Download PDF
ads:
MARISA OLIVEIRA VICENTE DOS SANTOS
CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO CONTÍNUA EM
SERVIÇO PARA A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO
PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Presidente Prudente
2004
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
MARISA OLIVEIRA VICENTE DOS SANTOS
CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO CONTÍNUA EM
SERVIÇO PARA A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO
PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Dissertação de Mestrado
Presidente Prudente
2004
ads:
3
4
Aos profissionais da educação infantil
Que constroem a cada dia a história do atendimento à infância em
nosso país.
5
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho foi possível graças à contribuição de muitas
pessoas. Manifesto minha gratidão a todas elas e de forma particular:
a Profª Drª Célia Maria Guimarães, pelas orientações e por partilhar as
inquietações geradas pela pesquisa;
aos profissionais do CCI Chalezinho da Alegria, por estarmos juntos
em mais essa oportunidade;
ao Sr. Augustinho José Muchiutti, Diretor Técnico Administrativo da
Faculdade de Ciências e Tecnologia, pelo apoio ao desenvolvimento profissional;
aos funcionários da biblioteca da Faculdade de Ciências e Tecnologia
pelos serviços e orientações prestados;
a Raquel Vanalli, pela revisão bibliográfica da dissertação;
a toda minha família, pelo incentivo;
a todos os amigos, pela preciosa amizade.
6
...nascer significa ver-se submetido à obrigação de aprender.
...Aprender em uma história que é, ao mesmo tempo,
profundamente minha, no que tem de única, mas que me escapa
por toda a parte. Nascer, apreender, é entrar em um conjunto de
relações e processos que constituem um sistema de sentido, onde
se diz que eu sou, quem é o mundo, quem são os outros.
(Bernard Charlot)
7
RESUMO
A presente dissertação é resultado de uma pesquisa-ação sobre as contribuições que a
formação contínua em serviço podem oferecer na construção da identidade do profissional de
educação infantil. O local em que se deu a pesquisa foi o Centro de Convivência Infantil
(CCI) Chalezinho da Alegria da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNESP de Presidente
Prudente. O grupo de sujeitos enfocado é composto por 10 Recreacionistas e Auxiliares de
Recreacionistas nomeadas “educadoras” no presente trabalho. O objetivo principal foi
identificar e analisar os elementos do Programa de Formação Contínua em Serviço (PFCS)
que ofereceram maior contribuição ao processo de identificação profissional das educadoras.
Outro objetivo foi contribuir com a elaboração e redefinição do PFCS do CCI e de outras
instituições de educação infantil. A partir dos dados obtidos através de entrevistas, observação
participante natural, relato escrito e pesquisa documental foi observado um processo de
modificação na identidade profissional das educadoras. Inicialmente identificaram-se com a
figura da pajem ou babá e movimentaram-se constituindo a figura do profissional de educação
infantil que desenvolve fazeres e saberes específicos. Os elementos do PFCS que mais
contribuíram para essa mudança de identidade foram os espaços de formação, especialmente
as orientações semanais, que permitiram tomar as situações do cotidiano como objeto de
reflexão sobre a ação.
Palavras-chave: educação infantil; formação contínua em serviço; identidade profissional;
programa de formação contínua em serviço; profissional de educação infantil; creche.
8
ABSTRACT
This study is the result of a research-action on the contributions that the in-service continued
formation can offer in terms of identity developing on infantile education professionals. This
study was carried out at the Centro de Convivência Infantil (CCI) (Infantile Recreational
Activity Center) Chalezinho da Alegria of the Science and Technology School (UNESP) in
the city of Presidente Prudente. The emphasized professional teamwork is constituted of 10
recreational educators and recreational educator assistants entitled educationalists at the
present study. The main purpose is to identify and analyze features of the in-Service
Continued Formation Program (SCFP) that offers a major contribution for the professional
identification process of educators. The contribution with the planing and redefining of the
SCFP of CCI and others infantile educational institutions are also the purpose of this study.
Based on data obtained from interviews, natural participant’s observations, written report and
documental research, it was noted a changing process on educationalists professional identity.
At first, they are identified with baby sitter or nursemaid’s image with movements that
constitutes the infantile education professional image who develops specific skills and
knowledge. The SCFP’s features that had contributed most for this identity change are the
formation’s gaps, specially the weekly educational orientation which takes the daily situations
as an reflective factor over the action.
Key words: infantile education; in-service continued formation; professional identity; in-
service continued formation program; educational infantile professional; day nursery.
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................................... 10
1.1 Os CCIs da UNESP..................................................................................... 14
1.2 O CCI Chalezinho da Alegria...................................................................... 18
1.3 A formação contínua em serviço no CCI Chalezinho da Alegria............... 24
1.3.1 Referenciais para formação de professores.............................................. 31
1.3.2 O programa de formação contínua em serviço........................................ 36
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA................................................................ 46
2.1 A educação infantil no Brasil...................................................................... 46
2.2 A formação contínua em serviço................................................................. 54
2.3 O profissional de educação infantil............................................................ 72
2.4 O processo de identificação......................................................................... 78
2.5 A identidade do profissional de educação infantil...................................... 81
2.6 A formação contínua em serviço pode contribuir com a construção da
identidade profissional do educador infantil.................................................... 92
3 OPÇÃO METODOLÓGICA....................................................................... 98
4 TRABALHO EMPÍRICO-ANALÍTICO.................................................... 106
4.1 Entrevistas................................................................................................... 106
4.2 As cenas do cotidiano.................................................................................. 129
4.3 O relato escrito............................................................................................ 140
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 148
6 REFERÊNCIAS.......................................................................................... 151
7 BIBLIOGRAFIA......................................................................................... 155
ANEXOS........................................................................................................... 161
10
1 INTRODUÇÃO
O interesse pelo tema “Contribuições da formação contínua em serviço na
construção da identidade do profissional de educação infantil” foi suscitado por minha
experiência profissional na Educação Infantil como supervisora do Centro de Convivência
Infantil (CCI) Chalezinho da Alegria da Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP de
Presidente Prudente.
Durante os anos de dedicação ao meu trabalho foi possível observar que,
gradativamente, a formação contínua realizada em serviço com uma equipe de dez
educadoras, juntamente com outros fatores, estava apresentando bons resultados, inclusive na
construção de uma nova identidade profissional mais apropriada ao trabalho com a criança
contemporânea. Com o passar do tempo, pouco a pouco, o referido Centro estava construindo
novas características para si e assumia novas responsabilidades perante o desenvolvimento e a
aprendizagem da criança de 0 a 6 anos. A equipe de trabalho com as crianças, pais,
comunidade unespiana, enfim, com todos os agentes envolvidos estava, e está, impulsionando
o processo de construção de uma nova identidade institucional e profissional.
Vivenciando este processo houve uma grande motivação para compreender
melhor as contribuições que a proposta de formação contínua em serviço estaria oferecendo à
construção da identidade profissional das educadoras.
Formação contínua em serviço (FCS) refere-se a um processo de
desenvolvimento profissional vivido pelas educadoras após a formação inicial (FI). Mesmo
nos casos em que a FI foi interrompida ou ainda quando não corresponde ao Magistério ou
Pedagogia considerarei, em minha análise, que houve uma FI e que a FCS passou a acontecer
a partir da inserção na educação infantil (EI).
11
As “educadoras” são assim chamadas neste trabalho, e no dia-a-dia do CCI,
tendo em vista a contribuição que oferecem à educação e cuidado da criança. Na interação
cotidiana elementos do trabalho dessas educadoras ajudam a compor as experiências que irão
promover o desenvolvimento e a aprendizagem. Apesar de nem todas terem a FI prevista para
o profissional de EI, existe um chamado, no CCI e fora dele, para que identifiquem-se como
“educadoras da infância” já que atuam nessa etapa da educação.
Existe um compromisso pessoal e profissional de minha parte em contribuir
para que o trabalho no CCI caminhe na direção de realizar um atendimento às crianças que
esteja o mais próximo possível do que elas têm direito e necessitam na infância. A motivação
acentuada tem como base a relevância pessoal, social, acadêmica e científica que o tema
apresenta.
A relevância pessoal caracteriza-se, sobretudo, pela enorme importância
que a compreensão dos processos de formação contínua assumiu no desempenho de minhas
atribuições. A necessidade de que a formação do profissional de Educação Infantil seja
contínua e faça parte do cotidiano da instituição foi um fator decisivo para transformar a
pesquisa num elemento que possibilitaria uma compreensão mais aprofundada e
fundamentada do processo de formação em serviço que vivencio. Outro fator decisivo foi a
possibilidade de reforçar a importância de meu papel de “formadora” da equipe com a qual
trabalho.
Considerando que a demanda por Formação Contínua em Serviço (FCS)
existe para além da instituição em que realizei a pesquisa, é possível afirmar sua relevância
social/educacional. O índice de profissionais de Educação Infantil (EI) que não têm formação
inicial em Habilitação Específica para o Magistério, ou Graduação em Pedagogia, ainda é alto
em nosso país. Segundo dados de 1996 apresentados pelo Ministério da Educação (BRASIL,
1999) de um total de 219.517 profissionais da EI, 16.198 cursaram Ensino Fundamental
12
incompleto, 19.069 Ensino Fundamental completo, 134.696 Magistério, 9.493 outra formação
em nível médio, 35.693 Curso Superior com licenciatura e 4.368 Curso Superior sem
licenciatura. Portanto, temos um número significativo de profissionais que sequer cursaram o
Ensino Médio. A construção da identidade desses profissionais e sua formação contínua têm
grande importância no âmbito da educação formal e da sociedade em geral.
Cada iniciativa de estudo, de abordagem sistematizada da EI e dos diversos
elementos a ela relacionados, pode impulsionar no meio acadêmico o avanço nas pesquisas e
a conquista de espaço para suas produções. A EI se faz presente na “academia”, na “ciência”
e, principalmente, está construindo uma referência do que é a infância e de que profissional
precisamos.
O saber construído sobre a profissionalidade dos educadores infantis, sobre
as identidades a eles atribuídas e por eles assumidas historicamente em nosso país,
contribuem com o conjunto de conhecimentos científicos em educação. Caracteriza-se, então,
um caminhar do simples e próximo (relevância pessoal) ao geral e complexo (relevância
científica).
Além da beleza do caminhar, deparo-me com a responsabilidade de
explicitar elementos que justifiquem as relevâncias apontadas. Para tanto, é necessário
relembrar e explorar brevemente a importância da EI.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n.º 9394/96, a define
como a primeira etapa da Educação Básica (artigo 21/I). A EI é uma importante opção de
educação e de socialização para as crianças menores de 7 anos, um dever do Estado com a
educação, transferido para a responsabilidade dos municípios.
A criação das instituições de EI em nosso país, através da mobilização da
população trabalhadora, levou a uma compreensão generalizada de que o atendimento em
13
creche é um direito da mãe trabalhadora. No entanto, a partir da inserção das creches e pré-
escolas no sistema educacional fica legitimado o direito da criança.
A criança de 0 a 6 anos pode receber uma educação complementar à da
família, porém diferente, em instituições educacionais que tornaram-se indispensáveis ao
desenvolvimento infantil em nossa sociedade. necessidade de que essa criança seja vista
como uma pessoa, um sujeito que pode ter acesso a uma educação sistematizada na qual é
possível ser cuidada, protegida, incentivada a descobrir os elementos do mundo ainda
estranhos e também recriar o conhecimento acumulado pela humanidade.
Tarefa muito importante! Afinal, ao sermos “educados” criamos
significados, produzimos sentidos, nos humanizamos. É comum encontrarmos na sociedade
posturas de estranhamento diante da defesa desse tipo de tarefa para a EI, talvez porque
também é comum encontrar a compreensão de que essa etapa ocupa um “lugar menor” no
sistema educacional e na trajetória de aprendizagem das pessoas.
Algumas incoerências se fazem presentes no sistema educacional. Ao
mesmo tempo em que se considera que qualquer pessoa, independente de sua formação
inicial, pode trabalhar como educador infantil, algumas instituições defendem um trabalho
“academizado” justificado pela importância que teria essa etapa na formação do cidadão
competitivo do futuro. Assim, elas desenvolvem currículos que sugerem treinar a criança para
ser adulto e depositam muita responsabilidade na EI como fase preparatória para o futuro. No
entanto, em geral, não se assume que seus profissionais precisam ser muito bem formados. Os
salários oferecidos são mais baixos do que os dos professores de outras etapas da educação e
as exigências de formação inicial nem sempre ocorrem.
Apesar de, em algumas situações, nossa sociedade estar depositando todas
as possibilidades do futuro adulto nos primeiros seis anos de vida, o educador que atuará com
crianças pode ser qualquer pessoa.
14
Acredito que, em qualquer nível da educação formal, é necessário
possibilitar/permitir que a pessoa em aprendizagem continue sendo o que ela realmente é, ou
seja, não a descaracterizar, não lhe impor necessidades diferentes das que tem naquele
momento da vida. Na EI, muitas vezes, não é permitido à criança ser a pessoa de zero a seis
anos e agir, movimentar-se, falar, raciocinar, viver como tal.
Várias experiências demonstram que diferentes importâncias são atribuídas
a essa etapa da educação formal. São diferentes olhares: a população trabalhadora, os
empregadores, o Estado, os legisladores, os produtores de documentos oficiais, os
profissionais da EI, a população em geral. Nesse conjunto de olhares destaco um que se revela
através da presente pesquisa. Antes, porém, será necessário trazer alguns dados históricos dos
CCIs da UNESP e do CCI Chalezinho da Alegria da Faculdade de Ciências e Tecnologia
(FCT) de Presidente Prudente – SP.
1.1 Os CCIs da UNESP
A luta contra o regime militar instaurado no Brasil gerou a organização de
diversos movimentos sociais na década de 60. Operários, estudantes, professores, mulheres
organizadas no movimento feminista reivindicavam a liberdade democrática, melhores
condições de vida e de trabalho. Entre as reivindicações estava a instalação de creches que
ganhou força com a expansão do trabalho feminino. As instituições de EI passaram a ser
reconhecidas como necessárias e capazes de promover uma boa educação para crianças de
qualquer classe social (KUHLMANN JUNIOR, 1998). Sua implantação foi uma conquista
15
tanto dos trabalhadores de vários setores como de estudantes mobilizados juntamente com o
movimento feminista.
A mulher estava passando por um processo de emancipação em que estava
presente sua necessidade econômica e social de estar atuando no mundo do trabalho. Tanto
mulheres que se submetiam a condições de exploração da mão-de-obra por extrema
necessidade financeira como as de classe média que pretendiam também conquistar novos
espaços de atuação e re-significar seu papel na família e na sociedade.
Neste contexto surgem os CCIs.
Em 1979, Ano Internacional da Criança, foi criado o Programa Centro de
Convivência Infantil sob a Coordenação de Assistentes Sociais do Fundo Social de
Solidariedade do Estado de São Paulo (FUSSESP). Esta iniciativa permitiu a inauguração de
novos CCIs nos anos subseqüentes e também a adesão ao Programa por instituições já
pertencentes à Administração Pública Estadual. Assim, os CCIs da UNESP foram criados a
partir da reivindicação existente em cada campus e de constatações que fundamentaram o
Programa CCI:
a) a existência de um número reduzido de creches, bem como de uma
reduzida clientela atendida em alguns Órgãos Estaduais;
b) aumento significativo de mulheres trabalhando fora do lar para colaborar
no orçamento familiar;
c) necessidade real de atendimento aos filhos de funcionárias durante a
jornada de trabalho, através de levantamento realizado em Secretarias de
Estado;
d) a quase inexistência de creches para o atendimento desse determinado
segmento populacional. (SÃO PAULO, 1998, p. 13)
As inaugurações dos CCIs da UNESP ocorreram em momentos diferentes,
pois como suas unidades são distribuídas pelo Estado em cada uma delas a organização das
reivindicações por creche ocorreu em momentos específicos. Segundo dados do Processo
FCT – 77/87 – Volume II - fl. N.º 477 (UNESP, 1987) as datas foram as seguintes:
16
Tabela 1: Datas de inauguração dos CCIs da UNESP.
CIDADE DATA DE INAUGURAÇÃO
Araçatuba 11/10/1986
Araraquara 06/09/1984 (precariamente em 1981)
Assis 26/11/1989
Bauru 12/08/1988
Botucatu (Lageado) 24/05/1988
Botucatu (Rubião I) 11/05/1987
Botucatu (Rubião II) 04/02/1991
Franca 14/03/1988
Guaratinguetá 31/03/1995
Ilha Solteira 11/04/1988
Jaboticabal 20/02/1987
Marília 15/12/1989
Presidente Prudente 28/05/1987
Rio Claro Em processo de aquisição de equipamentos
São José dos Campos 07/12/1992
São José do Rio Preto 28/01/1991
São Paulo Não tem CCI
Fonte: Processo FCT 77/87.
Como é possível verificar na Tabela 1 o CCI mais antigo foi inaugurado na
cidade de Araraquara, em 1981, e o mais recente em Guaratinguetá, em 1995. A grande
maioria iniciou suas atividades na década de 80 (séc. XX). Apenas dois campi (Rio Claro e
São Paulo) não possuem CCI em funcionamento.
No âmbito da UNESP os CCIs foram criados a partir da Portaria n.º 70/82
na qual o Reitor instituiu:
Artigo 1º: Será desenvolvido na Universidade o Programa de Centros de
Convivência Infantil da UNESP;
Artigo 2º: Serão implantados nos Campus e na Reitoria gradativamente com
recursos provenientes de dotação orçamentária, subvenções, convênios e
outras arrecadações. (Universidade Estadual Paulista, 1982)
Em cada campi comissões foram criadas para impulsionar a implantação do
CCI, foram realizadas pesquisas para verificação de demanda, bem como do interesse e da
necessidade dos pais servidores. Inúmeras iniciativas foram tomadas para que ocorressem as
inaugurações de tantos CCIs ainda na década de 80.
17
Através de um texto produzido por uma supervisora de CCI é possível
identificar parte do caminho percorrido:
[...]embora havendo garantia da lei, a implantação dos CCIs dependia de
conquistas que implicavam em sucessivas reuniões, discussões, estudos na
busca de recursos financeiros, materiais, espaço físico, adesão da
comunidade, etc.
O Programa CCI em 08/04/91 através do Decreto n.º 33.174 do Governo
Estadual, passou à Secretaria do Menor (depois transformada para Secretaria
da Criança, Família e Bem Estar Social – SCFBES) a assumir o Programa
Creche/Pré-Escola, isto é, acompanhar a implantação dos CCIs, desenvolver
uma ação articuladora entre os diversos órgãos, prestar assessoria técnica
propondo medidas de aperfeiçoamento.
Grandes encontros foram realizados com profissionais de CCIs de diferentes
Órgãos do Governo: da Administração Direta – Secretarias Estaduais e da
Administração Indireta – Autarquias, Fundações e Empresas Estaduais. Os
Encontros ocorriam por agrupamentos de área de atuação: Coordenadores,
Auxiliares de Enfermagem, Educadores, Cozinheiras, entre outros
profissionais [...]
Além dos Encontros circulava o boletim “Série CCI em Ação” com textos
relativos ao dia-dia do CCI. Foi um momento de avanço para estruturação
dos serviços prestados.[...]
Com a atuação da equipe técnica da SCFBES, por meio de discussões nos
Encontros com Coordenadores ou Diretores e representantes dos Órgãos aos
quais os Centros estavam vinculados, foi se definindo o papel e solidificando
a estrutura de atendimento. As dificuldades eram muitas, as que mais se
destacavam eram: a falta de formação dos educadores, funcionamento em
locais improvisados ( inadequados ao atendimento da criança) e falta de
recursos para aquisição de materiais, desde brinquedos, mobiliários, etc. Em
1995 com a mudança do Governador Fleuri para o Governador Covas, o
trabalho foi extinto. (FELIZARDO, 2003, p. 3-4)
A partir da extinção do trabalho de assessoria pela Secretaria da Criança,
Família e Bem Estar Social, as Supervisoras dos CCIs da UNESP, com colaboração das
Diretorias de cada Unidade, iniciaram a realização de encontros para discutir questões
importantes como a inclusão dos CCIs na estrutura administrativa das unidades, a contratação
de funcionários, salários, qualificação dos profissionais e muitas outras. Havia muitos
problemas comuns.
No ano de 1996, o Reitor da UNESP lançou a Portaria 49 (UNESP, 1996)
aprovando o Regimento Geral dos CCIs da UNESP, que representava uma tentativa de
uniformizar procedimentos facilitando a administração. Foi criado, então, o Conselho
Assessor da Coordenação a ser composto por pais de crianças matriculadas e funcionários de
18
cada CCI. A Comissão Técnica dos CCIs também foi criada nessa ocasião para atuar como
apoio técnico ao Programa de Assistência Social (PROAS) responsável pelos CCIs na Pró-
Reitoria de Administração (PRAD). Tal Comissão deveria constituir-se por profissionais de
diferentes áreas e por uma representante das Supervisoras.
A partir da Portaria 49 de 07/03/96 cada CCI iniciou a elaboração de um
Regulamento Interno coerente com as determinações do Regimento Geral.
Teve início em 1999 encontros promovidos pela Equipe Técnica e pelo
PROAS/PRAD com as Supervisoras para elaborar diretrizes adequadas à nova LDB
(9394/96).
1.2 O CCI Chalezinho da Alegria
Inaugurado em 28/05/1987, o CCI Chalezinho da Alegria foi resultado de
reivindicação e união de esforços de servidores da FCT interessados em que fosse instalada
uma creche no campus de Presidente Prudente.
Em 07/01/1987 o Diretor da FCT criou a Portaria n.º 03/87 (UNESP, 1987)
por meio da qual foi constituída uma Comissão para estudar e providenciar a instalação da
creche. Seus membros realizaram uma coleta de dados através de formulários preenchidos por
servidores sobre a necessidade de utilizar os serviços de uma creche. Foi verificada uma
demanda de 32 crianças a serem atendidas. Estudaram, inclusive, a possibilidade de instalação
provisória num dos prédios da Faculdade, bem como sugeriram as adaptações necessárias
para haver condição de utilização. Indicaram equipamentos necessários e quadro de pessoal.
Mantiveram contato com a Coordenadoria de Educação e Cultura da Prefeitura Municipal e
19
constataram a possibilidade de criação de uma classe de pré-escola para crianças de 4 a 6 anos
e de utilização dos serviços de uma professora e uma merendeira do quadro de funcionários
do município. Além disso, uma visita foi realizada à creche da Divisão Regional de Saúde de
Presidente Prudente e dados importantes que colaborariam na instalação do CCI foram
coletados.
A inauguração marcou o início de outra fase: a obtenção de recursos fixos,
de equipamentos mais adequados e reivindicação por prédio apropriado.
Em 1990 foi aprovado, em reunião de pais, o primeiro Regulamento Interno
do CCI Chalezinho da Alegria.
Finalmente houve a conquista de um prédio construído especialmente para o
funcionamento do CCI. Foram vários anos de atendimento em espaço improvisado, que não
oferecia condições adequadas, até que em março de 1993 foi inaugurado o prédio que é usado
atualmente. A urgência em ter um espaço melhor para as crianças levou à construção de um
prédio pré-moldado que, infelizmente, apresenta uma série de inadequações e hoje há
necessidade de reforma e ampliação.
Ao assumir a Coordenação do CCI Chalezinho da Alegria em julho de 1997
a equipe era composta por 15 profissionais:
- 1 coordenadora;
- 01 auxiliar de enfermagem;
- 01 nutricionista;
- 02 auxiliares de cozinha;
- 01 cozinheira;
- 01 auxiliar de serviços gerais;
- 05 recreacionistas;
- 03 auxiliares de recreacionista.
20
O tipo de contrato variava entre os profissionais. A auxiliar de enfermagem
e a coordenadora faziam parte do quadro de servidores da UNESP, admitidas mediante
concurso público. A nutricionista e uma das auxiliares de cozinha eram contratadas pela
Associação de Servidores Administrativos (ASA) e a manutenção dos contratos ocorria
através dos Recursos Próprios do CCI, ou seja, da contribuição dos pais usuários. Uma outra
auxiliar de cozinha, a cozinheira, a auxiliar de serviços gerais, as recreacionistas e auxiliares
de recreacionista eram contratadas pela ASA e os recursos financeiros para manutenção do
contrato eram enviados pela UNESP.
Descreverei a formação dos profissionais concentrando-me nas
recreacionistas e auxiliares de recreacionista, a quem nomeio “educadoras” no presente
trabalho e no contato diário, apesar de nem todas terem a formação inicial em magistério ou
Pedagogia. Considero como educadora aquela que educa e cuida, tendo ou não formação
específica para exercer a educação profissional, a pessoa que interage com a criança
diariamente numa instituição de educação infantil (IEI) participa de sua educação e
conseqüentemente dos cuidados que são dispensados. Porém, cabe esclarecer que o que
espero do papel de um educador infantil não é que eduque incidentalmente somente porque
interage com a criança. É necessário construir, na formação inicial e ao longo da carreira, um
saber profissional adequado à sua área de atuação.
Entre as oito educadoras apenas uma havia cursado Habilitação Específica
para o Magistério (o chamado curso Normal). Outras quatro cursaram Ensino Médio
completo, duas não chegaram a concluir o Ensino Médio, enquanto uma não havia concluído
o Ensino Fundamental.
Em julho de 1997, duas das educadoras estavam prestes a ausentar-se do
CCI em licença gestante, o que representava a necessidade de que fossem substituídas durante
21
um período de quatro meses. A equipe, temporariamente, estaria constituída de modo
diferente do descrito acima.
Além da equipe de profissionais apresentada havia duas professoras do
quadro de servidores da Rede Municipal de Ensino que lecionavam nas duas turmas de Pré-
escola, da mesma Rede que funcionavam em uma das salas do prédio do CCI.
Logo nos primeiros contatos com funcionários (do CCI), com a Direção da
FCT, com pais de crianças ali matriculadas e outros servidores percebi uma expectativa muito
grande de que fosse sistematizada uma proposta pedagógica.
A coordenadora anterior, assistente social da faculdade, estava há alguns
meses dedicando-se ao CCI e procurava organizar alguns procedimentos como a elaboração
de semanários de atividades, passeios e visitas com as crianças a lugares interessantes,
reorganização dos horários de atividades permanentes como banho, refeição, etc. A ansiedade
pela estruturação de um trabalho chamado “educativo” era grande, o que constatei pela
sugestão que me foi dada de que no meu primeiro dia de trabalho já trouxesse uma proposta
esquematizada.
Apesar de saber que necessitaria de um tempo para conhecer a instituição e
seu funcionamento para ir construindo com os colegas uma proposta, coletei algumas
informações sobre as atividades que cada turma costumava realizar em cada dia e horário.
Nos primeiros dias fui propondo algumas alterações na programação diária de trabalho para
cada grupo de crianças.
Pude contar, por quase um mês, com a presença e colaboração da
coordenadora anterior para que conhecesse o funcionamento, as pessoas, as questões
administrativas e tantos outros detalhes que fazem parte do dia-a-dia de uma IEI.
Fui percebendo que a necessidade de sistematização do trabalho era real. A
programação de trabalho geral da instituição ou por áreas, agrupamentos não existia.
22
Considero que rotinas rígidas são ruins, mas que a ausência de estruturação do tempo e do
espaço também traz dificuldades à criança pequena. Não encontrei uma atitude, por parte das
educadoras de criar situações de aprendizagem, de resolução de problemas, de estimulação do
desenvolvimento motor, por exemplo, de manipulação de materiais, etc. Ficou bem definida
uma ação limitada ao ato de “pajear” as crianças: olhá-las para manter a integridade física,
providenciar a higiene, oferecer a alimentação.
O incentivo à autonomia das crianças parecia ser pequeno. Crianças que já
andavam bem ainda usavam carrinhos para locomover-se. Mamadeiras e chupetas sendo
utilizadas por crianças que já poderiam tê-las deixado. Crianças sendo alimentadas, vestidas,
calçadas, quando poderiam ser motivadas a fazê-lo.
Essa forma de educar / cuidar as crianças fazia parte do repertório de ações
aprendidas como sendo as melhores naquele contexto.
Senti falta de ver as crianças tendo contato com livros e com certos
brinquedos que contribuiriam muito para seu desenvolvimento. Se faltavam livros para as
crianças, faltava também para os profissionais. À medida que fui conhecendo melhor os
hábitos das educadoras percebi que pouco ou nenhum contato tinham com leitura e escrita ou
com informações sobre desenvolvimento e aprendizagem infantis. Mesmo a educadora que
havia cursado Habilitação Específica para o Magistério apresentava essas características.
A relação das educadoras com os pais revelava pouca autonomia da parte
delas. A insegurança da equipe de profissionais, e não só das educadoras, era algo muito
presente.
Fiquei bastante preocupada com a alta expectativa dos pais em relação ao
“trabalho educativo”. Foi árdua a tarefa de irmos concluindo que uma modificação profunda
na proposta de trabalho da instituição, tão desejada por todos, não dependeria somente de
dizermos o que faríamos e de registrarmos num documento.
23
O projeto de trabalho só existe de fato quando as ações dos envolvidos
(crianças, educadoras, pais, equipe de apoio, etc.) o constroem. Trabalho com
intencionalidade educativa pressupõe profissionais formados para isso e envolvidos numa
proposta.
Houve uma certa tensão nas relações CCI / família à medida que se tornou
necessário reconceituar o papel das educadoras. Para dar conta do projeto educativo não seria
possível continuar alimentando a identidade de pajem, babá, tia, tão assumida por cada uma e
atribuída pelos outros nas relações cotidianas.
Acredito que todos sofreram nos períodos de maiores modificações,
inclusive as crianças que participaram em muitos momentos da definição do que eram suas
necessidades, direitos, possibilidades e o que era desejo dos pais ou comodidade dos
profissionais, mas todos aprenderam muito.
Dada a complexidade do desenvolvimento humano, da história das
instituições, das relações humanas, do desenvolvimento profissional creio que muitos
elementos estão passando despercebidos por mim. Sem falar das limitações pessoais que nos
fazem ver as coisas com nuances diferentes, distâncias diversas, significados peculiares. Por
tudo isso preciso conformar-me em deixar o relato de tão significativas percepções para tratar
objetivamente de uma experiência muito importante.
Assim, em meio a inúmeros fatos que saltam à memória disciplinarei meu
olhar para o Programa de Formação Contínua em Serviço (PFCS) que se constituiu no CCI no
ano de 1997 quando assumi a função de Coordenadora de Creche. Em 1998 o nome da função
foi alterada para Supervisora de Creche.
24
1.3 A formação contínua em serviço no CCI Chalezinho da Alegria
Milhares de perguntas surgiam quando pensava em que caminhos seguir.
Resolvi investir em dois âmbitos: incentivar as educadoras a voltar a estudar e criar condições
para que aprendessem e se desenvolvessem dentro do próprio CCI.
A volta aos estudos ou a continuidade da formação inicial demorou um
pouco, mas com o decorrer dos anos aconteceu em alguns casos. Quanto às condições para
que se desenvolvessem profissionalmente dentro do CCI e em espaços criados a partir de
ações daquele local se constituiu ao longo dos anos no que nomeio como PFCS.
O desenvolvimento profissional das educadoras era uma das condições
fundamentais para que o CCI concretizasse um trabalho com intencionalidade educativa. O
local para guardar, “depositar” crianças precisava deixar de ser a identidade institucional. A
criança precisava deixar de ser somente um objeto de guarda e ser vista como uma pessoa em
desenvolvimento, com muitas possibilidades.
Uma das primeiras iniciativas foi problematizar o modo como as educadoras
eram chamadas. Eram as tias. Entre a equipe, com os pais em reuniões e com as crianças
começamos a conversar sobre o grau de parentesco que o nome tia representa e sobre o papel
das educadoras. Começamos a incentivar a todos a chamá-las pelo próprio nome ou quando
necessário por “educadora”, tendo em vista que, formadas ou não para isso, contribuíam com
a educação das crianças e trabalhavam numa IEI.
Nomeá-las como educadoras representou, inclusive, um chamamento para
uma nova identidade profissional.
Outras ações ocorreram como: tentativas de elaborar um plano de trabalho
para cada grupo (berçário, maternal, jardim I e jardim II); ensaios de registros diários do
25
trabalho por escrito; disponibilização de textos, livros sobre educação infantil, criança,
infância, etc; custeio de inscrições em eventos relacionados à educação.
Inicialmente as dificuldades foram grandes. A falta de contato com leitura e
escrita, a ausência de estudos mais intensivos na EI pareciam ser obstáculos enormes.
Momentos de motivação alternavam-se com períodos de desânimo.
Uma pergunta que se fazia presente nos momentos mais difíceis era: Será
que todas as educadoras serão capazes de desenvolver-se profissionalmente? Hoje respondo
para mim mesma que sim; em diferentes ritmos, por diferentes caminhos, mas desenvolvem-
se.
O esforço e a espera valem a pena?
Sim. Na idas e vindas, nos picos e depressões, nas conquistas e nos
fracassos a aprendizagem de todos os envolvidos é tão significativa que torna-se impossível
querer ficar de braços cruzados quando se é responsável pela formação contínua de um grupo
de profissionais.
De julho de 1997 a, aproximadamente, setembro de 1998 as ações de FCS
eram menos sistematizadas do que nos anos posteriores. Nesse período o CCI não tinha
preenchida a função de Auxiliar Administrativo e minha dedicação ao trabalho pedagógico
ficava prejudicada. Mesmo assim em encontros esparsos e em reuniões fora do horário de
trabalho tentávamos planejar, relatar as atividades por escrito e conversar sobre questões
importantes.
No final de 1998 criamos um espaço semanal para que supervisora e
educadoras de cada turma pudessem conversar/ estudar durante uma hora.
Os resultados passaram a ser um pouco mais visíveis. O contato semanal, as
discussões, as dúvidas apresentadas, a busca mútua de orientação geravam uma maior clareza
de quais eram as necessidades de formação.
26
Íamos encaminhando as ações (leitura, discussões, conversas com outros
profissionais) de acordo com as necessidades identificadas.
Outras perguntas se faziam bastante presentes: Como criar condições para
que educadoras com níveis de escolaridade tão diferentes, interesses e motivações diversos, se
desenvolvam profissionalmente? Por onde começar com cada uma? Qual seria a base teórica
comum? Como abordar essa base teórica com uma profissional que apresenta condições
precárias de alfabetização?
Nesse momento o grupo de educadoras já se diferenciava daquele descrito
inicialmente. Três educadoras deixaram o grupo por perceberem que não se adequavam ao
trabalho na EI e por terem outros projetos de vida. O CCI conseguiu a reposição de uma vaga
para Recreacionista que estava desocupada há alguns anos.
As educadoras contratadas nessas oportunidades cursaram magistério ou
Pedagogia. Já era possível formar duplas de trabalho com formação diferenciada. Isso
contribuía muito para a aprendizagem motivada pela interação. Saberes da experiência e
saberes pedagógicos conviviam. Percebi a necessidade de estudar o Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o
Estatuto da Criança e do Adolescente. Propus às educadoras que estudássemos o material aos
poucos durante as orientações e cada dupla pôde escolher o documento por onde iniciaria.
Depois de algum tempo conversamos sobre os resultados e constatamos que
não estavam sendo bons. A motivação era muito maior quando nossas leituras vinham como
apoio para pensar sobre algum problema encontrado no dia-a-dia. Depois de avaliarmos a
situação resolvemos que a leitura daqueles documentos seria realizada por cada educadora em
espaços que cada uma criaria fora do horário de trabalho. Isso não impediria que questões
surgidas na leitura fossem trazidas às orientações.
27
Desde então as orientações semanais têm se caracterizado pelo diálogo
sobre a prática e dificuldades cotidianas das educadoras, da supervisora, da equipe ou por
outros assuntos relacionados ao CCI e a nosso desenvolvimento profissional.
Em 2001, a partir da conjunção de esforços dos CCIs dos campi de Assis,
Marília e Presidente Prudente e das respectivas Diretorias, ocorreu o I Grupo de Estudos e
Debates de Profissionais de CCIs da UNESP. O evento está caminhando para sua quarta
versão com a participação das equipes de Araçatuba, Bauru e Botucatu.
Tal experiência trouxe riquíssimas contribuições, entre elas:
- o encontro com profissionais de outros CCIs, da Comissão Técnica e da
PRAD;
- o diálogo sobre a inserção dos CCIs no contexto universitário;
- a oportunidade de estruturar propostas conjuntas para alteração de
diretrizes;
- a oportunidade de conhecer outros campi da UNESP e o espaço físico de
outros CCIs;
- as trocas de experiências;
- o sentimento de pertencer a um coletivo que vai além dos limites de
cada CCI.
Em 2002 foi aprovado, em Assembléia Geral de Pais, um novo
Regulamento Interno no qual ficou previsto que o CCI suspenderia o atendimento às crianças
durante quatro vezes ao ano para realizar Reunião Geral de Equipe. Nessas ocasiões são
realizadas atividades de planejamento, avaliação e FCS visando o desenvolvimento
profissional. Isso representou uma grande conquista e o reconhecimento de que o trabalho
com as crianças requer a elaboração e avaliação de uma proposta e não somente uma
execução imediata.
28
Também naquele ano, oito das dez educadoras apresentaram, pela primeira
vez, a proposta de trabalho do CCI num evento: a “Semana da Educação” promovida pelo
Departamento de Educação da FCT. A experiência trouxe uma significação diferente para o
fazer cotidiano. As ações do dia-a-dia são elementos que levam à produção de conhecimento
na EI e podem servir de base para o diálogo e a reflexão com outros profissionais.
Ainda em 2002 tivemos acesso aos Referenciais para a Formação de
Professores do Ministério da Educação (BRASIL, 1998). A partir daí percebemos que as
ações de FCS que vinham sendo realizadas há alguns anos poderiam ser sistematizadas num
programa.
Acreditamos que o trabalho do educador infantil diferencia-se do trabalho
do professor do Ensino Fundamental. Apesar dos Referenciais citados acima não tratarem
dessas diferenças ao propor ações de formação, consideramos que trata-se de um material que
pode contribuir.
Passamos, então, a organizar a FCS num programa que fundamenta-se
primordialmente na necessidade que o profissional da EI tem de desenvolver-se. Todos,
independentemente da formação inicial precisam estar constantemente conhecendo melhor
todos os elementos de sua área de atuação e da educação como um todo.
Outro fundamento é o de que a instituição na qual trabalha o profissional é
responsável em promover ações de FCS. Tais ações não se limitam a promover cursos e
palestras. É necessário que o fazer de todos na instituição seja problematizado, que se reflita
sobre ele e que se construa a especificidade da EI sem importar modelos como o do Ensino
Fundamental.
Os Referenciais (BRASIL, 1998, p. 18) trazem pressupostos que estão
sendo utilizados em nosso programa como, por exemplo, o direito dos professores ao
29
desenvolvimento profissional permanente. Os demais serão destacados no item 1.3.2 que
tratará da estruturação do programa.
O fato de um pressuposto como o citado acima não estar materializado no
sistema educacional pode nos levar a compreendê-lo como condição necessária a ser
construída juntamente com a formação pretendida. As ações necessárias a essa construção
estão tanto no âmbito da IEI como, principalmente, na definição de políticas educacionais que
permitam a realização de tal pressuposto.
O PFCS não pode ser algo externo inserido na IEI; deve ser construído pela
equipe coordenado pelos gestores e ter algumas características, segundo os Referenciais
(BRASIL, 1998, p. 133) como, por exemplo, a ampliação do horizonte cultural e profissional
e desenvolvimento pessoal das educadoras.
Estamos construindo nosso PFCS e organizando registros de muitas
características citadas acima. No entanto, gera muita satisfação saber que construímos boa
parte do programa sem ao menos saber que havia tal proposta num documento oficial e
movidos pelas necessidades cotidianas.
As já citadas Reuniões Gerais de Equipe que ocorrem a cada três meses
(quatro vezes ao ano) têm sido espaços em que muitas características do programa têm se
desenvolvido.
Além do que já relatei sobre a construção do PFCS vale citar a Comissão de
Eventos e a proposta de Professor Formador.
Com o passar do tempo a equipe constatou que os eventos promovidos pelo
CCI com o objetivo de comemorar datas importantes, divulgar o trabalho, trocar experiências
com outros profissionais, ganhariam em qualidade e organização se criássemos uma comissão
que se responsabilizasse pelo planejamento, execução e avaliação. A proposta foi colocada
em prática e os resultados têm sido muito bons. Trata-se de mais um espaço de ação coletiva
30
que contribui com a formação profissional de cada um à medida que leva a confrontar
diferentes pontos de vista, articular diferentes idéias e avaliar a ação coletiva.
As propostas para cada evento são elaboradas pela Comissão, passam pela
avaliação de toda a equipe que agrega idéias e é organizado um plano. Depois do evento,
todos fazem uma avaliação escrita, que é analisada pela Comissão, sinalizando pontos
positivos, negativos e sugestões.
Quanto à proposta de criar a figura do “professor formador”, trata-se de uma
ousadia que ainda está nos primeiros passos. Identificamos nos Referenciais o papel a ser
desempenhado por um dos professores da escola de Ensino Fundamental ou da IEI e que teria
a responsabilidade de assumir atividades de formação sem abandonar a regência de classe,
recebendo estagiários, acompanhando professores iniciantes e realizando um trabalho auxiliar
ao da coordenação pedagógica. (BRASIL, 1998, p. 67).
Por falta de refletir mais sobre o assunto, e também resignificar nosso papel
na EI, estamos utilizando, assim como nos Referenciais, o nome “professor formador”.
Precisaremos adaptar talvez para “educador formador” que é mais coerente com a
nomenclatura usada no dia-a-dia.
Foi sugerida a experiência à equipe e estamos desde o início de 2003 com
duas educadoras dispondo-se a exercer tal papel. Ainda não organizamos efetivamente a
proposta e até o momento temos feito exercícios de reflexão sobre os problemas do CCI, sob
diferentes pontos de vista, e também sobre as possíveis contribuições para a FCS das colegas.
Aparentemente esta é uma experiência muito válida que merece ser melhor
sistematizada. O fato de se sentir co-responsável pela formação dos pares e colaborador em
decisões importantes da instituição, referentes à coordenação pedagógica, pode levar o
profissional a exercitar dimensões diferentes do fazer pedagógico. Pode também motivar de
formas diferentes a equipe tendo como referência alguém que trabalha na mesma função.
31
Considerando esse PFCS que vem sendo construído no CCI e a percepção
de que a identidade profissional das educadoras estava passando por modificações resolvi
pesquisar, no Mestrado, as contribuições que tal programa vem oferecendo ao processo de
identificação profissional com a EI.
Limitei-me a identificar e analisar quais elementos do PFCS contribuíram
em maior grau com a construção de uma nova identidade das educadoras. O caminho
percorrido tem como ponto inicial uma identificação forte com a figura da pajem, babá quase
doméstica. A direção apontada pelos estudos na EI e, principalmente, pelo desejo que vem
sendo construído no próprio CCI é o educador infantil que pode cuidar educando e educar
cuidando. Construir junto com as crianças um processo de desenvolvimento de múltiplas
capacidades e estar atento às suas peculiaridades oferecendo o suporte necessário para as
experiências, desde as mais simples até as mais complexas. Investigar a cultura da infância,
conhecer sua identidade profissional.
Na tentativa de estruturação do programa, a proposta dos Referenciais para a
Formação de Professores foi importante e terá um espaço no próximo item para descrição de
alguns de seus elementos.
1.3.1 Referenciais para formação de professores
Segundo o Ministério da Educação (1998), os Referenciais apresentados
pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação, através da Coordenação
de Estudos e Pesquisas do Departamento de Políticas da Educação Fundamental, para
educadores brasileiros foram fruto da discussão da equipe de elaboração, técnicos de
32
diferentes instâncias do MEC, leitores críticos, consultores, pareceristas e educadores de todo
o país. Tais Referenciais tratam da formação de professores de Educação Infantil e dos quatro
primeiros anos do Ensino Fundamental. Sua primeira versão foi elaborada em 1997 e em 1998
ocorreu intensa interlocução através de pareceres, discussões, encontros e debates.
Este documento propõe-se a contribuir para a sistematização do debate
nacional sobre a formação de professores e para a reafirmação da importância da
implementação de políticas públicas para o desenvolvimento profissional dessa categoria.
Cabe esclarecer que houve problema para encontrar a terminologia mais
adequada para tratar de temas recorrentes em todo o documento. Foram feitas opções que
seguiram o critério de maior adequação. Portanto, encontraremos no documento termos que
estarão definidos a seguir:
- Professor: profissional da educação que trabalha diretamente com crianças, jovens e
adultos em instituições responsáveis pela educação infantil e Ensino Fundamental e
também o futuro professor (aluno de curso de formação inicial);
- Aluno: criança de qualquer idade, inclusive bebê, jovem ou adulto, que freqüenta
instituições responsáveis pela educação básica;
- Formador: profissional que promove, diretamente, FI ou FC;
- Conteúdo escolar: tudo que se ensina na escola por meio de situações formais e informais.
Esclarecidas as conceituações vamos tratar do elemento que motivou a
produção dos Referenciais. Segundo o Ministério da Educação (1998) foi a urgência na
elevação do nível de qualidade da educação escolar. Sua finalidade é provocar e orientar
transformações na formação de professores. Suas expectativas giram em torno da geração de
reflexões por parte dos formadores de professores e de que seja usado nos âmbitos de gestão
do sistema educativo e das instituições formadoras.
33
É apontado um período de transição, instituído com a colaboração dos
Referenciais. Está sendo “gestado” um novo papel do professor, que atualmente tem uma
formação insuficiente. É necessário criar uma formação diferente. Os desafios do período de
transição são a formação e titulação em serviço de professores leigos, a reformulação da
formação em nível médio e a universalização gradual da formação em nível superior.
São indicados como pressupostos dos Referenciais:
- professor exercendo atividade profissional pública, coletiva e pessoal que implica
autonomia e responsabilidade;
- desenvolvimento profissional permanente;
- trabalho do professor visando o desenvolvimento dos alunos como pessoas nas suas
múltiplas capacidades, o que implica numa atuação profissional não somente técnica, mas
intelectual e política;
- compromisso com o sucesso das aprendizagens de todos os alunos exigindo consideração
pelo professor das diferenças culturais, sociais e pessoais;
- desenvolvimento de competências profissionais exigindo metodologias pautadas na
articulação teoria-prática, na resolução de situações problema e na reflexão sobre a
atuação profissional;
- organização e funcionamento das instituições, bem como as relações inter-institucionais
desenvolvendo a cultura profissional;
- relações estreitas entre instituições de formação e sistema de ensino como condição para
referenciar a formação na prática real;
- projetos de desenvolvimento profissional vinculados a condições de trabalho, avaliação,
carreira e salário.
São citadas características do modelo convencional de FC:
- a cada nova política, projeto ou programa volta-se à estaca zero;
34
- não são consideradas todas as dimensões do exercício profissional;
- é tida como apropriada fundamentalmente para professores, e não para os demais
profissionais da educação;
- não se organiza a partir de uma avaliação diagnóstica das reais necessidades e dificuldades
pedagógicas dos professores;
- destina-se a corrigir erros e a destacar debilidades da prática pedagógica;
- não dispõe de instrumentos eficazes de avaliação do alcance das ações desenvolvidas;
- organiza-se para professores individualmente, e não para a equipe pedagógica da escola
ou instituição escolar como um todo;
- realiza-se fora do local de trabalho;
- é assistemática, pontual, limitada no tempo e não integra um sistema de formação
permanente;
- utiliza dispositivos de motivação externa.
Encontramos ainda nos Referenciais indicações para a organização do
processo de FC:
1. É preciso garantir espaços e tempos reservados na rotina de trabalho na
escola, para que os professores e coordenadores pedagógicos [...]
realizem práticas sistemáticas de análise das ações desenvolvidas,
estudo, troca de experiência, documentação do trabalho, discussão de
observações, criação e planejamento coletivo de propostas didáticas etc.
2. Deve ser previsto um sistema de apoio aos professores iniciantes [...];
3. Todo programa de formação continuada dever ser definido a partir de:
uma análise da realidade na qual pretende incidir;
uma avaliação de ações de formação anteriores;
novas demandas colocadas, levando-se em conta as orientações do
Ministério da Educação, as diretrizes dos Conselhos de Educação e as
metas institucionais da própria Secretaria da Educação.
4. As modalidades de formação, a escolha dos formadores, o tempo
adequado, a infra-estrutura necessária, o número de professores a ser
atendidos pelos programas de formação continuada devem ser
planejados cuidadosamente a partir da definição de objetivos, principais
conteúdos, metodologia, recursos didáticos, instrumentos de avaliação,
entre outros aspectos.
5. A quantidade de participantes de um grupo/evento de formação se define
a partir da finalidade e da metodologia adotada [...]
6. Os programas podem e devem prever a combinação de ações internas às
escolas com ações destinadas a reunir professores de várias escolas [...]
35
7. As ações de formação continuada devem incluir a observação, análise e
discussão do trabalho de outros professores [...], a exposição de
trabalhos realizados, a análise de atividades e produções de alunos, a
criação e experimentação de situações didáticas intencionalmente
planejadas, para posterior análise, de modo a possibilitar que os
professores reelaborem o que já sabem e fazem [...]
8. Os programas de formação continuada devem utilizar recursos de
documentação, tais como: diários de professor, registros de um
observador de classe, utilizando diferentes meios como relatos escritos,
vídeos, gravações em fita, etc.
9. A observação da atuação dos professores é parte intrínseca do trabalho
dos formadores [...]
10. É imprescindível que a seqüenciação dos conteúdos de um programa de
formação tenha uma relativa flexibilidade [...]
11. Devem estar garantidas, nos programas de formação continuada, práticas
e recursos que permitam a ampliação do horizonte cultural e profissional
dos professores e o seu desenvolvimento pessoal [...]
12. É de igual importância que os professores em seu desenvolvimento
profissional possam não só atualizar-se em relação às leis da educação e
acompanhar as políticas educacionais como também discuti-las em uma
perspectiva crítica para se posicionar em relação a elas.
13. Definir uma sistemática de avaliação criteriosa para os programas de
formação continuada é uma necessidade [...] (BRASIL, 1998, p.131-
133)
Apesar de aparentar ser, ao primeiro contato, uma proposta inovadora que
mudaria o panorama da FI e da FC, até o momento, ainda não foi possível perceber no sistema
de ensino os benefícios que adviriam das iniciativas propostas. Não estão visíveis nem os
benefícios nem as propostas. Continuam ocorrendo os tão criticados eventos pontuais, quase
sempre fora da escola. O enfoque das dimensões contextuais e político-ideológicas da
profissão docente ainda não se deu. Há a ênfase constante na problemática do saber escolar e
do saber docente em detrimento da cultura da escola como um todo. Ainda não foram
iniciadas ações, no âmbito do sistema de ensino, que conscientemente buscassem a
articulação dialética das dimensões psicopedagógica, técnica, científica, político-social,
ideológica, ética e cultural da profissão docente.
Para que tais constatações não sirvam como elementos que tiram a
motivação em construir práticas de formação melhores do que as atuais, vale lembrar que o
que ainda não é realidade pode vir a ser. Iniciativas podem ser tomadas para conseguir níveis
36
de formação melhores para os educadores infantis e para os profissionais das outras etapas da
educação.
Quanto à busca que fazemos no CCI a estruturação do PFCS é um elemento
importante no processo de FC.
1.3.2 O programa de formação contínua em serviço
ORIGEM
Este trabalho surgiu da necessidade de intensificar o desenvolvimento
profissional das educadoras, bem como de todos os profissionais do CCI. As ações de
formação têm como foco o profissional que trabalha diretamente com as crianças, mas
participam também os profissionais da chamada equipe de apoio: supervisora, auxiliar
administrativo, auxiliar de enfermagem, auxiliar de serviços gerais, cozinheiros e auxiliar de
cozinha.
O contexto institucional e também o momento histórico de definição da
especificidade da EI e do perfil do profissional que atua nessa área foram reveladores da
urgência em sistematizar a FCS.
OBJETIVOS
O objetivo principal é dar continuidade à formação das educadoras e dos
outros profissionais, ou seja, formar continuamente em serviço.
Outros objetivos estão presentes:
- contribuir com o processo de construção da identidade profissional;
37
- criar situações em que o profissional perceba a importância e necessidade da FI e da FCS;
- incentivar o desejo de construir um saber profissional específico da EI;
- refletir sobre a prática cotidiana investigando situações, propondo ações e avaliando esse
processo;
- exercitar diferentes pontos de vista em situações que requerem solução e encaminhamento
assumindo na reflexão posições como a das crianças, dos pais, da comunidade e dos
colegas de trabalho;
- criar oportunidades de estudo;
- encaminhar profissionais para participação em cursos e outros eventos relacionados à área
de atuação;
- aproveitar situações cotidianas como elemento desencadeador de estudos de conteúdos e
de reflexões sobre a prática;
- criar oportunidades para que os profissionais possam ter diferentes encaminhamentos do
desenvolvimento profissional de acordo com sua FI e necessidades de aprendizagem.
FUNDAMENTOS TEÓRICOS
O PFCS fundamenta-se em idéias que justificam sua existência e
necessidade.
A educabilidade do ser humano e sua vocação para a humanização
fundamentam a idéia de que, numa IEI, ocorre um processo de desenvolvimento profissional
permanente. Todos os profissionais podem aprender e se desenvolver construindo um saber
baseado na experiência e na interação com o conhecimento sistematizado referente à sua
profissão. A construção desse saber requer processos de formação inicial e contínua nos quais
condições de aprendizagem e desenvolvimento sejam criadas a partir da ação entre sujeitos,
destes com o conhecimento e com sua prática cotidiana.
38
O foco do programa é a FCS como processo que possibilita a reflexão sobre
ação e move a aprendizagem e o desenvolvimento profissional. A ação individual e coletiva
torna-se elemento para reflexão também individual e coletiva numa IEI e o fazer cotidiano
impulsiona os sujeitos nele envolvidos a constituírem-se profissionais em contínua formação.
PRESSUPOSTOS
Consideramos que os pressupostos são condições necessárias já existentes
ou a serem construídas juntamente com a FCS. Não podemos nos limitar a considerá-los
como fato antecedente necessário da FCS. Alguns dos pressupostos não estão materializados
em nosso contexto, no entanto, podem ser construídos historicamente no CCI, na EI, a partir
de ações individuais e coletivas, no âmbito da formação, da política e da legislação.
O PFCS pressupõe, a partir da contribuição do Referenciais para a
Formação de Professores (BRASIL, 1998, p. 18-19):
- a natureza pública da atividade profissional do educador infantil e sua
dimensão coletiva e pessoal que implica em autonomia e
responsabilidade;
- o direito do educador infantil ao desenvolvimento profissional
permanente;
- a participação no projeto educativo e curricular da escola, a produção de
conhecimento pedagógico e a participação na comunidade educacional
como uma das dimensões da ação educativa e como parte da formação
do educador;
- atuação profissional do educador não meramente técnica, mas intelectual
e política, visando o desenvolvimento das crianças como pessoas em
suas múltiplas capacidades;
39
- o compromisso com o sucesso nas aprendizagens de todas as crianças
considerando as diferenças culturais, sociais e pessoais;
- desenvolvimento profissional com metodologias baseadas na
articulação entre teoria e prática, na resolução de situações-problema e
na reflexão sobre a própria atuação;
- parceria e cooperação entre diferentes instituições;
- estreitamento das relações entre as instituições de formação profissional
e as redes de escola;
- vinculação dos projetos de desenvolvimento profissional às condições
de trabalho, avaliação, carreira e salário.
DEFINIÇÃO DE CONTEÚDOS
Os conteúdos presentes na FCS devem, em primeiro lugar, estar
relacionados às necessidades apresentadas pelos profissionais do CCI. Serão tomados como
referência na definição dos conteúdos cinco âmbitos do saber do profissional da educação
(BRASIL, 1998, p. 87):
- conhecimento experiencial contextualizado em situações educacionais;
- conhecimento sobre crianças, jovens e adultos;
- conhecimento sobre a dimensão cultural, social e política da educação;
- cultura geral e profissional;
- conhecimento pedagógico.
A definição de conteúdos específicos para cada período da FCS deve ser
realizada a partir da identificação de necessidades de formação da equipe inteira, de cada
dupla de educadoras responsáveis pelos grupos de crianças, de cada educadora em particular e
da equipe de apoio. Devem ser considerados os cinco âmbitos do saber profissional na
40
educação citados acima. A partir daí a programação de trabalho deve ser elaborada para as
Reuniões Gerais de Equipe, para as Orientações Semanais das duplas de educadoras e da
equipe de apoio, para Orientações Individuais, para os eventos promovidos pelo CCI como o
Grupo de Estudos e Debates de Profissionais de CCIs da UNESP e mini-cursos em que
profissionais são convidados a orientar a equipe sobre determinado tema e para outras ações
de formação que surgirem.
ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO
A base do encaminhamento metodológico é a identificação das necessidades
de formação através:
- do registro das necessidades relatadas pelos profissionais;
- da observação das necessidades reveladas nas ações cotidianas e ainda
não traduzidas nos relatos verbais, mas identificadas pela supervisora,
por outro integrante da equipe, apontadas pelas crianças ou pelos pais;
- da consideração dos diferentes âmbitos do saber profissional citados na
definição dos conteúdos.
Depois da identificação de determinadas necessidades, o que ocorre
continuamente, é elaborada uma proposta de formação. Caso se trate de uma necessidade que
abrange toda a equipe todos os funcionários participam do processo. Quando não, reúnem-se
grupos menores.
Em seguida, ocorrem as ações de formação presentes na proposta elaborada.
Alguns exemplos dessas ações:
- análise de situação problema;
- modificação de procedimento no trabalho com crianças, famílias ou com
os profissionais do CCI;
41
- estudo que demanda pesquisa bibliográfica e leitura;
- observação intensiva de situações relacionadas a algum estudo presente
na proposta de formação;
- participação em mini-curso promovido pelo CCI;
- participação em cursos promovidos por outras instituições;
- estudos em comissões constituídas a partir de necessidades apresentadas.
Durante o processo de identificação de necessidades, a elaboração de
propostas de formação e a realização de ações de formação ocorre a avaliação do momento de
FCS em questão. As ações de formação estão atendendo as necessidades apresentadas? Quais
serão os encaminhamentos para as necessidades já apresentadas e para as que estão surgindo?
ESPAÇOS DE FORMAÇÃO
Os procedimentos definidos no encaminhamento metodológico são
concretizados em diferentes espaços de formação:
- Orientações semanais das educadoras: ocorrem durante o período de
aproximadamente uma hora para cada dupla de educadoras responsáveis
por um grupamento de crianças com a supervisora. É o espaço em que as
situações-problema relativas ao trabalho de cada turma são discutidas e
implementadas ações de formação referentes a elas. São tratadas
também questões referentes ao registro escrito diariamente pelas
educadoras sobre a dinâmica de trabalho com as crianças, a elaboração,
execução e avaliação do plano anual ou semestral, as parcerias
estabelecidas com as famílias, o planejamento das reuniões de pais, etc.
- Orientações semanais da equipe de apoio: ocorrem durante o período de
aproximadamente uma hora com a participação dos auxiliares de
42
enfermagem, de administração, de serviços gerais, de cozinha e
cozinheiros juntamente com a supervisora. É o espaço em que as
situações-problema relativas ao trabalho de cada área composta pela
equipe de apoio e do CCI em geral são discutidas e, a partir daí, são
propostas ações de formação.
- Orientações individuais: ocorrem de acordo com a necessidade da
supervisora e de cada profissional em tratar de assuntos referentes a
necessidades individuais de formação ou abordar situações que merecem
maior privacidade.
- Reuniões gerais de equipe: ocorrem a cada três meses, na última sexta-
feira do mês. Nessa ocasião é suspenso o atendimento às crianças por
um dia e a equipe trabalha com planejamento e avaliação das atividades
em cada grupamento de crianças ou em cada setor da equipe de apoio,
na elaboração do projeto pedagógico, no estudo de conteúdos
identificados como necessários para a FCS, com a avaliação de projetos
referentes ao funcionamento geral do CCI, com a troca de informações
sobre o andamento do trabalho em cada agrupamento ou setor, etc.
Participam dessa reunião todos os funcionários do CCI e também as
duas professoras da Rede Municipal de Ensino responsáveis pelas duas
turmas de pré-escola que funcionam no CCI.
- Grupo de estudos e debates de profissionais de CCIs da UNESP: têm
ocorrido anualmente e em 2004 terá sua quarta versão. Participam desse
evento profissionais de alguns dos 14 CCIs. Gradativamente tem
aumentado esse número, inicialmente foram três e neste ano a previsão é
de seis. São espaços de troca de experiências entre os profissionais,
43
reflexão sobre o papel dos CCIs na Universidade, exercício de
elaboração de propostas coletivas e reflexão sobre o próprio trabalho.
- Reuniões da comissão de eventos: ocorrem segundo um calendário anual
em que antes de cada evento há um encontro para elaboração de
proposta, uma consulta à equipe e outro encontro para elaboração do
plano. Após o evento ocorre um encontro em que são analisadas fichas
de avaliação de cada membro da equipe e consideradas as alterações
necessárias para as próximas situações. Participam da comissão a
supervisora, uma educadora de cada turma, um dos funcionários da
cozinha e demais integrantes da equipe de apoio caso tenham interesse.
- Reuniões gerais de pais: ocorrem três vezes ao ano e duram cerca de
uma hora e meia. É definido um tema através de consulta aos pais e
funcionários do CCI e convidado um profissional que tem estudos e/ou
pesquisa na área para apresentar elementos e conceitos que darão
fundamento à discussão durante a reunião. Participam os pais, a
supervisora, os funcionários do CCI que fazem parte do Conselho
Assessor da Coordenação e outros funcionários de acordo com a
disponibilidade na ocasião.
- Reuniões de pais por grupo: ocorrem três reuniões deste tipo por ano.
Têm duração de aproximadamente uma hora e são coordenadas pelas
educadoras responsáveis pelo grupo de crianças. Elas definem um tema
e elaboram um plano para a reunião. São incluídos nos procedimentos a
leitura de um relatório individual de desenvolvimento e aprendizagem e
acesso ao portfólio da criança.
44
- Reuniões extraordinárias com pais: ocorrem de acordo com a
necessidade apresentada pelas famílias e pela equipe. São tratados
assuntos referentes ao trabalho no CCI e/ou desenvolvimento e
aprendizagem das crianças. Participam as educadoras, pais e, quando
necessário, a supervisora.
- Outros espaços: cursos e outros eventos ligados à EI, visitas de outros
profissionais ao CCI, visitas a outras IEI, participação em projetos de
pesquisa desenvolvidos por professores e alunos da FCT no CCI na
condição de sujeitos.
PAPEL FORMADOR DA SUPERVISÃO
Cabe à supervisora do CCI coordenar o PFCS planejando-o juntamente com
a equipe, encaminhando as ações de formação, observando continuamente o trabalho para
identificar as necessidades e conduzir a tomada de decisões. Além da gestão de questões
administrativas, o papel da supervisora como formadora da equipe e como profissional em FC
é fundamental para que fique marcado na trajetória da instituição o desenvolvimento de todos
os profissionais. A supervisão é uma referência importante na articulação de diferentes pontos
de vista e na identificação de elementos da prática que impulsionam a reflexão sobre a ação.
A interação com profissionais, crianças e pais servirá como base para a articulação e interação
citadas.
Durante o processo de FCS a supervisora do CCI deverá contribuir com a
equipe no desenvolvimento de melhores níveis de autonomia dos profissionais de modo que
assumam cada vez mais a responsabilidade pela própria formação. Portanto, a construção do
programa é responsabilidade coletiva.
45
As ações de formação deverão ter como foco tanto a equipe como um todo,
como cada profissional ou grupo deles, de acordo com as necessidade e interesses
apresentados.
AVALIAÇÃO
A avaliação do PFCS é realizada a partir da verificação do alcance de seus
objetivos. Planejamento, execução e avaliação são ações presentes continuamente.
As vozes de todos os participantes e construtores do programa devem ser
ouvidas no processo de avaliação que norteia o planejamento e a execução. Todos os espaços
de formação podem ser também momentos para avaliar o PFCS. Para tanto, diversos
instrumentos podem ser utilizados. A percepção de todos os profissionais em relação ao
alcance dos objetivos do programa e, em especial, da supervisora que precisa conservar a
visão mais ampla possível do processo de FCS, é um deles. A avaliação do desenvolvimento e
aprendizagem das crianças, a percepção das famílias em relação ao trabalho realizado, as
ações cotidianas dos profissionais e o saber nelas revelado são também instrumentos. Outros
podem ser identificados desde que forneçam elementos para encaminhar as ações revistas pela
avaliação.
A FCS assim caracterizada nos prepara para a apresentação da
fundamentação teórica da pesquisa.
46
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Três elementos ocuparão o lugar principal na fundamentação teórica: a FCS,
a identidade profissional e as contribuições que a FCS podem oferecer no processo de
construção da identidade profissional do educador infantil. No entanto, será necessário
contextualizarmos o estudo recorrendo a elementos da história da EI no Brasil.
Posteriormente tratarei da FCS e da identidade do profissional da EI. Abordarei alguns
elementos presentes em autores que confirmam a possibilidade de contribuição da FCS no
processo de identificação do profissional.
Muitas reflexões podem ser geradas a partir da abordagem da FCS,
colaborando posteriormente com a análise dos dados obtidos na pesquisa.
2.1 A educação infantil no Brasil
Segundo Kuhlmann Jr. (1998), no âmbito internacional, as instituições pré-
escolares foram difundidas a partir da segunda metade do século XIX, fazendo parte de
medidas de “assistência científica”. A creche surgiu como substituição às Casas dos Expostos,
nas quais crianças eram abandonadas.
No Brasil as primeiras propostas de instituições de educação infantil
surgiram no final do século XIX.
No ano de 1899, ocorreram dois fatos que permitem considerá-lo como
marco inicial do período analisado. Em primeiro lugar, fundou-se o Instituto
de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, instituição pioneira,
de grande influência, que posteriormente abriu filiais por todo o país. Em
segundo lugar, foi o ano de inauguração da creche da Companhia de Fiação
47
e Tecidos Corcovado (RJ), a primeira creche brasileira para filhos de
operários de que se tem registro. Entretanto, é possível identificar alguns
momentos anteriores a essa data, quando ocorreram manifestações
importantes em relação às instituições pré-escolares.
Em janeiro de 1879, no Rio de Janeiro, foi lançado um jornal chamado A
Mãi de Família, destinado às mães burguesas, às senhoras fluminenses,
tendo como redator principal o Dr. Carlos Costa, médico especialista em
moléstias das crianças. Nessa publicação, em destaque, como primeiro artigo
do jornal, apareceu uma das primeiras referências à creche em nosso país,
escrita pelo Dr. K. Vinelli, médico do Expostos da Santa Casa de
Misericórdia do Rio de Janeiro.
O artigo, publicado em partes até o número 6 do jornal, intitulava-se A
Creche (asilo para a primeira infância). Vinelli apresentou a creche de
forma peculiar, pois, enquanto na França e nos países europeus, ela era
proposta em nome da ampliação do trabalho industrial feminino, aqui ainda
não havia uma demanda efetiva daquele setor. O autor, embora se referindo
a essa característica da nova instituição, mostrou-se preocupado com a lei do
Ventre Livre, que teria trazido um problema para as donas de casa, em
relação à educação das crianças de suas escravas[...]
Aliás, a chamada creche popular foi criada – e até hoje ainda mantém muito
dessa característica – mais para atender às mães trabalhadoras domésticas,
do que às operárias industriais. (KUHLMANN JR., 1998, p. 82-83, grifos do
autor)
O surgimento de creches e de pré-escolas no Brasil foi muito vinculado a
ideais de assistência à população desvalida e também a uma espécie de proteção à sociedade.
A preocupação em não ter que educar os filhos livres de escravas nas residências das senhoras
ilustra a tentativa de proteção. A creche em substituição às Casas dos Expostos que abrigavam
bebês abandonados também é ilustrativa, tendo em vista que o abandono era encarado como
um desvio social.
Ficava evidente a diferença entre as iniciativas de criação de instituições de
EI para os pobres e outras ações voltadas para criação de jardins-de-infância para os ricos. Em
1883 houve uma Exposição Pedagógica que teve como tônica a defesa de interesses privados
na educação pré-escolar. A utilização do termo “pedagógico” representava um trunfo na
propaganda de mercado. Observemos um trecho de relatório elaborado por Souza Bandeira
Filho, Inspetor Geral da Instrução Pública, sobre uma viagem que realizou na Europa para
obter informações sobre o ensino pré-escolar.
48
Na Áustria e Alemanha principalmente, os Kindergarten ainda são reputados
uma instituição fora do alcance das classes populares; estas levam seus filhos
para os asilos, que os guardam durante o dia, e mais se preocupam com a
propaganda religiosa. As classes médias e as superiores, pelo contrário,
enviam seus filhos aos institutos mantidos pelas associações
(Vereinkindergarten) ou contratam senhoras que educam em casa as crianças
conforme os preceitos do sistema. [...] O sistema Froebel é uma reforma
exclusivamente pedagógica. Seguramente convém introduzir nos
estabelecimentos de caridade destinados às crianças aquela educação
racional, a única compatível com o progresso científico; mas não se
confundam causas tão essencialmente distintas. (BANDEIRA FILHO, 1883,
p. 30, apud KUHLMANN JR., 1998, p. 84)
Várias entidades de assistência criaram creches, tais como o Instituto de
Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, a Associação das Damas da Assistência à
Infância, O Patronato de Menores, a Assistência Santa Thereza e a Associação Feminina
Beneficente e Instrutiva.
Não havia consenso na sociedade sobre a existência de creches. Alguns
acreditavam que sua existência retiraria da mãe a responsabilidade primordial sobre o filho
pequeno. Outros a entendiam como um mal necessário e acabaram sendo fortes defensores de
sua criação. Dentre as mazelas existentes na sociedade como o abandono de crianças e
conseqüente óbito, bem como possibilidade de marginalização futura via-se como melhor
caminho investir assistencialmente na infância. Isso representava uma abordagem científica
dos problemas sociais e uma saída para a mãe trabalhadora. Estavam envolvidos
os saberes jurídico, médico e religioso no controle e elaboração da política
assistencial que estava sendo gestada, e que tinha na questão da infância o
seu principal pilar. Cada saber apresentava as suas justificativas para a
implantação de creches, asilos ou jardins-de-infância, e seus agentes
promoveram a constituição de associações assistenciais privadas [...]. Essas
influências se articularam, em nosso país, tanto na composição das
entidades, como na participação e organização de congressos sobre os temas
da assistência, da higiene, da educação, etc., que ocorreram em número
expressivo [...]. (KUHLMANN JR., 1998, p. 88)
Entre os saberes citados, o que aparentemente se sobrepõe é o do médico-
higienista dada sua grande influência na implantação de creches e dado o caráter médico
sanitário do atendimento pré-escolar inicial.
49
As creches teriam até funcionado como laboratórios para os médicos, como
na creche anexa à Escola Doméstica de Natal (RN) criada em 1914 pelo Dr.
Henrique Castriciano. A creche, sob a guarda de miss Rose Jammes,
diplomada pelo Watts Hospital, Estados Unidos, recebia anualmente seis
crianças internas para observação diária das alunas, além das que o professor
julgava conveniente trazer ao estabelecimento, para o estudo de diversas
moléstias, notadamente das tropicais. (KUHLMANN JR., 1998, p. 91)
A influência jurídico-policial deu-se devido a uma onda de preocupação
com a infância moralmente abandonada. A pobreza era compreendida como “uma ameaça à
tranqüilidade das elites” (KUHLMANN JR, 1998, p. 93).
Os objetivos do Patronato de Menores, estabelecidos nos estatutos de 1909,
eram: fundar creches e jardins-de-infância; proporcionar aos menores pobres
recursos para o aproveitamento do ensino público primário; incutir no
espírito das famílias pobres os preciosos resultados da instrução; auxiliar os
Juízes de Órgãos no amparo e proteção aos menores materialmente e
moralmente abandonados; promover a proibição das vendas por menores na
escola perniciosa das ruas; codificar as causas que acarretam a cessação do
pátrio poder; evitar a convivência dos menores de ambos os sexos,
promovendo a extinção da promiscuidade nos xadrezes, criando depósitos
com aposentos separados para ambos os sexos; promover a assistência dos
detentos menores; tratar da reforma das prisões de menores; e esforçar-se
para que se realize a fiscalização de todos os asilos e institutos de assistência
pública e privada. (KUHLMANN JR., 1998, p. 93-94)
Para completar o panorama das influências é destacada a religiosa. A Igreja
Católica oferecia sua contribuição no sentido de apagar as mazelas sociais, promover a ordem
e colaborar com a felicidade da população.
Os médicos e juristas não prescindiram da orientação religiosa nos seus
estabelecimentos, como se poderia supor. Cabe ressalvar que há
posicionamentos mais laicos como os de Moncorvo Filho e de Franco Vaz,
vendo, no caráter cientificamente organizado da assistência, uma
contraposição à caridade religiosa. Entretanto, não é uma postura que levou a
rompimentos com a Igreja Católica: havia muito mais uma acomodação de
interesses, o que pode ser observado na presença do monsenhor Fernando
Rangel para benzer o novo edifício sede do IPAI-RJ, em 1929; em discursos
efetuados nos congressos; ou então nas creches e asilos, onde os religiosos
trabalhavam, como os da Vila Maria Zélia e do Patronato de Menores, que
tinha também uma capela para o ofício religioso. (KUHLMANN JR., 1998,
p. 96)
Havia contestações a toda essa organizada atuação em várias frentes da
“assistência científica”. Kuhlmann (1998) cita Palmeira como um dos contestadores da
50
situação vigente e propositor de um modo diferente de abordar a miséria que assolava a
infância.
A miserabilidade infantil [...] só poderá ser evitada se fizerem cessar o
egoísmo capitalista, de cuja cessação surgirá a fraternidade entre os povos,
isto mesmo depois de muita luta e obstinação, de muito sacrifício e muitas
revoluções. Com equilíbrio econômico entre os homens, sim, o problema
social, no aspecto materialístico, chegará ao seu termo final e, nunca, pelas
discussões de teses empomadadas de engomados sociólogos, que olham a
vida por entre as frestas das venezianas, ricamente trabalhadas de seus
palacetes ou que olham a vida através dos vidros de seus luxuosos
automóveis.[...]
Para esses sociólogos de pacotilha o abandono da infância se acabará com
simples, com meras sugestões de filantropismo, como se possível lhes fosse
solucionar o problema com a criação de casas de caridade. Contra isto,
contra este filantropismo barato, falsificado, protesta a verdade histórica,
porquanto até hoje o coeficiente de pequeninos miseráveis não tem
diminuído. (PALMEIRA, 1921, p. 85, apud KUHLMANN JR., 1998, p. 98-
99)
As contribuições de Kuhlmann (1998) referem-se ao período de 1899 a
1922. Para tratar de período posterior serão utilizadas contribuições de Kramer (1984). A
década de 30 é considerada por Kramer como um limite devido as modificações políticas,
econômicas e sociais no país. Portanto, a autora define para análise um período de 1930 a
1980.
É necessário reportar-se ao início do período citado para compreender suas
características iniciais.
A assistência à infância vinha-se dando, até os meados da década de 20,
basicamente através de instituições particulares. O 1º Congresso de Proteção
à Infância, de 1922, apelara justamente para o apoio das autoridades
governamentais. No intervalo do 1º ao 2º Congresso – realizado em 1933 –
foram introduzidos órgãos novos na aparelhagem da assistência à infância,
tais como lactários, jardins de infância, gotas de leite, consultórios para
lactentes, escolas maternais, policlínicas infantis. Reproduziam-se, além
disso, as campanhas em favor do aleitamento materno e contra o comércio
das criadeiras, consideradas como uma das principais causas da mortalidade
infantil. Havia grande defesa das creches e do atendimento público à
infância, “desvalida” e “abandonada”. (KRAMER, 1984, p. 60)
A responsabilidade pelo atendimento à infância era prioritariamente do setor
público, mas a iniciativa privada também era convocada, bem como as associações religiosas,
51
organizações leigas, médicos, educadores e leigos. Os custos eram divididos com os órgãos
particulares, porém a direção e o controle do atendimento eram responsabilidade do governo.
Contradições de diversas formas apareciam nas argumentações: por um lado,
era reconhecido que cabia ao governo o dever de fundar e sustentar
estabelecimentos tais como creches, lactários, jardins de infância e hospitais;
por outro lado, afirmava-se que não existia uma só municipalidade no País
que pudesse cumprir integralmente essa obrigação com seus próprios
recursos. Daí se tornar indispensável a ajuda financeira de indivíduos
abastados e de entidades filantrópicas.
Neste quadro, percebem-se duas tendências que até os dias de hoje
caracterizam o atendimento à criança em idade pré-escolar: o governo
proclama(va) a sua importância e mostra(va) a impossibilidade de resolvê-lo
dada as dificuldades financeiras em que se encontra(va), enquanto imprimia
uma tendência assistencialista e paternalista à proteção da infância brasileira,
em que o atendimento não se constituía em direito, mas em favor. Ambas as
tendências ajudam a esconder que o problema da criança se origina na
divisão da sociedade em classes sociais. (KRAMER, 1984, p. 63-64)
Nesta época foram criados diversos órgãos oficiais para realizar a
assistência à infância, ligados a Ministérios do Governo Federal:
- 1940 - Departamento Nacional da Criança;
- 1941 - Serviço de Assistência da Justiça e dos Negócios Interiores;
- 1972 - Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição;
- 1975 - Coordenação de Educação Pré-Escolar.
No âmbito da iniciativa privada a Organização Mundial de Educação Pré-
Escolar (OMEP) teve seu comitê brasileiro criado em 1952.
No período analisado, o Departamento Nacional da Criança teve um papel
de destaque e sua atuação centrou-se em duas tendências:
- a médico-higiênica, que se fortaleceu a partir de 1948 e durante a década
de 50 foi claramente revelada através de programas e campanhas de
“combate à desnutrição, vacinações e diversos estudos e pesquisas de
cunho médico realizadas no Instituto Fernandes Figueira.” (KRAMER,
1984, p. 67);
52
- a individual-assistencialista, que se caracterizou por considerar a criança
isoladamente e implementar “programas de fortalecimento da família e
de educação sanitária” (KRAMER, 1984, p. 67)
Quanto à “assistência educacional”, o Departamento Nacional da Criança
tinha como objetivo criar Centros de Recreação em áreas anexas a igrejas. “A recreação era
considerada a ‘arma principal na luta contra atitudes anti-sociais’ e defendia-se que o
atendimento das crianças deveria ser prioritariamente executado pelos setores médicos.
(KRAMER, 1984, p. 69)
O referido Departamento sofreu enfraquecimento e desmembramento,
muitos de seus serviços foram assumidos pelo Ministério da Saúde.
Atribui-se então, todas as mazelas sociais à responsabilidade da família,
mascaravam-se os determinantes sociais e os ensaios de iniciativas ditas educacionais
estavam impregnados de uma necessidade de compensação de todo o tipo de déficit de que a
criança pobre era supostamente portadora.
Em 1940, foi incluída na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) a
obrigatoriedade da implantação de creches em empresas particulares que empregassem mais
de 30 mulheres com mais de 16 anos de idade.
Na década de 70 a sociedade civil reivindicou a construção e administração
de creches pelo Estado.
A partir da contribuição de Munerato (2002) devemos lembrar que a década
de 80 foi marcada por movimentos sociais e pela reorganização da sociedade civil. A
manifestação dessas mudanças esteve presente na educação através da reivindicação por
educação de qualidade para todos e de melhoria de salário e formação para os professores.
[...] a década de 80 constitui-se no momento em que a sociedade civil
articula-se em resistência ao governo militar que, enquanto poder, não
atendia às necessidades da sociedade como um todo, por estar voltado para a
política dos desmandos, corrupções, aproveitamentos próprios, distribuindo
53
favores, num processo de opressão domesticadora da sociedade, tornando o
assistencialismo uma prática incontrolável.
Historicamente, a Educação Infantil esteve preterida no âmbito legal, sendo
citada na Lei 5.692/71 apenas como uma recomendação: “Os sistemas de
ensino velarão para que as crianças de idade inferior a sete anos recebam
convenientemente educação em escolas maternais, jardins da infância e
instituições equivalentes” (art. 19 § 2º). A Educação Infantil, embora
expandindo-se quantitativamente, ressentia-se da falta de legislação que
tratasse de sua especificidade. Embora ganhasse espaço nos planos de
educação do MEC e das Secretarias de Educação, é com o movimento
nacional “Criança e Constituinte”, promovido de junho de 1986 a outubro de
1988 por vários organismos públicos e privados, que a exigência da
Educação Infantil tornou-se realidade forte e irreversível no Brasil. A
Comissão “Criança e Constituinte” foi formada por sete ministérios e oito
organizações não governamentais.
Outros grupos, independentes ou articulados com o Movimento Nacional
“Criança e Constituinte”, também levantaram bandeira, resultando o
reconhecimento da educação de zero a seis anos como um direito da criança,
por inclusão, pois destaca-se na Constituição (art. 205) que a educação é
direito de todos. (MUNERATO, 2002, p. 4)
Segundo Munerato (2002), a educação infantil foi o nível educacional que
mais cresceu nos últimos 15 anos, ou seja, seu índice de crescimento foi de 164,3%. De 1979
a 1989 o número de crianças matriculadas na educação infantil triplicou. No Estado de São
Paulo o crescimento foi de 97,2% durante os anos 80.
O início da década de 80 é marcado por ações incisivas do Ministério da
Educação e Cultura (MEC) com respeito à Educação Infantil. Ocorreu
expansão do acesso, atendendo uma população expressiva nas matrículas,
correspondendo aos parâmetros da discussão da quantidade.
A formulação de propostas pedagógicas para o desenvolvimento do trabalho
com esse nível de ensino, a discussão sobre o binômio quantidade-qualidade,
ligados à questão do planejamento e da avaliação dos sistemas de ensino,
têm sido, na Educação Infantil, importantes desde os anos 70 até hoje.
(MUNERATO, 2002, p. 1-2)
Em 1988, na Constituição Brasileira, foi reconhecido o direito da criança
pequena à educação e o direito dos pais trabalhadores a terem seus filhos sendo atendidos em
instituições apropriadas à faixa etária de 0 a 6 anos.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 9394) promulgada
em 1996 inclui a educação infantil como uma etapa da Educação Básica juntamente com o
Ensino Fundamental e Médio.
54
O processo histórico, político e social pelo qual passou a luta pelo direito à
creche até nossos dias representou conquistas muito importantes. Além do reconhecimento
legal, conquistamos um novo olhar para a criança. A infância tem sido compreendida como
um tempo importante por si próprio na vida da pessoa. Um tempo que será referência para os
períodos posteriores, mas que é em si mesmo importante. Um tempo de muitas possibilidades
de desenvolvimento e aprendizagem. Quanto mais ricas forem as interações com as outras
pessoas (família, outras crianças, profissionais de EI, etc.), melhor conhecerão o mundo. As
experiências vividas numa IEI, organizadas por profissionais conscientes da intencionalidade
educativa de suas ações, irão colaborar com a formação de um sujeito na infância e não de um
futuro sujeito.
Nesse processo de reconhecimento gradativo da importância da educação
infantil e da garantia de seu oferecimento pelo Estado como direito da criança e dos pais, a
identidade atribuída para e assumida pela educadora infantil vem passando por modificações.
De uma identidade profissional pouco valorizada, não caracterizada por um saber específico
da profissão, mas sim por um saber transplantado das atividades domésticas e maternas,
estamos caminhando para outro perfil. O de um profissional que precisa ter uma formação
inicial adequada às especificidades da EI e continuar a formação através de buscas pessoais e
de programas criados nas instituições em que trabalham.
2.2 A formação contínua em serviço
Atualmente a discussão sobre a melhoria da qualidade do ensino nos
diferentes níveis do sistema educacional tem recaído sobre a potencialidade da formação do
55
professor como elemento definidor dos resultados alcançados no ensino e na aprendizagem.
Assim, uma grande responsabilidade dos professores e de seus formadores fica registrada
diante dos problemas educacionais existentes em nosso país. Aparecem iniciativas de
formação contínua como situação de redenção de todos os problemas do sistema educacional,
principalmente daqueles que se deflagram na unidade escolar.
Cada vez mais vem sendo discutida a importância da continuidade de
formação do professor após a conclusão do curso que o habilita inicialmente para exercer a
docência. Em nosso país ainda existem muitos profissionais que assumem o papel de
professores sem ter cursado uma habilitação específica para o magistério. Logo, se faz
presente também a necessidade de formação para aqueles que já trabalham como professores,
mas não fizeram um curso de formação inicial.
A formação está presente em diferentes momentos da vida da pessoa que
opta pelo exercício da docência. Para que sua significação não fique diluída em meio a tantas
finalidades a que serve, é necessário conceituá-la e caracterizá-la.
A formação inicial (FI), segundo Salles e Russef (2002, p.5), é um período
em que “o futuro professor estaria envolvido exclusivamente com as demandas próprias à sua
condição de estudante, cujo termo, obviamente, coincide com a sua formatura”. A aquisição
de determinadas habilidades mínimas e indispensáveis é enfocada para que o futuro professor
inicie-se na sua profissão.
É importante não confundir FI com o processo posterior de FC que se dá
após o curso de formação inicial ou depois que o profissional passa a exercer a docência,
mesmo sem uma habilitação específica.
A FC tem uma finalidade específica que é promover a aprendizagem e o
desenvolvimento profissional dos professores que dela participam. No entanto, “vem se
consagrando a idéia de uma educação vinculada exclusivamente ao cumprimento de uma
56
tarefa infinita, em permanente mutação e, portanto, sem possibilidade de ser definitivamente
realizada” (SALLES; RUSSEFF, 2002, p. 3). As práticas calcadas nessa idéia de infinitude
que bloqueia os resultados a serem alcançados, não são aqui consideradas como legítimas.
Sabe-se que o desenvolvimento profissional pode se dar ao longo de toda a vida do professor,
mas isso não nos isenta de perseguir resultados concretos e de avaliar a efetividade do
processo de formação. A continuidade é compreendida como elemento possibilitador de
novas tentativas que ocorrem para superar o momento anterior de desenvolvimento
profissional e não uma desculpa para que todos permaneçam como estão.
O seu lugar é um ponto a ser considerado com grande atenção. A FC,
estudada no presente trabalho, é aquela que tem como pólo disseminador a escola, o local
onde o professor exerce a docência. Trata-se da formação contínua em serviço.
Porém, a escola não é o local exclusivo de formação. Além de formar-se na
escola “os professores também se formam nas lutas democráticas e sindicais, na vida familiar,
nos momentos de lazer e de fruição estética e em tantos outros que, como se pode perceber,
excedem a experiência profissional restrita ao ambiente escolar”. (SALLES; RUSSEFF, 2002,
p. 2).
Considerando a formação inicial com toda a importância que tem como
momento possibilitador de aprendizagens significativas para o futuro professor, de intenso
contato com a realidade educacional, de reflexão sobre a prática educativa, cabe ressaltar que
neste trabalho toma-se como foco a FCS compreendida como momento indispensável
posterior a FI. A coexistência dos dois tipos de formação dentro do sistema educacional é um
elemento enriquecedor das práticas educativas. Não há necessidade de supervalorizar
nenhum dos dois momentos, visto que os ambos são indispensáveis e merecem investimento
de igual monta. Nenhum profissional, muito menos o professor, pode construir uma carreira
com práticas de qualidade se não continuar se formando após a FI. O espaço privilegiado para
57
isso, ou seja, o pólo disseminador das ações de formação contínua é o próprio local de
trabalho, a escola, por isso a formação em serviço acontece no contexto onde o professor
exerce suas funções.
O processo aqui nomeado de FC recebe muitos outros nomes. Não se trata
apenas de mudança de nomenclatura. Dependendo de como é nomeado sua significação no
sistema educacional é alterada. Os formadores buscam determinados resultados em processos
chamados, no passado e no presente, de treinamento de professores, capacitação,
aperfeiçoamento, reciclagem. Marin (1995) discute termos e concepções utilizados ao longo
dos anos quando o assunto é a formação contínua de professores.
Segundo Marin (1995) decisões são tomadas e ações são propostas,
justificadas e realizadas através dos conceitos subjacentes aos termos utilizados. Portanto,
propõe uma análise dos seguintes termos: reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento,
capacitação, educação permanente, formação continuada, educação continuada.
Marin utiliza os termos educação continuada e formação continuada. Estou
utilizando o adjetivo contínua compreendendo que contínua ou continuada referem-se a uma
formação que ocorre após a inicial e se prolonga, tem continuidade, ou seja, representam uma
ação contínua.
O termo reciclagem foi muito utilizado, principalmente na década de 80.
Sua definição seria uma atualização pedagógica e cultural para alcançar melhores resultados.
Esta definição é comprometedora, porque traz implícita a concepção de que ao ocorrer a
reciclagem altera-se substancialmente um material “manipulável e passível de destruição para
posterior atribuição de nova função ou forma” (MARIN, 1995, p. 14). O professor estaria
identificado com esse material e isso não condiz com processos que envolvem pessoas,
profissionais de educação. Trata-se de sujeitos que têm saberes e que necessitam de elementos
de formação que não se reduzem à atualização.
58
Treinamento foi outro termo utilizado, segundo Marin (1995) na educação
continuada de professores. Significa tornar destro, apto, capaz de realizar determinada tarefa.
Ao propor um treinamento a ênfase seria modelar comportamento através de automatismos. O
que não condiz com a atividade educativa que pressupõe ações criativas, flexíveis e
autônomas. Sua utilização não é adequada para a formação contínua e sim para casos pontuais
de treinamento de habilidades específicas.
Tornar perfeito, completar o que estava incompleto, emendar os próprios
defeitos, são significados do termo aperfeiçoamento, também bastante utilizado. A
inadequação principal do termo é apontada por Marin (1995, p. 16) como uma incoerência
com a idéia de “educabilidade do ser humano”, pois quando se usa o termo aperfeiçoamento
supõe-se que o processo educativo é um “conjunto de ações capaz de completar alguém, de
torná-lo perfeito, concluí-lo”. É impossível atingir a perfeição do homem. Seria possível
pensar em aperfeiçoamento no sentido de corrigir defeitos, melhorar a formação, mas não
como processo em que os professores tornariam-se perfeitos.
O termo capacitação traz dois conjuntos de enunciados em sua significação.
O primeiro seria tornar capaz, habilitar e o segundo seria convencer, persuadir. Segundo
Marin (1995), o primeiro enunciado é coerente com a idéia de educação continuada, enquanto
o segundo não. Os educadores precisam tornar-se mais capazes, o que refletirá no seu
desempenho na profissão. Convencimento ou persuasão não seriam ações compatíveis com a
idéia de que os professores devem conhecer, analisar e criticar as idéias que lhes são
apresentadas.
São tratados juntamente por Marin (1995) os termos educação permanente,
formação continuada e educação continuada, que têm como eixo o conhecimento. O centro
da formação é o conhecimento, portanto, estes termos são mais coerentes com o processo
educativo dos professores do que os citados anteriormente.
59
A educação permanente é um processo de educação prolongado pela vida
toda e permite problematização das necessidades, auto-avaliação, auto-formação e auto-
gestão. Nesse processo o papel dos formadores é superar as relações de dependência e o
paternalismo.
A formação continuada é uma atividade conscientemente proposta, voltada
para a mudança, é um processo de socialização formal e informal de professores.
A educação continuada é a mais completa, segundo Marin (1995, p. 18),
porque propõe e implementa processos de formação no local de trabalho, continuamente,
“uma verdadeira prática social de educação mobilizadora de todas as possibilidades e de todos
os saberes profissionais”.
Apesar da opção pelo termo educação continuada, a autora citada afirma
que é possível utilizar mais de um termo e sua concepção de acordo com as circunstâncias e
necessidades. No presente trabalho a opção é utilizar o termo formação contínua para que
fique bem definida sua relação de ocorrência posterior à formação inicial. No caso dos
profissionais que não cursaram uma habilitação para o magistério será considerada como FI
aquela que ocorreu em sua história de vida, mesmo não sendo a adequada e exigida na
legislação educacional.
Para enriquecer a compreensão da FC podemos focar a conceituação
proposta por Fusari e Rios:
Por formação continuada estamos entendendo o processo de
desenvolvimento da competência dos educadores, aqueles que têm como
ofício transmitir – criando e reproduzindo – o conhecimento histórica e
socialmente construído por uma sociedade. O ofício de “ensinador”, hoje,
enfrenta o desafio de buscar a superação de problemas que se iniciam pela
necessidade de explicitar as exigências de seu próprio papel – o dever-ser -,
a dimensão ética, os novos paradigmas para uma reflexão que se pretende
aprofundada e abrangente. Isto se agrava quando se considera a educação
continuada do educador, a “ensinação do ensinador” em sua prática
cotidiana. (FUSARI; RIOS, 1995, p. 38, grifo dos autores).
60
Segundo Fusari e Rios (1995), para que haja uma política de FCS para
professores, é necessário levar em conta alguns pressupostos:
- considerar o conjunto de fatores (estruturais e conjunturais) que
condicionam a prática dos professores, definindo suas possibilidades;
- considerar as deficiências do sistema formal de ensino a que o educador
teve acesso como aluno, reconhecendo que a formação em serviço não preencherá todas
as lacunas;
- considerar a FC como um processo;
- possibilitar que os professores discutam sobre os problemas cotidianos
e identifiquem as próprias necessidades de formação;
- identificar as necessidades não somente como mero levantamento, mas
como um momento de aprimoramento;
- considerar que os problemas cotidianos são ponto de partida e de
chegada no processo de reflexão sobre a prática, utilizando fundamentação teórica e
apontando caminhos que levem a uma atuação competente.
Estar continuamente formando-se em serviço representa uma atitude
consciente de busca de mudanças. Formar-se no próprio espaço de trabalho é “uma verdadeira
prática social de educação mobilizadora de todas as possibilidades e de todos os saberes dos
profissionais.” (MARIN, 1995, p. 18).
A necessidade da existência de programas de FCS em cada IEI e no sistema
educativo integrando as ações, torna-se cada vez mais evidente a todos que se propõem a
participar de um processo educacional de boa qualidade. A expressão maior dessa qualidade
está no desenvolvimento humano tanto de professores quanto de alunos e também de todos os
envolvidos com a comunidade escolar.
A atividade profissional dos educadores é algo que, continuamente, se refaz
mediante processos educacionais formais e informais variados,
61
amalgamados sem dicotomia entre vida e trabalho, entre trabalho e lazer.
Com as contradições, certamente, mas, afinal, mantendo as inter-relações
múltiplas no mesmo homem. O uso do termo educação continuada tem a
significação fundamental do conceito de que a educação consiste em auxiliar
profissionais a participar ativamente do mundo que os cerca, incorporando
tal vivência no conjunto dos saberes de sua profissão. (MARIN, 1995, p. 19)
A preocupação excessiva com o “como ensinar” presente em algumas
iniciativas se faz infundada quando percebemos que:
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conhecimentos ou
de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexividade crítica sobre as
práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso
é tão importante investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência.
(NÓVOA, 1991, p. 23, grifo do autor)
A FC pode ter como base a experiência profissional e isso permite, por
exemplo, realizar um programa de formação em que participam juntos professores com
formações iniciais e experiências bastante diferenciadas. Os professores, independentemente
de seus históricos pessoais e profissionais, podem assumir o próprio desenvolvimento
profissional de modo articulado com o desenvolvimento do projeto pedagógico da escola. Por
sua vez, aos gestores desse tipo de programa de formação contínua é interessante observar
cinco teses propostas por Nóvoa:
1ª Tese – A formação contínua de professores deve alimentar de perspectivas
inovadoras, que não utilizem preferencialmente “formações formais”, mas
que procurem investir do ponto de vista educativo as situações escolares[...]
2ª Tese – A formação contínua deve valorizar as actividades de (auto)
formação participada e de formação mútua, estimulando a emergência de
uma nova cultura profissional no seio do professorado[...]
3ª Tese – A formação contínua deve alicerçar-se numa “reflexão na prática e
sobre a prática”, através de dinâmicas de investigação-ação e de
investigação-formação, valorizando os saberes de que os professores são
portadores[...]
4ª Tese – É necessário incentivar a participação de todos os professores na
concepção, realização e avaliação dos programas de formação contínua e
consolidar redes de colaboração e espaços de paternariado que viabilizem
uma efectiva cooperação institucional[...]
5ª Tese – A formação contínua deve capitalizar as experiências inovadoras e
as redes de trabalho que já existem no sistema educativo português,
investindo-as do ponto de vista da sua transformação qualitativa, em vez de
instaurar novos dispositivos de controlo e de enquadramento. (NÓVOA,
1991, p. 29-33)
62
Ao propor um programa de FCS para professores é importante considerar os
aspectos inter e intrapessoais presentes nesse processo. Segundo Nóvoa (1991, p. 107) “os
professores ensinam não só aquilo que sabem mas aquilo que são.” E os professores são o que
são e ensinam o que ensinam a partir da identidade pessoal e profissional que constroem no
contexto em que vivem e trabalham. É preciso
promover a maturidade psicológica dos professores, sublinhando a importância da
reorganização das percepções de si-próprio, dos outros e das relações interpessoais
como fator determinante da competência pedagógica, em detrimento de uma
definição exaustiva e minuciosa dos comportamentos, capacidades e
conhecimentos a adquirir (TAVARES et al, 1991, p.108).
Considerando os aspectos interpessoais desse processo há que se refletir
sobre a relação entre os conteúdos de aprendizagem e os objetivos propostos pelos
professores; sobre os estilos de relação estabelecidos no processo de ensino-aprendizagem e
nas funções e papéis do professor. Esses podem ter sempre um lugar nas reflexões e estudos
realizados numa instituição de educação ou numa rede ou sistema educacional.
Quanto aos aspectos intrapessoais, Tavares (1991) propõe um postulado
inicial de que o desenvolvimento psicológico do ser humano é contínuo e, a partir daí, elenca
seis corolários.
Só faz sentido conceber a formação contínua de professores na temática de
desenvolvimento pessoal e social se partimos da asserção de que as
potencialidades de desenvolvimento psicológico não terminam de modo
algum com a entrada na vida adulta. Deste pressuposto central decorrem, em
nossa opinião, seis corolários acerca da formação contínua para o
desenvolvimento pessoal e social de professores, os três primeiros referentes
aos objectivos desta formação e os três seguintes referentes às respectivas
metodologias.
1. A formação contínua de professores é uma acção de
desenvolvimento psicológico de adultos.
2. A formação contínua de professores deverá almejar níveis
mais elaborados de auto-conhecimento.
3. A formação contínua de professores deverá proporcionar
níveis mais elaborados de conhecimento acerca da
realidade.
4. A formação contínua de professores exige acções
prolongadas no tempo.
5. A formação contínua de professores exige uma dialéctica
entre a prática e a teoria entre a acção e a reflexão.
63
6. A formação contínua de professores exige especialistas
em desenvolvimento humano. (TAVARES e outros, 1991,
p. 90)
Analisando os corolários citados é possível identificar a importância de que
o professor se reconheça como um adulto em desenvolvimento, conheça a realidade a que
pertence com suas múltiplas determinações. É possível ainda identificar a importância de que
a formação em serviço seja um processo contínuo e que nela haja sempre uma prática de
reflexão sobre a ação e sobre o conhecimento.
Como postulado final é proposto o “segredo da dança” (TAVARES e
outrosb, 1991, p. 98), que consiste em tornar a FC semelhante à dança no que se refere ao seu
objetivo. Quando dançamos o objetivo não é acabar, mas sim dançar. Que o objetivo da FCS
não seja acabar de formar, mas sim continuar formando.
Relembrando que as ações de formação de professores propostas no sistema
de ensino em nosso país estão marcadas pelo uso de termos e concepções citadas
anteriormente, vale afirmar que um dos termos que já se fez muito presente e ainda se faz
merece uma atenção especial: o termo treinamento que está vinculado a uma expressão muito
utilizada no meio empresarial e, infelizmente, no meio educacional, isto é, capacitação de
recursos humanos.
A discussão sobre formação profissional remete-nos à questão do
desenvolvimento de recursos humanos, destacada sempre no interior de
programas de capacitação profissional. É comum ouvirmos a referência à
presença de recursos humanos no conjunto de recursos de que dispõe uma
empresa, uma instituição, uma escola. Costuma-se mencionar o ser humano
como o recurso mais valioso de um contexto de trabalho. Essa menção
guarda um significado que julgamos importante discutir – o de que, ainda
que sendo considerado “o mais valioso”, o ser humano é apresentado como
um recurso no trabalho que se desenvolve na sociedade. Ora, se nos
detivermos no conceito de trabalho como “atividade transformadora e
intencional dos homens sobre o mundo”, exatamente aquilo que os
caracteriza como seres humanos, criadores de cultura e da história, seremos
levados a problematizar a concepção do homem como um recurso. O homem
não é um recurso – ele possui recursos, cria recursos. Faz uso de seus
sentidos, de sua imaginação, de sua memória, de sua inteligência – esses,
sim, recursos – e os estende, para agir sobre a realidade, transformá-la,
64
adaptá-la a suas necessidades e a seus desejos. (FUSARI; RIOS, 1995, p. 41,
grifos do autor)
Nessa perspectiva o professor não é um recurso e, portanto, as ações de FC
não devem abordá-lo como tal. Porém, na história da educação brasileira fizeram-se presentes
tendências de formação de professores baseadas no pressuposto de que o professor é um
recurso treinável.
A concepção de educação que visa preparar o homem para o mercado de
trabalho, muito em voga no Brasil, nos anos 60 consolidou-se, a partir de
1971, com a implantação da Lei 5692, a qual, pode-se dizer, foi a grande
responsável pela introdução da capacitação de recursos humanos no sistema
educacional. E isto teve duas premissas básicas:
a) a escola é o local onde é formado o trabalhador (técnico, ao nível de
segundo grau e terminalidade, no primeiro grau) para atender à demanda
de mão-de-obra das empresas;
b) os educadores escolares necessitam ser “treinados” para o
aperfeiçoamento de sua prática, com vistas à preparação de recursos
humanos para as empresas. (FUSARI, 1987, p. 38-39)
A partir dos anos 60, principalmente após 1971, surgiram os Centros de
Desenvolvimento de Recursos Humanos ligados ao Ministério da Educação e Cultura (MEC).
A Fundação Centro Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal para a Formação Profissional
(CENAFOR) foi criada em 1969. Outro órgão importante foi o Instituto de Recursos
Humanos “João Pinheiro” em Belo Horizonte – MG, que desenvolveu atividades de
Capacitação de Recursos Humanos. Surgiram ainda também centros criados nas Secretarias
de Estado da Educação que tornaram-se responsáveis pela capacitação de recursos humanos
da rede oficial de ensino.
As tendências de treinamento foram classificadas por Fusari da seguinte
forma:
a) tendência ingênua: esta tendência predomina no período que
compreende os anos 60 e 70, embora influencie até hoje, 1987 as ações
de treinamento de educadores. Acredita-se na possibilidade do
treinamento mudar o comportamento do educador e os insucessos
constatados devem-se a problemas no ajustamento das propostas de
treinamento à clientela. O que significa afirmar que quando se conseguir
65
encontrar a proposta certa para o cliente certo, o treinamento propiciará
as mudanças de comportamento desejadas.[...]
b) tendência pessimista: diante da constatação de que os treinamentos,
aqui entendidos como cursos, não alteravam o comportamento do
educador, estes começaram a ser considerados como totalmente
fracassados, na medida em que se evidencia que os profissionais da
educação que passam por cursos e cursos alteram pouco ou quase nada o
seu comportamento na prática pedagógica.[...]
Esta tendência foi mais acentuada no período entre 78 e 82,
aproximadamente, quando a onda do “reprodutivismo” assolou a educação e
atingiu os educadores brasileiros, gerando um pessimismo crítico imobilista,
que felizmente foi superado, dando origem à uma perspectiva dialética.
c) tendência crítica: esta tendência aparece no início dos anos 80 e surge
como uma forma de superação por incorporação das duas anteriores; o
treinamento passa a ser percebido no conjunto do processo de educação
do educador em serviço, como um meio limitado e específico (situado),
capaz de, considerados os condicionantes que atuam concretamente na
prática do cidadão educador, propiciar mudanças ao nível da ampliação
da consciência do educador, em relação à dimensão técnico-política de
uma prática, envolvendo sempre conscientização e instrumentalização.
(FUSARI, 1987, p. 48-49)
Segundo Fusari, a trajetória de treinamento de professores não pode ser
analisada desvinculada da história da sociedade e da educação. Por isso, enfoca tendências na
educação brasileira que influenciaram a formação de professores: Tradicional, Escola
Novista, Tecnicista, Crítico-Reprodutivista e Crítica. Trataremos da influência de cada
tendência nos treinamentos de educadores.
A influência da Tendência Tradicional nos treinamentos deu-se,
predominantemente nas décadas de 50, 60 e 70. Os objetivos dos treinamentos enfatizavam a
aquisição de conhecimentos, o desenvolvimento de habilidades específicas e o
desenvolvimento de atitudes.
O movimento Escola Novista influenciou os treinamentos de professores,
especificamente, na década de 60. Eram enfatizadas as relações humanas no interior da
escola, a aprendizagem de métodos e técnicas de ensino-aprendizagem, e as dinâmicas de
grupo, jogos e dramatizações aplicadas ao ensino. As ênfases citadas se traduzem nos
objetivos desse tipo de treinamento.
66
A pedagogia tecnicista coroou sua influência no treinamento de professores
nos anos 70. Os objetivos são enfatizar o domínio de habilidades referentes ao planejamento
de ensino, o conhecimento e utilização de novas tecnologias do ensino e recursos audiovisuais
e as habilidades ligadas à avaliação da aprendizagem. Assim, proliferaram-se treinamentos
baseados em métodos e técnicas.
O período Crítico-Reprodutivista influenciou os treinamentos de professores
aproximadamente de 1978 a 1982, caracterizando-se como “fase de denúncia” (FUSARI,
1987, p. 178). O objetivo central era denunciar “o papel ideológico que a escola cumpre na
sociedade capitalista, reforçando e legitimando as desigualdades sociais criadas pelo
capitalismo.” (FUSARI, 1987, p. 177)
A tendência Crítica, surgida entre o final da década de 70 e início da década
de 80, tem como objetivo, no que se refere aos treinamentos de professores, apoiar uma
“política para a educação do educador em serviço” e “superar a capacitação de recursos
humanos aplicada à educação” (FUSARI, 1987, p. 181).
Mais de uma década se passou depois do início aproximado da vivência da
tendência crítica apontada por Fusari. Qual o cenário em 2003?
Em geral as ações de FCS têm assumido características que contribuem para
que seus resultados não sejam efetivos. A descontinuidade apontada por Colares, Moysés e
Geraldi (1999) é uma dessas características que simplesmente negam o caráter essencial de
continuidade que deveria assumir. Os projetos e atividades interrompidos em função de
mudanças de governo, do calendário escolar, da rotatividade do corpo docente nas IEI ou pela
adoção de um novo modelo pedagógico de última moda, têm caracterizado a maior parte das
ações de formação contínua implementadas ao longo dos últimos anos pelas redes de ensino
municipais ou estaduais.
Embora a expressão continuada recoloque a questão do tempo – e nesse
sentido poderia enganosamente remeter à irreversibilidade e à história –
67
pratica-se uma educação continuada em que o tempo de vida e de trabalho é
concebido como um “tempo zero”. Zero porque se substitui o conhecimento
obsoleto pelo novo conhecimento e recomeça-se o mesmo processo como se
não houvesse história; zero porque o tempo transcorrido de exercício
profissional parece nada ensinar. A cada ano letivo, uma nova turma, um
novo livro didático, um novo caderno intacto. Zerado o tempo, está-se
condenado à eterna repetição, recomeçando sempre do mesmo marco
inicial.[...]
É aproximando conhecimentos apreendidos – na formação inicial ou ao
longo do exercício profissional – à experiências e saberes construídos na
prática pedagógica que o professor produz rupturas. Se à noção de recomeço
ou repetição, determinada pelo tempo zero, contrapusemos o tempo de vida
como a irreversibilidade de um fluir constante em que nos acontecem
experiências, podemos romper com o passado sem que o tempo anterior
deixe de existir e informar o novo que se constrói. Se aparentemente a noção
de “educação continuada”, inclui o tempo, de fato reafirma a exclusão do
tempo real. Em contraste, o sentido que queremos dar a tempo é de tempo de
produção, tempo de vida – o que inclui, na continuidade, a ruptura. A
estabilidade superficial do viver é produto da desordem entre continuidades
e rupturas. Sem estas não existe aquelas. (COLARES; MOYSÉS;
GERALDI, 1999, p. 211-212)
As rupturas necessárias apresentadas pelos autores funcionam como
elemento que impulsiona a FC, pois significa romper saudavelmente com o passado
construindo o novo. Não se trata de esquecer o passado e repeti-lo ou camuflá-lo com ações
mascaradas como novas. Esse tipo de atitude perpetua práticas educativas que não fazem
avançar a qualidade do processo de ensino e aprendizagem em nossas instituições educativas.
Outra característica assumida nas ações de formação atualmente e que
também nega a formação proposta é que não têm como pólo disseminador a própria
instituição. Comumente os eventos de formação são pontuais e em espaços desconectados da
escola. O espaço escolar ainda não assumiu a rica possibilidade de ser local de aprendizagem
não só dos alunos mas também dos professores que ali trabalham. O professor ao se deslocar
sempre de seu local de trabalho para participar de momentos de formação perde a
oportunidade de interlocução com seus pares que ali trabalham, de interlocução com o próprio
espaço concreto da escola que poderia ser olhado sob um prisma diferente daquele do dia-a-
dia com o aluno. Sem contar que a equipe inteira de uma instituição de educação, pode e deve
68
estar voltada para os mesmos objetivos, desde que tenha momentos de interlocução para
planejar e avaliar as ações cotidianas.
As características apontadas anteriormente podem servir como base para a
reflexão sobre as tendências atuais na FC de professores, apontadas por Candau (1997).
Antes de tratar das tendências atuais é necessário deter-se na “perspectiva
clássica” da formação de professores. É possível
Identificar a perspectiva que estou chamando de “clássica”, na grande
maioria dos projetos realizados. A ênfase é posta na “reciclagem” dos
professores. Como o próprio nome indica, “reciclar” significa “refazer o
ciclo”, voltar a atualizar a formação recebida. O professor uma vez na
atividade profissional, em determinados momentos realiza atividades
específicas, em gral, volta à universidade para fazer cursos de diferentes
níveis, de aperfeiçoamento, especialização, pós-graduação, não só pós-
graduação lato sensu, mas também strictu sensu. Outras possibilidades de
reciclagem podem ser a freqüência a cursos promovidos pelas próprias
secretarias de educação e/ou a participação em simpósios, congressos,
encontros orientados, de alguma forma, ao seu desenvolvimento profissional.
Trata-se, portanto, de uma perspectiva onde se enfatiza a presença nos
espaços considerados tradicionalmente como o locus de produção do
conhecimento, onde circulam as informações mais recentes, as novas
tendências e buscas nas diferentes áreas do conhecimento. Nesta perspectiva,
o locus da reciclagem privilegiado é a universidade e outros espaços com ela
articulados, diferentes das escolas de primeiro e segundo graus, onde se
supõe que se pode adquirir o que constituiu o avanço científico e
profissional. (CANDAU, 1997, p. 52-53, grifos da autora)
A concepção clássica de FC de professores está muito presente nos anos
atuais. Inúmeras iniciativas vêm sendo tomadas: a adoção de escolas por universidades ou
empresas; cursos promovidos diretamente pela Secretaria da Educação; convênios entre
universidades e secretarias de educação para realização de cursos específicos; vagas em
cursos universitários de graduação e licenciatura, mediante os já citados convênios, para
professores que desejam voltar aos bancos escolares (CANDAU, 1997).
Que concepção de formação continuada está presente nesta perspectiva? Ela
não está informada por uma visão em que se afirma que universidade
corresponde à produção do conhecimento, e aos profissionais do ensino de
primeiro e segundo graus a sua aplicação, socialização e transposição
didática? Esta é a perspectiva que queremos reforçar na área de educação em
geral, e, especialmente, na área de ensino? Se o conhecimento é um processo
contínuo de construção, é construção, desconstrução e reconstrução, estes
69
processos também não se dão na prática pedagógica cotidiana reflexiva e
crítica? Por trás dessa visão considerada “clássica” não está ainda muito
presente uma concepção dicotômica entre teoria e prática, entre os que
produzem conhecimento e o estão continuamente atualizando e os agentes
sociais responsáveis pela socialização destes conhecimentos? (CANDAU,
1997, p. 54-55)
Muitos formadores de professores inquietados por questões como as
colocadas acima buscam incessantemente novas perspectivas para a FC. Candau aponta
caminhos através de três teses:
- O lugar privilegiado da formação é a própria escola;
- A referência fundamental de todo processo de FC é o saber docente, seu reconhecimento e
sua valorização;
- É necessário considerar as diferentes etapas do desenvolvimento profissional do
magistério.
Novos olhares para a FC de professores estão surgindo a partir da
consideração das afirmações anteriores. Os últimos anos podem ser resumidos a partir do
seguinte texto de Nóvoa:
Já começamos, mas ainda estamos longe do fim. Começamos por realizar
ações pontuais de formação continuada, mas evoluímos no sentido de as
enquadrar num contexto mais vasto do desenvolvimento profissional e
organizacional.
Começamos por encarar os professores isolados e a título individual, mas
evoluímos no sentido de os considerar integrados em redes de cooperação e
de colaboração profissional.
Passamos de uma formação por catálogos para uma reflexão na prática e
sobre a prática.
Modificamos a nossa perspectiva de um único modelo de formação dos
professores para programas diversificados e alternativos de formação
contínua.
Mudamos as nossas práticas de investigação sobre os professores para uma
investigação com os professores e até para uma investigação pelos
professores.
Estamos evoluindo no sentido de uma profissão que desenvolve os seus
próprios sistemas e saberes, através de percursos de renovação permanente
que a definem como uma profissão reflexiva e científica. (NÓVOA, 1992, p.
31, apud CANDAU, 1997, p. 65-66)
70
Mas não é tudo tão alvissareiro quanto possa parecer. Questionamentos
devem ser feitos às novas tendências na FC. Segundo Candau (1997), duas características da
nova perspectiva devem ser consideradas e questionadas.
A primeira é que está ocorrendo uma
tendência a privilegiar os aspectos psicossociais e a focalizar realidades
micro, de caráter intra-escolar ou centradas em variáveis internas do próprio
desenvolvimento profissional, deixando em segundo plano ou mesmo não
considerando as dimensões contextuais e político-ideológicas da profissão
docente. (CANDAU, 1997, p. 66).
A segunda é que na nova perspectiva pouco tem sido trabalhada
a inter-relação entre cultura escolar, cultura da escola e o universo cultural
dos diferentes atores presentes na realidade escolar. É posta muita ênfase na
problemática do saber escolar e do saber docente, que são componentes da
cultura escolar (CANDAU, 1997, p. 67)
mas não representa sua totalidade. Outros elementos não cognitivos, tais como ritos e
símbolos, são desconsiderados. A diversidade cultural e étnica, as questões de gênero, quase
não aparecem na FC de professores.
Há limites e silêncios na perspectiva atual de FC. Um desafio, apontado por
Candau, é “articular dialeticamente as diferentes dimensões da profissão docente: os aspectos
psicopedagógicos, técnicos, científicos, político-sociais, ideológicos, éticos e culturais.”
(CANDAU, 1997, p. 67)
Considerando elementos da história da FC de professores obtidos em Fusari
e Rios (1995), a problematização de termos e concepções que marcaram e marcam as ações
de FC obtida em Marin (1995), a descontinuidade apontada por Colares, Moysés e Geraldi
(1999), a perspectiva clássica de formação e o alerta para as novas tendências e o papel da
Universidade obtidos em Candau, é possível perceber que estamos diante de um processo
71
complexo que merece estudos e tentativas. A possibilidade de realização de um PFCS
apontada por Nóvoa (1991) pode ser um impulso para as primeiras tentativas em cada IEI.
É necessário construir a especifidade da FCS na EI. A formação em
contexto proposta por Formosinho e Formosinho (2000) prevê que as práticas formativas
estejam articuladas com as condições de trabalho e com o cotidiano profissional,
organizacional e comunitário das IEI. Segundo estes autores a formação de professores está
muito influenciada pelo modelo escolar. Os profissionais são vistos como alunos que vão para
um espaço em que precisam aprender algo nos mesmos moldes que tradicionalmente a escola
adota. Isso provoca uma desarticulação entre as ações de formação e o contexto de trabalho.
Para formar-se continuamente o professor precisaria assumir a posição de aluno.
Formosinho e Formosinho identificam os professores da EI como sujeitos e
não objetos de formação, portanto, têm um papel ativo de construtores de saber e não de
consumidores passivos de programas de formação.
Nessa perspectiva são criados ambientes de formação com caráter
permanente com o objetivo de desenvolvimento humano e profissional de todos os
participantes, considerando a dimensão individual e organizacional (IEI). O principal efeito da
formação é a mudança das pessoas envolvidas que gera novas concepções e práticas. Crianças
e profissionais vivenciam um processo de desenvolvimento humano como efeito da formação
sistematizada.
A partir da contribuição de todos os autores citados considero que a FCS de
profissionais da educação é um campo de ação e investigação que pode ser muito explorado e
trazer importantes elementos para a EI.
72
2.3 O profissional de educação infantil
Educador infantil é aqui compreendido como o profissional de educação
infantil. Em razão do momento histórico, em nosso país, de adequação das instituições
educativas às determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96
ainda assume uma grande diversidade de nomes contratuais e usuais no cotidiano. Monitor,
pajem, recreador, auxiliar de recreador, tio, professor, babá, auxiliar de desenvolvimento
infantil... O educador infantil é um profissional que participa de processos de aprendizagem e
desenvolvimento com crianças de 0 a 6 anos, organizando situações para que os objetivos
educacionais propostos pela instituição onde trabalham sejam alcançados.
Antes da promulgação da citada Lei, não havia exigência de que esses
profissionais tivessem FI como professores para serem contratados. Portanto, existe um
grande contingente de educadores infantis em nosso país que não são formados como
professores. A atual conjuntura nos mostra uma grande “corrida” pela formação ou a posição
conformista de aguardo de rescisão contratual na iminência das providências legais de
adequação das redes de ensino. Nesse quadro brevemente descrito há que se acrescentar que a
produção científica em EI e a realidade das instituições que atendem crianças de 0 a 6 anos,
nos mostra a enorme necessidade de profissionalização do educador infantil. A
profissionalização que vai além da formação técnica e alcança a dimensão educativa, ética,
política, social...
Segundo os Referenciais para a Formação de Professores (BRASIL, 1998,
p. 87), existe a necessidade de contar com professores de educação infantil para os quais seja
garantido na formação um conhecimento profissional amplo que poderia ser organizado em
cinco âmbitos:
73
- conhecimento sobre crianças, jovens e adultos;
- conhecimento sobre a dimensão cultural, social e política da educação;
- cultura geral e profissional;
- conhecimento pedagógico e
- conhecimento experiencial contextualizado em situações educacionais.
Tendo em vista tal necessidade, sua amplitude e complexidade, que
caminhos poderiam ser seguidos quando nos deparamos com a situação de contar com
educadores leigos, ou seja, que não têm formação inicial como professores?
Falta-lhes a formação inicial, no entanto, ao longo do tempo estão
construindo um conhecimento advindo da experiência que não pode ser desconsiderado.
Dependendo do contexto em que estão inseridos, esse conhecimento pode servir como
elemento para reflexão sobre as situações educacionais. Pode estar ocorrendo ou não uma
FCS que contribui para a melhoria da qualidade do trabalho realizado e para a
profissionalização.
Existe um prazo para que o sistema educacional se adeqüe às determinações
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96; dez anos a contar da
promulgação. Esse prazo permite, entre outras coisas, a “corrida” pela formação, ou seja, os
profissionais que desejam continuar trabalhando na educação infantil e não têm a FI exigida
vão buscá-la de diversas maneiras. Para os que se mobilizaram há tempo foi possível
concorrer a vagas em cursos de Pedagogia de universidades públicas, para os que dispunham
minimamente de recurso financeiro foi possível, ou ainda será, ocupar vagas em cursos de
Pedagogia de universidades particulares. Há ainda programas de formação à distância que
habilitarão profissionais que já estão em exercício. Em qualquer das modalidades podemos ter
uma gradação de qualidade, porém, supõe-se que a melhor alternativa seria a formação inicial
74
não aligeirada numa universidade pública com um curso de Pedagogia que previsse as
necessidades e exigências de formação do profissional de educação infantil.
Sabemos que teremos como resultado da corrida uma grande diversidade de
cursos de formação e enquanto não é cumprida em última instância a exigência da lei
continuamos trabalhando com educadores leigos e não leigos. As necessidades de
aprendizagem e ensino das crianças não aguardarão o cumprimento da lei. As IEI continuam
existindo independentemente do suposto vácuo criado pelos dez anos previstos para
adequação. Podemos “sonhar” com uma realidade pós adequação, porém, vivemos no
momento presente uma realidade dentro do período e muitos já conheceram a realidade
anterior a esse período.
Compreendendo a FCS como “o processo de desenvolvimento da
competência dos educadores” (FUSARI e RIOS, 1995, p. 38), é necessário trabalhar para que
ocorra a FCS nesse e em todos os outros momentos históricos. Admitir que o profissional de
educação infantil precisa formar-se continuamente é reafirmar que, como ser humano que é,
tem como característica essencial de sua espécie a possibilidade de educar-se e desenvolver-se
continuamente em todos os âmbitos do conhecimento e também naquele referente à sua
profissão.
Que essa defesa da necessidade de FC não inspire a suspeita de que
podemos ter “qualquer” FI, porque o produto aqui “vendido” não é esse. No presente
momento, o fôlego, a energia, a esperança, o interesse e a vontade produzidos em mim pela
minha profissão tem sido a FCS. Tantos outros voltam-se para a formação inicial com genuína
qualidade e dedicação. Que tenhamos muitos profissionais da educação voltados tanto para
um quanto para o outro momento da formação! Atualmente minha contribuição está
direcionada para os processos de formação de profissionais de EI em serviço e de modo
contínuo.
75
Neste momento histórico existe a exigência legal e educacional de uma nova
identidade para o profissional de educação infantil. Os educadores infantis estão vivenciando
uma série de situações localizadas na instituição em que trabalham e também em âmbitos
mais amplos, que geram necessidade de construção de uma nova identidade profissional. Essa
construção passa pela necessidade de processos formais e institucionais de FI. Passa também
por processos experienciais contextualizados em situações educacionais e ainda por processos
pessoais internos de escolha e adesão a uma profissão e a todas as exigências que ela requer.
A nova identidade do profissional é suscitada pela nova identidade que a IEI
vem assumindo ao longo do tempo. Segundo Bujes (2001) creches e pré-escolas surgem com
a revolução industrial que marca a necessidade de que a mulher trabalhe fora do lar. Uma
nova estrutura familiar vai sendo desenhada, ao mesmo tempo cresce o interesse de estudiosos
em descrever a criança, principalmente no que se refere às suas boas e más inclinações. Nessa
perspectiva a escola eliminaria as más inclinações e desenvolveria as boas contribuindo para o
progresso social. Essas idéias influenciaram as instituições de educação infantil, suas
propostas e a atuação de seus educadores.
Com a expansão das instituições de educação infantil no Brasil no século
XX e na Europa já no século XIX, houve uma grande influência de médicos higienistas e
psicólogos definindo os princípios norteadores da educação das crianças. Havia uma grande
preocupação em discriminar o “normal” e o “patológico”, incorrendo muitas vezes em
práticas preconceituosas.
Desde há muito esteve presente nas instituições de educação infantil uma
cisão problemática entre o cuidar e o educar, dimensões inseparáveis no trabalho com
crianças de 0 a 6 anos. O cuidar vem sendo entendido como oferecer cuidados primários
como higiene, sono e alimentação. O educar vem sendo entendido, principalmente quando se
trata de crianças de classes populares, como o preparo para a disciplina rigorosa, a submissão,
76
o silêncio, a obediência. Muitas vezes, o educar também é compreendido como oferecer
escolarização precocemente, copiando o modelo usual do Ensino Fundamental.
Cuidar e educar são ações complementares de uma proposta educativa que
compreende as crianças “como sujeitos que vivem num momento em que predominam o
sonho, a fantasia, a afetividade, a brincadeira, as manifestações de caráter subjetivo.”
(BUJES, 2001, p. 17). A criança interagindo com as pessoas e com o mundo vai atribuindo
significados a tudo que está a sua volta. Assim participa de uma experiência cultural
característica de seu grupo social, que é a educação.
Essa compreensão da criança nos faz antever IEI muito peculiares “que vão
marcar sua identidade como instituições que são diferentes da família, mas também da escola
(aquela voltada para as crianças maiores de sete anos)” (BUJES, 2001, p. 17).
Muitos desafios estão colocados para a constituição da nova identidade
propalada tanto para os profissionais de educação infantil quanto para as instituições em que
trabalham. Vem à tona a necessidade de qualificação...
...a experiência da educação infantil precisa ser muito mais qualificada. Ela
deve incluir o acolhimento, a segurança, o lugar para a emoção, para o gosto,
para o desenvolvimento da sensibilidade; não pode deixar de lado o
desenvolvimento das habilidades sociais, nem o domínio do espaço e do
corpo e das modalidades expressivas; deve privilegiar o lugar para a
curiosidade e o desafio e a oportunidade para a investigação.
Por tais razões, as instituições de educação infantil são hoje indispensáveis
na sociedade. Elas tanto constituem o resultado de uma forma moderna de
ver o sujeito infantil quanto solução para um problema de administração
social, criado a partir de novas formas de organização da família e de
participação das mulheres na sociedade e no mundo do trabalho.
Para além disso, porém, penso que as creches e pré-escolas vão ainda, por
muito tempo, constituir um importante espaço de ‘descoberta do mundo’
para um sem-número de crianças. Ora, cumprir esta responsabilidade social
de compartilhar com as crianças esta descoberta tão instigante não é pouca
coisa. (BUJES, 2001, p. 21)
Como instituição indispensável à sociedade e como espaço de “descoberta do
mundo” as escolas de educação infantil poderão cumprir sua função social e educacional. Para
77
isso é fundamental a presença de profissionais que estejam construindo uma identidade
coerente com sua profissão e com a função da instituição em que trabalham.
A identidade, segundo Ferreira (1995, p. 349), é o “conjunto de caracteres
próprios e exclusivos de uma pessoa: nome, idade, estado, profissão, sexo, defeitos físicos,
impressões digitais, etc.”. Considerando que aqui abordo a identidade profissional posso
afirmar que a do educador infantil engloba uma série de características que lhe são próprias.
Atualmente tem sido muito valorizado o perfil de professor reflexivo, não só para o
profissional de educação infantil como para os professores de todos os níveis de ensino.
Segundo Almeida (1999) a ação e o pensamento do professor ocorre em
função das idéias que possui sobre o conhecimento, o ensino e a sociedade. Ele pensa e age
também em função das necessidades de seus alunos e do contexto da escola em que trabalha.
Portanto, trata-se de um profissional reflexivo visto que sua formação e atuação encerram
múltiplos aspectos e sua ação é orientada pelo pensamento. “Sua atividade profissional é fruto
do conhecimento gerado no contato com a prática, ou seja, depende do conhecimento que ele
elabora durante sua própria intervenção.” (ALMEIDA, 1999, p. 11).
O investimento na formação do professor, hoje, se faz pressupondo a
construção de uma identidade profissional reflexiva, ou seja, aquela que permite que a própria
atuação e a atuação do grupo a que pertence seja um objeto para a reflexão.
A dimensão coletiva do trabalho do professor e da construção de sua
identidade profissional é um fator muito importante a ser considerado. Silva (2001, p. 33)
afirma que os processos de construção da identidade “ocorrem tanto em termos coletivos
quanto individuais”. As relações sociais presentes em todos os momentos da vida humana,
inclusive no exercício profissional, constituem-se “como locus de construção de significados,
no interior das quais os sujeitos vão conferindo sentido a suas ações, construindo suas
identidades” (SILVA, 2001, p. 108-109).
78
A escola de educação infantil é, então, um espaço para a construção da
identidade profissional de seus trabalhadores/funcionários. O caminho histórico que este tipo
de instituição vem percorrendo nos faz constatar que seus profissionais, especificamente os
responsáveis diretos por grupos de crianças, vivem um processo de construção da identidade
de professores de EI. Inúmeras denominações já receberam e recebem, no entanto, a essência
de seu papel é lidar com situações de desenvolvimento, aprendizagem, próprias do universo
do professor, mas específicas da primeira fase da infância.
Segundo Carrolo (1997), a identidade profissional é um resultado da
adequação entre a identidade para nós mesmos e a identidade para os outros.
A “identidade para si” ou “desejada” tem deste modo subjacente um
processo biográfico. E a “identidade para outrem” ou “atribuída” tem
subjacente um processo relacional. A articulação entre estas duas faces
heterogêneas é a chave do processo da construção da identidade
profissional...” (CARROLO, 1997, p. 27, grifo do autor).
Assim, considerando a construção da identidade profissional, é pertinente abordarmos
a identidade como processo de desenvolvimento humano e, em seguida, a identidade do
profissional de educação infantil.
2.4 O processo de identificação
Na tentativa de compreender a identidade é possível, numa busca mais
superficial, imediatamente associá-la ao nome da pessoa. Afinal, o nome é um importante
elemento na identificação de alguém ou de alguma coisa.
Segundo Ciampa (1996), as primeiras tentativas de abordagem do conceito
identidade, em geral, tendem a compreendê-la como um “traço estático” (CIAMPA, 1996, p.
79
130) que define a pessoa ou o ser. Assim, o indivíduo é considerado isoladamente e a
identidade pode ser entendida como algo imediato e imutável.
Ao pensarmos como lidamos com nosso nome percebemos que inicialmente
somos chamados por ele e somente depois nos chamamos, ou seja, passamos a ter consciência
de nós mesmos. Ocorre, então, uma fusão entre nós e nosso nome e ele passa a ser um
símbolo, algo semelhante a um rótulo ou uma etiqueta. Há uma interiorização de um
personagem atribuído.
Nosso primeiro personagem possivelmente é o de filho ou filha. Filho(a) de
uma família que se insere de uma determinada forma no grupo social e exerce uma dada
atividade. Fulano lavrador, fulana professora..., e estamos identificados pelo que fazemos e
nem tanto mais pelo que somos. O indivíduo é aquilo que faz e seu fazer é exercido no mundo
em relação com outros indivíduos.
Identificar alguém pressupõe diferenciar; como nosso prenome a princípio o
faz. Cada pessoa da família tem um nome e se houver dois iguais o sobrenome o diferenciará
como Júnior, Filho, Neto.
Unir, confundir, assimilar também são ações ocorridas quando se identifica
alguém; em geral a família compartilha de um mesmo sobrenome.
Diferenciar e confundir, igualdade e diferença são ações presentes na
identificação de uma pessoa. Temos características, que vão bem além do nome recebido, que
nos unem e nos diferenciam: as Marias, a Maria da Consolação, os desempregados, os
porteiros, os brasileiros.
Portanto, começamos a verificar que identidade não deve ser um traço
estático e sim algo contraditório que relaciona o igual e o diferente, a essência e a aparência.
Ciampa (1996, p. 141) afirma que identidade é metamorfose, porque a
realidade em que estamos inseridos está em constante movimento e transformação.
Transformamos as determinações exteriores em autodeterminação com alguma finalidade.
Nesse processo, subjetividade e objetividade se relacionam uma dando lugar a outra num
movimento constante. O indivíduo, a quem em geral é imposto um determinado personagem
definido previamente no grupo social/familiar, aprende a ser outro e nesse movimento sai de
si tornando-se outro e exteriorizando-se na realidade. Assim se dá a metamorfose ou a fuga da
“mesmice imposta”.
O personagem, citado anteriormente, que assumimos através das
determinações de nossa história de vida representa um momento da nossa identidade. Ao
longo da vida assumimos diversos personagens: filho, pai, irmão, operário, amigo, doente,
80
moleque, etc. Alguns deles convivem dentro de nós em silêncio até que possam manifestar-se
a partir do contexto histórico, político, social, emocional.
À medida que conseguimos metamorfosear podemos deixar de ser
preponderantemente um determinado personagem e construir um novo momento de nossa
identidade. O ser humano transforma-se a partir das determinações da realidade, movido pela
constante inter-relação entre objetividade e subjetividade.
Quando a metamorfose não ocorre em seu lugar aparece uma re-posição de
identidade concretizada num determinado personagem que não morre para que outro apareça.
É como se o indivíduo fosse criando réplicas de si mesmo ao longo do tempo.
O que privilegia a possibilidade de metamorfose é a dialética, ou o
movimento do real. Determinados obstáculos no processo de identificação podem ser
superados através desse movimento que traz contingências, necessidades, pessoas, interações
que contribuem para que a consciência se abra a ações que levam o indivíduo a assumir novos
momentos de sua identidade. As transformações na identidade são concomitantes às
mudanças na consciência e na atividade do indivíduo.
Ao tratar de identidade é necessário relacioná-la a um processo de
identificação que construímos ao longo de nossa vida. Passado, presente e futuro são
elementos da temporalidade que tornam a identidade concreta. Vivemos um processo de
identificação que permite assumirmos diversos personagens em nossa relação com o mundo
constituindo nossa identidade.
Cada indivíduo encarna as relações sociais, configurando uma identidade
pessoal. Uma história de vida. Um projeto de vida. Uma vida-que-nem-
sempre-é-vivida, no emaranhado das relações sociais.
Uma identidade concretiza uma política, dá corpo a uma ideologia.
No seu conjunto, as identidades constituem a sociedade, ao mesmo tempo
em que são constituídas, cada uma por ela.
A questão da identidade, assim, deve ser vista não como questão apenas
científica, nem meramente acadêmica: é sobretudo uma questão social, uma
questão política. (CIAMPA, 1996, p. 127)
A identidade do profissional de EI precisa ser considerada em suas
dimensões política e social e não somente individual. Identificar-se com babá ou educador
infantil envolve um processo com determinantes presentes nas condições sociais de nosso
81
país, representadas pelas políticas educacionais e pelas condições de trabalho e formação a
que o profissional tem acesso.
2.5 A identidade do profissional de educação infantil
Ao longo da história o profissional da educação infantil tem carregado um
status de não profissional. Tendo em vista que as contratações para instituições de educação
infantil até pouco tempo não levavam em conta critérios como formação inicial adequada,
mas sim ser do sexo feminino, gostar de criança, de preferência ser mãe..., ou seja, os critérios
para escolha dos referidos profissionais não levavam em conta atributos referentes a uma
identidade profissional específica.
A profissionalização do professor que trabalha em qualquer nível de ensino,
mas principalmente na Educação Básica, tem sido tema de estudos e discussões em nossa
sociedade. Ainda paira sobre a categoria “professores” uma menor valorização diante de
outras profissões quando, por exemplo, trata-se de remuneração, salário, direitos. No entanto,
quando trata-se de responsabilidade social sua valorização é extrema. Muitos discursos o
apresentam como o profissional que tem nas mãos a possibilidade de transformar a sociedade
através da educação.
As políticas educacionais e as condições de trabalho, porém, não são
coerentes com essa suposta valorização. Trata-se, possivelmente, de uma atribuição de
responsabilidade a uma categoria profissional que deveria resolver problemas sociais que
demandam profundas modificações no sistema educacional, nos investimentos em educação,
etc.
82
Já não é confortável a situação de qualquer professor em nossa sociedade;
para o educador infantil menos ainda. É preciso conquistar uma imagem de profissional da
educação, que está ainda um pouco distante quando consideramos o imaginário da maioria da
população. Permanecem resquícios da imagem da babá, da pajem e talvez até da “criadeira”,
rechaçada pela sociedade, responsabilizada pelos higienistas pelos altos índices de
mortalidade infantil durante as primeiras iniciativas de criação de instituições responsáveis
por crianças de 0 a 6 anos.
Há que se caminhar para a profissionalização do educador infantil. São
necessários saberes específicos como propõe os Referenciais para a Formação de Professores.
É necessário um auto-conceito profissional coerente com o exercício da profissão, com a
concepção de criança, com o papel da IEI, hoje propostos na legislação, nos estudos, em nossa
cultura.
O ponto de partida é o profissional real que temos em nossa sociedade. O
ponto a que se almeja chegar é o profissional que idealizamos, um intelectual crítico e
reflexivo (PIMENTA, 2002). Um professor que “pode produzir conhecimento a partir da
prática, desde que na investigação reflita intencionalmente sobre ela, problematizando os
resultados obtidos com o suporte da teoria. E, portanto, como pesquisador de sua própria
prática.” (PIMENTA, 2002, p. 43)
A afirmação de que o profissional que idealizamos tem como característica
fundamental a possibilidade de reflexão sobre o próprio trabalho e sobre a prática pedagógica
merece a ressalva de que o conceito de professor reflexivo vem sendo vulgarizado no Brasil e
proposto de modo incoerente com as reais condições de trabalho dessa categoria.
A perspectiva da reflexão em análise foi amplamente difundida e apropriada
por pesquisadores brasileiros na área. Por sua fertilidade [...]. Mas também
muitas vezes descontextualizada, sem um estudo mais consistente sobre suas
origens, sem uma análise crítica. São poucas as pesquisas empíricas que os
colocam à análise, sob suspeita, para verificar suas possibilidades e seus
limites em contextos situados, numa atitude que permita o emergir de
critérios de validação. A ausência desses cuidados que são característicos do
83
pesquisador, da mesma maneira que gera uma apropriação generalizada,
banalizada e meramente discursiva, também tem levado a um rápido e
apressado descarte, como se a moda já tivesse sido superada.[...]
A análise crítica contextualizada do conceito de professor reflexivo
empreendida neste texto permite superar as suas limitações, afirmando-o
como um conceito político-epistemológico que requer o acompanhamento de
políticas públicas conseqüentes para sua efetivação. Caso contrário, se
transforma em mero discurso ambíguo, falacioso e retórico servindo apenas
para se criar um discurso que culpabiliza os professores, ajudando os
governantes a encontrarem um discu
rso que os exime de responsabilidades e
compromissos. (PIMENTA, 2002, p. 46-47)
Diante de tais argumentos verifica-se o quanto é importante compreender de
que professor reflexivo estamos tratando quando propomos esse perfil para o educador
infantil. Conseqüentemente, a responsabilidade em buscar condições para realização do
trabalho que o perfil requer fica ainda mais evidente. O contexto, as ações coletivas, as
políticas educacionais não podem se desvincular das discussões em torno do perfil reflexivo e
crítico. Pimenta propõe a denominação “intelectual crítico e reflexivo”.
É necessário sair da situação de não profissional ou de profissional de
menor status do educador infantil, em direção a um perfil de intelectual crítico e reflexivo.
Muito há que se estudar e fazer para tal construção identitária que exige métodos de trabalho,
com o professor, que enfatizem e possibilitem a análise crítica constante da prática. O que
fazemos? Quais são nossas concepções? Como entendemos a criança? Como entendemos
nosso papel?
Na EI é necessário construir um perfil profissional que permita:
- refletir sobre a prática cotidiana;
- investigar o fazer específico;
- ser co-construtor do conhecimento das crianças e do seu próprio conhecimento;
- criar ambientes e situações desafiadoras;
- questionar a própria concepção de criança, de aprendizagem infantil e de atividades que
são próprias da criança;
84
- apoiar a aprendizagem da criança e aprender com ela;
- sustentar as relações com a criança;
- lidar com a cultura da criança;
- diferenciar nas ações cotidianas o papel profissional do papel de mãe;
- aprender a cuidar da criança e, ao mesmo tempo, contribuir com sua educação;
- promover a aprendizagem e o desenvolvimento através do brincar.
O processo de identificação profissional do educador infantil está
relacionado ao papel de mulher em nossa sociedade.
A educadora infantil, como pessoa inserida na sociedade, constrói ao longo
de sua existência uma identidade pessoal/profissional. Não seria coerente separar essas duas
dimensões da identidade que podem ser compreendidas como diferentes papéis (ou conjunto
de) desempenhados pelo sujeito no processo de identificação.
As condições históricas, sociais, materiais influenciam esse processo no
qual houve, num dado momento, a opção de trabalhar com crianças de 0 a 6 anos como
educadoras. Tal inserção profissional gera a necessidade de desempenhar um personagem
que em nosso país, e em vários outros, historicamente está relacionado a um papel feminino,
doméstico, não profissional. Esse personagem recebeu, e ainda recebe, diversos nomes que
encerram um mesmo tipo de identificação: pajem, babá, tia, atendente, etc. Informalmente ou
até nos contratos em carteira de trabalho assim foram e têm sido nomeadas as mulheres que
trabalham diretamente com crianças até 6 anos.
O esperado do desempenho delas é uma atuação muito parecida com a da
mãe no espaço familiar gerando, inclusive, uma forte identificação dessas profissionais com
as mães. Gerando ainda uma dificuldade de compreensão, no âmbito da instituição de
educação infantil e na sociedade em geral, do caráter profissional que reveste o trabalho da
educadora infantil.
85
O grande número de mulheres trabalhando como educadoras infantis, bem
como a proximidade do papel a ser desempenhado com a maternagem contribuiu muito para
que as instituições destinadas às crianças pequenas também assumissem uma identidade de
local doméstico, não profissional.
A identidade assumida pelo profissional, a consciência do papel a
desempenhar e as ações cotidianas têm relação direta com a identidade construída para a
instituição. Lembrando que tudo isso faz parte de um processo histórico, social, institucional
que extrapola a dimensão individual da construção de identidade.
Portanto, a metamorfose pode ou não ocorrer dependendo das condições
materiais, sociais, históricas. O imaginário coletivo, as condições de formação inicial e
contínua em serviço, o modo de conduzir o trabalho nas instituições, a legislação, as
concepções de infância, educação infantil, etc, interferem nas possibilidades de ocorrência da
metamorfose de cada profissional e da categoria.
No Brasil, as primeiras creches destinavam-se a atender crianças pobres
para evitar que permanecessem nas ruas ou fossem abandonadas em instituições que recebiam
crianças abandonadas como as Casas de Expostos, nas quais o índice de mortalidade era alto
(MONTENEGRO, 2001).
O surgimento dos jardins-de-infância, em 1883, traz uma nova destinação de
atendimento. O alvo era, então, as crianças “abastadas”. Havia preocupação com a existência
de um projeto pedagógico para essas instituições, reforçando a intencionalidade em educar as
crianças e não somente mantê-las sob guarda, cuidado.
Segundo Montenegro (2001, p. 24), tal polarização no atendimento
constitui-se numa proposta do “assistencialismo excludente” que marcou a origem das creches
e permaneceu até por volta de 1980. No entanto, algumas mudanças nas políticas públicas
levaram a alterações na política de creches e pré-escolas. Em 1940, foi incluída na
86
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) a obrigatoriedade da implantação de creches em
empresas particulares que empregassem mais de 30 mulheres com mais de 16 anos de idade.
Na década de 70 a sociedade civil reivindicou a construção e administração de creches pelo
Estado. Em 1988, na Constituição Brasileira, foi reconhecido o direito da criança pequena à
educação e o direito dos pais trabalhadores a terem seus filhos sendo atendidos em
instituições apropriadas a faixa etária de 0 a 6 anos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB, 9394) promulgada em 1996 incluiu a educação infantil como uma etapa da
Educação Básica juntamente com o Ensino Fundamental e Médio.
Nesse processo de reconhecimento gradativo da importância da EI e da
garantia de seu oferecimento pelo Estado como direito da criança e dos pais, a identidade
atribuída para e assumida pela educadora infantil vem passando por modificações.
Nas primeiras creches as profissionais assumiam uma personagem que
podemos nomear como pajem/mãe. Nos primeiros jardins-de-infância a personagem era a
professora.
Ainda hoje temos elementos da polarização entre cuidado e educação.
Pajem/babá e professora atuam na creche e na pré-escola, respectivamente, mesmo estando
previsto na LDB (9394/96) que a diferenciação entre elas (creche e pré-escola) é apenas
quanto à idade: 0 a 3 anos na primeira e 4 a 6anos na segunda. No imaginário social o cuidado
está muito ligado ao trabalho com crianças de até 3 anos e a educação, as práticas ditas
pedagógicas, às crianças maiores de 4 anos. Parece haver um “consenso” de que a partir dessa
idade a criança deve ser preparada para fases subseqüentes da escolaridade obrigatória.
Algumas denominações diferentes das já citadas aparecem na história da
educação infantil. Podemos encontrar educadoras infantis sendo contratadas como Auxiliares
de Desenvolvimento Infantil, Recreacionistas, Auxiliares de Sala, Monitoras, etc. No entanto,
87
a conotação que acompanha tais denominações é a da não professora, muitas vezes não
profissional, daquela responsável pelas práticas domésticas e de maternagem.
As exigências demonstradas pelo avanço dos estudos na educação infantil,
pelas determinações sócio-históricas, pelas características das crianças dentro e fora da
instituição e muitos outros fatores têm provocado uma possibilidade de metamorfose que tem
provocado as educadoras infantis a assumir o personagem de professor de educação infantil.
Nos movimentos e transformações da realidade na qual se inserem podemos verificar que
estão sendo criadas algumas condições para que o processo de identificação profissional das
educadoras infantis prossiga. São necessárias as metamorfoses. Ocorrem dúvidas,
indefinições, conflitos. Mãe, professora de Ensino Fundamental? Tais personagens podem ser
aventadas na busca daquele a ser assumido.
Hoje, na literatura está posto que o papel do profissional de EI não é nem
“substituto da mãe” nem “professor escolar” como no Ensino Fundamental.
A busca dos caminhos para prosseguimento no processo de identificação
profissional não é solitária. Cada educadora é sujeito da sua metamorfose, mas na relação e
interação que mantém com o mundo, com os outros, crianças, colegas de ofício, pais e mães,
professores de Ensino Fundamental, professores outros, etc. As ações empreendidas nessa
busca são individuais e coletivas; atingem a dimensão pessoal, institucional, sindical;
relacionam-se com o conhecimento científico, com o senso-comum, com os saberes
construídos ao longo do exercício profissional. Há uma complexidade que pode tanto
amedrontar quanto fascinar. Lidando com o medo, o fascínio, a necessidade, vai se
construindo um novo momento da identificação que será sucedido por outros. A metamorfose
da identidade não é tal e qual a das borboletas. Nunca saberemos quando se dará a última
transformação.
Quais podem ser as vias de construção desse processo na educação infantil?
88
Dada a complexidade da realidade humana e educacional parto da idéia de
que há diversidade e infinidade de vias de construção da identidade profissional das
educadoras infantis. Em cada contexto, em cada época, em cada rede ou mesmo instituição
podem surgir os mais diversos caminhos. Priorizarei alguns e serão aqui trazidos não por
ordem de importância, mas porque fazem parte de um conjunto que considero indispensável.
Uma das vias é valorizar, implementar, contribuir para que aconteça o
trabalho coletivo. Uma aprendizagem muito importante para profissionais da educação
infantil é trabalhar coletivamente:
- quando está com as crianças pelas quais é responsável, caracterizando as ações
daquele grupo como resultado de intervenções da(s) educadora(s) responsáveis e
também das crianças;
- assumindo uma parceria real com todos os profissionais que trabalham na instituição,
co-operando com o encaminhamento da proposta pedagógica;
- realizando ações educativas e de cuidado complementares à família e, portanto, em
parceria, abrindo espaço para que os pais participem do processo educativo da
instituição;
- mantendo contato com a comunidade na qual está inserida a instituição oferecendo e
recebendo contribuições;
- participando de eventos com educadores com os quais não trabalha cotidianamente,
interagindo com outros profissionais, inclusive de outras áreas;
- inserindo-se como sujeito de uma categoria profissional que tem suas especificidades,
sua história;
- participando de organizações sindicais relacionadas à categoria;
- buscando compreender os rumos da educação infantil no Brasil e no mundo e o
processo de construção de identidade profissional da educadora infantil.
89
Outra via importante é a existência de um programa de FCS que pode ter
origem de elaboração nos órgãos centrais das redes de ensino, secretarias, mas que tenha uma
versão bem definida funcionando em cada instituição de educação infantil.
Essa versão bem definida seria uma sistematização da formação contínua
em serviço encaminhada pelo(s) gestor(es) da unidade com participação ativa de todos os
profissionais. É fundamental definir quais ações de formação farão parte do programa:
participação em cursos, eventos pontuais, reuniões de equipe, momentos semanais ou
quinzenais para reflexão sobre a ação, momentos também periódicos para estudo, constituição
de comissões que encaminhem determinadas frentes de trabalho, reuniões com pais e
comunidade, elaboração e divulgação da proposta pedagógica desenvolvida, utilização de
instrumentos para verificar as reais necessidades de formação, acompanhamento individual e
coletivo do processo dos resultados do programa e do trabalho geral da instituição?
Cada contexto tem em si os elementos que orientarão a formação em
serviço. Inúmeros assuntos podem ser abordados, desde questões pontuais cotidianas que
enriquecem grandemente a capacidade de refletir sobre a ação até a organização de projetos
coletivos de trabalho. Vale lembrar algumas possibilidades:
- ampliar o conhecimento que se tem sobre a criança tendo como fonte o conhecimento
científico e também os saberes da experiência, olhando-a com estranheza para que
haja maior capacidade de descobrir elementos novos;
- ampliar o conhecimento que se tem do mundo e das pessoas, estudando conceitos,
tendo acesso a materiais que preparam o educador para construir junto com a criança
esse saber;
- desenvolver os saberes pedagógicos relacionados à profissão assumida;
- estudar a história da educação infantil e da educação como um todo;
- aprender a refletir sobre a própria ação construindo um fazer profissional;
90
- problematizar o cotidiano, exercitar diferentes pontos de vista ao tratar desde as
questões aparentemente mais corriqueiras até as consideradas mais importantes;
- refletir sobre a interação humana, conhecer melhor as formas ou modelos de
relacionamento inter-pessoal adotado por si mesma;
- perceber-se como agente principal da própria formação e como colaboradora na
formação contínua dos outros profissionais da instituição;
- refletir sobre o processo de identificação profissional que está vivendo, sua relação
com a história da profissão e com as possibilidades futuras.
Relacionada às duas vias já citadas está uma outra: a tentativa constante de
compreender qual conceito de criança/infância, educação infantil e profissional sustenta
nossas ações cotidianas.
Moss conceitua a criança como “... co-construtora, cidadã, agente, membro
do grupo [...] forte, competente, inteligente, um pedagogo poderoso, capaz de produzir teorias
interessantes e desafiadoras, compreensões, perguntas – e desde o nascimento, não em uma
idade avançada...” (MOSS, 2002, p. 242).
Trabalhando na educação infantil acredito que precisamos verificar qual é a
concepção de criança que transparece em nossas ações cotidianas. Não se trata de verificar
somente os discursos, mas também a concepção implícita na ação, nas escolhas e no
encaminhamento da programação diária, na forma como propomos atividades, no modo como
lhe dirigimos a palavra, no modo como procuramos a resolução de conflitos nos quais es
envolvida, etc.
A maneira como conceituamos a infância está muito misturada com a
maneira como concebemos a criança. Moss (2002) afirma que a infância está relacionada com
a vida adulta, porém não é hierarquicamente inferior. Trata-se de uma fase importante da vida
da pessoa e deixa traços para as fases seguintes. No entanto, a preocupação ao trabalhar com a
91
criança é a infância que ela está vivendo somada ao adulto que será, visto que nossas ações no
hoje e agora de sua vida deixa traços para as fases posteriores.
Diversas ações presenciadas na educação infantil, principalmente na pré-
escola nos revelam uma extrema preocupação com o preparo para o Ensino Fundamental de
tal modo que muitas vezes a criança real, vivendo a infância, passa despercebida aos
profissionais.
A compreensão do que é ser criança determina o tipo de funcionamento que
damos à instituição. Ainda recorrendo a Moss (2002), as instituições para a primeira infância
são
espaços ou fóruns situados na sociedade civil, nos quais crianças e adultos
participam juntos em projetos de importância social, cultural, política e
econômica. Esses ‘espaços’ são vistos como instituições comunitárias, para
uma infância viva, e como parte da vida, e não como preparação para a
vida”(MOSS, 2002, p. 243-4, grifo do autor).
Nossas creches guardam ainda resquícios de abrigo, asilo. Tal momento de
sua identidade ainda não foi superado. Um esforço bastante grande será necessário para que
nossas creches e pré-escolas tornem-se lugares abertos a confrontar pontos de vista, discordar,
ser indócil quando necessário, ter incertezas, ser deslumbrado e curioso e procurar respostas
diferentes das encontradas até então.
Para que uma metamorfose aconteça é de primordial importância a
identificação que fazemos do profissional para a EI.
Nem substituto da mãe, nem professor escolar. É aquele
profissional que reflete sobre sua prática, um pesquisador, um co-construtor
do conhecimento, tanto do conhecimento das crianças como dele próprio,
sustentando as relações e a cultura da criança, criando ambientes e situações
desafiadoras, questionando constantemente suas próprias imagens de criança
e seu entendimento de aprendizagem infantil e outras atividades, apoiando a
92
aprendizagem de cada criança mas também aprendendo com ela. (MOSS,
2002, 246-7)
Moss acrescenta também a importância de que tal profissional seja capaz de
usar a documentação, o diálogo e a reflexão para reforçar a compreensão de que são criadores
de significados e não descobridores da verdade, isto é, trata-se de um profissional em fina
sintonia com os movimentos e transformações do real. É necessário romper com a re-posição
dos personagens mãe e professora de Ensino Fundamental e construir momentos da
identidade cada vez mais próximos da imagem aqui descrita e idealizada.
2.6 A formação contínua em serviço pode contribuir com a construção da identidade
profissional do educador infantil
A FC vem assumindo diversas características. Podemos citar em
referência a CANDAU (1997) uma perspectiva clássica:
- fundamentalmente voltada para a reciclagem de professores;
- que elege a universidade como local privilegiado para seu desenvolvimento;
- que valoriza a participação em eventos pontuais;
- que dicotomiza teoria e prática atribuindo à universidade a produção de conhecimento e
aos profissionais do ensino a sua aplicação.
Esse modelo clássico é o que tem sido mais aceito e promovido.
Na defesa da possibilidade de contribuição da FCS para a construção da
identidade profissional do educador infantil é necessário esclarecer que a perspectiva clássica
seria um modo de promover formação que não faria concretizar-se o desenvolvimento
profissional esperado e, muito menos, os processos identitários.
93
A constituição de uma perspectiva diferente de formação passa
necessariamente pela redefinição do locus de formação. Ele sai da universidade ou das
secretarias de educação e desloca-se para a unidade escolar. Cada escola é também um local
de formação para os professores que nela atuam e pode manter uma intensa e proveitosa
relação com a universidade, com as outras escolas de sua rede e de outras, e com diversas
instituições presentes na sociedade.
Para tanto é preciso abrir mão do modelo escolar que a FC tem assumido. O
professor é levado à “academia” para ser, por alguns momentos, um aluno que aprenderá
conteúdos específicos, na maioria das vezes desconectados de sua experiência na docência.
Assim, a escola além de caracterizar-se como local de formação não só de seus alunos, mas
também de seus professores, torna-se ainda contexto gerador de conteúdos para a formação.
As relações vivenciadas entre professores e alunos, professores entre si, professores /
comunidade / alunos / conhecimento, tornam-se elementos constituintes da formação.
A dimensão organizacional ganha uma nova importância e a “formação em
contexto” pode ser efetivada.
Numa perspectiva de formação em contexto, ao contrário da formação
inspirada no modelo escolar, as práticas formativas articulam-se com as
situações de trabalho e os quotidianos profissionais, organizacionais e
comunitários das escolas. A criação de ambientes formativos com carácter
permanente é seu horizonte. Neste sentido, uma perspectiva de formação em
contexto reclama de todos um papel activo de construtores de saber e não de
meros consumidores passivos de programas de formação e “créditos”
correspondentes. Assim, os professores são considerados sujeitos e não
objetos da formação. (FERREIRA, 2000, p. 75, grifo do autor)
O papel dos gestores das unidades escolares é fundamental na
implementação do PFCS. O gestor além de ocupar-se das atribuições administrativas que
extrapolam o âmbito pedagógico precisa identificar-se como formador da equipe com a qual
trabalha. Mediará a relação dos professores e outros profissionais com o conhecimento,
instigará a equipe a trabalhar coletivamente e manter relações com outras instituições e com a
94
comunidade profissional. Compreenderá quanto é lento o processo de construção da
identidade profissional, mas também o quanto é fecundo.
A FCS pensada a partir das pontuações aqui registradas pode contribuir para
que o professor de educação infantil possa construir saberes específicos de sua profissão.
Saber ser e saber fazer que lhe permite identificar-se como um professor de crianças de 0 a 6
anos, com suas necessidades específicas de aprendizagem e desenvolvimento. Permitem ainda
tomar as situações cotidianas de trabalho e de pertencimento a uma categoria profissional
como objeto de uma reflexão que terá como resultado elementos norteadores das ações.
Permitem buscar na sua história pessoal e nas suas relações sociais as características que o
identificarão como um professor de educação infantil para ele mesmo e para os outros.
Logo, quem constrói identidade a partir da formação em serviço não são
somente os professores leigos, mas todos os professores. Existem diferentes momentos na
vida profissional, mas em todos eles a identificação com a profissão está em desenvolvimento.
Sendo a FCS compreendida como um processo de desenvolvimento profissional de adultos
podemos constatar que são constituídas redes de relação que imbricam desenvolvimento na
profissão e desenvolvimento da identidade profissional.
Algumas possibilidades concretas de um programa de formação continuada
em serviço podem exemplificar a riqueza de sua realização:
- estudar conteúdos específicos que instrumentalizam para as ações pedagógicas;
- ser orientado e orientar ações de outros;
- participar de eventos de formação organizados pela própria equipe e por outros;
- participar de comissões com atribuições específicas na escola;
- registrar dados importantes das situações de aprendizagem e ensino como produção de
material que orientará ações futuras;
- planejar suas ações e da equipe a que pertence;
95
- participar periodicamente de momentos de formação dentro da própria escola com a
presença do gestor e de seus pares;
- refletir individual ou coletivamente sobre as próprias ações e as de outros;
- refletir sobre o momento do desenvolvimento profissional que está vivendo
individualmente e o momento vivido pelo grupo;
- conhecer a legislação que regulamenta sua profissão e suas relações com o cotidiano
escolar;
- sentir-se responsável pela própria formação e pela formação do grupo de professores com
o qual trabalha;
- conhecer o desenvolvimento e aprendizagem das crianças de 0 a 6 anos, das faixas etárias
subseqüentes e também do adulto;
- pesquisar;
- preocupar-se não só com o trabalho realizado em sua unidade escolar, mas também com
aquele realizado nas outras unidades de sua rede;
- entrar em contato com suas representações e as da equipe sobre educação infantil,
desenvolvimento, aprendizagem, criança, professor, profissional da educação infantil,
infância, sociedade...;
- produzir coletivamente o projeto pedagógico da escola.
Não tive a pretensão de esgotar as possibilidades e, portanto, muitas outras
poderiam ser citadas. Estamos em terreno tão rico e fértil que torna-se difícil elencar todas. As
aqui citadas fazem parte de um conjunto que estou experenciando no CCI, onde coordeno um
programa de formação em serviço para educadoras leigas e não leigas.
Esta experiência tem permitido compreender que após um longo período
sem um trabalho de FCS sistematizado, a implantação de ações que constituem um programa
concebido de acordo com o conteúdo discutido anteriormente neste texto, possibilitou um
96
avanço considerável na construção da identidade profissional das educadoras. Poderia afirmar
que partiu-se de um trabalho orientado fortemente por uma perspectiva higienista, com
preocupação em proporcionar cuidados primários e disciplinamento, para o objetivo de
constituição de um trabalho educativo, que inclui o cuidado, e pretende proporcionar a
“descoberta do mundo” para a criança.
Há que se investir na FCS como um elemento importante na construção da
identidade profissional do educador infantil. O investimento a que me refiro vai desde o
âmbito das políticas públicas até a definição das ações de formação dentro de cada IEI.
Investir de modo muito amplo quando pensamos no sistema educacional, no caminho
histórico que a educação infantil vem percorrendo no Brasil e no mundo.
O investimento pode ser também muito intenso no sentido de mobilizar
forças, interesses, desejos de todos aqueles que trabalham na educação infantil, seja como
gestores de instituição, como educadores infantis, como pesquisadores, formadores... Que a
identidade construída a partir do investimento seja coerente com a função da IEI e que atenda
aos interesses da maioria da população.
Outro adjetivo para o investimento que me ocorre no momento é que seja
real, no sentido de que os resultados que dele vierem sejam visíveis no desenvolvimento das
crianças e na emancipação das experiências e saberes das IEI e, de modo muito especial, no
desenvolvimento profissional dos educadores.
No CCI Chalezinho da Alegria temos investido na FCS e os resultados têm
sido significativos. Gradativamente, em ritmos e por caminhos diferenciados as educadoras
estão construindo um saber profissional que as permite identificar-se como educadoras em
formação contínua.
97
A opção metodológica da pesquisa será apresentada a seguir esclarecendo os
caminhos percorridos.
98
3 OPÇÃO METODOLÓGICA
Toda opção revela pressupostos e intenções. A opção metodológica dessa
pesquisa é, para mim e para todos os colaboradores, um indício muito importante da
concepção de ciência, de pesquisa e de educação que tenho construído ao longo dos anos. Por
isso, a ação de produzir este texto representa uma oportunidade importante na organização de
minhas reflexões sobre o caminho metodológico escolhido para alcançar os objetivos
estabelecidos para a pesquisa. Primeiramente pretendo esclarecer a opção metodológica desta
pesquisa que tem como tema “Contribuições da formação continuada em serviço para a
construção da identidade do profissional de educação infantil”. Para tanto, contextualizarei o
surgimento do interesse pelo tema e citarei brevemente alguns pontos fundamentais do projeto
da pesquisa enfatizando a opção metodológica. Em seguida, a partir disso, discutirei os
pressupostos presentes na escolha metodológica e sua relação com meu fazer profissional.
Para mostrar que a “história” da pesquisa não começa com a
necessidade da elaboração de uma dissertação de Mestrado é fundamental fornecer algumas
informações sobre minha trajetória como aluna e como profissional.
Desde o Ensino Fundamental percebia um interesse pessoal em observar a
prática de alguns professores num ímpeto de análise que demonstrava uma incipiente
preocupação com questões educacionais que extrapolavam o espaço da sala de aula e até da
escola. Durante o Ensino Médio já buscava algumas leituras na área da Psicologia da
Educação e pulsava cada vez mais o interesse pela educação à medida em que se aproximava
o momento de escolha da profissão. A primeira escolha pelo Curso de Pedagogia foi
desaconselhada por um professor de Língua Portuguesa que considerava o Curso de Letras
mais interessante pelas habilidades que eu apresentava e porque Pedagogia era uma área sem
99
perspectivas. Passei por uma frustrante experiência de concorrer a uma vaga numa
universidade pública para um curso na área de ciências exatas e não ser aprovada. Por fim, já
fora do Ensino Médio, fiz a escolha definitiva pelo Curso de Pedagogia. Ao ingressar no curso
consegui “encontrar-me”. Os estudos, as discussões vinham ao encontro de minha
necessidade de entender, discutir e “estar” no universo da educação.
Um dos pontos de culminância nessa trajetória deu-se ao conseguir o
primeiro emprego na área de educação. Na primeira experiência fui coordenadora pedagógica
em uma Escola de Educação Especial, na segunda fui professora de adultos alfabetizandos, na
terceira experiência, que é a atual, exerço a função de supervisora de um Centro de
Convivência Infantil de uma Universidade Pública. Principalmente na primeira experiência e
na atual, pude envolver-me intensamente com a FCS de professores.
Atualmente ora intuitivamente, ora orientada por conhecimentos construídos
a partir de cursos e contatos com profissionais mais experientes, fui, juntamente com a equipe
de trabalho, implementando ações que constituíram um PFCS. Os resultados desse trabalho
têm sido evidentes na instituição. Algumas dessas ações podem ser citadas para fins de
exemplificação:
- investimento na valorização profissional;
- investimento na autonomia do profissional;
- criação de espaços para orientações pedagógicas semanais;
- participação em cursos e outros eventos científicos;
- criação de formas de registro sistemático do trabalho (diários, relatórios de
desenvolvimento e aprendizagem das crianças...);
- criação de espaços para planejamento, execução e avaliação do trabalho;
- divulgação do trabalho sob a forma de exposições, apresentações em eventos...;
- contato com profissionais de educação infantil de outras instituições.
100
Em meio a um fervilhar de idéias e ações que constituíam pouco a pouco um
PFC surgiu a oportunidade para que eu cursasse uma Pós-Graduação Lato-Sensu em
Formação de Recursos Humanos para a Educação Infantil (0 a 6 anos). A partir da
necessidade de elaborar uma monografia como exigência para avaliação final do curso pude
trabalhar com o tema “Formação Continuada em Serviço de Professores de Educação Infantil:
O Lugar da Auto-Estima”. Na ocasião constatei a importância de eleger um lugar no
Programa de Formação Continuada para estudos da auto-estima como um dos aspectos do
desenvolvimento humano, bem como de outros conceitos relacionados e sua influência no
trabalho cotidiano.
Durante a Pós-Graduação Lato-Sensu ingressei no Mestrado em Educação e,
a princípio tinha como projeto a continuidade da pesquisa com o tema já eleito para a primeira
investigação. No entanto, no decorrer do trabalho percebi que além de pesquisar sobre a
importância de incluir estudos sobre o desenvolvimento humano na FC eu estava lidando com
algo que tinha abrangência e impacto maiores do que previa. Todo o trabalho desenvolvido
até então dava indícios de uma mudança significativa na identidade profissional dos
funcionários do CCI, principalmente das chamadas “educadoras” que, na verdade, têm
nomenclatura de Recreacionistas e Auxiliares de Recreacionistas no contrato de trabalho.
Percebi que seria de fundamental importância, tanto para o processo de desenvolvimento
profissional no âmbito do Centro em que trabalho como para os outros Centros mantidos pela
mesma Universidade, o resultado de uma pesquisa sobre as contribuições que um PFCS pode
oferecer para a construção da identidade profissional de educadores de crianças de 0 a 6 anos.
O momento histórico vivido por esses Centros, momento de redefinição de
diretrizes para atendimento das exigências colocadas pela nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei Nº 9.394/1996), revela uma necessidade urgente de definição da
identidade dos profissionais que trabalham diretamente com as crianças.
101
Essa necessidade de definição da identidade profissional estava e está
presente no cotidiano de cada CCI. As mudanças pelas quais vem passando a EI no Brasil
conspiram pela definição de uma identidade profissional. As pessoas que trabalham com
crianças de 0 a 6 anos são profissionais da educação e não “tias”, babás, pajens e outras
denominações presentes na linguagem utilizada no dia-a-dia e no imaginário da sociedade.
À medida em que a EI, como a primeira etapa da Educação Básica, se volta
para a identificação das necessidades de desenvolvimento e aprendizagem das crianças de 0 a
6 anos, os profissionais dessa área precisam formar-se inicial e continuamente para trabalhar
com tais necessidades.
Considerando o atual momento histórico e as necessidades que se colocam
cotidianamente para meu exercício profissional encontrei na pesquisa que estou realizando a
oportunidade de refletir sistematicamente sobre uma das mais importantes atribuições que
tenho: possibilitar a ocorrência da FCS dos profissionais com os quais trabalho de modo
organizado atendendo às necessidades desse grupo.
O problema central que me instigou a pesquisar foi a necessidade de
identificar e analisar os elementos fundamentais presentes na FCS que contribuíram ou estão
contribuindo para desenvolver a identidade profissional das educadoras, visto que nos últimos
anos vem ocorrendo um notável desenvolvimento nesse sentido. Portanto, meu objeto de
estudo é a contribuição que o PFCS tem oferecido para a construção da identidade
profissional das dez educadoras do CCI.
Surgiu, assim, um grande questionamento: Quais elementos, presentes na
FCS, têm contribuído para a construção da identidade profissional das “educadoras” do CCI
Chalezinho da Alegria da UNESP de Presidente Prudente? De que forma esses elementos
constituem-se como contribuidores?
102
O objetivo principal foi identificar os elementos citados acima e analisar sua
contribuição. Outro objetivo foi contribuir com a elaboração e redefinição de PFCS do CCI
Chalezinho da Alegria, locus da pesquisa, de outros CCIs da UNESP e de outras instituições
de Educação Infantil, no que se refere à construção da identidade profissional do educador
infantil.
O conjunto de conceitos que orientou a pesquisa bibliográfica foi: FCS de
professores, identidade do professor de educação infantil, desenvolvimento profissional,
identidade profissional, educação infantil, CCIs da UNESP.
Quanto à opção metodológica minha intenção é que todo o trabalho
proposto para a pesquisa esteja fundamentado no “paradigma materialista-dialético” visto que
o fundamento epistemológico está na “lógica interna do processo e em métodos que desvelam
a dinâmica e as contradições dos fenômenos” (GOMES, 2001, p.12). Está presente a
preocupação “em desvendar as contradições apresentadas pelo real, expressas no conflito de
interpretações e interesses, para então propor formas de superação, no sentido de transformar
essa realidade resgatando sua dimensão histórica” (GOMES, 2001, p. 12).
Ao tomar como foco a FCS a que têm acesso as educadoras do CCI
“Chalezinho da Alegria” e analisar sua contribuição na construção da identidade profissional,
levei em consideração as contradições presentes no processo, a determinação histórica,
política e social dessa identidade. A análise não se restringiu a aspectos individuais do
desenvolvimento profissional, tratou da construção coletiva da identidade no âmbito do CCI,
enquanto equipe, referenciando-se quando possível e necessário no âmbito de todos os CCIs
da UNESP. Sem perder de vista a especificidade do CCI onde desenvolvi a pesquisa, foi
possível sempre lembrar que ele faz parte de um conjunto de CCIs de diferentes unidades da
UNESP que têm diretrizes comuns determinadas pela Pró-Reitoria de Administração.
103
Orientada pela opção metodológica acima descrita compreendo que a
pesquisa é “um procedimento formal, com método de pensamento reflexivo, que requer um
tratamento científico e se constitui no caminho para conhecer a realidade ou para descobrir
verdades parciais” (LAKATOS; MARCONI, 1991, p. 155).
Segundo Gomes (2002, p. 2) a pesquisa é o elemento diferenciador entre o
conhecimento empírico, baseado no “presente sensível imediato” e o conhecimento científico,
baseado em “operações do pensamento, concepção, juízo e raciocínio”.
Assim considerada a pesquisa visei, a partir dela, produzir um conjunto de
conhecimentos acerca da realidade pesquisada que tivesse sustentação científica. A partir
desse conjunto de conhecimentos foi possível organizar sistematicamente o “saber” sobre
como desenvolver programas de FCS que continuassem contribuindo para a construção da
identidade profissional do educador infantil do CCI Chalezinho da Alegria, bem como
referendar o mesmo tipo de ação em outras IEI.
Ao adotar tal concepção de pesquisa compreendi a ciência como “um
conjunto de verdades encadeadas entre si constituindo-se num sistema coerente de
proposições” (GOMES, 2002, p. 5). Ou seja, é um conjunto de saberes/conhecimentos que
alcançam o estatuto de “verdade”, porque foi constituído a partir de “aproximações
conceituais” sistemáticas do objeto em estudo.
O trabalho cotidiano forneceu informações geradoras de hipóteses que me
direcionaram às respostas das questões que motivaram a pesquisa. Porém, foi necessário
realizar uma aproximação conceitual sistemática de meu objeto de estudo. Pude, de antemão,
afirmar que as ações que levam à valorização profissional das educadoras do CCI constituem
um dos elementos do PFC que tem contribuído na construção da identidade. No entanto, foi
necessário investigar cientificamente esta hipótese para que ela alcançasse o estatuto de
104
verdade. E aí está a beleza de poder produzir ciência a partir do próprio trabalho, das
inquietações cotidianas, do próprio fazer profissional.
Diante disso posso afirmar que nesta pesquisa houve uma abordagem
qualitativa cuja opção é a pesquisa-ação definida por Thiollent (1988, p. 14) como “um tipo
de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada com estreita associação
com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo”.
Considero que meu papel enquanto pesquisadora, supervisora do CCI e
principal responsável pela ocorrência do PFCS foi de extrema importância para equacionar os
problemas apontados, para acompanhar e avaliar as ações delineadas.
Para fundamentar as técnicas eleitas para a pesquisa utilizei a contribuição
de Lakatos e Marconi (1991). Foram utilizadas:
documentação indireta para levantamento de informações prévias através de:
- pesquisa documental: registros escritos pela supervisora e pelas educadoras durante a FC
todos os volumes do processo do CCI (conjunto de documentos importantes), diários das
educadoras;
- pesquisa bibliográfica: diversas publicações e trabalhos referentes à temática da pesquisa.
documentação direta para levantamento de dados no próprio local da pesquisa através
de:
- pesquisa de campo exploratório-descritiva: estudos exploratórios com fins de descrição e
análise empírica e teórica do PFCS no que se refere à construção da identidade
profissional.
105
observação direta intensiva através de:
- observação participante natural como membro da equipe de trabalho a fim de extrair cenas
do cotidiano;
- entrevista estruturada individual com as educadoras abordando a identidade profissional
anterior (quando do ingresso na instituição ou antes do início do PFCS) e atual, a
identificação de expectativas próprias e externas em relação ao próprio desempenho e os
elementos contribuidores na construção da identidade atual;
- relato escrito de duas educadoras sobre a participação no PFCS.
106
4 TRABALHO EMPÍRICO-ANALÍTICO
Os dados serão apresentados, analisados e discutidos a partir de três
conjuntos: dados obtidos com as entrevistas, com a observação participante natural (cenas do
cotidiano) e com o relato escrito.
4.1 Entrevistas
As entrevistas estruturadas individuais foram realizadas em dezembro de
2002. Conversei com as dez educadoras, relatei a necessidade que tinha de obter dados para a
pesquisa e propus a realização das entrevistas. Seria uma conversa individual em que faria
algumas perguntas e anotaria as informações fornecidas. Todas elas concordaram em
participar deste momento da pesquisa.
Havia doze questões a serem respondidas (ANEXO A). Procurei contribuir
para que fossem bem compreendidas explicando com maiores detalhes as perguntas e
facilitando para que as educadoras estivessem o mais à vontade possível para expressar as
opiniões e fornecer as informações.
Na primeira questão foi solicitado um breve relato da escolarização formal
da educadora com o objetivo de obter elementos da vida escolar que pudessem revelar a
opção de formação inicial. Em seguida, foi perguntado sobre o primeiro trabalho com
educação infantil, local e época, solicitando ainda informação sobre a função ocupada
inicialmente e a atual. A intenção da pergunta era obter dados sobre a inserção profissional na
107
educação infantil e sobre o tipo de instituição em que ingressou, há quantos anos, em que
função e se houve mobilidade, ou seja, acesso a outro tipo de cargo.
O motivo que levou a educadora a trabalhar no CCI foi tema da terceira
pergunta para que fosse identificado o fator determinante do ingresso neste tipo de instituição.
As questões de número 4 a 9 abordaram elementos referentes ao Programa
de Formação Contínua em Serviço (PFCS) e a identidade profissional. Neste conjunto, a
primeira informação solicitada foi como eram orientadas as ações no trabalho antes que a
formação em serviço estivesse ocorrendo de modo sistemático. Assim, poderiam ser
identificados os elementos presentes na organização do trabalho que serviam como
referências suficientemente importantes para nortear as ações cotidianas. Posteriormente, foi
perguntado se houve mudanças no modo de ser profissional durante os últimos anos com a
participação no PFCS. A educadora estaria identificando uma modificação na identidade
profissional?
A proposta das duas questões seguintes foi realizar um exercício de
comparação e descrever as características profissionais anteriores e posteriores à participação
no PFCS. Qual seria a identidade profissional percebida pela educadora antes e depois da
sistematização da formação em serviço? Teria havido modificação na percepção da
identidade?
Identificar o que mais contribuiu com o processo de construção da
identidade atual da educadora dentro do PFCS foi o objetivo da próxima questão. Em seguida,
foi perguntado se a interação com a equipe de trabalho foi importante para constituir as
características citadas anteriormente e de que modo. Poderia ser aí identificado o grau de
importância atribuído à dimensão coletiva do trabalho na constituição da identidade
profissional.
108
A décima questão solicitou informação sobre a perspectiva de trabalho
futuro da educadora. Haveria intenção em continuar trabalhando na educação infantil? Teria
ocorrido uma opção de carreira que sinalizasse uma identidade profissional?
O tipo de identidade do CCI esboçado pela educadora foi abordado na
questão seguinte quando perguntei sobre as características que os CCIs da Universidade
deveriam ter.
Finalizando a entrevista perguntei qual seria a identidade ideal de um
profissional de educação infantil e solicitei que fosse escolhido um adjetivo que definisse a
essência de sua identidade. Pretendi, assim, conhecer a identidade almejada ou aquela que a
educadora imaginava que a coletividade (sociedade, supervisora, pais, crianças, colegas de
trabalho...) almeja. A escolha do adjetivo poderia reforçar a idéia apresentada na descrição da
identidade ideal.
Os dados obtidos com a primeira questão permitem identificar dois tipos
principais de permanência na escola, isto é, uma parte das educadoras esteve na escola de um
modo mais próximo ao previsto no sistema formal de ensino, sem grandes dificuldades de
continuidade. Outra parte viveu interrupções que retardaram a formação ou até geraram uma
desistência do objetivo de formação.
Cinco das dez educadoras viveram situações dentro e fora da escola que as
levaram a uma interrupção significativa na escolarização. Durante mais de dez anos
interromperam a formação, mesmo trabalhando na educação infantil há muito tempo e
recebendo informações no dia-a-dia de que a continuidade da formação seria necessária às
ações cotidianas como educadoras e se tornaria-se uma exigência legal para esse tipo de
profissional.
É possível ilustrar essas situações com alguns dados da entrevista:
109
- Começou a estudar já com 8 anos, era mais velha e maior que os colegas. Estudou
cerca de três anos e deixou a escola. Depois disso retornou e saiu várias vezes do
ensino supletivo. Ainda não concluiu o Ensino Fundamental. (Educadora A)
- Passou por quatro escolas no primeiro ano do Ensino Fundamental, a mãe se mudava
muito. Quando passou para o segundo ano a mãe faleceu, mudou de novo. Depois
disso conseguiu estudar direto até o segundo ano do Ensino Médio. Casou-se,
engravidou e deixou a escola até hoje. (Educadora D)
- No início não teve muitas dificuldades, estudou até o primeiro colegial e depois ficou
vários anos sem estudar. Há poucos anos voltou e terminou o Ensino Médio no
supletivo. Está aguardando vaga para o Pedagogia Cidadã. (Educadora E)
- Houve dois pontos marcantes na escolarização: uma situação em que fez xixi na roupa
dentro da sala de aula na primeira série do Ensino Fundamental e duas repetências no
primeiro colegial. Ficou 14 anos sem estudar e agora está cursando o Pedagogia
Cidadã. No começo quase desistiu, mas agora está gostando. (Educadora F)
- A escolarização foi boa apesar de ter sido uma aluna relapsa, faltava por causa do
basquete. Repetiu na sétima série. Prestou vestibular para Psicologia, não passou e não
estudou mais. Está cursando o Pedagogia Cidadã. (Educadora H)
As outras cinco educadoras escolarizaram-se sem interrupções tão
significativas quanto o grupo anterior e mantendo o objetivo da continuidade da formação
como profissional da educação e/ou educação infantil.
Alguns dados ilustrativos:
- Sofreu uma forte frustração com repetência na terceira série do Ensino Fundamental
devido a solicitação de sua mãe à professora, porque apresentava dificuldades com
Matemática. Teve experiência muito prazerosa durante a formação para o magistério
110
no CEFAM, tinha vínculos afetivos muito fortes naquela escola, sonhava em ser uma
boa professora. Está cursando Pedagogia Cidadã. (Educadora B)
- Tinha muita vontade de ir para a escola, mas não deixavam, porque era muito longe.
Gostava muito de estudar. Depois do Ensino Médio ausentou-se por quatro anos, fez
um ano de magistério. (Educadora C)
- Inicialmente chorava muito na escola, interrompeu a freqüência e voltou no ano
seguinte. Gostava muito de estudar, os colegas reuniam-se na sua casa para elaborar
trabalhos, gostava de ler e escrever. Queria ser professora desde pequena. Fez
Magistério, Pedagogia, Habilitação para o Magistério Pré-escolar e pensa em
continuar os estudos. (Educadora G)
- Não lembra de muita coisa da escolarização. O que ficou mais forte foi o período da
oitava série para o primeiro colegial quando foi convencida por uma amiga a cursar o
magistério. Cursou Direito até o início do quarto ano e parou. Algumas experiências
profissionais a levaram a cursar Pedagogia. (Educadora I)
- A escolarização foi algo positivo. Estudou em escolas de boa reputação, só teve
problema uma vez, mas resolveu rápido. Cursou Magistério, Pedagogia, Habilitação
para o Magistério Pré-escolar e quer continuar os estudos. (Educadora J)
Através dos dados apresentados foi possível perceber que algumas
educadoras fizeram uma opção de formação como profissional da educação e outras,
inicialmente, não optaram por esse caminho. No entanto, sendo profissionais da Educação
Infantil (EI) e vivendo a história dessa etapa educacional em nosso país, identificando o perfil
profissional solicitado no CCI e também tendo contato com as determinações legais mais
recentes nessa área, foi sendo construída a compreensão de que há necessidade de formação
inicial adequada. Fica claro que o profissional da EI precisa formar-se no curso de Magistério
ou de Pedagogia, preferencialmente, para assumir o papel que lhe cabe, qual seja, o de
111
conduzir o processo de ensino e aprendizagem de crianças de 0 a 6 anos em sua trajetória de
desenvolvimento.
Não obstante haverem opções diferenciadas, existe um acordo de que a
formação contínua em serviço é uma necessidade para todas as educadoras independente da
formação inicial. Portanto, constatar a existência de educadoras com formação inicial
adequada e que pretendem continuar os estudos, e que existem educadoras que têm clareza de
que não desejam avançar na formação/escolaridade formal, não é um elemento que
obstaculize o PFCS.
É importante esclarecer que o Pedagogia Cidadã, curso em que estão
inseridas três educadoras participantes da pesquisa e em que uma aguardava vaga na época da
entrevista, foi uma oportunidade que surgiu no contexto da UNESP para que profissionais de
EI pudessem dar prosseguimento à formação inicial.
O Pedagogia Cidadã é um projeto criado pela parceria entre a UNESP e
alguns municípios que oferecem o Curso de Pedagogia com Licenciatura para Formação de
Professores para a Educação Infantil e para as séries iniciais do Ensino Fundamental a
professores de Redes Municipais, num período de 3 anos. Este projeto não será analisado
porque não é objeto de estudo da presente pesquisa.
Em outubro de 2002 iniciaram as aulas desse curso no qual duas educadoras
(B e H) foram matriculadas mediante aprovação em processo seletivo. Pouco tempo depois a
educadora F também matriculou-se porque houve uma desistência e surgiu uma vaga. Devido
a classificação no processo seletivo a educadora E não teve oportunidade iniciar o curso. Em
função da participação da UNESP no projeto, as educadoras dos CCIs conseguiram isenção
de pagamento mensal, fator que facilitou a participação.
A entrada no curso revelou intenção de dar prosseguimento à formação
tanto por uma educadora que nos dados já citados optou por continuar estudando, quanto por
112
duas educadoras que pareciam ter interrompido de modo mais definitivo o processo de
escolarização.
Quanto à inserção como profissional da EI, oito das dez educadoras
iniciaram atividades no CCI e duas numa instituição de educação infantil mantida por uma
empresa da cidade de Presidente Prudente.
O tempo de trabalho na EI variou entre quatro a quatorze anos:
- Educadoras A, C e F: 14 anos;
- Educadora E: 12 anos;
- Educadoras D e H: 11 anos;
- Educadora G: 7 anos;
- Educadora I: 5 anos;
- Educadoras B e J: 4 anos.
Quatro educadoras ( C, E, F e H) foram contratadas inicialmente na função
de Babá e atualmente ocupam a função de Recreacionista. Duas (A e D) iniciaram como
Babás e atualmente são Auxiliares de Recreacionista. A educadora B iniciou como
Auxiliar de Recreacionista e assim permanece, enquanto a educadora J iniciou como
Auxiliar de Recreacionista e teve alteração para Recreacionista.
As educadoras que tiveram inserção profissional na EI fora do CCI
(educadoras G e I) foram admitidas, respectivamente, como Professor de Pré-escola e
Auxiliar de Desenvolvimento Infantil, na instituição de origem, e atualmente são
Auxiliares de Recreacionista.
Deste modo é interessante observar que a grande maioria das educadoras
(80%) vivenciou experiência como profissional de EI exclusivamente no CCI. Ao mesmo
tempo em que a falta de diversificação de local de trabalho pode levar à compreensão de que
fica reduzido o universo profissional, pode também sinalizar para um conhecimento
113
aprofundado da instituição e uma vivência mais intensa de sua história, considerando ainda
que 60% delas tem mais de 10 anos de contrato.
A maioria das educadoras que tiveram a função alterada de Babá para
Auxiliar de Recreacionista ou Recreacionista, não soube informar o motivo da alteração. Uma
delas informou que passaram a ser Recreacionistas aquelas que haviam concluído o Ensino
Médio, no entanto, isso não é confirmado observando que havia uma Recreacionista sem essa
formação. Parece haver uma falta de conhecimento das causas da alteração de função, o que
pode demonstrar desconhecimento de momentos importantes da história profissional das
educadoras.
A não apropriação de informações sobre a função em que se mantém
contratada pode ser um indício da ausência de uma identificação mais sólida como
profissional da EI. Afinal, isso tem relação com a identidade do profissional. Babá, atendente,
recreacionista, auxiliar de recreacionista são denominações de funções que trazem
significações importantes quanto ao trabalho a ser desenvolvido e ao perfil requerido e
assumido.
O principal motivo que impulsionou a inserção na EI é um elemento valioso
para identificar o primeiro contato com a área de atuação e observar se mantém relação com a
opção de formação posterior. Fica evidente que a necessidade de ter um emprego é um fator
importante acompanhado de outros motivos, em alguns casos talvez secundários. Aparecem
os seguintes motivos:
- Vontade de trabalhar em creche ou asilo. (Educadora A)
- Conseguir um emprego e colocar em prática o que aprendeu dando continuidade à
experiência iniciada em contrato temporário. (Educadora B)
- Fato de já cuidar de criança anteriormente e conseguir emprego. (Educadora C)
- Desejo de trabalhar cuidando de crianças. (Educadora D)
114
- Conseguir emprego. (Educadora E)
- Interesse em exercer nova atividade - antes trabalhava em outra área. (Educadora F)
- Interesse pelo trabalho na EI. (Educadora G)
- Interesse em trabalhar no local em que a irmã dava aulas. (Educadora H)
- Repetir experiência anterior na EI. (Educadora I)
- Conseguir emprego e desejo de trabalhar na educação. (Educadora J)
Coincidem as educadoras que apresentam motivos relacionados ao interesse
em trabalhar na EI ou na educação com aquelas que optaram por uma formação inicial
adequada ao profissional dessa área. Isso pode demonstrar que as pessoas que optaram por
formar-se como profissional da educação tiveram melhores condições de procurar emprego
como educadora infantil por motivos relacionados a uma opção de carreira e não
preponderantemente por outros motivos.
Os elementos orientadores das ações no trabalho antes da sistematização do
PFCS iniciada em 1998 no CCI foram:
- As parceiras e a coordenadora. (Educadora A)
- Orientações da coordenadora e desejo de por em prática o que aprendeu. (Educadora
B)
- A própria percepção do que era necessário por em prática naquele tipo de trabalho.
(Educadora C)
- O que a parceira fazia. (Educadora D)
- Regras já estipuladas pela coordenação. (Educadora E)
- Conhecimento de brincadeiras vivenciadas na infância, conhecimento construído no
dia-a-dia no trabalho e compreensão das necessidades das crianças construída no
senso-comum. (Educadora F)
115
- FCS ocorrida no local de trabalho anterior e orientações da coordenadora e da
assessora pedagógica. (Educadora G)
- Buscas não aprofundadas – leituras, experiências da irmã. (Educadora H)
- Orientações recebidas na FCS no local de trabalho anterior. (Educadora I)
- Informações de colegas e outras pessoas da faculdade sobre como fazer. (Educadora J)
Podemos observar que quatro educadoras (B, C, F e H) citam elementos que
se constituem a partir de parâmetros também internos como desejo, percepção própria,
conhecimento de algo, leitura. Ou seja, orientavam-se não somente por fatores externos como
regras pré-estabelecidas ou modelos de ação. O fato de orientar as ações preponderantemente
por elementos externos pode indicar que o grau de autonomia não é ainda desenvolvido ao
ponto de constituir um saber profissional que congrega conhecimentos buscados pelo sujeito e
informações transmitidas pelos pares.
As dez educadoras afirmaram que nos últimos 4 anos, participando do
PFCS, houve mudança no modo de ser profissional. As mudanças e os fatores que as geraram
foram os seguintes:
- Mudou o jeito de trabalhar com as crianças, sabe mais como trabalhar, como fazer
através da valorização do trabalho e incentivo. (Educadora A)
- Teve amadurecimento profissional, sentimento de credibilidade, confiança e segurança
pessoal através do PFCS (orientações), do tempo e do fato de perceber que tinha
credibilidade. (Educadora B)
- Tem mais ânimo, incentivo, maior aprendizagem, mudou o jeito de fazer através das
orientações e da mudança pela qual todos passam no decorrer do tempo. (Educadora
C)
- Consegue trabalhar com áreas do conhecimento e com portfólio porque tem um ponto
de onde começar. (Educadora D)
116
- Tem mais segurança na fala e na ação e conquistou tais habilidades através de
conversas, orientações, do contato com as colegas que estão fazendo faculdade.
(Educadora E)
- Tem confiança no que faz, autocontrole, autoridade, diálogo com as crianças,
interação, consegue escrever diário, não faz por fazer, tem um significado. Essas
mudanças ocorreram pela participação na FCS. (Educadora F)
- O modo de refletir sobre o trabalho, a amplitude da visão, a busca pelo crescimento
através da FCS. (Educadora G)
- Tem outra visão de criança, fundamento da brincadeira, autonomia da criança.
Adquiriu isso através de conversa, planejamento, nova visão trazida pela Supervisora.
(Educadora H)
- Hoje ouve mais, é menos autoritária porque reflete sobre o que faz, o que vai fazer,
sobre práticas e teorias. (Educadora I)
- Mudou a visão de criança, através do exemplo da Supervisora. (Educadora J)
As mudanças citadas referem-se predominantemente à concepções como a
de criança e também às características profissionais ligadas a maior segurança nas ações e à
reflexão sobre elas. Assim, os fatores citados como responsáveis pelas mudanças estão, na
grande maioria, ligados ao PFCS. Quando aparecem as “conversas”, “nova visão trazida pela
Supervisora”, “orientações”, “incentivo”, “valorização” trata-se de momentos da FCS ou
elementos bastante presentes que trouxeram possibilidades de modificação da identidade
profissional das educadoras.
É necessário pontuar que modificações no processo de identificação
profissional ocorrem em virtude de fatores de natureza diversa. Muitos elementos presentes na
vida das educadoras para além da instituição em que trabalham colaboraram na constituição
do perfil que apresentam atualmente, entre eles o citado amadurecimento que ocorre com a
117
passagem do tempo, ou seja, com o decorrer da vida. No entanto, é justo afirmar que a
participação no PFCS trouxe possibilidades de mudança na identificação profissional.
Considerando que todas as educadoras relataram que perceberam
modificação no modo de ser profissional apresentarei algumas de suas características
anteriores à participação na FCS:
- Era mais insegura, tinha receio de fazer algo e não dar certo. (Educadora A)
- Tentava direcionar o próprio trabalho, baseava-se na formação, buscava materiais,
assumia a responsabilidade pela realização do trabalho. (Educadora B)
- Compreendia menos o que estava fazendo, mas sempre procurou trabalhar
corretamente. (Educadora C)
- Era muito insegura, tinha medo quando não sabia se podia ou não fazer algo.
(Educadora D)
- Era uma pessoa com menor grau de evolução, limitada a executar orientações.
(Educadora E)
- Era muito medrosa, insegura diante dos pais das crianças. (Educadora F)
- Tinha menor possibilidade de reflexão sobre a prática, de aplicação dos
conhecimentos, por exemplo, lia algo e executava sem maior reflexão. (Educadora G)
- Era alguém que obedecia imposições por comodidade e respeito, era muito mandada.
(Educadora H)
- Era mais influenciável, recebia coisas prontas e fazia sem questionar. (Educadora I)
- Era mais fechada, reservada, menos solta, rígida com busca de acerto, batia de frente,
era causadora de resistências. (Educadora J)
É possível perceber que o não sentir segurança sobre a ação realizada
apareceu como característica recorrente importante. A apropriação do direcionamento do
próprio trabalho, na maioria dos casos, não era efetiva. A insegurança estava presente. O
118
saber da profissão que estavam assumindo ainda não fornecia as possibilidades de se
considerarem como sujeitos de um trabalho de cuidado e educação das crianças.
Observando as características atuais vemos que o grupo aponta para uma
evolução quanto a apropriação de seu fazer. Gradativamente, consideram-se mais capazes de
conduzir o trabalho com as crianças e, portanto, mais seguras. Aquelas que demonstravam
ter inicialmente maior segurança avançam na capacidade de reflexão mais aprofundada sobre
o próprio fazer. São apontadas também modificações nas relações com as crianças que
parecem estar sendo compreendidas por um novo ponto de vista, o da educadora e não mais
da pajem.
Num dos casos há um desânimo bastante evidente (Educadora J) em virtude
de estar vivenciando um processo de separação antecipada do grupo de trabalho e da
instituição, tendo em vista o aguardo de uma convocação para assumir nova função na rede
municipal de ensino.
Vejamos as características apontadas pelas educadoras:
- Hoje é mais profissional, mudou cinqüenta por cento socialmente, antes tinha medo
até de abrir a boca. (Educadora A)
- Está em desenvolvimento profissional, alcançou o perfil desejado desde a época de
formação no magistério, tem perfil de professora, interessada, envolvida com o que
faz. (Educadora B)
- Entende mais o que está fazendo. (Educadora C)
- Tem autonomia e maior segurança. (Educadora D)
- Tenta fazer o que está aprendendo, tem outra visão, sabe que tem que se desenvolver,
tenta adquirir bons hábitos, demonstra mais abertura para o que faz. (Educadora E).
119
- Hoje é uma profissional mais paciente, tem uma compreensão diferente da criança, é
mais carinhosa, consegue externar melhor os sentimentos perante as crianças, é mais
competente e responsável. (Educadora F)
- Está mais madura, ampliou a visão do trabalho, está mais inteirada de leituras, mais
segura no que faz. (Educadora G)
- Melhorou muito, mudou a cabeça. Por exemplo, o relacionamento com as crianças
antes era no mandar e obedecer, hoje explica, distrai a criança com outra coisa. Hoje é
mais respeitada perante pais e colegas. (Educadora H)
- Lê mais, é mais reflexiva, mais ponderada em determinados aspectos, gosta de ter as
coisas bem claras, sente-se segura. É ruminante, igual um camelo ruminando por
dentro e tenta colocar em prática. (Educadora I)
- Está em transição, tem potencial grande, mas meio parado, está desmotivada,
considera-se uma profissional estagnada, poderia ser melhor. (Educadora J)
Como se observa, a formação em serviço é vivenciada por cada educadora
de um modo específico e particular, porém, os fatores ligados ao contexto, ao histórico da
profissão e da instituição, às relações com pais, colegas, crianças, supervisão, influenciam
essa vivência. Apesar da diversidade de experiências individuais foi possível identificar que,
no PFCS, a atividade apontada com maior ênfase e freqüência, como a que mais contribuiu
para a modificação na identidade profissional, foi o momento de orientação semanal. Um
espaço que privilegia o diálogo entre supervisora e educadoras, um momento para falar sobre
as conquistas, o andamento do trabalho em cada grupo de crianças, as dificuldades, as formas
de registro escrito das atividades realizadas, a organização de dados sobre as crianças para
elaboração de relatórios de desenvolvimento e aprendizagem. É ainda espaço para tratar de
questões relacionadas ao papel profissional das educadoras e dos outros profissionais do CCI.
120
Convém ressaltar que as orientações semanais que realizamos têm trazido contribuições
importantes à construção da identidade das educadoras.
As atividades coletivas como reuniões gerais de equipe, organização de
eventos, participação em eventos com profissionais de outros CCIs também aparecem como
elementos importantes. A possibilidade de realizar uma interlocução sobre o próprio trabalho,
de ouvir e ser ouvido, de avaliar o fazer individual e coletivo representam, tanto nas
orientações como nos outros espaços de formação, uma oportunidade de construção de um
saber profissional baseado na experiência e fundamentado no conhecimento sistematizado do
qual vamos nos apropriando.
As educadoras indicam os elementos que mais trouxeram contribuição na
construção da identidade profissional atual descrita por cada uma:
- O trabalho desenvolvido pela Supervisora, as conversas, incentivo, valorização.
(Educadora A)
- O principal foi a confiança, credibilidade, mas também as orientações, cursos,
conseguir ouvir, a troca. (Educadora B)
- Os cursos, os momentos de estudo e reflexão e também as orientações. (Educadora C)
- Principalmente as orientações e também os cursos, encontros com todos juntos,
apresentações como a da Semana da Educação. (Educadora D)
- As reuniões gerais de equipe e as orientações. (Educadora E)
- As orientações, esses contatos freqüentes. (Educadora F)
- As orientações que permitem a discussão sobre a prática relacionada com a teoria.
(Educadora G)
- Principalmente as conversas nas orientações e também os eventos, as leituras e o
amadurecimento pela idade. (Educadora H)
121
- Principalmente as reuniões gerais de equipe, mas também as orientações semanais, a
participação no projeto de pesquisa sobre Psicomotricidade, o curso de Pedagogia que
está fazendo. (Educadora I)
- O fator principal é o trabalho da Supervisora, suas atitudes, o modo de
encaminhamento das coisas e também os textos lidos. (Educadora J)
A formação inicial que para algumas educadoras está ocorrendo atualmente,
as leituras, a interação com os colegas também são elementos citados como importantes na
construção da identidade profissional.
Considerando a dimensão coletiva do trabalho como elemento de
importância fundamental faz-se necessário observar como as educadoras caracterizam a
influência da interação dentro da equipe nesse processo de identificação. Essa interação é
importante para constituir as características profissionais citadas? Como?
- Sim, sempre pergunta para a parceira o que deve fazer. (Educadora A)
- Sim, mas de uma forma negativa, há exemplos ruins e alguns bons. (Educadora B)
- Não muito, não tem a interação que deveria, é uma coisa meio separada. (Educadora
C)
- Não deixou claro, deu um exemplo de cooperação na organização de eventos.
(Educadora D)
- Sim, a participação nas reuniões gerais de equipe, a cooperação na responsabilidade
pelos grupos de crianças, a interação na organização de eventos. (Educadora E)
- Em alguns momentos sim, através da interação na equipe, cooperação, trabalho na
mesma linha com o mesmo ideal. (Educadora F)
- Sim, através das trocas e das dificuldades do trabalho em equipe. (Educadora G)
- Não soube dizer e afirmou que o ambiente melhorou, hoje tem jogo limpo, diminuíram
as fofocas, há uma convivência aberta. (Educadora H)
122
- Sim, através da ajuda mútua, do envolvimento, da participação direta de todos com a
criança, do trabalho em equipe. (Educadora I)
- Sim, tenta aprender com os exemplos. (Educadora J)
Cinco educadoras afirmam que sim e citam os exemplos do outro, a
cooperação, as dificuldades, o outro como aquele que determina o que se deve fazer
(Educadora A). Duas delas dizem que sim, mas um sim relativizado: “em alguns momentos
sim”, “sim, mas de forma negativa”. Uma das educadoras afirmou que não saberia dizer e
outra não deixou muito clara sua posição.
Em algumas situações, durante o processo de identificação, torna-se difícil
compreender que os outros são elementos importantes e contribuem, positivamente e/ou
negativamente, para assumirmos determinados personagens, ou momentos da identidade.
Dependendo de como o outro está lidando com seus próprios personagens e com suas
possibilidades de realizar a metamorfose, característica do processo de identificação, sua
influência em nosso próprio processo se dá de uma ou outra forma, ou melhor, de diversas e
infinitas formas, pois trata-se de algo rico e complexo.
As perspectivas de continuar trabalhando na educação infantil permitem a
reflexão sobre as possibilidades de prosseguir a identificação profissional como educadoras
infantis. Nesse sentido, foram apontadas as seguintes perspectivas a partir do questionamento
sobre a continuidade de trabalho na educação infantil.
- Não. Pensa em trabalhar com limpeza, não tem dom de trabalhar com função mais
alta. (Educadora A)
- Sim, porque quer trabalhar em educação, o professor tem um papel importante na vida
da criança. (Educadora B)
- Não sabe, no momento surgiram idéias e sonhos fora da educação. (Educadora C)
- Não, porque não tem formação, caso contrário continuaria. (Educadora D)
123
- Sim, se conseguir entrar no Pedagogia Cidadã, porque não tem a formação exigida.
(Educadora E)
- Sim, porque está cursando o Pedagogia Cidadã. (Educadora F)
- Sim, porque identifica-se com crianças menores. (Educadora G)
- Sim, identificou-se com a área depois de tanto tempo no CCI. (Educadora H)
- Sim, é a área que escolheu. (Educadora I)
- Não, porque passou em concurso para trabalhar como educadora social e tem planos
futuros para trabalhar com coordenação. (Educadora J)
Entre as respostas negativas, os dados obtidos por meio da observação
participante natural ajudam a compreender, que apenas a opção da Educadora J estava
realmente definida. As outras educadoras que responderam que não continuariam na área e o
justificaram por falta de formação inicial revelam que deixariam este trabalho caso fossem
dispensadas. Caso contrário, continuariam, mas sem a formação porque não pretendem cursar
a escolaridade que lhes resta concluir. Mesmo no caso da Educadora E que, na época da
entrevista, estava aguardando uma vaga no Projeto Pedagogia Cidadã encontra-se na mesma
situação. A vaga não surgiu e não há previsão de abertura de novas turmas.
A Educadora C que declarou não saber, em virtude de idéias surgidas para
atuação fora dessa área, continuou sua formação, havia concluído em 2002 o curso de
Pedagogia e passou a cursar em 2003 a Habilitação Específica para o Magistério Pré-Escolar.
Seis educadoras afirmaram que pretendem continuar o trabalho na educação
infantil por identificação com a área ou por estar cursando a formação inicial. Existe a
possibilidade de que a maioria do grupo prossiga no processo de construção de identidade de
profissional de educação infantil por estar atuando na área, mesmo que a formação inicial não
seja concluída, isto é, algumas educadoras que não têm FI e não começaram a cursá-la
revelam que se não forem dispensadas pela ausência da escolaridade exigida na LDB
124
9394/96, não tomarão a iniciativa de deixar o trabalho no CCI. Enquanto forem aceitas sem
formação em Magistério ou Pedagogia não deixarão a EI.
Para as educadoras que não estão cursando FI a ausência de oportunidades
de FCS representaria uma diminuição significativa de espaços para reflexão sobre a educação
e sobre a própria atuação, assim como de estudos sobre a criança.
Falar sobre as características que os CCIs da Universidade deveriam ter
representou uma oportunidade de tratar do papel, da identidade que assumem no contexto em
que estão inseridos. Segundo as educadoras:
- Devem ter prédio com mais salas; as mães deveriam ser mais compreensivas, deixar a
gente participar. (Educadora A)
- Devem ser instituição educativa, voltada para as necessidades das crianças.
(Educadora B)
- É bom como está. Deveria ter maior interesse dos pais pelos filhos. (Educadora C)
- Devem preocupar-se com o trabalho pedagógico, como o acolhimento, como são
tratadas as crianças. (Educadora D)
- Devem receber maior valorização da comunidade. (Educadora E)
- Devem ter equipe que trabalhe no mesmo projeto, no desenvolvimento das crianças.
(Educadora F)
- Devem ter formação contínua em serviço, adequar a formação dos profissionais e
adequar-se à LDB. (Educadora G)
- Devem ter estrutura de pedagogia, boa estrutura física (prédio) e ter algum incentivo
aos funcionários antigos. (Educadora H)
- Deveriam ser Centro de Educação Infantil em vez de Centro de Convivência Infantil e
também ter projeto pedagógico e equipe de trabalho em formação constante.
(Educadora I)
125
- Devem ter qualidade quanto ao pedagógico, à identidade, ao prédio. Devem ter
identidade mais firmada, o profissional visto de forma diferente, fazer as adaptações à
LDB. (Educadora J)
A principal característica apontada foi referente ao caráter educacional. A
identidade sugerida pela maioria do grupo está relacionada com o reconhecimento do CCI
como instituição educativa, dentro da Universidade. Não houve uma exploração referente a
relação estabelecida entre educação infantil e ensino superior convivendo num mesmo espaço
educativo.
A identidade ideal do profissional da educação infantil é descrita pelas
educadoras como:
- Ser professor, ser extrovertido. (Educadora A)
- Um profissional envolvido com o que faz, que doa-se - envolvido. (Educadora B)
- Profissional coerente entre o que fala e o que faz – transparente e sincero. (Educadora
C)
- Profissional que faz o que fala, trabalha com as crianças, dá explicações – perfeito.
(Educadora D)
- Que tenha capacidade de resolver conflitos sem agravar as coisas, fazer análise das
pessoas e situações. (Educadora E)
- Competente no que faz, que queira compartilhar seu saber com as crianças,
compreensivo, que faça tudo com amor – reflexivo, compreensivo. (Educadora F)
- Professor que vai relacionar tudo, envolvendo teoria e prática, crianças, pais, conteúdo
a ser trabalhado, envolvimento, diálogo, participação – integrador. (Educadora G)
- Professor que entra em contato com o aluno ao invés de ditar regras. Participa com o
aluno, explora as situações – professor reflexivo. (Educadora H)
126
- Pessoa que reflete sobre as práticas e teorias, caminha cada vez mais e acaba
contagiando os outros – profissional reflexivo. (Educadora I)
- Profissional competente, afetivo e que respeita a criança – competente. (Educadora J)
O educador ideal descrito, considerando a contribuição de todas as
educadoras é um profissional, ou seja, exerce uma profissão. Não se trata de uma pessoa
qualquer, fazendo qualquer coisa. Algumas educadoras o nomeiam como professor e aí fica
reforçada a previsão da necessidade de formação inicial. As demais caracterizações lembram
que tal profissional deve refletir sobre o que faz, envolver-se, integrar, analisar, resolver
conflitos, etc. Isso lembra movimento, necessidade de formação contínua.
Mesmo que algumas educadoras entrevistadas ainda não tenham realizado a
metamorfose do processo de identificação profissional que lhe assegure nomear-se como uma
professora de educação infantil, parece haver um entendimento de que exercem um papel em
que esse momento se faz necessário. Essa metamorfose não ocorreria exclusivamente a partir
de fatores internos, mas da interação entre eles e os externos: desejo em concluir a formação
inicial, condições sócio-econômicas e culturais para isso, capacidade de refletir sobre a
própria ação, contexto instigador de reflexão e busca de conhecimento, etc.
A grande questão que norteou o trabalho de pesquisa foi: Quais elementos,
presentes na FCS têm contribuído para a construção da identidade profissional das
educadoras no CCI Chalezinho da Alegria?
Durante o processo de reflexão sobre a pesquisa e de elaboração do texto
que a relata surgiu uma questão referente ao direcionamento que a entrevista poderia dar à
conclusão de que o PFCS realmente contribuiu para a construção da identidade aqui discutida.
A entrevista poderia estar direcionando as educadoras a relatar somente elementos do
programa que contribuíram e não aqueles que não o fizeram. O PFCS realmente contribuiu?
127
Nessa rica oportunidade de pensar sobre o direcionamento que dei à
pesquisa ressalto que o problema que me move é a necessidade de identificar e analisar os
elementos fundamentais presentes na FCS que contribuíram ou estão contribuindo para
construir a identidade profissional das educadoras. Portanto, não enfoco, neste momento, os
elementos que não geraram a contribuição já tão citada. Com certeza eles existem e seu
estudo ofereceria outra rica oportunidade de pesquisa, com outros instrumentos para obtenção
de dados. O PFCS tem lacunas como qualquer processo construído na ação cotidiana; leva a
experiências individuais diferenciadas e a efeitos diversos na formação. No entanto, não me
deterei na análise desses aspectos, tendo em vista que constituem elementos de avaliação do
programa que impulsionarão as ações de formação que ainda estão por vir.
Mesmo correndo o risco de que a pesquisa seja compreendida como uma
confirmação de uma hipótese prévia, preciso relatar que a observação cotidiana revela muitas
evidências de que as educadoras do CCI têm assumido um papel profissional diferente do que
assumiam há uma década atrás, por exemplo. Tem ocorrido um movimento de identificação
que partiu de um perfil de trabalho quase doméstico, transplantado para um espaço dentro da
Universidade, em direção a um perfil profissional em modificação que envolve o saber
pedagógico, o saber sobre o desenvolvimento e aprendizagem infantil, o fazer que precisa ser
pensado e pautado em conhecimentos de uma determinada área de atuação profissional. Tais
modificações se devem a diversos fatores e entre eles o PFCS.
Lembrando que um dos objetivos do programa é contribuir com o processo
de construção da identidade profissional ao encaminhar as ações de FCS a prática das
educadoras é observada pela supervisora, pelas educadoras e por toda a equipe. Surgem assim
elementos que demonstram o surgimento de uma nova identidade ao mostrarem-se capazes de
conduzir reuniões de pais, de melhorar a cada dia a habilidade em registrar as atividades e a
128
dinâmica dos grupos, ao avaliar se o planejamento elaborado está sendo executado, ao fazer
questionamentos que demonstram o desejo de conhecer melhor a criança e seus interesses.
O incentivo ao desejo de construir um saber profissional específico da EI, já
registrado como um dos objetivos do PFCS, fornece também elementos para verificar que
uma identidade profissional diferente da encontrada no início de minha experiência no CCI
vem sendo construída. Está se constituindo uma busca por saber fazer o que é específico do
educador infantil. Os modelos do Ensino Fundamental e da maternagem doméstica já não têm
satisfeito a maioria da equipe. Há uma tentativa de não identificação com esses modelos,
apesar de alguns fragmentos deles ainda aparecerem. Estamos em processo de construção da
identidade profissional.
Um dos pressupostos do PFCS é o de que o desenvolvimento profissional
deve se dar com metodologias baseadas na articulação entre teoria e prática, na resolução de
situações-problema e na reflexão sobre a própria ação. Os esforços cotidianos para que essa
metodologia se concretize apresentam contradições; uma identidade nova construída a partir
de determinações históricas, políticas e sociais.
A exigência legal de formação convivendo com dificuldades financeiras,
lacunas deixadas pela escolarização anterior, receio de voltar aos bancos escolares, apelos
internos e externos para que seja reproduzido o papel de mãe, dificuldades em trabalhar
coletivamente, salários e condições de trabalho que não acompanham as atuais exigências de
formação e atuação profissional.
Está ocorrendo uma modificação na identidade profissional das educadoras
e as orientações semanais são citadas como o fator que mais contribuiu. As reuniões gerais de
equipe também têm destaque. Ainda aparecem os sentimentos provocados pelo PFCS como
credibilidade e valorização, os eventos, as possibilidades de apresentar o trabalho realizado e
de participar de projetos de pesquisa da Universidade, os textos lidos. A autonomia individual
129
sendo construída e o trabalho coletivo sendo experienciado geram a possibilidade de re-
significar o papel profissional.
O voltar-se sobre o que se faz considerando a presença dos outros (crianças,
colegas de trabalho, pais, comunidade) com o desejo de conhecer talvez seja uma das
contribuições mais importantes retratada em diversos momentos do PFCS.
4.2 As cenas do cotidiano
Para complementar e aprofundar a análise e a discussão com os outros dados
apresentarei, a seguir, cenas do cotidiano, isto é, acontecimentos, fatos ocorridos no CCI,
reveladores do processo de construção da identificação profissional que as educadoras estão
vivendo, relacionados com a FCS. São observações registradas por mim durante o período de
1998 a 2002 e trazidas como dados para a pesquisa. Ilustram situações cotidianas do PFCS
relacionadas às contribuições que ele dá à construção da identidade profissional das
educadoras.
Entre muitas cenas observadas e registradas inicialmente selecionei quinze e
destas elegi nove que mostraram-se como as mais reveladoras e capazes de ajudar a
demonstrar o processo de construção da identidade profissional
CENA 1: Ser ou não ser... profissional
Durante um momento em que algumas educadoras estavam elaborando um
material para utilização com as crianças, passei pelo pátio e iniciamos um conversa informal.
A Educadora D perguntou se elas (educadoras do CCI) eram ou não eram profissionais.
130
Respondi que sim, pois o que faziam era um trabalho dentro de área específica: o cuidado e a
educação de crianças de 0 a 6 anos, que para fazer isso é necessário um saber sobre a criança,
seu desenvolvimento, um saber sobre a educação. Por isso, acreditava que são profissionais
que desenvolvem um saber específico no dia-a-dia e precisam de um saber adquirido na
formação inicial.
Perguntei à Educadora se ela se considerava uma profissional. Ela disse que
sim e explicou que sua pergunta surgiu de uma dúvida que ficou em sua cabeça, porque numa
situação passada, uma pessoa havia afirmado que as “tias” do CCI não eram profissionais.
Alguém no passado havia dito que as educadoras não eram profissionais.
Atualmente, as exigências colocadas pelas novas propostas de trabalho mostravam que
estavam sendo chamadas a serem profissionais. Ser ou não ser... Um dúvida pairava no
pensamento daquela educadora. A existência da dúvida já revela um questionamento sobre a
identidade assumida por muitos anos e a identidade a ser construída. Mesmo não sendo ainda
claras para a equipe, naquele momento, todas as características do perfil profissional a ser
desenvolvido havia uma consciência de que todos passariam por modificações. Um
movimento de mudança impulsionava a instituição e seus profissionais.
CENA 2: Babá, mãe ou educadora?
Em uma das orientações com as educadoras do Maternal, que na época
recebia crianças de 1 ano e 6 meses a 3 anos, foi trazida para discussão uma situação que
estava gerando problemas.
A mãe de uma das crianças que estava prestes a completar 3 anos
apresentava resitência em colaborar para que sua filha deixasse de usar a mamadeira. Os pais
foram orientados quanto à importância da retirada da mamadeira por volta de 1 ano e 6 meses
em diversas situações, inclusive em reunião específica para essa finalidade. Porém, havia
131
tentativas constantes da mãe em entregar, quando deixava a criança após o almoço, uma
mamadeira para ser dada no CCI. Como já havíamos combinado que manteríamos a postura
de retirar a mamadeira gradativamente por volta daquela idade e que, a partir de então,
ofereceríamos sempre um copo ou caneca para a criança beber os líquidos, as educadoras não
estavam aceitando receber a mamadeira daquela mãe, sempre explicando novamente os
motivos.
No entanto, a Educadora A recebia a mamadeira e, então, a mãe sempre
procurava tal educadora para conseguir seu intento.
Ao tratar da questão com as três educadoras que trabalhavam com o
Maternal pensei que precisaríamos saber da Educadora A o motivo pelo qual agia daquela
maneira. Ela explicou seus motivos de um modo bastante ameno e, aparentemente, sem
qualquer tentativa de criar uma situação de confronto com as colegas. Disse que era
funcionária do CCI, estava ali para trabalhar e, por isso, se alguém pedisse para ela fazer
alguma coisa tinha que fazer.
Prolongamos a conversa e procurei direcionar a reflexão para o fato de que
o que determina o que fazemos, como trabalhamos com as crianças, são os princípios que
delineamos em nosso projeto, atendendo às necessidades de aprendizagem e
desenvolvimento. Enveredamos pelo questionamento se a criança precisa da mamadeira, até
quando precisa, por quê, etc.
Ao final da conversa ficou claro para mim que as práticas estavam muito
relacionadas a fatores que vão além do PFCS; por exemplo, questões culturais e afetivas.
Questões que envolvem a identidade de mãe e a identidade de educadora infantil. Aquela
Educadora revelou que amamentava ao seio sua filha de mais de 4 anos. Esse dado revela uma
situação conflitante entre o fazer profissional e a vivência como mãe. Posso também lembrar
que essa educadora em entrevista relatou que sempre quis trabalhar em creche ou asilo,
132
demonstrando que os dois tipos de instituição tinham, para ela, muitas semelhanças, pois eram
o lugar da guarda, do cuidado não vinculado a uma intencionalidade educativa sistematizada.
Um campo propício à metamorfose, porém, com a necessidade de processos
que sustentem a mudança da identidade. Processos presentes no PFCS como a reflexão sobre
a ação e o estudo sobre as peculiaridades da criança, mas também um impulso pessoal para a
transformação, uma diferenciação dos papéis de mãe e de educadora, de babá e de educadora.
CENA 3: Direito da criança construindo o saber da educadora.
Durante uma orientação com um grupo de educadoras estávamos lendo a
publicação do Ministério da Educação intitulada Critérios para um atendimento em creches
que respeite os direitos fundamentais das crianças. A leitura era feita pausadamente, em voz
alta, e a cada trecho parávamos e conversávamos sobre o que poderíamos pensar sobre o CCI
e o atendimento que vinha oferecendo, bem como sugestões para modificação.
Num dado momento a Educadora E disse que achava que aquele material
estava cheio de direitos da criança, que para todo lado tinha direito da criança e questionou
onde estavam os direitos “da gente que trabalha com elas”. Inicialmente esclareci que
naquele momento a proposta de estudo era daquele material, o que não impedia que noutra
oportunidade estudássemos materiais que trouxessem informações sobre o que ela estava
apontando. Prolongamos a conversa sobre a natureza da instituição de educação infantil, o
direcionamento para os direitos da criança e o papel do profissional que ali trabalha.
Parecia haver um caminho ainda longo para a compreensão de que o
conhecimento sobre a criança, inclusive seus direitos, o tipo de atendimento oferecido, o
espaço que lhe é destinado, os materiais, as oportunidades de aprendizagem, faz parte da
construção do fazer profissional da educação infantil. O direito de um não anula o direito do
outro. O desenvolvimento de um, com certeza, promove o desenvolvimento do outro.
133
É necessária uma identidade profissional da educadora que a permita ser co-
construtora do conhecimento com a criança, com seus pares. Os sujeitos envolvidos na EI
estão construindo juntos uma história, uma identidade institucional, um saber sobre a infância.
CENA 4: Professora, eu?
Na primeira oportunidade de participação das educadoras do CCI numa
Semana da Educação promovida pelo Curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências e
Tecnologia foram escolhidos os mini-cursos, palestras, oficinas pelos quais cada uma
apresentava interesse. Uma das educadoras que, no momento das entrevistas desta pesquisa já
não fazia parte do grupo, retornou de um curso indignada. O motivo era que a pessoa que
ministrava o curso a havia chamado de professora e feito uma pergunta. Estava muito
incomodada com a situação, mostrava um grande desconforto e o desejo de não mais
participar de cursos para não passar pela situação novamente.
Vale esclarecer que essa educadora cursou Habilitação Específica para o
Magistério (HEM) como formação correspondente ao Ensino Médio e quando de meu
ingresso no CCI, em 1997, era a única educadora que tinha formação inicial “adequada”,
considerando que nenhuma das outras havia cursado Pedagogia.
Ser identificada como professora parecia uma afronta. Esclareceu ao
impetuoso ministrante do curso que trabalhava em creche. A identidade assumida estava
distante do profissional que trabalha com educação. Ainda não era possível permitir que a
identificassem como professora. A figura de pajem, recreacionista, estava muito forte e as
primeiras experiências de FC pareciam estar sendo dolorosas. Transformação não é passe de
mágica, é metamorfose, é construção de identidade nas ações e na consciência.
134
O PFCS pode promover o acolhimento do profissional nesse processo,
sustentando sua relação com o conhecimento, com as novas exigências, com a nova imagem
inicialmente confusa e depois bem mais definida.
CENA 5: Uma experiência de divulgação do próprio trabalho.
Em 2002, como parte dos objetivos estabelecidos para aquele ano estava a
divulgação do trabalho do CCI e também o início de experiências de divulgação da produção
de conhecimento sobre a prática na educação infantil.
Neste momento surgiu a idéia de que as educadoras apresentassem um
trabalho na Semana de Educação promovida pelo Curso de Pedagogia da Faculdade de
Ciências e Tecnologia. Fiz a proposta e incentivei que pensassem sobre isso como uma
possibilidade e não obrigatoriedade. Seria necesrio pensar também sobre o objetivo, o tema,
o formato, os recursos, tempo utilizado, público-alvo, número de participantes, elaboração de
texto, resumo. As educadoras responsabilizaram-se por todos os detalhes. Duas delas (C e D)
optaram por não participar.
As outras coordenaram uma oficina em que apresentaram o trabalho
desenvolvido no CCI dando um enfoque geral e por agrupamento. Utilizaram vídeos,
materiais produzidos pelas crianças, portfólios (das crianças e das educadoras), diários,
relatórios de desenvolvimento e aprendizagem das crianças, etc. Problematizaram a
identidade da IEI e seu profissional.
Depois de ocorrido o evento fui informada pela Educadora B, em nome das
colegas, que a experiência foi muito gratificante e que despertou sentimentos de valorização
do próprio trabalho, pois encontraram pessoas interessadas no que tinham a dizer. Os
participantes da oficina interagiram muito, demonstraram desejo de conhecer o CCI e
135
solicitaram muitas informações sobre o funcionamento, atendimento, FCS, condução do
trabalho em cada faixa etária.
Sair para além dos “muros” da instituição, adentrar em evento promovido
pela Universidade não somente como espectadoras, mas como alguém que tem algo
importante a oferecer parece ter servido como incentivo e início da compreensão de que
produzimos conhecimento ao trabalhar na educação infantil e podemos sistematizá-lo e
divulgá-lo, de que nossas práticas orientadas por um projeto educativo podem servir como
elemento que impulsiona o diálogo com outros profissionais.
CENA 6: Reflexão – ação – reflexão – ação...
Trata-se de uma cena que adquiriu tal status pela freqüência com a qual se
repete e pela importância do movimento que representa.
É comum discutir nas orientações semanais situações consideradas
problemáticas como:
- criança que não participa das atividades da maneira esperada pelas educadoras;
- criança que tem dificuldade em interiorizar regras e limites;
- mãe que, em algum ponto, não colabora com o trabalho desenvolvido pelas
educadoras junto à criança;
- famílias que não comparecem às reuniões;
- criança que apresenta comportamento agressivo;
- criança com dificuldade em deixar as fraldas ou a chupeta;
- grupos de crianças com hábito muito arraigado de brincar de lutar, chegando a
machucarem-se;
- criança que exerce “liderança negativa” e contribui para desestruturar o trabalho do
grupo;
136
- criança que não consegue vestir-se ou despir-se numa idade em que já seria possível;
- criança que não apresenta interesse por determinado tipo de atividade;
- criança que não se alimenta bem, segundo um cardápio balanceado, com quantidade e
variedade necessárias;
- famílias com dificuldades no período de adaptação da criança.
Observando as orientações semanais ou os momentos extraordinários em
que algum problema vem para a discussão constato que algo sempre se faz presente.
Geralmente, quando nos deparamos com uma situação-problema costumamos explorá-la,
obtendo o maior número possível de informações, verificando se há sugestões das educadoras
ou da supervisora para resolvê-la ou amenizá-la. São propostas ações como novas abordagens
da situação, busca de informações e conhecimentos novos sobre o assunto, conversas com os
pais ou com outros profissionais e observação intensiva.
Em geral, quando voltamos a tratar do assunto, mudanças para melhor são
encontradas. Às vezes, no espaço de uma semana ocorrem alterações significativas. Na
maioria das situações esse é o desenrolar dos fatos.
Em alguns casos como, por exemplo, os referentes à sexualidade e controle
dos esfíncteres, são empreendidos estudos (leitura de textos, discussões, observações
intensivas) que acabam contribuindo para lidar melhor com várias outras situações
posteriores. Uma nova forma de colocar-se diante da situação. O problema passa a ser visto
como algo a ser desvendado, estudado e possivelmente resolvido com parcela significativa, ou
até mesmo preponderante, de ações das educadoras.
O movimento citado no início da descrição desta cena é justamente o de, ao
deparar-se com uma situação-problema, estudá-la criteriosamente, refletir sobre ela, levantar
as possibilidades de resolução, agir nessa direção, continuar estudando e observando, mudar a
137
direção das ações, se necessário, continuar refletindo sobre a situação. Reflexão – ação –
reflexão – ação...
Quanto mais situações são tratadas, mais nos habituamos a refletir sobre as
próprias ações e as dos outros, bem como a entender que os problemas são determinados por
diferentes fatores e podem ser resolvidos a partir da ação pautada na reflexão. É um caminhar
para a identidade de profissional crítico reflexivo.
CENA 7: Diários, relatórios e poesia.
A Educadora A sempre relatou que tinha dificuldade para escrever. A
elaboração do diário e de relatórios sempre lhe pareceu uma tarefa difícil, tanto que sempre
que possível era evitada.
Numa ocasião em que foi realizada uma atividade na área de literatura com
algumas educadoras o desempenho da Educadora A surpreendeu. Foram lidas algumas
poesias de Cecília Meireles, houve uma conversa sobre elas, uma tentativa de desfrutar a
beleza dos textos. Coincidentemente era uma tarde chuvosa e uma das poesias citava a chuva.
As educadoras criaram um desenho e uma poesia a partir das sensações experimentadas.
Em outra oportunidade uma professora da Faculdade de Ciências e
Tecnologia que desenvolve trabalhos na área de literatura, apreciando as produções das
educadoras, impressionou-se com a beleza e a qualidade literária do texto poético da
Educadora A.
A utilização de variados tipos de linguagem, a diversificação na produção
podem contribuir para conhecer melhor as possibilidades das educadoras. A riqueza das
diferentes linguagens colocam em sintonia as ações de formação e o objetivo de criar
oportunidades para que os profissionais possam ter diferentes encaminhamentos do
138
desenvolvimento profissional de acordo com sua FI e necessidades de aprendizagem. E a
possibilidade de explorar elementos da cultura e da arte sintonizam as ações de formação com
a dimensão do saber relacionado à cultura geral.
Esse caminho ajuda a delinear a identidade de um profissional que pode
aprender e desenvolver-se com diferentes estratégias e, conhecedor da cultura em que está
inserido e de outras culturas.
CENA 8: As leituras nas orientações semanais.
Durante as orientações semanais, na fase em que estavam sendo estudados
os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil percebia que o trabalho
estava enfadonho. Algumas educadoras demonstravam alheamento e sono.
Qual a melhor alternativa de trabalho?
Algumas alterações foram feitas no encaminhamento das orientações.
Combinamos que as leituras sempre viriam como um recurso para estudo de algum assunto
suscitado em nossas conversas sobre a prática. Leríamos para ter ajuda na resolução de
problemas ao invés de definir leituras previamente. A disposição das educadoras nos
momentos de leitura melhorou significativamente.
A solicitação de leituras fora dos momentos de orientação continua
acontecendo. Parte das educadoras já desenvolveu o hábito de ler mesmo sem solicitação de
outros, como apoio para o trabalho. O acesso ao conhecimento historicamente acumulado em
fontes bibliográficas é um elemento importante na FC. A prática da leitura impulsiona a
reflexão sobre a ação e a construção de uma identidade profissional de um educador que
vivencia a relação entre teoria e prática.
139
CENA 9: Construção de identidade profissional assumida perante os pais das crianças.
Diante de algumas insatisfações com as reuniões de pais começamos a
refletir sobre possíveis alterações. Lemos e estudamos um livro que problematiza esse tipo de
reunião.
Passei a não estar presente nas reuniões de pais de cada agrupamento
entregando a condução às educadoras responsáveis.
As reuniões passaram a ser planejadas a partir de um tema, com objetivos
bem definidos. Os procedimentos a serem utilizados também seriam planejados, bem como os
materiais e outros detalhes. Os pais seriam incentivados a participar ativamente durante a
reunião para melhorar a relação CCI / família e a parceria na educação das crianças.
Depois dessas alterações as educadoras tiveram reforçada a imagem de
responsáveis pelo trabalho realizado em cada grupamento perante os pais. O diálogo com as
famílias melhorou significativamente. Houve também uma modificação na postura das
educadoras perante o trabalho desenvolvido com as crianças. Era necessário assumir a
responsabilidade principal sobre as atividades planejadas e realizadas perante os pais, mas
também perante elas mesmas. Coordenar a reunião de pais representou mais uma
oportunidade de identificar-se como profissional da EI. A solicitação de informações e
orientações pelos pais, bem como suas críticas e sugestões, reforçaram a necessidade de
construir um saber da profissão.
A análise das cenas revelam flashes cotidianos através dos quais é possível
identificar um processo de modificação da identidade ou de demanda por transformação.
Inquietações, contradições, avanços e recuos, desconfortos, descobertas foram apresentados
nos espaços de formação e encaminhados como elementos para a FCS. Quais necessidades
estavam sendo reveladas? A necessidade de construir um saber profissional específico, ter
140
oportunidades de estudo e reflexão sobre a ação, ter acesso a espaços de formação fora do
CCI e formar-se continuamente em serviço.
4.3 O relato escrito
Além dos dados obtidos por meio da entrevista e das cenas do cotidiano
solicitei a duas educadoras que elaborassem um relato sobre sua participação no PFCS
(ANEXOS B e C), ressaltando aspectos positivos e negativos e esclarecendo como vêem o
programa nos mais variados aspectos: práticos, teóricos, das relações entre as pessoas, com o
conhecimento, com as situações.
A escolha das educadoras que fariam o relato aconteceu com base no
critério de diferença de tempo de serviço e de idade das crianças com as quais trabalham.
Uma com quatorze anos de trabalho (Educadora A) e outra com seis (Educadora B), no início
de 2004. Uma que, atualmente, trabalha com crianças maiores de 5 anos e outra com menores
de 2 anos. Considerei que essas diferenças poderiam contribuir para a obtenção de novos
dados em relação à participação no programa, tendo em vista a pergunta que move esta
pesquisa.
A solicitação da elaboração do relato foi feita verbal e diretamente para as
duas educadoras ao mesmo tempo, porém, o texto deveria ser individual. Entregaram o
material no prazo de uma semana, de acordo com o que havíamos combinado.
A Educadora A elaborou um pequeno texto do qual pude extrair alguns
dados sobre sua participação no PFCS. Há a afirmação de que os funcionários, depois de
alguns anos, começaram a aperfeiçoar o trabalho com as crianças e também a participar de
141
cursos, orientações e encontros do CCI. A participação nessas atividades é avaliada como boa
e representativa de uma mudança para melhor. É citado um sentimento de valorização pela
educadora, apesar da escolaridade não ser a adequada, e também uma informação de que as
crianças gostam do trabalho que vem sendo feito. Outro dado importante é que ela tem um
sentimento bom por fazer bem o seu trabalho, apesar de, às vezes, pensar que não vai
conseguir, mas após tentar consegue: “não tão perfeito mas do meu jeito eu acabo fazendo”.
A experiência de formar-se continuamente em serviço parece ter uma
dimensão importante para uma educadora que optou por permanecer com a atual FI (Ensino
Fundamental incompleto). O sentir-se com valor representa um elemento importante para
prosseguir o processo de identificação profissional, mesmo que essa educadora tenha
informado em entrevista que pretende trabalhar com “limpeza” por não ter dom para função
superior a que exerce atualmente. Enquanto estiver atuando na educação infantil estará
participando de mudanças de identidade profissional impulsionadas pelo contexto e por
motivações pessoais. Mesmo não havendo um projeto pessoal explícito para isso, os outros
(crianças, colegas, educação infantil, etc.) e a participação nas atividades de formação
contribuem significativamente. O movimento gerado pela maioria do grupo de educadoras em
busca da identidade profissional envolve a equipe como um todo. Somos participantes de um
mesmo projeto de trabalho na educação infantil e, portanto, torna-se difícil participar do grupo
e não compartilhar de alguns pressupostos básicos como a necessidade de FC. O que pode
variar é o grau de intensidade da partilha e do envolvimento.
A Educadora B escreveu um texto de aproximadamente duas laudas em que
relata um histórico de sua participação no PFCS. Inicialmente, havia uma série de
dificuldades em trabalhar com áreas propostas no planejamento, parecia impossível transpor
aquilo para a realidade. O “cuidar”, compreendido como afazeres relacionados à higiene,
alimentação e integridade física, desvinculado do educar, era a ênfase dada pela educadora em
142
virtude de sua concepção de EI e das expectativas dos pais. Nos momentos de orientação
semanal e/ou individual os assuntos levados à discussão estavam ligados a “comportamento”
e não a “desenvolvimento”. Não era cogitada a possibilidade de falhas da própria educadora
na condução do trabalho. Houve queda significativa de rendimento.
No relato escrito a Educadora B afirma que a “proposta de ter encontros
semanais, pôde trazer uma reflexão muito significativa para a organização do trabalho, pois
foi possível compartilhar problemas da sala, pensar juntos nas possíveis soluções e à partir
de então promover tentativas”, no entanto, os encontros semanais chamados orientações já
ocorriam mesmo durante o período citado como de dificuldades, desânimo e queda de
rendimento. Compreendo que a significação dos encontros para a educadora pode ter se
modificado possibilitando os ganhos citados. Por outro lado, o PFCS foi se transformando ao
longo do tempo e se adaptando melhor às necessidades de formação em serviço.
Posteriormente, a Educadora B relata que entrou num “processo de
conhecimento e familiarização com a Educação Infantil” e descobriu “do que as crianças são
capazes.” Essa entrada marca uma inquietação acompanhada da consciência de que precisa
saber mais e que pode contribuir mais com as crianças. A escolha de cursos passou a ser mais
criteriosa. As posições assumidas passam a ser acompanhadas de maior segurança. A
participação como “professora formadora” permite “exercitar uma reflexão além da sala de
aula, além dos acontecimentos isolados do grupo, permite que eu possa compreender e
contribuir diante dos acontecimentos gerais no CCI. Este trabalho, encaro como um desafio
profissional e bastante pessoal, pois, colocar-se dentro da situação do outro mexe muito com
a gente, mas é necessário.”
A volta aos estudos, no Projeto Pedagogia Cidadã, ocorreu, entre outros
fatores, em função da motivação pelo trabalho.
143
A partir desse relato é possível observar que o PFCS influencia as
modificações no modo de ser uma educadora no CCI. Diferentes momentos da formação são
diferentemente compreendidos e re-significados pela equipe e por cada membro.
No caso da Educadora A os dados cotidianos apontam para uma tentativa
inicial de realizar um trabalho característico da pré-escola que transplanta para seu espaço as
práticas mais comuns do Ensino Fundamental. O tipo de atividade proposto às crianças, na
época de Maternal (1 ano e 6 meses a 3 anos), era muito semelhante ao da pré-escola que se
pauta nas atividades do nível de ensino posterior. Muitos elementos contribuíam para que a
tentativa não desse certo, entre eles as respostas das crianças. Assim, a compreensão de que a
educadora do CCI tem que somente “cuidar” foi uma das saídas mais utilizadas.
Depois de alguns anos está se delineando a compreensão de que cuidado e
educação são indissociáveis, que o profissional da educação infantil tem um fazer específico
que não é o da professora do Ensino Fundamental e nem o fazer doméstico transplantado para
a instituição com vários traços de desvalorização. Estamos começando a compreender que
temos a construir a compreensão da especificidade de nosso papel perante e com as crianças
de 0 a 6 anos.
A Educadora B é uma das pessoas que está caminhando nessa direção e
aproximando-se cada vez mais do perfil profissional adequado à educação infantil. Ou seja,
está percebendo melhor as crianças, proporcionando condições de acolhimento e motivação,
compartilhando atividades com elas, permitindo a iniciativa da criança na busca de elementos
para construir conhecimento. A Educadora A também caminha na direção apontada, no
entanto, não fez uma opção de FI e nem de assumir uma carreira na EI. Isso não tem impedido
que algumas modificações ocorram no seu fazer profissional cotidiano, porém, o
desenvolvimento profissional permanente requer um envolvimento, um projeto pessoal de FI
e de FC que ainda não está presente. Enquanto isso as ações de formação do Programa de
144
Formação Contínua em Serviço continuam chamando as educadoras para continuar o
processo de identificação profissional.
A partir de agora farei uma retomada a partir da análise dos três itens
anteriores: entrevistas, cenas do cotidiano e relato escrito.
Considerando o objeto da pesquisa, a opção metodológica, a fundamentação
teórica e os dados apresentados constatei que as educadoras do CCI estão vivenciando um
processo de modificação na identidade profissional desconstruindo a imagem da pajem, da
babá e construindo características identitárias de profissional da EI. Está sendo definida essa
identidade, mas já é apontado pela maioria das educadoras como perfil idealizado o
profissional reflexivo. Esta definição está em consonância com as determinações históricas,
sociais, políticas, éticas, pedagógicas, ou seja, estamos participando de um processo que tem
um contexto muito mais amplo que uma IEI. A construção de uma nova identidade para o
profissional de EI está ocorrendo em nosso país e para além dele.
O PFCS que vem sendo realizado no CCI oferece contribuições importantes
para a construção da identidade profissional das educadoras. O espaço de formação
considerado pelas educadoras como o que mais tem contribuído para a construção das
características profissionais atuais são as orientações semanais. As reuniões gerais de equipe e
os outros espaços também são apontados. Compreendo que todos eles trazem contribuições
desde que o encaminhamento metodológico do programa respeite o movimento de
identificação de necessidades, planejamento de ações de formação, realização e avaliação
dessas ações. É necessário também transformar os interesses, conflitos e situações-problema
em desencadeadores da reflexão sobre a ação.
145
O desejo pela FCS precisa ser instalado no contexto da IEI. Porém, isso não
é suficiente. A mobilização da categoria profissional de educadores infantis ou professores de
EI para conquistar melhores condições de trabalho, oportunidades de FC concretizada no
sistema educacional, instituições que ofereçam uma FI com boa qualidade é de fundamental
importância.
A FCS pode acompanhar e ajudar a produzir o movimento do real não só
nos limites de cada instituição, mas no contexto maior da educação em nossa sociedade. Na
tentativa de acompanhar tal movimento cabe avaliar brevemente nosso programa que tem
como característica importante o surgimento a partir da necessidade real de FC.
O objetivo principal do programa tem sido alcançado, isto é, está sendo
realizada uma FCS. Tal formação tem contribuído com o processo de construção da
identidade profissional.
As educadoras e os demais profissionais do CCI atualmente reconhecem a
importância e a necessidade de FI e FC. Em 1998, quando ingressou na instituição a primeira
educadora que havia cursado Pedagogia houve um estranhamento geral explicitado em
comentários que mostravam que a equipe não percebia a necessidade de FI. Hoje, mesmo as
educadoras que definiram que não concluirão a escolaridade, reconhecem e afirmam que é
necessário fazer um curso que forme para o trabalho na EI.
O reconhecimento da necessidade de FI vem acompanhado de um desejo de
construir um saber profissional específico. Esse desejo se apresenta de modo diferente em
cada educadora. Algumas já buscaram a FI para atender a esse objetivo. Outras já concluíram
a FI e buscam na FC a oportunidade de construção da especificidade no fazer e no saber da
EI. Outras ainda não se interessam em buscar na educação formal esse saber, no entanto,
explicitam desejo de construir o saber profissional específico e o programa precisa atendê-las
de modo especial, para criar situações que relacionem a prática cotidiana com estudos e
146
contribuições teóricas. Uma lacuna permanece, mas o movimento do real permite pensar que
existem determinantes que encaminham ou não tais profissionais a uma opção de carreira na
EI.
Tem sido possível refletir sobre a prática cotidiana investigando situações,
propondo ações e avaliando esse processo. Os problemas e questionamentos com os quais nos
deparamos são tratados como “elementos” que permitem conhecer melhor nosso campo de
trabalho. Muitas vezes não sabemos de imediato qual o melhor encaminhamento para a
situação, porém sabemos que não podemos tratar tais questões de qualquer maneira. Nos
pautamos nos princípios estabelecidos em nosso projeto pedagógico, que está em constante
avaliação, e exercitamos diferentes pontos de vista como o das crianças, dos pais, da
comunidade e dos colegas de trabalho.
O estudo através de leituras, investigações, análises e a participação em
eventos científicos relacionados à nossa área de atuação tem ocorrido. O interesse por esse
tipo de atividade varia dentro do grupo de educadoras, mas já faz parte dos hábitos
desenvolvidos na instituição. A diferenciação de interesses revela, entre outras coisas, uma
diversidade rica e complexa dos sujeitos envolvidos com a formação. Coloca-se aí um desafio
ao PFCS à medida em que é necessário criar oportunidades para que os profissionais possam
ter diferentes encaminhamentos do desenvolvimento profissional de acordo com sua FI e com
suas necessidades de aprendizagem.
Temos aceito o desafio, acompanhando o movimento da realidade na qual
estamos inseridos. Tentamos criar oportunidades que privilegiem a diversidade apresentada
pela equipe, no entanto, a maior parte das ações de formação não são promovidas para cada
educadora individualmente. As limitações de tempo e a falta de espaços reconhecidos
legalmente para a FCS muitas vezes se colocam como obstáculo. Por outro lado, a riqueza da
interação revela o quanto é importante que as ações de formação não sejam individualizadas.
147
A aprendizagem das educadoras ganha características que a enriquecem muito a partir da
interação. Eu, na condição de supervisora, tenho vivido esse processo de desenvolvimento
profissional, de aprendizagens muito significativas como coordenadora de um PFCS.
Muitos fatores têm contribuído para que os objetivos do programa estejam
sendo alcançados. Um deles é disposição de cada profissional em participar e assumir a
responsabilidade pela própria FCS e, ainda, procurar entender a contribuição que pode
oferecer à formação dos colegas. Outro fator é o apoio e a sustentação que encontramos na
atuação da Diretoria Administrativa da FCT no que se refere ao CCI, seu funcionamento, a
importância de seu trabalho e oportunidades para o desenvolvimento profissional de toda a
equipe.
Obstáculos existem, entretanto, quase todos tornam-se elementos para nosso
desenvolvimento, sinalizadores da necessidade de mudança nos procedimentos, enfim, com
maior ou menor intensidade são importantes para a re-significação de nosso papel na EI.
148
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho desenvolvido nas IEI requer a existência de uma formação em
serviço sistematizada, organizada num programa, com objetivos, fundamentos, pressupostos,
procedimentos, espaços de formação e papéis definidos. A avaliação deve estar presente
continuamente desde a identificação de necessidades até a verificação dos resultados das
ações de formação. É necessário refletir constantemente sobre a utilização dos espaços de
formação e identificar as oportunidades de promover o desenvolvimento profissional.
Os espaços de formação presentes no PFCS que permitem uma interação
entre os profissionais e a reflexão sobre a prática estão oferecendo importantes contribuições à
construção da identidade profissional das educadoras do CCI Chalezinho da Alegria. Eles
criam oportunidades, a partir da ação de todos os sujeitos envolvidos e das determinações
presentes no contexto institucional e educacional, para que essas profissionais movimentem-
se assumindo momentos de identidade diferenciados. O apelo presente na literatura e na
realidade da EI é que as concepções de infância, criança, EI, IEI sejam revistas. O programa
tem contribuído para isso, mas ainda não nos desvinculamos totalmente da imagem da babá
ou da professora do Ensino Fundamental. Nossa especificidade vem sendo construída.
O esforço empreendido na realização desta pesquisa tem sido revertido em
contribuições para a elaboração e redefinição do PFCS no CCI. A partir de agora outros
fatores relacionados à pesquisa poderão ajudar não só a equipe envolvida, mas, através de sua
divulgação, outros interessados poderão ser beneficiados.
Espero que este trabalho ofereça contribuição a outros CCIs da UNESP e a
outras IEI. Que ao menos as lacunas do processo observadas pelo leitor interessado sejam
motivação para refletir sobre os PFCS que ocorrem em outras instituições. Podemos,
149
inclusive, receber colaboração para repensar nosso trabalho em contatos com futuros
conhecedores desta pesquisa.
Considero que os objetivos foram alcançados e que o próprio desenrolar da
pesquisa-ação revela muitos outros encaminhamentos possíveis, no entanto, é necessário
articular o papel de pesquisadora, de formadora e de profissional em FC.
A pesquisadora precisa assumir uma postura de estranhamento diante do
que parece muito conhecido, o próprio local de trabalho. A formadora precisa agir como
integrante do grupo de profissionais mostrando muita familiaridade com as necessidades
apresentadas. A profissional em FC precisa coordenar as ações, saberes e emoções para
identificar nesse processo de pesquisa-ação a indicação de caminhos para o próprio
desenvolvimento profissional permanente. Em meio a tudo isso surge uma satisfação em
perceber que os resultados da pesquisa representam a vivência de um processo de formação e
construção de identidade.
O trabalho no CCI continua, o PFCS continua e a necessidade de dar
continuidade aos processos citados permanece. Estamos juntos, eu e colegas de trabalho,
nessa tarefa compartilhada há quase sete anos. Outros anos nos esperam e muitas inquietações
se manifestam.
Quais elementos presentes na FCS representam pontos dificultadores no
alcance dos objetivos estabelecidos para a formação? Que estratégias alternativas de formação
podem gerar melhores resultados com os profissionais que não tiveram a devida formação
inicial? Que encaminhamento do PFCS pode contribuir para que as educadoras possam
assumir com um grau significativo de autonomia o papel de formadoras de si próprias e de
referências para a formação de seus pares?
150
Essas questões alimentarão muitas outras ações de formação e uma busca
permanente de re-significação do papel do profissional de EI, acompanhando a re-significação
das IEI, da infância e da imagem de criança.
151
6 REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. I. Desenvolvimento profissional, formação contínua e sindicato de
professores. In:______. O sindicato como instância formadora dos professores: novas
contribuições ao desenvolvimento profissional. 1999, 145 fls. Tese (Doutorado em
Educação)- Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 7-33.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Referenciais para a
formação de professores. Brasília / DF, 1998.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular
nacional para a educação infantil: Introdução. Brasília: MEC/SEF, 1998.
______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n.º 9.394/96, de 20 de dezembro
de 1996.
BUJES, M. I. E. Escola infantil: pra que te quero? In: CRAIDY, C.; KAERCHER, G. E.
(org.). Educação infantil: pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001, cap. 1, p. 13-22.
CANDAU, V. M. Formação continuada de professores: tendências atuais. In: ______ (org.).
Magistério
: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 51-68.
CARROLO, C. Formação e identidade profissional dos professores. In: ESTRELA, M. T.
(org.). Viver e construir a profissão docente
. Porto: Porto Editora, 1997. cap. I, p. 21-50.
CERISARA, A. B. Professoras de educação infantil
: entre o feminino e o profissional. São
Paulo: Cortez, 2002.
CERISARA, A. B. A produção acadêmica na área da educação infantil a partir da análise de
pareceres sobre o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil. In: In: Educação
infantil pós-LDB: rumos e desafios. Campinas, SP: Autores Associados- FE/UNICAMP,
2001, p. 19-49.
CIAMPA, A. C. A estória do Severino e a história da Severina
: um ensaio de psicologia
social. São Paulo: Brasiliense, 1996.
152
COLLARES, C. A. L.; MOYSÉS, M. A. A.; GERALDI, J. W. Educação continuada: a
política da descontinuidade. Educação e Sociedade, ano 20, n. 68, dez. 1999, p. 202- 219.
FELIZARDO, I. B. Reconstruindo a história dos Centros de Convivência Infantil da UNESP
a partir da experiência do Campus de Assis. Assis: [s. n.], 2003. mimeografado.
FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário básico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1995, p. 349.
FORMOSINHO, J. O.; FORMOSINHO, J. A formação e seus efeitos: do modelo escolar à
formação em contexto. In: ______ (orgs.). Associação criança: um contexto de formação em
contexto. Braga: Livraria Minho, 2000, p. 62-77.
FUSARI, J. C. A educação do educador em serviço: o treinamento de professores em questão.
1987. 250 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia da Educação) – Pontifícia Universidade
Católica, São Paulo.
FUSARI, J. C.; RIOS, T. A. Formação continuada dos profissionais do ensino. Cadernos
Cedes, Campinas, v. 36, p. 37-45, 1995.
GOMES, A. A. Considerações sobre a pesquisa científica: em busca de caminhos para a
pesquisa científica. Presidente Prudente: Faculdade de Ciências e Tecnologia / UNESP, 2001
mimeografado.
____________ Reflexões sobre a produção de conhecimento
. Presidente Prudente: Faculdade
de Ciências e Tecnologia / UNESP, 2002 (mimeo).
KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil
: a arte do disfarce. Rio de Janeiro: Achiamé,
1984.
KUHLMANN Jr., M. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre:
Mediação, 1998.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo:
Atlas, 1991.
MARIN, A. J. Educação continuada: introdução a uma análise de termos e concepções.
Cadernos Cedes, v. 36, p. 13-20, 1995.
153
MOSS, P. Reconceitualizando a infância: crianças, instituições e profissionais. In: Encontros
e desencontros em educação infantil. São Paulo: Cortez, 2002, p. 235-248.
MUNERATO, R. V. S. Educação infantil: a importância dos anos 80 e os desafios atuais. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL, 14, 2002, Campo Grande. Anais
do 14º Congresso Brasileiro de Educação Infantil. Campo Grande: Organização Mundial para
a Educação Pré-Escolar, 2002, 1 CD.
NÓVOA, A. Concepções e práticas de formação contínua de professores. In: CONGRESSO
NACIONAL DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DE PROFESSORES, 1, 1997, Aveiro,
Formação contínua de professores: realidades e perspectivas. Aveiro, Universidade de Aveiro,
1997, p. 15-38.
PALHARES, M. S.; MARTINEZ, C. M. S. Educação Infantil: uma questão para o debate. In:
Educação infantil pós-LDB: rumos e desafios. Campinas, SP: Autores Associados-
FE/UNICAMP, 2001, p. 5-18.
PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.;
GHEDIN, E. (orgs.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São
Paulo: Cortez, 2002, p. 17-52.
SALLES, F. C.; RUSSEFF, I. Formação continuada do professor de educação infantil e
identidade profissional. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL, 14,
2002, Campo Grande. Anais do 14º Congresso Brasileiro de Educação Infantil. Campo
Grande: Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar, 2002, 1 CD.
SÃO PAULO (Estado), Fundo Social de Solidariedade. CCI: Centros de Convivência Infantil
– Subsídios Básicos, 1998.
SILVA, I. O. S. Profissionais da educação infantil
: formação e construção de identidades. São
Paulo: Cortez, 2001.
TAVARES, J. et al. Dimensão do desenvolvimento pessoal e social na formação contínua de
professores. In: CONGRESSO NACIONAL DE FORMAÇÃO CONTÍNUA DE
PROFESSORES, 1, 1991, Aveiro. Formação contínua de professores
: realidades e
perspectivas. Aveiro, 1991, p. 79-112.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação
. São Paulo: Cortez, 1988.
154
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Faculdade de Ciências e Tecnologia, Diretor,
Portaria 03/87. Constituição de Comissão para instalação da creche. Presidente Prudente,
1987.
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Reitoria, Reitor, Portaria UNESP n.º 49, de 7
de março de 1996: Portaria dispõe sobre o Regimento dos Centros de Convivência Infantil.
Da Administração Pública Estadual. Legislação Estadual, São Paulo, 1996.
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Reitoria, Reitor, Portaria UNESP n.º 70, de 10
de abril de 1982: Portaria dispõe sobre Programa de Centro de Convivência Infantil. Da
Administração Pública Estadual. Legislação Estadual, São Paulo, 1982.
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA, Processo FCT 77/87
. Instalação da Creche
junto ao IPEA. 1987.
155
7 BIBLIOGRAFIA
ALARCÃO, I. Formação continuada como instrumento de profissionalização docente. In:
VEIGA, I. P. A. (org.). Caminhos da profissionalização do magistério. Campinas: Papirus,
1998, p. 99-122.
ALMEIDA, M. I. de. Desenvolvimento profissional, formação contínua e sindicato de
professores. In: ______. O sindicato como instância formadora dos professores: novas
contribuições ao desenvolvimento profissional. 1999, p. 7-30.
ALMEIDA, O. A. de. A educação infantil na história, a história na educação infantil. In:
CONGRESSO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL, 14, 2002, Campo Grande. Anais
do 14º Congresso Brasileiro de Educação Infantil. Campo Grande: Organização Mundial para
a Educação Pré-Escolar, 2002, 1 CD.
ALVES, A. J. O planejamento de pesquisas qualitativas em educação. Cadernos de pesquisa,
Campinas, n. 77, maio, 1991, p. 53-61.
ANDRÉ, M. E. D. A. A abordagem qualitativa de pesquisa. In: ______. Etnografia da prática
escolar. Campinas: Papirus, 1995, p. 15-25.
______. Diferentes tipos de pesquisa qualitativa. In: ______. Etnografia da prática escolar.
Campinas: Papirus, 1995, p. 27-33.
______. Pesquisa-ação e formação de professores em serviço. In: ______. Etnografia da
prática escolar. Campinas: Papirus, 1995, p. 105-116.
AQUINO, J. G.; MUSSI, M. C. As vicissitudes da formação docente em serviço: a proposta
reflexiva em debate. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n.2, p. 211-227, jul. dez.2001.
CAMPOS, M. M.; ROSEMBERG, F.; FERREIRA, I. M. Creches e pré-escolas no Brasil. São
Paulo: Cortez, 1995.
CARVALHO, M. M. C. de. Quando a história da educação é a história da disciplina e da
higienização das pessoas. In: FREITAS, M. C. de (org.). História social da Infância no Brasil.
São Paulo: Cortez, 2001, p. 291-309.
156
CORRÊA, M. A cidade de menores: uma utopia dos anos 30. In: FREITAS, M. C. de (org.).
História social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001, p. 81-99.
ELLIOT, J. Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. In: GERALDI, C.
M. G.; FIORENTINI, D.; PEREIRA, E. M. A. orgs. Cartografias do trabalho docente.
Campinas, Mercado das Letras, 1998, p. 137-152.
ESTRELA, M. T.; MADUREIRA, I.; LEITE, T. Processos de identificação de necessidades:
uma reflexão. Revista de Educação. Lisboa, v.8, n.1, 1999, p. 29-47.
ESTRELA, M. T.; RODRIGUES, A.; MOREIRA, J.; ESTEVES, M. Necessidades de
formação contínua de professores: uma tentativa de resposta a pedidos de centros de
formação. Revista educação. Lisboa, vol. 7, n. 2, 129-149.
FAGUNDES, M. R. A creche no trabalho..., ... o trabalho na creche: um estudo sobre o centro
de convivência infantil da Unicamp - trajetória e perspectivas. 1997. Dissertação (Mestrado
em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de Campinas, Campinas.
FARIA, A. L. G.; PALHARES, M. S. (orgs.). Educação infantil pós-LDB: rumos e desafios.
Campinas: Autores Associados, 1999.
FIORENTINI, D. et al. Saberes docentes: um desafio para acadêmicos e práticos. In:
GERALDI, C. M. G.; FIORENTINI, D.; PEREIRA, E. M. (orgs.) Cartografias de trabalho
docente: professor(a)-pesquisador(a). Campinas: Mercado das Letras, 1998, p. 307-335.
FREITAS, M. C. de. História da infância no pensamento social brasileiro. Ou, fugindo de
Gilberto Freire pelas mãos de Mário de Andrade. In: FREITAS, M. C. de (org.). História
social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001, p. 251-268.
FREITAS, M. C. de. Para uma sociologia histórica da infância no Brasil. In: FREITAS, M. C.
de (org.). História social da Infância no Brasil
. São Paulo: Cortez, 2001, p. 11-18.
FUSARI, José C. A educação do educador em serviço: o treinamento dos professores em
questão. 1988. 250 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
GERALDI, Corinta M. G.; FIORENTINI, Dario; PEREIRA, Elisabete M. Trajetória de um
trabalho coletivo: apontamentos para uma epistemologia da prática. In: ______ (orgs.)
Cartografias de trabalho docente: professor(a)-pesquisador(a). Campinas: Mercado das Letras,
1998, p. 11-19.
157
GERALDI, C. M. G.; MESSIAS, M. da G. M.; GUERRA, M. D. S. Refletindo com Zeichner:
um encontro orientado por preocupações políticas, teóricas e epistemológicas. In: GERALDI,
C. M. G.; FIORENTINI, D. ; PEREIRA, E. M. (orgs.) Cartografias de trabalho docente:
professor(a)-pesquisador(a). Campinas: Mercado das Letras, 1998, p. 237-274.
HADDAD, Lenira. A creche em busca de sua identidade: perspectivas e conflitos na
construção de um projeto educativo. 1989. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto
de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
HERON, A. Cuidado e educação pré-escolar nos países em desenvolvimento. Cadernos de
Pesquisa. São Paulo, n. 38, ago. 1981, p. 50-86.
KISHIMOTO, T. M. Política de formação profissional para a educação infantil: pedagogia e
normal superior. Revista Educação e Sociedade. Campinas, n. 68, dez. 1999, p. 61-79.
KUHLMANN Junior, M. Educação pré-escolar no Brasil (1889 – 1922): exposições e
congressos patrocinando a “assistência científica”. 1990, 149 f. Dissertação (Mestrado em
Educação) – Pontífícia Universidade Católica, São Paulo.
KUHLMANN Junior, M. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto
Alegre: Mediação, 1998, 210p.
LAJOLO, M. Infância de papel e tinta. In: FREITAS, M. C. de (org.). História social da
Infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001, p. 229-250.
LEITE, M. L. M. A infância no século XIX segundo memórias e livros de viagem. In:
FREITAS, M. C. de (org.). História social da Infância no Brasil
. São Paulo: Cortez, 2001, p.
19-52.
LIBÂNEO, J. C. O professor e a construção da sua identidade profissional. In: ______.
Organização e gestão da escola
: teoria e prática. Goiânia: Alternativa, 2003, p. 61-72.
LOBO, S. Maria sem vergonha de ser professora. In: SCOZ, B. J. L. et al. (orgs.)
Psicopedagogia: o caráter interdisciplinar na formação e atuação profissional. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1990, p. 275-281.
LOPES, J. R. Os caminhos da identidade nas ciências sociais e suas metamorfoses na
psicologia social. Psicologia e sociedade. São Paulo, v.14, n.1, p. 7-27, jan. jun. 2002.
158
LÜDKE, M. Pesquisa em educação: conceitos, políticas e práticas. In: GERALDI, C. M. G.;
FIORENTINI, D. ; PEREIRA, E. M. (orgs.) Cartografias de trabalho docente: professor(a)-
pesquisador(a). Campinas: Mercado das Letras, 1998, p. 23-32.
LÜDKE, M., MOREIRA, A. F. B.; CUNHA, M. I. da. Repercussões de tendências
internacionais sobre a formação de nossos professores. Educação e Sociedade, ano 20, n. 68,
dez. 1999. p. 278-298.
MARCILIO, M. L. A roda dos expostos e a criança abandonada na história do Brasil: 1726-
1950. In: FREITAS, M. C. de (org.). História social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez,
2001, p. 53-79.
MARIN, A. J. Desenvolvimento profissional docente: início de um processo centrado na
escola. In: VEIGA (org.). Caminhos da profissionalização do magistério. Campinas: Papirus,
1998, 137-152.
MATTIOLI, O. C. Profissionais de educação infantil: em busca de uma identidade. 1997.
334f. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade
Estadual Paulista, Marília.
MIZUKAMI, M. da G. N. et al. Formação continuada no local de trabalho: caminhando com
botas de chumbo. In: ______. Escola e aprendizagem da docência: processos de investigação
e formação. São Carlos: EdUFSCar, 2002, p. 185-203.
MONARCHA, C. Arquitetura escolar republicana: a escola normal da praça e a construção de
uma imagem de criança. In: FREITAS, M. C. de (org.). História social da infância no Brasil
.
São Paulo: Cortez, 2001, p. 101-140.
NÓVOA, A. Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das
práticas. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n.1, p. 11-20, jan. jun. 1999.
OLIVEIRA, Zilma de M. Educação Infantil
: muitos olhares. São Paulo: Cortez, 2000.
ONGARI, B.; MOLINA, P. A educadora de creche: construindo suas identidades. São Paulo:
Cortez, 2003, 172 p.
PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: ______
(org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 2000, p. 15-34.
159
RAMOS, M. N. A pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez,
2001, 320p.
RODRIGUES, A. e ESTEVES, M. A análise de necessidades na formação de professores.
Porto: Porto Editora, 1993, p. 37-67 (Coleção Ciências da Educação).
ROSEMBERG, F. A LBA, o projeto casulo e doutrina da segurança nacional. In: FREITAS,
M. C. de (org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001, p.141-161.
RUSSEF, I. A infância no Brasil pelos olhos de Monteiro Lobato. In: FREITAS, M. C. de
(org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001, p. 269-288.
SAMPAIO, P. M. Levantamento e disponibilização de pesquisas e políticas na área de
educação infantil. Relatório parcial de iniciação científica PIBIC/CNPq. Campinas: Faculdade
de Educação UNICAMP, 1998.
SCHÖN, D. A. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (org.). Os
professores e sua formação. Lisboa: Nova Enciclopédia, 1995, p. 77-91.
SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a
aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
SILVA, Ezequiel T. Professor de primeiro grau: identidade em jogo. Campinas: Papirus,
1995
.
SOUZA, S. J. S. e KRAMER, S. Educação ou tutela? A criança de 0 a 6 anos. São Paulo:
Loyola, 1988, 111p.
TORRES, R. M. Tendências da formação docente nos anos 90. In: WARDE, M. J. (org.).
Novas políticas educacionais: críticas e perspectivas. São Paulo: PUC, 1998, p. 173-191.
VANALLI, T. R.; DEGASPARI, S. D. Manual de normalização documentária para
apresentação do trabalho acadêmico: de acordo com as normas da Associação Brasileira de
Normas e Técnicas. Presidente Prudente: Faculdade de Ciências e Tecnologia, 2003,
mimeografado.
VIEIRA, L. M. F. Creches no Brasil: de mal necessário a lugar de compensar carências rumo
à construção de um projeto educativo. 1986. 347p. Dissertação (Mestrado em Educação) -
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonteb.
160
WARDE, M. J. Para uma história disciplinar: psicologia, criança e pedagogia. In: FREITAS,
M. C. de (org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez, 2001, p. 311-332.
ZEICHNER, K. M. Para além da divisão entre professor-pesquisador e pesquisador
acadêmico. In: GERALDI, C. M. G.; FIORENTINI, D.; PEREIRA, E. M. (orgs.) Cartografias
de trabalho docente: professor(a)-pesquisador(a). Campinas: Mercado das Letras, 1988, p.
207-236.
161
ANEXO A
ROTEIRO PARA ENTREVISTA
1. Faça um breve relato de como foi sua escolaridade (escolarização formal) do início até os dias
de hoje.
2. Quando e onde foi o seu primeiro trabalho com educação infantil? Que função você ocupou?
Permanece na mesma função? Por quê?
3. Qual foi o principal motivo que a levou a trabalhar no CCI?
4. A formação contínua em serviço teve início no CCI de modo sistemático em 1998. Antes
disso como você orientava suas ações no trabalho?
5. Durante os quatro anos que se passaram participando da formação contínua em serviço, houve
mudanças no seu modo de ser profissional, nas suas características profissionais, na sua
identidade profissional? Quais foram as mudanças? Que características mudaram?
6. Fazendo um exercício de comparação descreva como eram suas características profissionais
antes de ter acesso à formação continuada em serviço. Quem e como você era
profissionalmente?
7. E agora, como são suas características profissionais? Quem e como você é profissionalmente?
8. Dentro do Programa de Formação Continuada em Serviço o que mais contribuiu para que
essas características atuais fossem desenvolvidas?
9. A interação com a equipe de trabalho foi importante para constituir as características citadas
anteriormente? Como?
10. Suas perspectivas para o futuro incluem a continuidade de trabalho na Educação Infantil? Por
quê?
11. Na sua opinião que características os CCIs da Universidade devem ter?
12. Qual seria a identidade ideal de um profissional de educação infantil? Escolha um adjetivo
para ele que defina a essência de sua identidade.
162
ANEXO B
RELATO ESCRITO DA EDUCADORA A
Quando comecei a trabalhar no CCI foi em 03/10/88 não tinha tanta oportunidade
de ter um trabalho contínuo, eram sempre as mesmas atividades. Depois de alguns anos nós
funcionários do CCI começamos a aperfeiçoar melhor no trabalho com as crianças, começamos a
participar de cursos, ter orientação, encontros do CCI.
No meu ponto de vista, deu uma boa mudança para melhor, é muito bom para os
funcionários do CCI ter orientação e participar de cursos e sempre aprender coisas novas.
Hoje com este trabalho o CCI ficando cada vez melhor, antes eu não tinha um
valor, hoje eu me sinto mais valorizada e apesar de não ter a escolaridade adequada me sinto melhor e
as crianças gostam do trabalho que estão sendo feito com eles.
As vezes eu penso que não vou conseguir fazer o trabalho mas eu tento e consigo,
não tão perfeito mas do meu jeito eu acabo fazendo. Isso para mim é muito importante, eu me sinto
bem por conseguir fazer o trabalho bem.
163
ANEXO C
RELATO ESCRITO DA EDUCADORA B
Poder falar um pouco sobre a influência que a Formação Contínua em Serviço teve
em minha trajetória profissional ao longo dos últimos 6 anos, é de extrema relevância. Para tanto faz-
se necessário descrever procedimentos frente a condição do trabalho antes e depois do trabalho de
formação.
Os trabalhos de forma geral sempre tiveram uma base, estrutura orientada a ser
seguida, e em meu agrupamento o desenvolvimento destes conteúdos eram trabalhados de forma
adaptada com algumas dificuldades, pois, minha formação neste momento era apenas o Magistério
(formação de pré a 4ª série) e as expectativas eram muito além do que as crianças eram capazes de
produzir. De minha parte havia uma busca de conhecimento, mas não com tanta intensidade para
mudar as ações, compreender e ajudar as crianças a superar suas dificuldades reais.
O plano anual (estrutura do trabalho), sob meu ponto de vista não era possível
transpor na integra para a realidade, neste momento aplicar as áreas de desenvolvimento proposto para
a Educação Infantil era um pouco distante. O que era muito forte e marcante era o “cuidar”. Atribuo
esta visão do “cuidar” em dois pontos: minha visão do processo de desenvolvimento em Educação
Infantil e a cobrança dos pais quanto ao cuidado em relação a seus filhos.
Apesar do contato diário com a coordenação, os assuntos tratados em relação ao
trabalho era mais em cima das dificuldades das crianças, em geral comportamento e não
desenvolvimento, visto sob meu ponto de vista que a falha não poderia ser minha como profissional.
Frente a frustração com o desenvolvimento do meu trabalho e por acontecimentos
casuais, meu rendimento caiu muito e meu compromisso como profissional em buscar subsídios para o
trabalho estacionou por completo. Mesmo com a participação em cursos que íamos eventualmente, era
difícil aplicar.
Enxergar-me como este tipo de profissional também incomodava muito não
condizia com minha personalidade; era necessário mudança, o problema era saber como, já que sentia-
164
me totalmente desacreditada por parte da coordenação. A proposta de ter encontros semanais, pôde
trazer uma reflexão muito significativa para a organização do trabalho, pois foi possível compartilhar
problemas de sala, pensar juntos nas possíveis soluções e à partir de então promover tentativas. A
partir dos resultados das tentativas pode-se ir em busca de novas práticas e conhecimentos, pois é
necessário conhecer concepções, discutir teorias, opiniões e sair do senso comum.
Entrei então em um processo de conhecimento e familiarização com a Educação
Infantil e descobrir do que as crianças são capazes. É interessante e surpreendente perceber suas
capacidades, observar o processo do desenvolvimento de cada um é uma experiência única e
individual. Infelizmente apesar dos registros tem coisas que só eu sei, só eu vi e sei que pude
contribuir com o processo. Agora sinto muita inquietação, tenho certeza que não sei tudo, que posso
contribuir mais com as crianças; muito me frustra perceber que a criança está para completar idade e
percebo que há alguma dificuldade que não percebi antes e não dá para mais tempo de ajudar.
Os cursos que hoje tenho a oportunidade de realizar, escolho com mais critério,
busco o tema de acordo com um interesse real. Permito-me dizer que não sei e buscar ajuda junto de
minhas crianças. Sinto-me confiante, bastante segura diante das posições que tomo.
A busca pelo aperfeiçoamento profissional, trouxe-me outras oportunidades, hoje
estou tendo a chance de aprender mais como “Professor Formador”. Que faz parte da Formação
Contínua. Este trabalho proporciona que eu possa exercitar uma reflexão além da sala de aula, além
dos acontecimentos isolados do grupo, permite que eu possa compreender e contribuir diante dos
acontecimentos gerais no CCI. Este trabalho, encaro como um desafio profissional e bastante pessoal,
pois, colocar-se dentro da situação do outro mexe muito com a gente, mas é necessário.
Tudo o que relatei, acredito que muito tem a ver com o incentivo, a confiança, a
oportunidade a mim concedido, para que eu pudesse dedicar-me mais as propostas, orientações, cursos
e discussões.
A motivação pelo trabalho também contribuiu com minha decisão em voltar a
estudar, hoje faço parte do Projeto Pedagogia Cidadã e sinto muito orgulho de relatar diante das
situações que são vistas, uma realidade que já acontece em nossa instituição e em especial na turma
que trabalho. É importante dizer que vejo na figura da Supervisora de nossa instituição uma referencia
165
profissional muito forte e significativa na minha trajetória profissional, não dá para passar
despercebido.
Sinto muito em constatar que as mesmas oportunidades foram oferecidas a todos, o
apoio, a ajuda e o incentivo todos nós tivemos mas poucos conseguiram perceber a necessidade real de
atualizar-se e admitir que não sabem tudo e se abrir para as mudanças.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo