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GERSON ARAUJO DE MOURA
A HOMINIZAÇÃO DA LINGUAGEM DO PROFESSOR
DE LE: DA PRÁTICA FUNCIONAL À PRÁXIS
COMUNICACIONAL
Brasília
2005
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ii
GERSON ARAUJO DE MOURA
A HOMINIZAÇÃO DA LINGUAGEM DO PROFESSOR
DE LE: DA PRÁTICA FUNCIONAL À PRÁXIS
COMUNICACIONAL
Dissertação apresentada ao
Departamento de Línguas Estrangeiras e
Tradução do Instituto de Letras da
Universidade de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre
em Lingüística Aplicada.
Orientadora: Profª Drª Percília Lopes
Casemiro dos Santos.
BRASÍLIA
2005
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iii
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Profª Drª Percília Lopes Casemiro dos Santos Orientadora
Universidade de Brasília (UnB)
___________________________________________________________________
Prof. Dr. José Carlos Paes de Almeida Filho Examinador
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) externo
___________________________________________________________________
Profª Drª Maria Luisa Ortiz Alvarez Examinadora
Universidade de Brasília (UnB) interna
___________________________________________________________
Profª Drª Haruka Nakayama Suplente
Universidade de Brasília (UnB)
Brasília, 17 de junho de 2005.
iv
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Jorge de Moura e Elisa Araújo de Moura, à minha irmã Eunice, à
minha esposa Itamara e aos meus filhos Gabriel e Aline ..
.
companheiros
de todas as horas...
v
AGRADECIMENTOS
A profª Drª e Orientadora Percília Lopes Casemiro dos Santos, pela leitura
paciente e interessada.
A profª Drª Maria Luísa Ortiz Alvares, pela sensibilidade ao lidar com o outro.
A profª Drª Haruka Nakayama pela lucidez e comentários perspicazes.
Ao prof. Dr. Jose Carlos Paes de Almeida Filho, pelos comentários valiosos e
pela atenção dispensada.
A minha família, pela confiança, paciência e motivação.
A Secretaria de Educação do DF por ter me concedido afastamento
remunerado para estudos.
A Cléria, pela confiança.
Aos professores e colegas de Curso, pois juntos trilhamos uma etapa
importante de nossas vidas.
Aos professores e alunos do CILC pelo incentivo.
Aos profissionais entrevistados, pela concessão de informações valiosas para
a realização deste estudo.
Aos companheiros do grupo de estudos em Lingüística Aplicada: Juscelino,
Gervásio, Cléria, Pedro e Lúcia.
Ao Humberto que, com paciência, me auxiliou diante da minha ignorância
tecnológica.
Ao Gervásio, pelos comentários valiosos e profissionalismo, espero um dia
poder retribuir à altura.
Ao Juscelino, que mais do que um colega demonstrou-se um irmão.
A todos que, com boa intenção, colaboraram para a realização e finalização
deste trabalho.
A Deus que é Alfa e Ômega.
vi
An Ode to the Applied Linguists at UnB
(By GERSON A. M)
Blending respect and tolerance
You buried much of our ignorance
And though wisdom’s light is bound to fade,
Our journey to theory you carefully planned.
For as you turned these dry cactus carcasses
into fruitful, and despite the thorns, frail roses,
You too new lessons on humanity have learned.
Thus, the seeds you planted in our soul
Will remain, germinate and grow
So that knowledge may bloom and glow.
LET THEN THIS SHARING BOND US NOW AND TOMORROW
Like the branches from the same tree
That together spreads shadow o’er the meadow.
And when we’ve further reached by life’s on going stream
We’ll surely recall that in professional modesty
You’ve treated us equally amidst an atmosphere of bliss,
You grew confidence where lied uncertainty.
Indeed, your support and enthusiasm we shall miss.
Our inward eye burst into joy to feel the beauty of discovery,
For knowledge is to be shared and this a teacher should never dismiss.
vii
MOURA, Gerson Araújo de. A hominização da linguagem do professor de LE: Da
prática funcional à práxis comunicacional. 2005. Dissertação (Mestrado em
Lingüística Aplicada ao Ensino de Línguas) – Universidade de Brasília.
RESUMO
Esse estudo analisa os significados múltiplos implícitos no uso do termo
competência, as ideologias que estão subjacentes em cada uso e discute a
necessidade dos lingüistas aplicados construírem um conceito de competência que
leve em conta não apenas a produção de linguagem humana, aspectos cognitivos,
estruturais, funcionais e sociais na elaboração de teorias que tratam da produção de
linguagem humana, mas também da afetividade e outros elementos de ordem
subjetiva que são inerentes ao sujeito. Propomos, então, um modelo de competência
lingüístico-comunicativa em uma perspectiva comunicacional. Os dados foram
coletados por meio da observação de 4 aulas – 3 gravadas em áudio e 1 em vídeo,
1 questionário estruturado, 1 questionário semi-estruturado e duas entrevistas feitas
com 2 professores não-nativos de Inglês que atuam em um centro de línguas de
uma escola pública em Brasília, DF. Esta é uma pesquisa exploratória de cunho
etnográfico sobre como 2 professoras de língua Inglesa desenvolvem sua
competência comunicacional em serviço. Os principais resultados dessa pesquisa
foram: a) ambas as professoras pesquisadas não têm explorado todo o potencial da
reflexão sobre suas ações pedagógicas, a interação com seus pares, a
coordenação, e ignoram o horário disponível na escola para a pedagogia de projetos
como instrumento potencializador da competência comunicacional; b) há uma
semelhança nos procedimentos dos sujeitos ao enfatizarem as atividades propostas
pelo livro didático ao invés de atividades desenvolvidas por eles mesmos; c) a
formação pessoal deles não tem influenciado muito no desenvolvimento dessa
competência; d) os recursos materiais – em especial o livro didático, a teoria, a
educação formal de seus alunos têm representado um recurso importante para o
desenvolvimento da competência comunicacional dos sujeitos da pesquisa. Os
resultados apontam que os professores pesquisados não exploram apropriadamente
o contexto, os recursos e condições favoráveis para desenvolverem essa
competência.
Palavras-chave: formação de professores - língua estrangeira – práxis -
Competência comunicacional - competência lingüístico-comunicativa - abordagem
de ensinar.
viii
MOURA, Gerson Araujo de Moura. The foreign language teacher’s hominization:
From functional practice to communicational praxis. 2005. Dissertation (Mastership in
Applied Linguistic to foreign language teaching) – Universidade de Brasília.
ABSTRACT
This study analyses the multiple meanings implied in the use of the term
competence, the ideologies which underlies each use and discusses the need for
applied linguists to construct a concept of competence which takes into account not
only the production of language, the structural, functional, social and cognitive
aspects when elaborating theories which deals with human language production but
also affection and other subjective elements that are part of the subject. Thus, we
propose a model of linguistic-communicative competence in a communicational
perspective. The data were obtained through 4 classes observation – 3 recorded in
audio and 1 in video, 1 structured and 1 semi-structured questionnaires and 2
interviews made to 2 non-native English public school teachers who work at a
language center in Brasilia, DF. This is an exploratory, ethnographical based
research on how English language teachers develop their communicational
competence in service. The main results were: a) both teachers researched do not
explore the whole potential of reflection before and after their pedagogical actions,
interaction with their peers, the coordination and neglect the project pedagogy period
available at their workplace in order to build their communicational competence; b)
there is a similarity in their procedure in the classroom in terms of emphasizing the
activities proposed by their course book rather than their own; c) their personal
formation has not influenced much in the development of this competence ; d) the
material resources – especially the course book – theory, formal education and their
students have represented an important source for the competence development of
the subjects of this research. The results confirmed that both teachers researched do
not explore appropriately the context, resources and conditions favorable to them in
order to develop their communicational competence .
Key-words: teacher’s formation - foreign language - teaching approach -
communicational competence - linguistic-communicative competence - praxis.
ix
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Perfil dos sujeitos de pesquisa .............................................................28
Tabela 2 - Professor prático x professor em processo de profissionalização .........39
Tabela 3 - As principais matrizes ideológicas das competências...........................45
Tabela 4 - Arcabouço Cartesiano e Hegeliano........................................................50
Tabela 5 - Núcleo duro da abordagem....................................................................55
Tabela 6 - Quadro sinótico comparativo entre abordagem, método e técnica ........57
Tabela 7 - A matriz funcional, estrutural e interacional............................................58
Tabela 8 - Noções gerais de competência.................................................................64
Tabela 9 – CL x CC x CL-C........................................................................................85
Tabela 10 - Os níveis de Reflexão..........................................................................118
Tabela 10 - Atividades desenvolvidas em sala de aula por P1................................124
Tabela 11 - Habilidade x competência.....................................................................129
Tabela 12 - Contribuições para o desenvolvimento da CC de P1............................137
Tabela 13 – Atividades desenvolvidas em sala de aula por P2...............................152
Tabela 14 - Contribuições para o desenvolvimento da CC de P2 ..........................163
Tabela 15 -Sugestão para uma concepção de formação de professores de LE.....144
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Modelo da operação global de ensino de LE .......................................... 53
Figura 2 – Incomunicação ........................................................................................ 60
Figura 3 – A competência lingüístico-comunicativa.................................................. 74
Figura 4 – A dinâmica da CL-C ................................................................................ 80
Figura 5 – A CL-C / Foco no ‘use’............................................................................. 81
Figura 6 – A CL-C / Foco no ‘usage’......................................................................... 81
Figura 7 – Modelo teórico explicativo da CC de um professor de LE .......................88
Figura 8 – Elementos que podem favorecer o desenvolvimento da CC................. 121
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Contribuição dos meios p/ o desenvolvimento da CC de P1 ...............139
Gráfico 2 – A distribuição de tempo das atividades em sala de aula por P1 ..........147
Gráfico 3 – A distribuição de tempo das atividades em sala de aula por P2 ..........161
Gráfico 4 – O desenvolvimento da CC de P2 - .......................................................164
Gráfico 5 – A contribuição dos meios P/ o desenvolvimento da CC de P1 e P2 ....172
x
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ............ ..................................................................................v
RESUMO .................................................................................................................vii
ABSTRACT..............................................................................................................viii
SUMÁRIO ...............................................................................................................ix
CONVENÇÕES E LISTA DE ABREVIATURAS ......................................................xi
CAPÍTULO 1 – A PESQUISA .................................................................................14
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO E JUSTIFICATIVA DO TEMA ......................................14
1.2 OBJETIVOS E PERGUNTAS DE PESQUISA ..................................................25
1.3 METODOLOGIA DA PESQUISA. ......................................................................26
1.3.1 O Contexto da Pesquisa..................................................................................26
1.3.2 Sujeitos da Pesquisa.......................................................................................28
1.3.3.1 Instrumentos de Coleta de Dados...............................................................29
1.3.3.2 Observação e Gravação das Aulas..............................................................29
1.3.3.3 Entrevistas Semi-estruturadas Gravadas em Áudio ...................................30
1.3.3.4 Transcrição das Aulas e das Entrevistas .....................................................31
1.4 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO ...............................................................31
CAPÍTULO 2 – REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................33
2.1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................33
2.2 A Formação de Profissionais de Ensino de LE Por Competências.....................34
2.3 A Profissionalização ..........................................................................................35
2.4 De Professor Prático a Profissional ...................................................................38
2.5 As principais Matrizes que Orientam o Ensino Por Competências....................42
2.5.1 O Modelo Taylorista/Fordista ........................................................................45
2.5.2 O Modelo Toyotista .......................................................................................46
2.5.3 O Modelo Funcionalista .................................................................................48
2.5.4 O Modelo Construtivista ................................................................................48
2.5.5 O Modelo Comunicacional ............................................................................49
2.6 Sobre Abordagem, Metodologia, Métodos, Técnicas e Materiais ................... 52
2.7 A Formação de Profissionais de Ensino de LE Por Competências...................59
xi
2.8 A Contribuição de Diversos Autores .................................................................62
2.9 A contribuição de Outros Autores Para a Construção da Noção de Competência
Comunicacional Proposta neste trabalho ............................................ 65
2.9.1 Chomsky ...................................................................................................... 65
2.9.2 Hymes .......................................................................................................... 67
2.9.3 Widdowson ................................................................................................... 69
2.9.4 Almeida Filho ................................................................................................ 69
2.10 Noção de Competência Lingüístico-comunicativa ......................................... 70
2.11 Rumo a uma Competência Comunicacional ................................................. 76
2.12 Modelo Teórico Explicativo da C.C de um Professor de LE .......................... 88
2.13 Elementos Que Podem Favorecer o desenvolvimento da C.C .................... 96
2.13.1 A Competência Estética ............................................................................. 96
2.13. 2 Atividades Comunicacionais ......................................................................101
2.13.3 A Pedagogia de Projetos ............................................................................. 106
2.13.4 O Coordenador pedagógico ....................................................................... 108
2.13.5 A Formação ................................................................................................. 113
2.13.6 A Experiência ...............................................................................................114
2.13.7 A Reflexão ...................................................................................................117
3.0 CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DE DADOS .............................................................122
3.1 Introdução..........................................................................................................122
3.2 Sobre P1 .........................................................................................................123
3.3 A Atitude resiliente de P1 ................................................................................. 124
3.4 Noção de competência, de CL-C e de CC de P1 ............................................127
3.5.A abordagem de P1 ........................................................................................130
3.6.A contribuição de diferentes meios p/ o desenvolvimento da CC de P1 .........138
3.7.1 Os recursos materiais ..................................................................................139
xii
3.7.2 A coordenação pedagógica ..........................................................................141
3.7.3 O papel da universidade ...............................................................................142
3.7.4 A contribuição dos alunos ............................................................................142
3.7.5 A influência dos recursos materiais ..............................................................144
3.7.6 A estética ......................................................................................................148
3.7.7 A pedagogia de projetos ...............................................................................151
3.8 Sobre P2 .........................................................................................................152
3.9 A atitude resiliente de P2 .................................................................................152
3.10 A noção de competência, de CL-C e de CC de P2 .......................................153
3.11 A abordagem de P2 ......................................................................................156
3.12 O desenvolvimento da CC de P2 ..................................................................162
3.13 A estética nas aulas de P2 ............................................................................165
3.14 A pedagogia de projetos ................................................................................166
3.15 O Papel do coordenador pedagógico ............................................................167
3.16 O papel da universidade ................................................................................168
3.17 A contribuição dos alunos .............................................................................169
3.18 A influência dos recursos materiais ..............................................................169
3.19 A influência da experiência ............................................................................169
3.20 A reflexão ......................................................................................................170
3.21 O desenvolvimento da CC de P1 e P2 ..........................................................171
3.22 Considerações finais .....................................................................................173
Referências Bibliográficas .....................................................................................177
Anexo I - Glossário das Competências mencionadas nessa dissertação..............194
Anexo II – Excerto do Regimento Escolar da Rede Pública de Ensino do DF ......200
Anexo III – Modelo de Avaliação Utilizada Por P1 e P2 ........................................202
Anexo IV – Sugestões de Atividades Comunicacionais ........................................204
xiii
CONVENÇÕES
PG: Pesquisador
P1: Professora 1
P2: Professora 2
A: Aluno (a)
As: Alunos
[...] Corte em trecho de registro
LISTA DE ABREVIATURAS
AD: Análise do Discurso
CL-C: Competência lingüístico-comunicativa
CC: Competência comunicacional
CIL – Centro Intrerescolar de Lìnguas
DF: Distrito Federal
FE-DF: Fundação Educacional do Distrito Federal
LA: Lingüística Aplicada
LE: Língua Estrangeira
LDB: Lei das Diretrizes da Educação Nacional
xiv
Moura, Gerson Araújo de.
M929h
A hominização da linguagem do professor de LE : da prática
funcional à práxis comunicacional / Gerson Araújo de Moura ;
Percília Lopes Casemiro dos Santos , orientadora. - Brasília, DF,
2005. xiv, 218 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) - Universidade de Brasília ,
Departamento de línguas estrangeiras e tradução , 2005.
1. - Competência 2. - Competência lingüístico-comunicativa 3. -
Competência comunicacional. 4. - formação de professores de LE. I.
Santos, Percília Lopes Casemiro dos (orientadora). II Universidade
de Brasília. III. Dissertação (Mestrado). IV. Título.
CDU 800 : 37
14
CAPÍTULO 1 – A PESQUISA
“A língua estrangeira é formativa exatamente como o é o estudo
da língua materna” (Almeida Filho, 2005, p. 41).
1.1 Contextualização e justificativa do tema
A noção de competência nas ciências da educação (Pedagogia, Psicologia da
Educação, Lingüística Aplicada, etc.) tem provocado, com freqüência, incertezas léxicas e
controvérsias, devido à dificuldade de identificar claramente os fenômenos que ela tenta
descrever (Ollagnier, 2004, p.09). Ainda, a polissemia resultante de seu uso nos discursos
acadêmicos ocorre, muitas vezes, sem a devida explicitação das matrizes paradigmáticas
que norteiam as noções de competências adotadas. Entretanto, muitos dos currículos e leis
que servem de parâmetros para as instituições de ensino em nosso país, propõem um ensino
por competências (como as propostas de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional de Nível Técnico e para a Educação Profissional de Nível Tecnológico,
definidas, respectivamente, pelo parecer CNE/CEB nº 29/02 e Resolução CNE/CP nº
03/02
1
).
Assim, o título deste trabalho: ‘A Hominização
2
do Professor de LE por Meio
da Linguagem: Da Prática Funcional à Práxis Comunicacional ’, refere-se à necessidade de
avançarmos além de um ensino apenas tecnicista para um modelo que inclua o sujeito como
participante do meio em que atua e de seu próprio desenvolvimento. O termo
‘hominização’ é utilizado por Paulo Freire (1987; 1996) e Marx (1978) e é utilizado nesse
trabalho para referir-se ao processo em que o professor circula na linguagem para promover
1
Cf Parecer CNE/CEB nº 16/99 e Resolução CNE/CEB nº 04/99, disponíveis no site
www.mec.gov.br/semtec/educprof/dircur.shtm
. Parecer CNE/CP nº 29 e Resolução NE/CP nº 03/02,
disponíveis no site www.mec.gov.br/semtec/educprof/Dircurgeral.shtm
.
2
O dicionário Houaiss (2001, p. 1547) define o termo hominização como: aquisição de caráter ou
atributos distintivos da espécie humana (...) tornar próprio do homem (...) dar ou adquirir características
humanas.
15
uma comunicação dialética e dialógica e para conscientizar-se sobre qual é o seu papel
como sujeito. Nesse contexto, o educador se afirma como sujeito histórico, autônomo e
intelectual, alcançando um estado crítico-emancipatório e torna-se, efetivamente, um
cidadão que se preocupa com questões éticas, estéticas, políticas, de valores e situa-se como
ser humano na sociedade em que vive. A escolha deste termo nos parece relevante, pois
apesar da inflação de discursos sobre o lugar do sujeito na formação de professores de
línguas, acreditamos que ainda podemos avançar na implantação de medidas que
valorizam, efetivamente, o professor como ser humano, como profissional e sujeito que
pode contribuir para a transformação de uma sociedade que, embora heterogênea, trate os
indivíduos com eqüidade e respeito.
Ainda, o termo ‘hominização’ refere-se ao processo em que os indivíduos ou a
linguagem incorporam elementos que tornam o ser humano peculiar e diferente de outros
seres. Os indivíduos tornam-se sujeitos em lugar de objetos do processo sócio-histórico
(Freire, 1996) ao conscientizarem-se das significações dos seus discursos, por meio da
discussão, reflexão e podem influenciar na transformação de suas próprias ações (Bourdieu,
1991). A linguagem demonstra-se um elemento potencializador da emancipação dos
sujeitos na medida em que os homens desenvolvem a capacidade de manifestarem um
esforço solidário entre si (Marx, 1978), de tomarem consciência de suas contradições, e
superarem suas próprias determinações. Por meio da linguagem os humanos são inseridos
num processo histórico (Gaddotti, 2003, p.24).
O ensino de línguas com um enfoque apenas nas estruturas ou em aspectos
funcionais da linguagem e que não compreende o diálogo de maneira dialética está fadado a
um ensino que preconiza uma comunicação ingênua, superficial e que se afasta da sua
principal razão de existência: o sujeito. Acreditamos que uma noção de competência
lingüístico-comunicativa em uma perspectiva comunicacional dialética de ensino de línguas
busca romper com a incisão entre língua e sujeito provocada por enfoques ora
funcionalistas, ora estruturalistas.
16
Um conceito pedagógico de competência não deve se orientar somente pelo
entendimento funcional e fenomenológico das novas situações de trabalho e dos novos
papéis sociais mais livres, mas precisa refletir também sua essência crítica (Gaddoti, 1983).
As organizações de currículos, métodos e práticas de ensino devem propiciar a construção
de instrumentos de libertação dos sujeitos e não a multiplicação de modelos estáticos que
não têm condições de enfrentar mudanças e renovações contemporâneas.
Portanto, uma abordagem comunicacional de ensino de LE requer que a prática
rotineira e sem reflexão do professor seja superada por uma práxis pedagógica, ou seja,
ações coletivas mediadas pela reflexão sistemática sobre as ações pedagógicas. Assim, o
termo ‘práxis’
3
é compreendido neste trabalho como ação transformadora, mediada pela
reflexão sistemática, capaz de superar o habitus
4
(Bourdieu, 1991) e potencializar o
desenvolvimento da conscientização (Freire, 1996) dos sujeitos por meio de uma concepção
dialética (Marx, 1978) de diálogo. A prática comunicativa pode ocorrer por meio da
instrução. Uma práxis comunicacional, entretanto, necessita que haja espaço na escola para
o dialogismo (Bakhtin, 1992), para uma comunicação dialética entre alunos, pais,
professores, coordenadores, direção e de toda comunidade escolar. De acordo com Imbert
(2003, p. 15),
(...) a prática permite um fazer pedagógico que se preocupa em preencher o
tempo e o espaço da atuação profissional, visa um efeito, produz um objeto
(aprendizagens, saberes) e um sujeito-objeto (um escolar que recebe esses saberes
e os efeitos dessas aprendizagens), mas que em nenhum momento é portador de
uma perspectiva de autonomia.
A distinção entre esses termos - prática e práxis - torna-se então relevante nesse
trabalho uma vez que a proposta de competência que defendemos enfatiza o uso da práxis e
3
C. Castoriadis Apud Imbert (2003, p. 14) define práxis da seguinte maneira, “Denominamos práxis esse
fazer no qual o outro (ou os outros) é visado como agente essencial do desenvolvimento de sua própria
autonomia. A verdadeira política, a verdadeira pedagogia, a verdadeira medicina, se alguma vez tenham
existido, pertencem à práxis (C. Castoriadis 1975, p. 103)”.
4
O termo ‘habitus’ é empregado neste trabalho no sentido de Bordieu (1991, p.126-127) como “um sistema
de disposições adquiridas ao longo de uma existência e que, por ser encarnado nos corpos, faz com que os
agentes se comportem de uma determinada maneira em determinadas circunstâncias. É ele ainda que permite
que, entre pessoas de um mesmo grupo, dotadas de um mesmo habitus, tudo seja evidente, até mesmo os
conflitos. Entretanto, com habitus diferentes, surge a possibilidade da colisão, do conflito. A noção de habitus
deve ser compreendida junto com a noção de campo que, por sua vez, deve ser entendida como, “espaços de
jogos historicamente constituídos, com suas instituições específicas e suas leis próprias de funcionamento”.
17
não da prática como meio para promover uma comunicação catalizadora da reflexão. Neste
contexto, Tosquelles (1984) apud Imbert (2003, p. 74) afirma que,
A práxis não é uma prática. Convém não se enganar a esse respeito. A práxis é a
elaboração coletiva, num grupo, das práticas vividas no quotidiano. A prática
pode se situar no plano das elaborações primárias do pensamento, a práxis não.
Ela pressupõe um coletivo: um coletivo articulado, nunca massificado ou
aglutinado.
A prática é indissociável da atuação profissional dos indivíduos. Entretanto, a
complexidade da engenharia do processo de ensino/aprendizagem de LE, requer que as
discussões pedagógicas nas escolas sejam críticas, dialéticas e embasadas em pesquisas
científicas oriundas da Lingüística Aplicada ao ensino/aprendizagem de línguas para que os
fenômenos que circulam no fazer pedagógico de professores de LE não sejam
compreendidos de maneira ingênua, superficial e fragmentada. Uma atuação profissional
que compreende a ação pedagógica do professor de LE apenas na intuição, na reprodução
de respostas obtidas em situações anteriores ou elaboradas por terceiros, entrega-se ao
acaso, limita o desenvolvimento profissional do professor e não promove avanços coletivos
para o desenvolvimento da profissionalidade. Assim, torna-se necessário oportunizar, na
rotina da escola em que o profissional atua, momentos para que ocorram discussões entre
os pares com liberdade, constância, e de maneira dialógica.
A educação deve preocupar-se em preparar cidadãos para atuarem
profissionalmente em um mundo, ao mesmo tempo, cada vez mais globalizado e
tecnológico por um lado, mas carente de indivíduos humanizados
5
(Freire, 1996) por outro.
Faz-se necessário romper com concepções meramente positivistas
6
ou racionalistas de
ensino e refletir sobre programas e currículos de ensino renovados baseados na formação
por competências que contemplam o sujeito em sua totalidade. A elaboração de currículos
ou programas sem as devidas explicitações das intenções de uso do termo competência
5
Cf. ‘Conscientização’ (Freire 1980, p. 58).
6
O Positivismo de Auguste Comte tinha como características: valorizar as ciências, definir objetos,
estabelecer conceitos, utilizar metodologias de investigação, uma linguagem rigorosa, técnicas específicas, e a
verificação de hipóteses.
18
pode contribuir para a adoção de concepções de matrizes que têm propósitos distintos e
potencializar ações pedagógicas incoerentes, conflituosas ou ambíguas.
A formação que propomos deve ir além da matriz racionalista
7
e a
construtivista
8
, dos conteúdos e conhecimentos, favorecer a mobilidade social, valorizar os
interesses e as experiências dos indivíduos, reconhecer as diferenças e questionar a validade
de um modelo não crítico de formação por competências.
Nesta perspectiva, é atribuído ao professor um papel, não de agente passivo e
irrelevante ao processo de ensino/aprendizagem, mas de um sujeito que reconhece a sua
função de dinâmica e, por vezes, empreendedora, e facilitadora de renovação de
conhecimentos, pois ao transmitirem saberes durante um ato comunicacional dialético e
dialógico em sala de aula, professores e alunos podem também produzir, avaliar, ampliar ou
renovar informações pré-estabelecidas.
Os paradigmas
9
racionalista e empirista
10
reduzem o desenvolvimento
intelectual à ação do indivíduo ou à força do meio, não têm correspondido plenamente às
necessidades dos lingüistas aplicados quanto aos cursos de formação de professores de
línguas, uma vez que a exigência de um rigor estritamente científico e muitas vezes calcado
demasiadamente no positivismo tem ignorado alguns aspectos, dimensões e componentes
7
Esta concepção teórica compreende que o desenvolvimento da inteligência é determinado pelo indivíduo e
não pelo meio. De dentro para fora. O ser humano já nasce com a inteligência pré-moldada. À medida que o
ser humano se desenvolve, ele vai reorganizando sua inteligência pelas percepções que tem da realidade.
Essas percepções dependem de capacidades que são inerentes aos indivíduos.
8
Esta matriz teórica entende que o desenvolvimento da inteligência é determinado pelas ações mutuas entre o
indivíduo e o meio. O homem não nasce inteligente, mas também não é passivo sob a influência do meio.
Mas, responde aos estímulos externos agindo sobre eles para construir e organizar o seu próprio
conhecimento, de forma cada vez mais elaborada.
9
O termo grego “paradigma”, que significa modelo, epistemê, possui vários sentidos, embora nesta
dissertação utilizaremos a noção de paradigma de Thomas Kuhn como: (...) realizações científicas,
universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares aos
praticantes de uma ciência. (Kuhn, 1991, p.18). Almeida Filho (2005, mímeo), compreende o termo como,
‘um modelo exemplar com que se toma a tarefa científica de conceber, estudar e articular (verbalmente e
pictoriamente) uma ordem de fenômenos. (...) um paradigma imprime uma marca macro-construidora do
processo ou uma qualidade que se quer ver impressa na construção do processo de aprender e ensinar uma
(outra) língua.
10
O empirismo considera que o desenvolvimento intelectual pode ser totalmente modelado de fora, pois a
força que o determina se encontra nos estímulos externos e não no indivíduo.
19
por serem subjetivos. Entretanto, são características inerentes ao ser humano. Como afirma
Santos (1989, p. 58),
(...) é um rigor que quantifica e que, ao quantificar, desqualifica, um rigor que, ao
objetivar os fenômenos, os objetualiza e os degrada, que ao caracterizar os
fenômenos, os caricaturiza.
Em uma sociedade em processo de transição entre o toyotismo
11
e o fordismo
(Lobo, 2003, p.12-15), não se deve ignorar a contribuição da racionalidade na ciência.
Entretanto, admitir isto não implica na rejeição de aspectos subjetivos (como valores,
emoções, afetividade, intuição, etc) e de difícil quantificação pela ciência, mas que são
necessários a uma abordagem educacional que considere os educandos de maneira
holística. Como afirma Rezende apud Pimentel (2003, p.32),
Todas as ciências são humanas, pois humaniza-se toda experiência. Assim como
todas as ciências foram convidadas a se matematizar, são elas, agora, convidadas
a se humanizar. A linguagem científica volta-se para a lógica contemporânea
humanizada, onde se consideram os matizes do próprio pensamento, polivalente e
não bivalente. Entre o sim e o não há o infinito.
A noção de competência lingüístico-comunicativa em uma perspectiva
comunicacional
12
proposta neste trabalho, não busca romper completamente com a lógica
do utilitarismo/tecnicismo nem ignorar a contribuição do modelo de racionalidade que
preside a ciência moderna a partir do século XVI, possibilitando o progresso científico e
tecnológico. Também não se trata de uma nova competência, mas da competência
lingüístico-comunicativa
13
proposta por Almeida Filho (1993) em um contexto
contemporâneo de ensino/aprendizagem de LE.
11
O toyotismo representa um modelo de produção e treinamento adotado por industrias japonesas a partir da
década de 1970. Neste modelo, cada trabalhador é o gerente de uma parte da produção, torna-se responsável
pelo controle de qualidade, produtividade e aperfeiçoamento do processo. Nesta perspectiva, o trabalhador é
um “colaborador” que assume riscos sem de fato fazer as escolhas. Diversas funções, atribuições e
responsabilidades são delegadas ao profissional. Assim os limites entre trabalho e a vida pessoal tornam-se
cada vez mais tênues (Lobo 2003, p.14).
12
Compreendemos a competência lingüístico-comunicativa (Almeida Filho, 1998) em uma perspectiva
comunicacional (Prabhu, 2003) como a capacidade do sujeito produzir e compreende linguagem humana de
insumo de qualidade para comunicar-se em contextos múltiplos de interação, assim como fazer uso da
comunicação para a educação do sujeito como agente histórico e transformador.
13
Almeida Filho apud Alvarenga (1999, pp. 60-74) define competência lingüístico-comunicativa como: (...)
se constitui na competência do professor de produzir linguagem em contextos de uso e comunicação, insumo
de qualidade para que os seus alunos tenham isso como insumo útil para produzir competência eles mesmos.
20
Trata-se de uma compreensão que busca a superação de uma visão fragmentada
de linguagem humana e de refletir sobre as conseqüências das escolhas de diferentes
matrizes ideológicas para o ensino/aprendizagem de linguagem humana. O ensino de
linguagem humana reveste-se, assim, de caráter não só científico, mas científico-social,
opondo-se às dicotomias: sujeito/objeto, conhecimento/realidade, teoria/prática, ciências
naturais/ciências sociais, competência lingüística/competência comunicativa. Nesta
perspectiva, os professores de línguas, são caracterizados como sujeitos históricos (Freire,
1996) que influenciam e são influenciados pelo meio, assim como a linguagem. O processo
de ensino/aprendizagem de linguagem humana deve ser estudado considerando sua função
dinâmica e complexa.
A linguagem humana manifesta o que somos como sujeitos históricos. Dessa
forma, não há neutralidade de sentimentos, ideologias, desejos, etc. A linguagem que
utilizamos pode detonar sentimentos e atitudes como a dor, felicidade, empatia, tristeza,
inquietação, raiva, compaixão ou mesmo potencializar a conscientização em outros
sujeitos. É a capacidade de sentirmos, pensarmos ou desejarmos e realizarmos algo por
meio da linguagem humana que nos distancia das máquinas.
Devemos buscar, então, a renovação de um ensino focalizado na instrução,
meramente tecnicista/utilitária, para uma formação que fomente o desenvolvimento de
profissionais críticos, questionadores e humanos, participantes de uma sociedade que,
embora seja competitiva, permita a atuação de seus agentes de maneira justa e solidária. A
educação moderna precisa se preocupar com o desenvolvimento de valores ou atitudes que
propiciem a comunicação entre os povos e que favoreça a interação. Em outras palavras, é
necessário idealizar uma educação de profissionais de ensino de línguas conscientizados
(Freire, 1996) da importância de paralelo à instrução e aquisição de saberes, contribuir para
a formação de cidadãos politizados e humanizados.
Ao se discutir uma noção de competência e de formação profissional, não se
deve ignorar, então, o fato de que o ensino de LE é um processo essencialmente humano,
com toda a carga que isso representa: ações dominadas por desejos, emoções, sonhos,
21
valores, etc. Assim, uma proposta de formação por competências adequada à área de
Lingüística Aplicada deve possibilitar, por um lado, a integração dos conhecimentos do
indivíduo necessários para uma atuação que satisfaça as demandas do mercado de trabalho,
e, por outro, as necessidades do indivíduo e a educação para comunicação em contextos
cada vez mais complexos.
Nossos alunos devem ser capacitados não apenas a compreender e reproduzir
insumo com qualidade na língua-alvo, mas a produzir poesias que provoquem emoção e
questionamentos que causem inquietações, assim como interagir com outras pessoas
manifestando empatia
14
e sensibilidade sem, necessariamente, abdicarem de suas
identidades. Portanto, a educação em LE deve propiciar a formação de cidadãos críticos e
com conhecimento, que saibam potencializar o uso da afetividade, e atitudes que visem a
contribuir para uma relação mais harmônica entre os sujeitos (como o respeito, a empatia, a
compreensão, etc).
Em vez de treinarmos meros usurpadores lingüísticos, propomos que formemos
educadores conscientes de que terão de, continuamente, buscar a profissionalização para
atuarem em um contexto que corresponda às expectativas pessoais e de seus alunos. Que
sejam interessados também em estimular seus educandos a buscar estratégias ampliadoras
do conhecimento de maneira mais autônoma e continuada e que se conscientizem de que
embora o ensino de línguas esteja atrelado ao estudo da cultura da língua alvo, não se deve
forçar os educandos a assimilarem hábitos e costumes culturais de outros povos
(‘halloween’, ‘Valentine’s Day’, ‘Thanksgiving Day’, etc). Não é, necessariamente,
‘despindo’ do que somos culturalmente e como indivíduos, ou incorporando atitudes e
crenças de terceiros que nos tornaremos melhores professores ou usuários da língua alvo.
Com relação à formação de professores e à noção de competência, de acordo
com Oliveira (apud Lisita, 2003, p. 79), “os documentos oficiais sobre as diretrizes
curriculares
contêm, ao mesmo tempo, uma densa fundamentação teórica e uma certa
14
O termo empatia é utilizado neste trabalho no sentido de Davidoff (2001) como a capacidade de entender os
afetos de outros pela experiência direta de sentimentos.
22
imprecisão em torno de alguns conceitos, entre eles, o de competência (grifo da autora)”.
A autora aponta ainda que, “a despeito dessa imprecisão, a noção de competência (grifo da
autora) aparece como um eixo ordenador do processo didático”. Portanto, se as diretrizes
que orientam a atuação pedagógica não estão claras, todo o processo que compõe a
complexa engenharia de ensino fica comprometido.
Uma vez que as noções que permeiam o termo competência carecem de
maiores explicitações, antes de se proporem novas metas educacionais, de se discutir a
elaboração de grades curriculares por competências ou de se esboçar quaisquer projetos na
área de ensino/aprendizagem de línguas, deve-se esclarecer o que se entende ou pretende ao
utilizar os termos que nortearão as linhas de trabalho, uma vez que as palavras-chave
poderão representar ideologias, intenções ou mesmo mascarar o que realmente se pretende
(Marilena Chauí, 1995) com o uso de determinados termos.
É importante, também, explicitar porque consideramos determinado modelo de
competências mais adequado para a área de Lingüística Aplicada. Cada modelo de
competências (Europeu, Norte Americano, construtivista, modelos oriundos da indústria e
adaptados à Pedagogia), traz em seu bojo ideologias distintas que podem não corresponder
à abordagem que proclamamos seguir. Portanto, torna-se relevante discutirmos qual modelo
de formação por competências consideramos mais apropriado para a área de
ensino/aprendizagem de línguas.
A importância de se compreender melhor a noção do termo competência
também é reforçado por Alarcão (2003, p. 20) ao afirmar,
(...) Proponho que sejamos um pouco mais críticos e que aprofundemos o
conceito de competência e a relação entre competências e conhecimentos.
Proponho que integremos esta reflexão na teoria do agir humano.
Concordamos com a proposta da autora, pois não nos basta uma proposta de
formação profissional oriunda da indústria que objetive somente a produção qualitativa e
quantitativa de bens materiais, mas que ignora as idiossincrasias, necessidades, diferenças,
23
potencialidades e valores inerentes ao ser humano que podem inferir nos resultados e na
formação.
Não basta dispormos de leis que propõem uma formação coerente com as
necessidades presente da sociedade e dos indivíduos se os principais agentes que compõem
o processo educacional (alunos, professores, diretores de escola, etc.), não compreendem o
que se espera deles ou não dispõem de meios para atuarem como a lei sugere. Não há
avanços quando simplesmente se troca rótulos permanecendo o conteúdo inalterado. Para
que haja mudança, é preciso que haja conscientização (Freire, 1996), volição e coerência
entre o discurso e a ação (Prabhu, 1998), entre o rótulo e o conteúdo. Por isto concordamos
com Plantamura (2003, p. 35) quando este afirma que,
Percebemos, pois, que mesmo no âmbito de estudo das competências há muita
ambigüidade e deslizamentos semânticos, que devem ser explorados em toda sua
contrariedade, propondo novos discursos e novos conceitos que façam da
competência não um mero rol de habilidades genéricas, cambiantes ao sabor dos
discursos e necessidades empresariais e até mesmo educacionais.
Quanto mais explícito, lúcido e coerente for o sentido de competência
empregado, melhor direcionados serão os cursos de formação e a atuação do professor. A
complexidade do nosso tempo (Morin, 2003) exige profissionais que tenham uma clareza
maior de suas abordagens (Almeida Filho, 2004), que saibam porque ensinam como
ensinam (Bandeira, 2003), que se inquietam com uma educação fragmentada (Morin, 2003)
e que tenham o desejo de se envolver com a profissão. A atualidade da discussão sobre a
formação por competência pode ser constatada ainda ao analisarmos o apelo de
organizações internacionais, como a Unesco, em sua Declaração Mundial sobre Educação
Superior no Século XXI, de 1998 (Masetto, 2003, p.17), ao considerar a tarefa do ensino
superior como:
(...) “educar é formar pessoas altamente qualificadas, cidadãs e cidadãos responsáveis
[...] incluindo capacitações profissionais [...] mediante cursos que se adaptem
constantemente às necessidades presentes e futuras da sociedade”;
(...) “contribuir na proteção e consolidação dos valores da sociedade [...] cidadania
democrática, [...] perspectivas críticas e independentes, perspectivas humanistas”;
(...) “novo paradigma de educação superior que tenha seu interesse centrado no
estudante [...] o que exigirá a reforma de currículos, utilização de novos e apropriados
métodos que permitam ir além do domínio cognitivo das disciplinas”.
24
As propostas que estão explicitadas neste documento, se implementadas, trazem
implicações significativas que nos remetem à reflexão de, pelo menos, três aspectos:
(...) compreendemos que a educação deve envolver mais do que a formação de pessoas
qualificadas e responsáveis;
(...) uma formação que busca preparar o profissional para o mercado de trabalho e, ao
mesmo tempo, que invista no desenvolvimento do indivíduo como pessoa humana, não
ocorrerá sem que haja uma conscientização sobre os paradigmas em que estamos
inseridos e como superá-los. Acreditamos que esta transformação passa por um
processo longo e difícil.
(...) a simples utilização de novos métodos não nos parece ser suficiente para ir além do
domínio cognitivo das disciplinas (como está exposto no documento) uma vez que, na
nossa concepção, o método confere certa estaticidade à ação pedagógica.
Os cursos de formação de professores deveriam traçar estratégias para despertar
nos futuros educadores a necessidade de buscarem um desenvolvimento contínuo das
competências básicas de um profissional de ensino de línguas (vide glossário de
competências p. 162-166).
Uma proposta interessante seria a possibilidade dos profissionais engajados em
cursos de formação de professores convidarem e criarem condições para que professores
mais experientes tivessem a oportunidade de trocar experiência com os futuros professores
na universidade, assim como negociarem com escolas públicas e particulares a
possibilidade desses alunos participarem do dia a dia escolar (coordenação, direção, etc.)
antes do período de estágio.
Acreditamos que, por ser o professor uma variável importante no processo de
ensino/aprendizagem, faz-se necessário que exerça o que Prabhu chama de ‘senso de
plausibilidade
15
(Prabhu, 1990), ou seja, que saiba porque ensina como ensina, que se
inquiete com as complexidades que a profissão apresenta, que a sua ação seja o espelho da
sua fala e da sua filosofia de trabalho. Entretanto, exercer o senso de plausibilidade não é
tarefa fácil e não basta querer. Para tanto, é necessário que os educadores tenham condições
físicas, estruturais, políticas e, talvez, até financeiras.
15
Para Prabhu (1990, p. 104), ter o senso de plausibilidade é ter coerência interna entre o que se diz e o que se
faz, é agir com bom senso. Ainda, é o senso de sentir-se satisfeito ou insatisfeito com os procedimentos
profissionais. De acordo com Blatyta (1999, p. 44), é uma intuição pedagógica de como a aprendizagem
acontece e de como o ensino pode propiciá-la ou a mantê-la.
25
Além de possuir um continuum de competência lingüístico-comunicativa na
língua-alvo suficiente para produzir insumo de qualidade, é preciso que os educadores
exerçam também a capacidade de reflexão para que tomem consciência de suas ações
profissionais, que saibam e tenham a liberdade e o desejo de agir com um continuum de
competência cada vez com mais qualidade, e que conheçam os princípios, crenças, teorias e
filosofias que orientam estas ações (em outras palavras, que se conscientizem de suas
abordagens de ensino).
É importante, também, que os professores conheçam as terminologias que
utilizam, se apropriem dos seus instrumentos de trabalho de maneira crítica, investigando as
filosofias que norteiam suas ações, assim como buscarem desenvolver as competências
mínimas (como a profissional, a implícita, a aplicada, a teórica e a lingüístico-comunicativa
como propõe Almeida Filho, 1998, por exemplo) para uma atuação profissional satisfatória.
O continuum de desenvolvimento das competências do professor pode
influenciar também na qualidade da produção de insumo dos alunos. Em outras palavras,
quanto mais desenvolvidas forem as competências do professor (profissional, aplicada,
teórica, lingüístico-comunicativa e implícita), maiores condições este terá de auxiliar seus
alunos a desenvolverem uma abordagem comunicacional. Desta forma, investir recursos,
ações e conhecimentos para que os profissionais de ensino de LE desenvolvam suas
competências implica em criar condições favoráveis para que os alunos potencializem suas
capacidades.
1.2 Objetivos e Pergunta de Pesquisa.
Buscamos entender a configuração da competência lingüístico-comunicativa
em uma concepção comunicacional de ensino de LE em dois professores de Inglês, que
trabalham em um instituto de ensino de LE da rede pública de ensino em Brasília, DF, e
também como estes professores mantêm e desenvolvem esta competência. Utilizamos
procedimentos de análise da abordagem de ensinar desses professores com o objetivo de
responder à seguinte pergunta de pesquisa:
26
Dada uma representação teórica da competência comunicacional (a partir de
autores resenhados), como professores - não-nativos - de LE
16
(inglês), se apresentam
segundo esse modelo e como desenvolvem sua competência comunicacional?
1.3 METODOLOGIA DA PESQUISA
O presente estudo é exploratório, “pois pesquisas exploratórias são
desenvolvidas com o objetivo de proporcionar uma visão geral, de tipo aproximativo,
acerca de determinado fato” (Gil, 1999, 43), como no caso deste estudo que aborda a
competência lingüístico-comunicativa dos professores de língua inglesa, sujeitos desta
pesquisa. Ainda, “as pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver,
esclarecer e modificar conceitos e idéias (grifo nosso), tendo em vista a formulação de
problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores” (Gil, 1999,
p.43).
Essa é uma pesquisa qualitativa (Lüdke, M. e André, M. E. D. A, 2001, p.17),
pois o processo de ensino-aprendizagem foi estudado no seu ambiente natural (em sala de
aula), observando-se os sujeitos considerando aspectos múltiplos (sociais e/ou individuais)
que podem influenciar suas ações pedagógicas, de forma não-controlada e levando em
consideração os componentes pedagógicos, psicológicos e sociais da realidade que envolve
o processo.
1.3.1 O Contexto da Pesquisa
Essa pesquisa foi realizada no primeiro semestre de 2004 em uma escola
pública de línguas da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (doravante
SEE/DF). Estas escolas, denominadas de Centros Interescolares de Línguas (doravante
CIL), oferecem cursos gratuitos de Inglês, Espanhol e Francês prioritariamente aos alunos
da rede pública de ensino (a partir da 5
a
série), e à comunidade em geral.
16
Língua Estrangeira.
27
Atualmente, há oito centros de línguas em Brasília. Essas escolas possuem
algumas características que as distingue das demais escolas públicas da rede regular no DF.
Citaremos somente as que consideramos relevantes para esta pesquisa:
a) A carga horária semanal é de duas aulas de uma hora e vinte minutos cada e
as turmas são compostas de 20 a 22 alunos em média. Além disso, todos os
professores têm a possibilidade de trabalhar com uma turma de projeto
17
cujo tema deve ser negociado com os alunos.
b) Os professores que pretendem trabalhar nos centros de línguas prestam
exames oral e escrito no idioma que pretendem lecionar. O ensino de línguas
estrangeiras nestes centros deve ocorrer, preferencialmente, mas não de
forma imposta, na língua-alvo.
c) Todas as salas de aula são equipadas com televisão, vídeo, aparelhos de som
com CD, DVD, laboratório e biblioteca com acervos de vídeo e livros
específicos para o ensino de idiomas além de alguns computadores com
acesso a internet. Estes recursos visam auxiliar o ensino e a aprendizagem de
uma segunda língua.
d) As aulas são dadas prioritariamente na língua-alvo e, além do conteúdo
estipulado no livro didático, os professores definem coletivamente a
utilização de recursos extras como livros de literatura, filmes, desenhos
animados, música, etc.
O Centro Interescolar de Línguas (CIL) onde foi realizada esta pesquisa está
localizado em bairro da periferia de Brasília e conta com 30 professores de Inglês, 04
17
Atualmente, nas escolas públicas em Brasília, todo professor tem, dentro da sua carga horária de trabalho
regular, um horário destinado a trabalhar com projetos. O tema do projeto (teatro, filme, fonética, música,
gramática, conversação, etc) deve ser negociado com os alunos, de acordo com o interesse deles e a
possibilidade de viabilizar tal projeto.
28
professores de Espanhol e 08 de Francês. Os professores que atuam 40 horas lecionam
em um período e coordenam no outro. Aproximadamente cinco mil alunos estudam
nesta escola.
O ambiente descrito acima foi propício para a coleta de dados, uma vez que foi
possível observar os professores utilizarem a língua inglesa e a competência em estudo
de maneira o mais natural possível, apesar de se tratar de um local formal (escola/sala
de aula).
1.3.2 Sujeitos da pesquisa
Os sujeitos de pesquisa são dois professores de Inglês que nunca viajaram ou
moraram em países anglófonos, ou tiveram a oportunidade de interagir com falantes
nativos. Ambos aprenderam Inglês na mesma escola em que hoje trabalham. São formados
em Letras/Inglês e lecionam Inglês há mais de 06 anos.
A escolha dos sujeitos desta pesquisa foi feita obedecendo à prontidão,
disponibilidade e aceitação dos mesmos em participar da pesquisa.
Para uma melhor compreensão, segue o perfil dos sujeitos:
Experiência Sujeitos Carga
horária
De
trabalho
Formação
Profissional
IDADE Cursos de
Aperfeiçoamento
Lecionando
Iglês
Já esteve em
países onde a
língua inglêsa
é falada?
Sexo
P1
60 h. Letras/Ing. 27 PCT (Curso de
Preparação para
Professores)
07 anos NÃO F
P2
40 h.
Letras/Ing.
25
Seminários
06 anos
NÃO
F
Tabela 1 – Perfil dos sujeitos de pesquisa.
29
1.3.3.1 Instrumentos de Coleta de Dados
Utilizamos alguns procedimentos de cunho etnográfico na coleta dos registros
das nossas observações, sugeridos por Almeida Filho (2004), Schön (1997), e Hammersley
& Atkinson (1989), a saber: observação de aulas, com notas de campo e gravações em
áudio e vídeo; entrevistas semi-estruturadas gravadas em áudio; transcrições das aulas e das
entrevistas; questionários e uma tarefa comunicativa definida por Scaramucci (1995:80,
apud Silva, 2000, p. 78) como sendo:
(...) uma atividade de propósito comunicativo e que procura especificar para a
linguagem usos que se assemelham ou estão mais próximos daqueles que se têm
na vida real. A tarefa permite a apresentação de
conteúdos “autênticos” e sempre
dentro
de um contexto maior de comunicação para que o candidato possa ajustar
o registro da linguagem às necessidades da situação.
Ainda, de acordo com Silva (2000, p. 78),
A tarefa se constitui numa atividade que exige que os aprendizes cheguem a um
resultado a partir de uma dada informação, por intermédio de algum processo de
pensamento regulado e controlado pelo professor. Poder-se-ia citar como
exemplos de tarefas: assistir a um vídeo e ser capaz de se posicionar com relação
ao assunto apresentado. (...) Interessante ainda observar que a tarefa oferece uma
vantagem adicional, ou seja, além de ser um instrumento valioso de avaliação ela
se constitui
ainda em um instrumento de aprendizagem.
1.0.1.2 Observação e Gravação das Aulas
Desde o início da pesquisa, foi esclarecido aos professores sujeitos desta
pesquisa que o foco seria neles e não nos alunos, sendo solicitada a devida autorização para
a publicação dos resultados. No entanto, não fornecemos detalhes sobre a pesquisa para não
influenciar os resultados da mesma.
Quanto à utilidade de se realizarem gravações em áudio ou vídeo de uma
seqüência de aulas típicas, Almeida Filho (2004)
18
afirma que,
18
Em curso ministrado na UniCamp, em Janeiro de 2004, denominado: Planejamento de Cursos e Produção
de Material Didático.
30
(...) a gravação em áudio ou vídeo de uma seqüência de aulas típicas registra, de
forma duradoura, o processo de ensinar em construção e por isso permite, na
revisitação, nos revisionamentos e nas reaudições das aulas, o flagrar de
evidências e contra-evidências para a construção de uma interpretação da
abordagem em fluxo.
Outros autores demonstram concordar com a relevância de considerar a
realização da pesquisa em sala de aula, como Valdes (1986, p.121), ao afirmar que,
(...) até mesmo a lingüística aplicada tende se tornar tão envolvida com teorias e
idéias em uma grande escala que negligencia a sala de aula – onde todo o enredo
e planejamento acontece. Teorias são feitas e quebradas na sala de aula, pois é
aqui que elas comprovam serem falsas ou verdadeiras, produtivas ou inúteis,
práticas ou se enquadram apenas na torre de mármore. Das teorias provêm
abordagens, métodos, e técnicas para serem testadas em campo para
comprovarem a
validade em sala de aula.
De acordo com Gil (1999, p.34), “qualquer investigação em ciências sociais
deve valer-se, em mais de um momento, de procedimentos observacionais”. Os dados
foram coletados de forma sistemática em áudio e vídeo através da observação de 04 aulas
de cada sujeito de pesquisa, sendo que, três dessas aulas foram gravadas em áudio e uma
em vídeo. É importante salientar que um mini gravador e a câmara de vídeo foram
colocados em pontos estratégicos e discretos nos momentos em que ocorreu a pesquisa para
não inibir os pesquisados e não interferir no ambiente de sala de aula e nos resultados da
pesquisa.
Para confirmarmos se o continuum de competência comunicacional na língua
alvo dos sujeitos da pesquisa era satisfatório para a realização desta pesquisa, mostramos
um documentário em inglês sobre clonagem, sem legenda, com a finalidade de verificarmos
a compreensão e a capacidade dos sujeitos de compreenderem e de se expressarem, em
inglês, sobre um tema polêmico, complexo e atual.
1.3.3.2 Entrevistas Semi-Estruturadas Gravadas em Áudio
31
Segundo Kerlinger (1980, p. 350) “Uma das grandes vantagens da entrevista é,
então, sua profundidade. Os pesquisadores podem ir mais abaixo da superfície das
respostas, determinando razões, motivos e atitudes
19
”.
Nessa pesquisa, utilizamos uma entrevista semi-estruturada em língua inglesa
com cada sujeito, com a finalidade de complementar as informações relacionadas aos
fenômenos em estudo (Gil, 1994), assim como esclarecer dúvidas a respeito das
observações realizadas. A utilização deste tipo de entrevista também serviu para nos
certificarmos de que as atribuições relacionadas à competência comunicacional manifestada
pelos sujeitos desta pesquisa em sala de aula correspondiam à realidade observada pelo
pesquisador.
1.3.3.4 Transcrição das Aulas e das Entrevistas
As transcrições foram realizadas à medida que os dados eram coletados com o
objetivo de construir um perfil concomitante dos sujeitos e do fenômeno observado. Esse
procedimento também visava possíveis correções e reorientações que se fizessem
necessárias ao longo do processo.
1.4 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO
Essa dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro capítulo
apresentamos a contextualização do tema e a justificativa para a realização deste trabalho.
Apresentamos logo a seguir os objetivos e as perguntas de pesquisa, assim como a
metodologia adotada para a análise proposta, seguida da descrição do cenário da pesquisa,
dos professores-sujeitos, dos instrumentos de coleta de dados e da organização desta
dissertação.
O capítulo 2 refere-se à fundamentação teórica do presente estudo, com a
discussão dos eixos que deram suporte a nossa pesquisa: a formação de professores por
19
Este texto está em português e foi traduzido por Helena Mendes Rotundo.
32
competência; o modelo de competências na formação de professores de LE e a competência
lingüístico-comunicativa na operação global do ensino de línguas.
O Capítulo 3 trata da análise e discussão dos dados coletados nesta pesquisa das
considerações finais concernentes aos resultados alcançados pelo nosso trabalho, e das
contribuições que este possa acrescentar à área de formação de professores de língua
estrangeira pelo modelo de competências.
Nos anexos são apresentados o roteiro de entrevistas, glossário das
competências, questionários, sugestões de atividades comunicacionais e os dados dos
professores e o regimento interno das escolas da rede pública de ensino do DF que trata do
papel do coordenador pedagógico. Com relação às gravações das aulas, transcrevemos
apenas os trechos que ilustram os pontos em discussão.
33
CAPÍTULO 2 - REFERENCIAL TEÓRICO
“Em resumo, o grande papel composto da língua estrangeira é
basicamente educacional-cultural-comunicacional, de preparar o
contato com falantes e culturas estrangeiras na medida em que faz
sintonia com os propósitos da escola na formação do educando”.
(Almeida Filho, 2005, p. 41)
2.1 INTRODUÇÃO
Compreendemos que formar profissionais de ensino/aprendizagem de línguas
por competência, em um mundo em processo de globalização, é uma tarefa altamente
complexa. Não há fórmulas prontas ou modelos que se adaptam às situações que se
renovam com rapidez e fluidez. Ao educador que deseja superar a rotina e o habitus
1
, que,
muitas vezes, pode contribuir para a alienação, torna-se relevante saber quais competências
são necessárias, como auxiliar seus alunos a desenvolvê-las e quais seriam as possíveis
implicações de determinada escolha.
A própria lei que trata da formação de professores por competência reconhece a
relevância de se definir de maneira mais precisa o que se entende, se pretende e se espera
com este tipo de formação. De acordo com as diretrizes para a formação inicial de
professores,
Conceber e organizar um curso de formação de professores implica: (a) definir o
conjunto de competências necessárias à atuação profissional; (b) tomá-las como
norteadoras tanto da proposta pedagógica, em especial do currículo e da
avaliação, quanto da organização institucional e da gestão da escola de formação.
(Conselho Nacional de Educação, 2001, p.35-36).
Antes, porém, de definirmos o conjunto de competências necessárias para a
atuação profissional, torna-se imprescindível compreendermos com quais noções de
1
Para Bourdieu (1991, p.92), in Pimenta (2002, p. 181), ‘habitus’ consiste em um ‘sistema de disposições
duradouras e transferíveis, estruturas predispostas a funcionarem como estruturantes, ou seja, como
princípios geradores e organizadores de práticas e de representações que podem estar objetivamente
adaptadas ao seu fim, sem supor a busca consciente de fins e domínio expresso das operações necessárias
para alcançá-los, objetivamente “reguladas” e “regulares”, sem ser produto da obediência a regras e, ao
mesmo tempo, coletivamente orquestradas sem ser produto da organização de um regente de orquestra.
34
competência pretendemos trabalhar, uma vez que os documentos oficiais que norteiam as
diretrizes curriculares não expressam de maneira clara qual noção de competência deve ser
utilizada.
Entendemos que a sociedade atual, que por um lado se mostra excludente e
impessoal e defende verbalmente uma política inclusiva por outro, carece também de
cursos de formação que fomentem uma atitude mais humana, que capacite e sensibilize os
professores para atuarem em uma perspectiva efetivamente inclusiva. A profissionalização
dos professores de língua estrangeira não pode se distanciar da humanização, de um ensino
que fomente a socialização dos indivíduos e da certeza de que o ensino de língua
estrangeira não é uma atividade supérflua e de que não deve ser acessível somente a uma
elite dominante, mas tem um papel social relevante a desempenhar em nossa sociedade,
pois pode contribuir para a ascensão social, o crescimento pessoal, fomentar uma postura
crítica diante do que ocorre no contexto em que atuamos e, portanto, uma função social
digna como argumenta Almeida Filho (I ELARCO, 2003)
2
.
2.2 A Formação de Profissionais de Ensino de LE.
O termo formação tem a sua origem no modelo franco-napoleônico de
universidade que se caracterizava por uma organização não universitária, mas
profissionalizante, centrados em cursos e faculdades visando à formação de burocratas para
o desempenho das funções do Estado (Masetto, 2003, p.11). A adoção desse modelo, de
acordo com Pimenta (2002), teve por finalidade proceder a uma unificação ideológica (cf.
Fayard, in Pimenta e Anastasiou, 2002, p.149). Os objetivos desse modelo eram claros:
É preciso, antes de tudo, atingir a unidade e que uma geração inteira possa ser
jogada na mesma fôrma (destaque da autora). Os homens diferem, sempre
bastante, por suas tendências, por seu caráter e por tudo que a educação não deve
ou não pode reformar (...) Trata-se de prevenir contra as teorias perniciosas e
subversivas da ordem social, num sentido ou noutro, de resistir às teorias
perigosas dos espíritos que procuram se singularizar, e que, de período a período,
renovam essas vãs discussões, a opinião pública.
2
I ELARCO é a sigla do I Encontro de Lingüística Aplicada da Região Centro-Oeste, realizado na UnB, DF,
em novembro de 2003. Neste evento o professor Dr. José Carlos Paes de Almeida Filho proferiu a palestra
explicitando seu modelo de operação global, de competências e falou sobre a função social do ensino de
línguas.
35
Assim, compreendia-se que “a corporação de professores se caracteriza,
primeiramente, pela fixidez. Formemos um corpo de doutrinas que não varie nunca e uma
corporação de professores que não morra nunca. Não haverá Estado político fixo se não
houver uma corporação de professores com princípios fixos” (Fayard, apud Pimenta e
Anastasiou, 2002, p.149). O resultado dessa formação ainda é perceptível se observamos,
por exemplo, a dificuldade que os professores têm de atuarem com autonomia e de
adotarem uma atitude reflexiva de ensino.
Entretanto, o termo formação, de acordo com alguns autores, tem hoje o seu
sentido renovado (cf Altet, 2003; Léopold Paquay, 2003; Phillipe Perrenoud apud Allet,
2003, p. 242). De acordo com esses autores, formar é: a) partir da prática, encorajar,
provocar, depois acompanhar uma transformação voluntária de uma pessoa em todas as
suas dimensões; b) formar é ajudar a construir competências, a trabalhar a mobilização e a
transposição de recursos; c) parar de prescrever e favorecer uma escolha pensada,
esclarecida, levando em conta missões, projeto pessoal, expectativas, limites do ofício de
professor; d) ajudar a construir modelos de análise de experiência e a conectá-los com
saberes extraídos da pesquisa.
2.3 A Profissionalização.
A compreensão limitada de alguns termos que usamos como competência,
formação, profissionalismo
3
e profissionalização
4
, aliada ao fato de ainda não termos um
código de ética ou uma associação reconhecida juridicamente (como a ordem dos
advogados, médicos, etc.) que forneça parâmetros para o exercício profissional, pode ter
contribuído, entre outros aspectos, para conferir um ‘status’ de amadorismo a uma
3
Para Libâneo, “O profissionalismo, refere-se ao desempenho competente e compromissado dos deveres e
responsabilidades que constituem a especificidade de ser professor e ao comportamento ético e político
expresso nas atitudes relacionadas à prática profissional” (2004, p. 64).
4
De acordo com Libâneo (2004, p. 63), “A profissionalização refere-se às condições ideais que venham a
garantir o exercício profissional de qualidade. Essas condições são: formação inicial e formação continuada
nas quais o professor aprende e desenvolve as competências, habilidades e atitudes profissionais;
remuneração compatível com a natureza e as exigências da profissão; condições de trabalho (recursos físicos
e materiais, ambiente adequado e clima de trabalho, práticas de organização e gestão)”.
36
profissão que necessita de profissionalidade
5
para lidar com situações complexas. É
importante explicitarmos que compreendemos que para exercer a profissão de professor de
línguas é necessário estar, pelo menos, certificado e qualificado.
Acreditamos que a afirmação de Kunzendorff quanto à formação insuficiente
dos professores e sobre os cursos de formação de professores de Português L2 se aplica
também ao ensino de outras línguas no Brasil, uma vez que podemos verificar que há um
número considerável de docentes sem uma formação pedagógica adequada lecionando
inglês, francês, etc. De acordo com Kunzendorff (1997, p. 22).
Parece-nos que a maioria das escolas não dá muita importância à
formação em Lingüística e Lingüística Aplicada de seus
professores. O requisito de recrutamento, na escolha do
profissional, depende mais (sic) do
fato de ser ele falante nativo com
formação universitária.
Esse reconhecimento, da fragilidade da formação dos professores de línguas,
demonstra a relevância de se discutirem os meios para tornar a profissionalização dos
praticantes empíricos uma ação viável, uma vez que as instituições de ensino que recebem
estes professores, muitas vezes já assumem que são profissionais, desobrigando-se, pois, de
contribuir para torná-los profissionalizados mediante a oferta de cursos que potencialize a
formação continuada. Não se trata de culpar os professores pelas mazelas do ensino ou de
negar a validade das certificações outorgadas, mas de reconhecer e valorizar a importância
da profissão docente. Diante desse quadro, Guimarães (apud Pimenta e Anastasiou, 2002,
p.118) afirma que,
(...) enquanto agirmos em nossos cursos de formação e em nossas instituições
escolares, contentando-nos com baixos níveis de profissionalidade (traduzido
em qualificação mínima, descompromisso com atualização, mesmice da
profissão, pacto com a autodesqualificação) e de profissionalismo (traduzido em
aceitação pacífica do insucesso escolar, má qualidade de experiências de
aprendizagem dos alunos, rotina, desencanto), a profissionalização vai ser uma
retórica necessária somente para quem a faz, porque, efetivamente, como está,
estará bom.
6
5
O termo ‘profissionalidade’ é utilizado por Libâneo e diz respeito ao ‘conjunto de requisitos profissionais
que tornam alguém um professor, como a sua formação inicial que visa propiciar os conhecimentos e
desenvolvimento das habilidades e atitudes relevantes para que o profissional possa desempenhar suas
funções apropriadamente nas escolas. (Libâneo, 2004, p. 75).
6
Grifos do autor.
37
A atuação de professores não certificados/não profissionalizados na área de
ensino de línguas estrangeiras confere um aspecto de amadorismo a uma área que exige
tomada de decisões de natureza complexa. Ainda, dificulta o processo de profissionalização
e a configuração de uma identidade profissional docente necessária para nos engajarmos na
construção de instrumentos (como um código de ética, estatuto profissional, estabelecer
critérios mais precisos para a confecção de exames e traçarmos metas mais objetivas nos
cursos de letras) que viabilizem a fiscalização e acompanhamento de práticos ou
profissionais que atuam como professores. Torna-se também complexo a elaboração de
parâmetros, com embasamento científico, que sirvam como norteadores da profissão.
Ao compormos o mosaico da identidade profissional do professor de línguas,
não pode faltar uma teoria que respeite as particularidades de cada professor, que considere
aspectos que o distingüa de outros pares – tanto profissionais de outras áreas como da
mesma disciplina em que leciona, que ilumine seu agir pedagógico sem tirar-lhe a
autonomia de renovar postulados teóricos e sem aprisionar-lhe a criatividade e,
principalmente, que considere a relevância dos saberes e conhecimentos específicos que
compõem sua
atuação sem arrancar-lhe a humanidade. Deve-se considerar ainda que as
questões que permanecem enigmáticas (como a noção dos termos competência,
profissionalismo, etc.) têm de ser, se não resolvidas, pelo menos esclarecidas.
A construção da identidade dos futuros professores e a configuração de um
quadro teórico-prático podem contribuir para definir os conteúdos e as competências que
caracterizam o ser professor. Esta situação tem sido agravada pela desvalorização social
7
,
observável nos baixos salários e nas condições precárias para exercer a profissão
dignamente (salas superlotadas, descaso de governantes, etc). Para Libâneo (2004, p.77),
Isso acontece porque a identidade com a profissão diz respeito ao significado
pessoal e social que a profissão tem para a pessoa. (...) Paradoxalmente, no
entanto, a ressignificação de sua identidade – que passa pela luta por melhores
salários e pela elevação da qualidade da formação – pode ser a garantia da
recuperação do significado social da profissão.
É importante conscientizá-los que, como parte de um processo inicial de
formação, para estarem professores ou atuarem como instrutores, a certificação, o domínio
38
de conhecimentos, técnicas e uma atuação não reflexiva poderão ser suficientes. Entretanto,
para serem professores e atuarem com profissionalismo é necessário mais do que isto. É
preciso que haja compromisso ético e político com a profissão. Para tanto, necessitamos
adotar uma visão macro de profissão para compreendermos que a valorização pessoal e
profissional de cada profissional está condicionada, entre outros fatores, à compreensão de
que toda a engenharia de ensino/aprendizagem de línguas não se limita a uma ação com
eficácia em sala de aula, mas de inúmeros outros fatores igualmente complexos e do nosso
engajamento em busca de melhores condições salariais, de trabalho, e da nossa capacidade
de atuarmos coletivamente em cooperação.
O professor empírico é entendido neste trabalho como o que se acomoda no
habitus
8
da sua profissão. Ou seja, um professor que, independente do seu tempo de
serviço, exerce a profissão sem buscar a sua profissionalização continuada. Assim, um
professor que pouco reflete sobre suas ações profissionais, não contribuirá muito com o
desenvolvimento da profissão e/ou ainda tirará pouco proveito do acúmulo de seu tempo de
serviço, uma vez que limita a sua prática docente a copiar modelos ou experiências de
terceiros. Esta atitude pode, assim, cristalizar o seu desenvolvimento profissional. Quanto a
isto, Libâneo (2004, p. 67) afirma que,
Sabemos que boa parte das situações de ensino são singulares, incertas e muitas
vezes desconhecidas, por isso não basta o professor ter uma lista de métodos e
técnicas a serem utilizados. O que ele precisa é desenvolver a capacidade de dar
respostas criativas conforme cada situação. Não precisa tanto saber aplicar regras
já estabelecidas, mas construir estratégias, descobrir saídas, inventar
procedimentos. Ou seja, o professor precisa ser capaz de inventar suas próprias
respostas.
2.4
De professor prático a professor profissional.
7
Cf Libâneo 2004.
8
O termo ‘habitus’ é empregado neste trabalho no sentido de Bordieu (1991, p.126-127) como “um sistema
de disposições adquiridas ao longo de uma existência e que, por ser encarnado nos corpos, faz com que os
agentes se comportem de uma determinada maneira em determinadas circunstâncias. É ele ainda que permite
que, entre pessoas de um mesmo grupo, dotadas de um mesmo habitus, tudo seja evidente, até mesmo os
conflitos. Entretanto, com habitus diferentes, surge a possibilidade da colisão, do conflito. A noção de habitus
deve ser compreendida junto com a noção de campo que, por sua vez, deve ser entendida como, “espaços de
jogos historicamente constituídos, com suas instituições específicas e suas leis próprias de funcionamento”.
39
A transição de professor prático a professor profissional é complexa, contínua e
difícil (assim como as mudanças de paradigmas são dolorosas), pois além do compromisso
com a profissão escolhida, com o corpo docente, discente, político ou ético, depende do
indivíduo dispor de sua potência para promover uma crescente conscientização e renovação
suas de atitudes que permitam que as ações empíricas se confirmem em ações profissionais.
A tabela que mostraremos a seguir busca contrastar as principais características entre essas
duas maneiras de compreender o profissional docente de LE.
PROFESSOR PRÁTICO PROFESSOR PROFISSIONAL
Suas ações dependem de copiar modelos pré-
existentes ou de fazer algumas modificações.
Busca criar, adaptar, elaborar, analisar, recriar, se for
necessário.
Desconhece os jargões, leis, teorias, de sua profissão.
Busca conhecer o que for pertinente à sua área.
Obedece, incondicionalmente, aos que estão,
hierarquicamente, em posição superior.
É questionador, pois busca respaldo para suas ações
profissionais na ética.
Depende de modelos, manuais para agir.
É capaz de tomar decisões com coerência e com senso
de plausibilidade (Prabhu, 1988).
Busca a acomodação, acumular técnicas, ‘formulas’
ou ‘receitas’ que respondam de imediato às suas
necessidades, mas sem questionar sobre as
implicações futuras do uso indiscriminado destas.
Busca desenvolver-se de maneira holística.
Só se preocupa em executar ordens.
Tem consciência de que é possível aprender com os
erros.
Pode responder/executar bem ou com eficácia,
mas não sabe explicitar o porquê/como.
Tenta explicitar suas ações profissionais.
Limita-se a fazer correções. Busca promover avanços, renovar o conhecimento na
área, atitudes com coerência.
Ao deixar o local de trabalho, busca esquecer
tudo quanto for relacionado à profissão.
Vive a profissão – no sentido de refletir
continuamente sobre suas ações.
É tratado como empregado, proletário – pois seus
superiores não consideram sua produção
intelectual relevante.
É tratado como, pelo menos intelectualmente,
autônomo – sua produção intelectual e opinião é
respeitada.
Conforma-se em receber qualquer salário.
Luta por melhorias salariais. Recebe honorário.
Não se considera responsável por todo o processo,
apenas pela função que exerce.
Considera-se co-responsável e como figura
importante de todo processo.
40
Age de acordo, primeiramente, com a moral e, em
segundo plano, com a ética, pois o
desenvolvimento da sua conscientização e ainda
não são prioritárias em sua busca por
aprimoramento profissional se comparado com a
necessidade de obter técnicas, conhecimento ou
recursos, que ainda ocupam lugar de destaque.
Age de acordo, primeiramente, com a ética e com
a moral em segundo plano.
Sente-se incapaz de produzir, renovar
conhecimentos, recursos, atitudes, etc. na área.
Só utiliza instrumentos pré-criados, escolhidos,
produzidos e elaborados.
Sente-se capaz de criar, elaborar, escolher,
adaptar, aperfeiçoar seus instrumentos de
trabalho.
Conforma-se em justificar suas ações somente na
‘paixão’ que diz ter pela profissão e na
certificação que possui.
Tem consciência de que somente ‘gostar’ da
profissão e estar certificado não o capacita a atuar
de maneira profissional, mas busca tornar-se um
profissional ‘aplicado’ no sentido de Sant’Ana
(2005 – dissertação em andamento).
Tabela 2
9
- Professor prático x professor profissional
Consideramos um professor de línguas profissional, então, um professor que
atua de maneira reflexiva (Shön, 1997) e que, além de estar certificado, de exercer a
profissão e ter desenvolvido um continuum
10
(Almeida Filho, 2004, VII CBLA
11
) de
competência comunicacional suficiente para produzir insumo de qualidade na língua-alvo
(Almeida Filho, 2004), busca exercer a profissão com um senso de ética, politização,
coerência, plausibilidade
12
(Prabhu, 1988), com conscientização (Freire, 1996)
13
,
profissionalismo, e que investe, continuamente, para que as competências: teórica, aplicada,
9
Baseado em anotações feitas após discussões feitas em sala de aula sobre o tema durante a disciplina do
curso de mestrado em Pedagogia denominada ‘Formação de Professores’ e ministrada pela professora Lúcia
Rezende em 2004).
10
A proposta de Almeida Filho (IV Congresso da ALAB, 2004), de utilizar o termo `continuum` ao invés de
`nivel` parece-nos mais interessante uma vez que compreendemos as competências do professor de línguas
como dinâmicas, complexas e temporal, ou seja elas se ajustam às necessidades de cada momento ou época
tornando inapropriado a configuração de níveis de competência, como se fosse possível atingir um nível ideal
de competências.
11
VII CBLA é a sigla do VII Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada. Este congresso ocorreu nos dias
10 a 14 de outubro de 2004 na PUC / SP.
12
Almeida Filho (2005, mímeo) afirma que o senso de plausabilidade ‘é um senso geral inicial e
comunicável, uma sensação abrangente relatável de que diversos elementos pertinentes ao nosso ensino
fazem sentido formando o conjunto de ações produzidas mais ou menos coerente (ou explicável, pelo menos).
O senso de plausibilidade , portanto, se revela na explicação de como e por que se ensina e aprende uma
língua.
13
De acordo com Freire, tomar consciencia difere de estar conscientizado. A conscientização implica, pois,
que ultrapassemos a esfera espontanea de apreensao da realidade, para chegarmos a uma esfera critica na qual
a realidade se da como objeto cognoscivel e na qual o homem assume uma posicao epistemologica (1987, p.
26).
41
profissional e implícita (Bandeira, 2003) se desenvolvam e possam ser mobilizadas sempre
que se fizer necessário. Para Libâneo (2004, p.76),
O profissionalismo requer profissionalização, a profissionalização requer
profissionalismo. Um professor profissionalmente despreparado, recebendo
salários baixos, trabalhando em precárias condições, terá dificuldades de atuar
com profissionalismo. Por outro lado, um professor muito dedicado, que ama
sua profissão, respeita os alunos, é assíduo ao trabalho terá muito pouco êxito
na sua atividade profissional se não apresentar as qualidades e competências
consideradas ideais a um profissional, isto é, os requisitos da profissionalização.
Compreendemos um professor profissionalizado de línguas, como o que além
de estar certificado para exercer a profissão e ter compromisso ético e político, busca
continuamente renovar e avançar na sua práxis pedagógica, avaliando, criando, recriando,
ajustando o seu fazer pedagógico conforme as complexidades de ensino/aprendizagem da
língua alvo se apresentarem no seu dia a dia por meio da reflexão crítica e do senso de
plausibilidade. Esta concepção difere de uma noção que se satisfaz com uma atuação que se
limita a copiar ações, abordagens, métodos, etc. de terceiros indiscriminadamente ou
ingenuamente, ou de uma que se satisfaz com resultados eficazes. Entendemos que a cópia
indiscriminada e sem passar pelo crivo da reflexão de modelos de terceiros, pode cristalizar
o desenvolvimento profissional do professor, estagnar a sua experiência e distanciá-lo de
atingir uma maturidade profissional desejável.
Entretanto, não basta aos cursos de formação estarem inseridos em uma
realidade de formação profissional que propicie o desenvolvimento de competências,
conhecimentos, habilidades, ou mesmo de uma racionalidade técnica, que embora criticada,
revela-se necessária para capacitar os futuros profissionais a competirem e não serem
excluídos do mercado de trabalho, uma vez que uma das facetas da sociedade globalizada
moderna é a de ser altamente competitiva, capitalista e, cada vez mais, racionalista. Um
profissional em processo de profissionalização e conscientização é compreendido neste
trabalho como aquele que não se exime de contribuir para o desenvolvimento de sua
profissão e de formar indivíduos críticos, éticos, políticos e conscientizados. Pois, se nos
capacitarmos, ainda que minimamente, buscando desenvolver as competências necessárias
para atuarmos com profissionalidade seremos capazes de transformar um simples emprego
42
ou bico em profissão é que estaremos contribuindo para a construção de uma categoria
profissional significativa e representativa na sociedade e reconhecida por ela como tal.
A noção de profissionalização compreendida desta forma pode potencializar o
desenvolvimento da competência comunicacional (doravante CC) do professor de LE e
torna-se indissociável da noção de competências uma vez que o processo de
desenvolvimento destas ocorre de maneira social e em resposta às necessidades percebidas
de uma situação singular complexa, que requer, muitas vezes, a mobilização de
componentes em um continuum de acordo como o tempo e contexto e interação com os
pares envolvidos no processo (alunos, colegas, coordenação, etc.). Assim, quanto a este
contexto, Jobert (apud Altet, 2003, p. 226) afirma que,
O nível macrossocial da profissionalização está ligado ao nível microssocial da
produção da competência, não apenas pela dimensão coletiva dos fenômenos em
causa, mas porque tanto um como outro colocam no seu centro a questão do
estatuto dos saberes e a questão da ética. No primeiro caso, trata-se das condições
de produção de saberes de ação sob o olhar de outro, no segundo, de usos sociais
de saberes próprios a um grupo de ofício.
Nesse contexto, profissionalizar consiste em criar as condições favoráveis ao
desenvolvimento das competências reconhecidas como as necessárias para a profissão de
ensino de línguas, possibilitando ao profissional superar imprevisibilidades e variação de
contextos que venham a ocorrer. Por outro lado, isto não implica em ignorarmos a
relevância da formação acadêmica, do papel essencial das universidades de contribuírem
para que o desenvolvimento humano e crítico dos indivíduos ocorra concomitantemente a
sua formação profissional.
2.5 As Principais Matrizes ideológicas que orientam o Ensino por Competência.
Acreditamos que uma dicotomia entre competência lingüística e competência
comunicativa pode ser evitada se considerarmos que há outras dimensões e componentes
43
(afetiva
14
, política, pragmática, ética, estética) articuladas à dimensão cognitiva e à
funcional que servem de amálgama entre as duas competências.
Entretanto, é importante enfatizarmos que não temos a intenção de
simplesmente acrescentar mais elementos a algo já complexo (pois isto não ajudaria a
avançar a discussão). Como afirma Terezinha Rios (2003, p. 09),
“(...) não se trata de acrescentar mais um elemento aos já existentes... mas trata-se
de apontar um elemento que existe como mediação entre as duas dimensões –
inseparáveis - da competência”.
Não focalizamos então nosso estudo em dicotomias, mas sim em elementos que
existem como mediação
15
entre ‘usage’ (competência lingüística) e ‘use’ (competência
comunicativa), que consideramos inseparáveis da competência lingüístico-comunicativa em
uma abordagem comunicacional de ensino/Aprendizagem de LE.
Precisamos ter clareza sobre que tipo de formação por competências seja mais
apropriada a um curso de formação de professores de línguas estrangeiras no Brasil, se um
modelo taylorista/fordista (conforme mostra a tabela 4.0), um modelo europeu, um modelo
construtivista ou um que abarque as singularidades do ensino de línguas em um contexto
brasileiro.
A tabela 4 busca sintetizar as características das principais matrizes de
formação de profissionais e representa os principais modelos de competência que
interferem atualmente nas práticas de gestão empresarial (‘A’ e ‘B’) e educacional (‘C’, ‘D’
e ‘E’).
14
Afetividade (affektivität; affectivity) é definida por R. Hänni, no ‘Dicionário de Psicologia’ (1982, p. 29)
como, 1. uma experiência emocional em toda a sua extensão; 2. Tendência a reagir com emoção; 3. qualidade
do estímulo que provoca reação emocional; (R. Hänni, 1982, p. 29). De acordo com o mesmo autor, entende-
se por emocional, uma ação que ocorre em estado de forte excitação, com pouco ou nenhum controle
consciente. Segundo Freud, (apud Laplanche & Pontalis (1994, p. 09), toda pulsão se exprime nos dois
registros, do afeto e da representação. O afeto é a expressão qualitativa da quantidade de energia, pulsional e
das suas variações.
15
“O conceito de mediação indica que nada é isolado. Implica, então, o afastamento de posições irredutíveis e
sem síntese superadora. Por outro lado, implica uma conexão dialética de tudo o que existe, uma busca de
aspectos afins, manifestos no processo em curso. A distinção existente entre esses aspectos oculta uma relação
mais profunda que é a fundamentação nas condições gerais da relidade”. (Cury, 1985, p. 43).
44
1. Modelo de
Competência
‘A’
Taylorista/
Fordista
‘B’
Toyotista
‘C’
Funcionalista
‘D’
Construtivista
‘E’
CL - C
Comunicacional
2. Matriz
Estruturalista
Condutivista
Comportamenta-
lista
Estruturalista
Condutivista
Comportamenta-
lista.
Sócio-
interacionista
Sócio-
Interacionista
Crítico-
Emancipatória
3. Papel
Operador
Técnico
Colaborador
Coordenador
Mediador
Negociador
Ator
Facilitador
Interlocutor
Capacitador/
Potencializador de
contextos em que
se possa fazer uso
dialético e
dialógico da
linguagem
humana.
4. Função
Executar o
prescrito
Ir além do
prescrito mas
sem considerar a
emancipação do
sujeito.
Aumenta-se as
atribuições mas
sem conferir
autonomia.
Gerenciar,
catalizar,
Potencializar
respeitando as
individualidades
dos sujeitos.
Intemediar /
Promover
interações
Coordenar e
promover a
comunicação em
sala de aula como
instrumento de
reflexão e
transformação.
5. Saberes
necessários
Saber-fazer Saber fazer-agir
(proatividade)
-Fazer-ser-agir.
Sócio-culturais
Lingüísticos/
Afetivos.
Fazer-ser-agir Fazer-ser-agir-
analisar-criticar-
compreender.
Ético / estético /
político / afetivo./
6. Atividades
Reproduzir /
Adotar um
modelo de
comportamento
Escolher uma
conduta.
Manifestar
empatia
Respeitar
diferenças
Aceitar /
respeitar
diferenças
Uso crítico da
linguagem.
7. Avaliar a
Competência
De forma
estreita, ênfase
no produto.
Busca medir o
nível da
De forma ampla,
considera-se o
processo de
desenv.
De forma ampla,
considera-se o
nível de
desenvol-
vimento da
competência.
De forma ampla,
considera-se o
nível de
desenvolvimento
da competência.
Visa a identificar o
continuum ou
estágio de
desenvolvimento
da competência.
7. Forma de
Ação
Gerenciamento
pelo controle.
Gerenciamento
pela condução.
Negociação de
valores, sentidos,
atitudes e ideais.
Diálogo Resiliente
Dialética /
dialógica
Diálogo
8. Objetivos
Fiscalizar o
emprego
(observar se o
funcionário
Finalizar com a
empregabilidade.
(deve objetivar
criar condi
ç
ões
Usar a linguagem
apropriadamente
em diferentes
contextos.
Oportunizar /
Potencializar
condições
favoráveis
p
ara o
Comunicar/
dialogar de
maneira
a
ro
riada, e
45
exerce a sua
função da forma
como foi
prescrita).
para o sujeito
esteja
empregado).
Desenvolver /
Ampliar o
Continuum de
CC dos sujeitos.
desenvolvimento
humano de
maneira
inclusiva.
fomentar o
desenvolvimento
do ser humano
como cidadão
crítico por meio da
linguagem.
Observar a
realidade política,
social e ética.
Tabela 3 (Fonte: Adaptado de Le Boterf, 2003, p. 91) – As principais matrizes que
orientam as principais abordagens por competência.
2.5.1 O Modelo Taylorista/Fordista (‘A’).
O modelo taylorista/fordista (também denominado de
condutivista/behaviorista) fundamenta-se na psicologia de Skinner (1957) e na pedagogia
dos objetivos de Bloom (1983), entre outros pesquisadores. Esta proposta considera a
construção da competência através de uma abordagem comportamentalista/eficientista. A
pessoa competente é a que faz bem seu trabalho, de acordo com os resultados esperados,
pois o posto que a pessoa ocupa no local de trabalho é definido em função da capacidade do
indivíduo seguir o que for prescrito pelos seus superiores hierárquicos, excluindo, assim, o
humano. Ainda, não oportuniza ao sujeito desenvolver-se como ser humano, agir com
autonomia, ou mesmo desenvolver e ampliar sua capacidade e profissionalidade. Nesse
modelo, a fragmentação e a compartimentalização dos saberes e conhecimentos é uma
característica considerada relevante para se alcançar o aumento da produção, priorizando
assim o quantitativo ao invés do qualitativo. A ideologia de terceiros (da sociedade, da
indústria, etc) é considerada mais importante do que as necessidades dos sujeitos.
Esse modelo nos parece estático, pois inviabiliza ou dificulta a ascensão
profissional dos sujeitos, o desenvolvimento das competências (implícita, aplicada,
profissional, teórica e lingüístico-comunicativa
16
) e reforça uma postura limitadora ou
reducionista de profissionalização. Nesse contexto, o termo treinamento nos parece mais
apropriado do que formação, uma vez que se busca repetir os mesmos procedimentos para a
solução de problemas que são previamente definidos, assim a tarefa a ser desenvolvida pelo
16
Cf Almeida Filho (1998), Alvarenga (1999), Bandeira (2003) e Sant’Ana (2005).
46
profissional e o problema a ser resolvido não é compreendido como um processo complexo.
Entretanto, uma formação como propomos nesse trabalho considera o processo de
ensino/aprendizagem de LE como dinâmico, complexo e histórico. Essa compreensão , não
concebe ações prescritivas ou simplistas como suficiente para a superação de problemas
que porventura ocorram.
O modelo “A” de competência, calcado em uma filosofia cartesiana (tabela 3)
para treinamento de profissionais, não considera a subjetividade ou a individualidade do
sujeito. Neste modelo, o fator humano é apenas um meio para se alcançar objetivos
considerados mais relevantes.
2.5.2 O Modelo Toyotista (‘B’).
Esse modelo, oriundo das indústrias japonesas de linha de montagem dos carros
Toyota, busca aumentar o lucro e a produtividade ao eliminar a contratação de técnicos e
especialistas que – no modelo fordiano – orientavam ou fiscalizavam o trabalho
desenvolvido pelos funcionários. Dessa forma, as funções a serem desenvolvidas pelos
indivíduos são aumentadas sem, efetivamente, conceber autonomia aos sujeitos para
atuarem profissionalmente. Podemos observar a adoção desse modelo em algumas escolas
ao constatarmos que, cada vez mais, contrata-se menos psicólogos, assistentes sociais,
pedagogos, etc. e, concomitantemente, as atribuições dos professores são ampliadas
(psicólogo, pedagogo, orientador, conselheiro, assistente social, etc.) sem, no entanto,
aumentar a valorização e autonomia profissional dos professores. Ao contrário do modelo
fordista – em que a autonomia profissional é explicitamente negada -, no modelo toyotista a
autonomia profissional é camuflada – pois há menos indivíduos fiscalizando, orientando e
dando suporte ao trabalho do profissional e as atribuições são ampliadas exigindo assim
mais responsabilidade e dedicação dos profissionais.
Nos modelos ‘A’ e ‘B’, observamos uma ideologia de formação fragmentada e
reducionista, pois o profissional é compreendido como um mero operador cuja competência
se limita a executar operações de acordo com a prescrição, e um saber-fazer descritível em
termos de comportamento observável, ou seja, é comportamentalista. Ainda, esses modelos
47
-‘A’ e ‘B’-, oriundos da indústria, como ilustra a tabela 2, podem ser apropriados para
satisfazer as demandas do mercado de trabalho e da sociedade capitalista na qual estamos
inseridos, ou para empresas que valorizam mais o capital financeiro do que o fator humano,
mas parece-nos ser superficial e inadequada para a formação de profissionais de ensino de
LE críticos e reflexivos.
Ao ignorar o que os profissionais pensam sobre o que fazem e ao não
reconhecer as contribuições que cada indivíduo pode acrescentar à área de educação,
desconsiderando, assim, suas experiências, seus valores, a capacidade de criar e inovar, esta
maneira de formação acaba por sufocar a abordagem dos professores.
Talvez por isto, podemos encontrar em muitas escolas professores cujas
abordagens de ensino são sufocadas em detrimento de um calendário a ser cumprido, de
uma quantidade de unidades a serem cobertas, de materiais de apoio (livros, cd, gramática)
que procuram ‘preencher’ o tempo da aula, ou de uma estrutura escolar que não favorece
momentos de reflexão durante a coordenação e/ou discussão entre os professores. Ou seja,
a ideologia implícita nos materiais didáticos, e da escola, etc. permanecem mascaradas e os
aspectos quantitativos prevalecem sobre os de cunho qualitativos.
Embora o modelo “B” represente um avanço se comparado ao modela “A”,
ainda não o consideramos adequado como representação de uma política educacional
calcada em um currículo de formação de professores de línguas por competências. Estes
modelos estão (os modelos “A” e “B”) atrelados ao racionalismo técnico, ao positivismo e
a um arcabouço ora cartesiano, ora hegeliano (tabela 5 – fonte: Almeida Filho, 2001, p. 09)
que não mais dão conta das demandas de formação de educadores, uma vez que buscamos
uma formação mais holística para que os profissionais possam superar as complexidades
que surgem no dia-a-dia, e agirem apropriadamente. A competência é construída ou
desenvolvida não apenas em função daquilo que o mercado exige, mas também levando em
consideração o sujeito, seus objetivos pessoais e possibilidades.
48
Ao contrário dos modelos ‘A’ e ‘B’, o modelo ‘C’ (tabela 2.0) considera
importante aspectos externos e a contribuição que o grupo pode oferecer para o
desenvolvimento das competências de cada sujeito.
2.5.3 O Modelo Funcionalista (‘C’).
O modelo funcionalista parte dos objetivos e pergunta como alcançá-los,
preocupa-se mais em alcançar a comunicação. Nessa concepção, na indústria, os elementos
das competências se agrupam em unidades e estas formam um título de competência
conhecido como ‘NQS – National Vocational Qualification que verifica apenas se alguém
atingiu a competência e não como a conseguiu (Le Boterf, 2003). Esta matriz baseia-se no
pensamento funcionalista oriundo da Sociologia e da Antropologia. As funções são
descritas em unidades de competências e estas em elementos de competências, descreve-se
em cada nível o resultado esperado. O enfoque está em capacitar os sujeitos a produzirem
linguagem humana e não na sua formação para desenvolver a reflexão, uma postura crítica,
sua autonomia e auto-afirmação.
2.5.4 O Modelo Construtivista (‘D’).
A matriz construtivista busca a construção das competências não só a partir da
função do setor ou da empresa, mas considera também as percepções e contribuições dos
sujeitos diante de seus objetivos e potencialidades, em termos de sua formação. Entretanto,
embora esta noção apresente uma concepção ampliada de formação se comparada aos
modelos ‘A’, ‘B’ e ‘C’. Esta concepção contempla a dimensão social e política da
competência
17
ao compreendê-la como um processo individual, subjetivo, em
desenvolvimento e de estruturas cognitivas.
Ainda de acordo com Le Boterf (2003, p.90), no modelo ‘C’ ,
(...) o sujeito é considerado mais como um ator do que como um operador, O
profissional competente é aquele que sabe ir além do prescrito, que sabe agir, e,
portanto, tomar iniciativas. Diante de ações requeridas, considera-se que existem
várias maneiras de ser competente e que diversas condutas podem ser pertinentes.
17
Cf Deluiz (2001, pp 4 – 16).
49
A competência é descrita de forma bastante ampla: ela reconhece a faculdade,
no sujeito, de desencadear e de conjugar recursos e ações. (...) O gerenciamento da
competência ou do profissionalismo é um gerenciamento pela condução: o gerenciados
procura agir mais sobre o contexto favorável à emergência da competência do que sobre a
própria competência.
2.5.5 O Modelo Comunicacional (‘E’).
Consideramos uma matriz comunicacional, modelo ‘E’ (tabela 2), mais
coerente com a formação de professores de LE que propomos uma vez que, além dos
interesses da sociedade e das necessidades dos sujeitos, esta concepção considera a noção
de competência como multidimensional e abarca tanto os anseios dos indivíduos quanto os
aspectos que são peculiares a cada indivíduo (pois as experiências, crenças, valores,
conhecimento de mundo, etc. variam de sujeito para sujeito) e de ordem sociocultural,
situacional, (contextual-organizacional) e processual, descartando, assim, uma
compreensão de competência com um enfoque apenas no desempenho.De acordo com
Deluiz (2001 p.23),
Enfatiza a construção de competências para a autonomia e para a emancipação de
relações de trabalho alienadas, para a compreensão do mundo e para a sua
transformação. Busca, assim, construir competências para uma ação autônoma e
capaz nos espaços produtivos, mas, igualmente, voltada para o desenvolvimento
de princípios universalistas – igualdade de direitos, justiça social, solidariedade e
ética – no mundo do trabalho e da cidadania. Pretende desenvolver uma formação
integral e ampliada, articulando sua dimensão profissional com a dimensão sócio-
política.
Abordada desta forma, a competência é historicamente definida, individual e
coletivamente constituída e não pode ser somente técnica, pois é construída por meio de
experiências coletivas. Assim, a estética, a ética e a reflexão são elementos que influem na
sua construção.
50
Arcabouço cartesiano
(Descartes, 1516-1650)
- Natureza da mente é individual
- a mente é estática e passiva na
aquisição do conhecimento
- conhecimento é adquirido através de
logarítimos
- o critério do conhecimento é
externo
- busca do que é certo (universais
invariáveis)
- ahistórico.
Arcabouço hegeliano
(Hegel, 1770-1831)
- natureza da mente é social
- a mente é dinâmica e ativa na
aquisição do conhecimento
- conhecimento é adquirido num
círculo que retorna sempre a si
mesmo
- o critério do conhecimento é
interno
- natureza dialética de ser (só por
contradição as coisas mudam).
- histórico.
Tabela 4 (fonte: Almeida Filho, 2001, p. 09) – Os arcabouços cartesiano e hegeliano.
Urge que os cursos de formação de docentes de línguas se preocupem não
somente em auxiliar os alunos a desenvolverem uma competência lingüístico-comunicativa
apropriada, mas que estes propiciem também momentos de reflexão para conscientizar e
motivar os futuros educadores a desejarem desenvolver também a competência profissional
e teórica
18
, assim como terem consciência da competência implícita que possuem,
fortalecendo, assim, a competência aplicada (vide glossário pp. 166-176) ao longo de todo
o percurso profissional.
Não basta então que os professores de línguas tenham um domínio lingüístico-
comunicativo apropriado do idioma que pretendem ensinar. Mas importa também, que estes
conheçam quais outros saberes devam compor o seu repertório profissional, para que estes
possam capacitar tanto a eles quanto a seus alunos a verem, entenderem, analisarem e
criticarem ‘o todo’ e não se aterem somente às partes de um conhecimento que muitas
vezes está fragmentado (Morin, 2002; 2003).
18
Blatyta (1999, p. 71) argumenta que “um professor teoricamente mais consciente pode até optar por uma
mesma solução já anteriormente adotada, optar por não mudar, mas, a partir de uma compreensão crítica, sua
decisão será por opção e não por falta de iniciativa”.
51
Para tanto, é necessário que as propostas curriculares e de formação de
professores sejam permeadas por questões tanto racionalistas (cognitivas) quanto subjetivas
(como afetividade, ética, política, cultura, respeito às minorias e sobre como intermediar o
processo de inclusão de pessoas com necessidades especiais). Porque o professor ‘real’ não
é um ser fragmentado (Morin, 2000), não pode agir coerentemente separando aspectos
cognitivos da afetividade que lhe é inerente.
Sabemos que as atitudes
19
tanto do corpo docente quanto discente podem
exercer uma influência positiva ou negativa no processo de ensino/aprendizagem. É
necessário refletir sobre a atuação profissional nos cursos de formação de professores de
LE. Não podemos mais formar professores que não tenham compromisso com a realidade
social em que estão inseridos e não nos sentirmos responsáveis por estes também formarem
alunos que acreditem ser suficiente balbuciar enunciados estruturalmente ‘corretos’ sem, no
entanto, ter correlação com o que sentem.
Ao considerarmos a(s) competência(s) um sistema complexo, estamos
assumindo que esta incorpora características inerentes a um sistema complexo, ou seja, não
linear, imprevisível, dinâmico, um sistema aberto, fractal e possivelmente abarca em seu
bojo múltiplos recursos, subsistemas, componentes, recursos e dimensões que variam e
mudam de acordo com o que for necessário mobilizar para superar uma situação complexa.
Parece-nos, então, ser mais coerente utilizarmos modelos de formação
profissional que considerem esta complexidade, ao invés de modelos de formação estáticos
nas grades curriculares tradicionais de muitas faculdades. Por serem lineares e de causa e
efeito, são muitas vezes limitadores ao focalizarem professores, alunos, o sistema escolar,
etc. de maneira míope.
Tão importante quanto capacitar os profissionais em educação com conteúdos,
recursos (conhecimentos), com técnicas ou métodos, é instigá-los a refletirem sobre seus
19
O termo atitude é compreendido neste trabalho como uma predisposição para agir baseada em como
percebemos, compreendemos ou sentimos algo. As atitudes envolvem, então, processos tanto afetivos quanto
cognitivos (Bandeira, 2003).
52
atos profissionais. É preciso, então, pensarmos em um currículo por competência que
busque desenvolver nos aprendizes a capacidade de refletir sobre a ação (Schön, 1997),
para que estes possam saber-mobilizar recursos para superarem situações complexas no dia
a dia profissional. E assim, ao mobilizarem tais recursos, atuarem de maneira consciente e
coerente.
É possível que haja professores que sejam exímios copiadores e duplicadores de
métodos e conhecimentos, mas que, no entanto, não consigam mobilizar, transpor, adaptar
ou materializar tais conhecimentos para situações reais, ações funcionais (como
relacionamentos interpessoais, elaboração de materiais, provas, dar aulas, conferência com
os pais, etc). Por isso concordamos com Le Boterf (2003, p. 50) quando este afirma que,
(...) A competência profissional não reside nos recursos (conhecimentos,
capacidades, etc.) a mobilizar, mas na própria mobilização desses recursos (...).
Ainda, para que haja competência é preciso que haja colocação em jogo de um
repertório de recursos (conhecimentos, capacidades cognitivas, capacidades
relacionais, etc.). (...) Os saberes-recursos não constituem a competência, mas
aumentam ou diminuem as chances de ser competente.
2.6 Sobre Abordagem, Metodologia, Métodos, Técnicas e Materiais.
Consideramos relevante discutir a compreensão dos termos abordagem,
metodologia, métodos, técnicas e materiais ao abordarmos a noção de competências, uma
vez que a abordagem do professor pode influenciar na sua opção por uma matriz de
competência que corresponda a um paradigma funcionalista, estrutulalista, construtivista,
etc.
Ainda, é importante mencionarmos a compreensão que os lingüistas aplicados
têm dos termos abordagem, metodologia, métodos, técnicas e materiais uma vez que muitas
vezes estes termos são utilizados com outros sentidos por outros autores. E, de acordo com
Petraglia (2003, p. 35),
(...) as tensões provocadas pelas diferentes visões de mundo, comportamentalista,
funcionalista ou construtivista, nos reportam mais uma vez a rever as abordagens
(grifo nosso) teóricas que adotamos na interpretação da realidade e na condução
de nossas práticas educativas.
53
Ser coerente não é um favor, mas um imperativo ético que devemos assumir
como profissionais, como atestam Prabhu (1988), Paulo Freire (1996), Almeida Filho
(1993) Plantamura (2003). Neste aspecto, o modelo de operação global de ensino proposto
por Almeida Filho (1998, p.23), pode nos ajudar a enxergar com mais lucidez as forças que
atuam na abordagem que orienta a ação dos profissionais de ensino de línguas (fig. 1.0).
Assim, a operação global de ensino/aprendizagem oferece parâmetros para uma formação
profissional, currículos, planejamentos, cursos ou mesmo materiais didáticos que tenham
coerência.
Figura 1 (Fonte: Almeida Filho, 1998, p. 23) – Modelo Ampliado da Operação Global
do Ensino de Línguas
Como podemos observar na figura 1.0, muitas forças que podem influenciar
a abordagem do professor. Como a cultura de aprender do aluno suas crenças com respeito
ao que seja aprender uma língua estrangeira, a filosofia de ensino / aprendizagem implícita
no material didático e o filtro afetivo dos alunos - alunos que possuem uma indisposição
com relação à cultura da língua-alvo, por exemplo, representam um desafio para a atuação
do professor.
54
A idéia de uma operação global de ensino de línguas proposta por Almeida
Filho (1993) parece relevante para a compreensão da natureza de uma competência, pois é
importante que haja uma teoria do processo de construção das competências e a forma
como o indivíduo aprende – as condições, motivações e razões em que a aprendizagem se
realiza – faz parte da aprendizagem (Dolz e Ollagnier, 2004, p.83).
Com respeito às competências do professor de LE (implícita, aplicada, teórica,
profissional e lingüístico-comunicativa), ainda que um professor possua consciência de sua
abordagem e desejo de atuar coerentemente, este terá dificuldades em agir com um senso
de plausibilidade se não tiver a competência necessária como atesta a pesquisa feita por
Alvarenga (1999).
O núcleo duro da abordagem é constituído pelas concepções que o professor
tem de linguagem (língua, linguagem humana, língua estrangeira, ensino
aprendizagem/aquisição
20
de línguas). A tabela 6.0 (na página seguinte), representa um
esquema conceitual proposto por Almeida Filho (1997, p. 25) para caracterizar três
vertentes de que decorre da abordagem. Cada manifestação está relacionada a uma matriz
teórico-conceitual que orienta a ação pedagógica dos professores de LE.
A tabela 6.0 que transcrevemos a seguir refere-se a um esquema conceitual
proposto por Almeida Filho (1997, pp23-25) das diversas manifestações das três principais
vertentes de que decorre a abordagem do professor (estrutural, funcional e interacional).
20
Para Krashen (1982), a aprendizagem refere-se ao estudo formal das regras de uma língua, e é um processo
consciente; a aquisição refere-se à assimilação natural das regras de uma língua, por meio do seu uso para fins
de comunicação – ocorre sem que o sujeito se perceba e é um processo consciente.
55
Núcleo duro da abordagem
ENSINAR APRENDER LÌNGUA/LINGUAGEM/LE
Dar (aulas,
conhecimentos...);
Passar, transmitir;
Compartilhar
Construir para e com
os alunos, fazer;
Proporcionar
condições para
envolver;
Criar situações,
climas, ambientes,
estímulos;
Pensar/fazer pensar;
Oferecer
possibilidade de
transformação;
Preparar (se) para
compreender
relações de poder e
para agir;
Trocar, intercambiar,
negociar;
Perturbar-(se).
Reter informação e
habilidades
conscientemente,
formalmente,
explicitamente;
Adquirir
subconscientemente,
informalmente,
implicitamente;
Construir com professor e
colegas;
Transformar-se;
Praticar, exercitar;
Usar (saber usar), construir
sentidos em ambientes
afetivamente propícios;
Perturbar-se (e se
perturbar);
Envolver-se (e envolver);
Compreender relações de
poder para agir (e agir!);
Desenvolver-se integrando
novos conhecimentos.
Ação social propositada entre
pessoas;
Criação (imaginação e/ou
produção de orações;
gramaticais e apropriadas);
Formas (sinais, signos) num
sistema (gramatical)
governado por regras;
Capacidade e manifestação de
expressão verbal regular,
estética, lúdica;
Manifestação de ser
(apresentação pessoal,
constituição de identidade de
pessoas);
Construção de sentidos e
conhecimentos;
Expressão de relações de
poder;
Construção de cultura,
repositório;
Língua só inicialmente
estrangeira, mas que se
desestrangeiriza
gradualmente;
Língua dos outros, de
estranhos, de povos
diferentes.
Tabela 5 (Fonte: Almeida Filho, 1997, p. 23-25) – O núcleo duro da abordagem
Durante os quatro ‘momentos’ (ou dimensões, Almeida Filho, 1998) principais
que, de acordo com Almeida Filho, compõem a operação global de ensino, ou seja, a ação
pedagógica do professor (planejamento, produção de material, procedimento e avaliação),
as suas necessidades, os interesses, as fantasias e as projeções de alunos também exercem
uma força importante para que o professor ensine como ensina, ou seja, em sua abordagem,
que para Almeida Filho (1997, p.17) é compreendida como,
(...) uma espécie de filosofia, uma força
21
potencial capaz de orientar todas as
decisões e ações; é o que faz o professor ensinar como ensina. Equivale a um
conjunto de disposições, conhecimentos, crenças, pressupostos e eventualmente
princípios sobre o que é linguagem humana, LE, e o que é aprender e ensinar uma
LE. Freqüentemente tais disposições e conhecimentos precisam abranger também
as concepções de homem ou pessoa humana, de sala de aula, e dos papéis
representados de professor e de aluno de uma nova língua.
21
De acordo com Almeida Filho (1997), essa força advém das várias competências do professor: profissional,
teórica, implícita, aplicada, e lingüístico-comunicativa.
56
Concordamos com Almeida Filho (2004), Prabhu (1988) e Paulo Freire (2004)
ao argumentarem em favor da relevância dos professores conhecerem a abordagem com a
qual orientam suas tarefas profissionais para não atuarem ingenuamente, pois, devido ao
poder de persuasão que esta exerce na atuação do professor. De acordo com Paulo Freire
(1996, p. 132), (...) o não conhecimento do discurso na abordagem pode anestesiar a
mente, confundir a curiosidade e distorcer a percepção dos fatos, das coisas, dos
acontecimentos.
Assim, se antes a preocupação era em potencializar o treinamento do professor
perfeito (ideal), devemos hoje focalizar nossos esforços na formação do professor real
(possível) através, dentre outros aspectos, do estudo e da compreensão da abordagem que
orienta (implícita ou explicitamente) a ação pedagógica do professor.
Embora a morte do método já tenha sido decretada (Allwright, 2004), e o
caminho do método ser considerado um caminho antigo (Almeida Filho, 2003 – I
ELARCO), ainda é comum encontrarmos na literatura o termo utilizado com diversos
sentidos. Assim, consideramos relevante trazer a discussão proposta por Almeida Filho
sobre as diferenças entre abordagem e método. Ainda, esclarecer estas questões nos parece
necessário se considerarmos que a abordagem do professor pode influenciar no
desenvolvimento das suas competências.
Assim, em contraste com a proposta de compreensão de abordagem, método e
técnica, proposta por Almeida Filho, que orienta esse trabalho, discutiremos também as
noções destes termos propostos por Anthony (1963) e Richards & Rodgers (1991) como
ilustra o quadro a seguir,
57
Categorias e
subcategorias
Anthony, 1963 Richards&Rodgers, 1982 Almeida Filho, 1993
1. Objetivos das
propostas
Esclarecer a
confusão
terminológica
entre os três
termos: método,
abordagem e
técnica.
Um modelo para descrever
e comparar métodos que por
sua vez facilitarão a
compreensão de
desenvolvimentos recentes
em metodologia.
Um modelo para compreendermos a
constituição e funcionamento da
grande operação de ensinar línguas.
Permite análise do processo de ensinar
comparações entre processos.
Níveis
(hierarquia)
Hierárquico em
três níveis:
(1) Abordagem
(2) Método
(3) Técnica
Hierárquico em dois Níveis:
(1) Método e
(2)abordagem,
planejamento,
procedimentos
Hierárquico em três níveis:
(1) Abordagem
(2) Planejamento, materiais,
método, avaliação
(3) técnicas, recursos, instrumentos
de ação
3. Fases
(abrangências) e
especificação de
níveis
Níveis sem fases
(no plano
horinzontal)
Segundo nível:três fases
(abordagem;planejamento;
procedimentos).
Distinção entre quatro fases no
segundo nível que constituem a
abordagem:
planejamento/materiais/método/
avaliação.
4. Dinamismo Precário/
arcabouço
estático
Restrito/arcabouço descritivo Dinâmico (efeitos marcados: pró-ativo,
retroalimentação, ruptura/
configuração com outras forças)
5. Foco Terminológico Método de ensino Processo de ensinar considerando
outras forças incidentes,
principalmente o aprender.
6. Conceito de
abordagem
Conjunto de
pressupostos
correlacionados
com a natureza
da língua e do
processo de
ensino-
aprendizagem. É
um ponto, ato de
fé, filosofia, algo
em que se
acredita, mas não
se pode
comprovar
necessariamente.
Construto axiomático de
pressupostos, crenças e
teorias de aprender e da
linguagem que fundamentam
o que o professor faz nas
salas em última instância.
Força sintética, potencial, proveniente
de um conjunto nem sempre
harmônico de crenças, pressupostos e
princípios, que nos faz atuar de
maneira específica em nossas salas de
aula.
Tabela 6 (Fonte: Almeida Filho 1997a, p.21) - Quadro Sinótico Comparativo entre
Abordagem, Método e Técnicas
Utilizamos o conceito de abordagem de Almeida Filho, por entender que este
ampliou e conferiu dinamicidade em contraste com as concepções de Anthony e Richards
& Rodgers, ao introduzir o núcleo duro da abordagem que, para Almeida Filho, é composta
da concepção de ensinar e de aprender/adquirir línguas, assim como as concepções que o
usuário possui do que seja linguagem humana e língua estrangeira e ao reconsiderar a
58
proposta de Anthony (1963) que situa a abordagem hierárquicamente a um nível superior à
de Richards & Rodgers (1991).
A concepção básica de homem em processo de humanização abarcada no
conceito de abordagem de Almeida Filho proporciona o entendimento de que o papel do
professor de línguas não deve ser passivo, inócuo ou de um mero mediador ou facilitador,
mas sua ação é dinâmica e complexa, com efeitos proativos/retroativos, causa
rupturas/configurações e que opera com diversas forças (figura 1.0).
Com relação às concepções de linguagem de um professor de línguas, Richards
& Rodgers (1991) apresentam de maneira sintética três concepções teóricas que orientam as
ações pedagógicas de muitos professores de LE:
ABORDAGEM CONCEPÇÃO CARACTERÍSTICAS
Estrutural “[...]um sistema de elementos
relacionados estruturalmente para
a codificação de significados.
objetiva o domínio dos elementos que compõem
esse sistema: gramatical, fonológico e léxico.
Funcional “[...]um veículo para a expressão
de significado funcional”.
A organização e especificação do conteúdo são
feitas a partir de categorias de significado e função
do conteúdo. Enfatiza a dimensão semântica e
comunicativa da linguagem.
Interacional “[...]um veículo para a realização
de relações interpessoais e para o
desempenho de transações sociais
entre os indivíduos.”
A linguagem é compreendida como um instrumento
para a criação e manutenção das relações sociais.
Tabela 7 (Fonte: Richards & Rodgers, 1991 p. 17) – A matriz estrutural, funcional e
interacional
Com respeito à importância dada a uma posição hierárquica superior do método,
observamos no ambiente escolar (coordenação, sala de aula, congressos, etc) professores
ávidos para conhecerem e utilizarem novas técnicas sem, entretanto, se preocuparem com a
ideologia subjacente à pratica que essas técnicas promovem na ação de ensino. Não nos
opomos ao uso de técnicas, pelo contrário, é uma ferramenta como qualquer outra que pode
viabilizar tanto a produção quanto à compreensão de insumo em LE. Entretanto, ações
pedagógicas meramente tecnicistas, que demonstram uma preocupação centrada só em
resultados, ignorando o processo complexo de ensino/aprendizagem e salientando ações
59
imediatistas não potencializa uma práxis pedagógica em sala de aula. Agir de tal forma é
como avaliar o valor de um quadro em mosaico a partir da análise de uma única peça.
As técnicas são entendidas por Almeida Filho (2004, p. 05) como, ‘atividades
específicas desenvolvidas em sala de aula que visam treinar, reforçar ou testar uma
determinada habilidade referente ao ato de comunicação (falar, escrever, ouvir, ler,
traduzir)’. O uso de técnicas assume um papel terciário (abaixo da abordagem e do método)
na atuação do professor, sendo, então, um recurso que pode auxiliar o professor a,
esporadicamente, dinamizar suas atividades em sala de aula.
Os materiais, livro didático, cd, vídeo, D.V.D, CD room, retroprojetor,
apostilas, etc., são definidos por Almeida Filho (2004, p. 05) como,
(...) conjunto de conteúdos (mediados pela língua e por imagens) e de processos
previstos (codificados como numa partitura) que apoiam a (re)criação de
experiências com e na língua-alvo conforme a postura de uma dada abordagem e
alinhadas com um dado planejamento. O objetivo maior do material didático é o
de criar condições para que se desenvolva entre os alunos a competência
lingüístico-comunicativa. São os recursos que deveriam servir apenas de apóio,
mas muitas vezes servem mais do que isto. Servem de ‘bengala’, e chegam a
dominar a aula do professor, talvez devido à formação precária dos professores de
LE
.
2.7 A Formação de Professores de LE Por Competências.
Temos consciência de que apenas uma melhor compreensão sobre como se
articulam os componentes e as dimensões da competência lingüístico-comunicativa ainda
não fornecerá todos os instrumentos para que o professor atinja a excelência no exercício de
sua profissão. Como afirma Tardiff (2003, p. 233),
(...) dizer que um professor sabe ensinar não é somente avaliar uma perícia
subjetiva fundada em competências profissionais, mas é, ao mesmo tempo, emitir
um juízo social e normativo em relação a regras e a normas, a jogos de linguagem
que definem a natureza social da competência dos professores dentro da escola e
da sociedade”.
No entanto, acreditamos que mesmo diante do exposto, a formação por
competência representa um avanço significativo se comparado com a formação profissional
vigente ou a formação para a competência das décadas de 50 e 60, cuja visão era de que o
fim ou objetivo da educação era atingir a competência e não a competência como meio para
60
se alcançar objetivos. Um modelo apropriado para a área de ensino/aprendizagem de
línguas não deve restringir-se à dimensão técnico-instrumental, tornando-se uma simples
estratégia de adaptação do sujeito à língua alvo, mas deve contemplar a dimensão ética,
considerar o termo competência como uma atitude social e contemplar a competência
humana. Deluiz (2001, p. 14-16) entende competência humana como,
(...) a capacidade de responder satisfatoriamente às necessidades e demandas dos
indivíduos e coletividades aos quais assiste, mediante o exercício eficiente do seu
trabalho, a participação ativa, consciente e crítico no mundo do trabalho e na
esfera social, contribuindo para a esfera social dos mesmos.
Neste aspecto, a comunicação
22
desempenha um papel chave. Pois, para que
ocorra a comunicação não basta a produção de insumo compreensível, é necessário, entre
outras coisas, que haja quem saiba ou queira compreender, que haja negociação, que seja
dialética e dialógica. Por isso não imaginamos a comunicação como um ato isolado como
ilustra a figura 2.0 do pintor Antonio Henrique denominada, apropriadamente, de
‘Incomunicação’.
Antonio Henrique Amaral (1935)
‘Incomunicação’ 1966.
Óleo sobre tela, 120 x 90 cm.
Figura 2 (Fonte: Apud, Revista Ofício de Professor
, 2003, p. 25) - Incomunicação
22
O termo ‘comunicação’ é utilizado neste trabalho no sentido de Canale (apud Franzoni, 2002, p. 78), o qual
define comunicação como, o intercâmbio e negociação de informação entre pelo menos dois indivíduos
através do uso de símbolos verbais e não-verbais, modalidades orais e escritas/visuais, e processos de
compreensão...
61
Da mesma maneira que para o pintor Antonio Henrique Amaral a
incomunicação não está no silêncio, mas no barulho infinito de muitas bocas a falar sem ter
ninguém para escutar, também para Dell Hymes a comunicação pode estar no silêncio e se
manifestar através da reciprocidade ou troca de atos paralingüísticos (como gestos, olhares,
toques). Daí a definição de competência comunicativa de Hymes (1972) como o saber o
que dizer, quando dizer, por que dizer e o que não dizer. Neste contexto, o silêncio é
compreendido no sentido de Coracini (1995, p. 68), “...não como um espaço vazio e
negativo entre falas, mas como um espaço pleno de significação. (...) como “presença de
não-ditos no interior do dito”.
Isto nos remete a uma indagação: Qual é o espaço da comunicação na escola? A
resposta a esta pergunta deve estar no diálogo, como afirma Freire (1970, p. 43), “para ser
autêntico só pode ser dialógico e isto significa vivenciar o diálogo. Ser dialógico é
empenhar-se na transformação constante da realidade”. Assim, diálogo é mais do que
transmitir conhecimento, do que conversação ou a reprodução de uma linguagem estranha.
Dialogar implica em negociar, intercambiar, trocar idéias, opiniões, conhecimentos, agir e
potencializar mudanças por meio da linguagem.
A noção de comunicação no modelo proposto nesse trabalho implica a
necessidade de as pessoas compreenderem o outro e a si mesmos para contribuírem
efetivamente para uma educação formativa durante o processo de ensino/aprendizagem de
LE. Assim, comunicação é construir um entendimento recíproco a partir de um mínimo de
pano de fundo de cultura compartilhada, para entender o que o outro espera de nós e para
que certa empatia/simpatia insinue-se entre os sujeitos.
Acreditamos que uma formação preocupada em potencializar uma comunicação
autêntica
23
formará uma nova geração de profissionais, mais lúcidos quanto às condições de
sua formação, função, objetivos, seus alunos, colegas, ambiente escolar. Permitirá também,
a reflexão sobre o papel do educador no seu contexto de atuação, ampliando, assim, a
23
Utilizamos o termo ‘autêntico’ nesta dissertação no sentido de Coste, 1970 (apud Franzoni 1992, p. 43) que
define ‘autêntico’ como, “(...) tudo aquilo que não foi preparado, adaptado ou retocado para o ensino de
língua estrangeira (...) o que não se limita a formas escritas”.
62
compreensão de que podemos ser mais do que meros instrutores, transmissores,
facilitadores ou mediadores de aprendizagem, mas sim empreendedores e educadores, que
buscam a harmonia entre razão e afeto.
Entendemos também que, a formação de um professor de línguas não foge das
mazelas que norteiam a formação de outros profissionais como nos alerta Maurice Tardiff
(2003, p. 11-21), ao afirmar que essa formação ou ocorre dentro de paradigmas anglo-
americanos que sintetizam os saberes dos professores a processos psicológicos ou se
restringe a modelos europeus que interpretam as abordagens com fins tecnicistas, onde o
importante é o produto e onde a compreensão do processo não interessa, é perda de tempo.
2.8 A contribuição de diversos autores para a construção de uma noção do termo
competência para a educação:
Uma vez que o foco deste trabalho não é fornecer um histórico detalhado do
termo competência, faremos apenas um breve relato sobre a evolução de sentido do uso do
termo, do seu uso corrente por diversos autores e teceremos alguns comentários sobre as
noções mais correntes atualmente. De acordo com Dolz (2004, 33),
O termo competência era utilizado na língua francesa no final do século XV para
designar a legitimidade e a autoridade outorgadas às instituições para tratar
determinados problemas (um tribunal é competente em matéria de...); a partir do
final do século XVIII, seu significado se ampliou para o nível individual e passou
a designar “toda capacidade devida ao saber e à experiência”.
Entretanto, como esta acepção de sentido era bastante vaga, diversas correntes
das ciências humanas tentaram atribuir ao termo um significado mais preciso, em um
processo de reapropriação que se realizou em quatro etapas principais. (Dolz & Ollagnier,
2004, p. 33).
A tabela a seguir ilustra as interpretações que vários autores atualmente fazem
da compreensão do termo competência:
63
Autor Compreensão do termo competência
Allal, 2004 (apud
Ollignier, 2004, p.
15; 83).
“(...) organização dos saberes em um sistema funcional”. (...) suas principais
dimensões são: a rede dos componentes cognitivos, afetivos, sociais e sensório-
motores, bem como sua aplicação a um grupo de situações e a orientação para uma
determinada finalidade”. “(...) uma rede integrada e funcional constituída por
componentes cognitivos, afetivos, sociais, sensório-motores, capaz de ser mobilizada
em ações finalizadas diante de uma família de situações”.
Gillet, 1991 (op. Cit,
p. 36).
“(...) sistema de conhecimentos, conceituais e procedimentais, organizados em
esquemas operatórios, que permitem, em função de uma família de situações,
identificar uma tarefa-problema e resolvê-la por meio de uma ação eficaz”.
Levy-Leboyer, 1996
(op. Cit, p. 36).
“(...) repertórios de comportamentos [que tornam as pessoas eficazes] em uma
determinada ação”.
Lê Boterf, 1998 (op.
Cit, p. 133).
“(...) uma combinatória complexa, de uma ligação coordenada, multidimensional, que
sempre deve ser recriada, da mobilização de múltiplos recursos, de saberes, de
“savoir-faire”, de estratégias, de habilidades manuais, de atitudes, de valores
privilegiados...
Malglaive, 1990 (op.
Cit, p. 153).
“(...) uma totalidade complexa e instável, mas, estruturada, operatória, isto é, ajustada
à ação e as suas diferentes ocorrências” “(...)estrutura dinâmica cujo motor é a
atividade”.
Ollagnier 2004 (p.10) “(...) a capacidade de produzir uma conduta em um determinado domínio”.
Perrenoud, 2004 (op.
Cit, p. 153).
“(...) a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes,
capacidades, informações, etc) para solucionar com pertinência e eficácia ma série de
situações”.
Plantamura (2003, p.
11/13)
“(...) capacidade, processo, mecanismo de enfrentar uma realidade complexa, em
constante processo de mutação, perante a qual o sujeito é chamado a nomear a
realidade, a escolher. Entendemos os saberes, na sua vertente de ciência e na sua
dimensão de experiência, como sinônimo de conhecimentos e que se adquirem
sentidos se mobilizados no processo sempre único e original de construção e
reconstrução de competências (pg 11). (...) A competência deve ser entendida como
recurso para dominar uma realidade social e técnica complexa, diante da qual o ser
humano é chamado a escolher”.
Tardiff, 1994 (op.
Cit, p. 36).
“(...) um sistema de conhecimentos, declarativos [...], condicionais [...] e
procedimentais [...]organizados em esquemas operatórios” que permitem a solução de
problemas”.
Terezinha Rios, 2003
(p. 46).
“Saber fazer bem...”
64
Toupin, 1995 (op.
Cit, p. 36).
“(...) a capacidade de selecionar e agrupar, em um todo aplicável a uma situação, os
saberes, as habilidades e as atitudes”.
Zarifian, 2001 (p. 68) “(...) o “tomar iniciativa” e o “assumir responsabilidade do indivíduo” diante de
situações profissionais com as quais se depara.
Medef Apud
Zarifian, 2001 (p. 67)
“A competência profissional é uma combinação de conhecimentos, de saber- fazer, de
experiências e comportamentos que se exerce em um contexto preciso. Ela é
constatada quando de sua utilização em situação profissional, a partir da qual é
passível de validação. Compete então à empresa identificá-la, avalia-la, validá-la e
faze-la evoluir.”
Tabela 8 – Noções gerais de competência
Além do caráter polissêmico do termo ‘competência’ observado nas definições
acima, observamos que algumas expressões conotam uma compreensão convergente entre
os autores, como: complexo, multidimensional, sistema, funcional e mobilização,
conferindo, assim, uma dimensão dinâmica, ativa e multidimensional à noção de
competência.
Concordamos com Ollagnier e Dolz (2004, p. 19) quando estes afirmam que
para compreendermos a noção de competência na educação, as referências às teorias de
ação, aos modelos sócio-construtivistas da aprendizagem e aos modelos teóricos sobre o
trabalho, provenientes da sociologia do trabalho e da ergonomia, é necessário uma
abordagem integrativa. Ainda, ao analisarmos uma competência, devemos considerar
também sua função cognitiva. Portanto, as ciências da linguagem e a psicologia cognitiva
podem contribuir para uma melhor compreensão uma vez que a competência nos
encaminha à complexidade do funcionamento dos mecanismos cognitivos.
Entre as diversas interpretações do termo ‘competência’ apontadas,
comentaremos apenas as noções de Philipe Perrenoud e Terezinha Rios, pois são as que
mais influenciaram na elaboração da LDB e currículos em nosso país e têm exercido
influência nas concepções de outros autores. Philipe Perrenoud apud Allal (2004, p. 19)
define competência como,
(...) a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes,
capacidades, informações, etc.) para solucionar com pertinência e eficácia uma
série de situações.
65
Mais do que saberes em ação, uma noção de competências apropriada ao ensino
de línguas deve evocar e considerar também o indivíduo (sua compreensão de mundo,
crenças, complexidade, etc) e seu meio.
Terezinha Rios (2003:46) define competência como, “saber fazer bem”
(grifo
nosso).
Entendemos que ‘bem’ é um termo impreciso para qualificar a competência, pois
não nos fornece parâmetros para distinguirmos os níveis de competência de um indivíduo.
Além disso, tal noção conota uma modelação simplificada do que, na Lingüística Aplicada,
chamamos competência uma vez que ignora toda a complexidade que o termo evoca.
Ainda, como afirma Plantamura (2003, p. 36),
Mais uma vez parece evidente a pobreza de uma competência que se restringe ao
“saber fazer”, desconsiderando o problema teórico-metodológico de considerá-la
seja como um dos elementos de memória histórica, seja como configuração de
percepções subjetivas, seja como repertório de saberes, e formas de agir em
contextos de trabalho e outros contextos sociais.
São inúmeras as situações complexas, pertinentes ao trabalho de professor, em
que fazer bem pode não ser suficiente, às vezes é necessário superar e esperar o
imprevisível mesmo fazendo o melhor possível. Situações complexas como: a avaliação,
elaboração de materiais ou lidar com a disciplina dos alunos, negociar com coordenadores,
pais, alunos e direção da escola, etc. não deixam de surpreender simplesmente porque um
profissional possui um continuum avançado de competência.
De acordo com Almeida Filho (1998), em sua análise das situações complexas,
cunhada por ele de operação global de ensino, cada decisão ou ação do professor em uma
determinada ação complexa poderá influenciar outras situações complexas. Daí a
necessidade de formar profissionais que pensem no processo ensino/aprendizagem de
maneira global e não de maneira fragmentada.
2.9 A Contribuição de Outros Autores Para a Construção da Noção de Competência
Comunicacional Proposta Nesse Trabalho.
2.9.1 Chomsky
66
Em 1955 Chomsky, utilizou o termo competência lingüística em um artigo
24
que visava criticar as propostas behavioristas de Skinner. Chomsky afirma que a rapidez da
aquisição pela criança das principais unidades e estruturas lingüísticas, assim como a
rapidez de recuperação da linguagem após lesões cerebrais, não pode ser explicada em
termos de aprendizagem ou determinismo do ambiente; ao contrário disso, esses fenômenos
comprovam a existência de uma “disposição da linguagem” inata e universal. De acordo
com Dolz & Ollagnier (2004, p.33),
A competência lingüística designa essa disposição; ela implica a existência, no
seio das estruturas do espírito/cérebro humano, de um “órgão mental” que dá a
cada sujeito uma capacidade ideal e intrínsica de produzir e compreender
qualquer língua natural. Essa capacidade constitui o “explicans” último de todo
fenômeno relacionado à linguagem, o qual se realiza por meio de desempenhos
concretos que não apresentam esse caráter ideal, porque esses desempenhos
também dependem da presença de outros órgãos mentais (sobretudo da memória)
e porque são condicionados por diversas limitações comportamentais, bem como
certos fatores de ordem contextual.
Embora a ciência ainda não tenha comprovado a existência e as propriedades
desse órgão, o termo ainda é muito utilizado em várias áreas da ciência (como a psicologia
experimental) e pela corrente de inatistas, pois alegam que todas as funções superiores
(atenção, percepção, memória, etc,) são sustentadas por um dispositivo biológico inato (ou
“modulação”) e cada indivíduo dispõe, nesses domínios, de uma competência ideal da
mesma ordem que a competência lingüística. Para Chomsky (1966), a competência
lingüística é um potencial biológico, inerente à espécie humana; é constituída pelo conjunto
das regras (conhecimentos gramaticais) que permitem que os indivíduos gerem uma
infinidade de produções de linguagem (desempenhos). Chomsky (1966, p.37) define então
competência como o conhecimento da língua, isto é, das suas estruturas e regras, e
desempenho o uso real da língua em situações concretas.
Este conhecimento é implícito ao nativo, ele já nasce com este dispositivo.
Consideramos este conceito insuficiente para dar conta do complexo sistema que envolve o
ensino/aprendizagem de uma língua uma vez que o humano é reduzido às suas dimensões
biológicas e não confere o reconhecimento devido às aprendizagens, sejam elas naturais ou
formais. Esta concepção ignora a função social da língua, que é abordada por Hymes e que
24
Cf: The logical structure of linguistic theory. Cambridge MA: M.I.T, miméo.
67
se aproxima mais de uma noção apropriada do termo voltado para a área de
ensino/aprendizagem de linguagem humana.
O conceito proposto por Chomsky representa um avanço se comparado à noção
de Saussir (1969) – “inventário sistemático de itens” – (Rey, 2002, p. 26). Entretanto, não
consideramos suficiente para dar conta do processo de ensino/aprendizagem de línguas
dada a sua complexidade e dinamicidade. Chomsky não se preocupou em estabelecer um
conceito de competências que fundamentasse o processo de ensino/aprendizagem de
línguas. A intenção de Chomsky era a de caracterizar o falante ideal – o que pressupõe
condições ideais de comunicação. Assim, a definição proposta por esse autor apresenta uma
noção estática do termo, pois enfoca um sistema fixo de princípios geradores – as estruturas
gramaticais. Ainda, o termo criatividade utilizado por Chomsky – para se referir ao uso
criativo da língua – refere-se na realidade à produção e/ou reprodução de vocabulário e
estruturas gramaticais. Refere-se, portanto, a um processo gerativo que gira em torno de si,
pois não está aberto à interferências do meio social e da interação entre os sujeitos.
Como observamos anteriormente, a proposta de Chomsky não era a de servir de
modelo para o ensino-aprendizagem de línguas na escola e sim contrapor as propostas
behavioristas de Skinner. Entretanto, não faz parte do escopo deste trabalho argüir quanto a
generalidade desse modelo. Discutiremos então as contribuições que serviram para ampliar
este conceito.
2.9.2 Hymes
A contribuição para a ampliação do termo competência veio do antropólogo
americano Dell Hymes (1972) ao contestar as idéias de Chomsky, afirmando que talvez não
exista uma competência sintática ideal, suficiente para desenvolver um domínio funcional
da linguagem; segundo Hymes, esse domínio deve envolver também a capacidade de
adaptar as produções de linguagem aos mecanismos de comunicação e às propriedades do
contexto, aprendizagens essas que são objeto de uma aprendizagem social. A expressão
“uso apropriado da língua em diversos contextos de comunicação” passou então a ser de
uso corrente.
68
Hymes avança na compreensão do termo ao propor o desenvolvimento das
competências de comunicação divididas em produtiva, receptiva, conversacional, retórica,
etc. Competência comunicativa é entendida como a capacidade para usar as regras do
discurso específico da comunidade na qual está inserido. Hymes define (1972, p. 282)
competência comunicativa como “as capacidades de uma pessoa que dependem tanto de
conhecimento [tácito] –‘usage’- (conhecimento gramatical) quanto de uso – [habilidade
para] ‘use’ (conhecimento do contexto)”.
25
Hymes (1972) amplia e inclui a noção de competência lingüística de maneira
que tanto a competência lingüística, (doravante CL) quanto a competência comunicativa
(doravante CC), se necessitam e se implicam mutuamente. Essa noção implica em um
sistema complexo de conhecimentos, habilidades, capacidades e atitudes relativas à quando
falar e quando não falar; do que falar, com quem, quando onde e como falar. Embora a
noção proposta por Hymes pareça mais apropriada para a educação e tenha contribuído
para romper com uma concepção meramente de ordem biológica e racionalista do termo, ao
conferir uma capacidade adaptativa, contextualizada e cujo desenvolvimento requer
procedimentos de aprendizagem formal ou informal, também demonstra ser insuficiente e
inconsistente para sua utilização no processo de ensino/aprendizagem de línguas uma vez
que o conceito proposto por Hymes é de pouca valia para a área educacional. Em termos de
competência, maquila os objetivos pedagogicos (Dolz & Ollignier, 2004) e aspectos
subjetivos inerentes ao indivíduo (afetividade, individualidade, etc.) ainda são ignorados.
O antropólogo americano Dell Hymes (1972) preocupou-se com uma
concepção de competência que deveria contemplar o uso social da língua e buscou
acrescentar as idéias de Chomsky (1966) ao invés de meramente refutá-las. Entretanto,
Hymes (1972) também não teve a intenção de estabelecer um conceito que fosse adequado
à área de ensino aprendizagem de línguas.
25
Tradução nossa do texto: ‘the capabilities of a person and it’s dependent upon both [tacit] knowledge and
[ability for] use’.
69
A competência comunicativa, compreendida sob a influência de vários teóricos
(Widdowson, 1991; Wilkins, 1976; Chomsky, 1966; etc.) incorpora também elementos da
teoria funcionalista ao considerar competências que descrevem as atividades requeridas
pela natureza da comunicação. O detalhamento e a especificação de sub-funções que se
desdobram em novas sub-funções pode levar ao risco de, ao final do processo, as
competências se reduzirem a um elenco de tarefas a serem realizadas ou evidenciadas,
aproximando-se de um modelo condutivista (comportamentalista ou skinneriana).
2.9.3 Widdowson
Widdowson (1978, p. 09) contribui para a discussão sobre o ensino de LE ao
tecer críticas sobre um ensino comunicativo baseado em categorizações nócio-funcionais –
como propôs Wilkins - (1976) ao afirmar que,
(...) Pareceria existir o pressuposto que, por exemplo, a língua é automaticamente
ensinada como comunicação pela simples concentração em “noções” ou
“funções” mais do que em frases. Mas comunicar-se não consiste em
expressar noções isoladas ou realizar funções isoladas, assim como também
não consiste em pronunciar frases-modelo isoladas...
Widdowson (1991) afirma que desenvolver a capacidade para a comunicação
deve ser o principal objetivo do ensino de línguas e que o aluno deve ser capaz de
“manipular” o discurso e “lidar” com ele (cf. Widdowson, 1978 p. 145). Para tanto, isso
depende do acesso aos conhecimentos lingüísticos de gramática e de blocos lexicais e
configura sua concepção de discurso por meio dos seguintes pares de conceitos:
- o que é correto / o que é apropriado;
- ‘usage’ / ‘use’;
- coesão / coerência;
- significação / valor;
- habilidades lingüísticas / capacidades comunicativa.
2.9.4 Almeida Filho.
70
O lingüista aplicado brasileiro Almeida Filho (1998) tem concentrado seus
estudos em lingüística aplicada ao processo de ensino de línguas em diversas linhas de
pesquisa, entre elas o de ensino por competências. Assim, a escolha desse autor como base
de estudos para este trabalho ocorreu devido ao fato de ter se aprofundado em uma noção
de competência direcionada à área de ensino/aprendizagem de linguagem humana e devido
à coerência e consistência de seus pressupostos. Ainda, a noção de competência lingüístico-
comunicativa proposta por Almeida Filho é a única com enfoque no ensino/aprendizagem
de uma língua.
2.10 Noção de Competência Lingüístico-Comunicativa
O termo competência língüístico-comunicativa, utilizado por Almeida Filho,
tem propiciado inúmeras discussões, publicações, palestras e dissertações sobre o assunto
na Lingüística Aplicada (Alvarenga, 1999; Bandeira, 2003; Basso, 2001; etc).
Almeida Filho, (apud Alvarenga 1999, p. 68), define competência lingüístico-
comunicativa como,
(...) a capacidade de produzir linguagem em contextos de uso e comunicação,
insumo de qualidade para que os seus alunos tenham isso como insumo útil para
produzir competência eles mesmos.
Assim, se a compreensão de competência-comunicativa desenvolvida por
Hymes abarca a noção do termo competência estabelecido por Chomsky (1966), a
configuração do termo competência lingüístico-comunicativa estabelecida então por
Almeida Filho não só abarca as concepções de Chomsky e Hymes, mas amplia o
significado do termo, possibilitando uma visão mais lúcida para a elaboração de programas
de ensino de línguas que buscam o desenvolvimento de professores por competências.
Nesta perspectiva, o foco não está só na formação do professor ideal que a academia
propõe, mas no professor real e possível. Essa concepção busca não só contemplar o
sujeito como transmissor de conhecimentos, mas como um vetor potencializador da ação e
comunicação por meio da razão, do afeto e da interação. O termo proposto por Almeida
Filho (1998) não representa apenas uma simples aglomeração de elementos distintos, mas
71
possibilita uma compreensão dialética, dialógica e comunicacional dos termos competência
lingüística e competência comunicativa. Como afirma Patrocínio (1995, p. 19),
Se é verdade que cada termo carrega sua história, é verdade também que esta
história se transforma quando a ela se juntam novos elementos. Não aceitar isto
seria se render ao valor absoluto da palavra, deixando vislumbrar a clássica
concepção realista de que uma palavra atesta e contém a realidade de seu próprio
significado.
Entretanto, a noção de competência que pretendemos estabelecer aqui não tem a
pretensão de superar as demais ou de abarcar todos os saberes, pois cremos que tal intenção
não só limitaria, mas ignoraria toda a dinâmica processual que o termo evoca, assim como
também tornaria superficial um termo semanticamente tão rico. Também, não ousamos
acreditar que poderemos delimitar todos os componentes, ou listar todas as dimensões que
se articulam entre si para configurar a competência lingüistico-comunicativa, pois para tal
intento, se possível, necessitaríamos de mais recursos, tempo e pessoal envolvido. Isto
também fugiria ao escopo desta pesquisa. Abordaremos então alguns dos elementos mais
relevantes, pois, conforme Plantamura (2003, p.17),
(...) ampliar uma noção de competência significa superar o horizonte de produção
de bens materiais ou imateriais, implicando a explicitação de repertórios
cognitivos múltiplos que originam ações e tomadas de decisão das quais resulta
um desempenho.
Por isso, não consideramos um paradigma de formação de professores de
línguas que exclui dimensões que representam a essência do ser humano, como a social, a
cultural, a política, a ética, a psicológica, a afetiva e a estética, evitando, assim, um conceito
dialético. Pois como atesta Rogers (1983) e Krashen (1982), para potencializarmos a
aprendizagem é necessário que, além de propiciar um ambiente comunicativo adequado,
reconheçamos o aluno como um ser completo-complexo que possui atitudes, sentimentos,
problemas, fantasias, inseguranças, etc. que lhes são inerentes.
Krashen (1982) afirma que não se pode ignorar que toda pessoa possui um
mecanismo interno que funciona como um filtro afetivo
26
por onde o insumo pode ser
“filtrado”, de forma que se o filtro afetivo do sujeito estiver alto, causado por ansiedade,
autoestima baixa, medo, insegurança, etc a aquisição é mais problemática. Por outro lado,
72
se o filtro afetivo estiver baixo, a pessoa se sente tranqüila, confiante, motivada, segura, etc,
e a aquisição flui com mais naturalidade.
Segundo Krashen (1982), para promover a aquisição é importante que o
aprendiz receba tanto insumo compreensível (para elevar sua auto-estima e facilitar a
compreensão do que é desconhecido) quanto insumo desconhecido (para servir de estímulo,
desafio e motivação). Esta teoria de aquisição de línguas (conhecida como teoria do i+1),
também ressalta que além do insumo ser compreensível, ele também deve ser não
seqüenciado gramaticalmente, oferecido em quantidade suficiente assim como
interessante/relevante para o aprendiz.
Carl Rogers (1983, p. 38), afirma que,
(...) os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para a auto-compreensão
e para modificação dos seus auto-conceitos, de suas atitudes e de seu
comportamento autônomo. Esses recursos podem ser ativados se houver um
clima, passível de definição, de atitudes psicológicas facilitadoras.
Uma vez que os contextos podem sofrer alterações, influenciados por fatores
históricos, políticos, regionais, culturais, etc, compreendemos o termo competência como
um sistema dinâmico, complexo e histórico que tem como atitude essencial, a capacidade
de resiliência
27
.
Uma noção apropriada de competência comunicacional deve considerar o
momento histórico em que estamos inseridos. Assim, além dos componentes apontados por
Almeida Filho (1998), consideramos relevante mencionar que o termo pode ser ampliado se
considerarmos, a capacidade de mobilizar e articular a competência lingüístico-
comunicativa concomitantemente à transmissão de valores culturais, sentimentos, empatia e
conhecimentos em congruência com contextos sociais, políticos, e culturais múltiplos no
qual ocorre a comunicação humana através de atos interacional tanto dialético quanto
dialógico. Propiciando assim, interações interpessoais e capacitando o sujeito a produzir e a
26
De acordo com essa hipótese, do filtro afetivo, se o estado emocional do sujeito estiver tenso a
aprendizagem torna-se mais difícil e se ele se sentir relaxado, as condições são mais apropriadas para que a
aprendizagem ocorra.
27
O dicionário Houaiss (2001, p. 2437), define o termo ‘resiliência’ como, ‘(...) capacidade de se recobrar
facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças; elástico; capacidade rápida de recuperação’.
73
compreender insumo de linguagem humana, a fim de superar situações problemáticas de
comunicação e efetivar a comunicação.
A noção de competência lingüístico-comunicativa, compreendida como
competênctia comunicacional concorda com o Parecer 16/99 (Brasil, 1999a), e com a
resolução 4/99 do CNE (Brasil, 1999b), com os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil,
2000) e com o Decreto 2.208/97 (Brasil, 1997) que tratam das propostas gerais da Reforma
da Educação tendo como princípio uma formação por competência humanizadora e que
leve em conta as características atuais de emprego sem ignorar, assim, os valores e
objetivos de competitividade e individualidade estabelecida pela lógica capitalista,
preparando, desta forma, o profissional tanto para estar empregado quanto para
desenvolver-se como sujeito.
Desenvolver a competência lingüístico-comunicativa, então, não significa
abandonar a competência lingüística e nos esquecermos do valor organizacional e coesivo
da forma ou a comunicativa (como ilustra a figura 5.0), mas reintera a afirmação de que um
ensino de línguas envolvendo a competência língüística, a competência comunicativa e a
afetividade não só amplia as contribuições para a compreensão de competência por
sociólogos, pedagogos, lingüistas e lingüistas aplicados, mas também corresponde melhor à
formação de uma sociedade mais humana governada por pessoas com competências menos
fragmentadas.
A competência comunicativa, como é compreendida hoje pela lingüistica
aplicada deve não apenas refletir a sociedade, mas também produzir transformações sociais.
Neste contexto, Allastair Pennycook (2001, p.52) afirma que,
(...) assim ao invés de trabalharmos com um modelo de competência
comunicativa baseado em uma versão de ordem social estática e acima de
qualquer questionamento, nós precisamos considerar que nossa noção de
competência comunicativa deva ter uma função social mais transformadora.
74
Figura 3
28
(Fonte: Almeida Filho, 2005 mímeo) A Competência Lingüistico-
comunicativa.
O amálgama entre a CL e a CC (figura 4.0) formando então a CL-C, como
propõe Almeida Filho (1998), justifica-se, pois, segundo Lightbrown & Spada (2002, p.
105),
Dados oriundos de um número de pesquisas feitas em sala de aula dão suporte
para a visão de que a instrução focada na forma juntamente com correções que
funcionam como ‘feedback’ providas dentro de um contexto comunicativo são
mais efetivas em promover a aprendizagem de segunda língua do que programas
que estão limitados a um enfoque da acuidade lingüística, por um lado, ou a uma
ênfase exclusiva na fluência por outro.
Ao compreender o termo competência lingüístico-comunicativa (fig. 3) como,
“a capacidade de produção de linguagem humana em contextos de uso e comunicação,
insumo de qualidade para que os seus alunos tenham isso como insumo útil para produzir
competência eles mesmos”, Almeida Filho (apud Alvarenga, 1999, p. 68) potencializa um
entendimento de ensino/aprendizagem de línguas que deve contribuir para uma autonomia
comunicacional dos alunos (... para produzir competência eles mesmos...), que vai além de
28
Para um estudo mais detalhado sobre a configuração dos componentes desta competência, Cf Basso (
2001); Alvarenga (1999).
75
um enfoque gramatical (... a capacidade de produção de linguagem humana...) ou
funcionalista (...em contextos de uso...) como propõe Widowson (...para a
comunicação...).
O conceito de competência lingüístico-comunicativa em uma abordagem
comunicacional (Almeida Filho, 2005) engloba a competência lingüística (Chomsky,
1966), mas focaliza a competência comunicativa (Hymes, 1972) e oportuniza uma
formação por competências que compreende o sujeito, o contexto e a linguagem como um
todo harmônico, dinâmico, complexo e histórico e não apenas como um fragmento (Morin,
2003), pois o foco de ensino não está no treinamento do falante ideal, ou em uma formação
que busca satisfazer necessidades funcionalistas, de demandas do mercado de trabalho ou
da sociedade, mas considera também os interesses do indivíduo.
Consideramos que, além do amálgama entre a competência lingüística e a
competência comunicativa, a noção de competência lingüístico-comunicativa proposta por
Almeida Filho (1993), tanto na sua configuração quanto na sua definição, é composta por
componentes que propiciam a mobilização de outros elementos que permitem uma
compreensão dialógica e dialética de produção/compreensão do processo de
ensino/aprendizagem de línguas. Assim, preferimos o termo comunicacional a
comunicativo neste trabalho por considerá-lo mais dinâmico e coerente com noção de
competência proposta por Almeida Filho (2005, p.06) que afirma que,
Este último termo (comunicacional) foi defendido por Prabhu (2003) como
preferível a comunicativo (a) por indicar as ressignificações contínuas que o
trânsito interativo impõe à linguagem em oposição que ainda permanece à
comunicação como fato lingüístico unidirecional.
Outros estudiosos (Taylor, 1988; Patrocínio, 1995) também têm alertado quanto
ao uso inadequado de termos que conferem um sentido estático à linguagem. Enquanto
Taylor (1988) defende a mudança do termo competência para proficiência comunicativa,
Patrocínio (1995) não concorda que a simples mudança de termos torna o sentido mais
dinâmico. Para a autora, é necessário lançar um novo olhar sobre o termo para que estado
não seja confundido como processo pelos lingüistas aplicados. Concordamos com a autora
76
com o fato de que não basta alterarmos os termos, é necessário que se faça o uso crítico
desse conceito – competência comunicativa (Patrocínio, 1995).
Entretanto, se o sentido de um termo apresenta alteração de sentido,
acreditamos que a nomenclatura do termo também – como tem ocorrido com o termo
competência. Não por capricho, mas para amenizar a polissemia de significados que muitas
vezes ocorre. Ainda, o nome do termo deve ser adequado à nova noção proposta para
amenizar o uso indevido dos termos uma vez que o sentido, muitas vezes, permanece
atrelado ao termo antigo. Assim concordamos com Prabhu (2003) e Almeida Filho (2005)
quanto à preferência do termo comunicacional a comunicativo dado a noção dialógica e
dialética que o termo comunicacional sugere em comparação ao termo comunicativo.
2.11 Rumo a uma competência comunicacional.
A competência lingüístico-comunicativa compreendida como uma competência
comunicacional amplia o olhar sobre a sala de aula ao considerar as evoluções históricas
dos contextos e dos sujeitos. Nessa perspectiva, o ensino de língua estrangeira torna-se
relevante não apenas para capacitar os sujeitos envolvidos no processo de
ensino/aprendizagem de linguagem humana a estarem aptos para a competitividade
globalizada, mas também para uma formação para a cidadania. Esta concepção não se
limita a uma postura reprodutora e cristalizada de transmissão de conhecimentos
lingüísticos ou funcionais sobre a língua alvo.
O termo competência comunicacional é compreendido nesse trabalho como, a
capacidade de produzir e compreender insumos de qualidade de linguagem humana para
dialogar, comunicar e expressar o que sentimos e pensamos em diferentes contextos de
interação de maneira apropriada e com insumo de qualidade. É a capacidade não só de
produzir linguagem humana com insumo de qualidade, mas de compreender, demonstrar
empatia, argüir e mediar uma interação dialética e dialógica com outros sujeitos. Essa
proposta busca ainda contribuir para a construção do sujeito como ser humano que age
sobre e não apenas sofre influências do meio em que atua. O diferencial dessa proposta
77
reside nos seus objetivos – utilizar a linguagem como ambiente de inclusão com liberdade
de expressão.
A práxis comunicacional calcada na mediação busca desenvolver as
potencialidades tanto de professores quanto de alunos, transformando-os em sujeitos que
agem sobre o meio em que atuam por meio do dialogismo (Bakhtin, 1992). Ainda,
potencializa a cooperação, a decisão, a autonomia e a criatividade, uma vez que o livro
didático ou outros recursos didáticos, como instrumento secundário, não ocupa todo o
tempo das açõe promovidas em sala de aula. O ensino comunicacional afasta-se também de
um ensino excludente uma vez que preparar os alunos para ser a classe trabalhadora,
simplesmente dentro do que é estritamente necessário ao trabalho não gera transformação
social significativa para o sujeito ou para a sociedade.
Esta noção potencializa uma concepção ampliada e dialética de competência
que corresponde de maneira mais apropriada à área de ensino/aprendizagem de línguas ao
considerar tanto a complexidade do indivíduo, quanto da linguagem e do contexto em que
ocorre a comunicação humana. Nesta perspectiva, informar não é comunicar. Zarifian
(2003, p.121) afirma que,
(...) a informação não substitui, de forma alguma, a comunicação. Não é porque
você forneceu uma informação a alguém que vocês se comunicaram, entraram
num acordo, tentaram obter uma compreensão mútua ou começaram a agir juntos
em relação a um objetivo comum, etc. (...) a informação é uma matéria que
enriquece, facilita a troca comunicacional, mas nunca a substitui. A prática
central da comunicação sempre continua sendo a discussão.
Uma compreensão da competência lingüístico-comunicativa como competência
comunicacional não implica excluir os componentes que compõem a dimensão lingüística e
a dimensão comunicativa, mas sim em lançar novos olhares sobre o ensino/aprendizagem
de línguas e em buscar novas perspectivas de formação profissional. Neste contexto,
Almeida Filho (2005, p. 12) afirma que,
A formação para ensinar com a visão comunicacional requer conhecimentos,
atitudes e capacidades para agir na língua-alvo envolvendo aprendizes em
ambientes fortes de produção de sentidos como o ensino através de áreas de
estudo, culturais e/ou temáticos. Esses três alinhamentos do professor de língua
como profissional, comunicacional e reflexivo marcam de um lado a sua
comteporaneidade e, de outro, sugerem uma agenda de pensamento e pesquisas
que nos ocuparão cada vez mais.
78
Esta concepção de competência comunicacional fundamenta-se também na
perspectiva de Vygotsky (1998), pois este considera que por meio da construção partilhada
de instrumentos e de processos de significação que viabilizam as interações sociais e
medeiam as operações abstratas do pensamento, os sujeitos aprendem as diferentes formas
de atuação pelas quais esses significados são negociados, os processos que contribuem para
a apropriação desse conhecimento e o próprio instrumento que medeia a construção desses
significados ( a linguagem).
Buscamos ainda embasamento para esta proposta em Bakhtin (1992) que
compreende a linguagem como um fenômeno social, histórico e ideológico, pois esta pode
contribuir de maneira significativa na construção do homem como ser social. Ao se
comunicarem, os sujeitos ampliam seu conhecimento de mundo, sua consciência, se
constroem e reconstroem por meio de uma práxis discursiva.
Assim compreendida, a noção de CL-C é formada por componentes que fazem
parte de uma rede sistêmica de conhecimentos, conceituais e procedimentais e organizados
em esquemas operatórios presidida por uma condição afetiva, que permitem, de acordo com
contextos múltiplos, identificar quando o uso de determinada linguagem é apropriado e
como superar problemas que possam dificultar ou tornar inviável uma comunicação
dialógica entre indivíduos (fig. 2.0).
Os componentes mobilizados fazem parte de uma rede sistêmica composta de
múltiplos componentes, competências, atitudes, sentimentos, conhecimentos, experiências
que, embora aglomerados e imbricados, ao serem acionados atuam com sinergia, coerência,
coesão e precisão para superar uma situação complexa. A dimensão cognitiva (que
compreende a competência lingüística), funcional (que compreende a competência
comunicativa), afetiva, político, ética, social e pragmática abarca outros elementos durante
uma interação (comunicacional). Assim, não são apenas os conhecimentos que são
mobilizados, mas um conjunto de ações, atitudes, sentimentos, sentidos que tornam essa
competência uma rede sistêmica, multidimensional, histórica, dinâmica e complexa.
79
Uma formação que contemple esses campos tem os objetivos de viabilizar o
desenvolvimento de valores humanos, do intelecto, da ética e estética e a acuidade
lingüística para potencializar uma comunicação efetiva (embora o foco não esteja na
forma). Desta forma, o desenvolvimento das habilidades, os valores inter e intrapessoal não
são menos importantes do que os conteúdos, pois a formação ocorrerá com base na
experimentação prática, na vivência intelectual, sensorial e emocional, em outras palavras,
aprende-se fazendo por meio de uma interação afetiva, reflexiva e dialética com o outro.
Compreendemos as questões de uso social da linguagem como uma rede
complexa e dinâmica de comunicação, e entendemos que em todo processo de interação
não apenas reproduzimos, trocamos e negociamos mensagens, mas também produzimos
sentidos novos, ampliando assim nossa visão de mundo e permitindo a transformação
social, como ilustra a figura 5.0, baseada em Almeida Filho (ver página 81).
Para que a linguagem potencialize a produção e compreensão de sentidos ou se
materialize em ação que favoreça a ascensão social dos indivíduos e contribua para romper
com preconceitos lingüísticos
29
, não basta focalizarmos nossa atenção em aspectos
puramente cognitivos ou fornecermos insumo compreensível; é importante considerarmos
também outros elementos que podem ser relevante. Com relação a isso, Paulo Freire (1992,
p. 30) afirma que,
Se antes a transformação social era entendida de forma simplista, fazendo-se com
a mudança, primeiro das consciências, como se fosse a consciência, de fato, a
transformadora do real, agora a transformação social é percebida como processo
histórico em que subjetividade e objetividade se prendem dialeticamente. Já não
há como absolutizar nenhuma nem outra”. apud Basso, 2001, p. 43).
As figuras 3.0, 4.0 e 5.0 contemplam tanto a proposta de Chomsky (1966) que
confere um grau de infinitude e produtividade às combinações lingüísticas, assim como as
contribuições de Hymes (1972), Widdowson (1991) e Almeida Filho (1998) com relação à
apropriação, funcionalidade e dinamicidade da linguagem ao formar um amálgama entre a
objetividade (presente na competência lingüística) e a subjetividade (própria da
competência língüístico-comunicativa). Assim compreendidas, a CL e a CC estão unidas
dialeticamente sem que uma se sobreponha à outra. Nesta perspectiva, acredita-se que a
80
interação fomenta a produção de insumo compreensível ao ampliar, explicitar, ressignificar,
contextualizar e/ou interpretar sentidos na língua alvo durante um ato comunicacional.
= CC = Competência Comunicativa.
CL-C
=
CL = Competência Lingüística.
=
CL-C= Competência Ling.-Comunicativa.
C.L C.C
= Comunicação.
= Interação.
Figura 4
30
– A dinâmica da CL-C
A figura 4.0 ilustra um equilíbrio ideal entre um continuum de CL, CL-C e CC
alcançado por um sujeito em uma língua-alvo, ou seja, o professor de LE que alcançou um
continuum satisfatório de competência lingüístico-comunicativa - ao circular na língua-alvo
- é capaz de se comunicar de maneira apropriada tanto em contextos que exigem o uso
formal (CL) quanto informal (CC) da linguagem. Esse amálgama entre a CL e a CC como
propõe Almeida Filho (1993) possibilita ampliar a (re) criação e (re) produção de sentidos
na língua alvo e capacitar o sujeito a atuar com autonomia lingüístico-comunicativa
31
.
Assim, ao amalgamar essas duas competências (CL e CC) durante um ato comunicacional,
a interação que ocorre entre os sujeitos impõe transformações, adequações, apropriações,
traduções, adaptações, etc de palavras, expressões e metáforas que capacitam os indivíduos
a expressarem as percepções que têm do universo mutante em que atuam com insumo de
qualidade.
29
Cf Marcos Bagno (2003).
30
Figura ilustrativa da movimentação dinâmica, dialética e imbricada/intrínsica que ocorre no âmbito da
competência lingüístico-comunicativa. Esta figura é baseada em Almeida Filho (I ELARCO, 2003 e durante
curso ministrado na UniCamp, em Janeiro de 2004).
31
O termo autonomia lingüístico-comunicativa é utilizado nesse contexto para referir-se a capacidades dos
sujeitos de utilizarem a língua-alvo tanto para se apropriarem do código lingüístico-comunicativo pré-
estabelecido pela sociedade quanto para produzirem seu próprio código lingüístico-comunicativo com
qualidade.
81
Entretanto, compreendemos que alcançar um continuum de CL-C como ilustra
a figura 4, é uma idealização, pois cada sujeito circula na língua-alvo com níveis distintos
dessa competência. Ainda, as interações entre os sujeitos impõem necessidades
comunicativas, lingüísticas e de comunicação que variam de
acordo com o contexto, o nível
sócio-cultural, a formação escolar, conhecimento de mundo, interesses pessoais dos
indivíduos, etc. Assim, um sujeito que tenha tido pouco acesso a uma educação formal de
ensino de língua-alvo e que tenha circulado na língua-alvo principalmente em contextos
informais comunicação de teria a competência comunicativa mais desenvolvida como
ilustra a figura 05.
C.L CL-C CC C.L CL-C CC
Figura 5 - A CL-C com foco no ‘USE’ Figura 6 – A CL-C com foco no ‘USAGE’
A figura 06 ilustra o desenvolvimento da competência lingüístico-comunicativa
de um sujeito que tenha tido acesso a uma educação formal na língua-alvo com foco na
gramática. Observamos que nesse contexto a CL se desenvolve com mais proeminência.
Não destacamos a forma como elemento mais importante na aprendizagem ou
aquisição de uma língua, mas compreendemos que essa aprendizagem/aquisição deve
ocorrer sem a sua fragmentação, separando ou excluindo componentes que atuam de
maneira sincrética durante a comunicação entre indivíduos. Neste contexto, Widdowson
(1991, p. 154) afirma,
82
Desta forma, a estrutura não é a língua, mas está nela, assim como outros
elementos.
A apropriação de sentidos em um contexto de interação dialógica não
é suficiente para a produção de insumo de qualidade uma vez que buscamos
compreender a linguagem como um conjunto sistemático, complexo e dinâmico
de recursos que são mobilizados para mediar uma comunicação de qualidade.
A competência lingüístico-comunicativa em um contexto comunicacional não é
produzida de maneira fragmentada, uma vez que as dimensões que a configuram não se
limitam a processos cognitivos (como demonstra a figura 4.0). É preciso, então, considerar
durante o planejamento e a elaboração dos componentes que deverão compor os currículos
de letras, a cultura, a ética, a estética, a abordagem e a interação
32
entre os pares, entre
outros elementos – sociológicos, políticos, afetivos, etc - que podem contribuir para o
desenvolvimento das competências necessárias para a atuação profissional dos sujeitos.
A dimensão do conceito proposto por Almeida Filho, possibilita, então, o
entendimento de competência lingüístico-comunicativa como, a capacidade de mobilizar,
desenvolver, articular e produzir componentes lingüístico-comunicativos de acordo com as
necessidades impostas pelos diversos contextos de interação, uso e comunicação humana,
as peculiaridades de cada indivíduo. Assim os conhecimentos lingüísticos e estruturais são
inerentes à composição desta competência sem, no entanto, se sobrepor ao social ou a
outros componentes que necessitarem de serem mobilizados para a compreensão e
produção de linguagem humana.
No modelo de competência proposto nesse trabalho – ao contrário dos modelos
de Chomsky (1966) e Hymes (1972) – não consideramos uma totalidade única, ou seja, que
todos os sujeitos que circulam na língua-alvo têm a mesma competência lingüística (o
mesmo conhecimento gramatical para interpretar e produzir frases) ou comunicativa (o
mesmo conhecimento de mundo, as mesmas percepções, crenças, atitudes, os mesmo
valores, sentimentos, etc. - pois a competência comunicativa varia de sujeito para sujeito).
32
O processo de conceitualização de interação acompanha os estudos lingüísticos que concebem a interação
como atos comunicativos baseados em uma relação de reciprocidade de sentidos entre os locutores (Bakhtim,
1995; Fairclough, 1989, 1995; Orlandi, 1993), pois os participantes da interação social são sujeitos históricos,
cujas trajetórias se aliam a capacidades intrinsicas distintas para modular a construção de discurso, geralmente
num processo de negociação cujo objetivo é alcançar compreensão mútua (Almeida Filho, 1993, p. 08).
83
A produção de insumo compreensível é propiciada concomitantemente à
mobilização de conhecimentos lingüísticos, sociais e de valores. A CL-C capacita o usuário
lingüístico-comunicativo a superar situações complexas de comunicação, a compreender e
fazer-se compreendido na língua alvo, sem, necessariamente, ter de ‘despir-se’ de sua
identidade cultural (Hall, 2004).
Compreendida desta forma, evita-se a prevalência de uma linguagem
instrumental só de fins instrutivos (foco na competência lingüística) ou funcionalista (foco
na competência comunicativa e em um ensino instrumental da língua), que pode contribuir
para a perda das referências histórica e simbólica da linguagem, para o declínio do papel
formador da escola, para a exposição do aluno apenas a textos de teor informativo ao invés,
também, de uma linguagem que exerça a função expressiva, literária, apelativa, fática,
metalingüística, metafórica, etc. A simples transmissão da informação - como ocorre com o
enfoque audiolingualista e em outros pressupostos - não é mais relevante do que outras
dimensões da comunicação humana.
A formação profissional de professores de línguas nos contextos hodiernos não
deve restringir-se a um treinamento operacional voltado para o domínio lingüístico ou
funcional do idioma. Formar educadores apropriados para o contexo em que atuamos
requer, além do domínio operacional da linguagem, uma compreensão global de ensino de
línguas (nos parece que a operação global de ensino proposta por Almeida Filho é uma
proposta interessante para compreender esse processo), a valorização da cultura de
aprender/ensinar e da visão de mundo de professores e alunos, a mobilização de valores
necessários para a promoção de uma comunicação harmoniosa.
A certificação/qualificação ou o fato do professor alcançar um continuum de
competência lingüístico-comunicativa satisfatório é necessário, mas ainda é insuficiente
para uma formação de professores de línguas profissionalizados. De acordo com Almeida
Filho (2005, mímeo),
A formação para ensinar com a visão comunicacional requer conhecimentos,
atitudes e capacidade para agir na língua-alvo envolvendo os aprendizes em
ambientes fortes de produção de sentidos como o ensino através de áreas de
estudo, culturais e/ou temáticos.’
84
Essa noção de competência comunicacional amplia a responsabilidade das
instituições de ensino na organização dos currículos de formação profissional, na medida
em que exige a inclusão de metodologias que propiciem o desenvolvimento da capacidade
para tomar decisões, comunicar idéias e ter crescente grau de autonomia
33
intelectual, num
contexto de respeito às diferenças e regras de convivência social.
O ato de explorar questões que potencializam o respeito às etnias, à
sexualidade, gênero, etc, implica a construção de uma base para a ação política em sala de
aula (Moita Lopes, 2003) utilizando-se da comunicação como instrumento de mediação
para a educação de sujeitos capazes de transformarem a realidade onde atuam.
Salienta-se que para que ocorram mudanças significativas sem que se tenha que
esperar pelo acaso é necessário superar as rotinizações, padronizações e/ou reproduções
ideológicas produzidas pelo habitus e reverter, progressivamente, a prática em práxis. Esta
mudança torna-se inviável sem reflexão e discussões dialógicas entre os pares tanto pré-
serviço quanto em serviço sobre suas ações pedagógicas. Torna-se, assim, necessário uma
competência comunicacional que viabilize a sistematização de uma práxis pedagógica entre
os educadores nos horários de coordenação nas escolas.
Esta noção de competência implica corresponder à dinâmica e às
transformações do mundo do trabalho e da linguagem, na perspectiva dos indivíduos de
maneira crítica e inclusiva
34
. Esta concepção de ensino/aprendizagem de línguas busca
também oportunizar a alunos da terceira idade, socialmente portadores de necessidades
especiais o acesso a um ensino que respeite suas peculiaridades e que compreenda as
diferenças não como um sinal de incapacidade, mas de potencialidade o acesso a um ensino
de línguas com qualidade e em condições de igualdade com a educação em língua
33
O termo autonomia é utilizado aqui no sentido de Zarifian (2003, p. 54), que define autonomia como a
capacidade de ‘definir por si mesmo as regras (leis) de sua própria ação. Afirmar-se como sujeito.’
34
Observamos que durante a construção desse trabalho, alguns professores, utilizaram a expressão: “o
funilamento é um processo natural”, ou seja, para estes professores é ‘normal’ as turmas começarem com 22
alunos e em 2 anos se reduzirem a 01 aluno, pois muitos, segundo estes professores, não tem o ‘dom’ para a
aprendizagem de idiomas, caracterizando uma visão excludente e discriminatória de ensino/aprendizagem de
línguas.
85
estrangeira que a população de classe média/alta têm recebido. Essa abordagem por
competência não reconhece a diversidade como inviabilizadora
de sentidos, pelo contrário,
pois como afirma Sant’Ana (2005, dissertação em andamento), a competência não é
excludente, pode ser seletiva, mas não excludente.
Ao contrário de outras matrizes ideológicas de competência, a matriz
lingüístico-comunicativa em uma perspectiva comunicacional de ensino de línguas não
confunde comunicação com informação/instrução. O professor que instrui ou que informa,
não está necessariamente se comunicando com os alunos se o conteúdo desta interação não
for relevante para os indivíduos, se não for dialética, dialógica e priorizar uma negociação
de sentidos ou interessar somente a terceiros (a instituição, o livro didático, etc). Assim, ao
mesmo tempo em que a competência lingüística e a competência comunicativa possuem
características que as tornam peculiar e distintas uma da outra – foco na forma/foco no uso
– há elementos
que viabilizam um amálgama e as torna inseparáveis. Quando mobilizamos
conhecimentos, componentes, atitudes, sentimentos e outras competências para nos
comunicarmos durante uma situação de interação, não mobilizamos um componente de
cada vez ou separadamente, mas mobilizamos esses recursos, as atitudes, os sentimentos,
etc para que a comunicação se efetive em rede. A tabela a seguir (08) é uma tentativa de
sintetizar algumas dessas semelhanças e diferenças.
CL
CC
CL-C
Foco na produção de frases coesas
e em uma compreensão lógico-
gramatical da língua.
Foco na comunicação e na
coerência.
Foco no sujeito que se comunica
com insumo de qualidade.
Considera que o trânsito da
interação em uma situação
comunicacional impõe à linguagem
transformações (Prabhu, 2001-
apud Almeida Filho, 2005) que
propicia, efetivamente, o
desenvolvimento da capacidade de
criatividade lingüístico-
comunicativa dos sujeitos.
Um sistema fechado que opera em
torno de si. Considera um grupo
homogêneo de falantes.
Um sistema semi-aberto, pois
considera que o falante/ouvinte
atua em uma comunidade
homogênea Abarca a CL.
Um sistema aberto que considera
as influências, interferências e
heterogeneidade não apenas do
contexto social mas do sujeito
também. Abarca a CL e a CC.
86
Objetiva a produção de língua com
acuidade lingüística um falante
ideal/perfeito/ imaginário.
Objetiva o uso apropriado de
linguagem humana em contextos
múltiplos de interação.
Objetiva a compreensão/criação de
linguagem com insumo de
qualidade.
Pressupõe condições ideais de
comunicação para que a
competência seja produzida.
Não pressupõe condições ideais de
comunicação. Considera necessário
produzir a linguagem conforme os
diferentes contextos sociais em que
circula o sujeito em uma interação.
Não considera necessário que haja
condições ideais para que a
linguagem seja produzida.
Compreende que as teorias de
linguagem devem ser elaboradas a
partir seu uso real.
Inatista – o falante já nasce com
um dispositivo de aquisição
linguagem (LAD) que o capacita a
fazer uso da língua.
Não é inatista. Distingüe aquisição de
aprendizagem (Krashen, 1982) e
considera ambas distintas e
possível de serem ampliadas e
desenvolvidas.
Separa o sujeito da língua uma vez
que não considera as
individualidades de cada pessoa.
Foco em aspectos funcionais de
uso da linguagem.
Aproxima o sujeito da linguagem
em que ele circula ao considera-lo
como agente indissociável de sua
linguagem.
Não se preocupa com situações de
ensino/aprendizagem de linguagem
humana.
Não se preocupa com situações de
ensino/aprendizagem de linguagem
humana.
Preocupa-se com situações de
ensino/aprendizagem de linguagem
humana.
Tabela 9 – CL x CC e a CL-C
A noção de discurso que julgamos coerente com uma abordagem
comunicacional de linguagem por propor uma relação dialética entre discurso e prática
social (Freitas, 2003, p. 74) é compreendida neste trabalho na perspectiva proposta por
Bakhtin (1995), Fairclough (1989; 1995), Orlandi (1993), Bergvall e Remlinger (1996) que
sugerem uma abordagem crítica para o discurso. Nesse contexto, Fairclough (1995, p. 63)
compreende o discurso como,
(...) uso da linguagem como forma de prática social, ao invés de uma atividade
puramente individual ou o reflexo de variáveis situacionais... é um modo de ação
na qual as pessoas podem agir sobre o mundo e especificamente sobre os outros,
assim como um modo de representação.
Compreendido dessa forma, o discurso deixa de ser um mero recipiente de
formas, estruturas e de caráter estático, centralizador e ideal para contribuir com a
configuração da linguagem do sujeito real e potencializa a construção da consciência crítica
da linguagem dos sujeitos por meio da reflexão sobre as relações sociais de poder,
ideologias, conhecimentos, crenças, etc que permeiam os discursos dos indivíduos. Assim,
o discurso assume um papel ativo no processo de mudança social e cultural. Fairclough
87
(1995), reitera essa postura ao afirmar que o discurso deve buscar não apenas representar o
mundo, mas de significá-lo, constituindo-o e construindo-o em significado. Nesse contexto
Freitas (2003, p. 82) afirma que,
Concluo, portanto, que a abordagem para o discurso proposta por Fairclough
(1995) baseia-se em uma perspectiva de ‘construção’, em que a função de
identidade da linguagem tem um lugar relevante, pois as formas nas quais as
sociedades categorizam e constroem identidades para seus membros são um
aspecto fundamental de como elas funcionam, de como as relações de poder são
impostas e exercidas, de como as sociedades são reproduzidas e transformadas.
A Análise do Discurso
35
nessa perspectiva não se limita a análise de estruturas
de insumo lingüístico produzido na língua-alvo, mas considera também o sujeito, o
conteúdo e o contexto em que a linguagem humana é usada. Essa concepção do papel do
discurso na construção do sujeito e das relações sociais estabelecidas está em consonância
com as propostas das autoras Bergvall e Remlinger (1996, p. 454) ao proporem que,
(...) uma análise do discurso que se baseia na simples contagem de palavras ditas
e tomadas de turnos pode fornecer um quadro distorcido: essas medidas não
revelam os desequilíbrios discursivos problemáticos que continuam a reproduzir
um statuos quo
preconceituoso de dominância masculina
neste
domínio público
conversacional. Os números também mascaram as estratégias resistentes críticas
que emergem dessas conversções.
Bergvall e Remlinger propõem que ao efetivar a AD nessa concepção deve-se
considerar as práticas conversacionais denominadas por elas de task-continuative e task-
divergent (Bergvall e Remlinger, 1996, p. 460) para identificar as relações de dominância
que podem ocorrer em sala de aula. As tarefas denominadas de task-continuative referem-
se às tarefas que “sustentam e prolongam a discussão em sala de aula, expandindo a tarefa
acadêmica estabelecida pelo professor ou outros estudantes”. As tarefas denominadas de
task-divergente são as que se “afastam da busca pela tarefa acadêmica, freqüentemente
desviando ou saindo da discussão de sala de aula”.
A figura apresentada a seguir é uma tentativa de explicitar didaticamente as
contribuições de diversas correntes teóricas para a construção de uma competência
comunicacional.
35
Doravante AD.
88
2.12 Modelo Teórico-Explicativo da Competência Comunicacional Ideal de um
Professor de LE:
Figura 7
36
– A CC:
Legenda:
1. Competência discursiva
2. Competência formulaica
3. Competência metagramatical/metalingüística
4. Competência gramatical/lingüística
5. Componente textual
6. Componente sintático
7. Componente fonológico/fonético
8. Componente lexical
A. Competência sócio-cultural
B. Competência estética
C. Competência metacomunicativa
D. Sub-competencia ilocucionária
37
E. Sub-competência estratégica
F. Componente de uso
G. Componente lúdico
H. Componente pragmático
Competência comunicativa Competência lingüística
Zona semiótica Zona interacional Zona semântica
36
Figura baseada em Almeida Filho (1998), Loveday (1982), Canale & Swain (1980), Hymes (1972),
Chomsky (1966), Celce-Murcia (1995), Bachman (1991), Basso (2001), Alvarenga (1999) e Bandeira (2003),
etc.
37
Almeida Filho em conversa informal (2005) define o termo sub-competências como “as competências
fortalecedoras da grande competência”. Assim, as sub-competências: sintática, fonética e lexical são
fortalecedoras da competência lingüística, por exemplo.
2
6
8
1
7
3
4
5
A
H
G
F
E
D
C
B
89
A figura 5.0 representa uma tentativa de ilustrar o movimento dinâmico e a
relação dialética entre conhecimento-ação-linguagem-sujeito. A competência lingüística, a
comunicativa, a reflexão, a política, a
arte e a ciência têm a possibilidade de encontro
(Plantamura 2003, p. 15). Busca-se, assim, a coerência entre a teoria e a prática, o
metodológico e o social, as necessidades inter e intrapessoais.
Como ilustra a figura 5.0, a formação de professores de língua estrangeira com
um enfoque mais gramatical e na estrutura da língua-alvo (círculos azul), objetiva o
reconhecimento da forma através do treino das estruturas, bem como alcançar a
organização, coesão e coerência de um conteúdo gramatical-lógico. Espera-se que este
treinamento lingüístico conduza o falante/ouvinte a assimilar as habilidades de produção
oral/escrita e a compreensão das mesmas, treinando especialistas de maneira precisa e
seguindo modelos tradicionais. Treina-se o usuário lingüístico para que alcance uma
perfeição (ideal) através da acuidade gramatical.
A formação de professores em uma concepção comunicativista focaliza o uso
da língua alvo buscando desenvolver a capacidade de comunicar-se. Esta concepção não
ignora a relevância de se conhecer as estruturas da língua e a necessidade de desenvolver
habilidades específicas de comunicação, mas enfatiza a produção/compreensão de insumo
compreensível buscando formar o falante/ouvinte que satisfaça as necessidades do mercado
(de trabalho) e do indivíduo. Nesta perspectiva de ensino utiliza-se de uma abordagem
funcionalista de linguagem humana, pois como afirma o próprio Widdowson (1991), trata-
se de um ensino de línguas para a comunicação.
A noção de competência lingüístico-comunicativa proposta por Almeida Filho
(1998) além de abarcar estas concepções (lingüístico e comunicativista), pois considera
tanto a competência lingüística quanto a comunicativa como relevantes, amplia a
compreensão de ensino/aprendizagem de linguagem humana ao considerar uma visão mais
holística de formação de professores e de ensino/aprendizagem de línguas. Busca-se não
apenas o treinamento do falante ideal, ou satisfazer necessidades mercadológicas (do
mercado de trabalho), mas, formar o usuário lingüístico possível (real), fazer o melhor
possível dentro das condições disponíveis.
90
Nesta concepção, ensinar uma língua é mediar a comunicação com os alunos e
terceiros, incentivando-os a - respeitando as diferenças, as necessidades e desejos de outros
sujeitos - interagirem com autonomia, utilizando a linguagem de maneira consciente,
coerente, coesa e criativa. Ainda, proporcionar contextos apropriados para que os alunos
busquem a familiarização da língua alvo (em contraste a uma abordagem que força a
aculturação ou desestrangeirização de indivíduos que buscam a comunicação em outro
idioma) e que, concomitantemente, respeite a identidade cultural de cada aluno (Hall,
2004). Os alunos são motivados a posicionarem-se como sujeitos históricos (Freire, 1996).
Neste contexto, aprender uma língua é dispor-se a compreender ao outro e
ampliar os sentidos a fim de posicionar-se como sujeito histórico e comunicar-se utilizando
a linguagem de maneira apropriada aos diversos contextos em que o sujeito circula na
língua- alvo.
Nesse modelo a zona interacional - ou o ambiente que envolve o contexto e os
agentes que nele atuam – influencia significativamente para que possamos expressar e
explorar o que pensamos ou sentimos por meio do significado que atribuímos aos signos,
pois as palavras adquirem significados múltiplos e tornam-se históricas no fluxo da
interação; o signo, considerado separado do ‘USE’, torna-se estático e empobrecido ou
desprovido de sentido.
O termo competência compreendido dessa maneira não corresponde então
apenas à junção de nomes e conceitos oriundos das competências: lingüístico (Chomsky,
1966) e comunicativa (Hymes, 1972), ou reforçar a dicotomização dos mesmos, mas buscar
uma concepção ampliada e dialética destes termos para atuarmos pedagogicamente com
coerência.
Formar usuários que disponham de um continuum de competência
comunicacional desejável deve implicar no uso da linguagem humana de maneira crítica e
buscar desenvolver os sentidos além dos métodos, técnicas e uso funcional da linguagem.
Nesta concepção, o ensino de línguas deve conciliar instrução e educação, cognição e
afetividade, treinamento e formação, reflexão e crítica. Busca-se uma formação que
91
potencialize a construção de sentidos além do caminho dos métodos (Almeida Filho, 1998;
Allright, 2004; Prabhu, 1990), da utilização indiscriminada de técnicas e de uma instrução
de fins apenas funcionalista/estrutulista.
Na figura 5, a conexão entre a competência lingüística e a competência
comunicativa ocorre por meio da interação que aparece como elemento que comunica, une
e, ao mesmo tempo, transforma a natureza das duas esferas ao ampliar sua concepção. Por
meio dessas conexões, podemos identificar habilidades e competências necessárias, que por
sua vez, realimentam o sistema. Assim, a relação entre os elementos torna-se relevante. Isto
nos leva a crer que compreender as relações entre CL e CC como determinantes da
Competência lingüístico-comunicativa em uma concepção comunicacional de ensino de LE
amplia as possibilidades de produção/compreensão de sentidos e de formação do sujeito
como agente que pode contribuir para a transformação do contexto em que atua por meio
da linguagem.
A natureza autocriadora da linguagem e o desenvolvimento das sub-
competências sócio-cultural, estratégica, metalingüística, lúdica e competência estética
(vide glossário), todos termos usados por Almeida Filho para se referir às competências
derivadas da interação social, torna o trabalho do profissional de línguas desafiador e
reforça a necessidade do professor se atualizar e refletir continuamente sobre suas ações e
linguagem. Ainda, de acordo com Almeida Filho (apud Fortkamp, 2000, p. 41),
A familiaridade com as condições culturais e efeitos artísticos e lúdicos da
criação na língua-meta eqüivale à esfera de ação de três subcompetências
sociocomunicativas. Na abordagem comunicativa pode ser de grande valia uma
competência adicional de conteúdo que prepara o professor para ensinar corpos
de conhecimento que não só os de linguagem e no processo de (re)criar esses
conhecimentos possa ensinar a língua alvo.
Na noção de competência lingüístico-comunicativa proposta por Almeida Filho,
os elementos que compõem a competência comunicativa e a competência lingüística
relevantes para uma configuração dinâmica e para demonstrar a complexidade da
mobilidade dos componentes como ilustra a figura 4. O ensino de línguas, nesta
perspectiva, visa alcançar a produção de insumo apropriado em diversos contextos, de
92
maneira crítica. Quanto à relevância da compreensão neste processo, Alarcão (2003, p. 23)
afirma,
Para que os cidadãos possam assumir este papel de actores críticos, situados, têm
de desenvolver a grande competência da compreensão que assenta na capacidade
de escutar, de observar e de pensar, mas também na capacidade de utilizar as
várias linguagens que permitem ao ser humano estabelecer com os outros e com o
mundo mecanismos de interação e de intercompreensão. Hoje temos mais uma
linguagem: a linguagem informática.
Assim, nesta concepção de formação profissional, a compreensão assume um
papel tão relevante quanto a produção de insumo compreensível conforme reitera Alarcão
(2003, p. 23) ao afirmar que,
(...) Compreender o mundo, compreender os outros, compreender-se a si e
compreender as interações que entre estes vários componentes se estabelecem e
sobre tudo isto ser capaz de “linguajar” é o alicerce da vivência da cidadania. É
através da compreensão que nos preparamos para a mudança, para o incerto, para
o difícil, para a vivência noutras circunstâncias e noutros países. Mas também
para a permanente interação, contextualização e colaboração (Ibidem, p. 23-24).
Formar professores lingüístico-comunicativamente competentes não é uma
tarefa simples, pois para que o educador conduza seu aluno à compreensão e produção da
língua alvo, a utilização de técnicas ou dinâmicas de grupo podem ser utilizadas para
diversificar a rotina ou estimular o aluno, mas não bastam para ajudá-los a desenvolver a
competência lingüístico-comunicativa. Os educadores devem fazer uso também do
conhecimento de mundo que possuem, saberem explicitar suas ideologias. A formação, os
valores e o ambiente poderão influenciar positivamente a atuação do professor. De acordo
com Plantamura (2003, p. 12),
o ato de compreender não é um domínio neutro e despolitizado, pois mesmo se
situado entre as habilidades cognitivas: é a possibilidade para enfrentar
reducionismos, fatalismos, tecnicismos, voluntarismos e negações da
humanização. A leitura própria da história e do mundo é o início de uma
caminhada que vislumbra a construção e reconstrução de conhecimentos, de
subjetividades, relações sociais e alternativas inovadoras. A demanda
conseqüente a este processo de compreensão é o mergulhar em uma prática real
que propicie um processo permanente de reconstrução.
Desta forma, a configuração da competência lingüístico-comunicativa mais do
que um mero aglomerado de componentes e competências, representam uma evolução com
relação às metodologias de ensino tradicionais e uma busca de perspectivas educacionais
mais plausíveis. Ainda, o usuário lingüístico (falante, escritor, leitor, ouvinte, tradutor) que
93
possui a competência lingüístico-comunicativa, deve estar capacitado a refletir e responder
verbalmente, mentalmente, afetivamente, fisicamente e até intuitivamente às diversas
variedades contextuais em que ocorre a comunicação humana.
Neste contexto, a interação em sala de aula entre os pares mais experientes e
outros que se encontram em um continuum mais elementar como propõe Vygotsky
38
ao
explicitar a ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal), pode contribuir para uma interação
efetivamente dialógica.
A noção de competência lingüístico-comunicativa proposta por Almeida Filho
(1993; 1998) parece responder às demandas de um ensino de línguas que deve buscar
conciliar instrução e educação, cognição e afetividade, treinamento e formação, reflexão e
crítica.
Gaddotti (1983, p.149) afirma que, com respeito a uma postura crítica em
educação, a educação se identifica com o processo de hominização. A educação é o que se
pode fazer do homem amanhã. Uma abordagem comunicacional deve favorecer o
compromisso com os excluídos. A sala de aula deve se organizar como espaço de criação e
negação de dominação e não mero instrumento para reproduzir uma determinada estrutura
social vigente. Assim, o agir em sala de aula é contribuir para transformar a própria
sociedade. A práxis dos professores de idiomas deve estar imbuída de ações que promovam
o ‘empowerment’
39
dos indivíduos pelo uso da linguagem em contextos múltiplos. Os
discursos construídos em inglês (e outras línguas também) em sala de aula podem
contribuir para a hominização do sujeito, ou seja, podem colaborar para a construção de
uma sociedade menos excludente se os professores não se eximirem da sua
responsabilidade social. Quanto a estes aspectos, Gee (1994) apud Moita Lopes (2003, p.
46) afirma que,
38
De acordo com Vygotsky, Zona de Dezenvolvimento Proximal é (...) a distância entre o nível de
desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou
em colaboração com companheiros mais capazes ( 1991, p. 97 ).
39
O termo ‘empowerment’ às vezes traduzido como ‘empoderamento’, refere-se a um processo em que o
indivíduo conquista, paulatinamente, poder social, respeito como indivíduo pela sociedade, respeito como ser
humano e assume o seu papel de cidadão.
94
Como diz Gee (1994, p. 190), aqueles envolvidos com educação lingüística têm
duas escolhas: ou “colaboram com sua própria marginalização ao se entenderem
como ‘professores de línguas’ sem nenhuma conexão com questões políticas e
sociais (aliás, das abordagens audiolinguais às comunicativas no campo de ensino
de línguas estrangeiras essa exclusão da vida política e social tem acompanhado
os professores de inglês), ou percebem que, tendo em vista o fato de trabalharem
com linguagem, estão centralmente envolvidos com a vida política e social.
“Gostem ou não, os professores de inglês estão no âmago dos temas
educacionais, culturais e políticos mais cruciais de nossos tempos” (Gee 1994,
p.190).
Este enfoque implica em configurar os conteúdos não como próprios de uma
série escolar, nem são seqüenciados a partir de um esquema rígido de pré-requisitos, mas
sim em uma ênfase sobre o aspecto relacional dos conteúdos, ou seja, deve-se considerar
como necessário, tanto dominar um tempo verbal, assim como os motivos que levaram o
sujeito a escolher determinado tempo verbal, como o interlocutor poderá interpretar esta
mensagem e a coerência da mensagem em determinado contexto.
Ao promover discussões, debates, leituras de textos, documentários, etc. sobre
diversas formas de preconceito, política, filosofia, violência e outras mazelas que afligem a
sociedade a qual estamos inseridos, os professores estarão estimulando seus alunos a
utilizarem a linguagem para relatarem problemas que fazem parte do cotidiano destes, a
refletirem sobre as causas, conseqüências e possíveis soluções e contribuir para a
transformação social desta sociedade. Neste contexto, Moita Lopes (2003, p. 43) afirma
que,
Isso quer dizer que aprender uma língua é aprender a se envolver nos embates
discursivos que os discursos a que somos expostos em tal língua possibilitam, o
que equivale a saber que estamos discursivamente posicionados de certos modos
e que podemos alterar esses modos, para construir outros mundos sociais
melhores ou outros significados sobre quem somos na vida social, de maneira a
alterar os significados que nos excluem como também aqueles que excluem os
outros. A preocupação em colaborar na construção do que estou chamando aqui
de uma aliança anti-hegemônica, calcada na desconstrução de discursos
marginalizadores e marginalizados, é clara nos PCN de LE.
Essas atividades devem, ainda, promover situações reais de uso da linguagem,
buscar utilizar não apenas os diálogos propostos pelo livro didático, mas textos, vídeos, e
tópicos de conversação coerente com as necessidades reais de comunicação dos sujeitos e
uso da língua alvo de maneira crítica. Devemos criar condições em sala de aula para que os
alunos possam interagir de maneira mais dialógica e dialética, além dos diálogos e
95
monólogos rotinizados pelo livro e/ou pelos professores. Espera-se que, assim, os alunos
não se sintam tão intimidados ao serem expostos a uma situação real de ensino e ao
necessitarem mobilizar, apropriadamente, conhecimentos necessários em uma situação
concreta. Neste contexto, Alarcão (2003, p. 20), afirma que,
(...) À nascença, trazemos como inata a capacidade da linguagem. Mas ela só
desabrocha em competência lingüístico–comunicativa porque é desenvolvida pelo
conhecimento, de natureza basicamente experimental numa primeira fase, e,
posteriormente trabalhado nos contextos de escolarização. A noção de
competência lingüístico-comunicativa e a relação com o conhecimento é ainda
mais clara se considerarmos a situação de aprendizagem em língua estrangeira em
contexto exolingüe escolarizado. É possível saber-se bem a gramática de uma
língua e ter até um bom domínio do vocabulário e contudo ficar imobilizado
lingüísticamente numa situação real de comunicação pela incapacidade de
mobilizar adequadamente os conhecimentos necessários naquela situação
concreta.
Como professores devemos instruir os alunos tanto a reproduzirem quanto a
produzirem conhecimentos. Entretanto, tais exigências não devem servir de empecilho para
que os agentes envolvidos com a educação (coordenadores, diretores, professores, governo,
alunos, etc.) busquem potencializar uma educação que fomente o desenvolvimento de
valores humanos (respeito, afetividade, empatia, desejos, etc.) e que possibilite uma
convivência harmoniosa entre os ideais estabelecidos pela sociedade e os desejos reais dos
indivíduos.
Buscamos a evolução de uma formação para competência, meramente
tecnicista e utilitária, para uma formação por competência que permita a construção do
humano, do social. Nesta perspectiva, considera-se uma noção de competência e de
formação profissional que não ignore o fato de que o ensino de línguas é um processo
essencialmente humano, com todos os sentidos que esta interpretação possibilita: ações
dominadas por desejos, emoções, sonhos, valores, experiências, etc.
Trata-se de restituir a linguagem para o sujeito como agente das escolhas da
produção de sentido que deseja potencializar e não só para um ensino voltado para o
mercado de trabalho ou para a academia. Neste contexto, evita-se a separação entre
língua/linguagem e sujeito, pois este é entendido como agente e autor de seus próprios atos,
que possui uma consciência subjetiva e uma vida social. A autonomia dos indivíduos é
96
respeitada, pois busca-se capacitar os sujeitos a utilizarem a linguagem como lhes convêm
e/ou necessitam e não somente como a academia prescreve ou a sociedade exige.
2.13 Elementos que podem favorecer o desenvolvimento da Competência
Comunicacional
2.13.1 A COMPETÊNCIA ESTÉTICA.
Concebemos a linguagem estética nesse trabalho como a sincretização e a
mobilização de elementos inerentes à linguagem humana (afetividade, atitudes, valores,
etc.) para que a comunicação ocorra com fluidez (com a entonação, a tonicidade e o ritmo
apropriado), coerência (com rima – em linguagem poética, por exemplo – e considerando
uma organização harmoniosa (estilística) dos componentes lingüísticos e comunicativos)
coesão (de acordo com as convenções lingüísticas e comunicativas em uso no contexto em
que circulam os sujeitos) e potencialize o desenvolvimento da sensibilidade e empatia para
que os sujeitos se apropriem da linguagem para perceberem e expressarem com insumo de
qualidade o que pensam e sentem diante do que é belo/feio, apropriado/inapropriado e
harmonioso/não-harmonioso na linguagem ao circular na língua-alvo. Assim,
compreendemos o termo competência estética nesse trabalho como a capacidade de
mobilização, transposição e (re) organização de elementos simbólicos harmoniosamente
para capacitar os sujeitos a (re) criarem, produzirem e/ou interpretarem suas percepções
sobre como vêem, sentem e pensam.
Esta competência capacita o sujeito a fazer inferências, a criar e a produzir um
discurso autêntico (que traz características peculiares do próprio sujeito), a interpretar de
forma peculiar suas percepções e a posicionar-se com autonomia e autenticidade assumindo
o papel de indivíduo que se afirma como sujeito crítico, ético e em constante
transformação, ou seja, torna-se um sujeito hominizado
40
.
40
O dicionário Houaiss (2001, p.1547 ) define o termo hominizado como ‘que passou por hominizção’.
97
Entendemos que a materialização da competência estética na língua-alvo ocorre
essencialmente pelo uso das figuras de linguagem. Entre essas figuras de linguagem,
trataremos apenas das metáforas uma vez que esse não é o foco do nosso estudo e, de
acordo com Herron (1982, p.235), “o que nós ensinamos (ou pensamos que ensinamos) e
como nós ensinamos, juntamente com as noções complementares do valor do estudo da
língua, está intimamente ligado a uma metáfora”. A utilização de metáforas pode ampliar a
produção de sentidos na língua alvo uma vez que “a comunicação humana se efetua através
da linguagem literal e da figurada (Filipak, 1984, p. 30)”, pois como afirmam Lakoff &
Johnson,
Nós definimos nossa realidade em termos de metáfora e então passamos a agir na
base dessas metáforas. Tiramos inferências, traçamos objetivos, fazemos
compromissos e executamos planos, tudo baseado na maneira com que
estruturamos nossa experiência, consciente e inconsciente, através da metáfora
(1980, p. 158).
Optamos por abordar nesse trabalho apenas as metáforas como firgura de
linguagem pela sua relevância na comunicação humana, pois, como afirma Moisés (1999,
p.323) “a metáfora é a rainha das figuras, é transposição de sentido de palavras (do grego
meta trans, pherein levar)”. Ainda, segundo Moisés (ibidim),
(...) a metáfora tem duas funções: a retórica e a poética. A primeira refere-se a
denotação de palavras, que gravita em torno da linguagem intelectual como a
ciência. A segunda refere-se ao uso da palavra na arte, valorizando a conotação.
A metáfora científica se distingue por seu grau de rigor, destacando os aspectos
denotativos e delimitando a ambigüidade ao grau mínimo aceitável sem produzir
mal-entendidos.
Entretanto, argumentamos nesse trabalho que o uso de metáforas em sala de
aula de língua estrangeira pode se revelar um instrumento enriquecedor de produção de
sentidos na língua-alvo uma vez que pela metáfora, dois conceitos são ancorados em uma
única expressão gerando um novo sentido e propiciando um processo de aproximação de
conceitos. O uso de metáforas é constante na fala de teóricos e pensadores, pois o uso desse
recurso lingüístico lhes possibilita materializar uma abstração, facilitando assim não só a
compreensão, mas até a visualização de um pensamento, como podemos observar na
metáfora a seguir proferida por Almeida Filho (2004) em curso ministrado na UNICAMP
para ilustrar a tarefa de elaborar um planejamento de cursos, “(...) Planejar cursos é
compor uma partitura (Almeida Filho, 2004)”.
98
Assim, é interessante observarmos na figura 5.0 que os elementos que
compõem o campo interacional não têm a função só de ‘servir de ponte’ entre a forma e o
uso, mas dão vida à linguagem, tornando-a mais humana, ao incorporar elementos que
potencializam a sensibilidade, e se distancia do uso apenas mecânico, funcionalista ou
funcionalista da língua, pois a metáfora ao incorporar em si um trabalho de
interpretação/subjetivação, exige de professores e alunos um exercício de pensamento
analógico e criativo. Nesse contexto, o professor Hilário Bohn(2003)
41
afirma que,
como educadores precisamos aprender a utilizar e ensinar nossos alunos a
utilizarem as palavras não como quem sabe repeti-las corretamente de maneira
mecânica, mas como um pintor que utiliza o pincel como um meio para recriar
belos prados.
Ainda nas palavras do professor Hilário Bohn (2003)
42
quanto a necessidade de
ampliar os sentidos das palavras em sala de aula de ensino de línguas,
(...) as palavras são como as figuras e como a pintura, elas sempre se
materializam com significados diferentes, apesar de terem as mesmas nomeações
e definições em baixo delas. Assim, seriam a renovação do sentido das palavras,
pois nunca pronunciamos as mesmas palavras duas vezes com o mesmo sentido.
A ciência moderna, ao instaurar um paradigma que separa a natureza da cultura,
da sociedade, da estética ou da ética, fixou limites tanto nos procedimentos de análise
quanto na maneira de se raciocinar e entender o mundo. Segundo Santos (1989, p. 117-
118),
(...) o paradigma da ciência moderna, sobretudo na sua construção positivista,
procura suprimir do processo de conhecimento todo elemento não-cognitivo
(emoção, paixão, desejo, ambição etc.) por entender que se trata de um fator de
perturbação da racionalidade da ciência. Tal elemento só é admitido enquanto
objeto da investigação científica, pois se crê que dessa forma será possível prever
e logo neutralizar os seus efeitos. A verdade, enquanto representação da
realidade, impõe-se por si ao espírito racional e desinteressado. Mesmo a paixão
da verdade, que, em si, representa a fusão de elementos cognitivos e não
cognitivos, é avaliada apenas pela sua dimensão cognitiva. A paixão é
incompatível com o conhecimento científico, precisamente porque a sua presença
na natureza humana representa a exata medida da incapacidade do homem para
agir e pensar racionalmente.
41
Em palestra proferida no I Encontro de Lingüística Aplicada da Região Centro Oeste (I ELARCO),
realizado em 14 de novembro de 2003, na Universidade de Brasília, DF.
42
Ibid
99
Entretanto, não concordamos com o autor quanto a afirmação de que ‘a paixão
é incompatível com o conhecimento científico’ pois ao avaliarmos os baixos salários de
cientistas e professores em nosso país e as condições precárias com que são forçados a
desenvolver seu trabalho, concluímos que sem a paixão e o amor pelo que fazemos não
teríamos estímulo e força o suficiente para enfrentarmos os desafios, os obstáculos para
produzir um ensino ou uma pesquisa de qualidade. Ainda, o ensino de línguas tal qual é
concebido hoje pela lingüística aplicada também compreende a ciência como mais do que
um instrumento de leitura e descoberta do mundo; ela é, juntamente com a tecnologia, a
ética, a cultura, a estética e a afetividade, responsável direta pela redefinição do mundo em
que vivemos; ela é um elemento fundador, e, por isso, estratégico em todo o contexto
sociopolítico, econômico e cultural dos nossos dias. Pois, de acordo com Almeida Filho
43
,
a Lingüística Aplicada define-se hoje como uma ciência de linguagem preocupada com
questões de uso social da língua”. Assim, concordamos com o pensamento de Nicolescu
(1995, p. 11 - apud Lisita, 2003, p. 232) ao afirmar que:
Em particular, nós não temos mais hoje o direito de afirmar que o único fim
digno da ciência é a descoberta do mundo a partir do ponto de vista exterior (...)
Veremos que nossas teorias mais fundamentais se definem doravante como obra
de seres inscritos no mundo que eles exploram (...) É urgente que a ciência se
reconheça como parte integrante da cultura no seio da qual se desenvolve.
Duarte Jr. (1991, p. 41) contribui para a reflexão sobre o papel da subjetividade
humana ao afirmar o seguinte:
Na medida em que a objetividade científica foi elevada à categoria de saber
supremo, e a linguagem dos números e mensuração elegidos como único discurso
sobre a verdade e legamos cada vez menos espaço às manifestações do
sentimento, à arte, à festa, ao lúdico, nossas emoções tendem a se expressar sob
formas irracionais, tendem a acontecer através da violência.”
Assim, essa formação ‘racionalista’ resulta em uma submissão extrema e em
uma repressão das manifestações do sentimento por meio da fala. Por outro lado, também
sofremos com o legado de uma formação funcionalista uma vez que muitos interpretam que
o aluno deve ser instruído sobre o que, quando, porque, como dizer e não dizer sem
permitir espaços em sala de aula para a construção de sentidos na língua-alvo que são
pertinentes aos interesses dos alunos.
43
Ibid
100
Na medida em que formamos professores e alunos mais funcionalistas, ao
definir a identidade dos sujeitos por meio da função que elas exercem, ignorando a relação
afetiva e simbólica que mantemos com as pessoas e os objetos, nos esquecemos muitas
vezes que a capacidade de enunciar palavras ou sentenças esteticamente adequadas aos
propósitos e à compreensão também é importante (expressões de amor, discursos formais,
sermões, etc.).
A formação profissional de professores de línguas até o presente tem focalizado
nos aspectos funcionais e racionais corroborando com as críticas feitas pelo psicólogo
norte-americano Rollo May (apud Duarte Jr., 2003, P. 41) sobre a separação entre “razão”,
“emoção” e “vontade” ao afirmar que “considera que a razão responda a quaisquer
problemas, a força de vontade os resolva e as emoções só atrapalham, devendo, portanto,
ser reprimidas”.
Assim, a proposta de Almeida Filho de não separar as competências lingüística
e comunicativa nos parece então pertinente, pois uma formação humana-racional ou
cognitiva-afetiva, pressupõe um certo equilíbrio entre razão e sentimentos. Também
consideramos pertinente a existência de uma dimensão/componente estética como meio de
falantes expressarem e compreenderem sentimentos, assim como propiciar condições para
que o humano possa se desenvolver como um ‘todo’ e não de maneira fragmentada. Ainda,
como afirma Paulo Freire (1996, p. 10),
(...) a competência técnico-científico e o rigor de que o professor não deve abrir
mão no desenvolvimento do seu trabalho, não são (grifo nosso) incompatíveis
com a amorosidade necessária às relações educativas.
Devemos considerar que, sendo a linguagem uma das manifestações mais ricas
do de ser humano, não é possível separar a língua da afetividade, estética, ética, cultura e
sem fragmentar, desfigurar e empobrecer seus múltiplos significados. Buscamos novamente
nas palavras de Paulo Freire (1996, p. 37) embasamento para esta afirmação, pois segundo
ele,
(...) o que realmente importa na formação docente, não é a repetição mecânica do
gesto, este ou aquele mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções,
do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser
educado, vai gerando coragem”.
101
A necessidade dos educadores contribuírem para uma a formação de
profissionais que desenvolvam tanto a capacidade de atuarem de maneira autônoma quanto
cooperativa poderá não apresentar evoluções significativas se os professores não atuarem
de maneira crítica tanto em sala de sala quanto com outros profissionais. Neste contexto,
Alarcão (2003, p.32) afirma que,
O espírito crítico não se desenvolve através de monólogos expositivos. O
desenvolvimento do espírito crítico faz-se no diálogo, no confronto de idéias e
práticas, na capacidade de se ouvir o outro, mas também de se ouvir a si próprio e
de se autocriticar.
Nesse aspecto, as discussões que ocorrem durante as reuniões pedagógicas não
devem ser compreendidas como prejudiciais ao desenvolvimento aparentemente
harmonioso do grupo escolar ou como perda de tempo por não promover ações eficientes.
Pelo contrário, essas discussões motivadas pela existência de diferentes abordagens de
ensino dos professores ou por outras razões quaisquer que sejam podem ser detonadoras ou
mobilizadoras da reflexão e ações renovadas se conduzidas com maturidade,
responsabilidade, atitudes éticas e desejo real de contribuir para avanços de todos os
envolvidos nesse processo.
2.13.2 ATIVIDADES COMUNICACIONAIS
Por atividades comunicacionais (vide anexos pp. 178-190), entendemos um
conjunto de orientações que, embora esqueléticas
44
, são parcialmente ordenadas e
sistematizadas de acordo com as necessidades dos sujeitos para motivar a comunicação
tanto funcional quanto dialética em sala de aula. Estas têm o intuito de representar, recriar,
simular, detonar ou estimular, ainda que parcialmente, situações de comunicação dialógica
em múltiplos contextos e levar o sujeito ao uso relativamente consciente e apropriado da
linguagem humana para efetivar uma comunicação de maneira dialógica e dialética. Estas
44
O termo ‘esquelético’ é utilizado por Almeida Filho (2004) para referir-se a materiais desenvolvidos para a
utilização em sala de aula com a preocupação de não sufocar a abordagem do professor, de não ‘preencher’
todo o espaço de ensino, mas de oportunizar momentos em que tanto professores quanto alunos possam
comunicar o que bem entenderem.
102
atividades promovem o desenvolvimento de valores (ética, estética, política, etc), e de uma
atitude crítica sobre seu papel como sujeito na comunidade em que está inserido.
Estas atividades são sugestões de instrumentos
45
para desenvolver nos alunos
atitudes e conhecimentos necessários para utilizarem a língua alvo apropriadamente no
contexto da sua própria cultura, no da cultura-alvo (em estudo), assim como para interagir
com outras culturas e situar-se em contextos diferentes dos de sua origem como propõe
Branks (apud Candau, 2000, p.133). Busca-se propiciar a produção de insumo de
qualidade, valorizando as posições ideológicas, políticas, éticas dos sujeitos e utilizando-se
da linguagem como mediadora da práxis.
A utilização de insumos nestes contextos pode ocorrer de maneira parcialmente
controlada com o objetivo de conduzir os sujeitos à utilização da linguagem humana com
um grau relativo de consciência lingüística
46
e de conhecimento de mundo do contexto ou
de outros elementos necessários para elaborarem estruturas coesas e coerentes o suficiente
para amenizarem má interpretações, incompreensão, ambigüidades ou incertezas quanto ao
sentido que se deseja atribuir a um determinado insumo.
As atividades baseadas em uma abordagem comunicacional devem propiciar,
além do uso crítico e consciente das estruturas da língua, do contexto em que é utilizada
determinada linguagem, promover o desenvolvimento de valores humanos (tais como
respeito às diferenças, tolerância, etc), romper com a rotina e monólogos do professor em
sala de aula, ativar a comunicação, explorar temas de relevância no dia a dia dos alunos
mas que os livros didáticos normalmente não abordam e reforçar o ensino de estruturas
através não só do ‘usage’ (aprendizagem consciente de estruturas por meio de atividades
que promovam ações cognitivas como a memorização e a repetição) mas também através
do ‘use’ (atividades que fomentem a aquisição da língua alvo fazendo uso da mesma). As
45
Não acreditamos ser estes instrumentos os únicos, mas representam apenas uma alternativa entre tantas
outras propostas.
46
Concário (2003, p.1) define consciência lingüística como “(...) sensibilidade, percepção, conhecimento e
experiência lingüística do indivíduo que, ao serem considerados nos ambientes educacionais, facilitam o
desenvolvimento da sua capacidade de construir e utilizar sua competência comunicativa para identificar-se e
situar-se como ser humano na sociedade em que vive, convive e sobrevive”.
103
atividades comunicacionais que sugerimos estão em consonância com as propostas dos
temas transversais nos PCN de LE. Como afirma Moita Lopes (2003, p. 45),
Em relação à base discursiva, é patente nos PCNs a relevância de que o foco da
educação em LE deva ser no envolvimento do aluno na construção do
significado. Ou seja, aprender língua é igual a aprender a se engajar, no próprio
espaço em que se vive, nos significados que circulam naquela língua. Assim, não
se trata de aprender inglês, para um dia, se possível, usar aquele conhecimento
quando for a um país em que a língua é falada ou para ler um texto no futuro
profissional. O que é central é o envolvimento no discurso e, portanto, nos
significados construídos naquela língua em todas as aulas, de modo que seja
possível pensar tais significados em relação ao mundo ao qual se vive. Isso
significa se engajar no discurso, ou seja, agir no mundo por meio do acesso que
os discursos em inglês possibilitam com base nas marcas sócio-históricas que
temos como homens, mulheres, negros, brancos homoeróticos, heteroeróticos,
pobres, ricos, com terras, sem terras, etc.
O ensino da linguagem humana nessa concepção é compreendido não como
um fim em si, mas como um caminho para a aprendizagem e, possivelmente, aquisição de
outros conhecimentos que sejam significativos para o indivíduo. Assim, um profissional
que opta por trabalhar em uma abordagem comunicacional de ensino de línguas, deve se
conscientizar de que seu papel como educador não se limita ao ensino da língua em si (ou
seja, instruir apenas), ou seja, comprometer-se a contribuir para que os indivíduos ao
desenvolverem sua linguagem, ampliem também sua visão de mundo, sensibilidade,
valores, compromisso político, ético e humano.
Essa forma de ensinar deve, acreditamos, proporcionar um ensino inclusivo,
uma vez que busca capacitar interlocutores a se comunicarem em qualquer meio social em
que estejam inseridos, respeitando, entretanto, as necessidades de cada indivíduo e a
compreender que as diferenças sócio-culturais não devem ser um empecilho para que
ocorra a interação.
Acreditamos que essas atividades representam um passo além da mera
aplicação de técnicas e práticas vivenciadas em sala de aula uma vez que estas não apenas
induzem à ação, mas também a uma práxis comunicacional.
Essas atividades se fundamentam na crença de que a formação profissional não
deve se limitar em preparar o indivíduo para a sociedade e/ou para o mercado de trabalho,
104
ou seja, uma formação meramente funcional. Esta deve implicar também em desenvolver
suas potencialidades de maneira holística, a sensibilidade para a apreciação do belo, a
sociabilidade prazerosa, a práxis de buscar a negociação com o intuito de promover uma
convivência harmoniosa entre os pares. O objetivo de uma interação comunicacional deve
ser, por meio de uma comunicação dialógica, desenvolver a empatia, compreender o outro,
respeitar as diferenças e promover a reflexão das nossas ações, pensamento e linguagem.
Buscamos a fundamentação teórica para desenvolver estas atividades em
Vygotsky (1998) que afirma que durante o processo de construção de novos
conhecimentos, os sujeitos revêem constantemente seus conhecimentos e os reestruturam
dando origem a novos conhecimentos e ampliando os sentidos. Nos apoiamos ainda em
uma concepção dialógica e interacionaista da linguagem na perspectiva de Bakhtin (1992).
Ainda, buscamos fundamentação teórica também em Almeida Filho (2002; 2005) para a
elaboração dessas propostas de atividades quando ele aponta outros caminhos além do
funcionalismo e do estruturalismo ao afirmar que,
(...) a língua é construção de sentidos, língua é uso e na aprendizagem a
significação manda; a língua propicia interação genuína entre alunos e
professores e essa interação é o ambiente básico de aprender; aprender é aprender
conteúdos/outras coisas para aprender a língua-alvo (Almeida Filho, 2002, p. 01).
Almeida Filho (2001, p. 18-19), aponta ainda a necessidade de caminharmos
em busca de aprofundamento e renovação das nossas ações pedagógicas ao afirmar que,
(...) estou cada vez mais convencido de que o potencial comunicativo para o
ensino de línguas é grande e continua inexplorado abaixo da superfície onde
temos, em geral, atuado. Há muito a acrescentar e que tranformar no paradigma
emergente e no concreto da prática.
As atividades que visam desenvolver a competência comunicacional devem
oportunizar o diálogo permanente entre diferentes conhecimentos e saberes, favorecer a
interdisciplinariedade, a compreensão integral das realidades social e escolar complexas
contribuindo, assim, para a formação social e pessoal do sujeito. Por fim, encontramos na
Teoria da Ação Comunicativa de em Markert (2003, p. 151) quando ele afirma que,
Habermas vincula esta ação, na sua idealidade, às implicações emancipatórias das
relações comunicativas, que possam gerar intenções individuais não submissivas
à lógica instrumental e ao poder social. Esta potencialidade imanente das
interações intersubjetivas verdadeiramente humanas permite “a intersubjetividade
na qual um Eu pode identificar-se com outro Eu, sem abandonar a não identidade
105
entre ele e seu outro, estabelece-se também na linguagem e no trabalho [...]”.
Nessa relação “é possível uma interação à maneira dos sujeitos: e esse oposto é
um oponente e não um objeto.
O conceito proposto por Habermas (1987) reflete a possibilidade de
reconciliação argumentativa entre os homens e supera relações alienadas incorporadas no
poder, na concorrência ou na racionalidade, e instrumental (coisificada) no capitalismo
(Markert, 2004) e está em concordância com os pressupostos defendidos por Almeida Filho
(2003) no que tange uma teoria apropriada à área de lingüística aplicada e a uma
abordagem comunicacional de ensino de línguas que capacite os sujeitos a tomarem
consciênca de seu papel social e promoverem a “desestrangeirização” da linguagem, ou
seja, quando falar uma outra língua não significa mais falar a língua do outro.
Denominamos de ‘pictalking’ a primeira fase destas propostas de atividades
uma vez que as gravuras (pictures) são sugeridas como elementos motivadores para
promover a conversação (talking) ou o engajamento discursivo –interação através da
linguagem/palavra do aprendiz, como afirma Freitas (2004, p. 119),
(...) sua capacidade de se engajar e aos outros no discurso de modo a poder agir
no mundo social. Penso aí estarem pressupostas as tomadas de decisão e a
resolução de problemas. Sendo assim, tanto a educação em geral quanto o ensino
de LE constituiriam o modo de o aprendiz entender melhor quem ele
47
é, e quem
são os outros com quem interage, ou melhor, com quem se engaja
discursivamente.”
É importante ressaltar que as atividades denominadas por s de ‘pictalking’
são apenas sugestões, outros autores propõem também outras formas que podem auxiliar o
professor a desencadear uma relação dialógica em sala de aula. Freitas (2004, p. 120), por
exemplo, sugere a seguinte atividade para desenvolver estas ações baseadas nos PCN-LE,
Um exemplo, dentre as possibilidades, de sua operacionalização na prática seria o
trabalho com dois textos na mesma língua, sobre o mesmo assunto, de um mesmo
veículo (jornal), ou de veículos diferentes (notícia de jornal comum e notícia de
jornal televisado), mas que se destinassem a públicos diferentes. Aplicando-se,
então, as sete perguntas
48
, ficaria mais visível para os alunos, como a linguagem
estaria revelando as identidades sociais dos interlocutores. Sendo assim,
poderiam perceber, por exemplo, que os fazendeiros e os simpatizantes do
Movimento dos Sem Terra se referem a um mesmo ato através de escolhas
47
Cf Cruz (2002) para outras sugestões de atividades que estão em consonância com esta abordagem.
48
As sete perguntas a que se refere a autora são apresentadas nos PCN (p. 43), e são: O que se tematiza?; qual
é a finalidade disso?; quem é o autor?; que lugar ele fala (papel que assume); quem é o público alvo?; que
escolhas lexicais são feitas?; que ‘verdades’ elas materializam?; quem se beneficia com isso?; quem se
prejudica?
106
lexicais diferentes. Enquanto os primeiros usam o termo ‘invasão’, os segundos
escolhem ‘ocupação’, sendo que tais termos materializados em ação justificariam
os atos a partir das ideologias ou ‘verdades’ de cada um.
As atividades comunicacionais que propomos neste trabalho (cf. anexos
pp.178-190) buscam desenvolver nos sujeitos em sala de aula (tanto professores quanto
alunos) valores e atitudes de respeito ao próximo. Acredita-se que é possível promover a
compreensão de que o respeito ao colega e ao meio em que vive por meio da linguagem em
sala de aula de língua estrangeira. Estas atividades buscam tornar os sujeitos conscientes de
seus deveres, direitos e de que por meio de atitudes éticas, podemos contribuir para um
futuro melhor para futuras gerações. Neste contexto, a linguagem torna-se então um
instrumento para a hominização de alunos e professores.
A prática pedagógica promovida por meio de debates, discussões, debates,
leituras, reflexão e atividades embasadas em uma abordagem comunicacional deve
propiciar condições em sala de aula de língua estrangeira para: ajudar o aluno a desenvolver
a comunicação interpessoal e a consistência argumentativa; incentivá-lo a praticar a
liberdade de expressão e ação; a exprimir seus pensamentos e sentimentos na língua alvo;
ajudá-lo a compreender as diversas leituras que se pode fazer da realidade em que vivemos;
a ser sensível, a ter senso estético, a ampliar a criatividade e a imaginação e a desenvolver o
pensamento dialético (Cruz, 2002).
2.13.3 A PEDAGOGIA DE PROJETOS.
A Pedagogia de Projetos se baseia na proposta de John Dewey (1933) e outros
pensadores conhecidos como defensores da “Pedagogia Ativa”. De acordo com Dewey
(1933), assim como a educação deveria ser compreendida como um processo de vida e não
para a vida como muitos argumentavam, a escola deveria representar a vida presente – “tão
real e vital para o aluno como o que ele vive em casa, no bairro ou no pátio”. Assim como o
construtivismo e o comunicativismo, a Pedagogia de Projetos diz respeito a uma postura
pedagogia e não sobre uma técnica de ensino mais atrativa para os alunos ou um método a ser
seguido pelos professores.
107
Nesta concepção de ensino, busca-se propiciar a formação de alunos autônomos,
conscientes, reflexivos e participativos, pois todo conhecimento é construído em estreita
relação com o contexto em que é utilizado. Assim, não se deve separar os aspectos cognitivos,
emocionais e sociais, pois se trata de um processo global e complexo.
Na operação global de ensino proposta por Almeida Filho (1983), professores e
alunos são reconhecidos como seres humanos que participam de uma atividade complexa e,
que, ao mesmo tempo, se apropriam de um objeto de conhecimento cultural e formam-se
como sujeitos. Torna-se inviável nesta proposta, homogeinizar os alunos, ignorando suas
histórias de vida, visão de mundo, modos de viver, as experiências culturais, crenças,
abordagens – esse último termo é utilizado no sentido de Almeida Filho (2005), etc.
Nesta concepção integradora do conhecimento escolar, busca-se conciliar o ensino
de conhecimentos acumulados socialmente e historicamente (para não estarmos sempre
“reinventando a roda”, ou seja, contribuir para a evolução e produção de conhecimentos), com
os interesses reais dos alunos, propiciando, assim, sua formação global.
As características essenciais do trabalho com projetos (segundo Abrantes, 1995,
p. 62 – apud Leite, 2003, p. 5) são:
Um projeto é uma atividade intencional.
O envolvimento dos alunos é uma característica-chave do trabalho de projetos, o
que pressupõe um objetivo que dá unidade e sentido às várias atividades proposto pelos
professores, bem como um produto final que pode assumir formas muito variadas, mas
procura responder ao objetivo inicial e reflete o trabalho realizado.
Num projeto, a responsabilidade e a autonomia dos alunos são essenciais.
Os alunos são co-responsáveis pelo trabalho e pelas escolhas ao longo do
desenvolvimento do projeto. Em geral, fazem-no em equipe, motivo pelo qual a
cooperação está quase sempre associada ao trabalho.
108
A autenticidade é uma característica essencial de um projeto.
O problema a resolver deve ser relevante e ter um caráter real para os alunos. Não
se trata de mera reprodução de conteúdos prontos. Além disso, o problema não é
independente do contexto sociocultural e os alunos procuram construir respostas pessoais e
originais.
Um projeto envolve complexidade e resolução de problemas.
O objetivo central do projeto constitui um problema ou uma fonte geradora de
problemas, que exige uma atividade para sua resolução.
Um projeto percorre várias fases.
Escolha do objetivo central, formulação dos problemas, planejamento, execução,
avaliação, e divulgação dos trabalhos.
Ao contrário de uma concepção compartimentada de ensino, nesta concepção, o
problema determina o conteúdo a ser estudado, a segmentação é vista em termos de níveis de
abordagem e aprofundamento em relação às possibilidades dos alunos (contato, uso, análise) e
o conhecimento como instrumento para compreensão e possível intervenção da realidade (e
não como um fim em si). Por fim, de acordo com Leite (2003) há, também, o rompimento com
a concepção de neutralidade dos conteúdos disciplinares, que passam a ganhar significados
diversos, a partir das experiências sociais dos alunos, envolvidos nos projetos, uma vez que
tanto o ensino quanto a aprendizagem são entendidos dentro de uma perspectiva globalizante.
2.13.4 O COORDENADOR PEDAGÓGICO.
Quando trabalhei como coordenador pedagógico constatei que tanto a direção da
escola quanto os professores exigem uma atuação que se limita a exercer uma função
prescritiva ao invés de formativa, de tarefeiro ao invés de planejador, de produtor de provas e
109
exercícios e reprodutor de técnicas e de atividades de cunho estruturalista para os professores,
ao invés de agente que fomenta indagações sobre as ações pedagógicas realizadas na escola, e
criador de atividades e estratégias com os professores, incentiva-se uma cultura escolar que
concebe um papel passivo do coordenador pedagógico. A relevância do coordenador
pedagógico não é compreendida em toda sua extensão, pois é um agente que pode contribuir
para a formação continuada e da importância do coordenador promover uma interação
harmoniosa entre professores-alunos-direção-pais para que as ações pedagógicas contribuam
para uma educação formativa não apenas dos alunos, mas de professores também.
Se por um lado pode parecer cômodo reduzir a complexidade que a função do
coordenador pedagógico exige - a de um mero elaborador de provas e exercícios - por outro
empobrece todo fazer pedagógico da escola, podendo atrofiar as possibilidades de
desenvolvimento profissional tanto do coordenador quanto dos professores. Ainda, pode
inviabilizar a formação continuada no ambiente de trabalho e dificultar o exercício da sua
principal função que é a de promover harmonia entre professores-alunos-professores-direção e
de coordenar a otimização do trabalho docente por meio de interações e diálogo entre todos os
sujeitos envolvidos diretamente e indiretamente no processo de ensino/aprendizagem na escola
onde atua.
Parece-nos que embora o Regimento Escolar das instituições de ensino da Rede
Pública do DF (2000, p. 14-15)
49
estabeleça como prioridade desta função o auxílio ao
desenvolvimento das competências profissionais do professor, a coordenação pedagógica não
tem se conscientizado da sua função. Durante os dois semestres em que observamos a atuação
de P1 em sala de aula e durante o horário de coordenação, constatamos que as reuniões
promovidas não obedeciam a um planejamento prévio, elaborado antes do início do semestre e
com fins específicos, mas aconteciam de maneira esporádica, para tratar assuntos de
resoluções imediatistas e não assuntos que estimulassem a reflexão na ação (Schön, 1997).
Quanto à relevância de um acompanhamento em serviço do professor, Ferreiro (1993, p. 49)
afirma que,
Os processos de capacitação mais rápidos, profundos e bem-sucedidos parecem ser
aqueles em que alguém acompanha o professor em serviço. Esse alguém pode ser
49
Cf os anexos (pp. 178-190) neste trabalho.
110
qualquer pessoa que consiga transformar-se em interlocutor. Ver o que aconteceu em
uma hora de aula sob outro ponto de vista, discutir sobre o que se disse ou o que não
se disse, sobre o que se fez ou o que não se fez, pôr em discussão o que se pretende e
os meios utilizados, refletir sobre os pressupostos implícitos, compartilhar dúvidas e
certezas, tudo isto ajuda mais o professor a pensar do que várias horas de aula
convencional.
Observamos também que, durante o período em que ocorreu esta pesquisa, não
presenciamos em nenhum momento a coordenação pedagógica assistindo às aulas dos
professores sujeitos desta pesquisa com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento da
formação destes. Não há no ambiente em que realizamos a pesquisa uma política sistêmica de
observação de aulas dos professores com o intuito de fomentar a reflexão com os professores
sobre suas ações em sala de aula. De acordo com Clementi (2004, p. 57),
A prática de assistir às aulas permite ao coordenador o reconhecimento das mudanças
pelas quais passam ou não o professor e o aluno. Estar em sala de aula, observando
seu cotidiano, parece ser uma de suas atividades fundamentais.
A observação de aulas, então, pela coordenação pedagógica não deve ocorrer
somente diante de reclamações, mas com constância de maneira preventiva. A relevância do
coordenador/formador como um dos agentes de transformação da/na escola também é
salientado por Orsolon (in: Almeida & Placco 2004, p. 17-26), ao sugerir estratégias para
desenvolver com os professores, a fim de potencializar a renovação de ações pedagógicas e a
reflexão. É importante enfatizar que essas estratégias não devem ser seguidas como um
receituário que supra a carência dos cursos de formação, mas apenas apontem alguns
elementos que poderão contribuir neste processo contínuo de formação profissional.
Promover um trabalho de coordenação com a organização/gestão escolar.
Uma vez que o coordenador pedagógico não tem autonomia e não deve atuar
sozinho. É necessário que uma relação imbricada entre coordenação e direção seja permeada
pela ética para que as relações e os planejamentos ocorram de maneira menos
compartimentada, para evitar decisões ambíguas, confrontos ideológicos e para que o
coordenador tenha respaldo para as suas ações da direção.
Realizar um trabalho coletivo, integrado com os atores escolares.
111
A razão principal da existência da figura do coordenador está na necessidade que
os professores têm de ter um suporte para desempenhar melhor suas funções, e não o
contrário. Ou ainda, na importância de haver um elo entre a direção, os professores, a
secretaria e demais agentes envolvidos no processo. Assim, o coordenador deve ser capaz de
ler, observar e congregar as necessidades dos que atuam nessa escola; e nesse contexto,
introduzir as renovações necessárias.
Mediar a competência docente.
O coordenador pode propiciar o desenvolvimento das competências do professor
ao considerar o saber, as experiências, os interesses e o modo de trabalhar do professor, ou ao
criar condições para questionar essa prática e disponibilizar os recursos para modificá-la, com
a introdução de uma proposta curricular inovadora e a formação continuada voltada para o
desenvolvimento de suas múltiplas dimensões.
Desvelar a sincronicidade do professor e torná-la consciente.
Criar condições para que a sincronicidade - “ocorrência crítica de componentes
políticos, humano-interacionais e técnicos na ação do professor” (Placco, 1994, p.18) - seja
desvelada e se torne consciente é uma maneira de possibilitar novas leituras ao professor sobre
o seu fazer, pois a necessidade de transformação evidencia-se à medida que o educador tem
consciência de si mesmo e do impacto de suas intervenções na realidade.
Investir na formação continuada do professor na própria escola.
Ao assumir a função de formador, o coordenador estará propiciando condições
para que a reflexão e a transformação do professor ocorra no âmbito da própria escola.
Incentivar práticas curriculares inovadoras
112
Discutir com os professores novas maneiras possíveis de ensinar e aprender
propiciará ao professor acompanhar as novas tendências educacionais a rever posturas de
ações que talvez não se enquadrem mais no contexto em que atua.
Estabelecer parceria com o aluno: incluí-lo no processo de planejamento do
trabalho docente.
Ao considerarmos o aluno um agente mobilizador da mudança do professor, torna-
se relevante planejar situações que permitam, efetivamente, que os alunos participem com
sugestões, opiniões ou avaliações. Neste aspecto, o horário de projeto disponibilizado pela
escola e incluso na carga horária do professor para que os alunos se aprofundem em tema
proposto por eles para promover o desenvolvimento das competências é relevante.
Criar oportunidades para o professor integrar-se à escola.
O perfil profissional do professor se constrói de maneira entrelaçada entre o que
este faz e o que ele é, assim, tornasse necessário criar espaços ou situações para compartilhar
experiências e se posicionar como indivíduo/cidadão/profissional.
Procurar atender às necessidades reveladas pelo desejo do professor.
Ouvir o que os professores têm a dizer e buscar viabilizar o que for possível é uma
maneira de demonstrar respeito, compromisso e valorizar estes profissionais.
Estabelecer parceria de trabalho com o professor
Implica na necessidade do coordenador rever seu papel de supervisor, detentor de
informações, e trabalhar em uma perspectiva em que todos deverão aprender juntos.
Proporcionar situações desafiadoras para o professor.
113
A competência, a reflexão e a experiência podem se desenvolver mediante a
discussão, entre os pares, de alternativas para superar um determinado problema.
2.13.5 A FORMAÇÃO
A cópia de modelos em educação pode empobrecer, limitar e tornar superficial
o desenvolvimento profissional, uma vez que o mero reflexo em um espelho não forma
nem cria pensamento, despoja a linguagem de sentido, densidade, afetividade, mistério,
destrói a curiosidade e admiração que levam à descoberta do novo, anula toda a pretensão
de transformação histórica como ação consciente dos seres humanos. Ao considerar que
quaisquer situações de ensino/aprendizagem podem ser superadas utilizando-se os
procedimentos de sempre (como aconselham alguns manuais didáticos, colegas de
profissão, coordenadores, etc.) o professor banaliza sua função ignorando sua
complexidade.
A singularidade, as incertezas, os conflitos, as instabilidades, as novidades e
dilemas que caracterizam a área de ensino/aprendizagem de línguas não permitem que a
criação seja substituída por modelos, por uma lógica de previsibilidade positivista, ou que
considere uma noção de racionalidade técnica suficiente para a superação de situações
complexas sem deixar seqüelas.
Acreditamos que esta falta de clareza sobre qual a noção de profissionalismo
desejável para um professor de línguas tem, entre outras razões, contribuído para a
proliferação e perpetuação de cursos de formação de professores de línguas voltados a
interesses financeiros, ideológicos ou mercadológicos, se distanciando das necessidades
reais dos educandos e da formação de profissionais críticos. Os professores, ao buscarem
sua profissionalização, têm o direito a cursos que não objetivem somente a qualificação de
instrutores, mas que busquem formar educadores capazes de atuarem com autonomia
intelectual e que saibam e desejem investir no potencial de seus alunos também.
É importante conscientizá-los que, como parte de um processo inicial de
formação, para estarem professores ou atuarem como instrutores, a certificação, o domínio
114
de conhecimentos, técnicas e uma atuação não reflexiva poderão ser suficientes. Entretanto,
para serem professores e atuarem com profissionalismo é necessário mais do que isto. É
preciso que haja compromisso ético e político com a profissão. Para tanto, necessitamos
adotar uma visão macro de profissão para compreendermos que a valorização pessoal e
profissional de cada profissional está condicionada, entre outros fatores, à compreensão de
que toda a engenharia de ensino/aprendizagem de línguas não se limita a uma ação com
eficácia em sala de aula, mas de
inúmeros outros fatores igualmente complexos e do nosso
engajamento em busca de melhores condições salariais, de trabalho, e da nossa capacidade
de atuarmos coletivamente em cooperação.
É imprescindível a mobilização contra um sistema que busca oprimir e anular o
valor dos professores como profissionais. Entretanto, ao construirmos uma identidade que
seja respeitada pela sociedade, não se deve negar as conquistas alcançadas (horário de
coordenação, afastamento para estudos, etc.) O compromisso com a profissão não se limita
a uma boa atuação em sala de aula, depende também da compreensão de que o usufruto dos
horários de coordenação para realizar atividades meramente de cunho mecânico,
permanecer na escola só para cumprir o horário ou promover discussões rotinizantes e sem
reflexões apropriadas e necessárias, representa apenas um nível de participação
(superficial) e pode criar uma falsa ilusão de que estamos envolvidos efetivamente como
profissionais. Entretanto, trata-se apenas de uma prática simbólica (Bordieu, 1991), sempre
adiando as discussões dos grandes problemas.
É relevante que os professores não percam oportunidades de, durante debates,
seminários, reuniões pedagógicas, coordenação, etc, promover discussões que rompam com
atitudes que se contentam com a simplificação das atividades pedagógicas. Precisam
compreender, ainda, que a reflexão deve acompanhar, inclusive, a escolha e análise dos
cursos de formação continuada, porque se estes pouco estimularem uma postura crítica dos
professores, não potencializarão a formação de profissionais autênticos e autônomos. Esta
mesma postura crítica deve ser considerada durante a escolha de materiais (vídeos, livros,
etc) que utilizarão em sala de aula.
2.13.6 A EXPERIÊNCIA
115
John Dewey (1933, p.17), caracteriza a experiência educacional como, (...) essa
experiência inteligente, em que participa o pensamento, através do qual se vêm a perceber
relações e continuidades antes não percebidas. Assim, por experiência educativa neste
trabalho, entendemos o conjunto de ações renovadas com o intuito de superar situações
complexas em educação que, embora logrem resultados muitas vezes inesperados ou não
desejáveis, propiciam a reflexão e a renovação de atitudes, percepções ou conhecimentos.
Entendida desta forma, a experiência educativa se contrapõe ao habitus que alimenta um
estado de inércia profissional propiciado pela rotinização, massificação ou mecanização de
práticas educativas. Neste aspecto, John Dewey (1933, p. 17), afirma que,
A experiência é, nesse passo, pouco significativa para a vida humana. Não
chegando à reflexão consciente, não nos fornece nenhum instrumento para nos
assenhorarmos melhor das realidades que nos circundam.
Por outro lado, professor empírico é entendido neste trabalho como o que se
acomoda no ‘habitus
50
da sua profissão e não faz uso da reflexão para promover
mudanças. Ou seja, um professor que, independente do seu tempo de serviço, exerce a
profissão sem buscar a sua profissionalização continuada. Assim, um professor que pouco
reflete sobre suas ações profissionais, não contribuirá muito com o desenvolvimento da
profissão e/ou ainda tirará pouco proveito do acúmulo de seu tempo de serviço, uma vez
que limita a sua prática docente a copiar modelos ou experiências de terceiros.
Esta atitude pode, assim, cristalizar o seu desenvolvimento profissional. Quanto a isto,
Libâneo (2001, p. 67) afirma que,
Sabemos que boa parte das situações de ensino são singulares, incertas e muitas
vezes desconhecidas, por isso não basta o professor ter uma lista de métodos e
técnicas a serem utilizados. O que ele precisa é desenvolver a capacidade de dar
respostas criativas conforme cada situação. Não precisa tanto saber aplicar regras
já estabelecidas, mas construir estratégias, descobrir saídas, inventar
procedimentos. Ou seja, o professor precisa ser capaz de inventar suas próprias
respostas.
50
O termo ‘habitus’ é empregado neste trabalho no sentido de Bordieu (1990, pp. 126-127) como “um
sistema de disposições adquiridas ao longo de uma existência e que, por ser encarnado nos corpos, faz com
que os agentes se comportem de uma determinada maneira em determinadas circunstâncias. É ele ainda que
permite que, entre pessoas de um mesmo grupo, dotadas de um mesmo habitus, tudo seja evidente, até mesmo
os conflitos. Entretanto, com habitus diferentes, surge a possibilidade da colizão, do conflito. A noção de
habitus deve ser compreendida junto com a noção de campo que, por sua vez, deve ser entendida como,
espaços de jogos historicamente constituídos, com suas instituições específicas e suas leis próprias de
funcionamento”.
116
o basta ter tido um considerável tempo de exercício da profissão ou ter
dedicação exclusiva para ser profissional, é necessário investir continuamente no
desenvolvimento das competências necessárias para atuar com profissionalidade. Esta
afirmação nos remete à compreensão de experiência não simplesmente como o acúmulo
quantitativo de tempo de prática profissional (anos, meses, dias, etc.), mas, essencialmente,
aos momentos em que ocorre uma renovação na ação profissional, em que o profissional se
propõe a refletir imbuído do desejo de agir com consciência, coerência e senso de
plausibilidade. Isso possibilita o aproveitamento qualitativo de suas ações profissionais e
potencializa o desenvolvimento de uma abordagem de ensino que corresponda às
necessidades dos alunos.
o ignoramos a importância do tempo e da experiência na formação do
profissional, mas enfatizamos que a complexidade e a imprevisibilidade que envolve o
processo de ensino/aprendizagem de LE exige dos profissionais contínua reflexão e
flexibilidade. A experiência acumulada deve servir de referência, mas não como padrão de
ações realizadas com eficácia, não há fórmulas pré-estabelecidas para as ações docente que
dão conta de todos os problemas. Assim, as experiências profissionais positivas
vivenciadas, acompanhadas de muita reflexão, podem servir de base para nortear ações,
mas não como modelos.
A imprevisibilidade e a complexidade indicam que não há modelos ou experiências
modelares a serem aplicadas. A experiência educativa, se acompanhada de reflexão e
vontade de agir de maneira renovada, tem um papel relevante na formação continuada dos
professores. Como afirma Dewey (1975, p.17),
(...) ‘A experiência alarga, deste modo, os conhecimentos, enriquece o nosso
espírito e dá, dia a dia, significação mais profunda à vida’.
Observa-se um paradoxo quando os professores, ao buscarem o novo ou a
reciclagem profissional, optam, muitas vezes, (talvez por falta de opção de outros cursos)
por cursos seguindo modismos. Estes cursos com freqüência reproduzem as mesmas
atitudes, técnicas, métodos ou matrizes ideológicas de instituições que tem tradição no
mercado, ou buscam o modelo em outros professores, simplesmente porque estes
117
representam um nome que alcançou um status de grife no mercado, se tornando moda.
Embora, muitas vezes, tais cursos adotem procedimentos que já estejam ultrapassadas ou
que não tenham respaldo científico, com um bom marketing consegue transformar a
educação em um produto qualquer.
As propostas novas de trabalho, as expectativas dos alunos quanto ao curso, são
algumas questões que podem provocar novos olhares, geradores de novas ações. É interessante
observarmos que, muitas vezes, momentos que poderiam dar oportunidade para o
desenvolvimento das competências do professor não são devidamente aproveitados (como
promover debates na língua-alvo com os pares durante o horário de coordenação). Ainda, a
participação em grupos de estudo, com os pares na própria escola, não tem acontecido nesta
escola, daí o aproveitamento (item ‘I’, letra ‘d’) ter sido ‘0’ de acordo com P1.
Os avanços teóricos proporcionados pela operação global de ensino, pelo
conceito de aboragem e pela noção de competência lingüístico-comunicativa proposta por
Almeida Filho (1998; 2004;), nos parece ainda pouco compreendida no meio científico
acadêmico. Entretanto, gostaríamos de resaltar que sem estes conhecimentos, teríamos
dificuldade em propor uma noção de competência comunicacional, uma vez que a definição
de competência lingüístico-comunicativa traz em seu bojo uma perspectiva de trabalho de
consciência lingüística e consciência crítica da linguagem.
2.13.7 A REFLEXÃO.
Diversos autores têm enfatizado a relevância de uma prática reflexiva para o
desenvolvimento professional de educadores entre esses autores, destacamos Dewey
(1993), Schön (1997, 2000), Zeichner (1993, 1996, 1997 e 1998), entre outros
51
.
Entretanto, neste trabalho nos interessamos pelo uso consciente e reflexivo da linguagem
humana como meio de desenvolvimento da competência comunicacional. Neste trabalho
utilizamos a compreensão de reflexão proposta por Chauí (2001, p. 41) como, a “volta
51
Cf. Alarcão (2003), Nóvoa (1995), Pimenta & Ghedin (2002), Vieira-Abrahão (2000/2001), Sant’Ana
(2005-dissertação em andamento).
118
sobre si mesmo. Em geral considera-se que somente a consciência é capaz dessa volta sobre
si, isto é, de conhecer-se a si mesma como consciência”.
A reflexão pode contribuir para a evolução da competência comunicacional do
professor de LE se houver disposição para refletir sobre a linguagem que utiliza, sobre si
mesmo como sujeito, sobre os propósitos da linguagem que utiliza e suas conseqüências e
se eles se proporem a dialogar e a ouvir seus pares e/ou alunos com o intuito de ampliarem
o continuum de competência que possuem. Assim o fato de existir uma reflexão sistemática
na escola não implica em uma transformação imediata dos sujeitos, pois depende do
indivíduo, da sua vontade de crescer e do nível de reflexão alcançado pelo sujeito, mas é
um aspecto importante para potencializar renovações. Quanto ao continuum de reflexão
Santa’Ana (2004)
52
afirma que,
Carr & Kemmis apud Griffiths & Tann entendem que é importante um diálogo
crítico. Esta visão é bastante parecida com a de Van Mannen. Esses autores
observam três níveis: o nível técnico, o nível prático e o nível emancipatório. O
nível técnico preocupa-se com a ação instrumental; o nível prático refere-se à
clarificação das condições para a comunicação e intersubjetividade; o nível
emancipatório volta-se para a realidade política, social, moral e suas implicações
para o autoconhecimento.
Ainda, de acordo com Santa’Ana (2005), podemos reconhecer pelo menos 5
níveis em um continuum de reflexão caracterizados pelas autoras Griffiths & Tann (1992)
conforme ilustrado na tabela a seguir,
REFLEXÃO SOBRE A AÇÃO
Nível de reflexão Características Exemplos
1. Reação automática:
Reação imediata do professor numa
situação prática. Nesse caso, a reflexão
ocorre de forma implícita.
O aluno pergunta sobre ortografia,
a ação do professor é imediata e
rotineira.
2. Reação-monitor-reparo:
Há uma pausa rápida antes da ação. Essa
pausa permite uma reflexão instantânea e
ainda implícita. O professor pode corrigir
alguma ação anterior.
Os alunos podem demonstrar
interesse inesperado em um
determinado trabalho, então o
professor pode permitir que os
alunos prossigam nesse interesse
ao invés de continuar o trabalho
planejado.
52
Em palestra proferida no VII Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada, ocorrido em 10-14 de outubro
de 2004 na PuC/SP. Esse evento ocorre a cada quatro anos e busca reunir e informar os lingüistas aplicados
no Brasil sobre a produção de conhecimento na área de Lingüística Aplicada.
119
REFLEXÃO APÓS A AÇÃO
3. Ação-observação-análise
e avaliação-planejamento-
ação-revisão:
A reflexão ocorre depois que a ação é
completada. Ela pode ocorrer a qualquer
hora do dia – no intervalo de aula, no
carro a caminho de casa, no final do dia
ou semana. O professor revê sua ação.
O professor pode refletir sobre o
progresso de um grupo de alunos
em particular. Isso pode vir da
lembrança de um fato. Como
resultado, planos para ensinar e
aprender podem ser modificados.
4. Ação-observação
sistemática -análise
rigorosa-avaliação-
planejamento-ação
(pesquisa):
Observação sistemática, com coleta de
dados sobre a própria prática através de
gravações em fitas de vídeo ou cassete
para, então, ocorrer a análise e reflexão
sobre as questões registradas.
Gravação de aulas (vídeo ou
áudio), diários de classe entre
outros instrumentos podem ser
usados para coletar informação
sobre algum assunto ou problema
específico. O professor poderá,
então, refletir sobre as razões por
que dado assunto ou problema
surgiu da forma como surgiu.
5. Ação-observação
sistemática-análise rigorosa-
avaliação-teorização-
planejamento-ação
(re)teorização e
reformulação.
É o nível mais refinado da reflexão. Com
rigorosa reflexão, o professor passa a
explicitar suas teorias informais e a
desafia-las, reformulando crenças e
conhecimentos. Este nível de reflexão só é
possível a partir de leituras críticas de
teorias formais.
O professor reflete sobre algum
dado registro, surgido em sua sala
de aula, sendo que o próprio
poderá recorrer a teorias formais,
sua própria experiência
profissional, podendo, como
resultado, modificar suas
concepções, desafiando suas pr
Tabela 1 (Fonte: Sant’Ana 2004) – Os níveis de Reflexão
A formação então que propomos deve considerar não apenas a transmissão de
conhecimentos necessários para uma atuação docente que capacite seus alunos a circularem
na língua alvo com insumo de qualidade, mas também buscar contribuir para uma educação
formativa dos futuros educadores para que eles respeitem as idéias, idiossincrasias,
sentimentos e individualidades de seus alunos. Para tanto, sugerimos que os currículos
contemplem as seguintes dimensões:
Pragmática: A dimensão pragmática tem um papel relevante não só na manutenção
e desenvolvimento da competência comunicacional, mas também no
desenvolvimento da competência profissional do professor de maneira holísta, uma
vez que a interação entre professores mais experientes com os iniciantes pode
proporcionar oportunizar a troca de experiências, conhecimentos e o diálogo. Esta
dimensão pode possibilitar aos menos experientes a oportunidade de conhecerem de
antemão muitos percalços que encontrarão pelo caminho, assim como as
possibilidades de lidarem com as situações complexas que venham a enfrentar. Por
120
outro lado, os professores mais experientes poderão também se beneficiar desta
interação, por meio da formação profissional, mantendo-se atualizados com as
pesquisas e conhecimento acadêmicos em andamento nas universidades.
Cognitiva: A racionalidade, embora não seja o único elemento importante durante o
processo de ensino/aprendizagem, não pode ser simplesmente descartada, pois o
conhecimento, a conscientização e o raciocínio lógico são elementos necessários e
básicos que podem fundamentar e tornar as ações mais objetivas e lúcidas.
Política: Buscar desenvolver a conscientização para agir com uma postura crítica
do meio social em que atua profissionalmente assumindo seu papel de cidadão e
agir de acordo com as políticas lingüísticas propostas nos PCNs e na LDB..
Afetiva: Não reconhecer a influência que a afetividade pode exercer nos cursos de
formação, ou durante o processo de ensino/aprendizagem de uma língua, é ignorar a
essência do ser humano, o que pode nos motivar/desmotivar, facilitar/dificultar
(Krashen, 1982) a formação dos profissionais de ensino de línguas para atuarem em
situações reais de ensino.
Reflexiva: Formar profissionais capazes de refletir sobre sua prática e os contextos
nos quais ela é vivenciada.
Social/Funcional: Preparar o professor para a empregabilidade, ou seja, estar em
condições de atuar profissionalmente e capacitá-lo a buscar a conscientização da
necessidade de contribuir para o desenvolvimento da profissão.
O quadro que apresentamos a seguir (figura 8, p. 114), foi elaborado baseado
nas propostas de Widdowson (1991), Hymes (1972), Chomsky (1966), Almeida Filho
(2005), Carl Rodgers (1983) e busca sintetizar os objetivos de uma formação por
competência em uma abordagem comunicacional de ensino/aprendizagem de LE e dos
121
Pragmática
(Ação)
aasdfsdfdsfd
fdf
hj
elementos que podem contribuir para o desenvolvimento de uma competência
comunicacional.
MODELO TEÓRICO EXPLICATIVO DA COMP
Figura 8 – Quadro sinótico dos elementos que podem contribuir para o
desenvolvimento de uma CC.
FUNÇÕES
CATEGORIAS
DIMENSÃO:
REFLEXÃO:
INDICADORES:
Resultados
esperados:
Indepêndencia Crescimento Relacionameto
Autonomia Profissional interpessoal
Social
Funci
onal
Racional Emocional
Estética
Ética
Ação
Produção
Bem-estar
Auto-
i
Harmonia
Coerência
Funcional
Práxis
Independência Crescimento Relacionamento Autonomia
Fazer uso
apropriado
da
linguagem
em
contextos
múltiplos
Comunicar
com
acuidade,
mas
priorizar a
comunicação
Sincronia
entre ação,
racionalida-
de e
afetividade
Desenvolver
a
capacidade
de explorar
sentidos na
língua-alvo
e de
dialogar.
Adquirir/
Manter/
desenvolver a
competência
Comunicacional.
122
CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DE DADOS
“Ensinar uma língua é viajar... (P1)”.
“Ensinar uma língua é plantar uma semente em um campo árido... (P2)”.
3.1 INTRODUÇÃO
Apesar dos obstáculos que encontram atuando como professores LE, estes
profissionais são bem sucedidos quando seus alunos lêem, escrevem ou mesmo
emocionam-se ao utilizarem outro idioma. Assim, antes de iniciarmos a análise dos dados,
agradecemos a colaboração dos professores que, gentilmente, se ofereceram ou aceitaram o
convite para participarem e contribuírem para o desenvolvimento desta pesquisa, e,
esperamos que este trabalho possa ajudar para o futuro aprimoramento profissional de
outros professores. Obrigado.
Para a análise dos dados coletados, conforme descrito no capítulo I, utilizamo-
nos de procedimentos de base etnográfica (Hammersley & Atkinson, 1989; Schön, 1997;
Lüdke e André, 2001). Como instrumentos de pesquisa, utilizamo-nos de questionários
abertos, estruturados e semi-estruturados, de entrevistas abertas e análise qualitativa das
observações gravadas em vídeo e em áudio. Os dados obtidos destas observações foram
confrontados com as informações oriundas das entrevistas e questionários com o objetivo
de averiguar se havia coerência entre as afirmações e as ações em sala de aula dos sujeitos
desta pesquisa e com a finalidade de identificar os ‘meios’ que propiciaram o
desenvolvimento da competência comunicacional de P1 e P2.
Examinamos somente as falas inteligíveis e que estavam diretamente
relacionadas com o foco desta pesquisa, uma vez que este estudo esteve direcionado para o
ensino e suas implicações para o processo de ensino-aprendizagem. Neste estudo buscamos
responder a seguinte pergunta de pesquisa: como professores não nativos de língua inglesa
desenvolvem sua competência comunicacional?
123
Posteriormente, comparamos as transcrições das gravações das aulas
observadas e gravadas em áudio e vídeo com os dados oriundos dos questionários e das
entrevistas. Este procedimento teve por objetivo identificar informações que, porventura,
P1 e P2 não relataram em um primeiro momento por não se lembrarem ou por não terem
consciência (cf Bandeira 2003) da razão de determinadas ações. Ainda, este procedimento
objetivou certificarmo-nos da validade das afirmações e interpretações obtidas, assim como
para efetuarmos uma interpretação apropriada e aprofundada dos dados coletados.
É importante ressaltar que não ignoramos a influência da abordagem de
aprender do aluno, tanto como uma fonte relevante para pesquisas na área de Lingüística
Aplicada ao ensino de línguas, como para contribuir para o desenvolvimento das
competências do professor. Entretanto, optou-se por não relatar as transcrições dos alunos
uma vez que o foco de nossa pesquisa recaiu sobre a formação e desenvolvimento da
competência lingüístico-comunicativa de professores de línguas.
Ao final de nossa análise, apresentamos um gráfico demonstrativo e
comparativo dos diferentes ‘meios’ que influenciaram o desenvolvimento da competência
comunicacional de P1 e P2.
3.2 SOBRE P1.
P1 é professora de inglês há cerca de 06 anos, mas nunca teve a oportunidade de
viajar para um país onde a língua inglesa é falada. Entretanto, possui uma boa fluência e
compreensão da língua-alvo, assim como um ótimo vocabulário e conhecimento
metalingüistico do idioma que leciona. P1 é formada em Letras Português/Inglês e sempre
busca se profissionalizar participando de congressos, seminários, cursos de especialização
na área em que atua. Há cerca de três anos P1 tem trabalhado 60 h em diversas escolas de
línguas em Brasília. P1 estudou inglês na mesma escola em que hoje é professora e
demonstra interesse e entusiasmo pela profissão que escolheu.
124
ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM SALA DE AULA
DATA
SUJEITO
17/03/2004 18/03/2004 22/03/2004 23/03/2004
P1
10/15 minutos de
bate-papo em
português com os
alunos sobre temas
diversos e chamada.
Discussão sobre
algumas frases que os
alunos encontraram
na internet.
10/15 minutos de bate-
papo em português
com os alunos sobre
temas diversos e
chamada.
Apresentação oral
dos alunos em inglês
sobre invenções.
10/15 minutos de
bate-papo em
português com os
alunos sobre temas
diversos e
chamada.
Aula expositiva
sobre o ‘gerúndio’
10/15 minutos de
bate-papo em
português com os
alunos sobre temas
diversos e chamada.
Apresentação oral dos
alunos em inglês sobre
comemorações e
feriados em vários
países.
Tabela 1 – Atividades desenvolvidas em sala de aula por P1.
3.3 A atitude resiliente de P1.
P1 reconhece a relevância do filtro afetivo do aluno estar baixo (Krashen, 1982)
e do professor conhecer os interesses, as necessidades, desejos, e angústias dos alunos e
utilizar esse conhecimento para motivar e planejar suas aulas para que atendam as
prioridades dos alunos e não apenas da escola ou do professor. Assim P1 dedica um tempo
considerável de no início de cada aula (15 minutos aproximadamente) para dialogar com os
alunos em Português sobre o que tem ocorrido com eles, sobre suas expectativas,
esperanças, devaneios, ou outros assuntos de interesse dos alunos.
Durante a observação de aula observamos a capacidade de P1 em relacionar o
assunto proposto pelo livro didático com a realidade dos alunos de maneira peculiar, essas
‘escapulidas’ do material de apoio parece servir como propulsão para que os alunos
participem ativamente da aula sem que a professora tenha que apontar voluntários para
participarem das aulas. Os alunos riem, demonstram entusiasmo e estão relaxados durante
toda a aula. A atitude da professora contribui para que o filtro afetivo dos alunos esteja
baixo (Krashen, 1982) e os alunos não sintam medo ou ansiedade no momento efetivo de
comunicação. O excerto abaixo, da aula ministrada em 17/03/ 2004, visa a ilustrar essas
ponderações:
125
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
26
27
28
A1:
P1:
P1:
A2:
P1:
A2:
P1:
A2:
P1:
A3:
P1:
A3:
P1:
As:
P1:
P1:
As:
P1:
As:
P1:
(...) Independence Day...
Independence Day, pay attention to the stressed syllable...
So people, the presentation on the holidays is going to be on April 20
th
, you can create any way
you want. What you have to do is to talk about a holiday and make other people understand. If you
want to present a play about the holiday, or bring posters it’s up to you... So, let’s correct the
exercises, letter ‘a’...
So, where you like to party, in a friend’s house or in a club?
In a friend´s house.
In a friend’s house? Why?
Because it’s very big.
Why not your house?
My house is very small!
Oh, I see! Do you give presents on Valentine’s Day?
No!
Why not?
Because I’m always alone on Valentine’s Day.
Oh, you see people, she’s very smart. She’s alone on Valentine’s Day so that she won’t have to
give any presents. (Professora faz um desenho no quadro). Who’s this?
Kblinho’s son?
No, it’s Kblo. Kblo lives in Japan, he’s Kblinho’s friend and he doesn’t know anything about
carnival, so he said: ‘Sheila, your student’s know everything about carnival, yes? I said: ‘Yes’. So I
brought these questions here for you to answer.
1. What’s carnival?
It’s a party.
2. How long does it last?
(Os alunos respondem, todos de um vez) It depends, in Brasilia 5 days, in Bahia it´s 10 days, in
some places the whole year.
Calm down students, one at a time...
Durante as aulas, observa-se que P1 demonstra familiaridade para com seus
alunos e sensibilidade para com as dificuldades que eles possam manifestar sem, no
entanto, omitir para esse sujeito que há um problema a ser superado por ele, quer seja de
pronúncia, acuidade gramatical, adequação de uso da linguagem ao contexto utilizado ou
outros aspectos que podem ser melhorados. P1 demonstra-se ainda envolvente com o que
os alunos têm a dizer e com sua profissão e tolerante quando os alunos não demonstram
acuidade lingüística. Estas características são relevantes para que o professor promova a
capacidade de resiliência em seus alunos. De acordo com Grunspum (2005, p. 5-9) o termo
resiliência utilizado na educação foi tomado da física e define-se na educação como,
(...) na capacidade que um indivíduo tem de, ao enfrentar adversidades ou catástrofes grupais
ou mesmo dentro de seu ambiente restrito, se sair bem e até melhorado.
A capacidade de dispor-se a compreender as necessidades do outro e de
desfazer barreiras hierárquicas que possam interferir na aprendizagem de seus alunos
demonstrada por P1 pode ser observado no excerto da entrevista realizada em 17/03/2004 e
transcrita a seguir:
126
01
02
PG: I notice that you not only know the names of all your students but you also know their likes,
dislikes, jobs, expectations, frustrations...
03
04
05
06
07
P1: Yes, I like to call student’s by their names and by the 5
th
day of class I have them saying what they
like watching on T.V and so on... I like to keep the class in a very informal way so that I can reach
the class... because sometimes the students think that they’re in a different level from the teacher
and I say that no... we’re not different. We’re different because just because I know a little bit more,
but we’re on the same level... I try to make the environment very informal...
Essa capacidade nos parece compatível com as características necessárias para
o desenvolvimento de competências. No caso da competência comunicacional, esse
elemento demonstra-se necessário em situações novas ou adversas de comunicação.
Pesquisas apontam que os sujeitos que ousam se “arriscar” a se comunicarem na língua-
alvo, tendem a desenvolverem a capacidade de comunicação em um tempo mais curto, ao
passo que indivíduos que não ousam se arriscar, por timidez, insegurança, ansiedade, etc.
podem tardar essa aprendizagem.
Talvez uma educação resiliente (Grunspum, 2005), possa contribuir para o
desenvolvimento de uma competência comunicacional. Assim, se o sujeito, ao ser exposto
a vocabulários, diálogos ou situações não conhecidas de comunicação, não se deixar
intimidar e buscar prever alguns fatores de risco
1
que podem influenciar na produção de
sentidos na língua alvo poderá não somente superar, mas melhorar sua capacidade de
comunicação. Esses fatores de risco podem estar em resistências criadas pelo próprio
aprendiz, pelo contexto em que a aprendizagem ocorre ou pelo conteúdo em estudo
(Krashen, 1982), cabe ao profissional tentar identificá-las e buscar amenizá-las. Para
Grunspun (2005, p. 8),
Quando dizemos que a educação pode ser resiliente, não é um programa nem
estratégia, muito menos uma terapia; é uma maneira de se comportar dos
educadores e uma maneira de se relacionar com os alunos, com a família e entre
si.
Como estratégia de correção, P1 solicita aos alunos que auxiliem os colegas
com dificuldade a se comunicarem de maneira apropriada. Essa preocupação do professor
em integrar os alunos com determinada dificuldade no processo em desenvolvimento de
1
De acordo com Grunspun (2005), fatores de risco são mudanças que cada comunidade vive. A linguagem
humana por ser complexa, dinâmica e temporal, está sujeita à mudanças, cabe então aos professores de língua
estrangeira acompanharem estas evoluções de linguagem e situarem seus alunos em contextos atuais de uso
de linguagem. Por exemplo, a expressão em inglês “it’s raining cats and dogs” já não é tão utlizada hoje como
era nas décadas de 70 e 80.
127
aprendizagem parece deixar os alunos tranqüilos em meio às adversidades de
aprendizagem. Os alunos aparentam estarem relaxados e bem à vontade: sorriem,
conversam sobre assuntos diversos com a professora e parecem confiantes ao se
comunicarem na língua alvo.
3.4 Noção de competência, de competência lingüístico-comunicativa e de competência
comunicacional de P1.
Ao questionarmos P1 sobre o que é competência, P1 responde que compreende
o termo competência como fazer algo bem’. Esta noção está em consonância com a
definição de Terezinha Rios, saber fazer bem, (2003). Entretanto, acreditamos que esta
definição confere um sentido estático ao termo ao sugerir um nível ideal (‘bem’) e, ainda,
demonstra ênfase nos resultados ao ignorar o processo de resolução de um problema como
um todo. Entretanto, os resultados de uma ação competente não implicam necessariamente
em eficácia, pois, muitas vezes, os resultados não dependem somente da ação do sujeito. Se
uma instituição, por exemplo, não oferece as condições necessárias para que os
profissionais atuem de maneira competente, ainda que eles tenham competência para
agirem apropriadamente na resolução de situações complexas, não seria honesto ou justo
culpar os profissionais por não obter os resultados esperados. Saber mobilizar componentes
para resolver situações complexas não é garantia de obter sucesso.
Se fatores diversos impedirem uma ação pedagógica competente, os resultados
esperados podem não se materializar em uma ação eficaz independente do continuum de
competência do profissional. Nesse aspecto, os modelos da indústria - taylorista/fordista e
toyotista - que às vezes são transplantados para a educação, tornam-se inapropriados para a
área de ensino/aprendizagem de línguas, uma vez que a produção de bens e a construção de
conhecimentos têm processos e propósitos distintos assim como a complexidade dos
sujeitos e das máquinas. Desta forma, não consideramos coerente culpar um profissional
que não consiga um índice expressivo de aprovação de alunos se o contexto, as estruturas
físicas, curriculares, gerenciais, políticas educacionais e os próprios alunos não agirem em
congruência para que a aprendizagem ocorra. Responsabilizar somente os professores por
não obter os resultados esperados nos parece uma atitude simplista e incoerente.
128
Embasados em Almeida Filho (2004), consideramos o termo competência como um
sistema complexo, temporal e dinâmico que abarca essa proposta de competência.
Em entrevista realizada em 17/03/2004, P1 define competência lingüístico-
comunicativa como, ‘a ‘competência de você saber se comunicar, independente de saber a
estrutura certinha, alguma coisa perfeitamente, ou ter um vocabulário riquíssimo, é saber
o mínimo para se comunicar com aquilo’.
Entendemos que
a noção compreendida por P1
de competência lingüístico-comunicativa, justifica-se como uma noção pragmática pelo uso
da expressão ‘a competência de você saber se comunicar, independente de saber a
estrutura certinha, ou seja, a qualidade do insumo não é tão relevante quanto a
comunicação. De acordo com Alarcão (2003, p. 21),
(...) É possível saber-se bem a gramática de uma língua e ter um bom domínio do
vocabulário e, contudo, ficar imobilizado lingüisticamente numa situação real de
comunicação pela incapacidade de mobilizar adequadamente os conhecimentos
para aquela situação concreta.
Outro fator que pode ter influenciado na formulação destas definições pode
estar relacionado à própria abordagem de P1 que, como veremos no decorrer desta
pesquisa, é essencialmente pragmática sem, no entanto, se desprender da ênfase em
aspectos gramaticais e estruturais.
Uma vez que a ênfase desse trabalho está na compreensão da competência
lingüístico-comunicativa em uma perspectiva comunicacional, consideramos relevante
questionar P1 sobre a compreensão que o termo sugere para ela. O excerto a seguir é de
uma entrevista realizada em 18/03/2004 e gravada em fita cassete.
01
02
PG: O que você entende por competência comunicacional? O que o termo comunicacional sugere/evoca
para você?
03
04
05
06
P1: Eu acredito que seja a habilidade que a pessoa tem de se comunicar com o outro, o termo
comunicacional sugere uma comunicação efetiva no sentido de que você está falando com a pessoa
e a pessoa está te entendendo... eu penso que seja no sentido de comunicação entre 2 ou mais
pessoas se comunicando e trocando idéias...
07
08
PG: Quais os elementos que você considera ter contribuído para o desenvolvimento dessa competência
no seu dia a dia?
09
10
11
12
P1: Muitas pessoas dizem que tem aquela coisa de talento, dom para língua... algumas pessoas têm o
dom pra língua... eu não sei até que ponto isso é verdade, eu prefiro acreditar que não tenha tanto
essa coisa do talento senão você rotula o aluno, não é? Senão você diz...o aluno não pode e
acabou... mas acredito
q
ue eu tenho um talento
p
ra a
p
render lín
g
uas e o
q
ue me a
j
udou foi essa
129
13
14
vontade de querer entender os outros e tentar expressar o que eu sinto... então aí você vai ver filmes
e querer entender sem a legenda, de querer entender música e todas essas coisas acabaram
contribuindo para esse desenvolvimento...
15 PG: E o que tem dificultado para esse desenvolvimento?
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
P1: Eu não sei se é dificuldade, mas eu gostaria de ter mais dinheiro para comprar material para estudar
mais... e de ter uma T.V a cabo em casa que, querendo ou não, ajuda muito... na época em que eu
comecei a estudar inglês tinha, mas agora não tenho mais, não sei se isso tem dificultado mas se
houvesse facilitaria porque nós, que trabalhamos com línguas, estamos acostumados a nos
comunicar com outras pessoas que também são falantes de 2
a
língua, mas se você tem outro meio
como a T.V a cabo, você aprimora mais o ‘listening’, você tem como estar com o ouvido mais
aguçado pra algumas coisas, até a velocidade... então assim eu acho que poderia aprimorar mais se
eu tivesse como ter acesso a esses meios, eu não tenho agora mas não digo que não venha a ter no
futuro... até de ter tempo de estudar mais, eu gosto muito de estudar, mas quando a gente fica nessa
correria de ter de trabalhar em mais de um lugar, de ter de cumprir um calendário... a gente pensa
muito nas obrigações que a gente tem e esquece de estar sempre se aprimorando, não é?
Ao perguntarmos a P1 (linhas 1 e 2) sobre a noção que ela possui de
competência comunicacional, ela afirma (na linha 03) que compreende o termo como ‘a
habilidade que a pessoa tem de se comunicar com o outro’. Entretanto, é importante
esclarecermos que a noção de competência que enfatizamos nesse trabalho considera
competência como uma rede de sistema complexo que engloba tanto capacidades como
habilidades. Keith Johnson (1995) define o termo habilidade como:
Habilidades são comportamentos dirigidos a metas, organizados
hierarquicamente e não estereotipados. O agente recebe, do meio, informações
relativas a vários parâmetros. Sua resposta é selecionada de um grande repertório
de respostas possíveis. Deve ser apropriada para os parâmetros relevantes
(indicando, assim, uma grande capacidade de combinação de habilidades) e, em
muitos casos, deve ser dada com rapidez (1995, p. 38).
Podemos identificar na definição de habilidade proposta alguns aspectos que
distinguem esse termo de competência como podemos observar na tabela a seguir:
HABILIDADE COMPETÊNCIA
Os elementos são organizados hierarquicamente. Os componentes, recursos, conhecimentos, etc. são
mobilizados sem, necessariamente, obedecer a uma
ordem hierárquica.
Comportamentos dirigidos a metas. A mobilização de recursos, conhecimentos, etc são
direcionados para superarem situações muitas vezes
imprevistas.
O agente recebe, do meio, informações. O agente é capaz de produzir, transformar e
reproduzir as informações do meio.
A resposta deve ser, muitas vezes, dada com rapidez. A velocidade da resposta é estabelecida pelo contexto.
Dessa forma, nem sempre a rapidez implica em uma
ação competente.
130
É direcionado aos resultados. Considera-se todo o processo relevante. Uma atuação
competente nem sempre implica em uma ação eficaz.
Os objetivos são previamente estabelecidos. Os objetivos podem ser alterados durante o processo
de acordo com as necessidades.
Ênfase nos aspectos cognitivos. Tanto os aspectos cognitivos quanto os afetivos são
necessários.
Objetiva o treinamento comportamental para
alcançar o eficientismo dos resultados.
Objetiva o desenvolvimento de um conjunto de
elementos – afetivos, cognitivos, comportamentais,
atitudes, etc - para superar uma situação complexa.
Visa a utilização de meios específicos para
desenvolver a destreza para executar tarefas com
precisão e rapidez.
Saber-fazer, os recursos e resultados mobilizados são
indicadores de desempenho.
Visa a utilização de meios diversos para aperfeiçoar
uma destreza por meio do desenvolvimento não só de
aspectos cognitivos, mas de outros elementos que
possam contribuir para ampliar uma habilidade e
possibilitar o uso concomitante de múltiplas
habilidades, capacidades, sentidos, etc para a
produção ou realização de tarefas complexas em que
seja necessário mobilizar um conjunto de habilidades
para se alcançar um objetivo. Para que haja
comunicação, por exemplo, é necessário que as
habilidades de compreensão oral e escrita, de
produção oral, de escrita, de tradução e vários outros
elementos sejam mobilizados.
Um conjunto específico, restrito ou limitado de
recursos é acionado. Não é, necessariamente, social.
Uma rede ampla de elementos é mobilizada. Implica
em operacionalizar conhecimentos, atitudes,
capacidades, afetividade e é social.
A repetição de um comportamento pode contribuir
para o desenvolvimento de uma determinada
habilidade.
A repetição de um comportamento é insuficiente para
o desenvolvimento de uma competência.
Tabela 2 – Habilidade e Competência
3.5 A ABORDAGEM DE P1.
Em entrevista realizada em 22/03/2004, ao ser questionada sobre como avalia
seus alunos, P1 responde da seguinte forma,
01 PG: When you’re grading your students, what do you take into account? What do you focus on?
02
03
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10
P1: What I take into account is communication. Because, uh, even in Portuguese you can communicate
and commit mistakes, so, why would you say that the students should have a perfect grammar? I try
to focus on communication, then pronunciation. In the past I used to take into consideration a lot of
grammar, now I even ask them to help because students get very worried, they think that teachers
are the only ones who have to understand and, in fact, they have to communicate not only with me.
Because teachers usually know what students want to say even though they commit mistakes, so, if
the students speak in one way because you are a Portuguese speaker, you know what the students
means. But, maybe, the other ones don’t so I try to make them realize that communication is the
goal. Even if you learn a lot of grammar.
11 PG: Even though your students commit mistakes, you rarely correct them while they’re speaking...
131
12
13
14
15
P1: Yeah. I don’t like interrupting because when I was a student here I didn’t like being interrupted,
because the flow of ideas... if you just cut what the students are trying to say ... the students could
feel embarassed or he is not going to say anything else because the teacher is going to correct again.
So, I try to correct only when the topic is grammar. I don’t know if I am successful in doing that
P1 demonstra possuir uma abordagem funcionalista de ensino/aprendizagem
de línguas ao avaliar seus alunos e enfatizar o uso, a produção e compreensão de insumo ao
invés de focalizar na acuidade lingüística, mesmo quando o livro didático utilizado
2
enfatiza aspectos gramaticais, como demonstra o excerto a seguir (linhas de 1 a 8). P1
aproveita as ‘falas paralelas’ dos alunos enquanto corrige os exercícios gramaticais para ‘se
intrometer’ nas conversas deles como podemos observar no excerto da aula observada em
18/03/2004, a partir daí, sempre surge uma discussão, a aula torna-se relevante para os
alunos e passam a demonstrar interesse novamente na aula.
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08
P1
[...] So, people, it’s very important, O.K? When I take notes here, when I take notes, I’m not writing
your mistakes. Because this for me is very difficult. Because you speak fast and I think the most
import is communication, if your friends understand, that’s perfect. Of course that this time, this
presentation, I’m only paying attention to the communication, O.K? So that you could make yourself
understood, because, for example, suppose I give an oral presentation and I talk about something
very difficult that you don’t understand. Is it going to be good? So, I only analyzed your
communication, if you could express the task you had to do. Next presentation we’ll have I’ll pay
more attention to this, so it’s going to be a little more elaborated.
Entretanto, enquanto a aula está centrada em atividades propostas pelo livro
didático os alunos ficam dispersos e não demonstram interesse pela aula. Esta estratégia
utilizada pela professora parece surtir efeito, pois os alunos voltam a atenção novamente
para a instrução fornecida com interesse.
P1 enfatiza constantemente para seus alunos que, durante as avaliações orais
extras que não são programadas pela escola
3
, considera mais importante o fato deles
produzirem algo em Inglês do que o conteúdo ou aspectos gramaticais, assim estes não
devem se preocupar tanto com a acuidade lingüística, o importante é que seus pares (outros
alunos) compreendam a mensagem que desejam transmitir (linhas 2-5). A fala de P1,
2
O livro didático utilizado com esta turma é chamado de ‘Focus on Grammar’, como o próprio título sugere,
o enfoque do LD é na gramática.
3
Nessa escola, 30% da nota é estabelecida pela escola e os 70% restante é permitido ao professor avaliar os
alunos da maneira como desejar. Esse contexto pode criar uma situação conflitante para os alunos uma vez
que a abordagem da escola é tradicional. Embora a avaliação proposta pela escola tenha menos valor em
termos de nota, se o professor se decide por uma abordagem comunicativa, funcionalista ou comunicacional
sua ação pedagógica pode ser incoerente com o que afirma fazer.
132
transcrita no excerto a seguir, manifesta a abordagem pragmática de P1. Neste contexto, P1
tenta acalmar os alunos que estão nervosos afirmando que a nota será atribuída não pela
acuidade das sentenças, mas pela compreensão que for possível alcançar do insumo
produzido por eles.
Observamos ainda a abordagem funcionalista e visão pragmática sobre
aprendizagem de língua estrangeira de P1 nas seguintes falas do excerto extraído de uma
entrevista realizada em 23/03/ 2004, no qual ela afirma que,
01
02
03
P1 (...) Eu digo que é sempre bom para eles (os alunos) estarem lendo qualquer coisa em inglês, uma
revista... e tentar introduzir alguma coisa, claro que eles não fazem isto com freqüência ... eu
costumo dizer para eles que só se aprende a falar falando...
Embora P1 utilize um livro didático que focaliza em todo o seu conteúdo
aspectos gramaticais e acate a recomendação da escola de trabalhar com este livro, P1
demonstra perante seus alunos e nas entrevistas ter consciência de que conseguir se
comunicar e fazer-se compreendido na língua-alvo é mais importante do que dominar
regras gramaticais. Entretanto, não consegue impor efetivamente a abordagem que
demonstra ter (funcionalista). Implantar uma abordagem com ênfase na comunicação
requer disposição e resiliência por parte dos professores para desprenderem-se do controle
que normalmente exercem sobre o que deve ser discutido em sala de aula. É necessário que
haja ainda determinação dos professores para superar a rigidez imposta pelo currículo da
escola e criatividade para elaborar alternativas de atividades comunicacionais que os livros
didáticos muitas vezes não contemplam. Consideramos ainda importante que haja tempo,
condições e espaço no ambiente escolar para que os professores possam refletir sobre as
ações pedagógicas que serão, foram ou estão sendo operacionalizadas.
Outra qualidade importante para o educador em uma abordagem
comunicacional inclui: a maturidade para respeitar opiniões contrárias às nossas e saber
conduzir interações dialéticas de comunicação. Uma carga horária de trabalho
sobrecarregada (como é o caso desta professora – 60 hs), salários baixos e a falta de
motivação são fatores que podem servir de empecilho para que professores atuem com o
senso de plausibilidade (Prabhu, 1988).
133
O senso de plausibilidade entre a fala de P1 e suas ações pedagógicas também
se manifesta na sua forma efetiva de avaliar. A seguinte afirmação de P1 sobre a sua forma
de avaliar fornecida em uma entrevista demonstra ser coerente com seu discurso em sala de
aula (linhas 5-8) e com sua fala nas estrevistas como demonstram o excerto a seguir: “I
usually grade them according to their ability to communicate, express themselves and be
understood by their peers. My students rarely take very bad grades, every little thing they
do is important”. Entretanto, as provas escritas e orais aplicadas aos alunos por P1 são
elaboradas em conformidade como as recomendações da escola baseada em um enfoque
totalmente gramatical. A avaliação com ênfase na comunicação mencionada por P1 se
refere as apresentações orais realizadas durante o semestre.
4
O senso de plausibilidade demonstrado por P1, parece não ser exercido em sua
totalidade não pelo fato de P1 não ter consciência sobre o porque ensina como ensina
(Almeida Filho, 1998; Bandeira, 2003), mas sim pelo fato de P1 sentir-se intimidada ou
acomodada para resistir à abordagem proposta pela escola e pelo livro didático. As forças
que exercem influência sobre a ação da professora (Almeida Filho, 1993) impedem a
manifestação da abordagem que P1 deseja materializar em toda sua potencialidade, pois
para superá-las é necessário disposição, atitude, desejo de mudança e instrumentos (como a
competência aplicada e a competência comunicacional, força política na instituição) para
agir com determinação.
Verificamos nas aulas gravadas em vídeo que seus alunos parecem estar bem
relaxados e P1 busca não interrompê-los enquanto falam. O fato de P1 tentar avaliar seus
alunos priorizando a capacidade deles de conseguir se comunicar em inglês mesmo
cometendo alguns erros de gramática (pelo menos durante as apresentações orais), e de a
maioria destes alunos tirarem nota acima da média estabelecida pela escola (5,0), não
significa que eles não se dediquem aos estudos, pelo contrário, eles realizam as tarefas com
entusiasmo e produzem insumo de qualidade.
4
Nas escolas da Rede Pública de ensino em Brasília, as avaliações tradicionais correspondem a 30% de
pontos e a participação durante o bimestre (ditado, participação em sala de aula, etc) totalizam os restantes
70%.
134
Para P1, os mitos que os alunos trazem para a sala de aula podem se
transformar em barreiras capazes de interferir no processo de aprendizagem, portanto,
devem ser derrubados como podemos constatar por meio do excerto de uma entrevista
realizada em 23/04/2004 (linhas 01-03). Entretanto, alguns destes mitos que os alunos
possuem podem ser originários da mídia, ou dos próprios professores. Essa afirmação é
confirmada por Freitas (2003, p.97),
Muitas concepções errôneas e muitos mitos acabaram surgindo, levando a uma
atitude de resistência diante da língua inglesa e diante do ensino de cultura em
aulas de LI. Essas concepções errôneas e esses mitos estão, na verdade, ligados à
forma como alguns professores entendem “língua” e “cultura”.
01
02
03
04
05
06
P1 (...) um dos mitos que eu tento derrubar é este de que você tem que falar perfeitamente de acordo
com a gramática. Porque às vezes a gente fica tão inculcado com essas coisas, eu mesma quando era
aluna
tinha isso em mente, que você tem que falar perfeitamente. E hoje em dia a gente vê que, tudo bem,
falar correto é legal, mas não é o primordial. O importante é saberem se comunicar de uma forma que
as pessoas possam entender. Procuro dizer que só falando, procuro fazer com que eles não utilizem
Português em sala, embora nem sempre isto seja possível...
Percebemos ainda a coerência entre a fala e atuação de P1 ao analisarmos os
dados obtidos de uma resposta a um questionário aberto sobre o que é, para P1, aprender
uma língua e sobre o que é ensinar uma língua. Ao afirmar que, aprender uma língua é
“navegar no mar. (Visão mais abrangente, maior, mais cultura, mais contatos...)” e
ensinar uma língua é “passear por um vale cheio de pedras, mas com uma vista
maravilhosa”, P1 manifesta a falta de senso de plausibilidade (Prabhu, 1998) ao expor
incoerência entre o que deseja fazer e o que realmente faz. P1 expressa o desejo de atuar
com foco na gramática da língua. Entretanto, este desejo não se materializa em suas
atitudes profissionais, pois afirma ter consciência de que não é tarefa fácil e por isso não
está disposta a ‘lutar’ pelo que deseja sozinha, pois como afirma: “(...) desde que todos se
comprometam a ajudar (...).
A metáfora utilizada por P1 para representar sua concepção de língua – (...)
“aprender uma língua é navegar no mar. Visão mais abrangente, maior, mais cultura,
mais contatos (...) – demonstra a possibilidade de distanciar-se da realidade vivida. Ainda, a
necessidade de crescer, ampliar os sentidos e conhecimento de mundo por meio da
aprendizagem/aquisição de uma nova língua. Entretanto, P1 também reconhece que auxiliar
os alunos a realizarem seus desejos e necessidades ao circularem em uma nova linguagem é
135
uma tarefa difícil e complexa, mas quando alcançamos esse objetivo a esperança de quem
ensina e de quem é ensinado é renovada ao afirmar que: “ensinar uma língua é passear por
um vale cheio de pedras, mas com uma vista maravilhosa”. Almeida Filho (2005) afirma
que ensinar uma LE implica em reconhecer e respeitar os sonhos e desejos dos alunos e
estes muitas vezes buscam na aprendizagem de uma nova língua a possibilidade de se expor
a novas experiências e conhecer novas respostas, pois, como afirma Saint-Exupery, “para
enxergar claro, basta mudar a direção do olhar”.
Assim, em ambas as afirmações, se por um lado não é uma tarefa fácil, pois
altos e baixos como as ondas do mar e as pedras podem dificultar a caminhada, por outro
lado, há sempre uma recompensa como uma vista maravilhosa, mais contatos, cultura, etc.
aprender línguas, na visão de P1, parece ser uma tarefa mais agradável do que ensinar, uma
vez que ao ensinar há um vale cheio de pedras enquanto aprender implica apenas em
aspectos positivos: navegar, mais cultura, visão mais abrangente, mais contatos...
Embora P1 busque atuar de maneira funcional e pragmática, observa-se que P1
não abandona o enfoque nas estruturas e na gramática tanto pela concepção de língua de P1
(‘É o código escrito de um povo’), como pela afirmação a seguir (em resposta a um
questionário aberto sobre como P1 reagiria se a escola em que atua decidisse não utilizar
mais o livro didático), “Eu acharia legal desde que todos se comprometessem em ajudar na
‘elaboração’ do material. Também penso que deveria haver uma padronização de
estruturas a serem ensinadas em cada nível”. No excerto que apresentamos a seguir da
aula observada em 22/03/2004 constamos o enfoque dado a gramática como propõe o livro
didático.
Ao iniciar a aula, P1 solicita que cada aluno leia uma sentença do livro texto e
identifique os verbos que estão no gerúndio. Na medida em que os alunos vão lendo, P1 faz
correções de pronúncia, tonicidade e entonação. Logo após esta atividade, pede que os
alunos discutam em grupo (em inglês) em quais situações poderiam utilizar o gerúndio em
um determinado texto fornecido aos alunos. Esta atividade dura (+/-) 25 minutos.
136
P1 busca incentivar seus alunos a utilizarem o conhecimento metalingüístico
que têm da língua materna (linha nº 13) para ampliar a compreensão da língua-alvo. Assim,
valoriza o conhecimento que os alunos já possuem e os incentiva a ampliarem sua
competência. Esta atitude está em consonância com a seguinte afirmação de Plantamura
(2003, p.13),
(...) existe sempre um conjunto de competências que toda pessoa domina,
conduzindo ao princípio de que a base de todo o processo formativo deve
começar com o que o sujeito sabe fazer e não o que não sabe. O saber da
experiência, a memória, a história pessoal (...).
A construção coletiva do conhecimento e a necessidade de se buscar respostas
para as dúvidas além das explicitações feitas em sala de aula pela professora também é
enfatizada por P1 como podemos observar no excerto - da aula observada em 23/04/2004 -
apresentado a seguir,
01
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06
P1: [...] you’re going to learn this more trying to do the exercises, yeah? Because it’s hard... if I try to
explain a lot you’re gonna get tired and then you won’t understand until you do the exercises. So,
while the doubts come, we’ll try to solve, yeah? O.k? If I am not mistaken there’s this kind of
exercise in the work I asked you to do, right? Yes? Anything else? I’m going to solve your problems
while I correct, O.K? While you correct (...) So, I’d like you to compare your answers before I
correct. I would like you to compare and see if we can help each other and while you compare I’ll be
around... O.K?
Uma das estratégias utilizadas para correção de exercícios é chamada de ‘peer
correction’ ou correção em pares. Ao incentivar os alunos a aprenderem com os erros
(Figueiredo, 2002), ou seja, por meio de questionamentos entre professores e alunos ou
entre alunos-alunos, busca-se, por meio dessas interações, descobrir por que determinados
erros foram cometidos e então elaborar estratégias para corrigi-los. De acordo com
Figueiredo (2002, p. 126),
01
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08
09
10
P1:
A1:
P1:
A2:
P1:
P1:
As:
Do you remember your pairs? We have to change everything today, right? Do you remember the
topics we ...about grammar? So, we’re going to discuss about...?
The gerund.
What’s the gerund? What’s the gerund A2?
What? I’m daydreaming.
I see... you’re so engaged in the conversation that I’m interested... So, what´s the gerund? How is
the gerund formed?
(...) What makes ‘socializing’ a subject complement and not an object? You’re right! The sentence
is in the correct place. Just remember Portuguese, analyze the verb, what verb you have?
Ahm...
137
(...) a correção com os pares tem o potencial de aumentar a auto-estima dos
aprendizes na medida em que percebem que são capazes de ajudar os seus
colegas a melhorar os seus textos. Ela favorece também a reflexão, pois os alunos
atuam ativamente no processo de correção em vez de recebe-la passivamente do
professor.
Ao invés de simplesmente fornecer a resposta correta imediatamente, P1 busca
estimular os alunos a refletirem sobre os motivos que conduziram ao erro, como corrigi-lo e
por que uma forma é aceita e a outra não. A gramática pode ser um instrumento para
proporcionar a reflexão, o diálogo e para desencadear a competência comunicacional se o
professor usar de sensibilidade para entender os anseios dos alunos e criatividade para fazer
o elo entre a forma e o uso. De acordo com Figueiredo (2002, 125),
Esse tipo de correção é eficaz quando o aluno não consegue por si só corrigir seus
erros, e o professor, em vez de corrigi-los, pede aos outros aprendizes que tentem
fazê-lo. Assim o professor estará estabelecendo um ambiente de apóio mútuo
entre os alunos, pois quando eles trabalham em grupos, têm a chance de discutir
sobre suas próprias dúvidas e compartilhar com os outros o seu conhecimento.
P1 busca balancear o uso da linguagem com a discussão sobre os aspectos
lingüísticos e a correção de exercícios, pois conforme observamos no trecho do excerto da
aula observada em 23/04/2004, P1 afirma para os alunos que a explicação gramatical em
excesso é um empecilho para a aprendizagem, uma vez que eles ficam cansados, se
distraem e perdem a atenção.”If I try to explain a lot you won’t understand until you do the
exercises (...)”. O questionário estruturado a seguir foi entregue a P1 e solicitado que fosse
preenchido com os números de 0 à 4 de acordo com os itens considerados mais ou menos
relevantes:
3.6 Contribuições de diferentes “meios” para o desenvolvimento da CC de P1:
Tarefas: Meios de desenvolvimento profissional PONTOS TOTAL
I. FORMAÇÃO INICIAL E CONTÍNUADA
a.
Formação Inicial em Letras Inglês/Português.
4
b.
Formação Continuada: participação em cursos fora do estabelecimento de ensino.
4
c.
Participação em cursos organizados no estabelecimento de ensino (reuniões
pedagógicas, seminários, debates, etc.)
2
10
d.
Participação em Grupos de Estudo
0
II. APRENDIZAGEM PELA AÇÃO, REFLEXÃO E PESQUISA
a.
Reflexão antes das ações pedagógicas.
3
b.
Observações de situações em estágio e reflexões sobre elas.
2
c.
Cursos desenvolvidos com alunos durante o horário de ‘projeto’.
0
d.
Reflexão durante o horário de coordenação
2
138
e.
Participação em pesquisas em colaboração com a universidade.
0
f.
Participação em debates sobre elaboração de materiais ou projetos novos, provas
etc.
2
g.
Reflexão após a aplicação de provas, aulas...
2
11
III. FORMAÇÂO PESSOAL
a.
Leitura de literatura especializada na área de ensino de línguas, participações em
conferências na área de Lingüística Aplicada, etc.
2
b.
Experiência de vida.
3
c.
Vivência no exterior, contato com usuários da L2.
0
06
d.
Apreciação literária, musical ou visitas a galerias de arte, museus,
1
IV. INTERAÇÕES COM OUTROS PROFISSIONAIS
a.
Interações com coordenador pedagógico
1
b.
Interações com colegas experientes.
4
c.
Interações durante reuniões em equipe.
1
06
V. EXPERIÊNCIA
a.
Refletindo sobre os erros e acertos
3
b.
Perguntas dos alunos
3
c.
Sugestões / críticas dos alunos
3
11
d.
Tempo de exercício da profissão acumulado.
2
VI. CONHECIMENTO TEÓRICO
a.
Noções de fonética e fonologia.
4
b.
Domínio da gramática, estrutura da língua.
3
c.
Conhecimento de cultura da língua alvo
2
d.
Conhecimento de métodos de ensino de L2
3
12
VII. RECURSOS MATERIAIS
a.
Livro didático – que os alunos utilizam
3
b.
CD que acompanha o livro didático
2
c.
Outros recursos: (Música, filmes, etc...)
3
d.
Internet
2
10
Tabela 3 (Fonte: Adaptado de Altet, 2003, p. 133-134) –A Contribuição dos diferentes
‘meios’ para o desenvolvimento da CC
Observamos na tabela 11, que momentos favoráveis ao desenvolvimento da CC
disponibilizados no ambiente in loco de atuação profissional, não são aproveitados
devidamente por P1, configurando, de acordo com P1, o grau ‘zero’ de contribuição para o
desenvolvimento desta competência, como, por exemplo, o ‘horário de projeto’, em que a
rede pública de ensino em Brasília, DF, disponibiliza para os professores e alunos, em
conjunto, desenvolverem pesquisas, discussões e apresentação de assuntos diversos de
relevância para os alunos.
A experiência, o conhecimento teórico, a formação inicial e continuada e a
aprendizagem sobre a ação, reflexão e pesquisa têm influenciado significativamente no
desenvolvimento da competência comunicacional de P1 (gráfico 1). Entretanto, entendemos
139
estes dados como um índice para que P1 invista principalmente na formação pessoal para
desenvolver também a competência estética e busque ampliar a interação com outros
profissionais. Discussões, diálogos e conversas com outros colegas na língua alvo podem
contribuir significativamente para ampliar a competência comunicacional do professor na
língua em que ensina.
3.7.1 Os Recursos Materiais
De acordo com P1 os recursos materiais têm contribuído também de maneira
significativa para desenvolver esta competência como podemos observar no gráfico a seguir.
Contribuição de diferentes "meios" para o desenvolvimento da
competência comunicacional de P1
11
10
66
11
12
10
0
2
4
6
8
10
12
14
Gráfico 1 - Contribuição dos diferentes “meios” para o desenvolvimento da C.C.
Legenda: Formação inicial e continuada
Aprendizagem pela ação, reflexão e pesquisa
Formação pessoal
Interação com outros professores de LE
Experiência
Conhecimento teórico
Recursos materiais
140
Podemos observar no gráfico apresentado acima (1.0) que o conhecimento teórico
é a formação inicial e continuada tem recebido mais atenção e é mais valorizado do que
qualquer outro elemento para o desenvolvimento da CC de acordo com P1. Entretanto, a
formação pessoal e a interação com outros profissionais pouco têm contribuído. Acreditamos
que isso se deve pelo fato dos professores na escola pesquisada não terem o hábito de
refletirem coletivamente sobre suas ações sistematicamente (Sant’ Ana, 2005) e porque os
baixos salários forçam os professores a assumirem uma jornada de trabalho exaustiva
impossibilitando-os de participarem com mais freqüência em eventos culturais.
A desmotivação por parte de muitos professores em desenvolver um trabalho em
conjunto com os alunos durante o horário de projeto talvez ocorra devido a não compreensão
da direção da escola sobre o que é o Projeto Pedagógico e do potencial que este propicia para
que alunos, professores, coordenadores, etc reflitam sobre suas práticas pedagógicas. Assim,
uma proposta de dispensa de horário para um grupo de professos que já estão exaustos por
exercerem uma jornada de trabalho de 60, 70 ou mesmo 80 horas devido às necessidades
financeiras, parece, no mínimo, tentadora.
Assim, durante um semestre letivo, projetos sobre o teatro francês no período
de 1800, o jazz americano, a música francófona, a influência francesa nos Estados Unidos, a
fonética e fonologia da língua inglesa, escrita processual em Inglês, literatura, filmes, dança
etc. têm sido desenvolvidos na língua alvo visando ampliar o conhecimento cultural e o uso da
linguagem de alunos e professores em contextos não previstos pelo livro didático ou pelo
currículo, mas auxiliam na compreensão e produção de insumo compreensível.
O papel do professor neste contexto é o de viabilizador de recursos (entrar em
contato com embaixadas, empresas, etc.), mediador do conhecimento (orientar e participar das
pesquisas com alunos) e de negociador (entre alunos-alunos, alunos-direção, etc). Outra
função relevante que o professor deve assumir é o de interventor durante todo o processo,
visando criar situações problematizadoras, introduzindo novas informações ou promovendo
condições para que eles avancem em seus esquemas de compreensão da realidade. Tais
funções requerem do professor características específicas como: a) a flexibilidade, para alterar
o percurso a qualquer momento; b) humildade para construir o conhecimento com os alunos e
admitir, muitas vezes, perante estes que não conhece muito sobre o assunto; e c) disposição
141
para agir de maneira renovada. Estas características também são necessárias para o
desenvolvimento das competências.
Um tempo considerável do curso, nas semanas iniciais, é dedicado às discussões
entre professor e alunos sobre qual proposta é a mais viável e interessante ao grupo como um
todo, promovendo a negociação através de um processo dialógico de negociação, evitando,
assim, influenciar ou usar da autoridade de professor para monopolizar as decisões. Não se
trata de um projeto de um professor para os seus alunos, mas, sim, de uma proposta de estudos
dos alunos intermediada pelo professor.
3.7.2 A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA
O excerto que apresentamos a seguir, de uma entrevista realizada em 23/03/2004,
exemplifica a descrença de P1 no papel do coordenador como detonador da competência dos
professores.
Observamos que a coordenação pedagógica não tem contribuído para o
desenvolvimento da CL-C de P1, embora um dos aspectos relevantes da função de
coordenador pedagógico diz respeito a propiciar o desenvolvimento da profissionalidade do
professor e promover a interlocução com os professores, ajudando-os a amadurecer suas
intuições e superar as contradições entre o que pensam, planejam e as respostas que recebem
dos alunos. A atuação do coordenador pedagógico enquanto formador de professores parece-
01
02
03
PG: Como a atuação da coordenação pedagógica tem contribuído para uma atuação sua mais crítica
como profissional de ensino de língua estrangeira, para a reflexão sobre a sua atuação profissional e
para promover interações e/ou discussões dialógicas?
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
P1: Olha, eu acho que a coordenação da escola em termos de contribuição nesse aspecto não tem
contribuído em nada, porque quando nos encontramos... cada um tem uma prova pra corrigir, um
plano de aula pra fazer, dificilmente a gente senta junto para discutir: “olha, vamos pensar em como
podemos fazer isso aqui...” quando nos encontramos a gente discute muita coisa de técnica: “ah,
como você trabalhou essa lição? Nas vezes (poucas, infelizmente, acredito que devido ao tempo)
em que foi promovida reunião para informação, compartilhamento de atividades foi pouco
produtivo. Então em termos de crescimento profissional, para você... como vida... para a sala de
aula... eu acho que nada... seria muito bom se tivesse... sempre essa coisa de ter que cumprir
calendário, de corrigir prova... acaba atrapalhando... o pessoal acaba levando como prioridade, cada
um vai pro seu canto e muito pouco a gente conversa e trabalha junto nesse sentido... as reuniões da
coordenação são somente para recados, para falar de algum problema...
142
nos necessária em uma instituição de ensino que tem compromisso com a educação em uma
sociedade que avança rapidamente para uma globalização.
3.7.3 O PAPEL DA UNIVERSIDADE.
De acordo com P1, a universidade desempenhou um papel preponderante
atingindo o nível máximo (item ‘I’, letra ‘a’) durante a formação inicial. Em entrevista
realizada em 23/04/2004, P1 afirma que,
01
02
PG: Qual é a sua formação acadêmica e como esta formação tem contribuído para o seu exercício
profissional?
P1: Sou graduada em Letras português/Inglês. Já lecionava antes de entrar na universidade e acredito
que a formação acadêmica me ajudou a entender melhor a respeito do ‘ensinar’. Também me vejo
atualmente como uma profissional melhor depois desta formação. Agregado à prática, tudo que vi
na faculdade foi de grande valia para mim profissionalmente.
Observamos que, embora muitos pesquisadores teçam críticas ao ensino superior
(Santos, 1989)
,
a relevância de uma formação forma é ressaltada por P1, pois
as pesquisas
desenvolvidas na universidade (mestrado, doutorado, etc) têm contribuído para o
aprimoramento de sua formação continuada. Esta constatação nos leva a refletir sobre a
necessidade de tornar o conhecimento científico acessível aos profissionais de ensino em
serviço quer através de seminários, palestras promovidas pelas universidades nos centros de
ensino, quer por meio de publicações que tragam uma linguagem mais objetiva e sincrética ou
de quaisquer outros meios mais acessíveis aos professores, considerando o tempo que estes
professores dispõem para investir na formação in loco ou em ambientes fora da escola, é
preciso refletir sobre os recursos ou entraves que dificultam o acesso à informação acadêmica
para superar essas dificuldades.
3.7.4 A contribuição dos alunos para o desenvolvimento da CC de P1.
De acordo com P1, os alunos têm contribuído de maneira significativa para o
desenvolvimento de sua competência (alcançando o nível 3, de 0 a 4, item V, letras ´b’, ‘c’).
Podemos constatar os efeitos positivos dessa interação (professor-aluno) no excerto seguinte
da transcrição da entrevista realizada em 22/04/2004:
143
01
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P1: (...) Eu vi que os alunos riam demais por conta dos desenhos e aí eu comecei a utilizá-lo em todas as
minhas aulas... e é engraçado que a família dele (Kblin) não foi criada por mim... só tinha o Kblin
e a namorada dele, Mariazinha, e uma turma de alunos adolescentes criou os coleguinhas dele, o
Kblão, etc... às vezes um ou outro novo personagem aparece... às vezes eles falam, cadê o
Kblin? O que aconteceu com ele? Aí um inventa uma estória, diz que ele viajou...
O retorno positivo que P1 recebeu dos alunos ao manifestarem entusiasmo com os
desenhos produzidos por ela para exemplificar vocabulários, aspectos gramaticais, culturais,
etc. a incentivou a utilizar e adaptar o personagem para outras turmas de alunos, outros
contextos de ensino/aprendizagem de língua estrangeira e até mesmo como elemento
norteador de situações comunicacionais em sala de aula. O fato de P1 estimular os alunos a
nomearem e criarem outros personagens faz com que eles também se sintam parte do processo
de ensino. É interessante observarmos que mesmo nas turmas de alunos adultos, em sua
maioria alunos universitários, eles dialogam sobre os personagens com muita empolgação
como se referissem a uma pessoa real. Em entrevista realizada em 23/04/2004, P1 reitera a
participação dos alunos na criação do personagem denominado de Kblinho como podemos
verificar no excerto a seguir,
01 PG: I found the idea of creating 2 fictional characters very interesting...
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P1: Not only 2, I have more, all my students know these characters. When I started to invent it, I
started to invent the family. But some characters appeared because the students created, not only
me. I kind of robbed the idea... because it’s very interesting when they come again to my class they
say: How’s Kbelinho? As if the character was a real person... the students interact among themselves,
with me and with Kbelinho...
A participação dos alunos contribui também na hora de P1 decidir sobre qual
conteúdo será enfatizado, como podemos verificar no excerto seguinte da entrevista realizada
em 23/04/2004,
01
02
PG: How do you explain the different cultural aspects found in the mother tongue and in the target langua
g
To your students?
03
04
05
P1: I use comparisons, but if the students are not interested, I don’t kind of insist... if they’re already
Interested, of course I’m going to comment, to look for more information, but it’s not something that
I
focus on...
144
O excerto a seguir é da transcrição parcial de uma aula de P1 realizada em
23/03/2004. Cada dupla de alunos ficou incumbida de apresentar um comercial sobre
alguma invenção revolucionária criada por eles. Os alunos gastam 20 minutos
aproximadamente se preparando para as apresentações que haviam sido programadas há
mais de um mês. No final das apresentações os alunos escolheram as três melhores
propagandas e tiveram que argumentar porque consideravam determinada propaganda mais
interessante.
Antes das apresentações, P1 tenta tranqüilizá-los enfatizando que o mais
importante não é a nota. P1 divide a tarefa de avaliação com toda a turma, de maneira que
todos os alunos avaliam a apresentação de cada dupla e justificam porquê deram
determinada nota. Após todas as apresentações, P1 tece comentários sobre cada
apresentação e menciona as notas. As notas dadas pelos alunos são somadas às da
professora e divididas por dois. Os alunos demonstram tranqüilidade e maturidade ao
avaliarem e serem avaliados pelos colegas. De acordo com P1, em comunicação particular
após as apresentações, a tranqüilidade dos alunos em participarem desse processo de
avaliação deve-se ao fato de já terem sido seus alunos anteriormente e de estarem
acostumados com essa forma de avaliação. Enquanto os alunos apresentam um comercial
em inglês P1 ouve demonstrando interesse e sem interromper.
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P1:
A:
P1
As
P1
So, you’re going to present this for the class, not for me, O.k? Because sometimes students get so
worried about presenting that that students do like this... (professora demonstra) , they look only at
me. It’s not for me, it’s for the class. And remember, my students, my ex students know that ...
(aluna interrompe com conversa paralela)
Honey...
Sorry teacher.
I’d like you to help me with the grade because the presentation is not for me, it’s for the class, all the
class has to understand your presentation
Remember, we’re not actors.
Oh, yes! (chama o primeiro grupo) Group one!
Besides the grades, I would like you to give a constructive criticism, something that will help the
group improve...
3.7.5 A INFLUÊNCIA DOS RECURSOS MATERIAIS
145
Os recursos materiais (item VII, letras ‘a’ e ‘c’ - livro didático, músicas, filmes,
etc.) têm contribuído de maneira substancial para o desenvolvimento das competências de P1.
Esta constatação está de acordo com a afirmação de Coracini (1999, p.17) ao lembrar que:
(...) não raro, o(s) livro(s) didático(s) corresponde(m) à única fonte de consulta e de
leitura dos professores e dos alunos (cf. Almeida Filho, 1994 e Kleiman, 1992;
Souza, 1995).
A importância do livro didático também é ressaltada por Souza (apud Coracini,
1994, p. 27), quando esta afirma que,
Independente do livro didático adotado ou da disciplina abordada, o que se constata é
que o livro didático constitui um elo importante na corrente do discurso da
competência: é o lugar do saber definido, pronto, acabado, correto e dessa forma,
fonte última (e às vezes, única) de referência (cf. Souza, 1995; Vesentini, 1995).
Entretanto, ao analisarmos as interações e a produção de insumo durante as
observações em sala de aula de P1, observamos que a valorização do livro didático como
catalizador de competência L-C, deve-se mais à crença que P1 tem na eficácia do livro
didático do que na efetivação dessa ação. Podemos verificar nos excertos que as instâncias que
instigam, promovem questionamentos e impulsionam P1 e seus alunos a reconhecerem e
superarem limitações de ordem lingüístico-comunicativas acontece voluntariamente em sala
de aula de acordo com as necessidades dos alunos e de P1 e não produzidas pelo material
didático necessariamente. Quanto a esta crença, concordamos com Souza (apud Coracini,
1994, p. 27) quando esta afirma que,
O caráter de autoridade do livro didático encontra sua legitimidade na crença de que
ele é depositário de um saber a ser decifrado, pois supõe-se que o livro didático
contenha uma verdade sacramentada a ser transmitida e compartilhada. Verdade já
dada que o professor, legitimado e institucionalmente autorizado a manejar o livro
didático, deve apenas reproduzir, cabendo ao aluno assimilá-la.
Embora P1 busque seguir a orientação proposta pelo livro didático, isto ocorre de
maneira seletiva, crítica e adequada ao contexto e vontade pessoal como podemos observar no
excerto da entrevista realizada em 22/04/2004 e transcrita a seguir.
01
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P1: (...) Essa estória de ‘Kblinho’ é muito engraçada, porque eu trabalhava com um livro didático
durante o estágio na universidade e no final do livro didático eles (os autores do livro) sugeriam
como você pode dar uma aula sobre determinado assunto utilizando-se de desenhos simples... um bel
o
dia eu estava dando uma aula e, assim, do nada, eu resolvi dar um nome e aí ele foi criado foi na aul
a
Lá (no livro didático eles sugeriram um nome pro bonequinho, mas na hora da aula eu pensei,
não, ele não vai ser esse nome, vai ser ‘Kblinho’, e aí pegou...
146
Além de ter alterado o nome do personagem proposto pelo livro didático, P1
alterou também o desenho em si e a sua função. O livro sugeria o uso de uma personagem
desenhado na lousa para exemplificar o ensino de vocabulário P1, ao observar o interesse da
turma pelo desenho, acatou a sugestão dos alunos de criar outros nomes e outros personagens
propostos pelos próprios alunos. O que determinou a maneira de como utilizar a sugestão
proposta pelos autores do livro foi o momento em que transcorria a aula.
Antes de iniciar a aula, P1 conversa com os alunos sobre temas diversos em
Inglês, faz observações e indagações sobre uma boneca ‘gestante’ que uma aluna leva para
sala de aula e promove discussões com os alunos sobre uma lista de citações de pessoas
famosas que uma aluna obteve na internet como ilustra o excerto da aula realizada em
23/03/2004.
Durante as observações, percebemos que, embora a aula tivesse como foco o
ensino da gramática, os alunos demonstravam estar alegres e confiantes em falar de
assuntos pessoais e relevantes em um ambiente considerado formal, como a sala de aula,
como podemos observar na análise do excerto a seguir.
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P1:
As:
P1:
A1:
P1:
As:
P1:
As:
P1:
Why did you get a pregnant doll? (...) Ah... so you have a doll collection... So, people, let´s finish
correcting this... I have a new game for you...
(P1 ouve duas alunas conversando sobre qual citação seria mais apropriada para se colocar na
camiseta e sugere que toda a turma participe da discussão em Inglês)
Is keeping the mouth shut always a good idea?
No!
What happens if you keep your mouth shut all the time?
You don’t give your opinion about nothing!
OK, you don’t give your opinion, then what’s the consequence? No opinion...?
No changes.
Are changes good?
Yeah, yes..
Let’s do the following, how many sentences do you have... eight sentences? Let’s talk about the
sentences? Let’s do the following: I will take a xerox... I’m going to cut in 8 groups... I want you to
organize in 8 groups... two sentences for each four group.. Let´s see if you can convince me, in
English, of the importance of your sentence...
P1 havia planejado esta aula para focalizar aspectos gramaticais (gerúndio)
propostos pelo livro didático, entretanto, ao observar o interesse dos alunos em discutir sobre
qual frase em Inglês seria mais interessante estampar na camiseta para fazer propaganda da
formatura e na possibilidade desta ação promover um debate que os incentivassem, resolveu
147
5%
10%
28%
7%
16%
7%
13%
14%
deixar o planejamento e o livro didático de lado e seguir a intuição
5
. Outro momento em que
P1 ‘foge’ da abordagem do livro didático acontece quando a professora percebe que uma aluna
está com uma boneca ‘grávida’ na bolsa, a partir daí surgem vários questionamentos sobre o
objeto e os demais alunos participam do diálogo.
Treino de diálogo pelos alunos
Proposto pelo livro didático.
Comunicação na língua-alvo sobre
Temas propostos pelos alunos e/ou
pelo professor.
Comunicação na língua-alvo sobre
temas propostos pelo livro didático.
Comunicação em L1 (Português).
Explicação de ponto gramatical,
vocabulário, pronúncia, etc.
Escrita (cópia, redação, ditado, etc)
Apresentação pelos alunos de
diálogos ensaiados, peças, etc.
sobre temas propostos pelo LD.
Atividades/técnicas para treinar aspectos
estruturais da língua-alvo (exercícios
gramaticais, leitura de diálogos, etc.)
Gráfico 2 sobre a distribuição de tempo para o desenvolvimento das atividades
desenvolvidas em sala de aula por P1.
Ao cronometrar o tempo gasto com os diferentes tipos de atividades desenvolvidas
por P1 em sala de aula
6
nas quatro aulas observadas com a duração de 1:45h, observamos que
a abordagem do livro didático predomina sobre a do professor, transformando, assim, as ações
de P1 em ‘ecos’ (Almeida Filho) das ações propostas pelo livro didático. O percentual de aulas
efetivamente ‘comunicativizadas’, ou seja, que seguem alguns princípios de uma abordagem
comunicativa, mas que ainda tem o seu foco na forma (Almeida Filho,1998), corresponde
5
Esta explicação foi relatada por P1 em conversa informal logo após a aula, ao ser questionada, sobre os
motivos que levaram à mudança de estratégias durante a aula.
6
Para chegarmos aos resultados demonstrados nos gráficos nº 02 e nº 03, cronometramos o tempo gasto em
cada atividade em um total de 4 horas de aulas observadas.
148
apenas a 10% em contraste com 28% de temas propostos pelo livro e 30% de aula expositiva
sobre gramática, vocabulário ou ênfase na metalinguagem.
Em entrevista realizada em 22/03/2004, P1 afirma que a leitura e programas
televisivos na língua-alvo, sobretudo ‘citycoms’ ou os seriados americanos, têm contribuído
para ampliar o seu conhecimento sobre a cultura, comportamento e atitudes produzidas na
língua-alvo,
01: PG: How did you learn about the culture, customs, behavior and attitudes in the target language?
02 P1: Reading, by reading... I like literature, I believe the only way for us, non-native speakers, to reach
this
point is by reading. I like magazines, I used to read more in the past, but the things I know is not
only
by reading... also watching television...
03 PG: Is there any specific program that you watch?
04 P1: Nowadays, no. I used to have cable T.V... when I had I watched citycoms because they use
everyday
language and up dated expressions... I have a very strange mania... when I’m watching a film in my
home sometimes I put the caption in English and the person speaking in Portuguese and then I try
to
Imagine what the person is saying. It’s a kind of practice sometimes I do...
05 PG: That’s good, because you also train for predicting...
06 P1: Yeah, I look at people’s mouth to try to predict what the person is saying. I’ve been doing this
since I
was a student...
3.7.6 O ELEMENTO ESTÉTICO NAS AULAS DE P1.
Devido ao fato de alguns professores nessa escola se sentirem obrigados a
priorizarem o uso do livro didático, a cumprirem com o calendário escolar e de
considerarem o continuum de competência comunicacional de seus alunos insuficiente para
se comunicar, os textos que não são propostos pelo livro didático são pouco explorados em
sala de aula e quando são se limitam a uma análise de compreensão superficial do texto
(assim, pouco se trabalha com os diversos tipos de textos produzidos na língua alvo como
jornais, revistas, poemas, livros literários, a não ser textos que se aprofundam na temática
proposta pelo livro didático – nesse caso o livro didático traz um texto sobre as diferenças
de costumes em alguns países com relação à casamentos e a professora decide explorar um
pouco mais fornecendo um texto que trata do casamento na Índia. O excerto da transcrição
149
da aula observada em 16/03/2003, e gravada em áudio e relatada a seguir, busca evidenciar
a maneira como P1 trabalha a interpretação de texto em sala de aula.
P1 distribui um texto em inglês aos alunos sobre diferenças de costumes,
comidas, vestimentas, hábitos, casamentos, etc, na Índia. P1 solicita aos alunos que
discutam e identifiquem em grupos de quatro alunos, as dúvidas com vocabulário, e as
diferenças entre a cultura brasileira e a indiana. Enquanto os alunos discutem entre si, P1 se
movimenta entre os grupos tirando dúvidas, provocando a curiosidade e averiguando se
eles estão realmente se comunicando na língua lavo –inglês.
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02
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10
P1:
P1:
A1:
P1:
A2:
P1:
As:
P1:
A1 made an interesting comment here... tell them what you said...
First you have to date, after that you have to get engaged and them you start to think about getting
married.
Can you see? What do you think about it? What do you think about this idea? You live together and
then you... and then?.... honeymoon?
So, here, what’s this text about?
Wedding!
Is it different form our culture?
Very different, oh my God!!
How can we prepare for this celebration?
They look for the horoscope... if the moon is full...
What about presents, do the mention anything about presents?
Jewellery...
What about the dress?
A red dress... a sign...
P1 manifesta interesse em explorar esses elementos nos textos trabalhados em
sala de aula e sua insatisfação da maneira como tem conduzido a interpretação de textos ao
afirmar que não trabalha como gostaria “porque não há tempo suficiente para trabalhá-lo”.
Entretanto, não o faz porque, (...) não dá tempo, temos um calendário a cumprir e os
alunos têm muita deficiência gramatical (...). Neste aspecto, Candau (1988, p. 143) afirma
que o sistema escolar está povoado até hoje de oposições binárias. De um lado está o
desejável, o legítimo e, do outro, o ilegítimo.
Assim, o sentido comum se tornou indesejável frente ao pensamento elaborado, a
metáfora só um artifício da linguagem frente à rigorosidade explicativa da
dedução, a emoção desvalorizada frente à razão, a emoção reprimida frente ao
decoro das formas corretas de comunicação, a estética uma mera aparência frente
à solidez certeira da racionalidade, a sexualidade pecaminosa frente ao olhar
julgador da moral” (apud Scliar e Duschatzky 2000, pg. 166).
150
A competência estética como elemento dinamizador da produção de sentidos é
relevada em prol de uma estrutura rígida de ensino e de uma acuidade gramatical.
Entretanto, se considerarmos que um dos papéis do professor de língua estrangeira é, pelo
menos em um dado momento, agir como mediador não só de conhecimento, mas da
linguagem humana e de outros elementos que propiciam o seu desenvolvimento, como a
estética, a afetividade, etc. É necessário garantir a liberdade para a expressão dos
sentimentos e percepções em sala de aula e ampliar a produção de insumo de qualidade dos
alunos, é importante então refletir sobre onde deve focalizar a ação pedagógica do professor
para que os alunos se beneficiem de uma abordagem que propicie uma produção de
sentidos cada vez menos fragmentada.
O elemento estético não é devidamente explorado nas aulas de P1 uma vez que
a interpretação de texto prioriza aspectos gramaticais e/ou estruturais. A leitura de livros de
literatura é seguida de avaliações padronizadas pela coordenação que priorizam o
conhecimento lingüístico (vocabulário, gramática, etc.), a memória (a ordem dos
acontecimentos), perguntas que não propiciam uma discussão dialética da obra literária e
que se limitam a buscar uma compreensão artificial do texto. A apreciação do belo na obra
literária fica comprometida em detrimento de aspectos estruturais do texto como podemos
observar no excerto de uma dessas provas
7
aplicadas por P1.
PLOT
III - Write (T) TRUE or (F) False. (1.5 points – 0.3 each)
( ) Strange things happen in the Paris Opera House 1880.
( ) Christine and Raoul walk through the gardens together but they don’t speak to each other.
( ) The Opera House stay calm when the lights go out and Christine disappears from the stage.
( ) The ghost sends a letter to the new directors of the Open House and they get angry.
( ) Christine tells Raoul she spent five days in Erik’s house and that Erik wants to kill him.
A decifração de palavras, o mero reconhecimento no texto da resposta correta
(de acordo com um ponto de vista particular do professor ou do livro didático), a atividade
de tradução linear do texto, o estudo de vocabulário e de gramática por meio do texto são
151
priorizados em contraste com uma discussão dialógica sobre o texto, ou sobre a veracidade
das afirmações expressas no texto e de oportunizar momentos para a discussão sobre a
multiplicidade de interpretações possibilitadas pelo texto. As observações anotadas sobre a
maneira como P1 trabalha com a interpretação de texto em sala de aula reforça a afirmação
feita por Coracini (2002, p. 18),
Nas aulas de línguas, em particular – língua materna e língua estrangeira-, o texto
é, na maioria das vezes, usado como pretexto para o estudo da gramática, do
vocabulário ou de outro aspecto da linguagem que o professor (ou o livro
didático) reputam como importante ensinar. Assim, o texto, parte do material
didático, perde a sua função essencial de provocar efeitos de sentido no leitor-
aluno, para ser apenas o lugar de reconhecimento de unidades e estruturas
lingüísticas cuja funcionalidade parece prescindir dos sujeitos.
As perguntas direcionadas aos alunos pelo professor sobre o texto “o que o
autor quis dizer?” “Quais são as idéias principais do texto?” - se restringem à decifração,
não se aprofunda na interpretação efetiva do texto. Nesse contexto, Coracini (2002, p. 19)
afirma que nessas aulas a concepção de leitura e concebida enquanto “conjunto de palavras
que se sucedem umas às outras na linearidade espacial e temporal do papel, como se o
sentido do texto resultasse da soma do significado isolado de cada palavra.” Uma
abordagem que concebe o ato de ler como o mesmo que descobrir as palavras do texto, a
pronunciar corretamente, e a localizar o momento (ou idéia) principais do texto depositado
de forma definitiva pelo autor (Coracini, 2002) pode contribuir para a formação de leitores
pouco críticos e tornar a produção de sentidos empobrecida ao ignorar as múltiplas
possibilidades de interpretação.
3.7.7 A PEDAGOGIA DE PROJETOS
Devido ao pouco conhecimento que P1 tem sobre o que seja a pedagogia de
projetos, ela não tem utilizado dessa abordagem de ensino para criar condições que podem
potencializar o desenvolvimento da competência comunicacional como podemos observar
no excerto da entrevista realizada em 18/03/2004 e transcrita a seguir.
01: PG: O que você sabe sobre a pedagogia de projetos?
02: P1: Ih... muitíssimo pouco... eu já soube pela escola que alguns professores se mobilizaram para
seguir essa orientação e a gente sabe, mas há outras coisas acabam sendo priorizadas e fica por
isso mesmo e a
g
ente acaba
q
ue acaba ou então deixa
g
uardado lá e
q
uem sabe um dia... sei
7
Para a versão na integra dessa avaliação confira nos anexos na página 172.
152
lá...até...
03 PG: Você já desenvolveu algum projeto? Por que?
04: P1: Não! Eu acho que justamente por não ter uma base pra construir um projeto... eu acho que se você
não tiver segurança e pra fazer uma coisa mal feita é melhor não fazer, pelo menos eu entendo
assim... quando se sentir mais segura, tiver uma base melhor, um apóio melhor aí poderei
trabalhar com o projeto.
05: PG: Você gostaria?
06: P1: Ah, eu gostaria...
07: PG: O que você ganharia com isso?
08: P1: Ah, com certeza o desenvolvimento profissional seria bem melhor, com coisas diferentes, o que
você na sala de aula não pode fazer por conta de cumprir um calendário, no projeto não, você
estabelece as metas... aí você tem várias maneiras de chegar a aquele objetivo...
3.8 Sobre P2.
P2 é formada em Letras Português/Inglês e é professora de inglês há cerca de 06
anos. P2 trabalha 40 horas lecionando Inglês na mesma escola onde estuda Direito em outro
turno, pois demonstra insatisfação com as condições de trabalho e a remuneração. P2 nunca
viajou para outro país por falta de oportunidade, mas demonstra ter uma boa compreensão
escrita e oral da língua alvo e expressa-se com fluência em inglês.
ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM SALA DE AULA
DATA
SUJEITO
17/03/2004 18/03/2004 22/03/2004 23/03/2004
P2
Correção de
exercícios.
Aula Expositiva e
gramatical em Inglês
sobre o comparativo e
superlativo
Correção de exercícios
Aula expositiva e
gramatical em inglês .
Correção de
exercícios.
Aula expositiva e
gramatical em
Inglês
Correção de
Exercícios.
Leitura de um texto
em inglês sobre a
celebração de
casamentos na Índia.
Aula expositiva e
gramatical em Inglês
Tabela 4 – Atividades desenvolvidas por P2 em sala de aula.
3.9 A ATITUDE RESILIENTE DE P2.
A abordagem estruturalista de P2 pode ser observada no excerto da aula observada
gravada em 17/03/2004 e transcrita a seguir onde constatamos um ensino com um enfoque na
forma e que segue passo a passo as orientações propostas pelo livro didático. Entretanto, esta
abordagem não é conflitante com uma atitude resiliente de ensinar, ou seja, a abordagem
153
comportamentalista de ensino não impede que P2 demonstre respeito, compreensão e empatia
pelos alunos quando eles cometem algum erro gramatical.
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P2:
A1:
P2:
A2:
P2:
A3:
P2:
A4:
P2:
A4:
P2:
P2
As:
P2:
Students, let’s see... last class we worked on page 34, yeah? We were talking about invitation,
remember? There’s a very good party tonight, there’s a good band, very good food, would you like
to go with me?
Yes, I would.
Give me an excuse with I’m sorry but I can’t!
No, sorry but I have to sleep!
I have to sleep... give another excuse, what else?
I’m sorry but I have to go to church...
(Professora lê as questões propostas pelo livro didático). I’m going to a tea party
tonight, would you like to go with me?
No, I wouldn’t.
Now, look, When you say ‘No!’ students, it’s not polite. Say: I’m sorry or I’d like to but... Imagine,
you’re inviting a person and the person says ‘no!’. Give an excuse... (Professora toca o cd que
acompanha o livro didático). This is a family tree. (professora desenha na lousa a árvore
genealógica de uma família, os alunos acham os desenhos da professora engraçados). One day this
boy, what´s his name? (os alunos respondem que pode ser Junior) was feeling sad and lonely in
his big house and decided to get married to... (os alunos completam: Sonia), and they had 2
children, - what are their names?... O.K, now tell me about your family, A4...
I live with my mother, my father and my 2 brothers in a small house (quando
alunos cometem algum erro gramatical ou de pronúncia, P2 corrige no mesmo
instante, mas sem constranger os alunos, pedindo para que todos repitam em coro).
Repeat with me... father, bother, sister in law, father...
(em seguida, P2 explica sobre o uso do presente simples em contraste com o uso do
presente continuous).
Students, this sentence is in the present simple or present continuos?
a) I live in Ceilândia b) I’m living in Samambaia.
(Ninguém responde).
Imagine there´s a problem in my house in Ceilândia, so, for this month, I’m living in a
house in Samambaia. The present simple is more permanent, the present continuous is a
temporary situation. Is this clear? Yes or No?
3.10 A noção de competência, competência lingüístico-comunicativa e competência
comunicacional de P2:
P2 entende que ‘competência nesse sentido seria no sentido de que você é capaz,
tem a capacidade para aquela coisa. Você ter condições para que você pudesse mostrar
algo...’
154
Embora esta concepção de competência (como sinônimo de capacidade) esteja de
acordo com a compreensão de alguns autores (Perrenoud,1997; Gillet, 1991; Consolo, 2004
8
),
não é a mesma que utilizamos neste trabalho, pois consideramos relevante diferenciar o termo
competência de capacidade. Assim, concordamos com Perkins e Salomon, 1989 (apud Dolz e
Edmée, 2004, p. 87) ao afirmarem que, ‘as capacidades gerais não podem rivalizar em
eficácia
com as competências de um especialista diante de uma família de situações definidas, mas
podem constituir recursos importantes em certas circunstâncias’
.
Por exemplo, podemos
afirmar que um time de futebol pode atuar de maneira competente durante uma partida de
futebol e mesmo assim, não ser capaz de vencer a partida, pois os resultados almejados não
estão sempre atrelados a uma atuação competente. Ainda, como afirmam os mesmos autores,
mesmo se o sujeito possuir uma competência confirmada, sempre haverá circunstâncias em
que não poderá manifestá-las. De acordo com os mesmos autores (Dolz e Edmée, 2004, p. 81),
não se deve confundir os termos competência e capacidade uma vez que,
[A capacidade] não está ligada a uma disciplina particular nem a uma situação
profissional específica, mas pode desenvolver-se a partir da aquisição de
competências próprias das disciplinas ou das profissões.
Assim, ao contrário da capacidade que é o fruto das experiências de aquisição de
competências em diversos domínios, uma competência é uma faculdade intrínseca capaz de
desenvolver-se em si mesma, é histórica e resiliente. Neste contexto, enquanto compreende-se
capacidade como uma disposição geral do funcionamento cognitivo, afetivo, social, sensório-
motor e formada por um trabalho de re-especificação em diversos domínios de competência, o
termo competência é entendido como uma rede integrada e funcional formada por
componentes cognitivos, afetivos, sociais, sensório-motores, capaz de ser mobilizada em ações
finalizadas diante de uma família de situações e baseada na apropriação de modos de interação
e de ferramentas socioculturais (Dolz e Edmée, 2004, p.82).
A afirmação de P2 ‘(...) você ter condições para que você pudesse mostrar
algo...’, não compreendemos como noção de competência, pois embora seja importante haver
condições adequadas para que se desenvolvam competências, as condições adequadas não se
materializam por si só em resultados, é necessário que capacidades, habilidades,
conhecimentos sejam mobilizados (Perrenoud, 2003) entre outros elementos. A expressão ‘(...)
8
Informação obtida durante curso ministrado na PUC-S.P durante o VII Congresso Brasileiro de Lingüística
Aplicada em 2004.
155
mostrar algo (...)’, implica em uma compreensão de que é necessário mostrar resultados para
que se reconheça a competência. Esta concepção remonta a uma noção eficientista desse
termo. Não atribuímos essa noção ao termo competências nesse trabalho por entendermos que
um professor pode agir de maneira competente sem, no entanto, conseguir que todos os seus
alunos aprendam o que foi ensinado, pois há outros fatores, outras forças (Almeida Filho) que
podem interferir no processo.
Para P2, competência lingüístico-comunicativa é “no sentido de que o
importante no aprendizado de uma língua estrangeira seria (...) você se comunicar, se você
comete erros gramaticais, isso aí não seria o problema, o problema seria a própria
comunicação, se fazer entender”. A ênfase no conceito de competência lingüístico-
comunicativa, proposto por Almeida Filho (1998), está, de fato, na comunicação, e não no
conhecimento sobre a língua. Entretanto, a competência lingüística não é ignorada, assim,
erros gramaticais podem ser um problema se interferirem na compreensão e produção de
insumo de qualidade. Para que alguém se faça entender e se comunique é necessário que se
produza também sentenças coesas e coerentes além do uso apropriado da linguagem para a
comunicação. Em entrevista gravada em 17/03/2004, questionamos P2 quanto a sua
compreensão do termo competência comunicacional conforme apresentaremos no excerto a
seguir.
01 PG: O que o termo competência comunicacional sugere a você em termos de significado?
02 P2: Bem... algo ligado à comunicação, ne? Seria uma educação voltada para a comunicação?
03 PG: Você já leu ou estudou algo sobre esse termo?
04 P2: Não!
05 PG: Então como você chegou a essa compreensão do termo?
06 P2: Pela própria palavra, comunicação... comuni...ne? comunicacional... esse final da palavra lembra
Educação, educacional, nesse sentido e comunicação a primeira parte...
07 PG: Bom, a grosso modo, é
08 P2: É uma forma de educação...
09 PG: É uma educação... você busca educar o sujeito ao mesmo tempo em que você tenta potencializar
a produção e compreensão de linguagem na língua alvo em sala de aula...
10 P2: Aahhh...
11 PG: A sociedade em que vivemos necessita não só de cidadãos com conhecimentos, mas que tenha ética,
respeito e valores, né?
12 P2: Exato! É, então tem a ver, né?
13 PG: É... então quais os elementos você julga ter contribuído para o desenvolvimento dessa competência?
14 P2: O dia a dia... a experiência do dia a dia relacionado com a realidade deles (dos alunos)... eu acho que
aí voltamos à questão anterior que é a educação usando a linguagem como forma de educar... então é
inserido nessa realidade deles mesmos, mostrando, dando exemplos de vida... nesse sentido...
156
Observamos que embora P2 forneça uma definição pragmática de competência
lingüístico-comunicativa, as suas ações pedagógicas explicitadas em sala de aula, as
afirmações obtidas por meio das observações em sala de aula e as respostas nos questionários
apontam para uma abordagem gramaticalista como podemos ver a seguir.
3.11 A ABORDAGEM DE P2.
A abordagem de P2 é predominantemente de base estruturalista como demonstra o
excerto da aula gravada em 18/03/2004,
01 P2: Last class I gave you an exercise as homework, yeah?
02 As: Yes!
03 P2: We’re gonna correct it first. So, last class what did we talk about?
04 As: The pronouns?
05 P2: What pronouns?
06 As: One, ones, prices, taller...
07 P2: These, those, this, that... Don’t you remember this?
08 As: Yes!
09 P2: So, why don’t you speak? Come on, let’s speak! My God! Oh, gosh! O.K, let’s compare me and A1.
A1 short?
10 As: Yes!
11 P2: Am I short?
12 As: (Riem) Yes!
13 P2: Me, short? No, I’m not short (brincando) It’s just that you cannot see how tall I am. Now compare thi
s
Dictionary with that one. It’s more expensive or expensiver?
14 As: More!
15 P2: Why? Why do I use more expensive and not expensiver?
16 As: I don’t know!
17 P2 Look! When I have short words like tall, short, small, then I use ‘er’. Expensive is a long word, then I
use more. And beautiful?
18 As: More!
19 P2: Ok. Why? Because you have a long word. Yes? Yes or no?
20 As: Yes...
21 P2: One day I’m going to give you a surprise test, then you wake up...
22 As: Riem...
P2 afirma que os conhecimentos teóricos adquiridos na faculdade “é a base para
um bom desenvolvimento do professor durante toda a vida profissional”.
Ao ser questionada sobre quais os procedimentos que P2 utiliza para auxiliar seus
alunos a desenvolverem as habilidades de compreensão e produção escrita e oral em entrevista
realizada em 18/03/2004, P2 demonstra insatisfação em seguir formulas prontas, ‘(...)
157
infelizmente, nós sempre seguimos modelos (...)’. Entretanto, ela não consegue impor outra
abordagem. P2 afirma que,
01
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11
(...) na escrita, geralmente, peço que eles copiem, copiem textos, artigos, sempre observando a
estrutura gramatical que a gente está trabalhando em sala de aula... porque, infelizmente, nós sempre
seguimos modelos... a gente precisa de uma orientação senão você fica perdido sem um rumo sobre como
começar a escrever e para que eles comecem a escrever coisas simples... Bem, para a parte da
fala, da comunicação, o método nosso trabalha muito ensinando a prática de diálogos, mas eu peço
para eles peguem aquelas estruturas, as situações que eles estudaram em sala de aula para que
tenham a habilidade realmente para se comunicar e não ficar somente presos aqueles diálogos
propriamente ditos... peço para que eles estejam sempre se comunicando, perguntando alguma coisa para
o colega. Quanto à compreensão oral... Eu confesso que o que realmente eu mais peço, sempre a eles, é
para que eles escutem mais em inglês, para que escutem, repitam a leitura e leiam revistas, que busquem
artigos que tenham fitas para que eles possam ao mesmo tempo pronunciar e fazer a leitura daqueles
textos...
Em resposta a um questionário aberto sobre sua abordagem, aplicado em
18/03/2004, P2 afirma que,
PG: Para você ensinar uma língua é (complete a frase, por favor)...
P2: Plantar uma semente num campo árido.
PG: Aprender uma língua é como...
P2: aprender a andar.
PG: Na sua concepção, o que é língua?
P2: É um sistema de códigos.
PG: Na sua concepção, o que é linguagem?
P2: Mecanismo utilizado para que a comunicação se efetive.
P2 demonstra ter uma abordagem estruturalista de ensino e aprendizagem de
línguas ao afirmar que a língua é “um sistema de códigos e linguagem é “o mecanismo
utilizado para que a comunicação se efetive”. Ainda, para P2, aprender uma língua é
“aprender a andar e ensina-la é “plantar uma semente num campo árido. Assim, o
conhecimento teórico sobre gramática (item VI, letra ‘b’), sobre fonética e fonologia (item VI,
letra ‘a’) e sobre métodos de ensino de L2 (item VI, letra ‘d’), adquirem uma relevância e
coerência que se manifesta tanto nas concepções de P2 sobre o que é aprendizagem e ensino
de língua, quanto na sua atuação em sala de aula como podemos observar no excerto seguinte
nas linhas de 1 a 8, em que toda a aula transcorre baseada no livro didático e na gramática. A
compreensão que fazemos da metáfora elaborada por P2 sobre o que é ensinar uma língua é a
de que o objeto de ensino, neste caso uma língua estrangeira, é entendido como o ato de
plantar uma semente.
158
O ato de plantar implica em se apropriar de conhecimentos sobre a espécie que
será plantada, de quais instrumentos são mais apropriados para cada espécie de planta, de
como e quando é o momento mais apropriado para realizar o plantio, de elaborar
planejamentos e buscar sistematização das etapas e de como reagir em situações adversas
(mudança de clima, falta de recursos, etc), de acompanhar cada etapa de desenvolvimento. O
campo árido pode se referir ás dificuldades oferecidas pelo meio e/ou pelos próprios
educandos.
Transcrição parcial da gravação em áudio da aula de P2 gravada em 22/03/2004.
P2 inicia a aula checando se os alunos fizeram o dever de casa e gasta 7 minutos
aproximadamente.
01
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06
07
P2:
A1:
P2:
Have you done your exercises?
Yes.
Last class we talked about the, the, the adjectives, yes or no? ‘Tall’, ‘taller’ and ‘this one’, but we
also have demonstrative pronouns and the... this expression ‘one’, ‘ones’ that replaces a noun. Let’s
see... First of all let’s correct the exercises about this, that, these, those... exercise 1, complete the
sentences using these, that, this and those. Repeat with me students: birds, house, plates, postcards,
real, shoes... Are the students close to the man or far? (Correção continua até o final da aula).
O foco das aulas gira em torno da forma. A acuidade lingüística ganha
relevância ao reportarem que o que fora discutido na aula anterior era a gramática. Não se
discute sobre temas de relevância para o crescimento dos alunos, sobre o que eles viram ou
leram, sobre o que sentem e o que pensam sobre suas vidas, seus desejos, mas sobre a
gramática. Moita Lopes (2002) argumenta que a função da escola e do ensino de LE de
acordo com as recomendações prescritas nos PCNs-LE deve ser a de deflagrar os processos
discursivos. De acordo com o autor isso significa mais do que despertar a consciência
lingüística
9
. É necessário que o ensino fomente também uma consciência crítica
10
da
linguagem. Acreditamos que é possível construir uma consciência crítica sem a LE.
Entretanto, como educadores interessados em contribuir para uma educação formativa, não
9
De acordo com Freitas (2004, p.119), “consciência lingüística implica em trabalhar a língua como um
fenômeno lingüístico em seus vários níveis – fonético – fonológico, sintático, semântico, textual-,
contemplando três tipos de conhecimento, quais sejam, o de mundo, o sistêmico e o de organização textual”.
10
Freitas (2004, p. 119) afirma que o termo consciência crítica “implica em conceber a linguagem como um
ato ou uma prática social, conscientizando-se do que o discurso ‘faz’ na vida social, como as verdades são
‘construídas’ através da linguagem e como ela ‘revela’ as marcas da/s identidade/s sociais de seus usuários
a partir da representação que fazem de seus interlocutores (branco, rico, patrão, homem, heterossexual,
falante de uma variedade hegemônica, etc / PCN-LE, p. 47).
159
podemos nos eximir de nossa responsabilidade social e acreditar que essa responsabilidade
diz respeito apenas aos professores de língua materna, filosofia, religião, etc.
As metáforas utilizadas por P2 para ilustrar sua abordagem de ensinar (plantar
uma semente num campo árido”) nos parece coerente com as suas ações em sala de aula
uma vez o foco na forma, a ênfase na decodificação de textos ao invés da interpretação
literária, e a priorização de aulas expositivas e centradas no professor ao invés de se
priorizar as necessidades comunicacionais dos alunos materializam a abordagem de P2.
Transcrição parcial do excerto da gravação em áudio de P2 da aula observada em
23/03/ 2004. O objetivo dessa aula é de levar os alunos a desenvolverem a capacidade de
explorarem a compreensão textual. Entretanto, as perguntas propostas por P2 induzem a
apenas realizarem uma decodificação do texto, as perguntas, de ordem retórica, não
contribuem para que após a decodificação os alunos consigam interpretar um texto.
01
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11
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15
16
P2:
A2:
P2:
A2:
P2:
(P2 inicia a aula checando se a turma fez o dever de casa)
(...) Did you read it at home? Yes? No? Why not? Homework, yeah? ... So, I’d like you ...to...
You’re gonna sit down in groups, OK? Let’s see... two partners...three... So, you’re gonna
summarize the idea of this text, how? I’d like, I want some information about... for example, I
wanna know who was St. Patrick, who was this man? What happened to him? Right? Is there any
symbol for this specific date? Because yesterday...What day is today?
Today is March...
March 18
th
...17
th
or 18
th
?
18
th
Because yesterday we celebrated St. Patrick’s Day and we’re talking about dates, festivals,
celebration. You’re gonna summarize the idea of the article only this first part, OK? Answering the
following questions: What happened to him? Why? You’re going to organize the idea and then
present for the class, all right? Go on... Why do people in the U.S celebrate this holiday? What’s the
importance? (Entra um aluno novo na sala de aula e fala em Português com a professora) Are you a
new student? What? I don’t understand Portuguese, speak in English. (...) OK students, now I’d like
you to ask each other one question... ask one question to another student from another group. Who
wants to start?
A proposta dos autores do livro didático de conhecer superficialmente um pouco
da cultura de outros povos tendo como temática os feriados em diversos países, foi ampliada
por P2. A professora forneceu aos alunos na aula anterior um texto que explicava
detalhadamente o feriado de St. Patrick’s Day e solicitou que o lessem para discutir nessa aula.
Como poucos leram o texto, a professora dividiu a turma em grupos de quatro e deu 15
minutos para que lessem e discutissem nos grupos antes de abordarem o assunto com a turma
toda.
160
Na aula seguinte, a professora passou o filme ‘Casamento Grego’, que trata dos
contrastes culturais nas cerimônias de casamento entre gregos e americanos, os alunos
assistiram ao filme, em Inglês, com muito interesse, tomaram notas de aspectos que
demonstravam essas diferenças e em uma aula posterior discutiram sobre o assunto e a
professora forneceu outros textos que tratavam de aspectos peculiares de um casamento à
moda indiana. Após lerem e discutirem sobre o texto, P2 promoveu uma discussão sobre essas
diferenças em contraste com a realidade no Brasil, e realçou a importância de se respeitarem
as diferenças culturais de cada povo.
A concepção de língua de P2 como ‘sistema de códigos’, ‘mecanismo’, está de
acordo com o conceito de competência por Doron & Parot (1998, p. 154-155) como, [...] ‘o
saber implícito da língua, isto é, o sistema interiorizado de regras que constitui a gramática
dessa língua[...]. Entretanto, esta concepção implica em uma compreensão de língua como um
conjunto de conhecimentos normatizados e padronizados que ocorre isolado do ambiente ou
contexto em que é produzido. A língua, assim compreendida, é ensinada como um fenômeno
estático, visando a normatização de regras, a aprendizagem de estruturas e pode propiciar a
elaboração de conteúdos programáticos organizados por etapas e potencializar um ensino
engessado, rígido e limitador. Neste contexto o enfoque está no ‘Use’ e não no ‘Usage’ como
propõe Widdowson (1991).
Observamos ainda que predomina na fala de P2 uma visão etapista e linear do
processo ensino/aprendizagem que considera necessário uma programação seqüencial de
ensino/aprendizagem de LE, a divisão do tempo escolar em bimestres, níveis, unidades e
lições e não de acordo com o ritmo e as necessidades dos alunos. Esta concepção de ensino
favorece a crença de que o ‘funilamento’
11
no ensino de línguas é um processo natural. Nesta
perspectiva o livro didático assume um papel relevante, regulador e ecóico em sala de aula
constituindo, assim, uma fonte privilegiada de conhecimentos. Uma proposta alternativa que
tem tido bons resultados é a pedagogia de projetos. Alunos de 01, 02, 03, 04 ou 05 anos de
curso têm a oportunidade de estudarem juntos um tema gerador de pesquisa proposto por eles.
11
O mito do ‘funilamento’, que é bastante comum na escola onde esta pesquisa foi construída, é a crença de
que poucos alunos têm aptidão ou ‘talento’ para aprender uma L2, justificando, assim, índices altíssimos de
reprovação de alunos, e a exclusão destes do processo sem chances de recuperação.
161
Ao cronometrarmos o tempo gasto em sala de aula com as diversas atividades
desenvolvidas por P2 em sala de aula, (diálogos, gramática, exercícios, etc.) observamos que
na maior parte do tempo a professora e os alunos se ‘calam’ diante da ‘fala’ imposta pelo livro
didático. Assim, ao invés de o material didático servir apenas de instrumento de apoio e como
um parâmetro para a aula do professor, a abordagem do livro didático subjuga a do professor
(gráfico nº 2).
O foco nas estruturas prevalece sobre uma possível abordagem comunicacional.
De acordo com P2 isto ocorre porque o maior obstáculo que a tem impedido de desempenhar
um ensino como gostaria é “estar presa a um método e ter de o cumprir”. Entretanto, embora
a escola em que ocorreu essa pesquisa realmente imponha um conteúdo baseado na legislação
educacional das escolas públicas em Brasília a ser seguido pelos professores e alunos, cada
professor é livre para desenvolver a sua abordagem de trabalho.
Gráfico sobre a distribuição de tempo para as diferentes atividades desenvolvidas em
sala de aula por P2:
3%
5%
7%
10%
10%
30%
15%
20%
Gráfico 3 – Gráfico sobre a distribuição de tempo em sala de aula por P2
Comunicação na língua-alvo sobre temas de
interesse dos alunos e/ou pelo professor.
Comunicação em L1.
Prática da escrita (cópia, ditado, etc.).
Treino de diálogo pelos alunos baseado no
livro didático.
Apresentação de diálogo ensaiado pelos
alunos sobre temas propostos pelo LD.
Explicação de pontos gramaticais,
vocabulário, pronúncia, etc.
Comunicação na língua-alvo sobre temas
propostos pelo LD.
Atividades/técnicas para treinas aspectos
estruturais da língua-alvo (exercícios, leitura
de diálogos, etc.).
162
A fala do professor e dos alunos deveria potencializar uma comunicação dialética
e dialógica em sala de aula. Entretanto, a voz destes sujeitos se transformam apenas em ‘ecos’
(Almeida Filho, 2004) dos textos apresentados pelo livro didático. Coracini (1995, p.74)
afirma que,
(...) se os alunos são silenciados pelos professores, estes são silenciados pelo livro
didático e pela instituição, e ambos, pelo sistema escolar e social que os formou e
que, de uma forma ou de outra, conferem lugares demarcados e formas regulares de
ação pedagógica internalizadas e naturalizadas, impedindo a uns e a outros a livre
elaboração do sentido de tudo o que os (nos) rodeia.
Verificamos que a constatação de Almeida Filho (1998) de que para muitos
professores ensinar uma língua é sinônimo de seguir os conteúdos de um livro didático e
dominar técnicas de ensino é reforçada no excerto da aula de P2 grava em 23/03/2004 e
transcrita parcialmente e apresentada a seguir.
01 P2: I’d like you to open your books on page... Now repeat with me these words... interesting...
02 As: Interesting
03 P2: Beautiful...
04 As: Beautiful...
05 P2: (Repete uma série de palavras e solicita que os alunos repitam. Logo após, corrige os exercícios
propostos pelo livro didático e após dita algumas palavras em Inglês, estudadas no livro didático e os
alunos traduzem... Warm?...
06 As: Morno...
07 P2: Mild?
08 As: (Os alunos não respondem)
09 P2: No? ‘Brando’! Ugly?
10 As: Feio!
11 P2: Vocês!
12 As: Riem!
Constatamos que embora P2 chame a atenção de seus alunos para não traduzirem
como apontado no excerto da aula observada em 23/04/2004 (p. 130 na linha 15), no excerto
apresentado (linhas 06-12) é a professora quem solicita aos alunos que traduzam o vocabulário
novo proposto pelo livro didático.
3.12 DESENVOLVIMENTO DA CC DE P2.
Contribuições de diferentes “meios” para o desenvolvimento da C.C de P2:
163
Tarefas: Meios de desenvolvimento profissional Pontos Total
I. FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA:
a.
Formação Inicial em Letras Inglês/Português.
2
b.
Formação Contínua: participação em cursos fora do estabelecimento de ensino.
2
c.
Participação em cursos organizados no estabelecimento de ensino (reuniões
pedagógicas, seminários, debates, etc.)
2
d.
Participação em Grupos de Estudo
0
06
II. APRENDIZAGEM PELA AÇÃO, REFLEXÃO E PESQUISA:
a.
Reflexão antes das ações pedagógicas.
2
b.
Observações de situações em estágio e reflexões sobre elas.
1
c.
Cursos desenvolvidos com alunos durante o horário de ‘projeto’.
0
d.
Reflexão durante o horário de coordenação
3
e.
Reflexão durante aplicação de provas, aulas...
1
f.
Participação em pesquisas em colaboração com a universidade.
0
g.
Participação em debates sobre elaboração de materiais, projetos novos ou provas, etc.
3
h.
Reflexão após a aplicação de provas, aulas...
0
10
III. FORMAÇÂO PESSOAL:
a.
Leitura de literatura especializada na área de ensino de línguas, participações em
conferências na área de Lingüística Aplicada, etc.
1
b.
Experiência de vida.
0
c.
Vivência no exterior, contato com usuários da L2
0
01
IV. INTERAÇÕES COM OUTROS PROFISSIONAIS:
a.
Interações com coordenador pedagógico
3
b.
Interações durante reuniões em equipe.
2
c.
Interações com colegas experientes.
8
13
V. EXPERIÊNCIA:
a.
Refletindo sobre os erros e acertos
4
b.
Perguntas dos alunos
4
c.
Sugestões / críticas dos alunos
3
d.
Tempo de exercício da profissão acumulado.
2
13
VI. CONHECIMENTO TEÓRICO:
a.
Noções de fonética e fonologia.
4
b.
Domínio da gramática, estrutura da língua.
3
c.
Conhecimento de cultura da língua alvo
1
d.
Conhecimento de métodos de ensino de L2
3
11
VII. RECURSOS MATERIAIS:
a.
Livro didático – que os alunos utilizam
2
b.
CD que acompanha o livro didático
1
c.
Outros recursos: (Música, filmes, etc...)
1
d.
Internet
3
07
Tabela 5 (Fonte: Adaptado de Altet, 2003:133-134) – A contribuição de diversos ‘meios’
para o desenvolvimento da CC de P2
A experiência, a interação com outros pares (professores) e a aprendizagem pela ação,
reflexão e pesquisa têm contribuído de maneira significativa para o desenvolvimento da CL-C
P2 se compararmos com os itens recursos materiais, formação pessoal e formação inicial e
164
continuada. Entretanto, isso não significa necessariamente que os recursos materiais, a
formação inicial e continuada e a formação pessoal não sejam relevantes para o
desenvolvimento da competência comunicacional, mas a compreendemos como um índice de
que P2 poderia ampliar a capacidade dessa competência investindo prioritariamente nesses
elementos para equilibrar o continuum das suas potencialidades. Esses dados não implicam
também considerar que a reflexão ocorra com constância e em um nível de profundidade e/ou
qualidade satisfatórias.
O desenvolvimento da competência comunicacional de P2
6
10
1
13 13
11
7
0
5
10
15
Legenda:
Formação inicial e continuada.
Aprendizagem pela ação reflexão e pesquisa.
Formação pessoal.
Interação com outros professores de LE.
Experiência.
Conhecimento teórico.
Recursos materiais.
Gráfico 4 – O desenvolvimento da CC de P2
Embora o conhecimento teórico não tenha se manifestado como elemento
principal para o desenvolvimento dessa competência para P2, a sua contribuição, de acordo
com P2, é significativa.
165
3.13 A ESTÉTICA NAS AULAS DE P2
Em entrevista realizada em 22/03/2004, P2 reconhece que não explora a leitura de
livros literários de maneira apropriada e se justifica responsabilizando a falta de estrutura e de
tempo.
01 PG: Você trabalha livros de literatura com seus alunos? Como?
02
03
04
05
06
P2: “Sim, de maneira pouco produtiva, pois não temos suporte para desenvolver um trabalho bem
elaborado. Porque não há tempo suficiente para trabalhá-lo. Tive uma boa formação na área de
literatura, entretanto, o calendário escolar é a maior dificuldade que encontramos para trabalhá-
lo. Além dos livros que devo trabalhar durante o semestre na escola, que não muitas vezes, sugiro
aos alunos que mantenham o hábito da leitura”.
O elemento estético como dinamizador/detonador da competência estética e
construção de sentidos fica comprometido nas aulas de P2 uma vez que a leitura de textos se
limita a uma decodificação de significado de vocabulários e ao encontrar respostas que já
estão impressas no texto. A interpretação de textos é protelada em prol de um calendário a ser
cumprido e de um conteúdo a ser ministrado.
De acordo com P2 na mesma entrevista, (...) eu até que gostaria de trabalhar
outros aspectos do texto, mas nós temos um calendário a cumprir, as unidades do livro
didático a cumprir, antes da prova então não dá... Assim, a competência estética tanto de P2
quanto dos seus alunos é impedida de se desenvolver em função do conteúdo programático da
escola e/ou do livro didático ser considerado mais relevante. A análise de textos sem uma
interpretação dialógica empobrece a produção de sentidos e parece-nos insuficiente para sua
compreensão plena pois ignora elementos importantes. De acordo com Leo Loveday (1982,
apud Brito, 1999, p. 27),
(...) comunicar-se em uma língua exige um tipo de conhecimento cultural: a
organização de meios verbais para fins socialmente definidos e a sensibilidade
(grifo nosso) para com situações, contextos, relacionamentos, intenções etc.
O etapismo
12
em que muitas instituições de ensino são calcadas tem
contribuído para um ensino quantitativo ao invés de qualitativo. Tem contribuído também
12
Utilizamos o termo ‘etapismo’ para nos referirmos a modelos de ensino que permitem que os sujeitos
avancem na aprendizagem apenas mediante a assimilação do conteúdo proposto, mesmo se os alunos já
souberem o que for ensinado e dentro de um tempo estipulado.
166
para uma interpretação, errônea em nosso entendimento, de que não deve haver espaço na
educação para sentimentalismos. Entretanto, a afetividade, a estética, a ética e a cultura não
se acham excluídas da cognoscibilidade. Conforme afirma Paulo Freire (1996),
(...) como prática estritamente humana jamais pude entender a educação como
uma experiência fria, sem alma, em que os sentimentos e as emoções, os desejos,
os sonhos devessem ser reprimidos por uma espécie de ditadura racionalista
(1996, p. 145).
Indagada sobre como o livro de literatura proposto pela escola (1 por semestre) é
trabalhado em sala de aula, P2 responde que “de maneira pouco produtiva, pois não temos
suporte para desenvolver um trabalho bem elaborado em virtude da quantidade de conteúdo a
ser ministrado”. Esta afirmação confirma o pensamento de que os elementos estéticos são
banidos ou, pelo menos, não explorados com intensidade suficiente para a produção de
sentidos em sala de aula em detrimento de um calendário a cumprir e não em virtude da má
formação universitária do professor pois, de acordo com P2, “(...) tive uma boa formação na
área de literatura. Talvez não o suficiente para a produção de obras literárias”. Ao ser
interrogada sobre qual o maior empecilho que P2 encontra para explorar aspectos de estética,
interpretação de textos ou mesmo produzir textos literários com os alunos, P2 reitera que é “o
calendário escolar”.
Assim, nas aulas analisadas, confirmamos a afirmação feita por Coracini (2002,
p.30) de que,
Acredita-se, assim, que o significado está “na letra”, na palavra, e, por extensão, no
texto, de modo que, ainda que o tempo passe, que as vozes que entram na
constituição do sujeito se alterem, e que as formações discursivas vigentes sejam
outras, ainda assim, o significado central do texto permanece, como garantia da
aparente estabilidade universal do significado.
Apenas a literatura conta como experiência estética no curso e, ainda assim, de
forma simplificada, reducionista e com foco na forma. Essa maneira de abordar uma obra
literária limita e empobrece a produção e criação de sentidos na língua-alvo, pois apresenta
apenas uma compreensão fragmentada da forma e ignora todo um conjunto de elementos
(ritmo, interação entre obra e admirador, luz, movimento, contexto, etc.) que configuram e dão
sentido a um texto, uma música, uma pintura, a um gesto, etc.
3.14 A PEDAGOGIA DE PROJETOS.
167
Uma vez que o espaço pedagógico disponibilizado pela escola para que os
professores desenvolvam a pedagogia de projetos nunca ter sido desenvolvido por P2, explica
o fato dessa intervenção pedagógica não ter contribuído para o desenvolvimento da CC.
O excerto da entrevista realizada em 23/03/2004 apresentado a seguir exemplifica o pouco
envolvimento de P2 com a pedagogia de projetos,
01 PG: O que você acha da pedagogia de projetos e do horário de projetos?
02 P2: É uma oportunidade que se tem para aprofundar não só aquele conhecimento da sala de aula mas
de interdisciplinarizar o conhecimento e não ficar só naquele conteúdo, né? É uma oportunidade
até que nós estamos perdendo... porque é fantástica a idéia do projeto...
03 PG: Você já desenvolveu algum projeto?
04 P2: com música...
05 PG: E como foi a experiência?
06 P2: Foi interessante. Os meninos (alunos) aceitaram bem e gostaram bastante...
3.15 O papel do coordenador pedagógico no desenvolvimento da CC de P2:
A participação da coordenação pedagógica para contribuir com o desenvolvimento
da competência comunicacional de P2 não tem sido substancial como podemos observar no
excerto da entrevista realizada em 18/03/ 2004.
01
03
PG: Como a coordenação pedagógica tem contribuído para uma atuação mais crítica como profissiona
l
de língua estrangeira? Para promover interações e/ou discussões dialógicas entre os pares?
04 P2: Na realidade, atualmente isso não ocorre...
05 PG: E anteriormente, com outros coordenadores pedagógicos?
06 P2: Faz tempo... Quando foi? Não lembro...
05 PG: A escola já criou condições para que essas reuniões acontecessem?
06 P2: Não...
07 PG: Por que você acha que isso não acontece?
08 P2: Porque não há prioridade em fazer esse trabalho. A maior preocupação é em obedecer normas, em
fazer o dever de casa, no sentido administrativo mesmo, mas não da parte pedagógica...
A pouca influência dos efeitos da atuação do coordenador pedagógico no
desenvolvimento da competência de P2 é apenas um reflexo de uma formação inadequada
para exercer esta função também complexa. Como afirma Clementi (2003, p. 65),
A responsabilidade da pedagogia que está sendo desenvolvida na escola é também
responsabilidade do coordenador que, objetivamente, junto com os professores, a
transforma em prática. A falta de formação adequada desse profissional, a falta de
168
respaldo por parte de instituições particulares e públicas e a desmotivação fazem que
não se realizem momentos de reflexão fundamentais aos educadores para a vivência
dessa escola que a sociedade exige.
É necessário que os coordenadores pedagógicos se vejam como co-responsáveis
pelo desenvolvimento das competências dos professores da sua escola, afinal, este deve ser a
maior razão deste professor atuar fora da sala de aula, sua função mais relevante é contribuir
para o crescimento do corpo docente da escola e não a preparação de provas ou outras formas
de exercícios cuja elaboração, aliás, competem mais aos professores que atuam em sala de
aula do que aos coordenadores. É importante que os coordenadores atuem com um olhar ativo.
Como afirma Clementi (2003, p. 57),
A prática de assistir aulas permite ao coordenador o reconhecimento das mudanças
pelas quais passam ou não o professor e o aluno. Estar em sala de aula, observando
seu cotidiano, parece ser uma de suas atividades fundamentais.
3.16 O PAPEL DA UNIVERSIDADE
Em resposta a uma entrevista realizada em 17/03/2004, P2 afirma que,
01 PG: Qual é a sua formação acadêmica e como essa formação tem contribuído para o seu exercício
profissional?
02 P2: “Licenciatura plena em Português/Inglês. Tive uma boa formação e consigo aplicar e visualizar
muito da teoria estudada na minha prática de ensino. O conhecimento teórico adquirido na
faculdade é a base para um bom desenvolvimento do professor durante toda a vida”.
Muitos teóricos têm criticado a ênfase dada por muitos governos aos aspectos
quantitativos das universidades e a falta de incentivo para uma produção acadêmica qualitativa
não só no Brasil, mas em muitos países (Tardiff; Morin; Boaventura Santos,etc). Entretanto
não podemos ignorar que, embora a formação profissional tenha problemas e o ensino tenha se
tornado cada vez mais fragmentado, os efeitos da formação formal ainda é perceptível como
podemos observar na pontuação dada por P2 a este aspecto (2.5) assim como na sua fala
transcrita do excerto da entrevista realizada em 18/03/2004 e apresentada a seguir.
169
1
2
3
4
5
6
Isso foi uma atividade desenvolvida quando estava na faculdade em uma disciplina, Metodologia de Ensino da
Língua Inglesa, e nós tínhamos um livro que falava da técnica de utilizar figuras recortadas em papel celofane
que representavam as estações do ano projetadas no retroprojetor. Mas aí nós víamos que faltava algo. Aí
pensamos o seguinte, se a gente está falando primavera vamos usar o cheiro, aí surgiu a idéia do grupo melhora
r
idéia proposta no livro. Hoje quando vou trabalhar as estações do ano, pego um ‘Bom Ar’ com cheiro de flores
e espalho na sala de aula para que eles sintam...
3.17 A Contribuição dos Alunos Para o Desenvolvimento da C. C de P2.
P2 considera a contribuição dos alunos no desenvolvimento das suas competências
mais pertinente do que as ações promovidas pela coordenação pedagógica. Talvez porque o
contato com os alunos é mais usual e direto as críticas e sugestões propostas pelos alunos são
consideradas por P2 mais apropriadas às suas necessidades profissionais. Este aspecto nos leva
a refletir sobre a necessidade de buscarmos estratégias de ação que aproximam os professores
de seus pares e da coordenação pedagógica, uma vez que os profissionais remunerados para
potencializar as ações pedagógica do professor é o coordenador.
3.18 A influência dos recursos materiais.
P2 reconhece que ao tocar o CD para os alunos ouvirem, ao resolver as questões
propostas pelo livro didático ela também está aprimorando a sua compreensão e produção de
insumo na língua-alvo. O excerto a seguir é de uma entrevista realizada em 18/03/2004.
01 Você costuma utilizar o manual do professor?
02
03
04
05
06
07
07
Não, eu não me prendo muito ao manual do professor que acompanha o livro didático, porque, claro que no
início a gente sempre se prende, na falta de experiência, mas no dia a dia em sala de aula você vai vendo o
que funciona para uma turma, o que não funciona e você vai criando seu próprio ritmo de dar aula. O manual
do professor hoje eu utilizo no sentido de uma atividade extra, informação cultural, porque eu nunca tive uma
oportunidade de ir para fora então muita coisa a gente não sabe... O CD que acompanha o livro didático e o
fato de utilizar inglês em sala de aula também tem contribuído positivamente para o desenvolvimento dessa
competência...
3.20 A influência da experiência.
As perguntas, afirmações e inquietações dos alunos, assim como os recursos
utilizados, se acompanhados de reflexão e auto-avaliação em sala de aula, podem influenciar
positivamente e consideravelmente na formação continuada do professor como atesta Erdas
(1991) e Martins (1997) ao afirmarem que o conhecimento que produz efeito na prática
170
docente é, muitas vezes, descoberto em sala de aula e exige categorias de conhecimento
extraídas dos usos para o qual ele se destina (Erdas, 1991). É da estrutura do ambiente de
ensinar que os professores extraem os sentidos para seu processo de tomada de decisão. De
acordo com Martins (1997), o conhecimento mais importante é aquele que deriva desse
processo de tomada de decisão, é aquele que é produzido com e no movimento da sala de aula.
A fala de P2 revela a relevância da prática docente como área de pesquisa e
construção do conhecimento pedagógico para ela conforme demonstra o excerto da entrevista
realizada em 18/03/2004 e transcrita a seguir,
01
02
03
04
Eu acho que hoje o nível do inglês que eu tenho foi muito em sala de aula, na prática mesmo, ouvindo co
m
os alunos, repetindo, foi ouvindo o ‘listening’, (...) às vezes pensava que a pronúncia era de uma forma e
você verifica que é outra, então eu posso dizer com sinceridade que 30 % do inglês que eu sei hoje foi
melhorando em sala de aula, com os alunos, na prática mesmo da docência...
3.21 A reflexão
P2 reconhece a relevância de oportunizar momentos em sala aula para que os
alunos avaliem seu trabalho e por meio dessa reflexão ampliar sua competência. Entretanto,
não acredita que esses alunos tenham maturidade para avaliar seu trabalho como podemos
observar no excerto da entrevista realizada em 23/03/2004 transcrita a seguir.
01 PG: Você pede para seus alunos avaliarem seu trabalho?
02 P2: Não! Falha, né?
03 PG: Por que?
04 P2: Sinceramente... no passado já fiz muito isso... já fiz em algumas ocasiões mas assim... no trabal
h
Como um todo... o que poderia ser melhorado... mas com os alunos que nós estamos trabalhand
o
alunos de 5
a
e 6
a
série que variam dos 09 aos 15 anos de idade... não sei que maturidade eles
têm para estarem avaliando alguma coisa...
Quanto à avaliação como elemento que pode propiciar a reflexão dos
profissionais em educação,
de acordo com
os PCN,
A avaliação subsidia o professor com elementos para uma reflexão contínua
sobre a sua prática, sobre a criação de novos instrumentos de trabalho e a
retomada de aspectos que devem ser revistos, ajustados ou reconhecidos como
adequados para o processo de aprendizagem individual ou de todo o grupo.
Entretanto, para que a avaliação exerça a função de potencializadora de
reflexão ao invés de um mero instrumento de punição ou demonstração da autoridade do
171
professor, as regras e os critérios deverão ser discutidos amplamente com os alunos e outros
professores, a escola tem que destinar tempo nas reuniões pedagógicas e nas reuniões com
alunos e/ou pais de alunos não apenas para discutir a forma mais apropriada
de avaliar os
alunos, mas também refletirem coletivamente sobre como planejar as estratégias que
possibilitarão a aprendizagem do aluno e sobre quais recursos permitirão alcançar as metas
estabelecidas.
3.27 O desenvolvimento da CC de P1 e P2.
No gráfico nº 5, faremos uma análise contrastiva sobre a influência de alguns
elementos no desenvolvimento da competência comunicacional de ‘P1’ e ‘P2’. Observamos
que P1 considera a interação com outros professores como elemento relevante para o
desenvolvimento dessa competência, ao passo que P2 não considera este aspecto tão
significativo. Talvez porque ao observarmos P1 e P2 durante os horários de coordenação,
verificamos que P1 sempre coordena ou em grupos ou em dupla, trocando experiências,
conversando na língua-alvo e às vezes dando seminários para outros colegas na língua-alvo.
Por outro lado, P2 coordena na maioria das vezes individualmente e quase sempre na língua
mãe, talvez porque P2 demonstra ser mais tímida, reservada e um continuum de
competência comunicacional menos desenvolvido do que o de P1.
A formação pessoal tem exercido pouca influência no desenvolvimento dessa
competência tanto para P1 quanto para P2. Observamos os efeitos do pouco investimento
por parte desses sujeitos nesta área ao constatarmos não exploração dos elementos estéticos
em sala de aula, a pouca contribuição dos sujeitos para enriquecer culturalmente e
politicamente os alunos, assim como a quase inexistência oportunizada em sala de aula para
aguçar a sensibilidade, a reflexão, a crítica, a afetividade e a curiosidade dos alunos.
172
Contribuição de diferentes "meios" para o desenvolvimento
da competência comunicacional de P1 e P2
10
11
66
11
12
10
6
10
1
13 13
11
7
Formação inicial e
continua
Aprendizagem pela
ação, reflexão e
pesquisa
Formação pessoal Interações com outros
profissionais
Experiência Conhecimento teórico Recursos materiais
Gráfico 5 – Contribuição de diferentes ‘meios’ para o desenvolvimento da CC de P1 e
P2.
Legenda:
P1
P2
A formação pessoal, embora não tenha se sobressaído como elemento que
contribui para o desenvolvimento dessa competência tanto para P1 como para P2, talvez
possa ampliar o seu continuum e contribuir no desenvolvimento da competência como um
todo se houver um investimento maior por parte dos sujeitos em buscar enriquecer-se
culturalmente, participando de eventos culturais, filmes e/ou da leitura de obras literárias.
Assim, quanto à nossa pergunta de pesquisa ‘como professores de Inglês - não-
nativos - desenvolvem sua competência comunicacional?’, observamos que algumas
oportunidades são desperdiçadas: o horário de projeto pedagógico, dialogar com outros
professores na língua-alvo durante o horário de coordenação, investir na formação pessoal,
participar de eventos culturais e explorar a interação com outros profissionais. Por outro
lado, o fato de um item, componente ou competência se manifestar – no parecer dos
sujeitos dessa pesquisa – como mais pertinente do que outro não significa que um seja mais
relevante do que outro, mas que os esforços dos sujeitos têm priorizado o desenvolvimento
da CC de acordo com a disponibilidade de tempo, financeira e interesses pessoais.
173
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, não devemos principiar necessariamente nossa tarefa de ensino (ou do
planejamento de curso e escolha de materiais que lhe são anteriores) com um
roteiro de pontos gramaticais, mas mais provavelmente com aspectos
comunicacionais associados ao uso da língua que por sua vez, implicam certas
escolhas gramaticais e lexicais (de forma, portanto). (Almeida Filho, 2005, p. 41)
Não nos preocupamos em propor técnicas ou fórmulas prontas aos problemas
que norteiam a formação ou atuação profissional do professor de línguas. As sugestões
apresentadas surgiram como uma necessidade de contribuir para viabilizar a transposição
da teoria para uma práxis do professor de LE em sala de aula. Buscamos, ainda, analisar
como as teorias e noções que tratam da competência lingüística (Chomsky), comunicativa
(Hymes, 1972), e lingüístico-comunicativa (Almeida Filho, 1998) contribuíram para uma
noção de competência voltada para uma abordagem comunicacional e clarear o caminho
daqueles que têm a difícil tarefa de formar professores, para que saibam desempenhar sua
função com bom senso interno (ou senso de plausibilidade conforme propõe Prabhu, 1988).
A articulação entre as competências lingüística e comunicativa e uma noção
comunicacional de competência implicam um compromisso social de longo prazo, ao
contrário de modelos eficientistas. Acredita-se que uma competência de linguagem deve ser
compreedida não apenas em termos de sua função na/para a sociedade, mas também em
termos de seu significado para cada sujeito. Trata-se da adaptação da linguagem ao sujeito
e não apenas da adaptação do sujeito à linguagem. Não concebemos um modelo de
competência comunicacional que seja construído ou desenvolvido sem ou contra os
sujeitos. Assim, a construção da competência lingüístico-comunicativa como uma
competência comunicacional, busca uma configuração de competência que aproxime a
linguagem do sujeito. O objetivo da linguagem deve ser a máxima realização do sujeito
como cidadão humano e criticamente emancipado.
O modelo de formação profissional que propomos aos lingüistas aplicados
difere dos modelos taylorista/fordista e toyotista no sentido de não ignorar aspectos
humanos que são inerentes a cada indivíduo, como o afeto, as crenças, os desejos, as
atitudes, diferenças biológicas, psicológicas, etc. Assim, a proposta de formação que
174
propomos, difere também das demais por compreender a competência não como um fim em
si, mas como um meio para auxiliar o estudante ou profissional a desenvolver suas
potencialidades de maneira holística e menos fragmentada. Em outras palavras, não
focalizamos nossos estudos na formação para competências, mas sim na formação por
competências, como ilustra a tabela a seguir:
Sugestão de concepção de formação de professores de LÍnguas
para a Lingüística Aplicada
Modelo
De
Competência
Lingüístico-comunicativa / Comunicacional
Matriz
Crítico-emancipatória
Papéis
Sujeito; Instigador; Dinamizador; Humanizador; Negociador; Mediador;
Polemizador; capacitador.
Função
Coordenar ações; prever-reagir a acontecimentos; superar limitações.
Saberes
Necessários
Saber-ser-fazer-agir-saber-prever; ser ético, político, estético.
Atitude
Respeitar as diferenças; fazer o uso crítico da linguagem; buscar ocasiões de
uso da língua-alvo.
Para
identificar a
Competência
Identificar no sujeito a capacidade de utilizar a linguagem para participar
ativamente da interação que se tece ao seu redor: argüindo, contestando,
concordando, etc.
Forma de ação
Reflexão-negociação-comunicação-conscientização; dialética; dialógica;
resiliente.
Objetivos
Não visa a finalização da tarefa ou comunicação, mas manter a comunicação
que chega a termo e a promover o seu desenvolvimento.
Tabela 6 – Sugestão de uma concepção de professores de LE
Acreditamos que os lingüistas aplicados como cientistas da linguagem
preocupados, entre outros temas, com o processo de ensino/aprendizagem/aquisição de
linguagem humana, são capazes de configurar os saberes e as competências voltadas para a
realidade profissional dos professores de línguas. Tal configuração de saberes e
competências deve considerar tanto o desenvolvimento de aspectos cognitivos, afetivos,
políticos, pragmáticos e sociais/funcionais no ensino/aprendizagem de LE quanto a
importância de promover a reflexão durante todo este processo (figura 3.0.).
175
Trilhar pelo caminho de uma abordagem comunicacional é optar por uma
jornada difícil, pois somos filhos de um tempo que ainda fragmenta o pensar e o atuar, no
dizer de Egar Morin (2003), mas que oferece uma visão ampla e complexa do processo de
ensino/aprendizagem de LE. Toda mudança de paradigmas representa, muitas vezes, um
processo lento e doloroso, pois é preciso, além do conhecimento e do desejo, coragem para
compreender que erros deverão acontecer e poderemos não saber lê-los e nem como lidar
com eles.
Deixar a segurança do porto com o qual estamos acostumados e estarmos
dispostos a navegar por mares pouco explorados requer além do desejo de experimentar o
novo e dispor de competências necessárias, disposição para enfrentar as adversidades,
paciência para se obterem os resultados, ousadia para romper com rotinas e engenho para
fazer ajustes além de que forem necessários e humildade para reconhecer enganos.
A interação social que busca a lingüística aplicada não se conforma com esta
em que estamos inseridos hoje: excludente, competitiva, que favorece a dominação de uns
sobre outros e sem causar aos primeiros nenhum sentimento de afetividade e inquietude,
onde os saberes e o conhecimento deixam de ser expressões do vivido para se
transformarem em expressão do aprendido, valendo-se do conhecimento elaborado,
cristalizado, lacrado, sistematizado e selecionado criteriosamente. Na realidade, ela busca o
oposto de tudo isto.
Conscientizar-se da importância de utilizar a interação social para potencializar
o desenvolvimento pessoal e coletivo não significa abandonarmos a forma, os conteúdos
programáticos e os mediadores instrumentais (Vygotsky, 1991) e incorporarmos à nossa
prática somente uma abordagem que objetive a formação de falantes-escreventes sem a
preocupação do que, como, quando dizer ou não dizer (Hymes, 1972).
Chomsky (1966), Hymes (1972), Wilkins (1976), Widdowson (1991), e vários
outros pesquisadores têm contribuído para avanços na área de ensino/aprendizagem de
línguas. Entretanto, isto não implica ficarmos estagnados em décadas passadas, nos
acomodarmos e ignorarmos o fato de que como profissionais devemos ter a
responsabilidade e o compromisso de contribuirmos para a renovação e reflexão das ações
176
pedagógicas praticadas em sala de aula. É preciso continuar caminhando, mas com
plausibilidade. O tempo atual apresenta novas complexidades que exigem maneiras
alternativas para superar os desafios de
ensino em uma sociedade em processo de
globalização e avanços tecnológicos, mas que ainda carece de desenvolver um espírito
crítico e sensível diante do contexto em que vivemos.
O caminho das competências compreendido na matriz proposta por Almeida
Filho (1998) em uma perspectiva comunicacional aponta para a aproximação da linguagem
com o sujeito em sala de aula. Entretanto, é necessário que durante o processo de
aprendizagem/aquisição de um idioma, mentes sejam tocadas, que espíritos sejam
acordados e que sentidos sejam provocados ou, como diz Edgar Morin, é preciso ‘ensinar a
condição humana’ (2003, pp. 47-61).
Não propomos outro modelo de competência lingüístico-comunicativa, mas que
os ‘olhares’ voltados para a formação docente devam ser sempre para o presente, sem
excluir o passado e ponderando sobre o futuro.
Temos consciência de que este modelo que discutimos trata de uma proposta
embrionária, uma vez que ainda há muito que aprender sobre ele. Concentrar esforços na
aproximação ou no amálgama entre a competência lingüística e a comunicativa formando,
assim, sujeitos comunicacionalmente competentes, está em congruência com as
necessidades do ser humano frente às incertezas e complexidades do século em que está
inserido, pois conforme Edgar Morin “conhecer o humano é, antes de mais nada, situá-lo
no universo (e numa língua acrescentamos), e não separá-lo dele” (Morin, p. 2003, 47).
177
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ANEXO I - Glossário Das Competências/Sub-competências e Componentes
Mencionadas Nessa Dissertação
1. Competência Aplicada – De acordo com Almeida Filho apud Alvarenga (1999, p. 60-74),
é a capacidade do professor ensinar de acordo com o que sabe conscientemente (sub-
competência teórica), permitindo-lhe explicar com plausibilidade porque ensina da
maneira como ensina e porque obtém os resultados que obtém. (id. Ibid., p. 60)
2. Competência comunicacional – É a capacidade de circular com autonomia na língua-alvo
produzindo e compreendendo insumo de qualidade para a comunicação e para a formação
do sujeito como agente histórico e transformador.
3. Competência comunicativa – É a capacidade do sujeito circular na língua-alvo
apropriadamente em diversos contextos sociais de comunicação humana. “As capacidades de
uma pessoa que dependem tanto de conhecimento [tácito] –‘usage’- (conhecimento
gramatical) quanto de uso – [habilidade para] - ‘use’ (conhecimento do contexto)”. Hymes
(1972, p. 282).
4. Competência Discursiva – De acordo com Celce-Murcia (1995 apud Brito pg. 30-32),
esta consiste no conhecimento da seleção, seqüência e organização de palavras,
estruturas, sentenças e expressões para alcançar uma unidade de texto falado ou
escrito. Está ligada diretamente ao componente gramatical, entretanto, neste nível o
aprendiz pode extrapolar o nível da sentença para alcançar o discurso. É a
competência central – o discurso. Nela os demais componentes se encontram e se
realizam. É onde se fundem as estratégias de ‘top down’ (intenções, conhecimento
prévio) com as de ‘bottom up’ (léxico, recursos coesivos...) Se esta intenção for bem
sucedida, o aluno produzirá um texto coerente, oral ou escrito (Basso, 2001).
5. Competência Estética – É a capacidade de mobilizarmos sincreticamente sentimentos,
atitudes, percepções a fim de reconhecermos uma palavra, frase ou discurso como belo ou
feio. É a capacidade de metaforizar, significar e codificar símbolos concretos em abstratos
e vice versa (palavras em imagens e vice versa) a fim de produzir, construir, compreender
e (re) significar sentidos na língua alvo (ex. através de metáforas, da oratória).
195
7. Componente fonológico – capacita os falantes a atribuírem interpretações fonéticas a
sentenças, isto é, competência fonológica permite que os falantes produzam e
discriminem aqueles aspectos fonéticos dos rios da fala que são semanticamente vazios
mas criteriosos. Então, por exemplo, na sentença the ship is here, os falantes nativos de
Inglês interpretarão a vogal em ship (navio) como / i /. Imaginemos, entretanto, um
falante que tem um domínio perfeito da sintaxe em Inglês nenhum conhecimento da
fonologia do Inglês (por exemplo, um falante de Português ou Espanhol que aprendeu
Inglês através de leitura mas nunca ouviu alguém falar este idioma). Ele provavelmente
seria capaz de fornecer uma descrição sintática a esta sentença: ele saberia, por exemplo,
que as sentenças the ship is here e the sheep is here são estruturalmente idênticas mas não
saberia distinguir as duas sentenças sem uma pista contextual porque ele não saberia
distinguir entre o que ouviu se foi /I/ ou /i/ - distinção esta que é natural para falantes
nativos de Inglês mas não para falantes de Espanhol ou Português.
8. Competência formulaica – É a capacidade de usar padrões de sentenças, palavras ou de
estruturas discretas. Essa competência inclui a habilidade de utilizar clichês, palavras
multifuncionais, frases lexicais associadas a atos de fala (eg. How are you? Nice to meet
you! Hello!). Esta concebe o uso da língua como a ativação de conjuntos lexicais, de
rotinas pré-fabricadas, estruturas e palavras associadas a funções pragmáticas (Celce-
Murcia apud Brito pg. 30, 1999).
9. Componente gramatical – capacita o domínio do código lingüístico, a habilidade de
reconhecer os termos lexicais, morfológicos, sintáticos e fonológicos de uma língua e
manipulá-lo para formar palavras e sentenças. (Santos 2002, pg. 38).É o sistema
abstrato da língua alvo e encontra-se estritamente ligado ao nível da sentença,
implicando no conhecimento da sintaxe, morfologia e da LE.(Matias, 2002).
10. Competência implícita – De acordo com Almeida Filho apud Alvarenga (1999: 60-
74), (...) corresponde às disposições do professor para ensinar das formas que ensina
habitualmente. Essa competência tem como base as instituições, crenças e
experiências anteriores vivenciadas pelo professor enquanto aluno e professor
196
oriundas da história de vida particular de cada professor, da tradição cultural vigente
em cada região, país, etnia ou mesmo grupo familiar. (id. Ibid., pg. 74)
11. Componente lexical – Capacita a seleção, combinação, mobilização e integralização
de palavras a sentenças de acordo com o sistema sintático da língua alvo; estas
sentenças por sua vez são combinadas em elocuções. (ver Jakobson, Roman & Morris
Halle p. 69).
12. Competência Lingüística – A capacidade de produzir sentenças com acuidade. Esta
competência potencializa conhecimentos sobre a língua, do sistema lingüístico,
conhece e receita regras gramaticais e socioculturais e generalizações. No entanto,
nem sempre é capaz de fazer uso da língua em contextos diversos. Capacita também a
organizar a língua gramaticalmente (implícita ou explicitamente, oralmente ou por
escrito) de modo a ser reconhecida como amostras reais da mesma.
13.
Competência lingüístico-comunicativa – “(...) a capacidade de produzir linguagem em
contextos de uso e comunicação, insumo de qualidade para que os seus alunos tenham isso
como insumo útil para produzir competência eles mesmos”. Almeida Filho (apud Alvarenga
1999, p. 68).
14. Competência lingüístico-comunicacional - É a capacidade do sujeito circular com
autonomia na língua-alvo por meio da criação/compreensão crítica de linguagem
humana de insumo de qualidade para comunicar-se e dialogar em contextos múltiplos
de interação, assim como promover a formação e a educação do sujeito como agente
histórico e transformador.
15. Componente Lúdico – É a capacidade de criar ou recriar, dimensionar ou
redimensionar signos (ex. neologismos, gírias, frases célebres, sarcasmos, conotações
particulares dadas a um determinado termo, adaptação de termos estrangeiros) a fim de
potencializar o uso da língua em contextos específicos. A pouca competência lúdica pode
ser um dos motivos pelos quais pessoas não nativas têm certa dificuldade em compreender
piadas, poesias ou textos literários em geral.
197
16. Competência metacomunicativa – Capacidade de falar sobre as regras lingüísticas e de
uso na nova língua.
17. Competência metalingüística – A capacidade de falar nomes, reconhecer e definir
termos, recitar regras gramaticais e socioculturais.
18. Componentes Paralingüísticos - Compreende os aspectos não verbais usados na
comunicação face-a-face, como a linguagem corporal (gestos, expressões faciais e
corporais, distância, silêncio que facilitam a compreensão) (Cele-Murcia 1995- apud
Brito, pg.30).
19. Competência Profissional – De acordo com Almeida Filho apud Alvarenga (1999: 60-
74), (...) Ancora-se no sentido de responsabilidade, no sentido de valia que o professor
tem de si mesmo, no que representa ser professor, nos deveres do professor, na
responsabilidade social que ele tem, na responsabilidade para consigo mesmo. Essa
competência se manifesta, por exemplo, quando um professor vai buscar ocasiões de
estudar, quando vai a congressos, quando busca mais especialização, enfim quando
toma conta de si no plano profissional. (id. Ibid. 70)
20. Componente Sintático – Capacita os usuários a designarem descrições estruturais a
sentenças. Conhecimento do componente sintático nos capacita a distinguir sentenças
gramaticais em Inglês, por exemplo, the girl is playing the piano, de sentenças não
gramaticais em Inglês, por exemplo, the is piano playing girl the. Conhecimento do
componente sintático também nos capacita a identificar duas sentenças com estruturas
idênticas. Por exemplo, concordamos que a sentença the boy is here e the girl is here são
estruturalmente idênticas, ao passo que também concordamos que as sentenças the boy is
here e Is the boy here? Não são idênticas estruturalmente. Conhecimento da sintaxe
também nos capacita a identificar sentenças ambíguas, assim como concordamos que, por
exemplo, a sentença he likes entertaining girls tem duas interpretações sintáticas ( a. Ele
gosta de entreter garotas b. Ele gosta de garotas que são entretidas (Moura 2004).
21. Competência Sócio-cultural / Sociolingüística –É o conhecimento do falante de como
se expressar de forma apropriada em um contexto social e cultural comunicativo. O
198
domínio das regras sócio-culturais da língua e do discurso, requerendo, portanto, o
conhecimento do contexto social no qual a língua é usada e da cultura dos falantes
daquela língua. Envolve aspectos de polidez, formalidade, informalidade, metáforas,
registros e outros aspectos relativos à cultura.
22. Competência teórica – De acordo com Almeida Filho apud Alvarenga (1999: 60-74), é
aquela que vamos buscando nos escritos, nos resultados de pesquisa de outros e que o
professor já articula, de maneira que aquilo que ele faz vai ficando mais próximo daquilo
que já sabe, que leu e que já sabe articular. A capacidade do professor de articular teorias
pessoais (informais) com teorias formais estudadas, é a base fundamental da competência
aplicada tão desejada. (id. Ibid., pg. 62).
23. Componente textual – É o resultado do conhecimento das convenções que unem as
expressões de um texto escrito ou falado, estruturado por regras de coesão e organização
retórica (Brito, pg. 32) fundamental de um texto (Bachmann, 1990), as relações contextuais
ou metalingüísticas (Daval & Weiziman, 1987) extabelecidas intratextualmente, a coerência
deste com o contexto (Marcushi, 1994), com o mundo, ou ainda os elementos coesivos deste
texto (Koch, 1997). É a competência relacionada ao sistema abstrato da língua. Compreende
os elementos básicos da língua necessários para realizar a comunicação oral e/ ou escrita.
(Basso, 2000).
24. Sub-competência – De acordo com Almeida Filho (2005), por sub-competência
entende-se uma competência que é fotalecedora de outra grande competência.
25. Competência Estratégica – envolve as estratégias utilizadas para compensar a falta ou
não domínio pleno do código lingüístico em questão, lapsos de memória. Tem a
função de sustentar ou manter a comunicação durante a interação (em uma conversa
ao telefone, por exemplo, é essencial que o ouvinte emita elocuções para demonstrar
interesse, empatia, compreensão, etc., pois não é possível utilizar a competência
paralingüística nesta situação). Esta competência proporciona maneiras de se alcançar
objetivos comunicativos.
199
26. Sub-competência ilocucionária – A capacidade de mobilizar atitudes, ações com o
objetivo de tornar concreto os atos ilocucionários. ex. as promessas, as ordens, os
pedidos, batismos, atos de prender alguém, etc. (Crystal, 2000)
27. Componente de uso – É a capacidade do falante de utilizar apropriadamente a língua
como instrumento para compreender e fazer-se compreendido através do falar, ouvir,
escrever, ler e interpretar com coerência coesão, e clareza. Permitindo assim, realizar
funções ilocucionárias de forma apropriada ao contexto (Brito pg. 31). Em outras
palavras, a capacidade do usuário lingüístico vivenciar seus atos de fala através da
comunicação. Esta competência capacita o usuário a expor com plausibilidade seus
pensamentos através da língua alvo.
28. Zona Semântica - O componente semântico capacita os usuários da língua a
interpretarem sentenças. Se, por exemplo, um falante soubesse só a sintaxe do Inglês,
ele saberia que as duas sentenças: the boy is here e the girl is here são estruturalmente
idênticas mas ele não saberia que as duas sentenças diferem de significado. Por outro
lado, o conhecimento de semântica capacita o usuário a dar diferentes interpretações
semânticas a sentenças que são estruturalmente idênticas. Reciprocamente, o
conhecimento de semântica também torna possível aos usuários da língua a atribuir as
mesmas interpretações a sentenças que são estruturalmente diferentes, por exemplo:
the boy hit the ball e the ball was hit by the boy. Alem disso, o conhecimento
semântico auxilia os usuários a identificarem anomalias linguisticas, por exemplo,
usuários proficientes de inglês identificariam como anômalo a famosa sentença de
Chomsky: colorless green ideas sleep furiously (idéias verdes descoloridas dormem
furiosamente), ou sentenças como: the table laughed (a mesa sorriu) e the dainty
elephant (o elefante delicado). Finalmente, o conhecimento da dimensão semântica
auxilia usuários da língua a detectar ambigüidades semânticas. Por exemplo, usuários
de Inglês poderiam atribuir duas interpretações semânticas à sentença: we saw the late
Mr. Smith. Ou seja, nós vimos o falecido Sr. Smith (late= falecido) ou, nós vimos o
atrasado do Sr. Smith (late=tardio).
200
ANEXO II - Da Coordenação ou Gerência Pedagógica
1
Art. 28. A coordenação ou gerência pedagógica tem por finalidade planejar,
orientar, acompanhar e avaliar as atividades didático-pedagógicas, a fim de orientar,
acompanhar e avaliar as atividades didático-pedagógicas, a fim de dar suporte ao projeto
educativo, promovendo ações que contribuam para a implementação do currículo em vigor
nas escolas públicas do Distrito Federal.
Parágrafo único. A coordenação ou gerência pedagógica está sob a
responsabilidade do Coordenador ou Gerente Pedagógico, designado de acordo com as
Normas de Coordenação Pedagógica da Secretaria de Educação/Fundação Educacional.
Art. 29. São atribuições do responsável pela Coordenação ou Gerência
Pedagógica:
I – participar da elaboração, implementação, monitoramento e avaliação da
Proposta Pedagógica da instituição de ensino;
II- facilitar o desempenho do grupo de professores, promovendo a
coordenação integrada, oportunizando a troca de experiências e a
interdisciplinaridade curricular.
III- implementar estratégia de recepção e orientação aos professores, quanto à
Proposta Pedagógica, às características das turmas, aos princípios de
convivência social e às rotinas da instituição de ensino;
IV- subsidiar o trabalho do professor por meio de textos, pesquisas,
reportagens e vídeos, auxiliando-o na escolha do material
Didático;
V- orientar e supervisionar a elaboração e o desenvolvimento do
planejamento docente nas fases de elaboração, execução e implementação;
VI- coordenar a realização de eventos pedagógicos;
VII- participar do Conselho de Classe ou da Comissão de Professores;
VIII- proporcionar integração entre professores, técnicos das Divisões Regionais
de Ensino e/ou dos Departamentos de Pedagogia, participando de reuniões
de interesse pedagógico;
IX- implementar, com os professores e alunos, os projetos pedagógicos da
escola;
1
Regimento Escolar das instituições de ensino da Rede Pública do DF. Brasília, 2000, p. 14-15.
201
X- participar de debates, seminários e leituras, e repassar conhecimentos e
informações aos professores;
XI- propor modelos alternativos de recuperação de aprendizagem;
XII- estimular o aperfeiçoamento continuado do professor;
XIII- elaborar relatórios das atividades desenvolvidas, com a participação dos
professores, estimulando a auto-avaliação da equipe e propondo soluções
alternativas para os problemas detectados.
202
ANEXO III – MODELO DE AVALIAÇÃO PARA A LEITURA DE LIVRO.
CHARACTERS I – Each sentence below is related to one of the people in the box. Write the appropriate
name down in the blank. (2 marks – 0.4 each)
a) She was a fat, motherly woman, with a red, happy face. The
doorkeeper of the Opera House.
b) He had blue eyes and black hair, and a wonderful smile. He was in
love with a famous opera singer.
c) The best singer in Paris at the beginning of the story.
d) Christine’s “angel of music”.
e) A tall man in a long dark coat and a black hat. He knew the ghost
very well.
II – All the passages below were extracted from the book. Read them carefully and write down the name
of the person who said each one. (1.5 points – 0.3 each)
1. ‘I can be a good friend, but a bad enemy’. __________________________________________
2. ‘And nothing is going to stop me singing Margarita tonight’. ___________________________
3. ‘Well, Raoul, remember she is only an opera singer. We know nothing about her family’.
___________________________
4. ‘He could do many clever things with ropes, and mirrors, and secret doors. He was so clever ... and so
ugly’. ___________________________
5. ‘No, Christine, no! You’re going to be my wife! Come away with me at once, today! You can’t
go back to him’. ____________________________________________________
PLOT - III - Write (T) TRUE or (F) False. (1.5 points – 0.3 each)
( ) Strange things happen in the Paris Opera House 1880.
( ) Christine and Raoul walk through the gardens together but they don’t speak to each other.
( ) The Opera House stay calm when the lights go out and Christine disappears from the stage.
( ) The ghost sends a letter to the new directors of the Open House and they get angry.
( ) Christine tells Raoul she spent five days in Erik’s house and that Erik wants to kill him.
‘THE PHANTOM OF THE OPERA’: BOOK ANALYSIS (10 MARKS)
TEACHER: ___________________________________ Date: ___/__/ ____.
STUDENT: ___________________________________ CLASS: _________
Annie Sorelli Monsieur Firmin Christine Daaé
Meg Giry Monsieur Armand Raoul Chagny
Joseph Buquet La Carlotta Philippe Chagny
Madame Giry The Persian Erik
203
SCENE - IV – The picture below shows how powerful and dangerous Eric was. Speak about this scene
giving details. (3 marks)
VOCABULARY - V – Choose the right word from the box according to its meaning. (2 marks – 0.2
each)
1. A piece of glass where you can see yourself.
2. A cover that you put over the face to hide it.
3. A very big, beautiful light, which has lots of little lights in it.
4. A play in a theatre which has singing and music.
5. A place or thing that is dark because there is something between it and the light.
6. Fall or hit something hard and noisily.
7. To speak very, very quietly.
8. To look at someone or something for a long time.
9. The part of a theater where actors, singers, and dancers stand and move.
10 Someone who is stupid.
“LIFE IS LIKE A SONG WE SING – SING IT CAREFULLY NOT TO
MISS THE TUNE.”
C:\Meus documentos\Coord\Inglês\2000\B5\2000BAB5 - THE PHANTOM OF THE OPERA.doc
ANEXO IV – SUGESTÃO DE ATIVIDADES COMUNICACIONAIS
crash doorkeeper lake Opera stare
stage Chandelier joke Shadow fool
whisper scream mirror Mask
204
A. Look at the photos below and then reflect on the questions about these famous women:
II. Now, discuss with the whole class the following questions:
a) Which ones do you know? What do you know about them? Why are they famous? Are all of them famous
for doing relevant actions for society? Have any of them become famous for doing things you consider
irrelevant for society? Who? Why do you think so? Which one do you admire the most ? The least? Why?
III. Choose a partner and discuss the following:
a) What do you know about Women’s Day? When is it celebrated? How did it start?
b) What’s the relevance of this date? Why?
c) Is there any woman from your country which you admire? Who? Why?
d) Do you think it’s harder to be a man or a woman? Why?
e) How, do you think, you would feel if you were of the opposite Sex? Why?
f) Do you usually celebrate Women’s Day? How? Dou send messages, chocolates or anything else to women
you know? How about people at your workplace/school, do they celebrate it?
g) Do you think there should be a Men’s Day? Why?
IV. Read poems ‘A’ and ‘B’ and then discuss with your classmates the following aspects:
a) What are the advantages / disavantages of being a woman?
b) Are men and women treated equally in our society? Why?
c) Are men and women physically, psychologically and mentally the same?
d) Do you agree with what the poem says about women?
e) Do you agree with what the song says about women?
f) What can be done to improve women’s: a) standard of living b) health c)education?
g) Are women and men valued the same way?
h) Do you think men still treat women as second class citizens?
c) a) b) d)
PICTALKING Nº 1: ‘WOMEN’S DAY’. DATE: ___/___/___
TEACHER: ___________________________________________________
STUDENT: _____________________________CLASS: _______________
205
V. Glue, draw or try to describe, briefly, a woman close to you which you admire:
BEING WOMEN
(G. A. M)
women aren’t born,
They’re forged into one...
To be a woman,
Gather men’s deepest will,
Match all their deeds,
Pursue the courage of a hungry beast
And get ready to overcome
Life’s challenges that often comes disguised
in colorful curtains but hides a routine,
Although pain might be your shadow
And life’s cycle makes your womb tremble,
You´re destined to inspire the weary
And strengthen the weak,
To rise among the noblest creatures,
To breed hope and fulfill the dullness of a
day with the grace of your presence,
And lit the sparkle that glows
Within all champions...
BEING A WOMAN
(By:_____________________)
Being a woman is
____________________________,
____________________________,
and _________________________
You need to ____________________,
_____________________________.
And __________________________
So, on Women’s Day, don’t forget to
_____________________________,
____________________________.
And ________________________.
___________________________________
___________________________________
_______________________
206
VI. Think about these questions: What makes this woman admirable? What do you know about her?
What would you like to say to her? What would you like to give her on this day? If you had to choose an
object, a word, a place, plant or animal to represent this person, what would you choose? Why?
VIII. Number the cartoons below according to sequence which you judge logical and appropriate.
Secondly, write the captions for the balloons. Thirdly, decide on an end for the story. Finally, write a brief
summary of the whole story.
IX. Now, decide on an end for this story and then draw this end in the box below:
X. Check if you know all the words in the box below and then look up the ones you don’t
know in the dictionary. Also, elicit other words you can think of related to the topic ‘women’:
Outstanding mature overcome outsmart charm sensual elegant competence burden self-
assured potential instinct chauvinist / chauvinism
sensitive potential self-steem self-
p
it tease rape moody sexually harassed sacrifice stand fo
r
feminism delicate deal with emotional fragile single mother self respect determined rational
stand for compete wicked humble sexy daring ingenuous naughty to value yourself
207
I. First of all, discuss the following points with your classmates:
a) Have you ever voted on a candidate without knowing anything about his past experience, political
engagement, accomplishments, real interests? Why? Do you think this is the appropriate thing to do? Why?
b) Do you usually find it easy or hard to make decisions? Why? What sort of knowledge is important when
making decisions?
c) What is the hardest choice you have had to make? Why?
d) From what age on do you think people should be considered responsible for the decisions they make?
Why? Do you think people who are 14 years old should be allowed to vote? At what age people should be
allowed to vote? Why?
e) How can we find the truth about a candidate’s past reputation as a public figure or as a common citizen?
f) Do you think the information given on a candidate through the media only, represents a reliable source of
information? Why?
g) Have you ever voted on a candidate just because someone told you to? Is this the right thing to do?
h) What do you understand by the term ‘conscious voting’?
i) Do you usually do some previous research on your candidate? How?
j) How can we avoid voting on corrupt politicians?
k) What qualities a candidate running for governor / deputy / senator must have in order to do a good
administration?
l) Why, in your opinion, we have never had a woman, afro Brazilian or Indian president?
m) Do you think it’s ethical to vote on a candidate just because he/she offered something in return? Have you
ever voted on a candidate for reasons considered not ethical? How did you feel?
II. Take a look at the words in the box below and check in the dictionary the ones you don’t know. After, think
of other words that might be connected to the topic ‘elections’:
III. Look at the following cartoon and then number the sequence in a logical order. Secondly,
write the captions for the balloons. Thirdly, write a story based on the cartoon, you may use
the following words in the box to help you:
Election dishonest greedy ambitious conscience run for: president,
senator, deputy or governor corrupt deceive bribery poll ballo
t
campaign propaganda deceive take advantage ambitious win vote
lie power pretend intend aware loathe speech
Pictalking Nº 2: POLITICS” DATE: ___/____/____
TEACHER: __________________________________________ ___________________________________
Student: __________________________________________________________________
208
IV. Now, decide on an end for this story and then draw it inside the box below:
V. Finally, think of a tittle for the story, for example:
a) Voting Right b) A Vote Can Change the World c) Elections and me e) Another:
VII. Now, write the summary of the WHOLE story:
VIII. After LISTENING and COMPLETING the lyrics of the song ‘She’, READ the
following text on elections and then DISCUSS the proposed questions with your classmates:
If I am
elected I
Will...
209
1. Is there any relation between the lyrics and the second text? If you you were elected as a governor,
what would you do to improve the quality of life of people like the woman in the song?
2. How are the government officials chosen in your country? Do you think this method is fair?
3. How interested are you in politics? Why?
4. Tell us about an important political event in your country’s recent history.
5. Tell us about a political figure you admire. Why?
6. How much does a politician’s personal life affect his/her ability to do a proper job?
7. Why do you think the media pays so much attention to politicians’ personal lives?
8. What do you think is the most important political issue at the moment? Why is it important?
9. Would you vote on a candidate who declared himsel/herself gay, atheist, nazi, communist or liberal but
notorious for his/her competence in past city’s administration?
IX. Discuss with your classmates the following questions:
SONG: She (Phil Collins)
She calls out to the man on the ___
‘Sir, _____________you help me?
Its cold and I’ve nowhere to _____
Is there somewhere you can __me?
He walks on, doesn’t_____ back
He pretends he can’t ________her
Starts to whistle as he crosses the_
__________embarassed to be there
Chorus
Oh, think twice
‘Cause it’s another day for you and
me in Paradise
Just think about it
She calls out to the man on the ___
He can see she’s been__________
She’s got blisters on the soles of
her_________________________
She can’t _______but she’s trying
Chorus
Oh Lord, is there nothing more___
Can do?
Oh Lord, there must be something
you can______________________
You can tell from the lines on her_
You can see that she’s been______
Probably been moved on from
every_______________________
‘Cause she didn’t fit in_________
Chorus
(seat / street )
(could / can)
(sleep / stay)
(tell / show)
(look / go)
(see / hear)
(road / street)
(Seems/Feels)
(street / seat)
(crying /flying
(foot / feet)
(talk / walk)
anybody /
anyone
(say / do)
(face / hands)
(here / there)
(town / place)
(here / there)
This Year’s Elections
Television, radio and newspapers have
disseminated the ideas of public opinion as if they
were the people’s opinion. They have complained
about the governments, about corruption, about the
lack of solutions and then propose solutions fo
r
about just everything. Capital punishment fo
r
criminals, dismiss public servants, lower prices
charged by large private companies and ensure
government austerity measures. Newspapers write
what the public wants to read and the public wants to
read what newspapers write.
During the campaign, everything that candidates
say is guided by public opinion polls. And the polls
ask the public what they want the candidates to say.
Public opinion tends to be totalitarian. It prohibits
some topics and sanctifies others. All candidates are
in favor of savings and stability. All of them loathe
public spending, public servants, public deficit.
On this year’s election, all candidates running
for public office will loathe all things public. But are
they really committed to the public or to themselves?
Who changes public opinion? Whose opinion is
public opinion? Certainly not mine, for they have
never knocked at my door to hear me.
Public opinion may be racist today, nationalistic
tomorrow, and then revolutionary or fascists. Who
would dare to defend the public deficit today, the
j
ews in 1923, the homossexuals some time ago, the
afghan and the muslins after September 11
th
?
Without a shepherd we are a herd. We sometimes
run in one direction, trying to escape the lion tha
t
emerges from the woods. How can we expec
t
critical voters if one’s education is not critical?
210
a) When do we use the SIMPLE PAST? And the PRESENT PERFECT when it’s appropriate to use each verb
tense?
b) How the SIMPLE PAST is formed? And the PRESENT PERFECT?
c) Can the use of the SIMPLE PAST instead of the PRESENT PERFECT sometimes change the meaning of a
sentence? When? Can you give an example?
Is there any difference in meaning between the following sentences? If yes, what?
a) Beethoven has been a great composer.
b) Beethoven was a great composer.
c) I’ve drunk coffee today.
d) I drank coffee today.
e) He lost his keys.
f) He’s lost his keys.
X. Read the following report comparing the perfomance of the administration of two presidents. As you read, try
to fill in the gaps with the appropriate verb tense. Complete with the SIMPLE PAST or
the PRESENT
PERFECT. Pay attention to the whole context in which the verb tense is used in order to answer.
‘OUR’ PRESIDENT: NOW and THEN
Durango, our present president, 1. ________________________ ( to celebrate) his 4
th
anniversary as
our president last Sunday with plenty fireworks and a great feast. He 2. ___________________ (to
become) our president in 2005. In 4 years, he 3. _____________________ (to make) the people of ou
r
country the richest and strongest in the planet.
Bribe, the former president, 4. ___________________ (to be) our president for 12 years. He 5.
_
_______________ (to make) our country very weak and poor. Bribe 6. ______________________ (to
take) money from the people and
7. ___________________ (to become) rich. There 8. ___________________ ( neg. / to be) enough food.
Many
hospitals ____________________ 9. ( to close). Armies from other countries often 10.
_
_______________________
(to come) and 11. ____________________ (to fight) us.
Durango 12. _________________ (to change) all our lives. Since 2005, we 13. __________________
_
(to have)
The biggest army on earth. No one 14. ___________________ (to attack) our country since 2005. Since
2005, there
15. ____________________ (to be) enough food, education and job for everyone. Durango 16.
_
________________
(to build) 45 new hospitals. Crime 17. ___________________ (to fall) by 35% (per cent). Now we are
among the most developed countries. Our standard of living has improves and we produce the most
advanced technology. In the last four years, the government 18. ____________________ ( to connect)
every house to
the internet. We can now communicate with each other whenever we like and in private.
Bribe, 19. ___________________ (neg. / allow) people to communicate. Everyone 20.
_
___________________ (to be ) afraid then.
Durango 21. __________________ (to be) our president for four years. Now we are free. Long live
Durango!!
211
I - First, in groups of three or four, discuss the following points:
a) Have you ever had to choose between something you had to do and something you wanted
to do? Which one did you choose? Was it the best choice?
b) Do you usually find it easy or hard to make decisions? Why?
c) What is the hardest choice you have had to make? Why?
b) From what age on do you think people should be considered responsible for the decisions they make? Why?
I- Look at the following cartoon and then number the sequence in a logical order.
Secondly, write the captions for the balloons. Thirdly, write a story based on the
cartoon, you may use the following words in the box to help you:
III- Now, decide on an end for this story
while meanwhile invite basketball soccer study ring (verb) answer
Math Geography Biology History Chemistry Physics concentrate
p
refer suggestion busy apologize insist choose
Will this exam
tomorrow be
easy?
TRIMM!!
HELLO!
Pictalking Nº 4: CHOICES: “Choosing Between What’s Ethical and What’s Moral”
TEACHER: _____________________________________ DATE: ___/___/ _____
STUDENT: ________________________________________________________
212
II- Finally, think of a a tittle for the story, for example:
a) Being Honest b) A Day in My Life c) A Hard Choice e) Another: ‘________________________’
III- Now, draw the end of your story in the box below:
V- Write the summary of the WHOLE story on the following lines:
213
ANEXO V – QUESTIONÁRIO I: TEACHER’S PROFILE
Dear teacher,
This questionnaire’s purpose is to obtain some information on the English
teacher’s education and linguistic-communicative competence. We would like to inform you
that your identity as well as your institution’s name will be preserved and kept in secret. We
do hope that this research may contribute for the general improvement of this school
community .
Please, read and answer the questions below according to your opinion. You have
15 minutes to fill it out. We thank you for your precious collaboration.
N
ame: _____________________________________________________ Date: ____/_____/______.
Birth Date: _____/____/_____. Sex: F ( ) M ( )
Education : High shcool ( ) Master ( ) Completed ( ) Incomplete ( ) Other:____________
Courses attended related to your job:___________________________________________________
Other Languages : ________________________( ) Read ( ) Write ( ) Speak ( ) Listen
Profession:________________________ Other occupations: _______________________________.
How long have you been a teacher? ___________. Do you intend to keep on being a teacher? Why?
Your working hours: 20 hours ( )40 hours ( )60 hours. Why?_____________________________
Why did you decide to become a teacher? _______________________________________________
Time reserved for doing activities in English: ( ) Listening ( )Speaking ( )Writing
( )Reading Why?_________________________________________________________________
Are there other sort of activities that you do on your daily basis involving English? ( )
Yes ( ) No What?________________________________________________________________
Have you ever been to/ lived in an English speaking country? ( )Yes ( ) No
Which country (ies) for how long and for what purpose?____________________________________
_
________________________________________________________________________________
Where did you study English? ________________________________ For How long?____________
What sort of suggestions do you usually give your students on how to improve their English?
_
________________________________________________________________________________
214
ANEXO VI – ENTREVISTA (Realizada em 14/05/2004).
1. O que você entende por competência comunicacional?
2. Você já leu, estudou ou ouviu algo sobre esse termo?
3. Então como você chegou a essa definição?
4. Bom. Grosso modo, por competência comunicacional entendemos a capacidade do sujeito
expressar-se ou comunicar-se na língua alvo assumindo seu papel como sujeito que age sobre
o meio em que atua por meio da linguagem e é capaz não apenas de produzir insumo
compreensível na língua alvo, mas de também expressar o que pensa e sente por meio da
linguagem e de compreender insumos de qualidade produzidos por outros sujeitos.
5. Quais elementos você julga ter contribuído para o desenvolvimento dessa competência no
seu dia a dia?
6. O que tem dificultado ou contribuído muito pouco para o desenvolvimento dessa
competência para você?
29. Como a coordenação pedagógica tem contribuído para uma atuação mais crítica sua
como profissional de ensino de Língua Estrangeira, para a reflexão sobre a atuação
profissional e para promover interações e/ou discussões dialógicas?
30. Você costuma elaborar atividades que propiciam a discussão sobre valores,
problematizações, ou dilemas? Como? Com que freqüência? Por que? Com quais
objetivos? Quais os resultados observados dessa prática?
8. Você considera a atuação da coordenação pedagógica e as reuniões promovidas pela
coordenação satisfatórias? Por que?
O que você sabe sobre a pedagogia de projetos? Por que? Como obteve essa informação?
Você já desenvolveu algum projeto no horário de projeto? Por que? Gostaria?
215
ANEXO VII – QUESTIONÁRIO X – Aplicado em 23/11/2004.
Prezado professor,
Pedimos a gentileza de preencher o questionário que consta na página em anexo com
relação aos “meios” que têm contribuído para o desenvolvimento da sua competência
lingüístico-comunicativa, utilizando-se da seguinte legenda:
Legenda:
0. = Nada. Inexistente ou Nulo (este aspecto não tem contribuído até o presente).
1. = Muito pouco. De maneira insuficiente.
2. = Médio.
3. = De maneira satisfatória..
4. = Muito bom.
216
Contribuições de diferentes “meios” para o desenvolvimento da C.C de P1 & P2:
Tarefas: Meios de desenvolvimento
profissional
A.
B.
C.
D.
E.
Total
I. FORMAÇÃO INICIAL E CONTÍNUADA:
a.
Formação Inicial em Letras Inglês/Português.
b.
Formação Contínua: participação em cursos
fora do estabelecimento de ensino.
c.
Participação em cursos organizados no
estabelecimento de ensino (reuniões
pedagógicas, seminários, debates, etc.)
d.
Participação em Grupos de Estudo
II. APRENDIZAGEM PELA AÇÃO, REFLEXÃO E PESQUISA:
a.
Reflexão antes das ações pedagógicas.
b.
Observações de situações em estágio e
reflexões sobre elas.
c.
Cursos desenvolvidos com alunos durante o
horário de ‘projeto’.
d.
Reflexão durante o horário de coordenação
e.
Reflexão durante aplicação de provas, aulas...
f.
Participação em pesquisas em colaboração
com a universidade.
g.
Participação em debates sobre elaboração de
materiais ou projetos novos, provas etc.
h.
Reflexão após a aplicação de provas, aulas...
III. FORMAÇÂO PESSOAL:
a.
Leitura de literatura especializada na área de
ensino de línguas, participações em
conferências na área de Lingüística Aplicada,
etc.
b.
Experiência de vida.
c.
Leitura sobre a cultura de outros povos.
IV. INTERAÇÕES COM OUTROS PROFISSIONAIS:
a.
Interações com coordenador pedagógico
b.
Interações informais com colegas próximos.
c.
Interações durante reuniões em equipe.
d.
Interações com um colega experiente.
V. EXPERIÊNCIA:
a.
Refletindo sobre os erros e acertos
b.
Perguntas dos alunos
c.
Sugestões / críticas dos alunos
d.
Tempo de exercício da profissão acumulado.
VI. TEORIA:
a.
Noções de fonética e fonologia.
b.
Domínio da gramática, estrutura da língua.
c.
Conhecimento de cultura da língua alvo
d.
Conhecimento de métodos de ensino de L2
VII. RECURSOS MATERIAIS:
a.
Livro didático – que os alunos utilizam
b.
CD que acompanha o livro didático
c.
Outros recursos: (Música, filmes, etc...)
d.
Internet
Tabela 1 (Fonte: Adaptado de Paquay, em Altet, 2003:133-134) Contribuições de
217
ANEXO VIII - 20/06/2004. Oral Interview.
1. What sort of activities, courses, etc do you ask/recommend your students to do or attend in
order to improve the following skills:
a) Writing?
b) Speaking?
c) Listening?
d) Reading?
Do you think that the simply fact of becoming a teacher has helped you improve those skills
yourself? How? Which ones? In what aspects have you improved?
4. What sort of activities you do at school (in the classroom, during coordination time, etc)
that you believe have helped you improve your ability to speak, write, read and listen to in
English?
5. What do you understand by the term competence?
6. Have you ever heard or studied about linguistic-communicative competence? What do you
think it means?
218
ANEXO IX – 24/05/2004. Oral Debate based on the documentary: ‘Cloning’.
1. Are you in favor of cloning humans? Why?
2. Are you in favor of cloning spare parts (organs)? Why?
3. Do you think cloning will help human beings one day? How?
4. What are the advantages of cloning?
5. What are the disavantages of cloning?
6. Would you clone yourself? Why?
7. Would you clone anybody else? Who? Why?
8. What’s the church point of view on this matter?
9. Why, do you think, are scientists so eager to clone humans?
10. Where, do you think, does all the money comes from to do these researches?
11. Would you clone a pet? Why?
12. Did you have any trouble understanding the video? About how per cent have you
understood?
13. When did scientists start doing experiments on cloning?
Como você tem trabalhado com a Pedagogia de Projetos? Há quanto tempo?
14. Trabalhar com a pedagogia de projetos tem contribuído para o desenvolvimento da sua
competência lingüístico-comunicativa? E dos seus alunos? COMO?
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