso desenvolvimentista.
58
Mensagem n. 32 de 12 de nov. 1999, p.4, enviada ao Presidente da Câmara Municipal de Curitiba, 1999.
135
2.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O segundo olhar, o das paisagens projetadas pressupõe-se que as políticas e
as instituições sejam agentes de formação e transformação das paisagens e, o inventário e a
leitura das proposições projetadas para Curitiba podem indicar as ideologias e os modelos
dominantes de organização na construção da paisagem curitibana. Para demonstrar isso se
utilizou da paisagem construída e ordenada pelos decretos, códigos, legislações e planos.
Pela análise das proposições verificam-se as maneiras ideiais de organização do urbano,
revelando nas paisagens projetadas a ação sistemática de construção de uma imagem ideal
urbana.
Primeiramente, pelos almotacés e ouvidores, na continuidade e regularidade
das ruas e contiguidade das edificações, e na separação entre público e privado no intuito de
conformar espaços compactos, em uma aparência similar à dos núcleos dos colonizadores. A
partir de Taulouis (1885), a intervenção racional do homem sobre a natureza é definida pela
regularidade. Como resultado tem-se o ajuste da “imperfeição” das ruas, a necessidade de
compor uma visão de perspectiva, o ideal de angulos retos e do paralelismo eram elementos
essenciais para a organização da capital da Província. Modelos de intervenção europeus
como os de Haussmann (~1870), para Paris, e o plano da cidade de La Plata (1882) eram
paradigmas universais aplicados nas intervenções urbanas. De acordo com Torres (1996),
esses ideais tinham sua base no positivismo e na racionalidade, em particular com a física
newtoniana, como modelo universal de acordo com todas as ciências; a desacralização da
natureza e a intervenção humana na ordem natural, na importância crescente do pensamento
científico como substituto laico da religião e a fé no progresso.
Tais preceitos de ordenação se fazem presentes por um longo período. O
primeiro Código de Posturas (1895) define ações individuais que viriam a transformar
fragmentalmente a paisagem de Curitiba. Uma paisagem de edificações caiadas, com
gabaritos e dimensões de aberturas (portas e janelas) estabelecidas, configuraria a imagem
dos casarios presentes nas cidades coloniais brasileiras. Definições morfológicas na
padronização dos lotes e de hierarquia viária previam uma paisagem ordenada e de critérios
para o embelezamento do núcleo urbano.
136
Várias diretrizes promulgadas sucessivamente tinham como objetivo a
construção de uma paisagem que negaria as estruturas urbanas coloniais e fortaleceria a idéia
de modernização e desenvolvimento da capital do Estado. O reforço da centralidade da área
urbana, a rejeição do uso da madeira, a criação de um órgão municipal de planejamento e a
doação obrigatória de parcelas para áreas públicas, são imposições que faziam parte dos
postulados para a construção de uma paisagem “moderna”.
Na análise do Codigo de Obras de 1919, observa-se a preocupação com a
continuidade para alcançar esse ideal, prevalecendo questões como a regularidade e a
higienização dos espaços urbanos. Define-se um zoneamento preliminar que divide Curitiba
em 3 (três) zonas: urbana, suburbana e rocio, elitizando as áreas centrais e legitimando os
princípios de segregação espacial.
A recomposição da leitura histórico-espacial das diretrizes, que influenciaram no
processo da construção das paisagens de Curitiba, demonstra uma subsequente organização
do espaço urbano para a burguesia emergente, por meio do estabelecimento de gabaritos e
definição de materiais permitidos, como estratégia de elitização das áreas centrais. Em certo
momento, a burguesia do mate reverte esse processo, importando novos modelos como
volume único. Dessa forma, não mais se considerava a composição do conjunto e faz do
entorno imediatoda área central, locus de suas mansões, menos restritivo do que o
determinado pela legislação em vigor. A ordem geométrica e o paralelismo eram regras gerais
de um ordenamento lógico e de referência estética. A fé no progresso positivista permanece
como recorrência necessária na construção das paisagens projetadas tendo como
denominador comum o discurso de modernização.
A partir de então, o planejamento urbano é compreendido como política do
Estado e, o plano Agache (1941-1943) insere Curitiba no panorama de intervenções
urbanísticas. As concepções do urbanista definem as preocupações em voga, máxime o
saneamento, a circulação viária e os centros funcionais, pressupostos urbanísticos
correlacionados com a Carta de Atenas de 1933. A resolução espacial da forma viária
centrípeta, com áreas reservadas a parques, é similar à proposta do Plano de Avenidas de
Prestes Maia. Nessa época, segundo Torres (1996), o planejamento urbano era considerado
uma disciplina pragmática.
137
As diretrizes básicas propostas pelo Plano SERETE como crescimento linear de
um centro servido por vias tangenciais de circulação rápida; hierarquia de vias;
desenvolvimento preferencial da cidade ao longo do eixo nordeste-sudoeste; policentrismo e
adensamento; extensão e adequação das áreas verdes; caracterização de áreas de domínio
de pedestres e criação de uma paisagem urbana própria. Estas foram proposições já
defendidas pelo arquiteto Jorge Wilheim, para São Paulo. O PPU inverte o sistema viário do
Plano Agache, de anéis concêntricos para uma estrutura linear baseada em duas grandes vias
estruturais que moldariam o crescimento da cidade. Apesar de ser consenso que o PPU foi a
base para o Plano Diretor de 1966, há diferenças entre aquele e este, os quais consistem na
retirada do policentrismo, na inclusão de setores históricos e na realização de um
planejamento integrado. A partir de 1971, gestões continuadas de prefeitos-técnicos dão
sequência aos princípios postulados no Plano Diretor de 1966, vigente em suas bases até
hoje.
138
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITIBA. Curitiba, v. 1.[19--] (mimeo)
BOLETIM DA PMC – PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA. Plano de Urbanização: Plano Agache.
Curitiba: ano II, n.12, 1943.
BROADBENT, Geofrey. Emerging Concepts in Urban Design. London: E&FN Spons, 1996.
BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1981 (tradução Ana M.
Goldberger)
CASTRO NETO, Vicente de. Grande Curitiba: Um Olhar Sobre a Evolução Urbana. In: Metrópoles em
Revista. Curitiba: COMEC. nº 4, vol 4, p. 5-30, 2002.
CHOAY, Françoise. A Regra e o Modelo: sobre a teoria da Arquitetura e do Urbanismo. São Paulo:
Perspectiva, 1985. 333p.
COLEÇÃO DE LEIS, DECRETOS E ATOS MUNICIPAIS. Curitiba: Arquivo Público do Paraná,[19--]
(mimeo)
DUDEQUE, Irâ José Taborda. Os Espirais de Madeira: uma história da arquitetura de Curitiba. São
Paulo: Studio Nobel: FAPESP, 2001. 437p.
ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS XXXI Volume. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de
Geografia Estatística, p.138-204, 1959.
FARACO, José Luiz. Planejamento Urbano no Paraná: A Experiência de Curitiba, 2002.Tese
(Doutorado em Estruturas Urbanas) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo, São Paulo.
GUTIERREZ, Ramon. Arquitectura y Urbanismo em Iberoamerica. Madrid: Ediciones Cátedra, S.A.,
1983. 776p.
HALL, Peter. Cidades do Amanhã. São Paulo: Perspectiva, 1988.(Tradução: Pérola de Carvalho) 550p.
JUNIOR, Rodrigo. Curitiba em 1853. In: Ilustração Brasileira. Edição Comemorativa do Centenário do
Paraná. Ano XLIV, número 224. Rio de Janeiro: Edições AS. “O Malho”, 1953.
KERSTEN, Márcia Scholz de Andrade. Os rituais do Tambamento e a Escrita da História: bens
tombados no Paraná entre 1938-1990. Curitiba: UFPR/Imprensa Oficial, 2000.282p.
139
LEME, Maria Cristina da Silva (coord.). Urbanismo no Brasil, 1895-1965. São Paulo: Nobel,1999.
MANCUSO, Franco. Las Experiencias del Zoning. Barcelona: GG, 1980. 384p. (titulo original Le
vicende dello zonning,1978) (Tradução: Rossend Aequés).
MARTINS, Romário. Curityba de Outr’ora e de Hoje. Curitiba: Prefeitura Municipal de Curityba,
Commemorativa do Centenário da Independência do Brasil, 1922.
MARTINS, Wilson. Um Brasil Diferente: Ensaio sobre fenômenos de aculturação no Brasil. São Paulo:
Anhembi Limitada, 1955. 506p.
MARX, Murilo. Cidade Brasileira. São Paulo: Melhoramentos: da Universidade de São Paulo, 1980.
151p.
MUNFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo:
Martins Fontes, 1991.
OLIVEIRA, Márcio de. A Trajetória do Discurso Ambiental em Curitiba (1960-2000). In: Revista
Sociologia e Política. Curitiba, 16, p97-106, jun., 2001.
PANERAI, Philippe R. e DEPAULE, Jean-Charles. Formas Urbanas: de la manzana ao bloque.
Barcelona: Gustavo Gilli, 1986. 209p.
PARANÁ. Posturas Camara Municipal de Curityba, Estado do Paraná, decretada pela Camara Municipal
em Sessão de 22 de Novembro de 1895. 66p.
PARANÁ. Código de Posturas do Município de Coritiba, Lei n° 527 de 27 de Janeiro de 1919. Coritiba:
Tip. da Republica, 1919. 63p.
PEREIRA, Gislene. Produção da Cidade e Degradação do Ambiente: A Realidade da Urbanização
Desigual, 2002. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento), Universidade Federal do
Paraná, Curitiba.
PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Câmara Municipal de Curitiba: 300 anos. Curitiba: 1993.
______. Semeando iras rumo ao progresso: ordenamento jurídico e econômico da Sociedade
Paranaense 1829-1889. Curitiba: UFPR, 1996. 184p.
______. A Forma e o Podre: duas agendas da cidade de origem portuguesa nas Idades Medieval e
Moderna, 1998. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
140
______. Almuthasub – Considerações sobre o direito de almotaçaria nas cidades de Portugal e suas
colônias. São Paulo: Revista Brasileira de História, vol 21, nº42, 2001. Disponível em
<
http://www.scielo.br/scielo.php?/pid> Acesso em 2 mar. 2005.
PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA, Boletim da Prefeitura Municipal de Curitiba, ano II, nº12.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura do Brasil. 6 ed. São Paulo: Perspectiva, 1987.
245p.
REIS, Nestor Goulart. Contribuição ao estudo da evolução urbana no Brasil 1550/1720. 2 ed. São
Paulo: Pini, 2000. 236p.
RELATÓRIO DA TURMA V. Contextualização Histórica e Socioespacial de Curitiba e RMC, 2003.
Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.101p.
RELPH, Edward. A Paisagem Urbana Moderna. Lisboa: Edições 70, 1987. 245p. (trad. Ana
MacDonald de Carvalho).
REPS, Jon W. Suggested Plan for a Federal Capital for the Commonwealth of Australia. Typescript,
Australian Archives, Series A762. Disponível em:
<
http://www.library.cornel.edu/Rpes/DOCS/agache.htm> Acesso em: 9 out. 2004.
RUDOFSKY, Bernard. Ningen no tameni no michi (Streets for People). Tokyo: Kajima Institute
Publishing Co. Ltd., 1973. 342p. (em japonês).
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999.
224p.
SCHUSSEL, Zulma. Aglomeração metropolitana de Curitiba e as matrizes teóricas do planejamento,
2005. Qualificação de Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento). Universidade Federal
do Paraná, Curitiba.
SILVA, Maclovia Corrêa da Silva. Urbanismo nas cidades brasileiras durante a primeira metade do
século 20. In: Sinopses, nº37, p.78-86, abr., 2002.
SOUZA, Nelson Rosário. Planejamento Urbano de Curitiba. In: Revista de Sociologia e Política, nº 16,
p.107-122, jun., 2001.
TORRES, Horacio. El Origen Interdisciplinario de los Estudios Urbanos. In: Seminario Internacional
VAQUERIAS. Argentina, oct., p.1-22, 1996 (mimeo).
141
YAMAKI, Humberto. Buradiru ni okeru shin toshikeikaku no paradaimu: toshi keikaku aprouchi kara
(Morfogenealogia das Cidades Novas Brasileiras). Ed. Toyota, 1994. 97p. (em japonês)
______. Arquitetura da Imigração Japonesa em Londrina – Análise de Documentação. In: Anais da 9º
Reunião Anual SBPN, vol. 5, n°1, p.244-245, 2001.
142
143
144
145
3. PAISAGENS ÉTNICAS
3.1 ESPAÇO E CULTURA – ESPECULAÇÕES
59
NECESSÁRIAS
Paisagens étnicas, como foi exposto anteriormente, são aquelas resultantes do
processo de implantação de colônias de imigrantes ao redor do núcleo urbano de Curitiba.
Parte-se do presuposto que, de sua relação com o espaço pode-se originar valores culturais.
Desde Heródoto, existe o questionamento de que a diversidade dos povos e as relações
culturais têm um rebatimento nas paisagens construídas. No caso de Curitiba, foram quase 40
assentamentos projetados para os imigrantes e adaptados por eles, principalmente europeus.
No entanto, para fundamentar tais questões, é necessária uma discussão prévia sobre cultura
e sobre as suas relações no e com o espaço construído.
São várias as acepções do termo cultura. O Dicionário Aurélio, afirma que
cultura é “o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e de
outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma
sociedade”. Observa-se a forte conotação antropológica da definição, podendo-se notar os
elementos tangíveis e os intangíveis. O Dicionário Houaiss acrescenta entre outros elementos
da definição, conceitos como conhecimento/instrução e civilização, que contêm uma outra
idéia de cultura, reiterando aspectos de autenticidade dos objetos culturais. Neste sentido,
Cuche (1996) diz que o termo pode designar um panteão de grandes obras “legítimas” (Apud
MATTELART,1996), e Cosgrove (2003) acrescenta que a palavra é ideológica criada pela
burguesia ocidental. Nesta dualidade de conceituação, existe a discussão entre a cultura
compreendida que consagra grandes obras e a chamada “cultura popular”.
59
Especulação no sentido de “perscrutar algo sumária e atentamente”, visto que o vocábulo latino designa a ação
de observar com exatidão a partir de um ponto elevado e não utilizado aqui no sentido pejorativo de “imaginar algo
sem fundamento” (MORA,1982, p.131-132)
146
No campo da arquitetura, tal discussão tem como parâmetro os estudos de
Amos Rapoport
60
, em “House form and Culture” de 1969. Afirma que, a teoria e história da
arquitetura têm sido concebidas nos estudos dos monumentos e das grandes obras. Do
mesmo modo que a cidade que é analisada e discutida como sistema social, econômico e
político, ela tem sido considerada também como obra de arte, instrumento de comunicação e
artefato histórico. Essa duplicidade de entendimento pode ser tributária de variadas tradições
nacionais. Enquanto uma maneira de ver considera como elemento importante as grandes
obras, uma outra entende que o ambiente construído é resultado de um conjunto de
arquitetura denominada “folk
61
”. Desta maneira, o autor afirma que, a tradição folk arquitetônica
é uma translação da forma física da cultura, de suas necessidades e valores – assim como
desejos, sonhos e paixões das pessoas. São os ambientes “idealizados”, expressos pelas
pessoas nos edifícios e assentamentos. A segunda obra de Rapoport, Aspectos humanos de
la forma urbana: hacia una confrontación de las Ciencias Sociales com el disenõ de la forma
urbana de 1977, acrescenta a dimensão psicológica e social na visão da cultura. O autor
analisa os assentamentos e verifica que, por meio de percepções e relações culturais,
enclaves homogêneos podem ser observados em várias cidades de culturas diferenciadas.
As maneiras diferentes de entendimento da cultura fazem parte da
transformação das ideologias em vários campos das ciências, desde Arqueologia, Artes,
História, Arquitetura, entre outros. A mudança dos valores pode ser exemplificada na análise
das Cartas Patrimoniais
62
. Primeiro somente os monumentos e objetos vinculados à elite, seja
a acadêmica, ou seja, a intelectual, eram valorizados e considerados dignos de perpetuação.
Na análise da evolução do pensamento sobre o patrimônio cultural, verifica-se a inclusão de
elementos, como as cidades, como representativos de valores culturais e, mais recentemente,
até de elementos intangíveis.
60
Amos Rapopport é arquiteto que faz as correlações entre tipos de habitações e as suas relações com o meio e a
cultura, que acabam sendo determinantes no resultado formal. Publicou House, Form and Culture (1969), e o
segundo trabalho extrapola a unidade de habitação, Aspectos humanos de la forma urbana: hacia una
confrontación de las Ciencias Sociales com el disenõ de la forma urbana, traduzido e publicado em 1978.
61
A palavra Folk está relacionada a clan, ethinic group, kin, race, tribe em inglês. Em português está vinculada ao
folclore e ao popular.
62
As Cartas Patrimoniais são as publicões resultantes de discussões internacionais e nacionais relacionadas à
questão do patrimônio. Ver Cury, Isabelle (org), 2000. Desde a Carta de Atenas de 1931, que definia os
monumentos, e a paradigmática Carta de Veneza de 1964, que considera maneiras de restauro, até a Carta de
Washington de 1996 que discute a questão dos centros históricos, observa-se a ampliação do que deve ser
considerado representativo de produções culturais. A inserção de patrimônios imateriais reflete também a
transformação das idéias físicas para a noção de valores mentais.
147
Na Geografia, inicialmente Sauer, da Escola Americana, salienta em seus
estudos as tecnologias e a cultura não-material (crença religiosa, sistemas legais e políticos).
Assim, a cultura era considerada como um conjunto de práticas compartilhadas de um grupo
humano em particular, e desta forma, parecia vincular-se às pessoas que visavam alcançar
fins dos quais elas tinham vaga idéia. Tal visão tem sido modificada vindo a ser a cultura, ao
mesmo tempo determinada pela consciência e prática humana e, determinante delas
entendendo-se que qualquer intervenção humana na natureza promove sua transformação
culturalmente (Apud COSGROVE, 1998).
Na diversidade das visões referentes aos aspectos culturais, o geógrafo Claval
(2001) aponta a alteração desses aspectos através da história: primeiro, pelo determinismo da
natureza como elemento único de imposição dos modos de vestir, alimentar e habitar, visão
que não resiste à comprovação; segundo, pela questão racial de diferenças biológicas e
intelectuais, aspecto rapidamente desmentido pelo bom senso e pela ciência; terceiro, pela
questão da história de atrasos na evolução dos povos, aduzida como justificativa utilizada para
fins de colonização; quarto, pela cultura como um super-organismo que molda indivíduos e
grupos, fator aceito por muito tempo pela Antropologia e pela Geografia Cultural americana,
porém não explica as transformações e o progresso; e, por fim, pela homogeneização cultural
do mundo dada pelo avanço tecnológico e das comunicações.
No entanto, pode-se observar uma redefinição do conceito de cultura.
Geógrafos, como Claval (2001), Cosgrove (2003) e Corrêa (2003), assumem várias
possibilidades de definição da palavra cultura. O primeiro autor entende que a cultura é um
campo comum do conjunto das ciências humanas; cada uma aborda este imenso domínio com
vários recortes epistemológicos. O segundo, afirma que “pouco se ganha ao sustentar uma
definição precisa de cultura, fazê-lo significa reduzir a uma categoria objetiva, negando sua
subjetividade essencial [e finaliza que a cultura é] incapaz de definição clara como um conceito
objetivo, mensurável, e compreensível somente na prática (COSGROVE, 2003, p. 103). O
terceiro autor complementa e diz que a cultura pode ser entendida como reflexo, como uma
mediação e condição social, necessitando ser explicada.
Dessa forma, uma das estratégias é entender as relações culturais a partir da
leitura das paisagens. De acordo com Berque (1998), é através da paisagem que são
abordados os problemas culturais. Nesse sentido, Claval (1999) aponta várias vertentes
analíticas pelas quais a cultura pode ser observada, principalmente no espaço: 1. como
148
conjunto de técnicas, atitudes, idéias e valores, que apresenta assim componentes materiais,
sociais, intelectuais e simbólicos; 2. transmitido e inventado; 3. não sendo constituído pela
justaposição de traços independentes, mas, ao contrário, por sistemas de relações mais ou
menos coerentes; 4. não assimilado igualmente pelos membros de uma sociedade; e 5. vivido
individualmente. Claval enfatiza que, de uma geração a outra, os conteúdos mudam, uma vez
que o meio físico se modifica e é apreendido, explorado, organizado ou examinado com novos
meios, diz ainda que também a atmosfera social se transforma. Portanto, a cultura não é uma
realidade global, é um conjunto diversificado ao infinito e em constante evolução.
Claval (2001) aborda as várias tônicas sobre os aspectos culturais: em relação à
cultura como elemento mediador entre os homens e a natureza, por entender-se que os
homens vivem num mundo artificial. Neste aspecto, cultura é o conhecimento dos artefatos, o
know-how através do qual os homens mediatizam suas relações com o meio natural; como
herança que resulta do jogo da comunicação, visto que os indivíduos e grupos são
condicionados pela educação que recebem; a cultura é construção e permite aos indivíduos e
aos grupos se projetarem no futuro, dessa forma, a cultura não é vivenciada passivamente,
pois se interioriza em certos traços e se rejeitam em outros; ela é uma realidade mutável.
Entende-se que a cultura é em grande medida feita de palavras, articula-se no discurso e
realiza-se na representação, pois os ambientes nos quais as sociedades evoluem é uma
construção que se exprime pela palavra, e consequentemente pelas regras que regem a
composição de seus discursos, e as práticas que modelam o espaço misturam estritamente ao
ato, à representação e ao dizer. Complementa ainda que a cultura é constituída de realidades
e signos que foram inventados para descrevê-la, dominá-la e verbalizá-la. Carrega assim uma
dimensão simbólica e, ao serem repetidos, certos gestos assumem novas significações. Além
da cultura como um fator essencial de diferenciação social, por exemplo, nas sociedades
complexas, existe sempre um modelo dominante.
Relativamente das visões entre espaço e cultura, Berque (1998) considera que
a leitura da paisagem, enquanto marca e matriz da cultura, pode ser uma das estratégias de
compreensão. A paisagem é uma marca, pois expressa uma civilização, mas também é uma
matriz porque participa dos esquemas de percepção, de concepção e de ação, ou seja, da
cultura, que canalizam, em certo sentido, a relação de uma sociedade com o espaço e com a
natureza e, portanto, a paisagem do seu ecúmeno. E Claval (2001) insere seus estudos nesta
linha de pensamento, entendendo que a paisagem constitui um documento - chave para
compreender as culturas, porém afirma que a interpretação resultante é freqüentemente
149
ambígua. No entanto, imagina-se que a paisagem traz a marca da atividade produtiva dos
homens e de seus esforços para habitar o mundo, adaptando-o às suas necessidades.
Tais inferências querem dizer que a paisagem enquanto marca e matriz pode
ser observada em diferentes espaços e, se a relação cultural é um dos elementos que
“moldam” os ambientes construídos, será que existe a relação entre cultura e espaço
construído a partir do momento que quase 40 (quarenta) colônias de imigrantes foram
implantadas – a grande maioria entre 1860 e 1895 - em áreas da atual RMC - Região
Metropolitana de Curitiba? É possível entender que existem paisagens étnicas em Curitiba? E
qual a relação espacial das colônias de imigrantes com o processo de urbanização da Capital?
No intuito de discorrer sobre tais questões é necessário recorrer ao processo histórico de
imigração e, procurar saber de que forma foram projetadas as colônias de imigrantes, como
elementos primeiros para a definição de uma gênese e produção das paisagens étnicas de
Curitiba.
150
3.2 PRIMÓRDIOS DA FORMAÇÃO DE UM MOSAICO IMIGRANTE
Até o início do Século XVIII
63
, somente os portugueses eram autorizados a se
fixarem na Colônia. Após a chegada da Corte em 1808, foi realizada uma política imigratória
apoiada por D. João com legislação específica. Balhana (1969a.) define este período como
início de “imigração espontânea
64
,” para o Brasil. São quatro os motivos que incentivaram a
imigração: primeiro, para preencher os vazios demográficos; segundo, para suprir a mão-de-
obra escrava; terceiro, para promover a agricultura de abastecimento; e quarto, para fornecer
trabalhadores para a construção de grandes obras públicas. Tais orientações foram
relacionadas à conjuntura de cada época, resultando em direções diferenciadas de política
imigratória.
A primeira motivação, a que visava preencher os vazios demográficos, ocorreu
principalmente para ocupar a área litorânea. A política imigratória deu-se pela promulgação do
decreto de 25 de novembro de 1808, pelo príncipe regente, tornando possível a propriedade
aos estrangeiros de terras:
Sendo conveniente ao meu real serviço e ao bem público aumentar a lavoura
e a população que se acha bem diminuta neste Estado; e por motivos que me
foram presentes: hei por bem, que aos estrangeiros residentes no Brasil se
possam conceder datas de terras por sesmarias pela mesma forma, com que
segundo a minha ordem se concedam aos meus vassalos, sem embargo de
quaisquer leis e disposições em contrário (Apud, BALHANA, 1969b, p.28).
Na história do Paraná, o território, inicialmente era habitado por índios
botocudos. Os luso-brasileiros e os colonos de Açores e da Madeira davam preferência aos
campos limpos e não tinham interesse em colonizar as zonas de matas. Neste panorama,
Weibel (1958) ressalta que o novo tipo de colono deveria ser tanto um soldado quanto um
agricultor para defender as suas terras e poder cultivá-las. Tal perfil poderia ser encontrado na
63
Decidiu-se excluir os séculos anteriores como recorte temporal. No entanto, sempre se deve ressaltar as
expedições realizadas por Portugal. Primeiro, a organização das Capitanias Hereditárias em 1534, e o Governo
Geral em 1548. Segundo Nadalin (s/d), imaginava-se a possibilidade, com os poderes dados aos capitães
donatários, de explorar a terra com agricultura, povoá-la, com intuito de defender e torná-la rentável para a Coroa.
O autor acrescenta ainda a tese de Celso Furtado que, enquanto o ouro não fosse encontrado, empreendeu-se o
plantio da cana-de-açúcar, que tornou um êxito a colonização do Brasil a partir da segunda metade do século XVI.
64
A autora utiliza a expressão “imigração espontânea” que exclui a transferência de escravos africanos para o
Brasil, 1969a., p.326.
151
Europa Central principalmente, onde soldados desengajados dos exércitos de Napoleão e
camponeses estavam prontos a emigrar para qualquer país do mundo.
Entretanto, para entender as primeiras estratégias de colonização do Paraná,
principalmente por imigrantes europeus, deve-se atentar para as transformações gerais
ocorridas na Europa. Segundo Nadalin (s/d), a Revolução Industrial e a Revolução Agrícola
são fatores importantes que impulsionaram a emigração. Entre estas, as transformações
tecnológicas, sem precedentes na história, como a revolução no transporte e o
desenvolvimento do capitalismo, responsáveis pela grande transformação econômica,
evidenciaram um fenômeno político, econômico e social. Nesse contexto, com o movimento
demográfico e o aumento populacional aliado à baixa taxa de mortalidade, a emigração
tornou-se, para uma população alijada das grandes transformações capitalistas ocorridas na
Europa, uma alternativa para o desejo de melhoria de vida, ou mesmo para reinvidicar terras e
trabalho.
Nesse processo emigratório, devem-se acrescentar as particularidades de
alguns países europeus, como a Alemanha. Em vista da incipiente industrialização, houve um
progressivo empobrecimento da população rural, e a forte crise econômica de 1880 formou um
grande contingente de emigrantes. No caso da Itália, a industrialização deu-se prioritariamente
no norte do país, porém existiam grandes latifúndios, acrescido dos 30 (trinta) anos da guerra
em prol da unificação (AZZI, 1983). Tais processos geraram a vinda de emigrantes à procura
de novas possibilidades de melhoria de qualidade de vida.
Estabeleceu-se, dessa forma, um período denominado “portas abertas” para os
emigrantes de todas as procedências e culturas, e esta diretriz se estende, praticamente por
um século, reafirmada em 1820 pela lei que concede terras a imigrantes católicos. No Paraná,
no entanto, ocorre a instalação de colonos alemães e açorianos somente na Vila do Príncipe
(BALHANA, 1969b.) O primeiro núcleo de imigrantes no Paraná data de 1829, nas
proximidades do rio Negro, localizado estrategicamente na interseção dos caminhos utilizados
pelos tropeiros, que faziam a ligação entre Sorocaba e Viamão. Segundo Wachowicz (1982),
esta foi a primeira experiência concreta de imigrantes europeus não-portugueses no Paraná.
Após tentativas de fixação de imigrantes e das várias críticas decorrentes dos
fracassos dos empreendimentos, o governo publicou a lei de 15 de dezembro de 1830, que
impedia a realização de quaisquer despesas públicas com o estabelecimento de núcleos
coloniais, diminuindo, com isso o processo imigratório. Um novo estímulo à imigração somente
152
ocorrerá pelo Ato Adicional de 1834 que concedia aos governos provinciais a competência
para “promover e estimular, em colaboração com o poder central, o estabelecimento de
colônias” (BALHANA, 1969a., p.346).
No caso específico da Província do Paraná, emancipada somente em 1853,
apenas dois núcleos coloniais foram instalados, por iniciativa particular: a colônia Thereza, em
1847, e a colônia Assunguy, em 1860. A colônia Thereza foi fundada pelo francês Jean-
Maurice Faivre que, de acordo com Steca (2002), era um socialista utópico, que conduziu 87
imigrantes franceses. No entanto, os resultados não foram satisfatórios restando apenas 10
imigrantes. O viajante inglês Thomas Bigg-Whiter (1974 [1872]) fixou-se, em parte da sua
expedição, na colônia e descreve sua primeira e melancólica impressão da Colônia Thereza:
à primeira vista parece um lugar ideal para quem quisesse ficar entregue às
suas próprias ruminações. Parada e muda como um túmulo ela me pareceu na
manhã de nossa chegada [...] avistei logo uma capela, mais em estado de
ruína, situada no alto de um morro [...] o que nos disseram acerca da pobreza
e miséria de Colônia Teresa não fora exagero [...] de onde eu estava eu podia
ver algumas casas de barro e de madeira, que não excediam a doze [...] a
qual ocupava o angulo incluído entre os dois rios – o Ivaí e o Ivaizinho. Entre o
rio e a aldeia ficava um brejo que impressionava mal” (BIGG-WITHER, 1974
[1872] p.165-166). Em seguida diz que “a colônia era um pouco maior do que
eu julgara no primeiro dia [...] a preguiça e a falta de iniciativa pareciam ser o
grande mal do povo da colônia [...] embora o solo fosse fértil, não tentavam
cultivar, nem mesmo o necessário à subsistência [e finaliza] seus habitantes
existiam, mas não viviam” (BIGG-WITHER, 1974 [1872] p.174-178).
A segunda colônia denominada Assunguy (atual Cerro Azul), em 1860, no istmo
de Superagui (atual Guaraqueçaba) foi realizada pelo suíço Carlos Perret Gentil que fundou o
assentamento na entrada da baía de Paranaguá, composta de 35 imigrantes suíços e
alemães, bem como por um grande número de nacionais. De acordo com autores, como
Colodel (1983), Martins (1955) e Weibel (1958), embora essa colônia obtivesse algum sucesso
inicial, seu fracasso é decorrente de sua posição geográfica, tendo o mar como única via de
acesso, sem estradas de comunicação. As observações do viajante Bigg-Wither (2001[1872]),
também são complementares “por falta de estradas adequadas, todo o tráfego com o campo
tem de ser em lombo de mula [...] ponto de suma importância que afeta a colonização inglesa
na região vizinha de Assungui” (BIGG-WHITER, 1974 [1872], p.361).
153
O fornecimento de mão-de-obra para o cultivo do café devido à proibição do
trafico de escravos, constitui o objetivo para estímular a imigração, a partir de 1840. A Lei
Eusébio de Queiroz de 1850 proibia definitivamente a entrada de escravos africanos no país
65
.
Observa-se que o latifúndio
66
era a questão central dos acontecimentos relacionados a este
período da imigração; desta maneira, uma solução encontrada foi à substituição da mão-de-
obra através de uma política imigratória incentivada pela classe dominante.
De acordo com Balhana (1969a.) correm paralelas as duas práticas de
imigração, no Império brasileiro: uma oficial com a criação de núcleos coloniais estrangeiros
pelo governo, e outra particular que visava a obtenção de braços assalariados. Fatores
resultantes da necessidade tanto de mão-de-obra para a lavoura cafeeira, quanto de
pequenos produtores para a lavoura de subsistência. Tais orientações são representativas
pela lei orçamentária n. 514 de 28 de outubro de 1848 que reafirma a competência de
colonização por parte dos governos provinciais e, por outro lado, a pressão político-econômica
exercida pelos latifundiários que implicou na promulgação da Lei de Terras de 1850, a qual
proibia “as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o da compra”,
dificultando a compra e posse de terras por imigrantes. Esta lei significa a vitória dos
representantes dos grandes proprietários de terras.
Autores como Carneiro (1950), Rios (1959), Saito (1961) reafirmam o poder
político dos fazendeiros e referem-se à diferenciação do sistema agrícola da imigração como
simples suprimento de mão-de-obra e para fins de colonização. Carneiro (1950) afirma que a
abolição não significou o fim do latifúndio, porquanto que o regime proveu à classe dominante
com auxílios e subsídios governamentais. E os grandes latifundiários interessavam-se em
incentivar a imigração para disporem do aumento da oferta de mão-de-obra livre, que
consequentemente resultaria em baixos salários. Rios (1959), em relação à imigração italiana
no Sul do Brasil, refere-se à persistência da xenofobia, não apenas pelo preconceito, mas pelo
receio de que a ascensão da classe imigrante fosse o prenúncio do parcelamento das terras
65
Não obstante, datar de 13 de maio de 1888, a libertação definitiva dos escravos foi precedida de leis que
suprimiam a escravidão em todo o território brasileiro.
66
O latifúndio é entendido como um conjunto de instituições econômicas e sociais. Sistema de acomodação entre
uma instituição da propriedade, um sistema de produção para a exportação, que constituía a base vital da
economia nacional, o trabalho escravo, uma classe dominante, dona da propriedade, do escravos, da produção, da
renda e da exportação e do poder público nacional. Portanto, a cessação do tráfico de escravos desestrutura o
sistema.
154
dos latifundiários. Saito (1961) considera a revolta de imigrantes japoneses e
abandono das fazendas de café, não apenas como defesa de interesses econômicos, mas
como reação contra ao tipo de relações sociais de caráter latifundiário e feudal existente (Apud
BALHANA, 1969a.).
As condições peculiares de cada província teriam propiciado o desenvolvimento
de uma política provincial imigratória diferenciada. No Paraná, com o agravamento das
condições de abastecimento das províncias, o decreto n. 1.318 de 30 de janeiro de 1854
concedia estímulos à posse de terras, possibilitando o acesso a ela, independente da
nacionalidade do imigrante, concedia também auxílio para facilitar a colonização. O primeiro
presidente da Província, Zacarias de Goes e Vasconcelos (1853-1855) via como problemática
inicial da administração: “povoar êsse território de duzentos mil quilômetros quadrados” e
sancionou a lei nº 29, de 21 de março de 1855:
“Art.1º Fica o governo autorizado a promover a imigração de estrangeiros para
esta província [...] e preferindo sempre atrair colonos e demais estrangeiros
que já se acharem em qualquer províncias do Brasil.
Art.2º Para que tenha efeito a disposição do artigo antecedente poderá o
governo despender anualmente até a quantia de 10:000$000, além dos
reembolsos dos avanços que fizer para passagem e alimento dos imigrantes.
Art 3º Os colonos serão, por ora, principalmente destinados ao serviço de
estradas da província, podendo o governo pagar, sem indenização alguma, a
metade da passagem àqueles que nelas se empregarem por espaço de cinco
anos.
Art. 4º Os colonos que quiserem dar à agricultura, e que não tiverem meios de
o fazer por sua própria conta serão distribuídos pelos lavradores,
principalmente pelos de café, chá e trigo, que se obrigarem a pagar por
prestações, dentro de três anos e sem juro algum, as despesas que com eles
houver feito o governo, do que prestarão fiança idônea.
Art. 5º O governo valerá a que nos ajustes feitos com êsses lavradores não
sejam de modo algum lesados os interesses dos colonos (Apud MARTINS,
1955).
Considera-se esta lei como a gênese da política imigratória na nova província.
Primeiramente como estratégia de ocupação do território, além da necessidade de mão-de-
obra livre tanto para a lavoura quanto para a construção de obras públicas. Porém, a Província
do Paraná sofria de problemas graves de abastecimento, necessitando incentivar a produção
interna de gêneros alimentícios, como demonstra o Ofício de 1852, do fundador e diretor da
155
colônia de Assunguy, Carlos Perret Gentil: “os preços dos gêneros alimentícios chegaram a
subir numa proporção de 200%” (Apud WACHOWICZ, 1975,p.3).
A imigração tinha um papel central nas políticas públicas. As elites supuseram
que haveria uma forte correlação entre o ingresso dos imigrantes e a transformação social e
econômica. Os sucessivos relatórios publicados pelos presidentes da Província do Paraná
referem-se à necessidade de incentivar a imigração:
Não há por hora na província estabelecimentos rurais importantes [...] assim
se o governo provincial quiser promover a colonização, na escala que autoriza
o orçamento vigente, ou há de ser por meio de venda de terras devolutas aos
colonos, ou empresas que quiserem importá-los, ou há de se tornar-se
empreendedor de indústria, montando por sua própria conta estabelecimentos
agrícolas ou coloniais aonde os colonos apenas importados, achem logo
trabalho apropriado e lucros correspondentes.
67
Dessa forma, a única solução para a Província do Paraná, para suprir a
carência dos produtos de abastecimento, era a vinda de imigrantes:
...este estado de cousas porém tenho continuará e que só quando colonos
morigerados e laborioso vierem povoar nossas terras vastas e fecundas,
aparecerá a abastança dos gêneros alimentícios e abundantes sobras de
consumo irão dar nova vida ao comércios de exportação dos produtos
agrícolas.
68
Em relação aos primeiros assentamentos de imigrantes nas proximidades de
Curitiba, a colônia Assunguy (1860) foi localizada cerca de 100 km ao norte da capital.
Fundada após 5 anos da promulgação da lei de Zacarias de Góes e Vasconcelos, foi
organizada pelo governo provincial paranaense em colaboração com o governo imperial.
Apesar das expectativas quanto à fertilidade das terras, os colonos franceses, ingleses e
alemães abandonaram a colônia pela dificuldade de comunicação. O núcleo inicial foi
projetado com 1.692 lotes e chegou a atingir 3.000hab.; atualmente comporta a cidade de
Cerro Azul (Figura 3.1).
67
Relatório apresentado à Assembléia Legislativa Provincial, em 7 e janeiro de 1857, pelo vice-presidente José
Antonio Vaz de Carvalhes, p.45, Curytiba, Typografia Paranaense.
156
Figura 3.1 – Planta da Colônia de Assunguy (s/d) (s/e)
Fonte: Arquivo ITC
Com o insucesso da colônia Assunguy, principalmente pela distância e falta de
acesso aos principais centros comsumidores, o Governo da Província do Paraná põe em
execução um plano de colonização: a instalação de colônias agrícolas nos arredores do centro
urbano, próximo ao mercado consumidor. Criaram-se órgãos provinciais específicos como a
Inspectoria Especial de Terras e Colonização e Comissões de Imigração com sedes na capital,
em cidades e em vilas, pela lei nº 451 de 06 de Abril de 1876.
O programa foi dinamizado na administração de Adolpho Lamenha Lins (1875 a
1877), que tinha como meta prioritária à promoção da imigração européia, como estratégia de
auxilio agrícola aos grandes centros urbanos, fixando-os como legítimos proprietários, e não
como operários nos grandes latifúndios, processo que ocorria em várias províncias
(COLODEL, 1983).
68
Segundo o relatório do presidente Francisco Liberato de Mattos apresentado em 7 de janeiro de 1858 os
produtos de abastecimento eram recebidos pela Marinha por preços exagerados.
157
O presidente Lamenha Lins, em 1877, descreve o processo de fixação dos
imigrantes nessas colônias:
medidos e demarcados os lotes de terras de cultura nos arredores da cidade
traçadas as estradas, entrega-se um lote a cada família, com uma casa
provisória (cujo preço era na época de 50 mil réis), regularmente construída.
Ao colono maior de dez annos dá-se como auxílio de estabelecimento 20$000.
Cada família recebe mais 20$000 para compra de utensílios e sementes. Logo
que o colono se estabelece é empregado na construção de estradas do
núcleo, recebendo a ferramenta necessária e cessa, então, a alimentação por
conta do governo. Em cada núcleo funda-se uma escola e edifica-se uma
capela, com excepção daquelles que, por muito próximos da cidades,
dispensam essa construção. Além do trabalho nas estradas do núcleo
encontra o colono serviço nas obras públicas gerais. Estabelecidas poe esta
forma, ficam os colonos entregues à sua própria iniciativa e somente obrigados
a pagar, no prazo do regulamento de 1867, a sua dívida ao governo. Esta
dívida, pelo que respeita aos gastos feitos desde que o colono chega a esta
provincia, ainda não excedeu a 500$000 por cada família de 5 pessoas, termo
médio, incluindo o preço das terras, e está garantida pelo valor real do lote,
casa e acesórios. Achando a cidade pronto mercado para o producto de sua
lavoura e fácil consumo de lenha, hortaliças e pequenas industrias, o colono
pode em tempo breve libertar-se dessa dívida para com o Estado e habilitar-se
a desenvolver a sua lavoura. Por esse modo podemos conseguir em breve
tempo uma grande população laboriosa e morigerada já aceita ao nosso clima,
identificada com os nossos costumes e preparada para derramendo-se pelo
interior dessa vasta província, explorar e aproveitar os inexgotáveis tesouros
que ela encerra. O colono europeu por via de regra desamina diantes das
nossas matas virgens, porque para ele é completamente ignorada a esta
cultura extensiva, da derrubada, da queima e das sementeiras a vôo, e é por
isso que internados nas colonais afastadas dos centros populosos, eles fogem
de entregar-se a esse trabalho improbo que lhes é inteiramente desconhecido,
acontecendo muitas vezes que o desastre que na primeira derrubada fere um,
basta para amedrontar a expedição inteira. É preciso pois, preparar o colono
para penetrar nas regiões das matas virgens, riquíssimas de uberdade, e
seiva, porém cuja rude majestade os assombra e intimid. D´ahi a vantagem de
estabelece-los primitivamente, nos arredores dos centros populoso: ahi perto
de todos os recursos, ao passo que se dedica a cultura que conhece, tem
mercado pronto e consumo imiediato para os seus produtos, o colono ensaia
essa cultura nacional que lhe é inteiramente estranha, e do terreno em que
elas produzem. Por outro lado, o nacional, aprenderá do colono laborioso, tudo
quanto lhe for aproveitável da cultura europea, e se habilitará a melhora e
aperfeiçoar a lavoura (Apud COLODEL, 1983,p.11).
Observa-se que o discurso do presidente Lamenha Lins, “por esse modo
podemos conseguir em breve tempo uma grande população laboriosa e morigerada já aceita
ao nosso clima [...] o nacional, aprenderá do colono laborioso, tudo quanto lhe for aproveitável
da cultura europea” (Apud COLODEL, 1983, p.11), estava baseado nas idéias de
desejabilidade por imigrantes europeus, acreditando, assim, na sua base cultural de utilização
da mão-de-obra. Na discussão sobre os diferentes aspectos culturais, visto anteriormente,
158
Claval (2001) aponta entre eles a justificativa do atraso da evolução dos povos e a questão de
diferenças raciais nos aspectos biológicos e intelectuais no discurso de Lamenha Lins. No
entanto, Lesser (2001) demonstra que a política imigratória no Brasil tinha como princípio a
desafricanização do país e a construção de uma sociedade ideal.
Essa política imigratória denominada “linista” resultou no planejamento das
colônias: Santa Cândida (1875), Orleãs (1875), Santo Inácio (1876), D. Pedro (1876), D.
Augusto (1876), todas assentadas próximas às estradas existentes como a do Mato Grosso,
Graciosa e Assunguy. A maioria com a média de 65 lotes rurais; D. Pedro e D. Augusto eram
colônias menores com 23 e 36 lotes respectivamente (Figura 3.2).
Anteriormente à implantação de um modelo de colonização estrangeira ideal,
Lamenha Lins visitou a colônia de Assunguy e as colônias municipais já existentes de
Argelina, Abranches e Pilarzinho e analisando as causas do insucesso, definiu a necessidade
de:
dizer a verdade ao imigrante sobre a nova pátria que vem procurar, e em vez
de poéticas descrições e exageradas promessas, convencê-lo de que temos a
seu alcance terras fertilíssimas, e promovermos a construção de boas vias de
comunicação. Facilitar-lhes o transporte, evitando que o imigrante sofra
privações e mau tratamento até o têrmo de sua viagem. Dividir bons lotes de
terras nas vizinhanças e fazê-los comunicáveis por estradas de rodagem.
Fazer o colono aderir à terra que habita, pelo direito de propriedade,
facilitando-lhe a aquisição dela. Evitar que o imigrante ao chegar sofram
vexames que lhe abatam o ânimo aos seus primeiros passos em regiões
desconhecidas. Estabelecer bem o colono, com todos os favores prometidos,
e depois libertá-lo de qualquer tutela, deixando-o sobre si, e entregue ao
desenvolvimento de sua própria iniciativa
69
( Apud, MARTINS, 1955,p.87).
69
Relatório apresentado em 1876.
159
160
Os resultados, dessa política imigratória, considerados satisfatórios estendem-
se pelos Campos Gerais e para o litoral, porém não com todo o êxito esperado. No litoral,
funda-se a colônia Alexandra (1875) e Nova Itália (1877). De acordo com Azzi (1987), o
empresário Sabino Tripodo tinha autorização de transportar imigrantes italianos por meio de
um contrato imperial. Em 1875 funda a colônia Alexandra com 50 famílias a 14 km de
Paranaguá. A colônia fracassa apesar do solo fértil e da abundância de água. Por esta razão,
o presidente Lamenha Lins rescindiu o contrato com Tripodi e promoveu diretamente a
colonização fundando no litoral a colonia Nova Itália em 1877.
Nos Campos Gerais, na expectativa de um desenvolvimento agrário, instalam-
se, em 1878, alemães procedentes da região do Volga. Estes imigrantes espontâneos, sem
ônus para os cofres públicos provocaram uma política contrária às formas de subsídios dados
pelo governo, como também, críticas de caráter xenofóbico, em razão de preferência ao
imigrante estrangeiro em detrimento do nacional. No entanto, na história da política imigratória
na Província do Paraná, pode-se observar uma continuidade na constante implantação de
núcleos coloniais subsidiados.
Segundo Balhana (1969b.), com a extinção do sistema de colonização oficial,
na década de 1880, uma nova etapa da corrente imigratória, com objetivos e com menor
participação governamental, foi incentivada para o fornecimento de trabalhadores para as
grandes obras públicas, como a construção de estradas de ferro, estradas de rodagem, e de
linhas telegráficas. Como conseqüência, foi estimulada a criação de sociedades de imigração
para promover tais os serviços.
Foram mais de cem núcleos coloniais fundados no Paraná, e mais de cem mil
imigrantes foram localizados no território paranaense entre a fundação de rio Negro, em 1829,
até a colônia holandesa de Carambeí, em 1911. A Figura 3.3 mostra a produção agrícola e
distribuição dos núcleos imigratórios no Paraná, publicado em 1953. No caso da área que
abrange a RMC-Região Metropolitana de Curitiba, a política imigratória estabeleceu 36
assentamentos nos arredores da Capital, excluindo aqueles de promoção particular, como
meta de solucionar a problemática de abastecimento, ocupando assim, terras já exploradas.
161
162
3.3 Etnicidade dos Estudos Culturais das Colônias Imigrante
Observa-se que na relação entre cultura e espaço construído, são vários os
recortes epistemológicos possíveis, apontados anteriormente como os de Rapoport (1969 e
1977), Claval (1999 e 2001) e Berque (1998). Haesbaert (1999) refere-se a um artigo de
Castells, no qual afirma que para a compreensão da política deve-se começar por pender não
para a economia ou a geopolítica, mas para a identidade religiosa nacional, regional e étnica
de cada sociedade, considerando que a construção da vida, das instituições e da política em
torno de identidades culturais coletivas é historicamente a regra e não a exceção.
Nesse sentido, os estudos existentes sobre o processo de imigração contêm
forte conotação entre identidades culturais; entre as várias vertentes analíticas que visam
analisar a relação entre cultura e espaço variam desde a sua espacialização, assimilação,
adequação quanto aos diferentes meios, até as técnicas empregadas e readaptadas, entre
outras possibilidades. No caso específico da região Sul, existem estudos produzidos pelas
áreas de Geografia, Arquitetura, Antropologia e História.
Weibel (1958)
70
aborda o sistema de geografia agrária no Brasil e analisa os
princípios da colonização européia no Sul do país, salientando as relações entre a terra, de um
lado, e as atividades dos colonos de outro, cuja temática refere-se à paisagem cultural.
Analisa preliminarmente as condições naturais, suas características geográficas, clima,
vegetação e tipologia do solo. O autor, considerando o contexto político de colonização das
matas, define o estabelecimento das primeiras colônias alemãs no Sul do Brasil, subsidiadas
pelo Governo Imperial: São Leopoldo (1824), Rio Negro (1829) e São Pedro de Alcântara
(1829). Ressalta que, diferentemente dos Estados Unidos, quase não houve colonização
espontânea no Brasil. Desta maneira, elas foram organizadas, planejadas, subvencionadas e
dirigidas pelo governo federal, das províncias ou estados, do municipio, por companhias
particulares ou proprietários de terras e os métodos aplicados e os resultados diferem, de
acordo com o tipo de colonização.
70
Leo Weibel, nasceu em 1888, geógrafo alemão, impedido de lecionar por questões políticas na Alemanha,
lecionou nos Estados Unidos. Esteve no Brasil de 1946 a 1950 como assistente-técnico do Conselho Nacional de
Geografia no Rio de Janeiro. Seus trabalhos principais referem-se aos sistemas agrários na América Central, um
estudo sobre os Boers na África, em que definiu a preponderância dos fatores econômicos sobre os étnicos.
163
Em relação à origem e composição da colonização, o autor faz a diferenciação
da imigração alemã no Paraná, comparando-a com a dos outros estados do Sul. A relativa e
pequena imigração alemã deveu-se, primeiramente à questão do relevo, sendo o litoral
estreito e insalubre, onde foram fundadas colônias italianas que não prosperaram; segundo, à
serra cristalina com suas encostas íngremes que oferecem pouco espaço para a colonização.
Terceiro, sendo a província mais nova, o interesse pela colonização deu-se apenas na década
de 1860. Por fim, cita os escritos de Heidt
71
com o intuito de refrear a imigração alemã para o
Brasil. Tais critérios seriam negativos para a instalação de colônias alemãs no estado do
Paraná.
Dessa forma, os poloneses e italianos, e depois os ucranianos, tornaram-se os
principais colonos no Paraná. A região onde se insere hoje a metrópole de Curitiba era
formada por vegetação de mata e campo, não podendo abrigar grandes colônias, além disto
era pouca a verba para a instalação. Weibel (1958) elogia o plano de pequenas colônias, para
o abastecimento, nos arredores da capital, interligadas por estradas. Colônias semelhantes
foram estabelecidas em Ponta Grossa, Palmeira, Castro e Lapa.
O autor analisa o sistema agrícola adotado pelos colonos e verifica que a
maioria deles utiliza o mais primitivo, o de rotação de terras, aprendido pelos fazendeiros
portugueses que provavelmente o receberam dos índios. Tal sistema resulta na separação
espacial da agricultura e pecuária, acarretando uma criação extensiva e primitiva, que aplicada
nas pequenas propriedades é ilógica. Define três tipos principais de sistemas agrícolas
72
, que
71
Em 1959, a Prússia promulgou o chamado rescrito de Heydt que, devido ao mau tratamento dos colonos alemães
em São Paulo, proibiu a propaganda em favor da emigração para o Brasil. Teve efeito desfavorável sobre possíveis
emigrantes da Prússia e de 1871 em diante, sobre toda a Alemanha. Somente em 1896 este decreto foi revogado
em relação aos tres estados meridionais do Brasil (WEIBEL, 1958, p.215-216)
72 Sistema de Rotação de Terras Primitivas: compra da terra; derrubada e queima da mata; plantio com cavadeira
e enxada; construção de casa primitiva (folhas de palmeira e depois de tábuas); excesso da safra para criação de
porcos; troca de artigos. Ligação com o mundo exterior por estradas primitivas; isolado; produtos repassados ao
“vendista”. Educação para os filhos por apenas dois anos; calendário religioso (único livro da casa); freqüência
regular à Igreja. Difícil elevação de nível social e cultural, estagnação.
Sistema de Rotação de Terras Melhoradas: maior parte das matas devastadas; incremento populacional; existência
de estradas carroçáveis – melhoria das técnicas agrícolas e as condições econômicas. Desenvolvimento de
pequenos centros comerciais; estabelecimento de moinhos (preparo e processamento dos produtos para o
mercado). Aumento da produção e introdução de plantio europeu, criação de porcos e gado. Substituição do
trabalho humano pelo animal; utilização do arado e da grade. Elevação do padrão economico e cultural: melhoria
nas habitações (de caracteristicas nacionais e étnicas). Educação por quatro ou cinco anos; às vezes livro ou jornal.
Estágio de sistema mais difundido. Decadência ou estagnação depois de 30 anos, e conseqüente deteorização do
solo.
164
representam estágios sucessivos do desenvolvimento histórico da paisagem agrícola: sistema
de rotação de terras primitivas; sistema melhorado e combinado com rotação de culturas e
criação de gado, e suas implicações nas questões de moradia, situação social e cultural.
Weibel (1958) conclui que apenas 5% dos colonos europeus no Sul do Brasil
alcançaram o terceiro estágio, de rotação de culturas combinada com gado; 50% estão no
segundo, no sistema de rotação melhorado; e 45% no primeiro, no sistema de rotação de
terras primitivas. Para o autor, tal resultado é decorrente de três fatores: primeiro, os
imigrantes não eram agricultores e adotaram rapidamente o sistema agrícola dos nativos;
segundo, a idéia de povoar áreas desabitadas, longe do mercado urbano, daí a imposição de
uma agricultura de subsistência, e terceiro, para a aplicação do sistema extensivo de rotação
de terras eram necessários lotes de maiores dimensões.
Após a análise das colônias de imigrantes existentes no Sul do Brasil, Weibel
(1958) afirma que são importantes três pontos para uma próspera colonização de imigrantes.
Primeiro, a unidade étnica, contrária àquela visão de formação de colonias mistas. Discorre-se
sobre uma colonização étnica disseminada, com pequenas comunidades uniformes do ponto
de vista étnico, social e cultural. Segundo, cada comunidade deve ser uniforme do ponto de
vista religioso; depois do idioma o elemento mais importante na vida em comunidade é a
religião. Terceiro, a qualidade do ensino, para que sejam preservadas as tradições
estrangeiras e amalgamadas com a cultura brasileira.
A obra de Weibel (1958), pioneira quanto à observação e crítica dos sistemas
agrícolas adotados na colonização européia do Sul do Brasil, reforça a diferenciação da
imigração do Middle West americano e dos campos brasileiros. Somente a combinação de
rotação de culturas com a criação de gado, mais que o uso do arado, poderia solucionar a
pobreza generalizada no país, sistema fundado na tradição de separação espacial das
atividades agrícolas.
Rotação de Culturas Combinada com a Criação de Gado: estágio final do desenvolvimento agrícola, em campos
arados e adubados (requer um plano econômico mais elevado, mais trabalho, capital e conhecimento). Esse
sistema gravita em torno da criação de gado, inserção de novas culturas de plantio – alternar culturas de cereais
com culturas de raízes e plantas leguminosas, enriquecimento do solo com nitrogênio. Criação de fábricas para o
processamento da produção, com produtos uniformes e padronizados. Área rural próspera e paisagem cultural: tipo
de casa de carater mais suburbano, de tijolo ou pedra, com varandas, caiadas externamente, canteiro de flores e
palmeiras. Educação elevada, leitura de jornais e revistas, uso de rádio e vitrola. Padrão de vida próximo ao do
lavrador médio dos Estados Unidos (WEIBEL, 1958, p.259-263).
165
Outra pesquisa contemporânea à de Weibel, que trata especificamente da
colonização estrangeira no Paraná, é o ensaio de Martins (1955), sobre um viés sociológico
dos fenômenos de aculturação. Faz a caracterização dos elementos geo-ambientais
peculiares para uma colonização européia. Porém demonstra a má qualidade dos solos
73
, pelo
excesso de acidez, aliada à falta de comunicação por ausência de estradas de rodagem e de
ferro, que seriam fatores do insucesso de vários núcleos coloniais no estado.
O autor apresenta o aporte histórico e a política imigratória do Estado, no
contexto para a implementação das colônias, incluindo partes das discussões reveladas em
jornais e publicações da época, como escândalos de favorecimentos na compra de terras para
colonização. Caracteriza o meio rural e urbano e a padronização de 25 a 30 ha. dos lotes
coloniais do Paraná. Afirma as hostilidades e os erros cometidos na elaboração dos
assentamentos e as dificuldades de infra-estrutura proporcionada aos colonos. Quanto às
modificações impressas nas paisagens iniciais, descreve a implantação da casa primitiva e a
posterior construção da casa definitiva, ficando aquele como galpão ou depósito. Embora seja
semelhante à do caboclo, traços de combinação da técnica trazida pelos imigrantes e do
material oferecido pelo meio existente, resultam em uma diferenciação enquanto arquitetura
vernacular.
Martins (1955) divide as origens e história da imigração, por etnias, a saber:
alemães, poloneses, italianos, russos, japoneses, holandeses, franceses, ingleses,
portugueses, americanos, suíços, suecos e outras que formaram a colonização estrangeira no
Paraná. Aborda os aspectos de cada etnia relacionados à integração ao meio, à higiene e
saúde, as principais profissões exercidas pelos imigrantes, e à característica de cada uma na
morada, alimentação, roupa, mobília. Observa a atuação de arquitetos estrangeiros nas
principais edificações e na formação das cidades. Dados censitários, relações de casamento e
aspectos familiares são analisados, além da tecnologia de automóveis trazida pelos
imigrantes. Os aspectos lingüísticos e a assimilação pelas escolas coloniais e principalmente
pela religião revelam a formação da sociedade imigrante curitibana.
73
Vale assinalar a política imigratória da companhia que planejou a colônia Aliança de imigrantes japoneses.
Segundo os critérios para a instalação do assentamento, a terra não sendo fértil favoreceria a união entre os
imigrantes (panfleto da BRATAC, (s/d), em japonês).
166
Em relação às pesquisas existentes, especificamente sobre as colônias de
imigrantes em Curitiba, são vários os estudos de casos e abordagens diferenciadas,
principalmente pelo viés histórico e sociológico. Porém, são poucos aqueles que tratam o
processo sob o aspecto espacial, de formação do núcleo imigrante. Fez-se uma síntese sobre
estes estudos com as seguintes especificações: nome do autor e ano da publicação; título da
obra; conteúdo dividido em tema principal e secundário; conceitos e métodos utilizados;
principais elementos analisados e observações relevantes (Quadro 3.1).
A Casa Romário Martins tem uma série de boletins informativos publicados que
se referem à historia de bairros curitibanos, muitos deles iniciados por imigrantes. Em 1975 é
publicado o boletim: “Santa Cândida: pioneira da colonização linista” escrito por Wachowicz. A
pesquisa da documentação oficial é frequentemente utilizado como referência em outros
estudos. Trata da história da colônia e enfoca os aspectos de saúde e organização religiosa.
Imaguire (coord.) (s/d) revela aspectos da arquitetura do imigrante italiano em Santa
Felicidade, com levantamento de algumas tipologias porém de pouca referência analítica.
Macedo (s/d), no boletim sobre o Parque Inglês dá subsídios para a formação do bairro
Bacacheri (antiga colônia Argelina) e, em outro estudo de 1980, enfoca a história de Pilarzinho
com uma breve análise da lei que define a dimensão dos lotes e critérios para concessão.
Macedo e equipe (1981) referem-se à Estrada do Mato Grosso e cita as colônias adjacentes.
Boruszenko (1982) trata do Bairro Agua Verde, antiga colônia Dantas, e refere-se às
condições iniciais e atuais do bairro. Colodel (1986) faz uma abordagem histórica, mais
completa, sobre a colônia D. Augusto e abarca questões econômicas, costumes, organização
religiosa e educação.
167
168
169
170
171
Em relação a colonia Tomaz Coelho, tem-se o estudo de Wachowicz (1977)
com uma extensa pesquisa de documentos oficiais desde a proposta de implantação e
despesas e conclui expondo a má distribuição dos lotes sem a definição de uma centralidade
do assentamento. A Secretaria da Cultura (1986) faz um levantamento das tipologias rurais da
colônia Tomaz Coelho, em virtude do eminente desaparecimento face à construção da
barragem do rio Passaúna. Kersten (1983), sob a ótica da problemática agrária e o
desenvolvimento do capitalismo na agricultura tem Tomaz Coelho como estudo de caso.
Analisa o processo imigratório e a inserção dos poloneses como produtores de mercadorias e
vendedores da força de trabalho no sistema capitalista, nas suas especificidades sociais,
regionais e étnicas. Por meio de entrevistas complementa a visão antropológica e as
transformações, dada à implantação de área de caráter eminentemente industrial inserida na
colônia. Relata os tipos de usos existentes que caraterizam áreas do antigo território: uso
industrial, a Refinaria da Petrobrás, resquícios de paisagens coloniais e usos emergentes
como as chácaras de lazer. Gil Filho (1994) a partir do pressuposto da hegemonia da lógica
urbano-industrial - modernidade sobre a lógica do campesinato – tradicionalismo, tem Tomaz
Coelho como referência. Analisa a dinâmica da RMC e conclui os fatores de desarticulação da
estruturação do núcleo colonial: o processo de revalorização das áreas e de transformação de
uso do solo; a reestruturação espacial rompe-se devido à marginalização da colônia no
processo capitalista e a existência de “resquícios” de tradicionalismo.
Ferrarini (1992) faz uma coleta importante de documentos oficiais e analisa a
formação das colônias de Alfredo Chaves (atual Município de Colombo) e Presidente Faria e
seus primeiros imigrantes. Utilizando-se de dados do cadastro das colônias, analisa os
proprietários de lotes, as condições iniciais, e ressalta a falta de sistematização e organização
dos documentos de concessão. Tomaz (1998) tem como estudo de caso Santa Maria do Novo
Tirol; apesar da ênfase dada às questões de genealogia dos imigrantes formadores da colônia,
traz contribuições do início da formação. Por outro lado, Balhana (1958) tem como temática de
doutoramento a colônia Santa Felicidade. Analisa o processo de criação da colônia com
imigrantes vindos do litoral do Paraná e aponta a falta de um plano urbanístico. Faz a
abordagem dos aspectos sociais, econômicos e culturais. Refere-se aos aspectos históricos e
da paisagem natural e humana, e analisa o processo de assimilação e integração da
comunidade italiana.
172
Temática específica sobre os alemães da região de Volga, os chamados russos-
alemães é tratada por Muller (1995) e Schwab (1997). O primeiro, na reedição do seu livro
inicial, complementa a pesquisa realizada em arquivos da Alemanha. Tem como estudo de
caso a colônia Mariental, na Lapa, e aborda a necessidade da imigração, primeiro para a
Rússia e depois para as Américas. Faz a listagem dos pioneiros e descreve a fundação e
loteamento da colônia. Ressalta a importância da religião e os costumes trazidos com os
imigrantes. Schwab (1997), por sua vez, enfatiza a genealogia dos alemães do Volga
principalmente os estabelecidos na região de Ponta Grossa e transcreve vários documentos
oficiais.
Weibel (1958), Sutil (1995) e Sahr e Löwen Sahr (2000) referem-se a uma
pequena colônia menonita
74
instalada entre os bairros atuais de Xaxim e do Boqueirão, porém
diferem quanto aos aspectos abordados. Na obra de Weibel (1958), a análise da colônia faz
parte de um extenso estudo sobre o sistema agrário e a colonização européia no Sul do Brasil.
Analisa a colônia, ainda em formação, na época do levantamento. O segundo autor traz dados
sobre a compra da fazenda, construção da escola e igreja e trata dos aspectos econômicos da
criação de gado. Sahr e Löwen Sahr (2000) têm como estudo de caso uma família e concluem
relatando a desintegração geográfica dos menonitas em Curitiba e a manutenção somente da
rede social, por meio de contatos pessoais.
Pode-se verificar no Quadro 3.1 que as publicações da Casa Romário Martins
seguem certa semelhança quanto aos tópicos, prevalecendo a abordagem histórica e
sociológica de cunho mais informativo e menos analítico. Estudos mais aprofundados como os
de Balhana (1958) e Kersten (1983) são resultados, os daquele de tese de doutorado e os
deste de dissertação de mestrado, portanto pesquisas mais aprofundadas sobre a colônia
Santa Felicidade e Tomaz Coelho, respectivamente. Gil Filho (1994) apresenta uma trajetória
contínua de pesquisa realizada na colônia Tomaz Coelho - graduação, especialização e
74
Segundo Minich (1968), os menonitas têm a sua origem nos Países Baixos, quando ocorreu o movimento
anabatista, na época da Reforma Religiosa. O maior der do movimento foi Menno Simon e seu nome,
posteriormente, acabou sendo usado tanto pelos católicos, quanto pelos membros das Igrejas Protestantes, como
sinonimo de apróbrio (menistas). Como as igrejas da época eram “Igrejas de Estado”, o princípio defendido pelos
anabatistas, de separação das duas instituições não foi aceito. Perseguidos e condenados a morte por católicos e
protestantes, emigraram para a região de Dantzig, permanecendo cerca de dois séculos, e, novamente migraram
para a Rússia, atendendo a um pedido de Catarina, a Grande. Desenvolveram um sistema agrícola e industrial,
porém com a adoção do regime comunista, a saída da Rússia tornou-se inevitável, e por volta de 1930 emigraram
para o Paraguai e Brasil (Apud Sutil, 1995, p.23-24). Nas proximidades de Ponta Grossa existe ainda hoje a colônia
menonita denominada Witmarsun.
173
mestrado. No último trabalho aborda os aspectos tradicionais da cultura e o impacto do
processo de modernidade na transformação da estrutura espacial da Colônia Tomaz Coelho.
A pesquisa de Tomaz (1998) sobre a colônia Santa Maria do Novo Tirol apesar
do caráter histórico, dá informações importantes sobre a maneira de organização espacial e
formação do núcleo colonial. Refere-se ao Eng. Ernesto Guaíta como um dos pioneiros e dá
indícios sobre os ajustes para o projeto final da colônia que difere espacialmente na
eleboração do projeto do assentamento.
Somente a pesquisa de Ferrarini (1992) abrange uma área de estudo maior,
compreendendo o Município de Colombo. Incorpora as colônias de Alfredo Chaves, Santa
Gabriela, Antonio Prado, Presidente Faria e Eufrásio Correia com pesquisas em cadastros,
documentos oficiais desde o Império, decretos, identificação de imigrantes iniciais e seus
respectivos lotes, entre outros dados históricos importantes.
Destarte, inexistem estudos que enfoquem, na sua totalidade, as implantações
das várias colônias imigrantes. Nesse sentido, para o entendimento da formação das colônias
imigrante de Curitiba é necessária uma reconstrução e uma historiografia espacial para a
recomposição do processo de espacialização dos imigrantes no intuito de analisar a gênese
da construção das paisagens étnicas.
Em um primeiro momento, a necessária coleta de informações básicas sobre as
várias colônias para poder traçar um panorama de uma política de imigração realizada pelo
governo. Depois, a existência de uma “lógica” nos projetos de assentamentos, desde modelos
existentes, morfologias, até a possível definição de elementos de uma centralidade das
colônias com as igrejas e escolas. Por fim a toponímia utilizada que define maneiras de criar
uma imagem de acordo com os assentamentos dos imigrantes. Existem várias vertentes
analíticas; no entanto, tais questões, de acordo com os pressupostos da pesquisa, podem
delinear aspectos relevantes na contribuição de estudos que enfocam a discussão do
processo de construção das paisagens étnicas de Curitiba.
174
3.4 COLÔNIAS DE IMIGRANTES IMPLANTADAS NA ÁREA DA ATUAL RMC
O resultado da política imigratória espacializa e caracteriza uma gênese singular
na formação de colônias imigrante na área da atual RMC - Região Metropolitana de Curitiba.
Desta maneira, em uma primeira aproximação, fez-se a sobreposição de informações para
estabelecer as suas principais características. Pela não existência de dados sistematizados e
de listagem das colônias foi necessária a coleta de várias informações em arquivos
75
,
pesquisas de jornais, estudos e mapas existentes para a formulação do Quadro 3.2 que
contêm os seguintes dados: responsabilidade da fundação (Federal, Provincial, Municipal e
Particular); a denominação inicial; ano da fundação; a origem dos primeiros imigrantes;
número e dimensão dos lotes, número de imigrantes e a distância em relação ao centro
consumidor (Quadro 3.2).
A análise das datas de fundação das colônias revela que a política imigratória
desenvolvida na Província do Paraná, de certa maneira, foi quase que ininterrupta. Apesar da
promulgação da lei de incentivo à imigração datar de 1820, a colônia de Assunguy (atual Cerro
Azul) instala-se em 1860, aproximadamente a 100 km. da capital. No “rocio” de Curitiba, a 3km
da cidade, somente é criada a colônia Argelina em 1868. No entanto, deve-se atentar ao fato
de que a criação da nova Província do Paraná deu-se apenas em 1853, época em que era de
competência das provincias em promover o estabelecimento de colônias.
75
Pesquisa realizada no Arquivo da Casa da Memória, Arquivo Público e no arquivo do antigo Instituto de Terras e
Cartografia.
175
176
177
Desde 1860 até 1880, foi implantada a maioria dos núcleos coloniais idealizados pelo poder
provincial. A continuidade da política imigratória iniciada por Zacarias de Góes e Vasconcelos
deu-se com seguintes presidentes do Paraná: José Francisco Cardoso (1859), Antonio
Barbosa Simas Nogueira (1861), Agostinho Ermelino Leão (1868), Venâncio José de Oliveira
Lisboa (1870), Frederico José de Oliveira Abranches (1873), Adolfo Lamenha Lins (1875),
Alfredo dÉscragnolle Taunay (1885) , Joaquim de Almeida Faria Sobrinho (1886), Balbino
Cândido da Cunha (1888). Na gestão de Lamenha Lins (03/05/1875 a 16/07/1877), 08 (oito)
assentamentos foram sucessivamente elaborados e implantados, uma grande maioria
contígua à região noroeste da Província. Tal política foi denominada linismo (Quadro 3.3).
ÓRGÃO ANO DA DENOMINAÇÃO **PRESIDENTE DA
IDEALIZADOR FUNDAÇAO INICIAL PROVÍNCIA
1 Imperial 1860 Assunguy José Francisco Cardoso
2 Municipal 1868 Argelina Antonio Augusto da Fonseca
3 Municipal 1870 Pilarzinho Venâncio José de Oliveira Lisboa
4 Provincial 1871 S. Venancio "
5 Municipal 1873 Abranches Frederico José de Araújo Abranches
6 Provincial 1875 Santa Candida Adolfo Lamenha Lins
7 Provincial 1875 Orleans "
8 Provincial 1876 Santo Inácio "
9 Provincial 1876 D. Pedro "
10 Provincial 1876 D. Augusto "
11 Provincial 1876 Lamenha Lins "
12 Provincial 1876 Tomaz Coelho "
13 Provincial 1877 Riviere Joaquim Bento de Oliveira Junior
14 Provincial 1878 Mariental Rodrigo Otávio de Oliveira Menezes
15 Municipal 1878 Dantas Rodrigo Otavio de Oliveira Menezes
16 Provincial 1878 Antonio Rebouças "
17 Provincial 1878 Alfredo Chaves "
18 Provincial 1878 Zacarias "
19 Provincial 1878 Muricy "
20 Provincial 1878 Inspetor Carvalho "
21 Provincial 1878 Virmond "
22 Provincial 1878 Johanisdorf "
23 Provincial 1878 Santa Maria do Novo Tirol "
24 Particular 1880 Santa Felicidade João José Pedrosa
25 Provincial 1886 Antonio Prado Alfredo d' Escragnolle Taunay
26 Provincial 1886 Santa Gabriela Joaquim de Almeida Faria Sobrinho
27 Provincial 1886 Santa Cristina "
28 Provincial 1886 Alice "
29 Provincial 1886 Barão de Taunay "
30 Provincial 1886 Presidente Faria "
31 Provincial 1887 Maria José "
32 Provincial 1888 Eufrásio Correia Balbino Candido da Cunha
33 Provincial 1889 D. Mariana "
34 Provincial 1889 Balbino Cunha "
35 Federal 1895 Antonio Olinto REPUBLICA
36 Estadual 1908 Afonso Pena
37 Estadual 1911 Santos Andrade
38 Particular 1926 - 1937 Marques de Abrantes
39 Particular Ferraria
Fontes:
Arquivo do dept. de Terras e Colonização
** Ilustração Brasileira – edição comemorativa do Centenário do Paraná (1953)
Q
uadro 3.3
lista
g
em das colônias de imi
g
rantes e
g
estão provincial
178
Contudo, entre 1880 e 1885, observa-se a interrupção da política imigratória e a
não-implantação de novos núcleos coloniais. Têm-se os novos governantes como João José
Pedrosa (1880), Carlos Augusto de Carvalho (1882) e Luiz Alves Leite de Oliveira Belo (1883),
aliados a uma campanha de nacionalização, que se baseava na criação de coloniais mistas, e
de críticas quanto à formação de “quistos étnicos” na Província. A própria utilização do termo
“quistos étnicos” em documentos oficiais transformam os grupos étnicos em elementos
patológicos que supõe a idéia de remoção.
As questões de criação de colônias mistas eram basicas na nova concepção de
atitudes nacionalistas que, de acordo com Levi-Strauss (1972), é uma das atitudes mais
antigas e difundidas repudiadoras das formas culturais - morais, religiosas, sociais, estéticas -
que se distanciam daquelas com as quais nos identificamos (Apud MAZZOLENI, 1992).
Somente com a presidência de Alfredo dÉscragnolle Taunay
76
, em 1885,
retoma-se a instalação de novos núcleos imigrantes. Na gestão de Faria Sobrinho são criadas
06 (seis) colônias, a maioria com média de 50 lotes, e a finalização da política imigratória
provincial termina na gestão de Balbino Cunha.
Em 1889, a república foi proclamada, e é criada a Comissão de Colonização
pela lei nº 729 de 5 de abril, em 1907, e já no ano seguinte é implantada a Colônia Afonso
Pena. Segundo o relatório do presidente republicano em exercício, Joaquim Monteiro de
Carvalho, “já foram demarcados lotes em colônias já existentes, como Prudentópolis, havendo
o governo adquirido por compra a Fazenda Águas Belas, próxima a capital, para aí fundar uma
colônia modelo” (Apud MARTINS, 1955, p.98).
Os anos da Grande Guerra (1914-1918) retêm o fluxo emigratório e as
autoridades abandonam tal política. Nesse período, houve o reverso de desejabilidade dos
imigrantes, sendo estes perseguidos e proibidos de se expressarem em suas linguas
76
Taunay foi vice-presidente da Sociedade Central de Imigração, em 1888. Liderava a facção oposicionista à
imigração dos chineses, virulentamente sinófoba. O discurso anti-chines de Taunay continha dois elementos que
logo viriam a converter na politica social oficial do Brasil. O primeiro era a proibição de toda e qualquer entrada de
chineses, codificada em 1890, sob a forma de proibição do ingresso de asiáticos e africanos sem a aprovação do
Congresso. O segundo, postulava que os imigrantes não precisavam falar o portugues ou seguir as normas
religiosas brasileiras para serem uteis ao desenvolvimento. É claro que Taunay tinha em mente os alemães, mas
politicas como essas viriam, poucas décadas depois, a abrir espaços, por menos intencionais que fossem para
outros grupos não-europeus (árabes e japoneses).
179
originais
77
. Somente em 1923, o presidente Caetano Munhoz da Rocha, em mensagem
afirmava a necessidade de retomar o movimento imigratório dirigido, criando, entre várias
colônias novas, no Estado do Paraná, a colônia de Santos Andrade, localizada em São José
dos Pinhais.
A última colônia fundada, nas proximidades de Curitiba, que consta no cadastro
de colônias é a colônia Marques de Abranches (1926-1932), de iniciativa particular, ficando a
cargo do poder público a fiscalização dos serviços de execução (Figura 3.4). A partir desse
momento, a colonização é dirigida por empresas particulares, as quais recebiam a concessão
do governo para explorar os empreendimentos de colonização.
Figura 3.4 – Croquis da colonia Marquez de Abranches (s/d)(s/e)
Fonte: Arquivo ITC
77
A questão de perseguições aos imigrantes, nos anos de guerra, é abordada no Capítulo 4.
180
Entretanto, estudos de Weibel (1958) e de Sahr E Löwen Sahr (2000), registram
uma colônia particular de menonitas, em 1933, a 12 km no Sudoeste de Curitiba e, apesar da
colônia Ferraria não constar nos registros nem na listagem oficiais, por tratar-se de uma
iniciativa particular, e de pouca citação nos estudos, a sua implantação é verificada no mapa
de Curitiba de 1915 (Ver Figura 2.15) . Seu loteamento divide-se de acordo com duas
tipologias de lotes: 25 longitudinais e 14 de forma quadrática. Nos relatos das paisagens,
Saint-Hilairre (1995 [1826] p.101) refere-se ao sítio Ferraria, percorrido em 1820, na passagem
por Campo Largo e, na visão emergente do núcleo urbano, tal descrição confere quanto à
localização da colônia na parte Sudoeste de Curitiba (Figura 3.5).
Figura 3.5 – Planta da colônia Ferraria (s/d) (s/e)
Fonte: Arquivo ITC
Verifica-se que das 39 colônias de imigrante fundadas na área da atual RMC -
Região Metropolitana de Curitiba (incluindo-se Lapa), entre 1860 e1926, a grande maioria foi
estabelecida na época de incentivo por iniciativa do Governo Provincial. Apenas 4 (quatro) -
Argelina, Pilarzinho, Abranches e Dantas – são de caráter municipal e com exceção de
Assunguy que é subsidiada pelo governo imperial. As colônias criadas por iniciativa particular
como Santa Felicidade, Ferraria e Marques de Abranches pouco aparecem em registros e em
dados oficiais.
181
Um levantamento realizado em 1906, para a localização de minérios na área da
capital, como se pode verificar no “Mapa do Município de Curytiba”, evidencia as sucessivas
implantações das colônias imigrantes ao redor do núcleo urbano, revelando uma
concentração, na região Norte e Nordeste, na existência das principais conexões, como a
Estrada da Graciosa, Assungui e posteriormente a Estrada de Mato Grosso. A área das
colônias de Santa Cândida, Pilarzinho e a contiguidade das colônias D. Pedro, Orleans e
Santo Inácio demonstram uma abrangência em área de extensão maior do que o próprio
núcleo de Curitiba (Figura 3.6,).
Na Figura 3.7 pode-se observar uma grande concentração de colônias foi
localizada na área da atual cidade de Curitiba. Outras se situaram nas cidades adjacentes de
Almirante Tamandaré, Campo Largo, Araucária, São José dos Pinhais, Piraquara e Bocaiúva,
a sede do Município de Colombo era a antiga colônia Alfredo Chaves - e, por fim, no município
de Lapa localizam-se 4 (quatro) assentamentos: Mariental, Virmond, Johanisdorf e Antonio
Olinto
78
. A totalização de aproximadamente 3.000 lotes rurais e de 220 lotes urbanos
projetados nas colônias é um fato que afirma a importância das colônias imigrante na origem
da formação espacial da RMC - Região Metropolitana de Curitiba.
78
A colônia Antonio Olinto situava-se próximo à divisa do Paraná com Santa Catarina. A colônia foi desmembrada
do município de Lapa e atualmente é incorporada ao município de Rio Negro, não fazendo parte da RMC.
182
183
184
3.4.1 A ”LÓGICA” ESPACIAL DAS COLÔNIAS DE IMIGRANTES NA RMC
A implantação dos núcleos nos arredores de Curitiba, como se pode verificar no
mapa de 1915, faz Wachowicz (1975) afirmar a formação de um “cinturão verde” (Figura 3.8).
No entanto, a criação de cinturão-verde na história do urbanismo baseia-se em dois aspectos:
o primeiro do urbanismo moderno no qual a necessidade de salubridade dos núcleos urbanos
poderia ser resguardada por uma área verde circundante, de lazer, e a outra de produtividade
dos núcleos rurais, defendida por Howard, Ledoux, Owen, Pemberton, Buckingham e
Kropotkin (HALL, 1988). No caso de Curitiba, a história revela a necessidade do
abastecimento, colocada como fator importante para a sobrevivência da nova província e a
probabilidade maior êxito para uma colonização próxima ao centro consumidor, e nesse caso
um cinturão agrícola seria o mais indicado.
Nos estudos existentes verificou-se que alguns autores referem-se às tipologias
de colonização para a definição dos assentamentos realizados. Por exemplo, em suas
anotações de viagem de 1872- 1875, o engenheiro inglês Bigg-Wither (1974 [1875]) refere-se
a dois tipos de colônias existentes no Paraná: as estaduais e as particulares, dirigidas estas
por indivíduos ou companhias, movidos pela especulação. De acordo com Weibel (1958)
diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos, quase não houve colonização espontânea
no Brasil. Desta maneira, elas foram organizadas, planejadas, subvencionadas e dirigidas pelo
governo federal, das províncias, dos municípios, por companhias particulares ou proprietários
de terras diferindo os métodos aplicados e os resultados de acordo com o tipo de colonização.
De maneira similar, Steca (2002) divide apenas em colônias oficiais e não-oficiais. Por outro
lado, Nadalin (s/d) define como espontânea, dirigida e planejada, e por fim, Yamaki e Kato
(1984) definem as tipologias em: reclaim
79
, planejados e espontâneos, nesse caso, em relação
à imigração japonesa no Brasil.
79
A tradução da palavra reclaim encerra a idéia de “desbravamento”. O autor diz que este tipo de assentamento
tem distintos processos de formação. Porém uma característica peculiar é que geralmente os assentamentos eram
formados por imigrantes vindos de uma mesma região ou que tiveram experiências em fazendas de plantação de
café no interior paulista.
185
186
A partir dessas tipologias pode-se observar que as colônias de imigrantes
implantadas na atual área da RMC - Região Metropolitana de Curitiba, podem ser divididas em
basicamente dois: assentamentos do tipo de desbravamento e assentamentos planejados/
subvencionados (federais, provinciais e municipais). No primeiro tipo, pelo histórico levantado
por Balhana (1958), verifica-se que a formação da colônia Santa Felicidade deu-se
inicialmente por um grupo de 15 imigrantes vindos da colônia Nova Itália, situada no litoral.
Devido às precárias condições locais para desenvolverem uma agricultura, compram terras
particulares distantes 6 km da capital e a dividem, através de sorteio, em 15 lotes iniciais
(Figura 3.9).
A grande maioria, cerca de 90% é do segundo tipo. No entanto, de acordo com
o órgão idealizador, podem-se delinear algumas características diferenciadoras. A colônia de
Assunguy, fundada por autorização imperial e a colônia Antonio Olinto implantada com
subsídios federais, localizam-se mais distantes do centro urbano, em áreas de maiores
extensões ainda não exploradas. Dessa forma, puderam ser idealizados grandes
assentamentos para absorção de um número elevado de imigrantes (Figura 3.10).
Os núcleos provinciais, a maioria de menores extensões, localizam-se nos
arredores de Curitiba. Em uma análise morfológica inicial, pode-se verificar que as colônias
implantadas eram de caráter eminentemente rural, contendo a definição de apenas lotes
“rústicos”, antiga denominação de lotes rurais. Tal concepção definia a proximidade do centro
consumidor e, por inexistir a necessidade de criação de um aglomerado de caráter urbano
prevaleceu o projeto de criação de lotes rurais para o cultivo da agricultura (Figura 3.11).
Esta análise revela 4 (quatro) exceções, com os planos de Santa Maria do Novo
Tirol e Alfredo Chaves, ambas implantadas em 1878. De acordo com Tomaz (1998), existia a
idéia de formação de um núcleo urbano nessas colônias, dada a distância de
aproximadamente 30 km da Capital, correspondendo a cada lote rural um lote urbano. Dona
Mariana e Balbino Cunha, fundadas em 1889, apresentam lotes de menores dimensões nas
intersecções dos principais acessos, caracterizando um aglomerado urbano. Estas são
distantes do núcleo urbano, e suas datas de fundação revelam semelhanças no projeto de
loteamento. (Figura 3.12 e 3.13).
187
188
189
Os assentamentos subvencionados pela municipalidade, são implantados
próximos ao núcleo central urbano: Argelina – 3 km (Bairro Bacacheri), Pilarzinho- 4 km (Bairro
Pilarzinho), Abranches - 6 km (Bairro Abranches) e Dantas – 2km (Bairro Água Verde).
Caracterizam-se por lotes rurais prevalecendo, portanto, a idéia de proximidade do centro. No
entanto, a colônia Argelina (1868), primeira experiência de assentamento realizada pelo
Município de Curitiba contêm a formação de um núcleo urbano projetado, totalizando 36 lotes.
Na análise dos mapas existentes, verifica-se a rápida expansão da área da colônia até a
Estrada da Graciosa, conexão de Curitiba com o litoral, implantando-se lotes urbanos ao longo
da estrada (Figura 3.14).
190
Figura 3.14- Planta do Bairro Alto – Detalhe Colônia Argelina (1868)
Fonte: Arquivo ITC
Neste sentido, quanto aos aspectos morfológicos podem-se analisar os modelos
de implantação das colônias imigrante de carater rural. O estudo de Weibel (1958), que
abrange as colônias rurais do sul do Brasil, define como “povoamento rural disperso” e assim,
descrevendo, assim, sua característica:
povoado rural disperso as propriedades, entretanto, não são espalhadas
irregularmente, como acontece no Middle West dos Estados Unidos, mas são
dispostas ao longo de certas linhas. Estas linhas são as picadas, abertas pelos
pioneiros na mata original e que logo desde o princípio serviram como linhas
de comunicação ou estradas. Nas zonas serranas de colonização antiga, as
linhas coloniais seguem normalmente os fundos de vale fluviais e de cada lado
delas estão alinhados os lotes dos colonos, à distância de algumas centenas
de metros. Algumas linhas coloniais tem 10 ou 20 quilômetros de extensão e
centenas de lotes se distribuem ao longo delas. Esses lotes são estreitos ao
longo da estrada e do rio, mas se estendem numa longa faixa retangular para
o fundo, muitas vezes até o divisor de águas. É exatamente o tipo de
povoamento e a distribuição de terras que eram usados no fim da Idade
Média, na colonização das montanhas do leste da Alemanha. Lá este tipo de
povoamento é chamado Waldhufendorf. Wald significa floresta, Dorf quer dizer
vila e Hufe se refere à faixa comprida e estreita de terra que foi entregue a
cada colono. A ocorrência de Waldhufendorf medieval alemão no sul do Brasil
levanta uma série de problemas...o fato interessante é que este tipo de
povoamento é quase desconhecido no norte, no oeste e no sul da Alemanha,
de onde vieram os primeiros imigrantes. Quase toda essa população é
originária de vilas aglomeradas (Haufendörfer), onde eles moravam
comprimidos uns aos outros (WEIBEL, 1958, p.242)
191
A Figura 3.15 representa o projeto original da colônia de Ibirama–SC e os
aspectos de um “povoamento rural disperso”. Observa-se o caminho principal paralelo ao
longo do rio, e os lotes longitudinais com acesso à via e à água.
Figura 3.15 – Planta da colônia Ibirama – SC (s/d) (s/e)
Fonte: Arquivo Yamaki
Destarte, embora Weibel (1958) define a similaridade da maneira de divisão de
terras com os povoamentos alemães, tal prática foi largamente utilizada pelos ingleses no
Norte do Estado do Paraná, desenvolvida pela Companhia de Terras do Norte do Paraná, que
fundou 63 cidades e patrimônios. As diretrizes eram definidas com a implantação de núcleo
urbano, e ao redor se situariam cinturões verdes, de chácaras de área variável entre 5 e 30
alqueires. Esta área rural era demarcada:
A área rural seria cortada por estradas vicinais, abertas ao longo de espigões,
de maneira a permitir a divisão da terra da seguinte maneira: pequenos lotes
de 10,15 ou 20 alqueires, com frente para a estrada de acesso e de fundos
para um ribeirão [...] as casas de vários lotes contíguos, alinhados nas
margens dos cursos d´agua, formariam comunidades que evitassem o
isolamento das famílias (CMNP, 1975 p.76-77).
Assim pode-se inferir que os aspectos de referência espacial e cultural,
esboçados na análise de Weibel, talvez não fossem fatores determinantes na delimitação dos
lotes rurais. A necessidade de infra-estrutura mínima de acesso e de água tinha aspectos de
funcionalidade e provavelmente de facilidade na demarcação topográfica de lotes.
192
No caso dos assentamentos implantados na área da atual RMC – Região
Metropolitana de Curitiba, a grande maioria realizada com subsídios provinciais, observa-se
que as questões de infra-estrutura inicial como acesso e disponibilidade de água, fatores
necessários para o desenvolvimento da agricultura, nem sempre foram considerados. Em uma
análise detalhada observa-se que a acessibilidade prevalecia sobre a água. Depoimento de
Emílio de Menezes confirma o fato:
alguns lotes ficam sem água e desaproveitados. Parece que devia ser
preferido outro método de medição de lotes, de modo que cada um contivesse
água suficiente... muitas vezes, tal veio corta a metade Norte de uma seção, e
se esta for subdividida em quatro lotes com linhas de latitude e longitude, os
dois do Sul ficam sem água, ao passo que, correndo demarcação com linhas
N. a S. para formar os quatro prazos, cada um deles terá água necessária
(Apud MARTINS, 1955, p.128-129).
Um detalhe de parcelamento da colônia Santa Cândida, na Figura 3.16, a
primeira fundada por Lamenha Lins, em 1875, com 64 lotes, indica subdivisões em que
prevalecia a questão do acesso. No lote nº 29 inexiste veios de água, porém duas estradas
vicinais delimitam o lote. A simples divisão interna dos lotes, no sentido L-W, proporcionaria
além da água, acesso para o escoamento dos produtos obtidos com o cultivo da terra. Neste
sentido, as colônias de imigrantes na região de Curitiba refletem a política imigratória que
facilitava a aquisição dos lotes, que foram praticamente “doados” aos novos colonos,
inexistindo um rigor maior enquanto projeto urbano, como aqueles desenvolvidos pelas
companhias de colonização particulares.
Figura 3.16 – Detalhe do parcelamento da colônia Argelina (1868) (s/e)
Fonte: Arquivo ITC
193
O Apêndice contem os mapas das colônias implantadas com suas principais
características. É possível a visualização das questões de infra-estrutura inicial e a grande
variabilidade de tipos de morfologias dos projetos, provavelmente pela adequação de terras
disponíveis e das condições locais como topografia e córregos existentes.
Segundo Ferrarini (1992), ainda no império, eram emitidos os “Títulos
Provisórios ou de Designação de Lote de Terras”, e os definitivos, de acordo com a legislação,
eram expedidos somente após a quitação dos lotes. O prazo inicial era de 5 anos, porém a
legalização efetiva deu-se somente após os anos de 1900. Neste processo, observa-se a
perda de documentação e a constante necessidade de atrair novos proprietários de terras.
Após as discussões sobre a espacialização das áreas rurais das colônias
implantadas, uma análise morfológica dos loteamentos urbanos existentes é necessária para
especulações espaciais de concepção projetual, acerca de definição dos elementos de
estruturação. Os estudos de Weibel (1958) caracterizam as áreas colonizadas na região Sul
do Brasil como “povoados aglomerados”:
A esse meio rural corresponde, simetricamente, um meio urbano, repesentado
pelos “povoados conglomerados”, localizados à distâncias de 8 ou 10
quilômetros, geralmente em cruzamentos de estradas. As casas se distribuem
em volta de uma igreja e um cemitério, a escola e uma ou duas lojas e bares.
Há freqüentemente um moinho, um ferreiro ou um fabricante de rodas. Em
outras palavras, esses núcleos aglomerados são centros culturais, sociais e
comerciais. Não existe ainda definido “tabuleiro urbano”: as casas se alinham,
visto que não são mais do que “lotes citadinos”, ao longo da estrada, quando
muito uma ou outra escapa do alinhamento para se localizar no que é
prenúncio de uma futura rua. Esses povoados são Strassendörfer quando se
considera sua projeção sobre o mapa. Entretanto a sua função não é a de um
Dorf ou vila européia, mas de uma pequena aldeia. Os alemães, por isso,
denominam estes povoados de aglomerados de Stadtplätze, mesmo que
consistam em apenas de algumas casas (WEIBEL, 1958, p.243).
Balhana (1958) refere-se às tipologias de caráter rural de Weibel (1958) para
caracterizar a colônia Santa Felicidade como “aglomerado dispersivo”, que seriam
estabelecimentos humanos dispersos em meio a áreas cultivadas. Quanto ao núcleo urbano
do tipo Strassendorf que tem como centro da colônia uma área próxima à igreja, onde se faz o
maior adensamento de casas, alinhadas ao longo da estrada principal, completando o aspecto
de Stadtplatze, de função comercial e social. No entanto, a autora afirma a ausência de um
plano urbanístico inicial.
194
A descrição dos “povoados conglomerados” dá a imagem de aglomerações sem
projetos pré-definidos que seu crescimento dar-se-ia ao longo de caminhos principais.
Contudo, o estudo de Yamaki e Narumi (1983) sobre as cidades imigrantes alemãs, italianas e
japonesas, na região Sul do Brasil, mostra que os planos idealizados trazem referências
culturais sobre a maneira de organização dos núcleos urbanos. Nas cidades de colonização
alemã, um eixo central é definido ao longo do leito do rio, e em cada extremidade da via
situam-se os símbolos religiosos, uma igreja católica e do outro lado uma protestante, ambas
com seus respectivos cemitérios. No caso das cidades italianas, a característica morfológica
principal é a praça central e a igreja. Nas companhias de colonização japonesa, o slogan
“educação e saúde” era rebatido no espaço com a implantação da escola e do hospital no
principal eixo (Figura 3.17).
Japoneses Alemães Italianos
Figura 3.17 – Estruturação dos planos das colônias imigrantes na reigão Sul
Fonte: YAMAKI, 1983, p.437
A partir desses elementos primários de estruturação urbana, fez-se a
complementação de dados, por meio de pesquisa no cadastro das colônias estaduais, com o
intuito de verificar a existência de reservas de lotes, para escolas e igrejas, nos planos das
colônias imigrantes projetadas pela província. Apesar do relatório apresentado pelo presidente
Lamenha Lins, em 1877, afirmar que “em cada núcleo funda-se uma escola e edifica-se uma
capela
80
”, são poucos os exemplos de lotes destinados para tais fins.
80
Relatório do presidente da Provincia, Adolpho Lamenha Lins, apresentado à Assembleia Legislativa do Paraná no
dia 15.02.1877. Curytiba: Typ. Da viuva Lopes, p. 79. (Apud COLODEL, 1983. p. 11).
195
Como exemplos de colônias com núcleos urbanos, na colônia de Novo Tirol
(1878) existe a reserva do lote nº1 e no de D. Mariana (1889) o lote nº33 é destinado à
implantação da igreja. Nesta última colônia, observa-se que o lote reservado tem acesso à
estrada principal do núcleo urbano, porém apresenta uma parte do lote como área alagada. A
colônia Novo Tirol é uma exceção, enquanto elaboração de projeto de colônia fundada pelo o
poder provincial. Na divisão geral, um núcleo central urbano é localizado na extremidade
Oeste, cercado por lotes rurais. Este núcleo apresenta uma malha urbana com quadras
ortogonais. Na intersecção da principal via, no sentido Leste-Oeste, dois espaços públicos são
criados: a Praça Fonseca com o Hospital, e a Praça Tavares Bastos circundada pela escola,
pela igreja e pelo edifício da administração. O prolongamento da rua principal, no sentido
Norte-Sul define nas suas extremidades, o Boulevard do Imperador e o da Imperatriz. Eixos
contínuos e, nos cruzamentos, elementos estruturadores definidos e espaços abertos
representativos são características de um urbanismo barroco. Tomaz (1998), em sua pesquisa
cita o Eng. Ernesto Guaita
81
como um dos imigrantes pioneiros e dá indícios de possíveis
ajustes realizados pelo profissional no plano inicial da colônia (Figura 3.18).
No caso de colônias de carácter eminentemente rural, consta no cadastro das
colônias estaduais, dois exemplos fundados em 1886 que apresentam a reserva de lotes para
fins institucionais e/ou religiosos: Antonio Prado - reserva de 1(um) lote para igreja, sem a
definição de localização, e Santa Cristina reserva do lote nº 60, de dimensões menores,
localizada no extremo central para capela e escola (Figura 3.19).
Ferrarini (1992) faz um levantamento de proprietários de lotes nas colônias. Em
suas pesquisas consta que, na colônia Santa Gabriela e na colônia Antonio Prado, existe a
reserva do lote nº 40 e do lote nº 24 para igreja, respectivamente. Na colônia Presidente Faria
(1887), o lote nº 51 é reservado para a igreja e escola, sendo a área doada pelo proprietário
das terras. A colônia Eufrásio Correia tem a reserva do lote nº 19 para a igreja e o cemitério.
81
Ernesto Guaita chegou em Curitiba por volta de 1850, elaborou o primeiro cadastro urbano e propôs diretrizes
para que a Rua da Liberdade se transformasse em Rua do Poder (Ver Capítulo2). O engenheiro trabalhou na
construção da Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá. Projetou o Palácio da Assembléia Legislativa e o Palácio do
Governo, além de várias mansões.
196
197
Os projetos desses assentamentos predefiniam locais para fins institucionais e
religiosos, primeira reinvidicação dos imigrantes europeus para o desenvolvimento de uma
comunidade. A documentação oficial relata que os primeiros pedidos dos imigrantes, após a
instalação das moradias, era a construção de capelas e edifícios para a educação. Vários
estudos existentes, como o de Weibel (1959), insistem na importância do professor e do padre;
Menezes e Souza (Apud MARTINS, 1955) falam sobre a necessidade de se criar áreas de
aglomeração nas colônias de imigrantes. Tal fato é verificado no relatório do engenheiro chefe
ao presidente da Província, em 1879, sobre a situação da colônia Tomaz Coelho:
ressente-se esta colonia da falta de uma Igreja e um cemitério, tendo já sido
remetido ao Ministro da Agricultura um projeto para a construcção de um
templo. Esta necessidade está, entretanto actualmente remediada porque em
uma casa pertencente ao Estado, que existe na colonia e foi preparada a
custa dos colonos, celebra o padre Francisco Gurowsky, o culto divino...torna-
se necessária n´esta colonia a construção de duas escholas, não por ser
grande o número de crianças como por tornar-se difficil às mesmas
percorrerem grandes distancia
82
O relato sobre a construção da capela na colônia Tomaz Coelho ilustra a não-
definição do local no plano inicial da colônia, causa de conflitos internos de interesse dos
colonos. Aberta concorrência pública para a sua construção, surgiu o problema a respeito de
sua localização. Foram sugeridos três locais: 1. O local da capela provisória, construída pelos
colonos, situada em um dos extremos da colônia, na margem de uma estrada vicinal; 2. o
centro da colônia, local indicado pelo colono Antonio Zorek, que custaria 400$000 rs. para a
província; 3. o centro da colônia, denominado Campina dos Ausentes, em terreno oferecido
gratuitamente por Aleixo Trauczynski, no lote 58. Quanto ao cemitério e a escola, em ato da
Presidência de 16 de fevereiro de 1882, o governo subdividia o lote nº 95, para tal fim. Este
lote localizava-se na parte meridional da colônia, na passagem da estrada geral que ligava
Curitiba à vila do Príncipe (Lapa). (WACHOWICZ, 1977, s/p) (Figura 3.20). Wachowicz conclui
que a colônia teve uma má distribuição dos lotes, sendo os seus extremos distantes e a falta
de definição de centralidade inicial ocasionou divergências prejudiciais para a comunidade, por
isso a colônia chegou a ter quatro centros: Capela Velha, São Miguel, Nossa Senhora das
Dores e Barigui Correio.
82
Relatório do engenherio chefe do 2º districto, Olimpio Rodrigues Antunes ao presidente da Província Manoel
Pinto de Souza Dantas Filho, de 30 de maio de 1879, vol 8. Arquivo Publico do Estado do Paraná (documento
manuscrito).
198
199
Outro elemento de morfologia é o lote. Em um primeiro momento verifica-se o
número de lotes por colônia e a sua dimensão. A variação da dimensão dos lotes, em média
entre 10 hectares, faz com que o número de lotes seja diversificado. De acordo com a análise
de Weibel (1959), o tamanho médio das propriedades rurais é de 25 a 30 hectares, área
considerada pequena, pelo autor, para o sistema de rotação de terras, geralmente praticado.
O lote rural ideal deveria ser de 55 a 65 hectares em terra boa e 80 a 105 em terra ruim.
No entanto, as legislações da Província para determinar a dimensão dos lotes
carecem, em um primeiro momento, de padronização, dando como critério o número de
pessoas que constituem a família.
O regulamento nº 5 de 07 de junho de 1859, e destinado a Colônia Teresa,
dizia o art. 3º que “cada colono receberá terrenos de cultura, cuja superfície
será determinada pelo diretor, segundo o número de pessoas que constar a
família, e receberá igualmente um terreno na povoação, destinado à
construção de uma casa de morada e quintal, o qual deverá ser cercado
segundo o alinhamento da planta geral (Apud MARTINS, 1955,p.50).
Até a promulgação da nova legislação, apenas as colônias de Assungui,
Argelina e Pilarzinho tinham sido criadas, com dimensões de lotes entre 2 e 5 ha. E,
posteriormente, vinte anos mais tarde, o Poder Legislativo para “promover o progresso da
colonização espontânea do rocio da capital”, votou a lei nº 243, de 20 de abril de 1870, com a
qual autorizava o governo a gastar até a quantia de 10:000$000, em forma de subvenção à
municipalidade, para que esta destinasse uma área de meia légua quadrada, “em um ou mais
lugares dos terrenos do seu patrimônio, para os colonos que espontaneamente quiserem nela
fundar estabelecimentos agrícolas”. Desta forma, os lotes teriam aproximadamente 10
hectares (MARTINS, 1955, p.93).
A maioria das colônias foi planejada após 1870; assim, de acordo com a
legislação estadual, os lotes rurais deveriam medir 10 ha. No entanto, observa-se uma
variação de 5 a 12 ha. Apesar das legislações anteriores serem de caráter estadual, deve-se
ressaltar a existência da legislação municipal - Código de Obras de 1895- que estabelece no
Capítulo XIX sobre o “rocio”: “terrenos do rocio serão concedidos por aforamento perpétuo ás
pessoas que os pedirem, mediante pagamento” (Art. 249) e no artigo seguinte define “cada
carta de aforamento não comprehenderá mais do que a área ou lote de 12.100 metros
quadrados (1.21ha.), sendo permittido conceder a um mesmo indivíduo mais de um lote ... não
concederá a Camara, mais de cinco lotes ou 60.500 metros quadrados (6.05ha) (Art. 250).
200
Dessa maneira, mesmo sendo colônias subvencionadas pela província, a
variação das dimensões dos lotes inferiores a 10ha estaria de acordo com a legislação
municipal. As legislações subsequentes, nº 367 de 14 de abril de 1900, autoriza o governo a
conceder aos nacionais, áreas de 25 a 50 ha, pelo preço e condições em que são concedidas
aos colonos estrangeiros. O decreto nº 427, de 15 de setembro de 1911, confirma a dimensão
dos lotes, definindo as colônias. No caso da área da atual RMC - Região Metropolitana de
Curitba, são citadas a colônia de Afonso Pena e a colônia Santos Andrade.
Além do aspecto da legislação existente, outros pressupostos podem ser
delineados para entender a variabilidade de dimensionamento dos lotes: 1. tipo de colônia; 2.
proximidade do centro consumidor como determinante; e 3. concepção do projetista, uma vez
que, na observação do Quadro 3.4, verifica-se à não padronização. A primeira hipótese, de
tipo de colônia e orgão planejador, observa-se que há uma variação de dimensão dos lotes
nas colônias provinciais, em uma mesma época da fundação; por exemplo, Orleans (1875)
apresenta a média de lotes de 12ha e D. Agusto (1876) apenas de 5ha. Na segunda hipótese,
em relação à distância do centro, embora a colônia Santo Inácio fora situada apenas 4km do
centro com lotes em média de 4.6 ha a 5.1ha, a colônia Tomáz Coelho apresenta dimensão
similar de 5ha e localiza-se à 15km.
A terceira hipótese, a partir do momento de que, provavelmente, o mesmo
técnico responsável projetava os assentamentos para a Província, em uma mesma época, os
profissionais tinham uma concepção própria dos projetos. No entanto, na observação das
plantas originais dos assentamentos, a autoria ou responsabilidade técnica nem sempre
constava no projeto. No arquivo encontram-se sete engenheiros que assinaram os respectivos
projetos: Eng. Luiz A. J. Azambuja Parigot -Lamenha (1876); Eng. Henrique Rivierre (1876) –
Santo Inácio, Tomáz Coelho, Dom Augusto; Eng. Carlos Rivierre (1878)- Inpector Carvalho;
Eng. Manoel Francisco T. Correia (1886) – Presidente Faria e Santa Gabriela; Eng. Manoel
Ferreira Caneca – Eufrásio Correia e Eng. Francisco de A. Torres – Ferraria. Os projetos do
Eng. Henrique Rivierre possuem lotes de 5ha e, nos projetos de Santa Gabriela e Presidente
Faria de autoria do Eng. Manoel Francisco T. Correia, os lotes apresentam uma geometria
uniforme com lotes entre 7 ou 8 ha , indício de uma concepção projetual por parte dos
projetistas.
201
ÓRGÃO DENOMINAÇÃO ANO DA NÚMERO DISTÂNCIA DO DIMENSÃO AUTOR DO
IDEALIZADOR INICIAL FUNDAÇAO DE LOTES CENTRO CONSUMIDOR DE LOTES (ha) PROJETO
1 Imperial Assunguy 1860 1,692 100 km Curitiba 3
2 Municipal Argelina 1868 36 urb e 36 rur 3 km. Curitiba 0.4 a 2.8
3 Municipal Pilarzinho 1870 50 4 km. Curitiba 5
4 Provincial S. Venancio 1871 31 15 km. Curitiba 9,68
5 Municipal Abranches 1873 50 6 km. Curitiba 5,5
6 Provincial Santa Candida 1875 64 8 km. Curitiba 5.5 a 7.0
7 Provincial Orleans 1875 66 10 km. Curitiba 12
8 Provincial Santo Inácio 1876 70 4 km. Curitiba 4.6 a 5.1 eng. Henrique Rivierre
9 Provincial D. Pedro 1876 23 14 km. Curitiba 8,1
10 Provincial D. Augusto 1876 36 11 km. Curitiba 5 eng. Henrique Rivierre
11 Provincial Lamenha Lins 1876 139 9 km. Curitiba 7 eng. Luiz A.J. Azambuja Parigot
12 Provincial Tomaz Coelho 1876 275 16 km. de Araucária 5 eng. Henrique Rivierre
13 Provincial Riviere 1877 97 16 km. Curitiba 7.9 a13
14 Provincial/Imperial Mariental 1878 50 10 km Lapa 3 a 7
15 Municipal Senador Dantas 1878 36 2 km
16 Provincial Antonio Rebouças 1878 35 17 km. Curitiba 10
17 Provincial Alfredo Chaves 1878 40 urb e 40 rur 30 km. Curitiba 10
18 Provincial Zacarias 1878 28 6 km de São José dos Pinhais 11,4
19 Provincial Muricy 1878 73 32 km de Curitiba 12
20 Provincial Inspetor Carvalho 1878 34 10 km de S.J. dos Pinhais 12 eng. Carlos Rivierre
21 Provincial Virmond 1878 115 5 km. Lapa 10,8
22 Provincial Johannesdorf 1878 36 7 km. Lapa
23 Provincial Santa Maria do Novo Tirol 1878 86 urb e 66 rur 30 km de S.J dos Pinhais 15
24 Particular Santa Felicidade 1880 15 6 km Curitiba
25 Provincial Antonio Prado 1886 54 16 km. Curitiba 7.5 a 8
26 Provincial Santa Gabriela 1886 40 12 km. Curitiba 7 a 8 eng. Manoel Francisco T. Correia
27 Provincial Santa Cristina 1886 60 8 km. Campo Largo 7,2
28 Provincial Alice 1886 9 9 km de Campo Largo 7,1
29 Provincial Barão de Taunay 1886 51 7,3
30 Provincial Presidente Faria 1887 51 17 km de Curitiba 7 a 8 eng. Manoel Francisco T. Correia
31 Provincial Maria Jo 1887 13 20 km de Curitiba 9 a 10.3
32 Provincial Eufrásio Correia 1888 33 eng. Manoel Ferreira Caneca
33 Provincial D. Mariana 1889 32 urb e 32 rur 6 km. Campo Largo
34 Provincial Balbino Cunha 1889 23 urb e 23 rur 9 km Campo Largo
35 Federal Antonio Olinto 1895 648 72 km de Lapa 2,5
36 Estadual Afonso Pena 1908 60 20km de Curitiba 15
37 Estadual Santos Andrade 1911 192
38 Particular Marques de Abrantes 1926 - 1937
39 Particular Ferraria 39 eng. Francisco de A.Torres
Fontes:
Arquivo do dept. de Terras e colonização (mimeo)
Martins (1922)
Ferrarini (1992)
Gazeta Polska
Q
uadro 3.4
dimensão dos lotes das colônias de imi
g
rantes
Por outro lado, a variabilidade de dimensão dos lotes poderia estar atrelada ao
número de lotes necessários, isto é, a grande variabilidade pode pressupor uma possível
demanda de imigrantes a serem assentados. No estudo de Wachowicz (1977), que se refere
ao processo de formação da colônia Tomaz Coelho, tal demanda por lotes é observada.
Inicialmente, a colônia estava projetada para 182 lotes, mas, devido ao grande fluxo de
imigrantes, o seu número foi ampliado para 270. Se a área destinada para a colônia
permanecesse a mesma, o incremento de 88 lotes resultaria na variação de lotes iniciais de 10
ha para 5 ha.
202
Segundo Claval (2001), a execução de um parcelamento, apesar de custosa,
não é a causa principal de longevidade das divisões fundiárias; desta forma, remodelar o
conjunto de um território sob base voluntária é praticamente impossível, salvo as subdivisões.
Assim, a questão das demarcações dos lotes nas colônias imigrante define elementos lineares
de permanência nas divisões de propriedades de terras. Desta forma, foram aproximadamente
mais de 3.000 lotes projetados, resultantes da política imigratória desenvolvida, entre 1860
e1937, que fazem parte da gênese da produção das paisagens étnicas da RMC.
Os aspectos levantados sobre a morfologia urbana, a morfologia rural e a
questão de divisão dos lotes nos assentamentos de imigrantes, remontam à diferenciação dos
projetos realizados pelo Governo do Paraná e dos empreendimentos das companhias de
colonização particulares. O processo de planejamento de núcleos colonias por companhias
estrangeiras que atuaram largamente nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul
83
,
possuía características e objetivos diferenciados. Sendo assim, a colonização significava
empreendimento lucrativo e direcionado a um grupo étnico homogêneo. Um estudo sobre a
história da educação das escolas comunitárias de imigrantes desenvolvido por Kreutz (2000)
afirma que, nas colônias principalmente alemãs, italianas e polonesas, foi empreendida uma
ampla estrutura comunitária de apoio ao processo escolar, religioso e sociocultural à
semelhança dos países de origem.
Da mesma forma, no Norte do Paraná, a atuação da Companhia
Melhoramentos do Norte do Paraná tinha, como estratégia de vendas, a atratividade dos
projetos das cidades e patrimônios Por isso, os planos elaborados apresentam maior rigor
quanto aos aspectos de infra-estrutura inicial e referências projetuais das “cidades-jardins”
(BARNABÉ, 1990). No caso de Yamaki (1991) refere-se ao uso do patte d´oie como elemento
projetual para estruturação do patrimônio.
No entanto, o viajante inglês Bigg-Wither (1974 [1872], p.446) faz anotações
sobre a colônia particular de Kittolândia, analisando um prospecto e conclui que o
empreendimento fora “concebido para enganar o pretendido imigrante”. O mapa refere-se a
estradas, linhas de bonde, estradas de ferro construídas e em projeto, rios e cidades
83
Além das pesquisas de Yamaki e Narumi (1984) ver UEDA (1982) que faz um estudo comparativo nas áreas de
colonização estrangeira nos estados do Sul do Brasil e sua abordagem indica os aspectos de transformação dos
núcleos coloniais. Ueda, Atsuhi. Buradiru nambu gaikokujin ijiutiichi ni okeru jubunka reinyou ni kansuru
hikaku chosa. Universidade de Osaka, 1982. (em japones).
203
principais. Porém, verifica que não há distinção entre as grandes estradas e os caminhos
quase intransitáveis e vende a imagem de uma Província possuidora de uma rede de
estradas. Inexiste, porém, a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, ainda em projeto, e a linha
imaginária de bondes que liga Curitiba ao centro da colonia proposta; e por fim, ao longo desta
mostram-se pequenas aldeias como se fossem grandes cidades.
Dessa maneira, verificam-se que os projetos dos assentamentos direcionados a
imigrantes localizados atualmente na área da RMC - Região Metropolitana de Curitiba é
resultado de um planejamento de necessidade com o intuito de criar áreas rurais para o
abastecimento da Capital. A reinvidicação de núcleos comunitários como a igreja e escola
refletem uma das primeiras adaptações dos imigrantes. Assim os assentamentos foram
planejados para os imigrantes e adaptados por eles de acordo com as suas referências
culturais.
Embora não fossem realizados assentamentos na área atual da RMC-Região
Metropolitana de Curitiba após 1936, deve-se avaliar o tipo de loteamento proposto pela
Fundação Paranaense de Imigração e Colonização, criado no governo de Moisés Lupion
(1944-1947). A análise de um loteamento-padrão proposto pela fundação, e publicado na
Enciclopédia dos Municípios, reflete o processo de erros e acertos iniciado nos núcleos
coloniais de Curitiba. A estrada-tronco atravessa todo o assentamento, e no seu percurso é
localizada uma sub-sede. As edificações necessárias neste local seriam: escola, igreja,
enfermaria, armazém, oficina mecânica, agencia da FPCI para assistência aos colonos, como
elementos essenciais à formação do núcleo. Todos os lotes teriam acesso para estradas
vicinais e para a água. Os lotes rurais apresentam uma variabilidade de 40ha a 140ha, padrão
mínimo proposto por Weibel (1958) (Figura 3.21).
204
205
3.4.2 TOPONÍMIA COMO AFIRMAÇÃO DE PODER
São poucos os estudos sobre a imigração que demonstram como traço cultural
a relação entre toponímia e o urbano. Segundo Azaryvahu (2001), a toponímia articula
linguagem, política territorial e identidade. Nomear tem um significado político e cultural,
envolvendo etnias ou grupos culturais hegemônicos ou não (Apud CORRÊA, 2003). Alguns
exemplares de cidades de imigrantes, no Brasil, trazem na sua denominação a pregnância de
valores culturais ou de afirmação de uma identidade, por exemplo: Neu Bremen (SC),
Hammonia (SC), Blumenau (SC), Joinville (SC), Dantzig (PR), Heimtal (PR) (alemão); Nova
Milano (SC), Nova Itália (PR) (italiano); Assaí, Uraí (PR) (japonês); Witmarsun (PR) (menonitas
– alemão); Mallet (PR) (ucranianos).
De acordo com Relph (1976), um dos primeiros atos do homem é dar nomes às
características mais proeminentes, uma estratégia de humanizar o desconhecido. Dessa
forma, não somente logradouros e cidades, mas também elementos geomorfológicos como
rios, vales e montanhas recebem uma carga simbólica, existindo muitas vezes uma
duplicidade de nomes, uma oficial e a outra baseada no imaginário da cultura de origem. Os
imigrantes de Santa Catarina freqüentemente apontavam o rio Itajaí como rio Reno e, em
Assaí, um pequeno outeiro situado na proximidade da cidade era relembrado como o Monte
Fuji assaiense, assim sendo, a toponímia funcionava como vinculo afetivo de referências
culturais de origem. De acordo com Gupta e Ferguson (2000), os imigrantes usam a memória
do lugar para construir imaginativamente seu novo mundo. Neste sentido, a terra natal
permanece como um dos símbolos unificadores mais poderosos para povos móveis e
deslocados, embora a relação com ela possa ser construída de modo diferente em cenários
diferentes.
No caso de Curitiba, na análise quanto às denominações das colônias
imigrantes, verifica-se a preponderância de enfatizar o poder provincial e, podem ser divididas
em quatro (4) categorias: 1. afirmação de poder (uso de nomes de presidentes da província e
homenagem à família imperial); uma subcategoria 1A. homenagem a familiares de políticos
importantes ou técnicos como engenheiros e médicos; 2. afirmação religiosa; 3. referências
locais (rios ou acidentes geográficos) e 4. afirmação da cultura imigrante (Quadro 3.5).
206
Tipo 1
Afirmação de poder
Tipo 1A
Homenagens
Tipo 2
Afirmação religiosa
Tipo 3
Referências locais
Tipo 4
Afirmação da
cultura imigrante
Abranches (1873)
– Pres. Prov.
Frederico José de
Araújo Abranches
Tomaz Coelho
(1876) - Ministro
da Agricultura
Thomaz José
Coelho de Almeida
Pilarzinho (1870) -
Nossa Senhora do
Pilar
Assunguy – “rio
que banha o Mun.
de Guarakessaba”
Argelina (1868) –
imigrantes
procedentes de
Argelia
Zacarias (1878) -
Primeiro Pres. da
Prov. – Zacarias de
Góes e
Vasconcelos
Dantas (1878) -
estadista Manoel
Pinto de Souza
Dantas
Mariental (1878)
Vale de Maria-
santuário de
veneração à Virgem
Maria
Santo Inácio
(1876) – corredeira
do Rio
Paranapanema
Novo Tyrol (1879)
imigrantes
procedentes do
Tirol
Barão de Taunay
(1886) – Pres.
Prov. Alfredo
d´Escrangnolle
Taunay
Alfredo Chaves
(1878)-
Conselheiro
Alfredo Chaves,
ex-Ministro da
Agricultura do
Império
Johanisdorf (1878)
São João Batista
Presidente Faria
(1886) – Pres.
Prov. Joaquim de
Almeida Faria
Sobrinho
Antonio Prado
(1886) – Ministro
da Agricultura
Lamenha Lins
(1876) – Pres.
Prov. Adolpho
Lamenha Lins
Santa Candida
(1875) – 2º esposa
do Pres. Lamenha
Lins
Balbino Cunha
(1889) – Pres.
Prov. Balbino
Candido da Cunha
Riviere (1877) –
Eng. Henrique
Rivierre
São Venâncio
(1877) – Pres.
Venâncio José de
Oliveira Lisboa
Dantas (1878) –
Conselheiro
Dantas
Santos Andrade
(1899) Gov. José
Pereira dos Santos
Andrade
Antonio
Rebouças (1878)
– Eng. Antonio
Pereira Rebouças
Orleans (1875) -
príncipe Luis Felipe
de Orleans, o
Conde d´Eu,
esposo da princesa
Izabel
Muricy (1878) –
Médico José
Candido da Silva
Muricy
D. Pedro (1876) –
Príncipe D. Pedro,
neto do Imperador
Santa Felicidade
(1880) –
Felicidade Borges,
irmã de Antonio e
Arlindo Borges –
proprietário das
glebas
D. Augusto (1876)
– Príncipe D.
Augusto de Saxe
Goburgo, neto do
imperador D. Pedro
II
Wirmond (1878)
proprietário da
fazenda
207
Santa Gabriela
(1886) – Gabriela
d´Escrangnolle
Taunay, mãe do
Pres. Alfredo
Taunay.
Alice (1886) –
matrona D. Alice
Guimarães
Correia, esposa do
Dep. Euphrasio
Correia e filha do
Visconde de Nacar
Maria José (1887)
–Baronesa do
Serro Azul
Euphrasio
Correia (1888) –
Senador Manoel
Euphrasio Correia.
Dona Mariana
(1889) –esposa do
Senador Manoel
Euphrasio Correia.
Antonio Olinto
(1895) – Ministro
de Obras Públicas
Dr. Antonio Olinto
Afonso Pena
(1908) –
Conselheiro do
Gov. de João
Candido Ferreira
Quadro 3.5 - Categorias toponímicas das colônias de imigrantes
Pode-se observar a predominância toponímica para ressaltar o poder local, em
um momento de afirmação da nova província, desmembrada de São Paulo. Os presidentes
que incentivaram o processo imigratório tiveram seus nomes no batismo das colônias
planejadas: Abranches, Zacarias, Barão de Taunay, Lamenha Lins, São Venâncio, Presidente
Faria e Balbino Cunha. Outra estratégia de nominação que remete ao poder político é de
prestar homenagens a esposas de presidentes como Cândida, ou utilizar nomes de ministros
como Tomaz Coelho e Alfredo Chaves, ou de políticos, no caso de Dantas e Afonso Pena.
Existem casos em que engenheiros e médicos que prestavam serviço à comunidade local
eram homenageados: Riviere, Antonio Rebouças e Muricy.
A utilização de denominações como São ou Santa, a primeira sincopada de
santo, revela os aspectos religiosos como elemento de forte significação, além da afirmação
208
de poder, a partir de que era unívoca a relação entre Igreja-Estado
84
, até o início do período
republicano. Claval (2001) diz que, depois da Alta Idade Média, as vilas mais antigas da
Europa recebem nomes de santos, fato que remeteria à sua origem medieval.
Apesar de a religião ser um dos aspectos importantes para os imigrantes,
somente três exemplos estão diretamente ligados a santos de devoção: a colônia Pilarzinho é
batizada de Nossa Senhora do Pilar, nome de uma ermida consagrada à Santa Mãe de Jesus;
Mariental significa vale de Maria, um santuário de veneração à Virgem Maria, sendo um nome
largamente utilizado nos países de imigração dos russo-alemães para o Brasil, Argentina,
Canadá, Ucrânia e Estados Unidos; e Johannesdorf que faz homenagem a São João Batista.
Observa-se a anexação de São ou Santo para enfatizar o aspecto religioso no caso de Santa
Felicidade, Santa Cândida e Santa Gabriela. A primeira colônia homenageia a proprietária da
gleba inicial, a segunda a esposa do presidente da Província Lamenha Lins e por fim uma
homenagem a mãe do Presidente Alfredo Taunay.
Outros elementos locais geomorfológicos como rios e denominações prévias de
local são elementos de referência como Assungui e Santo Inácio. No entanto, são poucos os
topônimos referentes à cultura imigrante verificado nas colônias como Argelina, com
imigrantes argelinos e, Novo Tirol com imigrantes tiroleses.
Por outro lado, enquanto denominação que assumiu área de imigrantes como
política de gestão deve-se considerar a criação do Distrito Municipal de Nova Polônia,
decretada em 20 de agosto de 1892, pela Câmara Municipal para facilitar a administração. A
área delimitada compreendia as seguintes colônias situadas na parte oeste: Santo Inácio,
Orleans, Rivière, D. Pedro, D. Augusto, Tomas Coelho, com a predominância da cultura
polonesa. Tal decreto foi revogado pelo Decreto-Lei estadual 7.573 de 20 de outubro de 1938,
tendo uma durabilidade legislativa de 46 anos (COLODEL, 1983).
A condição de capital da Província, antes mesmo da República, na crescente
consolidação urbana, promovida pela economia do mate, ofereceu ambiente para o
surgimento do desejo de uma identidade própria para a região. Em termos gerais, de acordo
84
Com a Proclamação da República separou-se oficialmente a Igreja do Estado, de um modo geral os novos
governantes continuaram a reconhecer a importância da instituição eclesiástica na sociedade brasileira, e a valer-se
dela como instrumento apto para a manutenção da ordem social. No Paraná, o novo governo continuava a valorizar
a atuação da Igreja Católica (AZZI, 1987, p.223-224).
209
com Carvalho (1990), este processo confundia-se com os esforços, vigentes em todo o país,
de criação de um imaginário republicano, laico e progressista. Em Curitiba, mudaram-se
nomes de ruas e praças. Por exemplo, a rua da Imperatriz passou a se chamar XV de
Novembro; a rua do Imperador tornou-se avenida Marechal Deodoro; e a praça D. Pedro II
virou Tiradentes, esta última perdendo seu caráter sagrado de antigo Largo da Matriz e
passando a receber monumentos e símbolos republicanos, como a estátua de Tiradentes, de
João Turin, de Benjamin Constant e o Monumento à República.
No caso das colônias, a colônia Alfredo Chaves, assim denominada
denominação em homenagem ao Inspetor Geral de Terras e Colonização do Império, tem a
sua mudança oficial para Colombo (em janeiro de 1890); a denominação de Santa Maria do
Novo Tirol por Piraquara. Por outro lado, tem-se a continuidade nas pequenas colônias de
denominações imperiais e religiosas como D. Pedro, Orleans (atualmente Nova Orleans) e D.
Augusto (atualmente Dona Augusta, em homenagem a uma antiga moradora detentora de
vários lotes na colônia).
As ruas do núcleo urbano de Alfredo Chaves fazem homenagem a vários
técnicos que contribuíram para o sistema de colonização dos núcleos: Rua Antunes (Joaquim
Rodrigues Antunes – agrimensor e membro da Comissão de Medição de Terras do 1º e 2º
Distritos); Rua Chalréo (André Braz Chalréo Júnior – engenheiro e membro da Comissão de
Terras); Rua Therezio (Francisco Therezio Porto Netto – engenheiro e membro da Comissão);
Rua Torres (Francisco de Alemida Torres – engenheiro) (FERRARINI, 1992).
A planta do núcleo de Novo Tirol (1878) remete a uma análise individual de
toponímia. A sua rua principal, de largura de 12 m. recebeu a denominação do presidente da
Província Rodrigo Otavio de Oliveira Menezes. Por outro lado observam-se dois boulevares
nas suas extremidades, o Boulevard do Imperador e o da Imperatriz. As praças principais
apresentam o nome do proprietário das terras, Sr. José de Barros Fonseca e nomes
representativos do poder político ou técnico, Praça Tavares Bastos (ministro da Agricultura) e
Praça Inspetor Carvalho. Além das ruas extremas Rua Roma, Rua Turin e Rua Trento
remetem às cidades italianas (Figura 3.18).
210
A grande maioria dos topônimos empregado nas colônias de Curitiba ressaltava
o poder da nova Província no que difere de assentamentos planejados pelas companhias de
colonização que atuaram nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No caso da
CMNP-Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, verifica-se que o batismo ficava a cargo
do técnico responsável. O depoimento do engenheiro russo Babkov que prestou serviços para
a CMNP (1975) relata que, para a denominação das águas na área colonizada, utilizava-se um
dicionário guarani ou mesmo a relação de acidentes geográficos dos países dos imigrantes.
Nome de santos, marcas de cigarro, quadros de futebol, namoradas ou esposas de
agrimensores foram elementos de toponímia (Apud CMNP, 1975).
Verifica-se que as companhias de colonização utilizavam a denominação como
estratégia para a venda das terras e reforço de uma nova perspectiva de melhoria de vida,
direcionando a vinda de imigrantes de uma única etnia. Este fator pode ser considerado uma
das questões para a sua pouca utilização nas colônias da época provincial. As colônias nos
arredores de Curitiba foram realizadas na época em que um nacionalismo em prol dos colonos
nacionais impunha a condição de formação de colônias mistas, dificultando um termo único de
referência da origem imigrante.
211
3.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise histórica revela que a questão da imigração tinha um papel central nas
políticas públicas como estratégia, no caso da Província do Paraná, para suprir a carência dos
produtos de abastecimento. A observação das datas de fundação das colônias, para o
assentamento de imigrantes, revela a continuidade da política de incentivo à imigração, exceto
no período entre 1880 a 1885, época em que os gestores provinciais aliaram-se às discussões
sobre os nacionais e a questão de xenofobia.
A preferência dos luso-brasilerios pelos campos foi um dos motivos para ceder
as terras de mato para o sistema de colonização. Apesar da lei de concessão de terras a
estrangeiros datar de 1820 somente em 1829 é implantado o primeiro núcleo de imigrantes,
nas proximidades do rio Negro. A partir de 1853, cada província é responsável pela política
imigratória e o governo executa um plano de instalação de colônias agrícolas de imigrantes
próximas ao centro de Curitiba.
São poucas as pesquisas existentes que tratam a implantação das colônias de
imigrantes considerando as questões espaciais. A maioria delas analisa como estudos de caso
e suas abordagens são feitas no carater histórico ou antropológico. O resultado de 39 colônias
totalizando cerca de 3.000 lotes rurais e 220 urbanos demonstra a importância das colônias no
processo de produção do espaço na cidade de Curitiba.
As colônias de imigrantes podem ser divididas em dois tipos: por
desbravamento e por subsídio. O primeiro, refere-se aos casos daquelas que foram
implantadas por iniciativa dos imigrantes. A grande maioria teve subsídios do governo geral,
provincial ou municipal, sendo cerca de 90% dessas colônias, planejadas como áreas rurais.
Exceto 6 (seis) exemplos que constituíram núcleos urbanos iniciais: Argelina, Afondo Chaves,
Novo Tirol, Dona Mariana, Balbino Cunha e Afonso Pena.
Existem diferenças entre o projeto das colônias e os órgãos idealizadores. No
caso de subsídio do governo geral, foram colônias de maiores dimensões e mais distantes de
Curitiba; os provinciais foram localizados nos arredores da capital sendo projetados, apenas
lotes rurais. Por fim, os municipais tiveram uma proximidade maior ao núcleo urbano central.
212
Este processo de implantação sucessiva de assentamentos imigrantes deu-se
por meio de um planejamento de necessidade sem preocupações quanto à infra-estrutura e de
concepção projetual. São poucos os exemplos de projetos que pre-determinavam espaços
para a igreja e a escola. Desta forma, a primeira transformação espacial para adequar às
necessidades foi a reinvidicação de áreas significativas para a cultura imigrante.
Tal questão traz a correlação entre os empreendimentos desenvolvidos por
companhias de colonização particular, que atuaram nos estados de Santa Catarina e Rio
Grande do Sul, implantando várias colônias de imigrantes, principalmente europeus e o
processo das colônias desenvolvidas na área da atual RMC - Região Metropolitana de
Curitiba. Na primeira existia a estratégia de vendas de lotes, assim os projetos deveriam ser
comercializados utilizando como atrativos a infra-estrutura, a toponímia e muitas vezes com
elementos de referência da cultura imigrante. No caso de Curitiba, os lotes foram praticamente
doados em vista de uma necessidade de produção de gêneros alimentícios.
No início da formação da cidade, existia a concentração dos núcleos coloniais
na região norte e noroeste, devido à localização dos principais eixos de comunicação e a
contigüidade das colônias perfaziam áreas de extensão maiores que o próprio núcleo urbano.
Em relação à toponímia verifica-se a preponderância de enfatizar o poder provincial. A re-
construção da historiografia espacial das colônias imigrantes permitiu parte da re-composição
do processo de espacialização e a formação da gênese das paisagens étnicas de Curitiba.
213
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZZI, Riolando. A Igreja e os Imigrantes: a imigração italiana e os primórdios da obra escalabriniana
no Brasil (1884-1904) vol. I. São Paulo: Edições Paulinas, 1987. 372p.
BALHANA, Altiva Pillati.Santa Felicidade: um processo de assimilação. Curitiba: Tip. João Haup & Cia.
Ltda., 1958. 286p.
BALHANA, Altiva Pillatti et alli. Alguns Aspectos Relativos aos Estudos de Imigração e Colonização.
Separata dos Anais do IV Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História. São
Paulo, p.345-389, 1969a.
BALHANA, Altiva Pillatti. Política Imigratória do Paraná. Separata da Revista Paranaense de
Desenvolvimento, nº12, maio/jun., 16p.,1969b.
BARNABÉ, Marcos Fagundes. A organização espacial do território e o projeto da cidade: o caso da
companhia de terras norte do Paraná, 1990. Dissertação (Mestrado na Escola de Engenharia de São
Carlos) – São Carlos.
BERQUE, Augustin. Paisagem-marca, Paisagem-matriz: Elementos da Problemática para uma
Geografia Cultural. In: CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL (orgs). Paisagem, Tempo e
Cultura. Rio de Janeiro: EdUFRJ, p.84-9, 1998.
BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná, três anos de
vida em suas florestas e campos – 1872/1875. Rio de Janeiro: J. Olympio; Curitiba: Universidade
Federal do Paraná 1974, 420p. (tradução, introdução e notas de Temístocles Linhares, nota
bibliográfica de Newton Carneiro)
BORUSZENKO, Oksana (cood). Água Verde: o bairro na história da cidade. Boletim Informativo da
Casa Romário Martins, ano IX, nº 68, nov., 1982. 32p.
CARVALHO, J. M. de. A formação das almas: imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das letras, 1990.
CLAVAL, Paul. A Geografia Cultural: O Estado da Arte. In: Rosendahl, Zeny e Corrêa, Roberto Lobato
(orgs). Manifestações da Cultura no Espaço. RJ: EdUERJ, 1999. 59-98p.
______. A Geografia Cultural. 2. Ed. Florianópolis: UFSC, 2001.453p. (trad. Luiz Fugazzola Pimenta e
Margareth de Castro. Afeche Pimenta).
214
CMNP. Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná. Publicação comemorativa do
Cinqüentenário da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, 1975.
COLODEL, José Augusto. Colônia D. Augusto: uma introdução e sua história. Boletim Informativo da
Casa Romário Martins, ano X, n º 71, mar., 1983.40p.
CORRÊA, Roberto Lobato. A Geografia Cultural e o Urbano. In: CORREA, Roberto Lobato e
ROSENDAHL, Zeny (org). Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p167-
186, 2003.
COSGROVE, Denis E. Geografia Cultural. In: Espaço e Cultura, n.05 jan/jun, p.5-29, 1998.
______ Em Direção a uma Geografia Cultural Radical: Problemas da Teoria. In: CORRÊA, Roberto
Lobato e Rosendahl, Zeny (org). Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p.
103-134, 2003.
CULTURA. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 15
imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [19--]. p.409.
CULTURA. In: HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001. p.117.
CURY, Isabelle (org). Cartas Patrimoniais. 2 ed. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. 384p.
GIL FILHO, Sylvio Fausto. Colônia Polonesa e o Processo de Metropolização de Curitiba: impactos
espaciais da modernidade. 1994. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências e
Ciências Exatas. Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, São Paulo. 199p. Disponível em:
Biblioteca Digital da Universidade Estadual Paulista. Acesso em: 17 de março de 2006.
GUPTA, Akhil e FERGUSON, James. Mais Além da Cultura!: Espaço, Identidade e Política da
Diferença. In: ARANTES, Antonio A (org). O Espaço da Diferença. Campinas: Papirus, p.30-49, 2000.
DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO DO PARANÁ. Curitiba: Chain: Banco do Estado do Paraná,
1991. 654p.
ESPECULAÇÃO. In: MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Lisboa: Publicações Dom Quixote,
p. 131.
ESTRADA DO MATO GROSSO: contribuição à história dos bairros do Batel, Seminário, Barigui e
Campo Comprido. Boletim Informativo da Casa Romário Martins, ano VII, nº 50, mar., 1981. 22p.
215
FERRARINI, Sebastião. O Município de Colombo. Curitiba: Champagnat, 1992, 620p.
FERREIRA, João Carlos Vicente. Cidades Brasileiras – origem e significados dos seus nomes –
Paraná. Curitiba: J.C.V. Ferreira, 1999. 330p.
HAESBAERT, Rogério. Identidades Territoriais. In: Rosendahl, Zeny e Corrêa, Roberto Lobato (orgs).
Manifestações da Cultura no Espaço. RJ: EdUERJ, p.167-189, 1999.
HALL, Peter. Cidades do Amanhã. São Paulo: Perspectiva, 1988. 550p.(Tradução: Pérola de Carvalho)
IMAGUIRE, Key (coord). Arquitetura do Imigrante Italiano: no Bairro de Santa Felicidade. Boletim
Informativo da Casa Romário Martins, ano IV, n º 24, 59p.
KERSTEN, Márcia Scholz de Andrade. O Colono-Polaco: a Recriação do Camponês sob o Capital,
1983. Dissertação (Mestrado em História Econômica do Brasil)- Departamento de História,
Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 123p.
KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de imigrantes no Brasil: instâncais de coordenação e estruturas
de apoio. In: Revista Brasileira de Educação, nº 15, set/out/nov/dez, p.159-176, 2000.
LEÃO, Ermelino de. Diccionário Histórico e Geográfico do Paraná. Instituto Histórico, Geográfico e
Etnográfico Paranaense. Curitiba: Empresa Graphica Paranaense, 1926.
LESSER, Jefrey. A negociação da identidade cultural: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade no
Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2001. 344p.
MACEDO, Rafael Greca. Pilarzinho: o bairro na história da cidade. Boletim Informativo da Casa
Romário Martins, ano VII, nº 45, out., 1980. 25p.
______ et alli. Cabral Juvevê: os bairros na história da cidade. Boletim Informativo da Casa Romário
Martins, ano IX, nº 62, fevereiro, 1982. 42p.
______. O Parque Inglês. Boletim Informativo da Casa Romário Martins, n 41, 1982. 42p.
MARTINS, Wilson. Um Brasil Diferente: Ensaio sobre fenômenos de aculturação no Brasil. São Paulo:
Editora Anhembi Limitada. 1955. 506p.
MATTELART, Armand et al. Introdução aos Estudos Culturais. São Paulo: Parábola Esditorial, 2003.
214p.
MAZZOLENI, Gilberto. O Planeta Cultural: para uma antropologia histórica. São Paulo: Universidade
de São Paulo, 1992. 222p. (tradução Liliana Laganà e Helyo Lagabà Fernandes).
216
MÜLLER, Estêvão. Os Ventos Sopram Liberdade: alemães do Volga, a epopéia de um povo – edição
especial comemorativa. São Paulo: Centro Marista de Estudos e Pesquisa, 2003.
NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação do Território, Populações e Migrações. Coleção
História do Paraná. Curitiba: UFPR, s/d.
PARANÁ. Posturas Camara Municipal de Curityba, Estado do Paraná, decretada pela Camara Municipal
em Sessão de 22 de Novembro de 1895. 66p.
PARANÁ. Secretaria da Cultura e do Esporte, Coordenadoria do Patrimônio Cultural. A represa e os
colonos. Curitiba, 1986.144p.
RAPOPORT, Amos. House, Form and Culture. New Jersey: Preentice Hall, 1969.
______ Aspectos Humanos de la Forma Urbana: hacia una confrontación de las Ciencias Sociales
com el diseño de la forma urbana. Barcelona: Editora GG, 1977. 381p.
RELPH, Edward. Place and Placelessness. London: Pion Limited, 1976. 161p.
SAHR, Wolf-Dietrich e LÖWEN SAHR, Cicilian Luiza. Menonitas Brasileiros às Margens do Mundo
Nacional: um estudo da geografia social e cultural. In: MENDONÇA, Francisco (ed.). RAÉGA – O
Espaço Geográfico em Análise. Ed: UFPR, Revista do Departamento de Geografia e da Pós-
Graduação, nº4, ano IV, 2000.
SCHWAB, Carlos Alberto. Resumo histórico e Genealogia dos Alemães de Volga: 1877-1997.
Campo Largo: Paranaense, 1997. 684p.
STECA, Lucinéia Cunha e FLORES, Mariléia Dias. História do Paraná: do séc. XVI à década de 1950.
Londrina: EDUEL, 2002.206p.
SUTIL, Marcelo Saldanha. Boqueirão: o bairro na história da cidade. Boletim Informativo da Casa
Romário Martins. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, v.22, n.106 ago., 1995. 99p.
TOMAZ, Antonio. Colônia Imperial Santa Maria do Novo Tirol da Boca da Serra: 120 anos de
história, Genealogia. Curitiba: Editare, 1998. 592p.
WACHOWICZ, Ruy C. Santa Cândida: Pioneira da Colonização Linista: Boletim Informativo da Casa
Romário Martins, ano 2, nº 16, dezembro, 1975. 15p.
______. Tomás Coelho: uma comunidade camponesa. Curitiba: Real Artes Gráficas, 1977.
______. História do Paraná. Curitiba: Gráfica Vicentina Ltda, 1982.
217
______ O camponês polonês no Brasil. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1981.
______ Orleans: um século de subsistência. Curitiba: Edições Paiol, 1976.
WEIBEL, Leo. Capítulos de Geografia Tropical e do Brasil. RJ: Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, Conselho Nacional de Geografia, 1958. 307p.
YAMAKI, Humberto Tetsuya e NARUMI, Kunihiro. Spatial Structure of Settlement Towns in Brazil: a
comparative study of Japanese, German and Italian Towns. Osaka: Technology Reports of the
Osaka University, vol. 33, nº 1736, october, 1983. p.435-443.
YAMAKI, Humberto Tetsuya e KATO, Akinori. Spatial Structure of Community Core in Japanese
Settlement Towns in Brazil. Osaka: Technology Reports of the Osaka University, vol. 34, nº 1758,
March, 1984. p.157-166.
______. Patte Dóie Norte Paranaense: um estudo morfo-genealógico. In: SEDUR – Seminário de
Desenho Urbano. Brasília: UnB-GDF, p.235-243, 1991.
218
219
220
221
4. REFLEXÕES SOBRE AS PAISAGENS ÉTNICAS CONTEMPORÂNEAS
O resgate histórico-espacial das colônias de imigrantes demonstra a sua
importância na formação espacial da cidade de Curitiba. No entanto, novos elementos foram
agregados no processo de construção das paisagens étnicas. Estes novos elementos foram
incorporados durante o processo de planejamento urbano desenvolvido na cidade produzindo
uma série de espaços temáticos e criando outros referenciais étnicos.
Este capítulo discorre sobre a existência de três tipos de paisagens étnicas
contemporâneas na cidade de Curitiba. A primeira é as áreas das antigas colônias analisadas
no capítulo anterior. Estas requerem um olhar complementar a respeito de possíveis
elementos de identificação étnica. De acordo com Zeizel (1984), através da observação dos
espaços, pode-se supor atividades prévias e transformações, além de elementos como
personalização, zelo, mensagens públicas, entre outros, e assim, apresentar possíveis
significados de uma cultura imigrante.
A segunda paisagem étnica tem como base o questionário proposto na
pesquisa de Bahl (1994) cujo objetivo é “verificar a comprovação da existência de um legado
étnico na cidade de Curitiba (elementos identificadores das etnias), a partir do depoimento dos
imigrantes e/ou descendentes entrevistados” (BAHL, 1994, p.5-6), como opção para a
diversificação da oferta turística. Apesar das ressalvas quanto ao aporte metodológico
85
, o
resultado do questionário nos permite a uma série de reflexões diferenciadas sobre as
paisagens étnicas imaginadas pelos imigrantes e/ou descendentes.
A terceira refere-se à paisagem étnica produzida para a Construção da Capital
de Primeiro Mundo, slogan
86
utilizado pelo poder público iniciado na década de 1980 para criar
85
A amostra contou com 20 entrevistados de cada etnia (alemães, italianos, poloneses, ucranianos e japoneses)
tendo como variáveis de identificação a etnia/descendência, geração e o idioma de origem. Foram feitas perguntas
abertas e fechadas com discos demonstrativos contendo 10 referenciais indicados. Dessa forma, apesar do autor
afirmar uma pesquisa exploratória preliminar para compor previamente os elementos de indicação, este tipo de
metodologia pode induzir às determinadas respostas.
86
De acordo com Mendonça (2001), vários slogans publicitários se sucederam com o intuito de criar imagens de
positividade para a Capital: a partir de 70 é apresentada como “exemplo de planejamento urbano”; entre 1980-1990
como “Capital do Primeiro Mundo”; depois como “Capital Ecológica” e em 2000 como “Capital Social” .
222
a imagem da eficácia de planejamento urbano (MENDONÇA, 2001). Uma das estratégias foi
vincular os bons resultados da experiência curitibana, no campo de planejamento urbano, à
formação étnica de sua população, disseminando uma série de espaços temáticos étnicos
como memoriais, portais, bosques e monumentos. Assim sendo, a partir da leitura de
paisagens, discorre-se que o planejamento urbano da cidade de Curitiba tem des-construído
as paisagens étnicas das antigas colônias imigrante e construídas outras sob falsas
continuidades.
4.1 PAISAGENS ÉTNICAS DAS ANTIGAS COLÔNIAS DE IMIGRANTES
Com um olhar complementar em áreas de antigas colônias imigrante, podem-se
observar permanências que, de acordo com Rossi (1995) são persistências detectáveis dos
sinais físicos do passado; pode-se também delinear a existência de territorialidade e de
sentido de pertencimento. Lang (1986) sugere algumas das características de territórios, entre
as quais a propriedade e a personalização, e Gifford (1997) afirma que o sentido de
pertencimento vem a ser os significados desenvolvidos por meio da familiaridade com o
ambiente construído através de vários mecanismos culturais.
A análise morfológica do capítulo anterior demostrou que o parcelamento das
colônias de imigrantes variava quanto à dimensão dos lotes. No entanto, de acordo com Claval
(2001), as marcas fundiárias imprimem traços de difícil transformação; ao contrário da
existência efêmera das construções, possibilitando, portanto, observar a continuidade
espacial. Nesse sentido, essas marcas são verificáveis em várias antigas colônias que foram
incorporadas à malha urbana de Curitiba. Apesar do mapa de “evolução da ocupação urbana”,
realizado pelo IPPUC (Mapa 4.1), não considerar, como dados, as áreas das antigas
ocupações das colônias de imigrantes, pode-se fazer sua simulação na atual área de Curitiba,
apesar de os limites originais das colônias nem sempre corresponderem aos limites dos
bairros.
A partir do processo de expansão do núcleo urbano inicial, dá-se a anexação da
maioria das colônias à malha urbana da cidade, uma vez que estas foram implantadas a cerca
de 3 a 10 km do núcleo central, como Dantas (atual Água Verde), Argelina (atual Bacacheri),
223
Pilarzinho, Abranches, Lamenha, Santa Felicidade, Santo Inácio, Orleans, Riviere (atual
Riviera) e D. Augusto (atual Augusta). Dessa forma, pode-se observar a espacialização desse
processo, como é demonstrado no Mapa 4.2, e afirmar que Curitiba é a única metrópole
brasileira que incorporou como seus bairros, no processo de urbanização e expansão, antigas
colônias de imigrantes.
Uma outra estratégia de observação das permanências pode ser verificada na
sobreposição do projeto original de 1877, em que se mostra a absorção da colônia de Santo
Inácio, à atual malha urbana (Figura 4.1).Verifica-se que os limites oficiais dos bairros não são
os mesmos das áreas projetadas inicialmente. Apesar disso, observa-se a continuidade dos
acessos principais tanto no sentido leste-oeste quanto no sentido norte-sul. Constata-se a
continuação das linhas de parcelamento, devido à questão de demarcação fundiária. A área
da extremidade leste do antigo assentamento era caracterizada por um banhado e atualmente
comporta parte do Parque Barigui, construído em 1972.
Verifica-se o simbolismo da permanência da igreja implantada desde os
primórdios da colônia que, no presente, se localiza em uma rua secundária e sem saída. Tal
fato retoma a discussão do capítulo anterior, que mostra que em muitos projetos das colônias
de imigrantes não houve uma definição inicial desse espaço simbólico, reafirmando o
planejamento de necessidade nos projetos das colônias imigrante desenvolvidos pela
Província. No entanto, a continuidade do lugar pode ser verificada na reconstrução da nova
igreja de Santo Inácio Mártir (Figura 4.2).
Em relação ao olhar complementar, dirigido à parte Oeste da cidade que
compreende as áreas das antigas colônias: Augusta, Orleans, Santo Inácio e Riviera. Estas,
em um primeiro momento, são fragmentos da capital, com uma ambiência de cidade pequena.
Na antiga área da colônia Rivierre (atual bairro Riviera), apesar de ela ser mapeada como
bairro da cidade, há o predomínio de chácaras, dando continuidade à imagem de um
assentamento rural. Pode-se notar, no mapa atual de arruamento do IPPUC, que apenas três
ruas cortam toda a extensão do bairro. Augusta, na antiga área da colônia D. Augusto,
apresenta-se de forma semelhante; no entanto, foi implantada a Vila São José como um
pequeno núcleo urbano, com lotes considerados mínimos. Em toda a sua extensão Oeste tem-
se como limite o parque municipal do Passaúna (Figura 4.3).
224
225
226
227
228
O reparcelamento das antigas propriedades rurais, no caso de Santo Inácio e
Orleans
87
, é verificável no loteamento urbano de caráter mais consolidado. Contudo, é mantida
uma baixa densidade de ocupação em virtude da legislação existente, como áreas de
preservação urbana e como estrutura fundiária afeita a novos condomínios horizontais. Estes,
por meio de anexação dos lotes rurais, perfazem áreas de grandes dimensões apropriadas a
este tipo de empreendimento imobiliário.
O único destaque de verticalização na paisagem são as torres das igrejas. A
primeira capela de Orleans
88
foi construída em 1876 e substituída pela nova igreja em 1880
com o auxílio dos imigrantes. Esta foi demolida em 1930 sendo erguida a atual paróquia de
Santo Antônio de Orleans, em 1936. Observa-se como característica peculiar das imigrações
européias a contigüidade do cemitério paroquial (Figura 4.4).
Fi
g
ura 4.4
Paróquia Santo Antonio de Orleans e Cemitério Paroquial
87
De acordo com depoimento de Eduardo Kloss, ex-presidente do Conselho Comunitário e da Comissão da Igreja,
Orleans começou a ser parcelada em meados de 1965. Ver Diário do Paraná, 13 de Agosto de 1975.
88
Ver reportagens sobre a colônia Orleans no jornal Gazeta do Povo de 10 de jan. de 1982 e de 06 de jan. de 1991.
229
São vários os exemplos de permanência de topônimos como os dos bairros
Pilarzinho, Abranches, Santa Candida, Orleans, Santo Inácio, Lamenha, Tomaz Coelho, Santa
Felicidade, entre outras denominações iniciais que persistem desde a implantação das
colônias, assim como de alguns letreiros das fachadas comerciais que exteriorizam nomes de
origem dos imigrantes (Figura 4.5).
Quanto à denominação de acessos, verifica-se a continuidade de nomes
utilizados desde os primórdios das colônias, como estrada da Colônia Riviera e estrada da
Colônia Augusto. Os nomes das ruas também servem como elemento de referência aos
imigrantes, por exemplo, em Orleans, tem-se Kubis, Wichnewski, Faggiatto, Wellneck; em
Santo Inácio, Majewski, Zimmer, Schwartz, Sikorski, Leprevoski; em Riviera, Eckstein e
Laskoski; e em Augusta, Pavelski, Beck, Kamiski, Muller. À exceção do último nome, a maioria
delas é de origem polonesa. Esta área comporta o antigo distrito municipal de Nova Polônia,
visto anteriormente que vigorou por 46 anos (1892-1938). Tratamento diferente quanto a
denominação de ruas, nota-se o núcleo urbano da Vila São José. Basta mencionar, por
exemplo, Cruzeiro do Oeste, Piraí do Sul, Faxinal, Concórdia, nomes todos eles, referentes às
cidades do interior do Paraná.
Figura 4.6 – Roofscape
Bairro Santa Felicidade
Figura 4.5 – Letreiro comercial
Bairro Santo Inácio
230
A paisagem de algumas ruas é diferenciada pelo seu roofscape
89
com telhados
de forte inclinação que revela a existência do sótão, uma arquitetura que traz referência de
valores transplantados por imigrantes
90
e que produziram uma paisagem particular (Figura
4.6). No entanto, é nas ruas internas que se encontram resquícios de arranjos espaciais
individuais que, no conjunto, revelam sua identificabilidade étnica com uma tipologia de casas
simples, de madeira, avarandadas, na sua maioria sem os ornamentos dos lambrequins. As
alcovas, algumas vazias no frontão das casas, onde eram inseridas imagens religiosas com a
função de proteção, permanecem. Algumas delas demonstram um sincretismo religioso
(Figura 4.7).
Figura 4.7 – Tipologias das casas em Orleans e Santo Inácio
89
Roofscape refere-se à paisagem dos telhados, a quinta fachada, como elemento de diferenciação nas cidades da
Ásia. Um estudo comparativo dos Roofscapes europeus e asiáticos, assim como a percepção dos estrangeiros e
japoneses foram utilizados para a definição do telhado enquanto símbolo de identidade étnica e de exteriorização
do poder japonês nos territórios conquistados (KANASHIRO, 1999).
90
São vários os estudos existentes sobre tipologias de arquitetura vernacular imigrante. No caso dos alemães ver
WEIMER, Günter. A arquitetura da imigração alemã – um estudo sobre a adaptação da arquitetura centro-européia
ao meio rural do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRS, 1983; italianos ver POSENATO, Júlio. Arquitetura da
imigração italiana. Porto Alegre: Posenato Arte e Cultura, 1997; poloneses ver VALENTINI, Jussara. A arquitetura
do imigrante polonês na região de Curitiba. Curitiba: IHGEP, 1987.
231
Vê-se um freqüente número de moradores, principalmente nos fins de semana,
cuidando de áreas públicas como extensão dos jardins particulares e constatam-se várias
intervenções nas calçadas. As calçadas, de acordo com o atual Código de Obras, são de
responsabilidade do proprietário. Tal fato pode ser determinante para uma maior utilização de
tipos de pavimentação que não necessitem de manutenção. Todavia, observa-se que nestes
bairros é comum o uso de cobertura gramínea que, em uma primeira impressão, poderia ser
definida como uma área carente de infra-estrutura. Entretanto, de acordo com Relph (1977) e
Tuan (1983), respeito e zelo por um determinado local são expressões de individualidade,
porém no conjunto podem refletir manifestações de culturas espaciais diferenciadas (Figura
4.8).
Figura 4.8 – Manisfestações de zelo
232
Pela emulação entre os proprietários, o cuidado com as áreas externas, com
jardins, com árvores frutíferas, com canteiro de flores e com hortas é acentuado. Essas
imagens relembram as descrições dos viajantes - referidas no Capítulo 1- que as relatavam
como elementos de identificabilidade de imigrantes europeus. Retomando as discussões de
Pereira (1996), que diz respeito ao início da formação da Província, o jardim e o quintal do
imigrante eram as próprias expressões da força do trabalho, capazes de levar qualquer um à
prosperidade e, de certa forma, teriam o significado simbólico de que os imigrantes eram
“proprietários rurais” (Figura 4.9).
Figura 4.9 – casa na antiga colônia de Orleans
Esquina da rua B. Chanoski e Três Marias
A dimensão dos antigos lotes rurais permitiu a implantação, em um único
terreno, de várias unidades, garantindo, em muitos casos, a unidade familiar. Nas áreas onde
ocorreu a formação de um núcleo mais urbanizado, como se deu nas antigas colônias de
Orleans e Santo Inácio são vários os exemplos de três ou mais construções dentro de um
mesmo lote formando pequenas vilas que definem áreas comuns, como acesso e jardins, e
áreas individuais (Figura 4.10).
233
Fi
g
ura 4.10
Vilas na anti
g
a colônia Santo Inácio
Observam-se, ainda, exemplos que demonstram as sucessivas construções
definidas no tempo, como a casa inicial, o galpão e a casa definitiva construídas de forma a
configurar um espaço aberto, nos bairros que ainda guardam o seu caráter rural, como em
Augusta e Riviera (Figura 4.11). Nos estudos sobre a habitação rural de imigrantes verifica-se
uma progressiva melhoria no padrão das construções, passando a habitação provisória de
madeira a ser utilizada como galpão para depósito de produtos agrícolas e outras finalidades.
Quando as condições econômicas permitiam era construída a casa definitiva de alvenaria.
(MARTINS, 1955).
234
Fi
g
ura 4.11
Lote rural em Au
g
usta
Pode-se constatar, na justaposição de paisagens antigas, que ainda relembram
as antigas propriedades rurais como testemunho de um assentamento de imigrantes, com a
dos novos empreendimentos imobiliários - produção em série de casas geminadas e
condomínios horizontais fechados - áreas em vias de transformação (Figura 4.12).
Portanto, nessas antigas áreas de colônias de imigrantes, por meio do olhar
complementar, podem-se revelar resquícios de paisagens étnicas. As demarcações fundiárias,
os espaços religiosos, os caminhos e acessos são permanências detectáveis. Assim como os
arranjos espaciais -as vilas; as tipologias de arquitetura vernacular; os símbolos de proteção –
os nichos no frontão das casas; a toponímia – de estradas, ruas e letreiros comerciais; a
exteriorização dos jardins e as marcas de zelo fazem parte das paisagens étnicas das antigas
colônias de imigrantes de Curitiba.
235
Fi
g
ura 4.12
Paisa
g
ens atuais na anti
g
a colônia de Santo Inácio
236
4.2 PAISAGEM ÉTNICA IMAGINÁRIA DOS DESCENDENTES
Nas questões sobre as várias visões de paisagem discutidas inicialmente,
salienta-se seu valor perceptivo, muitas vezes de significado e de influência cultural, as quais
podem configurar maneiras de julgar e compor imagens de um determinado grupo. Nesse
sentido, decidiu-se utilizar o questionário realizado por Bahl (1994) junto a grupos de
imigrantes e/ou descendentes. O resultado do questionário oferece recursos para reflexões
diferenciadas referentes à pesquisa sobre a existência de paisagens étnicas contemporâneas
imaginadas pelos imigrantes e/ou descendentes.
A importância dos espaços religiosos sobressai como referência dos imigrantes.
No caso dos alemães, são citadas, por 80% deles, a Catedral Basílica Menor
91
(localizada na
Praça Tiradentes); a Igreja Bom Jesus (Praça Rui Barbosa) e a Igreja Presbiteriana
92
(Praça
Garibaldi), as duas últimas por 55%. Os italianos citam (80%) como referência a Igreja das
Mercês e a de São José (55%), localizada no bairro de Santa Felicidade (Figura 4.13 e Figura
4.14). Os poloneses citam, 95% deles, a Igreja de Santo Estanislau e 80% a de São Vicente
de Paula. Observa-se que o simbolismo religioso revela traços de permanência étnica dos
imigrantes, constituindo-se como referência simbólica de sua tradição. O resgate da formação
dos assentamentos das colônias de imigrantes - abordado no Capítulo 3 - revelou a
necessidade primeira de construír suas igrejas e posteriormente as escolas, elementos
significativos para a constituição de uma comunidade.
As atividades sociais dos imigrantes, no final do século XIX, passam a
acontecer em locais próprios como os clubes. Em 1869, surge o Clube Germânia, criado pela
colônia alemã, o qual se funde em 1886 ao Concórdia, fundado em 1873. Em 1883, a colônia
italiana funda a Sociedade Garibaldi. Outros imigrantes alemães criam, em 1884, a sociedade
91
Localizada na Praça Tiradentes, inicialmente era uma pequena capela de madeira, que em 1715 foi elevada à
primeira Igreja Matriz. Foi então erguida uma outra de pedra e barro, em estilo colonial. Em 1860, por ocasião do
levantamento das torres, apresentou rachaduras o que motivou, em 1875 sua completa demolição. A inauguração
da atual igreja foi em 1893, restaurada em 1993, ano em que passou a denominar-se Catedral Basílica Menor
(SETU – Secretaria do Estado de Turismo)
92
Construção de 1934, localizada na Praça Garibaldi. Seu interior possui elementos decorativos alemães, sendo o
primeiro dos cinco templos da Igreja Presbiteriana Independente que teve origem na divisão da Igreja Presbiteriana
Tradicional, ocorrida no Brasil em 1903. Disponível em: http://www.curitib.gov.br/pmc/
237
Rio Branco, anteriormente denominada Unterstützungsverein e depois
Handwerker. A sociedade teuto-brasileira fundada em 1890 seria rebatizada como Duque de
Caxias. A Figura 2.11 - inserida no Capítulo 2 - refere-se à “Planta de Curityba em 1894” e
observa-se que as construções marcadas na cor preta indicam os clubes existentes naquela
época.
Fi
g
ura 4.13
Catedral Basílica Meno
r
Fi
g
ura 4.14
I
g
re
j
a Presbiteriana
As respostas ao questionário apontam os clubes como locais de referências
étnicas como Rio Branco, Duque de Caxias e Concórdia para os alemães e as Sociedades
Garibaldi
93
, Trieste e Dante Alighieri para os italianos. No caso dos poloneses, a Sociedade
União Juventus e a Polono-Brasileira. Os clubes
94
são uma necessidade de um espaço de
93
Em 1895 o terreno foi doado pelo governo estadual e o consul italiano concedeu empréstimo à comunidade
italiana. O projeto foi realizado pelo engenheiro italiano Ernesto Guaita. Durante a Segunda Guerra Mundial, o
prédio foi invadido e confiscado pelo Estado, tendo sido usado como Palácio da Justiça e sede do Tribunal Regional
Eleitoral. A edificação retornou a colônia italiana em 1965 e, em 1993, o município a transformou em Unidade de
Interesse de Preservação. (SETU – Secretaria de Estado do Turismo).
94
Pesquisa sobre a questão dos clubes ou as chamadas casas regionais de imigrantes como elemento de
assistência e referência, na continuidade de tradições, tem sido temáticas desenvolvidas sobre o revivalismo
cultural (SOUZA, 2005).
238
convivência cultural e são apontados como locais de concentração dos imigrantes. Nota-se
que, nas últimas décadas de revivalismo cultural e de afirmação étnica, esses locais têm
emergido como centros de disseminação de costumes e tradições (Figura 4.15 e Figura 4.16).
Figura 4.15 – Clube Concórdia
Fonte: www.curitiba.pr.gov.br/pmc/a_cidades/
Figura 4.16 – Sociedade Garibaldi
Fonte: www.curitiba.pr.gov.br/pmc/a_cidades/
Diferenças no resultado do questionário entre as etnias são evidenciadas. Por
exemplo, somente os alemães citam locais de educação como os colégios: Martinus
95
, Divina
Providência e Bom Jesus
96
. O estudo de Kreutz (2000) sobre a questão da educação das
várias etnias dos imigrantes no Brasil comprova, com dados relativos à implantação de
escolas, que o número mais expressivo de escolas étnicas foi o dos imigrantes alemães,
acrescidos de sanções religiosas severas aplicadas àqueles que não participassem das
atividades de alfabetização.
Com referência à produção industrial, os alemães têm os Pianos Essenfelder
97
e
a Ferraria Muller (atual shopping), e os italianos indicam as vinícolas
98
todos com 70% de
95
Em 1884 esta escola foi tranformada em uma sociedade escolar, a Escola Alemã, esta mantida até 1898, pela
comunidade evangélica luterana de Curitiba.
96
O Colégio foi fundado inicialmente com o nome de Escola dos Meninos Alemães.
97
Ver Boletim Informativo da Casa Romário Martins: “Pianos Essenfelder: Trabalho, Técnica e Arte” que descreve a
origem, o trabalho artesanal desenvolvido pelos imigrantes e a referência nacional de qualidade do artefato
industrial. Apesar da família ter imigrado da Argentina para o Rio Grande do Sul, a madeira da peroba encontrada
no Estado do Paraná era a matéria-prima necessária para a produção de algumas peças que exigiam madeira dura.
A fábrica foi transferida para Curitiba em 1911. Por muito tempo, a fábrica esteve instalada no Alto da Glória
transferindo, em 1995, suas instalações para o CIC.
98
Ver Balhana (1958), Santa Felicidade: um processo de assimilação. Balhana cita também a industrialização de
produtos de vime. Recentemente o turismo cultural tem reforçado a cidade de Colombo como “Circuito Italiano”.
239
indicação. O resgate histórico sobre a imigração confirma que os alemães foram considerados
os imigrantes mais urbanos, partindo desde o início para atividades comerciais e industriais
99
.
No entanto, em relação à indicação de áreas ou bairros de identificação étnica,
85% dos poloneses fazem alusão aos bairros Abranches
100
e Santa Cândida, e 90% dos
italianos Santa Felicidade como principal local de concentração. Por outro lado, 60% dos
alemães apontam o Largo da Ordem, espaço central da cidade, como local de referência da
sua etnia. É no Largo da Ordem que está localizada a Igreja Presbiteriana e as construções
das primeiras atividades comerciais por eles desenvolvidas na cidade.
Pode-se averiguar nas paisagens étnicas imaginadas pelos imigrantes e/ou
descendentes que estas se referem aos elementos construídos, como igrejas e clubes, que
carregam um simbolismo étnico vinculado às instituições religiosas e socioculturais. Alusão às
indústrias pode ser entendida como expressão de alcance do poder econômico de suas
respectivas etnias. As paisagens das antigas colônias são quase inexpressivas nas respostas
ao questionário, exceto o Bairro de Abranches e o Pilarzinho para os poloneses que se
configuram como etnia de maior característica rural entre os imigrantes e/ou descendentes.
Santa Felicidade, no entanto, é reconhecida como um dos principais eixos gastronômicos da
cidade, sendo referência turística incorporada à etnia italiana.
Fato destacado, no resultado dos questionários, é a inclusão de espaços, por
exemplo, os bosques e portais, como elementos de identidade étnica para os próprios
descendentes de imigrantes: o Bosque João Paulo II (1980) é citado por 85% dos poloneses
como o seu principal local de concentração; o Portal de Italiano (1990) e o Portal Polonês
(1991) são citados respectivamente por 80% e 65%. Destarte, pode-se afirmar que os espaços
projetados de simbolismo étnico foram rapidamente assimilados pelos imigrantes e/ou
descendentes como elementos representativos da sua etnia.
99
Ver Weibel (1958), Martins (1955) e Azzi (1987). Bigg-Whiter nas suas observações de Curitiba, em 1872, e
descreve que “todas as lojas maiores pareciam ser de propriedade de brasileiros ou portugueses, enquanto que as
menores estavam nas mãos de alemães” (BIGG-WITHER, 1974, p.77-78).
100
Sobre Abranches ver Diário do Paraná “Curityba receberá imigrantes polonezes em novembro” de 31 de maio de
1973; Diário do Paraná “Abranches: cem anos de vida comunitária” de 18 de novembro de 1973; o Diário do Paraná
de 30 de julho de 1974 “Julinda, uma mestra no Abranches”; Jornal do Estado “Poloneses comemoram seus 120
anos em Curitiba” de 03 de outubro de 1991 e a Gazeta do Povo “Abranches, o bairro das mazurkas” de 27 de
outubro de 1991.
240
4.3 PAISAGEM ÉTNICA PARA A CONSTRUÇÃO DA CAPITAL DE PRIMEIRO MUNDO
Como os espaços étnicos construídos foram assimilados pelos imigrantes e/ou
descendentes, define-se a terceira paisagem étnica contemporânea produzida para a
construção da imagem de “Capital de Primeiro Mundo. A temática étnica foi disseminada,
pontualmente, pelo processo de planejamento desenvolvido em Curitiba construindo-se vários
espaços étnicos (Quadro 4.1)
O questionário de Bahl foi aplicado em 1994, época em que somente o Bosque
do Papa (1980) e os Portais Italiano (1990) e Polonês (1991) haviam sido construídos. A partir
desse ano, uma sucessiva implantação de espaços temáticos similares foi construída em que
a etnia é o mote de concepção: Bosque de Portugal (1994), Memorial da Imigração Ucraniana
(Parque Tingui -1995), Bosque Italiano e Memorial (1996), Memorial Árabe (1996), Bosque
Alemão (1996) e Praça Japão (1968) com a construção do Palácio de Hyogo (1996).
241
O projeto pioneiro de Curitiba, de vínculo étnico, é o Bosque João Paulo II
(1980) construído na 2º gestão do prefeito e arquiteto Jaime Lerner (1971-1983) logo após a
visita do papa João Paulo II a Curitiba. O projeto faz o transplante de 7 (sete) casas da antiga
colônia de Tomaz Coelho, em vias de serem alagadas pela construção da barragem no rio
Passaúna. As casas construídas pelo sistema de log-house (troncos encaixados
horizontalmente)
101
traduzem a arquitetura dos imigrantes desenvolvida inicialmente pelos
carpinteiros poloneses. Este tipo de intervenção é similar ao dos denominados open-air-
museum que têm como principal objetivo a preservação, por meio de reconstrução ou
transplante, de exemplares vernaculares, para a reconstituição de vilas de pioneiros. O
primeiro projeto foi realizado na cidade de Skansen, na Dinamarca, em 1891, com o propósito
de mostrar o modo de vida em diferentes partes da Suécia (Figura 4.17).
Figura 4.17 – Bosque João Paulo II
Fonte: http://www.curitiba.pr.gov.br/pmc
Em uma nova gestão do arquiteto Jaime Lerner (1989-1992), após uma década
da existência do Bosque do Papa, o Portal Italiano (1990) e o Portal Polonês (1991) são as
criações que reafirmam as respectivas etnias (Figura 4.18). O primeiro portal relembra
detalhes e formas das habitações dos imigrantes italianos, localizado na entrada da rua
principal da antiga colônia de Santa Felicidade, definindo um eixo gastronômico italiano. O
segundo implantado na Rua Mateus Leme, antigo acesso ao caminho do Assunguy, estiliza
101
Garcia, Fernanda em “Arquitetura de Madeira: uma tradição paranaense” (1987) estuda as tipologias das
arquiteturas construídas por imigrantes alemães, italianos e poloneses.
242
encaixes e detalhes de ornamentos de madeira e reforça o acesso ao Parque João Paulo II.
Este último teve a iniciativa política de um vereador descendente polonês para marcar os 120
anos da imigração
102
. O portal, na sua gênese, era o elemento definidor das cidades muradas
medievais, demarcando o seu acesso e definindo territorialidades (RUDOVSKY, 1973). A sua
proliferação, em várias cidades caracterizadas pela imigração, tem sido largamente registrada,
indicando, às vezes, acesso da cidade ou compondo atividades culturais e de informações
turísticas como em Joinville, Blumenau, Pomerode , entre outras.
Figura 4.18 – Portal Italiano (R. Manoel Ribas) e Portal Polonês (R. Mateus Leme)
Fonte: www.curitba-parana.com/
Na gestão seguinte, em uma continuidade política, assume o prefeito e também
arquiteto Rafael Greca (1993-1996), anteriormente responsável pela Fundação Cultural de
Curitiba. Afirma Meucci (1994, p.13) que “já prefeito por ocasião das festividades em
comemoração aos trezentos anos da cidade, houve uma série de eventos cujo objetivo era por
em evidência a questão das etnias” (Apud MORAES e SOUZA, 1999). Greca dá continuidade
à construção de uma capital étnica com a criação de uma série de bosques e respectivos
memoriais temáticos dos imigrantes.
102
Ver o Jornal do Estado de 31 de outubro de 1991.
243
O primeiro projeto desenvolvido na gestão de Rafael Greca é o Bosque de
Portugal (1994) e constitui-se uma área de animação, construída em piso de mosaico
português circundada por colunas com os nomes dos países de língua portuguesa. Além do
espaço denominado Alameda dos Cantares, destinado a homenagear os países de língua
portuguesa. Neste percurso estão gravados sobre azulejos trechos de poesias de Luiz de
Camões, Gregório de Matos entre outros poetas lusitanos.
O segundo projeto é o Memorial da Imigração Ucraniana construído no Parque
Tingui (1995). Um portal de madeira demarca o acesso e uma réplica da Igreja de São Miguel
Arcanjo, em menor escala que a originalmente construída, no Município de Mallet (Pr), cidade
de forte imigração ucraniana. No entanto, o local não tem funções religiosas, servindo apenas
para demonstrar as tradições ucranianas (Figura 4.19).
Figura 4.19 – Memorial da Imigração Ucraniana no Parque Tingui
Fonte: http://www.curitiba.pr.gov.br/pmc
O terceiro espaço de referência étnica é o Memorial da Imigração Italiana
implantado no Bosque São Cristovan em 1996, atualmente conhecido como Bosque Italiano.
Uma estilização da fachada da Igreja de São José, a primeira matriz de Santa Felicidade, é
construída como reprodução de um cenário (Figura 4.20). O último projeto é o Bosque Alemão
criado em 1996 o qual reconstitui a fachada da Casa Mila, uma antiga residência construída
por imigrantes alemães na rua Barão do Cerro Azul. Faz parte do complexo a Torre dos
Filósofos, além da réplica de uma antiga igreja Presbiteriana de madeira do bairro Seminário
(Figura 4.21).
244
Figura 4.20 – Bosque Italiano São Cristovan
Fonte: http://www.curitiba.pr.gov.br/pmc
Figura 4.21 – Bosque Alemão
Fonte: http://www.curitiba.pr.gov.br/pmc
245
Entre outros espaços temáticos étnicos, duas etnias foram incluídas com seus
respectivos memoriais, a japonesa e a árabe, porém em projetos de menor escala. Ambas são
imigrações mais recentes, porém fazem parte de uma extensa discussão, levantada por
Lesser (2001), sobre a construção de uma identidade nacional, expondo como algumas etnias
tornaram-se desejáveis não mais pelo discurso cultural, mas pelo poder econômico e político.
A construção da Praça Japão foi iniciada em 1958, às expensas da comunidade
japonesa com o auxílio da Prefeitura Municipal. Lagos artificiais, cerejeiras e lanternas
nipônicas compõem o cenário. Em 1993 foi realizada uma reforma com a inserção de símbolos
étnicos como o Portal Japonês, a Casa de Cultura e a Casa de Chá. Em 1996, é inaugurado o
Palácio de Hyogo, na gestão do engenheiro Cássio Taniguchi (1996-1999), com uma
arquitetura vinculada à imagem do Templo Kinkakuji, para a recepção do casal imperial (Figura
4.22). O Memorial Árabe localiza-se próximo ao Passeio Público, especificamente na Praça
Gibran Kalil Gibran, como uma colagem de elementos que remetem às edificações mouriscas
como abóbodas, vitrais, colunas e arcos.
Figura 4.22 – Palácio de Hyogo
Fonte: http://www.curitiba.pr.gov.br/pmc
246
Todos esses espaços temáticos de celebração das etnias, a maioria européias,
enquanto concepções projetual reproduzem réplicas, reconstituem fachadas e criam espaços
de fácil assimilação. De acordo com Relph (1976), são pseudo-lugares ou lugares sintéticos,
porém, podem constituir-se uma das estratégias de reforço da imageabilidade
103
dos espaços
públicos; não são espaços inocentes e sua aparência e forma podem ser capitalizadas, no
caso de Curitiba, como projeto político-governamental para a projeção da Capital de Primeiro
Mundo por meio da vinculação da idéia de desenvolvimento a partir da imagem de uma
população européia, portanto, “morigerada e laboriosa”.
103
Imageabilidade ou imaginabilidade são termos de Lynch (1960) que define como “aquela qualidade de um objeto
físico que lhe dá uma alta probabilidade de evocar uma forte imagem em qualquer observador”
247
4.4 VERACIDADES SOBRE A CONSTRUÇÃO DAS PAISAGENS ÉTNICAS CURITIBANAS
A partir dos delineamentos sobre a existência de paisagens étnicas
contemporâneas de Curitiba é necessário discorrer sobre as questões de produção, invenção
ou anulação destas no processo de construção das paisagens étnicas curitibanas.
Primeiramente, faz-se especulações sobre o processo de des-construção das
paisagens das antigas colônias de imigrantes. Demonstra-se, por meio de alguns exemplos,
que nas intervenções contemporâneas da cidade têm sido desconsideradas as relações
históricas, culturais e sociais dos antigos assentamentos de imigrantes.
Em seguida as referências aos espaços temáticos que foram produzidos para a
criação da imagem de Capital do Primeiro Mundo. Neste caso, interpreta-se que foi acobertada
parte da história da formação da sociedade curitibana, deixando na invisibilidade o negro e,
retomando de maneira romântica a história dos imigrantes encobriu-se uma época de
perseguições, criando uma falsa idéia de continuidade.
4.4.1 DES-CONSTRUÇÃO DAS PAISAGENS ÉTNICAS DAS ANTIGAS COLÔNIAS
IMIGRANTE
São várias as intervenções ocorridas nas áreas das antigas colônias de
imigrantes que exprimem, de acordo com Torres (1996), um planejamento urbano de planos e
estratégias cujos principios norteadores referem-se ao desenvolvimento. Relph (1987)
comenta que este tipo de planejamento urbano funciona, sobretudo nas duas dimensões dos
mapas, mas afetam diretamente a utilização do solo, o traçado das vias, os edifícios, enfim
toda a escala urbana, da microregião à macroregião.
Um dos exemplos diz respeito à chamada “engenharia das estradas” na
implantação do contorno norte de Curitiba, o qual dividiu a antiga área da colônia Orleans,
como pode ser observado na Figura 4.3. De acordo com Rykwert (2004), que fez
recentemente várias críticas sobre a maneira de “fazer” as cidades, o automóvel tem sido um
dos principais atores, que leva a uma hipertrofia aguda de vias expressas e pela destruição de
248
bairros cheios de vitalidade e reminiscências históricas. De maneira similar, Appleyard (1981)
demonstra como o alargamento de vias e o aumento do fluxo veicular tem reflexos diretos em
questões referentes ao sentimento de pertencimento e de “lar”. E Souza (2001) diz que o
equipamento estrada, apesar de significar ligação, significa também a função de barreira.
A colônia Tomaz Coelho praticamente desapareceu com a construção da
barragem do Passaúna
104
, construída em 1989, para a implantação de um novo manancial de
abastecimento da RMC - Região Metropolitana de Curitiba. Embora tenha sido criada uma
Comissão Coordenadora do Rio Passaúna com o envolvimento de 31 entidades, a construção
da barragem já era um fato, fundado no saber técnico sem uma discussão prévia com a
população a ser atingida pelo processo. A extensão do lago de aproximadamente 35.000 m
2
de superfície afetou um total de 179 propriedades. Várias foram as críticas
105
ao autoritarismo
técnico e à prioridade econômica, justificada como necessidade de desenolvimento.
Outro tipo de intervenção foi a criação do CIC - Cidade Industrial de Curitiba. O
Executivo Municipal em 1973 declarou como utilidade pública uma área de aproximadamente
4.370ha, cerca de dez por cento do total de 43.100 ha. do município com o objetivo de
atratividade empresarial e geração de empregos. Este projeto, desenvolvido pelo responsável
do Plano SERETE, o arquiteto Jorge Wilheim - visto no Capítulo 2 - é implantado na parte
Oeste da cidade. Nesse processo, no CIC de Araucária - CIAR, a colônia Tomaz Coelho foi
afetada pela implantação de núcleos industriais
106
, da Refinaria da Petrobrás, revelando mais
uma vez, a industrialização como progresso econômico.
104
Ver Pereira, Gislene (2002), tese de doutoramento a qual explicita a relação entre pobreza e degradação
ambiental tendo como área de estudo a região da Bacia do Rio Passaúna. Embora a área seja uma APA – área de
preservação ambiental, com a predominância do uso residencial, observa-se atividades incompatíveis com índices
poluidores, superiores ao recomendado. Existem cerca de 3.974 domicílios irregulares, sem infra-estrutura mínima
como esgoto sanitário, ocorrência de fenômenos erosivos nas ocupações dos fundos de vale e encostas.
Demonstra ainda o círculo vicioso do processo que relaciona pobreza e degradação ambiental, na comercialização
das ocupações irregulares. Tese de doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR (2002).
105
Ver A Represa e os Colonos, publicação da Secretaria do Estado da Cultura (1986). A Gazeta do Povo de
13/10/1985 traz como manchete: “Toneladas de água cobriram terras férteis para a construção de uma barragem.
Outras toneladas de água substituirão uma comunidade com valores culturais preservados há um século. Qual será
o próximo passo?”
106
Ver Kersten, Marcia (1983), na sua dissertação de mestrado verifica a transformação da paisagem na
construção da barragem do Passauna e na implantação do CIAR.
249
Observa-se outro fenômeno recente, na valorização das chácaras nas antigas
colônias, como em Augusta e Orleans, causando o processo de gentrification
107
, na expulsão
dos antigos moradores pela valorização das áreas. Este processo está aliado à proliferação
dos loteamentos horizontais fechados na região Oeste, como foi visto anteriormente, na
anexação de lotes rurais. Dessa forma, recorre-se à discussão inicial sobre paisagens, as
quais são dinâmicas, construídas e reconstruídas cujo rebatimento espacial refere-se às forças
dominantes.
Estes exemplos evidenciam que o processo de urbanização e o planejamento
urbano de Curitiba têm destruído sistematicamente os territórios das paisagens étnicas. A
despeito do discurso de Agache e do Plano SERETE – que analisa a formação da sociedade
curitibana - exposto no Capítulo 2, direcionado a uma característica singular e genuína de
imigrantes europeus, as áreas de antigas colônias de imigrantes não foram consideradas nos
respectivos planos. A partir da adoção do Plano SERETE, Curitiba entra na fase do
planejamento urbano moderno com métodos dominantes de diretrizes metodológicas definidas
para a análise e propositura de ações voltadas às questões de desenvolvimento urbano. Têm-
se como resultado os planos diretores e os planos de uso do solo, consoantes com o modelo
capitalista de produção, cujos critérios econômicos e políticos têm sobressaído nas decisões
do planejamento urbano de Curitiba.
Ao retomarem-se as exposições de Torres (1996), observa-se o predomínio dos
métodos quantitativos de análise urbana com a crença de que, as funções urbanas se
estruturam internamente em um modelo hierárquico; prevalecendo a obsessão com a ordem,
com os padrões espaciais e com os modelos estatísticos, como se o planejamento urbano
fosse capaz de resolver todas as questões, inclusive as sociais, por meio de modelos
espaciais racionalmente planejados.
107
Termo técnico que designa o fenômeno de substituição da população de rendas inferiores por populações de
rendas superiores induzida pela valorização imobiliária e/ou simbólica de porções urbanas consideradas históricas.
O processo foi rotulado como “renovação urbana” e no caso americano, a crítica referiu-se a um processo de
“remoção dos negros” (RYKWERT, 2004, p.330-331).
250
São várias as críticas quanto a esse tipo de planejamento que tem emergido
durante as últimas décadas. A promulgação da Nova Carta de Atenas, em 1998
108
, sintetiza as
questões e contrapõe-se àquela paradigmática do urbanismo moderno. Pode-se observar a
reversão de conceito na atuação do arquiteto de “grande mestre” detentor das verdades a um
coreógrafo. Isso significa a transposição do domínio cientifico dos planejadores para a ênfase
na efetiva participação social nas decisões de planejamento (empowerment) é considerado
como elemento central do documento. A Nova Carta estabelece recomendações quanto ao
futuro das cidades e à satisfação das aspirações dos habitantes: uma cidade para todos,
envolvimento real, contato humano, continuidade do caráter, aspectos ambientais, variedade e
diversidade e uma cidade saudável e segura. Muitas dessas aspirações são de caráter
subjetivo e nem sempre são viáveis enquanto diretrizes espaciais, porém refletem as
discussões iniciais da tese sobre a qualidade de vida nas cidades.
Apesar das críticas acumuladas quanto àquele tipo de planejamento,
recentemente, no caso de Curitiba, Vicentini e Pereira (2000), analisam a nova “Lei de Uso do
Solo” de Curitiba aprovada em 2000, e afirmam que esta ainda remete a parâmetros
metodológicos utilizados há mais de quatro décadas no Brasil. Concluem que o processo de
planejamento na cidade é marcado por esses modelos convencionáis que colocam o
zoneamento como centro e motor das transformações urbanas preconizadas e desejadas. Os
autores verificam que os critérios desconsideram as críticas ao urbanismo funcionalista o qual
não prioriza, entre outras questões emergentes, a cultura e a memória.
Os exemplos de projetos citados definem o processo de des-construção das
paisagens étnicas das antigas colônias imigrante na cidade de Curitiba. Apesar de Curitiba ser
considerada um laboratório das experiências inovadoras urbanas, observa-se a continuidade
do conservadorismo - como visto no Capítulo 2 - e pode-se afirmar que o processo de
planejamento de Curitiba, colocando-se como o inverso do discurso; na realidade tem
sistematicamente desconsiderado as relações entre cultura e memória imigrante.
108
Ver KANASHIRO, M. “Da Antiga à Nova Carta de Atenas” publicada na Revista Desenvolvimento e Meio
Ambiente: Cidade e Sustentabilidade. Curitiba: UFPR, nº9, p.246-247, 2004.
251
4.4.2 CONSTRUÇÃO DE UMA CONTINUIDADE ARTIFICIAL
Outro aspecto referente à produção das paisagens étnicas contemporâneas é
aquela que utiliza a etnia como elemento de atratividade urbana na proliferação de espaços
temáticos em Curitiba. As construções realizadas nos memoriais e bosques são reduzidas,
com a preocupação de reproduzir cenário, para tanto se utilizam elementos de fácil
assimilação que produzem um anacronismo planejado.
Apesar da importante discussão arquitetônica de criação de cenários ou mesmo
como estratégia político-governamental de city-marketing
109
, outros aspectos devem ser
revelados, como as falsas construções históricas e sociais provenientes desse processo de
exaltação das etnias brancas para a projeção da imagem de Capital do Primeiro Mundo.
Primeiro, os projetos de intervenções denominadas étnicas retomam as teorias
eugenistas. O imaginário produzido por influência de alguns autores, como Martins (1955) e
Wachowicz (1988), ressaltou a quase inexistência da população negra no processo de
desenvolvimento da Província do Paraná. O próprio PPU - examinado no Capítulo 2 - analisa a
composição da população curitibana
110
e afirma ser esta população, na sua maioria, de
imigrantes europeus. Tal análise feita com base em dados do TRE, excluíu os analfabetos, os
não-eleitores e os re-imigrados, ou seja, os pobres (SOUZA, 2001).
Deve-se ter o contraponto dessa visão idealizada pelo planejamento de Curitiba
desde o plano de 1965, retomando-se o estudo de Ianni (1988) em As Metamorfoses dos
Escravos, o qual demonstra quê, na origem da cidade, os escravos constituíam uma
população próxima a 50%, apesar de comparativamente a escravidão em Curitiba ter sido
menor do que nas outras regiões, afirma que o regime escravo assumiu a mesma importância
básica na formação da cidade.
Portanto, enquanto esse tipo de planejamento tem realizado o destaque de
algumas etnias, uma outra é encoberta convenientemente, como demonstra o estudo de
109
Ver as publicações de Sánchez Garcia: Cidade Espetáculo: política, planejamento e city-marketing”. Curitiba: Ed.
Palavra, 1997 e “ A reinvenção das Cidades para um mercado mundial” . Chapecó: Ed. Argos, 2003.
110
De acordo com o autor a ocupação empreendida pelos migrantes europeus teria sido saudável, pois teria
propiciado, segundo o PPU “um desenvolvimento contínuo, centrífugo e homogêneo” e teria, ainda, limitado a
especulação terrenista resultado de uma recente “migração de nacionais” (SOUZA, 2001, p.112)
252
Moraes e Souza (1999) sobre a produção da invisibilidade racial sob três aspectos: nos
processos de configuração arquitetônica, no discurso de intelectuais e no projeto político-
governamental. Dessa forma, enquanto parques extensos e de infra-estrutura turística
reforçam as etnias “brancas”, existem dois singelos “monumentos” em homenagem à etnia
“negra”. O primeiro é um pequeno bloco de granito localizado na praça Santos Andrade com
uma placa de bronze dedicada “à colônia afro-brasileira”, e o segundo é um espaço público
denominado Praça Zumbi, na periferia do bairro Pinheirinho (Figura 4.23).
Assim, a temática étnica traduzida espacialmente em Curitiba demonstra a
invisibilidade do “negro” no processo de construção da paisagem étnica contemporânea, em
que, de acordo com Bega (Apud VICENTINI, 2001), esse processo acaba banindo do
imaginário coletivo os migrantes nacionais e a população negra, que atualmente representam
30% dos habitantes.
Figura 4.23 – Monumento à colônia
afro-brasileira na Praça Santos Andrade
253
Uma outra questão relevante é a retomada “romântica
111
” que envolve os
imigrantes e a qual se agrega a base da imigração européia como um dos signos para vincular
a idéia desenvolvimentista da Capital. Observa-se, utilizando-se os termos de Hobsbawn
(1984), que existe o processo de invenção das tradições e, conquanto se faça referência a um
passado histórico, as tradições inventadas caracterizam-se por estabelecer uma continuidade
artificial.
Uma continuidade artificial que acoberta a interrupção da história de
silenciamento dos “alienígenas
112
” durante a campanha de nacionalização engendrada pelo
Estado Novo varguista a partir de 1937 e que se estende até 1945. Nesse período ocorreu a
Segunda Grande Guerra (1939-1945) que, aliada aos ideais nacionalistas, reforça várias
violências contra os imigrantes e a sua cultura, prioritariamente contra aqueles pertencentes
ao Eixo Roma, Berlim e Tóquio.
A sociedade brasileira foi reinventada pelo Estado Novo que iniciou o processo
de “saneamento patriótico” que buscava horizontalizar a sociedade na constituição de uma
nação única, baseada na integração e união da população sob um Estado centralizador e
autoritário. A integração era a justificativa da proposta de eliminação das diferenças étnicas
para a criação de uma nação homogênea, e a almejada brasilidade deveria ter início no
processo de educação.
Dessa forma, segundo Seyfert (1997), o primeiro ato de nacionalização atingiu o
sistema de ensino de línguas estrangeiras e a nova legislação obrigou as chamadas “escolas
estrangeiras
113
” a modificar seus currículos e dispensar os professores “desnacionalizados”; as
que não cumpriram a lei foram fechadas. No mesmo sentido, Dalmolin (2004) afirma que, para
o propósito de Vargas ter êxito, era necessário iniciar pelas escolas étnicas
114
, tendo o Exército
o papel de nacionalizador.
111
Romântico na aproximação de tudo aquilo que poderia ser visto como pitoresco, romanesco, fabuloso [...] uma
nostalgia no sentido de retomar o fio de uma continuidade. Ver SALIBRA (2003) em Utopias Românticas.
112
De acordo com Seyfert (1997, p.95), a categoria “alienígena”, preponderante no jarguão oficial englobava
imigrantes e descendentes de imigrantes classificados como “não-assimilados”, portanto, portadores de culturas
incompatíveis com os princípios de brasilidade.
113
Em Curitiba, por exemplo, a Escola Alemã, passou a denominar Colégio Progresso, e em 1943 seu patrimônio
foi repassado para a Faculdade de Medicina do Paraná.
114
Sobre o número significativo de escolas de línguas estrangeiras ver o estudo desenvolvido por Kreutz (2000)
254
Nos discursos para a campanha da nacionalização, não somente a escola, mas
também a igreja, as associações recreativas e culturais e o lar aparecem como instituições
fundamentais para a manutenção de identidades étnicas, pois eram os locais onde se permitia
a continuidade do aprendizado da língua e dos costumes. Com o intuito de nacionalizar as
áreas de colônias de imigrantes, várias foram as ações
115
para atingir aquelas instituições
como a obrigatoriedade do ensino em português, o fechamento das associações
116
, escolas e
jornais, a introdução do escotismo para impor o civismo e chegar, através dos jovens, até o lar,
a imposição de padres, pastores e fiéis, do uso da língua portuguesa nos serviços religiosos, o
recrutamento para o serviço militar, a organização de festas cívicas com participação
obrigatória, entre outras atitudes justificadas para a construção de uma nação
(SEYFERT,1997).
Pode-se verificar nos Decretos e Atos sucessivos o processo de eliminação das
culturas imigrantes, que atingiram expressivamente os estados do Sul do Brasil onde havia
colônias denominadas, na época, de “quistos étnicos
117
”; proibia-se o uso de nomes
estrangeiros em estabelecimento comerciais, escolas e associações
118
, proibiram-se também
atividades políticas de estrangeiros
119
. Depois do início da guerra, estavam proibidos de entrar
no Brasil os cidadãos do Eixo, e aos residentes foram criadas restrições à liberdade de
locomoção e, imposta a necessidade, a partir de 1942, do porte de “salvo-conduto”. Outras
proibições atingiram até mesmo o uso de línguas estrangeiras principalmente a alemã, a
italiano ou a japonesa em público, além do confisco dos bens dos “súditos do Eixo”. Foram
feitas intervenções por parte do Estado em empresas e indústrias de estrangeiros
120
, e
freqüentes atos de devassa nas residências e nas contas bancárias. Tornaram-se comuns às
ações de desapropriação dos núcleos coloniais onde se concentravam estrangeiros.
115
No caso do Rio Grande do Sul, Fachel (2002) inclui as ações da força da polícia gaúcha na desapropriação de
cemitérios e a troca de nomes das ruas da capital, que faziam referências a Alemanha por nomes dos navios
brasileiros afundados; até o uso da lingua alemã no RS foi considerado crime.
116
O prédio da Societá Giuseppe Garibaldi di Beneficenza, em Curitiba, durante a Segunda Guerra Mundial, foi
invadido e confiscado pelo Estado, tendo sido usado como Palácio da Justiça e sede do Tribunal Regional Eleitoral.
Somente em 1965 o prédio retornou à comunidade itaiana.
117
O uso desse termo é significativo porque transforma os grupos étnicos em elementos patológicos, sugerindo a
idéia de remoção.
118
Decreto-lei nº35 de 13 de Janeiro de 1938.
119
Ato de 18 de Abril de 1938.
120
Ver Frostcher, Méri que trata o caso das intervenções na Cia. Hering de Blumenau. Tese de doutorado em
História, sob o título “Da celebração da etnicidade teuto-brasileira à afirmação da brasilidade: ações e discursos das
elites locais de Blumenau (1929-1950). Florianópolis, UFSC, 2003.
255
No entanto, observa-se que esta parte da história é reconstruída e, a partir dos
anos de 1980, com os discursos sobre as especificidades culturais, passam a adquirir certo
revigoramento os elementos relativos à memória do imigrante. Dessa maneira, segundo
Oliveira (1995), em Curitiba a celebração dos valores alemães, italianos e poloneses fazia
parte, indiretamente, do projeto de modernização urbana em uma associação feita na cultura
nacional de progresso e imigração européia. No caso dos italianos e alemães, já na virada do
século havia uma numerosa burguesia no controle de expressivos estabelecimentos nos
ramos alimentício, têxtil, metalúrgico, etc., bem como participante da política local. A
existência, segundo o autor, de um outro objetivo subjacente a esta política cultural foi a
atualização da imagem do imigrante no imaginário local. De tal modo, os poloneses e seus
descendentes eram até então, grupos que continuavam no imaginário popular assimilado aos
estereótipos oriundos da fase inicial da sua vida na cidade. Nesta, o polaco era o “preto do
avesso”, concorrente do recém-liberto por posições no mercado de trabalho. Portanto, é
compreensível que estes imigrantes tornaram-se parte importante da elite econômica e política
da cidade a partir dos anos 1950s e, consequentemente, a política cultural e de patrimônio
histórico reforçou a celebração das contribuições destas etnias ao progresso e
engrandecimento da cidade. Nesse sentido, a política cultural cumpre, ainda que
indiretamente, a função de “atualizar”, por assim dizer, o relógio da história (OLIVEIRA, 1995).
Conclui-se, portanto, que se produziu uma continuidade ilusória como parte do
projeto de modernização da Capital pela associação de progresso com a imigração européia
e, tomando emprestado o dizer de Lesser (2001) “à medida que os colonos imigrantes se
tornassem brasileiros, [Curitiba] se tornaria Européia”. Dessa forma, a política de exaltação
das imigrações “brancas” construída em Curitiba, retoma a discussão de intelectuais e políticos
que desejavam, como formadores da sociedade, europeus “puros”, tanto do ponto de vista
biológico quanto do ponto de vista cultural “era e continua sendo uma ilusão necessária,
produto de uma nostalgia de uma era imaginária de harmonia e homogeneidade” (LESSER,
2001, p. 29).
Destarte, as identidades étnicas produzidas e reinventadas pelo planejamento
urbano de Curitiba são superficiais, não um produto de seus verdadeiros componentes nem da
sua história real, camuflando uma época de ruptura de preconceitos e racismos, mas é
politicamente estruturada, e reforça a estratégia a qual a ideologia se metamorfosea em
política e se espacializa na cidade, como projeto-político para a criação da Capital de Primeiro
Mundo.
256
Neste sentido, deve-se repensar a perspectiva de paisagem e cultura,
reconhecendo-se que a manipulação destas são atitudes que têm dominado recentemente o
processo do planejamento. Vicentini (2001) reafirma esta questão, por meio de uma
aproximação teórico-metodológica a respeito das teorias sobre as cidades contemporâneas.
Demonstra, com os exemplos de renovação de Berlim, Lisboa e Curitiba que as intervenções
urbanas estão vinculadas a um processo histórico e cultural, e quando reinterpretadas e
transpostas soam como simulacro ou são inviabilizadas por um contexto diverso. Remodela-se
este bem para formas de concentração em níveis de consumo mais sofisticados, como fruto de
um pensar histórico, cultural e tecnológico.
No entanto, embora as paisagens étnicas criadas para a construção da Capital
de Primeiro Mundo sejam constantemente reforçadas, por outro lado, a paisagem étnica das
antigas colônias e aquelas fixadas no imaginário do imigrante têm sido des-construídas no
processo de planejamento. Devem-se retomar as lições de Rykwert (2004, p.217), que afirma:
como o ilusório ou o fantasioso tende sempre a se impor no caminho do real, o espectador
sempre estará no caminho de alguém, cuidando da sua vida”. Tais questões indicam a
necessidade de reavaliar os parâmetros de construção de paisagens considerando-se valores
referentes aos aspectos apontados inicialmente para a discussão sobre a qualidade de vida e
incluindo-se outras questões como as da história e as da memória do habitante que fazem
parte do processo de construção das paisagens.
257
RETOMANDO PRESSUPOSTOS E REFLEXÕES FINAIS
Os capítulos anteriores apresentam três paisagens analisadas por olhares
diferenciados - paisagens apreendidas, paisagens projetadas e paisagens étnicas, como
estratégia de reconstrução histórico-espacial no processo de entendimento da construção das
paisagens de Curitiba.
Preliminarmente, retomam-se os pressupostos da pesquisa segundo cada olhar.
Quanto ao primeiro olhar, o das paisagens apreendidas é aquele descrito nos relatos de três
viajantes europeus: Saint-Hilaire [1829], Avé Lallement [1858] e Bigg-Wither [1872]. Se a
paisagem é um produto, as visões dos viajantes e as iconografias do início da formação da
Província e da Capital definem maneiras de olhar o novo continente e seus “genius loci”
iniciais. E, como a produção dos relatos dos viajantes pode trazer contextos, situações e
percepções que auxiliam a construção da gênese da paisagem de Curitiba.
Retomando-se as considerações finais de cada capítulo, observa-se que, nas
paisagens apreendidas, emergem os valores culturais e sociais na interpretação das novas
paisagens. O olhar indica a constante procura de referências de identidade na comparação
com os valores europeus. Entre as várias visões de paisagem apresentadas no início da
pesquisa, o olhar perceptivo das paisagens vincula-se às relações de visibilidade e
visualidade, correspondendo esta à imagem do mundo físico, ao passo que aquela, a
visibilidade, à elaboração reflexiva. Isso significa que o olhar não é somente o exercício da
visão, mas tem significados diferenciados que podem variar de acordo com experiências
prévias, observadas na interpretação das paisagens pelos viajantes.
Os relatos dos viajantes são estruturados em forma de diário, com base nos
conhecimentos observados; como cartas narrativas, dando-se a entender que valores culturais
e sociais são utilizados para interpretação da nova realidade; e por fim como tratados
científicos, no caso de Saint-Hillaire e Bigg-Whiter. Os três viajantes apresentam o olhar
renascentista em uma ampliação individual do saber do novo mundo e registros para a
divulgação dessas descobertas.
258
Verificam-se os critérios de incivilização: analfabetismo generalizado, hábito da
preguiça, produção para a subsistência e não-uso do arado. No entanto deve-se atentar para o
fato de que, na época do Brasil-colônia, existia o preconceito sobre o trabalho braçal,
destinado somente à classe inferior. Outros aspectos de incivilização foram ressaltados na
descrição da precariedade das habitações, na ausência de livros nas casas e nas longas
distâncias de igrejas e escolas dos núcleos urbanos. Por outro lado, consideram-se elementos
de civilidade a similaridade racial (“marca de bondade e inteligência”), ressaltada por Saint-
Hillaire que era representativa das idéias vinculadas na Europa, naquela época, de hierarquias
raciais. A presença de hortas, pomares, áreas cultivadas com simetria e zelo, características
estas sempre relacionadas à presença de imigrantes europeus.
Em relação aos aspectos geomorfológicos, a similaridade do clima e dos
campos entre a província e as regiões da Europa, é definida como elemento de
identificabilidade; muitas vezes comparava-se às paisagens européias, porém a presença de
araucárias é tida como paisagem pregnante.
Nos pequenos aglomerados urbanos que se formavam, como Antonina, Castro,
Ponta Grossa e Curitiba, a descrição dos viajantes revela uma “operação-padrão”, na
transposição de valores espaciais dos aglomerados urbanos portugueses. A falta de simetria
da praça e a implantação descentralizada da Igreja, no core de Curitiba, são apontadas pelos
viajantes e demonstram que a regularidade e o geometrismo já eram características
importantes na organização dos espaços urbanos.
Deve-se ressaltar a intenção de publicar as aventuras no outro continente.
Dessa forma, dados quantitativos e descrições pragmáticas eram uma das estratégias de
mostrar a verossimilidade quanto ao que era visto. Apesar do predomínio da visão, os
viajantes apreendem o novo mundo pelos sentidos, sendo a paisagem olfativa e sonora
complementar na descrição da realidade.
Porém, a despeito de serem relatos de caráter subjetivo pode-se verificar que
são informações sobre a configuração das paisagens iniciais da Província do Paraná. Assim,
os relatos dos viajantes reproduzem os contextos e as situações que demonstram os valores
coloniais na construção da provincia-colônia de Portugal como gênese da paisagem de
Curitiba.
259
Quanto ao segundo olhar, o das paisagens projetadas, pressupõe-se que as
políticas e as instituições sejam agentes de formação e transformação das paisagens, e a
partir do inventário e da leitura das proposições projetadas podem indicar as ideologias e os
modelos dominantes de organização na construção da paisagem curitibana. Para demonstrar
isso, utilizou-se da paisagem construída e ordenada pelos códigos, legislações e planos.
Através da análise das proposições verificam-se as maneiras ideais de organização do
urbano, a maioria referências externas, revelando nas paisagens projetadas à ação
sistemática de construção de uma imagem ideal urbana.
Primeiramente, pela atuação dos almotacés e ouvidores, na continuidade e
regularidade das ruas e contigüidade das edificações, e na separação entre público e privado
no intuito de conformar espaços compactos, em uma aparência similar à dos núcleos dos
colonizadores. A partir de Tolouis (1885), a intervenção racional do homem sobre a natureza é
definida pela regularidade. Com efeito, o ajuste das ruas, a necessidade de compor uma visão
de perspectiva, o ideal de ângulos retos e do paralelismo eram elementos essenciais para a
organização da capital da Província. Modelos de intervenção europeus como os de
Haussmann, em Paris, e o plano da cidade de La Plata eram paradigmas universais aplicados
nas intervenções urbanas. De acordo com Torres (1996), esses ideais tinham sua base no
positivismo e na racionalidade como modelo universal a todas as ciências.
Tais preceitos de ordenação estão presentes no primeiro Código de Posturas
(1895) que define ações individuais que viriam a tranformar fragmentalmente a paisagem de
Curitiba. Uma paisagem de construções caiadas, com gabaritos definidos e de dimensões
homogêneas de aberturas (portas e janelas), configuraria a imagem dos casarios presentes
nas cidades coloniais brasileiras. Definições morfológicas na padronização dos lotes e de
hierarquia viária previam uma paisagem ordenada e de critérios para o embelezamento do
núcleo urbano.
Várias diretrizes promulgadas sucessivamente tinham como objetivo de
construir uma paisagem que negaria as estruturas urbanas coloniais e fortaleceria a idéia de
modernização e desenvolvimento da capital do Estado. O reforço da centralidade da área
urbana, a rejeição do uso da madeira, a criação de um órgão municipal de planejamento e a
doação obrigatória de parcelas para áreas públicas, são imposições legais que faziam parte
dos postulados para a construção de uma paisagem “moderna”. Na análise do Codigo de
Obras de 1919, observa-se a preocupação com a continuidade para alcançar esse ideal,
260
prevalecendo questões como regularidade e higienização dos espaços urbanos. Definia-se um
zoneamento preliminar que divide a cidade em 3 (três) zonas: urbana, suburbana e rocio,
elitizando as áreas centrais e legitimando os princípios de segregação espacial.
O plano de Agache (1941-1943) insere Curitiba no panorama de intervenções
urbanísticas. As concepções do urbanista definem as preocupações em voga, máxime o
saneamento, a circulação viária e a setorização, pressupostos urbanísticos correlacionados
com a Carta de Atenas de 1933. A resolução espacial da forma viária centrípeta, com áreas
reservadas a parques, é similar à proposta do Plano de Avenidas de Prestes Maia para São
Paulo. Nessa época, de acordo com Torres (1996), o planejamento urbano era considerado
como uma disciplina pragmática.
A recomposição da leitura histórico-espacial das diretrizes, que influenciaram no
processo da construção das paisagens de Curitiba, demonstra uma constante organização do
espaço urbano para a burguesia emergente, utilizando-se de gabaritos e de definição de
materiais permitidos como estratégia de elitização das áreas centrais. Em certo momento, a
burguesia do mate reverte esse processo, importando novos modelos de arquitetura, em um
único volume construído, não mais considerando a arquitetura como conjunto, e faz o entorno
imediato do núcleo central, locus de suas mansões, menos restritivo quanto à legislação em
vigor, transformando gradativamente a imagem construída da pátria-mãe. A ordem geométrica
e o paralelismo eram regras gerais de um ordenamento lógico e de referência estética. A idéia
de desenvolvimento e de modernização iniciou-se no processo de negação das estruturas
urbanas portuguesas com ações de concepção racionais.
O plano SERETE tinha como diretrizes básicas o crescimento linear de um
centro servido por vias tangenciais de circulação rápida; prevendo uma hierarquia de vias;
desenvolvimento preferencial da cidade ao longo do nordeste-sudoeste; policentrismo e
adensamento; extensão e adequação das áreas verdes; caracterização de áreas de domínio
de pedestres e criação de uma paisagem urbana própria. Estas foram proposições já
defendidas pelo arquiteto responsável pelo plano, Jorge Wilheim, para São Paulo. O PPU
inverte o sistema viário do Plano Agache de anéis concêntricos para uma estrutura linear
baseada em duas grandes vias estruturais que moldariam o crescimento da cidade. Apesar de
ser consenso que PPU foi a base para o Plano Diretor de 1966 realizado pelo IPPUC, há
diferenças entre aquele e este, as quais consistem na retirada do policentrismo, na inclusão de
setores históricos e na necessidade de ser realizado um planejamento integrado. A partir de
261
1971, em gestões quase ininterruptas de prefeitos-técnicos vindos a maioria do IPPUC ou do
Departamento de Urbanismo da Prefeitura Municipal, à exceção de Maurício Fruet e Roberto
Requião, dão sequência aos princípios postulados no Plano Diretor de 1966, vigente em suas
bases até hoje.
O terceiro olhar, o das paisagens étnicas tinha como propósito investigar a
espacialização do processo de estabelecimento das colônias de imigrantes em Curitiba.
Estudos existentes sobre a concepção dos planos de colônias imigrantes no Brasil,
especialmente as italianas, alemãs e japonesas, definem que determinantes culturais
assumiram importância significativa para a construção de uma comunidade ideal. Dessa
forma, se a relação entre espaço e cultura foi relevante na concepção dos planos de colônias
de imigrantes; estas questões pressupõem uma lógica de estruturação e de organização
espacial relacionada às etnias na implantação de 39 assentamentos na atual área da RMC -
Região Metropolitana de Curitba, além de suscitar a uma série de questões de espacialização
no processo de urbanização da cidade.
A quantidade de assentamentos planejados que resultou em uma distribuição
de quase 3.000 lotes rurais e cerca de 220 lotes urbanos, nos arredores do núcleo inicial,
evidencia a importância do processo de implantação das colônias na origem de Curitiba. Pode-
se afirmar que foi o primeiro processo de reforma agrária, resultado do parcelamento das
sesmarias com o intuito de povoar a Capital e de principlamente resolver os problemas de
abastecimento.
Pôde-se verificar, após a análise dos núcleos planejados e direcionados aos
imigrantes na atual área da RMC – Região Metropolitana de Curitba, que sua grande maioria,
cerca de 90%, foram assentamentos planejados e subsidiados, de caráter eminentemente
rural. Os assentamentos de acordo com o órgão idealizador possuem algumas características
individuais. No caso de colônias subsidiadas pelo governo central são de maiores dimensões e
mais distantes de Curitiba; os provinciais localizaram-se nos arredores da Capital sendo
projetados, em sua maioria, apenas com lotes rurais. Por fim, os municipais tiveram uma
proximidade maior com o núcleo urbano inicial.
Este processo de implantação sucessiva de assentamentos imigrantes deu-se
por meio de um planejamento de necessidade sem preocupações quanto à infra-estrutura e
quanto à concepção projetual. Foram poucos os exemplos de projetos que pré-determinavam
espaços para a igreja e a escola, como os das colônias de imigrantes projetados por
262
companhias de colonização particulares. Dessa forma, a reinvidicação por estas construções
foi a primeira transformação espacial requerida para adequar às necessidades dos imigrantes.
Nos assentamentos verifica-se o domínio da racionalidade no que diz respeito tanto à divisão
de terras, independente das condições do sítio físico existente, quanto às definições mínimas
de infra-estrutura e dimensão de lotes.
A correlação entre os empreendimentos desenvolvidos por companhias de
colonização particulares e pela Província revela diferenças. Quanto aos primeiros existia a
estratégia de vendas de lotes. Nesse caso, os projetos deveriam ser comercializados
apresentando como atrativo a infra-estrutura, a “planta” deveria ser vendável e, muitas vezes
usava-se a toponímia como referência da cultura dos imigrantes. Quanto aos segundos, os
lotes foram praticamente doados em vista da necessidade de produção de gêneros
alimentícios e sua denominação refletia o poder provincial. São vários os relatos que indicam
falta de acesso à água, e infra-estrutura deficiente; enfim, as colônias projetadas para os
imigrantes implantadas em Curitiba comprovam um planejamento de necessidade.
Um outro questionamento da pesquisa visa saber se o estabelecimento das
colônias de imigrantes na cidade foi uma política que se espacializou, quais foram os
resultados da construção da Paisagem Étnica de Curitiba, e se se pode afirmar a existência de
paisagens étnicas contemporâneas na cidade.
A pesquisa confirmou a existência de três paisagens étnicas em Curitiba. A
primeira retoma os primórdios da formação da cidade, ou seja, época em que existia a
concentração dos núcleos coloniais na região Norte e Noroeste, devido à localização dos
principais eixos de comunicação como a Estrada da Graciosa, a Estrada de Mato Grosso e o
caminho para Assungui. Algumas colônias como Pilarzinho e Santa Cândida tinham uma
extensão de área maior que o próprio núcleo urbano, e a contigüidade espacial demonstra um
rápido loteamento da área rural destinado aos imigrantes.
Nesse processo, pode-se observar uma peculiaridade em Curitiba, o fato de ser
a única capital no Brasil que incorporou antigas colônias de imigrantes as quais, atualmente,
são os seguintes bairros da cidade: Água Verde, Pilarzinho, Bacacheri, Santo Inácio,
Abranches, Santa Cândida, Orleans, Lamenha Pequena, Santa Felicidade, Augusta e Riviera.
263
A divisão fundiária imprime marcas permanentes nos antigos assentamentos,
acessos e caminhos ainda são verificáveis: as estradas das colônias, a toponímia, os tipos de
organização espacial, além de elementos simbólicos como a igreja e cemitérios contíguos são
exemplos que persistem. O cuidado com as calçadas como continuidade dos jardins e estes
com hortas, pomares e canteiros de flores exteriorizam o cuidado e zelo com as áreas
externas. Indícios de permanência, de territorialidade e de sentido de pertencimento fazem
parte das paisagens étnicas das antigas colônias de imigrantes.
A segunda paisagem seria aquela imaginada pelos imigrantes e/ou
descendentes que definem como espaços significativos, principalmente, as igrejas e locais de
concentração. A referência aos espaços de temas étnicos define a terceira paisagem
produzida para criar a imagem da Capital do Primeiro Mundo. No entanto, este processo de
criação de espaços temáticos retoma os princípios eugenistas e convenientemente acoberta
parte da história real de violência e perseguições aos imigrantes no período de nacionalização
e da guerra, resgatando de maneira romântica a imigração como símbolo de desenvolvimento
da Capital.
Retomando-se as discussões inicias sobre as várias visões de paisagens,
podem-se vincular os resquícios das paisagens étnicas das antigas colônias à acepção da
palavra alemã Landshafen, em sua associação com as formas físicas e culturais. Em relação
as paisagens produzidas para a construção da Capital de Primeiro Mundo resgatam o sentido
renascentista do termo paisagem, como pintura ou panorama a ser fotografado. São
produzidos vários projetos étnicos temáticos por meio de réplicas e reproduções como
concepção da paisagem a ser criada. Nas paisagens étnicas dos imigrantes e/ou
descendentes, conquanto haja as referências a locais de representação social, a inclusão dos
espaços temáticos revela um processo de transmutação das paisagens, no sentido de que os
descendentes não necessariamente compartilham da história de seus ancestrais.
Verifica-se assim que a identidade cultural pode ser manipulável. Brabha (2000)
observa que a enunciação da diferença cultural problematiza a divisão binária de passado e
presente, tradição e modernidade, no nível da representação cultural e de sua interpelação
legítima. Trata-se do problema de como, ao significar o presente, algo vem sendo repetido,
relocado e traduzido, em nome da tradição, sob a aparência de um passado que não é
necessariamente um signo fiel da memória histórica, mas uma estratégia de representação da
autoridade em termos de artifício do arcaico.
264
Além do exposto, o percurso teórico-metodológico da reconstrução das
paisagens corrobora o fato de que, a partir do momento em que as identidades culturais e
suas paisagens podem ser manipuláveis; a idéia de intervenção humana e o controle de forças
que modelaram ou remodelaram constantemente o espaço urbano de Curitiba demonstram
continuidade da imposição de ideologias de um saber codificado e certificado; como se a
regularização fosse preceito necessário a idéia de planejado, princípio herdado do
racionalismo que persiste como elemento dominante na maneira de organizar a cidade.
Verificou-se o direcionamento às práticas elitistas, a alienação histórica e cultural e,
principalmente, um processo de planejamento engajado em um projeto político-governamental.
Assim as observações referentes às paisagens, a partir de uma recomposição
histórico-espacial, permitem as várias críticas dos caminhos tendenciosos da costrução da
paisagem de Curitiba. A construção de uma imagem de capital “mais branca do país” pode ser
vinculada mais a um discurso distópico, a antítese de utopia, aquela relacionada ao sistema
político de poder e esta a uma visão idealizada do construído.
Sob este enfoque retomam-se as discussões iniciais sobre as Entopias que não
são necessariamente “planejadas” ou não espaciais como as utopias. Deve-se buscar subsídio
na existência de culturas espaciais para podermos discorrer sobre outras formas de
compreensão da cidade, na tentativa de estabelecer um possível diálogo interdisciplinar que
possa constituir bases para um saber menos restritivo e redutor. Entopias, na definição de
Gifford (1997), são espaços realizáveis que podem ser trazidos em existência. Portanto,
significa que são espaços existentes que necessitam de novos olhares capazes de
efetivamente, compreendê-los como lugares qualificáveis por meio de conhecimentos
históricos e culturais.
Desta maneira, uma questão essencial é a forma de “olhar” a cidade. Segundo
Sennett (1990), os impulsos para desenvolver um “olhar consciente” podem ser, igualmente,
as fontes necessárias para a emergência e mobilização de energias criativas, tornando as
pessoas visíveis e recuperando a plenitude dos sentidos. Que tal reflexão possa ser a busca
para estabelecer outros possíveis caminhos a respeito dos Saberes Ambientais do
planejamento, em uma transposição dos ensinamentos de Leff (2000; 2001), uma vez que o
Saber Ambiental inclui saberes marginalizados e subjugados pela centralidade do logos
científico, por meio do qual devem emergir novas estratégias conceituais que envolvem
paradigmas de conhecimento de diversas ordens, como um saber identificável, conformado
265
em identidades coletivas que dão sentido a racionalidades e práticas culturais diferenciadas.
Um saber em que as etnias e as referências a lugares qualificados, as Entopias Urbanas,
possam esboçar uma reconstrução do conhecimento a partir de novas visões, potencialidades
e valores, guiados por novas significações.
Rykwert (2004) refere-se à Nova Carta de Atenas de 1998, citada
anteriormente, e afirma que esta contem sugestões firmes e substanciais, contrárias tanto ao
espírito quanto às prescrições do documento original, e representa a confissão dos urbanistas
por muitos fracassos. Todos nós, autoridades públicas, investidores e arquitetos, temos sido
coniventes com a produção da cidade em que hoje vivemos. Deve-se reconsiderar a maneira
de abordar a questão da construção de cidades, que só pode ser entendida no contexto da
sua paisagem. O autor entende que devemos trabalhar de maneira menos ambiciosa nossas
cidades e que o papel específico do arquiteto na feitura do tecido urbano precisa ser
redefinido. Para entendermos a cidade e sermos capazes de trabalhar nela, temos de vê-la
como uma concatenação de coisas desejáveis. Não é de encantamento e grandiloqüência que
precisamos agora, mas de sobriedade e ação efetiva, contrariamente as que enunciam o
discurso de Daniel Burnham
121
.
Ainda que as formas de olhar de Leff (2001) e Ryckwert (2004) sejam de
campos disciplinares diferenciados, aquele discorrendo sobre a reconstrução de uma nova
racionalidade ambiental a partir da incorporação de saberes ambientais para o entendimento
da complexidade ambiental, e este, arquiteto, demonstrando os erros cometidos pelos
urbanistas e reafirmando a necessidade de um redirecionamento do urbanismo. Ambos trazem
nos seus pensamentos a emergência de novas concepções na maneira de construir as
paisagens, considerando os saberes ambientais arraigados como áreas de significados
existentes.
121
Daniel Burnham foi um dos arquitetos que conceberam os arranha-céus de Chicago: Edifício Munadnock (1889-
1891), Rookery (1888) com 22 andares foi por certo tempo o edifício de ocupação mais alto do mundo, foi o autor
do grande projeto para Chicago de 1909 quando afirmou: “Não faça planos pequenos, eles não tem a mágica
necessária para mexer com os sentimentos dos homens” (Apud Rykwert, 2004, p.349).
266
A passagem no fechamento do livro “As Cidades Invisíveis” retoma a ação dos
urbanistas:
o inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o
inferno com o qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos.
Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das
pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de
percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem continuas:
tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e
preservá-lo, e abrir espaço (CALVINO, 1990,p.150).
Portanto, uma das estratégias é apreender o mundo, estratégia que, de acordo
com Calvino (1990, p.150), “é arriscada e exige atenção e aprendizagem continua: tentar
saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir
espaço”. Incorporar a sensibilidade descrita por Calvino talvez seja uma das difíceis tarefas
que faz que as intervenções urbanas sejam de caráter mais instaurativo, algo novo, necessário
para o reconhecimento dos lugares, preservando-os e abrindo espaço. Um olhar sobre a
cidade que seja capaz de captar não apenas suas dimensões objetivas, mas também
subjetivas para podermos descobrir a “alma” ou os vários “genius loci” da cidade é uma das
maneiras de fornecer condições para interrogarmos o presente e projetarmos o futuro.
Portanto, pode-se afirmar que as paisagens curitibanas foram edificadas a partir
de princípios universais, presentes em um mundo unificado sob o signo da ciência e do
discurso técnico instaurado principalmente pelos governantes-técnicos. No entanto, a
existência de territórios de imigrantes como fragmentos de paisagens étnicas existentes
podem revelar formas diferentes de organização e de saberes ambientais. Pode também
sugerir outras maneiras de apreender o mundo que permitam o entendimento de novas formas
de apropriação e de reconhecimento das várias maneiras de manifestações étnicas,
entendidas estas conforme a visão de Bonnemaison (1981) como grupos culturais, ou seja,
como verdadeiras etnias modernas que têm um grupo próprio que se traduz enquanto visão de
mundo e tipos de territorialidades
122
.
122
A questão de etnias modernas e de territorialidades é uma das temáticas emergentes em face das recentes
tensões provocadas por imigrantes em países da Comunidade Européia. Na periferia de Paris, franceses,
descendentes de imigrantes de origem árabe ou africana, marginalizados pela sociedade francesa iniciaram um
processo de vandalismo em razão de vários problemas sociais e econômicos de discriminação étnica. Ver artigo da
Revista Veja “Paris está em Chamas”, edição 1930, ano 38, nº45, 09 de nov. de 2005; artigo “ A Voz dos
Subúrbios”, edição 1931, ano 38, nº46, 16 de nov.2005.
267
Esta tese encerra parte das questões relativas ao processo histórico-espacial
das paisagens étnicas de Curitiba. Na busca de referências iconográficas e de estudos
existentes observou-se a carência de pesquisas para entender o fenômeno da imigração na
formação espacial da cidade. Sabe-se que esta tese enfatiza as questões geo-estruturais das
colônias de imigrantes, enquanto aproximação do objeto. No entanto, o olhar contemporãneo
dirigido aos assentamentos dos imigrantes revela que estas são áreas onde a riqueza das
relações geo-simbólicas
123
ainda permanece e se faz como um grande campo de estudo a ser
desbravado.
Dessa forma, existem várias possibilidades de continuidade e esta pesquisa tem
a pretensão de fornecer subsídios por desvendar importantes aspectos histórico-espaciais, os
quais são referências necessárias para a criação de paisagens. Apreender e recombinar, com
novos olhares sobre o espaço, para procurar novas fórmulas, melhores ou saber perpetuar as
existentes, pode ser um dos caminhos para a (re) descoberta das Entopias.
123
Este conceito de acordo com Bonnemaison (1981) pode referir-se a um lugar, a um itinerário, a um espaço, que
adquire
m pelos olhos dos grupos étnicos e das pessoas uma dimensão cultural e simbólica na qual os seus valores
estão enraizados e através dele sua identidade é afirmada.
268
269
270
271
BIBLIOGRAFIA
ACSELRAD, Henri. Sentidos da Sustentabilidade Urbana. In: ACSERALD, Henri (org). A Duração de
Cidades. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. p.27-55.
ARGAN, Giulio Carlo. História da Arte como História da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
280p.
APPLEYARD, Donald. Livable Streets. California: University of California Press, 1981.
AVÉ-LALLEMANT, Robert. 1858, Viagem pelo Paraná. Curitiba: Fundação Cultural, 1995. 114p.
AZZI, Riolando. A Igreja e os Imigrantes: a imigração italiana e os primórdios da obra escalabriniana
no Brasil (1884-1904) vol. I. São Paulo: Edições Paulinas, 1987. 372p.
BAHL, Miguel. Legados Étnicos na Cidade de Curitiba: opção para diversificação da oferta turística
local, 1994. Dissertação (Mestrado pela Escola de Comunicação e Artes) - Universidade de São
Paulo, 204p.
BALHANA, Altiva Pillati.Santa Felicidade: um processo de assimilação. Curitiba: Tip. João Haup & Cia.
Ltda., 1958. 286p.
BALHANA, Altiva Pillatti et alli. Alguns Aspectos Relativos aos Estudos de Imigração e Colonização.
Separata dos Anais do IV Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História. São
Paulo, p.345-389, 1969a.
BALHANA, Altiva Pillatti. Política Imigratória do Paraná. Separata da Revista Paranaense de
Desenvolvimento, nº12, maio/jun., 16p.,1969b.
BARBOSA, Jorge Luiz. Paisagens Americanas: Imagens e Representações do Wilderness. In: Espaço
e Cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, n.5, jan/jun, p.43-53, 1998.
BARNABÉ, Marcos Fagundes. A organização espacial do território e o projeto da cidade: o caso da
companhia de terras norte do Paraná, 1990. Dissertação (Mestrado na Escola de Engenharia de São
Carlos) – São Carlos.
BELLUZZO, Ana Maria (org). Brasil dos Viajantes. São Paulo: USP, n. 30,1996. 155p.
______. A Propósito do Brasil dos Viajantes. In: BELUZZO, Ana Maria. Brasil dos Viajantes. São
Paulo: USP, n. 30, p.8-19,1996.
272
BERQUE, Augustin. Paisagem-marca, Paisagem-matriz: Elementos da Problemática para uma
Geografia Cultural. In: CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL (orgs). Paisagem, Tempo e
Cultura.. Rio de Janeiro: EdUFRJ, p.84-9, 1998.
BHABHA, Hommi. O Compromisso com a Teoria. In: Arantes, Antonio A.(org). O Espaço da Diferença.
Campinas: Papirus, p.11-29, 2000.
BIGG-WITHER, Thomas P. Novo caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná, três anos de
vida em suas florestas e campos – 1872/1875. Rio de Janeiro: J. Olympio; Curitiba: Universidade
Federal do Paraná 1974, 420p. (tradução, introdução e notas de Temístocles Linhares, nota
bibliográfica de Newton Carneiro).
BOLETIM DA PMC – PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA. Plano de Urbanização: Plano Agache.
Curitiba: ano II, n.12, 1943.
BOLETIM DO ARCHIVO MUNICIPAL DE CURITIBA. Curitiba, v. 1.[19--] (mimeo)
BOLOGNINI, Carmem Zink e PAYER, Maria Onice. Línguas de Imigrantes. Disponível em:
<
http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/civ/v57n2/950x7n2.pdf> Acesso em: 29 out. 2005.
BONNAMEISON, Joel. Voyage autour du territoire. In: L´Espace Géographique. Tomo X, nº 4, p.249-
262, 1981.
BORUSZENKO, Oksana (cood). Água Verde: o bairro na história da cidade. Boletim Informativo da
Casa Romário Martins, ano IX, nº 68, nov., 1982. 32p.
BROADBENT, Geofrey. Emerging Concepts in Urban Design. London: E&FN Spons, 1996.
BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva, 1981 (tradução
Ana M. Goldberger)
CALVINO, Ítalo. As Cidades Invisíveis. São Paulo: Cia das Letras,1990. 151p.
CARVALHO, J. M. de. A formação das almas: imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das letras, 1990.
CASTRO NETO, Vicente de. Grande Curitiba: um olhar sobre a evolução urbana. In: Metrópoles em
Revista. Curitiba: COMEC. n. 4, vol 4, p. 5-30, 2002.
CASTRO, Josué de. A Cidade do Recife. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1954.
273
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1998.
164p.
CHOAY, Françoise. A Regra e o Modelo: sobre a teoria da Arquitetura e do Urbanismo. São Paulo:
Perspectiva, 1985. 333p.
CIÊNCIA Nova. Folha de São Paulo, São Paulo, 24 nov. 2002. Caderno Mais, nº 563.
CLAVAL, Paul. A Geografia Cultural: O Estado da Arte. In: Rosendahl, Zeny e Corrêa, Roberto Lobato
(orgs). Manifestações da Cultura no Espaço. RJ: EdUERJ, p. 59-98, 1999.
______. A Geografia Cultural. 2.ed. Florianópolis: UFSC, 2001.453p. (trad. Luiz Fugazzola Pimenta e
Margareth de Castro. Afeche Pimenta).
CMNP. Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná. Publicação comemorativa do
Cinqüentenário da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, 1975.
COLEÇÃO DE LEIS, DECRETOS E ATOS MUNICIPAIS. Curitiba: Arquivo Público do Paraná,[19--]
(mimeo)
COLODEL, José Augusto. Colônia D. Augusto: uma introdução e sua história. Boletim Informativo da
Casa Romário Martins, ano X, n º 71, mar., 1983. 40p.
CORRÊA, Roberto Lobato. A Paisagem Geográfica – Uma Bibliografia. In: Espaço e Cultura. Rio de
Janeiro: EdUERJ, n.4, jun.p.50-54, 1997.
CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny (org). Geografia Cultural: introduzindo a temática, os
textos e uma agenda. In: CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny. Introdução à Geografia
Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p.9-18.
COSGROVE, Denis. Em Direção a uma Geografia Cultural Radical. In: Espaço e Cultura, n.05 jan/jun,
p.5-29, 1998.
______. A Geografia Está em Toda Parte: Cultura e Simbolismo nas Paisagens Humanas. In: CORRÊA,
Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny (Orgs.). Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ,
p.92-123, 1998.
______ Em Direção a uma Geografia Cultural Radical: Problemas da Teoria. In: CORRÊA, Roberto
Lobato e Rosendahl, Zeny (org). Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p.
103-134, 2003.
274
CULTURA. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 15
imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [19--]. p.409.
CULTURA. In: HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001. p.117.
CURY, Isabelle (org). Cartas Patrimoniais. 2 ed. Rio de Janeiro: IPHAN, 2000. 384p.
DALMOLIN, Cátia. Mordaça verde-e-amarela: O Estado Novo e os ítalo-brasileiros na região central do
Rio Grande do Sul. In: Histórias e Debates, v.5, n.1, p.84-97, jul., 2004.
DANDEKAR, Hemalata C. Qualitative Methods. In: Urban Planning. Catanese, Anthony J. & Snyder,
James C.(orgs). United Satates: McGraw-Hill, 1988. 386p.
DICIONÁRIO HISTÓRICO-BIOGRÁFICO DO PARANÁ. Curitiba: Chain: Banco do Estado do Paraná,
1991. 654p.
DOXIADIS, Constantinos. Global Ecological Balance – The Human Settlement that we Need. In:
EKISTICS, vol. 18, nov. 1964. Disponível em:<http://www.doxiadis.org/documents/articles/article
22asp>. Acesso em: 07 jun. 2002.
DUDEQUE, Irâ José Taborda. Os Espirais de Madeira: uma história da arquitetura de Curitiba. São
Paulo: Studio Nobel: FAPESP, 2001. 437p.
ENCICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS XXXI Volume. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de
Geografia Estatística, p.138-204, 1959.
ESPECULAÇÃO. In: MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. Lisboa: Publicações Dom Quixote,
p. 131.
ESTRADA DO MATO GROSSO: contribuição à história dos bairros do Batel, Seminário, Barigui e
Campo Comprido. Boletim Informativo da Casa Romário Martins, ano VII, nº 50, março, 1981. 22p.
FACHEL, José Plínio Guimarães. As violências contra os alemães e seus descendentes, durante a
Segunda Guerra Mundial, em Pelotas e São Lourenço. Pelotas: Universidade de Pelotas, 2002.
FARACO, José Luiz. Planejamento Urbano no Paraná: A Experiência de Curitiba, 2002.Tese
(Doutorado em Estruturas Urbanas) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo, São Paulo.
275
FERRARA, Lucrécia d´Alessio. Os Lugares Improváveis. In: YAZIGI, Eduardo (org). Paisagem e
Turismo. São Paulo: Contexto, p.65-82, 2002.
FERRARINI, Sebastião. O Município de Colombo. Curitiba: Champagnat, 1992, 620p.
FERREIRA, João Carlos Vicente. Cidades Brasileiras – origem e significados dos seus nomes –
Paraná. Curitiba: J.C.V. Ferreira, 1999. 330p.
FLORIANI, Dimas. Marcos Conceituais para o Desenvolvimento da Interdisciplinaridade. In:
Interdisciplinaridade em Ciências Ambientais. Philippi, A.Jr., et al. São Paulo: Signus, 2000.
______. A complexidade ambiental nos convida a dialogar com as incertezas da modernidade. In:
Desenvolvimento e Meio Ambiente: Teoria e Metodologia em Meio Ambiente e Desenvolvimento.
vol. 4. Curitiba: UFPR, 2001.
FORUM 2004 Barcelona 9 de maio-26 de setembro de 2004.
FROTSCHER, Méri. Da celebração da etnicidade teuto-brasileira à afirmação da brasilidade: ações
e discursos das elites locais de Blumenau (1929-1950), 2003. Tese (Doutorado em História) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
GALANTAY, Ervin. Nuevas Ciudades: de la Antiguedad a nuestros dias. Barcelona: GG, 1977. 219p.
GEDDES, Patrick. Cidades em Evolução. Campinas: Papirus, 1994. 274p. (trad. Maria José Ferreira
de Castilho).
GIFFORD, Gibson. Environmental Psychology: Principles and Practice. 2
th
. London: Allyn and Bacon,
1997. 505p.
GIL FILHO, Sylvio Fausto. Colônia Polonesa e o Processo de Metropolização de Curitiba: impactos
espaciais da modernidade. 1994. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências e
Ciências Exatas. Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, São Paulo. 199p. Disponível em:
Biblioteca Digital da Universidade Estadual Paulista. Acesso em: 17 de março de 2006.
GOMES, Paulo Cesar da Costa. Geografia e Modernidade. 2.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
368 p.
GREGOTTI, Vittorio. Território da Arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1975. 191p. (trad. Berta
Waldman-Villá e Joan Villá).
276
GUPTA, Akhil e FERGUSON, James. Mais Além da Cultura!: Espaço, Identidade e Política da
Diferença. In: ARANTES, Antonio A (org). O Espaço da Diferença. Campinas: Papirus, p.30-49, 2000.
GUTIERREZ, Ramon. Arquitectura y Urbanismo em Iberoamerica. Madrid: Ediciones Cátedra, S.A.,
1983. 776p.
HAESBAERT, Rogério. Identidades Territoriais. In: Rosendahl, Zeny e Corrêa, Roberto Lobato (orgs).
Manifestações da Cultura no Espaço. RJ: EdUERJ, p. 167-189.1999.
HALL, Peter e PFEIFFER Ulrich. Urban Future 21: a Global Agenda for Twenty-First Century Cities.
London: E& FN Spon, 2000. 361p.
HALL, Peter. Cidades do Amanhã. São Paulo: Perspectiva, 1988. 550p.(Tradução: Pérola de Carvalho)
HERCULANO, Selene et all. Introdução: Qualidade de Vida e Riscos Ambientais como um Campo
Interdisciplinar em Construção. In: SELENE, Herculano et al. Qualidade de Vida e Riscos
Ambientais. Niterói: EDUFF, p-17-25, 2000.
HOBSBAWN, E. e RANGER, T. A invenção das tadições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
HOLZER, Werther. Paisagem e Lugar: um estudo fenomenológico sobre o Brasil do século XVI.
1994.Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo.
______Paisagem, Imaginário, Identidade: Alternativas para o Estudo Geográfico. In: CORRÊA, Roberto
Lobato e ROSENDAHL, Zeny (org). Manifestações da Cultura no Espaço. Rio de Janeiro: EdUERJ,
1999. 248p.
IANNI, Octavio. As Metamorfoses do Escravo: apogeu e crise da escravatura no Brasil Meridional.
2ed., São Paulo: Hucitec Curitiba: Scientia et Labor, 1988. 271p.
IMAGUIRE, Key (coord). Arquitetura do Imigrante Italiano: no Bairro de Santa Felicidade. Boletim
Informativo da Casa Romário Martins, ano IV, n º 24, 59p.
IPPUC – Instituto de Planejamento Urbano de Curitiba. Curitiba Digital, 2004. (CDROM)
JUNIOR, Rodrigo. Curitiba em 1853. In: Ilustração Brasileira. Edição Comemorativa do Centenário do
Paraná. Ano XLIV, número 224. Rio de Janeiro: Edições AS. “O Malho”, 1953.
KANASHIRO, Milena. A Study on the Roofshape as na Urban Pattern: reflections on the regional
identity to the towscape, 1999. Dissertação de Mestrado. Universidade de Osaka, Japão.
277
______. Da Antiga à Nova Carta de Atenas em busca de um paradigma espacial de sustentabilidade. In:
Desenvolvimento e Meio Ambiente: Cidade e Sustentabilidade. Curitiba: UFPR, n.9, 33-37, 2004.
KANASHIRO, Milena e YAMAKI, Humberto. Sobre Paisagens. In: Anais da 9º Reunião Anual SBPN,
vol.5 nº1, p.246-247, 2001.
KERSTEN, Márcia Scholz de Andrade. O Colono-Polaco: a Recriação do Camponês sob o Capital,
1983. Dissertação (Mestrado em História Econômica do Brasil)- Departamento de História,
Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 123p.
______ Os rituais do Tambamento e a Escrita da História: bens tombados no Paraná entre 1938-
1990. Curitiba: UFPR/Imprensa Oficial, 2000. 282p.
KREUTZ, Lúcio. Escolas comunitárias de imigrantes no Brasil: instâncais de coordenação e estruturas
de apoio. In: Revista Brasileira de Educação, nº 15, set/out/nov/dez, p.159-176, 2000.
LANG, John. Creating Architectural Theory: the Role of the Behavior Sciences in Environmental
Design. New York: Van Nostrand Reinhold, 1897.
LEÃO, Ermelino de. Diccionário Histórico e Geográfico do Paraná. Instituto Histórico, Geográfico e
Etnográfico Paranaense. Curitiba: Empresa Graphica Paranaense, 1926.
LEFF, Enrique. Complexidade, interdisciplinaridade e saber ambiental. In: PHILIPPI JUNIOR et al. In:
Interdiciplinaridade em ciências ambientais. São Paulo: Signus, 2000. 318p.
______. Epistemologia Ambiental. São Paulo: Ed. Cortez, 2001.240p.
LEME, Maria Cristina da Silva (coord.). Urbanismo no Brasil, 1895-1965. São Paulo: Nobel,1999.
LESSER, Jefrey. A Negociação da identidade nacional: imigrantes, minorias e a luta pela etnicidade
no Brasil. São Paulo:UNESP, 2001. 344p.
LIMA, Cristina de Araújo. A ocupação de áreas de mananciais na Região Metropolitana de Curitiba: do
planejamento à gestão ambiental urbana-metropolitana, 2000. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e
Desenvolvimento) – Univerdidade Federal do Paraná, Curitiba.
______Multiespacialidade, metropolitanas e construção social do lugar – rumos para a sustentabilidade.
In: Desenvolvimento e Meio Ambiente: Cidade e Sustentabilidade. Curitiba: UFPR, n.9, 39-56, 2004.
LIMONAD, Ester. Urbanização e Natureza no século XXI: rumo a uma re-qualificação da questão
social? In: Nakagawara, Y e Mendonça, F. Imaginários Urbanos (no prelo).
278
LYNCH, Kevin. A Boa Forma da Cidade. Lisboa: Edições 70, 1981.446p. (trad. Jorge Manoel Costa
Almeida e Pinho).
MACEDO, Rafael Greca. Pilarzinho: o bairro na história da cidade. Boletim Informativo da Casa
Romário Martins, ano VII, nº 45, out., 1980. 25p.
______ et alli. Cabral Juvevê: os bairros na história da cidade. Boletim Informativo da Casa Romário
Martins, ano IX, nº 62, fev., 1982. 42p.
______. O Parque Inglês. Boletim Informativo da Casa Romário Martins, n 41, 1982. 42p.MACEDO,
Rafael Greca. Pilarzinho: o bairro na história da cidade. Boletim Informativo da Casa Romário Martins,
ano VII, nº 45, out., 1980. 25p.
MADANIPOUR, Ali. Design of Urban Spaces: na inquiry into socio-spatial process. UK: John Willey
& Sons, 1996.241p.
MAGALHÃES, Manuela Raposo. A Arquitectura Paisagista: morfologia e complexidade. Lisboa:
Estampa Lda, 2001. p.525.
MANCUSO, Franco. Las Experiencias del Zoning. Barcelona: GG, 1980. 384p. (titulo original Le
vicende dello zonning,1978) (Tradução: Rossend Aequés).
MANNHEIN, Karl. Utopia. In: NEUSUSS, Arnhelm. Barcelona: Barral Editores, 1971.
MARTINS, Romário. Curityba de Outr’ora e de Hoje. Curitiba: Prefeitura Municipal de Curityba,
Commemorativa do Centenário da Independência do Brasil, 1922.
MARTINS, Wilson. Um Brasil Diferente: Ensaio sobre fenômenos de aculturação no Brasil. São Paulo:
Anhembi Limitada. 1955. 506p.
MARX, Murilo. Cidade Brasileira. São Paulo: Melhoramentos: Universidade de São Paulo, 1980. 151p.
MASSIMI, M. Visões do homem e aspectos psicológicos no encontro entre a cultura portuguesa e as
culturas indígenas do Brasil, no séc. XVI. In: ALFONSO-GOLDFARB, A.M. História da Ciência: o
mapa do conhecimento. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, São Paulo: Edusp, p.143-15, 1995.
MATTELART, Armand et al. Introdução aos Estudos Culturais. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
214p.
MAZZOLENI, Gilberto. O Planeta Cultural: para uma antropologia histórica. São Paulo: Universidade
de São Paulo, 1992. 222p. (tradução Liliana Laganà e Helyo Lagabà Fernandes).
279
MENDONÇA, Francisco. Abordagem Interdisciplinar da Problemática Ambiental urbano-metropolitana:
esboço metodológico da experiÊncia do doutorado em MA&D da UFPR sobre a RMC- Região
Metropolitana de Curitiba. In: Desenvolvimento e Meio Ambiente: Cidade e Ambiente Urbano.
Curitiba: Editora da UFPR, nº3, 79-98, 2001.
MENEZES, Ulpiano Bezerra de. Balanço Crítico. In: SALGUEIRO, Heleiana Angotti (coord). Paisagem e
Arte: a invenção da natureza, a invenção do olhar. I Colóquio Internacional de Historia da Arte. São
Paulo: CBHA, 2000. 452p.
MORAES, Pedro Rodolfo Bodê de e SOUZA, Marcilene Garcia de. Invisibilidade, Preconceito e
Violência Racial em Curitiba. In: Revista de Sociologia e Política, nº13, nov. p. 7-16, Curitiba, 1999.
MÜLLER, Estêvão. Os Ventos Sopram Liberdade: alemães do Volga, a epopéia de um povo – edição
especial comemorativa. São Paulo: Centro Marista de Estudos e Pesquisa, 2003.
MUNFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo:
Martins Fontes, 1991.741p.
NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação do Território, Populações e Migrações. Coleção
História do Paraná. Curitiba: UFPR, s/d.
NARUMI, Kunihiro. New Visions of Landscape. In: YAMAKI, Humberto e KANASHIRO, Milena (orgs).
Reunião Anual SBPN. Londrina: EdUEL, p-9-13, 1999.(em japonês)
NORBERG - SHULZ, Christian. Genius-Loci: Towards a Phenomenology of Architecture. London:
Academy Editions, 1980.205p.
OLIVEIRA, Dennison. A Política do Planejamento Urbano: o caso de Curitiba. 1995. Tese (Doutorado
em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas) –UNICAMP, Campinas.
OLIVEIRA, Livia. Percepção do Meio e Geografia. OLAM – Ciência e Tecnologia. Rio Claro, v.1, n.2,
p.14-28, 2002.
OLIVEIRA, Márcio de. A Trajetória do Discurso Ambiental em Curitiba (1960-2000). In: Revista
Sociologia e Política. Curitiba, 16, p.97-106, jun., 2001.
Paisagem. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 15
imp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, [19--]. p.1018.
Paisagem. In: Houaiss, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,
2001. p.326.
280
Paisagismo. In: CORONA, Eduardo & LEMOS, Carlos Alberto Cerqueira. Dicionário da Arquitetura
Brasileira. São Paulo: EDART, 1972.
PANERAI, Philippe R. e DEPAULE, Jean-Charles. Formas Urbanas: de la manzana ao bloque.
Barcelona: Gustavo Gilli, 1986. 209p.
PARANÁ. Código de Posturas do Município de Coritiba, Lei n° 527 de 27 de Janeiro de 1919. Coritiba:
Tip. da Republica, 1919. 63p.
PARANÁ. Posturas Camara Municipal de Curityba, Estado do Paraná, decretada pela Camara Municipal
em Sessão de 22 de Novembro de 1895. 66p.
PARANÁ. Secretaria da Cultura e do Esporte - Coordenadoria do Patrimônio Cultural. A represa e os
colonos. Curitiba, 1986.144p.
PEREIRA, Gislene. Produção da Cidade e Degradação do Ambiente: A Realidade da Urbanização
Desigual, 2002. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento), Universidade Federal do
Paraná, Curitiba.
PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Câmara Municipal de Curitiba: 300 anos. Curitiba: 1993.
______. A Forma e o Podre: duas agendas da cidade de origem portuguesa nas Idades Medieval e
Moderna, 1998. Tese (Doutorado em História), Universidade Federal do Paraná, Curitiba.
______. Almuthasub – Considerações sobre o direito de almotaçaria nas cidades de Portugal e suas
colônias. São Paulo: Revista Brasileira de História, vol 21, nº42, 2001. Disponível em:
<
http://www.scielo.br/scielo.php?/pid> Acesso em: 2 mar. 2005.
______. Semeando iras rumo ao progresso: ordenamento jurídico e econômico da Sociedade
Paranaense 1829-1889. Curitiba: UFPR, 1996. 184p.
PEREIRA, Marco Aurélio Monteiro. A Cidade de Curitiba no Discurso de Viajantes e Cronistas do Século
XIX e Início do Século XX. In: Revista de História Regional. vol.1, nº1, Inverno, 1996. Disponível em:
<
http://www.uepg.br/rhr/v1n1/marco.htm>. Acesso em: 7 jul. 2004.
PNUD – PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Guia metodológica
ambiental para universidades de América Latina y Caribe. Santiago de los Cabaleros:
PNUD/UNOPS, 1997.
POMBO, J. F. da R. O Paraná no Centenário: 1500-1900. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980.
281
POSENATO, Júlio. Arquitetura da Imigração Italiana. Porto Alegre: Posenato Arte & Cultura,
1997.p.560.
PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA, Boletim da Prefeitura Municipal de Curitiba, ano II, nº12.
RAPOPORT, Amos. House, Form and Culture. New Jersey: Preentice Hall, 1969.
______ Aspectos Humanos de la Forma Urbana: hacia una confrontación de las Ciencias Sociales
com el diseño de la forma urbana. Barcelona: GG, 1977. 381p.
REIS FILHO, Nestor Goulart.Quadro da Arquitetura do Brasil. 6.ed. São Paulo: Perspectiva, 1987.
245p.
REIS, Nestor Goulart. Contribuição ao estudo da evolução urbana no Brasil 1550/1720. 2 ed. São
Paulo: Pini, 2000. 236p.
RELATÓRIO DA TURMA V . Contextualização Histórica e Socioespacial de Curitiba e RMC, 2003.
Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.101p.
RELPH, Edward. A Paisagem Urbana Moderna. Lisboa: Edições 70, 1987. 245p. (trad. Ana
MacDonald de Carvalho).
______. Place and Placelessness. London: Pion Limited, 1976. 161p.
REPS, Jon W. Suggested Plan for a Federal Capital for the Commonwealth of Australia. Typescript,
Australian Archives, Series A762. Disponível em:
<
http://www.library.cornel.edu/Rpes/DOCS/agache.htm> Acesso em 9 out. 2004.
RODRIGUES, Marlene. A boa vida de Santa Felicidade. Boletim Informativo da Casa Romário
Martins, vol. XVIII, nº 87, abril, 1991. 19p.
ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995. 309p.
RUDOFSKY, Bernard. Ningen no tameni no michi (Streets for People). Tokyo: Kajima Institute
Publishing Co. Ltd., 1973. 342p. (em japonês).
RYKWERT, Joseph. A Sedução do Lugar: a História e o Futuro da Cidade. São Paulo: Martins Fontes,
2004. p.399. (tradução Valter Lellis Siqueira; revisão técnica: Sylvia Fischer)
SAHR, Wolf-Dietrich e LÖWEN SAHR, Cicilian Luiza. Menonitas Brasileiros às Margens do Mundo
Nacional: um estudo da geografia social e cultural. In: MENDONÇA, Francisco (ed.). RAÉGA – O
282
Espaço Geográfico em Análise. Ed: UFPR, Revista do Departamento de Geografia e da Pós-
Graduação, nº4, ano IV, 2000.
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pela Comarca de Curitiba. Curitiba: Fundação Cultural, 1995.
182p. (tradução: Cassiana Lacerda Carollo)
SALGUEIRO, Heleiana Angotti (coord). Paisagem e Arte: a invenção da natureza, a invenção do olhar.
I Colóquio Internacional de Historia da Arte. São Paulo: CBHA, 2000. 452p.
SALIBRA, Elias Thomé. As utopias românticas. São Paulo: Estação Liberdade, 2003.109p.
SANCHEZ GARCIA, Fernanda Ester. A Reinvenção das Cidades para um Mercado Mundial.
Chapecó: Ed: UNOCHAPECÓ Argos, Universitária. 2003.588p.
______ Cidade Espetáculo: política, planejamento e city-marketing. Curitiba: Palavra, 1977.
SAUER, Carl O. A Morfologia da Paisagem. In: CORRÊA, Roberto Lobato e ROSENDAHL, Zeny
(Orgs.). Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, p.12-74,1998.
SCHWAB, Carlos Alberto. Resumo histórico e Genealogia dos Alemães de Volga: 1877-1997.
Campo Largo: Paranaense, 1997. 684p.
SCHUSSEL, Zulma. Aglomeração metropolitana de Curitiba e as matrizes teóricas do planejamento,
2005. Qualificação de Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento). Universidade Federal
do Paraná, Curitiba.
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999.
224p.
SENNETT, Richard. Carne e Pedra. Rio de Janeiro: Record, 1977.
SEYFERT, Giralda. A assimilação dos imigrantes como questão nacional. In: MANA, vol. 3, n.1, p.95-
131, 1997.
SILVA, João Gomes da. A Paisagem – Idéia ou Experiência?. In: Jornal Arquitectos, n.206, maio/jun.
Portugal, 2002.
SILVA, Maclovia Corrêa da Silva. Urbanismo nas cidades brasileiras durante a primeira metade do
século 20. In: Sinopses, nº37, p.78-86, abr., 2002.
SILVA, Wilton Carlos Lima da. As Terras Inventadas: Discurso e natureza em Jean de Léry, André
João Antonil e Richard Francis Burton. São Paulo: UNESP, 2003. 329p.
283
SITTE, Camilo. A Construção das Cidades Segundo seus Princípios Artísticos. São Paulo: Ática,
1992. 239p. (trad. da 4º ed. alemã por Ricardo Ferreira Henrique).
SOUZA, Nelson Rosário. Planejamento Urbano de Curitiba: saber técnico, clasificação dos citadinos e
partimha da cidade In: Revista de Sociologia e Política, nº 16, p.107-122, jun., Curitiba, 2001.
SOUZA, Roberto Ribeiro de. Representações Geográficas de Identidades: o caso das casas regionais
de origem portuguesa no Rio de Janeiro. In: Anais do Simpósio Nacional sobre Geografia,
Percepção e Cognição do Meio Ambiente. Londrina, 2005. (CDROM)
STECA, Lucinéia Cunha e FLORES, Mariléia Dias. História do Paraná: do séc. XVI à década de 1950.
Londrina: EDUEL, 2002.206p.
SUTIL, Marcelo Saldanha. Boqueirão: o bairro na história da cidade. Boletim Informativo da Casa
Romário Martins. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, v.22, n.106 ago., 1995. 99p.
TOMAZ, Antonio. Colônia Imperial Santa Maria do Novo Tirol da Boca da Serra: 120 anos de
história, Genealogia. Curitiba: Editare, 1998. 592p.
TORRES, Horacio. El Origen Interdisciplinario de los Estudios Urbanos. In: Seminario Internacional
VAQUERIAS. Argentina, oct., p.1-22, 1996 (mimeo).
TROLL, Carl. A Paisagem Geográfica e sua Investigação. In: Espaço e Cultura. Rio de Janeiro:
EdUERJ, nº4, jun., p.1-7, 1997.
TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo de Percepções, Atitudes e Valores do Meio Ambiente. São Paulo:
DIFEL, 1980.
______. Espaço e Lugar. São Paulo: DIFEL, 1983. 250p.
UEDA, Atsuhi. Buradiru nambu gaikokujin ijiutiichi ni okeru jubunka reinyou ni kansuru hikaku
chosa - Estudo Comparativo da Transformação do Espaço Vivencial nas Áreas de Colonização
Estrangeira na Região Sul do Brasil. Universidade de Osaka, 1982. (em japones).
UMBARÁ: gentes, vida e memória. Boletim Informativo da Casa Romário Martins, ano 11, nº 72, out.,
1984. 28p.
VICENTINI, Yara. Cidade e História na Amazônia, 1994.Tese (doutoramento) apresentada à
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – Universidade de São Paulo, São Paulo.
284
______.Teorias da Cidade e as Reformas Urbanas Contemporâneas. In: Desenvolvimento e Meio
Ambiente: Cidade e Ambiente Urbano, n.3.Curitiba: UFPR, 2001.
______ (coord). Urbanização e Recursos Hídricos na Região Metropolitana de Curitiba. Curitiba:
UFPR, 2004. (CDROM)
VICENTINI, Yara e PEREIRA, Gislene. A Paisagem Urbana da Nova Lei de Zoneamento de Curitiba –
BR 116. In: Curitiba de Verdade: A Lei de Zoneamento e Uso do Solo de Curitiba em Debate.
Curitiba: PMDB/Fundação Pedroso Horta, 2000. (Cadernos de Gestão Pública 2) p.45-58.
VICENTINI, Yara e RIZEK, Cibele S. Teorias Urbanas e o Tema da Natureza. (mimeo)(s/d).
WACHOWICZ, Ruy C. Santa Cândida: Pioneira da Colonização Linista: Boletim Informativo da Casa
Romário Martins, ano 2, nº 16, dez., 1975. 15p.
______ O camponês polonês no Brasil. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 1981.
______ Orleans: um século de subsistência. Curitiba: Edições Paiol, 1976.
______Tomás Coelho: uma comunidade camponesa. Curitiba: Real Artes Gráficas, 1977.
______História do Paraná. 9.ed. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2001. 360p.
WALDRIGUES, Augusto. Contribuição ao estudo da evolução histórica, social e econômica de Curitiba.
In: Ilustração Brasileira. Edição Comemorativa do Centenário da Emancipação Política do Paraná,
1853-1953.
WEIBEL, Leo. Capítulos de Geografia Tropical e do Brasil. RJ: Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, Conselho Nacional de Geografia, 1958. 307p.
YAMAKI, Humberto. Buradiru ni okeru shin toshikeikaku no paradaimu: toshi keikaku aprouchi kara
(Morfogenealogia das Cidades Novas Brasileiras). Ed. Toyota, 1994. 97p. (em japonês)
______. Arquitetura da Imigração Japonesa em Londrina – Análise de Documentação. In: Anais da 9º
Reunião Anual SBPN, vol. 5,n°1, p.244-245, 2001.
______. Patte Dóie Norte Paranaense: um estudo morfo-genealógico. In: SEDUR – Seminário de
Desenho Urbano. Brasília: UnB-GDF, p.235-243, 1991.
YAMAKI, Humberto Tetsuya e KATO, Akinori. Spatial Structure of Community Core in Japanese
Settlement Towns in Brazil. Osaka: Technology Reports of the Osaka University, vol. 34, nº 1758,
march, p.157-166, 1984.
285
YAMAKI, Humberto Tetsuya e NARUMI, Kunihiro. Spatial Structure of Settlement Towns in Brazil: a
comparative study of Japanese, German and Italian Towns. In: Technology Reports of the Osaka
University. Osaka:, vol. 33, nº 1736, oct, p.435-443,1983.
YAMAKI, Humberto e KANASHIRO, M. Reabilitação Urbana Vila Casoni – Vilas como Transformações
Aditivas. In: Revista SEMINA: Ciências Sociais/Humanas, v.22, p.75-82. Londrina: UEL, 2001.
ZEISEL, John. Inquiry by Design: Tools for Environment-Behaviour Research. London: Cambridge
University Press, 1984. 250p.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo