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AS ORAÇÕES RELATIVAS NO PRO ARCHIA DE CÍCERO
Por
Michele Eduarda Brasil de Sá
Mestrado em Letras Clássicas
Dissertação de Mestrado em Língua e
Literatura Latina apresentada à Coordenação dos
Programas de Pós-graduação em Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Orientador: Prof. Dr. Edison Lourenço
Molinari
Rio de Janeiro, 2º. Semestre de 2002.
UFRJ
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SÁ, Michele Eduarda Brasil de. As orões relativas no Pro
Archia
de Cícero. Rio de Janeiro, 2002. Dissertação de
Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da UFRJ.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Prof. Dr. Edison Lourenço Molinari (Orientador) UFRJ
____________________________________________________________
Profª. Drª. Mára Rodrigues Vieira UFRJ
____________________________________________________________
Prof. Dr. Airto Ceolin Montagner UERJ
____________________________________________________________
Profª. Drª. Alice da Silva Cunha (Suplente) UFRJ
____________________________________________________________
Profª. Drª. Vera Lúcia Montenegro Vieira (Suplente) UNICIDADE
Examinada a Dissertação:
Conceito:
Em 19/12/2002.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, que criou a Palavra e tudo o mais através dela.
Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez(João 1.3).
Ao caríssimo Orientador, Prof. Dr. Edison Lourenço Molinari,
e a todos os meus professores de Latim.
Parafraseando Cícero: Vejo que eles têm sido sempre meus guias não somente para
empreender, mas também para continuar estes estudos(Cícero, Pro Archia, 1, 1).
Ao meu amado esposo Ednaldo, presença constante.
Amor não é amor se se altera quando encontra alterões (...).
Oh, não! Mas é um alvo sempre fixo,
Que encara tempestades e nunca se abala.(William Shakespeare)
Aos meus pais e a meu irmão, minha família.
Filho meu, ouve o ensino de teu pai e não deixes a instrução de tua mãe, porque serão
diadema de graça para a tua cabeça e colares para o teu pescoço
(Provérbios de Salomão 1.8, 9).
Aos meus amigos tanto os de longa data, quanto os recém-descobertos.
Em todo tempo ama o amigo, e na angústia se faz o irmão(Prov. de Salomão 17.17).
10
An tu existimas aut suppetere nobis posse, quod
cotidie dicamus in tanta uarietate rerum, nisi animos nostros
doctrina excolamus, aut ferre animos tantam posse
contentionem, nisi eos doctrina eadem relaxemus?
(Pro Archia, 6, 12)
Acaso tu julgas que o que dizemos todos os
dias pode bastar-nos, em tal variedade de coisas, se não
cultivarmos nossos espíritos com o estudo; ou que nossos
espíritos podem suportar tal contenção, se não os aliviarmos
com estes mesmos estudos?
Quod si ipsi haec nec attingere neque sensu
nostro gustare possemus, tamen ea mirari deberemus, etiam
cum in aliis uideremus.
(Pro Archia, 8, 17)
E se s mesmos não pudéssemos compreender
estas coisas, nem apreciá-las com nosso sentido, contudo
deveríamos admirá-las mesmo quando as víssemos em
outros.
11
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO..........................................................................................................7
2. O DISCURSO PRO ARCHIA, DE MARCO TÚLIO CÍCERO.................................9
3. AS ORAÇÕES RELATIVAS NO PRO ARCHIA....................................................13
3.1. A oração subordinada a oração subordinada relativa......................................13
3.1.1. Como pode ser ela introduzida................................................................14
3.1.2. Elipse do antecedente..............................................................................16
3.1.3. Pronome relativo em abertura de período...............................................17
3.1.4. Constituição das orões relativas.........................................................18
3.1.5. Modos do verbo na oração relativa........................................................21
3.1.6. A posição da oração relativa..................................................................33
3.1.7. Dificuldades na tradução de orões relativas.......................................37
3.1.8. Pronomes relativos no lugar de demonstrativos....................................39
3.1.9. Concordância dos pronomes relativos...................................................40
3.2. Função das orões relativas no discurso..........................................................42
3.2.1. Orões relativas propriamente adjetivas...............................................43
3.2.2. Orões relativas de valor adverbial.......................................................45
3.2.3. Orões relativas de valor substantivo....................................................57
3.2.4. Anáforas...................................................................................................58
3.3. Advérbios e conjunções formados a partir de pronomes relativos.....................60
4. CONCLUSÃO..........................................................................................................65
5. BIBLIOGRAFIA......................................................................................................67
6. NOTAS.....................................................................................................................70
12
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar a estrutura sintática do latim no que diz
respeito às orões relativas, sua natureza e suas funções no discurso, abordando aspectos
pertinentes, tais como o uso dos modos neste tipo de oração, a substituição de pronomes
demonstrativos por relativos, as dificuldades que a tradução destas orões pode oferecer,
alguns dos muitos advérbios e conjunções formados a partir de pronomes relativos, entre
outros, tomando como corpus o discurso Pro Archia, de Marco Túlio Cícero.
Escolhemos este autor não só por ser de nossa preferência pessoal, mas também por
ser o modelo de prosa latina clássica. A escolha deste discurso deve-se ao fato de ser ele
abundante em exemplos de orões relativas e também por ser diferente, dado o contexto
em que está inserido, dos demais discursos do maior orador de todos os tempos o Pro
Archia é o elogio das letras feito da melhor maneira, nascido da depuração e da arte delas
mesmas. Neste estudo, utilizamos o texto crítico da Société dÉditions Les Belles-Lettres,
constante da bibliografia.
Embora tenhamos buscado ilustrar nossa pesquisa somente com exemplos
encontrados no discurso selecionado, tivemos que lançar mão de alguns outros discursos,
do mesmo autor, para sustentar algumas de nossas demonstrões, devido à ausência de
exemplos adequados para situões específicas.
Inicialmente faremos a apresentação do discurso proposto, situando-o no contexto
cultural romano que levou Cícero a pronunciá-lo, resumindo em seguida seu conteúdo,
desde o exórdio até a peroração. A seguir, estudaremos as orões relativas, aliando a teoria
à prática: enquanto buscamos a fundamentação teórica, ilustramo-la com exemplos. Dos
livros citados na bibliografia, serviram de fundamentação teórica principalmente a Syntaxis
13
latina, de Mariano Bassols de Climent, a Syntaxe latine, de Alfred Ernout e François
Thomas, e o Traité de stylistique appliquée au latin, de Jules Marouzeau.
Por fim, demonstraremos o papel importante das orões relativas no discurso, dadas
as funções que podem desempenhar, sendo elas de valor adjetivo, substantivo e adverbial
este último ainda subdividido em valor final, causal, concessivo/adversativo, condicional,
consecutivo e restritivo.
14
2. O DISCURSO PRO ARCHIA, DE MARCO TÚLIO CÍCERO
Proferido em 62 a.C., o discurso em favor do poeta Árquias é um dos mais
conhecidos de Cícero, embora seja diferente de outros discursos seus em muitos aspectos.
O que mais chama a nossa atenção é o fato de ser um discurso sem projeção política maior,
se comparado às In Catilinam Orationes Quattuor (as famosas Catilinárias) ou às
Philippicae (as Filípicas, proferidas contra o general Marco Antônio num momento
crucial da história de Roma).
Por causa da lei Pápia, que condenava ao exílio todo estrangeiro que estivesse
usufruindo indevidamente de direitos inerentes a cidadãos de Roma, o poeta Aulo Licínio
Árquias, grego de nascimento, foi processado por um homem chamado Grátio (Grattius),
que o acusava de não possuir cidadania romana. Ora, Árquias tinha lá os seus protetores, e
o próprio Cícero havia com ele aprendido alguma coisa (pelo menos é isso que o maior
orador de todos os tempos nos diz logo no exórdio). Sendo uma situação tão particular e
havendo outros que pudessem tomar as rédeas deste empreendimento, por que justamente
Cícero assumiria uma tarefa tão desdenhável, tão pequena diante dos perigos da República?
Félix Gaffiot, em sua Introdução à edição bilíngüe do Pro Archia da Société
dÉditions Les Belles Lettres, por s adotada, diz o seguinte:
Le Pro Archia est bien un Pro Cicerone, mais il
est par-dessus tout une profession de foi politique.
1
O Pro Archia é na verdade um Pro Cicerone,
mas é sobretudo uma profissão de fé política.
15
Sem dúvida, por mais que Cícero admirasse ou estimasse Licínio Árquias ou quem
quer que fosse jamais correria em sua defesa gratuitamente. Os favores políticos” com
os quais geralmente se retribuía tal apoio não eram imprescindíveis para Cícero – pelo
menos não naquele momento de sua carreira e nem seria possível obtê-los do próprio
Árquias, mas talvez de um de seus patrocinadores. Cícero defendeu Árquias por causa de si
mesmo.
Diz-se que um provável motivo para que Cícero se empenhasse tanto em tal empresa
seria o fato de desejar que o poeta Árquias compusesse para ele um grandioso poema,
esperando ser cantado pela posteridade. Contudo, Cícero não precisou disto para ser
conhecido nem reconhecido. Sua fama bem como seu orgulho e seu amor ao poder, que
ele disfarçava sob o nome de “amor à República” ultrapassou barreiras de espo e
tempo.
Um ano antes do Pro Archia, Cícero era cônsul e derrotava a Conjuração de Catilina.
Supomos que gozava da simpatia de grande parte dos que compunham o júri. Quanto aos
demais que estavam presentes, cremos que fossem, em sua maioria, amigos de Árquias
que também acolheriam o que Cícero dissesse a favor do poeta. Num auditório assim,
discursar é fácil. O orador não precisaria se esmerar tanto pela captatio beneuolentiae.
Sendo assim, cremos que não foi pelo simples desafioque Cícero se diss a cumprir
este encargo.
Uma causa praticamente ganha seria exatamente aquilo de que Cícero precisava:
muito mais do que garantir ao poeta Árquias o exercício do seu direito, vemos Cícero
fortalecer sua própria imagem diante daquele grupo. Com efeito, na política, construir uma
boa imagem é fundamental. Proteger o interesse coletivo e também socorrer um único
injustiçado, eis o que todo grande der deveria fazer. Cícero queria ser cônsul de novo, e
faria qualquer coisa para não desaparecer do cenário político, para não ser esquecido pela
maioria e, mais ainda, para ser sempre lembrado como um estadista vitorioso.
16
O Pro Archia (na verdade, um Pro Cicerone, como diz Gaffiot) é um discurso dos
mais bem elaborados. Em nosso trabalho, deter-nos-emos no estudo das orões relativas
constantes do texto, sem as quais muito da elegância e da eloqüência se dissolveria, como
demonstraremos em seu decurso.
Antes, porém, de introduzirmos o assunto, gostaríamos de apresentar brevemente o
plano do discurso Pro Archia
2
, como segue:
Erdio (§§ 1-3): Cícero começa explicando por que resolveu assumir a defesa de
Licínio Árquias de fato, isto deveria parecer estranho também aos seus contemporâneos.
Todavia, nunca saberemos se Cícero realmente deveu tanto de seu aprendizado a Licínio
Árquias como ele quer fazer crer. Desculpando-se por pronunciar um discurso fora da
rotina de um tribunal, Cícero expressa sua certeza de agradar os ouvintes, que são cultos e
amantes da arte (captatio beneuolentiae).
Proposição e divisão (§ 4): Cícero afirma que Árquias é cidadão romano e pretende
demonstrar que, se não o fosse, deveria ser-lhe atribuído o direito de cidadania.
Narração (§§ 4-7): Temos aqui uma breve biografia de Árquias, antes e depois de
sua chegada a Roma, inclusive a sua obtenção do direito de cidadania romana de acordo
com a lei Plautia Papiria. Todos os fatos são narrados de maneira direta e aparentemente
indiscuvel.
Confirmação e refutação de ordem jurídica (§§8-11): Cícero menciona a presença
de testemunhas (M. Luculo e os enviados de Heracléia); alega que Árquias tinha estado no
exército com o general L. Luculo, que tinha feito testamento e também herdado de cidadãos
romanos, pelo que teve seu nome registrado no tesouro.
17
Confirmação de ordem extra-jurídica (§§ 12-30): Introduzindo uma pergunta
como se ela tivesse partido de seu opositorGrátio, Cícero desenvolve a parte mais
importante de seu discurso em diferentes etapas:
a. Os estudos de maneira geral Mesmo não sendo capazes de nos entregarmos a tais
estudos, devemos admirá-los em outros (referindo-se diretamente a Árquias e,
indiretamente, ao próprio Cícero).
b. O talento de Árquias Grande poeta e improvisador, deveria ser, como todos os
poetas, considerado sagrado. Muitas cidades disputavam entre si a fama de terem sido a
pátria de Homero, por exemplo. Se assim estas cidades o faziam as sua morte, não seria
razoável que os romanos rejeitassem Árquias, muito menos sendo ele ainda vivo.
c. Árquias emprega seu talento ao louvor das glórias de Roma Quando Árquias
celebra Luculo por seu desempenho na guerra contra Mitridates, por exemplo, ao mesmo
tempo celebra Roma e suas vitórias. Ora, Ênio tinha recebido o título de cidadão romano
por ter glorificado Roma através dos nomes de Catão, de Marcelo, de Fúlvio, entre outros.
d. O poeta, ao cantar a glória de Roma, serve de estímulo para os que por ela lutam.
e. O amor pela glória e pela fama reside nos corões de todos os homens O desejo
da fama é, na verdade, o desejo da imortalidade.
Peroração (§§ 31-32): Breve apelo aos juízes, demonstrando a certeza da causa
ganha.
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3. AS ORAÇÕES RELATIVAS NO PRO ARCHIA
3.1. A oração subordinada a oração subordinada relativa
Diferentemente das orões coordenadas (orões independentes, às vezes
justapostas, outras vezes unidas por uma conjunção), as orões subordinadas são assim
denominadas por dependerem de outra oração, chamada principal. Estas, na verdade, são
posteriores àquelas, dada a sua complexidade. Antes, ocorria a parataxe (predonio da
coordenação), mas a dinâmica natural da ngua fez surgir a hipotaxe (predominância da
subordinação).
Entende-se por hipotaxe “a construção sintática em que uma oração determinante, e
pois subordinada, se articula com outra, determinada por ela e principal em relação a ela”,
em oposição à parataxe, “construção em que os termos se ordenam numa seência e não
ficam conjugados num sintagma”. Temos, então, que a coordenação refere-se à parataxe e a
subordinação, por sua vez, à hipotaxe.
3
Tradicionalmente, podemos dividir as orões subordinadas em:
a. Orações completivas, que são, na verdade, complemento indispensável ao sentido
da oração principal sua função é, essencialmente, a de objeto ou de sujeito do
verbo da oração principal;
b. Orações relativas, objeto de nosso presente estudo;
c. Orações circunstanciais ou adverbiais, assim denominadas por desempenharem a
função de um adjunto adverbial (denotando as circunstâncias de fim, de causa, de
conseência, de concessão, de tempo, de comparação e de condição).
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A oração subordinada relativa “prende-se, em princípio, a um substantivo (ou um
equivalente) chamado antecedente.
4
Muito há para se discutir, porém, em torno desta vaga definição. Logo de início,
devemos esclarecer que o termo “antecedente”, embora consagrado, não é o mais
apropriado, uma vez que há casos em que o dito “antecedente” virá as o pronome
relativo, e não antes, como se deveria supor. Além disso, por causa dos termos
“antecedente” e “pronome relativo, a primeira impressão que temos é a de que as orões
subordinadas relativas do latim correspondem às orões subordinadas adjetivas do
português, mas uma análise mais profunda do assunto revelará que tal correspondência não
é absoluta. A oração subordinada relativa pode ter muitas vezes valor circunstancial ou
adverbial, como demonstraremos no curso do presente trabalho.
3.1.1. Como pode ser ela introduzida
A oração subordinada relativa pode ser introduzida:
a. por um pronome relativo (qui, quae, quod);
...huius
... praeceptisque conformata ... , a QUO id accepimus, QUO ceteris opitulari
et alios seruare possumus... (1, 1)
(... modelada pelos ensinamentos dele... de quem recebemos isto, com o que
podemos preservar outros e auxiliar os restantes...)
An uero tam parui animi uideamur esse omnes, QUI in republica atque in his uitae
periculis laboribusque uersamur... (12, 30)
(Porventura todos (s), que nos ocupamos na república e em seus perigos e nos
trabalhos da vida, parecemos ser de ânimo tão pequeno...)
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b. por um advérbio relativo de lugar (unde, ubi, quo, qua);
...Catilina, perge QUO coepisti... (Cícero, Catilinárias
, I, 5, 10)
(...ó Catilina, prossegue por onde começaste...)
c. por um pronome relativo indefinido (quicumque, quantuscumque, quisquis,
ubicumque etc);
... oratio
et facultas, QUAE, QUANTACUMQUE est in me, numquam amicorum
periculis defuit. (6, 13)
(... o discurso e a habilidade oratória, a qual, tal como existe em mim, nunca faltou
nas dificuldades dos amigos.)
d. por um adjetivo relativo ou advérbio de quantidade ou de comparação, chamado
correlativo (qualis, quantus, quot, quam, quantum, utereste último, com sentido de “qual
dos dois que”).
Si quid est in me ingenii, iudices, quod sentio QUAM sit exiguum... (1,1)
(Se há algum talento em mim, juízes, pois sei quão exíguo ele é...)
QUAM multas imagines ... expressas scriptores... reliquerunt! (6, 14)
(Quão numerosas imagens os escritores deixaram expressas!)
Geralmente estes adjetivos relativos têm correlativos de tema *to- (sendo eles de
tema *kwo-), tais como tot...quot, tam...quam, talis... qualis, tantus...quantus, entre outros.
A respeito dos advérbios relativos de lugar quo e qua, citados no item b, devemos
dizer que eles são, na verdade, oriundos de pronomes relativos. São o próprio pronome
relativo em ablativo, tomados adverbialmente: quo, para onde”, “aonde”, poderia ser
21
compreendido como um ablativo-locativo, ao passo que qua, por onde”, poderia ser
considerado um ablativo de meio, significando o lugar por onde”.
5
3.1.2. Elipse do antecedente
O demonstrativo “antecedente” pode ser omitido:
a. principalmente quando deveria estar no mesmo caso que o relativo;
b. mas também quando o caso for diferente;
c. e também mesmo quando uma preposição anterior ao demonstrativo é
subentendida. (demonstrativo contido em outro demonstrativo: um emprego irregular com
o substantivo numerus
6
: ex eo numero qui fecerunt= ex numero eorum qui ...)
A elipse do antecedente é um caso raro, quando o antecedente é um substantivo; e
muito comum quando o antecedente é um pronome anafórico, ainda mais quando
antecedente e pronome relativo se encontram no mesmo caso. Por outro lado, às vezes o
antecedente vem a ser repetido na oração relativa (o que, se entendermos que tem por
finalidade evitar ambigüidade, logo compreenderemos, dada a sua freência
especialmente em textos de caráter jurídico).
São exemplos de elipse do antecedente no mesmo caso:
... eum non solum colebant (illi
) QUI aliquid percipere atque audire studebant,
uerum etiam si QUI forte simulabant. (3, 6)
(... não só respeitavam-no os que buscavam colher e ouvir algo, mas também os
que porventura fingiam fazê-lo.)
22
... sed tamen est certum (illud) QUOD respondeam.(7, 15)
(... mas também é certo (aquilo) que responderei.)
(Ille
) QUI sedulitatem mali poetae duxerit aliquo tamen praemio dignam,... (10,25)
((Aquele) que, porém, julgou o empenho de um mau poeta digno de algum prêmio...)
Um exemplo de elipse do antecedente em casos diferentes:
Data est ciuitas Siluani lege et Carbonis, si (illis
) QUI foederatis ciuitatibus
adscripti fuissent... (4, 7)
(Foi dada cidadania pela lei de Silvano e Carbão àqueles que tivessem sido
registrados nas cidades federadas...)
O pronome antecedente do relativo geralmente é suprimido, mesmo quando deveria
estar flexionado em caso diferente.
3.1.3. Pronome relativo em abertura de período
É comum em latim e, devemos dizer, nos discursos de Cícero, também vir o
pronome relativo em início de período, podendo haver a elipse do antecedente, ou estando
ele no período anterior, ou no posterior, ou ainda dentro da oração relativa (vide item
3.1.1.4., que trata da posição da oração relativa).
Os pronomes relativos, bem como as conjunções, que Marouzeau
7
denomina
subordonnants, a princípio ocupavam um plano secundário na frase. A partir da época
clássica, passam a um lugar de maior relevo, especialmente na prosa, ocupando a posição
inicial. Exemplos:
23
QUOD si mihi a uobis tribui concedique sentiam, perficiam... profecto ut hunc A.
Licinium non modo non segregandum, cum sit ciuis, a numero ciuium, uerum etiam, si non
esset, putetis asciscendum fuisse. (3, 4)
(E, se eu sentir que me é por s permitido e concedido, certamente farei, para que
julgueis que este A. Licínio não só não deve ser excluído do número de cidadãos, porque
ele é um cidadão, mas também que deveria ser incluído se não o fosse.)
...(Ille
) QUI ... uidebatur omnino mori non debuisse. (8, 17)
(... (Aquele) que parecia que não devia ter morrido completamente.)
Sulla... hunc
petentem repudiasset! QUEM nos in contione uidemus... (10, 25)
(Sila... teria repudiado este que pede (a cidadania)! O qual s vemos na
assembléia...)
Quam multas imagines
... expressas scriptores... reliquerunt! QUAS ego mihi semper
in administranda republica proponens animum et mentem meam ipsa cogitatione hominum
excellentium conformabam. (6, 14)
(Quão numerosas imagens os escritores deixaram expressas! Colocando-as sempre
diante de mim na administração da república, eu modelava o caráter e a inteligência com o
próprio pensamento de homens inteligentes.)
Percebe-se que tal fato se dá com a finalidade de causar impacto, remeter os ouvintes
(ou leitores) a uma idéia antes enunciada, ou ainda esclarecer algo que não tenha sido dito
de maneira própria, no sentir do orador/locutor/escritor.
24
3.1.4. Constituição das orões relativas
Temos, em latim, orões relativas propriamente adjetivas que, por sua atuação
análoga a um adjetivo ou particípio, são as que atribuem a um substantivo uma determinada
qualidade. Vejamos algumas orões:
... si res
eae QUAS gessimus orbis terrae regionibus definiuntur... (10, 23)
(... si res eae gestae orbis terrae regionibus definiuntur...)
(... se estas coisas que realizamos são delimitadas pelas regiões do globo
terrestre...”= “...se estas coisas realizadas são delimitadas...)
Etenim omnes
artes, QUAE ad humanitatem pertinent... (1, 2)
( Etenim omnes artes pertinentes ad humanitatem...)
(Na verdade todas as artes, que pertencem à natureza humana...” = “...pertencentes
à natureza humana...)
A Q. Metello
Pio, familiarissimo suo, QUI ciuitate multos donauit, neque per se neque
per Lucullos impetrauisset? (10, 26)
(A Q. Metello Pio, familiarissimo suo, donato ciuitate multos...)
(Não o teria obtido por si nem pelos Luculos de Quinto Metelo Pio, seu amigo
muito íntimo, que a muitos concedeu a cidadania?)
As orões relativas são menos limitadas que os adjetivos e/ou particípios uma
peculiaridade que torna tais construções mais complexas: elas podem ser substantivadas ou
ainda adverbializadas daí elas não poderem ser consideradas integralmente em seu
conceito como as orões adjetivas do português. Na verdade, a expansão da subordinada
relativa justifica-se exatamente pela escassez de particípios verbais em latim.
25
Temos a substantivação da oração relativa, quando o antecedente for desconhecido.
Geralmente seu antecedente é is, um pronome demonstrativo ou algum dos pronomes
indefinidos aliquis, nemo etc., ou numerais, tais como omnes, pauci, multi etc. Tratando-se
de is, isto ocorre porque o latim não conservou, para o pronome relativo (*kwo-), o
correlativo de tema *to-, como vemos em adjetivos relativos do tipo tot...quot, tam...quam,
citados anteriormente, entre outros.
Observem-se os exemplos abaixo:
Itaque hunc et Tarentini
et Regini et Neapolitani ciuitate ceterisque praemiis
donarunt et omnes
, QUI aliquid de ingeniis poterant iudicare... (3, 5)
(Assim tanto os Tarentinos como os Reginos e os Napolitanos presentearam-no com
a cidadania e outros prêmios, e todos, que podiam julgar algo a respeito dos talentos...)
Neste primeiro exemplo, a oração relativa poderia ser compreendida como sujeito do
verbo da oração principal:
QUI aliquid de ingeniis poterant iudicare donarunt hunc ciuitate ceterisque
praemiis...
(Os que podiam julgar algo a respeito dos talentos presentearam-no com a cidadania
e outros prêmios...)
Observemos o próximo exemplo:
Est ridiculum ad ea
, QUAE uidemus, nihil dicere, quaerere (ea) QUAE habere non
possumus.. (4, 8)
(É ridículo nada responder a estas coisas, que vemos, e buscar as que não podemos
ter.)
26
Vemos que as duas orões relativas que nele figuram poderiam ser compreendidas
como objeto indireto (expresso por ad e acusativo, e não por dativo, por necessidade de
clareza do trecho) e objeto direto, respectivamente:
Est ridiculum ad QUAS uidemus nihil dicere...
(É ridículo nada dizer ao que vemos...)
(Est ridiculum) quaerere QUAS habere non possumus...
(É ridículo buscar o que não podemos ter...)
Temos a adverbialização da oração relativa quando ela introduzir noções geralmente
expressas por orões adverbiais tempo, causa, finalidade etc. Para melhor
compreendermos isto, precisamos estudar os modos dos verbos nas orões relativas.
3.1.5. Modos do verbo na oração relativa
De maneira geral, podemos dizer que, quando a oração relativa tem seu verbo no
subjuntivo, ela equivale a um adjunto adverbial (oração relativa de valor adverbial). Mas
devemos ter em mente também que, mesmo com valor adverbial, às vezes encontramos o
verbo no modo indicativo. De acordo com Bassols
8
, temos o esquema seguinte para a
aplicação dos modos do verbo nas orões relativas:
a. oração relativa com valor adjetivo ou substantivo – modo indicativo
b. oração relativa com valor adverbial modo subjuntivo na maioria das vezes
c. sempre com subjuntivo – valor final
d. sempre vacilantes – valor consecutivo, concessivo, condicional
e. anteriormente com indicativo, a partir do período clássico com subjuntivo – valor
temporal e causal
27
Vejamos estas diferentes nuances com exemplos:
A. Valor substantivo:
QUI sedulitatem mali poetae duxerit aliquo tamen praemio dignam, huius ingenium
et uirtutem in scribendo et copiam non expetisset? (10, 25)
(Quem, porém, julgou o empenho de um mau poeta digno de algum prêmio, não
teria cobiçado o talento deste e a virtude e a abundância em escrever?)
Nesta frase, a oração relativa desempenharia, na verdade, o papel de sujeito da oração
principal, no que reconhecemos seu valor substantivo. Além disso, uma evidência ainda
mais forte que a primeira, há o fato de podermos substituir a oração relativa por um
substantivo, assim:
Sulla tamen huius ingenium et uirtutem in scribendo et copiam non expetisset?
(10, 25)
(Sila, porém, não teria cobiçado o talento deste e a virtude e a abundância em
escrever?)
Quando a oração relativa desempenhar o papel de sujeito de uma oração infinitiva,
s poderemos substituí-lo por um substantivo ou pronome demonstrativo. Observemos:
An tu existimas ... suppetere nobis posse, QUOD cotidie dicamus in tanta uarietate
rerum...? (6, 12)
(Acaso tu julgas que o que dizemos todos os dias pode bastar-nos, em tal variedade
de coisas...?)
An tu existimas ... suppetere nobis posse hoc
in tanta uarietate rerum...? (6, 12)
(Acaso tu julgas que isto pode bastar-nos, em tal variedade de coisas...?)
28
B. Valor adjetivo:
... ut domus
, QUAE huius adulescentiae prima fuerit, eadem esset familiarissima
senectuti. (3, 5)
(... que a mesma casa, que tinha sido a primeira da sua juventude, era
familiaríssima à sua velhice.)
Neste tipo de frase, a oração relativa atribui à oração principal ou a algum de seus
elementos uma característica ou qualidade, desempenhando a função de um adjetivo. Isto
se torna claro quando verificamos a possibilidade de ser esta oração relativa substituída por
um adjetivo, desta forma:
... ut domus prima eadem esset familiarissima senectuti. (3, 5)
(... que a mesma primeira casa era familiaríssima à sua velhice.)
Vejamos outros exemplos:
...et ipsi illi C. Mario, QUI durior ad haec studia uidebatur, iucundus fuit.(9, 19)
(... e foi agradável àquele mesmo C. Mário, que parecia muito rude para estes
estudos.)
...et ipsi illi C. Mario, durior ad haec studia, iucundus fuit.
(... e foi agradável àquele mesmo C. Mário, muito rude para estes estudos.)
...nos hunc
uiuum, QUI et uoluntate et legibus noster est, repudiamus? (9, 19)
(... nós repudiamos este vivo, que é nosso pela vontade e pelas leis?)
...nos hunc nostrum uoluntate et legibus uiuum, repudiamus? (9, 19)
(... nós repudiamos este vivo, nosso pela vontade e pelas leis?)
29
...Marius... putabat ea, QUAE gesserat, posse celebrari. (9, 20)
(... Mário... imaginava poderem ser celebradas as coisas que tinha realizado.)
...Marius... putabat gesta posse celebrari. (9, 20)
(... Mário... imaginava poderem ser celebradas as coisas realizadas.)
C. Valor adverbial final:
...scribebat Aelius orationes QUAS alii dicerent. (Cícero, Brutus
, 56)
9
(...Élio escrevia discursos que outros proferiam...ou ...para que outros os
proferissem.)
D. Valor adverbial consecutivo:
Dentro deste grupo de orões, podemos destacar alguns subgrupos, que seriam, de
acordo com Bassols
10
, os tipos mais característicos de orões relativas de valor
consecutivo:
a. orões relativas que indicam a natureza de alguém ou algo – mais freente o
subjuntivo;
... ingenio
autem tanto, quantum id conuenit existimari QUOD summorum hominum
ingeniis expetitum esse uideatis, causa
uero eiusmodi, QUAE beneficio legis...
comprobetur. (12, 31)
(... e de tão grande talento, quanto convém ser julgado, o qual vedes ter sido buscado
pelos talentos dos homens mais notáveis, mas de uma causa tal, que é aprovada pelo
benefício da lei...)
30
...ut me... patiamini... paulo loqui liberius et in eius modi persona, QUAE ... in
iudiciis periculisque tractata est... (2, 3)
(...para que suporteis que eu fale um pouco mais livremente e a respeito de uma tal
pessoa que foi arrastada aos julgamentos e perigos...)
b. orões relativas as o adjetivo no grau comparativo seguido de quammais
freente o subjuntivo – construção generalizada a partir da época imperial
11
, não
sendo, assim, encontrada nenhuma ocorrência em discursos de Cícero;
c. orões relativas precedidas dos adjetivos aptus, idoneus, dignus, indignussó
com subjuntivo – por ser tão específica, não encontramos ocorrência também deste
tipo de orões nos discursos de Cícero a que tivemos acesso;
d. orões relativas precedidas de expressões de caráter indefinido e indeterminado
(sunt qui, reperiuntur qui, reperio, habeo quod, entre outras) mais o indicativo no
período arcaico e no pós-clássico, com maior freência o subjuntivo no período
clássico;
...ergo habet Antonius quod suis polliceatur.
12
(... logo, Antônio tem algo que oferece aos seus.)
Podemos perceber, num exemplo como este, que o valor final também é uma opção
de interpretação (... logo, Antônio tem algo para oferecer aos seus.)
e. orões relativas precedidas de expressões negativas ou interrogativas de caráter
negativo (nemo est qui, quid est quod, non habeo quod,) só com subjuntivo.
Nullam enim uirtus aliam mercedem
... desiderat praeter hanc laudis et gloriae: QUA
quidem detracta... quid
est QUOD ... tantis nos in laboribus exerceamus? (11, 28)
31
(Efetivamente a virtude não deseja nenhuma outra recompensa a não ser esta de
louvor e glória: na verdade, retirada esta, que razão há para que nos exercitemos em tantos
trabalhos?)
Neque enim quisquam
est tam auersus a Musis QUI non mandari uersibus aeternum
suorum laborum facile praeconium patiatur. (9, 20)
(Nem de fato há alguém tão avesso às Musas que não consinta facilmente que seja
confiado aos versos o eterno elogio de seus trabalhos.)
Apesar destas duas ocorrências, veremos, no exemplo abaixo, o modo indicativo
utilizado, em vez do subjuntivo:
(Illa
) QUAE cum ita sint, quid est QUOD de eius ciuitate dubitatis... (5, 10)
(Como estas coisas são assim, o que há para que duvideis da sua cidadania...?)
Deixemos ao arbítrio do locutor ou escritor o modo do verbo a empregar, de acordo
com a idéia que ele deseja declarar: se com certeza, se com dúvida, utilizando o modo
indicativo ou o subjuntivo, respectivamente, não importando qual dos valores adverbiais
esteja sendo transmitido (final, temporal, causal etc.).
Quare suo iure noster ille Ennius sanctos appellat poetas, QUOD quasi deorum
aliquo dono atque munere commendati nobis esse uideantur. (8, 18)
(Por esta razão (pela qual razão) com todo o seu direito o nosso famoso Ênio chama
os poetas de sagrados, porque parecem ter sido a s confiados como que através de
alguma dádiva ou presente dos deuses.)
Isto nos leva a considerar que, embora se possa constatar a presença mais freente de
um dos modos do verbo em orões relativas de determinado valor, indubitavelmente é um
risco afirmar que, por exemplo, sempre se usa o subjuntivo em orões relativas precedidas
32
de expressões interrogativas do tipo quid est quod. O que pode existir é uma tendência a
empregar-se este ou aquele modo verbal.
Sobre isto Ernout & Thomas
13
dizem o seguinte, a respeito do quod completivo, que
aparece em situões particulares:
a. Com os verbos addere, accedere (acrescentar), praeterire, mittere (omitir).
b. Com o verbo facere e verbos de eventualidade (accidit, euenit, fit, contigit),
acompanhados de advérbios de modo (male, bene, libenter, incommode...)
c. Para desenvolver um pronome neutro ou um substantivo:
Quid est quod...?
Illa quanta est quod...
O pronome relativo quod pode ser um acusativo de relação quanto ao fato de”.
Geralmente aparece com pronomes neutros (id gaudetele se alegra quanto a isso, em vez
de hac re gaudet) e ocorre sobretudo complementando verbos de significado abstrato
(uerba sentiendi, por exemplo, como gaudeo, sentio etc.) e verbos declarativos (uerba
dicendi e sciendi), não importando se na frase há voz passiva ou situação de
impessoalidade.
d. Nas locuções nisi quod (à exceção de que), praeterquam quod (a não ser o fato de
que), tantum quod (a menos que).
Estas orões referem-se a algo efetivamente realizado, representado quase sempre
pelo verbo no modo indicativo. Além disso, se cotejarmos as orões do tipo quid est quod
com indicativo e as mesmas orões com subjuntivo, temos duas escolhas: considerar as
primeiras completivas, e as últimas, relativas, limitando-nos a estudar estas e abandonar
aquelas, detendo-nos ao que nos propusemos estudar; ou ainda considerar que orões
relativas do tipo quid est quod podem vir com seu verbo tanto no indicativo como no
subjuntivo, dependendo apenas da maior ou menor certeza que se queira imprimir ao fato
narrado. Por uma questão de coerência com a maneira como temos conduzido este estudo,
optamos pelo segundo caminho.
33
Ainda a respeito de quod, em certas orões poderemos verificar a dupla
possibilidade de tradução, ou seja, a possibilidade de o interpretarmos como conjunção ou
como pronome relativo. Notem-se os exemplos abaixo:
Si quid est in me ingenii, iudices, QUOD sentio quam sit exiguum... (1, 1)
(Se há em mim algum talento, juízes, o qual sei quão exíguo é...ou ..pois sei quão
exíguo é...)
Sit igitur, iudices, sanctum apud uos... hoc
poetae nomen, QUOD nulla umquam
barbaria uiolauit. (8, 19)
(Seja, portanto, ó juízes, sagrado perante s este nome de poeta, o qual nenhuma
barbaridade jamais violou...ou porque nenhuma barbaridade jamais o violou...)
Neque enim est hoc
dissimulandum, QUOD obscurari non potest... (11, 26)
(Nem de fato isto deve ser dissimulado, o que não pode ser obscurecido...ou
Nem de fato isto deve ser dissimulado, porque não pode ser obscurecido...)
E. Valor adverbial causal:
Mostramos os seguintes exemplos:
(Illa) QUAE cum ita sint,... (12, 31)
(Como estas coisas sejam assim,...)
o fortunate
, inquit, adulescens, QUI tuae uirtutis Homerum praeconem inueneris!
(10, 24)
(Ó bem-aventurado jovem, diz ele, que encontraste em Homero um arauto da
tua virtude!’ )
34
No primeiro deles, o valor causal está mais do que patente através da conjunção cum.
No segundo, pode-se perceber este valor em que a causa apresentada para o fato de ser o
antecedente (adulescens) designado como fortunatus está na oração relativa.
F. Valor adverbial concessivo/adversativo:
Sed, quoniam census non ius ciuitatis confirmat ac tantum modo indicat eum, QUI
sit census, ita se iam tum gessisse pro ciue,...(cum sit census)... (5, 11)
(Mas, como o recenseamento não confirma o direito de cidadania, e indica
simplesmente que ele, que foi recenseado, já agia então tal como um cidadão...) (embora
tenha sido recenseado)
Ex hoc esse hunc
numero, QUEM patres nostri uiderunt, diuinum hominem
Africanum
, ex hoc C. Laelium, L. Furium,... Catonem illum senem: QUI ... si nihil ... litteris
adiuuarentur..., numquam se ad earum studium contulissent. (sed si nihil
adiuuarentur...) (7, 16)
(Deste mero creio que era este Africano, o qual nossos pais viram, homem divino,
deste (mero) são C. Lélio, L. Fúrio, Catão, aquele ancião: os quais, se em nada fossem
ajudados pelas letras... nunca se teriam dedicado ao estudo delas.) (mas, se em nada
fossem ajudados...)
Pode-se observar que as orões relativas de valor adversativo/concessivo podem ser
também interpretadas como de valor causal. O que vai determinar se uma ou outra
interpretação é a correta é simplesmente o contexto
14
. Temos, assim, que as orões dadas
como exemplo de valor adversativo/concessivo podem ser ainda entendidas da seguinte
maneira:
35
Sed, quoniam census non ius ciuitatis confirmat ac tantum modo indicat eum, QUI sit
census, ita se iam tum gessisse pro ciue,...(cum sit census)... (5, 11)
(Mas, como o recenseamento não confirma o direito de cidadania, e indica
simplesmente que ele, que foi recenseado, já agia então tal como um cidadão...) (porque
tenha sido recenseado)
Ex hoc esse hunc
numero, QUEM patres nostri uiderunt, diuinum hominem
Africanum
, ex hoc C. Laelium, L. Furium,... Catonem illum senem: QUI ... si nihil ... litteris
adiuuarentur..., numquam se ad earum studium contulissent. (quia si nihil
adiuuarentur...) (7, 16)
(Deste mero creio que era este Africano, o qual nossos pais viram, homem
divino, deste (mero) são C. Lélio, L. Fúrio, Catão, aquele ancião: os quais, se em nada
fossem ajudados pelas letras... nunca se teriam dedicado ao estudo delas.) (porque, se em
nada fossem ajudados...)
Cumpre ressaltar que, no primeiro destes exemplos, em que qui sit census é entendido
como cum sit census, a conjunção cum – oriunda de quum, acusativo singular do pronome
relativo masculino – possui também duplo valor, causal e concessivo, a ser determinado de
acordo com o contexto, assim como as orões deste tipo introduzidas por pronome
relativo
15
.
G. Valor adverbial condicional:
An domicilium Romae non habuit is
, QUI tot annis ante ciuitatem datam sedem
omnium rerum ac fortunarum suarum Romae collocauit? (...si tot annis...) (4, 9)
(Por acaso ele, que, por tantos anos, antes de lhe ser concedido o direito de
cidadania, colocou em Roma a sede de todos os seus afazeres e fortuna, não teria domicílio
em Roma?) (se ele por tantos anos colocou em Roma...)
36
Este exemplo poderia ser também interpretado como o de uma oração de valor
adverbial concessivo:
An domicilium Romae non habuit is, cum
tot annis ante ciuitatem datam sedem
omnium rerum ac fortunarum suarum Romae collocauit?
(Por acaso ele não teria domicílio em Roma, embora, por tantos anos, antes de lhe
ser concedido o direito de cidadania, tenha colocado em Roma a sede de todos os seus
afazeres e fortuna,?)
H. Valor adverbial restritivo (orões parentéticas):
... Romam uenit Mario
consule et Catulo. Nactus est primum consules eos, QUORUM
alter res ad scribendum maximas, alter cum res gestas tum etiam studium atque aures
adhibere posset. (3, 5)
(... veio a Roma no consulado de Mário e Catulo. Encontrou primeiro estes
cônsules, um dos quais podia oferecer ões muito grandiosas para serem escritas, e o outro
tanto os feitos notáveis quanto o bom-gosto e seus ouvidos apurados.)
Sed pleni omnes
sunt libri, plenae sapientium uoces, plena exemplorum uetustas:
QUAE iacerent in tenebris omnia... (6, 14)
(Mas todos os livros estão cheios, cheias as palavras dos sábios, cheia de exemplos
a idade avançada: as quais jazeriam todas nas trevas...)
...dixisse ... eius
, a QUO sua uirtus optime praedicaretur. (9, 20)
(... ele disse... a voz daquele por quem a sua virtude fosse apregoada melhor’. )
...quotiens ego hunc uidi,... magnum numerum optimorum uersuum de iis
ipsis rebus,
QUAE tum agerentur, dicere ex tempore! (8, 18)
37
(... quantas vezes eu o vi declamar de improviso grande mero de versos
excelentes a respeito daquelas mesmas coisas, que então se passavam!)
A Q. Metello Pio, familiarissimo suo, qui ciuitate multos donauit, neque per se neque
per Lucullos impetrauisset? QUI praesertim ... de suis rebus scribi cuperet... (10, 26)
(Não o teria obtido por si nem pelos Luculos de Quinto Metelo Pio, seu amigo muito
íntimo, que a muitos concedeu a cidadania? O qual desejava sobretudo que se escrevesse a
respeito de seus feitos...)
Em se tratando de orões relativas de valor restritivo (ou parentéticas), vemos que elas
admitem o acusativo com infinitivo, o que se justifica pelo fato de que, embora sejam
formalmente subordinadas, comportam uma informação que pode ser considerada
independente:
...aut si (est in me) qua exercitatio dicendi, in QUA me non infitior mediocriter esse
uersatum..., ac disciplina profecta
, a QUA ego nullum confiteor aetatis meae tempus
abhorruisse, earum rerum omnium uel in primis A.Licinius fructum a me repetere prope
suo iure debet. (1, 1)
(...ou se (em mim há) alguma prática da oratória, na qual reconho não ser pouco
versado, bem como da ciência dela oriunda, da qual confesso que em nenhum momento da
minha vida me apartei, em primeiro lugar Árquias Licínio deve exigir de mim com direito
quase seu o resultado de todas estas coisas.)
Adest ... M. Lucullus
,QUI se non opinari, sed scire, non audisse, sed uidisse, non
interfuisse, sed egisse, dicit. (4, 8)
(Está presente... M. Lúculo, o qual diz que não opina, mas sabe, que não ouviu,
mas que viu, que não assistiu, mas que agiu.)
38
Adsunt Heraclienses legati, nobilissimi homines, ...QUI hunc adscriptum
Heracliensem dicunt. (4, 8)
(Estão presentes os enviados de Heracléia, homens muito nobres, que dizem ser ele
registrado como heracleense.)
Hic tu tabulas
desideras Heracliensium publicas, QUAS Itallico bello incenso
tabulario interisse scimus omnes. (4, 8)
(Tu queres aqui as tábuas públicas dos Heracleenses, as quais todos sabemos que
se perderam na guerra da Itália com o inndio dos arquivos.)
...(Est ridiculum) ...tabulas
, QUAS idem dicis solere corrumpi, desiderare. (4, 8)
(... (É ridículo) reclamar as tábuas, as quais tu mesmo dizes que costumam estar
corrompidas.)
Além dos modos indicativo e subjuntivo, há registro do verbo da oração relativa no
modo imperativo, embora seu uso seja muito pouco freente:
...multas ad res perutiles Xenophontis libri sunt, quos legite...
(Cícero, Cato
Maior, 59)
16
(...para muitas coisas os livros de Xenofonte são úteis: lede-os...)
3.1.1.1. A posição da oração relativa
Quanto à posição da oração relativa, temos que ela deve ficar o mais próximo
possível do antecedente, para evitar ambigüidade, mas isto não é uma regra geral.
39
Quanto à ordem “antecedente”/relativo, podemos observar as seguintes formas:
a. o pronome relativo segue o seu antecedente;
... idem tumulus
, QUI corpus eius contexerat, nomen etiam obruisset. (10, 24)
(... o mesmo túmulo, que contivera o seu corpo, também teria sepultado seu nome.)
Nunc insidet quaedam... uirtus
, QUAE noctes ac dies animum gloriae stimulis
concitat... (11, 29)
(Agora um certo valor está estabelecido... o qual excita o espírito noite e dia com
estímulos de glória...)
b. o “antecedente” pode contrariamente à terminologia vir as o pronome
relativo;
Etenim, cum mediocribus multis et aut nulla aut humili aliqua arte praeditis
grauatim ciuitatem in Graecia homines impertiebant, Reginos credo aut Locrenses aut
Neapolitanos aut Tarentinos, QUOD scaenicis artificibus largiri solebant,
id huic summa
ingenii praedito gloria noluisse. (5, 10)
(De fato, quando na Grécia os homens concediam a cidadania, contra a vontade, a
muitos medíocres e aos dotados de nenhuma profissão, ou de alguma profissão humilde,
creio que os habitantes de Régio ou os da Lócrida, os de Nápoles ou os de Tarento não
quiseram dar a este, dotado de suprema glória de inteligência, o que costumam conceder
aos artistas nicos.)
...nostra
sunt tropaea, nostra monumenta, nostri triumphi. QUAE QUORUM
ingeniis efferuntur, ab iis
populi Romani fama celebratur. (9, 21)
(... são nossos troféus, nossos monumentos, nossos triunfos. E a fama do povo
romano é celebrada por aqueles por cujos talentos estas coisas são contadas.)
40
c. nem seguindo, nem precedendo: o “antecedente” está dentro da própria oração
relativa (que pode preceder ou suceder a oração principal).
... QUI libri
non modo L. Lucullum, fortissimum et clarissimum uirum, uerum etiam
populi Romani nomen illustrant. (9, 21)
(... os livros que enaltecem não apenas L. Luculo, homem muito valente e
brilhante, mas também o nome do povo Romano.)
...si, QUIBUS regionibus uitae spatium circumscriptum est, eidem omnes cogitationes
terminaret suas... (11, 29)
(... e se limitasse todos os seus pensamentos às mesmas regiões nas quais o espo
da vida está circunscrito...)
Esta construção poderá admitir situões variantes nos seguintes casos:
c.1. Presença de um adjetivo em grau superlativo que sirva de predicativo para o
antecedente.
c.2. Quando a oração relativa pode ter o mesmo valor de um aposto (ou melhor, de
uma oração apositiva); o verbo desta oração será sempre um verbo de ligação,
expresso ou subentendido.
c.3. Quando a oração relativa serve para justificar uma afirmação feita na oração
principal (quibus auditis). Geralmente o antecedente aparece em ablativo.
Nam, QUAS res nos in consulatu nostro... gessimus, attigit hic uersibus
... QUIBUS
auditis... hunc ad perficiendum adornaui. (11, 28)
(De fato, este (Árquias) cantou as coisas que realizamos em nosso consulado em
versos... tendo-os ouvido, eu o preparei para completá-los...)
41
Nullam enim uirtus aliam mercedem ... desiderat praeter hanc laudis et gloriae:
QUA quidem detracta... quid
est QUOD ... tantis nos in laboribus exerceamus? (11, 28)
(Efetivamente a virtude não deseja nenhuma outra recompensa a não ser esta de
louvor e glória: na verdade, retirada esta, que razão há para que nos exercitemos em tantos
trabalhos?)
Nestes dois exemplos, temos o chamado relatif de liaison, utilizado para ligar uma
oração independente a outra de mesma natureza
17
. Freentemente estará no ablativo, e
poderá ser combinado com uma oração interrogativa, como vemos no segundo exemplo.
Pudemos observar, além das ocorrências acima, destacadas por Bassols
18
, que, sendo
o antecedente um pronome demonstrativo acompanhado de um aposto, a oração relativa
poderá vir entre um e outro. Achamos dois exemplos no Pro Archia:
Ergo illum
, QUI haec fecerat, Rudinum hominem, maiores nostri in ciuitatem
receperunt. (10, 22)
(Então nossos antepassados receberam na cidade aquele homem de Rúdias, que
fizera estas coisas.)
Iam uero ille, QUI cum Aetolis Ennio comite bellauit, Fuluius non dubitauit...
(11, 27)
(Mas já aquele Fúlvio, que combateu os Etólios sendo Ênio seu companheiro, não
hesitou...)
O antecedente pode comportar-se como aposto do pronome relativo, quando este
antecede àquele.
...QUAE summa sunt, ex quo fonte hauriam, sentio. (6, 13)
(Sei de que fonte irei extrair aquelas coisas, que são grandiosas.)
42
... QUI libri non modo L. Lucullum, fortissimum et clarissimum uirum, uerum etiam
populi Romani nomen illustrant. (9, 21)
(... os livros que enaltecem não apenas L. Luculo, homem muito valente e
brilhante, mas também o nome do povo Romano.)
...in QUA urbe imperatores prope armati poetarum nomen et Musarum delubra
coluerunt... (11, 27)
(...na cidade em que os generais ainda armados cultivaram o nome dos poetas e os
santuários das Musas...)
Se o relativo tem como antecedente um pronome demonstrativo, este freentemente
vem as o relativo, abrindo a oração principal.
QUAE uero accurate cogitateque scripsisset, ea
uidi... (8, 18)
(Porém vi aquelas coisas (aqueles versos) que tinha escrito com cuidado e
reflexão...)
(Illa
) QUAE de causa ... dixi, iudices, ea confido probata esse omnibus... (12, 32)
((Aquelas coisas) que eu disse a respeito da causa, juízes, acredito terem sido
provadas a todos...)
Quando o antecedente é um substantivo, ele se encontra dentro da oração relativa no
caso do pronome relativo, e geralmente se faz remissão a ele através de um demonstrativo,
em geral is, ea, id na oração principal.
...(Ille) uenit Heracleam
. QUAE cum esset ciuitas aequissimo iure ac foedere,
adscribi se in eam
ciuitatem uoluit... (4, 6)
(...(Ele) veio a Heracléia. A qual, como era uma cidade de igualdade de direito e de
aliança, nela quis inscrever-se...)
43
3.1.1.2. Dificuldades na tradução de orões relativas
Tendo o latim como ngua-mãe, o português possui estrutura sintática semelhante à
estrutura latina, sendo que mais simplificada, ou melhor, desprovida de certas nuances que
a ngua-mãe assinala com nitidez. Um exemplo disto é a própria oração relativa do latim,
que não pode ser correlacionada com a oração adjetiva do português por causa dos valores
substantivo e adverbial que as relativas podem encerrar. Isto traz, é claro, problemas para o
tradutor, quando não é possível transmitir claramente, com todas as suas nuances, um
enunciado do latim para o português o que, aliás, acontece na tradução de todas as
nguas, sejam elas oriundas uma da outra, ou duas nguas de mesma origem, ou ainda mais
duas nguas de ramos diferentes.
Destacamos, então, algumas dificuldades que se nos apresentaram no decorrer do
presente estudo, na tradução das orões relativas presentes no Pro Archia:
a. Quando temos uma outra oração subordinada, além da relativa, ambas dependendo
de uma mesma oração principal, às vezes a tradução do período se torna uma tarefa difícil.
Bassols
19
dá algumas sugestões para este problema de tradução neste caso, e uma delas é
substituir o relativo por uma conjunção e um pronome demonstrativo (ou pessoal):
QUOD si mihi a uobis tribui concedique sentiam, perficiam... (3, 4)
(E se eu sentir que isto me é por s permitido e concedido, certamente o farei...)
b. Há a ocorrência às vezes de dois pronomes relativos, quando uma oração vem
intercalada entre duas outras, das quais ela depende. O relativo entrelaçado também
equivale a uma conjunção e um pronome demonstrativo. Esta equivalência vai levar-nos a
compreender melhor o próximo ponto, acerca de pronomes relativos no lugar de
demonstrativos.
44
...nostra sunt tropaea, nostra monumenta, nostri triumphi. QUAE QUORUM ingeniis
efferuntur, ab iis populi Romani fama celebratur. (9, 21)
(... são nossos troféus, nossos monumentos, nossos triunfos. E a fama do povo
romano é celebrada por aqueles por cujos talentos estas coisas são contadas.)
c. A presença da conjunção condicional si implica uma escolha na tradução, com
prejuízo da noção condicional, ou do vínculo estabelecido pelo pronome relativo. Em
português, seremos obrigados a abandonar o si ou o pronome relativo; nunca os dois
poderão coexistir numa mesma oração. Vejamos:
Quaere argumenta
, si QUAE potes... (5, 11)
(Busca argumentos, se podes encontrá-los...ou Busca os argumentos que podes
encontrar...)
...ceteros pudeat, si QUI ita se litteris abdiderunt... (6, 12)
(... envergonhem-se os outros, se assim se afastaram das letras...ou ...que assim
se afastaram das letras...)
3.1.1.3. Pronomes relativos no lugar de demonstrativos
O uso de pronomes relativos no lugar de demonstrativos torna-se mais comum a
partir do período clássico. Tal ocorrência se dá com o objetivo de unir duas frases
coordenadas. Assim, nelas permanece a força anafórica do relativo, mas perde-se a
capacidade de conectar-se a um antecedente. Como o relativo de subordinação, admite a
repetição do antecedente na oração.
...proelium comittunt, quo proelio...
20
(travaram um combate, no qual...)
45
Essas orões são propriamente principais o verbo passa pelas mesmas
mudanças que passaria se estivesse numa oração principal. Pode também ser utilizado o
subjuntivo, quando se quer enfatizar a conexão entre as orões.
3.1.1.4. Concordância dos pronomes relativos
De maneira geral, o pronome relativo concorda com o seu chamado antecedente em
gênero e em mero, mas não necessariamente em caso
21
, já que a função sintática
desempenhada pelo pronome na oração relativa não é necessariamente a mesma que seu
antecedente desempenha na oração em que se encontra. Observemos:
...immo uero iis
tabulis professus, QUAE ...obtinent publicarum tabularum
auctoritatem. (4, 9)
(... ao contrário, ele o foi declarado por estas tábuas, as quais possuem a autoridade
própria das tábuas públicas.)
Ipsi illi philosophi etiam illis
libellis, QUOS de contemnenda gloria scribunt, nomen
suum inscribunt. (11, 26)
(Aqueles mesmos filósofos até naqueles livrinhos, que eles escrevem sobre a glória
a ser desprezada, inscrevem seu próprio nome.)
No primeiro exemplo, o chamado antecedente (iis tabulis) é agente da passiva, em
ablativo, ao passo que o pronome relativo quae é sujeito da oração relativa (nominativo
plural feminino). No segundo exemplo, o antecedente (iis libellis) é um adjunto adverbial, e
quos, pronome relativo, é objeto direto do verbo inscribunt (acusativo plural masculino.
46
Há situões, porém, em que vemos o pronome relativo concordar com o seu
antecedente também em caso, desempenhando a mesma função sintática ou não:
... noster
hic Magnus, QUI cum uirtute fortunam adaequauit, nonne Theophanem
Mitylenaeum, scriptorem rerum suarum, in contione militum ciuitate donauit..? (10, 24)
(... este nosso Grande (Pompeu), o qual igualou a fortuna com a virtude, acaso não
presenteou ele Teófanes Mitileneu, escritor de seus feitos, com a cidadania, numa
assembléia de soldados...?mesma função sintática)
Nam, ut primum ex pueris excessit Archias atque ab iis
artibus, QUIBUS aetas
puerilis ad humanitatem informari solet, se ad scribendi studium contulit...
(De fato, assim que Árquias deixou a infância e estas artes, através das quais a
idade pueril costuma ser formada para a humanidade, entregou-se à atividade de
escrever...funções sintáticas diferentes)
Às vezes o pronome relativo, quando sujeito de um verbo acompanhado de um
atributo, pode tomar o gênero deste atributo em vez do gênero de seu antecedente como,
aliás, ocorre também com o pronome demonstrativo (geralmente o verbo da oração é o
verbo sum).
...Cn. Pompeium, quod imperii Romani decus fuit... (Cícero, Phillipicae
, 2, 54)
(Cneu Pompeu, que foi o decoro do Império Romano...)
Pode haver também a silepse, e a concordância se dá com um demonstrativo não
expresso (embora sugerido por um adjetivo possessivo, um demonstrativo que acompanha
o antecedente ou com outro nome tirado deste antecedente).
Ex.: (Archias) est ex eo numero qui semper sancti sunt habiti... (12, 31)
(Árquias é do número destes homens que sempre foram tidos como sagrados...)
47
3.2.Função das orões relativas no discurso
Ao analisarmos o Pro Archia tendo em vista as orões subordinadas relativas, o
primeiro aspecto importante a ser ressaltado é o fato de que a hipotaxe (subordinação),
superveniente à parataxe, por ser mais complexa, opõe-se a ela no que diz respeito ao seu
uso: ou seja, enquanto a parataxe pertence principalmente ao âmbito da linguagem familiar
e popular, dada a sua simplicidade e naturalidade, a hipotaxe se verifica na linguagem
formal, culta, presente nas peças literárias como tratados filosóficos, obras didáticas, relatos
históricos, entre outros, não excluindo, obviamente, os discursos jurídicos. Basta citarmos
Cícero e César como modelos de latim clássico para termos em mente a formalidade no De
Bello Gallico de César, no De Amicitia, Cato Maior ou nos vários discursos de Cícero, por
exemplo, que diferem, no entanto, das cartas do próprio Cícero, escritas com estruturas
sintáticas leves, nas quais a parataxe pica da linguagem informal está presente.
Em se tratando de um discurso jurídico, como o Pro Archia, é, assim, muito mais
freente a hipotaxe que a parataxe. Enquanto a parataxe salienta o essencial, o
significativo do enunciado, transmitindo uma visão mais concreta das coisas, a hipotaxe se
presta à explicação e à demonstração das coisas, numa visão mais intelectual.
Ainda enfocando os discursos jurídicos, verificamos que neles o espo dado às
orões relativas é muito maior que o que vemos, por exemplo, na poesia. Por causa da
métrica, desejando menos palavras que significado
22
, os poetas utilizam construções
curtas, buscando dizer o máximo valendo-se do nimo do gramatical. Tomemos uma frase
qualquer:
...me
autem quid pudeat, QUI tot annos ita uiuo...(6, 12)
(... contudo, de que me envergonharia eu, que por tantos anos vivo assim...)
48
Se este enunciado fosse encontrado numa poesia, seria algo parecido com:
...me laborantem autem quid pudeat..., ou
...me patientem autem quid pudeat...
Talvez seja mais fácil perceber este condensar numa frase como esta:
Illi ipsi summi uiri, QUORUM uirtutes litteris proditae sunt, istane doctrina,
QUAM tu effers laudibus... (7, 15)
(Aqueles mesmos homens ilustres, cujas virtudes foram divulgadas pelas letras,
nessa doutrina, a qual tu elevas com louvores...)
Simplificando-a ao máximo, teríamos:
Summi uiri uirtutum proditarum litteris, doctrina elata laudibus...
Baseados nisto, podemos dizer que as construções desenvolvidas em geral,
incluindo as orões relativas, objeto do presente estudo, possuem uma grande vantagem:
por serem mais claras e exatas, limitam as interpretões discrepantes, o que é bastante
conveniente num discurso jurídico, como o Pro Archia, para conduzir o raciocínio e
estruturar a argumentação. Entendido isto, fica fácil compreender por que tantas orões
relativas num discurso considerado relativamente pequeno.
3.2.1. Orões relativas propriamente adjetivas
Tomemos como exemplos:
...nos hunc
uiuum, QUI et uoluntate et legibus noster est, repudiamus? (9, 19)
(... nós repudiamos este vivo, que é nosso pela vontade e pelas leis?)
...nos hunc nostrum uoluntate et legibus uiuum, repudiamus?
49
Vemos que, apesar de não haver diferença de significado entre estas construções, a
oração relativa desempenha um papel fundamental: ela ressalta o fato de que Licínio
Árquias era romano pela vontade e pelas leis dos romanos, o que Cícero deseja provar em
seu discurso. Se observarmos o mesmo enunciado sem a oração relativa, perceberemos que
a ênfase maior recairá sobre o adjetivo uiuumem vez de sobre noster uoluntate et legibus
observando o contexto em que esta oração se encontra no discurso, que é justamente o
momento em que Cícero cita Homero, disputado por sete cidades, mesmo depois de morto.
Nas orões relativas de valor adjetivo, o verbo esse, quando presente, não costuma
ser subentendido. O papel enfático que este tipo de oração desempenha justifica este fato.
Vejamos ainda outro exemplo:
...(Est ridiculum) ea
, QUAE deprauari nullo modo possunt, repudiare... (4, 8)
(... (É ridículo) repudiar estes fatos, que de modo nenhum podem ser
distorcidos...)
Se substituíssemos a oração relativa por um adjetivo, guardando o adjunto adverbial
nullo modo, buscando manter ao máximo a idéia do período, teríamos o seguinte:
...(Est ridiculum) nullo modo deprauanda
repudiare...
Embora a tradução se mantenha basicamente a mesma, ao substituir a oração por um
gerundivo, que é um adjetivo verbal, perdemos um detalhe fundamental: o verbo posse, que
forma uma locução verbal na oração relativa, desaparece com a substituição dela por um
gerundivo. Como definir, então, se é uma questão de poder, querer ou dever distorcer os
fatos? A oração relativa não deixa dúvidas para trás de si.
A oração relativa prima pela clareza também no exemplo que veremos a seguir:
50
Ego uero omnia
QUAE gerebam ...spargere me ac disseminare arbitrabar...
(12, 30)
(Eu, porém, imaginava espalhar e disseminar todas as coisas que eu fazia...)
Poderíamos perfeitamente substituir a oração relativa por um particípio passado:
Ego uero omnia gesta
...spargere me ac disseminare arbitrabar...
(Eu, porém, imaginava espalhar e disseminar todas as coisas realizadas...)
Com o particípio passado não é evidente quem realizou todas as coisas de que se
trata. O verbo conjugado na oração relativa, ao contrário, mostra, através de sua desinência,
quem é o sujeito da oração.
Este impasse na oração que tem o particípio passado poderia ser resolvido com a
inclusão de a me, agente da passiva. Com ele, estaria claro por quem aquelas coisas tinham
sido realizadas. Contudo, já temos ego abrindo o período e me como sujeito da oração
infinitiva que vem em seguida. Diante de tantos ajustes a serem feitos para que não seja
prejudicada a mensagem a ser transmitida, vê-se por que a oração relativa atende melhor às
necessidades num exemplo como este.
3.2.2. Orões relativas de valor adverbial
Se é verdade que os advérbios servem para qualificar um verbo em forma análoga a
como os adjetivos qualificam os substantivos
23
, torna-se fácil compreender o papel das
orões de valor adverbial. Elas traduzem, na verdade, idéias ou noções que um advérbio
transmitiria, mas com a vantagem de serem mais claras, por serem mais detalhadas fato
que se verifica também nas orões relativas de valor adjetivo, mostradas anteriormente.
51
Ao passo que o advérbio ou a locução adverbial são limitados, a oração de valor
adverbial desenvolve com muito mais propriedade a noção adverbial, seja ela de finalidade,
de causa, de condição etc. Sua utilidade se percebe de maneira ainda mais nítida num texto
como o discurso jurídico.
Muitos são os tipos de orões relativas de valor adverbial, porque muitos são os
valores adverbiais que elas podem ter. Vejamo-los através de algumas orões apresentadas
como exemplos em 3.1.1.3.:
A. Valor adverbial final
Veja-se o exemplo:
...scribebat Aelius orationes QUAS alii dicerent. (Cícero, Brutus, 56)
(...Élio escrevia discursos que outros proferiam...ou ...para que outros os
proferissem.)
Se tentarmos substituir a oração relativa por algo mais que possa traduzir a mesma
idéia, eis uma sugestão:
...scribebat Aelius orationes ad alios.
(...Élio escrevia discursos para outros.)
Ao substituirmos a oração relativa por ad alios, não podemos determinar se Élio
escrevia os discursos para que outros os proferissem ou para que outros os lessem e deles
aprendessem, por exemplo – paira no ar a dúvida: estariam estes outros fazendo uso dos
discursos de Élio cita ou ilicitamente? Só o contexto poderia esclarecê-lo. Com a oração
relativa, no entanto, não há dúvida quanto a isto.
52
Pode-se pereceber também que o pronome relativo, neste tipo de oração, pode ser
substituído por uma conjunção de valor final, como ut, por exemplo, o que demonstra sua
equivalência a uma oração adverbial (propriamente dita) final:
...scribebat Aelius orationes ut alii eas dicerent.
(...Élio escrevia discursos para que outros os proferissem.)
Note-se nesta substituição, porém, que se faz necessário o acréscimo de um pronome
anafórico que aponte para orationes (antecedente na oração relativa), para manter clara a
idéia do texto.
B. Valor adverbial consecutivo
Sendo o advérbio um qualificador para o verbo, assim como o adjetivo o é para o
substantivo, ambos advérbio e adjetivo – podem ser considerados acessórios sintáticos,
podendo ser excluídos sem prejuízo da sintaxe, embora com prejuízo do sentido. Por
exemplo, dizer legunt librum primum não significa o mesmo que dizer legunt librum, mas,
embora o significado não seja o mesmo, sintaticamente as orões estão coesas e coerentes
(mesmo sem o adjetivo). Com um advérbio, temos outro exemplo: non possunt libere loqui
é diferente de non possum loqui – pois, embora na primeira esteja claro que não se pode
falar porque não há liberdade, na segunda há uma outra interpretação possível, a de não se
poder falar por falta de capacidade, total ou momentânea.Da mesma forma, mesmo que
haja conflito de significados, a presença ou a ausência do advérbio não prejudicam
sintaticamente o enunciado.
Tomando exemplos de oração relativa de valor consecutivo, veremos que, sendo
excluída, ela pode vir a fazer falta para a composição do significado, mas não para a
estrutura sintática do período.
53
Vejamos:
... ingenio autem tanto, quantum id conuenit existimari quod summorum hominum
ingeniis expetitum esse uideatis, causa
uero eiusmodi, QUAE beneficio legis...
comprobetur. (12, 31)
(... e de tão grande talento, quanto convém ser julgado, o qual vedes ter sido buscado
pelos talentos dos homens mais notáveis, mas de uma causa tal, que é aprovada pelo
benefício da lei...)
... ingenio autem tanto, quantum id conuenit existimari QUOD summorum hominum
ingeniis expetitum esse uideatis, causa
uero eiusmodi.
(... e de tão grande talento, quanto convém ser julgado, o qual vedes ter sido buscado
pelos talentos dos homens mais notáveis, mas de uma causa tal.ou ...de uma causa desta
espécie.)
...ut me... patiamini... paulo loqui liberius et in eius modi persona
, QUAE ... in
iudiciis periculisque tractata est... (2, 3)
(...para que suporteis que eu fale um pouco mais livremente e a respeito de uma tal
pessoa que foi arrastada aos julgamentos e perigos...)
...ut me... patiamini... paulo loqui liberius et in eius modi persona
.
(...para que suporteis que eu fale um pouco mais livremente e a respeito de uma tal
pessoa.ou ... de uma pessoa desta natureza.)
Neque enim quisquam
est tam auersus a Musis QUI non mandari uersibus aeternum
suorum laborum facile praeconium patiatur. (9, 20)
(Nem de fato há alguém tão avesso às Musas que não consinta facilmente que seja
confiado aos versos o eterno elogio de seus trabalhos.)
Neque enim quisquam
est tam auersus a Musis.
(Nem de fato há alguém tão avesso às Musas.)
54
Enfim, assim como em non possunt libere loqui o advérbio libere, mesmo podendo
ser excluído sem prejuízo para a sintaxe da oração, tem função importante na composição
do significado dela, dizendo o modo como “eles não podem falar, eliminando outra
possibilidade de interpretação, também a oração relativa vem enriquecer o período e trazer-
lhe maior clareza, tendo, no entanto, função acessória, como um adjunto adverbial ou
adnominal, podendo ser descartada sem prejudicar a estrutura sintática da oração. Da
mesma forma, a ausência da oração subordinada no último exemplo (9, 20) omitiria o papel
encomiástico das letras, ressaltado ao longo do Pro Archia.
C. Valor adverbial causal
A exemplo do que ocorre com as orões relativas de valor adverbial consecutivo, as
de valor causal também podem ser excluídas sem afetar a estrutura sintática da oração,
apesar de não sem comprometerem o sentido da frase.
Vejamos:
o fortunate
, inquit, adulescens, QUI tuae uirtutis Homerum praeconem inueneris!
(10, 24)
(Ó bem-aventurado jovem, diz ele, que encontraste em Homero um arauto da
tua virtude!’ )
o fortunate
, inquit, adulescens!
(Ó bem-aventurado jovem!’, diz ele.)
Poder-se-ia dizer apenas o fortunate adulescens!, mas faltaria o motivo pelo qual o
referido jovem é chamado de bem-aventurado. Num exemplo como este, o pronome
relativo poderia ser substituído por uma conjunção como quod, cum ou quoniam (todas,
aliás, formadas a partir de pronomes relativos), como acontece também com as orões
relativas de valor adverbial final:
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o fortunate, inquit, adulescens, QUI tuae uirtutis Homerum praeconem inueneris!
(Ó bem-aventurado jovem, diz ele, que encontraste em Homero um arauto da
tua virtude!’ )
o fortunate
, inquit, adulescens, QUONIAM tuae uirtutis Homerum praeconem
inueneris!
(Ó bem-aventurado jovem, diz ele, pois que encontraste em Homero um arauto
da tua virtude!’ )
o fortunate
, inquit, adulescens, QUOD tuae uirtutis Homerum praeconem
inueneris!
(Ó bem-aventurado jovem, diz ele, porque encontraste em Homero um arauto
da tua virtude!’ )
o fortunate
, inquit, adulescens, CUM tuae uirtutis Homerum praeconem inueneris!
(Ó bem-aventurado jovem, diz ele, já que encontraste em Homero um arauto
da tua virtude!’ )
Uma observação deve ser feita neste momento: substituído o pronome pela
conjunção, a oração deixaria de ser relativa de valor adverbial para ser uma oração
adverbial propriamente dita. Desta forma, a ênfase não pousaria sobre o antecedente
(adulescens), mas ressaltaria a causa (a circunstância em si) de ser ele considerado o que é
bem-aventurado. Percebemos que a opção do orador foi r em relevo adulescens,
utilizando-se do valor adverbial da oração relativa, em vez de prezar exclusivamente o
valor adverbial causal.
D. Valor adverbial concessivo/adversativo
Assim como nas orões relativas de valor adverbial causal o pronome relativo pode
ser substituído por uma conjunção causal (transformando-a numa oração adverbial
propriamente dita), nas orões relativas de valor adverbial concessivo/adversativo o
56
pronome relativo pode ser substituído por uma conjunção de mesmo valor, como cum ou
sed. Esta semelhança, aliás, torna possível interpretar orões relativas de valor causal
como de valor concessivo/adversativo, e vice-versa, como já dissemos em 3.1.1.3.:
Sed, quoniam census non ius ciuitatis confirmat ac tantum modo indicat eum, QUI sit
census, ita se iam tum gessisse pro ciue... (5, 11)
(Mas, como o recenseamento não confirma o direito de cidadania, e indica
simplesmente que ele, que foi recenseado, já agia então tal como um cidadão...)
Sed, quoniam census non ius ciuitatis confirmat ac tantum modo indicat eum
, CUM
sit census, ita se iam tum gessisse pro ciue... (5, 11)
(Mas, como o recenseamento não confirma o direito de cidadania, e indica
simplesmente que ele, embora tenha sido recenseado, já agia então tal como um cidadão...)
Neste exemplo, já existe uma oração adversativa (sed ita se iam tum gessisse pro
ciue); utilizar uma conjunção concessiva pode não ser a melhor escolha, já que tanto as
orões adversativas quanto as orões concessivas essencialmente apresentam idéia oposta
à introduzida anteriormente. Num texto como o discurso jurídico, dar tantas voltas” com
as idéias apresentadas pode confundir os leitores/ouvintes, comprometendo todo o trabalho
de quem deseja explicar, provar, enfim, fundamentar sua tese, numa “ginástica mental
desnecessária.
Este não é, porém, o único motivo pelo qual Cícero preferiu, neste exemplo, a oração
relativa de valor adverbial à oração adverbial propriamente dita: a oração relativa chama a
atenção para o antecedente eum, pronome anafórico que remete ao poeta Licínio Árquias,
sendo o teor desta oração relativa (qui sit census) o elemento fundamental na argumentação
de Cícero.
Vejamos ainda:
57
Ex hoc esse hunc numero, QUEM patres nostri uiderunt, diuinum hominem
Africanum
, ex hoc C. Laelium, L. Furium,... Catonem illum senem: QUI ... si nihil ... litteris
adiuuarentur..., numquam se ad earum studium contulissent. (7, 16)
(Deste mero creio que era este Africano, o qual nossos pais viram, homem
divino, deste (mero) são C. Lélio, L. Fúrio, Catão, aquele ancião: os quais, se em nada
fossem ajudados pelas letras... nunca se teriam dedicado ao estudo delas.)
Ex hoc esse hunc
numero, QUEM patres nostri uiderunt, diuinum hominem
Africanum
, ex hoc C. Laelium, L. Furium,... Catonem illum senem: SED ... si nihil ... litteris
adiuuarentur..., numquam se ad earum studium contulissent.
(Deste mero creio que era este Africano, o qual nossos pais viram, homem divino,
deste (mero) são C. Lélio, L. Fúrio, Catão, aquele ancião: mas, se em nada fossem
ajudados pelas letras... nunca se teriam dedicado ao estudo delas.)
Mais uma vez vemos o antecedente (no caso, os antecedentes) ocupando lugar de
destaque. São os nomes de Lélio, Fúrio, de Catão – nomes dignos de muitíssimo respeito
que Cícero invoca como referência neste momento.
E. Valor adverbial condicional
Verifica-se também neste tipo de oração relativa de valor adverbial a possibilidade de
substituir o pronome relativo por uma conjunção (neste caso, si):
An domicilium Romae non habuit is
, QUI tot annis ante ciuitatem datam sedem
omnium rerum ac fortunarum suarum Romae collocauit? (4, 9)
(Por acaso ele, que, por tantos anos, antes de lhe ser concedido o direito de
cidadania, colocou em Roma a sede de todos os seus afazeres e fortuna, não teria domicílio
em Roma?)
An domicilium Romae non habuit is, SI tot annis ante ciuitatem datam sedem omnium
rerum ac fortunarum suarum Romae collocauit?
58
(Por acaso ele não teria domicílio em Roma, se, por tantos anos, antes de lhe ser
concedido o direito de cidadania, colocou em Roma a sede de todos os seus afazeres e
fortuna?)
Existe também a possibilidade de interpretar este valor adverbial como causal ou
concessivo, além de condicional:
An domicilium Romae non habuit is, CUM tot annis ante ciuitatem datam sedem
omnium rerum ac fortunarum suarum Romae collocauit?
(Por acaso ele não teria domicílio em Roma, embora, por tantos anos, antes de lhe
ser concedido o direito de cidadania, tenha colocado em Roma a sede de todos os seus
afazeres e fortuna?)
An domicilium Romae non habuit is, QUOD tot annis ante ciuitatem datam sedem
omnium rerum ac fortunarum suarum Romae collocauit?
(Como colocou em Roma a sede de todos os seus afazeres e fortuna, por tantos anos,
antes de lhe ser concedido o direito de cidadania, por acaso não teria ele domicílio em
Roma?)
Como num dos exemplos anteriores, o antecedente is, salientado pela oração relativa,
designa o poeta Licínio Árquias, e o argumento presente neste período é o fato de ter ele
concentrado em Roma toda a sua fortuna e seu trabalho – na prova de seu domicílio
romano. Embora tenha colocado, se ele colocouou “como ele colocou, não importa: o
que realmente importa é que ele, Licínio Árquias, “colocou em Roma a sede de todos os
seus afazeres e fortuna”.
F. Valor adverbial restritivo
A grande questão da análise das orões relativas de valor adverbial restritivo no
latim é o fato de que as orões restritivas do português, juntamente com as explicativas,
59
são, na verdade, compreendidas como orões adjetivas. Sempre que traduzimos orões
deste tipo, esbarramos na dúvida: serão orões de valor adjetivo ou de valor adverbial
restritivo?
Dissemos anteriormente que as orões relativas de valor adjetivo podem ser
substituídas por um adjetivo. As orões de valor adverbial restritivo também admitem esta
possibilidade:
Sed pleni omnes
sunt libri, plenae sapientium uoces, plena exemplorum uetustas:
QUAE iacerent in tenebris omnia... (6, 14)
(Mas todos os livros estão cheios, cheias as palavras dos sábios, cheia de exemplos
a idade avançada: as quais jazeriam todas nas trevas...)
Sed pleni omnes
sunt libri, plenae sapientium uoces, plena exemplorum uetustas:
iacta in tenebris omnia...
(Mas todos os livros estão cheios, cheias as palavras dos sábios, cheia de exemplos
a idade avançada: lançadas todas nas trevas...)
...dixisse ... eius
, a QUO sua uirtus optime praedicaretur. (9, 20)
(... ele disse... a voz daquele por quem a sua virtude fosse apregoada melhor’. )
...dixisse ... eius
, praedicaturi suam uirtutem optime.
(... ele disse... a voz daquele que apregoaria melhor a sua virtude. )
...quotiens ego hunc uidi,... magnum numerum optimorum uersuum de iis
ipsis rebus,
QUAE tum agerentur, dicere ex tempore! (8, 18)
(... quantas vezes eu o vi declamar de improviso grande mero de versos
excelentes a respeito daquelas mesmas coisas, que então se passavam!)
...quotiens ego hunc uidi,... magnum numerum optimorum uersuum de iis ipsis rebus
actis, dicere ex tempore!
60
(... quantas vezes eu o vi declamar de improviso grande mero de versos
excelentes a respeito daquelas mesmas coisas realizadas!)
A Q. Metello Pio, familiarissimo suo, qui ciuitate multos donauit, neque per se neque
per Lucullos impetrauisset? QUI praesertim ... de suis rebus scribi cuperet... (10, 26)
(Não o teria obtido por si nem pelos Luculos de Quinto Metelo Pio, seu amigo
muito íntimo, que a muitos concedeu a cidadania? O qual desejava sobretudo que se
escrevesse a respeito de seus feitos...)
A Q. Metello Pio, familiarissimo suo, qui ciuitate multos donauit, neque per se neque
per Lucullos impetrauisset? Cupiens praesertim ... de suis rebus scribi...
(Não o teria obtido por si nem pelos Luculos de Quinto Metelo Pio, seu amigo
muito íntimo, que a muitos concedeu a cidadania? Anelante sobretudo de que se escrevesse
a respeito de seus feitos...)
Qual seria, então, a diferença entre as orões de valor adjetivo e as de valor
adverbial restritivo? Como o seu próprio nome diz, as últimas representam uma restrição
em relação ao antecedente. Vejamos os mesmos exemplos:
Sed pleni omnes
sunt libri, plenae sapientium uoces, plena exemplorum uetustas:
QUAE iacerent in tenebris omnia... (6, 14)
(Mas todos os livros estão cheios, cheias as palavras dos sábios, cheia de exemplos
a idade avançada: as quais jazeriam todas nas trevas...” = tais coisas que jazeriam nas
trevas, e não outras.)
...dixisse ... eius
, a QUO sua uirtus optime praedicaretur. (9, 20)
(... ele disse... a voz daquele por quem a sua virtude fosse apregoada melhor’. ” = a
voz de uma pessoa por quem a sua virtude fosse melhor apregoada, não por quem ela fosse
cantada de maneira medíocre!)
61
...quotiens ego hunc uidi,... magnum numerum optimorum uersuum de iis ipsis rebus,
QUAE tum agerentur, dicere ex tempore! (8, 18)
(... quantas vezes eu o vi declamar de improviso grande mero de versos
excelentes a respeito daquelas mesmas coisas, que então se passavam!” = as coisas que
então se passavam, não outras além destas.)
No último exemplo, porém, encontramos um obstáculo. Segundo Bassols, as orões
relativas com valor adjetivo ou substantivo têm o seu verbo no modo indicativo, e as
orões relativas de valor adverbial, no modo subjuntivo na maioria das vezes algumas,
como as de valor final, sempre com subjuntivo; outras, como as de valor consecutivo ou
concessivo, por exemplo, são vacilantes, podendo ter o seu verbo tanto no indicativo quanto
no subjuntivo. A respeito das orões restritivas, contudo, Bassols não define a ocorrência
deste ou daquele modo.
Ligando o modo subjuntivo às orões relativas de valor adverbial, imediatamente
classificamos o exemplo abaixo como uma oração relativa de valor adverbial restritivo:
A Q. Metello
Pio, familiarissimo suo, qui ciuitate multos donauit, neque per se neque
per Lucullos impetrauisset? QUI praesertim ... de suis rebus scribi cuperet... (10, 26)
(Não o teria obtido por si nem pelos Luculos de Quinto Metelo Pio, seu amigo
muito íntimo, que a muitos concedeu a cidadania? O qual desejava sobretudo que se
escrevesse a respeito de seus feitos...)
Mas, onde estaria a restrição? Poderíamos dizer que este Quinto Metelo Pio – e não
outro Quinto Metelo Pio – desejava acima de tudo que se escrevesse a seu respeito? Faria
sentido? Haveria outros expoentes de nome “Quinto Metelo Pio” àquela época?
Apesar do verbo no subjuntivo (cuperet), questionamo-nos acerca do valor restritivo
desta oração. Até porque há uma oração relativa de valor adjetivo (qui ciuitate multos
donauit) para o mesmo antecedente, Quinto Metelo Pio, no período anterior. Na oração
62
relativa qui praesertim de suis rebus scribi cuperet temos o mesmo pronome relativo qui, o
que comporia uma anáfora já que o antecedente é o mesmo.
3.2.3. Orões relativas de valor substantivo
As orões relativas de valor substantivo ocorrem com menor freência, se as
compararmos ao número de orões relativas propriamente adjetivas (ou de valor adjetivo)
e de orões relativas de valor adverbial. Mas a sua presença é tão relevante quanto a de
outros tipos de oração relativa.
Vimos, no capítulo que trata dos modos na oração relativa, que a oração de valor
substantivo desempenha, na verdade, uma determinada função sintática na oração principal,
podendo ser ainda substituída por um substantivo ou por um pronome, ou um termo
equivalente.
QUI sedulitatem mali poetae duxerit aliquo tamen praemio dignam, huius ingenium
et uirtutem in scribendo et copiam non expetisset? (10, 25)
((Aquele) que, porém, julgou o empenho de um mau poeta digno de algum prêmio,
não teria cobiçado o talento deste e a virtude e a abundância em escrever?)
Já demonstramos que a oração qui sedulitatem mali poetae duxerit aliquo tamen
praemio dignam pode ser simplesmente substituída por Sulla, a respeito de quem se fala
neste trecho. No entanto, a oração relativa justifica a oração principal. Por que Cícero
sugere que Sila teria cobiçado o talento de Árquias? Porque tinha premiado um mau poeta,
simplesmente pelo seu esforço e aplicação. Se Sila demonstrava certa consideração pelos
poetas, mesmo pelos que não têm talento, quanto mais haveria de demonstrar por Árquias
a ponto de invejá-lo, como o orador nos induz a pensar. A oração relativa desenha, na
verdade, um contraste que não só embeleza o discurso, mas também opera como
sustentação dos argumentos do orador.
63
Vejamos o próximo exemplo:
An tu existimas aut suppetere nobis posse, QUOD cotidie dicamus in tanta uarietate
rerum, nisi animos nostros doctrina excolamus...? (6, 12)
(Acaso tu julgas que o que dizemos todos os dias pode bastar-nos, em tal variedade
de coisas, se não cultivarmos nossos espíritos com o estudo...?)
Como no exemplo anterior, já demonstramos que a oração quod cotidie dicamus pode
ser simplesmente substituída por um pronome, como hoc. Mas, para que este pronome
demonstrativo possa ser utilizado sem prejuízo do sentido da frase, é preciso que a idéia a
que ele remete seja compreensível a partir do contexto. Se não houver esta possibilidade,
fica claro por que se prefere a oração relativa nesta situação.
3.2.4. Anáforas
Quando há vários pronomes relativos repetidos (anáfora), eles têm o mesmo
antecedente. Vejamos:
... oratio
et facultas, QUAE, QUANTACUMQUE est in me, numquam amicorum
periculis defuit. QUAE si cui leuior uidetur... (6, 13)
(... o discurso e a habilidade oratória, a qual, tal como em mim há, nunca faltou nas
dificuldades dos amigos. A qual, se parece menor a alguém...)
...ut eum
, QUI uos, QUI uestros imperatores, QUI populi Romani res gestas semper
ornauit, QUI etiam his recentibus nostris uestrisque domesticis periculis aeternum se
testimonium laudis daturum esse profitetur isque est eo numero, QUI semper apud omnes
sancti sunt habiti... in uestram accipiatis fidem. (12, 31)
64
(... que recebais em vossa confiança aquele que a s, que a vossos comandantes,
que aos feitos do povo romano sempre exaltou; que também confessa que há de dar
testemunho eterno de louvor nestes nossos e vossos recentes perigos da pátria, e ele é
daquele mero de homens que sempre entre todos são considerados sagrados...)
Note-se que estas duas ocorrências no Pro Archia acontecem justamente em
momentos de reforço de um argumento: o primeiro exemplo é referente à oratio et facultas
de Cícero, que lhe rendem o favor dos juízes e dos ouvintes de maneira geral. O segundo,
referente ao poeta Árquias, declara, de maneira breve, direta e marcante pois já é o final
do discurso – tudo o que Árquias é, o que ele fez e o que fará.
Vejamos ainda:
(Illa
) QUAE de causa ... dixi, iudices, ea confido probata esse omnibus; QUAE fere
a mea iudicialique consuetudine et de hominis ingenio... locutus sum... a uobis spero esse
in bonam partem accepta... (12, 32)
((Aquelas coisas) que eu disse a respeito da causa, juízes, acredito terem sido
provadas a todos; espero que as que eu falei um tanto a partir de mim e do costume judicial
sobre o talento do homem... sejam aceitas por s em boa parte...)
Neste exemplo, temos a repetição do pronome relativo quae, referente a illa (“aquelas
coisas). Porém, deve-se prestar atenção ao fato de que o primeiro quae (quae de causa)
refere-se às coisas ditas sobre a causa, ao passo que o segundo quae refere-se à opinião
pessoal de Cícero a respeito do talento de Árquias. Sendo assim, embora gramaticalmente
eles tenham o mesmo antecedente, os pronomes relativos referem-se a idéis distintas.
O uso de anáforas visa principalmente à ênfase e serve de excelente ferramenta num
discurso jurídico. Juntamente com a repetição dos pronomes relativos, em reforço às idéias
que se deseja transmitir, podemos ver também o uso do pronome relativo tendo por
antecedente pronomes anafóricos. Observamos este fato nos exemplos abaixo:
65
(Illi ipsi philosophi) ...in eo ipso, in QUO praedicationem nobilitatemque despiciunt,
praedicari de se ac nominari uolunt. (11, 26)
((Aqueles mesmos filósofos)... naquele (livro) mesmo, no qual desprezam o
elogio e a celebridade, querem que se fale deles e que sejam mencionados.)
...non solum ipse
, QUI laudatur, sed etiam populi Romani nomen ornatur. (9, 22)
(... não apenas ele mesmo, que é elogiado, mas também o nome do povo romano é
honrado.)
Percebemos o valor de reforço dos pronomes relativos neste tipo de frase quando os
excluímos, pois não há prejuízo do sentido da frase com a sua exclusão:
(Illi ipsi philosophi) ...in eo
ipso praedicationem nobilitatemque despiciunt,
praedicari de se ac nominari uolunt. (11, 26)
((Aqueles mesmos filósofos)... naquele (livro) mesmo desprezam o elogio e a
celebridade, querem que se fale deles e que sejam mencionados.)
...non solum ipse
laudatur, sed etiam populi Romani nomen ornatur. (9, 22)
(... não apenas ele mesmo é elogiado, mas também o nome do povo romano é
honrado.)
3.3. Advérbios e conjunções formados a partir de pronomes relativos
São vários os advérbios e conjunções formados a partir de pronomes relativos.
Poderiam ser citados imeros deles. Contudo, limitando-nos àqueles que figuram no Pro
Archia, selecionamos alguns.
66
a. Quoad (de quo + ad = “até onde”, “até que ponto)
Nam, QUOAD longissime potest mens mea respicere spatium praeteriti temporis et
pueritiae memoriam recordari ultimam... (1,1)
(De fato, até onde minha mente pode, o mais longe possível, voltar-se para o espo
de tempo decorrido e recordar a lembrança mais distante de minha infância...)
b.Quemadmodum (de quem + ad + modum = “de qual modo, do modo como)
...quaeso a uobis, ut in hac causa mihi detis hanc ueniam, accomodatam huic reo,
uobis, QUEMADMODUM spero, non molestam... (2, 3)
(...po-vos que nesta causa me deis esta concessão, apropriada a este réu, não
incômoda a s, do modo como espero...)
c. Quare (de qua + re = “pela qual razão)
QUARE suo iure noster ille Ennius sanctos appellat poetas... (8, 18)
(Por esta razão (pela qual razão) com todo o seu direito o nosso famoso Ênio chama
os poetas de sagrados...)
QUARE, ...cupere debemus, quo minus manuum nostrarum tela peruenerint, eandem
gloriam famamque penetrare... (10, 23)
(Por este motivo (pelo qual motivo) devemos desejar, por menos que os dardos de
nossas mãos atinjam seu alvo, que esta glória e fama penetrem...)
QUARE conseruate, iudices, hominem pudore eo...(12, 31)
(Por isto conservai, juízes, um homem com este caráter...)
67
QUARE ... in ea (urbe) non debent togati iudices a Musarum honore et a poetarum
salute abhorrere. (11, 27)
(Por esta razão, nesta cidade os juízes togados não devem ser contrários à honra das
Musas e ao bem-estar dos poetas.)
d. Quod (oriundo do relativo neutro – porque”, “como, “e”, entre outros)
... hic ... est scriptus, QUOD semper se Heracliensem esse uoluit ... (5,10)
(...este... está inscrito, pois sempre quis ser Heracleense...)
...QUOD cum ipsis populis ... haec ampla sunt, tum iis certe, qui de uita gloriae
causa dimicant, hoc maximum et periculorum incitamentum est et laborum. (10, 23)
(... pois quando estas coisas são grandiosas para os mesmos povos, então este
incentivo, tanto de perigos quanto de trabalhos, é certamente maior para aqueles que
combatem pela vida por causa da glória.)
Atque hoc adeo mihi concedendum est magis, QUOD ex his studiis haec quoque
crescit oratio et facultas... (6, 13)
(E tanto mais deve ser isto a mim concedido porque este discurso e esta habilidade
também crescem a partir destes estudos...)
QUOD si ipsi haec nec attingere neque sensu nostro gustare possemus, tamen ea
mirari deberemus, etiam cum in aliis uideremus. (8, 17)
(E se s mesmos não pudéssemos compreender estas coisas, nem apreciá-las com
nosso sentido, contudo deveríamos admirá-las mesmo quando as víssemos em outros.)
68
...noster ille Ennius sanctos appellat poetas, QUOD quasi deorum aliquo dono
atque munere commendati nobis esse uideantur.
(...o nosso Ênio chama os poetas de sagrados, porque parecem ter sido a s
confiados como que através de alguma dádiva ou presente dos deuses.)
e. Cum (oriundo de quum, acusativo masculino singular quando; “como,
porque”)
Sed, ne cui uestrum mirum esse uideatur me in quaestione legitima et in iudicio
publico, CUM res agatur apud praetorem populi Romani... hoc uti genere dicendi... (2, 3)
(Mas, para que não pareça ser estranho a algum de s, numa questão legítima e em
julgamento público, quando a ação acontece perante um pretor do povo Romano, que eu
use este gênero de discurso...)
Hac tanta celebritate famae CUM esset iam absentibus notus, Romam uenit Mario
consule et Catulo. (3, 5)
(Como fosse já conhecido dos ausentes com esta tão grande celebridade de fama,
veio a Roma sendo cônsules Mário e Catulo.)
Interim satis longo interuallo, CUM esset cum Lucullo in Siciliam profectus et CUM
ex ea prouincia cum eodem Lucullo decederet, uenit Heracleam. (4, 6)
(Todavia, depois de um longo intervalo, quando partira com M. Luculo para a
Sicília, e quando retornou desta província com o mesmo Luculo, veio a Heracléia.)
CUM hic domicilium Romae multos iam annos haberet, professus est apud praetorem
Q. Metellum, familiarissimum suum. (4, 7)
(Como ele tinha seu domicílio em Roma já havia muitos anos, fez sua declaração
ao pretor Q. Metelo, seu amigo íntimo.)
69
f. Quoniam (de quom + iam = “desde que”, porque”)
Sed, QUONIAM census non ius ciuitatis confirmat... (5, 11)
(Mas, porque o recenseamento não confirma o direito de cidadania...)
g. Quoque (de quo + que = “e por isso, também, “até”, mesmo)
Atque hoc adeo mihi concedendum est magis, quod ex his studiis haec QUOQUE
crescit oratio et facultas... (6, 13)
(E tanto mais deve ser isto a mim concedido que este discurso mesmo e esta
habilidade crescem a partir destes estudos...)
h. Quominus (de quo + minus = “que não, por menos que”)
...si res eas... cupere debemus, QUO MINUS manuum nostrarum tela peruenerint...
(10, 23)
(...se devemos desejar estas coisas, por menos que os dardos de nossas mãos
atinjam seu alvo...)
70
4. CONCLUSÃO
Ao término deste trabalho, concluímos dizendo que no discurso Pro Archia, em que
Cícero faz o elogio das letras, o uso das mesmas vem a coroar a obra. O modelo de prosa
clássica ciceroniana permite-nos aproveitar muito do latim e de suas particularidades. Nesta
dissertação, concernente à sintaxe das orões relativas, pudemos perceber quão
diversificadas elas são e quais aspectos a tornam muito mais abrangentes que as orões
adjetivas do português.
Isto se deve ao fato de que os valores substantivo, adjetivo e adverbial exercidos pela
oração relativa lhe dão grande utilidade prática. Assumindo desta forma valor substantivo
ou adverbial, além do valor adjetivo, podendo assim ser substituídas por um substantivo,
adjetivo ou advérbio, o fato de estas orões ressaltarem o seu chamado “antecedente”
termo que vimos ser inadequadamente aplicado ao latim, já que nem sempre ele realmente
antecede a oração relativa torna-as instrumentos importantes no discurso.
Como a sintaxe latina é muito mais complexa que a sintaxe portuguesa, o que vemos
bem ilustrado através das orões relativas, surgem algumas dificuldades na tradução. Em
certas situões, o pronome relativo deverá ser traduzido como um pronome pessoal ou
demonstrativo para que a frase seja inteligível. O princípio de manter-nos fiel, o máximo
possível, ao autor do texto latino foi nosso objetivo, embora algumas vezes tivesse surgido
a necessidade de empregar em português construções sintáticas diferentes das originais,
para reproduzir fielmente o pensamento do autor.
Estudando a sintaxe latina, não podemos deixar à parte os modos verbais e seu uso.
De maneira geral, apesar da constatação da ocorrência mais freente de determinado
modo em orões relativas de determinado valor, devemos observar cada ocorrência como
uma situação única, sabendo que sempre há exceções à regra, quanto ao emprego do
Indicativo ou do Subjuntivo.
71
Observando os pronomes relativos, descobrimos que seu legado se estende à
existência de várias conjunções e advérbios a que ele deu origem. Um exemplo bastante
comum é o da conjunção quod, que pode, inclusive, em certos contextos, ser interpretada e
traduzida tanto como conjunção quanto como pronome relativo. Ainda a respeito do mesmo
quod, a sua extensão pode vir a alcançar as orões chamadas completivas, em construções
do tipo quid est quod e afins.
Em suma, Cícero utiliza, com a maestria que lhe é característica, as orões relativas
como poderosas armas no desenvolvimento da sua argumentação, tirando delas todo o
proveito, presenteando-nos com uma bela oração que enaltece as letras na qual ele mesmo
se vê enaltecido, sem precisar que poeta algum cante os seus talentos.
72
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75
NOTAS:
1
CICÉRON (1989), p. 14
2
Ibidem, p.18-22
3
CÂMARA JR. (1992), p. 226; 86
4
GRIMAL et alii (1986), p. 128;146.
5
ERNOUT & THOMAS (1953), §§ 116, 119.
6
Apud JURET (1933), p. 337.
7
MAROUZEAU (1947), p. 247.
8
BASSOLS (1973), p.32.
9
Apud WOODCOCK (1959), p. 109.
10
BASSOLS (1973), § 238.
11
BASSOLS (1973), § 238, b.
12
Apud BASSOLS (1973), §238, d.
13
ERNOUT & THOMAS (1953), p. 296.
14
HANDFORD (1947), § 178.
15
HANDFORD aborda as orões com qui e cum de valor causal/adversativo no mesmo
parágrafo, como sendo a mesma coisa.
16
Apud BLATT (1952), § 337; ERNOUT & THOMAS (1953), § 423.
17
ERNOUT & THOMAS (1953), § 423.
18
BASSOLS (1973), §232.
19
Ibidem, § 240.
20
Apud BIZOS (1997), p. 32.
21
ERNOUT & THOMAS (1953), § 160
22
MAROUZEAU (1935), p. 199.
23
BASSOLS (1973), § 160.
76
SÁ, Michele Eduarda Brasil de. As
orões relativas no Pro
Archia
de Cícero. Rio de Janeiro, 2002. Faculdade de
Letras/UFRJ. Dissertação de Mestrado.
RESUMO
Esta dissertação estuda as orões relativas do
latim, tomando como exemplo as encontradas no discurso
Pro Archia de Cícero. Aspectos inerentes à sintaxe das
orões relativas, tais como a posição da oração, a
concordância do pronome relativo, os modos do verbo
neste tipo de oração, entre outros, são examinados.
Busca-se apresentar o papel importante que estas orões
desempenham no discurso e como elas servem bem ao
autor na clareza com que sua mensagem deve ser
comunicada.
77
SÁ, Michele Eduarda Brasil de. As
orões relativas no Pro
Archia
de Cícero. Rio de Janeiro, 2002. Faculdade de
Letras/UFRJ. Dissertação de Mestrado.
ABSTRACT
This dissertation studies the relative clauses of
latin, taking as examples the ones found in Cicero´s
speech Pro Archia. Aspects inherent to relative clauses
syntax, just as the position of the clause, the concord of
the relative pronoun, the moods of the verb in this kind of
clause, and others, are examined. It seeks to present the
important role that these clauses play in the speech and
how they serve well to the author in the clearness with
which his message must be communicated.
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