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JORGE LUIZ BERNARDI
FUNÇÕES SOCIAIS DA CIDADE: CONCEITOS E INSTRUMENTOS
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Gestão Urbana da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
Gestão Urbana.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Mello Garcias
CURITIBA
2006
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II
Bernardi, Jorge Luiz
B523f Funções sociais da cidade : conceitos e instrumentos / Jorge
Luiz Bernardi ;
2006 orientador, Carlos Mello Garcias. – 2006.
136 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do
Paraná,
Curitiba, 2006
Inclui bibliografia
1. Cidades e vilas. 2. Urbanização. 3. Planejamento urbano. 4.
Usucapião.
5. Ecologia urbana. I. Garcias, Carlos Mello. II. Pontifícia
Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em
Gestão Urbana. III. Título.
.
CDD 20. ed. 307.76
711.4
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III
FUNÇÕES SOCIAIS DA CIDADE: CONCEITOS E INSTRUMENTOS
Por
TERMO DE APROVAÇÃO
JORGE LUIZ BERNARDI
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no
Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana, área de concentração em Gestão
Urbana, do Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia, da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná.
Prof. Dr. Klaus Frey
Diretor do Programa
Prof. Dr. Carlos Mello Garcias
Orientador
Profa. Dra. Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa
Membro
Prof. Dr. Fábio Duarte de Araújo Silva
Membro
Dr. Gustavo Fruet
Membro
IV
A Beth,
Eduardo,
e
Bernardo.
E ao povo trabalhador de Curitiba.
V
AGRADECIMENTOS
Ao professor Doutor Carlos Mello Garcias pela orientação.
Aos professores Dra. Fabiane Lopes B. N. Bessa e Dr. Fábio Duarte A. Silva
que também muito auxiliaram na condução deste trabalho.
A todos os demais professores do Mestrado em Gestão Urbana e aos colegas
desta primeira turma que desbastaram a pedra bruta e pavimentaram um caminho,
onde havia apenas um projeto de caminho.
A Beth, minha esposa, que me incentivou o tempo todo.
E meus sinceros agradecimentos aos amigos que torceram e me apoiaram
nesta jornada, especialmente ao professor Wilson Picler, Diretor do Grupo Uninter
(Facinter/Fatec-Internacional) que acreditou na minha capacidade profissional
dando-me a incumbência de elaborar o projeto do Curso Superior de Tecnologia em
Serviços Públicos e nomeando-me coordenador.
VI
RESUMO
O trabalho procura identificar e caracterizar as funções sociais da cidade, previstas
no art. 182 da Constituição Federal. O desenvolvimento e o conceito de cidade são
estudados, bem como a organização política do município brasileiro e a legislação
urbana. Identificam-se três grupos de funções sociais da cidade: funções
urbanísticas, de cidadania e de gestão. São convencionadas como funções sociais
urbanísticas: habitação, trabalho, lazer e mobilidade; funções de cidadania:
educação saúde, segurança e proteção; e as funções de gestão: prestação de
serviços, planejamento, preservação do patrimônio cultural e natural, e
sustentabilidade urbana. Investiga-se a função social da propriedade e os
instrumentos fundiários de política urbana como: usucapião, concessão de uso
especial para moradia e direito real de uso, impacto de vizinhança. Ainda analisa-se
o Plano Diretor como instrumento básico de implementação das funções sociais da
cidade e de expansão e desenvolvimento urbano. A sua forma de elaboração,
conteúdo mínimo, implementação, controle e o processo de decisão democrática
para que ele efetivamente reflita o interesse coletivo. Conclui-se que o Plano Diretor
é efetivamente o principal instrumento para a materialização das funções sociais da
cidade e disciplinar a propriedade urbana para que cumpra sua função social.
Palavras-chave:
Função Social da Cidade Função Social da Propriedade Urbanização - Plano
Diretor Carta de Atenas Usucapião Impacto de Vizinhança Sustentabilidade
Urbana
VII
SUMMARY
This work aims at identifying and characterizing the social functions of the city, stated
at art. 182 of the Federal Constitution. The development and the conception of city
are investigated, as well as the political organization of Brazilian cities and the urban
legislation. Three groups of social functions of the city are identified: urbanism,
citizenship and management. Social functions of urbanism are: housing, work,
leisure and mobility; citizenship functions: education, health, security and protection;
and management functions: services, planning, preservation of the cultural and
natural heritage, and urban sustainability. It is also investigated the social function of
the property and the agrarian instruments of urban policies, such as: usucaption,
concession of special use for housing purposes and right in rem of use, impact in the
neighborhood. A further analysis is made on the “Plano Diretor” (Managing Plan) as a
basic instrument for implementation of social functions of the city and the expansion
of urban development. Its form of elaboration, minimun content, implementation,
control and the process of democratic decision so that it effectively reflects the
collective interest. To sum up, the “Plano Diretor” is effectively the main instrument
for the materialization of the social functions of the city and for disciplining the urban
property so that it fulfills its social function.
Key-Words:
Social Function of the City - Social Function of the Property - Urbanization -
Managing Plan Letter From Athens - City - Usucaption - Neighborhood Impact -
City - Urban Sustainability
VIII
LISTA DE ABREVIATURAS
Art. - Artigo
CC - Código Civil
CEU - Conselho dos Urbanistas Europeus
CF - Constituição Federal
CIAM - Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente
ConCidades - Conselho das Cidades
CONFEA - Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia
EC - Estatuto da Cidade
EIA - Estudo de Impacto Ambiental
EIV - Estudo de Impacto de Vizinhança
IPEA - Instituto de Pesquisa Aplicada
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IPTU - Impostos Predial e Territorial Urbano
IPPUC - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba
IPPUJ - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Joinville
IPPUL - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina
MP - Medida Provisória
LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias
LOA - Lei do Orçamento Anual
ONGs - Organizações não Governamentais
PDDI - Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
PL - Projeto de Lei
PPA - Plano Plurianual
SUS - Sistema Único de Saúde
IX
SUMÁRIO
RESUMO.............................................................................................................. V
SUMMARY............................................................................................................VI
LISTA DE ABREVIATURAS.................................................................................VII
SUMARIO.............................................................................................................. VIII
1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 10
1.1 A DELIMITAÇÃO DO TEMA ......................................................................... 10
1.2 MARCO TEÓRICO........................................................................................ 12
1.3 DA ESTRUTURA DO ESTUDO .................................................................... 13
2 A CIDADE........................................................................................................ 15
2.1 A URBANIZAÇÃO ......................................................................................... 15
2.2 BUSCANDO UM CONCEITO DE CIDADE ................................................... 17
2.3 ORGANIZAÇÃO POLÍTICA MUNICIPAL NO BRASIL ................................. 23
2.4 A LEGISLAÇÃO URBANA BRASILEIRA....................................................... 26
2.5 A METROPOLIZAÇÃO.................................................................................. 30
2.6 DIREITOS FUNDAMENTAIS E URBANISMO ............................................. 33
2.7 SÍNTESE SOBRE A CIDADE........................................................................ 36
3 AS FUNÇÕES SOCIAIS DA CIDADE ............................................................. 39
3.1 A CARTA DE ATENAS.................................................................................. 39
3.2 A NOVA CARTA DE ATENAS....................................................................... 41
3.3 INVESTIGANDO AS FUNÇÕES SOCIAIS DA CIDADE ............................... 44
3.3.1 Funções Sociais Urbanísticas................................................................ 48
3.3.2 Funções Sociais de Cidadania ............................................................... 50
3.3.3 Funções Sociais de Gestão Urbana....................................................... 52
3.4 SÍNTESE DAS FUNÇÕES SOCIAIS DA CIDADE ........................................ 58
4 INSTRUMENTOS FUNDIÁRIOS ..................................................................... 61
4.1 REFLEXÕES SOBRE A PROPRIEDADE..................................................... 61
4.2 PROPRIEDADE URBANA: FUNÇÃO SOCIAL .............................................. 64
4.3 INSTRUMENTOS FUNDIÁRIOS DA POLÍTICA URBANA............................. 68
4.3.1 Do Usucapião Constitucional Urbano .................................................... 70
X
4.3.2 Concessão do Uso Especial para Moradia e Direito Real de Uso........ 74
4.3.3 Instrumentos jurídicos de ação política.................................................. 78
4.4 SÍNTESE DOS INSTRUMENTOS FUNDIÁRIOS ......................................... 81
5 O PLANO DIRETOR ........................................................................................ 84
5.1 O PLANEJAMENTO URBANO NO CONTEXTO HISTÓRICO ...................... 84
5.2 A GESTÃO DEMOCRÁTICA ATRAVÉS DA PARTICIPAÇÃO POPULAR .... 88
5.2.1 O Conselho das Cidades .......................................................................... 91
5.3 O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR ........................... 93
5.3.1 Requisitos mínimos para o Plano Diretor ............................................... 96
5.3.2 Estudo de Impacto de Vizinhança .......................................................... 103
5.3.3 Etapas na construção do Plano Diretor .................................................. 104
5.3.4 Processo Deliberativo do Plano Diretor................................................. 112
5.4 CONTROLE E FISCALIZAÇÃO ..................................................................... 114
5.5 SÍNTESE CONCLUSIVA DO PLANO DIRETOR ........................................... 116
6 CONCLUSÃO .................................................................................................. 119
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 122
ANEXOS .............................................................................................................. 128
1 INTRODUÇÃO
1.1 A DELIMITAÇÃO DO TEMA
A Constituição Federal estabelece (caput do artigo 182 e no §1
o
.) que a
política do desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade para proporcionar o bem-estar de seus habitantes
tendo como principal instrumento o Plano Diretor. A Constituição trata das funções
sociais da cidade, mas não esclarece quais são essas funções que devem ser
ordenadas para que ocorra efetivamente melhorias na qualidade de vida dos
moradores da cidade e daqueles que dela se utilizam.
Diante do problema, o objetivo geral deste estudo é demonstrar que as
funções sociais da cidade, para serem ordenadas na implantação de uma política
municipal de desenvolvimento e expansão urbana, precisam ser definidas e
caracterizadas, e assim possam ser implementadas por meio de instrumentos
fundiários e do Plano Diretor.
E para que efetivamente isto ocorra, foram traçados os seguintes objetivos
específicos:
a) investigar a evolução do desenvolvimento urbano ao longo da história e
das normas;
b) desvendar, através de uma profunda reflexão e análise jurídica, histórico-
crítica, quais são as funções sociais da cidade, que a Constituição Federal
(CF) trata, mas não as identifica;
c) analisar a propriedade urbana, como um dos instrumentos fundiários
previstos na Constituição e na lei, para que ela cumpra a sua função
social;
d) explicar como o Plano Diretor deve ser elaborado para que implemente as
funções sociais da cidade proporcionando o bem-estar de seus habitantes.
Com cerca de 82% da população no Brasil vivendo em cidades, segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
1
, a questão urbana mostra-se
prioritária para o desenvolvimento da nação e que, cada vez mais, assume
dimensões estratégicas em todos os aspectos. Neste trabalho aborda-se a
1
“A população brasileira residente em áreas urbanas totaliza 81,25% do total em 2000 e, nos mapas,
se verifica a grande heterogeneidade de sua distribuição espacial” (IBGE, 2000).
11
problemática estabelecida no artigo 182 da Constituição Federal que determina o
ordenamento das funções sociais da cidade para garantir o bem-estar de seus
habitantes, deve ocorrer através de uma política de desenvolvimento urbano, tendo
como instrumento básico o Plano Diretor.
1.2 MARCO TEÓRICO
Este é um estudo jurídico, apesar de estar permeado de conceitos
sociológicos, filosóficos, urbanísticos, históricos, econômicos, de geografia urbana, e
administrativos. O caráter de interdisciplinaridade e multidisciplinariedade está em
todos os elementos que compõe o trabalho, uma vez que, no mestrado em Gestão
Urbana, as disciplinas que o compõe, possuem esta característica que acabam
influenciando na formação do estudante. Porém, o fio principal que conduz esta
análise constitui-se num viés legal, ao se fundamentar em princípios constitucionais:
o capitulo da Política Urbana, artigo 182 da C.F.
E neste sentido, influenciaram o autor a análise e interpretação de obras de
pensadores do direito como Meirelles, Silva, Mukai, Saule Junior e Bonavides,
urbanistas como Le Corbusier, Rolnik, Munford, Wilheim e Maricato, sociólogos
como Weber, Castells e Lefebvre, geógrafos como Harvey e Santos, e ainda Locke e
Coulanges que, com suas reflexões sobre o ambiente urbano constituem o marco
teórico deste estudo.
Embora a civilização tenha se desenvolvido no momento em que o homem se
tornou gregário e edificou a cidade, as funções sociais da cidade têm sido objeto de
reflexão muito recente, constituindo-se ainda num caminho em certos aspectos
desconhecido.
Na medida em que a urbanização avança, que a população mundial chega a
6,5 bilhões de seres humanos, que o desenvolvimento econômico passa a emitir
uma quantidade de poluição no meio ambiente nunca antes observada, reflexões e
ações para um meio ambiente saudável, sustentável, torna-se uma preocupação
global.
Como um ser vivo, o planeta sofre as conseqüências da ação do homem,
apresentando os primeiros sinais de doença e que está afetando a vida de todos.
Assim é que a ordenação das funções sociais da cidade passa a ser paradigma,
12
objetivando agredir o mínimo possível o lar da humanidade para que nele continue a
vida em contínua evolução. E também que os direitos fundamentais se concretizem
por meio da ação prática do Poder Público.
Com base no marco teórico indicado, o procedimento de coleta de dados para
este trabalho constitui-se numa pesquisa bibliográfica na literatura nacional e
mundial, utilizando principalmente o método histórico-crítico, sobre a formação da
cidade, suas funções, métodos e instrumentos de planejamento, destacando-se o
Plano Diretor. Outra fonte primária desta investigação está na própria Constituição
Brasileira e, particularmente, nos direitos fundamentais por ela afirmados.
Esta profunda reflexão sobre as normas constitucionais e infraconstitucionais
tem por objetivo delimitar conceitos filosóficos e jurídicos sobre as funções sociais da
cidade e a importância do desenvolvimento urbano sustentável, tendo, como foi
acentuado, como instrumento fundamental, o Plano Diretor, resultado da
participação popular.
1.3 DA ESTRUTURA DO ESTUDO
O que se pretende é fazer uma análise crítica do que sejam as funções
sociais da cidade, relacionadas ao papel do Plano Diretor na promoção da política
de desenvolvimento urbano para se atingir o bem-estar da população. O estudo
inicia com a investigação do fenômeno urbano e a conseqüência deste evento
singular para a humanidade fez com que a evolução da cultura e da civilização
avançasse em progressão geométrica.
A estrutura do trabalho constitui-se em seis partes, sendo esta introdução, a
conclusão e quatro capítulos. A primeira parte do desenvolvimento do estudo
corresponde ao primeiro objetivo específico, ou seja, investiga-se a evolução do
desenvolvimento urbano ao longo da história e das normas. Busca-se um conceito
de cidade. Como ela é vista pela sociologia, pelo direito, pela economia e outras
ciências. Também será analisada a formação e a organização política do município
brasileiro e a metropolização. E ainda a relação do urbanismo com os direitos
fundamentais. E ai se começa a desvendar a finalidade do Poder Público em
promover o bem coletivo, os interesses gerais, ou seja, a materialização dos direitos
13
fundamentais, conseqüentemente, para este estudo, a realização das funções
sociais da cidade.
O desvendar, através de uma atividade interpretativa, quais são as funções
sociais da cidade que a Constituição Federal, trata no artigo 182 constitui-se no
objeto de estudo do capítulo 3, o que corresponde ao segundo objetivo específico e
está relacionado com o coração deste trabalho. As funções sociais da cidade não
são definidas na Constituição Federal. Decifrá-las, eis o enigma e a preocupação
desta pesquisa. É o objetivo central do trabalho.
Neste capitulo, o autor apresenta, sob sua ótica, o que entende sejam as
funções sociais da cidade. A interpretação vai buscar a resposta no sistema
constitucional brasileiro, através da materialização dos direitos fundamentais. Neste
particular estuda-se a origem destes princípios na Carta de Atenas, que estabeleceu
os conceitos funcionais da cidade moderna durante o Congresso Internacional de
Arquitetura Moderna (CIAM). E também na nova Carta de Atenas, uma visão recente
que identifica novas funções e que foi proposta pelo Conselho Europeu de
Urbanistas, (CEU), em 1998.
No quarto capítulo, os objetos de estudo são os instrumentos fundiários para
a materialização das funções sociais da cidade. São analisadas as funções sociais
da propriedade urbana, também como direito fundamental. Este capítulo
corresponde ao terceiro objetivo específico que é analisar a propriedade urbana no
contexto de sua evolução e apropriação pelo homem, para que, estando ela
ordenada e limitada no seu uso por normas administrativas, possa cumprir sua
função social.
Por fim, no quinto capítulo, a reflexão ocorre sobre o papel do Plano Diretor
como instrumento para a materialização das funções sociais da cidade. Ele objetiva
a compreensão da dinâmica ideal de formulação do Plano Diretor. Este capítulo
contempla ainda a participação da comunidade na gestão da cidade, e os passos e
requisitos para que planejamento efetivamente se constitua num instrumento
democrático e que represente a vontade popular.
O Plano Diretor, previsto na Constituição Federal de 1988, assume uma
dimensão que extrapola os limites físicos-territoriais da cidade, e passa a abranger
todos os aspectos da vida urbana, procurando identificar e ordenar as funções
sociais da cidade, da vida urbana.
14
Faz-se uma análise final de cada capítulo e a conclusão geral do trabalho
apresenta os resultados do estudo, em alguns aspectos inovadores, conseqüência
da dialética do próprio estudo.
15
2 A CIDADE
2.1 A URBANIZAÇÃO
O que é fenômeno urbano? Quando surgiu? Quais as conseqüências da
transformação do meio ambiente natural em meio ambiente construído ou artificial?
O que fazer para que os efeitos da urbanização afetem o mínimo possível o
equilíbrio natural do planeta? Estas e outras perguntas são questões que preocupam
todos aqueles que refletem sobre este fenômeno recente na história que é a
urbanização. Entender este fenômeno e as particularidades que ele apresenta no
Brasil pressupõe, não uma abordagem histórica e conceitual, mas igualmente ter
a compreensão do papel do município pela Constituição Federal e nas leis
infraconstitucionais, bem como da realidade regional em que ele se desenvolve.
Para onde vai a urbanização? Ninguém sabe. Sabe-se, no entanto, que à
medida que vai modificando o ambiente natural, o homem cada vez mais adquire
consciência de que para a sobrevivência da espécie humana, é necessário
preserva-lo, mantê-lo em equilíbrio.
Atualmente quase não se pode mais fazer uma definição clássica do
ambiente urbano em contraposição ao ambiente rural como se fazia no passado.
Nas nações mais desenvolvidas, praticamente tudo o que se tem em termos de
conforto no meio urbano, também é encontrado no ambiente rural. Pode-se, no
entanto, resumir o fenômeno urbano na análise de Lewis Munford (1965, p.13)
quando afirma que
antes da cidade, houve a pequena povoação, o santuário e a aldeia; antes da aldeia,
o acampamento, o esconderijo, a caverna, o montão de pedras; e antes de tudo isso,
houve certa disposição para a vida social que o homem compartilha, evidentemente,
com diversas outras espécies animais.
16
Uma predisposição para o homem viver em sociedade foi o fator que permitiu
que o homem sobrevivesse ao mundo hostil, disputando o mesmo território com
outros animais e com os fenômenos incontroláveis da natureza.
Conforme Fustel de Coulanges por razões religiosas, na antiguidade, as
cidades se mantiveram independentes umas das outras, raramente formando um
estado unificado. Foi assim com os gregos, latinos, etruscos e também com as tribos
semitas. O deus de uma cidade era inacessível aos habitantes de outra que possuía
os seus próprios deuses e vice-versa. Também afirma Coulanges (1957, p.197-198)
que “cidade e urbe não foram palavras sinônimas no mundo antigo. A cidade era a
associação religiosa e política das famílias e tribos: a urbe, o lugar de reunião, o
domicílio e, sobretudo o santuário desta sociedade”.
nos tempos atuais conhece-se o fenômeno das megalópoles, a formação
de periferias, o caos urbano, a degradação do meio ambiente, a insegurança e os
traçados diversificados, polinuclear. A cidade do futuro imagina-se vertical,
submarina e até subterrânea.
Mas afinal, o que é o fenômeno urbano?
Henri Lefebvre (1999, p.156) faz a mesma pergunta acrescentando na
indagação que “seria o fenômeno social total tão procurado pelos sociólogos?”
Responde de uma forma ambígua: sim e não.
Sim, no sentido em que o urbano caminha para uma totalidade sem jamais atingi-la,
em que ele se revela o totalizador por essência (a centralidade), sem que esta
totalidade se efetue jamais. Sim, no sentido de que nenhum saber parcelar, o esgota;
ele é, ao mesmo tempo, histórico, demográfico, geográfico, econômico, sociológico,
psicológico, semiológico etc. Ele ‘é isso e ainda outra (coisa ou coisa não-coisa!), por
exemplo, forma. Isto é, vazio, que exige, porém, um conteúdo: evocação do
conteúdo.
Antes de ser um espaço físico, o urbano é um espaço social. O ambiente
onde vivem seres humanos que têm suas necessidades, seus sonhos, seus projetos
de vida. Um ambiente modificado, alterado, construído, que muitas vezes faz
esquecer o ambiente natural por onde milhões de anos a espécie humana percorreu
para chegar a civilização. Pode-se dizer que a cidade transformou o homem; ou,
então, que o homem foi se transformando à medida que foi edificando o ambiente
em urbano.
E agora? Para onde vai a civilização? Independentemente de qual for à
resposta, a cidade, tenha ela a forma que tiver, esteja onde estiver, deverá ter um
17
papel importante para o ser humano que, só sobreviveu ao longo dos tempos porque
conseguiu unir esforços com os seus semelhantes para vencer todos os desafios. A
cidade é gente.
2.2 BUSCANDO UM CONCEITO DE CIDADE
Mas o que é afinal a cidade? O termo cidade vem do latim, civitas, que
origem, entre outras, a palavras como cidadania, cidadão, civismo. Também latina a
palavra urbe. É hoje um sinônimo de cidade, que por sua vez, gerou outros termos
relacionados a vida em coletividade como urbanismo, urbano, urbanidade. Unindo-
se ao termo grego polis, ou seja, a cidade-estado, autônoma, independente, civil,
público, o local onde a vida cívica acontece, o mercado, o ambiente político, do
exercício da cidadania, chega-se a origem destes termos que definem o ambiente
urbano.
Bonini (1983, p. 949), afirma que “por polis se entende uma cidade autônoma
e soberana, cujo quadro institucional é caracterizado por uma ou várias
magistraturas, por um conselho e uma assembléia de cidadãos (politai)”.
Como a cidade pode ser conceituada, entendida, definida? Quais as
características que a diferenciam do ambiente rural?
Max Weber (1987, p. 4) em resposta a estas e outras perguntas começa
conceituar a cidade sob o aspecto material, ou seja, a partir do que ele chama de
estabelecimento compacto de prédios próximos uns dos outros. Sob a ótica
econômica o pensador alemão argumenta que na cidade “la mayor parte de sus
habitantes viven de la industria y del comercio y no de la agricultura”.
Também acrescenta, no conceito de cidade, a multiplicidade de atividades
que as pessoas nela exercem. Estabelece o domínio de um determinado terreno, a
especialização da indústria para atender às necessidades políticas e econômicas. E,
na origem das cidades, destaca a vontade do príncipe, dos comerciantes a quem
denomina também de piratas colonizadores ou os nativos, todos dedicados às
atividades comerciais. Ainda Weber algumas características da comunidade
urbana: no passado a fortaleza, posteriormente o mercado, o tribunal, o direito, o
caráter associativo, e certa autonomia administrativa.
18
A partir das reflexões de Weber, Reis Filho citado por Silva (2000, p. 24),
estabelece algumas condições para determinar o que seja o conceito de cidade. São
estes os requisitos propostos:
(1) densidade demográfica específica; (2) profissões urbanas como comércio e
manufatura, com suficiente diversificação; (3) economia urbana permanente, com
relações especiais ao meio rural; (4) existência de camada urbana com produção,
consumo e direitos próprios.
Manuel Castells (1983, p.16-17) com base na contribuição sociológica, sugere
sentidos diferenciados a palavra urbanização. O primeiro diz respeito a
“concentração espacial de uma população a partir de certos limites de dimensão e
de densidade”. E o outro “a difusão de sistemas de valores, atitudes e de
comportamentos denominado de ‘cultura’ urbana”. Portanto para Castells:
Urbano designaria então uma forma especial de ocupação do espaço por uma
população, a saber o aglomerado resultado de uma forte concentração e de uma
densidade relativamente alta, tendo como correlato previsível uma diferenciação
funcional e social maior.
Para Roberto Auzelle (1971, p. 8-9) a cidade é “um lugar de trocas”. Trocas
materiais mas também trocas espirituais. Vai além afirmando que ela “é uma escola
permanente, espaço único de homens diferentes”. E acrescenta que: “A cidade é a
escola, a escola permanente (...). A cidade é arquivo de pedra. Memória, ao mesmo
tempo que projeto. Espaço temporal”. Conclui de forma apoteótica definindo o que
seja a cidade: “Ela é a mãe da História”.
Riccardo Mariani (1986, p. 25) vê as cidades apresentando duas posições:
liberal e estatal. E entre estas posições situa o que chama de cidades intermediárias,
as imaginadas pelos utópicos e pelos socialistas. Afirma que a cidade
liberal exprime a própria liberalidade nos confrontos de desenvolvimento urbano,
avaliando-a como um dos componentes fundamentais da nova prática industrial: a
outra, que poderemos definir como estatal tenta, de todos os meios, limitar o
crescimento da cidade, reconhecendo a origem de qualquer motim revolucionário
ou politicamente subversivo.
Embora não devidamente analisada pela ideologia socialista, como ocorre
pela cultura liberal, a cidade é vista como uma possibilidade da prática
revolucionária, devido a concentração urbana.
19
Há outras maneiras de ver e conceituar a cidade.
Beaujeu-Garnier (1997, p. 7) procura mostrar a cidade sob a ótica da
geografia. Justifica a sua posição esclarecendo também que esta visão tem sofrido
modificações ao longo do tempo. Para ela,
o geógrafo que inicia o estudo apercebe-se da cidade de diversas maneiras: por
corresponder a um modo particular de ocupação do solo; por se reunir num espaço
mais ou menos vasto, mas, no entanto, muito denso, grupos de indivíduos que
vivem e produzem.
Beaujeu-Garnier (1997, p. 7) argumenta, ainda, a respeito do estado em que
a cidade pode se encontrar: estagnada, deteriorada, vibrante, em franco progresso,
constituindo-se num ambiente de relações, fluxos de toda a natureza concluindo que
“em diversos graus e sob várias formas, a cidade é o elemento fundamental da
organização do espaço”.
Sobre uma conceituação da cidade Beaujeu-Garnier (1997, p.11), ainda
explica a cidade através das suas funções: objeto e sujeito. Argumenta que,
enquanto objeto ela existe de fato, pode ser observada materialmente
atrai e acolhe habitantes aos quais fornece, através da sua produção própria, do seu
comércio e dos seus diversos equipamentos, a maior parte de tudo o que eles
necessitam: é o lugar onde os contatos de toda a natureza são favorecidos e
maximilizados os resultado.
No entanto, que a real função objeto ocorre através da função sujeito que
proporciona a intervenção no ambiente urbano. Beaujeu-Garnier (1997, p.11), afirma
que
o quadro urbano, o ambiente urbano, exercem influências nos seus habitantes;
podem transforma-los pouco a pouco; pelas suas exigências (alimentação matérias-
primas, comércio), a cidade desempenha papel importante nas atividades internas e
periféricas.
Beaujeu-Garnier (1997, p. 11), finalmente sentencia que “se o homem utiliza e
molda a cidade, a recíproca também é igualmente verdadeira”.
O modelo de cidade moderna, resultado do Congresso Internacional de
Arquitetura Moderna (CIAM), é conceituada sob a ótica do planejamento, da
20
funcionalidade, com espaços bem definidos para a habitação, trabalho, lazer e
circulação.
É a cidade de Le Corbusier, que responde as funções da vida: “habitar,
trabalhar, cultivar o corpo e o espírito, aos quais um objetivo elevado, conquanto
acessível, possa ser atribuído: a alegria de viver” (1971, p. 53).
a cidade pós-moderna contrapõe-se a cidade moderna assumindo formas
exatamente opostas. Uma cidade em pedaços, onde as funções estão
esparramadas na mancha urbana, agregando-se umas as outras num aparente caos
de estilos e atividades. A cidade volta a ser o que era no passado, no início da era
industrial.
Para Harvey o conceito da cidade da pós-modernidade é um pouco de tudo.
Afirma que
o pós-modernismo cultiva, (...) um conceito de tecido urbano como algo
necessariamente fragmentado, um palimpsesto de formas passadas superpostas
uma às outras e uma “colagem” de usos correntes, muitos dos quais podem ser
efêmeros.
E ainda acrescenta Harvey
(1996, p.69)
:
é impossível comandar a metrópole exceto aos pedaços, o projeto urbano (e
observe-se que os pós-modernistas antes projetam do que planejam) deseja
somente ser sensível às tradições vernáculas, às histórias locais, aos desejos,
necessidade e fantasias particulares, gerando formas arquitetônicas especializadas,
e até altamente sob medida, que podem variar dos espaços íntimos e
personalizados ao esplendor do espetáculo, passado pela monumentalidade
tradicional.
Procurando definir o que é a cidade, alguns autores como Gist e Halbert
(1961) passam a qualificá-las de acordo com características ou atributos, o que
envolve tipologia conforme o método utilizado. Na definição não se procura
conceituar o que seja a cidade, mas entendê-la a partir de características
semelhantes que ela compartilha com outras cidades. Uma forma comum de
qualificá-las determina o que seja uma cidade através do número de habitantes.
Pela quantidade de moradores se faz a distinção do que seja urbano e rural. Assim
no Japão é urbano o lugar que possua mais de 30 mil habitantes. Na Índia, para que
um lugar seja considerado cidade deve possuir mais de 100 mil habitantes. México,
21
Venezuela e EUA consideram cidades aquelas com populações acima de 2.500
habitantes.
Na Itália, um lugar é urbano quando menos da metade da população trabalha
na agricultura. Suécia, Polônia e Romênia estabelecem que é cidade as localidades
onde existem uma administração urbana. Na Hungria é urbano desde que a lei
assim a qualifique administrativamente. Cada país determina o que seja o ambiente
urbano de acordo com critérios próprios (GIST; HALBERT ,1961).
No Brasil é considerado urbano, o que a lei municipal determina que
compreende o perímetro urbano. É a sede do município, mas pode também
abranger distritos municipais. Para alguns autores, como Marcos F. R. Gonçalves
(1996, p. 46):
o vocábulo cidade não compreende apenas o distrito-sede do município, pelo que a regra se
aplica igualmente, às sedes dos distritos, quando contém mais de 20 mil habitantes. Cidade
não é apenas a sede do município, a sede do governo municipal, mas todo complexo
demográfico demográfico urbano e social e economicamente expressivo, com grande
concentração populacional.
Outras formas de definir e qualificar a cidade envolve a sua funcionalidade, ou
a atividade econômica dominante, como centros de produção, de comércio, e
capitais políticas, cidades balneárias e cidades diversificadas. As cidades que são
centros de produção podem ser primária, baseada na indústria extrativa, e
secundária com base na transformação de matérias-primas em produtos acabados,
podendo também possuir produção primária e secundária.
De um modo geral, todas as cidades possuem comércio, porém nem sempre
o comércio é a atividade principal. Mas algumas cidades são entrepostos regionais,
nacionais e até mundiais de comércio. As capitais políticas podem ser regionais ou
nacionais e são facilmente identificáveis. Da mesma forma as cidades que se
constituem em centros culturais, que pode ser educacional, religioso ou histórico ou
de turismo e lazer.
Henry Lefebvre (2001) declara que, com a divisão do trabalho em suas várias
modalidades nasce da cidade a filosofia, que possui vida própria e independente. E
ainda que a cidade é o objeto da ciência da cidade. E acrescenta que:
Esta ciência toma emprestado seus métodos, demarches e conceitos às ciências
parcelares. A síntese lhe escapa duplamente. Inicialmente, enquanto síntese que se
pretendia total e que só pode consistir, a partir da analítica, numa sistematização e
22
numa programação estratégicas. A seguir, porque o objeto, a cidade, enquanto
realidade acabada, se decompõem. O conhecimento tem diante de si, a fim de
decepá-la e recompô-la a partir de fragmentos, a cidade histórica já modificada
(LEFEBVRE, 2001, p. 104).
O mundo pode ser visto como uma grande cidade, uma vez que se encontram
disponíveis em muitas zonas rurais, não apenas dos países considerados de
primeiro mundo, mas em escala global, os elementos que anteriormente
identificavam as zonas urbanas. A economia globalizada, a agroindústria, exige que
a zona rural disponha, para se tornar competitiva, de energia elétrica, saneamento,
vias pavimentadas, telefone, internet, acesso aos meios de comunicação (rádio,
televisão e etc), enfim tudo aquilo que algumas décadas atrás se encontrava no
meio urbano.
Derek Sênior citado por Beaujeu-Garneir (1997, p. 8), declara que:
o fato fundamental é que o urbano e o não urbano não apresentam diferenças
significativas...(e é necessário ver porquê): no desenvolvimento revolucionário das
comunicações e dos transportes, nas industrialização que se opera em todas as
atividades, inclusive na agricultura, no impacto generalizado da educação e da
cultura das massas...
Para aqueles que vêem a cidade sob a ótica da geografia urbana, a primeira
constatação que se tem é que o espaço, embora natural, agora é construído,
portanto artificial, contou com a participação humana em sua montagem. Sob este
aspecto pode-se dizer que o meio urbano é uma construção social, o produto de
muitas mãos e às vezes de muitas gerações.
Neste sentido Carlos (1994, p.160) afirma que “a noção de cidade evolui. De
organismo funcional passa a ser entendida a partir da idéia de trabalho
materializado, enquanto elemento de uma totalidade espacial, marcando o limite
entre a cidade e o urbano”. E ainda, ao inserir o papel do humano ao conceito
observa a cidade como o local de produção, de reprodução da força de trabalho e o
relacionamento que existe o local e a reprodução destas relações. Conclui afirmando
que esta articulação possibilita o “pensar-aprender a dimensão do homem e do
humano, ligando as várias dimensões da cidade” (1994, p. 160).
23
2.2 A ORGANIZAÇÃO POLÍTICA MUNICIPAL NO BRASIL
Quando os portugueses chegaram, no ano de 1500, na terra de Pindorama,
que posteriormente batizaram de Brasil, havia um litoral com mais de 7 mil
quilômetros de extensão, fruto do Tratado de Tordesilhas, para conquistar. A partir
da divisão em capitanias, nasceram as primeiras cidades brasileiras a partir do
século XVI, como uma política estratégica da Coroa Portuguesa de ocupar,
proteger, e explorar as riquezas do território recém descoberto.
No início, os contatos entre os portugueses e os indígenas foram amistosos, o
que permitiu, sem grandes problemas e dificuldades, o surgimento das primeiras
feitorias. Porém, com o passar do tempo, começaram os conflitos, principalmente
entre tribos inimigas que se associavam aos colonizadores. Conforme relata Salgado
(1978, p. 27) estas desavenças fizeram com que os primeiros povoados tivessem,
além do caráter religioso, a preocupação de defesa. “Muros de fortes, perfis de
igrejas. A casa grande do donatário, arranchações de colonos, aldeamentos
indígenas. Em torno, a lavoura incipiente, as primeiras culturas de cana de açúcar”.
Desde o princípio da colonização, o município no Brasil tem sido a unidade de
planejamento urbano. No início, adotou-se o modelo de cidade portuguesa, fixado
pelas normas da Coroa, que ficaram conhecidas como Ordenações Afonsinas,
Manoelinas e Filipinas, em homenagem aos reis dos períodos em que elas foram
emitidas. As leis portuguesas sempre procuraram delimitar a parte urbana da rural,
ou do rocio, como de identificar claramente o que é urbano e rural. Este conceito
vigora até os dias de hoje.
Durante o período em que Portugal esteve sob o domínio do Rei de Espanha
(1580 a 1640), a urbanização brasileira sofreu forte influência do modelo das
cidades espanholas que estavam surgindo em todo continente americano. Conta
Paulo Linhares (1992, p.171) que os governadores de capitanias recebiam das
autoridades espanholas, os projetos de como as cidades e burgos deveriam ser
edificados. Assinala ainda que
construir novas cidades em um continente novo era colocar as coisas em ordem. Daí
a palavra obsessiva ser “ordem”. Ordem nos exércitos, ordem na igreja, ordem na
administração dos bens reais. E a ordenação das coisas no novo continente, de
maneira que permitisse extrair o máximo, implicava um desenho urbano e leis
escritas.
24
A origem do município, como é conhecido atualmente, remonta ao Período
Republicano de Roma. Lisboa, atual capital de Portugal, é considerada o primeiro
município criado pelos romanos. O município foi a forma de organização política da
cidade com autonomia, governada pelos seus próprios habitantes, e não por um
representante de Roma, como ocorria em determinadas regiões onde haviam os
cônsules e governadores.
Para José de Castro Nunes (1982, p 24), romanos e gregos, ao contrário do
que afirmam certos escritores modernos, não possuíam Estado aos moldes atuais, o
que havia eram cidades que dominavam outras cidades formando impérios. Afirma
que:
Os antigos não conceberam ou, mais exatamente, não realizam outra organização
social e política além da cidade. Nas obras de Platão e de Aristóteles, descobre-se
uma concepção política do Estado, abstratamente considerado; mas a idéia de que
muitas cidades pudessem viver unidas, sob o mesmo governo supremo, nunca pode
ocorrer aos gregos, como não ocorreu igualmente aos italianos e romanos. A Polis
era o mundo, e bárbaro tudo o que lhe era estranho
.
O modelo municipal Português foi transplantado para o Brasil pelos primeiros
colonizadores. em 1532, ao fundar São Vicente, que viria a ser a primeira cidade
brasileira, Martim Afonso de Souza, organizou o município, elegendo os membros da
Câmara Municipal, símbolo do poder político local, e construindo o Pelourinho,
símbolo da justiça. Milton Santos (1993, p.17), referindo-se a urbanização brasileira
afirma que “no começo, a ‘cidade’ era bem mais uma emanação do poder longínquo,
uma vontade de marcar presença num país distante”.
Também, neste sentido, Murillo Marx situa os municípios brasileiros durante
a colônia como ambientes onde se tratava das questões agrárias, do controle dos
escravos, e do escoamento da produção. Afirma Marx (1991, p.91) que:
o governo municipal constituía uma instância de autoridade não precipuamente
voltadas aos problemas e interesses citadinos, mas pelo menos trazia a presença do
Estado para perto, ou seja, da justiça, dos oficiais da Câmara, a par de outras
diferentes autoridades e servidores.
O município no Brasil, somente a partir da Constituição de 1988, é parte
constitutiva da Federação Brasileira, é unidade federativa, no mesmo nível dos
Estados e do Distrito Federal. Está no artigo da Carta Magna, que: A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
25
Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito ...”. O município
compreende uma parte urbana, a sede, ou cidade, delimitada por uma lei municipal,
a lei do perímetro urbano, e outra rural, que abrange o restante de seu território.
Paulo Bonavides enfatiza o caráter federativo que a Constituição Federal
(CF), de 1988 outorga ao município, classificando esta dimensão ao que considera
o maior de todos os avanços ocorridos em todos os tempos na história
constitucional brasileira. E acrescenta que houve uma inovação que deve esclarecer
todas as dúvidas que havia na doutrina e na jurisprudência sobre a autonomia
municipal, quanto aos seus limites teóricos e objetivos.
Esclarece Bonavides (2002, p.312) que: “no Brasil, com a explicitação feita na
Carta de 1988, a autonomia municipal alcança uma dignidade federativa jamais
lograda no direito positivo das Constituições antecedentes”. Apesar de algumas
críticas de parte da doutrina de que o município não possui representação no
Senado, portanto não se constitui em unidade federativa, o argumento, não se
sustenta, uma vez que o texto constitucional é muito claro, quando coloca o
município no mesmo nível dos Estados membros e do Distrito Federal. A forma de
federação é uma escolha política de organização estatal, e o necessariamente
deve copiar o modelo americano.
No artigo 18 da Constituição Federal repete-se o mandamento do artigo
primeiro quando estabelece que “a organização político-administrativa da República
Federativa do Brasil compreende a União, os Estados o Distrito Federal e os
Municípios, todos autônomos...”. Sob este aspecto escreve Amélia Cohn (1998,
p.153) que a Constituição de 1988 define os municípios como membros da
Federação:
é quando se passa, então a associar descentralização à municipalização, vinculando-a ao
processo de autonomização das distintas esferas subnacionais entre si (...) tampouco estados
e municípios vêm se revelando capazes de definir com precisão suas atribuições diante das
cerca de trinta competências concorrentes estipuladas, a grande maioria delas na área
social.
O que se discute aqui é a condição do município de organismo de terceiro
grau (primeiro grau a União, segundo Estados e Distrito Federal) como ente
26
constitutivo da Federação. Não se trata de soberania, que esta apenas a União a
detém, não sendo concedido este privilégio aos Estados-membros e ao Distrito
Federal. Os Municípios, como os Estados e Distrito Federal, possuem autonomia,
ratificada em diversos momentos no texto constitucional.
Pode-se afirmar que um pacto federativo e neste pacto nenhum dos entes
é superior ao outro em relação à autonomia estabelecida constitucionalmente. Cada
ente possui suas atribuições, suas competências que são previstas na Carta Magna.
uma certa harmonia entre os entes federados, da mesma maneira que os astros
estão em harmonia no sistema solar. Cada ente cumpre o seu papel pré-
estabelecido pela Constituição. Todos estão no mesmo nível de igualdade, apesar
de possuírem competências diferentes.
O artigo 29 da CF trata da autonomia política ao estabelecer que o Município
deverá elaborar sua própria Lei Orgânica, uma espécie de constituição municipal. É
a lei maior que vigora dentro do espaço/território municipal. Ela organiza os dois
poderes municipais: Legislativo e Executivo, fixa as competências do Poder
Legislativo e de seus membros, os vereadores, estabelece o processo legislativo, a
fiscalização contábil, financeira e orçamentária entre outras.
O Município possui a competência de suplementar a legislação federal ou
estadual naquilo que couber. Significa que em temas onde a competência é
concorrente ou comum (art. 23 CF), ou seja, mais de um ente da Federação tem
poder de legislar, o município também poderá ter suas leis a respeito. E também os
cidadãos podem apresentar projetos de lei diretamente para serem votados na
Câmara Municipal desde que 5% (cinco) dos eleitores do município o subscrevam.
Ainda está previsto constitucionalmente que sociedade civil deverá participar e
colaborar, através de suas associações representativas, do planejamento municipal.
2.4 A LEGISLAÇÃO URBANA BRASILEIRA
No início dos anos 60, do século XX, com a crescente urbanização brasileira,
surge o movimento pela reforma urbana. As conseqüência da rápida urbanização
foram as precárias condições de vida nas grandes cidades para legiões de pessoas;
a favelização e o caos urbano principalmente em serviços como transporte e
saneamento. Esta crise fez, no entanto, emergir o movimento pela reforma urbana
27
que se consolidou nas décadas seguintes com o Projeto de Lei do Desenvolvimento
Urbano, o PL 775/83, o capitulo da Política Urbana, na Constituição Federal e,
finalmente, em 2001, o Estatuto da Cidade.
Os artigos 182 e 183, da Constituição de 1988, fruto de uma emenda de
iniciativa popular, são, portanto, o resultado de anos de lutas populares para que o
Poder Público reconheça o direito à cidade que venha a proporcionar qualidade de
vida e bem-estar aos seus habitantes, como um direito fundamental. Pela primeira
vez, na história constitucional brasileira, são fixados princípios constitucionais de
política urbana e da função social da cidade, da propriedade, e a democratização da
gestão urbana. O art. 182 atribui ao município, como o ente federativo responsável
em promover a política urbana de modo a ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade, e garantir bem-estar de seus habitantes”. Estabelece
ainda que a propriedade urbana deve cumprir sua função social. E o Plano Diretor
é o instrumento básico para o desenvolvimento urbano e para que a propriedade
cumpra sua função social.
De acordo com a Constituição Federal, a União tem o papel de fixar as
diretrizes gerais, através de lei, da política urbana (art. 182). E, ao instituir estas
diretrizes para o desenvolvimento urbano, não pode ignorar as áreas de habitação,
saneamento básico e transportes urbanos, conforme preceitua o art. 21:XX, da CF.
Os Estados-membros e o Distrito Federal possuem competência concorrente à
União para legislar sobre direito urbanísticos. E aos municípios, esta atribuição se
expressa na competência de legislar sobre assuntos de interesse local e, mais
especificamente, no capitulo da política urbana, quando as atribuições e
responsabilidades ali elencadas são destinadas, prioritariamente para serem
cumpridas pelo ente municipal.
A Constituição estabelece apenas a obrigatoriedade da elaboração de um
Plano Diretor para as cidades com mais de 20 mil habitantes. O Estatuto da Cidade
(Lei 10.157/2001), no artigo 40 § , determina que o Plano Diretor deve englobar o
território do município como um todo, não apenas a área urbana. Se ele deve atingir
todo o território municipal, também necessariamente abrange toda a população que
vive no espaço territorial do município, neste caso aqueles municípios que possuem
mais de vinte mil habitantes devem ter o Plano Diretor.
Ainda o mesmo artigo 182
no § da CF prevê que o Plano Diretor deverá
ser aprovado pela Câmara Municipal. Isto significa que o Plano Diretor é uma lei
28
municipal. Porém, não determina a Constituição que tipo de lei, se Ordinária,
aprovada por maioria simples dos vereadores, ou Lei Complementar, aprovada por
maioria absoluta, ou mesmo uma lei com quorum de aprovação qualificado de 2/3 ou
3/5 dos membros do Legislativo Municipal. A decisão de que natureza será lei que
vai regular o Plano Diretor, e o seu quorum de aprovação, deverá ser estabelecida
na Lei Orgânica de cada município.
Quanto à iniciativa do projeto, também não prevê a Constituição de quem
será a competência. A iniciativa poderá ser do Prefeito, como Chefe do Poder
Executivo, de qualquer um dos vereadores ou de Comissão da Câmara, como
também por iniciativa popular. Isto é, 5 % dos eleitores do município poderão
apresentar o projeto de lei do Plano Diretor, desde que a Lei Orgânica Municipal
não estabeleça competência privativa de algum dos poderes municipais.
A CF, no art. 24, determina que a competência para legislar sobre direito
urbanístico, é concorrente, entre a União, os Estados e o Distrito Federal. A
doutrina, majoritariamente, incluiu o município com poderes para legislar sobre
direito urbanístico. Uma interpretação lógica do texto constitucional, observa-se que
o artigo 30, da CF, estabelece claramente que: “compete ao município legislar sobre
assunto de interesse local”. O interesse local está mais que evidente na elaboração
da política urbana (arts. 182 e 183 da CF) e, principalmente na implementação de
seu principal instrumento de política urbana, o Plano Diretor.
A União cabe a tarefa de estabelecer, através da legislação as normas gerais,
de vigência em todo o território nacional, enquanto aos Estados e ao Distrito Federal,
competem as normas gerais de caráter regional.
Além da União, também possuem capacidade para legislar sobre o direito
urbanístico, os Estados e o Distrito Federal de acordo com suas competências. No
entanto, as legislações Municipais e Estaduais e do Distrito Federal sobre urbanismo
não poderão confrontar a legislação federal, mas complementá-la, aprofundá-la, de
acordo com as características próprias de cada região ou município. Em caso de
conflito de leis prevalece, a vontade da lei emanada pela União sobre as demais, e
a Estadual sobre a Municipal (FERRAZ JUNIOR, 1995).
Se para a União, coube a tarefa de fixar as normas gerais, como as previstas
no Estatuto da Cidade, aos Estados-membros e ao Distrito Federal (já que este
detém as atribuições legislativas dos Estados e dos Municípios) as regras
suplementares a lei nacional e também a legislação regional, que vigora sobre o
29
território de todo o estado ou sobre determinadas regiões do estado, como por
exemplo regiões turísticas, de preservação ambiental ou a região litorânea.
Para Meirelles (1993, p. 391), é tarefa dos “Estados-membros organizar o
Plano Estadual de Urbanismo e editar as normas urbanísticas regionais, adequadas
ao seu território, observados os princípios federativos de repartição e limites de
atribuições das quatros esferas estatais”.
Aos municípios, atribui-se a competência para legislar sobre assuntos de
interesse local, visando ordenamento territorial, perante o planejamento e o controle
do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (CF, art. 30, inciso I, II e VIII).
A Política Urbana, promovida através do Plano Diretor, possui como
instrumento para atingir os objetivos previstos para o combate a especulação
imobiliária: o parcelamento e a edificação compulsórias das áreas urbanas, bem
como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), progressivos no tempo, e a
desapropriação com pagamento através de títulos da dívida pública.
E para a regularização das áreas ocupadas irregularmente, é previsto o
usucapião especial e a concessão de uso, para quem possua mais de 5 anos,
área urbana de até 250 m
2
, e não tenha outra propriedade urbana ou rural e
concessão de uso (art. 183, § 1
o
. CF). O § 1
o
. do art. 183 da CF foi regulamentado
pela Medida Provisória, MP, 2.200, de 04 de setembro de 2001, fixando as
condições para a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia.
O Estatuto da Cidade (EC), Lei Federal 10.257/2001, é a lei prevista no art.
182 da CF, que fixa as diretrizes e dispõe a respeito das competências da União
sobre a política urbana, e estabelece também as atribuições aos outros veis de
poder, Estados, Distrito Federal e Municípios. Os entes federados devem assegurar
os direitos e garantias fundamentais das pessoas, através da implementação de
políticas públicas que promovam a justiça social, a erradicação da pobreza, a
redução das desigualdades sociais, tornando assim, a plena cidadania e a dignidade
do ser humano. Porém,
o município com base no artigo 182 da CF e no princípio da preponderância do
interesse, é o principal ente federativo responsável em promover a política urbana de
modo a ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, de garantir
o bem-estar de seus habitantes e de garantir que a propriedade urbana cumpra sua
função social, de acordo com os critérios e instrumentos estabelecidos no Plano
Diretor, definido constitucionalmente como o instrumento sico de política urbana
(BRASIL. Distrito Federal.
Câmara dos Deputados, 2002, p. 28).
30
a fundamentação às normas de Direito Urbanístico aos municípios, parte
inicialmente da Constituição Federal, regulamentada pelo Estatuto da Cidade e, se
existir no âmbito do Estado-membro, a Lei Estadual de Política Urbana e Lei
Estadual Urbanística, a Lei Orgânica Municipal, o Plano Diretor e as leis municipais
urbanísticas devem seguir as diretrizes estabelecidas por estas normas gerais.
O Estatuto das Cidades estabelece, entre outros, que o Plano Diretor deverá
conter os instrumentos urbanísticos a serem utilizados no parcelamento ou
edificação compulsórios, para a aplicação do imposto sobre a propriedade predial e
territorial progressivo no tempo e a desapropriação para fim de reforma urbana.
Estes instrumentos deverão estar previstos no Plano Diretor para poderem ser
empregados pelo município a fim de garantir a função social da propriedade.
ainda a lei 6.766/79, alterada pela lei 9.785/99, portanto anterior a
Constituição de 1988, que trata do parcelamento do solo urbano estabelecendo
requisitos urbanísticos de como devem ser elaborados os projetos de loteamento e
desmembramento, e os procedimentos necessários para a aprovação destes
projetos e a forma de registro do solo urbano parcelado. Esta lei objetiva
estabelecer padrões mínimos para o parcelamento do solo urbano, combater e
especulação, assegurando ao Poder Público o controle sobre o espaço urbano.
Determina ainda esta lei, como os contratos devem ser elaborados, e os crimes
contra a administração pública que podem ser praticados por quem parcela o solo
urbano sem seguir o ritual previsto nela, estabelecendo penas de um a cinco anos,
além de multa.
2.5 A METROPOLIZAÇÃO
Pode-se dizer que metrópole é a principal cidade de uma região ou de um
país ou então uma cidade que possui uma forte atração sobre outras cidades sob o
ponto de vista econômico, da prestação de serviços, do fornecimento de bens.
Uma região metropolitana é uma região conurbada, constituída de uma
cidade principal e de outras cidades secundárias cuja malha urbana se entrelaçam.
A definição do que vem a ser uma conurbação, surge em 1915, pela British
31
Statistical Department e basicamente significa que é “uma zona continuamente
submetida a urbanização em torno a grandes centros populacionais”.
Nos Estados Unidos, uma cidade para se constituir num centro metropolitano
deve possuir no mínimo 50 mil habitantes. na Alemanha o número de habitantes
cai para 25.000 para a cidade principal (Kernstadt).
Uma definição do que vem a ser uma metrópole afirma que
é uma região definida com um alto índice de densidade demográfica, unida por uma
infra-estrutura urbana, com vida comunitária bastante ativa e muita intercâmbios no
interior desta zona, onde as atividades agrícolas possuem pouca importância
(INSTITUTO DE ESTUDOS DE ADMINISTRAÇÃO LOCAL, 1973, p.102).
O Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) (2002, p. 47), procura conceituar as
aglomerações urbanas a partir da complexidade de atividades e da concentração
populacional
As aglomerações urbanas podem ser identificadas nos seus mais diferentes estágios
em consonância com a escala que o processo de urbanização assume em
determinado local. Em sua manifestação mais completa, as aglomerações urbanas
atingem a dimensão metropolitana, constituindo nós de diferentes tipos de redes,
apresentando grande complexidade de funções e principalmente, grande
concentração populacional. Podem ser identificadas, também, aglomerações
urbanas onde a escala do processo de urbanização não atingiu o nível
metropolitano, podendo ser até mesmo local em função do sitio geográfico, a
exemplo das aglomerações constituídas de dois pequenos centros urbanos
separados por um rio, com funções complementares, englobando em seu conjunto
população total pouco significativa no quadro nacional.
A Constituição Federal uma definição do que seja uma região
metropolitana quando afirma que se “constituem de agrupamentos de municípios
limítrofes”. A condição básica para a sua instituição é que divisem uns com os
outros, e o objetivo é “integrar a organização o planejamento e a execução de
funções de interesse comum”.
Juridicamente as regiões metropolitanas, as aglomerações urbanas e as
microrregiões no Brasil não possuem autonomia, como ocorre, por exemplo, com os
municípios. São reconhecidos como entes territoriais pela Constituição, porém os
instrumentos que dispõem para o cumprimento da ordem constitucional de
planejamento e execução de funções de interesse comum são os órgãos de
32
coordenação estadual, autarquias ou empresas públicas, ou então os consórcios
intermuniciais.
Observa Meirelles (1993, p.75) que a região metropolitana brasileira “não é
uma entidade estatal localizada entre o Estado e o Município”, acrescentando que
“no ordenamento constitucional do país o está previsto um outro nível de poder”.
Para ele, a Região Metropolitana ocupa apenas um lugar como “área de serviços
especiais” e, portanto, suas funções se limitam ás atividades administrativas.
Entre os instrumentos da política urbana, o Estatuto da Cidade (art. 4
o
., I e II)
estabelece que deverão ser utilizados “os planos nacionais, regionais e estaduais de
ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”. Previsto em lei, é
dever dos órgãos federais e estaduais elaborar estes planos, sob os quais os
Municípios, no planejamento local, deverão seguir as orientações ali estabelecidas.
Observa-se que a legislação federal estabelece claramente que os planos
deverão promover a ordenação territorial com o objetivo de proporcionarem o
desenvolvimento econômico e social. No mesmo sentido, está previsto o
planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e as microrregiões.
A responsabilidade deste planejamento deve ser de órgãos estaduais que atuem
nestas áreas, uma vez que esta é uma atribuição, uma competência estadual,
claramente definida na Constituição Federal.
Aos Estados compete ainda instituir uma política urbana metropolitana de
acordo com o art. 25 parágrafo 3
o
. da Constituição Federal que diz:
aos Estados, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de
municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de
funções públicas de interesse comum.
Não mais a União, como estabeleciam as Constituições de 1967 e 1969 (art.
157
o
. § 10
o
. e art. 164
o
.) possui a incumbência de instituir regiões metropolitanas,
mas os Estados-membros, através de lei complementar podem criar regiões
metropolitanas, como também nas aglomerações urbanas e microrregiões.
Ao fazer o Plano Diretor, o município inserido numa região metropolitana,
deve ter uma visão global de todo o espaço urbano, que muitas vezes extrapola o
seu território. As funções sociais da cidade para estarem contempladas neste plano
33
devem estar conectadas com o planejamento dos demais municípios do seu
entorno.
Ao cidadão da metrópole, não importa muito o organismo estatal que esteja
realizando os serviços públicos, o saneamento, a habitação, a saúde, a educação, o
lazer etc. É fundamental que estes serviços estejam disponíveis, acessíveis, e com
qualidade. Neste particular, qualquer que seja o arranjo institucional, convênio,
consórcio, parceria, desde que cumpra com princípios como da moralidade, da
eficiência, da eficácia, e proporcione o bem-estar a população, é o que basta.
O planejamento integrado nas regiões metropolitanas objetiva fazer com que
os recursos públicos sejam mais bem aplicados, evitando-se a sobreposição de
funções, o desperdício, muito comuns quando não há uma articulação integrada.
Outro aspecto que deve ser observado diz respeito à obrigatoriedade da
participação popular e da sociedade civil organizada nos órgãos gestores das
regiões metropolitanas e de aglomerações urbanas conforme estabelece o art. 45 do
Estatuto da Cidade. E esta participação, deve ser significativa, não apenas
simbólica, com a finalidade de garantir o controle direto das atividades exercidas por
este órgão e, principalmente, o exercício pleno da cidadania.
Aos Estados, portanto, que possuem a competência constitucional sobre as
regiões metropolitanas, cabe a incumbência de constituir os instrumentos de
participação e controle da sociedade através de conselhos metropolitanos, em
diversas áreas como de bacias hidrográficas, saúde, transporte, educação,
habitação, desenvolvimento econômico e social entre outros.
2.6 DIREITOS FUNDAMENTAIS E URBANISMO
Afinal, qual é a função principal do Poder Público? Para que finalidade os
recursos são arrecadados da sociedade através dos tributos? Por que o poder é
fragmentado em Executivo, Legislativo e Judiciário? E por que, no caso brasileiro,
está descentralizado em três níveis: a União, os Estados/Distrito Federal e em
Municípios?
A resposta parece simples: esta é a forma republicana de governo, adotada
pelo Brasil, onde o a soberania é do povo que, livre e democraticamente elege seus
34
governantes por um prazo determinado, com a divisão e a descentralização do
poder, para que haja uma fiscalização recíproca dos poderes e dos entes federados.
Para os que vêem o Poder Público sob a ótica da função, o Estado através de
sua estrutura administrativa, é o instrumento que materializa os direitos
fundamentais dos cidadãos. Assim afirma Justem Filho (2005, p.90): “A
administração pública é uma espécie de atividade, caracterizada pela adoção de
providências de diversa natureza, visando a satisfação imediata dos direitos
fundamentais”. Portanto, nesta visão, o Poder Público existe para satisfazer estes
direitos, ou seja, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à
propriedade, os direitos sociais que também são fundamentais como: a educação, a
saúde, ao trabalho, a previdência, a proteção entre tantos outros elencados na
Constituição.
Alguns direitos podem nem estar atualmente na Constituição, mas isso não
significa que não existam. A evolução da sociedade e dos valores sociais vai fazer
com que eles venham a emergir e se consolidem como novos direitos fundamentais.
Estes direitos todos, como se verá, vão se constituir nas funções sociais da cidade
que serão analisados mais adiante. Para a realização dos direitos fundamentais, é
básico que a sociedade se constitua em estado democrático de direito. Isto significa
que garantias fundamentais que deverão ser preservadas aos cidadãos e se
determine à limitação do arbítrio do poder do Estado.
No Estado Democrático de Direito a lei é a regra que deve ser observada por
todos, do magistrado número um da nação, ao cidadão comum, aquele de menor
renda. Mas o Estado Social de Direito, que se contrapõe ao estado liberal de direito,
pressupõe um sistema de proteção social, onde o desamparado estará assistido
pelo Estado. Esta proteção deverá vir através dos órgãos da União, dos Estados-
membros e do Distrito Federal ou dos Municípios. No Estado liberal de direito, o
Estado determina as regras básicas da convivência social, a garantia dos contratos
entre particulares e o poder público, enquanto o mercado se encarrega de regular a
sociedade e promover a distribuição da riqueza.
A gestão e o planejamento urbano são importantes instrumentos para a
implementação dos direitos fundamentais. Sociedade justa garante direitos e
deveres iguais, semelhantes, a todos os seus cidadãos independentes do local que
eles se encontrarem situados no espaço urbano e na hierarquia social. Infra-
35
estrutura básica de saneamento, lazer, equipamentos urbanos e comunitários devem
estar disponível em todos os espaços urbanos.
A cidade pode ser vista como um corpo e a carência em alguns de seus
membros ou órgãos afeta a todo o organismo. Daí a necessidade de se buscar
diminuir as desigualdades sociais, começando pela universalização do acesso aos
bens que a urbanização oferece. Assim pensa Alomar (1980, p. 75) ao comparar a
cidade ao corpo humano:
El cuerpo urbano corresponde al tejido de celulas familiares, de las cuales, por
reporucción, se origina la forma más característica del crecimiento, en cuyo tejido
podemos observar ciertos hechos biológicos, como son la adptacioòn al medio, la
división fisiológica del trabajo, la acumulación de reservas, Tambiém forman parte del
cuerpo urbano el conjunto de estructuras más o menos permanentes, en donde se
alojan y llevan sua vida de relación los individuos que componen la comunidad
urbana, es decir, en donde viven y donde conviven los habitantes de la ciudade y los
sistemas de sprovisionamiento, distribuición y consumo que tinen su parelelo en la
alimentacion, circulación y asimilación en el organismo vivo.
Também Carlos Nigro (2005, p. 15), ao analisar as favelas, faz uma metáfora
com o corpo humano apontando-as como uma patologia urbana que produz
modificações no organismo, alterações estas de ordem física, sociais, culturais,
informacionais, econômicas, políticas e até de direito. E constata:
Se uma cidade fosse comparada ao corpo humano, seria possível entende-la como
dependente de uma vida saudável, ou do seu “ecossistema” natural e antrópico, para
atender todas as demandas num nível mínimo satisfatório, ou seja, uma cidade
também depende de um processo de regulação pelo qual se mantém em constante
equilíbrio
Para Daniella S. Dias (2002, p. 25) na Constituição Federal, expostos de
maneira objetiva ou subjetiva, direitos fundamentais que dizem respeito a qualidade
de vida no ambiente urbano. Acentua a necessidade de que estes direitos saiam do
texto da lei e passem a se materializar na vida das pessoas:
Inobstante estar disposto no texto constitucional sua aplicabilidade imediata, sabe-se
que muitos deles não possuem força normativa suficiente para tomarem concretude
diante de casos práticos, em realidade. É preciso a tomada de posições, a realização
de competências, ações positivas estatais, o estabelecimento de normas a
regulamentar atuações e procedimentos de estabelecimento de forma a dar
36
concreção e densidade a estes direitos, ou seja, é necessário de mecanismos
jurídicos e extrajurídicos para a implementação dos direitos humanos.
Numa sociedade de justiça social a gestão e o planejamento não podem estar
desvinculados do homem e de seus direitos. Direitos como à vida, a segurança, a
propriedade, da inviolabilidade da moradia, do direito de propriedade atendendo a
função social, a justa e prévia indenização em dinheiro quando houver necessidade
de desapropriação por necessidade, utilidade pública ou interesse social. Os direitos
sociais de educação, saúde, trabalho, moradia, lazer entre outros também se
constituem em direitos do ser humano que a gestão e o planejamento urbano devem
considerar e respeitar sob pena se estar praticando a injustiça.
Na visão do urbanista Cândido Malta Campos Filho (1992, p.105-106) os
direitos humanos, sob a ótica do urbanismo, devem garantir no capitalismo a
capacidade do cidadão de obter qualidade de vida nas cidades. Esta qualidade de
vida envolve a capacidade de consumo, compra de mercadorias e serviços, que
proporcionam uma vida digna com o conforto que as sociedades avançadas
oferecem aos seus membros. Afirma que:
direitos humanos e urbanismo se entrelaçam fortemente no Brasil, com muito maior
importância que nos países desenvolvidos. Nossa imensa dívida social, pelo fato de
a grande maioria dos brasileiros pobres morar nas cidades, é uma dívida
fundamentalmente urbana.
2.7 SÍNTESE SOBRE A CIDADE
Pelo exposto neste capítulo, conclui-se que:
Pode-se afirmar que a cidade é o espaço onde a espécie humana, na sua
evolução, ao transformar o ambiente natural, ampliou seus relacionamentos à
medida que os contatos foram se tornando mais complexas e intensas. Ao longo dos
tempos sempre houve uma preocupação em fazer com que o ambiente construído
pudesse dar conforto, segurança e qualidade de vida aos seus habitantes. Embora
recente o fenômeno da urbanização mundial, diversas civilizações experimentaram e
construíram cidades com certas semelhanças com as cidades modernas.
Muitas são as visões do que seja um conceito de cidade, porém todas
convergem para um ponto fundamental: a cidade é a ocupação de um território com
37
prédios e atividades urbanas que se contrapõem ao ambiente rurícola. A cidade
moderna com os seus setores de atividades planejados definidos, é uma construção
do século XX, como também a cidade pós-moderna que se contrapõe a moderna,
com sua diversidade e colagem de estilos e funções, sem contudo abandonar as
regras básicas do planejamento. A cidade é uma construção coletiva, tanto física,
como conceitualmente, que vai se modificando no tempo, de acordo com a
participação das gerações de seus habitantes.
A forma de organização política da cidade brasileira é o município, embora
muitas cidades ultrapassem o limite municipal, ocorrendo o fenômeno da
metropolização. Porém a grande maioria das cidades ocupa apenas uma pequena
parte do território municipal. O município no Brasil é uma unidade constitutiva da
federação brasileira, ao lado dos estados e do Distrito Federal. Possui competências
legais estabelecidas pela Constituição Federal e goza de autonomia política,
econômica e administrativa que vai desde a escolha de seus governantes até a
execução de atribuições que a lei lhe confere.
A fundamentação da legislação urbana nacional está nos artigos 182 e 183
da Constituição Federal que estabelece a política urbana brasileira, tendo como
instrumento básico para a sua concretização o Plano Diretor. A lei que regulamenta
estes dispositivos constitucionais é o Estatuto da Cidade, que fixa diretrizes e
estabelece os deveres e obrigações de cada um dos entes federados na
consecução da política urbana. A lei do parcelamento do solo urbano (Lei
6.766/79), procurou disciplinar e a regulamentar a divisão do espaço urbano no
sentido de assegurar o mínimo de controle por parte do Poder Público e combater a
especulação prevendo punição penal para quem age de forma contrária ao
estabelecido na norma.
No fenômeno urbano ocorre freqüentemente o processo de metropolização
com a unificação de uma ou várias cidades, seja pela expansão de uma cidade pólo,
ou pelo crescimento de cidades limítrofes, onde os tecidos urbanos se interligam
gerando a chamada conurbação. A mancha urbana ultrapassa, muitas vezes, os
limites geográficos de várias cidades constituindo-se numa única cidades que a lei
brasileira chama de região metropolitana ou aglomeração urbana. Quando este
fenômeno ocorre, cabe aos estados membros, constituírem forma de organização e
institucionalização para a solução de problemas urbanos comuns a vários
38
municípios, como a execução de serviços públicos, programas educacionais, de
saúde, habitação, mobilidade urbana entre outros.
Sob a ótica funcionalista, adotada neste estudo, o Poder Público tem como
objetivo primordial materializar os direitos fundamentais do cidadão. Embora estes
direitos não necessariamente possam situar-se num espaço físico geográfico, ocorre
que na sua concretização, muitos destes direitos estão intimamente vinculados ao
ambiente urbano, onde efetivamente a vida ocorre. O direito a habitação, ao
trabalho, ao lazer, ao deslocamento, ao meio ambiente saudável, a educação,
saúde, segurança, proteção, são alguns dos direitos que efetivamente ocorrem no
meio urbano.
Pensar a cidade sobre a possibilidade de que ela é o palco onde os direitos
do cidadão de materializam ou não. Fazer com que estes direitos efetivamente
ocorram e sejam assegurados é o objetivo de quem busca a realização de uma
política que proporcione pleno desenvolvimento urbano e ordene as funções sociais
da cidade, com a finalidade de proporcionar o bem estar de seus habitantes. Esta é
a essência da política urbana: viabilizar os direitos fundamentais.
39
3 AS FUNÇÕES SOCIAIS DA CIDADE
3.1 A CARTA DE ATENAS
A Constituição Federal, ao afirmar no artigo 182 que “a política de
desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade”, deixa uma indagação: quais são as funções sociais da
cidade? A resposta a esta pergunta está no texto constitucional? Onde se vai,
então, encontrá-la? que a seqüência do mandamento constitucional afirma que o
objetivo também do desenvolvimento urbano “é garantir o bem-estar social de seus
habitantes”.
Meirelles (1993, p. 377), reportando-se à Carta de Atenas, afirma que as
funções sociais da cidade são quatro: habitação, trabalho, circulação e recreação. É
consenso, desde os anos 30, quando o Congresso Internacional de Arquitetura
Moderna, reuniu-se na capital grega, de que habitação, trabalho, circulação e
recreação são reconhecidas como funções do espaço urbano. Este foi o modelo que
influenciou a cidade moderna, planejada, com funções delimitadas em seu espaço
físico-territorial durante mais de 50 anos, e que teve como marco histórico a
implantação do projeto de Lucio Costa, em Brasília, a capital da República.
A questão sobre as funções sociais da cidade amplia-se, na medida que, no
século passado, o desenvolvimento de tecnologias inovadoras geraram uma nova
visão sobre o espaço urbano, não apenas o real com suas ruas, avenidas, edifícios,
meios de transporte, parques, praças, fábricas, casas de comércio, escritórios,
colégios, universidade, igrejas e etc. São as tecnologias de telecomunicações que
unem escritórios, fábricas, cidades, casas, bairros, a um ambiente virtual onde
espaço e tempo se unem estabelecendo uma nova dimensão material da vida
humana (CASTELLS, 2002).
Haveria, portanto outras funções sociais da cidade além das quatro
abordadas pela Carta de Atenas? Ou o texto constitucional, ao estabelecer que o
40
Poder Público Municipal, ao executar a política de desenvolvimento urbano, deve ter
como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade,
referia-se a habitação, trabalho, circulação e recreação? São apenas estas as
funções sociais da cidade, ou sendo ela um ambiente vivo, construído diuturnamente
pela inteligência humana, portanto encontrando-se em plena transformação, poderia
agregar, ao longo do tempo, novas funções e assim garantir o bem-estar de seus
habitantes? Ou então, o modo de ver que se tem hoje da cidade, diferente de
algumas décadas passadas, não poderá reconhecer novas funções sociais a
cidade?
Neste trabalho procura-se abordar outros aspectos que são considerados
importantes e que se constituem nas novas funções sociais da cidade, a cidade pós-
moderna que não se limita mais ao espaço-físico territorial. Uma cidade que sempre
existiu, desde tempos imemoriais, a cidade que se comunica e se organiza em
redes, mas que agora passa a ser olhada sobre uma outra ótica. Sobre a cidade,
Alomar (1980, p.85), constata que: “La ciudad siempre há sido um centro dominador;
antes política y militarmente; hoy económica y culturalmente”.
A cidade que recebe energias, utiliza-se destas energias, gera produtos e
resíduos, num processo contínuo e constante. Não apenas o processo físico de
transformação de energias, mas também nos aspectos ambientais, sociais,
econômicos e políticos. A cidade que se pretende no futuro próximo é a que busca o
seu equilíbrio com a natureza, procura ser sustentável em todos os aspectos da
dimensão humana. Há, no entanto, quem como Alexander Mitscherlich (1972, p.51)
faça a advertência:
Pensando na cidade do futuro, estão não pode ser apenas aquelas das nações
industrializadas da Europa ocidental cujos problemas não provem em primeiro lugar
do aumento de população, mas muito mais das tendências de acumulação das
empresas industriais. Os milhões de homens o-civilizados, não instruídos e, em
conseqüência disso, condenados à vegetação material e espiritual, não podem ser
absorvidos em cidades que pretendem ser espaço vital.
A cidade pós-moderna, embora aparentemente tenha a mesma configuração
da antiga cidade, não é mais a mesma. Também a maneira de estudá-la não pode
ocorrer da mesma forma. Se no início do século XX, Le Corbusier (1971) espantava-
se com a velocidade de 80 a 100 km por hora da máquina a vapor ou o motor a
explosão que transformara a força do bíceps ou a da parelha de cavalos que até
41
então tinham ditado o ritmo dos deslocamentos humanos na base de 4 km por hora,
o que dizer dos dias atuais quando a velocidade dos fluxos de informação ocorrer
em milionésimo de segundos, unindo todo o planeta instantaneamente?
Esta cidade que busca a sua nova identidade, que procura descobrir suas
verdadeiras funções sociais, a cidade sustentável, a cidade conectada em redes
sociais e econômicas, ao meio-ambiente, a cidade que cumpre com suas funções de
proporcionar o desenvolvimento e garantir o bem-estar de seus habitantes. A nova
cidade ideal traz em seu interior muitos dos conceitos das clássicas utopias, mas
que em realidade ainda possui os históricos problemas da velha cidade moderna,
neste período de mudança de paradigmas, de transição entre a sociedade industrial
para a sociedade da informação.
3.2 A NOVA CARTA DE ATENAS
O Conselho Europeu de Urbanistas (CEU), que reúne várias associações de
urbanistas de países europeus, como a França, Alemanha, Itália, Reino Unido,
Espanha, Bélgica, Dinamarca, Irlanda, Portugal entre outros, em 1998 propôs uma
Nova Carta de Atenas
2
onde analisa a cidade contemporânea, suas funções, e faz
propostas para o futuro das cidades no século XXI. Esta carta deverá sofrer revisão
de quatro em quatro anos, sendo que a primeira revisão foi aprovada no congresso
na entidade realizada em 20 novembro de 2003, em Lisboa, Portugal, recebendo o
nome de Carta Constitucional de Atenas 2003 – A visão das Cidades para o Século
XXI do Conselho Europeu de Urbanistas.
A nova Carta de Atenas 2003 propõe uma rede de cidades que deseje:
conservar a riqueza cultural e diversidade, construída ao longo da história; conectar-
se através de uma variedade de redes funcionais; manter uma fecunda
competitividade, porém esforçando-se para a colaboração e cooperação e contribuir
para o bem-estar de seus habitantes e usuários.
A visão na nova Carta de Atenas 2003 é de uma cidade conectada,
instantânea, porém acentua que não se trata de “uma visão utópica e nem uma
inadequada projeção das inovações tecnológicas”. Também observam que esta
2
LA NOUVELLE CHARTE d’ATHÈNES 2003, disponível em www.ceu-ectp.org, acessados em
25/11/03
42
conexão se dará através do tempo, interligando pequenas a grandes cidades e
zonas rurais, criando-se um contínuo urbano. Propõe o equilíbrio social envolvendo
não apenas as pessoas, mas também as comunidades, para solucionar os
problemas de acessibilidade a educação, saúde e outros bens sociais. Prega novas
estruturas sociais e econômicas que possibilitem reduzir a ruptura social causada
pela exclusão, pobreza, desemprego e criminalidade.
Esta conexão, segundo a nova Carta de Atenas, deve abranger o aspecto
econômico “criando um extenso tecido financeiro de grande eficácia e produtividade,
mantendo níveis altos de emprego e assegurando competitividade em âmbito
global”. E prevê que as economias locais e regionais se conectarão com outras
economias de cidades, regiões, nacionais e internacionais, possibilitando o pleno
emprego e o aumento da prosperidade dos cidadãos.
Ainda prevê a Carta de 2003 que, para aumentar as vantagens competitivas,
as cidades formarão redes urbanas policêntricas de vários tipos, que chamam de
redes de sinergia de cidades com as mesmas especializações. Redes de
complementaridades onde as cidades se conectam para proporcionar diferentes
especializações e redes flexíveis, sendo que o objetivo das cidades é a troca de
bens e serviços.
O uso racional dos recursos naturais e renováveis, como solo, ar e água,
objetivando proteger a cidade da poluição e da degradação. Prega que no novo
milênio esses recursos deverão ser usados cuidadosamente e de acordo com as
necessidades reais, utilizando-se de tecnologias inovadoras, minimizando o
consumo, reutilizando e reciclando.
O planejamento do espaço urbano também será um elemento importante para
eliminar as diferenças e dar um caráter de continuidade através de intervenções
para proteger e melhorar as ruas. Placas, visando facilitar os contatos entre as
pessoas e oportunidades de lazer e diversão, segurança, sem agredir o meio
ambiente e melhorando a estética das redes urbanas.
A nova Carta de Atenas de 2003 estabelece o apenas quatro funções,
como na Carta de 1933, mas dez funções, que são tratadas como conceitos. Uma
nova visão das cidades conectadas, que devem, segundo os autores, ser aplicados
com as características locais históricas e culturais. Referem-se às cidades européias
do futuro, mas aplicam-se a qualquer cidade do mundo, já que as novas tecnologias
43
e visão filosófica são adotadas quase que instantaneamente nestes tempos de
globalização.
Os novos conceitos são: uma cidade para todos, que deve buscar a inclusão
das comunidades através da planificação espacial, e medidas sociais e econômicas
que por si devam combater o racismo, a criminalidade e a exclusão social; a
cidade participativa, desde o quarteirão, o bairro, o distrito, o cidadão deve possuir
espaços de participação pública para a gestão urbana, conectados numa rede de
ação local.
A cidade deve ser um refúgio, ou seja, protegida por acordos internacionais
para se tornar área de não combate em caso de guerra. Deve ser um lugar
adequado para proporcionar o bem-estar, a solidariedade entre as gerações, como
também tomar medidas para conter desastres naturais. Outra função é a cidade
saudável, obedecendo as normas da Organização Mundial da Saúde, melhorando
as habitações, meio ambiente, e com o planejamento sustentável, reduzir os níveis
de poluição, lixo e conservar os recursos naturais.
A cidade produtiva que potencializa a competitividade, gerando postos de
trabalho e pequenos negócios, fortalecendo a economia local, e melhorando o nível
dos cidadãos através da educação e a formação profissional. Também a cidade
deve ser inovadora, utilizando tecnologias de informação e comunicação, e
permitindo o acesso dessas tecnologias a todos. Desta forma desenvolvendo redes
policêntricas, cidades multifacetárias comprometidas com os processos de governo
e gestão.
Ainda outras das funções da cidade são os movimentos racionais e a
acessibilidade, que vinculam o planejamento a estratégia de transporte de forma
integrada. Com isto melhorando as interconexões, o transporte público, ampliando
as ruas livres de carros e promovendo a caminhada e o uso da bicicleta. A cidade
ecológica, conceito da nova Carta de Atenas 2003, com a sustentabilidade
constituindo num processo de planejamento conectado ao processo de participação
social, constituindo-se em princípios do desenvolvimento sustentável.
E as duas últimas funções das cidades contemporâneas são a cidade cultural
e a cidade de caráter contínuo. A primeira diz respeito ao comprometimento com os
aspectos sociais e culturais do meio urbano objetivando enriquece-lo e diversificar a
malha urbana com os espaços públicos, integrando trabalho, moradia, transporte e
lazer para proporcionar bem-estar e melhor qualidade de vida. A outra observa a
44
cidade como hospedeira da civilização, devendo proteger os elementos tradicionais,
a memória, a identidade do meio ambiente urbano, incluindo as tradições locais, o
patrimônio edificado, métodos construtivos, bairros históricos, espaços abertos e
verdes.
Não dúvidas de que estas são novas funções da cidade, que já existiam
desde os primórdios. Ocorre que se tem uma nova visão da cidade, estabelecendo a
ela novas funções de acordo com o novo paradigma.
3.3 INVESTIGANDO AS FUNÇÕES SOCIAIS DA CIDADE
Aprofundando as investigações sobre as funções sociais da cidade observa-
se que a Constituição de 1988 inovou o direito constitucional brasileiro em muitos
aspectos. Uma área, em especial, diz respeito às grandes transformações que o
país sofreu a partir da década de cinqüenta, quando houve uma enorme migração
do campo para as cidades, fruto, principalmente, do processo de urbanização. No
final do século XX, cerca de 82% da população brasileira já estava vivendo em áreas
urbanas.
Diante deste quadro, como foi dito, começou a surgir movimentos pela
reforma urbana, que culminaram com proposta de iniciativa popular pela inclusão do
capitulo da Política Urbana na Constituição Federal de 1988. Aprovado, as normas
de política urbana, resumem-se a apenas dois artigos, sete parágrafos e alguns
incisos, porém os preceitos nelas expostos trouxeram enormes conseqüências no
ambiente urbano brasileiro.
Também estabeleceu a Constituição que a União, os Estados e o Distrito
Federal possuem competências legislativas concorrentes para legislar sobre direito
urbanístico (art. 24.I), institucionalizando assim uma nova matéria autônoma na área
do direito. O Direito Urbanístico passou a ter status constitucional, não mais uma
área do direito administrativo, sendo que a União elabora as normas gerais, os
Estados, regionais, e os municípios, normas locais (art. 30 e 182, 183 CF).
Destaque-se que as primeiras normas de direito urbanístico remontam a
idade média e, no Brasil colonial, as Câmaras Municipais orientavam-se pelas
Ordenações do Rei de Portugal que tratavam de disciplinar a cidade, seu
crescimento e desenvolvimento, conforme o modelo colonial português.
45
Daniela Campos Libório Di Sarno (2004, p. 8) salienta que as normas
urbanísticas, “na essência são sempre voltadas para o bem-estar da coletividade e o
interesse público”.
Para Celso Ribeiro Bastos (2000, p.183), a norma constitucional que trata da
política de desenvolvimento urbano (art. 182 CF) “abre campo para que o Estado
assuma a função de ditar diretrizes para o desenvolvimento urbano”. E acrescenta
que “não se trata de impor um planejamento cogente, vinculante, a todos os
habitantes de uma cidade, nem dispor de forma coercitiva, sobre a destinação dos
imóveis”.
Pela Constituição, a Política de Desenvolvimento Urbano no Brasil, deve ser
executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, e
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182). O enunciado da norma
constitucional merece algumas reflexões, que ele abrange vários conceitos que
são fundamentais para o desenvolvimento e equilíbrio do ambiente coletivo
construído.
O Poder Público Municipal é o Município, unidade constitutiva da Federação
Brasileira (art. 1
º
CF) que exerce o Poder Político a nível local, com autonomia. O
município é caracterizado por um núcleo urbanizado, o perímetro urbano, que
pode, em algumas unidades, abranger todo o território municipal, mas que via de
regra é constituído por uma sede municipal, a cidade, e o restante do território
possui caráter rural.
Ainda nesta reflexão, a “política de desenvolvimento urbano”, significa que a
questão urbana deve ser uma Política Pública que busque o desenvolvimento do
ambiente urbano, ambiente que se contrapõe ao ambiente rural, ou seja, a cidade.
Desenvolvimento também pode ser entendido como crescimento, progresso, a
evolução do ambiente urbano.
As diretrizes gerais fixadas em lei significam que há uma lei de caráter
nacional que determina quais os objetivos desta política para todo o país. Esta lei é
o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) que estabelece princípios que norteiam a
política de desenvolvimento urbano para todos os municípios brasileiros, e também
os instrumentos que estão a disposição para que a mesma seja implementada.
Estabelece a norma constitucional que a Política de Desenvolvimento Urbano
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e
46
garantir o bem-estar de seus habitantes. Quando a norma determina que o objetivo
é ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade ela deixa um
amplo espectro para a reflexão. que ordenar pode ser entendido como colocar
em ordem, de forma lógica. O pleno desenvolvimento quer dizer o desenvolvimento
total, em todos os aspectos. A questão é descobrir quais as funções sociais da
cidade, uma vez que a Constituição não define, não explica, não esclarece quais
seriam estas funções urbanas que possuem um caráter social, e que devem ser
ordenadas.
Fiorillo (2005, p. 39), afirma que o desenvolvimento das funções sociais da
cidade determina a participação municipal não em decorrência do que determina
o art. 30, VIII, da CF, que estabelece competência aos municípios no sentido de
“promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.
O Estatuto da Cidade no artigo 2
o
.I, ao estabelecer as diretrizes gerais para o
pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana
aponta, mesmo que indiretamente, quais seriam algumas das funções sociais da
cidade: “garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra
urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte
e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras
gerações”.
Também há autores que procuram analisar as funções sociais da cidade
através de suas possibilidades para diminuir suas carências. Oliveira e Carvalho
(2003, p. 64), afirmam, citando Saule Junior, que:
O alcance da função social da cidade é a formulação de ma nova ética urbana
voltada à valorização do ambiente, cultura, cidadania, direitos humanos. Abarca o
pleno exercício do direito á cidade; enquanto se fustigam as causas da pobreza,
protegem-se o meio ambiente e os direitos humanos, reduz-se a desigualdade social
e melhora-se a qualidade de vida.
De forma genérica ainda, sem se deter no que seriam as funções sociais,
apontando externalidades negativas à vida urbana, que a norma constitucional deve
ser um norteador contra a atuação do Poder Público e da iniciativa privada quando
ampliam ainda mais as desigualdades entre os setores menos favorecidos. Conclui-
se que “enquanto essa população não tiver acesso à moradia, transporte público,
saneamento, cultura, lazer, segurança, educação, saúde, não haverá como postular
47
a defesa de que a cidade esteja atendendo à sua função social” (BRASÍLIA. Cãmara
dos Deputados, 2002, p.45 ).
Como se observa, a definição do que seriam funções sociais das cidades está
em aberto, tanto nos âmbitos da Constituição e da Lei, quanto quando da reflexão
jurídica até aqui. Caberá à doutrina aprofundar este debate, não apenas nos
aspectos jurídicos, como também os urbanísticos, que a questão urbana possui
um caráter multidisciplinar, e nela atuam e convergem várias ciências ao mesmo
tempo.
Antes de se ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais, é
necessário que se desvendem quais são as funções de uma cidade. Como foi
visto, a Carta de Atenas aponta quatro funções: habitação, trabalho, lazer e
mobilidade, que têm sido repetidas ao longo dos anos. Estas funções são validadas
por muito autores, inclusive Meirelles (1993, p. 377) ao afirmar que
urbanismo é o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços
habitáveis a propiciar melhores condição de vida ao homem na comunidade.
Entendam por espaços habitáveis todas as áreas em que o homem exerce
coletivamente qualquer das quatro funções sociais: habitação, trabalho, circulação e
recreação.
A nova Carta de Atenas, de 2003, atribui às cidades dez funções ou conceitos
para as cidades do novo milênio: a cidade para todos, participativa, a cidade refugio,
saudável, produtiva, inovadora, da acessibilidade, ecológica, cultural e histórica.
Observe-se que a nova Carta de Atenas trata das qualidades de uma cidade, que
se refletem no bem-estar daqueles que nela habitam. A cidade não é vista apenas
pelo olhar da funcionalidade como na velha Carta de Atenas, mas da realização,
satisfação, do prazer, que possa trazer aos seus moradores. Afinal a cidade existe
para proporcionar a felicidade àqueles que nela vivem.
Para efeito deste estudo, ao investigar as funções da cidade procurou-se
classificá-las em três grandes grupos. No primeiro encontram-se as funções
urbanísticas, estabelecidas pelos membros do CIAM, e que têm influenciado o
planejamento, a política e a legislação urbana há décadas. No segundo grupo estão
as funções chamadas de cidadania, que se constituem em direitos sociais. E no
terceiro encontram-se as funções de gestão, ou seja, envolvem todas as práticas de
gestão que objetivam garantir o bem-estar dos habitantes no meio urbano.
48
Como na consolidação dos direitos humanos que, com o passar do tempo vai
evoluindo em seus conceitos, novos direitos estão sendo incorporados à medida em
que avança a compreensão da sociedade. Também em relação às funções da
cidade, esta evolução e a incorporação de novas funções. Esta investigação e,
conseqüente classificação, não é e não pretende ser definitiva, mas apenas mais
uma contribuição para a reflexão a respeito da vida urbana.
Quando a Constituição Brasileira trata das funções sociais da cidade
apresenta um conceito aberto que deverá ser construído ao longo da história,
porque a cidade se transforma, como também muda a visão que se tem dela. Numa
abordagem funcional, o ordenamento das funções sociais da cidade constitui-se na
materialização dos direitos fundamentais através de uma política de
desenvolvimento urbano com o objetivo de proporcionar o bem-estar de seus
habitantes através da melhoria da qualidade de vida a todos aqueles que nela
habitam ou dela usufruem.
3.3.1 Funções Sociais Urbanísticas
As funções denominadas de urbanísticas são as quatro sistematizadas e
definidas na Carta de Atenas: trabalho, habitação, recreação e circulação. Numa
atualização terminológica, recreação passa a ser denominada de lazer e circulação é
substituída por mobilidade urbana, pela amplitude conceitual que os novos termos
contêm. Os ideólogos do CIAM propunham estas funções segmentadas, separadas
umas das outras, em ambientes estanques, bem definidos, para que melhorassem a
qualidade de vida das pessoas.
O trabalho, o ambiente de trabalho, a indústria, o comércio, e os serviços, são
atividades fundamentais para a sustentabilidade econômica de uma cidade. Sem a
possibilidade de trabalho que mantenha a cidade viva, funcionando, ela definha,
desaparece. Portanto, o trabalho sempre será uma função primordial da vida urbana.
A forma como o trabalho se organiza, é distribuído no ambiente urbano e pode
mudar de tempos em tempos.
A cidade conectada, da nova sociedade da informação, a cidade pós-
moderna, não necessariamente precisa de um ambiente específico para a realização
do trabalho, embora hajam ainda atividades em que a pessoas devam se deslocar
49
até o local do trabalho. Certas atividades de labor podem ser realizadas de qualquer
lugar. A função trabalho na cidade torna-se uma função social. Esta função
encontra-se em sua plenitude quando o pleno emprego, ou seja, todas as
pessoas na idade adequada, nas condições de saúde, estejam exercendo uma
atividade profissional que proporcione uma renda digna para a sua mantença e de
sua prole. Isto significa que recebem uma remuneração justa para adquirir e usufruir
dos bens que a sociedade oferece, na média, a todos os seus membros.
O trabalho também se constitui num direito social. O direito ao trabalho é um
princípio constitucional. Neste aspecto poderia ser classificado também como uma
função social de cidadania, não apenas como uma função urbanística. Como foi
acentuado anteriormente, nestes tempos de transformação, de mudança da
sociedade industrial para a sociedade da informação, o trabalho e a forma do seu
exercício sofre rápidas transformações. Não se necessita tanto da presença física do
trabalhador, no local de trabalho, para que ele seja realizado. O local de trabalho é
apenas um detalhe, que o trabalhador poderá estar a milhares de quilômetros de
onde o objeto de seu esforço vai se materializar. Para efeito deste estudo, o trabalho
é classificado como uma função social urbanística, pela validação que esta função
adquiriu através do consenso.
A habitação é o principal refúgio do núcleo familiar. É fundamental na
caracterização e conceituação da cidade. Sem habitantes, a cidade não existe. Não
havendo moradias fixas, não cidade. Pode haver um acampamento, porém a
existência de prédios para a habitação é uma das características principais do
ambiente urbano, desde tempos imemoriais. O alto custo da terra urbana, fruto da
especulação imobiliária, é um dos fatores que tem dificultado o acesso das pessoas
de menor renda à moradia. A função social habitação se concretiza com o acesso a
moradia digna a todos os habitantes.
A função social habitação se concretiza quando o Poder Público possui
políticas para que as populações de menor renda tenham acesso a moradia e a
áreas urbanizadas. E também quando ele atua no sentido de minimizar os
problemas das áreas ocupadas por assentamento humano precários, através da
institucionalização no Plano Diretor de Zonas Especiais de Interesse Social (art.
4
o
.V,f EC), destinadas a regularizar estas áreas do tecido urbano e dar acesso a
moradias para as populações marginalizadas.
50
Outra função urbanística da cidade é o lazer. Os espaços de recreação, do
encontro, do contato social, entre os moradores do ambiente urbano, é importante
para a realização integral do ser humano. São geralmente nestes contatos que
nascem os relacionamentos humanos em todas as esferas, desde a familiar até as
amizades, a solidariedade, o sentimento de unidade, de grupo. A universalização
dos ambientes de lazer, acessíveis a todos os segmentos sociais, de acordo com
suas características, costumes, tradições e necessidades, é que fazem da função
lazer uma função social.
Finalmente a quarta função urbanística é a mobilidade urbana. Mobilidade é
um processo integrado de fluxos de pessoas e bens que envolvem todas as formas
de deslocamentos dentro do ambiente urbano desde o transporte público coletivo e
individual, transporte privado motorizado ou não e a pé; e nos modos rodoviário,
ferroviário e hidroviário, entre outros. O transporte coletivo, segundo a Constituição
Federal (art. 30, V) é um serviço público de caráter essencial. Ao dar este caráter
essencial, a Constituição afirma que é um serviço fundamental necessário para a
concretização das funções sociais da cidade.
Garantir o direito ao acesso ao transporte coletivo urbano, disponibilizá-lo a
todos os moradores da cidade, sem nenhum tipo de exclusão, seja por falta de
condições de acessibilidade física, econômico/financeira ou qualquer tipo de
discriminação, através da universalização dos serviços, é a forma do Poder Público
implementar esta função social da cidade.
Como tem sido ressaltado a Carta de Atenas foi uma convenção de
urbanistas que estabeleceu as funções da cidade na década de 30 e tem
influenciado o planejamento urbano mundial desde então. Embora reconhecida,
promovida e disseminada, não significa que as cidades possuam apenas essas
quatro funções. Certamente já naquela época tinham muitas outras funções de
caráter social como possuem atualmente e deverão ter no futuro, a medida em que o
ambiente urbano vai se modificando, agregando outros conceitos e valores.
3.3.2 Funções Sociais de Cidadania
No segundo grande grupo incluem-se as funções sociais de cidadania. Para
este estudo, as funções de cidadania se constituem na materialização dos direitos
51
sociais elencados na Constituição Brasileira. O caput do art. 6
o
. da C.F. aponta
como direitos sociais a educação, saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a
assistência aos desamparados. Estes são direitos que a Constituição reconhece
como sociais; não significa que não existam outros e que não estejam enumerados,
previstos na Constituição em outros artigos. Observe-se que alguns dos direitos
sociais (moradia, lazer, trabalho) foram neste trabalho classificados juntamente com
a mobilidade, como funções urbanísticas da cidade.
Como foi analisado, desde a Carta de Atenas são reconhecidas como
funções da cidade, aqui denominadas de funções urbanas, a habitação, o trabalho,
o lazer, além da mobilidade. O legislador constituinte normatizou no artigo 6
o
. da CF
e os reconheceu como direitos sociais, três das funções da cidade estabelecidos
pelo CIAM. A quarta função da Carta de Atenas, a circulação, ou a mobilidade no
ambiente urbano, possui como principal instrumento para a concretização na sua
essência, o transporte coletivo, que tem caráter essencial (art. 30, V, CF).
Como funções de cidadania, portanto, classificam-se, neste estudo, a saúde,
a educação, a proteção e a segurança. A Constituição trata como direitos sociais a
previdência social, a proteção a maternidade e a infância e a assistência aos
desamparados. Entende-se que estes três direitos sociais o o desdobramento de
um direito único, amplo, o direito de todo ser humano da proteção social.
A educação, a saúde, a segurança são direitos sociais em que todos os níveis
de organização política brasileira têm o dever assegurar aos seus cidadãos, ou a
competência comum da União, dos Estados e dos Municípios (art. 23, CF). E a
segurança um direito fundamental, portanto deve ter a proteção estatal também em
todos os níveis (caput, art. 5, CF).
na Constituição Federal capítulos especiais sobre educação (art. 205 a
214) e saúde (196 a 200). A educação e saúde são direitos de todos e dever do
Estado. É atribuição dos entes constitutivos do estado brasileiro, - união, os estados,
o distrito federal e os municípios a promoção da educação e da saúde a todos os
brasileiros, de acordo com os princípios fixados em lei. União e Estados são ficções
jurídicas, ou seja, formas de organização política. Os municípios e o Distrito Federal,
são realidades locais, que possuem um meio urbano e uma autonomia sobre
determinadas competências fixadas na CF.
52
Os municípios atuam prioritariamente no ensino infantil e no ensino
fundamental que é obrigatório e gratuito, e deve ser universalizado, assegurando o
acesso a todos os que estiverem na idade própria, ou seja, até os 14 anos de idade.
Também os municípios possuem a obrigação constitucional de aplicar 25% da
receita dos impostos, incluindo as transferências das outras esferas governamentais,
na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Quanto a saúde, também como a educação é dever do estado, e tanto a
União, como os Estados-membros, Distrito Federal e os Municípios participam de
seu custeio devendo anualmente destinar um percentual de suas receitas
tributárias. As ações e serviços públicos de saúde formam e integram uma rede
hierarquizada e regionalizada que se constitui num sistema, o Sistema Único de
Saúde (SUS). Neste particular, todos os municípios brasileiros atuam na área de
saúde, embora nem todos ainda possuam a gestão plena de seus serviços, sendo
que em alguns os recursos são repassados a eles através de outras esferas
governamentais.
Pela análise constitucional, educação e saúde são atribuições compartilhadas
entre os três níveis da administração pública brasileira (União, Estados, Distrito
Federal e Municípios). Embora o Poder Público municipal não tenha competência
exclusiva sobre estas áreas de atuação, destaque-se que estes direitos sociais
também são funções da cidade, através de sua organização política municipal.
3.3.3 Funções Sociais de Gestão
O terceiro grupo de funções sociais da cidade são classificadas como funções
de gestão pública. Elas refletem as práticas urbanas comuns e esperadas pela
população. Constitui-se na Prestação de Serviços Públicos, a Promoção do
Planejamento Territorial, Econômico e Social, a Preservação do Patrimônio Cultural
e Natural (histórico, artístico, cultural, paisagens naturais, sítios arqueológicos) e a
Sustentabilidade Urbana.
A cidade também é um grande fornecedor de serviços públicos à população
que nela habita. Os serviços públicos constituem-se no gerenciamento dos recursos
tributários arrecadados de toda a comunidade para oferecer conforto e qualidade de
vida aos moradores do ambiente urbano. Esses serviços vão do abastecimento de
53
água, energia (iluminação), pavimentação, coleta de resíduos sólidos, esgotamento
sanitário, transporte coletivo, funerários entre outros. É função social da cidade
oferecer estes serviços de forma universalizada a população de forma que possam
usufruí-los, não como um privilégio, uma vantagem, mas como um direito de todos.
A boa qualidade dos serviços públicos beneficia a população como um todo, que
aumenta o conforto, diminui os problemas de saúde e de segurança entre outros.
A Promoção do Planejamento Territorial, Econômico e Social é uma das
funções de gestão de grande valia para a vida urbana. O Estatuto da Cidade coloca
a promoção do planejamento como um dos principais instrumentos da política
urbana (art. ,I e II). Neste particular uma graduação do planejamento
começando com os planos nacionais, regionais, estaduais de ordenação do território
e de desenvolvimento econômico e social, incluindo o planejamento das regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. E no âmbito do município, a
Promoção do Planejamento Territorial, Econômico e Social tem como principal
instrumento o Plano Diretor, que deve disciplinar o parcelamento e o uso e a
ocupação do solo, o zoneamento ambiental e orientar o Plano Plurianual, as
Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento Anual.
Mas para que a Função de Gestão Urbana, a promoção do planejamento
territorial, econômico e social efetivamente se constitua numa função social da
cidade, é fundamentais a participação da comunidade, participação esta com
qualidade, para que efetivamente a gestão orçamentária seja participativa e
beneficie a todos, e não apenas uma minoria de privilegiados, da elite dominante,
que, historicamente, se apropria dos recursos públicos. Também esta Promoção do
Planejamento deve incluir planos, programas e projetos setoriais, que procure
corrigir as injustiças, as desigualdades que ocorrem no meio urbano, e planos de
desenvolvimento econômico e social. Inclui-se aqui também o Planejamento
Estratégico Municipal, que será adiante aprofundado.
Giovani Clark (2005) propõe que os municípios tenham um Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social que terá as funções de implementar uma
política de intervenção no domínio econômico. Entre as competências deste
Conselho estariam estabelecer diretrizes gerais da política econômica do município,
colaborar na elaboração de projetos e a legislação municipal, inclusive no Plano
Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei do Orçamento Anual.
54
Este Conselho teria a participação de vários segmentos sociais desde
representantes do executivo, trabalhadores, dos empresários, produtores rurais,
associações comunitárias, organizações não governamentais, consumidores,
prestadores de serviços e outros. Também ele propõe uma Lei do Plano Municipal
de Desenvolvimento Econômico que teria como finalidade estabelecer a
intervenção do Poder Local no domínio econômico, objetivando o desenvolvimento,
a empregabilidade, o direito ao consumo das camadas de menor renda. Faz uma
distinção entre o Plano Diretor e Plano de Desenvolvimento Econômico, apesar de
que o Plano Diretor deve incluir na sua formulação políticas econômicas e sociais
vinculadas ao ordenamento do espaço urbano. Afirma Clark (2005, p.195) que:
Não devemos confundir o Plano Diretor com o Plano de Desenvolvimento Econômico
e Social do Município. O Plano Diretor tem normas jurídicas básicas de planejamento
e expansão urbana e orienta a ação estatal e privada em seu território. Portanto, o
objeto do Plano Diretor é mais restrito, em face da Lei do Plano Plurianual, porque
visa somente o desenvolvimento pela ótica da normatização da ordenação territorial,
prioritariamente, diferentemente daquele, que visa orientar o desenvolvimento
socioeconômico.
Independentemente da forma como deva ocorrer, a Promoção do
Planejamento, em todos os seus aspectos, é função primordial de gestão urbana.
Projetar é também uma forma de orientar e controlar o futuro, de evitar problemas,
ou pelo menos estar preparado para enfrenta-los quando surgirem. Também é uma
forma de racionalizar recursos e, através de metas, de atingir o bem estar social
através da qualidade de vida preconizada como fundamento básico da política de
desenvolvimento urbano.
Outra função é a Preservação do Patrimônio Cultural e Natural, constituído do
patrimônio histórico, artístico, das paisagens naturais, tios arqueológicos entre
outros. É também preservar a memória do ambiente urbano e natural. Esta também
é uma competência comum da União, Estados, Municípios e do Distrito Federal, que
o Poder Público com o apoio da comunidade deverá preservar, conforme estabelece
a Constituição Federal (art. 23, III e 216,V § ). Trata-se de bens culturais que além
de protegidos pela lei, constituem-se em funções sociais da cidade, que
pertencem a todos, as gerações passadas, a geração presente e as futuras
gerações. Pode-se dizer que estes bens constituem-se em patrimônio da
humanidade e a sua preservação é um dever e obrigação de todos
.
55
É considerado patrimônio cultural os monumentos constituídos de obras
arquitetônicas, esculturas, pintura, inscrições em cavernas, bem como os grupos de
construções, que podem ser isoladas ou reunidas, cuja arquitetura, unidade e
integração com a paisagem, possuam valor universal excepcional sob o ponto de
vista da história da arte e da ciência, estética, etnológica e antropológica. E o
patrimônio natural são as formações físicas e biológicas, as formações geológicas e
fisiológicas que constituam o habitat de espécies animais e vegetais ameaçadas,
que possuam valor universal excepcional sobre o ponto de vista estético e científicos
e as zonas naturais que possuam valor universal excepcional sob a ótica da ciência,
e da conservação da beleza natural (UNESCO. Convenção para a Proteção do
Patrimônio Mundial, Cultural e Natural,1972).
Preservar, portanto, o Patrimônio Cultural e Natural é uma tarefa fundamental
da gestão urbana, portanto uma função social de gestão, que transcende a questão
legal, ao direito positivado para se constituir num verdadeiro direito fundamental das
gerações de terem acesso aquilo que se constitui no patrimônio de todos sob os
aspectos da cultura e da natureza. Um direito novo que muitas vezes o homem
contemporâneo não consegue ver a transcendência do tempo e do momento que
está vivendo e por muitos interesses, mas principalmente pelo interesse econômico,
acaba destruído e perdendo para sempre aquele bem que pertence a toda a
humanidade.
A quarta função de gestão que este estudo propõe é a sustentabilidade
urbana, que se constitui numa ntese de todas as funções estudadas
anteriormente. Vai além da sustentabilidade ambiental, que é fundamental para a
vida na cidade e no planeta. O espaço antrópico deve proporcionar um equilíbrio
entre os diversos elementos que o compõe com o ambiente natural procurando
minimizar ao máximo os impactos oriundos da transformação proporcionada pelo
homem.
A ação humana para manter o equilíbrio ambiental, social, cultural, deve
viabilizar-se economicamente, ou seja, para que o custo possa ser pago pela
sociedade sem compromete-la, inviabilizar as medidas mitigadoras destes
impactos. Quanto aos aspectos sociais, objetiva-se manter o equilíbrio entre as
classes sociais, melhorando a qualidade de vida e reduzindo a exclusão aos bens
que a cidade oferece.
56
Neste sentido é fundamental a noção de que o homem é fruto deste meio-
ambiente e deve empenhar-se para preservá-lo no sentido que mantenha as
condições mais próximas daquelas que permitiram o seu surgimento e evolução.
Manter o meio ambiente saudável deve ser uma tarefa de todos: estado e
sociedade. Assim também se manifesta Derani (1998, p. 97) ao afirmar que “o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito à vida, e a
manutenção das bases que a sustentam”. Significa que antes de tudo é necessário
se ter consciência de que o direito natural, o direito positivado, a lei, no caso a
Constituição, garante o direito a vida, como um direito fundamental (art. 5 CF).
Portanto proteger a natureza, manter o meio ambiente equilibrado é manter a vida
no planeta.
Sob esta ótica para Henrique Rattner (2003), o conceito de sustentabilidade
vai além de uma análise conceitual e requer a implementação prática da teoria.
Destaca que obtêm “legitimidade política e autoridade para comandar
comportamentos sociais e políticas de desenvolvimento por meio de prática
concreta”. E acentua que o debate
revela uma luta disfarçada pelo poder entre diferentes atores sociais, competindo
por uma posição hegemônica, para ditar diretrizes e endossar representações
simbólicas de sustentabilidade, seja em termos de biodiversidade, sobrevivência do
planeta ou de comunidades auto-suficientes e autônomas.
A sustentabilidade deve ser observada sob vários aspectos e não apenas
sob a ótica ecológica e ambiental. Diz respeito também à ocupação do espaço
urbano pelo homem, portanto os aspectos demográficos envolvendo a quantidade
de pessoas que habitam ou utilizam um determinado território. No ambiente social,
a sustentabilidade deve envolver as questões de qualidade de vida, utilização dos
bens sociais e o nível de exclusão que este ambiente proporciona aos seus
habitantes.
Observar o meio ambiente como um bem de todos os que estão no presente
e dos que virão no futuro, é a principal tarefa, dos que atingiram este grau de
consciência de visão social. Ao observar a cidade, deve-se ter em conta de que por
mais que ela se aproxime do meio ambiente natural, ainda é uma construção
artificial do homem, e, portanto uma agressão ao meio ambiente.
57
O EC em várias normas procura combater a agressão ao meio ambiente,
como quando ordena (art. 2
o
.) que a
política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e da propriedade urbana (...) tendo como diretrizes gerais: a
garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à
moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, aos transporte e aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; (...)
planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da
população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de
influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus
efeitos negativos ao meio ambiente.
Estabelece ainda o EC como diretrizes gerais que o ordenamento do uso do
solo deve evitar a poluição e a degradação ambiental” e a adoção de padrões de
produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os
limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território
sob sua área de influência; e a ainda a proteção, preservação e recuperação do
meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico,
paisagístico e arqueológico. A sustentabilidade urbana é um dos alicerces da política
urbana nacional, desde a sua matriz constitucional, ao estatuto da cidade, e toda a
legislação brasileira do meio ambiente.
A Sustentabilidade Urbana é um princípio que se incorpora a esta visão de
cidade ecologicamente equilibrada. Pode-se afirmar que o conceito de
sustentabilidade encontra-se em formação.
Segundo Canepa (2005, p.134): “o termo encerra a tese-chave de que é
possível desenvolver sem destruir o meio ambiente”. E prossegue avançando no que
seria a sustentabilidade progressiva, que consiste em “reduzir a degradação do meio
ambiente, mas também, concomitantemente, a pobreza e as desigualdades (2005,
p. 138)..
O autor entende por desenvolvimento sustentável aquele que atende às
necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras
atenderem e suas próprias necessidades. Da mesma forma que países em maior
ou menor grau de desenvolvimento, o mesmo se pode dizer a respeito das cidades.
De um modo geral, a humanidade avança e progride na busca para suprir suas
necessidades, principalmente nas comunidades onde o desenvolvimento ainda é
pequeno em relação as civilizações mais avançadas.
58
Portanto, uma das funções sociais da cidade é manter-se saudável para
garantir qualidade de vida para os atuais e futuros habitantes, de um horizonte
próximo ou distante. A saúde urbana significa a sustentabilidade ambiental, social,
cultural, política. Em todos os aspectos da dimensão humana o ambiente artificial,
criado pelo homem para viver com mais conforto protegido das intempéries da
natureza, deve manter um nível de qualidade que preserve condições favoráveis
para o desenvolvimento da vida.
A sustentabilidade, em todos os seus aspectos, ambiental, econômico, social,
cultural, político, é uma nova maneira de reconhecer a uma das funções sociais da
cidade, o importante quanto as demais funções. Utilizar, preservando,
renovando, reutilizando, reciclando, respeitando, constitui-se numa visão ética da
civilização e do seu instrumento de desenvolvimento que é a cidade. A civilização
construiu a cidade, que construiu a civilização.
3.4 SÍNTESE DAS FUNÇÕES SOCIAIS DA CIDADE
Diante do exposto acima, conclui-se que:
Ao inserir no texto da Constituição que o desenvolvimento urbano deve
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, o legislador
constitucional não definiu claramente quais seriam estas funções, que deverá ser
uma tarefa da doutrina a ser construída ao longo do tempo e a medida em que
novos conceitos vão se agregando à visão da cidade.
As quatro funções básicas da cidade fixadas na Carta de Atenas de 1933,
habitação, trabalho, lazer e circulação, continuam válidas para as cidades do
novo milênio que em relação às suas características físicas, o ambiente urbano
pouco mudou nestes últimos séculos e certamente continuará assim por algum
tempo.
Novas funções para a cidade, no entanto, vão se somando aquelas tradicionais.
Algumas destas funções existiam na cidade antiga, porém não possuíam a
importância que hoje se a elas, por diversos fatores que vieram a se agregar
nesta nova/velha cidade. A nova Carta de Atenas, elaborada pelos arquitetos
europeus, é a cidade conectada, instantânea, que utiliza pelas novas tecnologias
de informação. E esta conexão também ocorre no campo social, através de um
59
compromisso de equilíbrio da sua diversidade e riqueza multicultural: no
econômico, de meio ambiente e planejamento urbano.
A nova Carta de Atenas, revisada, também aponta novos conceitos e funções da
cidade do século XXI: cidade para todos, cidade participativa, cidade refúgio,
cidade saudável, cidade produtiva, cidade inovadora, cidade do movimento
racional e da acessibilidade, cidade do meio ambiente (ecológica/sustentável),
cidade da cultura, cidade e a continuidade de caráter (histórica). Os gestores do
meio urbano neste novo milênio não podem prescindir destes conceitos, para
possibilitar que a cidade em sendo sustentável mantenha a qualidade de vida não
apenas para esta mas principalmente para as futuras gerações.
O quadro abaixo resume as funções sociais da cidade investigadas neste trabalho.
São dividas em três grupos: funções urbanísticas, funções de cidadania e funções
de gestão. Cada grupo possui, segundo análise deste estudo, quatro funções.
Funções urbanísticas são: habitação, trabalho, lazer e mobilidade. As funções de
cidadania constituem-se em: educação, saúde, proteção e segurança. E as
funções de gestão são: prestação de serviços, planejamento, preservação do
patrimônio cultural e natural, e sustentabilidade urbana.
QUADRO 1 – FUNÇÕES SOCIAIS DA CIDADE
FUNÇÕES
URBANÍSTICAS
FUNÇÕES DE
CIDADANIA
FUNÇÕES DE GESTÃO
Habitação Educação Prestação de Serviços
Trabalho Saúde Planejamento
Lazer Segurança Preservação do Patrimônio
Cultural e Natural
Mobilidade Proteção Sustentabilidade Urbana
Como foi acentuado, não significa que sejam apenas estas as
funções sociais de uma cidade. Pode haver outras funções que o foram
estudadas neste trabalho. Também a classificação aqui apresentada é fruto de uma
reflexão para melhor sistematizar o estudo, não havendo similar na literatura
nacional consultada. Com isto pretende-se contribuir para o debate sobre as funções
sociais da cidade, que é conforme preceitua a Constituição Federal (art. 182), objeto
da política de desenvolvimento urbano.
60
Para que as funções sociais da cidade sejam ordenadas no sentido de
que ocorra o seu pleno desenvolvimento é fundamental que estas funções se tornem
conhecidas dos formuladores e executores da política de desenvolvimento urbano.
Encontrá-las, reconhecê-las, na amplitude e diversificação do ambiente urbano, de
todas as interações que ele sofre, e nele interagem, não é tarefa das mais fáceis.
Porém, as funções aqui elencadas, se não forem ordenadas no sentido da promoção
da justiça social urbana, da melhoria da qualidade de vida dos habitantes do meio
urbano, proporcionando a estes o bem estar, as funções da cidade não podem
receber o qualificativo de sociais. Serão apenas funções da cidade. E como será
estudado adiante, o instrumento para o ordenamento destas funções é o Plano
Diretor.
61
4 INSTRUMENTOS FUNDIÁRIOS
4.1 REFLEXÕES SOBRE A PROPRIEDADE
A propriedade urbana exerce um papel fundamental no contexto do
ordenamento das funções sociais da cidade. Tanto que o capitulo da Constituição
Federal que trata da Política Urbana esclarece no § 2
o
. do artigo 182 que a
propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressa no plano diretor”. E assim, os outros
dois parágrafos deste artigo e seus incisos tratam da propriedade, como também o
art. 183 da CF que prevê o usucapião constitucional e a concessão de uso.
Os instrumentos fundiários são, portanto, institutos importantes para viabilizar,
junto com o plano diretor, o ordenamento das funções sociais da cidade, estudadas
no capitulo anterior. A forma de apropriação, utilização e ocupação do território, no
espaço urbano, tem sido objeto de estudos e análises permanente nas cidades,
objetivando proporcionar qualidade de vida para aqueles que nela vivem dela se
utilizam.
A Constituição Federal afirma, no caput do art. 5
o
. e, no inciso XXII, que o
direito de propriedade é um direito fundamental. E, no inciso seguinte, XXIII, declara
que a propriedade atenderá à sua função social. Portanto, o direito de propriedade
e a sua inviolabilidade são direitos fundamentais. Isto significa que cada brasileiro
e os estrangeiros possuem o direito de ser proprietário e esta propriedade será
respeita pelas leis do país. Mas este direito de propriedade está limitado a função
social que ela exerça. um limitador jurídico, legal e administrativo no usar, gozar
e dispor da propriedade, este limite é a função social, ou seja, o interesse da
sociedade vem em primeiro lugar, não descaracterizando o direito à propriedade,
mas assegurando para que o interesse da sociedade prevalece sobre o interesse
particular que prejudique o todo.
Mas o que vem a ser este direito, o que significa na vida das pessoas
possuírem o direito a propriedade? Inicialmente deve-se caracterizar o que vem a
ser propriedade. O termo proprius, um adjetivo do latim, que quer dizer que é de
“uma pessoa específica, ou de um objeto, específico, que é de alguém
exclusivamente”. Define-se propriedade como a relação que possa existir entre uma
62
pessoa e um objeto, ou em relação a um direito. Uma definição sociológica de
propriedade é apresentada por Martignetti (1983, p. 1021),
chama-se Propriedade à relação que se estabelece entre o sujeito A e o objeto X,
quando A dispõe livremente de X e esta faculdade de A em relação a X é
socialmente reconhecida como uma prerrogativa exclusiva, cujo limite “teórico e sem
vínculos” de onde “dispor de X significa ter o direito de decidir com respeito a X, que
se possua ou não em estrito sentido material.
Para os romanos, o direito de propriedade era absoluto, ilimitado. O titular
poderia dispor dele da maneira que fosse de seu interesse. O proprietário não
estava limitado por normas, ao seu direito. Este conceito foi acentuado durante a
ascensão da burguesia com a Revolução Francesa que inaugurou o período liberal,
em que o proprietário possuía direito quase que absoluto sobre seus bens. A
propriedade foi considerada como um direito sagrado, inviolável, estabelecido na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. O artigo 17, da Declaração do
Homem e do Cidadão assim se refere a este direito: “As propriedades são um direito
inviolável e sagrado, ninguém pode ser privado das mesmas, a não ser por
necessidade pública, legalmente constatada e evidentemente exigida sob a
condição de uma justa e prévia indenização”. O direito sagrado a propriedade vinha
sendo defendido desde o final da Idade Média por Santo Tomas de Aquino, que
pregara como direito natural ao homem o apossamento de bens materiais, como
forma de garantir a sua liberdade.
Este direito foi sendo incorporado nas constituições e leis das democracias
liberais que se seguiram e, ao longo do tempo, foi adquirindo um contorno menos
absoluto e mais social. Bernardo Mueller (2005 p. 92) procura definir propriedade,
conforme os conceitos dominantes na Economia e no Direito. Observa a
“propriedade como sendo um conjunto de direitos (bundle of rights) sobre um
recurso, que o dono está livre para exercer e cujo exercício é protegido contra
interferência de outros agentes”.
antes da Revolução Francesa, no Segundo Tratado Sobre o Governo,
John Locke escreve sobre a propriedade. Busca sua origem em Deus que a a
Adão, Noé e seus filhos. Argumenta que todo o homem tem direito à propriedade da
sua própria pessoa. Justifica que o que os homens retiraram da natureza por seu
próprio esforço é seu, do peixe, a planta colhida após o lavrar da terra. Também,
Locke demonstra que a atuação dos homens sobre a natureza é limitada. Ninguém
63
poderá ter tudo para si. E para se apropriar de uma porção de terra é necessário que
a pessoa trabalhe, cultive. Salienta que o direito de propriedade está intimamente
ligado ao trabalho. Diz Lock (2004, p. 42): “Deus mandou dominar e concedeu
autoridade para a apropriação”. O trabalho gerou a propriedade privada.
Lembra Locke que os bens, em sua grande maioria, úteis para a vida do
homem, são perecíveis, por isto possui pouco valor e necessitam de trabalho
constante para repô-los. Bens de maior duração e mais raros ganharam mais valor:
ouro, prata diamantes. Porém, estes bens possuem pouca utilidade para a vida
humana, em comparação com alimentos, vestuário, transporte. No entanto por
consenso, os homens lhe atribuem alto valor para possibilitar a troca. Surge a
moeda, o uso do dinheiro. E conclui que “havendo governos, as leis regulam o
direito de propriedade e constituições positivas determinam a posse da terra” (2004,
p. 50).
Na sociedade comunista, proposta por Karl Marx a propriedade particular do
solo desaparecerá, sendo que as pessoas apenas vão dela usufruir, com a condição
de entregá-la em melhores condições para as futuras gerações. Afirma Marx (1980,
p.891) que:
Quando a sociedade atingir formação econômica superior, a propriedade privada de
certos indivíduos sobre parcelas do globo terrestre parecerá tão monstruosa como a
propriedade privada de um ser humano sobre outro. Mesmo uma sociedade inteira
não é proprietária da terra nem um nação, nem todas as sociedade de um época
reunidas. São apenas possuidoras, usufrutuárias dela, e como bonipatres famílias
tem de lega-la melhorada às gerações vindouras.
Mesmo parecendo uma contradição, para o anarquista Proudhon (2000, p.20)
a propriedade é um roubo. Justifica através do que considera impossível acabar com
o abuso da propriedade sem acabar com ela. Afirma que:
Na propriedade, como em todos os elementos econômicos, o mal ou o abuso é
inseparável do bem (...) querer suprimir o abuso da propriedade é destruí-la; da
mesma maneira que suprimir um artigo do débito é destruí-lo no crédito. Tudo o que
é possível fazer contra os abusos ou inconvenientes da propriedade é fundi-la,
sintetizar, organizar ou equilibrar com um elemento contrário que seja frente a ela o
que o credor é frente ao devedor, o acionista frente ao comandidato e etc. (2000, p.
36).
Embora haja espaço suficiente para todos os seres humanos habitarem a
terra, no meio urbano, devido à necessidade das pessoas de estarem próximas do
64
ambiente de trabalho, dos equipamentos sociais de educação, saúde, lazer, falta
espaço e a terra é apropriada pelo capitalista e adquire valores que a torna
inacessível a parcelas significativa da população. Os especuladores capitalistas
também procuram armazenar áreas urbanas dotadas de infra-estrutura como
saneamento básico, pavimentação, sistema de transporte coletivo, energia e
iluminação objetivando com isto grandes lucros, uma vez que nem sempre o Poder
Público Municipal possui força política para cobrar tributos progressivos sobre a
propriedade urbana e determinar o parcelamento e a edificação compulsória.
Ao estabelecer como um princípio, que a propriedade deve cumprir sua
função social, a Constituição Federal e o Estatuto da Cidade, ao Poder Público
Municipal instrumentos urbanísticos e tributários para o combate a especulação
imobiliária (art. 182, § 4º CF). Da mesma forma que declara que ao atender a
ordenação da cidade estabelecida no Plano Diretor a propriedade urbana cumpre a
sua função social (art. 182, § ). A propriedade, um direito fundamental, passa a ter
limitações no seu exercício no interesse coletivo, de toda a sociedade. E, ao abusar
do direito, a Constituição prevê como punições desde a obrigatoriedade de
parcelamento e a edificação, o IPTU progressivo e a desapropriação por interesse
social.
4.2 PROPRIEDADE URBANA: FUNÇÃO SOCIAL
O conceito de função social da propriedade está normatizado na atual
Constituição Brasileira, no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capitulo
I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, artigo , XXIII, estabelece que “a
propriedade atenderá a sua função social”. E no, § do Art. 182 ao estabelecer
que ela cumpre a função social ao atender as exigências de ordenação da cidade
expressas no plano diretor.
Para Toshio Mukai (2004, p.20) a propriedade urbana cumpre a função social
quando atende ao artigo 2
o
. do Estatuto da Cidade, ao afirmar que:
Essas exigências fundamentais estão consubstanciadas nas dezesseis diretrizes
elencadas no artigo 2
o
. da Lei 10.257/01 (Estatuto da Cidade), diretrizes essas
que, obrigatoriamente, deverão estar contidas no Plano Diretor, segundo dispõe o
artigo 39
o
. do Estatuto
.
65
Também a CF no artigo 170°, III, estabelece que um dos princípios gerais da
atividade econômica é a “função social da propriedade” e os artigos 185, parágrafo
e 186° , que tratam da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária, fixam
garantias de tratamento especial e critérios para que a propriedade rural esteja
cumprindo a sua função social. E quanto a propriedade urbana Elida Séguin afirma
que, embora a idéia não seja nova, uma função social com roupagem nova
prevista no Estatuto da Cidade. Salienta Séguin (2002, p.144) que:
Ela passa a estar atrelada ao aproveitamento e à destinação que o Plano Diretor lhe
atribui. Novamente o direito do proprietário receberá novo contorno no direito
municipal. As punições para quem descumpra o ordenamento recaíram sobre a res.
É a propriedade que responderá através da edificação compulsória, do IPTU
progressivo e da desapropriação-punição.
Ao procurar definir o que seja a função social da propriedade como norma
constitucional que objetiva corrigir deformações no uso individual da propriedade em
prejuízo do coletivo, Celso Ribeiro Bastos (2001, p.136) acentua que o termo
embora aparentemente vago, reflete a preocupação da Constituição de não propor
um termo estático e sim evolutivo, que deve ser entendida de forma correlacionada
com outros princípios. E acrescenta enfatizando que função social da propriedade
nada mais é do que o conjunto de normas da Constituição que visa, por vezes, até
com medidas de profunda gravidade jurídica, a recolocar a propriedade na sua trilha
normal”.
Ao argumentar que o princípio da função social tem sido mal definido pela
doutrina brasileira, porém não autoriza a supressão do direito a propriedade privada
e nem a esvaziar a propriedade de seu conteúdo mínimo, sem indenização, José
Afonso da Silva afirma que o direito de propriedade não pode ser visto apenas como
um direito individual. E complementa Silva (2000, p. 74):
A propriedade urbana é um pico conceito de Direito Urbanístico, na medida em que
cabe qualificar os bens urbanísticos e definir seu regime jurídico. A qualificação do
solo como urbano, porque destinado ao exercício de funções urbanísticas, dá a
conotação essencial da propriedade urbana. Esta, diferentemente da propriedade
agrícola, é resultado da projeção da atividade humana. Está, portanto, impregnada
de valor cultural, no sentido de algo construído pela projeção do espírito do Homem.
Pois, pelo visto, ela passa a existir e definir-se pela atuação das normas
urbanísticas.
A função social da propriedade urbana caracteriza-se pela limitação
administrativa da utilização do bem, imposta pelo Plano Diretor, contrapondo-se ao
66
interesse pessoal, egoístico, em favor do interesse coletivo, geral, não apenas do
momento presente, mas também futuro. A propriedade constitui-se numa peça, num
órgão, do tecido urbano, onde exerce uma função em beneficio de toda a sociedade
e de seu proprietário. Se a Constituição diz que a propriedade urbana estará
cumprindo sua função social “quando atende às exigências de ordenação da cidade
expressas no Plano Diretor (art. 182, § ), esta deve ser a forma de ver a
propriedade, se ela efetivamente está atendendo o que exige dela o Plano Diretor.
Este conceito é ampliado, quando no Estatuto da Cidade, se constitui numa lei que
“estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da
propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos
cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental” (art. 1º, parágrafo único).
Assim também o novo Código Civil, CC, (Lei 10.406, de 10 de janeiro de
2002) estabelece que o direito de propriedade deve ser exercido em conformidade
com os fins econômicos e sociais. Afirma o § 1
o
. do art. 1228 que:
O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades
econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o
estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio
ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e
das águas.
A este princípio, Mukai (2004, p.22) afirma que se constitui na função
ambiental da propriedade “que o Plano Diretor, de acordo com as diretrizes do
Estatuto da Cidade, deverá tornar efetiva”.
Dentro dos limites da autonomia municipal e no interesse local, para Daniella
S. Dias, caberá aos municípios definir, através do Plano Diretor, os limites ao
exercício do direito de propriedade de forma que cumpra a sua função social. E
acrescenta que (2002, p. 239) que:
O princípio da função social da propriedade é princípio especial, outro vetor de
grande relevância no ambiente urbano. A propriedade privada que ser utilizada
consoante os interesses sociais, de acordo com o interesse público expressa em
normas urbanísticas, nas normas ambientais, e sobretudo, de acordo com as
determinações expressas no Plano Diretor e nos demais instrumentos técnico-
jurídicos dispostos na Lei 10.257/2001. A função social se revela por um feixe de
determinações jurídicas que delimitam a atuação do proprietário, conformando uma
utilidade social ao bem paralelamente aos interesses do seu proprietário.
67
O Plano Diretor é o instrumento norteador da concretização das funções
sociais da propriedade urbana. Porém, não é o único, que nos municípios onde
ele não é exigido, fica valendo os princípios constitucionais (art. 5
o
, XIII, art. 182 CF)
e o Estatuto da Cidade e a legislação urbanística municipal. Mas é o Plano Diretor
que vai definir o papel da propriedade no tecido urbano. Quando ela poderá ser
utilizada, quais as suas limitações; que, como, e de que forma, poderá ser utilizada.
Desde o seu aproveitamento nas três dimensões do espaço: área, altura e volume.
Se haverá restrições quanto às áreas verdes que a propriedade contém, fundos de
vales, córregos, rios e etc. Quanto ao tráfego de veículos e pessoas, aproveitamento
de seu espaço aéreo limitado ao cone aeronáutico. Enfim, o Poder Público
Municipal, vai definir através da lei do Plano Diretor, ou das diversas outras leis
complementares a este, como Lei de Ocupação e Uso do Solo, Lei do Sistema
Viário, Lei das Edificações, Código de Posturas, Código Sanitário, Código Florestal,
todos de uma forma ou outra disciplinando o direito de propriedade para que ela
cumpra sua função social na malha urbana.
A apropriação do espaço urbano com infra-estrutura pelas elites econômicas
e políticas objetivando a especulação imobiliária e o lucro fácil às custas do Poder
Público tem sido a experiência mais marcante das últimas décadas de intensa
urbanização das cidades brasileiras. Contra este processo exploratório tem se
mobilizado os setores mais conscientes da sociedade brasileira propondo a reforma
urbana, para garantir qualidade de vida a todos os cidadãos que, com o seu
trabalho, constroem no dia a dia o grande edifício social, que é a própria cidade.
Também esta tem sido a preocupação daqueles que refletem sobre a
propriedade no contexto da cidade, como Rogério Gesta Leal, quando afirma que o
direito de propriedade e a idéia de propriedade urbana, embora possua aspecto
conservador e individualista, esta cada vez submetendo-se ao interesse social. E
acrescenta que as normas urbanísticas poderão fazer o papel do Plano Diretor nos
municípios de menor população, onde a sua elaboração não é exigida por lei. Afirma
Leal (1988, p.135) que:
As limitações urbanísticas ao direito individual de uso da propriedade urbana, como a
lei do uso do solo (lei de zoneamento urbano), entretanto, devem continuar a ter
validade, mesmo sem a existência de um plano diretor (se estiverem de acordo com
os princípios constitucionais de política urbana: ordena o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir condições dignas de vida aos seus habitantes).
Isto porque, cabe ressaltar, que o plano diretor é o instrumento básico para definir os
68
critérios da política urbana, mas não é o único (até porque os preceitos da política
urbana também devem ser respeitados pelos Municípios com menos de 20 mil
habitantes).
As próprias leis urbanísticas, principalmente nas grandes metrópoles, têm
sido apontadas, por muitos estudiosos, como instrumentos que tem dificultado o
acesso das classes trabalhadoras a terra urbanizada, gerando uma cidade ilegal.
Maricato (1996, p.23) constata que:
a legislação detalhista e ‘rigorosa´ contribui para a prática de corrupção e constitui
exemplo paradigmático da contradição entre a cidade do direito e a cidade do fato”. E
indaga: “qual é o papel das leis que pretendem regulamentar procedimentos
detalhados do universo individual do interior da moradia, quando a maior parte das
moradias e do contexto urbano constituem imenso universo clandestino que ignora
normas gerais e básicas?.
A propriedade urbana, embora um bem particular, o direito do proprietário de
usar, gozar e dispor está limitado pelo interesse social. A lei assegura o direito de
propriedade, mas para que este direito seja protegido, a propriedade deve exercer
uma função social no ambiente urbano. Antes dos interesses individuais, estão os
interesses comunitários. Para a materialização das funções sociais da cidade, faz-se
necessário que a propriedade urbana cumpra sua função social, submetendo-se ao
interesse aos interesses de toda a coletividade.
4.3 INSTRUMENTOS FUNDIÁRIOS DA POLÍTICA URBANA
Previstos na Constituição e na legislação ordinária como institutos de
regularização fundiária, o Usucapião Especial Constitucional, a Concessão de Uso
Especial para fins de Moradia, o Direito Real de Uso, e Zonas Especiais de Interesse
Social, são instrumentos disponíveis pela administração pública para promover a
regularização da propriedade urbana, e a realização das funções sociais da cidade.
O Estatuto da Cidade faculta às cidades a inclusão destes instrumentos no
Plano Diretor, não estabelecendo como obrigatórios, para não ferir a autonomia
municipal. Leis específicas, que resultam do Plano Diretor, podem determinar quais
são as áreas da cidade que estarão sujeitas á aplicação destes instrumentos. Estes
instrumentos são verdadeiros utensílios para que o Poder Público Municipal possa
69
regularizar a cidade ilegal, informal, permeada de áreas ocupadas por populações
de menor poder aquisitivo, loteamentos ilegais ou irregulares, habitando em
moradias insalubres, favelas, cortiços, mocambos e etc.
Sendo a favela um espaço organizado as margens da lei, porém de caráter
particular, tendo como critério basicamente o da utilização, Raquel Rolnik (1997,
p.183 ) afirma que
a conseqüência inevitável da posição extralegal é a idéia de que os assentamentos
irregulares são provisórios e que um dia irão desaparecer de onde estão. A posição
de provisoriedade funciona como justificativa para o não-investimento público, o que
acaba reforçando a precariedade urbanística e, sobretudo, acentuando as diferenças
em relação ao setor da cidade onde houve investimento.
Embora fora da lei, as ocupações urbanas irregulares constituem-se num
verdadeiro mercado imobiliário urbano, possuindo suas regras, suas normas
próprias, que, dentro de certos limites, é respeitada pelas populações que ali atuam.
Neste sentido, Nelson Baltrusis (2003, p.215-216) ao tratar do mercado imobiliário
informal e a reprodução do espaço social das regiões metropolitanas,
particularmente das favelas, afirma que “a questão do mercado informal pode ser
vista como uma disputa entre o direito que o Estado tem de legislar e a produtiva em
um mercado livre sem regras". E acrescenta é o desenvolvimento estatal planejado
versus a economia de mercado pura e simplesmente”
É para colocar todo este mercado na legalidade, promovendo um encontro
entre “a cidade e a lei”, no dizer de Rolnik, que estes instrumentos de regularização
fundiária visam objetivamente promover uma nova ordem legal, dando segurança
jurídica, a setores da população que ocupam áreas urbanas degradadas sob o ponto
de vista ambiental e estético. O direito a moradia constitui-se num direito
fundamental do ser humano, consagrado em diversas declarações, cartas e tratados
internacionais, que o Brasil compartilha e adota. A Constituição reconhece, no artigo
, o direito a moradia como um dos direitos sociais e, implementá-lo, assegurá-lo a
todo cidadão brasileiro é um dever do Estado, nos níveis, Federal, Estadual e
Municipal.
A primeira Constituição Brasileira, de 1824, assegurava em toda plenitude, o
direito a propriedade, tendo como ressalva apenas, a possibilidade de
desapropriação pelo Poder Público. Também este princípio estendia-se a legislação
ordinária, no dizer de Lacerda de Almeida (1908, v. 1, p. 9,.)
“nosso Código Civil
70
estendeu o direito do proprietário, verticalmente, até as raias de seu interesse,
fazendo-o parar ai”.
Mas no decorrer do século passado este conceito de direito absoluto sobre a
propriedade foi sofrendo modificações. A propriedade passou a ser vista não apenas
como um bem pessoal, mas um bem coletivo, social. Surge o conceito de função
social da propriedade que, antes de atender um interesse individual, passa a se
constituir num bem de toda a sociedade. A Constituição de Weimar, de 1919, adota
o conceito de função social da propriedade, que vai inspirar Cartas de vários países,
inclusive a brasileira de 1934.
4.3.1 Do Usucapião Constitucional Urbano
Para que ocorra o usucapião constitucional tanto urbano quanto rural é
necessário que o possuidor pratique atos de gozo que a coisa possa lhe
proporcionar. Ele deve comportar-se como se fosse o verdadeiro dono, e,
principalmente, more no imóvel. A doutrina denomina no usucapião urbano
constitucional de posse de animus domini e pro habitatio. E a prova para que este
direito seja reconhecido é a prova física, ou seja, o autor deve provar que mora tem
no imóvel sua moradia e que transcorreu o período aquisitivo da propriedade de
cinco anos.
O usucapião especial constitucional, no entanto, é um instrumento que aplica-
se de forma independente de qualquer ação do Poder Público Municipal, uma vez
que se constitui num direito do cidadão e se aplica a propriedades de particulares.
Este tipo de usucapião é o principal instrumento de regularização fundiária,
ganhando status constitucional (Art. 183 CF) e uma seção do Estatuto da Cidade
(Seção V, art. 9 a 14 EC).
O usucapião pode ser definido como uma das formas de aquisição da
propriedade ou outro direito real através do transcorrer de um determinado período
de tempo onde se observa certos requisitos que a lei estabelece.
Para Santos (1983, p. 5 ) “fácil é verificar-se que é o tempo previsto na lei que
consolida o domínio do possuidor sem título: e é ele, desse modo, que permite a
transferência da titularidade no Registro Imobiliário”.
71
Campos (1983, p. 3) referindo-se ao animus domini afirma que “a área
deverá ser possuída como se realmente pertencesse ao possuidor e nela praticado
atos indicativos de posse e até mesmo de domínio”.
A Constituição Federal (art. 183) prevê que o cidadão, homem ou mulher,
adquire o direito de domínio sobre imóvel urbano sobre determinadas condições. As
condições para a aquisição do direito de domínio, através do instituto do usucapião,
são em número de onze, sendo algumas relativas ao imóvel e outras dizem respeito
a pessoa que está usucapindo. São elas: a) que o interessado tenha a área como
sua, ou seja, a considere sua propriedade, ou tenha o ânimus domini, o desejo, a
vontade de domínio sobre o imóvel; b) o imóvel poderá ter até 250 metros
quadrados: c) a posse seja ininterrupta, não pode neste período ter sofrido qualquer
tipo de interrupção; e) não tenha sofrido nenhum tipo de oposição, como por
exemplo, uma ação de reintegração por parte do proprietário legal ou outro posseiro
anterior; f) o imóvel deve ser utilizado como moradia do posseiro ou de sua família;
g) não poderá ser proprietário de imóvel urbano ou rural; h) também o candidato a
proprietário não poderá ter conseguido o domínio de outro imóvel utilizando-se desta
modalidade de usucapião; i) finalmente não ,poderá o imóvel ser público.
Os bens públicos estão protegidos constitucionalmente das ações de
usucapião. Embora possam ser objeto de apossamento, não é possível adquirir-se a
sua propriedade através do instituto do usucapião. Os bens públicos são imunes a
este instituto. Esta proibição é uma segurança de toda a sociedade, que os bens
públicos, são bens coletivos, bens que pertencem a toda a comunidade e, portanto,
pela sua própria natureza o particular não poderá tê-lo como dono.
Se assim fosse permitido, certamente não haveria mais bens públicos. Ruas,
praças, parques, áreas públicas e outros bens estariam em mãos daqueles que
tivessem maior capacidade de apropriação. Nesta categoria encontram-se os
melhores situados na escala social, as elites dominantes. Se isto ocorresse, seria o
caos. O salve-se quem puder. O bem público é de todos, portanto ninguém poderá,
pelo usucapião, tornar-se dono, proprietário, daquilo que é da sociedade.
As condições para se adquirir o direito de propriedade através do usucapião
constitucional são repetidas (art. 1240 CC), que acrescenta ( art. 1243 CC) que o
possuidor poderá, contar para somar os cinco anos, exigidos para a aquisição do
domínio, à sua posse o tempo de seus antecessores. Neste caso também a lei faz
algumas exigências que a posse seja: a) contígua e; b) pacifica. E no Estatuto da
72
Cidade (art. 9
º
) repete-se as mesmas condições da CF e do CC, acrescentando-se
no parágrafo 3
º
, o mesmo direito do possuidor ao herdeiro legítimo, desde que resida
no imóvel no momento da sucessão.
aqui uma diferença entre a sucessão na posse e a soma da posse do
antecessor. Quando o Código Civil prevê que para a aquisição do domínio sobre o
imóvel podem ser somadas as posses dos antecessores, está tratando de
sucessores singulares, que estes é que precisam somar o período para completar
os cincos anos e assim adquirirem o bem através da prescrição aquisitiva. No caso
dos sucessores herdeiros universais, do Estatuto da Cidade, conforme ensina
Santos (1983, p.75): “não que se falar de em soma da posse mantida pelo morto
como a de seus herdeiros, porque ela não sofre solução de continuidade com o
desenlace do possuidor”. O tempo aquisitivo é completado com os herdeiros na
posse do imóvel.
O Estatuto da Cidade amplia o direito ao usucapião previsto na Constituição,
acrescentando além da área também a edificação urbana com mais de 250 m
2
(art.
10), desde que sejam ocupadas por população de baixa renda para sua moradia,
constituindo-se num tipo de condomínio, denominado de especial. Também neste
caso, as exigências para que se tenha direito ao domínio, faz-se necessário o
decurso do prazo de cinco anos, ininterruptos, sem oposição. É acrescentada ainda
outra condição: que não seja possível identificar os terrenos ocupados por cada um
dos possuidores. O juiz deverá, na sentença, atribuir a cada um dos autores, a
fração ideal do terreno a que lhe cabe, independentemente da dimensão do terreno
que ocupe. Poderá, no entanto, haver um acordo por escrito entre os condôminos
estabelecendo as frações ideais diferenciadas que de cada um, o que deverá ser
reconhecido pelo magistrado.
Este condomínio especial estabelecido na sentença judicial será indivisível, e
não poderá ser extinto, podendo apenas ser alterado, com a anuência de dois terços
dos condôminos, quando houver obra de urbanização da área posterior a sua
constituição. Estabelece ainda regras para a administração deste condomínio, que
deverão ser tomadas por maioria de votos dos condôminos presente, sendo todos os
demais obrigados a cumprir as deliberações, os que estejam ausentes ou forem
discordantes daquela decisão.
O Estatuto da Cidade estabelece ainda algumas normas de direito processual
nas ações de usucapião especial de imóvel urbano. Uma delas é que ficam
73
sobrestadas, ou seja, paradas, todas e quaisquer ações petitórias ou possessórias,
que venham a ser propostas em relação ao imóvel usucapiendo (art. 11 EC). Isto
significa que o juiz quando for proferir a sentença do usucapião, deverá se
manifestar a respeito das demais ações. Também determina quem poderá ser parte
legitima na propositura da ação: a) o possuidor, que poderá ser parte de forma
isolada ou em litisconsórcio, originário ou superveniente: b) também os possuidores,
em estado de composse: c) a associação de moradores da comunidade, desde que
esteja regularmente constituída, ou seja, tenha personalidade jurídica, e esteja
autorizada pelos possuidores da área.
Ainda o Estatuto da Cidade torna obrigatória a intervenção do Ministério
Público nas ações de Usucapião Especial Urbano e garante o direito a assistência
judiciária gratuita, não apenas no desenrolar da ação, mas posteriormente no
registro da sentença que reconheceu o direito dos autores, no registro de imóveis. O
Usucapião Especial poderá ser invocado em matéria de defesa, valendo a sentença
que a reconhecer, titulo aquisitivo perante o cartório de registro de imóveis. O rito
processual nestas ações será o sumário.
Objeto de polêmica entre os juristas, o parágrafo do art. 183 da CF, que
estabelece que “o titulo de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil”, como Celso
Ribeiro Bastos (1990), que o consideram inútil redundante, não escrito e etc, tem
uma justificativa por se encontrar no titulo da política urbana.
A justificativa dos juristas é que no usucapião o que se adquire é o domínio do
bem e o o seu uso, que é regulada em contrato administrativo entre a
administração pública e o particular. A redação não se encontra bem elaborada, uma
vez que a intenção do legislador constitucional foi possibilitar a concessão do uso de
terras públicas aos particulares. Aliás, esta concessão de uso especial para fins de
moradia estavam previstos nos artigos 15 a 20 do Estatuto da Cidade e foram
vetadas pelo Presidente da República. Este instituto foi regulamentado pela Medida
Provisória 2.220/01, como se verá adiante.
O Plano Diretor poderá estabelecer áreas de zoneamento especial que
estejam ocupadas irregularmente por famílias de menor renda, prevendo a
regularização através do Usucapião Especial Constitucional de forma coletiva ou
individual. Nestas zonas, as exigências legais quando as características do lotes,
das vias, das áreas públicas e das moradias poderão ser diferentes do restante da
74
cidade legal, que este usucapião é um instrumento de legalização fundiária, e o
objetivo maior é de manter estes assentamentos precários onde eles se encontram,
procurando fazer com que as populações que ali vivem possam se integrar a cidade,
não apenas nos aspectos físicos urbanísticos, mas também pode usufruir de todos
os direitos que a vida urbana oferece, nos aspectos de qualidade de vida, e
desenvolvimento econômico e social. Isso ocorrendo, as funções sociais da cidade
estarão sendo materializadas nesses aspectos.
4.3.2 Concessão de Uso Especial para Moradia e Direito Real de Uso
A Medida Provisória (MP) 2.220, de 04 de setembro de 2001, regulamentou o
parágrafo , do art. 183, da Constituição Federal, dispondo sobre a Concessão do
Uso Especial e criando o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano
(atualmente Conselho das Cidades). A Concessão de Uso Especial para fins de
Moradia constituía a Seção VI, do Estatuto das Cidades, composta dos artigos 15 a
20, que foram vetadas pelo Presidente da República.
A MP 2.220/2001 embora possua como finalidade a Concessão de Uso
Especial para fins de moradia, habitação, faculta ao Poder Público, no art.,
conceder este direito também a quem esteja utilizando com finalidade comercial. A
Concessão de Uso só pode ocorrer em bem público, ou seja, imóveis que pertençam
à União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Foi a forma encontrada
pelo legislador constitucional para solucionar o problema de milhões de brasileiros
que ocupam áreas públicas e, que, por força da imunidade que os bens públicos
possuem em relação ao instrumento do usucapião, estão impedidos de regularizar a
propriedade sobre o imóvel.
Por esta MP, terão direito a Concessão de Uso Especial, quem, até 30 de
junho de 2001, possuía, como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em
área urbana e utilizado para moradia sua ou de sua família. As condições são as
mesmas exigidas para o Usucapião Especial Constitucional, acrescentando-se
também entre as proibições ao exercício deste direito os concessionários, a qualquer
título, de outro imóvel urbano e rural. Este direito é conferido de forma gratuita.
75
Observa-se que a MP estabeleceu um tempo para que o cidadão adquira o
direito da concessão. Este tempo está limitado em 30 de junho de 2001. Quem não
cumpriu este tempo de 5 (cinco) anos na data estabelecida não possui o direito. E
quem veio a ocupar o imóvel posteriormente a esta data, também não está
contemplado pela Medida Provisória. Outra observação é que a MP trata de imóvel
até 250 metros quadrados, não mais área urbana como no Usucapião Especial do
art. 183 da Constituição Federal. O termo imóvel é muito mais amplo do que área.
Compreende além do lote, do terreno, também a edificação, ou seja, a casa, o
apartamento, o edifício construído.
Nas mesmas condições do Usucapião do Estatuto da Cidade em áreas
superiores 250 metros, utilizadas em composse, a concessão para Uso Especial
para fins de Moradia poderá ser concedida a comunidades de moradores, formando-
se um condomínio. Também nos casos de imóveis da União, o art. da MP prevê
que, estando os ocupantes regularmente inscritos em seus cadastros, poderão
obter de forma individual ou coletiva a Concessão de Uso Especial para Fins de
Moradia.
Se os ocupantes do imóvel público estão correndo risco de morte ou à saúde,
possuem a garantia do Poder Público de que poderão exercer o Direito a Concessão
em outro local. Nos casos em que os ocupantes se encontrem em bens de uso
comum do povo (destinados a projetos de urbanização, de interesse da defesa
nacional, preservação ambiental e proteção dos ecossistemas naturais, reservados a
construção de represas ou obras congêneres, ou ainda situados em via de
comunicação) também o Poder Público, poderá garantir o direito posse em outro
local.
O titulo de concessão de Uso Especial para fins de Moradia será obtido por
via administrativa ou judicial. A Administração Pública terá o prazo de 12 meses para
decidir sobre o pedido. Uma vez concedido o direito, administrativamente ou de
forma judicial, a concessão poderá ser registrada no cartório de registro civil, sendo
a mesma transferível por ato intervivos ou causa mortis. Também a Medida
Provisória prevê a extinção do direito ao concessionário em três hipóteses: a) der
destinação diferente da moradia para si ou sua família; b) adquirir a propriedade; c)
obter nova concessão de uso de imóvel urbano ou rural. A extinção deverá ser
averbada no cartório de registro de imóveis pelo órgão concedente.
76
Salienta Saule Junior (1997, p. 192) que entre as funções do Plano Diretor
deve-se incluir áreas de interesse social para serem urbanizadas e que:
diante da natureza e finalidade do usucapião urbano como instrumento de
regularização fundiária, que deve ser aplicado para o cumprimento da função social
da propriedade urbana, pode definir áreas onde estão situadas a população de baixa
renda passíveis de serem usucapidas coletivamente (favelas, cortiços, lotamentos
irregulares) como áreas especiais de interesse social, que deverão ser urbanizadas
pelo Poder Público Municipal.
A fixação pelo plano diretor dessas áreas para fins de moradia, através de um
zoneamento de interesse social, visa assegurar a manutenção das comunidades
nesses espaços urbanos que, pelo processo de urbanização e regularização
fundiária, passa a incorporar a cidade legal.
Como instrumento de regularização fundiária, ainda a Concessão de
Direito Real de Uso, instituído pelo Decreto-lei 271, de 28 de fevereiro de 1967 e
também previsto no Estatuto da Cidades, como instrumento jurídico e político (art.
, V, g). O art. instituiu esta modalidade de concessão em terrenos públicos ou
particulares, de forma onerosa ou gratuita, por tempo determinado ou indeterminado,
com a finalidade de urbanização, industrialização, plantação ou qualquer outra
utilização de interesse social.
Estabelece ainda que o contrato de concessão poderá ser efetuado por
instrumentos público, particular ou um simples termo administrativo. Este termo
administrativo deverá ser registrado no respectivo livro do cartório de registro de
imóveis, conforme prevê, o art. 157, I, 40, da lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos).
O concessionário do terreno usufruirá todos os direitos estabelecidos no
contrato, respondendo também pelos encargos civis, administrativos, tributários e
rendas que eventualmente incidam sobre o imóvel. A concessão resolve-se no a
termo, ou antes quando for descumprida qualquer cláusula resolutória. Neste último
caso, o decreto prevê que ele perderá todas as benfeitorias. Se não houver
disposição contratual em contrário, a concessão transfere-se por atos intervivos ou
causa mortis. Também existe a possibilidade de se conceder apenas o espaço aéreo
sobre os terrenos públicos e particulares.
Ainda o Estatuto da Cidade (art. 47) estabeleceu para os programa e projetos
habitacionais de interesse social, que sejam desenvolvidos por órgãos da
administração pública, os contratos de concessão de Direito Real de Uso de imóveis
públicos serão comparados à escritura pública e obrigatoriamente deverão ser
aceitos em garantia nos contratos de financiamento habitacional. Como no
77
Usucapião Especial Constitucional, da Concessão de Uso para fins de Moradia, a
Concessão Real de Uso, nos casos de programas habitacionais de interesse social,
poderá ser outorgada coletivamente, por exemplo, para uma associação
comunitária, de moradores e etc.
Sob o aspecto jurídico-doutrinário, uma diferença entre a simples
Concessão de Uso de um bem público da Concessão de Direito Real de Uso de um
terreno público a particular. Enquanto o primeiro é um simples contrato
administrativo em que a administração pública possibilita que o particular utilize o
bem de acordo com determinada finalidade, em relação a Concessão Real de Uso
esta ultrapassa a figura do concessionário para, conservando a propriedade com o
concedente, transferir o direito a terceiros, bem como os direitos relativos à
disposição do bem, segundo critérios firmados. Ocorre neste caso o que em direito
se chama justicialidade do direito à moradia compondo este instrumento (BRASIL.
Distrito Federal. Câmara dos Deputados, 2002, p. 179):
Esta previsão demonstra claramente que existe um tratamento especial conferido
pela Constituição para o uso dos bens públicos ocupados por populações de baixa
renda até a data de 30 de junho de 2001 que atendam os requisitos do artigo 183 da
Constituição Federal regulamentados no artigo 1º da Medida Provisória. Na aplicação
das demais modalidades de concessão de uso para fins de moradia, em especial a
Concessão de Direito Real de Uso, não é admissível que a outorga do título possa
ser exigida por via administrativa ou via judicial como um direito subjetivo.
Institutos de regularização fundiária, que contribuem para o ordenamento das
funções sociais da cidade, a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia, bem
como a Concessão de Direito Real de Uso, da mesma forma que o Usucapião
Especial Constitucional, o Plano Diretor deve estabelecer os setores onde esses
instrumentos deverão ser aplicados. Evidentemente haverá áreas ocupadas que se
constituem em mananciais de abastecimento d’água, que estejam às margens dos
rios, que sofrem com alagamentos, ou nas encostas dos morros, sujeitas a
deslizamentos, em que as famílias que ali se encontram deverão, por questões
técnicas de segurança e salubridade serem relocadas para outros locais. Porém a
remoção destas famílias deve ser a exceção, jamais a regra.
O Plano Diretor, ao estabelecer as zonas especiais para aplicar os
instrumentos de regularização fundiária analisados, também deve prever critérios
para remoção das famílias que estejam ocupando assentamentos precários onde,
78
por questões técnicas, não é possível a permanência. Esta é uma questão de
segurança social, que atinge não apenas as pessoas envolvidas mas indiretamente
de toda a coletividade. Por exemplo, uma epidemia pode surgir naquela área devido
à precariedade ambiental e espalhar-se por toda a cidade, atingido pessoas que não
tinham relação com o problema.
4.3.3 Instrumentos Jurídicos e de Ação Política
O Estatuto da Cidade (art. 4
o
, V, “a a s”) apresenta vários instrumentos
denominados de institutos jurídicos e políticos, que podem e devem ser utilizados
pela administração pública municipal para promover o desenvolvimento urbano.
Muitos destes instrumentos constituem-se em elementos que viabilizam a função
social da propriedade urbana e, quando incorporados ao Plano Diretor, contribuem
para a materialização das as funções sociais da cidade.
Além dos instrumentos já estudados, tem-se a: Desapropriação, Servidão
Administrativa, Limitações Administrativas, Tombamento de Imóveis ou de Mobiliário
Urbano, Instituição de Unidades de Conservação, instituição de Zonas Especiais de
Interesse Social, Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios, Direito de
Superfície, Direito de Preempção, Outorga Onerosa do Direito de Construir e de
Alteração de Uso, Transferência do Direito de Construir, Operações Urbanas
Consorciadas, e ainda a regularização fundiária, assistência técnica e jurídica
gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos e referendo
popular plebiscito.
O parcelamento, edificação ou utilização compulsório (art. 5
o
. e 6
o
. do EC)
para ser aplicado deverá ser objeto de uma lei própria e estar previsto no Plano
Diretor, que fixará um prazo determinado para que a obrigação seja cumprida. É
considerado imóvel subutilizado aquele que possua um aproveitamento inferior ao
mínimo definido pelo Plano Diretor ou de uma lei que dele decorra. O proprietário
será notificado pelo Executivo Municipal para que proceda o parcelamento, a
edificação ou a utilização do imóvel, tendo o prazo de um ou dois anos, e esta
notificação será averbada no cartório de registro de imóveis. A obrigação
acompanha o imóvel e é transmitida inter vivos ou causa mortis.
79
Se não for efetuado no prazo especificado o parcelamento, a edificação ou a
utilização compulsória do imóvel, o Município poderá aplicar outra sanção que é o
Imposto Predial e Territorial Urbano, IPTU, progressivo no tempo, por cinco anos
seguidos, através do aumento da alíquota. Esta alíquota não poderá ultrapassar
duas vezes o valor do ano anterior, até o limite máximo de 15%. E se o
parcelamento, edificação ou utilização não ocorreu no prazo dos cinco anos, o
Município deverá manter a cobrança na alíquota máxima até o cumprimento da
obrigação, podendo ainda ser prorrogada. Nesta situação, não poderá haver
isenções nem anistias relativa aos tributos cobrados.
E se com esta alíquota no limite de 15% ainda assim não foi efetuado o
parcelamento, a edificação ou a utilização do imóvel, o Município poderá fazer a
desapropriação pagando com títulos da dívida pública. Estes títulos, no entanto,
deverão ser aprovados previamente pelo Senado e terão o prazo de 10 anos para
serem resgatados, em prestações anuais, iguais e sucessivas, mantendo-se o valor
real da indenização, além de juros de 6% ao ano. E o Município terá o prazo de
cinco anos para diretamente ou através de terceiros, para fazer o devido
aproveitamento do imóvel.
Para que o instrumento da preempção, preferência para a aquisição de
imóvel urbano por parte do Município, possa ser utilizado, o mesmo deve estar
previsto no Plano Diretor. Uma lei municipal especifica deverá delimitar as áreas
onde o instrumento incidirá, o podendo ultrapassar a cinco anos, podendo ser
renovado após um ano. pode ser exercido pelo Poder Público Municipal nos
casos de regularização fundiária, execução de programas e projetos habitacionais
de interesse social, constituição de reserva fundiária, ordenamento e direcionamento
da expansão urbana, implantação de equipamentos urbanos e comunitários, criação
de espaços públicos de lazer e áreas verdes, criação de unidades de conservação
ou proteção de outras áreas de interesse ambiental, e proteção de áreas de
interesse histórico, cultural ou paisagístico. O proprietário deverá notificar o desejo
de vender o imóvel, dando o prazo de 30 dias para que o Município se manifeste por
escrito sobre o desejo de compra-lo. Se o município não se manifestar durante este
período, o proprietário poderá vender o imóvel a terceiros. Caso o município deseje
comprar o imóvel, pagará o valor da base de cálculo para o IPTU, ou então valor
indicado na proposta, sendo esta menor.
80
O Plano Diretor poderá ainda fixar áreas onde o direito de construir poderá
ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, também
estabelecer áreas para aplicação de operações urbanas consorciadas e a
transferência do direito de construir. No caso da outorga do direito de construir, esta
deverá ser onerosa. O Plano Diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento
único ou diferenciado na zona urbana, devendo estabelecer os limites máximos para
serem atingidos no aproveitamento da zona, como base na infra-estrutura existente
e a previsão de densidade demográfica que poderá ser atingida. Lei municipal
específica estabelecerá o calculo para a cobrança e outras formas de contrapartida
do beneficiário. Os recursos auferidos serão destinados à regularização fundiária e
programas habitacionais de interesse social entre outros.
Para que sejam realizadas operações urbanas consorciadas, entre o Poder
Público e os particulares, além do Plano Diretor delimitar as áreas destas ações,
também o Município deve possuir lei especifica neste sentido. O instrumento prevê a
participação dos proprietários, dos moradores, dos usuários permanentes e dos
investidores privados para viabilizar as transformações urbanísticas e com isto
conseguir melhorias sociais e a valorização ambiental.
Nos Estados Unidos e na Europa este instrumento é denominado de
renovação urbana, e tem sido aplicado desde os anos 50 do século passado. Sua
origem mais remota está na França de Napoleão III, em meados do século XIX,
quando Paris foi transformada com a abertura de avenidas, demolição de cortiços, e
a implantação de sistemas de abastecimento de água, esgoto e construção de
pontes.
Charles Abrams (1967, p.168) aponta como uma das soluções para combater
os males do crescimento desordenado das grandes cidades dos países em
desenvolvimento que enfrentam com quase um século de atraso aquilo que países
europeus e a América, enfrentaram, com a degradação urbana e a perda de
qualidade de vida. Afirma que:
A renovação urbana implica a aquisição de grandes extensões de terras pelo poder
público, o replanejamento da área, e depois a revenda ou arrendamento das terras
não necessárias ao uso público a empresários particulares para reconstrução ou
recuperação. Embora a extinção das favelas tenha sido a principal motivação para a
origem do programa nos Estados Unidos, a reconstrução de regiões centrais urbanas
tem recentemente recebido o maior destaque.
81
Ainda em relação às operações urbanas consorciadas, prevista no Estatuto
da Cidade, poderá haver modificação dos índices e características de parcelamento,
uso e ocupação do solo e subsolo, alterações nas normas edilícias, a regularização
de construções, de reformas ou ampliações que estejam em desacordo com a lei.
Deverá também ser efetuado estudo de impacto de vizinhança e o controle da
operação compartilhado com a sociedade civil. O Município poderá emitir
certificados adicionais de potencial construtivo, que serão livremente negociados em
leilões, ou no pagamento da própria obra, entre outras inovações.
Na preservação de imóveis de valor histórico, cultural, ambiental, paisagístico
e social, na implantação de equipamentos urbanos e comunitários e na
regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por famílias de menor
renda, o Plano Diretor, poderá autorizar que o proprietário de imóvel urbano, privado
ou público, exerça em outro lugar ou transfira o direito de construir. Este direito
também é assegurado ao proprietário que doar o imóvel ou parte dele para o Poder
Público. Uma lei municipal específica vai estabelecer as condições em que esta
transferência poderá ocorrer.
4.3 SÍNTESE DOS INSTRUMENTOS FUNDIÁRIOS
Diante do exposto neste capitulo, conclui-se que:
O direito de propriedade é uma garantia constitucional, no entanto, este direito
está vinculado ao interesse social, ou seja, a propriedade deverá, antes de tudo,
cumprir sua função social. Existe, portanto, um limite jurídico e administrativo no
direito de usar, gozar e dispor da propriedade. O interesse da sociedade deve
sempre se sobrepor ao interesse individual, para que o mau uso da propriedade não
cause prejuízo a toda sociedade.
O direito de propriedade consolida-se ao longo da história como um direito
fundamental, sendo incorporado desde a Revolução Francesa nas constituições
liberais em todo o mundo. As sociedades utópicas, comunista e anarquista,
combatem a propriedade privada, chegando os anarquistas a considera-la um roubo.
As formas de regularização fundiária urbana estabelecida na legislação
brasileira são o Usucapião Especial Constitucional, a Concessão de Uso Especial
para Moradia, o Direito Real de Uso, e Zonas Especiais de Interesse Social. Esses
82
instrumentos estão previstos em lei para que a administração pública possa
promover a regularização fundiária urbana e, portanto assegurar o ordenamento
das funções sociais da cidade.
O Plano Diretor, previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade, é
o principal norteador da aplicação dos instrumentos de regulação fundiária e
ordenamento da cidade. Porém, não é exclusivo, que a lei não exige a sua
implementação para muitos municípios brasileiros.
De forma independente da vontade do Poder Público Municipal o Usucapião
Especial Constitucional aplica-se no meio urbano como um instrumento de
regularização fundiária assegurando o direito de propriedade aos setores menos
favorecidos na comunidade. Como forma de aquisição da propriedade pelo
transcorrer do tempo pode-se afirmar que ele é um dos principais instrumentos de
regularização fundiária.
A Concessão Uso Especial para Fins de Moradia constitui-se em outro
instrumento disponibilizado pela lei para regularizar a situação de milhões de família
brasileiras que ocupam área pertencentes ao Poder Público. É um direito
assegurado de forma graciosa as pessoas de menor renda que cumpram as
condições estabelecidas na lei.
A Concessão de Direito Real de Uso, é outra forma de conceder o direito de
propriedade para que ela cumpra sua função social no meio urbano. Pode ser
conferido de forma individual ou coletiva. Na aplicação deste instrumento poderá ser
utilizado instrumentos públicos ou administrativo, porém é fundamental que seja
registrado no competente Cartório de Registro de Imóveis. Este direito transfere-se
em atos intervivos ou causa mortis.
Também para que a propriedade urbana efetivamente cumpra suas funções
sociais, a legislação prevê uma enorme gama de instrumentos jurídicos e políticos
que estão a disposição do Poder Público tais como a desapropriação, a servidão e
limitações administrativas, o tombamento, a constituição de zonas de interesse
social, parcelamento obrigatório, a regularização fundiária entre outras. São
instrumentos limitadores do direito individual de propriedade, porém constitui-se em
garantidores do direito coletivo sobre a propriedade, ou seja, proporcionam que ela
cumpra a sua função social no meio urbano.
Finalmente conclui-se que a propriedade é consensuada em nosso tempo
pela legislação como um direito fundamental do homem, porém está limitada pelo
83
interesse social, coletivo. Portanto, embora seja um direito pessoal, é um direito que
está intimamente ligado ao interesse de toda a comunidade, prevalecendo o
interesse desta em relação ao individual.
84
5 O PLANO DIRETOR
5.1 PLANEJAMENTO URBANO NO CONTEXTO HISTÓRICO
O Plano Diretor, como norma constitucional (parágrafo art. 182 CF),
regulamentada pelo Estatuto da Cidade (Art. , III, a), apresenta-se como o
instrumento básico de planejamento municipal. É o primeiro instrumento
determinado pela Constituição para que o poder público municipal promova a
política de desenvolvimento e de expansão urbana, objetivando ordenar as funções
sociais da cidade e garantir os bem-estar dos moradores da cidade.
Outros instrumentos, previstos no Estatuto da Cidade, como outorga onerosa
do direito de construir, operações urbanas consorciadas, transferência do direito de
construir, do parcelamento, edificação ou utilização compulsória, só poderão ser
aplicados pelo município caso estejam previstos no Plano Diretor.
Mas o que é planejar?
Planejar significa direcionar, antecipar o futuro ao momento presente. Com o
planejamento fica mais fácil saber onde se pode e se quer chegar. As situações
todas podem ser previstas e os resultados futuros podem ser palpáveis no momento
em que ocorre o ato do planejamento, portanto podem ser quantificados. Desde a
antiguidade, o planejamento tem sido uma ferramenta usada na construção de
fortalezas, castelos, templos e cidades.
Para Joaquim C. Aguiar (1996, p. 35) planejar significa estabelecer objetivos,
indicar diretrizes, estudar programas, escolher meios mais adequados a uma
realização e traçar a atuação do governo, considerada as alternativas possíveis”.
Portanto não é um ato casual, mas algo pensado, refletido, um procedimento
constante que possui regras, normas a serem seguidas para se chegar ao objetivo
desejado, em todas as áreas onde é aplicado e principalmente no planejamento
urbano.
Fustel de Coulange (1957, p.158) afirma que a urbe não surgia lentamente
com os anos. Era um ato religioso e “a urbe, entre os antigos, não se formava no
decorrer do tempo pelo lento desenvolvimento do número dos homens e das
construções. Fundava-se a urbe de uma vez, inteiramente, em um dia”. E,
segundo o historiador francês, “o primeiro cuidado do fundador está em escolher o
sitio da nova cidade”. Para escolher o local da nova cidade consultavam-se os
85
deuses. Havia todo um ritual que ia desde o local onde se colocava o fogo sagrado,
o lar, ao entorno do qual a urbe deveria ser erigida. O fundador percorria o terreno e
fazia sulcos de onde deveriam ser construídas as muralhas sagradas e as portas da
urbe.
A tradição de planejamento urbano brasileiro remonta ao período colonial. A
exemplo das civilizações antigas, algumas cidades brasileiras, como São Vicente
(1532) e Salvador (1549), foram fundadas num determinado dia, marcando o início
da vida cívica daquelas comunidades. Tode Souza, o primeiro governador geral
do Brasil, tinha na sua equipe arquitetos, agrimensores, pedreiros, carpinteiros entre
outros profissionais, quando chegou ao Brasil para fundar a primeira capital
brasileira. Interessante observar a pesquisa sobre urbanização brasileira, efetuada
por Roberta M. Delson (1994, p. 810), que desmistifica o conceito de que as cidades
brasileiras nasceram de maneira espontânea sem nenhum tipo de planejamento.
As cidades brasileiras, de acordo com as idéias geralmente mais difundidas,
surgiram de povoações sem plano, espontâneas e não fórmulas que obedecessem
ao planejamento metropolitano. Esse retrato pouco lisonjeiro não teve, contudo, sua
origem nos documentos históricos. Por exemplo, a primeira povoação construída sob
auspícios régios, Salvador, da Bahia, utilizou os serviços de arquitetos, pedreiros,
carpinteiros, etc., e, sem duvida alguma, seguiu o padrão geral ortogonal, embora
alongado longitudinalmente pela topografia acidentada do terreno da cidade. Essa
falta de planejamento e de supervisão foram visíveis nas povoações informais,
desenvolvidas durante o período dos donatários, ou aquelas que cresceram
“espontaneamente” ao longo de caminhos de gado, ou em resultados de
acampamentos de bandeiras.
Justifica-se o planejamento de qualquer município brasileiro ou de qualquer
parte, independentemente de seu tamanho, de sua população. Já que algumas
cidades poderão nunca chegar a ser grandes metrópoles, como ocorre com milhares
de cidades no mundo todo que, apesar de antigas continuam pequenas
comunidades urbanas. Mas o objetivo do planejamento não é apenas preparar a
cidade para um dia possuir uma grande população, e com o planejamento, possa
enfrentar os problemas dos grandes centros, como trânsito, transporte, poluição,
degradação urbana, violência entre outros. O objetivo final do planejamento e
melhorar a qualidade de vida das pessoas que moram naquele ambiente urbano,
mantendo equilíbrio ambiental e preservando seus recursos para as futuras
gerações.
86
Jorge Wilheim afirma que o planejador urbano deve estar alerta para não cair
na tentação de propor tipos de planos como os de cidade-campo, cidade-jardim que
ele aponta como irreais. Estão, segundo ele, fundamentados em conceitos falsos.
Para Wilheim uma diferença entre a vida comunitária de uma pequena cidade e a
vida urbana. Na pequena comunidade uma coesão social que expressa
experiências comuns e não interesses comuns, que geram posições pré-
estabelecidas dos indivíduos, ou seja, um determinado status, que a população é
estável. E conclui Wilheim (1965, p. 37) que:
A solução dos problemas é freqüentemente coletiva, o submetendo os indivíduos
às tensões típicas da opção. Ora, uma aldeia, especialmente no atual estágio
capitalista, não é nem uma aldeia nem uma soma de aldeias. E a vida urbana, ao
contrário da comunitária, se caracteriza pela estratificação de interesse. Numa
cidade, a coesão social é, portanto associativa e não comunitária. E esta livre
associação é feita em torno de interesses fundamentalmente econômicos que
determinam o status, a posição relativa e a distância social.
Os primeiros Planos Diretores implantados no Brasil, em meados do século
passado, tinham mais um caráter de ordenamento e disciplinamento do solo urbano.
Eram objeto destes planos a distribuição e o uso da terra urbana, os espaços
públicos, e privados, as vias públicas, os setores de habitação, comércio, indústria,
as futuras obras de infra-estrutura e os equipamentos urbanos, sociais e
comunitários. A visão atual que se tem do Plano Diretor é que ele transcende ao
aspecto físico-territorial do espaço urbano. Ele deve ser um instrumento integral que
abrange todos os aspectos da vida urbana, desde o planejamento territorial, uso do
solo, ao desenvolvimento sócio-econômico. Por isso muitos autores e muitos
municípios chamam seu plano diretor de Plano Diretor de Desenvolvimento
Integrado.
Esta visão global da cidade como um ser vivo desenvolve-se a partir do
século XIX junto com o processo de industrialização que transformou na Europa,
pacatas cidades de artesãos, em grandes agrupamentos humanos com milhares de
pessoas trabalhando nas fábricas. Aquele objeto que em séculos anteriores era
fabricado um por um, agora, com a industrialização, passa a ser produzido em série,
caindo os custos e podendo ser utilizado por um enorme grupo de pessoas, o
apenas na aldeia ou castelo, mas em qualquer parte do mundo.
No Brasil, a era industrial chegou com um século de atraso. E o fenômeno
observado na Europa e nos Estados Unidos, com o crescimento desordenado das
87
cidades, com pessoas vivendo em área faveladas, sem infra-estrutura de
saneamento ambiental, na marginalidade social, agrava-se a partir dos anos 30 do
século XX. Sobre esse aspecto da urbanização brasileira argumenta Leal (1988) que
a industrialização tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento,
incluindo-se aqui o Brasil, ocorreu de forma diversificada e desequilibrada.
Agravado o problema da imensa migração do campo para a cidade, no século
passado, foi, segundo Fabris Junior (1997), durante o regime militar, nos anos 70
que as leis Orgânicas dos Municípios, adotaram o Plano Diretor de Desenvolvimento
Integrado como instrumento de planejamento urbano. Estados como São Paulo,
Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Pará, Mato Grosso, Alagoas, Ceara, bem
como muitas leis orgânicas de capitais, e estados como Paraná, Goiás, Bahia,
Pernambuco, Sergipe, Minas Gerais e Rondônia obrigavam os seus municípios a
elaborar planos de desenvolvimento. Alguns estados, como São Paulo, neste
período, fixaram como exigência para liberar recursos aos municípios, através de
convênios, ou a obtenção de auxilio e transferência de recursos, a existência do
Plano Diretor.
Sobre as características do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado,
(PDDI), Mukai, (1988) afirma que deve traçar além das diretrizes gerais, também
deve fixar as metas e objetivos de desenvolvimento para um determinado período da
gestão municipal. Faz esta análise comentando o que Hely Lopes Meirelles
estabelece como as atribuições municipais na área urbana, a regulamentação
edilícia sobre as propriedades particular, e a ordenação sica e social da cidade,
através da lei de zoneamento e planos de urbanização.
Para Silva (2000, p.134), o Plano Diretor possui caráter geral e global tendo
como “função sistematizar o desenvolvimento físico, econômico e social do território
municipal , visando o bem-estar da comunidade local”. E contém objetivos gerais de
promover o espaço habitável e específico, como revitalizar um determinado bairro,
implantar um parque e etc. Meirelles (1993, p. 393), conceitua o Plano Diretor o
“complexo de normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e
constante do Município, sob os aspectos físicos, sociais, econômicos e
administrativos, desejados pela comunidade local”.
A Associação Internacional de Administradores Municipais (195, p.15-16)
orienta no sentido de que o Plano Diretor da cidade:
88
deve ser meticulosamente prático e economicamente sólido, por outro lado deve
expressar outras aspirações não puramente materiais dos membros da
comunidade (...) um projeto geral equilibrado, e atraente, adaptado às necessidade
presentes e probabilidade futuras”. Também aconselha que ele deve estar “em
proporção com a população e as perspectivas econômicas da comunidade e de
acordo com seus recursos financeiros, e em consonância com seu modo de pensar.
Dallari aponta diferenças entre os instrumentos de política urbana previstos
no Estatuto da Cidade, classificando em físicos, destinados ao disciplinamento
urbano e econômicos voltados para a utilização dos recursos municipais. Afirma
Dallari que (2003, p. 77):
Os primeiros (plano diretor, disciplina do parcelamento, uso e ocupação do solo e
zoneamento ambiental) são fundamentalmente planos físicos, destinados a
disciplinar os espaços urbanos. o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o
orçamento anual, são instrumentos basicamente econômicos, destinados a
disciplinar o uso dos recursos municipais. A gestão orçamentária participativa refere-
se ao processo de elaboração e execução dos orçamentos acima referidos e
corresponde a princípios e preceitos constitucionais (principio participativo, art. 1
o
.
parágrafo único, art. 29, XII, ambos da CF).
“Plano Diretor é um conjunto de princípios e regras orientadoras da ação dos
agentes que constroem e utilizam o espaço urbano” (BRASIL. Distrito Federal.
Câmara dos Deputados, 2002, p. 43). E, como estabelece a Constituição Federal, é
o principal instrumento, o instrumento básico, para que possa o município executar
uma política de desenvolvimento urbano, que garanta o bem-estar de seus
habitantes, que ordene o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. É
fundamental o Plano Diretor.
5.2 A GESTÃO DEMOCRÁTICA ATRAVÉS DA PARTICIPAÇÃO POPULAR
Os instrumentos de gestão democrática que estão previstos no Estatuto da
Cidade são os órgãos colegiados de política urbana nos três níveis federativos:
Federal, Estadual e Municipal. Este processo deve ocorrer através de debates,
audiências e consultas públicas, conferências sobre temas urbanos também nos três
níveis, e a iniciativa popular de programas urbanísticos e de desenvolvimento
urbano, e de projetos de leis apresentado junto a Câmara Municipal.
89
No município, a gestão democrática participativa deve incluir debates,
audiências e consultas públicas ainda sobre o Plano Plurianual, PPA, Lei de
Diretrizes Orçamentárias, LDO, e Orçamento Anual, LOA, constituindo-se numa
condição obrigatória para que a Câmara Municipal possa aprovar estes projetos.
Neste aspecto o Estatuto da Cidade, deixa a critério do município a possibilidade de
criar outros instrumentos de participação e gestão democrática da cidade.
A gestão democrática da cidade ênfase à democracia participativa.
Portanto as audiências públicas objetivam dar transparência ao processo de decisão
e também garantir o direito de informação para as populações que serão atingidas
pelo projeto urbano.
Gonçalves ao analisar a participação comunitária no planejamento urbano,
alerta para a pseudo-participação nos processos de elaboração de normas e
diretrizes urbanísticas que, muitas vezes, ocorrem apenas para atender uma
obrigação legal. Afirma que
a participação genuína requer o envolvimento de todas as etapas do processo
decisório. Quem participa não se limita a referendar, executar e dar sugestões; deve
ter condições para apresentar e debater propostas, deliberar sobre elas e, sobretudo,
mudar o curso de ação estabelecido pelos dirigentes e formular cursos de ação
alternativos (1990, p.83-85).
A verdadeira participação social no processo de elaboração do planejamento
municipal, em especial do Plano Diretor, requer a capacitação da sociedade civil.
Capacitada a população poderá emitir sua opinião de forma qualificada para que
efetivamente ocorram contribuições ao processo de elaboração do planejamento
urbano e as decisões sejam participativas, opiniões fundamentadas, embasadas
política e tecnicamente.
James S. Fishkim faz uma comparação entre a opinião pública que ele chama
de bruta, sem muita informação, com nenhuma reflexão sobre o assunto e, portanto
ele considera esta opinião de pouco valor. para ele a opinião pública ponderada,
refinada, é aquela que reflete o conceito de quem teve mais informações sobre a
situação, refletiu sobre ela.
Afirma Fishkin (2002, p. 18), refinar e ampliar a visão do público:
pode ser entendida como a opinião emitida após haver sido testada, pensada e
comprada com os argumentos e informações oferecidos conscientemente por outros
que tenham uma visão oposta, num contexto onde a informação relativamente
90
confiável seja disponibilizada. Ao mencionar a opinião ”bruta” refiro-me à opinião
não submetida a esse tipo de processo.
Desde o período clássico grego a democracia tem sido a forma de governo
mais festejada e defendida, por se constituir num sistema em que o povo participa,
direta ou indiretamente, das decisões que dizem respeito a sua vida material. Se nas
cidades gregas os magistrados eram eleitos para o mandato de um ano e os
cidadãos participavam das decisões na assembléia pública, nos dias de hoje, nos
governos democráticos, a participação popular ocorre através de um processo
indireto onde se elege primeiro os representantes que posteriormente tomam as
decisões em nome de todos. É democracia representativa, que surgiu junto com o
estado moderno, de concepção liberal.
No caso brasileiro, o artigo 1
o
., parágrafo único, na Constituição Federal de
1988, estabelece que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos destas Constituição”. Repete aqui
o legislador pátrio a clássica definição de democracia cunhada por Lincoln, naquela
que ficou conhecida como oração de Gettysburg, quando se dirigindo as aos
parentes e amigos vítimas que tombaram na batalha do mesmo nome, afirmou: “não
morreram em vão – que esta nação, sob Deus, tenha um novo nascimento de
liberdade e que o governo do povo, pelo povo, para o povo, da terra não pereça”
(CARNAGIE, 1977 p.175).
A Constituição determina, no capitulo dos direitos políticos, no artigo 14,
como a soberania popular será exercida através do sufrágio universal e pelo voto
direito e secreto, com valor igual para todos, contemplando os institutos do
plebiscito, referendo, e a iniciativa popular em projetos de lei a serem encaminhados
as casas legislativas.
O plebiscito já era uma forma de consulta popular no período dos romanos. A
população dizia se era a favor ou contra aquela determinada proposta. Este é o
caráter encontrado atualmente na Constituição Federal, os eleitores são consultados
e deliberam sobre a matéria que é colocada em votação. O voto tem valor igual para
todos e quem determina se a matéria será ou não objeto de consulta popular é o
Congresso Nacional, que autoriza referendo ou convoca plebiscito, conforme art. 49,
XV, CF.
91
Na Constituição Brasileira são objeto de plebiscito a criação de estados ou
territórios federais (art. 18 parágrafo 3
º
), como também a criação, incorporação,
fusão e desmembramento de municípios (ar. 18 parágrafo 4
º
). O referendo é uma
manifestação posterior dos eleitores sobre determinada lei ou artigo de lei aprovado
pelo legislativo. O cidadão vai e declara seu voto a favor ou contra aquela lei ou
artigo de determinada lei.
Pela Constituição Federal, para que um projeto de lei de iniciativa popular,
possa tramitar no Congresso Nacional é exigido que o mesmo seja subscrito por,
pelo menos 1% (um por cento) e nas Câmaras Municipais por 5% (cinco por cento)
dos eleitores, o que tem dificultado e, até em alguns casos, inviabilizado, a
utilização deste instrumento.
Portanto, a participação popular (Artigos 43, 44 e 45 do Estatuto das Cidades)
não se constitui em mera consulta para referendar decisões tomadas pelos
técnicos e muito menos cooptação de setores sociais pela participação em
comissões e conselhos que muitas vezes homologam decisões tomadas nos
gabinetes. Deve constituir-se num verdadeiro processo de democracia participativa
para que o resultado se constitua num projeto coletivo que reflita a vontade da
comunidade.
5.2.1 O Conselho das Cidades
A gestão democrática da cidade está prevista no capitulo IV artigos 43 a 45,
do Estatuto das Cidades. A lei aponta alguns instrumentos que devem ser utilizadas
para que efetivamente ocorra estão participação. Entre os instrumentos prevê a
existência de órgãos colegiado de política urbana nos níveis nacional, estadual e
municipal. O Conselho das Cidades (ConCidades) desempenha o papel previsto no
inciso I do artigo 43 do Estatuto das Cidades, a nível nacional.
O ConCidades, foi inicialmente criado com a Medida Provisória no. 2.220 de
04 de setembro de 2001, com o nome de Conselho Nacional de Desenvolvimento
Urbano (art. 10), posteriormente alterado para Conselho das Cidades. Através da lei
10.683, de 28 de maio de 2003 passou da estrutura organizacional da Presidência
da República para o Ministério das Cidades que deu-lhe a competência propor as
diretrizes para a distribuição regional e setorial do orçamento daquele ministério,
mantendo-se as atribuições prevista nos art. 10 da M.P. 2.220.
92
Na primeira composição do ConCidades, aprovado na 1
a
. Conferência das
Cidades, realizada em Brasília, em 2003, tinha 71 membros titulares e igual número
de suplentes, com mandato de dois anos. Dos quais 41 representantes de
segmentos da sociedade civil e 30 representantes dos poderes públicos Federal,
Estadual e Municipal, do Executivo e Legislativo. Os representantes da sociedade
civil são membros de movimentos populares, de entidades de trabalhadores e
empresários, entidades acadêmicas e profissionais e organizações não
governamentais, indicados por entidades com caráter nacional. Também possuía 27
observadores estaduais, um por Estado da Federação mais o Distrito Federal. Os
observadores não tinham o poder de voto, e apenas desempenhavam o papel de
interlocutores entre o ConCidades para a construção de conselhos estaduais e
municipais.
O ConCidades possui natureza deliberativa no que diz respeito ao seu
funcionamento e consultiva quanto as suas deliberações, sendo que suas
resoluções possuem caráter de recomendação. Na segunda Conferência das
Cidades, realizada em Brasília, de 30 de novembro a 3 de dezembro de 2005, o
Conselho das Cidades passou a ter 86 membros titulares, igual numero de
suplentes, e 8 observadores estaduais. (Vide anexo – Decreto 5.790/2006).
Além do colegiado Pleno, composto por todos os membros titulares, o
ConCidade possui quatro comitês técnicos formado pelos membros titulares e
suplentes. São os seguintes os Comitês Técnicos: Habitação, Saneamento
Ambiental, Trânsito Transporte e Mobilidade Urbana e Planejamento Territorial
Urbano. Estes comitês técnicos são considerados órgãos de assessoramento e se
reúnem antes das reuniões do Conselho. Na composição dos comitês deve ser
observada a representação das diversas categorias que compõe o ConCidades. As
deliberações são em forma de resoluções, por maioria simples dos presentes,
cabendo ao presidente o voto de qualidade em caso de empate.
Nos primeiros dois anos da institucionalização do ConCidades a nível federal,
apenas uma cidade, Niterói, implantou o Conselho da Cidade a nível municipal, e um
Estado, Mato Grosso do Sul, a nível estadual, embora as Conferências das Cidades
em todos os níveis tenham apontado para este objetivo. O ConCidades tem se
reunido regularmente a cada 90 dias para deliberar sobre temas relacionados a sua
competência, tendo produzido várias resoluções que complementam e interpretam o
Estatuto da Cidade no que diz respeito as formas de participação popular, conteúdo
93
do Plano Diretor, recomendações nas áreas de habitação, saneamento, liberação de
recursos para investimentos nas áreas de sua atuação entre outras.
5.3 O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PLANO DIRETOR
O Plano Diretor é antes de tudo um mandamento constitucional. Está previsto
no parágrafo 1
o
. do art. 182 da Constituição Federal, constituindo-se no
“instrumentos básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. Deve ser
aprovado pela Câmara Municipal, portanto é uma lei, uma lei que, conforme
estabelece a lei orgânica do município, poderá ser uma lei ordinária ou lei
complementar. Poderá a lei orgânica municipal fixar um quorum privilegiado para a
sua aprovação ou modificação através de emendas, um interstício de prazo entre
uma votação e outra, objetivando com isto dar uma perenidade maior a Plano,
dificultando com isto as modificações.
Afirma José Afonso da Silva (2000, p.134) sobre o Plano Diretor que:
É plano, porque estabelece os objetivos a serem atingidos, o prazo em que estes
devem ser alcançados (ainda que, sendo plano geral, não precise fixar prazo, no que
tange às diretrizes sicas), as atividades a ser executadas e quem deve executa-
las. É diretor, porque fixa as diretrizes do desenvolvimento urbano do município.
A Constituição Federal determina a obrigatoriedade do Plano Diretor para as
cidades com mais de 20 mil habitantes. Cidade aqui compreende todo o território
municipal e não apenas o perímetro urbano. o Estatuto das Cidades (art. 41),
independentemente do número de habitantes, amplia esta obrigatoriedade também
para os municípios integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
onde o Poder Público Municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no
parágrafo 4
o
. do art. 182 da CF, ou seja,(parcelamento e edificações compulsórios,
impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivos no tempo, e
ainda a desapropriação com o pagamento mediante títulos da dívida pública). Estes
instrumentos são armas, que o Legislador Constitucional colocou a disposição do
Poder Público Municipal, para combater a especulação imobiliária.
Também estão obrigados, pelo Estatuto da Cidade, a implantarem o Plano
Diretor os municípios que integram áreas de interesse turísticos e aqueles que estão
inseridos em áreas de influências de empreendimentos ou atividades com
94
significativo impacto ambiental de âmbito regional e nacional. Aqui devem estar
aqueles municípios que tenham como atividade preponderante o turismo, como por
exemplo, os municípios litorâneos, com praias, as estâncias hidrominerais, os que
possuem belezas naturais ou patrimônio histórico. Com relação aos municípios que
sofrem influência de grandes empreendimentos e impacto ambiental podem ser
caracterizados como os que estão no entorno de um grande aeroporto ou uma
usina hidrelétrica de grande capacidade geradora que, com sua represa, tenha
alagado um território considerável.
O Plano Diretor tem sido conceituado como uma lei municipal que se constitui
em normas que traçam as diretrizes e técnicas para se atingir o desenvolvimento
integral do município sob o ponto de vista urbano, sócio-econômico e administrativo.
Ao longo do tempo, adotou muitos nomes, entre os quais Plano Diretor de
Desenvolvimento Econômico, Plano Diretor Decenal, ou simplesmente Plano Diretor,
a partir da Constituição de 1988.
Para Meirelles (1993, p. 393)
é o instrumento técnico-legal definidor dos objetivos de cada Municipalidade, e por
isso mesmo com supremacia sobre os outros, para orientar todas as atividades da
Administração e dos administrados nas realizações públicas e particulares que
interessam ou afetem a coletividade.
Afirma Monteiro (1990, v.1, p.13), que o Plano Diretor não se trata de um
mero plano urbanístico e não pode ser confundido como tal. Esclarece que o Plano
Diretor
tem um objetivo muito mais amplo: o de interferir no processo de desenvolvimento
local a partir de uma compreensão global dos fenômenos políticos, sociais,
econômicos e financeiros que condicionam a evolução do município e contribuem
para a ocupação desordenada do espaço urbano.
Na visão de Monteiro, portanto, o Plano Diretor constitui-se, mais do que um
ordenador do espaço urbano, num indicador de objetivos onde a cidade quer
chegar.
Neste estudo tem-se como objetivo demonstrar que, mais do que uma norma,
o Plano Diretor é um instrumento para que as funções sociais da cidade e da
propriedade urbana se materializem. Ou seja, a garantia da implementação das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, que foram amplamente
95
estudadas anteriormente, é o objetivo primordial do Plano Diretor. Assim, pode-se
dizer que o Plano Diretor é instrumento fundamental da política urbana municipal,
que tem por objetivo garantir o bem-estar e a melhoria da qualidade de vida da
população, através do ordenamento do pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e da propriedade urbana.
Para Saule Junior (1997, p. 260) a participação da comunidade na
elaboração do Plano Diretor além de
dar eficácia e validade jurídica em obediência aos princípios constitucionais
norteadores da política urbana, com também para conferir consistência para os
novos paradigmas de exercício do poder, de modo a consolidar novos valores
fundamentais na cidade, considerando a existência de diferenças, dos conflitos, dos
interesses divergentes presentes na sociedade, a prática do democracia e do
exercício da cidadania.
A lei que estabelece o Plano Diretor poderá prever outras leis específicas que
deverão aprofundar e detalhar matérias como, por exemplo, a lei ocupação e uso do
solo urbano, lei do zoneamento e perímetro urbano, lei de obras de construção e
edificações, licenciamento e fiscalização de obras e edificações, código sanitário,
licenciamento e fiscalização de atividades econômicas e posturas municipais entre
outras. Quanto a lei do Plano Diretor, Mukai (2002, p.248) afirma que “o processo
legislativo de sua aprovação, ao nível municipal, e o comum. Deveria ser matéria
exclusiva competência do Executivo, quanto à iniciativa”.
Meirelles (1993, p 394) aponta algumas características do Plano Diretor
como ser uno, integral, dinâmico e evolutivo, devendo ser adaptado as necessidade
de cada município. Deve fixar objetivos e prioridades na orientação do
desenvolvimento e crescimento da cidade, disciplinando as atividades urbanas e
norteando futuros empreendimentos no território municipal, tanto públicos quanto
privados. Assim também argumenta Carneiro (1998, p.119) quando afirma que “o
Plano Diretor é o instrumento que mostra o norte para que o Poder Público Municipal
tenha os meios para ativar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade”.
E vai além ao declarar que “não é mero ordenador da ocupação do solo urbano. É
muito mais, bem mais. Razão por que, face ao seu imenso alcance, todas as
cidades brasileiras deveriam estar obrigadas a adota-lo”.
O Estatuto da Cidade estabelece que o Plano Diretor deve englobar todo o
território do município (art. 40 parágrafo 2
o
.), portanto não é uma lei apenas para os
96
aspectos urbanos do município, mas objetivando o seu desenvolvimento integral em
todas as áreas. Neste particular o município poderá estabelecer normas de
zoneamento para as atividades agropecuárias, agroindustriais, vias públicas rurais
entre outras.
A crítica que se faz ao Plano Diretor determinado na Constituição Federal é
que ele é apresentado como o único instrumento do desenvolvimento da política
urbana. E como o Plano Diretor não é obrigatório para todos os municípios, estas
comunidades ficariam sem planejamento ou recorreriam a políticas imediatistas
correspondentes ao mandato do Prefeito. Assim, Daniela Campos Libório Di Sarno
(2004, p. 64) expressa sua opinião:
Apenas a figura do Plano Diretor não é suficiente para detectar as necessidades e
peculiaridades de toda a cidade. É necessário que ele seja complementado por
planos específicos, setoriais ou microrregionais que determinarão o perfil de cada
localidade.
Di Sarno reconhece, no entanto, que o Estatuto da Cidade (art. 4, II), prevê
que são instrumentos gerais de planejamento também o planejamento das regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões. Observe-se que é
competência dos estados (art. 25, parágrafo 3
o
. CF), mediante lei complementar,
com o objetivo de integrar a organização, o planejamento e a execução de funções
públicas, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões
constituídas de municípios limítrofes. Assim os Estados têm criado regiões
metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões e estabelecido planos e
políticas de desenvolvimento urbano e regional com objetivo de planejar o território
além das fronteiras políticas dos municípios.
5.3.1 Requisitos Mínimos para o Plano Diretor
Instrumentos como o parcelamento, edificação, e utilização compulsórios,
direito de preempção, outorga onerosa do direito de construir, zonas especiais onde
o uso do solo poderá ser alterado mediante contrapartida do beneficiário, operações
urbanas consorciadas, transferência do direito de construir e sistema de
acompanhamento e controle, são conteúdos mínimos, previstos no art. 42 do
97
Estatuto da Cidade, que deverão estar previstos no Plano Diretor para que os
mesmos possam ser implementados pela administração municipal.
No entanto, o que se observa, é que muitos destes instrumentos, dependendo
o tamanho do município e das condições locais não estavam sendo aplicados, ou se
constituíam em mera repetição da legislação federal nos planos diretores sem
nenhuma finalidade prática. E a verdadeira finalidade de um Plano Diretor, que é
implementar, ser o instrumento para que se implemente as funções sociais da
cidade, o estava sendo atingido. Neste sentido Adir Ubaldo Rech alerta que o
Plano Diretor deve incorporar as diretrizes estabelecidas no Estatuto da Cidade.
Afirma Rech (2003, p. 249) que:
O Plano Diretor o pode constituir-se de normas isoladas, sem unidade, que não
conduzem para lugar algum. Também não pode ensejar interpretações contraditórias
(antinomias, antagonismos). Esse plano tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, conforme
preceitua o art. 2
o
. do Estatuto da Cidade. As diretrizes do próprio estatuto devem ser
incorporadas à lei do Plano Diretor, como direitos a serem assegurados e princípios
a serem observados para alcançar seu objetivo.
O ConCidades, que possui competência legal para emitir orientações e
recomendações sobre a aplicação do Estatuto da Cidade, preencheu esta lacuna na
legislação com a resolução 34, de 01 de julho de 2005. Ela, entretanto, não possui
poder normativo ou regulamentar, apenas de recomendação. Com a resolução
estabeleceu-se efetivamente conteúdo nimo que devem conter um Plano Diretor
para que efetivamente venha garantir a implementação das funções sociais da
cidade e da propriedade urbana. E não apenas isto, esclareceu qual é a finalidade
de um Plano Diretor como elemento para ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes, conforme
estabelece a Constituição Federal (art. 182).
Nas considerações iniciais a resolução é clara e afirma de forma peremptória
que
o objetivo fundamental do Plano Diretor é definir o conteúdo da função social da
cidade e da propriedade urbana, de forma a garantir o acesso a terra urbanizada e
regularizada, o direito à moradia, ao saneamento básico, aos serviços urbanos a
todos os cidadãos, e implementar uma gestão democrática e participativa
(CONCIDADES, Resolução 34/ 2005).
98
E vai além quando declara que o bem coletivo, a segurança e o bem-estar
dos cidadãos, e o equilíbrio ambiental dependem da elaboração de planos diretores
municipais.
Para que isto ocorra, a resolução do ConCidades aprofunda a questão, ao
reconhecer que deve ter
conteúdos diferenciados, de forma a respeitar o porte do município, sua história e a
região onde se insere, e é dever do Estado prover condições indispensáveis para o
pleno exercício da saúde; e que a saúde tem como fatores determinantes e
condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio
ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer, e o acesso aos bens
e serviços essenciais (CONCIDADES, Resolução 34/ 2005).
Quando a resolução trata de Estado como provedor de direitos sociais,
considera o poder público em suas diferentes esferas: municipal, estadual e federal,
que possuem competências comuns estabelecidas nos art. 23 da CF.
Como requisitos mínimos, a resolução estabelece no art. que o Plano
Diretor deve prever, que
as ões e medidas para assegurar o cumprimento das funções sociais da cidade,
considerando o território rural e urbano; as ações e medidas para assegurar o
cumprimento da função social da propriedade urbana, tanto privada como pública; os
objetivos, temas prioritários e estratégias para o desenvolvimento da cidade e para a
reorganização territorial do município, considerando sua adequação aos espaços
territoriais adjacentes; os instrumentos da política urbana previstos pelo art. 42 do
Estatuto da Cidade, vinculando-os aos objetivos e estratégias estabelecidos no Plano
Diretor (CONCIDADES, Resolução 34/ 2005) .
Observa-se que o cumprimento das funções sociais da cidade engloba além
do território urbano também o território rural, e que a função social da propriedade
não se refere apenas a propriedade privada, mas também a propriedade pública, e a
organização territorial deve levar em conta o aspecto regional quando trata dos
“espaços territoriais adjacentes”. E os instrumentos previstos no art. 42 do Estatuto
das Cidades devem estar vinculados aos objetivos e estratégias do Plano Diretor”,
ou seja não deve apenas estar previstos na lei, mas inseridos no contexto da
realidade local.
O art. 2º prevê que
99
as funções sociais da cidade e da propriedade urbana serão definidas a partir da
destinação de cada porção do território do município bem como da identificação dos
imóveis não edificados, subutilizados e não utilizados, no caso de sua existência
(CONCIDADES, Resolução 34/ 2005).
Aqui está estabelecido de maneira clara, que o ordenamento das funções
sociais da cidade vincula-se ao ordenamento das funções sociais da propriedade. E
este ordenamento terá de garantir
espaços coletivos de suporte à vida na cidade, definindo áreas para atender as
necessidades da população de equipamentos urbanos e comunitários, mobilidade,
transporte e serviços públicos, bem como áreas de proteção, preservação e
recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico,
artístico, paisagístico e arqueológico.
Especifica ainda como função social da cidade a:
a acessibilidade e a mobilidade sustentável de todos os cidadãos por meio do
desenho dos espaços públicos e do sistema viário básico; a universalização do
acesso à água potável, aos serviços de esgotamento sanitário, a coleta e disposição
de resíduos sólidos e ao manejo sustentável das águas pluviais, de forma integrada
às políticas ambientais, de recursos hídricos e de saúde; terra urbanizada para
todos os segmentos sociais, especialmente visando a proteção do direito à moradia
da população de baixa renda e das populações tradicionais; áreas para todas as
atividades econômicas, especialmente para os pequenos empreendimentos
comerciais, industriais, de serviço e agricultura familiar (CONCIDADES, Resolução
34/ 2005).
Aquilo que era motivo de especulação por parte da doutrina sobre quais
seriam as funções sociais da cidade previstas no caput do art. 182 da CF, agora
uma norma emanada por um órgão federal procura esclarecer e especificar. Seriam
apenas estas as funções sociais da cidade definidas no artigo 2
o
. da resolução 34
do Concidades? As outras funções sociais da cidade, que não foram incluídas na
resolução, e que o município poderá considera-las na hora de implementar o seu
Plano Diretor? O tempo também poderá modificar, alterar algumas destas funções
sociais, excluí-las ou agregar outras? Enfim estas são perguntas que novas
pesquisas na área poderão responder.
A resolução prevê que, uma vez definidas as funções sociais da cidade e da
propriedade urbana, o Plano Diretor deverá conter (Art. ): critérios para a
caracterização de imóveis não edificados, subutilizados, e não utilizados; determinar
100
critérios para a aplicação do instrumento estudo de impacto de vizinhança; delimitar
as áreas urbanas onde poderão ser aplicados o parcelamento, a edificação e a
utilização compulsórios, considerando a existência de infraestrutura e de demanda
para utilização; definir o prazo para notificação dos proprietários de imóveis prevista
pelo art. , § 4 º, do Estatuto da Cidade; delimitar as áreas definidas pelo art.
desta Resolução e respectivas destinações nos mapas, e descrição de perímetros,
consolidando no plano diretor toda a legislação incidente sobre o uso e ocupação do
solo no território do município.
em relação ao art. 42, inciso II, do EC, (direito de preempção, outorga
onerosa do direito de construir e de alteração de uso, operações urbanas e a
transferência do direito de construir), que estabelecem como conteúdos mínimos, a
resolução deixa a aplicação destes instrumentos no condicional, a critério do
município, incluí-los ou não no Plano Diretor. E estes instrumentos poderão ser
aplicados se tiverem sua área de aplicação delimitada no Plano Diretor e justificados
na exposição de motivos, com vinculação das estratégias e objetivos.
Ainda como conteúdos mínimos do Plano Diretor, o art. . da referida
resolução prevê a instituição das Zonas Especiais, sempre considerando o
considerando o interesse local, deverá incluí-los no texto e mapas legais.
Evidentemente se algumas destas situações não se configuram no território
municipal, não porque destinar determinadas Zonas Especiais, que não se
constituem em interesse da comunidade.
Classificadas como Zonas Especiais deverão ser destinadas áreas para
assentamentos e empreendimentos urbanos e rurais de interesse social; demarcar
os territórios ocupados pelas comunidades tradicionais, tais como as indígenas,
quilombolas, ribeirinhas e extrativistas, de modo a garantir a proteção de seus
direitos; demarcar as áreas sujeitas a inundações e deslizamentos, bem como as
áreas que apresentem risco à vida e à saúde; demarcar os assentamentos
irregulares ocupados por população de baixa renda para a implementação da
política de regularização fundiária; definir normas especiais de uso, ocupação e
edificação adequadas à regularização fundiária, à titulação de assentamentos
informais de baixa renda e à produção de habitação de interesse social, onde
couber; definir os instrumentos de regularização fundiária, de produção de
habitação de interesse social e de participação das comunidades na gestão das
áreas; demarcar as áreas de proteção, preservação e recuperação do meio
101
ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico
e arqueológico.
Também a resolução (art. 6
o
.) enfatizar a importância do acompanhamento e o
controle social, conforme previsto pelo art. 42, inciso III, do Estatuto da Cidade.
Como instrumentos do acompanhamento e controle o Plano Diretor deverá prever
instâncias de planejamento e gestão democrática para implementar e rever o Plano
Diretor; apoiar e estimular o processo de Gestão Democrática e Participativa,
garantindo uma gestão integrada, envolvendo poderes Executivo, Legislativo,
Judiciário e a sociedade civil; garantir acesso amplo às informações territoriais a
todos os cidadãos; monitorar a aplicação dos instrumentos do Plano Diretor e do
Estatuto da Cidade, especialmente daqueles previstos pelo art. 182, §4º, da
Constituição Federal.
Para o Sistema de Acompanhamento e Controle Social (art.:- Resolução
34), os instrumentos deverão ser de gestão democrática do Plano Diretor como: o
Conselho da Cidade ou similar, com representação do governo, sociedade civil e das
diversas regiões do município, conforme estabelecido na resolução 13 do Conselho
das Cidades; conferências municipais; audiências públicas, das diversas regiões do
município, conforme parâmetros estabelecidos na Resolução 25 do ConCidades:
consultas públicas; iniciativa popular; plebiscito; referendo.
Também para as cidades como mais de 500 mil habitantes (art.8
o
. R34) o
Plano de Transporte Urbano integrado, ora denominado de Plano Diretor de
Transporte e da Mobilidade, deverá contemplar os seguintes princípios e diretrizes
gerais: garantir a diversidade das modalidades de transporte, respeitando as
características das cidades, priorizando o transporte coletivo, que é estruturante,
sobre o individual, os modos não-motorizados e valorizando o pedestre; garantir que
a gestão da Mobilidade Urbana ocorra de modo integrado com o Plano Diretor
Municipal; respeitar às especificidades locais e regionais; garantir o controle da
expansão urbana, a universalização do acesso à cidade, a melhoria da qualidade
ambiental, e o controle dos impactos no sistema de mobilidade gerados pela
ordenação do uso do solo.
Finalmente a portaria do ConCidades deixa em aberto para outros conteúdos
além do mínimo exigido na elaboração do Plano Diretor, de acordo com as
especificidades e temas relevantes de interesse da população de cada município.
Isto significa que o conteúdo mínimo, é apenas o básico, o imprescindível que
102
devem constar dos planos, mas que cada cidade poderá e deverá faze-lo de acordo
com suas necessidades e características, incluindo, inclusive instrumentos que,
eventualmente, possam não estar previstos no Estatuto da Cidade. Finalmente, o
Plano Diretor tem por finalidade implementar as funções sociais da cidade, na Carta
Constitucional constituindo-se num direito difuso que foi clareado, especificado pela
portaria do ConCidade.
Alguns municípios, numa etapa anterior a elaboração ao Plano Diretor
aprovam um Plano Preliminar de Organização Territorial. Este instrumento foi
bastante utilizado nas décadas de 70 a 90 do século passado e seu objetivo era
disciplinar o solo urbano, a ocupação do território, com áreas destinadas a
implantação de habitações, comércio, indústria, serviços, lazer, de proteção do meio
ambiente. Este plano preliminar acaba se constituindo na base para a elaboração
futura de uma lei de zoneamento, ocupação e uso do solo.
Monteiro (1990, v.1, p. 31-32), aponta alguns pontos que deverão ser
contemplados num Plano Preliminar de Organização Territorial, como fundamentais
para que se possa atingir seus objetivos. Quanto às atividades no meio urbano
orienta no sentido de que deva identificá-las no território as que existem, ou
venham a existir no município em função das tendências; também identificar os
vazios urbanos, qualitativa e quantitativamente, como espaços que podem ser
utilizados por estas atividades; também identificar os canais que fazem a ligação
destas atividades, o sistema de circulação; os equipamentos urbanos, a infra-
estrutura ligadas as atividades e que são suporte a elas. Explica que
os trabalhos que conduzem à elaboração do plano preliminar de ocupação territorial
deverão ser apresentados sob a forma de um ou mais documentos cartográficos,
acompanhados de textos elucidativos, que servirão de base para a discussão das
diretrizes do Plano Diretor.
Ainda com relação ao documento, aponta Monteiro (1990, p.32) que o
documento deverá contemplar, entre outros aspectos, as restrições de natureza
ambiental; a planta do saneamento básico, incluindo macrodrenagem, orientando a
ocupação do solo para seguir o fluxo das bacias hidrográficas, com objetivo de
diminuir custos de urbanização e manutenção dos equipamentos; deve-se ainda
identificar as atividades de grande porte que possuem atração sobre as demais; o
sistema viário, destacando as formas de mobilidade e acessibilidade; sistemas de
educação, abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem, energia
103
elétrica, pavimentação e outros; possuir um diagnóstico completo das áreas não
ocupadas, com o tamanho, valor, infra-estrutura existente.
5.3.2 Estudo de Impacto de Vizinhança
Uma das grandes inovações do Estatuto da Cidade, que deverá integrar o
Plano Diretor é o estudo prévio do Impacto de Vizinhança, (EIV) para grandes
empreendimentos no espaço urbano. Trata-se de um instrumento de gestão,
moderno, que constitui a cidade sob o aspecto do direito urbano-ambiental sob a
ótica da função social da propriedade urbana. Trata-se de uma forma de fazer com
que a comunidade que, vai sofrer o impacto daquela atividade, seja ouvida e a
decisão sobre a implantação ou não do empreendimento não fique exclusivamente
nas mãos de algumas pessoas. Grandes empreendimentos, neste caso, são os
conjuntos e condomínios habitacionais e de atividades empresariais, shopping-
centers, hipermercados, fábricas, estádios e ginásios esportivos, escolas,
universidades, presídios, terminais rodoviários, ferroviários, aeroportos entre outros.
O direito de vizinhança passa a ser considerado na gestão urbana, uma vez
que o zoneamento, que era usado até então, não consegue dar a população afetada
solução para os problemas gerados por empreendimentos de grande porte.
A partir da análise dos impactos é possível avaliar a pertinência da implantação do
empreendimento ou atividade no local indicado, ou seja, avaliar se o proposto está
adequado ao local, estabelecendo uma relação da cidade, considerando o meio no
qual está inserido (CONFEA. Ministério das Cidades, 2004, p.112).
Para aplicação do Impacto de Vizinhança, além de estar previsto no Plano
Diretor, é necessário que haja uma lei específica que vai definir quais os
empreendimentos e as atividades públicas e privadas que dependerão do Estudo
Prévio de Impacto de Vizinhança para obter licenças ou autorizações de construção,
ampliação ou funcionamento. O objetivo do EIV é fazer uma avaliação dos fatores
positivos e negativos que aquele empreendimento vai causar na vizinhança, em
relação a qualidade de vida na população da área de influência, sob os aspectos
ambiental, econômico, social e com isto apontar ações mitigadoras e
compensatórias.
104
Estabelece o Estatuto da Cidade (art. 37) que na análise do EIV, deve ser
incluída, entre outros aspectos, questões como o aumento populacional, a
capacidade dos equipamentos urbanos e comunitários, o uso e ocupação do solo, a
valorização imobiliária, geração de tráfego e demanda por transporte público,
ventilação e iluminação, paisagem urbana e patrimônio natural e cultura. O resultado
destes estudos deverá ficar a disposição da comunidade para consulta, no órgão
responsável do município, pela exigência do EIV.
A elaboração do EIV não substitui o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, o
EIA, previsto na lei 6.938/81 e na resoluções 01/86 e 237/97 do Conselho Nacional
do Meio Ambiente, quando a legislação ambiental assim o exigir. A resolução
001/86, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), define impacto
ambiental como
qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio
ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das
atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: a saúde, a segurança e o
bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições
estéticas e sanitárias do meio ambiente e a qualidade dos recursos ambientais.
Embora ainda um instrumento novo, pouco utilizado, alguns Planos Diretores,
como o de Curitiba (Lei Municipal 11.266/2004) prevê, além das exigências do
Estatuto da Cidade, que o EIV deve conter uma discrição detalhada do
empreendimento, identificar os impactos que serão causados pelo empreendimento
ou atividade nas fases de planejamento, implantação, operação e quando o mesmo
for desativado. E ainda deve acompanhar o EIV, as medidas de controle ambiental,
mitigadoras ou compensatórias adotadas nas diversas fases do empreendimento,
com a indicação das responsabilidades pela implantação das mesmas.
5.3.3 Etapas na Construção do Plano Diretor
Embora não haja nenhum impedimento legal para que a iniciativa do processo
e do projeto de elaboração do Plano Diretor parta do legislativo municipal, a
experiência ensina que esta é uma atividade de competência do Executivo, pelos
instrumentos de planejamento que dispõe. Desde os técnicos (urbanistas,
engenheiros, advogados, economistas e etc) que estão a seu serviço, a memória do
105
planejamento municipal, aos recursos que dispõe para a contratação de empresas e
profissionais capacitados para a elaboração dos documentos técnicos que deverão
acompanhar o projeto de lei a ser encaminhado à Câmara Municipal.
autores que estabelecem quatro, cinco ou mais etapas para a elaboração
do Plano Diretor. Silva (2000 p.138-139) prevê quatro fases no processo de
elaboração: a) Estudos preliminares; b) Diagnóstico: c) Plano de Diretrizes; d)
Instrumentação do plano. Os estudos preliminares constituem-se num levantamento
da situação e dos problemas municipais. No diagnóstico aprofunda-se a análise
destes problemas, identificam-se as prováveis soluções e prevê as perspectivas de
evolução. O Plano de Diretrizes aponta para as soluções e fixa objetivos e diretrizes
da organização do território. Finalmente os instrumentos do Plano consistem na
elaboração dos meios de atuação identificando as medidas capazes de resolver os
objetivos escolhidos.
O Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CONFEA), em
conjunto com o Ministério das Cidades desenvolveu um guia para elaboração do
Plano Diretor, sob a coordenação de Raquel Rolnik e de Otilie Macedo Pinheiro
(2005) que define quatro etapas na elaboração do Plano Diretor. A primeira, deverá
ser as leituras técnicas e comunitárias. Significa identificar a situação do município:
a parte urbana e rural, problemas, conflitos e potencialidade. A leitura técnica ajuda
a entender a cidade comparando dados e informações sócio-econômicas,
ambientais e de infraestrutura. Não se trata apenas de um olhar de especialistas,
mas dos cidadãos das mais diversas áreas. Nesta leitura respeita-se até as
memórias, lembranças dos moradores, dos grupos sociais. Para a leitura
comunitária é importante que os dados como mapas do município estejam
disponíveis de forma sistematizada. Neste aspecto deve-se procurar mapear no
território como áreas de risco de ocupação, áreas de preservação cultural,
ambiental, a estrutura fundiária e outras.
Ainda na leitura técnica e comunitária são importante observar os mapas com
a caracterização e a distribuição da população e seus movimentos, por bairro, faixa
etária, renda, crescimento e evasão da população. Mapas de uso e ocupação do
solo, infra-estrutura urbana disponível como água, energia elétrica, esgotamento
sanitário, telefone, drenagem e outras, e a população atendida e não atendida. E
também procurar mapear as atividades econômicas do município, sua distribuição
espacial, e no contexto regional. Atividades que estão em expansão e em retração,
106
participação na receita municipal, e as vocações econômicas de determinados
bairros. Nestas leituras é importante analisar a legislação, os estudos existente,
fazendo sempre uma confrontação dos dados entre as leituras técnicas e
comunitárias.
Na segunda etapa do processo de elaboração do Plano Diretor, segundo o
Guia do Ministério da Cidades, devem ser formuladas e pactuadas propostas
prioritárias já definidas nas leituras técnicas. Em cada tema prioritário deve ser
definidos também as estratégias e os instrumentos de acordo, características e os
objetivos que deverão estar contidos no Plano Diretor. Por exemplo: proteger as
áreas do patrimônio ambiental degradas: programa de moradias para as
populações de menor renda. Estas prioridades devem ter objetivos a ser atingidos e
estratégias de implementação.
A terceira etapa deve definir os instrumentos, ou seja, as ferramentas que
estarão contidas no Plano Diretor, em consonância com os objetivos e estratégias
dos projetos prioritários. A grande maioria destes instrumentos está prevista no
Estatuto da Cidade, porém devem ser definidos aqueles que melhor adequados ao
município. Os instrumentos vão desde os que regulamentam e disciplinam o
parcelamento, o uso e ocupação do solo, zoneamento ambiental, planos setoriais,
institutos tributários e financeiros, como impostos e contribuição de melhorias.
Também podem ser definidos instrumentos como a gestão democrática,
envolvendo o planejamento participativo, com a realização de conferência e a
implementação do Conselho da Cidade. E ainda instrumentos jurídicos e políticos,
como desapropriação, servidões, tombamento de imóveis e mobiliário urbano,
usucapião, direito de superfície, preempção, outorga onerosa do direito de
construir,transferência do direito de construir, operações urbanas consorciadas,
estudo de impacto ambiental e de impacto de vizinhança entre outros.
E a quarta etapa diz respeito ao sistema de gestão e planejamento do
município. Na lei do Plano Diretor deve estar previsto como deve ser o processo
participativo no planejamento objetivando implementar e controlar a sua execução.
Esta etapa deve compreender avaliações, atualizações e ajustes previstos na
própria lei. Deverá estabelecer suas instâncias de monitoramento como o conselho
da cidade, ou conselho de desenvolvimento urbano, com as competências,
atribuições e quem o compõe. Também, segundo o Guia, e o próprio Estatuto da
107
Cidade, o Plano Diretor deve prever as formas de revisão e atualização, prevendo-se
uma revisão geral, pelo menos, a cada 10 anos.
Este trabalho, propõe-se a dividir o processo de elaboração do Plano Diretor,
em duas fases: a primeira vai desde a decisão política de elaborar o anteprojeto de
Plano Diretor por iniciativa do Executivo, até transformar-se num projeto de lei a ser
encaminhado à Câmara Municipal para análise e deliberação dos vereadores. A
segunda etapa será o processo de análise do projeto no Legislativo Municipal até
sua deliberação pelo Plenário da Câmara. Na primeira etapa dividiu-se o projeto em
sete fases: 1) Diagnóstico da Realidade Municipal; 2) Prognóstico; 3)
Deficiências (Pontos Fracos); 4) Tendências Positivas; 5) Estratégias; 6) Custos;
7) Prioridades. Na segunda etapa, na Câmara, a tramitação do projeto terá, no
mínimo, três fases: a) análise técnica; b) análise nas comissões; c) discussão e
votação. Avaliação e Controle é uma etapa independente do processo de
elaboração e aprovação que ocorre durante o período de implementação do que foi
estabelecido e planejado.
Deve-se ter consciência de que o processo de elaboração do projeto de um
Plano Diretor é antes de tudo um projeto. Portanto é fundamental planejar-se o
próprio projeto para que todas as fases de elaboração possam ser cumpridas e, no
final do trabalho, tenha-se um projeto que será encaminhado a Câmara Municipal
que possa efetivamente se constituir num verdadeiro instrumento para a
concretização e ordenamento das funções sociais da cidade. As etapas do projeto
constituirão a própria memória do Plano Diretor que o acompanharão em forma de
justificativa, com apêndices, mapas, fotografias, atas e outros documentos que
estarão anexos ao próprio projeto de lei.
Como todo projeto, o Plano Diretor deve ter um objetivo a ser alcançado.
Objetivo este que não se resume a uma lei de planejamento. Todo o processo de
elaboração do projeto deve contemplar etapas como a participação da comunidade,
da cooperação das associações representativas no planejamento municipal,
conforme preceitua o item XII, do artigo 29 da Constituição Federal. É fundamental
para que os resultados sejam os esperados que o projeto tenha objetivos muito bem
definidos.
Na fase um deve-se fazer um diagnóstico completo da realidade municipal,
objetivando colher a maior quantidade possível de dados que possam permitir que
se tomem as decisões corretas nas etapas seguintes do processo de elaboração do
108
projeto. Este estudo deve ser o mais completo possível, envolvendo todas as áreas
da cidade. A colheita destes dados deve envolver todos os aspectos, começando
pelo físico-territorial, que abrange os cursos d’água e as áreas de preservação
ambiental. Os dados sócio-econômicos, énicos-populacionais, sociais, culturais,
econômicos, educacionais, devem ser os mais atualizados possíveis. Se os dados
não estiverem disponíveis em institutos de pesquisa, como o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) órgãos estaduais ou mesmo do município, deve-se
incluir neste etapa pesquisas próprias.
Também se deve trabalhar nesta etapa com os indicadores disponíveis e, se
for o caso, criar novos indicadores para que o diagnóstico possa refletir a realidade
que se pretende alcançar. Neste sentido Courson compara o diagnóstico de uma
cidade ao diagnóstico que um médico faz de uma paciente ao examina-lo e ter a
mão todos os exames. Diz o planejador francês que
o diagnóstico é o estado de saúde de uma cidade: suas forças e fraquezas, suas
potencialidades e desequilíbrios, seu entorno. Para ser útil, o diagnóstico deve
possibilitar o estabelecimento de uma terapêutica, preventiva antes que curativa
(1993, p.61) ( tradução do autor).
O perfil dos habitantes envolvendo a faixa etária, sexo, o grau de
escolaridade, o crescimento populacional, as condições sócio-econômicas, e a
evolução ou não da renda, a dinâmica econômica, as possibilidades de
financiamento de projetos, são informações muito importantes na elaboração do
diagnóstico. Também deve ser feito um levantamento de toda a infra-estrutura
urbana disponível como sistema viário, transporte, comunicação, equipamentos
educacionais, hospitais, postos de saúde, creches, estabelecimentos comerciais,
industriais e de serviços. Importante também se ter um diagnóstico das receitas
tributárias municipais, setores de onde elas se originam, e as áreas onde se gastam
essas receitas.
Deve-se também fazer uma análise do corpo burocrático municipal, situação
funcional, perfil educacional, salarial e outros. Importante também se ter um histórico
da cidade, desde a fundação, inclusive com as correntes étnicas que colonizaram o
município. Enfim, o diagnóstico é que vai possibilitar avançar no estudo para se
chegar ao projeto desejado. Esta é uma fase fundamental do trabalho de elaboração
do projeto, uma vez que os resultados que se pretendem atingir com o Plano Diretor
109
dependerá muitos destas informações. Conforme ensina Rezende (2003, p. 39) que
“a decisão de planejar decorre da percepção de que os eventos futuros poderão não
estar de acordo com o desejável se nada for feito”.
Fase dois do processo de elaboração do Plano Diretor deve-se, com base
nos dados colhidos na fase de diagnóstico, fazer-se um prognóstico sobre a situação
do município a curto, médio e longo prazo. Levantam-se hipóteses do que ocorrerá
com o município havendo apenas um crescimento vegetativo, nenhum crescimento,
ou um decréscimo populacional, se forem mantidas as taxas atuais de crescimento
econômico, se houver uma estagnação destas atividades, ou, se através de uma
ação direcionada do Poder Público houver um incremento destas atividades. O
prognóstico deverá levar em conta tendências municipais e regionais, os fatores que
podem influenciar o município nos mais diversos aspectos, desde aquelas que
estejam próximas, que digam respeito a sua população, as riquezas de seu território,
suas potencialidades, até fatores externos que abrangem políticas nacionais e
internacionais.
Importante, nesta fase, é analisar as tendências de crescimento ou redução
populacional, a vocação econômica de cada parcela do território municipal, como um
bairro ou um distrito, ou localidade, por exemplo. Como estará o comércio, a
indústria, a agricultura, a prestação de serviços do município num horizonte de
projeção de cinco, dez, e até ou vinte anos mais anos. Também o prognóstico
deverá abranger todas as áreas de infra-estrutura urbana e rural envolvendo, entre
outros, os setores de transporte, saneamento, energia, comunicações que o
município possui e a que poderá ter, com os recursos orçamentário atuais, em
horizontes de tempo pré-fixados.
A fase do prognóstico é fundamental para uma das próximas etapas, quando
se vai propor as estratégias para se atingir no futuro, o desenvolvimento amplo e
integrado do município, corrigindo distorções, fortalecendo pontos fracos,
redirecionando recursos, buscando novas fontes de financiamento. É na fase de
prognóstico que se devem fazer simulações dos vários cenários prováveis. Porém
para esta fase do processo de elaboração do Plano Diretor é importante ter em vista
que o cenário, com as condições e os dados que se tem, o resultado será o
prognosticado, previsto, se fatores outros não influenciarem no processo.
Na terceira fase serão analisadas as deficiência apresentadas pelo
município, ou seja, os seus pontos fracos. Onde carências, e no que estas
110
podem dificultar o desenvolvimento, o progresso sócio-econômico daquela
comunidade. Um termo bastante utilizado pelos administradores que trabalham em
planejamento para definirem esta fase é SWOT, que constitui as iniciais de quatro
palavras em inglês: strenght, força; weakness, fraqueza: opportunities,
oportunidades; e threats, ameaças. Para Almeida (2004, p. 23), “SWOT é a
avaliação dos pontos fortes (Strenghts) e dos pontos fracos (Waknesses) da
organização à luz das oportunidades (Opportunities) e das ameaças (Threats) em
seu ambiente”.
Fundamental nesta fase é ter estudado com profundidade o diagnóstico e
ampliar a visão do prognóstico, detectando todas as carências presentes e aquelas
que advirão no futuro se forem mantidas as condições atuais. Como nas fases
anteriores é importante nesta fase se fazer gráficos com as principais temas que se
pretende analisar como a questão populacional, ai envolvendo os recursos humanos
disponíveis, o potencial humano da comunidade, nos aspectos econômicos e
financeiros, de infraestrutura, transporte, comunicação, equipamentos sociais e
outras. Ter visão global do processo de planejamento sabendo-se que pontos fracos
são contrapostos pelos pontos fortes e que as ameaças podem gerar oportunidades
a medida em que novos caminhos, novas soluções forem buscadas.
A quarta fase trata das tendências daquela comunidade, ou a vocação inata
ou resultado da experiência acumulada. Pode-se também chamar de qualidades
intrínsecas, como por exemplo o potencial natural envolvendo o meio-ambiente,
qualidade do solo, clima. Também envolve a capacitação dos habitantes, o nível de
escolaridade, a cultura, as tradições, os valores, os costumes, as atividades
econômicas que estão sendo desenvolvidas e as perspectivas destas atividades
quanto a valorização no mercado interno e externo. Importante ainda detectar a
vocação de determinados bairros ou distritos, aspectos de sua história, belezas
naturais, estabelecimentos gastronômicos, turísticos, comerciais, arquitetônicos e
outros que possam ser explorados em beneficio do desenvolvimento daquela
comunidade. E ainda avaliar toda a infra-estrutura urbana disponível que pode se
constituir em pontos fortes.
A quinta fase diz respeito às estratégias que serão adotadas para a solução
dos problemas encontrados e para se atingir os resultados esperados. As
estratégias deverão ser bem definidas e podem se constituir em dar ou tirar
incentivos para determinadas atividades. A estratégia é um termo de origem militar
111
atualmente universalizada em todas as atividades de planejamento, desde o
empresarial, governamental e até nos esportes. Saber definir as estratégias é
facilitar a obtenção de resultados positivos.
Para Gramms e Lotz (2004, p 127), “a estratégia é um conjunto de objetivos e
de políticas principais capazes de guiar e orientar o comportamento da empresa em
longo prazo”. Uma cidade pode ser comparada a uma grande empresa, uma enorme
empresa, que para atingir o seu objetivo maior que é proporcionar o bem-estar de
seus habitantes atua em várias áreas, que se constituem nas suas funções, e para
que elas sejam sociais, deve proporcionar igualdade de condições de qualidade de
vida a todos os que nela vivem.
Definir as política públicas para cada uma das áreas, objetivando sempre o
cumprimento das funções sociais da cidade, desde a infra-estrutura urbana,
saneamento ambiental, mobilidade, expansão das áreas urbanizadas, políticas de
incentivo ao desenvolvimento econômico em determinados setores, ou retirar
incentivos para que não deteriore o meio ambiente e a qualidade de vida naquela
área. Esta é uma fase muito importante, uma vez que é a partir das estratégias que
os resultados serão mais fáceis de ser atingidos ou não.
Na sexta fase vai se fazer um estudo dos custos de implantação de todas as
prioridades. Embora os valores não estarão no corpo da lei do Plano Diretor, uma
vez que esta matéria deverá ser especificada em cada projeto ou mesmo nos planos
Plurianuais, nos orçamentos, é importante que estes valores estejam bem
determinados no documento que acompanha o projeto. Conforme Oliveira (2004, p.
94), “as políticas públicas são originadas de um processo longo e custoso, em que
se busca priorizar as ações, com base em sua relevância à sociedade civil e
conforme sua viabilidade financeira”.
Todos os valores previstos de investimentos para que as metas sejam
atingidas nos anos seguintes para se atingir as metas propostas, com gráficos
devem estar no documento do Plano Diretor. Nesta fase deverão ser analisados os
custos econômicos, financeiros, sociais, políticos e outros. A fonte destes recursos,
públicos, privados, financiamentos, interno e externo. Enfim, nesta fase tudo deve
ser avaliado para se atingir as metas propostas.
Na sétima e última fase de elaboração do Plano Diretor no âmbito do
Executivo é fundamental definir as prioridades a partir dos recursos disponíveis e
112
das necessidades mais prementes. Implementar as prioridades, monitorar a gestão
das políticas públicas e avaliar os resultados, corrigindo rumos, devem estar
previstos no projeto. Esta etapa muito importante, uma vez que permite um trabalho
constante no Plano Diretor de atualização, modernização, checagem dos resultados,
das estratégias, de objetivos e necessidades, que podem mudar ao longo do tempo
de implantação do que foi planejado.Uma vez todas estas etapas elaboradas,
fundamentadas em documentos, mapas, inclusive com fotografias, levantamentos
aerofotogramétrico e outros, o texto do projeto escrito e justificado, debatido com a
comunidade, em audiências públicas, emendado, aperfeiçoado, enfim, refletindo o
consenso da população daquele município. Assim deverá ser encaminhado o Plano
Diretor à Câmara Municipal em forma de projeto de lei.
A legislação não diz que esta é uma matéria de iniciativa exclusiva do
Executivo, salvo se a Lei Orgânica do município assim estabelecer. Se for omissa, o
projeto, poderá ser de iniciativa do Prefeito, de uma comissão da Câmara, de um
vereador, ou mesmo de 5% dos eleitores daquele município. Uma vez na Câmara
Municipal, começará outra fase no processo de elaboração da Lei do Plano Diretor,
agora baseada exclusivamente no texto de projeto de lei protocolado. Esta será
também uma fase de análise, debates, emendas, aperfeiçoamento, até a
deliberação final quando uma vez aprovada pelo Legislativo vai para o Executivo
que, através da sanção e da promulgação, fará nascer a lei do Plano Diretor.
5.3.4 O Processo Deliberativo do Plano Diretor
Transformado em projeto de lei, o Plano Diretor deverá ser encaminhado para
a Câmara Municipal, órgão legislativo municipal que terá a função legal de
transforma-lo numa lei. No Legislativo, o processo de análise, aperfeiçoamento, e
deliberação do projeto passam, no mínimo, por outras três fases.
A primeira destas fases diz respeito a uma análise técnico-jurídica que vai
instruí-lo e, se for o caso, apontar as falhas de redação, inconstitucionalidades e
ilegalidades que orientarão os pareceres dos vereadores nas comissões técnicas da
Câmara Municipal. Também este parecer, via de regra, orienta, quais as comissões
por onde o projeto vai tramitar. Os regimentos internos das câmaras estabelecem as
regras de como os vereadores e o próprio prefeito poderão apresentar emendas ao
projeto original. Nada impede, no entanto, que os vereadores requeiram a Mesa ou
113
ao Plenário que o projeto seja analisado por outras comissões que ainda não se
manifestaram sobre o assunto. Normalmente o projeto deverá ser analisado receber
pareceres de comissões como de Legislação e Justiça, Urbanismo, Educação etc.
Na fase da tramitação do Plano Diretor nas comissões técnicas da Câmara
Municipal, o projeto de lei deverá novamente retornar a análise da comunidade,
agora no âmbito do Legislativo, com a utilização dos instrumentos como debates,
audiências e consultas públicas previstos no inciso II, do artigo 43 do Estatuto da
Cidades. A participação popular na fase do processo legislativo está recomenda
quando a resolução no. 25 do ConCidades, art. 3
o
. § 1
o
. : “... a efetiva participação
de poder público e da sociedade civil, em todas as fases do processo, desde a
elaboração até a definição dos mecanismos de tomada de decisão”.
Os relatores nas comissões poderão estabelecer um prazo para que a
sociedade civil organizada possa apresentar sugestões de emendas que serão ou
não acatadas. As emendas, saliente-se, podem tramitar se forem assumidas por
algum parlamentar, ou seja, apresentadas em nome dele, ou do relator no parecer
que fará a comissão. O projeto de lei do Plano Diretor analisado nas Comissões
Técnicas, segue para discussão e para ser votado pelo conjunto dos vereadores no
Plenário da Câmara.
Em Plenário, uma vez discutido, votado e aprovado com o emendas ou não, o
projeto será encaminhado ao Prefeito Municipal terá o prazo de 15 dias para
sancioná-lo integralmente, ou veta-lo totalmente ou vetar determinados artigos. Se
foi vetado total ou partes, voltará a Câmara para que os vereadores deliberem sobre
a derrubada do veto ou a sua manutenção. O Regimento Interno de cada
Legislativo Municipal estabelece as regras de discussão e votação do projeto, e
determina o quorum necessário para aprovação e derrubada do veto. O quorum
mínimo para derrubada do veto é de maioria absoluta dos membros da Câmara.
Transformado em lei, o Plano Diretor deve ser colocado imediatamente em
prática. Como estabelece o art. 40, § 1
o
. do Estatuto da Cidade, o Plano Diretor “é
parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual,
as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporarem as diretrizes e as
prioridades nele contidas”. Isto significa que se o PPA, LDO e LOA o
contemplarem e não incorporarem as diretrizes e as prioridades contidas no Plano
Diretor estas leis serão inconstitucionais, portanto passíveis de serem questionadas
judicialmente. E os agentes públicos (prefeitos e outros agentes públicos) que
114
descumprirem a lei, poderão responder ão civil pública por atentarem contra à
ordem urbanística (Lei 7.347/85, art. 4
o
.).
Por força o artigo 52, do Estatuto da Cidade, o Prefeito comete crime de
improbidade administrativa (lei 8.429/92), se no processo de elaboração do Plano
Diretor, impedir ou não promover audiências públicas com a participação da
comunidade e das entidades representativas da sociedade civil. Também se não der
publicidade e impedir o acesso aos documentos e informações produzidas, ou não
rever o Plano Diretor a pelo menos a cada 10 anos ou não aprova-lo no prazo de 5
anos, nos municípios em que é obrigatório (Art. 40, § 3
o
.,§ 4
o
. I a III, 41 e 50 do
E.C)
3
.
5.4 CONTROLE E FISCALIZAÇÃO
Uma vez em vigor o Plano Diretor, fundamental é que haja monitoramento,
controle e fiscalização, por parte do Poder Público Municipal e da sociedade na
Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de
desenvolvimento e expansão urbana.
§ O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano
plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades
nele contidas.
§ 2º O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.
§ 3º A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.
§ 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os
Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:
I - a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da comunidade;
II - a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;
III - o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.
Art. 41. O plano diretor é obrigatório para cidades:
I - com mais de vinte mil habitantes;
II - integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;
III - onde o Poder Público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no do art. 182 da
Constituição Federal;
IV - integrantes de áreas de especial interesse turístico;
V - inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto
ambiental de âmbito regional ou nacional.
§ No caso da realização de empreendimentos ou atividades enquadrados no inciso V do caput ,
os recursos técnicos e financeiros para a elaboração do plano diretor estarão inseridos entre as
medidas de compensação adotadas.
§ No caso de cidades com mais de quinhentos mil habitantes, deverá ser elaborado um plano de
transporte urbano integrado, compatível com o plano diretor ou nele inserido.
Art. 50. Os Municípios que estejam enquadrados na obrigação prevista nos incisos I e II do art. 41
desta Lei que não tenham plano diretor aprovado na data de entrada em vigor desta Lei, deverão
aprová-lo no prazo de cinco anos.
115
implantação e execução das diretrizes nele propostas, para que efetivamente as
funções sociais da cidade sejam ordenadas e proporcionem melhor qualidade de
vida e o bem-estar dos seus habitantes e daqueles que dela se utilizem. Caso isto
não ocorra, o Plano Diretor será apenas um documento sem vida, sem efetividade,
sem utilidade, esquecido numa estante ou gaveta de um órgão da administração.
O Plano Diretor é um instrumento de Política Pública Municipal que não se
limita a uma administração, mas transpassa no tempo, que a sua efetiva
implementação num período histórico é que vai proporcionar os resultados previstos.
A construção da cidade é diária, as gerações sucedem-se e cada uma coloca a sua
contribuição. O ambiente urbano é uma construção coletiva e deve ser aperfeiçoada
a cada nova etapa, para que cumpra as políticas de desenvolvimento urbano,
ambiental, social e econômica previsto num Plano Diretor que tenha sido elaborado
através de um processo democrático e participativo.
Os instrumentos de gestão democrática previstos no Estatuto da Cidade
devem estar incluídos no Plano Diretor para que o efetivo monitoramento, controle e
fiscalização ocorra. E entre estes instrumentos é importante destacar a
implementação de um Conselho da Cidade, com a participação paritaria da
administração municipal e da sociedade civil organizada e dos movimentos
populares. Faz-se necessário também a existência de um sistema de informações,
com o objetivo de organiza-las, sistematiza-las e colocá-las a disposição da
comunidade, vinculado a administração municipal ou a um órgão que tenha como
finalidade específica zelar pela aplicação do Plano Diretor.
Este sistema de informações sobre o Plano Diretor deverá possibilitar que
todos os segmentos tenham acesso aos dados, de forma transparente, permitindo
que demandas da população e políticas públicas sejam contempladas no
planejamento, e que haja um efetivo controle social do que se está fazendo. Em
muitas cidades, foram constituídos órgãos específicos na administração municipal
para coordenar este sistema de informação, mantendo um controle sobre os
diversos setores da administração, para que não se desviem do foco e dos objetivos
estabelecidos pelo Plano Diretor. Exemplo é o Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano de Curitiba, IPPUC, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de
Joinville (IPPUJ), Instituto de Planejamento Urbano de Londrina (IPPUL) entre
outros.
116
Tratando do Planejamento Estratégico Municipal, que pode ser adaptado para
o Plano Diretor, Rezende e Castor (2005) propõem três tipos de controles
municipais: estratégicos, táticos e operacionais. Os estratégicos devem abranger a
monitoração e avaliação da estratégia e assegurar que as metas propostas sejam
atingidas. Os táticos objetivam atingir os objetivos gerencial ou intermediário (tático),
através de ações de monitoração de áreas específicas como financeira, humanas e
sociais dos habitantes do município.
E, finalmente, os controles operacionais têm como finalidade que sejam
alcançadas as metas propostas sob a ótica dos aspectos do cotidiano, ou das ações
técnicas, como produtividade, controle de qualidade e outras. E acentuam Rezende
e Castor (2005, p.105):
Essencialmente, um processo de controle municipal enfatiza o estabelecimento de
indicadores para posterior mediação, acompanhamento e avaliação. Neste sentido, é
fundamental estabelecer os meios de controles do planejamento estratégico
municipal.
Conclui-se que tão importante quanto ter um Plano Diretor que efetivamente
se constituía num instrumento da vontade popular, elaborado através de um
processo democrático e participativo, é fundamental que seja implementação e o
controle sobre os resultados. Estes resultados devem ser freqüentemente
analisados, propostas soluções para os problemas encontrados e, periodicamente
revisados. O Estatuto da Cidade (art. 40, § 3
o
.) estabelece que “a lei que instituir o
Plano Diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos”.
Como principal instrumento da política de desenvolvimento expansão urbana,
o Plano Diretor deve ser utilizado pelo Poder Público Municipal para ordenar as
funções sociais da cidade e garantir a materialização desses direitos. E assim,
efetivamente, a política urbana vai proporcionar e garantir o bem-estar daqueles que
moram na cidade ou dela se utilizam na vida cotidiana.
5.5 SÍNTESE CONCLUSIVA DO PLANO DIRETOR
Diante do exposto neste capítulo, conclui-se que:
O objetivo do planejamento é antecipar e controlar resultados futuros.
Planejar é fixar metas, objetivos, decidir sobre as formas melhores para atingir os
117
resultados propostos. O planejamento de cidades tem sido uma ferramenta utilizada
de forma incipiente desde a antiguidade. As primeiras cidades brasileiras também
contaram com a participação de profissionais na sua construção, como arquitetos,
pedreiros, carpinteiros e outros, que procuravam edifica-las de acordo com a
concepção urbana colonial portuguesa e espanhola, conforme a época.
Desde meados do século XX muitas cidades brasileiras passaram a fazer
seu Plano Diretor. Numa primeira fase mais voltado aos aspectos físico-territorial do
espaço urbano e, posteriormente, envolvendo também o desenvolvimento sócio-
econômico. A Constituição de 1988 transformou o Plano Diretor em norma
constitucional ao estabelecer que ele é o instrumento básico da política de
desenvolvimento e expansão urbana.
A gestão democrática da cidade pressupõe a participação popular através de
órgãos colegiados, nos três níveis federativos: federal, estadual e municipal. Este
processo de participação está regulamentado no Estatuto da Cidade (art. 43 a 45) e
pode ser efetivado através do Conselho da Cidade, de debates, audiências,
conferências, consultas públicas e planos urbanísticos e projetos de lei de iniciativa
popular propostas a Câmara Municipal.
O Conselho das Cidades, ConCidades, é o colegiado a nível federal vinculado
ao Ministério das Cidades, onde efetivamente ocorre a participação da sociedade,
através de seus delegados eleitos por segmentos, para a definição diretrizes e
políticas públicas para as áreas urbanas brasileiras.
O Plano Diretor constitui-se num dos principais instrumentos para que a as
funções sociais da cidade sejam ordenadas e se materializem proporcionando
qualidade de vida e bem-estar aos seus moradores e a todos os que dela se
utilizam. Deve ter caráter global, envolvendo tanto a área urbana quanto a rural,
objetivando sistematizar o desenvolvimento físico, econômico e social de todo o
território do município.
Sobre o Plano Diretor pode-se afirmar que se trata de uma lei, já que é
aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para os municípios com mais de 20 mil
habitantes, segundo a Constituição Federal. E, conforme o Estatuto da Cidade,
devem ter Plano Diretor os municípios que fazem parte de regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas, os que integram áreas de interesse turístico, áreas de
influência de empreendimentos ou atividades que geram grande impacto ambiental,
ou ainda quando o município quer aplicar os instrumentos parcelamento e edificação
118
compulsórios, IPTU progressivo no tempo, desapropriação (parágrafo 4
o
. do artigo
182 da CF).
Da lei municipal que estabelece o Plano Diretor, outras leis especificas podem
seguir-se como a lei de zoneamento, ocupação e uso do solo, construções e
edificações, código sanitário, código florestal, posturas municipais entre outras. Da
mesma forma, pode o Plano Diretor prever planos setoriais, específicos,
microrregionais destinados a aprofundar o planejamento em cada uma das áreas.
O ConCidades que estabeleceu requisitos mínimos a serem abordados no
Plano Diretor objetiva materializar as funções sociais da cidade e da propriedade
urbana. O espaço urbano deve ser delineado no sentido de atender aos anseios e
necessidades da população no que diz respeito aos espaços de equipamentos
urbanos, mobilidade, serviços públicos e preservação do meio ambiente e do
patrimônio cultural.
O Estudo de Impacto de Vizinhança previsto no Estatuto da Cidade, como
instrumento de gestão objetiva ouvir a população que será atingida por um grande
empreendimento urbano, e analisar implicações que sofrerão os moradores. Aos
analisar os aspectos positivos e negativos, objetiva-se assegurar a qualidade de vida
e o direito de vizinhança, e a pertinência ou não da implantação do empreendimento.
Cada autor fixa um número de etapas de elaboração de um Plano Diretor.
Alguns dividem o processo em quatro, outros em cinco fases. Este estudo propõe
duas etapas: uma no âmbito do Executivo Municipal, com sete fases; outra no
legislativo com três fases. No Executivo as etapas propostas são: a) Diagnóstico da
realidade municipal; b) Prognóstico; c) Deficiências ou Pontos Fracos; d) Tendências
Positivas; e) Estratégias; f) Custos; g) Prioridades. No Legislativo, as fases são: a)
Analise Técnica; b) Comissões; c) Discussão e votação.
Avaliação e controle é uma etapa independente do processo de elaboração e
aprovação do Plano Diretor que ocorre durante o período de implantação daquilo
que foi planejado. É fundamental para que se mantenha o que foi planejado e se
analisem os resultados para que no processo de revisão que deve ocorrer no
máximo a cada 10 anos, se corrijam os erros encontrados e se busquem os
resultados para que efetivamente sejam ordenadas e materializadas as funções
sociais da cidade e assim se atinja o bem-estar dos habitantes da cidade.
119
6 CONCLUSÃO
A urbanização tornou-se um fenômeno mundial. Ao longo da história humana,
a cidade tem sido o ambiente do convívio social por excelência. Onde ocorre a vida
cívica, o mercado de trocas, a política, o exercício da cidadania. A civilização
floresceu no meio urbano como um ambiente de trocas econômicas, sociais e
culturais. E a preocupação do homem tem sido em estabelecer regras para este
convívio, não apenas de relacionamentos, mas também de disciplinamento da ação
humana e de ocupação do território. Desde tempos imemoriais o homem tem
procurado ordenar as atividades urbanas, nem sempre com sucesso.
A cidade constitui-se no ambiente que possibilitou ao homem intensificar
seus relacionamentos tornando-os mais complexos e intensos e, provavelmente,
assim acelerar o processo de evolução. A gestão e o planejamento urbano são
importantes instrumentos para a implementação dos direitos fundamentais. Para ser
justa a cidade deve garantir e assegurar direitos e obrigações a todos
independentemente de onde se encontrem no espaço urbano ou na estrutura da
sociedade. No Brasil, o município é a unidade estabelecida na lei, de planejamento
e desenvolvimento urbano.
A metropolização é um fenômeno que ocorre com a intensificação da
urbanização. Os tecidos urbanos de vários municípios se integram no que é
chamado de processo de conurbação, onde a mancha urbana ultrapassa, muitas
vezes, os limites geográficos de muitas cidades. No Brasil, a cidade que ultrapassa
os seus limites municipais e se conurba com outras cidade tem sido denominada de
região metropolitana ou aglomeração urbana. Cabe aos Estados encontrar uma
forma de institucionalização da metrópole na solução de problemas urbanos como
a realização de serviços públicos, programas de educação, de saúde, habitação,
transporte coletivo entre outros.
Verifica-se que as funções sociais da cidade estão intimamente ligadas aos
direitos fundamentais. Pela teoria da finalidade o Poder Público existe para garantir
e materializar estes direitos e eles não são senão o próprio direito à vida social, com
liberdade e limites que possam assegurar a todos condições de igualdade de
usufruir dos bens gerados pela civilização.
120
Observa-se que o homem estabeleceu, ao longo do tempo, funções para a
cidade e procurou fazer com que elas fossem validadas, através da cultura e da
edificação de ambientes urbanos. Na sociedade contemporânea, da informação, a
cidade transcende o seu limite geográfico, como transcendeu em todos os tempos,
porém agora de forma instantânea. As funções sociais da cidade independem do
espaço/tempo, pois são direitos que acompanham o ser humano onde ele estiver.
Identificou-se neste estudo as funções sociais da cidade agrupadas em três
categorias: Funções Urbanísticas, Funções de Cidadania e Funções de Gestão.
Convencionou-se neste trabalho que as Funções Urbanísticas são: habitação,
trabalho, lazer e mobilidade: as Funções de Cidadania: educação, saúde, proteção e
segurança: e as Funções de Gestão: prestação de serviços, planejamento,
preservação do patrimônio cultural e natural e sustentabilidade urbana.
Conclui-se que a propriedade urbana, como um direito fundamental do
homem, deve estar subordinada ao direito de toda a sociedade. Constitui-se também
num instrumento para a materialização das funções sociais da cidade. Ela cumpre
sua função social quando está submetida a regras estabelecidas no Plano Diretor.
Porém o processo de elaboração destas normas deve ser democrático e
participativo, refletindo a vontade consensuada. Não deve estabelecer privilégios,
mas fazer com que as desigualdades, principalmente as de cunho social sejam
mitigadas.
São instrumentos de regularização fundiária e fazer com que a propriedade
cumpra sua função social no meio urbano, o Usucapião Especial Constitucional, a
Concessão Uso Especial para Fins de Moradia, e a Concessão de Direito Real de
Uso. Ainda neste sentido são previstos outros instrumentos jurídicos e políticos
como a desapropriação, a servidão e limitações administrativas, o tombamento, a
constituição de zonas de interesse social, parcelamento obrigatório. São
instrumentos limitadores do direito individual de propriedade, porém constitui-se em
garantidores do direito coletivo sobre a propriedade, ou seja, proporcionam que ela
cumpra a sua função social no meio urbano.
O Plano Diretor, e as leis que dele resultam como zoneamento, ocupação e
uso do solo, construções e edificações, digo sanitário, código florestal, posturas
municipais entre outras devem constituir-se em instrumentos de materialização e
que viabilizam as funções sociais da cidade e da propriedade urbana. O ambiente
urbano deve ser planejado para atender necessidades e direitos daquele que nele
121
habitam ou dele se utilizam, sejam através de equipamentos comunitários,
transporte, prestação de serviços públicos e preservação do meio ambiente e do
patrimônio cultural entre outros.
O Estudo de Impacto de Vizinhança é instrumento de gestão, para assegurar
direitos dos antigos moradores em relação aos grandes empreendimentos têm por
objetivo ouvir a população que será atingida por um grande empreendimento e
analisar implicações que sofrerão os moradores. Ao analisar os aspectos positivos e
negativos, objetiva-se assegurar a qualidade de vida e o direito de vizinhança, e a
pertinência ou não da implantação do empreendimento.
Conclui-se que na elaboração do Plano Diretor ocorre em duas etapas: uma
no âmbito do Executivo Municipal, e outra no Legislativo. No Executivo as etapas
são dividas em: a) Diagnóstico da realidade municipal; b) Prognóstico; c)
Deficiências ou Pontos Fracos; d) Tendências Positivas; e) Estratégias; f) Custos; g)
Prioridades. No Legislativo, em: a) Analise Técnica; b) Comissões; c) Discussão e
votação. A fase de Avaliação e Controle constitui-se numa etapa independente da
elaboração e aprovação do Plano Diretor. Esta etapa deve ocorrer durante o
período de implantação e execução de tudo que foi planejado objetivando corrigir os
erros e acertar os rumos de ordenamento das funções sociais da cidade durante o
processo de revisão.
Assim conclui-se que, por “funções sociais da cidade”, tem-se uma norma
constitucional aberta, que pode e deve ser desvendada e transformada em
princípios orientadores ao Poder Público, para o planejar e implementar os direitos
fundamentais. A cidade é uma obra em construção, bem como a maneira como é
vista e estudada, que deve ser preservada, como de resto toda a natureza, para as
gerações futuras.
A Constituição Federal coloca no Plano Diretor as expectativas e o
instrumento do Poder Público Municipal básico para materializar as funções sociais
da cidade e disciplinar a propriedade urbana para que cumpra a sua função social.
O planejamento e a gestão do ambiente urbano é tão importante que não deve ser
privilégio apenas dos governantes, havendo ordem constitucional que determina a
participação da sociedade neste processo, através da gestão democrática, fazendo
com que a política urbana efetivamente proporcione o bem-estar da população.
122
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128
ANEXOS
Decreto Nº 5.720, de 25 de maio de 2006
Dispõe sobre a composição, estruturação,
competências e funcionamento do Conselho das
Cidades - ConCidades, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e
VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 10, da Medida Provisória n
o
2.220,
de 4 de setembro de 2001, art. 33, inciso VIII, e art. 50 da Lei n
o
10.683, de 28 de maio de 2003,
DECRETA:
CAPÍTULO I
DO CONSELHO DAS CIDADES
Art. 1
o
O Conselho das Cidades - ConCidades, órgão colegiado de natureza deliberativa e
consultiva, integrante da estrutura do Ministério das Cidades, tem por finalidade estudar e propor as
diretrizes para a formulação e implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, bem
como acompanhar e avaliar a sua execução, conforme dispõe a Lei n
o
10.257, de 10 de julho de
2001- Estatuto da Cidade.
Art. 2
o
O ConCidades é responsável por propor as diretrizes gerais para a formulação e
implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, em consonância com as resoluções
aprovadas pela Conferência Nacional das Cidades.
Seção I
Das Atribuições
Art. 3
o
Ao ConCidades compete:
I - propor programas, instrumentos, normas e prioridades da Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano;
II - acompanhar e avaliar a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, em
especial os programas relativos à política de gestão do solo urbano, de habitação, de saneamento
ambiental, de mobilidade e transporte urbano, e recomendar as providências necessárias ao
cumprimento de seus objetivos;
III - propor a edição de normas gerais de direito urbanístico e manifestar-se sobre propostas de
alteração da legislação pertinente;
IV - emitir orientações e recomendações sobre a aplicação do Estatuto da Cidade e dos demais
atos normativos relacionados ao desenvolvimento urbano;
V - promover a cooperação entre os governos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios e a sociedade civil na formulação e execução da Política Nacional de Desenvolvimento
Urbano;
VI - incentivar a criação, a estruturação e o fortalecimento institucional de conselhos afetos à
política de desenvolvimento urbano nos níveis municipais, regionais, estaduais e do Distrito Federal;
VII - promover, em parceria com organismos governamentais e não-governamentais, nacionais e
internacionais, a identificação de sistemas de indicadores, no sentido de estabelecer metas e
procedimentos com base nesses indicadores, para monitorar a aplicação das atividades relacionadas
com o desenvolvimento urbano;
VIII - estimular ações que visem propiciar a geração, apropriação e utilização de conhecimentos
científicos, tecnológicos, gerenciais e organizativos pelas populações das áreas urbanas;
129
IX - promover a realização de estudos, debates e pesquisas sobre a aplicação e os resultados
estratégicos alcançados pelos programas e projetos desenvolvidos pelo Ministério das Cidades;
X - estimular a ampliação e o aperfeiçoamento dos mecanismos de participação e controle
social, por intermédio de rede nacional de órgãos colegiados estaduais, regionais e municipais,
visando fortalecer o desenvolvimento urbano sustentável;
XI - propor diretrizes e critérios para a distribuição regional e setorial do orçamento anual e do
plano plurianual do Ministério das Cidades;
XII - propor a criação de mecanismos de articulação entre os programas e os recursos federais
que tenham impacto sobre o desenvolvimento urbano;
XIII - promover, quando necessário, a realização de seminários ou encontros regionais sobre
temas de sua agenda, bem como estudos sobre a definição de convênios na área de
desenvolvimento urbano sustentável e da propriedade urbana, a serem firmados com organismos
nacionais e internacionais públicos e privados;
XIV - eleger os membros para o Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse
Social, na forma e no quantitativo fixados pelo regulamento previsto no art. 10, § 3
o
, da Lei n
o
11.124,
de 16 de junho de 2005;
XV - dar publicidade e divulgar seus trabalhos e decisões;
XVI - convocar e organizar a Conferência Nacional das Cidades, nos termos do art. 15; e
XVII - aprovar seu regimento interno e decidir sobre as alterações propostas por seus membros.
Parágrafo único. Em consonância com as resoluções a serem emitidas pelo ConCidades,
previstas no inciso IV, o Ministério das Cidades disciplinará, no âmbito da suas competências, as
matérias relativas à aplicação do Estatuto da Cidade e dos demais atos normativos relacionados ao
desenvolvimento urbano.
Seção II
Da Composição
Art. 4
o
O ConCidades é composto pelos seguintes membros, organizados por segmentos:
I - dezesseis representantes do Poder Público Federal, sendo:
a) três do Ministério das Cidades;
b) um da Casa Civil da Presidência da República;
c) um do Ministério da Cultura;
d) um do Ministério da Fazenda;
e) um do Ministério da Integração Nacional;
f) um do Ministério da Saúde;
g) um do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome;
h) um do Ministério do Meio Ambiente;
i) um do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
j) um do Ministério do Trabalho e Emprego;
130
l) um do Ministério do Turismo;
m) um do Ministério da Ciência e da Tecnologia;
m) um da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República; e
o) um da Caixa Econômica Federal;
II - nove representantes do Poder Público Estadual, do Distrito Federal ou de entidades civis de
representação do Poder Público Estadual e do Distrito Federal, observado o critério de rodízio entre
os Estados, o Distrito Federal e as entidades civis;
III - doze representantes do Poder Público Municipal ou de entidades civis de representação do
Poder Público Municipal;
IV - vinte e três representantes de entidades dos movimentos populares;
V - oito representantes de entidades empresariais;
VI - oito representantes de entidades de trabalhadores;
VII - seis representantes de entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa; e
VIII - quatro representantes de organizações não-governamentais.
§ 1
o
Consideram-se membros titulares e respectivos suplentes do ConCidades os órgãos e
entidades indicados neste artigo e aqueles eleitos durante a Conferência Nacional das Cidades, nos
termos do disposto no art. 19.
§ 2
o
Também integram o Plenário do ConCidades, com direito a voz e sem direito a voto, nove
representantes dos Governos Estaduais e do Distrito Federal, indicados pelos respectivos
representantes legais, na condição de observadores, condicionando o direito de participar à
existência de Conselho Estadual das Cidades, ou outro órgão colegiado com atribuições compatíveis
no âmbito da respectiva Unidade da Federação.
§ 3
o
Podeo, ainda, ser convidados a participar das reuniões do ConCidades personalidades e
representantes de órgãos e entidades públicas ou privadas, dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário, bem como outros técnicos, sempre que da pauta constar tema de suas áreas de atuão.
§ 4
o
Os membros referidos nos incisos I a VIII deverão indicar seus respectivos representantes
por meio de ofício ao Ministro de Estado das Cidades, que os designará.
§ 5
o
Os membros do ConCidades terão mandato de três anos, podendo ser reconduzidos, com
exceção do mandato 2006/2007, que terá a duração de dois anos.
Seção III
Do funcionamento
Subseção I
Dos Comitês Técnicos
Art. 5
o
O ConCidades contará com o assessoramento dos seguintes Comitês Técnicos de:
I - Habitação;
II - Saneamento Ambiental;
III - Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana; e
IV - Planejamento e Gestão do Solo Urbano.
131
§ 1
o
Na composição dos Comitês Técnicos, deverá ser observada a representação dos diversos
segmentos indicados no art. 4
o
.
§ 2
o
Os Comitês Técnicos serão coordenados pelos Secretários Nacionais do Ministério das
Cidades responsáveis pelos respectivos temas.
Subseção II
Da Presidência do ConCidades
Art.6
o
O ConCidades será presidido pelo Ministro de Estado das Cidades.
Art.7
o
São atribuições do Presidente do ConCidades:
I - convocar e presidir as reuniões do colegiado;
II - solicitar a elaboração de estudos, informações e posicionamento sobre temas de relevante
interesse público;
III - firmar as atas das reuniões e homologar as resoluções;
IV - constituir e organizar o funcionamento dos Comitês Técnicos e convocar as respectivas
reuniões, podendo esta atribuição ser delegada aos Secretários Nacionais do Ministério das Cidades;
e
V - designar os membros integrantes do ConCidades, na qualidade de titulares e respectivos
suplentes, eleitos na Conferência Nacional das Cidades, bem como seus representantes.
Subseção III
Das Deliberações
Art. 8
o
As deliberações do ConCidades serão feitas mediante resolução aprovada por maioria
simples dos presentes.
Art. 9
o
O Presidente exercerá o voto de qualidade em casos de empate.
Art. 10. O regimento interno do ConCidades será aprovado na forma definida por resolução, e
será modificado somente mediante aprovação de dois terços dos presentes.
Subseção IV
Dos Recursos e Apoio Administrativo do ConCidades
Art. 11. Caberá ao Ministério das Cidades garantir o apoio administrativo e os meios
necessários à execução dos trabalhos do ConCidades, exercendo as atribuições de secretaria-
executiva do Conselho e dos Comitês Técnicos.
Art. 12. As despesas com os deslocamentos dos representantes dos órgãos e entidades no
ConCidades poderão correr à conta de dotações orçamentárias do Ministério das Cidades.
Art. 13. Para cumprimento de suas funções, o ConCidades contará com recursos orçamentários
e financeiros consignados no orçamento do Ministério das Cidades.
Art. 14. A participação no ConCidades seconsiderada função relevante,o remunerada.
CAPÍTULO II
DA CONFERÊNCIA NACIONAL DAS CIDADES
132
Art. 15. A Conferência Nacional das Cidades, prevista no Inciso III do art. 43 do Estatuto da
Cidade, constitui um instrumento para garantia da gestão democrática, sobre assuntos referentes à
promoção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano.
Art. 16. São objetivos da Confencia Nacional das Cidades:
I - promover a interlocução entre autoridades e gestores públicos dos três Entes Federados com
os diversos segmentos da sociedade sobre assuntos relacionados à Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano;
II - sensibilizar e mobilizar a sociedade brasileira para o estabelecimento de agendas, metas e
planos de ação para enfrentar os problemas existentes nas cidades brasileiras;
III - propiciar a participação popular de diversos segmentos da sociedade para a formulação de
proposições, realização de avaliações sobre as formas de execução da Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano e suas áreas estratégicas; e
IV - propiciar e estimular a organização de conferências das cidades como instrumento para
garantia da gestão democrática das políticas de desenvolvimento urbano nas regiões, Estados,
Distrito Federal e Municípios.
Art. 17. São atribuições da Conferência Nacional das Cidades:
I - avaliar e propor diretrizes para a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano;
II - avaliar a aplicação do Estatuto da Cidade e demais atos normativos e legislação relacionadas
ao desenvolvimento urbano;
III - propor diretrizes para as relões institucionais do ConCidades e da Conferência Nacional das
Cidades com os conselhos e conferências de cater regional, estadual e municipal; e
IV - avaliar a atuação e desempenho do ConCidades.
Art. 18. A Conferência Nacional das Cidades deverá ser realizada a cada três anos.
Parágrafo único. A próxima Conferência Nacional da Cidade será realizada em 2007.
Art. 19. Compete à Conferência Nacional das Cidades eleger os membros titulares e
respectivos suplentes do ConCidades indicados nos incisos II a VIII do art. 4
o
, respeitada a
representação estabelecida para os diversos segmentos.
§ 1
o
A eleição de que trata o caput será realizada durante a Conferência Nacional das Cidades,
em assembléia de cada segmento convocada pelo Presidente do ConCidades especialmente para
essa finalidade.
§ 2
o
Resolução do ConCidades disciplinará as normas e os procedimentos relativos à eleição
de seus membros.
Art. 20. As dúvidas e os casos omissos neste regulamento serão resolvidos pelo Presidente do
ConCidades, ad referendum do Plenário.
Art. 21. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 22. Fica revogado o Decreto n
o
5.031, de 2 de abril de 2004.
Brasília, 25 de maio de 2006; 185
o
da Independência e 118
o
da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Marcio Fortes de Almeida
133
COMPOSIÇÃO DO CONSELHO DAS CIDADES
1. Gestores, Administradores Públicos:
a)
Poder Público Federal – 16 membros
TITULAR SUPLENTE
Ministério das Cidades (3 representantes) Ministério das Cidades (3 representantes)
Casa Civil da Presidência da República Casa Civil da Presidência da República
Ministério da Cultura Ministério da Cultura
Ministério da Fazenda Ministério da Fazenda
Ministério da Integração Nacional Ministério da Integração Nacional
Ministério da Saúde Ministério da Saúde
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à Fome
Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome
Ministério do Meio Ambiente Ministério do Meio Ambiente
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Ministério do Planejamento, Orçamento e
Gestão
Ministério do Trabalho e Emprego Ministério do Trabalho e Emprego
Ministério do Turismo Ministério do Turismo
Ministério da Ciência e Tecnologia Ministério da Ciência e Tecnologia
Secretaria de Coordenação Política e Assuntos
Institucionais da Presidência da República
Secretaria de Coordenação Política e Assuntos
Institucionais da Presidência da República
Caixa Econômica Federal Caixa Econômica Federal
b)
Poder Público Estadual – 9 membros
TITULAR SUPLENTE
Santa Catarina Paraná
São Paulo Espírito Santo
Tocantins Amapá
Pernambuco Rio Grande do Norte
Amazonas Roraima
Goiás Minas Gerais
Mato Grosso do Sul Mato Grosso
Bahia Sergipe
Piauí Ceará
c)
Poder Público Municipal – 12 membros
TITULAR SUPLENTE
ASSEMAE – Associação Nacional dos Serviços
Municipais de Saneamento
ASSEMAE
FNSDTUT – Fórum Nacional de
Secretários e Dirigentes de Transporte Urbano e
Trânsito
FNSDTUT
134
ABC – Associação Brasileira de COHABs ABC
CNM – Confederação Nacional de Municípios (2
representantes)
CNM –2 representantes
FNP – Frente Nacional de Prefeitos –
Metropolitanos (3 representantes)
FNP 3 representantes
UVB – União dos Vereadores do Brasil (2
representantes)
UVB 2 representantes
FRENAVRU – Frente Nacional
de Vereadores pela Reforma Urbana (2
representantes)
FRENAVRU 2 representantes
2. Movimentos Sociais e Populares – 23 membros
TITULAR SUPLENTE
CONAM – Confederação Nacional das
Associações de Moradores (7 titulares)
7 representantes
UNMP – União Nacional por Moradia Popular (6
representantes)
5 representantes
1 representante do MNLM
CMP – Central de Movimentos Populares (5
representantes)
5 representantes
MNLM – Movimento Nacional de Luta por
Moradia (5 representantes)
5 representantes
3 Entidades Empresariais – 8 membros
TITULAR SUPLENTE
ABCP – Associação Brasileira de Cimento
Portand
ASFAMAS – Associação Brasileira de
Fabricantes de Materiais e Equipamentos de
Saneamento
CNC – Confederação Nacional do Comércio
ANAMACO – Associação Nacional do
Comercio e Material de Construção
CNT – Confederação Nacional do Transporte
NTU – Associação Nacional das Empresas de
Transporte Urbanos
CNF – Confederação Nacional das Instituições
Financeiras
ABECIP – Associação Brasil Entidades de
Crédito Imobiliário e Poupança
CBIC – Câmara Brasileira da Industria da
Construção
ABCON – Associação Brasileira de
Concessões Privadas de Serviços de Água e
Esgoto
CBIC – Câmara Brasileira da Industria da
Construção
CACB Confederação das Associações
Comerciais e Empresariais do Brasil
OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras
MONAMPE – Movimento Nacional Micro e
Pequenas Empresas
CNI – Confederação Nacional das Industrias FESECOVI – Federação Nacional dos Secovis
4. Entidades Sindicais – Trabalhadores – 8 membros
TITULAR SUPLENTE
CUT- Central Única dos Trabalhadores Força Sindical
FNA – Federação Nacional dos Arquitetos e
Urbanistas
FNA
135
FNU – Federação Nacional dos Urbanitários
CONTAG – Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura
FNU – Federação Nacional dos Urbanitários
CONFETAM – Confederação Nacional dos
Trabalhadores Municipais
CNTT – Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Transporte
CNTT
FENAMETRO – Federação Nacional dos
Trabalhadores em empresas de Transporte
Metroviários
FNP – Frente Nacional dos Portuários
FISENGE – Federação Interestadual de
Sindicatos de Engenheiros
FENAE –
Federação Nacional das Associações
do Pessoal da CAIXA
FNE – Federação Nacional dos Engenheiros
CONTICOM – Confederação Nacional de
Trabalhadores nas Indústrias da Construção e
da Madeira
5. Entidades Profissionais, Acadêmicas e de Pesquisas – 6 membros
TITULAR SUPLENTE
ABEA – Associação Brasileira de Ensino
de Arquitetura e Urbanismo
FENEA – Federação Nacional de Estudantes
de Arquitetura e Urbanismo
IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil
ANEAC – Associação Nacional dos
Engenheiros e Arquitetos da CAIXA
ABES – Associação Brasileira de Engenharia
Sanitária
ANTAC – Associação Nacional de Tecnologia
do Ambiente Construído
ANPUR – Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano
e Regional
AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros
ANPET – Associação Nacional de Pesquisa e
Ensino em Transporte
ANTP – Associação Nacional dos Transportes
Públicos
CONFEA – Conselho Federal de Engenharia e
Agronomia
COFECI – Conselho Federal de Corretores de
Imóveis
6. Organizações não Governamentais – ONGs – 4 membros
TITULAR SUPLENTE
Fundação Bento Rubião Observatório de Políticas Públicas
ABONG / CAAP – Associação Brasileira de
Organizações Não Governamentais
Vida Brasil
Etapas Cearah Periferia
Cáritas Instituto Pólis
7. Observadores – 9 membros
Rio Grande do Sul
Rio de Janeiro
Pará
136
Paraíba
Acre
Distrito Federal
Rondônia
Alagoas
Maranhão
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