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JOÃO CARLOS ANDRADE DA SILVEIRA
DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE
E TEOLOGIA DA VOCAÇÃO NA
CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM:
ANÁLISE E PROPOSTAS À FORMAÇÃO PRESBITERAL
Dissertação apresentada à Faculdade de Teologia,
da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Teologia, Área de
concentração em Teologia Sistemática.
Orientador: Prof. Dr. Pedro Alberto Kunrath
Porto Alegre
2005
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2
AGRADECIMENTOS
A Deus Uno e Trino, pela graça do Batismo e pela confiança ao me chamar como
pastor de Seu povo.
A meus pais, que me ensinaram a amar a Igreja.
Ao orientador, Pe. Pedro Alberto Kunrath, pelo apoio, acompanhamento e
paciência.
A Dom Dadeus Grings, por me proporcionar a oportunidade do mestrado.
Aos meus irmãos formadores do Seminário São José de Gravataí, pelo estímulo e
compreensão no tempo empregado nestas pesquisas.
À Irmã Jocélia Scherer, pela revisão textual e correções gramaticais.
Aos jovens seminaristas, com quem, nestes anos de ministério mistagógico, tive a
oportunidade de conviver e facilitar o discernimento vocacional.
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3
Este trabalho acadêmico é dedicado aos
formadores e formadoras, empenhados em
plasmar pastores para o povo de Deus.
4
SUMÁRIO
RESUMO .......................................................................................................................... 06
Abstract .............................................................................................................................. 07
SIGLAS E ABREVIATURA ........................................................................................... 08
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 09
1 ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA VOCACIONAL:
DIMENSÕES FUNDAMENTAIS .............................................................................. 12
1.1 CONCEPÇÃO DE VOCAÇÃO A PARTIR DAS CATEGORIAS
DE CHAMADO E ACOLHIDA ............................................................................12
1.1.1 Conceituação etimológico-teológica ...................................................................13
1.1.2 Acolhida ao chamado no Antigo Testamento .................................................... 15
1.1.3 Acolhida ao chamado no Novo Testamento ...................................................... 17
1.2 A PESSOA HUMANA: PROTAGONISTA NA ACOLHIDA VOCACIONAL ... 19
1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento .................................................................. 19
1.2 2 Antropologia do Novo Testamento .................................................................... 25
1.2.3 Antropologia patrística ....................................................................................... 27
1.3 A SANTÍSSIMA TRINDADE: ORIGEM DO CHAMADO .................................. 30
1.3.1 A Trindade e o Antigo Testamento .................................................................... 30
1.3.2 A teologia trinitária no Novo Testamento .......................................................... 31
1.3.3 Contributo patrístico à formulação da teologia trinitária ....................................34
5
2 SANTIDADE: CHAMADO HISTÓRICO-ECLESIAL ............................................ 39
2.1 CONTEMPORANEIDADE E ECLESIALIDADE ................................................. 39
2.1.1 Controvérsia: Pós-modernidade ou moderno reajustado .................................... 40
2.1.2 Tempos novos, respostas novas .......................................................................... 43
2.2 O CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II ........................................................ 44
2.2.1 Caminho eclesial pré-Vaticano II ...................................................................... 44
2.2.2 O evento conciliar .............................................................................................. 46
2.2.3 Antropologia conciliar ....................................................................................... 52
2.3 VOCAÇÃO UNIVERSAL À SANTIDADE .......................................................... 54
2.3.1 A criação como lugar da missão ........................................................................ 54
2.3.2 A Igreja como lugar de chamado e acolhida ..................................................... 58
2.3.3 A Constituição Dogmática Lumen Gentium e o chamado à santidade ............. 60
2.4 VOCAÇÃO BATISMAL: DIGNIDADE E IGUALDADE ................................... 67
2.4.1 Batismo: filiação e missão ................................................................................. 67
2.4.2 Discernimento e vocações específicas: graça e liberdade ................................. 72
3 DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E
FORMAÇÃO PRESBITERAL .................................................................................... 83
3.1 O FORMADOR: PEDAGOGO E ACOMPANHANTE ........................................... 84
3.2 A CASA DE FORMAÇÃO: COMUNIDADE PEDAGÓGICA ............................... 93
3.3 ACOLHIDA PESSOAL AO CHAMADO .............................................................. 101
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 109
BIBLIOGRAFIA CITADA ........................................................................................... 111
6
RESUMO
O presente trabalho acadêmico aborda a problemática do discernimento vocacional na
formação presbiteral. Utilizando o método ver, julgar e agir e, a partir de ampla pesquisa
bibliográfica, chega à raiz da Teologia da Vocação. Percorrendo as fontes bíblica e
patrística, encontra, na origem, a Trindade e, na acolhida, o ser humano, criado à sua
imagem e semelhança. A santidade é apresentada como chamado histórico-eclesial. Por
isso, analisa a sociedade contemporânea e descreve o desempenho da Igreja com o
Concílio Ecumênico Vaticano II que, através da Constituição Dogmática Lumen Gentium,
chama a todos à santidade e confere, pelo Batismo, dignidade e igualdade a todo o povo de
Deus. O formando acolhe de maneira pessoal o chamado ao presbiterado. Todavia, a
qualidade da relação mantida na casa de formação e com os formadores produzem a
clareza no discernimento, alcançada na sintonia com a Trindade.
Palavras-chave: Discernimento. Formação presbiteral. Teologia da Vocação. Santidade.
Lumen Gentium. Batismo.
7
Abstract
The present academic work focuses the vocational discernment in the presbyteral
formation. Using the method see, judge, act and employing a large bibliographic research
we can get the root of the Theology of the Vocation. Investigating the biblical and patristic
sources we discover, at the origin, the Trinity and we can receive the human being created
according His image and resemblance. Sanctity is presented as a historic-ecclesial call. For
that reason analyses the contemporary society and describes the conduct of the Church in
harmony with the Ecumenical Council Vatican II, in the document Dogmatic Constitution
Lumen Gentium, calling everybody to sanctity and leveling the People of God by the
Baptism, having the same dignity and equality. The candidate receives in a personal way
the call to the priesthood. Nevertheless the quality of the relation maintained in the house
of formation, also with the educators, produces clarity in the discernment in the tunning
with the Trinity.
Key words: Discernment. Presbyteral formation. Theology of the Vocation. Sanctity.
Lumen Gentium. Baptism.
8
SIGLAS E ABREVIATURAS
Abreviaturas bíblicas de acordo com a BÍBLIA DE JERUSALÉM.
CaIC: CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA.
CELAM: CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO.
Cf.: Confira.
CIC: CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. Promulgado por João Paulo II, Papa.
CNBB: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL.
et alii: e outros.
GS: CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição pastoral Gaudium et Spes:
sobre a Igreja no mundo de hoje.
idem: o mesmo, igual ao anterior.
ibid.: na mesma obra, no mesmo lugar.
LG: CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição dogmática Lumen Gentium:
sobre a Igreja.
op.cit.: obra citada.
PDV: JOÃO PAULO II. Exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis: sobre a
formação dos sacerdotes.
VC: JOÃO PAULO II. Exortação apostólica pós-sinodal Vita Consecrata: sobre a vida
consagrada e a sua missão na Igreja e no mundo.
9
INTRODUÇÃO
O discernimento é um desafio presente desde o momento em que a pessoa humana
pode escolher entre o bem e o mal. Esse embate cresce quando a opção exige
comprometimento integral e fidelidade por toda vida no sacerdócio ministerial. Partimos
desse questionamento: Como aumentar o nível de clareza e diminuir a probabilidade de
erro, a fim de que, ulterior a opção feita e assumida na ordenação, após anos de caminhada
formativa, não se conclua em equívoco? Nosso objetivo é, a partir de ampla pesquisa
bibliográfica e da experiência no ministério formativo, aprofundar o saber teológico da
vocação, alicerçados na Constituição Dogmática Lumen Gentium, desenvolvendo aspectos
teóricos e práticos, basilares numa opção madura. Discernimento no chamado à santidade e
Teologia da Vocação na Constituição Dogmática Lumen Gentium: análise e propostas à
formação presbiteral, são o tema da dissertação.
O presente empreendimento acadêmico, embora investigando temas bíblicos,
patrísticos, eclesiológicos e trinitários, se desenvolve no âmbito da Antropologia
Teológica, precisamente, pertence à esfera da Teologia da Vocação. Tem a pretensão de
extrapolar a atmosfera teórica do assunto e lançar sugestões práticas e viáveis ao
imprescindível ministério eclesial da formação.
10
São consenso as influências psicológicas e sociológicas da atmosfera pós-moderna
em que vivemos, de modo particular, incutidas na dificuldade em se fazer uma opção
imutável na vida celibatária pelo Reino de Deus, como é o caso da ordenação presbiteral.
Todavia, não abordaremos a discussão sobre a obrigatoriedade ou validade do celibato,
pois não é o objetivo deste intento. Partiremos do pressuposto que é um carisma, concedido
a alguns pelo autor do chamado, junto com a graça necessária para vivê-lo. A quem ele
chama, revela-o nitidamente, bastando criar abertura interior e ambiente exterior. O
método na edificação do trabalho será: ver, julgar e agir, alicerçado no espírito de volta às
fontes do Concílio Vaticano II.
Para tanto, inicialmente, antes de realizarmos a apreciação sobre discernimento, é
mister que vejamos a Teologia da Vocação no seu contexto geral. Por isso, percorrendo
ambientes bíblico e patrísticos, abordaremos as dimensões fundamentais da Antropologia
Teológica vocacional: a Santíssima Trindade e a pessoa humana, criada à imagem e
semelhança trinitária, mas danificada pelo pecado original. O Batismo apaga-o, mas
permanece a dificuldade de comunicação.
No segundo capítulo, apresentaremos a santidade como chamado histórico-eclesial.
Para tanto, deslocar-nos-emos do ambiente bíblico e patrísrico ao momento atual,
analisando a sociedade hodierna e seus desafios. A resposta da Igreja através do maior
evento eclesial do século XX, o Concílio Ecumênico Vaticano II, mais precisamente, a
Constituição Dogmática Lumen Gentium, convocadora à santidade, alicerçada no Batismo,
que concede dignidade e igualdade a todo povo de Deus. Esse é o critério máximo de
julgamento ao se optar por uma vocação específica: a santidade de vida.
11
O trabalho é completado pelo terceiro capítulo, através de sugestões práticas e
viáveis, a partir do tripé: formador, casa de formação e formando, no que diz respeito ao
discernimento no chamado à santidade. É o momento do agir, por isso, as propostas vêm
de renomados formadores, com atuação direta no ministério formativo, e dos estudos e
documentos da CNBB, do CELAM e da Igreja Universal no que tange à formação
presbiteral. A acolhida do chamado é pessoal, mas o discernimento é, decididamente, bem
realizado se o formador for acompanhante e pedagogo e se o formando residir numa
comunidade pedagógica que o auxilie.
O Concílio Ecumênico Vaticano II escomemorando quarenta anos, numeral de
forte conotação bíblica. Percebemos que pouco o exploramos ou o colocamos em prática.
Este empreendimento acadêmico, em sua pequenez e despretensão, sem abordar seus
vários documentos, mas, apenas, quase que exclusivamente, a Lumen Gentium, quer
contribuir para reverter essa situação. E assim, como o povo de Deus, após quarenta anos
no deserto, encontrou a terra prometida, sonhamos com sua concretização no tempo
presente da Igreja e da sociedade.
12
1 ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA VOCACIONAL
DIMENSÕES FUNDAMENTAIS
A construção duma Teologia da Vocação nos leva, inevitavelmente, a
contemplarmos o autor do chamado, a Santíssima Trindade, e quem o acolhe, a pessoa
humana, criada à imagem e semelhança trinitária. É o momento do ver: olhar a
antropologia e a teologia.
1.1 CONCEPÇÃO DE VOCAÇÃO A PARTIR DAS CATEGORIAS DE
CHAMADO E ACOLHIDA
Vocação, que é chamado, exige não apenas respondê-la, mas acolhê-la. Hoje,
encontramos numerosas pseudo-definições sobre esse diálogo entre Deus, o autor do
chamado, e a pessoa humana, destinatária. A semântica nos auxilia e na Sagrada Escritura,
encontramos clareza.
13
1.1.1 Conceituação etimológico-teológica
O fazer teológico ou a construção de uma compreensão profunda sobre o acontecer
vocacional é tarefa árdua. “Dificilmente se encontrará, hoje, um estudo teológico completo
sobre vocação”
1
. Também no Brasil, percebe-se essa carência
2
. Entre as hipóteses
prováveis, temos a omissão e a falta de apreço por parte daqueles que se dedicam à
teologia sistemática
3
. Nesse sentido, a semântica é uma ciência que nos auxilia
consideravelmente a evitarmos equívocos teológicos e ajuda-nos na limpidez conceitual
4
.
Na pesquisa etimológica, encontramos que o vocábulo vocação tem sua origem no
verbo latino vocare
5
e na palavra latina vocatione, significando: Ato de chamar, escolha,
chamamento”
6
. No âmbito da não é diferente. Todavia, o chamado é divino
7
. É Deus
quem convoca, prescreve o percurso, anima e capacita o vocacionado
8
.
1
GONZALES-QUEVEDO, Luis. Teologia da vocação. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS
CASA, Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. São Paulo: Paulus, 1994, p.1158.
2
“É verdade que avançamos na produção de subsídios de Pastoral Vocacional (PV), mas faltam textos de
teologia vocacional que possam nos ajudar no aprofundamento desta temática” (OLIVEIRA, José Lisboa
Moreira de. Teologia e Eclesiologia da Vocação . Disponível em: < http:// www. presbiteros.com.br/
dogma/teologia.htm>. Acesso em: 16 de set. de 2004).
3
“Os teólogos sistemáticos, parecem deixar o tema para os autores espirituais, os pastoralistas ou os
psicólogos” ( OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da Vocação: temas fundamentais. São Paulo:
Loyola, 1999, p.19).
4
“[...]o significado etimológico é muito importante. Ele nos ajuda a corrigir certa distorção implantada aos
poucos no sentido da palavra vocação” (ibid.).
5
KOEHLER, Henrique. Dicionário escolar latino-português. 5 ed. Porto Alegre: Globo, 1940, p.476.
6
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3
ed. Ver. E ampl. Rio de Jeneiro: Nova Fronteira, 1999, p.1786.
7
“Para o cristão é claro que quem chama é Deus. Somente Deus pode entrar na vida do homem com voz
imperiosa; Ele pode arrogar-se o direito de propor ao homem um destino que toca a sua vida. Para o
cristão, Deus é Pai do homem, com paternidade muito próxima do filho, mas também muito distante ao
mesmo tempo: imanente e transcendente ao mesmo tempo. E por isso o chamado se faz necessário porque
a distância é sempre longa. Voz e vocação têm a mesma raiz e ambas as palavras se unem em Deus que
chama” ( GONZALES-QUEVEDO, Luis. op .cit., p.1188-1189).
8
“A etimologia do termo vocação evidencia a presença de alguém que chama; vocação é a iniciativa de outro
que comunica um projeto” (CANDIDO, Luigi de. Vida Consagrada. In: FIORES, Stefano de; GOFFI,
Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. Lisboa (POR): Paulistas; São Paulo: Paulinas, 1989,
p.1170). “O chamado assinala ou indica um caminho, desperta ou convida a caminhar, fortalece a
fragilidade humana congênita” (CORDOBÉS,Manuel. Vocação. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo
(Orgs.). op. cit., p.1190).
14
É encontro amoroso, livre e dialógico: Deus convida e a pessoa humana acolhe
9
.
Não é um simples responder ao chamado, mas acolhê-lo. “Acolher receber são verbos
ativos. E não só no plano gramatical”
10
. A resposta pode ser passiva, indiferente, imparcial,
não-envolvente, não-comprometida, alheia, exterior
11
. A parábola dos dois filhos frente à
ordem do pai (cf. Mt 21,28-32) é modelar: um respondeu “sim”, mas não foi, o outro
respondeu “não” e foi. A vocação do apóstolo Mateus é paradigmática: Jesus o convoca.
“Este, levantando-se, o seguiu” (Mt 9,9b). Não é mero pedido, mas solicitação, sedução:
“Tu me seduziste, Iahweh, e eu me deixei seduzir” (Jr 20,7a). Acolher é ser solícito,
aberto, comprometido, receptivo, deixar-se envolver e atrair pela força que o chama e o
lança. Sugere empatia, adesão, envolvimento, cumplicidade, seguimento.
A partir da compreensão de vocação como chamado/acolhida, alguns equívocos
costumeiros podem e devem ser evitados: a) identificar vocação com capacidade,
habilidade, disposição, pendor
12
; b) definir vocação apenas no âmbito antropológico, como
busca simplesmente humana
13
; c) dizer que na acolhida não liberdade de quem é
convocado; d) igualar vocação com vocações específicas, de modo particular com o
9
“Mesmo tomando a iniciativa de chamar, Deus não dispensa a participação da pessoa humana. Ele quer que
o ser humano responda a seu chamado. Por isso mesmo a vocação só se completa quando a pessoa sua
resposta, aceitando a proposta de Deus e abraçando livremente um serviço em favor da comunidade.
[...]Ele entra em diálogo com a pessoa humana, convidando-a ao serviço, à doação, à entrega”
(OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia das vocações: temas fundamentais. 1999, p.22).
10
MAGRASSI, Mariano. Acolhimento. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.) Dicionário de mística. São
Paulo: Loyola; Paulus, 2003, p. 08.
11
“A palavra ‘acolhida’ supera a palavra resposta. É palavra mais moderna e com nítido sentido evangélico.
[...]Acolhida consiste em abrir a porta para esta invasão de força, a fim de que a pessoa se disponha e se
sinta impelida para onde tal força a impele” (CORDOBÉS, Manuel. op. cit., p.1190).
12
“De fato, numa visão corriqueira, existe uma forte tendência que leva muito facilmente as pessoas a
identificar a vocação como pura e simplesmente uma inclinação ou aptidão. [...] no conceito de vocação, o
que aparece em primeiro lugar é o ato de chamar, o chamado. A aptidão, a inclinação o secundárias,
vêm como resposta à proposta recebida” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. op. cit., p. 19 - 20).
13
“[...] é possível entender perfeitamente numa dimensão de vida alimentada pela fé. Melhor dizendo: a
vocação só pode ser entendida teologicamente, é uma realidade teológica. [...] terminaria até mesmo por
trair o projeto de Deus” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da vocação: temas fundamentais.
1999, p. 20 - 23).
15
sacerdócio ou a vida religiosa
14
; e) pressupor que a vocação deva ser assumida em vista
de benefícios próprios, regalias adquiridas ou poder indevido
15
; f) generalizar e
uniformizar os chamados
16
.
A teologia da vocação tem de buscar, necessariamente, na fonte bíblica alicerce, a
fim de se evitar enganos ou superficialidade conceitual.
1.1.2 Acolhida ao chamado no Antigo Testamento
O tema vocacional é um dado exclusivamente bíblico: somente o Deus da blia
dirige explicitamente ao homem uma mensagem que é também uma vocação. Mesmo
expressa em linguagem profana como convocar ou nomear, sempre que Deus é o sujeito,
toma significação radicalmente nova. Não há registros de chamados nesse sentido na
filosofia pagã contemporânea à hagiografia bíblica. Entretanto, o vocábulo vocação não é
encontrado no hebraico e “chamar” é utilizado ocasionalmente
17
. Na raiz, está o diálogo:
14
“Não é intervenção determinista e eterna. Deus age na condição real e concreta da história, da cultura, da
geografia e da psicologia. [...] comumente a vocação determina o chamado ao sacerdócio ministerial e à
vida consagrada. No entanto, trata-se de redução arbitrária de sua amplitude” (CANDIDO, Luigi de.
Vida consagrada. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. 1989, p.
1170). “[...] levam em conta somente e muito particularmente a chamada vocação sagrada, encarnada na
consagração religiosa e no, ministério hierárquico” (CORDOBÉS, Manuel J. In: FIORES, Stefano de;
GOFFI, Tullo (Orgs.). op. cit., p. 1187).
15
“[...] a vocação deve ser vista na perspectiva do serviço. Ela requer doação, disponibilidade, entrega”
(OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da vocação: temas fundamentais. 1999, p. 23).
16
“A vocação é um fato muito pessoal. [...] é parte integrante dessa identidade da pessoa e, por isso, é difícil
de analisar e de estudar. [...] cada uma é um caso, é uma história, um evento. Quando se quer fazer um
sistema, uma teoria desses eventos, arrisca-se a generalizar experiências personalíssimas e
singularíssimas” (MARTINI, Carlo Maria; VANHOYE, Albert. Bíblia e Vocação. o Paulo: Loyola,
1987 (Col. Fé e vocação), p. 11-12).
17
“O termo ‘vocação’ não existe em hebraico. Para falar da vocação com que um ser humano é agraciado, ou
de como Deus o toma em seu serviço para o resto da vida, são usados principalmente os verbos ‘enviar’e
‘ir’ (Ez 6,14; Is 6,8 etc.). Nas narrativas de vocação, o verbo chamar’ aparece raramente, e apenas
referindo-se ao primeiro contato (Ex 3,4). No utero-Isaías, porém, o ‘chamar’ é freqüente, bem como
‘escolher’: Is 42,6[...]. Geralmente as vocações são narradas no início de uma atividade ou de um livro”
(FISCHER, Georg. Vocação (AT). In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2 ed.
São Paulo: Loyola, 2000, p.448).
16
Deus fala, a pessoa escuta. Deus expõe o programa a ser realizado e a pessoa acolhe. Nos
escritos do Antigo Testamento, a descrição do chamado, comumente, vem na gênese do
escrito, com o propósito de conferir autoridade e legitimar a missão
18
.
Na literatura vétero-testamentária, a palavra profecia, oriunda da “raiz acádica no
sentido de ‘chamado’ (por Deus, para falar por ele)”
19
, torna o profeta paradigmático
quando se trata de vocação. Porém, a acolhida do chamado divino não deve ser igualada no
gênero nem na atitude. Existem vários tipos de postura frente à convocação de Deus: a)
ouvem, e logo obedecem
20
; b) obedecem, com objeções
21
; c) são voluntários frente à
vontade divina (cf. 1 Rs 22,19-22; Is 6); d) um descobrimento gradual, uma acolhida
por etapas sem haver um conhecimento da importância do chamado, a clareza vem pela
meditação e reflexão (cf. 1Sm 3).
Na hagiografia bíblica, geralmente, é na história que se compreende o chamado
22
,
porém, a iniciativa é sempre divina
23
. Embora poucas narrativas vocacionais foram
registradas
24
, percebe-se que a acolhida é exercida, na maioria das vezes, por pessoas
frágeis, cuja aparência não é idônea: não reconhecem a Deus (cf. 1 Sm 3 ); procuram
escapulir à convocação (cf. Jr 1); não têm eloqüência (cf. Ex 4,10; Jr 1,6); vivem
18
Cf. Gn 3, 1-6; Is 6, 1-4; Ez 1
19
McKENZIE, John. Dicionário bíblico. 8. ed. São Paulo: Paulus. 2003, p. 742.
20
Cf. Gn 12, 1-4; 1Rs 19,15-19; Am 7,15; Os 1,2-3
21
Cf. Ex 3, 4-12; Jz 6, 11-24; Jr 1, 4-10; Ez 2, 1-3,11
22
“O caminho mais fácil para uma aproximação do evento vocacional é o caminho histórico” (MARTINI,
Carlo Maria; VANHOYE, Albert. Bíblia e Vocação. 1987, p. 24).
23
“Antropologicamente, a vocação é uma resposta do homem, a partir de seu diálogo com Deus, o qual o
chama, levando-o, assim, a uma opção fundamental” (SILVEIRA, João Carlos Andrade da.
Adolescência e opção vocacional: análise psicopedagógica. Monografia (Especialização em
Psicopedagia) - Curso de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da
Imaculada Conceição, Viamão, 1994, p. 22.
24
“[...] o misterioso provoca no humano ânsia irrefreável de saber. Na Bíblia porém, a iniciativa da profecia
não está no humano e sim em Deus (MAYORAL LÖPES, Juan Antonio. Profetas. In: PEDROSA
ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. São Paulo: Paulus, 2004, p. 914).
17
no desânimo (cf. Is 40, 6b-7
a ); não possuem pureza (cf. Is 6,5); às vezes, geram desprezo
divino (cf. Jz 6,15; 1 Sm 9,21). Mesmo havendo menosprezo e temor por parte de quem é
convocado, Deus sempre procura o diálogo e capacita à tarefa exigida.
A eleição permanece um mistério
25
. Não depende das qualidades humanas. Destina-
se, não ao engrandecimento de quem é chamado, mas sempre à missão.
1.1.3 Acolhida ao chamado no Novo Testamento
As narrativas neo-testamentárias de acolhida ao chamado
26
foram escritas na
experiência do Cristo ressuscitado, ou seja, sob a ótica pós-pascal
27
. Na Nova Aliança,
permanece a estrutura dialógica da vocação, claramente percebida na narrativa do
acolhimento de Maria ao seu chamado (cf. Lc 1,26-38)
28
. A nova criação origina-se do
diálogo entre Deus e uma mulher. E, com sua acolhida, “[...] inaugura-se a nova família de
Deus em Jesus”
29
. Ele continua sendo o autor do chamado e quem toma a iniciativa.
25
“Toda a história blica mostra que a iniciativa do encontro com Deus parte sempre dele” (MAGRASSI,
Mariano. Acolhimento. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.). Dicionário de mística. 2003, p.8).
26
“Sendo que a sociedade gr. [grega] nada sabia do conceito bíblico de ‘chamada’, não compartilhava de
nosso conceito de ‘vocação’. A atividade do indivíduo na sociedade que trabalhava era chamada ergon
(‘trabalho’), ponos (‘fardo’) [...]. Embora se procurasse um termo geral para o trabalho manual, a
consciência da vocação’ permanecia restrita a sacerdotes, e até certo ponto, àqueles que se dedicavam a
tarefas intelectuais e administrativas” (COENEN, Lothar. Chamar: кaλέω. In: COENEN, Lothar;
BROWN, Colin (Orgs). Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo:
Vida Nova, 2000. 1 v, p. 350).
27
“Depois da morte de Jesus, os discípulos compreenderam, à luz do maravilhoso evento da Páscoa, o
significado mais profundo da em Deus, em Javé. Esta fora o solo cultural-religioso em que o povo de
Israel se formara, vivera ao longo dos séculos, num movimento de infidelidade e conversão” (LIBANIO,
João Batista. Deus e os homens: os seus caminhos. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1996, p.184).
28
“Maria pode dialogar, expressar sua lucidez ao solicitar dados e aceitar, voluntária e livremente, o plano
proposto por Deus mediante o seu mensageiro” (NAVARRO PUERTO, Mercedes. Maria. In:
PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p. 716).
29
Ibid.
18
Nos evangelhos, Jesus chama ao reino do Pai no qual, ocultamente, é o rei
30
e
convoca à missão
31
. Percebemos isso no chamado a seus discípulos (Mt 4,21; Jo 1,35-48;
Lc 10,1), quando Ele convoca todas as pessoas (Mc 10,17-22), em especial, os pecadores
(Mt 9,13; Lc 19,7)
32
. Chama a serem discípulos, não alunos, pois esses, um dia, podem
ocupar a cátedra do professor. E o discípulo, embora se assemelhe ao Mestre, jamais
tomará Seu lugar no seguimento.
Ele provoca no discípulo o êxodo completo de si mesmo e de tudo a que está
ligado, e o conduz atrás de si à adesão plena à pessoa, à mensagem e ao destino
dele. As exigências radicais do seguimento de Jesus (Cf. Lc 9,57-62) indicam
que nele irrompe o Reino de Deus. Os que o seguem são expropriados de seu
mundo e feitos herdeiros de um mundo novo, definido pela própria pessoa de
Jesus. Cristo gera a comunhão de vida que se traduz na relação estável,
permanente, exclusiva com ele, até a participação em seu destino de morte e
ressurreição: ‘se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua
cruz e siga-me’ (Mt 16,24)
33
.
O apóstolo Paulo, vocacionalmente, é paradigmático. Tem consciência de ter sido
chamado por Deus a fim de converter os não-crentes (Gl 1,15). Ele considera todos os
cristãos chamados por Cristo (Rm 1,6), como prova de seu amor (1 Cor 1,2-9). A vocação
neo-testamentária é um chamado à glória (2 Tes 2,14), ao Reino (1 Tes 2,12), à santidade
(1 Tes 4,7), à liberdade (Gl 5,13), à vida eterna (1Tm 6,12). Acolher significa identificar-se
com Cristo e deixá-lo viver em nós (cf. Gl 2,20).
30
“O conteúdo exato do chamamento de Jesus depende em cada Evangelho das conseqüências que o
evangelista atribui ao ser discípulo” (NÜTZEL, Johannes M. Vocação (NT). In: BAUER, Johannes B.
(Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2000, p. 449).
31
“Na Bíblia, o tema da vocação está em relação estreita com os de eleição e missão” (GONZÁLES-
QUEVEDO, Luis. Teologia da vocação. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan
(Orgs). Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p. 1154).
32
“[...] as narrativas de vocações no NT querem realçar a autoridade e a fascinante força do chamamento de
Jesus [...]. A imediata obediência dos chamados transforma-os em exemplos” (NÜTZEL, Johannes M.
Vocação (NT). op. cit., p. 449).
33
CIARDI, Fabio. Seguimento. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.). Dicionário de mística. 2003, p. 952-
953.
19
1.2 A PESSOA HUMANA: PROTAGONISTA NA ACOLHIDA VOCACIONAL
A pessoa humana é quem acolhe o chamado. É a destinatária. A antropologia cristã
nos oferece uma concepção de ser humano, mistério por essência, solidamente
fundamentada na Sagrada Escritura e nos Santos Padres.
1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento
Ao iniciarmos a pesquisa antropológica nas Sagradas Escrituras, é conveniente
destacar a sua estreita relação com a teologia já no início das narrativas bíblicas
34
.
Entretanto, o hagiógrafo vétero-testamentário jamais expõe a pessoa humana como objeto
de reflexão
35
. Considera-a numa totalidade integradora: carne, coração, vida. A pessoa é
sempre concebida na sua relação viva com Deus, tanto masculino como feminino
36
. O ser
humano é considerado, em sua estrutura pessoal, com profunda seriedade, evitando-se
qualquer tipo de abstrações que o transformariam, e também a Deus, em mero objeto de
34
“Teologia e antropologia se encontram em relação íntima desde a primeira página da Bíblia”
(LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia Teológica. o Paulo: Loyola, 1998 (Col. Introdução às
Disciplinas Teológicas), p. 48).
35
“O AT ignora qualquer definição filosófica da essência humana e de seus ‘componentes’. Dicotomia ou
‘tricotomia’ seria inadequado” (DEISSLER, Alfons. Ser Humano/Homem (AT). In: BAUER, Johannes
B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2000, p.402).
36
“A complementaridade entre masculino e feminino – segundo o texto bíblico é exatamente a valorização
da relacionalidade humana nas suas diferenças e complementaridade específica, que atestam as
possibilidades várias de ser imagem de Deus: das quais uma das fundamentais é sê-lo enquanto mulher e
enquanto homem” (RIBEIRO, Hélcion. Ensaio de Antropologia Cristã: da imagem à semelhança com
Deus. Petrópolis: Vozes, 1995, p.156). “A mentalidade patriarcal, então dominante, considerava o
homem superior, por natureza, à mulher[...]. Isto não obstante, a humanidade formava um todo unitário”
(WARNACH, V. Homem. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da
teologia atual. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1983. 2 v, p.330).
20
análise
37
. “Mesmo quando descreve o homem, apresenta-o não como pessoa autônoma em
si, mas integrado na realidade cósmico-política, em diálogo religioso com Deus, orientado
para conviver com seu Criador”
38
.
Os escritos do Antigo Testamento se distinguem por suas inúmeras e precisas
afirmações sobre o mundo e sobre o lugar do homem no mundo, olhando a ambos na
relação com o Criador
39
. Mas, os limites entre Deus, a pessoa humana e o mundo são
solidamente mantidos: Ele escapa às categorias do pensamento humano (cf. Ex 15,11; Is
55,8) e não tem atitudes humanas (cf. Os 11,9). Entretanto, jamais as diferenças são tão
acentuadas que destruam a relação vital entre eles, constituindo-se numa justaposição de
elementos isolados na sociedade.
a) Criatura de Deus
No contexto hebreu, o homem e o mundo têm importância enquanto foram criados
por Deus
40
. Pois, segundo o Antigo Testamento, Deus é o criador da primeira pessoa
37
“Na antropologia do Antigo Testamento, são três os planos que formam a realidade do homem. Não o
partes do homem, mas veis ou dimensões totais. Cada uma dessas dimensões representa a totalidade do
homem numa perspectiva particular. O primeiro nível, o mais externo, é o corpo, ou a carne (basar): é a
manifestação exterior e sensível de todo o ser humano e espiritual. O segundo nível, mais interior,
pertence à alma, à vida (nefesh): esse alento de vida e de consciência é que permite ao homem ser ele
mesmo. Por último, o nível do espírito (ruah): é a dimensão sobrenatural, própria da revelação bíblica,
esse laço imaterial que permite ao homem relacionar-se com o Espírito de Deus. Nenhum de nossos
termos traduz exatamente o conceito e a experiência original. Dão-nos pelo menos uma aproximação”
(RUIZ SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. São Paulo: Loyola, 1996, p. 171-172).
38
GOFFI, Tullo. Homem Espiritual. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de
espiritualidade. 1989, p. 511-512.
39
“O Antigo Testamento formula essa aproximação de Deus pela criação sob a forma do domínio absoluto
de Deus sobre todo o criado. Se de um lado, Israel comparte com os países vizinhos a de que o mundo
foi criado por Deus, avança, de outro, porém, a reflexão em duas direções. Primeiramente espiritualiza ao
máximo esse ato criador de Deus, ao eliminar intencionalmente os elementos míticos de uma luta criadora
do demiurgo contra certa personificação do caos. Esta ação criadora de Deus efetua-se pela palavra’.
Afasta-se, assim, qualquer idéia de emanação ou de uso de elementos primordiais. Com isso, afirma-se a
universalidade e exclusividade da ação divina na criação do mundo” (LIBÂNIO, João Batista. Deus e os
Homens: os seus caminhos. 1996, p. 110).
40
“Antes de tudo, impõe-se claramente o fato da criaturalidade de todos os seres (exceto Deus), inclusive o
homem; tal fato determina a doutrina bíblica em toda a sua extensão” (WARNACH, V. Homem. In:
FRIES, Heinrich (Org.) Dicionário de teologia: conceitos fundamentais de teologia atual. 1983, p. 325).
21
humana e, também, de cada indivíduo, de cada representante da espécie
41
. O nome próprio
do primeiro humano: Adão
42
é coletivo, engloba toda a humanidade
43
. A formação de cada
feto no ventre materno considera-se obra divina
44
. A ação do criador é comparada com o
oleiro que molda o homem da terra
45
. Outras vezes como o tecelão que borda e tece no seio
da mãe
46
. A genitora dos Macabeus é exemplo típico dessa convicção quando reconhece
não ser ela a formadora em seu corpo dos filhos (cf. 2 Mc 7,22s). A pessoa humana assim
formada tem vida, porque Deus soprou o alimento vital, manifestado na respiração
47
.
Concebe-se o homem vivo, em sua totalidade, na existência como um todo e intimamente
ligado ao criador
48
. A tradição filosófica greco-romana parte duma problemática ausente
no contexto hebreu: a dicotomia entre princípio vital e corpo. O pensamento bíblico vai
noutra direção: a pessoa é criatura, barro, argila e sobrevive graças ao hálito de Deus (cf.
Gn 2,7).
41
“O cap. 2 do Gênesis não diz respeito só a história de um homem, mas à humanidade inteira [...] segundo a
mentalidade semítica, o ancestral duma raça traz em si a coletividade ‘saída de seus rins’; nele se
exprimem, realmente, todos os descendentes: estes lhe estão incorporados [...] (LÉON-DUFOUR,
Xavier. Homem. In: LÉON-DUFOUR, Xavier et alii (Orgs.). Vocabulário de teologia bíblica. 4. ed.
Petrópolis: Vozes, 1987, p. 405).
42
“’ādām também é usado para se referir ao homem genérico como imagem de Deus e coroa da criação,
sendo também um nome pessoal. Por isso esta é a palavra usada quase sempre em Gênesis 1-3. [...] A
Bíblia estabelece um forte relacionamento entre o homem (’ādām) e a terra (’ădāmâ)” (COPPES,
Leonard J. ’ādām: homem, espécie humana, humano, alguém, Adão (o primeiro homem). In: HARRIS,
R. Laird (Org.). Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova,
2001, p. 13-14).
43
“Geralmente adam é um conceito coletivo, mas em Gn 3 torna-se ao mesmo tempo o nome do ancestral
da humanidade” (DEISSLER, Alfons. In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico.
2000, p. 402).
44
Cf. Jr 1,5; Sl 139,13; Jó 10,8-12.18
45
Cf. Gn 2,7; Is 29,16;45,9;64,7; Jr 18,6
46
Cf. Sl 139,13-16; Jó 10,11
47
Cf. Gn 2,7; Sl 104,29s; Jó 10,12;33,4;34,14s; Ecl 3,21;12,7
48
“Na interpretação do texto bíblico, os exegetas têm estabelecido muitas indicações – por vezes até
contraditórias. Assim, há uma posição clássica – a das fontes do Pentateuco – que identificam em Gn 1-3,
dois relatos distintos da criação. O mais antigo escrito pelo século X a C, atribuído à tradição javista (J) e
o mais recente, redigido pelos sacerdotes (S) durante o exílio da Babilônia, entre 578 e 538 a C.[...] As
duas narrativas da criação e definição das atribuições do ser humano são extremamente sintéticas e
sóbrias ao contrário dos mitos circundantes; mas os textos têm características diversas” (RIBEIRO,
Hélcion. Ensaio de antropologia cristã: da imagem à semelhança com Deus. 1995, p. 49-50).
22
b) Imagem de Deus
A concepção antropomórfica
49
de Deus nasce da bíblica na criação humana à
imagem do criador (Gn 1,27)
50
. Tudo parece existir ao seu serviço e deleite (cf. Gn 1, 28-
30; 2,16-20a)
51
. Situa-se como soberano da obra criacional, onde acredita ser o centro do
mundo criado para ele e subordinado ao seu fim (cf. Ecl 17,2-4; Sb 9, 2s; 10,2). Facilmente
inebriado por tamanho poder, “[...] pouco menos que um deus” (Sl 8,6); algumas vezes
pensava ter chegado a ser como Deus: designar o bem e o mal (cf. Gn 3,22); possuindo
saber universal (cf. Gn 2, 19s; 1 Rs 5, 9-14) .
Os hagiógrafos do Antigo Testamento entendem essa imagem e semelhança como
inerente a toda humanidade, não exclusivamente ao povo hebreu
52
. A limitação desse
privilégio aos judeus, encontra-se somente em fontes extrabíblicas do judaísmo tardio, e
esta concepção não é, de modo algum, privativa da Bíblia
53
, toda pessoa humana é
49
“Modo de falar de Deus atribuindo-lhe maneiras de ser ou qualidades próprias do homem. Assim, o
atribuídos a Deus memória, ira, arrependimento, rosto, mãos etc. É freqüente no Antigo Testamento,
embora em não poucas passagens se diga que Deus não é como o homem. Acontece que o homem tem
grande dificuldade de expressar o que é próprio de Deus sem recorrer ao uso de imagens da própria
experiência” (PEDRO, Aquilino de. Dicionário de termos religiosos e afins. Aparecida: Santuário. 1993,
p. 22).
50
“Nestes antropomorfismos é necessário ver mais uma expressão do mundo dos símbolos, de que a Bíblia
faz uso tão abundante, que, dentro deste contexto, recebe especial significado teológico. Trata-se de
expressar a proximidade do homem com relação ao Deus transcendente que, se por um lado se acha
incomparavelmente acima de nosso mundo, de outro, intervém também ativamente na história; sua
presença constitui a salvação do homem” (LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia Teológica.
1998, p. 47).
51
“O homem é imagem de Deus e recebe dele uma missão extraordinária e, assim, a mais alta dignidade e
superioridade sobre o mundo e as coisas, as plantas e os animais” (WARNACH, V. Homem. In: FRIES,
Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 1983, p. 325).
52
“Segundo Gn 9,6 a semelhança com Deus recebida no momento da criação, constitui a dignidade do
homem; graças a ela o homem é o senhor da criação (Gn 1,28). [...] Concedida a todas as raças, a imagem
se nos apresenta ordenada à aliança de Deus com os homens, a qual faz parte da história do gênero
humano” (OTTO, S. Imagem. In: idem, p. 407).
53
“Se o mundo grego, preocupado com o cosmos e a natureza, não chegou a suspeitar totalmente do valor de
cada pessoa singular, nem chegou a reconhecer uma singularidade ontológica irredutível ou, o que é
equivalente, o valor absoluto de cada ser humano e sua dignidade incomparável, o certo é que contribui
de forma decisiva à visão do ser humano como imagem de Deus que deriva dos textos bíblicos”
(ELIZONDO ARAGÓN, Felisa. Dignidade da Pessoa Humana. In: PESROSA ARÉS, Vicente Maria et
alii (Org.). Dicionário de catequética. 2004, p.341).
23
parecida com Deus, traz sua estampa, sua aparência
54
: relacional, comunitária, em
convivência
55
. Mesmo com as diferenças hierárquicas e de sexo, a existência em sociedade
lhe é vital
56
.
c) Ser escatológico
Essa criatura privilegiada, forjada à imagem do criador supremo, encontra-se, após
breve existência, diante da morte
57
. “O homem é mortal e também é pecador. No AT, essas
duas limitações andam juntas (Gn 3). É isso que o distingue mais do que qualquer coisa do
criador”
58
. Tal fim é atribuído à ira divina (cf. Sl 90,6; Jo 14,1-17); ao pecado que
contamina a pessoa humana desde sua concepção (cf. Sl 51,7); à culpa herdada do primeiro
homem (cf. Gn 3,19)
59
.
No Antigo Testamento, não é epistemológico
60
o problema relacional entre a pessoa
54
“O homem, visto assim, surgiu, como tudo o mais, por um ato criador de Deus, mas ele é criatura de Deus
de uma maneira que o distingue do resto. A mais antiga narrativa da criação diz isso (Gn 2,7 [J]”
(DEISSLER, Alfons. Ser humano/homem (NT). In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-
teológico. 2000, p. 403).
55
“O homem blico do Antigo Testamento é um homem de relacionamentos. Ele se relaciona com sua
mulher e seus filhos. Vê-se em muitas páginas o realce que se dá à força desse vínculo”. (RUIZ
SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. 1996, p. 172).
56
“O homem é um ser social: sem a segurança da família, da tribo ou da sociedade política, ele não pode nem
mesmo sobreviver, quanto mais atingir o grau de felicidade e plenitude que seria de esperar. No AT, as
relações entre indivíduo e sociedade são diferentes da concepção que temos hoje, não sendo estabelecidas
simples e facilmente. O indivíduo é um agente responsável na sociedade, dela recebendo bens individuais,
mas na sociedade do AT, o indivíduo não pode alcançar aquela forma de independência e afirmação que
tem constituído há tanto tempo o ideal da sociedade moderna” (Mc KENZIE, John L. Dicionário bíblico.
2003, p. 426).
57
Cf. Gn 6,3; Sl 90,3.9s; 104,29; Jo 34,14s; Ecl 12,7; 18,9
58
McKENZIE. John. Dicionário bíblico. 2003, p. 426.
59
“Em vez de receber como um dom a vida divina, Adão quis dispor de sua vida e, comendo do fruto da
árvore, tornar-se deus. Com essa desobediência o homem rompeu com a fonte da vida” (LÉON-
DUFOUR, Xavier. In: LÉON-DUFOUR, Xavier et alii (Orgs). Vocabulário de teologia bíblica. 1987, p.
409).
60
“Deus sempre escapa a todas as categorias e pensamentos humanos (cf. Ex 15,11; Is 55,8s), não se
comporta como os homens (cf. Os 11,9). Apesar de atribuírem a Deus diversas partes ou órgãos do corpo
humano, nunca se faz uma descrição completa de Deus como um homem, porém, antes, usam-se termos e
expressões pretensamente vagos e ambíguos (cf. Ez 2,26; Dn 7,9)” (LADARIA, Luis F. Antropologia. In:
XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereu (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão. São Paulo:
Paulus, 1998, p. 47).
24
humana e Deus, mas religioso. A norma e a medida do homem é a lei de Deus. Ela decide
se ele, como imagem do criador, permanece aos seus cuidados, ou, no rompimento com a
lei, é atirado à sua própria sorte ao morrer
61
. Quando se fez evidente que havia justos
afligidos por sua fidelidade à lei, enquanto que outros, ímpios, gozavam de grande
felicidade, surgiu, aos poucos, na consciência religiosa judaica, a questão da vida após a
morte. As eminentes virtudes dos mártires e soldados da revolução dos Macabeus exigiam
uma justiça póstuma que reparasse sua morte e permitisse a seres excepcionais e a todos os
justos escapar à regra comum e participar na eternidade com Deus (cf. Sb 3,1-9; 5,15), de
quem o homem é a imagem
62
. Tal crença, unida à crescente esperança na sobrevivência
beatífica dos justos, que repararia as iniqüidades dessa vida, conduziu, paulatinamente, à fé
na ressurreição dos mortos
63
, na antropologia semita que não dualiza, na pessoa humana,
alma imortal e corpo mortal
64
.
A resposta definitiva sobre a visão blica de pessoa humana é dada por Jesus
Cristo, a perfeição da lei. Nele, a pessoa humana alcança a ressurreição, realizando
plenamente sua imagem e semelhança divina
65
.
61
“A ausência da ressurreição na maior parte do AT é um dos silêncios do AT sobre a vida no além sob
qualquer forma. [...] Dn 12,2 apresenta uma ressurreição para a vida eterna, o que demonstra uma crença
já firmada” (McKENZIE, John. Dicionário bíblico. 2003, p. 791).
62
“2 Mc conhece a idéia da ressurreição (somente) dos justos, ou dos mártires, para a felicidade (7,9-11.22s;
14,46), mas igualmente a do castigo dos pecadores após a morte (6,26; 12,43-45) e mesmo a da vida
eterna logo depois da morte (2 Mc 7,36). [...] Da mesma maneira como vacilam as idéias sobre a
ressurreição, vacilam também as sobre o estado depois da ressurreição. [...] Textos de Flávio Josefo
mostram que ressurreição do corpo e imortalidade da alma não são entendidas como contraditórias”
(BROER, Ingo. Ressurreição. In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2000, p.
373).
63
Cf. Dn 12,2s; 2 Mc 7,3-36; 12,43-45
64
“A concepção hebraica do homem torna impossível qualquer idéia da vida no além que não seja uma
restituição da vida do corpo” (McKENZIE, John. op. cit., p. 791).
65
“[…] através da imagem desfigurada do velho homem se manifesta sempre melhor a imagem gloriosa do
homem novo, Jesus Cristo Nosso Senhor; e com isso o homem se renova à imagem do seu Criador’ (Cl
3,10)”. LÉON-DUFOUR, Xavier. Homem. In: LÉON-DUFOUR, Xavier et alii (Orgs). Vocabulário de
teologia bíblica. 1987, p. 12).
25
1.2.2 Antropologia do Novo Testamento
Os sinóticos e os escritos não-paulinos, geralmente, mantêm o pensamento
antropológico vétero-testamentário, com forte influência grega, existente na hagiografia
do judaísmo helênico
66
. O Novo Testamento, em sua maior parte, não desenvolveu um
corpo paralelo à literatura sapiencial, jurídica e histórica do Antigo Testamento. “Os
evangelistas estavam tão absorvidos pela surpreendente pessoa de Jesus e por sua obra
salvífica que quase não falaram do homem e, quando tal acontece, o fazem
indiretamente”
67
. Entretanto, na época de Jesus, os fariseus e essênios achavam-se
empenhados na tarefa do cumprimento literal da lei, a fim de acelerar a vinda do Reino de
Deus
68
. A pessoa humana é sacrificada à lei. Jesus põe o homem acima da lei (cf. Mc
2,17), e proclamou que a participação na vida divina, Reino de Deus, foi inaugurada na
humanidade com sua vinda à terra (cf. Mt 5,3s; Mc 1,15).
Os escritos joaninos apresentam dois princípios antropológicos opostos: luz e
trevas
69
. E, nos numerosos enunciados sobre o mundo, insistem nos acontecimentos que se
situam em cima ou em baixo, no céu ou na terra, na luz ou na escuridão, na vida ou na
morte. Descreve o homem a partir da carne ou do espírito, colocando-o como centro e meta
da história e da criação (cf. Jo 1,1-18).
66
Cf. Sb 2,21-3,8; 4,1.7; 5,15s; 8,20; 2 Mc13,15; 15,2s; 17,12-18; 18,23
67
WARNACH, V. Homem. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais de
teologia atual. 1983, p. 332.
68
“A idéia helenística da realeza divina, que teve sua origem com Alexandre Magno, voltou a ser vivificada
no culto ao imperador romano. [...] O efeito da confissão Куrios Ίésous, que os cristãos empregavam para
proclamar Jesus como Senhor, haveria de destruir esta ideologia vital do império romano, e a reação que
obteve foi a perseguição dos cristãos durante os três primeiros séculos” (KLAPPERT, Bertold. Rei, reino:
βaτιλείa. In: COENEM, Lothar; BROWN, Colin (Orgs.). Dicionário internacional de teologia do Novo
Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova. 2000. 2 v, p. 2025).
69
“Trevas o a incapacidade de viver, ou querer viver por si mesmo, recusando a luz do revelador que
deseja dar brilho aos homens (Jo 1,5). Esses homens transformam-se em trevas porque fecham à luz, que
torna possível a existência ser luminosa [...]” (WOSCHITZ, Karl M. Ser Humano/Homem. In: FRIES,
Heinrich. op. cit., p. 409).
26
Paulo, fariseu de formação, fortemente influenciado pela cultura grega, na qual
vivia, marcadamente platônico, sem aniquilar as concepções antropológicas vétero-
testamentárias, as amplia radicalmente. As cartas paulinas são textos de uma teologia
aplicada, que tematicamente ou não, fala do homem, do que ele veio a ser pela revelação
de Deus em Cristo e do que ele, em comparação, deve ter sido antes e fora de Cristo”
70
.
Para ele, uma vez acolhida a mensagem do Evangelho, torna-se homem novo, à imagem de
Cristo, “novo Adão” (cf. 1 Cor 15,45-49)
71
. É pessoa nova, que vive, certamente, nesse
mundo, porém o transcende. Essa transformação não se deve à prática da lei mosaica ou os
frutos de pretensos méritos próprios, mas na em Jesus Cristo (cf. 2 Cor 5,17), dom da
graça de Deus (cf. Rm 3,21s). Pelo Batismo, morre o velho homem
72
e fica livre do pecado
a fim de viver o seguimento de Cristo (cf. Rm 6,6; 7,6). A partir dele, todos são dotados da
graça divina
73
.
A literatura neotestamentária é mais explícita do que o Antigo Testamento, sobre a
existência do pecado, e a morte dele decorrente, graças, em grande parte, aos escritos
paulinos. Neles, o homem renovado é criatura nova, inserido no mistério pascal de Cristo
70
Idem, p. 406.
71
“O tema do ‘novo Adão’ reassume a teologia da imagem do pecado, da forma de redenção por humildade e
obediência” (RUIZ SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. 1996, p. 174).
72
“O ‘homem velho’ é escravo do pecado (Rm 6,6); devemos nos despojar desse velho homem (Ef 4,22; Cl
3,9) para assumir o homem novo. O homem novo é criado mediante a morte de Cristo (Ef 2,15) e, como
homem novo, é criado à imagem e semelhança de Deus como o homem foi criado originalmente (Gn
1,26s; Ef 4,24; Cl 3,10). O homem novo, que vive a vida nova, é o homem interior’, ao passo que o
‘homem exterior’ é a totalidade psicofisiológica que está sujeita à morte (2 Cor 4,16). [...] Por si mesmo, o
homem é incapaz de pensar ou realizar qualquer coisa que Deus tenha cumprido em Cristo. Ele permanece
homem e, portanto irremediavelmente pecador e mortal” (McKENZIE. Dicionário bíblico. 2003, p. 427).
73
“Há um aspecto do homem blico que nos mostra talvez como nenhum outro a sensação de sua grandeza
divina. Trata-se de sentimento do pecado e do perdão. Nessas atitudes emerge a realidade de sua origem
divina, de sua vocação divina, e enfatiza-se o amor e o apreço com que Deus cuida dele por meio de dons,
exigências, do perdão incondicional. O pecado mostra com destaque em sua escuridão a força maior do
amor. No Novo Testamento, conservam-se e potencializam-se essas linhas. ‘A noção de Imago Dei,
inserida no conjunto da teologia neotestamentária, recebe conteúdo novo e muito denso no plano moral e
soteriológico, cristológico e escatológico.’ São Paulo é quem mais desenvolve essas idéias” (RUIZ
SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. 1996, p. 173).
27
(cf. Rm 6,3; Cl 2, 12-13)
74
, para que sua vida seja cada vez mais profunda no Espírito (cf.
1 Cor 15, 44b-49; 1 Ts 5,23). É espiritual e interior (cf. 1 Cor 3,1-3); vive em liberdade, de
acordo com a vontade de Deus (cf. Gl 5,13); entra na intimidade divina, da qual é a
imagem (cf. Cl 1,15-20); tem os mesmos sentimentos de Jesus Cristo (cf. Fl 2,5); coloca-se
a serviço dos irmãos (cf. Cl 3,14) e sua vida cristã é construída na fé, na esperança e no
amor (cf. 1 Cor 13,13), por onde deve avançar e progredir.
1.2.3 Antropologia patrística
Em geral, os Santos Padres desenvolvem a reflexão sobre a pessoa humana
percorrendo a via vétero-testamentária e São Paulo
75
. A Imago Dei é o fundamento
antropológico mais comum na teologia patrística. Todavia, mesmo entre os Santos Padres
diversidade de considerações sobre a diferença entre imagem e semelhança
76
. “A esse
propósito Ireneu induziu em Gn 1,26 uma distinção que não é originária do texto bíblico,
entendendo a palavra ‘imagem’ como referida ao constitutivo natural do homem; e
‘semelhança’ à vida no Espírito”
77
. Sectarismo típico de influência platônica, mas os Pais
74
“Paulo o homem sempre à luz de sua origem e de seu destino, em sua relação existencial de criatura
para com o Criador e a criação. Diante do homem está, como única possibilidade vital, uma meta
irredutível: o próprio Deus, como a salvação de toda a salvação. ‘Predestinou-nos, ao amor, a ser filhos
para ele, por Jesus Cristo’ (Ef 1,5; cf. Rm 8,29). Isso define o ‘ser homem’ como ‘possibilidade de ser
cristão’, o que é o maior milagre de Deus” (WOSCHITZ, Karl M. Ser humano/homem. In: BAUER,
Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2000, p. 408).
75
“O desenvolvimento da antropologia bíblica, na antiguidade, foram basicamente dois: um na linha de Gn 1,
26 e o outro na linha paulina de uma antropologia fundamentada na cristologia” (GROSSI, Vittorino.
Antropologia. In: BERNARDINO, Ângelo di (Org.). Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs.
Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulus, 2002, p. 121).
76
“Na patrística, esta distinção é praticamente unânime, apesar de nem sempre ser uniforme. Mas mesmo
quando o clara distinção, supõem-se uma tensão entre os termos” (RIBEIRO, Hélcion. Ensaio de
antropologia cristã: da imagem à semelhança com Deus. 1995. p. 105).
77
GROSSI, Vittorino. op. cit., p.122.
28
da Igreja inspiram-se, fundamentalmente, nos textos bíblicos
78
.
Os Santos Padres não afirmam simplesmente que o ser humano é Imago Dei, mas
segundo a imagem, pois o verdadeiro ícone do Pai é o Verbo
79
. À medida que os debates
cristológicos avançam, se inclinam a afirmar que o homem é a imagem do Verbo-
encarnado
80
, o arquétipo na qual o ser humano foi moldado
81
.
A imagem é a totalidade do ser humano. Mesmo havendo desacordos, alexandrinos
e antioquenos, latinos e orientais, criação ou Batismo
82
, prevalece essa convergência: a
imagem de Deus é inerente à natureza humana, maculada pelo pecado e que deve ser
recuperada pelo Batismo. Ela confere uma participação ontológica divina e faz com que o
ser humano seja capaz de conhecer a Deus; deseje a beleza e aspire naturalmente o
78
“É em torno desses temas que se desenvolverá a recuperação de Platão, pelo cristianismo em geral e da
patrística em especial” (Miano, Francesco. Platão. In: BORRIELLO, Luigi et alii. Dicionário de mística.
2003, p. 879). “Embora tenha sido aceito, em geral, o esquema dicotômico grego do homem corpo-alma,
todavia este não veio a configurar-se numa nítida separação dualista, e isso em virtude da comum na
ressurreição dos corpos e na encarnação do Verbo”. GROSSI, Vittorino. Antropologia. In:
BERNARDINO, Ângelo di (Org.). Dicionário patrístico e de antguidades cristãs. 2002, p. 121).
79
“Este conceito está relacionado com a teologia da revelação: Jesus enquanto imagem do Pai, o revela. A
idéia do homem, que no Antigo Testamento aparece como central, agora é reinterpretada da maneira
cristológica” (LADARIA, Luis F. Introdução à antropologia teológica. 1998, p.52).
80
“Sabemos que o Verbo assumiu um corpo no seio da Virgem e transformou o homem velho em uma nova
criatura. Sabemos que ele é homem da nossa mesma substância. [...] Quando contemplares Deus tal qual
é, terás um corpo imortal e incorruptível, como a alma, e possuirás o reino dos céus, tu que, peregrinando
na terra, conhecestes o Rei celeste; viverás então na intimidade de Deus e serás herdeiro com Cristo”
(HIPÓLITO DE ROMA, Presbítero. Refutação de todas as Heresias: cap. 10, 33-34 PG 16, 3452-3453.
In: LITURGIA das Horas. 1995, 1 v, p. 412).
81
“Os Padres e escritores eclesiásticos dos primeiros séculos leram Gn 1,26s à luz do NT, de Paulo em
particular, e combinaram assim, a protologia com a escatologia. Ressaltaram o modo como, sendo
somente o Filho a imagem de Deus, nós, homens, fomos criados ‘segundo a imagem’, ou seja, à imagem
da imagem, o Filho. [...] É inútil dizer que considerar Jesus o modelo à cuja imagem o homem foi criado,
de maneira alguma, significa questionar sua divindade nem sua consubstancialidade” (LADARIA, Luis F.
Antropologia. 1998, p. 51).
82
“A Escola Alexandrina se desenvolveu e predominou na cultura ocidental cristã. Houve nela uma
ênfase sempre mais profunda na dimensão ontológica. Entre seus expoentes estão Sto. Agostinho, S.
Tos de Aquino e os tomismos decorrentes. A Escola Antioquena não teve um desenvolvimento
constante mas vai estar coligada com uma tradição que passa pela Escola Franciscana, com Duns
Scotus, S. Boaventura, e de certa forma com as teologias contextuais de hoje. Privilegia a história da
salvação. E quase de modo simplista poder-se-ia afirmar que as duas grandes Escolas mantêm a
positiva tensão diatica de toda a teologia, desde os primeiros grandes Concílios (Nicéia, Calcedônia,
Constantinopla) a as correntes contemporâneas que enfatizam o dogma sobre a história ou a
história sobre o dogma(RIBEIRO lcion. Ensaio de Antropologia cristã: da imagem à semelhança
com Deus. 1995, p. 106-107).
29
Criador, esteja na presença permanente da graça que não só o impele a ser como Deus, mas
o torna de sua estirpe, elevando-o e fazendo-o, semelhante a Ele, um mistério
83
. São
possíveis dois caminhos: o agostiniano, onde se quer chegar a Deus partindo de sua
imagem humana, é uma via ascendente
84
, e o dos padres orientais, onde se procede
inversamente, ou seja, se a pessoa humana é imagem divina, deve-se partir de Deus para
conhecer o ser humano, é uma antropologia do término, descendente.
É habitual na Patrística Latina a polarização natureza-graça, natural-sobrenatural.
Contudo, a natureza humana não é pura, pois é imagem divina e de algum modo toma parte
ontologicamente nessa divindade. É essencialmente boa, participa de Deus e possui as
primícias do Reino. Nem o pecado aniquila essa imagem. Os orientais não possuem o
pessimismo de alguns latinos. Para eles o pecado será sempre estranho à natureza humana
e, por isso, a noção de encarnação não constitui para Deus um ir ao estrangeiro: o Verbo se
encarna em seu ícone vivente, em sua imagem viva que é o ser humano. O homem é o
rosto humano de Deus, é ícone divino. está o fundamento último de sua dignidade. A
encarnação não é determinada pela culpa, mas pela divinização humana. Os orientais não
têm a felix culpa agostiniana, exaltada na Vigília Pascal
85
pelos latinos. Entretanto, para
ambos, a autêntica grandeza da pessoa humana está em ser imagem de Deus.
83
“O novo nascimento é o momento mais freqüentemente salientado pelos Padres” (BETZ, J. Batismo. In:
FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 1983, p. 189).
84
“[...] Agostinho, ainda se aprofunda na descoberta da imagem de Deus na alma: a notícia, o verbo da
mente, é igual a própria mente, é dela gerada; o amor, embora não se possa dizer que seja gerado,
tampouco, é menor do que a mente, porque também esta ama o que conhece e o que é (cf. IX, 12,18)”
(LADARIA, Luis F. Antropologia. 1998, p. 49).
85
“Bendita a culpa que nos vale um semelhante Redentor!” (MISSAL Romano. 1992, p. 275).
30
1.3 A SANTÍSSIMA TRINDADE: ORIGEM DO CHAMADO
86
Deus é o autor do chamado, Deus Uno e Trino. O retorno às fontes, bíblico-
patrísticas, nos permite aproximar da teologia trinitária, a fim de conhecê-la melhor.
1.3.1 A Trindade e o Antigo Testamento
O termo Trindade não aparece nas Sagradas Escrituras
87
. Mesmo assim, constata-
se, no Antigo Testamento uma pedagogia quanto à revelação da identidade divina
88
,
plenificada com o evento Cristo
89
.
Nos escritos do Antigo Testamento, especialmente através de manifestações como
Anjo de Iahweh, Espírito de Deus e Sabedoria, vê-se uma certa pluralidade divina. "Os
fiéis do A.T. podiam compreender estas expressões somente pela ação histórica de Deus.
86
“Lembrando que ainda sofremos por ‘falta de uma teologia mais sistemática sobre as vocações’,
precisamos considerar melhor este aspecto, destacando sobretudo a dimensão trinitária do chamado
divino. ‘Deus é a fonte da vocação: o Pai chama para a missão; o Filho, servidor do Pai, exprime esse
chamado, nos envia; o Espírito Santo faz ecoar a palavra em vista do bem de todos” (CNBB. Setor
Vocações e Ministérios. Batismo: fonte de todas as vocações: texto base do ano vocacional 2003. 2002,
n. 116). Buscaremos considerações, não conceituações sobre a Trindade, “[...] mistério central da e da
vida cristã [...] a fonte de todos os outros mistérios, é a luz que nos ilumina” (CaIC 234). “Toda análise
deve partir de que a Trindade constitui um mistério impenetrável” (SCHMAUS, Michael. Trindade. In:
FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 1987, p. 364.
5 v.). Agir como o Profeta diante de Deus: “Imediatamente Moisés caiu de joelhos por terra e adorou”
(Ex 34,8). Todavia, declarar “[...] que Deus é mistério o quer dizer que seja impossível conhecê-lo.
Significa que tal conhecimento nunca será esgotado” (CASTRO, Valdir José de. stica da realização
humana: espiritualidade cristã. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1998, p. 20). Acerca de considerações sobre o
mistério da Santíssima Trindade, cf. RAHNER, Karl. Método e estrutura do “De Deo Trino”. In:
Mysterium Salutis: compêndio de dogmática histórico-salvífica II/1. Petrópolis: Vozes. 1972, p. 283).
87
“A crença nesses termos foi definida somente no séc. IV e V d.C.” (McKENZIE, John. Dicionário bíblico.
2003, p. 947).
88
“[...] não apenas uma teologia sobre Deus, mas muitas. [...] uma pedagogia progressiva que faz o povo
perceber cada vez mais elementos da identidade de seu Deus e preparar-se para receber sua revelação
definitiva” (BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus Trindade: a vida no coração
do mundo. Valência (ESP): Siquem: São Paulo: Paulinas, 2003, p. 62).
89
Cf. 1 Cor 10,11; Gl 3,24; Hb 10,1
31
Mas olhando do N.T. para o A.T., nas imagens deste se podem ver acenos à
tripersonalidade e inícios da manifestação de Deus em três pessoas”
90
. Mesmo que o
ensino trinitário não esteja explicitamente contido no Antigo Testamento, percebe-se a
ocorrência de episódios sugestivos quanto à existência de mais pessoas, isso na própria
narrativa da criação
91
. Pois, os exegetas, em geral
92
, dizem que o Antigo Testamento é a
preparação imediata da revelação divina na Trindade através da plenitude salvífica de
Cristo, transmitida no Novo Testamento. Deus, pois, inspirador e autor dos livros de
ambos os Testamentos, de tal modo dispôs sabiamente, que o Novo estivesse latente no
Antigo e o Antigo se tornasse claro no Novo”
93
.
1.3.2 A teologia trinitária no Novo Testamento
Os hagiógrafos da Boa-Nova afirmam unanimente, desde o início da pregação, que
Jesus de Nazaré é o próprio Deus revelado: uma das pessoas da Trindade. Não apenas
alguém que revela Deus. E isso passou à própria prática batismal.
90
SCHMAUS, Michael. Trindade. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos
fundamentais da teologia atual. 1987, p. 366.
91
“Por exemplo, segundo Gênesis 1,26, Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança’[...] A melhor explicação, e a única sustentada quase unanimamente pelos pais da Igreja e
teólogos mais antigos, é a de que no primeiro capítulo de Gênesis existe a indicação da pluralidade de
pessoas no próprio Deus. Não que haja uma referência a quantas pessoas, e não temos nada nesse texto
que aborde uma completa doutrina da Trindade, mas fica implícito que mais de uma pessoa está
envolvida nesse texto. O mesmo pode ser dito de Gênesis 3,22 (‘Agora o homem se tornou como um de
nós, conhecendo o bem e o mal’), Gênesis 11,7 (‘Venham, desçamos e confundamos a língua que falam’)
e Isaías 6,8 (‘Quem enviarei? Quem irá por nós?’). (Note a combinação de singular e plural na mesma
frase no último texto” (Idem, p.109-110).
92
Há controvérsias, pois o Antigo Testamento o conteria ensino alusivo ou prefigurativo à Trindade: “O
que são termos que o NT usa para exprimir a Trindade das pessoas: Pai, Filho, Verbo, Espírito, e
outros. O estudo desses termos demonstra que a revelação no NT avança além da revelação de Deus no
AT”. (DB, p. 948). Chega-se a julgar tal atitude como: “Piedosa interpretação de muitas gerações cristãs
que se considera hoje verdadeira violência ao texto” (CATÃO, Francisco. A Trindade: uma aventura
teológica. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 15).
93
AGOSTINHO DE HIPONA. Quaest. In Hept. 2,73: PL 34, 623. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II.
Constituições, decretos, declarações. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 133.
32
Não dúvida alguma de que os cristãos se distinguiram, desde o início, dos
outros crentes, judeus ou não judeus, por admitirem os convertidos na
comunidade de Jesus Cristo, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do
Espírito Santo (Mt 28,19; Didaqué 7) [...] Esta fé batismal, baseada sobre a
experiência da presença espiritual de Jesus de Nazaré, confirmado por Deus na
ressurreição como Cristo e Senhor, representou uma influência decisiva em toda
a evolução do dogma e da teologia trinitária
94
.
Entretanto, os Evangelhos e outros livros do Novo Testamento dão testemunhos
diversos entre si sobre a Trindade. Os escritos teológicos dos Sinóticos são distintos dos
joaninos
95
. Em Atos, encontramos outros objetivos trinitários. Não basta apenas olhar a
Jesus de Nazaré ou transcrever algumas palavras e situações evangélicas “[...] com
aparente conteúdo trinitário e interpretá-las a partir do dogma posterior”
96
. É necessário
levar em conta que são escritos pós-pascais e avançar teologicamente no todo da revelação.
Ao observarmos os Sinóticos, destacamos, inicialmente, os evangelhos da
infância
97
. Merece especial atenção o Batismo do Senhor
98
, “[...] Jesus aparece como
Ungido escatológico, amado do Pai, sobre quem desce o Espírito Santo”
99
. E o mandato
missionário (cf. Mt 28,19). Destacam-se, também, inúmeros textos onde aparece a relação
do Messias com o Pai e Espírito Santo
100
. João desenvolve a teologia do Logos.
94
STUDER, Basílio. Trindade. In: BERNARDINO, Ângelo di (Org.) Dicionário patrístico e de antiguidades
cristãs. 2002, p. 1386).
95
Nos primeiros, temos “[...] somente um testemunho interpretativo, isto é, teológico, daquilo que viram em
Cristo e dele ouviram” (SCHMAUS, Michael. Trindade. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de
teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 1983, p. 367). Já no quarto Evangelho e escritos
joaninos: “Tal caráter de interpretação é ainda mais pronunciado. [...] Sob este aspecto, Paulo está entre os
sinóticos e João” (idem, p. 367).
96
SCHIERSE, Franz Josef. Revelação Trinitária Neotestamentária. In: Mysterium Salutis: compêndio de
dogmática histórico-salvífica II/1, 1972, p. 77.
97
Cf. Mt 1,16.18.23; Lc 1,32-35; 2,25-26
98
Cf. Mt 3,13-17; Mc 1,2-11; Lc 3,2-13
99
ROVIRA BELLOSO, Josep M. Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. In: XABIER PIKAZA, O. de M.;
SILANES, Nereu (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão, 1998, p.878.
100
Cf. Mt 11,25;12,28; Lc 4,18; 11,20; 24,49; Mc 13,9-13
33
Diferentemente dos outros enunciados naquela época, o logos de João tem como
característica principal a historicidade (Jo 1,14; cfr. especialmente 1Jo 1,1-3). O
logos preexistia a todos os tempos; vivia junto de Deus, era Deus e fêz-se carne
no Tempo [...] Contudo a expressão ‘logos’ está novamente na primeira carta de
João e no Apocalipse [...] O que é brevemente traçado no prólogo, é
desenvolvido no Evangelho. ‘Filho’ usado no lugar da expressão ‘logos’, faz
aparecer em maneiras e imagens sempre novas tanto o ‘eu’ pessoal do Senhor,
como a sua natureza divina; tanto a sua distinção do Pai, como a sua ligação com
ele. O Filho é mais antigo do que as estirpes mais antigas, antes de todo o
mundo, pois existe antes de toda coisa (Jo 3,11-13; 3,46; 8,23.38; 17,5). Ele deve
tudo ao Pai (Jo 5,36.23.27; 3,35;13,3;16,15). Ao mesmo tempo é uma coisa
com o Pai no ser e no agir. O Pai está nele e ele está no Pai. Quem vê o Filho
por isso mesmo também o Pai (Jo 14,10s, 20.7.9; 10,37; 17,21). Cristo é Senhor
e Deus (Jo 20,28). Esta é a vida eterna: conhecer Deus e aquele que ele enviou,
Jesus Cristo (Jo 17,3). A unidade de Pai e Filho é princípio e modelo da unidade
dos cristãos entre si (Jo 14,20)
101
.
Nos escritos paulinos está subjacente uma vasta teologia trinitária e soteriológica.
Muitas de suas cartas contêm saudações que, mesmo não citando explicitamente a
Trindade, fazem menção a Jesus como Filho, e a Deus como Pai.
Segundo o testemunho de Paulo, Cristo envia àqueles que crêem nele o Espírito
de Deus. No cristão ele é o princípio de uma vida nova, verdadeiramente divina
porque Cristo é o primogênito entre muitos irmãos, que possui o espírito sem
medida; comunica os dons do Espírito Santo, que possui em plenitude, a todos
aqueles que estão unidos nele pelo batismo
102
.
A Igreja nascente é pneumática. Ela age pela santificação do Espírito, segundo a
presciência de Deus Pai, para obedecer a Jesus Cristo (cf. 1 Pd 1,2a). A fé trinitária
aparece nitidamente na ação da terceira Pessoa, pois o Espírito Santo é enviado no
Pentecostes (cf. At 2,1-5). Daquela ocasião em diante Ele guia e comanda a Igreja, sendo o
agente principal em todos os acontecimentos (cf. At 5,3.9.32; 15,28). As primeiras
comunidades cristãs foram percebendo que: “A história trinitária de Deus revelada na
Páscoa é a história de salvação, história nossa”
103
.
101
SCHMAUS, Michael. Trindade. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos
fundamentais da teologia atual. 1987, p. 367.
102
idem, p.371.
103
BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus Trindade: a vida no coração do mundo.
2003, p. 92.
34
1.3.3 Contributo Patrístico à Formulação da Teologia Trinitária
No cânon das Sagradas Escrituras não encontramos uma doutrina explícita, clara e
segura da Santíssima Trindade e nem havia preocupação com relação a isso
104
. Entretanto,
nos primórdios do Cristianismo, surgem as dúvidas, as pseudo-interpretações e o
nascimento das primeiras heresias. Foi em defesa da ortodoxia e da unidade que a Igreja
reunida em Concílios, pastores e teólogos foram explicitando a doutrina trinitária que,
embora elaborada nas origens cristãs, é válida e atual.
a) Heresias trinitárias
Hoje, vive-se uma certa tranqüilidade entre os cristãos com relação ao dogma da
Santíssima Trindade. Encontramos consenso harmonioso. Mas não foi sempre assim
105
.
Desde os tempos apostólicos, busca-se a ortodoxia e a purificação da fé, gerando muitas
vezes cisões no Corpo de Cristo. Destacamos: Modalismo
106
; Arianismo
107
; Triteísmo
108
;
104
“A evolução da doutrina, durante os primeiros três séculos caracterizou-se sobretudo pela transição por
que passou a batismal, indo do ambiente apocalíptico para o helenístico” (STUDER, Basílio.
Trindade. In: BERNARDINO, Ângelo di (Org.). Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. 2002,
p. 1386).
105
“As definições trinitárias surgiram como resultado de longas controvérsias, nas quais esses termos e
outros como ‘essência’ e ‘substância’, foram erroneamente aplicados a Deus por alguns teólogos”.
(McKENZIE, John. Dicionário bíblico. 2003, p.947).
106
“Na terminologia moderna se usa preferencialmente o vocábulo modalismo para designar a doutrina
trinitária que não reconhece a consistência pessoal distintiva do Pai, no Filho e no Espírito Santo,
reduzindo sua realidade a simples modos ou momentos manifestativos do Deus único. Na história da
teologia esta doutrina tem recebido diversas designações: monarquianismo [...]; patripassianismo [...];
sabelianismo [...]” (GUERRA, Santiago. Modalismo. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES,
Nereu (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão. 1998, p.586).
107
“Doutrina herética sustentada por Ário (+336), presbítero de Alexandria, segundo a qual a Segunda
Pessoa da Santíssima Trindade não é Deus por essência, mas uma criatura, a primeira, tão intimamente
relacionada com Deus, que o Pai a adota como Filho” (PEDRO, Aquilino de. Dicionário de termos
religiosos e afins. 1993, p. 24).
108
“Portanto, três deuses. [...] Poucas pessoas defenderam esse pensamento na história da igreja, que
apresenta semelhanças com muitas religiões pagãs antigas que sustentavam a multiplicidade de deuses”.
GRUDEM, Wayne A. Manual de teologia sistemática: uma introdução aos princípios da cristã. São
Paulo: Vida. 2001, p. 120).
35
Subordinacionismo
109
; Filioque
110
.
b) Credo Niceno-Constantinopolitano
O grande evento eclesial a normatizar a teologia trinitária foi o primeiro Concílio
ecumênico de Nicéia (325 d.C.), convocado pelo imperador Constantino, com seus 318
Padres, juntamente com o primeiro Concílio ecumênico de Constantinopla (381 d.C.), onde
participaram 150 Padres
111
. Deles nasceu o que chamamos de Credo Niceno-
Constantinopolitano
112
. Pouco depois, esse símbolo se inseriu à liturgia e determinou a
trinitária da Igreja.
109
“Com o termo subordinacionismo designa-se uma posição cristológico-trinitária que tende a fazer de
Cristo realidade inferior e subordinada a Deus Pai (e do Espírito Santo realidade subordinada também a
Cristo); [...] pode-se enquadrar o chamado adocianismo, que faz de Cristo mero homem adotado por
Deus como seu filho por causa de seu comportamento; é a forma moderna de designar a tendência
doutrinal que os outros autores preferem qualificar de monarquianismo dinâmico (CURA ELENA,
Santiago Del. Subordinacionismo. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereu (Orgs.).
Dicionário teológico: o Deus cristão. 1998, p. 839).
110
“A cláusula do Filioque introduzida no Ocidente nombolo da fé, tem sido ao longo da história problema
central, que questionou radicalmente as relações entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente” (GARIJO
GUEMBE, Miguel. Filioque. 1998, p. 357). Os latinos professam, “[...] o Pai e o Filho como único
princípio do Espírito Santo” (STUDE, Basílio. Trindade. In: BERNARDINO, Ângelo di (Org.).
Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. 2002, p. 1388). Os orientais discordam veementemente,
“[...] porque querem evitar o perigo de que o Espírito fosse uma criatura, não proveniente da mesma
hipóstase do Pai, mas feita por meio do Filho, como as outras criaturas” (idem, p. 1388). Formulou-se
uma profissão conciliatória: “A fórmula foi aceita, mas a divisão entre as Igrejas continuou”
(BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus Trindade: a vida no coração do mundo.
2003, p.158).
111
“Esses concílios foram fundamentais para a evolução da fé trinitária. Lançaram as bases sólidas para o que
seria a fé da Igreja nestes 2000 anos” (idem, p. 155).
112
“Cremos em um Deus Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e
invisíveis; e em Senhor Jesus Cristo, Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos;
Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial
com o Pai, por quem foram feitas todas as coisas; que por nós homens e por nossa salvação desceu do
céu e Se encarnou, por obra do Espírito Santo, no seio da Virgem Maria e Se fez homem; por nós foi
crucificado, sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as
escrituras, e subiu ao céu; e está sentado à direita do Pai; e de novo virá, com glória, para julgar os vivos
e os mortos; e Seu Reino não terá fim. Cremos no Espírito Santo, Senhor e doador da vida, que procede
do Pai; que com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e glória, que falou pelos profetas. Cremos na
Igreja, una, santa, católica e apostólica. Confessamos um Batismo para a remissão dos pecados.
Esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que de vir. Amém” (CREDO NICENO-
CONSTANTINOPOLITANO. Msi 6, 957; ACO II, 1/2, 80. In: COLLANTES, Justo . A Católica:
Documentos do Magistério da Igreja: das origens aos nossos dias. Rio de Janeiro: Lumen Christi;
Anápolis: Diocese de Anápolis. 2003, p.1224).
36
c) Contributo dos Santos Padres
A explicitada nesses Concílios nasceu, fundamentalmente, de grandes teólogos
da chamada “idade de ouro da patrística
113
. Citamos alguns
114
: Inácio de Antioquia (+
110 d.C.), primeira contribuição significativa, sem preocupação com defesa e
argumentação racional; Atenágoras (séc. II d.C.), acredita-se que gerou a primeira
abordagem racional da Trindade, antecipando-se a Ireneu de Lião e Hilário de Poitiers;
Ireneu de Lião (+202 d.C.), o mais importante entre os teólogos do culo II, discípulo de
Policarpo é chamado o “Pai da dogmática católica”; Tertuliano (+ depois de 220 d.C.),
antes de Agostinho é um dos mais originais escritores eclesiásticos, desenvolve uma
teologia que se firmará mais tarde no Ocidente; Novaciano (assume cargo importante em
250 d.C.), não possui a genialidade de Tertuliano, é polêmico e cismático, contudo, sua
teologia trinitária é ortodoxa, escreve De Trinitate; Orígenes (+253/254 d.C.), grande
teólogo especulativo, criador do primeiro tratado coerente de teologia sistemática com a
obra Tratados sobre os Princípios; Atanásio de Alexandria (+373 d.C.), defensor no
Oriente das resoluções de Nicéia, no qual teve participação fundamental
115
; os Capadócios:
Gregório de Nazianzo (+390 d.C.), Basílio de Cesaréia (+379 d.C.) e Gregório de Nissa
(+394 d.C.), procuraram responder teologicamente ao modo de distinção entre as Pessoas
113
DROBNER, Hubertus R. Manual de Patrologia. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 195.
114
As reflexões a seguir, sobre o contributo dos Santos Padres, fundamentar-se-ão em: ROVIRA BELLOSO,
Josep, M. Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereu
(Orgs.) Dicionário teológico: o Deus cristão. 1998, p. 882-888.
115
Ora, a nossa é esta: cremos na Trindade santa e perfeita, que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo; nela
não mistura alguma de elemento estranho; não se compõe de Criador e criatura; mas toda ela é
potência e força operativa; uma só é a sua natureza, uma é a sua eficiência e ação. O Pai cria todas as
coisas por meio do Verbo, no Espírito Santo; e deste modo, se afirma a unidade da Santíssima Trindade”
(ATANÁSIO DE ALEXANDRIA. Ep. 1 ad Serapionem, 28-30: PG 26,594-595.599. In. LITURGIA das
Horas. 1995, III v, p. 530).
37
na unidade de substância
116
; Hilário de Poitiers
(+367 d.C.), célebre é a sua obra em 12
livros, De Trinitate, onde desvela, particularmente, as relações mútuas entre o Pai e o
Filho, sem descuidar-se do papel santificador do Espírito.
d) Agostinho de Hipona (354-430 d.C.)
Proeminente mistagogo da “idade de ouro da patrística”: bispo, teólogo, filósofo,
escritor, pastor, orador e místico. Seus escritos, muitos deles famosos por suas investidas
contra os arianos e pelagianos, determinaram, posteriormente, toda a teologia latina,
também sobre a Trindade. Na terminologia esclarecerá divergências; na teologia trinitária,
o grande contributo veio, especialmente, através da sua obra De Trinitate”: quinze livros
gerados durante longo tempo (399 a 420 d.C.)
117
, escrita após os Concílios ecumênicos de
Nicéia e Constantinopla
118
.
[...] esta obra, a mais teológica de Agostinho, não apenas reformulou de modo
feliz o dogma trinitário herdado dos Padres, mas com sua doutrina sobre o homo
interior imago Trinitatis, aprofundou também de maneira toda pessoal a teologia
trinitária anterior. Partindo do único Deus, Agostinho procura circunscrever e
explicar a Aequalitas Personarum [...] de fato, Agostinho demonstra, com
uma clareza nunca alcançada antes dele, a correspondência entre a Teologia
econômica e a Teologia imanente
119
.
116
“Antes de todas as coisas, conservai-me este bom propósito, pelo qual vivo e combato, com o qual quero
morrer, que me faz suportar todos os males e desprezar todos os prazeres: refiro-me à profissão de no
Pai e no Filho e no Espírito Santo. Eu vo-la confio hoje, é por ela que daqui a pouco vou mergulhar-vos
na água e vos tirar dela. Eu vô-la dou como companheira e dona de toda a vossa vida. Dou-vos uma
Divindade e Poder que existe Una nos Três, e que contem os Três de uma maneira distinta. Divindade
sem diferença de substância ou de natureza, sem grau superior que eleve ou grau inferior que rebaixe...A
infinita conaturalidade é de três infinitos. Cada um considerado em si mesmo é Deus todo inteiro... Deus
os Três considerados juntos. Nem comecei a pensar na Unidade, e a Unidade me banha no seu esplendor.
Nem comecei a pensar na Trindade, e a unidade toma conta de mim” (GREGÓRIO NAZIANZENO. Or.
40,41: PG 36, 417. In: CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 1993, n.256).
117
Cf. DROBNER, Hubertus R. Manual de Patrologia. 2003, p. 427.
118
“Apenas no século V temos uma terminologia técnica, que passou ao patrimônio da Igreja [...], no
Concílio provincial de Toledo, no ano 400, no símbolo Quicumque, chamado comumente, símbolo
Atanasiano. Este símbolo, ou profissão de fé, sintetiza toda a verdade sobre a Santíssima Trindade e a
encarnação” (GRINGS, Dadeus. Nosso Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Porto Alegre: ITCR, 1974,
p.128).
119
STUDER, Basílio. Trindade. In: BERNARDINO, Ângelo di (Org.). Dicionário patrístico e de
antiguidades cristãs. 2002, p. 1389.
38
A diligência em desvelar o mistério da Santíssima Trindade marcou sua época,
inclusive lendariamente
120
. “A excelsa Trindade, porém, um é tanto quanto os três juntos; e
dois são tantos quanto um. E são em si infinitos. Desse modo, cada uma das Pessoas
divinas está em cada uma das outras, e todas são somente um. [...] Porque Deus é uno, mas
Trindade também”
121
. E habita na pessoa humana, reflexo trinitário: homo interior imago
Trinitatis.
120
“Esta lenda narrada aqui segundo Petrus de Natalibus (1493), mas que se encontra no séc. XIII em
Cesário de Heisterbch (+1240) e Tomás de Cantimpré (1263) também ganhou muita popularidade nas
apresentações artísticas, por captar de uma forma muito acertada e tocante as dificuldades com que
Agostinho teve que defrontar-se na composição da monumental obra De Trinitate, e que são por ele
próprio descritas no prólogo da obra, a carta dedictória dirigida as bispo Aurélio de Cartago (epistula
174)” (DROBNER, Hubertus R. Manual de patrologia. 2003, p. 426).
121
AGOSTINHO DE HIPONA. A Trindade. VI, 10, 12. São Paulo: Paulus, 1995.
39
2 SANTIDADE: CHAMADO HISTÓRICO-ECLESIAL
O que demonstra a vocação acertada não é o grau de importância a ela atribuída,
pois no Batismo todas têm a mesma dignidade e igualdade, mas a coerência na santidade a
que todos são chamados, na Igreja e na sociedade. É a partir disso que construiremos o
julgar.
2.1 CONTEMPORANEIDADE E ECLESIALIDADE
A contemporaneidade é uma característica da acolhida do chamado, que se dá no
tempo e no espaço. Tempos modernos ou pós-modernos, como defendem alguns
pensadores, contudo, tempos novos. Não faremos análise intensa ou síntese, nem
abordaremos, profundamente, suas características ou origem, mas a controvérsia sobre a
existência duma época autenticamente nova.
40
2.1.1 Controvérsia: Pós-moderno ou Moderno Reajustado
a) Pós-modernidade
A historicidade é integrante ontológico da pessoa humana
122
. Classicamente, tendo
o nascimento de Jesus Cristo como referencial, as ciências sociais e históricas ocidentais
nos ensinam a dividir o peregrinar humano no tempo a partir de eras ou épocas: Pré-
história, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna. Hoje, costuma-se dizer: “Somos Pós-
modernos. A Pós-modernidade é um fenômeno recente. Emergiu da insatisfação perante a
Modernidade”
123
. divergências quanto a sua gênese
124
e anexos, subjacentes, aos
acontecimentos, comumente, encontramos idéias e paradigmas desenvolvidos por
pensadores que se distanciam no tempo. Como Nietzsche, pregoando a supremacia de
Zaratustra, profetizando a derrota de velhas verdades, mutações de valores, decadência dos
ídolos
125
, e pensadores, surgidos nas últimas décadas, que contribuíram marcadamente no
contexto atual, entre eles: Husserl, Kierkegaard, Jaspers, G. Marcel, Bloch, Horkheimer,
Adorno, Habermas, Lyotard e Richard Rorty
126
. É uma reação a tudo que aprisiona a
122
[...] designa um certo aspecto (que engloba o mundo e o tempo) da constituição do ser humano (em sua
unidade individual e social. Por ela o homem encontra-se situado” (DARLAPP, A. Historicidade. In:
FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 1983, p.302).
123
ARDUINI, Juvenal. Antropologia: ousar para reinventar a humanidade. São Paulo: Paulus, 2002, p.13.
124
Defende-se que: “A crise de superacumulação iniciada no final dos anos 60, e que chegou ao auge em
1973, gerou exatamente esse resultado”. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 1992, p. 293. “A
crise dos anos 70 (choque do petróleo, regimes totalitários no Ocidente, principalmente na América
Latina, guerra do Vietnã, alargamento do fosso Norte-Sul...) coloca por fim em xeque de modo claro a
idéia de progresso e o valor universal da razão moderna”. ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro de. A
condição pós-moderna como desafio à pastoral popular. 1993, p. 100. “A passagem da Modernidade’
para a ‘Pós-modernidade’ é colocada de forma muito simplista se afirmarmos que ela teve início nas
décadas de 1970 e 1980. [...] A irrupção da Modernidade já está dada com o desmoronamento da
sociedade burguesa e do mundo eurocentrista por ocasião da Primeira Guerra Mundial(KÜNG, Hans.
Projeto de Ética Mundial: uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. o Paulo:
Paulinas, 2003, p. 18).
125
Na sua filosofia, “[...] encontra-se uma crítica aos valores apresentados como superiores, presentes na
Modernidade, principalmente relacionados à idéia de progresso e ao conceito unitário de história”
(SCOPINHO, Sávio Carlos Desan. Filosofia e Sociedade Pós-Moderna. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2004, p. 23).
126
Cf. ARDUINI, Juvenal. op. cit., p.13.
41
pessoa humana
127
, que deve ser totalmente livre a fim de realizar seus desejos e vontades
muitas vezes reprimidos por paradigmas sociais, éticos e religiosos. Na modernidade, “O
mundo perdeu suas características teocêntricas para dar lugar a uma visão de caráter
antropocêntrico
128
. A pessoa humana continua no centro da Pós-modernidade. Todavia,
ao invés de valorizar-se o nós, as utopias, as ideologias, o conhecimento, o ético, a
verdade, a lei, o sujeito, o cidadão, o herói, a consciência, cultiva-se o individualismo, a
imagem, os modelos, a mídia, o estético, a pluralidade, o relativo, a subjetividade, o
consumidor, a star, o corpo
129
, ocasionando individualismo exagerado e subjetivismo
moral. Mesmo assim, é difícil caracterizá-la
130
. É a ruína dos fundamentos metafísicos,
apoiados no conceito de razão absoluta
131
, ou seja, é um conceito de pós-metafísica
132
que,
também, não é unânime
133
.
127
A experiência do tempo e do espaço se transformou, a confiança na associação entre juízos científicos e
morais ruiu, a estética triunfou sobre a ética como foco primeiro de preocupação intelectual e social, as
imagens dominaram as narrativas, a efemeridade e a fragmentação assumiram precedências sobre as
verdades eternas e sobre a política unificada e as explicações deixaram o âmbito dos fundamentos
materiais e políticos-econômicos e passaram para a consideração de práticas políticas e culturais
autônomas” (HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança
cultural. São Paulo: Loyola, 1992, p. 293). “A pós-modernidade não afirma que a socierdade
aprisiona o homem, mas também que ele deve dar mais importância à sua sensibilidade do que à sua
inteligência” (VIOTTI, Frederico. A Pós-modernidade: conseqüência da revolução gnóstica e
igualitária. Disponível em: http://www.angelfire.com/id/ viotti/sumario.htm Acesso em: 13 de dez. de
2004).
128
SCOPINHO, Sávio Carlos Desan. Filosofia e sociedade pós-moderna. 2004, p. 62.
129
Cf. DEBRAY, Regis. Quadro Sinótico das três idades da “Midiasfera”. Folha de São Paulo, 27 de abr.
1991.
130
Talvez fosse mais preciso dizer que ela é caracterizada precisamente por uma recusa das teorias
globalizantes, prontas e definitivas sobre a sociedade” (BENEDETTI, Luiz Roberto. Pós-modernidade:
abordagem sociológica. In: TRANSFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.).
Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológicas, sistemática e teórico-prática. São Paulo:
Paulinas, 2003, p.54).
131
“[...] aquela confiança quase ilimitada na razão humana como construtora da segurança e do progresso do
homem, começa a ruir, por isso não vale tanto o racional, mas o afetivo, o o que eu sei, mas o que eu
sinto que interessa” (SILVEIRA, João Carlos Andrade da. Adolescência e opção vocacional: análise
psicopedagógica. 1994, p. 36).
132
Cf. OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Pós-modernidade: abordagem filosófica. In: idem, p. 48-49.
133
“Muitos filósofos estamos constantemente em discussão com filósofos afirmam cada vez mais o
surgimento de uma ‘época pós-matafísica’. Eles ensaiam um ‘pensamento s-metafísico’ (J. Habermas)
para, a partir daí, chegar novamente a uma ética racionalmente fundamentada” (KÜNG, Hans. Projeto de
ética mundial: uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. 2003, p. 82).
42
b) Controvérsia
A constatação de que vivemos em tempos pós-modernos não é consenso entre
antropólogos culturais e sociólogos contemporâneos. Existem divergências
134
. Afluíram
mudanças profundas, mutações culturais, avanços e ao mesmo tempo retorno a antigos
paradigmas
135
, ou seja, não estaríamos vivendo uma nova era. A Modernidade teria
amadurecido, a partir de reflexões de pensadores e acontecimentos a nível global:
socialismo, guerras mundiais, globalização e outros, e estaria efetuando uma auto-crítica
136
e gestando uma síntese, ou seja, “[...] recompondo as dramáticas divisões operadas por
certa modernidade cujo desvio desembocou no tempo da cisão’, quando o homem
dramaticamente perdeu a unidade consigo mesmo, com a natureza, com os outros e com
Deus”
137
. Estaríamos, apenas, vivendo uma etapa de hipermodernidade
138
. Em suma,
encontramos defensores de ambos os lados, resultando em controvérsia
139
.
134
“A discussão sobre a existência ou não de uma pós-modernidade como ruptura com a modernidade é
permanente. [...] O fenômeno existe. O que se discute é o significado do Pós’. É uma época com
características específicas e peculiares, embora seja um desenvolvimento da própria modernidade”
(BENEDETTI, Luiz Roberto. Pós-modernidade: abordagem sociológica. In: TRANSFERETTI, José;
GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens
epistemológicas, sistemática e teórico-prática. 2003, p. 61).
135
“[…] não chegou a ser fundada conceitualmente, pois a idéia que se havia chegado ao fim da modernidade
era uma idéia falsa” (LIPOVESTSKY, Gilles. O Caos Organizador. IHU ON-LINE, 15 de mar. 2004, p.
33).
136
“[..] a chamada pós-modernidade, que estamos vivendo atualmente, é um momento de crise, dentro de um
processo englobante muito mais profundo, que é a modernidade” (TORRES QUEIRUGA, Andrés.
Teologia e modernidade: a busca de novos paradigmas. Idem, p. 13).
137
VANZAN, Piersandro. Pós-moderno/Pós-modernidade. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.).
Dicionário de mística. 2003, p.889-890.
138
“[...] os elementos constitutivos principais da modernidade, que são essencialmente três: o primeiro é o
indivíduo, isto é, uma sociedade que reconhece os direitos do homem, com seu correlato, que é a
democracia. O segundo elemento é o mercado: Adam Smith, a ‘Mão Invisível’, no século 18. E o
terceiro é a dinâmica tecnocientífica. Esses três elementos constitutivos da modernidade nunca chegaram
a ser destruídos apenas contestados ou desenvolvidos. Ora, o que podemos observar hoje é a
concentração e a radicalização dessas três lógicas” (LIPOVESTSKY, Gilles. op. cit., p. 33-34).
139
“Não se trata de simplesmente fazer ecoar a crítica da razão moderna ou permanecer na crítica total da
razão, pela via de um desconstrucionismo radical. Mas, em reconhecendo o esgotamento da razão única,
mesmo fazendo-se acompanhar de sua inseparável crítica, trilhar os caminhos de alargar o sentido da
razão na conjugação plural da racionalidade [...]” (MENDES, Vitor Hugo. Inteligência da fé em um
contexto pós-metafísico: apontamentos para uma nova sensibilidade teológica. Teocomunicação, Porto
Alegre, v. 35, n. 148, p.280, jun. 2005).
43
2.1.2 Tempos novos, respostas novas
O momento atual está repleto de dúvidas e incertezas. Independentemente da
semântica, o fenômeno como tal está. E o Cristianismo precisa iluminar
140
o peregrinar
humano na história contemporânea, não em outra era, futura ou passada. “As novas
perguntas desconcertam e descartam as velhas respostas. Mergulhamos na perplexidade,
pois é o novo que é preciso ser criado, e não continuar a dar respostas a perguntas que
ninguém mais faz”
141
.
A Igreja, disciplinada, essencialmente, pelo Concílio de Trento (1545-1563 d.C.),
distante quase cinco séculos da atualidade, despertou ao diálogo. Desejou olhar para dentro
e para fora: o atualizar-se urgia. Não apenas nas Dioceses e Congregações. Não apenas
pequenos grupos decidindo por todos. Mas, num notável Concílio Ecumênico, que se
converteu em: “Assembléia corajosa no diálogo com a Modernidade. Acontecimento
central para o estudo da virada da Igreja em relação à Modernidade”
142
. Manifestando a
reação da própria Igreja à sua estagnação
143
. O diálogo
144
fazia-se necessário, urgente e
intransferível. Se a raiz da chamada Pós-modernidade é moderna, então o Concílio
Vaticano II é atual e profícuo.
140
“A crise dos valores da modernidade age diretamente sobre a cristã” (LIBÂNIO, João Batista. As
Lógicas da Cidade: o impacto sobre a fé e sob o impacto da fé. São Paulo: Loyola, 2001, p.189).
141
BRIGHENTI, Agenor. Igreja e pós-modernidade: o desafio de dar respostas novas a novas perguntas.
Jornal de Opinião, 28 de mar. a 03 de abr. 2005, p. 4.
142
SOUZA, Ney de. Evolução Histórica para uma Análise da Pós-modernidade. In: TRANSFERETTI, José;
GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes. Teologia na Pós-Modernidade: abordagens epistemológica,
sistemática e teórico-prática. 2003, p. 104.
143
“[...] como a Igreja conserva sua capacidade de reação mesmo em situações que, mesmo sobre o prisma
atual, pareciam torná-la improvável, se não impossível” (TORRES QUEIRUGA, Andrés. Fim do
Cristianismo Pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 253).
144
Nesse quadro se tem colocado em discussão o alcance do Vaticano II. Moderno em sua realização e em
suas pretensões, o pós-Concílio deve aderir, rejeitar o negociar com o pós-moderno?” (MENDES, Vitor
Hugo. Inteligência da em um contexto pós-metafísico: apontamentos para uma nova sensibilidade
teológica. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 35, n. 148, p. 279-280, jun. 2005).
44
2.2 O CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II
A eclesialidade, dimensão fundamental da Teologia da Vocação, faz com que a
Igreja procure interpretar os sinais dos tempos e dar respostas atuais. Nos tempos
hodiernos, o Concílio Ecumênico Vaticano II procura o diálogo entre a Igreja e a
sociedade.
2.2.1 Caminho Eclesial pré-Vaticano II
O primeiro Concílio Ecumênico Vaticano I, convocado pelo Papa Pio IX (1826-
1878)
145
, inicia-se em 8 de dezembro de 1869
146
e, de forma imprevista, interrompe-se com
o início da guerra entre França e Prússia, em 19 de junho de 1870, jamais chegando ao seu
término. A partir dessa situação eclesial, aguarda-se a possibilidade de um novo Concílio
ecumênico
147
, primeiramente com o objetivo de concluí-lo: As etapas deste processo
remontam ao pontificado de Pio X, no início do século XX, a pesquisa aprofundada sobre a
História dos Concílios”
148
.
145
Cf. FISCHER-WOUPERT, Rudolf. Léxico dos Papas: de Pedro a João Paulo II. Petrópolis: Vozes, 1991,
p. 153.
146
“Apesar do solene nom oussumus de Pio IX diante da perda dos territórios pontifícios, não lhe restou outra
alternativa além de se declarar prisioneiro do Vaticano, ao ver que não lhe sobrava senão um minúsculo
reduto geográfico. A partir de então, inverteu-se o sinal do poder pontifício, ou, mais exatamente,
concentrou-se na esfera espiritual e interna da Igreja, cuja expressão visível foi a declaração do dogma
do primado e da infalibilidade do Romano Pontífice no Concílio Vaticano I (1870). A era dos Pios
continuou até Pio XII (+1958), em crescente centralização de poder, com a conseqüente reprodução de
tal centralidade nos níveis diocesanos e paroquiais” (LIBÂNIO, João Batista. Lumen Gentium: mina
inesgotável. Vida Pastoral, jun. 2004, p. 3).
147
Cf. BEOZO, José Oscar. Presença e Atuação dos Bispos Brasileiros no Vaticano II. In: GONÇALVES,
Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas.
São Paulo: Paulinas, 2004, p. 129.
148
SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: op.cit., p. 18.
45
Em meio às mudanças históricas, políticas e sociais
149
, na Igreja vários fatos
contribuíram ao processo de maturação, mesmo velada, do Concílio: movimento bíblico e
litúrgico; avanço da exegese bíblica
150
; reencontro com a patrística; estudo da história da
Igreja, tentativas de conciliar e ciência
151
; iniciativas na área ecumênica e do diálogo
inter-religioso; a reflexão de teólogos como Karl Rahner, De Lubac, Yves Congar, Edward
Schillebeeckx, Von Balthasar, alguns deles censurados por Pio XII; o fortalecimento da
nouvelle théologie; a experiência dos padres franceses; os escritos de pensadores
católicos
152
. O contexto eclesial e a situação mundial ansiavam por novidades e mudanças.
149
“De fato, o contexto histórico, as mudanças sociais, culturais dos pós guerra, a presença ativa e crescente
do Terceiro Mundo, a industrialização dos países norte-atlânticos e as conseqüências de emigração,
turismo, urbanizações gigantescas, transformações no mundo rural, o nascimento da sociedade de
consumo, a emergência da televisão, com forte impacto na cultura e nos comportamentos”
(GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise. Concílio Vaticano II: análise e
prospectivas. 2004, p. 09).
150
“Os movimentos bíblico e litúrgico dominaram as cadas de 1920 e 1930, e inspiraram a consciência
crescente do fim da década de 1930 e de toda a década de 1940. A exegese bíblica, que ficara para trás
em relação à ciência bíblica protestante, aprendeu desta última o aproveitamento das ciências auxiliares,
como, por exemplo, a lingüística, a arqueologia e a ciência comparada das religiões. [...] O movimento
litúrgico aprofundou o caráter comunitário da celebração eucarística, estimulando o uso da língua
vernácula, a reintrodução da concelebração, a comunhão sobre duas espécies e, em geral, a simplificação
e compreensão do ato litúrgico” (SOUZA, Ney de. Evolução histórica para uma análise da pós-
modernidade. In: TRANSFERETTI, José; GOLÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-
modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática, 2003, p. 121).
151
“Outro fator importante foi o reencontro com os santos padres e o estudo da história eclesiástica, que
beneficiaram a dogmática e o movimento litúrgico. A influência do pensamento medieval e de Tomás de
Aquino deu lugar a um diálogo com o existencialismo moderno e a filosofia fenomenológica. O jesuíta
francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) empreendeu uma tentativa inédita de conciliar fé e
ciência: sua visão evolucionista do mundo e da humanidade inspirou uma nova e mais ampla
inteligibilidade da existência humana, também em sua dimensão religiosa” (SOUZA, Ney de. Contexto e
desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes;
BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). 2004, p. 23).
152
“Tornou-se um lugar-comum a lembrança dos diversos movimentos’ que desaguaram no Concílio: os
movimentos patrístico, litúrgico, blico, teológico. Esse último, com os esforços e as dores da nouvelle
théologie, que buscava retomar o movimento interrompido com o antimodernismo da ‘era piana’ de Pio
IX a Pio XII. [...] No pensamento da Igreja, escritos como de Blondel, Maritain, Mounier, Gabriel
Marcel, Teilhard Chardin, de Unamuno, Zubire, Thomas Merton e Fulton Sheen faziam contraponto em
diálogo com grandes e desafiadores textos das filosofias marxistas e existencialistas, ou do pragmatismo,
da psicanálise e da antropologia cultural” (SUSIN, Luiz Carlos. “Para conhecer Deus é necessário
conhecer o Homem”: antropologia teológica e seus desdobramentos na realidade brasileira. In: idem, p.
371-372).
46
O Papa Pio XII (1939-1958) almeja convocar um novo concílio, pois aceitava
positivamente as idéias reformadoras, todavia, inclinava-se exageradamente à prudência
153
e, após longa enfermidade, morre em 9 de outubro de 1958. O Conclave elege, causando
surpresa geral, pois escolhe um idoso e desconhecido, no dia 28 de outubro do mesmo ano,
o Cardeal Ângelo Giuseppe Roncalli, Patriarca de Veneza, com 77 anos, que adota o nome
de João XXIII. O Papa, eleito para a transição, era homem sábio e experiente,
compreensível e aberto ao diálogo, que serviu à Igreja em inúmeras situações complicadas,
nos períodos pré e pós Segunda Guerra Mundial
154
, percebe a desigualdade no mundo, na
Igreja e no próprio Colégio Cardinalício.
2.2.2 Evento Conciliar
Em 25 de janeiro de 1959, João XXIII, com três meses de pontificado, oficializa o
propósito de convocar um concílio ecumênico aos Cardeais reunidos na Basílica da São
Paulo Extramuros
155
. Motivado por inspiração divina
156
, il Papa Buono,
157
, com seu
153
“Tinha profunda intuição das radicais mudanças que se anunciavam no mundo e da necessidade, por parte
da Igreja, deo perder o contato vital com essa realidade. No entanto, sua extrema prudência,
transparente em seus atos, não era apenas causa de seu caráter e formação. Pela análise do ambiente
conservador da Cúria Romana e das circunstâncias históricas, pode-se entender melhor suas atitudes”
(SOUZA, Ney de. op. cit. 2003, p. 119).
154
Cf. FISCHER-WOUPERT, Rudolf. Léxico dos Papas: de Pedro a João Paulo II, 1991, p. 164.
155
Todavia: “Depois de cinco dias de eleito, o Papa havia comunicado a idéia ao Cardeal Rufini” (SOUZA,
Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio
Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. 2004, p. 26).
156
“[...] não foi convocado para resolver um problema determinado de fé ou de disciplina, mas nasceu da
inspiração de João XXIII como um caminho para renovar a Igreja, ativar a união de todos os cristãos e,
como um novo Pentecostes, inaugurar o que se veio mais tarde chamar de nova evangelização”
(CATÃO, Francisco. O perfil distintivo do Vaticano II: recepção e interpretação. In: idem, p. 115).
157
“O cognome que lhe foi dado, ‘João o Bom, o Bondoso’, mostra a essência pessoal e o agir do papa, bem
como a simpatia que em toda a parte soubera conquistar” (FISCHER-WOUPERT, Rudolf. op. cit., p.
167).
47
carisma pessoal sonhava com o aggiornamento
158
da Igreja. E essa expressão não vai mais
desaparecer do léxico eclesial. Ele queria romper com um catolicismo fundado
simplesmente em doutrinas, concepções e costumes puramente convencionais que
congelavam a Igreja
159
. No Natal de 1961, convoca oficialmente o Concílio ecumênico
através da Constituição Apóstólica Humanae Salutis
160
. Nasce do coração de João XXIII,
homem de discernimento pastoral e espiritualidade. Mesmo assim, é plausível que ele “[...]
não tenha compreendido, no seu contexto, a revolução que seria o Concílio. o é
inverossímil que ele quisesse uma reforma do sistema, mas não pensava que fosse marcar o
fim de uma época”
161
.
Faz ampla consulta preliminar entre os Bispos do mundo inteiro, à Cúria Romana,
às Universidades, aos religiosos, aos Institutos de Direito Canônico e de Teologia, a fim de
esboçar as diretrizes do Concílio e a composição dos vários organismos incumbidos da
organização dos trabalhos
162
. Constituiem-se dez comissões preparatórias. Criam-se dois
secretariados: Meios de Comunicação Social e Unidade dos Cristãos. Redigiu-se um
regulamento. E com o firme propósito de executar um Concílio pastoral, não preocupado
158
O verbo aggiornare, na língua italiana, significa por em dia, atualizar, modernizar, cf.: AMENDOLA,
João. Dicionário Italiano Português. 4. ed. São Paulo: Hermes, 1990.
159
“Em diversas ocasiões o Papa explicou suas motivações de convocar um Concílio. Era necessário limpar a
atmosfera de mal-entendidos, de desconfianças e de inimizade, que durante séculos havia obscurecido o
diálogo entre a Igreja Católica e as outras Igrejas cristãs. A mais importante contribuição para a unidade,
por parte da Igreja, e tarefa essencial do Concílio seria o programa mencionado por João XXIII:
aggiornamento. Uma atualização da Igreja, uma inserção no mundo moderno, onde o cristianismo
deveria fazer-se presente e atuante. O ponto fundamental dos seus discursos residia na explicação clara
das falhas da Igreja e na insistência da necessidade de mudanças profundas” (SOUZA, Ney de. Evolução
histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRANSFERETTI, José; GOLÇALVES, Paulo
Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na s-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-
prática, 2003, p. 123-124).
160
Cf. CATÃO, Francisco. O perfil distintivo do Vaticano II: recepção e interpretação. In: GONÇALVES,
Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva.
2004, p.96.
161
SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: idem, p. 24.
162
Cf. BEOZO, José Oscar. Presença e atuação dos bispos brasileiros no Vaticano II. In: idem, p. 130.
48
em condenar erros, mas na busca do diálogo da Igreja e o mundo atual, João XXIII
inúmeras vezes antecipa a data de sua abertura.
a) Primeiro período (11 de outubro a 08 de dezembro de 1962)
163
O Concílio foi solenemente aberto com o discurso do Papa João XXIII
164
.
Principais acontecimentos: as listas elaboradas pela Cúria para a eleição das comissões
conciliares são rejeitadas; João XXIII nomeia comissão mista com membros da Comissão
Teológica e do Secretariado para a União dos Cristãos a fim de elaborarem novo esquema
sobre “As fontes da Revelação”, pois o primeiro é recusado pela maioria; estudaram-se os
esquemas referentes à liturgia, à Igreja, ao ecumenismo e aos meios de comunicação
social.
Morre João XXIII no dia 03 de junho de 1963. O Conclave elege o Cardeal
Giovanni Battista Montini, Arcebispo de Milão, que escolhe o nome de Paulo VI
(+1978)
165
, e leva à frente o Concílio
166
.
163
Sobre dados e conteúdos das quatro seções do Concílio, cf.: PIERRARD, Pierre. História da Igreja. 1983,
p.272-273.
164
“Os padres conciliares reunidos na nave principal da Basílica de São Pedro, representavam o concílio mais
universal de toda a história da Igreja. Os cinco continentes estavam representados. [...] aproximar as
pessoas, do modo mais eficaz possível, ao Sagrado Patrimônio da Tradição, levando em consideração as
mudanças das estruturas sociais; não condenar os erros, mas mostrar a validade da doutrina’ da Igreja
(doctrinae vim uberius explicando)” (SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do
Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.).
Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. 2004, p. 34).
165
“Moribundo, João XXIII disse ao Cardeal João Batista Montini, que havia acorrido de Milão: ‘Eu vos
confio a Igreja, o concílio, a paz’. E ninguém se surpreendeu quando esse herdeiro de um grande
pensamento tornou-se o 260º sucessor de São Pedro (junho de 1963). Com um temperamento diferente,
talvez menos sereno, mas com um sentido mais agudo das realidades e dos obstáculos, Paulo VI
aprofundou a obra de renovação de seu antecessor” (PIERRARD, Pierre. op. cit., p. 277).
166
“Montini (Paulo VI) tomou a sério sua grande tarefa de continuidade do Concílio, evidentemente com
uma tônica diferente. Roncalli (João XXIII) era pastor e Montini era personagem da Cúria” (SOUZA,
Ney de. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRANSFERETTI, José;
GOLÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica,
sistemática e teórico-prática. 2003, p. 132-133).
49
b) Segundo período (29 de setembro a 4 de dezembro de 1963)
Sob a presidência de Paulo VI é reaberto o Concílio. Principais acontecimentos:
modificada a estrutura do esquema De Ecclesia, sobre a Igreja; promulgada a Constituição
Sacrosanctum Concilium, referente à liturgia e o decreto Inter Mirifica, sobre os meios de
comunicação social; estudaram-se os temas: ecumenismo, Igreja, múnus pastoral dos
Bispos, meios de comunicação social.
Paulo VI publica a seis de agosto de 1964 Ecclesiam Suam, sobre os caminhos da
Igreja. “Propomo-nos nesta encíclica esclarecer o melhor possível aos olhos de todos,
quanto importa à salvação da sociedade humana e, ao mesmo tempo, quanto a Igreja tem a
peito que ambas se encontrem, conheçam e amem”
167
. Dividida em três capítulos, a
Consciência, a Renovação e o Diálogo, essa carta encíclica contribui e influencia os
debates eclesiológicos conciliares.
d) Terceiro período (14 de setembro a 21 de novembro de 1964)
Principais decisões: promulgação da constituição dogmática Lumen Gentium,
referente à Igreja, anexo “Nota Explicativa Prévia” sobre a colegialidade episcopal;
promulgação dos decretos Unitatis Redintegratio, referente ao ecumenismo, e Orientalium
Ecclesiarum, referente às Igrejas Orientais Católicas; Maria é proclamada “Mãe da Igreja”
por Paulo VI.
e) Quarto período (14 de setembro a 08 de dezembro de 1965).
Principais decisões e acontecimentos: promulgação dos decretos Christus
Dominus, referente ao múnus pastoral dos Bispos, Perfectae Caritatis, referente à
167
PAULO VI. Carta encíclica Ecclesiam Suam: os caminhos da Igreja, n.1. São Paulo: Paulinas, 1964, p. 4.
50
atualização dos religiosos, Optatam Totius, referente à formação sacerdotal, Ad Gentes,
referente à atividade missionária da Igreja, e Presbyterorum Ordinis, referente ao
ministério e a vida dos presbíteros; promulgação das declarações Gravissimum
Educationis, referente à educação cristã, Nostra Aetate, referente às relações da Igreja com
as religiões não-cristãs, e Dignitatis Humanae, referente à liberdade religiosa; promulgação
da constituição dogmática Dei Verbum, referente à revelação divina; promulgação da
constituição pastoral Gaudium et Spes, referente à Igreja no mundo de hoje; são absolvidas
as censuras e excomunhões entre a Igreja Romana e Constantinopla; publicado o motu
próprio Integrae Servandae, referente à reforma da Congregação do Santo Ofício; no
encerramento conciliar, Paulo VI profere sete mensagens finais.
O Concílio Ecumênico foi o maior acontecimento religioso-católico do século
XX
168
. E, ao mesmo tempo, na história da Igreja, original
169
: um divisor de águas
170
. O
olhar da Igreja sobre ela mesma, ad intra, e suas relações com o mundo, ad extra,
mudaram substancialmente a partir de 08 de dezembro de 1965
171
.
Eclesiologicamente, dois caminhos conciliares são luzeiros: Lumen Gentium, auto-
análise, e Gaudium et Spes, diálogo com a sociedade. Desloca-se do eclesiocentrismo para
168
“O Concílio Vaticano II constituiu-se no maior evento da Igreja Católica no século XX e sua importância
tem tamanha significação histórica, que quarenta anos resultam, por um lado, em tempo por demais
curto para uma avaliação profunda; por outro, dada a sua grandeza, em uma empreitada bastante
complexa” (GODOY, Manoel. Concílio Vaticano II: balanço e perspectivas para a Igreja do terceiro
milênio. Jornal de Opinião, 16 a 22 de mai. 2005, p. 6).
169
“[...] porque o segue nenhum dos modelos dos 20 concílios que o precederam: inaugura uma nova
forma de a Igreja pensar a si mesma e de se relacionar com o mundo” (CATÃO, Francisco. O perfil
distintivo do Vaticano II: recepção e interpretação. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes;
BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. 2004, p. 97).
170
“[...] expressa o que é ser uma Igreja em diálogo, nas pegadas do que escreve Paulo VI no capítulo
terceiro de sua encíclica, Ecclesiam Suam(CIPOLINI, Pedro Carlos. Povo de Deus e Corpo de Cristo.
In: TRANSFERETTI, José; GOLÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade:
abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. 2003, p. 123).
171
“O Concílio Vaticano II rasgou, dentro da noite escura que cobria a Igreja nos inícios do século XX, senda
luminosa” (LIBÂNIO, João Batista. Igreja: povo de Deus. Jornal de Opinião, 14 a 20 de mar. 2005,
p. 11).
51
o cristocentrismo
172
. Percebe-se legalista, triunfalista e clericalizada, sentindo a
necessidade de exteriormente compreender, conhecer, evangelizar e adentrar no mundo ao
seu redor, repleto de transformações velozes e sucessivas, também na América Latina
173
.
No Brasil, a Assembléia da Conferência Nacional dos Bispos, coincide com o
ano de abertura do Concílio, 1962
174
. Ou seja, tem-se uma caminhada de comunhão e
colegialidade nas buscas eclesiais que, organizadas e atualizadas à luz conciliar
175
,
conduzem a Igreja no Brasil ahoje. Na América Latina, em geral, o reflexo de sua luz
fez-se perceber nitidamente
176
. Especialmente na Segunda Conferência Geral do
Episcopado Latino-americano
177
no ano de 1968, em Medellin, na Colômbia. Enriquecido
172
“Nos grandes documentos conciliares sobre a Igreja Lumen Gentium e Gaudium et Spes podem ser
discernidas as principais afirmações do Vaticano II sobre o entendimento da pessoa do Cristo,
afirmações que são repetidas nos outros textos do Concílio” (MANZATTO, Antônio. O paradigma
cristológico do Vaticano II e sua incidência na cristologia latino-americana. In: GONÇALVES, Paulo
Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva.
2004, p. 224).
173
“[...] o Concílio Vaticano II coloca as vigas mestras que vão suportar a construção teológica da América
Latina, teologia esta que continua vigorosa e que vai manifestando ao mundo a fé de seu povo sofredor e
cheio de esperança” (idem, p. 225).
174
“O Concílio Vaticano II representou uma verdadeira reviravolta para toda a comunidade cristã. No Brasil
este evento eclesial encontrou grande acolhida. Os nossos bispos, respondendo ao apelo do papa João
XXIII feito ao CELAM no dia 15 de novembro de 1958, prepararam-se para essa surpreendente
transformação. Através do Plano de Emergência (PE) lançado em 1962, ainda no início do Concílio, a
CNBB quis mobilizar todas as forças para colocar a Igreja em condições de responder aos desafios
daquele momento e de receber as propostas conciliares” (CNBB. Igreja, Povo de Deus a Serviço da
Vida: texto-base do 2º congresso vocacional do Brasil-2005. 2004, p. 13).
175
“Os ideais de atualização apostólica que se foram afirmando no Brasil, na década de 1950, até chegar à
planificação pastoral, bem como o florescimento eclesiológico, unido à convocação do CV, na mesma
época, não podiam o influir na CNBB e sua organização. Antes mesmo de terminar o sexênio para o
qual o E58 fora convocado, vemo-la ampliar seus quadros organizativos e pensar na modificação de suas
normas. Nascerá daí, em pleno CV, um estatuto de transição, que , bem ou mal, servirá à regulamentação
da vida e atividade da CNBB, nos anos talvez mais efervescentes, difíceis e fecundos de sua história:
1965 a 1971” (QUEIROGA, Gervásio Fernandes. CNBB, Comunhão e Responsabilidade. 1977, p. 223).
176
“[...] transformações efetuadas na Igreja Latino-americana a partir do Concílio Vaticano II, como as
experiências pastorais locais, as comunidades de base e a teologia da Libertação” (CIPRIANI, Roberto;
ELETA, Paula; NESTI, Arnaldo (Orgs.). Identidade e Mudança na Religiosidade Latino-americana.
Petrópolis: Vozes, 2000, p. 7).
177
“Esta atitude de abertura vem de encontro à necessária liberdade de expressão, indispensável dentro da
Igreja, conforme o espírito da Gaudium et Spes, 92: ‘A Igreja... consolida um diálogo sincero, o qual, em
primeiro lugar, requer que se promova no seio da Igreja uma mútua estima, respeito e concórdia.
Reconhecendo todas as legítimas diversidades para abrir com fecundidade sempre crescente, o diálogo
entre todos os que integram o único Povo de Deus, tanto os pastores como os demais fiéis [...]”
(CELAM. Conclusões de Medellín. 6. ED. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 168).
52
por esse e pela Evangelii Nuntiandi, seu espírito conduz a Terceira Confencia em Puebla,
no México
178
. Santo Domingo, na República Dominicana, a Quarta Conferência, em 1992
tinha esta senda luminosa
179
conciliar. Quem a trilhou o se esquece nunca de sua
beleza, mas se entristece ao vê-la, hoje, tão obscurecida pela vegetação silvestre do
desconhecimento e silenciamento”
180
.
2.2.3 Antropologia Conciliar
Em cada um dos dezesseis documentos do Vaticano II, percebe-se uma
antropologia subjacente. O próprio Concílio nasce do olhar sobre a humanidade e da
percepção de seu distanciamento da Igreja. “Porém é na constituição Gaudium et Spes que
se abre maior espaço ao problema”
181
. Ao dissertar sobre a Igreja no mundo
contemporâneo, inicia olhando a pessoa humana.
As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje,
sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as
esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra
nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração (GS 1).
178
“Este substrato se revigorou ainda mais depois do Concílio Vaticano II e da II Conferência Geral do
Episcopado celebrada em Medellin, com a consciência, cada vez mais clara e mais profunda, que tem a
Igreja de sua missão fundamental: a evangelização” (CELAM. Conclusões de Puebla: evangelização no
presente e no futuro da América Latina. 8. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, n. 1).
179
“Convocados pelo Papa João Paulo II e impulsionados pelo Espírito de Deus, nosso Pai, os Bispos
participantes da IV Conferência Geral do Espiscopado Latino-americano, reunida em Santo Domingo,
em continuidade às precedentes do Rio de Janeiro, Medellín e Puebla, proclamamos nossa e nosso
amor a Jesus Cristo. Ele é o mesmo ‘ontem, hoje e sempre’ (cf. Hb 13,8)” (CELAM. Conclusões de
Santo Domingo: nova evangelização; promoção humana; cultura cristã; Jesus Cristo, ontem, hoje e
sempre. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1993, n. 1).
180
LIBÂNIO, João Batista. Igreja: povo de Deus. Jornal de Opinião. 14 a 20 de mar. 2005, p. 11.
181
ELIZONDO ARAGÓN, Felisa. Dignidade da pessoa humana. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii
(Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p. 345.
53
O discurso eclesiológico da Gaudium et Spes não possui a Igreja como centro, mas
a pessoa humana. A Igreja é servidora da humanidade
182
. Nela, a pessoa humana e a
sociedade são metas de salvação e renovação (cf. GS 3). Por isso, em ambas as partes
principais, o documento tem um olhar antropológico. Reafirma, biblicamente, a dignidade
do ser humano
183
. reside sua grandeza suprema, mesmo manchada pelo pecado, que no
Cristo é plenificada. “Como a natureza humana foi n’Ele assumida, não aniquilada, por
isso mesmo também foi em nós elevada a uma dignidade sublime”(GS 22). Faz relação
direta entre protologia e cristologia
184
, apresentando um antropologia cristocêntrica
185
.
O ser humano é relação
186
. E essa antropologia relacional desloca-o a Deus, ao
outro, à comunidade. “A pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as
instituições sociais, porque, por sua natureza, necessita absolutamente da vida social” (GS
25). É um ser livre (cf. GS 17); constituído de “corpo e alma, mas realmente uno” (GS 14);
182
“[...] há uma dignidade de consciência e de liberdade a ser respeitada, há um reconhecimento da dignidade
das religiões, uma confiança na possibilidade de diálogo como forma de ser humano num mundo de
todos. [...] uma primorosa convicção de ordem antropológica, que representa uma saída do
eclesiocentrismo em favor de um antropocentrismo” (SUSIN, Luiz Carlos. “Para conhecer Deus é
necessário conhecer o homem”: antropologia teológica conciliar e seus desdobramentos na realidade
brasileira. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio
Vaticano II: análise e prospectiva. 2004, p. 378).
183
“Pois as Sagradas Escrituras ensinam que o homem foi criado ‘a imagem de Deus’, capaz de conhecer e
amar as coisas terrenas para que as dominasse e usasse glorificando a Deus” (GS 12).
184
“Sem dúvida, a direção indicada pelo Concílio Vaticano II teve uma influência notável. Em alguns
tratados recentes, a protologia é articulada exatamente como vocação do homem em Cristo” (LADARIA,
Luis F. Introdução à Antropologia Teológica. 1998, p. 56).
185
“[...] uma convergência positiva e fecunda de antropologia e cristologia, em que toda antropologia se
supera e culmina na cristologia” (SUSIN, Luiz Carlos. “Para conhecer Deus é necessário conhecer o
homem”: antropologia teológica conciliar e seus desdobramentos na realidade brasileira. In:
GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II:
análise e prospectiva. 2004, p. 381).
186
Segundo se expressa nela, a dignidade encontra seu fundamento e razão mais alta na relação com Deus.
Vinculada de acordo com a tradição de que temos falado ao ser a imagem e a vocação do humano à
comunhão com Deus, a dignidade não é algo que possa opor-se ao reconhecimento e a obediência desse
mesmo Deus. [...] Gaudium et Spes assinala também que uma dignidade da consciência que ninguém
está autorizado a violar, e que o ser humano tem exigência incoercível de liberdade” (ELIZONDO
ARAGÓN, Felisa. Dignidade da pessoa humana. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. Dicionário de
catequética. 2004, p. 345).
54
com inteligência, capaz da verdade e da sabedoria (cf. GS 15); possui consciência moral
187
;
chamado à união eterna com o Criador
188
. Encontramos um fazer antropológico que desfaz
dualismos e concebe a pessoa de forma relacional
189
.
2.3 VOCAÇÃO UNIVERSAL À SANTIDADE
A santidade é chamado destinado a toda pessoa humana. A criação, assim como a
Igreja, lugar de chamado e acolhida, é espaço de missão e santificação. A Constituição
Dogmática Lumen Gentium nos dá clareza quanto à vocação universal à santidade.
2.3.1 A Criação como lugar da Missão
a) Ação trinitária
Santo Tomás de Aquino, séculos seguintes à patrística, contribuiu decisivamente na
elaboração teológica trinitária, anexando conceitos metafísicos elaborados por ele, no
contexto da escolástica
190
. A obra da criação é realizada por Deus Trino, como único
princípio. O Pai, o Filho e o Espírito Santo estão juntos, também, na origem do universo. O
Pai e o Filho agem com o Espírito Santo. As três pessoas possuem a mesma essência, o
mesmo pensar, amar e fazer. Deus trindade cria o ser humano à sua imagem. O Pai cria o
187
“[...] chamando-o sempre a amar e fazer o bem e a evitar ao mal [...] É o núcleo secretíssimo e o sacrário
do homem” (GS 16).
188
“Diante da morte, o enigma da condição humana atinge seu ponto alto” (GS 18).
189
“Num balanço global da antropologia de que a GS es prenhe , mas também de toda a antropologia
implícita do Concílio, pode-se constatar nela uma metodologia de superação de dualismo, uma
estruturação fundante relacional [...]” (SUSIN, Luiz Carlos. op. cit., p. 381).
190
Reflexões fundamentadas em: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica: da Trindade. I, q. 27 43. São
Paulo: Odeon, 1936.
55
mundo, o ser humano, pelo Filho no Espírito Santo. Pelo Filho, enquanto Ele recebe do Pai
o amor criador d’Ele
191
. Amor que se comunica ao Espírito Santo, que o sela e confirma,
mediante o Filho. Por isso, a encarnação do Filho é desejada desde a eternidade na ordem
da salvação, levando a criação inferiorizada pelo pecado à redenção do Cristo, tornando-a
criação de todas as suas obras. As coisas e as pessoas humanas têm sua existência no Filho
e na sua relação com Ele.
A criação não é uma ação que surge das profundezas de Deus e é distinta d’Ele.
Mas é a mesma essência divina mantida nas coisas exteriores à Trindade. Ele é criador e
está intimamente unido por uma espécie de laço; cria no amor e para comunicar seu amor,
para sua glória. Deus não necessita da criação como objeto de atividade, nem para adquirir
a plenitude da autoconsciência, nem para obter a própria perfeição. Não cria para
aperfeiçoar-se, mas para comunicar sua bondade. A obra da criação flui espontaneamente
da trinitária essência divina, que a realiza livremente
192
. Contudo, as criaturas são seres
precários, limitados e imperfeitos, necessitando de impulsos e influências exteriores para
seu aperfeiçoamento. Abandonadas a si mesmas, amargariam um tédio paralisante
193
. Na
criação e na encarnação, especialmente, o Deus-Trino se manifesta com sua bondade,
191
Reza assim a Liturgia da Igreja: “[...] tudo o que criastes proclama o vosso louvor, porque, por Jesus
Cristo, vosso Filho e Senhor nosso, e pela força do Espírito Santo, dais vida e santidade a todas as
coisas” (MISSAL Romano. 1992, p. 482).
192
“A causa determinante da criação está no livre querer divino. Superior a todas as outras causas está a
vontade de Deus. Deus se torna presente no íntimo de suas criaturas. o eslonge de cada um de nós,
pois nele nós temos a vida, o movimento e o ser” (TEIXEIRA, Evilázio Borges. Imago Trinitatis: Deus,
sabedoria e felicidade: estudo teológico sobre De Trinitate de Santo Agostinho. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2003, p. 49).
193
“A idéia bíblica de ‘criação’ se expressa com o verbo bara , que denota não a ação de dar princípio à
realidade, mas também a ação restauradora (re-criadora) e consumadora dessa mesma realidade. Em
outras palavras, Deus cria quando: a) chama à existência os seres que não existem; b) sustenta as
criaturas na existência, escolhe um grupo humano para que se converta em seu povo e refaz a criação
degradada pelo pecado; c) conduz essa mesma criação redimida à plenitude de ser e de sentido que é a
salvação” (RUIZ DE LA PEÑA . Criação, Graça, Salvação. São Paulo: Loyola, 1998, p.10).
56
sua ternura e sua felicidade, livremente autocomunicadas, desde que Ele iniciou a História
da Salvação dentro da história das criaturas
194
.
A condição trinitária de um criador, que se autocomunica tal como é em si, tem
de corresponder uma estrutura ternária no mundo. Este será um repertório de
vestígios da Trindade. A criação pela Palavra configura, como se disse, verbal,
lógica, filial e (não se poderia deixar de acrescentar) ‘iconicamente’ o mundo,
que o Filho é imagem do Pai (Cl 1, 15; 2Cor 4,4). A criação pelo Espírito, é o
Dom por exelência, reflete-se por sua vez na condição espiritual, dinâmica,
aberta e ‘presenteada’ que o mundo possui
195
.
b) Lugar da missão
A criação tem existência a fim de hospedar, em seu interior, a Trindade. Ela, por
sua vez, quer abrigar em seu âmago toda a criação
196
. Deus convoca na criação. É nela que
se realiza todo e qualquer chamado
197
. Esta é a primeira vocação: ser pessoa humana no
mundo, onde deve buscar “[...] a realização da sua humanidade e para o cumprimento da
vocação a ser pessoa, que lhe é própria em razão de sua humanidade”
198
. Ser criado
significa haver sido chamado à existência com uma eleição misteriosa.
194
“Parodiando K. Rahner, poderia dizer-se que ou o cristianismo do futuro será vivencialmente trinitário ou
não será. Os séculos III, IV e V, especialmente, elaboraram as fórmulas trinitárias; os séculos
subseqüentes, até ao XV, aprofundaram as conseqüências teológicas. Durante um longo período, antes
do culo XX, porém, a Teologia e vivência trinitária tornaram-se assunto irrelevante: ‘Nada dela se
pode tirar para a vida prática’, dizia representativamente I. Kant. E, no entanto, o início e o âmbito da
existência cristã é formado pelo encontro e a vivência nesse Mistério” (HAMMES, Érico João. Glória ao
Pai, ao Filho e ao Espírito Santo!: situação e relevância da trinitária hoje. In: HACKMANN, Geraldo
Luiz Borges (Org.). A Trindade: glória e júbilo da criação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000, p.13).
195
ARMENDÁRIZ, Luis. Criação. In: XABIER PIKAZA, O. M.; SILANES, Nero (Orgs.). Dicionário
teológico: o Deus cristão. 1998, p.201.
196
“A criação se realiza, portanto, na livre abertura da Trindade ao mundo e com a intenção de integrá-lo,
sem anular a sua criaturalidade, na vida divina. Do Pai procede este impulso transcendente de partilhar
com o mundo sua plenitude em seu Filho e em seu Espírito. No entanto, podemos, outrossim, partir deste
último e da história e dizer: o mundo existe em virtude do transbordamento e da efusão do diálogo de
amor e da comunicação entre o Pai e o Filho que é o Espírito [...]” (Ibid.).
197
“Sem o tema da criação não se pode entender o porquê da missão humana no mundo: o mundo é para o
ser humano; ele tem a responsabilidade de melhorá-lo. [...] Sem o tema da criação não podemos
compreender o sentido da própria história de salvação: criação e aliança estão intimamente unidas,
dando-se sentido, o mesmo que aliança e nova criação em Cristo” (BERZOSA MARTÍNEZ, Raúl;
PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. Criação. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.).
Dicionário de catequética. 2004, p.279).
198
JOÃO PAULO II. Carta encíclica Laborem Exercens: sobre o trabalho humano. São Paulo: Loyola, 1981,
n.6.
57
Utilizando imagem bíblica, acreditamos que a humanidade foi plasmada com o
barro da terra e animada com o sopro da vida (cf. Gn 2,7), foi modelada à imagem e
semelhança do Criador (cf. Gn 1,26)
199
, é naturalmente boa (cf. Gn 1,31a). Biblicamente é
um pensar dinâmico
200
: não foi chamada à criação como realidade totalmente acabada
201
e,
sim, em evolução, é co-criadora
202
e, naturalmente, sacerdote
203
. Essa análise faz-se
necessária a fim de evitar-se dualismo entre vocação humana e vocação cristã, menosprezo
de uma e supervalorização da outra
204
.
A contemplação e o trabalho constituem a missão da pessoa de fé no mundo
criado
205
. A missionaridade é concretizada na criação, na sociedade, na política, em todas
as instituições humanas: lugares de ação da Trindade Santa.
Vivem nas condições ordinárias da vida familiar e social, pelas quais sua
existência é como que tecida. Lá são chamadas por Deus para que, exercendo seu
próprio ofício guiados pelo espírito evangélico, a modo de fermento, de dentro,
contribuam para a santificação do mundo (LG 31).
199
Feito à imagem e semelhança do mesmo Deus no universo visível e nele estabelecido para que
dominasse a terra” (idem, proêmio).
200
“Assim como Deus do caos primitivo e do nada tirou tudo, de forma semelhante deve o homem criar,
dominar e ser senhor do mundo” (BOFF, Leonardo. O Destino do Homem e do Mundo. 1998, p. 42).
201
“O ser humano foi erguendo sua casa, diferenciando-se do animal” (LIBÂNIO, João Batista. As Lógicas
da Cidade. 2002, p. 9).
202
Cf. JOÃO PAULO II. op. cit., n. 25.
203
“Homem e mulher percebem que podem e precisam cumprir um ‘sacerdócio natural’: representar o
universo no amor e na gratidão ao criador” (GOULART, José Dias. Vocação: convite para Servir. São
Paulo: Paulus, 2003, p. 46).
204
“[...] evitar o enfoque dualista e competitivo entre o ‘natural’ e o ‘sobrenatural’, entre a ‘vocação humana’
e a ‘vocação cristã’. Esta não deve ser apresentada como um estágio superior ou realização parcial, porém
mais perfeita, da simples vocação humana. Ambas as vocações são coextensivas. Pelo caráter universal da
mensagem cristã, todo o homem é chamado à comunhão com Deus em Cristo Jesus. [...] A teologia
contemporânea chama ‘cristãos anônimos’ (K. Rahner) àqueles que sem aderir explicitamente ao
cristianismo vivem relações de justiça e amor, seguindo o ditame da sua consciência reta. À luz da fé, a
vocação cristã é sacramento (sinal e manifestação) da vocação humana, no sentido pleno da palavra (a
humanidade-que-Deus-quer” (GONZÁLES-QUEVEDO, Luis. Teologia da vocação. In: APARÍCIO
RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. 1994,
p. 1159-1160).
205
“Pela contemplação, podemos reconhecer a beleza da criação. Pelo trabalho, podemos transformar a
natureza em favor da vida e vencer o mal e o pecado em favor do bem e da graça. Nossa missão é manter
o equilíbrio entre preservação e transformação da criação. Não podemos preservar porque o mundo foi
dado a nós para nele vivermos. Deus Pai quer que usemos nossa inteligência para transformar as obras do
mundo em bens necessários à nossa vida” (BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus
Trindade: a vida no coração do mundo. 2003, p.129).
58
2.3.2 A Igreja como Lugar de Chamado e Acolhida
O chamado à existência, mediante a criação, torna cada criatura agraciada com uma
vocação única, singular, irrepetível, determinante de sua identidade pessoal e, ao mesmo
tempo, comunhão fraterna
206
. uma relação intrínsica entre criação e Igreja. Podendo-se
expressar a história da Igreja como a narração admirável e misteriosa de seus filhos crentes
com o Criador, tanto individualmente, mas, sobretudo, comunitariamente. Na Igreja, o
cristão acolhe sua vocação em comunhão com todos os batizados
207
. Ela é a primeira
vocacionada, convocada como povo: “A palavra ‘Igreja’ [‘ekklèsia’, do grego ‘ek-lalein’
‘chamar fora’] significa ‘convocação’. Designa assembléia do povo” (CaIC 751).
A pessoa humana é chamada à salvação mediante uma convocação: a Igreja, povo
de Deus
208
. Jesus de Nazaré articulou e organizou seus discípulos, tornando-os uma
comunidade de fé, enfrentando o perigo, sempre presente, do subjetivismo e do
individualismo. Assim como a vocação tem sua gênese na Trindade, a Igreja igualmente
209
.
É tão nítida essa verdade da Igreja como lugar da acolhida vocacional
210
, que mesmo a
experiência mística, essencialmente individual, é eclesial: tem nela atmosfera propícia,
206
[...] a comunhão da pessoa humana com a Trindade o acontece de forma individualista e isolada, mas
na comunidade e por meio dela” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da Vocação: temas
fundamentais. 1999, p.47).
207
“Aprouve contudo a Deus santificar e salvar os homens o singularmente, sem nenhuma conexão uns
com os outros, mas constituí-los num povo, que O conhecesse na verdade e santamente O servisse” (LG
9).
208
“A comunhão com Deus o é uma coisa abstrata, mas algo concreto e real, visível [...]. Na Igreja o ser
humano tem essa possibilidade” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da Vocação: temas
fundamentais. 1999. p. 48).
209
“Do Pai pelo Filho no Espírito vem a Igreja: obra das missões divinas, ela é o lugar do encontro entre o
céu e a terra em que a história trinitária, por livre iniciativa de amor, passa para a história dos homens e
esta é assumida e transformada no movimento da vida divina. [...] Vindo do alto, brotando da Trindade, a
Igreja é também estruturada à imagem da Trindade: uma na diversidade, comunhão de carismas e
ministérios diversos suscitados pelo único Espírito, a Igreja vive daquela circulação do amor de que a
vida trinitária é, além da fonte, modelo incomparável” (FORTE, Bruno. A Trindade como História. São
Paulo: Paulinas, 1987, p. 189).
59
ambiente vital, húmus que a possibilita enraizar-se e alimentar-se. Na sociedade hodierna,
é um desafio a realização dessa verdade: “As pessoas de nosso tempo reagem a todo
institucional e hierárquico; custa-lhes esforço aceitar que Deus aja em uma estrutura
semelhante a qualquer outra instituição no mundo”
211
. É necessário e urgente ser sinal de
contradição, também no ambiente vocacional
212
.
O Concílio Vaticano II apresenta uma eclesiologia trinitária: “[...] a Igreja é ‘oriens
ex alto’, fonte do alto, de junto de Deus, posta no tempo pela admirável iniciativa do amor
trinitário”
213
. Nela as vocações se especificam na comunhão eclesial, em vista dos serviços
ao bem comum do povo de Deus (cf. 1Cor 12,4; Ef 4,1-27) e para a construção do Corpo
de Cristo (cf. 1 Cor 12,12-30 )
214
. Sendo assembléia (cf. At 19,39), toda a Igreja é
chamada.
210
Cf. OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia e eclesiologia da vocação. Disponível em: <http://
www.presbíters.com.br/dogma/teologia.htm>. Acesso em 16 de set. de 2004.
211
GONZALES-QUEVEDO, Luis. Teologia da vocação. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS
CASAS, Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p.585.
212
A Igreja povo de Deus, assembléia reunida, tem consciência de ser o lugar onde o apelo de Deus se faz
ouvir. [...] Podemos concluir então que a Igreja é a expressão do desejo da Trindade de se encontrar com
a humanidade” (OLIVIERA, José Lisboa Moreira de. op. cit. 1999, p. 47).
213
FORTE, Bruno. A Trindade como história. 1987, p. 189.
214
“Mais importante do que as diversas vocações particulares, no NT, é a afirmação de que todos os cristãos
são chamados pelo Pai, em Cristo a uma vida de santidade, na comunhão eclesial” (GONZALES-
QUEVEDO, Luis. Teologia da vocação. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan
(Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p.1154).
60
2.3.3 A Constituição Dogmática Lumen Gentium e o chamado à santidade
A pessoa humana, criada à imagem e semelhança da Trindade, acolhe o chamado
que lhe é feito na criação e na Igreja, exercendo em ambas sua missão. A Constituição
dogmática, Lumen Gentium, luz dos povos, nos orientação segura a esse encargo
215
,
convocando todos à santidade de vida
216
. Promulgada no dia 21 de novembro de 1964
217
, é
o documento eclesiológico da Igreja sobre a Igreja
218
. Com clareza e autoridade, percebe-
se uma reviravolta copernicana
219
, na teologia eclesial, gestada no período posterior ao
Concílio de Trento, rigidamente jurídico, Societas Perfecta, e profundamente contra-
protestante e contra-moderno
220
. Desloca o eixo central, pois o evento conciliar do
215
Cf. RATZINGER, Joseph. Conferencia del Cardenal Joseph Ratzinger sobre la eclesiología da la
“Lumen Gentium” pronunciada en el Congerso Internacional sobre la aplicación del Concilio Vaticano
II, organizado por el Comité para el Gran Jubileo del año 2000. Disponível em: http:
//www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_com_cfaith_doc2000027 _ ratzinger-
lumen-gentium_sp.html. Acesso em 13 mai. 2001.
216
O texto fundamental do Vaticano II sobre a vocação universal à santidade é o quinto capítulo da Lumen
Gentium; os decretos particulares não são senão aplicações aos casos individualmente. Não deixa,
porém, de chamar a atenção o fato de que ao tema foi dedicado um capítulo inteiro, que aliás, não estava
previsto nos primitivos projetos. Isto mostra a importância que o concílio do aggiornamento deu à
dimensão santificadora da Igreja, o por seu valor essencial e próprio (a outros temas
importantíssimos deu o concílio menor atenção), mas também por seu valor dinâmico e pastoral. Na
prática, a exortação à santidade é como o fio condutor que perpassa toda a constituição sobre a Igreja”
(COLLANTES, Justo. A Fé Católica: Documentos do Magistério da Igreja. 2003, p.685).
217
“O Projeto de Constituição dogmática ‘De Ecclesia’ elaborado pela Comissão Teológica preconciliar e
apresentada ao plenário do Concílio no dia 1-12-1962 foi violentamente criticado em sua estrutura,
método, argumentação, conteúdo e espírito. Reelaborou-se outro texto, com quatro capítulos (faltando os
atuais capítulos sobre o Povo de Deus, os Religiosos, a índole escatológica da Igreja e sobre Nossa
Senhora, que foi debatido e em princípio aprovado durante a II Sessão (1963). Novamente revisto, agora
com os oito capítulos definitivos, o texto foi apresentado à III Sessão, debatido em suas partes novas,
bastante emendado pela Comissão e definitivamente votado pela Congregação Geral”
(KLOPPENBURG, Boaventura. Introdução Geral aos Documentos do Concílio. In: Compêndio do
Vaticano II: constituições, decretos, declarações, 1986, p. 38).
218
“Na realidade, todo o Concílio é eclesiológico, a eclesiologia está dispersa em todos os seus documentos”
(PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. Vaticano II e catequese. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii
(Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p.1124).
219
Cf. COMBLIN, José. O Povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002, p.358.
220
“A eclesiologia deixa o âmbito imediato do direito para situar-se dentro da teologia. No horizonte mais
amplo do mistério trinitário, fora das relações imediatas de poder” (CALIMAN, Cleto. A eclesiologia do
Concílio Vaticano II e a Igreja no Brasil. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera
Ivanise. Concílio Vaticano II: Análise e prospectiva. 2004, p.230).
61
século XX revelou o mistério de Deus
221
, como nenhum outro, sem ele a Igreja é uma
sociedade pura e dura. Essa mudança profunda
222
, sob a assistência do Espírito Santo, não
foi tranqüila. E não foi pacífica a definição de sua qualificação teológica, necessitando,
junto à promulgação, anexar: “Nota explicativa prévia”
223
. A Lumen Gentium é: “A noção
fundamental que a Igreja tem de si mesma”
224
, produzindo uma reviravolta nessa auto-
análise: “Do ‘geocentrismo’ hierárquico passou-se para o ‘heliocentrismo’ de todo o povo
de Deus”
225
.
a) Igreja, povo de Deus
A Lumen Gentium, estruturada sob as categorias de Mistério e Comunhão
226
,
construiu inúmeras figuras e imagens a fim de, analogicamente, expressar a índole e
missão da Igreja: Corpo Místico de Cristo (cf. LG 7); Redil, Lavoura, Construção, Templo
(cf. LG 6) e outras. O Concílio assume a representação bíblica do povo de Deus.
221
Esse deslocamento, dá-se assim: “Primeiro, coloca os grandes princípios norteadores: o cristocentrismo, a
dimensão sacramental e a dimensão missonária da Igreja. Dessa forma, explicam-se sua relação com
Cristo, sua natureza sacramental e sua missão no mundo (LG, n.1). Segundo, explicita a relação da Igreja
com o mistério trinitário, desenvolvendo uma reflexão fundamental da Igreja como mistério, no contexto
da vontade salvífica universal de Deus (LG, cap I)” (PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. op.cit., p. 1124).
222
“A Constituição Lumen Gentium sobre a Igreja é o resultado do conflito entre duas eclesiologias. Esse
conflito constituiu a estrutura de fundo de todos os debates conciliares, o que se refletiu nos documentos
produzidos. Lumen Gentium é bem representativa do Vaticano II” (COMBLIN, José. A mensagem da
Lumen Gentium (Capítulos 1 e 2). Vida Pastoral, mai. Jun. 2004 , p. 9).
223
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Nota Explicativa Prévia. In: COMPÊNDIO DO VATICANO
II: constituições, decretos, declarações. 1986, p. 114.
224
RAHNER, Karl. Vaticano II : um começo de Renovação. São Paulo: Herder, 1996, p. 19.
225
LIBÂNIO, João Batista. Lumen Gentium: mina inesgotável. Vida Pastoral, mai. Jun. 2004, p.3.
226
“Enquanto Mistério, a Igreja é em Cristo e nele cumpre-se o desígnio de salvação de Deus que consiste
em levar os homens de boa vontade à comunhão com Deus e entre si. [...] Dito em outros termos, a
Igreja, enquanto Mistério é comunhão. [...] A eclesiologia de comunhão é a idéia central e fundamental
nos documentos do Concílio Vaticano II. Trata-se da comunhão com Deus vivo, enquanto a Igreja é, em
Cristo, mistério do amor de Deus presente na história dos homens. Quando se fala do mistério da Igreja,
entende-se, não algo escondido, obscuro e limitado somente ao sobrenatural, mas de uma realidade
divina, transcendente e respeitante à salvação que Deus revelou e cumpriu por obra de seu Filho Jesus
Cristo, no poder do Espírito Santo” (KUNRATH, Pedro Alberto. O Mistério da Comunhão na Reflexão
Teológica do Concílio Vaticano II. Teocomunicação. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 34, n. 145, set. 2004,
p. 602.605).
62
Uma Igreja que se compreendia a si mesma como sociedade perfeita, árbitra de
toda verdade e instituição fortemente hierarquizada sob a autoridade do Papa,
passou a ser, no Vaticano II, ‘Povo de Deus em marcha, mistério e
acontecimento, sacramento de salvação e tradição, presente no mundo e serva do
mundo, missionária e evangelizadora, uma Igreja de comunhão e comunidade
dinâmica, aberta ao futuro e ao pobre”
227
.
Reside uma das características eclesiológicas fundamentais da Lumen Gentium:
colocar sua base no laicato
228
. Isso não tira a iniciativa de Deus na edificação da Igreja,
pois, com a encarnação, apaga-se definitivamente a compreensão dualista da ação divina
na história da humanidade
229
. A consagrada imagem de povo de Deus
230
o diminui nem
menospreza a de Corpo Místico de Cristo, mas realça a índole histórica, o compromisso
missionário e o aspecto escatológico da comunhão eclesial, demonstrando suas raízes
bíblicas no passado de Israel e a lançando para o futuro definitivo. Na Lumen Gentium, o
primeiro capítulo põe, sem dúvida, o acento sobre a unidade, especialmente quando
apresenta o Corpo Místico de Cristo. O povo de Deus
231
é uma manifestação terrena do
227
PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. Vaticano II e catequese. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii
(Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p. 1124.
228
“Dessa maneira, põe-se no centro da vida da Igreja o batismo, que nos faz todos membros iguais de um
mesmo povo de Deus. Sobre tal igualdade fundamental, e após ela, virão as diferenças de ministérios e
carismas” (LIBÂNIO, João Batista. Lumen Gentium: mina inesgotável. 2004, p. 4).
229
“O desejo, a reunião das comunidades em torno da Palavra, dos sacramentos, da prática da caridade o
nascem sem a ação do Espírito. Quem convoca à comunhão é o Pai, que chama a todos no Filho pela
força do Espírito. Aquilo que a um olhar secular é pura sociologia, sob o olhar da é graça mediada
pelas estruturas sociológicas comunitárias. É uma comunhão fraternal, sociológica e teologal. Na voz
humana que convoca, fala o Espírito que cria comunhão para além dos laços de sociabilidade” (idem,
p. 5).
230
“[...] houve, no século XX, um lento e progressivo renascer do modelo muito mais antigo, e realmente
primitivo, que é representado pelo tema do povo de Deus. O renascer resultou da confluência de forças
procedentes dos movimentos litúrgicos, bíblico, de juventude, ecumênico, patrístico e da história da
Igreja. Todos esses movimentos foram, de certo modo, retorno ao passado, reafirmação do passado,
apresentando a linha autoritária como não tradicional, não conforme às origens cristãs e que prescinde
totalmente da marcha do povo cristão” (COMBLIN, José. O Povo de Deus. 2002, p. 360).
231
“Nesse processo, algumas tendências internas da Igreja começaram a valorizar a eclesiologia de
comunhão para contrabalançar a eclesiologia de povo de Deus. O melhor mesmo é dizer que a Igreja é
povo de Deus, sujeito da comunhão eclesial” (CALIMAN, Cleto. Lumen Gentium: uma riqueza a ser
descoberta. Jornal de Opinião, 13 a 19 de dez. de 2004, p. 10).
63
mistério da Igreja comunhão
232
. A Igreja como mistério de comunhão perpassa toda
reflexão conciliar e tem alcance profundo: “A comunhão se entre Deus e os homens.
Entre os membros da Igreja e Cristo, sua cabeça; entre os Apóstolos e Pedro, e os bispos e
o Papa; entre as Igrejas locais; entre a Igreja Católica e outras Igrejas e comunidades
cristãs; entre a Igreja e a humanidade”
233
. É um povo sacerdotal que realiza sua
consagração e santidade na Igreja
234
.
O ponto de partida é a Nova Aliança que o Senhor fez para sempre com seu novo
povo: todos os batizados, incluindo hierarquia e religiosos. “Cabe respeitar a diferença,
movendo-se nas águas da unidade batismal [...] Não existe primeiro a comunhão como
obra da hierarquia [...] Existem os fiéis construindo, pela força do Espírito, a comunhão, a
cujo serviço está o ministério ordenado”
235
. Em Cristo, no Espírito Santo, todo povo de
Deus recebe do Pai a graça e a missão de ser santo.
232
“Em sua obra, George H. Tavard atribui confusão e ambigüidade ao conceito de Povo de Deus usado pelo
Concílio Vaticano II, ao passo que Giuseppe Colombo é a favor da centralidade da imagem conciliar de
Povo de Deus, porque por meio dela indica-se a Igreja como sujeito histórico. De fato a eclesiologia
deve falar de um sujeito histórico e construir-se em torno de um predicado histórico, dado que a Igreja é
um acontecimento no tempo e entende mediante a encarnação do Verbo, que é um evento histórico.
[...] Podemos perceber como a idéia de povo de Deus, ainda que rica teologicamente e pastoralmente, é
insuficiente para exprimir, sozinha, a realidade da Igreja” (CIPOLINI, Pedro Carlos. Povo de Deus e
Corpo de Cristo: imagens complementares na abordagem do mistério da Igreja. In: TRANSFERETTI,
José; GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens
epistemológica, sistemática e teórico-prática. 2003, p. 220).
233
PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. Vaticano II e catequese. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii
(Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p. 1125.
234
A Lumen Gentium, corajosamente, alargou o horizonte limítrofe do povo de Deus: “Todos os homens são
chamados a pertencer ao novo povo de Deus. Por isso este povo, permanecendo uno e único, deve
estender-se a todo mundo e por todos os tempos, para que se cumpra o desígnio da vontade de Deus” (LG
13). Aqueles, portanto, que sem culpa ignoram o Evangelho de Cristo e Sua Igreja, mas buscam a Deus
com coração sincero e tentam, sob o influxo da graça, cumprir por obras a Sua vontade conhecida através
do ditame da consciência, podem conseguir a salvação eterna” (LG 16).
235
LIBÂNIO, João Batista. Lumen Gentium: mina inesgotável. Vida Pastoral, mai. jun. 2004, p.6.
64
b) Eclesialidade e santidade
236
Para a Igreja, povo de Deus, ícone da Trindade, a santidade é algo mais que uma
convocação vindo do exterior: é um aspecto essencial e característico, transcendente e
imanente, chegada escatológica e caminho de peregrino. Nela reside sua identidade mais
profunda.
A Lumen Gentium deixa claro que todo o batizado pertence ao sacerdotal povo de
Deus e é vocacionado à santidade. “Trata-se de verdadeira reviravolta, uma vez que, em
uma eclesiologia que identificava a Igreja com o clero, a santidade tinha sido reduzida a
uma ‘propriedade privada’ de bispos e padres e, em alguns casos, de algumas freiras. Ser
santo não era coisa para o povo”
237
. no primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia
percebemos essa convicção
238
, resgatada dentro do espírito de volta às fontes. Contudo,
Deus Trino é santo. E, em comunhão com a Trindade, a Igreja. “Pois Cristo, Filho de Deus,
que com o Pai e o Espírito Santo é proclamado ‘Único Santo’ amou a Igreja como sua
Esposa. Por ela se entregou com o fim de santificá-la” (LG 39). Nessa união divina,
qualquer um dos membros do Corpo Místico de Cristo é convocado à santidade. “Por isso
na Igreja todos, quer pertençam à hierarquia, quer sejam por ela apascentados, são
chamados à Santidade” (LG 39). Não apenas convidados: “[...] obrigados a procurar a
santidade e a perfeição do próprio estado” (LG 42).
Essa única santidade é concretizada no amor. É assim evidente que todos os fiéis
cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição
da caridade” (LG 40). Percebe-se uma ênfase na prática do amor fraterno, inerente ao
próprio dom da santidade, que é dádiva divina. “Por isso o primeiro e mais necessário dom
236
O capítulo V da Lumen Gentium expõe detalhadamente essa relação.
237
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. A vocação batismal: fonte da comum dignidade e da legítima
diversidade. Vida Pastoral, jan. fev. 2003, p. 5.
238
Cf. COLLANTES, Justo. A Fé Católica: Documentos do Magistério da Igreja. 2003, p. 667.
65
é a caridade, pela qual amamos a Deus acima de tudo e ao próximo por causa d’Ele” (LG
42). Pois, “Deus é amor” (1 Jo 4,16 ) e no amor temos o vínculo da perfeição (cf. Cl 3,14 ).
“O verdadeiro discípulo de Cristo se distingue tanto pelo amor a Deus como pelo amor ao
próximo” (LG 42).
A santidade é assumida num estado de vida livremente acolhido
239
. “Mas cada qual
deve avançar sem hesitação segundo os próprios dons e cargos pelo caminho da viva,
que excita a esperança e opera pela caridade” (LG 41). Não é uma santidade individualista,
sectária, um ramo cortado da videira (cf. Jo 15,6), mas de comunhão eclesial. Na
concepção do Concílio que é também a visão bíblica não existe o santo isolado. A
pessoa se santifica enquanto é pertencente a uma comunidade”
240
.
É importante destacar que o Concílio Ecumênico Vaticano II, preservando longa
prática conciliar, não construiu definição técnica de santidade. Sua iluminação é bíblica e
patrística, dentro do espírito de volta às fontes. Numa primeira constatação, vê-se a
necessidade de estar unido a Cristo que se encarnou e pregou a santidade de vida, sendo
Ele modelo de perfeição. “Eles são justificados no Senhor Jesus porquanto pelo Batismo da
se tornaram verdadeiramente filhos de Deus e participantes da natureza divina e,
portanto, realmente santos” (LG 40). Segue-se a necessidade de trilhar seus passos, imitar
suas atitudes, imprimir no coração sua imagem e fazer-se como Ele, obediente em tudo ao
Pai. Assim a santidade do povo de Deus se expandirá em abundantes frutos, como se
demonstra luminosamente na história da Igreja pela vida de tantos santos” (LG 40). O
seguimento de Jesus de Nazaré deve ser nutrido e alimentado: na oração, pela Palavra e
nos sacramentos (cf. LG 42).
239
“A consciência da laicidade na e da Igreja permite entender melhor o papel da mulher no seu seio,
evitando uma clericalização crescente e empobrecedora” (LIBANIO, João Batista. Igreja: povo de Deus.
Jornal de Opinião, 14 a 20 de mar. 2005, p. 11).
240
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. A vocação batismal: fonte da comum dignidade e da legítima
diversidade. Vida Pastoral, jan. fev. 2003, p. 5.
66
c) Maria: ícone paradigmático
A Lumen Gentium é coroada, em seu final, com uma explanação sobre “A Bem-
aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no Mistério de Cristo e da Igreja” (LG cap. VIII).
Não promulga novos dogmas marianos, mas expõe o lugar da Mãe de Jesus na História da
Salvação
241
, o autêntico culto que seus filhos, o povo de Deus, devem prestar-lhe, e a
fidúcia em deixar-se guiar por seus passos. Pois, “Maria foi aquela que seguiu mais
estreitamente Jesus em sua vida íntima; ela foi a primeira e mais perfeita discípula de
Cristo, o que tem valor universal e permanente (MC 35)”
242
.
A Igreja venera a Mãe de Deus: “[...] contemplando-lhe a arcana santidade,
imitando-lhe a caridade e cumprindo fielmente a vontade do Pai, mediante a Palavra de
Deus recebida na fé, torna-se também ela Mãe” (LG 64). O Concílio insiste no valor
paradigmático de Maria no caminho da santidade: inserida na vida da graça (cf. Lc 1,28-
30); obediente ao projeto Trinitário (cf. Lc 1,38); disponível no amor ao próximo (cf. Lc 1,
39.56); preza o silêncio (cf. Lc 2,51b); age cristocentricamente (cf. Jo 2,5); sempre fiel a
Jesus (cf. Jo 19, 25a); comprometida e orante com a Igreja (cf. At 1,14).
[...] os cristãos ainda se esforçam para crescer em santidade vencendo o pecado.
Por isso elevam seus olhos a Maria que refulge para toda a comunidade dos
eleitos como exemplo de virtudes. Piedosamente nela meditando e
contemplando-lhe à luz do Verbo feito homem, a Igreja penetra com reverência
mais profundamente no sublime mistério da encarnação, assemelhando-se mais e
mais ao esposo. Pois Maria, entrando intimamente na História da Salvação, une
em si de certo modo e reflete as supremas normas da fé. [...] Esta Virgem deu em
sua vida o exemplo daquele materno afeto do qual devem estar animados todos
os que cooperam na vida apostólica da Igreja para a regeneração dos homens
(LG 65).
241
Foi muito significativo que o Concílio Vaticano II tenha incluído o tema sobre Maria Santíssima dentro
do grande tema da Igreja. Hoje, nós temos desse Concílio uma belíssima exposição de Maria, mas dentro
do grande e importante assunto da Igreja. Isso nos permite, para sempre, ler, meditar e considerar a
posição de Maria dentro da Igreja com todos os seus grandes títulos: Maria Mãe de Deus, Maria Mãe da
Igreja, Maria Corredentora, Maria Intercessora de todos os cristãos, etc. [...] A nossa devoção Mariana
está bem iluminada em seu conteúdo: a Igreja no seu mistério é fortemente marcada pela posição de
Maria na obra de Salvação de Cristo” (LORSCHEITER, José Ivo. Sobre o Passado, o Presente e o Futuro
da Igreja. In: BELMONTE, Sérgio Augusto; BARRICHELLO, Eugênia. Dom José Ivo Lorscheiter: o
Bispo da Esperança. Santa Maria: Pallotti, 2004, p. 116).
242
FERNÁNDEZ GARCÍA, Domiciano. Maria. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS,
Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p. 622.
67
O povo de Deus, Corpo Místico de Cristo, convocado à santidade de vida desde o
Batismo, tem na Bem-aventurada Virgem Maria, que atingiu a perfeição, mesmo em
meio às fadigas e sombras no peregrinar da fé, protótipo e modelo seguro
243
no seguimento
de seu filho, Jesus de Nazaré.
2.4 VOCAÇÃO BATISMAL: DIGNIDADE E IGUALDADE
O Sacramento, por excelência, valorizado e re-descoberto pelo Concílio foi o
Batismo. Ele concede dignidade e igualdade a todo o povo de Deus. A opção livre por uma
vocação específica deve emergir dum discernimento na graça divina.
2.4.1 Batismo: Filiação e Missão
a) Reviravolta conciliar: igualdade dos membros
O Concílio resgata a dignidade batismal
244
de todo povo de Deus. “Durante longos
séculos prevaleceu na Igreja a convicção de que havia duas categorias de cristãos: uns
243
“A respeito do sentido teológico da exemplaridade de Maria de dizer que seria empobrecer
enormemente esta realidade, se a reduzíssemos a influxo extrínseco, a contemplação de um quadro
radiante de beleza e de virtudes que despertam nossa admiração e suscitam o desejo de imitá-la. É certo
que contemplar e meditar as virtudes da Virgem pode-nos servir de estímulo para imitá-la, o que
representa efeito positivo. Isso porém, não basta. A exemplaridade da Maria deve criar em nós atitudes e
disposições favoráveis à ação de Deus que ela teve. Trata-se de algo mais íntimo e profundo que mera
contemplação de suas virtudes. Deve incluir o efeito intrínseco de seu influxo santificador em nosso
coração” (idem, p. 623).
244
“O Batismo é o mais belo e o mais magnífico dom de Deus [...] chamamo-lo de dom, graça, unção,
iluminação, veste de incorruptibilidade, banho de regeneração, selo, e tudo o que existe de mais
precioso. Dom, porque é conferido àqueles que nada trazem; graça, porque é dado a a culpados;
batismo, porque o pecado é sepultado na água; unção, porque é sagrado e régio (tais são os que são
ungidos); iluminação, porque é luz resplandecente; veste, porque cobre a nossa vergonha; banho, porque
lava; selo, porque nos guarda e é o sinal do senhorio de Deus” (GREGORIO NAZIANZENO. Or 40,
3-4: PG 36, 361 C. In: CaIC 256).
68
destinados a caminhar num plano e outros a escalar cumes”
245
. O Vaticano II retorna às
fontes bíblico-patrísticas e estimula transformações na raiz teologal
246
, promulgando “[...]
entre todos verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na
edificação do Corpo de Cristo” (LG 32). Tem-se uma nova perspectiva.
O povo de Deus segue o mesmo Senhor, professa a mesma e recebe o mesmo
Batismo (cf. Ef 4,5)
247
. “Comum a dignidade dos membros pela regeneração em Cristo.
Comum a graça de filhos. Comum a vocação à perfeição” (LG 32). O Concílio expõe a
vocação batismal
248
na dimensão da História da Salvação, centrada em Cristo, presente em
cada membro de Seu corpo místico. Através do Batismo, “[...] somos libertados do pecado
e regenerados como filhos de Deus; tornando-nos membros de Cristo, somos incorporados
à Igreja e feitos participantes de sua missão” (CaIC 1213). O Filho de Deus encarnado
constitui, misticamente, a seus irmãos em Seu corpo e comunica-lhes Seu Espírito.
Pelo Batismo configuramo-nos com Cristo: ‘Com efeito em um só espírito fomos
batizados todos nós para sermos um corpo’ (1 Cor 12,13). Esse rito sagrado
representa e realiza a união com a morte e ressurreição de Cristo: Com Ele
fomos sepultados pelo Batismo para [participarmos] da morte’; mas se ‘fomos
feitos uma coisa com Ele na semelhança de sua morte, sê-lo-emos igualmente na
sua ressurreição’ (Rm 6,4-5)” (LG 7).
245
PALMES, Carlos. Batismo. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.).
Dicionário da vida consagrada. 1994, p.56.
246
“O Concílio provoca uma mudança radical” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Evangelho da
Vocação. 2003, p.24).
247
“Assim a Igreja redescobre a sua vocação de comunidade batismal englobante, no interior da qual os
carismas são recebidos e os ministérios exercidos como serviços em vista daquilo que toda a Igreja deve
ser e fazer. E a vida espiritual de todo o Povo de Deus pode beber do mesmo Espírito que não discrimina
suas maravilhas segundo as categorias jurídicas, derramando-as com total prodigalidade e generosidade”
(BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. O Presbítero: Ungido, Poeta e Servidor. In: CNBB: Vida e
Ministério dos Presbíteros. 2004, p.120).
248
“Nesse sentido, falar de vocação batismal, do Batismo como vocação primeira dos cristãos, é para muitas
pessoas, verdadeira novidade. Por isso mesmo, alguns chegaram a estranhar tal afirmação, julgando-a
inoportuna e até mesmo descabida. Isso foi agravado por outra deformação da cristandade, a qual, não
vendo significado nenhum para a vocação batismal, concentrou toda a missão e todos os ministérios na
pessoa do ministro ordenado, particularmente no bispo e no presbítero. Nessa ótica, ser batizado não
significava absolutamente nada. Contava ser padre ou bispo” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira. op. cit.,
p. 3).
69
Esta participação batismal não é algo exterior a nós ou privilégio de alguns
membros do Corpo. “O Vaticano II nos faz voltar às fontes e acaba com a divisão que
durante séculos infeccionou a Igreja [...]”
249
, pois o Batismo comporta nossa plena
transformação em Cristo
250
. Por Ele somos enxertados no mesmo Mistério Pascal,
incorporados a Cristo crucificado e glorificado, a fim de participarmos de Sua vida divina
(cf. Cl 2,12), morrermos e ressuscitarmos com Ele, recebendo o espírito de adoção filial
(cf. Rm 8,15).
b) Sacerdócio Comum
Todo cristão em virtude de seu Batismo está unido a Cristo e nele participa de seu
tríplice múnus: sacerdotal, profético e régio
251
. Ou seja, a Igreja enquanto comunhão dos
batizados está unida a Cristo, não como um edifício estranho, mas como um corpo
sacerdotal que de sua cabeça recebe a dignidade e ofício sacerdotal. “Pois todos os
batizados, pela regeneração e unção do Espírito Santo, são consagrados como casa
espiritual e sacerdócio santo. [...] ofereçam sacrifícios espirituais e anunciem os poderes
d’Aquele que das trevas os chamou à sua luz maravilhosa” (LG 10).
249
PALMES, Carlos. Batismo. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.).
Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p. 56.
250
“Batizados em Cristo e revestidos de Cristo vós vos tornastes semelhante ao Filho de Deus. Com efeito,
Deus que nos predestinou para a adoção de filhos tornou-nos semelhantes ao Corpo glorioso de Cristo.
Feitos, portanto, participantes do Corpo de Cristo, com toda a razão sois chamados ‘cristãos’ , isto é,
ungidos; pois foi de vós que Deus disse: não toqueis nos meus ungidos (Sl 104,15). Tornaste-vos
‘cristãos’ no momento em que recebestes o selo do Espírito Santo; e tudo isto foi realizado sobre vós em
imagem, uma vez que sois imagem de Cristo. Na verdade, quando Ele foi batizado no rio Jordão e saiu
das águas, nas quais deixara a fragância de sua divindade, realizou-se então a descida do Espírito Santo
em pessoa, repousando sobre Ele como o igual sobre o igual. O mesmo aconteceu convosco: depois que
subiste da fonte sagrada, o óleo do Crisma vos foi administrado, imagem real daquele com o qual Cristo
foi ungido, e que é, sem dúvida, o Espírito Santo” (CATEQUESES DE JERUSALÉM (Cat. 21,
Mystagógica 3,1-3: PG 33,1087-1091/séc. IV. In: LITURGIA das Horas, 1995, II v, p. 547).
251
“Na verdade, segundo o Concílio, é todo o povo de Deus e não apenas o presbítero que participa da unção
do Messias. [...] Todo o povo que, em virtude de seu Batismo, participa da condição e do múnus
sacerdotal enquanto sacerdócio universal, que oferece a Deus o sacrifício e a oblação da própria vida”
(BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. O Presbítero: Ungido, Poeta e Servidor. In: CNBB. Vida e
ministério dos presbíteros. 2004, p. 108).
70
O Concílio deixa claro que distinção entre sacerdócio comum dos fiéis e o
sacerdócio ministerial
252
. Mesmo ordenando-se um ao outro e ambos participando do único
sacerdócio de Cristo, não se confundem.
O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico
ordenam-se um ao outro, embora se diferenciem na essência e não apenas em
grau. Pois ambos participam, cada qual a seu modo, do único sacerdócio de
Cristo. O sacerdote ministerial, pelo poder sagrado de que goza, forma e rege o
povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico na pessoa de Cristo e o oferece a
Deus em nome de todo o povo. Os fiéis, no entanto, em virtude de seu
sacerdócio gio, concorrem na oblação da Eucaristia e o exercem na recepção
dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho de uma vida santa,
na abnegação e na caridade ativa (LG 10).
O sacerdócio comum batismal gera igualdade cristã (cf. LG 32). Todas as
categorias sociais nada significam frente ao verdadeiro título de glória, comum a todos os
batizados: pertença ao Corpo de Cristo, ao povo dos redimidos (cf. Gl 3,27-28).
c) A filiação como dom, a missão como tarefa
O Batismo limpa o pecado original e nos consagra a Deus (cf. LG 53). Somos
agraciados com uma vida nova: filhos de Deus (cf. LG 32). Recebemos o espírito de filhos
adotivos
253
, introduzidos no mistério do amor de Deus, que nos chama a iniciar uma
comunicação pessoal com Ele em Cristo. Somos filhos no Filho (cf. LG 13). “A filiação
252
“Enquanto o sacerdócio batismal é comum, pertence a todos e todas na Igreja, o sacerdócio ministerial é
uma habilitação que nasce de um chamado divino, passa pelo crivo da imposição das mãos (sacramento
da Ordem) e, por isso, é específico do presbítero e do bispo. Por causa do chamamento, reconhecido e
confirmado no gesto da imposição das mãos, o ministro ordenado possui tarefas bem específicas que
pertencem exclusivamente a ele. Não cabe a quem está habilitado’ realizar tarefas, uma vez que o se
trata de um serviço comum, nascido do sacerdócio batismal, mas de uma verdadeira vocação que provém
do sacramento da imposição das mãos. o está em jogo a igual dignidade, mas a diferenciação [...].
A diferenciação afirmada pelo Concílio nos ajuda a entender a unidade segundo a perspectiva trinitária e,
por isso mesmo pode e deve ser aplicada às demais vocações específicas” (OLIVEIRA, José Lisboa
Moreira. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. 2001, p. 309).
253
“Assim sendo, a vocação primeira de toda a pessoa é a vocação batismal. ‘O cristão pelo batismo, é
vocacionado, chamado pelo Pai a ser ouvinte da Palavra. Adotado como filho bem amado e justificado
dos seus pecados, é incorporado a Jesus Cristo. Ungido pelo Espírito para a missão é inserido na Igreja’.
Pode-se então concluir que a vocação batismal, comum a todos os fiéis, é a convocação divina para
sermos filhos e filhas no Filho (cf. Ef 1,5). Enquanto filhos e filhas de Deus, somos chamados a formar a
Igreja, comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. A
vocação batismal: fonte da comum dignidade e da legítima diversidade. Vida Pastoral, jan. fev. 2003,
p. 4).
71
cristã é participação na condição filial daquele que é o Filho por excelência, cuja vida é
obediência ao Pai e entrega pela salvação da humanidade”
254
. A filiação
255
leva à
participação na natureza divina (cf. LG 40). Aquele que foi batizado torna-se morada da
Santíssima Trindade
256
. “É o germe (sperma) de Deus depositado em nós (1 Jo 3,9), é a
semelhança real com Cristo que nos dá o direito de chamar a Deus Pai e a receber seu olhar
de ternura e a sentir-nos guiados por sua providência”
257
.
O Batismo infunde uma vida nova e aquele que o recebe deve manter uma conduta
em conformidade com a graça recebida e exercer o mandato missionário. “Incorporados à
Igreja pelo Batismo, os fiéis são delegados ao culto da religião cristã em virtude do caráter,
e, regenerados para serem filhos de Deus, são obrigados a professar diante dos homens a fé
que receberam de Deus pela Igreja” (cf. LG 11). Todo batizado é missionário
258
. “A
consagração batismal pela qual o cristão é abençoado e totalmente dedicado a Deus inclui a
vocação apostólica: a missão evangelizadora é de todo o povo de Deus (EM 59; Puebla
348)”
259
. O próprio Jesus determina aos seus dicípulos: Ide, portanto, e fazei que todas as
254
GARCIA FERNÁNDES, Ciro; JARNE, Fernando Jarne. Graça. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et
alii (Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p. 545.
255
“Nos sinóticos aparece intimamente ligada à revelação de Deus Pai e à mensagem do Reino (Mt 5-7; Lc
15,11-32). o Paulo fundamenta-a teologicamente no conceito de adoção, pondo em relevo o fato da
eleição divina, isto é, o caráter gratuito da filiação e a dimensão trinitária da mesma, ao destacar a
função divina que cada uma das pessoas divinas desempenha nela (Rm 8,14-17.23; Gl 4,4-7; Ef 1, 4-5).
São João acentua mais fortemente seu realismo: a filiação é obra do novo nascimento (Jo 1,12-13; 3,3-8),
não no nascimento segundo a carne (Jo 1,13), mas da regeneração mediante o Espírito Santo (Jo 3,6).
Tanto a adoção (paulina), como o nascimento (joanino) desembocam no mesmo efeito: fazer-nos
semelhantes ao Filho” (idem, p. 544-545).
256
“No momento em que a Igreja pronuncia literalmente a rmula que rememora a ação de Jesus: -‘Eu te
batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo...’-, o cristão é inserido não somente em uma
comunidade humana imperfeita, como é a Igreja, por mais santa que seja, mas em um comunhão
trinitária” (CNBB. Batismo: fonte de todas as vocações: texto base do ano vocacional 2003. 2002, n. 85).
257
PALMÉS, Carlos. Batismo. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.).
Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p. 60.
258
“Ungido pelo Espírito para a missão é inserido na Igreja. No Batismo a mesma voz que um dia foi ouvida,
declarando Jesus Filho amado, é ouvida por nós. O mesmo Espírito que o ungiu e o enviou em missão
(cf. Lc 4,18-19), nos unge e nos consagra para vivermos uma vida nova (At 2,17). A missão de Jesus dá
sentido, acompanha e impulsiona o envio missionário do cristão ao mundo (Mt 28,19-20)” (CNBB.
Batismo: fonte de todas as vocações: texto base do ano vocacional 2003. 2002, n. 86).
259
PALMÉS, Carlos. op. cit., p. 62.
72
nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e
ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28, 19-20a). Para isso, recebem na
Igreja, intrinsicamente unido ao Batismo, o Sacramento do Crisma ou da Confirmação, no
qual “[...] são vinculados mais perfeitamente à Igreja, enriquecidos de especial força do
Espírito Santo e, assim, mais estritamente obrigados à que, como verdadeiras
testemunhas de Cristo, devem difundir e defender tanto por palavras como por obras”
(LG 11).
A fim de realizar-se e desempenhar sua vocação fundamental, sua missão, o
batizado, em comunhão trinitária, pois é habitação da Santíssima Trindade, deve discernir
que carismas recebeu a serviço do Reino. Em resumo, à luz da fé, no sacramento do
Batismo, Deus age no homem com sua graça, para transformá-lo em homem novo em
Cristo. O homem é convocado a responder na e pela vida como membro do povo da
nova aliança, isto é, da Igreja”
260
.
2.4.2 DISCERNIMENTO E VOCAÇÕES ESPECÍFICAS: GRAÇA E LIBERDADE
O desafio do discernimento
261
é tão antigo quanto a pessoa humana. Nossos
primeiros pais logo tiveram de optar entre ouvir a voz de Deus ou do demônio,
simbolizado na serpente (cf. Gn 3,1-13). E, assim tem ocorrido em toda a História da
Salvação. Alicerçados em Paulo, professamos que o discernimento é dom do Espírito
Santo (cf. 1Cor 12,10). Embora não sendo uma escolha entre o bem e o mal, Deus ou o
260
ZILLES, Urbano. Os sacramentos da Igreja Católica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995, p. 79.
261
“O termo grego krino, krinein e o latino cerno, cernere significam selecionar, interpretar, criticar, decidir
e reconhecer; em todos esses significados, está implícito o sentido de penetrar até o fundo das questões
importantes, para compreendê-las e resolvê-las adequadamente. Numa primeira aproximação, o
discernimento apresenta dois momentos: o conhecimento crítico da realidade e a tomada de decisões”
(SASTRE, Jesús. Discernimento vocacional: proposta de encontros vocacionais para jovens. São Paulo:
Paulinas, 2000, p. 85).
73
demônio, o ser humano opta por uma vocação específica para a sua felicidade e realização
do projeto que Deus tem para ele, no âmbito da fé. “Nada de arbitrário em tal disposição,
salvo o arbitrário do amor, que não pode, contudo, senão plenificar além de toda a
expectativa”
262
. A pessoa humana, chamada por Deus como criatura, é convocada, como
membro de Seu povo, se compromete na acolhida livre do projeto eclesial que lhe é
proposto, na vida da graça.
Como tal, é muito diferente da simples decisão de escolher uma carreira em
particular. Não simplesmente um chamado para fazer algo, embora isso possa ser
parte da resposta. O processo para discernir o chamado de uma pessoa é o
esforço, tanto humano como divino, de escolher um estilo de vida que expresse
melhor resposta com respeito ao amor e ao cuidado providencial de Deus. Como
tal, nunca pode ser executado sozinho, visto que reclama pela interação de duas
pessoas: a pessoa do vocacionado e a pessoa de Deus. Assim, o discernimento é
algo inerente ao contexto do relacionamento pessoal com Deus
263
.
Na fé, o ser humano acolhe o impulso interior da graça divina. Mediante a e
interpreta as solicitações subjetivas: talentos pessoais, estrutura humana; e objetivas:
convocação do povo de Deus, necessidades eclesiais; como símbolos dum diálogo que
motivam suas intenções e as próprias opções. “Encontrar nele mesmo esta vontade de
Deus, infelizmente, não lhe é fácil. Como conseqüência da primeira queda, [...] sua
unidade interior foi ferida e colocada em xeque”
264
. Todavia, livremente, iluminado pela
fé, deve tomar suas decisões
265
em atitude de disponibilidade, de busca, de oferecimento,
de realização, num clima de fortes exigências espirituais
266
.
262
LOUF, André. Mais pode a graça: o acompanhamento espiritual. Aparecida: Santuário, 1997, p.188.
263
GALLARES, Judette. Discernimento vocacional: meditações bíblicas. São Paulo: Paulus, 1994, p. 14-15.
264
LOUF, André. Mais pode a graça: o acompanhamento espiritual. 1997, p.189.
265
“Se dizemos que o homem realiza a si mesmo na liberdade, isso não é menos verdade também quando nos
achamos diante do mistério de Deus, que se a nós em Jesus Cristo. Acontece simplesmente que, sob
essa luz, a liberdade aparece como fruto da graça e, assim, se torna capaz de sua máxima realização, a
resposta ao amor de Deus, que se a nós em Jesus” (LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia
teológica. 1998, p.128).
266
“[...] a verdadeira vocação nasce de uma consciência de plenitude, uma plenitude que foi recebida como
um dom, e que é devolvido com liberdade” (CENCINI, Amadeo. Redescobrindo o mistério: indicações
para o discernimento. 1999, p. 52).
74
a) Graça divina: atração amorosa
O temo grego charis não é estranho na Bíblia, mas não aparece em primeiro plano.
A charis bíblica
267
designa antes de tudo uma atitude pessoal de Deus a respeito da pessoa
humana. “Há uma intercomunhão, uma intersubjetividade, uma relacionalidade, uma
misteriosa solidariedade, que independe de nossa consciência e de nossos méritos [...]”
268
.
Não é, portanto, primeiramente uma entidade ontológica, mas algo radical: Deus mesmo é
a graça
269
. Sendo um favor gratuito do Pai, por seu Filho, em virtude do Espírito Santo,
para a humanidade pecadora: “O homem na graça é o homem eleito e abençoado em Cristo
Jesus antes da criação do mundo”
270
. A pessoa humana possui uma grandeza peculiar que a
torna, não simples produto do cosmos, do universo, pois, pela graça nos tornamos parte da
natureza divina, da vida eterna. Batismo e graça divina estão intimamente ligados
271
.
Na Encarnação redentora, manifesta-se o desígnio benévolo de Deus na história
humana. Porém, desde o início, a Santíssima Trindade, na sua infinita bondade, inicia com
o ser humano uma relação de indelével amizade. “A Igreja ensina que Deus sempre quis
estabelecer com a humanidade um relacionamento de intimidade especial, chamando-a a
267
“O pensamento bíblico calcado sobre categorias históricas e personalistas foi traduzido para um outro,
orientado pelas categorias da fhysis (natureza) grega” (BOFF, Leonardo. A graça libertadora no mundo.
1993, p. 57).
268
BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus-amor: a graça que habita em nós. 2003,
p.13.
269
“Foi Deus quem fincou no coração humano a ânsia pelo infinito e o desejo de amá-lo e de vê-lo face a
face. Foi Deus quem estruturou de tal forma o homem que este está permanentemente com os ouvidos
abertos para ouvir a voz de Deus que lhe é dirigida por todas as coisas, pela consciência, pelas
mediações humanas e por Deus mesmo. [...] O desejo natural do amor de Deus o é uma exigência
meramente humana: é o chamamento que Deus colocou dentro do homem e o homem o ouve e grita por
Deus. O grito do homem é apenas o eco da voz de Deus que o chama. Tudo isso é gratuito eo poderia
senão ser gratuito porque a gratuidade se faz presente na própria criação do homem chamado à
gratuidade. Assim como no mérito, Deus premia as próprias obras assim é também com o sobrenatural:
ao plenificar a exigência que se faz ouvir em nossa natureza, Deus responde ao seu próprio apelo e
retruca à voz que ele fez gritar dentro do homem” (BOFF, Leonardo. A graça libertadora no mundo.
1993, p. 60-61).
270
LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia teológica. 1998, p.127.
271
“A graça é uma participação na vida divina; introduz-nos na intimidade da vida trinitária. Pelo Batismo, o
cristão tem parte na graça de Cristo, cabeça de seu Corpo” (CaIC 1997).
75
um gênero de vida superior àquele de que é normalmente capaz e conferindo-lhe dons
especiais para adequá-la às exigências da nova vida”
272
. É vocacionada à comunhão divina
em Jesus Cristo, por meio da Igreja que é seu Corpo. Entretanto, o pecado original marcou
para sempre a natureza humana
273
, tornando-a ferida e desarmonizada, com isso: “[...] todo
homem carrega os vestígios no fato de que experimenta muita dificuldade em discernir,
entre tantas moções contrárias, o desejo que jorra verdadeiramente do mais profundo do
seu ser [...]”
274
.
A comunhão com Deus é a realização plena da pessoa humana. “Ser cristão é saber-
se filho amado, filha amada de Deus Pai, irmão/irmã de Jesus Cristo, morada do Espírito
Santo”
275
. Mas, pode alcançá-la por dom de Deus mesmo, por sua graça, que é, acima
de tudo e fundamentalmente, o dom do Espírito Santo que nos santifica e justifica,
ontologicamente e espiritualmente ao nosso redor. Exprimindo metaforicamente: “[...]
poder-se-ia compará-la a um fundo musical ininterrupto, sobre o qual toda existência,
nosso coração como nossa ação, desenrola doce e pacificamente
276
.
A transformação sobrenatural mais radical ocorre na essência da pessoa humana,
realizada por meio da graça habitual (santificante), recebida no batismo (cf.CaIC 1999).
Dessa transformação fundamental brotam as possibilidades por meio das virtudes e dos
dons do Espírito Santo, e as transformações das ões sob o influxo da graça atual
277
.
272
MONDIN, Battista. Antropologia teológica: história, problemas, perspectivas. 1979, p. 255.
273
“Antes do pecado original, a bênção original. Mais que o pecado, a graça” (BINGEMER, Maria Clara L.;
FELLER, Vitor Galdino. Deus-amor: a graça que habitas em nós. 2003, p. 19).
274
LOUF, André. Mais pode a graça. 1997, p. 42.
275
BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus-amor: a graça que habita em nós. 2003,
p.13.
276
LOUF, André. op. cit., p. 36.
277
“Distinguem-se: graça habitual, pela qual nos fazemos semelhantes a Deus e participamos da sua amizade,
é o começo da vida definitiva da glória; e a graça atual, que é uma ajuda ou auxílio de Deus para fazer o
bem” (PEDRO, Aquilino de. Dicionário de termos religiosos e afins. 1993, p. 133).
76
É uma relação de amizade entre a Trindade e a pessoa humana, resultando numa radical
transformação no ser humano e na própria humanidade.
O vocábulo carisma nasce do mesmo radical da palavra graça: charis. “Os
carismas, graças especiais do Espírito Santo, são ordenados à graça santificante e têm
como alvo o bem comum da Igreja” (CaIC 2024). Ou seja, são concedidos a cada um para
a construção e diversificação do Corpo de Cristo (cf. 1Cor 12,4; Ef 4, 1-27). O batizado
precisa inquirir-se, aberto à ação do Espírito Santo, e descobrir quais os talentos, os dons,
as suas qualidades inatas e colocá-los a serviço do povo de Deus, através do acolhimento
específico dum chamado a serviço da Igreja
278
. No discernimento da vocação específica é
fundamental o cultivo da vida na graça e com liberdade
279
, perceber a melhor maneira,
pessoal e eclesial, de viver a santidade.
b) Liberdade: condição necessária
A liberdade é um elemento essencial à natureza e à dignidade do ser humano.
Determina e classifica sua relação com Deus, na qual se manifesta fundamentalmente livre
em seu próprio ser, como sujeito responsável, dotado de poder a fim de decidir sobre seu
278
“O Vat.II, ao ler nos sinais da Igreja de hoje a ação, às vezes impetuosa, do Espírito Santo entre os fiéis de
todas as condições, compreendeu e expressou de forma nova a teologia dos carismas. [...] É fato
indiscutível que, na comunidade apostólica primitiva se manifestam nos cristãos graças particulares
concedidas pelo Espírito Santo para o bem da Igreja: ‘Eram muitos os prodígios e sinais que se faziam
por meio dos apóstolos’ (At 2,43). O próprio Jesus torna os discípulos participantes do poder (exousia)
messiânico (cf. Mc 6,7; Mt 11,27; 28,18); os dons gratuitos não são mais do que participação da
dignidade e do poder de Jesus (Lc 10,16) e dos dons de Cristo (Ef 4,7). A palavra carisma indica no NT
em geral, um dom gratuito (charis=graça), que consiste numa operação do Espírito no crente ordenada à
edificação do ‘corpo de Cristo’, a Igreja, para que seja ‘manifestação’ sensível do Espírito Santo
conforme o caráter de encarnação da Igreja. [...] Deve, discerni-los, reconhecê-los como provenientes do
Doador de todo o bem e empregá-los responsavelmente na construção da Igreja, comunidade de
Salvação” (BARRUFFO, Antonio. Carismáticos. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.).
Dicionário de espiritualidade. 1989, p. 90-91).
279
Cada vocação é original, é fruto da liberdade, é um acontecimento pessoal, único e incomunicável. Tem
como finalidade primeira a humanização da pessoal e o serviço ao reino. [...] A pessoa é convidada a
escutar e receber, colaborar com docilidade. Iniciar-se em Cristo é descobri-lo, é deixar que ele nos
encontre, nos agarre incondicionalmente, é recebê-lo” (SERVIÇO DE ANIMAÇÃO VOCACIONAL. As
Vocações Específicas. Disponível em: < http://www.sav.org.br>. Acesso em: 15 de mar. de 2005).
77
futuro. “A liberdade humana constitui elemento fundamental para o diálogo entre Deus e o
homem, bem como para a intelecção do influxo da graça”
280
. O Cristianismo avançou com
relação aos gregos e aos romanos, onde tinham liberdade somente o cidadão e o homem
livre, contrapondo-se ao escravo, ao estrangeiro e ao bárbaro
281
.
A relação da pessoa humana com a Trindade é de liberdade: livre da escravidão do
pecado (cf. Rm 6,11), da morte (cf. Rm 6, 18-22) e da lei (cf. Gl 4,21-31). A condição é a
em Jesus Cristo, na sua palavra e na perseverança na mesma, porque só o Filho de Deus
pode fazer-nos livres (cf. Jo 6,13-36) e onde está o Espírito do Senhor, não escravidão
(cf. 2 Cor 3,17). A liberdade concedida a todos os filhos de Deus dá-nos uma nova ordem:
a justiça e a pertença. “Deus é liberdade e nos criou para a liberdade. Essa é a nossa
vocação humana. O sentido da nossa vida é construir e conquistar a liberdade”
282
. É liberta
para viver livre (cf. Gl 5,1) e chamada à liberdade (cf. Gl 5,13). Assim constitui o novo
estado do crente, do redimido em Cristo. “São Paulo trabalhou profundamente essa
experiência de autonomia, de liberdade, de independência diante das leis e normas, em
nome da experiência da liberdade em Cristo”
283
.
280
GRINGS, Dadeus. A força de Deus na fraqueza do homem. 1975, p. 91.
281
“Esta atenção privilegiada dispensada à liberdade é o que diferencia o Ocidente moderno das outras
culturas e das diversas épocas do passado. Com efeito o mundo grego sentiu vivamente o valor da
liberdade, mas sempre de modo redutivo [...]. Também o mundo romano, apesar de sua garantia da
liberdade, não conseguiu superar esta perspectiva” (CAMPANINI, Giorgio. Liberdade cristã. In:
FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. 1989, p. 668).
282
COMBLIN, José. Vocação para a liberdade. São Paulo: Paulus, 1998, p.11.
283
LIBANIO, João Batista. Somos criados para a liberdade. Jornal de Opinião, 22 a 28 de nov. de 2004,
p.11.
78
Entretanto, ela o pode representar disposição autônoma e autodeterminação
como ensinavam os pelagianos
284
. Segundo eles, é desnecessário suplicar a Deus a fim de
ajudar-nos a não pecarmos e a agirmos corretamente, inclusive isso levaria à tibieza e ao
relaxamento de nossa parte. Pois, para eles, o pecado original é apenas mau exemplo que é
perfeitamente restaurado, na pessoa humana, através do bom exemplo de Cristo, obediente
ao Pai até morte redentora. O livre arbítrio é constitutivo inerente e próprio da pessoa
humana, criada à imagem e semelhança da Trindade, redimida por Cristo, e lhe permite, na
acolhida do chamado divino, plena liberdade de consentir ou negar, de tal modo que cada
agir seja sempre, totalmente, ato humano, decidido deliberadamente e, ao mesmo tempo,
ato divino. “A graça é simultaneamente o fundamento da liberdade e a condição pela qual
esta chega verdadeiramente a concretizar-se. [...] A liberdade cristã é liberdade de cunho
teológico, e não fenomenológico”
285
.
Essa disposição expressa a vontade humana em viver na graça, no diálogo do filho
confiante que entrega seu próprio ser ao pai
286
. A liberdade, por isso, é essencialmente
abertura a Deus, em Cristo, o qual disse: “A verdade vos libertará” (Jo 8,32). Nele, a
284
“Pelágio tentou reagir, com todo o vigor, à decadência da Igreja. [...] Lançou o princípio, que procurou
incutir a todo o custo nos cristãos: quem quer, pode evitar o pecado. Trata-se pois de fazer esforço,
empenhar-se ativamente para renovar os costumes e melhorar de vida. Diante dos ataques e resistências,
procurou uma fundamentação teológica para sua pregação ascética. Rejeitou a oração de petição. Seu
resultado seria tornar-nos passivos. o devemos esperar que Deus faça, nem sequer pedir que Ele faça
por nós. Nós mesmos devemos agir. [...] Santo Agostinho levantou-se qual gigante, diante do
Pelagianismo. Sustentou árdua luta, demonstrando o valor e a necessidade da graça cristã. O Concílio de
Cartago, no ano de 418, definiu o que significa para os cristãos, o pecado e a graça. Pensamento central é
que, sem a graça, o homem o pode viver humanamente bem” (GRINGS, Dadeus. A força de Deus na
fraqueza do homem. 1975, p. 91).
285
CAMPANINI, Giorgio. Liberdade cristã. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de
espiritualidade. 1989, p. 670-671.
286
“A graça não ilumina apenas a inteligência, fornecendo-lhe a luz da revelação. Não se limita nem mesmo
a mover a vontade na direção do bem e, mais especificamente, na direção da prática do duplo
mandamento do amor. Ela penetra igualmente o campo dos sentimentos. [...] Assim a finalidade da graça
que tem por objetivo fazer a vida divina penetrar em toda a vida pessoal, nas regiões mais obscuras do
sentimento e do subconsciente humano e abri-las para a luz do alto” (GALOT, Jean. Graça. In:
BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.). 2003, p. 462).
79
liberdade é levada à plena possibilidade de realização
287
, e é alcançada verdadeiramente
como dom do Espírito Santo
288
, na vida da graça. O ser humano recebe de Deus um
chamado. Ele aguarda acolhida livre, pois deixa em suas mãos o rumo a seguir. Mas, a
liberdade, mesmo sendo dom é risco, implica responsabilidades de sua parte.
c) Vocações específicas
Na Igreja, povo sacerdotal, profético e régio, temos o primado do princípio comum:
a igualdade fundamental herdada com o Batismo, que constitui a todos membros do povo
de Deus. Em segundo lugar vem a diferenciação, de acordo com a peculiaridade da
pertença de cada um na Igreja, de acordo com a vocação pessoal de cada batizado”
289
. A
diversidade e a pluralidade de carismas, exercidos em comunhão, é sinal de riqueza entre
os membros do Corpo Místico de Cristo. Pois, somos enviados a evangelizar em variadas
funções e de diversas maneiras. “Uns o fazem como ministros hierárquicos, outros como
leigos e outros pela vida consagrada. Todos, complementariamente, construímos o Reino
de Deus na terra”
290
. As vocações específicas, vida leiga, sacerdócio ministerial e vida
consagrada são desdobramento do Batismo, por isso, iguais em valor e em caminho seguro
de santidade.
287
“A liberdade humana sempre é limitada e é tanto maior quanto mais limitado ao pecado estiver o sujeito.
Acertadamente distingue Santo Agostinho, livre arbítrio, que é esta liberdade imperfeita, embora
suficiente para nos fazer responsáveis por nossos atos, e liberdade propriamente dita, que existe quando
nenhuma trava interior condiciona uma opção” (PEDRO, Aquilino de. Dicionário de termos religiosos e
afins. 1996, p. 173).
288
“O dom do Espírito Santo muda radicalmente o coração da pessoa em sua atitude para com Deus e para
com os irmãos ( Rm 8,14-17; Gl 4,4-7). Cria nela uma atitude filial de amor e de confiança para com o
Pai e é fonte de liberdade cristã: a liberdade própria dos filhos de Deus” (GARCIA FERNANDES, Ciro;
JARNE, Fernando Jarne. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética.
2004, p. 545).
289
HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Refletindo sobre a teologia do presbítero. In: CNBB. Vida e
ministério dos presbíteros. 2004, p. 85.
290
CELAM. Conclusões de Puebla: evangelização no presente e no futuro da América Latina. 1987, n. 854.
80
Os cristãos leigos e leigas
291
constituem a maioria do povo de Deus. “Todos os
cristãos o chamados à perfeição da santidade e ao zelo apostólico pelo Reino de Deus.
Ambos estes objetivos podem ser atingidos em qualquer profissão ou situação de vida que
seja eticamente admissível”
292
. Por isso, são convocados e enviados a expressarem, na
sociedade secular, testemunho do Cristo Ressuscitado
293
.
Esse povo é concebido de forma organizada, hierárquica, constituindo-se pessoas
para apascentá-lo, as quais receberam o sacramento da Ordem, com o poder sagrado de
agir na Pessoa de Cristo Cabeça de todo o Corpo Místico
294
. Distinto em graus: diaconado,
presbiterado e episcopado são de instituição divina.
Para apascentar e aumentar sempre o Povo de Deus, Cristo Senhor instituiu na
sua Igreja uma variedade de ministérios que tendem ao bem de todo o Corpo.
Pois os ministros que são revestidos do Sagrado poder servem a seus irmãos para
que todos formem o Povo de Deus e portanto gozam da verdadeira dignidade
cristã, aspirando livre e ordenadamente o mesmo fim, cheguem à salvação” (LG
44).
291
“Na visão popular, comum, cotidiana, corriqueira, o termo ‘leigo’ normalamente indica alguém estranho a
um assunto. [...] Do ponto de vista filológico, a palavra laikósprovem de laos. Tanto no grego profano
como na tradução grega do Antigo Testamento, a Septuaginta, o significado é massa, ou seja, multidão,
agregado social, aglomeração de gente. A isto acrescenta-se uma constatação bastante pejorativa. [...]
Essa mentalidade negativa em torno da vocação e da missão do leigo pode ser superada com a
constatação de que o próprio termo ‘leigo’ é tardio. Os estudos feitos demonstram que a palavra laikós
rarissimamente é encontrada nos autores cristãos anteriores ao século III. [...] Aos poucos, por razões
diversas, especialmente por influência da filosofia platônica, a missão vai sendo concentrada nas mãos
do clero” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações
específicas. 2001, p. 56). “A Exortação Apostólica pós-sinodal Chistifideles laici, do Papa João Paulo II,
sobre a vocação e a missão dos fiéis leigos na Igreja e no mundo, de 1989, evita com cuidado o emprego
substantivado do vocábulo ‘leigo’, e usa sistematicamente a expressão Christifidelis. O latim tem a
vantagem de poder unir duas palavras em uma. O substantivo ‘Chistifidelis’ vem de dois vocábulos:
Christi e fideles (‘fideles’ é plural de ‘fidelis’ = o fiel) e significa literalmente: fiéis em Cristo. [...] O fiel
leigo é definido pela novidade cristã comunicada mediante o sacramento do Batismo [...]. Ainda em
virtude desse mesmo Sacramento, o fiel leigo, agora ‘cristão’, participa do múnus sacerdotal, profético e
real de Jesus Cristo” KLOPPENBURG, Boaventura. O protagonismo dos fiéis leigos. Teocomunicação.
Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 35, n. 148, jun. 2005, p. 261-262).
292
RULLA, L. M. Psicologia do profundo e vocação: a pessoa. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 23.
293
“Todos juntos e cada um na medida das suas possibilidades devem alimentar o mundo com frutos
espirituais (cf. Gl 5,22). Devem difundir no mundo aquele espírito pelo qual o animados os pobres, os
mansos e os pacíficos que o Senhor no Evangelho proclamou Bem-aventurados (cf. Mt 5,3-9). Numa
palavra, o que a alma é no corpo, isto sejam no mundo os cristãos” (LG 38).
294
“Em Cristo, todo o seu Corpo stico está unido ao Pai pelo Espírito Santo, para a salvação de todos os
homens. [...] Portanto, o sacerdócio ministerial torna tangível a ação própria de Cristo Cabeça, e
testemunha que Cristo não se afastou da sua Igreja, mas continua a vivificá-la com seu sacerdócio perene”
(CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório para o ministério e a vida do presbítero. 1994, n. 1).
81
Após o Concílio Vaticano II, houve um despertar da vocação específica ao
diaconato permanente, o qual possibilita a homens celibatários e casados exercerem,
embora não plenamente, o sacramento da Ordem
295
. É, também, uma opção para quem
sente o chamado ao ministério ordenado sem, necessariamente, vincular-se ao carisma do
celibato.
Não como opção intermediária entre sacerdócio ministerial e vida leiga, mas
possuindo carisma específico e chamado peculiar, aquele ou aquela que assume a Vida
Consagrada, arraigado nos três conselhos evangélicos de pobreza, obediência e castidade,
se entrega “todo ele a Deus sumamente amado, de tal modo que por um novo e peculiar
título é ordenado ao serviço de Deus e a Sua honra” (LG 44). É sinal escatológico do reino
de Deus, pois, imita e[...] representa continuamente na Igreja aquela forma de vida que o
Filho de Deus assumiu ao entrar no mundo para fazer a vontade do Pai e propôs aos
discípulos que o seguiam” (LG 44). Com longa tradição na Igreja, ela, semelhante a uma
“árvore frondosa” (LG 43), ramificou-se: Vida Monástica no Oriente e no Ocidente;
Ordem das Virgens; os Eremitas; as Viúvas; Institutos inteiramente dedicados à
Contemplação; Vida Religiosa Apostólica; Institutos Seculares; Sociedades de Vida
Apostólicas. “A perene juventude da Igreja continua a manifestar-se também hoje: nos
últimos decênios depois do Concílio Ecumênico Vaticano II, apareceram formas novas ou
renovadas da Vida Consagrada” (VC 12). Ela é uma peculiar e radical maneira de viver o
Batismo.
295
“O diaconato permanente é o grau do sacramento da Ordem. É de instituição divino-apostólica. É um
grau próprio e permanente da hierarquia da Igreja. [...] É ‘ministério de fronteira’. Exercido por homens
celibatários e casados, o diaconato permanente harmoniza e enriquece a Igreja, mediante estas duas
profecias: o celibato e o matrimônio; um e outro o dons de Deus, pois, como disse o Apóstolo, cada
um recebe de Deus o seu dom particular: um, deste modo (no celibato); outro, daquele modo’ (no
matrimônio) (1 Cor 7,7)” (BRUNETTI, Aury Azelio. Diaconato permanente: visão histórica e situação
atual. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 94-95).
82
Na tradição da Igreja, a profissão Religiosa é considerada como um singular e
fecundo aprofundamento da consagração batismal, visto que nela a união íntima
com Cristo, inaugurada no Batismo, evolui para o dom de uma conformação
expressa e realizada mais perfeitamente, através da profissão dos Conselhos
Evangélicos. Todavia esta nova consagração reveste uma sua peculiaridade
relativamente à primeira, da qual não é uma conseqüência necessária. Na
verdade, todo aquele que foi regenerado em Cristo é chamado a viver, pela força
que lhe vem do dom do Espírito, a castidade própria do seu estado de vida, a
obediência a Deus e a Igreja, e um razoável desapego dos bens materiais, porque
todos o chamados à santidade, que consiste na perfeição da caridade. Mas o
Batismo por si mesmo, não comporta o chamado ao celibato ou à virgindade, a
renúncia à posse dos bens, e a obediência a um superior, na forma exigida pelos
conselhos evangélicos. Portanto, a profissão destes últimos supõe um dom
particular de Deus o concedido a todos como Jesus mesmo sublinha no caso
do celibato voluntário (cf. Mt 19,10-12) (VC 30).
Naquilo que é comum a todos ou no peculiar de cada membro, o sacramento do
Batismo “gera a unidade da dignidade e fomenta as legítimas diversidades. [...] Ajuda-nos
a perceber que todas as pessoas batizadas são chamadas por Deus e enviadas em
missão”
296
. A escolha do estado de vida que realize plenamente quem acolhe o chamado, já
que em todos a santidade é possível, exige discernimento profundo, concebido sob ação da
graça divina na liberdade humana
297
.
296
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. A vocação batismal: fonte da comum dignidade e da legítima
diversidade. Vida Pastoral, jan. fev. 2003 , p. 6.
297
O modo é que está em discussão, não a essência do chamado. Na escolha do meio nunca terei a certeza
absoluta da fé, como no chamado fundamental. Só terei certeza humana, falível, de minha escolha livre.
É por isso que posso errar na escolha do modo, porém nunca na escolha do substancial. E no momento
da escolha, seria conveniente conscientizar o candidato da sua responsabilidade ao fazer sua opção por
aquela forma de vida. O namoro da forma de viver a vida precisa ser lento e sério para evitar frustrações
posteriores” (BAQUERO, Victoriano. Tenho vocação?: orientações metodológicas. São Paulo: Paulinas,
1996, p.14).
83
3 DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE
E FORMAÇÃO PRESBITERAL
A formação presbiteral é um campo vastíssimo e abrangente, em suas várias
dimensões. O objetivo é direcionar o foco para a difícil tarefa do discernimento vocacional,
a partir do que se compreende sobre Teologia da Vocação na Lumen Gentium, no que diz
respeito ao chamado de todos à santidade de vida e a igualdade na dignidade, e no tripé:
formador, casa de formação e formando. No momento do agir, apresentaremos propostas
práticas, oriundas de várias experiências de quem exerce esse ministério, bem como das
orientações eclesiais atuais. Temos inúmeras maneiras de concretizar a formação no Brasil
e é nossa intenção valorizá-las, por isso, não faremos distinção na terminologia, ou seja,
seminarista, pode ser entendido como formando ou vocacionado; seminário, às vezes, é
designado como casa de formação ou comunidade formativa.
84
3.1 O FORMADOR: PEDAGOGO E ACOMPANHANTE
Ele é elemento essencial na arte de plasmar pastores para o povo de Deus
298
.
Todavia, o formador, detentor de carismas ao ministério, deve possuir características
próprias e utilizar pedagogias adequadas ao momento atual: histórico e eclesiológico. Não
deve ser unicamente educador ou um professor bem preparado, mas aquele que
acompanha.
A arte de acompanhar é “[...] uma postura, um modo de localizar-se diante do
outro. A postura do ensino é uma postura de superior; a do acompanhante é muito mais a
de estar ao lado”
299
. Etimologicamente, a denominação formador vem de formar. “A
palavra formar esconde dentro de si forma ou, se quisermos, o termo mais forte ainda
fôrma”
300
; ou seja, é conveniente mudar a expressão nominal, mas não só. É preciso,
também, rever posturas e paradigmas, a fim de que se possa exercer o ministério formativo
eficazmente no acompanhamento de jovens seminaristas, especialmente, na ajuda efetiva
ao discernimento antes de assumir a vocação presbiteral
301
.
Na convivência e, de modo particular, na fecundidade duma relação dialogal, seu
ministério de ouvinte e facilitador concretizam-se. “O diálogo é um meio único para ajudar
298
“Muitas experiências que consideravam dispensável a sua presença durante o caminho formativo,
chegaram a conclusões desastrosas” (MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários
maiores do Brasil: teoria e prática. Curitiba: Vicentina, 2003, p.185).
299
CAZAROTTO, José Luiz. Psicologia do Acompanhamento Espiritual. Vida Pastoral, jan. fev. 2005, p. 3.
300
LIBANIO, João Batista. A Arte de Formar-se. São Paulo: Loyola, 2004, p.11.
301
“O formando tem uma urgente necessidade de ser ajudado a constantemente discernir sua vocação.
Discernir a vocação significa ver com maior clareza possível entre as coisas que não estão claras, o que
está de acordo com a vontade de Deus e o que o está” (FINKLER, Pedro. O formador e a formação.
São Paulo: Paulinas, 1990, p. 39).
85
jovem no discernimento vocacional; portanto é necessária da parte do formador abertura
interior, uma disponibilidade constante e total”
302
.
a) Carisma próprio
Se a vocação específica, qualquer uma, traz no bojo a missão da santidade assumida
a partir de carismas inerentes à pessoa que opta, o formador, igualmente, necessita dessa
condição ao ser designado a esse ministério tão importante na Igreja
303
. Aquele que vai
ajudar a discernir deve possuir dom, talento para esta arte. Experiência e espírito de
liderança, bem como, adequado preparo do próprio formador são necessárias. “Mas o
resultado desse desenvolvimento depende também de alguns dons naturais. [...] Além de
todos os conhecimentos científicos e culturais, sempre algo de uma arte. Da mesma
forma que o artista, também o verdadeiro educador-formador nasce”
304
.
A existência do carisma faz com que inexista o carreirismo, a má vontade, a
indiferença, a irresponsabilidade, a frieza e outras características comuns naquele que
exerce esse ministério vital simplesmente por obediência. “O formador como animador é
chamado de um certo modo a desaparecer, a não ser notado, a não ser o centro, mas ser
aquele que desperta a centralização da formação, ou seja, forma à luz do Bom Pastor”
305
. É
necessário àquele que trabalha na formação carisma para esse ministério
306
.
302
MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.
139.
303
Todavia: “[...] faltam critérios mais sérios para a escolha de formadores. Está se tornando muito comum o
fato de o formando passar, logo após a ordenação, ou até antes, à condição de formador” (CNBB.
Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p.121).
304
FINKLER, Pedro. O formador e a formação. 1990, p. 25.
305
MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.
182.
306
“Deve ter vocação para este serviço, gostando do seu ministério de formador” (CNBB. Metodologia do
processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 124).
86
b) Ministério a serviço do povo de Deus
A formação autêntica é um ministério eclesial, exercido no espírito do Concílio
Ecumênico Vaticano II
307
. O povo de Deus é a imagem conciliar da Igreja por excelência.
Embora o esteja cotidianamente com o povo de Deus, é a seu serviço que o formador
exerce esse ministério de plasmar pastores. “Toda a formação presbiteral tem esse
objetivo; portanto toda a animação deve ter como ponto de referência formar os futuros
sacerdotes a dar a própria vida, como fez Cristo, Bom Pastor”
308
.
Quando falta a espiritualidade de comunhão e a práxis de Igreja povo de Deus,
corre-se o risco de formar presbíteros carreiristas, elitistas, autoritários, pouco
identificados com as ânsias e os sofrimentos das pessoas da comunidade.
Teremos aquilo que Libanio chama de ‘clero do altar’, ou seja, ‘dos sacramentos,
das celebrações, da organização paroquial, bem diferenciado em sua visibilidade,
do que a presença discreta, do diálogo, da animação, da conversa confidencial,
da orientação espiritual, da palavra profética’. [...] Sem isso, termos, sim, muitas
‘vocações’, mas voltadas para a realização pessoal, confundindo a vocação
presbiteral com profissão
309
.
Por isso, projetos pessoais, pontos de vista, concepções particulares, preconceitos
eclesiológicos e experiências formativas oriundas duma formação que não suscita pastores,
é inadequada
310
. O formador deve desempenhar seu trabalho, primeiramente, tendo em
vista formar pastores para o povo de Deus.
307
“O primeiro desafio da formação hoje é, parece-me, levar a sério o Concílio. Antes de sonhar com o
Vaticano III, ou de ceder à tentação de voltar ao Vaticano I, realizemos o Vaticano II” (ANTONIAZZI,
Alberto. A Formação Presbiteral no contexto atual. In: CNBB. Metodologia do processo formativo: a
formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 32).
308
MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003,
p. 181.
309
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Olhar prospectivo sobre a formação presbiteral. In: CNBB.
Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p.180.
310
“Na ausência da Igreja povo de Deus, o seminário tornar-se-á instituição total, seguindo rigorosamente as
normas canônicas, visando apenas a formar ‘profissionais’ que preencham os vazios das necessidades
pastorais. [...] As comunidades, especialmente as mais pobres, pagarão o preço amargo deste tipo de
formação. A caridade pastoral de Jesus deixará de ser critério fundamental, princípio e força do ministério
do presbítero. Passará a valer o tradicional e o arcaico, os pormenores das vestes sacerdotais, o recurso
teatral e a sofisticação do marketing. ‘O sacerdote do encontro pessoal com os fiéis, do convívio inserido
no meio do povo, da vida simples e igual a seus irmãos será minoritário e menos prestigiado. Gozará de
pouca legitimação. Estará fadado a desaparecer, se não conseguir unir-se’ ao clero de ‘batina prateada’.
Sumirá da Igreja o presbítero no estilo de Jesus Cristo” (idem, p. 178-179).
87
c) Competência profissional
As qualidades pessoais, somente, e carismas recebidos não são suficientes a uma
estrutura humana capaz de desempenhar, adequadamente, o ministério da formação
presbiteral. “Se o formador o viver num processo permanente de atualização, corre-se o
risco de perder-se na caminhada”
311
. Para exercer esse ofício, tem de manifestar “[...] a
disponibilidade e o interesse por se formar em todos os níveis: humano, científico,
espiritual...”
312
. Hoje, mais do que antes, o basta boa vontade. É imprescindível àquele
que se dedica ao ministério formativo “[...] inteligência forte, não no sentido coeficiente,
mas de uma inteligência como inquietação, desejo de profundidade, vontade de
compreender, como curiosidade, como capacidade de admirar-se e busca para encontrar a
resposta aos problemas da vida”
313
. Não se deve parar no tempo e no espaço, utilizando
apenas velhas e úteis experiências. É necessário ser competente e atualizado.
d) Empatia nas relações
A eficácia exige que o formador participe da vida dos jovens acompanhados, no
cotidiano, na informalidade, nas relações desarmadas e espontâneas. Deve estar presente
“[...] nos momentos da vida de seminário em que é possível conhecer mais o seminarista
(confraternizações, esporte, trabalho...)”
314
. A proximidade empática, vivida nos inúmeros
momentos informais da casa de formação, possibilitará ao acompanhante conhecer melhor
311
CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 122.
312
FINKLER, Pedro. O formador e a formação. 1990, p. 25.
313
MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.
187.
314
CNBB. op. cit., p. 130.
88
os formandos. assim os compreenderá, de fato, para ajudá-los de forma efetiva no
discernimento
315
.
e) Capacidade para trabalhar em equipe
Formação presbiteral, abrangente e eficaz, tem sua fonte numa equipe coesa e bem
preparada, na qual cada um tem sua função formativa. “Há situações em que se nota a
presença de dois ou três presbíteros que ‘moram’ no seminário. Mas isso é bem diferente
de um trabalho em equipe”
316
. Deve existir convivência solidária, oração conjunta,
reuniões de avaliação e planejamento, momentos de lazer, cultivo de amizades no grupo,
apoio mútuo, partilha de vida, interfortalecimento, enriquecimento formativo, “[...]
complementaridade dos dons e tarefas de cada um de seus membros num espírito de
comunhão fraterna, sendo sinal da comunhão que Cristo viveu com seus discípulos”
317
.
Sem a capacidade de trabalhar em equipe, o formador facilmente reduz os métodos, as
conclusões e as referências a si mesmo ou às suas experiências formativas, não raramente
anacrônicas e inadequadas.
315
Esta é uma atitude muito importante do formador, porque tantas vezes existe o perigo de julgar o outro,
sem entendê-lo. A capacidade de viver a empatia deveria estar presente em cada formador, mesmo se
tantos dizem que para a mulher é mais fácil que para um homem. Apesar disso, não há dúvida que isto é
também fruto de exercícios, de observações constantes, de avaliações sobre si mesmo no modo de
escutar e de compreender o outro. Dois aspectos poderiam ajudar a afinar a compreensão empática: o
modo de perceber a realidade do outro, e isto a tal ponto de entrar no próprio quadro ideológico da
pessoa, e de outro lado exige o componente afetivo, no sentido de não escutar a pessoa somente com o
intelecto, ou seja, somente as situações objetivas que vêm expostas, mas com o sentimento, com o
coração, para compreendê-la a fundo” (MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários
maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.194).
316
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. 2001,
p. 168.
317
CNBB. Formação dos presbíteros da Igreja no Brasil: diretrizes básicas. 1995, n. 90.
89
f) Afetivamente maduro
Maturidade emocional, equilíbrio afetivo e integridade sexual são características
indispensáveis na constituição humana do formador
318
. A liberdade ao discernir fica
perigosamente condicionada, pois, aflui um predomínio “[...] inconsciente inevitável da
disposição íntima do formador sobre o formando, que passa a sofrer uma pressão sobre sua
formação, ainda que inconsciente, da personalidade do formador, talvez mais forte e
decisiva que os incentivos pedagógicos formais”
319
. Além do mais, ser afetivamente
maduro o torna capaz de trabalhar em equipe, o faz apto a uma empatia saudável com os
formandos, a fim de empregar o indispensável instrumento formativo: o amor gratuito,
imparcial e desinteressado. Quando amo com condições, quero dirigir, conduzir, porque
tenho interesses. Isto não ajuda o outro a crescer, a descobrir-se, a ser ele mesmo. Amar de
maneira incondicional exige um bom nível de segurança afetiva”
320
.
g) Pessoa mística
Ao acompanhar, o formador precisa ser um mistagogo: ajudar o formando a
compreender os projetos de Deus, especialmente com relação à sua vocação específica. É
conveniente que sua pedagogia se iguale à mistagogia vocacional
321
. Para isso, ele precisa
cultivar vida de oração profunda e pessoal. Sua presença tem de ser paradigmática, pois,
“[...] o processo formativo passa muito mais pelo testemunho do formador do que por pura
318
“Ser um homem afetivamente maduro representa um aspecto de particular importância, porque a vida
afetiva conturbada, conflitual do formador, será um sério obstáculo para o crescimento do formando”
(MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: 2003, p. 191).
319
FINKLER, Pedro. O formador e a formação. 1990, p. 29.
320
MARMILICZ, André. op. cit., p. 192.
321
“[...] uma autêntica mistagogia, isto é, como um guia de orientação para o mistério: para o mistério da
vida e da identidade, para o mistério da e da vocação” (CENCINI, Amadeo. A História Pessoal,
Morada do Mistério: indicações para o discernimento vocacional. 1999, p. 3).
90
e simples atividade com os jovens seminaristas”
322
. Ele ensina com sua vida orante que:
“Aprender a discernir é saber, é conhecer na insegurança contínua de que está a dialogar
com o Mistério e nunca tem certeza clara de sua transparência”
323
. O Mestre, Jesus de
Nazaré, não apenas ensinava os discípulos a rezarem, ele deu exemplo de vida mística
(cf. Lc 6,12). “O esforço pedagógico do formador resultamais ou menos estéril, se não
conseguir sensibilizar o formando para uma verdadeira disponibilidade para a graça”
324
. E
isso não acontece sem vivência espiritual sólida e constante do formador.
h) O desafio do acompanhamento individual
O formador, cada vez mais, tem de dispor-se a ser um acompanhante, um
pedagogo. “A relação formador-formando tem como objetivo principal a ajudar o jovem
candidato no discernimento da sua vocação [...] através de um acompanhamento pessoal
chegar a tomar a decisão certa para a sua vida”
325
. Ou seja, é necessário que o formador
caminhe junto nas situações concretas, acompanhe todos os passos que são dados. Não
tanto que ensine uma técnica, mas permita a presença das questões centrais da vida. [...] O
sentido da palavra acompanhar é comer o pão com alguém”
326
. Não simplesmente alguém
de fora, ausente, não vive o cotidiano, não convive com os problemas do dia-a-dia da casa
de formação. Se o objetivo final da animação no seminário é formar à luz de Cristo,
Bom Pastor, parece claro que a presença constante do formador é indispensável”
327
.
322
CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 130-131.
323
LIBANIO, João batista. A Arte de Formar-se. 2004, p. 113.
324
FINKLER, Pedro. O formador e a formação. 1990, p. 131.
325
MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.
138-139.
326
CAZAROTTO, José Luiz. Vida Pastoral, jan. fev. 2005, p. 3.
327
MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p. 182.
91
Equilibrando presença e ausência, proximidade e distância. Próximo para compreendê-los
e transmitir-lhes segurança, distante a fim de não tirar-lhes a autonomia e o
protagonismo
328
.
A presença na vida comunitária e o amor incondicional e imparcial são
fundamentais. Todavia, o acompanhamento deverá ser e com prioridade, personalizado
329
.
“Não basta pensar e realizar atividades comunitárias, em grupo. A formação é atividade
que envolve pessoas singulares, únicas. Assim sendo, ou ela é pessoal, de pessoa para
pessoa, ou então nunca existirá”
330
. Os jovens que ingressam nas casas de formação
emergem da sociedade contemporânea
331
. Trazem marcas culturais: “Nas últimas décadas
houve uma inversão e a realidade urbana passou a ser a determinante, penetrando,
inclusive, porosamente no campo”
332
. Além de experiências religiosas diversas,
motivações vocacionais incipientes, vivência familiar insatisfatória ou marcadamente
negativa, influências da modernidade e/ou pós-modernidade. “Este acompanhamento
personalizado torna-se mais urgente quando nos damos conta das profundas e rápidas
mudanças pelas quais o mundo de hoje passa. São muitas as lacunas trazidas pelos jovens.
Não por culpa deles, mas pela complexidade da atual conjuntura”
333
. Com a mudança de
perfil do vocacionado, faz-se necessário adequar a pedagogia formativa.
328
“Deverão ser evitadas duas atitudes opostas: a rigidez, que afasta a pessoa e provoca nela a frustração, e o
exagero – baseado talvez num zelo excessivo – para além dos limites que impõe o ministério sacerdotal e
que requer a dignidade e a liberdade do dirigido” (MERCATALI, Andréa. Padre espiritual (diretor). In:
FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. 1989, p. 877).
329
Cf. BALDISSERA, Deolino P. Acompanhamento personalizado: guia para formadores. São Paulo:
Paulinas, 2002, p. 11-82.
330
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. 2001,
p. 171.
331
“De fato nossos jovens na sua grande maioria atingidos pela pós-modernidade, são desprovidos de força
de vontade e têm dificuldade para abraçar as necessárias renúncias exigidas pelo seguimento de Jesus e
pela vocação presbiteral” (idem, p. 120).
332
CENTRO DE ESTATÍSTICA RELIGIOSA E INVESTIGAÇÕES SOCIAIS. Desafios do Catolicismo na
Cidade: pesquisa em regiões metropolitanas brasileiras. 2002, p. 11.
333
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Olhar prospectivo sobre a formação presbiteral. In: CNBB.
Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 172.
92
Ter acesso à história vocacional, conhecer a comunidade de origem, visitar a
família, estar ao lado em momentos informais e espontâneos tornam a presença efetiva e
afetiva. Abrir-se para auscultar, não apenas a voz do formando, mas seus sentimentos que
muitas vezes permanecem implícitos. “Acompanhar é acolher, é escutar; acompanhar é
participar da estar presente na busca ou desvelamento de um sentido naquilo que se
vive ou procura; acompanhar é caminhar ao lado para confirmar diante do novo”
334
.
Quando professor ou responsável por serviços paroquiais ou diocesanos, o formador deve
priorizar o ministério de acompanhante dos formandos. “Precisamos insistir no princípio
de que o formador deve ser liberado só para a formação, ainda que conte com a ajuda de
equipe de formadores
335
.
O formador não deve decidir pelo formando
336
. Contudo, somente na presença
cotidiana e atenta, tornar-se-á um facilitador de seu discernimento. “Em tudo isso devemos
ser claros no sentido de que o formador é apenas um facilitador, mas não aquele que
deverá tomar a decisão final. Facilitar é ajudar o jovem a perceber os caminhos do Senhor,
e no fim decidir se aquilo que sente é a vontade de Deus a seu respeito”
337
.
334
CAZAROTTO, José Luiz. Vida Pastoral, jan. fev. 2005, p. 8.
335
CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 130-131.
336
“Obviamente, o primeiro responsável e o autor principal do discernimento da vocação é o próprio
candidato, o qual não pode de modo algum chegar à profissão religiosa e galgar a ordenação enquanto
não estiver alcançado a certeza moral de ser chamado. Essa certeza pode ser adquirida com a ajuda de
outra pessoa, mas de toda forma deve ser conquistada pelo próprio indivíduo que não pode, de modo
algum, confiar unicamente na opinião alheia” (PIGNA, Arnaldo. Vocação: teologia e discernimento.o
Paulo: Loyola, 1989, p. 152).
337
MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003,
p. 139.
93
3.2 A CASA DE FORMAÇÃO: COMUNIDADE PEDAGÓGICA
Formadores, que gozem das qualidades elencadas, unidos à equipe formativa
interdisciplinar, devem construir e animar uma comunidade envolta num clima favorável
para o jovem seminarista discernir-se vocacionalmente
338
.
A casa de formação deve propiciar estrutura humana e espiritual, a fim de plasmar
uma cultura de discernimento nas relações experienciadas internamente; “[...] longe de se
reduzir à convivência de um simples grupo de amigos, tem como ideal a realização daquela
comunhão fraterna que é, ao mesmo tempo, sinal e fruto da comunhão com Deus, no Filho,
pelo Espírito”
339
. A pedagogia formativa decorrerá dessa mística. “Se o ambiente é sadio,
bem orientado, vivo, a ação dos educadores é ajudada, acompanhada tornando-se eficaz
pouco a pouco; se o ambiente ‘não sustenta’, a ação dos responsáveis resulta enfraquecida
e destinada à ineficácia”
340
.
O contexto vivencial-formativo é primordial ao buscar-se clareza na acolhida do
chamado, desvelada num ambiente propício ao discernimento. E é o fim específico a
determinar-lhe a fisionomia, ou seja, o acompanhamento vocacional dos futuros sacerdotes
e, portanto, o discernimento de sua vocação, a ajuda para lhe corresponder e a preparação
para receber o sacramento da Ordem [...]” (PDV 61).
338
“Por sua vez, e sobretudo, em nossos dias, o seminário, evitando saudosismos’, superando a idéia de
instituição total, no alargamento de suas fronteiras, em permanente diálogo coma realidade, mais do que
lugar geográfico, define-se pelo seu processo educativo, organiza-se em dinâmica de comunhão e
participação, torna-se, cada vez mais, escola do evangelho (PDV 42)” (MENDES, Vitor Hugo.
1º Seminário nacional sobre formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 12).
339
CNBB. Formação dos presbíteros da Igreja no Brasil: diretrizes básicas. 1995, n. 104.
340
MARMILICZ, And. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p. 94.
94
a) Ambiente de oração e silêncio
É Deus quem chama. Por isso, a comunidade formativa tem de propiciar atmosfera
de comunhão trinitária, na experiência profunda de Deus; cultivada no silêncio fértil e na
oração que é “[...] encontro vivo e pessoal com o Pai pelo Filho unigênito e sob a ação do
Espírito Santo, um diálogo que se faz participação do colóquio filial que Jesus tem com o
Pai” (PDV 47). Ou seja, de forma individual e comunitária, deve-se criar ambiente orante,
“[...] uma continuação, na Igreja, da mesma comunidade apostólica reunida em volta de
Jesus, escutando a sua palavra, caminhando para a experiência da Páscoa, esperando o dom
do espírito para a missão” (PDV 60).
Não autêntico discernimento sem a escuta amorosa daquele que chama,
especialmente através de sua Palavra. A comunidade formativa tem de propiciar, no
incentivo e na própria programação interna da casa, a Lectio Divina, a leitura orante e
meditada da Palavra de Deus, onde com humildade e amor, escuta-se o autor do chamado.
“É de fato, à luz e pela força da Palavra de Deus, que pode ser descoberta, compreendida,
amada e seguida a própria vocação e levada a cabo a própria missão [...]” (PDV 47).
A Palavra conduz, conseqüentemente, à liturgia e à vida sacramental da
comunidade
341
. A Eucaristia cotidiana, a adoração eucarística freqüente, a celebração
periódica do Sacramento da Reconciliação, a vivência duma autêntica espiritualidade
mariana; isso unido a um gradativo aprendizado e exercício da Liturgia das Horas, “[...]
que se deve tornar, desde o tempo de formação, a estrutura que sustenta e vivifica a oração
pessoal e comunitária do padre, em união com a oração de toda a Igreja”
342
, produzirá na
casa de formação um clima espiritual, na qual a vida da graça é alimentada e, assim, torna-
341
“A oração litúrgica, obra de Deus e da Igreja, é dominada e dirigida pelo louvor total e gratuito da Igreja,
é comunhão com a obra criadora e redentora de Deus Pai, por Cristo, na força e no poder do Espírito
Santo” (KUNRATH. Pedro Alberto. Trindade-Eucaristia-Igreja: o Mistério da Comunhão nos escritos
da Max Thurian e Jean-Marie Roger Tillard. 1999, p. 63).
342
CNBB. Formação dos presbíteros na Igreja do Brasil: diretrizes básicas. 1995, n. 128.
95
se possível o acesso, com clareza, à vontade do Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. A vida
do Espírito é como uma semente que precisa de terreno fértil para crescer. Este terreno
fértil inclui não só uma boa disposição interior, mas também um ambiente favorável”
343
.
O pelagianismo, vivaz atualmente, senão em teoria, no método, permeia a
sociedade em geral e nossos ambientes formativos. O homem aprendeu a confiar,
basicamente, em seu potencial e isso gera a convicção de que suas forças humanas
arrombarão a porta desveladora. Contudo, a chave reveladora é o silêncio repleto da
presença de Deus, cultivado de maneira sistemática e profunda
344
. Ele torna possível a
comunhão humano-divina, na qual aquele que pergunta mergulha, o na resposta, mas no
próprio autor do chamado.Num silêncio profundo e criativo encontramos Deus de
maneira que transcende todas as nossas potências do intelecto e da linguagem”
345
. A
comunidade formativa ajudará eficazmente no discernimento, quando instituir pedagogia
“[...] para o valor religioso do silêncio, qual atmosfera espiritual indispensável para se
perceber a presença de Deus e para se deixar conquistar por ela (cf. 1 Rs 19,11-14)” (PDV
47).
Deve-se propiciar momentos de retiros, vigílias, desertos, exercícios espirituais,
práticas de piedade popular
346
. Bem como, uma autêntica vivência comunitária de oração,
no espírito de ascese, esforço, seguimento, caminhada e peregrinar. “Na escola da oração
cristã que de durar por toda a nossa vida, encontramos não poucas dificuldades. O
caminho do cristão passa inevitavelmente pela cruz. o vida de união com Deus sem
343
NOUWEN, Henri. Mosaicos do presente: a vida no espírito. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 90.
344
“O silêncio guarda o calor interior das emoções religiosas. Esse calor interior é a vida do Espírito Santo
dentro de nós. Assim, o silêncio é a disciplina pela qual o fogo interior de Deus é cultivado e mantido
aceso” (NOUWEN, Henri. A Espiritualidade do deserto e o ministério contemporâneo: o caminho da
coração.o Paulo: Loyola, 2001, p. 47-48).
345
MAIN, John. A Palavra que leva ao silêncio. São Paulo: Paulus, 2003, p. 22.
346
Cf. CNBB. Formação dos presbíteros da Igreja no Brasil: diretrizes básicas. 1995, n. 137.
96
renúncia e sem combate espiritual”
347
. A clareza da acolhida pessoal surgirá na intimidade
com aquele que chama, através da oração pessoal, da escuta e meditação da Palavra e no
silêncio fecundo, propiciado cotidianamente na casa de formação.
b) Austeridade de vida e inserção pastoral
A ascese cristã ensina-nos o seguinte: A mística da ‘união divina’ o combina
com frouxidão, mediocridade e lerdeza; não se encontra em pessoas que se contentam com
o mínimo e que são afetadas, amaneiradas e lânguidas”
348
. Por isso, o formando deve ser
desafiado com a inserção pastoral no meio do povo de Deus. “Toda a formação dos
candidatos ao sacerdócio é destinada a dispô-los de modo particular para comungar da
caridade de Cristo, Bom Pastor” (PDV 57). A fim de que, no exercício real do pastoreio,
possa discernir
349
. Sua atividade pastoral, iluminada pelo saber teológico, deve abarcar
vasto e diverso campo de atuação. Porém, o serviço aos empobrecidos
350
tem de ocupar
lugar privilegiado e intransferível em sua formação presbiteral
351
.
A maneira de viver e apresentar-se dos formadores e formandos, bem como o
espaço formativo, deve ser despojado, sóbrio e austero. Em tudo habitação, meios de
347
KLOPPENBURG, Boaventura. Abba: Papai: Deus Padre Eterno. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 134.
348
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Na órbita de Deus: espiritualidade do animador e da animadora
vocacional. São Paulo: Loyola, 2004, p. 58.
349
“No chão pastoral está o humus que torna fecunda a vida e o ministério dos presbíteros, porque é no
terreno do encontro com os outros que reside a condição elementar para superação de qualquer crise”
(BRASIL, Antonio Reges. O presbítero na Igreja e a crise da dimensão sacerdotal do ministério
segundo “Théologie du Sacerdoce” de Gustave Martelet, SJ. 2000, p. 74).
350
“Os corpos dos pobres são critérios de discernimento de toda ética e moral, de qualquer lei e
estabelecimento de ordem” (HOFSTÄTTER, Leandro Otto, A concepção do pecado na teologia da
libertação. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2003, p. 61).
351
“A opção preferencial pelos pobres não por isso apenas uma questão pastoral e uma perspectiva de
reflexão teológica; ela é, também, e em primeiro lugar, uma caminhada espiritual no sentido forte da
expressão” (GUTIÉRREZ, Gustavo. Onde dormirão os pobres. São Paulo: Paulus, 2003, p. 16).
97
transporte, férias etc. o presbítero elimine todo o tipo de requinte e luxo. [...] abraçando
assim a pobreza voluntária, para seguir mais de perto a Cristo”
352
. Aproximando-os do
povo simples e pobre. Evitando-se escândalos sociais, como aburguesamento, ostentação e
opulência
353
.
A comunidade deve ajudar o formando a optar, radical e evangelicamente, pelo
chamado a ser pastor, “[...] de modo que o seminarista se prepare a ser um padre simples e
humilde, acolhedor e fraterno”
354
. Evitando motivações ilusórias como aplausos, status,
vantagens, benefícios, lucros e outros, facilmente criados num ambiente que leva, muitas
vezes de maneira sutil, a conceber-se especial, notável ou fora do comum. Chamado a uma
vocação superior às demais, por isso, merecedor de privilégios ou predestinado a coisas
maiores. Se os estímulos são exteriores equivoca-se, perigosamente, [...] confundindo a
vocação presbiteral com profissão”
355
. Dentre os exemplos de presbíteros encontrados
pelos formandos na prática pastoral, nos finais de semana, nas rias ou nos estágios,
tradicionalista, especialista, light, midiático
356
, administrador, “o padre-pastor, que talvez
seja o modelo mais comum, o que se encontra mais freqüentemente nos ENPs, mais
352
TERRA, João Evangelista Martins. A vida e o ministério do padre. Revista de Cultura Bíblica, 1996,
p. 39.
353
“A pobreza evangélica, no seguimento de Jesus, é, hoje, um sinal particularmente forte do Evangelho e da
opção preferencial da Igreja na América Latina pelos pobres (SD 178b; 296). Aprendam, portanto, os
seminaristas a viver na simplicidade, na austeridade mesmo, na partilha fraterna de seus bens materiais e
espirituais. Estimulem-se práticas de partilha de recursos financeiros, mesmo pequenos, que preparem a
viver a comunhão de bens também no presbitério. [...] Assumam com prioridade o anúncio do Evangelho
a todos, mas muito especialmente aos mais empobrecidos (operários, camponeses, indígenas, grupos
afro-americanos, marginalizados, incluindo a promoção e defesa de sua dignidade humana (DP 711), e
reconhecendo o rosto sofredor de Cristo nos menores, nos doentes, nos velhos e em todos os
empobrecidos (SD 178)” (CNBB. Formação dos presbíteros da Igreja no Brasil: diretrizes básicas.
1195, n. 139).
354
idem, n. 143.
355
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. 2001,
p. 179.
356
Cf. VALLE, Edênio (Org.); BENEDETTI, Luiz Roberto; ANTONIAZZI, Alberto. Padre, você é feliz?:
uma sondagem psicossocial sobre a realização pessoal dos presbíteros do Brasil. São Paulo: Loyola,
2004, p. 123-124.
98
exatamente, o padre caracterizado pelo ativismo pastoral
357
, é paradigmático, porém,
muitas vezes, rejeitado como co-formador.
c) Auxílio perceptivo e cultivo do carisma celibatário
O carisma do celibato, no Novo Testamento e nos Santos Padres, não é intrínseco
ao sacerdócio. Ou seja, “[...] não faz parte da essência da vocação dos ministros ordenados.
[...] A igreja Oriental, seguindo o caminho e a tradição neotestementária, conserva até hoje
o costume de ter padres casados em seu meio”
358
, exercendo validamente o sacerdócio
359
.
Todavia, para o iludir ou frustrar os formandos, durante todo o processo deve-se
evidenciar sua condição indispensável aos presbíteros da Igreja Católica Romana, na qual
ordenar-se-ão: “[...] são obrigados ao celibato, que é um dom especial de Deus, pelo qual
os ministros sagrados podem mais facilmente unir-se a Cristo de coração indiviso e
dedicar-se mais livremente ao serviço de Deus e dos homens” (CIC, cân. 277, § 1).
Primeiramente, o formando deve ser auxiliado na auto-percepção e questionado nas
suas atitudes afetivas que não condizem com a opção celibatária e casta, no campo da
heterosexualidade, da homosexualidade ou do auto-erotismo
360
. Questionar-se e
demonstrar se de fato recebeu o carisma, o dom do celibato. “Ter presente a dimensão
‘carismática’, pessoal, da vocação é muito importante, a fim de evitarmos todas as formas
de imposição e tentativas de ‘direcionamento’ no momento do discernimento
357
idem, p.123.
358
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. 2001,
p. 291-293.
359
Cf. BETTENCOURT, Estevão. Padres casados na república Tcheca. Pergunte e Responderemos, set.
1999, p. 427-428.
360
“A crise de alma do sacerdócio e, por extensão, a crise de alma da Igreja são, em parte, uma crise de
orientação sexual. Mais cedo ou mais tarde, a questão será enfrentada mais objetivamente do que nas
últimas décadas do século XX” (COZZENS, Donald B. A face mutante do sacerdócio: reflexões sobre a
crise de alma do sacerdote. São Paulo: Loyola, 2001, p. 145).
99
vocacional”
361
. Isso faz com que o entusiasmo pelo pastoreio e a vida presbiteral não
venham mascarar a ausência de um dom indispensável, colocando em risco sua fidelidade
e permanência no ministério. “O vocacionado deve ser ajudado a assumir uma escolha de
vida, primeiro, e depois uma forma de atividade pastoral que não se fundamente na busca
da auto-realização, mas no desejo de ‘perder-se’ pelo Reino”
362
. Na ordenação não
acontecerá mágica. É preciso que durante o processo formativo se perceba a capacidade de
abster-se duma vida sexual ativa, por causa do Reino de Deus. E isso não significa
ausência de manifestações da sexualidade
363
. “No seminário, ou seja, no seu programa de
formação, o celibato deve ser apresentado com clareza, sem qualquer ambigüidade e de
modo positivo” (PDV 50).
Igualmente, procure-se extirpar falsas motivações ao celibato, que facilmente ruirão
em meio à avalanche erotizante da hodierna sociedade hedonista, clima com facilidade
sorvido pela juventude, gerando, não raramente, confusão em sua própria identidade
sexual
364
. A presença feminina, de casais e de famílias é valiosa como ajuda humanizante
ao optar-se vocacionalmente, vai-se do teórico ao convívio, do apriori ao visível
365
.
361
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da Vocação: temas fundamentais. 1999, p. 162.
362
MANENTI, Alessandro. Vocação, psicologia e graça. São Paulo: Loyola, 1991, p. 22-23.
363
O homem experimenta o sexual muito mais como a realização do amor” (VAN BAVEL, T. J. O núcleo
da vida religiosa: tensão evangélica, impulso da sociedade. Petrópolis: Vozes, 1978, p. 172).
364
“Quanto à realização entre identidade sexual e identidade vocacional, é sempre necessário recordar que
elementos inconscientes de motivação psicossexual, ligados à identidade, podem condicionar a opção
vocacional, em sentido defensivo (por exemplo, escolher a consagração no celibato para evitar o
confronto com o outro sexo, confronto para o qual a pessoa não se sente suficientemente capaz; abraçar a
vida celibatária para ignorar ou controlar melhor alguma fraqueza sexual) ou em sentido utilitarista (o
celibato consagrado como status que prestígio e provoca admiração social, ou como situação
existencial que permite de algum modo ter relacionamentos interpessoais a partir de uma posição de
superioridade, mas sempre sem se comprometer com ninguém etc.). Nesses casos, é importante descobrir
essas raízes apodrecidas, sinal de uma identidade fraca, e que enfraquecerão também a identidade
vocacional, a fim de se iniciar e levar adiante o caminho de conscientização e libertação com alguém
disponível para esse tipo de trabalho, para purificar e reforçar a sua identidade sexual e corrigir o seu
relacionamento com a identidade vocacional” (CENCICNI, Amedeo. No Amor: liberdade e maturidade
afetiva no celibato consagrado. 1998, p. 123-124).
365
Cf. OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Olhar prospectivo sobre a formação presbiteral. In: CNBB.
Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 170-172.
100
d) Geradora de crescimento integral
A casa de formação desenvolverá a dimensão comunitária, mas também, propicia
crescimento harmonioso nas outras quatro dimensões necessárias à formação: pastoral,
intelectual, espiritual e humano-afetiva (cf. PDV 42). A humano-afetividade, por ser o
fundamento de toda a formação sacerdotal (cf. PDV 43), pois, quando equilibrada e
amadurecida favorece a ação da graça divina, que não a modifica, mas a aperfeiçoa,
merece atenção redobrada, inclusive oferecendo-se assistência psicológica, se necessária.
Não é por na psicologia a explicação vocacional ou a solução de todos os problemas
daquele que acolhe, mas no programa comunitário, “[...] inserir a ajuda psicológica
especializada no processo formativo, fazer acompanhamento individualizado e
acompanhamento psicológico grupal”
366
. Não qualquer ajuda psicológica
367
. Mas
competente, profunda e ampla
368
. Fundada na visão cristã de ser humano, ou seja,
concebendo-o como mistério trinitário. Devendo-se contemplá-lo com humildade e apreço,
pois “[...] encontra comprovação de sua dimensão de profundidade e de respeito do
mistério e se aproxima de tal mistério por intermédio dos acontecimentos mais concretos e
dos processos mais específicos que as observações psicológicas ajudam a identificar”
369
.
Portanto um seminário que seja escola viva do Evangelho, aberto ao mundo,
sensível às aspirações dos nossos povos, promotor do advento do Reino,
comunidade de em constante diálogo coma sociedade e com diferentes
culturas. Nesse sentido, é importante não reduzir o Seminário ao espaço físico
onde ficam os seminaristas, mas ampliá-lo e torná-lo interativo com tantas outras
instâncias e espaços onde diariamente a vida concreta vai acontecendo
370
.
366
CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 139.
367
“Do misticismo desliza-se facilmente para a misficação. A psicologia não ficou imune a esse tipo de
movimento encontrando-se hoje invadida por doutrinas exóticas dos mais variados tipos” (TEIXEIRA,
João de Fernandes. Mente, cérebro e cognição. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 12).
368
“[...] com métodos de abordagem psicológica diferenciados: Eneagrama , ADI e AII” (CNBB. op. cit.,
p. 128).
369
IMODA, Franco. Psicologia e mistério: o desenvolvimento humano. 1996, p. 51.
370
ORGANIZAÇÃO DE SEMINÁRIOS LATINO-AMERICANOS. 26ª Assembléia: o seminário, formador
de pastores para a nova evangelização. Brasília: OSIB, 2000, p. 10.
101
3.3 ACOLHIDA PESSOAL AO CHAMADO
A equipe de formadores e a comunidade formativa o imprescindíveis. Os meios,
divino e humanos, são eficazes. Porém, a acolhida é pessoal, livre, intransferível e vitalícia.
“Um fenômeno triste mesmo é a desistência dos jovens religiosos logo depois de seu
compromisso de consagração perpétua. Parece que não existe mais nesse mundo pós-
moderno um sentido de compromisso por toda a vida”
371
. Em última análise, cabe a ele o
discernimento. “Quanto mais se dá atenção ao formando, mais o método terá de ser
participativo, de co-responsabilidade”
372
. Inserido na vida da graça, orientado por
formadores capacitados e residindo numa comunidade formativa coerente, o formando
assume a missão de autoformar-se. É importante que o vocacionado saiba, desde seu
ingresso no seminário, que ninguém o formará a o ser ele mesmo
373
. Não vem para ser
formado, mas para formar-se. Sua docilidade ao Espírito Santo passa, necessariamente,
pela abertura às orientações de seus formadores, mas ele é o protagonista humano.
a) Projeto pessoal de vida
O projeto de vida orientará o discernimento do protagonista humano na acolhida do
chamado
374
. Construído a partir de referenciais eclesiais e formativos, forjado à luz da
auto-reflexão, “[...] está a indicar o sentido da identidade do formando, de uma série de
valores, convicções e crenças, um modo de ser e de agir, uma particular interpretação da
371
KEARNS, Lourenço. A teologia da vida consagrada. 1999, p. 8.
372
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Olhar prospectivo sobre a formação presbiteral. In: CNBB.
Metodologia do processo formativo: a formação da Igreja no Brasil. 2001, p. 173.
373
“[...] o próprio candidato ao sacerdócio deve ser considerado protagonista necessário e insubstituível de
sua formação: toda e qualquer formação, naturalmente incluindo a sacerdotal, é, no fim de contas, uma
auto formação” (PDV 69).
374
“Um projeto de vida é um verdadeiro mapa da existência. Para chegar ao tesouro é preciso seguir
ordenada e progressivamente as pistas que o apresentadas” (MENDONÇA FILHO, João da Silva.
Projeto de Vida. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 67).
102
relação inter-pessoal e, enfim, a consciência de pertencer a um grupo”
375
. A autoformação
é exigente e comprometedora. Suscita a necessidade de metas claras e meios realizáveis e
mensuráveis. “Sem o projeto a identidade não se mantém. O projeto de vida se apresenta
de acordo com a idade e os objetivos. O seu papel é decisivo, principalmente, durante a
adolescência e a juventude”.
O formando tem de optar por um estilo ao construir seu projeto de vida. Seus
objetivos devem ser flexíveis, aceitáveis, eficazes e concretos. Uma adequada maneira é, a
partir das cinco dimensões fundamentais da formação presbiteral: humano-afetiva,
espiritual, intelectual, comunitária e pastoral, estipula-se, a cada uma, meta bem concreta e
meios facilmente avaliáveis, para alcançar a meta. Isso com tempo razoável estabelecido.
Ao término cronológico, mesmo com o acompanhamento de algum formador, o próprio
formando avalia o desempenho e renova ou constrói novas metas e meios a um novo
projeto de vida. Dias de retiro ou de desertos são propícios para essa tarefa, que deve ser
pessoal e orante.
Compete aos formadores e à comunidade formativa ajudarem na escolha duma
estrutura básica de autoplanejamento
376
.
b) Grupo de vida
Em cada formando habita a Santíssima Trindade, possibilitando que, pelo Filho, no
Espírito Santo, ausculte-se a vontade do Pai. Todavia, “[...] onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20), disse Jesus. Então é válida
375
MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.
162.
376
“[...] que leve em consideração o formando, o seu protagonismo, o seu projeto pessoal, para ajudá-lo no
seu crescimento pessoal, em direção a uma decisão vocacional” (FINKLER, Pedro. O formador e a
formação. 1990, p. 29).
103
a busca em grupo do discernimento pessoal
377
. “Existem, por exemplo, dioceses que têm
grupos de vida, em que os seminaristas se reúnem para uma grande abertura [...]”
378
,
bastando criar ambiente favorável e laços de entreajuda. “No pequeno grupo o formando
consegue ser mais ele mesmo, em uma relação mais verdadeira, mais profunda e real.
Consegue mais facilmente perder o medo de falar, de opinar, de manifestar aquilo que
pensa, aquilo que vive e aquilo que sente”
379
.
Num grupo menor, é possível exercitar a correção fraterna
380
. Experiencia a partilha
e a solidariedade, a sinceridade e a confiança, a abertura e o sigilo que permanecerão após
a ordenação e lhes serão de muita ajuda em possíveis momentos de crise, onde a
probabilidade de abrir-se com um irmão do presbitério é maior. Nele é estimulada a
comunicação ativa, pois cada integrante se sente respeitado, aceito e compreendido; e “[...]
há maior comunicação passiva, pois sendo um grupo homogêneo, é mais fácil que o
indivíduo se sinta tocado pelo que os outros digam ou façam e que aplique isso à sua
própria vida”
381
. Verbalizando aumenta a probabilidade de libertar-se de medos e traumas,
bem como, dúvidas e incertezas com relação à clareza do chamado
382
.
377
Por meio do discernimento espiritual comunitário, os membros de um grupo de vida comprometem-se a
iluminar juntos a situação de um deles [...]” (idem, p. 155).
378
CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 122.
379
MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.
167.
380
“Alguém disse que a correção fraterna é o mandamento evangélico mais desprezado. Realmente, quase
nunca se faz correção fraterna” (CENCINI, Amedeo. Viver reconciliados: aspectos psicológicos. São
Paulo: Paulinas, 1988, p. 151).
381
RUIZ SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. 1996, p. 547.
382
“O grupo de vida do seminário se diferencia substancialmente dos outros grupos, pelo fato de que o
objetivo, as normas, os papéis e as relações conseqüentes têm uma finalidade precisa, isto é, ajudar no
crescimento pessoal e no discernimento vocacional” (MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos
seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p. 172).
104
c) Revisão de vida
Realizada de forma comunitária ou individual é um instrumento eficaz para,
cotidianamente, a partir dum projeto de vida
383
, examinar apurada e sinceramente a
conduta pessoal e o agir comunitário. “Tem como finalidade a purificação em seu sentido
espiritual, a ajuda mútua espiritual, o crescimento da vida comunitária, ou seja, o
conhecimento recíproco, o amor mútuo, a solidariedade com todos, a confiança de uns nos
outros”
384
. Com critérios, a revisão de vida aperfeiçoa a autoformação e o discernimento.
Diariamente, o exame de consciência ajudará na verificação dos avanços ou retrocessos no
caminho da santificação pessoal e será, juntamente com o grupo de vida, valiosa à
orientação espiritual
385
.
d) Leitura espiritual
A Lectio Divina, a meditação cristã e a leitura espiritual diversificada são
instrumentos valiosos a serviço do discernimento pessoal. Deve-se buscar a vasta literatura
que desvela dúvidas e complementa deficiências, além de auscultar aquele que chama na
leitura divina e na meditação. “A leitura espiritual deve ser periódica e freqüente para que
venha a ser verdadeiro alimento do espírito”
386
. A comunidade formativa deve propiciar
atmosfera favorável à leitura, contudo, o formando tem de cultivar e aprimorar o hábito.
383
“Não tem por objetivo descobrir culpas passadas ou distribuir responsabilidades, e sim dar a entender os
fatos para que surja daí uma resposta para o presente e o futuro” (RUIZ SALVADOR, Federico.
Compêndio de teologia espiritual. 1996, p. 550).
384
FINKLER, Pedro. O formador e a formação. 1990, p. 137.
385
“As formas comunitárias de orientação espiritual, a troca de experiência e a revisão de vida são elementos
de ajuda da direção espiritual personalizada” (MORO, Celito. A formação presbiteral em comunhão
para a comunhão: perspectivas para as casas de formação sacerdotal. Aparecida: Santuário, 1977,
p. 356).
386
RUIZ SALVADOR, Federico. op. cit., p. 118.
105
e) Oração pessoal
É fundamental que a comunidade formativa seja ambiente de silêncio e prece.
Todavia, o formando espontânea e gratuitamente deve buscar momentos fecundos de
comunhão e intimidade individual, com aquele que o chama, na oração pessoal
387
.
A graça recebida no Batismo e a convicção da sua onipresença, na criação, e
acessível comunicação conosco torna possível auscultar a Deus em diálogo conosco
388
.
Não ter receio de olhar face a face aquele que é o Amor, por isso chama ao diálogo
amoroso. “A oração é a presença de Deus que dirige a palavra a um homem, a ele
palavras que ele se dirija a Deus, assegurando-lhe que o escuta com interesse”
389
. Mesmo
na aparente esterilidade ou secura, comum no caminho espiritual, a perseverança
produzirá fertilidade. Inclusive, aqueles com profundidade na vida de oração,
“[...]descreverão seus períodos de aridez como infrutíferos – como demasiado espaço
silencioso entre momentos de encontro real. Ficam bem surpresos quando lhes sugiro que
provavelmente suas horas de aridez foram sua melhor oração”
390
. É o diálogo orante,
longamente cultivado na experiência pessoal com Deus, que gera a convicção da opção.
387
“Este modo privilegiado consiste simplesmente em tornar-se capaz de sintonizar a freqüência, se tal
comparação pode aqui ser feita, na qual Deus está operando, a fim de afinar-se com ela e, com
tranqüilidade, nos dispor à sua ação. [...] Para agir, ele não espera que o homem aja primeiro. Pelo
contrário, seu poder, tal qual um furacão, se desencadeia continuamente no universo. Sua atividade está
presente em todo o lugar, mas é o homem que tem dificuldade de captá-la com exatidão. [...] Ser-lhes-ia
preciso deter por vezes o comboio desenfreado de suas atividades, saber fazer uma pausa, depor as armas
e cruzar os braços, para escutar longamente o silêncio de seu coração. É nestes momentos que o agir de
Deus terá alguma chance de emergir e de tomar a iniciativa dentro dele” (LOUF, André. Mais pode a
graça: o acompanhamento espiritual. 1997, p. 220).
388
Agostinho insiste na sua obra sobre a Trindade que a criação é obra de um princípio, de um Deus
[...]. O criador se manifesta à nossa inteligência através de suas obras. É necessário que por meio de
nossa inteligência nos elevemos atém a Trindade [...]” (TEIXEIRA, Evilázio Borges. Imago Trinitatis:
Deus, sabedoria e felicidade: estudo teológico sobre o De Trinitate de Santo Agostinho. 2003, p. 48).
389
RUIZ SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. 1996, p. 329.
390
GREEN, Thomas H. Quando o poço seca: oração depois da fase inicial. o Paulo: Paulinas, 2000,
p. 111-112.
106
f) A crise como discernimento
Discernir é acrisolar. Ou seja, o discernimento vai surgindo em meio às sombras e
luzes, dúvidas e certezas, misturas e purezas. Colocam-se no crisol motivações, impulsos,
tendências e convicções a serem purificadas e testadas. Também a provável vocação tem
de ser, metodicamente, na graça e na liberdade, individual e comunitariamente, por
iniciativa pessoal e dos formadores, acrisolada a fim de gerar pureza suficiente para a
clareza da opção. Isso acontece em meio à dor e à frustração
391
.
Se na caminhada, o formando jamais manifesta situações de crise vocacional, ela
deve ser, com proximidade e empatia, provocada pelo formador ou pela comunidade
formativa
392
. Se não mudar, ficará com mais clareza e convicção na opção. Com abertura,
transparência, sinceridade e, necessariamente, com postura evangélica a situação de crise
será superada. E, geralmente, suscitando mística própria que o fortalecerá frente aos
futuros desafios
393
.
391
“Todo o processo de purificação implica ruptura, divisão e descontinuidade: eis outro sentido que pode ser
dado à palavra crise. Por isso esse processo é também doloroso e assume aspectos dramáticos. Mas é
nessa convulsão que se catalisam as forças e se acrisolam os valores positivos contidos na situação de
crise. De crise vem ainda a palavra critério que é a medida pela qual se pode julgar e distinguir o
autêntico do inautêntico, o bom do mau. [...] Depois de qualquer crise, seja corporal, psíquica, moral,
seja interior e religiosa, o ser humano sai purificado, libertando forças para uma vida mais vigorosa e
cheia de renovado sentido” (BOFF, Leonardo. Crise: oportunidade de crescimento. Campinas: Verus,
2002, p. 24).
392
“Há uma aparência embora pareça ou seja evidente que muitas vezes engana ou, pelo menos, é
incompleta, e não basta para construir, por si só, a própria identidade e o próprio futuro. Essa identidade
seria frouxa, esse futuro seria inconsistente, como frouxos e inconsistentes são os pensamentos de quem
teme o mistério e reduz a vida a um mero silogismo. O jovem deve compreender isso para não correr o
risco de perder tudo logo de saída, utilizando-se de meias ou falsas verdades, ou achando-se o dono da
própria vida” (CENCINI, Amedeo. Redescobrindo o mistério: guia formativo para as decisões
vocacionais. 1999, p. 25).
393
No entanto, surpreende que a mística tanto local como cronologicamente conhece períodos próprios
de florescência, por exemplo, a mística renana, a flamenga e a dominicana do séc. XIV; a mística
carmelitana espanhola do séc. XVI; a mística da escola francesa do séc. XVII; a mística hodierna no
contexto da segunda metade do séc. XX. Com todos os arco-íres místicos entremeados. O que quer que
seja a mística em si mesma, parece ser em todo caso determinada resposta a uma crise ou a um problema
com base em determinado contexto sócio-histórico” (SCHILLEBEECKX, Edward. História humana:
revelação de Deus. São Paulo: Paulus, 1994, p. 95-96).
107
g) Orientação espiritual
O processo de discernimento, assumido de forma pessoal, cultivado e amadurecido
na comunidade formativa, tem na orientação espiritual uma colaboração personalizada e
diferenciada. O acompanhamento espiritual tem por objetivo, inclusive utilizando-se das
ciências humanas, como a psicologia e a pedagogia, facilitar a compreensão do formando à
ação do Espírito Santo. Secundária na denominação: direção, orientação, mistagogia,
diálogo, paternidade, aconselhamento ou acompanhamento é prioritária quanto à
importância no processo formativo. O orientador está ao lado, não para conduzir o
vocacionado como se guia um carro, mas no diálogo a três: o formando, o orientador e o
Espírito Santo. Ambos procuram compreender a iluminação do Espírito sobre a vontade de
Deus.
Até no caso da vocação absolutamente extraordinária de Paulo, o Espírito lhe
ordena que instruir-se junto a Ananias. O próprio Paulo, mesmo depois de ter
subido ao terceiro céu, experimenta a necessidade de ir consultar ‘as colunas da
Igreja’. O processo de identificação, que Paulo VI chama o momento
psicológico-religioso da vocação, é levado avante, diz ele, com a ajuda de um
mestre espiritual, de um amigo entendido nos segredos do coração, porque não é
coisa fácil captar os sinais mais misteriosos do espírito. Infelizmente, hoje em
dia a prática da direção espiritual vem sendo um pouco transcurada e, muitas
vezes, são os próprios sacerdotes que se mostram os menos entusiasmados por
ela. Desta maneira, muitos chamados de Deus passam inadvertidos! [...] Aquele
que sente em si a inquietante solicitação do Espírito de doar-se a uma vida cristã
mais comprometida, sempre pode encontrar nessas pessoas um amigo que o
ajude a discernir por que via Deus o chama. Quando a vocação é autêntica as
duas vozes (Deus e o diretor) logo coincidirão, e a sua harmonia expressará então
uma certeza indizível. Além do mais, semelhante atitude demonstraria uma
presunção que beira a inconsciência e que dificilmente pode conciliar-se com a
sinceridade e a docilidade, as quais supõem a sincera busca e o uso de todos
aqueles meios que o espírito nos põe à disposição para manifestar-nos e fazer
que conheçamos a sua vontade. Tudo isso pode constituir um indício muito
significativo para aqueles que devem julgar o propósito da autenticidade de uma
vocação
394
.
Preparado e designado pela Igreja, possuidor das características inerentes a todo o
formador, o é um confessor, alheio ao cotidiano, ou professor de teologia espiritual,
somente, mas irmão, amigo, acompanhante, confidente, mistagogo. Que convive com o
394
PIGNA, Arnaldo. A vocação: teologia e discernimento. 1989, p. 155-156.
108
formando em momentos formais e informais, planejados e espontâneos, de clareza ou de
crise, não aparece e desaparece com a mesma indiferença e impermeabilidade. Mas é
solidário, comprometido e responsável, inserido no processo formativo. É idôneo e
confiável, especialmente nos assuntos de foro interno, a fim de granjear confiança e
credibilidade
395
.
Necessita, portanto, de um contato pessoal com o Espírito mediante uma vida
sobrenatural verdadeiramente intensa e uma atenção delicada aos sinais dos
tempos. Além do mais, está a serviço do dirigido, que deve conhecer, instruir,
guiar e apoiar na sua decisão. Sem substituir o espírito, deve tornar-se seu
mediador; em vez de substituir o dirigido, para impor-lhe uma decisão sua, deve
ajudá-lo a deliberar e a julgar pessoalmente da autenticidade da vocação. [...]
Para que possa desempenhar com proveito a sua obra, o diretor deve ter pelo
menos três qualidades fundamentais: a capacidade de compreensão, pois o
jovem deve poder dizer: Ele me entende’. A competência, ou seja, a capacidade
de esclarecer os pontos escuros, de abrir horizontes onde indecisão. A
autoridade moral, que não deriva da autoridade jurídica em nossos dias, talvez
inconscientemente, contestada mas da própria personalidade do diretor de
sua ciência, de sua experiência
396
.
O formando tem o direito a um orientador espiritual com quem conviva dia a dia,
por isso conhece-o intimamente, e o dever de deixar-se acompanhar por ele. Tendo sido
formado para essa missão, possuidor desse carisma peculiar, experimentado na vida
sacerdotal e delegado pela Igreja, é a pessoa indicada para se partilhar crises, dúvidas,
projetos, dificuldades e incertezas, com o coração aberto e inquieto por discernir com
clareza.
395
“Se tivéssemos de condensar brevemente o sentido atual e permanente da direção espiritual precisaríamos
repetir o que séculos a Igreja afirma: é o discernimento da vontade de Deus em relação aos homens.
E, se tivéssemos que fazer o mesmo com o padre espiritual, parece que hoje se evidencia mais
significativa sua denominação de homem do conselho, que sabe discernir, junto com seus dirigidos, a
vontade de Deus. [...] Entre tantos outros meios que podem ser utilizados para ver em cada caso a
vontade de Deus e a melhor resposta a ela, é ele a pessoa que ajuda a unificar os fios de tantas vozes
diferentes que chegam ao limiar da consciência” (MERCATALI, Andréa. Padre espiritual (diretor). In:
FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. 1989, p. 878).
396
PIGNA, Arnaldo. A vocação: teologia e discernimento. 1989, p. 157.
109
CONCLUSÃO
Ao concluirmos este trabalho acadêmico, retornamos às indagações iniciais: Em
meio à cultura do descartável e passageiro, como ter clareza ao optar por uma vocação que
deve ser para sempre?
Iniciamos a resposta indo à raiz da Teologia da Vocação, que tem na origem do
chamado a Santíssima Trindade e, na acolhida, a pessoa humana, criada à imagem e
semelhança trinitária. Prosseguimos com a busca dum critério de julgamento. E
descobrimos que a santidade, vivida na Igreja e na sociedade, determina uma vocação
acertada. O Batismo concede dignidade e igualdade a todo o povo de Deus, redescoberta
do Concílio Ecumênico Vaticano II, com a Constituição Dogmática Lumen Gentium. O
discernimento, quanto à vocação específica, é fruto da graça divina e da liberdade humana,
constitui o modo de viver a santidade, o fundamental e determinante é a vocação batismal.
Discernir com clareza é tarefa árdua e exigente. O formando, criado à imagem e
semelhança da Trindade, é templo trinitário pelo Batismo. Contudo, a desarmonia causada
pelo pecado original, perturba a sintonia necessária para se auscultar a voz divina. Por isso,
ele tem de se diligenciar na auto-formação: através dum projeto pessoal, participando dum
grupo de partilha, efetuando cotidianamente a revisão de vida, executando leitura
espiritual, aprofundando a oração pessoal e se deixando aconselhar, com abertura e
sinceridade, pelo orientador espiritual indicado pela Igreja.
110
A pessoa do formador, pedagogo e acompanhante, ao seu lado é imprescindível, a
fim de facilitar o escutar, com clareza, o autor do chamado. Ele, além de carisma próprio a
esse ministério de plasmar pastores, tem de exercê-lo, única e exclusivamente, a serviço do
povo de Deus, buscando competência profissional, mantendo empatia nas relações,
desenvolvendo capacidade para trabalhar em equipe, sendo afetivamente maduro, se
construindo como pessoa mística e aceitando o desafio de exercer o acompanhamento
individual.
Formador e formando, seminarista e acompanhante, vocacionado e pedagogo,
convivem na mesma casa, comunidade ou seminário. A terminologia o é fundamental.
Todavia, o local onde residem, a fim de facilitar o discernimento vocacional, precisa ser
ambiente de oração e silêncio, onde se vive a austeridade e a simplicidade, se exercita o
ser pastor no meio do povo de Deus, se educa à percepção e ao cultivo do carisma
celibatário, ou seja, proporcione amadurecimento integral.
As propostas aventadas não garantem a plena certeza, mas reduzem,
consideravelmente, a probabilidade de engano, pois suscitam condições favoráveis à
clareza no chamado, diante do mistério que é o diálogo entre Deus e a pessoa humana.
111
BIBLIOGRAFIA CITADA
AGOSTINHO DE HIPONA. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1995 (Col. Patrística 7).
______. Quaest. In Hept. 2,73: PL 34,623. In: Compêndio do Vaticano II: constituições,
decretos, declarações. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 133.
ATANÁSIO DE ALEXANDRIA. Ep. 1 ad Serapionem, 28-30: PG 26, 594-595.599. In:
LITURGIA das Horas. Ofício Divino renovado conforme o Decreto do Concílio Vaticano
II e promulgado pelo Papa Paulo VI. Trad. para o Brasil da segunda ed. típica. Petrópolis:
Vozes; São Paulo: Paulinas, Paulus, Ave-Maria, 1995. III v, p. 529-531.
ALTANER, Berthold. Patrología. 2. ed. Madrid (ESP.): Espasa-Calpe, 1949.
AMENDOLA, João. Dicionário italiano português. 4. ed. São Paulo: Hermes, 1990.
ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro de. A condição pós-moderna como desafio à
pastoral popular. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, fasc. 209, p. 98-113, mar.
1993.
ANTONIAZZI, Alberto. A formação presbiteral no contexto atual. In: CONFERÊNCIA
NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Metodologia do processo formativo: a formação
presbiteral da Igreja no Brasil. São Paulo: Paulus, 2001 (Série Estudos da CNBB 83),
p. 21-43.
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