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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
SILVEIRA, Maria da Conceição. A Comparação Semântica como
Estratégia Discursiva na Ars Amatoria, de Ovídio. Dissertação de
Mestrado em Letras Clássicas apresentada à Coordenação dos Cursos de
Pós-Graduação da Faculdade de Letras da UFRJ. Rio de Janeiro, 2003.
164 fls. Digit.
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________________________________________
Professor Doutor Carlos Antônio Kalil Tannus
___________________________________________________________________
Professora Doutora Flora Simonetti Coelho
___________________________________________________________________
Professora Doutora Alice da Silva Cunha
___________________________________________________________________
Professora Doutora Vera Lúcia Montenegro Vieira
___________________________________________________________________
Professor Doutor Edison Lourenço Molinari
Apresentada a Dissertação
Conceito:
Em / / 2003
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A COMPARAÇÃO SEMÂNTICA
COMO ESTRATÉGIA DISCURSIVA NA
ARS AMATORIA, DE OVÍDIO.
por
MARIA DA CONCEIÇÃO SILVEIRA DE ALMEIDA
Aluna do Curso de Mestrado em Letras Clássicas
Mestrado em Letras Clássicas (Culturas da
Antigüidade Clássica: O discurso latino clássico e
humanístico), entregue ao Programa de Pós-
Graduação em Letras Clássicas. Orientador:
Professor Doutor Carlos Antônio Kalil Tannus.
UFRJ/Faculdade de Letras
Rio de Janeiro, 1º semestre de 2003
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Dedico
A RAFAEL, FELIPE E GUILHERME,
meus filhos e companheiros de jornada,
pelo apoio em todos os momentos.
A VANADIR,
irmã, amiga e maior incentivadora,
por ter-me mostrado o caminho.
Ao Professor JOSÉ DE OLIVEIRA MAGALHAES,
mestre, guia e amigo incondicional,
pela orientação construtiva e transformadora.
AGRADEÇO
Ao Professor CARLOS ANTÕNIO KALIL TANNUS
a honra de tê-lo como orientador nesta dissertação,
as fecundas observações, a confiança e a colaboração.
Aos Professores do PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS CLÁSSICAS
tudo o que acrescentaram.
Às Professoras ALICE DA SILVA CUNHA E FLORA SIMONETTI COELHO
a gentileza de aceitarem compor esta banca examinadora.
Aos Professores de Graduação da UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO,
a inestimável contribuição para minha formação acadêmica.
Ao jovem Professor MÁRCIO LUIZ MOITINHA RIBEIRO
a dedicação e o carinho.
A ANDERSON MARTINS ESTEVES
a atenciosa colaboração.
A DANIELLE AZEVEDO
a ajuda prestimosa.
À Professora MARIA APARECIDA LINO PAULIUKONIS
a gentileza de ter cedido um exemplar de sua tese
Sinopse
A função argumentativa da comparação
semântica sob a perspectiva da antiga e
da nova Retórica, seu status de figura e
instrumento de persuasão. A
exemplificação e a metáfora como
derivações da estrutura comparativa na
interpretação semântica e semiológica da
Ars Amatoria, poema da primeira fase
da produção ovidiana.
S U M Á R I O
INTRODUÇÃO............................................................................................................................9
NOTAS E COMENTÁRIOS...........................................................................................17
1. Pressupostos históricos e literários...................................................................................18
1.1 – A política e a sociedade do período augustano........................................................18
1.1.1- Novamente a distinção entre patrícios e plebeus..........................................20
1.1.2- A família romana...........................................................................................21
1.1.3- O perfil da mulher romana............................................................................22
1.1.4- Aspectos da moral e da sexualidade..............................................................24
1.1.5- A lex Iulia......................................................................................................26
1.2 – A Pax Romana e o reflorescimento das artes..........................................................29
1.2.1- O lirismo e a poesia helenística.....................................................................30
1.2.2- A poesia amorosa..........................................................................................30
NOTAS E COMENTÁRIOS...........................................................................................33
2. O autor e o plano da obra.................................................................................................35
2.1 – O poeta do amor......................................................................................................35
2.2 – O plano discursivo da Ars Amatoria.......................................................................37
2.2.1- Poema em forma de tratado e tratado em forma de poema...........................38
2.2.2- Amores permitidos e amores ilícitos.............................................................41
2.2.3- Um tratado para homens e mulheres.............................................................42
2.2.4- Linguagem poética e linguagem retórica......................................................43
2.2.5- Uma paródia divertida ou uma critica mordaz..............................................44
2.2.6- Uma mistura de vulgaridade com elegância.................................................45
2.2.7- Da seriedade do gênero didático à irreverência do assunto..........................46
NOTAS E COMENTÁRIOS...........................................................................................48
3. A análise semântica. Considerações teóricas...................................................................49
3.1 – Algumas noções sobre Semântica...........................................................................50
3.1.1- Semântica e Semiologia................................................................................51
3.1.2- Os tipos de significação.................................................................................54
3.2 – Texto e discurso.......................................................................................................55
3.3 – Retórica Antiga e Retórica Nova.............................................................................56
3.3.1- Retórica e argumentação...............................................................................58
NOTAS E COMENTÁRIOS...........................................................................................62
4. A Comparação semântica e suas variações na Ars Amatoria...........................................63
4.1 – A Comparação como estrutura sintática correlata...................................................64
4.2 – Caracterização da Comparação ou Símile...............................................................66
4.3 – As Comparações gramaticais na Ars Amatoria.......................................................67
4.3.1- Comparações com estruturas comparativas correlatas na Ars Amatoria......68
4.3.2- Comparações com outras estruturas correlatas de sentido comparativo.......70
4.3.3- Comparações com termos comparativos sem correlação..............................71
4.4 – A Antítese e seu potencial comparativo..................................................................72
4.5 – A Metáfora argumentativa.......................................................................................73
4.6 – A Comparação com outros elementos de valor potencialmente comparativo.........80
4.7 – O emprego da Comparação Semântica....................................................................83
NOTAS E COMENTÁRIOS...........................................................................................99
CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................101
Bibliografia.....................................................................................................................106
Quadro da Estruturas Comparativas Latinas........................................................ANEXO I
Tradução.............................................................................................................ANEXO II
SILVEIRA, Maria da Conceição. A Comparação Semântica como Estratégia
Discursiva na Ars Amatoria, de Ovídio. Dissertação de Mestrado em Letras
Clássicas apresentada à Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação da Faculdade
de Letras da UFRJ. Rio de Janeiro, 2003. 164 fls. Digit.
RESUMO
Neste trabalho são avaliados os enunciados comparativos presentes
na Ars Amatoria, de Ovídio, procurando demonstrar seu funcionamento
como estratégia argumentativa.
Para a concretização do nosso objetivo, e porque a pesquisa tinha
como principal fundamento o estudo semântico desses enunciados, que
em sua maioria não apresentam os elementos gramaticais, estudamos
também o contexto histórico e social de produção da obra, pois é fator
relevante para tal abordagem, uma vez que a Semântica não concebe um
texto senão relacionado ao seu contexto, que o motiva e explica.
Verificou-se que os enunciados de valor comparativo identificados
no texto, dada sua singularidade não possibilitam sua classificação precisa
entre as figuras de retórica das quais a comparação é um exemplo.
Também foi realizada uma análise do texto, baseada em suas
inúmeras ambigüidades, com a qual se constatou, desde a possibilidade de
uma classificação em dois gêneros distintos, até a duplicidade de
intenções. Se por um lado há o propósito de parodiar os antigos tratados,
por outro existe a denúncia da moral dupla de seu tempo. Pela análise do
texto dentro do seu contexto, não apenas os fatos literários, mas também
os lingüísticos adquirem maior transparência.
SILVEIRA, Maria da Conceição. A Comparação Semântica como Estratégia
Discursiva na Ars Amatoria, de Ovídio. Dissertação de Mestrado em Letras
Clássicas apresentada à Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação da Faculdade
de Letras da UFRJ. Rio de Janeiro, 2003. 164 fls. Digit.
RÉSUMÉ
Dans ce travail ils sont estimés les déclarations comparatives présentes
dans Ars Amoureux, d'Ovide, essayer de démontrer son opération comme
stratégie raisonneuse.
Pour la matérialisation de notre objectif, et parce que les recherches
avaient comme fondation principale l'étude sémantique de ces
déclarations qui dans sa majorité ils ne présentent pas les éléments
grammaticaux, nous avons aussi étudié le contexte historique et social de
production du travail, parce que c'est facteur pertinent pour telle approche,
une fois la Sémantique ne conçoit pas de texte ou autrement être en
rapport avec son contexte qui motive him/it et il explique.
Il a été vérifié que les déclarations de valeur comparative ont identifié
dans le texte, donné sa singularité ne fait pas possible sa classification a
besoin parmi les illustrations de rhétorique du lequel la comparaison est
un exemple.
Aussi une analyse du texte a été accomplie, basé sur leurs ambiguïtés
innombrables avec lequel a été vérifié de la possibilité d'une classification
dans deux marchandises différentes, jusqu'à la duplicité d'intentions. Si
sur un côté il y a le but de parodier les vieux traités, pour un autre
l'accusation des moralités doubles de son temps existe. Pour l'analyse du
texte dans son contexte pas seulement les faits littéraires, mais aussi les
linguistiques acquièrent la plus grande transparence.
SILVEIRA, Maria da Conceição. A Comparação Semântica como Estratégia
Discursiva na Ars Amatoria, de Ovídio. Dissertação de Mestrado em Letras
Clássicas apresentada à Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação da Faculdade
de Letras da UFRJ. Rio de Janeiro, 2003. 164 fls. Digit.
SUMMARY
In this work they are appraised the present comparative statements in
Amatory Ars, of Ovid, trying to demonstrate his/her operation as
argumentative strategy.
For the materialization of our objective, and because the research had
as main foundation the semantic study of those statements, that in his/her
majority they don't present the grammatical elements, we also studied the
historical and social context of production of the work, because it is
relevant factor for such approach, once the Semantics doesn't conceive a
text or else related to his/her context, that motivates him/it and it explains.
It was verified that the statements of comparative value identified in
the text, given his/her singularity don't make possible his/her
classification needs among the illustrations of rhetoric of the which the
comparison is an example.
Also an analysis of the text was accomplished, based on their countless
ambiguities, with which was verified, from the possibility of a
classification in two different goods, until the duplicity of intentions. If
on one side there is the purpose of parodying the old treaties, for another
the accusation of the double morals of his/her time exists. For the
analysis of the text inside of his/her context not just the literary facts, but
also the linguistic ones acquire larger transparency.
“Desde quando o homem pratica a argumentação?
Seríamos tentados a dizer que ele o faz desde o momento
em que se comunica. Ou ainda, a partir do momento em
que tem opiniões, crenças, valores e que tenta fazer com
que os outros partilhem destas crenças e valores. Isto é,
desde sempre, na medida em que o homem se identifica, ao
contrário dos animais, com uma palavra, com um ponto de
vista próprio sobre o mundo no qual ele vive.”*
*BRETON, 1999, p. 23.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objeto de estudo a comparação semântica que, ao lado de outras
estruturas comparativas, aparece em toda a Ars Amatoria como a principal estratégia discursiva.
Se nos basearmos no modo como Ovídio a utilizou, poderemos considerar a possibilidade de
adicionar às três funções do discurso apontadas pela Retórica Antiga, docere, delectare e
movere, mais uma finalidade: dissimulare
1
, fundamentada nos modernos estudos de retórica,
cuja evolução levou a inúmeros desdobramentos nos dias de hoje graças aos estudos de
Semântica, Pragmática e às teorias da Análise do Discurso. Para essa conclusão, baseamo-nos
principalmente na argumentação por autoridade
2
, de Oswald Ducrot e nas teorias de Aristóteles
relativas aos instrumentos de persuasão que, juntamente com as novas propostas de análise
textual e discursiva, apresentaremos no terceiro capítulo.
A forma de comparação utilizada pelo autor, embora presente nos três livros, está
explorada de forma bastante evidente no livro II, onde a ousadia é levada ao paroxismo, o que
tornou, portanto, necessária uma saída compensatória que pelo menos resguardasse o autor da
responsabilidade total pelas lições maliciosas ali contidas. Num contexto político e social
desfavorável o suficiente para uma obra de tal cunho, a elegância, e o apuro lingüístico, a beleza
das imagens e o modelo tão em voga, nada impediu que a alta aristocracia a considerasse
totalmente inconveniente
3
. Mais do que inconveniente, arriscada.
O mundo romano acabara de acolher de bom grado, até onde é possível constatar pela
análise dos historiadores e pelo próprio testemunho das obras literárias que chegaram aos nossos
dias, um governante empenhado na preservação dos territórios conquistados e determinado a
promover paralelamente o resgate da romanidade em sua mais elevada acepção, romanidade
esta que se descaracterizava a cada dia em conseqüência do gigantismo e enriquecimento do
Império. A busca desenfreada por prazeres até então desconhecidos, ou reprimidos por uma
rígida disciplina, vinha transformando o exterior e também o interior do cidadão romano.
Mas o projeto grandioso do Imperador Augusto incluía o favorecimento à expansão da
cultura, e não apenas por razões políticas, mas porque o próprio Imperador era um homem de
letras que deixou também textos de sua lavra. O mais importante deles e do qual se encontraram
fragmentos em diversos pontos do antigo Império, é o Monumentum Ancyranum, cópia integral
na versão grega das Res gestae divi Augusti encontrado em Ancira.
4
Com exceção da pintura, que já havia iniciado uma trajetória vitoriosa em direção ao
esplendor que atingiu no Renascimento e alcançara sua expressão essencialmente italiana, as
artes romanas tomaram emprestado, sobretudo aos gregos, os principais modelos em que a
produção romana se espelhou. A poesia anterior ao período augustano já dava mostras dessa
preferência. Catulo foi um dos primeiros poetas, em quem os temas e também a métrica
revelavam a influência do helenismo
5
, que será a marca mais significativa presente na obra dos
poetas elegíacos, dos quais Ovídio é considerado o mais perfeito representante
6
.
A obra de Ovídio, que foi escrita predominantemente em dísticos elegíacos, e explorou
com mestria o tema amoroso, consagrou-o, mas, ao mesmo tempo pode ter sido a responsável
por sua ruína. O princípio da cooperação
7
, no caso da Ars Amatoria, não foi devidamente
apropriado na interação comunicativa entre o poeta e os destinatários da mensagem. Somos
levados a supor que nem as elites, nem o público foram capazes de perceber a paródia bem
humorada aos tratados filosóficos – que na Antigüidade se intitulavam “Artes” – evidente na
obra, cuja estrutura pode ser perfeitamente analisada segundo as regras aplicadas aos discursos
retóricos. Desde a captatio benevolentiae, o recurso às provas e o apelo aos sentimentos, tudo
está presente e pode ser assinalado em cada parte constitutiva desse “discurso” ovidiano.
Tratando-se de uma obra classificada por alguns autores – não pelo tema, naturalmente –
como didática
8
, conscientemente ou não, o primeiro postulado a considerar seria docere, que
também justifica o uso desse tipo de comparação, pois a exemplificação como instrumento
persuasivo é parte das técnicas pedagógicas; quando alguém se propõe ensinar, relações de
equivalência ou oposição são feitas entre fatos e situações já conhecidas e universalmente
aceitas para auxiliar a memorização ou o entendimento
9
. A semelhança entre um ensinamento
ministrado e um exemplo passível de causar uma forte impressão, a despeito da lógica, conduz
a uma outra finalidade do uso dos conhecimentos de retórica, o movere, porque o espírito,
parcialmente desarmado pela palavra bem empregada, fica mais receptivo aos objetivos do
enunciador.
Para delectare estão presentes dois fatores, um decorrente da própria estrutura da obra e
o outro identificado no perfil da sociedade romana naquele momento. O primeiro refere-se ao
fato de se tratar de um poema, escrito em dísticos elegíacos, muito bem aceito e cultivado na
época. O outro, o tema erótico, já tão bem sucedido na primeira obra de Ovídio e um dos
principais motivos da expansão e desenvolvimento da poesia de inspiração helenística em
Roma, que encontrava ressonância no mundanismo que se generalizava na vida social do
Império.
O encontro recente com os estudos semânticos e da Análise do Discurso sob orientação
da Professora Maria Aparecida Lino Pauliukonis, assim como o curso Prosadores Latinos,
ministrado pela Professora Ana Thereza Basílio Vieira, na UFRJ, ampliaram nosso interesse
pela observação cuidadosa dos instrumentos de persuasão utilizados nos textos em geral.
Também teve grande importância o seminário apresentado pela Professora Viviana Gastaldi, em
2002, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, baseado em seus estudos sobre a retórica no
discurso trágico e tema do livro Psicagogia y Litigación: modalidades del discurso trágico.
Algumas considerações lingüísticas se fazem necessárias para que possamos identificar e
demonstrar as ocorrências da comparação no corpus que elegemos para esta pesquisa, no qual a
abundância de exemplos aguçou-nos a curiosidade, pois, ao compará-la com outras obras
elegíacas e com as Metamorfoses, do próprio autor, percebemos uma variação sutil na maneira
de servir-se do mito, recorrente, é verdade, na poesia desse período, mas que na Ars Amatoria
reveste-se de um significado maior, porque ultrapassa a finalidade meramente ilustrativa e o
simples exibicionismo da sua reconhecida erudição.
10
Com o uso da comparação, o elemento
mítico adquire força de instrumento persuasivo e ao mesmo tempo é uma espécie de
dissimulador, confiável pela verossimilhança. Estas e outras observações serão apresentadas
sempre que for oportuno para elucidar questões que possam surgir durante o desenvolvimento
do trabalho. Mas nossa pesquisa pretende restringir-se aos aspectos relacionados à comparação
semântica dentro da obra e sua função argumentativa e, quaisquer outros temas abordados terão
como única finalidade a motivação, a ilustração ou a justificativa para nossos argumentos.
Também avaliaremos os fatores políticos, sociais e até mesmo econômicos, mas somente
os que forem relevantes para a identificação dos estímulos de base contextual que podem ter
levado, não apenas à produção do poema como também à escolha de sua forma de estruturação
e apresentação. Esperamos estar contribuindo com mais uma demonstração, o mais
fundamentada possível, da convergência perfeita entre a língua e a literatura que a Lingüística
Textual e a Análise do Discurso lograram concretizar.
Através da língua, a cultura de um povo se revela, pois a cultura pode funcionar como
geradora de muitas formas de expressão lingüística. Também a cultura sofre influência dos
recursos que a linguagem põe a serviço da interação dentro de uma sociedade, favorecendo ou
retardando, até mesmo impedindo as realizações humanas.
11
Este comprometimento entre
cultura e língua, tão bem apropriado pelos estudiosos das enunciações sempre teve grandes
implicações na atividade retórica. Cícero, no Orator e, mais tarde, Quintiliano, já defendiam a
importância de uma série de habilidades e conhecimentos indispensáveis ao orador, entre eles a
cultura geral. E quanto mais uma cultura se enriquece e se diversifica, maiores as exigências da
comunicação e, ao mesmo tempo, mais se renovam as ferramentas lingüísticas à disposição dos
técnicos da palavra.
Com efeito, a complexidade da cultura romana, forjada ao longo de séculos de conflitos,
superstições e constantes contaminações de outras culturas, tornou a língua latina, se não pela
riqueza do vocabulário, mas pelo potencial expressivo da sua sintaxe, a mais importante
referência para as pesquisas lingüísticas. Temos podido constatar que nenhum estudo de
linguagem, por mais que se proponha ser moderno ou sincrônico pode prescindir da
investigação dos textos clássicos onde se busca, acima de tudo legitimidade e credibilidade.
O confronto de duas situações manifestadas através da linguagem, quando uma é
avaliada em função da outra, para que seja significada de forma positiva, negativa ou igual e que
denominamos comparação, além de uma estrutura sintática é também uma figura de linguagem
(simile) de inúmeras formas de realização e que tem na metáfora seu mais alto grau de
especialização.
12
A alusão momentânea a determinado fato para que aquilo que se quer
comprovar, seja avaliado por um outro prisma, ou mesmo a substituição do principal por uma
referência mais aceitável, mais convincente ou mais bela, constitui o que aqui vai denominado
como comparação semântica (não sendo sintática, independe da presença explícita de marcas
lingüísticas, mas pode também ser realizada com o auxílio destas marcas ou suas inúmeras
variações).
É possível que muitas das análises apresentadas sejam confundidas com um simples e
trivial trabalho de interpretação de texto; e esta semelhança não é mero acaso, pois é, com
efeito, a análise semântica de um enunciado o que conduz, inegável e inevitavelmente, ao seu
desvendamento.
13
O que se pretende com esta pesquisa é identificar, extrair, e apontar as diversas formas
pelas quais a comparação constitui um conjunto de mecanismos lingüísticos que se organizam
dentro da estrutura discursiva visando às diversas finalidades referidas acima.
A divisão do trabalho em cinco partes não inclui esta introdução, onde expusemos
nossas razões para a escolha do tema e estabelecemos os objetivos e os limites da pesquisa,
além de traçarmos um breve panorama das questões históricas com que buscaremos
fundamentar a análise lingüístico-discursiva da Ars Amatoria. Além do estudo semântico dos
fragmentos selecionados, contaremos com o apoio dos estudos da Nova Retórica, da Pragmática
e da Análise do Discurso cujos princípios e leis podem ser identificados em todo o poema.
No primeiro capítulo apresentaremos mais detalhadamente os pressupostos históricos e
um retrato, tão elucidativo quanto possível, da sociedade da época com as causas e
conseqüências da decadência dos costumes que resultaram nas medidas moralizadoras de
Augusto. Faremos referência a uma lei criada especialmente para este fim, mas que em seu
próprio termo revela uma grande contradição – ao menos para nossa visão moderna. Também o
papel de Ovídio como testemunha e coadjuvante do seu tempo, ironizando a falsa moral da elite
romana será discutido a partir do tratamento do amor pelos poetae novi dos quais Ovídio é, mais
que um representante, o paradigma.
O conceito de amor, que também se modificou e se ampliou com o desenvolvimento da
raça humana apresenta semelhanças e diferenças em cada época e em cada cultura. Com efeito,
para os romanos, com seu pragmatismo exacerbado seria impensável o amor como nós o
concebemos. Por isso, também será apresentado um breve comentário sobre os diversos
significados do amor, especialmente como o apresentam os autores das outras Artes de Amar
que, de sugestão erótica ou inspiração filosófica, são o legado de Ovídio à cultura ocidental.
Outros aspectos identificados na obra, como a ambigüidade da motivação, e a relação
entre o tema e as convicções explicitadas pelo poeta, estarão incluídos nesse capítulo, que se
encerra com a avaliação do recurso ao exemplo mítico para compartilhar os riscos e a
responsabilidade, como uma forma de autodefesa. Diante dos fatos conhecidos, a hipótese de
ser o subterfúgio uma das finalidades do uso freqüente destes exemplos, nos três livros e a cada
lição, não pode ser afastada.
A segunda parte contém uma descrição da obra, e a exposição dos motivos que levaram
a essa forma de descrição, especialmente no que diz respeito às semelhanças com o discurso
retórico. Também procuraremos traçar um perfil do “poeta do amor” segundo biógrafos e
críticos, questionando a validade de algumas afirmações sobre este e sua obra, dado o
distanciamento no tempo e no espaço, o que impossibilita uma avaliação melhor fundamentada,
pois as informações de que dispomos ou são ditadas pela paixão ou baseada em analogias ou
especulações. Há na obra detalhes que saltam aos olhos de qualquer observador atento, e em
muitos versos é possível perceber uma espécie de reação contrária àquele padrão duplo de moral
que a literatura especializada atesta. Sabemos que o apelo ao humor permite, muitas vezes,
trazer à superfície questões delicadas ou censuráveis que, no entanto, são bem toleradas quando
apresentadas de tal maneira que provoquem o riso. Por isso, farão parte deste segmento,
algumas considerações sobre a ironia e o humor presentes no texto, pois a hipótese de uma
crítica deliberada e nem sempre sutil às medidas de Augusto pode não ser um exagero.
O capítulo terceiro conterá breve histórico da evolução dos estudos de Semântica e um
esboço teórico desta disciplina dos significados que inclui seu objeto de estudo, os principais
conceitos, suas relações com outros estudos lingüísticos, com outras ciências e sua importância
na análise textual e discursiva.
No quarto capítulo finalmente serão reunidos e analisados os inúmeros exemplos de
comparação na Ars Amatoria, objeto específico deste trabalho, que, no entanto, não se
justificaria sem que se levassem em conta os diversos pressupostos para o uso das inúmeras
formas de comparação e da comparação semântica, em particular, como aparece no poema. A
comparação será estudada em suas várias nuanças, considerando principalmente o confronto de
situações análogas e a igualdade implícita, ainda que carregada de subjetividade (ou
intersubjetividade).
Extraindo da obra as diversas ocorrências de exemplificação, metáforas e outras formas
de comparação – implícitas ou explícitas – como recurso didático e, portanto, fator de
persuasão, não deixaremos de comentar as curiosidades inusitadas, próprias do gênio de Ovídio
e outras sutilezas lingüísticas sempre que forem oportunas para enriquecimento e maior clareza
da proposta apresentada.
Para concluir, levando em conta as conseqüências da obra no destino de Ovídio, como
sugere a maioria dos estudiosos, faremos uma avaliação da eficácia dos instrumentos de
persuasão em circunstâncias tão particulares, como o momento histórico que focalizamos. Nem
um orador hábil como Cícero alcançou unanimidade de recepção positiva e uma breve
exposição do princípio da cooperação pode permitir entender as falhas possíveis na interação
comunicativa e reavaliar pelo menos uma das hipóteses para o exílio do poeta.
____________________________
NOTAS E COMENTÁRIOS:
1-“O poeta é um fingidor”. (F.P.)
2-DUCROT, 1987, p. 139.
3-MARMORALE, 1974, p.252
4-PARATORE, 1983, p. 451.
5-Já em Plauto aparece essa riqueza métrica; também em Lucílio e Ênio.
6-GRIMAL, P. 1954, p.135.
7-Logique et Conversation. In Communications, nº 30, 1979.
8-DOMINIK, 1997, p. 198.
9-LIBÂNEO, J. C. 1994, p. 162.
10-PARATORE, 1983, p. 502
11-Hipótese Sapir-Whorf, CABRAL, 1982, p. 165.
12-“A metáfora é o tropos por excelência”. QUINTILIANO, IO.
13-ILARI, 2001, p. 92.
Capítulo 1 – Pressupostos históricos e literários.
“Existe o falar porque existem indivíduos que pensam e sentem;
e existem línguas como entidades históricas, como sistemas e normas
ideais, porque a linguagem não é só expressão, finalidade em si mesma,
senão também comunicação, finalidade instrumental, expressão para
outro, cultura objetivada historicamente e que transcende ao
indivíduo.”*
Os aproximadamente 40 anos do principado de Augusto caracterizaram um período de
profundas transformações da moral social, apesar do empenho do Imperador em resgatar as
tradições nas quais ele depositava toda a esperança da salvação do Império que já mostrava
sinais de enfraquecimento.
1
Ao despojar o Oriente de seus tesouros, os romanos levaram para a Vrbe não apenas as
riquezas, mas um estilo de vida que disseminou o gosto pelo luxo exacerbado e a busca de uma
existência tão prazerosa quanto possível, e isso afetou desde a antiga frugalidade à mesa até à
conduta sexual, embora esta já houvesse sofrido alguma contaminação em seus padrões desde a
anexação da Grécia, no século II a. C.
1.1 – A política e a sociedade do período augustano.
Caio Otávio Turino, nascido em 24 de setembro de 63 a. C., recebeu oficialmente o
nome de Caio Júlio César Otaviano ao ser adotado por César em 45 a. C. e, com este nome, a
missão de concretizar algumas aspirações do tio e pai adotivo e outras que tanto a superstição
popular quanto seu próprio misticismo lhe atribuíam.
2
* (COSERIU, 1977, p. 510)
Após a morte de César, Augusto torna-se herdeiro da fortuna e do poder do antigo
ditador, embora, para consolidar este poder, tivesse precisado empreender campanhas políticas e
militares, cujos resultados favoráveis lhe asseguraram prestígio e inspiraram L. Munácio Planco
a propor aos Senadores que concedessem àquele jovem César o título de Augustus. Afinal, pela
influência alcançada em Roma, ainda que tivesse – como um estratégico presente – colocado o
poder à disposição do povo e do Senado, os serviços já prestados ao Estado, haviam-no tornado,
também aos olhos dos demais cidadãos, quase um outro Rômulo, e não somente porque acabara
de fundar um novo Império. Apenas o temor de que o mesmo destino funesto do primeiro rei o
alcançasse, impediu a utilização do nome daquele como um título de honra a Augusto.
3
Mas o
termo augustus, aplicado a lugares ou objetos sagrados em razão de bons augúrios havia sido
também atribuído a Rômulo por seu papel de iniciador e referia-se a crenças remotas que
associavam todo começo a uma missão divina, o que afirmava o caráter promissor de qualquer
iniciativa a partir de então empreendida por aquela espécie de ser de natureza especial e
escolhido pelos deuses. Além das conseqüências resultantes da atuação político-militar dele
próprio e de seus opositores, muitas coincidências felizes e auspiciosas, por vezes transformadas
em lendas, serviram para confirmar a predestinação de Augusto ao poder máximo sobre tão
grande parcela do mundo.
4
Como faltasse ao Senado apoio militar após a morte de César para empreender a
restauração da antiga ordem, aquela instituição que tanto se destacara durante a República
perdeu, assim, a autoridade necessária para atender às aspirações dos cidadãos romanos que
estavam inclinados a seguir, entre Otávio e Antônio, aquele que fosse capaz de assegurar a
manutenção da unidade do Estado e sua posição política, econômica e social privilegiada,
conquistada ao longo de séculos de batalhas e sangrentos conflitos sociais, e isto
independentemente da forma de governo adotada. Otávio teve mais sensibilidade para captar
este sentimento popular, do qual ele próprio partilhava, e logo acenou com a promessa de um
trabalho árduo, que visava, também, ao resgate do predomínio da mais alta nobreza
essencialmente romana e à composição de um quadro de cidadãos de origem semelhante. Com
o estabelecimento do novo sistema de governo, o Senado voltava a espelhar a autêntica
sociedade italiana.
5
Para a maioria dos estudiosos, Augusto não representa um modelo de tirano
6
, pois,
embora tenha sido capaz de sufocar exemplarmente rebeliões que eclodiam em vários pontos de
seus domínios, reprimindo as destruições e os atos de rapina, também nas administrações das
províncias, seu governo foi marcado por uma constante assistência, mesmo às regiões mais
distantes. Desse modo, conseguiu simular uma pretensa liberdade republicana que era, por um
lado, controlada com extremo rigor, e ao mesmo tempo monitorada por intensa propaganda, à
medida que reunia em torno de si a mais alta intelectualidade, entre historiadores e poetas, de
origens as mais diversas, aos quais coube conquistar as graças e a boa vontade das populações
para a causa pessoal do Imperador.
7
A divindade de Augusto e a grandeza de Roma, por vezes,
se confundiam, embora, ao lado de sua notória ambição, o testemunho de sua obra revele
verdadeiramente um gênio político e militar devotado à nação romana.
1.1.1- Novamente a distinção entre patrícios e plebeus.
A restituição de pequenas propriedades, anteriormente confiscadas para recompensar os
veteranos de guerra, e a revalorização da religião e da família exigiram inúmeras reformas e
medidas severas, como a proibição de casamentos com libertos (mais tarde atenuadas pela
necessidade de repovoamento). Aos soldados aquartelados era proibido o casamento com quem
quer que fosse, mas os demais cidadãos, por lei, tinham o dever de se casar,
8
e os casais que
conseguissem gerar e criar pelo menos três filhos poderiam ser generosamente recompensados.
9
Nesta busca de uma quase redenção da família Augusto criou leis rígidas, que previam
punições para condutas sexuais que pusessem em risco a integridade do laço conjugal, pois dele
dependia a própria integridade do Estado, que não podia prescindir de suas tradições morais
tanto quanto de seus deuses, aos quais estavam ligados os destinos do Império e do seu povo. É
neste contexto mais que em outros momentos da história, que o destino da mulher aparece
indissoluvelmente ligado à propriedade privada.
“Compreende-se a importância fundamental desta instituição, lembrando que o
proprietário projeta sua vida na propriedade, que lhe interessa muito mais que sua
própria vida, pois ultrapassa os limites estreitos desta vida temporal e subsiste muito
além da destruição do corpo, encarnação terrestre e sensível da alma imortal; porém essa
sobrevivência só se realiza se a propriedade permanece nas mãos do possuidor: e depois
da morte não poderia ser sua se não pertencesse a indivíduos nos quais ele se prolongue
e reconheça que são seus.”
10
1.1.2- A família romana.
O termo familia, relacionado a famulus (servo doméstico) designava inicialmente o
conjunto de escravos que viviam numa mesma casa e era bem distinto de gens, que dizia
respeito a pessoas com um ancestral comum e que faziam uso de um nomen gentilício. No
apogeu do Império, já há muito passara a indicar o conjunto das pessoas que viviam sob a
dependência de um pater familias, incluindo esposa, filhos e também os criados e escravos. O
próprio termo famulus se transformou, tornando-se uma das denominações dos sacerdotes
pagãos.
Os historiadores atestam o caráter sagrado da família romana na qual o pai detinha toda
autoridade, possuindo o direito de vida e de morte sobre seus dependentes, enquanto perdurasse
sua existência.
11
Seu poder sobre a família estava acima das decisões de qualquer tribunal.
Além de garantir uma rígida disciplina em seus domínios, cabia-lhe presidir o culto aos deuses
Lares, pois no significado religioso da família repousavam os valores e tradições daquela
sociedade.
A mulher, que passava do domínio do pai ao do marido, ainda que desfrutasse de alguns
privilégios (dividia com o pater faimilias a autoridade sobre os filhos e os escravos, e não estava
obrigada a outros trabalhos, senão fiar e tecer)
12
, era ainda um ser sem voz que, em caso de
viuvez, passava a dever obediência ao filho mais velho. Mas comandava a educação dos filhos
menores e, em alguns casos era uma espécie de conselheira do marido e partícipe do culto
doméstico.
Este sistema familiar reproduziu por muito tempo o ideal romano, e por esta razão era
necessário preservá-lo. Descaracterizar a família como instituição poderia ser fatal para o
Império, pelo menos essa era a crença de Augusto.
13
1.1.3- O perfil da mulher romana.
Admitem os estudiosos que a influência de uma cultura matriarcal de origem etrusca
teria deixado alguns vestígios, ainda que modestos, nas relações familiares romanas. E só isto já
é condição necessária e suficiente para que procuremos entender a presença inequívoca dessa
mulher voluntariosa – ainda que tolhida por um sistema que nem sequer a reconhecia como
indivíduo, e que precisava ser controlada pela força da lei – integrante da população feminina
das classes privilegiadas na Roma antiga.
Se levarmos em conta que inúmeros aspectos da herança etrusca foram gradativamente
apagados das tradições patrícias e substituídos por lendas adaptadas à ideologia da superioridade
dos romanos sobre os povos do mundo
14
, não podemos ignorar esta demonstração de força
feminina que de qualquer modo já não era bem vista.
“Na época em que o gênero humano se eleva até a redação escrita de suas
mitologias e leis, o patriarcado torna-se definitivamente estabelecido (...) O código
romano põe a mulher sob tutela e proclama sua imbecilidade.”
15
Mas a caracterização dessa mulher nemo frágil, nem tão submissa não é tarefa
simples, pois a cultura romana não possui o testemunho de obras produzidas por mulheres. Se
não lhes era imposto o dever das tarefas consideradas servis, também não lhes era facultado o
direito de desenvolver atividades criativas e culturais, pelo menos que tenham chegado aos
nossos dias.
Havia as mulheres das classes inferiores, que não eram submetidas aos rigores da
legislação ou comprometidas com o mos maiorum, e que, de acordo com os relatos masculinos,
desfrutavam de maior liberdade que suas rivais da aristocracia. Rivais, porque era entre essas
mulheres que os cidadãos romanos escolhiam suas concubinas e jamais se cogitou incluir nos
projetos moralizadores a proibição de relações extraconjugais para os homens casados.
Já vimos que a mulher das classes elevadas passava da manus do pai biológico ou do
tutor para a do marido
16
e nem ao menos possuía um nome exclusivo, pois dentro da mesma
gens, o que as distinguia eram epítetos como vimos acontecer na própria família do imperador
com as duas Júlias (Júlia maior e Júlia menor), ou seja, eram classificadas em ordem de
nascimento, o que é bem diferente de uma denominação. Esses nomes eram em geral
sobrenomes de família flexionados em gênero.
A necessidade de garantir posições de prestígio social levava os pais a contratarem
casamentos para as filhas que ainda não tinham saído da infância e em conseqüência desses
expedientes o casamento não chegava a ser uma experiência agradável, mesmo para os homens,
o que explica o elevado número de adultérios, a recusa à geração de filhos e a escolha de
parceiras nas camadas mais pobres.
Vinha, em parte, do seu valor como moeda de troca o poder que a matrona exercia
dentro da sociedade conjugal; sobretudo razões econômicas, mais que a obediência às leis
impediam as dissoluções do casamento se o marido não tivesse recursos para devolver o dote.
Para as mulheres tudo era uma questão de conveniência ou de falta de opção, pois o que
poderia fazer uma mulher que vivia sob um regime em que seu poder era condicionado ao do
paterfamilias, que era ilimitado?
Portanto, são duas as espécies de mulher romana que os relatos exclusivamente
masculinos destacam: primeiramente as dissolutas e capazes de extremos de crueldade como
Messalina ou Agripina, mulheres de imperadores, e Lésbia ou Cíntia, mulheres que seus
amantes imortalizaram em versos; em segundo lugar aquelas fiéis ao ideal romano e que, como
a Lívia, de Augusto, eram capazes até mesmo de “escolher jovens aias para servirem aos
prazeres dele”
17
.
De qualquer modo, as conclusões acerca da mulher legitimamente italiana esbarram
sempre no caráter suspeito dos documentos da época pagã e no discurso tendencioso dos autores
cristãos que sempre defenderam a necessidade sagrada de conservar cada um (e não apenas as
mulheres) no lugar que lhe fora destinado, seja pelos costumes, seja pelas escrituras. Não
coube, portanto, a esta mulher, como a tantas outras, escrever sua própria história.
1.1.4- Aspectos da moral e da sexualidade.
O adultério não tinha para os romanos o mesmo sentido que passou a lhe atribuir o
Ocidente com o advento do Cristianismo. A ofensa que este ato representava aos deuses
domésticos baseava-se principalmente na possibilidade da geração de uma criança estranha ao
culto familiar ao qual não teria direito, não apenas pela lei, mas, sobretudo, pela religião. O que
fosse considerado crime contra os deuses podia, segundo a crença, representar a perda da
própria cidade e, neste caso, paradoxalmente, cabia à mulher o peso de uma enorme
responsabilidade. Tratava-se acima de tudo de uma moral adaptada à sobrevivência de uma
estrutura social baseada na produção da descendência legítima e no direito de propriedade.
18
“Cultivar o domínio patriarcal, render culto aos manes do pai, é apenas uma e
mesma obrigação para o herdeiro, que assegura assim a sobrevivência dos antepassados
sobre a terra e no mundo subterrâneo. Portanto, o homem não aceitará repartir com a
mulher nem seus bens nem seus filhos.”
19
As mulheres que não estivessem ligadas a qualquer culto familiar, bem como os escravos
e os libertos solteiros desfrutavam de maior autonomia sobre seus próprios corpos, não
constituindo desonra, pecado ou imoralidade os relacionamentos de qualquer natureza entre
eles.
Esta liberdade, inacessível às matronas e às filhas das gentes, começou a ser motivo de
inveja, dando assim origem a uma série de comportamentos que, inicialmente discretos e
esparsos, começaram a se generalizar, levando o quadro familiar ao estado em que Augusto o
encontrou, com divórcios freqüentes, recusa à geração de filhos e uniões indiscriminadas entre
pessoas de nível social e fortuna incompatíveis, segundo as leis. Num povo que já vivera
submetido a uma austeridade tão rigorosa que se refletia até no vestuário
20
, o impacto da adoção
de novas formas de conduta logo se fez sentir.
Fazem parte das tradições romanas lendas sobre mulheres que foram celebradas por sua
virtude como Lucrécia
21
, ou exemplarmente punidas por sua fraqueza passional, como sucedeu
a Tarpéia
22
. São histórias de amor de fundo mitológico ainda relacionadas às resignadas
Sabinas, que contribuíram para a consolidação dos costumes que, somente muitos séculos
depois, as seduções orientais viriam ameaçar. Assim o amor, que já se revestira aos olhos dos
romanos de uma feição destruidora, seria então relegado a detalhe supérfluo nas relações
matrimoniais, que priorizavam a perpetuação do culto familiar e a geração de novos cidadãos.
Um dos instrumentos legais, criados com o intuito de regulamentar e preservar os
casamentos, foi a Lex Iulia, que gerou uma das muitas contradições presentes na história das
sociedades, pois preceituava uma conduta irrepreensível para a mulher casada e as jovens de
origem nobre, mas concedia aos homens e aos libertos de ambos os sexos o direito de se
entregarem a prazeres indiscriminados como bem lhes aprouvesse, desde que o exercício dessa
liberdade não fosse danoso à gens que representava o sustentáculo da sociedade romana.
23
1.1.5- A Lex Iulia.
Em 18 a. C., preocupado com os problemas sociais, Augusto decidiu impor a moralidade
na classes elevadas com o intuito principal de aumentar a população de italianos legítimos. O
stuprum
24
tornara-se uma prática comum, os casamentos eram raros e os casais já não
produziam descendência. Assim a Lex Iulia de maritandis ordinibus foi criada para incentivar
os casamentos e o nascimento de filhos, além de constituir um dispositivo legal que permitia
qualificar o adultério como crime. As penas variavam entre exílio, confisco de propriedades e
até mesmo a morte. Era permitido aos pais matar as filhas e seus amantes e, sob certas
circunstâncias, os maridos poderiam matar os rivais e exigir o divórcio das esposas adúlteras. A
própria filha do Imperador (e dez anos mais tarde, a neta) foi atingida por essa lei e banida para
a ilha de Pandateria.
As leis sociais augustanas (Lex Iulia et Papia) foram mal recepcionadas e modificadas
em 9 d. C., em parte em virtude da oposição cristã, sendo revogadas ou caindo em desuso no
governo de Constantino e seus sucessores, inclusive Justiniano, e só permanecendo as que
diziam respeito à união entre Senadores e atrizes. Mas no caso da lei do adultério e outros
crimes sexuais, as disposições, ou foram mantidas, ou agravadas.
A título de ilustração, transcrevemos alguns fragmentos dessa lei matrimonial, que,
entretanto não correspondem à reprodução dos seus artigos originais; seu conteúdo só nos foi
transmitido principalmente pelas referências de autores tardios e pelos textos do período cristão:
Homens têm que se casar.
Em 17 a. C., Augusto leu esta fala do censor Quinto Cecílio Metelo Macedônico, que
parecia ter sido escrita para aquele momento:
Se pudéssemos sobreviver sem uma esposa, cidadãos de Roma, o que todos nós
faríamos sem aquela amolação; mas desde que natureza decretou assim que nós não
podemos viver confortavelmente com elas, nem viver, de qualquer forma, sem elas, nós
temos que planejar mais nossa preservação duradoura em lugar do nosso prazer
temporário”.
25
Augusto passou a cobrar impostos mais pesados dos homens solteiros e das mulheres
sem maridos, e a conceder prêmios para os que se casassem e tivessem filhos. Como então havia
mais homens que mulheres entre os nobres, logo passou a permitir, a qualquer um que desejasse
(com exceção dos senadores), o casamento com libertas, considerando legítimos os filhos
nascidos destes casamentos.
Os casamentos com geração de filhos serão recompensados com prêmios”.
Segundo capítulo da Lex Iulia relativo ao stuprum:
“A um pai adotivo ou natural é permitido matar com as próprias mãos um
adúltero surpreendido no ato com sua filha em sua própria casa ou na casa de seu
genro, não importa sua categoria.”
Quinto capítulo da Lex Iulia:
“É permitido deter um adúltero que foi pego no ato, durante vinte horas,
chamando os vizinhos para testemunhar”..
“Depois de ter matado o adúltero, o marido deve despedir a esposa
imediatamente, e publicamente declarar dentro dos próximos três dias com que
adúltero, e em que lugar ele encontrou a esposa com ele”.
“Um marido que pega de surpresa a esposa em adultério pode matar só o
adúltero quando ele o pegar na própria casa dele.”
“Fica decidido que um marido que não despedir a esposa a quem ele
surpreendeu em adultério imediatamente pode ser processado como um alcoviteiro.”
“Deve ser notado que podem ser acusados dois adúlteros ao mesmo tempo com a
esposa, mas mais que aquele número não pode ser.”
“Fica decidido que adultério não pode ser cometido com mulheres que têm
qualquer cargo empresarial ou loja”.
“Qualquer um que tenha relações sexuais com um homem livre sem o
consentimento deste será castigado com a morte”.
“Foi assegurado que as mulheres condenadas por adultério serão castigadas
com a perda da metade do dote e o terço dos bens, e por banimento para uma ilha.
Porém o adúltero será privado de metade da propriedade, e também será castigado com
banimento para uma ilha; contanto que as partes sejam exiladas para ilhas diferentes”.
“Fica decidido que a penalidade para incesto no caso de um homem é
deportação para uma ilha, e não será infligido à mulher se ela não tiver sido condenada
pela Lex Iulia relativa ao adultério”.
“Em um caso de adultério não pode ser concedido um adiamento”.
O exame destes fragmentes nos permite conhecer o rigor das antigas leis sobre a conduta
feminina, mas também as alternativas para o relacionamento homossexual, que era tolerado com
restrições. Para o adultério masculino, Eva Cantarella e M. I. Finley nos informam que a lei era,
contudo, branda para com o adúltero, mesmo se cometido por representantes das classes
elevadas, só caracterizando crime os casos em que sua prática pusesse em risco os casamentos
cuja preservação fosse do interesse do Estado.
26
Essa lei criada para regular questões do campo da sexualidade não se limitava às
relações heterossexuais, e abrangia também as formas do “amor grego”, cuja prática em Roma,
ainda que não fosse proibida, estivesse sujeita à mesma lei. A hipótese de punição com o
banimento, com sanções pecuniárias e com a interdição dos bens em razão de crimes sexuais é,
segundo a maioria dos autores, bem mais aceitável. A pena de morte pode, portanto, ser um
exagero que atendia aos interesses da nova orientação político-religiosa que se solidificava no
período pós-clássico. Precisamente por terem chegado até nós por via indireta, a maioria desses
relatos carece de confiabilidade devendo ser acolhidos e avaliados com certa reserva.
27
“E se o direito de fazer-se justiça por si mesmo foi abolido desde Augusto...” – É o que
afirma Simone de Beauvoir, contradizendo, assim como Eva Cantarella, a maioria dessas
informações.
1.2 – A pax romana e o reflorescimento das artes.
Favorecido pelos presságios e por um regime que lhe garantia a plena autoridade, seria
bastante a propaganda eficaz das obras de arte enaltecendo seus feitos, para tornar sua ascensão
ainda mais gloriosa. A restauração e a construção de templos e locais para exibição de
espetáculos serviram para ampliar o acervo arquitetônico – notável pela exuberância e pela
combinação de vários estilos – e para deixar gravado o nome de Augusto na história das
civilizações.
A paz, finalmente conquistada, tornou supérflua a atividade forense, e com isso a prosa
discursiva e a prática retórica restringiam-se a disputas fictícias, mera exercitação da retórica,
cujos exemplos foram as controversiae e as suasoriae, esta desprovida do componente lógico,
sendo por esse motivo a escolhida por Ovídio.
28
Nesse contexto de poder centralizado, o florescimento da poesia não foi casual. Também
os historiadores eram estimulados a produzir relatos do passado, anterior ao Império, e
testemunhos do presente, ainda que os não engajados, como Tito Lívio, desfrutassem de certa
liberdade de expressão.
29
Mas é a poesia, sobretudo de tema amoroso que alcança seu apogeu no período, mais
tarde identificado nos manuais de Literatura como Século ou Era de Augusto.
1.2.1- O lirismo e a poesia helenística.
Entre os poetae noui dessa época, interessam a esse trabalho especialmente os elegíacos,
que além do tema e de algumas sutilezas de estilo que os colocam num grupo à parte, tinham em
comum o metro utilizado. São eles Cornélio Galo, Tibulo, Propércio e Ovídio, que partindo da
imitação dos originais gregos, superaram-nos em expressividade e originalidade no tratamento
dos temas alexandrinos.
Divididos entre os círculos de Mecenas e de Messala, desfrutavam da amizade de
Augusto e a pedido de seus respectivos patronos, alguns deles chegaram a compor carmes
ufanistas, nos quais, entretanto, não transbordava o mesmo talento emprestado aos temas
eróticos.
30
Em Ovídio, principalmente, essa tendência excessivamente erótico-sentimental
manifestava-se mesmo quando tentava um rumo diverso da tradição a que tinha se afeiçoado.
Retratava em seus versos a sociedade romana de seu tempo com toda a sofisticação e
mundanismo, que era propósito das autoridades combater para restabelecimento do mos
maiorum, em consonância com os objetivos maiores do Império.
1.2.2- A poesia amorosa
O poema objeto deste trabalho, terceiro da primeira fase ovidiana oferecido ao público,
apesar de uma série de sutilezas e justificativas que permeiam os dois livros, não teve boa
repercussão junto às elites, ainda que bem recebido pela massa da sociedade; afinal as regras de
sedução ali prescritas já estavam inseridas no novo modo de vida, inclusive entre os mais
ligados ao poder.
31
Ovídio legou às novas gerações de estudiosos registros importantes sobre aquele período
que não teriam chegado até nós sem a contribuição da sua poesia; e aos poetas em especial o
modelo de suas criações mais notáveis. A Ars Amatoria é, de toda a sua produção, talvez a que
conquistou maior número de seguidores, inclusive na Idade Média, evidentemente repetindo o
tom jocoso em virtude também de um momento político e principalmente religioso ainda mais
delicado, em que só recorrendo ao humor, seria possível produzir literatura que tratasse do
mesmo tema. São desse período Rota Veneris, de Boncopagno da Signa, (1165-1240), uma Arte
de Amar em estilo epistolar, de tom divertido e humorístico, destinada a clérigos, bispos e ao
homem comum, ensinando como conquistar o mais diversos tipos de mulheres da época,
inclusive as religiosas; Pamphilus, de Amore, comédia medieval de autor desconhecido que
surgiu na França entre 1180-1200; De Arte Bene Amandi, de Andrea Capellano, surgida na
Itália, entre 1174-1186. Outras obras do século XII, sobre o mesmo assunto, das quais,
entretanto, nos faltam maiores informações são: Facetus, De Nuncio, Sagaci e Celestina. Como
tratado verdadeiramente filosófico, surgiu no século XX A Arte de Amar, do filósofo alemão
Erich Fromm que fala, logo no preâmbulo que “...o amor não é um sentimento em que qualquer
um se possa comprazer, sem levar em conta o nível de maturidade que alcançou.”
32
, abordagem
séria demais para o temperamento despojado de Ovídio. Fromm propõe a reflexão sobre os
diversos significados do amor e sobre as inúmeras formas de amar, pois não cuida apenas da
relação carnal, e sim da “realização da unidade interpessoal” como o mais poderoso anseio do
homem. Mas, com ou sem Ovídio, essa Arte não teria ressonância naquele mundo de valores
tão pragmáticos e tão limitado no que diz respeito ao significado do sentimento amoroso,
segundo a concepção moderna, naturalmente.
33
É curioso que, apesar do título homônimo, em nenhum instante este filósofo faz
referência a Ovídio ou a sua obra. E nem seria necessário.
Para um homem que declarava explicitamente sua preferência pelos prazeres
proporcionados pelas mulheres
34
e que se detém principalmente nesse aspecto do amor nas suas
obras mais consagradas, especialmente na Ars Amatoria, foi preciso valer-se de artifícios
discursivos e de inúmeras sutilezas para ministrar suas lições, procurando não violar as regras
da moral estabelecida.
Os ensinamentos de retórica recebidos de Arélio Fusco e M. Pórcio Latrão, tornaram
possível o trabalho de linguagem que encontramos nos três livros
35
em que se combinam
habilidade e engenho com uma imaginação tão criativa que foi capaz de conceber nada menos
que um discurso retórico escrito em versos elegíacos, oferecendo orientação galante a pretensos
conquistadores. Em linguagem não tão preciosa quanto a utilizada nas Heroides – para alguns
críticos, imprópria naquelas personagens
36
–, ele recorre ao mito e a diversos episódios
lendários, na tentativa de aliviar o peso da responsabilidade pelas afirmações que de algum
modo afrontavam o império e sua campanha moralizadora, e emprega as variações da
comparação como estratégia argumentativa primeiramente para abonar suas afirmações e, em
segundo lugar, para garantir a validade dos ensinamentos. Sobretudo para o livro III, fazia-se
imperioso buscar uma forma de argumentação que o resguardasse de acusações, entretanto não
evitadas. Se o poema agradou ao público, há que se supor que não alcançou o mesmo êxito com
o Imperador.
No quarto capítulo retomaremos as questões aqui levantadas, já então com o apoio da
investigação e interpretação dos enunciados comparativos à luz dos princípios e leis da Nova
Retórica, da Semântica discursiva e de outras teorias voltadas para a significação textual
relevantes para este estudo.
____________________________
NOTAS E COMENTÁRIOS:
1- ROSTOVTZEFF, 1983, p. 181.
2- PARATORE, 1983, p. 29 & GRIMAL, 1955, p. 16 e 37.
3- GRIMAL, 1955, p. 9 & ROSTOVTZEFF, 1983, p. 165.
4- “Dizia-se que Atia, mãe de Otávio, se unira um dia ao deus Apolo, e que ele nascera dessa união.” (GRIMAL,
1955, p. 37).
5- ROSTOVTZEFF, 1983, p. 163.
6- MARMORALE, 1974, p. 201.
7- MARMORALE, 1974, p. 202.
8- ROSTOVTZEFF, 1983, p. 168 & GRIMAL, 1991, p. 269.
9- GRIMAL, 1991, p. 175.
10- BEAUVOIR, 1957, p. 108.
11- “O exemplo mais famoso desta crueldade paterna é o do cônsul Brutus, libertador de Roma, cujo filho havia
conspirado contra a República restabelecida. O cônsul o fez ser castigado em sua presença, juntamente com os
demais conspiradores, sendo espancado com o bastão e chicoteado”. (GRIMAL, 1953, p. 22).
12-Em virtude de uma tradição que teve origem no episódio do rapto das Sabinas, cuja narrativa pode ser
conhecida no anexo deste trabalho, a partir do verso 101, Livro I.
13- O casamento era visto como garantia da estabilidade das demais instituições, recaindo parte dessa
responsabilidade sobre as mulheres, que sem direito à participação na vida pública, através da obrigação que
deviam ao paterfamilias, deviam-na também ao Estado. (Conf. GRIMAL, 1991, p. 202)
14- Conf. FINLEY, 1991, p. 147.
15- BEAUVOIR, 1957, p. 107.
16- GRIMAL, 1991, p. 91.
17- GRIMAL, 1991, p. 130.
18- Conf. FINLEY, 1991 p. 156.
19- BEAUVOIR, 1957, p. 108.
20- GRIMAL, 1953, p. 22.
21- PEREIRA, 1982, p. 26.
22- PEREIRA, 1982, p. 24.
23- GRIMAL, 1953, p. 25.
24- Inicialmente o significado de estupro era o mesmo que passou a ter posteriormente a palavra adultério, ou seja,
“mácula provocada por relações carnais ilegítimas (...) e se aplicava também aos homens quando renunciavam à
sua função viril”. (GRIMAL, 1991, p. 118).
25- E diz Pitágoras: “Há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem; e um princípio mau que criou o
caos, as trevas e a mulher.
26- FINLEY, 1991, p. 156-157.
27- CANTARELLA, 1995, p. 182.
28- MARMORALE, 1974, p. 251.
29- MARMORALE, 1974, p. 262.
30- Vários autores registram o desinteresse manifesto pelos temas patrióticos. O próprio Horácio, só por instâncias
de Mecenas, que ele venerava, produziu versos sobre assuntos políticos, que no entanto eram frios como os dos
demais poetas, no dizer de ROSTOVTZEFF, 1983, p. 192.
31- Sobre as lições da Ars Amatória, ver GRIMAL, 1991, p. 144 e Finley, 1991, p. 156.
32-FROMM, 1958, p. 15.
33- Sobre o conceito de amor na Antigüidade ver GRIMAL, 1991, cap. I e II.
34- Ovídio declarava sua preferência pelas mulheres. CANTARELLA, 1995, p. 176-177.
35- PARATORE, 1983, p. 503.
36- MARMORALE, 1974, p. 253-254.
Capítulo 2 – O autor e o plano da obra.
“O artista é o homem que, dotado de uma sensibilidade
superior, experimenta certas emoções ao perceber certos fatos e os
reproduz, modificando-os à sua maneira, a fim de valorizar os
elementos que o emocionaram”
.*
Entre os autores latinos, foi Ovídio quem melhor retratou a própria vida e a época em
que viveu e divide com Cícero o máximo em celebridade que pôde ser alcançada pelos autores
da Antigüidade. Além de sua grande importância como influenciador das novas gerações de
poetas, suas obras apresentam inúmeros indícios da geografia e da cultura romana, também
anteriores a seu nascimento, e por este motivo são objetos de estudo não apenas de lingüistas e
pesquisadores de literatura, mas interessam a outras áreas do conhecimento.
1
2.1 – O poeta do amor.
Públio Ovídio Nasão nasceu em Sulmona, a 20 de março de 43 a. C., um ano após o
assassinato de César. Pertencia à alta classe média, e, ainda na adolescência, foi para Roma
onde estudou, com o asiático Aurélio Fusco e o espanhol Pórcio Latrão, não só literatura grega e
latina, como arte retórica. A exemplo do que acontecia com todos os descendentes de famílias
ricas, foi também estudar filosofia em Atenas e estendeu sua viagem até o local da antiga Tróia.
Regressando a Roma entrou para os tribunais e, para deleite das platéias, apresentava, com
freqüência, sua argumentação em versos.
* (BUYSSENS, 1972, p.36)
Após a morte do irmão, desencantou-se com o cargo de juiz, afastando-se totalmente dos
caminhos que levavam ao Senado, indiferente ao prestígio que poderia obter como homem
público e passando a dedicar-se inteiramente à poesia. Publicou sua primeira coletânea em 20 a.
C., sob o patrocínio de Messala, alcançando enorme sucesso, e seus versos eróticos eram
conhecidos em toda Roma. Leitor inveterado que era, memorizou e imitou a poesia de seus
contemporâneos, principalmente Tibulo e Propércio antes de ter sua personalidade alterada e
moldada pela seqüência de acontecimentos que marcaram sua vida, após o regresso das viagens
que empreendeu. Cultivou hábitos essencialmente mundanos, apesar de viver dentro de padrões
relativamente modestos, em comparação com os parâmetros da época. Cortejou muitas
mulheres e se casou três vezes, sendo que o terceiro casamento duraria até o fim de sua vida.
Com Amores, elegias dedicadas a Corina, Ovídio mergulhou definitivamente na poesia e
toda a sua obra refletiu os gostos, as qualidades e defeitos da sociedade romana da infância do
Império. Quando dava os retoques finais nas Metamorfoses e compunha os Fastos, em honra de
Augusto, foi condenado ao exílio e enviado a Tomos, no Mar Negro, em 8 d. C. Fosse por
razões políticas ou morais, o fato é que suas obras, sobretudo a Ars Amandi, foram retiradas das
bibliotecas públicas e proibidas de circular.
Já no exílio, compôs duas coleções de comoventes elegias com as quais esperava obter o
perdão ou, pelo menos, a comutação da pena: Tristia, dirigidas ao público e ao Imperador e
Epistolae ex Ponto, destinadas à esposa Fábia e a alguns amigos. Mas o imperador foi
inflexível, assim como também seu sucessor – Tibério –, e o “poeta do amor” amargou até a
morte a nostalgia e a privação de tudo o que mais amou, sua pátria e sua família.
São também de Ovídio vinte e uma cartas de amor conhecidas como Heroides, versos de
autoria imaginária das semideusas a seus amados e outras obras cujo tema é ainda a
problemática da paixão como De Medicamine Faciei e os Remedia Amoris, uma espécie de
antídoto para a os efeitos da Ars Amandi. Escreveu uma tragédia, Medeia, que se perdeu, mas
foi para Quintiliano a melhor entre as tragédias produzidas na Grécia ou em Roma.
2
Dois
poemas menores, Ibis, contra um inimigo não identificado, e Halieutica, um tratado sobre a
pesca que ele não conseguiu concluir, completam a produção ovidiana.
Encontram-se nos Fastos e nas Metamorfoses os versos menos característicos de
Ovídio
3
. Os primeiros tratam das origens dos feriados romanos e inclui relatos da mitologia
romana e das suas origens. Os segundos constituem uma série de histórias da mitologia grega
baseadas em mutações de toda espécie, desde o Caos até a transformação de César numa estrela.
Nos quinze livros que compõem o poema, os mitos, mesmo sendo de origem grega, são
impregnados de traços tipicamente romanos e em seus versos são revelados, além de uma
grande facilidade de ritmo e de inovação brilhante, a plasticidade e realismo das descrições, bem
como uma linguagem vigorosa e cheia de expressividade.
O volume I trata especialmente da organização do mundo. Do volume II ao XIX,
desenvolve-se uma seqüência de relatos heróicos, que se interrompem no volume X para dar
lugar a histórias lendárias de amor humano, o que não significa que o tema amoroso tenha
estado completamente ausente nos demais volumes. No volume XI até o XV, Ovídio retoma os
temas heróicos, mas abordando também as fraquezas humanas em narrativas célebres ou menos
conhecidas. No ápice do último livro presta homenagem à família de Augusto e conclui, com a
apoteose de César, essa evidente tentativa de associação da dinastia romana aos mais
importantes mitos gregos e latinos.
2.2 – O plano discursivo da Ars Amatoria.
Se procurarmos classificar a Ars Amatoria segundo o gênero, a estrutura, a temática, a
linguagem e inúmeros outros aspectos logo vamos descobrir que ela cabe em diversos moldes,
muitas vezes opostos.
Uma leitura cuidadosa leva à percepção da duplicidade, ou mesmo da ambigüidade,
presente em toda a obra, numa espécie de jogo em que se misturam dois elementos, às vezes
contrastantes, sejam, materiais, culturais ou psicológicos. O desenvolvimento do presente
capítulo se fará como uma tentativa de descrever este jogo hipotético, que em alguns de seus
aspectos beira o paradoxo, figura, aliás, que bem pode ser aplicada ao conjunto da obra.
Na parte final, onde faremos a análise dos enunciados comparativos que relacionam fato
real e exemplo lendário ou mítico, buscaremos demonstrar que este dualismo é perfeitamente
coerente com a síntese da nossa proposta, pois a comparação nada mais é que o confronto –
subjetivo ou não – entre duas realidades, expresso lingüísticamente. Ao descrever o poema
segundo o plano abaixo, encaminharemos nossas conclusões para a avaliação de cada elemento
desta dualidade como concreto (óbvio) ou hipotético (presumível), apoiando-nos em enunciados
extraídos do próprio texto.
2.2.1- Poema em forma de tratado e tratado em forma de poema.
É um texto, como já vimos, escrito em dísticos elegíacos, métrica que predominava na
poesia da Idade de Ouro. Entretanto, o reconhecido caráter retórico
4
da obra de Ovídio aparece
na Ars Amatoria, não apenas como um exemplo da oratória declamativa de então, mas como
parte da estrutura de um discurso didático.
5
A elocutio, que constitui efetivamente o poema na sua íntegra, começa com um exórdio
em que é possível identificar a captatio beneuolentiae (I, v. 1-2), de que se valem os típicos
oradores e, só em seguida vem a invocação a Vênus (I, v. 30).
“Siquis in hoc artem populo non nouit amandi,
Hoc legat et lecto carmine doctus amet.”
“Me Venus artificem tenero praefecit Amori;
........................................................................
Non ego, Phoebe, datas a te mihi mentiar artes,
Nec nos aeriae uoce monemur auis,
Nec mihi sunt uisae Clio Cliusque sorores
Servanti pecudes uallibus, Ascra, tuis:
Vsus opus movet hoc; uati parete perito.”
Vera canam; coeptis, mater Amoris, ades.”
No livro II a invocação é bem mais explícita, tanto a Cupido, quanto a Vênus. (v. 15-18).
“Nunc mihi, siquando, puer et Cytherea, fauete,
Nunc Erato; nam tu nomen amoris habes.
Magna paro, quas possit Amor remanere per artes,
Dicere tam uasto peruagus orbe puer.”
Vem a seguir a narratio (I, v. 35) , onde são identificadas as três etapas em que ele
divide os ensinamentos. Detalhadamente, em cada passo a ser seguido inclui a exposição dos
motivos (confirmatio) para que assim se proceda, e a cada lição relaciona um exemplo como
prova (intrínseca) da exatidão do que expõe ou ensina.
“Principio, quod amare uelis, reperire labora,
Qui noua nunc primum miles ina arma uenis,
Proximus huic labor esta placitam exorare puellam;
Tertius, ut longo tempore duret amor”.
A refutatio aparece sempre como um reforço da argumentação quando esta pode não ter
sido muito convincente. Nos versos 239-242, do livro III, este reforço é baseado na
superstição.
Tuta sit ornatrix; (argumento) odi quae sauciat ora
Vnguibus et rapta bracchia figit açu;
“Deuouet (et tangit!) dominae caput illa simulque
Plorat ad inuisas sanguinulenta comas.” (refutação)
Como um exemplo de digressio podemos destacar o trecho que vai do verso 467 a 534,
do livro II. Mas há outras digressões, em vários momentos dos três livros.
“Prima fuit rerum confusa sine ordine moles,
Vnaque erat facies sidera, terra fretum:”
........................................................................
Nec maledicta puta nec uerbera ferre puellae
Turpe nec ad teneros oscula ferre pedes.”
E, finalmente, na peroratio ou epílogo ele pede a aprovação dos jovens, fazendo antes a
recapitulação, ao reafirmar a restrição feita às matronas (II, v. 599) e recorre, em seguida, à
paixão (II, v. 692-702) e à amplificação (II, v. 717-733). Finaliza com a promessa de um
tratado dedicado às mulheres, correspondente ao livro III, que segue o mesmo plano (II, v. 745).
“En, iterum testor, nihil hic nisi lege remissum
Luditur; in nostris instita nulla iocis.”
Os versos que seguem a estes (II, v. 601-639) lançam dúvidas quanto à sinceridade da
afirmação ali contida. É um dos trechos que nos podem levar a supor uma denúncia da falsa
moral reconhecida mas não admitida:
“Quis Cereris ritus ausit uulgare profanis,
Magnaque Threicia sacra reperta Samo?”
......................................................................
“Nos etiam ueros parce profitemur amores,
Tectaque sunt solida mystica furta fide”.
Vimos anteriormente que não apenas os elegíacos, mas quase todos os poetas do
período, com exceção de Virgílio que foi mais receptivo, recusavam-se a abandonar os temas
pessoais para cuidar de assuntos políticos ou religiosos em seus versos. Ovídio mais que todos,
uma vez que já se indispusera com Augusto, para defender Cornélio Galo
6
, e além do mais
porque, segundo GRIMAL, o Imperador lhe inspirava aversão. Os motivos não são
esclarecidos.
7
“Haec bona non primae tribuit natura iuuentae,
Quae cito post septem lustra uenire solent.”
............................................................................
“At Venerem quicumque uoles adtingere seram,
Si modo duraris, praemia digna feris.”
“Crede mihi, non est Veneris properanda uoluptas,
Sed sensim tarda prolicienda mora.”
................................................................................
“Vtile et admisso subdere calcar equo.”
“Ecce, rogant tenerae, sibi, dem praecepta, puellae.
Vos eritis chartae próxima cura meae.”
2.2.2- Amores permitidos e amores ilícitos.
Tendo o cuidado, desde os primeiros versos de deixar claro a que público específico se
destinavam suas lições e que classe de mulheres deveriam ser assediadas, distingue entre
cortesãs e matronas, muito embora as palavras algumas vezes sugiram uma ousadia maior. Há
alguns momentos em que a sutileza da demonstração de boas intenções parece bastante suspeita
ou irônica, sendo esta uma das razões que a fazem parecer uma crítica aos costumes, já que a
conduta censurável das senhoras da ilustre sociedade romana foi exatamente o que levou à
necessidade da codificação de uma lei contra o adultério.
8
“Este procul, uittae tenues, insigne pudoris,
Quaque tegis medios instita longa pedes.
Nos Venerem tutam concessaque furta canemus,
Inque meo nullum carmine crimen erit.” (I, v. 31-34)
“Si bene te noui, cultas ne laede puellas.” (III, v. 52)
“Quas pudor et leges et sua iura sinunt.
Venturae memores iam nunc estote senectate;” (III, v. 58-59)
2.2.3- Um tratado para homens e mulheres.
Os dois primeiros livros destinam-se aos homens, e é exatamente nos versos 35-37, do
Livro I, onde ele inicia a exposição de sua “metodologia”, que se podem distinguir claramente
os primeiros destinatários; também nos versos 233-234, do Livro II, ele discursa especialmente
para os conquistadores. Ao final do Livro II, vem anunciado o Livro III dedicado às “tenerae
puellae”. Neste último volume, em que mais ainda sobressai o tom brincalhão que permeia toda
a obra, Ovídio revela às mulheres alguns segredos masculinos, pelo que, constantemente, se
desculpa com os seus iguais. Mas ao instruí-los nos dois primeiros livros sobre as armadilhas
que podem ser utilizadas com garantida eficácia, confirma a competência demonstrada nas
Heroides ao retratar com perícia os detalhes mais secretos da intimidade feminina.
Principio, quod amare uelis, reperire labora,
Qui noua nunc primum miles in arma uenis,
Proximus huic labor est placitam exorare puellam;”
“Militiae species amor est. Discedite, segnes.
Non sunt haec timidis signa tuenda uiris;”
O exórdio do livro III, de poucos versos (1-6), encerra uma dedicatória em linguagem
puramente poética, todo constituído de comparações e metáforas típicas dos poetas do grupo.
“Arma dedi Danais in Amazonas; arma supersunt
Quae tibi dem et turmae, Penthesilea, tuae.
Ite in bella pares; uincant, quibus alma Dione
Fauerit et, toto qui volat orbe, puer.
Non erat armatis aequum concurrere nudas;”
Assim como nos versos 615-616, do Livro I, ele se dirige às mulheres, a partir do verso
6 do Livro III é aos “uiris” que ele dedica algumas palavras, sejam de alerta ou meras
justificativas, indício de que possuía um público misto (do qual não se descuidava) e que, ao
mesmo tempo desmente e confirma a natureza não tendenciosa de seus versos, pelo menos no
que diz respeito a subverter valores e comportamentos.
9
“Quo magis o! faciles imitantibus este, puellae;
Fiet amor uerus, qui modo falsus erat.”
Sic etiam uobis uincere turpe, uiri.”
.......................................................................
2.2.4- Linguagem poética e linguagem retórica.
A beleza da linguagem e das imagens não esconde a natureza argumentativa do poema,
motivo e tema deste trabalho. Há momentos em que encontramos apenas o versejar fácil e
vigoroso, cheio de musicalidade, construindo com palavras autênticos cenários com movimento,
cores e outros elementos sinestésicos. Mas há a argumentação, para justificar-se e defender-se,
tanto quanto para provar suas afirmações, e tem suas causas também nas medidas moralizadoras
e na intensa repressão à violação dos costumes levada a efeito naquele período, que, entretanto,
não foram capazes de refrear o impulso criativo do “poeta do amor”, que perseguia novos
motivos poéticos e procurava, principalmente, satisfazer o gosto do seu público – que ele tão
bem conhecia – pelos assuntos mundanos.
Do verso 171 ao 228 do Livro I, mistura-se a linguagem poética à linguagem dos
oradores, numa espécie de discurso laudatório exaltando os feitos heróicos e o retorno triunfal
das tropas romanas. Como dissemos acima, nesses versos podemos identificar a digressio.
Quid, modo cum belli naualis imagine Caesar
Persidas induxit Cecropiasque rates?
........................................................................
Quis non inuenit turba, quod amaret, in illa?
……………………………………………………..
Hos facito Armenios, haec est Danaeia Persis;
Vrbs in Achaemeniis uallibus ista fuit;
Ille uel ille duces; et erunt quae nomina dicas,
Si potreéis, uere, si minus, apta tamen.”
2.2.5- Uma paródia divertida ou uma crítica mordaz.
Retratar a Roma mundana, centro de prazeres, que contrastava com os propósitos do
Imperador, custaria a Ovídio muitas críticas por parte das elites.
10
Isto prova que ele também
estava denunciando uma realidade que se procurava combater ou pelo menos negar e que
contrastava com um passado em que a prioridade era a defesa incondicional do Estado; o prazer
e a comodidade pessoal vinham em segundo plano. Com efeito, havia em seu tempo uma Roma
epicurista que se tentava reconduzir ao estoicismo.
11
Nos versos abaixo (152-171), exatamente do Livro II, que é o mais revelador de uma
atitude crítica mal-disfarçada à repressão do Imperador aos costumes dos novos tempos, Ovídio
se alonga em comentários que, se por um lado remetem a Propércio, quando critica Cíntia por
aceitar favores pecuniários do pretor velho e peludo – lugar comum na poesia elegíaca – por
outro, não fazem sentido naquele momento pela falta de encadeamento lógico dentro do
assunto. Parece-nos que, ao recomendar que se evitem as brigas, só justificadas entre pessoas
unidas por força das leis, ele tivesse aproveitado para incluir o tema do amor comprado que era
uma prática admitida mesmo para os cidadãos legalmente casados, como vimos no capítulo
anterior.
“Dulcibus est uerbis mollis alendus amor.
Lite fugent nuptaeque uiros nuptasque mariti
Inque uicem credant res sibi semper agi;
Hoc decet uxores; dos est uxoria lites.
Audiat optatos semper amica sonos.
Non legis iussu lectum uenistis in unum;
Fungitur in uobis munere legis Amor.
Blanditias molles auremque iuuantia uerba
Adfer, ut aduentu laeta sit illa tuo.
Non ego diuitibus uenio praeceptor amandi;
Nil opus est illi, qui dabit, arte mea;
Secum habet ingenium, qui, cum libet, “accipe” dicit.
Cedimus; inuentis plus placet ille meis.
Pauperibus uates ego sum, quia pauper amaui.
Cum dare non possum munera, uerba dabam.
Pauper amet caute, timeat maledicere pauper
Multaque diuitibus non patienda ferat.”
Pierre Grimal e Concetto Marchesi reconhecem na Ars Amatoria uma paródia dos
inúmeros tratados da Antigüidade; outros, como Enzo Marmorale, vão além, e consideram toda
a poesia amorosa de Ovídio “uma paródia sutil dos cancioneiros de amor dos outros poetas
elegíacos”.
2.2.6- Uma mistura de vulgaridade com elegância.
A temática do amor erótico exige, às vezes, abordagens sutis, em que o refinamento do
estilo permite falar de assuntos da sexualidade por meio de eufemismos e metáforas delicadas
(II, v. 455-466). Mas Ovídio também chega quase a cometer alguns excessos e usa um tom
picante ao referir-se aos momentos mais íntimos do encontro amoroso, afastando-se de sua
linguagem habitual e se aproximando da pornografia.(II, v. 703-722) Grifamos quase, porque o
distanciamento nem sempre nos permite avaliar pela linguagem até que ponto teria realmente
havido exagero ou explicitação. Ou ainda, se o objetivo – ainda pela hipótese da crítica social –
não seria, de fato, um ataque direto àquela moral ambígua, pois as classes dirigentes, elas
mesmas, eram responsáveis por grande parte dos desvios de conduta que as leis procuravam
conter e que eles próprios nem sempre tinham o cuidado de ocultar, valendo-se principalmente
das prerrogativas que lhes concediam essas mesmas leis, rígidas apenas para as mulheres.
12
“Si spatium quaeras, breue sit, quod laesa queratur,
Ne lenta uires colligat ira mora;
Candida iamdudum cingantur colla lacertis,
Inque tuos flens est accipienda sinus.
Oscula da flenti, Veneris da gaudia flenti,
Pax erit; hoc uno soluitur ira modo.
Cum bene saeuierit, cum certa uidebitur hostis,
Tum pete concubitus foedera; mitis erit;
Illic depositis habitat Concórdia telis,
Illo, crede mihi, Gratia nata loco est
Quae modo pugnarunt, iungunt sua rostra columbae,
Quarum blanditias uerbaque murmur habet”
“Conscius ecce duos accepit lectus amantes;
Ad thalami clausas, Musa, resiste fores.
Sponte sua sine te celeberrima uerba loquentur,
...........................................................................
Cum loca reppereris, quae tangi femina gaudet,
Non obsset, tangas quo minus illa, pudor;
Adspicies óculos tremulo fulgore micantes,
Vt sol a liquida saepe refulget aqua;
2.2.7- Da seriedade do gênero didático à irreverência do assunto.
Contrariando a missão sagrada do mestre, que ensina para elevar os espíritos, Ovídio
ensinou pelo prazer e para o prazer uma arte que ele não inventou, mas aprendeu com os que já
tudo sabiam por viverem em Roma, num ambiente de galanteria que na verdade, também o
fascinava.
Arte leuis currus. Arte regendus Amor
..............................................................
Vsus opus mouet hoc; uati parete perito.”
Não foi ele o inventor das artes de Vênus, como Aristóteles não o foi da poesia, nem
Cícero da eloqüência, os quais apenas codificaram em manuais descritivos o produto dos
conhecimentos que alcançaram prestígio ou se tornaram indispensáveis em seu tempo.
Mesmo assim, também foram duas as conseqüências resultantes da sua Ars, e de
naturezas opostas: um rápido e perene enriquecimento, e perdas irreparáveis e definitivas.
Cum subit illius tristissima noctis imago,
quae mihi supremum tempus in urbe fuit,
cum repeto noctem, qua tot mihi cara reliqui,
labitur ex oculis nunc quoque gutta meis” (Tristia, III).
As explicações para o seu banimento oscilam entre razões morais e políticas
13
. Por mais
que estivesse nítida a natureza fantasiosa e predominantemente divertida do poema, era mister
eleger e punir um culpado das doenças sociais para as quais já não eram eficazes nem os
remédios da lei – como, aliás, sempre se verificou em todos os sistemas e em todas as épocas.
Para que a honra do Império fosse preservada, ainda que apenas na aparência, além de uma
cruzada moralizadora, era preciso que seu poder fosse demonstrado com um exemplo ostensivo,
qualquer que fosse a alegação. A fama de Ovídio se prestava bem a esta exibição de força. E
esta foi apenas uma dentre as várias noções aplicadas à Arte do poder que viria a ser codificada,
séculos mais tarde, em um novo tratado: O Príncipe, de Maquiavel.
____________________________
NOTAS E COMENTÁRIOS
1- SNODGRASS, 1988, p. 185.
2-PARATORE, p. 504.
3-SNODGRASS, 1988, p. 202.
4-PARATORE, 1983, p. 503.
5-DOMINIK, 1997, p. 199.
6-MARMORALE, 1974, p. 244.
7-GRIMAL, 1955, p. 83.
8-GRIMAL, 1991, p. 10-11, 269.
9-Não encontramos referência a ambientes restritos para a leitura de poemas.
10-MARMORALE, 1974, p. 254.
11-Na fase final da República, Lucrécio alcançaria a fama com seu poema didático De Rerum Natura, cujo tema
era precisamente a filosofia de Epicuro.
12-Augusto fez com que Agrippa e depois Tibério se divorciassem para desposar sua filha Julia maior. GRIMAL
1955, p. 55. Esta prática era freqüente no período imperial, tendo o próprio Augusto se utilizado de tal expediente
autoritário e para receber Lívia em casamento das mãos do próprio ex-marido. GRIMAL, 1991, cap. VIII.
13-Idem.
Capítulo 3 – A análise semântica. Considerações teóricas.
“A lingüística textual comporta diversas manifestações: cabe à
semântica do texto explicitar o que se deve entender por significação de
um texto e como ela se constitui. É tarefa da pragmática do texto dizer
qual é a função de um texto no contexto (extralingüístico). A sintaxe do
texto tem por encargo verificar como vem expressa sintaticamente a
significação de um texto e como pode expressar o que está à sua
volta.”*
Antes de passar à análise efetivamente lingüística do poema de Ovídio, cumpre-nos
esclarecer a relevância dos assuntos em que nos detivemos nos capítulos anteriores.
A base contextual reveste-se de suma importância para toda análise que pretende
considerar o papel das significações nos textos. Sendo a Ars Amatoria uma obra relacionada ao
obscuro episódio do banimento de Ovídio e das duas Júlias, filha e neta de Augusto, e que foi
causa de toda sorte de especulações – até mesmo de referências a uma suposta conspiração
1
,
como no caso da mais velha, ou de suspeita de violação dos mistérios da Bona Dea
2
, dez anos
depois e no mesmo ano da condenação da mais nova – é sempre provável que se encontrem nos
versos algum subentendido capaz de confirmar – ou descartar – as diversas hipóteses que, até os
dias de hoje, se levantaram sobre o assunto.
Não que seja nossa intenção descobrir a verdadeira causa do exílio do poeta, que isto
cabe aos historiadores. Há apenas o propósito modesto de procurar satisfazer, por intermédio
dos elementos textuais, a curiosidade natural de todo aquele que se inicia na pesquisa acadêmica
e se depara com uma obra tão rica lingüisticamente e tão instigante pelo mistério milenar que a
*
(FAVERO & KOCH, 1983, 12)
envolve. Neste sentido, a investigação semântica, a apreciação dos componentes retóricos e
outros instrumentos da análise textual constituem valiosos subsídios para que seja alcançado o
objetivo pretendido. As questões que não apresentarem relevância, ainda que constem dos
manuais consultados, serão ignoradas nesta pesquisa e, conseqüentemente, apenas os conceitos
indispensáveis serão definidos.
3.1 – Algumas noções sobre Semântica.
Não basta dizer que é o estudo do sentido das palavras, uma vez que desde que Michel
Bréal
3
passou a tratar os estudos de Semântica como uma disciplina autônoma, ainda não se
definiu seu objeto, nem foi possível delimitar seu campo específico de investigação, pois ela se
presta, pelo menos, a três tipos de enfoque: o filosófico, o psicológico e o lingüístico. Existem
ainda outras razões que não iremos apreciar.
A dificuldade para delimitação do objeto da Semântica, do ponto de vista estritamente
lingüístico, por exemplo, ocorre porque a língua se relaciona com as outras atividades do
homem justamente através da função semântica.
4
As principais contribuições atribuídas ao lingüista francês pelos demais estudiosos
foram, sobretudo, a ênfase que se passou a dar ao papel da cultura e a atenção dispensada ao
elemento subjetivo. Para Bréal, a linguagem é um instrumento de civilização, e acima “do
caráter necessário das leis fonéticas existe a ação da vontade humana”.
A título de ilustração tomemos como exemplo duas palavras que aparecem em nosso
texto com sentidos não muito distintos, em virtude do contexto em que estão inseridas: uma
delas, como era efetivamente utilizada e a outra, ainda por consolidar o seu atual significado.
Quando se faz referência à Lex Iulia, aparece com mais freqüência a palavra stuprum, sendo que
adultério, neste caso, é empregada mais como a tradução tardia do termo. Na verdade, a palavra
estupro ainda não tinha o valor de agressão e violência sexual, mas referia-se precisamente a
toda conjunção carnal não permitida por lei, que portanto, acarretava vergonha. “Adultério”
evoluiu do verbo adulterare (de ad + alterare) quando este passou a ser aplicado também às
violações do casamento legal (adulterare matrimonium>adulterium>adulter), da mesma forma
como antes se dizia adulterar (falsificar) moedas, adulterar o direito, adulterar (modificar) as
cores.
5
Assim, a tentativa de definir Semântica nos leva a uma outra pergunta: o que é então o
sentido de uma palavra?
Para os estudiosos da lingüística textual, somente o enunciado pode fornecer uma
orientação, conduzir a determinado sentido, pois o significado de uma palavra, tomada
isoladamente, é um mero exercício de metalinguagem que nos fornece uma “imagem acústica”,
mas esta poderá ou não se concretizar, dependendo do conhecimento lingüístico e do
conhecimento de mundo disponíveis ao falante/ouvinte.
“Le mot n’est pás em réalité ce qu’il est dans le dictionnaire. (...) Le mot n’existe
pás em soi, il n’a de rèalité qu’incorporé à la phrase, c’est-à-dire, dans chacune des
circonstances où il est employé, au point qu’on peut dire que sa signification est pour
une part notable fonction de son emploi;”
6
Na verdade, isto pode ser comprovado cada vez que não sentimos necessidade de
recorrer ao dicionário para identificar uma palavra até então desconhecida, ainda que de uma
língua estrangeira, pois dentro do próprio contexto seu significado é explicitado.
3.1.1- Semântica e Semiologia.
“Qualquer ciência baseia-se na comparação
7
e agrupa os fatos que se assemelham para
distingui-los dos que deles diferem. É assim também quando se busca delimitar o domínio de
um objeto de estudo.
Para que se possa separar o domínio lingüístico do domínio psicológico é necessário que
ele seja encarado como um meio de comunicação como outro qualquer constituído de signos
convencionalmente reconhecidos e aceitos.
Assim podemos definir Semiologia como o estudo dos processos de comunicação, ou
seja, um sistema de interação em que os meios utilizados pelo emissor para agir sobre outrem
são plenamente identificados por aquele a quem é destinado um ato de fala. Do ponto de vista
semiológico a fala não representa apenas a manifestação involuntária do falante; é, com efeito,
um fato social.
Como parte que é da Lingüística, a Semiologia confunde-se com a Estilística e com a
Análise Literária, mas não se limita a simplesmente interpretar; busca investigar a origem e a
causa daquilo que se observa. Por outro lado, o caráter sêmico de uma dada situação
(lingüística ou extralingüística) está diretamente relacionado à função que lhe atribuímos – o
que não acontece fora da vivência social – por isso aplicamos a comparação entre várias
situações de fala para alcançar os diferentes significados.
É precisamente por sermos capazes de estabelecer uma equivalência entre fatos distintos
que apreendemos as revelações involuntárias que vêm implícitas nos atos de comunicação.
“...à medida em que compreendo uma língua, sou capaz de atribuir significados
produzidos hic et nunc. Mas, decidir qual é a significação do enunciado, fora de suas
ocorrências possíveis, implica ultrapassar o terreno da experiência e da constatação e
estabelecer uma hipótese – talvez justificável, mas que, de qualquer forma, precisa ser
justificada.”
8
Estas considerações nos levaram a perceber na insistência do uso da comparação na Ars
Amatoria um índice de alguma coisa que exigiria um conhecimento maior dos fatos para ser
adequadamente avaliada.
9
A fertilidade da imaginação de Ovídio, já demonstrada em outros
livros, teria permitido o desenvolvimento do tema amoroso com a mesma beleza e vivacidade
tão ao gosto dos seus contemporâneos, de inúmeras outras formas. Mas “nenhum discurso é
gratuito”
10
, e já que seria impossível que o próprio autor respondesse às nossas indagações, só
nos resta interrogar à História.
Ducrot defende com veemência que a análise de um enunciado fora do seu contexto leva
a muitos equívocos, mas por outro lado admite a validade de uma descrição semântica
lingüística para atos de linguagem isolados, pois ela permite prever frente a um enunciado,
através do componente lingüístico e do componente retórico contido em todo ato de fala, o
sentido de uma dada ocorrência no contexto presente. É por esta razão que se admite uma
infinidade de significações para os enunciados – desde que também se tenha em mente a
infinidade de contextos possíveis.
Existem, para Ducrot, “dois tipos de efeitos de sentido”: um, derivado do componente
lingüístico, e outro, derivado do componente retórico que são o pressuposto (fato de língua) e o
subentendido (fato de fala), passíveis de serem depreendidos dos enunciados e portanto, de
grande interesse para esta pesquisa. Com o exemplo a seguir, o lingüista procura demonstrar
estes efeitos.
“Jacques continua fumando”.
Esta afirmação traz como pressuposto, baseado na forma verbal continua, que Jacques
fumava anteriormente, e leva a inúmeros subentendidos como: “Jacques não se preocupa com a
própria saúde”, “Jacques não consegue parar de fumar”, etc.
Enquanto o pressuposto pertence plenamente ao sentido literal o subentendido permite
acrescentar ou excluir alguma coisa dizendo e, ao mesmo tempo, não dizendo.
Com relação à Ars Amatoria, inúmeros são os pressupostos que poderiam levar ao
subentendido da dissimulação apoiada nos exemplos míticos para criticar a rigidez das
imposições de Augusto sobre a vida privada da população em geral. Um desses pressupostos
seria o próprio temperamento livre e independente do poeta. Os outros seriam os fatos narrados
ou descritos nos capítulos 1 e 2.
3.1.2- Os tipos de significação.
Trata-se de uma forma de classificação proposta por Leech
11
, mais didática que
científica, que busca fazer distinção entre os vários significados contidos numa mensagem. São
em número de sete: significação denotativa ou conceitual, conotativa, estilística, afetiva,
associativa, contextual e temática; mas apenas quatro vão interessar ao nosso estudo.
a) Significação conotativa.
Como estamos tratando de um texto literário, fica evidente que são os mecanismos da
conotação que permitem interpretar o que vai além do conteúdo conceitual puro, pois colocam
em evidência as “propriedades acidentais, putativas do referente, decorrentes do ponto de vista
do indivíduo ou grupo, ou de uma sociedade inteira.”
12
Esta forma de significação apresenta variações em função do tempo, da cultura, e do
período histórico, e é baseada, também, na experiência individual, possuindo, portanto, um
componente psicológico. Mas é importante ressaltar, que nem todas as mensagens oferecem a
possibilidade de uma interpretação conotativa (ou dela necessitam), tal a sua transparência
conceitual. Quando uma ordem é dada, por exemplo, as próprias características do emissor se
encarregam de coibir a ativação dos mecanismos conotativos.
b) Significação estilística.
Esta forma de interpretação se desenvolve numa seqüência mais ou menos lógica, cuja
primeira etapa é a identificação do gênero do discurso para que depois então se possa assimilar a
mensagem através de seus outros constituintes, como a origem (e status do emissor), a
modalidade – entonação, escolha e ordem das palavras; indica o gênero de relação social que o
falante estabelece com seu ouvinte
13
–, e finalmente os outros componentes estilísticos que
seriam a individualidade (marca pessoal), o âmbito da mensagem, o objetivo.
c) Significação associativa.
Decorre das relações de equivalência observáveis em uma mensagem, sendo um dos
objetos de estudo da Retórica. Diz respeito aos lugares, de Aristóteles, à atribuição e atenuação
de traços cujos principais exemplos são a metáfora, a metonímia, a sinédoque, etc.
Com efeito, também a comparação e a exemplificação se realizam por meio deste
mecanismo de significação.
d) Significação contextual.
Conforme o texto, ou o contexto extralingüístico, é possível ser feita uma interpretação
particularizada de um enunciado. Depende do conhecimento partilhado em função do espaço e
da época, e da situação de comunicação em que o mesmo se realiza.
É em virtude do contexto em que se insere o nosso corpus, que a palavra “amor” deve
ser conceituada, sem os vínculos afetivos e sentimentais da concepção romântica. É revelador
também a definição do amor como uma prática e não como um sentimento, bem coerente com o
pragmatismo romano. Da mesma forma, o que hoje entendemos como arte, não possibilitaria a
tradução precisa do termo na Antigüidade.
3.2 – Texto e discurso.
Sem dúvida é o texto, de qualquer natureza, o objeto de estudo da Lingüística Textual.
Entretanto, por se tratar de uma ciência interdisciplinar, e de domínio bastante abrangente, o uso
indistinto das palavras texto, discurso e enunciado para fazer referência aos diversos atos de
comunicação resultantes da interação emissor/receptor, é comum entre os autores, mas leva a
inúmeros equívocos.
O que se conceitua como texto, de um modo geral, são produções lingüísticas, com
princípio, meio e fim claramente delimitados, e providas de significado possível de ser
apreendido.
As diversas disciplinas que se propõem classificar e analisar as mensagens completas,
em função da corrente a que estejam mais estreitamente vinculadas, procuram, não sem alguma
dificuldade, distinguir entre texto e discurso, principalmente baseando-se na modalidade da
enunciação e na finalidade de cada uma.
Koch nos apresenta, as seguintes definições para texto e discurso, conforme propõem os
mais recentes estudos:
-Para Stammerjohann, qualquer enunciado com extensão mínima de dois signos, podendo ser
oral ou escrito, é um texto.
-Para os partidários da Análise do Discurso, texto seria a manifestação verbal resultante do
discurso.
-Hjelmslev e seus seguidores, conceituam texto como todo e qualquer processo discursivo.
A conclusão da autora supracitada nos leva a considerar o texto como “toda e qualquer
manifestação da capacidade textual do ser humano (de natureza verbal e não verbal) e discurso
como o conjunto de enunciados produzidos dialogicamente ou individualmente, e o evento de
sua enunciação.”
14
Portanto o discurso só pode ser concebido por meio da palavra. Já o texto não se
restringe à linguagem verbal, tendo alcance maior pela infinidade de signos com que pode ser
representado.
Para desenvolver o tema e escopo deste trabalho, é importante que se faça distinção
também entre texto e enunciado, pois estaremos considerando nosso corpus como um conjunto
de enunciados organizados numa seqüência argumentativa, alguns dos quais colocados em
relação de equivalência como suporte da função persuasiva ou apenas ilustrativa.
3.3 – Retórica Antiga e Retórica Nova.
A eloqüência conheceu o apogeu em Atenas, no século IV a.C. e coube a Aristóteles
estudar e ensinar os processos desta arte, embora segundo seus contemporâneos, não possuísse,
ele mesmo, o dom da palavra.
15
Não é possível saber se o próprio Aristóteles também não reviu suas Artes antes de
torná-las públicas, e quantas de suas afirmações, podemos supor, não foram posteriormente
contestadas ou perderam o efeito, fora do contexto em que foram postuladas. Quantos não
reconsideraram suas posições, ou por necessidade ou simplesmente pelo esvaziamento da
finalidade original?
Ao que tudo indica o essencial da Arte Retórica permanece inalterado, ainda que muitos
estudos posteriormente desenvolvidos viessem acrescentar novos detalhes e expandir alguns
conceitos.
Além de retomar o estudo das partes do discurso como já haviam feito os teóricos
anteriores, os três livros do filósofo incluem o estudo das provas extratécnicas, das provas
lógicas e da linguagem, buscando descobrir e explicar de que maneira cada um destes elementos
pode contribuir para a persuasão.
Desde a Antigüidade, já era senso comum que todo e qualquer falante, mesmo sem se
dar conta, faz uso dos recursos retóricos, seja para aconselhar, censurar ou louvar (e da Dialética
para acusar ou defender uma posição). Quando Ducrot afirma que “nenhum discurso é gratuito”
e que “todo ato de fala encerra uma intenção” é exatamente em virtude do componente retórico
que pode ser observado nos atos de fala mais banais, como foi visto no item anterior.
Não pretendemos nos deter nas divisões e subdivisões da Retórica, pois isto pode ser
facilmente encontrado na vasta literatura sobre a matéria. Interessa-nos destas obra tudo aquilo
que possa avalizar nossas afirmações, como por exemplo: que se emprega a Retórica para
aconselhar, como Ovídio faz na Ars Amatoria; que se “o verdadeiro se presta melhor para o
raciocínio e para a persuasão que o falso”, este é também um argumento importante para
justificar a recorrência do exemplo mítico, pois o mito era “a verdade”.
A Retórica é a prova mais contundente do poder da palavra e não é por outra razão que
quando um regime se sente ameaçado a primeira providência, muitas vezes anterior ao emprego
das armas, é calar as vozes que o denunciam.
“O ato de convencer se apresenta, de uma maneira geral como uma alternativa
ao uso da violência física. Na verdade, pode-se obter do outro um ato contra a sua
vontade com o uso da força. Renunciar a utilizar a força representa um passo em direção
a uma situação de mais humanidade, de um vínculo social partilhado e não imposto.”
16
A comunicação moderna aponta, entre os métodos “suaves” utilizados para convencer, a
sedução, a demonstração e a argumentação. Como a demonstração interessa à ciência e à
propaganda em especial, nosso foco estará mais voltado para a sedução e para a argumentação,
embora não seja fácil separar claramente os elementos que caracterizam cada um destes meios,
mobilizados em conjunto, às vezes inconscientemente, nas interações comunicativas.
17
A
Retórica Antiga já demonstrava a presença do componente sedução (delectare) na arte de
convencer (movere), bem como da demonstração (probatio) que também pode ser realizada
através das palavras com o uso da exemplificação.
18
Quer nos utilizemos dos conhecimentos tradicionais, quer dos estudos modernos de
análise discursiva, a argumentação prevalece como o meio civilizado e poderoso para fazer
partilhar uma opinião que pode, em conseqüência, produzir a ação desejada. Mas a
argumentação não opera isoladamente. Outros componentes, como os que dizem respeito à
própria pessoa do orador, contribuem para a eficácia dos argumentos.
3.3.1- Retórica e argumentação.
Foi precisamente fazendo uso da argumentação que os filósofos racionalistas prestaram
sua contribuição para que o estudo da Retórica fosse relegado a segundo plano. A outra parcela
da responsabilidade é atribuída aos analistas literários da linguagem, especialmente aqueles
ligados a correntes que se desenvolveram durante o século XIX, quando a valorização dos fatos,
das idéias e dos sentimentos passa a prevalecer sobre os mecanismos do raciocínio empregados
para a persuasão. Apenas os elementos estéticos dos discursos se mantiveram como objeto das
novas ciências literárias.
Devemos aos lingüistas
19
e aos técnicos da comunicação a revitalização dos estudos
retóricos e as inovações trazidas pelas inúmeras linhas de pesquisa surgidas a partir da década
de sessenta.
De qualquer forma sempre é possível reconhecer a influência de Aristóteles ou os
ensinamentos de Cícero, nos princípios e leis fundamentais extraídos das pesquisas modernas,
como, por exemplo, na “argumentação por autoridade”
20
, que, em outros termos, os antigos já
nos apresentavam como uma fórmula de persuasão e que Ovídio explora, satirizando ou não, ao
dizer que pode ensinar as artes do amor porque a aprendeu na vivência cotidiana da Roma
mundana.
“Entre as provas fornecidas pelo discurso, distinguem-se três espécies: umas
residem no caráter moral do orador...”
21
Tanto a Retórica Antiga quanto a Nova, portanto, atestam a necessidade do conceito (ou
prestígio) desfrutado pelo orador, e Ovídio já conquistara fama de especialista no assunto desde
Amores, bastando-lhe, portanto, ir ao encontro das “disposições criadas no ouvinte” (ou leitor) –
ainda segundo Aristóteles – e que modernamente é relacionado ao “princípio da cooperação”
22
que poderá depender de uma disposição preexistente ou criada no espírito do auditório.
Mas a utilização do estilo poético para discursar não era aprovada por Aristóteles que
considerava esta prática como uma escolha apenas das pessoas desprovidas de instrução e que
acreditavam ser esta a melhor maneira de se exprimir. Apesar da violação do estilo, tal
comentário não se aplicaria a Ovídio, pela sua já reconhecida erudição. Entretanto, sendo este
um transgressor (leia-se inovador) por natureza, a condenação do filósofo não seria totalmente
desprovida de fundamento, pois essa crítica já encontrava ressonância também na opinião de
Isócrates
23
.
Segundo Breton, ao argumentar, “é possível apresentar as coisas de diferentes maneiras
porque tratamos com públicos diferentes, sem que haja por isso uma contradição entre a opinião
que se defende e a forma argumentativa que propomos”
24
, e mais que Aristóteles ou Isócrates,
era Ovídio quem conhecia seu público, portanto, seu discurso era baseado no que existia
previamente na tradição romana, porque naquele momento era a poesia, mais que a oratória, que
estava em alta. O tempo de Cícero havia passado.
Além da autoridade e da disposição criada no ouvinte, existe a linguagem, o próprio
discurso como forma de argumentação, pelo que demonstra, ou pelo modo como procura
demonstrar as teses propostas.
Como estratégias argumentativas empregadas por meio da linguagem, encontramos as
figuras de retórica, que contribuem não só para a beleza do estilo, mas também para a
persuasão.
A figura de que em especial iremos nos ocupar tem a denominação técnica de simile que
é definida por LAUSBERG “como o semelhante que é empregado como locus comprovativo e
ao mesmo tempo como ornatus”.
“O semelhante (simile) aparece como similitudo mais infinita ou como
exemplum mais finito. Os limites são pouco nítidos.”
25
O uso da figuras, com o objetivo de persuadir, não ficou ausente dos estudos
aristotélicos sobre os processos argumentativos. Entretanto ele adverte que a “arte deverá
dissimular-se e não parecer afetada, mas natural”, caso contrário não se conseguirá persuadir,
pois será obtido o efeito contrário.
A comparação, como Ovídio a emprega, atende às recomendações do filósofo, pois sua
apreensão depende da interpretação semântica, sendo pouco freqüente a presença dos elementos
gramaticais que a distinguem como construção sintática, o que confere ao texto o seu tom
surpreendente e discretamente elegante, como poderemos observar no estudo desenvolvido no
quarto capítulo.
____________________________
NOTAS E COMENTÁRIOS:
1- “É possível que o assunto tenha assumido um aspecto político e que se tenha, na realidade, procurado abafar
uma conjuração nascente”. GRIMAL, 1955, p. 85.
2- GRIMAL, 1955, p. 87.
3- CABRAL, 1982, p. 161.
4- Idem.
5- DUARTE, 2000, p. 11.
6- “A palavra não é, na verdade, o que está escrito no dicionário. (...) A palavra não existe em si, ela só possui uma
realidade incorporada à frase, quer dizer, em alguma circunstância em que ela é empregada, a ponto de se poder
dizer que sua significação é, em parte, apreensível em função de seu emprego” (MAROUZEAU, 1946, p. 196)
7- BUYSSENS, 1972, p. 19.
8- “O estabelecimento de uma equivalência entre dois fatos (por exemplo o exílio de Ovídio e o expurgo da Ars
Amatoria das bibliotecas públicas) permite-nos atingir uma significação.” (BUYSSENS, 1972, p. 41)
9- “No ato e no índice, a testemunha interpreta este como revelador de outro fato.” (Buyssens, 1972, p.31)
10- “O ato de fala e o modo como ele é realizado encerra uma intenção ou visa a um objetivo. Cabe aos
destinatários buscar interpretá-los.” (DUCROT, 1987, p. 90)
11- Conf. CABRAL, 1982, p. 163.
12- Idem.
13- Buyssens, 1972, p. 30.
14- KOCH, 1983, p. 25.
15- Introdução à Arte Retórica, por Jean Voilquin e Jean Capele, p. 21.
16- BRETON, 1999, p. 7.
17- BRETON, 1999, p.10.
18- “A finalidade da Retórica consiste em aduzir provas. (ARISTÓTELES, Arte Retórica, p. 29)
19- Roland Barthes, Olivier Reboul, Chaim Perelman, Oswald Ducrot.
20- DUCROT, 1987, p 139.
21- “Qualidades das provas empregadas pela Retórica.” (ARISTÓTELES, Arte Retórica, p. 33)
22- MAINGUENEAU, 1996, p. 31.
23- ARISTÒTELES, Arte Retórica, p. 174.
24- BRETON, 1999, P.31.
25- LAUSBERG, 1965, p. 236-237.
Capítulo 4 – A comparação semântica e suas variações na Ars Amatoria.
“A comparação é freqüentemente usada na vida cotidiana para
argumentar. Trata-se talvez de uma das formas mais difundidas de
argumentação. Mas seu uso não é sempre rigoroso e os termos da
comparação são às vezes contestáveis ou confusos. Comparar consiste
em tecer um vínculo entre duas realidades, colocando-as em relação de
maneira aceitável e produzindo através deste fato uma transferência de
qualidade de uma realidade para outra”
.*
O uso da comparação, como aparece no poema de Ovídio, escopo deste trabalho, coloca
em evidência pontos de vista ou episódios reconhecidos e aceitos pela tradição, correlacionando
sempre essas “realidades” com conselhos e ensinamentos que constituem a essência do poema.
Esta comparação, entretanto, acha-se acima do limite da frase, porque está baseada na
equivalência ou na correlação entre enunciados, dos quais a unidade comparante tem quase
sempre valor lendário ou mitológico.
É através da relação entre comparante e comparado que se estabelece uma estratégia
argumentativa que objetiva conduzir a uma determinada conclusão ou afastar dela, conforme a
interpretação e o leitor que se tenha em mente.
Vimos que esse texto, tão polêmico quanto original, foi recepcionado por um público
que compreendia os caracteres mais diversos da sociedade da época e isso incluía também os
representantes da poderosa elite romana, o que criou a necessidade de provocar uma leitura tão
ambígua quanto possível, para resguardar as possíveis ideologias ocultas em cada Livro.
* (BRETON, Pierre. 1999, p.135)
Se há ensinamento há intenção de comprovar. Nesse caso o exemplo funciona como a
demonstração de uma situação similar que pode ser equiparada, por semelhança, ao conselho ou
ensinamento apresentado.
Também as metáforas estão presentes, não apenas como ornatus, mas como mecanismo
de sedução para persuadir ou dissimular.
4.1 – A Comparação como estrutura sintática correlata.
Antes do estudo específico da Comparação Semântica, parece-nos pertinente a análise
das possibilidades e especificidades da comparação em seu papel de figura retórica.
Para comparar é preciso, acima de tudo, conhcecer os fatos inerentes aos elementos
confrontados, e então avaliar um em relação ao outro. Isto implica a utilização das estruturas
gramaticais correlatas. Alguns autores, inspirados no Professor José Oiticica
1
, defendem que
sejam retiradas do estudo do período composto por subordinação as orações correlatas (e entre
estas a adverbial comparativa) de modo a facilitar sua compreensão e análise, formando um
grupo à parte com todas as orações cuja sintaxe dependa da concorrência de dois termos com
funções distintas, mas indissociáveis.
A comparação costuma ser quantitativa ou intensificativa, mesmo quando os dois
elementos são apresentados numa relação de equivalência. Ainda quando se afirma que A é
como B, pode-se presumir que existe uma qualidade reconhecível, em maior ou menor grau, que
equipara os dois elementos.
Mesmo na comparação gramatical é possível que um dos termos não esteja explícito e já
aí é o valor semântico do enunciado que torna evidente a intenção de avaliar o elemento A,
segundo algum aspecto do elemento B. Neste caso, o primeiro termo poderá estar elíptico, ou,
simplesmente, não existir.
Como equivalência de sentido não significa identidade de estrutura
2
, é possível realizar
comparação sem nenhum termo comparativo e esta forma de comparação perpassa toda a Ars
Amatoria, sendo sua marca mais característica depois da construção em versos. E, não sendo
possível reconhecer mecanismos sintáticos em tal modalidade de comparação, adotamos a
denominação de Comparação Semântica para as relações de equivalência entre os enunciados
reveladas exclusivamente pelo sentido.
É fato reconhecido que as figuras retóricas muitas vezes não apresentam contornos bem
definidos, e sua caracterização, para muitos autores, apresenta-se sempre contaminada pelas
conceituações de outras figuras semelhantes. Existe um limite muito tênue entre comparação
(simile), exemplo, metáfora, analogia e alegoria, e o poema que aqui estudamos oferece-nos até
mesmo exemplos de antíteses que, do ponto de vista semântico, são notáveis comparações.
“A antítese que (sindética ou assindeticamente) é formulada em frases ou em
grupos de palavras e a qual, deste modo já é, evidentemente, de natureza caracterizante e
comparante, chama-se comparatio.
3
Oswald Ducrot (op. cit.), considera elementos de comparação implícita, partículas como
mas (sed), também (quoque), ainda (quasi), etc., que aparecem incessantemente nos discursos,
pela necessidade natural que tem o indivíduo de explicar e entender as relações existentes entre
os constituintes de uma dada realidade. “O conhecimento da relação (entre as coisas e os fatos)
parece, portanto, sem nenhuma dúvida possível, o objetivo da comparação.”
4
A manifestação
deste conhecimento, ao converter-se em linguagem, não se dará sempre por meio das mesmas
relações sintáticas e desta conclusão se alimentam as modernas teorias sobre a lógica
comparativa.
Para Carlos Vogt, “tudo, na língua, é comparação ou, pelo menos muita coisa – mais do
que se pensa habitualmente.”. Pode, portanto, nem ser tão surpreendente constatar uma
seqüência interminável de ocorrências em uma obra poética, a não ser pelo seu emprego como
instrumento de persuasão, e porque facilmente se pode observar que, retirar desta obra os
enunciados comparativos, ou substituí-los, seria como esvaziá-la de significado.
Para melhor demonstrar a variedade das estruturas comparativas com que o poema se
desenvolve, procuramos agrupá-las e classificá-las de acordo com a natureza de cada uma e as
semelhanças entre elas. Pudemos, então, constatar o predomínio de uma modalidade de
comparação que não pode ser analisada pelo seu valor sintático, mas apenas pelas relações de
sentido construídas com o arranjo das palavras, o que torna mais nítido o intervalo a que se
refere Vogt.
5
“O sentimento era o de que o comparativo representava uma estrutura
privilegiada do intervalo: a intuição de que ele guardava, de alguma forma, a força
primitiva de um julgamento que, antes de dizer o grau ou a medida, situava o homem
diante do mundo e, de dentro desta situação, confundia-o na subjetividade do ponto de
vista.”
6
A comparação se apresenta, neste poema de Ovídio, precisamente como a define
Lausberg
7
: “o simile que é empregado como locus comprovativo e como ornatus”. O estudo
realizado por este autor organiza de forma gradual as variedades da comparação, partindo da
comparação pura e simples até seu desdobramento ou conversão em alegoria.
4.2 – Caracterização da Comparação ou Símile.
Esta comparação, desprovida ou não do operador sintático pode ser representada pelo
exemplo (domínio mais finito do simile), ou como similitudo (domínio mais infinito) cuja
formulação breve ou longa, caracterizaria, respectivamente, metáfora e alegoria. Pela similitudo
confronta-se um pensamento com algum fato mais geral da natureza ou da vida humana, fora do
domínio histórico. Já pelo exemplum, fatos históricos, mitológicos ou literários são
relacionados ao pensamento expresso, ainda que a metáfora, por si só, “permita praticamente
uma equivalência entre toda e qualquer significação, oferecendo o maior grau de abertura
possível.”
8
Breton distingue da comparação o exemplo, cujo objetivo é criar uma “correspondência
subterrânea” entre fatos nem sempre passíveis de associação, possibilitando uma interpretação
equivocada e tendenciosa.
9
.
É também Breton quem nos oferece uma teoria bastante elucidativa sobre a analogia e
seus pontos de distanciamento e convergência com as demais variantes da comparação. E, além
disso, apresenta-nos, como recurso técnico, uma delimitação mais precisa entre os domínios das
modalidades comparativas (ou tenta apresentar), quando propõe a subdivisão da analogia em
comparação simples, comparação analógica, exemplo e metáfora. Entretanto, a mesma
“correspondência subterrânea” é, por ele, atribuída também à metáfora.
“Em contrapartida, a metáfora autoriza correspondências subterrâneas que se
alimentam, às vezes, no mais profundo do nosso ser e de nossa cultura.”
10
4.3 – As Comparações Gramaticais na Ars Amatoria.
Como fenômeno sintático, a comparação, em latim, é constituída de locuções de
comparação (advérbio ou pronome indefinido mais conjunção comparativa)
11
, variáveis ou
invariáveis, podendo haver inversão dos termos, uma vez que, com freqüência maior que a
verificada quando se usam as estruturas correlatas na língua portuguesa, a subordinada latina
precede a principal. Alguns demonstrativos ou indefinidos, postos em correlação, podem,
também assumir função comparativa.
Encontramos algumas ocorrências da comparação introduzida por um termo de natureza
comparativa sem o antecedente ou por palavras que denotam semelhança ou dessemelhança.
Por se tratar de subordinação fraca, a oração comparativa se constrói com Indicativo. As
construções com Conjuntivo se devem a questões de estilo ou de sentido
12
, como a comparação
condicional que por exprimir o potencial ou irreal
13
não admite o Indicativo.
No anexo I, ao final deste trabalho, procuramos reunir em um quadro demonstrativo as
variações da comparação formal, ainda que não seja o objetivo principal do nosso estudo, mas
por ser relevante considerar a comparação em todos os seus aspectos para que possa ser mais
facilmente reconhecida em uma modalidade tão sutil como a utilizada por Ovídio. Podem ser
observadas no quadro anexo as estreitas relações da comparação com outras estruturas
correlatas – também na língua latina – como as orações proporcionais, condicionais e
conformativas, conforme estudo detalhado desenvolvido pela Professora Maria Aparecida Lino
Pauliukonis em sua tese de doutorado.
4.3.1- Comparações com estruturas correlatas na Ars Amatoria.
Com tot... quot:
(L. I, v. 57) “Gargara quot segetes, quot habet Methymna racemos
Aequore quot pisces, fronde teguntur aue,
Quot caelum stellas, tot habet tua Roma puellas;”
(L. I, v. 757) “Pectoribus mores tot sunt, quot in orbe figurae;
Qui sapit, innumeris moribus aptus erit,”
(L. III, v. 617) “Tot licet obseruent, adsit modo certa voluntas,
Quot fuerant Argo lumina, uerba dabis.”
Com ut...sic:
(L. I, v. 93) “Vt redit itque frequens longum formica per agmen,
granifero solitum cum uehit ore cibum,
Aut ut apes saltusque suo set olentia nactae
Pascua per flores et thyma summa uolant,
Sic ruit ad celebres cultissima femina ludos;”
(L. I, v. 275) “Vtque viro furtiua Venus, sic grata puellae;”
(L. I, v. 117)
“Vt fugiunt aquilas, timidissima turba, columbae
Vtque fugit uisos agna nouella lopos,
Sic illae timuere viros sine lege ruentes;”
(L. II, 439) “Vt leuis absumptis paulatim uiribus ignis
Ipse latet, summo canet in igne cinis,
Sed tamen extinctas admoto sulpure flammas
Inuenit, et lumen, quod fuit ante, redit,
Sic, ubi pigra situ securaque pectora torpent,
Acribus est stimulis eliciendus amor.”
Com ut...ita
:
(L. III, v. 811) “Vt quondam iuuenes, ita nunc, mea turba, puellae
Inscribant spoliis “Naso magister erat.”
Com hoc...quod:
(L. I, v. 129) “Atque ita: “Quid teneros lacrimis corrumpis ocellos?
Quod matri pater est, hoc tibi, dixit, ero.”
Com prius... quam
:
(L. I, v. 271)
“Vere prius uolucres taceant, aestate cicadae,
Maenalius lepori det sua terga canis,
Femina quam iuueni blande temptata repugnet.”
Com –ius, -ior...quam:
(L. II, v.13) “Nec minor est uirtus, quam quaerere, parta tueri;
Casus inest illic, hoc erit artis opus.”
(L. II, v. 345)
“Fac tibi consuescat; nil adsuetudine maius,
Quam tu, dum capiat, taedia nulla fuge.”
Com tam...quam:
(L. I, v. 457) Disce bonas artes, moneo, Romana iuuentus,
Non tantum trepidos ut tueare reos;
Quam populos iudexque grauis lectusque senatus,
Tam dabit eloquio uicta puella manus.
(L. II, v. 373) “Sed neque fuluus aper media tam saeuus in ira est,
Fulmineo rabidos cum rotat ore canes,
Nec Lea, cum catulis lactantibus ubera praebet,
Nec breuis ignaro uipera laesa pede,
Femina quam socii deprensa paelice lecti.”
(L. I, v. 276) “Vir male dissimulat, tectius illa cupit.”
(L. I, v. 281) “Parcior in nobis nec tam furiosa libido;
Legitimum finem flamma uirilis habet.”
Com –ior, –ius e o segundo elemento em ablativo:
(L III, v. 575) “Certior hic amor est, breuis et fecundior ille.
Quae fugiunt, celeri carpite poma manu.”
(L. I, v. 348)
“Fertilior seges est alienis semper in agris,
Vicinumque pecus grandius uber habet.”
(L. III, v. 608)
“Quae venit ex tuto, minus est accepta uoluptas.
Vt sis liberior Thaide, finge metus.
Cum melius foribus possis, admitte fenestra.”
4.3.2- Comparações com outras estruturas correlatas de sentido comparativo.
Com alter... alter
:
(L. I, v. 204) “Nam deus e uobis alter es, alter eris.”
Com quae... quae:
(L. I, v. 345) “Quae dant, quaeque negant, gaudent tamen esse rogatae.”
Com sic...sic
:
(L. I, v. 447)
“At quod non deceris, semper uideare daturus.
Sic dominum sterilis saepe fefellit ager;
Sic, ne perdiderit, non cessat perdere lusor.”
4.3.3- Comparações com termos comparativos sem correlação.
Com quoque:
(L. I, v. 357) “Illa leget tempus (medici quoque tempora seruant),”
(L. III, v. 611) “Qua uafer eludi possit ratione maritus,
Quaque uigil custos, praeteriturus eram.
Nupta uirum timeat; rata sit custodia nuptae;
Hoc decet, hoc leges duxque pudorque iubent.
Te quoque seruari, modo quam uindicta redemit,
Quis ferat? Ut fallas, ad mea sacra ueni.”
(L. III, v.655) “Quod sapiens, faciet stultus quoque; munere gaudet;”
(L. III, v. 659) “Questus eram, memini, metuendos esse sodales;
Non tangit solos ista querela uiros.
Crédula si fueris, aliae tua gaudia carpent,
Et lepus hic aliis exagitatus erit.
Haec quoque, quae praebet lectum studiosa locumque,”
Com non tantum:
(L. I, v. 384) “Corpore, non tantum sedulitate placet,”
Com ut:
(L. I, v. 617) “Blanditiis animum furtim deprendere nunc sit,
Vt pendens liquida ripa subitur aqua.”
(L. I, v. 759) “Vtque leues Proteus modo se tenuabit in undas,
Nunc leo, nunc arbor, nunc erit hirtus aper.”
(L. III, v. 572) “Hic fera composita uulnera mente feret;
Ignibus heu! Lentis uretur, ut umida faena,
Vt modo montanis silua recisa locis.”
Com outros termos potencialmente comparativos:
(L. II, v. 15) “Nunc mihi, siquando, puer et Cytherea, fauete ,”
(L. III, v.105) “Cura dabit faciem; fácies neclecta peribit,
Idaliae similis sit licet illa deae.”
4.4 – A Antítese e seu potencial comparativo.
A correspondência entre elementos antagônicos, presentes na estrutura que Lausberg
14
denomina como antítese frástica aparece com seus termos constitutivos organizados em
seqüência quiasmática, linear e paralela, respectivamente.
(L. II, v. 161)
“Non ego diuitibus uenio praeceptor amandi;
Nil opus est illi, qui dabit, arte mea;
......................................................................
Cedimus; inuentis plus placet ille meis.
Pauperibus uates ego sum, quia pauper amaui.”
(L. III, v. 525) “Quis vetat a magnis ad res exempla minores
Sumere nec nomen pertimuisse ducis?”
(L. III, v. 565) “Ille uetus miles sensim et sapienter amabit
Multaque tironi non patienda feret.”
4.5 – A Metáfora argumentativa.
Entre as quatro modalidades de tropos, a metáfora é a figura de retórica que oferece
maior liberdade de sugestão, sendo considerada a mais rica e produtiva forma de linguagem
figurada, além de uma figura de estilo vigorosa, sempre renovável e largamente utilizada não
apenas na literatura, como em inúmeras situações de comunicação. Mas só tem valor
argumentativo quando empregada na defesa de um ponto de vista. Para Breton é também a
forma mais extrema da analogia e, paradoxalmente, o mais frágil e o mais poderoso dos
raciocínios argumentativos.
15
(L. I, v. 3) “Arte citae veloque rates remoque mouentur,
Arte leuis currus. Arte regendus Amor.”
(L. I, v. 19) “Sed tamen et tauri ceruix oneratur aratro,
Frenaque magnanimi dente teruntur equi,
Et mihi cedit Amor, quamuis mea uulneret arcu
Pectora iactatas excutiatque faces.”
(L. I, v. 45) “Scit bene uenator ceruis ubi retia tendat,
Scit bene qua frendens ualle moretur aper;
Aucupibus noti frutices; qui sustinet hamos
Nouit quae multo pisce natentur aquae.
Tu quoque, materiam longo qui quaeris amore,
Ante frequens quo sit disce puella loco.”
(L. I, v. 163)
“Hos aditus circusque nouo praebebit amori
Sparsaque sollicito tristis harena foro.
Illa saepe puer Veneris pugnauit harena,
Et, qui spectauit uulnera, uulnus habet:”
..........................................................................
“Saucius ingemuit telumque nolatile sensit
Et pars spectati muneris ipse fuit.”
(L. I, v. 244) “Et Venus in uinis ignis in igne fuit.”
(L. I, v. 377) “Conueniat maribus ne quam nos ante rogemus;
Femina iam partes uicta rogantis agat.
Mollibus in pratis admugit femina tauro,
Femina cornipedi semper adhinnit equo.”
(L. I, v. 389) “Aut numquam temptes aut perfice; tollitur index,
Cum semel in partem criminis ipsa uenit;
Non auis utiliter uiscatis effugit alis,
Non bene de laxis cassibus exit aper.
Saucius arrepto piscis teneatur ab hamo;
Perprime temptatam nec nisi uictor abi.”
(L. I, v. 397) “Tempora qui solis operosa colentibus arua,
Fallitur, et nautis adspicienda putat;
Nec semper credenda Ceres fallacibus aruis,
Nes semper uiridi concaua puppis aquae,
Nec teneras semper tutum captare puellas;”
(L. I, v. 443)
“Spes tenet in tempus. Semel est si credita, longum;
Illa quidem fallax, sed tamen apta dea est.”
(L. I, v. 467) “Si non accipiet scriptum inlectumque remittet,
Lecturam spera propositumque tene.
Tempore difficiles ueniunt ad aratra iuuenci
Tempore dura pati frena docentur equi;
Ferreus adsiduo consumitur anulus usu;
Interit adsidua uomer aduncus humo.
Quid magis est saxo durum, quid mollius unda?
Dura tamen molli saxa cauantur aqua.”
(L. I, v. 721) “Candidus in nauta turpis color; aequoris unda
Debet et a radiis sideris esse niger;
Turpis et agricolae, qui uomere semper adunco
Et grauibus rastris sub Ioue uersat humum,
Et tua, Palladiae petitur cui palma coronae,
Candida si fuerint corpora, turpis eris.
Palleat omnis amans! Hic est color aptus amanti;
Hoc decet; hoc multi non ualuisse putent.”
(L. I, v. 754)
“Pectora; mille animos excipe mille modis,
Nec tellus eadem parit omnia; uitibus illa
Conuenit, haec oleis, hic bene farra uirent.
….......................................................................
Nunc leo, nunc arbor, nunc erit hirtus aper.
Hic iaculo pisces, illic capiuntur ab hamis,
Hic caua contento retia fune trahunt.”
(L. II, v. 113) “Forma bonum fragile est, quantumque accedit ad annos,
Fit minore et spatio carpitur ipsa suo:
Nec uiolae semper nec hiantia lilia florent,
Et riget amissa spina relicta rosa;
Et tibi iam uenient cani formose, capilli,
Iam uenient rugae, quae tibi corpus arent.”
(L. II, v. 119)
“Iam molire animum qui duret et adstrue formae;
Solus ad extremos permanet ille rogos.”
(L. II, v. 153)
“Asperitas odium saevaque bella mouet.
Odimus accipitrem, quia uiuit semper in armis,
Et pauidum solitos in pecus ire lupos;
At caret insidiis hominum, quia mitis hirundo,
................................................................................
Hoc decet uxores; dos est uxoria lites.”
Audiat optatos semper amica sonos.
Non legis iussu lectum uenistis in unum;
Pungitur in uobis munere legis Amor.”
(L. II, v. 177) “Si nec blanda satis nec erit tibi comis amanti,
Perfer et obdura. Postmodo mitis erit.
Flectitur obsequio curuatus ab arbore ramus;
Frangis, si uires experiere tuas.
Obsequio tranantur aquae, nec uincere possis
Flumina, si contra quam rapit unda nates;
Obsequium tigrisque domat Numidasque leones;
Rustica paulatim taurus aratra subit.”
(L. II, v. 233) “Militiae species amor est. Discedit, segnes.
Non sunt haec timidis signa tuenda uiris;”
(L. II, v. 337) “Sed non, quo dederas a litore carbasa uento
Vtendum, medio cum potiere freto.
Dum nouus errat amor, uires sibi colligat usu;
Si bene nutrieris, tempore firmus erit.
Quem taurum metuis, uitulum mulcere solebas;
Sub qua nunc recubas arbore, uirga fuit;
Nascitur exiguus se dopes adquirit eundo,
Quaque uenit, multas accipit amnis aquas.
Fac tibi consuescat; nil adsuetudine maius,”
(L. II, v. 361)
“Quid stupor hic, Menelae, fuit? Tu solus abibas;
Isdem sub tectis hospes et uxor erant.
Accipitri timidas credis, furiose, columbas;
Plenum montano credis ouile Lupo.”
(L. II, v. 513) “Credita non semper sulci cum foenore reddunt,
Nec semper dubias adiuuat aura rates;
Quod iuuat, exiguum, plus est, quod laedat amantes;”
(L. II, v. 516) “Proponant animo multa ferenda suo.
Quot lepores in Atho, quot apes pascuntur in Hybla,
Caerula quot bacas Palladis arbor habet,
Litore quot conchae, tot sunt in amore Dolores.
Quae patimur, multo spicula felle madent.”
(L. II, v. 648) “Lenit, at incipiens omnia sentit amor.
Dum nouus in viridi coalescit cortice ramus,
Concutiat tenerum quaelibet aura, cadet;
Mox etiam uentis spatio durata resistet
Firmaque adoptiuas arbor habebit opes.
Eximit ipsa dies omnis e corpore mendas,
Quodque fuit uitium, desinit esse mora:
Ferre nouae nares taurorum terga recusant;
Adsidue domitas tempore fallit odor.”
(L. II, v. 665) “Praecipue si flore caret, meliusque peractum
Tempus, et albentes iam leget illa comas.
Vtilis, o iuuenes, aut haec aut serior aetas:
Iste feret segetes, iste serendus ager.”
(L. II, v. 692) “Haec bona non primae tribuit natura iuuentae,
Quae cito post septem lustra uenire solent.
Qui properant, noua musta bibant; mihi fundat auitum
Consulibus priscis condita testa merum.
Nec platanus, nisi será, potest obsistere Phoebo,
Et laedunt nudos prata nouella pedes.”
(L. III, v. 23)
“Ipsa quoque et cultu est et nomine femina Virtus.
Non mirum, populo si placet illa suo.”
(L. III, v. 25) “Nec tamen hae mentes nostra poscuntur ab arte;
Conueniunt cumbae uela minora meae.
Nil nisi lasciui per me discuntur amores:”
(L. III, v. 75) “Quasque fuisse tibi canas a uirgine iuras,
Spargentur subito per caput omne comae.
Anguibus exuitur tenui cum pelle uetustas,
Nec faciunt ceruos cornua iacta senes;
Nostra sine auxilio fugiunt bona; carpite florem,
Qui, nisi carptus erit, turpiter ipse cadet.”
(L.III, v. 81) “Adde quod et partus faciunt seniora iuuentae
Tempora; continua messe senescit ager.”
(L. III, v. 90) “Mille licet sumant, deperit inde nihil.
Conteritur ferrum silices tenuantur ab uso:
Sufficit et damni pars caret illa metu.”
(L. III, v.149) “Sed neque ramose numerabis in ilice glandes,
Nec quot apes Hyblae, nec quot in Alpe ferae,
Nec mihi tot positus numero comprendere fas est;
Adicit ornatus próxima quaque dies.”
(L. III, v. 159)
“O quantum indulget uestro natura decori,
Quarum sunt multis damna pianda modis!
Nos male detegimur, raptique aetate capilli
Vt Borea frondes excutiente cadunt.”
(L. III, v. 243)
“Qua male crinita est, custodem in limine ponat
...........................................................................
Inque nurus Parthas dedecus illud eat.
Turpe pecus mutilum, turpis sine gramine campus,
Et sine fronde frutex et sine crine caput.”
(L. III, v. 418) “Saepe uagos ultra limina ferte pedes.
Ad multas lupa tendit oues, praedetur ut unam.
Et Iouis in multas deuolat ales aues.
Se quoque det populo mulier speciosa uidendam;
Quem trahat, e multis forsitan unus erit.”
(L. III, v. 527) “Dux bonus huic centum commisit uite regendos,
Huic eqüites, illi signa tuenda dedit.
Vos quoque, de nobis quem quisque erit aptus ad usum,
Inspicite et cert ponite quemque loco.”
(L. III, v. 555)
“Sed neque uector equum, qui nuper sensit habenas,
Comparibus frenis artificemque reget,
Nec Stabilis animos annis uiridemque iuuentam
Vt capias, idem limes agendus erit.”
(L. III, v. 563) “Effuge riualem; uinces dum sola tenebis;
Non bene cum sociis regna Venusque manent.”
(L. III, v. 583) “Dulcia non ferimus; suco renouemur amaro.
Saepe perit uentis obruta cumba suis.
Hoc est, uxores quod non patiatur amari;
Conueniunt illas, cum uoluere, uiri;”
(L. III, v. 595) “Tum bene fortis equus reserato carcere currit,
Cum, quos praetereat quosque sequatur, habet.
Quamlibet extinctos iniuria suscitat ignes;”
(L. III, v. 667)
“Quo feror insanus? quid aperto pectore in hostem
Mittor et indicio prodor ab ipse meo?
Non auis aucupibus monstrat qua parte petatur;
Non docet infestos currere cerua canes.”
4.6 – A Comparação com outros elementos de valor potencialmente comparativo.
Antes de atingir seus limites e de se manifestar em toda a plenitude da expressão
lingüística que é a metáfora, a comparação conserva vestígios de sua natureza sintático-
gramatical no estágio que prenuncia a inserção de sua força argumentativa no domínio
semântico. Nos exemplos seguintes, em que são confrontados costumes e tradições de épocas
diferentes, por intermédio de signos lingüísticos de categorias diversas, e por vezes antagônicos,
já se podem reconhecer formas elementares de comparação semântica. Pela qualidade do
elemento comparante, que relaciona ao tempo da enunciação uma época diversa, para avaliá-la
positiva ou negativamente, Breton classifica esta modalidade argumentativa de comparação
diacrônica.
16
(L. I, v. 503) “Sed tibi nec ferro placeat torquere capillos.
Nec tua, ordaci pumice crura teras.
Ista iube faciant, quorum Cybeleia mater
Concinitur Phrygiis exululata modis.”
(L. II, v. 275) Carmina laudantur, sed munera magna petuntur;
Dum modo sit diues, barbarus ipse placet.
.............................................................................
Venit honos, auro conciliatur amor;
Ipse licet uenias Musis comitatus, Homere,
Si nihil attuleris ibis, Homero, foras.”
(L. II, v. 595)
“Nec uos rivali laqueos disponit nec
Excipite arcana uerba notata manu.
Ista uiri captent, si iam captanda putabunt,
Quos faciet iustus ignis et unda uiros,
Em, iterum testor, nihil hic nisi lege remissum
Luditur; in nostris instita nulla iocis.”
(L. II, v. 617) “Conueniunt thalami furtis et ianua nostris,
...................................................................
Tunc quoque, cum solem nondum prohibebat e timbrem
Tegula, sed quercus tecta cibumque dabat,
In nemore atque antris, non sub Iove, iuncta voluptas,
Tanta rudi populo cura pudoris erat!”
At nunc nocturnis títulos inponimus actis,
Atque emitur magno nil nisi posse loqui.”
(L. II, v. 692)
“Haec bona non primae tribuit natura iuuentae,
Quae cito post septem lustra uenire solent.
Qui properant, noua musta bibant; mihi fundat auitum
Consulibus priscis condita testa merum.
Nec platanus, nisi sera, potest obsistere Phoebo,
Et laedunt nudos prata nouella pedes.
(L. III, v. 113) “Simplicitas rudis ante fuit; nunc áurea Roma est
Et domiti magnas possidet orbis opes.”
Adspice quae nunc sunt Capitolia, quaeque fuerunt;
...................................................................................
Quae nunc sub Phoebo ducibusque Palatia fulgent,
Quid nisi araturis pascua bubus erant?”
(L. III, v. 121) “Prisca iuuent alios; ego me nunc denique natum
Gratulor; haec aetas moribus apta meis
..............................................................................
Sed quia cultus adest, nec nostros mansit in annos
Rusticitas priscis illa superstes auis.”
(L. III, v. 218)
“Multaque, dum fiunt turpia, facta placent.
Quae nunc nomen habent operosi signa Myronis,
Pondus iners quondam duraque massa fuit;
Anulus ut Fiat, primo conliditur aurum;
Quas geritis uestis, sordida lana fuit;
Cum fieret, lapis asper erat; nunc, nobili signum,”.
(L. III, v. 231) Aurea quae pendent ornato signa theatro,
Inspice quam tenuis brattea ligna tegat;
Sed neque ad illa licet populo, nisi facta, uenire,
Nec nisi summotis forma paranda uiris.”
(L. III, v. 329) “Sit tibi Callimachi, sit Coi nota poetae,
Sit quoque uinosi Teia Musa senis;
................................................................
Forsitan et nostrum nomen miscebitur istis,
.................................................................
Vel tibi conposita cantetur Epistula uoce;
Ignotum hoc aliis ille nouauit opus”.
(L. III, v. 349) “Quis dubitet quin scire uelim saltare puellam,
Vt moueat posito bracchia iussa mero?
Artifices lateris, scaenae spectacula, amantur;
Tantum mobilitas illa decoris habet.”
(L. III, v. 381) “Hos ignaua iocos tribuit natura puellis;
Matéria ludunt uberiore uiri.
Sunt illis celeresque pilae iaculumque trochique
Armaque et in gyros ire coactus equus;
Nec uos Campus habet, nec uos gelidissima Virgo,
Nec Tuscus placida deuehit amnis aqua.”
(L. III, v. 397)
“Quod latet, ignotum est; ignoti nulla cupido;
Fructus abest, facies cum bona teste caret.
Tu licet et Thamyram superes et Amoebea cantu,
Non erit ignotae gratia magna lyrae;
Si Venerem Cous nusquam posuisse Apelles,
Mersa sub aequoreis illa lateret aquis.”
(L. III, v. 409) “Enius emeruit Clabris in montibus ortus
Contiguus poni, Scipio magne, tibi;
...............................................................
Inque sua turre perlatuisset anus?
Vtilis est uobis, formosae, turba, puellae;”
(L. III, v. 531) “Munera det diues; ius qui profitebitur, adsit;
Acundus causam saepe clientis agat;
Carmina qui facimus, mittamus carmina tantum;
..............................................................................
Adde, quod insidiae sacris a uatibus absunt
Et facit ad mores ars quoque nostra suos.”
4.7 – O emprego da Comparação Semântica.
A mais sutil e requintada forma de comparação é, contudo, a utilizada como prova
intrínseca da pertinência dos seus argumentos, com o apoio de fatos lendários ou de relatos
mitológicos. E é esta modalidade, da qual registramos maior número de ocorrências, que
constiui a principal base argumentativa deste pitoresco tratado, bem como a substância
lingüística com que toda a obra foi construída. São enunciados de natureza imagística,
constituídos também de metáforas e outras formas do simile.
(L. I, v. 5)
“Curribus Automedon lentisque erat aptus habenis;
Tiphys in Haemonia puppe magister erat;
Me Venus artificem tenero praefecit Amori;
Tiphys et Automedon dicar Amoris ego.”
(L. I, v. 10)
“Sed puer est, aetas mollis et apta regi.
Phillyrides puerum cithara perfecit Achillem
.........................................................................
Aeacidae Chiron, ego sum praeceptor Amoris;
Saeuus uterque puer, natus uterque dea.”
(L. I, v. 51) “Non ego quaerentem uento dare uela iubebo,
Nec tibi, ut inuenias, longa terenda uia est
Andromedan Perseus Nigris portarit ab Indis.
Raptaque sit Phrygio Graia puella uiro,”
(L. I, v. 101) “Primus sollicitos fecisti, Romule, ludos
Cum iuuit uiduos rapta Sabina uiros.
.................................................................
Romule, militibus scisti dare commoda solus.
Haec mihi si dederis commoda, miles ero.
Scilicet, ex illo sollemni more, theatra
Nunc quoque formosis insidiosa manent.”
(L. I, v. 187) “Paruus erat manibusque duos Tirynthius angues
Pressit et in cunis iam Ioue dignus erat;
Nunc quoque qui puer es, quantus tum Bacche, fuisti,”
(L. I, v. 245) “Hic tu fallaci nimium ne crede lucernae;
Iudicio formae noxque merumque nocent.
Luce deas caeloque Paris spectauit aperto,
Cum dixit Veneri “Vincis utramque Venus!”
(L. I, v. 282)
“Legitimum finem flamma uirilis habet.
Byblida quid referam, uetito quae fratris amore
Arsit et est laqueo fortiter ulta nefas?
Myrra patrem, sed non qua filia debet, amauit,
Et nunc obducto cortice pressa latet;
Illius lacrimis, quas arbore fundit odora,
Vnguimur, et dominae nomina gutta tenet.”
(L. I, v. 289-342) “Forte sub umbrosis nemorosae vallibus Idae
Candidus armenti gloria, taurus erat,
.........................................................................
Omnia feminea sunt ista libidine mota;
Acrior est nostra plusque furoris habet.”
(L. I, v. 361) “Pectora dum gaudent nec sunt adstricta dolore,
Ipsa patent; blanda tum subit arte Vênus.
Tum, cum tristis erat, defensa est Ílios armis;
Militibus grauidum laeta recepit equum.
Tum quoque temptanda est, cum paelice laesa dolebit;
(L. I, v. 438)
“Verba, nec exiguas, quisquis es, adde preces.
Hectora donauit Priamo prece motus Achilles;
Flectitur iratus uoce rogante deus.”
(L. I, v. 453) “Ergo eat et blandis peraretur littera uerbis
Exploretque animos primaque temptet iter;
Littera Cydippen pomo perlata fefellit,
Insciaque est uerbis capta puella suis.”
(L. I, v. 467) “Si non accipiet scriptum inlectumque remittet,
............................................................................
Penelopen ipsam, persta modo, tempore uinces;
Capta uides sero Pergama, capta tamen.”
(L. I, v. 507)
“Forma uiros neclecta decet. Minoida Theseus
Abstulit a nulla tempora comptus acu;
Hippolytum Phaedra, nec erat bene cultus, amauit;
Cura deae siluis aptus Adonis erat.”
(L. I, v. 589) “Iurgia praecipue uino stimulata caueto
Et nimium faciles ad fera bella manus.
Occidit Eurytion stulte data uina bibendo;”
(L. I, v. 621) “Delectant etiam castas praeconia formae;
Virginibus curae grataque forma sua est.
Nam cur in Phrygiis Iunonem et Pallada siluis
Nunc quoque iudicium non tenuisse pudet?
Laudatas ostendit auis Iunonia pinnas;
Si tacitus spectes, illa recondit opes;”
(L. I, v. 629) “Nec timide promitte; trahunt promissa puellas;
Pollicito testes quoslibet adde deos.
Iuppiter ex alto periuria ridet amantum
Et iubet Aeolios inrita ferre Notos.
Per Styga Iunoni falsum iurare solebat
Iuppiter; exemplo nunc fauet ipse suo.”
(L. I, v. 645) “Dicitur Aegyptos caruisse iuuantibus arua
Imbribus atque annos sicca fuisse nouem,
Cum Thrasius Busirin adit monstratque piari
Hospitis adfuso sanguine posse Iouem.
........................................................................
Quam necis artifices arte perire sua.
Ergo ut periuras mérito periuria fallant,
Exemplo doleat femina laesa suo!”
(L. I, v. 674) “Quaecumque est Veneris subita uiolata rapina,
Gaudet et inprobitas muneris instar habet;
At quae cum posset cogi, non tacta recessit,
Vt simulet uultu gaudia, tristis erit.
Vim passa est Phoebe, uis est allata sorori;
Et gratus raptae raptor uterque fuit.
(L. I, v. 679-704) “Fabula nota quidem, sed non indigna referri
Scyrias Haemonio iuncta puella uiro.
.......................................................................
Viribus illa quidem uicta est (ita credere oportet),
Sed uoluit uinci uiribus illa tamen.
...........................................................................
Scilicet ut pudor est quaedam coepisse priorem,
Sic alio gratum est incipiente pati.”
(L. I, v. 709)
“Vt potiare, roga; tantum cupit illa rogari;
Da causam uoti principiumque tui.
Iuppiter ad ueteres supplex heroidas ibat;
Corrupit magnum nulla puella Iouem.”
(L. I, v. 727)
“Palleat omnis amans! Hic est color aptus amanti;
Hoc decet; hoc multi non ualuisse putent.
Pallidus in Side siluis errabat Orion,
Pallidus in lenta Naide Daphnis erat.”
(L. II, v. 1) “Dicite “Io Paean!” et “io” bis dicite “Paean!”
Decidit in casses praeda petita meos;
Laetus amans donat uiridi mea carmina palma
Praelata Ascraeo Maeonioque seni;
Talis ab armiferis Priameius hospes Amyclis
Cândida cum rapta coniuge uela dedit;
Talis erat, qui te curru uictore ferebat,
Vecta peregrinis Hippodamia rotis.”
(L. II, v. 21-98) “Hospitis effugio praestruxerat omnia Minos;
Audacem pinnis repperit ille uiam.
.........................................................................
Non potuit Minos hominis conpescere pinnas;
Ipse deum uolucrem detinuisse paro.”
L. II, v. 99-108) “Fallitur, Haemonias siquis decurrit ad artes
Datque quod a teneri fronte reuellit equi;
.......................................................................
Phasias Aesonidem, Circe tenuisset Vlixem,
.......................................................................
Sit procul omne nefas” ut ameris, amabilis esto,
Quod tibi non facies solaue forma dabit.”
(L. II, v. 109)
“Sis licet antiquo Nireus adamatus Homero,
Naiadumque tener crimine raptus Hylas,
Vt dominam teneas nec te mirere relictum,
Ingenii dotes corporis adde bonis.”
(L. II, v. 137-144)
“Nec leuis ingenuas pectus coluisse per artes
Cura sit et linguas edidicisse duas.
Non formosus erat, sed erat facundus, Vlixes
………………………………………………
Illic Sithonii fuerant tentoria Rhesi;
………………………………………………
Ergo age, fallaci timide confide figurae,
Quisquis es, atque aliquid corpore pluris habe.”
(L. II, v. 177-196) “Si nec blanda satis nec erit tibi comis amanti,
Perfer et obdura. Postmodo mitis erit.
...........................................................................
Quid fuit asperius Nonacrina Atalanta?
Subcubuit meritis trux tamen illa uiri.
…………………………………………………
Non te Maenalias armatum scandere siluas
Nec iubeo collo retia ferre tuo,
Pectora nec missis iubeo praebere sagittis;
Artis erunt cautae millia iussa meae.”
(L. II, v. 215) “Nec tibi turpe puta (quamuis sit turpe, placebit)
Ingenua speculum sustinuisse manu.
Ille, fatigata praebendo monstra nouerca,
Qui meruit caelum, quod prior ipse tulit,
Ionias inter calathum tenuisse puellas
Creditur et lanas excoluisse rudes;
Paruit imperio dominae Titynthius heros;”
(L. II, v. 237) “Saepe feres imbrem caelesti nube solutum
Frigidus et nuda saepe iacebis humo.
Cynthius Admeti uaccas pauisse Pheraei
Fertur et in parua delituisse casa:
Quod Phoebum decuit, quem non decet? Exue fastus,”
(L. II, v. 247) “Laeta erit et causam tibi se sciet esse pericli;
Hoc dominae certi pignus amoris erit.
Saepe tua poteras, Leandre, carere puella;
Transnabas, animum nosset ut illa tuum.”
(L. II, v. 349) “Cum tibi maior erit fiducia posse requiri,
Cum procul absenti cura futurus eris,
Da requiem; requietus ager bene credita reddit,
Terraque caelestes Arida sorbet aquas:
Phyllida Demophoon praesens moderatius ussit,
Exarsit uelis acrius illa datis;
Penelopen absens sollers torquebat Vlixes;
Phylacides aberat, Laodamia, tuus.”
(L. II, v. 357-372)
“Sed mora tuta breuis; lentescunt tempore curae,
Vanescitque absens et nouus intrat amor.
Dum Menelaus abest, Helene, ne sola iaceret,
Hospitis est tépido nocte recepta sinu.
.........................................................................
Viderit Atrides. Helenen ego crimine soluo;
Vsa est humani commoditate uiri.”
(L. II, v. 377) “Femina quam socii deprensa paelice lecti
Ardet et in uultu pignora mentis habet;
In ferrum flammasque ruit positoque decore
Fertur, ut Aonii cornibus icta dei.
Coniugis admissum uiolataque iura marita est
Bárbara per natos Phasias ulta suos;”
(L. II, v. 397-408) “Laesa Venus iusta arma mouet telumque remittit
Et, modo quod questa est, ipse querare facit,
.................................................................................
Inde Thyestiaden animo thalamoque recepit
Et male peccantem Tyndaris ulta uirum.”
(L. II, v. 539) “Riualem patienter habe; uictoria tecum
Stabit; eris magni uictor in arte Iouis.
Haec tibi non hominem, sed quercus crede Pelasgas”
(L. II, v. 558-594) “Quo magis, o iuuenes, deprendere parcite uestras;
Peccent, peccantes uerba dedisse putent.
Crescit amor prensis; ubi par fortuna duorum est,
...............................................................................
Hoc uetiti uos este; uetat deprensa Dione
Insidias illas, quas tulit ipsa, dare.”
(L. II, v. 601)
“Quis Cereris ritus ausit uulgare profanis,
Magnaque Threicia sacra reperta Samo?
Exígua est uirtus praestare silentia rebus;
At contra grauis est culpa tacenda loqui;
O bene, quod frustra captatis arbore pomis
Garrulus in media Tantalus aret aqua!”
(L. II, v. 607) “Praecipue Cytherea iubet sua sacra taceri;
Admoneo, ueniat ne quis ad illa loquax.
Condita si non sunt Veneris mysteria cistis,
Nec caua uaesanis ictibus aera sonant,
Attamen inter nos medio uersantur in usu,
Sed sic inter nos ut latuisse uelint:
Ipsa Vênus pubem, quotiens uelamina ponit,
Protegitur laeua semireducta manu.”
(L. II, v. 641) “Parcite praecipue uitia exprobrare puellis,
Vtile quae multis dissimulasse fuit.
Nec suus Andromedae color est obiectus ab illo,
Mobilis in gemino cui pede pinna fuit;
Omnibus Andromache uisa est spatiosior aequo;
Vnus, qui modicam diceret, Hector erat.”
(L. II, v. 692) “Haec bona non primae tribuit natura iuuentae,
............................................................................
Scilicet Hermionem Helenae praeponere posses,
Et melior Gorge quam sua mater erat?”
(L. II, v. 735) “Quantus apud Danaos Podalirius arte medendi,
Aeacides dextra, pectore Nestor erat,
Quantus erat Calchas extis, Telamonius armis,
Automedon curru, tantus amator ego.
(L. II, v. 741) “Arma dedi uobis; dederat Vulcanus Achilli;
Vincite muneribus, uicti ut ille, datis.”
(L. III, v. 1) “Arma dedi Danais in Amazonas; arma supersunt
Quae tibi dem et turmae, Penthesilea, tuae.”
(L. III, v. 10)
“Spectetur meritis quaeque puella suis.
Si minor Atrides Helenen Helenesque sororem
...........................................................................
“Accipe me, Capaneu, cineres miscebimur”, inquit
Iphias in medios desiluitque rogos.”
(L. III, v. 31) “Saepe uiri fallunt, tenerae non saepe puellae,
Paucaque, si quaeras, crimina fraudis habent.
Phasida, iam matrem, fallax dimisit Iaso;
Venit in Aesonios altera nupta sinus.”
(L. III, v. 49) “Probra Therapnaeae qui dixerat ante maritae,
Mox cecinit laudes prosperiore Lyra;”
(L. III, v. 87) “Ite per exemplum, genus o mortale, dearum,
Gaudia nec cupidis uestra negate uiris.”
(L. III, v. 109) “Si fuit Andromache tunicas induta ualentes,
Quid mirum? Duri militis uxor erat.”
(L. III, v. 111) “Scilicet Aiaci coniunx ornata uenires,
Cui tegumen septem terga fuere boum?”
(L. III, v. 137)
“Longa probat facies capitis discrimina puri;
Sic erat ornatis Laodamia comis,
Exiguum summa nodum sibi fronte relinqui,
Vt pateant aures, ora rotunda uolunt.
Alterius crines umero iactentur utroque;
Talis es adsumpta, Phoebe canore, Lyra.
Altera succinctae religetur more Dianae,
Vt solet, attonitas cum petit illa feras.”
(L. III, v. 153)
“Et neclecta decet multas coma; saepe iacere
Hesternam credas, illa repexa modo est.
Ars casus similis. Sic capta uidit ut urbe
Alcides Iolen, “hanc ego, dixit, amo”;
Talem te Bacchus, Satyris clamantibus “euhoe!”
Sustulit in currus, Gnosi relicta, suos.”
(L. III, v. 251) “Non mihi uenistis, Semele Ledeue, docendae
Perue fretum falso Sidoni uecta boue,
Aut Helene, quam non stulte, Menelae, reposcis,
Tu quoque non stulte, Troice raptor, habes.
Turba docenda uenit pulchrae turpesque puellae,
Pluraque sunt semper deteriora bonis.
Formosae non artis opem praeceptaque quaerunt;
Est illis sua dos, forma sine arte potens.”
(L. III, v. 319) “Nec plectrum dextra, citharam tenuisse sinistra
Nesciat arbitrio femina docta meo.
Saxa ferasque Lyra mouit Rhodopeius Orpheus
Tartareosque lacus tergeminumque canam;
Saxa tuo cantu, uindex iustissime matris,
Fecerunt muros officiosa nouos;
Quamuis mutus erat, uoci fauisse putatur
Piscis, Arioniae fabula nota Lyrae.”
(L. III, v. 425)
“Casus ubique ualet; semper tibi pendeat hamus;
Quo minime credis gurgite, piscis erit;
Saepe canes frustra nemorosis montibus errant,
Inque plagam nullo ceruus agente uenit.
Quid minus Andromedae fuerat sperare reuinctae
Quam lacrimis ulli posse placere suas?”
(L. III, v. 439)
“Vix mihi creditis, sed credite. Troia maneret,
Praeceptis Priami si fores usa suis.
Sunt qui mendaci specie grassentur amoris
Perque aditus talis lucra pudenda petant
.......................................................................
Ianua fallaci ne sit aperta uiro.
Parcite, Cecropides, iuranti credere Theseo;
Quos faciet testis, fecit et ante, deos;
Et tibi, Demophoon, Thesei criminis heres,
Phyllide decepta nulla relicta fides.”
(L. III, v. 517) “Odimus et maestas. Tecmessam diligat Aiax;
Nos, hilarem populum, femina laeta capit.
Numquam ego te, Andromache, nec tem Tecmessa
Rogarem ut mea de uobis altera amica foret;”
Credere uix uideor, cum cogar credere partu,
Vos ego cum uestris concubuisse uiris.
Scilicet Aiaci mulier maestissima dixit
“Lux mea” quaeque solent uerba iuuare uiros?”
(L. III, v. 629) “Fallet et, umiduli quae fiet acumine lini,
Et feret occultas pura tabella notas.
Adfuit Acrisio seruandae cura puellae;
Hunc tamen illa suo crimine fecit auum.
Quid faciat custos, cum sint tot in Vrbe theatra,”
(L. III, v. 651)
“Quid iuuat ambages praeceptaque parua mouere,
Cum minimo custos munere possit emi?
Munera, crede mihi, capiunt hominesque deosque;
Placatur donis Iuppiter ipse datis.”
(L. III, v. 671) “Viderit utilitas; ego coepta fideliter edam
Lemniasi et gladios in mea fata dabo.”
(L. III, v. 684) “Nec sis audita paelice mentis inops.
Nec cito credideris; quantum cito credere laedat.
Exemplum uobis non leue Procris erit.
................................................................................
Excipitur miseri spiritus ore uiri.”
(L. III, v. 757) “Neue domi praesume dapes, sed desine citra
Quam capis; es paulo, quam potes esse, minus;
Priamides Helenen auide si spectet edentem,
Oderit et dicat “stulta rapina mea est”.”
Ora mais próximos do exemplo, ora da metáfora e da alegoria, os excertos destacados e
aqui analisados como formas especiais de comparação são de enquadramento difícil dentro das
classificações tradicionais das figuras de linguagem, parecendo, às vezes, ampliação de um tipo
ou outro dos tropos e, ao mesmo tempo, apresentando uma singularidade própria do talento
inovador de Ovídio
17
Mais que a forma ou o gênero, é esta maneira de comparar que situa o texto no limite
entre discurso retórico e poema, pois, estando a serviço da argumentação, também impressiona
positivamente como ornamento lingüístico, o belo e surpreendente tão caro à poesia.
Nos versos 739-746, do Livro I ele fundamenta sua recomendação de não confiar nos
amigos precisamente com um exemplo que poderia sugerir o oposto, e em seguida nega os
próprios modelos. Depois de uma série de exemplos sempre identificados positivamente com a
proposição apresentada, a negação inesperada cria um impacto muito forte, mas o efeito
surpresa não seria obtido com a utilização pura e simples dos elementos gramaticais da
concessão.
“Ei mihi! Non tutum est, quod ames, laudares sodali.
Cum tibi laudanti credidit, ipse subit.
“At non Actorides lectum temerauit Achillis;
Quantum ad Pirithoum, Phaedra pudica fuit;
Hermionam Pylades, qua Pallada Phoebus, amabat,
Quodque tibi geminus, Tyndari, Castor, erat”.
Siquis idem sperat, iacturas poma myricas
Speret et e medio flumine mella petat!”
Se o segmento tivesse sido estruturado com a inserção de um termo apropriado ao
sentido que lhe corresponde, resultaria numa seqüência de orações concessivas, precisamente
como a define PAULIUKONIS.
“As construções concessivas são também chamadas de contrastivas porque
mantêm um paralelismo semântico com as adversativas. A coesão hipotática entre as
duas proposições aponta para dois objetivos: a possibilidade de ocorrência de um fato
colocado em grau – perspectiva vislumbrada a partir de um raciocínio lógico – e a
negação do argumento predominante pela presença de um outro argumento como
tema.”
18
Ao sinalizar com a possibilidade de uma exceção por meio da conjunção at cria-se no
ouvinte/leitor uma expectativa logo negada e com veemência. Sem dúvida, possui grande força
argumentativa este modo inusitado de comparar.
19
É evidente que, na maioria dos casos, estamos tratando da indução como Aristóteles a
enuncia. Existe uma “relação da parte para a parte”, em que um fato mais conhecido serve
como paradigma relativamente à proposição enunciada, e assim, o poeta induz o leitor, através
do exemplo, à aceitação do seu ponto de vista.
20
“Os discursos baseados em exemplos prestam-se mais para persuadir.”
21
O ouvinte, então, é levado à conclusão pretendida, ainda que nenhum mecanismo
gramatical constitutivo da conclusão seja acionado.
Uma lição é apresentada, seja um conselho, ou uma restrição. Em seguida é referido um
fato qualquer, da tradição ou da mitologia, e por este fato o leitor deverá formar um juízo
próprio ou se render um juízo determinado. E “determinado” aqui não é um simples termo
indefinido coesivo, pois, realmente, o juízo do leitor poderá ser determinado (provocado) pelo
laço em que a argumentação, de certa forma, o aprisiona. Mas todo o processo se desenvolve
por intermédio da comparação, que nada mais é senão intenção de procurar ou criar (e mesmo
desfazer) um vínculo entre o real e o verossímil.
“...visto ser o espírito humano incapaz de definir noções puras, senão por pontos
de comparação, tirados do mundo exterior.”
22
Poderíamos então resumir assim o processo argumentativo desenvolvido no poema:
a) método: indutivo;
b) forma: o exemplo;
c) recurso lingüístico: comparação semântica.
Com efeito, Ovidio optou por enunciados justapostos ou com os quais faz breves alusões
ou apresenta narrativas paralelas sempre sugerindo a relação existente entre estas narrativas e os
preceitos oferecidos, e ao valer-se da autoridade polifônica dos relatos aos quais procura
vincular seus ensinamentos, busca estabelecer, com o leitor, uma espécie de acordo tácito de
aceitação de algo que é supostamente legitimado pela tradição ou pelos deuses. Deste modo,
torna este conhecimento partilhado razão necessária e suficiente para que a orientação dada seja
seguida.
23
Ainda que outras modalidades de argumentação possam ser reconhecidas, ou um
entrelaçamento das próprias figuras – porque não se utiliza nos discursos uma única maneira de
argumentar – a comparação aqui estudada, sem as palavras gramaticais que denunciam a
intenção de comparar, pode ser percebida simplesmente nas relações significativas dos
enunciados e na forma como estes são apresentados.
________________________________
NOTAS E COMENTÁRIOS:
1-TEORIA DA CORRELAÇÃO.
2-OITICICA, 1962, p. 33.
3-LAUSBERG, 1965, p. 230.
4-Ducrot, no Prefácio a VOGT, 1977, p.14.
5-“É no intervalo entre a língua e a fala, entre a competência e a performance, entre o enunciado e a enunciação,
que estes marcadores de subjetividade habitam, pondo em xeque a rigidez destas dicotomias e criando sob a barra
(/) do silêncio lógico os túneis de passagem dos murmúrios da história.” (VOGT, 1977, p. 32)
6-VOGT, 1977, p. 32.
7-LAUSBERG, 1965, p. 236.
8-BRANDÃO, 1989, p. 21.
9-Breton apresenta como exemplo a afirmação de que “todo mundo, na América, pode fazer fortuna”, cuja
generelização poderia parecer a alguns uma ironia cruel e a outros um pretexto para segregar pessoas, negros, em
especial, que não se mostrassem aptos para a compor esse paradigma. (BRETON, 1996, p.141)
10-BRETON, 1996, p. 134.
11-GRIMAL, 1986, p. 138.
12-FARIAS, 1958, p. 439
13-GRIMAL, 1986, p. 139
14-LAUSBERG, 1965, p. 228.
15-BRETON, 1996, p. 135.
16-Idem, p. 137.
17-para Aristóteles, descobrir as relações.
18-PAULIUKONIS, p. 139 (apresenta estudo referente à compração em que o comparante é negado).
19-Idem. Também FÁVERO & KOCH fazem referência ao assunto na pág. 77.
20-ARISTÓTELES, p. 36.
21-Idem, p. 34.
22-MARTINS, 1997, p. 93.
23-DUCROT, 1987, p. 158-159.
“O argumento pelo exemplo implica sempre uma
espécie de comparação e é, em si mesmo, um apelo à
autoridade do fato exemplar. Procurando bem,
encontraremos nele uma ponta de analogia e até um
raciocínio metafórico. Em suma, tudo está em tudo e se
pode às vezes discutir sem cessar, na análise de um texto,
sobre qual é o tipo de argumento que está presente.”*
*BRETON, 1999, p.63.
CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Prometeu foi castigado porque ensinou aos homens o segredo do fogo; Ovídio foi
exilado porque ensinou às mulheres o segredo dos homens.
O Livro III foi para a mulher romana o mesmo que o fogo de Prometeu para a
humanidade. Dois atos diferentes, assim como as conseqüências funestas de cada um,
aproximam os dois personagens.
Com o primeiro enunciado acima, parodiamos a forma de comparação utilizada por
Ovídio ao longo dos três livros e no segundo parágrafo, reproduzimos o mesmo significado com
o emprego das formas “o mesmo que” e “assim como”, que explicitam gramaticalmente a
comparação. O que afirmamos inicialmente é apenas uma suposição, mas apresentado em
paralelo com um “fato” conhecido e aceito parece bem mais próximo da verdade. É esta uma
forma estratégica de criar um novo contexto de recepção que dê respaldo a uma afirmação
qualquer, ainda que num dado momento ela represente a violação de regras preestabelecidas.
Temos, a um só tempo, a afirmação e a justificativa para essa afirmação, por intermédio de uma
discreta comparação. Sem dúvida, a força argumentativa reside mais na sedução da linguagem,
no jogo palavras, que na eficácia dos argumentos utilizados e assim se procura desarmar os
espíritos, função primordial das figuras de retórica.
Somente a abordagem semântica poderia permitir esta forma de interpretação, uma vez
que torna possível reconhecer além das palavras, os outros sentidos que estas mesmas palavras
carregam, e não foi outra a nossa motivação ao escolher o tema.
No capítulo segundo demos destaque ao aspecto ambíguo e dual da Ars Amatoria,
sempre confrontando o que é evidente com o que é possível deduzir ou pelo menos supor como
um gesto poético-discursivo consciente e não acidental. Coerente com a ambigüidade da obra é
também a forma de argumentação, e elucida plenamente a predominância dos enunciados
comparativos, que aparecem de forma bastante diversificada, permitindo ao leitor avaliar as
questões propostas sempre em relação a uma outra perspectiva, à qual se procurou vincular o
fato objetivo e o efetivamente ensinado.
É possível que o resultado alcançado não fosse realmente o pretendido, principalmente
quando levamos em conta as medidas punitivas que o atingiram. Mas seria ingenuidade
acreditar que Ovídio não tivesse consciência da aventura perigosa a que se lançava,
especialmente com o Livro III.
A natureza independente e libertina do poeta a que aludem os estudiosos nos leva a pôr
em dúvida, ao final da nossa pesquisa, até mesmo sua ligação ao Círculo de Messala, pois são
bem poucos os que se referem a este fato com convicção, quando, entretanto, são unânimes ao
comentar os laços estreitos que uniam, por exemplo, Horácio a Mecenas, coisa impensável no
caso de Ovídio, sempre descrito como um temperamento rebelde e avesso a modelos. Com isso,
ao conceber a idéia dos três livros, nada teria podido detê-lo.
Existem versos em que estão manifestadas idéias que, mais que o tema erótico, podem
ter sido objeto da especial atenção dos seus acusadores, posto que, teoricamente, tenham
rejeitado com escrúpulo os três livros, não deixaram de reconhecer nas páginas da Ars Amatoria
sua própria conduta.
(L. II, v. 160-165) “Non ego diuitibus uenio praeceptor amandi;
Nil opus est illi, qui dabit, arte mea;
Secum habet ingenium, qui, cum libet, “accipe” dicit.
Cedimus; inuentis plus placet ille meis.
Pauperibus uates ego sum, quia pauper amaui.”
(L. II, v. 601-604)
“Quis Cereris ritus ausit uulgare profanis,
Magnaque Threicia sacra reperta Samo?
Exigua est uirtus praestare silentia rebus;
At contra grauis est culpa tacenda loqui;”
(L. I, v. 635) “Expedit esse deos, et, ut expedit, esse putemus;”
Estes últimos versos, principalmente, não poderiam explicar o apelo constante aos
exemplos míticos? Ou seja, a outra face da divindade pode ser bastante conveniente, sobretudo
para abonar condutas condenáveis segundo as leis da época.
Quanto à menção aos mistérios de Ceres, logo após os versos em que ele mais uma vez
lembra que não está se referindo às matronas, parecece uma irônica sugestão ao extremo
cuidado que se deveria tomar no caso dos amores não permitidos, já que a Deusa das colheitas
férteis remete exatamente às senhoras respeitáveis e valorizadas, sobretudo, pela fecundidade.
Da mesma forma, o comentário contra a atitude dos homens ricos, pode ser interpretado
não apenas como uma alusão à Elegia XVI do Livro II de Propércio, mas também como uma
crítica verdadeira, e o poema funcionaria então como um bom disfarce. É por todos estes
aspectos que o contexto é fundamental na análise em que são considerados os valores
semânticos dos enunciados, pois texto e contexto formam os elementos constitutivos dos
sentidos possíveis em um discurso, bem como é o confronto entre os interlocutores que os
delimita.
Assim, os deuses e as tradições concorrem todo o tempo para a elaboração de uma teoria
do amor alijada de qualquer instituição e num momento em que se criavam mecanismos legais
para conter a libertinagem que se alastrava em todas as camadas da sociedade. Estas evidências
conferem à obra a qualidade de fonte inesgotável de conhecimento sociológico que extrapola os
limites da simples análise literária.
Do ponto de vista das teorias da argumentação a coerência está plenamente contemplada
no poema. Os argumentos de Ovídio são sempre compatíveis com a proposta, assim como a
reputação do orador é fator de credibilidade, uma vez que ele incentiva e aprova um modo de
viver que ele mesmo adota. Diversas afirmações sobre si mesmo, atestam sua autoridade como
locutor e enunciador, mas a declaração de maior relevo diz respeito à sua identificação como
“poeta do amor”, que na hipótese de não aboná-lo como mestre, ressaltaria o valor de sua poesia
amorosa, capaz de satisfazer ao mais exigente dos leitores-amantes.
No campo da verossimilhança, entram em cena a qualidade dos comparantes,
relacionados a opiniões cristalizadas e verdades aceitas pelo imaginário daquela sociedade.
Embora, na maioria das vezes, se compare o real com o abstrato, não seríamos capazes de
avaliar, hoje, o grau de concretude do mito na concepção do homem da Antigüidade. Mas
mesmo o vínculo não existente, seja como for, é passível de ser criado pelo orador hábil.
Como poesia a Ars é amplamente mimética, pois não apenas imita, mas reflete os dois
lados da realidade e, na tentativa de negar uma delas, enquanto expõe a outra, deixa ambas a
descoberto. Tentativa dissimulada que o tom jocoso faculta e nisto podemos assinalar mais um
fator de coerência no estilo, visto que a elegia alexandrina, na qual a elegia latina se inspirou,
segundo Mlle. Guillemin, nasceu da Comédia Nova e o vínculo entre elegia e poesia gnômica,
justifica esta teoria.
Como observação final, cumpre-nos ressaltar – e esta reflexão surgiu durante o
desenvolvimento da pesquisa – que à medida que se realiza o confronto entre texto e contexto,
torna-se evidente, também neste poema, que a linguagem é sempre portadora de índices de uma
ideologia. Relacionando o discurso ao temperamento do poeta e ao conjunto das informações
dos autores estudados não é possível ignorar que a obra fala muito mais por intermédio do que
nega.
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PEREIRA, M. Helena da Rocha. Estudos de História da Cultura Clássica. Vol II. Lisboa:
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VEYNE, Paul. A Elegia Erótica Romana. Trad. Milton M. do Nascimento e Maria das Graças
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VOGT, Carlos. O Intervalo Semântico. São Paulo: Ática, 1977, 287 p.
ANEXO I
QUADRO DAS ESTRUTURAS COMPARATIVAS LATINAS
IGUALDADE SUPERIORIDADE INFERIORIDADE TRADUÇÃO TERMO CORRELATO
quomodo
quemadmodum
1
Do mesmo modo
que
ita, sic, item, itidem
ut, uti
2
uelut, ueluti
sicut, sicuti
como,
assim como
ita, sic, item, itidem
quam
3
quam quam
quão, quanto,
do que, que
–ior, –ius
tam, minus, magis
Quot
quantum
quanto
quanti
quamdiu
quoties
qualis
4
quam multi
4
quantus
4
atque
atque
tantos...quantos
tanto...quanto
tanto...quanto
t.(caro) quanto
t.(tempo) quanto
todas (vezes) que
tal...qual
tantos...quantos
t.grande...quanto
o mesmo...que
outro...(do) que
tot
tantum
tanto
tanti
tamdiu
toties
talis
4
tam multi
4
tantus
4
idem
4
alius
4
Proporcionais:
quo
quod
quanto
Proporcionais:
quo
quod
5
quanto
quanto mais,
quanto menos
eo, hoc
eo, hoc
tanto
Conformativas:
ut
3
, prout
como, segundo
6
ac, atque que, do que
Palavras que indicam semelhança:
par, aequus, similis, idem, aeque,
perinde.
ac, atque ac, atque
7
Palavras que indicam dissemelhança:
alius, contrarius, aliter, secus, contra.
I
N
D
I
C
A
T
I
V
O
quasi
8
como, como se
Condicionais:
ut si, ac si,
quasi, uelut si,
tamquam,
tamquam si,
proinde ac si,
perinde ac si,
proinde quasi
como se
priusquam
potius quam
9
antes que
C
O
N
J
U
N
T
I
V
O
quam que, do que Verbos com sentido comparativo
Notas
:
1-Em substituição a ut. (FARIA, 1958, p. 440)
2-Forma reforçada de ut. (FARIA, 1958, p. 271)
3-Provenientes do radical do relativo indefinido quo/que. (FARIA, 1958, p. 271)
4-Os termos correlatos destas estruturas como em português – concordam com as palavras a que correspondem nas respectivas orações.
(GRIMAL, 1986, p. 138)
5-Usa-se quod sempre que o segundo termo da comparação está no grau normal. (GRIMAL, 1986, p.139)
6-As conformativas, semanticamente também equivalem a comparações, com sentido de igualdade. (PAULIUKONIS, 1988, p.107)
7-Na verdade não se trata exatamente de superioridade ou inferioridade, apenas não caracterizam igualdade. (N. A.)
8-Com Indicativo, emprega-se numa comparação real ou objetiva. (FARIA, 1958, p. 440)
9-Pode vir correlacionada a ut, com finalidade enfática. Com Indicativo aparece por motivos de ordem semântica ou se o verbo estiver no
futuro. (FARIA, 1958, p. 442). E se entre duas afirmações, uma for mais verdadeira que a outra, seguirá o Modo da oração de que depende.
(ALMENDRA, 1996, p.202)
ANEXO II
ARTE DE AMAR – Tradução.
LIVRO I
Se alguém neste povo não conhece a arte de amar,
Que leia este poema e, depois de lido, ame com sabedoria.
Pela arte são movidos os navios impelidos pela vela e pelo remo,
O carro é ágil, graças à arte. O amor deve ser governado pela arte.
Automedonte era hábil com os carros e as rédeas maleáveis; ___5
Tífis era comandante no navio hemônio;
Vênus me tornou artífice do terno amor.
Que eu seja chamado Tífis e Automedonte do Amor.
Ainda que ele seja rebelde e, assim, muitas vezes me resista,
É apenas menino, e a tenra idade é própria para ser conduzida. ___10
O filho de Filira instruiu o pequeno Aquiles com a cítara
E domou com a suave arte o espírito feroz;
Aquele que aterrorizou, tanto os companheiros, quanto os inimigos,
Acredita-se que temia por demais aquele velho carregado de anos.
As mãos que pesariam sobre Heitor ___15
Ele estendia quando o mestre as pedia para o castigo.
Quíron foi preceptor de Aquiles, eu o sou o do amor ;
Um e outro crianças cruéis, um e outro nascidos de uma deusa.
Mas o pescoço do touro, entretanto, submete-se ao arado
E os freios são roídos pelos dentes do grandioso cavalo. ___20
Também o amor cede a mim, ainda que me atravesse o peito
Com flechas e agite seus archotes.
Quanto mais o amor me fere, quanto mais impetuoso me queima,
Melhor mevingarei das feridas feitas por ele.
Não mentirei, ó Febo, que todas estas artes me foram dadas por ti; ___25
Nem nos iludem o canto das aves do céu,
Nem vi Clio e as irmãs de Clio enquanto
Pastoreava os rebanhos em teus vales, ó Ascra;
É a prática que produz esta obra; entrega-te a um poeta experiente.
Cantarei a verdade; que sejas favorável ao meu projeto, ó mãe do Amor. ___30
Para longe, fitas estreitas, marcas do pudor,
E tu, longa estola, que cobris o meio dos pés.
Cantemos o amor sem perigo e as relações permitidas,
E nenhum crime haverá em meu poema.
Soldado que agora vens aos combates pela primeira vez, ___35
Procura encontrar o que queres amar.
Depois disto, a tarefa é conquistar a mulher desejada;
Em terceiro lugar, que teu amor dure por longo tempo.
É este o caminho; esta marca será deixada pelo nosso carro;
Esta meta deverá ser alcançada pelas nossas rodas. ___40
Enquanto é lícito, com as rédeas soltas podes ir à vontade,
Escolhe a quem dizer : “Só tu me agradas .”
Ela não virá a ti trazida pela leve brisa;
Deve ser procurada com o olhar a mulher que te convém.
O caçador sabe bem onde estender redes para os cervos, ___45
Sabe bem em que vale habita o javali feroz;
Os bosques são conhecidos pelos passarinheiros; quem segura os anzóis
Sabe que águas estão repletas de muito peixes.
Tu também que procuras o objeto para um longo amor,
Antes aprende em que lugar a mulher sempre pode ser encontrada. ___50
Não mandarei quem procura dar as velas ao vento,
E para que a encontres não precisarás trilhar uma longa estrada.
Perseu trouxe Andrômeda das negras Índias
E, por um homem frígio, uma mulher grega foi raptada.
Tantas e tão formosas mulheres Roma te dará, ___55
Que hás de dizer: “Esta cidade tem o que quer que exista no mundo.”
Gargara tem tantas espigas quanto Metimna tem cachos de uva,
No oceano se escondem tantos peixes, quanto aves nas altas copas,
Tua Roma tem tantas mulheres quanto o céu tem estrelas;
A mãe permaneceu na cidade do seu querido Enéas. ___60
Se és seduzido pela tenra idade e ainda em desenvolvimento
Diante de teus olhos aparecerá uma verdadeira adolescente;
Ou se desejas uma jovem, mil jovens te agradarão,
E ficarás embaraçado sem saber qual escolher;
Se por acaso te agrada a idade avançada e mais sábia, ___65
Também disto, creia-me, será mais farta a multidão.
Basta passeares lentamente à sombra do pórtico de Pompeu,
Quando o sol alcança as costas do Leão de Hércules,
Ou onde a mãe juntou suas dádivas às dádivas
Do filho, obra rica em mármore estrangeiro; ___70
Não esqueças o Pórtico ornado de antigos quadros
A que o autor deu o nome de Lívia,
Nem aquele onde as filhas de Belo, ousaram tramar o assassínio
Dos míseros primos, e o pai cruel esta de pé com a espada desembainhada.
Nem te esqueças de Adônis chorado por Vênus ___75
E os cultos consagrados no sétimo dia ao judeu sírio,
Nem deixe os templos da novilha, Mênfis linígera;
Muitas ela tornou o que ela própria foi para Júpiter.
Também as praças (quem poderia crer ?) convêm ao Amor,
E a chama muitas vezes se encontra no ativo foro. ___80
Próximo ao templo de Vênus feito de mármore
Onde as Apias ferem os ares com água em jatos,
Ali freqüentemente um jurista é capturado pelo amor,
E aquele que age em favor de outros não livra a si próprio;
Freqüentemente neste lugar suas palavras faltam visivelmente, ___85
Coisas novas surgem, e é sua causa que passa a ser conduzida.
Dos seus templos que ficam próximos Vênus ri dele;
Aquele que antes era patrono, agora deseja ser cliente.
Mas procura, sobretudo, nos recurvados teatros:
Estes lugares são mais abundantes para tua escolha. ___90
Ali encontrarás o que amar e com quem possas te divertir.
O que tocar uma só vez e o que queiras conservar.
Assim como a formiga, em grande número, vai e volta pela comprida fila,
E transporta o alimento sólido com a granífera boca,
Ou como as abelhas que encontram seus bosques e esvoaçam ___95
No alto do prado perfumado pelas flores e os tomilhos,
Também a mulher toda enfeitada lança-se aos jogos populosos;
Minha decisão é muitas vezes demorada por causa do grande número.
Vêm para ver; vem para que elas mesmas sejam vistas.
Este lugar tem muitos perigos para o casto pudor. ___100
Fizeste primeiro, ó Rômulo, os jogos turbulentos,
Quando, com o rapto dos Sabinas, socorreste os homens solitários.
E naquele tempo as panos não pendiam sobre o teatro de mármore,
Nem os palcos eram pintados com o rubro açafrão.
Ali, os ramos que os bosques Palatinos traziam ___105
Dispostos com simplicidade faziam um cenário sem arte;
Teu povo sentou-se nos degraus feitos de relva,
Cobrindo a cabeleira rude com um punhado de folhas.
E com o olhar observavam e escolhiam, cada qual, a mulher
Que desejava e, em silêncio muitas coisas lhes agitavam o peito; ___110
E quando, ao som de um flautista etrusco que tocava uma rude melodia,
Um Histrião bate três vezes com o pé no chão aplainado,
No meio do aplauso (os aplausos não dependiam da arte),
O rei deu ao povo o sinal para se apossar da presa.
No mesmo instante saltam com clamor demonstrando sua intenção ___115
E estendem para as virgens as mãos ávidas.
Assim como as pombas em bandos assustados fogem das águias
E a ovelhinha foge quando avista os lobos
Também elas temeram os homens que atacavam sem controle;
Em nenhuma permaneceu a cor que antes possuía. ___120
Com efeito, o temor era único, mas não uma única espécie de pavor.
Uma parte arranca os cabelos, a outra fica sem as forças;
Outra abatida, se cala, outra em vão chama pela mãe;
Esta se lamenta, aquela se imobiliza; esta fica, aquela foge.
As jovens raptadas são conduzidas, presas destinadas ao himeneu. ___125
Para muitas, mesmo o medo pode cair bem
Se alguma se rebelava e recusava o companheiro insistente,
O homem a levava erguida nos próprios braços, com paixão
E assim dizia: “Porque enfeais os meigos olhos com lágrimas ?
O que o pai é para mãe? isto serei para ti”, dizia. ___130
O Rômulo, somente tu soubeste dar a teus soldados tal privilégio.
Se a mim for dada esta oportunidade, serei soldado.
Sem dúvida, deste solene costume, também agora
Os teatros continuam cheios de armadilhas para as beldades.
Não te afaste das corridas de cavalo de raça: ___135
Muitas oportunidades tem o circo cheio de pessoas.
Nenhum trabalho dá mostrar teu desejo com um aceno,
Nem um sinal de cabeça para saber se és aceito;
Senta próximo da mulher, nada há que proíba.
Junta teu corpo ao dela até quanto possas. ___140
E, convenientemente, o espaço do lugar obriga as pessoas a se apertarem,
Mesmo que não se queira, e a mulher deve ser tocada por ti.
Neste ponto, procura um início de conversa,
E que as primeiras palavras do pretendente sejam sobre assuntos comuns.
De quem são os cavalos que vêm? pergunta com interesse, ___145
E sem demora, qualquer que seja o preferido por ela, prefere também.
Mas quando o cortejo numeroso vai aos efebos,
Aplaude Vênus que te favorece com a mão da mulher;
E como acontece, se por acaso cair poeira no colo da jovem,
Retira com teus próprios dedos. ___150
E se não cair poeira nenhuma, mesmo assim, espana.
Por todos os meios, que exista uma razão apropriada ao teu ofício.
Se a pala muito caída se arrasta na terra,
Recolhe e, solícito, retira-a do chão sujo;
Logo o prêmio do teu esforço, que ela aceitará sem queixa, ___155
Será dar aos teus olhos uma perna que deve ser apreciada.
Observa também qualquer um que se sente atrás de vós,
Que nenhum joelho pressione suas costas macias.
Pequenos cuidados cativam os espíritos doces.
Foi útil para muitos ter ajeitado com a mão prestimosa uma almofada; ___160
Foi proveitoso também, agitar uma ventarola para refrescar,
E procura sempre colocar um escabelo sob um pé delicado.
Também o circo apresenta estas facilidades para um novo amor,
Na praça agitada e na triste areia espalhada.
O filho de Vênus, muitas vezes, ali lutou. ___165
E, quem veio ver a ferida alheia, agora está ferido:
Então se fala e tocam-se as mãos, e se pede um panfleto.
E procura-se, fazendo aposta, qual vencerá,
O ferido geme e sente um dardo ligeiro,
E foi ele próprio uma parte do espetáculo assistido. ___170
Então não foi assim, quando César nos mostrou um combate naval
Contra os persas e os navios de Cecrópia?
De um mar e de outro, naturalmente, vieram homens e mulheres trazidos por Vênus.
E grande parte do mundo esteve na Vrbe.
Quem não encontrou a quem amar naquela multidão? ___175
Eia! Quantos o amor atormentou por uma estrangeira!
Eis que César se prepara para tomar o que falta ser dominado,
No mundo. Agora, Extremo Oriente, serás nosso.
Dareis pena, ó Partos. Crasso, regozija-te da sepultura.
E também as insígnias caídas desafortunadamente em mãos bárbaras. ___180
Eis o vingador, e desde os primeiros anos mostrou-se um chefe,
E, embora menino, conduz as guerras como devem ser feitas, não como um menino.
Desisti, ó tímidos, de enumerar o aniversário dos deuses;
A virtude entre os Cesares chegou antes do dia.
Sua natureza celeste surge mais veloz que os anos ___185
E mal suporta os danos da inútil espera.
O Tirintio era pequeno e com as mãos estrangulou duas serpentes,
E já no berço era digno de Júpiter;
Tu que agora também és menino, ó Baco, quanto valeste naquele tempo
Quando a Índia vencida temeu teu tirso? ___190
Pelos auspícios e com ânimo de teu pai, menino, manejarás armas
E vencerás com o espírito e os desígnios do teu pai.
Tal instrução deves a tão grande nome,
Agora príncipe dos jovens, depois no futuro, dos velhos;
Quando para ti são irmãos, vinga os irmãos feridos, ___195
Quando para ti é pai, defende os direitos do teu pai.
O pai da pátria e teu pai te deu as armas,
O inimigo arrebata o reino enquanto o pai resiste.
Tu levas as armas justas, ele as setas criminosas;
O sagrado direito estará em tuas insígnias. ___200
Os Partos são vencidos pela causa, que sejam vencidos pelas armas.
Que meu comandante traga os tesouros orientais para o Lácio.
Ó pai Marte, ó pai César, daí proteção a quem parte!
Pois um de vós sois deus e o outro sereis.
Vamos, predigo que vencereis e vos oferecerei os poemas prometidos, ___205
E com grande voz haveis de ser cantado por mim.
Podereis exortar teu exército com minhas palavras.
Oh, que minhas palavras não vos faltem ao espírito!
Contarei sobre os Partas voltando as costas e sobre a coragem dos Romanos
Diante dos dardos que o inimigo lança do cavalo e montado ao contrário. ___210
Tu que foges para vencer, ó Parta, que deixas ao vencido?
Agora, ó Parta, um mau presságio já te traz teu Marte.
Há de chegar o dia em que tu, o melhor de todas as coisas,
Irás coberto de ouro em quatro cavalos brancos.
Irão à frente os chefes, os pescoços carregados de ferros, ___215
Sem que possam todos como antes sair em fuga;
Assistirão alegres, jovens e moças misturados,
E naquele dia ainda se exaltarão os espíritos de todos,
E quando alguma delas perguntar o nome dos reis,
Que lugares, que montes, ou de que águas são trazidos, ___220
Responde a tudo, mesmo que ela não pergunte,
E o que ignorares, refira-te como se bem conhecesses.
Este é o Eufrates, com a fronte rodeada de caniços;
Aquele, com uma grande cabeleira azulada, é o Tigre.
Faze daqueles Armênios; aquele é a Pérsia de Danaeu; ___225
Aquela cidade existiu nos vales dos Aquemeneus;
Aquele ou aqueles eram generais; e a todos darás nomes,
Se puderes, verdadeiros, se não, ao menos adequados.
Com as mesas postas, também os banquetes oferecem oportunidades;
Existe outra coisa além do vinho, que podes esperar de lá. ___230
Muitas vezes ali o purpúreo Amor prendeu os chifres de Baco
Contraídos por seus braços ternos.
E quando o vinho molhou as asa inquietas de Cupido,
Ele lá ficou pesado e apaixonado naquele lugar.
Então ele agita velozmente as asas molhadas, ___235
Mas mesmo as gotas espalhadas pelo Amor fazem mal.
O vinho agita os corações e os torna propensos ao calor do Amor;
Os cuidados se acabam e se diluem com muita bebida.
Então vem o riso, então o pobre assume a coragem,
Vão-se a dor as preocupações e as rugas da fronte; ___240
Então uma simplicidade raríssima em nosso tempo
Abre as mentes, porque o deus põe fim aos artifícios.
Ali freqüentemente o coração de um jovem foi capturado por uma mulher,
E Vênus após o vinho é fogo sobre o fogo.
Aqui não creias demais na enganosa claridade; ___245
A noite e o vinho prejudicam o julgamento da aparência.
Páris observou as deusas à luz e a céu aberto,
Quando disse a Vênus: “Vences as outras duas, Vênus!”
À noite se escondem os defeitos e todas as falhas são perdoadas,
Qualquer uma parece bela àquela hora. ___250
Consulta o dia sobre as jóias e as cores da lã,
Consulta o dia sobre o rosto e sobre os corpos.
Queres que eu enumere as reuniões femininas
Perfeitas para tuas caçadas? São tantas quantos os grãs de areia.
Queres que eu fale das baías e das praias que cercam as baías ___255
E da água que exala o vapor quente do enxofre?
Ali, alguns referindo-se à ferida no peito dizem:
“Esta água não é tão saudável para a fama que tem”.
Eis que os templos campestres de Diana, nos arredores de Roma
E o reino Parta obtido pela espada em mão criminosa. ___260
Aquela que é virgem, que odeia as setas do Cupido,
Deu e dará a todos muitas feridas de amor.
Até aqui Talia levada por rodas desiguais ensinou, onde
Colocares as redes para escolher o que amar,
Digo agora como deve ser cativada pelas artes aquela que te agrada, ___265
Realizo a tarefa principal. Quem quer que sejas,
E onde estiveres, homens, que estejais cuidadosamente alerta,
Que um auditório benevolente seja atento às minhas promessas.
Primeiro venha com a confiança em teu espírito, de que todas
Podem ser capturadas; tu as apanharás, portanto, estende as armadilhas. ___270
Na verdade, antes os pássaros e as cigarras se calarão no estio,
E o cão da Menália dará ás costas à lebre,
Que uma mulher recusará o que for pedido carinhosamente por um jovem.
Isto também que supões que ela não queira, crê, ela quer.
O Amor proibido, é tão agradável à mulher quanto ao homem; ___275
Mas o homem finge mal, ela deseja mais secretamente.
Se não conviesse aos homens fazer a corte,
A mulher já vencida assumiria o papel de suplicante.
Nos prados verdejantes é a que fêmea muge para o touro,
A fêmea sempre relincha para o fogoso cavalo. ___280
O desejo em nós é mais brando e não tão furioso;
A paixão do homem tem o devido limite.
O que direi de Bíblis, que ardeu de um amor insano pelo irmão,
E que puniu corajosamente seu crime com a forca?
Mirra amou seu pai, não como deve amar uma filha, ___285
E agora está escondida, presa numa casca de árvore;
Perfuma-nos com suas lágrimas que escorrem de uma árvore odorífera,
E o líquido tem o nome da dona.
Nos vales sombrios do frondoso Ida
Havia um touro branco, orgulho do rebanho, ___290
Marcado na testa com tênue ponto negro entre os chifres;
Apenas essa mancha existia, o resto era cor de leite.
As vacas de Gnosso e de Cídon
Desejaram recebê-lo sobre as costas;
Pasífae folgava em tornar-se amante do touro; ___295
Invejosa ela odiava as formosas vacas.
Canto o que se sabe; e Creta terra de cem cidades,
Ainda que seja mentira, não pode negar isto.
Com a própria mão desacostumada ao trabalho, podava
As folhagens novas e as ervas mais tenras para o touro; ___300
Vai em companhia dos rebanhos; e para ir não se preocupa
Com o marido e Minos fora vencido por um boi.
Por que te cobres, Pasífae, com estas vestes preciosas?
Este amante teu não percebe nenhuma riqueza.
O que fazes com este espelho quando segues os rebanhos pela montanha? ___305
Para que tantas vezes, estúpida, arrumas os cabelos já penteados?
Crê, contudo, em teu espelho que mostra que não és uma novilha.
Quanto desejarias que chifres nascessem em tua fronte!
Se Minos te satisfaz, não procures um amante;
Mas se preferes trair um homem, faze-o com um homem. ___310
Abandonando o leito conjugal, a rainha se lança pelos bosques e pelos prados,
Como Bacante enlouquecida pelo deus aônio.
Ah, quantas vezes observou com olhar contrariado uma vaca
E disse: “Por que essa agrada a meu senhor?
Vê como exulta diante dele na relva macia. ___315
Não duvido que a tola julgue que isto lhe convém.”
Disse, e imediatamente mandou retirar do grande rebanho
A inocente e arrastada sob o jugo recurvado,
Para fazê-la imolar diante dos altares, num sacrifício fingido
E alegre segura na mão as vísceras da traidora. ___320
Quantas vezes agrada à divindade com as rivais imoladas
E diz, exibindo as entranhas: “Vai, seduz o meu amante!”
Às vez deseja tornar-se Europa, outra vez pretende ser Io,
Esta porque é novilha, aquela porque foi levada por um touro.
Entretanto o líder do rebanho enganado por uma vaca de palha ___325
Fecundou-a e, com o nascimento, revelou-se que era ele o pai.
Se a Cretense se abstivesse de amar Tiesto
(É o que custa poder amar a um único homem!)
Phebo não se teria detido no meio do caminho e,
Reconduzido o carro e os cavalos, ir em direção à Aurora. ___330
A filha que roubou os cabelos purpúreos de Niso
Carrega no umbigo e no ventre raivosos cães.
O filho de Atreu que escapou de Marte na terra
E de Netuno no mar, foi vítima funesta da esposa.
Porque não se lamentou o incêndio da coríntia Creúsa ___335
E nem a mãe coberta do sangue dos próprios filhos?
O filho de Amintor, Fênix, chorou a perda da visão;
Cavalos assustados, fizestes Hipólito em pedaços.
Porque, Fineu, tiraste a luz de teus filhos inocentes?
Este castigo há de cair sobre tua cabeça. ___340
Eis que na mulher todas estas coisas são causadas pela paixão;
É mais ardente e tem mais furor que a nossa.
Então age, não hesita em pretender todas as mulheres.
Entre muitas, uma haverá que, com dificuldades, te resista.
Tanto as que cedem, quanto as que se esquivam, ainda assim, ___345
adoram ser cortejadas. Ainda que te enganes, teu fracasso é seguro.
Mas porque falharás, quando o prazer novo é agradável
E as coisas diferentes cativam os espíritos mais que as costumeiras?
As colheitas são sempre mais férteis nos campos dos outros,
E as vacas do vizinho têm úberes mais cheios. ___350
Antes, porém, procura conhecer a serva da mulher
que desejas conquistar, pois ela facilitará o teu acesso;
Repara se ela é a fiel confidente da patroa
E não pouco íntima nos seus assuntos secretos.
Suborna-a prometendo, suborna-a pedindo; ___355
O que pedires, se ela quiser, obterás facilmente.
Ela escolherá o momento (os médicos também observam o momento),
Em que o espírito da patroa esteja dócil e pronta para ser abordada.
A alma estará pronta para ser seduzida quando então, muito alegre,
Ela vicejar como as searas em solo fértil; ___360
Desde que o peito se alegre e não esteja apertado pela dor,
Entrega-se por si mesmo; então Vênus avança com a sua arte insinuante.
Foi assim que, quando estava triste, Ílion defendeu-se com as armas;
Alegre, recebeu um cavalo grávido de soldados.
Portanto, também ela deve ser provocada quando sofrer, ferida por uma rival; ___365
Então, com habilidade tu farás que ela não fique sem ser vingada.
Que a serva a incite, ao fazer seu penteado matinal,
E junte às velas o esforço dos remos
Quando ela num leve murmúrio, disser suspirando
“Não creio, oh não, que tu mesma possas devolver na mesma moeda.” ___370
Então ela falará de ti, e que ela então junte palavras persuasivas,
E jure que morres de um amor insano.
Adianta-te, porém, para que a vela não caia e cesse a brisa;
Como o efêmero gelo, a ira se esvai com o tempo.
Perguntas se acaso é útil assediar a própria criada? ___375
Há um grande risco em tais imprudências.
Esta torna-se zelosa com o relacionamento, aquela mais indolente.
Esta prepara teu favor para a ama, aquela para si mesma.
O acaso influi no resultado; Ainda que ele seja favorável,
Meu conselho é que, contudo, te abstenhas da ousadia. ___380
Não seguirei por precipícios e cumes agudos,
Nem qualquer jovem se perderá sob meu comando.
Se, contudo, a serva enquanto te entrega ou recebe bilhetes,
Agrada-te, não tanto pela diligência, mas pelo corpo,
Faze primeiro que a ama te pertença; a aia virá em seguida. ___385
Não é pela criada que o Amor deve ser começado.
Quanto a isso, apenas te alerto, se alguém se confiar à minha arte
E um vento impetuoso não levar para o mar minhas palavras.
Ou leva a efeito a empresa ou nunca tentes; a denuncia se destrói,
Quando ela própria uma só vez participou do crime; ___390
Felizmente a ave não escapa com visgo nas asas,
O javali não sai com facilidade das redes frouxas.
O peixe agarrado pelo anzol, fatigado fica seguro;
Mantém o assédio e não desiste até que venças.
Mas esconde-te bem. Se o indício for bem ocultado, ___395
Sempre te chegarão notícias de tua amante.
Engana-se quem julga que o tempo propício só deve ser observado
Pelos que cultivam os campos ou pelos marinheiros;
Nem sempre Ceres deve ser esperada em campos duvidosos,
Nem sempre o côncavo navio (deve ser confiado) à verde água, ___400
Nem é sempre seguro conquistar mulheres meigas;
Às vezes é melhor que se espere também pelo tempo certo.
Se o dia do aniversário estiver próximo ou as Calendas,
Que é bom Vênus seguir-se a Março,
Ou o circo não estiver enfeitado, como esteve antes, com pequenas estátuas ___405
Mas tiver expostos os tesouros dos reis;
Adia a ação; quando se aproximam o triste inverno e as Plêiades,
Quando o terno cabrito é mergulhado nas águas do oceano.
Convém então descansar bastante; neste momento se alguém se confiou ao alto mar,
Dificilmente salvou do naufrágio os pedaços do navio partido. ___410
Convém que comeces, no dia em que o lacrimoso Alia
Foi coberto com o sangue das feridas latinas,
No dia que é menos adequado para se realizarem negócios,
Na sétima festa consagrada ao Sírio Palestino.
Que o dia do aniversário da tua amante seja um grande tabu para ti. ___415
Que seja funesto qualquer dia em que alguma coisa deve ser dada.
É quando deves te esquivar; contudo, ela tentará. A mulher inventa
Um artifício com o qual arranque as riquezas do amante apaixonado.
Um negociante inesperado chegará à casa da mulher, que gosta de comprar;
Mostrará seus produtos, que ela pedirá que examines. ___420
Para que tu, ali sentado, vejas e aprecies,
Em seguida te dará beijos, e então pedirá que compres.
Vai jurar que por muitos anos há de estar satisfeita,
Agora é necessário para ela, agora realmente deve ser comprado;
Se alegares não estar prevenido, o que deres representará dinheiro, ___425
Ela mandará que seja exigida uma carta (porque não desaprendeste a escrita).
Por que, como se fosse aniversário ela reclama presentes com um bolo,
E nasce quantas vezes for conveniente para ela?
Por que quando muito triste chora uma falsa perda,
E inventa uma pedra caída da orelha vazia? ___430
Elas pedem muitas coisas para usar; depois de dadas não querem retribuir;
Tu (só) perdes e não há nenhuma recompensa pelo teu dano.
Para que eu enumerasse as ímpias artimanhas das cortesãs,
Não seriam bastantes dez bocas, com outras tantas línguas.
Que a cera espalhada nas tabuinhas raspadas, sondem o terreno, ___435
Que em primeiro lugar a cera seja cúmplice da tua intenção;
Que ela leve tuas gentilezas e as palavras que dizem todos os apaixonados.
Sejas quem for, junte súplicas e palavras nada modestas.
Aquiles, comovido pelo pedido de Príamo devolveu o cadáver de Heitor;
Um deus irado acalma-se com a voz suplicante. ___440
Faze promessas; o que, na verdade, prejudica prometer?
Qualquer um pode ser rico de promessas.
A esperança dura um longo tempo, se uma vez é crível;
É uma deusa realmente perigosa, mas bem eficaz.
Se tiveres dado alguma coisa, poderás te omitir por conta; ___445
Já tinham conseguido no passado, portanto, nada terão perdido;
Mas, o que não tinhas dado, sempre deve parecer que será dado.
Assim o campo estéril muitas vezes iludiu o dono;
Assim, para que não leve prejuízo, o jogador não pára de perder,
E o risco muitas vezes reconduz suas mãos ávidas. ___450
A obra, o trabalho é receber primeiro sem conceder;
Para que não tenha dado de graça o que deu, ela dará continuamente.
Que vá pois esta carta escrita com palavras carinhosas,
E que examine a disposição e primeiro explore o caminho;
Uma carta levada numa maçã enganou Cídipe, ___455
E a jovem, desprevenida, foi enleada por suas palavras.
Aprende as artes liberais, sugiro, juventude romana,
Não tanto para defender os trêmulos réus;
Assim como o povo, o severo juiz e o distinto senado,
Também a mulher vencida há de render-se à tua eloqüência. ___460
Mas oculta tuas forças e não sejas falador diante dela;
Que não escapem de tua boca palavras afetadas.
Quem se não um fraco da cabeça, declama para a doce amante?
Muitas vezes uma carta foi um forte motivo de ódio.
Que teu discurso seja confiável e as palavras habituais, ___465
Porém doces, para que pareças presente ao falar.
Se ela não receber teu escrito e devolver sem ter lido,
Espera que ela há de ler e mantém teu propósito.
Com o tempo os novilhos rebeldes chegam aos arados,
Com o tempo os cavalos aprendem a suportar os freios cruéis; ___470
O anel de ferro é desgastado pelo uso constante;
A relha curva se acaba no corte habitual do solo.
O que é mais duro que a rocha, que é mais mole que a água?
Entretanto as duras rochas são cavadas pela água mole.
A própria Penélope, se persistires por um certo tempo, vencerás; ___475
Pérgamo, como vês, foi conquistada lentamente, mas foi.
Se tiver lido e não quer responder, não a queiras obrigar.
Faze com que ela ao menos leia tuas palavras carinhosas.
Quem quis ter lido, vai querer responder ao que leu;
As coisas virão pela sua ordem e gradualmente. ___480
Talvez, e primeiro, te venha uma carta aborrecida,
Em que ela te peça para não ser atormentada.
O que pede ela teme; o que não pede deseja que insistas;
Persegue, e serás, pouco depois, senhor do que almejas.
Enquanto isso se ela passar carregada e recostada num leito, ___485
Acompanha disfarçadamente sua liteira,
E para que algum ouvido indiscreto não se apodere de tuas palavras.
Tão astuto quanto puderes, oculta-te com sinais ambíguos.
Se sozinha ela atravessa a pé um espaçoso pórtico,
Vai junto por ali também e chega perto, ___490
De modo que a precedas, de modo que a retardes;
Que ora te apresses e que ora caminhes lentamente.
Que não te envergonhes de atravessar as colunas pelo meio.
E de permanecer lado a lado, com ela,
E não permitas que a bela se acomode sem ti no recurvado teatro; ___495
Ela oferecerá, com seus ombros, o que apreciares.
Poderás olhá-la, será possível admirá-la,
Muitas coisas poderás dizer-lhe com gestos ou com os supercílios;
E bate palmas para o ator que representa alguma mulher;
E prestigia aquele, quem quer que seja, que faça papel de amante. ___500
Quando ela se levantar, levanta-te, enquanto ficar sentada, fica também;
Perde teu tempo à vontade de tua pretendida.
Mas que não aprecies enrolar os cabelos com ferro.
Nem esfregues tuas pernas com pedra pomes.
Manda que façam estas coisas aqueles que celebram a deusa Cibele, ___505
Proclamando aos gritos, conforme os costumes frígios.
A aparência cuidada não convém aos homens. Teseu,
Que raptou a filha de Minos, não tinha grampos no penteado;
Fedra amou Hipólito que não era sequer vaidoso;
Adônis, conhecedor das florestas, era o amor de uma deusa. ___510
Que tenha gosto pelo asseio; que escureçam o corpo no Campo de Marte,
Que a toga esteja bem ajustada e sem qualquer mancha.
Que a presilha do sapato não seja grosseira; não tenha sarro nos dentes;
E nem teus pés flutuem soltos em sapatos largos,
Que um corte mal feito não te deforme ou erice os cabelos; ___515
Quer o cabelo, quer a barba, que seja cortada por mão perita;
Que nada realce tuas unhas e que estejam sem sujeira,
E que nenhum pêlo apareça nas tuas narinas;
Que um hálito desagradável não saia de tua boca mal perfumada
E nem incomode o nariz como macho e pai do rebanho. ___520
O resto, deixa que façam as mulheres lascivas
E algum homem, se procura ter um homem.
Eis que Baco chama o seu poeta; ele também ajuda os amantes
E propicia a chama que ele próprio deseja com ardor.
A filha de Creta errava desvairada na areia desconhecida, ___525
Onde a pequena Dia é ferida pelas águas do mar,
E coberta com uma túnica desatada, como tinha acordado.
E descalça, com os cabelos soltos cor de açafrão,
Gritava para as ondas surdas a crueldade de Teseu,
Com um pranto injusto que molhava suas faces delicadas. ___530
Gritava e chorava ao mesmo tempo; mas tudo lhe caia bem;
Ela não se tornava feia por causa das lágrimas.
E já então batendo novamente o peito macio com as mãos:
“Aquele pérfido se foi! que será de mim?”- diz.
“Que será de mim?”- repete. Soaram os címbalos por toda a praia ___535
E tambores batidos por mãos delirantes.
Ela com medo desmaiou e lançou suas últimas palavras.
Nenhum sangue havia em seu corpo inerte.
Eis as bacantes com os cabelos espalhados nas costas,
Eis os ligeiros Sátiros, cortejo à frente do deus, ___540
Eis o velho ébrio, Sileno em seu burrinho fatigado.
Com custo se firma e mantém com arte segurando as crinas;
Enquanto segue as Bacantes, e as Bacantes fogem e atacam,
O malvado impele o quadrúpede com o chicote,
Caído do animal orelhudo feriu a cabeça. ___545
Os Sátiros gritaram: ”Vai levanta, levanta, pai!”
Já o deus em seu carro, que enfeitara com parras,
Atirava as rédeas douradas contra os tigres atrelados.
Não apenas Teseu, mas também a voz e a cor da jovem se foram
E três vezes procurou a fuga, mas três vezes foi retida pelo medo; ___550
Estremeceu como as espigas murchas que o vento sacode,
Como o fino caniço treme no pântano úmido.
Disse-lhe o deus: “Aqui estou com um amor mais fiel para ti,
Afasta o medo, filha de Cnossos, serás esposa de Baco!
Tendo o céu como presente; no céu tu serás uma estrela para ser contemplada; ___555
Muitas vezes a Coroa Cretense há de orientar o navio perdido.”
Assim falou e saltou do carro para que ela não temesse os tigres;
(a areia cedeu com a marca dos seus pés)
E levou-a (de fato ela não podia resistir) apertada contra seu peito;
Tudo é fácil para o poder de um deus. ___560
Uma parte canta: “Himeneu”, outros gritam: “Evoé, evoé!”
Assim a noiva e o deus uniram-se pelo laço sagrado.
Quando, pois, forem servidas a ti as dádivas de Baco,
E uma mulher estiver num lugar do leito mais próximo,
Invoca o deus Nictélio, e os rituais noturnos, ___565
Para que impeçam que o vinho faça mal à tua cabeça.
Será possível aí com palavras discretas dizer
Muitos segredos que ela entenda que são ditos para ela;
Escreva na mesa, com um pouco de vinho, doces palavras,
Para que ela leia que é tua amada, ___570
E olha seus olhos com um olhar que demonstre tua paixão.
Muitas vezes o rosto que se cala tem voz e palavras.
Primeiro rouba os copos tocados pelos lábios dela
E bebe em cada um na parte em que ela bebeu,
E procura qualquer alimento que ela tocou com seus dedos ___575
E enquanto pegas que sua mão seja tocada pela tua.
Que estejam nos teus planos agradar também ao amante da jovem;
Ele te será mais útil se for teu amigo.
Se beberes com sorte, concede a ele o primeiro prêmio;
A ele seja dada a coroa colocada em tua cabeça; ___580
Se for inferior ou igual a ti, que ele pegue todas as coisas primeiro;
Não hesites em falar palavras favoráveis a ele.
Seguro e freqüente é este caminho, esconder a reputação pela amizade;
Por mais seguro e freqüente que seja o método, é uma falta.
Daí o procurador também procura muitas coisas além ___585
E julga que deve tolerar outras por obrigação.
Por mim será dada a medida certa do que deves beber:
Que tua mente e teus pés cumpram sua função.
Evita, sobretudo, as querelas provocadas pelo vinho
E as mãos muito predispostas à guerra feroz. ___590
Eurítion foi morto por beber imoderadamente o vinho oferecido;
É mais apropriada a mesa e a bebida para uma alegre brincadeira.
Se tens voz canta; se tens os membros flexíveis, dança,
E o que quer que possas fazer para agradar, faze.
A embriagues faz mal se verdadeira, se for falsa ajudará. ___595
Faze que a língua vacile manhosa com sons confusos,
Para que, caso cometas ou digas alguma ousadia,
Acredite-se que a causa tenha sido o excesso de bebida.
E dize: “Saúde para a senhora; felicidades àquele com quem ela dorme”;
Mas que o inferno seja desejado ao homem. Em segredo. ___600
E quando os convivas se afastarem da mesa,
A própria multidão dará acesso a ela.
Mistura-te ao burburinho e fica discretamente próximo
Esbarra nela com os dedos e toque seu pé com o teu.
Chegou o momento para encontro. Foge para longe daqui, ___605
De qualquer jeito, pudor; a Fortuna e Vênus ajudam os que se atrevem.
Tua conversa não dependerá de meus conselhos.
Que tu apenas desejes; espontaneamente as palavras virão.
Deves agir como um apaixonado, e a tua afeição deve transparecer nas palavras;
Por todos os meios que esta certeza seja conseguida pela arte. ___610
Não é difícil se fazer crer; todas se julgam destinados ao amor;
Por mais feia que seja, nenhuma desgosta de sua aparência.
Às vezes, contudo, o fingido começa verdadeiramente a amar;
Muitas vezes tornou-se o que tinha fingido ser no começo.
Assim, mulheres, sede mais dóceis com os que fingem; ___615
O amor que antes era falso pode torna-se verdadeiro.
Agora, que o coração seja apanhado, com agradinhos, furtivamente
Como a costa que resiste é invadida pela água.
Que não te incomode elogiar o rosto e os cabelos
Ou os dedos finos e os pequeninos pés. ___620
O elogio dos seus atrativos deleita até as castas;
Os cuidados e a beleza são também gratos para as virgens.
Senão porque hoje ainda, Juno e Palas envergonham-se
De não terem vencido a disputa nas florestas Frigias?
A ave de Juno ostenta sua plumagem apreciada; ___625
Se olhas silencioso, ela esconde seus tesouros;
Durante as competições agradam aos cavalos
As crinas (bem) penteadas e os pescoços premiados.
Não prometas com timidez; as promessas atraem as mulheres;
Junta ao prometido qualquer um dos deuses como testemunhas. ___630
Júpiter, lá do alto, ri dos perjúrios dos amantes.
E ordena a Eolios e Notos que os tornem vãos.
Júpiter costumava jurar falso a Juno,
Em nome do Estige; agora ele próprio favorece o seu exemplo.
É útil que os deuses existam, e, como é útil, acreditemos que existem. ___635
Que sejam oferecidos o vinho e os incensos nos antigos altares.
Um repouso seguro e semelhante ao sono não os deleita;
Vivei despreocupadamente, a divindade está presente.
Oferece a garantia de que a piedade conserve suas leis;
Que o mal esteja ausente, conserva as mãos limpas de sangue. ___640
Ilude, impunemente, se és sábio, as mulheres solitárias.
Nisto a fidelidade é mais vergonhosa que uma única fraude.
Engana as que enganam; são um gênero ímpio, na maior parte;
Que caiam nas armadilhas que prepararem.
Contam que o Egito ficou sem as chuvas que são úteis, ___645
E que durante nove anos os campos ficaram secos,
Quando o Trácio se dirige a Busirus e mostra
Que pode apaziguar Júpiter com o sangue derramado de um estrangeiro.
Busirus disse a ele: “Tu serás a vítima de Júpiter,
O primeiro estrangeiro, e darás água ao Egito.” ___650
Também Falaris queimou no touro o corpo de Perilo;
O infeliz inventor conheceu sua obra.
Em ambos houve justiça; e nenhuma lei, certamente, é mais justa que esta,
Que o artífice pereça de morte violenta por sua própria arte.
Por isso que as mentiras castiguem as pérfidas, ___655
E que a mulher atingida lamente pelo seu exemplo!
Também as lágrimas ajudam; com lágrimas abalarás os diamantes.
Faze que a amada veja tuas faces molhadas, se puderes;
Se de lágrimas (pois nem sempre elas vêm a tempo)
Careces, toca os olhos com a mão molhada. ___660
Quem, conhecendo os beijos não mistura beijos às palavras de amor?
Ainda que ela não dê, toma-os mesmo assim.
A princípio talvez ela resista e diga: “Infame!”;
Embora lutando ela desejará ser vencida;
Mas, que os beijos roubados não machuquem seus lábios delicados, ___665
E cuida para que ela não possa se queixar de que houve grosseria.
Quem colhe beijos, se não colhe o resto,
Será digno de perder também o que foi concedido.
Quanto falta após os beijos para tornar pleno o voto?
Ah! Isto foi acanhamento, e não pudor. ___670
Ainda que chames violência, esta violência é agradável para as mulheres;
Muitas vezes o que querem dar, apreciam dar forçadas.
Qualquer uma que seja tomada por um súbito ataque de Vênus,
Alegra-se, e a improbidade tem o valor de um presente;
Por outro lado, aquela que poderia ser conseguida, se não é tocada afasta-se, ___675
Mesmo que aparente alegria no rosto, estará triste.
Febi foi violentada e a mesma violência foi aplicada à irmã;
E o raptor de cada uma ultrajada foi digno de afeto.
Uma fábula, decerto conhecida, mas digna de ser contada
É sobre a jovem de Ciros e o herói da Tessália. ___680
Como a deusa da Beleza louvada ao pé do Monte Ida
Por ser digna de vencer as outras duas concedeu um prêmio funesto;
Então, de outra parte do mundo, veio uma nora para Priamo,
E uma esposa grega estava dentro das muralhas de Ilion;
Todos os maridos ofendidos juravam fidelidade; ___685
Com efeito, a dor de apenas um tornou-se causa pública;
Era Aquiles (vergonhosamente! Se não tivesse para isso atendido às suplicas da mãe)
Sob uma veste comprida que ocultava o homem.
Que fazes, neto de Éaco? Não são teus dons trabalhar a lã;
Que tu reclames com outra arte os estandartes de Palas. ___690
De que te servem os açafates? Tua mão pode carrega um escudo.
Por que tens uma rocada na mão que matará Heitor?
Lança fora os fusos enrolados com o fio laborioso;
É a lança Pélia que deves agitar com essa mão.
No mesmo leito sólido, estava a filha do rei; ___695
Esta, depois do estupro descobriu, que ele era um homem.
Na verdade foi tomada à força (assim convém acreditar),
Mas quis, contudo, ser vencida pela força.
Muitas vezes disse: “Fica!”, quando Aquiles já ia sair;
Depois que pousava o cesto, ia tomar as armas poderosas. ___700
Onde está agora aquela força? Por que, Deidâmia, reteres
Com voz blandiciosa o autor da tua desonra?
Com efeito, o pudor impede que ela própria se manifeste,
Mas é-lhe agradável submeter-se à iniciativa alheia.
Um jovem confia demais na própria beleza ___705
Se espera até que alguma mulher tome a iniciativa.
Que o homem assedie primeiro, que faça súplicas;
E que ela de boa vontade, receba as carinhosas súplicas.
Para possuíres, pede; ela apenas deseja ser solicitada;
Expõe a causa e o princípio do teu desejo. ___710
Júpiter dirigia-se suplicante às heroínas antigas;
Nenhuma mulher iludiu o grande Júpiter.
Se, entretanto, perceberes que ela, vaidosa, te desdenha,
Renuncia ao teu projeto e aos poucos vai-te afastando.
Muitas desejam o que escapa e odeiam o que insiste; ___715
Põe fim ao teu desgosto insistindo menos.
Nem sempre a procura do amor deve estar estampada naquele que suplica:
Que o amor se insinue oculto sob o pretexto de amizade.
Vi por este meio mulheres difíceis à mercê das palavras;
Quem fora só companheiro, tornou-se amante. ___720
A palidez é inaceitável no marinheiro; pela água do mar
E pelos raios do sol deve ser tisnado;
Também não é bela no agricultor, que sempre ao sol
Revolve a terra com o relho curvo e a pesada enxada;
Tu também por quem é perseguida a palma da coroa de Palas, ___725
Se teu corpo for alvo, não ficarás bem.
Todos os apaixonados empalidecem! Esta é a cor própria aos amantes;
Isto convém; muitos pensam que isto não importa.
O pálido Óreon errava nos bosques, por causa de Cide;
Pálido era Dáfinis por causa da insensível Náiada. ___730
A magreza demonstra também o teu coração, e não julgues que é feio
Colocar um pequeno capuz sobre os cabelos brilhantes.
As noites de vigília enfraquecem o corpo de um jovem,
Que a inquietação e a dor transformam num grande amor.
Para seguires teu intento, mostra-te um sofredor, ___735
Que aquele que te veja possa dizer: “Amas.”
Devo então lamentar ou advertir que está misturado o que é lícito com tudo o que não é?
A amizade é apenas uma palavra, a confiança é um nome vão.
Olha! Não é seguro louvar o que amas com um camarada.
Caso acredites no que tu louvas, logo ele próprio te sucederá. ___740
“De fato o descendente de Acto não desonrou o leito de Aquiles;
Quanto a Pirito, Fedra foi honrada;
Pílade amava Hermiona como Febo amava Palas,
E era a ti, filha de Tíndaro, que o gêmeo Castor amava”.
Se alguém espera o mesmo, que espere que tamarineira dê frutos. ___745
E o procure o mel no meio do rio!
Nada é agradável se não é errado; cada um só se preocupa consigo mesmo.
Existem também aqueles para quem é agradável a dor dos outros.
Ah maldição! Não é do inimigo que os amantes devem ter medo;
Afasta os que acreditas serem fiéis; estarás seguro. ___750
Cuidado com um parente, um irmão ou um amigo querido;
Esta gente há de te causar temores verdadeiros.
Vou terminar; mas (lembra) que o coração é diferente nas mulheres;
Para mil naturezas, observa mil métodos.
A mesma terra não produz tudo; há uma para vinha, ___755
Outra convém à oliveira; aqui verdejam bem os trigais.
Há nos corações tantos sentimentos, quanto diferentes rostos no mundo;
Quem conhece, estará preparado para os inúmeros temperamentos,
E assim com Proteu, ora ele se sustentará nas ondas ligeiras,
Ora, como um leão, ora como uma árvore, ora será um espinhoso javali. ___760
Aqui o peixe é apanhado com rede, ali com o anzol,
De lá são trazidos por cestos puxados com corda.
Não te convém um único método para todas as idades;
A corça mais velha percebe mais depressa as armadilhas;
Se pareces esperto com uma inexperiente ou petulante com uma puritana ___765
Ela logo perderá a confiança e se afastará aborrecida.
Assim se dá com aquela que teme entregar-se a alguém sincero,
Cai nas mãos de um homem vil e inferior.
Parte (da tarefa) começada (ainda) resta, uma parte esta terminada;
Que a âncora lançada retenha aqui nossos navios. ___770
LIVRO 2
Dizei: ”Iô Peane!” e repeti: ”Iô Peane!”.
A presa perseguida caiu na minha rede;
O feliz amante brinda com a verde palma os meus poemas,
Preferidos aos velhos de Ascra e da Meônia.
Assim, o hóspede filho de Príamo, lançou ao vento as velas brancas, ___5
Da belicosa Amicla com a esposa raptada;
Tal foi aquele que te levou em seu carro triunfante,
Hipodamia, arrebatada por rodas estrangeiras.
Por que te apressas, jovem? Teu navio navega
No meio das ondas, e o porto que eu busco está longe, muito longe. ___10
Não é bastante que a mulher tenha vindo a ti pelo meu vate;
Ela foi conquistada com a minha arte, com minha arte de ser conservada.
Não é menos necessário o talento para manter quanto para encontrar;
O acaso existe em um, o outro será obra da arte.
Agora, mais que antes, criança e Citeréia, favorecei-me, ___15
Favorece-me agora Erato, pois tens o nome do Amor.
Preparo coisas grandiosas. Dize por qual arte pode o Amor durar,
Menino que erra pelo vastíssimo universo.
Que não só é ligeiro, mas também tem duas asas com que me escapa;
É difícil impor-lhe modos. ___20
Minos fechara todas as saídas para a fuga de seu hóspede;
Com asas ele descobriu um meio audacioso.
Dédalo, quando prendeu aquele, concebido pelo crime da mãe,
Homem metade touro e touro metade homem, disse:
“Que haja termo para meu exílio, ó justíssimo Minos; ___25
Que a terra de meu pai receba minhas cinzas.
E porque, perseguido por um destino iníquo não pude viver
Em minha pátria, concede-me, lá, poder morrer;
Permite ao meu filho regressar, se a compaixão por um velho é infame;
Se não queres poupar o velho, poupa o jovem.” ___30
Disse essas palavras, mas podia dizer isto e muito mais;
Ele não permitiu ao homem o regresso.
Assim que percebeu isto: “Agora, ó Dédalo – disse – agora
Poderás demonstrar que és engenhoso.
Minos possui as terras e possui os mares; ___35
Nem a terra nem o mar estão abertos à nossa fuga;
Resta o caminho do céu; tentaremos ir pelo céu.
Permita que eu consiga, meu intento pelo alto, ó Júpiter.
Não pretendo tocar as regiões dos astros;
Para que eu fuja do rei, nenhum caminho existe, senão esse; ___40
Se fosse dada uma saída pelo Estige atravessaríamos as águas.
As condições da minha natureza devem ser modificadas.”
Os males, muitas vezes, motivam as invenções; quem acreditaria
Algum dia que o homem pudesse rasgar os céus?
Para o movimento das asas, dispõe em ordem as penas ___45
E rapidamente prende com fios de linho seu instrumento,
A extremidade é colada com cera derretida no fogo,
E foi concluído o trabalho do novo engenho.
O menino, radiante, acariciava as penas e a cera,
Sem saber que aquele aparelho fora feito para seus ombros. ___50
Seu pai lhe diz:”Com estes barcos nossa pátria poderá ser alcançada,
Com esta obra poderemos escapar de Minos.
Minos não pode fechar os ares, como fechou todos os outros caminhos;
Nada te impede, corta os ares com meu invento.
Não
deve, porém ser olhada por ti a virgem da Arcádia ___55
E o companheiro de Boieiro, Órion, que traz a espada.
Deves seguir-me com as asas que te dei; eu te guiarei;
Cuida de seguir-me; conduzido por mim estarás seguro.
Se por acaso seguirmos pelas regiões mais altas,
Com o sol próximo a cera não poderá resistir ao calor; ___60
Se, muito baixo, batermos as asas muito perto do mar,
As penas se encharcarão com as águas agitadas do oceano;
Voa entre um e outro; teme também os ventos, filho,
E as velas impelidas te levarão como o ar é levado.”
Enquanto adverte e ajeita o aparelho, ensina ao filho a manejá-lo ___65
Como a ave mãe instrui os filhotes indefesos.
Em seguida acomoda em seus ombros as asas prontas
E lança o corpo timidamente na nova rota;
Já começando a voar deu um beijo no filho pequeno,
E não reteve as lágrimas do seu rosto de pai. ___70
Havia uma colina menor que um monte e mais alta que uma planície;
Ali os dois corpos se lançaram na desesperada fuga.
O próprio Dédalo maneja suas asas e examina as do filho;
E mantém sem interrupção sua rota.
Ícaro se encanta com a viagem diferente, e afastado o temor, ___75
Já voa mais arrojado com seu ousado aparelho;
Alguém com um trêmulo caniço de apanhar peixes,
Vê os dois então, e deixou de lado o trabalho começado.
Samos já estava à esquerda (passaram Naxos,
Paros e Delos, amada pelo deus de Claros), ___80
Á direita estava Lebintos e Calimne fechada de florestas
E Astipaléia cercada de águas piscosas,
Quando o menino, por demais audacioso pela idade imprudente,
Eleva-se mais alto e abandona a direção do pai.
As ligações se abalam e a cera derrete com a proximidade do deus (sol) ___85
E nem os braços agitados acolhem mais os fracos ventos;
Aterrorizado distinguiu o mar do alto do céu.
Com o tremor do medo chega aos seus olhos uma escuridão repentina.
A cera havia derretido; ele agita os braços nus
E se debate sem ter onde se sustentar. ___90
Desaba e ao cair diz: ”Pai, ó pai, estou destruído!”;
As águas verdes cobriram sua voz que clamava.
O infeliz pai que já não é pai grita: ”Ícaro!”
“Ícaro, onde estás e sob que eixo do céu voas?”
“Ícaro!” – chamava; e percebeu as penas sobre as águas. ___95
A terra esconde seus ossos; aquele mar ganhou seu nome.
Minos não pôde deter as asas de um homem;
Eu mesmo pretendo deter as asas de um deus.
Engana-se quem recorre às artes Hemônias
E dá o que arranca da testa do potro jovem; ___100
Nada farão, para que o amor dure, as ervas de Medéia,
Nem os cantos Marsas misturados com sons mágicos;
Medéia teria retido o filho de Esão, e Circe teria retido Ulisses
Se os encantamentos pudessem conservar o amor;
De nada servirão os filtros que empalidecem as jovens; ___105
Os filtros fazem mal ao espírito e tem o poder da loucura.
Que fiquem bem longe todas estas coisas nefastas! para seres amado, sê amável,
O que não te dará apenas a beleza ou o porte.
Mesmo que fosses Nireu amado pelo velho Homero,
Ou o doce Hilas raptado criminosamente pelas Náiades; ___110
Para que prendas uma mulher e não sejas abandonado inesperadamente,
Junta os dotes do espírito às qualidades do corpo.
A beleza é um bem frágil, tudo o que se junta aos anos,
Torna-a menor, e ela própria se desgasta depois de muito tempo.
Nem as violetas, nem os lírios desabrochados florescem sempre, ___115
E da rosa arrancada seca só resta o espinho;
A ti logo virão, belo jovem, os cabelos brancos,
E também as rugas que te ressecarão o corpo.
Molda agora um espírito que dure e junta à tua beleza;
Apenas ele permanecerá até as últimas chamas. ___120
Não cuida que seja fútil cultivar a inteligência
Pelas artes liberais e conhecer duas línguas.
Ulisses não era belo, mas era eloqüente,
E assim fez sofrer de amor duas deusas do mar.
Oh, quantas vezes Calipso deplorou que ele se apressasse, ___125
E negou que as águas fossem propícias para os remos!
E pedia que ele contasse muitas e muitas vezes a queda de Tróia,
E ele costumava contar a mesma história cada vez de forma diferente.
Detinham-se na praia; também ali a bela Calipso
Exigiu (que contasse) o destino cruento do chefe dos Trácios. ___130
Com uma fina vara (pois por acaso ele a tinha)
Risca na areia grossa o relato que ela pede.
“Esta – diz – é Tróia (e traçou um muro no chão),
Aqui o Simoente; este, suponha o meu acampamento.
Havia uma planície (e fez a planície), que cobrimos com o sangue ___135
Derramado de Dólon, enquanto, vigilante, ele escolhia os cavalos dos Trácios.
Ali estiveram as tendas do Trácio Reso;
Por aqui eu retornei à noite com os animais capturados.”
Desenhava outras coisas, quando uma súbita onda levou Pérgamo
E o acampamento de Reso com seu comandante; ___140
Então a deusa disse:”Achas confiáveis para tua viagem
As águas que destruíram tão grandes nomes, como vês?”
Então vamos, quem quer que sejas, confia pouco na beleza enganosa,
E (procura) ter outras coisas mais valiosas que o corpo.
É a indulgência oportuna que conquista, sobretudo, os corações; ___145
A aspereza provoca o ódio e as guerras cruéis,
Odiamos a ave de rapina, pois vive sempre em combates,
E os lobos acostumados a ir contra o rebanho assustado;
Mas a andorinha, por ser inofensiva, está livre das armadilhas dos homens,
Assim como a ave que habita as torres da Caônia. ___150
Para longe as discussões e os combates com língua mordaz!
O terno amor deve ser alimentado com palavras doces.
Com a briga os maridos se afastam das esposas e as esposas,
Dos maridos, e crêem dirigir uma sucessão de lutas um contra o outro;
Isso fica bem para os esposos; o litígio é o dote da esposa. ___155
Que a amante ouça sempre palavras agradáveis.
Não viestes para o mesmo leito por determinação da lei;
O amor em vós se resume a uma dádiva da sua lei.
Leva doces carícias e palavras que agradem ao ouvido,
Para que ela fique alegre com a tua chegada. ___160
Não venho como preceptor do amor para os ricos;
Minha arte não é necessária para aquele que pode dar;
Tem sempre talento quem diz, quando lhe apraz: ”aceita!”
Retiremo-nos; este agrada mais que meus achados.
Sou o poeta dos pobres, pois sou pobre e amei. ___165
Quando não podia dar presentes, dava minhas palavras.
Que o pobre ame com cautela, que o pobre tema a maledicência
E suporte muitas coisas que não seriam suportadas pelos ricos.
Lembro-me de ter desarrumado com raiva os cabelos de minha amada:
Quantos dias de abstenção aquele acaso me custou! ___170
Não notei que estragara sua túnica, nem lembro disso,
Mas ela garantiu e foi ressarcida à minha custa;
Mas vós, se fordes sensatos, evitai os erros do vosso mestre
E temei os castigos da minha culpa.
Que haja guerra contras os Partas, mas que seja cultivada a paz com a amada ___175
E não só as brincadeiras, como qualquer coisa que seja objeto do amor.
Se tua amante não for bastante carinhosa e amável,
Tolera e não desanima; logo ela estará afável.
O ramo da árvore curvado com cuidado, não se quebra;
Quebrará, se usares tua força. ___180
Com cautela a água poderá ser vencida a nado, mas não
Poderás vencer um rio, se nadares contra a onda que te arrasta.
A paciência doma os tigres e os leões da Numídia;
O touro aceita pouco a pouco os rústicos arados.
Quem foi mais rebelde que a Arcádia Atalanta? ___185
Embora indomável ela sucumbiu aos méritos de um homem.
Dizem, que muitas vezes, Milaneio, sob uma árvore,
Chorou seu destino e os modos nada meigos da jovem,
Muitas vezes por ordem dela, levou ao pescoço as redes enganosas,
Quantas vezes atravessou com a lança feroz os terríveis javalis; ___190
Também sentiu, ferido, o arco certeiro de Hileu;
Mas um outro arco era mais conhecido que aquele.
Não te mando escalares armado as florestas da Menália,
Nem levares redes ao pescoço.
Nem te mando oferecer o peito às flechas atiradas; ___195
Os conselhos da minha arte cautelosa serão (sempre) agradáveis.
Cede ao que te contraria, cedendo sairás vencedor;
Como te digo, representa o papel que ela te atribuir.
Se ela condenar, condena; o que quer que ela prove, aprova também;
Dize o que ela disser; nega o que ela negar; ___200
Ri junto se ela rir; chora se ela chorar, imediatamente.
Que ela imponha suas leis sobre tua expressão.
Se ela jogar e lançar com as mãos os dados de marfim,
Que tu jogues mal, e devolve-os depois de mal lançados;
Se lançares os dados, para que o azar não a persiga, ___205
Faze que os danosos cães permaneçam, sempre contigo;
Ou se seu peão atacar como se fosse um exército,
Faze que teu soldado caia perante o inimigo de vidro.
Sustenta tu mesmo uma sombrinha aberta com teu caduceu
E abre espaço na multidão em que ela venha, ___210
Nem hesita em aproximar um escabelo do elegante leito.
E calça ou descalça a sandália dos delicados pés.
Muitas vezes, por mais que venhas a tiritar tu mesmo,
Que suas mãos geladas sejam aquecidas em teu peito;
E não considera humilhante (ainda que o seja, parecerá bom) ___215
Ter segurado um espelho com tua mão nobre.
Aquele que por ter recebido monstros da madrasta atormentada
Mereceu o céu que ele próprio antes carregou,
Dizem que carregou um açafate entre as jovens Jônias.
Acredita-se que amanhou a lã grosseira; ___220
O herói Tiríntio submeteu-se à ordem da amante;
Vai agora e aceita suportar o que ele suportou.
Mandado ir ao Fórum, antecipa-te à hora marcada.
Que sempre venhas e não vás senão ao cair da noite.
Se ela te disser que vás a algum lugar, abandona tudo ___225
E vai, e que o caminho empreendido não seja obstruído pela turba.
Quando à noite voltando de um festim ela chega em casa cansada,
Se ela chamar um escravo, vem tu mesmo;
Se estiver no campo e disser: ”Vem”; o amor odeia os inertes;
Se te faltam rodas, toma o caminho a pé. ___230
Que nada te detenha; nem o tempo carregado, a ardente Canícula,
Nem pega o caminho coberto pela branca neve.
O amor é uma espécie de serviço militar. Afastai-vos, covardes!
Não é pelos homens tímidos que aqueles estandartes devem ser carregados;
A noite, o inverno, as longas estradas, dores cruéis e todos os trabalhos ___235
Encontram-se nestes acampamentos sensuais;
Muitas vezes suportarás a chuva derramada por uma nuvem do céu,
Muitas vezes te lançarás gélido na terra nua.
Conta-se que o deus de Cinto pastoreou as vacas de Admeto de Feras
E tinha-se escondido numa pequena cabana: ___240
O que conveio a Febo, para quem não conviria? Põe de lado o orgulho,
Quem quer que tenha intenção de um amor que dure sempre.
Se te for negado seguir por uma estrada segura e fácil,
E tiver pela frente uma porta trancada,
Precipita-te ousado por uma abertura do telhado; ___245
Que uma alta janela também te dê um caminho furtivo.
Feliz ficará ao saber que te arriscas por ela;
Para ela esta será a prova do teu amor fiel.
Muitas vezes poderias abster-te de tua amada, Leandro,
(Mas) Atravessavas a nado para que ela visse que era amada. ___250
Não tenhas pudor de cativar nos primeiros momentos os favores das criadas,
E sejas quem for, não te envergonhes de conquistar os escravos:
Saúda cada um por seu nome (nada te há de custar);
Com gentileza aperta nas tuas as humildes mãos.
E ainda, no dia da Fortuna, oferece um singelo presente ___255
Ao escravo que te pedir (a despesa é pequena)
Oferece também à criada, no dia em que os gauleses
Enganados pela vestimenta nupcial caíram pelas próprias mãos.
Crê em mim, torna esta plebe tua aliada; que faça parte dela
O porteiro e aquele que guarda o quarto. ___260
Não aconselho que dês presentes caros à tua amante;
Dá os modestos, mas oportunos, e sejas hábil na simplicidade.
Quando os campos estiverem fartos, quando os ramos se inclinam com o peso,
Que um garoto leve frutos em um cesto;
Poderás dizer que te foram enviados do campo, se quiseres, ___265
Ainda que os tenhas comprado na via Sacra;
Que ele leve as uvas, as castanhas que Amarilis amava
(Mas que ela agora já não ama);
Convém ainda que seja enviada uma corbelha, e porque não com um pássaro,
Para testemunhar a lembrança de tua amada? É vergonhoso ___270
Que, também com isto, se console a expectativa da morte e a velhice solitária.
Ah, que morram aqueles que se valem dos presentes para tal ultraje.
Vou recomendar que mandes também doces versos?
Que pena! A poesia não possui muito prestígio.
A poesia é louvada, mas os presentes valiosos é que são desejados; ___275
Contanto que seja rico, até o bárbaro agrada.
Estes são verdadeiramente os séculos do ouro; as maiores honrarias
Vêm do ouro, o amor é comprado com ouro;
Tu mesmo, Homero, ainda que viesses acompanhado pelas Musas,
Se nada trouxesses, irias, Homero, ser posto na rua. ___280
Em pequeno número, entretanto, existem mulheres cultas;
Outras tantas não, mas querem ser.
Uma e outra se aventuram na poesia; que o leitor louve
Qualquer um com um doce canto.
Assim para estas, talvez teus versos feitos à custa de vigílias ___285
Chegarão até elas, quando não, à semelhança de um pequeno presente.
Mas procura fazer que tua amante te peça sempre o que
Haverias de fazer e crês que será vantajoso.
Se a liberdade fora prometida a algum dos teus (escravos),
Faze com que ele, a peça, contudo, através de tua amante. ___290
Se suspenderes o castigo de um escravo, ou o libertares dos ferros cruéis,
Que ela te deva o que irias mesmo fazer.
Que o mérito dela seja vantagem para ti;
Deixa as honras para ela e nada perdes com isto.
Mas se te interessa conservar o amor de qualquer mulher, ___295
Faze que ela te julgue fascinado por sua beleza.
Se ela estiver sob um manto Tiro, louvarás os mantos de Tiro;
Se estiver vestida com um de Cós, supõe, por exemplo, que os de Cós lhe ficam bem.
Se está coberta de ouro, diz que ela é para ti mais preciosa que o ouro;
Se prefere um tecido espesso, aprova a escolha; ___300
Caso ela se mostrar de túnica, “atiças meu fogo”, clama,
Mas timidamente pede num sussurro que ela se proteja do frio!
Se houver um penteado bem arranjado, louva o penteado;
Se cachear os cabelos com ferro quente, aprecia os cabelos cacheados.
Admira seus braços quando ela dançar e a voz se ela cantar, ___305
E quando ela terminar, diz que “é uma pena!”;
Convém venerar até mesmo os colóquios íntimos.
O que agrada e as coisas que proporcionam secretamente as alegrias da noite.
Que seja ela terrível e mais feroz que a Medusa,
Torna-se meiga e benevolente para o apaixonado. ___310
Apenas não demonstres com palavras o que nelas escondes,
Nem desfaças com tua expressão, nem destruas o que dizes:
O artifício oculto traz proveito, descoberto traz a vergonha
E elimina a confiança, com razão, pra toda vida.
Muitas vezes no outono, quando o ano é mais belo ___315
E que a uva plena de um suco roxeado, está bem vermelha,
Quando ora se é molestado pelo frio, ora se é debilitado pelo calor,
Com o ar inconstante o corpo experimenta a fadiga.
Que ela fique bem, mas, se doente, ficar de cama,
E sua doença sentir o rigor do clima, ___320
Que então teu amor e tua dedicação fiquem claros para ela.
Semeia, portanto, para que mais tarde colhas, à plena foice.
Que não te venha o cansaço com a enferma exigente,
E que tuas mãos só façam o que ela mesma permitir,
Que ela te veja chorar e não se aborreça de receber teus beijos. ___325
E que com sua boca ressequida beba tuas lágrimas.
Faze muitos votos, mas todos em voz alta, e todas as vezes
Que for bom para ela, inventa sonhos felizes para contar;
E que venha uma velha e purifique o leito e o quarto,
Trazendo na mão trêmula o enxofre e os ovos: ___330
Assim impressões da tua querida dedicação ficarão, por todas estas coisas;
Este meio forneceu a muitos o caminho aberto para os testamentos.
Entretanto, com teus desvelos, que não seja provocado o desagrado da doente;
Que tenha seu limite o teu zelo carinhoso.
E não lhe proíbas o alimento nem ofereças o copo com remédio amargo; ___335
Que teu rival prepare a beberagem.
Contudo, o vento ao qual tinhas dado as velas ao deixar o porto,
Já não é o mesmo vento em alto mar.
Enquanto o novo amor está incerto, torna-se forte com o hábito;
Se o nutrires bem, com o tempo estará sólido. ___340
O touro que te amedronta, costumavas acariciar quando era um bezerro;
Repousas agora sob uma árvore que já foi um arbusto;
O rio nasce pequeno mais adquire abundância avançando,
E recebe muitas águas por onde passa.
Faze com que ela se acostume a ti; nada melhor que o hábito, ___345
Para criá-lo, que afugentes, então, todos os tédios.
Que ela sempre te veja, que seus ouvidos sempre te ouçam,
Que o dia e a noite mostrem teu rosto.
Quando maior for tua confiança de poder ser lamentado,
Quando tiveres que ir para longe e ela se ressentir com tua ausência, ___350
Dá um descanso; o campo repousado recompensa bem mais na semeadura,
E a terra árida sorve as águas do céu;
Filis amou Demofonte presente mais contida,
E foi mais ardente quando ele abriu as velas;
O sagaz Ulisses, ausente, causava tormento a Penélope; ___355
Teu Protesilau estava ausente, ó Laudamia.
Mas, só é segura a ausência breve; com o tempo as aflições diminuem,
Não só o ausente desvanece, mas também surge um novo amor.
Enquanto Menelau estava ausente, Helena para não ficar só,
Repousou abrigada no peito morno de seu hóspede. ___360
Que estupidez foi esta, Menelau? partias só;
E sob o mesmo teto estavam teu hóspede e tua esposa.
Confias, ó louco, as tímidas pombas ao falcão;
Confias ao lobo da montanha um redil farto.
Em nada pecou Helena; seu amante de modo nenhum errou: ___365
Ele fez o que tu farias, o que qualquer um faria.
Facilitas o adultério ao dar o espaço e a oportunidade.
De que se valeu tua esposa, se não do teu conselho?
Que haveria de fazer? O marido ausente e presente um não rude hóspede,
E ela temia dormir sozinha no leito vazio. ___370
Foi o que se viu, Átrida. Eu absolvo Helena do seu crime;
Ela se aproveitou da boa vontade do marido.
Com efeito, o javali pardo não é tão cruel no meio da ira,
Quando faz rolar com os terríveis dentes os cães raivosos,
Nem a leoa, quando oferece as tetas aos filhotes que ainda mamam, ___375
Nem a pequena víbora ferida por um pé desavisado,
Quanto a mulher ao flagrar uma rival no leito do amante.
Ela sofre e tem no rosto as marcas da sua dor;
Procura o ferro e o fogo deixando de lado o decoro,
Precipita-se como se atingida pelos chifres do deus da Aônia. ___380
Uma esposa bárbara de Phasis vingou nos próprios filhos
O crime de Jason, pela lei conjugal violada.
Outra cruel é a andorinha, que conheces;
Repara: seu peito tem a mancha de sangue.
Assim se acabam os amores duradouros, e os laços mais sólidos; ___385
Estes crimes devem ser evitados pelos homens cautelosos.
Minha censura não vos condena a uma única amante;
Valham-me os deuses! Dificilmente isto pode ocorrer com uma esposa.
Diverte-te, mas tua falta será cometida furtivamente e com medida;
Que nenhuma glória seja esperada para o teu pecado. ___390
Não dês (a uma) um presente que outra possa reconhecer,
E que não existam horários certos para a tua infidelidade;
E, para que tua amante não te apanhe em esconderijos conhecidos,
Não deve toda mulher ser encontrada num único lugar,
E todas as vezes que escreveres, examina primeiro, tu mesmo, ___395
Todas as tabuinhas; muitas lêem mais do que lhes foi escrito.
Vênus, ofendida, toma as justas armas e lança o dardo.
Havendo motivo de queixas, ela faz tu mesmo te lamentares,
Enquanto o Átrida se contentou apenas com uma, ela
Foi casta; por causa da infâmia do marido, tornou-se indigna. ___400
Ouvira que Crisis levando na mão o loureiro e as fitas sagradas
Nada conseguira em favor da filha;
Ouvira, Briseida, tua dor por ter sido raptada,
E que a guerra foi mais longe pela demora vergonhosa.
Ouvira, enfim, estas coisas; a filha de Príamo vira ela mesma ___405
(O vencedor era presa infame de sua presa);
Por isso a filha de Tindareu, recebeu no coração e no leito
O filho de Tiéstis e puniu severamente o marido que a traiu.
Se teus atos, embora escondas bem, forem descobertos por ela,
Ainda que estejam claros, nega-os até o fim. ___410
Não pareças mais carinhoso nem refém do que habitualmente;
Estas coisas contêm indícios de uma consciência muito pesada.
Mas não te esquiva à tua parte; toda paz está num único lugar;
Primeiramente Vênus deve ser negada no leito.
Existem ervas que recomendam tomar, a segurelha, ___415
Que faz mal; a meu ver é um veneno.
Ou misturar pimenta com a semente da cáustica urtiga.
E o piretro amarelo moído misturado ao vinho velho;
Mas a deusa que habita ao pé da umbrosa colina do Erix,
Não admite alcançar assim seus prazeres. ___420
Convém tomar o bulbo branco que é enviado da cidade grega de
Alcatoe e a erva afrodisíaca que vem das hortas,
E os ovos e o mel do Himeto devem ser tomados,
Bem como as nozes que o pinheiro pontudo sustenta sob a folhagem.
Por que, Erato, desviares a sábia arte para as artes mágicas? ___425
Com meu carro devo prosseguir até o objetivo final.
Tu, que pela nossa advertência calavas tua culpa,
Muda o caminho e, ao contrário, revela teus amores ilícitos.
Não é preciso me acusar de leviandade: nem sempre com o mesmo vento
O navio recurvado transporta suas cargas; ___430
Na verdade, quando percorremos o mar da Trácia, ora o Bóreo, ora o Euro,
E às vezes o Zéfiro, às vezes o Noto, inflam nossas velas.
Observa que o condutor em seu carro, ora dá rédea solta
Ora retém, com arte, as rédeas e os cavalos impelidos.
Existem mulheres para as quais a indulgência tímida se mantém sem proveito ___435
E, se nenhuma rival existe, o amor esfria.
Quase sempre os corações são indolentes com as coisas que não oferecem obstáculos.
E não é fácil agüentar o que nunca muda, com o espírito sereno.
Quando o fogo brando com as forças consumadas, pouco a pouco
Se apaga, a cinza por fim embranquece sobre o fogo. ___440
Mas, se aplicamos enxofre, recupera as chamas extintas
E lança a luz que havia antes,
Assim, quando o coração seguro e indulgente se entorpece pela despreocupação,
O amor precisará ser despertado por ásperos grilhões.
Faze que ela tema por ti e reaquece o sentimento morno. ___445
Que ela se inquiete com a suspeita de tua infidelidade.
Ó quatro vezes feliz e quantas vezes
Mais não é aquele cuja amante sofre,
E ao mesmo tempo lhe chega aos ouvidos constrangidos o teu crime;
Desmaia, e fogem a voz e as cores da infeliz! ___450
Que eu seja aquele por quem, furiosa, arranca os cabelos; ___450
Fosse eu aquele por quem suas unhas rasgam as faces macias;
Que ela vê lacrimosa, que ela observa com olhinhos ferozes,
Sem o qual não pode viver, mas queria poder!
Se quiseres o prazo para deixá-la sofrer, que seja curto.
Que a ira não perca as forças com a longa demora; ___455
Logo, logo, rodeia o alvo pescoço com teus braços,
E que chorosa seja acolhida ao teu peito.
Beija suas lágrimas, oferece àquela que chora os prazeres de Vênus;
A paz chegará; este é o único meio de se dissipar sua ira. ___460
Quando bem furiosa, quando ela parecer uma verdadeira inimiga,
Então pede uma aliança de paz no leito; ela se abrandará;
Ali a Concórdia habita com as armas depostas,
E creia-me, nesse lugar nasceu o perdão.
As pombas que antes assim combateram, unem seus bicos ___465
E o arrulho delas tem carícias e palavras carinhosas.
No início a terra foi massa confusa e sem ordem,
E os astros, a terra e o mar era uma única espécie de matéria;
Logo o céu foi posto sobre a terra e o chão foi cercado pelas águas.
E vazio o Caos distribuiu suas partes. ___470
A floresta acolheu as feras, o ar, as aves.
Na água vos escondestes, ó peixes.
Então o gênero humano vagava nos campos solitários,
A força era autêntica e o corpo rude.
A floresta era sua casa, a erva seu alimento, e seu leito, as folhas. ___475
Então um não conhecia o outro, durante muito tempo.
Diz-se que a doce volúpia suavizou as almas ferozes;
O homem e a mulher dividiam o mesmo espaço;
O que fariam, eles mesmos aprenderam, sem mestre;
Vênus realizou sua doce obra sem qualquer manual. ___480
As aves têm a quem amar; o peixe fêmea encontra, no
Meio da água, aquele com quem alcançará seu prazer.
A corça busca seu par; a serpente se enrola à serpente;
O cão fica preso à fêmea após o cruzamento;
A ovelha se entrega contente; a novilha também se regozija com o touro; ___485
A cabra feia recebe o macho fétido;
As éguas em fúria seguem, por lugares distantes,
Os cavalos separados pelo rio.
Vai, então, aplica remédios fortes em tua amante irada.
Só eles tem o repouso para a fera da dor; ___490
Estes remédios superam os sucos de Macáon.
Estes, quando errares, te reabilitarão.
Enquanto eu cantava estas coisas, veio Apolo, de repente,
E dedilhou as cordas da sua lira dourada;
Um loureiro na mão, um loureiro em torno dos sagrados cabelos; ___495
Chegou, e para parecer um profeta me disse:
“Mestre do amor lascivo,
Vai, conduz teus discípulos ao meu templo,
É onde existe uma inscrição que é celebrada pela fama
Em todo o universo, e que manda que cada um se conheça. ___500
Quem conhece a si próprio será o único que amará com sabedoria,
E conduzirá suas forças junto a sua obra.
Aquele a quem a natureza deu beleza, que seja apreciado por ela;
Se tem uma bela cor, que durma sempre com o ombro à mostra;
Quem agrada pela conversa, que evite o taciturno silêncio; ___505
O que canta com arte, cante; o que bebe com arte, beba.
Mas que os oradores não declamem no meio da conversa,
Nem o poeta sensato leia seus escritos.”
Assim recomendou Febo; que obedeças ao que Febo ensinou.
Na boca sagrada deste deus a palavra dada é verdadeira. ___510
Sou chamado para mais perto. Quem quer amar com sabedoria,
Vencerá; seja lá o que esperar da nossa arte, alcançará.
Nem sempre os sulcos restituem com lucro o que se planta,
Nem sempre a brisa ajuda os navios em perigo;
O que ajuda é pouco, o que prejudica os amantes existe em maior número; ___515
Que prepares teu espírito para suportar muitos males.
As lebre no Ato, assim como as abelhas que se nutrem no Hibla,
As azeitonas que a árvore escura de Palas tem,
As conchas que há na praia, como tais são maiores as dores do amor.
Os dardos que nos ferem são banhados em fel. ___520
Dirão que ela saiu quando talvez fosses vir.
Julgas que ela saiu e que teus olhos te enganam.
Se a porta estiver fechada na noite prometida a ti,
Sujeita-te a pousar o corpo no chão imundo.
Talvez uma criada mentirosa com ar insolente te diga: ___525
“Por que este aí atravanca nossa porta?”
Suplicante, adula os portais e a grosseira mulher,
E coloca na porta rosas retiradas da cabeça.
Quando ela quiser acede; quando te evitar, afasta-te;
Não convém a um homem nobre levar incômodo à amante; ___530
“Não há como afugentá-lo!” Por que deve tua amiga dizer?
Os sentimentos não te são contrários o tempo todo.
E não consideres uma injúria suportar os maus tratos de uma mulher.
Nem torpe trazer teus beijos aos seus pés delicados.
Mas por que deter-me em tolices? Meu espírito reclama coisas mais elevadas. ___535
Cantarei as coisas grandiosas; ouvi-me, ó povo, de todo coração!
Trabalhemos arduamente, mas se assim não fosse, não haveria nenhum mérito;
É difícil o trabalho exigido por nossa arte.
Tolera com paciência o rival; a vitória estará contigo;
Serás vencedor na arte do grande Júpiter. ___540
Crê que isto não é um homem que te diz, mas os carvalhos pelasgos.
Minha arte nada tem de mais importante que isto.
Se ela acena, suportes; se escreve: não toques nas tabuinhas;
De onde quer que ela venha, que também vá quando lhe aprazer.
Maridos é que se prestam a isto com a esposa legítima, ___545
Quando tu, doce sono, vem também para cumprir teu papel.
Nesta arte, eu confesso, não sou perfeito.
O que fazer? Sou mais fraco que meus próprios preceitos.
Diante de mim, alguém enviará sinais à minha amante?
E eu suportarei, e a ira não me levará a qualquer excesso? ___550
Seu amante lhe dera um beijo, lembro-me; briguei por causa do beijo;
Em mim o amor é cheio de turbulências.
E não apenas uma vez este ímpeto me fez mal; é mais sensato
Aquele por quem, sendo um homem conciliador, outros são admitidos.
O melhor, contudo, é ignorar; que o crime fique oculto, ___555
Para que a vergonha de ter confessado não escape do seu rosto fingido,
Por quanto mais, ó jovens, evitai surpreender vossas amantes;
Que elas traiam, e quando traírem que pensem ter enganado.
O amor oprimido aumenta; quando o destino é parceiro dos dois,
Ambos persistem na causa do seu ultraje. ___560
Conta-se uma história, conhecidíssima em todo o céu:
Mulcíber apanhou Marte e Vênus em flagrante delito.
O deus Marte cego pelo insano amor a Vênus,
De terrível general tornara-se um apaixonado,
E Vênus (de fato não existe outra deusa mais meiga) ___565
Não foi rude nem difícil ao suplicante gradivo.
Ah! Quantas vezes, dizem, a lasciva tinha rido dos pés do marido
E de suas mãos endurecidas pelo trabalho ou pelo fogo!
Na presença de Marte, igualmente, imitou Vulcano;
Ficava-lhe bem, e com muita beleza se misturava o gracejo. ___570
Mas a princípio, de fato costumavam esconder o romance,
Sua culpa era cheia de pudor e de vergonha;
Por denúncia do Sol (quem pode enganar o Sol?)
Os atos da esposa foram descobertos por Vulcano.
Que mau exemplo dás, Sol! Pede uma recompensa a ela própria; ___575
E para ti, se te calasses, o que poderia dar ela tem.
Vulcano coloca redes secretas em volta do leito e acima dele;
(O trabalho engana os olhos). Ele finge que irá para Lemnos;
Os amantes indignos chegam;
Aprisionados nus, os dois caem na armadilha. ___580
Ele convoca os outros deuses; os cativos oferecem um (belo) espetáculo;
Dizem que Vênus, com muito custo, continha as lágrimas;
Não podiam compor o próprio rosto e nem mesmo
Colocar as mãos sobre as partes pudendas.
Um deles, rindo, disse: “Transfere para mim essas correntes, ___585
Valoroso Marte, se elas te são pesadas.”
À custa de teus pedidos, ó Netuno, ele desatou os corpos acorrentados;
Marte foi para a Trácia e Vênus para Pafos.
Bem feito para ti, Vulcano, o que antes escondiam,
(Agora) fazem livremente, e todo o pudor está ausente; ___590
Muitas vezes, porém, confessas ter sido estúpido e insensato
E dizem que te arrependeste do teu estratagema.
Sede avessos a isto; Dione que foi surpreendida
Proíbe as tais ciladas que ela própria sofreu.
Não prepares redes para o rival nem ___595
Espiones as palavras secretas riscadas à mão.
Que venham a fazê-lo, se julgarem que deve ser feito,
Os homens que o fogo e a água transformaram em maridos legítimos.
Eis, então, declaro mais uma vez que aqui não se brinca senão com o permitido pela lei;
A matrona não toma parte em nossos jogos. ___600
Quem ousa expor aos profanos os ritos de Ceres,
E as grandes cerimônias inventadas em Samos e na Trácia?
Guardar silêncio sobre as coisas é uma pequena virtude;
Mas, ao contrário, é um grande erro contar o que deve ficar oculto;
É merecido que o falador Tântalo além de arrancar inutilmente ___605
Os frutos de uma árvore, morra de sede no meio da água!
Citeréia exige, sobretudo, que se ocultem suas cerimônias;
Advirto para que os indiscretos não se aventurem a elas.
Os mistérios de Vênus não são escondidos em cofres,
Nem o côncavo címbalo ressoa com pancadas furiosas. ___610
Ainda que entre nós, todos sejam iniciados neste culto,
Mesmo assim, cada um quer mantê-lo escondido:
A própria Vênus todas as vezes que depõe as vestes,
Meio curvada para trás protege as virilhas com a mão esquerda.
O gado cruza indistintamente, e no meio de todos; Mesmo tendo ___615
Já visto aquilo muitas vezes, a moça vira o rosto.
Convém-nos a porta do quarto bem fechada
E as partes pudendas estarem escondidas sob um véu lançado sobre nós.
E, se não as trevas, pelo menos procuremos alguma penumbra,
E outra coisa menos patente que a luz do dia. ___620
Também quando os telhados ainda não impediam o sol e a chuva,
Mas o carvalho dava o teto e o alimento, era
Nos bosques e nas grutas, não sob o céu, que a volúpia nos unia,
Tanto cuidado do pudor havia naquele povo rude!
Hoje, porém, expomos o cartaz dos nossos atos noturnos, ___625
E pagamos caro, apenas para poder falar.
Evidentemente, em qualquer lugar descreves todas as mulheres
A quem quer que seja para dizer: ”Esta também foi minha”,
Para que não falte aquela que possas exibir, apontando,
E para que aquela que tiveres tocado tenha uma fama torpe. ___630
E falo pouco. Alguns inventam, o que, sendo verdade, negariam,
E nenhuma existe com quem não tenham se deitado.
Se não podem possuir o corpo, atingem o nome, o que for possível,
E sem ter tocado o corpo, criam uma fama criminosa.
Vai agora, fecha as portas, odioso guardião de mulher, ___635
E põe cem trancas nos sólidos portais.
Como estar seguros, quando aparece um amante de nome,
Que deseja que se creia no que não chegou a ser?
Na verdade, não mencionamos sem reservas os amores verdadeiros.
E nossos casos concretos são encobertos por uma fidelidade mística. ___640
Evita principalmente criticar os defeitos das mulheres.
Foi mais útil a muitos ter dissimulado.
A cor de Andrômeda não foi objetada por aquele
Que tinha uma asa móvel em cada pé.
Para todos Andrômaca era considerada maior que o ideal; ___645
O único que a considerava na medida era Heitor.
Acostuma-te com o mal que levas; suportarás bem muitas coisas.
O tempo atenua os defeitos, mas o amor que começa tudo sente.
Enquanto o ramo novo brota no córtice verde,
Se qualquer brisa o abala ainda tenro, ele cai; ___650
Em breve a árvore, já fortalecida pelo tempo, resiste
E robusta terá frutos adotivos.
O próprio dia com a continuação suprime os defeitos do corpo.
E o que era uma imperfeição deixa de ser:
As narinas desacostumadas recusam-se a suportar o couro dos bois; ___655
Sendo assiduamente domadas, com o tempo, o odor será ignorado.
Convém suavizar os defeitos com (outros) nomes. Será chamada de morena,
A mais negra, cujo sangue for como a pez da Ilíria;
Se é vesga, é como Vênus, se rouca, como Minerva;
Seja esguia aquela que mal está viva pela magreza; ___660
Diga que é jeitosa qualquer uma que seja pequena, e que é forte a gorda,
E esconde o defeito com a proximidade de algo bom.
Não pergunta sua idade, nem sob que cônsul nasceu,
É o rígido censor quem tem estes ofícios.
Principalmente se já falta o viço e é terminado o melhor tempo, ___665
E se ela já esconde os cabelos brancos.
É vantajoso, ó jovens, esta ou uma idade mais avançada:
Este campo produzirá cearas, este deve ser semeado.
Enquanto os anos não estorvam as forças, enfrentai o cansaço;
Logo, a velhice recurvada chegará, com seu passo silencioso. ___670
Cortai o mar com os remos ou as lavouras com o arado,
Ou vai carregar armas com as mãos belicosas,
Senão levai às mulheres vossos esforços, vosso vigor e vossas forças.
Isto é também um serviço militar, com isto também se alcança a riqueza.
Soma (a isto) que nestas é maior a sabedoria, ___675
E está presente a experiência única do trabalho que faz o artífice.
Elas compensam os danos da idade com adornos
E têm o cuidado de não parecerem velhas,
São como quiseres, prendem Vênus por mil formas;
Nenhum quadro desvendou tantas maneiras; ___680
Nelas a volúpia é sentida sem ser provocada;
É agradável que o homem e a mulher consigam igualmente.
Odeio as relações que não divertem a um e a outro.
(É por isto que me impressiono menos com o amor de rapazinho);
Odeio a que oferece por que seja forçoso oferecer; ___685
E que vazia pensa em sua própria lã;
Que nenhuma mulher se torne minha por obrigação.
O prazer que é dado como ofício não me agrada.
Gosto de ouvir palavras que demonstrem seu prazer;
E que me peça que me demore e que espere. ___690
(Gosto de poder) ver os olhinhos exauridos da mulher desvairada;
Que esteja lânguida e se recuse a ser tocada durante muito tempo.
A natureza não atribui estes bens às da primeira juventude,
Que costumam vir de preferência após sete lustros.
Que os que se apressam bebam o vinho novo; para mim, que um vinho antigo ___695
Seja derramado por uma ânfora guardada desde os antigos cônsules.
O plátano não pode resistir a Febo senão mais tarde,
E os prados recém-plantados ferem os pés nus.
Com efeito, poderias preferir Hermíona a Helena.
E Gorge era melhor que sua mãe? ___700
Mas, sejas quem for, se queres alcançar Vênus madura,
Se insistires nisto, obterás um prêmio digno.
Eis que um leito cúmplice recebeu dois amantes.
Detém-te, ó Musa, diante da porta fechada do quarto.
Pela própria vontade, sem ti, dirão as palavras consagradas, ___705
E a mão esquerda não ficará inerte no leito;
Os dedos encontrarão o que fazer naquelas partes
Nas quais o amor secretamente crava seus dardos.
O fortíssimo Heitor fez isto antes com Andrômaca,
E ele não foi valoroso somente nas guerras; ___710
Também fez o grande Aquiles com a cativa Briseida,
Quando esgotado pelo inimigo se deitava no leito macio.
Permitias, Briseida, ser tocada por aquelas mãos
Que sempre estavam impregnadas pela morte dos frígios.
Acaso o que te agradava, lasciva, não seria exatamente isto, ___715
Chegarem a teus membros aquelas mãos vitoriosas?
Creia-me, o prazer de Vênus não deve ser apressado,
Mas ser sentido apenas tardiamente e ser induzido com lentidão.
Quando descobrires os lugares que a mulher aprecia que sejam tocados,
Que o mínimo pudor não te impeça de tocá-la ali; ___720
Verás os olhos brilhantes por um trêmulo fulgor,
Como quando todas as vezes que o sol refulge na límpida água;
Virão gemidos, virão amáveis murmúrios, e doces suspiros;
e palavras próprias ao momento. Mas que não abandones a parceira
Durante o ato com maior força nas velas, ___725
E que ela não se antecipe à tua marcha;
Correi juntos para a meta. Então o prazer será pleno
Quando o homem e a mulher jazem vencidos ao mesmo tempo.
Este é o movimento que deve ser seguido, quando a liberdade
Permite o ócio e o temor culposo não apressa o trabalho. ___730
Quando a demora não é segura, é conveniente lançar-se com todos os remos,
E aplicar as esporas no cavalo em disparada.
O fim chegou para minha obra. Dai a palma, grata juventude,
E trazei para meus cabelos perfumados a coroa de murta.
Tal como foram Podalino entre os gregos pela arte de curar, ___735
O filho de Peleu pelo braço de guerreiro, Nestor pela inteligência,
Tal como foram Calchas pelas profecias, Telamon com as armas,
Automedonte com o carro, assim sou eu um amoroso.
Reconhecei-me como vosso poeta, homens, rendei-me louvores;
Que meu nome seja cantado no mundo inteiro. ___740
Dei-vos as armas; Vulcano as dera a Aquiles;
Vencei com meus dons, como ele venceu com seus presentes.
Mas todo aquele que, com meu dardo, saiu-se vencedor
Inscreva sobre meus despojos: “Nasão foi meu mestre”.
Eis que as ternas jovens me pedem que lhes dê conselhos. __745
Sereis vós o próximo objeto do meu livro.
LIVRO III
Dei armas aos gregos contra as Amazonas; restam armas
Que darei a ti e ao teu esquadrão, ó Pentesiléia.
Segue para a guerra em paridade; que vençam aquelas a quem
A benéfica Dione favorece, bem como o menino que voa por todo o orbe,
Não era justo que enfrentásseis, desprotegidas, desafiantes armados; ___05
Assim como para vós, homens, vencer covardemente.
Algum entre muitos me diria: “por que aumentas o veneno das serpentes
E entregas o redil à loba raivosa?”
Evitai alegar contra todas o crime de algumas;
Que cada uma seja observada segundo seus méritos. ___10
Se o mais jovem dos átridas, assim como o mais velho
Condenará Helena e a irmã de Helena,
Se pelo crime de Erifila, filha de Talão, o filho de Eclida
Caiu vivo no Estige e com cavalos vivos,
Penélope foi fiel ao marido que viajou, por dois lustros, ___15
E outros tantos em que comandou na guerra.
Relembra Protesilau e aquela companheira que se foi com o marido,
Como dizem, e morreu antes do seu tempo;
A esposa tessália resgatou a vida do marido Admeto,
E, em lugar do marido, a esposa foi levada à pira funerária. ___20
“Acolhe-me, Capaneu, nossas cinzas serão misturadas” – disse
A filha de Ífis e lançou-se no meio da fogueira.
Também, a própria Virtude é mulher, pelo nome e pela aparência.
Não é de admirar que ela agrade à sua raça.
Todavia estes espíritos não são atraídos pela nossa arte; ___25
Menores são as velas que convêm à minha barca.
Por meu intermédio aprendem-se apenas os amores divertidos:
Ensinarei de que modo a mulher pode ser amada.
A mulher não afasta as chamas nem as setas cruéis;
Vejo que estas armas abatem menos aos homens. ___30
Os homens sempre enganam, as doces criaturas nem sempre,
E poucas vezes, se observares, cometem o crime da traição.
O pérfido Jasão abandonou Medeia já mãe;
Outra noiva veio para os braços do filho de Esão.
No que te diz respeito, Teseu, Ariadne foi aterrorizada pelas aves marinhas ___35
Quando foi deixada sozinha num lugar desconhecido.
Pergunta por que se chamam nove estradas a apenas uma e ouve
Que as florestas tinham chorado por Fílide com os cabelos esparramados no chão.
Mas teu hóspede, Elisa, tem a fama da piedade, entretanto
Forneceu a espada e a causa da tua morte. ___40
Direi o que vos perdeu: não sabíeis amar;
A vós faltava a arte: a arte prolonga o amor.
Agora também não saberíeis. Mas Citeréia me mandou ensinar-vos
E apareceu ela própria diante dos meus olhos e disse então:
“Que fizeram afinal as pobres mulheres? ___45
Gente inerme entregue a homens armados.
Teus dois livrinhos fizeram deles artífices;
Também a outra parte deve ser instruída em tuas lições.
Aquele que antes dissera injúrias diante da esposa tarentina
Algum tempo depois cantou-lhe louvores com uma lira benevolente; ___50
Se te conheço bem, não insultarás as mulheres honradas.
Enquanto viveres, deverás reclamar esta recompensa.”
Disse, e da murta (da murta presa aos seus cabelos quando
apareceu) deu-me uma folha e alguns grãos;
Ao receber, senti ainda o seu nume; o ar mais puro ___55
Refulgiu e todo o cansaço desapareceu do meu espírito,
Enquanto ela me dava inspiração. Pedi agora vossas lições, ó jovens!
Aquelas que o pudor, o direito e as leis permitem.
Estejais lembradas já agora da velhice que virá;
Assim o tempo não passará em vão para vós. ___60
Vivei enquanto é possível, pois já consumistes até agora a primavera da vida;
Os anos se vão com a rapidez da água que corre;
A onda que passou não retrocede uma outra vez.
Nem a hora que passou pode voltar.
A juventude escapa com pé veloz e deve ser aproveitada. ___65
E a idade que segue não é tão boa quanto foi a que veio antes.
O lugar em que branqueja este matagal, eu vi plantado de violetas,
Daquele espinheiro já me foi dada uma bela coroa.
Dia virá em que tu que agora dispensas amantes,
Já velha, ficarás abandonada na noite fria, ___70
E tua porta já não será quebrada numa briga noturna,
Nem encontrará, de manhã, a soleira atapetada de rosas.
Ah, pobre de ti! Muito depressa o corpo é sulcado pelas rugas,
E desaparece toda a cor que havia no rosto resplandecente;
Os cabelos brancos que juras que já tinhas desde ainda virgem, ___75
De repente embranquecerão toda a tua cabeça.
A velhice é expelida pelas serpentes com a casca,
E os chifres que caem não tornam velhos os cervos;
Nossos bons momentos fogem sem consolo; colhei a flor,
Que se não for colhida, ela própria cairá disforme. ___80
Junta que os partos e o tempo fazem da jovem uma velha;
O campo envelhece com a colheita constante.
Endimião não te fez enrubescer no Latna, ó Lua,
Nem foi Céfalo uma presa indigna da deusa rosada;
Que Adônis seja devolvido a Vênus que ainda chora, ___85
Donde tem seus filhos Enéias e Harmonia?
Segui, ó raça mortal, o exemplo da deusa,
E não negueis vosso prazer ao amante desejoso.
Supondo que eles vos enganem, que perdeis? Tudo permanece;
Ainda que mil te desfrutem, nem por isso algo se perde; ___90
O ferro se consome com o uso e a pedra se desgasta:
Aquela parte é capaz de resistir e não há porque temer algum dano.
Quem há que impeça que se receba a luz do dia,
Ou que vigie as vastas águas do mar profundo?
E no entanto uma mulher diz ao homem: ”não convém?” ___95
Por que, dizei-me, se perdes apenas a água que gastas?
Não aconselho que te prostituas, mas evita temer o
Dano irreal; vossas dádivas são isentas de riscos.
Mas hei de prosseguir com o sopro de um vento mais forte,
Enquanto estamos no porto, que nos leve uma doce brisa! ___100
Começo pelo capricho. O vinho farto vem das vinhas bem cuidadas
E é no solo fértil que se ergue a alta seara.
A beleza é uma dádiva de deus; quantas e qual não se orgulha de sua beleza?
Grande parte de vós careceis de tal dom.
Cuida da pele; a pele descuidada arruína-se, ___105
Ainda que seja semelhante à da deusa Idália.
Se as mulheres antigas não cultivavam assim os corpos,
É porque os homens antigos não tinham os mesmos cuidados;
Por que se admirar de que Andrômaca vestisse túnicas grosseiras?
Ela era esposa de um rude soldado. ___110
Agüentaríeis naturalmente, toda enfeitada a esposa de Ájax,
Cujo escudo era feito com sete couros de boi?
Existia antes uma simplicidade rude; agora Roma está coberta de ouro
E possui grandes riquezas do mundo conquistado.
Observa o que o Capitólio é hoje e o que ele já foi; ___115
Dirias que ele era de outro Júpiter.
Agora a Cúria é mais digna de uma eminente assembléia.
Era de colmo quando Tácio tinha o poder.
O que era senão uma pastagem para os bois de arado
Este Palatino que agora brilha sob Febo e nossos comandantes? ___120
As coisas antigas agradam a outros; eu sou grato, enfim,
Por ter nascido agora; esta época é propícia aos meus gostos;
Não porque atualmente se tire da terra o ouro maleável,
Venham pérolas recolhidas em diversas praias,
Ou porque os montes diminuem com a extração do mármore, ___125
E as águas azuladas se afastem com os diques,
Mas sim porque está presente a elegância e não persistiu em nosso tempo
Aquela rusticidade que sobrevive em nossos veneráveis avós.
Vós, contudo, não carregueis as orelhas com excessos de pedras,
Que um negro indiano recolheu na verde água, ___130
E nem vos apresenteis pesadas de roupas bordadas de ouro.
Por estas riquezas nos seduzis, e muitas vezes nos afugentais.
Somos cativados pelo zelo. Que os cabelos não estejam em desalinho;
As mãos aplicadas aumentam ou escondem a beleza.
Não há uma única espécie de penteado; que cada uma escolha ___135
O que lhe cai bem e antes consulte seu espelho.
Um rosto longo combina com cabelos repartidos e sem adornos;
Assim Laodâmia arrumava os cabelos.
Os rostos redondos pedem um pequeno coque erguido
Sobre a fronte, e que mostrem as orelhas. ___140
Os cabelos de umas devem cair sobre os dois ombros;
Tal como és, harmonioso Febo, quando empunhas a lira.
Em outra deve ser preso à maneira da ágil Diana,
Quando persegue as feras assustada.
A esta convém que os cabelos volumosos caiam soltos; ___145
Aquela deve ser cingida por cabelos presos;
Nesta fica bem cabelos ornados com travessas de tartaruga de Cilene;
Outra apresenta ondulações semelhantes às ondas do mar.
Mas não se contarão as bolotas nas inúmeras armadilhas,
Nem as abelhas do Hibla e as feras dos Alpes, ___150
Como não me foi possível apresentar tantos em número;
Surge sempre um penteado a cada novo dia.
Uma cabeleira descuidada cai bem para muitas, e crês muitas vezes
Que se penteou de véspera e foi assim penteada de novo.
A arte é semelhante ao acaso. Assim como, na cidade capturada, ___155
Alcides viu Iole e disse: “É esta que eu amo!”;
Assim tu, Ariadne, abandonada, Baco levou em seu carro,
Enquanto os sátiros clamavam: “Evoé!”.
Oh, quanto a natureza é indulgente com vossos encantos!
Os vossos defeitos, de muitos modos, podem ser reparados. ___160
Nós, infelizmente, nos descobrimos, e os cabelos arrancados pela idade
Caem como as folhagens que o Boreas sacode.
A mulher tinge os cabelos brancos com ervas da Germânia,
E procura, com habilidade, uma cor melhor que a verdadeira.
Um grande número de mulheres, passeia com uma cabeleira comprada, ___165
E ao preço do bronze mostra outros cabelos como se fossem seus.
E não se envergonham de mostrá-los em público: vemos virem
Diante dos olhos de Hércules e do carro das virgens.
O que direi das roupas? Não pergunto agora sobre os bordados,
Nem sobre ti, ó lã, que és avermelhada pela púrpura de Tiro, ___170
Quando tantas cores se mostram por baixo preço.
Quem é louco de levar seus bens no corpo?
Eis a cor do céu, quando então o céu está sem nuvens.
O tépido Austro não impele as águas da chuva.
Eis uma semelhante a ti que – outrora disseram – ___175
Tinha libertado Frixon e Helen dos ardis de Ino.
Esta imita as águas do mar e também tira seu nome das ondas;
Aquela imita o açafrão (a deusa do orvalho
Cobre-se com um manto de açafrão
Quando atrela seus cavalos luminosos); ___180
Esta, a murta de Pafos, aquela outra as ametistas cor de púrpura,
As alvas rosas ou o grou da Trácia.
Não faltam tuas castanhas, Amarílis, nem as amêndoas,
E a cera que deu seu nome a tecidos.
Quantas flores a terra nova já gerou, quando com a primavera morna ___185
A vinha produz seus frutos e o estéril inverno foge,
E que a variedade das cores embebe a lã; escolhe as certas;
Nem todas serão convenientes para todas.
O negro convém às claras: em Briseida ficava bem o negro;
Quando foi raptada usava, então, igualmente o preto. ___190
O branco cai bem para as morenas; O branco te assentava, Andrômeda;
Assim estavas vestida ao chegar a Serifo.
Estou quase a advertir que o terrível mau cheiro não ande em vossas axilas
Nem as pernas arranhem ásperas pelos duros pêlos.
Mas não são as mulheres do Monte Cáucaso ___195
Ou aquelas que bebem tuas águas, Caico de Mísia que eu oriento.
Que achareis se eu recomendar que a preguiça não vos escureça os dentes,
Ou que vosso rosto seja lavado de manhã na água especialmente reservada?
Sabeis alcançar a formosura aplicando um toucado;
Aquela que não tem um rosado natural, pinta-se com arte. ___200
Com arte engrossais a sobrancelha rala;
E uma fina película recobre as faces limpas;
Não há vergonha em riscar a área dos olhos com uma cinza fina.
Ou com o açafrão nascido próximo a ti, claro Cidno.
Um pequeno livrinho, mas escrito com grande cuidado, ___205
É a minha obra em que falei em favor da vossa beleza;
Buscai, nele também, os recursos contra a aparência lesada.
Minha arte não é indiferente a todas as coisas em vosso proveito.
Contudo, que teu apaixonado não surpreenda as caixinhas abertas
Sobre a mesa; a arte deve, escondida, ajudar a beleza. ___210
Quem não se desgostaria ao ver o borrão aparecendo em todo o teu rosto,
Quando caído com o peso, escorrer para teu colo tépido?
A lã engordurada que tem certo odor, ainda que seja mandada de Atenas
É uma substância tirada do impuro tosão de ovelha?
Não aprovarei que uses em sua presença a mistura de tutano de veado ___215
Nem que em sua presença escoves os dentes.
Estas coisas te darão beleza, mas serão feias quando vistas.
Muitas coisas agradam depois de feitas, antes se tornam torpes.
As estátuas que hoje têm o nome do laborioso Miron,
Foram fardo inerte um dia e massa bruta; ___220
Para que se faça um anel, primeiramente se bate o ouro;
Foi lã grosseira o que levais como vestes;
Enquanto era feita era pedra rude; agora uma nobre estátua,
Vênus nua espreme a água dos cabelos molhados.
Também, tu, enquanto te arrumas, julgamos que dormes; ___225
Parecerás melhor depois do retoque final.
Por que devo conhecer a causa da brancura do teu rosto?
Fecha a porta do quarto; porque mostrar a obra inacabada?
Muitas coisas, convém que os homens ignorem; a maior parte
Destas coisas desagradaria se não escondesses o que há por dentro. ___230
As figuras de ouro que aparecem no teatro decorado,
Observa que tênue folha de metal cobre a madeira!
Mas não é lícito ao povo vir a ele senão depois de pronto,
Nem a beleza expor-se aos homens senão depois de preparada.
Mas não me oponho a que os cabelos sejam penteados em público, ___235
Para que caiam e sejam vistos espalhados pelas tuas costas.
Cuida principalmente que não estejais mal-humoradas neste momento
E não desmancheis muitas vezes o penteado mal feito.
Que a cabeleireira esteja tranqüila; detesto aquelas que lhe ferem o rosto
Com as unhas, ou apressadas lhe espetam os braços com uma agulha; ___240
Ela amaldiçoa a cabeça da ama (que toca!) e, ao mesmo tempo,
Chora coberta de sangue sobre a cabeleira odiosa.
Aquela que mal tem cabelos, que ponha um guardião à sua porta,
Ou seja penteada sempre no templo da Boa Deusa.
Foi anunciado, de súbito, a certa mulher que eu viria. ___245
Confusa ela enfiou a cabeleira ao contrário.
Que aos inimigos aconteça tão horrível motivo de vergonha,
E que esta desonra caia sobre as mulheres dos Partas.
É torpe um rebanho sem chifres; é torpe um campo sem relva,
Um arbusto sem ramos. E uma cabeça sem cabelos. ___250
Não viestes a mim, Sêmele ou Leda para serdes ensinadas,
Nem tu, Europa, transportada pelo mar por um falso touro,
Ou Helena, que não tolamente, Menelau, tu reclamas,
E também tu, raptor troiano, que não sem razão, possuis.
Na multidão que vem para ser ensinada, há mulheres belas e feias, ___255
As piores em beleza estão sempre em maior número,
As belas não procuram os preceitos e o auxílio da minha arte;
Nelas está seu dote, a beleza poderosa, sem artifícios.
Quando o mar está sereno, o navegador seguro descansa;
Quando ameaça, ele se mantém junto dos seus instrumentos. ___260
É raro, contudo, um rosto que não tenha defeitos; o quanto puderes,
Oculta as imperfeições, guarda secretamente as falhas do teu corpo.
Se és baixa, fica sentada, para que de pé não pareças sentada;
Que estendas em teu leito o corpo tão pequeno.
Ali, também, para que deitada não se possa avaliar teu tamanho, ___265
Faze que teus pés sejam ocultados com um manto.
A que é magra em excesso, que escolha roupas de tecido espesso,
E que caia dos teus ombros um manto amplo;
A pálida, que leve em seu corpo tiras purpúreas,
A mais escura recorre ao artifício das roupas de Fáris. ___270
Pés mal-feitos, sempre escondidos em calçado branco;
A perna é mirrada? Não dispensa, nem desamarra as tiras cruzadas.
Convêm às espáduas profundas, pequenas almofadas;
Que uma faixa circunde o peito estreito.
Aquela cujos dedos forem gordos e as unhas sujas, ___275
O que quer que diga, assinale com poucos gestos.
As que tiverem mau-hálito, nunca fale em jejum
E sempre mantenha distância do rosto do homem.
Se os dentes são escuros, irregulares, ou muito grandes,
Rindo causarás grande dano a ti mesma. ___280
Quem acreditaria? As mulheres aprendem até a rir,
E em parte é também destas coisas que vem o encanto delas.
Seja o riso moderado, e pequena a abertura dos cantos da boca;
Que os lábios baixados escondam o alto dos dentes.
Que teu ventre não se distenda com um riso interminável; ___285
Mas que soe leve e discreto, e feminino!
Existem aquelas que distorcem a boca com uma gargalhada descontrolada;
E outra que julgas pelo riso que derrama lágrimas.
Nesta soa rouco e uma outra ri desagradável como
O zurro escabroso de uma torpe burrinha de moinho. ___290
Onde não penetra a arte? Aprendem a chorar convenientemente,
E também quando querem choram em qualquer lugar e hora.
E que dizer das que modificam o legítimo som numa letra
E tornam a fala gaga e abafada, com um som forçado?
Existe certa graça na falha de algumas que pronunciam mal as palavras. ___295
Aprendem a poder falar menos do que poderiam.
Que estejais atentas a todas estas coisas, pois são proveitosas.
Educa o corpo para ter um andar feminino;
Está no andar parte não desprezível do vosso encanto;
Ele atrai ou afugenta os homens desconhecidos. ___300
Esta move as ancas com arte e acolhe o vento na túnica flutuante;
E conduz, soberba, os passos compridos;
Aquela, assim como a rubicunda esposa de marido úmbrio,
Caminha com as pernas abertas e tem passadas enormes.
Mas nisso como em muitas coisas há também uma medida; ___305
Uma terá modos rústicos, a outra, mais sensual que o permitido.
Mas deixa nua a parte baixa do ombro, a parte superior do braço,
Do lado da mão esquerda, e digna de ser vista:
Isto convém especialmente a vós que sois níveas; quando isto é visto,
Dá vontade de cobrir de beijos, incessantemente, o ombro que se mostra. ___310
As sereias eram monstros marinhos que com voz melodiosa
Detinham os navios por mais que rápidos fossem;
O filho de Sísifo, ouvindo-as, quase desprende o corpo;
E em seus companheiros fora aplicada a cera nos ouvidos.
A melodia é acariciante; que aprendam a cantar todas as mulheres ___315
(a voz foi para muitas a sua parte sedutora),
e que repitam ora os cantos ouvidos nos marmóreos teatros
ora os cantos compostos com o ritmo do Nilo.
A mulher que for conduzida pelo meu arbítrio não desconhecerá
Que o plectro é manejado com a direita e a cítara com a mão esquerda. ___320
Orfeu de Ródope comoveu os rochedos e as feras com sua lira
E os lagos do Tártaro e o cão de três cabeças;
Com teu canto, justíssimo vingador de tua mãe,
As rochas propícias formaram novas muralhas;
Posto que mudo fosses, um peixe tinha-se interessado pela voz da tua lira, ___325
Como é contado pela lenda de Arion.
Aprende igualmente a arranhar com as duas mãos
As divertidas harpas; elas convêm aos doces jogos.
Procura conhecer, não só Calímaco, mas também os escritos dos poeta de Cós,
Bem como a Musa de Teos, do velho ébrio Anacreonte; ___330
E os poemas de Safo (o que é mais lascivo que ela?)
E aquele cujo pai foi enganado pelos artifícios do matreiro Geta.
E pode ler também os versos do terno Propércio,
Ou alguns de Galo, ou os teus, Tibulo;
E o famoso poema de Varrão sobre o velocino de ouro, tosão ___335
Que deveria ser lamentado por tua irmã;
E a fuga de Enéas, sobre os primórdios da soberba Roma;
Nenhuma obra existe mais famosa no Lácio que esta.
Talvez meu nome seja misturado aos deles.
E minhas obras não sejam dadas às águas do Letes, ___340
E alguém dirá: “Tu que és culta lê os poemas do nosso mestre
Que instruem as duas partes, ou lê sobre os três livros
Que ele assinala com o título de Amores; escolhe aquele
Que lerás suavemente e com voz doce,
Ou que uma Epístola seja declamada com voz calma; ___345
Esta obra desconhecida, entre outras, que ele inovou.”
Vai, ó Febo, se queres, vai até vós divindades sagradas dos poetas,
E Baco, poderoso deus com chifres e vós, nove Musas.
Quem duvida de que eu queira que a mulher saiba dançar,
Para que mova os braços com graça quando for convidada para um festim? ___350
Nos espetáculos do teatro, os artífices da dança são amados,
Tanta graça têm seus movimentos.
Envergonha ensinar coisas pequenas.
Deves conhecer jogo dos dados e dizer seus valores quando lançados,
E como lançar três números, como escolher a oportunidade, ___355
Quando parar e quando pedir;
Com cautela e não estupidamente jogarás o combate dos ladrões;
Um peão, somente com dois inimigos, cai.
E o rei cercado combate sem a companheira,
E enciumado, é obrigado muitas vezes a refazer o caminho. ___360
[As bolas ligeiras são lançadas na redinha descoberta
e nenhuma bola deve ser movida a não ser aquela que levantas]
Existe um tipo de jogo, com um pequeno número de regras, reduzido
A pequenos traços, precisamente tantos, quantos são os meses do ano que foge;
A tabuinha recebe três pedras de cada lado, ___365
Em que vencer, é ter conservado as suas pedras.
Pratica mil jogos; é feio uma mulher não saber
Jogar; muitas vezes jogando surge o amor.
Mas, no mínimo, o importante é fazer uso dos dados sabiamente;
E mais importante: que o bom senso regule sua conduta. ___370
Tornamo-nos descuidados e então somos revelados pelo próprio gosto,
E o jogo expõe nosso peito nu.
Vem a ira, a má conduta, pelo desejo do ganho,
As querelas e rixas, e o vivo ressentimento;
Ofensas são proferidas, o ar ressoa com os gritos; ___375
E cada um invoca os deuses irados a seu favor.
Não há confiança nos tabuleiros. O que não se pedem com promessas!
Muitas vezes vi molharem as faces com lágrimas.
Que Júpiter nos afaste de crime tão torpe,
Em que há interesse em agradar algum homem. ___380
Tais são os jogos que atribui às mulheres a fraca natureza;
Os homens jogam em terreno mais fecundo.
Para eles são as bolas velozes e o dardo, os giros
E as armas; e vão em evoluções os cavalos impelidos;
O Campo de Marte não vos tem, nem a frigidíssima Virgem, ___385
Nem o plácido rio Toscano as transporta na água corrente.
Todavia é lícito e útil passear pelas sombras do átrio de Pompeu,
Quando arde a cabeça dos cavalos celestes da Virgem.
Visitai, no Palatino, o templo consagrado ao lourígero Febo
(Ele mergulhou no alto mar os navios de Paraetônio), ___390
Ou os monumentos que ergueram à irmã e à esposa do Imperador,
E o genro com a cabeça cingida pela coroa da vitória naval;
Visitai os altares incensados para a vaca de Mênfis,
Visitais os três teatros, nos lugares notáveis.
Que sejam contempladas as areias manchadas de sangue morno. ___395
E a meta, campo percorrido pelas rodas velozes,
O que se esconde é desconhecido; ninguém deseja o que não conhece.
Não existe proveito quando uma bela face carece de testemunha.
Ainda que tu atravesses Tamira e Amebéia, com o canto,
Não terá grande fama com a lira escondida; ___400
Se Apeles, de Cós, nunca tivesse mostrado sua Vênus,
Ela quedaria imersa sob as águas daquele mar.
Que procuram os divinos poetas senão muita fama?
Este desejo é a maior razão do nosso trabalho.
Outrora os poetas eram queridos de deus e dos reis, ___405
E os antigos artistas recebiam grandes prêmios,
E uma sagrada majestade, o nome dos poetas era digno de respeito;
Freqüentemente lhes eram dadas riquezas abundantes.
Ênio, nascido nos montes da Calábria mereceu
Ser colocado junto de ti, grande Cipião; ___410
Hoje a coroa de hera permanece sem honrarias, e do vigilante cuidado
Consagrado às doutas Musas já não existe o nome.
Mas agrada velar pela fama. Quem teria conhecido Homero,
Se a Ilíada, sua obra eterna, estivesse escondida?
Quem conheceria Danae se sempre tivesse ficado encerrada ___415
Em sua torre e lá tivesse permanecido até a velhice?
A multidão é importante para vós, mulheres formosas;
Conduzi sempre vossos passos ociosos para além da soleira.
A loba se lança a muitas ovelhas para apanhar uma única.
Também a ave de Júpiter mergulha contra muitas aves. ___420
Que também a bela mulher se permita ser vista em público;
Entre muitos haverá ao menos um que talvez atraia.
Em todos os lugares ela deve permanecer interessada em agradar.
E que esteja toda concentrada nos cuidados do seu encanto.
O acaso funciona em qualquer lugar; lança sempre o teu anzol; ___425
No lago em que menos acreditas, haverá peixes;
Muitas vezes os cães vagam nos montes cobertos de bosques,
E o cervo cai na rede, em um lugar inesperado.
O que menos iria esperar Andrômeda acorrentada que
Suas lágrimas pudessem seduzir alguém? ___430
Inúmeras vezes, no enterro de um homem, outro homem é encontrado;
Vai de cabelos soltos e não te preocupa em conter o pranto.
Evitai, porém, os homens empenhados no cultivo da própria beleza,
E os que mantêm em grande ordem os cabelos;
O que vos dizem, disseram a mil mulheres; ___435
O amor vaga e não fixa morada em parte alguma.
O que a mulher fará quando um homem for mais leviano que ela própria,
Que talvez possa ter muitos homens?
Acreditai em mim, embora não seja fácil. Tróia teria permanecido
Se tivesse feito uso dos conselhos de Príamo, seu rei. ___440
Existem aqueles mentirosos que se insinuam com aparências de amor
E assim buscam a aproximação para vantagens vergonhosas.
Que eles não vos enganem com a cabeleira brilhantíssima de nardo,
Nem com a estreita presilha de couro em suas vestes,
Ou se iluda com a toga de tecido finíssimo, e nem ___445
Se ele tiver anéis em todos os dedos.
Talvez entre aqueles, o mais elegante seja um ladrão,
E esteja inflamado de amor por tuas roupas.
“Devolve o que é meu!”, clamam muitas vezes as mulheres espoliadas.
“Devolve o que é meu!”, com a voz ecoando em todo o fórum; ___450
Ó Vênus, do teu templo resplandecente de ouro, vês estes litígios.
Impassível tu e também tuas Ápias.
Há também umas certas mulheres que, enganadas por muitos amantes
Tomam, sem dúvida, a má fama e o mau nome deles.
Aprendei com a infelicidade das outras a temer pela vossa; ___455
Que vossa porta não seja aberta para um amante fingido.
Evitai, filhos de Cécrops, acreditar nos juramentos de Teseu;
Ele fez perante os deuses que a tudo assistiram e fará de novo;
E a ti, Demofonte, herdeiro do crime de Teseu,
Nenhuma fé depois que Fílide enganada, foi abandonada. ___460
Se prometem muito, fazei outras tantas promessas,
Se vos derem, dai as alegrias pactuadas.
A mulher pode extinguir as chamas eternas de Vesta
E não só furtar objetos sagrados dos teus templos, ó filha de Inaco;
Como dar ao marido o acônito misturado com cicuta triturada, ___465
Se aquele que aceitou o presente nega o amor.
O espírito me leva a chegar mais longe. Aperta as rédeas,
Ó Musa, para que elas não se afastem do caminho permitido!
Palavras escritas nas tabuinhas de abeto tentarão sondar o terreno;
Que uma serva dedicada receba as cartas enviadas. ___470
Observai com atenção o que lês e, pelas próprias palavras, deduzi
Se ele mente ou se, aflito, pede de coração; e responde
Depois de uma breve demora. A demora sempre incita
Os amantes, desde que dure pouco tempo.
Mas não te mostra muito fácil para o jovem suplicante, ___475
Nem contudo nega, com rigor, o que ele pede. Faze que ele tema
E tenha esperança ao mesmo tempo, e de cada vez que escreveres,
Que venha mais esperança e naturalmente menos receio.
Escrevei, mulheres, mas com palavras corretas e de uso costumeiro;
O que agrada nos discursos é a forma mais simples: ___480
Quantas vezes um apaixonado indeciso se inflamou,
Mas a linguagem estranha prejudicou a bela forma!
Desde que, porém, careceis das honras das ínfulas,
Mas pretendeis, ainda assim enganar vossos homens,
Que a mão segura de uma escrava ou de um garoto leve as tabuinhas, ___485
E não confieis vossos misteres a um escravo novo.
É, sem dúvida pérfido aquele que se aproveita de tais confidências,
Mas tem, contudo, um valor equivalente aos raios do Etna.
Já vi mulheres que empalideciam de terror por isto
E, infelizes, suportarem o escravo para sempre. ___490
A fraude, a meu ver, é possível repelir com a fraude,
E tomar as armas contra os armados, as leis permitem.
Que a mesma mão se acostume a escrever de muitas formas.
(Ah, que morram aqueles que me induzem a isto),
E não é seguro reescrever, senão depois de apagada a cera, ___495
Para que nenhuma tabuinha guarde as duas escritas;
Dirigi-vos a uma mulher sempre que escreverdes ao amado;
Que ela seja em vossas cartas o que ele for.
Se é certo levar o espírito das maiores para as menores coisas,
E desfraldar velas plenas no mar borrascoso, ___500
Convém para a face controlar as paixões violentas;
A cândida paz convém aos homens, a ira feroz às feras.
Na ira o rosto entumesce, as veias escurecem com o sangue,
Os olhos cintilam mais cruéis que o fogo das Górgonas.
“Vai para longe daqui, flauta, não és tanto para mim!”, ___505
Disse Palas quando viu seu rosto no rio.
Também vós se olhardes o espelho num momento de cólera,
Cada uma reconhecerá sua face com bastante dificuldade.
Não menos danosa é a soberba para vosso rosto;
É com olhar afável que o amor deve ser atraído. ___510
Odeio (e sei bem) o fausto exagerado:
Muitas vezes uma aparência silenciosa tem a semente do ódio.
Olha para quem te olha, retribui com simpatia um sorriso.
Se ele fizer sinal com a cabeça, aceita e também retribui os sinais.
É assim que o menino, depois que se exercitou com floretes abandonados, ___515
Lançou de sua aljava as agudas setas.
Também odeio os tristes. Que Ájax escolha Tecmessa;
A nós, povo risonho, seduz a mulher alegre.
Jamais te pediria, Andrômaca, nem a ti, Tecmessa,
Que algum dia (uma de vós) fôsseis minha amante; ___520
Consigo crer, com dificuldade, quando sou forçado a crer pelo parto,
Que tivésseis dormido com vossos maridos.
Seria possível que uma mulher tristíssima tivesse dito a Ájax
“Minha luz” e outras palavras que costumam agradar aos homens?
Quem nos proíbe de adotar para coisas menores, exemplos ___525
Das (coisas) grandiosas e, assim recear demais, o nome de general?
O bom comandante confiou a este o comando de uma centúria,
A outro a cavalaria, àquele deu os estandartes para serem protegidos.
Também vós, examinai quem estará apto para cada uso
E coloca quem quer que seja no lugar certo. ___530
Que os ricos dêem presentes; quem conhece as leis, que esteja presente;
Os eloqüentes muitas vezes defendem a causa de sua cliente;
Nós que fazemos poemas, mandamos apenas versos;
Nós todos somos aptos para o amor antes dos outros;
Fazemos amplamente o elogio da beleza que nos encanta. ___535
Nêmese é célebre, Cíntia é célebre;
Vésper e as terras do Oriente conhecem Lícoris.
E muitos perguntam quem é nossa Corina.
Junta a isto que a traição não existe entre os poetas, seres divinos.
E a arte nos faz semelhantes a ela. ___540
Não nos toca a ambição ou o desejo de ter;
Não fazendo caso do foro, preferimos o leito e a penumbra.
Prendemo-nos, porém, com facilidade e nos consome um ardor vigoroso,
E com muita certeza sabemos amar fielmente.
Com efeito, nosso genio é abrandado por nossa arte plácida, ___545
E nossos costumes são de acordo com nossa doutrina.
Sede acessíveis aos vates da Aônia, mulheres;
A divindade vive neles e as Piérides os guardam.
Um deus vive em nós, e são produtos do céu;
Nossa inspiração vem com ele das moradas celestes. ___550
É um crime esperar uma recompensa dos doutos poetas;
Ai de mim, este crime nenhuma mulher receia.
Dissimulai, contudo, e não sede rapaces à primeira vista.
À vista da armadilha o amante se retira.
O cavaleiro, contudo, não controla um cavalo que conheceu há pouco as rédeas, ___555
Com freio semelhante ao que comanda um cavalo bem treinado,
O caminho para que catives um espírito amadurecido,
Não será o mesmo que deves seguir para a verde juventude.
Assim, o inexperiente, que conhece pela primeira vez o acampamento do amor,
Presa nova que entrou em teu quarto ___560
Só conhece a ti, e a ti sempre estará preso.
Este é campo semeado e deve ser rodeado de altas sebes.
Afasta as rivais; vencerás enquanto só tu o tiveres;
A realeza e Vênus não ficam bem com associados.
Aquele outro, soldado antigo, amará com sabedoria e moderação, ___565
E muitas coisas suportará que um novato não poderia.
Não derrubará portas, nem arderá de um fogo violento.
Não há de ferir com as unhas as faces delicadas de uma jovem,
Nem rasgará a própria túnica ou a túnica da amante.
E um cabelo arrancado não será motivo de choro. ___570
Estas coisas convêm a garotos de pouca idade e ardentes de amor;
O velho suportará, com espírito sereno, feridas cruéis.
Será consumido – ai dele! – por um fogo lento como feno úmido,
Ou como árvore arrancada das montanhas.
Este amor é mais certo, aquele breve e mais fecundo. ___575
Apanha logo em tua mão os frutos que fogem.
Tudo entregarei (abrimos as portas ao inimigo),
E que exista confiança na perfídia desta traição.
O que é dado facilmente, garante mal um longo amor;
Algumas recusas devem ser misturadas às doces brincadeiras. ___580
Que ele diga: “ó porta cruel!”, diante da tua porta.
E muitas coisas busque submisso ou com ameaças.
Não agüentamos as coisas muito doces; com suco amargo nos renovamos.
Muitas vezes há uma canoa naufragada por ventos propícios.
É por isto que as esposas não se fazem amar; ___585
Os homens as vêem quando querem;
Junta a uma porta um duro porteiro que diga no seu rosto:
“Não podes!”; uma vez expulso, também a ti o amor o prenderá.
Depõe as espadas desgastadas; que se combata com as afiadas.
Não duvido que eu seja atingido por meus próprios dardos. ___590
Quando um apaixonado cair no laço, qualquer um, capturado há pouco,
E esperar ter só para ele o teu quarto,
Que ele suponha logo que há um rival, e que compartilhas as relações do leito.
Suspende estes artifícios e verás que o amor definha.
Aberta a porteira, o valente cavalo corre com todo ímpeto, ___595
Quando tem outros para seguir ou ultrapassar.
Ainda que extinta a chama, o ciúme a desperta.
Eu mesmo confesso, não amo senão ultrajado.
Que a causa da dor não seja, contudo, muito evidente,
Que ele, perturbado, julgue existir muito mais do que ele sabe. ___600
A vigilância de um escravo fingido e sombrio incita,
Bem como o ciúme excessivamente incômodo de um amante rude.
O prazer que vem em segurança não é tão bem acolhido.
Para que sejas mais livre que Taís, finge temor.
Mesmo sendo possível pela porta, que ele entre pela janela. ___605
Mostra no rosto os sinais do teu medo;
Que apareça uma criada astuta e diga: “Estamos mortos!”.
Esconde em qualquer lugar o jovem trêmulo.
Contudo, deve ser misturado ao temor, um prazer seguro,
Para que ele não julgue que tuas noites são caras em demasia. ___610
De que maneira um marido esperto pode ser iludido
Ou um guardião vigilante, terei de omitir.
Que a casada tema o marido; que a vigilância seja assegurada;
Isto convém, isto é o que mandam as leis, o pudor e o Imperador.
Quem te levaria a ser também vigiada, tu que a varinha ___615
Libertou? Para que enganes vem ao meu templo.
Que seja firme a vontade, e ainda que te observem tantos,
Quantos foram os olhos de Argos, conseguirás enganar.
Sem dúvida um guardião não poderá te impedir de escrever,
Quando te é dado tempo para teus próprios cuidados, ___620
Quando uma cúmplice pode levar as tabuinhas escritas
Que ela esconderá no colo tépido, sob a ampla faixa,
Quando ela pode ocultar as cartas amarradas na barriga da perna.
E levar doces mensagens presas sob o pé calçado?
Cuidado com o guardião em presença da carta: ___625
Que a cúmplice ofereça as costas e leve as palavras em seu corpo.
Seguro, também, é enganar os olhos com leite fresco
(espalha carvão pulverizado; depois lê).
A escrita feita com uma ponta de linho umedecida
Também engana, e levará notícias ocultas na tabuinha vazia. ___630
Acrísio esteve junto da filha que devia ser observada com cuidado;
Contudo ela, com seu erro, tornou-o avô.
Que pode fazer um guardião sendo a Vrbe cheia de teatros;
Quando ela assiste com prazer os carros com os cavalos atrelados,
Quando consagrada à novilha de Faros, senta para ouvir os sistros? ___635
E vai também onde tuas companheiras são proibidas de ir,
Quando a Boa Deusa evita em seus templos os olhares dos homens,
Exceto aqueles que ela manda vir,
Quando depois que o guardião recolhe na porta as túnicas das mulheres,
Os banhos escondem muitos jogos furtivos, ___640
Quando, quantas vezes seja necessário, uma falsa amiga esteja doente
E, doente recolha ao seu leito quem quer que apareça,
Quando uma chave falsa indique pelo nome o que fazermos,
E que não só a porta dê caminhos por onde penetrar?
A vigilância do guardião é distraída com muito vinho, ___645
Até se a uva for recolhida nas encostas da Espanha.
Existem também as poções que provocam sono profundo
E fecham os olhos vencidos pela noite do Letes.
E não é mau que a própria cúmplice retenha o odioso guardião com prazeres
Prolongados e o prenda por bastante tempo. ___650
De que serve empregar rodeios e conselhos bobos quando se pode
Comprar o guardião com um pequeno presente?
Os presentes, podeis acreditar – cativam homens e deuses;
O próprio Júpiter é abrandado com as oferendas.
Assim como o sábio, também o estulto se transforma; alegra-se com o presente; ___655
Ele também, depois de recompensado ficará mudo.
Mas o guardião deve ser recompensado apenas uma vez, por bastante tempo;
Se ele der a mão uma vez, terá de dá-la para sempre.
Lembro-me de ter lamentado que os amigos devem ser temidos
Este contratempo não toca somente aos homens. ___660
Se fores crédula, outras colherão teus prazeres,
Também aquela lebre incessantemente perseguida será de outras,
Também aquela que prestimosa te oferece o leito e o quarto,
Crê em mim, não esteve comigo apenas uma vez.
Que uma criada excessivamente bela não governe por vós. ___665
Muitas vezes ela se apresentou para mim como substituta da ama.
Aonde sou levado, insano? Por que de peito aberto me lanço ao inimigo
E me dou a conhecer pela minha própria informação?
A ave não mostra ao caçador onde seja apanhada;
A cerva não ensina os cães hostis a correr. ___670
A utilidade será visível. Mas cumprirei com fidelidade a tarefa começada
E darei às mulheres de Lemnos as espadas contra minha vida.
Fazei (é fácil) com que nos acreditemos amados;
A confiança em suas promessas vem impelida pelo desejo.
A mulher deverá olhar o jovem com mais afeto e suspirar ___675
Baixinho, e perguntará por que ele vem tão tarde;
Juntando lágrimas e a dor fingida do ciúme
Arranhará as faces dele com seus dedos;
Logo ele será persuadido; além disso ficará penalizado
E dirá: “Esta morre por mim!” ___680
Principalmente se for elegante e parecer bem ao espelho,
Pode acreditar que até as deusas são atraídas para o seu amor.
Mas qualquer que seja a injúria que te perturbe, modera-te,
E que não sejas privada do juízo pela suspeita de uma rival.
E não acredites facilmente; quanto prejudica confiar em demasia. ___685
Existe para vós um exemplo de Procris, muito importante.
Perto das purpúreas colinas floridas do Himeto
Há uma fonte sagrada e um solo macio coberto de verde;
A floresta não muito alta compõe um bosque; o arbusto é coberto de erva;
O alecrim, o loureiro e a escura murta rescendem; ___690
Está presente o buxo folhoso, os frágeis tamarineiros,
O fino codaço e o pinheiro cultivado;
Ao suave sopro do Zéfiro e de uma brisa salutar
Todas as folhagens e as altas ervas tremulam.
O repouso era desejado por Céfalo; depois de deixar os cervos e os cães, ___695
Fatigado, muitas vezes, o jovem descansou neste chão,
“Para aliviar meus ardores, vem, aura inconstante, ser
acolhida em meu peito”, ele costumava cantar.
Alguém com um zelo importuno, depois que ouviu a canção,
Levou as palavras gravadas aos temerosos ouvidos da esposa. ___700
Quando Procris ouviu o nome Aura, talvez uma rival, desmaiou
E subitamente ficou muda de dor.
Empalideceu como os cachos colhidos tardios da videira
E empalidecem as folhagens, que o novo inverno fere,
Ou como os marmelos da Cidônia curvam seus ramos, ___705
E os cornisos ainda não bastante bons para nosso alimento.
Quando recuperou os sentidos, rasgou as finas vestes
Sobre o peito e feriu com as unhas a pele que não merecia;
Sem demora, com os cabelos desalinhados correu pelo meio das estradas
Furiosa como se impelida pelo tirso de Baco. ___710
Quando tinha chegado perto, deixou para trás as companheiras;
Ela própria, corajosa, com passos silenciosos entrou secretamente no bosque.
Qual era o teu intento quando assim inconseqüente te escondias,
Prócris? Que ardor havia em teu peito atormentado?
Julgavas, sem dúvida, seja quem fosse Aura, iria aparecer logo, logo, ___715
E que a injúria ia ser vista pelos teus próprios olhos.
Ora te arrependes de ter vindo (e não queres mais surpreendê-los),
Ora te alegras; um amor indeciso perturba teu peito;
O lugar, o nome, e o indício são as coisas que te fazem crer,
E a mente, porque sempre julga existir o que se teme. ___720
Quando viu a relva marcada com os sinais do corpo,
O peito trêmulo com o coração palpitante se agitaram.
E já era meio-dia e se espantaram as tênues sombras;
E estavam em par no espaço a tarde e a manhã.
Eis que Céfalo, filho de Mercúrio, chega à floresta ___725
E toca o rosto ardente com a água da fonte.
Ansiosa, Prócris, te escondes; ele se estende na relva costumeira,
“Suaves Zéfiro e Aura, vinde”, diz.
Quando a desventurada reconhece o feliz engano,
Volta o senso e a cor verdadeira ao seu rosto. ___730
Levanta-se e o corpo agitado balança as folhagens.
E a esposa deseja ir aos braços do marido;
Ele convencido de ter visto uma fera, como um jovem, agarra o arco;
As setas estavam em sua mão direita.
Que fazes, infeliz? Não é uma fera, esquece as setas. ___735
“Infeliz!”, A jovem foi atingida por teu dardo.
“Ai de mim!”, exclama. Varaste um peito amigo;
Neste lugar estarão para sempre as feridas de Céfalo.
Morro antes do tempo, mas não fui ultrajada por nenhuma rival;
Isto te tornará leve para mim, ó terra, quando me cobrires. ___740
Já meu espírito escapa na aura suspeita pelo nome;
Deixo-te, oh! Fecha meus olhas com tua mão querida.”
Com o peito torturado ele ergue o corpo da mulher que morria
E lava com lágrimas a ferida cruel.
Um suspiro de remorso sai do peito imprudente e pouco a pouco ___745
É acolhido pela boca do marido infeliz.
Mas retomemos o trabalho. Para que meu barco fatigado
Chegue ao seu porto, que tudo seja bem esclarecido.
Esperas ansiosa que eu te conduza aos banquetes
E procuras orientação minha, também neste assunto. ___750
Chega tarde e caminha sob a luz conveniente da lâmpada.
Que a demora seja vantajosa. A demora é a melhor alcoviteira.
Mesmo se fores feia, podes parecer bonita
E a própria noite esconderá tuas imperfeições.
Pega os alimentos com os dedos (existe a maneira certa de comer) ___755
E não besunta o rosto todo com a mão suja;
Não come antes a refeição de casa, mas pára antes
Do que desejas; come pouco menos do que podes.
Se o filho de Príamo visse Helena comendo avidamente,
Teria odiado e dito: “Que estúpido rapto este meu!”. ___760
É mais apropriado e convém mais que as mulheres bebam;
Com o filho de Vênus não vais mal, ó Baco!
Também aí, onde a cabeça que te sustenta estiver, que a inteligência e os pés
Permaneçam; que não sejam duas coisas o que só uma vês.
É horrível uma mulher caindo, impregnada de muito vinho; ___765
É digna de ser levada ao leito pelo primeiro que aparecer.
Também não é seguro sucumbir ao sono caída sobre a mesa.
Durante o sono muitas coisas costumam tornar-se vergonhosas.
É indiscreto o que tenho ainda para ensinar; mas diz
A boa Vênus: “o que envergonha é, antes de tudo, a nossa finalidade.” ___770
Que cada um se conheça. Escolhe a melhor posição para teu corpo;
O que convém a um tipo não convém a todos.
A que tiver beleza notável, deita-se de costas;
Que seja admirada de costas as que agradam pelo belo dorso.
Tu, também, Lucina, cujo ventre adquiriu rugas, ___775
Como o Parta veloz, montas no cavalo de costas.
Melanion levava nos ombros as pernas de Atalanta.
Se as suas são belas, devem ser vistas desse modo.
A pequena, que seja transportada como o cavaleiro; Como era muito alta,
Jamais a esposa tebana assentou-se sobre Heitor, como sobre um cavalo. ___780
A mulher digna de ser contemplada por todo lado, estendida,
Apóie-se sobre os joelhos, com o pescoço um pouco inclinado.
Aquelas cujas coxas são juvenis e o colo também não necessita ser disfarçado,
Esteja deitada em oblíquo no leito e o homem de pé.
Não julgues que é feio soltar os cabelos, como a mãe de Fileu, ___785
E virar o pescoço para trás para espalhar os cabelos.
São mil os jogos de Vênus; simples e menos trabalhoso
É ficarem apoiados do lado direito e meio deitados de costas.
Como vês, nem os tripés de Febo ou o cornudo Amon
Vos ensinam mais verdades que minha Musa; ___790
Se alguma confiança existe nesta arte, que vem de longa experiência,
Crê nela; nossos versos corresponderão à sua fé.
Que a mulher libertada sinta Vênus até o mais profundo do seu ser.
E que a doce volúpia agrade igualmente aos dois.
Que não cessem os doces murmúrios e as palavras agradáveis ___795
Nem se calem as palavras obscenas durante o amor.
Tu, também, a quem a natureza negou as sensações de prazer,
Finge, com suspiros falsos, os doces prazeres;
(infeliz a mulher em quem aquele lugar é embotado, onde
igualmente devem desfrutar o homem e a mulher). ___800
Muito cuidado quando fingires, para que não se perceba;
Faze de modo que pareçam verdadeiros teus movimentos e teu olhar.
Que a voz, os gemidos e a respiração ofegante confirmem a expressão do teu rosto.
Ah, que vergonha! Esta parte tem revelações secretas.
Depois do amor, aquela que pede um presente ao amante ___805
Não quer ela que seus pedidos tenham valor.
Não deixa a luz entrar no quarto por todas as janelas;
Muitas partes em vosso corpo são melhores escondidas.
Nosso jogo terminou; é tempo de desatrelar os cisnes
Que com nosso jugo ao pescoço nos conduziram. ___810
Assim como um dia os jovens, também agora as mulheres, meu povo,
Escrevam sobre o meu túmulo: “Nasão foi meu mestre!”
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