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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
ProPPEC
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS
E SOCIAIS CEJURPS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU
EM CIÊNCIA POLÍTICA
CPCP
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS
BLICAS PMGPP
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A RESSOCIALIZAÇÃO
DO APENADO:
uma reavaliação das políticas existentes no sistema prisional
FRANCIELI A. CORREA BIZATTO
Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Roesler
Co-Orientador: Prof. Dr. Julian Borba
Itajaí [SC], julho de 2005.
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA
ProPPEC
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS
E SOCIAIS CEJURPS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU
EM CIÊNCIA POLÍTICA
CPCP
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE POLÍTICAS
BLICAS PMGPP
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A RESSOCIALIZAÇÃO
DO APENADO:
uma reavaliação das políticas existentes no sistema prisional
Dissertação submetida à Universidade do
Vale do Itajaí UNIVALI, como requisito final à
obtenção de título de Mestre em Gestão de
Políticas Públicas
FRANCIELI A. CORREA BIZATTO
Orientadora: Profa. Dra. Cláudia Roesler
Co-Orientador: Prof. Dr. Julian Borba
Itajaí [SC], julho de 2005.
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Dedicatória
Dedico o presente trabalho a todos aqueles
que estiveram ao meu lado nos momentos
difíceis, e não apenas nas horas boas.
Agradecimentos
Agradeço a Deus e à minha Família todo o
apoio dispensado. o podia deixar de citar
o meu eterno agradecimento a minha Mãe
Dona Elci Ligowski pelo apoio e incentivo e
ao meu sogro Dr. José Ildefonso Bizatto
pelas palavras de incentivo, apoio,
dedicação e compreensão prestados.
"A descentralização social nada mais é do que a
expressão da ampliação das funções do Estado e a
devolução, à sociedade, do exercício de funções,
antes sob sua responsabilidade, que foram sendo
absorvidas pelo aparelho estatal".
Carlos Vasconcelos Domingues
Esta Dissertação foi julgada adequada para a obtenção do título de
Mestre em Geso de Políticas Públicas e aprovada, em sua versão final, pela
Coordenação do Programa de Mestrado em Gestão de Políticas Públicas
PMGPP, da Universidade do Vale do Itajaí [PMGPP/ UNIVALI].
Profª. Drª. Cláudia Roesler
Orientadora
Prof. Dr. Julian Borba
Coordenador do PMGPP
Apresentada perante a Comiso Avaliadora composta dos Professores:
Drª. Cláudia Roesler
Orientadora e Presidente da Comissão
Dr. Julian Borba
Membro titular da Comissão
Dr. Flávio Ramos
Membro titular da Comissão
Dr. Raquel Fabiana Lopes Sparemberger
Membro titular da Comissão
Itajaí [SC], 18 de julho de 2005.
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total respon-
sabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a
Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, a Coordenação do Programa de
Mestrado Profissionalizante em Gestão de Políticas Públicas - PMGPP, a
Comissão Avaliadora e a Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca
do mesmo.
Itajaí [SC], 18 de julho de 2005.
Francieli A. Correa Bizatto
Mestranda
ROL DE CATEGORIAS
Apenado
Indiciado condenado em processo penal e que cumpre regularmente a sanção
aflitiva em estabelecimento penal
1
.
Egresso
Entende-se por egresso o detento ou recluso que, tendo cumprido a pena, ou por
outra causa legal, se retirou do estabelecimento penal.
Execução
É o poder de decidir o conflito entre o direito público subjetivo e os direitos
subjetivos concernentes à liberdade do cidadão
2
.
Execução Penal
É a atividade desenvolvida pelos órgãos judiciários para dar atenção à sanção,
que se realiza através dos processos de igual nome, mediante os meios
executórios de aplicações jurídicas e práticas nele contidas
3
.
Pena
Pena "é a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de
uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na
diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos"
4
.
Pena Privativa de Liberdade
As penas privativas de liberdade são aquelas que afetam a jus libertatis do
condenado, atras de seu enclausuramento em estabelecimento penal.
1
SOIBELMAN, Leib.
Dicionário Geral de Direito.
o Paulo: J. Bushatsky. 1973, v. 2, p. 526.
2
MIRABETE, Julio Fabbrini.
Execução Penal.
10. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 30.
3
BENETI, Sidnei Agostinho.
Execução Penal.
o Paulo: Saraiva, 1996, p. 43.
4
SOLER,
Derecho penal argentino
, Buenos Aires, Tipografia Editora Argentina, 1970, v. 2, p. 342.
Apud
JESUS, Damásio Evangelista de.
Direito Penal
. 21. ed., São Paulo: Saraiva, 1998, v. 1, p.
517.
Penitenciária
Presídio especial ao qual se recolhem os condenados às penas de detenção e
reclusão e onde o Estado, ao mesmo tempo que os submete à saão das suas
leis punitivas, presta-lhes assistência e lhes ministra instrução primária, educação
moral e cívica e conhecimentos necessários a uma arte ou ofício à sua escolha, a
fim de que assim possam regenerar-se ou reabilitar-se para o convívio da
sociedade
5
.
Políticas Públicas
Política Pública é o processo de estabelecimento de princípios, prioridades e
diretrizes que organizam o conjunto de programas e serviços para uma
população
6
.
Reclusão
Regime prisional consistente na privação da liberdade pessoal do condenado por
tempo que varia segundo a natureza ou espécie da infração ou infrações que
cometeu
7
.
Regime Penitenciário
Regime Penitenciário relaciona-se ao local em que se dará o cumprimento da
sanção penal, bem como às regras a que ficará sujeito o apenado durante a
execução da pena privativa de liberdade. O regime Penitenciário, o pode,
durante a execução, avançar para um regime menos rigoroso (passar do fechado
para o semi-aberto e deste para o regime aberto).
Ressocialização
Ato ou efeito de ressocializar, socializar-se novamente. Assistir o preso
psicológica e profissionalmente, para que possa voltar à sociedade como um
cidadão útil, após o cumprimento da pena
8
.
5
FELIPPE, Donaldo J.
Dicionário Jurídico.
6. ed. Campinas: Julex Livros, 1991, p. 124.
6
Programa de Qualificação e Conselhos Estaduais de Trabalho (MTb/FLACSO, 1999).
7
SOIBELMAN, Leib.
Dicionário Geral de Direito,
p. 509.
8
XIMENES, Sérgio.
Minidicionário Ediouro da Língua Portuguesa.
2. ed. reform. São Paulo:
Ediouro, 2000, p. 815.
SUMÁRIO
RESUMO
............................................................................................................ ix
ABSTRACT
.........................................................................................................x
1 INTRODUÇÃO
.................................................................................................1
2 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A NECESSIDADE DA
PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
................................................... 6
2.1 BREVE HISTÓRICO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
........................6
2.2 A PENA DE PRISÃO NO BRASIL
..................................................................11
2.3 TIPOS DE PENA E SUA FUNÇÃO
.................................................................17
2.4 O EGRESSO: características, estigmas, preconceito e reincidências
.....26
2.5.O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A CRISE FALENCIAL NA
RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO
............................................................ 33
2.6.A REALIDADE PRISIONAL: superlotação, precariedade e degradação
humana
.......................................................................................................... 37
3 O ESTADO E A EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRA
..................... 44
3.1 O ESTADO E SUA FUNÇÃO SOCIAL
...........................................................44
3.2 A LEI Nº 7.210/84: objetivos, filosofia e aplicabilidade social
...................47
3.3 OS REGIMES PENITENCIAIS DA LEI Nº 7.210/84
.......................................55
3.4 BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO PENAL NA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE
.........................................................................................................61
3.5 O FRACASSO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO NA
APLICAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
.................................. 66
3.6 A NECESSIDADE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A
REINSERÇÃO SOCIAL
................................................................................. 69
4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE REINSERÇÃO SOCIAL DO APENADO
EM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
.......................................... 75
4.1 ESTADO, NEOLIBERALISMO E O PROBLEMA DA EXCLUSÃO SOCIAL
.75
4.2 ESCOO HISTÓRICO E CONCEITO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
.............85
4.3.DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À EXCLUSÃO SOCIAL E À
VIOLÊNCIA
..................................................................................................... 89
4.4.DA ATUAL SITUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EM RELAÇÃO AO
APENADO
....................................................................................................... 95
4.5 POLÍTICAS PÚBLICAS DE RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO: os
problemas atualmente apresentados e sugestões
.................................... 99
4.5.1 Qualificação dos Agentes Carcerários
...................................................100
4.5.2 Os Estabelecimentos Prisionais
.............................................................102
4.5.3 Da Assistência ao Preso e à sua Família
...............................................104
4.5.4.O Trabalho Penitenciário e sua Profissionalização como Forma de
Inclusão Social
......................................................................................... 106
4.6.AS POLÍTICAS PÚBLICAS COMO FORMA DE EFETUAR A
RESSOCIALI-ZAÇÃO DO APENADO: uma proposta sob a ótica social
. 107
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
.....................................................................113
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS
...............................................118
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 01.
Presos reincidentes nos últimos anos.................................................29
Tabela 02.
População carcerária por regime de condenação...............................37
Tabela 03.
População carcerária fora do sistema prisional...................................39
Tabela 04.
Total geral - Brasil...............................................................................40
Tabela 05.
Vagas e presos no sistema prisional e na polícia ..........................40/41
RESUMO
Trata-se a presente Dissertação de Mestrado de um estudo
acerca da pena privativa de liberdade no Direito brasileiro, com ênfase na questão
da aplicação de Políticas Públicas adequadas para a ressocialização do apenado,
nos moldes idealizados na Lei de Execução Penal. O trabalho está dividido em
três capítulos, sendo o primeiro, destinado à pena privativa de liberdade, com
uma abordagem histórica, conceitual e uma breve explicação dos tipos de pena
existentes no ordenamento jurídico brasileiro, tratando, ainda, da questão do
egresso e da crise falencial do sistema prisional. O segundo capítulo destina-se
ao estudo da execução penal brasileira e a função social do Estado, com uma
abordagem nas espécies de regimes penitenciais e benefícios previstos na Lei de
Execução Penal, bem como uma análise a respeito da necessidade da pena
privativa de liberdade e a ressocialização do apenado. Finalmente, no terceiro
capítulo será dada ênfase às Políticas Públicas de ressocialização do apenado,
com uma análise destas em relação à exclusão social, à violência e,
principalmente, em relação ao preso, para, ao final, apresentar propostas de
melhorias das condições dos presídios frente ao que determina a Lei de
Execução Penal.
ABSTRACT
It is treated to present Dissertation of Master's degree of a
study concerning the private feather of freedom in the Brazilian Right, with
emphasis in the subject of the application of appropriate Public Politics for the
resocialization of the prisoner, in the molds idealized in the Law of Penal
Execution. The work is divided in three chapters, being the first, destined to the
private feather of freedom, with an approach historical, conceptual and an
abbreviation explanation of the existent feather types in the Brazilian juridical
legislation, treating, still, of the subject of the exit and of the crisis of the system of
prison. The second chapter is destined to the study of the Brazilian penal
execution and the social function of the State, with an approach in the species of
penitential regimes and benefits foreseen in the Law of Penal Execution, as well
as an analysis regarding the need of the private feather of freedom and the
resocialization of the prisoner. Finally, in the third chapter emphasis will be given
to the Public Politics of resocialization of the prisoner, with an analysis of these in
relation to the social exclusion, to the violence and, mainly, in relation to the
prisoner, for, at the end, to present proposed of improvements of the conditions of
the prisons front to the that determines the Law of Penal Execution.
1 INTRODUÇÃO
A prio é tida, pelo ordenamento jurídico pátrio, como a
exceção, sendo que a regra geral se constitui na liberdade do indiduo, tal qual
consagrado no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Assim, embora o direito à liberdade seja garantia constitucionalmente
assegurada de todo o cidadão, excepcionalmente a liberdade de ir e vir pode ser
restringida, no cumprimento da pena privativa de liberdade ou, também, durante a
investigação criminal.
Destarte, muito tem sido discutido, hodiernamente, sobre a
pena privativa de liberdade e a forma como a Lei de Execução Penal vem sendo
aplicada pelos agentes da Administração.
A Lei de Execução Penal brasileira é considerada apta a
assegurar a ressocialização do apenado, ao mesmo tempo que estabelece a
observância das garantias fundamentais constitucionalmente asseguradas a
qualquer cidadão, inclusive ao condenado.
A crítica que tem sido tecida quanto à pena privativa de
liberdade refere-se à forma como vem sendo cumprida, ou seja, à execução
administrativa dos estabelecimentos, na condução do Estado, que se demonstra
eivada de descuidos, vícios, distorções, corrupção, falta de estrutura, de
funcionários etc.
Diante deste quadro, a doutrina brasileira, bem como os
órgãos responsáveis, vem reconhecendo que a finalidade da pena, estabelecida
no Preâmbulo do Código Penal Brasileiro, não está sendo alcançada por omissão
Estatal.
Considerando isto, a presente Dissertação de Mestrado tem
por escopo realizar um estudo acerca da pena privativa de liberdade no Direito
brasileiro, dando ênfase à questão da aplicação de Políticas Públicas adequadas
para a ressocialização do apenado, nos moldes idealizados na Lei de Execução
Penal.
O que se procura estudar, assim, é a forma como o Estado
vem tratando da questão de políticas públicas de ressocialização do apenado, e
para tanto, realiza-se a presente pesquisa no sentido de se descobrir o que vem
sendo feito no que tange às políticas públicas de ressocialização do apenado,
bem como apresentar sugestões de melhorias.
Estabeleceram-se, aqui, duas espécies de objetivos: o
institucional e o investigatório.
O objetivo institucional consiste em produzir uma
Dissertação de Mestrado Profissionalizante, para obtenção do Título de Mestre
em Geso de Políticas Públicas pelo Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Ciência Política CPCP da Universidade do Vale do Itajaí UNIVALI.
Já o objetivo investigatório subdivide-se em geral e
específico. O geral consiste em pesquisar, na área do Direito brasileiro, sobre a
ressocialização do apenado submetido à pena privativa de liberdade,
especificamente no tocante às questões que envolvem as políticas públicas
pertinentes, fazendo uma reavaliação destas. O específico é assim estabelecido:
a) sintetizar as etapas históricas da pena privativa de liberdade, na Antigüidade e,
posteriormente, no Brasil, bem como as regras gerais de direitos humanos
voltados ao preso; b) promover abordagem panorâmica da ação federal e da
execução penal, avaliando a função social da pena, confrontando o modelo
ressocializador atual e procedendo a uma análise da sua eficiência ou falibilidade,
e c) analisar a questão da política de ressocialização então vigente, apontando as
deficiências e imperfeições, procedendo uma proposta de um sistema prisional
mais adequado.
Para a investigação do objeto desta pesquisa, o método a
ser utilizado, através da pesquisa bibliográfica, será o indutivo. Este vem a ser um
processo mental, e por intermédio dele, partindo de dados particulares,
suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal não
contida nas partes examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos é levar a
conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que as premissas nas quais se
basearam
9
.
Os dados foram coletados por meio de consultas a
periódicos, artigos de revistas especializadas no assunto, bibliografia, etc. Os
dados da pesquisa foram coletados entre o período de agosto de 2004 a maio de
2005. Para a análise dos dados coletados, utilizou-se a metodologia na análise de
conteúdo, na modalidade de análise temática. Os resultados são apresentados
em cinco categorias finais: o sistema prisional brasileiro, a necessidade da pena
privativa de liberdade, o Estado e a execução penal, a função social da pena e
políticas públicas de reinserção social. Detectou-se que o Estado não vem
conseguindo alcançar o seu mister no que diz respeito à ressocialização do
apenado, na medida em que não possui políticas públicas adequadas para tal
desiderato, fazendo-se necessário, portanto, a aplicação de políticas eficazes
para resolver ou minorar os problemas apresentados pelo sistema prisional
brasileiro.
Decorrente dos mencionados objetivos investigatórios foram
elaborados ts problemas e respectivas hipóteses que serviram de base para o
desenvolvimento da pesquisa, que serão a seguir analisadas.
Primeiro problema: Qual a origem da pena privativa de
liberdade e como se processou seu desenvolvimento ao longo da história de
modo a assumir a matiz atualmente existente? Hipótese: A pena privativa de
liberdade surgiu do próprio convívio do homem em sociedade, como mecanismo
de defesa, progresso e interação social, sendo que como é posta atualmente o
existia nas sociedades antigas. Havia a privação da liberdade, pom, esta
9
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade.
Fundamentos da Metodologia científica.
5. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 47.
apenas era usada para assegurar a execução da pena definitiva, que na sua
maioria era de morte. Somente com o advento do cristianismo é que assumiu o
caráter de sanção.
Segundo problema: Qual a função social do Estado frente à
imposição da pena privativa de liberdade e como este vem desempenhando suas
atividades de modo a viabilizar o alcance dos objetivos teoricamente
estabelecidos na legislação pátria? Hipótese: O Estado da atualidade possui a
função social de pacificar os conflitos, assegurando a continuidade das relões
sociais de forma harmoniosa e sem afronta às garantias individuais, de modo que
necessita sopesar, quando da aplicação da pena, a resposta esperada pela
sociedade com relação ao indivíduo infrator, com as garantias individuais deste
em receber o tratamento estatal adequado à sua ressocialização.
Terceiro problema: Existe a necessidade de um novo
modelo ressocializador para a pena privativa de liberdade e quais são as
propostas de novas políticas públicas adequadas à efetivação da função
educacional da pena? Hipótese: O modelo da pena privativa de liberdade
atualmente estabelecida pelo Estado brasileiro não tem alcançado os seus fins,
de modo que a função tríplice do encarceramento do infrator encontra-se
preterida em razão de outras prioridades. O atual modelo de correção não atende
às exigências sociais e nem individuais do violador da norma legal. A segregação
não pode ser feita de modo a violentar as garantias constitucionais, donde se faz
necessária a implementação de novas políticas públicas para enfrentar a
problemática.
Esta dissertação está dividida em três capítulos.
O primeiro capítulo apresenta uma abordagem histórica da
pena, bem como da sua evolução no direito brasileiro. Trata, também, dos
diversos tipos de pena, com breves explicações sobre a função de cada uma
delas no ordenamento jurídico brasileiro. Ao final, discorre sobre a questão do
egresso, com explanões sobre características, estigmas, preconceitos e
reincidência, culminando com breve análise sobre o sistema prisional brasileiro e
a crise falencial na ressocialização do egresso.
O segundo capítulo é dedicado ao estudo da função social
do Estado e a execução penal no Brasil. Abordam-se, ainda, os regimes
penitenciais brasileiros, bem como a questão dos benefícios da pena privativa de
liberdade e o fracasso do sistema prisional brasileiro.
O terceiro capítulo faz uma abordagem acerca do
neoliberalismo, bem como analisa as Políticas Públicas de reinserção do
apenado, na pena privativa de liberdade, com destaque para o seu conceito e seu
histórico. Traz, ainda, um estudo a respeito das políticas públicas de combate à
exclusão social de infratores, como também uma análise sobre a atual situação
das políticas públicas em relação ao apenado. Por derradeiro, disserta-se acerca
sobre os problemas que envolvem as políticas públicas de ressocialização e as
sugestões para o aprimoramento do atual sistema penitenciário brasileiro.
As categorias estratégicas deste trabalho, com seus
respectivos conceitos operacionais estarão contempladas ao longo da pesquisa,
sem quaisquer destaques.
Em relão aos procedimentos de pesquisa, optou-se por,
num primeiro momento, fazer uma alise do histórico das penas, bem como
fazer uma explanação sobre elas, para depois, tratar da questão da fuão do
Estado neste contexto e, finalmente, fazer uma abordagem sobre as políticas
públicas atualmente adotadas no que diz respeito à função ressocializadora da
pena e, só então, trazer sugestões de melhorias no tocante a elas.
2 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A NECESSIDADE DA PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE
2.1 HISTÓRICO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
A pena privativa de liberdade, como é posta atualmente, não
existia nas sociedades antigas. Havia a privação da liberdade, porém, esta era
usada apenas para assegurar a execução da pena definitiva, que na sua maioria
era de morte.
Explica Oliveira
10
que
A Lei Mosaica não mencionava uma única vez a pena detentiva
de prisão. Se o “Pentateuco”, não previa a pena de prisão,
posteriormente as “Crônicase o “Livro de Jeremias”, em muitas
passagens, falavam em prisões, fossas e entraves, como medidas
preventivas em que os acusados aguardavam o julgamento.
É só no “Livro de Esdras”, que, pela primeira vez, o
aprisionamento é considerado pena.
O antecedente remoto da prisão era o cárcere que
significava masmorra, subterrâneo ou torres. Os indivíduos da época viviam
amontoados aguardando seu julgamento ou pena que eram castigos corporais,
morte, etc. O cárcere era usado como local de retenção provisória, não era uma
pena. A pena surgiu na Idade Média por influência da Igreja, sendo aplicada no
século V
11
.
Foi na sociedade cristã que a prio tomou forma de sanção.
Na Idade Média, o Direito Canônico impunha a reclusão para os clérigos que
incorressem em infrações eclesiásticas e tamm para os hereges e delinqüentes
10
OLIVEIRA, Maria Odete de.
Prisão:
um paradoxo social. 2. ed. revista e ampliada. Florianópolis:
Ed. da UFSC, 1996, p. 44.
11
SANTOS, Vera Lúcia Silano Domingues dos.
O papel desempenhado pelo trabalho do (a)
preso(a) no seu processo de reinserção social.
Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2003,
p. 18.
julgados pela jurisdição da Igreja
12
.
A palavra penitência nos primórdios do cristianismo
significava "volta sobre si mesmo", com o espírito de compunção, para reconhecer
os próprios pecados ou delitos. Abominá-los e propor-se ao tornar a reincidir
13
.
Neste período, castelos, fortalezas e conventos mantinham
espaço como prisão. A Igreja, em suas leis, admitia a pena privativa de liberdade,
sendo consagrado, nesta época, o termo “penitenciária”
14
.
No século XVI, surgiram as galés ou galeras. Navios que
serviam de prisão, onde o preso cumpria a pena de remar, com dura jornada de
trabalho forçado. Alguns governos da Europa, como a Áustria, vendiam
condenados a outros países para o trabalho nas galés, pois representava
apreciável valor econômico. As galés desaparecem com o desenvolvimento da
navegação
15
.
Surgiram, também, neste período, as chamadas casas de
força, que eram destinadas a internar os mendigos, vagabundos, prostitutas e
jovens entregues à vida desonesta, os quais estavam sujeitos ao regime de
trabalho obrigatório
16
.
Em seguida, surgiram os presídios militares, em decorrência
da necessidade de mão-de-obra para os serviços de fortificações. Depois se
passou para os presídios de obras públicas com a condenação de réus a
trabalharem em canais e prédios públicos, presos a correntes, vigiados por
pessoal armado, permanecendo à noite em barracas ao ar livre. Como havia a
concorrência ao trabalhador livre, essa tendência não prosperou. Assim, optou-se
pelo encarceramento dos prisioneiros em velhas edificações que antes serviam
12
OLIVEIRA, Edmundo.
Origem e Evolução Histórica da Prisão
, p. 56.
13
SANTOS, Vera Lúcia Silano Domingues dos.
O papel desempenhado pelo trabalho do (a)
preso(a) no seu processo de reinserção social
, p. 18.
14
OLIVEIRA, Edmundo.
Origem e Evolução Histórica da Prisão
, p. 56.
15
OLIVEIRA, Edmundo.
Origem e Evolução Histórica da Prisão
, p. 58.
16
OLIVEIRA, Maria Odete de.
Prisão:
um paradoxo social, p. 46.
aos religiosos
17
.
O modelo prisional com caráter reeducacional originou-se na
Holanda com a criação de casas correcionais para homens e mulheres na cidade
de Amster, no final do século XVI. Essas prisões destinavam-se, a princípio, a
ser uma espécie de presídio abrigando vadios, mendigos e prostitutas.
Posteriormente surgiram em outros países da Europa, no século XVII,
penitenciárias com a mesma finalidade. Embora esses estabelecimentos se
destinassem ao específico cumprimento da pena com caráter educativo, é
importante ressaltar que penas de suplícios continuaram a ser aplicadas em
grande escala
18
.
Entre os séculos XVII e XVIII surgiu um grande número de
estabelecimentos de detenção para os condenados, pom estes não obedeciam
a nenhum princípio penitencrio, como também o tinham nenhuma forma de
higiene, pedagogia e moral
19
.
Em meio aos movimentos de reforma do regime carcerário,
adveio a Revolução Francesa, época em que o povo de Paris investiu contra a
Bastilha, que era o símbolo da opressão
20
.
Houve também, neste período, um grande avanço no Direito
Penal, especialmente com Cesare Beccaria e John Howard, que causaram uma
verdadeira revolão no que diz respeito ao direito de punir. Esses autores, em
suas famosas obras “Dos Delitos e das Penas”, de Beccaria, publicado em 1764,
e “O Estado das prisões na Inglaterra e País de Gales”, de Howard, lançado em
17
OLIVEIRA, Edmundo.
Origem e Evolução Histórica da Prisão
, p. 58.
18
ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de Administração Penitenciária.
Histórico
,
p. 1.
19
OLIVEIRA, Maria Odete de.
Prisão:
um paradoxo social, p. 46.
20
A Bastilha era uma antiga fortaleza construída em 1370, em Paris, pelo Rei Charles V. A
fortaleza veio a tornar-se prio do Estado sob Luis XIII. Tinha capacidade para 42 presos.
Quando a Revolução Francesa teve início, a primeira coisa que o povo fez foi atacar e destruir a
Bastilha, no dia 14 de julho de 1789. Nessa ocasião só havia na Bastilha 7 detentos, no entanto,
a sua tomada pela massa popular foi de vital importância, pois representou a vitória do povo
sobre o arbítrio da realeza (
GRANDE Enciclopédia Larousse Cultural
. São Paulo: Nova Cultural,
1998, V. 3, p. 678.
1776, levantaram a questão das concepções pedagógicas de pena naquela
época, pela grande preocupação que trouxeram no combate aos abusos e
torturas que eram cometidos em nome do Direito Penal.
Uma das primeiras vozes a repercutir na consciência pública
para a reforma da sistemática penal foi de Césare Beccaria. A partir deste
momento, os primeiros indícios de respeitabilidade dos direitos indisponíveis do
condenado, proclamadas nos prinpios adotados pela Declaração dos Direitos do
Homem
21
.
Na França, em 1819, o rei Luis XVIII criou o “Conseil
Supérieur des Prisons” (Conselho Superior das Prisões). Com a criação desse
conselho, vários procedimentos de investigação foram instaurados, no sentido de
sanar as mazelas e improbidades, nos estabelecimentos franceses destinados a
receber presos e infratores submetidos à medida de segurança por enfermidade
mental
22
.
Com a morte de Howard, suas idéias tiveram
prosseguimento por meio do criminalista e filósofo inglês Jeremy Bentham, que
apresentou um modelo de estabelecimento prisional de forma diferente,
conhecido como panóptico. Essa nova concepção penitenciária mereceu
destaque pelo seu correcional apresentado, com a separação dos presos por
sexo, a importância de adequada alimentação, vestuário, limpeza, trabalho,
assistência à saúde, educação e ajuda aos liberados
23
.
O Panóptico era uma espécie de prisão celular de forma
radial, de modo que uma só pessoa, colocada em um ponto estratégico, poderia
fazer a vigilância de todas as celas, sendo que os aprisionados nada podiam ver
nem mantinham contato com os companheiros de celas vizinhas. Nenhum tipo de
projeto, influência, contágio e outras barbáries havia possibilidade de serem
21
ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de Administração Penitenciária.
Histórico
,
p. 1.
22
OLIVEIRA, Edmundo.
Origem e Evolução Histórica da Prisão
, p. 60.
23
OLIVEIRA, Maria Odete de.
Prisão:
um paradoxo social, p. 46.
executadas. Por abrigar apenas um prisioneiro em cada cela, todas voltadas para
o centro do pavilhão, contendo neste uma torre de vigia, eram eles guardados
com maior segurança e economia.
Explica Foucault
24
que o desenho do sistema panóptico
permitia um controle global do espo à sua volta, poder esse que incide sobre os
homens e suas relações, atras de intervenções psíquicas, com objetivo de
“desmanchar suas perigosas misturas” sem fechar os condenados em
instituições.
O funcionamento era automático e considerava o indivíduo
como objeto observável e não sujeito da relação de dominão. O sistema
panóptico permitia a transferência da vigilância para o vigiado, reduzindo custos
com ferramentas de controle: “o detento nunca deve saber se está sendo
observado; mas deve ter certeza de que sempre pode sê-lo”
25
.
Já no século XX, destaca-se um período triste da história da
humanidade, o qual Oliveira
26
chama de “o quadro marcante da desmoralização
da prisão” retratada nos desumanos campos de concentração projetados, na
Europa, pelo plano nazista do Terceiro Reich, liderado por Adolf Hitler, em nome
de horrenda política anti-semita. Auschwitz, na Polônia, que funcionou de 1940 a
1945, foi um dos grandes campos de concentração para encarcerar e exterminar,
em câmaras de gás e fornos crematórios, milhares de judeus.
Nos dias atuais, apesar dos avanços, a prio continua
sendo como um meio segregatório pouco eficaz na ressocialização do
delinqüente. O que mais se vê são casos trágicos, causados pelas pressões, das
quais se destacam: a morte de 43 presos, por policiais, na Penitenciária de Attica,
em Nova Iorque, em dezembro de 1971; o motim, em fevereiro de 1995, na
Penitenciária Central de Argel, que culminou com a morte, por policiais, de 96
presos liderados por ativistas pertencentes ao grupo islâmico que lutava contra o
24
FOUCAULT, Michel.
Vigiar e Punir
. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1990. 174.
25
FOUCALT, Michel.
Vigiar e punir,
p. 178.
26
OLIVEIRA, Edmundo.
Origem e Evolução Histórica da Prisão
, p. 60.
Governo da Argélia; o massacre da Prio de Carandiru, São Paulo, em 2 de
outubro de 1992, resultando na morte de 111 presos, por integrantes da Polícia
Militar de São Paulo; a matança, por policiais, de 290 presos ligados ao
Movimento Sendero Luminoso, em abril de 1986, no Peru, nas Prisões de Santa
Bárbara, San Pedro e El Frontón
27
.
2.2 A PENA DE PRISÃO NO BRASIL
Antes do descobrimento do Brasil, entre os habitantes que
aqui viviam, há registros da aplicação da pena corporal como forma de punição,
conforme explicação de Gonzaga
28
, segundo o qual
As penas corporais foram comumente empregadas, embora não
se tenha notícias de métodos torturantes. A pena de morte era
executada com o uso do tacape, recorrendo-se também a
venenos, sepultamento de pessoas vivas, especialmente crianças,
e enforcamento. Menciona ainda como forma de execução capital
o enforcamento. A pena de açoites é também referida, mas a
privação da liberdade existia como forma de prisão semelhante à
atual “prisão processual”, destinando-se à detenção de inimigos,
em seguida à captura, ou como recolhimento que antecipava a
execução da morte.
Já a partir do descobrimento, a história do sistema prisional
brasileiro começa a se difundir com a de Portugal, lugar onde, naquele período,
vigoravam as Ordenações Afonsinas, promulgadas em 1446, sob o reinado de D.
Afonso V, influenciadas pelo direito romano e canônico
29
.
Assim, como nos demais países do mundo dessa época, a
prisão era vista como uma medida preventiva, com o escopo de evitar a fuga do
delinqüente até o seu julgamento, sendo que em raras hipóteses figurava como
27
OLIVEIRA, Edmundo.
Origem e Evolução Histórica da Prisão
, p. 60.
28
GONZAGA, João Bernardino.
O Direito penal indígena: à época dos descobrimentos do Brasil.
o Paulo: Max Limonad, s.d., p. 171.
29
BITENCOURT, Cezar Roberto.
Tratado de direito penal:
parte especial. 3. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2003, vol. 2, p. 26.
um modo de coerção para obrigar o autor ao pagamento da pena pecuniária
30
.
Com a promulgação das Ordenações Manoelinas, em 1521,
por determinação de D. Manuel I, manteve-se o sistema da legislão anterior,
com a previsão da prisão com o caráter coercitivo até o julgamento e a
condenação do delinqüente
31
.
Apesar de estar vigente à época do descobrimento, as
Ordenações Afonsinas não tiveram influência no Brasil, pois, neste período, que
vigorava o regime das capitanias, o arbítrio dos donatários é que impunha as
regras jurídicas. Tal poder tinha respaldo nas cartas de doação, que lhes davam
competência para o exercício da justiça
32
.
Bitencourt
33
afirma que com estes donatários se instalou um
regime jurídico despótico, sustentado em um neofeudalismo luso-brasileiro que,
distantes do poder da coroa, possuíam um ilimitado poder de julgar e administrar
os seus interesses e que desta forma, essa fase colonial brasileira reviveu os
períodos mais obscuros, violentos e cruéis da História da Humanidade, vividos em
outros continentes.
Com o advento dos governos-gerais, a legislação
portuguesa tornou-se mais efetiva, haja vista o caráter administrativo que então
se implantou, de modo centralizado, o que propiciava uma justiça mais
disciplinada
34
.
Consoante Dotti
35
, as Ordenações Filipinas, em vigor a partir
de 1603, foram as que mais tiveram aplicação no Brasil e acresceram o elenco de
infrações e reações tratadas no diploma anterior. Nesse ordenamento, penas
30
DOTTI, René Ariel.
Bases e alternativas para o sistema de pena.
o Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998
,
p. 42.
31
DOTTI, René Ariel.
Bases e alternativas para o sistema de penas,
p. 43.
32
PIERANGELI, José Henrique.
Códigos Penais do Brasil:
evolução histórica. 2. ed. Revista dos
Tribunais, 2001, p. 7.
33
BITENCOURT, Cezar Roberto.
Tratado de direito penal:
parte especial, p. 27.
34
PIERANGELI, José Henrique.
Códigos Penais do Brasil:
evolução histórica, p. 7.
35
DOTTI, René Ariel.
Bases e alternativas para o sistema de penas,
p. 45.
extremamente graves eram cominadas aos infratores.
Essas Ordenões, assim como as anteriores, desvendaram
durante dois séculos a “face negra” do Direito Penal e um dos clássicos exemplos
deste período é a sentença de Tiradentes, que revela toda a crueldade deste
período da história. Com a Proclamação da Independência do Brasil, em 1822,
inúmeras mudanças ocorreram em diversos campos do Direito. A Constituição de
25 de março de 1824 foi uma delas, ao declarar, em seu artigo 179, a
inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos, tendo por base a
liberdade, a segurança individual e a propriedade. Previu, também, a organização
urgente de um código criminal “fundado nas sólidas bases de justa e
eqüidade”
36
.
Em 1832, os estudiosos preocupavam-se em melhorar a
sorte dos presos, até então ninguém se preocupava. A segurança nas prisões
precisava de atenção pública, pois a preocupação era dos especialistas no Brasil
- colônia, o Código Penal de 1830, o estabelecia um regime penitenciário, nem
se referia a tipos especiais de presídios, prevalecendo a confusão de detentos e a
promiscuidade, desobedecendo qualquer princípio de ordem, higiene e moral
37
.
A partir deste período, grandes mudanças ocorreram em
matéria criminal. O Código Criminal do Império do Brasil foi sancionado pelo
Imperador D. Pedro I, em 16 de dezembro de 1830 e seguiu o exemplo das idéias
liberais que dominavam a Inglaterra, França, os Estados Unidos e outros países
38
.
Com a Proclamação da República, em 1889, e, em
conseqüência da rem abolição da escravidão, que acarretou algumas
modificações no Código, com a supressão de algumas figuras delituosas, houve a
necessidade da elaboração de um novo diploma criminal. Assim, em 1890 foi
36
DOTTI, René Ariel.
Bases e alternativas para o sistema de penas,
p. 49-50.
37
SANTOS, Vera Lúcia Silano Domingues dos.
O papel desempenhado pelo trabalho do (a)
preso(a) no seu processo de reinserção social
, p. 23.
38
DOTTI, René Ariel.
Bases e alternativas para o sistema de penas,
p. 51.
expedido o Decreto 817 que mandava observar o novo Código Penal
39
.
O Código Penal de 1890 foi mais avançado quanto as
penitenciárias agrícolas, mas o sistema adotado não foi posto em execução, pois
as colônias agrícolas, estágio para a obtenção do livramento condicional,
regulamentado pelo decreto 16.665 de 06/11/1924, não foram estabelecidas,
continuando as penas, sem distião, cumprindo-se em cadeias e presídios,
havendo desrespeito à pessoa do preso, o que feria a própria Constituição de
1981
40
.
Este diploma previa as seguintes modalidades de penas
privativas de liberdade: a) prisão celular, aplicável a quase todos os crimes e
algumas contravenções, tendo como característica o isolamento celular com
obrigação de trabalho, a ser cumprida “em estabelecimento especial”; b) reclusão,
executada em fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares; c)
prisão com trabalho obrigatório, cominada para os vadios e capoeiras a serem
recolhidos às penitenciárias agrícolas destinadas para tal fim ou aos presídios
militares; d) prisão disciplinar destinada aos menores até a idade de 21 anos, a
ser executada em estabelecimentos industriais especiais
41
.
Em 1921 foi inaugurada a “Penitenciária do Estado”, no
Carandiru, que durante muito tempo foi considerada modelo quanto aos aspectos
arquitetônico e administrativo. Ali, desde o seu princípio, foi implementado o
“sistema celular e progressivo”, sendo que esta progressão estava adaptada às
condições brasileiras
42
.
Ocorre que este “modelo de penitenciáriadenominada
Carandiru, aos poucos foi esmorecendo, chegando a pontos críticos nos seus
últimos anos de funcionamento, tendo como um de seus destaques o massacre
ocorrido em 2 de outubro de 1992, com a morte de 111 presos, por integrantes da
39
DOTTI, René Ariel.
Bases e alternativas para o sistema de penas,
p. 54.
40
SANTOS, Vera Lúcia Silano Domingues dos.
O papel desempenhado pelo trabalho do (a)
preso(a) no seu processo de reinserção social
, p. 23.
41
DOTTI, René Ariel.
Bases e alternativas para o sistema de penas,
p. 55.
42
FALCONI, Romeu.
Sistema presidial:
reinserção social? São Paulo: Ícone, 1998, p. 55.
Polícia Militar de São Paulo.
Com o advento do Código Penal Brasileiro de 1940 veio a
simplificação, com a classificação das penas em duas categorias: principais e
acessórias. Aquelas subdivididas em reclusão, detenção e multa. Estas, em perda
da fuão pública, interdição de direitos e publicação das sentenças. Neste
período já existia em alguns lugares, principalmente nos Estados-membros mais
ricos, alguma estrutura apta para observar as distinções introduzidas pelo então
recente Código Penal, que aclarava os conceitos e aplicações das penas de
reclusão e detenção, além de estabelecer o sistema progressivo em quatro
períodos: isolamento, trabalho, remoção para a Colônia Agrícola e livramento
condicional
43
.
Com o passar dos anos, o Código Penal Brasileiro de 1940
foi se desatualizando e várias foram as tentativas de melhorar a legislação penal.
Em 1957 foi criada a Lei nº 3.274, em 02 de outubro, dispondo sobre o regime
penitenciário. Com esta lei declarou-se expressamente a necessidade de se
garantir a individualização das penas, a classificação dos delinqüentes, a
separação dos presos provisórios e dos condenados, a concessão do trabalho e a
percepção do salário, a educação moral, intelectual, física e profissional dos
sentenciados, a assistência social aos condenados, aos egressos, e às suas
famílias e às famílias das vítimas
44
.
Nos anos 60, vinte anos as a publicão do Código Penal,
a doutrina e a jurisprudência reconhecem e proclamam as dificuldades e o
desprestígio da execão das penas privativas de liberdade.
O Decreto-lei nº 1.004, de 21 de outubro, ou Código Penal
de 1969, como ficou conhecido, foi uma dessas tentativas de melhorar a
legislação penal, porém nem chegou a entrar em vigor devido às grandes
dificuldades de natureza político-institucional e obstáculos burocráticos, tendo
43
FALCONI, Romeu.
Sistema presidial:
reinserção social?, p. 55.
44
DOTTI, René Ariel.
Bases e alternativas para o sistema de penas,
p. 71.
sido revogado pela Lei nº 6.578/78, constituindo o exemplo tragicômico da mais
longa vacacio legis
45
de que se tem notícia
46
.
Finalmente, em 1984, foi promulgada a Lei nº 7.209, de 11
de julho, que deu nova redação à Parte Geral do Código Penal Brasileiro. Essa lei
manteve a pena privativa de liberdade, nas suas duas modalidades, reclusão e
detenção, como também trouxe algumas modificações, tais como: o repúdio à
pena de morte, novas penas patrimoniais, a extinção das penas acessórias e a
revisão das medidas de segurança
47
.
Também em 11 de julho de 1984 foi promulgada a Lei nº
7.210 (Lei de Execução Penal), que buscava trazer avanços no que diz respeito
ao tratamento dado aos condenados.
Com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil, em 1988, um novo tratamento foi dado aos autores de
crimes hediondos, atras da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990. Esta lei
estabeleceu que estes crimes, bem como a prática de tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e o terrorismo são insusceveis de indulto, graça, anistia, fiança e
liberdade provisória, devendo a pena ser cumprida integralmente em regime
fechado
48
.
Poucos anos depois, em 1995, a Lei nº 9.099, de 26 de
setembro, que trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais trouxe um novo
tratamento às infrações penais de menor potencial ofensivo, ou seja, as
contravenções penais e os crimes cominados com pena máxima não superior a
45
Vacacio legis: Dispensa ou isenção da lei (vacância). SOIBELMAN, Leib. Dicionário Geral de
Direito, p. 526.
46
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 28.
47
DOTTI, René Ariel. Bases e alternativas para o sistema de penas, p. 93-100.
48
Art. 2º.
Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I - anistia, graça e indulto; II - fiaa e liberdade provisória. § 1º A pena por crime previsto neste
artigo será cumprida integralmente em regime fechado. § 2º Em caso de sentença
condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. § 3º A
prisão temporária, sobre a qual dispõe a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, nos crimes
previstos neste artigo, terá o prazo de trinta dias, prorrogável por igual período em caso de
extrema e comprovada necessidade.
um ano
49
.
Esta lei foi um grande avao em matéria penal, haja vista a
simplicidade e desburocratização processual, além de ser uma nova oportunidade
aos autores de pequenas infrações, sem a necessidade do prejudicial
encarceramento.
Atualmente o sistema prisional brasileiro passa por múltiplas
crises, com presídios e penitenciárias que não oferecem segurança, tampouco
ressocializam os detentos.
O grande avanço vislumbrado neste escorço histórico diz
respeito às infrações de menor potencial ofensivo, que agora têm um tratamento
diferenciado, sem a necessidade da privação da liberdade do indivíduo.
A pena privativa de liberdade não tem cumprido o seu
mister, de modo que a busca por penas substitutivas para aqueles crimes de
menor potencial ofensivo pode ser a chance da uma melhora no sistema prisional,
que há tempos vem mostrando sinais de falência.
2.3 TIPOS DE PENA E SUA FUNÇÃO
As discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca das
espécies de pena estão concentradas na utilidade de cada uma delas. Entendem
os doutrinadores que a pena não pode ser uma vingança do Estado em relação a
um mal praticado. A pena tem uma razão filosófica em si mesma: reeducar para
reinserir o infrator ao meio social. O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 32, a
respeito das espécies de pena, dispõe que:
Artigo 32.
As penas são:
49
Artigo 61
. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta
Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um
ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial.
I - privativas de liberdade;
II - restritivas de direitos;
III - de multa.
No que tange às penas privativas de liberdade, estas podem
ser de reclusão e de detenção. A pena de reclusão deve ser cumprida em regime
fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto ou aberto,
salvo necessidade de transferência para o regime fechado (artigo 33 a 36, do
Código Penal Brasileiro).
O artigo 33, §1º do Código Penal Brasileiro também explica
que se considera regime fechado a execução da pena em estabelecimento de
segurança máxima ou média; regime semi-aberto, a execão da pena em
colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar e regime aberto a execução
da pena em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado.
As penas restritivas de direitos, de acordo com a nova
redação dada ao artigo 43
50
e seguintes do Código Penal Brasileiro, pela Lei nº
9.714/98, dividem-se em cinco modalidades: prestação pecuniária, perda de bens
e valores, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição
temporária de direitos e limitação de fim de semana.
A prestão pecuniária consiste no pagamento em dinheiro
à vítima, a seus dependentes ou a entidade social pública ou privativa com
destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo
nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos
51
.
50
Artigo 43.
As penas restritivas de direitos são:
I prestação pecuniária; II perda de bens e valores; III (VETADO); IV prestação de serviço
à comunidade ou a entidades públicas; V interdição temporária de direitos; VI limitação de
fim de semana.
51
Código Penal Brasileiro,
Artigo 45
.
(omissis)
§ 1º A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes
ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não
inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) sarios mínimos. O
valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se
coincidentes os beneficiários. (Incluído pela Lei nº 9.714/98)
A perda de bens e valores consiste na subtração de bens
pertencentes aos condenados em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu
valor terá como teto o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo
agente ou por terceiro, em conseqüência da prática do crime
52
.
A prestação de serviços à comunidade ou a entidades
públicas, aplicável a condenações superiores a seis meses de privação de
liberdade, consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado
53
.
As penas de interdição temporária de direitos, dependendo
do delito praticado pelo condenado são: proibição do exercício de cargo, função
ou atividade pública, bem como de mandato eletivo; proibição do exercício de
profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou
autorização do poder público; suspensão de autorização ou de habilitação para
dirigir veículo e proibição de freqüentar determinados lugares
54
.
Finalmente, a limitação de fim de semana consiste na
obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em
casa do albergado ou outro estabelecimento adequado, sendo que durante a
permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou
atribuídas atividades educativas
55
.
No que tange à pena de multa, esta consiste no pagamento
ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa,
sendo, no mínimo, de dez, e, no máximo, de trezentos e sessenta dias-multa
56
.
A respeito da função da pena, há que se dizer que no Direito
Penal é quase unânime o entendimento de que esta se justifica por sua
necessidade. No entanto, existem diversas teorias que tentam explicar o sentido,
a função e a finalidade da sanção penal. Entre estas se destacam algumas mais
52
Artigo 45, §3º, Código Penal Brasileiro (Incluído pela Lei nº 9.714/98).
53
Artigo 46, Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998.
54
Artigo 46, Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 9.714, de 1998.
55
Artigo 48, Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984.
56
Artigo 49, Código Penal Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984.
importantes: teorias absolutas ou retributivas, teorias relativas (prevenção geral e
prevenção especial) e teorias unificadoras ou ecléticas.
De acordo com a teoria absoluta, a finalidade da pena é
simplesmente o castigo pelo mal praticado, com isso havendo a reparação
moral
57
.
Esta teoria advém do Estado absolutista, que considerava
que o poder soberano era-lhe concedido diretamente por Deus. A idéia que se
tinha da pena era a de ser um castigo com o qual se expiava o mal (pecado)
cometido
58
.
Foi neste período que teve origem a teoria do “contrato
social”, segundo a qual aquele que contrariasse esse contrato social era tido
como traidor, haja vista que sua atitude não cumpria o compromisso de conservar
a organização social
59
.
O grande idealizador desta teoria foi Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778). Para ele, que era avesso ao absolutismo, a solução dos
problemas estatais residia na conferência de toda legitimidade da ação política à
vontade geral (povo). Daí se extrai que para Rousseau a soberania estava no
povo eo no Estado, portanto, aquele poderia rebelar-se contra este.
Rousseau
60
, em sua obra “Do contrato Social” defendia que:
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de
toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e
pela qual, cada um, unindo-se a todos, só obedeça, portanto, a si
mesmo, e permaneça tão livre como antes. É esse o problema
fundamental para o qual o contrato social dá a solução.
Desta forma, para Rousseau
61
,
57
SILVA, Jorge Vicente.
Execução penal
. 2. ed. 3. tir. Curitiba: Juruá, 2003, p. 12.
58
BITENCOURT, Cezar Roberto.
Tratado de direito penal:
parte especial, p. 42.
59
BITENCOURT, Cezar Roberto.
Tratado de direito penal:
parte especial, p. 43.
60
ROUSSEAU, Jean-Jacques.
Do contrato social:
princípios do direito político. SABINO JR,
Vicente (trad.), São Paulo: CD, 2003, p. 30.
As cláusulas desse contrato são de tal maneira determinadas pela
natureza do ato que a menor alteração as tornaria vãs e de defeito
nulo; de sorte que, embora jamais tenham sido formalmente
enunciadas, são as mesmas em todas as partes, tacitamente
admitidas e reconhecidas em todas as partes; até que, violado o
pacto social, cada um retorne então aos seus primeiros direitos e
retorne a sua liberdade natural, perdendo a liberdade
convencional pela qual ele renunciou.
Bobbio
62
afirma que tanto Hobbes quanto Rousseau
concebem o contrato social como um “contrato de alienação” dos próprios direitos
(tratando-se, portanto, de um verdadeiro pactum subiectioneis), que é exatamente
a vontade dos indivíduos contraentes. No entanto, diferentemente da renúncia de
Hobbes, que leva a abandonar a liberdade natural para obter a servidão civil, a
renúncia de Rousseau deveria levar a abandonar, sim, a liberdade natural, mas
para reencontrar uma liberdade mais plena e superior, que é a liberdade civil, ou
liberdade no Estado.
Destarte, para Rousseau
63
, “a liberdade consiste na
obediência à lei que prescrevemos a s mesmos”, possuindo a teoria
absolutista, neste sentido, cunho meramente vingativo.
De acordo com o esquema retribucionista, a pena tem como
único fim a realização da justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser
compensada com a imposição de um mal, que é a pena.
Destacam-se como principais representantes desta teoria,
Kant e Hegel, havendo, no entanto, uma diferença entre a formulação de um e
outro: enquanto em Kant a fundamentação é de ordem ética, em Hegel é de
ordem jurídica
64
.
61
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político. SABINO JR,
Vicente (trad.), São Paulo: CD, 2003, p. 30.
62
BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. FAIT, Alfredo (trad.). 4.
ed. Brasília: Editora Universidade de Bralia, 1997, p. 46-47.
63
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político, p. 58.
64
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 43.
A teoria relativa vê na pena cunho exclusivamente
preventivo, valendo a segregação como forma de proteção da sociedade, am de
oportunidade de ressocializar o criminoso
65
.
De acordo com as teorias preventivas a pena o visa
retribuir o fato delitivo cometido, mas sim prevenir a sua prática. Esta teoria
divide-se em duas direções: prevenção geral e prevenção especial. A prevenção
geral fundamenta-se em duas idéias básicas: a idéia de intimidação ou a
utilização do medo, e a ponderação da racionalidade do homem. Já a prevenção
especial procura evitar a prática do delito, mas, ao contrário da prevenção geral,
dirige-se exclusivamente ao delinqüente em particular, objetivando que este não
volte a delinqüir
66
.
Para a teoria mista, a sanção penal por sua própria natureza
é castigar o infrator pelo mal praticado, porém, tem a finalidade tamm de
prevenir educando e corrigindo-o
67
.
Esta teoria tenta agrupar em um conceito único os fins da
pena, buscando recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e
relativas.
No âmbito político atual, está na pauta do dia a discuso
sobre as funções manifestas e latentes (reais) do poder punitivo estatal, no qual
aquilo que parece estar se concretizando é um absoluto predomínio da utilizão
com fins políticos da pena privativa de liberdade em suas funções o
declaradas, portanto latentes, sobre aquelas funções cujos fins estão
pretensamente legitimados pela doutrina penal e que estão inseridos no conceito
do jus puniendi, as funções manifestas ou reais
68
.
65
SILVA, Jorge Vicente. Execução penal, p. 12.
66
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial, p. 43.
67
SILVA, Jorge Vicente. Execução penal, p. 12.
68
ZAFFARONI, Eugênio Raul et al, apud GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel. Revisão crítica da
pena privativa de liberdade: uma aproximação democrática. Disponível em
Neste sentido, Mir Puig
69
faz uma aproximação axiológica
entre os fins da pena e os fins do Estado que, para ele, deve ser Social e
Democrático de Direito o que, em última instância, fará com que os fins da pena
estejam intimamente ligados aos fins pugnados pelo Estado.
Destarte, afasta-se a absolutização das penas fundadas em
uma concepção metafísica de justiça desvinculada dos fins políticos garantidos
pela Constituição do Estado Social e Democrático de Direito, garantindo-se desse
modo, uma correta e fundamentada aplicação das sanções punitivas
70
.
Todo o discurso penal tradicional hoje pode ser condensado
em um discurso militar, ou seja, na guerra contra o crime. É bom que se lembre,
na guerra não há leis, ou melhor, há a lei da guerra, segundo a qual tudo é
permitido para vencer o inimigo.
Destarte, mister que se erija um novo pensamento, fundado
no reconhecimento dos efeitos degradantes da prisão, da seletividade do sistema
penal como realidade incontestável, do fenômeno da prisionização, da existência
da cifra negra da criminalidade oculta, do poder descontrolado das agências
executivas do sistema penal, do pequeno poder que detêm as agências judiciais
frente aos sistemas penais paralelos e subterrâneos.
Enfim, uma nova teoria da pena passa necessariamente
pela desconstrução do que está posto, pela oposição a todo um discurso que
impõe o consenso como forma de manutenção do poder, já que
pretender conservar um poder exercido mediante um discurso
falso, quando se sabe que este legitima e sustenta um poder
diverso exercido por outros, que custa vidas humanas, que
<http://www.pgj.ma.gov.br/ampem/artigos/artigos2005/cadowr9p.pdf>. Acesso em 10 jun 2005,
p. 1.
69
MIR PUIG, Santiago,
apud
GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel.
Revisão crítica da pena
privativa de liberdade:
uma aproximação democrática, p. 1.
70
GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel.
Revisão crítica da pena privativa de liberdade:
uma
aproximação democrática, p. 2.
degrada um grande número de pessoas (tanto aquelas que o
sofrem quanto as que o exercem) e que se trata de uma constante
ameaça aos âmbitos sociais de auto-realização, é, a todas as
luzes, eticamente reprovável
71
.
Uma das mais atualizadas teorias críticas sobre as funções
da Pena denomina-se “Teoria negativa ou agnóstica da pena”, que se resume em
não acreditar que a pena possa cumprir na grande maioria dos casos
nenhuma das funções manifestas a ela atribuídas.
Esta teoria, segundo Guedes
72
trata de
toda e qualquer coerção que impõe uma privação de direitos ou
uma dor, sem reparar nem restituir, nem tampouco deter as lesões
em curso ou neutralizar perigos eminentes, sendo, na verdade,
uma manifestação do poder punitivo que abrange diversas formas
de coerção, tais como o poder de vigiar, observar, controlar
movimentos e idéias, obter dados da vida privada dos cidadãos,
processá-los e arquivá-los, impor restrições à liberdade sem
controle judicial.
Em razão de negar os possíveis efeitos positivos da pena, a
teoria agnóstica se volta para a contenção do poder punitivo, da violência a ele
imanente, dirigindo todos os seus esforços para as agências judiciais, como
possíveis instâncias de contenção da criminalização desenfreada e de seus
efeitos nefastos
73
.
Diferentemente das demais correntes de pensamento, a
teoria negativa é constituída não com o escopo de justificar o poder punitivo, mas
sim de contê-lo. A fuão do Direito Penal deixa de ser retributiva ou preventiva,
passando a ser garantista, não lhe cabendo “fazer justiçaou “coibir a prática de
71
ZAFFARONI, Eugênio Raul et al,
apud
GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel.
Revisão crítica da
pena privativa de liberdade:
uma aproximação democrática.
72
GUEDES, Guilherme.
Releitura Democrática da legitimação das conseqüências jurídicas do
delito
. Disponível em O Direito.com. <http://www.odireito.com>. Publicado em 09 fev. 2005.
Acesso em 14 jun 2005, p. 1.
73
GUIMARÃES, Carlos Alberto Gabriel.
Revisão crítica da pena privativa de liberdade:
uma
aproximação democrática, p. 1.
delitos” (já que para isto mostrou-se incapaz), mas sim neutralizar a constante
ameaça dos elementos do estado de polícia
74
.
Assim, concebe-se a pena como toda e qualquer “coerção
que impõe uma privação de direitos ou uma dor, mas não repara nem restitui,
nem tampouco detém as lesões em curso ou neutraliza perigos eminentes”. Em
outros termos, para a teoria negativa, a pena passa a ser compreendida como
mero ato de poder que só tem explicação política, sendo uma manifestação do
poder punitivo que abrange diversas formas de coeão, tais como o poder de
vigiar, observar, controlar movimentos e idéias, obter dados da vida privada dos
cidadãos, processá-los e arquivá-los, impor restrições à liberdade sem controle
judicial
75
.
Em relação ao fundamento da pena, sustenta-se que a
sanção punitiva não deve “fundamentar-se” em nada que não seja o fato
praticado, qual seja, o delito. Em resumo, esta teoria aceita a retribuição e o
princípio da culpabilidade como critérios limitadores da intervenção da pena como
sanção jurídico penal. A pena não pode, pois, ir além da responsabilidade
decorrente do fato praticado
76
.
A Lei de Execução Penal, em seu artigo 1º, dispõe que:
Artigo 1º
A execão penal tem por objetivo efetuar as
disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar
condições para a harmônica integração social do condenado e do
internado.
No entanto, conforme assevera Silva
77
, não se pode deixar
de questionar a instituição da prisão na medida em que atribui à pena uma dúplice
74
GUEDES, Guilherme.
Releitura Democrática da legitimação das conseqüências jurídicas do
delito
, p. 1.
75
GUEDES, Guilherme.
Releitura Democrática da legitimação das conseqüências jurídicas do
delito
, p. 1.
76
BITENCOURT, Cezar Roberto.
Tratado de direito penal:
parte especial, p. 44.
77
SILVA, Franciny Abreu de Figueiredo e.
Crimes hediondos:
o regime prisional único e suas
conseências práticas no sistema punitivo de Santa Catarina. Floriapolis: OAB/SC Editora,
2003, p. 23.
função: ressocializadora e retributiva.
A respeito deste assunto, Bitencourt
78
assevera que
A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário,
estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao
meio social. A prisão não cumpre uma função ressocializadora.
Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de
dominação.
Deste modo, pode até ser que a pena possa curar ou
reeducar, mas não se pode afirmar que a pena por si só sirva ou possa servir
para reeducar o apenado, principalmente na realidade brasileira. A verdade é que
a pena constitui uma reão da sociedade que, frente ao delito, reage de forma
vingativa, voltando-se contra o réu e desejando sua punição e castigo. Assim, a
pena refoa no cidadão uma atitude de fidelidade à lei, apesar de não ser este o
“fim oficial” da pena privativa de liberdade
79
, isto porque ela possui função
ressocializadora.
É preciso reavaliar as verdadeiras finalidades da pena
privativa de liberdade, pois, da forma como ela está sendo colocada atualmente
não está se prestando aos fins a que se destina, fazendo-se necessária, portanto,
uma mudança drástica no sistema prisional brasileiro.
2.4 O EGRESSO: características, estigmas, preconceito e reincidências
Entende-se por egresso o detento ou recluso que, tendo
cumprido a pena, ou por outra causa legal, se retirou do estabelecimento penal.
A lei fala em “assistência ao egresso”, abrangendo, de
acordo com a concepção moderna de execução da pena, tanto o “egresso
78
BITENCOURT, Cezar Roberto.
O objetivo ressocializador na visão da criminologia crítica
.
Revista dos Tribunais. SP, V. 662, p. 247 255, dez. 1990, p. 250.
79
SILVA, Franciny Abreu de Figueiredo e.
Crimes hediondos:
o regime prisional único e suas
conseências práticas no sistema punitivo de Santa Catarina, p. 24.
definitivo”, como oegresso provisório”.
Nesse conceito de “egresso definitivo” deve-se entender o
liberado definitivamente, que já cumpriu completamente a sua pena em
estabelecimento prisional, ou que já ultrapassou o período de provas da liberação
provisória ou condicional. Já o “egresso provisórioé aquele que se encontra sob
livramento condicional ou em qualquer modalidade do regime aberto: prisão-
albergue, trabalho externo, etc.
Rosa
80
faz uma interessante explanação sobre a condição
do egresso através dos tempos dizendo que uma das penas mais usadas no
Direito Penal antigo e medieval era a chamada “perda da paz, com a “interdição
à água e ao fogo”, muito conhecida dentre os romanos. Através dela o condenado
era proscrito da sociedade e considerado um fora da lei.
O fora da lei poderia ser morto por qualquer um, pois “pode
ser morto meritoriamente, sem a proteção da lei, o que o viver conforme a lei
dizia a lei. Bastava que o grupo retirasse a sua mão protetora do delinqüente para
sua vida correr perigo. Para quem perdia a paz deixava de existir o benefício da
solidariedade e ficava aberto o caminho para as forças destruidoras que viviam a
seu redor. Da destruição do que perdia a paz se encarregavam os espíritos, os
inimigos e aos animais ferozes
81
.
Tratamento parecido é dispensado ao egresso até os dias
de hoje. O delinqüente, depois que paga pelo seu crime, ao ingressar novamente
na sociedade sofre diversos tipos de preconceitos.
D’urso
82
avalia que um dos maiores desafios da sociedade
moderna é assistir ao homem que enfrenta os problemas advindos do
encarceramento, quer durante o cumprimento da pena de prisão, quer após esta,
80
ROSA, Antônio José Miguel Feu.
Execução penal,
p. 118-119.
81
ROSA, Antônio José Miguel Feu.
Execução penal,
p. 119.
82
D’URSO, Luiz Flávio Borges.
O egresso do cárcere
. Disponível em <www.noticias-
forenses.com.br/artigos/nf188/luiz-durso-188.htm. Acesso em 11 de agosto de 2004, p. 2.
quando esse homem é devolvido à liberdade.
O egresso vem do sistema prisional brasileiro que hoje conta
com aproximadamente 230 mil presos, os quais estão acomodados em pouco
mais de 100 mil vagas, levando a um “déficit” de aproximadamente 130 mil vagas
e a sua superlotação inimaginável. Am disso, há a crueza do sistema que ime
as sevícias físicas e sexuais ao encarcerado, num contingente que hoje tem 30%
de infectados com AIDS e 70% de portadores do bacilo da tuberculose
83
.
Ao sair para a sociedade, muitas vezes, cheio de doenças e
problemas, o egresso encontra pessoas arredias e temerosas de dar-lhe uma
chance. A assistência da falia, que se constitui num importante pilar, às vezes
também lhe é negada.
Ademais, o egresso também tem que enfrentar os próprios
medos, pois, ao sair do presídio, sente a angústia de ter que deixar um mundo
isolado para enfrentar novamente aquela sociedade que o segregou. Às vezes é
difícil para este administrar tal situão, levando-o, na maioria das vezes, a
delinqüir novamente.
D’Urso
84
assevera que de nada adianta todo o esforço para
melhorar o sistema prisional brasileiro, se ao libertar-se o homem, a sociedade o
rejeita, o estigmatiza, o repugna e o força a voltar à criminalidade por absoluta
falta de opção.
Relatos de ex-presos colhidos em entrevista feita por Saint-
Clair
85
, em reportagem para a Revista Época demonstram a angústia que os ex-
detentos têm que passar para conseguir sobreviver sem ter que voltar a
criminalidade. Transcrevem-se abaixo alguns depoimentos colhidos:
83
D’URSO, Luiz Flávio Borges. O egresso do cárcere, p. 1.
84
D’URSO, Luiz Flávio Borges.
Liberdade de volta:
Ex-presidiário precisa de apoio da sociedade.
Disponível em <http://www.suigeneris.pro.br/direito_dp_liberdadevolta.htm>. Acesso em 12 de
agosto de 2004, p. 01.
85
SAINT-CLAIR, Clóvis.
A pena perpétua.
Disponível em <http://revistaepoca.globo.com-
/Epoca/0,6993,EPT369288-1664-1,00.html>. Acesso em 12 de agosto de 2004, p. 02.
Já paguei meus cinco anos por tráfico de drogas e não volto
nunca mais para a prisão. Já trabalhei em oficina mecânica e sei
tudo de pintura de carros. Ninguém pinta melhor do que eu. É
claro que estou meio desatualizado com as cores, mas ainda sei
que táxis levam o amarelo-java e o azul-báltico. Tentei, mas
ninguém dá emprego a ex-presidiário. Graças a Deus consegui
licença para montar esta barraca de doces aqui no Centro do Rio,
com um empréstimo de R$ 100 no Banco da Providência. Pago
ainda R$ 10 por dia para dormir numa pensão e outros R$ 3 para
almoçar. Quase não sobra dinheiro para repor mercadoria, mas
vou levando. A vida aqui está dura, mas é pior na cadeia.
Verifica-se com este relato que, às vezes, mesmo possuindo
qualificação, o ex-apenado sofre discriminação, que dificulta o seu reingresso no
mercado de trabalho, obrigando-o a partir para o mercado informal, se não quiser
voltar à criminalidade.
A matéria relata ainda que de cada dez presos nas cadeias
brasileiras, entre cinco e sete já passaram pelas mãos do Estado. A maioria é de
pequenos assaltantes ou traficantes sem poder na hierarquia da bandidagem e
mesmo depois de cumprir pena e acertar as contas com a Justiça, dificilmente
voltam a conseguir um emprego e acabam retornando ao banditismo. E revela
mais: 34% dos ex-detentos tornam a cometer crimes em menos de seis meses;
12%, entre seis meses e um ano; e 10%, entre um ano e um ano e meio
86
.
Pode-se verificar que a estatística apresentada pela matéria
espelha, sem sombra de dúvidas, a realidade prisional. De acordo com a tabela
abaixo, que apresenta dados prisionais do Estado do Rio de Janeiro, percebe-se
que os índices de reincidência são bastante alarmantes, e aumentam a cada dia
que passa.
Tabela 01. PRESOS REINCIDENTES NOS ÚLTIMOS ANOS
2000
2002
2003
Homens
26%
Homens
27%
Homens
32%
86
SAINT-CLAIR, Clóvis.
A pena perpétua,
p. 02.
Mulheres
22%
Mulheres
37%
Mulheres
18%
Fonte: Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro. Disponível em
<www.supersaude.rj.gov.br/pesquisas/resumo_pit_2003.pdf>. Acesso em 14 nov. 2004.
De acordo com estes dados, verifica-se que, entre a
população carcerário masculina, mais de 28% são reincidentes, e entre a
população feminina este índice é menor, mas não menos alarmante, pois passa
dos 25%.
Este fato provoca grande preocupação, tendo em vista que,
entres os homens e mulheres que cometem infração e são presos, mais de um
quarto volta a delinqüir novamente, e isto se atribui, muitas vezes, ao tratamento
dispensado ao egresso, ao sair da prisão.
Dentre tantos problemas enfrentados pelo egresso, o mais
grave inconveniente é a sua marginalizão. Muito embora ele possa ter
possibilidades de ser reintegrado ao convívio da comunidade, com o seu
afastamento da sociedade o mesmo passa a encontrar resistências que dificultam
ou impedem a sua reinserção social
87
.Outro egresso relata, na mesma
reportagem, o seguinte:
Ainda tenho quatro anos e meio de condicional a cumprir. Fui
condenado a 12 anos por assalto. Sou eletricista formado, já
espalhei meu currículo, mas ainda não consegui nada. Enquanto
estive no regime aberto, e dormia na prisão, trabalhei para a
Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), no Rio. Tirava
R$ 350 por mês cavando buracos na rua. Quando ganhei
liberdade condicional, perdi o emprego. Junto comigo foram uns
200 ex-detentos. No presídio tem gente que nem quer sair do
regime aberto para não perder o trabalho. Outros, que saem,
cometem pequenos delitos só para voltar. Eu não volto. Já fiz
muita gente sofrer. Meus filhos mudaram de escola porque eram
discriminados por colegas e até professores
88
.
Pelo depoimento deste egresso pode-se observar, com
87
MIRABETE, Júlio Fabrinni.
Execução Penal
, p. 84.
88
SAINT-CLAIR, Clóvis.
A pena perpétua,
p. 03.
clareza, que a sociedade o aceita o ex-presidiário junto aos demais no mercado
de trabalho. Outro fato triste, mas não raro, é a discriminação sofrida pela família
do condenado.
Percebe-se assim, que mesmo o condenado que cumpriu
completamente a sua pena e agora está definitivamente liberado, ou seja, pagou
integralmente a sua dívida para com a sociedade, que nada mais pode reclamar
dele, não tem a recepção necessária para manter-se dentro do convívio com os
demais. O auxílio ao egresso, previsto na Lei de Execução Penal é, portanto, algo
somente teórico, que não condiz com realidade dos fatos.
O egresso, ao sair da prisão, tem a necessidade, de ajuda e
assistência, para poder retomar a sua vida normal, mas, diante de tantas falhas
apresentadas pelo sistema, este dever do Estado é praticamente nulo. Aliás, o
simples fato de conseguir um emprego torna-se uma missão quase impossível
para quem carrega o estigma de criminoso: “Quando ficam sabendo que você tem
a ficha suja, a fisionomia até muda. Dizem que vão te ligar e não ligam nunca
mais”
89
.
Disso se depreende que há um grave preconceito por parte
da sociedade quando o assunto é reintegrar um ex-detento. A maioria tem muito
medo eo quer se incomodar com os problemas alheios, haja vista que, na
maioria das vezes, os egressos são provisórios, que ainda estão em liberdade
condicional.
Outro problema enfrentado pelo egresso é a própria polícia,
que na maioria das vezes trata o ex-presidiário como se este ainda fosse um
criminoso, como se pode observar pelo depoimento colhido por Saint-Clair
90
:
Peguei seis anos por assalto. Minha pena acaba em mao de
2003. Faço curso de computação com a ajuda da Arquidiocese do
Rio, mas cheguei a trabalhar um mês como faxineiro. Tinha até
89
SAINT-CLAIR, Clóvis.
A pena perpétua,
p. 03.
90
SAINT-CLAIR, Clóvis.
A pena perpétua,
p. 02.
carteira assinada. Quando descobriram que eu era ex-presidiário,
eles me mandaram embora sem qualquer explicação. Existe muito
preconceito. Quando tenho de ir ao Patronato carimbar a
caderneta de egresso, peço a algum amigo para ir na frente, para
ver se não tem ninguém dando dura na descida da favela. Se a
polícia pega a gente com a caderneta, não quer saber: dizem que
a gente é bandido, levam para a delegacia, é uma confusão
danada. Saí da cadeia, mas o me sinto totalmente livre.
Diante de tanto preconceito e indiferença, o egresso tem que
lutar muito contra as adversidades para conseguir recolocar-se no mercado de
trabalho e na sociedade, mas, mesmo com dificuldades, há os que conseguem:
Fui preso por tráfico em 1999. Cumpri pena de três anos e dois
meses. Saí da prisão há sete meses. Cheguei a concorrer a uma
vaga de motorista numa transportadora. Fui elogiado na prova de
direção, mas, quando souberam que eu era ex-presidiário, o
discurso mudou. Disseram que eu não tinha passado no exame.
Por isso, arrumei um trabalho que não precisa de ninguém. O ruim
é perder a confiança dos outros. Na hora que você sai da cadeia,
só é valorizado pelo pessoal do crime. Para fazer coisa errada, o
pessoal te convida. Difícil é fazer o certo. Mas tenho esperança.
Há um mês, eu me inscrevi aqui em São Paulo num curso de
construção civil. Quero aprender a mexer em instalações elétricas
e hidráulicas
91
.
Todas essas dificuldades só levam a crer que a reincidência
é provocada diretamente pela discriminação e falta de apoio do Estado e da
Sociedade.
E neste norte, se, de um lado, a ressocialização depende
principalmente do próprio condenado, por outro lado, o ajustamento ou
reajustamento social tamm está sujeito ao grupo ao qual este retorna (família,
comunidade, sociedade). E nesta questão observa-se que há a necessidade não
só dentro dos muros dos presídios, mas também fora deles.
91
SAINT-CLAIR, Clóvis.
A pena perpétua,
p. 01.
2.5 O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO E A CRISE FALENCIAL NA
RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO
O sistema prisional brasileiro ficou abandonado ao longo dos
anos da ditadura em face da utilização das unidades militares como locais de
custódia e detenção, que priorizavam as ações de repressão e vigilância.
A situação foi-se agravando na medida em que não se
investia na construção de novos presídios e sequer se cuidava, devidamente,
daqueles existentes, que foram desta forma, se tornando obsoletos e frágeis, tudo
particularmente decorrente da grave situação econômica brasileira.
Todo este descuido do passado reflete-se hoje dentro dos
presídios, que apresentam problemas gravíssimos e dificílimos de ser sanados.
Machado
92
entende que a verdade é que a crise da prisão e
do sistema penitenciário, em verdadeiro estado falimentar à espera de um síndico
para gerir a sua massa falida, reflete-se sobre o delinqüente como instrumento de
opróbrio, representando uma verdadeira pós-graduação no crime, após o que
nenhuma oportunidade de regeneração lhe será concedida, mesmo porque
"Criminoso" é, efetivamente, na opinião pública, quem esteve
sujeito a sanções estigmatizantes e isto significa, na prática, quem
é ou foi parte da população carcerária
93
.
Tudo isto se dá pelo fato de que, para a sociedade, o
delinqüente deve ser punido e não reeducado. Para a maioria das pessoas, a
cadeia não tem o dever de reeducar, mas sim de punir. Tanto é verdade que, pelo
que se observa do quadro das prisões, nota-se que não há muita ou quase
nenhuma vontade de tornar a vida do preso mais agradável e produtiva enquanto
este paga pelo seu crime.
92
MACHADO, Luiz Alberto.
A execução das penas em espécie:
penas privativas de liberdade.
Publicado na Revista da Faculdade de Direito da UFPR Vol. 33 - 2000, p. 83.
93
BARATTA, Alessando.
Criminologia crítica e política penal alternativa
. Revista de Direito Penal
nº 23, s.d., p. 10.
Uma questão a ser resolvida diz respeito ao direito do preso
de trabalhar enquanto estiver cumprindo pena. Tal direito lhe traz dois benefícios:
o auxílio reclusão, que poderá ajudar a sua família; e a remição da pena, pois,
para cada ts dias de trabalho subtrai-se um dia da pena imposta, porém, com a
superlotação dos presídios, não há trabalho para todos.
Além do mais, o trabalho não tem por fim o lucro daquele
que utiliza a mão-de-obra carcerária, mas sim, ajudar os presos na sua
ressocialização, de modo que este deve ser compatível com as aptidões do
apenado, ou que lhe proporcione um efetivo aprendizado, porém, esta tamm é
outra questão delicada, tendo em vista que, se o há trabalho pra todos,
tampouco há trabalho condizente com a aptidão de cada preso.
A má alimentação também é um sério problema, pois não
são raras as notícias de protestos, às vezes violentos, provenientes de presos
revoltados com a escassez ou má qualidade da alimentão fornecida. Chega-se
ao cúmulo de haver denúncias de corrupção envolvendo alimentos
94
.
Outro direito do preso diz respeito à visita íntima. Porém,
este é um direito quase impossível de ser exercido pelo preso, haja vista a
superlotação dos presídios. Esse fato causa muitos problemas de ordem sexual
ao apenado que não é casado nem possui união estável, já que, além de toda a
dificuldade, apenas os presos casados ou conviventes têm o direito de manter
relações com suas esposas ou com companheiras.
A carência de vagas nos presídios também é uma questão
antiga que preocupa tanto a Administração Pública quanto a sociedade. A
superlotação é, muitas vezes, o estopim de violentas rebeliões que acabam
provocando sérios danos ao cidadão comum, seja pela violência deflagrada, seja
pelo clima de confronto e inseguraa social criado pelas fugas, tomada de reféns
e até a morte de pessoas inocentes.
94
FALCONI, Romeu.
Sistema presidial:
reinserção social?, p. 75.
A superlotação concorre para a ampliação e deficiência nas
tarefas de alimentar, vigiar, coordenar o trabalho e o lazer, além de dificultar a
disciplina
95
.
Outro fator a ser ponderado é a corrupção existente dentro
dos presídios. Esta vai da simples comercialização superfaturada de produtos
permitidos, a favores e regalias incompatíveis com o sistema e a disciplina
interna
96
.
A corrupção traz malefícios para as partes envolvidas no
sistema prisional. Seja para os internos, como uma espécie de sofrimento
adicional, seja para a Administração Pública que se vê constantemente sob
suspeitas.
Além disso, a corrupção traz também, efeitos que contrariam
os princípios de seguraa e disciplina nos presídios e um exemplo disso é a
entrada de tóxicos e o tráfico junto aos presos que, como relatam os noticiários,
tem a conivência de funcionários.
Diante de tantos problemas apresentados pelo sistema
prisional é de se concluir que o mesmo o se presta aos fins estabelecidos na
lei. Ou, como já dito alhures, o ressocializa, ao contrário, cria intenso ânimo de
mágoa e insatisfação pela crueldade e insalubridade do local. O egresso é, na
maioria das vezes, insatisfeito e vingativo, temeroso do instante de retornar ao
convívio social
97
.
E a tão importante e desejada ressocialização o acontece
pelo simples fato de que ali, naquele ambiente, o interno se vê obrigado a lançar
o de todos os meios para sobreviver, corrompendo assim seus próprios
95
FALCONI, Romeu.
Sistema presidial:
reinserção social?, p. 80.
96
FALCONI, Romeu.
Sistema presidial:
reinserção social?, p. 78.
97
ADOLFO, Lúcio.
A execução penal no Brasil ou “Um conto da carochinha à brasileira”.
Revista Jurídica
Consulex, ano VII. n. 159. 31 agosto 2003,
p. 33.
valores
98
.
Destarte, pode-se dizer com propriedade que a prio:
a) não serve para o que diz servir;
b) oferece o máximo de promiscuidade;
c) neutraliza a formação e o progresso de bons valores;
d) estigmatiza o ser humano;
e) funciona como máquina de reprodução da carreira no crime;
f) introduz na personalidade a prisionalização da nefasta cultura
carcerária;
g) estimula o processo de despersonalização;
h) legitima o desrespeito aos direitos humanos;
i) destrói a falia do condenado
99
.
Porém, ao contrário, para realizar plenamente seus fins, a
pena de prio deve ser:
a) proporcional à gravidade do crime e à culpabilidade do agente;
b) impulsora do senso de responsabilidade;
c) eficaz na defesa da sociedade;
d) reparadora do dano causado;
e) exemplar para todos;
f) tranilizadora dos homens de bem;
g) medicinal para o próprio delinqüente;
h) alicerce para o exercício sadio da cidadania;
i) caminho para a retomada dos sonhos na vida familiar e
comunitária
100
.
A realidade prisional do Brasil há tempos tem demonstrado
sinais de falência. Os ministros do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim e
Sepúlveda Pertence já declararam tal fato. Também os sociólogos e juristas
pensam desta forma
101
. O que falta é apenas um pouco de coragem por parte do
Poder Público para inverter essa situação, antes que o seja mais possível. É
preciso que haja iniciativa, ações, bem como políticas públicas que sejam
98
ADOLFO, Lúcio.
A execução penal no Brasil ou “Um conto da carochinha à brasileira”,
p. 33.
99
OLIVEIRA, Edmundo.
Prisão e penas alternativas,
p. 62.
100
OLIVEIRA, Edmundo.
Prisão e penas alternativas,
p. 62.
101
Ver FALCONI, Romeu.
Sistema presidial:
reinserção social?, p. 88.
capazes de alterar o atual quadro do sistema prisional.
2.6 A REALIDADE PRISIONAL: superlotação, precariedade e degradação
humana
O Estado, que é responsável pela ordem jurídica positiva,
tem o dever de reconhecer e garantir a validade dos Direitos Humanos como
pressuposto letimo da sua própria existência e os limites claros da sua
autoridade sobre os cidadãos
102
.
O grande problema apontado dentro do sistema prisional é
fato da demanda ser infinitamente maior que a oferta, além dos reiterados
prejuízos com rebeliões, cada vez mais freqüentes, resultado da superlotação
103
.
Ademais, também é grande o número de criminosos presos
por crimes sem violência. Os números são alarmantes. Mesmo sem estatísticas
muito confiáveis, existem, no Brasil mais de 100 mil presos em regime fechado e
pelo menos 50% condenados por crimes sem violência. Para mantê-los, o
contribuinte gasta 18 milhões de reais por mês. Em Porto Alegre um preso custa
300 reais por mês, no Rio de Janeiro 548 reais, em Brasília 1.200 reais. A média
nacional é de 513 reais mensais por preso. Mesmo com esse custo, no regime
fechado a taxa de reincidência chega a 86%. Isso prova que a prisão é um
instrumento de controle social caríssimo, além de ineficaz, ou, em outras
palavras, a prisão é uma maneira muito cara de tornar as pessoas piores
104
.
De acordo com a tabela abaixo se pode observar a
população carcerária por regime de condenação, como também fora do sistema
prisional:
Tabela 02. POPULAÇÃO CARCERÁRIA POR REGIME DE CONDENAÇÃO
102
OLIVEIRA, Edmundo.
Direito Penal e Direitos humanos,
p. 23.
103
ADOLFO, Lúcio.
A execução penal no Brasil ou “Um conto da carochinha à brasileira”,
p. 35.
104
MACHADO, Cláudio Marks.
De formiguinhas a soldados do crime
. Revista Jurídica Consulex.
ano VII. n. 153. 31 maio 2003, p. 38.
HOMENS
Regime
Condenados
Provisórios
Total
Aberto
5.756
1.402
7.158
Semi-aberto
22.380
134
22.514
Fechado
88.141
29.529
117.670
Med. Segurança
3.588
4.973
8.561
TOTAL
119.865
36.038
155.903
MULHERES
Regime
Condenados
Provisórios
Total
Aberto
194
85
279
Semi-aberto
658
16
674
Fechado
2.854
1.326
4.180
Med. Segurança
249
83
332
TOTAL
3.955
1.510
5.465
Fonte: Secretarias de Justiça e Seguraa dos Estados. Extrdo da Revista Jurídica Consulex.
Ano VII n. 153 31 de maio de 2003. MACHADO, Cláudio Marks.
De formiguinhas a soldados
do crime.
Verifica-se, por meio destes dados, que a população
carcerária masculina é infinitamente superior à feminina. Este fato pode se dar por
diversos fatores: maior discriminação masculina, menos oportunidades de
empregos, etc. Além disso, verifica-se que, nas camadas mais pobres, a maioria
das mulheres mantém-se com subempregos de domésticas, faxineiras, etc., tendo
como principal ocupação o zelo pela família, casa, filhos, etc., o que as afasta
mais da criminalidade.
Os homens, ao contrário, estão mais expostos ao problema
da marginalização, tendo em vista a necessidade de sustento seu e de sua
família, aliado às facilidades que a ilicitude traz.
Nos casos dos jovens delinqüentes, tais fatores estão
associados aos problemas familiares e sociais enfrentados pelo mesmo e sua
família.
O fato é que, mesmo que estas causas não justifiquem a
criminalidade e a reincidência, é fato notório que os homens e mulheres
provenientes de famílias mais abastadas e estruturadas são número mínimo nas
estatísticas das cadeias e presídios.
Tabela 03. POPULAÇÃO CARCERÁRIA FORA DO SISTEMA PRISIONAL
PRESOS NA POLÍCIA
HOMENS
Tipo de estabelecimento
Condenados
Provisórios
Total
Delegacias
20.766
29.468
50.234
Cadeias Públicas
2.370
5.001
7.371
Outros
26
33
59
TOTAL
119.865
34.502
57.664
PRESOS NA POLÍCIA
MULHERES
Tipo de estabelecimento
Condenados
Provisórios
Total
Delegacias
1.417
1.098
2.515
Cadeias Públicas
956
717
1.673
Outros
0
0
0
TOTAL
2.373
1.815
4.188
Fonte: Secretarias de Justiça e Segurança dos Estados. Extraído da Revista Jurídica Consulex.
ano VII n. 153 31 de maio de 2003. MACHADO, Cláudio Marks.
De formiguinhas a soldados
do crime.
Através dos dados desta tabela, pode-se verificar que, no
que diz respeito aos presos na polícia, o número de condenados presos em
estabelecimentos o apropriados quase se equipara ao número de presos
provisórios.
Já no tocante às mulheres presas, o número de condenadas
é superior às presas provisórias, tanto nas delegacias quanto nas cadeias
públicas.
Estes dados são bastante alarmantes, tendo em vista a
necessidade de estabelecimento adequado para o cumprimento da pena.
Ademais, é de conhecimento notório que, aquele que aguarda julgamento
encarcerado possui contra si a presunção de inocência, e, neste sentido, o
encarceramento do mesmo junto aos condenados definitivos é uma afronta aos
seus direitos, além de um risco à sua integridade física.
Outrossim, não é comum observar presos civis tendo que
dividir o mesmo ambiente com os apenados, o que é uma afronta maior ainda,
tendo em vista que estes presos estão ali, ou porque foram depositários infiéis,
devem tributos fiscais ou pensão alimentícia, e não são criminosos. Estes
números, assim, são alarmantes, necessitando de uma solução urgente.
Tabela 04. TOTAL GERAL BRASIL
POPULAÇÃO CARCERÁRIA TOTAL (NO SISTEMA PRISIONAL E NA POCIA)
HOMENS
MULHERES
Condenados
Provisórios
Total
Condenados
Provisórios
Total
Total de
Presos
143.027
70.540
213.567
6.328
3.325
9.653
223.220
Fonte: Secretarias de Justiça e Segurança dos Estados. Extraído da Revista Jurídica Consulex.
ano VII n. 153 31 de maio de 2003. MACHADO, Cláudio Marks.
De formiguinhas a soldados
do crime.
Verifica-se, ademais, por estes últimos dados, que a
população masculina ultrapassa a 213.000, enquanto que a população feminina
alcança a 10.000.
Estes dados, conforme anteriormente mencionado,
justificam-se pelo fato de as mulheres estarem menos expostas às facilidades da
criminalidade.
Por outro lado, a maioria das mulheres que se encontram
cumprindo pena, são por motivos mais graves, tais como tráfico de drogas e
homicídio.
Outrossim, o que mais chama atenção nestes números é a
superpopulação da massa carcerária, que há tempos já ultrapassou o número de
vagas disponíveis no sistema prisional, conforme se observa no quadro abaixo:
Tabela 05. VAGAS E PRESOS NO SISTEMA PRISIONAL E NA POLÍCIA
Estados
Vagas
Nº de Presos
Déficit de vagas
Acre
524
1.196
-672
Alagoas
1.033
840
193
Ama
537
850
-313
Amazonas
949
1.603
-654
Bahia
3.735
4.927
-1.192
Ceará
4.131
5.860
-1.729
Distrito Federal
3.125
4.870
-1.745
Espírito Santo
2.689
3.737
-1.048
Goiás
3.914
5.255
-1.341
Maranhão
815
2.905
-2.090
Mato Grosso
2.100
2.133
-33
Mato Grosso do Sul
2.199
4.435
-2.236
Minas Gerais
4.179
17.471
-13.292
Pará
3.070
3.012
58
Paraíba
3.860
3.963
-103
Paraná
7.475
9.594
-2.119
Pernambuco
4.345
8.840
-4.495
Piauí
737
812
-75
Rio de Janeiro
20.766
20.726
40
Rio Grande do Norte
1.324
1.175
149
Rio Grande do Sul
12.779
14.045
-1.266
Rondônia
1.559
2.685
-1.126
Roraima
430
410
20
Santa Catarina
3.298
4.566
-1.268
São Paulo
67.348
94.737
-27.389
Sergipe
658
1.601
-943
Tocantins
982
972
10
Total Brasil
158.561
223.220
-65.129
Fonte: Órgãos estaduais responsáveis pelo sistema penitenciário. Extraído da Revista Jurídica
Consulex. ano VII n. 153 31 de maio de 2003. MACHADO, Cláudio Marks. De formiguinhas a
soldados do crime.
Nestes números estão incluídos os presos condenados nos
regimes aberto, semi-aberto e fechado, aqueles que estão sofrendo medida de
segurança e os que estão presos na polícia.
Conforme se pode observar, o número de vagas disponíveis
no sistema penitenciário brasileiro é muito menor do que o contingente de presos
e, naqueles presídios que não apresentam superlotação a situação também é
precária em outros pontos.
Outro fator interessante a ser observado é que o Estado do
Rio de Janeiro, apesar de toda a criminalidade existente, não possui presos
excedentes, enquanto os estados de São Paulo e Minas Gerais são os que
possuem excessos extraordinários, sendo que Minas Gerais possui um déficit de
13.292 e São Paulo de 27.389 em seus sistemas prisionais.
o se pode precisar, com estes dados, qual o benefício
que isto pode trazer, haja vista que, como se sabe, o estado do Rio de Janeiro
tem o maior índice de violência e criminalidade do país, sendo observado, ainda,
a grande dificuldade que possui aquele Estado para prender e punir seus
infratores, em sua maioria, traficantes de drogas.
No entanto, além da superlotação, outros problemas
apresentados são as péssimas condições dos presídios, a má alimentão dos
presos, a assistência jurídica, social, educacional, médica e profissional precárias,
a violência entre os detentos e entre estes e funcionários dos presídios, entre
outros.
Muitos destes problemas não seriam tão graves se não
fosse o excesso de encarcerados, haja vista que, diante da demanda de presos,
superior ao número de vagas, não se pode oferecer uma instalação sanitária
satisfatória, uma alimentação adequada, tampouco a assistência necessária, seja
ela jurídica, médica, social, educacional ou profissional.
Em conseqüência disso, toda a população carcerária sofre
além dos níveis humanamente permitidos, contraindo todo tipo de doenças,
caindo cada vez mais no mundo dos vícios e, principalmente, agravando a sua
própria condição de delinqüente.
A maioria dos direitos do apenado estabelecidos na Lei de
Execução Penal lhe é suprimido.
O trabalho, que é um dever e um direito do preso é quase
nulo. A educação é precária. O atendimento médico também é escasso. A
assistência jurídica, afora aqueles que possuem condições de arcar com os
honorários de um bom advogado, é pouca, seo nenhuma. Não são raros casos
de condenados que já cumpriram a pena, mas continuam presos pelo simples fato
de não ter ninguém que lhe assista e peticione ao judiciário, para que possa ser
posto em liberdade.
A assistência social, pedra angular daqueles que estão
reingressando no mundo de liberdade, também é praticamente ínfima. O
indivíduo, depois de passar anos encarcerado, sai para a liberdade “com uma
o na frente e outra atrás”, sem qualquer orientação, ajuda material, moral ou
psicológica.
É penoso saber que o apenado, depois de sofrer todo tipo
de degradação humana dentro do presídio, sai para a vida social sem qualquer
ajuda. E, muitas vezes, por causa disso, volta a delinqüir, retornando novamente
à prisão, e reiniciando um círculo vicioso, que, na maioria das vezes, só tem fim
com a morte do indivíduo.
o é demais repetir que se faz necessário uma mudaa
drástica no sistema prisional ou na forma de se aplicar a pena, pois, diante de
tantas opções de sanção, não se pode aceitar a pena privativa de liberdade como
a única opção conveniente.
Nos próximos capítulos será tratado sobre o Estado e a
execução penal brasileira, bem como das políticas públicas de reinserção social
do apenado em pena privativa de liberdade, como forma de oferecer uma solão
para o problema da reintegração do preso junto à sociedade.
3 O ESTADO E A EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRA
3.1 O ESTADO E SUA FUNÇÃO SOCIAL
Promover a execução penal é uma função do Estado, e esta
execução deve estar de acordo com os direitos do preso, de modo a garantir a
obediência aos ditames legais e aos anseios sociais.
No entanto, antes de adentrar na questão da função do
Estado, no tocante à ressocialização social do preso, propriamente dita, faz-se
necessária uma breve conceituação do que vem a ser o Estado, bem como a sua
função social em relação a sociedade.
Pode-se dizer que o Estado é uma instituição que foi criada
para resolver os problemas da vida em coletividade. Tais problemas surgem a
partir do chamado processo de diferenciação social, quando a sociedade passa a
se organizar a partir de grupos portadores de identidades (classe, sexo, religião,
cor), valores, interesses e opiniões divergentes
105
.
No dizer de Moura
106
, pode-se compreender o Estado como
sendo um agrupamento social politicamente organizado, gerido por objetivos em
comum, obviamente segundo determinadas normas jurídicas em um território
certo e definido, sob a total tutela de um poder soberano, representado por um
governo independente. Destarte, a consolidação do Estado surge na medida em
que coexistem interesses similares de uma coletividade e o devido ânimo de
colocá-los em prática.
105
BORBA, Julian.
Considerações sobre o conceito, estrutura e funcionamento de uma Política
Pública.
MIMIO.
106
MOURA, Carmen de Carvalho e Souza.
O Estado contemporâneo.
Jus Navigandi, Teresina, a.
3, n. 35, out. 1999. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.-asp?id=54>. Acesso
em: 16 ago. 2004, p. 01.
Da mesma forma, Azambuja
107
, conceitua o Estado como
sendo “a organização político-jurídica de uma sociedade para realizar o bem
público, com governo próprio e território determinado”.
Já para Dallari
108
, o Estado é uma “organização jurídica
soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado
território”.
Com efeito, visando evitar o conflito generalizado entre
esses interesses divergentes, uma escolha racional aos indivíduos é criar uma
instituição que busque transformar esses focos potenciais de conflitos em formas
cooperativas de ação. Surge, assim, o Estado
109
.
Isto porque, segundo Wolkmer
110
, ao contrário da visão
tradicional predominante, o Estado não é um ser abstrato, neutro e distante dos
conflitos sociais. O Estado não está acima e tampouco é superior à Sociedade,
pois se trata de uma realidade criada e moldada pela própria vontade da
Sociedade para servir, representar e tomar decisões que atendam aos interesses
de seus integrantes.
Acredita-se, assim, que o Estado possui uma função social,
e que esta contribui para a redistribuição de renda, decorrente da implantação e o
funcionamento de serviços públicos, mediante organizações complexas que
confiam a eficiência de tais serviços à responsabilidade coletiva, visando a
confiança no bem público, na propriedade e na organização social.
Todas as sociedades humanas e todos os aspectos da
cultura estão ligados num único pólo: a interação social. A intenção social, na
107
AZAMBUJA, Darcy.
Teoria Geral do Estado
. 35. ed. São Paulo: Globo, 1996, p. 56.
108
DALLARI, Dalmo de Abreu.
Elementos de teoria geral do Estado
. 24. ed. São Paulo: Saraiva,
2003, p. 126.
109
BORBA, Julian.
Considerações sobre o conceito, estrutura e funcionamento de uma Política
Pública.
MIMIO.
110
WOLKMER, Antônio Carlos.
Elementos para uma crítica do Estado.
Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1990, p. 11.
visão de Biesanz
111
é o estímulo e a correspondente resposta às penas em
relação social, que sucede quando duas ou mais estão em contato (direta ou
indiretamente) e estão conscientes uma da outra.
O Estado não só coordena o uso da força, mas também
reivindica o poder exclusivo de aprisionamento e de execução interferindo na
interação social.
A tradição liberal-burguesa apregoa que o Estado tem
basicamente as funções de arbitragem dos conflitos, de manutenção da ordem e
da segurança pública. Essas tarefas, típicas de um “agente” muito especial,
implicam na representão de questões comuns a todos os cidadãos da
coletividade, na salvaguarda da liberdade formal, no controle e na protão da
nação
112
.
No entanto, no que diz respeito à função social do Estado na
ressocialização do preso, é preciso ter em mente, em primeiro lugar, que pena
não é vingança, embora tenha um caráter de punição. A pena tem uma função
preventiva para intimidar as pessoas a não cometerem crimes, e, além disso, tem
um objetivo ético muito maior: que é educar, ressocializar o infrator
113
.
Para cumprir este desiderato, deve o Estado dispor dos
meios necessários ao fiel cumprimento da pena dentro dos valores morais,
sociais, éticos, sempre respeitando os direitos conferidos aos presos.
Consoante Frossard
114
, não basta reprimir o crime
segregando o criminoso, é preciso tornar o crime um mau negócio. Assim, faz-se
necessário a reestruturação legislativa, inclusive de cunho constitucional e a união
111
BIESANZ, John.
Introdução à Ciência Social.
FERNANDES, Heloisa Rodrigues (trad). São
Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1972, p. 115.
112
WOLKMER, Antônio Carlos.
Elementos para uma crítica do Estado,
p. 11.
113
TAVEIROS, Nicole Romeiro.
Ressocialização do preso:
o caso Paula Thomaz. Jus Navigandi,
Teresina, a. 4, n. 42, jun. 2000. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/dou-
trina/texto.asp?id=1896>. Acesso em: 16 set. 2004, p. 01.
114
FROSSARD, Denise.
Sem anestesia.
Tendências e debates. Folha de São Paulo. São Paulo. 2
fev 2002, p. A 3.
na ponta da investigação a Polícia Civil, os juízes e os promotores, criando
juizados de instrução, experiência essa vitoriosa na Itália (operação mãos limpas),
onde a polícia (carabinieri) e magistrados derrotam a máfia. O exemplo italiano
atingiu a impunidade que salvaguardava as ações do grupo mafioso, impondo-lhe
prejuízos econômicos.
Tanto o Governo como a opino pública precisam se
preparar com políticas públicas eficientes para encarar a queso penitenciária
como componente relevante do progresso científico e tecnológico, considerando
que faz parte de uma sociedade justa, eqüitativa, educada e economicamente
expressiva, saber dar conta dessa problemática com seriedade, determinação e
competência.
É preciso que o Estado tome uma posição no sentido de
fazer cumprir o que determina a Lei de Execão Penal, que, desde a sua criação
nunca pôde ser obedecida devido à falta de recursos e poticas públicas
adequadas.
Neste sentido, o Estado deve dispor destas Políticas
Públicas para obter a resolução deste problema que assola a sociedade, das
quais tratará o terceiro capítulo do presente trabalho, sendo importante ressaltar,
neste momento, que é dever do Estado manter a ordem e a segurança pública, e,
neste contexto, a manutenção das condições de cumprimento de pena, pelos
apenados, bem como das condições dos presídios.
Nos próximos subtítulos se abordará a Lei de Execução
Penal, bem como seus objetivos, filosofia, aplicabilidade social, os regimes
penitenciais, os regimes penitenciais, seus benefícios, etc., para, no próximo
capítulo, tratar das Políticas Públicas de reinserção social.
3.2 A LEI Nº 7.210/84: objetivos, filosofia e aplicabilidade social
A Sociedade como um todo está mobilizada na discussão
sobre a função ressocializadora da prisão, bem como da efetividade do sistema
Penitenciário brasileiro. No entanto, esta não está cumprindo seu papel no que diz
respeito à cooperação e entendimento no que tange aos objetivos e finalidade da
Lei de Execução Penal.
A punição aplicada pelo Estado perderia o sentido se não
houve a efetiva execução da pena aplicada. Há que se punir e executar, sem se
ferirem as garantias constitucionais.
As garantias não são de defesa do interesse puramente
penal, mas dos direitos individuais contra eventuais abusos de poder ou
prepotência estatal. A Lei de Execução Penal veio coordenar, controlar e
disciplinar o modo de punir, objetivando proporcionar condições para a
harmoniosa integração social do infrator.
O indivíduo deixa de ser mero objeto da execução para
transformar-se em pessoa humana que, imperfeita por natureza ou por razões
sociais, tem condições de retornar ao convívio social.
Procurando atingir os objetivos de um mínimo de repressão
e um máximo de eficiência na ação educativa, é que, ao final da transição para a
democracia, surgiu a almejada reforma penal, jogando uma pá de cal nas
inquietações sociais daquela época
115
.
É importante destacar que a reforma penal, havida em 1984,
trouxe significativas modificações no sistema repressivo, possuindo como tro
característico a preocupação com a dignidade humana.
A Lei de Execão Penal Brasileira é considerada como
texto legal de primeiro mundo. Seus objetivos são claros e definidos, quais sejam:
115
LIMA, Wanderson Marcello Moreira de.
Pequenas reflexões sobre a repressão penal.
Juris
Síntese nº 26 - nov/dez de 2000,
p. 01.
reeducação do preso, função terapêutica da execução, baseada no trabalho, na
educação pedagógica e preparo para a cidadania, bem como a salubridade dos
ambientes prisionais, condizentes com o tratamento, entre outras, são bastante
avançados.
Para Nogueira
116
, a execução é a fase mais importante do
direito punitivo, pois de nada adianta a condenação sem que haja a respectiva
execução da pena imposta. Tamm neste ponto encontra-se um dos objetivos
da execução penal, que é justamente tornar exeqüível ou efetiva a sentença
criminal que ims ao condenado determinada sanção.
O artigo 1º reza que a Execução Penal tem por objetivo
efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições
para a harmônica integração social do condenado e do internado.
Disso conclui-se que, ao determinar que a execução penal
“tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal, o
dispositivo registra formalmente o objetivo de realização penal concreta do título
executivo constituído por tais decisões. Já o segundo objetivo que é o de
“proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do
internado”, é instrumentalizada por meio da oferta de meios pelos quais os
apenados e os submetidos às medidas de segurança possam participar
construtivamente da comunhão social
117
.
Mirabete
118
assevera que se adotou na Lei de Execução
Penal o princípio de que as penas e medidas de segurança devem realizar “a
proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade”.
Assim, além de tentar proporcionar condições para a
harmônica integração social do preso ou do internado, procura-se neste diploma
116
NOGUEIRA, Paulo Lúcio.
Comentários à Lei de Execução Penal:
Lei nº 7.210, de 11.7.1984. 3.
ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 03.
117
MIRABETE, Júlio Fabrinni.
Execução Penal:
comentários à Lei nº 7.210, de 11-7-84. 10. ed.
rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2002, p. 26.
118
MIRABETE, Júlio Fabrinni.
Execução Penal,
p. 26.
legal o só cuidar do sujeito passivo da execução, como também da defesa
social, dando guarida, ainda, à declaração universal dos direitos do preso comum
que é constituída das Regras Mínimas para Tratamento dos Presos, da
Organização das Nações Unidas, editadas em 1958.
Mirabete
119
adverte que o sentido imanente da reinserção
social, conforme estabelecido na Lei de Execução Penal, compreende a
assistência e ajuda na obtenção dos meios capazes de permitir o retorno do
apenado e do internado ao meio social em condições favoráveis para sua
integração, o se confundindo “com qualquer sistema de ‘tratamento’ que
procure impor um determinado número e hierarquia de valores em contraste com
os direitos de personalidade do condenado”
120
.
A execução da pena é uma atividade complexa, que hoje se
desenvolve não só no plano jurisdicional e administrativo, mas também no social,
pois não se pode prescindir da cooperação da comunidade no cumprimento e
fiscalização das condições impostas no sursis
121
, assim como nas penas
restritivas de direitos, mormente pela prestação de serviços à comunidade e
limitação de fim de semana, podendo, para tanto, haver um envolvimento das
organizações empresariais na contratação desses detentos que estão cumprindo
sua pena em regime semi-aberto ou cumprimento pena restritiva de direitos.
Porém, mesmo sendo considerada uma norma de primeiro
mundo, a Lei de Execução Penal tem encontrado dificuldades no que tange à sua
aplicabilidade, principalmente pela falta de cooperação e entendimento da
sociedade a respeito dos seus objetivos e finalidade.
Assim, se o cumprimento da pena de prisão tem encontrado
sérias dificuldades por inexistência de presídios, superpopulação carcerária e falta
de estabelecimentos adequados para a aplicão dos três sistemas (fechado,
119
MIRABETE, Júlio Fabrinni. Execução Penal, p. 26.
120
Cf. DOTTI, René Ariel. O novo sistema de penas. Reforma penal. São Paulo: Saraiva, 1985, p.
99.
121
Sursis é uma medida judicial que determina a suspensão da pena, preenchidos certos
pressupostos legais e mediante determinadas condições impostas pela lei e pelo juiz.
semi-aberto e aberto), também por parte da comunidade tem havido certa
resistência em cooperar, pois as entidades, quais seja, instituões não-
governamentais, empresas, etc., que poderiam dar o devido apoio, em regra, não
confiam no condenado e tampouco manifestam interesse em sua recuperão.
A própria Lei de Execução Penal prevê essa participação
comunitária em diversas passagens, sendo o Conselho da Comunidade um dos
órgãos da execução penal (Lei de Execução Penal, artigo 61, VII) que deve existir
em cada Comarca, com incumbências específicas (Lei de Execução Penal, artigo
80 e 81), mas que os jzes criminais não têm conseguido formar em razão do
desinteresse dos clubes de serviços e entidades de suas comarcas
122
.
A respeito deste assunto, Borba
123
afirma que isto se dá em
razão de que, além da “valorizão” de instituições e atores não controlados pelas
regras democráticas e da “desqualificação” das instituições e atores componentes
de um regime democrático, o principal efeito deste arquétipo para a democracia é
a “limitaçãoe o “fechamento” do debate público sobre as questões públicas.
Isto porque a sociedade brasileira parece ter uma secular
dificuldade para construir mecanismos institucionais de conversão de interesses
particulares em divergências de opiniões. Nossa cultura é portadora de um ethos
comunitário ou familístico que funciona em dois planos, os quais o têm sido mal
articulados. Na face pública da sociedade, o ethos comunitário impede a
explicitação das diferenças, que são tomadas como imorais ou ilegítimas. É isso,
por exemplo, que fazem as ideologias, ou os aspectos das ideologias, ligadas às
idéias de conciliação ou de compromisso. E é isso, por exemplo, que fazem as
ideologias, ou os aspectos das ideologias, ligadas as idéias de conciliação ou de
compromisso. E é isso também que pode ser ilustrado através das permanentes
referencias a categorias abrangentes do tipo povo, nação etc, sempre usadas
como um elemento de homogeneização social
124
.
122
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 04.
123
BORBA, Julian. O “autoritarismo desmobilizador” no Brasil: estrutura de argumentação,
trajetória e atualidade. In: XI Congresso Brasileiro de Sociologia. 1 a 5 de setembro de 2003.
Campinas: UNICAMP, 2003, p. 13.
124
MACHADO, Luiz Antônio. A sociabilidade excludente.In”: SADER, Emir; GENTIL, Pablo A. A.
Pos-neoliberalismo II: que estado para que democracia. 2.ed. Petropolis: Vozes, 2000, p. 126.
Na face privada, as lealdades e identificações são pensadas
e praticadas segundo uma formula que se poderia sintetizar como amigo/inimigo,
a qual carrega a idéia de que as praticas sociais se constituem, ao fim a ao cabo,
num jogo de soma zero, em que quando um ganha o outro tem que perder
125
.
Dita a mesma coisa de outra maneira, é como se houvesse
de um lado uma retórica universalista , baseada num modelo de comunidade
homogênea e, de outro, uma prática particularista, baseada no egoísmo doa
iguais. Isso produziu um sistema de sociabilidade altamente excludente, embora
esse sistema de exclusão tenha recebido formatos diferentes ao longo da historia
da sociedade brasileira. Esquematizemos apenas os dois extremos desses
formatos
126
.
Desta forma, pode-se deduzir que há, por parte da
comunidade, um desinteresse pela problemática da ressocialização do preso,
porém, esta é uma questão que deverá ser inserida aos poucos no cotidiano da
sociedade, por se tratar de um processo lento de mudaa cultural.
Neste sentido, enfatiza Hirschman, apud Borba
127
que:
Contribuições recentes à teoria da democracia ressaltaram o
papel da deliberação no processo democrático: para uma
democracia funcionar bem e perdurar, é essencial, afirmou-se,
que as opiniões não sejam formadas plenamente antes do
processo de deliberação. Os participantes do processo o público
em geral e seus representantes devem manter um grau de
abertura ou de caráter experimental em suas opiniões e estar
dispostos a modificá-las em conseqüência de argumentos que
serão apresentados pelas partes oponentes e, mais
simplesmente, à luz de novas informões que podem surgir no
decorrer dos debates públicos. Sem um processo político que
manifeste pelo menos alguma aspiração a esse quadro
reconhecidamente um tanto idílico, a democracia perde sua
125
MACHADO, Luiz Antônio. A sociabilidade excludente, p. 127.
126
MACHADO, Luiz Antônio. A sociabilidade excludente, p. 127.
127
BORBA, Julian. O “autoritarismo desmobilizador” no Brasil: estrutura de argumentação,
trajetória e atualidade, p. 14.
legitimidade e fica, assim, ameaçada.
No entanto, há necessidade emergente de mudanças de
comportamento. Inclusive, já se pode verificar uma transformação desse pado
secular, que corresponde a um momento de intensa fragmentação social e rompe
o padrão histórico de sociabilidade.
Esta mudança ocorre sob a forma de duas grandes
tendências divergentes. Primeiro, uma tendência que pode ser definida como
alguma coisa em direção da transformação interna de
ethos
comunitário/familístico. As grandes transformações das estruturas produtivas,
tanto no plano nacional quanto internacional; a crise econômica, entendida
especificamente em termos de paralisação do crescimento; a abertura política e a
crise interna do Estado, incluída aí a ineficncia do funcionamento de seu
aparelhos; tudo isso tem levado à arena pública divergências de interesses que já
não podem ser resolvidas pelo uso da força, legitimada como se o objeto fosse
“outro”, nem pela conciliação, em que os negociadores entram em acordo para
expulsar as perdas para terceiros
128
.
Se por um lado, essas disputas deslegitimam a ordem social
anterior, por outro, elas, ao mesmo tempo, legitimam a sua transformação. Nessa
direção, pode ser que estejamos caminhando pra a formação de um
ethos
pluralista, que venha a alterar o padrão básico de integração social, sem ameaçar
a coesividade da sociedade brasileira e reduzindo a desigualdade e a exclusão
que tendem a ser cada vez menos socialmente toleradas (não parece necessário
dizer que o mercado, seja como prática social, seja como ideologia ou política
publica, não é suficiente para conduzir a este final feliz do
ethos
comunitário
familistico que se desagrega)
129
.
É verdade que a mudança ocorrida no sistema punitivo
brasileiro, com a criação das penas restritivas de direitos (artigo 43, do Código
Penal Brasileiro), poderia perfeitamente trazer melhores resultados e mais
128
MACHADO, Luiz Antônio.
A sociabilidade excludente
, p. 128.
129
MACHADO, Luiz Antônio.
A sociabilidade excludente
, p. 128.
confiança ao setor repressivo, porém, desde que efetivamente imposta e
cumprida a pena aplicada
130
.
Para o legislador da Lei de Execução Penal, a pena não
existe para castigar, mas para evitar a perpetuação do crime.
Este pensamento se dá porque o conjunto de processos e
práticas sociais que se costuma associar à idéia de violência urbana e cujo centro
é o crime organizado. Parece-me que esta segunda tendência não deveria ser
confundida, como muitas vezes o é com a anarquia ou ausência de sociabilidade.
É importante salientar, a este respeito, que o próprio fim
reeducativo perde o seu significado quando o condenado passa a usufruir um
tratamento inadequado à sua recuperação ou ressocialização
131
.
Destarte, a presença real e concreta dessas tendências de
transformação do tecido social - uma que não chega a ameaçar a integração
social, outra que ameaça o principio de reciprocidade nas relações sociais -
caracteriza o fundamental do processo de fragmentação social que estamos
vivendo. E deveria ser contra este pano de fundo que as ideologias e políticas
públicas deveriam ser propostas e avaliadas.
Assim, faz-se necessário enfatizar que a Lei de Execução
Penal precisa ter aplicabilidade social, com a participação da comunidade, pois se
assim não ocorrer, ela perderá a sua eficácia. A sociedade deve estar envolvida
no processo de recuperação do apenado. Todos os esforços da sociedade devem
ser dirigidos à auto-estima do condenado ensejando-lhe, com isso, a
recuperação.
Auto-estima para Lopes
132
é o conjunto de crenças que
130
NOGUEIRA, Paulo Lúcio.
Comentários à Lei de Execução Penal,
p. 04.
131
NOGUEIRA, Paulo Lúcio.
Comentários à Lei de Execução Penal,
p. 07.
132
LOPES, Cintia.
Coluna “Opinião”.
Correio Comunitário (Jornal). Blumenau, SC. Ano 9. n. 102.
Setembro de 2004, pág. 02.
temos e aceitamos como verdade em relação as mesmos, nossa capacidade e
o que podemos fazer”. A auto-estima inclui a confiança para pensar e enfrentar os
desafios da vida, alavancando a vontade de crescer e ser feliz. Inclui ainda, a
integridade pessoal, a dignidade, a bondade, e o desejo de desfrutar dos esforços
empreendidos, buscando dias melhores.
3.3 OS REGIMES PENITENCIAIS NA LEI Nº 7.210/84
A respeito dos regimes penitenciais, o artigo 110 da Lei de
Execução Penal dise que:
Artigo 110.
O Juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o
condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade,
observado o disposto no artigo 33 e seus parágrafos do Código
Penal.
O caput do artigo 33 do Código Penal Brasileiro, conforme já
explanado no primeiro capítulo do presente trabalho, estabelece as regras gerais
dos regimes penais, ou seja, a “reclusão” pode ser iniciada em qualquer dos ts
regimes, “fechado, semi-aberto e aberto”. Já a “detenção” somente nos regimes
“semi-aberto e aberto”, salvo necessidade de transferência ao regime fechado
(regressão).
O regime fechado consiste no cumprimento da pena em
estabelecimento de segurança máxima ou média, quais sejam, a penitenciária
(artigo 87, da Lei de Execução Penal), as casas de detenção (Dec. 13.412/79,
artigo 112), os presídios (Dec. 13.412/79, artigo 116), ou mesmo cadeias
públicas, embora considerados recolhimentos de presos provisórios.
Já o regime semi-aberto é aquele em que o cumprimento da
pena se dá em colônia agrícola, industrial ou similar (Lei de Execução Penal,
artigo 91).
Finalmente, o regime aberto é aquele em que a execução da
pena será em casa de albergado ou estabelecimento adequado, consagrando-se,
assim, como prisão-albergue (Lei de Execução Penal, artigo 93).
Ensina Nogueira
133
que o juiz ou tribunal deve estabelecer
na sentea ou acórdão o regime inicial de cumprimento da pena privativa de
liberdade, já que as penas serão executadas de forma progressiva, tendo o juiz
da execução plena autonomia para modificar a forma de regime, tendo em vista o
mérito do condenado e do próprio cumprimento de parcela da pena. Tamm
pode determinar a regressão se o condenado, em regime, aberto, cometer novo
crime ou praticar falta grave.
Para os crimes punidos com pena de reclusão, aplica-se o
cumprimento da sanção aflitiva desde o início.
O regime prisional fechado, que se cumpre, privativamente,
em penitenciária dotada das condições e aparatos necessários à avaliação do
comportamento e personalidade do sentenciado, iniciando-se com o exame
criminológico individualizado. Tal exame será realizado por Comissão Técnica de
Classificação, encarregada de elaborar o programa individualizado e acompanhar
a execução das penas, propondo à autoridade competente as progressões e
regressões, bem como as conversões das penas (Lei de Execão Penal, artigo
6º). Essa Comissão deve existir em cada estabelecimento, será presidida pelo
diretor e composta por, no mínimo, dois chefes de serviço, um psiquiatra, um
psicólogo e um assistente social, quando se tratar de condenado a pena privativa
de liberdade (artigo 7º)
134
.
O exame criminológico visa classificar o condenado,
segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização
da execão penal (artigo 5º), não permitindo
133
NOGUEIRA, Paulo Lúcio.
Comentários à Lei de Execução Penal,
p. 178.
134
NOGUEIRA, Paulo Lúcio.
Comentários à Lei de Execução Penal,
p. 178.
a transferência de reclusos para o regime de semi-liberdade ou de
prisão-albergue, bem como a concessão de livramento
condicional, sem que eles estivessem para tanto preparados, em
flagrante desatenção aos interesses da segurança social
135
.
No local que não houver equipe para elaborar o referido
exame, o juiz deverá designar médicos capacitados ou psiquiatras para fazerem o
exame da personalidade, o ficando, porém, sujeito às conclusões, tendo em
vista justamente a progressão e regressão do regime, o que lhe permite dar uma
oportunidade ao condenado, beneficiando-o até mesmo contra a conclusão do
exame
136
.
Ocorre que, devido a esta séria carência no sistema
penitenciário, que não dispõe dos recursos adequados à realização do exame
criminológico, tem levado muitos a admitirem que várias inovações feitas no
Código Penal Brasileiro e na Lei de Execução Penal (penas restritivas de direitos
e exame criminológico, entre outras coisas) o têm condições de serem
aplicadas à realidade social brasileira, tão carente e indiferente aos problemas
humanos
137
.
Problemas há, todavia, a lei não pode subverter a finalidade
para a qual foi criada. O exame criminológico tem o objetivo de orientar e
acompanhar o desenvolvimento da personalidade do reeducando.
A classificação é o desenvolvimento lógico do princípio da
personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantias constitucionais.
Cada sentenciado tem o direito de que sua personalidade
seja conhecida e analisada, a fim de que possa obter o tratamento adequando no
processo ressocializatório.
O preso tem direitos assegurados e não pode responder
135
Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, nº 32.
136
NOGUEIRA, Paulo Lúcio.
Comentários à Lei de Execução Penal,
p. 180.
137
NOGUEIRA, Paulo Lúcio.
Comentários à Lei de Execução Penal,
p. 179.
pela desídia do Estado em cumprir a lei por ele mesmo editada. A vulneração aos
direitos pode configurar a responsabilidade civil do Estado e de seus agentes.
O artigo 112 da Lei de Execução Penal dise que:
Artigo 112.
A pena privativa de liberdade será executada em
forma progressiva, com a transferência para regime menos
rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver
cumprido ao menos um sexto da pena em regime anterior e seu
mérito indicar a progressão.
Parágrafo único. A decisão será motivada e precedida de parecer
da Comissão Técnica de Classificação e do exame criminológico,
quando necessário.
Portanto, dois são os requisitos estabelecidos para a
progressão de regime: cumprimento de pelo menos um sexto da pena (objetivo) e
merecimento do condenado (subjetivo).
A exceção que se coloca quanto à progreso diz respeito
aos crimes hediondos e hipóteses assemelhadas, a teor do que dispõem as leis
8.072/90
138
, 8.930/94 e 9.695/98.
O Instituto da Progressão no regime do cumprimento da
pena harmoniza-se com os interesses do Estado, do condenado e da própria
sociedade. A progressão só se materializa mediante a satisfão dos
pressupostos de caráter objetivo e subjetivo.
Ensina Nogueira
139
que nem sempre o simples cumprimento
de um sexto da pena pode ensejar a progressão, pois o condenado deve cumprir
pelo menos esse lapso temporal, que nem sempre pode ser satisfatório, dado o
montante da pena aplicada. E tamm deve revelar merecimento, o que deve ser
apurado atras da sua personalidade e não apenas do seu comportamento
138
O §1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 8.930/94 e
9.695/98, reza que: “A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em
regime fechado”.
139
NOGUEIRA, Paulo Lúcio.
Comentários à Lei de Execução Penal,
p. 182.
carcerário, pois existe tendência de elementos perigosos demonstrarem bom
comportamento na prisão, o que não deixa de ser verdadeira simulação.
Por outro lado, a pena de detenção será cumprida em
regime semi-aberto ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime
fechado (Código Penal Brasileiro, artigo 33), o que se deve entender como regime
inicial, pois pode haver regressão.
O regime aberto pode ser concedido de plano na própria
sentença, desde que o condenado o seja reincidente, assim considerado o
condenado à pena privativa de liberdade por crime doloso, e a pena imposta seja
igual ou inferior a quatro anos.
Desta forma, os requisitos objetivos do regime aberto são: 1)
condenação não superior a quatro anos ou cumprimento pelo menos de um sexto
da pena quando ultrapassar aquele limite; 2) obtenção de trabalho pelo
condenado; 3) aceitação, pelo condenado, do sistema de disciplina e das
condições impostas pelo juiz. Já os requisitos subjetivos do regime aberto são: 1)
ausência de periculosidade ou de reincidência em crime doloso punido com pena
privativa de liberdade; 2) compatibilidade do condenado com o regime aberto
140
.
A obtenção do trabalho é condição elementar e
imprescindível para a concessão do regime aberto, pois não se compreende que
o condenado seja beneficiado sem que disponha de trabalho. O trabalho é parte
integrante da ressocialização.
Aliás, a Lei de Execução Penal dá ênfase ao trabalho do
condenado, que deve ser remunerado em qualquer circunstância, pois o trabalho
é previsto como dever social e condição de dignidade humana, tendo finalidade
educativa e produtiva (Lei de Execução Penal, artigo 28), e como obrigação do
condenado á pena privativa de liberdade na medida de suas atribuições (artigo
31), além de estar incldo entre os deveres do condenado (Lei de Execão
140
NOGUEIRA, Paulo Lúcio.
Comentários à Lei de Execução Penal,
p. 183.
Penal, artigo 39, V) e dos seus direitos (Lei de Execução Penal, artigo 41, II)
141
.
Portanto, estando previsto o trabalho interno (arts. 31 a 35) e
externo (arts. 36 e 37), principalmente em obras públicas, seria de toda
conveniência que se procurasse propiciar aos condenados condições de poder
trabalhar, mesmo quando recolhidos em cadeias públicas, onde chegam a
cumprir penas na mais perniciosa e indigna ociosidade. É incompreensível que
até hoje não tenha sido dada oportunidade de trabalho ao preso, que chega a
cumprir penas longas sem prestar qualquer serviço, o que o torna inadequado ao
trabalho quando deixa a prisão.
Miotto
142
, a respeito da importância do trabalho do
condenado, salienta que
Se o condenado, antes da condenação, já tinha o hábito do
trabalho, depois de condenado, recolhido, recolhido ao
estabelecimento penal, o trabalho que ele exercer manter-lhe-á o
hábito, impedindo que degenere; se não tinha, o exercício regular
de trabalho conforme às suas aptidões contribuirá para ir
gradativamente disciplinando-lhe a conduta, instalando-se na sua
personalidade o hábito de atividade disciplinada.
Somente poderão ser dispensadas do trabalho as pessoas
referidas no artigo 117 da Lei de Execução Penal, que são aquelas contempladas
com a prio domiciliar, ou seja, o condenado maior de setenta anos; o
condenado acometido de doença grave; a condenada com filho menor ou
deficiente físico ou mental e a condenada gestante.
A fixação do regime prisional é de fundamental importância
do progresso cognitivo de recuperação do apenado. A relevância do regime
prisional decorre do sentido e da função da pena, que não deve ser concebido
como instrumento de vingança por parte do Estado, mas em consonância com os
141
NOGUEIRA, Paulo Lúcio.
Comentários à Lei de Execução Penal,
p. 183-184.
142
MIOTTO, Armida Bergamini.
Curso de direito penitenciário,
v. 2. São Paulo: Saraiva, 1975, p.
495.
modernos desígnios que realçam a recuperação moral e social do réu.
3.4 BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO PENAL NA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE
A pena privativa de liberdade tem se mostrado um fardo
para aqueles que são condenados a ela, pois, desde os primórdios da
humanidade ela é aplicada, seja como pena, seja como forma de assegurá-la.
Porém, se há muito tempo esta pena era considerada maléfica aqui no Brasil,
com a edição da Lei de Execução Penal, seguindo as Regras Mínimas para
Tratamento dos Presos, da Organização das Nações Unidas, procurou torná-la
mais humana, de modo a proporcionar ao apenado uma oportunidade de
ressocialização.
Apesar de a realidade mostrar-se desanimadora, a verdade
é que a execução penal na modalidade privativa de liberdade tem lá seus
benefícios, haja vista que traz maior seguraa ao preso, que tem seus direitos
assegurados, podendo exigi-los quando necessário.
Neste sentido, cabe ressaltar que a teoria negativa da pena
tem como virtude evidenciar o poder punitivo em toda sua dimensão, incluindo no
horizonte jurídico-penal práticas estatais punitivas antes não abrangidas. Isto é
essencial para que o Direito Penal possa, com eficácia, lograr êxito em sua
função de protão da sociedade contra a violência estatal institucionalizada, que
por muito tempo atuou sem que contra ela se pudesse exercer qualquer
controle
143
.
Daí a importância das agências jurídicas, cumprindo-lhes
limitar as manifestações típicas do estado de polícia, verificando sua
compatibilidade com os princípios que regem o estado de direito.
143
GUEDES, Guilherme.
Releitura Democrática da legitimação das conseqüências judicas do
delito
, p. 1.
Com efeito, é necessário salientar o papel fundamental a ser
exercido pelas instituições essenciais ao exercício da função jurisdicional, pois a
limitação que ora se propõe somente será eficaz se exercida por algm que
desfrute de poder e independência suficientes para se contrapor à força
hegemônica que busca a manutenção de todo status quo ora vigente
144
.
Com efeito, a execução penal é regida por princípios
essenciais à garantia do condenado bem como à regularidade processual
145
,
sendo eles: o princípio da legalidade; da igualdade; da jurisdicionalidade; do duplo
grau de jurisdição e da humanização da pena.
Pelo princípio da legalidade é de se entender que a
execução deve ser feita de acordo com as normas estabelecidas na Lei de
Execução Penal e nos regulamentos das casas do albergado ou conselhos
comunitários, órgãos auxiliares no cumprimento de certas penas
146
.
Mirabete
147
ensina que essa garantia, na doutrina tem-se
denominado de “princípio da legalidade da execução penale constitui em um
desdobramento lógico do princípio nulla poena sine lege
148
.
A execão das sanções penais o pode ficar submetida ao
poder de arbítrio do diretor, dos funcionários e dos carcereiros das
instituições penitenciárias, como se a intervenção do juiz, do
Ministério Público e de outros órgãos fosse algo de alheio aos
costumes e aos hábitos do estabelecimento
149
.
Pelo princípio da igualdade consagra-se a proibão de
qualquer discriminação dos condenados por causa de “sexo, raça, trabalho,
credo, religioso e convicções políticas”, pois todos gozam dos mesmos direitos.
144
GUEDES, Guilherme. Releitura Democrática da legitimação das conseqüências judicas do
delito, p. 2.
145
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 07.
146
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, p. 07.
147
MIRABETE, Júlio Fabrinni. Execução Penal, p. 28.
148
Não há pena sem lei.
149
Cf. DOTTI, René Ariel. Problemas atuais da execução penal.
Já pelo princípio da jurisdicionalização da pena entende-se
que a execução penal é uma atividade predominantemente administrativa, com
incidentes de jurisdicionalidade, ou seja, a intervenção do juiz, na execução da
pena, é eminentemente jurisdicional, sem excluir-se aqueles atos acessórios, de
ordem administrativa, que acompanham as atividades do magistrado. Assim, de
acordo com este princípio, a justa penal não termina com o trânsito em julgado
da sentença condenatória, mas realiza-se, principalmente, na execução. É o
poder de decidir o conflito entre o direito público subjetivo de punir (pretensão
punitiva ou executória) e os direitos subjetivos concernentes à liberdade do
cidadão
150
.
Pelo princípio do duplo grau de jurisdição há de ser
reconhecida a possibilidade de recurso contra todas as decisões proferidas pelo
juiz da execução.
Pelo princípio da humanização da pena deve-se entender
que o condenado é sujeito de direitos e deveres, que devem ser respeitados, sem
que haja excessos de regalias, o que tornaria a punição desprovida da sua
finalidade
151
.
Mirabete
152
afirma que o Estado tem o direito de executar a
pena, e os limites desse direito são traçados pelos termos da sentença
condenatória, devendo o sentenciado submeter-se a ela. A esse dever
corresponde o direito do condenado deo sofrer, ou seja, de não ter de cumprir
outra pena, quantitativa ou qualitativamente diversa a aplicada na sentença.
Além disso, nos termos do artigo 41 da Lei de Execução
Penal, são direitos do preso:
Artigo 41.
omissis
I - alimentação suficiente e vestuário;
II - atribuição de trabalho e sua remuneração;
150
MIRABETE, Júlio Fabrinni.
Execão Penal,
p. 30.
151
NOGUEIRA, Paulo Lúcio.
Comentários à Lei de Execução Penal,
p. 07.
152
MIRABETE, Júlio Fabbrinni.
Execução Penal,
p. 39.
III - Previdência Social;
IV - constituição de pecúlio;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o
descanso e a recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e
desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da
pena;
VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e
religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em
dias determinados;
XI - chamamento nominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da
individualizão da pena;
XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa
de direito;
XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência
escrita, da leitura e de outros meios de informação que o
comprometam a moral e os bons costumes.
XVI atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena
da responsabilidade da autoridade judiciária competente.
Há que se salientar que o rol dos direitos do preso,
elencados no artigo 41, é apenas exemplificativo, pois não esgota, em absoluto,
os direitos da pessoa humana, mesmo daquela que se encontra presa, e assim
submetida a um conjunto de restrições.
O artigo 5º da Constituição da República federativa do Brasil
de 1988 assegura os seguintes direitos, o subtraídos da pessoa do apenado:
1) Direito à vida;
2) direito à integridade física e moral;
3) direito à propriedade (material e imaterial, ainda que o
preso não possa temporariamente exercer alguns dos
direitos de proprietários);
4) o direito à liberdade de consciência e de convicção
religiosa;
5) o direito à instrução e o acesso à cultura;
6) o direito ao sigilo de correspondência e das
comunicações telegráficas de dados e telefônicas;
7) o direito de representação e de petição aos poderes
públicos, em defesa de direito ou contra abusos de
autoridade;
8) o direito de obtenção de certidões em repartições públicas
para a defesa de direitos e esclarecimento de interesses
pessoal;
9) o direito à assistência judiciária;
10) o direito às atividades relativas às ciências, às artes, às
letras e à tecnologia;
11) o direito à indenizão ao condenado por erro judiciário
ou àquele que ficar preso por mais tempo do que o
estabelecido na sentença.
Também em tema de direitos do preso, a interpretação que
se deve buscar é a mais ampla no sentido de que tudo aquilo que não constitui
restrição legal decorrente da particular condição do sentenciado, permanece
como direito seu
153
.
Destarte, se houver, por parte do Estado, um trabalho de
políticas públicas de reinserção social do apenado, a execução penal poderá
trazer muitos benefícios, não só teóricos, mas também práticos à vida dos
detentos
154
.
Um exemplo disto, que inclusive é apresentado no terceiro
capítulo do presente trabalho, diz respeito à adoção, em vários presídios do
Estado do Rio Grande de Sul, de uma política voltada à ressocialização através
da profissionalização. O sistema prisional gaúcho vem dando um bom exemplo no
153
MARCÃO, Renato Flávio.
Execução penal:
Descontrole na edição leis é percebido pela
sociedade. Disponível em <http://www.conjur.com.br>. Acesso em 17 set 2004, p. 05.
154
A respeito das políticas públicas de reinserção social será abordado no 3º capítulo, acerca dos
problemas apresentados pelo sistema prisional e sugestões de melhoria.
que diz respeito ao trabalho penitenciário como forma de ressocialização do
apenado
155
.
Assim como este exemplo, é preciso (e possível) que haja
uma solução, para que a pena privativa de liberdade não seja apenas uma
segregação, mas um modo de preparar o apenado para a sua reintegração à
sociedade. É preciso que haja políticas públicas de lazer, trabalho e educão os
quais se caracterizam como pilastras da dignidade humana.
3.5 O FRACASSO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO NA
APLICAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Assevera Sala
156
que os objetivos principais da Lei de
Execução Penal em atender e efetivamente dar condições de se cumprir os
ditames impostos na sentença ou decisão criminal, bem como proporcionar
harmonicamente a integração do condenado ou do internado à sociedade, foram
os passos mais positivos e que geraram grande expectativa nos meios jurídicos e
policiais.
A Lei de Execução Penal reproduziu em seu bojo a
confluência dos interesses que apregoavam a implantação de um Estado
Democrático de Direito na década de 80, do século passado, supervalorizando a
participação social, o cidadão como figura central das preocupações do Estado, e
ainda, atuais entendimentos da Publicação Universal dos Direitos do Homem e
dos Cidadãos. Tais preceitos ostentaram filosoficamente esse diploma,
reproduzindo as ideologias da época e mostraram uma proximidade dos seus
ideais basilares com a vitalidade social do momento, a paixão libertadora e o sim
ao que há de mais marcante em um Estado: a participação popular em forma de
voto dando um aval ao pacto social de Rousseau
157
.
155
Sobre este tema, trata, com mais propriedade, o capítulo três.
156
SALA, Luiz Vanderlei.
O sistema penitenciário catarinense e a execução da pena.
Monografia.
Florianópolis: UFSC, 2000, p. 48.
157
IRIGON, André Dias; GOULART, Henrique Gouveia de Melo; VIEIRA, Vinícius Marçal.
Um
paralelo entre o Código de Processo Penal de 1941 e a Lei de Execuções Penais de 1984 e a
Diante do prescrito no artigo 1º, da Lei de Execução Penal,
esperava-se que os problemas relativos aos princípios da execução penal,
poderiam de uma vez por todas serem colocados em prática e certamente o
Estado cumpriria com a sua missão, ou seja, apresentaria os recursos pertinentes
à aplicação da Lei e todos os seus programas referentes à ressocialização do
educando
158
.
Entretanto, o Estado Brasileiro não reformou o Sistema
Penitenciário para garantir a aplicabilidade da referida lei.
A inércia ou o pouco caso do Estado, no tocante às
questões penitenciárias, levou o sistema ao descrédito. O que era para ser uma
garantia para a população passou a ser sinônimo de medo e terror. A violência
praticada na sociedade e nas prisões amedronta ainda mais os indivíduos.
As cadeias, presídios e penitenciárias estão superlotados e
a tão propalada reeducação inserida na Lei de Execução Penal fenece
lentamente, levando o Estado a perder o controle sobre a violência e a única
válvula de escape que possui é majorar as sanções aflitivas, atras de leis
rígidas.
Sem uma política coerente, humana e ajustável à realidade
social não haverá uma solução para o problema carcerário brasileiro.
Vogt
159
assevera que as lamenveis condições de vida nas
prisões brasileiras, não é segredo para ninguém. O sistema carcerário brasileiro
não tem cumprido seu principal objetivo, que é reintegrar o condenado ao
convívio social, de modo que não volte a delinqüir.
obra de Francesco Carnelutti.
Disponível em <http://www.advogado.adv.br>. Acesso em 17 set
2004.
158
SALA, Luiz Vanderlei.
O sistema penitenciário catarinense e a execução da pena
, p. 48.
159
VOGT, Carlos.
As penas alternativas e a dignidade humana.
Violência: faces e máscaras.
Disponível em <http://www.comciencia.br/reportagens/violencia/vio05.htm>. Acesso em 17 set
2004, p. 05.
Para o citado autor, não é porque a origem etimológica da
palavra "pena" significa castigo, suplício, que os infratores devam ser
desumanamente supliciados. O propósito da pena privativa de liberdade é
recuperar o infrator e não torná-lo pior, sobretudo, se se constatar que ela é uma
evolução em relação ao sistema antigo de execução penal, que punia com o
açoite, a mutilão e a própria morte
160
.
Nessa linha, Dotti
161
, ao estabelecer as bases e alternativas
para o sistema de penas, preconizou que urge que a prisão seja imposta somente
em relação aos crimes graves e delinqüentes de intensa periculosidade. Nos
outros casos, deve ser substituída pelas medidas e penas alternativas e restritivas
de direitos, como a multa, a prestação de servo à comunidade, limitação de fins
de semana, interdições temporárias de direitos, proibição de freqüentar
determinados lugares, exílio local, realização de tarefas em hospitais, casas de
caridade, prestação de auxílio a vítimas de trânsito.
Esta é também a posição das Nações Unidas, que no IX
Congresso da Organização das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e
Tratamento do Delinqüente, realizado no Cairo em 1995, quando recomendou a
utilização da pena detentiva em último caso e somente nas hipóteses de crimes
graves e de condenados de intensa periculosidade. Para outros delitos e
criminosos de menor intensidade delinqüencial, foram recomendadas medidas e
penas alternativas
162
.
Muitas idéias e inovações penais, tais como a descriminação
das contravenções, o sistema unitário de penas, a transformação da ação penal
pública para privada, estão sendo discutidas e sendo implementadas com
sucesso por inúmeros países. No Brasil, algumas penas alternativas como o
sursis e o livramento condicional já são aplicadas há algum tempo e também há
uma preocupação em descriminalizar determinadas condutas humanas, como a
160
VOGT, Carlos. As penas alternativas e a dignidade humana, p. 05.
161
DOTTI, René Ariel. A crise do sistema penal. Revista dos Tribunais São Paulo: RT, p. 421-428.
162
VOGT, Carlos. As penas alternativas e a dignidade humana, p. 05.
sedução e o adultério, por serem condutas aceiveis pela sociedade nos dias
atuais
163
.
Fazendo-se uma avalião ampla do sistema penitenciário
brasileiro, percebe-se que o precário estado deste revela o fracasso das políticas
públicas voltadas para a recuperação daqueles indivíduos punidos pelo sistema
de justiça criminal, e o grande vilão desta situação é a falta de um planejamento e
reforma do sistema.
Destarte, mais do que fazer leis rigorosas, é preciso
encontrar alternativas de punição para os crimes denominados de menor
potencial ofensivo. Já existem algumas mudanças nas leis em relação a esses
delitos, mas é necessário que haja algo mais definitivo, mais concreto, pois ainda
se pode encontrar pequenos delinqüentes dividindo celas com bandidos
perigosos.
Enfim, somente depois de uma reforma efetiva, não só nas
leis, mas no sistema carcerário é que se poderá falar em reforma do sistema
penal.
3.6 A NECESSIDADE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E A
REINSERÇÃO SOCIAL
Fazendo-se uma análise do aumento da vioncia no mundo
atual, além das experiências frustradas de pena de morte e prisão perpétua em
outros países, e considerando que a maior parte de ex-detentos voltam a
delinqüir, chega-se à conclusão de que a pena privativa de liberdade é um
instituto falido, posto que não atinge seus fins de prevenção e de ressocialização.
A pena de prisão, que deveria ser utilizada como último
recurso para a punição do condenado, pela falta de estrutura do Estado, tem
163
VOGT, Carlos.
As penas alternativas e a dignidade humana,
p. 05.
servido para retirar o indivíduo infrator do âmbito social e garantir segurança aos
demais. Entretanto, conforme já falado, a pena privativa de liberdade não é uma
forma de vingança, ou um meio de afastar aquele que cometeu um crime do seio
da sociedade e mantê-lo à margem do convívio social, em virtude da sua
"culpabilidade" e "periculosidade". Deve ser também uma forma de dar-lhe
condições para que se recupere e volte à vida em comunidade
164
.
Hilde Kaufmann, apud Fernandes
165
, a respeito dos males
que o encarceramento provoca no preso e as dificuldades de um retorno à vida
social, afirma que
o preso é incapaz de viver em sociedade com outros indivíduos,
por se compenetrar tão profundamente na cultura carcerária, o
que ocorre com o preso de longa duração. A prisonização constitui
grave problema que aprofunda as tendências criminais e anti-
sociais.
Já Della Torre
166
, afirma que
depois que o indivíduo está socializado, integrado à sociedade, se
sofrer isolamento durante longo período poderá ocorrer:
diminuição das funções mentais (torna-se imbecil ou melancólico)
ou mesmo loucura (está sujeito a delírios, alucinações e até
desintegração mental). Há inúmeros casos de prisioneiros que
enlouqueceram nas prisões ou que quando de lá saíram já não
eram os mesmos.
Verifica-se, assim, que a segregação traz mais malefícios do
que benefícios ao condenado. É certo que aqueles que cometeram crimes
merecem e precisam pagar pelos seus erros, até para queo voltem a cometê-
los. No entanto, o Estado deve proporcionar a ressocialização do preso, não uma
164
FERNANDES, Emanuella Cristina Pereira. O desvirtuamento do caráter ressocializador das
penas privativas de liberdade. Jus Navigandi, Teresina, a. 4, n. 36, nov. 1999. Disponível em:
<http://www1.jus.com.br/doutrina-/texto.asp?id=955>, p. 01.
165
FERNANDES, Emanuella Cristina Pereira. O desvirtuamento do caráter ressocializador das
penas privativas de liberdade, p. 01.
166
DELLA TORRE, Maria Benedita Lima. O homem e a sociedade - Uma introdução à Sociologia.
15 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1989, p. 54.
mera vingança.
Foucault
167
, em sua obra Vigiar e Punir, descreve três
grandes instrumentos disciplinares, reguladores de uma rede de poderes: a
vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e o exame. A norma passaria,
assim, a ser regida por fundamentos do vigiar e do punir, escolhidos mediante um
exame prévio socialmente acatado. É muito mais vantajoso economicamente para
o Estado, vigiar do que punir. Se o vigiar não é suficiente, lança-se mão do punir
através de sanções normalizadoras, mesmo que excludentes e sumárias.
Fernandes
168
, a respeito da pena privativa de liberdade,
afirma que
Mesmo com as tentativas de sua abolição, como fez-se com a
tortura e a pena de morte, é, ainda, a pena privativa de liberdade a
espinha dorsal de todo o sistema penal. Apenas, procura-se
aplicá-la com um caráter mais excepcional, em consonância com
a Teoria da Intervenção Mínima, até porque ela não se enquadra
no Estado Democrático de Direito, nem no objetivo ressocializador
da pena, cujo elemento nuclear é o desenvolvimento da
personalidade e dignidade da pessoa. Mas, é tida como a única
sanção aplicável em casos de grave criminalidade e de
multirreincidência.
Para que o apenado possa ser ressocializado, e sair da
prisão com um ânimo de afastamento definitivo da vida delituosa, os presídios
m que oferecer as condições necessárias, por isso a necessidade de
classificação dos detentos. Mister se faz, assim, a individualização do
cumprimento das penas.
Para Fernandes
169
a ausência de critérios acomete, por
exemplo, o preso acidental, que, por uma circunstância adversa, ingressa na
167
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 168.
168
FERNANDES, Emanuella Cristina Pereira. O desvirtuamento do caráter ressocializador das
penas privativas de liberdade, p. 01.
169
FERNANDES, Emanuella Cristina Pereira. O desvirtuamento do caráter ressocializador das
penas privativas de liberdade, p. 01.
prática delituosa e, ao adentrar na estrutura prisional, enterra lá suas esperanças
de liberdade. Isso motivado pelo amulo irregular de encarcerados das mais
diversas origens e apenados de acordo com os mais diferentes crimes.
Donald Clemmer, apud Foucault
170
aponta a estrutura da
sociedade prisional, uma sociedade dentro da sociedade:
O mundo prisional é um mundo atomizado. Seus membros são
como átomos a agir reciprocamente em confuo (...) Não há
definidos objetivos comunais. Não há um consenso comum para
um fim comum. O conflito dos internos com a administração e a
oposição à sociedade livre estão em degrau apenas ligeiramente
superior ao conflito e oposição entre eles mesmos (...) É um
mundo de “Eu”, “mim”, e “meu” antes que de “nosso”, “seus,
“seu”.
Com este comportamento, tanto por parte do Estado quanto
por parte da sociedade, não há como o apenado ser reintegrado ao meio social,
pois ao egressar no convívio com os demais, este é rejeitado e discriminado,
sendo assim, impedido de levar uma vida normal. Por isso, na maioria das vezes,
o egresso volta a delinqüir.
Há que se salientar, ainda, que, apesar de toda
discriminação sofrida, o apenado e o egresso tem seus direitos garantidos na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, os quais não são
respeitados. O egresso é um excluído social, logo, um marginalizado.
É importante, portanto, que haja, por parte do Estado, uma
implantação de políticas públicas de ressocialização do apenado, com uma
reforma no sistema penitenciário, para que a execução da pena seja cumprida de
modo a proporcionar ao condenado, direitos básicos, tais como a educação e o
trabalho, de modo a dar-lhe condições de levar uma vida digna quando sair do
estabelecimento prisional, e evitar que o cárcere seja mais penoso do que deve
ser.
170
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, p. 167.
Neste sentido, é preciso também que haja, por parte da
sociedade, a sua parte de cooperação, tendo em vista que grande parte das
políticas públicas implantadas depende da colaboração desta, com, por exemplo,
na contratação, por parte das empresas, de presidiários provenientes do
programa de trabalho prisional que ajuda na remição da pena, bem como
naqueles serviços prestados à comunidade, que normalmente são executados em
instituições não-governamentais.
Destarte, a pena de prisão deve estar em consonância com
os princípios do direito penitenciário, quais sejam: a protão dos direitos
humanos do preso; o preso como membro da sociedade; a participação ativa do
sentenciado na questão da reeducação e na sua reinserção social; a efetiva
colaboração da comunidade no tratamento penitenciário; e a formação dos
encarcerados de modo que reaprendam o exercício da cidadania e o respeito ao
ordenamento legal
171
.
Rupert Cross, apud Thompson
172
, a respeito deste assunto,
afirma que
A ilusão de que a pena de prisão pode ser reformativa mostra-se
altamente perniciosa, pois, enquanto permanecemos gravitando
em torno dessa falácia, abstemo-nos de examinar seriamente
outras viáveis soluções para o problema penal.
Assim, a pena de prisão é incapaz de trazer o condenado de
volta ao convívio social considerado normal, sob o manto da lei e da moral e que,
por isso, a finalidade ressocializadora de tal pena é utópica, mas que tem que ser
buscada, para um futuro melhor, tanto para os egressos quanto para toda a
sociedade.
171
FERNANDES, Emanuella Cristina Pereira. O desvirtuamento do caráter ressocializador das
penas privativas de liberdade, p. 01.
172
THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 3 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1991,
p. 96.
O próximo capítulo destina-se a trabalhar justamente estes
problemas, de modo a fazer uma avaliação das poticas públicas existentes a
respeito da ressocialização do preso, bem como apresentar propostas de
melhorias, principalmente no que tange à questão do trabalho do preso, dentro e
fora dos muros dos predios, o que, acredita-se, seja um dos pilares da
ressocialização.
4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE REINSERÇÃO SOCIAL DO APENADO
EM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
4.1 ESTADO, NEOLIBERALISMO E O PROBLEMA DA EXCLUSÃO SOCIAL
Entre os fatores que levam o indivíduo à criminalidade pode
se destacar a exclusão social como o maior responsável. E este problema tem
sido crescente nos últimos anos, principalmente após o início do neoliberalismo,
na década de 70.
No entanto, antes de se adentrar na problemática das
políticas públicas de reinserção social, há que se abordar a respeito dos
problemas sociais causados pela atual situação dos países que adotaram uma
conduta neoliberal. Para tanto, será feita neste primeiro momento uma
abordagem acerca das políticas neoliberais e as suas conseqüências dentro dum
contexto social.
Em primeiro lugar, cabe salientar que, conforme explica
Therborn
173
, no que se refere à organização do aparo estatal, vive-se um
processo de mercantilização do Estado; processos de desburocratização e
também de destecnocratização que deixam lugar a novos mecanismos de
gerencia derivados de dinâmicas de mercado.
Assim, no que se refere aos processos de mediação estatal
nas relações entre classes, vive-se claramente uma tendência à diminuição da
presença do Estado o qual permite que tais relações se estabeleçam de forma
mais direta, não mediadas ou menos mediadas que há uma duas décadas, no
que se refere aos países capitalistas avançados
174
.
173
THERBORN, Göran. As teorias do Estado e seus desafios no fim de século.
“In
SADER, Emir;
GENTIL, Pablo A. A.
Pos-neoliberalismo II
: que estado para que democracia. 2.ed. Petropolis:
Vozes, 2000, p. 83.
174
THERBORN, Göran.
As teorias do Estado e seus desafios no fim de século
, p. 84.
A atual situação política do Estado, segundo Therborn
175
,
caracteriza-se por quatro aspectos:
A eficiência do Estado constituiu um dos desafios lançados
pelo processo de privatizações. O processo privatizador, cuja origem é
fundamentalmente ideológica, é sustentado por ts aspectos políticos
específicos. Por um lado, a intenção de diminuir o poder dos sindicatos do setor
público. Por outro, mediante a difusão de estratégias de privatização, os governos
captam recursos a curto prazo. Graças à venda de empresas e instituições
públicas o governo obtém recursos que lhe permitem certo tipo de inversão, ás
vezes, com uma frágil fiscalização e mediante a qual é possível superar os cortes
do gasto público.
Pode-se concluir, assim, que, no que se refere à relativa
eficiência do Estado, a propriedade não tem uma correlação clara e direta com a
eficiência. Pelo contrario, nesta questão, o que parece ser mais importante são
outros três aspectos. Em primeiro lugar, o caráter público do Estado; quer dizer,
muitas empresas estatais não funcionam como serviços públicos ao estarem
apropriadas ou monopolizadas por grupos privados ou corporativos.
Rigorosamente falando, certas instituições estatais não têm nada de “público.
Pode-se observar que, quando existem instituições verdadeiramente públicas
(não privatizadas de fato), os serviços que elas prestam costumam ser eficientes.
Em segundo lugar, é importante destacar a capacidade fiscal do Estado; quer
dizer, o poder do aparato estatal para fiscalizar os lucros do capital. Um estado
débil costuma não ser um estado eficiente. Em contrapartida, um Estado com
uma poderosa capacidade fiscal costuma ser muito mais eficiente.
No que tange às Políticas de Identidade, pode-se dizer que
esta constitui uma nova problemática para a qual se prestava pouca atenção nos
anos sessenta e setenta. As políticas de identidade da nação, de grupos étnicos,
de gênero, de sexualidade, etc., hoje formam parte constitutiva e central dos
debates e das lutas políticas. No que se refere ao Estado, essas políticas de
175
THERBORN, Göran. As teorias do Estado e seus desafios no fim de século, p. 84-88.
identidade requerem, pelo menos, dois aspectos. Por um lado o reconhecimento
explícito do Estado da multiculturalidade que existe em toda a sociedade. Em
segundo lugar, o Estado deve negociar as regulações da coexistência
multicultural; quer dizer, deve manter um papel decisivo na regulação dos
conflitos intrínsecos em sociedades fragmentadas e multiculturais.
A respeito do Estado-nação frente aos processos de
globalização, pode-se dizer que as relações entre o mercado e o Estado sofreram
uma mudança. Com efeito, o Estado-nação e o conjunto de instituões nacionais
mantêm sua influência específica, assim como os políticos nacionais continuam
tendo sua responsabilidade nas decisões políticas locais.
Há ainda a questão, da ênfase na importância da sociedade
civil. Na sociedade civil gera-se e reproduz-se a injustiça, a exploração e a
violência. Deve-se, assim, analisar a sociedade civil juntamente com o Estado;
questão que é importanssima no que se refere ao discurso dos direitos humanos
e sociais. Isto é, os direitos humanos e sociais pressupõem a existência da
sociedade civil, mas tamm a de um Estado que os reconhece e que garante
seu respeito e realização. Existe uma dialética muito interessante que se deve
analisar e compreender entre ambas as esferas: na sociedade civil reclamam-se e
defendem-se os direitos, mas na esfera do Estado os direitos são reconhecidos,
efetivados ou anulados.
Estes novos aspectos do Estado são conseqüências das
políticas neoliberais adotadas das últimas décadas.
Esse termo, “neoliberalismo”, tem um significado específico
no que concerne a um conjunto particular de receitas econômicas e programas
políticos que começaram a ser propostos nos anos 70
176
. Um aspecto marcante
deste é a importância assumida pelos mercados e pela concorrência, processo
que reflete uma mudança estrutural na história do capitalismo.
176
THERBORN, Göran.
A trama do neoliberalismo:
mercado, crise e exclusão social. São Paulo:
Editora Paz e Terra, 2000, p. 139.
Esta nova postura política e econômica estatal trouxe
benefícios, mas tamm muitos malefícios às sociedades dela dependentes. Isto
porque o neoliberalismo é o “Estado Mínimo”, que transfere às pessoas a
incumbência de prover às próprias necessidades básicas, o que, na maioria das
vezes, provoca situações de desemprego, desigualdade social, etc., na medida
em que estas tendem a ver no Estado uma figura protetiva.
Para Salama
177
, a questão está no problema que o impacto
e a força que o discurso neoliberal tem tido na cabeça das pessoas provêm da
nossa própria incapacidade de mudar a forma de viver e compreender o Estado.
Com efeito, o Estado não pode responder de forma eficaz às novas condições
criadas por um alto grau de industrialização e as complexas dificuldades geradas
por este processo de mudanças. O aumento acelerado do desemprego legitimou,
no nível subjetivo, a necessidade de medidas liberais de orientação claramente
mercantil. A partir desse momento, existe uma espécie de ambigüidade: o
fracasso das medidas neoliberais (por exemplo, os sucessivos planos que
desembocaram na hiperinflação na América Latina) é explicado com o argumento
que foi o Estado quem paralisou atividade econômica.
Ademais, é um dado evidente que a pobreza tem crescido
enormemente nos países do Terceiro Mundo, mas não somente neles. Os efeitos
das políticas neoliberais, no entanto, não param por aí. Ainda mais grave é o fato
de as desigualdades terem se intensificado entre os próprios pobres. Está-se, aí,
diante de um processo novo: a pauperização da pobreza, de setores que são,
hoje, muito mais pobres do que antes. As políticas liberais, tal como vêm sendo
aplicadas, conduziram certas sociedades a uma rápida e profunda dinâmica de
desagregação
178
.
Com essa conduta de atribuir ao cidadão a responsabilidade
pelo próprio sustento e provimento de necessidades básicas como educação,
177
SALAMA, Pierre.
A trama do neoliberalismo:
mercado, crise e excluo social, p. 142.
178
SALAMA, Pierre.
A trama do neoliberalismo:
mercado, crise e excluo social, p. 143.
saúde, lazer, etc., o neoliberalismo contribuiu, e muito, para o aumento da
pobreza e desigualdade social.
Para Bon
179
, o problema é que o programa neoliberal não
leva em conta adequadamente as mudanças culturais vividas pelo capitalismo.
Em termos de balanço, pode-se dizer que o neoliberalismo produziu um
retrocesso social muito pronunciado, como o agravamento das desigualdades em
todos os lugares em que ele foi implementado.
Em contrapartida, o resultado mais duradouro do
neoliberalismo tem sido a constituição de uma sociedade dual, estruturada em
duas velocidades que se coagulam num verdadeiro “apartheid social“. Ou seja,
um modelo em que existe um pequeno setor de integrados (cujo tamanho varia
segundo as distintas sociedades) e outro setor (majoritário na América Latina) de
pessoas que vão ficando inteiramente excluídas, provavelmente de forma
irrecuperável no curto prazo
180
.
Na visão de Sader
181
, o essencial é caracterizar o
neoliberalismo como um modelo hegemônico. Isto é, uma forma de denominação
de classe adequada às relações econômicas, sociais e ideológicas
contemporâneas. Se bem ele nasce de uma crítica, antes do mais econômica, ao
Estado de bem-estar, em seguida foi constituído um corpo doutrinário que
desemboca num modelo de relações entre classes, em valores ideológicos e num
determinado do modelo de Estado.
O neoliberalismo reinterpreta o processo histórico de cada
país: os vilões do atraso econômico passam a ser sindicatos, e junto com eles, as
conquistas sociais e tudo o que tenha a ver com a igualdade, com a equidade e
com a justiça social. Ao mesmo tempo, a direita, os conservadores, se
179
BORÓN, Atilio. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 145.
180
BORÓN, Atilio. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 146.
181
SADER, Emir. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 146.
reconvertem à modernidade na sua versão neoliberal, via privatizações e um
modelo de Estado Mínimo
182
.
Dito isso, é inteiramente verdadeiro que a doutrina neoliberal
- tanto na versão austríaca, quanto na vero de Chicago - nunca foi
implementada integralmente por qualquer governo.
Therborn
183
entende que as políticas e práticas neoliberais
m gerado um desastre social desintegração social numa escala massiva. Um
dos elementos importantes que mina a viabilidade do neoliberalismo a longo
prazo é sua incapacidade de desmoralizar e derrotar de maneira definitiva as
lutas sociais de resistência.
Se for feita uma análise minuciosa do que tem sido (e são)
as políticas neoliberais, concluir-se-á que elas foram (e são) fundamentalmente
políticas econômicas de exclusão social. Mesmo nos casos em que este modelo
tem desfrutado um certo êxito (a expensas de um tremendo custo social, como na
Argentina e no México), trata-se de políticas muito frágeis. Se bem que
conseguiram frear a inflação, o fizeram ao preço de crescentes desigualdades
sociais e de um déficit muito elevado da balança comercial
184
.
Consoante Fernandes
185
, na última década e meia tem-se
testemunhado no mundo mudanças substanciais no que concerne à políticas
econômico-sociais. Estas se materializam, sobretudo, em dois pilares
fundamentais: a ofensiva privatizante e o movimento para retrair programas
universais de proteção social em prol dos critérios mais particularistas de acesso
a benefícios. Estes dois aspectos se fizeram sentir com muita força no Brasil,
sobretudo a partir da eleão do presidente Collor em 1989. No caso específico
brasileiro, isto representou uma primeira (e politicamente fracassada) tentativa de
aplicação do projeto neoliberal no país.
182
SADER, Emir. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 147.
183
THERBORN, Göran. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 154.
184
THERBORN, Göran. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 155.
185
FERNANDES, Luis. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 157.
Para Anderson
186
o neoliberalismo produziu e continua
produzindo enormes fissuras sociais nos países de capitalismo avançado. Entre
as conseqüências deste modelo econômico pode-se dizer que há uma resposta
“de baixoe outra “de cima”. A resposta “de baixo” tende a ser o racismo,
xenofobismo, e, nos Estados Unidos, fundamentalismo religioso. Estes são os
“anticorpos” formados na sociedade capitalista contra todas estas tensões e
perigos.
Vê-se assim, que o neoliberalismo tem provocado mais
desgastes do que ajuda na economia dos Estados, a partir do momento em que
pratica-se uma política às custas da exclusão social, desigualdade, desemprego,
entre outros males sociais.
O economista indiano, Amartya Sen, em sua obra
Desenvolvimento como liberdade
187
, trata bem da questão da desigualdade social
como meio de exclusão. Para ele, o indivíduo não tem a liberdade de exercer o
seu papel dentro da sociedade porque lhe são tolhidos direitos fundamentais.
Para o economista, um número imenso de pessoas em todo
o mundo é vítima de várias formas de privação de liberdade. Fomes coletivas
continuam a ocorrer em determinadas regiões, negando a milhões a liberdade
básica de sobreviver. Mesmo nos países que já não o esporadicamente
devastados por fomes coletivas, a subnutrição pode afetar numerosos seres
humanos vulneráveis. Além disso, muitas pessoas têm pouco acesso a serviços
de saúde, saneamento básico ou água tratada, e passam a vida lutando contra a
morbidez desnecessária, com freência sucumbindo à morte prematura. Nos
países mais ricos é demasiado comum haver pessoas imensamente
desfavorecidas, carentes das oportunidades básicas de acesso a serviços de
saúde, educação funcional, emprego remunerado ou segurança econômica e
social. Mesmo em países muito ricos, às vezes a longevidade de grupos
186
ANDERSON, Perry. A trama do neoliberalismo: mercado, crise e exclusão social, p. 168.
187
SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. MOTTA, Laura Teixeira. São
Paulo: Companhia das Letras, 2000.
substanciais não é mais elevada do que em muitas economias mais pobres do
chamado Terceiro Mundo
188
.
No que se refere a outras privações de liberdade, Sen
189
explica que um número enorme de pessoas em diversos países do mundo são
sistematicamente negados a liberdade política e os direitos civis básicos. Afirma-
se com certa freqüência que a negação desses direitos ajuda a estimular o
crescimento econômico e é “benéficapara o desenvolvimento econômico rápido.
Alguns chegaram a defender sistemas políticos mais autoritários com negação
de direitos civis e políticos básicos alegando a vantagem desses sistemas na
promoção do desenvolvimento econômico. Essa tese (freqüentemente
denominada “tese de Lee”, atribuída em algumas formas ao ex-primeiro-ministro
de Cingapura, Lee Yuan Yew) às vezes é defendida por meio de algumas
evidências empíricas bem rudimentares.
No entanto, para Sen
190
, comparações mais abrangentes
entre países não forneceram nenhuma confirmão dessa tese, e há poucos
indícios de que a política autoriria realmente auxilie o crescimento econômico.
As evidências empíricas indicam veementemente que o crescimento econômico
está mais ligado a um clima econômico mais propício do que a um sistema
político mais rígido.
Essa privação de liberdade pode surgir em razão de
processos inadequados (como a violação do direito ao voto ou de outros direitos
políticos ou civis), ou de oportunidades inadequadas que algumas pessoas têm
para realizar o mínimo do que gostariam (incluindo a ausência de oportunidades
elementares como a capacidade de escapar de morte prematura, morbidez
estável ou fome involuntária)
191
.
188
SEN, Amartya Kumar.
Desenvolvimento como liberdade,
p. 29.
189
SEN, Amartya Kumar.
Desenvolvimento como liberdade,
p. 30.
190
SEN, Amartya Kumar.
Desenvolvimento como liberdade,
p. 30.
191
SEN, Amartya Kumar.
Desenvolvimento como liberdade,
p. 31.
Os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a
perspectiva da liberdade seja colocada no centro do palco. Nessa perspectiva, as
pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas dada a oportunidade
na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias
passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento. O Estado e a
sociedade têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades
humanas. São papéis de sustentão, e não de entrega sob encomenda. A
perspectiva de que a liberdade é central em relação aos fins e aos meios do
desenvolvimento merece toda a atenção da sociedade
192
.
A questão da discussão pública e participação social é,
portanto, central para a elaboração de políticas em uma estrutura democrática. O
uso de prerrogativas democráticas tanto as liberdades políticas como os direitos
civis é parte crucial do exercício da ppria elaboração de políticas econômicas,
em adição a outros papéis que essas prerrogativas possam ter. Em uma
abordagem orientada para a liberdade, as liberdades participavam não podem
deixar de ser centrais para a análise de políticas públicas
193
.
O desafio do desenvolvimento inclui a eliminação da
privação persistente e endêmica e a prevenção da destituição súbita e severa.
Contudo, as demandas respectivas sobre as instituições e políticas desses dois
requisitos podem ser distintas e até mesmo dessemelhantes. O êxito em uma
área pode não garantir o êxito na outra
194
.
A desigualdade tem um papel importante no
desenvolvimento das fomes coletivas e outras crises graves. Na verdade, a
própria ausência de democracia é uma desigualdade nesse caso, de direitos e
poderes políticos. Porém, mais do que isso, as fomes coletivas e outras crises
desenvolvem-se graças a uma desigualdade severa e por vezes subitamente
aumentada. Isso é ilustrado pelo fato de que as fomes coletivas podem ocorrer
mesmo sem que haja uma diminuição significativa ou mesmo sem diminuição
192
SEN, Amartya Kumar.
Desenvolvimento como liberdade,
p. 71.
193
SEN, Amartya Kumar.
Desenvolvimento como liberdade,
p. 134.
194
SEN, Amartya Kumar.
Desenvolvimento como liberdade,
p. 216.
alguma - da oferta total de alimentos, porque alguns grupos podem sofrer uma
perda abrupta de poder no mercado (por meio, por exemplo, de um desemprego
repentino e em massa), com a fome resultando dessa nova desigualdade
195
.
Sen
196
avalia que, consoante Aristóteles, o futuro pode ser
moldado pelas pessoas, e isso poderia ser feito baseando as escolhas na razão.
Precisa-se, então, de uma estrutura avaliatória apropriada; precisa-se também de
instituições que atuem para promover os objetivos e comprometimentos
valorativos, e, ademais, de normas de comportamento e de um raciocínio sobre o
comportamento que permita às pessoas realizar o que se tenta realizar.
Para tanto, há a necessidade de adoção de políticas
públicas adequadas para que se possa haver inclusão social, diminuição das
desigualdades, desenvolvimento democrático, etc.
Neste sentido, as políticas públicas têm o papel não só de
procurar programarem as prioridades que emergem de valores e afirmações
sociais, como também de facilitar e garantir a discussão pública mais completa.
Para Sen
197
, o alcance e a qualidade das discussões abertas
podem ser melhorados por várias políticas públicas, como liberdade de imprensa
e independência dos meios de comunicação (incluindo ausência de censura),
expansão da educação básica e escolaridade (incluindo a educação das
mulheres), aumento da independência econômica (especialmente por meio do
emprego, incluindo o emprego feminino) e outras mudanças sociais e econômicas
que ajudam os indivíduos a ser cidadãos participantes. Essencial nessa
abordagem é a idéia do público como um participante ativo da mudança, em vez
de receber dócil e passivo de instruções ou de auxílio concedido.
195
SEN, Amartya Kumar.
Desenvolvimento como liberdade,
p. 217.
196
SEN, Amartya Kumar.
Desenvolvimento como liberdade,
p. 284.
197
SEN, Amartya Kumar.
Desenvolvimento como liberdade,
p. 318-319.
Feitas essas considerações, passa-se, agora a uma análise
mais detalhada do que vem a ser políticas públicas, iniciando-se com uma breve
abordagem conceitual e histórica.
4.2 CONCEITO E HISTÓRICO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Para que se possa analisar o que vêm a ser políticas
públicas, especialmente no que diz respeito à reinserção social do apenado, na
pena privativa de liberdade, é necessário, antes, um relato da sua evolução
histórica, para que se possa obter uma noção da sua importância, dentro do
contexto que envolve a execução da pena.
Enfocando-se o conceito de Políticas Públicas, propriamente
ditas, pode-se dizer que estas devem ser definidas, em primeiro plano, num
sentido de programa de ação. Paiva
198
ensina que as Políticas Públicas estão
relacionadas às ações com fins públicos de acesso a toda população.
Maria das G. Rua, apud Pires
199
, afirma que políticas
públicas podem ser entendidas como produtos ou outputs da atividade política,
compreendendo o conjunto das ações estrategicamente selecionadas para
implementar as decisões tomadas.
Desta forma, a atividade política mencionada inscreve-se
numa estrutura de poder que informa possibilidades e formas de interação entre
os atores, sendo possível dizer que tais interações encontram-se restritas a um
universo marcado por dificuldades em relação à definição dos problemas e
competências; por construções sociais da realidade que se convertem em
referenciais para aqueles que pressionam em busca de uma ou outra solução; por
198
PAIVA, Clarice Amaral. Políticas Públicas e sua aplicabilidade pelo Terceiro Setor. Disponível
em: <http://www.socialtec.org.br/Download/GovernoSociedade/ClariceAmaralPaiva%20_Politi-
casPublicas.doc>. Acesso em: 26 nov 2004, p. 01.
199
PIRES, Roberto Rocha Coelho. A Avaliação da Implementação de Políticas Públicas a Partir da
Perspectiva Neoinstitucional: avanços e validade. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 22 a 25
de setembro de 2002, Salvador/BA.
Anais...
Recife: Observatório da Realidade Organizacional:
PROPAD/UFPE: ANPAD, 2002. 1 CD.
idéias utilizadas aqui e ali para provocar mudanças nas preferências e
alternativas; e por "comunidades epistêmicas"
200
que trabalham de forma conjunta
para utilizar seus conhecimentos como recurso no jogo da tomada de decisões
201
.
Além disso, pode-se conceituar mais claramente as Políticas
Públicas, ao se declarar que “Política Pública é o processo de estabelecimento de
princípios, prioridades e diretrizes que organizam o conjunto de programas e
serviços para uma população”
202
.
Pereira
203
afirma que, no campo disciplinar, a partir da
ciência política em especial e da ciência social no sentido mais amplo, o
nascimento das políticas públicas está a tentativa de gerar conhecimento
aplicável às ações práticas dos governos, com ênfase na preocupação com a
qualidade e eficácia da intervenção pública. Deste modo, norteiam-se as Políticas
Públicas pela satisfação das necessidades básicas da população (mínimos
sociais).
É importante ressaltar que Políticas públicas devem ser
entendidas como o "Estado em ação"
204
; é o Estado implantando um projeto de
governo, através de programas, de ações voltadas para setores específicos da
sociedade.
200
As comunidades epistêmicas são aquelas que contribuem, direta e indiretamente, para a
coordenação de políticas, difundindo idéias e influenciando as posições adotadas por uma
ampla gama de atores, incluindo agências domésticas e internacionais, burocracias
governamentais, tomadores de decisão, parlamentos, federações coorporativas e o público em
geral. Em temas menos politizados, as comunidades epistêmicas possuem grande participação
em vários estágios do processo de tomada de decisão, incluindo a introdução de alternativas
de políticas a serem tomadas, a seleção das políticas e a construção de coalizões nacionais e
internacionais para apoiarem tais políticas.
201
SUBIRATS, Joan; GOMÀ, Ricard, apud PIRES, Roberto Rocha Coelho.
A Avaliação da
Implementação de Políticas Públicas a Partir da Perspectiva Neoinstitucional: avanços e
validade.
202
Programa de Qualificação e Conselhos Estaduais de Trabalho (MTb/FLACSO, 1999).
203
PEREIRA, Cássio Avelino S.
Políticas Públicas no setor de turismo
. Turismo em Análise, São
Paulo, 2000
,
p. 08.
204
GOBERT; MULLER, 1987,
apud
HÖFLING, Eloisa de Mattos.
Estado e Políticas (Públicas)
Sociais
. Cad. CEDES, v. 21, n. 55, Campinas, nov. 2001. Disponível em:
<http://www.scielo.br>. Acesso em: 16 nov 2004, p. 01.
Assim, o Estado não pode ser reduzido à burocracia pública,
aos organismos estatais que conceberiam e implementariam as políticas públicas.
As políticas públicas são aqui compreendidas como as de responsabilidade do
Estado, quanto à implementação e manutenção a partir de um processo de
tomada de decisões que envolvem órgãos públicos e diferentes organismos e
agentes da sociedade relacionados à política implementada. Neste sentido,
políticas públicas não podem ser reduzidas a políticas estatais
205
.
É preciso que haja não apenas ações governamentais
voltadas aleatoriamente ao sistema penitenciário brasileiro. É necessário que haja
a compreensão de um sistema e idéias sociais como parte da sociedade e cultura
modernas que, em todo o mundo variam e modificam o equilíbrio entre liberdade
individual e controle social.
Por que se preocupar com políticas públicas? Várias raes
estimulam o estudo das idéias e das instituições envolvidas, tanto da perspectiva
mais ampla das ciências sociais, quanto da perspectiva particular possibilitada
pelos instrumentos dos especialistas dessa área.
Em qualquer instituição é constante a preocupação com
políticas públicas, porque estabelecem programas políticos, segurança social,
conservação e desenvolvimentos dos recursos naturais, exploração do espaço,
defesa do consumo e principalmente ações na área social, que no caso em tela
atinge o sistema penitenciário brasileiro.
As decisões governamentais tomadas por líderes políticos
demonstram que as políticas públicas necessárias ao desenvolvimento, não são
regidas por leis imuveis ou por idéias fixas. Ao contrário, políticas públicas,
como tudo na cultura de um povo, é resultado da ação e da compreensão
humana, e pode ser determinada, guiada e controlada por quem de direito.
Políticas Públicas fogem às questões do certo e do errado,
205
HÖFLING, Eloisa de Mattos.
Estado e Políticas (Públicas) Sociais
, p. 01.
pois isso levaria a julgamentos de ética e valor. O objetivo das políticas públicas é
indicar alternativas possíveis e as conseqüências da escolha por uma por outra.
Neste conceito de Políticas Públicas, inserem-se também as
políticas sociais, que se referem a ações que determinam o padrão de proteção
social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos
benefícios sociais visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas
pelo desenvolvimento socioeconômico. As políticas sociais têm suas raízes nos
movimentos populares do século XIX, voltadas aos conflitos surgidos entre capital
e trabalho, no desenvolvimento das primeiras revolões industriais
206
.
Já os antecedentes das Políticas Públicas propriamente
ditas remontam os anos 40 e 50 nos EUA, após a Segunda Guerra Mundial e
surgem com a preocupação da ocorrência de revero do crescimento
econômico, uma vez que a economia de guerra estava sendo desmontada,
estando também associados ao reconhecimento do aumento da intervenção do
Estado, desde a experiência do New Deal americano, ocorrido na década de
30
207
.
Já a partir dos anos 60, surgiu na agenda pública a
necessidade de avaliar e discutir o que o Estado e o Governo fazem através dos
programas, projetos e políticas.
No Brasil, a intervenção do Estado nas políticas sociais
iniciou-se nos anos 30, associada à Era Vargas e se articulava em torno da idéia
de incorporação e integração social. No tímido Welfare State
208
brasileiro a
política pública foi moeda de troca e estandarte daão do Estado.
A questão social nos anos 80 foi a arena privilegiada de
debates conservadores e progressistas, ao passo que nos anos 90 a discussão
política central era a desigualdade social, em detrimento da pobreza absoluta. O
206
HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e Políticas (Públicas) Sociais, p. 01.
207
PEREIRA, Cássio Avelino S. Políticas Públicas no setor de turismo, p. 08.
208
Bem Estar Social
ponto de inflexão no rumo das políticas sociais públicas opera-se no governo
Collor com focalização, seletividade e redefinição da intervenção privada. Aliado a
isto, no governo FHC, a discussão da pobreza absoluta orienta as Políticas
Públicas
209
.
Atualmente, as políticas públicas de combate à criminalidade
e violência no Brasil têm sido marcadas pela definição de um conjunto aleatório
de ações cuja implementação geralmente se caracteriza pela fragmentação,
precário acompanhamento e dificuldades de avaliação dos resultados. O
lançamento de novas ofensivas pelas autoridades a cada ação criminosa de vulto
demonstra essa fragmentação. Os altos índices de criminalidade e violência no
país suscitam a necessidade de uma política pública consistente e integrada entre
os diversos atores envolvidos no processo
210
.
4.3 DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMBATE À EXCLUSÃO SOCIAL E À
VIOLÊNCIA
Soares
211
entende que a complexidade e as múltiplas
causas da vioncia e criminalidade, não são necessariamente uma ligação direta
e simples entre as suas diversas variáveis, pois fatores externos como índice de
desemprego e qualidade de vida das camadas mais pobres da população; o grau
de contradições econômicas, políticas, religiosas, culturais, étnicas, entre outras,
inseridas na sociabilidade cotidiana; a intensidade de exclusão da cidadania; a
expectativa de integração social e econômica dos segmentos mais pobres; a
presença relativa de jovens na composição demográfica; e o grau de urbanização;
o algumas das condições externas que podem influenciar na dinâmica da
209
MELO, Marcus André. As sete vidas da agenda pública brasileira,
in
RICO, Elizabeth Melo
(org).
Avaliação de Políticas Sociais
: Uma questão em debate. São Paulo: Cortez, 1998. p. 10.
210
CRUZ, Marcus Vicius Gonçalves da; BARBOSA, Allan Claudius Queiroz.
Políticas Públicas
de Combate à Criminalidade e Violência: Copiar é Possível
? Um Estudo Comparativo entre
Washington D.C. e Belo Horizonte. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 20 a 24 de setembro
de 2003, Atibaia/SP.
Anais...
Recife: Observatório da Realidade Organizacional:
PROPAD/UFPE: ANPAD, 2003. 1 CD.
211
SOARES, Luiz Eduardo,
apud
CRUZ, Marcus Vinícius Gonçalves da; BARBOSA, Allan
Claudius Queiroz.
Políticas Públicas de Combate à Criminalidade e Violência: Copiar é
Possível
? Um Estudo Comparativo entre Washington D.C. e Belo Horizonte, p. 3.
criminalidade.
E, neste sentido, se um Estado visa diminuir a vioncia e a
criminalidade, a atitude mais importante a ser adotada diz respeito à adoção de
políticas públicas de combate à exclusão social, isto porque, na maioria das
vezes, aquela é conseqüência desta.
Uma das melhores maneiras de se acabar com a exclusão
social é oferecer oportunidades para aqueles que não a possuem. Essas
oportunidades, na maioria das vezes, resumem-se em um emprego.
O trabalho sempre foi o esteio do homem, o seu modo de
sobrevivência e de manutenção da dignidade. A propósito deste assunto,
Iamamotto
212
assevera que:
O trabalho conduz a mudanças não só no objeto (natureza), mas
no sujeito (homem), no ângulo material é produção de objetos
aptos a serem utilizados pelo homem. Sob o ângulo subjetivo, é
capacidades e qualidades humanos e de necessidades.
O trabalho, assim, é essencial para o homem, pois é com ele
que o mesmo torna-se um ser social. Além do mais,
O trabalho é uma atividade fundamental do homem, pois
mediatiza a satisfação de suas necessidades diante da natureza e
de outros homens. Pelo trabalho o homem se afirma como um ser
social e, portanto, distinto da natureza. O trabalho é a atividade
própria do ser humano, seja ela material, intelectual ou artística. É
por meio do trabalho que o homem se afirma como um ser que dá
respostas prático-conscientes aos seus carecimentos, às suas
necessidades. É pelo trabalho que as necessidades humanas são
satisfeitas, ao mesmo tempo em que o trabalho cria outras
necessidades
213
.
212
IAMAMOTTO, Marilda Vilela.
Serviço Social na Contemporaneidade
: Trabalho e Formação
Profissional. São Paulo: Cortez, 1998, p. 227.
213
IAMAMOTTO, Marilda Vilela.
Serviço Social na Contemporaneidade
: Trabalho e Formação
Profissional, p. 60.
Segundo Gorz
214
"o salário remunera o trabalho fornecido,
não a pessoa que o fornece". Para ele, o salário da forma como é concebida ao
trabalhador, confere ao mesmo a cidadania econômica a seu prestador. Para ser
cidadão cumpridor de seus deveres e digno de cidadania, ele, o trabalhador tem
que cumprir longa jornada de trabalho, é cumprindo seus deveres que a
sociedade lhe confere os direitos.
Mas o fato é que o trabalho precarizado aumenta a cada dia
que passa, aumentando junto, o mercado informal, o que desestabiliza o salário,
bem como os empregos formais. Com a procura pelos chamados trabalhos
temporários e com o aparecimento somente de trabalhos autônomos, as garantias
de emprego e salário caem a zero, gerando, assim, o desemprego. A respeito
deste assunto, Yazbek
215
afirma que
A questão social hoje tem uma expressão concreta na perda dos
padrões de proteção da sociedade salarial. O trabalho vê seus
apoios, suas conquistas e garantias ameaçadas. E isso é mais
grave que o próprio desemprego: a vulneralização do trabalho. A
sociedade salarial, sociedade da seguridade, da proteção e da
garantia de direitos sociais e direitos do trabalhador está em
causa.
Não sem resistências, seguramente.
Todos esses fatores geram um grande problema social, que
atinge não só as camadas mais pobres, como tamm as mais abastadas, porém,
este problema atinge, de forma mais expressiva, os indivíduos de baixa renda,
levando-o, na maioria das vezes, à criminalidade.
Com efeito, tamm são as camadas mais pobres da
sociedade que mais sofrem com a falta de oportunidade, miséria, exclusão social,
e, por conseqüência, a criminalidade.
214
GORZ, André. Direito ao trabalho versus renda mínima. In:
Serviço Social e Sociedade
, nº 52,
ano XVII, São Paulo: Cortez, dez/1996, p. 84.
215
YAZBEK, Maria Carmelita. Globalização, Precarização das Relações de Trabalho e Seguridade
Social.
In: Serviço Social e Sociedade
. N. 56. São Paulo: Cortez, 1998, p. 52.
Isto porque o problema da criminalidade no Brasil só passa a
ser objeto da atenção dos governantes quando ultrapassa os limites estruturais às
quais está tradicionalmente confinado, ou seja, quando se estende à classe média
e alta. Somente a partir deste momento as pessoas começam a especular a
respeito das causas da criminalidade a fim de combatê-la
216
.
Destarte, enquanto a miséria e a criminalidade estão
confinadas às favelas e bairros pobres, nada se faz por aqueles que estão
padecendo com o problema, porém, a partir do momento em que este problema
começa a atingir a classe média e alta, a mídia passa a abordar com mais
severidade a questão e, só então, o governo começa tomar alguma atitude. No
entanto, basta o assunto “esfriar” para que tudo seja esquecido novamente.
Outra solução encontrada pelo Estado parece ser a de
aprisionar o infrator e dei-lo preso por medida de vingança, tal pensamento e
ão parecem ser imorais, donde nascem as acusações da sociedade no sentido
de que punir não é deixar preso e que o Estado, alheio à massa carcerária, faz
vista grossa nesta área social.
Uma das teses desenvolvidas acerca do assunto é a de que
a criminalidade estaria "evidentemente" associada à pobreza e à miséria, à
marginalidade dos centros urbanos e a processos migratórios. Este é o
argumento da contaminação dos valores das pessoas pela necessidade mais
premente da sobrevivência a qualquer custo
217
.
Felson
218
refere-se a esta perspectiva como a "falácia da
pestilência":
216
BEATO F. Cláudio C.
Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability
.
Disponível em <http://www.fundaj.gov.br/docs/eq/semi6.rtf>. Acesso em: 20 nov. 2004, p. 02.
217
BEATO F. Cláudio C.
Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability
, p.
03.
218
FELSON, Marcus,
apud
BEATO F. Cláudio C.
Políticas Públicas de Segurança: Equidade,
Eficiência e Accountability
, p. 03.
[...] as coisas ruins provém de outras coisas ruins. O crime é uma
má coisa, portanto, ele deve emergir de outras maldades tais
como o desemprego, pobreza, crueldade e assim por diante. Além
disso, a prosperidade deveria conduzir-nos a taxas mais baixas de
crime.
Assim, depois de identificada a suposta causa do crime, este
seria rapidamente erradicado desde que houvesse vontade política. Da mesma
forma que a inflação deve ser abatida com um tiro apenas, o analfabetismo com
uns trocados a mais nos bolsos dos professores, a distribuição de renda com
alguns golpes de caneta, ou o problema da saúde com um pouco mais de
recursos, a criminalidade seria combatida mediante políticas de combate à
pobreza, miséria e de geração de empregos
219
.
Beato
220
afirma que se trata de um argumento moralmente
ambíguo, pois procura combater a pobreza, desigualdade e miséria não pela sua
própria existência (que em si mesma é injustificável), mas associando-a a uma
espécie de ameaça à tranqüilidade das classes média e alta.
Porém, o fato de haver uma ambigüidade nesta teoria não
retira a certeza de que se existissem maiores investimentos por parte do Estado
em Políticas Públicas de combate à exclusão social, conseqüentemente,
diminuiriam os índices de criminalidade, faltando, aí, uma cognição da
criminalidade como um problema público.
Aliás, a respeito da queso da criminalidade como problema
público, pode-se dizer que há muito debate acerca das causas desta. Não
obstante, a formulação de políticas públicas neste sentido deve prescindir da
identificação dessas "causas", na medida em que, identificando-as poderá se
atacar o problema
221
.
219
BEATO F. Cláudio C.
Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability
, p.
03.
220
BEATO F. Cláudio C.
Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability
, p.
03.
221
WILSON, James
apud
BEATO F. Cláudio C.
Políticas Públicas de Segurança: Equidade,
Eficiência e Accountability
, p. 03.
As Políticas Públicas de combate à criminalidade devem
pautar-se por metas claras e definidas a serem alcançadas, por instrumentos de
medidas confiáveis para a avaliação dos seus objetivos e pelos meios disponíveis
para sua realização de forma democrática
222
.
Portanto, uma análise de Políticas Públicas em segurança
envolveria necessariamente a formulão de componentes informacionais a
respeito dos programas a serem implementados, bem como métodos analíticos
de monitoramento e avaliação de seu desempenho
223
.
A formulação de problemas, alternativas, ações e resultados
o essencialmente questões de natureza teórica, ao passo que a avaliação,
monitoramento, recomendações e estruturações são de ordem técnica,
envolvendo a utilização de modelos de custo/benefício, de efetividade, eficiência e
de equidade
224
.
No caso do sistema de justiça criminal no Brasil ainda não
se dispõe de um sistema de informações de criminalidade a nível nacional de tal
forma que se possa avaliar a implementação de programas e estratégias de
controle da criminalidade
225
.
Porém, enquanto não se dispõe deste sistema faz-se
necessária a implantação de políticas públicas que visem minorar as
conseqüências da pobreza e da exclusão social, o que, por si, só trará grandes
benefícios no que diz respeito ao combate à criminalidade.
A base real do conflito para os problemas da área social,
222
BEATO F. Cláudio C.
Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability
, p.
04.
223
DUNN, William N.
apud
BEATO F. Cláudio C.
Políticas Públicas de Segurança: Equidade,
Eficiência e Accountability
, p. 04.
224
BEATO F. Cláudio C.
Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability
, p.
04.
225
BEATO F. Cláudio C.
Políticas Públicas de Segurança: Equidade, Eficiência e Accountability
, p.
04.
onde se insere a reeducação do apenado, não está na estrutura prisional, mas na
estrutura política e social, e nos objetivos para os quais o esforço político é
dirigido.
4.4 DA ATUAL SITUAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EM RELAÇÃO AO
APENADO
A tarefa dos estabelecimentos prisionais, de acordo com a
teoria da prevenção especial positiva (ressocializadora), é proporcionar aos
cidadãos (que o Estado alijou do seio social e os mantêm reclusos) oportunidades
iguais de participação na vida social, mormente no campo do trabalho, cuja oferta
de emprego é muito aquém da demanda. Mesmo sabendo que, em conseqüência
da pena de prio que lhes foi imposta, encontram-se em posição de
desigualdade na sociedade frente aos demais cidadãos, pois foram selecionados
pelo Sistema, jogados na prisão e, conseqüentemente, estigmatizados. Esta
“pecha”, que marca para sempre os ex-presidiários, lhes traz grandes dificuldades
na ocorrência direta, em todos os setores da vida, com aqueles que não
possuem
226
.
Para tanto, faz-se necessário lançar mão de alguns meios
para se obter essa ressocialização necessária, os quais se podem destacar o
trabalho penitenciário, a assistência ao apenado e à sua falia, a melhoria na
situação das prisões.
Porém, apesar de todas as conquistas sociais da
Constituição de 1934, o Estado do Bem-Estar Social não chegou a se implantar
no aqui no Brasil, bem como no restante da América Latina. Inclusive, conforme
diz Hobsbawn
227
, o Brasil seria “um monumento à negligência social”.
226
ANDRADE, Vera Regina Pereira de.
Prisão e ressocialização:
(in)ocorrência na penitenciária
agrícola de Chapecó. 109 f. 2001. Dissertação (Mestrado em Direito) Curso de Pós-
Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, em convênio com a
Universidade do Oeste de Santa Catarina, Florianópolis. 2001, p. 28-29.
227
Apud
STRECK, Lenio Luiz.
Jurisdição Constitucional e Hermenêutica
. 2 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2004, p. 63.
Bonavides
228
tamm tem este entendimento, e assinala que
socialmente, o Brasil é o Ps mais injusto do mundo; por um paradoxo, sua
riqueza fez seu povo mais pobre e suas elites mais ricas numa proporção de
desigualdade que assombra cientistas sociais e juristas de todos os países.
o obstante, após o fim da ditadura militar e com a
implantação da democracia, chegou, também, ao território nacional, o
neoliberalismo com a idéia da globalização através de um discurso econômico e
relativização da soberania estatal em um ps endividado externamente e
subjugado às cobranças de juros ferozes
229
.
Com efeito, percebe-se que a exclusão social pela qual
muitas pessoas vêm passando atualmente, tem como fator principal a política
neoliberal praticada pelo Estado, quando este passa a ver a economia com
âmbito mundial em detrimento das necessidades sociais.
Assim, a realidade neoliberal que assola o país, acusa a
impossibilidade de políticas blicas criminais e penitenciárias, haja vista que não
se justificaria aos olhos dos investidores externos e dos grupos econômicos
internacionais, o dispêndio de miles na construção de penitenciarias para a
execução penal digna que exige a própria legislação nacional
230
.
O grande problema é que tamm a sociedade age e pensa
da mesma forma, ao declarar que a construção de presídios é menos importante
do que a construção de escolas e hospitais, ficando, assim, os detentos, sempre
em segundo plano, para não dizer excluídos das políticas públicas de melhorias
de condições de vida.
228
BONAVIDES, Paulo.
Do País Constitucional ao Ps Neocolonial.
3 ed. São Paulo: Malheiros,
2004, p. 30.
229
GARBELINI, Sandra Mara.
Arquitetura prisional, a construção de penitenciárias e a devida
execução penal
. Disponível em <http://www.direitonet.com.br/doutrina/textos/x/81/66/816/direi-
tonet_textojur_816.doc>. Acesso em 16 nov 2004, p. 03.
230
GARBELINI, Sandra Mara.
Arquitetura prisional, a construção de penitenciárias e a devida
execução penal,
p. 3.
Conforme enfatiza Santos
231
, a economia passa, então, a
ser a detentora das linhas políticas e institucionais do país, tendo, de um lado, a
Constituição da República Federativa do Brasil destacando as garantias
fundamentais e os direitos individuais e sociais, de outro, as regras econômicas
limitando o Estado a não praticar políticas públicas que garantam a eficácia
desses direitos retratados na Constituição e na legislação infraconstitucional.
Desta forma, diante da ausência de políticas sérias e
investimentos no sistema penitenciário brasileiro, as velhas e insalubres
instalações penitenciárias, além daquelas superlotadas efetivamente não atingem
o objetivo maior da pena que é a ressocialização do indivíduo que, na maioria das
vezes, sequer era socializado e sempre foi excluído socialmente pelo poder
público
232
.
Segundo Leal
233
o há como se ensinar a viver em
liberdade dentro do cativeiro, descabendo cogitar-se de ressocializar quem de
regra nem sequer foi antes socializado.
Paixão
234
, por sua vez, ressalta que
A pena privativa de liberdade significa aprendizagem com o
isolamento. Segregado da família, dos amigos e de outras
relações socialmente significativas, o preso, espera-se, vai
quotidianamente refletir sobre o ato criminoso e sentir a
representação mais direta da punição preservar os cursos
normais de interação das externalidades do crime.
Com efeito, o trabalho é um dos institutos mais salientes na
231
SANTOS, Pedro Sérgio dos.
Direito Processual Penal e a Insuficiência Metodológica
: a
alternativa da mecânica quântica. Curitiba: Juruá, 2004, p. 83.
232
GARBELINI, Sandra Mara.
Arquitetura prisional, a construção de penitenciárias e a devida
execução penal
, p. 3.
233
LEAL, César Barros. Prisão: Crepúsculo de uma Era. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p.
40.
234
PAIXÃO, Antônio. Luiz.
Recuperar ou punir?
Como o Estado trata o criminoso. São Paulo:
Cortez Editora, 1987, p. 9.
reinserção social do apenado. Conforme assevera Brant
235
, supõe-se que os
cidadãos trabalhem para assegurar a sua sobrevivência e a de sua família. O
exercício de uma determinada ocupação durante o tempo do encarceramento não
confere apenas um aprendizado, um saber técnico e uma experiência que permita
ao detento obter ou melhorar sua renda. Ela determina também, modos
diferenciados de viver: maior disciplina, cumprimento de horários e rotinas, maior
submissão as regras impostas pelo estabelecimento penal; maior criatividade,
autonomia, iniciativa; bem como maior especialização.
Entretanto, os estabelecimentos prisionais oferecem postos
de trabalho, não de maneira a reproduzir com fidelidade as condições em que o
detento vivia antes de ser matriculado no sistema, mas sim com o intuito de
reverter o ócio inerente à pena privativa de liberdade.
A desvinculação entre a atividade exercida no interior do
cárcere e as preferências ocupacionais e as experiências anteriores de trabalho,
conforme salienta Brant
236
, colocam o trabalho prisional como algo vazio e inútil
tanto do ponto de vista do trabalhador como dos objetivos propostos pela
organização do sistema. Isto porque as aspirações profissionais dos detentos, a
serem concretizadas dentro dos estabelecimentos penitenciários, têm sua base
na respectiva experiência anterior e no julgamento que os infratores fazem tanto
de si como da sociedade discriminante que os espera.
Com isso, a ressocialização através da segregação total do
indivíduo aponta para uma inconsistência do trabalho encarcerado, na medida em
que esse se torna apenas um mecanismo da reapropriação do tempo que a
condenação colocou em suspenso e não uma forma de reeducar o criminoso e
garantir a sua reinserção na sociedade e no mercado de trabalho quando finda a
sua pena privativa de liberdade. Para o sentenciado a remição atingida pelo
exercício de práticas laborativas no interior dos presídios permite que ele fique
livre em um menor lapso de tempo, dos muros que o separam da sociedade.
235
BRANT, Vinícius Caldeira.
O Trabalho Encarcerado.
Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 94.
236
BRANT, Vinícius Caldeira.
O Trabalho Encarcerado
, p. 139.
Estar livre não é sinônimo de estar reeducado.
Como o objetivo do trabalho prisional, que é a
ressocialização, não está cumprindo o seu mister, este se torna, conforme alhures
mencionado, apenas um modo de evitar o ócio.
Atualmente, os apenados são recolhidos em presídios sem
nenhuma condição para cumprimento de pena, tampouco para a ressocialização.
Estabelecimentos estes que, na maioria das vezes, estão superlotados, o que
retira do preso qualquer vestígio de dignidade que ainda lhe restar. Falar em
trabalho reeducador é, para estes segregados, uma utopia.
Com efeito, é fato notório que o precário estado do sistema
penitenciário do país é fruto do fracasso das políticas públicas voltadas para a
recuperação daqueles indivíduos punidos pelo sistema de justiça criminal,
mormente pela falta de implantação de um sistema de trabalho com o objetivo
precípuo da ressocialização.
Porém, apesar de todo o tratamento desumano e
degradante sofrido pelos presos, é importante ressaltar que, mesmo privado de
sua liberdade temporariamente, o indivíduo não se encontra privado de seus
direitos constitucionalmente garantidos. O trabalho, como forma de
ressocialização e remição da pena, é um deles, e não pode ser sonegado.
4.5 POLÍTICAS PÚBLICAS DE RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO: os
problemas atualmente apresentados e sugestões
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em seu
relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, no Capítulo IV, que trata
das condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro,
relatou que ultimamente, vem recebendo informações de que as condições de
detenção e prisão no sistema carcerário brasileiro violam os direitos humanos,
provocando uma situação de constantes rebeliões, no qual em muitos casos os
agentes do governo reagem com descaso, excessiva violência e descontrole
237
.
Como resultado de sua visita in loco, e tamm de outros
antecedentes, a Comissão considerou que os grandes problemas de que padece
o sistema penitenciário brasileiro são os seguintes: superpopulação carcerária;
condições higiênicas precárias; má alimentação; falta de leitos e roupas; lentidão
na assisncia judicial e no atendimento dos requerimentos dos presos;
impossibilidade de visitas íntimas e familiares devido às condições dos presídios;
falta de oportunidade de trabalho e recreação no interior das prisões; falta de
separação dos reclusos por categoria; falta de preparo dos agentes
penitenciários, entre muitos outros
238
.
Alguns destes problemas serão aqui tratados, mostrando
qual é a situação atual e qual seria o ideal a ser apresentado, sendo eles: a
qualificação dos agentes carcerários; os estabelecimentos prisionais; a
necessidade de assistência ao preso e à sua família; e, finalmente, o uso do
trabalho penitenciário e sua profissionalização como forma de inclusão social.
4.5.1 Qualificação dos Agentes Carcerários
No que diz respeito à qualificação dos agentes carcerários
para desempenhar essa função, há que se salientar que no desempenho de suas
tarefas, estes devem respeitar e proteger a dignidade humana, bem como manter
e defender os direitos humanos de todas as pessoas.
Porém, o que se tem notícia é de que os agentes
penitenciários muitas vezes tratam os presos de maneira desumana, cruel e
237
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados
Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil.
Capítulo IV.
As
condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro. Disponível em
<http://www.cidh.oas.org/countryrep/brazil-port/Cap%204%20.htm>. Acesso em 22 out. 2004.
238
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados
Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil.
Capítulo IV.
As
condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro.
prepotente, o que se traduz em torturas e corrupção
239
.
Tal fato se deve basicamente à falta de treinamento
especializado desses funcionários no que respeita aos direitos humanos e ao
tratamento de presos, além da escassez e má remuneração destes. Outro fator
que contribui é a falta de supervisão e controle adequado, o que acaba gerando
impunidade.
O sistema penitenciário brasileiro padece da falta de agentes
carcerários. Segundo o censo penitenciário, existem 11 presos para cada
funcionário, longe da relação recomendada pelas Nações Unidas, que é de três
presos por funcionário
240
.
Além disso, de acordo com os agentes penitenciários, um
dos principais problemas que aflige o sistema é a falta de uma adoção
orçamentária adequada para o sistema penitenciário, fato este que impede um
serviço melhor. Em 1992, por exemplo, o Departamento de Assuntos
Penitenciários solicitou a inclusão da soma de US$22.743.000 no orçamento
federal, mas o Congresso Nacional só aprovou o montante de US$5.091.000, dos
quais só foram efetivamente gastos US$1.873.650
241
.
De acordo com o relatório apresentado pela Comissão, faz-
se necessário a adoção de medidas visando melhorar o treinamento dos agentes
penitenciários, como parte de um projeto mais amplo de recrutamento,
treinamento e melhoria das condições de trabalho dos funcionários
penitenciários
242
.
239
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados
Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil.
Capítulo IV.
As
condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro.
240
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados
Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil.
Capítulo IV.
As
condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro.
241
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados
Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil.
Capítulo IV.
As
condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro.
242
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados
Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil.
Capítulo IV.
As
Assim, as políticas públicas destinadas à reinseão do
apenado devem atender não só as necessidades dos presos, mas tamm as dos
agentes penitenciários, que tamm sofrem as mazelas de um sistema
penitenciário arcaico e sem estrutura adequada.
4.5.2 Os Estabelecimentos Prisionais
Os estabelecimentos penais são os lugares destinados ao
cumprimento da pena privativa de liberdade, e têm por dever educar o apenado
para que ele não venha a delinqüir novamente. Este processo se dá pelas
técnicas sociais de disciplina e reconstrão moral. Com efeito, estas instituições
possuem por objetivo educar o preso de maneira que ele se torne apto ao retorno
a vida social.
Desta forma, conforme destaca Goffman
243
, as unidades
penais devem reproduzir as condições de residência e trabalho semelhantes a da
sociedade, onde o indivíduo possa, durante um certo tempo determinado,
sobreviver alheio a sociedade em geral. O estabelecimento penal conforma-se
como uma instituição total na medida em que segrega os criminosos do convívio
social com o intuito de moldá-los de acordo com os requerimentos normativos da
realidade social. Os desejos da sociedade civil são realizados no ambiente
prisional pelas regras rígidas que a administração prisional impõe aos seus
membros no sentido de, simultaneamente, puni-los e reeducá-los.
Com efeito, o propósito das penas privativas de liberdade,
entre outros, é o de separar os indivíduos perigosos da sociedade para protegê-la
contra o crime e a readaptação social dos condenados.
No entanto, para cumprir este desiderato, o regime
penitenciário deve empregar os meios curativos, educativos, morais, espirituais e
condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro.
243
GOFFMAN, Erving.
Manicômios, pries e conventos.
6. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999, p.
28.
de outra natureza, e todas as formas de assistência de que possa dispor no intuito
de reduzir o máximo possível as condições que enfraquecem o sentido de
responsabilidade do recluso ou o respeito à dignidade de sua pessoa e a sua
capacidade de readaptação social.
Atualmente, em muitas prisões, os detentos se encontram
em condões subumanas, o que constitui violação da Convenção Americana
sobre Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de direitos
humanos. Na prática, os presos no Brasil são, em sua maioria, maltratados e
desamparados, o que minimiza a possibilidade de ressocialização, haja vista as
condições físicas e humanas das prisões, bem como do pessoal responsável pelo
sistema penitenciário.
O que existem são algumas poucas penitenciárias no
modelo de Colônia Agrícola, onde os apenados cumprem sua pena trabalhando,
no entanto, não são suficientes pra atender toda a demanda de presidiários.
A análise do sistema prisional brasileiro realizada pela
Human Rights Watch
244
revela condições carcerárias “assustadoras:
superlotação; “depósito” de presos em delegacias de polícia e existência da
prática de torturas nestes locais; ausência de assistência médica e odontológica;
violência entre os presos e dos agentes penitenciários com os mesmos;
impunidade prevalente; além de escassas oportunidades de trabalho, educação,
treinamento e lazer. Os elementos positivos verificados foram apenas as políticas
de visitação e melhor tratamento para as detentas, que são poupadas de alguns
dos piores aspectos das prisões masculinas.
As recomendações para que medidas incisivas possam ser
tomadas para melhorar as condições dos presídios, cadeias e delegacias são as
de controlar a brutalidade dos agentes penitenciários e policiais, reduzir os níveis
244
HUMAN RIGHTS WATCH é uma organização não governamental, fundada em 1978, com sede
em Nova York, EUA, cujo trabalho baseia-se na investigação a abusos aos direitos humanos
em todas as regiões do mundo. Pesquisa realizada no Brasil (1997/1998)-Relatório: O Brasil
atrás das grades. Disponível em <http://hrw.org/portuguese/reports/-presos>. Acesso em: 30
nov 2004.
de superlotação, limitar as delegacias de polícia à deteão de curto prazo de
suspeitos criminosos; melhorar as condições gerais e provisionamento de
assistência; prevenir abusos entre os presos; facilitar o contato com a família e
amigos dos presos; encorajar a reabilitação e fornecer atividades produtivas aos
detentos; além de facilitar a fiscalização do tratamento e das condições
carcerárias
245
.
No que tange ao desenvolvimento profissional do
encarcerado, é necessário enfatizar que para que este alcance a eficácia
pretendida, faz-se indispensável uma boa organização da atividade produtiva de
tal forma que o preso se sinta realizado com tarefas pertinentes à sua capacidade
e aprenda ou aprimore sua habilitação profissional ou, pelo menos, mantenha os
conhecimentos que possuía antes de ingressar na prisão.
4.5.3 Da Assistência ao Preso e à sua Família
O apenado, ao ser privado de sua liberdade, fica sob a
custódia do Estado, que tem por dever dar-lhe assistência, seja ela material,
jurídica, educacional, social, religiosa ou à saúde.
A propósito deste assunto, aliás, a Lei de Execução Penal
dise que:
Artigo 10.
A assistência ao preso e ao internado é dever do
Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à
convivência em sociedade.
Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso.
Artigo 11.
A assistência será: I - material; II - à saúde; III - jurídica;
IV - educacional; V - social; VI religiosa.
A assistência ao preso condenado e internado é uma
exigência legal e elementar, quando se vê a pena como um processo construtivo
com o propósito de fazer com que seu destinatário possa sair do sistema
245
HUMAN RIGHTS WATCH.
O Brasil atrás das grades.
EUA, 1998.
penitenciário um cidadão reeducado para o convívio social.
Acerca da responsabilidade do Estado, no que se refere à
assistência na execução penal, cabe ressaltar o pensamento de Beccaria
246
,
segundo o qual:
Se cada cidadão tem obrigações a cumprir para com a sociedade,
a sociedade tem igualmente obrigações a cumprir para com cada
cidadão, pois a natureza de um contrato consiste em obrigar
igualmente as duas partes contratantes.
Essa cadeia de obrigações mútuas que desce do trono até a
cabana e que liga igualmente o maior e menor dos membros da
sociedade, tem como único fim o interesse público, que consiste
na observação das convenções úteis à maioria. Violada uma
dessas convenções, abre-se a porta à desordem!
A assistência, como alhures mencionado, deve englobar
aspectos religiosos ou morais, educacionais ou intelectuais e sociais. Porém, na
prática, a realidade é bem outra.
A Lei de Execução Penal apresenta uma legislação
moderna, que demonstra respeito aos direitos humanos dos presos, assim como
garantia à assistência médica, jurídica, educacional, social, religiosa e material,
prevendo também a assistência ao egresso. Ela tamm estabelece os elementos
determinantes para o cumprimento das penas, em conformidade com condões
humanas dignas, pois mesmo sendo criminosos, os condenados não perdem o
status de “humanos”.
A lei, mormente está divorciada da realidade. Os apenados
vivem confinados em celas, sem estudos e sem qualquer assistência no sentido
da ressocialização.
A assistência, não é demais lembrar, é um dever do Estado
no sentido de prevenir o delito e a reincincia, e proporcionar um retorno pacífico
246
BECCARIA, Cesare.
Dos Delitos e das Penas
. 13. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999, p. 45.
do preso ao convívio social. Porém, para tanto, faz-se necessária a prática de
políticas públicas adequadas, de modo a tornar a letra da Lei de Execução Penal
uma realidade dentro do cotidiano prisional.
É certo que não é uma tarefa fácil se observada a realidade
prisional atualmente. Mas é preciso fazer algo antes que não se possa
ressocializar nem mais um só preso.
4.5.4 O Trabalho Penitenciário e sua Profissionalização como Forma de
Inclusão Social
Além de tratar da questão da assistência ao apenado e ao
egresso, é importante falar, também, da questão da profissionalização como
forma de ressocialização.
O egresso do sistema penitenciário sai da prisão com o
estigma de "ex-presidiário". As pessoas, que em sua maioria são
preconceituosas, não lhe dão oportunidades ou chance, sofrendo o ele(a)
humilhações, discriminações e, o que é pior, falta de oportunidade para um
emprego.
Se para alguém que nunca teve problema com a justiça está
difícil conseguir um emprego com observância às leis trabalhistas, que dirá para o
egresso, que, nesta condição, não conseguirá mais do que trabalhos informais,
como autônomo, fazendo "bicos" e recebendo parca remuneração.
E quando o egresso não tem experiência profissional que lhe
dê a oportunidade de realizar "bicos", permanece dias, meses e anos
desempregado, ocasião em que as chances de voltar a delinqüir aumentam.
Por isso, o trabalho prisional é tão importante, pois
proporciona ao preso, oportunidades de se profissionalizar e diminui as chances
de voltar à criminalidade, quando sair da prisão.
Sabe-se que de há muito a prisão deixou de ser encarada
apenas como um sistema opressor. Atualmente ela assumiu um cater
ressocializador, onde os apenados têm o direito e o dever de ser reintegrados à
sociedade. Essa reintegração só se fará a contento com políticas públicas
adequadas.
4.6 AS POTICAS PÚBLICAS COMO FORMA DE EFETUAR A
RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO: uma proposta sob a ótica social
Já foi amplamente debatida no presente trabalho a
necessidade de adoção de políticas públicas de ressocialização do apenado,
sendo que este trabalho seria mais bem efetivado se houvesse melhores políticas
neste sentido, de modo a reintegrá-los à sociedade, aptos a (re)ingressar no
mercado de trabalho sem a necessidade de recorrer ao crime para conseguir a
sua sobrevivência.
Neste último tópico serão apresentadas algumas propostas
de melhoria no sistema penitenciário de modo a tornar a vida do apenado menos
ociosa e mais frutífera no sentido de ressocialização, que, diga-se mais uma vez,
é o escopo maior da pena.
Destarte, no que diz respeito à qualificação dos agentes
carcerários, seria interessante se fossem criados programas adequados de
formação e especialização para os agentes responsáveis pela segurança,
administração e supervisão das prisões, bem como para o pessoal médico do
sistema carcerário.
Outro fator de extrema importância é o tocante ao número
de guardas penitenciários em relação ao numero de presos, de acordo com as
proporções estabelecidas internacionalmente, devendo este número ser
aumentado para atender a tais exigências.
Além disso, de acordo com as sugestões oferecidas pela
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
247
, além de incentivar o Estado
brasileiro a tornar realidade seu programa penitenciário, faz-se necessário:
1. A adoção de todas as medidas adequadas para
melhorar a situação de seu sistema penitenciário e o tratamento que os presos
recebem, para cumprir plenamente as disposições de sua Constituição e leis, bem
como os tratados internacionais de que o Estado brasileiro é signatário. Sob esse
aspecto, recomenda-se que se apliquem efetivamente como instrumento-guia as
Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos e as Recomendações
Relacionadas das Nações Unidas.
2. A ampliação da capacidade de vagas do sistema
penitenciário, com o objetivo de solucionar o grave problema atual de
superpopulação e, simultaneamente, sejam criadas condições de abrigo físico,
higiene, trabalho e recreação de acordo com as normas internacionais.
3. A melhoria das condições de higiene e saúde nos
estabelecimentos penitenciários e nas cadeias das delegacias policiais.
4. O oferecimento aos detentos e presos, sem qualquer
distinção, o atendimento médico de que necessitem de maneira oportuna e eficaz
e, quando for o caso, seja realizado, sem qualquer demora, seu transporte aos
centros de assistência médica.
5. O estabelecimento de serviços de atendimento
necessários para os doentes de AIDS e portadores de HIV, proibindo-se toda
discriminação imprópria a sua condição.
6. O fornecimento, aos reclusos, de uma alimentação
suficiente e balanceada, com o valor adequado de calorias, bem como a adoção
247
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Organização dos Estados
Americanos. Relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil.
Capítulo IV.
As
condições de reclusão e tratamento no sistema penitenciário brasileiro.
das medidas cabíveis para se evitar o desvio de alimentos que favorece
ilegalmente a alguns reclusos e/ou resulte na corrupção administrativa.
7. A adoção de todas as medidas necessárias para a
prestação de uma assistência jurídica real, efetiva e gratuita aos que dela
necessitem e não tem como pagá-la durante todas as etapas do processo judicial.
8. A concessão e o reconhecimento, de maneira eficaz e
oportuna aos presos, dos benefícios e privilégios a que têm direito nos termos da
lei, em particular quanto a redução de penas, a indultos, a visitas familiares, etc.
9. O aceleramento dos processos judiciais que manm
em reclusão réus não condenados e sejam libertados os que cumpriram o
máximo autorizado legalmente, além da efetiva consagração na legislação de
normas referentes ao cumprimento alternativo de penas.
10. A separação dos detentos em prisão preventiva dos
condenados, e estes últimos agrupados de acordo com o tipo e gravidade do
delito e a idade dos reclusos.
11. A supressão das solitárias ou "celas fortes", pois elas
estão em contravenção às normas internacionais, bem como a eliminação da
violência policial sanável através de treinamento conscientizado.
12. O estabelecimento de mecanismos efetivos e
oportunos de controle interno no sistema penitenciário para punir os agentes
penitenciários responsáveis por abusos e atos de violência contra os presos.
13. A alocação nos orçamentos federais e estaduais dos
recursos financeiros e materiais necessários para que o sistema penitenciário
possa desenvolver plenamente os planos e metas traçadas pelo Programa
Nacional de Direitos Humanos, e possa alcançar o mínimo de condições e
segurança requeridas de acordo com os instrumentos internacionais, como
também o desenvolvimento de políticas, estratégias e técnicas, para evitar
situações de violência, entre os reclusos.
14. Mais oportunidades de trabalho aos presos, além de
programas de educação, reabilitação e recreação que contribuam para a sua
readaptação e reinserção na sociedade.
Com efeito, mormente todas estas sugestões apresentadas
pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, faz-se necessária,
sobretudo, a implementação de mais programas de profissionalização do
apenado, de modo a torná-lo apto ao mercado de trabalho e, por conseqüência,
ao convívio em sociedade.
Já se pode observar, inclusive, em vários presídios, a
adoção desta política voltada à ressocialização através da profissionalização. O
sistema prisional gaúcho, por exemplo, vem dando um bom exemplo no que diz
respeito ao trabalho penitenciário como forma de ressocialização do apenado
248
.
Uma grande parte dos presidiários demonstra interesse em
mudar seus destinos antes mesmo do término da pena. Dados da Susepe
indicam que dos 9 mil que estão em regime fechado, a metade tem interesse em
trabalhar e 70% destes têm grandes chances de recuperação profissional
249
.
Este programa desenvolvido pela Corregedoria-Geral da
Justiça trata da busca de parceria com instituições e lideranças empresariais para
criação de vagas de ensino profissionalizante e de trabalho para os apenados,
nos moldes da Lei de Execução Penal. O Judiciário faz a aproximação das
empresas com a Susepe para firmar os convênios, a fim de que os apenados
possam trabalhar e estudar
250
.
248
REVISTA FEDERASUL
. A Chance que Vem do Emprego.
Nº 10. Out. 2001. Disponível em
<http://www.federasul.com.br/revista/10/acao_social/m1/index_m1-.html>. Acesso em 18 out.
2004.
249
REVISTA FEDERASUL
. A Chance que Vem do Emprego,
2001.
250
REVISTA FEDERASUL
. A Chance que Vem do Emprego,
2001.
O objetivo, segundo Danúbio Franco, é que o trabalho do
condenado passe a ser visto como dever social e condição de dignidade humana,
com finalidade educativa e produtiva, tal como preceitua o artigo 28 da Lei de
Execução Penal
251
.
O trabalho prisional, assim, além de se mostrar um
excelente meio de ressocialização, só traz benefícios ao apenado. Para o próprio
apenado, pode-se destacar a possibilidade de profissionalização e, por
conseqüência, a reintegrão ou iniciação ao mercado de trabalho; a
possibilidade de remição da pena, pois, a cada três dias de trabalho subtrai-se um
dia de cumprimento de pena; o auxílio de remuneração, através do auxílio-
reclusão, entre outros.
Para as empresas parceiras, os benefícios tamm são
muitos, haja vista que estas têm oportunidade de realizar uma ação socialmente
justa e efetuar um bom negócio ao adotarem a mão-de-obra carcerária.
Estas empresas contam com grandes benefícios, todos
estritamente dentro das normas previstas na Lei de Execução Penal, tais como:
utilização de mão-de-obra qualificada; remuneração com piso estabelecido em
75% do salário mínimo; inexistência de encargos sociais; inexistência de vínculo
empregatício; inexistência de demandas trabalhistas; jornada de trabalho de até 8
horas, com folgas aos sábados e domingos.
Mas a sociedade também ganha com isto. Dentro do que
estabelece a Lei de Execução Penal, o trabalho prisional ajuda o preso no seu
retorno ao convívio social através de ações integradas com a iniciativa privada e a
sociedade civil organizada. Entre os vários benefícios, pode-se destacar, ainda: o
resgate da identidade social do preso; a diminuição dos índices de reincidência
criminal; a redução da população carcerária; a redução dos custos de
manutenção do sistema penitenciário, entre muitos outros.
251
REVISTA FEDERASUL
. A Chance que Vem do Emprego,
2001.
Mattar
252
assevera que proporcionando chances de os
presos de fato se ressocializarem, o ganho não é só deles. A sociedade tem
vantagens com isso também, como redução da vioncia, menos gastos com
construção e manutenção de presídios, menos mortes, menos gastos com saúde,
com proteção e todas as outras conseqüências diretas e indiretas de fazer as leis
valerem e os direitos humanos serem respeitados. Se a sociedade apresenta a
oportunidade para a pessoa se ressocializar, praticamente tira a chance de ela ter
reincidência e, portanto, pode ajudar a diminuir a diminuir a criminalidade.
Como se vê, a sociedade que ajuda na ressocialização de
um indivíduo só recebe benefícios. Porém, para que essa reintegração social se
dê de modo efetivo é necessário muito boa vontade, não só por parte do
apenado, que vai ter que lutar para reconquistar o seu lugar na sociedade, mas
também por parte do Governo, que implantará as políticas públicas adequadas de
modo a tornar o sistema efetivamente eficaz, e, principalmente, por parte da
sociedade, que deverá fazer o seu papel abraçando a causa da ressocialização.
252
MATTAR, Maria Eduarda.
A difícil e necessária tarefa de reciclar pessoas.
La insígnia. 19 julho
2003. Disponível em <http://www.lainsignia.org/2003/julio/soc_012.htm>. Acesso em 22 out
2004.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término da pesquisa proposta, bem como no decorrer da
análise realizada na legislação e na doutrina pátria, restou confirmada a
convicção de que a implementação de políticas públicas adequadas à
ressocialização do apenado é medida que se faz urgente, haja vista a atual
situação do sistema penitenciário brasileiro.
Isto porque, conforme resultou da investigação, se a situação
dos apenados continuar da forma como está atualmente, muito breve se assistirá ao
caos total do sistema prisional, que já apresenta sinais claros de crise falencial.
Para alcançar as considerações traçadas, o estudo envolveu
am da alise pormenorizada da Lei de Execução Penal, um esboço da evolução
histórica da prisão e da atualidade do sistema carcerário, bem como um exame a
respeito do Estado e sua função social, na qual se insere a ressocialização do
apenado.
Diante disso, necessário se fez dissertar, no primeiro
capítulo do presente trabalho, acerca da pena privativa de liberdade, abordando,
principalmente, a necessidade no sistema prisional brasileiro.
Assim, trouxe-se um apanhado histórico da pena privativa de
liberdade, com ênfase no estudo da sua origem e desenvolvimento desde a
Antigüidade até os dias atuais e no Brasil. Além disso, discorreu-se sobre os tipos
de pena e as funções das quais estas se revestem, podendo-se concluir que, no
início, esta era usada apenas como modo de assegurar a pena, passando,
posteriormente, para a forma punitiva, e evoluindo, com o desenvolvimento da
sociedade, até a sua concepção atual, qual seja, de ressocialização do criminoso.
Fez-se, ainda, uma análise da situação do egresso, que, na
maioria das vezes, diante do desemprego e discriminação, volta a delinqüir. Ao
final, discorreu-se sobre a realidade prisional que, de tantos problemas
seriíssimos, como superlotação, degradação humana, proliferação de doenças,
promiscuidade, precariedade, falta de ocupão lícita entre outros, apresenta
sintomas de falência.
No segundo capítulo, a investigação identificou que a
execução penal brasileira apresenta muitas deficiências. Existe o entendimento
harmônico que reeducar o é apenas dar tarefas para serem executadas. É
preciso preparar o indivíduo para a nova sociedade, porquanto quando foi
segregado, o mundo era um, agora que obtém a liberdade o mundo é outro.
Ainda, o estudo deste tema deu-se em rao de sua
importância para o desfecho do trabalho, sendo necessário analisar qual a função
social do Estado, os objetivos, a filosofia e a aplicabilidade da Lei de Execução
Penal, os seus regimes penitenciais, os benefícios desta na pena privativa de
liberdade.
Desse modo, observou-se, partir do estudo deste capítulo
que a execução penal tem por principal objetivo a reeducação e a reintrodução do
preso na sociedade, buscando-se, primordialmente, condições reais de
convivência social a fim de se evitar a reincidência. Devido a este fim, a Lei de
Execução Penal prevê um sistema progressivo da pena privativa de liberdade: do
fechado para o semi-aberto e deste para o aberto, tudo no intuito de reinserir e
readaptar o preso ao convívio social.
Pôde-se ressaltar, ainda, que apesar de ser considerada
uma norma de primeiro mundo, a Lei de Execução Penal não tem encontrado
aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente no que tange aos
direitos do preso e às condições dos presídios, isto porque, em que pese o objeto
principal da execução penal seja a reeducação e a reintrodução do preso na
sociedade, com a busca de condições reais de convivência social a fim de se
evitar a reincidência, isto não é o que se observa no sistema penitenciário atual.
De outro modo, pelo estudo deste capítulo, chega-se a um
consenso de que há um fracasso no sistema penitenciário brasileiro no tocante à
aplicação da pena privativa de liberdade, justamente devido aos inúmeros
problemas que este apresenta. Porém, muito embora haja todos esses
empecilhos, não se pode negar que a pena privativa de liberdade é necessária,
seja para prevenir mais crimes, seja para recuperar o apenado e, por esse motivo
ela também é necessária no processo de reinserção social.
Por fim, dedicou-se o último capítulo ao estudo do
Neoliberalismo, do problema da exclusão social e das Políticas Públicas, bem
como da implementação destas no combate à exclusão social, à violência, e
ainda, a uma análise da atual situação destas em relação ao apenado.
Verificou-se através do estudo, que o Neoliberalismo é umas
das principais causas da crescente desigualdade e exclusão social que vem
acometendo a sociedade. Ademais, constatou-se as Políticas Públicas tiveram
seu início, por meio do denominado Estado de Direito, a partir do século XIX, e
que, somente a partir das décadas de 40 e 50, as a Segunda Guerra Mundial, é
que começaram a ter força efetiva, através do New Deal americano, ocorrido na
década de 30.
No que diz respeito às Políticas Públicas de combate à
violência e exclusão social constatou-se que, infelizmente, somente são tomadas
atitudes mais efetivas, quando a criminalidade avança sobre as classes média e
alta e, por conseência, viram objeto da mídia. E o pior, essa mesma exclusão
social que persegue o indivíduo durante a sua vida toda, também o alcança
dentro dos muros dos presídios, pois lá dentro, as oportunidades de se
profissionalizar são ainda menores e, ao saírem para a liberdade, sem emprego e
sem perspectiva, retornam ao mundo do crime.
Assim, direcionado a este problema foram apresentadas as
principais dificuldades que assolam o sistema penitenciário, quais sejam: a falta
de qualificação dos agentes carcerários, a precariedade dos estabelecimentos
prisionais, a falta de assistência ao apenado e à sua família e a falta de
profissionalização do apenado. É claro que existem outros problemas graves, mas
estes foram considerados mais importantes no presente trabalho devido à
influência que têm na ressocialização ao apenado.
Por fim, encerra-se este capítulo e a investigação
apresentando algumas sugestões de melhoria do sistema penitenciário, de modo
a aliviar as ssimas condições dos presídios, e de implementação de Políticas
Públicas voltadas à ressocialização com o intuito de recuperar o apenado e
reintegrá-lo à sociedade, evitando-se assim, a reincidência e, por conseqüência, a
violência.
Decorrente dos mencionados objetivos investigatórios foram
elaborados três problemas e respectivas hipóteses que serviram de base para o
desenvolvimento da pesquisa, os quais restaram totalmente comprovados, como
se verá a seguir:
No tocante ao primeiro problema formulado, constatou-se
que a pena privativa de liberdade surgiu do próprio convívio do homem em
sociedade, como mecanismo de defesa, progresso e interação social. Além disso,
a prisão, desde a sua origem, sempre visou a garantia da paz social, que o
poderia ser obtida se os criminosos estivessem a solta, sem pagar pelos seus
crimes e sem a devida recuperação.
Já no que diz respeito ao segundo problema, concluiu-se
que o objetivo maior do Estado é a pacificação dos conflitos, de modo a assegurar
a continuidade das relações sociais de forma harmoniosa e sem afronta às
garantias individuais, sendo a aplicação da pena, a resposta esperada pela
Sociedade com relação ao indivíduo infrator, com as garantias individuais deste
em receber o tratamento estatal adequado à sua ressocialização.
Finalmente, no que tange ao terceiro e último problema
formulado, verificou-se que o atual modelo da pena privativa de liberdade
estabelecido pelo Estado, no Brasil, não tem alcançado os seus fins,
encontrando-se, assim, a função tríplice do encarceramento do infrator, preterida
em razão de outras prioridades. Ademais, diante de tantos problemas e
deficiências apresentadas, a pena privativa de liberdade, bem como as penas em
geral, não têm alcançado o seu objetivo, de modo que urge a necessidade de
implementação de novas Políticas Públicas para enfrentar o problema, antes que
seja tarde demais.
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