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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO MOVIMENTO HUMANO
MESTRADO EM CIÊNCIAS DO MOVIMENTO HUMANO
VERA LUCIA ZAMBERLAN ANGHEBEN
A GINÁSTICA RÍTMICA NA CORPOREIDADE DOS ACADÊMICOS DE
EDUCAÇÃO FÍSICA: RELAÇÕES ENTRE O PENSAR, FALAR E AGIR COM O
CORPO
Orientador: Prof. Dr. Jorge Luiz de Souza
Porto Alegre
2005
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VERA LUCIA ZAMBERLAN ANGHEBEN
A GINÁSTICA RÍTMICA NA CORPOREIDADE DOS ACADÊMICOS DE
EDUCAÇÃO FÍSICA: RELAÇÕES ENTRE PENSAR, FALAR E AGIR COM O
CORPO
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Ciências do Movi-
mento Humano pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Luiz de Souza
Porto Alegre
2005
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À minha mãe
( in memoriam )
Ao meu pai,
meu reconhecimento e toda a minha
gratidão.
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AGRADECIMENTOS
Diz Goethe:
No momento em que alguém assume um compromisso definitivo consigo mesmo, a
Providência também passa a agir. Começa a acontecer todo tipo de coisas para ajudar esse
alguém, o que não aconteceria se esse compromisso não existisse. Uma torrente de eventos
emana das decisões, favorecendo a pessoa com toda espécie de encontros imprevistos e de
ajuda material que homem nenhum poderia sonhar encontrar no seu caminho.
Tudo que você puder fazer ou sonhar você alcançará. Sendo assim, mãos à obra. A
ousadia contém genialidade, poder, magia. Comece agora!”
E assim aconteceu. Aliás, acredito que toda a mágica do viver consiste em ter a
ousadia de assumir um desafio. Dei o primeiro passo com toda a força de intenção que me
era possível e tive na mesma proporção, todo o auxílio que necessitava.
Quando se trilha uma jornada de mestrado, leva-se de roldão muitas pessoas, muitas
coisas, muitos momentos, muitas ilusões, muitas inquietações, muitas emoções, enfim, muito,
muito, de tudo um pouco. Então, também se tem muito a agradecer, aliás, só se tem a
agradecer...
Agradeço em primeiro lugar, Àquele que do alto tudo vê e tudo toca. Pelo Seu toque
possibilitando-me realizar, sou-lhe imensamente grata.
À Universidade Federal do Rio Grande do Sul, pela oportunidade. A todos os
professores com que tive contato, pelo conhecimento transmitido, pelo aprendizado efetuado,
pelas trocas estabelecidas. A todos os colegas de curso pelos excelentes momentos que
vivenciamos.
Em especial, ao apoio de toda a minha família, que sempre soube compreender
minhas presenças ausentes, propiciando momentos de alegria e descontração que me
auxiliavam espairecer as tensões dos trabalhos, das leituras e da escrita do texto.
À parceria dos meus filhos, Melissa e Christian. Sou grata ainda, pela cumplicidade
do Christian, também pesquisador da UFRGS, pelo incentivo e por ser o “meu pronto
socorro da informática”, um dos problemas que também tive que enfrentar no decorrer deste
percurso.
Acredito na amizade. Assim agradeço a todos os meus amigos que emprestaram sua
paciência para me ouvir falar em mestrado durante este período. Meu agradecimento
especial à amiga de muitos anos, professora Margaret Biasi, que além de incentivar-me na
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realização do curso e de dar uns “pitacos” sobre o trabalho com sua experiência na área,
colaborou desprendidamente, colocando-me à disposição sua biblioteca particular.
A todos os que se envolveram e foram por mim envolvidos neste tempo, meus
pacientes e amigos da Clínica UNIVÉRTTICE.
As vezes, uma pequena conversa no intervalo de uma aula para outra, vem dotada de
tanto significado que nos garante a força necessária para irmos adiante. Assim, aconteceu o
apoio que obtive do professor Dr. Vicente Molina Neto neste trabalho, meu muito obrigado.
À docente da disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos, professora Veruska Pires,
por ter-me acolhido com presteza e amizade, abrindo sua sala de aula durante todo o
semestre, para colaborar com esta pesquisa.
Aos acadêmicos que participaram desta investigação. Foram eles toda a razão deste
estudo. Sua disponibilidade, seu carinho e seu empenho fizeram com que suas experiências
fossem as minhas. Sou-lhes eternamente grata.
Reverencio e agradeço ao meu orientador, professor Dr. Jorge Luiz de Souza.
Primeiramente pela sua forma “humana de ser”, pela alegria, pela disponibilidade que
possui com seus orientandos, pela confiança que me transmitiu, pelo conhecimento e pela
firmeza com que conduz o seu trabalho.
A fala silenciosa da corporeidade humana fêz-se presente durante este tempo de curso
e ecoou no cotidiano de cada um, estabelecendo sua teia de inter-relações, tecendo
criativamente cada momento. E, por isto, a todos que por mim passaram e pelos quais
também passei, agradeço. Trilhei esta jornada vendo cada pessoa envolvida como uma fonte
de luz, que de uma maneira ou outra, iluminou este percurso possibilitando que se
estabelecessem conexões interfuncionais, que auxiliaram nas vivências corporais, bem como,
na construção plural de cada um, em benefício do singular. A todos, meu sincero
agradecimento.
5
É das experiências individuais que retiramos os subsídios
para entender o universo como um todo e o nosso próprio.
E, a partir daí, movimentamos os cordéis do nosso mundo.
Jerson dos Santos Oliveira
6
RESUMO
Esta dissertação trata da Corporeidade dos acadêmicos de Educação Física que
cursam a disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos. Analisa como os acadêmicos
percebem-se; as relações que estabelecem entre o pensar, o falar e o agir corporalmente; e as
contribuições que a percepção do trabalho corporal oferecido por essa modalidade podem
prestar ao modo de ser desses estudantes em seu cotidiano. O estudo consistiu em
problematizar as questões do corpo, abarcando a importância da imagem corporal, da
percepção do corpo e da influência da Ginástica Rítmica nessas relações como fonte de
entendimento da corporeidade do acadêmico. O material empírico foi coletado por meio dos
seguintes instrumentos: entrevista semi-estruturada (inicial e final), notas de campo, filmagem
(quatro seqüências) e memoriais descritivos (ao final de cada aula e um no final do semestre).
O grupo de participantes foi constituído pelos integrantes da turma de acadêmicos da
ESEF/UFRGS, num total de 12, que cursavam a disciplina de Ginástica Rítmica
Fundamentos. Desse grupo, cinco eram garotas e sete eram rapazes. A pesquisa de campo
ocorreu no segundo semestre de 2003, nas dependências da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, mais precisamente no Ginásio Bugre Lucena da ESEF. O estudo permitiu que
as reflexões construídas nesse grupo apresentassem como resultado uma atenção e uma
compreensão maiores sobre as questões corpóreas, conduzindo a um entendimento maior
sobre a corporeidade desses acadêmicos e configurando uma possibilidade relevante de
aprofundamento dos conhecimentos nessa área, tanto para o profissional de Educação Física
como para as pessoas em geral.
7
ABSTRACT
This dissertation deals about the Corporeity of physical education undergraduate
students who attend classes of Principles of Rhythmic Gymnastics. It were analyzed (1) how
the students perceive themselves; (2) what are the relationships established among thinking,
talking, and acting corporally; as well as (3) what are the contributions that the perception of
the corporal work offered by this discipline can give to the students’ way of life.
The main purpose of this study was to evaluate body questions, including the
importance of body image, the perception of one’s own body, and the influence of Rhythmic
Gymnastics on those relations as a source of comprehension of the student’s corporeity. The
empirical information was collected from semistructured interviews (initial and final), field
notes, filming (four shots), and descriptive memorials (at the end of each class and one at the
end of the semester). Twelve undergraduate students of the School of Physical Education
(ESEF) of the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS), being five male and seven
female, all of them attending classes of Principles of Rhythmic Gymnastics, participated in
the study. The field research was developed in the Bugre Lucena Gymnasium of
ESEF/UFRGS, on the second semester of 2003. The study led up to some reflections on the
results that the research group has come to. These results showed a better attention to and a
better comprehension of body issues, thus leading to a better understanding of the students’
corporeity and configuring a good possibility, both for Physical Education professionals and
general people, of deepening their knowledge in this area.
8
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO............................................................................................................. 10
1 A FALA SILENCIOSA DA CORPOREIDADE.............................................................. 23
1.1 Corpo: este comunicador descritivo, expressivo e simbólico...................................... 23
1.2 Imagem corporal: o implícito e o explícito.................................................................. 29
1.3 Percepção corporal: liberdade continuamente renovada.............................................. 35
1.4 Corporeidade: ser vivente- testemunho das suas experiências, mergulhado
na rede de inter-relações, como construtor de sua singularidade................................. 39
1.5 Ginástica Rítmica: a procura do novo.......................................................................... 46
1.6 Ginástica Rítmica: a descoberta do novo..................................................................... 51
1.7 A Ginástica Rítmica e a percepção: um tecer criativo................................................. 55
1.8 A teia em movimento e sentimento: interação entre corpo, Ginástica
Rítmica, corporeidade e acadêmicos de Educação Física............................................ 60
2 PERCURSOS E ESTRATÉGIAS: OPÇÕES METODOLÓGICAS ................................ 71
2.1 Escolha metodológica................................................................................................... 71
2.2 Objetivos e problema da pesquisa................................................................................ 76
2.3 Ferramentas investigativas............................................................................................79
2.4 Grupo participante e seu espaço interativo................................................................... 83
2.5 Composição das informações....................................................................................... 84
3 GUARDIÃES DA MENSAGEM: O ECO SILENCIOSO DO COTIDIANO
NA CORPOREIDADE.......................................................................................................93
3.1 Seres comunicantes: conexões interfuncionais............................................................ 93
3.2 Corpos: espelho de imagens em julgamento.............................................................. 110
3.3 Vivências corporais: experiências dotadas de significados....................................... 128
3.4 Corpo: uma construção plural em benefício do singular........................................... 148
4 VOZES QUE ADVOGAM: REFLEXÕES FINAIS...................................................... 174
9
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................185
ANEXOS.......................................................................................................................... 194
Anexo A - Termo de consentimento da docente........................................................... 195
Anexo B - Termo de consentimento e declaração do participante................................ 196
Anexo C - Ficha com dados pessoais do participante................................................... 198
Anexo D - Roteiro da Entrevista Inicial........................................................................ 199
Anexo E - Roteiro da Entrevista final........................................................................... 202
Anexo F - Roteiro do Memorial Descritivo.................................................................. 205
Anexo G - Entrevista Inicial......................................................................................... 206
Anexo H - Entrevista Final........................................................................................... 211
Anexo I - Memorial Descritivo.................................................................................... 214
Anexo J - Memorial Descritivo Final.......................................................................... 219
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APRESENTAÇÃO
Ao me lançar na tarefa de escrever esta dissertação pensei em construir um texto que
reunisse não só alguns elementos que compõem a perspectiva a partir da qual sempre
trabalhei, o corpo e a Ginástica Rítmica, mas que pudesse oferecer a outras pessoas
envolvidas com a Educação Física algumas alternativas para novas reflexões ou novas
investigações.
Não se constitui na pretensão de produzir algo de verdadeiro, no sentido definitivo,
absoluto, mas talvez, de proporcionar novos relances, que não implicam em silêncio de
estupefação, mas que possam ser utilizados como as chaves de uma caixa de ferramentas.
O conhecimento adquirido e produzido no decorrer do curso, envolvendo as aulas do
programa de pós-graduação, o contato com os acadêmicos que observei, as pessoas que
compartilharam deste trabalho de várias maneiras, foi construindo um caminho para que esta
dissertação pudesse acontecer.
Se todos tivéssemos idênticas reações à mesma experiência, não haveria necessidade
de novas buscas. Portanto, ao falar desta pesquisa, falo de sentimento. Penso que a mesma
nasceu de uma insatisfação com as significações já existentes. Assim, decidi colocá-las pelo
11
avesso e investigar, destacar, outras redes de significados sobre o corpo humano, mais
especificamente, no que diz respeito ao acadêmico de Educação Física. Utilizei a Ginástica
Rítmica, caminhando pela imagem corporal, pela percepção do corpo e tendo como eixo
norteador a corporeidade.
A opção por este tema surgiu justamente pelas experiência de muitos anos trabalhando
com o corpo. Apaixonada pelo ritmo, pelos desafios da coordenação motora, pela nova forma
de movimentos que a Ginástica Rítmica propõe, pela sua complexidade de gestos, pela sua
beleza e harmonia com o trabalho rítmico associada a pequenos aparelhos, tinha uma fonte de
criatividade nas mãos através dos corpos dos outros e do meu próprio.
Durante minhas vivências como técnica de equipe de Ginástica Rítmica, como árbitro
da modalidade ou ainda conduzindo a delegação do Rio Grande do Sul ou do Brasil em
competições, sempre fui uma observadora da fenomenologia corporal. No período de minha
docência universitária, versando um total de trinta e dois anos numa tarefa ativa na disciplina
de Ginástica Rítmica, sempre interagi com os acadêmicos de Educação Física. Éramos, em
cada aula, corpos fazendo a própria história de forma ampla e exclusiva. Na verdade, para
mim, uma jornada intensa de observações, de análise, de questionamentos, de labuta de
campo, em busca das relações com o corpo.
Percebi sempre a necessidade de propor atividades que auxiliassem o trabalho a ser
feito de dentro para fora, ou seja, que a parte criativa do aluno fosse expressa num sentido de
dar ao gesto, ao movimento e ao ritmo, o sentimento da qualidade individual, construindo
assim, o entendimento do seu próprio mecanismo de ação – seu corpo.
12
Um corpo visto numa abordagem diferente das métricas dos exercícios convencionais,
um corpo sensorial, um corpo para se viver, para se experimentar, buscando assim, elementos
que favorecessem a própria percepção corporal, que permitissem o distinguir-se no mundo,
desenvolvendo um entendimento do gesto, libertando-se das influências do modismo, no
sentido de ser um corpo e não só de ter um corpo.
Mesmo ciente de que os corpos com os quais eu interagia eram singulares e
complexos, sempre acreditei no ser humano como uma realidade corporal. Um conjunto
expressivo de experiências pessoais que vão construindo e constituindo sua singularidade.
Corpo sou eu, você, nós. Na verdade, um somatório de experiências variadas,
expressas através do movimento, com uma bagagem personalizada - o maior produto de
inteligência deste planeta.
Embora sempre tenha labutado sob esta ótica, algo instigava-me mais a buscar na
pesquisa as respostas que até já poderia supor, mas que precisava verificar sob o olhar do
pesquisador. Olhar, este, fundamentado na observação, na fala do próprio acadêmico fora da
relação professor-aluno, nos comentários ao verem-se numa tela de vídeo, enfim, sentir o
outro lado da sala de ginástica para poder chegar a um entendimento maior sobre como o
acadêmico pensava sobre seu corpo, como falava do mesmo e como se via. E, principalmente,
se o pensar, o falar e o agir seu corpo, estavam em uníssono.
13
Saí em busca do novo. Em falando de novo, refiro-me a algo que tinha certeza que
poderia contribuir para melhorar, significar, introduzir mudanças na minha rotina de vida, que
poderia trazer sentimentos contraditórios, fazendo-me rever minhas posições. Impus-me o
desafio e aceitei.
Encontrei em Morin, quando fala sobre a “Imunologia das Idéias”, algo que me
prendeu a atenção sobre esta nova etapa que me dispunha a enfrentar. Diz o autor:
Todo o sistema, inclusive o de idéias, tende, com o tempo, a degradar-se, corromper-se, desin-
tegrar-se. Contra esta entropia crescente, ele deve lutar pelo calor, isto é, pela atividade permanen-
te de auto-revisão e auto-reorganização, através do intercâmbio com o mundo exterior e de diálogos
com outros sistemas de idéias (1986, p.92).
O caminho para chegar à efetivação deste estudo confunde-se com momentos de
conhecimento, reconhecimento, inseguranças, incertezas, determinação e muito empenho. Na
verdade, tive que aquecer, trazer calor ao meu sistema de idéias, num desafio ora agradável,
outras vezes difícil, mas a intenção era forte e eu sempre acreditei na intencionalidade do
homem.
Como fala Goellner:
Quando me refiro a fazer pesquisa, falo de uma atitude investigativa, criadora que faz pulsar
em nós o desejo de conhecer algo que desconhecemos ou que pouco conhecemos. Falo da paixão de
aprender. Falo do aprendizado, porque essa é uma atitude que precisa ser forjada em nós na medida
que vivemos num tempo onde a superficialidade das informações e a rapidez com que são produzi-
das e divulgadas colaboram para que nos tornemos acomodados diante do que é exposto, muitas ve-
zes, travestido como verdade irrefutável (1999, s/p).
Com o olhar voltado à pesquisa, com vistas ao ser humano como unidade, fonte de
suas próprias experiências, advindas das percepções, das sensações e dos sentimentos
14
individuais, busquei referências teóricas que fundamentassem este trabalho, acumulando nesta
jornada um conhecimento maior sobre o assunto num processo contínuo.
Encontrei na afirmativa de Santin, um ponto de partida para esta investigação:
O corpo pode ser visto como uma simples máquina e um mero instrumento, ou como uma
obra de arte e de beleza. O que revela a grandiosidade do corpo humano é percebê-lo como a própria
presença do homem no mundo. O corpo humano em movimento é uma riqueza incalculável que
pode ser explorada diferentemente pela Educação Física. O corpo pode ser reduzido a um objeto dis-
ciplinado e explorado como um utensílio qualquer, ou pode ser visto como um organismo vivo a ser
desenvolvido, vivido e cultuado com equilíbrio e harmonia (1993, p.8).
Neste fio condutor, ou seja, compreendendo o corpo como detentor de significados,
sem ser unicamente uma central de energia que ativa ações motoras, mas um corpo que
silenciosamente fala, que tem sensibilidade, movimento, criatividade e ludicidade, fui tecen-
do este estudo.
Compreendendo que o ser humano constitui-se em um legado de vivências pessoais
que abarcam um conjunto de fatores que transitam entre o social, o cultural, o físico, o
psíquico e o filosófico, determinando seu modo de ser no mundo. Entendi que a constituição
deste conhecimento deveria ser a partir da corporeidade.
Estudiosos da corporeidade como Morais, falam da complexidade do tema, bem como
da sua relevância, em conferência pronunciada no III Simpósio de Educação Física, em São
Paulo, explanando:
15
A tematização da corporeidade é, em si mesma complexa e insidiosa. Uma coisa é a abor-
dagem de um corpo que se esquadrinha observacional e laboratorialmente, no deslindamento de
suas estruturas anatômicas e de suas fisiologias; nesse caso, o distanciamento e certa objetividade tor-
nam-se possíveis possibilitando ao estudioso básica serenidade. Mas outra coisa muito distinta é
voltarmo-nos sobre o corpo que somos e vivenciamos, no complexo horizonte da existencialização.
Pode ocorrer que os mais interessantes discursos sobre o corpo façam-se em véus de fumaça
que mais dificultem a “visibilidade” do motivo proposto; há textos sobre a realidade corporal que
se afastam (e nos afastam) assustadoramente da corporeidade enquanto reflexão (1992, p.71).
Nesta perspectiva, é possível referenciar que a vida do ser humano é um processo que
possui subjetividade e que detém modos de ser e de agir diferenciados.
Então para adentrar num estudo sobre a corporeidade humana, seria necessário
focalizar pontos que fossem relevantes ao mesmo e que me permitissem analisar de forma
ampla o fenômeno humano.
Assim, iniciei a partir do corpo, situando-o como um comunicador, descritivo,
expressivo e simbólico.
Concordo com Soares (2001), quando afirma que o corpo através de sua materialidade
e de seus gestos traça desenhos no espaço que nos permitem a compreensão de toda uma
dinâmica de elaboração de códigos, pelos quais podemos identificar seus hábitos, sua cultura,
sua história. Um movimento, uma gestualidade corporal, detém o poder revelador de uma face
densa de significados. Como porta-voz da comunicação, seria através do corpo que chegaria
às vias de fato deste trabalho.
Tendo o mesmo como alvo e situando-o como o veículo do ser-no-mundo, direcionei
meu olhar sobre a imagem que o acadêmico de Educação Física que estava cursando a
16
disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos possuía de si mesmo. Isto constituiria um dado
importante a ser constatado, porque implicaria nas influências da modernidade nos corpos
atuais, nas posturas corporais e na maneira de ser de cada um dos participantes do grupo de
pesquisa.
Encontrei nos estudos de Schilder, quando fala sobre imagem corporal, a seguinte
conceituação: “Entende-se por imagem do corpo humano a figuração do nosso corpo formada
em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para nós” (1994, p.54).
Considerando a imagem corporal como a forma que vemos nosso corpo, a abordagem
deste tema significa, neste estudo, um modo de verificar como o acadêmico vê-se e como ele
vivencia-se.
Para que o corpo se apresente, como fala Tavares,
[...]
como uma imagem na nossa mente, é preciso que ele exista para nós mesmos como um
objeto concreto, significativo, que nos cause impacto e se distinga entre tantos outros objetos
que se apresentam ao indivíduo produzindo imagens (2003, p.83).
Uma imagem implícita e explicita. Esta imagem corporal que cada indivíduo possui de
si mesmo certamente é produzida por mecanismos de ação que lhe permite uma identificação
pessoal. Estes mecanismos vão além, propiciam o reconhecimento dos objetos, do espaço,
enfim, do explicar-se no mundo. E isto só se torna possível através do que denominamos
percepção.
17
O homem percebe o mundo através dos seus sentidos, configurando-lhe significados.
O ato de perceber significa a possibilidade que o indivíduo possui de conhecer-se e
reconhecer-se, situar-se, bem como, a tudo o que o rodeia, num tempo e num espaço. Um ato
que contém liberdade e pode ser continuamente renovado.
Procurei nos estudos de Merleau- Ponty, quando trata sobre a fenomenologia da
percepção, subsídios para maior entendimento do que estava buscando. Como diz o mesmo
autor, “Perceber é tornar algo presente a si com a ajuda do corpo” (1990, p.92). Constitui
então uma via de acesso ao alvo a ser percebido, com base num tempo e num espaço.
Então, como afirma Moreira,
Se sou primordialmente percepção, e se a via de acesso da percepção é o espaço e o tempo, é
vivendo, experimentando a espacialidade através de meu corpo que percebo o mundo. Num estado
de alerta para o mundo situo-me no espaço e no tempo, é sendo que posso perceber. Não percebo a
percepção do outro, mas a revelação da sua percepção (1995, p.60).
Assim, a percepção passou a constituir um novo olhar nesta pesquisa, contribuindo
para alcançar meus objetivos sobre como os acadêmicos se percebiam, como pensavam seu
corpo, como falavam do mesmo e como agiam, além de como estas relações eram
estabelecidas.
Acredito que o ser humano é possuidor da capacidade de perceber-se e de formar de si
e do que o rodeia uma representação mental. Através disto, passa a identificar-se com o todo.
Nesta identificação estão inclusos os fatores: espaço, tempo, sociedade, cultura, aspectos
fisiológicos, afetivos e psíquicos que relacionados e integrados, determinam o cotidiano de
18
cada um, a relação com o seu mundo e do mundo com ele próprio. A partir daí, passo a
considerar a importância da corporeidade humana, ou seja, o modo de ser do homem no
mundo.
Um indivíduo visto como totalidade. Um ser vivente que é testemunho de suas
experiências, mergulhado numa rede de inter-relações, como construtor de sua singularidade.
O ser humano estabelece percepções que se conectam aos gestos, aos movimentos,
transformam-se em ações, em relacionamentos que, se por um lado refletem seu mundo
interno, por outro, insere-o no mundo externo ao qual ele deve se adequar. Assim, a teia de
relações vai sendo formada entre a imagem e a percepção, envolvidas na sociedade e na
cultura, estabelecendo formas de viver no mundo. Nas palavras de Merleau-Ponty:
Nascer é ao mesmo tempo nascer do mundo e nascer no mundo. O mundo já está consti-
tuído, mas também não está nunca completamente constituído. Sob o primeiro aspecto, somos soli-
citados, sob o segundo somos abertos a uma infinidade de possíveis (1994, p.608).
E, é nesta abertura às infinitas possibilidades que o homem possui de descrever e
interpretar seu mundo, realizadas através de seu corpo- porque aliás, tudo passa pelo corpo-
que é preciso um olhar focado no mesmo, para entender seu modo de ser no espaço e no
tempo em que ele se situa. Assim, como diz Santin, “é preciso deixar que o corpo fale do
corpo” (2001, p. 121).
19
Então, a corporeidade se vincula às vivências individuais, às experiências com os
outros corpos e com o mundo. O homem em si se estende, invade o mundo e os outros e
forma assim, sua maneira de ser.
Diante dessa compreensão, busquei para este estudo a Ginástica Rítmica. Por
considerá-la uma fonte inspiradora da criatividade, pela versatilidade que lhe é peculiar. Na
verdade, uma das infinitas possibilidades que o homem possui para expressar-se. Seria através
da mesma que iria incidir meu foco de pesquisa. Minhas indagações se centrariam em como
os acadêmicos percebiam o seu corpo, qual o entendimento que possuíam do mesmo, como
situavam a sua corporeidade, qual a relação que efetuavam entre o pensar, falar e agir
corporalmente e de que forma esta modalidade poderia contribuir nestes entendimentos.
Assim, o fenômeno corporal seria observado, descrito, interpretado e compreendido
por mim, a partir das falas dos acadêmicos, baseado nos tópicos acima.
O desafio na produção deste texto exigiu, além de estudo e reflexões, momentos de
grande integração com o grupo participante e um grande aprendizado. Aprendizado desta teia
de relações humanas caracterizando os vários modos como o ser humano apresenta-se e
representa o mundo, bem como, de escolher a forma de escrever, descrever, interpretar e
compreender fenômeno estudado, dando ao leitor uma forma adequada de entendimento.
Muitos autores foram utilizados na sua composição. Em se tratando de corporeidade,
procurei localizar-me nos aspectos sócio-culturais, como embasamento, não desconsiderando
a parte histórica, filosófica e biológica que certamente compõem a temática escolhida. Citar
20
os autores, neste momento, acho desnecessário, pois suas falas, suas idéias, suas reflexões
tanto no tema da corporeidade, como na imagem corporal, na percepção e na Ginástica
Rítmica se fazem presentes no decorrer desta dissertação.
Dividi este trabalho em quatro blocos para melhor focalizar o tema sobre o qual iria
dissertar.
A primeira parte denominei A Fala Silenciosa da Corporeidade. Construí, aqui, meu
referencial teórico, passando pelo estudo do corpo, situando-o como comunicador, descritivo
e simbólico. Agreguei a este a imagem corporal: o implícito e o explícito, dando ênfase ao
fenômeno da própria imagem e a do Outro, referenciando também a estética e os meios de
comunicação atuais e suas incidências sobre esta imagem. Focalizei a percepção corporal:
liberdade continuamente renovada como via de elaboração desta imagem, bem como, sua
função no entendimento do mundo que cerca o ser humano. A corporeidade: ser vivente-
testemunho das suas experiências, mergulhado na rede de inter-relações, como construtor de
sua singularidade, tendo em vista a necessidade da produção do conhecimento da própria
maneira de ser no mundo, de ser um corpo e não só ter um corpo. Incluí também neste item, a
Ginástica Rítmica, seu histórico, suas características e suas possibilidades, fonte inspiradora
utilizada para realização deste trabalho. Encerrei este bloco fazendo um apanhado teórico
sobre as relações entre os tópicos mencionados e denominei: A teia em movimento e
sentimento: interação entre corpo, Ginástica Rítmica, corporeidade e acadêmicos de Educação
Física, buscando interligar e tecer criativamente a linha de estudo.
21
Na segunda parte descrevi: Percursos e Estratégias: opções metodológicas. Aqui
especifiquei o caminho trilhado para produzir este texto, como busquei as informações que
constituiriam minha linha investigativa, como situei minhas escolhas metodológicas, onde fui
buscar o grupo de participantes e o local onde foi realizada a pesquisa. Ao final deste bloco,
esclareci como foi realizada a composição das informações e a sua categorização para análise.
A terceira parte destinei à discussão das informações colhidas e denominei: Guardiães
da Mensagem: o eco silencioso do cotidiano na corporeidade. Este capítulo destinei à análise
das informações e sua discussão final, a partir da triangulação dos dados recolhidos durante
todo o processo desta investigação. Para uma apuração mais efetiva desta recolha, construí
quatro eixos temáticos que nortearam o estudo, possibilitando-me discutir como a percepção
do trabalho corporal dos acadêmicos de Educação de Física que cursam a disciplina de
Ginástica Rítmica Fundamentos contribui para o entendimento de sua corporeidade, bem
como, as relações que estabelecem entre o pensar, falar e agir corporalmente.
A estes eixos temáticos denominei: Seres comunicantes: conexões interfuncionais;
Corpos: espelho de imagens em julgamento; Vivências corporais: experiências dotadas de
significados; Corpo: uma construção plural em benefício do singular.
Na quarta parte, a qual chamei de Vozes que advogam: reflexões finais; elaborei
minhas considerações sobre todo o caminho trilhado neste estudo.
Ao finalizar minha apresentação, busco nas palavras de um estudioso do judaísmo,
Ben Hei Hei, a inspiração deste trabalho quando diz: Estamos aqui para realizar. E, pela
22
realização, aprender; e, por meio do aprendizado, conhecer; e, por meio do conhecimento,
assombrar-nos; e, por meio do assombro, obter sabedoria; e, por meio da sabedoria, chegar
à simplicidade; e, por meio da simplicidade, prestar atenção; e, por meio da atenção ver o
que deve ser realizado.
Com este olhar ao que pode ser ainda realizado, reafirmei o meu pensar sobre o corpo,
metaforizando-o como uma “roupagem sagrada” com a qual se entra e sai desta vida, e por
isso, merecedor de grande respeito. Respeito aos seus mecanismos de base, às suas relações e
ao seu próprio entendimento.
Considero este trabalho uma conquista. Uma conquista alcançada sempre à luz da
simplicidade. Simplicidade, esta, que está exposta nas páginas que se seguem. Talvez, para
que a partir de outros olhares, outros pensares, quem sabe, novos significados e
conhecimentos possam ser gerados.
23
1. A FALA SILENCIOSA DA CORPOREIDADE
O homem nada mais é do que seu projeto. E só
existe na medida em que o realiza”.
(Jean Paul Sartre)
1.1 Corpo: este comunicador descritivo, expressivo e simbólico
O corpo, é um dos temas mais discutidos na atualidade, envolvendo pesquisadores das
áreas sociais e humanas, filósofos e teólogos que buscam o entendimento deste fenômeno
peculiar a cada indivíduo. Fenômeno, este, que é determinado pela íntima relação de aspectos
intelectuais, afetivos, psíquicos, motores, sociais e culturais. Ao estudá-lo, defrontam-se com
uma série de problemas de diferentes níveis, desde a visão materialista até a crença em uma
sobrevida eterna do ser humano.
Como diz Santin:
A história do corpo nos mostra múltiplos perfis e diferentes fisionomias do corpo hu-
mano. Ele foi a prisão da psiquê ou da alma; o lugar do castigo e da expiação; o estorvo
para o desenvolvimento do espírito; a fonte das necessidades, apetites e paixões; a sede das fun-
ções fisiológicas e dos processos metabólicos; uma máquina viva autoconstrutiva, teleonômica e
autoreprodutiva; instrumento de trabalho e prazer; objeto de exploração e de dominação. Mas
enfim, o que é o corpo? A resposta é múltipla e, no fundo, cada sociedade responde segundo
seu próprio projeto, pois cada cultura gera a fisionomia do corpo que lhe convém (1993, p.63).
24
O corpo humano tem se apresentado como um campo inesgotável de investigações
que vai da mecânica, passa pelas instâncias do social e atinge a esfera do teológico. Embora
acessível ao campo científico, não se conseguiu ter dele ainda, um todo entendimento. Por
incrível que pareça, de certa forma, ainda somos ignorantes daquilo que nos é mais próximo.
Quando se refere ao homem às suas atitudes, aos seus valores, às suas expectativas e
intenções, Mosquera, coloca que:
[...] a criatura humana se serve de seus quadros de referência para poder desen-
volver- se elaborar uma tentativa compreensiva de si própria e dos significados que é obrigada
a fornecer a si mesma no intuito de dar valor a uma existência, que nem sempre se apresenta promis-
sora e de percurso nítido (1983, p.26).
O homem é ser no mundo. Significa que é o centro de uma realidade que tem vida
única, percepções e avaliações do que o cerca de forma singular e que lhes são permitidas
estas possibilidades de interpretação, através de seu corpo num ambiente que lhe propõe
estímulos e que lhe permitem elaborar referências. Assim, o ambiente é o marco e a figura do
homem continua sendo singular, diversificada e única. Poderíamos dizer o que indivíduo vive
o mundo no corpo e o corpo no mundo. Através do contato com a realidade, a qual vai se
desvelando ao homem progressivamente, o corpo vai constituindo sua identidade através de
uma cadeia de referenciais.
Como tema de estudo dentro da filosofia, desde a fenomenologia husserliana às
correntes existencialistas de Heidegger e Sartre, que abriram espaços para que o corpo se
25
tornasse uma condição fundamental do modo de ser do homem, uma contribuição inovadora
foi trazida por Merleau-Ponty, com a idéia da unidade do ser humano. Afirma o autor que “o
corpo próprio está no mundo assim como o coração no organismo; ele mantém o espetáculo
visível continuamente em vida, anima-o e alimenta-o interiormente, forma com ele um
sistema” (1999, p.273).
Refletindo a partir do que diz Merleau Ponty, notamos que o corpo é o centro para
interpretações e especulações de qualquer natureza. Evoca imagens, sugere múltiplas
possibilidades de conhecimento e é através dele que revelamos como o mundo é construído,
constituído e vivenciado. O existir humano transcende, portanto, os seus processos puramente
orgânicos.
Essa compreensão fez com que recorresse à visão de Santin, quando ao falar de corpo
se manifesta da seguinte forma:
Na antigüidade e na medievalidade o corpo era apenas o recinto provisório da alma
aprisionada. Desde Descartes o corpo era apenas uma exigência lógica de um eu pensante. Daí
que o corpo ficou, durante muito tempo um penduricalho antropológico problemático. En-
tretanto, atualmente, filósofos, historiadores, sociólogos, teólogos, lingüistas, comunicadores, políti-
cos, poetas, artistas, etc mostram inusitado interesse pelo corpo. Os indivíduos em geral, também,
entraram nesta euforia de dedicar-se ao corpo das mais diferentes maneiras (2001, p.59).
Talvez essa “euforia de dedicação ao corpo” possa ser pensada como a necessidade de
reflexão para um maior entendimento do corpo, que nos sirva de apoio e orientação para a
nossa práxis cotidiana.
26
Ao pensarmos corpo podemos dizer que se constitui num grande território simbólico,
numa memória de vida, numa expressão biológica, psíquica e social, que se expressa, se
transforma e realiza, através de uma vasta história nas linhas do tempo. O corpo revela trechos
de nossa caminhada através dos anos, deixando legados inscritos de forma dinâmica,
transformadora, expondo os códigos das práticas de repressão e liberdade. Assim sendo, não
deve ser olhado e estudado de forma fracionada, mas considerado como unidade.
Quando falamos de corpo, este corpo que nos vincula como seres vivos, manifestamos
nossa atenção para este complexo conjunto de estruturas, sistemas, aparelhos, órgãos, células
de que somos formados pelo qual sentimos, pensamos, nos comunicamos, temos alegrias,
medos, demonstramos ternura e tristeza. Falamos de um corpo que se ilumina, brilha,
resplandece ou torna-se opaco de acordo com o momento vivenciado. Falamos de um corpo
vivente. Conforme a visão de Merleau-Ponty, ...“o corpo próprio” apresenta um mistério de
conjunto que, sem abandonar sua ecceidade e sua particularidade, emite, para além de si
mesmo, significações capazes de fornecer sua armação a toda uma série de pensamentos e
experiências (1999, p.178).
Concordo com o autor no sentido da individualidade do corpo e de suas
particularidades, constituindo-se no resultado das relações que opera com o mundo. Cada
vivência é um acontecimento no tempo de cada um, no espaço de cada um, com um sentido
para cada um.
Definir corpo não é uma tarefa fácil, porque é necessário compreendê-lo em sua
unicidade. Podemos considerá-lo como uma entidade física, que se delimita num espaço e
27
num tempo, que desenvolve uma identidade corporal, que possui uma perspectiva psicosocial,
que tem identificações além do plano das idéias, porque é um corpo que sente, que vivencia
impulsos e fantasias, que percebe, pensa e age. Quando falamos em corpo, nos referimos ao
corpo humano, um corpo que na escala evolutiva dos seres vivos tem a capacidade de criar e
transformar as suas experiências.
Referindo-se ao corpo diz Benjamin:
Talvez o corpo, por ser esta tela tão frágil onde a sociedade se projeta, possa ser o
ponto de partida, hoje, para pensar o humano, para preservar o humano, este humano fáctível, inu-
sitado, que guarda sempre uma réstia de mistério e, assim, romper com a autoalienação que faz com
que a humanidade viva a sua própria destruição como prazer estético (1993, p.196).
Compartilho com o autor, entendendo que o homem é o seu corpo e age no mundo
como uma unidade. Cada gesto, cada fala, cada sentir ou cada pensamento não acontecem
separadamente, mas sim, impregnados de simbolismos, de referências, de comportamentos e
de intenção.
Observa-se também, em se tratando do corpo, que o mesmo é possuidor de uma
intencionalidade operante. Intencionalidade esta que engloba os sentidos na unidade da
experiência perceptiva, na qual os sentidos se comunicam. A integração dos sentidos só pode
ser explicada por ser um organismo que conhece e se abre ao mundo com o qual ele coexiste.
A experiência originária do corpo consigo mesmo é fundamental na relação homem mundo. O
problema do mundo e, para começar o corpo próprio, fala Merleau-Ponty, consiste no fato de
que tudo reside ali. (1999, p.268)
28
O corpo humano é capaz de fabricar, de conferir significados, de criar hábitos e de
relacionar-se com seu mundo. Estabelece, portanto, uma rede de inter-relações a partir da qual
constrói sua vivência singular.
Embora singular, o corpo faz parte de um sistema simbólico que sustenta uma ordem
social. Um corpo não é construído sozinho, mas construído sob o olhar do outro e para que ele
seja olhado pelo outro. Assim sendo, cada sociedade tem suas construções corporais, partindo
de seus referenciais, crenças e valores criados e recriados com o decorrer dos tempos.
Falando do corpo próprio, diz Merleau-Ponty:
Quer se trate do corpo do outro ou do meu próprio corpo, não tenho outro meio de conhecer o
corpo humano senão vivê-lo, quer dizer, retomar por minha conta o drama que o transpassa e confun-
dir-me com ele. Portanto, sou meu corpo, exatamente na medida e que tenho um saber adquirido
e, reciprocamente, meu corpo é como um sujeito natural, como um esboço provisório do meu ser
total. Assim, a experiência do corpo próprio opõe-se a movimento reflexivo que destaca o objeto do
sujeito e o sujeito do objeto, e que nos dá apenas o pensamento do corpo ou o corpo em idéia, e não a
experiência do corpo ou o corpo em realidade (1999, p.269).
Podemos pensar corpo como um veículo que possuímos para entender o mundo em
que vivemos. É o mecanismo que nos permite sentir, pensar e agir dentro deste planeta. É a
manifestação de vida que nos permite o relacionamento com outros corpos. Mundo e homem
não se separam, formam um todo. “O corpo é o veículo do ser-no-mundo e ter um corpo é
para o vivente juntar-se a um meio definido, confundir-se com certos projetos e aí engajar-se
continuamente” (Merleau-Ponty, 1945, p.97).
Neste sentido, tendo o corpo como alvo, acho relevante um olhar sobre como o
homem observa-se. Como transita pelo seu mundo, já que faz parte do mesmo e o mesmo faz
29
parte de si próprio. Sendo o corpo um comunicador descritivo, expressivo e simbólico, acho
importante enfatizar a relevância da imagem corporal para o ser humano, bem como, suas
implicações. Em nível de postura corporal, da influência da modernidade nos corpos atuais e
do quanto interfere na maneira de ser do acadêmico de Educação Física, motivo deste estudo.
1.2. Imagem Corporal : o implícito e o explícito
Poderíamos iniciar enfatizando o papel da visão na imagem corporal. Os olhos, como
um órgão receptor do mundo, constituem uma das formas através das quais este mundo nos
penetra. Não há dúvida que, ao menos em parte, descobrimos o nosso corpo através destes
contatos. Porém, se consideramos o ser humano como uma unidade, certamente temos que
considerar o fenômeno como um todo.
Para Mosquera (1983), a imagem do corpo se relaciona a partir da construção de dois
elementos que estão em mudança contínua. O primeiro elemento diz respeito à visão que
temos de nós mesmos, partindo de nossas próprias referências, e o segundo, à possível
influência da imagem que fazemos das outras pessoas.
Schilder(1994), dá ênfase ao primeiro elemento mencionado por Mosquera (1983),
dizendo que a visão que se tem de si mesmo acontece a partir das impressões captadas por
nossos sentidos. Vemos a superfície corporal, temos sensações táteis, térmicas, de dor,
sensações que partem dos músculos e das víceras. Além disso, existe a experiência imediata
de uma unidade do corpo. Esta unidade percebida é denominada de esquema corporal. Este
esquema corporal é a imagem tridimensional que todos têm de si mesmos, a qual podemos
30
chamar de imagem corporal. Diz ainda o autor que, embora tenhamos a percepção do corpo
que nos é dada pelos sentidos, existem figurações e representações mentais que interferem na
imagem que fazemos dele.
Quanto ao segundo elemento mencionado por Mosquera, (1983), Schilder (1994)
considera que existem conexões entre as imagens corporais de seres humanos semelhantes e
que estas contribuem de modo importante na dinâmica da construção desta imagem. Que esta
imagem não é estática e se constrói e reconstrói de acordo com as influências do meio.
Buscando a opinião de Feldenkrais (1977), vemos que este enfoca a imagem corporal
como sendo condicionada a três fatores: hereditariedade, educação e auto-educação. O
primeiro fator, a hereditariedade, o autor considera mais imutável: são as heranças biológicas.
O segundo, a educação, acredita que é determinada pelo espaço social e todas as
implicâncias que uma sociedade impõe através de seus valores e exigências que de certa
maneira o indivíduo absorve e responde. Por fim, auto-educação, conceitua como sendo a
força ativa da individualidade, as possibilidades de mudança por vontade própria.
Os três autores concordam sobre a imagem corporal do indivíduo como algo passível
de modificações, que sofre a influência das relações estabelecidas com o meio e pode tornar-
se hábito.
Somos detentores de uma imagem corporal própria, de uma imagem que o outro
possui de nós e da que possuímos do outro. Vivemos desta relação. Nossa imagem própria é
31
criada a partir das percepções experienciadas na infância, nosso primeiro contato com o
mundo.
Como diz, Iwanowicz, falando do recém nascido:
O seu único contato com o mundo é o corporal. Ele não pensa, não enxerga bem, não sabe o
que é tudo em sua volta, ele não tem conceitos, ainda não desenvolveu os processos cognitivos. Não
sabe diferenciar as coisas mentalmente, mas fisicamente - através das sensações corporais - come-
ça a conhecer o mundo. Tocando, cheirando, colocando na boca. Essas são as primeiras experiências
que servirão para a sua vida inteira. Porque esse é o contato real com a vida. É através do corpo
que recebemos as informações sobre o que acontece fora e dentro de nós. Esta “informática” cor-
poral serve como base para o desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Essa aprendizagem e desen-
volvimento ocorrem dentro de uma cultura, de uma sociedade organizada, que tem suas regras, suas
proibições, suas leis (1997, p. 68).
Registramos as sensações táteis a partir dos diferentes proprioceptores corporais que
nos informam intensidades e temperaturas que nos permitem sentir o mundo ao redor. São
sensações profundas que nos informam sobre nosso corpo e vão construindo de forma
fundamental a imagem corporal. Ela nos identifica dentro de um contexto biológico, psíquico
e social. Somos parte de um mundo de relações. Como indivíduos, estamos sempre voltados à
aquisição de dados que digam respeito ao mundo e ao próprio corpo. Este conhecimento do
corpo, no sentido de identificação da imagem corporal, é o resultado de um esforço contínuo.
Passamos por processos de maturação, experiências, erros, acertos, esforço e tentativa a partir
de processos internos e externos que vão nos levando à determinação da imagem corporal.
Concordo com Schilder, (1994) quando refere-se à imagem corporal: “a imagem
corporal não se baseia apenas em associações, memória e experiências, mas também em
intenções, aspirações e tendências”.
32
Nosso corpo, que nos parece tão conhecido, tão próximo, tão nosso, transforma-se
muitas vezes em uma posse incerta. Buscamos em outras pessoas o que nelas nos chama
atenção, nos identificamos com influências ditadas pela moda ou por ídolos da mídia e
“personalizamos” estes elementos, incorporando-os a nossa própria imagem. Assim a
identificação e a personalização também têm papel relevante na construção da imagem
corporal.
A imagem corporal está em constante troca com o meio. Fazemos uma constante
projeção e personalização desta imagem no espaço em que vivemos, podendo ter assim, uma
imagem social de um grupo. Tais processos entre os indivíduos os torna, em parte, iguais.
Embora cada ser seja único, sua imagem corporal passa a ser socializada.
Isto nos remete à beleza e à estética que sem dúvida percorrem ativamente o mundo
com seus padrões de exigência. Segundo Schilder,(1994), “a beleza é um fenômeno social”.
Observando a necessidade de um modelo saudável de corpo, a imagem corporal vem se
definindo por intermináveis modificações de acordo com novos cânones de beleza, segundo a
lógica do mercado, a força do capital global, científico, sexológico e turístico.
Através de inúmeras pesquisas sobre o corpo, Denise Sant’Anna (2001), revela como
o corpo contemporâneo vem perdendo a densidade e a profundidade para ser mais etéreo e
superficial. Diante das técnicas crescentemente popularizadas para visualizarmos o interior, a
espessura do corpo passou a ser a da película que suporta sua imagem. Transformar e enfeitar
o corpo constitui-se em hábitos comuns na história do mundo em muitas culturas, em
qualquer canto do planeta. Assim, estas práticas vão sendo trazidas ao corpo definindo-o
33
como um processo. A imagem corporal, portanto, passa a ser mutável e variável de acordo
com o bombardeio de informações experienciadas pela pessoa.
A aceitação do indivíduo por um certo grupo social passa a estar relacionada com o
padrão de beleza e estética no qual está inserido. Percebemos a forte influência de corpos
magros no mundo moderno e a força que as pessoas fazem para construí-los, por ser este o
padrão de beleza e estética atual. A metamorfose das imagens corporais passa pelo corpo
físico-emocional-psíquico de cada um, buscando a identificação e personalização de seu
corpo com as exigências da época.
Nossa imagem corporal não se faz possível sem a imagem dos outros. Está em
constante troca.
Como explica Schilder (1994), um corpo é sempre a expressão de um ego, e de uma
personalidade e está no mundo. Portanto, faz parte do mesmo, de forma implícita e explícita,
construindo e desconstruindo sua imagem corporal de acordo com as necessidades que se
apresentam para sua caminhada. Os padrões e requisitos da imagem do corpo se estabelecem
e contam a vida de cada um em determinada época.
Assim sendo, podemos contextualizar a imagem corporal como a forma que uma
pessoa experiencia e conceitua seu próprio corpo. Está ligada a uma organização cerebral
integrada, influenciada por fatores sensoriais, pelo desenvolvimento do indivíduo e pelos
aspectos psíquicos e sociais a que ele está ligado.
De acordo com Tavares:
34
Embora dependente de uma estrutura orgânica circunscrita, um corpo humano, a imagem
corporal deve ser compreendida como um fenômeno singular, estruturado no contexto da expe-
riência existencial e individual do ser humano, em um universo de inter-relações entre imagens cor-
porais (2003, p. 15).
A nossa imagem corporal e o mundo que vemos fora de nós, nossa imagem do mundo,
convergem, uma vez que se constroem juntos e não existem em separado. Comumente nos
testamos através do que somos e pelo que representamos para os outros. Concordo com a
visão de Strauss (1977), quando diz que o conceito sobre si mesmo está sempre de acordo
com aqueles ideais e expectativas que mantemos sobre a nossa pessoa, mas se materializa a
partir das avaliações decisivas que fazemos e são feitas sobre nós. Na verdade, nos olhamos
nos espelhos do julgamento. Nos apresentamos sempre diante dos demais e diante de nós
mesmos. Desta maneira, a compreensão da imagem corporal é fundamental a esta pesquisa.
Neste processo de integração da imagem corporal sustentada em cada corpo, com todo
seu envolvimento fenomenológico, a construção pessoal decorre do tipo de imagem de corpo
que colocamos como centro, tendo o homem, assim, a possibilidade de conhecimento,
expectativa e transcendência.
Um outro aspecto que consideramos importante para este estudo é a percepção
corporal, seus mecanismos e sua utilização pelo homem para constituir-se em seu universo. A
importância da percepção para o ser humano explicar o mundo a sua volta: os corpos, os
objetos, as condições de espaço e tempo e a relação do “eu” com o “outro”.
35
A percepção do corpo como forma de entendimento do homem corporal, dando a
continuidade necessária ao conhecimento dos mecanismos corporais que nos permitem ser
neste mundo.
1.3 Percepção corporal: liberdade continuamente renovada
A percepção tem sido um tema de pesquisa que instigou e instiga muitos estudiosos
pelos desafios que apresenta no sentido do processamento deste fenômeno nos seres humanos.
De acordo com Vygotski (1993), na psicologia a percepção vem sendo estudada a
partir de várias correntes. Cita o autor a teoria associativa, onde a percepção é interpretada
como um conjunto associativo de sensações. A teoria estrutural, que atacou
experimentalmente o ponto de vista associativo e se dedicou a demonstrar o nascimento
estrutural integral da vida psíquica das pessoas no âmbito da percepção. Ultimamente a
psicologia experimental começou a ocupar-se mais profundamente com os problemas das
conexões. Afirma, ainda, Vygotski (1993), que mesmo sendo a percepção realizada através da
fala, ou da visão, ou do gosto, ou do olfato, a cada passo estas conexões funcionais vão
realizando novas conexões importantes entre a percepção e outras funções orgânicas,
produzindo poderosos intercâmbios e importantíssimas propriedades diferenciadoras da
percepção no desenvolvimento humano. Os investigadores experimentais mostram que, ao
longo do desenvolvimento do indivíduo, emergem constantemente novos sistemas, dentro dos
quais atua a percepção. Nestes sistemas, e somente neles, a percepção adquire novas
características que são inerentes a ela.
O mesmo autor conclui que:
36
É importante também entender que junto com a formação de novas conexões interfun-
cionais, durante o processo de desenvolvimento, a percepção se emancipa, se libera, se assim pode-
se expressar, de toda uma série de conexões, características suas nas primeiras fases de
desenvolvimento (1993, p.366).
O corpo, através de seus mecanismos fisiológicos, sociais, psicológicos e culturais,
relaciona- se e integra-se a cada instante de sua vida, mediante um contínuo processo de
percepção. Possui memória e, consequentemente, história e identidade. Segundo Ferreira
Aurélio, B.H, 3
a
definição, “percepção corresponde a adquirir conhecimento através dos
sentidos”(1999, p.1540).
Ou seja, apreendemos, captamos, por meio dos órgãos dos sentidos, as informações
que nos cercam.
Como diz Merleau-Ponty: “Todo o saber se instala nos horizontes abertos pela
percepção” (1971, p.214).
A cada momento nosso campo perceptivo é preenchido por sons, luzes, toques e
reações que vamos captando, ligando, associando, formando nossa realidade. A cada instante
fantasiamos, imaginamos e percebemos também dentro do imaginário. Poderíamos entender
percepção como uma força geradora de arquivos mentais que norteia nossa trajetória de
conhecimento e sabedoria. Podemos considerar que o mundo em que vivemos é aquilo que
nós nos representamos. Assim, a percepção faz parte de todo este contexto de experiências
corporais e da consciência de “ser no mundo”.
37
A percepção constitui-se em um conhecimento, em uma vivência corporal, de modo
que a situação e as condições de nosso corpo são tão importantes quanto a situação e as
condições do que é percebido. É sempre uma experiência dotada de significado. O que é
percebido é dotado de um sentido e passa a fazer parte da história de nossa vida. Ela passa a
ser uma relação da pessoa com o mundo exterior e não uma reação somente físico-fisiológica
a um conjunto de estímulos externos. Envolve personalidade, afetividade, história pessoal,
desejos e paixões. Isto é, a percepção é uma maneira fundamental do ser humano estar no
mundo. Este mundo, portanto, é percebido qualitativamente, efetivamente e valorativamente.
Assim sendo, o mundo que percebemos é qualitativo, significativo e estruturado. Estamos
nele como indivíduos ativos, dando novos sentidos e valores às coisas que percebemos, pois
as mesmas fazem parte do nosso cotidiano e interagimos com ele.
O mundo externo que percebemos é sempre um mundo nosso particular. Como diz
Tavares: “Nosso corpo contém um “mundo externo particular” que o penetrou no processo de
viver” (2003, p.23). Tudo está vinculado a tudo. Formamos uma relação.
Quando fala em percepção corporal Merleau-Ponty, expressa-se da seguinte forma:
Ora, é justamente o meu corpo que percebe o corpo de outrem, e ele encontra ali como que
prolongamento miraculoso de suas próprias intenções, uma maneira familiar de tratar o mun-
do; doravante como as partes de meu corpo em conjunto formam um sistema, o corpo de outrem e
o meu são um único todo, o verso e o reverso de um único fenômeno, e a existência anônima da qual
meu corpo é a cada momento, o rastro habita doravante estes dois corpos é a cada momento, corpos
ao mesmo tempo. Isto só representa um outro ser vivo e não ainda um outro homem. Mas esta vida
estranha é uma vida aberta, assim como a minha com a qual ela se comunica. Ela não se esgota em
um certo número de funções biológicas ou sensoriais. Ela anexa a si objetos naturais, desviando-se
de seu sentido imediato, ela constrói utensílios, instrumentos, ela se projeta no ambiente em objetos
culturais (1999, p.474).
38
Podemos então pensar percepção não como um ato de fotografar os objetos e os seres
do mundo determinado exclusivamente pelas qualidades objetivas dos estímulos, mas,
acrescentando aos estímulos memória, raciocínio, juízo e afeto. E ainda, acoplando às
qualidades objetivas dos sentidos outros elementos subjetivos e próprios de cada indivíduo.
Assim sendo, a percepção possui liberdade, pode ser renovada, pode ser modificada em
conseqüência de condições pessoais momentâneas, como por exemplo, fadiga, ansiedade,
afeto, sensações agradáveis ou desagradáveis. Outros fatores, como doenças orgânicas,
substâncias químicas ou estado de ânimo, também podem contribuir para alterar o ato
perceptivo. Este ato de perceber não tem limites definidos. Enquanto tivermos funções
sensoriais, um campo visual, tátil, olfativo e auditivo, nos comunicamos com os outros. No
momento em que percebemos algo, cria-se uma camada de significações, impregnada de
comportamentos advindos das experiências que temos, quer seja de ordem física, psíquica,
social ou cultural.
A percepção em si é única para cada um de nós e acontece conforme as relações que
fazemos entre os elementos percebidos.
O homem então tem a capacidade de perceber-se, cria uma imagem mental inteligível,
abstrata, uma representação mental e passa com ela a identificar-se. Tem a percepção de seu
corpo, de ser um corpo, e faz-se presente no mundo em um contexto espacial e temporal onde
os aspectos fisiológicos, afetivos e culturais evidenciam-se de forma permanentemente
relacionada. Esta representação passa a ser a mediadora entre ele e a realidade fora dele.
39
Daí, a importância de atribuirmos um olhar significativo ao nosso corpo, no sentido de
elaborar através dele a percepção do todo e de suas partes. A percepção corporal é
fundamental para o desenrolar do cotidiano de cada um. Poderíamos expressar que a
percepção corporal desenvolve-se baseada na vivência de sensações transformadas em
significados, que emerge de um corpo real com mundo e do mundo com este corpo: sua
corporeidade.
1.4 Corporeidade: ser vivente - testemunho das suas experiências, mergulhado na rede
de inter- relações, como construtor de sua singularidade.
Na produção do conhecimento o homem cria conceitos, estabelece analogias, formula
generalizações, organiza, sistematiza para melhor compreender, especializa-se em olhar um
fenômeno a fim de conceitualizá-lo de acordo com um paradigma. Da mesma forma, a
corporeidade vem sendo discutida na tentativa de explicá-la e compreendê-la.
A corporeidade humana é um dos temas emergentes neste século que sensibiliza um
grande número de estudiosos no intuito de um entendimento maior do próprio homem.
A corporeidade faz parte de um longo e milenar discurso sobre os traços originais do
homem. Nos impulsiona, com finalidade de compreensão, aos estudos de antropologia,
biologia, física, teologia, filosofia que vêm dando cor a esta questão.
Assim , para falar em corporeidade , como diz Santin:
40
[.
..] significa repensar o projeto antropológico construído desde os gregos, consagrado pelos
teólogos medievais, confirmado pelos filósofos modernos e aceito pelos pensadores contemporâneos
(2001, p.118).
Ainda nos diz o autor que, segundo os dicionários etimológicos, corporeidade seria
uma tradução direta da palavra latina corporietas. Os dicionários da língua portuguesa
definem corporeidade como a “qualidade do que é corpóreo”, como algo que possui corpo, o
que é material.
De acordo com os significados dados ao termo corporeidade pelo discurso
antropológico antigo, podemos observar várias dimensões semânticas desta palavra.
Inicialmente constituía-se numa realidade fixa e definida, possuía a qualidade universal de
todas as entidades corporais. Passou pela metafísica para definir um tipo de organização
factual, os corpos. A corporeidade seria então uma realidade inteligível.
Após, a corporeidade passa por uma etapa material, segundo o conceito de matéria
proposto pela física. Como oposição a esta visão de corporeidade surge um novo pensar, uma
nova visão onde a corporeidade é colocada como oposição e antinomia do espírito. Ou seja, a
corporeidade é a negação da espiritualidade. Por fim, passou a ser uma “realidade corporal e
material desvinculada da vida”, como expressa Santin (2001, p.121).
A retomada do discurso sobre corporeidade busca atualmente uma nova significação.
Busca pensar corporeidade a partir do homem vivente. “A corporeidade precisa falar do corpo
e deixar que o corpo fale do corpo” continua Santin (p.121). Uma vez que a razão, pelas
regras da racionalidade, falou sobre este tema muito tempo, hoje busca-se a interpretação da
41
corporeidade através da fenomenologia do corpo. Um organismo vivo e vivente. Ou seja,
entender a corporeidade através da fenomenologia corporal.
Como expressa Freitas:
Esse corpo expressivo e significativo não é uma simples coleção de órgãos, não é uma repre-
sentação na consciência, não é um objeto exterior cuja presença eu posso explorar: ele é uma perma-
nência que eu vivencio (1999, p.52).
Seria um tanto difícil tentar compreender o fato corporal sem levar em consideração o
ser homem. Da mesma maneira seria difícil compreender o homem sem nos referirmos à sua
corporeidade, porque o homem existe corporalmente no mundo.
A fenomenologia tem como meta fazer-nos compreender a indissociabilidade entre o
sujeito e o objeto, com o propósito de encarar o fenômeno como “uma estrutura que reúne
dialeticamente na intencionalidade o homem e o mundo, o sujeito e o objeto, a existência e a
significação” (Rezende1990,p.34), concebendo a essência, que é a individualidade vivida,
como essência existencial, que é a perspectiva cronológica, tendo um início, desenvolvimento
e um fim.
A corporeidade não é uma expressão individual, está relacionada diretamente com a
teia formada entre as pessoas e o mundo. A extensão do corpo se funde com a maneira de
viver de cada um em relação ao todo maior.
42
No entanto, encontramos na obra de Merleau-Ponty a formulação mais expressiva da
corporeidade do corpo. Como diz o autor em Le visible et l’ invisible:
A imagem de corpo não se forma mais do confronto entre sujeito e objeto, mas da figura de
uma mão que toca outra mão, ou da circunstância que o corpo é, ao mesmo tempo, vidente e visto.
Aqui não se dá a distinção entre um corpo sujeito e um corpo objeto de conhecimento. Portanto, não se
pode falar de um corpo que vê distinto de um corpo que é visto; ou da mão que toca e é tocada.
Há uma totalidade simultânea e indivisa. O tocante- tocado e vidente visto, constituem uma estru-
tura que existe num só órgão. A identidade do tocante- tocado e do vidente-visto deve ser entendi-
da no sentido estrutural; portanto, lembra o autor, não há coincidência do vidente e do visível ( 1964,
p.315).
A corporeidade, portanto, pode ser entendida além dos limites da física e da biologia,
porque a existência corporal não se carateriza pela materialização do corpo dentro do conceito
da física e nem pela idéia de um organismo vivo dentro da biologia, mas pela condição
humana, ou seja, pelo modo de ser do homem. “Ela alcança a esfera da consciência e do
espírito: e é bom lembrar, não exclui as possibilidades da transcendência, conforme exigência
da fé religiosa”, como diz Santin (2001, p.123).
Nas afirmações de Freitas:
A corporeidade amplia o universo humano. O mundo humano não é o mundo pré-ordenado da
causalidade instintual, em que um estímulo exterior produz em resposta o mesmo padrão de
comportamento. É, ao contrário, o mundo fenomenológico, qual a relação dialética do ser e do mundo
(do ser no mundo) implica a riqueza de vivências significativas. E essas vivências corporaIs
porque o corpo, à maneira de uma obra de arte, não pode ser distinto da sua corporeidade, ou
seja, daquilo que ele expressa no mundo (1999, p.56) [grifo do autor].
O tema corporeidade, portanto, não pode limitar-se a uma simples reconstrução da
imagem do corpo humano, porque o corpo invade o mundo e os outros. Não se constitui como
uma realidade fixa, mas, uma manifestação, uma presença. Não existe para o ser humano uma
43
regra geral idêntica que o acione. Existe um sistema. Há um conjunto de fatores que
comungam com o indivíduo e que não podem ser tratados de forma analítica, mas
sistemicamente.
Recorrendo às afirmações de Santin:
O homem corpo vivente era mundo. Todos os seres eram corpo. Todos os seres eram mundo.
Todos eram ao mesmo tempo corpo e mundo. O que os distinguia, além das formas, era sua corporei-
dade, isto é, o seu princípio vital ou a sua arquitetura vivente, os cientistas diriam, código genético.
Cada corpo vivo regia-se pelo dinamismo próprio de sua corporeidade vivente; cada corpo físico
regia-se pela sua composição química específica. O mundo era constituído de corpos vivos e corpos
não vivos. Os corpos vivos eram corporeidades autorganizáveis. A continuidade dos corpos vivos
por sistema gerador em que uma parcela poderia ser chamada de semente ou ovo, e que possuía a me-
mória de todo o corpo, gerava um novo corpo igual ao genitor. O novo corpo, por um destino inter-
no e em interação comunicativa com o meio ambiente, germinava, crescia e tornava-se uma corpo-
reidade completa em sua especificidade (2001, p.59).
Assim, o corpo conserva a escrita de sua história desde a sua gênese. Cada espécie é
constituída de uma corporeidade específica que se dá na ocupação de lugares e tempos
distintos, interligando-se, porém, cada grupo, e se aperfeiçoando dentro das suas
potencialidades.
Falando do corpo humano, admitimos que há semelhanças entre eles. Pensando
geneticamente, no entanto, concordamos que cada corpo é um corpo e não há repetição.
Poderíamos até metaforizar, dizendo que o homem é um estranho ímpar. Cada um interpreta
o mundo de informações que o cerca à sua maneira, de acordo com as suas associações
mentais, com as suas referências pessoais e conforme os padrões de comportamento
assumidos por este corpo. Desta forma, o que diferencia esta diversidade de corpos é a sua
constituição própria, sua auto- organização, isto é, sua corporeidade.
44
A inserção de um corpo no mundo de significados, a relação que este corpo possui
consigo mesmo, com outros corpos expressivos e com os objetos do seu mundo torna-o um
corpo que vivencia. Ele é o meio pelo qual a vida se renova.
Rezende (1990), em suas considerações, identifica a condição humana como corporal,
por isso integra uma estrutura humana na qual o sentido torna-se pleno de maneira simbólica.
Isto caracteriza uma experiência somente do mundo humano, capacitando o indivíduo a
estruturar e compreender todas as outras formas de comportamento com a relação que
estabelece com o meio.
Como seres humanos, estamos no espaço e no tempo, aplicamo-nos a eles e os
envolvemos. A importância e o tamanho desta tomada mede a amplitude da existência. A esta
unidade essencialmente existencial, únicos em nossas experiências, respondemos a uma
intencionalidade que se projeta em nosso físico, em nossas idéias, nas relações sociais, em
nossos sentidos, em nossa inteligência, em nossa sensibilidade, em nossa cultura. Enfim,
somos corpos num mundo de relações. Nossa corporeidade é presenciada e vivida nos
diversos ângulos que a intenção do nosso olhar focar.
Neste mundo vivo, de corpos visíveis e móveis, de corporeidades atuantes e
significativas de uma intencionalidade marcante, pousar um olhar diante do humano no
sentido de delinear outras possibilidades de entendimento foi nosso foco de estudo.
45
Das indagações que permeavam minha experiência como educadora na análise do
movimento humano e de suas mais amplas implicações no sentido da expressão corporal e do
ritmo, busquei através das práticas que vivenciei, das observações que fiz, do que pensei,
copiei e criei, uma atividade que satisfizesse as minhas aspirações sobre a totalidade do
movimento humano. Identifiquei-me com a Ginástica Rítmica e passei a vivenciá-la.
Fixei uma meta, buscando o conhecimento do ser humano em sua maior liberdade de
expressão, respeitando sua individualidade, deixando como pano de fundo todas as
possibilidades para ver o fenômeno ser vivenciado no dia-a-dia da experiência sentida: o
pensar, o falar e o agir.
Concordo com Santin (1995), quando salienta que o homem, através de seus
movimentos, expressa suas manifestações da alma, ou seja, seus mais puros sentimentos que
envolvem o medo, a alegria, o amor, entre outros, descobrindo como o corpo é sensível e
possui uma linguagem própria, desvelada pelos gestos, a qual possibilita um elo de
comunicação com o mundo. Esta comunicação corporal acontece quando ele se descobre
como intencionalidade.
Pelo próprio acontecer da Ginástica Rítmica, sua história, sua inserção nos mais
diferentes países e sua chegada ao Brasil, percebo a relevância de um trabalho utilizando-a
como forma de conhecer o corpo nas mais variadas situações vivenciais, passando pela
imagem corporal, a percepção do corpo e pela corporeidade humana. A importância dada à
observação do ritmo do movimento humano e da exploração das potencialidades criativas
46
através da expressão destes movimentos e de suas interpretações, motivou-me a buscar novos
caminhos, configurando então este trabalho.
1.5 Ginástica Rítmica: a procura do novo
A Ginástica Rítmica encontra-se entre as mais novas modalidades esportivas. Sua
evolução deu-se por um movimento renovador, que incluía o ritmo, a plasticidade e a
expressão corporal através de movimentos, cujos primeiros sinais ocorreram na época do
Renascimento.
Conceitua Crause, a Ginástica Rítmica como sendo:
Uma arte dinâmica, criativa, natural, orgânica com movimentos de características próprias,
diferentes das outras escolas de expressão corporal. A Ginástica Rítmica é uma modalidade essencial-
mente feminina, praticada a mãos livres e com pequenos aparelhos; sua beleza plástica, graça e
elegância, formam um conjunto harmonioso de movimento e ritmo (1986, p.96).
Historicamente, a Ginástica Rítmica tem suas raízes na Ginástica Moderna, que surgiu
no início do século XX, na Europa Central, simultaneamente com a evolução do movimento
artístico, originando-se e tendo como marco fundamental o período da eclosão de idéias do
século XIX, através das observações científicas, do ensino do movimento, da terapia
respiratória e relaxamento, da educação musical e da dança, da psicologia, da pedagogia, da
sociologia, da biologia e anatomia (Crause, 1985).
47
Mundialmente, nomes conhecidos deram a esta nova forma de atividade física para
mulheres suas contribuições no sentido de criar a Ginástica Rítmica como uma arte de
expressão natural. Citamos na área da expressão, Delsarte, Stebbins, Mensedik, na ênfase a
necessidade do ritmo, Dalcroze, Medau, Bode, e na pedagogia, Pestalozzi. (Schmid, 1978).
Com o objetivo de estudar, divulgar e difundir as bases técnicas deste movimento que
crescia e se renovava, foi fundada em Frankfurt, em 1952, a Liga Internacional de Ginástica
Moderna (LIGIM), que oportunizava demonstrações e competições entre suas filiadas,
destacando as escolas de Medau, Bode, Fröhlich e outras.
A Ginástica Rítmica sofreu várias denominações em sua trajetória durante várias
décadas, e em seu processo evolutivo como agente pedagógico e competitivo foi encontrando
aos poucos sua caracterização definitiva. Para entender a Ginástica Rítmica, devemos pensá-la
não como um método ou sistema, mas como o resultado de um movimento renovador que
surgiu de uma necessidade de movimentos para o sexo feminino com uma dinâmica e ritmos
diferentes e não violenta.
De acordo com Jaquot (1980), o processo evolutivo da Ginástica Rítmica (denominada
então, de Ginástica Moderna) como modalidade esportiva teve início em 1948, quando a
União Socialista Soviética organizou, pela primeira vez, uma competição.
Nos jogos Olímpicos de Londres (1948), a participação de um país em Ginástica
Artística estaria vinculado a uma apresentação de Ginástica Rítmica. Teria que
obrigatoriamente apresentar uma equipe de Ginástica Rítmica com uma série de conjunto com
48
um aparelho a sua escolha e uma série à mãos livres com música livre. Era uma forma de
inserir e divulgar a nova modalidade no âmbito do esporte mundial.
Somente em 1962, durante o quadragésimo Congresso da Federação Internacional de
Ginástica, realizado em Praga, a então Ginástica Moderna, atual Ginástica Rítmica tornou-se
reconhecida e independente como modalidade esportiva. Nesta mesma oportunidade, foi
aprovada a realização, em 1963, do I Campeonato Mundial na cidade de Budapest, Hungria.
De acordo com Schmid (1978) e Crause (1985), no âmbito internacional, a modalidade
foi denominada de Ginástica Moderna (1963), Ginástica Rítmica Moderna (1972), passando a
ser chamada de Ginástica Rítmica Desportiva em 1975 e atualmente Ginástica Rítmica.
Após decisão do Comitê Olímpico Internacional, Moscou 1980, ficou decidido que a
partir dos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Ângeles, a então Ginástica Rítmica Desportiva
figuraria no programa olímpico, tornando-se, desta forma, um desporto olímpico (FIG,1980).
Este movimento renovador de libertação corporal chegou ao Brasil através da
professora Margareth Fröhlich, que em São Paulo ministrou cursos pedagógicos em 1953 e
1954. Contou com a assistência da professora Erica Saur, que assimilando as novas idéias,
tornou-se uma estudiosa no assunto, freqüentando diversos cursos na Alemanha. Direcionou
seu trabalho para a educação, proporcionando grande contribuição no curso de graduação de
professores de Educação Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
49
No mesmo período da chegada de Margareth Fröhlich ao Brasil, surge a professora
Ilona Peucker, que se torna a maior divulgadora desta nova idéia de movimento. Desenvolveu
seu trabalho de divulgação e propagação da Ginástica Moderna através de cursos e
demonstrações em várias cidades do país. Incluía em seu programa a criatividade e atendia às
peculiaridades de cada região. Foi sensível às necessidades de cada uma, adaptando os
aparelhos e a modalidade à mulher brasileira, diferente da européia, buscando um maior
números de adeptos. Instrumentos regionais como pandeiros, reco-recos, faixas, côcos e
agogôs, eram combinados com o ritmo brasileiro, de forma simultânea ou alternada com o uso
do piano.
Deste movimento, surge no antigo Estado da Guanabara um grande interesse e uma
grande mobilização pela Ginástica Moderna. Foi desenvolvido um trabalho na área estudantil
incluído nos programas de 1
O
e 2
O
graus, onde simpatizantes da área empenhavam-se
notando-se dois momentos: um educativo e outro competitivo.
Em nível nacional, é incluída a modalidade nos Jogos Estudantis Brasileiros em 1969
na cidade de Niterói, Rio Janeiro, e segue-se por décadas dando continuidade ao trabalho no
âmbito educativo/competitivo, (Crause, 1985).
Surgem as Federações Estaduais, sendo a primeira competição realizada em 1971,
promovida pela Confederação Brasileira de Desportos, tendo como equipes participantes a
Federação Carioca de Ginástica, a Federação Mineira de Ginástica e a Fluminense de
Desportos, cujo regulamento previa séries livres, destacando-se nesta oportunidade a
Federação Carioca de Ginástica, sob a orientação técnica da professora Ilona Peucker.
50
Este movimento foi tomando forma no Brasil e também foi sendo inserido em
algumas escolas de Educação Física no quadro curricular.
Em 1972, chega ao Rio Grande do Sul, sob a responsabilidade da professora Vera
Lucia Zamberlan Angheben, seguidora de Ilona Peuker, que criou um grupo para
apresentações e divulgação na Escola de Educação Física do Instituto Porto Alegre,
(GRUGIPA – Grupo de Ginástica do IPA), e no ano seguinte foi inserida a Ginástica Rítmica
no currículo desta faculdade. Engajada nesta nova dinâmica de trabalho, encarregou-se de
levar ao Estado e ao sul de Santa Catarina esta nova forma de movimento feminino
recebendo, inúmeros adeptos.
Cria-se a primeira competição estadual escolar em 1974, realizada na ESEF IPA, e em
1975 a primeira equipe estadual participa dos JEBs (Jogos Escolares Brasileiros).
Simultaneamente, em 1974, desdobra-se a Federação de Ginástica Artística, incluindo
a Ginástica Rítmica e o Estado do Rio Grande do Sul inicia a sua participação em
competições nacionais e internacionais, seguindo as normas da Federação Internacional de
Ginástica.
Este movimento novo de exercícios físicos combinados com aparelhos e sincronizado
com a música vai se alastrando e tomando força.
51
A Ginástica Rítmica surgiu da influência de várias personalidades que se destacaram
em diferentes ramos da cultura humana e que deram origem a uma transformação que
caracterizou a passagem do século XIX para o XX. Esta transformação também acontece na
forma de pensar o corpo.
1.6 Ginástica Rítmica: a descoberta do novo
Como modalidade esportiva ou em nível escolar, pode ser praticada a mãos livres ou
com pequenos aparelhos. São considerados aparelhos específicos da modalidade: corda, arco,
bola maças e fita, mas utilizam-se também outros estímulos como faixas, instrumentos
musicais, de acordo com os objetivos a que se propõe. Caracteriza-se pelos movimentos de
molejar, balancear, circundar, saltitar, saltar, ondular, girar e transferir o peso do corpo,
ligados ao ritmo. Visa desenvolver a velocidade, a força, o equilíbrio, a coordenação, a
agilidade, a flexibilidade, o ritmo, a resistência e a descontração (relaxamento).
A Ginástica Rítmica procura, através de esquemas de movimentos dinâmicos e
rítmicos, o sentido da sensibilidade corporal e musical. Estimula o domínio de valores
referentes a tempo e espaço e a expressão pessoal, interagindo com o corpo em busca de
novas possibilidades criativas de movimentos corporais.
Citando Pallarés:
Para ordenarmos as partes que constituem o sistema de Ginástica Rítmica, partiremos do mo-
vimento que a caracteriza, que é o movimento natural, que está de acordo com o organismo hu-
mano, o movimento rítmico. O movimento natural, que pela contingência da vida atual é execu-
tado de maneira imperfeita , superficial, não havendo uma solicitação mais efetiva do aparelho motor
necessita ser organizado, disciplinado, ordenado, educado, para atingir as características fundamentais
de fluência, impulso, molejo, intensidade, ritmo, liberdade, num trabalho específico do aparelho psico-
motor e orgânico (1979, p.30).
52
Denominamos de movimentos naturais, os padrões motores básicos essenciais à
existência humana determinados pelo impulso orgânico, sobre os quais se fundamentam o
nível de habilidade e a destreza para o desempenho de seus movimentos.
À medida que, um ser biológico alcança o desenvolvimento da destreza motora,
começa a explorar as trocas em sua base de sustentação e em seu centro de gravidade,
adquirindo dessa forma conhecimentos práticos da mecânica corporal. Em conseqüência, o
aperfeiçoamento dos reflexos posturais faculta a manutenção do equilíbrio. O indivíduo
começa a perceber como seu corpo funciona, quando é exposto a atividades que estimulam a
sua atenção para outros aspectos ligados estruturalmente à percepção corporal .
A percepção corporal é de considerável interesse para a melhor compreensão, melhor
previsão e controle do entendimento humano. A estruturação do esquema corporal se processa
através do desenvolvimento da percepção dos mecanismos e bases fisiológicas do próprio
corpo.
Assim, o movimento humano com todas as suas implicações mentais, emocionais e
físicas é o denominador comum da arte dinâmica do desempenho motor. As idéias, os
sentimentos são expressos pelo fluir do movimento e se tornam visíveis nos gestos.
A Ginástica Rítmica, expressando seus movimentos por meio de desenhos espaciais
ritmicamente progressivos, é mensageira de idéias e emoções que traduzem as experiências
individuais corporais. Abrange as habilidades básicas do domínio psicomotor, necessárias à
53
prática da Ginástica Rítmica, identificadas através do desenvolvimento da educação da
postura e do movimento; das relações espaço-temporais do corpo com pessoas e objetos; das
qualidades físicas necessárias à obtenção de desejáveis padrões de performance; das
habilidades fundamentais da ginástica acrobática; e das diferentes habilidades técnicas de
manejo de aparelhos cujo domínio de associação desses fatores, permite ao praticante a
utilização de seu corpo, encontrando desta forma as várias dimensões do seu potencial de
expressão, livre, independente, criativo e natural.
É uma atividade rica e dotada de versatilidade que permite ao indivíduo a liberdade de
movimentos estimulando a criatividade. A estrutura de cada movimento acontece com
profundidade, sentimento, expressividade, associados à mecânica corporal, dando dimensão
ao gesto.
Combinada ao ritmo musical, aos estímulos dos pequenos aparelhos, inerentes à
modalidade, desenha-se um contexto motivacional que leva o praticante a uma maior
integração com seu corpo. Por um lado, os movimentos induzem a uma experimentação das
informações que recebe e, por outro, um respeito ao projeto mecânico de base contido na sua
organização corporal.
Referindo-se ao ritmo, diz Laban (1978), “Ritmo é energia. Anima o corpo em
movimento se este não lhe opuser zonas de resistência”. O movimento e a música estão
intimamente ligados. Nasceram simultaneamente da mesma necessidade de expressão e, como
tal, devem permanecer associados.
54
Estamos de pleno acordo com Crause (1985), quando faz referência aos autores
alemães Hedman (1978) e Kumpf (1982), que se destacaram na pesquisa da utilização de
pequenos aparelhos na Ginástica Rítmica, concluindo que este trabalho incentiva a motivação
e empresta um sentido maior ao movimento, da mesma forma que também contribui para
estimular a ação corporal, aumentando a efetividade do desempenho e exigindo maior
capacidade de coordenação. Os exercícios com aparelhos favorecem a descontração e a
liberação de tensões internas e constitui-se, portanto, num auxílio pedagógico no
condicionamento físico, na expressão do corpo e na libertação do gesto.
Para Bonaventure (1979), a Ginástica Rítmica é uma das raras atividades humanas
onde estão associadas de uma maneira sistemática e constante os cuidados de uma
performance esportiva de alto nível, a busca de uma estética gestual própria de cada
participante e uma emoção artística que se comunica com o espectador.
Através dessa concepção do autor, a Ginástica Rítmica pode ser considerada como a
união de seqüências gestuais harmoniosas, associadas à técnica de manejo com aparelhos
integrada ao ritmo musical, formando uma unidade. Dando seguimento ao pensamento de
Bonaventure (1979), a especificidade da Ginástica Rítmica, sua essência, sua natureza, sua
beleza e seu valor artístico, podem ser observados sobre triplo aspecto: domínio do gesto,
virtuosismo com o aparelho, contanto que esteja a serviço da estética, e valor das opções
musicais e coreográficas.
55
A Ginástica Rítmica é, portanto, uma atividade integradora do ser como um todo, uma
forma de comunicação corporal, onde a percepção do corpo, a escuta de si mesmo, enriquece
as possibilidades de expressão e de entendimento individual.
De acordo com as contribuições apresentadas pelas concepções teóricas, verifica-se na
Ginástica Rítmica, um meio de reconhecimento e expressão corporal e de compreensão do
próprio corpo.
1.7 A Ginástica Rítmica e a percepção: um tecer criativo
Ao iniciar este item de estudo gostaria de citar Santin, quando se refere à mobilidade
humana, prefaciando este capítulo com a sua importante fala:
A mobilidade humana ultrapassa os limite da motricidade e das atividades mecânicas. O
movimento humano não pode ser reduzido somente aos deslocamentos físicos, às articulações motoras
e a gesticulações produtivas. É necessário vinculá-lo a todo seu modo de ser . Não é apenas o corpo
que entra em ação pelo fenômeno do movimento. É o homem todo que age, que se movimenta
(1987, p.77).
Poderíamos acrescentar, ainda que o homem não se sente e percebe como um ser uno
em si mesmo, mas em unidade com o mundo. Assim sendo, fez-se necessário buscar as raízes
que nos propiciam estas experiências e onde a Ginástica Rítmica contribui para o maior
enriquecimento do ser humano: as aptidões perceptivas.
Por aptidões perceptivas entendemos toda a gama de atividades sensoriais que o
indivíduo pode utilizar para a interpretação dos estímulos que o ambiente lhe oferece. No
trabalho de Harrow (1980), encontramos uma fundamentação que atende às expectativas desta
pesquisa. A autora classifica as aptidões perceptivas em: A. discriminação cinestésica:
56
consciência corporal, imagem corporal e relações entre o corpo e os objetos que o circundam
no espaço; B. discriminação visual: acuidade visual, acompanhamento visual, memória visual,
diferenciação figura-fundo e coerência perspectiva; C. discriminação auditiva: acuidade
auditiva, acompanhamento auditivo e memória auditiva; D. discriminação tátil; E. capacidade
de coordenação: coordenação olho-mão e coordenação olho-pé.
1.7.1 Discriminação Cinestésica
No sentido muscular, compreendemos a cinestesia como a sensação que possuímos
quando fazemos qualquer movimento. A discriminação cinestésica abarca o conhecimento
que temos do corpo, da superfície corporal, dos membros, as dimensões de direita e esquerda
e a percepção do corpo em relação aos objetos que o cercam no espaço, relações-espaciais.
Esta categoria diz respeito, portanto, à percepção que o indivíduo possui do seu corpo, como
ele movimenta-se e como interage com os objetos e o espaço. Evidencia, também, a
bilateralidade – movimentos executados por ambos os lados do corpo. Podemos citar Soares,
ao referir-se à Ginástica Rítmica:
[...]
o que diferencia a Ginástica Rítmica de quase todas as atividades habituais ou esportivas,
é que é que o gesto motor interessa simultânea e alternativamente aos dois braços, e que cada mão in-
tervém numa motricidade fina. As mãos tornam-se, portanto, os elementos fundamentais dessa modali-
lidade esportiva (1981, p.35).
Focaliza, também, esta categoria, a lateralidade e a dominância, sendo a primeira
simbolizada pelo movimento executado por um lado do corpo, ou, alternando um lado e outro.
A segunda já incorpora em seu contexto a lateralidade sendo observada através do lado
dominante, onde o indivíduo apresenta preferência por um dos lados de seu corpo (direito ou
57
esquerdo) para efetuar tarefas motoras. Como a Ginástica Rítmica exige em sua estrutura
esportiva o uso dos dois lados do corpo, contribui para o desenvolvimento motor mais
equilibrado e uma maior atenção e percepção do mesmo.
A imagem corporal também tem seu significado, pois a estruturação da mesma se
processa através da consciência dos mecanismos e bases fisiológicas do próprio corpo e é de
considerável interesse para a melhor compreensão do mesmo. As relações entre o corpo e os
objetos que o circundam no espaço referem-se aos conceitos direcionais do indivíduo, à sua
percepção de corpo e aos desenhos que ele projeta no espaço. Portanto, também fazem parte
desta categoria.
1.7.2 Discriminação visual
A discriminação visual favorece ao indivíduo o controle de sua área de ação, sendo um
fator importante a ser considerado na prática da Ginástica Rítmica para o acompanhamento
das aptidões perceptivas. Constitui, também, de singular importância, a acuidade visual, que
pode ser traduzida como a capacidade de distinguir a forma e os detalhes exatos do que o
indivíduo necessita para diferenciar os objetos e os acontecimentos circundantes. Da mesma
forma, vemos no acompanhamento visual a possibilidade que o indivíduo tem de seguir os
objetos ou símbolos com movimentos coordenados dos olhos. Agrega-se a este item, ainda, a
memória visual, que é a capacidade de recordar experiências passadas, sendo muito
importante para esta modalidade no sentido da reprodução do gesto.
58
Dando seguimento à discriminação visual, salienta-se a importância da diferenciação
da figura de fundo, item fundamental desta aptidão perceptiva, onde o indivíduo é capaz de
identificar o objeto dominante e reagir de acordo com a situação. E, ainda dentro desta
categoria, a coerência perceptiva apresenta sua relevância por referir-se à capacidade de
interpretação quando observado o mesmo tipo de objeto, evidenciando coerência na
capacidade de reconhecer figuras e formas, mesmo que apresentem diferenças.
1.7.3 Discriminação auditiva
Sendo a Ginástica Rítmica uma modalidade esportiva que compartilha música e
movimento, o desenvolvimento das percepções auditivas torna-se fundamental. A habilidade
de perceber intensidades de sons diferentes e de ritmos diferentes faz parte deste esporte.
A discriminação auditiva envolve acuidade auditiva, que permite a percepção e a
diferenciação entre tons e sons; acompanhamento auditivo, que diz respeito à capacidade de
distinguir e seguir os sons; e a memória auditiva, que permite ao indivíduo reproduzir
experiências auditivas passadas.
1.7.4 Discriminação tátil
A discriminação tátil é uma aptidão perceptiva que está muito ligada à Ginástica
Rítmica porque permite estabelecer as diferenças existentes entre os vários aparelhos que a
modalidade oferece, os quais possuem diferentes formatos, tamanhos, textura e peso. Estes
aparelhos estimulam o desenvolvimento da capacidade tátil.
59
1.7.5 Capacidade de coordenação
Esta capacidade incorpora atividades que incluem diversas aptidões perceptivas.
Relaciona-se também com as coordenações olho- mão e olho- pé. A primeira refere-se à
capacidade de selecionar um objeto à sua volta e de coordenar visualmente este objeto. A
segunda, à capacidade de distinguir um objeto à sua volta e coordenar com os movimentos
dos seus membros inferiores.
Evidencia-se portanto, a importância da percepção na Ginástica Rítmica como
possibilidade de proporcionar ao ser humano uma maior interpretação do seu universo,
operando sobre seus dados sensoriais, promovendo, assim, o desenvolvimento dos seus
potenciais.
Nossas percepções conectam-se aos nossos movimentos e vamos tecendo
criativamente um eixo articulador entre nosso mundo interno e externo. Crause, associa a
Ginástica Rítmica a:
[...] uma atividade integradora do ser como um todo, na qual cada tomada de consciênia
conduz a uma escuta de si mais profunda, uma meditação e um conhecimento do mundo exterior, que
modifica o gesto, leva à descoberta da técnica, enriquece as possibilidades de expressão, fazendo com
que as diferentes habilidades de manejo de aparelhos se transforme numa extensão de seu próprio
corpo (1985, p.66).
A Ginástica Rítmica constitui-se numa modalidade que propicia ao praticante uma
interação perceptiva de real significado, tecendo de forma criativa as possibilidades do ser
humano, através dela, integrar-se com o seu corpo e com os outros corpos, bem como
60
desenvolver suas aptidões perceptivas, colaborando para a leitura corporal humana e sua
relação com o mundo exterior.
Normalmente, temos uma apreensão de nossas sensações através da percepção, que
nos permite cuidar de nós mesmos. Entretanto estas percepções são pouco valorizadas em
nosso cotidiano e acabamos perdendo nossa acuidade sensório-motora, ou seja vamos nos
distanciando da capacidade de sentir e compreender as sensações advindas de nossos próprios
movimentos. A sensibilização do corpo através de atividades criativas contribui para uma
vivência mais harmônica e prazeirosa e a Ginástica Rítmica, por seus objetivos, busca esta
relação com o belo, com a leveza, com o prazer, com o ritmo e com o conhecimento corporal.
Enfim, busca, através de estímulos, movimentos que transmitam ao ser humano uma forma
agradável e consciente de expressão.
Constatamos, assim, que, a prática da Ginástica Rítmica, proporciona um trabalho
efetivo na área da ginástica, tendo como meta a percepção corporal do indivíduo. A mesma
pode ter pureza de intenções e aspectos significativos para o ser humano, contudo, é uma
proposta que não abarca a totalidade do fenômeno humano. Pode ser considerada como um
suporte necessário para que este lado perceptivo, sensível e criativo do ser não esmoreça.
1.8 A teia em movimento e sentimento: interação entre corpo, Ginástica Rítmica,
corporeidade e acadêmicos de Educação Física.
Dentre os múltiplos espaços e as múltiplas instâncias onde se pode observar a
instituição das distinções e desigualdades, o corpo certamente é o campo mais eficaz,
61
persistente e mais adaptável às situações impressas pelos aspectos sociais e culturais de um
determinado grupo.
Inserido em um contexto sócio cultural, o ser humano, ao nascer, passa a viver seu
momento histórico. Possui etnia, sentido religioso, gênero, idade, sociedade, características
corporais, políticas, econômicas, hierarquias, desejos, fantasias. É um corpo junto a outros
corpos que interage e permite interação. Toma contato, percebe, prende-se a uma rede de
crenças, a valores, a instituições e constitui presença. Manifesta-se, adquirindo suas
referências através do pensar, falar e agir.
O mundo tem existência concreta e, de certa forma, as coisas do mundo estão aí,
independentes de nossa percepção ou conscientização. Orientamos nossas ações através das
percepções e dos significados.
Nesta produção de vida, buscamos maneiras de satisfazer nossas necessidades para
que nos sintamos engajados ao meio ambiente, ao mesmo tempo que criamos nossa própria
realidade através do que percebemos. Somos bombardeados por estímulos, pelos informes do
mundo, que nos fornecem referências as quais identificamos, codificamos e incorporamos,
transformando-as em atitudes.
Somos educados pelo que nos cerca, pelo convívio, pelas relações que estabelecemos
em espaços definidos e delimitados por atos de conhecimento. Conhecemos e reconhecemos
fatos da comunidade e do mundo que se instalam como banco de dados individuais de acordo
com as experiências vivenciadas.
62
Do homem primitivo à decodificação do genoma, do movimento natural e utilitário ao
movimento cientificamente elaborado, em qualquer gesto, em qualquer percepção, em
qualquer pensamento está o corpo, colhendo informações e transformando-se.
Nossa casa, nossa escola, nossa comunidade e nossa cidade têm exatamente a
representação dos corpos que ali habitam. Plasmamos um retrato social e cultural, uma
imposição de limites sociais e culturais que são impressos em nossa conduta individual.
Enfatizam Santin (2001), e Merleau Ponty (1999), a idéia de que o homem possui um
valor em si e um valor sócio-cultural que não estão dissociados. Assim, nossas vidas
constituem-se em um movimento dialético, em busca da unidade, da identidade que nos é
própria e da realização pessoal. Neste sentido, somos um valor em nós mesmos. Mas, este
valor ganha proporções e atinge seu ápice quando superamos o individualismo e
reconhecemos nossa natureza social através da busca da auto-realização, promovemos a
nossa humanização, a dos outros e com os outros, tendo como objetivo buscar condições de
participação criativa em nossas vidas e na nossa comunidade, almejando a liberdade pessoal.
Cada época, cada cultura, cada sociedade vai definindo o perfil do cidadão,
estabelecido como ponto de referência para o desenvolvimento de cada pessoa e de toda uma
sociedade.
Como diz Gonçalves:
63
Ser-no-mundo com o corpo significa estar aberto ao mundo e, ao mesmo tempo, vivenciar o
corpo na intimidade do Eu: sua beleza, sua plasticidade, seu movimento, prazer, harmonia, dor, cansa-
ço recolhimento e contemplação. Ser- no- mundo com o corpo significa movimento, busca e abetura de
possibilidades, significa penetrar no mundo e, a todo momento criar o novo (1994, p.103).
A rua, a festa, o jogo, a ginástica, a escola, a educação, a religião, o trabalho, o todo,
fazem-se com a participação do corpo.
Assim, podemos citar, na concepção de Merleau-Ponty, “[...] tenho consciência de
meu corpo através do mundo [...] tenho consciência do mundo através do meu corpo[...]”
(1999, p.95).
Cada ser em sua individualidade expressa-se de acordo com seu inventário pessoal. É
a percepção corporal individual que estabelece esta diferenciação. Com base em suas
pesquisas, Feldenkrais (1977), admite que a percepção individual muitas vezes não se torna
producente como poderia, por estar calcada no hábito. Segundo ele, não temos este hábito de
perceber-nos porque nos foi ensinado a aceitar idéias corporais sem questioná-las e
assinamos, assim o contrato com o inevitável: o distanciamento da percepção corporal
pessoal.
A ciência e a tecnologia sinalizam nos dias de hoje possibilidades outrora esboçadas
ou quiçá imaginadas sobre transformações corporais. As percepções do corpo vão
acontecendo pela necessidade do perfil corporal impingido pela mídia e aceito por cada um de
nós, num sentido de evolução sócio-cultural. Na verdade, cria-se um gigantesco inconsciente
coletivo, determinando nossa forma de andar, vestir e gesticular que automatizamos e
utilizamos para fazer a história de nossa época.
64
Hoje dizemos “não” aos espartilhos e faixas que endireitavam a nobreza buscando
uma boa postura corporal, mas buscamos outros artefatos modeladores do corpo que nos
distinguem como seres humanos do século XXI. E, em nome das recentes e atualizadas
descobertas, vamos moldando corpos à luz do rigor científico.
No entanto, vários autores como Soares (1991), Sant’Anna (2001), Santin (2001),
Feldenkrais (1977), Goellner (1998), Gonçalves (1994), que buscam ver o ser humano como
um todo, afirmam que o mesmo não é um objeto mensurável, tampouco um fomentador de
tabelas, de gráficos, de formas e fórmulas. Ao mesmo tempo, nos tornamos números, cifras,
cálculos.
Notamos que há um esforço por parte de autores como Gonçalves (1994) e Soares
(2002), que buscam o entendimento do ser humano, sua percepção e consciência de corpo a
partir de uma reflexão interna, que diz respeito ao sentir-se como corporeidade. Mas, se
observarmos mais amiúde, notamos que existem duas linhas paralelas de pensamento, uma
que diz respeito à reflexão interna e, a outra que, determinada pelo modo de ser desta época, é
calcada na boa apresentação da imagem exterior do corpo. Como paralelas, não se encontram.
Então, questiono: que estamos fazendo com os centímetros de coxas, de bíceps ou de pedaços
de corpo? Onde estão nos levando os programas corporais fanáticos em consumos de
vitaminas, aminoácidos, alimentos dietéticos e as cirurgias do “tira aqui e põe ali”? Que
destino terão as montanhas de músculos ambulantes que encontramos nas academias que nos
brindam com slogans de qualidade de vida? Onde está o limite? Existe limite?
65
O corpo não se limita às leis da física, ele faz parte da arte dos sentimentos. Ele possui
uma intencionalidade em qualquer situação. Quando falamos em intencionalidade, nos
referimos a um conjunto de valores que, ao articular um movimento, o ser humano expressa,
ou seja, é constituído pelas significações que se fundem com a movimentação do homem. Na
classificação de Santin (1987 p.36 e 37), o autor divide os componentes intencionais do
movimento humano em internos e externos. Intencionalidade interna, diz Santin (1987 p.36 e
37), seriam a expressividade, a competitividade, o prazer, a premiação e a produtividade.
Todos eles referindo-se às necessidades internas inerentes ao homem, que preenchem sua
trajetória de realização pessoal. Os componentes externos dizem respeito aos objetivos
propostos a serem alcançados pelo tipo de articulação do movimento humano, como lazer,
esporte, trabalho, rendimento, bem-estar etc. Assim, esta comunicação corporal é realizada
através da corporeidade e, ao referir-se ao corpo e sua interação com o mundo, diz Merleau-
Ponty, “o corpo é expressão e palavra” (1999, p.203).
Estamos falando de um corpo pensado no sentir, na sensibilidade, a qual, por sua vez,
manifesta-se sempre que alguém for capaz de percebê-la. Defendemos um senso de percepção
criativa, imaginativa, vigilante, respeitosa, que sinaliza quando transgredimos os princípios
do próprio corpo e da convivência com ele e com outros corpos.
Nas palavras de Santin, ao falar do corpo encontramos os seguintes dizeres:
O corpo vive, pensa, trabalha e brinca. Ele não é o simples objeto, circunscrito aos
limites inteligíveis, impostos pelo modelo epistemológico do enfrentamento do sujeito e do objeto. A
inteligência se constrói como corporeidade; talvez, mais radicalmente dito, a corporeidade se faz
inteligente. [...] A corporeidade é a construção espaço-temporal do mundo da vida humana com todas
as suas possibilidades e dimensões (2001, p.113).
66
Podemos dizer, então, que o ponto de partida do homem é a corporeidade. Dela nasce
todas as propriedades que formam o modo de ser do homem, seus objetivos, seus pensares,
suas realizações, enfim, as condições necessárias à sua presença e às suas manifestações no
mundo.
No intuito de fazer uma interação nesta pesquisa sobre o corpo e suas relações como
forma de situá-lo na percepção, na imagem corporal, na Ginástica Rítmica, na sua
corporeidade e os acadêmicos de Educação Física, concordo com as afirmações de Bruel, que
vem elucidar o conteúdo deste trabalho.
Optamos pelo pressuposto “o corpo em movimento” a partir da realidade de que o movimento
humano só se concretiza através do corpo do homem. Este movimento integra uma totalidade,
compreendendo não só o ato motor como muitas vezes é entendido pela Educação Física, mas toda e
qualquer ação humana, que vai desde a expressão dos sentimentos até gesto mecânico. Não é apenas o
corpo que entra em ação pelo fenômeno do movimento, mas é o homem todo que age, que se
movimenta. Num projeto educacional devemos partir da realidade sócio-cultural em busca de um
corpo teórico de conhecimentos que esteja vinculado ao homem em movimento num verdadeiro
sentido de corporeidade (1990, p.11).
Podemos colocar também que o movimento não é apenas um suporte que nos permite
adquirir conceitos abstratos, uma vez que nos proporciona sensações, percepções e formação
de imagens significativas, acenando-nos para o conhecimento deste complexo instrumento
que é nosso corpo. Mas este corpo também se relaciona, cria, vibra, sofre repressões, percebe
seu ritmo interno, possibilita todo nosso ser como veículo de expressão.
Em falando de corpo, percepção e imagem corporal, colocando-lhes significados,
definições e conceitos, objetivando toda uma relação com o ser humano, faz-se mister
67
interagir com a Educação Física. Inserida na Educação Física está a Ginástica Rítmica, que
trabalha com corpos em forma de gestos, criatividade e rendimento. E faz-se presente,
certamente, o acadêmico de Educação Física que interage, em princípio com seu corpo e
depois, também, com os corpos dos seus alunos
Mas o que é Educação Física? Como define Santin:
[...] “a expressão Educação Física não deve ser tomada isoladamente, ela faz parte de um
discurso. Ela pertence ao discurso que se constitui, desde muito tempo, no contexto do processo educa-
cional. O substantivo educação tem sentido referente à formação humana. Por falar em educação signi-
fica referir-se às atividades pedagógicas, às instituições escolares e ao processo ensino-aprendizagem.
Portanto, parece óbvio que a educação física pertence às categorias das ações que opõem em ação
meios e técnicas apropriadas para a formação e o desenvolvimento do ser humano. O adjetivo física
define sua especificidade. Portanto, seria a ação educativa que tem por objeto de suas práticas os
aspectos corpóreos do ser humano. O sentido dicionarizado diz que a educação física é o conjunto de
exercícios, de esportes próprios que favorecem o desenvolvimento harmonioso do corpo (1995, p.11).
Dando continuidade às idéias de Santin (1995), o mesmo coloca que, das tarefas
impostas antigamente pelo homem racional, a Educação Física ocupava o posto de educação
minúscula, por tratar do desenvolvimento das capacidades corporais através da disciplina, do
controle e até da repressão deste corpo, enquanto as disciplinas que se ocupavam da mente
eram consideradas de educação maiúscula. Com a evolução científica e o disparar da
tecnologia, o modelo muda e a Educação Física transforma-se em modeladora de corpos ou,
ainda, transformadora de corpos em máquina. Seu discurso foi constituído. O homem
descobre no final deste século que nasceu para viver e buscar a performance.
No entanto, o profissional de Educação Física, embora expresse-se como profissional,
também é um corpo, também representa uma corporeidade. Assim, deve entender que o corpo
não é uma máquina, não pode ser reduzido a uma arquitetura mecânica. Que corpo e
68
movimento fazem parte das instâncias da arte, da linguagem, do sentimento que precisa
estabelecer uma relação de corporeidade, gestualidade e de movimento. Os profissionais de
Educação Física necessitam aprender e apreender a linguagem do corpo, do seu corpo e dos
outros corpos.
Sant’Anna nos diz:
Seria preciso, talvez, recorrer a alguma engenharia capaz de religar o corpo às suas potên-
cias e às suas virtualidades. Conectá-lo com a espessura da história e, ao mesmo tempo abri-lo ao im-
ponderável. Um sonho e tanto. Mas ele pode ser realizado sem alarde, nunca totalmente nem de
uma vez por todas. Realização sempre em curso porque faz parte do ordinário, do mundo das
coisas banais. Por conseguinte, sua receita não está escondida nos confins do universo, não é reservada
a heróis espetaculares, nem é exclusiva a monges ou a “top models” de sucesso. Ela nunca está
pronta, precisa ser permanentemente construída. E necessita se exercida com os materiais de que
cada umdispõe, a cada encontro e a cada separação (2001, p.11/12).
Se o corpo é um mecanismo comunicador, se tem o poder de expressão, se é
possuidor da capacidade de formar uma imagem de si, dando-lhe identidade, se possui uma
corporeidade, porque não utilizar a “engenharia de religação” através da Ginástica Rítmica
para auxiliar o acadêmico de Educação Física que a pratica a ter um maior entendimento do
mesmo dentro do pensar, falar e agir?
De acordo com as especificações da modalidade, no que tange aos movimentos
naturais já citados no capítulo “Ginástica Rítmica: a procura do novo”, consideramos a
mesma como uma arte dinâmica, criativa, natural e orgânica, com movimentos de
características próprias, que busca no estímulo de pequenos aparelhos ou mesmo a mãos
livres desenvolver as potencialidades individuais.
69
Mesmo sendo a Ginástica Rítmica uma modalidade esportiva considerada por muitos
elitizada, nas Escolas de Educação Física não se tem a pretensão de formar ginastas.
Portanto,
vamos conectar esta modalidade com sua base: o desenvolvimento da criatividade através de
estímulos capazes de desenvolver a percepção corporal por meio de gestos, movimentos e
ritmo capazes desta produção, ou seja, partir de uma ação pedagógica que vise alcançar estes
objetivos.
Mas, como esta ação pedagógica se desenrolaria numa relação entre a Ginástica
Rítmica e acadêmico de Educação Física?
Busco novamente as idéias de Santin, referindo-se à criatividade humana:
O homem, por sua capacidade de simbolizar, consegue ser criador de mundos pela imaginação
ou fantasia. O brinquedo é o resultado da criatividade da fantasia da criança e – por que não? De
qualquer pessoa. Desde o momento em que o homem não está mais limitado a ver as coisas, os outros
e a si mesmo dentro da ordem biológica, ele consegue criar novas criaturas e novas ordens. A preser-
vação da capacidade criativa é fundamental para o desenvolvimento humano (2001, p.25).
A fantasia e a criatividade humana são dois componentes que, interligados,
possibilitam a expressão e a percepção corporal, levando o indivíduo à liberdade de gestos,
proporcionando momentos de alegria e descobertas. Quando uma atividade torna-se atraente,
alegre, criativa e gratuita, pode-se atingir as metas de um reconhecimento corporal e o
desenvolvimento de potencialidades. Sob esta ótica, a Ginástica Rítmica toma as proporções
de um instrumento fomentador da percepção corporal. Colabora na formação da imagem
corporal, na consciência do corpo como uma entidade física, situa o ser com sua corporeidade
em novas possibilidades criativas, permitindo-nos, assim, afirmar que a experiência com o
próprio corpo é uma unidade em construção.
70
A percepção do trabalho corporal realizado através da Ginástica Rítmica,
proporcionando experiências significativas, ricas em criatividade, liberdade e alegria,
contribui para que o acadêmico de Educação Física tenha um maior entendimento do seu
corpo e da sua corporeidade.
A necessidade que percebo nos acadêmicos de Educação Física de ter conhecimento
do seu corpo, num sentido mais amplo de sua compreensão, e a preocupação que sinto por
esta área, impulsionaram-me para este foco de pesquisa, bem como, para a metodologia que
pretendo empregar.
71
2 PERCURSOS E ESTRATÉGIAS: OPÇÕES METODOLÓGICAS
Pensar pede audácia, pois refletir é
transgredir a ordem superficial que nos pressiona tanto”.
(Lya Luft)
2.1 Escolha metodológica
O ato de pesquisar apresenta num certo momento a necessidade de escolha. É um
momento de parar, estabelecer coordenadas, criar estratégias, buscar o foco de interpretação
do trabalho dentro da temática escolhida, reordenar percursos e manter cursos. É como prestar
contas sobre o território a ser investigado, para que se estabeleça uma interlocução,
processando o material aproveitável e dejetando os resíduos. Enfim, encontrando formas de
linguagem que proporcionem ao texto uma versão consistente da realidade.
Este momento para mim chegou. É hora de sistematizar de maneira metodológica o
que me movimentou para esta investigação. Focar a corporeidade humana é como entrar
72
numa teia criativa feita de linhas sinuosas e imprevisíveis entre o implícito e o explícito, entre
a renovação e as inter-relações, onde muitas vezes precisa-se ir e vir, buscando novos
caminhos para dar vazão ao novo movimento na constituição de saberes. É preciso destrancar
os ferrolhos, abrir os canais para que a drenagem ocorra. Como fala Corazza, “Coragem
companheira. Não dá para desejar que o mundo te seja leve, pois inventaste de ser intelectual”
(1995, p.110).
Investigar cientificamente um tema inclui a opção por um método que possibilite uma
maior compreensão do fenômeno a ser estudado, proporcionar respostas aos questionamentos
e escolhas e, ao mesmo tempo, permitir a identificação com o pesquisador. Como diz
Corazza (1995) e Veiga-Neto (1995), toda prática de pesquisa constitui-se em um ato de
criação. Ou seja, o pesquisador em sua eleição metodológica deve sentir-se livre para pensar,
expressar e produzir.
Nesta perspectiva, a viabilização da ciência dá-se justamente por este fio condutor que
costura interligando as pesquisas, possibilitando o processo de mudanças e o surgimento de
novos paradigmas. Segundo Kuhn, “[...] paradigmas são realizações científicas
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções
modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência” (p.13,1992).
Acredito que o ato de pesquisar apresenta uma característica processual, provoca
mudanças, produz abalos, conduz à introspecção, modifica rotinas, trás alegrias, mexe com a
sensibilidade, agrega uma pluralidade de linguagens que determina sua própria força criativa.
Inclui o pesquisador e os participantes, envolvendo-os num processo interativo no sentido da
73
interpretação do fenômeno a ser estudado. Assim, na problematização do que é habitual,
busca-se produzir significados diferentes para olhar a realidade em questão.
Não há uma porta única, porque quem pesquisa está dentro de um universo, onde os
caminhos sem muros bifurcam-se e alastram-se, oferecendo infinitas possibilidades.
Esta investigação está calcada no entendimento da corporeidade humana através da
percecpção do trabalho corporal realizado na Ginástica Rítmica. Considerando a
complexidade do tema, a utilização do modelo metodológico não poderia suscitar uma
perspectiva matemática por se tratar do ser humano como unidade, mas sim, uma produção
que fosse ganhando forma à medida que os dados recolhidos e examinados fossem
interagindo com as pessoas envolvidas. Com base nesta questão, era preciso articular para esta
pesquisa um foco metodológico que atendesse aos objetivos da mesma dentro de um padrão
de flexibilidade, liberdade, criatividade e coerência.
A partir do século XX o surgimento da pesquisa qualitativa proporcionou uma nova
maneira de investigar o ser humano. Segundo Patton (1980), citado por Lüdke, Menga:
A análise de dados qualitativos é um processo criativo que exige grande rigor intelectual e mui-
ta dedicação. Não existe uma forma melhor ou mais correta. O que exige é sistematização e coerência
do esquema escolhido com o que pretende o estudo (2001, p.42).
A abordagem da investigação qualitativa permite que o fenômeno a ser estudado seja
examinado com a idéia de que qualquer dado é importante, que tudo oferece um pontencial,
74
como expressa Bodgan e Biklen, “[...]para constituir uma pista que nos permita estabelecer
uma compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo” (1994, p.49).
Ainda recorrendo à Bogdan e Biklen:
O objetivo dos investigadores qualitativos é o de melhor compreender o comportamento e ex-
periência humanos. Tentam compreender o processo mediante o qual as pessoas constróem signi-
ficados e descrever em que consistem estes mesmos significados. Recorrem à observação empí-
rica por considerarem que é em função de instâncias concretas do comportamento humano que se pode
refletir com maior clareza e profundidade sobre a condição humana (1994, p.70)
Negrine (1999), compartilha essa afirmativa na medida em que, para ele, a base
analógica desse tipo de investigação centra-se na descrição, análise e interpretação das
informações recolhidas durante o processo investigatório, procurando entendê-las de forma
contextualizada.
Neste segmento de pesquisa há mais interesse pelo processo em si do que pelo
produto, traduzido pela presença do investigador no ambiente natural de coleta de dados
através de uma interação efetiva com os participantes.
A pesquisa qualitativa permite explorar diferentes informações, observar detalhes,
referências individuais e de grupo, refletindo sobre os discursos e interpretando as sutilezas do
fenômeno a ser estudado. Como diz Bodgan e Biklen, este tipo de investigação tenta analisar
os dados em toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto possível, a forma como estes foram
registrados ou transcritos (1994, p.48).
75
Essa forma de vislumbrar o ser humano com suas produções, sua bagagem
personalizada de experiências, seu modo de ser no mundo, induziu-me a optar, na trajetória
investigativa, por um modelo fenomenológico e hermenêutico que permitisse exaltar a
descrição, interpretação e compreensão do mundo que surge intencionalmente à nossa
percepção, mergulhando na essência do fenômeno a partir da perspectiva do sujeito,
considerando a individualidade de cada ser.
Considero a fenomenologia e a hermenêutica como abordagens teórico-filosóficas
relevantes à proposta deste estudo, qual seja, descrever, interpretar e compreender o modo
como os acadêmicos percebem-se, utilizando a disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos
e tendo como foco o entendimento de sua corporeidade.
A fenomenologia busca a compreensão mergulhando nas entranhas do fenômeno,
fazendo vir à tona o que está encoberto. Encontrei nos estudos de Merleau-Ponty, a
possibilidade de entendimento do corpo a partir da vivência do corpo fenomenal,
considerando que a realidade humana implica uma complexidade que não pode ser
desmembrada:
Não podemos permanecer nesta alternativa entre o não compreender nada do sujeito ou nada
do objeto. É preciso que reencontremos a origem do objeto no próprio coração de nossa experiência.
[...] o corpo, retirando-se do mundo objetivo, arrastará os fios intencionais que o ligam ao seu ambiente
e finalmente nos revelará o sujeito que percebe, assim como o mundo percebido (1999, p.109 -10).
Compartilhando dessa mesma perspectiva de Merlau-Ponty, Morin, concorda na
unicidade do corpo quando expressa;
76
O homem é um ser evidentemente biológico. É ao mesmo tempo um ser evidentemente cultu-
ral, meta-biológico e que vive num universo de linguagem de idéias e de consciência. Vai, portanto,
estudar-se o homem biológico no departamento de biologia [...] e vai-se estudar o homem nos depar-
tamentos de ciências humanas e sociais. [...] Esquece-se que um não existe sem o outro; ou melhor
que um é simultaneamente o outro, embora, sejam tratados por termos e conceitos diferentes (1991, p.71
–2).
Assim, tem-se uma nova forma de compreender a corporeidade humana enfatizando a
vivência perceptiva.
A hermenêutica objetiva uma releitura das expressões humanas, propiciando a
interpretação do fenômeno e tudo o que diz respeito a ele. Assim, dá-se através de um
processo circular onde o todo implica cada parte e cada parte o todo. Neste processo, está
presente a intuição (Palmer, 1989), onde presume-se que, de certa forma, já temos
conhecimento do que procuramos compreender, ou seja, que sempre há uma pré-
compreensão partindo do pressuposto de que estamos inseridos no todo. Então, compreender
implica ter uma relação com o novo e que, de certa forma, já é compreendido, mas
descobrindo novas maneiras e possibilidades de obter novos conhecimentos do ser humano.
Para melhor efetivação desta investigação, optei pela pesquisa de corte qualitativo e
descritivo por oferecer este viés de agilidade e flexibilidade, pontos que considero importantes
para o trabalho que busco realizar. O método qualitativo foi por mim priorizado, justamente
por permitir uma exploração maior do fenômeno a ser estudado. Percebo que ele possibilita a
sutileza do detalhe, ver o que às vezes poderia passar despercebido, refletir sobre os discursos,
buscar o que está nas entranhas, desvelando a essência da vivência e do somatório de
experiências individuais transformadas em significados.
77
2.2 Objetivos e problema da pesquisa
O olhar que depositamos sobre determinado fato às vezes pode nos suscitar
questionamentos. Assim, foi a razão deste estudo. O universo humano, sem dúvida, provoca
questionamentos quando lida-se com as questões corporais num âmbito educacional. Portanto,
lancei-me à investigação. Busquei referências teóricas que me dessem aporte aos anos de
trabalho.
Num caminho investigativo, a escolha do grupo a ser labutado também constitui uma
etapa relevante. Assim, elegi os acadêmicos de Educação Física que cursam a disciplina de
Ginástica Rítmica Fundamentos na UFRGS, determinando os seguintes objetivos:
a) Descrever e interpretar, através de uma atitude fenomenológica e hermenêutica as
percepções que os acadêmicos de Educação Física que cursam a disciplina de
Ginástica Rítmica Fundamentos possuem sobre a sua corporeidade;
b) Compreender as relações que os acadêmicos de Educação Física que
cursam a disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos estabelecem entre o
pensar, o falar e o agir corporalmente;
c) Identificar e compreender as contribuições que a disciplina de Ginástica Rítmica
Fundamentos proporciona a percepção corporal dos acadêmicos de Educação
Física.
78
Das minhas inquietações como educadora universitária, especialmente da área da
Ginástica Rítmica, desloquei-me da moradia confortável da docência para lançar-me a um
problema de pesquisa. Portanto, ele surgiu sob a ótica da experiência com a intenção de, como
expressa Corazza, “problematizar o que não era tido como problemático, ou a re-
problematizar com outro olhar o já problematizado”(1995, p.120). Tal movimento implicou
no seguinte problema:
Quais as percepções que os acadêmicos de Educação Física que cursam a
disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos possuem sobre a sua corporeidade, quais
as relações que estabelecem entre o pensar, falar e o agir corporalmente e como a
percepção do trabalho corporal nesta disciplina contribui para o entendimento da
corporeidade.
Guiada por esta forma de pensar, construí meu caminho investigativo formulando as
seguintes questões de pesquisa que nortearam meu trabalho:
a) Como os acadêmicos de Educação Física que cursam a disciplina de Ginástica
Rítmica Fundamentos percebem (pensam, falam e vêem) seus corpos?
b) Como os acadêmicos de Educação Física que cursam a disciplina de Ginástica
Rítmica Fundamentos expressam-se (agem) corporalmente?
c) Qual a importância que os acadêmicos de Educação Física que cursam a
disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos atribuem à sua auto-imagem?
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d) Qual o entendimento que os acadêmicos de Educação Física que cursam a dis-
ciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos possuem sobre a sua corporeidade?
e) Quais as contribuições da disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos para
percepção corporal dos acadêmicos de Educação Física no entendimento de
sua corporeidade?
De posse dos territórios teóricos, para com eles estabelecer uma interlocução pela via
de estudos, pela luz da problematização definida e pela escolha de uma metodologia coerente
com a proposta que possibilitasse uma alquimia, isto é, cruzando as informações, dando foco
e direção aos questionamentos, era o momento de selecionar os instrumentos de coleta.
2.3 Ferramentas investigativas
A recolha de informações constitui-se, também, num momento importante, num
procedimento investigativo. Movida por esta convicção, fui atrás de ferramentas que
permitissem coletar dados significativos dos acadêmicos em questão e que me
proporcionassem uma integração e interação direta com os mesmos. Elegi, por esta razão, a
entrevista semi-estruturada, as notas de campo, os memoriais descritivos e a filmagem como
estratégias que poderiam ser relevantes para nortear este estudo, possibilitando uma vivência
mais compartilhada com os participantes.
Busquei em Gil, um conceito sobre entrevista. Afirma o autor que a entrevista é uma
forma de interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo assimétrico, em que
80
uma das partes busca obter informações e a outra se apresenta como fonte de informação
(1999, p.117).
Assim, ao selecionar a entrevista semi-estruturada, pensei num meio de comunicação
que permitisse seguir a linha de pensamento do entrevistado, zelando pela pertinência das
suas afirmações através da instauração de um clima de confiança entre o investigador e o
participante, proporcionando-lhe liberdade de expressão sem perder de vista o fio condutor
deste estudo. Dividi o roteiro da entrevista em blocos, com o objetivo de atingir ao máximo as
necessidades da pesquisa. Elaborei perguntas abrangentes, que nem sempre precisasse realizá-
las em sua totalidade, ou seja, uma a uma, dependendo da resposta do entrevistado.
Concentrei estes blocos nos seguintes aspectos: perguntas de abordagem geral, corpo e
percepção corporal, corporeidade, postura corporal, percepção corporal e auto-imagem, e
experiências pessoais como fator de interferência na postura corporal.
Como diz Negrine, definindo este tipo de entrevista, bem como, seu propósito de
utilização:
É semi-estruturada quando o instrumento de coleta está pensado para obter informações de
questões concretas, previamente definidas pelo pesquisador, e, ao mesmo tempo, permite que se rea-
lize explorações não previstas, oferecendo liberdade ao entrevistado para dissertar sobre o tema
ou abordar aspectos que sejam relevantes sobre o que pensa (1999, p.74).
Considero esta estratégia de ação para este estudo de relevante importância. Estabelece
uma relação entre o investigador e o entrevistado, proporcionando momentos de aprendizados
múltiplos, uma vivência compartilhada, testemunho das experiências do tecer criativo da fala
silenciosa da corporeidade.
81
Encontrei, nas notas de campo, outra forma significativa de instrumentalizar esta
pesquisa pela versatilidade que oferecem em contemplar um leque cada vez maior de
informações em busca do objetivo de trabalho. Como expressa Taylor, em falando das notas
de campo:
As notas de campo não devem incluir somente descrições do que ocorre em um cenário, mas
também um registro dos sentimentos, interpretações, intuições, pré-conceitos do investigador e áreas
futuras de indagações (1996, p. 82 – 3).
As notas de campo constituem, portanto, uma outra maneira de coleta informativa.
Nelas pode-se registrar idéias e interpretações emergentes, sensações e aspectos importantes
que sintonizam com a investigação, refletindo também nas trocas do modo como as pessoas
vêem-se a si mesmas e às outras, provocando novas relações. Permite, esta coleta, aprender
nas horas destinadas a estar junto aos acadêmicos, verificar novas áreas de abordagem dentro
da pesquisa.
Com o objetivo de abarcar uma rede cada vez maior de informações sobre os
acadêmicos de Educação Física, objeto central do meu estudo, busquei nos memoriais
descritivos uma outra ferramenta que me permitisse uma análise mais apurada. Como os
memoriais caracterizam-se por fornecer informações escritas pelos próprios participantes de
suas vivências pessoais num determinado tempo e espaço, constitui-se num instrumento
valioso e de confiabilidade para este processo.
Ao falar em memoriais descritivos cito Negrine,
82
A característica do memorial é que se refere aos fenômenos da consciência, isto é, retrata,
sempre, as formas de pensar de um indivíduo diante das situações vivenciadas. Está sempre relacionado
ao passado. Talvez ao presente. Quando alguém faz o registro daquilo que foi sentido ou vivenciado,
registra o passado. Em outras palavras, o conteúdo de um memorial diz respeito a emoções,
crenças e valores, ansiedades, medos, contradições, prazeres e desprazeres do indivíduo. É antes de
mais nada, o registro da forma de pensar sobre si mesmo, da forma de atuar, de ser e estar no
mundo, de como analisa os acontecimentos vivenciados. Enfim, é o registro escrito das situações
vivenciadas, das relações intra e interpessoais (1999, p.84).
A escolha desse instrumento de coleta de informações contribui para esta pesquisa no
sentido de que seu princípio fundamental está apoiado nos registros dos participantes. Ao
escrever o seu memorial descritivo, cada aluno teria que parar para pensar o que havia sentido
com a vivência praticada, como seu corpo reagiu em relação à proposta e como expressaria no
papel esta experiência. Constitui-se num momento singular de privilégio ao seu corpo, de
observação de si mesmo, analisando sensações, emoções, facilidades e dificuldades. Um
momento de interiorização. Para mim, um excelente dado provindo da fonte primeira, o
acadêmico.
Sob a perspectiva de buscar um número significativo de informações para análise,
lancei mão também da filmagem como fonte de dados. Considero a filmagem um momento
rico que possibilita muitas interpretações e suscita vários sentimentos. Primeiramente o
momento da filmagem em si, quando alguém sabe que vai ser reproduzido em uma tela e visto
pelos outros e por si mesmo, já condiciona algumas mudanças comportamentais que se
estabelecem, desde a timidez ao exibicionismo. Após, há o momento que antecede o fato de
ser visto na tela. Este, normalmente, é caracterizado por espaços temporais de tensão pelo que
se considera conhecido e ao mesmo tempo desconhecido. Como será que apareço na
filmagem? E, um terceiro momento, os sentimentos de alegria ou frustração em relação ao
83
que é visto. Ou seja, as expectativas são fortes neste tipo de instrumento e possibilitam uma
série de considerações que farei no decorrer do trabalho, objetivando esta instrumentalização.
Minha intenção em lançar mão desta ferramenta investigativa era perceber se o que foi
experimentado e a maneira como foi interpretado pelos participantes estabelece uma relação
de sentido entre seu corpo e o seu modo de ser no mundo e, ao mesmo tempo, estabelecer
uma comparação com as minhas informações e interpretá-las.
2.4 Grupo participante e seu espaço interativo
Após ter escolhido a temática investigativa e metodológia, era necessário situar e
definir o perfil do grupo de participantes, bem como, seu local de ingerência. Optei pelos
acadêmicos que cursavam a disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos, na escola de
Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estimulada por meu
orientador, professor Doutor Jorge Luiz de Souza, e incentivada pelo professor Doutor
Vicente Molina Neto. Justifico a escolha da disciplina e, por consequência, o grupo que iria
privilegiar, por apresentar um conteúdo direcionado à percepção corporal que tem como
objetivos: oportunizar experiências práticas individuais e em grupos, despertar o acadêmico
para vivências criativas, possibilitar a integração com os aparelhos oficiais da modalidade e
com materiais alternativos, desenvolver o rítmo e proporcionar um trabalho de iniciação
voltado à vivência de nível escolar através da ludicidade de movimentos.
Sendo uma disciplina opcional, eu teria oportunidade de lidar com as escolhas dos
participantes, sendo eles responsáveis pela mesma, independente dos motivos que os levaram
a ela e que me trariam, certamente, uma nova gama de informações.
84
Numa disciplina que favorece a expressão, a estrutura de cada movimento acontece na
intimidade de cada um através do sentir transformado em comunicação gestual, dando fala ao
corpo numa linguagem capaz de ecoar suas próprias profundezas associadas ao esquema
corporal.
Da mesma forma, o gesto movimento, aderido ao rítmo de uma música, e a motivação
proviniente dos aparelhos inerentes à modalidade, conduz o participante a uma interação
corporal significativa. Constitui-se em um despertar para uma nova ótica de postura, pela
liberdade gestual, possibilitando mudanças dentro do pensar, falar e agir corporalmente.
As aulas tinham o local definido. O ginásio Bugre Lucena da ESEF/UFRGS, que
oferecia plenas condições para o desenvolvimento de um trabalho deste porte. Ali, estaria
localizado o trabalho de campo, a filmagem e a redação dos memoriais descritivos. O vídeo
seria visto numa sala de aula. No entanto, as entrevistas teriam que ser em um lugar mais
calmo. Escolhi uma área verde ao lado do ginásio onde eram ministradas as aulas, espaço
esse, que proporcionava uma interação maior entre pesquisador e participante pela beleza que
oferecia e pela tranquilidade que apresentava.
2.5 Composição das informações
Decidida pelos objetivos e problema a pesquisar, bem como, pela forma de buscar as
respostas, havia chegado o momento, usando uma linguagem bem própria da Ginástica
Rítmica, de “calçar as sapatilhas e pular para a quadra.” Salto, carregando todo um aporte
teórico e anos de vivências práticas em direção a um momento único - a arte de pesquisar.
85
Considero sim, a pesquisa, a produção de um texto a partir da integração das vivências
pessoais de um determinado grupo, interagindo com o pesquisador, buscando um produto
diferenciado do saber conhecido, uma obra de arte.
Coloquei-me à campo.
Meu primeiro contato foi realizado em agosto de 2003 com a responsável pela
disciplina de Ginástica Rítmica, professora Veruska Pires, a qual havia feito seu curso de
Mestrado nesta modalidade. Sua acolhida foi encorajadora. Disse-me na época: “Minha sala
de aula está aberta ao teu trabalho. Faço questão de participar desta pesquisa. E, que bom
que alguém se coloque à disposição para investigar a Ginástica Rítmica que tanto pode
colaborar com a formação do futuro profissional de Educação Física.”
Expliquei-lhe a proposta do trabalho, com a qual concordou, e combinamos que o
contato com os alunos seria no dia 29 de setembro de 2003.
O período de coleta de dados aconteceu de 29 de setembro de 2003 a 19 de janeiro de
2004, nas segundas e quartas feiras, das 7:30 às 9:10h.
Na data combinada, às 7h:30min, no ginásio Bugre Lucena da ESEF/UFRGS, expus
suscintamente ao grupo de acadêmicos minha linha de pesquisa, juntamente com seus
objetivos, e tive por parte dos mesmos grande reciprocidade e interesse. Neste mesmo
momento, foram preenchidos os termos de consentimento por parte da docente e dos
86
acadêmicos, bem como, a declaração de participantes da pesquisa e uma ficha com os dados
pessoais de cada um dos integrantes (Anexo A, B, C).
Assegurei ao grupo total sigilo sobre as informações que me forneceriam. Se houvesse
alguma citação relevante para a pesquisa, os nomes seriam fictícios e as entrevistas seriam
validadas por eles quando transcritas.
O grupo era formado por 12 alunos que divergiam nas idades (entre 17 e 30 anos),
assim como, os semestres que cursavam. Era um grupo bem heterogêneo neste sentido.
Com nomes fictícios, demonstro, no quadro abaixo, a situacionalidade deste grupo
levando em consideração suas idades, seu tempo de curso, bem como, as suas experiências na
área esportiva como fontes de informação para esta investigação.
Nome Idade Semestre Experiências na área esportiva
Carmen 24 V Ginástica de academia
Celina 26 IV Esportes coletivos
Cristina 25 VI Handebol
Fernando 24 IX Práticas na escola
Glória 24 III Prof. ballet clássico
Guilherme 23 V Box olímpico
Mariza 20 IV Dança, ginástica Artística, natação
Mogar 24 VIII Musculação
Paulo 29 I Futebol, voleibol, tênis, basquete, handebol
Pedro 30 VII Nenhuma
Renato 17 I Nenhuma
Victor 21 VII Futsal, karatê
87
De acordo com a combinação feita com a responsável pela turma, iniciei as entrevistas.
Foram de cunho semi-estruturada realizadas individualmente, onde eu sugeria a temática
deixando margem para que relatassem algumas vivências (Anexo D). Foram gravadas em fita
cassete e apresentavam uma duração média de 25 à 35 minutos. Os alunos sucediam-se
utilizando aquele horário de aula. Enquanto um estava sendo entrevistado, os outros
permaneciam em trabalho. Realizei, assim, as entrevistas iniciais utilizando as datas de 29 de
setembro, 1
o
e 6 de outubro de 2003. Procedendo da mesma maneira, as entrevistas finais
ocorreram nas seguintes datas: 7, 10 e 15 de janeiro de 2004 (Anexo E) e as respectivas
validações uma semana após.
Acrescentei ao término deste trabalho a transcrição de uma entrevista inicial (Anexo
G) e uma entrevista final (Anexo H).
Ao final de cada aula, os acadêmicos recebiam uma folha identificatória do estudo
para realizarem seu memorial descritivo, onde constava o tema da pesquisa, os seus dados
pessoais e a data da aula em questão (Anexo F). Escreviam ali suas experiências referentes às
vivências daquele dia específico. Na última aula, conforme já esclarecido no primeiro contato,
o memorial descritivo teria uma abordagem maior. Seria feito um apanhado de todas as
vivências do semestre. Isto ocorreu dia 19 de janeiro de 2004. Coloquei em anexo os
memoriais descritivos de um acadêmico (Anexo I) e o memorial descritivo final de outro
(Anexo J).
Durante todo este período assisti e anotei os acontecimentos e os comentários verbais
dos participantes em minhas notas de campo, descrevendo as situações, as conversações, os
88
sentimentos, as intuições sobre os fatos, registrando no papel tudo o que pude recordar sobre
este tempo de observação. Mantive sistematicamente contato com a docente sobre a situação
de pesquisadora em sua sala de aula e sempre houve abertura e demonstrações de
consentimento e aprovação por parte da mesma, em relação ao que estava realizando.
Coloquei-me à campo e em campo. Procurei a integração para não perder a sutileza do
detalhe mas, ao mesmo tempo, busquei a melhor forma de tornar-me imperceptível, para que
minha presença não atrapalhasse a espontaneidade do grupo. Foi um aprendizado e tanto,
porque muitas vezes me sentia impelida, até pela própria profissão, a auxiliar com alguma
dica que conhecia, o acadêmico, para que ele pudesse com mais facilidade incorporar algum
gesto. Mas esta era uma vivência dele. A minha, era colocar tranca nos meus ímpetos e só
observar e anotar.
Realizei quatro filmagens. Conforme agendamento feito com a docente, ao final de
cada unidade de conteúdo seria feita uma filmagem dos grupos de alunos que apresentassem
seus trabalhos criativos. Estes trabalhos de criatividade constavam da montagem de uma
seqüência coreográfica com os elementos referentes ao aparelho em questão (arco, corda,
bola, maças ou fita) na unidade de estudo, com uma duração de dois minutos a dois minutos e
trinta segundos. Na aula seguinte, um pouco antes do término, a turma de acadêmicos dirigia-
se à sala de vídeo para ver-se na tela. Deixei um gravador sobre a mesa da sala (conforme
combinação prévia com os acadêmicos e de seu consentimento) durante o rodar da filmagem
para captar as informações verbais dos acadêmicos e as inter-relações que realizavam
enquanto se observavam. Em realidade, foram oito encontros que envolveram este
instrumento de coleta. Quatro para filmar e quatro para assistir. Cada um deles com a duração
89
de 20 minutos em média. Estas informações foram colhidas nas seguintes datas: filmagem: 15
de outubro, 10 de novembro, 10 de dezembro de 2003 e 15 de janeiro de 2004 – apresentação
em vídeo: 20 de outubro, 12 de novembro, 17 de dezembro de 2003 e 19 de janeiro de 2004.
Enquanto procedia a coleta de dados, meu trabalho ia tomando forma. A teia de
movimento e sentimento começava a manifestar-se. O estudo ganhava características de
realidade pelo entrelaçado que provinha das diferentes possibilidades de informação.
Possibilidades, estas, originadas do marco teórico que serviu de base para as interpretações
das diversas fontes por mim utilizadas no trabalho de campo. Acredito, portanto, que na
construção da arte dissertativa está incluída uma mescla de comunicação expressiva,
simbólica, entre o implícito e o explícito, oportunizando uma liberdade renovada,
testemunhada pelas experiências na rede das inter-relações entre pesquisador, participante e
autores que se tornaram relevantes para a construção da discussão.
O caminho percorrido no processo construtivo dessa dissertação permitiu que eu fosse
ajustando minha visão em profundidade, integrando minha intimidade com o tema escolhido,
com os conceitos de que me apropriei dos autores escolhidos e com o caminho empírico que
fazia.
O que se apresentava dissoluto no início, começava a agregar-se numa configuração de
conceitos, pensamentos, diálogos, em uma riqueza de vivências significativas que iam
proporcionando a refrigeração do meu sistema de idéias.
90
Do fragmento à possibilidade de existência, este texto foi passando da teoria à prática
e vice-versa, para que formasse a sua “corporeidade” - sua forma “textual” de ser - dentro da
área científica. Para tanto, precisaria compor as informações colhidas dos diversos pontos
eleitos, fazendo com que as mesmas pudessem ser moldadas e polidas, possibilitando novos
sentidos e significados através das suas interpretações.
Spink, ao falar do processo de interpretação diz:
O sentido é, portanto, o meio e o fim de nossa tarefa de pesquisa. Como atividade-meio, pro-
pomos que o diálogo travado com as informações que elegemos como nossa matéria-prima de pesquisa
nos impõe a necessidade de dar sentido: conversar, posicionar, buscar novas informações, priorizar,
selecionar são todos decorrências dos sentidos que atribuímos aos eventos que compõem o nosso
percurso de pesquisa. A exemplo de diálogos travados em tantos outros domínios de nossas vidas,
buscamos, em nossas pesquisas entender esses eventos à luz de categorias, hipóteses e informações
contextuais variadas. A interpretação emerge, desta forma, como elemento intrínseco do processo de
pesquisa. Não haveria, assim, momentos distintos entre o levantamento das informações e a
interpretação. Durante todo percurso da pesquisa estamos imersos no processo de interpretação
(2000, p.105).
Assim, entre a prática e a teoria, fui escrevendo este texto procurando no fio da
intencionalidade os sentidos do problema da pesquisa, buscando atingir os objetivos da
mesma. Para isto, à luz da interpretação das informações colhidas, fez-se mister um olhar que
articulasse e produzisse uma nova forma de conhecimento. Uma forma de ligar e interligar o
que já tinha sido apreendido. Baseei-me, para esta nova etapa, na triangulação das
informações. Taylor e Bodgan, ao falarem de triangulação dizem:
[
...] se chama triangulação a combinação, num estudo único, de distintos métodos ou fontes de
dados. [...] A triangulação só pode ser concebida como um modo de proteger as tendências do investi-
gador e confrontar e submeter ao controle recíproco, relatos de diferentes informantes. Tendo suporte
em outros tipos e fontes de dados, os observadores podem também obter uma compreensão mais
profunda e clara do campo e das pessoas estudadas (1996, p.91-2).
91
Desta forma, foi preciso organizar as diferentes fontes de informações que havia
escolhido, agregando-as em itens significativos. Para isto realizei uma leitura completa de
cada instrumento de coleta utilizado, buscando captar o sentido do todo, voltei ao início para
destacar o significativo, conforme a perspectiva desta pesquisa, delineando então, as unidades
de significado que atendiam os objetivos e o problema do trabalho. A partir daí, as unidades
de significado foram reescritas e organizadas em categorias de análise. A construção destas
categorias estaria vinculada a todas as outras etapas da investigação, dando, portanto, sentido
aos dados coletados e ao marco teórico.
Considerei, para a construção das mesmas, o referencial teórico, as entrevistas, os
memoriais descritivos, a filmagem e as notas de campo. Denominei esta parte da dissertação
de “Guardiães da mensagem: o eco silencioso do cotidiano na corporeidade”. Justifico esta
terminologia considerando que o ser humano, em sua corporeidade atuante, possui uma
intencionalidade significativa e marcante e que sua mensagem e seu modo de ser, ecoa,
delineando importantes elos que norteiam nossos sentidos, nossa inteligência, nossa
sensibilidade, nossa cultura, silenciosamente instituindo maneiras de ser.
Elegi, quatro categorias de análise para esta pesquisa, fruto do estudo minucioso das
fontes informativas. Denominei-as de: Seres comunicantes: conexões interfuncionais,
Corpos: espelho de imagens em julgamento, Vivências corporais: experiências dotadas de
significados, Corpo: uma construção plural em benefício do singular
Seres comunicantes: conexões interfuncionais – diz respeito à relação da escolha do
curso, da opção pela disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos, das suas relações
92
corporais com a sociedade, da interação com os colegas, da comunicação entre os corpos no
grupo, da necessidade do companheiro para realizar as atividades propostas, da maneira como
lidavam com suas facilidades e dificuldades na execução dos gestos movimentos durante os
trabalhos solicitados, e como estes relacionamentos iam acontecendo em seus contatos
semanais.
Corpos: espelho de imagens em julgamento – refere-se a imagem corporal, seu
significado, a imagem que possuíam de si mesmo, a importância atribuída ao Outro em
relação a esta imagem, as questões da estética, da aparência, da beleza, das exigências da
mídia, a influência do meio sobre o corpo.
Vivências corporais: experiências dotadas de significados - enfatiza a percepção
corporal e a corporeidade. Em relação à percepção, faz referência aos mecanismos que
efetuavam para perceber seu corpo e o dos outros, bem como a influência desta percepção. O
entendimento do corpo próprio, o sentir corporal, as relações que construíam entre o pensar,
falar e agir corporalmente, as vivências que lhes eram significativas através da prática da
Ginástica Rítmica, contribuindo para o entendimento de sua corporeidade.
Corpo: uma construção plural em benefício do singular –relata a importância da
proposta da Ginástica Rítmica situada na criatividade, no lúdico, no ritmo, na lateralidade, na
utilização dos aparelhos manuais que proporcionam vivências significativas, formas
diferentes de comunicações verbais e corporais para um grupo, auxiliando no crescimento
individual.
93
A composição das informações constitui um dos tantos momentos relevantes de uma
pesquisa. Trata-se de organizar e propor uma forma mais adequada de capturar o
“sentimento” que envolve o pesquisador e os participantes dentro da temática em questão.
Sentimento, este, que vem da fala silenciosa da corporeidade, ecoando através das diversas
mensagens do cotidiano trazidas pelo andar do homem no mundo e tecidas criativamente.
3 GUARDIÃES DA MENSAGEM: o eco silencioso do cotidiano na corporeidade
“A informação dispõe de uma
energia em potencial que pode ser
imensa para a ação como para o
pensamento” (Morin,1986,p.42).
3.1 Seres comunicantes: conexões interfuncionais
Somos seres humanos comunicantes, descritivos e simbólicos. Nos conectamos aos
demais, formando através de nosso dia a dia, uma trama interfuncional. Caminhamos em
múltiplas direções, por escolha, ocupando diversos lugares na sociedade que elegemos estar.
Carregamos marcas bem distintas que dizem dos lugares que viemos. Somos corpos formados
por um território de subjetividade, constituídos num espaço e num tempo, carregados de
significações e de mudanças permanentes.
94
Somos seres que vivemos em espaços globalizados. Incorporamos em nossa descrição
de mundo o que nos rodeia. Desta forma, casa, escola, jardins, televisão, lanchonetes, revistas,
aeroportos, hotéis, praias, serra, livros, interagem em nossas experiências diárias como se
fossem um “conta gotas”, imprimindo ao corpo sua identidade. Portanto, vivemos num mundo
de relações e de inter-relações. Estamos sempre prontos a novas “gotas” para decolar a novas
experimentações.
Neste compasso, também este texto foi constituído. Resultado de muitas interações, de
muitas “gotas” de experiências mútuas com a finalidade de responder aos objetivos que me
propunha e para alcançar a proposta desejada. Poderia até afirmar que não há término numa
dissertação de mestrado, há abandono. Abandono, não no sentido de desistência, mas no
sentido de uma necessidade de postura frente aos dados coletados e ao momento de
interpretá-los. Certamente, sempre haverão novas questões, novas formas de diálogo, novas
perspectivas na visualização do problema, novos autores, novos toques e retoques no texto,
enfim, existirá sempre a possibilidade de mais um passo a ser dado, mais um e um a mais...
Tendo como foco o entendimento da corporeidade humana através da percepção do
corpo pelos acadêmicos de Educação Física, utilizando como estímulo a Ginástica Rítmica,
concordo com os escritos de Santin, quando se refere aos seres vivos e, em especial ao
homem, como um possuidor do poder de escolhas. Coloca o autor que todo o ser vivo é
possuidor de três elementos fundamentais, a temporalidade, o espaço e a ação. Mas, devido a
sua auto-organização, o homem estaria no topo de um processo evolutivo. Assim, identifico-
me com o autor quando expressa:
95
Ele não precisaria obedecer a nenhuma instância superior, porque, além de ser portador de
toda a vitalidade dos demais seres vivos, conseguira uma função nova, original, a de pensar e planejar.
Ele conservou parte da sabedoria vegetativa, manteve boa dose da astúcia do instinto animal e adquiriu,
o que o caracteriza, o impulso criativo. Pelo impulso criativo recebeu o poder de inventar e inventar-se,
de dar sentido às coisas, de fazer com que tal coisa seja tal coisa, de traçar sua própria identidade e de
decidir ser o que ele quer ser. Viver num mundo que ele mesmo cria (2002, p.84).
Em apresentando ao homem esta liberdade de escolha para sua vida e, para melhor
buscar as respostas para esta investigação, procurei, inicialmente, através do grupo
acadêmicos em estudo, a razão da sua preferência pela Educação Física, para poder situar,
assim, o ponto de partida que se relacionaria com todo o restante da proposta.
Pude colher estes dados através das entrevistas iniciais e, sem dúvida, foram
relevantes. Do grupo de doze participantes desta pesquisa, oito falaram que sua escolha pela
Educação Física deu-se por terem tido experiências anteriores com a área esportiva na qual se
destacaram. Também há casos de troca de curso por não haverem se encontrado nos mesmos.
Cito trechos das entrevistas.
“Escolhi este curso porque no colégio eu jogava no time de handebol, na seleção
do colégio e pensei que aqui fosse mais ou menos a mesma coisa assim... que eu ia continuar
no esporte. Mas vi que não era bem assim [...]” ( Cristina 25 anos - VI semestre)
“Bom, eu escolhi o curso de Educação Física[...] bom, eu fazia engenharia, mas no
primeiro vestibular eu já tinha colocado em segunda opção Educação Física, que minha
idéia sempre foi cursá[...] sei lá eu levo jeito, muita gente já falô que eu levo jeito. Só que eu
não cursei porque meu pai é professor e ele não recomendava. E eu era o mais novo e aí
eu acabei sendo influenciado. Eu cheguei a cogitá a hipótese de cursá e ele disse que
não e aí eu fui fazê engenharia. E aí, depois de três anos e meio que eu perdi um tempo, um
tempão, na engenharia, aí eu cheguei na aula e olhei e disse que não aguentava mais. Aí eu
fui prá casa e decidi fazê a inscrição de Educação Física. E aqui eu entrei como curso dois,
fiz umas cadeiras e sei lá[...] um outro planeta, totalmente achado, e aí eu vi que era isso
96
aqui mesmo. E depois eu falei com muita gente e todo mundo me falô que é a minha cara,
que levo jeito, então é aqui mesmo que eu vou ficá.” ( Mogar 24anos - VIII semestre)
“Sempre[...]sempre gostei muito da Educação Física da escola. Inclusive, acho que
eu era uma das únicas meninas que faziam de tudo prá um campeonatinho. Fazia [...]
armava as coisas prá que elas acontecessem [...] Aí, sempre agitando uma, agitando a outra,
acabavam indo na minha conversa. Saía alguma coisa [...] eu sempre gostei do esporte. [...]
Não me vejo fazendo outra coisa...Acho muito legal a profissão. Acho que é uma profissão
que deve dar um prazer enorme.” ( Celina 26 anos - IV semestre)
O situar-se numa escolha faz parte do poder de decisão do ser humano e da sua própria
subjetividade como pessoa. Estes acadêmicos, guardiães de suas mensagens de vida, apontam
suas preferências pela qualidade inerente ao “ser no mundo”, a liberdade de preferir.
Então, situam-se neste contexto as reflexões sobre esta interação que homem possui
com o seu meio e a importância que o mesmo exerce em suas vivências pessoais, que o
permitem selecionar e proferir seus desejos.
A Educação Física, como escolha desses acadêmicos, certamente nos induz a pensar
sobre a motivação que a mesma oportuniza aos seres humanos.
Como expressa Cauduro, quando fala sobre o corpo e suas inter-relações com o meio,
O que acontece no dia-a-dia é uma imitação prestigiada, pois a criança assim como o adulto,
imitam gestos e atos que obtiveram sucesso e que foram observados com êxito nas pessoas em que
confiam e que têm autoridade sobre eles. Esses atos e gestos impõem-se de fora, do alto. O indivíduo
toma emprestado uma série de movimentos, de atos executados à sua frente e os assimila como se fos-
sem dele (2002, p. 48).
97
Assim, o papel das escolhas num âmbito educacional, no caso a Educação Física,
decorre das experiências vivenciadas pelo ser humano através do que lhe é criativamente
oferecido e que ele incorpora como atividade prazeirosa. Elas são uma ferramenta pedagógica
que está sempre presente nas realizações corporais do indivíduo, considerando o homem
como uma realidade corporal. Como diz Santin, o homem sobrevive sem determinados
conhecimentos científicos, mas em nenhum momento pode deixar de saber preservar seu
corpo, pois “todo homem precisa continuar vivendo para existir”. [...] “a Educação Física é
uma sabedoria indispensável para viver a vida, para ser corpo, que nenhum ser humano pode
dispensar” (2001, p.45).
Assim, a Educação Física adquire no cenário do mercado de trabalho uma posição
entre as demais profissões oficialmente reconhecidas que assegura em seu espaço também a
produção da corporeidade humana. Então, podemos acrescentar que a nossa condição de
humanos nos é evidenciada pelos aspectos com que a biologia nos presenteia e a ação dentro
do meio com o qual interagimos determina a identidade sócio-cultural que nos é exigida.
Ao falar de seres comunicantes; conexões interfuncionais, volto meu olhar ao
mecanismo de ação que permite esta possibilidade - o corpo. Nas minhas notas de campo
pude registrar muito desta fala, desta comunicação entre os corpos e suas interações, que se
fazem significativas dentro desta categoria de análise, dando suporte ao que intitulei conexões
interfuncionais. Dos gestos, dos trejeitos quando não conseguiam ou conseguiam realizar os
movimentos, da necessidade do companheiro para realizar as tarefas ou até para justificar suas
próprias dificuldades e de suas alegrias na execução do que lhes era proposto o grupo ia
98
tecendo estas conexões através da prática da Ginástica Rítmica. Coloco alguns trechos sobre
vários enfoques que constituíram esta interação:
“ - Vocês vão ficar brincando feito criança? (Glória, refere-se aos colegas que
corriam brincando com a fita, se enrolavam com a mesma e riam).
- Só podia ter feito Educação Física mesmo! ( Glória 24anos – III semestre)
- Como se a Educação Física só fosse brinquedo, (responde um dos rapazes) não
precisasse pensar, criar, perceber, isso é bom, sabia? ( Pedro 30 anos – VII semestre)
- Mulher fica muito bonita fazendo fita, mas homem não...homem fica desajeitado,
AFEMINADO ( voz alta e grave).” ( Paulo 29 anos - I semestre)
As meninas silenciaram e colocaram-se a observar os rapazes sem risos. Eles se
sentem mais valorizados e executam a série de movimentos”.
Este era um dos tantos momentos em que os grupos elaboravam trabalhos criativos
(um dos objetivos da disciplina) e que me proporcionaram momentos de reflexão.
Na expressão deste trabalho era visto e notório o poder do meio estampado no corpo
dos rapazes em relação as meninas. Onde o gesto se impunha com delicadeza, lá estava a
presença dos valores sociais e culturais. Embora este aparelho (a fita) necessite de força e
coordenação para a efetivação dos movimentos, a plasticidade e a beleza do mesmo é tida
como referencial feminino.
A história da sociedade está gravada em nosso corpo. Os comportamentos e os
símbolos corporais nos acompanham. Como diz Gonçalves, “o corpo expressa mesmo quando
quer ocultar. O corpo expressa não somente nossa história individual, mas também a história
acumulada de uma sociedade, que nele imprimiu seus códigos” (1994, p.152). Pude perceber
99
durante este trabalho o quanto criamos formas esteriotipadas de comportamentos que nos
levam a reprimir nossa forma de ser. No entanto, numa atividade recreativa conhecida por
coelho sai da toca a turma comunga de grande alegria, numa volta à infância, apresentando
grande integração e esquecendo-se das diferenças sexuais.
Nos estudos de Erikson (1986), ao falar de Questões de Paradigmas e Linguagens, o
autor acentua a importância dos aspectos culturais, onde os seres humanos apreendem
sistemas de atribuição e significados convivendo com determinado grupo, incorporando-os
como particulares. Portanto, o ser humano não vive apenas no meio dos objetos e dos
pensamentos, vive o seu corpo e por meio dele. E estas representações coletivas de corpos
assumem o seu significado dentro de um grupo sedimentando formas de ser.
Sant’Anna, fala do corpo como um arquivo vivo que guarda e revela informações de
suas experiências e que explica de muitas maneiras o modo de ser do homem. Expressa a
autora, referindo-se ao corpo:
Território tanto biológico como simbólico, processador de virtualidades infindáveis, campo de
forças que não cessa de inquietar e confortar, o corpo talvez seja o mais belo traço da memória da vida.
Verdadeiro arquivo vivo, inesgotável fonte de desassossego e de prazeres, o corpo de um indivíduo
pode revelar diversos traços de sua subjetividade e de sua fisiologia mas, ao mesmo tempo, escondê-
los. Pesquisar os seus segredos é perceber o quanto é vão separar a obra da natureza daquela realizada
pelos homens: na verdade, um corpo é sempre “biocultural”, tanto em seu nível genético, quanto em
sua expressão oral e gestual (2001, p.4).
Das fragilidades às potências, o corpo vai desenhando sua expressão, vai descrevendo
o seu mundo, bem como, agregando o que lhe é significativo. Pude notar durante o contato
tido com este grupo de acadêmicos o grau de interação que foi crescendo entre eles, embora
100
cada um tenha vindo de um espaço e de um tempo. Cada um com seu arquivo de memórias,
bagagem personalizada possuidora de grande poder simbólico, passando suas mensagens que
iam ecoando na corporeidade.
Numa outra situação, quando um participante do grupo se encontrava em alguma
dificuldade pessoal, como saltar com plasticidade ou pular corda, coisa que nunca tinha
experienciado, procurava esconder-se entre os demais ou isolar-se, com receio da crítica. E lá
estava o corpo novamente expressando-se através do ocultar-se.
Nesta turma houve uma experiência significativa com o aparelho corda. Um rapaz
nunca tinha pulado corda. A professora explica, mas a situação fica difícil. O rapaz ri, olha
para os lados no intuito de ver se o grupo o estava percebendo, se estava rindo com ele ou
dele. Depois tenta, consegue, e a turma aplaude. A partir desta aceitação e por ter vencido a
dificuldade, o mesmo só queria pular corda. Era o primeiro da fila dos exercícios em
deslocamento.
Concordo com Schilder (1994), quando atribui ao riso um ato comum ao homem. Ele
é decorrente de um estímulo emocional que de certa forma conecta-se com as expressões que
se ligam a emoções de outros. Muitos momentos houve, durante as observações em campo de
risos com as mais variadas significações. Ou alegria, ou nervosismo, ou de crítica, mas eram
sempre uma forma de dizer e passar alguma informação.
101
Vejo nisto a importância da valorização do aluno, a necessidade do estímulo do grupo
para que a experiência individual aconteça de maneira ampla e verdadeira. Ela se constitui de
somas, são relações entre totalidades que não perdem sua independência.
Estas conexões entre as várias funções dos seres que se comunicam foram descritas
nos memoriais, acentuando a valorização do outro e do grupo em si, durante todo o percurso
de coleta de dados.
O acadêmico Pedro 30 anos, VII semestre, expressou-se da seguinte forma no dia
1
o
/10/2003, em seu memorial descritivo, na verdade, em sua primeira aula prática.
“Sinto ainda muitas dificuldades em movimentar-me nas aulas, talvez por ainda estar
no início do semestre. Acho que com o tempo a turma vai se soltando. Tenho consciência que
posso “mexer-me” mais e que haverá situações que um colega terá melhor performance.
Estou proposto a desafiar-me, no decorrer do semestre. Tudo ainda é desconhecido para
mim, mas estou a fim de vivenciar todas as práticas propostas”.
É interessante observar que, quanto mais mergulhamos na questão corpo e nas suas
relações com os corpos dos outros, percebemos a teia que nos liga. Notamos a preocupação
pelo desconhecido na descrição do acadêmico, bem como, sua preocupação com a
performance do outro. Quando Schilder, fala que “nossa imagem corporal e a dos outros não
são primariamente dependentes entre si – são equivalentes, uma não pode ser explicada pela
outra” - (1994, p.261), notamos esta troca constante entre as partes da nossa própria imagem
corporal e a dos outros. Nos identificamos de certa forma com o outro e a nossa imagem é
projetada para fora no sentido de somar novas vivências.
102
O sentido de somar vivências, a preocupação com o outro, o sorrir, são possibilidades
inerentes aos seres humanos que as interpretam através dos seus sistemas, possibilitando
mudanças desejáveis e previsíveis, ou não. Mas sempre estas mudanças acontecem através do
corpo. Ele guarda a mensagem de si próprio e de todos os que o rodeiam, desde que lhe seja
de alguma forma significativa.
Ao ser iniciado o semestre houve por parte do grupo uma série de preocupações em
relação ao outro. Havia no ar um cheiro a novo, a presença do desconhecido, pois nenhum
acadêmico havia praticado esta modalidade.
Acredito que neste momento seja relevante falar do novo, justificando a expectativa
deste grupo de participantes da pesquisa. Quando me refiro ao novo, falo de algo que
desconhecemos, alguma coisa diferente do usual, do habitual, daquilo que estamos
acostumados a fazer. O novo pode caracterizar algo que venha melhorar, algo que nos
propomos a fazer, ou talvez, algo que se insira de forma diferente em nossa rotina. Este novo
pode influenciar em novos sentimentos, que poderão ser até contraditórios: ou de alegria ou
de preocupação. De alegria, pois nos leva a algo prazeiroso; de preocupação, no sentido de ter
que rever nosso foco de atenção. O novo, a novidade, às vezes nos obriga a abandonar velhas
crenças, desacomodar-mo-nos das rotinas e enfrentarmos outros posicionamentos de ação.
Então, as relações humanas deste grupo de acadêmicos foram estabelecendo-se,
tramando-se num ambiente de expectativas. Isto comprova o memorial do aluno Guilherme,
23 anos, V semestre na data de 6/10/2003, onde diz:
103
“A sensação de fazermos movimentos que não estamos adaptados e condicionados é
meio desagradável na minha percepção. Parece que estamos expondo nossos sentimentos de
introversão a todos. Isto deve ser notado na aula”.
Poderia dizer que a esta sensação desagradável, mencionada acima, certamente
estariam coladas idéias, valores e gestos que estabelecem um diálogo intenso, afetivo e
fisiológico, entre o não-saber e o malsabido, o ignorado e o temido.
Algumas vezes, em minhas notas de campo, registrei comentários de alunos
solicitando à professora que não permitisse a entrada no local de aula, de acadêmicos que não
faziam parte da turma. Este receio de “expor-se” aos “outros” fazia parte de uma relação
muito íntima que foi criando-se com o decorrer do tempo entre o grupo que comungava da
mesma experiência, que já havia de certa forma acostumado-se entre si, em relação a quem
não os conhecia naquela atividade.
Outro ponto a considerar destas conexões interfuncionais diz respeito a uma situação
vivenciada por Marisa 20 anos, IV semestre. Em seu memorial descritivo do dia 12/11/2003
escreveu:
“ Depois de alguns dias de mau humor, estou novamente de bem com o meu corpo. Às
vezes, por não conhecer os colegas o suficiente, fico meio tímida – sempre temo que as
pessoas me julguem por minhas atitudes. Mas hoje acho que me senti bastante à vontade. A
prova disto é que quando senti calor, me senti bem o suficiente para tirar a camiseta e ficar
só de top. Já estou conseguindo me soltar mais, conversar, brincar”.
Há momentos nos quais parece não haver mais fronteiras e tudo revela-se como já
ultrapassado. Da preocupação com o outro e com os outros, cai por terra o desconhecido e
104
surge a integração. Integração esta, advinda até do ato condicionado do encontro duas vezes
por semana para uma disciplina específica ou pelo interesse do grupo pelo conhecimento
individual ou, ainda, pela função específica da corporeidade humana. De qualquer modo, uma
teia forma-se entre os elementos do grupo com um objetivo em comum.
Este grupo, que inicialmente expressava-se timidamente, com o passar do tempo
mostrou-se mais coeso e apresentando uma grande familiaridade entre si em cada tarefa
proposta. Durante uma aula com o aparelho bola, que envolvia a troca de aparelho entre dois
acadêmicos, anotei o seguinte diálogo:
“- Eu joguei errado...( Renato 17 anos, I semestre)
- Eu também joguei errado.( Paulo, 29 anos, I semestre)
- Desculpa cara, eu joguei lá no meio.( Renato 17 anos, I semestre)
- Tô sem atenção, tem que joga pro alto.(Roberto 29 anos I semestre)
- Desculpa, desculpa, a bola tem dois pesos, por isto eu não acerto.”(mesmo
acadêmico)
Num outro momento, uma atividade lúdica foi proposta - um jogo de futebol com a
bola de Ginástica Rítmica. O time teria que ser misto. Este fato não agradou muito aos
rapazes, mas quando uma das meninas fez um gol as referências mudaram e os comentários
foram:
“- Bah! Tchê! Como é que tu me faz uma coisa destas, meu irmão, maior frango... e de
mulher, tá em final de carreira, cara.” ( comentário para o goleiro) (Fernando 24 anos IX
semestre)
A menina responsável pelo gol é levada nos braços pelos rapazes que andam com a
mesma pela sala”.
105
Esta situação identificou não só o “status” masculino do futebol mas, e principalmente,
a relação de integração existente entre o grupo, onde o corpo fala tanto quanto a palavra. Os
gestos, o tom de voz, a situação em si, tudo relaciona-se numa autêntica expressão de
sentimentos e emoções num mesmo momento. O corpo passou a ter sentido e significar. E o
grupo, este conjunto de indivíduos onde cada um traz em sua bagagem vivências e
características próprias, busca através de novas variáveis pontos convergentes para objetivar
valores comuns.
Entre o ponto de partida e o de chegada desta dissertação fui preenchendo o espaço
vazio com a interpretação dos dados obtidos dos participantes por meio das ferramentas que
usei para a investigação. A filmagem proporcionou-me outros aspectos de reflexão dentro
dessa categoria de conexões funcionais.
A primeira das quatro filmagens feitas no decorrer desta pesquisa caracteriza bem a
situação do novo já descrita anteriormente. Havia muita ansiedade por parte do grupo, não no
momento da filmagem em si, mas na expectativa de ver-se na tela. Estavam muito inquietos
nas cadeiras, riam muito e falavam muito e muito alto. Alguns comentários da filmagem que
considerei significativos foram:
“- Não tô me achando...( um aluno procura identificar-se junto ao grupo) ( Guilherme
23anos, V semestre)
- Que tu qué...tu nem vai aparecê... olha o teu tamanho (Fernando 24 anos IX
semestre)- (era o menor do grupo- risos)
- Valeu, valeu ...(Guilherme 23anos,V semestre), (o aluno acena para os
companheiros agradecendo a consideração)
- Olha lá galera, o grupo de vocês...pank cara...pank cara...(Paulo 29 anos, I
semestre)
106
- É tá legal... ai meu Deus! Quanta flexibilidade... vamos fazer uma equipe...
(Fernando 24anos, IX semestre)
-Não temos autorização para ir ao “Fantástico” nos apresentar? (Victor
21anos, VII semestre), ( risos de todos)
- Na próxima filmagem vou dá de dez a zero em vocês ( Pedro 30 anos VII semestre),
(risos dos colegas)
- Foi lindo... muito lindo...”. ( comenta Carmem 24anos, V semestre,, falando
embevecida, sobre a filmagem em geral)
Durante a apresentação da fita de vídeo notei um ambiente de muita descontração.
Estavam alegres, eufóricos e tudo constituía motivo para risos, comparações, demonstrando
até uma certa ansiedade pelo que iria se desenrolar quando da apresentação do filme onde
eram os protagonistas. As expressões colhidas neste momento foram:
“- Báh! Não quero nem vê... nunca me vi num filme... (Mariza 20 ano, IV semestre)
- Só quero vê quando este botão for apertado. Daí sim a coisa vai ficá preta... sei lá
como me sai nisto... ( a mesma)
- Vai dá nada, vai dá nada... aqui ninguém é Giovana Antonelli ou Gianechinni...
(Fernando, 24anos, IX semestre)
- Acho que errei tudo. Também, com esta flexibilidade que eu tenho...(Cristina,25anos
VI semestre)
Porém, a expectativa de ver-se em uma tela possibilitava que inúmeras mensagens
fossem passadas. Desde o fato da sua imagem corporal em exposição, da sua própria
percepção vista sob um novo ângulo, à dúvida do que realmente aconteceria e,
principalmente, a forma que pensam sobre si mesmos, falam de si mesmos e como agem
consigo mesmos, produzia um certo estranhamento ao grupo.
Gaiarsa, comenta sobre o corpo que se vê,
“Foi preciso inventar o cinema e o vídeo-teipe para que nos fosse dado nos ver deveras como o
107
outro nos vê. Essa imagem é chocante para quase todos, que se comportam frente à tela, como se aque-
la figura tivesse pouco a ver com ele. O que o outro está sempre vendo de mim – e o que sou eu para
ele – eu sei pouco como é e acho estranho” (2002, p.21).
Esta dualidade sobre a própria imagem, isto é, como era percebida pelo próprio
acadêmico e como era notada pelos outros, proporcionou momentos de reflexão no sentido de
que, além dos gestos e expressões intencionais, fornecidos pela sequência de movimentos
coreografada, estavam passando para os outros e também para conhecimento e
reconhecimento próprio uma série de outras intenções através dos gestos e caras que faziam
sem perceber.
Gaiarsa (2002), fala que num registro cinematográfico as pessoas interagem através
de três conjuntos expressivos simultâneos: o que disse ou pensa, o tom de voz ou a música da
frase e a encenação ou dança gestual. O primeiro diz respeito à fala e o que pode ser escrito. O
segundo, enfrascado na disposição emocional, sentimentos que acreditamos secretos ou que
nem percebemos e a voz revela. O terceiro, a gestualidade, impregnada de simbolismos, de
poses e de trejeitos estucados pela individualidade. Diz, ainda o autor, que qualquer
pronunciamento envolve todos estes elementos e a alteração de qualquer um deles modifica o
sentido do que queremos comunicar.
Então, assistir a própria filmagem passou a ser um momento ímpar de observação e
interpretação de seus corpos e as relações que estabeleciam com os outros corpos. Era como
ver de fora e estar dentro.
108
Poderíamos constatar que as conexões funcionais destes guardiães da mensagem se
efetuava de maneira simples. No momento de ver-se na tela, caíam suas barreiras individuais
e passavam a organizar um outro tipo de mensagem. Uns ficaram estupefatos com a
desenvoltura que possuíam e não era por eles percebida, enquanto que, com outros, deu-se ao
contrário. Portanto, a relação que tinham entre o pensar, falar e agir de seu corpo, através da
filmagem passou a ser vista de outra maneira. O corpo em movimento e as relações com os
demais membros do seu grupo estabeleciam uma nova percepção corporal. Estavam dando-se
conta de que a expressão do seu corpo não era a mesma que pensavam ter. A semente havia
sido lançada no sentido de responder às questões desta pesquisa.
Novamente Gaiarsa (1984), ressalta o aspecto da imagem do corpo interior e exterior
dizendo que, se a imagem corporal sentida e até imaginada não estiver em correspondência
precisa com as dimensões reais do corpo, as ações serão feitas fora desta medida. Ou seja, a
ausência desta correspondência, como se imagina e o que realmente faz, surpreende a pessoa
envolvida quando esta se vê num vídeo. A filmagem, poderíamos expressar, reúne uma série
de elementos que interagem sobre uma certa informação visual. A esta, acoplam-se
informações de outros sentidos, envolvendo enquadramentos, cenas, palavras, ligações,
música, ritmo, um conjunto de partes em movimento que projeta uma realidade ao
protagonista da cena, trabalhando a sua memória e o seu sentir através da visão, dando-lhe
uma conclusão da maneira como agiu dentro de um tempo e de um espaço.
O ver é conhecer, mesmo que de forma relativa. Conhecer é ser impregnado e habitado
por imagens. Portanto, o olhar também é uma forma de conhecimento. Como diz Bosi:
109
O vínculo da percepção visual com os estímulos captados pelos outros sentidos, é um dos te-
mas fundantes de uma fenomenologia do corpo. O olhar não está isolado, o olhar está enraizado na
corporeidade, enquanto sensibilidade e enquanto motricidade (1988, p.66).
Assim, a filmagem foi um dos mecanismos relevantes para a busca de informações
desses acadêmicos em foco, pois permitiu-me ir circundando cada vez mais o fenômeno em
questão.
Esta categoria, que chamei de seres comunicantes: conexões funcionais, possuía
também como objetivo, além dos expostos, verificar as relações que emergiam deste grupo.
Como estabeleciam entre eles estas conexões funcionais, ou seja, como agiam como grupo,
preservando sua individualidade, mas mantendo um senso comum, e como produziam seus
significados. Numa perspectiva fenomenológica, estes seres comunicantes, de uma certa
forma, intercambiavam suas necessidades, seus anseios, seus projetos, suas expressões, seus
gestos e, assim, a sua corporeidade. Eram corpos que se relacionavam, criavam, vibravam,
sofriam repressões, percebiam seu ritmo interno e, fundamentalmente, eram constituídos de
um veículo de expressão.
No entanto, observei que eram portadores de diferentes formas de comunicação
corporal. Estas, sem dúvida, estavam calcadas nas significações individuais, produto do meio
onde cada um estava inserido. Mesmo assim, pude constatar que durante o período de
observações a inter-relação dos participantes ia construindo uma rede de novas significações,
quer seja através dos gestos específicos da Ginástica Rítmica, quer pelo convívio durante a
semana, quer pela mistura de informações que cada um trazia e produzia, formando assim
110
uma teia comunicante que era tecida pelo grupo a cada dia. Esta inter-comunicação traduzia
as conexões funcionais produzidas por um cotidiano, carregada de intencionalidade.
Em busca de uma clareza maior, vou alicerçando este texto. Os estudos de Vayer, P. e
Toulousse, P. quando falam sobre a integração do indivíduo ou seja, estas conexões
funcionais, diz:
Sendo o corpo, ao mesmo tempo, modo e meio de integração do indivíduo na realidade do
mundo, ele é necessariamente carregado de significado. Sempre soubemos que as posturas, as atitudes,
os gestos e sobre tudo o olhar, exprimem melhor do que as palavras as tendências e pulsões, bem
como as emoções e os sentimentos da pessoa que vive numa determinada situação, num determinado
contexto (1985, p.28).
Portanto, a importância e a profundidade que conduzem esta integração levaram-me a
desvelar uma nova abordagem dentro da descrição e da interpretação dos dados coletados para
esta investigação. Inclino, assim, minhas reflexões para outro foco a ser pesquisado. Refletir
inclui uma descrição pormenorizada de uma questão. Desta forma, vou sistematizando o que é
vivido, reagrupando os constitutivos relevantes, envolvendo as divergências e as
convergências para chegar a uma análise estrutural do fenômeno.
A partir da preocupação com a imagem corporal, com as questões da beleza e da
estética sentidas neste trabalho com os acadêmicos, passo neste próximo capítulo a estas
abordagens sem perder o fio de conexão com a corporeidade. Coloco a atenção em um outro
momento da discussão ao qual denominei: Corpos: espelho de imagens em julgamento.
111
3.2 Corpos: espelho de imagens em julgamento
Falar sobre o corpo humano é falar sobre o inesgotável. Consiste num produto de
revoluções da mais diferentes eras. Num apelo simples à história, situamos na idade Média
um corpo que deveria se anular diante da perfeição da alma. Na Modernidade o corpo deveria
estar a serviço da intelectualidade. Com a revolução industrial, o mesmo deveria ser
produtivo. Na era pós-moderna o corpo teria sido liberado dos tabus religiosos, dos
preconceitos culturais, da filosofia, e dos preceitos éticos. No entanto, mesmo achando que
esta liberação exista, não posso deixar de considerar que, de certo modo, isto não passa de um
processo ilusório. O corpo continua obedecendo a certos requisitos impostos. São critérios
que compõem uma certa época. Continua prevalecendo uma imagem designada pelos
aspectos do tempo, de uma sociedade e de uma cultura. A corporeidade humana está sempre
relacionada com a luz destes fatores. Inicio este capítulo com uma abordagem sobre a
imagem que possuímos do corpo. Poderia expressar que, de certa forma, a imagem corporal
diz respeito ao último modelo a ser vestido.
Kehl, em falando sobre o corpo diz:
Um corpo é um corpo e os outros corpos que o sustentam, acariciam, recusam, barram, outros
corpos contra os quais ele se bate ou com os quais, temporariamente, se confunde. Um corpo é o corpo
e os corpos que lhe deram origem. Um corpo é o corpo e o vazio dos corpos sem sentido da vida e a
dura noção da morte, que o acompanha desde a origem até o final certeiro. Por isso tudo, nossos corpos
nos pertencem menos do que acreditamos. Não são propriedades nossas – eles nos ultrapassam. Eles
o falados e incorporados pela ideologia, pelo mercado, pelas diversas modalidades da microfísica do
poder. (2001, contra-capa – in Sant’Anna – Corpos de Passagem)
No decorrer desta pesquisa pude observar, através dos instrumentos de coleta, quanto
estas modalidades estimulantes influenciam os acadêmicos em relação à sua imagem corporal.
112
Notei uma preocupação geral pela imagem do corpo, bem como, o modo como esta
imagem é passada ao outro e a sua importância, como ela é exigida e como este grupo em
questão pensa, fala e age de acordo com estes padrões corporais constituídos nesta época.
A expressão corpos: espelho de imagens em julgamento diz respeito a este corpo que
produz uma imagem que é refletida e julgada a todo o momento, buscando maneiras de
comunicação e aceitação pelo outro e por si mesmo baseadas nos estímulos externos que são
internalizados construindo o corpo exigido num determinado tempo.
Nas palavras de Schilder, entende-se por “imagem do corpo humano a figuração de
nosso corpo formada em nossa mente, ou seja, o modo pelo qual o corpo se apresenta para
nós” (1994, p.11). Segundo o mesmo autor, captamos sensações, vemos parte da superfície
corpórea, temos impressões táteis, térmicas e de dor, sensações provenientes dos músculos e
das víceras. Possuímos, também, a experiência de uma unidade corporal que seria uma
tomada de conhecimento do próprio corpo - uma imagem corporal. Esta seria a imagem
tridimensional que cada um possui de si mesmo. Esta imagem corporal vai além das
sensações ou da imaginação, envolve as figurações e representações mentais envolvidas. Diz
Schilder, “aqui elas formam seus próprios modelos organizados, que podem ser denominados
esquemas” (1994, p.11). Então esta imagem corporal seria construída por sensações,
memórias, experiências, intenções e tendências.
113
É relevante pensar sobre a imagem corporal como um fator de desenvolvimento da
identidade da pessoa humana por ser um ponto norteador das relações homem mundo. Como
fala Tavares, “a experiência do próprio corpo é uma unidade em construção” (2003, p.77).
Quando da entrevista inicial, instados a falar sobre o seu corpo e a importância dada ao
mesmo, foi notória a preocupação com a imagem corporal, no que diz respeito à aparência, e
com os critérios da beleza e da estética, de certa forma exigidos nesta época. Citarei alguns
trechos das mesmas:
“ - Ah! Eu não me sinto bem com o meu corpo. Tento mudá mas não consigo. Tento
emagrecer, acho que tô meio fora do peso... na frente do espelho, todo mundo se observa né...
eu... não gostei muito... não gosto muito. Não me sinto bem com ele. Ah!... sei lá... acho que
estou meio gordinha”.( Celina, 26anos, IV semestre)
“ - Eu me vejo (riso) sadio, me cuido prá isto, não fumo, não bebo, acho que estou um
pouquinho acima do peso, dos padrões estabelecidos pela sociedade, acho.. não gosto muito
de fazê exercícios... não sou fortão... mas eu gosto do meu corpo assim... eu acho legal”.(
Fernando, 24 anos, IX semestre).
“ - Me acho uma pessoa de ombros protusos, acho que sou meio descoordenado
assim, me incomoda de certa forma e acho que isto tem a ver com a minha timidez assim, eu
sou muito tímido e depois eu me solto e viro um palhação assim...é isto assim, mas me
considero uma pessoa normal.... mas, tiraria a barriga, mas aí é um questão meio postural
né...”( Pedro, 30 anos, VII semestre)
“ - Me olho na frente do espelho prá ver se o corpo está fora do peso ou não, se tá
gordo, se tá magro...”( Mariza, 20 anos, IV semestre)
Embora estivessem preocupados com o seu corpo e, principalmente, com seu peso, -
dos doze participantes, onze gostariam de ser mais magros, - notei uma certa dificuldade em
falar sobre o assunto. Paravam para pensar e até para admitir suas satisfações e insatisfações.
O receio de expressar-se ou até de contradizer-se era visível e pareceu-me que temiam fazer
descobertas sobre si mesmos agradáveis ou desagradáveis. Como diz Couto, “falar sobre o
114
próprio corpo é um modo de revelar intimidades. Uma tarefa difícil e incômoda para alguns”
(2000, p.39).
Pude constatar através das minhas anotações de campo o quanto isto era difícil para
alguns. Fui surpreendida por um dos participantes no final de uma aula, momento em que
cada um escrevia seu memorial descritivo, dizendo-me:
“ - Não sei o que escrever sobre o meu corpo. Estou tendo dificuldades. Escrevo
sempre a mesma coisa. Escrevo sobre as aulas e não sobre mim. Sei lá, é difícil escrever
sobre o corpo”.( Victor, 21 anos, VII semestre)
Havia momentos em que falar sobre o corpo ou pensar sobre o mesmo era como
adentrar no domínio do impreciso, do complexo, das imperfeições, não apresentando
entendimento deste fundamento primeiro que é o corpo. Uma dualidade estabelecia-se. De um
lado, todos sabiam como o corpo deveria ser e como gostariam que fosse e, de outro,
praticamente um desconhecimento do mesmo.
Concordo com Sant’Anna, em suas reflexões sobre a identidade corporal, quando
expressa:
[...] o corpo com todas as suas diferenças e potencialidades é extremamente complexo e
paradoxal: constantemente investigado, mas nunca totalmente descoberto, extremamente familiar a nós,
mas ao mesmo tempo, surpreendente e, em grande medida desconhecido. Ou seja, nosso corpo não
cessa de mudar, embora ele também guarde a memória dos acontecimentos muito antigos, assim como
a presença de informações genéticas que já existiam antes mesmo do seu nascimento. Neste sentido, o
corpo que somos é concomitantemente virtualidade e memória; constitui aquilo que somos e funciona
como uma espécie de arquivo, em constante transformação, das experiências vividas. Temos a impres-
o de que ele nos pertence, mas, ao mesmo tempo, sabemos o quanto seu controle pode nos escapar.
Nunca o conhecemos totalmente. Sua complexidade biológica e histórica faz dele o mais belo e intri-
gante traço da memória da vida (2004, p.30).
115
“O interesse no entanto pela compreensão do corpo humano normalmente provoca
questões que permeiam o próprio sentido existencial” diz Moreira (1995 p.38). Assim, o ato
de parar e perceber-se como sendo um corpo causava estranheza. Embora sendo acadêmicos
de Educação Física que lidam com corpo, não estavam habituados a ter um momento para
pensar sobre o seu próprio corpo, escrever sobre o mesmo, colocando seus sentires através de
um memorial. Isto foi muito significativo para o meu trabalho. No decorrer da pesquisa,
foram muitos os momentos que possuíram para efetuar esta parada. Aos poucos, foram
elaborando seus conceitos sobre o seu corpo e a sua imagem corporal, relacionando-os com o
pensar, falar e o agir através de seus corpos.
Mas o culto ao corpo e a promoção acelerada das transformações corporais
constituíam inquietações visíveis a estes entrevistados.
Embora, atualmente, usufruamos de maior liberdade corporal para expor este corpo e
modificá-lo, ao mesmo tempo estamos diante de maior responsabilidade sobre esta liberdade,
no sentido de sua exigência quanto à exposição deste corpo aos holofotes da fotogenia. Então,
os corpos são constantemente imagens em julgamento.
Um aspecto importante a ser considerado sobre a imagem que o indivíduo possui de
seu corpo é considerar a conexão que ele tem com este corpo. A fotogenia a que me refiro
baseia-se no modo como este corpo existe como significação. Concreto, que cause impacto e
se diferencie dos outros que também lhe produzem imagens. Esta significação especial é
construída desde as primeiras interações com o espaço que ocupa no mundo de relações. Ao
longo da existência, a imagem corporal vai legitimando a condição de ser humano.
116
Citando novamente Tavares, em falando sobre a imagem corporal, diz: “Não somos
um objeto passivo de nossas percepções. Somos sujeito de nossas percepções, movimentos e
relações. O corpo é sujeito e objeto de sua imagem” (2003, p.136). Por isso, as sensações e os
movimentos corporais guardam um sentido, retratando a individualidade e a singularidade
vinculadas ao corpo num determinado meio e numa determinada época.
O momento atual reflete uma grande preocupação com a beleza e a estética corporal.
A imagem do corpo, diferentemente de épocas passadas, vai construindo e constituindo-se de
valores influenciados por uma série de fatores que delineiam a postura e forma corporal. Na
esteira da exaltação ao corpo passam em larga escala corpos virtuais, sonho de consumo de
muitos, construções simbólicas que mexem com o princípio arquitetônico dos corpos, no
mínimo, com desejo de um retoque. As opções são as mais variadas. Vão das dietas aos
cosméticos, das cirurgias corretoras, modeladoras e transformadoras, aos sistemas de
preparação física e receitas milagrosas, da necessidade do corpo belo e saudável à divulgação
do modelo de manequim ideal. E, uma maquete inspirada de fora, vão criando o ideal de
beleza e estética, bem como, vão produzindo grande revolução nos dias de hoje. Estas
informações atingem às diversas camadas da sociedade, projetando estímulos em homens e
mulheres que buscam um modelo ideal e inatingível de corpo, como se possível fosse,
desmanchar e refazer toda uma engenharia. Estas restaurações corporais em nome da beleza e
da estética, criada pelo homem, influenciada pela mídia e acentuada pelo mercado financeiro,
forma-se no seio de uma sociedade e de uma cultura, pulverizando os indivíduos que acolhem
o sonho e a esperança dos descontentes com o próprio corpo e, por outro lado, satisfazem os
lucros fantásticos do mundo das finanças.
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Citando Sant’Anna, falando sobre o imaginário dos corpos belos e saudáveis diz:
A multiplicação de imagens sobre corpos saudáveis e sempre belos é bem mais rápida do que
a produção real de saúde e beleza no cotidiano. A corrida rumo à juventude é hoje uma maratona que
alcança jovens e idosos de diversas classes sociais, mas estes não conseguem ver o pódio, porque se
trata de uma corrida infinita. Ignoram quem compete com quem, talvez porque a principal competição
se passe dentro de cada um, entre o corpo que se é e o ideal de boa forma com que se sonha (2001,
p.70).
Pude, assim, constatar no decorrer desta pesquisa, este foco nos participantes. Quando
na entrevista inicial indaguei sobre o corpo e sua importância e sobre como situavam o seu
corpo de uma maneira geral na sociedade atual, obtive como resposta uma apreensão
relacionada à saúde, bem como, uma preocupação muito maior com a forma que são vistos
pelo mundo que os cerca. Recolhi algumas afirmações que ilustram este tema:
“- Importância?[...] silêncio[...] acho que o corpo, ele é na verdade, uma identidade
da pessoa. É um jeito de mostrar o que a pessoa é, pelo jeito que ela anda, que ela se veste,
pelo jeito que ela olha, que ela fala, tu pode deduzi muito desta pessoa. Acho que é
importante tu cuidá deste corpo que é uma parte que expressa muito de ti”.( Cristina, 25
anos, VI semestre)
“ - Tu diz se tô de acordo com os padrões da sociedade, específicos[...] estou bastante
próximo, né, dos padrões da visão da sociedade em relação a cuidar bastante do corpo, a
estética[...]eu acho que procuro tá sempre, sempre[...] isto passa sempre pelos meus
pensamentos”. ( Fernando, 24 anos, IX semestre)
“- Bah! Acho que é muito importante prá ti tê até aceitação num grupo, sei lá de uma
forma ou outra o corpo acaba assim influenciando e muito. Geralmente o gordinho é
discriminado e[...] simplesmente pelo fato de olhá, se a pessoa não olha, aliás só olha a
pessoa e vê que ela é gordinha e não fala com ela, acaba discriminada. Não adianta, uns
dizem que não, mas é difícil. Deve sê raro alguém que não tem uma certa
discriminação...Mesmo que diga não, ela é legal, se fala muito pouco. Tem que sê uma
pessoa magrinha assim[...] uma gorda sê tivé que escolhe prá alguma atividade assim, sabe,
nada dela[...] só as magrinhas[...]” ( Mogar, 24 anos, VIII semestre)
118
“ – [...] nesta tua pergunta não consigo dissociar a mente né, porque todos os dias tu é
bombardeado pela mídia para ter um padrão, ter um perfil pré estabelecido, e quando eu
digo que quero perder a barriga, obviamente a minha barriga não é uma barrigona né, não
tenho nenhum problema de saúde que possa até vir a desencadear, mas, mesmo assim eu sou
sadio, olha porque eu não queria ter aquela barriga? Porque bonito é não ter aquela
barriga na cultura que eu vivo. Então, como é que eu situo o meu corpo? Hã[...] eu situo o
meu corpo, não como a sociedade espera de um educador físico, porque a sociedade também
é ignorante e avalia pelo rótulo, pela aparência em via de regra. O educador físico tem que
ser forte, sarado, tem que tê bunda dura, mulher e tal... eu não sou assim e acho que eu não
preciso ser assim para ser um preparador físico”( Pedro, 30 anos, VII semestre)
Notei durante os relatos a importância atribuída à imagem do corpo através da forma
de pensar dos acadêmicos. Percebi que os mesmos ocupam-se com a estética e a beleza,
considerando-as como padrões a serem seguidos de acordo com o modelo exigido atualmente.
Convidados a experienciar o corpo em busca de um corpo ideal, senti muito forte,
pelas declarações feitas oralmente e escritas nos memoriais descritivos, a influência dos meios
de comunicação. Estes apregoam as transformações físicas, valorizando o aperfeiçoamento
corporal através de práticas higienistas e desportivas, na promoção ao músculo, à juventude e
à vitalidade, acelerando o processo de performance do indivíduo.
Nóbrega, refletindo sobre o que denomina agenciamento do corpo na sociedade
contemporânea, vem contribuir a esta pesquisa quando diz:
Para a cultura de consumo, o corpo é veículo de prazer, estando associado a imagens idealiza-
das de juventude, saúde, aptidão e beleza, que favorecem a expansão da indústria da moda, cosméticos,
academias de ginástica e afins. [..] Surge também a preocupação com o valor calórico dos alimentos,
com os diferentes tipos de atividade física, a intensa divulgação de manuais de auto-ajuda, de dietas de
todos os tipos, enfim, o disciplinamento do corpo e a sua submissão à cultura de consumo. A percepção
do corpo é dominada pelas imagens da cultura de consumo, refletindo na percepção da vida social e
das relações humanas de um modo geral (2001, p.55).
119
Envolvida na produção da sedução dos indivíduos, a mídia galopa na sua capacidade
de interferir e auxiliar na construção de novas visões do corpo, bem como, na mudança de
idéias e valores, derrubando e transformando hábitos culturais.
Como diz Couto,
Os estereótipos da beleza, as regras capazes de garantir a saúde corporal e as diversas técnicas
disponíveis para que cada um administre a metamorfose adequada de sua imagem são continuamente
difundidos e servem como referência estética. As solicitações contemporâneas para que os indivíduos
modifiquem sua aparência, na tentativa de se adaptar aos padrões midiáticos, envolvem as pessoas no
culto ao corpo – uma das grandes expressões humanas da atualidade (2000, p.135)
O cotidiano satura-se pela veiculação de informações sobre o corpo ideal através da
moda e da publicidade, constituindo, assim, um centro de atrações para o consumo de
produtos. De qualquer maneira, esta fala, não tão silenciosa, torna-se convidativa e quiçá
necessária aos indivíduos e vai ecoando no cotidiano de cada um, interferindo na
corporeidade humana. Sobre a importância dos meios de comunicação e seu peso sobre a
criatura humana, Vicent diz:
[Os] meios de comunicação nos repetem que “a pessoa tem o corpo que merece”, o que leva
a um novo sentido de responsabilidade. Esse corpo a ser produzido, desnudado na praia, deve estar de
acordo com os cânones do momento (1992, p. 311-2).
Esta adequação ao modelo da época produz, de certa forma, um misto de prazer e de
inconformidade. Cada etapa atingida em busca do corpo ideal revela tantas outras a serem
120
perseguidas. Os corpos são efeitos dos discursos que dão consistência a um determinado
grupo social. Portanto, a disponibilidade permanente da moda, o consumo passageiro, a
aceitação das novidades produzidas, impedem que as pessoas apropriem-se do vivido e
construam sua história de vida na diferença pessoal, com a âncora da individualidade que é
única e intransferível. Assim, da mesma forma que a insatisfação com a aparência e o
desempenho corporal identificam-se, identificam-se também o encantamento com as
tentativas de produção física e a frustração no alcance do corpo belo.
A preocupação com a imagem corporal é um ponto considerável na vida dos humanos.
Não há estruturas estáveis no indivíduo. O corpo vai vivenciando uma sucessão de
experiências momentâneas e pontuais, mostrando-se, assim, suscetível aos efeitos do meio, do
tempo, da cultura.
Baudrillard, falando do movimento veloz do momento atual em relação à produção da
imagem do corpo influenciada pelos meios de comunicação diz:
Cada um procura seu visual. Como já não é possível achar argumento na própria existência,
só resta fazer ato de aparência sem preocupação se ser nem mesmo olhado. Não se trata de existo”,
estou aqui, mas de “sou imagem” – visual, visual! Já nem é narcisismo, é extraversão sem profun-
didade, um tipo de ingenuidade publicitária em que cada um torna-se empresário da própria aparência
(1992, p.30).
Acredito que a parceria com a tecnologia é importante, mas os corpos não deveriam
ser reduzidos a realidades puramente virtuais. O movimento em torno do corpo deve assumir
outros valores além da estética. Não há motivo para que o corpo torne-se prótese das cirurgias
ou da própria imagem através da corrida desenfreada pelos métodos e técnicas de
modificações corporais, em nome de uma boa imagem.
121
Pude constatar a importância destes corpos: espelhos em julgamento, em outros
momentos onde os acadêmicos, em seus depoimentos, colocavam sua forma de expressar-se
corporalmente ligada à sua imagem, a sua forma de pensar e agir com seu corpo.
O acadêmico Pedro, 30 anos, VII semestre, expressou-se do seguinte modo, em seu
memorial descritivo do dia 20/10/2003.
“- Senti muita dificuldade em coordenar com o aparelho corda, minha intenção à
açãoSenti pela primeira vez vergonha, embora não tenha percebido nenhum comentário ou
ação pejorativa / debochada por parte dos demais do grupo. O trabalho proposto não era
difícil, eu é que senti dificuldade com a corda”.
Num outro momento, Carmem, 24 anos, V semestre, referindo-se ao seu corpo no dia
01/11/2003, em seu memorial descritivo diz:
“ - Me diverti, mesmo vendo na fita de vídeo que eu não faço os movimentos
perfeitamente, na aula eu sempre me esforço para fazer o mais correto possível. Acho
engraçado a minha limitação, sei que a professora sabe identificar meu esforço para fazer o
melhor possível”.
Renato, 17 anos, I semestre, se expressa da seguinte forma, dia 12/11/2003, em seu
memorial descritivo, sobre sua imagem corporal:
“-
Revendo as apresentações gravadas, e olhando dessa perspectiva eu vejo que não
sou tão descoordenado quanto penso. Preciso melhorar mais”.
Cristina, 25 anos, VI semestre, ao assistir-se na filmagem dá o seguinte depoimento
dia 12/11/2003 em seu memorial descritivo:
122
“- [...] vi que o corpo que sinto, aquele meio desengonçado, não é bem o que vejo.
Notei que sinto o meu corpo diferente do que vendo. Realmente, vendo a filmagem, vi um
corpo que se expressa bem, tem um pouco de ritmo e coordenação”.
Carmem, 24 anos, V semestre, fala da sua imagem corporal, dia 08/12/2003 em seu
memorial descritivo, expressando-se assim:
“ – [....acho que consegui fazer movimentos bonitos com a fita, não ficando uma
imagem corporal tão “estranha” como nas outras aulas, até porque a própria fita
embeleza”.
Estas considerações sobre a forma de ver-se, sentir-se e pensar em si mesmo e sobre si
mesmo durante as atividades propostas remete-me novamente aos estudos de Schilder,
quando fala que o movimento influencia a imagem corporal:
Assim, o movimento influencia a imagem corporal e nos leva de uma mudança da imagem cor-
poral a uma mudança psíquica.[...] A inter-relação entre a seqüência muscular e a atitude psíquica é tão
íntima que não só a atitude psíquica se conecta com os estados musculares, como também toda a se-
qüência de tensão e relaxamento provoca uma atitude específica. Uma seqüência motora específica al-
tera a situação interna e as atitudes, provocando até uma situação fantasiada que se adapta à seqüência
muscular (1994, p.181)
Esta inter-relação entre o movimento e a atitude psíquica na produção da imagem
corporal é expressada durante este trabalho quando os acadêmicos falam de seus corpos. Visto
sob esta dimensão, movimento e corpo, podemos compreender a imagem corporal como um
fenômeno multidimensional, altamente dinâmico e integrado no contexto histórico do
indivíduo. Podemos admitir que as experiências do pensar, falar e agir do ser humano não
coexistem de forma dissociada, mas, fundem-se. Para Gonçalvez (2002), esta compreensão
só pode acontecer, de forma separada, a um nível puramente conceitual. Compartilho a
123
opinião da autora sobre o ser humano quando considera o homem como unidade existencial.
Ou seja, está aberto ao mundo, sem o qual ele não existe.
Enquanto o fenômeno imagem corporal era constatado no cotidiano de cada
participante, o corpo também interpretava conforme o estímulo e situações de conhecimento
do grupo. A utilização dos aparelhos da Ginástica Rítmica muitas vezes deu este suporte. Por
exemplo, a corda remeteu o grupo várias vezes, pela interpretação gestual, a lugares e
atividades diferentes do que estavam fazendo e a fita reportava às denominações que um
acadêmico possuía pela imagem que passava de seu corpo. Em minhas notas de campo
assinalei alguns fatos que exemplifico abaixo.
“ - Me vejo em Barretos Tchê! Uaau..”. ( Fernando, 24 anos, IX semestre)
“ - Parece boleadeira!...”O mesmo acadêmico)
“ - Não acredito no que tô vendo, lutador, marombero, gatão, com fitinha na mão...
vai sê o fim do romance...”.( Paulo, 29 anos, I semestre)
Corpos como espelhos em julgamento ultrapassam fronteiras e assimilam gestos e
movimentos que identificam determinada ação, comparando com outros momentos
experienciados, reproduzindo, assim, uma realidade corporal diferente. O corpo conquista
novos espaços, adquire outras velocidades e potencialidades , interage com outros estímulos,
abre-se e modifica-se para fazer parte de um coletivo.
Outro fato significativo dentro da interação com novos estímulos é a capacidade de
adaptação que o ser humano possui a novas experiências. Pude perceber que, embora muitas
vezes as atividades propostas na disciplina eram de total desconhecimento dos participantes,
estes conseguiam realizá-las e davam-se conta disto. O fato de conseguirem executar mudava
124
a visão primeira que possuíam da dificuldade do movimento proposto. Cito o acadêmico
Fernando, 24 anos, IX semestre, em seu memorial descritivo do dia 06/10/2003, quando fala
sobre novas vivências integrando movimento corporal:
“ - É extremamente interessante notar como podemos desenvolver movimentos quando
estimulados a isso, desde que logicamente bem estruturado. Fiz movimentos durante a aula
que nunca havia vivenciado. Por isto achei muito interessante”.
Nossa relação com o mundo exterior, como diz Morin (1986), “passa não apenas pelos
mídias informacionais, mas também por nossos sistemas de idéias que recebem, filtram,
fazem uma triagem daquilo que os mídia nos trazem”, e também, através do movimento,
reiventamos significados que são expressados pelo corpo. Assim, a imagem corporal vai se
refletindo, através da interpretação e do sentir do mundo visível e descritivo.
Ainda falando sobre a imagem corporal e as relações com a forma de pensar, falar e
agir com o corpo, chamou-me a atenção o comportamento dos participantes no que diz
respeito a filmagem. Esta ferramenta de pesquisa possibilitou-me a interpretação destas
relações.
Houve nas duas primeiras filmagens um ambiente de grandes expectativas, sempre
com muito barulho e muitos comentários sobre o que poderiam ver e como realmente se viam.
Alguns comentários foram assim:
“ - Não pensei que eu era deste jeito..”. ( Victor, 21anos, VII semestre)
“ - Vou ter que me trocar todinho...” ( o mesmo acadêmico)
“ - Tá difícil de entender o que se faz, tu pensa que tá fazendo tudo lindo e daí tu vê
esta porcaria. Ai, ai, ai... tenho que tomar jeito. Cara a coisa tá preta”.( Paulo, 29anos, I
semestre)
125
“ - Achei que era mais descoordenada... até que tá bom”. ( Cristina, 25 anos, VI
semestre)
“ - Olha lá o artista. Pô, meu, tá legal hein”. ( Guilherme, 23 anos, V semestre)
Com o tempo, os comentários foram cessando enquanto o filme ia sendo projetado na
tela. Ficaram silenciosos e observaram-se mais.
Concordo com Tavares (2003), quando expressa que o reconhecimento da imagem
corporal nos remete a uma situação singular. É importante que tenhamos muitas referências
sobre o nosso corpo. Elas nos são asseguradas pelas conexões com as nossas sensações
corporais. Buscamos através das vivências de nossas sensações corpóreas elementos
fisiológicos, culturais e afetivos que permitam ampliar nosso contato interno e, ao mesmo
tempo, facilitar a nossa adaptação com o mundo externo. Afirma Tavares, “O contato com
nossas sensações corporais representa um eixo direcionador, um alicerce para um processo de
construção da identidade corporal do indivíduo” (2003, p.80).
O corpo faz-se presente no mundo num contexto de relações. A imagem que cada um
possui de seu corpo está relacionada com os aspectos fisiológicos, culturais e afetivos e é
importante que cada um possua de forma fidedigna a sua. Considerando a imagem corporal
como uma representação mental que elaboramos da nossa identidade como indivíduos, se
ampliarmos a compreensão no sentido de percebê-la num contexto existencial do ser humano
poderemos ver sob nova ótica o desenvolvimento da identidade corporal e de sua imagem.
Ao longo do período de contato com os participantes deste estudo tive a possibilidade
de observar um “cuidado a mais” que cada um ia determinando ao seu corpo. Passaram a
126
prestar atenção ao seu sentir, à sua expressão oral relacionada a sua imagem e a sua ação
corporal. Os memoriais descritivos, a filmagem e as notas de campo informavam estas
considerações, bem como, as entrevistas finais.
Victor, 21 anos, VII semestre, 15/10/2003, diz sobre seu corpo neste memorial
descritivo:
“ - Com o passar das aulas percebo cada vez mais que meu corpo é capaz de realizar
muito mais coisas que eu imaginava”.
Carmem, 24 anos, V semestre, fala sobre si, no memorial descritivo de 05/10/2003.
“ - Bem, estamos quase no fim do semestre e posso dizer que senti uma mudança na
minha maneira de pensar o meu corpo, antes eu era muito crítica ( negativamente) e agora
continuo, porém positivamente; aprendi a enxergar meus erros como tentativas de acertos.
Acredito mais em mim e tento passá isto corporalmente para as pessoas ao meu redor e já
posso dizer que estou colhendo ótimos frutos com minha mudança”.
Na entrevista final, ao perguntar sobre a sua imagem corporal atual, um aluno
respondeu-me:
“ - Eu acho que o corpo não modificou, a mente modificou. E, por conseqüência o
meu corpo vai mudá. Hã[...] eu acho que estou mais amigo do meu corpo. Eu não estou
entrando numas de ai[...] eu tenho que mudá. Não eu acho que tenho que ser o que eu sou,
acho que a espontaneidade é mais legal hã[...] eu acho que estou atento sim, se eu tenho um
problema se eu tenho uma postura qye de certa forma pode me prejudicá, eu tenho que tratá,
mas eu tenho ombro protuzo, mas eu não sinto dor[...] sabe, eu atento sim, mas não
necessariamente com a necessidade de mudá. Me aceitá do jeito que eu sou e vivê bem do
jeito que eu sou. Afinal de contas eu sou uma pessoa que entre aspas, sou normal, né”. (
Pedro, 30 anos, VII semestre)
127
Falando de sua imagem e do seu desenvolvimento durante a disciplina um acadêmico
enfatizou o seguinte:
“ - Olha, acho que na minha imagem, na minha postura, o que mudou um pouco foi o
preconceito com[...] com[...] a ginástica, coisa assim. A gente tem aquela coisa né,
ginástica... Ginástica Rítmica[...]coisa de mulher[...]coisa prá mulher[...] O meu corpo?
Acho que a cada dia a gente tem um olhar diferente, novo. Acho que cada vez mais que passa
o tempo a gente vai dando mais importância. A gente vê que depende cada vez mais dele, eu
acho [...]”. ( Paulo, 29 anos, I semestre)
Em sua entrevista final, uma aluna refere o seguinte, sobre o seu corpo:
“ - Acho que ele está mais vivo. Eu nunca pensei tanto nele, por causa do trabalho,
assim,sabe? Tanto que cheguei avacalhando meu corpo. Acho que comecei a ter outra visão
dele. Acho que até por[...] por eu querer mostrá prá todo mundo, né? Pra ti, prá
profesora[...] Mas depois eu comecei a pensar [...] me ligar, assim. Mas prá quem é que eu
tenho que me mostrá [...] é prá mim, entendeu?Eu não via[...] eu não via ele assim[...] Eu até
via[...] mas de um jeito tão crítico, assim [...] eu tenho dificuldades, e tal. Não sei fazê
um spagat, umas coisas assim. E daí, depois, quando eu vi a fita, eu fiquei rindo de mim,
sabe? Porque foi tão engraçado! Aquela pessoa era eu entendeu? Tinha que caí[...] tinha[...]
tinha que eu pensar assim. Tá, sou eu, então. Prá que fazer né, um Oh! Que terror, que
monstro! Não, então vamo curtir. Pô, é os movimentos foram engraçados, mas eu fiz, eu
tava no rítmo. Eu tenho que vê o que, que [...] tá bom ali e então o que falta. Vamos tê
consciência. Tá, falta um pouco ali, um pouco assado. É capa[...] é possível? Certamente[...]
eu tenho uma certa dificuldade. Eu na área da Educação Física, que eu te falei. Eu vim só
da academia. Eu na escola, era escola estadual, eu não fazia nada. Na minha infância,
eu mal corria. Porque, se não eu caía e me machucava. Então eu não corria. Então eu tenho
[...] dificuldades, assim motoras[...] primárias, sabe? Mas prá quem tem isso[...]eu acho
que eu até tava bem, sabe? E eu comecei a pensar nisto. Tô bem pros meus limites, e eles
tão começando a sumir a partir deste momento [...] que eu vejo que[...] tô mais inteira”.
(Carmem, 24 anos, V semestre)
A imagem que formamos de nós mesmos não é certamente estável. Fatores múltiplos
proporcionam a mudança desta imagem. Isto pude constatar durante esta investigação. Os
128
acadêmicos me possibilitaram, através de suas falas, perceber que estes corpos espelhos em
julgamento trocam sua forma de pensar, falar e agir de acordo com os estímulos que lhes são
proporcionados. Schilder apresenta algumas proposições, das quais selecionei as que mais
interessavam a esta pesquisa:
. As imagens corporais nunca estão isoladas. Estão sempre cercadas pelas imagens dos outros.
. A relação com as imagens alheias é determinada pelo fator de proximidade ou afastamento
espacial e pelo fator de proximidade ou afastamento emocional.
. As imagens corporais são, em princípio, sociais. Nossa imagem corporal nunca está isolada.
Pelo contrário, está sempre acompanhada pelas imagens corporais dos outros.
. Há um intercâmbio contínuo entre as partes de nossa imagem corporal e das imagens corpo-
rais dos outros. Há projeção e personificação.
. Estamos sempre enfatizando que o modelo postural do corpo não é estático e está
sempre se modificando segundo as circunstâncias da vida (1994, p.208/209).
Neste andar dos corpos: espelhos em julgamento podemos dizer que uma imagem
corporal, que está em constante observação e julgamento, público e privado, decorre de uma
construção baseada em tendências e necessidades. É portadora de um fluxo contínuo que
cristaliza períodos, de acordo com a individualidade de cada um. Da mesma forma, a
interação com as imagens das outras pessoas é maleável e envolvente, movimentando-se num
desmanchar, construir e reconstruir, onde as relações de tempo, espaço, bem como os aspectos
emocionais, são levados em consideração.
Assim, vamos construindo nossa teia em movimento e sentimento onde ecoa
silenciosamente o cotidiano, na corporeidade humana, através de cada um de nós, os
guardiães destas mensagens.
129
Buscando um andar firme, uma coerência para minhas reflexões, continuo este texto
infiltrando-me, ainda mais, na corporeidade humana. Dou um passo a mais. O próximo
capítulo denominei Vivências corporais: experiências dotadas de significados.
3. 3 Vivências corporais: experiências dotadas de significados
Aquilo que vivenciamos torna-se para nós relevante. Nas palavras de Santin (1987),
“O homem não age por partes, mas sempre como um todo”(p.25). Nossos pensamentos e
emoções, nossa gestualização, não constituem momentos ora físicos ou psíquicos, são sempre
manifestações totais, isto é, são ao mesmo tempo toda a adjetivação que se lhe pode designar.
Estas manifestações acontecem a partir do corpo. Este corpo próprio, que convive num
universo de relações e que adquire experiências, é um corpo que nutri e é nutrido pelo mundo.
Assim, na compreensão da função do corpo próprio, no sentido dado por Merleau-
Ponty (1999), ao estabelecer múltiplas relações o ser humano concretiza sua existência,
porque a sua vivência no mundo depende da experiência realizada à medida que se levanta em
direção a ele. É gerador de seu inventário pessoal, criado à mercê do que experiencia, do que
incorpora como significativo e forma o memorial da sua própria existência. É constituído de
uma intencionalidade que unifica suas estruturas, tornando-se uno e ao mesmo tempo
singular.
Produto de momentos desafiantes e impenitentes, vou construindo mais um capítulo
destinado ao estudo do fenômeno humano, à luz da hermenêutica, procurando situar nas
vivências corporais: experiências dotadas de significados, a relevância do trabalho das
130
percepções corporais e suas implicações na corporeidade humana através da Ginástica
Rítmica.
Sob este olhar, baseio-me para pensar nas propriedades constitutivas do homem como
sendo este um todo, uma unidade sistêmica, onde tudo acontece e expressa-se de maneira
indissolúvel.
Uma destas propriedades seria certamente a percepção. Percepção, esta, configurada
pelos sentidos e suas relações com as manifestações humanas, de viver um corpo em seus
mais diversos encadeamentos, vinculados a um tempo, a um espaço, a uma sociedade e a uma
cultura.
Somos possuidores da capacidade de perceber desde a mais tenra idade. Fazemos
conexões com o mundo que nos cerca. Captamos as informações por meio dos sentidos. E,
como somos dotados de uma excelente complexidade neurológica, as codificamos. Estas
passam a constituir nossas referências, numa cadeia de padrões sócio-culturais que
determinamos para nosso viver.
Os estudos realizados por Merleau-Ponty, sobre a fenomenologia da percepção dizem
que “toda a percepção exterior é imediatamente sinônima de uma certa percepção de meu
corpo, assim como toda a percepção de meu corpo se explicita na linguagem da percepção
exterior” (1999, p.277). Então o corpo como unidade expressiva tem a capacidade de aprender
e apreender, de conhecer e reconhecer, de identificar e relacionar as inúmeras informações
que lhe são oferecidas pelo mundo que o rodeia. E porque somos corpo, temos possibilidades
131
de reaprender e reencontrar outros saberes relacionados a este corpo através das vivências
corporais que se tornam experiências dotadas de significado.
Ainda nas palavras de Merleau-Ponty, poderíamos acrescentar:
[...] será preciso despertar a experiência do mundo tal como ele nos aparece enquanto estamos
no mundo por nosso corpo. Mas, retomando assim o contato com o corpo e com o mundo, é também a
nós mesmos que iremos reencontrar, já que, se percebemos com nosso corpo, o corpo é um eu natural e
como que o sujeito da percepção (1999, p.278).
Poderia acrescentar que o ser humano, em sua totalidade, não pode ser explicado
unicamente através da sua anatomia ou fisiologia ligadas a um sistema nervoso, mas sim, a
partir da sua relação homem-mundo. Conforme explica Gonçalves (2002), “o corpo próprio”
transforma-se no decorrer de nossa vida, por meio de nossas experiências” (p.151) ou seja,
partindo de um contato com o mundo, em uma determinada circunstância, estruturamos e
reestruturamos nossa percepção e nossa interpretação do que nos cerca e interferimos neste
meio, transformando-o e modificando a nós próprios.
A partir destas considerações, volto meu olhar para os objetivos deste estudo onde
enfatizo a importância do trabalho de percepção corporal através da Ginástica Rítmica para o
entendimento da corporeidade. Assim, busco nas ferramentas utilizadas para coletar as
informações subsídios que norteiam minhas reflexões sobre as vivências corporais:
experiências dotadas de significados.
Passo a elencar algumas considerações dos acadêmicos, retiradas dos seus memoriais
descritivos.
132
Na primeira aula com o aparelho maça, dia 17/11/2003, Marisa, 20 anos, IV semestre,
em seu memorial descritivo, expressa-se da seguinte forma:
“ - Hoje me senti muito descoordenada. Com as “maças” de meia até me diverti. Mas
as de plástico e madeira me machucaram. Senti meu corpo muito frágil, me senti uma criança
com medo de se machucar, de jogar o brinquedo e deixar cair no pé ou na própria cabeça”.
Celina, 26 anos, IV semestre, fala sobre as dificuldades que encontra em atividades
ainda não vivenciadas, no dia 06/10/2003, em seu memorial descritivo:
“ - Na aula de hoje percebi as dificuldades que o meu corpo enfrenta em atividades
que não estou habituada a vivenciar.. Entretanto, achei o fato interessante, como só notamos
a nossa corporeidade, quando precisamos dela”.
Mogar, 24 anos, VIII semestre explica sua dificuldade por não haver experienciado
atividade alguma com o aparelho corda no dia 15/10/2003, também através de seu memorial
descritivo:
“ - Hoje aprendi que lidar com o aparelho corda na Ginástica Rítmica não é tão
simples assim, e sim, uma atividade muito complexa. Eu apresentei bastante dificuldades em
lidar com muitos movimentos envolvendo a corda, pois é um elemento ou um aparelho que eu
não estou habituado a manejar”.
Para Guilherme, 23 anos, V semestre, a percepção vai acontecendo através da
experimentação. O mesmo diz, no dia 13/10/2003, em seu memorial descritivo:
“ - Sinto o corpo como meio de interação entre os colegas e o espaço físico. As
mudanças na percepção ocorrem em processo lento. No entanto, os processos cognitivos da
percepção do espaço físico e corporal parecem se desenvolver rapidamente à medida que
vamos experienciando os movimentos e as manipulações dos materiais”.
133
O perceber pode ser considerado um diálogo com o mundo. Um mundo de relações
que provém de uma teia de aprendizados que, concatenados uns aos outros, vão
desenvolvendo-se e dando forma a outras inter-relações. Assim, na percepção do primeiro
acadêmico, pudemos notar sua vivências infantis como referências. No segundo e no terceiro,
o valor atribuído ao desconhecido, e, no quarto acadêmico citado, uma compreensão maior do
fenômeno corpo, espaço físico e percepção.
Gonçalves, comenta a questão da experiência corporal do movimento e da percepção,
fazendo as seguintes considerações:
A experiência corporal e do movimento inclui a percepção, anterior a qualquer formação de
conceitos, das possibilidades e dos limites do corpo físico – “conhecimento” esse fundado em expe-
riências anteriores e nas características da situação presente – e, ao mesmo tempo, a percepção do
mundo circundante, em sua relação com ele. A experiência corporal está no cerne da transformação do
“corpo próprio” no decorrer de nossa vida e na realização de cada movimento. Toda transformação traz
em si uma modificação na forma de perceber a si próprio e aos objetos (2002, p.146).
Através do corpo nos é consagrada a possibilidade de perceber o que nos cerca,
obtendo assim um discernimento do mundo percebido. Podemos considerar, também, que, à
medida que desenvolvemos relações, as situações existenciais nos proporcionam o aumento
de experiências que, de certa forma, podem alterar ou até modificar a nossa maneira de ser no
decorrer do tempo. Como diz Merleau-Ponty (1980), “Vemo-nos videntes, tocamo-nos
tateantes, somos visíveis e sensíveis por nós mesmos”. Somos uma unidade com prontidão
para aprender e apreender o que nos cerca, transformando em experiências significativas.
134
O corpo que percebe, que cria significados, que aprende, que se desdobra no espaço e
no tempo, está aberto às possibilidades que a experiência lhe oferece. Por situar-se em um
ambiente cultural, no qual os acontecimentos são ricos e imprevisíveis, dispõe de um leque
de probabilidades para realização de suas vivências corporais.
Ainda recorrendo aos estudos de Merleau-Ponty (1990), quando se refere a
importância a ser dada para a atenção ao nosso mundo perceptivo, diz:
Do mesmo modo que meu corpo, como sistema de minhas abordagens sobre o mundo, funda
a unidade dos objetos que eu percebo, do mesmo modo o corpo do outro, como portador das condutas
simbólicas e da conduta do verdadeiro, afasta-se da condição de um dos meus fenômenos, propõe-me
a tarefa de uma verdadeira comunicação e confere a meus objetos a dimensão nova do ser intersubjeti-
vo ou da objetividade. Tais são rapidamente resumidos nos elementos do mundo percebido (1990,
p.51).
Freitas (1999), complementa o texto acima quando expressa que o ser humano vai para
o mundo e nele insere-se levando sua bagagem de desejos e julgamentos e vai tecendo suas
múltiplas relações que interagem dialeticamente, conferindo um significado às vivências
humanas através do que percebe e como é percebido.
Pude apurar nos participantes desta pesquisa o quanto a percepção de si e do outro
interfere na forma de pensar, falar e agir de cada um. De acordo com as experiências vividas
no dia-a-dia, iam retirando e interpretando as novas vivências que lhes eram agregadas,
levando em consideração o mundo desconhecido da Ginástica Rítmica, a novidade da
participação em uma pesquisa, a percepção do corpo, foco da investigação e a adaptação a um
novo grupo de trabalho.
135
Quando das entrevistas iniciais questionei os participantes sobre a percepção do seu
corpo, como efetuavam esta percepção e que mecanismos utilizavam para isto, a resposta foi
unânime: o espelho. Portanto, um objeto que reflete uma realidade corpórea interpretada a
luz do espectador do seu próprio corpo, constituía-se no fundamento da percepção corporal.
Coloco alguns trechos destas entrevistas iniciais sob o olhar da percepção corporal
individual:
“ - No espelho, assim em casa né... Eu gostaria de ser um pouco mais magro,
entende”? ( Renato, 17 anos, I semestre)
“ - Ah! Eu faço ginástica e consequentemente durante os exercícios eu olho no
espelho e tento vê a evolução dele, não de um dia pro outro, mas de tempos em tempos eu
faço uma análise, aí na frente do espelho mesmo, em casa”. ( Victor, 21 anos, VII semestre)
“ - Ah! No dia-a-dia, nas roupas, no espelho, principalmente o fato de emagrecê e
engordá, que preocupa bastante as mulheres”. ( Carmem, 24 anos, V semestre)
Ao serem questionados, ainda nas entrevistas iniciais, se a sua percepção corporal
individual seria semelhante à maneira que os outros percebiam, obtive respostas que variavam
do sim ao não e do nunca terem pensado a respeito.
“ - Normalmente a gente é um pouco mais crítico, normalmente com o que falam é
mais ou menos como eu me percebo”. ( Pedro, 30 anos, VII semestre)
“ - Ah! Eu não sei se é real ou verdadeiro, mas, todo mundo elogia assim[...] A única
pessoa assim[...] que me conhece bastante é a minha mãe. Ela tá sempre dando uns
toquezinhos, assim prá me antená[...] tá mais gordinha[...] te liga[...]” ( Carmem, 24 anos, V
semestre)
“ - Eu me percebo mais gorda em alguns lugares e as pessoas dizem ah![...]não[...]
mas eu me sinto[...]”( Celina, 26 anos, IV semestre)
136
“ - Não, definitivamente as pessoas não me enxergam como eu me vejo. As pessoas
normalmente enxergam coisas boas e talvez eu negue isto. A minha percepção de corpo não é
igual a dos meus colegas. Talvez por preconceito ou timidez, eu não me solto mais”.(
Guilherme, 23 anos, IV semestre)
“ - Eu nunca me ative a pensar sobre isto[...]”( Glória, 24anos, III semestre)
Neste momento percebi que, embora as informações corporais sejam dioturnamente
passadas aos corpos dos participantes, nas mais diversas formas produzidas pelos sentidos,
isto tornara-se uma automatização e este grupo não cultivava o hábito da percepção de seu
corpo como uma unidade no mundo. A percepção do corpo próprio estava ligada a um objeto
que lhe estampava a forma física e a percepção do Outro formava-se através do conceito de
gordura ou de magreza.
Quando na frente do espelho, o ser humano olha-se com o olhar desnudo. Mostra-se
perceptivo ao seus desejos de perfeição, criados e exigidos por ele ou pelo que lhe é
“imposto” pela época, ainda que sejam “perfeições” imperceptíveis. Então, a imagem no
espelho não reflete somente a imagem deste corpo, mas também, a que é vista através aos
olhares dos Outros.
Temos conhecimento da importância do Outro, pois nossa rede de interações
estabelece-se a partir do Outro ou dos Outros. É inegável esta relevância, pois estamos para os
Outros como estamos para nós mesmos. Nos construímos a partir dos Outros. Mas, mesmo
nos tornando singulares a partir dos Outros, construímos nosso inventário pessoal, num
processo contínuo de diferenciação e de identificação (Freitas, 1999).
137
Somos semelhantes por sermos humanos, mas diferentes por sermos únicos. A forma
que utilizamos para vivenciar nossas experiências nos torna ímpares.
Com um corpo potencialmente estruturado em múltiplas formas perceptivas,
certamente neste grupo de participantes havia uma lacuna de percepção no sentido da
totalidade do próprio ser.
No âmbito de sua ação humana, no mundo, o indivíduo coexiste com os outros
homens e é formador de uma relação. A maneira que ele trata a realidade em geral, no
entanto, difere da forma como relaciona-se com o Outro, partindo da premissa que cada um é
centro do seu mundo. Como diz Gonçalves (2002), “a experiência perceptiva revela a
existência: na junção do Eu e do mundo, surgem o ser das coisas e o ser do homem”.
Então como expressa Merlau-Ponty:
Perceber não é experimentar um sem-número de impressões que trariam consigo recordações
capazes de completá-las é ver de uma constelação de dados um sentido imanente sem o qual nenhum a-
pelo às recordações seria possível (1999, p.47).
Este sentido imanente, persistente a que o autor se refere, seria o guia condutor de toda
uma forma diferenciada de trabalho, através da Ginástica Rítmica que pudesse dar um suporte
à percepção do corpo, objetivando o entendimento da corporeidade dos participantes desta
pesquisa, dentro do pensar, falar e agir com seu corpo.
Embora, num primeiro momento, tenha ficado surpresa com as respostas dos
acadêmicos, - talvez porque, ingenuamente, acreditasse que por terem escolhido como
138
profissão o trabalho com o corpo, transformassem sua maneira de perceber, ou seja, estariam
mais atentos aos sinais dados pelo próprio corpo, - continuei minha busca através da descrição
e interpretação dos saberes corporais. Situando o corpo como um meio de comunicação com o
mundo em geral e o desmembrando em influências externas (sociedade em geral) e
influências internas (o acadêmico em si e sua família), questionei a percepção sobre seus
corpos, considerando estes fatores, uma vez que haviam mencionado em seus depoimentos.
“ - Ah! As vezes eu me pego assim meio entristecido bá[...] mesmo que eu tenha assim
uma postura de andar assim prá frente, com os braços caídos eu noto que fico diferente. Eu
noto que meio esmoreço, sabe[...] já quando eu estou legal, fico com a postura mais ereta”.
( Paulo, 29 anos ,I semestre)
“ - Eu acho que o meu corpo é o executor dos meus pensamentos e das minhas
vontades, então eu tenho que cuidá das interferências externas e internas pois poderão
interferir na minha postura”. ( Pedro, 30 anos, VII semestre)
“ - Sim, sim, bastante. As influências externas influenciam, na postura e na maneira
de ser de cada um. Porque agora, essa história de emagrecimento me preocupa muito, e eu
vô acabá falando nisto o tempo todo, porque eu decidi que dessa vez vô voltá a emagrecê e
vai sê prá sempre”.( Cristina, 26 anos, VI semestre)
“ - Com certeza! Eu acho que de forma meio psicológica assim, tu vê[...] todo mundo
de um jeito assim, ou tu tem possibilidade de fazer alguma coisa[...] vamos fazer né? Vamos
alcançar esse objetivo e tal[...]”. ( Guilherme, 23 anos, V semestre)
Pude constatar, através destes depoimentos nas entrevistas iniciais, que os
participantes colocavam atenção em seus corpos, no sentido em que, a cada momento, esta
atenção era dirigida a um fator que lhe era significativo. A percepção de si, de suas
modificações conforme as influências que interferem em cada ser é, como afirma Merelau-
Ponty, justamente “este ato que cria de um só golpe, com a constelação de dados, o sentido
que os une – que não apenas descobre o sentido que eles têm, mas ainda faz com que tenham
um sentido”(1999, p.66)
139
Relacionando este mesmo tópico e buscando nos memoriais descritivos, a percepção
de seus corpos em relação às influências externas e internas, posso situar o que se segue:
Carmem, 25 anos, V semestre, dia 15/12/2003 fala sobre sua experiência:
“ - Na aula de hoje senti grande facilidade na execução dos movimentos,
provavelmente porque as aulas elaboradas pelos colegas foram de iniciação. A maior
dificuldade encontrada foi expor o conteúdo aos colegas utilizando-me do meu baixo tom
de voz e precisando usar mais a expressão corporal”.
Nas palavras de Marisa, 20 anos, IV semestre, dia 06/10/2003, referindo-se as influências
externas da percepção sobre o seu corpo fala:
“ - Nesta aula tive um pouco de vergonha em fazer os exercícios. Por um lado me
empolgava a proposta e tinha vontade de fazer o melhor possível. Por outro, achava que os
outros pensariam que eu só estava me exibindo por ser mais flexível que a maioria e assim
acabava não fazendo o que pensava fazer”.
Pedro, 30 anos, VII semestre, confere a importância das influências externas, no seu
desempenho corporal, quando se refere a aula do dia 10/11/2003:
“ - Senti dificuldade em fazer algumas manobras com o arco As pessoas na
arquibancada me censuraram um pouco. Me senti um pouco constrangido. Talvez a falta de
vivência com o arco tenha prejudicado o desempenho na aula. Para mim, este desafio é
bastante válido e me motiva a continuar as aulas de Ginástica Rítmica”.
Pude constatar também estas ligações da percepção corporal em relação aos outros,
quando em minhas notas de campo observei momentos em que determinadas atividades
140
agregavam momentos de alegria ou de constrangimento. Era sempre o corpo tendo
experiências dotadas de significados.
Uma situação que me chamou a atenção durante minhas anotações de campo foi a
observação realizada pelos acadêmicos a uma ginasta de Ginástica Rítmica. Convidada para
demonstrar exercícios com e sem aparelhos, bem como séries completas da modalidade, a
professora da turma tinha como objetivo mostrar o esporte de alto rendimento, bem como,
proporcionar aos acadêmicos vivências do trabalho corporal necessário a uma ginasta de alto
nível. Nos movimentos a mãos livres, foi ressaltada uma das características desta modalidade
que é, sem dúvida, a flexibilidade. Foram inúmeros os comentários sobre a impossibilidade
deles, os acadêmicos, de executar alguns dos exercícios. Comparavam-se e faziam
comentários do tipo: “
B
áh! Tu faz e eu até sinto a dor aqui parado. louco, isto não é
humano[...] A criatura vai se quebrar[...]”( Fernando, 24 anos IX semestre). No entanto,
constituía também, como uma das propostas da aula, orientar o grupo em como trabalhar a
flexibilidade. Para isto foi estabelecido que os acadêmicos experienciariam com a ginasta. A
docente solicitava que a mesma efetuasse um movimento e os acadêmicos auxiliavam,
aprendendo a forma de movimentar um ou outro segmento corporal, visando o melhor
desempenho e aprendendo a evitar lesões. Isto proporcionou um grande constrangimento ao
grupo.
Invertendo-se, depois, os papéis, a professora conduziu o trabalho para a experiência
pessoal. Deveriam realizar os movimentos entre si. Notei os risos nervosos pelo toque no
Outro, pela percepção do corpo do Outro e, principalmente, pelos exercícios que envolviam
abertura de pernas. Isto era fato, tanto para as meninas, como para os rapazes. Havia
141
comparações, brincadeiras um pouco nervosas, determinando um pouco de preconceito e
também a falta de hábito de tocar os companheiros dentro da perspectiva da percepção do
próprio movimento corporal.
Durante as aulas foram inúmeras as situações que envolveram a percepção do Outro.
Embora fossem, com o passar do tempo, integrando-se como grupo, a atenção era desviada
para o riso, para as necessidades de justificativas quando não conseguiam executar
determinado movimento. Às vezes, paravam de fazer o movimento e iam sentando-se na
arquibancada.
Um outro ponto da importância da percepção externa sobre si mesmo acontecia em via
contrária. Toda vez que alguém salientava ou elogiava a performance, este acadêmico,
sentindo-se seguro, efetuava com mais vigor os exercícios propostos.
Constatei um fato interessante, ocorrido com um dos participantes quando
surpreendido por um comentário de uma colega, que lhe disse:
“ - Tás bem de corpo hein? Sempre forte[...] ( Victor, 21 anos, VII semestre) sorriso”
(o aluno de corpo padrão – Mogar, 24 anos, VIII semestre, olha-se o tempo todo).
Neste dia, este aluno, de características físicas fortes, passou grande parte do tempo da
aula admirando seu corpo, seus músculos, pouco interessado nas atividades propostas.
142
“A relação de unidade do homem com o mundo é uma relação viva e funda-se na
sensibilidade”, diz Gonçalves (2002). Esta sensibilidade antecipa-se ao pensamento. É uma
característica constitutiva humana que diz respeito ao sentir. Os sentidos comunicam-se
formando uma síntese perceptiva. Portanto, estas vivências corporais são experiências dotadas
de significados.
Continuando minhas reflexões neste trabalho, percebi que o grupo foi inteirando-se no
decorrer das aulas das possibilidades que possuía de uma percepção corporal mais aguçada
como meio de entendimento de sua corporeidade.
Como diz Santin,
O indivíduo precisa pensar-se e viver corporalmente e, não julgar-se uma consciência ou um
eu proprietário de um corpo. Não se trata, portanto, de usar o corpo como um objeto ou instrumento,
mas viver corporalmente (1987, p.63).
Com o desenrolar desta pesquisa junto aos acadêmicos, fui relacionando uma série de
inquietações que sempre nortearam minha vida profissional universitária. O problema do
corpo, do movimento, do gesto, das atividades a serem passadas aos alunos e, principalmente,
como seriam captadas por eles. Porque sempre tive a certeza do ser humano como unidade e,
ao mesmo tempo, dotado de uma individualidade indiscutível. Isto para mim sempre foi muito
claro.
Vivenciando o andar desta investigação, percebendo as respostas que eram dadas pelos
acadêmicos e a proposta da docente sendo atingida, fui reconhecendo que uma série de
143
informações vinham-se chegando, acentuando ainda mais meus objetivos e o próprio
problema deste trabalho.
Ainda considerando neste capítulo o tema da percepção como uma vivência corporal
que constitui experiências significativas, pude constatar que, ao contrário da primeira
filmagem, a atitude perceptiva dos participantes havia mudado. Estavam mais silenciosos e os
comentários eram poucos. Havia no grupo uma introspecção maior e o olhar mantinha-se fixo
“na tela”. Seus olhos interpretavam seus gestos. As posturas nas cadeiras eram calmas.
Batiam palmas a cada grupo que findava a apresentação e teciam elogios aos colegas. Pude
notar um amadurecimento do grupo através das suas observações. A filmagem não consistia
mais em um elemento novo para este grupo. Estavam mais relaxados e mais observadores de
si próprios. Este instrumento de coleta de dados já havia sido incorporado ao grupo. Esta
vivência já se tornara significativa e o foco de atenção estava mais direcionado ao
entendimento dos seus corpos, dos seus gestos e da suas posturas.
Ao final da pesquisa apliquei uma entrevista final. Nesta, as conclusões dos
participantes em relação a sua percepção corporal, constituíram relevantes depoimentos.
Citarei neste texto alguns deles:
“ - Eu me achava diferente, de repente me reconheci. Estou mudando minha forma de
pensar sobre o meu corpo. Presto mais atenção no meu corpo, até prá escrevê depois no
memorial”. ( Carmem, 24 anos, V semestre)
Ao perguntar a uma aluna quais as influências que ela poderia determinar como
agentes da modificação desta percepção de postura, ela responde:
144
“ - Tu, ( referindo-se ao pesquisador) hoje eu tenho um outro olhar sobre o meu
corpo”. ( Cristina, 25 anos, VI semestre)
Outro participante coloca sobre seu corpo o seguinte relato:
“ - É eu acho que hoje eu tento passá prás pessoas muito do que eu aprendo aqui né...
como eu aprendo, dessa visão do corpo na área da saúde né, a questão da consciência
corporal né, de que tudo que os teus pensamentos coincidem com teu corpo, né... então eu
tento compartilhar estas experiências com as pessoas, né, que eu convivo, as mais próximas a
mim”. ( Paulo, 29 anos, I semestre)
Assim, poderia dizer que possuímos funções sensoriais, um campo tátil, auditivo,
visual que nos permitem a percepção e a comunicação e o relacionamento com os outros
considerados, também, indivíduos dotados das mesmas características. Vivenciamos estas
experiências humanas que vão ampliando nossa bagagem comunicativa e efetuamos
aprendizados com o meio com o qual estamos situados.
Concordo com Merleau-Ponty, quando fala que:
Meu olhar cai sobre o corpo vivo prestes a agir, no mesmo instante os objetos que o circundam
recebem uma nova camada de significação: eles não são mais apenas aquilo que eu mesmo poderia fa-
zer com eles. Em torno do corpo percebido cava-se um turbilhão para onde meu corpo é atraído (1999,
p.473).
Nossas vivências nos trazem significações e somos arremetidos a um turbilhão de
fontes novas de conhecimento, ou de combinações delas, sempre que nossa linha de
intencionalidade humana proferir, percebendo e interpretando o nosso modo de ser no mundo.
E o nosso modo de ser no mundo corresponde à corporeidade humana.
145
A estrutura geral e fundamental do fenômeno corporeidade humana poderia ser dita
como sendo representada pelas experiências das pessoas, pelo seu mundo-vida que evidencia
sua existência.
Aproprio-me das palavras de Santin (2001), quando salienta que o homem, através de
seus movimentos, expressa suas manifestações da alma, ou seja, seus mais puros sentimentos
que envolvem a alegria, o medo, o amor, entre os outros, descobrindo como o corpo é sensível
e possui uma linguagem própria, desvelada pelos gestos, a qual possibilita um elo de
comunicação com o mundo .
O uso das expressões do corpo é aprendida de acordo com o ambiente em que estas
desenvolvem-se e como a pessoa inter-relaciona-se com o mundo. Então, estas expressões
percebidas, encontram receptividade nas transmissões e nas captações das informações do
meio em que vivem e, os movimentos corporais dos indivíduos acontecem de forma natural,
espontânea, estabelecendo-se um elo de ligação com a sensibilidade.
Nesta pesquisa, pude averiguar através dos memoriais finais aspectos importantes
sobre a expressão do corpo e sobre a importância da percepção corporal para o entendimento
da corporeidade destes participantes. Assim, coloco na íntegra dois deles:
“ - Através desta pesquisa pude refletir sobre meu corpo. Passei a ver ele como um
todo, não só corpo que anda ou faz exercício, mas um corpo que fala. Um corpo que diz tudo
ou até esconde alguma coisa. Comecei a sentir e a ver o meu corpo de forma diferente. Notei
que aquele corpo que eu sinto, não é bem o corpo que eu tenho. Com as filmagens vi que meu
corpo tem um certo rítmo, uma certa coordenação, ao contrário do que eu pensava. Acho
necessário que sejam realizados trabalhos, atividades para fazer com que todos sintam seu
146
corpo, valorizem seu corpo, passando a ver o corpo como uma totalidade e não só um corpo
que necessita de ar, comida e movimento”. (Glória 24 anos III semestre 15/01/2004)
“ - Uma boa conseqüência desse trabalho foi fazer com que nós pensássemos em algo
que estava esquecido: o corpo. Foi difícil sem um espelho para ficarmos corrigindo
automaticamente, porém, foi exatamente isso que fez com que pensássemos mais “com” o
corpo e não “no” corpo. E com as fitas verificamos se era daquele jeito que pensávamos
estar apresentando para os outros. Para mim foi difícil conseguir aceitar como é o meu corpo
e dentro do possível (p.ex: mudando a maneira de apresentá-lo e senti-lo) tentei gostar mais
dele, descobrindo o que ele tinha de real valor”. (Cristina, 25 anos, VI semestre,15/01/2004)
Achei relevante também, numa entrevista final, o relato de uma acadêmica falando
sobre seu corpo:
“ - Eu tô agora com meu corpo no meio da sociedade. Antes, eu acho que tava com
meu pensamento. E as pessoas[...]claro, eu não falo com Deus e o mundo, né? Eu não
saio por aí falando: Ai! Olha só, isso assim ou assado. Então eu tô começando a passar
pelas pessoas na rua com outra postura. Tipo assim, ó: eu sou a pessoa que sou,
entendeu? Eu gosto da pessoa que sou. Claro, tenho defeitos. Eu tô evoluindo. Ma eu acho
que eu já[...] o que eu passei até hoje assim,[...] dá prá eu sentir uma pessoa que teve e
tem uma bagagem e o corpo mostra isto, sabe? Eu tenho uma vivência, uma vida[...]”
( Carmem, 24 anos, V semestre)
O homem é um ser que tem a capacidade de sentir, mudar e transformar. Tem a
capacidade de perceber, compreender, aprender e apreender, agir e possui uma corporeidade.
A corporeidade humana, metaforizando, constitui-se em um nó de significados vivos.
Poderia também comentar sobre o dinamismo do mundo, referindo-me ao corpo
humano e à sua inerente corporeidade. Nada é estável no indivíduo, quer se trate de suas
estruturas antômicas ou fisiológicas, seus valores, suas crenças, suas experiências. Tudo
acontece por uma sucessão ininterrupta de vivências com significados capazes de modificar
147
formas de pensar, falar e agir corporalmente. O ser humano mostra-se sucetível, aos efeitos de
estímulos externos e internos que vão possibilitando seu viver, deixando as marcas do que
experienciou e vivenciou , delineando sua identidade através de um processo lento, paciente,
delicado e pessoal.
Ao falar da corporeidade humana, Merleau-Ponty, diz de uma corporeidade movente,
falante e que sente. Escreve de maneira eloqüente, referindo-se à capacidade de sentir do ser
humano e à sua propriedade de sensibilidade, desta forma:
Meu corpo é o lugar ou melhor, a atualidade mesma do fenômeno da expressão, nele a
experiência visual e a experiência auditiva, por exemplo, impregnadas uma da outra e seu va-
lor expressivo funda a unidade antepredicativa do mundo percebido, e, por ele a expressão verbal
e a significação intelectual. Meu corpo é a tessitura comum de todos os objetos e ele é, pelo me-
nos em relação ao mundo percebido, o instrumento geral de minha compreensão (1945, p.271/272).
Nesta compreensão da sensibilidade e da corporeidade humana, estão situadas as
experiências cotidianas que auxiliam o indivíduo a constituir sua identidade. Experiências,
estas, que conduzem às vivências que o auxiliam a construir a dimensão do que lhe é
significativo. Tornar-se sensível precisa de cuidados constantes. Precisa de aclimatações e de
alimentações.
Neste contexto, seria conveniente salientar a importância da percepção do corpo como
forma de entendimento do ser humano e enfatizar a capacidade que possuímos de
transformar-mo-nos, através de experiências que realmente nos são significativas. Para isto,
seria necessário perceber que a fala silenciosa da corporeidade ecoa no cotidiano de cada um.
Que haja um aproveitamento maior do número de dados palpáveis que consentem o perceber
e valorizar a beleza e a sabedoria da singularidade de nosso corpo.
148
No intuito de continuar trilhando pelos arquivos das mensagens corporais, procurando
o entendimento da corporeidade humana, através da percepção do corpo, por meio da
Ginástica Rítmica, dou seguimento a este texto, entrando em outro capítulo que identifiquei
como, Corpo: uma construção plural em benefício do singular.
3. 4 Corpo: uma construção plural em benefício do singular
Através do corpo, como construção plural em benefício do singular, desejo significar
as relações que efetuamos com o meio que nos cerca, que percebemos, intencionalizamos e
vivemos, originando, daí, nossa maneira de ser.
Tudo que sabemos do mundo, sabemos a partir da perspectiva própria pela qual ele é
vivido. Como diz Dantas “o corpo sistema de potencialidades motrizes e perspectivas, é um
conjunto de significações vividas” (2001, p.180). Somos comprometidos com atividades
concretas, subjetivas, históricas, culturais onde as semelhanças estruturais e as faculdades
como o sentir, o perceber, o pensar, o agir, a memória e a experiência determinam um saber
prático. Este saber é singular. Porém, advém de um conhecimento que nos é proporcionado
por um plural. Plural este, estabelecido pelas relações de sentido que realizamos e que
certamente produzem este conhecimento.
O cultivo deste conhecimento vai perpassando através das experiências individuais,
compondo a bagagem personalizada de cada um por meio do estabelecimento de uma teia de
relações, tecida criativamente.
149
Fazendo uma analogia, poderia dizer que este estudo também assim está se
constituindo. Vai sendo elaborado sob o olhar das relações e do conhecimento trazido por
todos, que de uma forma ou de outra , vêm participando dele.
Durante a análise dos dados recolhidos para esta investigação, fui percebendo esta teia
relacional e intencional que se estabelecia, formando novos caminhos, conduzindo para
novos aprendizados. As vivências corporais, carregadas de significados, de certa maneira iam
auxiliando cada integrante a envolver-se com novas formas de pensar, falar e agir com o
corpo. E, este volume de informações captadas, a partir de cada um e para o todo, estava
colaborando para o singular individual.
As informações às quais me refiro estão relacionadas com o grupo de acadêmicos
participantes desta pesquisa, que durante um tempo, num espaço e com um objetivo, cursou a
disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos.
A partir deste dado, situo neste capítulo as contribuições que a Ginastica Rítmica
proporcionou ao grupo, analisando, para isto, as características próprias da disciplina, a
relação com a percepção do corpo e os subsídios trazidos para o entendimento da
corporeidade, baseada nos depoimentos destes acadêmicos colhidos pelas ferramentas
utilizadas para esta pesquisa.
A Ginástica Rítmica em si incorpora uma gama de qualidades pertinentes ao trabalho
corporal. Inclui, a versatilidade, o ritmo, os pequenos aparelhos, a expressividade, o
sentimento, o desempenho físico, que desenham um contexto motivacional, estimulador da
150
criatividade, do lúdico, dando dimensão ao gesto, levando o participante a uma
experimentação do seu corpo e a uma integração maior com o mesmo.
Ao pensar em como estruturar esta parte do texto, voltei meu pensamento às crianças.
Sempre que penso nelas, encontro-me com o espontâneo, o criativo, o imaginário. Assim,
minha mente chega ao princípio da Ginástica Rítmica, que embora tenha surgido de um
movimento renovador, trouxe do lúdico infantil sua ferramenta de trabalho: seus aparelhos.
Certamente, hoje, como modalidade instituída, cada aparelho é possuidor de uma técnica
implementada e implantada. São regimentados em normas e leis, mas cada um deles foi
trazido, sim, pela observação feita das crianças que criavam, brincavam e imaginavam,
através deles.
Então, passo a falar sobre a influência do lúdico, que vem de Ludus, em latim, que em
seu sentido original significa divertir-se e que por ser, também, uma das características dessa
modalidade, esteve presente em minhas observações e nos depoimentos dos acadêmicos.
Concordo com Santin, em falando do lúdico, quando diz:
É possível identificar determinados elementos que nos dão a compreensão da atividade lúdica.
Não se pode dizer que há uma atividade lúdica, pois não são as atividades, mas os valores vividos e
realizados por aquele que brinca que torna lúdica uma ação (2001, p.24).
Ao observar as aulas de Ginástica Rítmica Fundamentos, deparei-me com este
elemento, a ludicidade, como forma de aprendizagem e de momentos vividos com
significação. Nos memoriais descritivos encontrei alusões a este aspecto que, para os
151
acadêmicos, foi de relevante importância. Citarei alguns, extraídos de tempos diferentes desta
pesquisa:
O acadêmico Mogar, 24 anos, VIII semestre, dia 13/10/2003, manifesta sua
participação em aula da seguinte maneira:
“ - O grande destaque que dou para a aula de hoje foi a descontração. Pois nesta
aula aprendemos exercícios mais complexos que os anteriores e era necessário uma aula
alegre. Na minha opinião só foi possível de “realizar” tais exercícios quando meu corpo
estava preparado para isto, ao contrário do que seria em uma aula com atividades impostas
de maneira forçada e obrigada”.
Victor, 21 anos, VII semestre, dia 08/12/03, em seu memorial descreve sua
experiência da seguinte maneira:
“ - Na aula em que foi trabalhado o aparelho fita, foi muito alegre e divertida. Foi
muito motivante no momento em que tornou-se desafiadora a atividade, exigindo novas
habilidades nunca antes estimuladas e desenvolvidas”.
Marisa, 20 anos, IV semestre, dia 05/11/2003, em seu memorial descritivo, fala como se
sentiu em aula:
“ - Hoje a aula foi de seqüências coreográficas, que é meu chão. Me diverti bastante.
Até na horinha do futebol foi divertido. Como a bola é super leve, todo mundo levou na
brincadeira, que é como eu gosto. Não gosto de jogar competindo. Foi super engraçado,
adorei”.
Esta dimensão vivenciada de diversão, enquanto uma realização da atividade física,
passa pelos recursos utilizados na própria atividade, provocando novas identidades, imagens,
152
representações, significados, assumindo uma função de troca de experiência entre o grupo,
integração e aprendizado.
Em minhas notas de campo registrei muitos momentos onde as atividades foram
lançadas, dando ênfase ao lúdico. Sempre que isto acontecia, o grupo respondia rapidamente e
integrava-se. Citarei uma das observações que achei interessante, até por envolver a própria
docente. Foi feita a apresentação do aparelho arco pela mesma, que iniciou a aula com uma
tarefa competitiva, onde duas colunas disputavam em velocidade este aparelho. Os ânimos
crescem quando há uma disputa e, principalmente, quando a “professora” participa.
“ - Ganhamos! Ganhamos! O grupo vencedor gritava e pulava[...]
- O lado da “prof.” sempre ganha[...] ( responde alguém do grupo contrário)
- Ganhamos de novo!
- Isto não vale, é carta marcada, a “prof.” tá junto[...]”.
Não restam dúvidas de que o fenômeno do lúdico pode ser observado sob diversos
aspectos. Mas aqui refiro-me à integração entre os participantes da pesquisa e seus
aprendizados, através da sensibilidade, da alegria e da imaginação. E, se o aprendizado
efetua-se decorrente dos estímulos do meio, é imperativo que se busque subsídios para que
este aconteça de forma variada e, no mínimo, interessante. Que mais motivador para um
aprendizado do que realizá-lo de forma brincada e prazeirosa? “A vivência do ato de brincar
se traduz em alegria” diz, Santin (2001, p.27). O adulto, por estar cercado por regras e
princípios que controlam o seu poder criativo, muitas vezes esquece do seu poder imaginário.
Mas o aprendizado também dá-se pela liberdade de ser, de brincar e de criar.
153
Ao falar criar, falo de inventar, de originar, de produzir, de suscitar gestos, de
movimentos, de linguagem corporal e de simbolizar. O mesmo autor ainda afirma que “o ser
humano é o único ser vivo dotado da capacidade de simbolizar” (2001, p.25). E este
simbolizar seria a aptidão inerente aos humanos de atribuir alguma coisa a outra, da qual não
faz parte. Este poder de simbolizar só torna-se possível graças a outra capacidade do homem
que é a criatividade. E a preservação desta capacidade criativa é fundamental para o
desenvolvimento das potencialidades humanas, dando-lhe fecundidade e proporcionando o
andar da humanidade.
Seria impossível dar continuidade a este texto sem fazer uma parada na criatividade,
uma vez que falo do entendimento da corporeidade humana a partir da percepção corporal
através da Ginástica Rítmica, que possui como um de seus alicerces o fomento à criatividade.
Como fala Gaiarsa,
É impossível ensinar a criatividade. Só se ensina o conhecido, e a criatividade é o desconheci-
do. Mas podemos facilitá-la libertando os movimentos corporais. As estereotipias sociais uni-
formizantes se afrouxam e a criatividade surge naturalmente. Estar vivo é estar crescendo. O que cres-
ce se faz diferente do que era a cada período. Crescer e recriar-se são sinônimos. São uma só coisa,
também crescer e individualizar-se – desde que a educação e as circunstâncias não pressionem
demais, obrigando o indivíduo a se repetir, a imitar (2001, p.127).
Em minhas observações aos participantes desta pesquisa, pude verificar com sucesso o
que o autor citado acima menciona. Enfatizo neste momento a importância do desconhecido
em busca de algo significativo. A Ginástica Rítmica através dos seus aparelhos manuais incita
este aspecto, sem deixar dúvidas. Falo de um dos seus aparelhos. Por exemplo, a fita. Material
flexível, com seis metros de comprimento, preso a um estilete que lhe possibilita o manejo,
154
colorida, apresentando uma grande plasticidade, funda em qualquer um que a manuseie, tratos
à criatividade. Isto não poderia ter deixado de acontecer com os acadêmicos em questão. A
implantação de um aparelho novo em qualquer grupo de alunos é feita através da
experienciação do mesmo. Isto constitui momentos incríveis de criatividade. Vê-se a
liberdade estampada em cada um, a alegria contagiosa do grupo, bem como, a manifestação
corporal através do gesto e da linguagem. Assim também aconteceu com este grupo. Passo a
expor declarações feitas pelos participantes através das notas de campo, da filmagem dos
memoriais descritivos e das entrevistas.
Em minhas notas de campo observei que, mal a docente acabou de dar as explicações
sobre a fita, cada um escolheu a sua e ocupou o ginásio em grandes deslocamentos.
Transbordando alegria, procuravam retirar do aparelho as mais variadas formas de manejo e,
para isto, logicamente, utilizavam do seu corpo. Este corpo tornava-se maleável, descontraído,
aquecido, simbólico. Os rapazes, de início, trocavam os comentários sobre a feminilidade da
fita, mas nunca deixavam de brincar com a mesma. Quando um deles criava algo diferente
dos demais havia comentários do tipo – “Olha que liiindo...” “ olha o charme....” “ vais para
a RBS...” “ esta fita foi feita só prá nós.. tem uma leveeeza.... uma graaaça...” e o corpo todo
expressava-se de acordo com a brincadeira que fazia. Quanto às garotas, “donas da
feminilidade”, cresciam em suas imagens corporais, tornando-se cada vez mais delicadas com
seus gestos, aperfeiçoando o manejo com o aparelho. Isto instituía em seus corpos a busca
pelo lúdico e pela própria criatividade.
Fazia parte dos objetivos da disciplina uma parte relacionada exclusivamente à
criatividade. Divididos em grupos deveriam, ao final de cada unidade, ou seja, após o
155
trabalho com cada aparelho, criar uma seqüência coreográfica utilizando o mesmo, dispondo
dos exercícios ministrados em aula, mas realizados de formas diferentes. Isto proporcionou
momentos fantásticos de trabalho corporal, de criatividade e de integração grupal. Passo a
colocar alguns depoimentos, ilustrando esta parte que distingue a criatividade.
Carmem, 24 anos, V semestre, fala sobre o assunto, em seu memorial do dia
07/01/2003.
“ - Hoje a aula foi para o ensaio da nossa coreografia, e foi muito legal. Utilizamos
muito a nossa criatividade, e isto está estimulando todo o grupo”.
Cristina, 25anos, VI semestre, em seu memorial dia 01/10/2003 diz:
“ - Nas aulas de GR temos que ter muita criatividade, espontaneidade e gostar muito
de estar sempre em movimento, buscando sempre aprimorar e criar movimentos bem
diferentes e criativos, além de uma grande enturmação”.
Mariza, 20 anos, IV semestre, fala sobre seu trabalho coreográfico, no dia
05/01/2003:
“ - Hoje o único garoto do meu grupo não veio, então eu e outra menina, que também
é bailarina ficamos “viajando” sobre a coreografia. Resumindo, ficamos pensando em todos
os elementos que poderíamos usar. Soltamos a imaginação e o corpo, foi muito bom. Até
esquecemos que o nosso colega, que não vai conseguir fazer o que inventamos. Mas a gente
modifica para ele, tudo bem. O fato é que me senti muito solta. Até fui pular na cama
elástica!.. Estava realmente brincando com meu corpo”.
Victor, 21 anos, VII semestre, em 12/01/2003, diz de sua participação no trabalho
criativo:
156
“ - Foi excelente hoje, pois pude explorar minha criatividade e gestos motores
possíveis com intuito de enriquecer a coreografia de arco”.
Mogar, 24 anos, VIII semestre, em 12/11/2003, comenta seu sentir na aula, através de
seu memorial descritivo:
“ - Nesta aula me senti tranquilo ao realizar os movimentos, pois não encontrei muita
dificuldade nos exercícios. É bastante interessante também, o espaço que a professora
proporciona para criarmos movimentos, pois assim, eu consigo adequar o elemento da GR a
gestos que eu me sinto seguro e tenho qualidade de realizar”.
Acho válida esta proposta da Ginástica Rítmica de proporcionar momentos de
liberdade criativa, estimulando o acadêmico a buscar e criar sua própria expressão. O
desconhecido vai tornando-se conhecido através da criação individual, que se apresenta num
sem fim de possibilidades.
Gonçalvez, quando fala sobre as possibilidades que o corpo possui de criar e
significar, diz:
Em cada movimento corporal, o novo é criado. O movimento corporal nunca se repete, pois é
uma situação nunca é a mesma como também não é o homem. Ser capaz de captar o novo em cada si-
tuação, isto é, de atribuir novos significados e de agir criando o novo em si próprio, parece ser a es-
sência da criatividade. A criatividade tem sua raíz no “corpo próprio” e está no cerne de toda transfor-
mação (2002, p.153).
Então, torna-se importante que os acadêmicos formem seus próprios significados a
partir do desenvolvimento de sua criatividade. Para isto, faz-se necessário proporcionar
157
situações que possam colaborar neste desenvolvimento, contribuindo assim para que o não
sabido, o diferente e o original, sejam criados.
Considerando, ainda, o fato da criatividade como fenômeno humano estimulado dentro
da Ginástica Rítmica, devo também ponderar que um fator de importância é a utilização dos
aparelhos como forma motivadora do aprendizado.
Estes aparelhos mencionados anteriormente, já como elemento motivacional, possuem
também algumas características que movimentam a intencionalidade humana, aumentam a
efetividade do desempenho da ação corporal, estimulam a expressão do movimento,
favorecem a descontração e, num sentido mais terapêutico, liberam as tensões internas. Como
diz Crause (1985),” é mais fácil e fascinante saltar uma corda muitas vezes, visto que a
ginasta se esquece do esforço quando sua atenção está voltada para o aparelho”.
Em suas falas os acadêmicos deram ênfase às suas identificações ou às dificuldades
encontradas ao utilizarem um ou outro aparelho.
Em seu memorial descritivo dia 10/11/2003, Paulo, 29 anos, I semestre, fala do arco;
“ - A aula hoje foi muito interessante pois o arco é um aparelho bem diferente com o
qual, os homens principalmente, não têm muita vivência”.
Carmem, 24 anos, V semestre, falando da corda dia 15/10/2003, em seu memorial
descritivo diz:
158
“ - Adorei hoje trabalhar com a corda! Aprendi várias maneiras diferentes de pular
que eu nunca havia feito na minha vida! Para minha primeira vez até que não fui um fracasso
total, isso me fez ficar feliz comigo. Claro que estou um pouco machucada (por causa dos
erros com a corda) mas mesmo assim, a aula foi muito divertida, o que não é novidade nos
últimos dias”.
Renato, 17 anos, I semestre, ao falar das maças, refere-se ao seu desempenho da
seguinte forma, na aula do dia 17/11/2003:
“ - Percebi facilidade ao lidar com o aparelho maça, pois não exige muito equilíbrio e
coordenação do mesmo. Além disso, por ter movimentos mais soltos, me senti mais a vontade
em lidar com o mesmo.
A utilização dos aparelhos da Ginástica Rítmica também permite ao indivíduo o
desenvolvimento do controle visual, da coerência perceptiva, relacionando tamanho, tipo de
objeto, discriminação auditiva, capacidade de coordenação, olho-mão, olho-pé, evidenciando
o quanto é importante capacitar o ser humano em seu universo interpretativo através do saber
sobre os seus dados sensoriais, promovendo seu maior desempenho motor.
Além destes aspectos, gostaria de evidenciar, dentro do que vivenciei com o grupo
participante desta pesquisa, a questão da lateralidade exigida durante a utilização destes
aparelhos. Conseqüentemente, o uso dos mesmos exige também um trabalho motor
diversificado.
A lateralidade simboliza o movimento realizado por um lado do corpo, ou alternando
um e outro lado. Schilder (1994), ao falar sobre o uso maior de um dos lados do corpo, diz
que geralmente os seres humanos utilizam mais o lado direito de seus corpos. Este costuma
ser mais forte, mais adestrado e, além disso, há de alguma maneira, um tendência fisiológica
159
nas pessoas de negligenciar o lado esquerdo. Para Fonseca (1995), a lateralidade humana
respeita a progressiva especialização que resultou de funções sócio-históricas da motricidade
laboral e da linguagem dos dois hemisférios cerebrais. Para Cauduro (2002), a lateralidade,
como resultado da integração bilateral postural do corpo, é peculiar ao ser humano. A autora
relaciona a lateralidade com a evolução humana através da utilização de instrumentos, isto é,
com as integrações sensoriais mais complexas e com as aquisições motoras especializadas,
unilaterais de origem social.
O ser humano em geral possui uma preferência por um dos lados do corpo,
coordenando seus membros para tarefas motoras. Como para a Ginástica Rítmica essa
dominância se apresenta não só em relação à manipulação dos aparelhos, mas no trabalho de
flexibilidade, nos saltos e nos giros sobre um pé e outro, torna-se indispensável e significativa
a eqüivalência de ambos os lados para um trabalho em harmonia.
Soares, em seu estudo sobre lateralidade e atividade esportiva explica:
O exercício de uma conduta motora diversificada e fundamentada na eficiência gestual, parece
inclinar o indivíduo a harmonizar sua lateralidade funcional, coordenando e especializando as interven-
ções dinâmicas dos diferentes segmentos motores (1981, p.70).
Desta forma, levei em consideração este aspecto, que foi sentido e explicitado pelos
participantes do grupo de pesquisa em seus depoimentos, como algo significativo para o seu
desenvolvimento corporal.
Glória, 24 anos, III semestre, comenta sua aula com corda, no dia 15/10/2003, assim:
160
“ - A aula hoje foi maravilhosa. Me senti muito bem. Jamais pensei que pudesse fazer
tantas coisas diferentes com a corda. Vou até comprar uma para treinar. Me surpreendi com
minha lateralidade, pois consegui realizar quase tudo com os dois lados. Estou realizada com
esta aula. Me saí bem com uma coisa que jamais havia vivenciado, trabalho com corda”.
Renato, 17 anos, I semestre, em seu memorial do dia 15/10/2003, fala da corda e da
lateralidade explicando seu desempenho:
“ - Nesta aula trabalhamos com o aparelho corda. Senti alguma dificuldade em
coordenar o manuseio do mesmo. Além disto, notei a diferença que o meu corpo apresenta
em relação aos lados direito e esquerdo. Encontro maior dificuldade com o lado esquerdo”.
Estas relações que se estabelecem entre o sujeito e o objeto, no caso os acadêmicos e
os aparelhos da Ginástica Rítmica, referem-se aos conceitos direcionais do indivíduo, à
percepção que possuem do seu corpo, à atenção que colocam sobre o mesmo, aos desenhos
que ele projeta no espaço e às relações que estabelecem uns com os outros. Então, vai se
elaborando uma construção plural em benefício do singular.
Quando desenhamos uma idéia de corpo como centro e ao mesmo tempo início de
uma organização perceptiva, o designamos como um espaço privilegiado, percebido ao
mesmo tempo do interior e do exterior. Dou continuidade à construção deste texto dando
ênfase ao trabalho da Ginástica Rítmica no sentido do entendimento da corporeidade dos
acadêmicos em questão, sob o olhar da flexibilidade.
Qualidade física, esta, muito exigida nesta modalidade quando se trata de competição
e não evidenciada quando de um trabalho criativo, pedagógico, perceptivo em uma escola
para professores. Assim eu vejo a flexibilidade inserida neste contexto. Embora nas aulas
161
teóricas, das quais não participei, tenha sido conversado sobre as qualidades físicas inerentes à
esta modalidade esportiva, em momento algum foi exigido dos acadêmicos uma performance
da mesma. No entanto, todos tinham convicção da sua importância dentro de um
envolvimento competitivo. Situo este item por ter chamado-me a atenção, o foco dado pelos
acadêmicos ao referirem-se ao corpo com ou sem flexibilidade ou até aos seus progressos
devido aos exercícios realizados nas aulas.
Particularmente, sabemos que é muito importante para uma ginasta ser flexível.
Constitui até um caminho diferenciador entre uma e outra ginasta. A amplitude dos
movimentos, a mobilidade máxima de cada articulação constitui uma exigência da
modalidade.
Nas minhas notas de campo observei a preocupação do grupo em relação à
flexibilidade, comparando-se uns com os outros, expressando-se corporalmente durante os
exercícios que exigiam, de certa forma, mobilidade maior com as articulações escápulo-
umeral, coxo femural e a própria coluna vertebral. Esta preocupação posso descrever e
interpretar como uma insuficiência de experiências corporais com este tipo de exercícios que
envolvem a flexibilidade. No entanto, com o tempo de trabalho, foram tornando-se parte do
seu cotidiano e passaram a constatar seus progressos. Aprenderam a fazer uso de suas
experiências corporais, de acordo com o momento que estavam vivenciando, como pessoas
que se inter-relacionam com o mundo.
Estas relações estabelecidas entre os aparelhos, a lateralidade, a flexibilidade, a
criatividade, o lúdico, por parte do grupo de participantes deste estudo, imprimiam um ritmo
162
único e ao mesmo tempo ímpar a esta pesquisa. Tudo tinha movimento, dinamismo, ritmo.
Um ritmo que ainda agora, ao escrever este texto, sinto-o vivo, significando ainda estar dentro
da prática daqueles dias de contato e observação. Um grande interesse pela expressão através
do movimento, um fascínio pelas possibilidades que a Ginástica Rítmica oferece, a
necessidade de um aprofundamento maior sobre a corporeidade humana, também imprimiam-
me um ritmo. Então, cheguei à conclusão de que o ritmo também é intencional. Tão
intencional quanto a intencionalidade humana que movimenta o pensar, o falar e o agir.
Encontrei em Moreira, uma relação entre a percepção e o ritmo que trago como
subsídio para este trabalho:
Se sou primordialmente percepção, e se a via de acesso da percepção é o espaço e o tempo,
é vivendo, experimentando a espacialidade através do meu corpo que percebo o mundo. Num estado de
alerta para o mundo situo-me no espaço e no tempo, é sendo que posso perceber. Não percebo a per-
cepção do outro, mas a revelação da sua percepção. Portanto, quando busco conhecer a percepção do
ritmo que a criança tem, só posso perceber o ritmo revelado em suas manifestações corporais (1995,
p.60).
Através do ritmo há comunicação, uma linguagem que nasce do contato com este
grupo de pesquisa por meio de seus corpos, dos seus saberes, dos seus olhares, das suas
significações, das nossas intenções. Um plural beneficiando a constituição do singular.
A fluência deste ritmo humano com todas as suas implicações, estendia-se por um
tempo e por um espaço, através de um movimento balanceado, de um lançamento de bola, de
uma trabalho criativo, de uma música para a coreografia, transformando-se em sensibilidades
que davam forma à corporeidade humana.
163
Relato algumas falas deste grupo, falando de suas experiências.
Pedro, 30 anos, VII semestre, fala sobre movimento e música, no dia 13/10/2003:
“ - Na aula de hoje a interação dos movimentos com a música de um uma nova
perspectiva da coordenação dos movimentos, nos obrigando a seguir um tempo pré-
determinado. Aos poucos os movimentos foram ficando mais soltos”.
Celina, 26 anos, IV semestre, em seu memorial descritivo do dia 05/11/2003 diz:
“ - Fazia um bom tempo que eu não fazia uma atividade rítmica, por não ter vindo a
aula, mesmo assim, me senti muito bem”.
Fernando, 24 anos, IX semestre, em seu memorial fala assim, dia 13/10/2003:
“ - Notei que a introdução da música, a aula ficou mais interessante[...]”
Mas, além da utilização da música como motivação, o próprio trabalho em si, tanto
proporcionado pela disciplina mas, e principalmente, pela interação do grupo que
possibilitava a cada vivência munir-se de significados, iam imprimindo um ritmo,
constituindo a individualidade de cada participante. Seus depoimentos foram bem claros neste
sentido quando se expressavam:
Mogar, 24 anos, VIII semestre, 15/01/2004:
“ - Ao longo do semestre, participei de várias vivências onde realizei diferentes
movimentos corporais e manejei diferentes aparelhos. Eu observo que tive uma certa
evolução, pois hoje realizo movimentos combinados com materiais que antes eu não
realizava. Aprendi que participar de uma aula de GR não é uma tarefa fácil, mas a
insistência e a constante prática leva a perfeição do gesto. Hoje me sinto mais à vontade e
mais seguro em participar e me submeter à diferentes práticas corporais”.
164
Victor, 21 anos, VII semestre, 15/01/2004:
“ - A cadeira,( refere-se a disciplina de Ginástica Rítmica) me surpreendeu. Foi muito
melhor do que eu esperava. Rompi algumas barreiras corporais e também pude acabar
com o preconceito de que GR era coisa de mulher. Acabo o semestre satisfeito, pois me
diverti muito e pude desfrutar de diversas sensações e movimentos corporais até então
desconhecidos para mim. Percebi que meu corpo pode muito mais do que eu imaginava e
fiquei instigado a conhecer melhor o meu corpo e do que ele é capaz. Encerro as atividades
contente e com um imensa sensação de bem estar. Acredito que a professora e colegas
colaboraram, muito para que isto pudesse acontecer”.
Pedro, 30 anos, VII semestre, 05/01/2004
“ - Foi de muito proveito a cadeira de Ginástica Rítmica. A todo momento fui posto à
prova. Não me senti em nenhum momento coagido, mas às vezes constrangido. Ao ver as
fitas das aulas constatei definitivamente que a minha intenção e a minha ação não
coincidem. Percebo hoje que nem tudo que eu acho dos meus gestos, são o que realizei de
fato. Muitos foram os ensinamentos, no decorrer do semestre, mas, prá mim, o melhor de
todos foi perceber que eu posso ser eu mesmo, exatamente do jeito que eu sou. Se não sirvo
para Ginástica Rítmica, paciência. Certamente haverá uma possibilidade de desenvolver um
belo trabalho, pois felizmente a Educação Física é um campo muito vasto que abre muitas
possibilidades. Viva as diferenças, viva os aprendizados e viva as possibilidades que surgem
em nossas vidas. Certamente a Ginástica Rítmica é uma delas”.
Carmello, falando do corpo em movimento, ilustra os depoimentos acima quando
expressa:
Uma prática corporal prazerosa permite criar condições para um melhor conhecimento de si,
que conseqüentemente causará influência em suas atitudes e em sua maneira de se posicionar. Permite
ainda que as pessoas se desinibam, sintam uma liberdade interior, experimentem um melhor estado de
espírito e uma sensação agradável no corpo (2004, p.53).
Então, o investimento através dos exercícios que a Ginástica Rítmica proporciona ao
acadêmico, no sentido de colaborar com o entendimento de sua corporeidade, encontra
suporte em Santin, quando afirma que: “Os exercícios chamados físicos, não são
simplesmente físicos, mas são exercícios humanos”(1987, p.63). Porque não estão situados
165
somente na esfera do físico, mas envolvem, como os participantes acima citaram, uma
multiplicidade de sentires, novas maneiras de pensar, de ver e até de falar sobre seus corpos.
Uma acadêmica em sua entrevista final diz:
“ - Eu não sabia ainda que eu não tinha me percebido. E do início do semestre acho
que melhorou cem por cento. Eu não tinha consciência que eu tinha que prestá atenção em
mim mais”.( Celina, 26 anos, IV semestre)
Com uma vivência nova, as experiências tornaram-se maiores. O foco de atenção ao
corpo também aumentou, permitindo a capacidade de percepção sobre si.
Todos os momentos que envolveram este estudo, durante as aulas que observei,
revelaram pontos importantes no tocante ao pensar, falar e agir com o corpo deste grupo de
participantes. Confirmo as palavras de Moreira, quando diz:
O relacionamento com a vida e com os outros corpos dá-se pela comunicação e pela linguagem
que o corpo é e possui. Essa é a minha existência, na qual tenho consciência do meu eu no tempo e no
espaço. O corpo, ao expressar seu ser sensível, torna-se veículo e meio de comunicação com o mundo,
onde todas as manifestações desencadeadas levam o homem a desvendar-se por inteiro, revelando-o
como um ser - no - mundo (1995, p.88).
O que diferencia o ser humano é o seu sentimento. Diferente de uma máquina que
trabalha com as peças engrenadas ou encostadas umas às outras, estabelecendo uma ação
mecânica, o ser humano possui uma relação de sentimento. Tudo no organismo funciona num
sistema de comunicação solidária. Como diz Luhmann, “a sociedade não é composta de seres
humanos, mas de comunicações” (1990, p.27), referindo-se à organização da trama da
corporeidade.
166
Estas reflexões, incorporadas a este trabalho de pesquisa, fizeram-me recorrer às
falas dos participantes quando de suas entrevistas finais. A multiplicidade e a diversidade
destes corpos envolvidos neste trabalho, cada um com seus sistemas de comunicação, iam
dando concretude às minhas indagações sobre o pensar, o falar e o agir com seus corpos e as
relações que estabeleciam com os mesmos. Uma vez situados num contexto, o pensar, o falar
e o agir estariam ali inseridos constituindo um horizonte, um campo de possibilidades onde as
experiências deste grupo estavam sendo frutificadas. Questionados sobre a importância da
equivalência do pensar, falar e agir com seu corpo e se isto era significativo para eles, cito
algumas falas.
“ - É meio difícil, quando a gente começa a pará prá pensá no próprio corpo, todo
mundo usa, todo mundo sabe o que é, mas pará prá pensá e prá falá sobre o corpo é bastante
difícil”. ( Guilherme, 23 anos, V semestre)
“ - Não, ainda não mas[...] é um objetivo meu entre outros que eu tenho voltados para
a Educação Física. Eu acho que tem que ter, porque tu é uma pessoa formadora de opinião, e
eu acho que qualquer área que tu trabalhe, e tu tem um discurso que não condiz com teu jeito
de ser, perde o crédito. Eu acho que eu não tenho que ser nada, agora, eu tenho que condizê
com aquilo que eu estou falando. Não acho que eu tenha que estar dentro de uma caixinha,
eu tenho que ser assim – eu sou o que sou. Tenho que tê sintonia entre o que eu penso, o que
eu falo e o que eu faço”. ( Pedro, 30 anos, VII semestre)
“ - Muitas vezes não. Tu imagina que estás fazendo uma coisa e fazes outra. Vi isto na
filmagem. Também tem aquilo né, tu pensa uma coisa e diz outra porque tá na frente de
alguém , do colega, do professor, mas daí[...] Mas uma coisa foi legal neste semestre, posso
dizer[...] meu[...] meu corpo tá com maiores vivências. Acho que experimentou coisas novas
que nunca tinha experimentado, que eu vi aqui na GR, que é o manuseio com os aparelhos,
coisa assim, acho que[...]é experiência, como uma bagagem maior, eu acho. Uma bagagem
corporal maior. Acho que até[...] involuntariamente, acho que o corpo acaba sendo um
comunicador.” ( Celina, 26 anos, IV semestre)
167
Considerando o pensar como uma propriedade constitutiva do homem, como o falar e
o agir também o são, poderia até ponderar que se trata de um processo natural e por isto torna-
se idêntico. Por exemplo, eu falo e ajo de acordo com o meu pensamento, ou a fala é
exatamente a expressão do meu pensamento ou, ainda, a minha ação corresponde ao meu
pensamento. Porém, nem sempre o é. No caso deste estudo, verifiquei que onze, dos doze
acadêmicos participantes, concluíram que o seu pensar não correspondia ao seu falar e ao seu
agir corporalmente. Ao mesmo tempo, expressaram que se colocassem mais atenção nas suas
falas corporais, permitindo-se perceber mais, escutar mais, vivenciar mais o seu corpo,
conseguiriam elaborar uma boa relação entre o pensar, falar e agir com seu corpo, aspecto
que consideram essencial para o seu cotidiano.
Como diz Gonçalves,
O mundo tem existência concreta e as coisas do mundo, em um certo sentido, existem indepen-
dentemente de nossa consciência delas. Assim como homem, o mundo, em sua natureza dialética, é
ambíguo, sendo, ao mesmo tempo que objetivo, também marcado pela subjetividade, pelos significados
que são atribuídos às coisas pelos homens, por meio de sua ação (2002, p.77).
Então, o trabalho corporal possui uma realidade objetiva. Posso realizar uma
determinada atividade com o corpo de muitas maneiras. Em se tratando da Ginástica Rítmica,
temos conhecimento de que esta apresenta suas características, bem como, suas
peculiaridades. Mas, as relações feitas com este tipo de trabalho só terão significado no
momento em que for colocada a devida atenção ao mesmo e vivencie-se essas relações,
dando-lhes um sentido. Aí, temos a natureza subjetiva. Ainda, como explica Gonçalves
(1994), o indivíduo orienta suas ações não em relação à realidade objetiva, mas de acordo
com a percepção que ele possui da situação, dos significados subjetivos e intersubjetivos
168
atribuídos ao que ele pousa sua atenção. As vivências autênticas corporais, onde o acadêmico
elabora seus próprios significados, sentindo o movimento, analisando seu próprio corpo,
elaborando expressões de linguagem que condizem com a sua percepção, são ferramentas
relevantes para que estas vivências tornem-se suas e brotem de sua interioridade. A partir
deste momento, podemos ter a equivalência entre o pensar, falar e agir corporalmente, que
evidencia o processo do conhecimento do próprio corpo.
Molina Neto, falando sobre a capacidade de escuta, não considerando somente o termo
escuta, como auditivo, diz: “só é possível dialogar com o diferente, com a atenção vigilante
gerada na capacidade de escutar os outros e a nós mesmos” (2002, p.60). Ou seja, colocando a
atenção naquilo que nos é significativo. E o mesmo autor complementa:
Estamos convictos de que através do exercício da capacidade de escuta um outro tipo de co-
nhecimento passará a integrar o conjunto de saberes e práticas dos professores de Educação Física.
O conhecimento subjetivo que emerge do significado que os diferente atores dão a sua ação quando se
comunicam nas aulas de Educação Física precisam ser explicitados e, sobretudo, escutados (2002,
p.61).
Durante o desenrolar do semestre da disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos, os
participantes desta pesquisa estiveram envolvidos com atividades diferentes das suas
costumeiras, como já havia evidenciado no início do meu texto quando disse que os mesmos
nunca haviam participado desta modalidade. Assim, foram protagonistas de experiências
distintas, prestaram atenção aos seus corpos até porque, ao final de cada aula, descreviam seus
sentires nos memoriais. Na entrevista final, um dos questionamentos versava sobre como
tinham percebido o semestre e seus corpos, ao término do mesmo. Coloco alguns
depoimentos do grupo que considerei importantes.
169
“ - Sim, claro que mudô[...]ô[...] e como[...]São coisas que eu nunca pensei em fazê e
eu hoje eu faço. Acho que tanto a parte física assim, como de cabeça, assim que eu te falei de
visualizar eu fazendo os exercícios, quando mostrava (a professora) báh[...] eu nunca vou
conseguir fazer e fazia”. ( Paulo, 29 anos, I semestre)
“ - Através desta pesquisa pude refletir sobre o meu corpo. Passei a ver ele como um
todo, não só o corpo que anda ou faz exercício, mas um corpo que fala. Um corpo que diz
tudo, ou até esconde alguma coisa. Comecei a ver e sentir o meu corpo de forma diferente.
Notei que aquele corpo que eu sinto, não é bem o corpo que eu tenho. Com as filmagens vi
que meu corpo tem um certo ritmo, uma certa coordenação, ao contrário do que eu
pensava. Acho que é necessário que sejam realizados trabalhos, atividades para fazer com
que todos sintam seu corpo, valorizem seu corpo, passando a ver o corpo com uma totalidade
e não só um corpo que necessita de ar, comida e movimento”. ( Glória, 24 anos, III semestre)
“ - Comecei a notar em outros esportes as influências motoras das aulas de Ginástica
Rítmica. E pude perceber também, melhor posicionamento do corpo no espaço, durante os
movimentos”( Guilherme, 23 anos, V semestre).
O que tornou mais significativo para mim estes depoimentos foi este despertar diante
da importância fundamental do corpo. É necessário que durante uma atividade corporal o
acadêmico sinta o movimento, pense sobre o mesmo e expresse-se através dele. Nesta
perspectiva, fica evidente que não se pode separar estas questões. Durante este trabalho obtive
estas constatações através das manifestações dos participantes. O corpo falava e o grupo
escutava. Escutava atento e suas vozes ecoavam no sentido de uma identidade corporal,
individual e única. Cada um realizando suas relações. Cada um, no todo plural, contribuindo
para o singular.
A presença do homem no mundo, e aqui falando deste grupo com o qual interagi,
deve ser vista como uma presença expressiva e falante. Não deve ser vista unicamente como
física, como uma rocha ou uma planta, mas como uma presença que possui um sentido. Um
170
sentido dotado de intencionalidade, que é gerador da coordenação de movimentos, fonte de
revelação do dinamismo nas atividades.
Falando deste sentido, desta intencionalidade e desta expressão no movimento
humano, diz Santin,
Todo o movimento humano, quando nascido do dinamismo expressivo do homem, transforma-
se em linguagem. Os gestos repetitivos deixariam de ser falantes para tornarem-se atividades maqui-
nais. É a corporeidade que se torna palavra. É o gesto que é linguagem sem possibilidade de se desvin-
cular o movimento gestual do significado, assim como é impossível separar a melodia dos sons em
uma sinfonia (1987, p.79).
Assim fui tecendo este trabalho. Buscas incessantes sobre como estes acadêmicos
lidavam com seu corpo. Como situavam seu corpo movimento em relação à sua forma de ser
no mundo, como vinculavam seu corpo ao seu modo de ser, como a Ginástica Rítmica poderia
auxiliar neste entendimento de sua corporeidade e como a percepção de seus corpos estava
acontecendo e como elaboravam as relações entre o pensar, falar e agir corporalmente.
Os dados coletados e as observações feitas levaram a vários outros questionamentos
que fogem dos objetivos e do próprio problema de pesquisa. Como disse no início deste texto,
o estudo do corpo é algo inesgotável. Mas, perdoem-me os que lerem este escrito. Vou ter que
colocar algo “um pouco fora” do que me propunha, mas “muito dentro” das minhas
preocupações como docente da área de Educação Física. Minha última pergunta da entrevista
final era a seguinte: sendo um acadêmico de Educação Física da ESEF/UFRGS que
possivelmente já está experienciando alguma atividade na área da Educação Física, como
tratas a questão corpo hoje? As respostas indicavam que havia necessidade, sim, de um
171
cuidado com o corpo e colocavam também, a importância de rever as questões sobre o mesmo
de uma forma mais ampla, mais global, não sedimentada só nas atividades propostas como
unicamente físicas, mas o corpo em sua totalidade.
Assim, fui além. Perguntei-lhes sobre a importância que pretendiam dar ao corpo,
considerando que eram um corpo e que seus alunos atuais ou futuros também eram corpos e
como pretendiam fazer esta ligação. Passo a citar seus testemunhos para depois interpretá-los.
“ - A Educação Física trabalha com corpo. Ela tem que saber o que é corpo, como
trabalhar com ele, prá depois realizar as outras atividades. Primeiro a gente entende o nosso
prá depois entender os outros”. ( Cristina, 25 anos, VI semestre)
“ - Ah, com certeza! Eu acho que antes de ...de prestá atenção em alguém se tu não
soubé o que acontece contigo mesmo, sei lá. Se tu não soubé o que o que está acontecendo
com o teu corpo, tu não pode identificá o que acontece com outra pessoa. Acho que uma
coisa tá ligada a outra. Tu tem que sabê de ti primeiro prá depois analisá alguma coisa em
outra pessoa”. ( Frenando, 24 anos, IX semestre)
“ - Báh! Com certeza. Eu acho que[...] é uma coisa muito complicada, mas é
importante. Que muitas vezes quem trabalha [...] eu trabalho com criança, trabalho com[...]
um programa da prefeitura com criança carente que é dado pelo Conselho Tutelar. Então
muitas vezes eles se expressam através do corpo. É criança que sofre abusos, é espancada
pelos pais, e eles não te falam, mas[...] tu vê nos próprios gestos deles, nas atitudes. Tu vê
aquilo ali. Acaba percebendo. Eu acho importante. Prá ti podê entendê, tem que primeiro
procurá te entendê, eu acho. O corpo é um comunicador, é sim, é sim [...] é um
comunicador”.( Paulo, 29 anos, I semestre)
“ - Olha, este semestre foi muito produtivo para mim em relação ao meu curso, pois
descobri certas habilidades que nem pensava que tinha. E também aprendi que é muito
importante notarmos as reações novas no nosso corpo quando nos é dado certas
novidades, como foi a Ginástica Rítmica. Estou fazendo também a disciplina de expressão
corporal e lá também é incentivado este precioso método de aprendizagem: o de saber o que
nosso corpo quer nos passar. Com isto acho que daqui prá frente vai ser mais fácil ajudar
os meus futuros alunos a notarem seus corpos já que aprendi a fazer isto comigo mesma
antes”. ( Carmem, 24 anos, V semestre)
172
Notei, através destes depoimentos, uma preocupação destes acadêmicos com seu corpo
e com o dos outros depois de realizada esta pesquisa. Não eram estes os meus objetivos e nem
o meu problema em questão, mas o tema corporeidade, deu uma nova dimensão ao grupo, de
acordo com todos os relatos que já ilustrei neste trabalho. Por isso, resolvi colocar uma “gota
a mais” como proposta para reflexão.
Concordo que sempre há um desafio quando nos deparamos com o inusitado. Nossas
crenças, nossos valores, nossos hábitos são questionados e torna-se difícil abandonar o
conforto das rotinas. No entanto, acredito também que uma proposta pedagógica na Educação
Física deva ser montada associada à percepção corporal, à busca do prazer no movimento,
permitindo ao acadêmico sentir-se bem com seu corpo no tempo e no espaço.
Sempre haverá resistências no sentido de novos desafios, de novos movimentos, mas,
considerando uma unidade maior, o universo também está em constante movimento. Toda a
ação humana possui movimento, inclusive a intelectual. E se a condição humana é ser corpo,
e o pensamento não é uma função acéfala do corpo, então como consequência toda a
pedagogia precisa passar pela corporeidade. Dos esportes de alto rendimento, das atividades
voltadas ao lazer, da onda da ginástica aeróbica, ao frenesi das academias, os locais de
trabalho profissional da Educação Física estão demarcados. Mas e o corpo? Como ele está
sendo pensado? A resposta é simples, é só perguntar a si mesmo. Como diz Santin,
Quem se pensa como corpo, verá na Educação Física o espaço próprio para desenvolver e aper-
feiçoar a corporeidade; quem se julga um senhor proprietário do corpo, a transformará num processo
de fortalecimento das funções instrumentais para servir o todo poderoso patrão (1999, p.31/32).
173
Acho que o momento é cada um fazer a sua parte, como acontece nos organismos
vivos, uma construção plural em benefício do singular.
Ao analisar todas as informações coletadas, procurando abarcar as manifestações dos
acadêmicos através das suas expressões corporais, dos seus sentires, da sua forma de ser no
mundo, compreendi que o fenômeno humano deve ser considerado sempre em sua totalidade.
O corpo propicia um universo ilimitado de compreensões e de tratamentos. Assim, o corpo e o
movimento são elementos reveladores da intencionalidade, da ideologia e dos valores das
pessoas: ele gera transformações.
Pude notar estas transformações na maneira de pensar, falar e agir com seus corpos
através da prática da Ginástica Rítmica no momento em que a percepção corporal foi
instigada e quando, colocando sua atenção em seus corpos, estes guardiães da mensagem
ouviam o eco silencioso do cotidiano na sua corporeidade.
174
4 VOZES QUE ADVOGAM: reflexões finais
“... o corpo deve fazer-se presente na sua essência e
na sua existência para ser no mundo”.
( Eline T. A . Porto)
E, enfim, as reflexões finais de um trabalho. Nada de imposições, uma possibilidade
entre tantas outras. Uma possibilidade produtiva acho eu, pertinente, sem dúvida. Nada de
definitivo, mas novos relances, nova forma de pensar entre tantas já pensadas, escritas, ditas e
experienciadas.
175
Um trabalho feito com um grande sentimento, uma intenção firme, calcada na
importância que atribuo ao ser humano, em especial ao acadêmico de Educação Física, razão
deste trabalho, à sua percepção, ao entendimento de sua corporeidade, fomentado pela
relevância que atribuo à Ginástica Rítmica como constituinte deste fenômeno.
Após um longo tempo de estudo, de reflexões, de idas e vindas, chego ao término
desta pesquisa consciente de que nada tem fim, tudo são possibilidades e há um horizonte
vasto ainda para trilhar.
Neste percurso realizado e prestes a dar um fecho a este texto, pergunto-me: e agora?
São tantos os fatos, tantos aprendizados, tantos envolvimentos, tantas experiências e vivências
que se torna difícil, até por se tratar de seres humanos, colocar um ponto final.
Teria muito o que dizer ainda, mas é o momento de rever esta caminhada, aprender
com o reflexo do que foi dito, estudado, interpretado, redimensionar formas de entendimento,
reaprender com meus equívocos e, mais do que uma simples pesquisa, perceber o que é
passível de mudança.
Em vozes que advogam: reflexões finais, intento defender os pontos de vista
colocados nesta investigação, percorrendo os objetivos e o problema da mesma, bem como,
sugerir novas possibilidades que porventura possam surgir.
Neste sentido, ao longo dos capítulos precedentes, fui descrevendo e interpretando o
que considerei significativo e que respondia aos meus questionamentos. Coloquei, também,
176
em evidência algumas considerações e algumas conclusões particulares que diziam respeito
ao problema em questão, dando, assim, minha contribuição particular ao estudo. Considero
transitórias estas conclusões, pois entendo que não há um conhecimento definitivo, não há
verdades absolutas, existem sim, formas diferentes de ver e interpretar uma realidade com a
qual nos defrontamos e que nos é significativa, embora saibamos que o ser humano
considerado em sua totalidade é único e singular.
Cerquei-me para este trabalho de muitas ferramentas, todas por mim consideradas
necessárias para poder formar uma opinião sobre o que buscava. Foram de relevância
incalculável, certamente, pois como não poderia deixar de ser, a corporeidade não pode ser
estudada a partir de um único instrumento. Isto envolveu tempo, comprometimento, bastante
estudo e muito prazer.
A pergunta que norteou este trabalho e que possibilitou o aprofundamento neste vasto
tema foi:
Quais as percepções que os acadêmicos de Educação Física que cursam a
disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos possuem sobre a sua corporeidade, quais
as relações que estabelecem entre o pensar, falar e agir corporalmente e como a
percepção do trabalho corporal nesta disciplina contribui para o entendimento da
corporeidade?
177
Foi muito gratificante poder buscar todos estes fatores, embora não acredite que tenha
conseguido de todo. Procurei através da pesquisa um crescimento de minhas possibilidades. É
sempre importante abrir espaço, romper limites, avançar para além, construir horizontes...
Pude constatar que o fenômeno da corporeidade humana é tão complexo como
paradoxalmente simples. Tudo estrutura-se no saber perceber e no saber entender. Vejo que
há uma necessidade premente em repensar a corporeidade como sendo o modo de ser do
homem no mundo. O homem através de seu corpo precisa falar de si mesmo, segundo as
regras da corporeidade ou da fenomenologia corporal. Como diz Santin, “A corporeidade é
acima de tudo uma presença, uma manifestação, uma visibilidade, talvez dito com maior
precisão, uma fisionomia, um rosto” (2001, p.122).
Vejo o complexo no distanciamento que existe entre o homem e sua estrutura
existencial básica. O momento atual nos leva a um tanto de obrigações, permitindo o
afastamento do ser humano de si mesmo. E vejo no simples a capacidade básica que possui o
ser humano de procurar-se, perceber-se, entender-se, desfazendo-se dos véus de fumaça que
são colocados em nome do desenvolvimento, da tecnologia, da estética e do consumo.
Minha pesquisa apresentou dois momentos distintos. Na verdade, foi surpresa para
mim. O primeiro momento diz respeito ao que fui buscar através da minha pergunta e o
segundo ao que decorreu da pesquisa com os acadêmicos. Passo a falar do primeiro.
178
Percebi que o conhecimento sobre corporeidade neste grupo era quase nulo. O termo
já era uma incógnita, mas o sentir corporal individual certamente existia e como seres no
mundo, formavam sua corporeidade.
As relações que estabeleciam entre o pensar, falar e agir com seu corpo não
apresentavam uma unidade. Ou melhor, não haviam dado-se conta de que isto poderia vir a
ser.
Quanto à percepção do corpo, estava intimamente ligada às exigências da sociedade
atual, versando sobre a estética, sobre valor dado à silhueta magra, esguia e forte.
A disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos constituía-se em novidade para todos.
Suas referências eram dos campeonatos vistos na televisão.
Nesta perspectiva, todo o trabalho iniciou: a disciplina em si e a pesquisa. As relações
entre corpo, corporeidade, imagem corporal, percepção do corpo, Ginástica Rítmica e
investigação davam o “ponta pé inicial” a todo um trabalho de observação de ambas as partes,
envolvendo acadêmicos e pesquisador.
Quando pesquisamos, escolhemos nossos instrumentos de coleta de dados. Foram
todos eles muito úteis como já mencionei, mas três deles foram importantíssimos neste
trabalho: os memoriais descritivos, as entrevistas e a filmagem.
179
Com os memoriais descritivos os acadêmicos em cada aula descreviam o que
percebiam de si e o que sentiam. Isto proporcionava um momento ímpar, duas vezes por
semana, para pensarem sobre si mesmos. A partir daí, começaram a ter uma outra visão sobre
seus corpos. Parar para se ver e olhar-se sem um espelho não é coisa muito comum nos dias
de hoje. É um desnudar-se frente a si mesmo. Suas considerações, algumas já colocadas neste
texto, vêm comprovar o que agora falo.
Nas entrevistas iniciais suas formas de pensar eram uma e nas finais eram outra. O que
aconteceu neste percurso, de um único semestre, capaz de fazer com que suas opiniões
mudassem? Simplesmente colocaram um olhar sobre si mesmos, ou melhor, deram-se
possibilidades de perceberem-se de uma forma diferente, colocando a atenção em si mesmos.
Quanto à filmagem, constataram que o que pensavam de si mesmos nem sempre
correspondia ao que viam. Então, como mencionei em outros momentos, a base está na
percepção e no saber entender. Isto foi proporcionando uma maneira nova de caminhar neste
estudo.
No inicío houve dificuldade por parte do grupo. Sempre o novo pressupõe adaptações.
E para esta turma, tudo era novo neste semestre e nesta disciplina. Mas a Ginástica Rítmica,
através das sua propostas de trabalho, dentro do lúdico, do criativo, da utilização dos
aparelhos, ia proporcionando experiências que davam significado a estas percepções
corporais. E o grupo reagia aos estímulos externos internalizando-os, formando uma espécie
de rede “perceptiva” que operava no sentido do próprio entendimento corporal.
180
O trabalho criativo, a montagem de séries, ou seja, a criação de uma sequência de
movimentos, permitia que cada acadêmico expressasse-se a partir de uma tomada de
consciência do seu próprio corpo. Estes fatores estiveram sempre presentes durante as aulas
auxiliando, assim, este grupo na percepção do seu corpo e contribuindo para o entendimento
de sua corporeidade.
Quanto ao segundo momento a que me referi acima, diz respeito ao que a própria
investigação permitiu que acontecesse a estes acadêmicos. Gostaria de deixar bem claro que
em momento algum, como pesquisadora, influenciei nos trabalhos de aula, quer seja pelas
tomadas de campo, ou filmagem ou com qualquer ferramenta utilizada para coleta de dados,
pois estive presente em todas as aulas. Construí com este grupo uma relação amigável, já fazia
parte do mesmo. Sentia-me integrada como mais uma participante das aulas de Ginástica
Rítmica Fundamentos, às segundas e quartas-feiras às sete e trinta da manhã. Ouvi suas
alegrias, suas lamúrias, presenciei suas ansiedades e vivenciei sua ludicidade. Era mais uma
dentro do grupo. Esta situação à vontade que me sentia e acredito que os participantes
também comungavam, não influenciou no resultado do trabalho. Mas houve uma influência,
sim, por um outro lado. O tema da pesquisa.
As minhas descobertas vão possivelmente refletir a universalidade do fenômeno, mas
sei também que fazem parte da situcionalidade desta investigação. Mas sempre é mais um
fator a ser considerado para quem lida com corpo, como os profissionais da área da Educação
Física.
181
O relacionamento com o mundo e com os outros corpos dá-se pela comunicação que o
corpo permite e torna-se significativo conseguir ser e estar presente no mundo através deste
corpo.
Com o desenrolar do trabalho fui constatando modificações na forma de pensar, falar e
agir com o corpo deste grupo de participantes. Coloquei-me alerta, pois o que para mim seria
descrever, interpretar e compreender o fenômeno estava tendo uma outra conotação agregada
ao trabalho: os acadêmicos estavam percebendo-se, mudando seu pensamento, suas falas e
seu modo de agir corporalmente durante o semestre e eu estava vivenciando tudo aquilo. Foi
muito gratificante, pois além de acreditar que a percepção do corpo através da Ginástica
Rítmica é possível, foram anos de trabalho em cima deste tema, constatava que este grupo
estava entendendo-se como pessoas e levando estas suas mudanças para o meio em que vivia,
de acordo com os seus próprios depoimentos. Além disso, sem parecer aqui que trata-se de
uma “fórmula mágica” da própria Ginástica Rítmica, estavam atribuindo uma nova
importância ao seu futuro aluno. Da necessidade despertada de entender o corpo, revelaram
ser indispensável este conhecimento para transferirem aos seus alunos. Isto foi colocado no
capítulo anterior, quando ao perceber o rumo que a pesquisa havia tomado, questionei-os
sobre o assunto.
Advogar pela percepção corporal, pelo conhecimento do próprio corpo é lutar pelo
princípio de uma aprendizagem mais humana e humanizante. Um olhar panorâmico ao corpo
próprio possibilita uma coerência interna que propicia mudanças, que satisfaz, que centra o
foco em si, na complexidade de ser possível, apenas, por sermos corpos.
182
Cada dia é suficiente para que um novo circuito de caminhada seja inaugurado ou que
novos desvios sejam planejados, pois se o homem diferencia-se por sua originalidade, sempre
é bom abrir os horizontes para novas possibilidades. Falo assim porque acredito no ser
humano como detentor de infinitas possibilidades. E, uma delas, como disse um dos
participantes da pesquisa, é a Ginástica Rítmica como facilitadora da percepção corporal para
o entendimento da corporeidade humana.
Este estudo constituiu para mim, sem sombra de dúvida, um desafio, um processo
grande de reflexões, motivo de aprendizado e modificações pessoais, momentos de
sentimentos e envolvimentos, tanto com os acadêmicos, como com os tantos que encontrei
por este caminho.
Poderia acrescentar que a Educação Física, curso que escolhi para desenvolver este
estudo, apresenta como conteúdo específico o movimento humano. Este movimento é dotado
de sensações, de contrações e descontrações, de autonomia e de criatividade que desencadeia
atitudes e estímulos nas pessoas que os praticam, despertando emoções. O gesto, o
movimento, podem ser feitos de forma automática ou como uma arte viva. Isto depende da
intencionalidade colocada em cada um destes movimentos, provocada pelo professor, mas,
especialmente, por quem os executa. Cada pessoa é seu mundo a parte com seus valores e
seus significados. Então eu percebo a importância da Educação Física, não só como uma
atividade dentro de uma sala de aula, de um ginásio, de uma quadra ou de uma academia. Ela
extrapola estes limites e passa ao cotidiano de cada um refletida nas suas posturas, na forma
de andar, de ser, na sua corporeidade. Por isto, acho importante um olhar diferenciado sobre
estes aspectos, porque corpo e movimento dificilmente são pensados. E o corpo que produz o
183
movimento dificilmente é pensado como condição humana de situar-se no mundo, de estar
presente com os outros e de poder perceber as coisas.
Acredito que o acadêmico de Educação Física deva ser trabalhado no sentido da
criatividade, do compromisso, da intencionalidade consigo mesmo e para com os outros.
Talvez as reflexões aqui expostas sobre o entendimento da corporeidade dos
acadêmicos de Educação Física a partir da percepção corporal, através da Ginástica Rítmica,
possam ecoar de forma silenciosa em quem quer que seja, proporcionando um novo olhar,
quiçá um diferente enfoque, sobre esta maravilha tão ainda desconhecida a cada um de nós -
nosso corpo.
Sempre há algo mais a dizer, porque o difícil é o parar. Mas, ainda assim, gostaria de
citar Marques quando fala do ato do escrever e de tornar público o que se escreve:
Quando, porém, ele se torna público, quando passa ao domínio público, sinto que me fugiu, e-
mancipou-se, escapou de meu alcance. Uma sensação muito viva e estranha: a de só agora ver a cara de
meu filho ao mesmo tempo que dele me despeço; vê-lo cair na vida, ausentar-se entregue a indiscrição
de quem não conheço, a destinos que fogem de meu controle. Talvez à chacota e ao desprezo, talvez à
acolhida amiga, à simpática oportunidade de ser útil a alguém. É isto que faz dramático meu ato de
escrever, e cheio de surpresas, de temores e alegrias (1998, p.26).
Revendo esta caminhada, permito-me ainda dizer que foi muito o que vivenciei e que
se torna difícil transformar tudo em palavras, porque falo de sentimento. E estes, muitas
vezes, não cabem em dicionários. Talvez neste meu ato de busca não tenha conseguido a
melhor resposta. Mas, para mim, neste momento, não existe outro que se compare, por tudo
que aprendi, constatei e pela multiplicidade de experiências que agreguei.
184
Fico, sim, com o olhar do corpo de maneira global, vendo no ser humano infinitas
possibilidades; na Ginástica Rítmica, uma maneira integrada, conjugada com verbos
construtivos, que possibilita a percepção do corpo; e, na corporeidade, o acontecer do homem
em sua existência.
Compartilhei este trabalho com este grupo de acadêmicos, que aos olhos do leitor não
possui uma identidade declarada, mas que foi o portador das mais significativas falas,
interpretações e sentimentos. Foi a expressão viva de uma jornada epistemológica e que
revelou-se, também, seduzido pela procura do maior entendimento do seu corpo.
Assim sendo, considero válida a continuidade deste tipo de trabalho. Sugiro que se
siga estudando, pesquisando sobre o corpo no que corresponde à sua totalidade. Talvez
incluindo nas demais disciplinas do curso de Educação Física um olhar mais aguçado em
relação ao pensar, falar e agir com o corpo, buscando uma valorização real do mesmo, como
compreensão e entendimento do nosso único mecanismo de ação.
Finalizo aqui, na continuidade das buscas, na certeza do uno, no poder da simplicidade
e, também, como guardiã da mensagem, sempre atenta ao eco silencioso do cotidiano na
corporeidade.
185
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195
ANEXOS
Anexo A - Termo de consentimento da docente
Universidade Federal do rio Grande do Sul – Escola de Educação Física
Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano
Tema da investigação: A GINÁSTICA RÍTMICA NA CORPOREIDADE DOS
ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: RELAÇÕES ENTRE O PENSAR, FALAR E
AGIR COM O CORPO.
196
TERMO DE CONSENTIMENTO DA DOCENTE
Porto Alegre,_____ de ________ de 2003.
Eu _____________________________________docente da ESEF/UFRGS, responsável
pela disciplina de Ginástica Rítmica Fundamentos, autorizo a mestranda do curso de
Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da ESEF/UFRGS, Vera Lucia
Zamberlan Angheben, a realizar a coleta de dados necessários para o desenvolvimento
de sua pesquisa.
_____________________________________________
Anexo B – Termo de Consentimento e Declaração do Participante
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Escola de Educação Física
Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano
Tema da Investigação: A GINÁSTICA RÍTMICA NA CORPOREIDADE DOS
ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: RELAÇÕES ENTRE O PENSAR, FALAR E
AGIR COM O CORPO.
197
TERMO DE CONSENTIMENTO E DECLARAÇÃO DO PARTICIPANTE
Com a intenção de aprofundar o conhecimento na linha de pesquisa sobre a
coporeidade, ou seja, o ser humano como unidade, levando em conta suas
peculiaridades biológicas, culturais e filosóficas, pretendo direcionar esta investigação
no sentido da percepção do corpo através da Ginástica Rítmica, considerando-a como
veículo de informação.
A partir destes aspectos, o objetivo desta pesquisa é descrever e interpretar o que os
acadêmicos de Educação Física que cursam a disciplina de Ginástica Rítmica
Fundamentos pensam sobre o seu corpo, o que dizem à respeito do seu corpo e a forma
como agem com o mesmo, assim como estas inter-relações.
A participação neste estudo envolverá: uma entrevista inicial e final, sendo cada uma
delas validadas, preenchimento de uma ficha com dados pessoais, notas de campo,
filmagem e memoriais descritivos de cada aula e um final com uma apreciação sobre
todo o trabalho.
Todos os dados serão confidenciais e a identidade do participante será preservada.
DECLARAÇÃO DO PARTICIPANTE
198
Eu _________________________________________ tendo lido as informações
oferecidas acima, e tendo sido esclarecido sobre o estudo proposto, estou de acordo em
participar do mesmo.
Nome.............................................................................
Assinatura.....................................................................
Data..............................................................................
Anexo C - Ficha com dados pessoais do participante
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Escola de Educação Física
Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano
Tema da investigação: A GINÁSTICA RÍTMICA NA CORPOREIDADE DOS
ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: RELAÇÕES ENTRE O PENSAR, FALAR E
AGIR COM O CORPO.
199
Mestranda : Vera Lucia Zamberlan Angheben
Orientador: Prof. Dr. Jorge Luiz de Souza
FICHA COM DADOS PESSOAIS DO PARTICIPANTE
Acadêmico......................................................semestre.................disciplina.......................
Endereço.............................................................fone..........................e-mail.......................
Data de nascimento...............................................................................................................
Experiência na área esportiva.............................................................................................
Anexo D – Roteiro da Entrevista Inicial
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Escola de Educação Física
Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano
Tema da investigação: A GINÁSTICA RÍTMICA NA CORPOREIDADE DOS
ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: RELAÇÕES ENTRE O PENSAR, FALAR E
AGIR COM O CORPO.
ROTEIRO DA ENTREVISTA INICIAL
200
Nome do acadêmico......................................................data.....................hora...........
1. Porque escolheste cursar a Faculdade de Educação Física?
2. Que motivos te levaram a escolher a disciplina da Ginástica Rítmica Fundamentos ?
3. Por que a Ginástica Rítmica e não outra disciplina, por exemplo futebol ?
4. Acreditas que esta disciplina pode te ajudar de alguma forma ? Em que ?
(Corpo e percepção corporal)
5. Como é teu corpo ? Fala sobre ele.
6. Como vês teu corpo ?
7. Já paraste para observar teu corpo ? Como fizeste ?
8. Gostarias que ele fosse diferente ?
9. Que utilizarias para modificá-lo ?
10. Como achas que teus amigos e as pessoas que te cercam vêem teu corpo ?
11. Acreditas que a forma que te percebes é a mesma que os outros te vêem ?
(Corporeidade)
12. Todos temos um corpo. Qual a importância que dás ao teu corpo ?
13. Como situas o teu corpo dentro da sociedade atual ?
14. Se torna relevante para ti o entendimento do teu corpo ?
15. Acreditas que o meio onde vives possa influenciar no teu corpo de alguma forma ?
Como ?
201
16. Vês no teu corpo alguma forma de comunicação com o teu mundo particular ? Como
isso acontece ?
17. Isto se estende ao restante das pessoas com quem te relacionas ?
18. A observação do corpo dos outros interfere na observação do teu corpo ?
19. De que forma isto pode ocorrer ?
20. Lês revistas, ou assistes programas, vídeos... que vincule as questões do corpo ?
Como lida com estes meios de comunicação ?
(Postura corporal)
21. Como teu corpo reage em diferentes situações ?
22. A tua postura de corpo pode ser alterada perante a tua forma de estar ?
23. E as influências externas também ocasionam modificações no teu corpo,
considerando que possuis uma postura corporal ?
(Percepção corporal e auto-imagem)
24. Como te vês ?
25. Gostas de ti como és ?
(Experiências pessoais como fator de interferência na postura corporal)
26. Pensas que foi ou serás, uma pessoa diferente, em diferentes momentos da vida ?
27. As tuas experiências pessoais podem interferir na tua maneira de expressar corpo ?
202
Anexo E – Roteiro da Entrevista Final
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Escola de Educação Física
Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano
Tema da Investigação: A GINÁSTICA RÍTMICA NA CORPOREIDADE DOS
ACADÊMICOS DE EDUAÇÃO FÍSICA: RELAÇÕES ENTRE O PENSAR, FALAR E
AGIR COM O CORPO.
203
ROTEIRO DA ENTREVISTA FINAL
Nome do acadêmico..........................................................................data.............hora............
(abordagem geral)
1. Ao finalizares o semestre em Ginástica Rítmica Fundamentos, como sentiste o
trabalho proposto ?
2. Acreditas que houve alguma contribuição para ti, como pessoa este semestre ? Por
quê ?
(Corpo e Percepção corporal)
3. Como está teu corpo hoje ? Fala sobre teu corpo.
4. Consegues observar teu corpo hoje de forma diferente ao início deste trabalho ? De
que forma?
5. Houve alguma modificação no teu corpo ?
6. Os teus gestos, os teus movimentos, correspondem à maneira que tu vês teu corpo ?
(Corporeidade)
7. Como situas o teu corpo como parte integrante da interação com o meio e a
sociedade?
8. Como se comunicas hoje com o teu mundo e com o mundo em geral ?
9. Como isto está acontecendo hoje ?
(Postura corporal)
10. Hoje dás mais atenção ao teu corpo ? De que forma ?
204
11. Como é a tua postura corporal hoje ?
12. Quais as influências que poderias determinar como agentes de modificação da tua
postura corporal ?
(Percepção corporal)
13. Tens novo olhar sobre teu corpo hoje ?
14. Qual a importância que dás ao teu corpo ? Por quê ?
(Experiências pessoais como fator de interferência)
15. Alguma experiência pessoal te levou a pensar sobre o teu corpo de forma mais
específica no decorrer deste trabalho ?
16. De que forma esta experiência te chamou atenção ?
17. Como percebeste a mesma e o que isto te levou a pensar teu corpo de outra maneira?
18. Houve alguma modificação na tua forma de pensar corpo após ter realizado este
trabalho ?
19. Sendo um acadêmico de Educação Física da ESEF/UFRGS, que possivelmente já
está experienciando alguma atividade na área de Educação Física, como tratas a questão
corpo hoje ?
205
Anexo F – Roteiro Memorial Descritivo
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Escola de Educação Física
Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano
Tema da investigação: A GINÁSTICA RÍTMICA NA CORPOREIDADE DOS
ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: RELAÇÕES ENTRE O PENSAR, FALAR E
AGIR COM O CORPO.
206
MEMORIAL DESCRITIVO
Nome do acadêmico......................................................................................data...............
Anexo G – Entrevista Inicial
Entrevista Inicial – Acadêmica C.C. Data: 29/09/2003 Hora: 8:00 às 8:30 hs
P = pesquisadora E = entrevistada
P – 1. Porque que tu escolheste cursar a Faculdade de Educação Física?
E – Escolhi por que no colégio eu jogava no time de handebol, na seleção do colégio e pensei
que aqui fosse mais ou menos a mesma coisa assim, que eu ia continuar no esporte, e vi que
não era bem assim.
207
P –2. Fazendo handebol, como era o caso, porque que tu escolheste a Ginástica Rítmica como
uma disciplina, já que existem as disciplinas opcionais?
E - Eu já tinha feito todas as disciplinas de esportes e só a GR e a Ginástica Olímpica eu não
tinha feito. Daí, encaixou meio no horário assim...né... e eu resolvi saber mais coisas e escolhi
esta.
P – 3. Tu achas que esta disciplina pode te ajudar de alguma forma e como ela poderia te
ajudar?
E – Ai não sei, trabalha bastante aparelhos, de repente numa aula de Educação Física normal
de escola... atividades diferentes...talvez possa me ajudar...hum...sempre é bom vê coisas
novas.
P- 4. Como é teu corpo? Fala sobre teu corpo. Como tu vês o teu corpo.
E – Ah!, eu não me sinto bem com o meu corpo. Tento mudar mas não consigo...
P – Como assim?
E – Tento emagrecer, acho que tô meio fora do peso, tento fazê uma atividade fora da
faculdade mas não me interesso muito.
P. Se estivesse estaria fazendo o que?
E – Estaria fazendo ginástica localizada.
P. Porque a ginástica localizada especificamente?
E. Talvez eu botasse no lugar o que eu não gosto no meu corpo.
P- Já paraste para observar o teu corpo? Como fizeste?
E – Na frente do espelho, todo mundo se observa né...eu..... não gostei muito....não gosto
muito. Não me sinto bem com ele.
P – Porque?
E – Ah! Sei lá.... como estou um pouco gordinha sei lá... não gosto...
208
P – 5. Tu gostarias que ele fosse diferente?
E – Eu gostaria.
P – 6. Que utilizarias para modificá-lo?
E – Só uns quilinhos... só “unsinhos”a menos....
P – 7. Como tu achas que teus amigos, as pessoas que te cercam vêem o teu corpo?
E – Ah! Acho que assim como eu, meio ultrapassada no peso, porque lá em casa tudo é muito
assim ó, é... tá gordinha .... não sei o que.... e é esta a impressão que vai ficando na cabeça.
Não sei se os outros me vêem assim, eu acho que é assim que eles me vêem...
P – 8. Somos um corpo. Qual a importância que dás a teu corpo?
E – Eu acho que o corpo é tudo, não sei. Ele expressa tudo. Como tu tá, como tu sente, pode
falá através do teu corpo. É um meio de linguagem.
P- 9. Como tu situas o teu corpo dentro da sociedade atual?
E – Silêncio.... é meio fora do padrão.
P – Padrão? O que seria padrão na sociedade atual?
E – Ah! Acho que a sociedade está impondo um corpo muito ....magro, perfeito, não importa
saúde ou não. Tem que tá magro e bonito. Então, (risos) acho que o meu corpo está meio
fora.
P – 10. Se torna relevante para ti o entendimento do teu corpo?
E - Eu acho que sim...
P. E o que tu fazes para isto?
E. A gente se olha às vezes... (riso) na verdade, nunca parei para pensar.Ai, é difícil pensar no
corpo procurando entendê... sei lá.... nunca pensei assim....(risos).
P – 11. Acreditas que o meio em que tu vives possa influenciar no teu corpo de alguma
forma? Como?
209
E – Pode. Como eu falei ali...olham prá ti e dizem - Ah! Tá meio gordinha... eu acho que
influencia muito, mais de fora o que os outros acham do que a gente mesmo.
P – Então tu tens um corpo para s outros?
E – É praticamente... 70% para os outros....
P – 12. Vês no teu corpo alguma forma de comunicação com teu mundo particular? Como isto
acontece?
E – Hum, hum....
P- 13. A observação do corpo dos outros interfere na observação do teu corpo?
E – Acho que interfere. Não sei muito bem, acho que vou pular esta pergunta... ( risos)
P .14. Tu lês jornais e revistas, assistes programas, vídeos... que vinculam as questões do
corpo. Como tu lidas com estes meios de comunicação?
E – Ah! Eu acho super interessante estas revistas, essas coisas mas, eu não consigo fazer
realmente o que eles falam, o que as revistam falam...
P- Mas tu dás importância?
E – Sim, eu dou importância. Se eu conseguisse fazer...
P – Mas em que sentido? Para transformar o teu corpo na mídia?
E - É, no critério né. Todo mundo tem um corpo como modelo né, e se o meu fosse um pouco
mais magro seria o ideal.
P – 15. Como teu corpo reage em diferentes situações? Falamos aqui em postura corporal?
E – Pode ser a mesma situação, mas vai depender de repente do teu humor, o corpo vai reagir
diferente.
P – Hum, humm...
P – 16. Então tu achas que a tua postura de corpo pode ser alterada perante a tua forma de
estar?
210
E – Certamente.
P – 17. E as influências externas também ocasionam modificações no teu corpo, considerando
que possuis uma postura corporal?
E – Olha, .... silêncio.... Oh! Meu Deus, parece que o cérebro trava....mas assim oh!, a gente
se impressiona muito com o que vê aí fora, o que se vê nos amigos, na TV, nas revistas e às
vezes a gente tenta imitá a postura de alguém que é prá nós um ídolo. Ma acontece que isto
não dura muito tempo. O corpo da gente cansa e a gente volta ao normal, que é da gente.
P – 18. Vou te fazer outra pergunta. Tu gostas de ti como és?
E- Às vezes..... às vezes sim...às vezes não.... ( risos)
P – Com assim às vezes sim, às vezes não?
E – Às vezes me olho no espelho e tá tudo bem, às vezes tá tudo mal....não sei dizer o que é
não sei se tá tudo igual e a minha cabeça naquela hora tá diferente...
P – E o que seria a tua cabeça?
E – Meus pensamentos, sei lá... meus objetivos...nunca parei prá pensá sobre isso.
P – 19. Pensas que foste ou serás, uma pessoa diferente, em diferentes momentos da tua vida?
E – Eu acho que sim. Dependendo da situação a gente age de uma maneira ou a mesma
situação a gente age diferente, depende de como a gente tá.
P – 20. E as tuas experiências pessoais podem interferir na tua maneira de expressar corpo?
Tivestes uma formação, uma escolaridade, jogavas handebol, enfim tens uma bagagem de
experiências. Tu achas que elas podem interferir e de que maneira no teu corpo?
E – Não sei... eu escolhi handebol porque da turma era uma das maiores, não digo um
brutamontes mas, era grande. Então escolhi o handebol por causa do meu corpo. Achei que
tinha força, agilidade assim.... tem muita coisa na vida.... como seria......quando me sinto
211
bem... minha postura... eu acho que (riso)...ah! como fica minha postura? ( pensa, olha para
cima) fica diferente é claro de quando a gente está mal né, o corpo fica mais leve....
Anexo H – Entrevista Final
Entrevista Final – Acadêmica C.C. Data: 15/01/2004 Hora: 8:35 às 9:10 hs
P – 1. Ao finalizares o semestre de Ginástica Rítmica Fundamentos, como sentiste o trabalho
proposto?
E – Eu achei interessante. Achei interessante também esta pesquisa. Eu gostei de falar sobre o
corpo, pensar sobre o corpo.
P- 2. Tu acreditas que houve alguma contribuição para ti, como pessoa este semestre?
Porque?
212
E – Acho que sim. Eu fazendo as aulas, tipo assim, me parecia que eu não sabia fazer assim as
coisas, eu sou meio... descoordenadinha... mas olhando as fitas achei até ah!... até que eu não
tô tão mal assim. O que eu pensava não foi o que eu vi.
P – 3. Como está o teu corpo hoje? Fala sobre o teu corpo.
E – Hoje, no dia? Na aula?
P – No tempo, começamos lá em setembro e já estamos em janeiro.
E – Tá bem com ele mesmo.
P – 4. Consegues observar teu corpo hoje de forma diferente ao início deste trabalho? De que
forma?
E – Um pouco. Até neste fato de coordenação que eu achava que realizava direito as
atividades e vi que não era bem assim. A coordenação tá boa o ritmo também.
P – Então houve modificações no teu corpo?
E – Houve . Ou não houve, eu que achava que era diferente. De repente recém me conheci.
P – 5. Os teus gestos, os teus movimentos, correspondem à maneira que tu vês teu corpo?
E – Sim.
P – 6. Como situas o teu corpo como parte integrante da interação com o meio e a sociedade?
E – Como um meio de comunicação, como já falei meu corpo é tudo né. Mostra tudo.
P – 7. Como te comunicas hoje com o teu mundo e o mundo em geral?
E – Me comunico da mesma maneira. Hoje estou mudando o meu pensamento. Estou
colocando uma consciência corporal aí... ( riso)
P – 8. Hoje dás mais atenção ao teu corpo? De que forma?
E – Em relação à setembro?
P – Sim, em relação ao início do semestre, na execução dos exercícios, prestas atenção ao que
estás fazendo e sentindo como corpo ou isto é mecânico?
213
E – Acho que presto mais atenção prá depois escrever no memorial assim... e descobri que
isto é muito legal, demorei para sacar esta jogada, mas depois que descobri, báh! Vida nova....
P – 9. Quais as influências que poderias determinar como agentes de modificação da tua
postura corporal?
E - Tu ( refere-se ao pesquisador) ( risos)...se não fosse por ti, por este trabalho proposto,
talvez eu continuasse na mesmice de sempre.
P – 10. Então hoje tu tens um novo olhar sobre o corpo?
E – Tenho. Ah! E como tenho..
P – 11. Qual a importância que dás ao teu corpo hoje? Por que?
E – Ah! Uma grande importância, não sei...antes o corpo era o corpo... nem pensava no corpo.
Hoje, o corpo é tudo é possibilidade...
P – 12. Alguma experiência pessoal te levou a pensar sobre o teu corpo de forma mais
específica no decorrer deste trabalho?
E – Não sei, acho que não, talvez não me lembre no momento. Na aula, nos exercícios de
flexibilidade, até percebi sentindo, báh! Eu consigo fazer isto.
P – 13. Houve alguma modificação na tua forma de pensar corpo após ter realizado este
trabalho?
E – Sim, estou mais conectada comigo mesma. Me percebo mais, busco entender meu corpo,
sei lá, a coisa parece que focou mais fácil, não brigo mais comigo mesma, procuro me aceitar
e mudar o que tenho que mudar, sem estresse...
P – 14. Sendo uma acadêmica de Educação Física da UFRGS, que possivelmente já está
experienciando alguma atividade na área de Educação Física, como tratas a questão corpo
hoje?
214
E – Como algo muito importante. Só não acho certo ficar impondo um corpo que nem todo o
mundo pode ter.
P –E se tu fosses trabalhar com pessoas, qual a importância que pretendes dar ao corpo
considerando que tens um corpo e teus alunos tem outro. Como pretendes fazer esta ligação?
E – Acho importante que a pessoa tenha conhecimento do seu corpo.A Educação Física
trabalha com corpo, ela tem que saber o que é corpo, como trabalhar ele, prá depois realizar as
outras atividades. Primeiro a gente entende o nosso prá depois entender os outros.
P. Terminamos aqui. Muito obrigada pela tua colaboração.
E. Eu é que te agradeço pela oportunidade. Pena que esta pesquisa já acabou. Gostei muito,
vou sempre me lembrar de ti.
Anexo I – Memorial Descritivo
Memoriais descritivos – Acadêmica - Carmem
Data- 01/10/03
Nas aulas de GR temos que ter muita criatividade, espontaneidade e gostar muito de estar
sempre em movimento, buscando sempre aprimorar e criar movimentos bem diferentes e
criativos, além de uma grande enturmação.
215
Data- 06/10/03
Na aula de hoje me senti mais solta, até porque eram saltos, e quis ficar mais leve para os
movimentos saírem mais graciosos. Isso me fez sentir leve.
Porém minha falta de flexibilidade e pouca força muscular me fez me sentir bem cansada
no final da aula, mas valeu foi divertido.
Data- 13/10/03
Hoje com música foi um pouquinho mais difícil, pois tínhamos que ser rápidos nos
movimentos, mas foi bem alegre e divertido.
Com a música também foi mais rápida (aparentemente) a aula, fazendo parecer que o
stress muscular não afetasse tanto no desempenho, ou seja, a aula foi mais divertida e menos
cansativa.
Data- 15/10/03
Adorei hoje trabalhar com a corda! Aprendi várias maneiras diferentes de pular que eu
nunca havia feito na vida! Prá minha 1
ª
vez até que não fui um fracasso total, isso me fez ficar
feliz comigo. Claro que estou um pouco machucada ( por causa dos erros com a corda) mas
mesmo assim a aula foi muito divertida, o que não é novidade nos últimos dias.
216
Data- 20/10/03
Aula bem divertida, com mais dificuldades, porém bem engraçada. Como em todas as
aulas fizemos um grupinho e pensamos em uma coreografia. Sinto que estou com mais idéias
sobre movimentos com a corda do que a aula passada, pena não podermos treinar mais cada
um dos aparelhos, pois são muitos legais. Adorei de novo.
Data- 01/11/03
Hoje houve bastante dificuldade na aula com manejo da bola. Mas foi bem engraçado
mesmo assim. Me diverti, mesmo vendo na fita de vídeo que eu não faço os movimentos
perfeitamente, na aula eu sempre me esforço para fazer o mais correto possível. Acho
engraçado a minha limitação, sei que a professora sabe identificar meu esforço para fazer o
melhor possível.
Data – 05/11/03
Hoje na aula me senti bem, porém tive dificuldade com a apresentação, pois não tenho
muita agilidade com a bola e ela escapa da mão, estragando a coreografia, mas levo tudo da
“esportiva”, o que vale é a tentativa de acerto.
Data- 12/11/03
217
Na aula com os arco me senti bem pois o arco é um aparelho que eu brincava bastante
quando criança, então senti tranqüilidade ao manejá-lo e na hora de criar movimentos foi mais
tranqüilo. Fiquei super segura corporalmente já que eu não tinha preocupações com o
aparelho e dificuldade de movimentos (ex. de flexibilidade e equilíbrios).
Data- 17/11/03
Hoje senti dificuldade com o meu punho, não conseguia fazê-lo rodar de modo que a maça
fizesse um movimento bonito. Então em relação ao meu corpo, não senti ele em perfeita
harmonia, já que queria fazer algo que não conseguia. Mas nem por isso não tentei fazer o
melhor possível (como sempre).
Data- 08/12/03
Apesar das dificuldades e “dores no ombro”, acho que consegui fazer movimentos bonitos
com a fita, não ficando uma imagem corporal tão “estranha” como nas outras aulas, até
porque a própria fita embeleza.
Data - 10/12/03
Hoje as dificuldades aumentaram um pouco e eu errei mais. Na hora da gravação fiquei
nervosa e não acho que mostrei corporalmente toda a graça que eu queria ter passado. Mas me
esforcei para errar o menos possível em todos os momentos da aula, não só na hora da
gravação.
218
Data- 15/12/03
Bem divertida as micro-aulas, porém estou um pouco cansada e não me esforcei muito,
então devo ter passado isso para os meus movimentos que não devem ter ficado muito
bonitos.
Data- 05/01/04
Bem, estamos quase no fim do semestre e posso dizer que senti uma mudança na minha
maneira de pensar o meu corpo, antes eu era muito crítica (negativamente) e agora continuo,
porém positivamente; aprendi a enxergar meus erros como tentativas de acertos. Acredito
mais em mim e tento passá isto corporalmente para as pessoas ao meu redor e já posso dizer
que estou colhendo ótimos frutos com esta minha mudança.
Data- 07/01/04
Hoje só treinamos a coreografia do dia 14/01. Está ficando bem legal, espero apresentar no
dia como está na minha mente: sem erros e todos bem sintonizados. Terei mais comentários
sobre o meu corpo após o dia da apresentação e após ver a gravação.
Data- 15/01/04
219
Uma boa conseqüência desse trabalho foi fazer com que nós pensássemos em algo que
estava esquecido: o corpo.
Foi difícil sem um espelho para ficarmos corrigindo automaticamente, porém, foi
exatamente isso que fez com que pensássemos mais “com” o corpo e não “no” corpo.
E com as fitas verificamos se era daquele jeito que pensávamos estar nos apresentando
para os outros.
Para mim foi difícil conseguir aceitar como é o meu corpo e dentro do possível (p.ex:
mudando a maneira de apresentá-lo e senti-lo) tentei gostar mais dele, descobrindo o que ele
tinha de real valor.
Anexo J – Memorial Descritivo Final
Memorial descritivo final – Acadêmica Cristina
Data - 15/01/04
Através desta pesquisa pude refletir sobre meu corpo.
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Passei a ver ele como um todo, não só corpo que anda ou faz exercício, mas um corpo que
fala. Um corpo que diz tudo , ou até esconde alguma coisa. Comecei a sentir e a ver o meu
corpo de forma diferente.
Notei que aquele corpo que eu sinto, não é bem o corpo que eu tenho.
Com as filmagens vi que meu corpo tem um certo ritmo, uma certa coordenação, ao
contrário do que eu pensava.
Acho necessário que sejam realizados trabalhos, atividades para fazer com que todos
sintam seu corpo, valorizem seu corpo, passando a ver o corpo como uma totalidade e não só
um corpo que necessita de ar, comida, movimento.