1.3 – A tradição sufi no século XIII
O sufismo é reconhecido como a espiritualidade ou mística da religião islâmica.
Abarca o esoterismo e a iniciação, hagīqa e tarīqa, a doutrina e o método. Em árabe, o
sufismo é chamado de tasawwuf, palavra que se origina de sūf (lã), numa referência à
vestimenta de lã usada pelos primeiros sufis. A palavra sufi era também ligada a sūfiya
(purificado ou escolhido como amigo por Deus). Estritamente falando, a palavra árabe sūfi,
como o sâncrito yogi, refere-se apenas ao indivíduo que atingiu o objetivo, sendo também
aplicada, por extensão, aos iniciados que ainda estão avançando pelo caminho místico. A
própria palavra “iniciado” indica que, para embarcar no caminho espiritual, há um pré-
requisito, um rito especial de iniciação.
65
afirmava que as inovações teológicas e místicas centrais na obra de Eckhart surgiram primeiro no movimento
religioso feminino das mulheres do século XIII, em particular nos escritos das béguines. São vários hoje os
estudos que estabelecem as semelhanças entre a obra de Marguerite Porete e a de Eckhart. Denys Turner assinala
as probabilidades de que Eckhart conhecesse o trabalho de Porete e de que, mesmo não o aprovando
integralmente, ainda assim, tivesse tomado de empréstimo dela algumas idéias centrais e algumas modalidades
de expressão características. Segundo Turner, Marguerite Porete foi queimada em 1310, e seu inquisidor, o
dominicano Guillaume Humbert, estava vivendo na casa dominicana de St. Jacques, em Paris, em 1311, quando
Eckhart juntou-se à comunidade em sua segunda estada como professor de teologia na universidade. TURNER
acha impossível que Eckhart pudesse não ter tomado conhecimento da obra de Marguerite Porete nessa época.
Cf. The Darkness of God, 1999: 138, nota 3. Robert LERNER afirma que um dos colegas de Eckhart no
convento dominicano em Paris, onde residiu de 1311 a 1313, foi Berengar de Landora, um dos teólogos
encarregados de examinar o Mirouer e que participou também do Concílio de Viena. Cf. The Heresy of The Free
Spirit in the Later Middle Ages, 1972: 183. Kurt Ruh afirma que os estudos sobre o Mirouer têm repetidamente
assinalado a vizinhança cronológica e espiritual de Eckhart com Marguerite Porete e que até mesmo para o leitor
superficial é impossível deixar de notá-la. RUH acrescenta que, em 1981, num congresso sobre Ruysbroek, o
tradutor de Eckhart, Edmund Colledge, tentou demonstrar que Eckhart devia ter conhecido o livro de Porete,
direta ou indiretamente. Cf. Meister Eckhart: Teologo – Predicatore – Mistico, 1989: 144. Bernard McGinn
também ressalta a proximidade entre a mística de Porete e a de Eckhart, que estava ensinando em Paris logo após
a execução da autora. McGinn acrescenta que pesquisas recentes assinalam que uma das mais profundas
afirmações da noção de Eckhart relativa à unitas indistinctionis, encontrada em seu Sermão 52, em alemão,
mostra um contato direto com Le Mirouer. Entre os vários paralelos, próximos no pensamento e na expressão,
encontrados na obra da béguine e de Eckhart, McGINN enfatiza a aniquilação da vontade da alma, que a leva de
volta para um estado preestabelecido de união com Deus, no qual não há distinção entre a vontade da alma e a
vontade de Deus, já que a alma retorna ao estado em que estava antes de ser criada. Cf. “Love, Knowledge and
Unio Mystica in the Western Christian Tradition” in Mystical Union and Monotheistic Faith: An Ecumenical
Dialogue, 1989: 74. Outros estudos que enfatizam os paralelos entre a espiritualidade das béguines, em particular
a de Marguerite Porete, e a de Eckhart podem ser encontrados em Bernard McGINN (ed.), Meister Eckhart and
the Beguine Mystics, 2001; Michael SELLS, “Porete and Eckhart: The Apophasis of Gender” in Mystical
Languages of Unsaying, 1994: 180; Amy HOLLYWOOD, The Soul as Virgin Wife, 2001.
65
William STODDART, Sufism, 1985: 20/21. Enquanto a palavra tarīqa significa o Caminho, a palavra
tasawwuf, embora etimologicamente possa ter sido derivada de sūf (lã), tem o significado metafísico de
sabedoria divina (al-hikmat al ilāhiyyah) que é preservada e propagada dentro da tarīqa. Na ciência do
40