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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TECNOLOGIA
QUEM MORA NO LIVRO DIDÁTICO?
REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NOS LIVROS DE MATEMÁTICA
NA VIRADA DO MILÊNIO
LINDAMIR SALETE CASAGRANDE
Dissertação apresentada como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Programa
de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal de
Educação Tecnológica do Paraná.
Orientadora: Profª. Drª. Marilia Gomes de Carvalho
CURITIBA
2005
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LINDAMIR SALETE CASAGRANDE
QUEM MORA NO LIVRO DIDÁTICO?
REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NOS LIVROS DE MATEMÁTICA
NA VIRADA DO MILÊNIO
Dissertação apresentada como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Tecnologia. Programa
de Pós-Graduação em Tecnologia, Centro Federal de
Educação Tecnológica do Paraná.
Orientadora: Profª. Drª. Marilia Gomes de Carvalho
CURITIBA
2005
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ii
iii
Dedico este trabalho às professoras e aos
professores que trabalham diariamente para a
construção de uma educação justa,
democrática e igualitária.
iv
AGRADECIMENTOS
Durante esta caminhada, muitas pessoas passaram por mim e deixaram suas
marcas. Algumas deixaram marcas profundas outras, nem tanto, porém todas
contribuíram para que eu conseguisse atingir meu objetivo e concluir esta etapa de
minha caminhada.
Tive o privilégio de ser orientada pela professora Drª. Marilia Gomes de
Carvalho que acreditou em mim e em meu projeto e com sua paciência, dedicação e
sabedoria ajudou-me a executá-lo. Seu incentivo e suas críticas foram fundamentais
para as transformações pelas quais passei durante este período. Penso que
pudemos estabelecer mais do que uma parceria para a elaboração de uma
dissertação. Construímos também uma relação de amizade que, espero, continue
daqui por diante.
A professora Drª. Sonia Ana Leszczynski também deixou marcas profundas,
pois com ela pude estabelecer uma relação de amizade e, desde que decide
candidatar-me ao mestrado ela foi uma das grandes incentivadoras para que eu
conseguisse percorrer este caminho. Nossas conversas fortaleceram-me para
enfrentar os desafios de fazer mestrado no meu local de trabalho.
Às professoras Drª. Tânia Maria Figueiredo Braga Garcia e Drª. Ivaine Maria
Tonini agradeço por suas contribuições para o desenvolvimento desta pesquisa e
por terem aceitado participar da avaliação da mesma.
Os demais professores e professoras do PPGTE também deixaram suas
marcas, quer pelo contato em sala de aula, quer pelas conversas no corredor,
sempre estimulantes e valiosas.
Agradeço de modo especial à amiga Juliana Schwartz, parceira de trajetória e
cúmplice intelectual com quem compartilhei muitas experiências durante este
período. Das muitas idéias que pareciam “malucas” de início, algumas pudemos ver
concretizadas. Valeu, pela amizade, cumplicidade e pelas horas de conversa ao
telefone...
A minha família, de modo especial minha irmã Nelci, que teve que aturar a
minha bagunça e a falta de tempo para qualquer coisa durante este período, e a
minha sobrinha Pollyane a quem contaminei com minhas discussões, agradeço pelo
apoio e compreensão. Sem o estímulo, carinho e compreensão de vocês não teria
v
conseguido levar adiante este projeto. Sei que estive ausente nestes últimos anos,
porém a causa era justa.
Agradeço ainda aos colegas de mestrado. Com alguns o contato foi mais
intenso e próximo, com outros, nem tanto, porém sempre estiveram presentes com
seu incentivo e apoio.
E por fim, agradeço a Deus por ter me proporcionado saúde e paz para
percorrer este caminho.
vi
Mas quando uma pessoa pertencente ao sexo
no qual, de acordo com nossos costumes e
preconceitos, é forçada a enfrentar
infinitamente mais dificuldades do que os
homens para familiarizar-se com essas
pesquisas dificílimas, e consegue, com êxito,
penetrar nas partes mais obscuras delas,
tendo, para isso, de superar todas essas
barreiras, então essa pessoa tem,
necessariamente, a mais nobre coragem, os
mais extraordinários talentos e uma
genialidade superior.
Gauss, numa carta a Sophie Germain,
referindo-se ao trabalho dela.
(MORAIS FILHO, 1996, p. 2).
vii
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS..................................................................................................ix
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS...................................................................xii
RESUMO..................................................................................................................xiii
ABSTRACT..............................................................................................................xiv
1 ABRINDO A PORTA: INTRODUÇÃO................................................................15
2 CONVERSANDO COM OS VIZINHOS ..............................................................20
2.1 GÊNERO: UM CONCEITO, MÚLTIPLOS ENFOQUES ...................................20
2.1.1 De estudos sobre mulheres a estudos sobre relações de gênero ..............22
2.1.2 Diferentes enfoques das teorias de gênero.................................................25
3 ESPAÇO ESCOLAR: LOCAL PARA A PRÁTICA DAS RELAÇÕES DE
GÊNERO ............................................................................................................39
3.1 A EDUCAÇÃO E A BUSCA PELA EQÜIDADE ................................................39
3.2 A ESCOLA E AS RELAÇÕES DE GÊNERO....................................................43
3.3 O QUE AS PROFESSORAS E OS PROFESSORES TÊM A VER COM ESSA
HISTÓRIA?.....................................................................................................50
3.4 O QUE ESTÁ OCULTO NO CURRÍCULO? .....................................................57
3.5 MATEMÁTICA E CIÊNCIAS SÃO ASSUNTOS PARA MULHERES? ..............62
4 LIVRO DIDÁTICO: UM INSTRUMENTO NECESSÁRIO...................................67
4.1 O LIVRO DIDÁTICO COMO PROJETO DE POLÍTICAS PÚBLICAS...............69
4.2 ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS: UM LONGO CAMINHO A SER
PERCORRIDO................................................................................................74
4.3 A APROPRIAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO POR PROFESSORAS E
PROFESSORES, ALUNAS E ALUNOS .........................................................82
5 ENTRANDO EM CASA......................................................................................87
5.1 METODOLOGIA...............................................................................................87
5.2 E POR FALAR EM LIVROS DIDÁTICOS.........................................................91
6 CONHECENDO OS MORADORES I: HOMENS E MULHERES NA ESFERA
PÚBLICA............................................................................................................96
6.1 CIÊNCIA E CIENTISTAS..................................................................................96
6.2 OS GÊNEROS NA INTERAÇÃO COM ARTEFATOS TECNOLÓGICOS ........99
viii
6.3 MERCADO DE TRABALHO...........................................................................103
6.4 O ESPORTE COMO PROFISSÃO E LAZER.................................................117
6.4.1 Esportistas profissionais............................................................................117
6.4.2 Esportistas amadores................................................................................121
6.5 PERSONALIDADES HISTÓRICAS E CELEBRIDADES................................125
6.6 MULHERES E HOMENS SÃO PROPRIETÁRIOS DO QUÊ?........................127
6.7 AS FINANÇAS................................................................................................131
7 CONHECENDO OS MORADORES II: A FAMÍLIA, AS BRINCADEIRAS E AS
SITUAÇÕES ESCOLARES NA SOCIALIZAÇÃO DAS CRIANÇAS...............137
7.1 OS GÊNEROS E O CUIDADO COM A FAMÍLIA E O LAR ............................137
7.2 MENINAS E MENINOS BRINCAM DE QUÊ?................................................146
7.3 SITUAÇÕES ESCOLARES............................................................................155
7.4 COMPARANDO PESSOAS DIFERENTES....................................................166
8 FECHANDO A PORTA.....................................................................................170
8.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................170
8.2 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS ...............................................182
REFERÊNCIAS.......................................................................................................183
APÊNDICE A – Livros didáticos analisados que foram publicados no período
de 1990-1993....................................................................................................189
APÊNDICE B – Livros didáticos analisados que foram publicados no período
de 2000-2003....................................................................................................190
ix
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 –BIÓLOGOS MEDINDO TARTARUGA...................................................97
FIGURA 2 –CIENTISTA NO LABORATÓRIO...........................................................97
FIGURA 3 –CARICATURA DE CIENTISTA..............................................................97
FIGURA 4 – USANDO CALCULADORA.................................................................101
FIGURA 5 – MULHER TRABALHANDO.................................................................101
FIGURA 6 – PILOTOS DE AERONAVE..................................................................101
FIGURA 7 – MENINOS JOGANDO VIDEOGAME..................................................101
FIGURA 8 – MENINO AO COMPUTADOR.............................................................101
FIGURA 9 – MENINOS CONHECENDO O MICROSCÓPIO..................................101
FIGURA 10 – CRIANÇAS JOGANDO VIDEOGAME..............................................101
FIGURA 11 – CRIANÇAS ESTUDANDO AO COMPUTADOR............................101
FIGURA 12 – A PROFESSORA I............................................................................108
FIGURA 13 – COSTUREIRAS................................................................................108
FIGURA 14 – A DENTISTA.....................................................................................108
FIGURA 15 – O SAPATEIRO..................................................................................108
FIGURA 16 – O PROFESSOR................................................................................108
FIGURA 17 – MULHER TRABALHANDO AO COMPUTADOR..............................108
FIGURA 18 – A FLORISTA.....................................................................................108
FIGURA 19 – A PROFESSORA II...........................................................................108
FIGURA 20 – A ARTESÃ........................................................................................109
FIGURA 21 – LINHA DE PRODUÇÃO I..................................................................109
FIGURA 22 – LINHA DE PRODUÇÃO II.................................................................109
FIGURA 23 – OS COMERCIANTES.......................................................................109
FIGURA 24 – O FRENTISTA..................................................................................109
FIGURA 25 – O PEDREIRO ...................................................................................109
FIGURA 26 – BIÓLOGOS EM AÇÃO .....................................................................109
FIGURA 27 – TRABALHO NO LABORATÓRIO .....................................................109
FIGURA 28 – OS BANCÁRIOS...............................................................................110
FIGURA 29 – O ATLETISMO FEMININO ...............................................................119
FIGURA 30 –O AUTOMOBILISMO.........................................................................119
FIGURA 31 –BASQUETE MASCULINO.................................................................119
FIGURA 32 –A GINASTA........................................................................................119
FIGURA 33 –BASQUETE FEMININO.....................................................................119
FIGURA 34 –FUTEBOL MASCULINO....................................................................119
FIGURA 35 –VÔLEI MASCULINO..........................................................................119
FIGURA 36 –CICLISMO .........................................................................................119
FIGURA 37 –MENINOS JOGANDO VÔLEI I..........................................................123
FIGURA 38 –TOMANDO UM FRANGO..................................................................123
FIGURA 39 –MULHERES PASSEANDO................................................................123
FIGURA 40 –MENINOS JOGANDO VÔLEI II.........................................................123
FIGURA 41 –MENINOS JOGANDO FUTEBOL......................................................123
FIGURA 42 –PASSEIO NO PARQUE.....................................................................123
FIGURA 43 –MENINOS JOGANDO BASQUETE...................................................123
FIGURA 44 –FAZENDO COOPER .........................................................................123
FIGURA 45 –GILBERTO GIL..................................................................................126
FIGURA 46 –CAETANO VELOSO..........................................................................126
x
FIGURA 47 –AIRTON SENNA................................................................................126
FIGURA 48 – PERSONAGENS DA HISTÓRIA ......................................................126
FIGURA 49 –POLÍTICO EM CAMPANHA I.............................................................126
FIGURA 50 –POLÍTICO EM CAMPANHA II............................................................126
FIGURA 51 – OS SÓCIOS......................................................................................130
FIGURA 52 –AUTO-ATENDIMENTO......................................................................134
FIGURA 53 –CAIXA ELETRÔNICO........................................................................134
FIGURA 54 –O BANCO ..........................................................................................134
FIGURA 55 –LEVANDO O FILHO AO PEDIATRA .................................................141
FIGURA 56 –RECEBENDO A VISITA DAS AGENTES DE SAÚDE.......................141
FIGURA 57 –EDUCANDO A FILHA........................................................................141
FIGURA 58 –COMPRANDO CHUTEIRAS..............................................................141
FIGURA 59 –A VOVÓ.............................................................................................141
FIGURA 60 –MULHER NO SUPERMERCADO......................................................141
FIGURA 61 –PASSEANDO NO PARQUE..............................................................141
FIGURA 62 –HOMEM NO SUPERMERCADO.......................................................141
FIGURA 63 –VOVÔ E NETA...................................................................................142
FIGURA 64 –ENSINANDO A PESCAR...................................................................142
FIGURA 65 –FAZENDO ORÇAMENTO..................................................................142
FIGURA 66 –CAFÉ DA MANHÃ EM FAMÍLIA........................................................142
FIGURA 67 –PASSEIO EM FAMÍLIA......................................................................142
FIGURA 68 –RELEMBRANDO O PASSADO.........................................................142
FIGURA 69 – JOGO DE FIGURINHAS...................................................................150
FIGURA 70 – PROBLEMA NA GANGORRA..........................................................150
FIGURA 71 – BRINCANDO DE CARRINHO ..........................................................150
FIGURA 72 – JOGANDO DADOS ..........................................................................150
FIGURA 73 – PASSEANDO NA FLORESTA..........................................................150
FIGURA 74 – COLECIONANDO FIGURINHAS......................................................150
FIGURA 75 – COLEÇÃO DE SELOS .....................................................................150
FIGURA 76 – ASSISTINDO TV...............................................................................150
FIGURA 77 – VISITA AO ZOOLÓGICO..................................................................151
FIGURA 78 – IMAGEM EM PRETO E BRANCO....................................................151
FIGURA 79 – MONTANDO O CARRINHO.............................................................151
FIGURA 80 – JOGANDO VIDEOGAME .................................................................151
FIGURA 81 – O BALANÇO.....................................................................................151
FIGURA 82 – PING-PONG .....................................................................................151
FIGURA 83 – BASQUETE COLETIVO ...................................................................151
FIGURA 84 – QUEBRA-CABEÇA...........................................................................151
FIGURA 85 – MENINO DESENHANDO .................................................................159
FIGURA 86 – ALUNO NOTA 10..............................................................................159
FIGURA 87 – MENINOS EM SALA DE AULA ........................................................159
FIGURA 88 – APRENDENDO UNIDADES DE MEDIDA ........................................159
FIGURA 89 – CONSTRUINDO SÓLIDOS GEOMÉTRICOS I.................................159
FIGURA 90 – ENSINAR E APRENDER..................................................................159
FIGURA 91 – ESTUDANDO? .................................................................................160
FIGURA 92 – MOMENTO DE LEITURA.................................................................160
FIGURA 93 – FALANDO EM PÚBLICO..................................................................160
FIGURA 94 – CALCULANDO COM O ÁBACO.......................................................160
FIGURA 95 – CONSTRUINDO SÓLIDOS GEOMÉTRICOS II................................160
xi
FIGURA 96 – FAZENDO A LIÇÃO DE CASA.........................................................160
FIGURA 97 – MENINO MEDINDO..........................................................................161
FIGURA 98 – ESTUDANDO EM DUPLA................................................................161
FIGURA 99 – OLHAR DISTANTE...........................................................................161
FIGURA 100 – ASSISTINDO A AÇÃO....................................................................161
FIGURA 101 – DIFERENÇA DE POSTURA...........................................................161
FIGURA 102 – DIFERENÇA DE ATITUDE.............................................................161
FIGURA 103 – OS PERSONAGENS......................................................................161
FIGURA 104 – ESTUDANDO EM EQUIPE.............................................................161
xii
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABRELIVROS - Associação Brasileira de Editores de Livros
CNLD - Comissão Nacional do Livro Didático
COLTED - Comissão do Livro Técnico e Didático
FAE - Fundação de Assistência ao Estudante
FENAME - Fundação Nacional do Material Escolar
GT
- Grupo de Trabalho
INL - Instituto Nacional do Livro
LD - Livro Didático
MEC - Ministério da Educação e Cultura
PCN’s - Parâmetros Curriculares Nacionais
PNLD - Programa Nacional do Livro Didático
SEPS - Secretaria de Ensino de 1º e 2º graus
USAID
- Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional
(United States Agency for International Development)
xiii
RESUMO
Esta dissertação foi desenvolvida com o objetivo de analisar as representações de
gênero nos livros didáticos de Matemática para 5ª e 6ª séries na virada do milênio.
Foram analisados livros didáticos do início das décadas de 1990 e de 2000. Para a
realização da pesquisa adotou-se a abordagem qualitativa por entender que esta se
adequava à elucidação da pergunta-problema. A pesquisa é do tipo documental,
sendo que os livros didáticos se constituem no campo empírico. Buscou-se conhecer
como os gêneros estão representados neste instrumento de ensino por entender que
os livros didáticos constituem-se num importante material de apoio para professores
e professoras e principalmente para alunos e alunas, bem como, numa “morada”
onde os gêneros se manifestam em diversas situações. Entende-se ainda que as
representações de gênero nos livros didáticos contribuem para a construção das
identidades de gênero das crianças e adolescentes. Os dados estão divididos em
onze categorias definidas com base na incidência de enunciados e ilustrações que
representam homens e mulheres em situações similares. Os resultados foram
agrupados em dois capítulos. O primeiro foi destinado às representações de gênero
no espaço público. Pôde-se perceber que tais representações ocorrem, na maioria
das vezes, em papéis dicotomizados. Não se privilegia a interação entre os gêneros
e tampouco a construção dos mesmos por meio desta interação. O segundo capítulo
da apresentação dos resultados foi destinado à socialização das crianças por meio
da família, das brincadeiras e das situações escolares. Percebeu-se que há
interação entre as crianças dos distintos gêneros, porém educar e cuidar das
crianças é tarefa feminina. A representação de gênero no cuidado com a família
também ocorre em papéis dicotomizados. A principal diferença observada nas
representações de gênero nos livros didáticos dos dois períodos (1990 à 1993 e
2000 à 2003) analisados foi o aumento do número de enunciados e ilustrações com
tais representações no segundo período, porém com pouca diferença na forma e
nas situações nas quais homens e mulheres são representados. Este fato demonstra
que os livros didáticos não incorporaram as transformações sociais e, por
conseqüência, as mudanças nas relações de gênero ocorridas nesta virada de
milênio.
Palavras-chave: Representações de Gênero; Livros Didáticos; Educação;
Professores e Professoras; Alunos e alunas.
Áreas de conhecimento: Educação; Matemática; Multidisciplinar.
xiv
ABSTRACT
This dissertation was developed with the objective of analyzing the gender representations in
the Math school books for the fifth and sixth grades on the turn of the century. School books
from the beginning of the decades 1990 and 2000 were analyzed. In order to make the
research, I adopted the qualitative approach because I understood it was adequate to solve
the problem-question. The research is one of the document type, while the school books
constitute the empirical field. I searched to know how the genders are represented in this
teaching tool because I understand the school books constitute an important support
material for female teachers and male teachers, and mainly for female students and male
students, as well as, in a "home" where the genders manifest in several situations. I also
understand that the gender representations in the school books contribute to the building of
the gender identities of children and teenagers. The data are divided into eleven categories
defined with bases on the incidence of statements and illustrations that represent men and
women in similar situations. The results were put in two chapters. The first one was destined
to the gender representations in the public space. I could notice that such representations
occur, most of the times, in dichotomyzed roles. The interaction between the genders is nor
privileged, and neither their building by means of this interaction. The second chapter for
showing the results was destined to the socialization of children through the family, playing
and school situations. I noticed That there was interaction between the different genders, but
teaching and taking care of the children is a feminine task. The representation of gender in
the taking care of the family also occurs in dichotomyzed roles. The main difference
observed in the gender representations in the school books in both periods (1990-1993 and
2000-2003) analyzed was the enhancing of the number of statements and illustrations with
such representations on the second period, but with little difference in the form and in the
situations in which men and women are represented. This fact shows that the school books
have not incorporated the social transformations and, as a consequence, the changes in the
gender relations that occurred on the turn of the century.
Key words:
Gender Representations; School Books; Education; Female Teachers and
Male Teachers; Female Students and Male Students.
15
1 ABRINDO A PORTA: INTRODUÇÃO
Estou agora, diante de uma página em branco na qual devo fazer a
introdução desta pesquisa que tomou meus pensamentos nos últimos 2 anos. O que
dizer? A norma diz que devo apresentar sucintamente a pesquisa, esclarecendo
quais os objetivos, a metodologia, o objeto da pesquisa, mas não devo falar sobre os
resultados. Mas na verdade, quero fazer-lhe um convite para re-visitar os livros
didáticos de Matemática e conhecer os moradores que nele habitam, que, por
conviverem com as crianças por boa parte de sua vida escolar, podem servir de
modelos para que elas construam seus corpos como masculinos ou femininos.
Nesta visita, sugiro que venha de mente aberta, sem pré-conceitos, com um olhar
curioso. Prontifico-me a ser sua anfitriã. Porém, não posso esquecer que esta é uma
pesquisa científica e que devo seguir normas. Então vamos a elas.
O livro didático acompanha os alunos e alunas por praticamente toda sua vida
escolar. Entende-se por livro didático os livros que contém o conteúdo básico de
uma determinada disciplina e que são publicados para fins educativos. No Brasil, o
Governo Federal distribui gratuitamente livros didáticos para os alunos e alunas de
escolas públicas de todas as séries do ensino fundamental (1ª a 8ª séries). Assim, o
livro didático torna-se um companheiro de caminhada para uma faixa significativa
dos/as estudantes brasileiros/as. Torna-se ainda uma ferramenta importante para
professores e professoras, alunos e alunas e, muitas vezes, este é o único livro ao
qual eles têm acesso. Desta forma, os conteúdos transmitidos pelo livro didático
devem ser selecionados e apresentados de forma cuidadosa, pois eles contribuirão
de forma significativa para a construção ou não da cidadania e de sujeitos críticos e
conscientes de seu papel na sociedade. Assim, é função das universidades,
pesquisadores e pesquisadoras desenvolverem pesquisas que objetivam estudar o
conteúdo e a metodologia de ensino presente nos livros didáticos.
Nesse sentido, algumas pesquisas vêm sendo realizadas tendo como campo
empírico o livro didático (BONAZZI e ECO, 1980 , DEIRÓ, s/d, MORO, 2001,
TONINI, 2002, dentre outros). Estes estudos seguem caminhos diversos, porém, há
ainda muito que pesquisar sobre este instrumento que continua sendo a ferramenta
básica para ensino o público brasileiro. Uma das lacunas nestes estudos é a
ausência de pesquisas com base em livros didáticos de Matemática. Assim, a
16
pesquisa ora apresentada visa fazer uma re-visita aos livros didáticos de Matemática
com o intuito de analisar as representações de gênero presentes neles. Entende-se
por representação a apresentação de determinados conceitos que indicam a visão
dos grupos de profissionais (autores/as, editores/as, ilustradores/as) responsáveis
pela publicação de livros didáticos sobre os assuntos em questão. Assim as
representações de gênero nos livros didáticos de Matemática indicam como as
cadeias de produção de livros didáticos vêem a relação entre homens e mulheres na
sociedade atual.
Para o desenvolvimento desta pesquisa foram analisados livros de
Matemática de 5
a
e 6
a
séries do ensino fundamental publicados no início da década
de 1990 (1990-1993) e no início da década de 2000 (2000-2003) e utilizados nas
escolas públicas de todo o Brasil. A opção por este período de tempo deu-se por ser
a década de 1990 um período de muitas transformações nas relações sociais e de
gênero. A escolha por livros didáticos das séries do terceiro ciclo do ensino
fundamental deu-se por serem estes os livros mais ricos em representações de
gênero, uma vez que os conteúdos matemáticos dessas séries propiciam a
utilização de personagens para sua problematização.
A minha experiência como professora de matemática foi fundamental para a
escolha do tema da pesquisa. Durante os 8 anos em que atuei em sala de aula, no
ensino de 1º e 2º graus, tive contato com enunciados de problemas nos quais as
representações de gênero estavam presentes e repetiam a hierarquização entre os
gêneros apresentada pela sociedade. Porém, somente após iniciar a participação no
Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Tecnologia – GeTec no ano de 2002
é que surgiu a inquietação sobre o tema e o desejo de realizar uma pesquisa
buscando conhecer como os gêneros estão representados nos livros didáticos de
Matemática e assim estabeleceu-se o objeto de estudo. Como professora eu
percebia a representação estereotipada de homens e mulheres, porém não
questionava e tampouco discutia o assunto com os alunos e alunas e, assim, com
base na minha experiência, penso que muitos professores e professoras que
desconhecem os estudos de gêneros podem estar repetindo a minha postura. Fato
este que me motivou a realizar esta pesquisa. Desta forma, esta pesquisa foi
ganhando corpo e tornando-se concreta.
17
Convém fazer uma ressalva. Embora saiba-se que, na sociedade atual
existam múltiplos gêneros e que eles estão presentes no universo escolar, nesta
pesquisa serão analisados somente homens e mulheres por serem os únicos
considerados pelos livros didáticos. Tonini (2002) argumenta que em conversa com
autores de livros didáticos, ao questionar a ausência dos demais gêneros nos
enunciados e ilustrações dos livros de Geografia, obteve como resposta que os
editores não permitiam a representação dos mesmos e como estavam dependentes
dos editores tinham que acatar essa restrição. Acredita-se que algo semelhante
ocorra com os livros didáticos de Matemática, pois não se identificou nenhum
exercício com a representação de homossexuais, por exemplo. Porém, ressalta-se
que a identificação dos demais gêneros no material impresso é difícil, pois as
características que os diferenciam de homens e mulheres, são mais culturais do que
físicas. Assim, ao se falar que uma personagem chama - se Carlos, por exemplo,
não é possível saber se ele é homossexual ou heterossexual, apenas que é do sexo
masculino.
Definido o objeto da pesquisa, as representações de gênero nos livros
didáticos de Matemática, chegava a hora de fazer o recorte e a problematização,
pois este tema é muito amplo e o tempo para a conclusão da dissertação é exíguo.
Após algumas idas e vindas, com mudanças no recorte, porém sem sair do tema, a
pergunta norteadora da pesquisa ficou assim estabelecida: como os gêneros estão
representados nos livros didáticos de Matemática para o ensino de 5ª e 6ª séries na
virada do 2º para o 3º milênio?
Para responder à pergunta-problema estabeleceu-se o seguinte objetivo
geral: analisar as representações de gênero nos livros didáticos de Matemática para
o ensino de 5ª e 6ª séries, publicados e utilizados na virada do 2º para o 3º milênio
nas escolas brasileiras. Os objetivos específicos foram os seguintes:
- Identificar quais são as representações de gênero nos livros didáticos de
Matemática do período de 1990 a 1993;
- Identificar quais são as representações de gênero nos livros didáticos de
Matemática do período de 2000 a 2003;
- Comparar as representações encontradas nos dois períodos com o intuito de
verificar se houve mudanças na forma de representação de gênero neste espaço de
tempo.
18
Para atingir estes objetivos foram selecionados os livros didáticos a serem
pesquisados e, posteriormente, definidas onze categorias nas quais os enunciados e
as ilustrações foram classificados. Isto feito partiu-se para a analise de todos os
exemplares selecionados com o intuito de identificar os enunciados e as ilustrações
que se enquadravam em cada uma das categorias.
Com base na teoria de gênero, fez-se a leitura destes enunciados e
ilustrações buscando identificar como eles representam os homens e as mulheres e
se estão contribuindo para propiciar uma educação justa e democrática ou se
representam os gêneros em papéis hierarquizados contribuindo assim para
reprodução e o aumento das desigualdades sociais.
A dissertação está dividida em 7 (sete) capítulos. No primeiro capítulo fez-se
um breve histórico do conceito de gênero bem como a revisão da teoria de gênero
com base em autoras e autores como Scott, Costa, Pierucci, Haraway, dentre
outras/os. Buscou-se o apoio destes/as teóricos/as para embasar e nortear as
análises futuras, para iluminar o caminho a ser trilhado no desenvolvimento da
pesquisa e sustentar a argumentação.
Sendo o livro didático um instrumento presente no espaço escolar, para
adentrar neste universo fez-se necessário refletir sobre o papel da escola e dos
profissionais da educação na formação das identidades e subjetividades dos/as
estudantes. Assim, o segundo capítulo foi destinado ao diálogo com os teóricos e
teóricas de educação e de gênero e educação como Louro, Apple, Moreira, Silva,
Carvalho, Berghahn, dentre outros/as.
O terceiro capítulo foi destinado ao livro didático. Fez-se um breve
levantamento da política governamental para o livro didático, apontou-se os
resultados de pesquisas realizadas por outras autoras e autores sobre o tema e por
fim fez-se uma análise da teoria sobre a utilização do livro didático por professores e
professoras, alunos e alunas.
A metodologia indica o caminho percorrido na execução da pesquisa. Assim,
ela e a descrição do campo empírico foram apresentadas no quarto capítulo. Os
resultados encontrados no desenvolvimento da pesquisa foram apresentados nos
capítulos seguintes com a exposição e análise dos dados coletados. À
representação de gênero no espaço público foi destinado o quinto capítulo e ao
papel da família, bem como a socialização das crianças coube o sexto capítulo. E
19
por fim, o sétimo capítulo foi destinado às considerações finais e à indicação de
sugestões para pesquisas futuras. Assim aconteceu esta visita. Espero que saiamos
dela conhecendo um pouco sobre os moradores dos livros didáticos. Convido todos
e todas a entrar e sentir-se à vontade neste universo.
20
2 CONVERSANDO COM OS VIZINHOS
Para iniciar a pesquisa faz-se necessário apresentar o referencial teórico com
o qual estar-se-á dialogando no decorrer do estudo. Assim, este capítulo e os
próximos dois serão destinados a dialogar com os vizinhos, ou seja, com assuntos
que entrecruzam e ou tangenciam a pesquisa que se inicia.
2.1 GÊNERO: UM CONCEITO, MÚLTIPLOS ENFOQUES
“O consenso foi o de que não há consenso sobre
qualquer natureza do feminino e do masculino”
Lia Zanotta Machado (1998).
Os estudos de gênero vêm se desenvolvendo na academia sob os mais
variados aspectos nos últimos anos. Sendo o objetivo principal desta pesquisa
analisar as representações de gênero nos livros didáticos de 5ª e 6ª série, utilizados
na virada do milênio, para o ensino de matemática, as teorias de gênero serão úteis
e deverão nortear o pensamento da pesquisadora durante o desenvolvimento da
pesquisa.
Assim, é importante registrar que o conceito de gênero se apresenta sob
diversas vertentes e os estudos de gênero são desenvolvidos nos mais variados
temas, assumindo múltiplos enfoques. Conforme argumenta Costa (1998), o termo
gênero tem muitas definições no idioma português. Na maioria das vezes que se fala
em estudos de gênero faz-se necessário explicar o seu significado, ou seja, a que se
está referindo ou ainda o que se está pesquisando.
Neste capítulo será feita uma breve análise de algumas correntes que
abordam gênero sob diferentes óticas no mundo acadêmico a fim de apontar o
referencial que fundamenta esta investigação. Convém ressaltar que não é intenção
esgotar aqui a discussão acerca do tema, mas apenas esclarecer sobre a corrente
que será referência na análise do objeto de estudo desta pesquisa, o livro didático
de Matemática.
Para iniciar esta discussão julgou-se interessante apontar o que se entende
por alguns dos termos que são recorrentes nos estudos de gênero. O dicionário
1
da
1
O dicionário utilizado para esta pesquisa foi o Novo Aurélio para o século XXI.
21
língua portuguesa traz muitas definições para o termo gênero, dentre elas encontra-
se a definição originária da antropologia na qual tem-se “a forma culturalmente
elaborada que a diferença sexual toma em cada sociedade, e que se manifesta nos
papéis e status atribuídos a cada sexo e constitutivos da identidade sexual dos
indivíduos” (FERREIRA, 1999, p. 980).
No mesmo dicionário, o termo homem é definido pelo mesmo dicionário como
“qualquer indivíduo pertencente à espécie animal que apresenta o maior grau de
complexidade na escala evolutiva. [Ou ainda] dotado das chamadas qualidades viris,
como coragem, força, vigor sexual, etc.” (1999, p. 1058) dentre outras definições.
Para mulher, uma das definições encontradas no mesmo dicionário é “dotada das
chamadas qualidades e sentimentos femininos (carinho, compreensão, dedicação ao
lar e à família, intuição)” (1999, p. 1377) o que vem de encontro com o estereótipo
presente no senso comum
2
.
Para Scott gênero é ”uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado”
(1995, p. 75). Definição esta que, como pode-se perceber, está próxima da definição
dada por Pierucci (1999).
Para esse autor gênero é uma classificação cultural com base no sexo; sexo
é a base biológica sobre a qual se constrói o gênero; macho e fêmea identificam as
pessoas com base em suas naturezas biologicamente sexuadas (indica a diferença
de capacidade reprodutiva das pessoas); masculino e feminino identificam as
pessoas por gênero. Desta forma, “um corpo sexuado como fêmea é culturalmente
percebido e socialmente construído como feminino” (Pierucci, 1999, p. 125). Algo
similar acontece com um corpo sexuado como macho.
Schienbinger também considera importante fazer a diferenciação entre os
termos que aparecem recorrentes nos estudos de gênero. Nas palavras da autora,
uma “mulher” é um indivíduo específico; “gênero” denota relações de poder entre os sexos
e refere-se tanto a homens quanto a mulheres; “fêmea” designa sexo biológico; “feminino”
refere-se a maneirismos e comportamentos idealizados das mulheres num lugar e época
específicos que podem também ser adotados por homens; e “feminista” define uma posição
ou agenda política (2001, p. 32).
2
Entende-se como senso comum o conhecimento que não é baseado no método científico.
22
A autora fez a especificação dos termos relacionados à mulher, porém, a
partir destas definições pode-se inferir que um homem é um indivíduo específico;
macho designa o sexo biológico; e assim por diante.
Concorda-se com as definições dadas por Scott (1995) e Schienbinger (2001)
aos termos supra mencionados e com base nessas definições e conceitos passar-
se-á a discutir a evolução do conceito de gênero no mundo acadêmico.
2.1.1 De estudos sobre mulheres a estudos sobre relações de gênero
Os estudos sobre mulheres buscavam mostrar a participação feminina na
sociedade, tirando as mulheres da invisibilidade. “Supunha-se a existência de
homens e mulheres e tratava-se, então, de analisar seus papéis sociais, sua
‘condição’ e demonstrar sua subordinação, ou sua resistência” (MACHADO, 1998, p.
113). Porém, a autora considera que os “estudos sobre a condição, a situação e a
posição das mulheres não pareciam ser capazes de responder aos desafios
feministas” (MACHADO, 1998, p. 107), uma vez que se tornavam muito descritivos e
acabavam reificando a situação da mulher ao invés de questioná-la e combatê-la.
Scott (1995) argumenta que os estudos sobre as mulheres, eram centrados
exclusivamente na mulher sem considerar o que ocorria com o homem em situações
semelhantes, e, desta forma, não mais contemplavam a extensa gama de situações
que deveriam ser consideradas para melhor compreender a sociedade e as relações
sociais.
Assim, surgiu a busca por uma área do conhecimento que contemplasse toda
a diversidade de campos de estudos que se vislumbrava e melhor se adequasse à
linguagem acadêmica. É nesse cenário que surge o termo gênero. Ele adentra à
academia no momento em que as/os teóricas/os buscavam uma forma de
desnaturalizar a condição da mulher na sociedade (SIMIÃO, 2000). O gênero surge
como uma tentativa de fugir dos termos sexo e diferença sexual e passa a substituir
o termo mulher nos títulos de algumas pesquisas. Uma parcela das/os
pesquisadoras/os passa, então, a empregar o termo gênero “como uma maneira de
se referir à organização social da relação entre os sexos” (SCOTT, 1995, p. 72).
A mudança de mulher para gênero não ocorreu sem problemas, pois
outras/os pesquisadoras/es se opunham a ela, considerando que o termo
23
despolitizava o movimento feminista ao substituir um sujeito politicamente
construído, a Mulher, por um termo neutro, o Gênero (SIMIÃO, 2000).
Costa argumenta que “o gênero como categoria de análise permitiu uma certa
despolitização dos estudos feministas na academia latino-americana” (1998, p. 134).
Isto ocorreu porque “muitas estudiosas da área adotaram a rubrica ‘estudos de
gênero’, mantendo assim o ‘rigor’ e a ‘excelência’ científicas [...] conquistando um
espaço seguro dentro do cânon acadêmico ao invés de desafiá-lo” (COSTA, 1998, p.
134). Assim o termo gênero foi utilizado por estas pesquisadoras com o intuito de
adentrar ao meio acadêmico e obter o reconhecimento da cientificidade de seus
estudos. A autora afirma que “falar de gênero em vez de mulher também dava mais
status e revelava maior sofisticação por parte da pesquisadora, a qual então saía
definitivamente do gueto dos estudos da mulher” (1998, p. 135). Talvez isso tenha
seduzido muitas pesquisadoras para usar a nova terminologia.
Para Rago, gênero possibilitou “sexualizar as experiências humanas, fazendo
com que nos déssemos conta de que trabalhávamos com uma narrativa
extremamente dessexualizadora” (1998, p. 95), visto que, até então mesmo
reconhecendo que o sexo fazia parte das experiências humanas, ele era excluído da
dimensão analítica. Os estudos de gênero permitiram a inclusão do sexo e da
sexualidade às discussões acadêmicas sem que os estudos com este enfoque
fossem considerados de menor relevância.
Entre oposições e adesões, gênero foi se popularizando e assumindo uma
conotação cada vez mais ajustada à linguagem científica e sendo utilizado por um
número crescente de acadêmicas/os, bem como recebendo uma gama cada vez
maior de definições e enfoques. O conceito de gênero passou a ser considerado
“uma ferramenta teórica que possibilita a crítica da visão androcêntrica e da
dominação masculina” (DE CARVALHO, 2003, p. 57), ou seja, “uma ferramenta
analítica que é, ao mesmo tempo, uma ferramenta política” (LOURO, 2001a, p. 21).
Gênero, então, apresentava-se oportuno para a discussão dos problemas e
da situação da mulher na sociedade, pois também introduzia a visão relacional aos
debates, a visão de que “as mulheres e os homens eram definidos em termos
recíprocos e não se poderia compreender qualquer um dos sexos por meio de um
estudo inteiramente separado” (SCOTT, 1995, p. 72). Qualquer conhecimento sobre
um sexo implica necessariamente em conhecimento sobre o outro, pois ambos
24
vivem no mesmo contexto e são construídos na interação entre os sujeitos, nas
relações entre homens e mulheres em suas vidas cotidianas. Porém, este enfoque
aumentou a responsabilidade, ou o “fardo”, para utilizar a expressão de Costa
(1998), das/os pesquisadoras/es, pois um estudo de gênero que não analisasse
também a situação do homem passou a ser considerado incompleto.
A conotação assumida pelo termo gênero parece se ajustar às Ciências
Sociais e não determina, obrigatoriamente, a postura política. “‘Gênero’ não implica
necessariamente uma tomada de posição sobre a desigualdade ou o poder, nem
tampouco designa a parte lesada” (SCOTT, 1995, p. 75). Ou seja, a partir de então,
“podia-se estudar a opressão da mulher e as relações desiguais de poder entre
homens e mulheres sem necessariamente assumir um projeto político feminista”
(COSTA, 1998, p. 135), o que pode ter feito com que algumas/uns pesquisadoras/es
se sentissem mais à vontade para desenvolver suas pesquisas nessa área do
conhecimento. O uso do termo gênero representa, então, a busca pela legitimidade
dos estudos sobre as mulheres e consegue adentrar a áreas do conhecimento que
ofereciam resistência a estes estudos.
Porém, em algum momento o termo gênero foi utilizado como sinônimo de
mulher com o intuito de “obter o reconhecimento político deste campo de pesquisas
[...] visa sugerir a erudição e seriedade do trabalho [...] tem uma conotação mais
objetiva e neutra do que ‘mulheres’” (SCOTT, 1995, p. 75). Assim, apenas ao
substituir o termo mulher pelo termo gênero mudava-se a forma como o trabalho
seria olhado e atingia um público que antes não era possível. Entretanto, Moraes
(1998) chama a atenção para o fato de que gênero se refere tanto a homens quanto
a mulheres e desta forma, sua utilização como sinônimo de mulher é equivocada.
Argumento este compartilhado com Heilborn. A autora diz que
a categoria de gênero não deve ser acionada como um substituto para homem ou mulher.
Seu uso designa, ou deveria fazê-lo, a dimensão inerente de uma escolha cultural e de
conteúdo relacional. Por outro lado, ele traz embutida a articulação desse código, que se
apropria da diferença sexual tematizando-a em masculino e feminino, com outros níveis de
significação do universo [...] o gênero interage com outros códigos (1992, p. 41).
Estes outros códigos aos quais a autora se refere são classe, raça, etnia, dentre
outros, que também interferem na definição das identidades e na construção dos
sujeitos.
25
Pesquisas baseadas nas teorias de gênero têm se diversificado muito nos
últimos anos e, nos dias atuais, englobam estudos sobre os múltiplos gêneros e a
relação entre eles, bem como a relação entre os indivíduos pertencentes a um
mesmo gênero. Rago considera que
“a categoria do gênero permitiu nomear campos das práticas sociais e individuais que
conhecemos mal mas que intuímos de algum modo. [...] [Considera ainda] um grande
avanço podermos abrir novos espaços para temas não pensados, de campos não
problematizados, de novas formas de construção das relações sociais não imaginadas pelo
universo masculino” (1998, p. 96-97).
Com o desenvolvimento cada vez maior dos estudos de gênero, este
“passaria a ser visto, [...], menos como modelos dominantes de masculino e
feminino, mas como uma linguagem, uma forma de comunicação e de ordenação do
mundo” (SIMIÃO, 2000, p. 3). Segundo o mesmo autor, o gênero permeia todos os
setores da sociedade, orienta a forma como as pessoas se relacionam e pode se
constituir em “base para preconceitos, discriminação e exclusão social” (2000, p. 3).
Desta forma, gênero passa a ser visto como uma construção social, ou seja,
parte do ponto de vista “em que as premissas do social são cada vez mais vistas
como culturalmente construídas; isto é, desnaturalizadas, [...], e passíveis de
reconstruções” (MACHADO, 1998, p. 110-111), fruto da interação entre os sujeitos e
destes com a sociedade. Ao considerar gênero como uma construção social,
considera-se também que ele está em constante construção e mutação, e, o que
representa a verdade para uma sociedade e cultura específica nos dias de hoje pode
não mais valer para um futuro próximo. Daí a importância de se desenvolver
pesquisas de gênero que estejam localizadas no tempo e no espaço. Seus
resultados serão válidos para aquela realidade pesquisada e não deverão ser
generalizados.
A seguir serão apresentados alguns dos múltiplos enfoques dados ao
conceito de gênero pelas/os pesquisadoras/es que desenvolvem seus estudos nesta
área do conhecimento.
2.1.2 Diferentes enfoques das teorias de gênero
As diferenças biológicas foram, por muito tempo, utilizadas para justificar as
desigualdades entre os gêneros, como se as características definidas pela biologia
fossem as responsáveis pelas habilidades físicas e intelectuais dos indivíduos, e
26
mais ainda, determinassem a inferioridade feminina. Argumento semelhante era
utilizado para justificar a inferioridade do negro (africano) em relação ao branco
(europeu) (MORO, 2001). Porém, com o avanço da Ciência, já não é mais possível
valer-se exclusivamente das diferenças biológicas para explicar as desigualdades
entre os sexos, pois, “os biólogos podem nos dizer que, estatisticamente os homens
são mais fortes que as mulheres, mas eles não podem nos dizer porque a força e as
atividades masculinas, em geral, parecem ser mais valorizadas em todas as
culturas” (ROSALDO e LAMPHERE, 1979, p. 21).
As autoras argumentam ainda que “o que é ser homem ou o que é ser mulher
dependerá das interpretações biológicas associadas a cada modo cultural de vida”
(1979, p. 22). Desta forma, pode-se perceber que as diferenças biológicas
constituem fator importante nas construções das desigualdades de gênero, porém
não no único fator determinante destas desigualdades. É importante considerar o
contexto sócio-cultural-histórico como fator relevante na construção das identidades
de gênero.
A dicotomia rígida homem/mulher que considerava gênero como uma variável
binária e foi empregada no início dos estudos de gênero estava baseada nas
diferenças entre os gêneros sem considerar que existiam muitas semelhanças entre
homens e mulheres e que estas semelhanças deviam ser valorizadas. Costa
considera que:
o enfoque um tanto obsessivo dos pesquisadores sobre as diferenças sexuais, acrescido de
uma confiança teórica numa conceitualização estática e dualista de gênero [...], impediu-os
de enxergar aqueles mecanismos sociais e estruturais que ao mesmo tempo impõem e
abalam divisões e limites entre homens e mulheres (1994, p. 146-147).
Costa (1994) aponta quatro paradigmas que vêm norteando os estudos sobre
as questões de gênero sob a ótica da linguagem, porém esses paradigmas também
podem ser utilizados para análises de gênero sobre outros enfoques. O primeiro
trata as questões de gênero como papéis dicotomizados. As/os pesquisadoras/es
adeptas/os deste paradigma partem do pressuposto de que homens e mulheres
foram socializados de forma diferenciada e portando, aprenderam e internalizaram
papéis específicos para cada um dos gêneros.
Esta abordagem embora represente um avanço com relação à visão de
gênero como variável binária, apresenta algumas limitações como, por exemplo, não
27
permite que se compreenda o que é ser homem ou ser mulher por meio de papéis
como professor e secretária. Também deixa de fora da análise as questões de poder
e desigualdade e refere-se a “estereótipos de papéis do homem ou da mulher”
(COSTA, 1994, p. 148), além de não contemplar as mudanças sociais que ocorrem
constantemente. Estas/es teóricas/os entendem a mudança como algo que ocorre
para os papéis de cada gênero e
não como algo que surge dentro das relações entre os gêneros em conseqüência da
interação dialética entre a prática social e a estrutura social, [...] ao enfatizar dualismos,
essa teoria desvia a atenção da complexidade das relações sociais. O gênero é melhor
entendido em termos políticos e sociais e com referência a formas locais e específicas de
relações e desigualdades sociais” (COSTA, 1994, p. 149).
Isso demonstra que não se deve analisar as questões de gênero fora de seu
contexto, pois corre-se o risco de uma visão equivocada da realidade. O que é
normal e aceitável para uma sociedade ou cultura pode ser inaceitável e motivo de
preconceitos e descriminações em outras sociedades e culturas.
Em suma, a teoria dos papéis dicotomizados não apresenta uma visão clara
da relação entre os gêneros, porém, em determinadas ocasiões esta teoria, embora
frágil, pode ser útil. A visão de gênero como papéis dicotomizados pode ser
percebida nas definições de homem e mulher encontradas no dicionário Aurélio, já
citadas anteriormente, no qual a definição de um é feita quase que como oposição
ao outro, ou seja, as características apontadas como sendo relacionadas ao homem
são opostas às apontadas como relacionadas à mulher o que vem reforçar a visão
estereotipada que considera homem e mulher em oposição binária .
Comumente ouve-se falar que determinadas profissões e tarefas não são
apropriadas para homens ou para mulheres. A sociedade atual está acostumada a
ver homens e mulheres em papéis específicos e quando estes papéis se invertem ou
alternam ocorre um estranhamento. É conveniente lembrar que estes papéis variam
dependendo da cultura, da época, do local, da faixa etária, dentre outros fatores que
influenciam em sua determinação.
O segundo paradigma apontado por Costa (1994) trata gênero como uma
“variável psicológica”. Para as/os pesquisadoras/es que seguem esta vertente
teórica, existiria uma escala na qual o mais alto grau de masculinidade estaria num
dos extremos e o mais alto grau de feminilidade estaria no outro extremo e todos os
indivíduos seriam “encaixados” entre estes extremos. O ser ideal seria o andrógino
28
que teria características marcantes tanto femininas quanto masculinas. Porém, esta
escala não deixava evidente o que estava sendo mensurado e fazia do
“comportamento uma qualidade de gênero [...] de acordo com o modelo dualista
rígido de masculinidade-feminilidade” (1994, p. 151) baseado em estereótipos de
masculino e feminino. Deixava intacta a questão de poder e não contemplava as
relações entre os indivíduos. Desta forma, “o gênero, definido como força ou
orientação psicológica, continuou fundamentando noções tradicionais de
masculinidade e feminilidade e terminou por reificar o que se propunha dissolver”
(COSTA, 1994, p. 152).
O terceiro paradigma que trata gênero como “sistemas culturais” parte do
pressuposto de que homens e mulheres têm culturas diferentes, vivem em mundos
separados e incomensuráveis e quando tentam se comunicar, geralmente não são
bem sucedidos. Desta forma, “a diferença se torna, então, um conceito-chave para
significar que as mulheres têm uma voz, psicologia e experiências de amor
diferentes” (COSTA, 1994, p. 153). Porém, ao observar o mundo à volta percebe-se
que homens e mulheres, meninos e meninas, são criados nos mesmos ambientes e
a interação entre eles é constante, o que implica que a visão de mundos separados
não se aplica à realidade.
A teoria de gênero como sistemas culturais apresenta a cultura feminina como
uma contra-cultura baseada na “cooperação, participação e sensibilidade da mulher
quanto às necessidades dos outros” (COSTA, 1994, p.153). A mulher teria uma
tendência cultural ao cuidado com o semelhante o que, em nossa sociedade, se
traduz nos papéis de mãe e de professora. A mãe que “cuida” dos filhos e do marido
e a professora que “cuida” e educa as crianças. Desta forma, espera-se que homens
e mulheres tenham ações e reações diferentes e pré-determinadas diante das
diversas situações do cotidiano.
Esta teoria está baseada nas diferenças e negligencia as semelhanças entre
os seres humanos. Considera que homens e mulheres têm uma única voz e uma
cultura homogênea, como se todos os homens pensassem, agissem e falassem da
mesma forma, o mesmo ocorrendo com as mulheres, deixando à margem a
multiplicidade e a diversidade de masculinidades e feminilidades. Também não
contempla os múltiplos papéis que os indivíduos assumem cotidiana e
concomitantemente. Por exemplo, a mulher pode ser filha, mãe, esposa,
29
trabalhadora, chefe dentre outras funções que assume simultaneamente, sendo que
o mesmo ocorre com o homem. Assim o comportamento e postura, tanto de homens
quanto de mulheres, pode mudar no decorrer do mesmo dia ou até da mesma hora
dependendo inclusive do ambiente e da situação em que elas ou eles se encontram.
O discurso da diferença, segundo Costa pode ser utilizado para justificar
práticas discriminatórias que mantêm as mulheres em “seus devidos lugares – ou
pior – para retorná-las a eles” (1994, p. 157). Pode também servir para demonstrar e
provar que certas tarefas não muito agradáveis devem ser atividades femininas por
serem “mais condizentes com a natureza feminina do que com a masculina” (1994,
p. 157). A visão da diferença pode obscurecer a dominação de um dos gêneros
sobre os outros e também não contempla as questões de poder e desigualdade
entre os gêneros e nem como essas desigualdades se relacionam com as demais
desigualdades sociais.
Por fim, Costa apresenta gênero como “relacional”. Visão esta cujo ponto de
partida é o “sistema social de relacionamentos dentro do qual os interlocutores se
situam” (1994, p. 158). É uma abordagem que possibilita uma concepção de
masculinidade e feminilidade ajustada ao contexto social, evita que as explicações
sobre as relações de gênero sejam universalizadas, abandona a visão binária de
masculino e feminino e considera a pluralidade de masculinidades e feminilidades,
uma vez que está focada na dinâmica dos contextos sociais.
Ao estudar homens e mulheres em seus ambientes, contempla a visão dos
diversos gêneros sobre os fatos, bem como os aspectos históricos e culturais e as
práticas cotidianas dos indivíduos. Esta abordagem permite que se tenha uma visão
do problema a partir dos diferentes pontos de vista. “Os gêneros passam a ser
entendidos como processos também moldados por escolhas individuais e por
pressões situacionais compreensíveis somente no contexto da interação social”
(COSTA, 1994, p. 161). Os gêneros, desta forma, passam a ser entendidos como
construções sociais, fruto da interação entre os indivíduos, bem como do contexto no
qual eles estão inseridos.
A visão relacional de gênero que considera que “o feminino só existe
enquanto em relação ao masculino” (COSTA, 1998, p. 135) representa um avanço
nas teorias de gênero, pois permite que se contemple uma gama maior de objetos
de estudos, que se ouça as múltiplas vozes de homens e mulheres e que se obtenha
30
resultados mais próximos da realidade. “A superação da lógica binária contida na
proposta da análise relacional de gênero, nessa direção, é fundamental para que se
construa um novo olhar aberto às diferenças” (RAGO, 1998, p. 98). Os resultados de
uma pesquisa apoiada nesta visão de gênero não podem ser universalizados, já que
representam o que ocorre com uma determinada sociedade e num contexto
histórico-cultural específico.
Outra autora que analisa as diferentes teorias de gênero é Joan Scott (1995).
Ela considera que as múltiplas abordagens de gênero podem ser resumidas a três,
faz uma crítica a cada uma delas e apresenta sua própria teoria sobre gênero.
A primeira corrente apontada por Scott é a do “patriarcado”. As/os
pesquisadoras/es adeptas/os dessa teoria “têm dirigido sua atenção à subordinação
das mulheres e encontrado a explicação dessa subordinação na ‘necessidade’
masculina de dominar as mulheres” (1995, p. 77).
As/os teóricas/os dessa linha de pensamento consideram que a libertação da
mulher depende da melhor compreensão do processo de reprodução, uma vez que
este processo representa fonte de dominação das mulheres pelos homens (os
homens teriam necessidade de dominar as mulheres para compensar sua menor
participação na reprodução da espécie). Esta teoria está centrada, então, nas
desigualdades entre os gêneros e mesmo reconhecendo o papel do sistema social
na construção destas desigualdades, não mostra a relação entre as desigualdades
de gênero e as outras desigualdades sociais. Mantém a construção da análise de
gênero baseada nas diferenças físicas entre homens e mulheres que são
consideradas universais e imutáveis. Scott afirma que “uma teoria que se baseia na
variável única da diferença física é problemática [...] ela pressupõe um significado
permanente ou inerente para o corpo humano - fora de uma construção social ou
cultural - e, em conseqüência, a a-historicidade do próprio gênero” (1995, p. 78). A
desigualdade de gênero é, nesta concepção, vista como fixa e invariável em todas
as culturas e em todos os tempos.
A segunda corrente de pensadores/as, segundo Scott, é a que compreende
as “feministas marxistas”. Elas têm uma visão mais histórica de gênero, porém,
embora admitam variações e adaptações, “a exigência auto-imposta de que haja
uma explicação ‘material’ para o gênero tem limitado ou, ao menos, retardado o
desenvolvimento de novas linhas de análise” (1995, p. 78). O principal problema
31
enfrentado por esse grupo de teóricas é que no marxismo “o conceito de gênero foi,
por muito tempo, tratado como sub-produto de estruturas econômicas cambiantes; o
gênero não tinha aí um status analítico independente e próprio” (1995, p. 80). Sendo
assim, esta teoria limita o campo de desenvolvimento dos estudos de gênero, não
contempla a multiplicidade de vozes e a diversidade de gêneros.
A terceira corrente apontada por Scott é a “psicanalítica” ou de “relações com
o objeto”. Esta teoria está dividida em duas escolas, a Anglo-Americana e a
Francesa, as quais têm preocupação “com os processos pelos quais a identidade do
sujeito é criada” (1995, p. 80) e está centrada nas fases iniciais do desenvolvimento
da criança “a fim de encontrar pistas sobre a formação das identidades de gênero”
(1995, p. 80).
Esta corrente tem se mostrado atraente para muitas/os pesquisadoras/es nos
últimos anos por servir para avalizar dados específicos baseados em observações
gerais ou por que “parecem oferecer uma formulação teórica importante no que
concerne ao gênero” (SCOTT, 1995, p. 81). Para ela, o problema desta teoria é que,
tanto para a construção das identidades de gênero quanto para gênese da
transformação, a base são estruturas de interação que podem ser consideradas
pequenas como a divisão do trabalho na família e o papel de cada um dos pais na
construção da identidade dos filhos, ou seja, limita o conceito e as construções de
gênero à esfera da família sem possibilitar que as/os pesquisadoras/es extrapolem
este conceito para outros sistemas tanto sociais quanto políticos, econômicos ou de
poder. Outro fator que fica fora das análises é a questão da desigualdade entre os
gêneros, a causa que leva a masculinidade ser mais valorizada que a feminilidade
em diversas culturas não é analisada.
Após apresentar as três correntes, Scott afirma que:
o termo ‘gênero’ faz parte da tentativa empreendida pelas feministas contemporâneas para
reinvindicar um certo terreno de definição, para sublinhar a incapacidade das teorias
existentes para explicar as persistentes desigualdades entre homens e mulheres (1995, p.
95).
Então, Joan Scott apresenta sua teoria de gênero que está baseada em duas
proposições “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas
nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de
dar significado às relações de poder” (1995, p. 86).
32
A primeira proposição implicaria em quatro elementos constitutivos
interrelacionados que são:
a. os símbolos culturalmente disponíveis e como esses símbolos
implicam em representações simbólicas. Às/aos pesquisadoras/es
caberia saber, quais são estes símbolos, como eles são utilizados e em
que contextos eles aparecem;
b. conceitos normativos para interpretar estes símbolos que estão
expressos em instituições como as religiões, a escola, a Ciência, a
política e a justiça e assumem a forma de oposição binária típica para
estabelecer o significado de ser homem ou ser mulher. A preocupação
das/os historiadoras/es deveria ser quando e em quais situações a
repressão ou rejeição das possibilidades alternativas é questionada;
c. a necessidade de ampliação do uso do termo gênero, uma vez que ele
tem sido restrito ao sistema de parentesco. Scott afirma que “temos a
necessidade de uma visão mais ampla que inclua não somente o
parentesco mas também [...] o mercado de trabalho [...], a educação
[...], o sistema político” (1995, p. 87). O parentesco constrói o gênero,
porém não só ele, o sistema econômico, a educação e a política
contribuem significativamente para as construções sociais e para o
gênero e na sociedade atual funcionam independentemente do
parentesco;
d. a identidade subjetiva que para Scott, “embora a teoria lacaniana
possa ser útil para a reflexão sobre a construção da identidade
generificada, as/os historiadoras/es precisam trabalhar de uma forma
mais histórica” (1995, p. 87).
Na segunda proposição de Scott que trata gênero como uma forma de dar
significado às relações de poder, ela reconhece que o gênero não é o único campo
para legitimação do poder, porém o gênero aparece recorrente e persistentemente
como forma de dar significação ao poder no mundo ocidental.
Scott aponta como a sexualidade é chamada a legitimar as relações de poder
entre os sexos. Sendo assim,
o gênero, então, fornece um meio de decodificar o significado e compreender as complexas
conexões entre as várias formas de interação humana. Quando os/as historiadores/as
33
buscam encontrar as maneiras pelas quais o conceito de gênero legitima e constrói as
relações sociais, eles/elas começam a compreender a natureza recíproca do gênero e da
sociedade e as formas particulares e contextualmente específicas pelas quais a política
constrói o gênero e o gênero constrói a política (1995, p. 89).
A referida autora faz uso da política para representar o poder, porém assume
que esta “é apenas uma das áreas na qual o gênero pode ser utilizado para análise
histórica” (1995, p. 89). Ela considera que as relações de poder e o gênero se
constroem reciprocamente e que as mudanças na análise podem ser iniciadas em
diversos lugares. Sendo assim, deve-se considerar o contexto sócio-histórico e
cultural na análise dos fenômenos. “Nós só podemos escrever a história desse
processo se reconhecermos que ‘homem’ e ‘mulher’ são, ao mesmo tempo,
categorias vazias e transbordantes” (SCOTT, 1995, p. 93). Vazias, por não terem
significados definitivos e transbordantes, porque mesmo sendo fixas, ainda admitem
definições alternativas, negadas ou suprimidas.
Uma nova história, baseada na teoria proposta por Joan Scott possibilitaria
novas visões sobre os fatos históricos ao redefinir as velhas questões em termos
que contemplem novos enfoques. Levaria também à visibilidade feminina, mostrando
a participação das mulheres em pequenos e grandes acontecimentos da história da
humanidade, além de levar à reflexão sobre o futuro do movimento feminista uma
vez que “sugere que o gênero deve ser redefinido e reestruturado em conjunção
com uma visão de igualdade política e social que inclua não somente o sexo, mas
também a classe e a raça” (SCOTT, 1995, p. 93).
Na teoria proposta por Scott, os gêneros são construções sociais
contextualizadas e em constante transformação, visão esta compartilhada com
outras/os pesquisadoras/es dentre as/os quais pode-se citar Haraway (2000) e Louro
(1995) . Embora esta teoria tenha sido desenvolvida com o intuito de incluir gênero
como uma categoria de análise histórica, ela pode ser utilizada para outros tipos de
pesquisas. Aproxima-se da conceituação dada por Costa (1994) para a visão de
gênero como relacional e desta forma contempla a multiplicidade de masculinos e
femininos, bem como a relação de poder entre os gêneros e dentro de cada gênero
também.
34
Seguindo na busca por mapear os diferentes enfoques de gênero encontra-se
Londa Schienbinger que considera o “feminismo
3
liberal” (também chamado de
feminismo da igualdade ou feminismo científico) como “a forma principal de
feminismo nos Estados Unidos e na maioria da Europa Ocidental” (2001, p. 22). Esta
facção do feminismo tem como principal bandeira a igualdade de direitos entre
homens e mulheres e teve um impacto tão grande que para a maioria das pessoas,
lutar pela igualdade entre os sexos não é mais uma questão feminista. “Os liberais
geralmente vêem as mulheres como, em princípio, iguais aos homens – tudo o mais
sendo equivalente – e portanto lutam para dotar as mulheres das habilidades e
oportunidades para vencer num mundo masculino” (SCHIENBINGER, 2001, p. 23).
Um dos problemas desta visão de gênero, segundo a referida autora, é que
ao considerar homens e mulheres iguais, o faz em todos os sentidos, inclusive o
biológico. Os/as liberais tendem a ignorar ou até a negar as diferenças de gênero,
“para todos os propósitos práticos, as mulheres pensam e agem de maneiras
indistinguíveis das dos homens” (2001, p. 23). Ignora-se que a função de parir, por
exemplo, é da mulher e “espera-se que o parto ocorra exclusivamente aos finais de
semana e feriados, para não perturbar o ritmo de trabalho cotidiano” (2001, p. 23).
Esta visão de gênero negligencia as diferenças e desigualdades entre os seres
humanos e conseqüentemente entre os gêneros. Embora tenha sido útil para o
feminismo em um dado momento, não privilegia a multiplicidade de vozes e peca
pelo excesso de “igualdade”.
Ao falar especificamente da Ciência, Schienbinger aponta para outro
problema do feminismo liberal, “ele procura adicionar as mulheres à Ciência normal,
deixando esta imperturbada” (2001, p. 24). Espera que as mulheres se adaptem à
Ciência sem que esta sofra nenhuma alteração, nem na cultura nem no conteúdo,
para acomodá-las.
Já o movimento que surgiu no início da década de 80 foi denominado por
Schienbinger de “feminismo de diferença”. Esta corrente do feminismo estaria
centralizada na diferença entre homens e mulheres e não na igualdade, afirmava
que homens e mulheres eram diferentes por força da cultura e não por força da
3
A teoria feminista e a teoria de gênero tiveram a mesma origem e algumas/ns autoras/es, como no
caso de Schienbinger e Pierucci, ainda utilizam teoria feminista para os estudos de gênero.
35
natureza, ou seja, as diferenças entre os gêneros eram culturalmente construídas o
que difere das diferenças biológicas que são dados naturais.
Buscava trazer para a discussão aspectos que a sociedade estava
acostumada a desvalorizar por serem femininos como, por exemplo, a subjetividade,
a cooperação e a empatia, com o intuito de reavaliar esses conceitos.
Schienbinger chama a atenção para o que algumas/uns cientistas consideram
o problema do feminismo da diferença. Este grupo de feministas tende a ver, com
muita facilidade, uma mulher universal e na visão das feministas pós-modernas
as mulheres nunca se constituíram um grupo cerrado com interesses, antecedentes,
valores, comportamentos e maneirismos comuns, mas sim vieram sempre de diferentes
classes, raças, orientações sexuais, gerações e países; as mulheres têm diferentes
histórias, necessidades e aspirações (2001, p. 26).
Esta visão de Schienbinger é compartilhada por Haraway quando ela
argumenta que “não existe nada no fato de ser ‘mulher’ que naturalmente una as
mulheres. Não existe nem mesmo uma tal situação – ‘ser’ mulher” (2000, p. 52).
Para a autora a categoria mulher é complexa, construída por meio de discursos
sexuais e práticas sociais questionáveis (HARAWAY, 2000).
Nestes argumentos torna-se evidente a multiplicidade de femininos, bem
como, a importância de se ter clara esta multiplicidade a fim de evitar distorções da
análise no desenvolvimento de uma pesquisa sob a ótica de gênero. É interessante
lembrar que existe também a multiplicidade de masculinos, porém com relação a
estes a sociedade, moldada sob as normas de uma cultura androcêntrica que
considera “o ser humano do sexo masculino como o centro do universo, como a
medida de todas as coisas, como o único observador válido de tudo o que ocorre em
nosso mundo” (MORENO, 1999, p. 23), está acostumada a ver os homens como
seres individuais e não como um bloco, ou seja, a contemplar a multiplicidade de
masculinos e a aceitar que os homens sejam capazes de desempenhar os mais
variados papéis em seu cotidiano.
Outra tendência do feminismo de diferença é o de “romantizar aqueles valores
tradicionalmente considerados femininos” (SCHIENBINGER, 2001, p. 26) e a
sociedade tende a ver os saberes da mulher como “pouco mais que o lado
irreverente de práticas culturalmente dominantes” (2001, p. 26), ou seja, a
desvalorizá-los.
36
Deve-se tomar cuidado para com o uso do termo diferença, pois este não
deve ser usado como sinônimo de desigualdade. Pierucci (1999) analisa como a
diferença se manifesta nas mais diversas situações. Ele argumenta que a diferença
é causadora de outras diferenças. Pierucci esclarece que,
quando digo aqui que a diferença faz diferença, quero dizer que a diferença produz
diferença, que ela provoca, no campo das relações de representação, a emergência de
novas diferenças. Ou seja, ela produz, social e sociologicamente, outras diferenças além
dela, por causa dela, contra ela mesma (grifos do autor, 1999, p. 120).
O autor considera que o movimento feminista, bem como as teorias
feministas podem ser classificadas em ondas. Na “primeira onda”, as teóricas não
usavam a palavra diferença, pois lutavam para obter a igualdade entre homens e
mulheres e, desta forma, buscavam “conquistar para as mulheres oportunidades,
postos e direitos iguais aos dos homens” (1999, p. 122). Entretanto, as teóricas da
“segunda onda” (ou teóricas da diferença) buscavam inverter o sentido negativo da
diferença sexual. Buscavam compreender os motivos que transformavam as
diferenças sexuais em desigualdades bem como compreender a que se deve esta
diferença, à natureza ou à cultura. Pierrucci considera que
a “segunda onda” representou para o feminismo um verdadeiro (re)nascimento teórico. Foi
nessa travessia, quando acadêmicas feministas fundavam a “história das mulheres”, que os
círculos intelectuais aprenderam a falar em diferença de gênero. [...] “Sexo” passou a ser
diferenciado de “gênero”.[...] “sexo” é um dado biológico e “gênero”, um fato cultural (grifos
do autor, 1999, p. 123-124).
Porém, o autor chama a atenção para o que ele denomina de “cilada da
diferença”, pois ao se fixar o olhar na diferença pode-se incorrer no erro de analisar
uma única diferença e deixar intocadas as demais. Ao considerar as mulheres como
diferentes dos homens pode-se considerar todas as mulheres como iguais entre si e
perde-se a pluralidade de femininos. Segundo Pierucci, as teóricas feministas
passaram então a estudar e a teorizar sobre as diferenças entre as mulheres.
Passaram também a considerar outros fatores como causadores de diferenças, ou
seja, fatores como raça, classe, etnia, sexualidade, idade, dentre outros passaram a
fazer parte dos estudos.
Desta forma, sob a ótica de Pierucci, a teoria de gênero passou por três
estágios, a saber,
(1) da igualdade acima das diferenças passa-se à diferença de gênero; (2) da diferença de
37
gênero, que representa a diferença feminina no singular em relação ao mundo masculino
também no singular, (3) chega-se a uma nova descoberta empírica, a das diferenças “entre
as mulheres”, as diferenças “dentro” (1999, p. 149).
Sendo assim, as pesquisas nos dias atuais devem contemplar a multiplicidade
de gêneros, ou seja, as diferenças “dentro dos gêneros”, bem como as relações de
poder estabelecidas entre os indivíduos de cada gênero. Passou-se das diferenças
entre dois gêneros, o masculino e o feminino, para a diferença entre a multiplicidade
de gêneros.
Existe ainda, outra corrente de teóricas/os, dentre as quais pode-se citar
Butler (1998) e Costa (1998) que defendem a necessidade do feminismo falar para e
em prol das mulheres. Esta corrente defende a re-criação da categoria mulher e
teme pelo futuro dos estudos de gênero ao ver a proliferação dos estudos da
masculinidade. Nas palavras de Costa, “não fosse suficiente a mulher ter virado
gênero nos anos 80, vejo o gênero virando masculinidade no final dos anos 90.
Temo que tenhamos voltado ao ponto de partida” (1998, p. 136). Costa sugere o
retorno ao uso da categoria mulher de forma provocativa, considera a mulher
“entendida não como essência ontológica, nem mesmo no sentido restrito de mulher
como essencialismo estratégico, mas na acepção ampla de posição política”
(COSTA, 1998, p. 137). O retorno ao uso da categoria mulher evitaria o mau uso do
termo gênero bem como o desaparecimento da mulher nos estudos sobre gênero.
Esta corrente de pensadoras/es preocupa-se também com o esvaziamento da
categoria mulher o que iria contra os interesses do movimento feminista. Esta
discussão vem ocorrendo entre estudiosos/as de gênero nos últimos anos, porém,
como não está diretamente ligada ao tema desta pesquisa, não será aqui
aprofundada.
Como pôde ser percebido nas páginas anteriores, a teoria de gênero tem
diversas vertentes, e como diz a epígrafe deste capítulo, não há consenso sobre o
caminho a ser seguido quando se inicia uma pesquisa sob a ótica de gênero. Pode-
se observar ainda que as autoras e os autores analisados concordam em alguns
pontos como, por exemplo, que gênero é uma construção social e, desta forma, está
em constante transformação; que gênero é uma forma de legitimar as relações de
poder; estão preocupados em privilegiar a multiplicidade de vozes e de gêneros,
38
bem como, com o desenvolvimento de estudos de gênero localizados histórica e
culturalmente.
A discussão sobre gênero pode ainda ser desenvolvida sob muitos outros
enfoques, porém a intenção aqui não foi esgotar a discussão acerca do tema mas
sim apontar alguns enfoques desta teoria bem como o caminho que será trilhado no
desenvolvimento desta pesquisa.
A investigação que ora se inicia, será realizada à luz da visão de gênero como
relacional apresentada por Costa (1994) e da teoria de gênero proposta por Scott
(1995). A opção por estes enfoques deu-se por que eles consideram a multiplicidade
de masculinos e femininos, consideram que gênero é resultado de construções
sociais e que desta forma os indivíduos são moldados na interação com os outros e
com o meio em que vivem de forma que se tornem adequados à sociedade em que
estão inseridos. Também será analisado como as diferenças de gênero podem ser
utilizadas para validar e justificar a dominação e o poder dado a um dos gêneros ou
exercidos dentro de um gênero, transformando assim as diferenças em
desigualdades de gênero e provocando a subordinação de um dos gêneros ou de
um grupo de indivíduos de um gênero. Assim, a visão de gênero como relacional
mostra-se adequada para a elucidação do problema proposto por esta pesquisa, a
saber: analisar as representações de gênero nos livros didáticos de Matemática para
o ensino de 5ª e 6ª séries, publicados e utilizados na virada do 2º para o 3º milênio
nas escolas brasileiras.
Ainda com o intuito de apontar o caminho que será percorrido no
desenvolvimento desta investigação, no próximo capítulo serão abordadas as
relações de gênero no ambiente escolar. Como as desigualdades de gênero
permeiam as relações nas escolas e como os indivíduos atuantes na escola e os
materiais de apoio podem contribuir para a manutenção ou para a transformação
das relações de gênero serão os temas abordados a seguir.
39
3 ESPAÇO ESCOLAR: LOCAL PARA A PRÁTICA DAS RELAÇÕES DE
GÊNERO
Os sentidos precisam estar afiados para que
sejamos capazes de ver, ouvir e sentir as múltiplas
formas de constituição dos sujeitos implicadas na
concepção, na organização e no fazer cotidiano escolar.”
Guacira Lopes Louro (2001a)
As questões de gênero perpassam todas as esferas da sociedade e desta
forma chegam à escola. Discutir as relações de gênero no ambiente escolar é de
fundamental importância quando se pensa em construir uma educação democrática
que possibilite a todos os seus agentes igualdade de condições e de oportunidades.
Sendo assim, torna-se importante fazer uma reflexão sobre as questões de
gênero no ambiente escolar, visando compreender como ocorrem as relações de
gênero entre as pessoas atuantes na escola bem como de que forma estes
indivíduos utilizam os materiais didáticos para embasar suas ações.
Assim, neste capítulo, será feita uma reflexão sobre o papel da educação na
sociedade atual, o que significa o ambiente escolar na vida das/os estudantes e
professoras/es, bem como, de que forma as relações de gênero operam neste
ambiente.
3.1 A EDUCAÇÃO E A BUSCA PELA EQÜIDADE
A busca por uma educação que propicie igualdade e eqüidade entre todas as
alunas e todos os alunos tem se tornado uma preocupação dos profissionais que
atuam no ambiente escolar. A crise estrutural pela qual a sociedade passa com
transformações nas relações trabalhistas, familiares, enfim nas relações sociais,
provoca modificações em todas as estruturas da sociedade, bem como em suas
instituições.
Desta forma, as escolas, que se caracterizam como instituições culturais e
econômicas “refletirão essas mudanças no processo de trabalho, na cultura e na
legitimidade” (APPLE, 2002, p. 26). Assim, as críticas emitidas em relação à
sociedade também se convertem em críticas em relação às escolas. Apple considera
que
40
sob vários aspectos esta crítica tem sido salutar, uma vez que tem aumentado nossa
sensibilidade para o importante papel que as escolas – e o currículo explícito e o currículo
oculto no seu interior – exercem na reprodução de uma ordem social estratificada que
continua sendo notavelmente iníqua em termos de classe, gênero e raça (2002, p. 26).
O autor argumenta ainda, que a escola serve para a manutenção da ordem
ou da ideologia dominante e, desta forma, propicia a manutenção e construção de
desigualdades sociais, ou seja, “o sistema cultural e educacional é um elemento
excepcionalmente importante na manutenção das relações existentes de dominação
e exploração nessas sociedades” (2002, p. 26), porém, ressalta a importância de se
analisar “a relação entre o processo escolar e a manutenção dessas relações
desiguais” (2002, p. 27). O autor chama a atenção também para o fato de que esta
análise não pode deixar à margem a atual conjuntura cultural, de trabalho e de
legitimidade das instituições.
Apple (2002) aponta ainda duas conseqüências da crítica imposta à escola e
à sociedade que são:
a. a supervalorização da escola, como se todos os problemas da
sociedade pudessem ser resolvidos por ela;
b. pelo fato da escola estar imersa numa trama social ela pode ser
ignorada.
Ou seja, por um lado há a tendência de ver a escola como a “salvadora”, como a
solução para todos os problemas sociais. Por outro lado, o fato dela estar envolvida
numa ampla trama social, alguns dizem que a escola em nada pode contribuir para
diminuir as desigualdades sociais.
O referido autor diz que “o sistema educacional – exatamente por causa de
sua localidade no interior de uma trama mais ampla de relações sociais – pode
constituir um importante terreno no qual ações siginificativas podem ser
desenvolvidas” (2002, p. 27). É neste terreno fértil que as sementes da luta pela
igualdade e eqüidade de gênero podem ser lançadas e gerarem bons frutos.
O conceito de educação tem mudado muito nos últimos anos. Há, um grupo
de pensadores da educação que a relacionam com a qualidade total e para estes “a
educação se torna uma mercadoria” (BERGHAHN, 2003, p. 135). Porém, a referida
autora discorda deste grupo, para ela “a educação nunca foi e nunca será
mercadoria, pois está comprometida com a formação integral do ser humano, seu
desenvolvimento e suas construções como pessoa” (2003, p. 135). Estando
41
comprometida com o desenvolvimento do ser humano, está também comprometida
em possibilitar igualdade de condições para participação de todas as pessoas,
independente de raça, gênero ou classe na vida em sociedade e no meio
educacional.
A educação não pode ser pensada como uma mercadoria “pois envolve
valores, implica a relação entre pessoas e o objeto a ser conhecido” (BERGHAHN,
2003, p. 136). Por meio de seus atores e ferramentas de apoio, a educação é
encarregada de transmitir e criar valores (sociais e culturais) que vão seguir com o
indivíduo por toda a vida. Desta forma, a educação não deve ser considerada um
produto, mas um processo de construção da cidadania no qual os sujeitos aprendem
a cobrar seus direitos e a assumir seus deveres, a assumir uma postura política, ou
seja, aprendem a viver em sociedade (BERGHAHN, 2003).
Obviamente está se falando aqui do que, para alguns, deveria ser a educação
e, para que isso ocorresse, todas as pessoas envolvidas com ela deveriam estar
comprometidas e qualificadas para assumir adequadamente suas funções. Libâneo
argumenta que “a escola [e, por conseguinte a educação] com que sonhamos é
aquela que assegura a todos a formação cultural e científica para a vida pessoal,
profissional e cidadã, possibilitando uma relação autônoma, crítica e construtiva”
(2003, p. 7) com relação a cultura, suas manifestações e a sociedade. Porém,
ressalta que a educação que tem-se está distante da com que sonha-se e isso deve-
se a uma série de fatores, dentre os quais encontra-se a falta de uma política
adequada para a obtenção de uma educação democrática e a desqualificação do
professorado.
Moreno considera que instituições como Ciência e Educação não são neutras
e, longe disso, a educação
em cada momento histórico, determina os modelos e os padrões de conduta dos novos
indivíduos, ensina-lhes o que cada um é e indica-lhes em que consiste a “realidade” e a
forma adequada de aproximar-se dela, de julgá-la, de analisá-la, de conhecê-la e de
acreditar nela” (1999, p. 22).
Esta idéia ressalta a importância da educação para o futuro dos cidadãos e
cidadãs, uma vez que é também por meio dela que os jovens tomam contato com as
normas que regem a sociedade. Os que se adaptam a essas normas são aceitos
42
para o convívio social e os que não se adaptam são excluídos, deixados à margem
da sociedade.
Nesses tempos de globalização, de fronteiras ampliadas pelos meios de
comunicação cada vez mais rápidos que possibilitam um conhecimento amplo sobre
a maioria das culturas e populações, o papel da educação também torna-se maior.
“Exige-se da educação possibilidades de se trabalhar com multiculturalismos
críticos, com a diversidade cultural, não priorizando a apropriação de conteúdos do
saber universal, mas o processo do conhecimento, suas finalidades e suas
diferenças” (BERGHAHN, 2003, p. 140). Pois “o conhecimento das diversidades
culturais, a compreensão das diferenças, o respeito às identidades, a aceitação do
multiculturalismo” (CARVALHO, 1997, p. 84) podem contribuir para o
desenvolvimento de uma sociedade mais democrática e justa na qual os
preconceitos e discriminações sejam minimizados e todos possam se enxergar como
sujeitos.
Este cenário exige que professores e professoras estejam preparados para
desenvolver uma educação relacionada com a realidade do/a aluno/a e ao mesmo
tempo estejam conectados/as com a nova configuração mundial, além de estarem
atentos para as novas informações e culturas que a abertura das fronteiras permitiu
conhecer. Libâneo argumenta que “a transformação geral da sociedade repercute,
sim, na educação, nas escolas, no trabalho dos professores (2003, p. 21). Moreira
considera que
a consciência da pluralidade cultural e o confronto constante do pensamento com os
variados universos que se renovam ao longo da história podem ajudar o [...] professor a
superar preconceitos, a acreditar na capacidade de aprender do aluno e a considerar com
mais seriedade as condições de vida, crenças, esperanças, anseios, experiências e lutas
das camadas subalternas (2002, p. 41).
Porém, os professores e as professoras estão preparados para exercerem
suas novas funções? Eles encontram condições para desempenhar suas funções
adequadamente?
Neste novo panorama que por ora se apresenta “a escola é palco de
diversidades culturais e sociais” (BERGHAHN, 2003, p. 140). O papel dos
profissionais que atuam nas escolas é fundamental, cabe a eles construir o saber
crítico, aproveitar o conhecimento que seus alunos trazem para a sala de aula em
prol do desenvolvimento dos mesmos. “As professoras e professores formadores
43
necessitam estar cientes de que as origens, experiências, conhecimentos, atitudes e
valores das/dos estudantes são extremamente variados em relação às questões de
gênero e eqüidade” (WHITELAW, 2003, p. 33). É fundamental que estes
profissionais conheçam a realidade de seus alunos para melhor orientá-los e auxiliá-
los na construção do conhecimento sistematizado (BERGHAHN, 2003). A autora
argumenta ainda que cabe às professoras e aos professores “o desafio da mediação
para que os estudantes possam refletir, estabelecer diálogo, enfrentar as novas
realidades de uma sociedade globalizada e preparar-se para enfrentá-la, além de
desenvolver uma cultura de solidariedade” (2003, p.141). Para Libâneo (2003) cabe
aos professores e professoras a formação do aluno crítico e consciente de seu papel
na sociedade. Porém, convém salientar que a escola, e seus agentes estão
inseridos numa rede social ampla e que as demais instituições da sociedade
também são importantes para a formação dos/as jovens.
A compreensão de que existem outras culturas é relevante para o convívio
em sociedade nos dias atuais. Para Weeks (1999) “a consciência de que a forma
como nós fazemos as coisas não é a única forma de fazê-las pode causar um
salutar abalo em nosso etnocentrismo, forçando-nos a perguntar por que as coisas
são como são hoje em dia” (1999, p. 45), bem como, possibilitando que se
compreenda e aceite as culturas dos diferentes povos que a abertura de fronteiras
possibilitou conhecer. E essa compreensão passa pela educação e seus agentes.
Desta forma pode-se perceber que mesmo nos dias atuais com grande avanço dos
meios de comunicação, com a informação chegando rapidamente nos recantos mais
distantes do planeta, a educação formal assume papel importante na busca pela
eqüidade de todos os indivíduos.
A seguir serão apontadas algumas funções que a escola assume na vida das
alunas e dos alunos e na sociedade como um todo.
3.2 A ESCOLA E AS RELAÇÕES DE GÊNERO
O ambiente escolar se apresenta como um ambiente propício para que as
relações de gênero se manifestem, bem como, sejam construídas. Nele encontram-
se, em contato direto, os indivíduos de todos gêneros e em todas as posições
hierárquicas da escola. Têm-se professoras e professores, alunas e alunos, diretoras
44
e diretores, coordenadoras e coordenadores dos diversos gêneros e formações
convivendo em um ambiente que certamente não pode ser considerado neutro.
Louro considera a escola como um lugar de construção e manutenção das
desigualdades, ela argumenta que “diferenças, distinções, desigualdades... A escola
entende disso. Na verdade a escola produz isso” (2001a, p. 57). Desde o principio, a
escola atuou como um fator distintivo, pois como não era acessível a todos/as
tornava os/as que a ela tinham acesso diferentes dos/as que ficavam excluídos/as
do ambiente escolar.
Apple considera as escolas como órgãos reprodutivos e distintivos, porém
ressalta que elas são mais do que isso.
Elas ajudam a manter o privilégio por meios culturais ao tomar a forma e o conteúdo da
cultura e do conhecimento dos grupos poderosos e defini-los como um conhecimento
legítimo a ser preservado e transmitido. [...] são também, agentes no processo de criação e
recriação de uma cultura dominante eficaz. Elas ensinam normas valores, disposições e
uma cultura, que contribuem para a hegemonia ideológica dos grupos dominantes (2002, p.
58).
No Brasil, a escola exerceu, desde o princípio,
uma ação distintiva, uma ação diferenciadora, não apenas por tornar os que nela entravam
distintos dos outros [...], mas também por dividir internamente os que lá estavam, através de
múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento e hierarquização (LOURO, 2000, p.
78).
Inicialmente destinada a uma parcela específica da população (meninos
brancos da elite) foi gradualmente sendo aberta aos outros (meninos não brancos e
meninas das mais variadas classes sociais, raças e etnias) e ao incorporar os
grupos inicialmente excluídos teve que se diversificar para dar conta do contingente
de alunas e alunos que por ela procuravam. Desta forma,
a escola, como um espaço social que foi se tornando, historicamente, nas sociedades
urbanas ocidentais, um locus privilegiado para a formação de meninos e meninas, homens
e mulheres é, ela própria, um espaço generificado, isto é, um espaço atravessado pelas
representações de gênero (LOURO, 2000, p. 77).
Cavalcanti considera que
a escola ocupa [...] um importante papel como instituição social perpetuadora de discursos
que mantêm relações de poder entre grupos humanos. [...] acabam por generificar atributos
que, a priori, podem privilegiar, indistintamente, qualquer indivíduo, seja ele homem ou
mulher, pobre ou rico, preto ou branco (2003, p. 184).
45
Louro (2001a) considera que é no ambiente escolar que se aprende as
diferenças entre cada indivíduo, o que uma pessoa pode ou não fazer, o que as
famílias e a sociedade em geral esperam de cada um. Esta mesma autora
argumenta que “um longo aprendizado vai, afinal, ‘colocar cada qual em seu lugar’”
(2001a, p. 60) e a escola é responsável por este “aprendizado”.
A educação recebida na escola é responsável inclusive pela postura física
dos sujeitos, pois, “gestos, movimentos, sentidos são produzidos no espaço escolar
e incorporados por meninos e meninas, tornam-se partes de seus corpos. Ali se
aprende a olhar e a se olhar, se aprende a ouvir, a falar e a calar; se aprende a
preferir” (LOURO, 2001a, p. 61, grifos da autora). Desta forma, o ambiente escolar
atua de forma significativa na definição das formas de agir e de ver o mundo, bem
como define como os indivíduos devem se portar diante das diversas situações do
cotidiano. Libâneo considera que “a escola tem um papel insubstituível quando se
trata da preparação das novas gerações para enfrentamento das exigências postas
pela sociedade moderna” (2003, p. 9). O autor complementa que a escola tem “o
compromisso de ajudar os alunos a tornarem-se sujeitos pensantes, capazes de
construir elementos categoriais de compreensão e apropriação crítica da realidade ”
(LIBÂNEO, 2003, p. 9-10).
Ainda sobre o papel da escola nos dias de hoje, Libâneo argumenta que “a
escola precisa deixar de ser meramente uma agência transmissora de informação e
transformar-se num lugar de análises críticas e produção da informação, onde o
conhecimento possibilita a atribuição de significados à informação” (2003, p. 26).
Esta escola desenvolveria no aluno a capacidade de buscar a informação e
transformá-la em conhecimento que possibilitaria a análise crítica da sociedade.
É importante ressaltar que a escola não é a única responsável pela definição
e moldagem dos indivíduos, a família e a comunidade dentre outras também
assumem papel fundamental na construção das cidadãs e dos cidadãos. Suas ações
e reações refletirão o que lhes foi ensinado pela rede social na qual eles estão
inseridos. Visão esta, que se encontra presente nos Parâmetros Curriculares
Nacionais
4
- PCN’s - quando considera que “as atitudes das crianças não dependem
4
Os Parâmetros Curriculares Nacionais são um instrumento que apresenta os conteúdos mínimos a
serem abordados pelas diversas disciplinas. É um documento elaborado pelo MEC – Ministério da
Educação e Cultura com o intuito de obter a padronização do ensino em todo o país.
46
unicamente da escola, mas têm intrincadas implicações de natureza tanto
psicológica quanto social, nas relações de vida familiar e comunitária” (BRASIL,
Secretaria de Educação Fundamental, 1998a, p. 39). Os PCN’s ressaltam também o
papel transformador da escola quando argumenta que ela pode, juntamente com
outros “segmentos sociais que assumem os princípios democráticos, articulando-se
a eles, constituir-se não apenas como espaço de reprodução mas também como
espaço de transformação” (BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental, 1998a,
p. 23) da realidade. Isso pode ser obtido por meio da seleção de conteúdos,
ao incluir questões que possibilitem a compreensão e a crítica da realidade, ao invés de
tratá-los como dados abstratos a serem aprendidos apenas para “passar de ano”, oferecem
aos alunos a oportunidade de se apropriarem deles como instrumentos para refletir e mudar
sua própria vida. [...] a contribuição da escola, portanto, é a de desenvolver um projeto de
educação comprometida com o desenvolvimento de capacidades que permitam intervir na
realidade para transformá-la (1998, p. 24).
Portanto, é relevante analisar de que forma a escola, por meio dos
profissionais da educação, apresenta a realidade da vida em sociedade para seus
alunos. Moreno (1999) considera que as formas de comportamento transmitidas aos
jovens são reflexos da ideologia dominante, não são universais e tampouco
inerentes ao ser humano, sendo, portanto, mutáveis. A autora complementa,
a imagem da mulher e do homem que se passa aos alunos por meio dos conteúdos do
ensino contribui intensamente para formar seu eu social, seus padrões diferenciais de
comportamento, o modelo com o qual devem identificar-se para ser “mais mulher” ou “mais
homem” e, informá-los, por sua vez, da diferente valoração que nossa sociedade atribui aos
indivíduos de cada sexo (1999, p. 35-36).
Uma das possibilidades de conhecer a imagem de homem e mulher que se
passa aos alunos e alunas é analisando as representações de gênero nos livros
didáticos, objetivo desta pesquisa. Sabendo que a diferença de valoração dos papéis
de cada gênero é ensinado a meninos e meninas, ou seja, social e culturalmente
construído e não natural como pode-se pensar, os livros didáticos podem constituir-
se num instrumento importante na construção e definição dessa valoração.
Os profissionais da educação tratam de forma diferenciada
5
meninos e
meninas e muitos consideram natural esta diferença de tratamento. É importante
que se observe com um olhar de desconfiança o que é considerado natural, uma vez
5
Os estudos de Walkerdine (1995), Carvalho (2001) e Cavalcanti (2003) constataram esta diferença
no modo de tratamento dos professores e professoras.
47
que esta naturalidade esconde as distinções e desigualdades sociais e de gênero.
Pois, “currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, materiais didáticos,
processos de avaliação são, seguramente, loci das diferenças de gênero,
sexualidade, etnia, classe – são constituídos por essas distinções e, ao mesmo
tempo, seus produtores” (LOURO, 2001a, p. 64).
Sendo assim, faz-se necessário o questionamento sobre a postura e a
linguagem dos profissionais da educação e as teorias que orientam o trabalho dos
mesmos. Como argumenta Louro, “temos que estar atentas/os, sobretudo, a nossa
linguagem, procurando perceber o sexismo, o racismo e o etnocentrismo que ela
freqüentemente carrega e institui” (2001a, p. 64).
Uma das primeiras coisas que a menina aprende na escola é que quando a
professora ou o professor diz “os alunos” ela deverá se sentir incluída (ou que ela
está sendo ocultada). Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s (1998)
chamam a atenção para o fato de que as/os professoras/es de Língua Portuguesa,
por exemplo, podem discutir com seus alunos as regras do idioma, pois elas
“estabelecem, [...], que o plural no masculino inclui as mulheres, mas o plural no
feminino exclui os homens” (p. 322). Indica, ainda que sempre que se deseja falar
genericamente também se usa o masculino. Com isso, desde a mais tenra idade, a
criança aprende que quando ela não sabe se a pessoa é homem ou mulher deve
tratá-la pelo termo genérico como jogador, professor, fotógrafo, por exemplo, e isso
pode levar ao ocultamento feminino. “As palavras que escondem idéias implícitas
atuam como estimulantes ou repressoras de uma eficácia muito superior à dos
discursos claramente formulados” (MORENO, 1999, p. 34).
A educação escolar mostra-se como “um processo ‘generificado’, ou seja,
como uma prática social que é constituída e constituinte dos gêneros” (LOURO,
2000, p. 77). Sendo assim, ela é fator importante na definição e construção dos
gêneros das pessoas que agem e interagem na escola.
Para Louro, a educação marca os indivíduos com o que é dito, bem como,
pelo que é silenciado. O que é pronunciado torna-se uma regra, uma lei a ser
seguida ou a ser quebrada, determina, desta forma, quem está certo (os que
seguem as regras) e quem está errado (os que as quebram ou não se enquadram
nelas). Porém, a autora argumenta que
48
tão ou mais importante do que escutar o que é dito sobre os sujeitos, parece ser perceber o
não-dito, aquilo que é silenciado – os sujeitos que não são, seja porque não podem ser
associados aos atributos desejados, seja porque não podem existir por não poderem ser
nomeados. Provavelmente nada é mais exemplar disso do que o ocultamento ou a negação
dos/as homossexuais – e da homossexualidade – pela escola (2001a, p. 67, grifos da
autora).
Se a iniqüidade se manifesta em relação à mulher cuja existência é aceita
pela sociedade pode-se imaginar como os homossexuais são tratados e as
dificuldades que estes encontram para sobreviver nesse ambiente, uma vez que a
existência deles no ambiente escolar é muitas vezes negada e/ou camuflada.
Desta forma cabe à escola e à educação um papel importante e ao mesmo
tempo difícil na definição das identidades de gênero. “Ela precisa se equilibrar sobre
um fio tênue: de um lado, incentivar a sexualidade ‘normal’ e, de outro,
simultaneamente, contê-la” (LOURO, 1999, p. 26) para permitir a livre expressão da
sexualidade por todos os indivíduos que congrega sob seu teto. A referida autora
argumenta ainda que
a escola é, sem dúvida, um dos espaços mais difíceis para que alguém “assuma” sua
condição de homossexual ou bissexual. [...] O lugar do conhecimento mantém-se, com
relação à sexualidade, como o lugar do desconhecimento e da ignorância. [...] Na escola,
pela afirmação ou pelo silenciamento, nos espaços reconhecidos e públicos ou nos cantos
escondidos e privados, é exercida uma pedagogia da sexualidade, legitimando
determinadas identidades e práticas sexuais reprimindo e marginalizando outras (1999, p.
30-31).
Sendo assim, a escola serve para definir e imprimir nos sujeitos que por ela
passam as características que a sociedade espera deles. Os indivíduos que não se
enquadram ao padrão de comportamento esperado pela sociedade são
marginalizados e considerados como desviantes.
Porém, a escola é mais do que um ambiente de modelação e/ou castração
dos indivíduos, ela também propicia “uma série de situações que representariam um
‘cruzamento de fronteiras’, ou seja, situações em que as fronteiras ou os limites
entre os gêneros são atravessados” (LOURO, 2001a, p. 79). Essas situações
ocorrem pelo contato entre os gêneros, nas brincadeiras dos alunos e das alunas
nos intervalos das aulas e pela curiosidade das crianças e adolescentes pelo outro.
Louro argumenta ainda que, para esses indivíduos que rompem e ultrapassam as
fronteiras de gênero resta sempre uma saída quando questionados, ou seja, eles e
elas podem usar a justificativa “‘nós só estávamos brincando’!” (2001a, p. 79).
49
A busca pela igualdade e eqüidade de gênero tem sido um desafio para
profissionais da área de educação de todos os níveis nos últimos anos. No Brasil, o
número de mulheres concluintes superou o de homens nos diversos níveis
escolares, porém a problemática de gênero na educação não se reduz à
possibilidade ou dificuldade de acesso ao ensino sistematizado, pois “deve-se
lembrar que a iniqüidade de gênero se manifesta nas relações escolares como um
reflexo dos problemas da vida social” (DE CARVALHO e PEREIRA, 2003, p. 7-8).
Por outro lado, Kacowicz considera que “a educação das mulheres, em
especial, parece ser a chave para a integração e transferência do conhecimento que
possa garantir as bases para uma igualdade que leve a mudanças sociais tão
necessárias” (2003, p. 5). Para ela, embora os avanços nesse sentido sejam
significativos ainda são frágeis e mantém a mulher em condições de desigualdade
em relação ao homem e suas conquistas.
Como pode-se perceber a escola atua como formadora e mantenedora das
regras e normas criadas pela sociedade, tem como uma de suas funções implícitas a
moldagem dos indivíduos para que estes possam viver numa sociedade
androcêntrica. Dificilmente questiona a ideologia dominante no que tange às
questões de gênero, reproduzindo os padrões sexuais culturalmente pré-
estabelecidos, “é indispensável que reconheçamos que a escola não apenas
reproduz ou reflete as concepções de gênero e sexualidade que circulam na
sociedade, mas que ela própria as produz” (LOURO, 2001a, p. 81). Porém, a escola
pode constituir-se em espaço para questionamento e transformação das relações
sociais, dentre elas as de gênero. Para isso estudos podem ser desenvolvidos
buscando entender como ocorrem essas relações, bem como questionar o
panorama atual visando sua transformação.
Auad argumenta que mesmo com todas as pesquisas realizadas a “igualdade
de meninas e meninos na escola e de mulheres e homens na sociedade, não é algo
resolvido e conquistado” (2003, p. 93) e considera que mudanças profundas devem
ser feitas na escola para que todos/as os/as estudantes possam desenvolver ao
máximo suas potencialidades. A autora argumenta que
por um lado, a escola pode ser esse lugar em que as pessoas aprendem várias coisas,
criam e se tornam críticas e questionadoras, mas, por outro lado, não podemos esquecer
que a escola faz parte da sociedade em que vivemos. Portanto, na escola existem todos os
preconceitos e a discriminação presentes nos outros lugares da sociedade (2003, p. 93).
50
Cientes dessa função assumida pela escola, cabe aos/às profissionais da
educação tomar atitudes e assumir compromissos e posturas que possam levar a
uma maior igualdade entre os gêneros e que possibilitem o desenvolvimento
equilibrado de todos os alunos e alunas. O que pode ser feito para que os indivíduos
sejam tratados com eqüidade dentro do ambiente escolar? Como a escola pode
tratar a questão da homossexualidade? O que os professores e as professoras
podem fazer para que suas posturas e atitudes caminhem em busca da eqüidade de
gênero? São alguns questionamentos que surgem neste momento e que para serem
respondidos deve-se realizar pesquisas. Porém,
se admitimos que a escola não apenas transmite conhecimentos, nem mesmo apenas os
produz , mas que ela também fabrica sujeitos, produz identidades étnicas, de gênero, de
classe; se reconhecemos que essas identidades estão sendo produzidas através de
relações de desigualdade; se admitimos que a escola está intrinsecamente comprometida
com a manutenção de uma sociedade dividida e que faz isso cotidianamente, com nossa
participação ou omissão; se acreditarmos que a prática escolar é historicamente
contingente e que é uma prática política, isto é, que se transforma e pode ser subvertida; e,
por fim, se não nos sentimos conforme com essas divisões sociais, então, certamente,
encontramos justificativas não apenas para observar, mas, especialmente, para tentar
interferir na continuidade dessas desigualdades (LOURO, 2001a, p. 85-86).
A consciência do dever e da função dos sujeitos na transformação do
cotidiano escolar em um lugar que privilegie a igualdade e eqüidade de gênero, raça,
classe e etnia é fundamental para a transformação da escola em um ambiente que
propicie a todas as alunas e alunos condições de se desenvolverem como cidadãs e
cidadãos conscientes de seus deveres e direitos. A relação e a interação entre os
seres humanos é importante para a aprendizagem da cidadania e “a escola será um
lugar possível para essa aprendizagem se promover a convivência democrática no
seu cotidiano” (BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental, 1998, p. 37).
No próximo item tratar-se-á da importância da atuação e da formação de
professoras e professores para o avanço em busca da redução das desigualdades
de gênero no ambiente escolar.
3.3 O QUE AS PROFESSORAS E OS PROFESSORES TÊM A VER COM ESSA
HISTÓRIA?
O papel desempenhado por professoras e professores na educação das
crianças tem sido cada vez maior. Muitas famílias delegam à escola e
conseqüentemente às professoras e aos professores a função de educar seus filhos.
51
Isso ocorre por diversos motivos, que não é objetivo desta pesquisa analisar. Porém,
cabe ressaltar que a socialização e a educação das crianças começa com seu
nascimento e sendo assim, ela ocorre, inicialmente, no ambiente familiar. Neder
argumenta que “é no cotidiano das relações familiares que a socialização de um
novo ser se inicia, é nele que o estranho jogo da dicotomia sexual também tem seu
início” (2003, p. 160). A autora argumenta ainda que é no ambiente familiar que se
aprende que algumas características como a virilidade e a racionalidade são
masculinas e outras como a docilidade e subjetividade são femininas. Assim,
a socialização iniciada pela família vai permitir que a criança progrida na apropriação da
sociedade mais ampla, de acordo com a concepção que seus ensinantes primários
(normalmente os pais) têm da própria sociedade na qual estão inseridos no que concerne a
gênero, classe e raça (NEDER, 2003, p. 160).
Desta forma, a criança chega na escola, para iniciar sua educação formal, trazendo
consigo conceitos e preconceitos, muitas vezes já cristalizados.
Como o cuidado com os filhos normalmente é tarefa da mulher, a educação
deles também o é, sendo que “o ato de ensinar é uma das representações sociais
associadas à mulher que advém de sua história” (NEDER, 2003, p. 161), o que
serve como uma das justificativas para a “feminização do magistério cada vez mais
exercido por mulheres, mesmo com todas as mudanças que caracterizam o corpo
docente contemporâneo” (2003, p. 161).
O ingresso das mulheres na carreira docente no Brasil ocorreu no século XIX
e não foi de maneira tranqüila. Enfrentou opositores que argumentavam não ser
conveniente deixar a educação das crianças aos cuidados das mulheres “portadoras
de cérebros ‘pouco desenvolvidos’ pelo seu ‘desuso’” (SAFIOTI
6
, citada por LOURO,
2000, p. 78). Outros defendiam o ingresso da mulher na carreira do magistério, pois,
segundo Louro, “as mulheres têm, por natureza, uma inclinação para o trato com as
crianças, [visto] que elas são as primeiras e naturais educadoras” (2000, p. 78, grifos
da autora). Se a maternidade era o destino principal das mulheres, a educação e o
cuidado com as crianças também podiam ser, pois se constituíam em
prolongamentos da função maternal.
Nos dias atuais, é notória a maciça presença feminina no quadro docente em
escolas de ensino fundamental. Por esse motivo pode-se pensar que este é um
6
SAFIOTI, H. A Mulher na Sociedade de Classes: Mito e realidade. Petrópolis, vozes, 1979, p. 211.
52
ambiente feminino o que se configura em engano, pois “ali se lida,
fundamentalmente, com o conhecimento – e esse conhecimento foi historicamente
produzido pelos homens” (LOURO, 2001a, p. 89, grifos da autora). Assim, a escola é
um ambiente marcadamente masculino por vários motivos. Um deles é o fato de que
as diversas disciplinas foram construídas sob ótica dos homens e a mulher teve que
se adaptar a elas. Outro é que “a seleção, a produção e a transmissão dos
conhecimentos [...] são masculinos” (LOURO, 2001, p. 89). Embora as mulheres
sejam maioria no ambiente escolar, este se mantém com características masculinas.
Com a abertura das escolas às mulheres, houve mudança também na
característica das professoras e professores. Segundo Louro (2000), inicialmente o
magistério foi exercido pelos mestres jesuítas e mantinha a característica religiosa.
Posteriormente buscou-se ligar certos atributos femininos aos religiosos e foi-se
construindo uma representação para a professora. Esta deveria ser “dedicada,
modelo de virtudes, desapegada dos interesses egoístas, vigilantes, etc.” (2000, p.
79). Esperava-se que as professoras e professores mudassem seu estilo de vida
para bem poder exercer o papel de modelo para as crianças e jovens, os professores e, de
modo muito especial, as professoras viram-se obrigados/as a um estrito controle sobre seus
desejos, suas falas, seus gestos e atitudes, encontrando na comunidade um fiscal e um
sensor de suas ações” (LOURO, 2000, p. 79)
A sociedade tentou imprimir um padrão de professora ou professor, porém
não se pode negar a multiplicidade de origens e de perfis dos profissionais que
foram adentrando ao magistério e seria uma temeridade buscar uma identidade
única para esses profissionais. Louro argumenta que devido às redes de relações
sociais que são tecidas no entorno da identidade de professores e professoras,
acaba-se “às vezes, por borrar as distinções e por falar no singular, como se esses
muitos sujeitos fossem um só, como se suas histórias e suas identidades pudessem
ser unificadas” (2000, p. 79). Não se deve esquecer que, nos dias atuais, o
magistério é exercido por profissionais oriundos de realidades bastante
diversificadas e que impor uma identidade única a todas as professoras e
professores é uma atitude questionável, pois deve-se privilegiar a multiplicidade de
sujeitos.
Como os livros didáticos representam a professora ou o professor? Será que
as ilustrações do livro didático contribuem para a formação de uma imagem ideal de
53
professora ou professor? E como os alunos são representados nesta ferramenta de
ensino? Com o desenvolvimento desta pesquisa poder-se-á chegar a algumas
repostas a estes questionamentos.
Algumas autoras (AUAD, 2003, WALKERDINE, 1995, CARVALHO, 2001 e
CAVALCANTI, 2003, dentre outras) têm realizado seus estudos voltados para a
forma como as questões de gênero são tratadas pelas professoras e pelos
professores no que concerne às expectativas delas/es com relação às alunas e aos
alunos.
Cavalcanti argumenta que se o cotidiano escolar reproduz as relações da
sociedade em que a escola está inserida elas reproduzem também uma visão
dicotomizada com relação ao conhecimento humano
imputando aos meninos maior tendência à atividade motora, à transgressão das regras
estabelecidas e a uma relação mais objetiva e impessoal com o conhecimento, e às
meninas uma forma mais passiva e pacífica de comportamento, uma maior motivação para
a organização e limpeza, e uma maior atenção em relação às emoções e aos
relacionamentos, o que as leva a uma sistematização e cuidado com o conteúdo trabalhado
em sala de aula (CAVALCANTI, 2003, p. 183).
Em estudo realizado pela mesma autora com base em entrevistas com as
professoras e os professores a respeito da forma como as alunas e os alunos lidam
com o conhecimento escolar “levou a concluir que os meninos são considerados
intelectualmente mais ágeis do que as meninas” (CAVALCANTI, 2003, p. 191), a
autora pôde identificar ainda em sua pesquisa que os meninos eram mais agitados e
indisciplinados, além de transgredirem as regras com mais freqüência do que as
meninas. Observou também que eles se manifestavam mais espontaneamente e
recebiam mais manifestações de estímulo por parte das professoras, enquanto que
as meninas eram mais disciplinadas, não infringiam as regras, enfim, tinham um
comportamento mais ordeiro e compatível com o que se espera de um ser feminino.
Desta forma, encontravam mais facilidade de lidar com o que era trabalhado em sala
de aula. Elas “eram tão competentes quanto eles em relação às tarefas escolares,
entretanto menos espontâneas em suas manifestações” (CAVALCANTI, 2003, p.
195).
Walkerdine realizou uma pesquisa que relacionava meninas e Matemática e
constatou que o resultado obtido pelos meninos em sala de aula não era tomado
como verdadeiro enquanto que para meninas sim. Quando algumas meninas se
54
saíam bem em Matemática, elas “eram acusadas de ir bem porque trabalhavam
muito, seguiam regras, comportavam-se bem” (1995, p. 214). “Acusadas” pois as
teorias modernas de educação consideravam como criança “normal” ou criança
“natural”, as lúdicas, curiosas, que infringiam algumas regras e desta forma, as
meninas não se enquadravam no perfil de criança “normal e natural” (LOURO,
2001).
As professoras entrevistadas por Walkerdine apresentavam dificuldade em
assumir que uma aluna era brilhante em Matemática. A fala de uma professora
sobre uma garota que se destacava na classe era que ela era “uma trabalhadora
muito, muito esforçada. Uma garota não particularmente brilhante. ...seu trabalho
duro faz com que ela alcance o padrão” (1995, p. 214, grifos da autora), entretanto
com relação a um garoto “ele mal sabe escrever o seu nome... não porque ele não é
inteligente, não porque ele é menos capaz, mas porque ele não pode sentar-se
quieto, e não consegue se concentrar... muito perturbador... mas muito brilhante
(1995, p. 214-215, grifos da autora). Estes exemplos demonstram claramente a
forma diferenciada de tratamento quanto ao resultado obtido por meninos e meninas.
A autora complementa “é praticamente mais fácil para um camelo passar pelo
buraco de uma agulha que uma dessas garotas ser considerada brilhante”
(WALKERDINE, 1995, p. 215).
Carvalho (2001) em pesquisa realizada com professoras das séries iniciais
constatou que as professoras representavam as meninas como mais organizadas,
tranqüilas, assíduas, seguidoras de regras, com cadernos enfeitados, inclusive as
que apresentavam um mau desempenho escolar. Os meninos eram descritos como
agitados, espontâneos, transgressores de regras, com cadernos desorganizados,
dentre outras características. Ou seja, as meninas e meninos estavam
representados dentro dos padrões estereotipados que se espera para cada um dos
gêneros.
Moro (2001) em pesquisa realizada com as professoras e professores de
ciências, concluiu que embora eles e elas afirmem não fazer distinções entre
meninas e meninos, em suas falas fica evidente a forma diferenciada com que
avaliam os alunos e as alunas. Todas as professoras e professores entrevistados
afirmaram que seus melhores alunos/as naquele ano eram meninas. Acrescentavam
55
ainda que elas eram mais caprichosas e organizadas que os meninos e, portanto,
conseguiam sistematizar melhor o conhecimento.
Pesquisas realizadas em diversos lugares do mundo convergem para a
expectativa e representação de meninas e meninos de forma diferenciada. As
pesquisas acima apresentadas chegaram a resultados similares no que tange às
relações de gênero e às visões dos/as professores/as sobre seus alunos e alunas. A
diferença entre meninas e meninos é contemplada pelos PCN’s quando argumentam
que “é inegável que há muitas diferenças nos comportamentos de meninos e
meninas. Reconhecê-las e trabalhar para não transformá-las em desvantagens é
papel de todo educador” (BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental, 1998b, p.
321).
Neste documento é destacada ainda a importância do/a papel do professor/a
na formação das alunas e dos alunos como cidadãs e cidadãos críticos. Considera-
se que “os professores devem transmitir, por sua conduta, a valorização da eqüidade
entre os gêneros e a dignidade de cada um individualmente” (1998b, p. 303).
Ressaltam ainda a importância da formação dos professores e das professoras ao
considerar que eles e elas, “precisam também desenvolver-se como profissionais e
como sujeitos críticos da história, isto é, precisam poder situar-se como educadores
e como cidadãos, e, como tais participantes do processo de construção da
cidadania” (1998a, p. 31).
Moreira (2002) ressalta que seria importante que os professores e
professoras conhecessem seus alunos e acreditassem em sua potencialidade e
procurassem “criar condições que favorecessem seu bom desempenho, valorizasse
sua cultura e buscasse promover o diálogo com a cultura erudita” (2002, p. 39). O
autor argumenta ainda que os alunos “não se constituem em passivos receptores de
conteúdos, atitudes, costumes e hábitos” (2002, p. 38). Eles podem ser agentes de
transformação da realidade social e das práticas pedagógicas e isso deveria ser
abordado nos cursos de formação de professores das universidades, pois, é
“indispensável que, durante seu preparo, o futuro professor se capacite para, em sua
prática docente, compreender o universo cultural do aluno” (MOREIRA, 2002, p. 40)
e desta forma, possam construir junto com eles novos saberes baseados no
conhecimento pré-existente dos mesmos. E, com relação à formação dos
professores e professoras, complementa:
56
Não se admite um professor, seja de que disciplina for, que não procure o outro lado do que
está dito nas falas do Presidente, nas notícias dos jornais, nas entrevistas e nas novelas da
televisão, nos livros didáticos, nos textos literários, no discurso pedagógico ou nos seus
próprios valores e crenças. (2002, p. 44).
Libâneo argumenta que na sociedade atual, na qual os meios de
comunicação estão cada vez mais desenvolvidos e fazem parte da educação das
crianças desde a mais tenra idade o
professor precisaria, no mínimo de uma cultura geral mais ampliada, capacidade de
aprender a aprender, competência para saber agir na sala de aula, habilidades
comunicativas, domínio da linguagem informacional, saber usar meios de comunicação e
articular as aulas com as mídias e multimídias (2003, p. 10)
para poder tirar proveito das inovações tecnológicas e manter o interesse dos alunos
e das alunas pelas atividades educacionais desenvolvidas em sala de aula. E a
formação desses profissionais é função das universidades e dos cursos de formação
de professores.
Com base na teoria de Vygotsky
7
, Cavalcanti (2003) considera relevante o
papel do professor na mediação entre o conhecimento e o indivíduo. Considera
ainda que a atividade de mediação pode ocorrer de forma sistematizada e
intencional
quando a(o) professora(or)deliberadamente planeja e executa ações em sala de aula. [...]
ou inadvertidamente, pois cada gesto ou palavra da(o) professora(or) estão imersos de
significados sociais que podem ser captados e elaborados pelos alunos (2003, p. 206).
O que cada pessoa (professora, professor, aluna, aluno, diretor, diretora,
dentre outros) traz para dentro do ambiente escolar se constitui em fator importante
na formação das alunas e alunos. Cavalcanti considera que esses indivíduos trazem
para o interior da escola – e para o cotidiano da sala de aula – convicções e preconceitos
que permeiam discursos acerca de habilidades cognitivas de meninas e meninos e que
terão influência fundamental sobre o caminho de cada criança na construção do
conhecimento. [...] Embora [...] questões relativas ao gênero não tenham sido abordadas
por Vygotsky(1998), sua ênfase no papel mediador ocupado por professoras(es) e pares de
crianças [...] leva-nos a refletir sobre a importância das interações para a formação e
sedimentação da identidade de gênero (2003, p. 206).
Daniela Auad (2003) argumenta que para as meninas serem consideradas
boas alunas devem ser mais comportadas e educadas do que os meninos o que faz
com que elas se expressem menos, sejam mais contidas. A autora argumenta ainda
7
Vygotsky, Lev S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
57
que meninos e meninas se desenvolveriam mais e melhor se o convívio e o contato
entre eles fossem estimulados, se eles “não fossem colocados em lados opostos.
Todos, tanto meninas quanto meninos, seriam menos angustiados e ansiosos se
tivessem mais liberdade de expressão e de ação na escola” (2003, p. 94). A autora
relaciona 20 atitudes que podem ser assumidas por todos os sujeitos (mães, pais,
professoras, professores, estudantes, dentre outros) com relação a questões de
gênero e que podem contribuir para a construção de uma sociedade mais justa.
Dentre estas atitudes destacam-se
evitar dar bronca nos meninos dizendo “você parece uma menina”. Evitar chamar a atenção
das meninas com frases como “você é bagunceira como um menino”. [...] estimular na sala
e no pátio o trabalho e brincadeiras de meninas e meninos em conjunto. [...] encorajar
meninas e meninos igualmente a ser líderes em grupos de tarefas e brincadeiras e a falar
em público (2003, p. 95).
Porém, será que os/as profissionais da educação estão preparados para
tomar essas atitudes? Os cursos de formação de professores têm a visão de gênero
em sua estrutura? O que fazer para que as professoras e professores possam atuar
de forma a propiciar a eqüidade de gênero? São questionamentos que necessitam
de pesquisa para serem respondidos.
Pode-se inferir que na sociedade atual os professores e professoras
continuam exercendo papel fundamental na construção de uma sociedade mais
justa e democrática onde as desigualdades sociais podem ser minimizadas.
A seguir lançar-se-á um olhar sobre o papel do currículo na construção,
manutenção ou transformação das relações de gênero no ambiente escolar.
3.4 O QUE ESTÁ OCULTO NO CURRÍCULO?
Os saberes que se ensina a aceitar como verdadeiros, como científicos, como
universais “inundam os currículos escolares, os compêndios, as enciclopédias, os
livros didáticos, as cartilhas” (COSTA, 2001, p. 43), deixam marcas e contribuem
para a formação de uma visão equivocada da realidade. Para Silva, o currículo “é
sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos
e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir o currículo” (2004, p. 15) e
que vai moldar, modificar as pessoas que o seguem. O autor complementa que ao
se pensar em currículo, pensa-se somente em conhecimento, esquecendo-se
58
de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente,
vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade,
na nossa subjetividade. [...] destacar uma identidade ou subjetividade como sendo a ideal é
uma operação de poder (2004, p. 15-16).
Assim, o currículo escolar é uma das formas de manutenção e de
transmissão das normas e padrões da sociedade. Para Moreira e Silva o currículo
não se constitui em um elemento “inocente e neutro de transmissão desinteressada
do conhecimento social” (2002, p. 8), ele representa relações de poder e desta
forma “transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz
identidades individuais e sociais particulares” (2002, p. 8). Na visão de Costa, o
currículo é “um lugar privilegiado de circulação das narrativas, mas, sobretudo, é um
lugar privilegiado dos processos de subjetivação, da socialização dirigida,
controlada” (2001, p. 51). Assim, o currículo se constitui num instrumento importante
para a formação das identidades e subjetividades.
Segundo o argumento de Apple (2002) deve-se estar atento para a forma e
para o conteúdo do currículo escolar, pois é por meio dele que se define o que vai
ensinar e como vai ensinar. Na visão de Libâneo o principal vício do currículo
é reduzir o ensino à exposição oral dos conteúdos factuais e ao material informativo do livro
didático, sem considerar o processo de investigação, os modos de pensar a que as
disciplinas recorrem, a funcionalidade desses conteúdos para a análise de problemas e
situações concretas e para a vida prática cotidiana (2003, p. 32),
ou seja, estão desconectados da realidade da escola e conseqüentemente, dos
alunos e das alunas.
Moreira faz uma análise da literatura existente no Brasil e nos Estados Unidos
acerca do tema. Ele argumenta que os estudos desenvolvidos na década de 1970 e
início da década de 1980 tinham a preocupação com a “natureza social do currículo
[...] buscando entender como os indivíduos constroem significados nas interações
com outros indivíduos e com diferentes formas culturais” (2001, p. 20).
Posteriormente estes estudos adquiriram um caráter “mais objetivo, analisando o
papel desempenhado pelo currículo na reprodução das desigualdades sociais”
(2001, p. 20-21). Moreira argumenta que tais estudos contribuem para a
compreensão de que o currículo é uma construção social bem como, para que “se
compreendam as complexas conexões entre currículo, cultura e poder na sociedade
capitalista” (2001, p. 21).
59
O autor argumenta ainda que é nesse período que a categoria “classe” ganha
a companhia de outras duas, “gênero” e “raça” e de “três esferas: cultura, economia
e política” (2001, p. 21). Moreira e Silva consideram que o currículo é visto, pela
tradição crítica, “como um terreno de produção e criação simbólica, cultural” (2002,
p. 26) e desta forma, contribui para a “produção e criação de sentidos, de
significações, de sujeitos” (2002, p. 27). Desta forma, o currículo torna-se um
elemento fundamental na transformação das relações de poder.
Uma forma das relações de poder se manifestarem é por meio das relações
de gênero. A inclusão desta categoria nos estudos sobre currículo foi questionada,
pois para alguns estudiosos as razões para inclusão de gênero nas discussões não
estão na agenda neomarxista estrutural, e sim na “intenção de gerar uma teoria mais
abrangente ou à necessidade de contemplar o ativismo político em curso”
(MOREIRA, 2001, p. 22). Segundo o autor, mesmo com a inclusão das categorias
gênero e raça, ficaram ainda à margem questões relativas à sexualidade, faixa
etária, religião, dentre outras. A elaboração de um currículo que contribua para a
construção de uma sociedade mais justa deve contemplar todas essas categorias.
No que tange as questões de gênero, Silva argumenta que o currículo se
apresenta como um instrumento masculino uma vez que todas as suas
“características refletem as experiências e os interesses masculinos” (2004, p. 94). E
complementa que “a solução não consistiria simplesmente numa inversão, mas em
construir currículos que refletissem, de forma equilibrada, tanto a experiência
masculina quanto a feminina” (2004, p. 94). Para ele
o currículo é, entre outras coisas, um artefato de gênero: um artefato que, ao mesmo tempo,
corporifica e produz relações de gênero. Uma perspectiva que deixasse de examinar essa
dimensão do currículo constituiria uma perspectiva bastante parcial e limitada deste artefato
que é o currículo (2004, p. 97).
Apple considera que o currículo escolar contribui para a manutenção da
ideologia da classe dominante e que a educação é um dever do estado e um “agente
ativo no processo de controle hegemônico [desta forma] não deveria nos levar a
supor que todos os aspectos do currículo e do ensino fossem redutíveis ao interesse
da classe dominante” (2002, p. 44).
O autor argumenta ainda que o currículo oculto ensina normas e valores que
fazem “com que o poder permaneça nas mãos de outros. [...] o currículo oculto das
60
escolas [...] ensina normas e distinções ideológicas ‘essenciais’ aos alunos, as quais
são ‘exigidas’ pelo mercado de trabalho” (2002, p. 60) e demais situações do
cotidiano.
O argumento de Deiró (s/d) converge para o de Apple (2002) quando ela
afirma que o currículo oculto é responsável pala transmissão de conteúdos
ideológicos. É por meio do currículo oculto que “a criança assimila determinados
comportamentos, valores, modos de conceber a realidade, etc.” (DEIRÓ, s/d, p. 29).
Silva argumenta que “as relações sociais na escola, mais do que o conteúdo
explícito” (2004, p. 77) são as responsáveis pela transmissão das normas e atitudes
tão necessárias para a adaptação ao mercado capitalista. Assim, o currículo oculto
atua como agente de adequação dos indivíduos ao que a sociedade espera deles.
Para o referido autor “o currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do
ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de
forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes” (SILVA, 2004, p. 78).
O currículo oculto é transmitido, mesmo que inconscientemente, nas falas e
atitudes dos seres humanos relacionados à escola e trazem embutidas nestas falas
questões relacionadas a gênero, raça, etnia, classe, dentre outros. Pelo currículo
oculto “aprende-se como ser homem ou mulher, como ser heterossexual ou
homossexual, bem como a identificação com determinada raça ou etnia” (SILVA,
2004, p. 79). Por meio do currículo oculto os professores e professoras transmitem
sua forma de ver o mundo e com ela seus preconceitos. O currículo oculto também
serve como instrumento para que professores transmitam os padrões e valores da
sociedade em que estão inseridos. Moro considera que
é através do currículo oculto que a(o) professora (r) manifesta e reproduz as discriminações
sociais, entre elas, as sexuais. Portanto, o currículo oculto está relacionado com os papéis
de gênero, justamente pela forma “velada” com que esses são reproduzidos no meio
escolar (2001, p. 90).
Moreira e Silva (2002) argumentam que ao se transferir a responsabilidade
pela transmissão de certos valores aos objetivos “implícitos” do currículo, ou seja, ao
currículo oculto, corre-se o risco de inocentar o currículo oficial de sua
responsabilidade na “formação dos sujeitos sociais. É necessário reintegrar o
currículo oficial à análise do papel do currículo na produção e reprodução cultural e
social, ao lado, evidentemente, do currículo oculto” (2002, p. 31).
61
Silva considera que se ocorrer a desocultação do currículo oculto, ele perde
seu poder e “se tornará menos eficaz, ele deixará de ter os efeitos que tem pela
única razão de ser oculto” (2004, p. 80). Desta forma, torna-se relevante entender
como os gêneros são explícita ou implicitamente apresentados nos livros didáticos
para que se possa discutir esta representação e minimizar seu impacto na
construção das identidades de meninos e meninas, pois a insistência de certos livros
didáticos em representar as mulheres em funções subalternas ou de excluí-las de
determinadas carreiras pode levar as meninas a concluir que não devem optar por
essas profissões (SILVA, 2004, p. 92).
Louro (2001b) reforça o papel da escola e do currículo na manutenção de
padrões e normas estabelecidas pela sociedade. Para ela “currículos, normas,
procedimentos de ensino, teorias, linguagens, materiais didáticos, processos de
avaliação constituem-se em espaços da construção das ‘diferenças’ de gênero, de
sexualidade, de etnia, de classe” (2001b, p. 88). Essas diferenças são determinadas
pelas falas e pelo silenciamento, “o currículo ‘fala’ de alguns sujeitos e ignora outros;
conta histórias e saberes que, embora parciais, se pretendem universais” (2001b, p.
88).
Moreira considera que o currículo dos cursos de formação de professores
deve preparar os estudantes para analisar criticamente os materiais didáticos, bem
como identificar as questões ideológicas “presentes nos diversos textos dentro e fora
de sala de aula” (2002, p. 44), ou seja, o currículo deve ser elaborado para contribuir
para a formação crítica dos alunos e alunas, futuros professores e assim facilitar o
trabalho destes profissionais no auxílio ao “aluno da classe trabalhadora a melhor
compreender e criticar textos, práticas, experiências e padrões culturais” (2002, p.
44).
Os PCN’s tratam da questão de gênero no ambiente escolar por meio dos
temas transversais (temas que permeiam todas as disciplinas escolares). Nos PCN’s
discute-se a oferta da orientação sexual como uma disciplina e organiza-se os
conteúdos a serem tratados por ela em três blocos; “Corpo: matriz da sexualidade;
Relações de Gênero; Prevenção das Doenças Sexualmente Transmissíveis/Aids”
(BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental, 1998b, p. 315, grifos nossos).
Argumenta-se que a Orientação Sexual “supõe refletir sobre e se contrapor aos
estereótipos de gênero, raça, nacionalidade, cultura e classe social ligados à
62
sexualidade” (1998b, p. 315) bem como se opor às discriminações relativas à
sexualidade impingidas aos homossexuais e profissionais do sexo. Considera-se
ainda que os temas relativos às questões de gênero podem ser discutidos em todas
as disciplinas, porém não leva em consideração se os professores e professoras
estão capacitados para abordarem adequadamente essas questões.
Quais são os valores culturais repassados por meio dos livros didáticos?
Como o currículo oculto se manifesta nesta ferramenta de ensino? São questões
que necessitam serem investigadas. Assim, a análise das representações de gênero
nos livros didáticos de Matemática é oportuna, para saber se há diferença nas
representações de homens e mulheres nesta ferramenta de ensino e se os livros
didáticos contribuem ou não para a construção e/ou manutenção de estereótipos por
meio do currículo oculto ou explícito.
Pode-se inferir que no currículo estão ocultas as relações de poder, de
gênero, de raça e etnia dentre outras, bem como a transmissão da ideologia de
classe que é implicitamente repassada pela execução de um determinado currículo.
Silva chama a atenção de que não se deve olhar o currículo com inocência, pois ele
tem significados que vão muito além do que se está acostumado a considerar. Para
ele “o currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo
é trajetória, viagem, percurso. [...] no currículo se forja nossa identidade. O currículo
é texto, discurso, documento” (2004, p. 150) e desta forma, cria comportamentos
que acompanham o cidadão e a cidadã por toda a sua vida e nas mais diversas
situações.
A seguir será analisada a importância da Matemática para a definição da
participação feminina em carreiras científicas.
3.5 MATEMÁTICA E CIÊNCIAS SÃO ASSUNTOS PARA MULHERES?
Essa é uma pergunta que pesquisadores e pesquisadoras da área das
ciências da natureza têm buscado responder. O número de mulheres em carreiras
tidas como masculinas tem aumentado nas últimas décadas, porém as mulheres
continuam sendo minoria em carreiras que têm como base a Matemática
(CASAGRANDE et al., 2004).
Depoimentos de professores
atestam que as meninas obtém melhores
resultados nas disciplinas de Matemática e Ciências nas séries iniciais. Entretanto
63
Velho e León argumentam que o aumento da dificuldade para meninas se
relacionarem com a Matemática ocorre “em torno da sétima série escolar” (1998, p.
312). Isso se deve, segundo as autoras, à falta de exemplos de mulheres que são
destaques nas Ciências para que possam servir de modelo para as jovens
estudantes.
Em estudo realizado sobre a participação da mulher em carreiras científicas,
Casagrande et al. (2004) apontam nomes de mulheres que desenvolveram trabalhos
relevantes às Ciências e ao desenvolvimento da humanidade e podem servir de
exemplo para meninas e mulheres que tem afinidades com as áreas científicas.
Outro fator que dificulta a maior inserção e a permanência de mulheres em
carreiras científicas é a socialização diferenciada de meninos e meninas. Elas,
desde a mais tenra idade, são incentivadas a brincarem de bonecas e de casinha,
em atividades dentro do lar que ensinam o cuidado com as crianças e com os
outros, ou seja, ensina-se elas a serem mãe.
Por outro lado, os meninos são estimulados a praticarem esportes coletivos, a
brincar de carrinhos (montando e desmontando os mesmos), atividades que
normalmente são desenvolvidas fora de casa e que implicam na tomada de decisão,
o que pode contribuir para o desenvolvimento do raciocínio nos meninos. Tem-se
ainda como fator relevante para o desenvolvimento do gosto (ou a falta de) das
meninas pela Matemática as atitudes dos pais e professores que têm atuado “no
sentido de encorajar e motivar os meninos, mas não as meninas, para a Matemática.
Esta passa, então, a ser vista como ‘coisa de meninos’, [...] ‘mais difícil’ e ‘menos útil’
para elas” (VELHO e LEÓN, 1998, p. 313).
O fato das meninas não “gostarem” de Matemática implica que elas optem
por carreiras nas quais esta habilidade não seja necessária o que tem por
conseqüência a menor participação feminina nas Ciências, como Matemática, Física
e Química e nas Engenharias.
Tabak (2003) argumenta que são diversos os motivos que limitam a
participação feminina nas carreiras científicas. Para ela em “sociedades de tipo
patriarcal, a mulher não é estimulada a se ver como uma profissional, a longo prazo.
Falta incentivo por parte da família para as carreiras consideradas ‘masculinas’ e
muitas vezes é a própria mulher que se autodiscrimina” (2003, p. 22). O fato de que
“Ciência e Tecnologia foram por muito tempo vistas como atividades masculinas”
64
(CARVALHO, 2003, p. 22), pode contribuir para que muitas mulheres mantenham a
visão de que essas não são carreiras adequadas a elas e levá-las a optar por
carreiras voltadas para as humanidades.
Walkerdine afirma que a sociedade, por muito tempo, condenou as atividades
intelectuais das mulheres, considerando-a uma patologia, uma monstruosidade. A
autora complementa que a mulher “é constantemente condenada por não raciocinar
e igualmente reprovada se o faz. Seu raciocínio é visto como uma ameaça à
masculinidade raciocinante” (1995, p. 213).
A “valorização da razão, da imparcialidade e da objetividade como caminhos
únicos de acesso ao conhecimento considerado verdadeiro, em conjunção com
discursos que separam razão de emoção e afetividade” (CAVALCANTI, 2003, p.
189) têm se apresentado como barreiras para o posicionamento da mulher no meio
científico. Schienbinger (2001) e Tonini (2002) argumentam que por muito tempo
pensou-se que as mulheres não deveriam desempenhar atividades intelectuais, pois
isso diminuiria sua capacidade reprodutiva, principal função da mulher para a
sociedade da época. Os homens também são colocados em situação difícil pois, os
discursos sobre masculinidade “os distanciam do mundo dos sentimentos, impondo
barreiras às suas vivências afetivas e tornando parcial sua relação com o
conhecimento” (CAVALCANTI, 2003, p. 190).
Walkerdine complementa que: “embora as garotas e as mulheres sejam
acusadas de serem dependentes e de carecerem de autonomia e independência, a
possibilidade de que elas possam raciocinar é vista como uma grande ameaça”
(1995, p. 213). Mesmo que nos dias atuais as mulheres tenham obtido êxito em
muitas profissões, permanece a suspeita de que elas não tenham capacidade para
atuar em carreiras matemáticas e científicas.
Entretanto, mesmo sendo minoria, a mulher tem participação nas carreiras
científicas e, desta forma, pode-se dizer que ela tem condições de desenvolver
pesquisas significativas em Ciência e Matemática e assim estes são sim assuntos de
mulheres. Tabak afirma que um país que se encontra em desenvolvimento como o
Brasil “não pode se dar ao luxo de prescindir da incorporação de milhares e milhares
de mulheres que venham a contribuir com seu talento e sua inteligência” (2003, p.
18) para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
65
Carvalho argumenta que é necessário desenvolver uma educação que esteja
preocupada “em formar inovadores que busquem na tecnologia meios de minimizar
as injustiças sociais, e criar condições para a realização plena de todos os agentes
sociais e o reconhecimento do outro como sujeito” ( 1997, p. 86). Acredita-se que é
necessário desenvolver uma educação que esteja aberta a todos, homens, mulheres
e homossexuais igualmente e que propicie condições para que estes se
desenvolvam integralmente e contribuam para o crescimento da sociedade como um
todo, pois conforme o argumento de Bastos, “a participação da mulher nas
inovações e avanços tecnológicos é uma questão de cidadania” (2003, p. 11) e deve
fazer parte das lutas pela igualdade de direitos entre homens e mulheres. Para que
ocorra o incremento da participação feminina no meio científico é importante que se
tome atitudes para que o ensino, e em especial o ensino de Matemática, torne-se
democrático e atinja igualmente as expectativas de meninas e meninos.
É importante ressaltar que não há nada no que diz respeito à biologia que
impeça o desenvolvimento e o estudo de Matemática por meninas e mulheres. Cabe
investigações que busquem desvendar os motivos que as mantém afastadas desta
área do conhecimento.
Como viu-se anteriormente, professores e professoras têm expectativas
diferenciadas para meninas e meninos, o que pode interferir no “gosto” e “aptidão”
(ou falta de) das mulheres para o estudo de Matemática e esta pode ser uma das
causas que leva meninas a optarem por áreas do conhecimento voltadas para as
humanidades. Porém, provavelmente esta não é a única causa. Seria a expectativa
e influência da família? A socialização diferenciada? Os materiais didáticos? A
junção de diversas causas? Há necessidade de pesquisas para identificar quais são
os motivos que mantém as meninas e mulheres afastadas da Matemática e até
mesmo para confirmar se isso realmente ocorre.
Sendo o livro didático um instrumento presente em toda a vida escolar das
crianças e jovens, torna-se pertinente analisar se o conteúdo dos mesmos está
contribuindo para reforçar os estereótipos de masculino e feminino. Moro afirma que
“uma pesquisa que analise livros de ciências e de matemática seria importante”
(2001, p. 38) para a compreensão da interferência ou não desta ferramenta de
ensino na participação feminina nestas áreas do conhecimento.
66
No próximo capítulo será abordado o tema “livro didático”. Nele serão
apresentadas as funções políticas e sociais dos livros didáticos, bem como alguns
estudos que mostram como instituições sociais como família e escola, por exemplo,
vêm sendo representados em textos didáticos, bem como, o uso que professores e
professoras, alunos e alunas fazem deste instrumento de ensino.
67
4 LIVRO DIDÁTICO: UM INSTRUMENTO NECESSÁRIO
“Ele deixa muito a desejar,
mas é indispensável em sala de aula”.
Freitag, Costa e Motta (1997)
Este capítulo está dividido em três partes. Na primeira far-se-á um breve
histórico da política governamental ao longo de aproximadamente um século,
demonstrando a preocupação do Governo com esta ferramenta de ensino. Na
segunda parte apresentar-se-á resultados de algumas pesquisas realizadas sobre o
livro didático nas últimas décadas. Na terceira será feita uma análise de como
professores/as e alunos/as utilizam o livro didático no seu dia-a-dia escolar.
A discussão sobre a importância do livro didático no processo de ensino-
aprendizagem vem de muito tempo. O Governo Federal desde o início do século XX
vem concentrando esforços para que todos os estudantes tenham acesso a este
instrumento de ensino. O conteúdo do livro didático também merece a preocupação
do Governo Federal que tem baixado diversos decretos criando comissões com
objetivo de avaliar e recomendar livros didáticos para uso em escolas públicas.
A discussão acerca da busca por uma definição sobre o livro didático pode
ser realizada sob diversos prismas. Entende-se que qualquer livro ou impresso pode
assumir a função didática, dependendo do uso que dele for feito. Entretanto, no
desenvolvimento desta pesquisa, entender-se-á por livro didático “o material
impresso, estruturado, destinado ou adequado a ser utilizado num processo de
aprendizagem ou formação” (OLIVEIRA, GUIMARÃES e BOMÉNY, 1984, p. 11). Ou
ainda, “aquele material impresso, estruturado, apresentado e comercializado com a
finalidade de atender, normativamente, aos programas oficiais das disciplinas
escolares” (SILVA, 2000, p. 17). Ou seja, os livros editados conforme a
regulamentação governamental, que apresentam os conteúdos definidos como
apropriados para determinada disciplina e faixa escolar. Admitindo que esta
conceituação pode ser restritiva, optou-se pela sua utilização uma vez que descreve
o material, a fonte documental, que estará sendo analisada nesta pesquisa e
segundo Batista “qualquer conceituação construída é dependente dos interesses
sociais em nome dos quais se produzem, utilizam-se e se estudam os livros
didáticos” (2002, p. 570) e assim, ela se mostra suficiente para o estudo em questão.
68
A produção nacional de livros didáticos começou no início do século XX. Até
então os livros utilizados nas escolas brasileiras vinham da Europa, principalmente
de Portugal. Professores do início do século XX levavam para a sala de aula as
cartinhas elaboradas por eles para que os alunos aprendessem a ler e a escrever.
Posteriormente surgiram os primeiros livros produzidos no Brasil, as cartilhas que
tiveram origem nas cartinhas e marcaram “o surgimento da literatura didática no
Brasil” (OLIVEIRA, GUIMARÃES e BOMÉNY, 1984, p. 23).
De lá para cá houve muitas mudanças na forma e no conteúdo dos livros
didáticos, porém eles continuam sendo uma ferramenta muito importante para
professores/as e alunos/as. Ainda em 1984, Oliveira, Guimarães e Bomény
argumentaram que o livro didático era fundamental para o aperfeiçoamento e a
atuação dos/as professores/as e representava para os alunos e alunas a extensão
da ação docente. Constituía-se no meio de interação entre professo/a e aluno/a e
desta forma representava mais do que uma forma de transmitir o que se julgava
digno de ser ensinado e “ao corporificar uma relação direta entre professor e aluno,
o livro didático é visto como o ‘mestre mudo’, como a voz do professor, porque é
feito à sua imagem e semelhança” (1984, p. 27).
Os referidos autores argumentam ainda que os livros didáticos constituem-se
“em um meio a serviço de um processo geral de transmissão de modos de pensar e
agir, modos esses que expressam objetivamente a visão de mundo de um grupo ou
de uma classe” (1984, p. 28). Desta forma, os livros didáticos não podem ser
considerados neutros, pois transmitem a cultura e a ideologia de uma determinada
classe. Os autores afirmam que o livro didático é um tema a ser pesquisado.
Consideram ainda que ao analisar ou criticar um livro didático também se está
analisando ou criticando a sociedade (OLIVEIRA, GUIMARÃES e BOMÉNY, 1984,
p. 29). Segundo Freitag, Costa e Guimarães (1997) há poucos estudos centrados na
visão de professores/as sobre o papel e a importância dos livros didáticos na
educação brasileira e menos ainda que privilegiem a visão dos/as alunos/as sobre
esta ferramenta de ensino.
Assim, a seguir far-se-á uma análise da política governamental para a
elaboração e distribuição do livro didático no Brasil.
69
4.1 O LIVRO DIDÁTICO COMO PROJETO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
A preocupação do Governo Federal em estabelecer no Brasil uma política do
livro didático remonta ao início do século XX. Em 1937 foi criado o Instituto Nacional
do Livro – INL, “para cuidar da divulgação e distribuição de obras de interesse
educacional e cultural” (SILVA, 2000, p. 23), onde uma das coordenações estava
encarregada do livro didático. Em 1938 o governo publicou o decreto nº 1.006, de 30
de dezembro de 1938 que se constituiria na primeira medida governamental que
objetivava legislar e controlar a produção e distribuição de livros didáticos no Brasil.
Este decreto criava a Comissão Nacional do Livro Didático - CNLD que tinha dentre
suas atribuições a função de “examinar e proferir o julgamento dos livros didáticos
que lhe fossem apresentados; [...] sugerir abertura de concurso para a produção de
determinadas espécies de livros didáticos de sensível necessidade e ainda não
existentes no país” (BOMÉNY, 1984, p. 33). Os poderes da CNLD eram amplos e
iam desde a sugestão de alterações a serem feitas nos livros examinados até a
proibição da adoção de algumas obras que fossem julgadas impróprias ou
inadequadas às funções que se propunham.
O decreto previa a publicação anual de uma lista de livros didáticos
autorizados pelo Ministério da Educação e Saúde e esta medida começaria a vigorar
em janeiro de 1940. Este decreto foi elemento de várias emendas e não teve sua
implementação realizada com sucesso.
A regulamentação do livro didático assumiu caráter político com muitos
parlamentares tomando partido em prol da defesa de uma política do livro didático
que levasse em consideração a questão educacional e financeira das famílias
brasileiras. Até 1942 o decreto 1.006 ainda não havia obtido êxito na implementação
de uma lista com os livros autorizados pela CNLD. Os critérios para autorização dos
livros estavam relacionados a questões políticas e ideológicas e não à questão
pedagógica.
Em 1945 foi baixado o Decreto-lei 8.460 que determinava novas funções para
a CNLD. A década de 40 foi rica em avaliações sobre o desempenho da Comissão,
porém “ainda pobre com relação a medidas concretas de solução de um tema
considerado problemático pela maioria esmagadora de políticos, órgãos e entidades
responsáveis pelo processo educacional” (BOMÉNY, 1984, p. 46).
70
Em 1964, o governo brasileiro por meio do MEC assina um convênio com o
governo americano representado pela Agência Norte-Americana para o
Desenvolvimento Internacional (United States Agency for International Development)
– USAID chamado de “Aliança para o Progresso” que previa o financiamento de
publicação e distribuição de livros didáticos aos estudantes carentes. No ano de
1966 foi criado o Conselho do Livro Técnico e Didático – COLTED que
posteriormente teve seu nome mudado para Comissão do Livro Técnico e Didático,
mantendo a mesma sigla. A COLTED tinha muitas atribuições que iam desde a
seleção até a publicação e distribuição de livros. Sua principal função era gerir os
fartos recursos advindos do convênio MEC/USAID (BOMÉNY, 1984).
As editoras não mediam esforços para adaptarem-se às regulamentações do
convênio, pois a COLTED comprava grandes estoques o que garantia a vendagem
dos livros publicados de acordo com a regulamentação da Comissão. O acordo com
o governo americano por meio da USAID previa o repasse de grande monta de
recursos o que era interessante para o MEC que até então contava com recursos
limitados para seu funcionamento. Atendia também interesses americanos, pois
criava um elo com o Brasil e assim impedia que se proliferassem aqui políticas
relacionadas à doutrina comunista (BOMÉNY, 1984). Este convênio durou de 1964
até 1968. Convênios semelhantes foram assinados entre o governo americano e
outros países do terceiro mundo.
Em 1968 o debate acerca do livro didático foi acentuado no Congresso
Nacional e seu foco estava centrado nos preços abusivos e nas constantes
mudanças feitas nos livros didáticos o que resultava na necessidade de substituição
anual dos mesmos. Bomény argumenta que os livros didáticos “têm sua alteração no
número da edição, na disposição gráfica, enfim, nos recursos editoriais de inovação
e não naqueles referentes à metodologia didática” (1984, p. 55). Para Silva, et al., o
livro didático “só recebeu atenção no que se referia a custos e despesas [...] nunca
foi alvo de preocupação pedagógica, pelo menos na forma da lei” (2003, p. 34). O
projeto da COLTED serviu para beneficiar grandes blocos editoriais sendo vítima dos
mais variados tipos de fraudes. Segundo Bomény, “a negociata” que começava com
o transporte, passava por diversos setores e culminava com a “aquisição de livros
absolutamente inúteis” (1984, p. 56). A COLTED foi extinta em 1971.
71
As funções da COLTED foram transferidas ao Instituto Nacional do Livro -INL
e posteriormente, em 1974, à Fundação Nacional do Material Escolar - FENAME que
não dispunha dos recursos necessários para definir e gerir uma política nacional do
livro didático. Diversos programas foram criados por estes dois órgãos na tentativa
de implementar uma política para o livro didático que obtivesse êxito. Todas as
tentativas de definição da política do livro didático e de melhoria da qualidade desta
ferramenta de ensino estavam baseadas em recomendações, ou seja, na definição
de uma lista de livros recomendados pelo MEC.
As ações encontravam-se centralizadas em órgãos governamentais e não
tinham a participação dos professores na escolha dos livros. Muitas previam esta
participação, porém na prática isso não acontecia. Bomény argumenta que “em uma
estrutura extremamente centralizada de decisões e implementação de políticas, a
prática estrita de recomendações mais paralisa do que efetivamente soluciona”
(1984, p. 67). Desta forma, mesmo com um grande número de Decretos-lei e de
Programas instituídos “a questão dos livros didáticos deixou de ser resolvida”
(BOMÉNY, 1984, p. 67-68).
Em 1983 é instituída a Fundação de Assistência ao Estudante – FAE e no ano
seguinte foi criado o Comitê de Consultores para a área Didático-Pedagógica,
“composto por cientistas e políticos das mais distintas áreas” (FREITAG, COSTA, e
MOTTA, 1997, p. 17) que vinha a substituir a COLTED e dar suporte às decisões da
FAE. Porém o comitê não teve o mesmo prestígio das comissões anteriores (CNLD
e COLTED). Freitag, Costa e Motta argumentam que “parece não haver uma
memória das políticas públicas desenvolvidas em relação ao livro didático no
ministério competente, repetindo-se iniciativas, recriando-se em cada governo,
novas comissões e instituições” (1997, p. 19, grifos dos autores) esquecendo-se das
iniciativas anteriores e dos problemas por elas enfrentados.
No ano de 1985 foi instituído o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD
pelo Decreto 91.542, de 19 de agosto, cujo objetivo é distribuir livros didáticos aos
estudantes das escolas públicas de 1º grau. O mesmo Decreto prevê a participação
efetiva dos professores na escolha dos livros didáticos a serem adotados nas
escolas, bem como a adoção de livros reutilizáveis. O PNLD estava subordinado à
FAE que contava com a assistência da Secretaria de Ensino de 1º e 2º graus –
72
SEPS para a execução, supervisão e avaliação do Programa conforme exposto no
art. 5º do referido decreto.
Até o início da década de 1990 o Governo Federal não havia conseguido
implantar o PNLD de forma que ele atingisse os objetivos previstos no decerto de
sua criação. Em 1993 foi criado, por meio da portaria 1.130, de 5 de agosto, um
Grupo de Trabalho - GT “para analisar os conteúdos programáticos e os aspectos
pedagógico-metodológicos de livros adequados às séries iniciais do ensino
fundamental” (SILVA, 2000, p. 27). Este GT analisou os livros para o ensino de 1ª a
4ª séries do ensino fundamental que foram adquiridos em maior número pela FAE
em 1991.
O Governo passou a estimular a criação de avaliações e posteriores
recomendações de livros didáticos para todas as séries do ensino fundamental. No
ano de 1998 foi publicado o Guia de Livros Didáticos da 5ª a 8ª séries – PNLD 1999.
Este guia continha os critérios utilizados para a análise e a relação de livros
recomendados utilizando o critério de estrelas (3 estrelas - recomendados com
distinção, 2 estrelas – recomendados, 1 estrela – recomendados com ressalvas)
com o intuito de facilitar a identificação dos livros que mais se adequavam às
propostas de ensino das secretarias de educação. O Governo, por meio do guia
reconhece também a importância que o livro didático assume no processo de ensino
aprendizagem no Brasil bem como na formação dos professores e das professoras
que, muitas vezes, se baseiam exclusivamente neste instrumento para o
desenvolvimento de suas atividades profissionais. Este foi o primeiro de uma série
de guias publicados para o ensino de 5ª a 8ª séries (BRASIL, Ministério da
Educação e Cultura, 1998).
Recentemente, no ano de 2004, foi publicado o Guia de Livros Didáticos 2005
de 5ª a 8ª séries (PNLD 2005) com as resenhas dos livros analisados bem como os
critérios para avaliação e a ficha de avaliação de livros didáticos. “Os textos das
resenhas resumem a análise feita por especialistas, seguindo os critérios de
avaliação para livros de 5ª a 8ª séries definidos pelo Ministério da Educação”
(BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, 2004a, p. 6). Neste guia as resenhas
são apresentadas sem fazer a menção se a obra é recomendada ou não, cabendo
ao professor analisá-las e decidir qual obra está mais próxima da realidade de sua
escola e de seus alunos.
73
O PNLD 2005 considera que o livro didático é uma ferramenta importante
para professores e alunos e pode assumir diversos papéis “tem a função de
transmissão, consolidação e avaliação dos conhecimentos, serve como fonte de
referência e pode também contribuir para a educação social e cultural dos alunos
(BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, 2004a, p. 196, grifos nossos). Considera
ainda que “o ensino de matemática [...] deve assumir a tarefa de preparar cidadãos
para uma sociedade cada vez mais permeada por novas tecnologias, e possibilitar o
ingresso de parcelas significativas da população a patamares mais elaborados do
saber” (2004a, p. 198).
Indica também os critérios que devem ser considerados eliminatórios na
escolha de um livro didático e dentre eles sugere que os livros de Matemática devem
contribuir para a construção da cidadania e desta forma não podem ‘veicular, nos
textos e nas ilustrações, preconceitos que levem a discriminações de qualquer tipo
(BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, 2004a, p. 203) o que é reforçado pelo
Projeto de Avaliação de Livros Didáticos de 1ª a 8ª séries que vê “o livro didático
como instrumento básico do trabalho pedagógico desenvolvido pelo professor,
dentro e fora da sala de aula, quando não o único” (BRASIL, Ministério da Educação
e Cultura, s.d, p. 1) e recomenda que “os livros didáticos não podem expressar
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de
discriminação” (s.d, p. 2). Consideram relevante a função das ilustrações no
processo de ensino-aprendizagem e que estas “não deverão expressar, induzir a, ou
reforçar preconceitos e estereótipos” (s.d. p. 4).
A Resolução Nº 40, de 24/08/04 trata da regulamentação do PNLD e
estabelece em seu art. 7º que “os livros didáticos de 2ª a 8ª série, adquiridos e
distribuídos pelo Programa, deverão ser utilizados por 3 anos consecutivos, a partir
do recebimento pela escola” (BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, 2004b, p.
3, grifos nossos). De três em três anos os professores selecionam os livros que
serão adotados pelas escolas em que atuam nos anos consecutivos. Como a
escolha é feita por escola, os livros podem ser diferentes em escolas do mesmo
município e, também, do mesmo bairro.
Segundo a ABRELIVOS (Associação Brasileira de Editores de Livros), o livro
didático é reutilizado por 95% das escolas brasileiras o que possibilitou que a
renovação total de livros seja realizada a cada três anos para quase todas as séries
74
do ensino fundamental. A exceção é a 1ª série na qual os livros são renovados
anualmente (MENDES, 2004). No ano de 2004 foram distribuídos 97,5 milhões de
livros didáticos com o objetivo de substituir os que foram danificados ou não foram
devolvidos pelos alunos no ano de 2003 (QUEIROZ, 2003). Para o ano de 2005 está
prevista a distribuição de aproximadamente 124 milhões de livros didáticos para os
alunos de escolas públicas brasileiras (CARDOSO, 2004).
Percebe-se que os critérios de divulgação das análises dos livros didáticos a
serem adquiridos pelo PNLD tem enfrentado críticas sobre sua forma de
apresentação. Sano considera que o PNLD encontra-se em desenvolvimento e
desta forma, não está pronto e acabado. Argumenta que “como todo processo, tem
seu ritmo e amadurecimento. Estamos todos aprendendo com ele” (SANO, s.d, p. 3).
O MEC reconhece a necessidade de ajustes e reformulações “seja em razão da
própria dinâmica do processo de avaliação, aquisição e distribuição de livros
didáticos, seja em razão das alterações ocorridas, nos últimos anos, no contexto
educacional brasileiro” (MEC, Secretaria de Educação Fundamental, 2000, p. 22).
De qualquer forma, o PNLD vem atingindo seu principal objetivo, ou seja, distribuir
gratuitamente livros didáticos para os alunos da rede pública de ensino.
Pode-se perceber que a política do livro didático tem sido uma preocupação
constante do Governo Federal. A busca por uma política que assegure a melhoria na
qualidade dos livros ofertados a professores e alunos tem sido uma constante no
discurso dos políticos e nos textos dos Decretos, portarias e resoluções que tratam
da questão do livro didático. Porém, estas medidas governamentais estão atingindo
seus objetivos? O livro didático está se tornando mais adequado aos alunos? Está
contribuindo para a melhoria do ensino no Brasil? São questões que permanecem
sem resposta.
No próximo item serão apresentados os resultados de pesquisas realizadas
cujo objeto de estudo foram os livros didáticos e que tinham como objetivo analisar
as representações de gênero presentes neste instrumento de ensino.
4.2 ANÁLISE DE LIVROS DIDÁTICOS: UM LONGO CAMINHO A SER
PERCORRIDO
Nesta seção far-se-á um breve levantamento de pesquisas cujo objeto de
estudo foi o livro didático, onde buscou-se apontar como este material representou
75
as mais variadas instituições como a família, o trabalho, a escola dentre outras. Não
será objetivo deste item apresentar todas as pesquisas realizadas na área, mas
mostrar que este campo vem sendo explorado por pesquisadores de diversas áreas
do conhecimento. Os estudos sobre o livro didático, que vêm sendo desenvolvidos
há algumas décadas, estão centrados na análise de conteúdo e muito pouco se fez
sobre a percepção de professores e professoras, alunos e alunas sobre o papel
desta ferramenta de ensino. Desta forma, este é um campo que carece ser estudado
e desvendado para a compreensão do papel do livro didático na vida das pessoas
envolvidas nos processo de ensino-aprendizagem.
Freitag, Costa e Motta (1997)
8
realizaram um levantamento sobre as
pesquisas realizadas sobre o conteúdo do livro didático no Brasil. Os referidos
autores consideram que os pesquisadores brasileiros podem ser divididos em dois
grupos, “os preocupados em analisar a fundamentação pedagógica, psicológica,
lingüística e semiológica dos textos, e os preocupados em revelar os valores, os
preconceitos e concepções ideológicas contidas no livro didático” (1997, p. 78). Os
autores dizem que no segundo grupo estão incluídos os pesquisadores e as
pesquisadoras que se preocupam com “a denúncia do tratamento ideológico dos
problemas bem como a certos temas específicos, como a imagem da mulher, a
concepção de cidadania” (1997, p. 78-79) dentre outros. Considerando esta divisão,
pode-se dizer que a pesquisa que se propõe neste trabalho enquadra-se no segundo
grupo, visto que se busca analisar como os gêneros estão representados nos livros
didáticos de Matemática.
A concentração das análises sobre o conteúdo está no eixo São Paulo – Rio
de Janeiro, sendo que a UNICAMP apresenta-se como a instituição com o maior
número de pesquisas e de pesquisadores preocupados com a questão. Embora
estes estudos sejam desenvolvidos desde a década de 1940, é na década de 1970 e
de 1980 que ocorre a maior expansão dos mesmos, geralmente iniciados como
dissertações de mestrados e teses de doutorado. Freitag, Costa e Motta (1997)
argumentam ainda que “esses trabalhos são unânimes em ressaltar que a ideologia
contida no livro didático serve para consolidar a hegemonia da classe dominante e
8
A primeira edição foi publicada no ano de 1989.
76
com elas a relação de produção. [...] o livro didático, por ser ideológico, é alheio à
realidade” (1997, p. 86). Eles consideram que a obra de Bonazzi e Eco (1972) tenha
sido a grande motivadora para o desenvolvimento de pesquisas com este tema no
Brasil.
Os referidos autores consideram ainda que a formulação de um livro didático
adequado à realidade de todas as crianças é uma tarefa praticamente impossível
devido à diversidade da população brasileira e mundial, porém as diferenças podem
ser minimizadas “criando condição para uma cultura universal, ampla e não restrita a
essa ou àquela minoria ou subcultura” (FREITAG, COSTA e MOTTA, 1997, p. 86).
A obra “Mentiras que parecem verdades” de Marisa Bonazzi e Umberto Eco
(1980)
9
faz uma análise das representações nos textos de leitura utilizados nas
escolas italianas. Nesta obra tem-se a representação da família como extremamente
pobre, sem ter moradia e alimentação adequada. Tem-se também a representação
da “escravidão total da mulher, considerada um animal de carga” (BONAZZI e ECO,
1980, p. 61), cabe às mulheres o cuidado com a família e o lar bem como a
execução de algum trabalho manual para complementar a renda familiar. Embora as
famílias vivam neste ambiente de adversidades, seus componentes são
extremamente felizes. Os autores argumentam que “a tarefa fundamental do livro
parece ser fazer com que as crianças mais indigentes aceitem sua própria condição
familiar” (1980, p. 61). O pai é representado como o provedor, não tem muito contato
com os filhos, pois está sempre trabalhando fora de casa, saindo antes que eles
acordem e voltando quando as crianças já estão dormindo.
A representação da escola nesta obra é comparada com uma igreja. Como
“raramente a criança encara o fato de rezar como um divertimento” (BONAZZI e
ECO, 1980, p. 49) associar a imagem da escola à de uma igreja “significa condenar
esta instituição a um ódio irremediável” (1980, p. 49). Os autores argumentam que “o
livro didático poderia propor exemplos de vários métodos de convivência escolar,
modelos de pesquisas e discussões em grupo, a escola como terreno de encontro
entre grupos e classes diferentes” (1980, p. 49).
Com relação à questão de raças e etnias, Bonazzi e Eco dizem que “é
evidente que um inconsciente racismo penetra os textos escolares, mesmo quando a
9
O original em italiano foi publicado no ano de 1972.
77
finalidade aparente da estória ou da poesia é a de apresentar à criança a realidade
das diferenças étnicas” (1980, p. 53). Os textos realçam as qualidades da realidade
regional italiana e as demais raças e etnias são representadas como meras
curiosidades e desta forma os textos induzem os alunos a pensarem que pertencem
“a uma raça melhor, a uma pátria com montanhas mais belas e os prados mais
verdes do que as outras pátrias” (1980, p. 53) e isso não ocorre apenas com relação
a povos de outros países, mas “os textos acabam por difundir [também] um sentido
de desprezo pelos habitantes de áreas mais subdesenvolvidas de nosso país [a
Itália]” (1980, p. 53-54).
Em sua dissertação de mestrado
10
que deu origem ao livro “As belas mentiras:
a ideologia subjacente aos textos didáticos”, Maria de Lourdes Chagas Deiró
desenvolveu uma pesquisa que buscava identificar a ideologia presente nos livros
didáticos da rede pública de ensino do Estado de Espírito Santo no ano de 1977.
Uma das primeiras constatações feitas por Deiró foi a de que os textos “não
retratam a realidade, mas a distorcem” (s/d, p. 33). A representação de família
encontrada pela autora geralmente é de uma família unida e feliz mesmo sendo
pobre o que proporciona a dissociação da felicidade com os bens materiais. Os
papéis de pai e mãe são bem marcados “o pai se dedica a um trabalho sério, pois
dele depende o sustento da família. A mãe não trabalha, apenas trata do lar, do
marido e dos filhos” (s/d, p. 36, grifos da autora). A função da mulher é elogiada,
porém a mulher é considerada um ser inferior. Ao se referir à ocupação da mulher
diz-se que “também ela trabalha. Ao se fazer referência ao homem, diz-se que ele
trabalha e não que ele também trabalha” (s/d, p. 36, grifos da autora). O uso do
também indica, segundo a autora, a discriminação contra a mulher.
A única profissão que a mulher exerce fora de casa é a de professora que
representa a extensão de suas funções domésticas, a educação das crianças. A
autora constata que a representação da mãe nos livros didáticos examinados não
privilegia a multiplicidade, pois trata as mães de uma única forma, como se todas
fossem iguais. As crianças não teriam como ver na mãe ali representada a imagem
de suas mães. Deiró argumenta que
cada um terá provavelmente, uma imagem diferente e individual de sua mãe. Uma mãe
10
A dissertação de mestrado foi concluída em 1978, porém no livro publicado não consta o ano da
publicação.
78
“humana” com qualidades e defeitos, que às vezes se alegra e outras se entristece; que
poderá dar alguns conselhos acertados e outros não. Um ser que terá também problemas e
preocupações, ambições, temores e duvidas (s/d, p. 44).
A referida autora também constatou que nos textos analisados, os cônjuges
não se relacionam entre si. Quando aparece a figura do pai, a mãe não está
presente o que contradiz o exemplo de família unida e feliz. Pais e mães são
representados nos textos analisados por Deiró de forma estereotipada. A autora
afirma que eles mesmos teriam dificuldade de se reconhecer em tais
representações.
Outra pesquisa sobre o livro didático foi realizada por Ana Lúcia G. de Faria,
cujo objetivo foi analisar a representação do trabalho nos livros didáticos. A autora
analisou 35 livros de 2ª a 4ª séries do ensino fundamental de Comunicação e
Expressão, Estudos Sociais, Educação Moral e Cívica dentre os mais vendidos no
ano de 1977. Não foram analisados livros de Ciências e Matemática, pois “o que
interessava era o conceito de Trabalho e nada ou muito pouco seria encontrado
sobre ele nos livros dessas disciplinas” (2000, p. 15).
A autora encontrou um conceito muito superficial e a-histórico de trabalho nos
livros analisados. Faria argumenta que “o livro didático não vê o desenvolvimento do
homem, da sociedade e o processo de trabalho dialeticamente relacionando o
homem que produz sua existência e sendo determinado pelo que e pelo como a
produziu” (2000, p. 27).
Com relação à participação feminina no mundo do trabalho, a referida autora
diz que “a mulher em geral é discriminada no livro didático. Sua função é ser mãe e
cuidar da casa. A mulher não aparece como ser humano normal que trabalha para o
progresso. Foi encontrado apenas um texto onde a mãe trabalhava fora. Era
professora” (FARIA, 2000, p. 47). Assim a mulher é apresentada em funções que a
sociedade da época está acostumada a vê-la, ou seja, de forma estereotipada. As
únicas mulheres que aparecem na “História apresentada pelo livro didático” (2000, p.
48) são a Princesa Isabel e Ana Neri, esta última apresentada como a mãe dos
brasileiros por seu cuidado com os doentes.
A autora conclui que o livro didático transmite os valores e conceitos da
classe dominante por meio de seus textos e ilustrações. “O livro didático reconhece
a desigualdade [...], mas não a apreende. Através dos valores da burguesia, camufla
79
a desigualdade, dissimula a discriminação, contribuindo para a reprodução da
sociedade burguesa” (2000, p. 78) e complementa “assim como nos exercícios, as
ilustrações reforçam o conteúdo ideológico que se quer transmitir” (FARIA, 2000, p.
79).
Rafael Moreira da Silva (2000) analisou o uso de textos de leitura na disciplina
de Comunicação e Expressão em escolas do Estado de Goiás e constatou a
necessidade de se usar outros materiais, como jornais, charges, textos produzidos
pelos/as alunos/as e pelo professor ou professora para alcançar melhores resultados
na alfabetização e na obtenção de êxito quanto aos objetivos da disciplina. Silva
ressalta a importância da preparação do professor e da professora para o uso
adequado do livro didático, pois “o professor, quando insuficientemente preparado
para ir além do que o texto didático expressa, [...] corre o risco de repassar
(ingenuamente) aos seus alunos um texto considerado alienante” (2000, p. 128). O
autor argumenta ainda que o livro didático “ora atende aos interesses das elites
sociais, ocultando a realidade das diferenças de classes, ora legitima esses
interesses em nome da igualdade que de fato não existe” (2000, p. 141), e chama a
atenção para a necessidade do uso crítico dos livros e outros materiais didáticos.
Cláudia Cristine Moro (2001) em pesquisa realizada sobre a questão de
gênero no ensino de Ciências argumenta que as figuras femininas são minoria nas
ilustrações de livros de 5ª a 8ª série do ensino fundamental. A autora analisou uma
coleção bastante utilizada no sul do Brasil, a de Carlos Barros que se encontrava na
41ª edição no ano de 1991. Percebeu ainda que a questão de gênero nos livros
didáticos passa despercebida pelos professores e professoras. Em entrevistas elas e
eles reconhecem não ter prestado atenção na ocultação feminina e nos estereótipos
presentes nos livros didáticos. A autora argumenta que “pela perplexidade com que
as(os) professoras(es) respondiam [...] pode-se concluir que eles desconhecem as
críticas apontadas sobre os aspectos ideológicos dos livros didáticos quanto ao
preconceito sexual” (MORO, 2001, p. 86), ou seja, desconhecem as pesquisas sobre
o assunto.
Ainda ano de 2001, Andréa Márcia Pinto concluiu uma dissertação de
mestrado, na Universidade Federal do Espírito Santo, cujo objetivo foi analisar as
representações das mulheres nos livros didáticos de história para o ensino de 5ª a 8ª
80
séries no período de 1996 e 2000, bem como a imagem da mulher presente no
discurso de professores e professoras que utilizam os referidos livros.
No ano seguinte, Ivaine Maria Tonini (2002) concluiu sua tese de doutorado,
na Universidade Federal do Rio Grande do Sul sobre a produção das identidades de
gênero, geração e etnias nos livros didáticos de geografia para o ensino
fundamental. A autora observou que os livros analisados representam homens e
mulheres em espaços diferentes, os homens são representados no espaço público e
as mulheres no ambiente doméstico. Os adjetivos utilizados para se referir à mulher
são “maternais, servis, desqualificadas, famintas, pobres, entre outros” (2002, p. 60,
grifo da autora) enquanto que para o homem não são empregados adjetivos
semelhantes.
Nos livros de Geografia analisados por Tonini, a responsabilidade pelo
controle da natalidade é exclusivamente feminina. Bem como o cuidado com a prole
é tarefa exclusiva da mulher o que é legitimado quando “as imagens de homens nos
livros didáticos de Geografia, [...] raramente aparecem com seus filhos e filhas”
(2002, p. 64) e quando isso ocorre eles encontram-se em situações de lazer.
No tocante ao mercado de trabalho, as mulheres são representadas em
funções que exigem menor qualificação ou que estão relacionadas com a função de
mãe ou representam sua extensão como, por exemplo “agricultora, feirante, tecelã,
comerciária, professora, industriária” (TONINI, 2003, p. 66, grifos da autora).
A autora argumenta que os livros didáticos de Geografia não diferenciam
apenas mulheres de homens, mas também, dentre as mulheres há diferenciação
entre as subdesenvolvidas (africanas, latino-americanas e asiáticas) e as
desenvolvidas (européias, e estadunidenses). “As primeiras são mostradas,
geralmente, sentadas, cabisbaixas, apáticas, com olhos de tristeza, de desalento
[...]. Já as ocidentais são apresentadas através de imagens que as mostram de pé,
alegres e altivas” (2002, p. 78).
Tonini considera que os livros didáticos de Geografia estão contribuindo para
a construção das identidades de gênero. Considera que “o livro didático não é
simplesmente uma transmissão dos conhecimentos. Ele também é um local onde,
ativamente, se produzem e se inventam significados culturais, que estão
estreitamente ligados a relações de poder” (2002, p. 117).
81
Em dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal do Paraná,
Davi Marangon (2004) analisou as questões de gênero em uma escola de educação
infantil de Curitiba. O autor analisou as representações de gênero no livro didático
de pré-escola e concluiu que a mulher é ocultada no mesmo. Para se referenciar ao
ser humano, os termos utilizados pela autora do livro didático são homem, pessoa e
cientista, ou seja, sempre no masculino. Marangon não identificou o uso do termo
mulher nos textos do referido livro.
Quanto às imagens presentes na ilustração do livro didático analisado,
Marangon observou que a predominância era da figura masculina presente em 60%
das ilustrações que apresentavam figuras humanas. Direta ou implicitamente, a
referência à mulher se dá em número inferior à referência ao homem, o que
demonstra que desde o início da escolarização a criança tem contato com livros
didáticos que tratam de modo diferenciado homens e mulheres.
Marangon (2004) analisou ainda a visão das professoras e demais
profissionais que atuam na escola estudada e concluiu que as questões de gênero
são consideradas irrelevantes e, desta forma, não são tratadas pelos/as referidos/as
profissionais.
Pode-se perceber que os estudos sobre as diversas representações
presentes nos livros didáticos (gênero, classe, raça, etnia, geração, dentre outros)
vêm se desenvolvendo em períodos distintos e por pesquisadores das múltiplas
regiões do país e do exterior e de várias formações. Observa-se também que os
resultados se assemelham uns com os outros, o que pode indicar que mesmo com a
diversidade cultural mundial e com as mudanças sofridas pela sociedade nas últimas
décadas, os livros didáticos mantêm as mesmas representações de quatro décadas
atrás. Não se encontrou pesquisa cujo objeto de estudo fosse o livro de Matemática,
o que demonstra a necessidade de se fazer pesquisas com este instrumento de
ensino.
No próximo item será analisado como professores e professoras e alunos e
alunas das escolas públicas de 1º e 2º graus se apropriam dos conhecimentos
transmitidos pelos livros didáticos. A análise será feita com base na literatura
existente na área.
82
4.3 A APROPRIAÇÃO DO LIVRO DIDÁTICO POR PROFESSORAS E
PROFESSORES, ALUNAS E ALUNOS
O livro didático tem basicamente três usuários que são: o Estado que compra
e distribui o livro nas escolas públicas; o professor, responsável pela escolha e
utilização do mesmo na sua prática docente e o aluno que utiliza o livro para a sua
formação e para o aprendizado de conhecimentos das diversas disciplinas, sendo
este o usuário final (FREITAG, COSTA e MOTTA, 1997).
Os referidos autores argumentam que o livro didático assume um papel mais
relevante do que deveria para a prática docente. Para eles “fica evidente que o livro
didático não serve aos professores como simples fio condutor de seus trabalhos,
mas passa a assumir o caráter de ‘critério de verdade’ e ‘última palavra’ sobre o
assunto” (1997, p. 108). Ou seja, os professores se apóiam mais do que deveriam
no livro didático e não fazem uso crítico do mesmo, eles passam “a assimilar os
conteúdos dos livros didáticos, mesmo quando esses se chocam frontalmente com
suas convicções mais íntimas” (FREITAG, COSTA e MOTTA, 1997, p. 108).
Silva argumenta que “o professor, quase sempre, não tem consciência de sua
inferioridade em relação ao livro que adota e também não percebe a ideologia
subjacente aos textos e exercícios das suas lições” (2000, p. 40) e complementa: “ao
acatar passivamente como verdadeiras as informações do LD [livro didático], agindo
de acordo com o senso comum, o professor assume uma atitude ingênua” (2000, p.
41) e acaba colaborando com a intenção ideológica dos autores e editores de livros
didáticos.
Silva et al. argumentam que o livro didático é um transmissor dos valores
preestabelecidos pela sociedade, bem como de seus preconceitos e complementam,
“tais valores são transmitidos de forma modelar pela estrutura cristalizada do livro
didático, que se transforma facilmente em regras a serem seguidas, sem que se
discorde e discuta a respeito” (2002, p. 63). A falta de crítica por parte dos
professores e professoras em relação ao livro didático pode levá-los a perder a
noção do que é útil e necessário para o desenvolvimento do/a aluno/a (FREITAG,
COSTA e MOTTA, 1997).
Um dos motivos apontados por Freitag, Costa e Motta, (1997) para a falta de
consciência crítica em relação ao livro didático é a ausência do hábito da leitura na
83
vida dos professores e professoras o que pode ser prejudicial para o
desenvolvimento do hábito e do gosto pela leitura nos alunos. Porém, existem outros
motivos que afastam professores e professoras da leitura. Pode ser a excessiva
carga horária de trabalho, o alto custo de vida aliado ao preço elevado dos livros, a
desvalorização do magistério, enfim, há necessidade de pesquisas com o intuito de
esclarecer estes motivos. Certamente existe professores e professoras críticos e
conscientes de seu papel na sociedade, que mesmo enfrentando adversidades
conseguem formar alunos e alunas críticos/as e comprometidos/as com a
comunidade. Não se pode esquecer que professores e professoras, alunos e alunas
são frutos da sociedade em que estão inseridos e que toda a rede social influencia
na sua formação, não apenas a escola e os livros didáticos.
Silva et al. argumenta que o hábito da leitura é mais freqüente nas séries
inicias quando a imaginação das crianças “ainda não foi condicionada aos padrões
do manual e às tarefas escolares,[...] nas séries finais, quando já incorporou a
estrutura do livro didático, nega-se a procurar respostas ‘originais’, ou mesmo mais
elaboradas, para as questões que lhe são impingidas” (2002, p. 65), o que na visão
das autoras é natural, pois o material a eles destinados não são adequadamente
elaborados. Uma das justificativas que as autoras dão para este fato é que os livros
didáticos, geralmente apresentam fragmentos de textos escritos para outros fins que
o não o pedagógico o que dificulta a compreensão e desestimula a leitura.
Argumento que converge ao de Batista (2002) quando ele diz que os livros didáticos
apresentam poucos textos elaborados exclusivamente para fins pedagógicos, para
iniciar as crianças na arte da leitura.
Porém, mesmo neste cenário, muitos alunos e alunas declaram encontrar
prazer na leitura. Segundo Freitag, Costa e Motta, (1997) eles gostam de se projetar,
de se deixar levar pelo texto. Os referidos autores defendem que “o uso do texto
literário em sala de aula de forma regular e lúdica, indiscutivelmente poderia
contribuir para a formação de um leitor motivado, atento e crítico” (1997, p. 121).
A falta de formação dos professores é considerada por Silva (2000) um fator
fundamental para que estes mantenham-se presos ao livro didático. Para ele “o
professor é treinado para utilizar [...] um determinado LD, de modo a facilitar o seu
trabalho, quando ele não dispõe de uma formação que o tenha tornado capaz de
tirar de outros livros ou de jornais e revistas os conteúdos de ensino” (Silva, 2000, p.
84
46). O autor aponta a importância de se lançar mão de outros recursos para a
realização de uma educação mais dinâmica e que desenvolva nos alunos e alunas a
consciência crítica.
Silva (2000) argumenta ainda que textos dos jornais e revistas abordam
temas mais próximos da realidade dos alunos e utiliza uma linguagem que facilita a
compreensão da mensagem por parte dos mesmos e desta forma torna-se
interessante aos alunos e importantes na sua aprendizagem. Entretanto, Brandão e
Micheletti (2002) observaram, em pesquisa realizada em escolas de 1ª a 4ª séries
no município de São Paulo que isso dificilmente ocorre, pois na maioria das vezes as
professoras fazem uso dos textos retirados dos manuais didáticos, mesmo quando
buscam um material alternativo acabam recorrendo a livros didáticos de outros
autores.
A falta de crítica dos professores e professoras com relação ao conteúdo
ideológico do livro didático faz com que eles e elas se tornem transmissores
passivos de tais conteúdos e, “a questão da ideologia do livro didático se torna,
portanto, menos uma questão de conteúdos dos livros que da formação ou
desinformação do professor” (FREITAG, COSTA e MOTTA, 1997, p. 111). Para os
referidos autores, as universidades têm papel fundamental na transformação deste
quadro, pois cabe a elas a formação de professores críticos nos seus cursos de
licenciaturas, bem como ofertar cursos de formação permanente para professores e
professoras da rede pública de ensino. Cursos esses que ofertem além de
conteúdos específicos, como matemática, comunicação e expressão, ciências,
também conteúdos de filosofia, antropologia, sociologia, conteúdos estes que
possibilitariam o desenvolvimento crítico dos professores e professoras.
Outro problema apresentado pelos referidos autores é que a escolha dos
livros didáticos que irão acompanhar professores e professoras, alunas e alunos no
desenvolvimento de suas atividades docentes e discentes nem sempre é feita pelos
professores. Quando estes têm a possibilidade de escolha ela não é feita após “um
exame minucioso do seu conteúdo ou de uma experiência prévia com alunos, mas
basicamente movidos pelo comodismo e conformismo” (FREITAG, COSTA e
MOTTA, 1997, p. 110-111). O que, nos dias atuais se traduz na utilização do Guia
do livro didático publicado pelo MEC que induz professores e professoras a fazerem
suas escolhas baseadas em resenhas desenvolvidas por pareceristas, ou seja, os
85
professores e professoras podem ser levados a fazer a escolha dos livros didáticos
sem a consulta e análise prévia dos livros disponíveis, baseados na opinião de
“outros”, os pareceristas. Porém, “Uma vez escolhido o livro didático, é preciso estar
atento e questionar as propostas de trabalho oferecidas por ele, e que, geralmente,
são redutoras e discriminadoras” (SILVA et al., 2003, p. 79) e não tomá-los como a
expressão da verdade.
Diversos estudos (FREITAG, COSTA e MOTTA, 1997, FARIA, 2000, SILVA,
2000, OLIVEIRA, GUIMARÃES e BOMÉNY, 1984, dentre outros) mostram que os
livros didáticos não refletem a realidade dos alunos para os quais são destinados.
Este fato não permite “uma imediata compreensão do que ouve e do que lê, quando
a mensagem não combina com as suas experiências cotidianas” (SILVA, 2000, p.
54). Silva argumenta que “seria ingenuidade imaginar que o LD, por iniciativa das
editoras, pudesse ter o seu conteúdo e a sua metodologia adaptados à realidade da
clientela escolar carente” (2000, p. 43), pois para estes ele se constitui numa
mercadoria que deve produzir lucros (Silva, 2000, p. 43).
Mesmo apresentando problemas, Faria (2000) conclui que o livro didático é
um mal necessário, pois facilita a vida do professor que por ser mal remunerado
acaba tendo que dar muitas aulas e não tem tempo de prepará-las como gostaria e
deveria. Freitag, Costa e Motta argumentam que “defensores e críticos, políticos e
cientistas, professores e alunos são, no momento, unânimes em relação ao livro
didático: ele deixa muito a desejar, mas é indispensável em sala de aula” (1997, p.
128). Mesmo nos dias atuais o livro didático se mantém como uma ferramenta
indispensável para professores e professoras, alunos e alunas, visto que muitas
vezes é o único livro que chega às mãos das crianças. Desta forma, torna-se
urgente “encontrar alternativa de trabalho com esse material que garantam melhor
qualidade do ensino ministrado nas escolas, pois nem sempre há outro material
disponível” (SILVA et al., 2003, p. 78).
O MEC, por meio do programa de avaliação do livro didático, reconhece que
este instrumento tem sido a única ferramenta de apoio para as atividades de
professores e alunos, dentro e fora da sala de aula “por causa da ausência de outros
materiais que orientem os professores quanto a ‘o que ensinar’ e ‘como ensinar’, e
também em decorrência da falta de acesso do aluno a outras fontes de estudo e
pesquisa” (SILVA, 2000, p. 140). Segundo o mesmo autor, o MEC tem empreendido
86
esforços para que o livro didático “passe a ser entendido como instrumento auxiliar,
e não mais a principal e única ferramenta” (2000, p. 140) no processo de ensino-
aprendizagem.
Por outro lado, Tonini argumenta que o livro didático, “ao chegar às nossas
mãos como um produto pronto e acabado, já foi submetido a regras, a restrições, a
convenções e a regulamentos próprios das políticas educacionais e editoriais” (2002,
p. 116), desta forma pode não mais representar a idéia e a vontade dos autores e
autoras devido a essas regras. Para Freitag, Costa e Motta, “a problemática do livro
didático se insere em um contexto mais amplo, que perpassa o sistema educacional
e envolve estruturas globais da sociedade brasileira: o Estado, o mercado e a
industria cultural” (1997, p. 127). O livro didático, além de um artefato cultural é uma
mercadoria e como tal, visa lucro.
Faria (2000) acredita no surgimento de um “novo” livro didático que esteja
mais adequado à realidade dos alunos, porém, acredita mais ainda no surgimento de
um “novo” professor/a que seja capaz de desenvolver o raciocínio dos alunos
motivando para que estes usem sua criatividade para a compreensão e a mudança
da realidade. Um profissional “que perceba o contraste entre o conteúdo do livro e a
vivência das crianças” (2000, p. 89). Porém, não se pode esquecer que a realidade
brasileira apresenta muitas professoras e professores despreparados,
principalmente nas localidades mais distantes dos grandes centros. Professores e
professoras que não tiveram acesso à educação de nível superior, que muitas vezes
mal sabem ler e escrever e que tomam a iniciativa de tirar as crianças da
comunidade do analfabetismo. Professores e professoras que nunca saíram de suas
comunidades e que embora conheçam a realidade de seus alunos desconhecem a
realidade apresentada pelos livros didáticos. Como podem esses profissionais
desenvolver uma consciência crítica em seus alunos?
O referencial teórico apresentado até aqui iluminará e fundamentará a análise
dos dados obtidos no desenvolvimento desta pesquisa. Antes, porém, é necessário
apresentar a metodologia que foi seguida para a realização da referida pesquisa,
bem como, conhecer o campo empírico, ou seja, os livros didáticos que foram
analisados nesta investigação, o que será feito no próximo capítulo.
87
5 ENTRANDO EM CASA
Este capítulo será destinado à descrição do processo da pesquisa e encontra-
se dividido em duas partes. Na primeira parte será apresentada a metodologia da
pesquisa e na segunda a descrição do campo empírico.
5.1 METODOLOGIA
Para o desenvolvimento desta pesquisa foi adotada a abordagem qualitativa
uma vez que esta abordagem:
parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma
interdependência viva entre o sujeito e o objeto [...] o objeto não é um dado inerte e neutro:
está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações
(CHIZZOTTI, 1991, p. 79).
Desta forma o objeto (as representações de gênero nos livros didáticos) não é
neutro, está carregado de significados e ajuda a moldar a identidade de gênero uma
vez que a forma como homens e mulheres são representados nos livros didáticos
passa a ser vista pelos/as estudantes como verdadeira e como exemplo a ser
seguido. A análise das representações de gênero nos livros didáticos pode então ser
feita de acordo com a abordagem qualitativa de pesquisa.
Esta pesquisa é um estudo documental que conforme TRIVIÑOS é um “tipo
de estudo descritivo que fornece ao investigador a possibilidade de reunir uma
grande quantidade de informação sobre leis estaduais de educação, [...], livros
textos, etc” (1987, p. 111, grifos nossos). Este tipo de estudo se aplica para a
elucidação do objetivo desta pesquisa, pois o campo da pesquisa será livros
didáticos, ou seja, livros textos que, pelo argumento do referido autor, constituem-se
documentos.
O procedimento de coleta de dados empregado será a análise de conteúdo,
que tem como objetivo “compreender criticamente o sentido das comunicações, seu
conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas” (CHIZZOTTI,
1991, p. 98). Nesta pesquisa estará sendo analisado o conteúdo latente, ou seja, o
sentido implícito das representações de gênero presentes em enunciados e
ilustrações dos livros selecionados para a pesquisa. Oficialmente, a disciplina de
Matemática não aborda as questões de gênero, porém os enunciados e ilustrações
88
dos livros didáticos destinados ao ensino de Matemática estão repletos de
representações de gênero, como será mostrado adiante.
A amostra foi definida de forma intencional dentre os livros didáticos
publicados para utilização em escolas de ensino fundamental da rede pública de
ensino no início da década de 1990 (1990-1993) e no início da década de 2000
(2000-2003). Os livros didáticos do primeiro período foram selecionados conforme a
disponibilidade dos mesmos. Para o segundo período, buscou-se formar uma
amostra que contemplasse as diversas formas de autoria (masculina, feminina,
mista, individual, coletiva) além de livros de grande, média, pequena e nenhuma
vendagem ao PNLD. Com isso, buscou-se a heterogeneidade de obras, o que
poderia enriquecer a pesquisa. Foram selecionados livros que constam do Guia do
Livro Didático 2005 de 5ª a 8ª série do PNLD para o ensino de Matemática por
considerar que este guia tem norteado os professores e professoras em suas
escolhas de livros didáticos.
Na amostra encontra-se 3 (três) coleções que figuram dentre as adotadas nas
escolas públicas do Brasil no ano de 2004, a saber: A Conquista da Matemática: a +
nova
11
, Matemática Hoje é Feita Assim e Novo Matemática na Medida Certa.
Tem-se ainda quatro coleções que não foram adotadas em nenhuma escola
da rede pública no ano de 2004 e, conseqüentemente, no biênio anterior, visto que
os livros são utilizados por três anos consecutivos, sendo que no primeiro ano, no
caso 2002, foi feita a escolha dos livros para o triênio e a substituição de todos os
livros didáticos para 5ª a 8ª série. Isso não significa que tenha mudado os autores
e/ou as obras, os professores podem ter optado por manter as coleções que
estavam em uso, porém mesmo assim, houve a substituição por edições atualizadas
dos mesmos. Nos dois anos seguintes, 2003 e 2004, foi realizada apenas a
reposição dos livros didáticos que faltavam, devido ao aumento do número de alunos
e alunas e/ou a não devolução ou inutilização dos mesmos pelos/as discentes que
os utilizaram no ano anterior. No ano de 2005 inicia-se um novo ciclo com a
substituição de todos os livros didáticos. As coleções não adotadas que fazem parte
desta pesquisa são: Tudo é Matemática, Matemática e Realidade, Matemática e
Educação Matemática.
11
Esta coleção foi a mais adotada nas escolas públicas no ano de 2004 e corresponde a 38% dos
livros didáticos adquiridos pelo Governo Federal para 5ª série no referido ano.
89
Inicialmente pensou-se em analisar os livros das 4 séries (5ª a 8ª), porém
após um breve exame dos mesmos percebeu-se que era possível fazer um recorte
no universo da pesquisa sem que esta ficasse prejudicada. Também levou-se em
consideração a necessidade de conclusão da pesquisa em 24 meses o que seria
dificultado com amostra maior. Assim, optou-se pela análise dos livros didáticos de
5ª e 6ª séries, pois estes são os livros de Matemática nos quais as representações
de gênero são mais freqüentes e ricas. A riqueza de representação é propiciada
pelos conteúdos matemáticos destas séries que possibilitam a utilização de
personagens para a sua problematização.
A análise foi feita em livros publicados com uma diferença de
aproximadamente uma década, ou seja, início dos anos de 1990 e início dos anos
de 2000 com o objetivo de descobrir se houve mudança nas representações de
homens e mulheres nos livros didáticos de Matemática no período em questão e em
caso positivo, quais foram essas mudanças.
A opção por este período de tempo deu-se por ter sido a década de 1990 um
momento de muitas transformações nas relações entre homens e mulheres. Foi um
período no qual a mulher entrou maciçamente no mercado de trabalho, exercendo
as mais diversas funções. Foi também uma fase de abertura de fronteiras que
possibilitou o conhecimento de novas culturas e sociedades e de grande avanço
tecnológico que adentrou à escola. Assim, a análise dos livros didáticos publicados
neste período pode mostrar se os mesmos incorporaram as transformações
ocorridas na sociedade brasileira no que tange às relações de gênero no período em
questão. Assim, após analisar os livros didáticos dos dois períodos, é possível
observar se houve mudança nas representações de gênero e se os livros didáticos
do segundo período (2000 a 2003) incorporaram as transformações sociais ocorridas
na década de 1990.
Para a realização da pesquisa foram selecionados 4 (quatro) livros do início
da década de 1990 e 14 livros do início da década de 2000. A diferença entre a
quantidade de livros em cada período deu-se pela dificuldade de localização de
exemplares mais antigos. Isso se justifica pela rotatividade dos livros que são
elaborados para serem utilizados por um período de 3 (três) anos e após este uso,
são descartados pelas escolas. O contato com as editoras mostrou-se infrutífero.
Elas alegaram não terem um acervo com as edições anteriores (departamento
90
histórico), bem como não fornecerem material para pesquisa. Desta forma teve-se
que recorrer ao acervo pessoal de professoras
12
que atuam no ensino fundamental e
médio, que gentilmente se propuseram a contribuir com a realização da pesquisa
aqui apresentada. Porém, muitos/as deles/as, ao receber as edições atuais,
descartam as antigas e desta forma, o acesso a livros didáticos do início da década
de 1990 foi prejudicado. Metade dos livros de cada período são destinados a alunos
de 5ª série e a outra metade a alunos de 6ª série (vide relação dos livros analisados
nos apêndices A e B).
Após a definição da amostra e com base nas teorias de gênero, foi realizada
uma análise do conteúdo dos livros selecionados buscando identificar como homem
e mulher estão ali representados. Os exercícios e ilustrações analisados foram
divididos em 11 categorias, a saber: ciência e cientistas; artefatos tecnológicos;
mercado de trabalho; esporte como profissão e lazer; personalidades históricas e
celebridades; propriedades e sociedades comerciais; utilização do dinheiro; cuidados
com a família e com o lar; brincadeiras; situações de aprendizagem; e momentos de
comparação. As categorias, que foram definidas de acordo com a incidência de
enunciados e ilustrações com representações semelhantes, foram distribuídas em
dois capítulos. Um que trata da representação de homens e mulheres no ambiente
público e outro que diz respeito à socialização das crianças.
Nesta pesquisa foi apresentada uma parte (cerca de 1/4) dos enunciados e
ilustrações que foram encontrados nos livros analisados. Não foi possível utilizar
todos os dados, pois, isso tornaria a redação muito longa e a leitura cansativa. A
representatividade, a diversidade de situações em que os gêneros estão
representados e a diversidade de autores e autoras constituíram-se em critérios de
seleção dos enunciados e ilustrações a serem apresentados.
No desenvolvimento da pesquisa foram analisados exemplos, exercícios e
ilustrações com base nas teorias de gênero buscando responder o problema que se
propõe. Foram também analisados os silenciamentos, ou seja, os indivíduos e as
atividades exercidas por eles que não figuram nos livros didáticos de Matemática,
pois conforme o argumento de Louro (2001a), o não dito é tão importante quanto o
que é dito, pois o ocultamento indica o que não se pode ser.
12
Agradeço as professoras Rejane Maria Pirola, Vera Regina Gay e Juscélia Pirkiel pela
colaboração.
91
Os dados coletados nas análises dos livros didáticos serão apresentados em
listas, divididas em categorias, com enunciados ou parte de enunciados
13
e posterior
análise. Os resultados da pesquisa serão apresentados dentro da coleta e análise
dos dados e posteriormente, sintetizados nas considerações finais.
5.2 E POR FALAR EM LIVROS DIDÁTICOS...
O Guia do Livro Didático 2005 de 5ª a 8ª série do PNLD traz a análise dos
pareceristas sobre as coleções encaminhadas pelos editores e autores para a
avaliação do MEC e posterior publicação de lista dos livros a serem adotados no
triênio seguinte. Este guia foi publicado em meados de 2004 para que as
professoras e os professores fizessem suas escolhas com base nas resenhas dos
pareceristas contidas no guia. Todos os livros do período de 2000 a 2003 analisados
nesta pesquisa constam do referido guia, o qual apresenta 23 coleções de livros de
Matemática compostas de quatro volumes, uma para cada série (5ª a 8ª).
Com relação aos autores das coleções apresentadas no guia tem-se 11
(onze) coleções com autores do sexo masculino; 7 (sete) coleções com equipe de
mista autores (homens e mulheres); e 5 (cinco) somente com mulheres na equipe de
autores. Constata-se desta forma a predominância masculina na autoria dos livros
didáticos de Matemática para o ensino fundamental no 3º e 4º ciclos.
Outro fator a se destacar é que a maioria das coleções (19 de 23) tem uma
equipe de autores. Apenas 4 (quatro) coleções apresentam um único autor e destes
todos são homens. Dentre os pareceristas o quadro se inverte. Observa-se na lista
12 nomes masculinos e 15 nomes femininos. Os pareceristas são pessoas que
trabalham no ensino fundamental e universitário, eles são escolhidos pelo MEC para
avaliar os livros didáticos que estarão à disposição dos professores e das
professoras para a seleção.
Voltando a atenção para os livros didáticos que fazem parte desta pesquisa,
observa-se que os exemplares do início da década de 1990 (1990-1993) são todos
de autoria masculina, sendo que três deles apresentam uma equipe de autores
13
Na maioria dos enunciados será apresentada somente uma parte dos mesmos, pois nesta
pesquisa não será analisado o conteúdo de Matemática de que os mesmos tratam. Quando for
pertinente à pesquisa será apresentado o enunciado na íntegra. Os enunciados poderão aparecer em
mais de uma categoria por tratarem do assunto abordado em cada uma delas.
92
(todos homens). Por outro lado, dentre os livros didáticos do início da década de
2000 (2000-2003), 4 (quatro) coleções (8 livros) são de autoria masculina sendo que
duas coleções apresentam um único autor (Matemática Hoje é Feita Assim e Tudo é
Matemática); 2 (duas) coleções de autoria mista; e uma coleção é da autoria de uma
equipe de mulheres (Matemática, da editora Módulo). Dentre os livros de autoria
mista, apenas uma coleção foi adotada e representa 5% das aquisições do Governo
em 2004. A coleção de autoria feminina não foi adotada no referido ano. No que
tange aos/às ilustradores/as, apenas uma das coleções analisadas (Matemática e
Realidade) apresenta uma equipe de mulheres como responsável pelas ilustrações,
as demais coleções são ilustradas por homens.
Livros Didáticos de Matemática para 5ª e 6ª séries
adquiridos pelo PNLD/2004 por editora
18%
5%
61%
7%
9%
Ática
Editora do Brasil
FTD
Saraiva
Scipione
Gráfico 1
Fonte: Listagem de livros entregues pelo PNLD/2004
Com relação às vendas de livros didáticos para o PNLD/2004 observa-se que
a editora FTD ficou com a maior fatia do mercado, vendendo 61% do total de livros
didáticos de Matemática adquiridos pelo Governo Federal no ano de 2004
(GRÁFICO 1). Segundo Freitag, Costa e Motta (1997) as editoras publicam mais de
um título para a mesma área do conhecimento com o intuito de ficar com uma fatia
maior do mercado, o que aconteceu com a editora FTD no ano de 2004 com os
livros didáticos de Matemática de 5ª e 6ª série. É importante frisar que apenas 5
(cinco) editoras efetuaram vendas de livros de Matemática ao Governo Federal no
referido ano, como mostra o GRÁFICO 1. O que se assemelha ao quadro
93
encontrado por Freitag, Costa e Motta (1997) no final dos anos 1980
14
onde o
número de editoras fornecedoras de livros didáticos ao Governo Federal era
reduzido. Dentre os livros constantes do PNLD 2005 - Matemática encontram-se
relacionadas 9 (nove) editoras que enviaram livros para análise dos pareceristas.
A coleção mais vendida em 2004 foi A conquista da matemática-Nova com
38% do total de livros didáticos adquiridos pelo PNLD para a 5ª série e 35% para a
6ª série atingindo um total de 752.581 livros de 5ª e 6ª séries. Ela é seguida pela
coleção Matemática Hoje é Feita Assim com 12% na 5ª série e 13% na 6ª série
como mostram os GRÁFICOS 2 e 3. Ambas são editadas pela FTD.
Convém salientar a mudança de nome da coleção mais vendida em 2004
para A conquista da matemática: a + nova publicada em 2002. No ano de 1992 a
mesma coleção chamava-se somente A conquista da matemática. Percebe-se que
no intervalo de 10 anos a mesma coleção mudou de nome pelo menos três vezes
15
fato que convergem para os argumentos apresentados por Bomény (1984) com
relação ao artifício que as editoras usam ao incluir os termos “novo” ou “moderno” no
título das obras com o intuito de provocar a substituição das edições anteriores. Esta
prática era questionada nos anos 80 e continua acontecendo neste início de milênio.
Por outro lado a coleção Educação Matemática que teve avaliação positiva pelo
Guia do Livro Didático 2005 não conseguiu entrar na relação de livros adquiridos
pelo Governo Federal no ano anterior à publicação do referido guia.
A amostra selecionada para o segundo período (2000-2003) é composta de
sete coleções sendo que três delas correspondem a mais de 50% dos livros
comprados pelo PNLD/2004. As demais não constam da listas de livros adquiridos,
ou seja, não foram adotadas em nenhuma escola pública brasileira no referido
período. Sobre os livros no primeiro período (1990-1993) não se teve acesso as
informações sobre a quantidade de livros adquiridos pelo PNLD.
14
A primeira edição do livro ”O livro didático em questão” foi publicada em 1989.
15
Como não foram analisadas todas as edições deste período não se tem certeza se foram 3 ou mais
mudanças de nome da coleção.
94
Livros Didáticos de Matemática para a 5ªrie adquiridos pelo PNLD/2004
1%
11%
5%
4%
1%
38%
12%
1%
11%
7%
5%
4%
Matemática e Vida
Matemática-Uma Aventura do Pensamento
Matetic a
Matemática na Vida e na Escola
Matetica em Movimento
A conquista da Matemática-Nova
Matemática Hoje é Feita Assim
Promat - Projeto Oficina de Matemática
Matemática - Pensar e Descobrir
Matemática-Iias e Desafios
Matemática na Medida Certa
Matetic a
Gráfico 2
Fonte: Listagem de livros entregue pelo PNLD/2004
Livros Didáticos de Matemática para a 6ª série adquiridos pelo PNLD/2004
1%
11%
5%
5%
1%
35%
13%
1%
12%
7%
5%
4%
Matetica e Vida
Matemática-Uma Aventura do Pensamento
Matetic a
Matemática na Vida e na Escola
Matetica em Movimento
A conquista da Matemática-Nova
Matetica Hoje é Feita Assim
Promat - Projeto Oficina de Matemática
Matemática - Pensar e Descobrir
Matetica-Idéias e Desaf ios
Matemática na Medida Certa
Matetic a
Gráfico 3
Fonte: Listagem de livros entregue pelo PNLD/2004
É importante lembrar que todos os livros do período de 2000-2003 estão no
Guia de livros didáticos 2005 e as escolhas para a adoção foram feitas com base
nas informações contidas no referido guia. É possível que não tenha sido propiciado
aos professores oportunidade de analisar os exemplares e posteriormente fazer
suas escolhas, e assim, eles tiveram que se valer da visão dos pareceristas sobre os
livros que adotaram. Porém, no parecer sobre a coleção mais adotada consta: “as
conexões da Matemática com outros campos do saber são praticamente
inexistentes. [...] Tampouco se enfatizam as contribuições da Matemática na
construção da cidadania” (BRASIL, Ministério da Educação e Cultura, 2004, p. 14,
grifos do autor), ou seja, os conteúdos matemáticos estão dissociados da realidade.
95
Resta saber qual será o número de livros que a referida coleção fornecerá ao PNLD
no triênio 2005 a 2007 para saber se esta avaliação terá algum impacto nas
escolhas dos professores e professoras. Convém salientar que os volumes para 5ª e
6ª séries não constavam do guia de 1999.
Assim, após esta breve descrição do campo empírico da pesquisa pode-se
adentrar aos livros didáticos a fim de atender o objetivo desta pesquisa e conhecer
os seus moradores. Então, no próximo capítulo serão apresentados os dados
referentes às representações de gênero no espaço público e a análise dos mesmos.
96
6 CONHECENDO OS MORADORES I: HOMENS E MULHERES NA ESFERA
PÚBLICA
Este capítulo foi dividido em 7 seções (cada seção destinada a uma
categoria) para que a apresentação dos dados se tornasse mais clara e facilitasse a
leitura e interpretação dos mesmos. A definição das categorias ocorreu após análise
preliminar dos livros a serem pesquisados. Será utilizado o mesmo critério para a
apresentação dos dados em todas as categorias. Inicialmente serão apresentados
os enunciados retirados dos livros didáticos do primeiro período analisado (1990 à
1993) e posteriormente os do segundo período (2000 à 2003) e por último, as
ilustrações seguindo a mesma ordem dos enunciados. Dentro de cada período,
serão apresentados primeiro os enunciados que representam as mulheres, em
seguida os que representam os homens e por fim os que apresentam a interação
entre os gêneros, o mesmo ocorrendo com as ilustrações. Na maioria das seções
não foram utilizados todos os enunciados e ilustrações encontrados, pois isso
tornaria este capítulo muito extenso.
A transcrição integral dos enunciados deixaria a apresentação dos dados
muito longa. Assim, limitou-se à parte dos mesmos que evidenciavam as
representações de gênero, foco desta pesquisa.
6.1 CIÊNCIA E CIENTISTAS
Nesta seção será analisado como a ciência e os cientistas estão
representados nos livros didáticos de Matemática.
1. Pitágoras foi um matemático grego. Seus alunos, os pitagóricos,
adoravam... (BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 48).
2. Na Grécia antiga, Polícrate, senhor absoluto do poder na ilha de Samos,
perguntando a Pitágoras... (BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO,
1990b, p. 157).
3. Euclides de Alexandria, matemático grego, provou, há 2 300 anos, que há
infinitos números primos. Eratóstenes de Cirene (276 a.C. – 194 a. C.),
grego, criou um método para descobrir números primos. (BIGODE, 2000a,
p. 139).
97
4. Um matemático do final do século XVI escreveu o seguinte: “Eu tinha uma
dívida...” (CENTURIÓN, JAKUBO e LELLIS, 2003b, p. 51).
5. Um biólogo observou que, a cada minuto, uma bactéria... (PIRES, CURI e
PIETROPAOLO, 2002a, p. 46).
6. Heródoto, historiador grego, nasceu no ano 484 antes de Cristo. Usando...
(GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 2002b, p. 31).
FIGURA 1 –Biólogos medindo tartaruga
Fonte: Pires, Curi e Pietropaolo, 2002a, p. 239.
FIGURA 2 –Cientista no laboratório
Fonte: Pires, Curi e Pietropaolo, 2002b, p. 256.
FIGURA 3 –Caricatura de cientista
Fonte: Bigode, 2000a, p. 178.
Na representação de cientistas renomados a predominância é de
matemáticos, o que, em parte se explica pelo fato dos livros serem de Matemática,
no entanto, poderiam ser mostradas aos alunos outras ciências, dentre elas a
ciência atual, cujo processo de desenvolvimento encontra-se acelerado nesta virada
de milênio. As exceções são um biólogo e um historiador o que é muito pouco para
um universo de 18 livros. Os cientistas representados são majoritariamente antigos e
desta forma desconhecidos das crianças. Nos enunciados não se observou a
98
representação das mulheres que se dedicaram e dedicam-se às ciências, fato que
pode levar à interpretação de que para os livros didáticos, Ciência é uma atividade
masculina.
Encontrou-se poucas ilustrações representando cientistas. Em apenas duas
coleções a representação de cientistas trabalhando foi contemplada e nas imagens
está representada a Ciência atual. Na FIGURA 1 tem-se um casal de biólogos
cuidando de uma tartaruga marinha. A FIGURA 2 representa um cientista
compenetrado em seu trabalho no laboratório e a FIGURA 3 é um desenho que
representa um cientista, homem e idoso, trabalhando em um laboratório “maluco”.
Nas ilustrações das FIGURAS 2 e 3 pode-se perceber o estereótipo de cientista.
Eles são homens, compenetrados, estão reclusos aos seus laboratórios cercados
por equipamentos “estranhos” e tem uma aparência um tanto excêntrica. A ilustração
que representa a mulher é uma foto do ambiente externo (uma praia) o que pode
sugerir que as mulheres não se sujeitam ao trabalho no laboratório, o que, segundo
Velho e León (1998), é um dos motivos para a menor participação feminina nas
ciências.
Sentiu-se a exígua representação da Ciência atual e da presença feminina
nas Ciências. Esta representação ficou limitada às ilustrações que são raras
16
. Isso
pode formar nos alunos e alunas a falsa idéia de que a Ciência só se desenvolveu
na antiguidade e que as mulheres não contribuíram para o seu desenvolvimento. Em
pesquisa desenvolvida por esta pesquisadora juntamente com outras em 2004 foi
possível constatar que as mulheres participaram, mesmo que minoritariamente, do
mundo científico nos diversos períodos do desenvolvimento da humanidade.
Ao representar o trabalho de laboratório sendo desenvolvido por um
pesquisador solitário como nas FIGURAS 2 e 3 e de forma estereotipada pode levar
a interpretação de que as pessoas que se dedicam a esta atividade isolam-se do
mundo o que pode afastar as mulheres, pois, segundo Velho e Leon (1998) elas
preferem atividades nas quais há interação com outras pessoas, profissões que
permitam a manutenção das relações sociais. Segundo as autoras, as mulheres não
estão dispostas a se dedicarem em tempo integral à pesquisa laboratorial.
16
Foram identificadas somente três ilustrações representando mulheres desenvolvendo trabalho
científico. Em duas ela estava trabalhando com um homem e na praia cuidando de tartarugas. Na
outra, ela trabalhava em um laboratório junto com um homem.
99
Sendo a Matemática a base para muitas Ciências e engenharias, penso que o
livro didático desta disciplina se configura num espaço importante para a
apresentação das diversas Ciências aos alunos e às alunas, fato que não ocorre nos
livros analisados como pôde-se perceber acima.
A Ciência e os cientistas (homens e mulheres) estão sub-representados nos
livros pesquisados. Ao não representar mulheres desenvolvendo atividades
científicas os livros didáticos podem contribuir para que as meninas não se
interessem por carreiras científicas, e, assim, conforme o argumento de Tabak
(2003), deixem de contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
O fato da mulher não ser representada nas Ciências pode indicar que a
cadeia social responsável pela produção dos livros didáticos analisados considera
que estas são atividades masculinas e, desta forma, pode desestimular as meninas
a se dedicarem a elas. Se a mulher é ocultada nos livros didáticos de ciências
(MORO, 2001), as cientistas também o são nos livros de Matemática. A Ciência é
representada como algo distante das alunas e alunos e difícil de ser por eles
alcançada. Pode ainda levar a interpretação de que a ciência é destinada a um
grupo restrito de pessoas de inteligência superior, pessoas estas que vivem em
outro mundo, diferente do mundo dos/as estudantes aos quais os livros didáticos são
destinados.
6.2 OS GÊNEROS NA INTERAÇÃO COM ARTEFATOS TECNOLÓGICOS
Esta seção é destinada à análise das representações de gênero na interação
com artefatos tecnológicos mais recentes como calculadoras, videogame e
computadores, por exemplo.
1. Sérgio, Beto e Guto se reúnem para jogar videogueime e decidem...
(GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 1992, p. 45).
2. Numa calculadora, Ricardo digitou o número... (Giovanni, Castrucci e
Giovanni Jr., 1992, p. 177).
3. Para testar calculadoras com defeito, Júlia digitou os seguintes números...
(BIGODE, 2000a, p. 236).
4. Márcia é uma digitadora principiante: digita 10 palavras por minuto. Para
digitar... (CENTURIÓN, JAKUBO e LELLIS, 2003b, p. 172).
100
5. Ana elaborou o seguinte roteiro para o seu robô: Sai do ponto... (PIRES,
CURI e PIETROPAOLO, 2002a, p. 162).
6. Ricardo instalou um programa em seu computador que multiplica...
(DANTE, 2003a, p. 74).
7. Seu Nestor é muito distraído. Ele precisou adicionar 539 com 251, mas ao
digitar os números numa calculadora cometeu um engano, digitou 152 em
vez de 251. (BIGODE, 2000a, p. 35).
8. Laura e Célia jogam uma partida de videogame em 5 rodadas. Laura fez
nas três primeiras rodadas... (DANTE, 2003a, p. 80).
9. Renata fez 30720 pontos na primeira fase do jogo de videogame e 20070
pontos na segunda fase. Bruno fez, no total, 50220 pontos. Quem venceu
a partida? (ISOLANI et al.,2002a, p. 43).
10. Manoel e Carlos estão disputando um jogo no videogame Carlos já
terminou de jogar... (ISOLANI et al.,2002a, p. 46).
101
FIGURA 4 – Usando calculadora
Fonte: Dante, 2003a, p. 44.
FIGURA 5 – Mulher trabalhando
Fonte: Dante, 2003b, p. 225.
FIGURA 6 – Pilotos de aeronave
Fonte: Bigode, 2000a, p.56.
FIGURA 7 – Meninos jogando videogame
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002a, p.
38.
FIGURA 8 – Menino ao computador
Fonte: Iezzi, Dolce e Machado, 2000, p. 80.
FIGURA 9 – meninos conhecendo o microscópio
Fonte: Bigode, 2000b, p. 246.
FIGURA 10 – Crianças jogando videogame
Fonte: Isolani et al., 2002a, p. 43
.
FIGURA 11 – Crianças estudando ao computador
Fonte: Pires, Curi e Pietropaulo, 2002a, p. 24.
102
A representação dos gêneros no manuseio de computadores, calculadoras e
videogames, artefatos tecnológicos mais avançados, ocorre em poucos enunciados.
Isso é compreensível para os livros do primeiro período, pois o uso destes artefatos
era restrito, porém, eles tiveram seu processo de desenvolvimento acelerado e seu
uso popularizado na década em questão, entretanto a representação pouco mudou.
Assim, numa sociedade na qual as crianças tomam contato com estes equipamentos
desde muito cedo a pouca representação dos mesmos causa estranheza.
Os enunciados e ilustrações mostram que meninos e meninas jogam
videogame, porém são raras as situações em que eles jogam juntos. No enunciado
9, por exemplo, a menina ganha o jogo por uma pequena diferença de pontos e na
FIGURA 10 não se pode determinar quem está ganhando. Este número de
enunciados e ilustrações representando a relação das crianças com o videogame é
insignificante em relação à realidade na qual grande parte dos alunos e alunas tem
acesso a este brinquedo. Quando não o possuem, jogam na casa de um amigo ou
amiga.
O uso da calculadora também é pouco representado tanto nos enunciados
quanto nas ilustrações. Não se pode observar a utilidade deste instrumento no dia-a-
dia das pessoas a ele relacionadas como na FIGURA 4, por exemplo. Minha
experiência como professora de matemática me permite afirmar que o uso da
calculadora é freqüente entre os alunos e alunas, bem como, sua utilidade no dia-a-
dia dos trabalhadores do comércio é inegável. Assim os livros didáticos poderiam
representar mais e melhor este artefato, mostrando adequadamente seu uso uma
vez que com freqüência eles representam trabalhadores do comércio como será
visto posteriormente. O computador é mencionado explicitamente em poucos
enunciados e está relacionado a homens e mulheres. Aparece ainda em ilustrações
como pôde ser notado nas imagens acima. A FIGURA 5 mostra uma mulher
trabalhando, provavelmente uma operadora de telemarkting ou do serviço de
atendimento ao consumidor. Na FIGURA 8 tem-se a ilustração de um menino
questionando-se sobre como utilizar um disquete. A FIGURA 11 mostra meninos e
meninas estudando ao computador. O uso do computador é pouco representado em
comparação à sociedade atual na qual ele faz parte do dia-a-dia da maioria das
pessoas.
103
Os enunciados representam ainda homens e mulheres utilizando automóveis
no seu dia-a-dia e uma mulher programando um robô. As ilustrações representam o
homem utilizando outros equipamentos de tecnologia avançada como uma aeronave
(FIGURA 6) e um microscópio (FIGURA 9), dentre outros.
A representação de gênero na relação com artefatos tecnológicos mais
avançados ocorre em um número pouco expressivo de enunciados e de imagens, e,
em atividades limitadas. Na sociedade atual na qual grande parte da população tem
acesso a computadores, calculadoras e videogames em algum momento de suas
vidas, os livros didáticos de Matemática praticamente não utilizam estes
instrumentos para desenvolver e problematizar os conteúdos a serem abordados. A
representação de gênero na manipulação de artefatos tecnológicos não ocorre de
forma equilibrada. Homens e mulheres, meninos e meninas utilizam estes
equipamentos, de forma diferenciada. A FIGURA 6, por exemplo, não apresenta
claramente o conteúdo abordado (ângulos). Para se fazer relação entre a ilustração
e o conteúdo matemático é necessário conhecimento prévio de que os aviões
decolam e aterrissam num determinado ângulo e o erro, por menor que seja, no
ajuste deste ângulo pode provocar um acidente com prejuízo à vida dos
passageiros/as e tripulantes. As pessoas responsáveis pela pilotagem devem ser
precisas, atentas e responsáveis. Entretanto, a mulher da FIGURA 5 necessita ser
responsável e gentil, porém, caso ela cometa algum erro, provavelmente causará
prejuízo financeiro, e raramente danos à saúde dos clientes. Assim, percebe-se que
o homem é representado em relação a equipamentos mais complexos como
pilotando um avião ou aprendendo a utilizar um microscópio, por exemplo.
Entretanto, a mulher está em contato com artefatos mais corriqueiros e fácil de
serem encontrados, como o computador, por exemplo.
6.3 MERCADO DE TRABALHO
Nesta seção serão analisadas as representações de gênero no
desenvolvimento de atividades laborativas buscando identificar as profissões
consideradas adequadas aos homens e às mulheres segundo os livros pesquisados.
Buscar-se-á também identificar as profissões ausentes dos referidos livros nas
representações sobre o trabalho.
104
1. Numa aula de Matemática, a professora Maria Helena pediu...
(BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 32).
2. A gerente de uma loja de tecidos quer... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990a, p. 92).
3. Em 6 dias 4 costureiras fazem 96 paletós. Quantos... (BIANCHINI, 1991,
p. 159).
4. Márcia trabalha no Banco do Brasil. 1/11 do seu salário...
(BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 174).
5. Suzana, a secretária da escola de Herson... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990b, p. 81).
6. A advogada Dra. Maria da Glória investiu... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990b, p. 209).
7. Um operário ganha Cr$ 39.600,00 em 12 dias... (BIANCHINI, 1991, p.
156).
8. Um comerciante ganha Cr$ 18,00 em cada venda... (BIANCHINI, 1991, p.
159).
9. O Sr. Tito que é eletricista, comprou... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990a, p. 128).
10. Um jornaleiro recebe, semanalmente, as seguintes... (BONGIOVANNI,
VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 202).
11. Um barqueiro deve transportar... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990b, p. 176).
12. O Sr. Antonio, o açougueiro, vai dar... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990b, p. 196).
13. Roberto e Carlos trabalham numa loja de artigos masculinos. No final do
mês... (GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 1992, p. 9).
14. Três garçons trabalharam em um restaurante... (GIOVANNI, CASTRUCCI
e GIOVANNI JR, 1992, p. 74).
15. Numa eleição municipal, um candidato tem 30% das intenções de voto.
Isto significa... (BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990b, p. 217).
16. O consultório do Dr. Carlos Henrique vai ser acarpetado. Se esse...
(BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 204).
105
17. Dona Sarita é costureira de mão cheia. Ela tem... (PIRES, CURI e
PIETROPAULO, 2003b, p. 57).
18. A mãe de Lúcia quer ajudar o marido a complementar a renda familiar. Ela
comprou 12 m de tecido e pretende cortá-lo em peças de 1,5 m cada para
fazer aventais para vender. Quantas peças irá obter? (DANTE, 2003b, p.
94).
19. A professora de História... (ISOLANI et al., 2002a, p. 132).
20. Uma doceira quer fazer 29 pacotes... (CENTURIÓN, JAKUBOVIC e
LELLIS, 2003a, p. 93).
21. Flávia tem que bordar uma toalha formada por... (PIRES, CURI e
PIETROPAULO, 2003a, p. 143).
22. Uma florista teve, no sábado, um prejuízo... (GIOVANNI, CASTRUCCI e
GIOVANNI JR, 2002b, p. 49).
23. Dona Maria está vendendo na feira saquinhos com 3 maçãs... (DANTE,
2003b, p. 231).
24. A faxineira da minha escola... (GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR,
2002b, p. 284).
25. Fabíola trabalha em uma livraria. Ela precisa... (DANTE, 2003a, p. 77).
26. Carla é bibliotecária de uma escola. Toda a semana... (DANTE, 2003a, p.
83).
27. A diretora Arlete está preparando um quadro para distribuir a todos os
alunos... (PIRES, CURI e PIETROPAULO, 2003a, p. 151).
28. Na empresa onde Luísa trabalha as mulheres têm como uniforme 3 tipos
de saias (cinza, azul e preta) e 4 tipos de blusas (branca, azul-claro,
amarela e verde). De quantas maneiras diferentes Luísa pode combinar
saias e blusas para ir trabalhar? (BIGODE, 2000a, p. 65).
29. A indústria onde Júlia trabalha pretende oferecer aulas de ginástica para
diminuir a tensão de seus funcionários. Como as aulas serão dadas de
acordo com a faixa etária... (DANTE, 2003b, p. 236).
30. Ana e Beatriz são vendedoras de uma loja... (PIRES, CURI e
PIETROPAULO, 2003a, p. 246).
31. Assim como Marcelo, o Júlio César também é professor de matemática...
(BIANCHINI, 1991, p. 64).
106
32. Um funcionário sai... (BIGODE, 2000a, p. 33).
33. O táxi do seu Zé... (BIGODE, 2000a, p. 48)
34. Seu Euclides é um marceneiro dos bons... (BIGODE, 2000a, p. 148)
35. O Sr. Paulo é pintor. Seguindo... (ISOLANI et al., 2002b, p. 272).
36. O sr. Ismael é um Jardineiro caprichoso. Ele quer plantar... (DANTE,
2003a, p. 111).
37. Oito pessoas trabalham na padaria do seu Manuel: três padeiros, o
confeiteiro, dois ajudantes e dois copeiros... (IEZZI, DOLCE e MACHADO,
2000b, p. 186).
38. Um caminhoneiro está voltando... (CENTURIÓN, JAKUBOVIC e LELLIS,
2003a, p. 19).
39. Um agricultor verificou que um hectare... (GIOVANNI, CASTRUCCI e
GIOVANNI JR, 2002a, p. 55).
40. Um gesseiro está colocando uma faixa de gesso em todo o contorno de
uma sala. Esta sala... (GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 2002a,
p. 251).
41. Em uma indústria, Fausto e Leandro têm... (DANTE, 2003a, p. 290).
42. Marcos trabalha como revisor de textos em uma editora... (DANTE, 2003b,
p. 120).
43. Um fotógrafo... (BIGODE, 2000b, p. 240).
44. Um boato de mau gosto sobre o prefeito é espalhado [...] o boato parte de
um inimigo político... (BIGODE, 2000a, p. 169).
45. O ministro de um certo país disse na televisão: A economia vai bem...
(CENTURIÓN, JAKUBOVIC e LELLIS, 2002b, p. 37).
46. Um arquiteto vai projetar uma casa... (CENTURIÓN, JAKUBOVIC e
LELLIS, 2002b, p. 147).
47. O diretor de esportes de um clube vai comprar... (PIRES, CURI e
PIETROPAULO, 2003a, p. 250).
48. O piloto Ernesto, comandante de uma aeronave, informou aos
passageiros... (PIRES, CURI e PIETROPAULO, 2003b, p. 86).
49. O contador do Hotel Beira-Mar... (ISOLANI et al., 2002b, p. 122).
50. Você faz idéia de quantos profissionais precisam conhecer fatos sobre
medidas? Pedreiros, carpinteiros, marceneiros, decoradores,
107
comerciantes, pintores, engenheiros, químicos, biólogos, médicos,
arquitetos... (CENTURIÓN, JAKUBOVIC e LELLIS, 2002b, p. 239).
51. Na indústria Metalustro S.A. trabalham 323 homens. As mulheres
representam 66% dos empregados. Do total de empregados, 33% têm
apenas o 1º grau e 6% têm curso superior. Este mês, a Metalustro deu
41% de reajuste salarial a seus funcionários. Quantas... (IEZZI, DOLCE e
MACHADO, 2000b, p. 114).
52. Luciano ganhou R$ 14,00 no seu primeiro dia de trabalho e nos três dias
seguintes recebeu sempre o dobro do dia anterior. Marta ganhou R$ 5,00
no primeiro dia de trabalho e nos três seguintes recebeu sempre o triplo do
dia anterior. Copie e complete... (DANTE, 2003a, p. 290).
53. Seu professor ou professora vai reunir no quadro... (ISOLANI et al., 2002a,
p. 167).
54. Suponha que dona Maria precisasse de 60 dúzias de Laranja. Quanto ela
pagaria em cada barraca? Na barraca do Antônio: [...]; Na barraca do
Carlos: [...]; Na barraca do José: [...].(BIGODE, 2000b, p. 215).
O grande número de enunciados apresentados nesta categoria se justifica
pelo fato de que os livros didáticos representam homens e mulheres em grande
número de atividades e buscou-se contemplar a maioria delas. Convém salientar
que não foram transcritos todos os enunciados com este tipo de representação.
108
FIGURA 12 – A professora I
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 1992,
p. 154.
FIGURA 13 – Costureiras
Fonte: Bianchini, 1991, p. 159.
FIGURA 14 – A dentista
Fonte: Bianchini, 1991, p. 63.
FIGURA 15 – O sapateiro
Fonte: Bianchini, 1991, p. 160.
FIGURA 16 – O professor
Fonte: Bongiovanni, Vissoto e Laureano, 1990a,
p. 56.
FIGURA 17 – Mulher trabalhando ao computador
Fonte: Bigode, 2000a, p. 242.
FIGURA 18 – A florista
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002b,
p. 49.
FIGURA 19 – A professora II
Fonte: Iezzi, Dolce e Machado, 2000a, p. 27.
109
FIGURA 20 – A artesã
Fonte: Dante, 2003a, p. 268.
FIGURA 21 – Linha de produção I
Fonte: Centurión, Jakubovic e Lellis, 2003a, p.
139.
FIGURA 22 – Linha de produção II
Fonte: Centurion, Jakubovic e Lellis, 2003b, p.
175.
FIGURA 23 – Os comerciantes
Fonte: Bigode, 2000b, p. 29.
FIGURA 24 – O frentista
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002b,
p. 29.
FIGURA 25 – O pedreiro
Fonte: Iezzi, Dolce e Machado, 2000a,
p. 250.
FIGURA 26 – Biólogos em ação
Fonte: Pires, Curi e Pietropaulo, 2002a, p. 239.
FIGURA 27 – Trabalho no laboratório
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002b,
p. 290.
110
FIGURA 28 – Os bancários
Fonte: Bigode, 2000a, p. 121.
Nos livros didáticos do início da década de 1990 encontrou-se poucos
enunciados e ilustrações que mostram os gêneros em atividade produtiva. A mulher
é representada nos enunciados de 1 a 6 e nas FIGURAS de 12 a 14. A profissão
mais recorrente é a de professora seguida pela representação da mulher como
costureira. Tem-se ainda, a representação de uma advogada; uma mulher em cargo
de chefia, “gerente de loja”; uma bancária e uma secretária. Devido ao pequeno
número de enunciados representando as mulheres em suas profissões têm-se
poucas opções de trabalho para ela. Ressalta-se que tanto os enunciados quanto as
ilustrações deste período apresentam as mulheres em funções que necessitam nível
de escolaridade superior, como no caso da advogada (enunciado 6) e da dentista
(FIGURA 14).
Os homens também aparecem em um número reduzido de enunciados e
ilustrações nos livros do primeiro período, porém este número é superior ao que
representa mulheres no mesmo período. Eles aparecem nos enunciados de 7 a 16 e
nas FIGURAS 15 e 16. A representação de homens no mercado de trabalho é mais
diversificada do que a de mulheres, entretanto a profissão que aparece mais
freqüentemente também é a de professor. Os professores, assim como as
professoras, são representados lecionando as mais diversas disciplinas. Há um
equilíbrio no número de enunciados que representam professores e professoras,
mesmo sendo o universo de enunciados representando o homem no mercado de
trabalho sensivelmente superior ao de mulheres. Assim, pode-se dizer que
proporcionalmente, as mulheres são mais representadas como professoras, o que
vem de encontro à realidade na qual o ensino fundamental apresenta
predominantemente mulheres como docentes (LOURO, 2001).
111
No segundo período analisado, os enunciados e ilustrações são mais
freqüentes. As mulheres são representadas nos enunciados de 17 a 30 e nas
FIGURAS 17 a 20. Com relação a esses enunciados, constatou-se que as profissões
nas quais as mulheres são representadas com maior freqüência são as de
professora, que aparece em todos os livros didáticos analisados e nas mais diversas
situações, e a de costureira que também é recorrente. A mulher também é
representada como artesã, desenvolvendo os mais variados tipos de artesanato. Em
raros enunciados encontra-se mulheres empregadas na indústria e no comércio,
atividade esta freqüentemente desempenhada por mulheres nos dias atuais.
Nota-se que a mulher é, na maioria das vezes, representada em profissões
que podem ser desempenhadas no ambiente familiar e que representam o cuidado
ou a educação, como no caso de professora. Isso relaciona a mulher com o cuidado
da família e da casa e a atividades desenvolvidas, preferencialmente dentro do lar. É
importante salientar que o cuidado é relacionado à mulher em diversos períodos da
história. Segundo Carvalho, “’cuidar’ significa amar. A mãe que não ‘cuida’, é
desnaturada e não ama” (1999, p. 73). A autora argumenta ainda que: “o cuidado
seria uma relação que garante a presença de uma adulta do sexo feminino, estável,
dedicada e amorosa que se responsabiliza pelo desenvolvimento total da criança”
(1999, p. 76-77) e que assume a culpa em caso de fracasso em alguma etapa do
desenvolvimento da mesma. Assim, ao representar a mulher em funções que
possibilitam que elas cuidem da casa e dos filhos, os livros didáticos estão
reforçando esta teoria.
A mulher é representada ainda em funções secundárias como no enunciado
18 quando diz que “a mãe de Lúcia quer ajudar o marido a complementar a renda
familiar” (DANTE, 2003, p. 94), ou seja, ela deve, primeiramente cuidar da família e
das atividades domésticas e depois “ajudar o marido” em sua função que é a de
prover o sustento da família. Neste enunciado pode-se vislumbrar a dupla jornada de
trabalho da mulher que na sociedade brasileira acontece freqüentemente. Segundo
o argumento de Schienbinger (2001) a sociedade tende a ver os conhecimentos
femininos como inferiores aos masculinos, então, ao representar as mulheres, quase
que exclusivamente, como artesãs, mães e professoras, os livros estão
hierarquizando o trabalho, o que desvaloriza o trabalho feminino.
112
A representação da mulher no mercado de trabalho por meio das ilustrações
diverge da representação por meio dos enunciados no que tange ao local do
trabalho feminino. Se nos enunciados a predominância é de trabalho no ambiente
doméstico, nas ilustrações, elas são representadas mais freqüentemente em
trabalho no espaço público. Em três das cinco ilustrações (FIGURAS 17, 19 e 21)
está claro que as mulheres estão trabalhando fora de casa. Na FIGURA 20, pode-se
interpretar que a artesã está trabalhando em uma loja onde expõe sua produção e
assim, também pode-se considerar que seu trabalho é desenvolvido no ambiente
público, o mesmo ocorrendo com a ilustração da florista (FIGURA 18), na qual
observa-se que o arranjo que está sendo por ela confeccionado está em uma
embalagem de presente o que leva a supor que ela está trabalhando em uma
floricultura. No tocante às profissões por elas desempenhadas o resultado converge
para o encontrado nos enunciados.
Também observa-se que a maioria das atividades desempenhadas pelas
mulheres, segundo os livros didáticos analisados, necessitam de habilidades
manuais e pouca escolaridade. Somente nas profissões de professora, diretora,
advogada, dentista, bancária e bibliotecária há necessidade de uma instrução mais
elevada, supostamente nível superior. Chama a atenção o enunciado que representa
a faxineira. É um dos poucos que não apresenta o nome da profissional que
desempenha esta função, o que possibilita a interpretação de que os/as estudantes
e demais profissionais que convivem no ambiente escolar não precisam saber seu
nome. Ela está ali para fazer seu trabalho e as demais pessoas não precisam se
relacionar com ela. Nos outros casos em que não aparece o nome da personagem o
contato com as mesmas não é diário como no caso da faxineira. A não utilização de
nomes para alguns personagens indica a busca por uma representação genérica.
Os livros didáticos do segundo período apresentam um maior número de
enunciados e ilustrações que representam o homem no mercado de trabalho do que
os do primeiro. Eles aparecem nos enunciados de 31 a 50 e nas FIGURAS 22 a 25.
Também nestes livros a profissão predominante é a de professor que é representado
por todos os autores e autoras em diversas situações.
Os homens são representados, tanto nos enunciados quanto nas ilustrações,
nas mais variadas funções sendo que a predominância é de funções que requerem
menor escolaridade e que são menos remuneradas. Ressalta-se a representação
113
encontrada no enunciado 37, no qual todos os trabalhadores são homens . As
atividades por eles desempenhadas, quando desenvolvidas no espaço doméstico
são consideradas femininas, no entanto, quando estão no espaço público passam a
ser representadas como masculinas.
Em poucos enunciados tem-se a representação de profissões que necessitam
de escolaridade de 3º grau como no caso do doutor (enunciados 16) e do arquiteto.
Em um enunciado o homem é representado em relação à tecnologia de ponta, como
piloto de aeronave. Também encontra-se a representação de homens em funções
políticas como prefeito, ministro e diretor de clube, porém são minoria absoluta. Esta
forma de representação pode indicar a busca por contemplar a realidade dos alunos
para os quais os livros são destinados.
A representação das professoras e professores é também realizada por meio
de ilustrações. Na FIGURA 12, está representada uma professora de matemática.
Convém ressaltar que o desenho representa uma mulher branca, esguia, jovem e
bem vestida, imagem esta que é recorrente neste tipo de ilustração. Sendo um
desenho, traz a visão do ilustrador ou ilustradora sobre esta profissional e está
dissociada da realidade. Por meio dos desenhos, os ilustradores representam as
professoras como figuras bem comportadas, com roupas discretas e fechadas,
seguindo o padrão de beleza atual. Este tipo de desenho pode indicar a busca pela
construção um modelo de professora. Louro (2001) argumenta que esta busca
ocorre desde que as mulheres começaram a desempenhar esta função e invisibiliza
a multiplicidade de profissionais que atuam nas escolas brasileiras. Esse “modelo”
difere da professora representada na FIGURA 19 por meio de uma foto que, por ser
um “flagrante” da vida real, se aproxima da imagem da professora que se encontra
em sala de aula. A representação do professor na FIGURA 16 é totalmente
caricaturizada e não indica relação com a realidade das escolas.
Em nenhum enunciado aparece a mulher em relação à tecnologia mais
elaborada, o máximo que elas precisam saber é operar uma máquina de costura ou,
no caso das empregadas na indústria, operar as máquinas necessárias para
desempenhar suas funções, se bem que os enunciados não indicam que há relação
das mulheres com as máquinas. Algumas ilustrações representam a mulher em
contato com instrumentos de tecnologia mais avançada como o computador e a
cadeira odontológica.
114
A pouca representação da mulher no mercado de trabalho fora do ambiente
familiar causa estranhamento pelo fato de que os livros analisados foram editados
no início do 3º milênio, período no qual as mulheres desempenham as mais diversas
profissões e isso não se reflete nos enunciados e ilustrações contidos nos referidos
livros. Porém, a mulher trabalhadora está presente nos livros didáticos e o número
de enunciados do segundo período é superior ao do primeiro. Este fato pode indicar
que está ocorrendo uma mudança na forma de representar a mulher no mercado de
trabalho. Outro fator a se ressaltar é que profissões que requerem escolaridade de
nível superior como médicas, cientistas, engenheiras dentre outras também estão
ausentes nas representações de mulheres mesmo diante de uma realidade em que
elas são a maioria das graduadas em diversos cursos (DE CARVALHO e PEREIRA,
2003).
Os livros analisados apresentam raríssimas ocasiões nas quais os gêneros
interagem no mesmo ambiente de trabalho. Nos livros didáticos de Matemática do
início da década de 1990 não se encontrou nenhum enunciado que representasse
homem e mulher trabalhando juntos. Nos livros do segundo período encontrou-se
apenas 4 (quatro) enunciados que apresentam homens e mulheres no mesmo texto
e em atividades produtivas. Porém, eles e elas aparecem trabalhando juntos
somente numa indústria onde as mulheres são maioria. Os demais enunciados
indicam que homem e mulher trabalham, porém não necessariamente no mesmo
ambiente. O enunciado 53 prevê a possibilidade de que o aluno ou a aluna que está
usando o livro possa ter um professor ou uma professora, mas é o único com este
tipo de cautela. As ilustrações mostram homens e mulheres atuando juntos. As três
ilustrações (FIGURAS 26 a 28) evidenciam que homens e mulheres desempenham
as mesmas funções. Nas FIGURAS 26 e 28 pode-se notar que as personagens
nelas representadas estão no mesmo nível hierárquico, porém na FIGURA 27 a
relação hierárquica entre as personagens não está clara. A escassez de imagens
que representam homens e mulheres interagindo no mercado de trabalho pode levar
os alunos e alunas a pensar que existem profissões que vêm sendo desempenhadas
apenas por homens e outras por mulheres. Pode criar também, a dificuldade dos
alunos e alunas de aceitar os trabalhos em equipes mistas.
A questão racial é contemplada pelas ilustrações nas quais têm-se, na
FIGURA 14, uma dentista no exercício de sua profissão. A profissional é jovem,
115
esguia e mestiça. A trabalhadora representada na FIGURA 17 é negra assim como
o sapateiro da FIGURA 15 é mestiço. Os comerciantes da FIGURA 24 pertencem a
raças ou etnias distintas. Não se pode ter certeza da etnia dos dois comerciantes
das extremidades, mas percebe-se que elas são diferentes uma da outra. O
comerciante do centro da figura é de origem negra. Estes exemplos demonstram
que há a preocupação da cadeia de produção dos livros didáticos (autores/as,
editores/as, ilustradores/as, dentre outros) com a representação de profissionais das
diversas raças e etnias como é sugerido pelo Guia do livro didático 2005 do PNLD,
porém elas ainda são pouco representadas se comparado à quantidade de alunos e
alunas de origem negra ou mestiços nas escolas brasileiras. Foster argumenta que a
problematização da questão racial no Brasil e de modo especial, nas escolas,
“significa entrelaçar desejos e anseios por uma educação democrática” (s/d, p. 30),
bem como contemplar as reivindicações da militância que vem lutando arduamente
para diminuir os preconceitos raciais e pela busca da igualdade de oportunidades
para todos/as independente de raça e/ou etnia.
Em resumo, foi possível perceber que homens e mulheres são representados
em profissões diferenciadas. Somente a profissão de professor ou professora
aparece em enunciados e ilustrações dos dois períodos analisados.
Percebe-se ainda que as mulheres são representadas em atividades
desenvolvidas preferencialmente no espaço privado o que vem de encontro ao
argumento de Louro quando ela afirma que “o trabalho fora do lar, para elas, tem de
ser construído de forma que se aproxime das atividades femininas em casa e de
modo a não perturbar essas atividades” (2001, p. 104) enquanto que ao homem está
destinado o espaço público. Assim, no que tange às profissões, homens e mulheres
são representados em mundos separados. A interação de homens e mulheres no
mercado de trabalho praticamente inexiste o que é demonstrado pela escassez de
enunciados e ilustrações que mostram esta interação.
Homens e mulheres são representados, em sua maioria, em profissões que
requerem pouca escolaridade. Isso pode ser explicado pelo fato de que o principal
comprador dos livros didáticos nos dias atuais é o Governo Federal para a
distribuição aos alunos e às alunas de escolas públicas. Estas escolas são
freqüentadas, em sua maioria, por alunos e alunas das classes com menor poder
aquisitivo, desta forma, os enunciados estão relacionados com a realidade dos pais
116
destes alunos. Porém, essa maneira de relacionar os gêneros com as profissões
apresentadas pelos livros didáticos pode contribuir para a definição das aspirações
profissionais dos alunos e alunas que ao estudarem, desde a mais tenra idade
17
,
com o apoio de livros didáticos poderão almejar desempenhar atividades
semelhantes às neles apresentadas.
Por outro lado, ao estarem refletindo as profissões de muitos pais e mães
dos alunos e alunas aos quais são destinados, vem de encontro ao que Faria (2000)
e Silva (2000) entendem como função do livro didático, ou seja, estão refletindo a
realidade dos alunos e alunas, senão de todos, ao menos de uma parcela
significativa deles.
É importante ressaltar que no livro didático de autoria de Giovanni, Castrucci
e Giovanni Jr. de 1992 a profissão do professor de Matemática é exclusivamente
masculina, pois em nenhum enunciado ou ilustração foi encontrada uma mulher
ministrando esta disciplina e em alguns enunciados os autores usam a expressão
“seu professor de matemática” o que indica que, na concepção deles, esta é uma
profissão masculina, inclusive no ensino fundamental. Esta representação diverge da
realidade brasileira na qual a maioria dos/as profissionais neste nível de ensino é
mulher.
As principais ausências notadas foram a maior representação da mulher no
espaço público, do homem no espaço privado e de profissões com nível de
escolaridade superior para ambos os gêneros, bem como a representação dos
demais gêneros como os homossexuais, por exemplo, que estão aqui sendo
ocultados ou negados. A falta de uma maior representação de homens e mulheres
trabalhando no mesmo ambiente também foi percebida. Os gêneros também foram
representados como esportistas, porém este tipo de trabalho será analisado na
próxima seção.
Não houve diferença na forma de representar os gêneros no mercado de
trabalho em livros de autoria masculina, feminina ou mista. Na categoria aqui
analisada o gênero dos autores não interfere nas representações sobre mulheres e
homens nos livros didáticos por eles escritos.
17
O Governo Federal distribui livros didáticos para alunos da 1ª a 8ª série. Seria importante analisar
como os gêneros são representados em relação ao trabalho em livros de outras séries para verificar
se vão de encontro ao resultado aqui apresentado.
117
Houve poucas mudanças na representação de gênero no mercado de
trabalho nos livros didáticos dos dois períodos analisados o que demonstra que as
transformações nas relações sociais e relações de gênero ocorridas na virada do
milênio não foram incorporadas pelos livros didáticos de Matemática.
6.4 O ESPORTE COMO PROFISSÃO E LAZER
Esta seção encontra-se dividida em duas partes, na primeira serão
apresentadas as representações de esportistas profissionais e na segunda a
representação de esportistas amadores.
6.4.1 Esportistas profissionais
Foi considerado esportista profissional todos os que estão representados em
disputas de campeonatos ou os que sejam conhecidos mundialmente ou
nacionalmente.
1. No revezamento 4x100 m, as atletas Ana Lúcia, Rosângela, Madalena e
Silvia obtiveram... (BIANCCHINI, 1991, p. 95).
2. Lucíola já conquistou 71 medalhas em atletismo. O número...
(BIANCCHINI, 1991, p. 96).
3. Éder e Juliano praticam atletismo. Eles possuem 33 medalhas...
(BIANCCHINI, 1991, p. 119).
4. Um fundista percorreu a prova dos 10 000 m em 32 min. Qual...
(BIANCCHINI, 1991, p. 130).
5. Em um dos campeonatos de Fórmula 1 Ayrton Senna... (BONGIOVANNI,
VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 158).
6. Numa competição, um nadador conseguiu... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990b, p. 205).
7. Em um jogo de Basquete, Oscar acertou... (GIOVANNI, CASTRUCCI e
GIOVANNI JR, 1992, p. 125).
8. Carla é ciclista e costuma treinar em uma pista... (DANTE, 2003b, p. 126).
9. Em 1984 a italiana Sara Simeoni detinha o recorde olímpico do salto em
altura com 1,97m, enquanto a soviética Tâmara Bykova tinha o recorde
mundial de 2,04m. (BIGODE, 2000a, p. 246)
118
10. Em 1990, foi realizado em Kuala Lumpur, na Malásia, o campeonato
mundial de basquete feminino. Descubra... (IEZZI, DOLCE e MACHADO,
2000b, p. 104).
11. Num treino de basquete, Paula fez 400 arremessos e acertou 268.
Hortênsia fez 360 arremessos e errou 200. Calcule... (CENTURIÓN,
JAKUBO e LELLIS, 2003b, p. 194).
12. Um corredor de rali venceu a prova completando... (PIRES, CURI e
PIETROPAOLO, 2002b, p. 81).
13. O corredor brasileiro Ronaldo bateu o recorde mundial da maratona...
(BIGODE, 2000a, p. 246).
14. Um velocista correu os 100 metros rasos de uma competição...
(GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 2002b, p. 234).
15. O Brasil sempre teve grandes atletas na modalidade salto triplo. O
primeiro atleta brasileiro a se destacar nesse esporte foi Ademar Ferreira
da Silva [...]. Em 1980 João Carlos de Oliveira – João do Pulo – bateu o
recorde mundial... (BIGODE, 2000a, p. 246)
16. Ao escalar uma trilha de montanha, um alpinista percorre 512m na
primeira hora... (GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 2002a, p.
249).
17. Uma pesquisa esportiva concluiu que em uma partida de futebol realizada
no Brasil em 25/4/99, um jogador percorreu... (GIOVANNI, CASTRUCCI e
GIOVANNI JR, 2002a, p. 231).
119
FIGURA 29 – O atletismo feminino
FONTE: BIANCHINI, 1991, P. 95.
FIGURA 30 –O automobilismo
Fonte: Bianchini, 1991, p. 126.
FIGURA 31 –Basquete Masculino
Fonte: Bianchini, 1991, p. 63.
FIGURA 32 –A ginasta
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002b,
p. 99.
FIGURA 33 –Basquete Feminino
Fonte: Iezzi, Dolce e Machado, 2000a, p. 104.
FIGURA 34 –Futebol Masculino
Fonte: Dante, 2003a, p. 157.
FIGURA 35 –Vôlei Masculino
Fonte: Centurión, Jakubovic e Lellis, 2003, p.
169.
FIGURA 36 –Ciclismo
Fonte: Centurión, Jakubovic e Lellis, 2003b, p.
256.
120
Na representação de esportistas profissionais a predominância é de homens
nos dois períodos analisados. No primeiro período encontrou-se apenas dois
enunciados (1 e 2) que representam a mulher praticando esportes profissionalmente,
em ambos têm-se a representação de mulher no atletismo, esporte individual
18
,
praticado com poucos recursos financeiros. No segundo período encontrou-se
quatro enunciados
19
representando a mulher esportista. Em dois deles (8 e 9) tem-se
atletas de esportes individuais, uma desconhecida do grande público e outras duas,
no mesmo enunciado, atletas internacionais. Nos outros dois (10 e 11) tem-se a
representação da seleção brasileira de basquete feminino e apenas no último é
citado o nome de jogadoras brasileiras famosas, “Paula” e “Hortênsia”.
O homem é representado praticando múltiplos esportes sendo que a
modalidade que mais aparece é piloto de Fórmula 1. Outra modalidade bastante
recorrente é o atletismo, esporte praticado predominantemente por pessoas com
menor poder aquisitivo devido a seu baixo custo. O jogador de basquete Oscar foi
representado em enunciados dos dois períodos analisados assim como o piloto de
Fórmula 1, Airton Senna.
Causou estranheza a pouca representação do esporte número um no Brasil, o
futebol, que figura em apenas dois enunciados do segundo período e em ambos
representa-se o futebol masculino. Nos livros do primeiro período analisado não se
encontrou nenhum enunciado sobre futebol. Também não foi citado nenhum nome
de jogador de futebol. Nas ilustrações encontrou-se alguns jogadores de futebol
famosos, porém sem legenda indicando o nome do atleta, o que permite a
interpretação de que os alunos e alunas devem conhecer os atletas por seus feitos,
mesmo que eles pertençam ao passado. A pouca representação do futebol não
mostra a importância que este esporte tem para o Brasil e tampouco estão
representados grandes nomes brasileiros nesse esporte, além de contradizer a
realidade brasileira, na qual este esporte é praticado em diversos lugares e por
atletas das mais variadas idades e gêneros. Ao não se referir ao futebol feminino,
fica implícito que este é um esporte masculino.
18
Geralmente as equipes de revezamento são formadas pelos/as atletas com melhores resultados
individuais.
19
Nesta categoria foram selecionados todos os enunciados que representam a mulher.
121
Notou-se também a ausência de um esporte que tem obtido grandes
resultados nos últimos anos tanto na modalidade masculina quanto feminina que é o
vôlei. Percebe-se ainda que em vários enunciados os autores não citam o nome do
atleta, usando apenas o termo genérico como “um jogador”, “um corredor”, “um
alpinista”, por exemplo, dificultando a identificação do gênero do/a esportista e
ocultando as atletas.
A escassez da representação feminina como atletas profissionais pode levar à
interpretação que as mulheres praticam menos esporte do que os homens e, desta
forma, influenciar as meninas a não se interessar pela prática esportiva. Pensando o
esporte como profissão que assegura o sustento de muitas famílias brasileiras, a
representação de atletas permite interpretar que o número de mulheres que seguem
estas carreiras é reduzido. Porém, ao observar os campeonatos, as olimpíadas, as
maratonas, etc., pode-se perceber que o número de mulheres atletas se assemelha
ao de homens atletas. Assim pode-se afirmar que a participação feminina nestas
profissões é ocultada pelos livros didáticos analisados.
Os esportistas profissionais estão representados nas ilustrações
principalmente nos esportes coletivos, o que difere dos enunciados nos quais a
representação é feita por meio dos esportes individuais. As ilustrações de esportistas
profissionais é mais significativa nos livros didáticos do segundo período analisado,
fato compreensível, pois os livros deste período estão mais ilustrados principalmente
com o uso de fotos. Há a predominância de fotos das seleções brasileiras dos
esportes coletivos (FIGURAS 31, 33, 34 e 35) nas quais as mulheres são
representadas apenas no basquete (FIGURA 33). O futebol e vôlei são
representados como esportes masculinos cabendo à mulher o basquete e os
esportes individuais. Em suma, os esportes e os atletas estão sub-representados
nos livros analisados.
6.4.2 Esportistas amadores
Nesta sub-seção serão apresentados os enunciados e ilustrações que
representam pessoas anônimas na prática esportiva.
1. Paula andou 1 quilômetro... (GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR,
1992, p. 140).
122
2. Em uma pista circular, dois ciclistas partem juntos... (BONGIOVANNI,
VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 98).
3. Um tenista acertou 90% de seus saques... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990b, p. 202).
4. Usando uma bicicleta, Carlinhos percorreu... (GIOVANNI, CASTRUCCI e
GIOVANNI JR, 1992, p. 147).
5. Marina e Viviane combinaram de ir de bicicleta desde Uberlândia até
Uberaba, mas não agüentaram e pararam no caminho. (IEZZI, DOLCE e
MACHADO, 2000a, p. 171).
6. Mirtes e sua irmã já percorreram de bicicleta 0,6 de uma distância de 8
km. Quantos metros elas percorreram? (DANTE, 2003b, p. 103).
7. Paulo fez ginástica durante 1/5 de hora. Esse tempo... (PIRES, CURI e
PIETROPAOLO, 2002a, p. 46).
8. Usando uma bicicleta, Carlos percorreu... (GIOVANNI, CASTRUCCI e
GIOVANNI JR, 2002a, p. 166).
9. Gustavo é um jogador de tênis. Ele costuma acertar... (GIOVANNI,
CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 2002b, p. 283).
10. Paulão e Vicente tiveram o mesmo aproveitamento em uma partida de
basquete. Paulão... (DANTE, 2003b, p. 255).
11. Um corredor deu duas voltas em uma pista. Na primeira... (DANTE, 2003b,
p. 260).
12. Um ciclista percorre em média 200 km em 2 dias, se pedalar...
(GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 2002b, p. 274).
13. Carlos e Ana correm juntos no parque todos os dias. Carlos percorreu
7500 m em 50min. Ana percorreu 9,8 km em 1h 10 min. Em média...
(DANTE, 2003b, p. 120).
123
FIGURA 37 –Meninos jogando vôlei I
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 1992, p.
119.
FIGURA 38 –Tomando um frango
Fonte: Bongiovanni, Vissoto e Laureano,
1990b, p. 26.
FIGURA 39 –Mulheres passeando
Fonte: Dante, 2003b, p. 103.
FIGURA 40 –Meninos jogando vôlei II
Fonte: Dante, 2003a, p. 278.
FIGURA 41 –Meninos jogando futebol
Fonte: Centurión, Jakubovic e Lellis, 2003b, p. 230.
FIGURA 42 –Passeio no parque
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr.,
2002a, p. 113
.
FIGURA 43 –Meninos jogando basquete
Fonte: Dante, 2003a, p. 155
.
FIGURA 44 –Fazendo cooper
Fonte: Dante, 2003b, p. 120.
124
Na representação de esportistas amadores também encontrou-se poucos
enunciados
20
com as mulheres praticando esporte (um no primeiro período e dois no
segundo). Diferentemente do esporte profissional, no esporte amador a maioria dos
enunciados apresenta o nome do/a atleta. Os/as atletas de fim de semana praticam,
preferencialmente esportes individuais como caminhada, corrida e ciclismo. O único
esporte coletivo representado pelos enunciados é o basquete. Nenhum enunciado
mostra a prática de futebol ou vôlei por atletas amadores, esportes esses praticados
comumente por mulheres e homens brasileiros. Entretanto, as ilustrações
apresentam crianças praticando esportes coletivos como o futebol (FIGURAS 38 e
41), o vôlei (FIGURAS 37 e 40) e o basquete (FIGURA 43). Os esportes individuais
como caminhadas e passeio de bicicleta são desenvolvidos em duplas (FIGURAS
39, 42 e 44).
As ilustrações apresentando mulheres e meninas são mais raras. Elas são
representadas praticando o ciclismo (FIGURA 39) e fazendo caminhada (FIGURA
44). Raramente homens e mulheres são representados praticando esporte juntos,
quando isso ocorre os esportes são o cooper e o vôlei, esportes nos quais o contato
físico é reduzido.
Ao andar pelos parques, ruas, praças e praias pode-se perceber que o
número de pessoas se exercitando é grande. Assim, a quantidade de enunciados e
ilustrações representando os/as “atletas” que praticam esportes por lazer, como uma
maneira de manter a saúde e a boa forma, pode ser considerada reduzida em
comparação com a freqüência desta atividade no cotidiano das pessoas. As
atividades por eles e elas desenvolvidas são restritas.
De um modo geral, a representação do esporte nos livros didáticos acontece
em poucos enunciados e ou ilustrações e numa diversidade pequena de situações.
Esse tema poderia ser mais explorado, preferencialmente com esportes mais
conhecidos das crianças e com representação equilibrada de homens e mulheres
tanto no esporte profissional quanto no amador.
O número reduzido de enunciados e ilustrações representando os gêneros
praticando esportes de fim de semana não representa a importância desta atividade
20
Para esta seção foram relacionados todos os enunciados com representação de mulheres.
125
para o dia-a-dia das pessoas. Numa época em que se incentiva a prática de
esportes como uma forma de manter a saúde e combater a violência e a
criminalidade, período que algumas personalidades e agremiações criam
instituições
21
com este fim, seria de se esperar que eles estivessem mais
representados nos livros didáticos de Matemática.
Em resumo, na representação de esportistas profissionais ou amadores
predominam os esportes individuais em detrimento dos esportes coletivos em que
existe interação entre os atletas. Os esportes coletivos mais praticados no Brasil
como futebol, vôlei e futsal são pouco, ou em momento algum, representados. Assim
pode-se concluir que a representação de atletas e, por conseqüência, dos esportes
tem pouca relação com a realidade dos alunos e alunas.
A predominância do atletismo pode sugerir aos usuários, alunos e alunas das
classes menos favorecidas, que eles e elas devem se dedicar à prática desses
esportes que estão de acordo com o poder aquisitivo deles/as, apesar de que o
futebol, que também é um esporte barato, praticamente inexiste nas representações.
6.5 PERSONALIDADES HISTÓRICAS E CELEBRIDADES
1. Num concurso para a escolha de dois trabalhos sobre Tiradentes...
(BIANCCHINI, 1991, p. 149).
2. Quem viveu mais tempo: Villa-Lobos ou Chopin? Quanto... (BONGIOVANNI,
VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 51).
3. D. Pedro II, imperador do Brasil, faleceu em 1891 com 66 anos de idade. Em que
ano ele nasceu? (GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 1992, p. 49).
4. Dom Pedro II, imperador do Brasil, faleceu em 1891 com 66 anos de idade. Em
que ano ele nasceu? (GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 2002a, p. 42).
5. Charles A. Lindemberg foi o 1º homem a atravessar o oceano Atlântico com um
avião, em 1927. Quantos anos faz que isso aconteceu? (BIGODE, 2000a, p. 64).
6. Rossini, autor da famosa e belíssima ópera-bufa “O barbeiro de Sevilha”, nascido
em 1972, em Besaro, viveu 76 anos, apesar de ter comemorado apenas 18
21
Os ex-jogadores de futebol Raí e Leonardo criaram a “Fundação Gol de Letra” que acolhe crianças
carentes com este fim. Exemplo seguido por outros atletas como Bebeto e Cafu que também se
motivaram a criar suas fundações. A escola de samba Mangueira mantém a instituição “Mangueira do
amanhã”. São alguns exemplos de iniciativas que utilizamo esporte como forma de resgate da
cidadania.
126
aniversários. Como você explica isto? Você é capaz de adivinhar em que dia ele
nasceu? BIGODE, 2000a, p. 105).
7. Sabe-se que Julio César, famoso conquistador e cônsul romano, nasceu no
ano... (GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 2002b, p. 49).
FIGURA 45 –Gilberto Gil
Fonte: Dante, 2003b, p. 31.
FIGURA 46 –Caetano Veloso
Fonte: Bigode, 2000a, p. 121.
FIGURA 47 –Airton Senna
Fonte: Bigode, 2000b, p. 37.
FIGURA 48 – Personagens da História
Fonte: Bigode, 2000b, p. 78.
FIGURA 49 –Político em campanha I
Fonte: Iezzi, Dolce e Machado, 2000a, p. 276.
FIGURA 50 –Político em campanha II
Fonte: Iezzi, Dolce e Machado, 2000a, p. 276.
Nesta seção não se encontrou nenhum enunciado representando as
mulheres. O número de enunciados representando personalidades é baixo e todos
representam homens que marcaram sua época pelos seus feitos. Dentre essas
127
personalidades tem-se três brasileiros, Villa-Lobos, Tiradentes e, em dois
enunciados, Dom Pedro II. Os enunciados que representam Dom Pedro II são
idênticos apesar de uma década de separação entre a publicação dos dois livros
didáticos que são de mesma autoria. Fato que pode confirmar o argumento de
Bomény (1984) quando ela afirma que autores/as e editores/as fazem algumas
modificações no título e na ordem dos exercícios, uma nova diagramação e publicam
como se fosse um novo livro, gerando a necessidade de substituição dos livros
anteriores. As modificações na forma, na apresentação, na disposição dos
conteúdos, na diagramação, são mais freqüentes nos últimos anos, o que, segundo
Batista (2002) dificulta a reutilização das edições anteriores. O autor argumenta que
neste processo a responsabilidade pelas diversas etapas da produção do livro
didático se concentra nas “mãos do editor ou de uma equipe editorial,
conseqüentemente, [há] uma tendência à subordinação do autor nesse processo”
(2002, p. 555). Porém, mesmo com o aumento das mudanças, algumas repetições
ainda ocorrem como no caso do enunciado sobre Dom Pedro II.
As ilustrações representam apenas homens que se destacaram no cenário
nacional. Dentre eles tem-se cantores (FIGURAS 45 e 46), esportista (FIGURA 47),
personalidades da história (FIGURA 48) e políticos brasileiros (FIGURAS 49 e 50).
Não se encontrou nenhuma ilustração que representasse personalidades femininas,
o que leva a ocultação das mulheres que desempenham atividades importantes
neste segmento da sociedade. Será que nenhuma mulher se destacou como artista,
política, esportista ou personagem da história a ponto de merecer ser citada nos
livros didáticos de Matemática?
6.6 MULHERES E HOMENS SÃO PROPRIETÁRIOS DO QUÊ?
Nesta seção serão analisados os enunciados e as ilustrações que
representam os gênero relacionados com a propriedade, bem como, na constituição
de sociedades comerciais.
1. A tia Elza, da cantina, comprou... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990a, p. 39).
2. Dona Carlota cercou a sua chácara... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990b, p. 96).
3. O proprietário de uma chácara distribuiu... (BIANCHINI, 1991, p. 152).
128
4. Marcelo repartiu entre seus dois filhos Rafael (15 anos) e Matheus (12
anos) 162 cabeças de gado... (BIANCHINI, 1991, p. 152).
5. Um comerciante paga impostos... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990a, p. 178).
6. Seu Ariovaldo comprou um carro... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990b, p. 171).
7. Clóvis e Oliveira formaram uma sociedade... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990b, p. 196).
8. Evandro, Sandro e José Antonio formaram uma sociedade... (BIANCHINI,
1991, p. 152).
9. Betão vai mudar de cidade. Bia, sua melhor amiga, resolveu organizar
uma festa de despedida para ele em seu sítio e fez os mapas para
distribuir para a turma. Observe... (PIRES, CURI e PIETROPAOLO,
2002b, p. 168).
10. Flávia tem uma banca de frutas na feira. Na semana passada... (ISOLANI
et al., 2002a, p. 84).
11. Dona Nair vai presentear os funcionários de sua firma com caixas de
sabonete. As caixas... (DANTE, 2003a, p. 84).
12. Um fazendeiro comprou uma fazenda com 60 alqueires mineiros. Repartiu
entre seus três filhos de forma que todos receberam a mesma área de
terra. Quantos hectares coube a cada filho? (GIOVANNI. CASTRUCCI e
GIOVANNI JR, 2002a, p. 239).
13. Luís comprou uma casa, dando 30% do preço total do imóvel... (IEZZI,
DOLCE e MACHADO, 2000b, p. 115).
14. Seu Waldir tem um viveiro de pássaros e outro de coelhos. Há 34 coelhos
a mais do que pássaros, num total de 90 cabeças. Quantas patas de
coelhos há a mais do que patas de pássaros? (IEZZI, DOLCE E
MACHADO, 2000a, p. 58).
15. Seu Manoel da banca de jornais, está satisfeito: dos 180 jornais...
(CENTURIÓN, JAKUBOVIC e LELLIS, 2003a, p. 175).
16. No açougue do seu Mané, um quilo de... (IEZZI, DOLCE E MACHADO,
2000a, p. 78).
129
17. A lanchonete de Marcos quer vender 100 sanduíches por semana, em
média. Veja... (ISOLANI et al., 2002b, p. 131).
18. Oito pessoas trabalham na padaria do seu Manuel: três padeiros, o
confeiteiro, dois ajudantes e dois copeiros. Para pagar... (IEZZI, DOLCE e
MACHADO, 2000b, p. 186).
19. Pedrinho foi comprar material escolar na papelaria de seu tio Danilo, que
era um tremendo gozador. Só para chatear, no lugar de dar o preço...
(DANTE, 2003b, p. 202).
20. O dono de uma fábrica declarou: As coisas não vão bem para mim. Em
abril... (CENTURIÓN, JAKUBOVIC e LELLIS, 2003a, p. 135).
21. No Pátio da concessionária de Luiz há 30 carros... (GIOVANNI.
CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 2002b, p. 111).
22. Luiz está montando uma oficina de marcenaria. Antes de comprar as
ferramentas ele fez uma estimativa do seu gasto, baseado... (ISOLANI et
al., 2002a, p. 68).
23. Claudinha e Roseli compraram em sociedade uma bicicleta. Claudinha
entrou com R$ 400,00 e Roseli com R$ 500,00. Depois de algum tempo,
venderam a bicicleta por R$ 720,00 e repartiram o dinheiro recebido
proporcionalmente à quantia investida. Quanto Roseli recebeu de volta?
(IEZZI, DOLCE e MACHADO, 2000b, p. 220).
24. Márcio, Maurício e Marcelo compraram uma sorveteria em sociedade.
Márcio entrou... (IEZZI, DOLCE e MACHADO, 2000b, p. 181).
25. João e Maria montaram uma lanchonete. João entrou com R$ 20.000,00 e
Maria, com R$ 30.000,00. Se ao fim de um ano eles obtiveram um lucro de
R$ 7.500,00, quanto vai caber a cada um? (IEZZI, DOLCE e MACHADO,
2000b, p. 219).
26. Sérgio e Luiza formaram uma sociedade. Sérgio entrou com R$ 2 960,00 e
Luiza, com R$ 2 500,00. Depois de certo tempo, obtiveram um lucro de R$
163,80. Que parte do lucro coube a cada sócio? (IEZZI, DOLCE e
MACHADO, 2000b, p. 220).
27. Meu primo e eu abrimos uma firma. Eu investi R$ 11 250,00 e ele investiu
R$ 15 000,00. Ele fez cálculos e disse que meu investimento e o dele
eram proporcionais a 2 e 3. Eu disse que não, que os investimentos eram
130
proporcionais a 3 e 4. Quem está certo? (CENTURIÓN, JAKUBOVIC e
LELLIS, 2003b, p. 164).
FIGURA 51 – Os Sócios
Fonte: Centurión, Jakubovic e Lellis, 2003b, p.
164.
Poucos enunciados representam a mulher como proprietária. Isso pôde ser
notado nos livros didáticos dos dois períodos analisados, embora, no segundo
período essa representação tenha aumentado, porém, não de forma significativa. Os
imóveis de propriedade feminina são utilizados, em sua maioria, para uso da família.
Com relação aos homens, eles são mais freqüentemente representados como
proprietários de bens duráveis e que produzem riqueza nos dois períodos
analisados, sendo que no primeiro período a predominância de propriedade é a de
terrenos ou fazendas. No segundo período as propriedades são mais diversificadas
predominando as relacionadas ao comércio. O patrimônio masculino é destinado
prioritariamente a atividades produtivas e que geram postos de trabalho. Na maioria
das vezes, as atividades desenvolvidas pelas empresas “masculinas” ocorrem no
ambiente público, reforçando que este é o espaço do homem.
Em alguns enunciados os bens masculinos são para uso da família, porém
não é mencionado que o proprietário tem família. Em outros enunciados existe a
indicação de que o proprietário tem filhos, filhas ou sobrinhos/as. Entretanto,
somente no enunciado do tio pode-se perceber alguma relação entre as duas
personagens (tio e sobrinho).
Desta forma, pode-se concluir que mesmo no que tange ao patrimônio, fica
mantida a relação da mulher com o cuidado da família e dos amigos e para
atividades domésticas, ou seja, o patrimônio feminino encontra-se relacionado ao
espaço privado enquanto que o masculino está localizado no espaço público.
131
No que tange às sociedades comerciais, os enunciados são raros nos livros
dos dois períodos analisados. No enunciado em que duas mulheres se unem para
adquirir uma bicicleta a sociedade dura pouco e logo elas decidem vender a mesma,
tendo prejuízo na venda. Alguns apresentam a sociedade entre homens e não é
possível identificar se o negócio prosperou ou não. Em outro (nº 27), foi utilizado o
pronome “eu” e com isso não é possível identificar se a sociedade é mista ou não,
pois depende de quem está lendo, porém a ilustração que vem logo após o
enunciado (FIGURA 51) mostra dois homens em frente à empresa o que leva a
concluir que o leitor é um homem.
Nos enunciados 25 e 26 encontra-se a representação de homens e mulheres
trabalhando em conjunto para a constituição de uma empresa e em ambos, a
empresa deu lucro. Estes dois enunciados contemplam a visão relacional de gênero
o que não ocorre nos demais, nos quais homens e mulheres são representados em
mundos separados.
Em resumo, na representação de gênero em relação à propriedade as
mulheres são minoria. Os bens a elas relacionados são, na maioria das vezes,
destinados ao cuidado da família, amigos e lazer, ou seja, o patrimônio da mulher é
destinado à satisfação das necessidades pessoais e as atividades desenvolvidas
neles são voltadas para o ambiente doméstico.
Por outro lado, o patrimônio relacionado aos homens é destinado a atividades
produtivas que se desenvolvem no ambiente público. Na maioria das vezes eles são
proprietários de comércio em variados setores. O número de enunciados que
relacionam o homem com a propriedade é bastante superior ao de enunciados com
a mesma representação para a mulher o que pode levar os alunos e alunas a
concluir que o homem é o proprietário “natural” e que a mulher só será a proprietária
na ausência de um homem na família. O patrimônio não é representado como sendo
da família e sim de um dos cônjuges, predominantemente do homem. Poucos
enunciados representam a relação entre homens e mulheres na constituição de
empresas.
6.7 AS FINANÇAS
Esta seção será dedicada à análise das representações de gênero e à forma
como cada gênero lida com o dinheiro e as operações financeiras. Quais as
132
principais operações financeiras efetuadas pelos homens? Como a mulher se
relaciona com o dinheiro? Homens e mulheres são representados em situações
semelhantes no que tange às finanças? São questionamentos que se pretende
responder ao final da seção.
1. Vânia e Mariangeli encerraram uma caderneta de poupança no valor de
Cr$ 290 000,00. Ao dividir o dinheiro... (BIANCHINI, 1991, p. 119).
2. Sonia investiu seu capital em um banco... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990b, p. 208).
3. A advogada Dra. Maria da Glória investiu NCz$ 20 000,00 em um banco...
(BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990b, p. 209).
4. Seu Manoel tinha NCz$ 750,00 em conta corrente... (BONGIOVANNI,
VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 30).
5. Em um banco, a situação de alguns clientes é a seguinte: O Sr. Argemiro
[...]. O Sr. Sílvio [...]. O Sr. Hélio [...]. O Sr. Alonso [...]. Com base...
(BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990b, p. 16).
6. Dr. Cerqueira investiu NCz$ 10,000,00 em um banco... (BONGIOVANNI,
VISSOTO e LAUREANO, 1990b, p. 209)
7. Ajude dona Joana a controlar as entradas e saídas de sua conta corrente.
Marque em azul seus créditos (depósitos) e em vermelho seus débitos
(cheques e contas). (BIGODE, 2000b, p. 140).
8. Joana aplicou R$ 3 000,00 na poupança. No final de 4 meses ela obteve
23,4% entre rendimento e correção. Qual o montante disponível em sua
poupança? (BIGODE, 2000b, p. 239).
9. Rosa tem 74% de R$ 6.500,00. Clara tem 95% de 8 000,00. Clara tem
mais do que rosa? (CENTURIÓN, JAKUBOVIC e LELLIS, 2003a, p. 137).
10. Camila e Natalina estavam economizando a mesada para comprar patins.
Camila tinha R$ 128,45 na poupança e depositou R$ 35,70. Natalina tinha
R$ 249,75 na poupança e retirou R$ 53,90. Calcule... (DANTE, 2003b, p.
34).
11. Patrícia já estava com saldo negativo no banco de R$ 50,00 (-50). Retirou
mais R$ 20,00. Ficou... (DANTE, 2003b, p. 156).
12. O saldo da conta bancária de Ricardinho é de – R$ 50,00. O de Marcelo é
de R$ 25,00 e o de Rodrigo é de – R$ 68,00. Qual deles tem o maior
133
saldo? [o – significa negativo, porém não está claro.] (IEZZI, DOLCE E
MACHADO, 2000b, p. 18).
13. Fernando fez um empréstimo de R$ 19 200,00 em um banco pelo prazo
fixo de 7 meses, à taxa de 10,25% ao ano. Quanto Fernando vai pagar de
juro? (IEZZI, DOLCE E MACHADO, 2000b, p. 239).
14. O senhor Silva tem cheque especial. Ele pode retirar da sua conta mais do
que possui no banco. Só que assim ele fica devendo ao banco. Nos
casos... (CENTURIÓN, JAKUBOVIC e LELLIS, 2003b, p. 36).
15. Luís Roberto colocou parte de seu 13º salário em uma aplicação ...
GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 2002b, p. 296).
16. Rafael e Carlos possuem juntos R$ 71,00. Sabendo-se... (ISOLANI et al.,
2002b, p. 199).
17. Quem aplicou dinheiro com a maior taxa anual: Lourdes, que empregou
R$ 1 440,00 a prazo fixo de 155 dias e resgatou R$ 1 508,20, ou Cássio,
que empregou R$ 4 200,00 pelo prazo de 4 meses e resgatou R$
4452,00? (IEZZI, DOLCE E MACHADO, 2000b, p. 241).
18. Paula tem R$ 2 500,00. Pedro tem 44% do que Paula tem. Quanto Pedro
tem? (CENTURIÓN, JAKUBOVIC e LELLIS, 2003a, p. 136).
19. Luís e Bia, juntos, têm R$ 125,00. Marcelo e Teresa estão negativos.
Juntos os dois têm – R$ 52,00. Quanto... (CENTURIÓN, JAKUBOVIC e
LELLIS, 2003b, p. 38).
20. Paulo ganha R$ 80,00 de mesada. A mesada de Joana é o triplo da de
Paulo. Quanto Joana ganha de mesada? (PIRES, CURI e
PIETROPAOLO, 2002a, p. 68).
134
FIGURA 52 –Auto-atendimento
Fonte:Centurión, Jakubovic e Lellis, 2003b, p.
30.
FIGURA 53 –Caixa eletrônico
Fonte: Iezzi, Dolce e Machado, 2000a, p. 40.
FIGURA 54 –O banco
Fonte: Iezzi, Dolce e Machado, 2000a, p. 23.
O número de enunciados e ilustrações que representam as mulheres em
transações financeiras é reduzido nos livros didáticos dos dois períodos. Elas são
representadas em diversas situações de movimentações bancárias. O enunciado nº
7 mostra uma mulher (Dona Joana) precisando de ajuda para entender seu extrato
bancário. Isso indica que, na visão da equipe editorial, as mulheres têm dificuldade
para realizar sozinhas transações bancárias como conferência de extrato, por
exemplo.
Os enunciados com representação de mulheres e homens são utilizados para
trabalhar os assuntos relacionados com porcentagem e números negativos para os
quais são apropriados. Há representação de mulheres economizando dinheiro, com
saldos positivos e negativos, pagando contas e em situações de comparação.
Assim, pode-se concluir que as mulheres são representadas, em sua maioria, em
situações que podem ser por elas vivenciadas no dia-a-dia.
135
A relação do homem com o dinheiro é representada em múltiplas situações,
porém, na maioria dos enunciados aparece a relação com instituições bancárias. Em
alguns enunciados o homem é representado obtendo lucros, em outros com saldo
negativo. Também encontra-se enunciados que representam meninos gerenciando
suas mesadas.
No enunciado nº 5 os autores apresentam uma relação de clientes de um
banco. Dentre os nomes citados não se encontra nenhuma mulher. Esse tipo de
exercício pode levar os alunos e alunas a interpretarem que homens e mulheres não
se relacionam com o mesmo banco ou que não realizam as mesmas operações
bancárias. A mudança em um ou dois nomes dos clientes para nomes femininos
transformaria o enunciado num exemplo de que os gêneros podem realizar as
mesmas operações bancárias e têm relação semelhante com o dinheiro. Convém
ressaltar que a FIGURA 54 representa homens e mulheres em um banco como
clientes e como funcionários, relativizando o enunciado citado acima.
Foram identificados poucos casos que apresentam nomes masculinos e
femininos no mesmo enunciado. Nos quatro enunciados relacionados encontra-se a
comparação entre os valores possuídos por homens e mulheres. Em um deles o
montante do homem é superior ao da mulher. Em outros dois a situação se inverte
com a mulher possuindo mais dinheiro que o homem e no outro caso a comparação
é feita entre dois casais.
Em nenhum dos casos está explícita a relação entre as personagens dos
enunciados, assim não é possível saber quem está administrando melhor suas
finanças, pois, pode-se ter pessoas vindas de famílias distintas e assim fica
impossível identificar se o saldo maior é fruto de melhor administração ou se os
valores recebidos é que são maiores.
A escassez de enunciados representando a relação entre homens e mulheres
em questões financeiras pode indicar que em uma família, apenas um dos cônjuges
administra as economias da família e o faz sem o diálogo com o outro.
Foram encontradas poucas ilustrações que representam os gêneros
realizando transações bancárias ou manuseando dinheiro. Na FIGURA 52 tem-se
um auto-atendimento bancário no qual todos os clientes são homens. A mulher é
representada dirigindo-se a um caixa eletrônico na FIGURA 53. Há equilíbrio na
136
representação de gênero por meio de ilustrações mesmo sendo raras as que se
referem a este tema.
Em síntese, nos dois períodos analisados, os gêneros são representados de
forma semelhante o que demonstra que num período de aproximadamente 10 anos
houve pouca mudança na forma de representar a relação dos gêneros com o
dinheiro. Homens e mulheres são representados em situações análogas, realizando
as mesmas operações, porém, separadamente. O número de enunciados também é
semelhante o que demonstra que com relação às questões financeiras, homens e
mulheres são representados de maneira equilibrada.
Os enunciados acima podem levar à interpretação de que homens e mulheres
podem realizar as mesmas transações financeiras desde que seja um de cada vez,
sem contato entre eles. Também não se observou a relação entre pessoas do
mesmo gênero o que leva a concluir que na relação com o dinheiro prevalece o
individualismo.
Ao finalizar este capítulo, pode-se concluir que, com relação à esfera pública,
homens e mulheres são representados de forma diferenciada, como se eles e elas
vivesse em mundo paralelos. A pouca interação entre os gêneros dificulta a
compreensão de gênero na visão relacional, pois no universo público, homens e
mulheres são representados quase que em oposição um ao outro, ou seja, em
papéis dicotomizados.
Concordando com Dominick de que “o corpo-imagem é produzido nas
relações, nos teares, nas danças e contra-danças dos saberes-poderes do mundo”
(s/d, p. 6) ou seja, a imagem que fazemos de nós mesmos depende das interações
sociais e do contexto cultural no qual se está inserido, a não representação de
homens e mulheres interagindo no espaço público pode dificultar a construção das
identidades das crianças e adolescentes que fazem uso deste material didático.
137
7 CONHECENDO OS MORADORES II: A FAMÍLIA, AS BRINCADEIRAS E AS
SITUAÇÕES ESCOLARES NA SOCIALIZAÇÃO DAS CRIANÇAS
Neste capítulo será analisado como os gêneros estão representados em
situações que propiciam a socialização das crianças. Tais representações serão
consideradas em relação aos familiares, às brincadeiras e às situações escolares,
situações estas que contribuem para o processo de socialização das crianças.
7.1 OS GÊNEROS E O CUIDADO COM A FAMÍLIA E O LAR
A quem cabe o cuidado com os filhos? E o cuidado com o lar? Qual a relação
entre os cônjuges no cuidado com a família? Estas são perguntas que se pretende
responder ao concluir esta seção.
1. Leonice tem 30 anos a mais que sua filha Larissa. Daqui... (BIANCHINI,
1991, p. 122).
2. Flávia tem 14 anos e sua tia, Roberta, tem 34 anos. Há quantos anos...
(BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990b, p. 76).
3. A irmã de Vânia toma mamadeiras de 200 ml de leite. Se ela...
(
BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 146).
4. A tia Elza, da cantina, comprou... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990a, p. 38).
5. Dona Odila vai ao supermercado e compra... (BONGIOVANNI, VISSOTO
e LAUREANO, 1990a, p. 151).
6. A parede da cozinha da Dona Maria vai ser azulejada... (BONGIOVANNI,
VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 135).
7. Para o almoço de domingo, Dona Juju fez uma torta de frango...
(BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 156).
8. Dona Cotinha fez uma torta de palmito. Assim que saiu do forno...
(BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 178).
9. Seu José (100 kg) e seus dois filhos, Dinho (50 kg) e Lula (50 kg),
pretendem atravessar um rio... (BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO,
1990a, p. 152).
138
10. Marcelo repartiu entre seus filhos Rafael (15 anos) e Matheus (12 anos)
162 cabeças de gado... (BIANCHINI, 1991, p. 152).
11. A coleção de medalhas que os irmãos Pedro, João e Marcos conquistaram
no atletismo... (BIANCHINI, 1991, p. 92).
12. Com sua moto, Guto andou 41,04 quilômetros. O irmão de Guto andou...
(GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR., 1992, p. 193).
13. O Sr. Gilberto comprou 200 laranjas no mercado... (BONGIOVANNI,
VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 209).
14. Para minha festa de aniversário papai comprou 10 caixas...
(BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 54).
15. O quarto de André Luiz vai ser acarpetado. Se o quarto...
(BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990a, p. 194).
16. A filha de Marilia tem que resolver questões de Matemática e pediu ajuda
à mãe. Vamos resolver as questões também... (IEZZI, DOLCE E
MACHADO, 2000a, p. 26).
17. Dona Ester foi trabalhar e deixou dinheiro para seus 3 filhos, com este
bilhete: “Dividam igualmente o dinheiro. Beijos”. O primeiro filho chegou,
pegou 1/3 do dinheiro e saiu. O segundo chegou e não viu ninguém.
Pensando que era o primeiro, pegou 1/3 do dinheiro que tinha pela frente
e saiu. O terceiro encontrou 4 notas de R$ 5,00. Achou que era o último,
pegou tudo e saiu. (CENTURIÓN, JAKUBO e LELLIS, 2003, p. 170).
18. Marina tinha R$ 20,00. Ganhou de sua mãe R$ 3,00 e de seu pai R$ 8,00.
Com quanto Marina ficou? (ISOLANI et al., 2002a, p. 116).
19. A mãe de Adolfo torce para o Tartaruga Futebol Clube e Adolfo para o
Devagar Futebol Clube. Qual time está com... (DANTE, 2003b, p. 104).
20. Para fazer um bolo, vovó gasta 0,180kg de farinha... (ISOLANI et al.,
2002a, p. 279).
21. A avó de Néia está fazendo uma reforma em sua casa. Para isso...
(DANTE, 2003b, p. 104).
22. Isa preparou 3 sanduíches para comer com seus dois irmãos. Aí chegou a
Nina... (ISOLANI et al., 2002b, p. 141).
139
23. Suponha que dona Maria precisasse de 60 dúzias de Laranja. Quanto ela
pagaria em cada barraca? Na barraca do Antônio: [...]; Na barraca do
Carlos: [...]; Na barraca do José: [...].(BIGODE, 2000b, p. 215).
24. Dona Carminha e Dona Estela foram ao supermercado... (IEZZI, DOLCE E
MACHADO, 2000a, p. 212).
25. No casamento de Roberta vai haver uma grande festa. Dona Carminha já
está preparando os doces... (IEZZI, DOLCE E MACHADO, 2000a, p. 32).
26. Carla quer fazer brigadeiros para uma festa. Você diria que o número de
brigadeiros... (ISOLANI et al., 2002b, p. 253).
27. Clélia comprou 2,8kg de carne. Quanto ela... (ISOLANI et al., 2002a, p.
279).
28. Dona Lúcia calculou a soma das medidas de pano que precisava comprar
para fazer cortinas e colchas. Descubra... (BIGODE, 2000a, p. 229).
29. Fernanda comprou um fogão... (IEZZI, DOLCE E MACHADO, 2000a, p.
56).
30. Renata vai colocar molduras em 4 quadros. Veja na figuras as medidas
dos quadros. (ISOLANI et al., 2002a, p. 75).
31. A mãe de Adauto vai revestir o piso da cozinha... (DANTE, 2003a, p. 242).
32. A avó de Denílson e Marilia vai comprar 1,8 m de tecido... (DANTE, 2003b,
p. 91).
33. Seu Valdir vai dividir a fazenda em três lotes iguais, um para cada um de
seus filhos. A fazenda é aproximadamente retangular... [a imagem mostra
o pai com os três filhos homens em torno do mapa da fazenda] (PIRES,
CURI e PIETROPAOLO, 2002a, p. 108).
34. Marcos foi passear com seus dois filhos, Celso e Aninha, numa trilha do
parque florestal. Para cada passo de Marcos, Celso dá 2 passos e Aninha,
3. Se o passo... (PIRES, CURI e PIETROPAOLO, 2002a, p. 119).
35. Márcio tem R$ 30,00 e ganhou de seu pai R$ 45,00. André tem R$ 45,00 e
ganhou R$ 30,00 de sua tia. Você pode... (ISOLANI et al., 2002a, p. 116).
36. Ricardo estava estudando Matemática com seu pai. Este perguntou ao
filho quantos triângulos... (DANTE, 2003a, p. 190).
37. Um pai deixou 90 reais para seus 3 filhos gastarem durante a semana. Um
deles pegou 60 reais e deixou o restante para os outros dividirem
140
igualmente. Cada filho recebeu, em média, o que lhe caberia? (ISOLANI et
al., 2002b, p. 131).
38. Mário comprou para seu filho um livro e dois cadernos e indicou...
(DANTE, 2003a, p. 262).
39. Rogério foi passar o fim de semana com seu pai. Depois de um passeio no
parque, eles foram almoçar em um restaurante. Veja as opções...
(DANTE, 2003a, p. 163).
40. O Avô de Paula e Sofia pediu que elas guardassem na geladeira dois
queijos iguais, cortados, para ele fazer uma receita para o jantar. Cada
uma... (DANTE, 2003a, p. 139).
41. Juninho, o irmão caçula de Alexandre, é muito levado. Vejam só o que
Juninho fez. Ele apagou alguns números do caderno de Matemática de
Alexandre. Vamos ajudar Alexandre a completar a tarefa antes que a
professora corrija a lição. (IEZZI, DOLCE e MACHADO, 2000a, p. 160).
42. O Juninho aprontou outra vez! Alexandre tinha separado as cartelas com
frações equivalentes a 5/9, e o Juninho misturou tudo. Vamos ajudar
Alexandre... (IEZZI, DOLCE e MACHADO, 2000a, p. 160).
43. O despertador tocou e eu nem me mexi. Meu avô gritou: -Levanta,
Marcelo! Falta um quarto para as seis. (CENTURIÓN, JAKUBO e LELLIS,
2003, p. 130)
44. Ivo, Nino, Bia e Luci pediram ao seu avô João que medisse a altura de
cada um. Seu João passou a eles... (DANTE, 2003a, p. 207).
45. Joel fez uma compra no supermercado e pagou com um cheque...
(ISOLANI et al., 2002a, p. 37).
46. Alfredo colocou lajotas no piso de seu banheiro, que mede... (DANTE,
2003b, p. 234).
47. Os tios de Vítor vieram buscá-lo uma tarde para brincar de dar voltas com
seu carrinho em uma pista circular. Se você... (DANTE, 2003a, p. 173).
141
FIGURA 55 –Levando o filho ao pediatra
Fonte: Pires, Curi e Pietropaolo, 2002a, p. 110.
FIGURA 56 –Recebendo a visita das agentes de
saúde
Fonte: Centurion, Jakubovic e Lellis, 2003b, p.
76.
FIGURA 57 –Educando a filha
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002a,
p. 261.
FIGURA 58 –Comprando chuteiras
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002b,
p. 48.
FIGURA 59 –A vovó
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002a,
p. 141.
FIGURA 60 –Mulher no supermercado
Fonte: Pires, Curi e Pietropaolo, 2002a, p. 222
FIGURA 61 –Passeando no parque
Fonte:Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002b,
p. 287.
FIGURA 62 –Homem no supermercado
Fonte:Bigode, 2000b, p. 62.
142
FIGURA 63 –Vovô e neta
Fonte: Pires, Curi e Pietropaolo, 2002b, p. 232.
FIGURA 64 –Ensinando a pescar
Fonte: Pires, Curi e Pietropaolo, 2002b, p. 235.
FIGURA 65 –Fazendo orçamento
Fonte: Dante, 2003b, p. 258.
FIGURA 66 –Café da manhã em família
Fonte:Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002a,
p. 8.
FIGURA 67 –Passeio em família
Fonte: Iezzi, Dolce e Machado, 2000a, p. 10.
FIGURA 68 –Relembrando o passado
Fonte: Bigode, 2000a, p. 246.
O cuidado com os filhos é representado como sendo de responsabilidade de
ambos os gêneros, porém há diferença nas atividades em que as mães e os pais
são representados. Têm-se a representação do pai e da mãe assumindo a função de
estudar com o filho ou a filha, o mesmo ocorrendo com relação à distribuição de
mesada. Porém, somente o pai está representado dividindo a propriedade entre
143
seus filhos. E nestes enunciados os filhos são homens, ou seja, no que tange à
herança, a mulher não aparece nem como proprietária e tampouco como herdeira.
Os momentos de lazer fora de casa raramente são compartilhados ou
proporcionados pela mulher. Isso pode ser notado tanto nos enunciados quanto nas
ilustrações. O homem é representado ensinando o filho a andar de bicicleta na
FIGURA 61 e carregando o filho ou filha nos ombros durante um passeio por uma
cidade fria FIGURA 67. Nesta ilustração, a mulher que aparece ao lado aparentando
acompanhá-los, encontra-se numa posição passiva, de braços cruzados. Alguns
enunciados representam o pai passeando com seus filhos. Em nenhum enunciado
encontrou-se a mãe desenvolvendo atividade semelhante. A participação da mulher
fica restrita à preparação dos alimentos para a família ou à compra deles, ou seja,
ao lazer dentro de casa.
A aquisição de brinquedos, chocolates ou material escolar também é
responsabilidade do pai. Somente na FIGURA 58 a mãe é mostrada comprando um
calçado para o filho. O desenho da FIGURA 57 representa a mulher corrigindo a
menina que fez algo errado, cuidando da socialização da mesma. Nessas duas
ilustrações observa-se que a menina é representada dentro de casa e executando
mal uma tarefa, enquanto o menino é representado no espaço público, ganhando um
calçado novo. Pode-se notar que as situações mais agradáveis de lazer ou de
aquisição de presentes aos filhos são proporcionadas pelos homens, cabendo à
mulher o cuidado com o suprimento das necessidades básicas, como a alimentação
e a educação, resultados que se aproximam aos encontrados por Deiró (s/d) em
livros didáticos de Comunicação e Expressão e Tonini (2002) em livros de Geografia
do Ensino Fundamental, para a representação dos pais e das mães.
A maioria das ilustrações que representam os pais e as mães cuidando dos
filhos é feita por meio de fotos. Na FIGURA 55 tem-se uma mãe levando seu filho ao
pediatra. Percebe-se que o homem é o médico pelo aparelho que o mesmo traz
colocado em torno do pescoço. Na FIGURA 56, a família recebe a visita das agentes
de saúde. A mãe conversa com as duas mulheres e o pai observa ao fundo. Notou-
se que o cuidado com a saúde das crianças é tarefa das mulheres, e, raramente, o
pai aparece na ilustração.
Em outras ilustrações tem-se a representação da família. Na FIGURA 65, a
personagem central é o pai que discute com a família o orçamento mensal enquanto
144
na FIGURA 66 a mãe assume o papel central e, juntamente com os filhos, planeja o
dia.
As ilustrações e enunciados representam os gêneros em papéis
dicotomizados, ou seja, cabe à mulher o cuidado com a saúde, educação e
aquisição de mantimentos necessários ao dia-a-dia das crianças e ao homem
proporcionar os momentos de lazer aos filhos. A mulher assume o comando da
família, somente quando o homem não está presente. Não se observou relação
entre os gêneros no cuidado com os filhos o que poderia ser feito por meio de
ilustrações que apresentassem o casal interagindo com as crianças. Pode-se dizer
que os enunciados e ilustrações não estão contribuindo para a formação das
identidades de gênero sob a ótica relacional, na qual os gêneros são socialmente
construídos na interação entre os sujeitos (SCOTT, 1995).
A relação entre os irmãos aparece em poucos enunciados nos dois períodos
analisados. Os enunciados apenas indicam que as personagens têm irmãos, porém,
não apresentam nenhuma atividade que esteja sendo desempenhada em conjunto
por eles com exceção dos enunciados 42 e 43 nos quais o irmão caçula, “Juninho”,
aparece desfazendo as tarefas do irmão mais velho e do enunciado no qual “Isa”
prepara o lanche para ela e o irmão. Outros enunciados mostram irmãos praticando
os mesmos esportes, mas não ao mesmo tempo.
Em alguns enunciados, como no número 4, por exemplo, aparece a
personagem da “tia”, porém, pelo contexto, pode-se perceber que não se está
falando da tia - irmã do pai ou da mãe - e sim utilizando desse artifício como uma
forma de se dirigir à profissional que cuida da cantina do colégio. Assim, o único
enunciado que representa a tia é o de número 1, no qual há a comparação das
idades de tia e sobrinha.
Os avôs e avós são representados por poucos enunciados e ilustrações, fato
que pode levar a conclusão de que estes membros da família não são muito
importantes na educação das crianças. Eles e elas são representados de forma
diferenciada. A avó é representada em situações que indicam o cuidado com a casa,
a alimentação dos netos (FIGURA 59) e presenteando o neto, enquanto que o avô
como presença desagradável ao acordar o neto aos gritos e solicitando a ajuda dos
netos. Em outros enunciados e ilustrações, eles aparecem proporcionando
momentos de lazer e alegria aos netos e netas, ao presenteá-los com chocolate e
145
participar de uma atividade junto com os mesmos como ensinar a pescar (FIGURA
64), por exemplo. Assim, nos enunciados e ilustrações nos quais aparecem os avôs
há interação entre avô e neto e, nos que aparecem as avós esta interação não
existe.
A representação da relação entre os avôs e as avós foi encontrada em uma
ilustração onde eles estão olhando um álbum de fotografias (FIGURA 58), nas
demais situações, os gêneros estão representados separadamente. O único
enunciado que indica a possibilidade de relação entre um casal é o de número 48,
que mostra os tios buscando o sobrinho para um passeio, porém como está escrito
“os tios”, não se pode ter certeza de que é um casal ou se são dois tios homens.
A relação entre os avôs e os netos foi pouco representada nos enunciados e
ilustrações. Sabe-se que na realidade brasileira é freqüente que os avôs e
principalmente as avós assumam o cuidado dos netos e/ou das netas para as mães
e os pais poderem trabalhar. Essa atitude cria vínculo entre avós e netos que é sub-
representado nos livros didáticos
A aquisição de gêneros alimentícios, o preparo de alimentos e os preparativos
para festas são atividades femininas. Em raros enunciados e ilustrações os homens
são representados nestas funções. Entretanto a responsabilidade pelo cuidado do
lar é dividida. Homens e mulheres compram o material necessário para manter a
casa em ordem e tomam as providencias para as reformas necessárias na mesma.
Nos enunciados do início da década de 1990 não está explícito quem fará as
reformas, apenas quem é o proprietário do imóvel que será reformado, cabendo à
mulher a cozinha e ao homem o quarto.
Não se encontrou enunciados ou ilustrações que representassem a interação
entre os gêneros nesta categoria. No cotidiano, em momentos de tomada de decisão
de realizar uma reforma ou adquirir um móvel ou eletrodoméstico novo, em alguns
casos, há o diálogo entre os cônjuges para verificar as possibilidades e
necessidades da família. Assim, ao não representar a interação entre os cônjuges,
os enunciados não refletem a realidade desta parcela de famílias, nas quais o
diálogo acontece.
Em síntese pode-se afirmar que o cuidado com os filhos é compartilhado por
pais e mães, porém os momentos de lazer são proporcionados pelos pais. Os
demais familiares são precariamente representados quer pela escassez de
146
enunciados e ilustrações, quer pelas atividades por eles desempenhadas na
formação das crianças que é pouco diversificada. A aquisição e preparação de
alimentos e os preparativos para festas são funções da mulher enquanto que o
cuidado com o lar pode ser realizado tanto por mulher quanto por homem. Assim,
pode-se dizer que os gêneros estão, aqui também representados em papéis
dicotomizados, como no capítulo anterior. Ao não representar a interação entre os
gêneros, os livros não contemplam a visão relacional de gênero, que, segundo Costa
“nos permite conceber uma pluralidade de masculinidades e feminilidades” (1994, p.
159).
Não se percebeu diferença na representação de homens e mulheres no
cuidado com a família e o lar entre livros didáticos de autoria masculina, feminina ou
mista. Nesta categoria o gênero dos autores mostrou-se indiferente para as
representações de homens e mulheres. Houve pouca diferença entre as
representações de gênero no cuidado dos filhos presentes nos livros didáticos do
início da década de 1990 e nos livros do início da década de 2000. As
transformações nas relações familiares ocorridas neste final de milênio não foram
incorporadas pelos livros didáticos de Matemática, pois não estão refletidas na
representação das mesmas nos enunciados dos livros analisados.
7.2 MENINAS E MENINOS BRINCAM DE QUÊ?
Nesta seção serão analisados os enunciados e as ilustrações que
representam os gêneros nos momentos de lazer. Serão avaliadas quais as
brincadeiras, na visão dos profissionais que editam os livros didáticos, meninos e
meninas desenvolvem em suas horas livres.
1. André e Fabiano têm, juntos, um total de 90 figurinhas. A metade...
(BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990b, p. 168).
2. Gustavo foi passar o fim de semana na casa de um amigo. Ele arrumou
sua mala... (BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990b, p. 85).
3. Sérgio, Beto e Guto se reúnem para jogar videogueime e decidem...
(GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR, 1992, p. 45).
4. Alice e Bia também colecionam figurinhas. Alice possui 34 figurinhas. Se
ela der 4 figurinhas para Bia, ambas ficarão com a mesma quantidade.
Quantas figurinhas Bia Possui? (BIGODE, 2000a, p. 64).
147
5. Luciana e Gabriela vão brincar no balanço... (IEZZI, DOLCE e MACHADO,
2000a, p. 65).
6. Joana e sua irmã sempre apostam corridas em volta do terreno. Elas
saem... (CENTURIÓN, JAKUBO e LELLIS, 2003a, p. 231).
7. Patrícia, Susi e Carla traçaram linhas no chão para brincar. A figura
mostra... (PIRES, CURI E PIETROPAOLO, 2002a, p. 37).
8. A seguir dona Marisa organizou certo número de peças num tabuleiro e
desafiou as filhas a completá-lo. Reproduza... (PIRES, CURI E
PIETROPAOLO, 2002b, p. 122).
9. Isa é mais pesada do que Bel; por isso, quando brincam de gangorra, Isa
precisa dar... (GIOVANNI, CASTUCCI, GIOVANNE Jr., 2002b, p. 164).
10. Laura e Célia jogaram uma partida de videogame em 5 rodadas. Laura fez
nas três... (DANTE, 2003a, p. 80).
11. Marília estava brincando de desenhar alguns polígonos no chão. Ela
estava tentando... (DANTE, 2003a, p. 187).
12. Quando batiam figurinhas, Danilo e seu irmão brigavam. Nessa
hora,...(CENTURIÓN, JAKUBO e LELLIS, 2003a, p. 29).
13. Eduardo tem 39 figurinhas. Gabriel tem o dobro da quantidade de Eduardo
e Rodrigo tem... (ISOLANI et al.,2002a, p .46).
14. No jogo de bafo, Roberto perdeu 1/3 das figurinhas que tinha para seu
primo... (PIRES, CURI E PIETROPAOLO, 2002a, p. 176).
15. João acertou 13 cestas em 25 tentativas e Marcelo fez 12 cestas em 23
tentativas. Quem teve o melhor rendimento? (BIGODE, 2000b, p. 238).
16. São 46 bolinhas de gude para serem repartidos entre Geraldo, Dorival e
Murilo. Geraldo deve receber... (IEZZI, DOLCE e MACHADO, 2000b, p.
185).
17. Paulo e Roberto participaram de um jogo de dados com as seguintes
regras:... (PIRES, CURI E PIETROPAOLO, 2002b, p. 104).
18. Paulo e seus colegas de escola passaram as férias em um acampamento
próximo a uma mata. Num passeio... (PIRES, CURI E PIETROPAOLO,
2002b, p. 101).
19. João propôs a Pedro: - Pense em um número. Some 10. Multiplique...
(PIRES, CURI E PIETROPAOLO, 2002b, p. 210).
148
20. Avelino levou seu neto para assistir a uma partida de futebol entre Grêmio
e Internacional. A partida teve... (DANTE, 2003b, p. 118).
21. Manoel e Carlos estão disputando um jogo no videogame Carlos já
terminou de jogar... (ISOLANI et al.,2002a, p. 46).
22. Gilberto e Rodrigo possuem juntos 34 carrinhos. Se Rodrigo... (ISOLANI et
al.,2002a, p. 112).
23. Tiago gosta de observar seu avô construindo objetos com madeira. Um dia
Tiago resolveu montar uma casinha com placas e cola, de modo
que:...(DANTE, 2003a, p. 16).
24. Beto e Gil estavam brincando com um jogo que continha fichas com
números inteiros. Beto estava perdendo... (DANTE, 2003b, p. 156).
25. Na escola de Osvaldo vão ser promovidos torneios esportivos. Para isso, a
diretoria consultou os alunos, por meio de uma pesquisa, para saber qual
o esporte favorito deles. Veja... (DANTE, 2003b, p. 191).
26. Carol, Joana, Miguel e Pedro disputaram um jogo em duas rodadas.
Ganha o jogo... (BIGODE, 2000a, p. 31)
27. Silvia, Marcelo e Carolina estavam jogando pingue-pongue. De repente,...
(IEZZI, DOLCE e MACHADO, 2000b, p. 185).
28. Duas pessoas disputam uma corrida em volta de um terreno triangular,
com lados medindo 53m, 62m e 81cm. Elas saem juntas... (CENTURIÓN,
JAKUBO e LELLIS, 2003a, p. 231).
29. Renata fez 30720 pontos na primeira fase do jogo de videogame e 20070
pontos na segunda fase. Bruno fez, no total, 50220 pontos. Quem venceu
a partida? (ISOLANI et al., 2002a, p. 43).
30. Júlia colecionava cartões-postais e imaginou um jeito de aumentar sua
coleção. Propôs a Ana, Beatriz e Caio, também colecionadores,... (PIRES,
CURI E PIETROPAOLO, 2002b, p. 146).
31. Lucas e Olívia gostam de brincar com o que chamam de jogos de
adivinhar. Um deles... (PIRES, CURI E PIETROPAOLO, 2002b, p. 162).
32. Paulo, Cristina, Marcelo e Ana apostaram para ver quem resolvia
mentalmente mais rápido as adições... (DANTE, 2003a, p. 67).
149
33. Afonso, Regiane e Lucas inventaram um jogo: um deles jogou três dados,
o outro, quatro dados, e o outro, cinco dados. Cada um calculou...
(DANTE, 2003b, p. 103).
34. João e Maria colhiam amora na floresta. Encheram um cesto com as
amoras. Na hora de distribuí-las João foi separando em voz alta: “4 para
mim, 3 para você; 4 para mim, 3 para você...” e assim até o final
terminando com a frase “4 para mim, 3 para você...pronto”. Maria ficou
com 60 amoras. Quantas couberam a João? (BIGODE, 2000b, p. 225).
35. No dia seguinte João e Maria saíram para colher ameixa. Na hora de
distribuir Maria tomou a iniciativa e começou a contar “3 para mim, 2 para
você; 3 para mim, 2 para você”. Contou assim até pronunciar a última
frase: “3 para mim, duas para você ... pronto”. Desta vez João ficou com
60 ameixas. Quantas couberam a Maria? (BIGODE, 2000b, p. 225).
150
FIGURA 69 – Jogo de figurinhas
Fonte: Bigode, 2002b, p. 78.
FIGURA 70 – Problema na gangorra
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002b,
p. 164.
FIGURA 71 – Brincando de carrinho
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002,
p. 12.
FIGURA 72 – Jogando dados
Fonte: Centurión, Jakubovic e Lellis, 2003b, p. 25.
FIGURA 73 – Passeando na floresta
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr.,
2002b, p. 46.
FIGURA 74 – colecionando figurinhas
Fonte: Iezzi, Dolce e Machado, 2000a, p. 13.
FIGURA 75 – Coleção de selos
Fonte: Pires, Curi e Pietropaulo, 2002a, p. 21.
FIGURA 76 – Assistindo TV
Fonte: Centurión, Jakubovic e Lellis, 2003a, p.
259.
151
FIGURA 77 – Visita ao zoológico
Fonte: Centurión, Jakubovic e Lellis, 2003a, p.
28.
FIGURA 78 – Imagem em preto e branco
Fonte: Pires, Curi e Pietropaolo, 2002b, p. 13.
FIGURA 79 – Montando o carrinho
Fonte: Dante, 2003b, p. 162.
FIGURA 80 – jogando videogame
Fonte: Dante, 2003b, p. 226.
FIGURA 81 – O balanço
Fonte: Bigode, 2000b, p. 65.
FIGURA 82 – Ping-pong
Fonte: Iezzi, Dolce e Machado, 2000b, p. 185.
FIGURA 83 – Basquete coletivo
Fonte: Pires, Curi e Pietropaolo, 2003a, p. 228.
FIGURA 84 – Quebra-cabeça
Fonte: Pires, Curi e Pietropaolo, 2003b, p. 131.
152
As meninas são representadas desenvolvendo brincadeiras variadas. Estas
brincadeiras vão desde colecionar figurinhas até jogos de videogames. Na maioria
dos enunciados
22
encontra-se meninas brincando em conjunto, seguido pelas
brincadeiras individuais. Nas ilustrações as meninas brincam em dupla. Na FIGURA
69 chama a atenção a cor da poltrona, cor-de-rosa, “conveniente” para um quarto de
menina, bem como, a maneira comportada que as meninas estão sentadas para
jogar figurinhas, bastante diferente da posição dos meninos que estão mostrando
seus álbuns de figurinhas na FIGURA 74. A FIGURA 70 mostra duas meninas na
gangorra e a preocupação de uma delas para conseguir baixar o brinquedo, esta
ilustração acompanha o enunciado 9 em que os autores explicam que uma das
meninas é mais leve que a outra e por isso a dificuldade na brincadeira.
Outras atividades desenvolvidas pelas meninas são colecionar papel de carta
e selos. Não se encontrou nenhum enunciado e tampouco alguma ilustração que
apresentasse meninas brincando de boneca e de casinha, brincadeiras que as
meninas são incentivadas a desenvolver desde muito pequenas pelos familiares e
realizadas por muitas no seu dia-a-dia. Se, por um lado, o livro didático de aproxima
da realidade ao representar as meninas jogando videogame, por outro se afasta ao
ocultar brincadeiras que elas realizam desde muito cedo.
O número de enunciados mostrando as brincadeiras das meninas é reduzido
e o número de ilustrações é ainda menor, apenas duas. No primeiro período não se
encontrou nenhum enunciado ou ilustração que representasse as meninas em suas
brincadeiras. O que pode levar à interpretação de que para os profissionais
responsáveis pela publicação dos livros didáticos de Matemática a brincadeira tem
pouca importância na vida das meninas.
A brincadeira preferida pelos meninos (ou pelos autores e autoras) é
“colecionar figurinhas” e jogar “bafo” visto que estas são as mais recorrentes. Os
meninos são representados ainda em diversas outras atividades recreativas como
jogar videogame, brincar com carrinhos, assistir a um jogo de futebol, dentre outras.
A representação deles em momentos de lazer ocorre nos livros dos dois períodos
22
Nesta seção apresentou-se um grande número de enunciados, pois buscou-se contemplar todas as brincadeiras
que meninas e meninos fazem. Salienta-se que não foram apresentados todos os enunciados encontrados na
pesquisa.
153
analisados, sendo que nos livros do primeiro período encontrou-se poucos
enunciados com este tipo de representação.
Na maioria dos enunciados e ilustrações as atividades recreativas são
desenvolvidas por mais de um menino. Os meninos são representados em
atividades agitadas e realizadas fora de casa como jogo de basquete, jogo de
futebol, acampamento, torneio esportivo, dentre outras.
As ilustrações que representam meninos brincando são, em sua maioria,
desenhos. Na FIGURA 75 tem-se uma foto de um menino analisando uma coleção
de selos e na FIGURA 76 dois meninos assistindo TV. O número de enunciados e
ilustrações representando meninos brincando é maior do que o de meninas, porém
ainda pouco significativo, se comparado à importância da brincadeira na vida das
crianças.
A representação de meninos e meninas brincando juntos ocorre somente nos
livros didáticos do início da década de 2000 e em pequeno número. Porém, nas
poucas imagens encontradas, a brincadeira é realizada por ambas as crianças com
exceção da ilustração representada na FIGURA 81 na qual o menino está no
“balanço” e a menina observando. Na FIGURA 79 fica evidente a interação entre as
duas personagens na montagem do carrinho. As expressões faciais demonstram
satisfação de ambos o que pode ser interpretado que a interação é espontânea e
agradável.
As atividades desenvolvidas por meninos e meninas conjuntamente são, na
sua maioria jogos, desde jogos de videogame até jogos de adivinhação. Pode-se
notar uma relação de amizade entre as personagens destes enunciados e
ilustrações. Dentre as atividades desenvolvidas em conjunto destaca-se os
enunciados 34 e 35 nos quais é representada a “esperteza” primeiramente do
menino e depois da menina. Estes dois enunciados insinuam que quando o aluno ou
a aluna se sentir lesado/a, ao invés de questionar e reivindicar para que a divisão
seja realizada de maneira justa, deve aguardar o momento oportuno para revidar. A
“esperteza” é valorizada e manifestada tanto por meninos quanto por meninas,
sendo que as meninas não tomam a iniciativa de tirarem proveito da situação. Elas
agem como se estivessem dando o troco, revidando, ou seja, sendo motivadas pelos
meninos. Enunciados desse tipo podem contribuir para a construção da passividade
nas meninas e para a produção e manutenção da imagem de meninas pouco
154
criativas e meninos espertos. Enunciados semelhantes a estes se configuram em
ótima oportunidade de se trabalhar o questionamento e o poder de argumentação.
Os livros didáticos contemplam a questão racial ao representar meninas e
meninos negros. Na FIGURA 76, o menino que está no centro do desenho é negro e
está no comando da ação. A FIGURA 81 mostra um menino negro no balanço. Na
ilustração “Ping-pong” (FIGURA 82) a expectadora é negra e na FIGURA 84 as duas
crianças são negras. Isso demonstra que os livros buscam seguir as recomendações
do MEC, por meio do Guia do livro didático 2005, de representar as raças em
igualdade de condições.
Em resumo, pode-se observar que as brincadeiras desenvolvidas por
meninos e meninas estão presentes nos livros didáticos de Matemática do segundo
período analisado, porém nos livros didáticos do primeiro período foram encontrados
pouquíssimos enunciados representando essas brincadeiras.
Eles e elas são representados nas mais diversas situações de lazer. A única
brincadeira realizada por meninas, meninos e em conjunto é jogar videogame.
Porém colecionar e jogar figurinhas são as mais recorrentes tanto para meninos
quanto para meninas. Percebe-se ainda que os meninos são representados em
brincadeiras mais agitadas que as meninas como acampamentos e passeio no
parque, por exemplo. A representação de meninos mais ativos e meninas mais
passivas e organizadas vêm de encontro ao argumento de Cavalcanti (2003) quando
diz que a escola contribui para uma visão dicotomizada de gênero na qual as
meninas e mulheres possuem determinadas características e meninos e homens
outras distintas.
Em alguns enunciados e ilustrações fica explícita a relação afetuosa entre as
personagens como no caso da mãe que brincava com as filhas, do menino que
assistia o avô trabalhar ou entre as amigas e amigos. Isso é compreensível, pois os
momentos de lazer geralmente são compartilhados com as pessoas que se gosta,
com as amigas e amigos, assim o afeto e carinho estão presentes entre estas
pessoas.
Não se encontrou, em nenhum enunciado ou ilustração, as meninas
brincando com bonecas ou de casinha, também não se encontrou nenhuma
representação de meninos em brincadeiras violentas como lutas, por exemplo.
155
Nesta seção as representações de gênero com nomes masculinos ocorrem
em maior número e diversidade de atividades do que com nomes femininos. A
interação entre os gêneros é contemplada ao mostrar meninas e meninos brincando
juntos. Situações como estas poderiam ser mais exploradas com uma variação das
brincadeiras e maior número de enunciados e ilustrações que mostrassem esta
interação, pois contribuem para formar nos alunos e alunas a imagem de que
meninos e meninas podem brincar juntos. Desmistifica a existência de brincadeiras
de meninos e brincadeiras de meninas e incentiva a interação entre os gêneros nos
momentos de lazer. A representação da interação entre os gêneros poderia ser
estendida para as demais atividades do cotidiano das crianças.
7.3 SITUAÇÕES ESCOLARES
Esta seção é destinada à apresentação de enunciados que representam
meninos e meninas em situações relacionadas com à escola seja dentro ou fora
dela.
1. No primeiro bimestre deste ano, Flávia ficou com nota 6,0. Essa nota é a
média aritmética das três provas realizadas. Na segunda
prova,...(BIANCHINI, 1991, p. 92).
2. Na escola de Suzane, as aulas iniciam... (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990b, p. 119).
3. Gláucia, Cristina e Karina estudam na mesma classe. Numa prova de
Matemática, Gláucia obteve nota maior que Cristina e esta obteve nota
maior que Karina... (GIOVANNI, CASTRUCCI e GEOVANNI JR., 1992, p.
9).
4. Por curiosidade, Gabriela quis verificar se a potenciação era uma
operação comutativa. Para... (GIOVANNI, CASTRUCCI e GEOVANNI
JR., 1992, p. 78).
5. Rogério resolveu 20 problemas de Matemática e acertou 18. Rivaldo
resolveu 30 problemas e acertou 24. Quem apresentou o melhor
desempenho? (BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990b, p.
171).
156
6. Numa prova de conhecimentos gerais, a soma dos pontos obtidos por
Leandra e Sandro foi 80. Sandro fez 6 pontos mais que Leandra...
(BIANCHINI, 1991, p. 122).
7. Numa classe há 10 alunos: 6 meninos e 4 meninas... (BONGIOVANNI,
VISSOTO e LAUREANO, 1990b, p. 220).
8. Na semana passada, Carla fez provas na escola. Na prova de Português
havia 20 questões e ela errou 3 questões; na prova... (ISOLANI et
al.,2002a, p. 169).
9. Que unidade de tempo Luciana deve usar para medir: uma aula... (IEZZI,
DOLCE e MACHADO, 2000a, p. 34).
10. Alice recebeu o seguinte desafio, que resolveu brilhantemente, acertando
a resposta: Encontrar a maior [...]. Qual foi a resposta de Alice? (IEZZI,
DOLCE e MACHADO, 2000a, p. 76).
11. Cláudia fez uma pesquisa para saber qual era o gênero de filmes
preferido pelas pessoas que moram perto de sua casa. Dividiu os filmes
em quatro categorias:... (PIRES, CURI e PIETROPAOLO, 2002a, p. 76).
12. Márcia e Rosa estão completando seus quadros de números. Ajude-as
nessa... (ISOLANI et al.,2002a, p. 34).
13. Viviane leu em um livro de Ciências que a densidade do ouro... (DANTE,
2003a, p. 307).
14. Cristina pegou duas pirâmides de bases quadradas iguais e colou as
bases uma na outra. A nova... (DANTE, 2003b, p. 51).
15. Numa prova com 72 questões, sabe-se que Augusto acertou 3/8 delas.
Mauro acertou 5/9 e Flavio 5/12 das questões. Pode-se afirmar que...
(IEZZI, DOLCE e MACHADO, 2000a, p. 189).
16. João Sabidão participou da maratona de Matemática na escola. Ele
acertou 72% das 150 questões. Quantas questões ele acertou?
(BIGODE, 2000b, p. 229).
17. Dois alunos devem medir a mesa do professor usando uma fita métrica.
O primeiro aluno... (GIOVANNI, CASTRUCCI E GIOVANNI Jr., 2002a, p.
205).
18. Caio ganhou uma coleção com 15 livrinhos. Já leu a terça parte...
(GIOVANNI, CASTRUCCI E GIOVANNI Jr., 2002a, p. 148).
157
19. Roberto está construindo modelos com palitos de churrasco e bolas de
isopor. Esses modelos... (DANTE, 2003b, p. 51).
20. Sílvio e Celso estão fazendo um experimento de Ciências. Sílvio tem
um... (DANTE, 2003b, p. 104).
21. Uma prova de geografia tinha 40 questões. Luis acertou 2/5 das
questões e Maria acertou 5/8. (BIGODE, 2000a, p. 215).
22. A turma lá da classe gosta tanto de Matemática que vive fazendo
desafios para saber quem faz cálculo mais rápido. [...] Zélia veio com a
seguinte questão para o grupo: “Ei turma, preciso calcular 10% de 10%.
Quem é que sabe quanto é?” Maurício foi rápido e disse: “100%, é claro”.
Fernanda corrigiu: “Nada disso. È 20%, minha gente”. Eduardo
resmungou: “1%”. Marcela indagou: “Será 10%?”. Afinal quem está
certo?. (BIGODE, 2000a, p. 277).
23. Num exame vestibular [...]. Meus 5 primos fizeram o exame [...]
Reinaldo, Yole, Cris, Marinho e Seiji. (BIGODE, 2000a, p. 280).
24. Luciana e Alexandre estão fazendo a lição de casa. Na subtração que
Luciana está fazendo, o minuendo tem 10 unidades a mais que na
subtração de Alexandre. Nas duas subtrações os subtraendos são iguais.
Em... (IEZZI, DOLCE e MACHADO, 2000a, p. 26).
25. A escola promoveu uma Olimpíada de Matemática. Participaram desta
olimpíada 250 alunos. Os 50 melhores vão ganhar uma excursão.
Gabriela, Alexandre, Ricardo, Luciana, Maurício, Leonardo, Renato,
Pedro, Priscila e Jussara reuniram-se na casa de Gabriela para estudar.
Gabriela possui muitos livros. Das 7 prateleiras... (IEZZI, DOLCE e
MACHADO, 2000a, p. 150).
26. Lia calculou o resultado de (130 + 75) x 8, e Marcos o resultado de
130 + (75 x 8). Os parênteses indicam a operação...(PIRES, CURI e
PIETROPAOLO, 2002a, p. 23).
27. André e Tânia resolveram um mesmo problema de formas diferentes.
Observe... (PIRES, CURI e PIETROPAOLO, 2002a, p. 150).
28. Veja Cíntia, Maria, Denílson e Sérgio fizeram mentalmente algumas
subtrações. Comente... (DANTE, 2003a, p. 68).
158
29. A professora de Cármen, Clodoaldo e Marília pediu que eles fizessem
mentalmente algumas divisões. Examine... (DANTE, 2003a, p. 69).
30. Paulo, Carla e Nílson simplificaram a fração 12/18 de formas diferente,
mas todos... (DANTE, 2003a, p. 143).
31. Pedro leu 4/7 das páginas de um livro e Laura leu 2/3 das páginas do
mesmo livro. Qual dos dois leu mais? (DANTE, 2003a, p. 145).
32. Ari e Beatriz estão fazendo a lição de Matemática juntos. Eles tinham
que... (DANTE, 2003b, p. 104).
33. Cláudio, Flávia e Roberta gostam de estudar matemática juntos. Para
resolver um exercício, eles...(DANTE, 2003a, p. 46).
159
FIGURA 85 – Menino desenhando
Fonte: Bongiovanni, Vissoto e Laureano, 1990a,
p. 124.
FIGURA 86 – Aluno nota 10
Fonte: Bongiovanni, Vissoto e Laureano, 1990a,
p. 202.
FIGURA 87 – Meninos em sala de aula
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 1992a,
p. 42.
FIGURA 88 – Aprendendo unidades de medida
Fonte: Bongiovanni, Vissoto e Laureano, 1990b,
p. 93.
FIGURA 89 – Construindo sólidos geométricos I
Fonte: Dante, 2003b, p. 50.
FIGURA 90 – Ensinar e aprender
Fonte: Pires, Curi e Pietropaolo, 2003b, p. 152.
160
FIGURA 91 – Estudando?
Fonte: Centurión, Jakubovic e Lellis, 2003a, p.
100.
FIGURA 92 – Momento de leitura
Fonte: Dante, 2003a, p. 156.
FIGURA 93 – Falando em público
Fonte: Dante, 2003b, p. 95.
FIGURA 94 – Calculando com o Ábaco
Fonte: Bigode, 2000b, p. 13.
FIGURA 95 – Construindo sólidos geométricos II
Fonte: Dante, 2003a, p. 105.
FIGURA 96 – Fazendo a lição de casa
Fonte: Centurión, Jakubovic e Lellis, 2003a, p.
105.
161
FIGURA 97 – Menino medindo
Fonte: Dante, 2003a, p. 105.
FIGURA 98 – Estudando em dupla
Fonte: Dante, 2003a, p. 41.
FIGURA 99 – Olhar distante
Fonte: Centurión, Jakubovic e Ellis, 2003b, p. 69.
FIGURA 100 – Assistindo a ação
Fonte: Centurión, Jakubovic e Ellis, 2003b, p.
240.
FIGURA 101 – Diferença de postura
Fonte: Centurión, Jakubovic e Ellis, 2003b, p.
245.
FIGURA 102 – Diferença de atitude
Fonte: Giovanni, Castrucci e Giovanni Jr., 2002b,
p. 135.
FIGURA 103 – Os personagens
Fonte: Bigode, 2000a, p. 29.
FIGURA 104 – Estudando em equipe
Fonte: Pires, Curi e Pietropaulo, 2002b, p. 231.
162
As meninas são representadas no ambiente escolar nos livros didáticos dos
dois períodos analisados. Na maioria dos enunciados
23
que representam as meninas
em situações que indicam relação com a escola ou em momentos de aprendizagem
encontra-se relação com o sistema de avaliação da escola e com o aproveitamento
delas nas provas, preferencialmente na disciplina de Matemática. Isso ocorre tanto
nos enunciados do início dos anos 1990 quanto nos do início dos anos 2000. Outra
forma de representá-las é comparando o rendimento de duas ou mais meninas.
Somente nos livros do início dos anos 2000 encontrou-se ilustrações que
representam as meninas em momentos de aprendizagem. Na maioria das imagens
as meninas estudam sozinhas. Na FIGURA 90 duas meninas estudam juntas e
pode-se interpretar que uma delas está ensinando a outra. A leitura é representada
em duas situações, nas FIGURAS 92 e 93, sendo esta última, em público. Na
FIGURA 94 uma menina é representada utilizado o ábaco, instrumento utilizado para
cálculos matemáticos. A menina da FIGURA 91 está representada numa posição
inadequada ao estudo e com o olhar disperso. Nas demais ilustrações as meninas
parecem estar compenetradas no que estão fazendo e conseguido realizar sua
tarefa.
A representação dos meninos em relação ao ambiente escolar e em situações
que indicam aprendizagem ocorre de forma semelhante à das meninas, ou seja, em
relação à escola e preferencialmente ao sistema de avaliação. A principal diferença
é que em alguns enunciados os meninos aparecem desenvolvendo a leitura e em
outros, realizando uma experiência de ciências. Freqüentemente encontra-se
enunciados nos quais os alunos tiram notas baixas nas diversas disciplinas,
principalmente em Matemática. A representação de meninos obtendo notas altas é
mais rara.
A representação de meninos em relação à aprendizagem por meio de
ilustrações ocorre nos livros dos dois períodos analisados diferentemente das
meninas que só aparecem no segundo período.
Com relação às ilustrações, na maioria delas, os meninos estão estudando
sozinhos e fora do ambiente escolar. Na FIGURA 87 está representada uma sala de
aula onde todos os alunos são meninos bem como o professor é do sexo masculino.
23
O grande número de enunciados desta lista se justifica pela diversidade de situações em que meninas e
meninos são representados.
163
A FIGURA 86 representa um menino com seu boletim e a nota dez. Esta ilustração
diverge dos enunciados que se comentou acima. Porém, a apresentação do menino
no desenho ocorre de forma estereotipada e com as partes do corpo
desproporcionais. A cabeça é maior do que o tronco e o tamanho dos óculos é
exagerado. Dificilmente uma criança quer ser identificada com um desenho como
este. Em minha experiência como docente pude perceber que os alunos gostam de
atribuir apelidos para seus colegas e facilmente eles e elas fariam a associação dos
alunos estudiosos, dedicados e que tiram boas notas com esta imagem, que na
linguagem deles representa o “nerd” e isso pode causar constrangimento aos alunos
bem sucedidos.
Em nenhum enunciado aparece a relação de amizade entre os alunos. O que
pode indicar que a escola não é ambiente para se construir amizades. Isso contradiz
a realidade, pois a escola é um dos principais locais para a construção das amizades
bem como das divergências e intrigas entre crianças e adolescentes, uma vez que,
conforme o argumento de Louro (2001), na escola os gêneros se cruzam e se
tocam. Observando o comportamento dos alunos nas escolas, quer em sala de aula,
quer nos intervalos, pode-se notar que a relação entre eles é intensa e nem sempre
pacífica. Na escola se constroem amizades, parcerias, romances, bem como,
inimizades, intrigas e divergências. Na adolescência os hormônios estão em
ebulição e afloram em contato com outros adolescentes e a escola se configura num
espaço que propicia este contato. No entanto, os livros didáticos não representam
estas situações que fazem parte do cotidiano dos alunos e das alunas.
Embora o conteúdo matemático não tenha sido o foco das análises, muitas
vezes ele chamou atenção como no caso da problematização com crianças em
momentos de aprendizagem, na qual, a representação é feita, na maioria das vezes,
desvinculada da realidade. Apenas um enunciado mostra uma aluna relacionando a
Matemática com a sociedade quando diz que a aluna “fez uma pesquisa”. Os demais
enunciados estão relacionados exclusivamente à vida escolar das alunas e alunos. A
escassez de relacionamento da Matemática com a vida em comunidade pode levar
as/os estudantes a interpretar que a Matemática não tem utilidade para a sua vida e
que deve ser aprendida exclusivamente para passar de ano. Esta falta de relação
com o dia-a-dia pode contribuir para que os alunos e as alunas deixem de gostar de
Matemática por não vislumbrarem utilidade para os conteúdos desta disciplina.
164
Como professora de matemática pude observar que os alunos e as alunas se
sentem mais estimulados/as a resolver problemas que eles podem vivenciar no dia-a
dia. Nessas situações, a aprendizagem ocorre com mais facilidade e de maneira
eficaz, pois, sempre que eles se deparam, em seu cotidiano, com situações
semelhantes às estudadas na escola, acabam rememorando o aprendizado escolar.
Desta forma, concordo com Silva (2000) quando ele afirma que os alunos e alunas
têm dificuldade de estudar assuntos desvinculados da realidade, assuntos para os
quais eles e elas não vêem aplicação no dia-a-dia.
A interação entre os gêneros no que tange a situações de aprendizagem é
representada nos livros didáticos de Matemática. Os nomes femininos e masculinos
aparecem no mesmo texto, porém sem nenhum vínculo entre as personagens.
Comumente as personagens são apresentadas uma em comparação a outra e
alguns enunciados (26, 27 e 30, por exemplo) mostram que meninas e meninos têm
maneiras diferentes de resolverem os exercícios de Matemática.
Em outros enunciados o número de meninos é sensivelmente superior ao
número de meninas numa mesma classe. Isso pode indicar que as meninas
freqüentam menos a escola, pois, na sociedade brasileira, o número de mulheres
superou o de homens há muito tempo. Assim os livros didáticos não estão
traduzindo a realidade dos alunos e alunas no que tange à participação dos mesmos
na escola.
As ilustrações mostram que meninas e meninos estudam juntos, porém há
diferença na forma de representar cada um deles. Nas FIGURAS 88, 98 e 104 os
meninos e meninas estão desenvolvendo a mesma atividade e ambos participam
igualmente da ação. Entretanto isso não ocorre nas demais ilustrações. Na FIGURA
99 tem-se um menino e uma menina estudando, ele está compenetrado em sua
lição enquanto a menina está dispersa, com olhar distante e ainda não escreveu
nada em seu caderno.
Na FIGURA 100 o menino realiza a tarefa enquanto a menina assiste. Algo
semelhante ocorre na FIGURA 101 na qual os meninos medem a sala, uma menina
anota as medidas e a outra assiste passivamente o desenvolvimento da tarefa. Na
ilustração seguinte (FIGURA 102) os meninos da classe estão com o braço
levantado buscando participar da aula enquanto as meninas estão quietas em seu
lugar. Nesta ilustração também está representada a professora, alta, esguia e bem
165
vestida. Estas ilustrações contribuem para a construção da imagem de meninas
passivas e submissas e meninos ativos e com iniciativa, imagens estas que
coincidem com a imagem esperada pelas professoras entrevistadas por Carvalho
(2001). Porém, em minhas classes isso nem sempre ocorria. Muitas vezes as
meninas mostravam-se tão ou mais participativas que os meninos. Então, com base
em minha experiência, posso dizer que os livros didáticos refletem parcialmente a
realidade da sala de aula no que tange a participação de alunos e alunas nas aulas
e nas atividades.
É importante ressaltar que a maioria das ilustrações acima são desenhos e
nas duas fotos têm-se a participação equilibrada de meninos e meninas na ação.
Isso leva a concluir que quando os autores e autoras se valem de fotos, que são
imagens reais, as ilustrações se aproximam da realidade escolar, entretanto quando
a ilustração é feita por desenho, reflete a imagem que o ilustrador ou ilustradora tem
da participação de meninas e meninos em sala de aula e nas tarefas, quase sempre
estereotipada.
A questão racial é abordada em diversas ilustrações que mostram meninos e
meninas de raças distintas como nas FIGURAS 87, 88, 89, 92, 93, 96, 98, 101 e
103, por exemplo. Embora o número de ilustrações com crianças de outras raças
seja menor do que com crianças brancas, elas estão presentes nos livros didáticos
em diversas situações. Porém, ao representar as demais raças (que não a branca)
os/as ilustradores/as reforçam alguns estereótipos como no caso do menino negro
da FIGURA 88, na qual pode-se perceber que o nariz achatado e a boca grande com
lábios grossos são reforçados pelo desenho. Este tipo de ilustração diverge da
realizada por meio de fotos como é o casso da FIGURA 98 na qual esses “detalhes”
da anatomia não são tão evidentes no menino que também é negro.
Em síntese, meninas e meninos aparecem com freqüência relacionados com
o ambiente escolar. O número de enunciados que representam as meninas é
semelhante ao que representa os meninos, bem como, o que indica a interação
entre os gêneros no ambiente escolar ou em situações de aprendizagem. Entretanto
nas ilustrações a representação de meninos e meninas ocorre de forma
diferenciada. Eles são mais compenetrados e participativos enquanto elas são
distraídas e retraídas. Isso ocorre principalmente nas ilustrações feitas por
desenhos, pois refletem a visão do/a desenhista sobre o assunto. A diferença na
166
forma de representar meninos e meninas fica explícita nas imagens que apresentam
a interação entre os gêneros.
Há semelhança na representação de gênero nos dois períodos analisados no
que tange aos enunciados. Entretanto, nas ilustrações fica evidente a diferença de
representação, pois as meninas só figuraram nos livros do segundo período. Assim
pode-se dizer que houve pouca mudança na forma de relacionar meninos e meninas
com a aquisição do conhecimento na década pesquisada.
Em poucos casos encontrou-se relação de afeto ou de carinho entre as
personagens representadas nos enunciados. Esta representação aparece no
enunciado 33, no qual, está escrito que as personagens gostam de estudar juntas e
na FIGURA 98, na qual percebe-se um sorriso no rosto de ambos. A pouca
representação pode indicar que estas manifestações não são adequadas ao
ambiente escolar, pelo menos na visão do grupo de profissionais que edita os livros
didáticos. Também foi encontrada pouca relação do conteúdo matemático com a
vida da comunidade, ou seja, os conteúdos matemáticos são representados
desvinculados da vida das crianças. Como argumenta Silva (2000), os alunos e
alunas têm dificuldade de se interessar por assuntos que não tenham relação com a
sua realidade e desta forma, esta pode ser uma das justificativas para o fato de que
muitos alunos e alunas não gostam de Matemática e por conseqüência têm
dificuldade em aprendê-la.
Também não se percebeu diferença na forma de representar os gêneros no
ambiente escolar em livros de autoria masculina, feminina ou mista. O gênero dos
autores não interfere nas representações de gênero nos livros didáticos no que
tange às situações de aquisição do conhecimento.
7.4 COMPARANDO PESSOAS DIFERENTES
Freqüentemente as equipes de profissionais responsáveis pelos livros
didáticos utilizam a comparação entre os dados de duas ou mais personagens para
formular os enunciados dos problemas de Matemática. Esta seção é destinada à
análise de como ocorrem as representações de gênero em enunciados nos quais os
autores e autoras utilizam-se deste recurso para a problematização. Não se
encontrou ilustrações que representassem essa categoria.
167
1. Flávia tem 14 anos e sua tia, Roberta, tem 34 anos. Há quantos anos...
(BONGIOVANNI, VISSOTO e LAUREANO, 1990b, p. 76).
2. Paula e Milena sobem juntas em uma balança e verificam que a massa
total de ambas é de 100 kg. Sabendo que Milena tem 6 kg a mais que
Paula, qual é a massa de Paula? (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990b, p. 113).
3. Ana Maria tem 1,63 metro de altura; Paula tem 1,71 metro de altura;
Cecília tem 1,54 metro de altura e Renata tem 1,68 metro de altura.
Escreva... (GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR., 1992, p. 177).
4. Do peso total de um homem, sabe-se que os ossos representam 14,9%.
Descubra quantos quilos de ossos tem o Murilo... (BIANCHINI, 1991, p.
163).
5. A idade de Sílvio é um número natural entre 40 e 50... (GIOVANNI,
CASTRUCCI e GIOVANNI JR., 1992, p. 88).
6. Rui e Fábio têm a mesma altura, enquanto Sérgio é menor que Rui.
Sendo... (GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI JR., 1992, p. 9).
7. A coleção de medalhas que os irmãos Pedro, João e Marcos conquistaram
[...]. João tem o quádruplo da medalhas de Pedro e Marcos o triplo das de
João, mais 6 medalhas... (BIANCHINI, 1991, p. 92).
8. Ao ser apresentado a Giovana e Natália, Fábio foi logo perguntando: “Que
idade vocês têm?” Giovana: Você... (BIANCHINI, 1991, p. 91).
9. Andrea tem 12 anos e seu pai, 40 anos. Daqui... (BONGIOVANNI,
VISSOTO e LAUREANO, 1990b, p. 119).
10. Fabiano ganhou um ovo de Páscoa igual ao de Luciana. Fabiano já comeu
¾ e Luciana, 5/6. Quem já comeu mais? (BONGIOVANNI, VISSOTO e
LAUREANO, 1990a, p. 168).
11. Ana, Bia, Celi, Daniela e Eliana são primas. A idade de Ana é o dobro da
idade de Bia... (BIGODE, 2000b, p. 236).
12. Gabriela é 9 anos mais velha que Maria e 6 anos mais nova do que Carla.
Qual delas... (ISOLANI et al.,2002a, p. 45).
13. Paola tem 3 pulseiras a mais que Luana. Luana tem 6 pulseiras a menos
que Andréa. Se as três juntas têm 2 dúzias de pulseiras, quantas delas
são de Luana? (IEZZI, DOLCE e MACHADO, 2000a, p. 58).
168
14. João tem 13 anos. Quando ele nasceu, seu pai tinha 27 anos. Qual é a
idade do pai de João hoje? (BIGODE, 2000a, p. 64).
15. Marcelo anda 4/5 de quilômetros para ir de casa até a escola. Roberto, por
sua vez, anda 2/3 dessa distância para ir... (GIOVANNI, CASTRUCCI e
GIOVANNI Jr., 2002a, p. 169).
16. Flávio, Álvaro e Beto repartiram um pacote com folhas de papel sulfite da
seguinte forma: Flávio ficou com 14 folhas, Álvaro com 40% do total e Beto
com 80% da quantidade...(DANTE, 2003b, p. 227).
17. Quando Sueli nasceu, o pai dela tinha 25 anos de idade. Hoje Sueli tem 17
anos. Quantos anos o pai tem a mais do ela? (IEZZI, DOLCE e
MACHADO, 2000a, p. 19).
18. Hoje, João tem 10 anos e Maria tem 14... (CENTURIÓN, JAKUBO e
LELLIS, 2003a, p. 47).
19. Otávio e Alice foram à papelaria. Otávio comprou 3 canetas a 50 centavos
cada uma. Alice comprou 4 envelopes a 10 centavos cada um. Pagaram o
total da compra com uma nota de 5 reais. De quanto foi o troco?
(BIGODE, 2000a, p. 55).
20. (Saresp) Tenho 1320 figurinhas. Meu primo tem a metade do que tenho.
Minha irmã tem o triplo das figurinhas do meu primo. Quantas...
(GIOVANNI, CASTRUCCI e GIOVANNI Jr., 2002a, p. 72).
Ao fazer comparações entre meninas, meninos, mulheres e homens os
principais pontos comparados são a idade, o peso e a altura. Em raros enunciados o
elemento comparado difere dos supra mencionados. Em alguns aparece a relação
de parentesco. Embora o número de enunciados seja relativamente grande, a forma
como os gêneros são representados nestes enunciados apresenta pouca variação.
Há similaridade entre as representações de gênero encontradas nos livros
dos dois períodos. Também não se observou diferença na forma de representar os
gêneros em exercícios de comparação em livros de autoria masculina, feminina ou
mista.
Em geral, a representação de gênero em exercícios de comparação ocorre de
maneira superficial e em situações que não acrescentam muito à vida dos/as
estudantes. Esse tipo de representação pode contribuir para formar nos alunos e nas
169
alunas a preocupação exagerada com o peso e com a idade, pois ao representar
insistentemente esses fatores, os livros estão reforçando a importância deles.
A principal ausência foi a representação de gênero em assuntos relacionados
com o dia-a-dia dos alunos e alunas e com a comunidade onde eles estão inseridos.
Neste tipo de exercício poderia ser explorada a relação da Matemática com o
cotidiano das crianças, porém os livros analisados apresentam assuntos não
polêmicos que não representam um posicionamento político e tampouco
desenvolvem a cidadania dos alunos e alunas conforme prevê o Guia do Livro
Didático 2005.
Após passar pelas onze categorias, analisando enunciados e ilustrações,
identificando como homens, mulheres, meninas e meninos estão representados por
meio deles, chega-se ao fim dessa visita aos livros didáticos de Matemática
conhecendo, mesmo que parcialmente, os seus moradores. A seguir serão
apresentadas as considerações finais e indicações de possíveis pesquisas futuras.
170
8 FECHANDO A PORTA
Está chegando o momento de concluir o trabalho, porém fica a sensação de
que muita coisa não foi contemplada pela análise, que poderia ter sido diferente.
Resta a dúvida se tomei o caminho certo para a investigação. Sei que o caminho
percorrido foi guiado pelo meu olhar e pelas minhas experiências e que outra
pessoa, certamente, faria diferente. O livro didático é um campo empírico que
apresenta muitos aspectos que podem ser pesquisados. A opção pelas
representações de gênero, bem como, a forma de análise deu-se por motivos
pessoais e por minha trajetória de vida. Assim representam a minha interpretação
sobre elas. Ao tratar o livro didático como uma morada, busquei olhar as
representações de gênero como elementos ativos e que silenciosamente contribuem
para a formação das identidades das crianças. Não estou concluindo a pesquisa e
sim interrompendo-a pois, como disse anteriormente, há ainda muito o que
pesquisar, porém deixarei para uma oportunidade futura ou para outras/os
pesquisadoras/es trilharem outros trechos do caminho. A seguir apresentarei os
resultados que pude vislumbrar após esta visita aos livros didáticos de Matemática.
8.1 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após passear pelos livros didáticos de Matemática, com o olhar atento,
buscando identificar as representações de gênero neles contidas, pode-se tecer as
considerações finais sobre a visita.
Os resultados apontam que na representação de cientistas e personagens da
história nos livros analisados não houve nenhuma citação de mulheres que tenham
contribuído para o desenvolvimento das Ciências e da sociedade. Os cientistas
representados nos livros didáticos são antigos e, preferencialmente, matemáticos. A
representação das Ciências e dos cientistas modernos ocorrem em raríssimas
ilustrações. De forma geral, a Ciência e os cientistas (homens e mulheres) são
pouco representados, fato este que contribui para a construção da imagem de que a
Ciência é algo distante destinada a poucas pessoas de inteligência privilegiada e
que não pode ser desenvolvida por pessoas comuns.
Desta forma pode-se concordar com Velho e León (1998) quando elas
apontam a falta de exemplos de mulheres cientistas e engenheiras bem sucedidas
171
como uma das causas para a reduzida presença feminina em carreiras científicas.
Ao não representar as mulheres desenvolvendo atividades científicas, os livros
didáticos podem contribuir para que as meninas não se interessem por carreiras
científicas e assim deixem de contribuir para o desenvolvimento científico e
tecnológico do país. Concorda-se com o argumento de Tabak (2003) quando ela
afirma que um país que busca o avanço tecnológico não pode abrir mão da
contribuição feminina para o desenvolvimento científico e tecnológico.
A relação com os artefatos tecnológicos também é sub-representada nos
livros didáticos, porém pode-se perceber que homens, mulheres, meninos e meninas
utilizam computadores, calculadoras, videogame dentre outros artefatos, da mesma
maneira. Raramente encontrou-se meninas e meninos jogando videogame juntos.
Essa é uma atividade realizada por ambos, porém, separadamente. Nas ilustrações
que mostram uso do computador, a pessoa que o está operando é,
majoritariamente, uma mulher, diferentemente dos enunciados em que o gênero
relacionado ao computador é o masculino. Nas poucas situações em que aparece a
relação de pessoas com computadores há relação da atividade por ela
desempenhada com o cotidiano. Assim pode-se concluir que as representações de
gênero em relação a artefatos tecnológicos, embora superficial, está vinculada com
a realidade.
Com relação à representação de gênero em situações laborativas pôde-se
observar que homens e mulheres são representados, na maioria dos enunciados,
em profissões que requerem pouca instrução e que por conseqüência são mal
remuneradas. Porém há diferença nas profissões em que homens e mulheres são
representados. A mulher aparece em profissões que indicam o cuidado e a
educação das crianças e o cuidado do lar, como professora, enfermeira e dentista,
por exemplo. O que indica que o cuidado é uma “função” feminina e assim, os
resultados aqui encontrados corroboram o argumento de Carvalho (1999) com
relação ao cuidado. As profissões femininas são desenvolvidas, majoritariamente,
dentro do lar, no ambiente privado, confirmando o argumento de Louro (2001a) de
que as profissões das mulheres devem possibilitar que elas cuidem do lar e dos
filhos, sua “principal função”. Entretanto, o homem é representado em profissões
desenvolvidas no ambiente externo, na rua, como por exemplo, comerciante e pintor,
também objetivando cumprir sua “função”, a de provedor.
172
Notou-se a ausência da representação de profissões que requerem ensino de
nível superior como médico/a e engenheiro/a tanto na representação de homens
quanto na representação de mulheres. A representação de gênero por meio de
ilustrações difere da encontrada nos enunciados no tocante ao local de trabalho da
mulher, porém, assemelha-se quanto às profissões desempenhadas por homens e
mulheres.
Nas imagens que representam a professora por meio de desenho, ela é
jovem, esguia, alta e bem vestida. Imagem diferente da encontrada nas ilustrações
com fotos, nas quais a imagem representada é real. Na imagem do professor ele
está representado de forma caricaturizada, escondido embaixo da mesa para comer
bombons. Assim a imagem que o livro didático constrói de professoras e
professores, diverge dos profissionais que atuam na sala de aula. Considerando
apenas as ilustrações com base em desenhos pode-se concluir que os ilustradores
ou ilustradoras representam as professoras de acordo com o modelo descrito por
Louro (2001a) de professoras, recatadas, vestidas com roupas fechadas
desapegadas de bens materiais e desprovidas de sexualidade. Mesmo neste final de
milênio busca-se estabelecer um modelo de professora “ideal” não levando em
consideração a multiplicidade de origem destas.
Profissionalmente, homens e mulheres são representados em mundos
separados. As mulheres, em sua maioria, desempenham funções que são menos
valorizadas pela sociedade e em muitos casos, dedicam-se a atividades que não são
consideradas profissões como o artesanato, por exemplo. Entretanto, os homens
que também são representados em profissões que necessitam menor escolaridade,
desempenham funções reconhecidas como profissões.
A falta de representação de homens e mulheres trabalhando juntos indica que
nos livros analisados, os gêneros são representados em papéis dicotomizados
(COSTA 1994), como se existissem profissões adequadas aos homens e outras às
mulheres o que pode contribuir para formar no aluno uma consciência equivocada
sobre os direitos de homens e mulheres. Pode ainda, criar resistência ao trabalho
em equipe, tanto na escola quanto, futuramente, no mercado de trabalho,
principalmente em equipes mistas. Concordando com o argumento de Machado
(1998) de que as relações sociais são fruto da interação entre os sujeitos, pode-se
dizer que ao não representar a interação entre pessoas de gêneros distintos, bem
173
como, do mesmo gênero no mercado de trabalho, o livro didático não contribui para
a construção das relações sociais e, por conseqüência, da cidadania, um dos
objetivos do livro didático segundo o Guia do Livro Didático 2005.
Sugere-se que os livros didáticos representem homens e mulheres
desempenhando as mesmas profissões e trabalhando juntos como forma de quebrar
o preconceito de que eles e elas não podem desempenhar determinadas profissões.
Os livros poderiam contemplar uma gama maior de profissões, principalmente as
que necessitam de nível de escolaridade superior o que poderia contribuir para o
aumento da expectativa profissional das crianças. Ao representar homens e
mulheres em oposição um ao outro, os livros não permitem a visualização da
pluralidade de masculinos e femininos existentes na sociedade e não contempla a
construção social dos sujeitos, bem como, as relações de poder que se estabelecem
no mercado de trabalho, como indica a visão relacional de gênero (COSTA, 1994 e
SCOTT, 1995).
A representação dos esportistas profissionais ocorre de forma desigual para
homens e mulheres. A representação feminina nos esportes profissionais
praticamente inexiste. Mesmo com o sucesso das atletas brasileiras, elas não têm
espaço nos livros didáticos de Matemática. São raras as ilustrações que apresentam
a imagem de atletas femininas.
Os homens são representados praticando múltiplos esportes,
preferencialmente os individuais e que necessitam de poucos recursos financeiros
como o atletismo, por exemplo. Deve-se ressaltar a falta de representação do futebol
e do vôlei, esportes praticados por brasileiros de todas as idades e gêneros e que
têm produzido excelentes resultados para o Brasil em copas do mundo de futebol e
olimpíadas. Nos enunciados eles não aparecem, somente nas ilustrações encontrou-
se a representação do futebol e do vôlei, porém elas são raras. O futebol faz parte
da cultura brasileira, é um dos símbolos nacionais, o Brasil é reconhecido
mundialmente pela força deste esporte. Causa estranhamento o fato dele ser
representado em poucas situações. Tomando o esporte como profissão, a pouca
representação de homens e principalmente de mulheres nestas carreiras pode
afastar as crianças e adolescentes das mesmas e levá-las a desperdiçar esta opção
de trabalho.
174
Com relação à representação de esportistas amadores, os atletas de fim de
semana, também ocorre pouca representação das mulheres e há predominância de
esportes individuais. Pode-se considerar que os esportes e esportistas estão sub-
representados nos livros didáticos. Em nenhum momento é mencionado o papel que
o esporte pode ter na vida das crianças, de modo especial na vida das que possuem
menor poder aquisitivo. Nos dias atuais, em que personalidades e pessoas da
comunidade em geral criam instituições que incentivam a prática de esportes como
uma forma de fugir da criminalidade, nos livros didáticos de Matemática há poucos
enunciados e ilustrações que representam o esporte e sequer é mencionada a
função social da prática esportiva. Assim, sugere-se que os livros didáticos utilizem
mais exemplos que incentivem a prática esportiva e que reforcem o papel social da
mesma.
Nas ilustrações que representam personalidades políticas, esportivas ou
personagens da história também não se encontrou nenhuma mulher. Na visão dos
profissionais responsáveis pela produção dos livros analisados elas não tiveram (e
não têm) nenhuma importância para o desenvolvimento da humanidade e
construção da história do Brasil. Como encontrou-se as fotos de cantores
renomados, esperava-se que as cantoras também fossem representadas, fato que
não ocorreu.
A propriedade de bens duráveis como terrenos, fazendas e chácaras é
representada, em sua maioria, relacionada aos homens. Para a equipe que edita os
livros didáticos os bens duráveis são do homem e não da família. Em poucos
enunciados a propriedade é representada como sendo da mulher. Os bens de
propriedade da mulher são, na sua maioria, destinados à satisfação de
necessidades pessoais ou para o cuidado da família e estão localizados no espaço
privado. Entretanto, a propriedade masculina é destinada à geração de renda e
postos de trabalho e está localizada no espaço público. Em poucos enunciados
homens e mulheres são representados como sócios e os negócios são bem
sucedidos. As ilustrações que representam os gêneros em relação à sua
propriedade são raras.
Notou-se que nos livros didáticos de Matemática, a propriedade continua
sendo masculina. A mulher, eventualmente pode ser proprietária, porém na ausência
de um homem na família. Fato que remete ao modelo de família patriarcal. A
175
representação de gênero em relação à propriedade também não incorporou as
transformações sociais ocorridas nas últimas décadas.
No que tange ao manuseio e gerenciamento do dinheiro, homens e mulheres
são representados realizando as mesmas operações financeiras, porém,
separadamente, fato que se aproxima da realidade na qual homens e mulheres têm
suas contas individuais e são responsáveis pela administração das mesmas.
Entretanto, ao não representar casais dialogando sobre as economias da família, os
livros didáticos desconsideram os que têm contas conjuntas, bem como, os casais
que fazem juntos o planejamento familiar. A falta de relação entre os cônjuges ou de
contato entre os gêneros na realização de transações financeiras e na administração
das economias da família pode levar os alunos e as alunas a interpretar que, no dia-
a-dia familiar, não há necessidade de existir planejamento sobre os gastos
familiares. Um dos cônjuges toma a decisão e os demais familiares a acatam.
Os resultados da pesquisa mostram ainda que os alunos e as alunas
aprendem que o cuidado com a família é uma tarefa feminina convergindo para o
argumento de Carvalho (1999) quando ela afirma que é tarefa das mulheres adultas
e amorosas cuidar das crianças nos papéis de mãe, professora, enfermeira, dentre
outros. A mulher é a responsável pela compra de alimentos, pelo cuidado com a
prole e pela preparação de festas comemorativas de aniversários e casamentos dos
filhos e filhas. O cuidado com o lar, aquisição de móveis e eletrodomésticos é
dividido entre homens e mulheres, porém não há diálogo entre os dois para a
decisão da reforma ou aquisição.
A relação entre os cônjuges não é contemplada pelos enunciados e
ilustrações dos livros investigados. Os gêneros são representados, na maioria das
vezes, separadamente. Fica nítida a diferença de papéis entre pais e mães, sendo a
mãe responsável pelo cuidado e educação e o pai pelo lazer, ou seja, para a rede
social de produção dos livros didáticos existem papéis para homens e mulheres
desempenharem no cuidado com os filhos e o lar. É como se homens e mulheres
vivessem em mundos paralelos. Este resultado se assemelha ao encontrado por
Tonini (2002) e Bonazzi e Eco (1980). A representação de pais e mães encontradas
nesta pesquisa coincide ainda com a que Deiró (s/d) encontrou em pesquisa
realizada no final da década de 1980 em livros de Comunicação e Expressão.
Assim, pode-se concluir que ao longo de mais de duas décadas houve pouca
176
mudança na forma de representar homens e mulheres no cuidado com a prole.
Levando-se em consideração o argumento de Neder (2003) de que é no ambiente
familiar que ocorre o início da socialização, uma criança que cresce em um ambiente
onde pais e mães não se relacionam pode ter prejudicada a construção da sua
identidade e ao chegar à escola já tem cristalizado alguns conceitos e preconceitos
sobre masculinidade e feminilidade.
Os demais membros da família como tia, tio, avó, avô, irmão e irmã recebem
pouco destaque. Na sociedade atual na qual os pais e mães necessitam do auxílio
dos familiares para cuidar dos filhos enquanto trabalham podia-se esperar que as
avós e os avôs estivessem mais presentes nos enunciados e ilustrações dos livros
didáticos de Matemática. Assim, pode-se concluir que os livros didáticos não
incorporaram as transformações ocorridas nas relações familiares nos últimos anos.
A representação da família ocorre em poucas ocasiões e sem manifestação de
carinho e afeto entre os membros da mesma. Sabe-se que as personagens têm
família, porém não está expresso em nenhum enunciado a importância que os
familiares têm na formação das crianças. Nas ilustrações pode-se perceber relação
afetiva entre o avô e os netos, porém em raras imagens, o que não dá a dimensão
da importância que estes membros da família têm para a vida cotidiana.
Considerando que o livro didático é uma ferramenta importante no processo de
ensino e aprendizagem, como viu-se anteriormente, os padrões por ele
estabelecidos podem ser interpretados pelas crianças como a expressão da verdade
e, desta forma, levá-las a uma compreensão equivocada da realidade.
Nos dias atuais, onde muitos casais dividem a responsabilidade pelo cuidado
com os filhos e a casa, os livros didáticos ainda representam os estereótipos de pai
provedor e mãe educadora e protetora. Os autores e autoras poderiam se valer de
enunciados e ilustrações que representassem a interação entre os gêneros com o
intuito de contribuir para a formação da identidade e da subjetividade das crianças.
Poderiam ainda mostrar, em alguns momentos, a “inversão dos papéis”, com mãe
provedora e pai educador, a fim de mostrar que esta é uma situação possível. Enfim,
os livros didáticos poderiam contemplar a multiplicidade de relações familiares e não
reafirmar um único padrão de família.
O número de enunciados que representa meninas e meninos brincando pode
ser considerado grande. Porém, nos livros do primeiro período analisado eram
177
quase inexistentes. Meninas e meninos são representados em diversas brincadeiras.
Em algumas situações eles e elas são representados brincando juntos e as
atividades escolhidas para a brincadeira, geralmente são jogos como videogame e
de adivinhação, por exemplo. Isso ocorre tanto nos enunciados quanto nas
ilustrações. Estes enunciados e ilustrações, que são pouco utilizados, representam
excelente oportunidade para desconstruir a imagem de que existem brincadeiras
para meninas e outras para meninos e incentiva a interação entre as crianças de
ambos os sexos nas atividades recreativas. Nesta categoria pôde-se perceber
relação de afeto e carinho entre as personagens o que leva a concluir que nos
momentos de lazer é permitido às crianças manifestarem esses sentimentos.
As principais brincadeiras dos meninos e meninas são colecionar figurinhas e
jogar bafo. Notou-se a ausência da prática de jogos coletivos como futebol, vôlei e
basquete nos enunciados, entretanto, as ilustrações contemplam estes esportes.
As brincadeiras, na maioria das vezes são desenvolvidas por mais de uma
criança o que coincide com a realidade na qual, geralmente, as crianças brincam em
duplas ou grupos. Notou-se a ausência da clássica representação de crianças
brincando de bonecas, bem como a pouca representação da brincadeira com
carrinhos que ficou limitada a raros enunciados e ilustrações. No geral, as atividades
desenvolvidas pelas meninas são menos dinâmicas do que as desenvolvidas por
meninos, o que contribui para a construção da imagem de meninas mais passivas e
organizadas e meninos mais agitados e criativos (CAVALCANTI, 2003).
No que tange à representação de gênero nos momentos de estudo ou de
vinculação com a aprendizagem pôde-se perceber que meninas e meninos foram
representados nos livros didáticos dos dois períodos analisados. Porém, as
atividades desenvolvidas por eles e elas estavam desvinculadas da vida em
comunidade o que contribui para a construção da imagem de que a Matemática não
tem utilidade para o futuro das crianças e que por isso não há sentido em estudá-la.
Na maioria dos enunciados aparece a relação com a escola e principalmente com o
sistema de avaliação e freqüentemente os meninos tiram notas baixas nas provas.
A relação de amizade aparece em poucos enunciados e ilustrações. O que
pode indicar que a escola não é o local adequado para a construção de amizades.
As brigas e discordâncias entre os alunos e alunas também não aparecem nos livros
didáticos, bem como a relação com as professoras e professores parece ser sempre
178
pacífica. Isso diverge da realidade na qual o espaço escolar é um dos principais
locais para a construção de relações de amizade, bem como, um espaço em que
ocorre o choque entre os gêneros o que pode causar discordâncias entre os sujeitos.
Os enunciados e ilustrações representam meninas e meninos estudando
juntos, porém o vínculo afetivo aparece em poucas situações. De um modo geral,
meninos e meninas submetem-se às ordens da professora ou do professor.
Raramente eles e elas são representados transgredindo os padrões socialmente
estabelecidos. Se a escola é responsável por moldar os alunos de acordo com os
padrões e normas da sociedade, conforme o argumento de diversas autoras e
autores, dentre eles Apple (2002), Louro (2001a), Libâneo (2003) e Cavalcanti
(2003), os alunos e alunas representados pelos livros didáticos reproduzem essas
regras e padrões. Neste processo de reprodução a escola, por meio dos/as
profissionais da educação, de sua estrutura e dos livros didáticos, tem papel
fundamental.
Os autores e autoras de livros didáticos de Matemática se valem de
exercícios que comparam dados de mais de uma personagem para problematizar os
assuntos matemáticos. Pôde-se perceber que os principais dados utilizados para
este tipo de problema são idade, altura e peso, tanto de meninas e mulheres, quanto
de meninos e homens. Ao centrar a atenção nos dados pessoais, deixa-se de lado
outros fatores da vida em comunidade que poderiam ser explorados neste tema e
contribuir para a construção da cidadania e o desenvolvimento da consciência crítica
dos alunos e alunas. Com relação aos conteúdos, os PCN’s indicam que a inclusão
de “questões que possibilitem a compreensão e a crítica da realidade” (BRASIL,
Secretaria de Educação Fundamental, 1998a, p. 23) proporciona aos alunos e
alunas a oportunidade de utilizá-los para a reflexão e transformação da realidade e,
por conseqüência, de sua vida. Assim, essas questões poderiam ser mais
exploradas nos livros didáticos.
A questão racial foi contemplada em algumas ilustrações em diversas
categorias, principalmente nos livros do segundo período. Isso pode significar que os
autores e autoras estão buscando a adaptação às normas estabelecidas pelo PNLD
ao mostrarem crianças de diversas raças estudando e brincando juntos. Porém a
inclusão das demais raças nos livros didáticos ocorre em poucas ilustrações. Foster
chama a atenção para a necessidade das crianças negras se verem representadas
179
nos livros didáticos em posição de igualdade com as de outras raças e etnias pois,
para a autora, “inúmeras referências sobre o negro que são repassadas na escola
ainda o associam como sujeito submisso, pobre, que ocupa posições inferiores (s/d,
p. 37) o que difere da representação encontrada nesta pesquisa. Mesmo sendo
minoria, os negros são representados, na maioria dos casos, em condições de
igualdade com as demais raças e etnias.
De um modo geral pode-se concluir que os gêneros são representados de
forma diferenciada nos livros didáticos de Matemática. A representação de homens e
meninos é mais freqüente que a de mulheres e meninas. Eles são representados em
situações mais diversas que elas. São mais autônomos, têm mais iniciativa, além de
serem mais aventureiros. Em diversas ocasiões encontrou-se o estereótipo de
homens e mulheres como no caso da professora e do cientista, por exemplo. Louro
(2001a) argumenta que a escola é o lugar onde as pessoas aprendem a se conhecer
e reconhecer, assim as/os profissionais da educação e os livros didáticos, bem
como, as/os colegas servem como modelo para que os alunos e alunas aprendam
como ser e se comportar, agir e reagir, para serem considerados/as homem ou
mulher. Ao representar os gêneros de forma distinta e desigual, os livros didáticos
estão contribuindo para a construção e manutenção das desigualdades de gênero
que, por sua vez, contribuem para a construção e manutenção de outras
desigualdades sociais. Não se trata de negar a diferença entre homens e mulheres e
sim questionar a transformação dessas diferenças em desigualdades, questionar a
valorização de um dos gêneros (masculino) em detrimento do outro (feminino).
Percebeu-se ainda que às mulheres está destinado o espaço privado
enquanto que aos homens o espaço público. Assim pode-se dizer que para os
profissionais que editam os livros didáticos de Matemática, homens e mulheres
vivem em mundos separados e raramente se encontram. Os livros analisados não
incorporaram as transformações nas relações sociais ocorridas nas últimas décadas.
Os livros didáticos deixam escapar as oportunidades de abordar questões
vinculadas com a realidade dos alunos, e, se a escola tem papel fundamental na
formação dos/as jovens para atuar na sociedade (LIBÂNEO, 2003), ao não
representar os gêneros em situações relacionadas ao dia-a-dia, o livro didático não
está cumprindo seu papel na construção da cidadania conforme sugerem os PCN’s,
(BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental, 1998a).
180
Cavalcanti (2003) argumenta que os alunos e alunas são educados por meio
de ações intencionais ou não. Assim os livros didáticos, mesmo que
involuntariamente, contribuem para a formação do olhar dos/as discentes sobre o
mundo por intermédio das representações de gênero, raça, etnia, dentre outras. Se
por um lado os livros didáticos representam homens e mulheres em universos
separados, por outro, contemplam a visão relacional de gênero ao representar a
interação de meninas e meninos nas brincadeiras e nos momentos de
aprendizagem.
As relações de gênero não são conteúdo do currículo oficial da disciplina de
Matemática, porém se fazem presentes por meio do currículo oculto que transmite
como mensagem subliminar a maneira como cada gênero deve se comportar para
ser aceito na sociedade. Pelo currículo oculto ensina-se o que a sociedade espera
de cada pessoa (SILVA, 2004). A preocupação com a mensagem subliminar no que
tange às representações de gênero se justifica, pois, segundo Freitag, Costa e Motta
(1997) os professores tendem a acatar o conteúdo (explícito ou não) dos livros
didáticos como a expressão da verdade e assim, transmitem-no para seus alunos e
alunas sem questioná-lo, e, como foi visto no capítulo 3, o livro didático tem
importância fundamental na formação de professores e professoras e em muitos
casos é o único livro a que eles e elas têm acesso.
Não se trata de considerar o livro didático como o “salvador” da sociedade,
nem tampouco considerar que ele pode transformar radicalmente as relações
sociais. Trata-se de pensar que o livro didático pode propor novos caminhos, pode
apontar que é possível construir relações de eqüidade entre os gêneros, as raças e
as classes. Sabe-se que ele é apenas um dos elementos responsáveis pela
construção das identidades dos alunos e alunas, porém, por serem companheiros de
caminhada podem contribuir para que as crianças e adolescentes vislumbrem
diversas possibilidades de relações entre os sujeitos, diversas formas de
identificação, bem como, que as noções de masculinos e femininos não são únicas,
que existem múltiplas possibilidades e modelos que podem ser seguido. Ressalta-se
o papel dos professores e professoras no desenvolvimento de sujeitos críticos e
preparados para atuar na sociedade como agentes transformadores da realidade.
Esse profissionais devem, primeiramente, estar cientes das representações de
gênero, classe e raça nos livros didáticos para que possam, posteriormente,
181
argumentar e discutir com seus alunos e alunas sobre tais representações e como
elas contribuem ou não para a construção ou manutenção das desigualdades
sociais.
Sendo a educação responsável por criar regras e padrões que seguirão
muitos indivíduos pelo resto de suas vidas (BERGHAHN, 2003), os livros didáticos,
ao representar os gêneros de forma dicotomizada, ao não privilegiar as relações
entre as pessoas, ao ocultar as relações afetivas, estão contribuindo para formar nas
crianças e adolescentes uma visão equivocada das relações de gênero, bem como,
para “naturalizar” a hierarquização das atividades de cada gênero. Nos livros do
segundo período o número de enunciados e ilustrações representando a interação
entre os gêneros é superior ao dos livros do primeiro período o que pode indicar o
início da incorporação das transformações nas representações de gênero.
Se o livro didático atende ao interesse de uma classe, normalmente da classe
dominante (OLIVEIRA, GUIMARÃES e BOMÉNY, 1984), então as representações
de gênero contidas neles também o fazem. Assim, o padrão dominante mantém a
mulher relacionada ao mundo privado enquanto que o espaço público fica destinado
ao homem, o que pôde ser notado nas categorias que representam homens e
mulheres. Considerando ainda que os livros didáticos podem “contribuir para a
educação social e cultural dos alunos” (BRASIL, Ministério da Educação e da
Cultura, 2004a, p. 196) pode-se questionar se os livros didáticos estão contribuindo
para a formação de cidadãos e cidadãs críticos e participativos.
Com a implantação da avaliação dos livros didáticos na década de 1990, por
meio do PNLD, esperava-se que as representações de gênero tendessem a se
aproximar da realidade, entretanto observou-se poucas diferenças nessas
representações nos dois período analisados. Convém ressaltar que há 10 anos entre
os dois períodos e que esta década foi rica em transformações sociais e,
conseqüentemente, nas relações de gênero. Embora o número de enunciados e
ilustrações que representam as relações de gênero tenha aumentado
significativamente nos livros do segundo período analisado, a forma de representar
homens e mulheres, meninas e meninos, praticamente não sofreu alteração. Os
resultados desta pesquisa se aproximam, em muitos casos, aos obtidos em
pesquisas sobre livros e textos didáticos realizadas na década de 1970 não somente
no Brasil. Assim pode-se concluir que as transformações sociais e culturais ocorridas
182
nesta virada de milênio não foram incorporadas pelos livros didáticos de Matemática,
pelo menos, no que tange as representações de gênero.
8.2 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS
No decorrer desta caminhada pôde-se vislumbrar outros caminhos a serem
trilhados. Como esta pesquisa não podia seguí-los deixa-se aqui como sugestão
para que outros pesquisadores ou pesquisadoras possam por eles se aventurar e
desvendar outras questões sobre o livro didático. A seguir serão apresentados
alguns questionamentos que na opinião desta pesquisadora merecem serem
elucidados futuramente.
Como os gêneros são representados nos livros didáticos de outras
disciplinas?
Os livros didáticos de Matemática para o ensino de 1ª a 4ª séries
seguem o mesmo padrão de representação de gênero encontrados
nesta pesquisa?
Quais as relações entre as representações de gênero nos livros
didáticos e o prazer e a aptidão para o estudo de Matemática?
Há diferença na forma como meninas e meninos adquirem
conhecimento matemático?
A problematização dos conteúdos matemáticos está direcionada a um
dos gêneros?
Como professoras e professores, alunas e alunos percebem as
representações de gênero nos livros didáticos?
Quais os motivos que levam alunos e alunas a tirarem notas baixas e
não gostarem de Matemática? Tem algo a ver com o livro didático?
Os cursos de licenciatura abordam as questões de gênero?
183
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Educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 1999, p. 34-82.
WHITELAW, Sarah. Questões de gênero e eqüidade na formação docente. In: DE
CARVALHO, Maria Eulina P. de; PERREIRA, Maria Zuleide da C (orgs). Gênero e
Educação: Múltiplas faces. João Pessoa: Universitária/UFPB, p. 33-44, 2003.
189
APÊNDICE A – LIVROS DIDÁTICOS ANALISADOS QUE FORAM PUBLICADOS
NO PERÍODO DE 1990-1993.
BIANCHINI, Edvaldo. Matemática: 6ª série. São Paulo: Moderna, 1991.
BONGIOVANNI, Vincenzo, Leite, Olímpio Rudinin VISSOTO e LAUREANO, José
Luiz Tavares. Matemática e Vida: 5ª série. São Paulo: Ática, 1990.
BONGIOVANNI, Vincenzo, Leite, Olímpio Rudinin VISSOTO e LAUREANO, José
Luiz Tavares. Matemática e Vida: 6ª série. São Paulo: Ática, 1990.
GIOVANNI, José Ruy, CASTRUCCI, Benedito e GIOVANNI JR., José Ruy. A
conquista da Matemática: Teoria e aplicação: 5ª série. São Paulo: FTD, 1992.
190
APÊNDICE B – LIVROS DIDÁTICOS ANALISADOS QUE FORAM PUBLICADOS
NO PERÍODO DE 2000-2003.
BIGODE, Antonio José Lopes. Matemática hoje é feita assim: 5ª série. São Paulo:
FTD, 2000a.
BIGODE, Antonio José Lopes. Matemática hoje é feita assim: 6ª série. São Paulo:
FTD, 2000b.
CENTURIÓN, Marília, JAKUBOVIC, José e LELLIS, Marcelo. Novo Matemática na
medida certa: 5ª série. São Paulo: Scipione, 2003a.
CENTURIÓN, Marília, JAKUBOVIC, José e LELLIS, Marcelo. Novo Matemática na
medida certa: 6ª série. São Paulo: Scipione, 2003b.
DANTE, Luiz Roberto. Tudo é Matemática: 5ª série. São Paulo: Ática, 2003a.
DANTE, Luiz Roberto. Tudo é Matemática: 6ª série. São Paulo: Ática, 2003b.
GIOVANNI, José Ruy, CASTRUCCI, Benedito e GIOVANNI JR., José Ruy. A
conquista da Matemática: a + nova 5ª série. São Paulo: FTD, 2002a.
GIOVANNI, José Ruy, CASTRUCCI, Benedito e GIOVANNI JR., José Ruy. A
conquista da Matemática: a +nova: 6ª série. São Paulo: FTD, 2002b.
IEZZI, Gelson, DOLCE, Osvaldo e MACHADO, Antonio. Matemática e Realidade:
5ª série. São Paulo: Atual, 2000a.
IEZZI, Gelson, DOLCE, Osvaldo e MACHADO, Antonio. Matemática e Realidade:
6ª série. São Paulo: Atual, 2000b.
ISOLANI, Clélia Maria Martins, MIRANDA, Diair Terezinha Lima, ANZZOLIN, Vera
Lúcia Andrade e MELÃO, Walderez Soares. Matemática: 5ª série. Curitiba: Módulo,
2002.a
ISOLANI, Clélia Maria Martins, MIRANDA, Diair Terezinha Lima, ANZZOLIN, Vera
Lúcia Andrade e MELÃO, Walderez Soares. Matemática: 6ª série. Curitiba: Módulo,
2002b.
PIRES, Célia Carolino, CURI, Edda e PIETROPAOLO, Ruy. Educação Matemática:
5ª série. São Paulo: Atual, 2002a.
PIRES, Célia Carolino, CURI, Edda e PIETROPAOLO, Ruy. Educação Matemática:
6ª série. São Paulo: Atual, 2002b.
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