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A metáfora e a sua representação
em sistemas de processamento
automático de línguas naturais
Ana Eliza Barbosa de Oliveira
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Ana Eliza Barbosa de Oliveira
Ana Eliza Barbosa de Oliveira
A metáfora e a sua representação
A metáfora e a sua representação
em sistemas de processamento
em sistemas de processamento
automático de línguas naturais
automático de línguas naturais
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e
Letras, Universidade Estadual Paulista Campus de
Araraquara, como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Mestre em Letras (Área de
Concentração: Lingüística e Língua Portuguesa).
Orientador: Prof. Dr. Bento Carlos Dias da Silva.
Araraquara
Araraquara
2006
2006
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Ana Eliza Barbosa de Oliveira
Ana Eliza Barbosa de Oliveira
A metáfora e a sua representação
A metáfora e a sua representação
em sistemas de p
em sistemas de p
rocessamento
rocessamento
automático de línguas naturais
automático de línguas naturais
Data da aprovação: 14 de março de 2006.
Membros da comissão examinadora:
________________________________
Prof. Dr. Bento Carlos Dias da Silva
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/UNESP - Araraquara
________________________________
Prof. Dr. Antonio Suarez Abreu
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/UNESP - Araraquara
________________________________
Profa. Dra. Roberta Pires de Oliveira
Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC - Florianópolis
Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e
Letras, Universidade Estadual Paulista Campus de
Araraquara, como parte dos requisitos para a
obtenção do título de Mestre em Letras (Área de
Concentração: Lingüística e Língua Portuguesa).
4
Dedicatória
Dedicatória
À minha mãe,
À minha mãe,
que me ensinou a maturidade
que me ensinou a maturidade
Ao meu pai,
Ao meu pai,
que me fez compreendê
que me fez compreendê
-
-
la
la
Aos meus avós
Aos meus avós
À minha irmã
À minha irmã
Ao Maurício
Ao Maurício
5
Agradecimentos
Agradecimentos
Ao professor
Ao professor
Bento Carlos Dias da Silva
Bento Carlos Dias da Silva
,
,
pela oportunidade, confiança, sabedoria e orientação,
pela oportunidade, confiança, sabedoria e orientação,
sem os quais não seria possível esse primeiro vôo.
sem os quais não seria possível esse primeiro vôo.
À
À
UNESP/FCL
UNESP/FCL
, co
, co
-
-
autora de minha formação.
autora de minha formação.
À
À
FAPESP
FAPESP
, pelo apoio e suporte financeiro.
, pelo apoio e suporte financeiro.
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Resumo
Resumo
Este trabalho tem como proposta (i) o estudo da metáfora per se (em oposição, por
exemplo, a um estudo aplicado da metáfora) da perspectiva lingüística, isto é, o estudo da
metáfora enquanto uma expressão da linguagem natural e (ii) a investigação de uma
representação formal da metáfora para fins de implementação em sistemas de processamento
automático de línguas naturais. A metodologia que norteia o desenvolvimento da proposta,
que se insere em um contexto interdisciplinar, focaliza dois domínios: o Domínio Lingüístico-
Cognitivo, em que se investiga a expressão lingüística e o suporte cognitivo da metáfora, ou
seja, a metáfora enquanto um produto resultante de recursos lingüísticos e não-lingüísticos; e
o Domínio Lingüístico-Computacional, em que se investiga a representação formal da
produção e da interpretação da metáfora para fins computacionais. Como delimitadores dessas
investigações, adotam-se os seguintes enfoques: Retórico-Filosófico, Interacionista,
Semântico, Pragmático, Cognitivista e Computacional.
Palavras-chave: Metáfora. Domínio Lingüístico-Cognitivo. Domínio Lingüístico-
Computacional. Representação formal. Processamento automático de línguas naturais.
WordNet.
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Abstract
Abstract
This MS thesis concerns the study of metaphor per se, (as opposed to applied
metaphor) from the linguistic point of view, and the investigation of a formal metaphor
representation for Natural Language Processing systems. The overall methodology focuses on
two domains: a Cognitive-Linguistic Domain, in which we investigate the metaphor linguistic
expression and its cognitive import, i.e., metaphor as a linguistic product and as a non-
linguistic mechanism; and a Computational-Linguistic Domain, in which we investigate a
formal representation for the metaphor production and interpretation. The theoretical
approaches that constrain the scope of this work are: philosophical-rhetoric, interactionist,
semantic, pragmatic, cognitive and computational assessment to metaphor.
Key-words: Metaphor. Cognitive-Linguistic Domain. Computational-Linguistic Domain.
Formal representation. Natural Language Processing. WordNet.
8
Lista de figuras
Lista de figuras
Figura 1: Representação esquemática da desativação do significado literal e da ativação do
significado figurado............................................................................................................. 37
Figura 2(i): Ilustração dos traços comuns e dos traços distintos de uma metáfora................. 60
do tipo “A é B”.................................................................................................................... 60
Figura 2(ii) e (iii): Ilustração, no diagrama de Venn, da partição e da fusão dos conjuntos de
traços, respectivamente, dos exemplos metafóricos “A geada é um manto de prata” e “A
geada é um pesadelo”. ......................................................................................................... 60
Figura 3: Interação entre foco e frame.................................................................................. 70
Figura 4: Filtragem “ver como”. .......................................................................................... 70
Figura 5: Representação da imagem mental do conceito LEÃO ........................................... 82
Figura 6: Representação da projeção conceptual do mapeamento MACHADO OBRA DE
MACHADO. ....................................................................................................................... 92
Figura 7: Representação da projeção conceptual do mapeamento entre os domínios fonte
GUERREAR e alvo ARGUMENTAR................................................................................. 93
Figura 8: Codificação da metáfora em uma rede WordNet ................................................. 111
Figura 9: Representação formal do campo semântico de “argumentar” .............................. 113
Figura 10: Representação simplificada da relação entre os campos lexicais argumentar 9” e
“guerrear x” e de seus respectivos campos semânticos S1 e S2. ......................................... 115
Figura 11: Representação simplificada da relação entre os campos lexicais argumentar 9” e
“guerrear x” e o campo semântico S................................................................................... 115
9
Lista de quadros
Lista de quadros
Quadro 1: Sistematização e representação da metáfora enquanto produto e enquanto processo.
.......................................................................................................................................... 119
Quadro 2: Tratamento lingüístico-computacional da metáfora no âmbito do PLN. ............. 119
10
Sumário
Sumário
A EXPRESSÃO LIN
A EXPRESSÃO LIN
GÜÍSTICA E O TRATAMENTO COMPUTACIONAL
GÜÍSTICA E O TRATAMENTO COMPUTACIONAL
DA METÁFORA
DA METÁFORA........................................................................................................... 12
1 Apresentação ................................................................................................................ 13
2 Introdução..................................................................................................................... 17
3 Metodologia.................................................................................................................. 20
4 Estrutura da dissertação................................................................................................. 21
EQUACIONAMENTO DO DOMÍNIO LINGÜÍSTICO
EQUACIONAMENTO DO DOMÍNIO LINGÜÍSTICO
-
-
COGNITIVO
COGNITIVO......... 22
Seção 1
Seção 1
As faces
As faces
literal
literal
e
e
figurada
figurada
da linguagem
da linguagem ........................................... 23
1.1 A oposição clássica literal/figurado e as dimensões semântica e pragmática ............... 26
1.2 Minimizando a oposição literal/figurado .................................................................... 32
1.3 A oposição literal/figurado do ponto de vista psicolingüístico .................................... 39
Seção 2
Seção 2
O pensamento retórico
O pensamento retórico
-
-
filosófico da metáfora
filosófico da metáfora........................... 49
2.1 Uma versão do pensamento retórico-filosófico........................................................... 54
2.2 A representação lingüística da metáfora ..................................................................... 59
Seção 3
Seção 3
A metáfora como um instrumento de criação de conhecimentos
A metáfora como um instrumento de criação de conhecimentos65
3.1 A representação do conhecimento metafórico............................................................. 67
Seção
4
4
O tratamento semântico e a face pragmática da metáfora
O tratamento semântico e a face pragmática da metáfora .......... 75
4.1 Caracterização semântica da metáfora........................................................................ 75
4.2 Caracterização da metáfora como um ato de fala........................................................ 78
Seção
5
5
O modelo cognitivista da metáfora
O modelo cognitivista da metáfora ...................................................... 82
5.1 A dimensão lingüístico-cognitiva da linguagem ......................................................... 82
5.2 O processamento conceptual e a manifestação lingüística da metáfora ....................... 87
EQUACIONAMENTO DO DOMÍNIO LINGÜÍSTICO
EQUACIONAMENTO DO DOMÍNIO LINGÜÍSTICO
-
-
COMPUTACIONAL
COMPUTACIONAL
........................................................................................................................................... 96
Seção 6
Seção 6
-
-
A representação formal da
A representação formal da
metáfora
metáfora .................................................. 97
11
6.1 Definindo a metáfora para fins representacionais........................................................ 97
6.2 Especificando a representação formal da metáfora ................................................... 100
6.3 Análise das propostas de representação da metáfora dos enfoques tradicional e
interacionista, no âmbito do PLN. .................................................................................. 101
6.4 A estrutura lingüística da rede WordNet................................................................... 107
6.5 A codificação da metáfora nas redes wordnets.......................................................... 108
6.6 Proposta de representação formal da metáfora.......................................................... 112
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 117
REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 120
APÊNDI
APÊNDI
CE A
CE A
-
-
Descrição da montagem do campo semântico de
Descrição da montagem do campo semântico de
argumentar
argumentar .............................................................................................................. 126
12
______________________________________________________________________
A EXPRESSÃO LINGÜÍSTICA E O TRATAMENTO
A EXPRESSÃO LINGÜÍSTICA E O TRATAMENTO
COMPUTACIONAL D
COMPUTACIONAL D
A METÁFORA
A METÁFORA
______________________________________________________________________
13
1 Apresentação
Quando começamos a desenvolver esta pesquisa não tínhamos idéia do
empreendimento ou do desafio que é compreender cientificamente a metáfora. Por estarmos
demasiado influenciados pelos óculos da Estilística ou imbuídos pelo pensamento retórico
tradicional, ou talvez por não darmos a importância devida aos estudos interdisciplinares, o
fato é que a metáfora foi analisada ora com desprezo, ora com estranheza, ora com dúvida, ora
com incerteza. Elucidar a própria definição da metáfora, em muitos momentos, constituiu um
grande enigma mesmo dentro de uma única abordagem.
Investigar a estrutura lingüístico-cognitiva da metáfora significou para nós desafiar os
limites e instigar as barreiras das diferentes abordagens que, de uma maneira ou de outra,
associam-se à metáfora: filosófica, lingüística, psicolingüística, cognitivista, antropológica e
computacional. Tais abordagens, que tantas vezes pareciam “dissecar” a metáfora, cada qual
segundo um ângulo ou um viés particular (conforme os princípios teóricos de cada corrente),
quantas vezes não constituíram um impasse frente ao desdobramento dos nossos estudos.
Fundamentalmente por projetarem ou focalizarem a metáfora de ângulos também diversos
como uma estratégia retórica ou estilística particular (cf. MILLER, 1993; LEVIN, 1993),
como um ato de fala (SEARLE, 1979), como um fenômeno de natureza cognitiva (LAKOFF;
JOHNSON, 1980; LAKOFF, 1993), como um processo interacionista (BLACK, 1962, 1979;
INDURKHYA, 1992), ou ainda como uma combinação dessas perspectivas (KITTAY, 1987),
digeríamos e ao mesmo tempo repelíamos a linguagem metafórica. Tais ângulos, cujos
reflexos podem ser apreciados na linguagem, que fazem da metáfora um fenômeno
multifacetado, desviaram e transferiram facilmente o nosso interesse para uma ou para outra
abordagem.
Mas essa pluralidade de visões e esse cenário em efervescência, que parecem decorrer
das várias facetas da metáfora, fizeram-nos pensar na metáfora como um fenômeno complexo
multidimensional (ORTONY, 1979) e no seu estudo como uma investigação multidisciplinar.
Em face à multidimensionalidade da metáfora, filtramos e restringimos o escopo do
estudo visando uma aplicação aos estudos do processamento automático de nguas naturais
(PLN). Em outras palavras, promovemos uma investigação desse enigmático fenômeno
vislumbrando a possibilidade de representá-lo formalmente em um léxico computacional
voltado para o PLN. Aliás, foi pensando essencialmente nessa dimensão lingüístico-
computacional que surgiu a proposta, a forma e a estrutura desta dissertação.
14
Mencionamos que a motivação crucial que desencadeou a proposição e o
desenvolvimento de um projeto de mestrado, resultou das atividades de IC-CNPq realizadas
como parte do projeto “A face lingüística da rede Wordnet para o português do Brasil
(Wordnet.Br) (DIAS-DA-SILVA, 2002; DIAS-DA-SILVA ; MORAES, 2003; DIAS-DA-
SILVA, 2003). A base de unidades lexicais que constitui a rede Wordnet.Br é composta por
palavras e expressões do português brasileiro estruturadas em função das relações de
sinonímia e antonímia, em semelhança à estruturação da base da rede WordNet de Princeton
(MILLER ; FELLBAUM, 1991) - rede original construída para o inglês norte-americano. A
rede Wordnet.Br deverá conter, também em consonância com a rede WordNet, a
especificação das relações de hiponímia, meronímia, causa e acarretamento.
Foi, então, pensando em como codificar a “metaforicidade” das palavras e expressões
na base lexical da Wordnet.Br que começamos a refletir sobre a possibilidade de representar a
informação de natureza metafórica em recursos léxico-computacionais voltados para o PLN.
Em um dos trabalhos (OLIVEIRA, 2003) escritos durante o estágio de IC, discutimos
as principais dificuldades enfrentadas durante as atividades de filtragem e construção de parte
da base da Wordnet.Br. Dentre as dificuldades, a maior parte delas concerniam
essencialmente à eliminação de inconsistências semântico-lexicais com as quais nos
deparamos no processo de construção da base. Essas inconsistências, em geral, resultavam do
fato de a base lexical sobre a qual a nossa análise era efetuada ter sido re-utilizada de um
recurso anterior: a Base do TeP - Base do Thesaurus Eletrônico para o Português do Brasil,
descrita em Dias-da-Silva et al. (2003). Esse recurso, por ter sido construído a partir de
dicionários, não continha, muitas vezes, as palavras e expressões figuradas usuais. No
trabalho mencionado, um dos exemplos que apresentamos para ilustrar e apontar essa
problemática particular refere-se aos adjetivos “emergente” e “descolado”. A grande
interrogação era: como representar, na base da rede Wordnet.Br, o adjetivo “emergente” com
o sentido de “que ou quem se encontra em ascensão econômica e social” e “que ou o que se
encontra supostamente no rumo do desenvolvimento” (HOUAISS, 2001), (“países
emergentes”; “mercado emergente”)? Como representar o adjetivo “descolado” com o sentido
de “habilidoso na solução de questões, no trato com outrem”, astuto, esperto (“é um sujeito
descolado, sempre consegue o que quer”)? Tal trabalho, na verdade, nada mais era que um
prenúncio, na época pouco consciente, do que planejaríamos estudar poucos meses mais tarde.
Somado a esses, acrescentaríamos dezenas de outros exemplos igualmente
corriqueiros de linguagem não literal, tais como: “Ele vive tentando destruir o seu
casamento”; “Roberto partiu o meu coração”; “A professora deve sempre economizar
15
saliva”; “Joana é a mais maritaca da turma”; “Ela tem um bom coração”; “Precisamos
encontrar nossas almas gêmeas”; “Roger é uma tartaruga para fazer provas”; “Temos que
participar dos grandes desencontros promovidos pela prefeitura”, etc.
Foi pensando em exemplos como esses que começamos a refletir sobre a própria
natureza da linguagem figurada e, em particular, da linguagem metafórica. Como somos
capazes de produzir e de interpretar as metáforas? Que tipos de conhecimento delineariam o
processamento metafórico? A metáfora, manifestada lingüisticamente, seria uma
característica semântica, uma propriedade inerente ao discurso ou uma atividade cognitiva?
Como ela deve ser analisada? No nível das palavras, dos sintagmas, das frases, dos
enunciados ou dos textos? Como esboçar e como restringir o escopo das metáforas?
Essencialmente instigados por tais questões, que indagam e dialogam com o próprio
processo cognitivo e, em última instância, com a própria estrutura de uma língua, é que
começamos a indagar e a analisar como por trás de um fenômeno tão presente no dia-a-dia
dos falantes há pensamentos e concepções instigantes tão distintos.
Em busca de respostas a tais indagações e com o intuito de, ao menos, compreender as
questões acerca do processamento computacional da linguagem metafórica, investigação que
pode propiciar uma melhor compreensão dos fatos que delineiam o fenômeno metafórico,
ainda tão enigmático, é que desenvolvemos esta pesquisa.
Para desenvolver esse empreendimento, analisamos a metáfora de dois domínios
complementares: do Domínio Lingüístico-Cognitivo e do Domínio Lingüístico-
Computacional, (DIAS-DA-SILVA, 1996, 2003). No primeiro domínio, contextualizamos as
principais questões e aspectos que delineiam o que se poderia denominar “literalidade” e
“figuratividade” da linguagem: analisamos, então, como a distinção literal/figurado é
tradicionalmente concebida e como é contemporaneamente refletida. Em seguida, propomos
uma sistematização da metáfora, que deve delinear os princípios que norteiam a produção e a
interpretação desse fenômeno, por meio da análise das concepções: (i) retórico-filosófica, (ii)
interacionista, (iii) semântica, (iv) pragmática e (v) cognitivista. No segundo domínio, a partir
do estudo promovido no domínio anterior, investigamos como a metáfora pode ser
formalmente representada para que possa ser modelada no âmbito do PLN.
A importância do estudo de natureza lingüístico-cognitiva da metáfora, para esta
pesquisa, está na investigação de uma representação formal da metáfora enquanto processo e
enquanto produto que seja consistente com uma formalização e uma modelagem
computacional. Por pressupor a inter-relação de um conjunto de conhecimentos específicos
(Filosofia, Lingüística, Psicologia, Psicolingüística, Neurolingüística, Lingüística Cognitiva,
16
Neurologia, etc.) que, no âmbito dos estudos metafóricos voltados para o PLN, estão ainda
pouco conectados, com esta pesquisa, pretendemos abrir perspectivas de análise à
multifacetada investigação do processo metafórico e minimizar barreiras que divorciam os
estudos da metáfora dos estudos do PLN.
17
2 Introdução
Que função a metáfora desempenharia na linguagem? Como seria caracterizada e que
papel ela exerceria na mudança semântica? A metáfora seria um fenômeno cognitivo e,
portanto, uma parte do aparato conceptual humano (LAKOFF ; JOHNSON, 1980; LAKOFF,
1993)? Ou, antes de ser um fenômeno, a metáfora seria um processo de interação entre
conceitos (BLACK, 1962, 1979)? A metáfora deveria ser caracterizada como um instrumento
cognitivo ou como um recurso lingüístico resultante de relações retórico-estilísticas?
Enquanto mecanismo lingüístico, ela seria, ainda, uma qualidade eminentemente semântica
(COHEN, 1993) ou uma propriedade pragmática (SEARLE, 1979; DAVIDSON, 1978)? A
metáfora seria um fenômeno essencial à linguagem (KITTAY, 1987) ou uma operação
fundamental do pensamento (LAKOFF ; JOHNSON, 1980)? A metáfora seria um problema
de significado, de estilo, de efeito (SADOCK, 1993), de uso ou de convenção? A metáfora
seria um mecanismo de aproximação e de levantamento de similaridades ou um mecanismo
responsável pela criação de conhecimentos e similaridades (BLACK, 1962, 1979; LAKOFF ;
JOHNSON, 1980; INDURKHYA, 1992; WAY, 1991)? A metáfora seria um fenômeno, um
uso, uma operação acessória e desviante da linguagem literal (LEVIN, 1993; FREEMAN,
1991) ou significaria, ela própria, aquilo que as palavras em sua interpretação mais literal
significam (DAVIDSON, 1979)?
Enigmática e complexa, misteriosa e fascinante, a metáfora, a partir da década de
setenta, tornou-se a esfinge da linguagem, a pedra angular dos estudos lingüísticos e
lingüístico-cognitivos. O que é a metáfora? Antes de ser esfinge, e nós, longe de sermos
Édipo, a metáfora é investigada, nesta pesquisa, (a) como um recurso de aproximação, (b)
como um processo de criação, (c) como um efeito de sentido, (d) como um ato de fala, e (e)
como um fenômeno de estruturação. Em outros termos, como um modo de transferência de
similaridades (paradigma retórico-filosófico), como um meio de interação de idéias
(paradigma interacionista), como uma forma de interpretação (paradigma semântico), como
um tipo de uso da língua (paradigma pragmático), e como um modo de co-relação de
conceitos (paradigma cognitivista).
O objetivo do estudo das dimensões retórico-filosófica, interacionista, semântica,
pragmática e cognitivista da metáfora é fundamentar a proposta de uma representação formal
da metáfora que possa ser modulada em sistemas de PLN. Na representação formal,
pressupomos dois níveis: um primeiro nível, em que investigamos a representação da
18
metáfora em termos lingüísticos, isto é, nas dimensões lexical e frasal de uma língua, e um
segundo nível, em que investigamos a metáfora em termos não lingüístico, isto é, nas
dimensões psicolingüística e cognitiva, em função, por exemplo, de entidades e estruturas
conceptuais.
Para percorrer esse exercício de conceituação e de representação da metáfora, que
deve dar conta de sua descrição lingüística e psicolingüística, ou seja, da metáfora enquanto
produto e enquanto processo, adotamos como fundamentação metodológica a estratégia
global de trabalho de Dias-da-Silva (1996, 1998 e 2003), que se alimenta dos estudos
lingüístico-cognitivos e lingüístico-computacionais. No grupo de estudos lingüístico-
cognitivos (ou o da sistematização de conhecimentos lingüísticos e lingüístico-cognitivos) a
nossa tarefa é apresentar a sistematização dos enfoques retórico, lingüístico e psicolingüístico,
que projetam a metáfora sob os diferentes ângulos, dando destaque, porém, à sistematização
dos esquemas de representação e interpretação da linguagem metafórica que possam viabilizar
o processamento lingüístico-computacional da metáfora. No grupo de estudos lingüístico-
computacionais (ou o da proposição de representações formais desses conhecimentos
lingüísticos), subsidiados pelos estudos do primeiro grupo, o nosso desafio é sistematizar as
questões que envolvem a representação computacional da metáfora no âmbito do PLN. Tais
sistematizações devem delimitar parâmetros para a proposição de uma representação formal
da metáfora.
A grande motivação de promover um estudo de cunho lingüístico-computacional da
metáfora, que pode contribuir com a especificação e delimitação de aspectos que delineiam a
codificação metafórica em sistemas de PLN, decorre da hipótese de que tais sistemas, ao
constituírem também um modo de investigação dos fatos da língua (DIAS-DA-SILVA,
1996), oferecem um eficiente espaço para construção e teste de modelos lingüísticos e de
processamento da linguagem (FELLBAUM, 1999). Assim, as análises lingüísticas voltadas
para o PLN (EILTS ; LÖNNEKER, 2002; ALONGE ; CASTELLI, 2003; ALONGE ;
LONNEKER, 2004 a,b; LÖNNEKER ; EILTS, 2004; LONNEKER, 2003; FASS, 1991;
GERRIG, 1989; GIBBS, 2001; INDURKHYA, 1987; MASON, 2004; MARTIN, 1990, 1992;
WAY, 1991; JURAFSKY ; MARTIN, 2000) servem, em nossa pesquisa, de fonte de reflexão
sobre os dados e fatos lingüísticos, reflexão que pode sublinhar novas perspectivas de análise
à multifacetada investigação da metáfora.
Portanto, conforme sublinhado, do ponto de vista lingüístico-cognitivo, esta pesquisa
deve contribuir com a síntese das faces lingüística e lingüístico-cognitiva da metáfora,
investigadas segundo as abordagens retórico-filosófica, interacionista, semântica, pragmática
19
e cognitivista. Do ponto de vista lingüístico-computacional, a relevância da pesquisa está na
investigação da proposição de uma representação formal da metáfora passível de ser
computacionalmente codificada.
20
3 Metodologia
Do ponto de vista metodológico, esta pesquisa desenvolve-se em um contexto
interdisciplinar que relaciona conhecimentos construídos em duas grandes áreas: a Lingüística
e o PLN. Adota-se, então, a metodologia de trabalho em lingüística computacional proposta
por Dias-da-Silva (1996, 1998, 2003), que fatora a investigação em três domínios
complementares, o Domínio Lingüístico (em que se aborda a sistematização do conhecimento
lingüístico e lingüístico-cognitivo), o Domínio Lingüístico-Computacional (em que são
propostas representações formais dessa sistematização) e o Domínio Computacional (em que
as representações são codificadas em um programa de computador), sendo que cada um
desses domínios envolve um conjunto de atividades e competências específico a cada
especialidade.
No Domínio Lingüístico, neste trabalho especificado como o “Domínio Lingüístico-
Cognitivo”, analisamos as linguagens “literal” e “figurada” e, em particular, a metáfora. Em
linhas gerais, no que concerne à investigação das instâncias literais e figuradas da linguagem,
apresentamos e discutimos os principais aspectos que delineiam as noções de literalidade e de
figuratividade, dos pontos de vista tradicional e psicolingüístico. A discussão de tais questões,
que serve de base para a introdução da investigação da metáfora, é, como se disse, seguida
da análise das perspectivas: (i) retórico-filosófica, (ii) interacionista, (iii) semântica (iv)
pragmática e (v) cognitivista. Esses enfoques mostram-se relevantes para a análise da
metáfora pois, ao enfocarem as diferentes dimensões da metáfora, não a circunscreve em um
único domínio, não direcionando, como conseqüência, a sua investigação no âmbito do PLN.
No Domínio Lingüístico-Computacional, investigamos propostas de sistematização
e de representação da metáfora em sistemas voltados para o PLN. Em particular,
especificamos uma proposta de representação formal da metáfora, dos pontos de vista
lingüístico-cognitivo e lingüístico-computacional, no âmbito das redes wordnets.
No Domínio Computacional, estão as atividades próprias ao informata. As atividades
desse domínio, que consistiriam na codificação das representações propostas no domínio
anterior em programas de computador, extrapolam os limites deste projeto, motivo pelo qual
não são desenvolvidas.
21
4 Estrutura da dissertação
Nesta primeira parte, apresentamos as questões que impulsionaram a proposição deste
trabalho e especificamos o contexto e a metodologia que nortearam o seu desenvolvimento.
Na primeira seção da segunda parte, iniciamos os estudos no Domínio Lingüístico-
Cognitivo por meio da análise das faces “literal” e “figurada” da linguagem. Em particular,
discutimos alguns dos aspectos que delineiam as instâncias literal e figurada do ponto de vista
lingüístico (tradicional) e da ótica psicolingüística. Na segunda seção, dando início ao
trabalho de sistematização e de representação da metáfora, analisamos a concepção retórico-
filosófica da metáfora que a descreve como um recurso lingüístico de aproximação e de
transferência de similaridades. Na terceira seção, examinamos a metáfora como um
instrumento cognitivo de interação entre duas idéias e de criação de conhecimentos, através
da análise do enfoque interacionista. Na quarta seção, investigamos a metáfora das dimensões
semântica e pragmática. A partir da caracterização da metáfora como um produto lingüístico,
refletimos, respectivamente, sobre os efeitos metafóricos de sentido e sobre a sobreposição e
confluência de enunciados (literal e metafórico). Na quinta seção, finalizamos a investigação
do Domínio Lingüístico-Cognitivo através da análise da metáfora do enfoque cognitivista. A
partir da análise da dimensão lingüístico-cognitiva da linguagem, investigamos o
processamento conceptual e a manifestação lingüística da metáfora como um mecanismo de
co-relação entre domínios.
Na sexta seção, terceira parte da dissertação, abordamos as questões que consideramos
essenciais no Domínio Lingüístico-Computacional. Discutimos alguns dos aspectos que
delineiam a representação formal da metáfora. Em particular, examinamos como a metáfora é
comumente tratada nos sistemas computacionais voltados para o PLN e como estudos
propõem codificá-la no âmbito das redes wordnets. Por fim, analisamos uma proposta de
representação formal da metáfora em um léxico computacional.
Na quarta parte da dissertação, apresentamos as considerações finais, as conclusões e
os resultados obtidos na pesquisa.
22
_________________________________________________________________________
EQUACIONAMENTO DO DOMÍNIO LINGÜÍSTICO
EQUACIONAMENTO DO DOMÍNIO LINGÜÍSTICO
-
-
COGNITIVO
COGNITIVO
_________________________________________________________________________
23
Seçã
Seçã
o 1
o 1
As faces
As faces
literal
literal
e
e
figurada
figurada
da linguagem
da linguagem
Por que preferimos ou simplesmente usamos com freqüência a ironia, os atos indiretos
de fala, as expressões idiomáticas e as metáforas na linguagem cotidiana? Por que usamos
palavras, expressões e frases para, conforme sugerem alguns autores, querer dizer algo
diferente do que elas realmente significam?
Como a ironia é capaz de exprimir, por meio de uma asserção contrária ao significado
da sentença, concepções e crenças particulares, estereótipos, filosofias e valores
convencionais? Como analisar o fato de as frases “Nossa, ela é tão comportada!” (empregada
para referir-se a um mau comportamento) e “Que amigão você é!(empregada para referir-se
a um comportamento de inimigo) refletirem o modelo (o conceito) que temos,
respectivamente, de bom comportamento e de amizade, por meio de uma visão igualmente
estereotipada de mau comportamento e de falsa amizade? Será que tais frases, nesses
contextos, podem ser entendidas de forma diferente? A frase “Nossa, ela é tão comportada!”,
dentro de uma mesma situação discursiva, poderia significar “Ela é muito comportada.”?
Se uma pessoa diz “Você poderia me passar a salada?”, durante uma refeição, será que
ela quer saber se a pessoa para quem a pergunta está sendo direcionada tem a habilidade de
realizar o ato de passar a salada, ou será que a mesma está pedindo, implicitamente até mesmo
de forma imperativa, para que a pessoa passe a salada, realizando, assim, um ato indireto de
fala? Não dúvidas acerca da positividade desta última interpretação. Mas como um pedido
pode ser expresso por um não pedido? Ou ainda, como uma pergunta pode comunicar uma
ordem?
Como explicar que a frase “Na hora H, ele sempre chuta o pau da barraca” exprime o
que diz? Por que as expressões idiomáticas, isto é, expressões convencionais em que o
significado pretendido é freqüentemente difícil ou impossível de ser recuperado a partir das
palavras que as compõem, “invadem” e penetram com tanta freqüência o universo lingüístico
cotidiano?
Por que acharíamos estranho se quiséssemos conhecer uma pessoa e alguém nos
mostrasse uma fotografia apenas do corpo dessa pessoa? Por que, quando queremos conhecer
alguém, esperamos ver o seu rosto? Como tomamos o rosto pela pessoa? Se o rosto representa
a pessoa, por que o noivo não pede o rosto da noiva, mas a sua mão, em casamento? Como o
24
nosso universo lingüístico cotidiano pode ser tão influenciado, em última instância, pelos
“efeitos” metonímicos?
Como interpretar a frase “O meu trabalho é uma prisão”? Por meio do levantamento
das características mais prototípicas de prisão, podemos dizer que a intenção do falante-
enunciador é dizer que seu trabalho é sufocante, confinado, não gratificante, etc. Mas, não
seria precisamente o etc. que refletiria a força emotiva (CACCIARI, 1998; SEARLE, 1979), o
poder cognitivo (LAKOFF; JOHNSON, 1980; BLACK, 1979; KITTAY, 1989; SADOCK,
1993), o efeito (SADOCK, 1993), a eficácia (HARRIES, 1978), o insight (BLACK, 1979), o
creative uptake (RICHARDS, 1936), o próprio sentido ou a própria razão da metáfora?
Sadock (1993, p.44) sustenta a idéia de que a linguagem figurada é uma das fontes
mais produtivas da mudança lingüística. E acrescenta: se re-analisarmos e decompusermos as
chamadas figuras de retórica em traços literais, tal processo resultará na fonte mais produtiva
e mais importante da mudança semântica. Seguindo essa estratégia, poderíamos perguntar: e
se simplesmente não pensarmos na literalidade, haveria mesmo assim uma mudança
semântica?
Buscar a natureza literal e figurada da linguagem é tentar compreender os princípios e
os aspectos que delineiam a produção, a compreensão e a interpretação das diferentes
linguagens; é tentar alcançar seus papéis e suas funções; é buscar os níveis ou os planos de
significação de uma língua; é admitir a existência de dois diferentes e contrastantes tipos
lingüísticos. Mas, por que aceitar a divisão literal/figurado? Por que não admitir simplesmente
a existência de uma única linguagem e atribuir toda a sua variedade e heterogeneidade à
recursividade lingüística ou à proficiência cognitiva? Como delimitar com precisão a divisão
literal/figurado?
O estudo da linguagem figurada é frequentemente instigado pelo seu estatuto, de um
lado, de linguagem padrão (normal) e, de outro, de linguagem desviante (especial) (cf.
KATZ, 1998, p.19), fato que dificilmente se verifica nos estudos da linguagem literal a
linguagem normal por excelência. Mas por que atribuir uma normalidade ao que
tradicionalmente se rotula “literal” e uma especialidade ao que tradicionalmente se rotula
“figurado”? Por que tantos autores se referem à linguagem literal como a linguagem padrão e
à linguagem figurada, como a linguagem não-padrão? (cf., por exemplo, KATZ, 1998).
Investigar e discutir tais questões requer, primeiramente, o exame e a avaliação da
própria natureza do que constitui a literalidade e a figuratividade da linguagem, ou seja, o que
deve ser considerado propriamente literal e o que deve ser considerado propriamente figurado
25
na linguagem? Em outras palavras, em que planos ou níveis (semântico, pragmático,
psicológico, etc.) deve ser especificada, se ela existir, a oposição literal/figurado?
Neste trabalho, discutiremos a oposição literal/figurado essencialmente por meio da
investigação de dois percursos: (i) o que percorre o que designamos “níveis de significação
lingüística”, isto é, os níveis em que são atribuídas a instância literal e a instância figurada da
linguagem; e (ii) o que conduz aos estágios do processamento, isto é, o da produção e o da
compreensão (considerando uma igualdade básica entre ambos ou desconsiderando uma
diferença significativa entre os mesmos) dos significados literal e figurado.
Para investigar o primeiro percurso, buscamos a oposição literal/figurado’
1
do ponto
de vista da Lingüística. Discutimos, em particular, os conceitos de ‘significado literal’ e de
‘significado não-literal’ à luz de princípios tradicionalmente estabelecidos (dependência de
contexto, condições-verdade, composicionalidade, dentre outros) e evidenciamos como a
dicotomia literal/figurado aponta para a distinção entre a Semântica e a Pragmática.
Mostramos, por meio de exemplos, como a oposição literal/figurado é facilmente
enfraquecida e como há autores que propõem modificá-la.
No segundo percurso, evidenciamos, do ponto de vista da Psicolingüística, como a
oposição literal/figurado é fortemente criticada e rejeitada e como ela pode ser substituída.
Investigamos esse percurso por meio da análise de modelos que teorizam o processamento da
linguagem; em particular, discutiremos o Modelo Pragmático Padrão, o Modelo de Acesso
Direto e a Hipótese de Saliência Gradativa. Mostramos como a literalidade cede espaço para
um conceito de significado mínimo e como a figuratividade (se analisada da ótica tradicional)
pode ganhar um estatuto de literalidade.
1
Considerando que o figurado’ é, de algum modo, o ‘não-literal’, e que o ‘não-literal’ é, em algum sentido, o
‘figurado(cf. ARIEL,2002), assumimos, neste trabalho, o figurado’ indistintamente como sinônimo de não-
literal’. Assim, a oposição literal/figurado equivale à tradicional-clássica oposição literal/não-literal, ou ainda à
oposição não-figurado/figurado.
26
1.1 A oposição clássica literal/figurado e as dimensões semântica e
pragmática
A central presupposition of our culture is that the description and
explanation of physical reality is a respectable and worthwhile enterprise
(….) reality could, and should, be literally describable. Other uses of
language were meaningless for they violated this empiricist criterion of
meaning. (ORTONY, 1993, p.1, ênfase acrescentada)
2
The literal, in the classical story, is the indispensable sacred rock that forms
the bulk of our language and thought….
[The] literal meaning (…) has been defined in terms of an idealized and
oversimplified model of language and thought, one that is defined by a
cluster of convergent conditions. (LAKOFF, 1986, p.292, ênfase
adicionada)
3
Definido como um tipo de semântica pré-teórica (ARIEL, 2002, p. 362), descrito
como um valor fixo e verdadeiro e caracterizado pela clareza, precisão e ausência de
ambigüidade, o significado literal de uma forma lingüística é originalmente considerado o
significado lingüístico. De acordo com a definição clássica, o significado lingüístico é direto,
gramaticalmente especificado, sentencial, necessário e livre de contexto, sendo, em princípio,
não eliminável (é cancelado, por exemplo, nos casos de ironia).
Essa definição, ou conforme sugere Ortony, essa pressuposição de nossa cultura ou,
nos termos de Lakoff, esse modelo idealizado e simplista de linguagem e de pensamento,
advém da tese composicional tradicional que caracteriza a teoria semântica clássica. Segundo
essa teoria, o significado de uma expressão complexa é determinado pelos significados de
seus constituintes e pelas regras que os combinam, isto é, em função do significado dos
morfemas componentes e das regras sintáticas de composição. Essa tese, que focaliza a
centralidade do significado literal, sustenta que um conjunto de condições necessárias e
suficientes (tais como, independência de contexto, composicionalidade e condições de
verdade
4
) deve ser preenchido para que um significado seja considerado literal.
5
2
"Um pressuposto central de nossa cultura é que a descrição e a explicação da realidade física é um
empreendimento respeitável e gratificante (...) a realidade poderia, e deveria, ser literalmente descritível. Os
outros usos da linguagem seriam desprovidos de significação porque eles violariam esse critério empírico do
significado."
3
"A literalidade, do ponto de vista da tradição clássica, é a indispensável pedra angular que fundamenta a
linguagem e o pensamento. O significado literal tem sido definido em termos de um modelo idealizado e
simplificado da linguagem e do pensamento, definido em termos de um aglomerado de condições convergentes."
4
Admitir o princípio de valor de verdade como condição necessária para determinar o significado literal
significa admitir uma conexão entre a gramaticalidade e a composicionalidade, ou seja, entre os significados
27
o significado figurado, enquanto um significado não-composicional, indireto, e
pragmático (extralingüístico), por violar os critérios empíricos do significado (literal) é
originalmente definido como um uso lingüístico não significativo (ORTONY, 1993, p.1).
Entendido como a contraparte ou como o complemento nitidamente distinto (e inferior) do
significado literal (ARIEL, 2002, p. 362), o significado figurado é ainda não sentencial, por
estar associado ao enunciado e ao falante, e dependente do significado literal, por ser derivado
da combinação entre significados literais, processos (cognitivos) gerais de inferência e
aplicações contextuais. Os significados figurados clássicos são a metáfora, a ironia, os atos de
fala e as implicaturas conversacionais (ARIEL, 2002, p. 363).
Somada a essas características, outras propriedades que não pertencem propriamente à
definição clássica, mas que são comumente associadas aos significados literais e figurados
podem ser assim especificadas: (i) o significado literal é automático e obrigatório, enquanto o
significado não-literal é não-automático e opcional; (ii) o significado literal é o significado
não-marcado, ou a norma, e é o significado freqüentemente usado; (iii) o significado não-
literal é gerado apenas quando o significado literal é não plausível (ARIEL, 2002, p. 364).
Tais diferenças conduzem às seguintes implicações de natureza psicológica: (a) o
significado literal é acessado primeiramente, enquanto o significado figurado demora mais
tempo para ser acessado; (b) os significados literal e figurado resultam de diferentes processos
ou processamentos.
6
Tendo em vista tais considerações, especificamos a oposição literal/figurado em
função da distinção Semântica/Pragmática. Apenas evidenciamos, anteriormente, que alguns
autores apresentam a relação semântica-pragmática de modo simplista, conforme faz Gibbs
(1994, p.4-5), ao argumentar que a semântica é ainda vista na Lingüística, na Lógica e na
Filosofia, como o estudo do significado literal, enquanto o significado figurado é atribuído à
Pragmática. Nesse contexto, enquanto a Semântica é definida como o estudo do significado,
isto é, da relação entre o signo lingüístico e a referência, a Pragmática é entendida como o
estudo da relação entre os signos lingüísticos e seus usuários, ou seja, do signo no contexto.
Para explicarmos as relações entre literalidade e semântica e entre figuratividade e
pragmática, designamos os significados literal’ e ‘figurado’, respectivamente, como
lingüísticos/semânticos (codificados na língua) e os significados semânticos referenciais (significados
especificados em termos de valor de verdade.) (ARIEL, 2002, p. 387).
5
As condições tradicionais necessárias e suficientes são preenchidas de acordo com os seguintes julgamentos: a
linguagem convencional do cotidiano é sempre literal; todos os assuntos podem ser compreendidos literalmente;
apenas a linguagem literal pode ser julgada verdadeira ou falsa; todas as definições dadas no léxico de uma
língua são literais; todos os conceitos usados na gratica de uma língua são literais. (LAKOFF, 1993, p. 204)
6
Detalharemos tais implicações na subseção 1.3.
28
‘significado lingüístico’ e ‘significado pragmático’. Tal distinção sugere que a entidade
‘significado’ seja decomposta em duas modalidades ou, posto diferentemente, sugere a
existência de duas instâncias significativas: uma instância lingüística ou semântica, que
enfatiza o universo semântico ou o conhecimento lingüístico (codificado/internalizado pelo
falante) do significado, e uma instância não lingüística, ou pragmática, que enfatiza o uso, isto
é, o universo contextual e situacional do significado (nessa instância inclui-se o conhecimento
extralingüístico, isto é, o conhecimento enciclopédico). O paralelo estabelecido entre o
significado semântico (lingüístico) e o literal, e entre o significado pragmático
(extralingüístico) e o não-literal, que foi essencialmente difundido nos anos oitenta e noventa
(cf., por exemplo, DASCAL,1987), não descarta, entretanto, a idéia de que a linguagem literal
exerça também funções pragmáticas.
Considerando a distinção proposta, analisamos as instâncias lingüística (literal) e
pragmática (figurada) à luz dos modelos semânticos (lingüísticos) e dos modelos não
semânticos (não-lingüísticos) (cf. KATZ, 1993).
A principal diferença entre ambos é uma questão formal de modelo: enquanto os
modelos semânticos lidam com os significados das formas lingüísticas, os modelos não
semânticos enfatizam o uso das formas lingüísticas (cf. KATZ, 1993, p. 25-28). Tal
concepção advém da visão estreita, de um lado, de uma semântica da palavra, que analisa o
significado no nível da unidade per se, e, de outro, de uma pragmática da frase, que analisa o
significado no nível do enunciado. Assim, evidenciamos o modo como cada um concebe e
descreve os dois tipos de significado, porque ele é que é responsável pela diferença que a
literatura tem estabelecido entre ambos.
Em geral, nas teorias semânticas, de modo semelhante ao contraste do tipo
norma/desvio, a linguagem (ou significado) literal é responsável pelo direcionamento e pelo
comando da produção da linguagem normal ou comum, e a linguagem figurada, por
conseqüência, constitui um problema semântico que resulta da ampliação ou do “desvio” do
significado literal; já nas teorias não-semânticas, o contraste literal/figurado é preenchido pela
instância enunciativa, ocorrendo entre o que as palavras significam literalmente e o que os
falantes pretendem comunicar ou expressar por meio do uso de tais palavras - esta última
instância significativa que seria responsável pela produção do significado figurado.
As teorias semânticas, em particular, avaliando a literalidade e a figuratividade como
um par dicotômico verdadeiro-falso, consideram o significado literal como um significado
proposicional (responsável pela especificação do valor de verdade de uma palavra ou frase),
referencial (no sentido de ser considerado o único meio, claro, objetivo e verdadeiro de
29
designar a realidade), lingüístico (codificado) e independente de contexto (possui um valor
fixo); exemplos: “O sábado antecede o domingo”, “Os bondes movem-se sobre os trilhos”,
“A terra gira em torno do sol”. Já o significado figurado é visto como um significado
secundário (não fundamental), decorrente do uso (ampliado e sobreposto) do significado
literal, com valor variável e dependente de contexto e, de certa forma, falso, no sentido de
violar o critério empírico (cf. epígrafe de Ortony) da nomeação da realidade. São exemplos:
“Os políticos se deliciaram com um piquenique de política”, “A vida vem em ondas como o
mar”, “Os espíritos de porco ainda serão alimentados com lavagem”.
as teorias não-semânticas equiparam a oposição literal/figurado à distinção
dizer/implicar. Para essas teorias, sustentadas principalmente por psicólogos e filósofos da
linguagem (cf. SADOCK, 1993; SEARLE, 1979), o significado literal refere-se a ‘o que é
dito’, ou seja, ao significado lingüístico (isto é, semântico), e o significado figurado refere-se
a o que é (de fato) expresso’, ou seja, ao significado do enunciado ou do discurso
(significado pretendido ou implicado). Assim, para essas teorias, uma frase do tipo “Rafaela é
uma exímia motorista!”, enunciada de forma irônica, isto é, para expressar um sentido
contrário ao afirmado, possui, ao mesmo tempo, dois significados, o significado da frase e o
significado do enunciado (SEARLE, 1979). Estabelecendo a distinção entre o que o
enunciado significa e o que ele pode (ser usado para) significar, tem-se, respectivamente:
“Rafaela é uma exímia motorista” e “Rafaela não é uma exímia motorista”. Frente a tal
distinção poderíamos, entretanto, perguntar: como um enunciado pode ter significações
opostas?
Na Lógica Matemática, se uma frase F significa X e, se significar X, pressupõe não
significar Y e vice-versa, ou posto diferentemente, se X anula Y e Y anula X, como F pode
significar X e Y simultaneamente? Considerando a instância literal/ composicional
semanticamente bem-formada e a instância figurada/não-composicional semanticamente
anômala, como diferenciar essas duas instâncias do significado ou, em outras palavras, como
diferenciar o significado semântico do significado pragmático? E como o significado pode
extrapolar os limites da semântica? Como dizer, por exemplo, que o significado significativo
não significa, enquanto o significado não significativo significa? Mas então, o que seria o
significado?
A grande questão que parece estar em jogo, além da noção composicional do
significado, que constitui um dos principais focos de concordâncias e dissonâncias entre
lingüistas, filósofos e psicólogos, diz respeito à própria noção ou ao próprio conceito de
“significado”, admitido em geral, como a noção exemplificada em “O que X significa?”,
30
“Qual é o significado de ‘trapizonga’?”. Apesar de ser a noção clássica ou o sentido mais
tradicional de “significado”, Lyons (1977, p.1,2) ressalta que esse é apenas um dos sentidos
que delineia esse conceito complexo. Esse sentido, que segundo o autor, é explicado e
entendido em relação à noção de “significaçãoou em relação à semântica, não reflete, por
exemplo, as noções de intenção, extremamente relevantes à interpretação de muitos sentidos
de “significado” e significar”. Segundo Morris (1964 apud LYONS, 1977 p.3, 4) a noção de
intencionalidade parece ser não menos importante que a da significação no complexo de
noções inter-relacionadas que estão por trás do “significado”.
Por exemplo, as frases “Há uma mulher que vira homem” e “As palavras em sua boca
sempre perdem seus sentidos” pressupõem (semântica e pragmaticamente falando), de algum
modo, a possibilidade de dizer uma coisa e significar outra. Mas, como alguém pode usar uma
combinação de palavras para querer dizer algo diferente do que as palavras significam? Como
uma mulher pode virar um homem e como uma palavra pode simplesmente perder o seu
significado? Segundo Leech (1974 apud LYONS, 1977, p. 1), é possível conceber que o
significado lingüístico possa ser entendido ou explicado em termos de outros tipos de
significados não-lingüísticos.
Assim, tais frases ilustram oposições entre pelo menos três instâncias significativas ou
entre três sentidos de “significado”: (i) a instância da significação ou, conforme sugere a
teoria dos Atos de Fala, a locução; (ii) a instância da intenção ou ilocução, que se refere à
força (intenção) que o falante atribui ao conteúdo expresso; e (iii) a instância do discurso ou
perlocução, que se refere ao efeito que o falante produz sobre o ouvinte no discurso. Segundo
Lyons, o que as palavras e as frases de uma determinada língua significam, em termos do que
os falantes querem dizer nessa língua, é apenas uma derivação do uso de tais palavras e frases.
Assim, a noção da comunicação pressupõe as noções de significação e de intenção; logo, a
noção de “significado” deve também pressupor, e de igual forma, tais noções.
Tendo em vista essas considerações, ficamos tentados a dizer que o que distingue as
teorias semânticas das teorias não-semânticas diz respeito à noção, que cada uma pressupõe,
de significado e de como a comunicação acontece.
Assim, uma nova oposição emerge: a oposição entre a “forma lingüística” e o
“conteúdo significativo” ou simplesmente, entre a forma e o significado (SADOCK, 1993, p.
48). Segundo Sadock, compreender a relação, sustentada por um ramo da lingüística moderna,
entre forma e significado significa entender, pelo menos intuitivamente, o que as frases de
uma ngua significam, enquanto oposto ao o que elas podem ser usadas para significar. Em
outras palavras, é importante diferenciar quando os aspectos da comunicação em um
31
enunciado são “alcançados” sozinhos, pelas convenções semânticas do sistema lingüístico, e
quando tais aspectos são conseguidos de forma indireta por meio da recorrência a um ou outro
processo. Seguindo esse raciocínio
7
é fundamental identificar quando uma frase é ambígua,
para então, atestada a ambigüidade, averiguar quando seus componentes estão ou não
gramaticalmente associados com os seus respectivos significados (lingüísticos). Assim,
analisando a frase “Joana é uma verdadeira rocha de Gibraltar” (SADOCK, 1993, p.48) deve-
se ter conhecimento para dizer quando esse tipo de frase é verdadeira ou quando é falsa na
conjuntura onde Joana é, de fato, uma pessoa (leal) e não uma formação geológica. Mas como
diferenciar as convenções diretas, nomeadamente semânticas, das convenções indiretas, não-
semânticas ou criadas pelo falante?
Segundo o próprio Sadock (1993), a oposição forma/significado é pouco plausível,
essencialmente por ser demasiado intuitiva e pouco precisa. O autor sugere, então, que a
literalidade e a figuratividade devam ocorrer, respectivamente, entre significado e efeito, da
seguinte forma: o significado convencional representaria o significado literal e o efeito não
convencional ou figurado representaria a instância figurada. Assim, em uma situação de
ambigüidade, em que um termo pode ser, ao mesmo tempo, interpretado de forma figurada ou
literal, como, por exemplo, os termos “nascer” e “pôr-do-sol” na frase Cada dia vivencia-se
um nascer e um pôr-do-sol”, Sadock sugere que os termos, que margeiam a ambigüidade,
sejam neutros (ou não marcados) no que se refere à atitude do falante (na frase, representados
pelos sentidos literais de “nascer” e “pôr-do-sol”), e que, apenas figurativamente, esses termos
adquiram uma força adicional nomeadamente conotativa não-neutra ou marcada (no caso,
“nascer” e “pôr-do-sol” usados de forma figurada para referir respectivamente ao ‘nascer’ e
ao ‘morrer’ ou ainda à ‘vida’ e à ‘morte’).
8
Levando em conta o fato de que o significado literal é também “o que é dito” e que o
“o que é dito” está intimamente relacionado ao significado convencional das palavras,
conforme evidencia Grice (1978 apud ARIEL, 2002, p.362), a distinção sugerida por Sadock,
parece-nos, entretanto, nada mais que a própria oposição literal/figurado (sustentada pelas
teorias não-semânticas), descrita em outros termos.
Evidenciamos que teóricos que não distinguem os tipos literal e figurado,
descartando a existência dessa oposição (cf. DAVIDSON, 1978), alegando que a chance de se
estabelecer esse tipo de oposição imbuída de princípios é, no mínimo, remota (GIBBS, 1989,
7
A oposição em questão parece confluir com a visão de que uma teoria semântica deve ser baseada nas intuições
dos falantes sobre o que é dito (KAPLAN, 1989, In: GIBBS, 2002, p. 482-483).
8
Apresentamos outras visões na subseção 1.2.
32
p.250), ou enfatizando que as fronteiras entre elas são difusas o suficiente para considerar a
dicotomia uma ilusão psicológica (cf. TURNER, 1998, p.60). Outros teóricos ainda explicam
que a complicação da oposição literal/figurado está nos próprios termos ‘literal’ e figurado’
que, por si só, são difusos. Segundo Gibbs et. al. (1993, p. 388-389) o significado literal pode
ser contrastado com o significado poético, com o uso não-convencional, com o significado
baseado em contexto e com a linguagem em que conceitos de verdade’ e ‘falsidade’ não
podem ser calculados.
Finalizamos esta subseção evidenciando que enquanto a linguagem literal for
considerada a pedra angular ou a medida da linguagem e do pensamento (LAKOFF, 1986,
p.292), e a linguagem figurada, um fenômeno estritamente pragmático, desviante ou
ornamental (GIBBS, 1994, p.5), a oposição literal/metafórico não constituirá problema para a
teoria tradicional da metáfora.
9
(cf. GIBBS, et al, 1993).
1.2 Minimizando a oposição literal/figurado
(...) it is usually assumed that the term literal can be unproblematically
contrasted with the terms metaphorical or figurative. But only the
nonmetaphorical definition of literal meaning specifically contrasts literal
meaning with metaphoric meaning (GIBBS, et al., 1993, p. 389).
10
A crença na dicotomia absoluta literal/figurado, baseada nos parâmetros clássicos, tem
sido fortemente criticada pelos pesquisadores (conforme evidenciamos nesta subseção).
Visando à modificação do conceito de significado literal e da própria oposição
literal/figurado, lingüistas, filósofos e psicólogos, a partir do levantamento das restrições
(falhas e problemas) dessa visão dicotômica da linguagem, propõem diferentes concepções
para apreender e suprir a oposição. Os que seguem a concepção tradicional da linguagem
evidenciam a necessidade de se repensar o significado literal de forma mais moderada, como
um significado que não precisa ser caracterizado como um conjunto de princípios, mas que
deve antes, ser determinado por um ou por outro princípio (DASCAL, 1987; POWELL,
2002). Já os que se colocam em posição avessa à teoria tradicional, evidenciam a necessidade
da reformulação das duas noções. Argumentam que essas noções admitem uma gradação,
9
Se a metáfora é definida como um tipo de desvio lingüístico e se o desvio se opõe ao literal, a oposição
literal/metafórico não constitui problema para as visões mais tradicionais (cf. seção 2).
10
"(...) assume-se, em geral, que o termo literal pode ser contrastado, sem maiores problemas, com os termos
metafórico ou figurado. Entretanto, apenas a definição não–metafórica do significado literal contrasta, de modo
específico, os significados literal e metafórico."
33
conforme sejam mais ou menos salientes, freqüentes, familiares, convencionais, etc. (GIORA,
1997; ARIEL, 2002). Nesta subseção, portanto, discutimos o enfraquecimento da oposição
literal/figurado sob os óculos dos re-visitadores da tradição. Apenas apontamos,
anteriormente, os princípios clássicos que se impõem como condições para a determinação do
literal e para a discriminação do figurado.
Gibbs et al. (1993, p.389) evidenciam que o termo “literal” possui pelo menos cinco
significados diferentes, constituindo cada um, da perspectiva clássica, um princípio ou uma
condição necessária para a rotulação de um significado como literal: (a) a literalidade
convencional, em que o uso literal é contrastado com o uso poético, com o uso indireto, etc.;
(b) a literalidade do assunto, em que assuntos particulares são geralmente tratados/discutidos
por determinadas expressões; (c) a literalidade não-metafórica, ou linguagem diretamente
significativa, em que a linguagem é entendida diretamente sem a intervenção de um termo ou
de um conceito; (d) a literalidade condições de verdade, em que a linguagem abarca o mundo,
isto é, pode referir aos objetos existentes de forma objetiva, ou de abarcar o mundo de modo
verdadeiro ou falso; (e) a literalidade independente de contexto, em que o significado literal
de uma expressão o é em um contexto “nulo” ou independentemente de qualquer situação
comunicativa (GIBBS et al., 1993, p. 388-389; cf. também, LAKOFF, 1986, p. 292).
O enfraquecimento da oposição clássica literal/figurado à luz de tais princípios se
deve, de um lado, à forte noção de literalidade, e, de outro, à conseqüente noção vaga e fraca
de figuratividade. Para Gibbs et al. (1993, p.389) e Lakoff (1986, p.292), o significado
metafórico só pode ser contraposto à noção de literalidade expressa em (c) acima,
essencialmente porque os demais princípios podem servir igualmente de requisito para fatos
lingüísticos literais e figurados.
Por exemplo, o significado literal, apesar de ser analisado em oposição ao significado
figurado (como ao metafórico e ao irônico), é também, muitas vezes, considerado o
significado convencional. Tal fato se torna problemático se acrescido da idéia de que algumas
linguagens figuradas (então, não literais em algum sentido) são convencionais (literais em
algum sentido), como, por exemplo, as metáforas mortas (ex.: “Ela é uma cobra”) e os
pedidos indiretos (ex.: “Você pode me passar o sal?”, em um contexto em que o pedido do sal
é relevante, e não a habilidade de passá-lo). Além disso, alguns significados não-figurados
(então, literais em algum sentido) são inferidos (então, não-literais em algum sentido), como
ocorre, por exemplo, com as implicaturas conversacionais (ex.: quando alguém diz “A sala
está fria”, com o intuito de que o ar-condicionado seja minimizado/desligado). Outra questão
concerne às condições ou ao valor de verdade que não encobre completamente a
34
convencionalidade (de uma palavra ou frase), o que significa, de um lado, a possibilidade de
alguns significados codificados não contribuírem com as verdades condicionais das
proposições expressas, e de outro lado, a possibilidade de alguns significados inferidos
contribuírem com as condições de verdade das proposições expressas, conforme discutiremos
adiante (ARIEL, 2002).
Tais questões, cujas inconsistências resultam da não especificação ou da especificação
imprecisa das distinções que delineiam e separam as instâncias literal e figurada da
linguagem, implicam, muitas vezes, a falta de consenso em relação à classificação da
linguagem. Por exemplo, enquanto Lakoff e Johnson (1980) consideram as metáforas novas e
também as metáforas convencionais instâncias não literais, outros lingüistas consideram os
significados convencionais, incluindo alguns metafóricos (como as metáforas convencionais)
instâncias literais. Porque refletem diferentes concepções de metáfora (e de literal), a falta de
consenso, também refletida nas exemplificações “repetidas” ou ainda na ausência de
exemplificações, conforme pudemos perceber em muitos dos artigos estudados, obscurece,
muitas vezes, a investigação do campo sobre metáforas.
Apresentamos abaixo alguns dos problemas da forte noção dicotômica da linguagem,
por meio da discussão, em particular, de algumas das condições tradicionalmente
responsáveis pela rotulação do significado literal, a saber: independência de contexto,
condições de verdade e composicionalidade. Evidenciamos como tais condições podem ser
repensadas e como a noção de não-simultaneidade poderia amenizar muitas das
inconsistências causadas pela obrigatoriedade de conformação a essas condições.
Quanto à independência de contexto, Searle (1978, p.208) argumenta que a condição
contexto nulo é inaplicável, porque diferentes aplicações contextuais produzem diferentes
condições de verdade. Para Searle, uma palavra é sempre interpretada à luz de um contexto
determinado: o significado literal é necessariamente relativizado a um conjunto de
considerações/suposições e conhecimentos, embora tal conjunto não faça parte do significado
literal propriamente dito (o conhecimento cognitivo é não-intencional e não-representacional).
De acordo com Ariel (2002, p.365), a única razão para pensarmos que as frases são, às vezes,
interpretáveis sem referência a um contexto, é que as considerações contextuais envolvidas
são tão fundamentais que parecem transparentes. Completando esse raciocínio, assume-se que
o contexto determina também o que é dito’ (tradicionalmente o significado literal) e não
apenas o que é (socialmente) implicado’(tradicionalmente o figurado) (SEARLE, 1978;
DASCAL, 1987; GIBBS, 1984).
35
Quanto ao valor de verdade, Searle (1978) sustenta parcialmente a idéia tradicional de
que a aplicação do significado literal (considerado lingüístico/semântico pelo autor) define as
condições de verdade da proposição. Ele acredita que o valor de verdade é verificável na
interpretação literal e não no significado literal. A relação entre valor de verdade e
interpretação literal, assim como a relação linguagem e mundo, entretanto, não é tão simples.
Por exemplo, considerando os enunciados A-C:
A. “O sábado antecede o domingo” (com o mesmo significado de “Janeiro antecede
Fevereiro”)
B. “Vamos beber todas hoje porque amanhã é domingo” (pronunciado em uma roda de
amigos em um sábado)
C. “Este ano de 2005 terminou com 364 dias porque no final da Páscoa o domingo
substituiu a sexta” (com referência a “O domingo de páscoa substituiu a sexta-feira da
paixão”)
A análise de “domingo” nos enunciados A-C nos leva, respectivamente, à distinção:
marca temporal (domingo é um dia da semana assim como segunda-feira, terça-feira, etc.),
marca sócio-cultural (domingo, em nossa sociedade/cultura, é sinônimo de descanso, de folga
do trabalho, assim como o “sábado” tem, dentre os dias da semana, a “carga social” mais
pesada), marca histórico-religiosa (na religião cristã o domingo de páscoa simboliza a
ressurreição de Cristo). Os enunciados A-B parecem sustentar a argumentação de Searle
acerca do valor de verdade. E quanto ao enunciado C? A solidez da relação valor de verdade e
interpretação literal é tão forte em C quanto em A e B? O enunciado C só pode ser
interpretado de modo literal se “sexta” e “domingo” deixarem de ser “sexta-feira” e
“domingo”, isto é, se forem libertos do ciclo temporal/semanal e inseridos no ciclo religioso.
Nesse contexto, o domingo de páscoa pode eliminar a sexta da paixão à medida que
simbolizam, respectivamente, a ressurreição e a morte, processos que se auto-excluem. No
ciclo semanal, o domingo jamais eliminará a sexta (o ano nunca começará em fevereiro), já,
vida significará sempre ‘não-morte’ e morte, ‘não-vida’. Fazer isso significa, entretanto,
interpretar “sexta” e “domingo” de modo não literal. Então perguntamos: como a
interpretação literal pode, em casos como esse, contribuir com o valor de verdade de uma
expressão?
A condição de valor de verdade é fundamentalmente enfraquecida por Lakoff (1987) e
Lakoff e Johnson (1980). Para esses autores, a frase “Temos que economizar tempo” pode
ser interpretada por meio da invocação ao conceito metafórico de TEMPO, conforme refletido
no mapeamento TEMPO É DINHEIRO, que antes de abarcar a realidade, depende apenas do
36
modo como (tal conceito metafórico) estrutura a realidade (cf. subseção 5.2). Nesse contexto,
como determinar as condições de verdade da frase em questão? Haveria uma interpretação
literal para a frase “Temos que economizar tempo”?
Quanto à total composicionalidade, Bartsch (1996 apud ARIEL, 2002, p.370) diz que
o significado literal nem sempre preserva sua composicionalidade, fundamentalmente porque
nem sempre é possível determinar o que o significado de uma palavra é (por meio de sua
composicionalidade). Por exemplo, ‘cortar’ em ‘cortar um bolo’ é, segundo Bartsch, diferente
do significado geral e irredutível ‘picar’ conforme expresso em ‘picar salsinha’. O autor diz:
um aspecto comum de um sub-conjunto desses [significados] é uma abstração secundária,
artificial, ou uma generalização ao longo de contextos (ibid, p.371). Assim, o significado
sujeito ao princípio de composicionalidade é o significado de uma unidade maior, e não
propriamente de uma unidade isolada. No caso do verbo “cortar”, tal unidade é o verbo + o
objeto. Assim, “cortar” associa-se a significados minimamente diferentes, de acordo com o
objeto referido, sendo todos igualmente literais (e dependentes do contexto) e estando todos
listados em nosso léxico mental.
Em contraste àqueles que tentam substituir a definição, em particular, do significado
literal, Dascal (1987), seguindo a mesma linha da concepção tradicional, mas de uma forma
bem menos categórica e mais modesta, descreve uma versão “moderada” do significado
(literal), nomeada “literalismo moderado”. Dascal propõe uma caracterização relevante, e não
estreita, do significado literal, argumentando que nem todos os critérios (como os analisados)
devem ser simultaneamente preenchidos para que um significado seja literal. Um de seus
objetivos é apagar a demanda excessiva localizada na noção de significado literal (DASCAL,
1987, p.264) e, assim, amenizar a concepção clássica que assume que condições necessárias e
suficientes são localizadas no significado literal.
Enquanto Dascal enfatiza a importância do contexto para a produção dos significados
literais, ele não descarta, ao mesmo tempo, a possibilidade de eles serem gerados livremente
do contexto. Outro ponto de discussão diz respeito ao valor de verdade: segundo o autor, o
significado literal, antes de determinar todas as condições de verdade relevantes de uma frase,
por exemplo, ele pode apenas contribuir com a especificação das mesmas. Quanto ao
princípio da composicionalidade, Dascal, de modo similar, diz não haver problemas com a
sua violação.
Assim, o significado literal é definido, por Dascal, como o significado ou a
interpretação convencional de uma palavra, frase ou enunciado, constituindo estágio
obrigatório no processo do entendimento, na medida em que é responsável por direcionar e
37
guiar o enunciatário às interpretações contextualmente apropriadas. Diz ele: Ainda que não
importe o quão pequena seja a sua contribuição frente ao conteúdo, [o significado literal]
parece exercer um papel crucial no processo de interpretação, isto é, no papel de conduzir o
ouvinte à identificação dos itens relevantes da informação contextual, que devem ser usados,
para que se chegue a uma interpretação (DASCAL, 1987, p.262). Confrontaremos essa visão
na subseção seguinte.
Em se tratando de sentido figurado, Dascal (cf. também GREY, 2000) sugere a co-
existência de dois tipos de significados: o significado primário ou literal, que está sempre
disponível (por exemplo, o significado literal de “apagar”, exemplificado em “Depois da aula,
ela apagou as anotações erradas”; “Ela apagou todos os arquivos de seu computador”; “Você
precisa apagar esses fatos de sua memória”), e o significado secundário ou figurado, que está
originalmente em estado de penumbra (GREY, 2000) (por exemplo, o significado figurado de
“apagar”, ilustrado em “Ela apagou todas as suas decepções com um novo namorado”; “O
homem apagou o indigente”; “Toda a esperança de Júlia foi apagada”; “A reportagem
propositalmente apagou os momentos mais trágicos do acidente”, etc.). Assim, conforme
ilustra a Figura 1, a figuratividade entra em cena quando o significado figurado se destaca e
desativa o significado primário, que ocorre quando o mesmo se sobrepõe no contexto
discursivo, promovendo, assim, a mudança semântica. O resultado, conforme argumenta
Fonogy (apud DASCAL 1987, p. 271) é a existência de uma interpretação desfavorável que
não pode, entretanto, ser excluída, e de uma interpretação favorável que, da mesma forma,
não pode ser totalmente explicitada.
Figura 1: Representação esquemática da desativação do significado literal e da ativação do
significado figurado.
Powell (2002, pp. 271-272), por sua vez, diz ser necessário conceber a vio
tradicional do significado de forma ainda mais moderada. Sugere, então, pensar no significado
lingüístico e não no conteúdo proposicional ou no valor de verdade de uma frase. Se
Significado Primário
literal
Significados secundários
figurados
Significado figurado
38
dissermos, por exemplo, que a expressão “mesa cinco” nas frases “A mesa cinco está
ocupada” e “A mesa cinco pediu a conta” tem o mesmo significado em ambos os contextos,
tal intuição, segundo Powell, deve operar no nível do significado lingüístico e não no nível do
conteúdo de verdade, essencialmente porque “mesa cinco” não oferece a mesma contribuição
às condições de verdade em ambos os contextos.
Mas, será que a expressão “mesa cinco” é, de fato, lingüística ou semanticamente
idêntica em ambas as frases? Hahn e Markert (1999, p.135) parecem ser mais coerentes
frente ao exemplo proposto. Eles sugerem que a expressão “mesa cinco” (na frase “A mesa
cinco pediu a conta”), à medida que suporta “a pessoa ou pessoas que estão sentadas na mesa
cinco” (um caso de metonímia), não pode ser interpretada a partir do significado lexical de
suas unidades componentes, essencialmente porque essa expressão, na frase-exemplo, evoca
um significado pretendido; logo, para esses autores, o que diferencia as interpretações literais
e figuradas (como a metafórica e a metonímica) é fundamentalmente a distinção existente
entre o significado lexical e o significado pretendido.
Mas então, como avaliar o conteúdo proposicional ou as condições de verdade de uma
frase? Powell diz que a compreensão do valor de verdade de uma frase envolve dois
processos: a decodificação lingüística e a inferência pragmática. Lyons (1981 apud, DIAS-
DA-SILVA, 1996, p. 136), de modo similar, sustenta a idéia de que a semântica de condição
de verdade pode ser considerada um complemento da pragmática. Podemos asseverar negar
ou conhecer uma proposição. Podemos ainda acreditar em proposições. Uma proposição
pode até mesmo ser expressa por paráfrases distintas. É seu valor de verdade, entretanto,
identificado como um ou outro dos dois valores verdadeiro ou falso- é que é asseverado,
negado ou conhecido.
Em vista de tais análises parece não haver dúvidas de que, sem a especificação dos
sentidos em que o literal e o figurado devem ser usados, não é possível distinguir, de modo
consistente e consciente, as instâncias literais das instâncias metafóricas da linguagem.
39
1.3 A oposição literal/figurado do ponto de vista psicolingüístico
One reason why many scholars believe that figurative language violates
communicative norms is because they confuse the processes and products of
linguistic understanding (GIBBS et al., 1993, p. 388)
11
Estabelecemos, nas subseções anteriores, que o significado literal (tradicionalmente
igualado ao significado lingüístico) resulta exclusivamente do processo de codificação
lingüística, isto é, do conhecimento dos itens lexicais combinados por meio de regras da
língua. Estabelecemos também que o significado figurado emerge dessa codificação e de
inferências pragmáticas ou, em outras palavras, da combinação entre significados literais,
processos cognitivos gerais de inferência e aplicação de tais processos às informações
contextuais. Em resumo, da perspectiva tradicional, enquanto processos lingüísticos seriam
suficientes para a determinação da literalidade, operações ou processos adicionais, não
especificados ou não específicos à língua (SADOCK, 1993) seriam também usados na
produção da figuratividade. Além disso, evidenciamos que, contrariamente ao estatuto comum
ou normal atribuído à linguagem literal, a linguagem figurada é comumente caracterizada
como uma linguagem desviante ou anormal, o que faz com que o figurado preencha papel
secundário na produção e compreensão da linguagem. A linguagem literal, por outro lado, é
assumidamente a mola mestra desse processamento, no sentido de ser responsável pela
escolha, seleção e direcionamento de todo e qualquer enunciado lingüístico. Assim, uma das
conclusões a que podemos chegar é que o significado literal, entendido como o significado
lingüístico ou como o significado convencional, continua, mesmo nas versões mais
moderadas da oposição literal/figurado (DASCAL, 1987; POWEL, 2002), assumindo papel
essencial e obrigatório no processamento da linguagem, em detrimento do papel não-essencial
ou secundário do significado figurado.
A obrigatoriedade do significado literal no processamento da linguagem é
originalmente sustentada pela Visão Pragmática Padrão (cf. SEARLE, 1979, e também
GIBBS, 2002, p. 459; GIORA, 2002, p.489). Tal visão, que parte da distinção entre o
significado semântico (dito) e o significado expresso (comunicado), supõe que a fala figurada
é sempre mais difícil de ser acessada/processada do que a fala literal, requerendo
primeiramente a análise do que é dito literalmente (conteúdo obtido por meio do acesso à
11
“Uma das razões pela qual muitos teóricos acreditam que a linguagem figurada viola as normas comunicativas
é o fato de eles confundirem os processos e os produtos da compreensão lingüística.
40
informação semântica), para depois reconhecer que o significado literal (ou o que o falante
diz) é contextualmente inapropriado. Somente depois dessa constatação é que se pode inferir
que há um significado adicional, consistente e coerente com o contexto.
Tal visão resulta da hipótese de que os processos lexicais são impenetráveis, isto é,
não interagem, em um primeiro momento, com a informação contextual (GIORA, 2002,
p.489). Assim, o Modelo Pragmático Padrão atribui prioridade temporal ao processamento
do significado literal. Seguindo tal raciocínio, a compreensão inicial de ambos os tipos de
linguagem, literal e não-literal, deve ser idêntica: (a) primeiramente deve-se acessar o
significado literal do enunciado; (b) em seguida, quando não suficiente, deve-se procurar
interpretações contextualmente plausíveis, através de inferências pragmáticas. Assim,
enquanto a etapa (a) é suficiente para satisfazer uma interpretação literal, a linguagem não-
literal requer um processo adicional em que ocorre um ajuste à informação contextual,
resultando na derivação do significado contextualmente compatível. Seguindo esse raciocínio,
mesmo se uma expressão como “ótima idéia” for enunciada em um contexto literalmente
desfavorável (em um contexto irônico, por exemplo), ela será, de acordo com este modelo,
interpretada inicialmente de forma literal (fase a). Quando a interpretação revela-se
contextualmente desajustada (isto é, literalmente desfavorável), desencadeia-se o processo
adicional (fase b), assumidamente considerado mais complexo, por requerer inferências
adicionais. É assim que a fase b se encarrega de dar conta da re-interpretação e do ajuste
contextual. No exemplo, essa fase responde pela interpretação irônica de “ótima idéia”,
levando à interpretação contrária: “péssima idéia”.
Esse modelo, entretanto, tem sido desafiado por cognitivistas, psicolingüistas e
também por certos lingüistas, por acreditarem que o significado literal nem sempre é
integralmente e de início recuperado (ex. GIBBS, 1984) e por atribuírem papel fundamental à
informação contextual no processamento da linguagem. Essas hipóteses fazem parte da
abordagem designada Visão do Acesso Direto que será discutida mais adiante.
Partindo de considerações como essas, discutimos, nesta subseção, questões
relacionadas à veracidade empírica das considerações sustentadas pelas teorias semânticas e
pelas teorias não-semânticas, conforme apresentadas, fundamentalmente na análise da
metáfora desenvolvida no âmbito da psicolingüística. Discutimos os principais problemas que
a oposição tradicional apresenta e impõe aos fatos lingüísticos, por meio de uma análise
dirigida ao processamento ou ao cômputo da linguagem.
Para tanto, é importante que se estabeleça a distinção entre “análise lingüística” e
“compreensão da linguagem”. De acordo com Steen (1997, p. 59), a análise concerne à
41
“descrição e à explicação da função e da estrutura da linguagem”, a compreensão, diz
respeito ao “processo cognitivo”. Como, neste trabalho, investigamos a linguagem figurada e,
em particular, a metafórica das dimensões lingüística e lingüístico-cognitiva, estamos
interessados, usando os termos de Steen, na “análise” e na “compreensão” dessas instâncias,
respectivamente, enquanto um produto lingüístico e enquanto um processo cognitivo. Como
nas subseções anteriores discutimos o figurado em oposição ao literal, como uma linguagem
especial e, portanto, como um produto lingüístico desviante (do produto literal), analisamos,
aqui, a figuratividade como um mecanismo ou como um estágio da produção da expressão
lingüística e, portanto, em certo sentido, como um processo. Mencionamos que essa
caracterização de processo é diferente da caracterização esboçada por Steen, que será, em
particular, analisada no âmbito da metáfora (cf. seção 5).
Assim, admitindo ainda uma oposição entre o literal e o figurado, será que o fato de
as diferentes linguagens desfrutarem de diferentes papéis (estamos pensando, em particular,
nos critérios tradicionais) implicaria a existência e o processamento de diferentes operações
lingüísticas e cognitivas? Em outras palavras, será que operações intelectuais distintas
intermediariam a produção e a interpretação das linguagens literal e figurada, conforme
parecem sugerir modelos de processamentos seqüenciais da linguagem, como o Modelo
Pragmático Padrão e autores como Giora (2002) e Giora e Fein (1999)? Ou, antes de serem
processadas diferentemente, as linguagens literal e figurada compartilhariam os mesmos
processos lingüístico-cognitivos (TURNER, 1998; GIBBS, 2002)? As frases “Pare o carro, eu
quero descer” e “Pare o mundo, eu quero descer” seriam idênticas lingüística e
cognitivamente?
Se, por um lado, atribuindo à linguagem figurada o rótulo especial ou incomum,
pensar em um único e mesmo processo lingüístico-cognitivo nos parece até certo ponto
questionável; por outro lado, como explicar o total e, à primeira vista, idêntico entendimento
de frases (rotuladas literais e figuradas) como “Ela é uma grande amiga” e “Ela é uma cobra”
ou ainda “Ela é uma amiga da onça”? Será que a convencionalidade por si seria
responsável por tal igualdade?
E, admitindo tais rótulos, seria positivo afirmar que a linguagem não-padrão (figurada)
exigiria, contrariamente à linguagem padrão (literal), uma entrada (input) do sistema
cognitivo mais geral (isto é, independente de uma língua específica) para ser compreendida?
Será que, por exemplo, fatores/aspectos pragmáticos, inferências (contextuais, extra-
contextuais, situacionais, etc.), conhecimento enciclopédico, fatorariam a compreensão da
linguagem não-padrão, enquanto a linguagem padrão processaria apenas as informações ou
42
dados provenientes de um contato mínimo com as estruturas cognitivas gerais durante o
processo de produção/compreensão da linguagem? E ainda, admitindo que a linguagem
figurada requeira um esforço cognitivo maior para ser processada, será que ela demoraria
mais tempo para ser acessada?
Muitos estudos mostram que os ouvintes/leitores podem freqüentemente interpretar
figurativamente metáforas, ironias/sarcasmos, expressões idiomáticas, atos de fala indiretos,
sem ter que primeiro analisar e rejeitar seus significados literais quando tais expressões o
vistas em contextos reais (ex. GIBBS, 1984, 2002). Estudos semelhantes evidenciam ainda
que a interpretação da linguagem figurada criativa pode igualmente ocorrer sem a análise
preliminar do significado literal (GIBBS, 1989; cf. também GIORA, 2002 para uma visão
contrária). Tais estudos, que negam a suposição de que o significado figurado deve ser
computado posteriormente ao processamento do significado semântico/literal, hipótese que
constitui o cerne da Visão Pragmática Padrão, privilegiam a Visão do Acesso Direto (cf., por
exemplo, GIBBS, 2002, GIORA, 2002, p.489-90). Segundo essa teoria, a informação
contextual afeta a compreensão de modo significante: os falantes não encontram, de fato,
significados literais de um enunciado por si relevantes, mas antes significados
contextualmente apropriados (GIBBS, 2002). Assim, o contexto é fundamental não apenas
para a determinação do significado figurado, mas para a determinação de toda e qualquer
instância significativa (incluindo a literal). Tal suposição baseia-se na hipótese de que a
informação pragmática exerce papel crucial na determinação ‘do que é dito’ (comumente
considerado literal), idéia que elimina a possibilidade de que a interpretação figurada seja
determinada em função de processos adicionais de inferência. Segundo Gibbs (1989, p.245)
não razão para conceber o significado literal como uma parte especial e obrigatória do
entendimento dos enunciados lingüísticos.
Assim, de acordo com a Visão do Acesso Direto, a expressão “ótima idéia”, já
exemplificada anteriormente, pode ser analisada à luz de um determinado contexto,
diferentemente do Modelo Pragmático Padrão, onde a interpretação literal é inicialmente
processada independentemente de contexto. Considerando, então, dois contextos distintos, um
assumidamente literal e um nitidamente irônico, tem-se: de um lado, a determinação da
expressão “ótima idéia” como literal, em particular, quando analisada no contexto literal, e de
outro, um significado figurado, particularmente irônico, quando “ótima idéia” é analisada em
um contexto irônico (ex.: “Depois de sua ótima idéia tudo piorou”). Assim, em contextos
similarmente robustos, as linguagens literal e figurada envolvem, segundo o modelo,
processos iniciais equivalentes - a informação contextual interage com os processos lexicais
43
logo no início, concepção que rejeita totalmente a visão de que a interpretação literal de um
enunciado seja computada antes que a interpretação não literal seja tentada, conforme sustenta
o Modelo Pragmático Padrão.
Ainda de acordo com a Visão do Acesso Direto, os falantes podem até demorar mais
tempo para entender uma expressão nova, mas tal fato decorre da dificuldade de integrarem a
interpretação figurada com o contexto, e não porque estão primeiro analisando e rejeitando o
significado literal da expressão (GIBBS, 2002). Mencionamos que os modelos Pragmático
Padrão e o do Acesso Direto têm servido de base e de fonte para a derivação e proposição de
outros modelos.
Contrariamente às crenças consensuais sustentadas no terreno da psicolingüística
Giora (2002) e Giora e Fein (1999) evidenciam, por meio de testes experimentais, que as
interpretações de muitas instâncias figuradas não são igualmente processadas às instâncias
literais da linguagem. Giora e Fein (1999, p. 1601-1602), definindo o significado em termos
da saliência, mostram que a interpretação metafórica envolve, em muitos casos, o
processamento do significado literal quando a linguagem é usada de forma inovadora, como é
o caso (i) das novas metáforas (ex.: “Lara é o batom da liberdade”), (ii) dos novos usos de
expressões convencionais (ex.: “E assim, entre um bom dia e um mau dia José se foi por
definitivo”), (iii) dos usos literais de expressões idiomáticas altamente convencionais (ex.
“João torceu o tornozelo após chutar o pau da barraca”). As autoras provam, a partir da
oposição saliente/não-saliente, que o processamento da linguagem figurada não requer o
processamento inicial do significado literal quando significados figurados salientes
(convencionais, familiares, codificados, freqüentes) são pretendidos (ex.: “Ele estava de saco
cheio de tanta reclamação”).
Interessada no estabelecimento do quê os estágios do processamento significam para
os significados lexicais, Giora (1997) propõe uma visão mais geral da compreensão da
linguagem - a Hipótese da Saliência Gradativa. Segundo essa hipótese, que mostra que a
saliência do significado determina o tipo de processamento envolvido, a autora sugere
substituir a noção de ‘literal’ e também de ‘metáfora convencional’ pela noção de “saliente”,
definida em função do acesso (automático) da linguagem.
12
De acordo com essa hipótese,
12
Segundo Giora (2002, p.491), a saliência é uma questão de grau: a freqüência e a familiaridade com os
significados em uso é que determinam a saliência. Os significados salientes são acessados automaticamente e
independentemente do contexto em que aparecem, sendo, às vezes, suprimidos em detrimento de significados
menos salientes ou não-salientes. Os significados salientes são, sobretudo, significados convencionais, e se
distinguem dos significados literais (tradicionais) por constituírem uma interpretação mínima (a que primeiro
vem a mente) não devendo necessariamente conter referências próprias, podendo ser literal ou não-literal no
sentido clássico.
44
uma expressão lingüística é considerada saliente quando sua interpretação pode ser
computada automática e diretamente (dos significados lexicais), sem que inferências extras,
baseadas em considerações contextuais sejam derivadas. Inicialmente, a informação
contextual tem um papel limitado (...) [o contexto] não afeta o acesso lexical e é, assim,
ineficaz para bloquear os significados altamente salientes (GIORA, 2002, p. 491). Assim,
diferentemente da Visão do Acesso Direto, a Hipótese de Saliência Gradativa supõe que a
informação contextual não exerce papel seletivo no estágio do acesso inicial: é a saliência e
não a informação contextual ou a literalidade que determina o processo envolvido
inicialmente (GIORA, 2002, p.493). Apenas quando os significados salientes são
contextualmente incompatíveis que processos adicionais ou um contexto robusto é requerido.
À medida que tal hipótese considera que os significados salientes o
processados/ativados inicialmente, sem que a informação contextual seja analisada, e que, por
conseqüência, os significados menos salientes devem ser evocados apenas posteriormente,
uma das grandes contrapartidas da Hipótese de Saliência Gradativa diz respeito ao
processamento de ironias convencionais. Por exemplo, a interpretação da expressão “ótima
idéia”, mesmo quando usada em um contexto irônico (ex.: “Depois de sua ótima idéia tudo foi
de mal a pior”), deve envolver a ativação do sentido saliente (“boa idéia”), no caso,
inapropriada, ao lado de seu sentido apropriado/irônico (“péssima idéia”).
Mencionamos que a Hipótese da Saliência Gradativa contraria a crença difundida
entre psicolingüistas contemporâneos e psicólogos cognitivistas de que a linguagem literal e
não-literal envolvem processos equivalentes (cf. GIORA ; FEIN, 1999, p. 1602; e cf. GIBBS,
2002 para uma visão contrária) e que o processamento da linguagem não-literal não necessita
do processamento inicial do significado literal (conforme sugere GIBBS, 1980, 1984).
Segundo Gibbs (2002, p.468-469), é mais claro supor que os diferentes tipos de
significado sejam ativados em diferentes pontos durante o processamento da linguagem
figurada e não supor a atuação de tipos completamente diferentes de processamento. O autor
busca em testes/estudos neuropsicológicos argumentos para sustentar sua tese.
Entretanto, a questão do processamento das linguagens literal e figurada ainda
constitui uma incógnita dentre os estudos lingüísticos, filosóficos, psicológicos, e
neurológicos. Parece não haver dúvidas de que o que distingue a literalidade e a figuratividade
da perspectiva tradicional ou padrão (conforme evidenciamos por meio dos modelos
semânticos e não semânticos, subseção 1.1) é fundamentalmente o fato de a primeira dever
45
ser, usando os termos de Levin (1988 apud FREEMAN, p. 147, 1991), apenas compreendida
(grasp) enquanto a segunda dever ser interpretada (construed).
13
Mas, se é certo que o significado literal deve ser apenas compreendido, então, como
conseqüência, poderíamos dizer que ele não exerce nenhum papel no processo de
interpretação da linguagem? Será que o significado literal teria papel ativo apenas na
produção da linguagem e passivo na interpretação? Existiria tal distinção, isto é, o
processamento da linguagem preencheria diferentes direções: uma para a produção, uma para
a compreensão e uma para a interpretação?
Gibbs (1984, 2002) interroga a validade das teorias tradicionais da literalidade e da
figuratividade e discute por que a suposição de que o cômputo do significado literal
(entendido como o significado lingüístico) enquanto um estágio necessário e obrigatório no
processamento da linguagem não literal tem pouca validade psicológica. Pensando nos
principais aspectos que delineiam a concepção tradicional de significado literal, Gibbs
questiona: como a análise do significado literal poderia, de fato, contribuir com o
entendimento das mensagens não literais dos falantes? Por que as análises literais relacionam
sempre palavras com palavras (simples) dentro, por exemplo, de uma frase irônica, e as
análises figuradas relacionam, em geral, palavras com o significado figurado de toda a frase?
Por que comparar o significado literal de uma palavra com o significado figurado do
enunciado? Por que dizer que o significado literal refere-se ao que é dito, enquanto o
significado figurado refere-se ao que é comunicado?
Por exemplo, analisando as frases enunciadas pelos interlocutores A e B (GIBBS,
2002, p. 457):
A: Você irá à grande festa esse final de semana?
B: Você não ouviu que o Bob estará lá?
podemos dizer que o interlocutor B, por meio de um enunciado literal, diz exatamente o que
enuncia, ou seja, o enunciado diz exatamente o que a frase significa literalmente, (a frase
“Você não ouviu que o Bob estará lá”, com o sentido tão literal quanto ao da frase “O
cachorro late”), ou podemos dizer que além desse sentido, a frase também exprime a resposta
(afirmativa ou negativa) frente à pergunta “irá à festa”, por meio da menção do fato de Bob ir
à festa. Nesse caso, a intenção comunicativa, compartilhada por ambos os interlocutores, pode
ser tanto (i) B vai à festa, pois Bob estará lá, ou (ii) B não irá à festa, pois Bob estará lá.
13
Segundo Levin (1988 apud FREEMAN, 1991, p.147), as metáforas literárias, definidas como expressões que
revelam um grau de desvio lingüístico em sua composição, constituem atos criativos de interpretação (conceive
of), em oposão aos outros tipos de metáfora, que constituem atos não-criativos de compreensão (conceive).
46
A exemplificação ilustrada evidencia um dos problemas que se impõe à forte noção
tradicional de significado literal: como podemos inferir o que o falante quer dizer a partir do
que ele diz literalmente?
De acordo com Gibbs, a visão do significado literal como equivalente ao que é dito ou
ao significado semântico é incorreta. Ele diz que as palavras e frases possuem um significado
(semanticamente) prototípico, ou um significado mínimo, que não é necessariamente o
significado literal, decorrente da associação de uma palavra ou sintagma a um esquema pré-
lingüístico, cognitivo ou a uma imagem. E acrescenta: aspectos significativos do que os
falantes dizem, e não apenas o que eles totalmente comunicam, dependem profundamente de
um rico conhecimento pragmático. Daí a necessidade de se reformular as noções de literal e
de figurado. Rumelhart (1993, p. 76), de modo análogo, diz que os processos envolvidos na
compreensão da linguagem não-figurada são não menos dependentes do conhecimento
enciclopédico que os processos envolvidos na linguagem figurada.
Assim, Gibbs (1984, 2002) acredita que, durante o entendimento da linguagem
normal/corrente, possivelmente dois tipos de informações ou conhecimentos pragmáticos são
ativados: (i) o conhecimento pragmático primário - conhecimento profundo que faz parte do
entendimento pragmático sobre o mundo; é o conhecimento que fornece uma interpretação ao
o que os falantes dizem, e (ii) o conhecimento pragmático secundário – informação contextual
que fornece uma interpretação do que os falantes exprimem no discurso.
Mas então, por que e como explicar o julgamento literal ou figurado de uma frase?
Segundo Gibbs, o que frequentemente favorece a classificação do significado de uma
frase como literal é apenas um significado específico para a ocasião, em que o contexto é tão
compartilhado ou tão familiar que não parece ser propriamente um contexto. Seguindo Fish
(1980 apud GIBBS, 1984, p, 296), as pessoas julgam que uma frase possui um significado
literal porque ela é isomórfica à situação em que é interpretada. É o que ocorre, por exemplo,
com frases do cotidiano, como “Ele é um leão”; segundo Gibbs (1984, p.278) se essa frase for
usada para referir, em um determinado contexto, à coragem do homem, e se tal intenção for
reconhecida por todos os participantes da interlocução, a frase será classificada como literal e
não como figurada. É o que ocorre, por exemplo, com as metáforas mortas ou congeladas.
Segundo Rumelhart (1979) a classificação de um enunciado como literal ou
metafórico é semelhante ao julgamento que fazemos frente a um enunciado formal ou
informal. É um julgamento que é, de fato, feito, mas não indica que diferentes processos de
compreensão sejam envolvidos.
47
Partindo dessas suposições conclui-se que a pragmática, contrariamente ao que se
acredita tradicionalmente, não é apenas usada no entendimento do significado pretendido
pelos falantes, mas exerce antes, um papel essencial na interpretação dos enunciados.
Se Gibbs estiver certo ao dizer que a informação pragmática permeia todos os aspectos
da interpretação de um enunciado, então, podemos dizer que nenhuma linguagem é por si
compreendida (no sentido de LEVIN, 1993), todas devem, embora em diferentes graus
(levando em consideração que frases como “A coruja está no telhado”; “O bolo ficou
gostoso”; “Essa dor de cabeça está me matando”; “Estou com fome de amor”; “Vamos dar o
fora”, “Vamos fugir para um conto de fadas etc., exijam diferentes esforços cognitivos
conforme sejam mais ou menos corriqueiras), ser interpretadas (em função dos contextos em
que aparecem).
Como, então, assegurar que o entendimento do que os falantes dizem e expressam
envolve um rico conhecimento pragmático? Como afirmar que as pessoas devem, de fato,
comumente processar o que os falantes dizem pragmaticamente como parte do entendimento
do que os falantes exprimem? E ainda, haveria evidências empíricas capazes de distinguir o
que os falantes dizem e o que eles exprimem?
Analisemos um exemplo descrito por Stern (2001, pp. 187-189), sobre o caso de uma
jovem mulher (Maria) que sofre de anorexia nervosa, porque sua mãe a proibiu de continuar
vendo o namorado. Durante o tratamento, Maria diz para si mesma “Eu não vou engolir isso”.
Nesse contexto, se dissermos que a frase, interpretada metaforicamente, corresponde a “Maria
não obedecerá à interdição de sua mãe”, estaríamos expressando adequadamente tudo o que
Maria diz no enunciado? A resposta é sim e não. Sim, se Maria referiu-se apenas à interdição
de sua mãe, ou seja, apenas a sua desobediência; não, se o seu pronunciamento contribuir com
uma explicação de seu comportamento comestível. “Eu não vou engolir isso” pode se referir
também a ambas as possibilidades.
Considerando que ambas as interpretações da frase “Eu não vou engolir isso” advêm
de modo concomitante, a partir (utilizando os termos de Gibbs) do conhecimento pragmático
primário acerca do processo “engolir” (enquanto “deglutir”) e do conhecimento pragmático
secundário de engolir” (enquanto “aceitar”), respectivamente manifestados pelo
comportamento comestível e pela posição ou atitude do falante frente à situação, diríamos que
o que foi dito e expresso deve ser analisado/considerado literal ou figurado (no caso,
metafórico)?
14
14
Mencionamos que a pertinência da pergunta se deve ao fato de “engolir” (enquanto aceitar”) constituir uma
metáfora morta, questionamento que seria inadequado se se tratasse de uma metáfora não convencional.
48
Evidenciamos que sem uma idéia precisa do que constitui as instâncias literais e as
instâncias figuradas da linguagem, entendidas não em termos da dicotomia literal/figurado,
mas antes à luz de um continuum motivado pelo conceito de saliência ou de convenção,
conforme sugere Giora (2002), ou talvez definido por funções (lingüística, psicolingüística,
filosófica e sociológica), conforme propõe Ariel (2002, p. 391-397), será difícil discutir o
papel da linguagem figurada no processamento (produção e interpretação) da linguagem, e
também, conforme sugere Gibbs, será difícil analisar o papel do significado literal na
interpretação da linguagem figurada. É essencialmente na tentativa de minimizar dificuldades
como essas que, para investigar a metáfora, transitamos inevitavelmente pelas várias
dimensões do conhecimento.
49
Seção 2
Seção 2
O pensamento retórico
O pensamento retórico
-
-
filosófico da
filosófico da
metáfora
metáfora
Although positivism is officially dead, its influence is still very much with us
and is one of the chief obstacles to an adequate understanding of metaphor.
With few important exceptions… twentieth century thinking about metaphor
has been emasculated, narrowed, and inhibited by logical positivism view of
language and is therefore either hostile or patronizing toward figurative
expression (JOHNSON, 1981 apud WAY, 1991, p.5).
15
Concebida historicamente como um signo deslocado (KITTAY, 1989, p.13), a
metáfora, na Retórica Clássica, foi (corretamente) descrita em termos de desvio, erroneamente
atribuído, entretanto, apenas ao ato de denominação (RICOUER, 1978, p. 143). Usando o
vocabulário de Aristóteles, a visão da “denominação desviante” advém do seguinte raciocínio:
ao invés de dar a alguma coisa o seu nome próprio ou comum, alguém a designa por meio de
um nome emprestado ou “estranho”, através do deslocamento ou da transferência de nome
(cf. nota 5). A análise racional dessa transferência metafórica entende que a aproximação
entre duas coisas se (i) por meio da similaridade objetiva entre elas, ou (ii) por meio da
similaridade subjetiva entre as atitudes ligadas à sua apreensão. Tais casos refletem,
respectivamente, a transferência lingüística
16
motivada por uma relação de categoria, que, em
geral, explicita uma relação de comparação, e a transferência analógica, motivada por uma
relação conceptual de analogia, que, em geral, explicita uma relação de substituição.
Antes de especificarmos as relações de categoria e de analogia, evidenciamos que a
noção de metáfora enquanto desvio da linguagem literal resulta da noção pré-teórica de
significado literal, entendido como o único meio adequado para (a) expressar significados
com precisão, (b) tornar proposições verdadeiras, (c) aduzir ao raciocínio verdadeiro,
conforme já discutido na subseção 1.1. Dessa perspectiva, a metáfora, como as demais figuras
de linguagem, com as quais constitui uma caixa de ferramentas de recursos expressivos, é
vista como um método retórico de expressão, que pode ser igualmente manifestado de modo
literal.
15
Embora o Positivismo esteja oficialmente morto, sua influência é ainda vivenciada e constitui um dos
principais obstáculos para um entendimento adequado da metáfora. Com poucas e importantes exceções... o
pensamento do século vinte sobre a metáfora foi castrado, restrito e inibido pela lente do positivismo lógico da
linguagem e é, por isso, hostil e paternalista frente à expressão figurada.
16
O deslocamento lexical promovido pela metáfora não influencia nem altera o objeto renomeado. A visão
tradicional da metáfora não promove uma re-conceptualização do mundo como pressupõe a visão interacionista,
por exemplo (cf. seção 3).
50
De acordo com Way (1991, p.4), essa visão de linguagem e de metáfora é um legado
filosófico herdado dos filósofos da linguagem ideal e dos positivistas lógicos. For the ideal
language philosophers, language was also essentially literal; but for them, expressions had
meaning only insofar as they were subject to verification. (…) According to the positivists,
the purpose of language was to describe reality literally, and to do so in such a way that
could, in principle, be tested and verified.
17
Ao relacionar a significação lingüística ao princípio de verificação empírica, atribuía-
se à linguagem os papéis de nomear objetos ou eventos do mundo e de expressar relações
lógicas entre eles.
18
Nesse contexto, a língua, identificada como uma meta-língua, no sentido
de ser usada para explicar/refletir o mundo, era concebida como um tipo de cálculo lógico.
Daí as metáforas serem, do ponto de vista descritivo, inexpressivas - elas não possuíam valor
de verdade, pois não podiam ser verificadas empiricamente (cf. WAY, 1991, pp. 4-5).
Mas, se a metáfora é um desvio do estilo pleno e estritamente apropriado da lógica ou
da verdade pré-estabelecida, conforme sustenta Whately (1846 apud BLACK, 1962, p. 34)
como ela deveria ser, de fato, interpretada?
Segundo Miller (1993, p.364), para que uma metáfora seja entendida, o conhecimento
de fundo (grounds) nela lançado deve ser recuperado. Esse conhecimento, de acordo com o
pensamento retórico-filosófico, nada mais é que as relações ou as semelhanças existentes
entre o conceito expresso no texto e a concepção de mundo do leitor. Detectado o
conhecimento de fundo da analogia pretendida ou do símile (com a ajuda do contexto), o
leitor pode recuperar o caminho traçado pelo autor e assim alcançar o significado original.
Entender uma metáfora, portanto, é decifrar um código, desvendar um enigma (BLACK,
1962, p.32). Não importa o quão obscuro o conhecimento de fundo de uma metáfora seja, ele
precisa, de alguma forma, ser recuperado.
Um dos caminhos da recuperação se por meio da formulação das metáforas como
frases comparativas: uma vez encontrada e interpretada, a comparação não é diretamente
adicionada ao conceito textual, mas é usada de base para imaginar uma conjuntura minimante
divergente em que a declaração metafórica seja verdadeira (MILLER, 1993, p.373).
Mencionamos que a definição de metáfora que espor trás de tal noção a caracteriza como
17
Para os filósofos da linguagem ideal, a linguagem também era essencialmente literal; mas, para eles, as
expressões tinham significado apenas à medida que fossem sujeitas à verificação. (...) De acordo com os
positivistas, o propósito da linguagem era descrever a realidade literalmente de modo que pudesse, por princípio,
ser testada e verificada.
18
Uma expressão era considerada/avaliada como verdadeira se possuísse um correspondente material no mundo
físico.
51
um mecanismo (lingüístico) de transferência de características (propriedades, atributos ou
similaridades) de um objeto A para um objeto B. Exemplificamos como ocorre tal processo
por meio das relações de categoria e de analogia, respectivamente.
Quando a metáfora é usada para aproximar dois objetos (eventos ou situações)
similares (A e B) e quando o objeto a ser metaforizado (por exemplo, o objeto A) possui
um nome próprio (A’), a transferência (metafórica) entre tais objetos ocorre através da
extensão/derivação do significado (de B’) pela relação de similaridade objetiva ou observada
(ao A’). Esse é o raciocínio usado, por exemplo, na produção/interpretação de frases como
“Maria é um guarda-chuva”. A partir da comparação entre o objeto A (Maria’) e o objeto B
(guarda-chuva’), bem como de suas características, verifica-se uma similaridade existente
entre A e B: características de B como ‘fino’, ‘delgado’ são transferidas para A, resultando na
declaração comparativa “Maria é fina como um guarda-chuva”. As similaridades encontradas
entre (‘Maria’) e (‘guarda-chuva’) tornam-se os conhecimentos de fundo da metáfora. É nesse
sentido que A é entendido como B. Não se descarta também a transferência de outras
propriedades de B, como ‘proteger’, ‘amparar’, ‘abrigar’, responsável pela interpretação
“Maria protege todos como um guarda-chuva”.
Evidenciamos que a similaridade é, na teoria tradicional, muitas vezes governada pelo
princípio da simetria: A e B são similares, se A é similar a B, e se B é similar a A. A relação
de similaridade simétrica provém do raciocínio hipotético de que, dentre os similares, o que é
verdadeiro para um é também verdadeiro para o resto, decorrente da visão tradicional das
categorias clássicas, que sustenta que os membros constituintes de uma determinada categoria
compartilham, de forma homogênea e uniforme, as mesmas propriedades. Como um
container, cada categoria é entendida, desse ponto de vista, como uma entidade discreta que
possui fronteiras plenamente delimitadas e que não tem estrutura interna discernível
(HILFERTY, 2001, p.17). Na concepção clássica de categoria, deste modo, não se admitem
os efeitos prototípicos, nem as relações de gradação ou de hierarquia, o que significa dizer que
na categoria ‘mobília’, por exemplo, ‘mesa’ e ‘cristaleira’ preenchem o mesmo grau de
representatividade. Essa visão rígida e estática das categorias sustenta a coincidência ou a
igualdade entre a linguagem e a realidade - as distinções lingüísticas capturam/refletem as
distinções ontológicas.
Mencionamos que essa concepção clássica de categoria é totalmente abandonada nas
teorias lingüísticas contemporâneas em prol de modelos que privilegiam os efeitos
prototípicos, conforme especificamos na subseção 5.1. Em linhas gerais, nesse paradigma as
categorias são centradas em torno de um protótipo e as decisões de categorização são
52
governadas por graus de distância entre o protótipo e os membros restantes da categoria
(MACEDO, 1998, p. 467). Nessa perspectiva, a visão metafísica de mundo é substituída por
uma visão de mundo observado/experienciado: o ser humano, enquanto corpo e enquanto
aparato cognitivo, interage com o ambiente físico e cultural, sendo, pois, decisivo para o
discernimento dos atributos e das categorias (LAKOFF, 1987).
A implicação da redefinição do conceito de categoria é diretamente refletida na
“direcionalidade” das metáforas. Segundo Miller (1993, p.369) a operação y = ax + b não
pode ser idêntica à operação x = (y-b)/a, do ponto de vista da lingüística ou da psicologia,
essencialmente porque o modo como ambas as operações é usado é diferente. Para o autor, o
contexto é o grande responsável pela imposição de uma direcionalidade (específica) entre os
termos, o que impede a permutação dentre os mesmos e impossibilita uma visão simétrica da
metáfora. Para caracterizar essa direcionalidade, Miller (1993, p. 371) identifica o conceito
sobre o qual se fala como referente (referent) e o conceito ao qual o referente é relacionado
como relatum. Em uma frase de forma “A é similar a B” como, por exemplo, “Esses metrôs
são cobras” (INDURKHYA, 1992, p. 17), a permuta do referente A (“esses metrôs”) com o
relatum B (“cobras”) implica não apenas a mudança drástica da interpretação e do significado
de ambas as frases – enquanto “Esses metrôs são cobras” propõe uma descrição sobre metrôs,
“Cobras são metrôs” concerne à descrição de cobras – mas também, em uma primeira análise,
“Cobras são metrôspode não ter qualquer coerência significativa, constituindo até mesmo
uma anomalia. Assim, ambos os termos não devem ser permutados para que a coerência do
enunciado seja mantida.
a transferência analógica do significado, considerada por Aristóteles uma das
principais fontes metafóricas, é capaz de fazer com que um ato não nomeado
19
seja
constituído como tal por meio da percepção metafórica do mesmo. Por exemplo, na frase
“Cada poema tem uma pulsação própria”, verifica-se a seguinte relação: o ato não nomeado
(B) está para o seu objeto poema’ (A) assim como (e sob a mesma relação que) ‘pulsar’ (D)
está para o ‘homem’ (C). Seguindo esse pensamento a frase resulta da similaridade subjetiva
traçada entre o ‘pulsar’ (que se refere ao coração ou à vida humana, e por derivação de
sentido, à essência, à existência, à individualidade, à atividade, à duração, etc.,) e o texto, ou
da operação D + A. Nesse sentido, Aristóteles observa que a metáfora desvenda, marca ou
propõe uma similaridade previamente desconhecida.
19
Um ato é não-nomeado porque ele não é concebido como um ato até que a percepção seja formulada pela
metáfora (KITTAY, 1989).
53
Assim, a ótica clássica supõe que a transferência metafórica por analogia ou por
substituição, repõe lacunas lexicais, isto é, preenche a ausência de nomes ou lacunas do
vocabulário e, assim, corrige imperfeições temporárias da linguagem literal, fenômeno
tradicionalmente designado catacrese. Esse fenômeno, que ocorre quando novos sentidos são
lançados em velhas palavras, devido à ausência de uma palavra literal correspondente como
as expressões, “pé da mesa”, “asa da xícara” –, segue o princípio da economia que governa o
esforço de dar nomes apropriados a coisas novas, idéias novas ou experiências novas. Ao
exercer tal função, a metáfora assume o papel da linguagem literal - a verdadeira responsável
pela nomeação das coisas.
Entretanto, a aliança que muitos dos desenvolvimentos da tradição aristotélica ou
muitos estudos mantiveram com a teoria clássica da metáfora, apagou ou simplesmente omitiu
as âncoras conceptuais (TURNER, 1998, p. 47) que os retóricos clássicos freqüentemente
observavam nos padrões lingüísticos e que Aristóteles via nas metáforas. Surge, assim, uma
“nova tradição”, que descreve a metáfora do foco “desviante” da nomeação, como uma
relação de substituição, comparação implícita ou símile condensada
20
. Usamos a expressão
“nova tradição” apenas para sinalizar o apagamento do ângulo cognitivo, apontado pelos
filósofos clássicos, nas análises metafóricas. A explicação de tal divergência se deve,
provavelmente, às diferentes leituras e interpretações feitas das análises aristotélicas, que
enfocam ora a força cognitiva das metáforas tradicionais (TURNER, 1998; RICOUER, 1978;
KITTAY, 1989), ora a força lingüística das mesmas, como se a metáfora tradicional não
exercesse qualquer função cognitiva (LAKOFF ; JOHNSON, 1980; FREEMAN, 1991;
LAKOFF, 1993).
Segundo Turner (TURNER, 1998, p. 47): “(...) embora a Poética contenha uma frase
potencialmente enganosa que descreve a metáfora como uma transferência de uma expressão
de uma coisa para outra, o contexto deixa claro que Aristóteles considera a transferência
lingüística motivada por uma relação conceptual”. Assim, pretendemos que a expressão “nova
tradição” sinalize apenas os desdobramentos da visão clássica da metáfora, em face da
omissão da raiz (conceptual) que origina, em particular, a produção (analógica) da metáfora;
daí termos evidenciado, logo no início desta seção, a atribuição errônea ao ato de
denominação entendido apenas do ponto de vista lingüístico e não também do ponto de
20
As símiles são comparações não-literais (exemplo: “Enciclopédias são como minas de ouro”), diferente das
comparações literais que são caracterizadas como similaridades costumeiras (“Enciclopédias são como
dicionários”) (ORTONY, 1993, p.354). As metáforas, nessa perspectiva, são usadas para “pintar” um conceito
com os atributos associados normalmente a outro conceito, da seguinte forma: se “x é uma metáfora de y”, então
y é pintado com os atributos de x; todas as metáforas, segundo esse raciocínio, são analisadas e reduzidas à
equação “x é igual a y” (WIKIPEDIA, 2004).
54
vista cognitivo. É importante ressaltar que a visão tradicional indistintamente concebe a
metáfora como um meio de expressão de semelhanças ou analogias (MILLER, 1993, p. 368),
e, portanto, basicamente como uma comparação (KITTAY, 1989, p. 4).
2.1 Uma versão do pensamento retórico-filosófico
Tendo em vista as considerações esboçadas na seção anterior, evidenciamos, nesta
subseção, como a metáfora é analisada na “nova tradição”, que também pode ser entendida
como uma versão do pensamento retórico-filosófico.
A metáfora, assim como os demais tropos ou figuras, passa a ser foco da Estilística,
sendo concebida da perspectiva literária como um fenômeno fundamentalmente lingüístico,
explicado por princípios baseados na ngua - o trabalho conceptual é praticamente ignorado.
Isso significa que a metáfora, nessa tradição, é vista essencialmente como um problema
semântico, isto é, como a extensão criativa do sentido (QUINE, 1978, p. 160), ou como um
problema de alongamento de significado de tal forma que um termo estabelecido literalmente
adquire uma interpretação não literal (KATZ, 1998, p.25), por isso que a metáfora, nesse
universo, é comumente descrita como o uso figurado, nomeadamente metafórico, da
linguagem (literal). Deve-se ressaltar ainda, que o “efeito” do sentido (metafórico) é
analisado, e, portanto atribuído, no nível da palavra e não no nível do enunciado.
21
A partir de então, a metáfora, caracterizada como dispensável em favor de uma
expressão clara ou de uma afirmação explícita de similaridade, passa a referir, assim como as
demais figuras, tão somente às formas lingüísticas.
A definição primeira de figura, como um significado expresso em uma forma ou como
um par ‘forma-significado’ (forma sententiae), havia sido evidenciada por Quintiliano no
início do século XX. A grande finalidade desse pareamento resulta da crença de que os
significados possuem uma image schema
22
isto é, uma imagem básica que temos (das coisas),
que delineia a nossa experiência cotidiana e que pode ser espelhada em uma forma
(TURNER, 1998, p.49). Entretanto, tal definição que, de certo modo, tornava a gramática um
ramo da figura, foi conduzida ao ornamentum, ao refinado, ao elegante, ao incomum e ao
artful, sobrevivendo, por fim, a tão focada (por Aristóteles) função emocional ou ornamental
das figuras (TURNER, 1998, p.4). [Desde então] nunca houve uma definição satisfatória da
21
Enquanto é verdade que o efeito de sentido é focalizado na palavra, a produção de sentido nasce a partir de
todo o enunciado (RICOUER, 1978, p.144)
22
Uma das funções do schema, segundo Kant, é prover imagens para um conceito (RICOUER, 1978, p.151).
55
linguagem figurada que se separasse rigorosamente desse domínio (FAHNESTOCK, apud.
TURNER, 1998, p. 49).
Assim, alguns retóricos falharam em captar a essência de tal pareamento; assim seus
seguidores, desdobramentos e “re-visitações”, falharam uniformemente nesse mesmo ponto.
Evidenciamos que os retóricos clássicos estavam interessados essencialmente na
relação da metáfora com a linguagem e no papel exercido pela metáfora na comunicação. Tal
interesse, decorrente de uma visão objetiva de mundo, imprime à linguagem uma função
meramente referencial a função de espelhar e de refletir o mundo (uma realidade
previamente organizada e concebida). Assim, não cabia à linguagem a criação nem a
modificação da percepção e do pensamento. Nesse contexto, o papel fundamental da metáfora
é exprimir (e nunca propor) as semelhanças existentes entre os objetos do mundo.
Segundo Aristóteles, a ambigüidade e a obscuridade das metáforas, freqüentemente
mascaram as definições, o que torna necessário diferenciar as “autênticas definições” (isto é,
as definições verdadeiras, nomeadamente literais) e as metáforas (ORTONY, 1993, p. 3). Daí
a metáfora ser tradicionalmente estudada da perspectiva literal e literária, respectivamente
referindo ao seu caráter figurativo e à sua característica ornamental. É essencialmente no
caráter retórico, realçado por Aristóteles, e no enfoque estilístico, difundido pelos visitadores
da tradição, que lingüistas, filósofos e psicólogos centraram suas bases e críticas.
Freeman (1991, p. 145) descreve alguns princípios que sustentam a teoria tradicional
da metáfora: (i) existe uma linguagem “literal”, isto é, comum, que contrasta com a linguagem
figurada da metáfora; (ii) essa linguagem comum/usual é não marcada, enquanto a metáfora é
uma linguagem considerada desviante, destacada ou anormal; (iii) uma diferença entre a
metáfora literária (por exemplo, o verso de Olavo Bilac: “Última flor do Lácio, inculta e
bela”) e a metáfora cotidiana (por exemplo: “Ele me deu uma boa dor de cabeça”; “Minha
argumentação foi destruída”), e uma diferença entre a linguagem literária e a linguagem
usual. A esses princípios poderiam, ainda, ser acrescentadas as proposições: apenas a
linguagem literal pode ser julgada verdadeira ou falsa, e todas as definições dadas no léxico
de uma língua são literais (LAKOFF, 1993, pp.204).
Esses princípios que perpassam a maioria dos trabalhos sobre a metáfora projetam dois
mundos lingüísticos, ao mesmo tempo divergentes, e, de certo modo, congruentes: um mundo
literal e um mundo figurado. Divergentes, porque, enquanto o mundo literal é concebido
como o “verdadeiro” mundo lingüístico na medida em que é o único responsável pela
nomeação dos objetos, situações e fenômenos da realidade (do mundo físico), sendo, logo,
caracterizado como o lócus da linguagem comum -, o mundo figurado é considerado
56
“marcado” ou incomum, na medida em que é caracterizado como desviante do literal. É,
entretanto, nesse mesmo desvio que sugerimos que ambos literal e figurado, ou mais
apropriadamente, literal e metafórico, sejam também congruentes, no sentido de que a
metaforicidade, entendida como um sentido que se sobrepõe ou que se “encontra” (que se
choca) com o sentido comum, pode colidir com o mundo literal, daí a congruência, não
enquanto harmonia, mas enquanto “encontro”, entre os dois “mundos lingüísticos”.
O fato de a metáfora ser considerada marcada ou desviante, em detrimento da
linguagem não-desviante, torna explícita a superioridade (pelo menos de ordem semântica e
pragmática) da linguagem literal sobre a linguagem figurada, do ponto de vista retórico-
filosófico. Essa proeminência da linguagem literal, em contraste à característica incomum,
não fundamental ou opcional da linguagem figurada, expõe a metáfora a uma situação de
“passividade”, por se desmembrar ou romper com a função (ativa), exercida pela linguagem
literal, de atuar na semântica e na pragmática, ou na significação e no uso da língua. Nesse
sentido, a metáfora, definida como o ornato ou como a roupagem do corpo nu do discurso
(STERN, 2001, p.189-190) é responsável pelo redirecionamento da linguagem para si mesma,
ou, nas palavras de Roland Barthes, a metáfora serve para “celebrar mais a si própria” do que
para celebrar o mundo (RICOUER, 1978, p. 151).
Tentemos, então, entender a metáfora como uma “maneira luxuosa” de dizer algo que
pode ser igualmente dito de forma literal, raciocínio que leva à suposição de que a escolha da
metáfora, em detrimento da linguagem literal, é simplesmente uma questão de preferência
idiossincrática. Mesmo aceitando tal pensamento, que esvazia o sentido do questionamento
positivo ou negativo acerca do parafrasear e do traduzir, perguntamos: será que as metáforas,
entendidas como recursos retóricos, poderiam, ainda assim, ser traduzidas e parafraseadas,
com a mesma “veracidade” ou exatidão que possui a operação matemática x + x = 2x, e
conseqüentemente, x = 2x - x?
Segundo Black (1979, p.29), as paráfrases literais falham em ser uma tradução porque
falham em sugerir o insight que as metáforas insinuam. E acrescenta: a paráfrase literal
inevitavelmente diz muito e com a ênfase errada... A perda em tais casos é uma perda no
conteúdo cognitivo. Assim, para Black, nenhuma expressão literal pode servir como uma
paráfrase total do conteúdo cognitivo de uma metáfora, logo, tampouco substituí-la.
Contrariamente, Townsend (apud CACCIARI, 1998, p. 143) defende a possibilidade
de parafrasear com sucesso (com exceção da poesia) a linguagem metafórica, argumentando
que uma função importante da paráfrase é selecionar, a partir de múltiplas possibilidades de
interpretação: A paráfrase é um empreendimento interpretativo.
57
De acordo com Wittgenstein (1953 apud HARRIES, 1978, p. 167) nós
compreendemos uma sentença quando ela pode ser substituída por outra que significa a
mesma coisa, mas também porque não pode ser substituída por nenhuma outra.
Assim, às vezes, a habilidade de parafrasear constitui um bom teste para a
compreensão metafórica, enquanto outras vezes, a compreensão metafórica evidencia que a
paráfrase não pode ser feita. No primeiro caso, a expressão metafórica constitui uma entre
várias possibilidades de se dizer algo, evidentemente com intensidades diferentes (por
exemplo: “Os boatos corriam soltos”; Aquele olhar destruiu toda a minha felicidade”; “Só
faltou ele arrancar as minhas tripas”); no segundo caso, somos impedidos de separar o que foi
falado de como foi falado (por exemplo: “Há uma gota de sangue em cada poema”; “Deus é
amor”) o discurso chama a atenção para ele mesmo e não para algum sentido ou alguma
realidade que esteja além dele (cf. HARRIES, 1978, p. 167). As metáforas poéticas são, em
geral, as que mais resistem à paráfrase e também à tradução.
23
Segundo Harries (1978, p.167),
enquanto a possibilidade de tradução mostra que os recursos semânticos sobre os quais a
metáfora se apóia não estão amarrados a uma determinada língua, a impossibilidade de achar
uma paráfrase adequada pode indicar que não nada para parafrasear (cf. também
DAVIDSON, 1978, p.30).
De acordo com Way (1991, p.36), as metáforas não podem ser semanticamente
equivalentes às frases literais de comparação, essencialmente porque as condições de verdade
de ambas são diferentes e porque as metáforas não pressupõem a simetria. Fato que dificulta a
explicação da possibilidade de uma intersecção (de características) vazia ou da assimetria com
a declaração de similaridade, conforme sugerem as frases “Açougueiros são cirurgiões” e
“Cirurgiões são açougueiros”. A diferença semântica nas metáforas invertidas não pode ser
explicada pela intersecção de traços de similaridade entre as duas entidades.
Tendo em vista tais considerações, Harries (1978) defende que as metáforas deveriam
ser classificadas de acordo com uma escala, cujas extremidades poderiam ser preenchidas
pelas expressões metafóricas que podem ser, sem perda de eficácia, substituídas por outras, e
pelas expressões que não permitem substituições. Mas, será que uma metáfora poderia ser
perfeitamente ou eficazmente substituída? Tentemos interpretar ou parafrasear uma frase
usual como “Ela é uma cobra”. Será que as frases “Ela é sutil, ligeira, sagaz, perspicaz como
uma cobra”, “Ela vive envenenando os outros”, “Ela está sempre preparada para dar o bote”,
23
Segundo Black (1962, p.28) admitir uma frase uma instância de metáfora é dizer algo sobre o seu significado e
não sobre a sua ortografia, o seu padrão fonético ou a sua forma gramatical. Em outras palavras, a metáfora deve
ser classificada como um termo pertencente à semântica e não à sintaxe.
58
“Ela é imprevisível e sorrateira como uma cobra”, etc., resgatam o sentido e a eficácia da
metáfora? Particularmente temos as nossas dúvidas a respeito do primeiro extremo sugerido
por Harries; talvez, melhor seria preenchê-lo com metáforas semanticamente substituíveis, o
que não significa o não comprometimento de sua eficiência, mas apenas a substituição de sua
proposição ou de seu sentido.
24
Assim, a principal crença que delineia o pensamento retórico-filosófico diz respeito ao
julgamento de que a razão é uma adjunção periférica do literal (LAKOFF, 1987), o que
significa dizer que as proposições ou os valores de verdade das palavras e frases são
literalmente concebidos e analisados, conforme explicitamos. É fundamentalmente em
decorrência a essa crença que nasce a força desviante da metáfora ou que a mefora é
definida como desviante do uso literal, e que, em geral, os autores descrevem os princípios da
visão retórica da metáfora, conforme faz Freeman (1991) e Lakoff (1993). Mencionamos que
alguns autores consideram a listagem de princípios uma redução da visão tradicional da
metáfora; Booth, por exemplo, diz que a visão retórica não pode ser resumida a uma “lista de
artifícios” (BOOTH, 1978, p. 54-56), mas curiosamente, também esboça uma lista extraída de
textos retóricos da metáfora. Segundo o autor, as boas metáforas: (a) são ativas ou
“energéticas”, no sentido de emprestarem a energia das coisas animadas a tudo que é menos
energético ou mais abstrato; (b) são concisas, em particular as (boas) metáforas armas
(weapon metaphors). Essas são, segundo Booth, uma das razões pela qual usamos a metáfora
e não a linguagem comum as metáforas dizem mais com menos palavras; (c) são
apropriadas (na sua grandiosidade ou trivialidade) para o fim a que destinam; (d) são
apropriadas à intenção e adequadas apropriadamente à audiência ou ao(s) ouvinte(s). Booth
(1978, p.62) reafirma a menção aristotélica de que as metáforas são como enigmas e
adivinhações e sugere que o estudo da metáfora é a solução de um quebra-cabeça.
Confrontaremos a visão enigmática e misteriosa da metáfora na seção seguinte.
24
Mencionamos que a paráfrase constitui um problema não apenas no âmbito das metáforas, mas também para o
chamado literal. Qual seria, por exemplo, a paráfrase de “João é honesto”?
59
2.2 A representação lingüística da metáfora
Descrevemos, no início desta seção, como ocorre o processo de transferência
responsável pela produção de uma metáfora da perspectiva clássica. Evidenciamos também
que tal processo ocorre por meio de relações de categoria e de analogia. Especificamos, nesta
subseção, como uma metáfora é lingüisticamente representada.
Para entender a forma de uma metáfora, analisemos como a frase “Leila é uma pedra
de gelo” (MURPHY, 1996 p.175) é construída. Aos óculos tradicionais, a frase deve ser
produzida por meio da transferência metafórica do nome que nomeia a entidade pedra de gelo
para a entidade Leila. Essa transferência resulta da relação de similaridade entre as entidades
(incluindo aqui as características das mesmas) Leila e pedra de gelo. Como conseqüência,
um desvio ou um deslocamento da função central da entidade pedra de gelo, função que é
transferida ao nome/entidade Leila, que por sua vez, tem também sua função desviada e/ou
redirecionada.
Especificamos o resultado desse processo de transferência por meio de duas
comparações não literais. Evidenciamos que tal ato se deve à atribuição, cultivada
tradicionalmente, da qualidade “dispensável” à metáfora em favor de uma afirmação explícita
de similaridade. A frase metafórica “Leila é uma pedra de gelo” poderia ser assim reescrita:
“Leila é uma pedra de gelo, pois é fria, gelada e seca como uma pedra de gelo”, ou “Leila é
fria e gelada como uma pedra de gelo (é)”.
que se relembrar, entretanto, que a teoria tradicional da metáfora busca no mundo
as similaridades a serem transferidas, o que torna possível a interpretação de Leila como
fria se tocarmos em Leila (e tivermos a sensação táctil de frio), ou seja, apenas de modo
literal. Mas, quando construímos a frase “Leila é uma pedra de gelo”, ou quando chamamos
alguém de Sr. ou Sra. Freezer, não pretendemos dizer que a pessoa de quem falamos tem
temperatura baixa/fria, mas sim que tem temperamento frio ou que é insensível. Logo, o
processo metafórico não é explicado de forma desejável por essa teoria.
As metáforas, de modo geral, servem para atribuir um complexo feixe de propriedades
que freqüentemente não podem ser sinteticamente especificadas (literalmente). Mas, como
devem ser caracterizadas essas unidades de informação que são transferidas, na terminologia
de I.A. Richards, do veículo (material metafórico usado para predicar o tópico) para o tópico
(entidade sobre a qual se fala) e que formam o conhecimento para a interpretação metafórica?
60
Os relatos tradicionais da compreensão metafórica baseiam-se na suposição de que,
nas metáforas de forma “Um X é um Y”, os nomes X e Y são representados tanto como
conjuntos de traços quanto por suas posições em um espaço semântico geométrico.
(CACCIARI, 1998, p. 143). Na Figura 2, exemplificamos, com o diagrama de Venn, os
conjuntos de características (comuns e distintas) de uma metáfora do tipo “A é B”, por meio
das frases “A geada é um manto de prata” e “A geada é um pesadelo”.
Figura 2(i): Ilustração dos traços comuns e dos traços distintos de uma metáfora
do tipo “A é B”.
Figura 2(ii) e (iii): Ilustração, no diagrama de Venn, da partição e da fusão dos conjuntos de traços,
respectivamente, dos exemplos metafóricosA geada é um manto de prata” e A geada é um
pesadelo”.
Analisando a frase “A geada é um pesadelo”, verifica-se a hipótese tradicionalmente
cultivada de que as metáforas primeiramente são transformadas em sentenças comparativas
(“A geada é como um pesadelo”) e assim, os traços do veículo são comparados com os traços
do tópico. Nessa frase, os traços “Negativo” e “Opressor” e talvez o traço “Fenômeno
natural” (intencionalmente sinalizado com o sinal de interrogação, dada a incerteza da
“A é B”
A e B
B
A
(i)
(ii) “A geada é um manto de prata”
(iii) “A geada é um pesadelo”
Cobrir
Amorfo
Frieza*
Dúctil
Cor prata
Sólido
Incolor
Fenômeno
natural (?)
Negativo
Opressor
Fenômeno
psíquico
Devaneio
Fenômeno
climático
Orvalho
Congelado
A=geada
B=(manto de) prata
A=geada
B=pesadelo
61
relevância desse traço na transferência) do veículo “pesadelo” são comparados ao tópico
“geada”. Consideramos os traços mais representativos que delineiam a comparação, o que não
significa que não haja outros.
A comparação estabelecida em “A geada é um pesadelo”, entretanto, não é igualmente
verificada na frase “A geada é um manto de prata”. À parte a avaliação positiva ou negativa
da comparação “A geada é como um manto de prata”, que acreditamos ser questionável,
perguntamos: como explicar aos olhos tradicionais a similaridade entre o fenômeno físico
geada e a imagem que temos (ou que formamos) do objeto manto de prata, que se difere da
imagem (literal) da vestimenta? Como definir “manto de prata” na metáfora em questão?
Como a metáfora é capaz de apagar, de ofuscar e de até mesmo negar traços prototípicos
(como o traço “Valioso”, associado à prata) e propor/levantar novos ou “não-traços”? O quê
comparar e o quê transferir nessa relação?
No diagrama da Figura 2(ii), levantamos os traços “Cobrir”, “Amorfo” e “Frieza”
(marcada com um asterisco por estar sendo usada literal e figurativamente e não apenas
literalmente como os traços “Amorfo” e “Cobrir”). Mas, como selecionamos esses traços, em
face da imagem que temos de manto de prata (se é que a temos) ou da analogia à imagem que
temos de geada? É porque a geada cobre o solo ou a vegetação com uma espessa camada de
gelo e, como conseqüência, sugere um cenário de frialdade (em ambos os sentidos literal e
figurado) que construímos a metáfora? Ou é porque a imagem que temos de manto e a idéia
que formamos de manto de prata na analogia com um cenário afetado por uma geada, que
também sugere frieza, à medida que evoca a falta de colorido e a falta de vivacidade, que
formamos a metáfora?
Essas indagações tornam-se ainda mais dúbias à medida que frieza é uma
característica inerente à geada, mas não a manto de prata, que a adquire (figurativamente)
por meio da transferência metafórica. Mas, se é certo que a metáfora, da visão retórico-
filosófica, resulta da verificação de características observadas entre dois objetos, como ela
pode ser feita? E ainda, o que exerceria a projeção metafórica, ou, em outras palavras, o que
preencheria o papel de veículo?
A facilidade de se detectar o veículo, evidenciada na frase anterior, não se revela
nessa. A geada é um manto de prata” parece, até mesmo, projetar uma metáfora dentro de
uma outra metáfora, na medida em que a expressão “manto de prata” parece ter sentido
metaforicamente e dentro da analogia, igualmente metafórica, à geada. Tal fato não se verifica
na frase “A geada é um pesadelo”, em que “pesadelo” é um veículo metafórico não
específico, isto é, é um veículo de muitos outros tópicos (exemplos: “O medo do seqüestro
62
foi, durante muitos meses, um pesadelo”; “A segunda Guerra Mundial foi o segundo maior
pesadelo do século”; “A infância nas favelas é um pesadelo”, “Aquele jantar foi um
verdadeiro pesadelo”, etc.). Tal dificuldade nos leva ainda a uma outra questão: como
especificar e diferenciar as frases que devem ser analisadas sob a fórmula comparativa “A é
B” indicando “A é como B”, e as frases que devem ser apenas analisadas sob a forma não-
comparativa, mas categorial, “Um X é um Y”? Note-se que a diferença entre a comparação,
explicitada pela forma como (por exemplo, “A lealdade é como um tesouro”) e a
categorização, explicitada pela forma é um(por exemplo: “A mente é um computador”),
consiste no fato de a comparação chamar a atenção do leitor para as similaridades potenciais
entre o tópico e o veículo, similaridades que são indiretamente marcadas pelo operador
lingüístico “como”; a categorização, por sua vez, sugere que as duas entidades (no exemplo,
mente e computador) têm em comum algo além de semelhanças, de modo que pertençam a
uma mesma categoria e compartilhem traços relevantes (cf. CACCIARI, 1993).
Com essa distinção em mente, será que a frase “A geada é uma cortina de fumaça”
deve ser igualmente interpretada como a frase “A geada é um manto de prata”? Para fechar
esse exemplo, semelhante a tantos outros, evidenciamos que a expressão “cortina de fumaça”,
difere-se da expressão “manto de prata”, fundamentalmente por possuir um grau de
idiomaticidade ou convencionalidade. O exemplo, cujo julgamento foi feito a partir da
verificação de exemplos
25
, parece constituir um outro tipo de relação metafórica, uma vez que
a metáfora está sendo feita com uma expressão que tende ao idiomático: se pensarmos em
uma escala idiomática, “cortina de fumaça” se localizaria abaixo da expressão “mina de
ouro”, por exemplo.
Assim, por meio da exemplificação acima, verifica-se uma inconsistência estrutural na
análise retórico-estilística da metáfora, na medida em que essa abordagem descreve a
metáfora do ponto de vista da comparação, atribuindo a ela, como conseqüência, papel
periférico e “teoricamente desinteressante” (CACCIARI, 1993, p. 119). Tal inconsistência
decorre essencialmente da generalidade da visão tradicional que concebe as metáforas como
comparações e a comparação metafórica como derivada de um compartilhamento de traços.
Segundo Ortony (1993, p. 344), o fato de as metáforas serem usadas para fazer comparações,
25
Selecionamos, a partir do motor de busca Google (site: www.google.com.br; acesso em 21 de maio de 2005),
várias instâncias metafóricas que usam a expressão “cortina de fumaça” para designar a ão de
encobrir/acobertar com o sentido de esconder, mascarar ou desviar a atenção. Exemplos: “Será que isso não é
uma cortina de fumaça, que se lança para desviar o verdadeiro foco das investigações, que vem vindo muito
bem?”; “A preguiça é uma cortina de fumaça que colocamos na frente de um sentimento que não queremos
enfrentar”. Tudo isso é uma cortina de fumaça para toldar o grande escândalo nacional.”; “É uma cortina de
fumaça que encobre o assunto principal”.
63
não significa que as metáforas sejam comparações: a metáfora é um tipo de uso da língua,
enquanto uma comparação é um tipo de processo psicológico, que, embora constitua um
componente essencial de certos tipos do uso lingüístico, não se iguala a ela.
Finalizamos esta seção resumindo as funções e os papéis preenchidos pela metáfora de
acordo com a visão tradicional ou retórico-filosófica, e apontando como alguns aspectos da
teoria tradicional são refletidos, ou posto diferentemente, como se busca entender o discurso
retórico-filosófico da metáfora, e como a reflexão de tal discurso pode margear diferentes
visões. Tendo em mente a suposição, sinalizada por Aristóteles, de que as “boas” metáforas
contemplam similaridades ou promovem um insight dentro da similaridade (RICOUER, 1978,
p.141), pode-se dizer que a criatividade, a imaginação poética ou a engenhosidade lingüística
constituem o principal impulso metafórico; impulso que se revela e se concretiza na
transferência de significado ou epiphora, conforme designou o filósofo, isto é, no movimento
de deslocamento ou na mudança (lingüística) entre duas coisas ou idéias que podem ser
aproximadas, deslocadas ou transferidas.
Assim, se é verdade que a competência de se elaborar boas metáforas depende da
capacidade de ponderar semelhanças e que a clareza de boas metáforas resulta da capacidade
de “colocar frente aos olhos” o sentido por elas exposto, poderíamos nos perguntar: como a
semelhança, apontada pelos retóricos clássicos, atuaria na produção de significado? E
pensando propriamente no processo de transferência, poderíamos indagar: por que transferir
ou desviar um nome de uma entidade para outra? Por que desviar os nomes de suas entidades
e, assim, de suas funções precípuas? Em que medida essa transferência de significado
preenche funções cognitivas, semânticas e pragmáticas? É nesse cenário de desvio e
transferência que muitas abordagens, ao refletirem os porquês da transferência do significado,
irão encontrar os seus fundamentos e lançar as suas bases.
Ricouer (1978, p. 159) argumenta que antes de as metáforas serem analisadas como
um ato de denominação, elas devem ser consideradas um ato de predicação. Segundo Black,
se a metáfora consiste em algum tipo de desvio, tal desvio concerne à estrutura predicativa.
Nesse contexto, a metáfora deve ser entendida como uma predicação desviante e não como
uma denominação desviante (RICOUER, 1978, p. 143). Ricouer (1978, p. 159) diz ainda que
a teoria do desvio não é suficiente para racionalizar uma nova congruência em nível
predicativo.
Glucksberg e Keysar (1990), de modo similar, dizem que um dos grandes problemas
dos modelos de comparação tradicionais diz respeito à seleção de propriedades ou à diferença
entre os traços meramente compartilhados e os traços apropriadamente compartilhados. Como
64
discernir o que precisamente selecionar do veículo, e o que não enfatizar, no processo de
predicação do tópico? Uma outra questão concerne ao fato de que algumas metáforas ou
veículos (como, por exemplo, a expressão “mina de ouro” e também a palavra “pesadelo”,
conforme vimos) não fornecerem uma propriedade específica, conforme enfatiza a visão
tradicional, mas antes, um valor de um atributo que se estende ao longo de toda uma
dimensão (no caso de “mina de ouro”, à dimensão riqueza/pobreza), permeando, assim, várias
metáforas. (CACCIARI, 1998, p. 146). O que diferencia ou especifica o valor do atributo são
os diferentes tópicos, que irão instanciar diferentes valores, conforme podemos verificar por
meio das construções metafóricas “Os dicionários são minas de ouro, conseguem encadernar
uma língua”; “Os sebos são minas de ouro, contêm manuscritos e exemplares raros”, “Os
algodoeiros do Nordeste são minas de ouro, valem uma fortuna”, “Nos dias atuais a água é
uma mina de ouro, está ficando cada vez mais rara”, “Temos que cultivar os grandes
pensadores e pensamentos, pois são minas de ouro”, etc.
Tais questionamentos induzem a uma série de outras indagações e reflexões que
perpassam a investigação do processo metafórico per se, como, por exemplo, as que serão
suscitadas nas abordagens interacionista e cognitivista, apresentadas, respectivamente, nas
seções 3 e 5.
65
Seção 3
Seção 3
A metáfora como um instrumento de criação
A metáfora como um instrumento de criação
de conhecimentos
de conhecimentos
In the simplest formulation, when we use a metaphor we have two thoughts
of different things active together and supported by a single word, or phrase,
whose meaning is a resultant of their interaction. (RICHARDS, 1936 apud,
BLACK, 1962, p. 38).
26
O prenúncio da força cognitiva da metáfora, levantado pela visão retórica clássica,
embora pouco vitalizado, frutificou, com o tempo, em diferentes efeitos. I. A. Richards foi um
dos filósofos responsáveis pela re-significação de tal força e pelo redimensionamento da
própria definição de metáfora. Richards, que negava, entre outros, a concepção de metáfora
como o uso de uma palavra, atribui a metaforicidade à interação entre dois pensamentos ou
entre duas idéias que co-operam em um significado inclusivo e que são sustentados
lingüisticamente por uma única palavra ou sintagma. [metaphor] is a borrowing between and
intercourse of thoughts…Thought is metaphoric…and the metaphors of language derive
therefrom (Richards,1936 apud TURNER, 1998, p. 48).
27
Considerar a metáfora uma atividade cognitiva, um “empréstimo” e um “intercâmbio
de pensamentos”, significa reconhecer que na metáfora dois conceitos ou idéias operam
simultaneamente. Richards, que se posicionava contra as visões tradicionais de substituição e
de comparação, ao discutir o funcionamento metafórico, nomeou tais idéias tenor e veículo.
28
A importância de Richards para os estudos da metáfora decorre não apenas da proveitosa
terminologia que propôs, ao tentar explicar o funcionamento das metáforas, mas também da
proposição de que em uma metáfora uma tensão ou uma incompatibilidade conceptual
entre os dois termos, o tenor e o veículo (ORTONY, 1993, p.3).
Essa tensão, decorrente do empréstimo de informações do veículo para tenor,
visionada na teoria metafórica de Richards, serviu de alicerce para muitos estudos e originou
diferentes pensamentos.
Nesta seção, evidenciamos um desses desdobramentos por meio da análise da teoria
interacionista de Black (1962,1979). Partindo de importantes insights de Richards e dando
26
Na formulação mais simples, quando usamos uma metáfora, pensamos em duas coisas diferentes que são, ao
mesmo tempo, expressas por uma única palavra ou sintagma, cujo significado resulta da interação entre as duas
coisas.
27
"[a metáfora] é um empréstimo e um intercâmbio de pensamentos...O pensamento é metafórico...e as
metáforas lingüísticas dele derivam."
28
O termo tenor ou tópico refere-se ao sujeito da metáfora, o termo veículo é o nome predicativo que fornece o
conhecimento de fundo (ground) da metáfora, por sua vez, caracterizado como a informação nova ou como a
propriedade do veículo que é transferida ao tópico (GLUCKSBERG, 2001, p.109).
66
continuidade aos estudos metafóricos da perspectiva cognitiva, Black aprimorou as idéias de
Richards através de sua teoria da interação.
29
Enfocando o raciocínio analógico e analisando a metáfora enquanto um fenômeno
cognitivo, em oposição a fenômeno lingüístico, conforme focaliza a visão tradicional, a
metáfora, da perspectiva de Black, é explicada por meio do processo de interação entre um
sujeito e um predicado. Especificamos o processo de interação em função e em oposição ao
processo de combinação.
Enquanto a combinação é uma operação composicional entre dois conceitos (A e B),
que resulta em uma estrutura conceptual agregada (A+B), composta pela união dos
significados dos conceitos envolvidos, a interação, apesar de envolver um nível de
combinação, resulta em uma nova estrutura conceptual, não significando o simples
agrupamento ou a simples soma de significados, mas a interação e, conseqüentemente, a
permuta (re-conceptualização) dos mesmos. Por exemplo, a combinação dos conceitos
CAIXA e PRETO formam a estrutura lingüística “caixa preta” (caixa de cor preta),
representação resultante da combinação dos conceitos CAIXA e PRETO, cujos significados
não são alterados. Ao preservar os significados dos conceitos componentes, a combinação
“caixa-preta” revela-se, como um arranjo puramente composicional. Essa combinação de
conceitos ocorre na linguagem literal com tanta freqüência que às vezes determinados
conceitos parecem constituir um único conceito, como é o caso, por exemplo, da expressão
“bom-dia”, formada a partir da união dos conceitos BOM e DIA.
Em contraste a tal arranjo, a metáfora, admitida por Richards e Black, é um processo
que transcende à simples combinação. Analisando a frase metafórica “O homem é um leão”
como um processo de interação conceptual depreende-se o schema [HOMEM-COMO-
LEÃO]. A existência de tal schema muda, entretanto, o significado de ambos os conceitos
HOMEM (ou homens) e LEÃO (ou leões), permitindo que certas predicações normalmente
aplicadas a um sejam aplicadas (talvez com uma mudança de significado) ao outro. Assim, o
schema interacionista [HOMEM-COMO-LEÃO] é mais que uma combinação, visto que ele
faz com que os conceitos componentes se aproximem, manifestando um efeito, de um lado, de
desumanização do homem, e de outro, de antropomorfização do leão. Tendo em mente esse
29
O termo “interação pode ser entendido em oposição ao termo “substituição”, conforme caracterizado pela
teoria tradicional da metáfora (cf. seção 2). Ao invés de a metáfora consistir meramente na substituição de uma
palavra por outra, ou de um nome por outro, a teoria interacionista a explica em termos do processo de interação
(RICOUER, 1978, p.143).
67
movimento de interação, a metáfora afeta, considerando ainda o exemplo, não apenas o modo
como vemos o homem, mas também o modo como vemos o leão.
30
A metáfora, nesse contexto, deve ser entendida como uma negociação entre dois
conceitos. A interpretação de ambos, diferentemente da interpretação de cada conceito
isoladamente, é alterada (SCARUFFI, 1998).
3.1 A representação do conhecimento metafórico
Do ponto de vista representacional e terminológico, Black (1962, p.46) divide a
metáfora em duas partes, uma mais concreta ou literal, designada tema primário ou frame
(similar ao tenor de Richards) e outra mais abstrata ou metafórica, designada tema secundário
ou foco (similar ao veículo de Richards). Tanto o foco quanto o frame constituem sistemas de
lugares comuns, isto é, conjuntos de idéias associadas e crenças que são amplamente
difundidas em uma determinada comunidade lingüística. A metáfora, desse ponto de vista,
opera no nível do compartilhamento de um corpo de conhecimentos e considerações que são
associados às palavras do enunciado. Esse compartilhamento, resultante da interação entre
dois sistemas, é explicado por meio da transferência de idéias e implicações associadas do
sistema secundário (foco) para o sistema primário (frame). No processo de transferência, parte
dos lugares comuns associados sofre mudanças de significado. Algumas dessas mudanças são
consideradas metafóricas, enquanto outras são descritas como extensões de significado, por
não envolverem conexões apreendidas entre dois sistemas de conceitos. Assim, segundo
Black, o entendimento de uma metáfora pode resultar na mudança do significado real: as
associações e interconexões de conceitos podem, de fato, mudar, como resultado do
entendimento da metáfora (WAY, 1991, p. 47).
Black (1962, p.44-45) assim sumariza a forma e a estrutura da metáfora: (a) a metáfora
desloca-se do nível lexical, isto é, deixa de ser uma palavra isolada, e se estende à
dimensão do enunciado; (b) a frase ou o enunciado metafórico tem dois temas distintos,
identificados como tema primário, ou frame, e tema secundário, ou foco; (c) esses dois
componentes do enunciado metafórico interagem a partir de um processo de projeção de um
conjunto de implicações associadas: um sistema de implicações associadas característico do
30
O portador do significado da metáfora deixa de ser a palavra, conforme prevê a teoria tradicional, e passa a ser
o enunciado.
68
foco é aplicado ao frame; (d) essas implicações normalmente consistem de lugares comuns
sobre o foco, mas podem, em certos casos, consistir de implicações desviantes estabelecidas
ad hoc, pelo escritor; (e) o foco e o frame devem ser entendidos como sistemas de coisas e
não como idéias/coisas individuais e isoladas.
Seguindo essa estrutura, a metáfora da frase “O homem é um leão” não está na palavra
“leão”, mas na interação entre os elementos que compõem o enunciado, ou seja, na interação
entre o foco e o frame. O leitor/ouvinte não precisa saber o significado dicionarizado (literal)
de “leão”, mas deve antes, entender “leão” como um sistema de lugares comuns, no exemplo,
identificados como os conhecimentos (gerais) e crenças convencionais que temos sobre leões.
Os lugares comuns não precisam ser verdadeiros para que a metáfora seja eficiente, mas
devem ser “evocados pronta e livremente” (BLACK, 1962, p.40). Assim, chamar um homem
de um leão é evocar as implicações de leão para, a partir delas, construir um sistema
correspondente de implicações sobre o frame.
Isso significa que é essencialmente o conjunto de implicações associado ao leão (que
pode incluir crenças como os leões são ferozes, bravos, valentes, possessivos, etc.), que
compõe o foco do enunciado metafórico, que organiza (e restringe) a concepção de homem.
Essa interação semântico-conceptual emerge da interação gramatical estabelecida entre o
elemento metafórico e a estrutura não metafórica em que tal elemento ocorre. Assim, o
enunciado “O homem é um leão” é metafórico em face da inter-relação entre o foco
metafórico [leão] e o frame literal [O homem é __ ]. Nesses termos, o foco se caracteriza por
ser o elemento metafórico dentro de uma estrutura não metafórica, gramaticalmente capaz de
incluí-lo (cf. OLIVEIRA, 1991, p.21).
Analisemos um outro exemplo. Considerando a frase “O meu trabalho é um sonho
evidencia-se que o foco metafórico, representado não apenas pela palavra isolada sonho”,
mas por uma gama de conceitos que estruturam o significado que temos de sonho, entendido
como um sistema de informações associadas (estereotipadas ou convencionais), ou como um
sistema de lugares comuns associados, atua como filtro do frame literal [trabalho]. Nesse
raciocínio, em que emerge o schema metafórico [trabalho-como-sonho], os lugares comuns
associados ao sonho organizam a concepção que temos de trabalho: conforme será ilustrado
na Figura 4, é como se o trabalho fosse visto da ótica do sonho. Nesse processo, em que o
frame [trabalho] é organizado em função de determinadas informações projetadas pelo foco
[sonho], o trabalho é arranjado ou organizado de modo similar ao sonho, o que faz com que o
conceito TRABALHO seja, através de sua interação com o conceito SONHO, re-significado.
69
Ressalta-se que a analogia trabalho-sonho é criada na interpretação metafórica.
31
Porque é a interpretação que cria a semelhança, que somos capazes de produzir/interpretar
frases metafóricas como “O meu trabalho é um edifício ligado”, “O meu trabalho é o inverso
do percurso do homem”, etc..
32
Evidenciamos que, na segunda versão da teoria interacionista desenvolvida por Black
(1979), apenas o foco continua a ser caracterizado como um sistema de implicações e lugares
comuns; o frame, por outro lado, deixa de ser explicado como um sistema e passa a ser
descrito como um conceito. Indurkhya (1992, p. 68,73), ao analisar a teoria interacionista,
critica a correção feita por Black acerca da re-caracterização do frame (ou alvo, conforme
designa Indurkhya), não mais descrito como um sistema de lugares comuns associados. O
autor diz que o fato de Black desconsiderar o alvo como um sistema, dificulta, senão impede,
a explicação de como a criação de similaridades é restringida, uma vez que são
essencialmente os lugares comuns associados ao alvo, que segundo Indurkhya, restringem a
criação de similaridades.
Tendo em mente tais considerações, esquematizamos nas Figuras 3 e 4, os processos
de interação e de filtragem que ocorrem entre o foco e o frame do enunciado “O meu trabalho
é um sonho”.
Convém ressaltar que Black (1979, p.25) refere-se essencialmente às metáforas
“teoricamente interessantes”, isto é, às metáforas ativas ou vivas, consideradas pelo filósofo
metáforas fortes ou enfáticas, isto é, aquelas que são reconhecidas pelo falante como
“metáforas autênticas”. Tais metáforas se diferem das metáforas mortas, também designadas
metáforas fracas (de pouca ênfase), essencialmente por não admitirem uma interpretação
sistemática conforme as metáforas mortas. Ilustramos as metáforas vivas e mortas,
respectivamente, com os exemplos “As espadas são estrelas” e “Todos os recordes foram
quebrados”.
Evidenciamos que, apesar de Black deixar claro o seu posicionamento, temos nossas
dúvidas quanto à exatidão de sua classificação. O próprio filósofo ilustra a sua teoria com
alguns exemplos, cujo rótulo é, de certa forma, duvidoso. Por exemplo, será que o enunciado
“O casamento é um jogo de soma zero” (Black, 1979, p. 28) codifica uma metáfora forte? O
schema metafórico [CASAMENTO-COMO-JOGO], codificado, não constituiria um uso
convencional e, portanto, uma metáfora não enfática? Apesar da possibilidade de tal
31
Segundo Black a metáfora é um filtro de percepção. É essencialmente no processo de filtragem, ou no “ver de
um determinado prisma”, que a força analógica se revela na teoria interacionista.
32
Frases coletadas da internet, através do motor de busca Google, em 13 jan. 2006.
70
questionamento, não podemos ignorar que o tempo influencia a cristalização das metáforas,
como ocorre com a estabilidade da rotulação literal/metafórico, conforme observa o próprio
Black, ao argumentar que, com o tempo, o que é literal pode se tornar metafórico e vice-versa.
Tendo em mente tal posicionamento, que pretendemos que justifique a nossa atitude
ilustrativa não é de nosso interesse discutir metáforas literárias ou novas, não só, por fugir
aos nossos objetivos, mas também porque a ênfase, entendida como um grau de convenção, é
uma noção subjetiva (cf. INDURKHYA, 1992, p.18)
33
- a classificação forte e fraca da
metáfora sugerida por Black, ao nosso ver, tende, deste modo, no mínimo à instabilidade.
Figura 3: Interação entre foco e frame.
Figura 4: Filtragem “ver como”.
A Figura 3 é a representação formal do processo de interação que ocorre entre o frame
e o foco, exemplificados, respectivamente, pelos conceitos TRABALHO e SONHO. A Figura
4, que ilustra uma parte do funcionamento da representação da Figura 3, descreve o
mecanismo de filtragem responsável pelo “ver como”: o foco [Sonho] fornece um filtro
através do qual o frame [Trabalho] é visto. Assim, o trabalho é analisado como um sonho e o
sonho é visto como um trabalho.
Miller (1993, p. 375), ao especificar o processo de filtragem admitido pela visão
interacionista, sugere que alguns dos traços literais do frame (ou referente conforme nomeia
Miller) sejam subtraídos. Assim, em “O meu trabalho é um sonho”, não há, segundo Miller,
uma adição de novos traços, mas antes uma subtração, uma vez que são os traços de trabalho
e não os traços associados a sonho prototipicamente caracterizado como “Positivo”,
“Agradável”, “Idealizado”, etc. – que parecem ser filtrados.
Black, por sua vez, explica a filtragem como um “ver de uma determinada
perspectiva”, como um processo de seleção e, portanto, como uma ênfase a determinados
33
Mencionamos que apesar de Indurkhya (1992, p.18-19) afirmar ser demasiado subjetivo o julgamento
“convencional/ não-convencional”, assim como o próprio julgamento “metafórico/não-metafórico”, ao esclarecer
sua posição frente a tais julgamentos, diz caracterizar o metafórico em contraste com o convencional: I have
characterized metaphors in contrast with the conventional.
[Sonho]
foco
[Trabalho]
frame
Interação
positivo
agradável
idealizado
........
[Trabalho] [Sonho]
filtragem
filtragem
Filtragem
filtragem
Filtragem
71
traços e não como uma subtração de traços. Na verdade, ambas as interpretações refletem
apenas diferentes modos de se conceber o processo de filtragem, não representando, pois,
nenhum tipo de interferência ou dissonância.
Deste modo, de acordo com a visão interacionista, a interpretação da metáfora resulta
do diálogo ou da interação entre o frame e o foco, decorrente de um processo cognitivo de
projeção, sobre o frame, de um conjunto de implicações associadas, que são predicáveis do
foco. Essa interação faz com que o significado da metáfora seja irredutível e cognitivo. O ato
cognitivo, viabilizado pela metáfora, manifesta-se pela instauração de uma perspectiva
particular, perceptível apenas na interpretação de uma sentença metafórica. A mudança de
perspectiva culmina na mudança do enfoque e conseqüentemente na permuta do ato. Daí a
impossibilidade de as metáforas “fortes” serem ipsis litteris traduzidas ou parafraseadas. Por
exemplo, se dissermos “Com a velhice nossos pais se tornam nossos filhos” e “Quando
nossos pais envelhecem, eles passam a viver sob os nossos cuidados”, será que o modo de
apresentar os nossos pais, e mesmo de nos apresentar, é idêntico? Se, para referir aos nossos
pais na velhice, usamos o sintagma “nossos filhos”, e conseqüentemente, atribuímos a nós
mesmos a propriedade ‘mãe’, poderíamos dizer que a frase “sob os nossos cuidados” recupera
toda a eficácia, na concepção de Harries (1978), ou a perspectiva, nos termos de Black,
projetada por “nossos filhos”? Não apenas devido ao fato dessa frase não implicar
necessariamente a atribuição maternal a nós (sujeito), mas essencialmente por apresentar
nossos pais de modo diferente, a mudança de ângulo ou de perspectiva se torna explícita.
Assim, o produtor de um enunciado metafórico seleciona, enfatiza, suprime e organiza
(BLACK, 1962, p.44) traços do frame por meio da aplicação de informações isomórficas dos
membros do complexo de implicações do foco. Os mecanismos de interação e de projeção
entre foco e frame ocorrem da seguinte maneira: a presença do foco (i) induz o leitor/ouvinte
a selecionar algumas propriedades do frame; (ii) convida o leitor a construir um complexo de
implicações paralelo que possa prover o foco; (iii) induz reciprocamente mudanças paralelas
no frame. Alertamos que esse é um dos pontos polêmicos da teoria de Black, na medida em
que o autor, apesar de propor que as metáforas sejam governadas pela assimetria, evidencia,
em momentos como esse, a simetria do processo de interação, conforme explicamos mais
adiante.
Além disso, Black, ao tentar explicar a interação, apenas a especifica em etapas sem,
entretanto, exemplificá-las. A não exemplificação de tais etapas se deve à imprecisão dos
traços participantes da interação entre o foco e o frame, porque a produção e a interpretação
de uma metáfora são guiadas e precisadas na ambigüidade. É na necessária pluralidade e
72
inexatidão de significados que as metáforas obtêm êxito: a ambigüidade é uma conseqüência
necessária da sugestividade da metáfora (BLACK, 1993, p.29).
Seguindo esse raciocínio, pode-se dizer que a interação é, sobretudo, uma interação
entre o falante e o ouvinte, na medida em que ambos estão engajados nos processos de
seleção, organização e projeção. Um enunciado metafórico é uma ação verbal que demanda
essencialmente um entendimento, uma resposta criativa de um leitor competente. A interação
atribuída no [processo metafórico] altera o significado das palavras pertencentes à mesma
família ou ao mesmo sistema a que pertence a expressão metafórica (BLACK, 1993, p. 28).
34
Assim, segundo a teoria interacionista, o processo de interpretação depende do “ver A
como B”, ou simplesmente do “ver como”. Por exemplo, a interpretação da metáfora “Minha
mãe é um campo de trigo”, (PRANDI, 1992 apud OLIVEIRA, 1997) depende de vermos a
mãe com os óculos de um campo de trigo. Over como” está presente não apenas na
interpretação das metáforas, mas na própria percepção das coisas, dos eventos e do mundo;
segundo o próprio Black (1993, p.38), porque muitas vezes funcionam como “instrumentos
cognitivos”, algumas metáforas nos permitem ver aspectos da realidade que a produção
metafórica nos ajuda a reconstituir: o mundo é necessariamente um mundo resultante de uma
determinada descrição - um mundo visto de uma certa perspectiva.
Essa hipótese aponta para, pelo menos, duas idéias: (i) as metáforas devem fornecer
diferentes maneiras de ver o mundo, e (ii) algo novo é criado quando a metáfora é entendida.
Tanto a emergência desse algo novo quanto a criação de novas similaridades são conceitos
pivôs na teoria de Black. Para ele, o valor cognitivo do enunciado metafórico e o aspecto
criativo ou produtivo de algumas metáforas consistem na capacidade que tais metáforas
possuem de funcionar como instrumentos cognitivos através dos quais seus usuários podem
adquirir novas visões, novas formas de organizar a experiência humana e novos modos de ver
um domínio de referência ou de representar o mundo (BLACK, 1993, p. 38).
Segundo Ricouer (1978, p. 148-149) a similaridade não é nada mais que a
aproximação que revela um parentesco entre idéias heterogêneas; assim, a epiphora de
Aristóteles, é explicada da ótica interacionista como a mudança ou a alteração da distância
lógica do distante para o próximo. Essa aproximação entre conceitos distintos é explicada
por meio da instauração de uma determinada perspectiva, responsável pelo ver A com os
olhos de B; é nesse sentido de enfoque, seleção, interação e criação que as metáforas
aproximam conceitos distantes.
34
The imputed interaction shifts in meaning of words belonging to the same family or system as the
metaphorical expression.
73
Evidenciamos que esse enfoque teórico difere do enfoque tradicional, porque,
lembramos, este considera que a metáfora, antes de criar, apenas instaura ou expressa uma
similaridade existente. Segundo Black, a interação foco-frame não pode ser captada pela
simples comparação entre objetos, nem pelos traços ou propriedades comuns dos mesmos - a
semelhança existente não precisa ser recuperada essencialmente porque a metáfora é uma
atividade criativa, devendo, pois, promover uma interação constitutiva entre pensamento e
mundo. Nesse sentido, a metáfora é responsável pela criação de conhecimento paralelamente
à criação de novas similaridades é a interpretação da metáfora que cria a semelhança. Na
medida em que a interação foco-frame pode resultar em uma nova organização do
pensamento, a metáfora, do ponto de vista interacionista, não pode ser reduzida à
interpretação literal, diferentemente da visão tradicional que, ao considerar que a metáfora
não compartilha nenhum conteúdo semântico e não veicula conhecimento, reduz o significado
de uma metáfora à sua contraparte ou à sua interpretação/paráfrase literal.
Assim, segundo Black, a metáfora deve ser pensada como uma projeção, como um
instrumento cognitivo, como um mecanismo lingüístico alternativo para comunicar idéias, ou
ainda, como um meio de expressão, de criação e de desenvolvimento de pensamentos.
Para finalizar esta seção, evidenciamos que a presença da projeção “ver como” é
necessária para a interpretação de sentenças metafóricas e para a construção do sentido, mas
não é suficiente para identificar a metaforicidade de um enunciado. Segundo Oliveira (1997),
o julgamento da literalidade ou metaforicidade, assim como a própria interpretação, é guiado
pela combinação de uma série de parâmetros: o conhecimento da língua, o conhecimento de
mundo, a referência a um tópico conversacional, o conhecimento sobre as condições da
enunciação, o conhecimento mútuo entre os interlocutores, etc.
O que, então, distinguiria as afirmações metafóricas das literais? Segundo Black
(1979, p. 22), a grande questão a ser discutida é: por que considerar o significado literal de
uma palavra o foco do enunciado metafórico? Por que o enunciado “Os homens são verbos,
não substantivos é imediatamente classificado como metafórico? Por que o conhecimento
tácito do significado literal induz ao sentimento de dissonância ou de tensão entre o foco e o
frame?
Black tenta explicar tais questões contradizendo a tese tradicional de que a metáfora é
essencialmente um mistério. Ele diz que o único mistério é simplesmente que, se admitida
literalmente, a declaração metafórica parece afirmar algo que é claramente sabido não sê-lo. E
acrescenta: assumir que um enunciado metafórico apresenta algo como o que claramente não
é ou assumir que seu produtor, de fato, finge dizer algo enquanto pretende exprimir algo
74
mais é desastrosamente aceitar a visão enganosa de que a metáfora é algum tipo de desvio
ou aberração do uso apropriado (BLACK, 1993, pp. 21-22).
Tal argumentação, entretanto, parece de certa forma, colidir com a própria idéia,
esboçada na sua teoria, de que o foco é explicado a partir da sua inserção em um frame
visão que revela os laços da teoria de Black com a tradicional noção sentencial de significado
literal e, assim, com a tradicional oposição literal/metafórico.
Outras inconsistências e lacunas perceptíveis na teoria de Black dizem respeito ao
próprio processo de interação. Segundo Indurkhya (1992, p.4), a natureza precisa da interação
entre o foco e o frame e a criação de similaridades novas constituem questões que precisam
ser respondidas. O autor estende suas críticas. Diz que a articulação de Black retrata uma
teoria interacionista vaga, cujos conceitos não são suficientemente elaborados para abarcar, de
modo satisfatório, processos como a criação de similaridades (p.66). Além disso, a teoria
peca, ao explorar a idéia de que a analogia apresenta a metáfora como um processo
inerentemente assimétrico. Essa idéia, aliada à criação de similaridade, constitui os dois
grandes insights evidenciados por Black. Entretanto, em alguns momentos é contradita, como
se a interação fosse simétrica: por exemplo, quando Black menciona que a interação induz
reciprocamente mudanças paralelas no frame e quando diz que a base de uma metáfora é um
isomorfismo entre o foco e o frame (Black, 1993, p.28).
75
Seção
4
4
O tratamento semântico e a face pragmática
O tratamento semântico e a face pragmática
da metáfora
da metáfora
4.1 Caracterização semântica da metáfora
Metaphors mean what the words, in their most literal interpretation, mean,
and nothing more. (Davidson, 1978, p.30)
35
Analisamos, nas seções 2 e 3, como a metáfora deixa de ser pensada como um
“recurso desviante e secundário à linguagem” e passa a ser concebida como um “instrumento
cognitivo fundamental”. Nesta seção, evidenciamos, através da análise das idéias de Davidson
(1978) sobre a metáfora, como a caracterização da metáfora pode saltar de “processo” a
“produto”, ou posto diferentemente, como a visão da metáfora como instrumento cognitivo
(responsável pelo que denominamos “processo”) pode ser esvaziada e, como conseqüência, a
metáfora ser considerada um produto lingüístico.
Davidson (1978, p. 30) critica a visão tradicional de metáfora, afirmando ser um erro
fundamental investir na idéia de que a metáfora tem, além do seu significado literal, um outro
significado. Para o filósofo, o conceito de metáfora como “um veículo para transmitir
conhecimentos” parece-lhe tão errado quanto à idéia matriz de que a metáfora tem um
significado especial.
36
Desse ponto de vista, ao produzir uma metáfora, o falante não diz nada
além do que quer dizer quando a frase usada é admitida literalmente (cf. epígrafe). Isto
significa que o único significado que a metáfora carrega é o significado literal; mesmo nos
cenários metafóricos, os significados originais das palavras permanecem ativos. Assim, não
existe um “significado metafórico” não devemos alojar o significado na metáfora - mas
uma interpretação metafórica (DAVIDSON, op.cit., p.31).
Considerando o contexto: “Davi vivia correndo atrás de mulheres. Dia após dia, e a
chama que o mantinha aceso manhã e noite sempre se reproduzia e re-produzia o robusto e
fogoso Davi. Até que um belo dia, um furioso caçador decidiu apagar a sua chama. Desde
esse dia, Davi deixou de ser touro”. Se Davidson está correto ao argumentar que o produtor de
uma metáfora chama a atenção para a semelhança entre duas ou mais coisas [a metáfora]
35
As metáforas significam o que as palavras, em suas interpretações mais literais, significam, e nada mais.
36
Essas são as principais idéias, respectivamente, da teoria interacionista de Black (confronte seção 3) e da visão
tradicional da metáfora (cf. seção 2).
76
nos convida a [fazer] comparações (DAVIDSON, 1978, p.38) - a frase “Desde esse dia, Davi
deixou de ser touro” deve ser interpretada da mesma forma que a frase “Roberto é mais
grudento que carrapato”, ou seja, a partir da associação entre Davi e touro. O mesmo ocorreria
se acrescentássemos, por exemplo, um boi na estória: “Desde esse dia, Davi deixou de ser
touro e passou a ser boi”. Então perguntamos: como uma pessoa pode deixar de ser touro e
passar a ser boi, mesmo sem pertencer à classe de gado? Se uma frase exprime
metaforicamente o que exprime o sentido literal, conforme argumenta Davidson, devemos
interpretar touro’ e ‘boi’ de modo literal. Assim, se algumas das características de touro, tais
como, “animal robusto”, “forte”, “reprodutor”, “não-castrado”, e algumas das características
de boi, tais como “animal doméstico”, “adulto”, “castrado”, forem recuperadas, a metáfora,
como conseqüência, é compreendida. Podemos interpretar o enunciado em questão
recuperando, por exemplo, o contraste “não-castrado/castrado”, literalmente estabelecido
entre touro e boi, que as “implicações escondidas” devem, segundo Davidson, ser
determinadas através da comparação com o literal. “Desde esse dia, Davi deixou de ser touro
e passou a ser boi pode, assim, ser recriado pelo enunciado (também metafórico) “Desde
esse dia, toda a virilidade de Davi foi castrada”.
De acordo com Davidson (1978, p.35), porque em uma metáfora usamos palavras já
compreendidas, devemos associar a produção e a recepção metafórica à “caminhos
conhecidos”. Ainda que exista um efeito que pareça mais exótico ou mais engenhoso, a
metáfora, segundo Davidson, é uma forma de comunicação comum, ela transmite verdades e
falsidades acerca do mundo do mesmo modo que a linguagem mais comum o faz (ibid p.30).
Como qualquer outra forma lingüística, a metáfora depende dos significados primários e
originais (significados que emergem primeiramente na ordem da interpretação); compreende-
los, logo, significa atribuir intenções, crenças e verdade ao falante. Em outras palavras,
significa analisar os efeitos (e não o conteúdo) que as metáforas (leia-se “interpretações
metafóricas”) exercem sobre o seu intérprete e sobre o seu criador. I depend on the distinction
between what words mean and what they are used to do. I think metaphor belongs exclusively
to the domain of use (DAVIDSON, 1978, p.31).
37
Que a metáfora nos faz notar aspectos ainda não percebidos e que, como uma “lente”
(BLACK, 1962), nos faz ver fenômenos relevantes, não constitui incerteza para Davidson. O
seu questionamento, entretanto, é: como a metáfora está relacionada com aquilo que ela nos
faz ver? Em outras palavras, como a metáfora produz os seus efeitos?
37
Eu dependo da distinção entre o que as palavras significam e para que elas são usadas. Eu acredito que a
metáfora pertence exclusivamente ao domínio do uso.
77
É em face de tal interrogação que Davidson critica o modus operandi da metáfora
difundido por parcela do senso comum da metáfora (BLACK, 1978, p.185). Em particular,
Davidson discorda da hipótese de que a metáfora obtém êxito por ter um significado que
resulta da interação de duas idéias, conforme prevê Richards; nega a tese de que a metáfora
assevera ou implica certas coisas por meio de um significado especial e assim fornece um
insight, conforme sustenta Black (1962, 1979); discorda da hipótese de que a metáfora “diz
uma coisa e significa outra”, conforme sustenta Searle (1979).
Para Davidson (1978, p.41), a função de “fornecer uma nova mensagem, um novo
conteúdo diferente do literal”, tipicamente associada à metáfora, não pode estar
essencialmente correta porque, conforme foi dito, ao produzir uma metáfora, o seu criador
percorre as mesmas bem conhecidas trilhas lingüísticas das sentenças mais comuns, ou seja,
percorre caminhos literais. Daí a sua argumentação de que a distinção “significado literal” e
“significado metafórico” deva ser substituída pela distinção “o que as palavras significam” e
“o uso que se faz das palavras”. Tendo em vista esta última distinção, Davidson evidencia
que, enquanto no primeiro caso, a nossa atenção é dirigida à linguagem, no segundo, a nossa
atenção é dirigida àquilo de que se trata a linguagem. A atribuição da metaforicidade ao
segundo caso justifica a não aplicação de um “conteúdo cognitivo oculto” (significado
especial, novo ou estendido) à metáfora e explica por que uma palavra que se considerou
metáfora permanecerá sempre metáfora. Por exemplo, no enunciado “A igreja é um
hipopótamo”, é o absurdo ou a contradição que, no olhar de Davidson, nos convida a
considerá-lo metaforicamente; mesmo depois de ouvido cem vezes, tal enunciado jamais
constituirá sistema, ou seja, será sempre metáfora.
Mas, se a metáfora não tem um conteúdo cognitivo específico, um conteúdo que seu
criador/autor deseja transmitir e que o intérprete precisa apreender para que a metáfora seja
compreendida, como, então, analisar, por exemplo, a frase “Daquela farinha não sai nenhuma
torta” pronunciada em um contexto de um jogo de xadrez, precisamente por um mestre de
xadrez que observa uma partida? (cf. BLACK, 1978, p. 188). Se é certo que o autor da
metáfora quis dizer algo do tipo “isso não vai dar em nada”, como negar o fato de a metáfora
induzir modulações e modificações no significado padrão (literal) das palavras?
Segundo Black (1978, p.190), o significado de uma metáfora viva ou ativa é
tipicamente novo ou criativo” no sentido de o [ser] passível de ser inferido do léxico-
padrão. Argumenta: seria inútil e confuso invocar algum sentido “figurado” ad hoc, não
especificado de outra maneira, para explicar “como uma metáfora faz seus milagres”.
78
Contudo, isso nos ajudaria a entender como um enunciado metafórico particular funciona em
seu contexto...
Seguindo direção oposta, Davidson argumenta que não a metáfora não diz algo
novo, como os seus efeitos sequer estão ligados à idéia de “dizer algo novo”. O que notamos,
em um enunciado metafórico, não diz respeito ao seu conteúdo proposicional/semântico ou ao
seu valor de verdade-falsidade, não apenas porque não limites para o que a metáfora atrai
a nossa atenção, como também porque, na metáfora, não nenhuma informação que deva
ser explicitada (DAVIDSON, 1978, p.46).
Assim, retornando à exemplificação esboçada, Black explicaria o enunciado “Daquela
farinha não sai nenhuma torta” através de sua associação a um conteúdo cognitivo próprio.
Davidson, por outro lado, não diria que as palavras “farinha” e “torta” remetem aos seus
significados convencionais, mesmo na situação comunicativa de um jogo de xadrez, como
explicaria a própria compreensão da metáfora através da associação entre farinha e torta (de
seus respectivos significados convencionais) usada no enunciado. Em outros termos, segundo
Davidson, não para considerar um “significado metafórico” pelo mesmo motivo que o
para se chegar à metáfora a partir do “significado do falante”, porque não um algoritmo
que evidencie a diferença ou que separe o “significado da frase” e o “significado do falante”
(para uma visão contrária cf. SEARLE (1979)).
A essa altura poderíamos perguntar: em que ponto a semântica, de fato, influencia as
idéias de Davidson sobre a metáfora? Se pensarmos no(s) significado(s) (de um enunciado)
como procedimentos que são ativados no ouvinte como resultado da ação de ouvir (o
enunciado) (JURAFSKY; MARTIN, 2000, p.539), a resposta à pergunta seria “no
convencional”.
4.2 Caracterização da metáfora como um ato de fala
From the point of view of the hearer, the problem of a theory of metaphor is
to explain how he can understand the speaker’s utterance meaning given
that all he hears is a sentence with its word and sentence meaning. From the
point of view of the speaker, the problem is to explain how he can mean
something different from the word and sentence meaning of the sentence he
utters. (SEARLE, 1979, p.84-85)
38
38
Do ponto de vista do ouvinte, o problema colocado a uma teoria da metáfora é explicar como ele pode
entender o significado enunciado pelo falante, dado que, tudo o que ele ouve é uma frase com o seu significado.
Do ponto de vista do falante, o problema é explicar como ele pode exprimir algo diferente do significado da
frase que ele enuncia.
79
Considerando as frases: “Eu os declaro marido e mulher”, pronunciada por um padre
durante uma cerimônia religiosa; “Largue a arma, ou eu atiro”, dirigida a um ladrão armado
pela polícia; “Eu prometo voltar”, dita por um pai, aos seus filhos, que partirá em busca de
emprego. Podemos dizer que as ações são efetuadas pela linguagem? Em outras palavras, ao
dizer algo, nós fazemos algo
39
? Quando ouvimos a advertência “Fumar é prejudicial à
saúde”, em uma propaganda de cigarro, porque esse enunciado não causa o mesmo efeito ou a
mesma resposta (no ouvinte) que causa, por exemplo, o ato indireto de fala? Como os
enunciados “Eu os declaro marido e mulher”, dita por um padre, e “Eu declaro que o fumo
mata”, dita por um médico, podem ter efeitos ou impactos tão diferentes? O que os
enunciados “O meu marido é um cachorro”, dito por uma esposa para referir-se ao
comportamento vil de seu marido, e “O meu marido é um cachorro”, dito por uma mulher
solteira para referir-se aos laços que possui com o seu cão, têm em comum? Como o falante
pode, nos termos de Searle, dizer uma coisa e exprimir outra? Como analisar a lacuna
explanatória existente entre o que se diz e o que se quer dizer (cf. nota 39)?
De acordo com Searle (1979), explicar como as metáforas funcionam requer a
explicação de como o significado da frase e o significado expresso (pelo falante) se diferem.
Investigar a linguagem do ponto de vista pragmático significa, deste modo, construir uma
ponte entre o significado da frase (identificado como o significado literal) e o significado do
falante (entendido como o significado que o falante tenta transmitir), fixada através da
interpretação do enunciado. Estabelecendo um paralelo entre o “caminho da enunciação”,
percorrido pelo falante ao construir um enunciado, e o “caminho da compreensão”, realizado
pelo ouvinte ao interpretar o enunciado, podemos dizer que um dos passos para a construção
da ponte entre o “posto” e o “proposto” se por meio da tentativa de recuperar a via
escolhida/ percorrida pelo enunciador.
40
Searle, ao construir uma teoria da metáfora, tentou buscar os princípios que
relacionam o significado da frase literal ao significado do enunciado metafórico. O que
permite o falante formular e o ouvinte entender o enunciado metafórico? Como a frase “Não
preciso de máquinas enferrujadas”, dita por um empresário aos diretores de sua empresa,
39
In saying something, we do somethingCf. http://en.wikipedia.org/wiki/Speech_Act (acesso
em 5 de jan., 2006)
40
É o que, em geral, fazemos quando temos dificuldade de entender o que uma pessoa nos diz - tentamos
entender o que levaria a pessoa a dizer o que disse, através da recuperação das circunstâncias, considerações,
evidências, etc. que possivelmente levariam à via adotada pelo enunciador.
80
referindo-se aos seus antigos contratados, pode ser interpretada como “Despeçam os antigos
contratados”?
Segundo Searle (1979, p.88), um dos passos da interpretação metafórica é a explicação
de como os enunciados metafóricos se distinguem dos enunciados literais. Considerando “S é
P”, a forma de um enunciado literal, e “S é R”, a forma de um enunciado metafórico, como é
possível pronunciar “S é P” e exprimirS é R”? Como a frase literal “Não preciso de
máquinas enferrujadas” se distingue do enunciado metafórico “Não preciso de máquinas
enferrujadas”? Conforme argumenta Searle, no enunciado metafórico, a sentença usada
metaforicamente conserva o seu significado literal; logo, a compreensão do significado literal
constitui passo obrigatório para a interpretação da metáfora. Seguindo esse raciocínio, o
conteúdo semântico da expressão literal “máquinas enferrujadas” deve ser, de alguma forma,
resgatado no enunciado metafórico, para que se possa explicar o uso metafórico ou a
interpretação metafórica da expressão. Assim, a metaforicidade é definida e explicada em
relação à noção de literalidade.
Compreender o discurso metafórico, em termos do que ele literalmente significa e em
termos do que (tal significado) causa o ouvinte inferir, implica a não atribuição de um
significado propriamente metafórico às sentenças usadas metaforicamente, idéia também
partilhada por Davidson (1978), conforme evidenciamos na seção 4.1.
Nessa perspectiva, a metáfora não promove uma mudança no significado de uma frase,
essencialmente porque o enunciado metafórico significa algo diferente do significado das
palavras e das frases.
41
Buscando resposta à pergunta como “S é P” pode exprimir “S é R”,
sendo P diferente de R, Searle (1979, p.108) esboça alguns princípios em torno do
questionamento “dado P como computar R?”, de acordo com os quais as metáforas seriam
produzidas e interpretadas. Apesar de Searle analisar, a partir de exemplos lingüísticos, alguns
casos ou tipos metafóricos – por exemplo, metáforas que especificam R como uma das
características salientes de P, conforme o enunciado “Samuel é um gigante”; metáforas que
não exprimem nenhuma correlação lógica entre P e R, mas que são por s associadas,
exemplo “Maria é um doce”, etc. o autor, entretanto, parece não apresentar, de fato, uma
conclusão frente às análises esboçadas.
Assim, antes de concluir, Searle apenas sistematiza as suas análises estabelecendo a
seguinte distinção: (i) nos enunciados metafóricos simples, o falante diz “S é P” e exprime
metaforicamente, “S é R”, sendo o significado do enunciado alcançado a partir do significado
41
Searle considera a literalidade uma propriedade inerente das palavras e não de conceitos ou modelos de
mundo.
81
literal, exemplo “O nó entre a política e a corrupção deve ser desatado”; já (ii) nos enunciados
metafóricos ilimitados, o falante diz “S é Pe exprime metaforicamente uma gama indefinida
de significados, “S é R1, S é R2, etc., exemplo “A maldade é o câncer da humanidade”.
Como em (i), o significado do enunciado (ii) é apreendido a partir do significado literal.
Contrariamente, nos enunciados literais, o falante diz “S é P” e exprime “S é P”, exemplo “O
gato mia”.
Assim, a lacuna explanatória entre o que se diz e o que se quer dizer é “resolvida” por
Searle, no âmbito da metáfora, através da consideração de que nos enunciados metafóricos há
sempre duas frases, a frase enunciada metaforicamente e a frase expressa literalmente, sendo
aquela semanticamente sustentada por esta. Nos termos de Searle (1979, p. 111), nos
enunciados metafóricos, nós fazemos mais que simplesmente dizer que S é R”, (...) nós
dizemos que S é R via o significado de “S é P”.
Talvez pudéssemos dizer que Searle, ao investigar a ponte que separa “o significado
da frase” do “significado do falante”, estivesse interessado no que chamamos, no início desta
seção, “caminho da enunciação”. Considerando a viabilidade de tal comparação e levando em
conta a pluralidade de percursos interpretativos, perguntamos: até que ponto é possível tentar
re-construir o percurso do enunciador (cf. nota 41)? O que levaria um empresário a dizer
“Não preciso de máquinas enferrujadas” (ou então “Preciso de cabeças mais novas, cérebros
mais ágeis, máquinas mais ativas”)? Como chegar à interpretação metafórica a partir da
interpretação literal? Ou ainda, como chegar ao significado literal a partir da interpretação
metafórica? Se Searle (1979, p.111) está correto ao dizer metaphor gives us two ideas for
one
42
, qual seria a “outra idéia”, precisamente a idéia literal, de “juntos somos eternos” em um
enunciado como “Um a um somos mortais, juntos somos eternos” (Lúcio Apuléio)?
Finalizamos esta seção evidenciando que, enquanto for mantida a análise de que o
significado da sentença literal pertence ao domínio do significado e o significado do
enunciado pertence ao domínio do uso (conforme sustenta Searle e Davidson) e a operação da
metáfora percorrer/envolver a compreensão literal, não haverá problemas com a
caracterização da metáfora como uma “ação efetuada pela linguagem literal”; caracterização
até certo ponto idealizada, no sentido de não dar conta, de fato, da potencialidade da
linguagem, conforme exemplificamos ao longo da seção, e particularmente inibida pelas
análises psicológica e cognitivista da linguagem, que consideram a metáfora um “modo de
42
A metáfora nos dá duas idéias em uma.
82
conceptualização” inerente à cognição humana, o que elimina o vínculo entre o metafórico e o
literal, conforme explicitamos na seção seguinte.
Seção
5
5
O modelo cognitivista da metáfora
O modelo cognitivista da metáfora
5.1 A dimensão lingüístico-cognitiva da linguagem
[To Cognitive Linguistics] language is an integral part of cognition which
reflects the interaction of cultural, psychological, communicative, and
functional considerations, and which can only be understood in the context
of a realistic view of conceptualization and mental processing (JANDA,
2000, p.3).
43
As instâncias ‘significado’, ‘símbolo’ e ‘referente’, que, do ponto de vista da
Lingüística, envolvem o processo de ‘significação’, cedem espaço para as dimensões conceito
e imagem mental, que, no contexto da Lingüística Cognitiva, envolvem o processo de
conceptualização. Um conceito é uma representação mental particular a que se refere um
significado convencionalmente associado a um símbolo lingüístico. A imagem é uma
representação mental (uma idéia) disponível na consciência, que dá acesso a um conceito
particular (cf. GREEN ; EVANS, 2005). A imagem que temos, por exemplo, do animal leão
(representada na Figura 5), dá acesso ao conceito LEÃO, que é lexicalizado no português pela
palavra leão. Quando usamos a língua portuguesa e pronunciamos a forma leão esse signo
corresponde a um significado convencional, que não se conecta diretamente ao animal do
mundo físico (o referente), mas a um determinado conceito. Temos a habilidade conceptual de
integrar a informação perceptual crua a uma imagem mental coerente e bem definida
(EVANS ; GREEN, 2005).
Figura 5: Representação da imagem mental do conceito LEÃO
43
[Para a Lingüística Cognitiva] a linguagem é uma parte integrante da cognição que reflete a interação de
considerações cultural, psicológica, comunicativa e funcional e que pode ser apenas entendida no contexto de
uma visão realística da conceptualização e do processamento mental.
83
Para a Lingüística Cognitiva, o significado é incorporado (embodied), ou seja, é
modelado através do compartilhamento entre a experiência humana e a existência corporal. O
corpo humano serve de base experiencial para o entendimento de uma gama de conceitos,
freqüentemente designados image-schemas, tais como DENTRO vs. FORA, CIMA vs.
BAIXO, PERTO vs. LONGE, CONTÁVEL vs. MASSA, FUNDO vs. FORMA,
PROPORÇÃO, e ORIGEM-CAMINHO-DESTINO (JANDA, 2000, p.6)
44
. Evidenciamos
que esses conceitos, à medida que emergem de nossa interação direta com o mundo físico,
não são metafóricos, apesar de termos projeções metafóricas desses (e também de outros)
conceitos abstratos, conforme exemplificamos mais adiante por meio do conceito
MOVIMENTO.
A experiência humana, delineada por esses conceitos, é filtrada pela percepção e,
como conseqüência, a língua é caracterizada como uma descrição da percepção humana da
realidade e não como uma descrição do mundo real propriamente.
Deste modo, os significados codificados por mbolos lingüísticos referem-se, nos
termos de Jackendoff (1983 apud GREEN; EVANS, 2005, p.4), à nossa realidade projetada
isto é, a uma representação mental da realidade, que é construída pela mente humana e
mediada pelo nosso sistema perceptual e cognitivo. Isso significa que, quando examinamos
um significado, não procuramos uma correspondência entre enunciado e mundo, mas
exploramos os modos em que o significado é motivado pelas nossas capacidades perceptual e
conceptual (JANDA, 200, p.7) e, portanto, pelo mundo físico (incluindo nesse o nosso corpo).
No contexto da Lingüística Cognitiva, o processamento do pólo semântico de um
enunciado necessariamente envolve a ativação de uma ou mais esferas coerentes do
conhecimento, conhecidas como domínios cognitivos. Um domínio cognitivo, que pode ser
definido como uma representação mental de como o mundo é organizado (HILFERTY, 2001,
p.13) ou como um corpo de conhecimentos responsáveis pela organização de idéias e
experiências relacionadas em nosso sistema conceptual (EVANS ; GREEN, 2005) é uma
parte indispensável da estrutura semântica (HILFERTY, op. cit., p.16).
Por exemplo, considerando a frase “Abril está chegando”, o conceito ABRIL, que se
relaciona ao domínio conceptual de TEMPO que o mês de Abril é um evento temporal,
deve se incluir no conjunto de conceitos temporais evocados por TEMPO –, por ser um
domínio muito abstrato, é entendido em termos de um domínio conceptual relacionado à
experiência física concreta (ou menos abstrata). No exemplo, TEMPO é conceptualizado em
44
Conceitos (espaciais e relacionais) derivados de nossas interações corpóreas com o meio. Na Lingüística
Cognitiva, tanto os conceitos quanto os schemas são representados formalmente com letras maiúsculas.
84
termos do domínio de MOVIMENTO físico, conforme o próprio uso da palavra chegar”, no
contexto de toda a frase, evidencia.
Depreende-se, como conseqüência, que os conceitos não existem no vácuo, mas em
relação a outros, mais gerais, terrenos do conhecimento (HILFERTY, 2001, p.13). Assim, os
domínios cognitivos mais gerais (como, por exemplo, o domínio de TEMPO) emolduram, ou
modelam, os conceitos mais específicos (como, por exemplo, os conceitos SEMANA,
SEMESTRE, BIMESTRE, MÊS, etc.).
Além dos domínios conceptuais, para a Lingüística Cognitiva, as categorias cognitivas
também fazem parte da estrutura semântica. As categorias humanas tendem a ter estruturas
internas definidas e fronteiras obscuras. Uma categoria é motivada e organizada em torno de
um membro prototípico, com o qual todos os outros membros mantêm algum tipo de relação,
que não é, necessariamente, o compartilhamento de traços comuns (JANDA, 2000, p. 9). O
protótipo de uma categoria tem saliência especial, atribuída de acordo com o modo como os
homens interagem com os membros de uma categoria. Assim, o conteúdo e a estrutura das
categorias variam de língua para língua, mas são convencionais dentro de cada comunidade
lingüística.
As categorias não arranjam individualmente informações, mas também se
relacionam umas às outras, participando de hierarquias de categorização, que envolvem níveis
subordinados e superordenados.
Por exemplo, a instituição do casamento, envolve todo um conjunto de conhecimentos,
crenças e expectativas sócio-culturais que ajudam a delinear e a definir a concepção que
temos de casamento. Esses conhecimentos, que englobam a união ou a aliança entre um
homem e uma mulher na idade adulta, incluem, em nossa cultura, também a expectativa “até
que a morte os separe”, ou seja, de que o casamento seja único e que dure até a morte dos
parceiros. Esses conhecimentos e expectativas, segundo Fillmore (1982 apud PETRUCK,
1996, p.2), modelam a concepção que temos da instituição do casamento e, assim, projetam o
domínio conceptual CASAMENTO, que usamos como contexto conceptual para
compreender, por exemplo, o conceito SOLTEIRO. Assim, é a concepção que temos de
casamento que forma a categoria CASAMENTO. Dentro dessa concepção, os membros que
não correspondem às expectativas tácitas da categoria (como, por exemplo, o casamento entre
duas mulheres ou entre dois homens, o casamento na idade puerícia, o casamento poligâmico,
etc.) são julgados membros periféricos, em contraste àqueles que se encaixam nas
expectativas - os protótipos (representado, na categoria em questão, pela visão padrão de parte
da cultura ocidental de casamento) (LAKOFF, 1987).
85
Evidencia-se que os protótipos não existem objetivamente no mundo real, mas
parecem ser, antes, efeitos que têm a ver com julgamentos de representatividade, conforme
enfatiza Rosch (1983 apud HILFERTY, 2001, p.20). Por serem multiplamente motivados, os
membros de uma categoria podem se relacionar com o protótipo de maneiras diversas. O
reconhecimento da motivação múltipla de determinados membros de uma categoria nos
permite perceber e analisar, por exemplo, os fenômenos de ambigüidade e de sobreposição
(JANDA, 2000, p.11).
Em termos de hierarquia, pensando isoladamente na estrutura interna da categoria
CASAMENTO, o casamento “padrão” é representado, em nossa cultura, no nível
superordenado, se comparado com o casamento homossexual, por exemplo. na cultura
holandesa, como o casamento gay é liberalizado, não a concepção de casamento padrão
deve ser diferente, como também, para os holandeses, a distância hierárquica entre o
casamento homossexual e o casamento heterossexual, pode ser conceptualmente pequena ou
até mesmo nula.
Segundo Lakoff (1987, p.68), as estruturas categoriais e os efeitos prototípicos são
resultados do modo como organizamos o conhecimento. Conforme evidenciamos, a
organização do conhecimento se por meio de domínios cognitivos, também denominados
Modelos Cognitivos Idealizados (MCI) (LAKOFF, 1987). Como, então, um modelo cognitivo
e uma categoria conceptual estariam relacionados? Segundo Lakoff, qualquer elemento de
um MCI pode, em geral, corresponder a uma categoria conceptual, supondo, por exemplo,
que cada MCI constitua um esquema. Nesse paradigma, cada esquema seria caracterizado
como uma rede de nós interligados. Cada nó de um esquema particular poderia corresponder a
uma categoria conceptual. As propriedades das categorias dependeriam de muitos fatores, tais
como: o papel do em um dado esquema, a sua relação com outros nós no esquema, a
relação do esquema com outros esquemas e a interação global de tal esquema com outros
aspectos do sistema conceptual. Nesse modelo, os efeitos prototípicos emergiriam da
interação de um dado esquema com outros esquemas no sistema (LAKOFF, 1987, p.69-70).
Assim, cada MCI estrutura um espaço mental. O acesso e a manipulação dos espaços
mentais se dão por meio da cognição e do uso da língua. Os espaços mentais são construídos
pela experiência perceptual humana e são estendidos através de processos de mapeamentos
(mappings) construtivos (JANDA, 2000, p.12). Dentre os processos mais significativos, que
incluem a metonímia e a “mesclagem” (blend), estamos analisando a metáfora.
Para finalizar esta seção, evidenciamos que, diferentemente da estrutura
composicional da semântica tradicional, entendida como um repositório de princípios e
86
condições baseados em valores de verdade entre o enunciado lingüístico e a realidade
objetiva, a semântica, na Lingüística Cognitiva, tem natureza gestáltica, o significado e a
condição de verdade são relativos ao entendimento “incorporado”, e é igualada a habilidades
cognitivas como a conceptualização e a categorização. Consideremos as frases (descritas em
HILFERTY, 2001, p.11-12):
a. “O meu cirurgião é um açougueiro”
b. “O meu açougueiro é um cirurgião”
Na frase a, o cirurgião é considerado inábil em seu trabalho, enquanto na frase b, o
açougueiro é considerado habilidoso. As interpretações das frases a e b não são depreendidas
a partir da simples soma dos significados das palavras individuais que as formam, à medida
que os significados isolados de “o”, “meu”, cirurgião”, “é”, “um”, “açougueiro”, não
indicam nem sugerem qualquer tipo de inaptidão ou habilidade, conforme sugerem as frases
como um todo. Então, como esses significados, depreciativo, no primeiro caso, e apreciativo,
no segundo, emergem? Com a simples comparação da forma X é como Y’ gramaticalmente
estabelecida? A resposta é sim, se as frases a e b forem analisadas do ponto de vista
tradicional. Mas, não, se analisadas do ponto de vista da Lingüística Cognitiva.
45
Os efeitos, de inaptidão (do cirurgião) produzido na frase a e de habilidade (do
açougueiro) produzido na frase b, não atribuíveis a “cirurgião” e a “açougueiro”
isoladamente, emergem naturalmente dos atos do “cirurgião” e do “açougueiro” estarem
mesclados. Por mesclagem entende-se a integração semântico-gramatical entre a estrutura
gramatical e os elementos constituintes de tal estrutura. Para a Lingüística Cognitiva, esse é
um ponto crucial, na medida em que a existência de significados induzidos pela construção,
como ocorre com as frases a e b, sugere que as estruturas sintáticas sejam, por si só,
significativas. Consideremos as frases:
(a’) “O meu cirurgião é açougueiro”
“O meu cirurgião é (também) um açougueiro”
(b’) “O meu açougueiro é cirurgião”
“O meu açougueiro é (também) um cirurgião”
45
Mencionamos que, do ponto de vista interacionista, a resposta também seria não, pois mudam-se o foco e o
frame.
87
Nas frases (a)’ e (b’), a falta do artigo indefinido em posição pós-copula sugere que a
pessoa literalmente trabalha como cirurgião e como açougueiro. Do ponto de vista lingüístico-
cognitivo, é a integração semântico-gramatical, isto é, a semântica incorporada em cada
construção particular, que engendra o sentido dos enunciados. Isto quer dizer que as estruturas
sintáticas carregam instruções semânticas que, para a Lingüística Cognitiva, são instruções
para a construção do conteúdo conceptual (HILFERTY, 2001, p.12). Isso ocorre porque a
estrutura semântica é vista como uma estrutura conceptual convencional, que conforme
apresentamos, está conectada a estruturas mais gerais do conhecimento, como, por exemplo,
aos domínios cognitivos e aos processos de categorização. Os domínios e as categorias,
responsáveis pela organização do conhecimento, isto é, pelo armazenamento, acesso e
manipulação do conhecimento, por sua vez, constroem espaços mentais encaixados, dentre
outros, pelo processo metafórico. Para concluir, as interpretações das frases metafóricas a e b
advêm, assim, da estrutura sistemática do sistema conceptual e, em particular, do processo
construtivo metafórico. É nesse sentido que dissemos que o significado é motivado pelas
capacidades humanas conceptual e perceptiva.
Logo, investigar a dimensão cognitiva da linguagem significa investigar as estruturas
conceptuais e pré-conceptuais que impulsionam o uso lingüístico (SILVA, 1997). Essas
estruturas, no âmbito da Lingüística Cognitiva, são caracterizadas, dentre outras formas, como
metáforas conceptuais e metonímias conceptuais.
5.2 O processamento conceptual e a manifestação lingüística da metáfora
Metaphor is pervasive in everyday life, not just in language but in thought
and action. (…) The essence of metaphor is understanding and experiencing
one kind of thing in terms of another.
46
(LAKOFF ; JOHNSON, 1980, p.3, 5)
No contexto da Lingüística Cognitiva, a metáfora é um fenômeno conceptual, uma
propriedade cognitiva, que usamos para falar e para raciocinar sobre conceitos mais abstratos,
mais específicos.
Especificada como um modo de organização e de estruturação do conhecimento, da
experiência e da linguagem do cotidiano, a metáfora, no universo cognitivo, é definida como
46
A metáfora está por toda parte da vida cotidiana, não apenas na linguagem, mas no pensamento e na ação.
(...)A essência da metáfora é entender e experienciar um tipo de coisa em termos de outra.
88
o entendimento de um domínio conceptual, isto é, um domínio do conhecimento ou da
experiência, em termos de outro domínio conceptual. Entender uma metáfora significa
entender as co-relações estabelecidas entre os dois domínios conceptuais por ela aproximados.
Esses domínios, participantes na metáfora conceptual, são comumente denominados domínio
fonte e domínio alvo. O primeiro é o domínio conceptual mais concreto em que esboçamos a
expressão metafórica para entender o outro segundo domínio (KOVECSES, 2002, p.5).
Para a Lingüística Cognitiva, o termo “metáfora” significa uma correspondência
conceptual, isto é, uma conexão neural ou “mapeamento” (mapping) entre dois domínios
conceptuais. Nesse universo, a metáfora conceptual deve ser diferenciada da “expressão
metafórica”, ou seja, da sua expressão lingüística, que pode ser uma unidade ou expressão
lexical, um sintagma ou uma frase. A expressão lingüística da metáfora deve ser entendida
como a realização, ou instanciação, do mapeamento entre os dois domínios. Usando a
terminologia de Lyons (1977, p.13), enquanto a metáfora conceptual, ou metáfora, constitui
um modo particular de raciocinar, gerando tipos de mapeamentos (type), a expressão
lingüística da metáfora é a manifestação desse mapeamento na fala, ou seja, a realização ou
ocorrência de uma metáfora (token).
O que significa dizer que um domínio A é entendido em termos de um domínio B?
Consideremos as frases compiladas do corpus do NILC
47
:
A) Teixeira, embriagado, atacou a imprensa paulista, e não exatamente Prósperi, ainda que tenha
lançado em sua direção o insulto.
B) A diferença é que Collor, quando atacou, atingiu Lula em cheio.
C) 'Ana Luiza ficou calada e Leopoldo então atacou: ' Você não pode decidir nada, você não é nada.
D) E defendem suas fixações com a mais afiada arma que possuem: a escrita.
E) A comédia é o formato ideal para destruir as neuroses criadas pelo politicamente correto e pela
guerra ao colesterol.
F) Tenho que ter cuidado com os contra-ataques, que são rápidos e muito bem articulados.
G) A insistência de Osiris sobre os riscos da extinção da Ufir acabou vencendo argumentos contrários.
H) Com sua metralhadora verbal, Jirinovski contra-atacou, direcionando a ofensiva contra Clinton e
Ieltsin.
Essas frases sugerem uma co-relação ou correspondência entre os atos de argumentar e
os atos de guerrear. Como em uma guerra, ao argumentarmos nós ganhamos/perdemos,
atacamos/contra-atacamos, defendemos, planejamos, usamos estratégias, consideramos a
pessoa com quem argumentamos oponente, etc. É porque pensamos o argumentar a partir do
47
Núcleo Interinstitucional de Lingüística Computacional, disponível para consulta no endereço eletrônico
http://acdc.linguateca.pt/acesso/. Acesso em 8-Ag. 2005.
89
conceito de guerrear, que parece natural que argumentar seja bélico. Nos termos de Lakoff e
Johnson, via metáfora, o domínio conceptual de argumentar (o domínio alvo) é parcialmente
construído e entendido em termos do domínio conceptual de guerrear (o domínio fonte).
Nesse contexto, as expressões em negrito nas frases A-H são consideradas evidências
lingüísticas da estruturação conceptual metafórica do conceito de argumentar em termos do
conceito de guerrear. A consistência dessa estruturação pode ser observada nas frases
descritas e, com particular êxito, na frase H, que verbaliza elementos próprios do campo
semântico de guerrear, conforme evidencia os termos sublinhados.
Assim, dizer que o domínio A é entendido em termos do domínio B significa,
primeiro, admitir um conjunto de correspondências (co-relações) sistemáticas entre A e B e,
segundo, admitir que elementos conceptuais constituintes de B correspondem a elementos
conceptuais constituintes de A. As correspondências entre A e B caracterizam mapeamentos
estruturados entre o domínio fonte e o domínio alvo. Nos exemplos A-H, entidades do
domínio de argumentar (como, por exemplo, os argüidores, a argumentação, os debatedores)
correspondem a entidades do domínio de guerrear (os atacantes, a guerra, os contra-atacantes,
respectivamente).
Lakoff e Johnson (1980) nomeiam essas correspondências por meio de mnemônicos
da forma DOMÍNIO-ALVO É DOMÍNIO-FONTE, ou DOMÍNIO-ALVO COMO
DOMÍNIO-FONTE. Em nossa exemplificação, o nome do mapeamento é ARGUMENTAR É
GUERREAR. O mnemônico ARGUMENTAR É GUERREAR é usado para referir ao
conjunto de correspondências conceptuais que caracterizam o mapeamento ARGUMENTAR-
COMO-GUERREAR. Em Lakoff (1993) as correspondências entre domínios o
indistintamente apresentadas ora como “correspondências conceptuais” ora como
“correspondências ontológicas”. Por ontologia entende-se uma especificação explícita de uma
conceptualização (GRUBER, apud VOSSEN, 1998, p.132) ou ainda um conjunto de objetos
distintos resultante da análise de um domínio [particular] ou de um micro-mundo
(JURAFSKY ; MARTIN, 2000, p.601). Desse ponto de vista, uma ontologia é constituída de
conceptualizações potenciais, isto é, de conceptualizações que são lingüisticamente
lexicalizadas e de conceptualizações que podem não ser lexicalizadas em uma determinada
língua. Por exemplo, o conceito SAUDADE é lexicalizado no português pela forma saudade,
mas constitui uma lacuna lexical, por exemplo, no inglês.
Pode-se dizer que as correspondências ontológicas que constituem a metáfora
ARGUMENTAR É GUERREAR mapeiam a ontologia de guerrear na ontologia de
argumentar. Isso significa que padrões de inferências do domínio fonte são relacionados com
90
padrões de inferências do domínio alvo: o atacante relaciona-se com o argüidor, a guerra
relaciona-se com a argumentação, o contra-atacante relaciona-se com o debatedor. Além
desses, outros padrões também podem ser relacionados como, por exemplo, os objetivos da
argumentação correspondem aos motivos da guerra, as dificuldades da argumentação
correspondem aos obstáculos da guerra, etc.
Evidencia-se que as correspondências, que são convencionais, potenciais e estáticas,
podem ou não ser ativadas. Quando ativadas, em particular, quando se trata de metáforas
convencionais, responsáveis pela produção de sentenças metafóricas usuais, padrões de
inferências do domínio fonte são co-relacionados com padrões de inferências do domínio
alvo. Quando não ativadas, quando se trata de conceitos idiossincráticos, que podem ser
conceitos metafóricos não convencionais, responsáveis, por exemplo, pela produção de
metáforas novas, conceitos metonímicos, responsáveis pela produção de sentenças
metonímicas, ou conceitos literais, responsáveis pela produção de sentenças literais, não há
co-relações entre padrões de inferências. Exemplificamos a seguir cada um desses conceitos
que, segundo Lakoff e Johnson (1980), estruturam o sistema conceptual humano.
Os “conceitos metafóricos” são aqueles que não são diretamente estruturados, mas que
são estruturados e experienciados em termos de outros conceitos, menos abstratos ou mais
intuitivos (LAKOFF ; JOHNSON, 1980, p.115). Por serem estáveis, as correspondências
estabelecidas entre os dois domínios conceptuais manifestam-se na língua através de um
conjunto de expressões metafóricas que são, por convenção, fixas no léxico português. Pode-
se dizer que as expressões “atacar/contra-atacar uma idéia”, “defender um ponto de vista”, são
ocorrências convencionais da metáfora-tipo ARGUMENTAR É GUERREAR. Considerando
essas expressões evidências primárias, as expressões “lançar em (sua) direção” e “afiada
arma”, descritas em itálico, respectivamente, nas frases A e D, poderiam ser consideradas
evidências lingüísticas secundárias do mapeamento. É o que Lakoff (1993, p. 209) chama de
generalizações polissêmicas, isto é, generalizações entre expressões lingüísticas
semanticamente relacionadas. São generalizações que ocorrem, por exemplo, na frase E, entre
“destruir” e “guerra”, na frase H entre “metralhadora”, “contra-atacar” e “direcionar a
ofensiva contra”, e assim por diante.
Os “conceitos literais”, contrariamente, são conceitos que são diretamente estruturados
ou apreendidos sem a intervenção de outros conceitos. A estrutura dos conceitos literais
emerge unicamente da interação do indivíduo com o ambiente e com o espaço físico, como,
por exemplo, os conceitos espaciais e orientacionais: DENTRO-FORA, FRENTE-TRÁS,
91
PERTO-LONGE, CIMA-BAIXO; esses conceitos são responsáveis pela produção de frases
literais como “O gato está no tapete”, “O balão subiu”, “A minha casa fica atrás da sua”, etc.
os “conceitos idiossincráticos” podem resultar de uma incoerência de um sistema
coerente, conforme sugere a frase “My spirits rose” (“Eu me exaltei”) (LAKOFF ;
JOHNSON, 1980, p.18), (enunciada, por exemplo, em um contexto em que a pessoa tomou
alguma decisão precipitada se saindo mal por isso), que parece ser uma evidência
idiossincrática da metáfora (SER/ESTAR) FELIZ É ESTAR PARA CIMA, à medida que a
frase significa “estar triste” e não “estar feliz”, conforme a expressão “estar pra cima”
comumente significa. Os conceitos não sistemáticos, usados aleatoriamente, são também
considerados idiossincráticos. Segundo Lakoff e Johnson (1980, p.55), as expressões “pé da
montanha” e “perna da mesa” são instâncias isoladas de metáforas não convencionais do tipo
MONTANHA É PESSOA e MESA É PESSOA, em que apenas partes isoladas, no caso, “pé”
e “perna”, respectivamente, são usadas no mapeamento. Por serem idiossincráticos, não
sistemáticos e isolados, esses conceitos não interagem com outras metáforas, não exercendo
qualquer papel ativo no sistema conceptual, contrariamente aos conceitos metafóricos
sistemáticos, que são vivos e pelos quais vivemos (LAKOFF ; JOHNSON, 1980, p.55).
Por fim, os “conceitos metonímicos”, assim como os conceitos metafóricos,
constituem processos coerentes do sistema conceptual humano, mas diferentemente destes,
aqueles emergem de co-relações entre duas entidades dentro de um mesmo domínio
conceptual. A co-relação estabelece-se da seguinte forma: uma entidade, geralmente
designada entidade veículo, é usada para indicar ou para fornecer acesso mental a outra
entidade, comumente designada entidade alvo. Na metonímia PARTE PELO TODO,
lingüisticamente instanciada, por exemplo, na frase “Precisamos de novas cabeças na
universidade”, a entidade-parte “cabeça” (que representa a entidade veículo) sustenta a
entidade-todo “pessoa” (que representa a entidade alvo). O conceito PARTE PELO TODO
pode ser manifestado em outros conceitos como, por exemplo, O ROSTO PELA PESSOA,
conforme instanciado nas frases “Sobretudo, era um rosto bom”, “Para ele, Nelson Carneiro é
um dos poucos parlamentares que podem se orgulhar de ter uma obra legislativa completa,
marcando a mudança na face da sociedade brasileira”, compiladas do corpus do NILC.
Um traço básico entre as entidades (fonte e alvo) relacionadas metonimicamente é que
elas estão em um certo grau de proximidade no espaço conceptual (KOVECSES, 2002, p.
144). Por exemplo, a metonímia PRODUTOR PELO PRODUTO, instanciada em frases como
“Estou cansada de ler Machado”, pertence a um domínio conceptual, que pode ser nomeado
PRODUÇÃO, que é constituído de várias entidades próximas conceptualmente, como o
92
produtor (no caso, Machado de Assis) e o produto (no caso, uma obra escrita por Machado de
Assis). Evidenciamos que esse é o ponto chave que diferencia a metonímia, da ótica da
Lingüística Cognitiva, da metonímia, do ponto de vista tradicional. Enquanto a proximidade
característica da metonímia é tradicionalmente expressa por meio da argumentação de que
duas entidades são contigüamente relacionadas, essa mesma argumentação é, na Lingüística
Cognitiva, precisada pelo espaço conceptual. Assim, a diferença principal entre a metonímia e
a metáfora, da ótica cognitiva, é que, enquanto a metáfora é definida como o mapeamento
entre dois domínios conceptualmente distantes (embora possam ser aproximados, seja pela
similaridade real/objetiva, seja pela similaridade percebida, seja por correlações na
experiência), a metonímia é entendida como um mapeamento que ocorre entre entidades
conceptualmente próximas e contidas em um mesmo domínio conceptual. Entretanto, tanto na
metáfora quanto na metonímia, um mapeamento conceptual que se reflete na língua da
seguinte forma: uma expressão lingüística com um significado A expressa um significado B
(LAKOFF; JOHNSON, 1980, p.265).
Esboçamos, nas figuras 7 e 8, uma representação esquemática de um mapeamento
metonímico e de um mapeamento metafórico, respectivamente.
Figura 6: Representação da projeção conceptual do mapeamento MACHADOOBRA DE
MACHADO.
Entidade
Entidade
veí c ul o
veí c ul o
PRODUTOR
PRODUTOR
MAC HAD O
MAC HAD O
Entidade
Entidade
al v o
al v o
PRODUTO
PRODUTO
OBRA DE
OBRA DE
MAC H
MAC H
ADO
ADO
Domí ni o
Domí ni o
Co nc e pt u al
Co nc e pt u al
S
S
S
I
I
I
S
S
S
T
T
T
E
E
E
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M
M
A
A
A
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C
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N
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C
C
E
E
E
P
P
P
T
T
T
U
U
U
A
A
A
L
L
L
93
Figura 7: Representação da projeção conceptual do mapeamento entre os domínios fonte
GUERREAR e alvo ARGUMENTAR.
Interpretemos as Figuras 6 e 7. O sistema conceptual humano é estruturado em termos
de conceitos metafóricos, literais, metonímicos e idiossincráticos. Os conceitos metafóricos e
metonímicos são estruturados em termos de domínios conceptuais. Os domínios conceptuais,
por sua vez, são estruturados em termos de padrões de inferência. Os conceitos metafóricos
são caracterizados como mapeamentos usados para entender um domínio alvo em termos de
um domínio fonte, ou, posto diferentemente, para entender um conjunto de entidades em
termos de um outro conjunto conceptualmente distante. Os conceitos metonímicos, por outro
lado, são caracterizados como mapeamentos usados para fornecer acesso a uma entidade alvo,
através de uma entidade veículo, conceptualmente próxima, dentro de um único e mesmo
domínio conceptual.
Por serem responsáveis pela estruturação do sistema conceptual em termos de
diferentes domínios cognitivos, os mapeamentos metafóricos, que são convencionais e
sistemáticos, constituem uma parte fixa de nosso sistema conceptual. A estrutura metafórica
dos conceitos é necessariamente parcial, ou seja, apenas algumas correspondências o
enfatizadas enquanto outras são camufladas, daí, por exemplo, a metáfora ARGUMENTAR É
GUERREAR constituir apenas uma das maneiras de conceptualizar a argumentação. Assim,
apesar de serem inconscientes, nós não violamos os mapeamentos que são convencionalmente
fixos para uma determinada comunidade lingüística. Isto significa que não é qualquer
elemento conceptual do domínio alvo que pode ser co-relacionado com qualquer elemento do
domínio fonte. restrições sobre as correspondências fixas que as limitam e as precisam,
Domínio Cognitivo 1
GUERREAR
Domínio Cognitivo 2
ARGUMENTAR
Domínio
Conceptual
fonte
fonte
mapping
mapping
Domínio
Conceptual
alvo
alvo
S
S
S
I
I
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C
E
E
E
P
P
P
T
T
T
U
U
U
A
A
A
L
L
L
94
garantindo que o interior do domínio fonte corresponda ao interior do domínio alvo, o exterior
do domínio fonte ao exterior do domínio alvo, e assim por diante. Como conseência, as
estruturas dos mapeamentos não são violadas; Lakoff; Johnson (1980) designam esse
processo “Princípio da Invariância”.
A estrutura sistemática dos mapeamentos é refletida no léxico da língua, incluindo o
léxico de unidades compostas, que contém expressões de forma fixa. As expressões
lingüísticas usadas metaforicamente devem estar em conformidade com os mapeamentos ou
com as correspondências conceptuais entre fonte e alvo (cf. KOVECSES, 2002, p.9). Por
exemplo, os aspectos de interação falante-ouvinte da argumentação, evidenciados em frases
como “Não fossem os seus argumentos não teria havido diálogo”, “Ele me ajudou a entender
melhor o processo”, “João articula, Júlio discursa”, etc., não são enfocados no mapeamento
ARGUMENTAR-COMO-GUERREAR.
Assim, um dos pressupostos centrais que delineia a Lingüística Cognitiva e que
sustenta a coerência da teoria da metáfora conceptual, conforme sugere a exemplificação
esboçada, é que a forma como a língua é padronizada e o modo como ela é sistematicamente
usada, é um reflexo do modo como o sistema conceptual humano é estruturado, que é, por sua
vez, em parte, um reflexo do modo como o mundo, incluindo a nossa experiência sócio-
cultural, é organizado por nós.
Evidencia-se que, ao sustentar que o fenômeno metafórico é governado por certos
princípios regulares (empiricamente constatáveis e cientificamente tratáveis), a teoria da
metáfora conceptual subverte a tese tradicional de que o fenômeno metafórico é irregular ou
singular (em oposição à regularidade da linguagem literal) (cf. MARTINS, 1999, p.62).
Estabelecendo uma comparação entre o modelo interacionista e o modelo cognitivista,
pode-se dizer que, enquanto Black (1962) foi o primeiro a chamar a atenção para o poder
cognitivo da metáfora, Lakoff e Johnson (1980) foram os primeiros a atribuírem esse poder ao
pensamento comum/cotidiano. De acordo com Lakoff (2001 apud OLIVEIRA, 2001, p.24),
[Black] saw metaphor as external to ordinary everyday language and meaning, which was the
heart of what I was interested in (…) What influenced me was the discovery that ordinary
everyday thought and language, and especially ordinary everyday thought, is structured
metaphorically.
48
48
[Black] enxergou a metáfora como externa à linguagem cotidiana e ao significado comum, [idéias] nas quais
eu estava interessado (...) O que me influenciou foi a descoberta de que a linguagem e o pensamento do
cotidiano e, especialmente o pensamento cotidiano, é estruturado metaforicamente.
95
Ainda de acordo com Lakoff (2001 apud OLIVEIRA, 1998, p.89-90), à medida que
Black sinaliza o “ver como” como um processo geral de conceptualização e, assim, promove
uma caracterização da metáfora do tipo “pensamento como linguagem”, ele não pressupõe
a existência de uma verdade sobre o mundo, como também trata indistintamente ambas as
dimensões (lingüística e cognitiva), idéias abominadas pela TMC. Além disso, enquanto o
modelo interacionista analisa, isoladamente, as linguagens literal e metafórica,
respectivamente, como linguagens comum e criativa (como parte da imaginação, da poesia,
etc.), a TMC analisa ambas em conjunto.
Outro ponto concerne à direcionalidade do mapeamento metafórico, considerada pelo
próprio Lakoff (ibid, p.105), uma crítica ao modelo interacionista de Black.
Por fim, quanto às expressões metafóricas, enquanto a TMC as analisam de modo
sistemático, a partir de generalizações conceptuais, o modelo interacionista desconsidera
generalizações, analisando cada metáfora, separadamente, como um tipo lingüístico, em
oposição a ocorrência (conforme distinguimos no início desta subseção).
96
______________________________________________________________________
EQUACIONAMENTO DO DOMÍNIO LINGÜÍSTICO
EQUACIONAMENTO DO DOMÍNIO LINGÜÍSTICO
-
-
COMPUTACIONAL
COMPUTACIONAL
______________________________________________________________________
97
Seção 6
Seção 6
-
-
A representação formal da metáfora
A representação formal da metáfora
6.1 Definindo a metáfora para fins representacionais
Para fixarmos aspectos da representação formal da metáfora é necessário,
primeiramente, uma definição de metáfora. À medida que a definição “científica” requer todo
um arcabouço teórico-metodológico que a sustente, a metáfora pode ser definida
cientificamente dentro de uma concepção particular. É por isso que, em geral, os modelos não
respondem à pergunta “como a metáfora é definida?”, pois a metáfora é compreendida
quando o modelo é compreendido: a definição emerge da compreensão do modelo. O que
muitas vezes se encontra é uma caracterização da metáfora ou um recorte de definição pré-
estabelecida (delimitada a partir de um modelo particular ou da miscelânea de modelos),
como ocorre na maioria, senão em todos os aplicativos computacionais que, de alguma forma,
visam codificar a metáfora.
Um outro ponto que desfavorece a delimitação de uma definição diz respeito a fatos
lingüísticos, responsáveis pela variedade de tipos de metáfora lingüística inventariados na
literatura. Esses tipos são, tradicionalmente, classificados em dois grupos: o grupo das
“metáforas congeladas” (também referidas como metáforas convencionais, cristalizadas,
mortas ou literais) e o grupo das “metáforas novas” (também designadas metáforas criativas,
poéticas, vivas ou ad hoc). As metáforas “Maria está com dor no coração”, “A corrupção deve
ser combatida com armas de fogo”, “Laura é uma fera”, “Esse remédio mata os germes”, “Os
boatos corriam solto”, “Precisamos amadurecer as idéias”, “A asa da xícara fica do lado de
fora”, por possuírem uma interpretação cristalizada, exemplificam o grupo das metáforas
congeladas. Já, as metáforas “As células do câncer são os insurgentes iraquianos”, “A sua
fúria é um café poderoso”, “Estou com pensamentos octogonais”, “Júlia tem promessas
hipocondríacas”, “O céu está gripado hoje”, por não possuírem uma interpretação fixa,
exemplificam o grupo das metáforas novas.
98
Desconsiderando a crueza dessa proposta de classificação da metáfora, que
desconsidera os diferentes “graus de metaforicidade”
49
e tendo em vista os exemplos
esboçados, perguntamos: até que ponto é possível ser objetivo frente a essa classificação? E
ainda, até que ponto essa classificação sustenta as fronteiras que separam as metáforas, em
particular, as metáforas congeladas, das expressões idiomáticas? Por exemplo, considerando a
expressão “saia justa”, em uma frase como “Maria ficou na maior saia justa durante a
reunião”, será que essa expressão deve ser inserida no grupo das metáforas congeladas ou no
grupo das expressões idiomáticas?
Segundo Glucksberg (2001, p.68), o que separa uma expressão idiomática de uma
expressão fixa é a natureza “não-lógica” da expressão idiomática, entendida como a falta de
qualquer relação discernível entre o significado lingüístico e o significado idiomático.
50
Seguindo essa definição, a expressão “saia justa” não deve ser classificada como idiomática,
já que o significado “situação complicada”, apesar de não ser derivado da composição “saia +
justa”, emerge de um esquema de imagem de “impedimento de movimentação” (no sentido
conceptual e físico), o que, de certa forma, sugere uma relação discernível entre os
significados lingüístico e idiomático. O que não ocorre, por exemplo, com a expressão “rei da
cocada preta”, exemplificada em Ele se acha o rei da cocada preta”.
Entretanto, a fronteira que separa as metáforas congeladas das expressões idiomáticas,
torna-se, muitas vezes, obscura face à delimitação uniforme (e não gradativa) de ambas (cf.
nota 49). Mesmo em vista de tal fato parece-nos, entretanto, que a distinção entre as
expressões idiomáticas e as metáforas congeladas constitui o primeiro passo para a
delimitação de uma definição de metáfora.
Um segundo passo seria o esboço de uma definição que abarque o mecanismo de
produção/compreensão de, pelo menos, algumas metáforas.
Assim, para não nos comprometermos com um modelo particular e também para não
formularmos uma definição metafórica ad hoc, propomos, para fins computacionais, uma
“proto-definição” que visa a explicar o mecanismo de produção/compreensão da metáfora, em
particular, no âmbito dos modelos metafóricos tradicional, interacionista e cognitivista
(analisados no domínio Lingüístico-Cognitivo), os quais acreditamos ser os mais apropriados
49
Por “graus de metaforicidade” estamos entendendo os diferentes níveis ou a gradação das metáforas. Por
exemplo, se pensarmos em uma escala metafórica, as duas extremidades dessa escala seriam preenchidas pelos
pólos +metarico e metafórico, que representariam a gradação máxima e mínima, respectivamente, dos tipos
metáfora nova e metáfora congelada. Assim, a metáfora “João quebrou o pé da mesa” estaria mais pxima do
pólo “–metafórico” que, por exemplo, a metáfora “João é uma baleia”.
50
A expressão idiomática é comumente definida como “uma construção, cujo significado não pode ser derivado
dos significados de seus constituintes” (GLUCKSBERG, 2001, p. 68)
99
para fins do PLN. Essa proto-definição poderia ser assim caracterizada: “a metáfora é um
mecanismo de co-relação entre duas entidades concretas ou abstratas”.
É a partir dessa proto-definição que os modelos, em geral, fixam suas definições de
metáfora. Por exemplo, a teoria tradicional a reescreveria como “um veículo de transferência
de similaridades entre dois objetos”, a teoria interacionista, como “um processo de interação
entre o foco e o frame” e a teoria conceptual como “um mapeamento conceptual entre os
domínios fonte e alvo”. Cada um desses modelos pressupõe um tipo de relação (seja
unidirecional, seja bidirecional) entre as duas entidades, genericamente entendidas como
objetos, idéias ou conceitos. À medida que a relação envolve algum tipo de transferência, essa
proto-definição poderia também ser reescrita como “um mecanismo de transferência de algum
tipo de conhecimento entre dois conceitos”. Nesse caso, o termo “conhecimento” seria
especificado, nos três modelos, respectivamente, pelos termos similaridades”,
“características” (considerando que os “sistemas de lugares comuns” são constituídos de
características) e “estruturas conceptuais”.
Assim, quando analisamos a representação formal da metáfora, é a essa concepção de
metáfora, especificada como “qualquer palavra ou expressão que pressupõe, em um
enunciado, algum tipo de relação entre duas idéias ou dois conceitos”, a que nos referimos.
Mencionamos que essa definição não conta da distinção entre a metáfora e a metonímia.
Mas, à medida que as relações de inferência metonímica existentes, por exemplo, entre
“escola” e “aluno”, em contextos como “A escola exigiu uma explicação do governo”, de
certa forma, não deixam de ser metafóricas, acreditamoso haver problemas com essa
indistinção.
Evidenciamos ainda que essa proto-definição, aqui fixada, não abrangeria, por
exemplo, as abordagens metafóricas sustentadas por Searle e Davidson, que esses autores
não atribuem a metaforicidade a um tipo de relação entre idéias.
51
51
Se a metáfora (nessas abordagens) fosse para ser entendida em termos de algum tipo de relação, a relação seria
interpretada como uma relação falante-ouvinte; mas, ao envolver a instância discursiva e, portanto, um outro
nível de análise, o sentido da proto-definição deveria ser redimensionado.
100
6.2 Especificando a representação formal da metáfora
Para que a informação lingüística possa ser representada em um sistema voltado para o
PLN, a natureza da informação investigada deve ser compatível com a arquitetura do
aplicativo computacional que irá codificá-la. (cf. OLIVEIRA, 2002, p.8). Como as redes
wordnets têm como proposta a representação do conhecimento em termos de campos
semânticos (cf. seção 6.4), a representação formal da metáfora deve ser consistente com essa
estrutura. Como e em que vel (semântico, conceptual, etc.) acrescentar a metáfora
dependem de como a teoria lingüística adotada propõe representar o conhecimento. Como
se avaliou, Lakoff e Johnson (1980), por exemplo, discutem o fenômeno metafórico em
termos de “domínios conceptuais” (cf. seção 5.2); Black (1962), argumenta que a
compreensão da linguagem envolve “sistemas de lugares comuns” (seção 3). Nesse sentido,
pode-se dizer que é a forma ou a estrutura do conhecimento que norteia a produção e a
compreensão da linguagem (WAY, 1991, p.62), e que determina, no âmbito do PLN, a
organização e as relações a serem representadas.
Tendo em vista as propostas de representação lingüística do conhecimento
(metafórico) analisadas no Domínio Lingüístico-Cognitivo, particularmente nas subseções
2.1, 3.1 e 5.1, bem como da definição de metáfora, esboçada na subseção anterior,
especificamos, nesta subseção, o que chamamos “representação formal” da metáfora.
Por representação formal pressupomos dois níveis: (i) um nível lingüístico, em que
analisamos como a metáfora pode ser representada na dimensão lexical; e (ii) um nível não-
lingüístico, em que investigamos uma forma de representação da metáfora nas dimensões
psicolingüística e cognitiva. Mencionamos que, durante a análise dos diferentes enfoques
metafóricos, procuramos abordar a metaforicidade nos níveis (i) e (ii), responsáveis pela visão
da metáfora, respectivamente, como uma expressão ou um produto lingüístico e como um
processo ou um recurso não necessariamente de natureza lingüística, responsável pela
produção da metáfora.
Em termos computacionais, a representação da metáfora nos níveis (i) e (ii) dão conta,
usando os termos de Fass (1991, p.64), da representação do conhecimento necessário para a
codificação da metáfora em um sistema voltado para o PLN. Evidenciamos que esse tipo de
representação não deve ser confundido com a estrutura do conhecimento, que concerne à
estrutura lingüístico-representacional do sistema propriamente dito, para o qual se investiga a
metáfora. Em outras palavras, enquanto a representação do conhecimento concerne ao modo
101
como as teorias lingüísticas especificam o conhecimento da linguagem, a estrutura do
conhecimento concerne ao modo como o sistema codifica a informação lingüística. Essa
distinção constitui, muitas vezes, um impasse para os sistemas que pretendem acrescentar a
metáfora em suas bases de conhecimento, que o modelo lingüístico (adotado para
representar a metáfora) é, em geral, adaptado ou “influenciado” pela estrutura interna do
sistema.
52
À medida que o desenvolvimento de um aplicativo computacional para codificar a
metáfora extrapola os limites deste trabalho, a investigação de uma representação formal da
metáfora concerne, usando o vocabulário de Fass, à representação do conhecimento.
Assim, as competências necessárias para o desenvolvimento desse estudo de
sistematização e de representação foram adquiridas da análise da metáfora dos enfoques
retórico-filosófico, interacionista, semântico, pragmático e cognitivista. Seguindo a nossa
metodologia, os estudos desenvolvidos no domínio Lingüístico-Cognitivo serviram de
subsídios para a investigação da metáfora na esfera dos estudos Lingüístico-Computacionais,
delimitada pelos trabalhos de codificação da metáfora no âmbito de sistemas de PLN.
6.3 Análise das propostas de representação da metáfora dos enfoques
tradicional e interacionista, no âmbito do PLN.
Conforme discutimos na subseção anterior, a representação formal da metáfora
envolve a representação das dimensões lingüística e cognitiva, resultante da análise da
metáfora, respectivamente, enquanto um produto lingüístico e enquanto um mecanismo ou
processo cognitivo. Seguindo a nossa definição de metáfora (esboçada na subseção 6.1), a
representação da relação estabelecida entre duas idéias (expressa no enunciado metafórico)
pressupõe a adoção de uma teoria que descreva a metáfora em termos de estruturas, isto é, que
proponha representações para os conhecimentos envolvidos na metáfora. Por exemplo, o
enunciado “Maria Helena é a gramática em pessoa” é analisado, da perspectiva interacionista,
como um produto lingüístico resultante de um processo cognitivo de projeção e de interação
52
Por exemplo, a representação da metáfora no âmbito das redes wordnets é direcionada pelo modo como essas
redes são estruturadas. Conforme evidenciamos na seção 6.4, os estudos sobre a representação da metáfora
nessas redes, utilizam a Teoria da Metáfora Conceptual como representação do conhecimento, mas inserem essa
proposta dentro da estrutura do conhecimento, ou da “forma” WordNet. Ao fazerem isso, a representação da
metáfora é influenciada pela estrutura do aplicativo computacional, o que talvez possa ser um indício ou uma das
causas da representação ainda insatisfatória da metáfora.
102
de implicações, especificadas como “sistemas de lugares comuns”, entre o foco metafórico
(expresso pelo conceito GRAMÁTICA) e o frame literal (expresso pelo conceito MARIA
HELENA).
Partindo de tais pressuposições e tendo em vista os modelos de metáfora analisados no
Domínio Lingüístico-Cognitivo, as concepções que se mostram consistentes com uma
representação formal são três: a tradicional, a interacionista e a cognitivista. Como um dos
aspectos abordados na discussão dos diferentes enfoques sobre a metáfora recaiu sobre a
própria representação da metáfora, conforme pontuamos precisamente nas subseções 2.2 e
3.1, nesta seção examinamos as propostas de representação (dos enfoques especificados), em
particular, no âmbito do PLN.
Do ponto de vista tradicional (subseção 2.2), sugerimos representar a metáfora em
função do Diagrama de Venn. A representação gráfica, per se, esboçada na Figura 2, não é
relevante para os nossos objetivos de representação, mas, antes, o seu conteúdo. Nesse
sentido, a importância do Diagrama de Venn está no modo como ele pode ser descrito: “as
relações de um conjunto A e de um conjunto B que possuem alguns (mas não todos)
elementos em comum” (WIKIPEDIA, http://en.wikipedia.org/wiki/Venn). Essa proposta, cuja
coerência está na concepção nela embutida, da ótica tradicional, poderia ser ainda
especificada como “As relações (comuns e distintas) existentes entre A e B, em uma metáfora
do tipo A é B”. Essa especificação, que admite (a) a existência de dois elementos, que podem
ser aproximados, (b) o compartilhamento de características entre ambos os elementos, (c) a
igualdade de características e (d) a divergência de características, pressupõe, por sua vez, a
existência de um mecanismo que interprete (a), (b), (c) e (d) de forma coerente. No paradigma
tradicional, a concepção de metáfora, que impulsiona e coerência a essa forma de
representação, analisa-a como um recurso de aproximação entre dois elementos parcialmente
semelhantes, ou ainda, como um modo de transferência de similaridades.
Assim, representar formalmente a metáfora, do ponto de vista tradicional, definida
como um “recurso de transferência de similaridades entre dois elementos que podem ser
lingüisticamente aproximados”, significa registrar (como parte do conhecimento do sistema)
os traços inerentes a cada palavra do léxico do português, para quando fossem aproximadas,
por meio da estrutura gramatical de forma A é B, os traços de cada uma das duas palavras
envolvidas na construção fossem comparados e, a partir da intersecção de traços, serem ou
não sancionados pela metáfora. Esse empreendimento, no domínio lingüístico-computacional
seria ilusório por, pelo menos, dois motivos: (i) porque talvez não sejamos capazes de
especificar precisamente o quê transferir do veículo para o tópico e (ii) porque a
103
metaforicidade emerge do enunciado como um todo,o sendo reconstituída a partir da
recuperação e da combinação de propriedades pré-existentes, conforme especificamos na
subseção 2.2, por meio do exemplo “A geada é um manto de prata”. Tais motivos decorrem,
por sua vez, do próprio modo como entendemos/interpretamos as metáforas. Por exemplo, em
uma frase como “Joana é um anjo”, entendemos que propriedades de anjo são atribuídas à
Joana mesmo sem saber exatamente que propriedades são essas. Assim como na frase José
está comendo” não é necessário saber exatamente o que José está comendo para que se
entenda o que está sendo dito, “Joana é um anjo” não leva a uma determinação
única/exclusiva das propriedades angelicais de Joana.
Segundo Miller (1993, p.392) o processo interpretativo não deve ser visto como uma
busca por uma única interpretação - não deve se restringir a uma ou a outra similaridade
mas ser entendido como uma busca pelos conhecimentos que restringem e especificam tal
relação, em última instância, pela verificação de alguma similaridade.
Tentemos, então, formular uma representação formal da metáfora utilizando o modelo
interacionista. Conforme evidenciamos na subseção 3.1, esse modelo propõe representar o
conhecimento (envolvido no enunciado metafórico) em termos de sistemas de lugares comuns
(BLACK, 1962). Isso significa que é a partir da invocação desses sistemas - também
entendidos como complexos de implicações (INDURKHYA, 1988, p. 129) ou ainda como
campos semânticos (RICOUER, 1976, p.145) - e da análise das relações entre eles que a
metáfora é compreendida. No vocabulário de Ricouer, a congruência metafórica entre dois
campos semânticos é obtida através da aproximação semântica entre duas idéias, cuja
distância lógica (entre elas) era remota.
Nesse paradigma, a interpretação, por exemplo, do enunciado “O meu trabalho é um
sonho” (cf. Figuras 3 e 4, subseção 3.1) requer a invocação do sistema de lugares comuns, ou
seja, das crenças e conhecimentos associados ao foco metafórico “sonho” para que, a partir
desse sistema, um outro sistema (correspondente) sobre o frame literal “trabalho” seja
construído. Assim, enquanto características do frame adquirem forma, mudanças no foco o
produzidas. Desse ponto de vista, é a interação entre o conjunto de características de “sonho”
e o conjunto de características de “trabalho”, que permite que a frase metafórica seja
codificada. Nos termos de Cohen (apud RICOUER, 1976, p.143) é essa aproximação, que no
enunciado metafórico estabelece um “parentesco” entre idéias heterogêneas, que resulta em
uma pertinência semântica.
Pensando, então, em um sistema computacional, perguntamos: como codificar a
“congruência metafórica” considerando que é a interpretação do enunciado metafórico, e,
104
portanto, das idéias co-relacionadas e aproximadas no enunciado, que constrói o
conhecimento ou que cria a nova “pertinência semântica”?
Em termos representacionais, a diferença entre o modelo tradicional e o modelo
interacionista é que, enquanto o primeiro compara similaridades (simples) existentes entre o
tópico e o veículo, o segundo evoca um complexo de similaridades que é criado na
aproximação de ambos no enunciado. Assim, enquanto no modelo tradicional, a metáfora é
codificada a partir da codificação da intersecção de traços, no modelo interacionista, a
metáfora é codificada a partir da representação dos traços que são interagidos no enunciado
metafórico. À medida que a interação implica a semelhança ou o parentesco (COHEN, ibid,
p.143) de características e não, necessariamente, a igualdade de características, o modelo
interacionista apresenta um problema adicional frente à representação computacional da
metáfora.
Mencionamos que um léxico computacional sistematicamente estruturado em termos
de relações semântico-conceptuais de semelhança e de hierarquia, por exemplo, à medida que
conta de inferências, pode recuperar parte do conhecimento envolvido no processo de
interação, pensando em particular no modelo interacionista. Mas, à medida que o
conhecimento é produzido na interpretação da metáfora, em termos representacionais, mesmo
admitindo esse tipo de léxico, a codificação da metáfora ainda enfrentaria problemas com os
tipos de conhecimento a serem codificados. Por exemplo, quais conhecimentos ou
características estariam por trás da interpretação/ codificação do enunciado “Um a um somos
mortais, juntos somos eternos”? Assim, a questão da semelhança, do ponto de vista
computacional, envolve, inevitavelmente, a recuperação e, de certa forma, a precisão das
características co-relacionadas no enunciado metafórico.
Abrimos um parêntese, a título de ilustração, evidenciando que uma rede neural,
diferentemente de um sistema de manipulação de informações que tem como formalismo a
representação do conhecimento de forma estruturada, o qual está sendo usado como
paradigma para a representação formal da metáfora, é capaz de recuperar similaridades,
através de comparações e analogias. Por exemplo, considerando o enunciado “Gorilas gostam
de bananas; e chimpanzés?” (DIAS, 2000, p.32), enquanto o sistema computacional de base
estruturada precisa que a informação sobre a preferência alimentar dos chimpanzés esteja
incluída no corpo de conhecimentos do sistema para que gere uma resposta (output), o sistema
computacional de base neural (conexionista) é capaz de estender a informação sobre o gosto
por bananas de um animal para outro, através da comparação das características comuns a
gorilas e chimpanzés (DIAS, 2000, p. 38-40).
105
No que concerne à representação do conhecimento, deste modo, os enfoques
evidenciados mostram-se produtivos frente à representação formal da metáfora; entretanto,
mostram-se impotentes frente a sua codificação computacional, uma vez que não admitem
nenhum tipo de generalização. Tanto a teoria tradicional quanto a teoria interacionista
caracteriza a metáfora como uma ocorrência e não como um tipo, o que constitui um
obstáculo para fins computacionais.
Assim, o modelo que parece ser, de fato, interessante na esfera do PLN é o
cognitivista, à medida que propõe generalizações lingüísticas. Ao analisar as expressões
metafóricas como instâncias lingüísticas de mapeamentos conceptuais particulares, ou seja,
como ocorrências que podem ser agrupadas por um único tipo, o modelo cognitivista, antes de
analisar cada metáfora isoladamente, propõe uma análise em conjunto. Esse tipo de proposta,
que tem como base, a representação do conhecimento em termos de domínios conceptuais,
mostra-se consistente no âmbito do PLN, à medida que conta de alguns tipos de inferência
(como a metonímica, por exemplo) e de alguns tipos de polissemia (como os causados por
extensão de sentido).
Assim, propomos analisar o modelo cognitivista em função da estrutura da teoria dos
Campos Semânticos (KITTAY, 1989) no âmbito das redes wordnets. Para tanto,
apresentamos, primeiramente, o modelo lingüístico dessas redes e, em seguida, analisamos
como estudos propõem codificar a metáfora nas wordnets, para então, especificarmos a nossa
proposta de representação formal da metáfora.
Apenas evidenciamos, para finalizar esta subseção, que a maioria dos modelos
computacionais voltados para o PLN, no que concerne o processamento da metáfora (no
sentido explicitado na subseção 1.3, p.51), pressupõe a superioridade do processamento literal
em detrimento do figurado. Esses modelos partem da hipótese de que toda e qualquer frase
possui um significado literal bem definido e que o cômputo desse significado constitui um
estágio obrigatório para o entendimento dos enunciados não literais (cf. também a abordagem
pragmática de Searle). Essa concepção é usada em sistemas que analisam a informação
lingüística a partir de um filtro que discrimina a informação literal da informação figurada em
estágios ordenados. O Met* (FASS, 1991), por exemplo, um sistema computacional
desenvolvido para discriminar a informação metafórica da metonímica, distingue as relações
semânticas obedecendo a seguinte ordem: (1) discrimina-se, em primeiro lugar, a relação
literal, (2) se algum tipo de inferência metonímica for detectada, discrimina-se, em segundo
lugar, a relação metonímica, (3) não sendo correspondida, em seguida, busca-se alguma
106
analogia relevante, que pode desaguar (3.a) na relação metafórica ou (3.b) na relação
anômala.
Esse é um exemplo de como a concepção de metáfora de Searle é secundariamente
representada. À medida que não propõe uma representação do conhecimento metafórico,
como o faz, por exemplo, as teorias interacionista e cognitivista, a concepção de metáfora de
Searle, definida como “o produto resultante da interpretação literal e da enunciação
metafórica”, serve apenas como ponto de partida para a análise de outros modelos, ou seja, de
pano de fundo para as representações principais.
107
6.4 A estrutura lingüística da rede WordNet
As redes wordnets são bases relacionais de dados lexicais que visam a sistematizar
uma parcela do léxico de uma língua natural em função das relações (i) léxico-semânticas, de
sinonímia e antonímia, e (ii) lógico-conceptuais, de hiperonímia, hiponímia e meronímia
(LYONS, 1977; CRUSE, 1986), que podem ser inferidas a partir do significado das unidades
ou entradas lexicais que formam os conjuntos de sinônimos que constituem a rede
(FELLBAUM, 1998).
As unidades lexicais são estruturadas em função da sinonímia, codificada em synsets
(synonym sets), que são conjuntos de palavras agrupadas pela relação de sinonímia, assim
especificada: duas unidades lexicais (palavras ou expressões) são sinônimas se puderem ser
substituídas em um dado contexto, como o de uma frase, por exemplo, sem significativa
alteração do conteúdo proposicional expresso pela frase nesse contexto (FELLBAUM, 1998).
Assim, o sentido de uma unidade lexical é depreendido por meio de sua relação com outras
unidades, circunscritas a uma mesma categoria lexical: o sentido emerge do complexo de
relações que a rede permite exprimir (MARRAFA, 2001, p.19). Cada synset, deste modo, é
construído de modo a evocar um único sentido, que pode ser também recuperado por um
rótulo conceptual, implementado em termos de glosas. Além dessa informação de natureza
semântica, registra-se também uma informação contextual - uma frase-exemplo para cada
unidade constituinte de cada synset.
Do ponto de vista representacional, cada synset é implementado na rede como um
“nó”. O synset {morto, exausto, esgotado, nas últimas,}, registrado na rede WordNet
53
, por
exemplo, como o 3, significa “muito cansado” (exemplo “Eu fiquei morto depois daquela
longa viagem”); cada uma das entradas lexicais incluídas nesse synset deve, no contexto
ilustrado, refletir o sentido 3. A ligação entre os diferentes nós da rede, realizada por meio das
relações léxico-semânticas e lógico-conceptuais, constituem “arcos”. Do ponto de vista
funcional, cada vez que uma das unidades agrupadas em cada é ativada, outras unidades,
que com ela constituem o nó, são imediatamente (também) ativadas. Do mesmo modo, cada
pode ativar outros nós. Por exemplo, o 20, que representa o synset {morto, sem vida},
glosado como “falta de animação, agitação ou atividade” (exemplo “Estando a festa morta,
53
Ressalta-se que a rede WordNet (MILLER e FELLBAUM, 1991) foi desenvolvida para o inglês norte-
americano na Universidade de Princeton. A versão 2.1 da rede está disponível para consulta on-line no endereço
eletrônico: http://www.cogsci.princeton.edu/cgi-bin/webwn .
108
fomos embora mais cedo”), ativa o sentido antônimo “com vida, entusiasmo, vigor”, evocado
pelo synset {animado}, representado pelo nó 20’.
Seguindo esse modelo, várias redes wordnets têm sido construídas. Destaca-se a rede
EuroWordNet - uma base de dados multilíngüe que reúne redes wordnets criadas para grande
parte das línguas da Unidade Européia (VOSSEN, 1998): alemão, espanhol, estoniano,
francês, holandês, italiano, português europeu e tcheco.
No nível inter-lingual, wordnets de diferentes nguas podem ser interconectadas
através de um indexador que estabelece as possíveis equivalências semânticas entre os synsets
de cada uma das redes envolvidas. Esse índice inter-lingual (Inter-Lingual-Index), ou ILI,
implementado na EuroWordNet , codifica a conexão entre os synsets de diferentes wordnets.
O ILI registra todos os synsets da versão 1.5 da rede WordNet de Princeton, mas não as
relações entre eles (os synsets são dispostos em listas). Cada synset de uma wordnet
específica é associado ao synset do ILI que representa o mesmo conceito. Logo, redes
distintas podem ser interconectadas por meio desses ILIs, que possibilitam a estruturação das
diferentes redes em termos de hierarquias de conceitos. Via o ILI, sentidos recortados em uma
língua podem ser conectados com sentidos correspondentes recortados em outras línguas.
Como cada rede wordnet é desenvolvida de forma relativamente independente, de acordo com
estruturas lingüisticamente específicas, as incompatibilidades de ordem lingüística são
enfraquecidas em um nível de conhecimento independente de língua, representado pela
ontologia geral, isto é, a Top Ontology, uma hierarquia de conceitos (independentes de língua)
que refletem importantes distinções semânticas.
54
6.5 A codificação da metáfora nas redes wordnets
A manipulação da informação conceptual em recursos lexicais voltados para o PLN
pode não dar conta da interpretação das expressões metafóricas, ou porque não estão
codificadas na base, ou porque a codificação proposta não é suficientemente precisa para
captar a metáfora. No âmbito das redes wordnets, esses problemas são agravados em função:
(i) da falta da codificação ou codificação inconsistente da metáfora: nem todos os sentidos
54
Os conceitos registrados na Ontologia foram compilados seguindo um critério pragmático de operacionalidade
ou de importância para a rede: um conceito é importante se ele for amplamente usado, tanto diretamente, quanto
como uma referência para outros conceitos também amplamente usados. A importância é, deste modo, refletida
na habilidade de um conceito funcionar como âncora para sustentar outros conceitos. (VOSSEN, et al, 1998, p.
124).
109
metafóricos “bem estabelecidos”
55
estão codificados; (ii) da necessidade de uma estrutura que
possibilite a representação da metáfora: não conexões entre sentidos literais e sentidos
metafóricos, o que impossibilita a conexão entre os domínios fonte e alvo.
Para solucionar ou pelo menos minimizar os problemas apontados, informações mais
precisas e consistentes (extraídas de corpus) estão sendo analisadas de acordo com a TMC e
formalmente codificadas nas wordnets. (ALONGE ; CASTELLI, 2002; LONNEKER, 2003;
LONNEKER ; EILTZ, 2004; ALONGE ; LONNEKER, 2004 a,b). A base de dados Hamburg
Metaphor Database (HMD)
56
, uma base de dados metafóricos (do francês e do alemão),
organizada em domínios conceptuais, é um dos recursos de análise da sistematicidade da
representação das metáforas e dos mapeamentos metafóricos potenciais nas wordnets e de
avaliação da informação codificada na EWN. Por meio dessa base, é possível comparar os
sentidos codificados nas wordnets e as ocorrências compiladas em corpora. Como paradigma
de análise dos domínios conceptuais, a HMD utiliza a lista de metáforas Berkeley Master
Metaphor List
57
, uma lista de metáforas conceptuais, organizadas em torno dos domínios
fonte e alvo, e de expressões metafóricas. Para suprir as inconsistências dessa lista, um
sistema de dados do alemão também é utilizado para acrescentar os domínios não registrados
na base de Berkeley.
Lonneker e Eiltz (2004) pontuam os principais problemas, detectados durante a
construção da HMD, que complicam a codificação da metáfora nas redes wordnets:
(a) falta de glosas e escassez de relações, que, no âmbito da EWN, complica a codificação de
relações entre os synsets, à medida que muitos deles apresentam inconsistências de ordem
semântica (tornam-se ambíguos ou incompletos), quando analisados isoladamente.
(b) inconsistência na codificação das relações literal-figurado: alguns synsets que evocam
sentido metafórico codificam relações semântico-conceptuais com synsets claramente literais,
como ocorre com o synset metafórico {dead} (“morto”), glosado como “fora de uso ou de
operação em decorrência de dano ou falha”, exemplo “um motor morto”, que se contrapõe ao
synset literal antônimo {functioning}(“que funciona”), glosado como “que realiza ou capaz de
realizar sua função regular”, exemplo “uma lanterna que funciona”
58
.
55
Metáforas produzidas pela extensão/derivação de um sentido literal relacionado (casos de polissemia regular).
Exemplo: “Ele nos deixou (‘foi embora’ ou ‘morreu’) após algum tempo”.
56
A base de dados de Hamburgo registra, além de frases-exemplo do francês e do alemão, os synsets codificados
na EWN. tulos para os domínios fonte e alvo (da metáfora) também são contemplados nessa base, disponível
para consulta on-line: http://www.rrz.uni-hamburg.de/metaphern/index_en.html.
57
Disponível para consulta on-line no endereço eletrônico: http://cogsci.berkeley.edu/lakoff/
58
Synsets compilados da rede WordNet de Princeton.
110
Allonge e Lonneker (2004), ao analisarem as palavras nascita (nascimento) e nascere
(nascer), na rede wordnet italiana, observam que os sentidos de nascita, registrados na rede,
cobrem todas as ocorrências do corpus. Em particular, um dos sentidos, glosado como
“nascimento, primeiro período”, expressa, nos termos de Berkeley, a metáfora conceptual
CRIAR É NASCER. Esse sentido de nascita, apesar de ser uma extensão (metafórica) do
sentido literal, especificado como “o evento de nascer”, não possui, entretanto, uma ligação
que indique essa relação (de derivação de sentido) na EWN.
Para relacionar os synsets literais e metafóricos e, assim, representar a informação
conceptual na rede EWN, Alonge e Castelli (2002) sugerem traçar generalizações conceptuais
no nível do ILI. Propõem a criação de ILIs compostos (os CILIs), para agrupar um ILI literal
(representado por um synset literal) e um ILI metafórico (representado pelo synset metafórico
correspondente). A criação de CILIs seria uma forma sistemática de lidar com os
mapeamentos metafóricos, uma vez que cada domínio envolvido no mapeamento é
linguisticamente representado por um synset: o domínio fonte, por um synset literal, e o
domínio alvo, por um synset metafórico. Menciona-se que na EWN, ILIs compostos foram
criados para representar os sentidos metonímicos relacionados por polissemia regular, que
ocorre, por exemplo, com o lexema “universidade”, usado para denotar tanto à unidade física
(a construção), quanto à unidade institucional (a corporação).
Via ILI, synsets literais e metafóricos agrupados seriam também ligados a conceitos
relevantes registrados na ontologia geral. Uma vez que um synset de uma ngua específica é
ligado a outro por meio de um ILI, a base de dados da EWN automaticamente pode gerar a
relação de equivalência adicional “EQ_METAPHOR” para conectar os dois synsets. Quando
a relação de equivalência (gerada automaticamente) não se aplicar a uma determinada língua,
ela pode ser apagada manualmente, já que se trata de uma relação potencial.
Na Figura 8, representamos como as ligações propostas devem ser codificadas nas
redes wordnets, através da análise do substantivo “guerra”. Seguindo a estrutura da EWN,
ilustramos como os sentidos literal (S1) e metafórico (S2) de “guerra” podem ser relacionados
(individualmente, em cada rede, e entre diferentes redes). Como recorte, representamos os
synsets literais e metafóricos com a unidade “guerra” nas wordnets brasileira {guerra} e
americana {war}. Na figura, enquanto, {guerra 1}, refere-se ao “conflito militar”, {guerra 2},
refere-se ao “conflito político”; o mesmo se aplica a {war 1} e {war 2}. Assim, como S1 e S2
relacionam-se por extensão metafórica de sentido, a ligação “derivado do literal”
(DERIVADO_DE) é codificada entre ambos. No nível inter-lingual, S1 e S2 podem ser
relacionados, respectivamente, aos synsets {war, warfare} e {dispute, conflict}, conforme
111
sinaliza . Esses synsets, que são agrupados em um CILI, refletem, por sua vez, os domínios
fonte e alvo da metáfora conceptual UM CONFLITO POLÍTICO É UMA GUERRA,
respectivamente representados como ARMED CONFLICT e ACTIVE STRUGGLE. A
direcionalidade do mapeamento pode ser mantida através da relação “derivado do literal”. Por
meio de uma relação de “equivalência metafórica(EQ_METAPHOR), o CILI induz, sobre
os synsets das wordnets específicas, o sentido correspondente ao sentido produzido pelo
mapeamento metafórico, que desencadeou o mecanismo. Dessa maneira, é possível
especificar as diferentes correspondências, graficamente representadas na Figura 8, pelos
diferentes tipos de conexões nela descritos.
Figura 8: Codificação da metáfora em uma rede WordNet
DERIVADO_DE
Legenda
S1={war1}
S2={war2}
ILI
S1={guerra1}
S2={guerra2}
Wordnet
Brasileira
{war, warfare}
{dispute, conflict}
CILI
(WAR)
[BoundedEvent+Agentive+Purpose+Social]
(ARMED CONFLICT) (ACTIVE STRUGGLE)
TOP ONTOLOGY
(Ontologia de conceitos gerais)
Wordnet
Americana
Relação entre synsets
Relação entre synsets e conceitos
EQ_METAPHOR
domínio alvo
domínio fonte
DERIVADO_DE
112
Assim, (i) no nível intra-lingual, codificam-se as relações entre synsets literais e
synsets metafóricos no âmbito de cada rede wordnet particular; (ii) no nível inter-lingual,
agrupam-se os synsets correspondentes (literais e metafóricos) em CILIs no âmbito de
diferentes wordnets; (iii) no vel conceptual, relaciona-se os synsets do CILI aos seus
respectivos conceitos, representados na Ontologia Geral. É no nível conceptual (refletido, no
âmbito das redes wordnets, pelos synsets) que os mapeamentos metafóricos são, portanto,
codificados.
6.6 Proposta de representação formal da metáfora
Tendo em vista as considerações e questões suscitadas na subseção 6.3 e pressupondo
que as restrições de como falamos e escrevemos não são impostas pelos limites da língua, mas
pelos modos como, de fato, conceptualizamos as nossas experiências (GIBBS, 1994, p. 8), e
que um desses modos é metafórico e tanto motiva quanto restringe a forma como pensamos
criativamente (LAKOFF; JOHNSON, 1980), apresentamos, nesta subseção, uma proposta de
representação formal da metáfora, baseada no modelo cognitivista.
Partindo da hipótese de que as regularidades lingüísticas dependem (i) do uso de
estruturas conceptuais (como de modelos cognitivos e de metáforas conceptuais) e (ii) da
investigação de ocorrências de expressões metafóricas (extraídas de corpus), esta proposta, de
natureza lingüístico-computacional, é motivada, do ponto de vista lingüístico, pelo modelo
cognitivista de metáfora, proposto por Lakoff e Johnson (1980) e, do ponto de vista
representacional, pela proposta de estruturação dos campos semânticos (KITTAY, 1989) e
pela estrutura das redes wordnets.
Em linhas gerais, de acordo com Kittay (1989, p.229), um campo semântico é
composto por domínios-conteúdos (content domains), que são articulados por campos
lexicais. Um campo lexical constitui um “conjunto de rótulos”, entendidos como itens lexicais
não interpretados (ibid, p.224). A interpretação de um elemento de um dado campo lexical é
dada, nesse contexto, a partir de um domínio particular (ibid, 225). Seguindo essa estrutura,
Kittay argumenta que quando dois campos lexicais (L1 e L2), que compreendem um mesmo
domínio-conteúdo (C), forem isomórficos, tais campos devem definir o mesmo campo
semântico (S). Em termos formais, se L1=L2 e L1=C e L2=C, então L1=S e L2=S. Por outro
lado, se não houver isomorfismo, os dois campos lexicais que compreendem um mesmo
domínio-conteúdo, devem definir, necessariamente, diferentes campos semânticos. Assim, se
L1L2 e L1=C e L2=C, então L1=S1 e L2=S2.
113
Tendo essa estrutura em mente e partindo da proposta de representação do
conhecimento em termos de domínios conceptuais (descrita na subseção 5.2), esboçamos
como esses constructos, quando inseridos na estrutura de uma rede semântica, podem
subsidiar a representação computacional de algumas metáforas lingüísticas, através da
codificação de metáforas conceptuais. Para tanto, propomos que a codificação ocorra da
seguinte forma: (i) partindo de um banco de metáforas conceptuais, (ii) monta-se, para cada
especificação conceptual do domínio alvo, um campo semântico, (iii) verifica-se qual dos
campos lexicais (constituintes do campo semântico) aponta para o sentido expresso no
domínio fonte, (iv) faz-se a ligação entre as unidades do campo lexical, que reflete o
mapeamento conceptual, e as metáforas lingüísticas instanciadas pelo mapeamento.
Para ilustrar essa proposta de representação, apresentamos (na Figura 9) o campo
semântico da especificação semântico-conceptual ARGUMENTAR, que pretendemos que
exemplifique a análise do mapeamento ARGUMENTAR É GUERREAR, usado como
paradigma da representação proposta.
Figura 9: Representação formal do campo semântico de “argumentar”
Glosagem dos 9 nós do campo semântico de “argumentar”
59
Glosa do 1: examinar pormenorizadamente; analisar questionando. Ex: “Mais adiante
deverei argumentar com maior profundidade a afirmação de que o único teste relevante de
validade de uma hipótese (note o «único») é a comparação de suas previsões com a
experiência.”
59
A metodologia seguida para a construção desse campo semântico é esboçada no apêndice A.
ARGUMENTAR
discutir
examinar
investigar
estudar
analisar
questionar
argumentar
brigar
discutir
altercar
disputar
contender
argumentar
provar
pregar
ensinar
alegar
discutir
disputar
1
2
3’’
3
3’
5
7
4
6
argumentar
8
discutir
argumentar
questionar
argumentar
argumentar
argumentar
argumentar
argumentar
argumentar
concluir
deduzir
9
GUERREAR
114
Glosa do nó 2: iniciar/expor uma argumentação.Ex: “Mas, para argumentar, vamos
aceitar o estapafúrdio argumento”.
Glosa do 3: ter/apresentar um argumento sobre alguém ou sobre algo. Ex: “O senador
pretende argumentar a inexistência de cédulas na votação”.
Glosa do nó 3': apresentar uma argumentação (fatos, idéias, provas) sobre alguém/algo que
comprove uma afirmação ou tese. Ex: “Renato Janine Ribeiro tem argumentado com
eloqüência e razão, ao distinguir entre a imoralidade cotidiana, pessoal, que nos envolve
quando pagamos um cafezinho ao guarda de trânsito, e a imoralidade institucional,
sistemática, que orienta as decisões de Estado.”
Glosa do nó 3'': apresentar uma argumentação (fatos, idéias, provas) sobre alguém/algo em
objeção a outra(s) argumentação(s); sustentar controvérsias. Ex: “A solução pode até mesmo
parecer escapista, mas é muito difícil argumentar contra ela.”
Glosa do 4: ensinar sob a forma de argumentos. Ex: “Como argumentava Churchill, a
democracia pode ser considerada o pior dos regimes se os outros não forem levados em
conta.”
Glosa do 5: apresentar como argumento; alegar. Ex: Ele me mandou correr e eu me
recusei, argumentando que não estava fazendo nada demais.”.
Glosa do nó 6: tirar as conseqüências de um princípio ou fato, chegar a uma conclusão. Ex:
“Quanto maior a amplitude, menor a eficácia das investigações», argumentou: Tudo leva ao
caos», argumentou.”
Glosa do 7: servir de argumento ou prova. Ex: “Ano após ano os generais da aliança
argumentavam com estatísticas mostrando o crescimento do poder soviético e pedindo mais
verbas para a defesa.”
Glosa do nó 8: utilizar idéias, fatos, etc, como base para argumentação; aduzir o raciocínio.
Ex: “Polyana argumentou primeiramente que, a atribuição da verdade a qualquer
metodologia, científica ou não, é um compromisso não racional, um ato de fé, uma afirmação
afetiva.”
Glosa do nó 9: entrar em debate; argumentar com ardor. Ex: “Enquanto a abordagem molar
continua brigando com a abordagem molecular, outras linhas de investigação se relacionam
em aspectos cruciais com o clássico modelo do processamento de informação dos anos 1950 e
1960.”.
Seguindo a estrutura “se L1L2 e L1=C e L2=C, então L1=S1 e L2=S2”, sugerimos
que o campo lexical 9 (da figura), representado, de modo abreviado, pela unidade
“argumentar”(L1), por evocar, metaforicamente, o domínio-conteúdo “lutar/guerrear” (C) e
pertencer ao campo semântico de “argumentar” (S1), reflita o mapeamento conceptual
ARGUMENTAR É GUERREAR. Nesse contexto, o campo lexical 9 aponta para o sentido
convencional de “guerrear”, não representado em termos de campos semânticos, em
concordância com a direção do mapeamento. De acordo com a TMC, a co-relação entre
domínios é feita do domínio fonte (no exemplo, preenchido pelo conceito GUERREAR) para
o domínio alvo; assim, são as estruturas do domínio fonte, entendidas intuitivamente como o
115
sentido mais comum de “guerrear”, que especificam e delimitam o domínio alvo (domínio
que é entendido metaforicamente).
Figura 10: Representação simplificada da relação entre os campos lexicais “argumentar 9” e “guerrear
x” e de seus respectivos campos semânticos S1 e S2.
Em contraposição, sugerimos que a análise “se L1=L2 e L1=C e L2=C, então L1=S e
L2=S”, reforce a idéia anterior, pois considerando, por exemplo, o campo lexical 1,
representado, de forma simplificada, pela unidade “argumentar” e um campo lexical x,
composto pelas mesmas unidades de 1 e representado, de forma simplificada, pela unidade
“analisar”, à medida que evocam o mesmo sentido e compreendem o mesmo domínio-
conteúdo (glosa 1), compartilham do mesmo campo semântico.
Figura 11: Representação simplificada da relação entre os campos lexicais “argumentar 9” e “guerrear
x” e o campo semântico S.
Por meio da análise das Figuras 10 e 11, conclui-se que, enquanto na metáfora, a
linguagem transita por diferentes campos semânticos, o discurso literal instaura-se dentro de
um mesmo campo semântico.
Em particular, pensando na metáfora enquanto produto, a representação aqui
esboçada, abrange a codificação das expressões metafóricas convencionais ou “metáforas
vivas”, no sentido da TMC, e de algumas expressões metonímicas. Nos moldes da nossa
* metaforicamente
{argumentar 9}
*
GUERREAR
{guerrear x}
GUERREAR
S1 S2
{argumentar 1} {analisar X}
C C
S
116
proto-definição de metáfora (seção 6.1), essa proposta de representação aplica-se às “palavras
e expressões convencionais produzidas a partir de co-relações (especificadas como
mapeamentos) entre dois domínios”. Pensando na metáfora enquanto processo, partindo da
hipótese de que a força cognitiva da metáfora resulta da re-ordenação das relações
existentes entre conceitos de diferentes campos semânticos (KITTAY; STEINHART, 1994,
p.41), sugerimos que essa re-ordenação, esquematizada de modo simplista na Figura 10,
reflita os mapeamentos conceptuais. A verificabilidade dessa hipótese, entretanto, deve
constituir objeto de investigação futura.
Evidenciamos que a análise dessa possibilidade de representação pressupõe uma
organização altamente estruturada de um léxico computacional, em termos de relações léxico-
semânticas (necessárias para a montagem dos campos lexicais) e lógico-conceptuais
(necessárias para a construção dos campos semânticos). Admitindo esse tipo de estrutura,
vislumbrada nas redes wordnets e partindo da hipótese de que o léxico admite uma partição
em campos semânticos, e que, por conseqüência, a teoria dos campos pode subsidiar a
descrição das relações estruturais existentes no xico, acreditamos que esse tipo de estrutura
é apropriada para a representação das correspondências metafóricas.
Finalizando a proposta de representação formal da metáfora, evidenciamos que
“diferentes tipos de elaboração semântica dependem de domínios particulares”
60
. Isso
equivale dizer que, do ponto de vista semântico, os verbos de argumentação (considerados
subtipos da comunicação, exemplos: “discutir”, “questionar”, “analisar”, etc.) elaboram traços
como “modo”, “intenção”, “finalidade” apenas dentro do domínio da argumentação e, de
modo mais genérico, do domínio da comunicação.
Assim, apesar de o primeiro passo da representação formal da metáfora ter sido partir
da lista de metáforas de Berkeley e representar, seguindo a TMC, os mapeamentos
metafóricos em função da estrutura dos campos semânticos (proposta por Kittay, 1989),
talvez um segundo passo seja a investigação das expressões metafóricas em um determinado
domínio. À medida que as redes wordnets não representam as informações lexicais em função
de domínios, conforme registra, por exemplo, a base de dados de Hamburgo, aliada às
investigações realizadas em corpora, a HMD também poderá servir de subsídio futuro para
melhor delimitarmos essa proposta de representação.
60
Frase de Christiane Fellbaum durante o seminário sobre wordnets, parte do Workshop em Semântica
Lexical, realizado na Universidade Federal de Santa Catarina, em 07 de dezembro de 2005.
117
_____________________________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
_____________________________________________
118
Para finalizar e concluir esta dissertação, evidenciamos como as análises
desenvolvidas nos Domínios Lingüístico-Cognitivo e Lingüístico-Computacional
contribuíram para a delimitação de uma proposta de sistematização e de representação da
metáfora, enquanto um produto lingüístico e enquanto um processo (não necessariamente de
natureza lingüística) no âmbito do PLN. Para tanto, estabelecemos um diálogo entre a
metáfora (das concepções analisadas) e a sua representação formal, através de dois quadros:
um que visa a sistematizar as análises da metáfora per se, enquanto produto e enquanto
processo (esboçado no quadro 1) e outro, para fins computacionais, em que analisamos o
tratamento lingüístico-computacional da metáfora no âmbito do PLN (esboçado no quadro 2).
Consideramos a delimitação das informações esboçadas nesse quadro um dos resultados desta
pesquisa. Um outro resultado concerne à proposta de representação formal da metáfora,
esboçada na subseção 6.6.
Como investigação futura, em nível de doutorado, tendo em vista a continuidade deste
trabalho, (a) do ponto de vista lingüístico, para que a investigação das representações do
conhecimento possa ser analisada de modo mais consistente, análises em corpora deverão ser
realizadas de forma mais sistemática; (b) do ponto de vista lingüístico-computacional, para
que o aplicativo computacional não desestruture a coerência das investigações lingüísticas, os
mecanismos de produção/interpretação das metáforas deverão ser analisados em função de
estruturas semântico-conceptuais bem delimitadas. Nesta dissertação, foram propostos os
mecanismos em termos de campos semânticos; uma outra extensão será analisá-los em função
de frames e de espaços mentais.
119
Definição da metáfora
enquanto produto
Definição da metáfora
enquanto processo
Modelo tradicional
Palavras que são aproximadas no
enunciado através da relação de
comparação.
Recurso lingüístico de
transferência de similaridades
pré-existentes entre duas
entidades
Modelo interacionista
Enunciados que expressam uma
relação lingüístico-cognitiva do
tipo “ver B da perspectiva de A
Mecanismo lingüístico-cognitivo
de interação entre duas idéias,
entendidas como sistemas de
lugares comuns.
Modelo semântico
Enunciado que exprime efeitos
de sentido que estendem o
sentido literal
Mecanismo lingüístico padrão de
construção de enunciados
Modelo pragmático
Uso ou forma de interpretação
de um enunciado
Mecanismo lingüístico de
sobreposição e confluência do
significado literal da frase e do
significado do enunciado.
Modelo cognitivista
Expressões lingüísticas
produzidas a partir de
mapeamentos conceptuais
Processo cognitivo de co-relação
ou mapeamento entre dois
domínios conceptuais
Quadro 1: Sistematização e representação da metáfora enquanto produto e enquanto
processo.
Tratamento computacional da
metáfora
Interpretação/ codificação da
metáfora no âmbito do PLN
Modelo tradicional
Recuperar as similaridades
transferidas/compartilhadas entre
A e B.
Modelo interacionista
61
Mostram-se inadequadas, pois
tratam cada metáfora como uma
nova ocorrência, de forma
ad hoc. Não admitem
generalizações lingüísticas
Recuperar a perspectiva
instaurada, através da
recuperação das características
que resultam da interação entre
A e B.
Modelo semântico
Recuperar os efeitos produzidos
no enunciado.
Modelo pragmático
Mostram-se inadequadas, pois
não diferenciam o processo do
produto metafórico.
Recuperar a camada literal
subjacente ao enunciado
metafórico
Modelo cognitivista
Mostra-se adequada, pois trata as
metáforas em conjunto, admite
generalizações lingüísticas, dá
conta de tipos de polissemia e de
inferência.
Recuperar as co-relações
estabelecidas entre os dois
domínios conceptuais
Quadro 2: Tratamento lingüístico-computacional da metáfora no âmbito do PLN.
61
Ressalta-se que o alvo da investigação do modelo interacionista é a metáfora nova e não a metáfora
convencional (cf. seção 3).
120
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126
APÊNDICE A
APÊNDICE A
-
-
Descrição da montagem do campo
Descrição da montagem do campo
semântico de argumentar
semântico de argumentar
Para a montagem do campo semântico de “argumentar” (representado na Figura 9)
utilizamos duas fontes de informação lexical: corpus e dicionários. O corpus, que auxiliou na
delimitação e precisão das glosas e na escolha das unidades lexicais constituintes de cada
campo lexical, foi o corpus do NILC (Núcleo Interinstitucional de Lingüística
Computacional); os dicionários que serviram como ponto de partida para a montagem dos
campos lexicais, foram: Aurélio (1999), Michaelis (1998), Houaiss (2001), Fernandes (1997),
Barbosa (2000).
Apresentamos brevemente uma descrição do corpus utilizado ao longo de nosso
percurso. O corpus do NILC, disponível para consulta on-line no endereço eletrônico
http://acdc.linguateca.pt/acesso/, é composto de cerca de 35 milhões de palavras. Todos os
textos do corpus estão na versão WORD/WINDOWS-TXT (somente texto), gravados em
espaço simples, sem formatação, sem gráficos, tabelas, ilustrações, fórmulas ou quaisquer
outros sinais que não sejam textos corridos. Apresenta apenas textos em prosa (integrais ou
partes de textos) organizados em diferentes seções e subseções, conforme sejam literários,
jurídicos, científicos, jornalísticos, didáticos, epistolar, de revistas e ensaios, o que permite ao
pesquisador orientar e especificar sua pesquisa. É importante ressaltar que a granularidade da
informação selecionada nesse corpus, ou seja, os diferentes tipos de registros (jurídico,
literário, etc., os quais se encontram especificados na maioria dos dicionários) não foram
utilizados como critérios seletivos ou distintivos para a seleção das unidades lexicais; não foi
levada em consideração, do mesmo modo, a veracidade da proposição expressa nos co-textos
selecionados.
O percurso para a escolha das unidades lexicais constituintes de cada campo lexical,
conforme explicitado, iniciou-se nos dicionários; mencionamos que os dicionários Aurélio,
Michaelis e Houaiss foram escolhidos por serem os dicionários tradicionais do português
brasileiro, enquanto os outros dois dicionários foram aleatoriamente escolhidos.
Evidenciamos que o corpus foi fundamental não apenas porque os dicionários trazem muitas
inconsistências no que diz respeito a informações divergentes e muitas vezes conflitantes,
tanto individualmente quanto se comparado uns aos outros, mas também porque,
diferentemente dos dicionários, o corpus abarca, e este é o seu grande objetivo, as construções
127
lingüísticas em uso, ou seja, a linguagem da perspectiva funcional ou pragmática, o que não
ajuda a delimitar e precisar o sentido de cada unidade lexical, como também auxilia a
verificar a freqüência das unidades em circulação na língua. Assim, as frases-exemplo (co-
textos) contempladas no corpus, não apenas subsidiou a formação e o “fechamento” de cada
campo, como também auxiliou a construção das glosas.
Após a montagem de cada campo lexical, verificou-se, por meio do critério
distribucional, a substancialidade ou consistência de cada conjunto; critério, que no âmbito
desta representação, consistiu em verificar a adequação semântica de cada campo, isto é, a
adequação entre cada unidade lexical (constituinte de cada campo lexical) e sua respectiva
glosa.
Esse critério baseia-se na concepção de sinonímia relativa a um contexto (MILLER;
FELLBAUM, 1991): duas expressões (A e B) são sinônimas num contexto lingüístico C se a
substituição de uma pela outra (de A por B e de B por A) em C não alterar o valor de verdade
em C. Em outras palavras, duas palavras são sinônimas se houver um contexto em que ambas
possam ser substituíveis, sem que haja alteração substancial no sentido do contexto (CRUSE,
1986).
A representação gráfica foi baseada no modelo Visual Thesaurus, um software
desenvolvido para representar graficamente informações de natureza semântico-conceptual
como as registradas na rede WordNet. A versão on-line do Visual Thesaurus que contempla
cerca de 140 mil palavras, sentidos e relações, está disponível no endereço eletrônico
http://www.visualthesaurus.com/ .
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