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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA –
PROPPEC
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS –
CEJURPS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP
A VIOLÊNCIA CONJUGAL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO À
MULHER: UM ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE ANCHIETA (SC)
Jacinta Imig
Itajaí [SC], 2005
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAI – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO, EXTENSÃO E CULTURA –
PROPPEC
CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS, POLÍTICAS E SOCIAIS –
CEJURPS
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONALIZANTE EM GESTÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS – PMGPP
A VIOLÊNCIA CONJUGAL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO À
MULHER: UM ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE ANCHIETA (SC)
Jacinta Imig
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
no Mestrado Profissionalizante em Gestão de
Políticas Públicas da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, sob a orientação da Profª Drª
Maria José Reis, como exigência parcial para
obtenção do título de Mestre em Gestão de
Políticas Públicas / Profissionalizante.
Itajaí [SC], 2005
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ii
AGRADECIMENTO
A Deus, por ser força que nos ilumina e em cada passo nos acompanha.
Aos meus familiares, pelo apoio, compreensão, nesta etapa de minha vida.
Aos amigos que contribuíram com seu apoio e credibilidade auxiliando de alguma
forma para a minha busca de conhecimento.
À professora Maria José Reis, que muito contribuiu como orientadora, pela
compreensão, apoio e dedicação.
Ao professor e Co-Orientador Guillermo A. Johnson, pelo acompanhamento e
colaboração.
Aos professores que contribuíram e fizeram parte desta incrível jornada.
Aos colegas de mestrado, pela convivência incomparável.
Aos gestores de políticas públicas que compreenderam e aceitaram minha proposta
de pesquisa.
As mulheres que sofreram violência, e tiveram a coragem para denunciar, agradeço a
contribuição direta ou indireta para a concretização desta dissertação, pela história de vida e
de trabalho.
iii
A maior revolução de todos os tempos é a descoberta de que ao mudar
as atitudes internas de suas mentes, os seres humanos podem mudar os
aspectos externos de sua vida. (Willian James)
iv
SUMÁRIO
LISTA DE TABELAS.............................................................................................................vi
LISTA DE ILUSTRAÇÕES..................................................................................................vii
LISTA DE SIGLAS...............................................................................................................viii
RESUMO...................................................................................................................................x
ABSTRACT .............................................................................................................................xi
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................1
CAPÍTULO I ............................................................................................................................6
A PROBLEMÁTICA DA PESQUISA: VIOLÊNCIA CONTRA AS
MULHERES E POLÍTICAS PÚBLICAS .............................................................................6
1.1 MOVIMENTOS FEMINISTAS: A MOBILIZAÇÃO CONTRA A
1.2 DITADURA MILITAR E PELOS DIREITOS DAS MULHERES..................................6
1.1.1 A problemática da violência e as lutas previstas.............................................................13
1.2 O DEBATE TEÓRICO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES................16
1.3 A MOBILIZAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES E O PAPEL DO
ESTADO: POSSIBILIDADES E LIMITES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ...................23
CAPÍTULO II.........................................................................................................................40
O CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO................................................................................40
2.1 A SEGURANÇA PÚBLICA EM ANCHIETA .................................................................40
2.1.1 Programas locais do município .......................................................................................47
2.1.2 Educação..........................................................................................................................53
2.1.3 A segurança Pública em Anchieta...................................................................................57
CAPÍTULO III .......................................................................................................................61
RELAÇÕES DE GÊNERO VIOLENTAS E POLÍTICAS PÚBLICAS EM
ANCHIETA: O QUE REVELAM OS DOCUMENTOS E O QUE
PENSAM OS ATORES SOCIAS..........................................................................................61
3.1 AS CONDIÇÕES DE VIDA E AS OPINIÕES DE MULHERES VÍTIMAS
DE VIOLÊNCIA CONJUGAL..........................................................................................90
v
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................103
ANEXOS ...............................................................................................................................108
vi
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - HABITANTES DOS ESPAÇOS URBANO E RURAL DO MUNICÍPIO
DE ANCHIETA .................................................................................................42
TABELA 2 - AS INDÚSTRIAS DE ANCHIETA QUE TEM MAIOR NÚMERO
DE EMPREGOS ................................................................................................44
TABELA 3 - RENDA SALARIAL DA POPULAÇÃO ANCHIETENSE.............................44
TABELA 4 - FAIXA ETÁRIA DA POPULAÇÃO DE ANCHIETA.....................................45
TABELA 5 - REGISTROS EFETUADOS NA DELEGACIA DE 1999 A 2003...................62
TABELA 6 - IDADE DAS VÍTIMAS.....................................................................................66
TABELA 7 - ESTADO CIVIL DA VÍTIMA ..........................................................................67
TABELA 8 - PROFISSÃO DAS VÍTIMAS............................................................................69
TABELA 9 - GRAU DE INSTRUÇÃO DAS VÍTIMAS........................................................72
TABELA 10 - IDADE DO AGRESSOR.................................................................................73
TABELA 11 - ESTADO CIVIL DO AGRESSOR..................................................................74
TABELA 12 - GRAU DE INSTRUÇÃO DO AGRESSOR....................................................75
TABELA 13 - PROFISSÃO DO AGRESSOR........................................................................77
TABELA 14 - LOCAL DAS OCORRÊNCIAS ......................................................................78
TABELA 15 - FATO COMUNICADO...................................................................................80
TABELA 16 - MEIOS E INSTRUMENTOS UTILIZADOS .................................................82
TABELA 17 - MOTIVOS DAS AGRESSÕES.......................................................................83
TABELA 18 - TURNO DAS AGRESSÕES ...........................................................................85
TABELA 19 - RECONHECIMENTO DA AGRESSÃO........................................................86
TABELA 20 - ENCAMINHAMENTOS.................................................................................88
vii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICO 1 - REGISTROS EFETUADOS NA DELEGACIA DE 1999 A 2003 .................63
GRÁFICO 2 - ÍNDICE TOTAL DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ..........................63
GRÁFICO 3 - IDADE DAS VÍTIMAS...................................................................................67
GRÁFICO 4 - ESTADO CIVIL DA VÍTIMA.........................................................................68
GRÁFICO 5 - PROFISSÃO DA VÍTIMA ..............................................................................69
GRÁFICO 6 - GRAU DE INSTRUÇÃO DAS VÍTIMAS......................................................72
GRÁFICO 7 - IDADE DO AGRESSOR.................................................................................74
GRÁFICO 8 - ESTADO CIVIL DO AGRESSOR.................................................................75
GRÁFICO 9 - GRAU DE INSTRUÇÃO DO AGRESSOR....................................................76
GRÁFICO 10 - PROFISSÃO DO AGRESSOR......................................................................77
GRÁFICO 11 - LOCAL DAS OCORRÊNCIAS.....................................................................79
GRÁFICO 12 - MOTIVOS DAS AGRESSÕES.....................................................................83
GRÁFICO 13 - TURNO DAS AGRESSÕES..........................................................................86
GRÁFICO 14 - RECONHECIMENTO DA AGRESSÃO ......................................................87
MAPA 1 - MAPA DE REGIONALIZAÇÃO DE SANTA CATARINA................................40
MAPA 2 - ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO EXTREMO OESTE.............................41
viii
LISTA DE SIGLAS
AAA - Auto Flagrante de Adolescente
AAI - Auto de Apuração de ato Infracional
ABONG - Associação Brasileira de Organizações não Governamentais
APF - Auto de Prisão em Flagrante
APOIA - Programa de Combate à Evasão Escolar
BO - Boletim de Ocorrência
CASAN - Companhia Catarinense de Águas e Saneamento
CEDIM - Conselho Estadual dos Direitos da Mulher
CELESC - Centrais Elétricas de Santa Catarina
CEPA - Centro de Estudos de Safras e Mercados
CF - Constituição Federal
CNEC - Colégio Cenecista Educação Comunitária
CNDM - Conselho Nacional dos Direitos da Mulher
CPC - Código de Processo Civil
CUT - Central Única dos Trabalhadores
DEAMs - Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher
DM - Delegacia da Mulher
EPAGRI - Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina
FPM - Fundo de Participação do Município
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IML - Instituto Médico Legal
INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
IP - Inquérito Policial
IPEA - Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas
JECRIM - Juizado Especial Civil e Criminal
MSTR - Movimento Sindical de Trabalhadores Rurais
MMA - Movimentos de Mulheres Agricultoras
MMC - Movimentos de Mulheres Camponesas
NAES - Núcleo de Alfabetização de Educação de Jovens e Adultos
ONG - Organização Não Governamental
ONU - Organização das Nações Unidas
ix
PAISM - Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
PSC - Prestação de Serviço a Comunidade
PT - Partido dos Trabalhadores
PETI - Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
STJ - Superior Tribunal de Justiça
STR - Sistema de Transferência de Reservas
SUS - Sistema Único de Saúde
TC - Termo Circunstanciado
TRE - Tribunal Regional Eleitoral
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância.
UNOESC - Universidade do Oeste de Santa Catarina
x
RESUMO
Mulheres e homens são sujeitos históricos e seres complementares na dinâmica das relações
de gênero. Porém, nas sociedades modernas como a sociedade brasileira, paradigmas sociais
machistas e desiguais têm estabelecido hierarquia entre ambos, delegando à mulher um
espaço secundário, assegurado pela dominação masculina, que se manifesta sob diferentes
formas de violência. Esta dissertação tem como principal objetivo evidenciar e analisar as
principais características da violência conjugal contra as mulheres e o caráter das políticas
públicas existentes no atendimento às vítimas e aos vitimizadores deste tipo de violência, no
município de Anchieta (SC). Trata-se de um estudo quantitativo e qualitativo, através de
análise documental e de entrevistas semi-estruturadas realizadas com mulheres vítimas de
violência que registraram denúncia na Delegacia de Anchieta, via Boletim de Ocorrência e
Termo Circunstanciado, e com gestores que prestam atendimento a estas mulheres na
Delegacia e no Fórum do município. Os resultados alcançados revelam que apesar deste
município não ter uma DEAM, o perfil socioeconômico de suas vítimas, as formas de
agressão e o comportamento das mulheres quanto ao encaminhamento judicial das denúncias,
entre outros aspectos, exceto no caso de uma certa predominância, na apresentação de
denúncia pública de mulheres vinculadas às atividades rurais, ocorre semelhanças
significativas entre estas vítimas, bem como entre seus vitimizadores, em relação aqueles
analisados em outras partes do Brasil, em vários trabalhos acadêmicos dedicados a estudar o
atendimento público a mulheres vítimas de violência conjugal. Em termos específicos de
Anchieta, entretanto, ao contrário do que demonstram os referidos trabalhos acadêmicos,
considera-se que este tipo de atendimento, por diferentes razões, tem sido considerado
insatisfatório, e de pouca eficácia por parte das mulheres que a ele recorreram, o que pode ser
constatado, também, através da análise documental, prevalecendo a reprodução da violência
na maioria dos casos, por longos períodos, penalizando as mulheres e reproduzindo os
padrões de dominação masculina contra elas por falta de intervenção pública mais eficaz, de
modo especial em termos de políticas preventivas.
Palavras-chave: violência conjugal, relações de gênero, políticas públicas de intervenção.
xi
ABSTRACT
Men and women are historic people and complementary beings in the gender relations
dynamic. However, in the modern society, like the Brazilian one, male chauvinist and unequal
social paradigms have been establishing hierarchy between them, stating the woman a
secondary place, ensured by the male rules, which appears on different ways of violence. This
dissertation has as its main objective to make evident and analyze the main characteristics of
the marital violence against women and the character of the existing public policies in the
service of these victims and to the agents of this violence, in the city of Anchieta (SC). It is a
quantitative and qualitative study, carried on through a documental analysis and semi-
structured interviews with women who were victims of violence and who have made a
complaint at the Anchieta Police Station, through a police record and Circumstantiated Term,
and with professional who help these women at the police station and in the Justice Hall of the
city. The obtained results show that in spite of the inexistence of a DEAM in this city the
socioeconomic profile of its victims, the ways of aggression and the behavior of the women as
the judicial treatment of the complaints, among other aspects, except in the case of a certain
predominance in public complaints of women linked to rural activities, meaningful
similarities happen among these victims, as well as among their agents, in relation to those
analyzed in other parts of Brazil in many academic projects dedicated to the study of the
public service to women victims of marital violence. In specific terms of Anchieta, however,
opposite to what the referred academic projects show it is considered that this type of service,
for many different reasons, has been considered not satisfactory and very little efficient for the
women who have used them, which can be noticed through documental analysis too,
remaining the reproduction of the violence in most of the cases for long periods, punishing the
women and reproducing the male domination patterns against them due to a lack of a more
effective public intervention, specially in terms of preventive policies.
Key-words: marital violence, gender relationships, intervention public policies.
1
INTRODUÇÃO
O tema principal deste estudo é a questão da violência conjugal e do atendimento às
mulheres vítimas desta violência, no município de Anchieta (SC), através da análise de
documentos provenientes da atuação de gestores de políticas públicas de segurança existentes
no município, bem como do depoimento destes gestores e de mulheres que se dirigiram às
instâncias públicas para denunciar as agressões de que foram vítimas.
Não é casual a opção pela questão da violência doméstica contra a mulher, como
eixo temático de meu projeto de pesquisa. A proximidade com esta problemática faz parte, do
percurso de minha experiência profissional como assistente social na Prefeitura Municipal do
referido município. No decorrer de nove anos de atendimentos aos sujeitos sociais que
necessitavam de amparo estatal, foi possível perceber um significativo número de vítimas de
violência doméstica, parte das quais externavam as mais diversas inquietações sobre as
políticas públicas de atendimento a que recorriam.
A ocorrência deste tipo de violência, no Brasil, cada vez mais evidente, propõe,
novos desafios para os gestores públicos e reflexões sobre o papel do Estado em sua política
de atendimento às vítimas de violência doméstica, exigindo re-leituras de suas lógicas e
configurações.
Contudo, como afirmam Suárez e Bandeira (1999), é difícil saber se o emprego da
violência como modo de solucionar os conflitos envolvidos nas relações conjugais tornou-se
mais freqüente ou tornou-se apenas mais visível. Durante a Ditadura Militar, no Brasil, como
afirmam as autoras, os acontecimentos violentos mais visíveis para as ciências sociais tinham
sido aqueles que ocorriam no âmbito da condução do Estado ou em segmentos específicos da
sociedade civil, tendo sido prestada pouca atenção à violência que ocorre cotidianamente no
âmbito interpessoal, como a violência conjugal dirigida às mulheres.
Como salienta Grossi (1995), dados estatísticos do IBGE sobre vitimização mostram
que são os homens que morrem mais, em conseqüência de atos de violência. No entanto, as
violências que sofrem as mulheres permanecem, de certo modo, escondidas no espaço privado
e invisível do lar. Noventa por cento das denúncias de violências feitas pelas mulheres nas
delegacias de polícia se referem a agressões conjugais ou de pai contra filha(o). Violência
silenciosa, como afirma Grossi (1995), a violência doméstica contra as mulheres ou meninas
está presente em mais de 10% dos lares brasileiros e não respeita nem classe social nem idade
das vítimas.
2
O que tem sido genericamente denominado de “movimento feminista”
1
, constituído a
partir da década de 1970, de acordo com Suárez e Bandeira (1999), apontou com firmeza que
a violência contra as mulheres não somente era de grandes proporções, mas consideradas
também invisíveis. O olhar da década de 1980 e início de 1990, afirmam as autoras,
fortemente marcado pela perspectiva feminista, acentuou a denúncia da violência contra as
mulheres e a reivindicação de seus direitos de segurança. reforçando-se a preocupação, na
última década, a partir da adoção do conceito de “relações de gênero” pelas ciências humanas.
As relações violentas entre homens e mulheres são, contudo, complexas e
contraditórias. Pensar, nestes termos, na categoria “gênero” é refletir sobre as diferenças
sexuais entre os indivíduos, não simplesmente como contingências biológicas, mas como
produtos de fatores socioculturais, podendo variar, portanto, conforme o grupo social, a
cultura, a etnia, entre outros aspectos, a que pertencem os indivíduos, homens e mulheres.
Assim é que a abordagem de gênero, através de pesquisas antropológicas e área de
ciências humanas em diferentes sociedades, tem mostrado que a situação diferenciada do
status das mulheres em relação ao dos homens, parece ser uma constante nas sociedades do
passado e também contemporâneas. Estas mesmas pesquisas levam a admitir que a violência
interpessoal e cotidiana requer a consideração de algo mais do que o exercício do poder
patriarcal. Como afirmam Suárez e Bandeira (1999), a violência de gênero deita suas raízes
nas próprias relações conjugais e amorosas e em imperativos socioculturais que lhes dão
sentido.
O ambiente familiar torna-se, portanto, um espaço a ser estudado, exigindo re-
leituras cuja abordagem implica no desafio de superar análises reducionistas e que associam,
de modo linear, violência doméstica como algo naturalizado, aceito pela sociedade uma vez
que é do âmbito do mundo privado, como também a ocorrência da violência contra as
mulheres, uma vez que possui conotação privada e preservada, assim, da influência de agentes
externos. Este espaço, entretanto, deve ser um locus privilegiado de atenção, uma vez que
pode ser tencionado por conflitos que, por vezes, acabam em manifestações de violência,
como os que serão tratados nesta dissertação, através de fatos que necessitam adquirir maior
visibilidade e análise.
O objetivo principal da presente proposta de pesquisa é, analisar, em linhas gerais, as
principais características da violência conjugal contra as mulheres e o caráter das políticas
1
Trata-se da mobilização política das mulheres, que será detalhada ano próximo capítulo, em torno de diferentes
reivindicações envolvendo , inicialmente, militantes das classes médias e, posteriormente, de outros segmentos
sociais.
3
públicas existentes no atendimento às vítimas e aos vitimizadores deste tipo de violência, no
município de Anchieta (SC).
Como objetivos específicos, a pesquisa buscou identificar o perfil sócio-econômico
das mulheres que denunciaram estas agressões e de seus “agressores”, através da análise de
informações tais como faixa etária, atividade profissional, tipo e tempo da convivência
conjugal. Além de dados desta natureza, buscou-se, também, identificar e analisar, tanto em
termos quantitativos quanto qualitativos, o contexto e os tipos das agressões, os instrumentos
utilizados, bem como as políticas de atendimento a partir dos registros e dos
encaminhamentos jurídicos efetuados para o amparo as vítimas.
Em termos metodológicos, na busca de respostas para uma problemática de tal
complexidade e de pouca visibilidade social, em primeiro lugar, foram ampliadas e
aprofundadas as leituras de trabalhos na área de ciências humanas que pudessem fornecer
aportes analíticos para a problemática em pauta.
Em segundo lugar, considerando que em Anchieta não há Delegacia Especial de
Atendimento à Mulher, foi realizada pesquisa documental na Delegacia de Polícia Civil e no
Fórum da Comarca do município. Foram, para tanto, analisados os dados disponíveis nos
Boletins de Ocorrência (BOs) de 1999 à 2003, e foram identificados os registros relativos às
agressões contra às mulheres, por elas denunciadas, contabilizando-se, também, os Termos
Circunstanciados (TCs), documentos guardados no Fórum de Anchieta, ou seja, os registros
dos encaminhamentos legais e dados a partir dos casos registrados nos BOs.
A pesquisa apoiou-se, de início, em informações analisadas de modo quantitativo a
fim de expressar a relevância do estudo desta questão que atinge mulheres e homens, mesmo
que de forma distinta.
Conforme explica Richardson (1999, p.70):
(...) o método quantitativo (...)caracteriza-se pelo emprego de quantificação tanto nas
modalidades de coleta de informações, quanto no tratamento delas por meio de
técnicas estatísticas. O método quantitativo representa (...) a intenção de garantir a
precisão dos resultados, evitar distorções de análise e interpretação, possibilitando
(...) uma margem de segurança quanto às interferências,freqüentemente aplicado nos
estudos descritivos, naqueles que procuram descobrir a classificar a relação entre
variáveis, bem como nos que investigam a relação de causalidade entre fenômenos.
Contudo, a análise dos dados coletados compreendeu uma reflexão qualitativa das
opiniões relatadas, dada a expressão social do tema, entendendo que, como afirma Minayo:
(...) o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo. A realidade social é o
próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados
4
dela transbordante. Essa mesma realidade é mais rica que qualquer teoria, qualquer
pensamento e qualquer discurso que possamos elaborar sobre ela. (MINAYO, 1998,
p. 15)
Foram, assim, realizadas entrevistas como instrumento de investigação. A entrevista
segundo Lakatos e Marconi (2002, p. 92):
é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a
respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza
profissional. É um procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de
dados ou para ajudar no diagnóstico ou no tratamento de um problema social.
A amostragem foi intencional, tipo de procedimento que Richardson (1999) afirma
ser conveniente quando o pesquisador quer obter a opinião de certas pessoas, não
necessariamente representativas do universo todo, mas de parte dele. Desta forma, foram
realizadas entrevistas com os seguintes gestores de políticas públicas da área de Segurança
Pública de Anchieta: dois agentes da Delegacia de Polícia, a Juíza de Direito da Comarca e a
Assistente Social do Fórum. Além destes atores sociais, foram entrevistadas quatro mulheres
vítimas de violência conjugal e uma militante do “Movimento das Mulheres Camponesas”.
As entrevistas foram gravadas mediante o consentimento dos participantes da
pesquisa, e posteriormente transcritas para análise final das opiniões coletadas.
No primeiro momento dos contatos com os gestores das políticas públicas de
atendimento às vítimas de violência e com as demais entrevistadas, foi esclarecida qual era a
intenção da investigação, assegurando, sobretudo, o sigilo das informações obtidas com sua
fala e em relação à parte documental. Estes esclarecimentos foram fundamentais para obter
maior disponibilidade e tranqüilidade das pessoas envolvidas na pesquisa.
Posteriormente, foi feita a análise de conteúdo, de forma quantitativa e qualitativa
dos dados coletados a partir da entrevista com os sujeitos da pesquisa, acrescida de
informações apreendidas através da pesquisa documental.
A presente dissertação de mestrado apresenta-se estruturada em três capítulos,
contendo, além deles, uma introdução e considerações finais. No primeiro capítulo é
caracterizada a problemática da pesquisa, através da reconstituição histórica dos movimentos
feministas no Brasil e de uma síntese das principais contribuições teórico-metodológicas
sobre o tema, objeto central da investigação, e das principais políticas públicas assumidas no
país, voltadas para as mulheres, de modo especial aquelas que tratam da violência conjugal.
No segundo capítulo apresenta-se o contexto da investigação, procedendo à caracterização
sócio-econômico do município de Anchieta e das principais políticas públicas, bem como a
5
descrição das instâncias e funções relativas às políticas públicas de segurança nele existentes.
No terceiro capítulo são apresentados os resultados da pesquisa, a análise dos documentos, e
das entrevistas realizadas, procedendo-se, a seguir, sua interpretação.
6
CAPÍTULO I
A PROBLEMÁTICA DA PESQUISA: VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E
POLÍTICAS PÚBLICAS
As mulheres da chamada Civilização Ocidental têm historicamente se organizado em
diferentes movimentos sociais para a conquista de igualdade e de cidadania em relação a sua
condição de gênero, em diferentes esferas da vida social. Um dos fatos históricos marcantes a
este respeito ocorreu no dia 08 de março de 1.848, quando em uma tecelagem nos Estados
Unidos, 128 mulheres morreram queimadas devido aos protestos que faziam por melhores
condições de trabalho e salário. Tendo como referência esse evento, a Organização das
Nações Unidas (ONU), em 1975, definiu o “8 de março” como o Dia Internacional da
Mulher, dia que relembra a luta pela eqüidade entre homens e mulheres, sendo também o dia
25 de novembro, instituído como o Dia Mundial de Denúncia da Violência Contra a Mulher.
No Brasil, a mobilização política das mulheres se inicia nos anos de 1970, no
contexto da Ditadura Militar, como uma experiência histórica, conforme Sarti (2004), que
enuncia genérica e abstratamente a emancipação feminina e, ao mesmo tempo, se concretiza
dentro de limites e possibilidades, dados pela referência a mulheres em contextos políticos,
sociais e culturais específicos.
Este capítulo tem como objetivo, em primeiro lugar, reconstituir, a trajetória e as
principais características das mobilizações políticas das mulheres, no país, a partir da referida
década. Em segundo lugar, descrever as principais tendências analíticas das ciências sociais,
no Brasil, que trataram das questões específicas sobre as mulheres e, por último, destacar e
analisar as políticas públicas existentes no Brasil voltadas para as mulheres, de modo especial
aquelas destinadas à questão da violência conjugal.
1.1 MOVIMENTOS FEMINISTAS: A MOBILIZAÇÃO CONTRA A DITADURA
MILITAR E PELOS DIREITOS DAS MULHERES
Os “movimentos de mulheres” ou “movimentos feministas” ou ainda “feminismo”
como tem sido genericamente denominado na literatura das ciências sociais, tiveram inicio na
7
década de 1970, no Brasil,
2
dentro de limites e possibilidades demarcados pela conjuntura
política brasileira e pelas próprias condições sociais das mulheres neles envolvidas.
Como lembra Sarti (2004, p. 26):
(...) dependendo do ângulo a partir do qual se olhe o feminismo, (...) embora
influenciado pelas experiências européias e norte-americanas, o início do feminismo
brasileiro dos anos 1970 foi significativamente marcado pela contestação à ordem
política instituída no país, desde o golpe militar de 1964. (...) Embora o feminismo
comporte uma pluralidade de manifestações, ressaltar a particularidade da
articulação da experiência feminista brasileira com o momento histórico e político
no qual se desenvolveu é uma das formas de pensar o legado desse movimento
social, que marcou uma época, diferenciou gerações de mulheres e modificou
formas de pensar e viver. Causou impacto tanto no plano das instituições como nos
costumes e hábitos cotidianos, ao ampliar definitivamente o espaço de atuação
pública da mulher, com repercussões em toda a sociedade brasileira.
Uma confluência de fatores contribuiu como indicam vários autores
3
, para a
mobilização feminista brasileira nos anos acima referidos. Em 1975, ocorreu a declaração,
pela ONU, do Ano Internacional da Mulher, a partir da mobilização feminista das mulheres
européias e norte-americanas, estimulando a discussão das condições femininas no cenário
internacional e nacional. Como aponta Sarti (2004), a essas circunstâncias se somavam, em
primeiro lugar, às mudanças efetivas na situação das mulheres no Brasil a partir dos anos
1960, através de sua participação na luta armada contra a Ditadura, pondo em questão o lugar
tradicionalmente atribuído às mulheres. Em segundo lugar, a referida mobilização foi,
também, influenciada pelo processo de efervescência cultural de 1968, propondo novos
comportamentos afetivos e sexuais, influenciando decisivamente o mundo privado e os
valores e relações familiares. Contestava-se, assim, de modo deliberado ou não, as relações de
poder tanto no mundo naturalizado das relações de gênero, quanto em todas os âmbitos da
sociedade, articulando essas relações à estrutura de classes.
Por outro lado, o feminismo brasileiro que foi iniciado por mulheres militantes de
camadas médias, com educação universitária, expandiu-se através de uma articulação com
camadas de baixa renda e suas organizações de bairro, constituindo-se em um movimento
inter-classes (SARTI, 2004, p. 39):
Essa atuação conjunta marcou o movimento de mulheres no Brasil e deu-lhe
coloração própria. Envolveu, em primeiro lugar, uma delicada relação com a Igreja
Católica, importante foco de oposição ao regime militar. As Organizações feministas
de bairro ganham força como parte do trabalho pastoral inspirado na Teologia da
Libertação. Isso colocou os grupos feministas em permanente enfrentamento com a
2
A luta das mulheres por direitos, no Brasil remonta, como veremos, às primeiras décadas do século passado.
3
Veja-se, entre outros, Machado ( 1998, 2003); Barsted (1994); Sarti (2004) e Sorj (2002).
8
Igreja na busca de hegemonia dentro dos grupos populares. O tom predominante,
entretanto, foi o de uma política de alianças entre o feminismo, que buscava
explicitar as questões de gênero, os grupos de esquerda e a Igreja Católica, todos
navegando contra a corrente do regime militar. (SARTI, 2004, p. 39).
Vale ressaltar, conforme Sarti (2004), que no caso das mulheres mobilizadas nas
organizações de bairros, as reivindicações eram de infra-estrutura urbana básica (água, esgoto,
asfalto e bens coletivos), tendo como parâmetro o mundo cotidiano da reprodução – a família,
a localidade e suas condições de vida – que caracteriza a forma tradicional de identificação
social das mulheres.
Apesar da diversidade interna em relação ao movimento das mulheres, Sarti (2004)
afirma que sua relativa unidade, sem a explicitação desta diversidade, permaneceu até o início
dos anos 1980, quando a luta da oposição ao regime militar ainda era, de certo modo, um
elemento aglutinador. Foi a partir do início desta década, de acordo com a autora, que as
questões propriamente feministas relacionadas à identidade de gênero, ganharam espaço.
Parece, no entanto, afirma Sarti (2004), haver um consenso em torno da existência de duas
tendências principais dentro da corrente feminista do movimento de mulheres no Brasil neste
período. A primeira, mais voltada para a atuação pública das mulheres, investia em sua
organização política, concentrando-se principalmente nas questões relativas ao trabalho, ao
direito, à saúde e à redistribuição de poder entre os sexos. Esta foi a corrente que
posteriormente buscou influenciar as políticas públicas, utilizando-se de canais institucionais
criados dentro do próprio Estado, como veremos mais adiante. A outra vertente preocupava-se
com as relações inter-pessoais, tendo no mundo privado seu campo privilegiado de discussão,
manifestando-se principalmente através de grupos de estudo, de reflexão e de convivência.
Além destas clivagens é necessário destacar que o feminismo teve que enfrentar a
diferença de classe das próprias mulheres mobilizadas. É impossível negar que ele teve
marcas sociais precisas, sensibilizando mulheres profissionais com educação superior.
Pressupõe, assim, recursos de ordem material e simbólica não acessíveis a todas as mulheres,
sobretudo na sociedade brasileira, marcada por profundas desigualdades sociais. As questões
mais diretamente ligadas ao feminismo, tais como as relações entre homens e mulheres, a
sexualidade, a vivência da maternidade não são percebidas de modo similar por diferentes
mulheres e as sensibilizam de modo também diverso, o que foi constatado em várias
pesquisas acadêmicas.
Em outras palavras, como destaca Barsted (1994), o movimento das mulheres não se
identificava diretamente com as classes sociais, nem contestava apenas as estruturas
9
econômicas de dominação, mas se propunha a aprofundar questões culturais e a formar um
campo político específico. Sua diversidade expressava-se pelas múltiplas formas de
organização e reivindicações e também pela ausência de estruturas hierárquicas.
De acordo com Barsted (1994), a essa diversidade acrescentava-se a contradição
entre o esforço pela autonomia e a tendência pela vinculação a partidos políticos e até mesmo
a setores religiosos aliados na luta contra a ditadura. Conviviam, a rigor, tendências
reformistas e revolucionárias. “Mas seu caráter revolucionário, de questionamento de todas as
formas de discriminação e de uma subordinação historicamente construída, garantiu sua
peculiaridade e permanência” (BARSTED, 1994, p. 40). Enfim, de acordo com a autora, o
movimento das mulheres questionava tanto as estruturas públicas de poder como as estruturas
privadas: a família e a relação entre os gêneros.
A referida diversidade de possibilidades de contornos que assumiu o movimento das
mulheres no Brasil, que por si só já tem que ser pensado no plural, manifesta-se, também, no
interior das mobilizações das mulheres, que podem ser categorizadas como pertencentes a
uma mesma classe social. Isto se manifesta, por exemplo, na conjugação de diferentes
movimentos sociais como o das lutas sindicais e as lutas especificamente feministas. Assim é
que, de acordo com Boni (2004), no período de 1970 a 1980, as trabalhadoras urbanas tiveram
importante participação nas lutas sindicais. Esta participação ocorreu, no entanto, sem que
tenha avançado sua participação na direção sindical, mesmo no chamado “novo
sindicalismo”, que implicou em intensas transformações e mobilizações, que contribuíram
para a criação do PT, em 1980, e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983. "Foi
somente a partir da criação deste novo sindicalismo que as questões de gênero passaram a ter
importância no movimento sindical", como afirma Boni (2004, p. 294)
Ao mesmo tempo, inicia-se, na década de 1980, a participação de mulheres
trabalhadoras rurais em sindicatos. Em Santa Catarina foi criado em 1983 o Movimento das
Mulheres Agricultoras, a partir do questionamento da não oportunidade das mulheres de
serem sindicalizadas. Foi também este Movimento que colocou a discussão de gênero entre as
mulheres agricultoras. Discute-se, entretanto, entre diferentes autores (CASAGRANDE,
1991; POLI, 1999, apud BONI, 2004), o que mobilizou, de início, estas mulheres: se as
questões de gênero ou as de classe ou se, como propõe Poli (apud Boni, 2004), estas
demandas caminharam juntas no referido Movimento. Esta última perspectiva é comprovada
na pauta dos principais temas discutidos no I Encontro do MMA: 1) A necessidade da mulher
entrar na luta; 2) Igualdade entre homens e mulheres; 3) A necessidade das agricultoras se
10
unirem e se organizarem para terem seus direitos e dignidade respeitados. (BONI, 2004, p.
293). Como afirma a autora:
A partir disso, nota-se que não eram apenas interesses de classe que moviam as
mulheres (...). As lutas pelos direitos previdenciários – aposentadoria, salário-
maternidade, auxílio-doença – e o reconhecimento da profissão de agricultora eram
bandeiras do movimento, mas se buscava também um espaço de participação mais
igualitário para as mulheres dentro dos movimentos populares e das próprias
unidades de produção. (BONI, 2004, p.293).
Boni (2004), enfatiza, entretanto, que a despeito das mulheres ocuparem atualmente
postos de liderança nos sindicatos, nota-se, ainda muita discriminação contra elas. Apesar de
novas formas de atuação e de lutas sindicais que estão levando em conta as questões de
gênero, as mulheres continuam a enfrentar a dificuldade de parte delas de associar seus papéis
tradicionais no mundo rural, com as novas tarefas políticas, ao mesmo tempo que têm que
lutar para serem consideradas como iguais pelos homens, sem que sejam hierarquizadas as
diferenças de papéis que lhes cabem, tanto na produção quanto no universo doméstico.
A busca pelo poder dentro dos sindicatos se dá através do discurso da capacidade da
mulher, e a viabilização desse discurso ocorre por meio da ocupação de cargos na direção. As
trabalhadoras rurais querem, assim, como afirma a autora, demonstrar que são capazes de
exercer as mesmas funções que seus companheiros e que, para participarem do Movimento
Sindical de Trabalhadores Rurais (MSTR), têm de participar de sua estrutura através dos
cargos eletivos. Por outro lado, as que lutaram pela mudança no sindicato, no início do
Movimento das Mulheres Agricultoras (MMA), também continuaram a fazer parte do
Movimento, depois de ocuparem lugar no sindicato, onde se sentiam mais representadas e
também mais à vontade para se exporem e exporem suas idéias. “Porém, esse movimento
constituiu-se mais em um meio do que em um fim. Ele funciona, como afirmam algumas
militantes, como uma instância preparatória para as mulheres assumirem outros movimentos”
(BONI, 2004, p. 296). Boni afirma, entretanto, que:
Já, para outras, a demanda de trabalho no STR pode exigir tanto que não sobra
tempo para militar também no MMA. Um bom exemplo disso é que as mulheres
agricultoras têm diferentes militâncias, que vão desde a comunidade, passando pela
Igreja, até os movimentos sociais. Ou seja, elas fazem parte – juntamente com seus
maridos – de grupos na comunidade, são catequistas, coordenadoras de grupos de
reflexão, além dessas são as tarefas na esfera pública. Mas existe também a esfera
privada, em que as mulheres são mais cobradas, pois tradicionalmente foram
considerados seus papéis a educação dos filhos, os afazeres domésticos, a lida com
as pequenas criações e também o trabalho na lavoura. Conciliar tantas atribuições
com militância não é uma tarefa fácil. (BONI, 2004, p. 296).
11
A autora acrescenta ainda que as próprias dirigentes se cobram muito por não terem
o mesmo ritmo dos homens, por terem de assumir seus outros papéis (mãe, esposa), enquanto
justificam que para os homens essas questões são mais tranqüilas. "Também pesa sobre a
mulher a discriminação por estar saindo de casa, indo do espaço privado ou comunitário para
o público" (BONI, 2004, p. 296).
Quanto aos homens, embora alguns manifestem um discurso de igualdade, a
cobrança e a discriminação dos companheiros dirigentes em relação ao movimento
contribuem para desestimular a dupla militância. No caso dos maridos, vale ressaltar, como
coloca Bourdieu (apud BONI, 2004, p. 298) "que mudar o habitus
4
não depende apenas das
mulheres, uma vez que elas vão incorporar outros papéis além do de mãe, esposa e
trabalhadora". Seria, a rigor, necessário uma reordenação das tarefas rotineiras, com maior
participação do marido e dos filhos, para que a mulher assuma um lugar no sindicato. Quando
é o homem que assume esse papel, a mulher, na maioria das vezes, desempenha as suas
funções na propriedade com a ajuda dos filhos.
Entretanto, como afirma Boni (2004), o peso do habitus não é do tipo que se possa
suprimir pela simples vontade, baseada em uma tomada de consciência libertadora:
(...) A socialização da mulher agricultora foi muito dura; ela foi educada para aceitar
o que os homens decidem ou, se não para aceitar, para não decidir. Isso sempre foi
uma tarefa de seu pai ou de seu marido. Não é tranqüilo, como os dirigentes
afirmam, buscar a igualdade na família, pois ali existem muitas diferenças: para a
mulher, não é fácil abandonar o habitus de ser dominada; e para o homem é também
muito difícil deixar de ser o dominador. (BONI, 2004, p. 298).
Woortmann e Woortmann (1997, p. 38), por sua vez, afirmam que a ideologia
“camponesa”, ou seja dos pequenos produtores rurais tradicionais, entende o pai de família
como “aquele que ‘re-une’ todas as condições para participar de todo o processo de trabalho”;
aquele que é dono do saber. Transforma-se, assim, o saber em um componente reforçador da
hierarquia familiar, embora os outros membros da família, como os filhos e a esposa, também
conheçam as diferentes etapas do processo produtivo. Assim, as relações de gênero, na
agricultura familiar, se dão entre os membros do núcleo familiar. Principalmente o pai, é
considerado chefe da família. É quem administra os trabalhos, pois é ele que possui o
4
De acordo com Bourdieu (1972 , apud Ortiz, 1983, p. 15) , a noção de habitus é definida como “sistema de
disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é,
como princípio que gera e estrutura as práticas e as representações que podem ser objetivamente regulamentadas
e reguladas (...) objetivamente adaptadas a um fim, (...), sendo, ao mesmo tempo, coletivamente orquestradas
sem serem o produto da ação organizadora de um maestro”.
12
conhecimento ou o poder do saber. Poder que é exercido para além das tarefas estritamente
econômicas, como foi visto.
Em um trabalho comparativo realizado entre produtores familiares na região limite
da zona da mata de Pernambuco e em uma localidade situada na região noroeste do Rio
Grande do Sul, Heredia (1996, p. 58) faz constatações similares a respeito do poder do chefe
de família em relação aos demais membros da unidade familiar de produção, envolvendo uma
dominação tanto geracional quanto de gênero. De acordo com a autora, a posição que cada
membro do grupo doméstico ocupa, está estritamente ligada às atividades econômicas. Assim
é que o trabalho no roçado, responsável pelo abastecimento de produtos considerados
prioritários em relação à subsistência familiar, é masculino. Este trabalho é executado, em
primeira mão, pelo pai de família, sendo ele considerado, apesar da colaboração da mão de
obra dos filhos e da mulher, o responsável pelo sustento do grupo doméstico e é baseado
nessa autoridade que ele o representa no mundo exterior. Estas relações compreendem,
dependendo do contexto, a relação com outras unidades domésticas vizinhas, a compra e
venda de produtos, a relação com a feira, o sindicato, etc. Assim, tudo o que é público,
envolvendo uma relação com o exterior, é masculino, inclusive a política.
Em relação, ainda, às mulheres rurais sob a perspectiva de gênero, considerando que
Anchieta é um município com perfil sócio-econômico sobretudo rural, vale a pena acrescentar
outras informações provenientes de um importante dossiê organizado por Paulilo e Brumer
(2004), contendo oito artigos de diferentes pesquisadores, entre os quais o de Boni (2004).
Este dossiê acrescenta algumas informações sobre as atuais condições das mulheres rurais, a
partir de pesquisas realizadas com agricultoras do sul do Brasil. Além de tornarem visível o
trabalho feminino nos campos, são analisadas as condições em que ele ocorre. Outra
preocupação, como indicam as autoras:
foi compreender como as mulheres rurais vêem suas condições de vidas e o que as
levou a se agruparem em movimentos reivindicatórios fortes que propõem mudanças
para que elas possam permanecer na agricultura, não tendo como horizonte a ida
para a cidade com o forma de fugir de um cotidiano de submissão. (id., p. 39)
Paulilo (2004), entretanto, em seu texto, afirma que a mobilização das mulheres
agricultoras permitiu fazer uma releitura das teorias existentes, uma vez que colocou em
xeque a aceitação corrente de sua submissão e de seu papel subalterno. Mesmo assim, os
textos de Brumer e de Stropasolas constatam que há uma maior tendência das moças para
saírem de casa, abandonando a zona rural, pela invisibilidade do trabalho executado por elas
13
nos campos; pelas tradições culturais que priorizam os homens às mulheres na execução dos
trabalhos agropecuários mais especializados, tecnificados e mecanizados, na chefia dos
estabelecimentos e na comercialização dos produtos; pelas diferenciadas oportunidades por
sexo de trabalho parcial ou emprego fora da agricultura para a população residente no meio
rural; e ainda pela exclusão das mulheres da herança da terra.(PAULILO; BRUMER, 2004, p.
172-173).
Quanto à conquista de direitos, Brumer (2004) salienta que a Constituição de 1988,
devido à pressão dos movimentos de mulheres rurais em todo o país, garantiu às mulheres
direitos previdenciários como aposentadoria aos 55 anos e licença-maternidade remunerada.
Porém, ressalta a autora que esses direitos não puseram em xeque a relação entre os cônjuges,
na medida em que os homens vêem esses benefícios como recursos adicionais que saem do
“bolso” do Estado e entram no “bolso” dos membros da família e, portanto, no do marido.
Assim sendo, constata a autora que as mulheres permanecem em uma posição subordinada na
estrutura familiar, tendo pouco acesso à terra, menores perspectivas profissionais que os
homens e, portanto, menor motivação para permanecer no meio rural.
Os desafios em termos de igualdade para as mulheres rurais, assim como para muitas
delas provenientes do campo, mas que ocupam espaços urbanos onde estes valores ainda
prevalecem, parecem ser, a partir dos trabalhos acima referidos e de outros como os de
Haigert (2000), Abramovay (2001) e Burg ( 2005), vencer sobretudo os valores culturais
tradicionais ainda vigentes que alicerçam as relações de gênero.
Em síntese, a despeito das continuidades anteriormente destacadas em relação à
subordinação das mulheres, que não se restringem, vale destacar, aos espaços rurais, como
afirmam Barsted (1994) e Sarti (2004), os diferentes grupos e movimentos de mulheres
construíram um campo político onde as mulheres foram os sujeitos da luta, transferindo para o
espaço público sua atuação e rompendo com sua invisibilidade histórica., retirando-as do
confinamento doméstico, pondo também direta ou indiretamente em discussão as identidades
de gênero.
1.1.1 A problemática da violência e as lutas previstas
No que diz respeito à questão da violência, Machado (1998, p. 4) afirma que
violência contra a mulher “foi à expressão que conseguiu nomear o inominado do segredo da
14
violência doméstica e da violência sexual que têm um sentido tendencialmente dirigido dos
homens sobre as mulheres”.
De acordo com Blay (2003, p. 87) “Agredir, matar, estuprar uma mulher ou uma
menina são fatos que têm acontecido ao longo da história em praticamente todos os países
ditos civilizados e dotados dos mais diferentes regimes econômicos e políticos”. Apesar de
organismos internacionais, afirma Blay, terem começado a se mobilizar contra este tipo de
violência depois do estabelecimento do Dia Internacional da Mulher (1975), a própria
Comissão de Direitos Humanos da ONU, apenas em 1973, na Reunião de Viena, incluiu um
capítulo de denúncia e propõe medidas para coibir a violência de gênero.
No Brasil, como afirma Blay:
(....) sob o pretexto do adultério, o assassinato de mulheres era legítimo antes da
República. Koerner (2002) mostra que a relação sexual da mulher, fora do
casamento, constituía adultério – o que pelo livro V das Ordenações Filipinas.
Permitia que o marido matasse a ambos. O Código Criminal de 1830 atenuava o
homicídio praticado pelo marido quando houvesse adultério. Observe-se que, se o
marido mantivesse relação constante com outra mulher, esta situação constituía
concubinato e não adultério. Posteriormente, o Código Civil (1916) alterou estas
disposições considerando o adultério de ambos os cônjuges razão para desquite.
(BLAY, 2003, p. 87)
Entretanto, desde a metade do século XIX até depois da Primeira Guerra Mundial, de
acordo com Blay (2003), o panorama econômico e cultural do Brasil mudou profundamente.
A industrialização e a urbanização alteraram a vida cotidiana, particularmente a das mulheres.
Parte delas começou a trabalhar fora de casa, a estudar, a poder substituir bens produzidos em
casa por bens oferecidos em casas comerciais; tiveram acesso ao cinema, e meios de
transporte, alterando-se inteiramente o ritmo de vida e os contatos entre homens e mulheres.
De acordo com Besse (1999 apud BLAY, 2003), mulheres das classes média e alta passaram a
protestar contra a tirania dos homens no casamento, sua infidelidade, brutalidade, abandono –
temas que se tornaram freqüentes entre escritoras, jornalistas e feministas dos anos de 1920.
Já então se apontava que os maridos tinham sido assassinados por mulheres brutalizadas. A
interpretação desses fatos e queixas, contudo, apontava para uma “crise” na família e no
casamento, tendo como responsáveis o trabalho feminino e a paixão. Como acreditava-se,
assim, que o trabalho feminino fora de casa provocava a desagregação da família, foi incluído
no Código Civil em 1916 que a mulher deveria ter autorização do marido para poder
trabalhar.
Em relação aos crimes passionais, as feministas das décadas de 1920 e 1930
ganharam aliados entre alguns Promotores Públicos que, para o combate a estes crimes,
15
fundaram o Conselho Brasileiro de Higiene Social. Como afirma Besse (1999, apud BLAY,
2003, p. 88), “não era propriamente a defesa das mulheres que eles visavam, mas pretendiam
efetivamente proteger a instituição familiar”.
Segundo Blay (2003), uma forte reação em defesa da vida das mulheres e pela
punição dos assassinos voltou a ocorrer, no Brasil, na década de 1970, especialmente a partir
do assassinato de Ângela Diniz por parte de Doca Street, de quem desejava se separar. A
morte de Ângela e a libertação do assassino levantaram forte clamor das mulheres que se
mobilizaram em torno do lema “quem ama não mata”. O fato provocou grandes controvérsias
envolvendo juristas, jornalistas e a opinião pública, a maior parte deles questionando a reação
das mulheres. Outros dois assassinatos posteriores de mulheres de prestígio social, cujos réus
foram igualmente absolvidos ou sofreram pena mínima, apesar das controvérsias, contribuiu
para dar visibilidade à violência conjugal e a colocar definitivamente seu combate na pauta do
feminisno brasileiro.
Como lembra Machado (2002), a repercussão dos homicídios conjugais de homens
contra suas companheiras deu origem à criação de SOSs, em 1983, oferecendo serviços
dirigidos ao atendimento das mulheres vítimas de violência
5
. A autora destaca, a propósito,
algumas diferenças entre a movimentação feminista de libertação das mulheres nos Estados
Unidos e na Franca, em relação ao feminismo brasileiro. Machado (2002, p. 2) afirma que
“Uma das singularidades do movimento feminista brasileiro é sua forte vinculação com a
defesa pelos direitos das mulheres articulando-os com a questão dos direitos sociais, mais do
que com a noção de liberdade ou liberação”. A movimentação feminista naqueles países
enfatizava a liberdade sexual, denunciava que o corpo e o sexo feminino eram controlados
pelos homens. Assim:
A luta pela liberdade sexual foi consetânia à denúncia da violação sexual e da
relação sexual obtida à força pelo companheiro. (...) Para o movimento feminista
brasileiro, as palavras de ordem iniciais referentes à violência se deram (...) em torno
da denúncia dos homicídios cometidos por maridos contra suas esposas (...) Fazia-se
a denúncia do controle masculino sobre os corpos femininos, mas foi a denúncia do
caso extremado do poder de vida e de morte dos homens sobre suas mulheres, a
tônica capaz de repercutir na opinião pública e nas elites políticas da época”.
(MACHADO, 2002, p. 3).
5
Essa foi uma experiência que seguiu o exemplo de iniciativas adotadas na Europa e nos Estados Unidos. Eram,
conforme Heilborn (1994) entidades que ofereciam apoio às mulheres vítimas de violência doméstica através de
plantões de atendimento. Buscava-se, mediante conversas, conscientizar a clientela sobre a situação da mulher na
família e na sociedade. Tal prática originava-se da prática feminista dos grupos de auto-reflexão, em que se
pressupunha que a narrativa da vida habilitaria a mulher a descortinar as razões de sua opressão, sendo este
atendimento destinado sobretudo às mulheres de camadas de baixa renda.
16
Em síntese, a partir destas e de outras demandas apresentadas pelos movimentos
feministas, no Brasil, tornaram-se inegáveis as conquistas destes movimentos, tendo como
saldo positivo, de início, as alterações da condição feminina ao longo da década de 1980,
culminando com a promulgação da Constituição de 1988 e com outras conquistas posteriores,
resultando em políticas públicas e organizações da sociedade civil, aspectos que serão
tratadas.
1.2 O DEBATE TEÓRICO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES
A pesquisa “A mulher brasileira nos espaços público e privado” (apud VENTURE;
RECAMAN, 2004, p. 24) revela que cerca de uma em cada cinco brasileiras 19% declara
espontaneamente ter sofrido algum tipo de violência por parte de algum homem; 16% relatam
casos de violência física; 2% citam alguma violência psíquica e 1% lembra do assédio sexual.
Porém, quando estimuladas pela citação de diferentes formas de agressão, o índice de
violência sexista ultrapassa o dobro, alcançando alarmantes 43%. Um terço das mulheres
admite já ter sido vítima, em algum momento de sua vida, de alguma forma de violência física
24% desde ameaça com armas ao cerceamento do direito de ir e vir; 22% de agressões
propriamente ditas e 13% de estupro conjugal ou abuso); 27% sofreram violências psíquicas e
11% afirmam já ter sofrido assédio sexual, 10% dos quais envolvendo abuso de poder.
Segundo, ainda, a Fundação Perseu Abramo, uma das instituições responsáveis pela
referida pesquisa (VENTURE; RECAMAN, 2004), a cada 15 segundos uma mulher sofre
alguma agressão no Brasil, num total de 2,1 milhões de vítimas de espancamento por ano. A
maioria desses casos de violência é praticada por maridos, companheiros ou namorados,
podendo, portanto, ser rotulada de “violência de gênero”.
Como afirmam Soares et al. (1996), a publicização da violência que ocorre no âmbito
doméstico, obrigou-nos a entrar em contato com a triste realidade de que a casa é, como
sempre foi, também um lugar de risco. Dados do IBGE (apud GROSSI, 1998) indicam que
90% das denúncias de violências feitas pelas mulheres nas delegacias de polícia se referem às
agressões conjugais ou de pai contra uma filha (em geral de incesto). Violência silenciosa,
como afirma Grossi (1998, p.12) “a violência doméstica contra as mulheres ou meninas está
17
presente em mais de 10% dos lares brasileiros e não respeita nem classe social nem idade das
vítimas”.
De acordo com Heilborn (2000, p. 91):
Designa-se correntemente como violência contra a mulher, tanto na bibliografia
especializada quanto no senso comum, tipos de agressões físicas que podem ser
tipificadas por um boletim do Instituto Médico Legal, basicamente em três
modalidades: assassinato, lesões corporais, fruto de espancamento, e estupro.
Embora, do ponto de vista da codificação penal, os delitos nos quais a mulher é a
vítima em razão de seu sexo sejam em maior número, o senso comum elencou estes
três como os mais representativos.
Ou seja, como aponta Grossi (1995), violência contra a mulher é sinônimo de
“violência física conjugal”.
Contudo, segundo Campos (2001), a violência conjugal tem sido tratada na literatura
das ciências sociais através de múltiplos termos: violência doméstica, violência de gênero,
violência contra a mulher, violência intra-familiar, cada termo representando um enfoque
teórico específico. A rigor, é possível aglutinar as diferentes tendências em pelo menos três
perspectivas teóricas.
A primeira delas que pode ser considerada como genericamente derivada das
posturas do início dos movimentos feministas, refere-se aos homens como os únicos sujeitos
engendradores da violência contra as mulheres.
Uma das autoras que assume esta perspectiva, Saffioti (1994), como afirma Porto
(2002), utiliza-se da perspectiva da violência de gênero, afirmando que “potencialmente, todo
o homem é violento na medida em que é incentivado a ser valente, a mostrar que é macho,
masculinidade sendo sinônimo de transformação da agressividade em agressão”(SAFFIOTI,
1994, apud PORTO, 2002, p. 25). Saffioti (1994) considera, também, que vivemos em uma
sociedade patriarcal, na qual as mulheres são controladas e dominadas pelos homens e onde a
violência é sempre masculina.
Segundo Strey (2001, p. 50), nos Estados Unidos, onde o movimento feminista teve
grande importância e influência internacional, o conceito de gênero foi introduzido no
discurso teórico feminista em meados dos anos setenta por dois estudos antropológicos
(ROSALDO e LAMPHERE, 1974; REITWER, 1975, apud STREY, 2001). A Inglesa Oakley
(1972, apud Strey, 2001) anteriormente já exigia que se distinguisse entre macho/fêmea e
masculino/ feminino. No Brasil, o conceito de gênero foi incorporado pelo feminismo e pela
produção acadêmica brasileira sobre mulheres, ainda nos anos 1970, a partir da produção
acadêmica tanto norte-americana quanto européia.
18
Como afirma Heilborn:
Gênero é um conceito das ciências sociais que, grosso modo, refere-se à construção
social do sexo. Significa dizer que, no jargão da análise sociológica, a palavra sexo
designa agora a caracterização anátomo-fisiológica, dos seres humanos e, no
máximo, a atividade sexual propriamente dita. O conceito de gênero ambiciona,
portanto, distinguir entre o dimorfismo sexual da espécie humana e a caracterização
de masculino e feminino que acompanha nas culturas a presença de dois sexos na
natureza. Este raciocínio apóia-se na idéia de que há machos e fêmeas na espécie
humana, mas a qualidade de ser homem e ser mulher é condição realizada pela
cultura (HEILBORN, 1994, p. 97).
Fraser (2002), por sua vez, aborda a questão de gênero de forma bifocal, através de
dois olhares, o de classe e o de status:
Gênero aparece como uma diferenciação semelhante a classe, enraizada na própria
estrutura econômica da sociedade. Trata-se de um princípio básico para a
organização da divisão do trabalho, dá sustentação à divisão fundamental entre
trabalho “produtivo” pago e trabalho doméstico “reprodutivo” não pago, sendo este
último designado como responsabilidade primária das mulheres. Pela perspectiva do
reconhecimento, por outro lado, gênero aparece como uma diferenciação de status,
enraizada na ordem de status da sociedade. Gênero codifica padrões culturais de
interpretação e avaliação já disseminadas, que são centrais na ordem de status como
um todo. (FRASER, 2002, p. 64).
Almeida (1997), outra autora indicada por Porto (2002) que segue a mesma
perspectiva de Saffioti (1994), também designa a violência contra a mulher de violência de
gênero, acrescentando que ela visa:
(...) a preservação da organização social de gênero, fundada na hierarquia e na
desigualdade de lugares sociais sexuados que subalternizam o gênero feminino e
amplia-se e ritualiza-se na proporção direta em que o poder masculino é ameaçado.
A violência de gênero é produzida no interior de densas relações de poder,
objetivando o controle da categoria que detém sua menor parcela; e revela
impotência de quem a perpetra para exercer a exploração-dominação, pelo não
consentimento do alvo desta forma de violência (ALMEIDA, 1997, apud PORTO,
2002, p. 25).
Vale ressaltar, por outro lado, que de acordo com Machado (1998), a maior ênfase na
violência contra a mulher como sendo uma violência de gênero é retratada sob uma
perspectiva feminista que entende a denominação violência doméstica como uma utilização
politicamente incorreta. Ao referir-se à violência contra a mulher especificamente, este termo
apresenta uma situação complexa de relações internas e externas, além de ser a violência na
qual estão envolvidos outros personagens como a criança e o adolescente e os idosos.
Para Machado (2000, p. 5), gênero é uma categoria elaborada “para se referir ao
caráter fundante da construção cultural das diferenças sexuais, a tal ponto que as definições
19
sociais das diferenças sexuais é que são interpretadas a partir das definições culturais de
gênero”. De acordo com a autora, a utilização de gênero propiciou um novo paradigma
metodológico:
Em primeiro lugar porque se está diante da afirmação compartilhada da ruptura
radical entre a noção biológica de sexo e a noção social de gênero. Em segundo
lugar, porque se está diante da afirmação do privilegiamento metodológico das
relações de gênero, sobre qualquer substancialidade das categorias de mulher e
homem ou de feminino e masculino. Em terceiro lugar, porque se está diante da
afirmação da transversalidade de gênero, isto é, do entendimento de que a
construção social de gênero perpassa as mais diferentes áreas do social.
(MACHADO, 2000, p. 6).
Outra vantagem, ainda, de acordo com Machado (2000) em relação ao uso do
conceito de gênero é que ele pode metodologicamente ser:
a ferramenta necessária para indagar sobre as mais diversas sociedades e culturas,
sem um a priori, e com toda a flexibilidade para analisar a sua historicidade. O
suposto deste conceito é que todas as sociedades e culturas constroem suas
concepções e relações de gênero. (MACHADO, 2000, p. 6).
Uma segunda tendência é expressa por diferentes autores entre os quais Gregori
(1993), Grossi ( 1998), e Soares (1996).
De acordo com Gregori (1993), a mulher é produtora, juntamente com seu parceiro,
das relações violentas. A autora refere-se criticamente a um processo de “vitimização” da
mulher, no tratamento da violência de gênero, compartilhado pelas próprias mulheres
agredidas. Esta vitimização, conforme a autora (GREGORI, 1993, apud Porto, 2002, p.26),
ajuda a mulher “a criar aquele lugar no qual o prazer, a proteção ou o amparo se realizam
desde que se ponha como vítima”, sendo este posicionamento “o buraco negro da violência
contra a mulher”. Assim, a violência faz parte de um jogo relacional no qual haverá sempre
uma cena que prepara a guerra. Gregori comenta (apud Porto, 2002) que está claro “que as
mulheres e os homens provocam ou mantêm estas situações, inconscientemente ou
impensadamente, sem a intenção clara ou vontade de, mas jogando com signo, diálogos,
xingamentos ou acusações que o estimulam”. (GREGORI, 1993, apud PORTO, 2002, p. 26).
Como salienta Porto (2002), Grossi acompanhando a mesma linha de argumentação,
levanta a possibilidade de perceber também homens “vitimizados”, bem como a troca das
funções agressor/vítima. De acordo com Grossi:
O modelo da violência doméstica, seria o resultado de complexas relações afetivas e
emocionais, não restritas ao âmbito da heterossexualidade, podendo também ocorrer
20
em relações afetivas envolvendo duas mulheres ou dois homens. A ampliação da
reflexão sobre a violência conjugal ao âmbito das relações homoeróticas permite, no
meu entender, duvidar das teorias feministas centradas na concepção de que são os
homens, enquanto representantes do patriarcado, os ´culpados` da violência
doméstica, uma vez que permite constatar que também há violência de mulheres
contra mulheres e de homens contra homens em relações afetivo/conjugais, e não
apenas de homens contra mulheres, situação na qual as mulheres são
sistematicamente percebidas como vítimas da violência masculina (GROSSI, 1998,
apud Porto, 2002, p. 26).
Como parece evidente na citação acima, trata-se de uma perspectiva crítica em
relação a primeira perspectiva teórica . Grossi (1998) polemiza o papel de vítima da mulher,
papel construído ao longo da história. Como bem aponta Porto (2002), Gregori e Grossi
afirmam, portanto, que as mulheres podem ser também propulsoras da violência no campo
afetivo/conjugal, juntamente com seus companheiros. Desloca-se, deste modo, o foco em
relação à violência doméstica, da imagem do homem agressor, surgindo a imagem, como
ressalta Porto (2002), de “casais violentos”, também entendendo as mulheres como
participantes ativas desses conflitos afetivo-conjugais. (GROSSI, 1991, 1998; GREGORI,
1993, apud PORTO, 2002, p. 27).
Uma terceira tendência analítica em relação à violência conjugal contra a mulher é
apontada em pelo menos três dos trabalhos de Lia Zanotta Machado (1998, 1999, 2000).
No primeiro deles (MACHADO, 1998), a autora inicia suas reflexões a partir de
informações empíricas coletadas através de um levantamento das notícias sobre homicídios
em periódicos diários de 15 Estados brasileiros realizado pelo Movimento Nacional dos
Direitos Humanos, durante os anos de 1995 e 1996. Machado (1998) identifica, neste
levantamento, diferentes tipos de violência, de um modo geral, apresentando a seguinte
classificação, útil para pensar a violência de gênero ou o gênero da violência. Como afirma a
autora, registra-se um tipo de violência, classificada como institucionalizada, que pode ser
assim sub-dividida: a violência institucional (assim denominada tendo o institucional como
público e estatal), referente aos setores policiais e das forças armadas; a violência institucional
privada (pressupondo, como na estatal, algum tipo de ação grupal organizada em torno de
valores e interesses); e a criminalidade organizada relativa a grupos de extermínio, gangues e
quadrilhas. Outro tipo de violência é a individual marginal – “marginais no sentido de ilegais
– como roubo, assalto, organizada de modo individual. Acrescenta-se, ainda, a violência
interpessoal, aquela que, de acordo com Machado (1998, p. 5) “atravessa o contexto de
relações cotidianas, ordinárias, corriqueiras e legais”.
Considerando a referida classificação, Machado se indaga sobre os gêneros da
violência, ou seja, considerando que o gênero é o modo como numa dada sociedade e cultura
21
são construídas as idéias do que são os atributos do masculino e do feminino “o gênero de
quem mata e o gênero de quem morre, não são indiferentes em relação ao ato e à modalidade
da violência” (MACHADO, 1998, p. 4).
Como afirma a autora (1998, p. 4), “quer se olhe para os acusados de homicídio, quer
se olhe para as suas vítimas, são homens jovens os personagens que estão quantitativamente
na centralidade do cenário da violência. De acordo com os dados da pesquisa em foco, no que
refere ao ano de 1996, são homens 97,10% dos acusados e 89,70% das vítimas”. Ou seja,
mata-se e morre-se mais no masculino. No feminino, morre-se um pouco menos e mata-
se muitíssimo menos
6
(1998, p. 6). Acrescentando a estes dados outros do “Sistema de
Informações sobre Mortalidade do Ministério de Saúde” que confirmam esta constatação, a
autora indaga se seria falso falar, a partir deles, da vitimização das mulheres pelos homens.
Conforme Machado:
(...)esta formulação é parcialmente falsa, porque produz o efeito de obscurecer o fato
de que as vítimas preferenciais dos homicídios masculinos são também homens. (...)
De outro lado, é brutalmente verdadeira por duas razões: uma porque as mulheres
quase são somente mortas pelos homens, e outra, porque os homicídios são apenas a
ponta do iceberg da violência doméstica e da violência amorosa. A violência
doméstica é muito mais ampla que o homicídio doméstico (...) A violência física
doméstica é cotidiana, rotineira e rotinizada, e geralmente produtora de uma
escalada, em que a morte pode vir a ser (mas nem sempre é) o ponto final. A morte é
sempre o significante evocado atras da constância das ameaças. (MACHADO,
1998, p. 6).
Ao mesmo tempo, tecendo ainda considerações a respeito de vítimas e vitimizadores
no caso dos homicídios de mulheres, Machado (1998, p. 13) constata que os vitimizadores
destes homicídios se enquadram na categoria de “parceiros de relações amorosas e sexuais
com alguma presumida estabilidade”. Nela foram incluídos esposos, companheiros, amantes,
namorados, noivos, ex-esposos, ex-companheiros, ex-amantes e ex-namorados. Esta categoria
sozinha demonstrou representar 66,29 % do total dos acusados das vítimas femininas, sobre as
quais foram fornecidas informações sobre as suas relações com os acusados.
A partir destes últimos dados, novas considerações e indagações são encaminhadas
pela autora. Em relação aos homens, Machado (1998, p. 14) sugere que “controle, desejo de
ter, desejo de não perder” é do que nos falam os homens agressores. No entanto, caberia
perguntar:
...o que faz com que as mulheres se enredem nessas difíceis relações amorosas? O
desejo de se verem reconhecidas pelo olhar masculino, o único que as espelha, já
que elas não se vêem nos seus próprios espelhos? Seria, também, por esta e outras
6
Negrito da autora
22
razões que ela contestam, denunciam a violência, mas sempre esperam que eles
afinal lhes dêem razão? (MACHADO, 1998, p. 14)
Em síntese, de acordo com Machado (1998, p. 14) “dois mundos simbólicos parecem
dividir as expectativas das mulheres face a seus companheiros. De um lado, a igualdade de
direitos, de outro, a construção de um parceiro amoroso que seja protetor e que pareça deter o
poder mágico de dar-lhe o seu auto-reconhecimento”. São colocações deste tipo que tornam
consistentes as observações da autora em seu outro artigo referido (1999) ao afirmar, em
relação às pesquisas a respeito da violência de gênero, que:
As análises da temática passaram a delinear e a nomear como objeto de reflexão a
trama mesma das relações entre homens e mulheres, e a dupla indagação sobre os
seus devidos lugares.Não basta entender as mulheres como vítimas, mas sim suas
reações e interação. Também não basta entender as relações conjugais entre homens
e mulheres, apenas como relações de poder ou não poder, de desigualdade ou de
igualdade, e de violência ou de não violência; essas relações também se organizam
como relações de afetividade, de sexualidade, de amor e de paixão”.
(MACHADO,1999, p. 174)
Estudos mais recentes sobre violência doméstica, no Brasil, como informa Machado
(1999, p. 175), especialmente dos anos 1990, têm identificado atitudes que levam mulheres a
se manterem em relações de violência e até mesmo a contribuírem para a continuidade deste
jogo. Novamente, entretanto, a autora (MACHADO, 1999) se pergunta: “Estaríamos diante de
uma nova perspectiva não mais informada pela preocupação com os direitos?” Não estariam,
assim, as vítimas da violência doméstica, isto é, as mulheres, não mais sendo pensadas como
violentadas nos seus direitos?
O desafio dos cientistas sociais, alerta Machado (1999), é estabelecer uma
perspectiva interpretativa que não incorra no equívoco simplista de se obrigar a uma falsa
escolha entre as duas posições: da vitimização das mulheres e de seus direitos à proteção a da
compreensão de seu relativo envolvimento em relações conjugais violentas. Trata-se, como
afirma a autora, de assumir uma proposta alternativa de análise que leve em conta, ao mesmo
tempo, estas duas perspectivas. Em outros termos, trata-se de enfrentar os dilemas e as
complexidades do campo da violência doméstica falando, ao mesmo tempo, de casais
violentos e da distinção entre vítimas e agressores, perspectiva, enfim, que nos parece a mais
adequada para lidar com a problemática da violência conjugal, utilizando-se também da noção
de violência de gênero e que norteia esta dissertação.
23
1.3 A MOBILIZAÇÃO POLÍTICA DAS MULHERES E O PAPEL DO ESTADO:
POSSIBILIDADES E LIMITES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
A mobilização das mulheres a partir da década de 1970 resultou, sem nenhuma
dúvida, em inúmeras conquistas em termos de direitos e de políticas sociais, voltadas para
diferentes aspectos, entre os quais o da proteção em termos da violência conjugal.
Para realizar, mesmo que sinteticamente, um mapeamento destas conquistas, alguns
autores, entre os quais Farah (2004), fazem uma retrospectiva das condições históricas, em
termos da organização do Estado e de sua relação com sociedade civil, em que elas
ocorreram. Assim é que, de acordo com a autora, desde o final de 1970, ocorreram
importantes transformações nestas relações no Brasil. Ao lado da mudança de regime, após os
20 anos de regime militar, os anos 1980 foram também marcados pela crise do nacional-
desenvolvimentismo, de origens mais antigas, assim como por mudanças nas políticas
públicas, estabelecidas ao longo das décadas anteriores.
Como afirma Farah (2004, p. 49-50), as mudanças no Estado brasileiro que desde
então vêm se processando tiveram como referência uma agenda de reformas, construída com
a participação de diversos atores a partir dos anos 70. Na evolução dessa agenda de reformas,
podem ser identificados dois momentos principais. No primeiro deles, foi enfatizada a
democratização dos processos decisórios e dos resultados das políticas públicas. Ao mesmo
tempo em que se reivindicou a ampliação dos atores sociais envolvidos nas decisões ocorreu à
inclusão de novos segmentos da população brasileira entre os beneficiários das políticas
públicas. Em síntese, de acordo com a autora (FARAH, 2004, p. 50), as propostas priorizadas
foram à descentralização e a participação da sociedade civil na formulação e na
implementação das políticas públicas.
Tratava-se, segundo Farah , nesse primeiro momento:
(...) de implementar mudanças não apenas no regime político mas também no nível
do estado em ação, de forma a superar características críticas do padrão de
intervenção estatal característico do período anterior, entre as quais se destacam: a)
centralização decisória e financeira na esfera federal; b) fragmentação institucional;
c) gestão das políticas sociais a partir de uma lógica financeira levando à
segmentação do atendimento e à exclusão de amplos contingentes da população do
acesso aos serviços públicos; d) atuação setorial; e) penetração da estrutura estatal
por interesses privados; f) condução da estrutura estatal por interesses privados; f)
condução das políticas públicas segundo lógicas clientelistas; g) padrão verticalizado
de tomada de decisões e de gestão e burocratização de procedimentos; h) exclusão
das sociedade civil dos processos decisórios; i) opacidade e impermeabilidade das
políticas e das agências estatais ao cidadão e ao usuário; j) ausência de controle
social e de avaliação. (FARAH, 2004, p. 50).
24
Além de outros movimentos sociais constituídos a partir dos anos 1970, a
mobilização das mulheres contribuiu para esta nova agenda, levando à inclusão da questão de
gênero como uma das desigualdades a serem superadas por um regime democrático e
propondo a inclusão de questões diretamente ligadas às mulheres.
Na realidade, apesar dos aspectos acima apontados, Barsted (1994, p. 41) afirma que
o movimento de mulheres soube, no Brasil, detectar as brechas democráticas de um Estado
que ainda não declarara o fim da ditadura militar que tivera início em 1964. Como afirma ela
(id., p. 41), “ É a partir dessa percepção que, de forma conflituosa e desconfiada, esse
movimento inicia seu diálogo com o Estado na busca de políticas públicas capazes de reverter
o quadro de discriminação contra as mulheres”.
O diálogo com o Poder Legislativo, afirma Barsted (1994, p. 41), começa a existir,
apesar da ditadura, uma vez que:
Desde meados da década de 70, as feministas apresentaram sucessivas propostas ao
Poder Legislativo para alterar as leis discriminatórias, em particular os Códigos
Civis e Penal. Em 1977, a Câmara dos Deputados criou uma Comissão Parlamentar
de Inquérito, onde muitas feministas foram ouvidas, para examinar as
discriminações contra as mulheres no Brasil.
Buscando avanços no Estado o movimento das mulheres soube detectar as brechas
democráticas, ou seja, a busca de políticas públicas capazes de reverterem o quadro de
discriminação contra as mulheres. No diálogo com o poder Executivo, o movimento das
mulheres dos setores populares urbanos e rurais, explicitadas nos diversos grupos de
mulheres, articulou as demandas das mulheres da classe média, representadas pelos Encontros
de Mulheres Trabalhadoras buscando, assim, a compreensão de que a cidadania
7
só se
concretiza no diálogo Estado/sociedade, tendo como cenário a democracia. (BARSTED,
1994, p. 42).
Ao longo de sua organização, o movimento de mulheres aprofundou duas questões
básicas dentro de um universo temático mais amplo, e que influíram decisivamente na ênfase
das políticas públicas propostas: saúde/sexualidade e violência. Essas duas questões tinham
como pano de fundo a intensa mobilização para eliminar da legislação em vigor todas as
7
De acordo com Bresser-Pereira (1998) a cidadania se expande e se afirma na sociedade conforme os indivíduos
adquirem direitos e aumentam sua participação na criação do próprio Direito. Os direitos que constituem a
cidadania são sempre conquistas, resultado de um processo histórico pelo qual indivíduos, grupos e nações lutam
por alcançá-los e concretizá-los.
25
formas de discriminação contra as mulheres, coerente com a Convenção das Nações Unidas
de 1979. (BARSTED, 1994, p. 43).
No que diz respeito ao Estado, o Brasil participou de algumas Conferências
internacionais onde se discutiu os direitos da mulher. Entre as mais significativas podemos
citar: A Conferência Mundial sobre a Mulher, na cidade do México, em 1975; a Conferência
Mundial de Copenhague, em 1980; a Conferência Mundial de Nairobi, em 1985; a
Conferência Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento-Eco 92, no Rio de Janeiro, em
1992; a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento, no Cairo, em setembro
de 1994 e, por último, a IV Conferência Mundial da Mulher, ocorrida em Pequim- China, em
setembro de 1995.
Por outro lado, o reconhecimento da importância política da luta feminista resultou
na criação de diversos órgãos públicos, programas governamentais e iniciativas, voltadas para
as mulheres, dentre as quais destacam-se, as seguintes:
o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), elaborado em
1983 e incorporado formalmente à estrutura do INAMPS em 1986;
o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), criado em 1985,
definindo um amplo campo de atuação interministerial, junto ao movimento de
mulheres, poder legislativo, poder judiciário, governos estaduais e mídia;
os Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Mulher, criados a partir de
1983;
as Delegacias de atendimento às vítimas de violência, criadas a partir de 1985;
os abrigos, centros de orientação jurídica à mulher vítima de violência e os
cursos sobre os direitos da mulher em academias de polícia, criados a partir de
1.985;
a mudança legislativa constante na Constituição Federal, de 1988, Constituições
Estaduais de 1989 e Leis Orgânicas Municipais, de 1990. (BARSTED, 1994, p.
43, 44).
É necessário enfatizar, como faz Barsted (1994), que o reconhecimento legal de
direitos das mulheres ou a criação das iniciativas acima apontadas deve-se às pressões e as
negociações dos movimentos de mulheres em relação ao Estado, em sua luta para a inclusão
da questão de gênero no que se nomeou de “políticas públicas relativas á mulher. O primeiro
passo nesta direção, como lembra a autora, se deu com a articulação político-partidária, uma
vez que nas eleições de 1982 as feministas estavam compondo não apenas os grupos
autônomos de mulheres, mas igualmente dentro dos partidos políticos progressistas.
Segundo Barsted (1994), a participação das feministas nos partidos explica, em parte,
o fato de que em alguns estados os governadores eleitos tenham indicado para a administração
mulheres com militância feminista e tenham criado órgãos destinados à implementação de
políticas públicas para as mulheres.
26
É neste contexto que, em 1983, foram criados os Conselhos Estaduais da Condição
Feminina em São Paulo e Minas Gerais e depois em nove outros estados, e cerca de quarenta
Conselhos Municipais. A rigor, como aponta Barsted, foi a criação do primeiro Conselho em
São Paulo que abriu caminho para a criação , em 1985, do Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher (CNDM). Foi também a mobilização das mulheres que levou, como aponta Farah
(2004), à Instituição do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, em 1983.
É importante salientar, também, de acordo com Barsted, (1994, p. 45) que:
À frente desses Conselhos e do Conselho Nacional estavam mulheres organicamente
vinculadas ao movimento feminista (...) Esses órgãos governamentais trabalharam
em colaboração com o movimento autônomo de mulheres e com as ONGs que se
dedicavam à questão feminina. Isso inaugurou um fato político praticamente inédito:
a participação de um movimento social no interior do Estado, sem ele estar
subordinado política ou ideologicamente. Criou-se uma nova modalidade de
controle social sobre a administração pública.
O Conselho Nacional de Mulheres, de 1985 a 1989, foi o órgão nacional de
articulação do movimento de mulheres, de ONGs e de instâncias governamentais em suas
diferentes esferas. Foi ampla sua atuação, conforme Barsted (1994), promovendo encontros e
debates e incentivando o trabalho dos novos Conselhos estaduais e municipais; denunciando
discriminações, assessorando parlamentares, estimulando a formação de Delegacias Policiais
de atendimento a mulheres vítimas de violência; patrocinando campanhas públicas através da
mídia sobre diferentes temas, entre os quais a violência doméstica, inclusive contra as
mulheres rurais e contra as mulheres negras.
Além disso, elaborou materiais sobre as questões do trabalho, da creche, da saúde, da
violência e criou um Centro de Estudos, Documentação e Informação sobre a Mulher
(CEDIM), que possibilitou a organização de um catálogo dos Grupos de Mulheres em todo o
Brasil.(id., p. 46).
Vale destacar, como aponta ainda a autora acima citada, que historicamente pode-se
dizer que ao mesmo tempo em que os movimentos de mulheres estabeleceram diálogo com o
Estado, eles se fortaleceram internamente, crescendo o número de organizações de mulheres,
abrangendo grupos autônomos, ONGs, Centros de Estudos da Mulher nas Universidades e
organismos governamentais. A organização destas ONGs, representou a institucionalização
dos movimentos, possibilitando um maior poder de diálogo com o Estado. Possibilitou,
também, como lembra Sarti (2004), uma atuação mais especializada, com perspectivas mais
técnicas e profissionais, direcionando para questões que respondiam às prioridades de
agências financiadoras, como as questões relacionadas à saúde.
27
Além das conquistas já referidas resultante da mobilização e luta social das mulheres,
diferentes autores como Farah (2004), afirmam que outras, definidas na Constituição de 1988,
também podem ser apontadas como resultantes destas mobilizações.
Em relação á atuação do movimento das mulheres para conquistas na nova
Constituição, Barsted aponta que:
O movimento de mulheres definiu uma estratégia que deu surgimento a propostas
em duas direções: mudanças legislativas e a criação de instituições e serviços que
dessem visibilidade à questão da discriminação contra a mulher, em geral, e
tratamento específico à questão da violência (...) (BARSTED, 1994, p. 50).
De acordo com Farah (2004, p. 51):
(...) organizadas em torno da bandeira Constituinte prá valer tem que ter palavra de
mulher, as mulheres estruturaram propostas para a nova Constituição, apresentadas
ao Congresso Constituinte sob o título Carta das Mulheres Brasileiras. Várias
propostas dos movimentos – incluindo temas relativos à saúde, família, trabalho,
violência, discriminação, cultura e propriedade da terra – foram incorporadas à
Constituição.
No processo de elaboração da nova Constituição, foram apresentadas propostas, de
acordo com Barsted (1994, p. 50), com vistas a mudanças no Código Penal que colocavam o
estupro e o atentado violento ao pudor como crimes contra os costumes. Foi proposta a
eliminação do qualificativo “mulher honesta” nos crimes sexuais, qualificativo que impedia
que prostitutas fossem consideradas vítimas desses crimes. Foi proposta a descriminalização
do aborto, exceto nos casos de tal procedimento ser cometido contra a vontade da gestante.
Ao mesmo tempo, foi proposto, face à complacência social nos crimes cometidos por
maridos, companheiros ou familiares, que a violência doméstica fosse nomeada,
explicitamente, como crime.
De acordo com Barsted (1994), através de um documento para o Grupo Interagencial
das Nações Unidas, foi possível fazer uma síntese sobre algumas políticas públicas sobre a
condição da mulher, de 1983 a 1993. Trata-se de um inventário organizado por temas,
incluindo saúde, violência, trabalho, educação, cultura e meio ambiente. Vale ressaltar,
entretanto, como faz a autora, alguns descompassos na coleta das informações, priorizando,
por exemplo, alguns estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná,
face à uma maior disponibilidade dos dados. Do mesmo modo, destacam-se, ações tanto
governamentais quanto não governamentais, ou seja, de grupos autônomos, ONGs,
sindicatos, entre outros.
28
A questão da violência é, talvez, na opinião de Barsted (1994) exemplo de êxito
quanto a dar visibilidade a um problema e em relação a avanços efetivos para prevení-lo e,
quem sabe, diminuí-lo.
Durante toda a década de 1980, os movimentos feministas, no Brasil, definiram e
puseram em prática diferentes estratégias para atuar em relação a este quadro de violência
contra as mulheres. Segundo Barsted (1994, p. 50) foram passeatas, debates na imprensa,
encontros, seminários e publicações que procuraram chamar a atenção para o absurdo da tese
da legítima defesa da honra e para a necessidade de alterar o padrão cultural que legitima a
violência contra a mulher.
Assim sendo, quando os movimentos feministas exigiram uma política de segurança
para as mulheres, “isso significou, em primeiro lugar, reconhecer a existência de um tipo
específico de violência omitida pelo Estado e pela sociedade”. (BARSTED, 1994, p. 50). A
partir desta visibilidade é que ela passou a ser objeto de políticas públicas, para sua prevenção
quanto para seu combate.
Como apontado por esta autora, foram encaminhadas pelos movimentos de mulheres
propostas em duas direções: de um lado, mudanças legislativas, e de outro, a criação de
instituições e serviços que dessem visibilidade e tratamento específico à problemática da
violência.
Além das mudanças legislativas já referidas, em termos estaduais, o movimento de
mulheres apresentou aos Poderes Legislativo e Executivo, projeto de lei que criava as
Delegacias de Defesa da Mulher, as quais serão tratadas mais adiante, e que, além de dar
visibilidade aos crimes cometidos contra as mulheres, incentiva as vítimas a denunciarem seus
agressores facilitando a apuração dos crimes.
Barsted (1994), lembra, ainda, que a questão da violência contra a mulher também
mereceu a atenção da cúpula do Poder Judiciário Federal. Em 1991, o Superior Tribunal de
Justiça (STJ) rejeitou plenamente a tese de legítima defesa da honra como não jurídica. Este
Tribunal declarou que “...o homicídio não pode ser encarado como o meio normal e legítimo
de reação contra o adultério, pois nesse tipo de crime o que se defende não é a honra, mas a
auto-valia, a jactância, o orgulho do Senhor que vê a mulher como propriedade sua...”. (STJ,
1991, apud BARSTED, 1994, p. 51).
Entretanto, a agenda de reforma do Estado sofreu uma inflexão no final dos anos
1980, início dos 90, devido a sua incapacidade de investimentos, em um contexto marcado
29
pela globalização e por reestruturações produtivas
8
. Na perspectiva de Farah (2004, p. 52), a
agenda de reformas nesse novo contexto se estrutura em torno dos seguintes eixos:
a) descentralização, vista como estratégia de democratização, mas também como
forma de garantir o uso mais eficiente de recursos públicos; b) estabelecimento de
prioridades de ação (focalização ou seletividade, devido às urgentes demandas
associadas à crise e ao processo de ajuste; c) novas formas de articulação entre
Estado e sociedade civil, incluindo a democratização dos processos decisórios mas
também a participação de organizações da sociedade civil e do setor privado na
provisão de serviços públicos; d) novas formas de gestão das políticas públicas e
instituições governamentais, de forma a garantir maior eficiência e efetividade à
ação estatal.
Trata-se, na verdade, da implementação de uma agenda com um perfil neoliberal
9
de
atuação pública, defendida por partidos e governos de corte liberal-conservador e
organizações da sociedade civil ligadas às elites empresariais, tendendo a orientação para a
eficiência e corte de gastos. Esta agenda significou, na área social, como indica Farah (2004,
p. 53) “privatização, focalização e modernização gerencial como prioridades”. Agenda, como
afirma ainda a autora que contrastava e estava marcada pela tensão com uma perspectiva
defendida por setores sociais progressistas que tendiam a privilegiar a democratização e a
participação da sociedade civil nas decisões governamentais e a inclusão social.
Assim é que os efeitos negativos deste encolhimento do Estado em relação às
políticas públicas relativas à violência contra a mulher, entraram para agenda dos direitos
humanos a partir da década de setenta. Atualmente, ocorrem novas formas de enquadramento
legal e, em parte, a atuação do Estado se manifesta na própria existência e na atuação das
Delegacias Especiais das Mulheres.
De acordo com esta perspectiva, é possível afirmar, com base em Campos (2003),
que a luta pela criação das Delegacias de Defesa dos Direitos das Mulheres foi em parte
vitoriosa, como veremos mais adiante, mas a criminalização da violência doméstica não
obteve êxito. Pelo contrário, a violência doméstica passa, atualmente, por um processo de
despenalização operado pelos Juizados Especiais Criminais. Como afirma a referida autora
(CAMPOS, 2003, p. 156), a Lei 9.099/95 que criou os Juizados Especiais Criminais para
8
Sobre este aspecto, veja-se, entre outros autores, Ianni (2004) e Bresser Pereira, 1996).
9
O neoliberalismo, conforme Anderson (2000) como ideologia nasceu logo após a II Guerra Mundial, como
uma reação ao Estado intervencionista e de bem-estar. As condições para sua aplicação só se tornaram
favoráveis, entretanto, com a grande crise internacional do modelo econômico do pós-guerra, no início da década
de 1970. A partir de então, o neoliberalismo foi se expandindo, atingindo seu auge nas décadas de 80 e 90,
restringindo a intervenção do Estado em relação a políticas públicas a um limite mínimo. Em termos gerais,
segundo o mesmo autor (op.cit.), as conseqüências das políticas neoliberais tem gerado exclusão social,
desemprego, violência e miséria.
30
desafogar a justiça brasileira e os presídios, não foi inspirada pela perspectiva feminista das
relações de gênero.
Segundo disposição da Constituição Federal de 1888:
A lei 9.099 de 26 de setembro de 1995, criou os juizados especiais Cíveis e
Criminais (JECRIM). No tocante à esfera da justiça criminal, o objetivo principal da
nova legislação consiste em promover o “desafogamento” do sistema e ampliar o
acesso da população à justiça, mediante a aplicação dos princípios da oralidade, da
celeridade, da economia processual, da informalidade e simplificação do processo.
Também visando oferecer uma resposta frente á falência do sistema prisional, a nova
legislação prevê a aplicação de penas alternativas às penas de restrição de liberdade,
privilegiando as penas de prestação de serviço ou aquelas de cunho pecuniário. Estes
objetivos aplicam-se a todos os crimes e contravenções penais aos quais o Código
Penal e a Lei de Contravenções Penais prevêem a pena máxima de 1 ano de
detenção, delitos denominados como de “menor potencial ofensivo” (PASINATO,
2005, p. 203).
Esta Lei traduz, portanto, de acordo com Campos (2003), um sentimento e um
discurso de redução do sistema punitivo clássico, ou seja, a da não aplicação da pena de
prisão aos delitos menores, aliviando, assim, o Poder Judiciário de demandas como as de
brigas de vizinhança, violência conjugal e delitos de trânsito para processar os crimes mais
graves.
A pergunta fundamental que faz Campos, entretanto, é se pode a violência doméstica
ser considerada um delito de menor potencial ofensivo. Em resposta a esta indagação, a autora
apresenta uma ampla argumentação em contrário, da qual serão selecionados pontos que nos
parecem mais significativos.
Em primeiro lugar, consideram que ao enquadrar a violência doméstica como delito
de menor ofensividade, não são reconhecidas as implicações dessa violência: o grau de
comprometimento emocional a que as vítimas estão submetidas por se tratar de um
comportamento reiterado e cotidiano, o medo paralisante que as impede de romper a situação
violenta, a violência sexual, o cárcere privado e outras violações de direitos que geralmente
acompanham a violência conjugal. Negando, também, o uso da violência como mecanismo de
poder e de controle sobre as mulheres (CAMPOS, 2003, p. 163).
Em segundo lugar, a noção de delito de menor potencial ofensivo ignora a escalada
da violência doméstica e seu grau de ofensividade. Como salienta Campos (2003), estudos
têm demonstrado que a maioria dos homicídios contra as mulheres, os chamados crimes
passionais, ocorrem após a separação. Nesses casos, como informa a autora, as histórias se
repetem, ocorrendo a mesma sucessão de eventos: agressões e ameaças, tentativas de
separação que acabam culminando no homicídio. Assim, a violência doméstica conjugal
31
merece tratamento diferenciado, sendo necessário saber avaliar o risco de vida que uma
mulher pode estar correndo.
Em terceiro lugar, é necessário destacar que a violência contra a mulher está
juridicamente conceituada na Convenção Interamericana para “Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher”, também conhecida como Convenção de Belém do Pará. Este
documento, como afirma Campos (2003, p. 163), “é o mais importante documento jurídico já
elaborado sobre a violência contra a mulher. Trata dos direitos protegidos, dos deveres do
Estado e dos mecanismos de proteção às mulheres”. A Lei 9.99/95 não prevê nenhuma
medida de proteção à vítima, para garantir sua integridade, ferindo vários artigos desta
Convenção e mostrando-se, portanto, inadequada ao julgamento de conjugalidade violenta, de
acordo com a autora (id., p. 164-165).
Parece indispensável refletir, também, a partir das constatações de Campos (2003)
sobre o modo como a referida Lei é aplicada. A autora destaca o modelo consensual que esta
Lei inaugura, ou seja, o modelo da conciliação. Para os defensores da Lei, a conciliação é o
grande momento para a vítima, uma vez que ela pode ser ressarcida pelos danos sofridos. No
caso da violência conjugal, entretanto, o que está em jogo é a própria violência e a
incapacidade da mulher de reequilibrar a relação conjugal e não de ressarcimento de danos, ou
pelo menos não apenas este ressarcimento. O que a vítima deseja, como bem aponta Campos
(2003, p. 165), é “uma medida capaz de diminuir a violência e garantir sua segurança”. O
grande número de arquivamentos dos processos demonstra, assim, que a conciliação não é
realizada.
Por outro lado, a aplicação da pena de multa ou da prestação de serviços à
comunidade não tem surtido o efeito desejado nos casos de violência conjugal. Como afirma
Campos (2003, p. 167), “Em geral, as vítimas saem frustradas da audiência porque não lhes
foi dada a oportunidade de opinar e porque a pena imposta não é capaz de reproduzir o grau
de gravidade do delito que chegou ao judiciário." Em outros termos, a insatisfação com a pena
aplicada representa a impunidade Em síntese, afirma a autora (id., p. 167), “Embora
inovadora nas medidas despenalizantes, a Lei tem sido (...) incapaz de responder
satisfatoriamente aos casos de violência conjugal”.
Um outro aspecto detidamente analisado pela literatura das ciências sociais
10
em
relação às políticas públicas voltadas para a violência contra as mulheres é o papel
10
Veja-se, entre outros , os trabalhos de Soares et al. (1996); Santos (2001) e Machado (2002).
32
desempenhado pelas Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAMs)
11
, permitindo constar
algumas conquistas, mas também impasses e deficiências, parte deles, como já foi salientado,
referentes à própria redefinição neo-liberal que sofreram, de um modo geral, as políticas
públicas.
Entre os impasses e deficiências, destacam-se o pequeno número destas Delegacias e
a insuficiência ou despreparo de seu corpo técnico. Constata-se que as Delegacias Especiais
para a defesa das mulheres são minorias, tendo-se a acrescentar que sem capacitação são mera
reprodução de violência. Quando há as Delegacias, só têm acesso os grandes centros, ficando
as pequenas cidades à margem do direito e ao atendimento de qualidade. No Estado de Santa
Catarina, segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública, temos atualmente 12 DEAMs,
localizadas nos municípios de Concórdia, Caçador, Joinville, Itajaí, Blumenau, Rio do Sul,
Balneário Camboriú, Lajes, Florianópolis, Tubarão, Criciúma e Araranguá. Constata-se,
portanto, que esta política de proteção está acontecendo nos centros de maior porte em relação
aos municípios de cada região do Estado, deixando os demais municípios sem este tipo de
amparo.
Outros impasses, contradições e ambigüidades que ocorrem na atuação das DEAMs,
devem-se a questões sociais e culturais que atravessam tanto o modo de atuação das policiais,
quanto o das mulheres que procuram estas Delegacias, aspectos que serão discutidos a seguir,
através da contribuição de diferentes autores. Rifiotis (2003) observa que em muitos países é
o recurso aos serviços de polícia e de modo geral ao sistema judiciário que caracteriza as
políticas contra violência conjugal. Trata-se, como afirma o autor (id., p. 7), “da criação de
mecanismos jurídicos para ampliar o acesso ao sistema de justiça a causas antes consideradas
da ordem privada, como este tipo de violência, possibilitando reduzir a impunidade”.
Entretanto, segundo Rifiotis (2003), a leitura criminalizadora apresenta uma série de
obstáculos para a compreensão e intervenção nos conflitos interpessoais. Considerando a
judiciarização como um conjunto de práticas e valores, o autor afirma que nas Delegacias da
Mulher, ela consiste fundamentalmente em interpretar a violência conjugal a partir de uma
leitura criminalizante e estigmatizada contida na polaridade vítima-agressor.
Embora considere fundamental para a compreensão dos atendimentos prestados nas
Delegacias da Mulher a análise das práticas policiais em seu âmbito, Rifiotis (2003) faz
11
A Delegacia da Mulher é instituição sui generis, setor especializado do serviço da Polícia Civil de cada Estado
e é, tipicamente, polícia judiciária, o que equivale a dizer que ela atua como correia de transmissão entre os
serviços de polícia e o sistema judiciário. O seu objetivo maior é, portanto, a instrução dos inquéritos policiais
que levarão ao judiciário as queixas-crimes para julgamento”. (RIOFIOTIS, 2003, p. 9)
33
algumas considerações a respeito de dados quantitativos que registrou em sua pesquisa na
Delegacia da Mulher em João Pessoa, extremamente úteis para pensar criticamente sobre este
tipo de informação. De acordo com o autor, a primeira vista os dados levantados pareciam
confirmar um grave problema no atendimento prestado pela DM acima referida. A cada
atendimento registrado no Boletim de Ocorrência corresponderia uma investigação que
permitiria à autoridade policial buscar elementos para instaurar o inquérito policial e
encaminhar o processo à Justiça. No entanto, os dados apontam que os BOs transformados em
inquérito policial não ultrapassavam no período em análise (entre 1995 e 1998) a 3,5%. Além
de outras razões pelas quais o registro dos BOs nem sempre remetem efetivamente a
ocorrências policiais, mesmo aquelas que se podem inscrever como crimes raramente são
objeto de investigação, seja pela falta de pessoal e meios de investigação, seja pela urgência
do atendimento quotidiano em detrimento do papel investigativo da Polícia Civil.
Rifiotis (2003, p. 12.) afirma que "os números só poderiam ser corretamente
interpretados quando comparados com o número de casos não registrados atendidos
quotidianamente." A seu ver, a peça chave das práticas policiais na DM é a intimação.Ao se
verificar o número de intimações produzidas no mesmo período com os registros nos BOs é
que se pode avaliar o trabalho desta Delegacia. O autor constata que o número de pessoas
ouvidas na DM foi mais do que o dobro das queixas registradas, uma vez que o número de
intimações apresenta esta proporção. Esta constatação mostra de modo evidente que o
princípio de judiciarização estrita não é prioritário. Mostra, também, a insatisfação das
policiais com o seu próprio trabalho e as críticas de representantes de organizações não
governamentais.
A insatisfação das policiais, registradas também por Santos (2001), têm a ver com o
que consideram os limites de sua atuação. Por um lado, pela sua impotência diante de casos
reiterados de violência conjugal, o que as leva a considerar seu trabalho como perdido ou
morto. Por outro lado, quando a vítima retira a queixa, transforma todo um trabalho de
investigação, quando ele efetivamente existe, em trabalho morto. Outro aspecto referido por
Rifiotis (2003), é a utilização do poder de polícia – através da intimação – para reordenar as
relações de poder no espaço doméstico. Trata-se, em certos casos, relatados com freqüência
na literatura sobre o tema da solicitação da denunciante de agressão, para que a policial chame
o marido para conversar, para lhe dar um conselho, um susto
12
. Ou seja, “a atividade de
34
polícia judiciária é constantemente substituída por uma demanda de ordem privada. A
intimação é ressignificada como intimidação”. (id., p. 17).
Os dados coletados por Musumeci Soares (1996), em sua participação em uma
Pesquisa do ISER, em 1993, nas cinco Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher
existentes no Rio de Janeiro são, de acordo com a autora, talvez mais expressivos das
condições de produção e coleta de dados feita pela polícia, do que propriamente da violência
praticada contra a mulher, o que os torna esclarecedores para pensar a atuação das DEAMs
também em outros contextos.
Além de críticas ao modo como são fichadas as queixas, centradas como afirma
também Riofiotis (2003), na perspectiva de uma vítima passiva diante da violência masculina,
deixando de lado o fato de que as queixas nem sempre referem-se apenas aos atos cometidos
por um agressor, mas são indissociadas das relações violentas no interior das quais ocorrem as
agressões. Um outro aspecto apontado é que o atendimento proporcionado pelas DEAMs
resulta de uma elaboração da demanda das denunciantes. Ou seja, a busca pelos serviços
destas delegacias é, em geral, movida por expectativas de solução de curto prazo para
conflitos, em princípio, estranhas à linguagem e aos procedimentos jurídicos.
Segundo Musumeci Soares (1996, p. 108):
O que, em termos gerais, a clientela das delegacias espera – e o que ocorre, em
grande parte dos casos – é menos a consecução de sentenças judiciais, cujo desfecho
seria a punição do acusado e, antes, a resolução negociada de conflitos
aparentemente inadministráveis.
Musumeci Soares (1996) afirma, entretanto, a partir da constatação de que o que
chama a atenção nos casos analisados é a recorrência de relações violentas que escapam à
possibilidade de auto-regulação e demandam intervenção externa, que uma perspectiva
sistêmica mais otimista permitiria a seguinte interpretação: relações conjugais duradouras que
desenvolvem um padrão repetitivo de agressões contínuas têm, por parte das mulheres, nas
DEAMs, a possibilidade de romper este sistema, através da intervenção de um terceiro
elemento: a autoridade policial. Na verdade, “Espera-se, destas delegacias, o ressarcimento de
perdas materiais e morais e, o que parece ainda mais difícil, os instrumentos para restaurar,
12
Santos (2001) faz referência, ainda, a procedimentos de intervenção, constatados em seu estudo na DM da
cidade de Joinville (SC), especialmente os que ocorrem no primeiro contato, realizados por assistentes sociais,
psicólogos ou estagiárias, que dão, a seu ver, ao trabalho o tom de tratamento e apoio, que podem ser
interpretados como se fossem uma recepção de um consultório médico e que são tarefas de âmbito assistencial
que não são reconhecidas pela própria organização policial e pelo conjunto da sociedade como tarefas
pertinentes a uma Delegacia da Mulher.
35
em novas bases, as relações deterioradas.” (id., p. 120). A autora, contudo, não nega que não
haja casos caracteristicamente penais; nem que queixas sejam retiradas por mulheres que
estavam sob ameaça, ou por temerem perder a renda do marido; ou de ocorrerem graves
violações da integridade física e moral das mulheres que procuraram as DEAMs e casos de
rupturas radicais, inclusive através de homicídio.
Conforme Musumeci Soares (1996), a mediação das DEAMS pode ser valiosa
para quem não dispõe de acesso a modernas técnicas terapêuticas. Mas mesmo depois de
realizada esta mediação, o destino das relações violentas pode continuar indefinido,
dependendo de fatores, de natureza distinta, como a boa vontade das atendentes, a disposição
do acusado em comparecer à delegacia, a capacidade de detetives de obter um acordo entre as
partes, etc.
De acordo com a autora:
É possível que a relação se restabeleça e, com ela, a violência que lhe era
constitutiva. Talvez seja inevitável, por outro lado, a solução penal. Mas pode ser,
também, que a intervenção da DEAM tenha um efeito preventivo e duradouro, se for
capaz de responder à demanda de quem tomou a iniciativa de romper o ciclo da
violência, mas precisa de apoio específico para atingir seu objetivo. A viabilidade
desta última alternativa, como afirma a autora, revela, por si só a positividade da
experiência. (MUSUMECI SOARES, 1996, p. 121)
Na perspectiva de Machado (2002), são pelo menos dois os grandes desafios que a
violência conjugal apresenta para o sistema de justiça, tanto para as delegacias, quanto para o
juizado tradicional, ou para os juizados especiais.
O primeiro é lidar com crimes ou infrações que são pautados por valores culturais
hegemônicos e espalhados por todas as classes, além de inscritos tradicionalmente na
jurisprudência: a tendência a “tolerar” a violência conjugal cotidiana, em nome da legitimação
do controle masculino sobre a fidelidade sexual das esposas e companheiras. A alegação da
“honra” que por muito tempo tomou a justiça brasileira, como lembra a autora, levando à
absolvição de réus confessos de homicídio, atualmente seria sustentada em nome da
manutenção da família. Ao mesmo tempo, o célebre ditado popular de que toda mulher sabe
porque apanha invoca a legitimidade masculina do controle das mulheres. “Em nome de sua
função tradicional de provedor, pode o companheiro prevenir, fiscalizar e exigir a sexualidade
fiel da companheira e fiscalizar o exercício das funções de ‘mãe’ e de ‘dona de casa’”
(MACHADO, 2002, p. 5).
O segundo desafio, na perspectiva da autora, é o de serem crimes ou infrações que se
referem a atos desenvolvidos na esfera de relacionamento de âmbito privado e interpessoal,
36
carregados de afetividade e emoções, e onde está ausente o distanciamento tradicional entre
acusado e vítima. Para a autora:
As investigações, as mediações, as conciliações e os julgamentos são operados num
contexto onde se entrelaçam valores e interesses compartidos e de uma
complexidade e tipicidade muito diferente das relações entre acusados e vítimas da
maioria dos crimes contra o patrimônio ou crimes motivados por interesses
instrumentais. (MACHADO, 2002, p. 6).
Vale destacar, segundo ainda a autora, que além dos desafios acima apontados, os
juizados especiais criminais são induzidos pela própria legislação que os criou, de receberem
os casos de violência conjugal como casos de lesões leves e como episódios únicos, quando
podem estar vinculados com a gravidade de ameaças e com a repetição de atos violentos.
É indispensável salientar, também, que o funcionamento das Delegacias
Especializadas de Atendimento às Mulheres foi definido para atender os casos de violência
contra as mulheres, independentemente da gravidade ou não da lesão, e independente de quem
infligia a violência. Atualmente, entretanto, a implementação dos Juizados Especiais restringe
e modifica a atuação das Delegacias especializadas de atendimento a mulher, como aponta
Machado (2002, p. 7).
Os tipos de casos registrados em pesquisa realizada pela autora, através de
questionários encaminhados a 267 delegacias pelo Conselho Nacional dos Direitos das
Mulheres, em 1999, revelam que os casos de lesões corporais e ameaças são os que mais
chegam às Delegacias de Atendimento à Mulher. No caso da pesquisa nacional,
correspondem a 79,19% das notificações registradas. Estes e outros dados de diferentes
pesquisas como a de Bandeira na DEAM do Distrito Federal (1999, apud Machado, 2002) não
deixam dúvida que a atuação das Delegacias é um dos fatores decisivos para dar ou não
visibilidade aos casos de violência contra a mulher.
A observação do cotidiano destas Delegacias, entretanto, como aponta Machado e
outros autores como Souza (1996) e Rifiotis (2003), permite afirmar que este cotidiano se
distancia muito do cerne definido como o objetivo precípuo das atividades policiais: registro,
apuração e investigação. Como salienta Machado (2002) muitas vezes, a escuta de uma
queixa se desdobra em encaminhamentos a outros órgãos, conversas com os envolvidos de tal
modo que se dramatizam formas de mediação e conciliação ou se encaminha a vítima a
serviços de apoio psicológico e social ou simplesmente se oferecem aconselhamentos. A
interlocução entre agentes e usuários, portanto é um momento crítico, segundo o autor, que
define o nascimento ou a morte de um eventual processo de queixa-crime. Assim, além de
37
seus objetivos básicos o que se constata, na prática, é que as Delegacias realizam atividades
de conciliação e mediação e o apoio psicológico e social, atividades consideradas “extra-
policiais” (MACHADO, 2002, p. 15).
Machado relativiza, porém, em comparação com outras pesquisas
13
, a afirmação de
que as policiais compartilham sempre de que a denunciante é uma vítima em relação ao
homem, o agressor. A autora faz referência, a partir de sua própria observação direta na
DEAM de Brasília, de que ao mesmo tempo em que pode haver a empatia entre policial e
denunciante, ocorre, também, suspeição fundada na lógica investigativa e na desconfiança
social moralista sobre as mulheres. Assim, “mesmo nas delegacias especializadas de
atendimento às mulheres, onde se espera uma escuta sensibilizada em relação à violência
sofrida, mantêm-se bolsões de ambigüidade e silêncio”. (MACHADO, 2002, p. 15).
As ambigüidades, como alerta Machado (2002), são notórias em todo o país, uma
vez que 93% das Delegacias fazem acompanhamentos, sem que se saibam como e quais seus
efeitos, ou sem que os agentes tenham, de forma suficiente, o treinamento requerido para esta
função. Por outro lado, a presença de técnicos especialistas nas áreas social e psicológica
atinge apenas 29, 59% das Delegacias nas quais é oferecido este tipo de apoio.
Porém, como afirma Machado (2002, p. 15):
Se entendermos que as delegacias especializadas devem ser o lugar da escuta, o da
informação, da orientação, dos aconselhamentos e dos encaminhamentos, com
certeza este papel está sendo preenchido. Mas pode se esperar seu aperfeiçoamento:
a instauração de objetivos e metodologias acuradas, refletidas e pensadas em equipe
e uma crítica ao uso impensado dos sistemas hierárquicos classificatórios.
Machado (2002), acrescenta, ainda, em sua avaliação da atuação das DEAMs
comentários sobre os Juizados Especiais Criminais. Em sua opinião, a tarefa destes juizados
não é pequena, dado o enraizamento de uma cultura que insiste em silenciar sobre a violência
interpessoal contra as mulheres.
A primeira questão sobre violência conjugal e sobre a atuação das Delegacias
especializadas é a impropriedade conceitual do entendimento de que atos violentos conjugais,
por serem passíveis de penalidades leves no código penal, são de leve prejuízo à vítima. A
segunda questão é a de que se trata, tendencialmente, de um processo violento e não de um
ato isolado. Por último, não se trata de mediação entre pares, mas entre parceiros em posições
desiguais de poder (id., p. 16).
Em síntese, segundo Machado:
38
Se os movimentos feministas, inspirados nos direitos igualitários e genéricos das
modernas sociedades individualistas lograram inserir a denúncia da violência contra
a mulher como um direito, não conseguiram ainda a adesão da lógica judicial
tradicional, que em nome da família tolera ações violentas contra os direitos
individuais das mulheres. (MACHADO, 2002, p. 18).
A lógica policial das Delegacias Especializadas, segundo Machado (2002), ao
mesmo tempo em que dá visibilidade à violência e mais espaço à denúncia, dá espaço ao
encaminhamento judicial da violência conjugal por sua própria ambigüidade. Esta
ambigüidade, expressa no âmbito policial e também na sociedade, impede que a violência
contra os direitos das mulheres que são considerados no âmbito interpessoal e doméstico seja
vista na sua dupla natureza: como uma questão social e uma questão policial e de justiça.
Afinal, de acordo com Machado (2002, p. 17):
A violência conjugal e familiar é uma das modalidades estruturantes e fecundantes
de todas as formas de violência. A atuação pública sobre tal violência é crucial para
fazer frente à gravidade de seu impacto nos direitos das mulheres e para enfrentar
seus possíveis efeitos no crescimento das modernas violências advindas da
criminalidade mundial organizada.
Farah (2004), por sua vez, elabora uma síntese sobre a agenda de gênero na
passagem para o século XXI. A autora afirma que com base na plataforma de ação definida na
Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, em 1995, e na trajetória do
movimento de mulheres no Brasil, constitui-se no Brasil a agenda atual relacionada à questão
de gênero. Nessa agenda incluem-se diversas diretrizes no campo das políticas públicas sobre
a violência, saúde, meninas e adolescentes, geração de emprego e renda, educação, trabalho,
infra-estrutura urbana e habitação, entre outros aspectos.
Como afirma Cortês (2002), o Brasil necessita, urgentemente, aprovar uma
legislação específica para a violência de gênero que considere suas características próprias. A
Lei 10.455/2002, em vigor a partir de julho, é um passo importante. Agilizar o afastamento do
agressor, baseado no termo circunstanciado e no exame de corpo de delito.
Em relação especificamente a esta problemática, vale destacar, também, outras duas
iniciativas recentes no âmbito da legislação vigente. Um dos avanços em relação às vítimas de
violência contra a mulher é a imposição de notificação compulsória por serviços da área da
saúde, públicos ou privados, de violência praticada contra a mulher. A Lei Federal nº
10.778/2003, de 24 de novembro, de casos graves como o homicídio, lesões corporais, delitos
13
De modo especial as de Gregori , Soares et al. e Riofiotis, já citadas.
39
tidos com apenação de menor potencial ofensivo, como a ameaça, causando portanto, dano ou
sofrimento físico ou psíquico, objetos desta notificação.
Registra-se, também, a Lei nº 10.886/2004, de 17 de junho, sendo que nos termos do
§ 9º7. do art. 129, considera-se sobre “violência doméstica” que se a lesão corporal for
provocada em ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem o
agente conviva ou tenha convívio, ou, ainda, prevalecendo-se de relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade, a pena é de detenção, de 6 meses a 1 ano. (JESUS, 2004, p.1)
40
CAPÍTULO II
O CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO
2.1 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE ANCHIETA
O Município de Anchieta está situado no extremo Oeste Catarinense, a 740 Km da
Capital do Estado, fazendo divisa territorial, ao norte, com o município de Palma-Sola; ao sul
com o município de Romelândia e Barra Bonita; a oeste com o município de Guaraciaba e
São José do Cedro, e a leste com o município de Campo-Erê. Encontra-se quase que
estendido sobre a Serra do Capanema, condição essa que lhe dá um certo índice de
acidentabilidade, dificultando a mecanização da agricultura em escala mais elevada, sendo os
campos pouco adaptáveis à pecuária. Segundo dados do IBGE (2000), a área da unidade
territorial é de 229,53, Km², correspondendo a 0,25 % da superfície territorial do Estado de
Santa Catarina. Seu clima é CFA-Mesotérmico, com estações definidas e geadas no inverno.
Apresenta cerca de 10% de seu relevo plano; 15%, ondulado e 75% montanhoso. Sua altitude
média é de 710 metros acima do nível do mar, sendo ponto de referência regional a cidade de
São Miguel do Oeste, cidade polo é considerada na região do extremo-oeste, ficando á 46 km²
da cidade de Anchieta.
MAPA 1 - MAPA DE REGIONALIZAÇÃO DE SANTA CATARINA
FONTE: http://www.icepa.com.br/agroturismo/mapa_associacao.htm
41
O mapa de regionalização de Santa Catarina (mapa 1) apresenta a associação dos
municípios, onde destacamos a número 1 que é a Associação dos Municípios do Extremo
Oeste (AMEOSC), que podemos visualizar no mapa 2.
Anchieta pertence á Associação dos Municípios do Extremo Oeste, tendo ao todo 19
municípios considerados em sua maioria de pequeno porte, e com uma economia de grande
potencial agrícola.
MAPA 2 - ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO
EXTREMO OESTE
FONTE: www.ameosc.org.br/municipios/
A designação do município de “Anchieta”, de acordo com Canci (2004, p. 15, 16)
teria origem, referência e homenagem aos padres gaúchos Pedro Rubim e Afonso Correia.
Conforme relatos dos primeiros colonizadores que lá aportaram, em princípio da década de
1952. Cujo objetivo era pelo seu pioneirismo em desbravar a selva e motivação aos
agricultores gaúchos para colonizar estas terras, lembrando o trabalho que se assemelhava
àquele desenvolvido pelo padre português Jesuíta, José de Anchieta, no início da colonização
brasileira por parte de Portugal.
O processo de colonização foi iniciado por uma empresa de colonização que adquiriu
terras da União, no ano de 1.944. A região, entretanto, já era ocupada por posseiros, os
42
chamados “caboclos” que desenvolviam atividades agrícolas e no ramo madeireiro. Trata-se
de um segmento étnico regional, resultante da miscigenação entre índios e a população
“branca”, descendentes dos primeiros colonizadores do país.
Os primeiros colonizadores foram agricultores gaúchos, catarinenses e
provavelmente também paranaenses, de ascendência ou descendência européia, a maioria de
origem italiana e parte polonesa, além de prováveis descendentes de argentinos.
A elevação à categoria de município aconteceu através da Lei nº 876, de 29 de março
de 1963, mas a instalação oficial se deu na data de 10 de abril de 1963, com a posse do
primeiro prefeito nomeado em caráter de interinidade. A comemoração no dia 20 de março
como data oficial do município de Anchieta, seria em função de que nesta data foi aprovada a
Lei de Emancipação, na Assembléia Legislativa de Santa Catarina, cuja publicação no Diário
Oficial teria sido realizada somente no dia 29 daquele mesmo mês e ano.(CANCI, 2004, p.17)
O Município possui três bairros institucionalizados: Xavantes, Cantú, São Paulo
Alto, e 26 localidades rurais..
Segundo dados do IBGE (Censo Demográfico/SC de 1970 -1980) e do Instituto
CEPA/SC, Anchieta chegou a contar com quase 12 mil habitantes, dos quais 28% na cidade e
72% no campo. Porém, nos últimos anos pode-se observar um declínio demográfico elevado,
pois no censo do IBGE, de 1991, eram apenas 9.245 habitantes e atualmente possui uma
população de 7.133.
De acordo com o IBGE, na sinopse preliminar do Censo Demográfico de 2000, a
população do município de Anchieta está atualmente constituída da seguinte forma:
TABELA 1 - HABITANTES DOS ESPAÇOS URBANO E RURAL DO MUNICÍPIO DE
ANCHIETA
Pessoas residentes 7.133 habitantes
Homens residentes 3.623 habitantes
Mulheres residentes 3.510 habitantes
Pessoas residentes - área urbana 2.443 habitantes
Homens residentes - área urbana 1.163 habitantes
Mulheres residentes - área urbana 1.280 habitantes
Pessoas residentes - área rural 4.690 habitantes
Homens residentes - área rural 2.466 habitantes
Mulheres residentes - área rural 2.224 habitantes
FONTE: IBGE Censo Demográfico, 2000.
43
Verifica-se, portanto, que o município de Anchieta é de pequeno porte em extensão
territorial, com baixo índice populacional, sendo que a maior parcela, cerca de 66%, é
predominantemente rural.
Anchieta caracteriza-se como um município essencialmente agrícola. As atividades
relativas à agricultura ocorrem em pequenas propriedades, a maioria delas, localizadas em
terras acidentadas e que por isso oferecem poucas perspectivas de aumento produtivo.
Destacam-se entre os principais produtos o cultivo do fumo e a produção de leite.
Atualmente, a produção de sementes crioulas especialmente de milho, entre outras, vem
tomando força no mercado.
Considerando-se este perfil socioeconômico agrícola, é possível afirmar que a queda
demográfica do município durante as últimas décadas deve-se ao declínio das atividades
agrícolas. Notadamente ocasionado também pela sub-divisão das já pequenas propriedades
familiares através da divisão por herança; pela demanda por terra para criação extensiva de
gado; pela perda da fertilidade natural do solo; pelo modelo agro-químico da chamada
“modernização agrícola”, difundido em Santa Catarina na década de 60 e 70, durante o
regime militar, que concorrencialmente privilegiou a média e grande propriedade; pelo forte
apelo da mídia e do sistema de ensino que segue paradigma do modelo urbano-industrial;
pela perda de valor relativo da produção agrícola frente à indústria e outros agentes internos e
externos que contribuíram para o elevado êxodo rural, e urbano na direção de centros urbanos
maiores, sobretudo a partir da década de 80, e se acentuando cada vez mais na década de 90.
Este declínio foi identificado em toda a região do Oeste catarinense, sendo rotulado por
alguns autores, como Testa et al. (1960), como uma situação de “crise”, percebida também
deste modo pelos próprios agricultores (RENK, 2000).
O comércio em Anchieta, inicialmente inexpressivo, foi crescendo à medida que a
procura de mercadorias aumentava. Pode ser considerado pequeno, pois muitas pessoas ainda
procuram os locais considerados pólos regionais para efetuarem compras, deslocando-se
(geralmente) para São Miguel do Oeste
14
.
Os habitantes da área urbana do município trabalham nas poucas indústrias existentes
ou assumem cargos públicos municipais. Uma parcela significativa da população atua como
14
São Miguel do Oeste fornece, para Anchieta, além de produtos comerciais, serviços de diferentes tipos como
os de Saúde, Previdência Social, IML e Educação Superior. Esta cidade é considerada pólo na região do extremo
oeste de Santa Catarina, uma vez que conta com maior estrutura de atendimento à população, principalmente na
área da saúde, contando com três hospitais, dois conveniados pelo Sistema Único de Saúde, e um particular,
bem como várias clínicas de especialidade diversas. Na área da Educação conta com a Universidade do Oeste de
Santa Catarina (UNOESC), campus São Miguel do Oeste, que atende a diversos cursos, com um total de cerca
de 3.700 acadêmicos.
44
diaristas, no mercado informal de trabalho, ou são desempregados, sem qualquer renda
mensal garantida.
TABELA 2 - AS INDÚSTRIAS DE ANCHIETA QUE TEM MAIOR NÚMERO DE
EMPREGOS
Empresa Nº de funcionários Média salarial
BL Fibras 48 336,00
Compensados Sul Brasil 50 375,00
CVL Máquinas 49 550,00
Indústria De Móveis Parpinelli Ltda 51 350,00
FONTE: Setor Administrativo de cada uma das empresas.
Os funcionários públicos da rede municipal perfazem um total de 217 pessoas com
salários variados, pela diversidade de cargos e funções, sendo o menor salário de 1 salário
mínimo.
Outras esferas públicas também são fontes empregadoras como: Poder Judiciário,
Banco do Brasil, Banco do Estado de Santa Catarina, Ensino Público Estadual, CASAN,
CELESC, EPAGRI e outras.
O município apresenta altos índice de pobreza agravado pela crise da pequena
agricultura, tendo como conseqüência o aumento das famílias sem terra e sem habitação,
intensificados pela pouca oferta de empregos de que dispõe o município. Mais de 300 famílias
estão cadastradas na Prefeitura de Anchieta como carentes, com renda máxima de até 1 salário
mínimo.
Contudo, verifica-se que a renda média da população, não apresenta desigualdades
extremas no município, ainda que se identifique uma expressiva diferença entre a população
mais pauperizada e os mais abastados economicamente, sendo insignificante o número de
famílias que se enquadram em um patamar de renda mais elevado.
TABELA 3 - RENDA SALARIAL DA POPULAÇÃO ANCHIETENSE
continua
Salário Mínimo Pessoas
¼ a 1 salários 622
1 a 2 salários 1270
2 a 3 salários 816
45
TABELA 3 - RENDA SALARIAL DA POPULAÇÃO ANCHIETENSE
conclusão
Salário Mínimo Pessoas
4 a 5 salários 370
5 a 10 salários 300
10 a 20 salários 45
20 a + salários 39
Não comprovam renda, sobretudo crianças
e adolescentes.
3.672
FONTE: IBGE - Censo Demográfico 2000
Percebe-se que 30% da população recebe uma renda per capita de apenas de ¼ a 1
salários mínimos, ou seja em situação de pobreza, e risco social.
TABELA 4 - FAIXA ETÁRIA DA POPULAÇÃO DE ANCHIETA
Pessoas residentes - 0 a 4 anos de idade 638 habitantes
Pessoas residentes - 5 a 9 anos de idade 774 habitantes
Pessoas residentes - 10 a 19 anos de idade 1.569 habitantes
Pessoas residentes - 20 a 29 anos de idade 966 habitantes
Pessoas residentes - 30 a 39 anos de idade 1.069 habitantes
Pessoas residentes - 40 a 49 anos de idade 858 habitantes
Pessoas residentes - 50 a 59 anos de idade 594 habitantes
Pessoas residentes - 60 anos ou mais de idade 665 habitantes
FONTE: IBGE - Censo Demográfico 2000.
Anchieta apresenta na sua população um índice de 30% de criança e adolescentes, e
percebe-se uma diminuição de jovens entre seus 20 a 29 anos sendo em torno de 20%. Ainda
apresenta um levado percentual de êxodo rural sendo que muitos jovens buscam alternativas
nos grandes centros como São Paulo , Rio de Janeiro e outros para servirem de mão-de-obra
sem qualificação.
Segundo dados da Secretaria Municipal de Administração (2004), o município de
Anchieta conta com uma estrutura municipal administrativa organizada em seis secretarias
municipais: Administração, Obras e Urbanismo, Educação Esporte e Lazer, Saúde e
Assistência Social, Finanças, e Agricultura e Meio Ambiente.
46
Segundo dados da Secretaria Municipal de Administração (2004), a Secretaria
Municipal de Saúde conta com uma unidade de atendimento ambulatorial denominado “Posto
de Saúde” para atendimento básico, conta, ainda com três equipes no Programa Saúde da
Família, três médicos clínicos gerais, três enfermeiros, dezoito agentes de saúde. Contudo,
quando a população necessita de algo mais especializado necessita, como foi dito, se deslocar
a São Miguel do Oeste, Chapecó ou Florianópolis, pois não se tem atendimento de média e
alta complexidade.
15
Conta-se com apenas um hospital municipal, sendo uma autarquia, com
18 leitos, mantidos pelo SUS.
Em termos de saneamento básico, Anchieta possui rede de água potável amparando
800 domicílios, sendo o lixo recolhido em 743 domicílios. O Município possui uma média de
arrecadação do Fundo de Participação do Município (FPM), bruto R$ 345.000,00.
Conforme dados da Secretaria Municipal de Administração, o Município possui
Conselhos municipais, destacando-se Conselho Municipal de Educação, Conselho Municipal
de Assistência Social, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente,
Conselho Municipal de Segurança Alimentar, Conselho Municipal de Saúde, Conselho
Municipal da Agricultura. Não há, no entanto, uma participação efetiva da sociedade civil
nestes conselhos, devido à falta de planejamento e fiscalização, monitoramento e controle
social das ações do Estado. Apesar destas limitações o Conselho Municipal de Assistência
Social, o Conselho Municipal de Saúde e o Conselho Municipal de Trabalho Emprego e
Renda, implantados a partir de 1995, viabilizam encontros de formação e debate sobre as
políticas sociais e projetos a serem implementados em cada área. Palestras educativas e
informativas são realizadas junto às comunidades e sobretudo no espaço escolar, em parceria
com o Conselho Tutelar, referente ao Estatuto da Criança e do Adolescente, e sobre violência
doméstica, em parceria com entidades não governamentais como Organização das Mulheres
Camponesas.
Segundo o Plano Plurianual de Assistência Social (2000- 2005), verifica-se que há
um número expressivo de crianças, adolescentes/ jovens, sem a devida proteção social por
15
Caracteriza-se como serviço de média complexidade, com instalações físicas adequadas, equipamentos e
equipe multiprofissional para o desenvolvimento de um conjunto de atividades individuais e/ou em grupo,
acompanhamento médico e funcional e orientação familiar. Inclui a prescrição, avaliação, adequação,
treinamento, acompanhamento e dispensação de Órteses, Próteses e Meios Auxiliares de Locomoção;
Caracteriza-se como serviço de maior nível de complexidade, com instalações físicas adequadas, equipamentos e
equipe multiprofissional e multidisciplinar especializada, para o atendimento de pacientes que demandem
cuidados intensivos de reabilitação física (motora e sensório motora), constituindo-se na referência de alta
complexidade da rede estadual ou regional de assistência à pessoa portadora de deficiência física. Inclui a
prescrição, avaliação, adequação, treinamento, acompanhamento e dispensação de Órteses, Próteses e Meios
Auxiliares de Locomoção. Portaria nº 818/01.
47
parte do município, uma vez que são escassos os programas sociais existentes, que
contemplem estas faixas etárias, sobretudo a dos jovens.
Através do acompanhamento dos atendimentos no Setor de Assistência Social,
constata-se que os usuários da Assistência Social são em sua maioria mulheres, na faixa
etária de 25 a 40 anos, em condição de chefia de família, sem a presença de um
provedor/companheiro, e/ou famílias em situação de vulnerabilidade expressiva, que possuem
crianças e adolescentes como seus dependentes. Há um índice significativo de pessoas com
baixa escolaridade e analfabetas, inseridos no setor informal de trabalho, diaristas e
desempregados.
A instituição governamental municipal de Anchieta, através do setor de Assistência
Social, desenvolve programas e serviços que contribuem para a melhoria da situação em que
muitas famílias do município se encontram atualmente. Porém, prevalece a ótica nacional das
políticas sociais, revelando alguns vícios transferidos da esfera federal que precisam ser
modificados. "(...) os direitos assistenciais, materializados nos benefícios, serviços, programas
e projetos, apresentam uma tendência de redução, residualidade, seletividade e focalização, o
que fere o princípio de atendimento às necessidades sociais" (BOSCHETTI, 2001, p. 168).
Mesmo precarizados, estes serviços são necessários, e acredita-se que houve
evolução significativa no entendimento de sua dinâmica estrutural, mas ainda deficiente
quanto à transformação da realidade social. Têm, entretanto, despontado iniciativas locais de
adaptação dos programas sociais à realidade municipal, o que pressupõe a melhoria e maior
eficácia dos serviços assistenciais prestados.
16
Desta forma, o município tem pautado suas
ações, numa perspectiva de ação permanente, que assegure continuidade aos serviços,
independente de partido político e profissional que atue na instituição, pois o objetivo
prioritário é o bem estar da população e o anseio de transformação da realidade social.
2.1.1 Programas locais do município
A seguir, alguns dos principais programas e serviços prestados pelo Setor de
Assistência social no município de Anchieta.
16
Conceitua Boschetti (2001, p. 53), que os serviços assistenciais são as atividades continuadas que visem a
melhoria de vida da população e cujas ações estejam voltadas para suas necessidades básicas.
48
Benefícios eventuais e/ou emergenciais que são aqueles destinados a suprir, através
de auxílio material ou em espécie, aquelas pessoas que apresentam vulnerabilidade temporária
de amparo social. Representam auxílios esporádicos concedidos através de convênios com as
esferas de governo federal e estadual, em virtude de necessidades eventuais decorrentes de
intempéries, em que se decreta situação de calamidade pública, bem como em situação de
morte, natalidade, etc. Este atendimento objetiva garantir assistência especial em situações de
extrema vulnerabilidade, pressupondo auxílio temporário, material ou financeiro, por meio
dos programas a seguir relacionados:
o auxílio funeral é um benefício de pagamento único destinado ao executor do
funeral, ou seja, a família do óbito, objetivando o pagamento total e/ou parcial das
despesas destinadas a esta finalidade.
o auxílio natalidade é um benefício de pagamento único, destinado às mães gestantes
por ocasião do parto. O referido benefício correspondente ao valor de 25% do salário
mínimo.
eventual, considerando-se a possibilidade imprevisível de em decorrência de incêndios
e/ou intempéries (vendavais, chuva de granizo, estiagem...) causar danos extremos na
área habitacional e situação sócio-econômica das famílias; pressupõem-se auxílio
eventual em caso de vendavais e/ou sinistros, para minimizar os danos causados por
tais acontecimentos.
Face à atual situação de miserabilidade crescente e diagnóstico de precariedade em
termos de saúde de nossa população, urge a necessidade de assegurar assistência social,
sobretudo de saúde e alimentar, aos indivíduos que não possuem capacidade de auto
sustentar-se, e/ou garantir sua saúde e sobrevivência.
O mínimo de condições deve ser assegurado pelo Estado, nestes casos, referindo-se
às necessidades prioritárias como:
auxílio medicamentos, sobretudo em caso de doença crônica;
auxílio exames, óculos (total ou parcial);
passagens para transporte (locomoção) em situações extremas, geralmente casos de
doença;
auxílio cesta básica, assegurando alimentação diária básica aos que por algum motivo
não podem se auto promover. Este programa atende 30 famílias conforme a
necessidade e/ou circunstância especial.
49
Benéficos vistos como emergências e de direito a população em situação de
vulnerabilidade e risco social.
O benefício de prestação continuada, previsto na Constituição Brasileira de 1988 e
no âmbito da Assistência Social, em sua Lei Orgânica, consiste no repasse de um salário
mínimo mensal, dirigido às pessoas idosas e às portadoras de deficiência que não tenham
condições de sobrevivência, e que foi implementado a partir de 1996, sendo de
responsabilidade do Governo Federal, através do Ministério da Previdência e Assistência
Social.
Com a Constituição de 1988, a assistência social é declarada direito social, campo da
responsabilidade pública, da garantia e da certeza da provisão. É anunciada como um direito
sem contrapartida, para atender as necessidades sociais, as quais têm primazia sobre a
rentabilidade econômica. Para tanto, é definida como política de seguridade, estabelecendo
objetivos, diretrizes, financiamento, organização da gestão, a ser composta por um conjunto
de direitos. Esta inscrição formal enseja uma profunda e radical ruptura em relação à
tradicional condição da assistência social que transita do campo do dever moral de ajuda para
a obrigação legal do direito.
O Benefício de Prestação Continuada destinado aos idosos e portadores de
deficiência constitui-se um direito restrito e arbitrário, posto que guiado pelo critério de
menor elegibilidade, e que tem sofrido consideráveis e sucessivas restrições.
O Programa de Guarda subsidiada visa a guarda à criança e ao adolescente que dela
necessitam, tendo esgotado todas as possibilidades de convívio com sua família de origem. A
guarda subsidiada busca assegurar a criança e ao adolescente, espaços de convivência com
plenos direitos de proteção às suas necessidades sociais, culturais e econômicas.
Conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, deve ser assegurado
proteção integral à população infanto-juvenil em condição peculiar de desenvolvimento,
sendo que, na falta da família biológica, ou afastamento temporário, o poder judiciário
definirá o amparo através de uma família substituta, com recursos municipais.
O tempo de responsabilidade das famílias que possuem guarda subsidiada, varia
conforme as peculiaridades do processo em julgado pelo Juízo da Infância e Juventude, até
que se determine uma ação legal efetiva.
No caso de Anchieta, o Serviço Social mantém atenção permanente ao Programa, no
sentido de sensibilização e cadastramento de famílias que queiram receber crianças e
adolescentes, eventualmente na condição de guarda provisória, ou em caso de
encaminhamentos do judiciário, tendo em vista a verificação de situação de risco e
50
vulnerabilidade em que eles se encontram. Através deste programas, as famílias que possuem
guarda de crianças recebem auxílio financeiro em torno de ½ a 2 salários mínimos/mês.
A Campanha de Agasalho é uma atividade assistencial emergencial coordenada pelo
setor de assistência social em parceria com as entidades e a comunidade, objetivando
arrecadar vestuários no período de inverno a serem destinados às famílias carentes do
município. São inseridos nesta atividade voluntários par auxiliar nos trabalhos de divulgação,
arrecadação, separação do material e distribuição, salientando a participação significativa de
acadêmicos.
O Programa de Habitação para a construção de casas populares, objetiva desenvolver
ações que viabilizam a aquisição de moradia às famílias necessitadas, ou seja, as que se
encontram em extrema situação de pobreza, sobretudo as residentes em barracos de lona, e
àquelas que há anos convivem com o ônus do aluguel, sacrificando suas economias para
assegurar um espaço de residência, o que dificulta a sobrevivência e a qualidade de vida do
grupo familiar.
A proposta enfatizada pelo Programa sustenta a viabilização de força política
governamental que intervenha na política habitacional, de forma que possibilite o loteamento
para aquisição de terrenos, bem como financiamentos a fundo perdido às famílias que não
possuem condições para aquisição de casa própria, criando, desta forma, oportunidades de
crédito e facilidades para a tentativa de superação desta questão em evidência, sobretudo nas
periferias da cidade.
Os Grupos de Idosos, dispõem de verbas para as atividades a serem desenvolvidas.
São sete grupos constituídos no município de Anchieta desde 1993, contando, atualmente,
com cerca de 460 participantes. Acredita-se que a formação desses grupos de Terceira Idade
contribui para a superação de antigos preconceitos, resgatando o valor desta fase de
desenvolvimento humano. Muito já foi conquistado, sendo que o idoso vêm consolidando
espaços na esfera social, garantindo o exercício de sua cidadania, por meio de experiência em
grupos organizados, através da oportunização de espaços de lazer, confraternização, saúde,
partilha, com ênfase para o seu desenvolvimento biopsicosocial.
O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) foi implantado no município
desde 2002, atendendo 85 crianças e adolescentes em situação de trabalho e risco,
contemplando em sua maioria filhos de agricultores, uma vez que a realidade do município é
essencialmente agrícola.
O PETI é um programa do Governo Federal em parceria com a Prefeitura Municipal
de Anchieta - SC, que tem como objetivo, em sua gênese, retirar as crianças e adolescentes de
51
sete a quinze anos de idade do trabalho considerado perigoso, penoso, insalubre, ou
degradante, ou seja, daquele trabalho que coloca em risco sua saúde e segurança.
As crianças e adolescentes inseridas no PETI cumprem uma jornada ampliada (ação
educativa complementar da escola), de quatro horas diárias praticando diversas atividades
como: artes, reforço escolar, música, prática desportivas, ações de educação, sendo oferecido
também o reforço alimentar. A pedagogia utilizada pelos monitores e professores do
programa visa fortalecer os laços familiares e comunitários, por meio da reflexão e formação
de suas crianças e adolescentes em vista de um desenvolvimento saudável e equilibrado. Os
responsáveis pela coordenação do Projeto são a Secretaria Municipal da Saúde e Assistência
Social e Secretaria Municipal da Educação do Município de Anchieta/SC, em parceria com o
Governo Federal.
O Projeto Não às Drogas tem identificado na realidade municipal que um dos
maiores problemas sociais, o alcoolismo, que atinge índices preocupantes no município,
sobretudo pelo fácil envolvimento de adolescentes. Estima-se que o índice de população
usuária já chega aos 60% no município e a faixa etária de pessoas envolvidas fica entre 35 a
45 anos e idosos.
Ressalta-se a permissividade social quanto ao uso do álcool, tendendo o problema a
se alastrar facilmente, sem gerar indagações a respeito, uma vez que se trata de uma droga
lícita. As conseqüências de sua utilização são drásticas, sobretudo quando em estágio
avançado de dependência, ocorrem conflitos na convivência social e familiar, desleixo
pessoal, pelo trabalho, manifestações de agressividade e violência, o que à curto e médio
prazo acarretarão na perda de vínculos afetivos, separações, processos judiciais e até a morte.
O consumo de álcool encontra respaldo na mídia, infiltrando-se facilmente nos ambientes de
lazer e grupos sociais, sobretudo juvenis, adquirindo caráter prioritário neste espaço de
diversão.
O Serviço Social presta atendimento à família do alcoolista em parceria com técnicos
da área de saúde, através de acompanhamento e encaminhamento a tratamento especializado
para recuperação, proporciona ao mesmo e à comunidade em geral, a garantia de um
tratamento adequado, e especializado com ênfase em atividades de ação sócio-educativa-
preventiva e de conscientização social sobre a problemática em questão, através de palestras
educativas e fóruns de debate.
Outra política pública é o programa de Ação Continuada de Atenção a Criança,
viabilizando recursos ao atendimento a crianças de 0 à 6 anos em serviços de creche ou
semelhantes.
52
O Programa de Liberdade Assistida é desenvolvido em parceria entre o poder
público municipal e o Juizado da Infância e Juventude, objetivando desenvolver ações que
visam a garantia dos direitos dos adolescentes autores de atos infracionais, fornecendo-lhes
orientação, supervisionando a freqüência escolar e diligenciando no sentido da sua
profissionalização e inserção no mercado de trabalho, bem como prestando apoio e orientação
às famílias.
Ressalta-se que o acompanhamento do programa de Liberdade Assistida, promove o
cumprimento das decisões judiciais da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de
Anchieta, através de atendimento sócio-educativo em meio aberto aos adolescentes infratores,
conforme preconiza os artigos 117 e 118 da Lei Federal nº 8.069/90, que dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Programa de Prestação de Serviço à Comunidade destina-se ao atendimento
específico de adolescentes encaminhados pela justiça, em virtude de terem cometido alguma
infração. Há resistência quanto às atividades sócio-educativas a serem desenvolvidas, pelos
adolescentes e pela comunidade sendo que da forma como estão estruturados. A
pressuposição de que a partir do cumprimento da medida o adolescente sinta-se inserido.
Percebe-se que a própria sociedade ainda pensa apenas em medidas de punição e não o vê
como vítima de um contexto de exclusão, principalmente da família e das políticas públicas
de atendimento.
A aplicação da medida sócio-educativa de prestação de serviços à comunidade está
prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente. O sucesso de sua aplicabilidade depende da
orientação educacional oferecida, de seu cumprimento para que no seu resultado transpareça
sua utilidade, legalidade e eficiência do sistema de atendimento dos programas destinados
exclusivamente para esse fim. Considera-se que os adolescentes, pessoas em
desenvolvimento, precisam de atenção especial com um programa que proporcione sua
integração social, ao invés de evidenciar sua exposição.
O Programa APOIA (Programa de Combate à Evasão Escolar), de nível estadual,
visa apoiar o crescimento da taxa de permanência e efetiva aprendizagem do aluno na escola.
A Constituição Federal (art. 208, I) determina a obrigatoriedade do ensino fundamental, que
hoje é de oito anos. A erradicação da evasão escolar visa melhorar a qualidade de vida dos
cidadãos no futuro, oportunizando melhores condições de desenvolvimento intelectual. O
programa é uma parceria entre Secretaria de Estado da Educação, Procuradoria Geral da
Justiça e Tribunal de Justiça, visando o atendimento às crianças e adolescentes, de 07 a 18
anos de idade, que ainda não completaram o ensino fundamental.
53
O Programa Cidade Limpa e Linda consiste na inserção de trabalhadores diaristas em
rotina de trabalho quinzenal. Organizam-se equipes de trabalho de acordo com a demanda,
sendo que são beneficiadas quinzenalmente em torno de 10 pessoas. A maioria são mulheres,
que estão temporariamente sem emprego, ou sobrevivem de renda obtida em trabalhos como
diarista. Cada trabalhador recebe ½ salário mínimo para realizar atividades de limpeza e
embelezamento da cidade. Através do contato com essas pessoas, incentiva-se o seu retorno
ao estudo encaminhando-as para o Núcleo Avançado de Ensino Supletivo. Muitas delas
acabam sendo indicadas para as empresas, sendo este trabalho a referência.
A Assistência Social Municipal está voltada à resolução dos problemas sociais do
município. Atualmente sobrecarregada, tendo em vista a diversidade de demandas, sem a
garantia de contrapartida dos programas sociais implantados para receber e tratar estes
problemas numa perspectiva de inclusão e não de seletividade.
Desta forma, os usuários comparecem ao setor de Assistência Social periodicamente
na esperança de serem contemplados. A crescente demanda de usuários, as situações
diversificadas, estão sob a coordenação de apenas uma profissional técnica, o que dificulta o
atendimento, acompanhamento com qualidade. Pois a necessidade de amparo social bem
como de responsabilidade da parte técnica e burocrática.
Há conflito de poder na instituição, sobretudo no que se refere a secretaria a que está
vinculada a assistência social. Esta hierarquia e vigilância político-partidária limitam a
atuação profissional e impedem sua autonomia em organizar as atividades de acordo com a
necessidade, tendo em vista que organização burocrática deve ser compatível com a prática,
uma vez que ambas se complementam. Vale, assim, ressaltar que: "(...) a reflexão sobre os
instrumentos e as mediações do Serviço Social devem ser concretamente situadas nas relações
de poder e de saber estruturadas nas instituições e nas políticas sociais do Estado capitalista".
(FALEIROS, 1993, p. 73).
2.1.2 Educação
O sistema municipal de Ensino de Anchieta compreende: a Educação Infantil que
atende crianças de 0 até 6 anos de idade; O Ensino Fundamental com educandos que desde 6
anos, ingressam na primeira série até a oitava série; a educação de jovens e adultos com as
turmas de alfabetização, nivelamento, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
54
Ao analisarmos os dados dos últimos censos escolares realizados pelo Ministério da
Educação, constatou-se uma diminuição expressiva do número de alunos matriculados no
Ensino Fundamental nas escolas municipais rurais. Essa diminuição está fortemente ligada ao
enfraquecimento da agricultura familiar e pelo baixo índice de natalidade.
Cabe salientar também aumento na demanda pelas vagas da Educação Infantil,
modalidade esta que até muito pouco tempo não era considerada “importante” por alguns
pais. Este aumento verificou-se na zona urbana, razão esta que comprova o aumento do
êxodo rural.
A Educação Infantil, em Anchieta é atendida exclusivamente pelo poder público
municipal. Atualmente conta com 24 turmas, que estão distribuídas em 9 escolas com
aproximadamente 352 educandos.
O trabalho com as turmas de Educação Infantil é efetuado por 17 profissionais, todas
do sexo feminino: sete professoras com pós-graduação na área de atuação, seis com
graduação, quatro graduadas nas séries iniciais e uma professora com Ensino Médio. São duas
professoras que trabalham a Arte na Educação Infantil, destas, uma graduanda e outra pós-
graduada. O programa Arte na Educação Infantil, acontece em cada escola no período de 15
em 15 dias, quando a mesma professora trabalha com as turmas. Nesse ínterim, a professora
regente da turma planeja as atividades escolares para a quinzena.
O Ensino Fundamental é atendido por 28 profissionais, nas aulas, tanto como aulas
de Artes, Educação Física e Espanhol. Destes 28 profissionais, 19 trabalham nas turmas de 1ª
a 4ª série. Sendo uma professora com Ensino Médio, duas graduadas e 16 pós-graduadas. De
5ª a 8ª série contamos com o trabalho de nove profissionais, três do sexo masculino e seis do
sexo feminino. O nível de formação destes nove profissionais é especialização na área da
educação. O atendimento dos alunos de primeira a quarta série acontece em nove escolas,
sendo cinco multisseriadas com um número de alunos entre 10 e 15; duas escolas são
bisseriadas e duas escolas unisseriadas, ao todo são 19 turmas totalizando um número de 295
alunos. De quinta a oitava série, atualmente são quatro turmas, uma de cada série, totalizando
68 alunos.
Observa-se no quadro funcional dos profissionais da educação a femininização do
magistério. Dos 19 profissionais que trabalham nas séries iniciais, dezoito são mulheres e um
homem, e na Educação Infantil, conforme já citamos, 100% dos profissionais são mulheres.
Ainda é bem presente em nosso imaginário cultural que o trabalho com crianças é somente de
mulher, que não acontece somente em nosso município. Afirmam estudiosos do assunto que
dentre outros fatores que condicionam o fato, também está a questão da remuneração.
55
Ano após ano aumentam as matrículas na Educação de Jovens e Adultos. Esta
demanda se verifica pela necessidade de um comprovante de escolaridade que o mercado de
trabalho exige, também pela busca de realização pessoal que significa o ato de ler e escrever,
em nossa sociedade letrada.
No ano 2000, a partir dos dados do IBGE, Anchieta ainda possuía 11,31% de
analfabetos, índice que colocava o município em vigésimo décimo oitavo lugar no Estado. A
taxa de evasão escolar no ano de 2004 foi zero, principalmente devido ao programa APOIA,
efetuado em parceria entre o Conselho Tutelar e a Escola.
No Núcleo Avançado de Ensino Supletivo estudam os adultos que não completaram
seus estudos na idade própria. Na Educação de Jovens e Adultos, no Ensino Fundamental
estudam alunos acima 14 anos e no Ensino Médio os alunos acima 18 anos. A taxa de
alfabetização de adultos em Anchieta é de 88,7%. Efetuam matrícula nas turmas de
alfabetização tendo aulas duas vezes por semana. O NAES (Núcleo de Alfabetização de
Educação de Jovens e Adultos) no ano de 2003 contava com duas turmas de nivelamento;
nestas turmas estão matriculados os adultos que não concluíram as séries iniciais do Ensino
Fundamental na idade própria ou que vêm das turmas de alfabetização. No Ensino
Fundamental, de quinta a oitava série, freqüentam alunos que terminaram a quarta série na
escola formal ou o nivelamento no NAES. A maior dificuldade encontrada na Educação de
Jovens e Adultos é a evasão de adultos matriculados que freqüentam algumas disciplinas e
desistem logo após.
É necessário ressaltar a dificuldade que o município tem atualmente com o espaço
físico das escolas. Na área rural há muitas escolas fechadas ou com um número pequeno de
alunos. Já na área urbana há falta de espaço físico. Para abarcar o número crescente de alunos
que provêm de famílias que residem na sede do município, há que se alugar estrutura física
que sirva como escola. Ao mesmo tempo, foi constatado pela Prefeitura que 13 escolas
municipais revelam a necessidade da execução de reformas para melhor atender às
necessidades dos alunos.
O transporte escolar do município conta com uma frota própria composta de três
ônibus, dois micro ônibus e uma kombi que fazem uma quilometragem aproximada de
300km/dia. Conta, também, com dezenove linhas de Transporte Escolar terceirizadas, que
fazem em média 450km/dia. A maior dificuldade é a conservação dos veículos em boas
condições de trafegabilidade, devido ao mau estado de conservação das estradas. Outro
problema encontrado são os horários longos que as crianças ficam fora de casa para
permanecerem apenas quatro horas em sala de aula.
56
No município percebe-se que a situação da violência é expressiva , mas que ainda
fica no âmbito privado, sendo que esporadicamente é citado pelos professores acontecimentos
do cotidiano do alunos que declaram estar sofrendo de maus tratos ou que vivenciam entre
seus familiares, bem como na saúde pública também é percebida, no setor de assistência
social, nos atendimentos aos usuários percebe-se que muitos relatam que sofrem ou que já
sofreram mas ainda timidamente e poucos buscam os órgãos de atendimento.
2.1.3 A segurança pública em Anchieta
No município de Anchieta a segurança pública teve início com as antigas “cadeias”.
O primeiro registro efetuado na Delegacia de Anchieta foi em março de 1964, época em que
apenas uma pessoa era responsável pela segurança. A primeira cadeia ficava junto a um anexo
da Prefeitura, sendo administrada por delegados ad doc, ou seja, sem capacitação profissional,
somente nomeados para a função. O trabalho da polícia civil foi instaurado no ano de 1987,
com um escrivão policial também ad doc.
Somente no ano de 2002 é que a Delegacia teve sede própria e ainda não possui
delegado que exerça suas funções no município, apenas responde pela mesma. Anchieta teve
apenas dois delegados efetivos que permaneceram um pequeno período na atuação direta na
delegacia. A inexistência de um delegado efetivo faz com que a sociedade fique a margem das
políticas públicas essenciais a segurança pública, uma vez que não tendo delegado, o ato do
flagrante não é efetuado.
O município contou efetivamente com um Escrivão concursado em 20/10/1988, e um
investigador de policia desde 15/10/1998. Há necessidade de ampliação do quadro ao
atendimento à população, principalmente do cargo de delegado. De 1999 a 2003 o município
teve somente um delgado efetivo permanecendo no ano de 1999. Após este período delegados
de municípios vizinhos respondiam pelo município permanecendo apenas um dia por semana
de plantão, sendo responsáveis pela documentação e pelo atendimento ao público. No ano de
2000 foram três delegados substitutos; em 2001, três; 2002, dois delgados substitutos e em
2003, foram três delegados substitutos
17
. Quando vítimas de agressão necessitam do exame de
corpo delito, deslocam-se para a cidade de São Miguel do Oeste, a 46 km² de distância.Fica,
assim, evidente que a inexistência deste atendimento e as dificuldades tornam-se maiores
17
Dados Delegacia de Polícia Militar, 2004.
57
considerando-se que muitas pessoas não possuem condições financeiras ou informações
necessárias para a procura do mesmo. Em alguns casos mais graves, a própria polícia civil
transporta o vitimado até o IML da referida cidade.
Segundo Hope (2005), no Estado de Santa Catarina, o Poder Judiciário foi instituído
em 01 de outubro de 1891 em Desterro (atualmente Florianópolis), que passou a sediar a
Segunda Instância de Justiça, passando no ano seguinte a denominar-se Relação de Justiça.
Em 1934 passou a chamar-se Corte de Apelação e em 1937 Tribunal de Apelação. A
denominação presente até a atualidade, de Tribunal de Justiça, figurou pela primeira vez na
Constituição Federal de 1946.
O Poder Judiciário tem como objetivo a prestação jurisdicional satisfatória a todos os
habitantes da área de abrangência da Comarca, desempenhando atividades com o intuito de
resolver os conflitos surgidos entre os cidadãos que estão buscando através do instrumento
legal, o processo judicial, uma saída para o litígio.
É dentro da Instituição Fórum que atua o Poder Judiciário, tendo por finalidade
precípua a aplicação das leis e a busca da garantia dos direitos dos cidadãos. O recurso
judicial existe para aqueles que buscam os ajustes das incompatibilidades existentes e para os
que descumprem com a Lei, cabendo à justiça a mediação do seu cumprimento, que deve ser
compatível com as normas existentes na sociedade. A denominação Fórum corresponde às
edificações onde se concentram os serviços judiciários de uma cidade. Foro, por sua vez, é o
território dentro de cujos limites o Juiz exerce a sua jurisdição. Nas Justiças dos Estados o
foro de cada Juiz de primeiro grau é o que se chama comarca.
As comarcas são constituídas de um ou mais municípios, formando área contígua
com a denominação daquele que lhe servir de sede. De conformidade com a Lei
Complementar nº160, de 19 de dezembro de 1997, as comarcas em Santa Catarina são
classificadas em entrância inicial, entrância intermediária, entrância final e entrância especial,
totalizando cento e dez.
A Comarca de Anchieta é de entrância inicial, sendo criada através da Lei nº 6.543
de 13 de junho de 1985 e sua instalação ocorreu em 20 de março de 1988. O Fórum tem a
denominação de Fórum Dr. Achilles Balsini e está localizado à Avenida Anchieta nº 722, no
centro da cidade. A Comarca é composta por vara única, abrangendo também o município de
Romelândia e tem como atividade fim a prestação jurisdicional a todos os habitantes de
ambos os municípios, dando ênfase ao andamento de processos judiciais. No Fórum tramitam
ações nas áreas cível, criminal, de família, da criança e adolescente, juizado especial e outras.
58
Também são executadas tarefas de ordem administrativa, como a administração de pessoal do
Fórum e manutenção da estrutura organizacional.
Para o desenvolvimento das atividades profissionais, a Comarca conta atualmente
com um quadro funcional assim composto: Juiz de Direito, Promotor de Justiça Substituto,
dez funcionários efetivos, dois estagiários, um bolsista e um servidor cedido pelo município.
Os responsáveis por cada um dos setores existentes na comarca têm atividades diferenciadas e
inerentes aos objetivos de cada uma destas subdivisões, com atribuições específicas: o Juiz de
Direito e Diretor do Foro é quem dirige o processo, competindo-lhe assegurar às partes
igualdade de tratamento, velar pela rápida solução do litígio e prevenir ou reprimir qualquer
ato contrário à dignidade da justiça (art. 126 CPC). Enquanto Diretor do Foro, o Juiz é o
responsável pelos procedimentos administrativos da Comarca, viabilizando o seu
funcionamento. Conta também com um Assessor Judiciário para auxiliá-lo nos processos.
O Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF/1988). O representante do ministério
público é o promotor de justiça que emite manifestações, alegações, sobre as questões
discutidas no processo.
Além das funções e subdivisões acima referidas, Anchieta conta com as seguintes
instâncias e funções:
Cartório Judicial, local físico onde os processos permanecem à disposição das partes e
do Juiz e onde são tomadas todas as providências para o seu andamento. Conta com o
trabalho dos seguintes profissionais: a) Escrivão Judicial – é o responsável pelo
cartório e exerce atividades relacionadas com à coordenação e supervisão dos serviços
de cartório, de natureza administrativa, acompanhamento e execução de serviços
inerentes a processos judiciais. b) Técnico Judiciário Auxiliar- Exerce atividades
relacionadas com serviços de cartório, de natureza administrativa, envolvendo
registros através de digitação, redação de documentos, atendimento ao público. c)
Bolsistas e Estagiários – exercem atividades auxiliares.
Contadoria é o local onde são realizadas atividades de cálculos de custas iniciais,
intermediárias e finais em processos judiciais pelo contador judicial. Distribuição
judicial: é o setor do Fórum que recebe petições iniciais (processos novos), e outras
petições que se referem ao andamento dos processos, realizando o protocolo e cadastro
no sistema automatizado, pelo Distribuidor Judicial.
59
Justiça Eleitoral (TRE): cuida das obrigações eleitorais, direitos e deveres dos eleitores
e dos eleitos, sendo as atividades desenvolvidas por juiz eleitoral, promotor eleitoral e
chefe de cartório.
Comissário da Infância e Juventude, exerce atividades relacionadas com detenção,
fiscalização, investigação e condução de crianças e adolescentes.
Juizado Especial Cível e Criminal, é onde se processam as causas distribuídas no
juizado especial, ou seja, aquelas causas que não excedam quarenta salários mínimos,
ou pequenas causas. Seu atendimento é realizado pelo Secretário do Juizado. Nele
também são julgados os processos relativos à violência contra a mulher.
Oficiais de justiça, exercem atividades relacionadas aos atos que exijam fé pública no
que diz respeito a processos judiciais. Realizam citações que é o ato formal para que a
pessoa tome conhecimento de algum processo que tramita contra ela para, querendo,
defender-se no prazo determinado pela lei. Também realiza intimações que consiste
em dar conhecimento a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe
de fazer alguma coisa, bem como realiza outras atividades correlatas.
Portaria e Comunicação; realizam atividades relacionadas com serviços externos,
xérox, telefonia e central de atendimento aos usuários, sendo realizados por um agente
de portaria e comunicação.
Secretaria do Foro; desenvolve atividades de natureza administrativa envolvendo o
planejamento, organização, orientação, e controle de ocorrências funcionais, bens
patrimoniais, materiais de expediente, biblioteca, comunicações oficiais e arquivo de
documentos.
Serviço Social, realizado pela assistente social, que desenvolve estudos sociais,
elabora relatórios, realiza entrevistas, atende a demanda social nas questões sócio-
jurídicas, com trabalhos de orientação, mediação, prevenção e encaminhamento e
operacionaliza os programas de colocação familiar de crianças e adolescentes, dentre
outras atividades.
Serviços Gerais; realiza atividades relacionadas com serviços diversos,
compreendendo os serviços de copa, cozinha, conservação e limpeza desenvolvidas
pelas agentes de serviços gerais.
Centro de Processamento de Dados; desenvolvem atividades relacionadas com
suporte, gerenciamento e execução de serviços inerentes aos equipamentos de
informática e sistemas realizados pelo técnico de suporte em informática.
60
Embora o município de Anchieta conte com este aparato institucional para a atuação
das políticas públicas de segurança, não há no município e sequer nos municípios vizinhos
uma Delegacia de Atendimento Especial às Mulheres (DEAM). Deste modo, as vítimas de
violência conjugal ou de gênero, devem recorrer à Delegacia Policial, que conta com dois
agentes policiais e, como vimos, com a presença periódica de um delegado. Não há, também a
possibilidade de realização, no município, de exame de corpo delito. Estas limitações
institucionais, sem dúvida, tem reflexos, no precário atendimento às mulheres, vítimas
preferenciais deste tipo de violência, como se pretende demonstrar no capítulo a seguir.
61
CAPÍTULO III
RELAÇÕES DE GÊNERO VIOLENTAS E POLÍTICAS PÚBLICAS EM
ANCHIETA: O QUE REVELAM OS DOCUMENTOS E O QUE PENSAM OS
ATORES SOCIAIS
Em Anchieta, como já foi dito, não há Delegacia de Atendimento Especial à Mulher.
Assim sendo, as mulheres vítimas de violência doméstica têm como únicas possibilidades, do
ponto de vista de políticas públicas, recorrer à Delegacia de Polícia ou ao Fórum.
O trajeto institucional que suas queixas percorrem é similar ao daquelas que são
encaminhadas, inicialmente, para as Delegacias Especiais. Como informa um dos Promotores
de Justiça
18
de Santa Catarina, o Delegado de Polícia, tomando conhecimento de alguma
infração que se situe no campo de abrangência dos Juizados Especiais Criminais deve
registrar o Boletim de Ocorrência (BO), sobre o fato relatado pela vítima e instaurar o
procedimento chamado "Termo Circunstanciado" que é, na verdade, uma simplificação do
inquérito policial, tomando os depoimentos da vítima e do autor do fato e indicando
testemunhas e encaminhando para perícias ou exames de corpo delito. De acordo com o
referido Promotor, pela leitura que se faz do art. 69 da Lei nº 0.099/95, a atividade da
autoridade policial é impositiva, e não discricionária, de modo que não lhe cabe decidir sobre
a instauração ou não do termo circunstanciado (TC). Disso resulta que, para cada BO
registrado, haverá, necessariamente, TC. A prática tem demonstrado, todavia, que em muitos
casos mulheres que são vítimas de violência doméstica, embora registrem o BO, passado
algum tempo, desistem de processar o agressor, por diferentes razões. Embora a lei não o
determine, a prática tem demonstrado que nestes casos de violência doméstica, normalmente
as delegacias de polícia registram a ocorrência relatada, mas aguardam certo tempo para que a
vítima confirme ou não o desejo de processar o agressor e, só então, é formalizado o
procedimento policial adequado (TC).
Se a vítima mantiver o firme propósito de representar o agressor, o TC é
encaminhado ao Juizado Especial Criminal, já com data designada para audiência preliminar.
Nessa audiência, vítima e agressor deverão estar presentes. Num primeiro momento é
questionado se as partes desejam a reconciliação, ou se pretendem fazer um acordo para
encerrar o processo. Tal acordo pode envolver somente a manifestação da vontade da vítima
18
Comunicação pessoal do Promotor de Justiça de Balneário Camboriú, Ricardo Luis Dell ´Ágnolo.
62
em parar o processo neste momento, ou mesmo envolver a reparação de danos, morais e
materiais. Havendo acordo, o Juiz homologa e termina o processo. Não havendo acordo, se a
vítima mantiver o desejo de processar o agressor, o Promotor de Justiça ajusta com ela, sendo
réu primário, de bons antecedentes, a aplicação de proposta de transação penal. Essa transação
envolve a obrigação do cumprimento de uma penalidade, não privativa de liberdade, que pode
ser multa, doação de cestas básicas ou prestação de serviços comunitários. Se a denunciante
aceitar, o Juiz homologa a transação penal e determina o cumprimento da medida ajustada.
Cumprida essa medida, o processo é julgado, ou seja, é encerrado.
A equipe da Delegacia de Anchieta consta com um escrivão de polícia e de um
investigador, bem como um delegado que responde pela Delegacia, mas que geralmente está
presente uma vez por semana para tomar ciência dos fatos ocorridos e raramente atende ao
público. Percebe-se que os registros também são categorizados de acordo com o que a vitima
verbaliza, mas que podem ser induzidos pelos gestores a assumirem o seu próprio senso
comum. Vale lembrar, ainda, que sua linguagem, com termos técnicos da área de Direito, é de
difícil compreensão dos denunciantes, podendo não ser adequadamente entendida por eles e
provocar uma distorção dos dados no momento do preenchimento dos BOs e demais registros.
Do conjunto dos 1.042 BOs registrados no período de 1999 a 2003, 161 casos foram
identificados como violência contra a mulher, perfazendo um total de 13%, índice
considerado significativo para um município de pequeno porte e que o imaginário popular diz
ser pacato e sossegado. Entretanto, procedimentos com dados possíveis de serem pesquisados
via termos circunstanciados foram 104 casos.
TABELA 5 - REGISTROS EFETUADOS NA DELEGACIA DE 1999 A 2003
BO TC IP APF AAA
1999 199 91 27 5 2
2000 214 102 26 3 1
2001 196 90 39 0 0
2002 179 101 21 0 0
2003 254 98 4 0 0
TOTAL 1042 482 117 8 3
FONTE: DELEGACIA DE POLÍCIA
19
19
BO: Boletim de Ocorrência; TC: Termo Circunstanciado; IP: Inquérito Policial; APF: Auto de Prisão em
Flagrante, AAA: Auto flagrante de adolescente; AAI: Auto Apuração de ato Infracional.
63
GRÁFICO 1 - REGISTROS EFETUADOS NA DELEGACIA DE 1999 A 2003
FONTE: Delegacia de Polícia
GRÁFICO 2 - ÍNDICE TOTAL DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHER
FONTE: Delegacia de Polícia
Os dados registrados no boletim de ocorrência (anexo nº 1), podem ser assim
agrupados: 1. tipo de fato comunicado, data, hora e local do ocorrido; 2. data e hora da
comunicação; 3. nome, idade, endereço domiciliar e profissional, profissão e documento
apresentado do comunicante; 4. nome, endereço, idade filiação, estado civil e documento
apresentado da vítima; 5. nome das testemunhas com o respectivo endereço; 6. histórico do
13%
87%
Total de ocorrências Violência contra a mulher
0
50
100
150
200
250
300
1999 2000 2001 2002 2003
Nº de Registros
BO TC IP APF AAA
64
fato constando do relato do comunicante; 7. policial plantonista; 8. autoridade pessoal e
despacho da autoridade policial.
Todos os dados destes itens foram consultados e a maior parte deles foi quantificada,
de acordo com as tabelas e os quadros apresentados mais adiante. É necessário registrar,
contudo, que as informações contidas nos BOs são muito incompletas, no que diz respeito
especificamente aos casos de violência doméstica contra as mulheres. Além de nem sempre
serem preenchidos todas as informações acima indicadas, faltam outras informações, tais
como as relativas às condições de vida do casal, sobre o tempo de vida conjugal, a renda da
vitima e do vitimizador, condições de moradia, número de filhos e suas respectivas idades, o
tempo que a vítima sofre as agressões, se ocorreram durante período de gravidez, porque a
vítima procurou a Delegacia, antecedentes criminais do agressor, entre outras que poderiam
ser complementares ao relato realizado pela própria vítima.
Em um primeiro momento parece fácil compreender estas lacunas, no caso
específico da Delegacia de Anchieta, tendo em vista que os BOs são destinados a qualquer
tipo de delito e não exclusivamente aos que são objeto deste estudo. No entanto, é inegável,
também, que essa oferta de encaminhamento institucional dá margem para que o gestor de
atendimento tenha seu olhar próprio sobre a violência. Como assinalam Soares et al. (1996), a
polícia tem cunhadas certas matrizes de referencia para designar vítimas e agressores, bem
como registrar ocorrências a partir de seus filtros, muitas vezes redutores e preconceituosos,
que respondem a matrizes tanto no plano ético, moral, político e cultural, que perpassa a
relação de profissional entre gestor e vítima e vitimizador.
Sendo que a Delegacia e o Fórum não classificam os BOs em dados diferenciados
quando é o caso de violência contra a mulher, ou violência intra-familiar, foi assim
necessário realizar toda a leitura documental de todos os registros que haviam ocorridos nos
anos de 1999 a 2003, e classificá-los de acordo com os registros. Após isso foram
averiguados os encaminhamentos no Fórum onde não havia também denominação de
violência contra a mulher. Esta fase foi exaustiva e preocupante, visto que a problemática da
violência contra a mulher era considerado por vezes banal e corriqueiro.
Apesar da multiplicidade e da variedade dos relatos, das situações, dos fatos, pode-se
correr o risco, também, de que sejam enquadrados apenas em alguma ou outra ocorrência, não
destacando os mais variados tipos de violência praticadas contra as mulheres ou por elas
relatadas.
A princípio os registros efetuados são típicos da ficha de atendimento, o Boletim de
Ocorrência, que coloca a mulher como uma vítima indefesa e passiva da violência masculina.
65
Os delitos ou relações de maus tratos que possam a vir contribuir para as agressões, não
aparecem nos registros. Ao iniciarmos a coleta de dados foi possível perceber que os Boletins
de Ocorrência possuem mecanismos padronizados sobre “vítimas” e “vitimizadores”, sem
levar em conta as relações intra-familiares e sociais, que podem estar ocorrendo, sendo que
muitas vezes ambos os cônjuges podem contribuir para as agressões. A este propósito,
observa Soares:
(...) o que parece ocorrer é um diálogo entre um conjunto complexo, multifacetado e
polissêmico de fatos/interpretações, episódios/significações, choques/versões e um
repertório estrito de categorias que exprime a pluralidade da experiência no filtro
redutor de qualificações simplistas, dicotômicas e empobrecedoras, as quais jogam
um jogo dramático de cartas marcadas; a mulher é sempre e apenas a vítima,
inevitavelmente definida como a ofendida que precisa de proteção; o agressor, do
ponto de vista da estrutura de acolhida da DEAMs- que se proteja por antecipação,
refratando as realidades possíveis, só pode ser homem (...)(nem há espaço no
boletim de ocorrência para a inversão da expectativa), e um homem-algoz, retirado
de sua circunstâncias. (SOARES et al., 1996, apud BANDEIRA,1993).
Diferentes análises, como esta de Soares et al. (1996) e a de Grossi (1998), fizeram
observações críticas referentes aos referidos registros, tanto em relação a dados ausentes
quanto, e sobretudo, ao modo como são realizados. As críticas voltam-se, inicialmente, para o
preenchimento do que os autores (Soares et al., 1996) rotulam de “folha de atendimento”, que
têm um roteiro como modelo, utilizado como formulário preestabelecido que conduzem ao
registro dos fatos narrados, sem nenhum questionamento, “naturalizando” os eventos e papéis
mais ou menos prefixados das mulheres como vítimas, e dos homens, como agressores., uma
vez que o espaço reservado ao histórico do fato, ou seja, que deveria tratar de sua
especificidade, acaba dando lugar a breves e genéricas referências. Perde-se, assim, os
múltiplos significados que apresentam estes eventos. Como afirma Musumeci Soares (1996,
p. 108), fica de fora, nos registros dos BOs, um aspecto fundamental:
As queixas nem sempre, ou raramente, referem-se apenas aos atos cometidos por um
agressor, mas aparecem, ao contrário, indissociadas das relações, freqüentemente
duradouras, ainda que agressivas ou violentas, no interior das quais ocorreram ou
ocorrem as agressões.
Do mesmo modo, além dos dados acima apontados, ausentes dos BOs, que
permitiriam, se devidamente registrados, a reconstituição do contexto e das relações reais
entre a mulher, tomada como “vítima” e seu “agressor”, como aponta Musumeci Soares
(1996), o atendimento proporcionado pelas DEAMs, ou em nosso caso pela Delegacia
Policial, resulta ou de certo modo atende - seria possível afirmar pelo menos em parte - as
66
demandas e expectativas das próprias denunciantes. De acordo com vários estudos, como os
de Soares et al. (1996) e o de Sorj (2002), a busca pelos serviços destas delegacias é , em
geral, movida por expectativas de solução de curto prazo para conflitos, em princípio
estranhos à linguagem e aos procedimentos jurídicos. Ou seja, o que em termos gerais a
clientela espera é menos o encaminhamento de sentenças judiciais, cujo desfecho seria a
punição do acusado e, antes, a resolução negociada de conflitos, aspecto a que retornaremos
mais adiante.
Apesar de todas as lacunas apontadas e das críticas apresentadas quanto ao
preenchimento dos BOs, a maior parte das informações nele contidas permitem fazer algumas
considerações sobre a ocorrência de violência contra as mulheres em Anchieta, permitindo
comparar estes dados com outros analisados por diferentes autores e fornecendo, ainda que
através de uma aproximação com um certo grau de incerteza, um esboço do que ocorreu, no
período analisado – de 1999 a 2003 – em Anchieta, a este respeito.
Na tabela 6 e no gráfico 3 correspondente, apresentam-se os dados referentes a idade
das mulheres, nos 108 casos em que elas foram registradas nos BOs, destacando-se a faixa
dos 21 a 50 anos (68,5,0%) com os maiores índices de ocorrência. Estas informações, de um
certo modo correspondem a uma faixa próxima a das idades apontadas por Soares et al.
(1996) com maior ocorrência de agressões domésticas, embora, no caso de Anchieta ocorra
um menor percentual em torno da faixa similar de idade. De acordo com os autores há, em seu
universo de quatro das DEAMs do Rio de Janeiro analisadas, uma significativa concentração
da idade das mulheres entre 19 a 45 anos (86,5 %). Chama a atenção, contudo, no caso de
Anchieta, a ocorrência de agressões a mulheres com idade mais avançada, na faixa de 61 a 70
anos, embora em pequena proporção dentre o total dos casos (06 %), ocorrências não
contabilizadas pelos autores acima referidos. Em síntese, em Anchieta, a violência doméstica
atinge mulheres em todas as idades.
TABELA 6: IDADE DAS VÍTIMAS
continua
ANO
IDADE
1999 2000 2001 2002 2003 Total das vítimas
por idade
11 a 20 06 01 05 02 01 15
21 a 30 04 10 05 05 05 29
31 a 40 04 08 05 07 03 27
41 a 50 05 07 01 02 03 18
67
TABELA 6: IDADE DAS VÍTIMAS
conclusão
ANO
IDADE
1999 2000 2001 2002 2003 Total das vítimas
por idade
51 a 60 03 03 03 01 02 12
61 a 70 02 0 03 01 01 7
71 a mais 0 0 0 0 0 0
Total geral 104
FONTE: Delegacia de Polícia Civil e Fórum Comarca de Anchieta- SC
GRÁFICO 3 - IDADE DAS VÍTIMAS
FONTE: A Autora
TABELA 7: ESTADO CIVIL DA VÍTIMA
continua
ANO 1999 2000 2001 2002 2003 Total das
vítimas, por
estado civil
Casada 13 10 09 05 04 41
Amasiada 04 09 08 05 08 34
Separada 01 04 01 0 01 7
Viúva 02 0 0 0 0 2
Solteira 03 0 01 04 0 8
0
2
4
6
8
10
12
11 a 20 21 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a 60 61 a 70 71 a mais
1999 2000 2001 2002 2003
68
TABELA 7: ESTADO CIVIL DA VÍTIMA
conclusão
ANO 1999 2000 2001 2002 2003 Total das
vítimas, por
estado civil
Não
declarado
01 03 03 03 02 12
Total Geral 104
FONTE: Delegacia de Polícia Civil e Fórum de Comarca.
GRÁFICO 4: ESTADO CIVIL DA VÍTIMA
FONTE: A Autora
Na tabela 7 e no gráfico 4 identifica-se o tipo de relação existente entre a vítima e
seu agressor. Um fator preponderante é a identificação da categoria casada que somada à de
amasiada, corresponde a cerca de 75 %, o que revela que a maioria dos casos de agressão
contra as mulheres ocorrem em relações conjugais. Este é um dado similar destacado por
Musumeci Soares (1996) e Machado (2002), relativos a pesquisas realizadas respectivamente
no Rio de Janeiro e em Brasília. Vale ressaltar, ainda, no caso de Anchieta, a necessidade de
relativizar os dados referentes às demais categorias apresentadas (separada, viúva, solteira,
não declarado) uma vez que o que pode estar sendo indicado é o estado civil “oficial”, o que
não impede que haja, na realidade, relações mais freqüentes implicando, inclusive, em
coabitação, entre as vítimas e seus agressores.
0
2
4
6
8
10
12
14
Cas
a
da
Amas
i
ada
Separada
Viúva
Solteira
Não declarou
1999 2000 2001 2002 2003
69
TABELA 8: PROFISSÃO DAS VÍTIMAS
ANO 1999 2000 2001 2002 2003 Total das
vítimas por
profissão
Diarista 01 05 03 05 04 18
F. Pública 01 0 0 0 01 2
Agricultora 08 09 08 04 06 35
Aposentada 03 02 03 01 0 9
Do lar 08 03 07 05 03 26
Estudante 0 0 01 01 01 3
Não
declarado
03 07 0 01 0 11
Total Geral 104
FONTE: Delegacia de Polícia Civil e Fórum de Comarca- SC
GRÁFICO 5: PROFISSÃO DAS VÍTIMAS
FONTE: A Autora
A tabela 8 e o gráfico 5 revelam a profissão das vítimas de violência doméstica,
destacando as seguintes, em ordem decrescente: agricultora (33,6 %), do lar (25,2%) e diarista
(17,3%). Percebe-se que os dados mais representativos são relativos às mulheres agricultoras,
o que é explicável, em parte, tendo em vista o município de Anchieta ser significativamente
rural. Contudo, chama a atenção que, somando as ocupações acima, obtém-se um total
aproximado de 76 % da ocupação das mulheres, relativas ou a trabalhos nem sempre
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Di
a
rist
a
F.
P
ública
A
g
ricu
ltor
a
Ap
o
sentada
Do Lar
Es
t
uda
n
te
Não
Co
n
st
a
1999 2000 2001 2002 2003
70
considerados “produtivos” e com remuneração, como o agrícola e do lar, ou de baixo
rendimento e inconstantes como o de diarista. Vale lembrar que no BO existe o item renda
mas não é considerado, ou seja não registrado, havendo um pré-julgamento da não
importância desse item por parte dos gestores.
No primeiro caso, o das mulheres agricultoras, a despeito de terem conseguido
alguns direitos trabalhistas, como a aposentadoria e licença-maternidade remunerada (Boni,
2004), elas não são consideradas “trabalhadoras” em seu sentido pleno, por parte de seus
próprios cônjuges, como já foi visto no capítulo anterior. Segundo Brumer e Paulilo (2004), o
fato do reconhecimento por parte do Estado da categoria “produtoras rurais” não pôs em
xeque a relação entre os cônjuges. “Apesar da importância desses direitos, as mulheres
permanecem em uma posição subordinada na estrutura familiar, tendo pouco acesso a terra e
menores perspectivas profissionais que os homens” (BRUMER; PAULILO, 2004, p. 173).
Ao mesmo tempo, como têm apontado diferentes autores, entre as quais Paulilo
(2004), o trabalho nas atividades das mulheres agricultoras, na verdade, é considerado pelos
cônjuges como "ajuda", somado ao trabalho doméstico que não é considerado “trabalho
produtivo”. Paulilo acrescenta que:
ao estudarmos o trabalho das mulheres rurais em cinco regiões diferentes do Brasil,
em épocas diferentes, percebemos que a distinção entre trabalho ‘pesado’ feito
pelos homens e trabalho ‘leve’ feito pelas mulheres não se dava devido a uma
qualidade do próprio trabalho despendido mas ao sexo de quem o executava, de tal
modo que qualquer trabalho era considerado leve se feito por mulheres, por mais
exaustivo, desgastante ou prejudicial à saúde que fosse.
(2004, p. 245).
Quanto a não consideração dos afazeres domésticos como “trabalho” é oportuno
recorrer mais uma vez à autora acima citada, a cerca da desconsideração das tarefas
nitidamente femininas de guarda e cuidados básicos com os filhos, tarefas consideradas
fundamentais para a reprodução de qualquer segmento social.
De acordo com a autora:
como não dar importância à esfera da reprodução? Sem novas gerações, a sociedade
humana desapareceria. Nancy Folbre (2001 apud Paulilo, 2004), diz que as crianças
que nascem não são apenas uma garantia de sustento para seus pais, mas para a
sociedade toda. Quando adultos, são elas que vão produzir, pagar impostos, ter
filhos e gerar o excedente necessário para sustentar as novas gerações crianças e os
idosos. Filhos bem criados, com saúde e educação adequada, são um bem para toda
a sociedade, mas uma responsabilidade quase exclusiva das mães, e suas
ponderações também. (PAULILO, 2004, p. 244).
71
Por outro lado, a incidência do trabalho temporário ou de diarista é decorrente das
contradições do mundo do trabalho, no Brasil, uma vez que para ele não existe qualificação
profissional.
Para muitas mulheres historicamente foi perpassado que a atividade de produção fora
do lar se caracteriza-se como trabalho e a reprodução no lar , não é considerado trabalho, bem
como não é remunerado.
O emprego de mulheres tem aumentado como resultado da expansão dos serviços,
porém a qualidade do trabalho que lhes vem sendo oferecido é sem expectativa de
crescimento, considerado mais significativamente como próprio de empregados de mais baixa
qualificação e remuneração. De acordo com dados do IPEA (2005), de fato, o Brasil:
(...) é um país com alta incidência de pobreza e elevada desigualdade na distribuição
da renda. Em 2003, do total de habitantes que informaram sua renda, cerca de um
terço (31,7%) é considerado pobre - 53,9 milhões de pessoas- vivendo com renda
domiciliar per capita de até meio salário mínimo. Quanto aos muitos pobres (ou
indigentes), com renda domiciliar per capita de até um quarto de salário mínimo, a
proporção é de 12,9%, ou 21,9 milhões de pessoas. (IPEA: Radar Social. Renda,
2005, p. 7).
Por outro lado, é de tal ordem a situação de marginalização das diaristas e o seu não
reconhecimento social que, de acordo com a Juíza de Direito entrevistada, elas próprias,
muitas vezes, no caso de Anchieta, ao serem interrogadas sobre sua profissão, reconhecem
que são diaristas mas pedem para registrá-las como “do lar”. Enquanto, de acordo com a
entrevistada, as mulheres da zona rural se identificam de pronto como agricultoras, as
diaristas urbanas insistem em não se definirem profissionalmente, afirmando: Ah, não...eu sou
do lar. Bota ai, do lar, porque eu só faço faxina uma vez por semana ; eu só faço faxina,
sabe...bota aí, do lar.
Quanto ao fato das agricultoras não hesitarem em se auto-definirem como tal, parece
ser um indício de uma consciência quanto a seu lugar social como “trabalhadoras”. Deve-se
esta provável clareza, de modo especial no Oeste Catarinense, ao trabalhado mobilizador
realizado pelo Movimento das Mulheres Agricultoras e sua articulação aos sindicatos de
trabalhadores rurais, já tratado no capítulo anterior. Em entrevista realizada com uma das
líderes deste Movimento, no município de Anchieta, ficou também evidente que faz parte das
lutas das mulheres nele envolvidas, sua identificação como “trabalhadoras”, como é possível
constatar em suas observações a respeito da mudança de nome do Movimento:
72
Mudou de nome: era Movimento das Mulheres Agricultoras, aqui em SC, e era
organizado em todo o país; na realidade são aquelas mulheres que trabalham com
sementes e vegetais e há outras formas de produção de alimentos, como por
exemplo as da pesca artesanal; é uma forma de alimento, como as quebradoras de
coco, e assim, em todos os contextos da América Latina; e ai, frente a necessidade
de juntar as forças para a luta, para conquistar uma luta no campo (...) fomos
trabalhando as bases e então no ano passado, no Congresso em Brasília, é que se
solidificou o ‘Movimento das Mulheres Camponesas’.
TABELA 9: GRAU DE INSTRUÇÃO DAS VÍTIMAS
ANO 1999 2000 2001 2002 2003 Total:Grau
de Instrução
das vitimas
Analfabeto 02 01 03 01 01 8
1ª a 4ª série 08 16 11 07 07 49
5ª a 8ª serie 07 05 8 07 03 30
1º grau C 0 0 0 01 01 02
Grau In. 0 01 0 0 02 02
Grau C. 0 0 0 0 01 01
Não
declarado
07 03 0 02 0 12
Total Geral 104
FONTE: Delegacia de Polícia e Fórum de Comarca- (SC) 2004.
GRÁFICO 6: GRAU DE INSTRUÇÃO DAS VÍTIMAS
FONTE: A Autora
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
A
n
a
l
f
a
b
e
ta
1º a 4º séri
e
5
º
a
série
1º Grau completo
2º Grau I.
2º G
r
au C
Não
d
e
c
larou
1999 2000 2001 2002 2003
73
Na tabela 9 e no gráfico 6, identifica-se a escolaridade das mulheres. Percebe-se que
a maioria possui um baixo grau de educação formal, sendo que predomina em todos os
períodos pesquisados o nível mínimo de educação fundamental, ou seja, de 1ª a 8ª série, que
somados aos 11 casos de analfabetas, totalizam cerca de 84%.
Observa-se que o baixo grau de instrução formal está diretamente relacionado à
questão do tipo de ocupação ou de trabalho, pois foi registrado apenas um caso em que a
vítima cursou o segundo grau completo. Neste sentido, a informação é relevante em relação
ao processo de inclusão social, demonstrando que as vítimas de violência são socialmente
mais vulneráveis e possuem, provavelmente, baixa auto-estima em função de suas precárias
condições sociais decorrentes de sua baixa instrução e do decorrente tipo de inserção no
mundo do trabalho.
TABELA 10: IDADE DO AGRESSOR
ANO
IDADE
1999 2000 2001 2002 2003 Total
Idade do
Agressor
11 a 20 0 0 0 0 0 0
21 a 30 04 04 07 04 03 22
31 a 40 07 09 08 03 04 31
41 a 50 07 06 03 06 05 27
51 a 60 03 04 01 0 02 10
61 a 70 02 01 01 01 01 06
71 a 80 0 0 0 0 0 0
80 acima 01 1 0 0 0 2
Não
declarado
0 0 02 04 0 6
Total geral 104
FONTE: Delegacia de Polícia Civil e Fórum de Comarca 2004 SC
74
GRÁFICO 7: IDADE DO AGRESSOR
FONTE: Delegacia de Polícia Civil e Fórum de Comarca 2004/ SC
Na tabela 10 e gráfico 7 é apresentada a idade dos agressores, destacando-se as faixas
etárias de 21 a 50 anos como aquelas a que pertencem um maior número deles, totalizando
perto de 80%, que podem ser comparados aos cerca de 68% relativos às mulheres. Chama,
também, a atenção nesta tabela, o fato de estar entre os agressores dois homens com mais de
80 anos.
TABELA 11: ESTADO CIVIL DO AGRESSOR
ANO 1999 2000 2001 2002 2003 Total/Estado
Civil do Agressor
Casado 06 10 05 03 6 30
Amasiado 04 09 06 05 4 28
Separado 02 04 01 0 2 9
Solteiro 0 0 03 06 2 11
Não
declarado
12 03 07 03 1 26
Total geral 104
FONTE: Delegacia de Polícia Civil e Fórum de Comarca 2004 SC
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11 a 20 21 a 30 31 a 40 41 a 50 51 a 60 61 a 70 71 a mais Não
Costa
1999 2000 2001 2002 2003
75
GRÁFICO 8: ESTADO CIVIL DO AGRESSOR
FONTE: Delegacia de Polícia Civil e Fórum de Comarca 2004 SC
Na tabela de 11 e no gráfico 8, apresenta-se o estado civil do agressor, destacando-se
a categoria dos casados, seguido dos amasiados com praticamente o mesmo número de casos,
totalizando cerca de 74%, muito próximo dos 72% relativos ao que foi declarado quanto ao
estado civil das mulheres vítimas das agressões.
Porém, cabe ressaltar que muitos agressores não declararam seu estado civil,
destacando aqui, principalmente, o ano de 1999, no qual 50% se omitiram ou não foram
registrados pelos agentes policiais nos boletins de ocorrência, o mesmo ocorrendo com as
mulheres. A não identificação do estado civil não permite, assim, afirmar categoricamente que
existem relações conjugais e quais são as complexas relações afetivas e emocionais que
permeiam o contrato conjugal de muitos casais.
TABELA 12: GRAU DE INSTRUÇÃO DO AGRESSOR
continua
ANO 1999 2000 2001 2002 2003 Total de
agressores quanto
ao grau de
instrução
Analfabeto 01 05 03 01 0 10
0
2
4
6
8
10
12
14
C
a
s
ad
o
Amasiado
S
epar
ado
Solteiro
Não declarou
1999 2000 2001 2002 2003
76
TABELA 12: GRAU DE INSTRUÇÃO DO AGRESSOR
conclusão
ANO 1999 2000 2001 2002 2003 Total de
agressores quanto
ao grau de
instrução
1º a 4 série 09 08 09 10 08 44
5 a 8 série 03 08 04 03 04 22
Grau In. 01 01 01 01 02 06
Grau C. 0 0 0 0 01 01
Não
declarado
10 04 05 02 0 21
Total geral 104
FONTE: Delegacia de Polícia Civil e Fórum de Comarca 2004 SC
GRÁFICO 9: GRAU DE INSTRUÇÃO DO AGRESSOR
FONTE: A Autora
Na tabela 12 e no gráfico 9 correspondente, apresenta-se o grau de instrução do
agressor, apontando na faixa de 1ª a 4ª série o maior número de agressores, seguido pela faixa
de 5ª a 8ª série que também apresenta um número significativo, totalizando cerca de 78%.
Constata-se, como no caso das mulheres agredidas, que também os agressores têm um grau de
escolaridade baixo. Além desta alta taxa, também 10 deles são analfabetos, ou seja, cerca de
0
2
4
6
8
10
12
A
n
alfa
b
et
o
a
4
º
r
ie
a
8
º
r
ie
Gr
a
u
complet
o
2º Grau I.
Grau C
Não de
cl
a
r
o
u
1999 2000 2001 2002 2003
77
10% dos 104 casos registrados. Há apenas um caso registrado no qual a pessoa tem nível de
segundo grau completo. Cabe destacar, também, que um número representativo, 21 deles
(cerca de 20%) não declararam seu nível de escolaridade ou não foram consultados a este
respeito.
TABELA 13 - PROFISSÃO DO AGRESSOR
1999 2000 2001 2002 2003 TOTAL
Diarista 6 8 8 7 3 32
Funcionário Público 2 2 1 0 2 7
Agricultor 9 10 9 7 7 42
Aposentado 1 1 1 0 2 5
Outros 6 5 3 3 1 18
FONTE: Delegacia de Polícia Civil e Fórum de Comarca 2004 - SC
GRÁFICO 10: PROFISSÃO DO AGRESSOR
FONTE: A Autora
Na tabela 13 e gráfico 10, são apresentados os números sobre as profissões dos
agressores. Destacam-se as de agricultor, cerca de 40%, e de diarista, aproximadamente 30%.
Chama a atenção, também, os 17% classificados como “outras”, o que poderia ser pensado
como sendo trabalho informal ou eventual, diante do baixo nível de escolaridade registrado
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
1999 2000 2001 2002 2003 Total
Diarista F. Público Agricultor Aposentado Outros
78
para os homens. De qualquer modo, se computados estes casos como “trabalho produtivo
remunerado”, do universo de 104 homens agressores, teríamos 95% deles envolvidos com
atividades produtivas e o restantes 5%, tendo também remuneração, uma vez que é composto
por aposentados. Sem dúvida estes números contrastam com o das mulheres, uma vez que,
como foi dito, seu trabalho nas atividades agrícolas não lhes dá acesso a rendimentos em
dinheiro, o mesmo ocorrendo com suas atividades no lar, que totalizam, em conjunto, 9% dos
casos registrados, aspecto que, sem dúvida aumenta sua dependência e vulnerabilidade em
relação ao cônjuge.
De qualquer modo, agregando os dados relativos às atividades masculinas e às
femininas, pode-se concluir que no caso de relações conjugais, trata-se de casais de baixa
renda, apesar deste dado não constar dos BOs. Esta condição é similar aos dados registrados
por outros autores, entre os quais Musumeci Soares (1996), revelando que a clientela das
DEAMs , compõem-se, como no caso da Delegacia de Polícia de Anchieta, em grande parte
de pessoas de pouca instrução e com baixa remuneração.
Contudo, este dado não pode ser traduzido como se a violência conjugal ocorresse
exclusivamente entre as populações de baixa renda. O que parece ser uma parte da explicação
para este maior número de casos registrados, como afirma um dos agentes de polícia
entrevistado, é que as mulheres dos demais segmentos sociais não se expõem publicamente,
procurando a Delegacia em busca de ajuda para resolver seus problemas conjugais.
Mesmo assim, é importante destacar, como afirma Szymanski , que:
As pesquisas tem indicado que punições físicas são mais intensas nas camadas
empobrecidas (MCLOYD, 1990, 1998: Nunes, 1994; Kaslow, 2001) e que podem
ser compreendidas tanto à luz das condições estressantes de vida a que são
submetidas, como na reprodução da ideologia autoritária e conseqüentemente
subalternidade. Classe social, portanto, é um dos elementos definidores dos modos
de relacionamento interpessoal, por seus membros carregarem culturas próprias, por
compartilharem uma história, pelas experiências vividas, pelas oportunidades
educacionais que receberam e pelas condições de vida que experimentaram
(SZYMANSKI, 2004, p. 17).
TABELA 14: LOCAL DAS OCORRÊNCIAS
continua
ANO 1999 2000 2001 2002 2003 Total de
ocorrências
por
localidades
Centro 09 09 06 03 06 33
B.Xavantes 07 07 06 06 02 28
L João Café Fº 03 03 01 03 03 13
L. Nova Seara 02 0 01 0 0 03
79
TABELA 14: LOCAL DAS OCORRÊNCIAS
conclusão
ANO 1999 2000 2001 2002 2003 Total de
ocorrências
por
localidades
L. São Marcos 02 02 03 01 0 08
L. Cordilheira 01 0 02 01 0 04
L São Roque 0 02 0 0 01 03
Outras 0 03 03 03 03 12
Total geral 104
FONTE: Delegacia de Polícia Civil e Fórum Comarca de Anchieta – SC
GRÁFICO 11: LOCAL DAS OCORRÊNCIAS
FONTE: Delegacia de Polícia e Fórum de Comarca - SC
A tabela 14 e gráfico 11, abordam os bairros onde ocorreram casos de violência
conjugal. Percebe-se através destes dados que há uma maior incidência no Centro, seguido
pelo
20
Bairro Xavantes, totalizando ambos 58%.
Sendo que as atividades que exercem predomina como agricultores e diaristas rurais,
mesmo que residem no na área urbana e bairros.
20
O Bairro Xavantes localizado a 1 km de distância do centro do Município de Anchieta possui em torno de 350
habitantes, com baixo poder aquisitivo, dedicados, em sua maioria, ao trabalho informal. As restantes são
localidades rurais. O cruzamento destes números com os da profissão dos agressores confirma estes dados, uma
vez que cerca de 40% dos agressores foram contabilizados como “ agricultores”.
0
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
C
e
n
tro
B
.
X
av
a
nte
s
L. João Café
Filho
L
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o
va
Se
a
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L
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M
ar
c
os
L. Cordilheira
L. São
Ro
q
ue
O
u
tr
as
1999 2000 2001 2002 2003
80
Os dois agentes policias entrevistados, confirmam, também, de certo modo, os dados
coletados nos BOs sobre os locais de violência conjugal. Um deles ao ser questionado em que
lugares de Anchieta ocorria mais violência conjugal, responde
21
:
A - Seriam os locais onde tem uma população mais pobre, eu
diria assim de menor renda.
E - Isso é mais significativo?
A -Eu diria que sim, em alguns bairro, né?
E - Tem algumas comunidades para serem citadas?
A - Onde ocorreram os maiores problemas com vítimas de violência
contra mulher, o Centro agora é o foco. Mais direcionado aos
bairros, bairro Xavantes; e no interior... assim o foco que mais
assinalo é Linha São Marcos, Linha João Café Filho(...)”.
TABELA 15: TIPOS DE AGRESSÕES REGISTRADAS
ANO 1999 2000 2001 2002 2003 Total de
agressões
por tipo
Ameaças 17 15 14 13 11 70
Lesão
Corporal
11 10 13 03 03 40
Maus-tratos 03 01 0 0 01 05
Negligência 01 0 0 0 0 01
Vias de fato 01 07 04 02 01 15
Difamação 0 04 04 11 04 23
Ciúmes 0 01 0 02 01 04
Invasão
domicílio
0 0 0 02 01 03
Violência
sexual
01 0 0 0 0 01
Total geral 104
FONTE: Delegacia de Polícia Civil e Fórum da Comarca Anchieta (SC) 2004.
Ao serem analisadas as informações provenientes dos Boletins de Ocorrências,
observou-se, também, como de fato são registrados os atos de violência contra a mulher.
Pode-se perceber que existem várias formas de identificar as agressões. Dentre elas,
destacam-se, no total dos 161 casos de registro, as ameaças (43,4%) e as lesões corporais
21
“A” equivale a agente; “E” a entrevistadora.
81
(24,9%), como formas mais significativas declaradas pelas vítimas que, em conjunto,
totalizam cerca de 68% dos tipos de agressões registradas.
A predominância destes dois tipos de penalidades coincide, de certo modo, com os
registros contabilizados em outras pesquisas, como as realizadas por Machado (2002) e
Musumeci Soares (1996). Ocorre, contudo, nos casos analisados pelas autoras, apesar da
predominância das duas formas analisadas, uma inversão em termos quantitativos. Ou seja,
aparecem em primeiro lugar as lesões corporais e, em segundo, as ameaças.
Um dos agentes de polícia entrevistado, que atua na Delegacia de Anchieta e realiza
atendimento às vítimas de violência, ao ser questionado sobre o que era considerado lesão
corporal, afirma em seu depoimento que:
Lesão Corporal, ela é configurada assim, no artigo129/99: lesão
corporal, quando o cara foi agredido fisicamente ele sofreu lesão
corporal; é meio semelhante a ' vias de fato’; vias de fato é as vezes
um tapa. Um tapa não fica hematomas com escoriações ou a gente
utiliza se o cara chegou, só que deu um empurrão, por exemplo, que
não resultou lesão corporal ou hematoma ou outra fratura, ai a gente
guarda em ' vias de fato’. Vias de fato é quando é uma agressão sem
lesão, quando há briga entendeu, e a outra é a lesão propriamente
dita.
Apesar da relativa imprecisão inicial na definição do referido agente, é possível
apreender, através da comparação realizada pelo entrevistado entre dois tipos de agressão, que
lesão corporal é um tipo de agressão que deixa lesão , isto é, “marcas” físicas visíveis.
Quanto às ameaças, este mesmo entrevistado afirma que elas são a promessa de que
vai haver agressões, tais como: “Eu vou te matar, eu vou te surrar, te bater... as vezes nesse
surrar, nesse bater, essas pessoas já tem algum objeto, para agredir... mas não conseguem,
por algum meio: alguma outra pessoa que se envolve na discussão familiar; não consegue e
ai só ameaça, né?”
O outro agente policial entrevistado, por sua vez, relata as razões pelas quais os
agressores fazem ameaças. Segundo este agente, as ameaças, quando são colocadas nos BOs,
“foi uma ameaça de que caso ela não fizesse a janta, ela seria agredida; ameaças que se ela
não lavasse a roupa, tipo assim...”.
Ambas as agressões, tanto verbais como corporais, bem como as demais registradas
em menor número, revelam o uso de mecanismos de poder, de coerção e de dominação nas
relações intersubjetivas entre homens e mulheres, por parte dos primeiros.
82
É importante destacar, ainda, que o registro de apenas um caso de violência sexual
não parece condizer com a realidade vivenciada pelas mulheres denunciantes pois, como
afirmam a Assistente Social e a Juíza de Direito entrevistadas, percebe-se um grande
constrangimento por parte das mulheres em informar esta situação, certamente por diferentes
razões, entre as quais a vergonha de falar sobre o assunto, considerando-se especialmente o
contexto policial de Anchieta, no qual os agentes policiais são homens. Soma-se a isso a
aceitação da mulher na condição de submissão ao homem, a quem deve prestar todos os
“favores”, inclusive os relativos a sua sexualidade.
Na opinião da Juíza de Direito entrevistada:
a lei não pode ignorar que a violência é velada, fica obscura,
principalmente a violência sexual; é inexistente em termos de
registros, ficando uma lacuna, pois culturalmente a mulher foi
educada para servir ao homem e a sua satisfação, tendo a mulher
desejo ou não, deve servir a seu homem.
TABELA 16: MEIOS E INSTRUMENTOS UTILIZADOS
ANO 1999 2000 2001 2002 2003 Total
Mãos 12 06 13 05 09 45
Facão 03 05 02 01 0 11
Pés 03 02 07 02 02 16
Pedaço de madeira 01 01 03 0 0 05
Faca 07 02 01 02 04 16
Verbal 11 13 12 13 09 58
Outros 02 02 03 01 01 09
Total geral 104
FONTE: Polícia Civil e Comarca de Anchieta- SC
Na tabela acima destacam-se os meios ou instrumentos de agressão. Entre eles,
destaca-se a verbal, com cerca de 36% e a utilização das mãos, representada por 28%, sendo
os demais representados pela utilização de diferentes meios, como os pés do agressor e de
instrumentos como facões, facas e pedaços de madeira. Estes dados podem ser cruzados com
os dados referentes ao tipo de agressão, o que demonstra um certo desacordo entre o número
de agressões verbais registrados na tabela anterior (42%) e os apenas 36% aqui registrados.
83
TABELA 17: MOTIVOS DAS AGRESSÕES
ANO Embriagues Fúteis
1999 11 13
2000 04 21
2001 05 15
2002 05 12
2003 05 13
TOTAL 30 74
FONTE: Polícia Civil e Comarca de Anchieta- SC
GRÁFICO 12: MOTIVOS DAS AGRESSÕES
FONTE: A Autora
Os motivos das agressões são classificados nos Boletins de Ocorrência, conforme a
tabela e o gráfico acima, como sendo motivos de embriagues (28%) e motivos fúteis (72%).
Embora não se tenha dúvidas nas observações sobre a relação de causa e efeito entre
embriagues e agressões, como discutiremos a seguir, a definição do que sejam motivos fúteis
aparece de modo confuso e pouco nítido nos discursos dos dois agentes policiais
entrevistados. Ambos afirmam que esta classificação está no sistema, e podem ser vários tipos
de motivos, além da embriaguez. Para um deles, os motivos fúteis podem ser qualquer coisa
... qualquer discussão, ciúmes, políticos, só para ficar mais claro.
0
5
10
15
20
25
1999 2000 2001 2002 2003
Embriaguês Fúteis
84
A classificação do motivo fútil é classificado pelo agente policial que preenche os
dados se acordo com a narrativa das pessoas que relatam a situação vivenciada. Percebe-se
que este termo banaliza a situação, deprecia a situação de violência vivenciada pelas vitimas e
vitimizadores tornando algo aceitável e normal perante a sociedade.
Uma definição um pouco mais detalhada sobre esse motivo de agressão foi fornecida
pela Juíza entrevistada. Para ela, motivo fútil é algo banal, sem importância, ou sem uma
causa aparente, de menor potencial, mas que a lei não pode ignorar como, por exemplo,
chegar em casa o agressor e não estar satisfeito com o almoço realizado pela sua
companheira, chega e agride a mesma.
Chama a atenção, no entanto, a grande proporção de motivos desta natureza,
deixando evidente, em primeiro lugar, a provável inclusão de tudo o que não esteja vinculado
ao estado de embriaguez. Em segundo lugar, a partir dos exemplos citados pelos dois agentes
e pela Juíza, a gratuidade das agressões e, ao mesmo tempo, sua banalização.
Em relação à atribuição da embriaguez como causa das agressões, vários são os
aspectos a serem observados. Um primeiro e mais evidente é que este tipo de associação é
registrado com considerável freqüência nas diferentes pesquisas sobre a violência doméstica
de um modo geral. Em segundo lugar, definir o agressor como alcoólatra ou embriagado
envolve, sem dúvida, uma acusação. Mas, como ponderam Soares et al. (1996, p. 89) "a
bebida funciona como agravante em alguns casos e como atenuante em outros, dependendo
do rumo que tomar o diálogo – disruptivo ou conciliatório - que a vítima estabelece com o
agressor e para o qual convoca a mediação da delegacia”. Ou como afirma SHE (1995, apud
SOARES, 1999, p. 239), "Beber parece realmente diminuir a inibição do agressor em relação
ao emprego da violência e também pode oferecer a ele mais desculpas para seu
comportamento violento".
A utilização do alcoolismo para justificar, por parte do agressor, o uso da violência
contra a mulher é reafirmada, no caso de Anchieta, pela Juíza de Direito e pela Assistente
Social entrevistadas. De acordo com a Juíza, “existe uma associação com a questão do
alcoolismo...a maioria das pessoas justifica a violência devido a estarem alcoolizadas”.
De qualquer modo, vale destacar, que a presença do álcool não se sobreporá à
violência já denunciada, uma vez que beber não é ilícito, como salientam Soares et al (1996).
Embora, segundo ainda os referidos autores , a presença dos relatos de uso do álcool,
registrada nos BOs seja significativa, não se pode simplesmente deduzir uma relação causal
entre o consumo de bebida e o fato da agressão. É possível afirmar, a partir de inúmeras
pesquisas realizadas nos Estados Unidos, citadas por estes, que não se deveria buscar na
85
bebida uma origem para os casos de agressão contra as mulheres, mas imaginar a
possibilidade de que o abuso de álcool e as agressões estejam respondendo, sob determinado
ângulo, a condicionantes comuns e a contextos específicos.
Recorrendo a estudos sobre o próprio alcoolismo, como os de Velho (1999) e de
Minayo e Deslandes (1998) e Bucher (1992), fica fácil constatar que as causas que levam a
este tipo de problema são múltiplas, tanto sociais quanto psicológicas, podendo estar ou não
associadas à prática de delitos, como os que estão sendo tratados aqui.
Por outro lado, o próprio depoimento de um dos agentes policiais de Anchieta,
transcrito parcialmente abaixo, apesar de tendencioso no sentido de “aliviar”, de certo modo,
a responsabilidade masculina pelas agressões, é ilustrativo de que outras associações entre
agressão e alcoolismo podem ser estabelecidas. O entrevistado dá a entender que as agressões
sofridas pelas denunciantes seriam decorrentes de reações negativas das mulheres diante do
marido embriagado, a causa última, portanto, de seu comportamento agressivo. Por outro
lado, sua fala revela uma adesão, talvez inconsciente, à perspectiva defendida por alguns
autores, como Grossi e Gregori (apud Grossi, 1998) de que ao invés de “violência contra a
mulher”, dever-se-ia falar de “casais violentos”.
A gente geralmente pede a vitima qual o motivo da discussão. (...)Dos
problemas na delegacia, dá pra dizer,(...), em torno de 95% ou 90%
em decorrência da quantidade de álcool ingerido. Porque o pessoal
sai, bebe, chega em casa embriagado, e as vezes..., aí entra dois
fatores: o cara bêbado sabe tudo e as vezes a mulher retruca; aí as
vezes a mulher chega, o cara chega e diz assim: “ quero tomar banho
e dormir sem incomodar. Mas daí a mulher diz: “ ah, mas o cara
chegou bêbado de novo”. Aí as vezes quer janta;, “aí não vou te fazer
nada”. Aí começa uma discussão, e grande, de violência física.
TABELA 18: TURNO DAS AGRESSÕES
ANO Matutino Vespertino Noturno
1999 06 01 14
2000 05 04 17
2001 08 04 10
2002 03 03 11
2003 05 04 09
Total Turno
das Agressões
27 16 61
FONTE: Delegacia de polícia e Comarca de Anchieta(SC) 2004.
86
GRÁFICO 13: TURNO DAS AGRESSÕES
FONTE: Delegacia de Polícia e Fórum de Comarca SC (2004).
Na tabela 18 e gráfico 13, observa-se que os horários com maiores índices de
violência são os do período noturno, seguido em termos de grau pelo período matutino e
depois vespertino.
Podemos destacar como fator determinante de maior ocorrência, o fato destes serem
os horários de não ocupação com as tarefas produtivas, realizadas fora de casa, pois a maioria
dos casos registrados acontecem antes e após a jornada de trabalho.É necessário destacar que
no horário noturno os órgãos de proteção estão sem atendimento, deixando as mulheres mais
vulneráveis à violência doméstica, tendo, inclusive, que esperar muitas horas para realizar o
registro.
TABELA 19 – RECONHECIMENTO DA AGRESSÃO
ANO Nega as acusações Nega em partes Assume
1999 13 04 07
2000 14 06 06
2001 16 05 01
2002 13 03 01
2003 4 07 04
2004 60 25 19
FONTE: Delegacia de Polícia e Fórum de Comarca SC (2004).
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
Matutino Vespertino Noturno
1999 2000 2001 2002 2003
87
GRÁFICO 14: RECONHECIMENTO DA AGRESSÃO
FONTE: A Autora
A tabela 19 e o gráfico 14 atestam que dos 104 casos registrados, mais da metade dos
agressores, cerca de 58%, negam que tenham praticado a agressão de que são acusados pela
cônjuge; 24% negam em parte e apenas 28% assumem a agressão praticada.
Um dos agentes policiais entrevistados exemplifica, em parte de sua entrevista,
reproduzida abaixo, diferentes modos dos agressores se eximirem ou diminuírem sua culpa,
ora minimizando a agressão praticada ora alegando sua inconsciência e não se
responsabilizando pelos seus atos devido a seu estado de embriaguez.
Olha, as vezes, eles geralmente quando é embriaguez, o cara chega
na Delegacia e na hora de falar a sua versão ele diz que tava em casa
embriagado e chegou em casa embriagado e a mulher xingou ele; e
daí ele não lembra de mais nada...É, não lembra, as vezes eu acho
que daí, se ele disser que não lembra de mais nada é porque tem
culpa, mas não tenho nada a ver com isso; ele só disse que chegou em
casa e a mulher xingou e eu surrei ela. Mas geralmente nega. Se
confirma diz: ah! Eu dei só um empurrão.
A negação da responsabilidade pela agressão, no caso de Anchieta, é também
confirmada pela Assistente Social do Fórum, que relata, também na negação, a associação
entre o álcool e as agressões:
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
1999 2000 2001 2002 2003
Nega as acusações Nega em partes Assume
88
Eles negam; a maioria deles negam e quando eles não negam eles
justificam no alcoolismo; quando eles justificam no alcoolismo eles
dizem que não foi bem assim; que assim...ele não bateu: “não é o que
ela está dizendo; está tendo um equívoco ali, que não é assim(...)Eles
não entendem como agressão; e quando eles entendem eles afirmam
que, por causa do álcool, eles não lembram: ‘pode ser porque eu
tinha bebido, mas pode ser que eu fiz isso.
TABELA 20: ENCAMINHAMENTOS
1999 2000 2001 2002 2003 TOTAL
T.C 19 26 22 16 15 98
P.S.C 4 3 2 4 4 17
MULTA 1 2 2 0 3 8
SEPARAÇÃO 2 0 0 0 2 4
EXAME 5 7 6 2 5 25
Total geral 104
FONTE: Delegacia de Polícia Civil e Fórum de Comarca SC (2004)
Nos dados apresentados acima o que se evidencia é que cerca de 60% do total dos
casos que foram registrados nos BOs transformaram-se em Termos Circunstanciados.
Considerando que os TCs são um passo a mais na manutenção da denúncia por parte das
mulheres agredidas, mas que permite que este agressor seja chamado à Delegacia e que seja
proposta algum tipo de conciliação, o que chama a atenção é o percentual de inquéritos
policiais instaurados, apenas 11%. Este último dado confirma os apresentados por outros
autores como Rifiotis (2003) e Blay (2003) que salientam que as mulheres, em sua maioria,
buscam ajuda nas DEAMs, no sentido não de penalizar seu agressor, chegando a levar o caso
até ao inquérito policial, mas desejam intimidá-los para que parem as agressões. Na verdade,
o que se verifica é que manter a denúncia até a elaboração de um TC permite a intimação, do
agressor que pode significar para a mulher denunciante o mesmo que intimidação, no sentido,
como aponta Rifiotis (2003), de uma intermediação policial para que cessem as agressões.
Como afirma, Diniz (2004, p. 1):
Delegad@s, juíz@s, procurador@s e promotor@s têm afirmado que as mulheres
retiram as denúncias para manterem ou voltarem à convivência com os agressores.
Desfazer um relacionamento afetivo não é uma decisão fácil nem simples. São
muitos os fatores envolvidos: relacionamentos sociais, empregos, moradia, filhos,
educação e escolas para os filhos, relações afetivas e outros aspectos emocionais. É
necessário um atendimento que considere essas questões. O que não tem sido feito
de forma eficaz, acabando por reforçar a discriminação contra a mulher.
89
Uma outra explicação plausível e possível é de que falta às mulheres instrução, apoio
da família e das próprias instituições para dar prosseguimento ao processo, na direção de
conquistar seu direito de proteção.
A primeira questão que se afigura é que em vários dos crimes em que a mulher é
vítima, esta deve apresentar representação, por serem crimes de ação penal pública
condicionada. O desconhecimento e a falta de prestação de uma assistência
judiciária integral (como determina o artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição
Federal), considerando o grande número de mulheres em condições de pobreza que
são vítimas destes crimes e que não têm condições de condições de consultar um
advogado (cuja intervenção é facultativa, dispensada pela lei), fazem com que
muitas mulheres sequer representem, impedindo que o processo tenha seguimento.
Com isso, dos casos de violência contra a mulher apresentados ao Poder Judiciário,
em geral, apenas 30% chegam a ser julgados. Ademais, dos casos julgados, naqueles
em que há condenação, a pena cominada é alternativa, não restritiva de liberdade,
consistente na prestação de cestas básicas, por determinado período a uma entidade
previamente estabelecida. Tal cominação tem efeitos perversos, já que o autor do
fato de modo algum tem lhe incutida a gravidade de seu ato, já que não há qualquer
correlação lógica entre a prestação de cestas básicas e o desrespeito à dignidade da
mulher, seja ela filha, esposa ou companheira. E a sensação de impunidade pode
trazer maior autoconfiança para que os delitos praticados se tornem mais graves.
(BÉO, 2004, p. 3).
É possível, também, que a retirada da queixa e o não prosseguimento do processo se
deva às promessas feitas pelo agressor de que cessará as agressões ou à pressão psicológica do
vitimizador, que geralmente em sua maioria permanece no período do andamento do Termo
Circunstanciado no mesmo lar que a vítima. Só recentemente foi estabelecido legalmente que
o agressor pode ser afastado do lar por determinação judicial.
Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao
juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em
flagrante, nem se exigirá fiança. Em caso de violência doméstica, o juiz poderá
determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicílio ou local de
convivência com a vítima. (Código Civil, 2004, art. 1º da Lei 10.455/01).
Cumpre lembrar, ainda, a possibilidade de que as vítimas de agressão não acreditem
na eficácia das ações policiais e dos trâmites legais para dar conta de encerrar as agressões.
Isso é o que pode ser percebido nas entrevistas realizadas com as mulheres vítimas de
violência conjugal optando pela separação, mesmo não judicial, e seu próprio afastamento
definitivo do agressor. Por outro lado, percebe-se que a legislação existente, como a Lei
9.099/95, tratada anteriormente, classifica as agressões como pequenas causas, banalizando a
situação de risco iminente das vítimas, vivenciadas muitas vezes por longos períodos de
violência.
90
(...) esta violência tem sido enquadrada como ‘lesões corporais leves’, o que leva aos
juizados especiais, por se tratar de ‘crime de menor potencial ofensivo’. Mas a
violência doméstica de fato não é isto e não pode ser comparada a uma briga
qualquer. Em geral, envolve situações continuadas de medo, ameaças, desrespeito,
lesões e, muitas vezes, poder terminar em morte. Podemos ter muitas dúvidas sobre
a maneira de responder a este problema, mas certamente banalizá-lo não é a melhor
é isto que a justiça vem fazendo. (DORA, 1999, p. 12)
De acordo com a Assistente Social do Fórum de Anchieta as mulheres acabam
fazendo acordos, voltam a conviver com os maridos, acreditando em suas promessas de que
não vão mais agredi-las. Também, porque não se sentem com coragem de processar o próprio
marido, ou ainda justificam a não incriminação judicial do marido por causa dos filhos.
Segundo a referida entrevistada: “A mulher não tem estrutura ainda para se ver conduzindo
uma família sozinha, como se o homem fosse o provedor, mesmo que ele não contribua
financeiramente; ela se percebe como inferior, como se o homem fosse o provedor”.
Ao mesmo tempo, autores como Blay (2003) lembram a falta de agilidade dos
processos judiciais:
(...) o andamento, o excesso de vezes que as testemunhas devem ser ouvidas, as
possibilidades de idas e voltas certamente facilita a fuga dos réus e a perda de
contato com as testemunhas.O problema, então, não está na suposta morosidade da
justiça, mas nos trâmites legais que deveriam ser mais ágeis e limitados. Em nome
da ampla defesa dos réus certos setores dos aplicadores do Direito subestimam a
extensão e gravidade da violência praticada contra a mulher. É urgentíssima uma
revisão do procedimento jurídico se quisermos, de fato, alterar a impunidade que
cerca estes crimes, como expressaram vários juizes, promotores e advogados
entrevistados. (BLAY, 2003, p. 96).
3.1 AS CONDIÇÕES DE VIDA E AS OPINIÕES DE MULHERES VÍTIMAS DE
VIOLÊNCIA CONJUGAL
As pessoas selecionadas pelas entrevistas foi a partir do boletim de ocorrência e
escolha aleatoriamente, a partir de descrição que sofreram algum tipo de violência
doméstica.
Um primeiro aspecto que chama a atenção nas entrevistas das quatro mulheres de
Anchieta vítimas de violência conjugal, já separadas de seus cônjuges, é o tempo de vida
conjugal e o longo período de agressões sofridas e suportadas.
Em relação a este aspecto, constata-se que foram de 19 a 26 anos de vida em comum.
Quanto às agressões, duas delas declararam que iniciaram meses depois a vida em comum e
as outras duas afirmaram terem vivenciado agressões durante a metade da vida conjugal,
91
dados que confirmam aqueles registrados por várias pesquisas já referidas, tais como as de
Blay (2003), Machado (2002), Musumeci Soares (1996) e Sorj (2002), ou seja, a repetição
das agressões e a manutenção do vínculo conjugal.
Quando interrogadas do porque não terem denunciado antes as agressões ou terem
permanecido tanto tempo submissas aos maridos, as respostas foram invariavelmente por
medo e por vergonha. Em dois casos foi acrescentada, também, a preocupação com a
manutenção dos filhos. Percebe-se a insegurança quanto ao atendimento e solução do
problema de violência, pois fará realizar a denúncia a vítima tem a necessidade de se sentir
segura, acolhida e nos relatos percebe-se que as mesmas relatam seu constrangimento e
insegurança. No primeiro caso, o do medo, um dos depoimentos de uma das mulheres
sintetiza bem o que expressaram as demais:
Ele fazia ameaças de morte; eu não fui denunciá-lo antes por medo;
muito medo. Vivi a base de 15 anos de agressões; as violências eram
verbais, tapas e socos e de facão. Uma vez ele me cortou a mão.
(Entrevistada nº 1)
No começo eu tinha muito medo; com medo porque depois da
primeira denúncia piorou bastante, pois em várias vezes ele tentou
manter relações a força; procurava me trancar dentro de casa e
depois ele me agredia.(Entrevistada nº 4)
Quanto ao sentimento de vergonha, outros dois depoimento ilustram as impressões
das entrevistadas:
Eu tinha medo e vergonha: (...) na minha cabeça funcionava assim:
que os policiais podiam comentar, em momento algum relatei os
fatos; tinha vergonha da polícia. Contava apenas quarenta por cento
dos fatos. Eu acreditava que eles não iam me atender lá de tanto
problema. (Entrevistada nº 1)
Eu passei por muita vergonha, pois lá tem que contar tudo; e pediam
prova e em quatro paredes, como eu iria envolver outras
pessoas?(Entrevistada nº 2)
Outro aspecto constatado nestas entrevistas diz respeito ao tipo e ao grau de
agressões sofridas pelas vítimas. Os relatos de três das entrevistadas, além de variados, tem
em comum a dramaticidade dos fatos, envolvendo inclusive os filhos. E demonstram com
detalhes as agressões, incluindo sua ocorrência durante a gravidez e também a violência
sexual.
92
Na primeira vez que fui agredida, ele tinha ido a um baile. Ele chegou
em casa altas horas da madrugada, embriagado, quebrando tudo,
dando soco na porta e dizendo que eu não prestava e que ele começou
a me agredir; tinha achado outras bem melhores que eu. E as
crianças, sabe...tinha os filhos com 11 anos e 16 anos e assim foram
perto, mas tinham muito medo do pai; tentavam me proteger mas ele
colocou fora de casa e eu fui agredida e fiquei dez dias internada,
com o rosto todo preto.(...)E depois disso, esses vinte anos sempre
vivia repetindo as agressões. Principalmente à noite e nos finais de
semana. Pior ainda: eu e as crianças éramos prisioneiros: eu
colocava as crianças debaixo da cama e era a coisa mais triste,
gente! (Entrevistada nº 4)
Sabe que a gente tinha que engolir as coisas...na gravidez em três
dias tinha que ir pra roça, cortar lenha, fazer tudo; (...) ele me cortou
a mão, e eu não tinha dinheiro para ir fazer o corpo delito.(...) Um
dia quando nós estávamos separados ele me bateu na rua, quando eu
fui falar com o advogado dele.(Entrevistada nº 2)
Ele cansou de dormir com a faca embaixo do travesseiro e eu não
dormia, porque ele a qualquer momento podia me matar, né?
Principalmente manter relação obrigada: ele tampava a minha boca e
eu chorava e era ainda agredida por várias bofetadas. (...). Acabei
perdendo um bebê, pois estava grávida de três meses e devido a muito
trabalho e violência. Eu apanhava grávida desse menino que tem hoje
11 anos; eu apanhei grávida dele até ficar cinco dias sem poder
andar. Ele dizia que ele não era o pai. (...) Das cinco gravidez, três eu
apanhei. Teve um dia que ele tentou matar o próprio filho: sentou em
cima; sentou em cima e eu para defender tentei pegá-lo e fui jogada
no chão. (Entrevistada nº 3)
Ele me batia muito e quebrava tudo. Sempre tinha medo que ele
pudesse me matar, pois as ameaças eram muitas.(...) Os cinco filhos
ele dizia que não eram dele, porque ele não queria; ele sempre
comprava charopada para eu tomar mas eu tinha medo e fazia de
conta que tomava, mas jogava fora. (...) Ele não deixava eu trabalhar
em serviço leve; ele dizia que eu tinha que trabalhar na roça e ele não
me deixava comer, nem eu e nem o meu primeiro filho do outro
casamento; depois que ele comia ele dizia: ‘agora o lixo sobra, vocês
podem comer(...) Ele não permitia realizar as consultas médicas
periódicas dos cinco filhos. Ele proibia; dizia que eu ia me mostrar ao
médico e dar o rabo a ele. (...) Ele me obrigava a manter relações
sexuais sem vontade, pois dizia se eu não mantivesse era porque tinha
outros e porque ‘você de ser puta’. (Entrevistada nº 1)
Por outro lado, fica também evidente em um dos depoimentos que as vítimas de
algum modo não eram totalmente submissas às agressões, admitindo inclusive que por vezes
93
era exatamente sua forma de se posicionar diante do cônjuge que contribuía para com que ele
retrucasse com agressões, constituindo, como sugerem Gregori (apud Grossi) e Grossi (1998)
o que tem sido considerado um “casal violento”, fato já apontado por um dos agentes policial:
Por falta de diálogo, eu também contribuía para as agressões; eu
também o batia. Eu pedia para ele parar de beber e ele não parava.
Tinha outras mulheres Eu pedia para ele respeitar os filhos e me
respeitar e ele não me ouvia. (Entrevista nº 1)
Tivemos outras brigas(...) Não sei, eu achava que estava certa pois eu
trabalhava o dia inteiro e ele vivia nas bodegas e chegava bêbado; eu
me revoltava e lhe dizia que fosse trabalhar e chegava cansada e ele
me acusava de que eu tinha estado com outros. (Entrevistada nº 3)
Uma última problemática a ser destacada das entrevistas das mulheres agredidas é o
que elas manifestaram a respeito do atendimento na Delegacia de Polícia de Anchieta. Um
primeiro aspecto diz respeito à forma de atendimento. Duas das quatro entrevistadas
afirmaram que foram bem atendidas. Contudo, esta afirmação deve ser relativizada, pois vem,
em seguida, acompanhada de uma série de observações que dão conta de constrangimentos,
de insegurança e de expectativas não atingidas por parte das mulheres denunciantes, em
relação ao atendimento realizado pelos agentes policiais na referida Delegacia, como se pode
constatar nas perguntas e respostas a seguir.
À pergunta de como se sentiu indo à Delegacia denunciar as agressões de seu
cônjuge, a entrevistada nº 1 afirmou categoricamente que sentiu-se leve. Afirmou, depois, que
nunca fez exame de corpo delito: “eu era burra; eles não me informaram e eu não ia. Nunca
fui encaminhada enquanto estava com ele”. Ao ser indagada se sabia o que foi feito para seu
companheiro pela Delegacia respondeu:
(...) somente foi ouvido, nunca retiraram ele de casa; a polícia dizia
que ele não tinha outro lugar para morar, sendo que eu esperava a
retirada da mesma casa; eu falava que ele batia e quebrava tudo, mas
a polícia dizia que não tinha o que fazer e ele quebrava tudo: eu tinha
que agüentar.
Quando foi perguntado a esta entrevistada o que esperava para melhorar o
atendimento da Delegacia, a resposta veio pronta:
A retirada de casa de meu agressor. A pessoa não consegue viver
junto, deve sair. Meu marido piorou depois que fiz a denúncia; ele
94
quebrava tudo e me ameaçava. Ele tentou várias vezes me bater;
algumas vezes eu ia na Delegacia, outras vezes não, pois não
adiantava nada.
A entrevistada nº 3, narra suas impressões sobre a atuação dos agentes policiais,
quando foi indagado a ela, na entrevista, se na Delegacia eles perguntaram o que lhe havia
acontecido.
Não; eles falaram assim, que era para mim ter mais paciência,
porque ele estava bêbado e depois passava.. Fiquei meio
constrangida, por (eles) pensarem que a gente estava mentindo; as
vezes , sei lá...; as vezes fiquei meio assim, né? ‘Porque falou, porque
foi falar com ele’; deveria ter ficado quieta. Me questionaram porque
eu fui falar com ele, já que estava bêbado. Que eu deveria ter
esperado passar.
Ao ser questionada sobre qual eram suas expectativas em relação à denúncia das
agressões do marido, a mesma entrevistada respondeu:“Que não duvidassem da minha
palavra. Achei que amparavam o agressor pois várias vezes chamei a polícia militar, mas
nunca compareceram e necessitava do amparo dos vizinhos”. Percebe-se a indiferença dos
gestores no ato de atendimento, sem acolhida e atitudes suspeitas da própria vítima descaso ao
atendimento, morosidade.
E - O que aconteceu depois do registro?
Nada, não foi encaminhado no Fórum. Nunca foi encaminhada e nem
que poderia realizar o exame de corpo delito. Quem me disse que
deveria fazer foi o médico que me atendeu.
E - O que foi feito pelo pessoal da Delegacia em relação a seu companheiro?
Não foi feito nada, nem chamado para conversar. No Fórum peguei
advogado particular e ele realizou o processo de separação. Foi feito
acordo judicial, que era para a gente se entender. Tivemos outras
brigas mas não fui mais registrar porque não acredito no amparo. Eu
não acredito em nenhum amparo; acho que lá deve ser atendido por
uma mulher e depois ter acompanhamento; não segurar ; no meu
caso seguraram lá. O que vou te dizer é que não acreditavam no que
eu falava por ser mulher.
A entrevistada nº 4, ao ser indagada como tinha sido atendida na Delegacia, afirmou:
95
Perguntavam como era , como havia ocorrido. Só que eu achei que
eles não estavam me dando apoio; eu achei que eles deviam de
ter...na minha opinião eles deveriam prender , sei lá, mas achei que
eles não me deram muita atenção, pois na hora que viram eu
agredida eles deveriam ter prendido , sei lá, né? Mas eles não fizeram
nada disso. Ele nunca foi preso. Eu, assim, me sentia tão humilde que
me parecia que eles não estavam dando bola. Então quando eu falei
para a Juíza: ‘Meu Deus, e só disse que então dá para quebrar tudo e
fica por isso? Ela me respondeu: se você quer receber converse com
seu advogado. Mas até hoje não recebi.
E - O que a Delegacia fez em relação a seu companheiro?
O que a Delegacia fez só foi intimado, mas não foi feito nada; só que
eles acusavam que não tinham ordem da Juíza e não faziam nada; e
ele dizia: ‘chame a polícia, chame’; bem, por fim eu nem acreditava
mais, pois teve um dia que eu não fui mais a Delegacia e encontrei a
Juíza na escadaria do Fórum e ai foi onde ela determinou a retirada
dele. Na Delegacia eu esperava mais atenção; como eu, naquele caso,
eu imaginava só a morte, pois ele andava armado, sempre de faca; ele
passava na minha barriga, né? De eu enxergar: ‘Meu Deus , pensava,
será que para eles fazerem alguma coisa ele teria que me matar?
E - Você fez acordo na audiência?
Foi assim: se ele parasse, ele seria extinto (o processo); mas as
ameaças continuaram. Pois a Juíza deu a ele prestação de serviço à
comunidade, por três meses; mas ele foi apenas 4 horas e nada
acontece. É muito cômodo, nada acontece.
E - Você teve novas agressões? Você foi registrar?
Agora, por último, eu nem fui mais registrar, pois a visita ficou livre e
ficou insuportável; ele chegava bêbado; ai falei com a Assistente
Social do Fórum e foi proibido a vinda dele aqui.
Além das críticas à atuação dos policiais e as sugestões implícitas que contêm estas
críticas sobre os papéis a serem desempenhados pela Delegacia de Polícia, é importante
salientar as observações da entrevistada nº 4, a este respeito. Em primeiro lugar, ao manifestar
seu medo em relação ao agressor e o que considerava a inoperância dos agentes policiais
diante dele, salientada já em depoimento anteriormente transcrito. Afirma:
96
Tinha medo, pois ele dizia se eu denunciar ele me mataria. Aí eu
pensava: porque não tinha uma Delegacia da Mulher?.
Em segundo lugar, se dirige diretamente às políticas públicas em relação à proteção
das mulheres vítimas de violência, ao fazer o comentário transcrito a seguir:
Acredito que o Estado deveria olhar essa política de atendimento às
vítimas com maior atenção e os técnicos serem capacitados para
saber analisar os casos.
Vale a pena ressaltar as observações da agricultora militante do Movimento das
Mulheres (hoje Movimento das Mulheres Camponesas), sobre o que deveria ser a ação estatal
no que diz respeito à problemática da violência conjugal vivenciada pelas mulheres de um
modo geral, e as do município de Anchieta de modo particular. “Nossa Executiva Regional
coletou, no ano de 2003, dados concretos do nosso município (...) O problema da violência
contra a mulher é um dos que foram pesquisados; na realidade é um problema sério; ele
merece o mesmo cuidado que os outros problemas, pois ele é muito sério”.
Ao ser indagada sobre o que achava das mulheres vítimas de violência doméstica
serem atendidas por profissionais masculinos, a entrevistada ressaltou a necessidade das
mulheres serem ouvidas com respeito, o que demandaria, a seu ver, a instalação de uma
Delegacia da Mulher para que elas fossem ouvidas por mulheres. Em sua opinião:
É claro se a mulher vai lá fazer uma queixa do marido dela, tendo do
outro lado o delegado, que é um homem....infelizmente ele vai
defender o lado deles; então a mulher se o que está ouvindo ela não
tiver sensibilidade, ela nunca vai conseguir aquilo que ela precisava
ter: respeito. Inclusive no dia oito de março desse ano, uma de nossas
reivindicações foi uma Delegacia da Mulher, a nível regional - faz
dois anos que está no papel - exigindo e pedindo urgente esta
Delegacia.
Em síntese, para finalizar, o que se constata, através de parte dos dados obtidos
através dos BOs e das entrevistas realizadas com as mulheres vítimas de violência, é que a
Delegacia de Polícia de Anchieta tem poucas ações voltadas as expectativas das mulheres na
intervenção e na proteção contra a violência conjugal , devido que só registrar não tem surtido
efeito a necessidade de retirada do agressor bem como de atendimento interprofissional as
vitimas e vitimizadores. Entre outras razões decorrentes de sua própria atuação, como a
retirada das queixas, o modo de como são atendidas pelos agentes policiais, pelo não
encaminhamento rápido das queixas para o processo judicial, pela não intervenção policial
97
nos chamados para atendimento domiciliar e pela falta do fornecimento de informações sobre
como recorrer, por exemplo, ao exame de corpo delito, ainda que ele só esteja disponível na
cidade de São Miguel do Oeste.
Do mesmo modo, nos casos em que foi dado andamento através de processo judicial,
as denunciantes, pelo tipo de pena imputado, decorrente da Lei 9.099/95 do Juizado Criminal
Especial, se sentem insatisfeitas com a relativa impunidade daí decorrente, como também com
a demora das decisões judiciais. De um certo modo, portanto, a partir dos casos analisados,
nos quais se constata os longos anos de convivência conjugal sendo agredidas pelos cônjuges,
é possível afirmar que parte das mulheres de Anchieta desejariam, como apontaram vários
dos estudos, que a intervenção policial fosse uma forma de mediação para que cessassem as
agressões, mas se mantivesse a relação conjugal. Como esta mediação não se mostrou eficaz
ao longo do tempo, depois de sucessivas denúncias, processos foram instaurados, acordos
foram efetivados, as separações ocorreram, em três dos casos. Apesar deles, permanece para
as entrevistadas a insatisfação tanto com a atuação policial da Delegacia, como com os
encaminhamentos judiciais. Portanto, ganha força a demanda do município de Anchieta, por
uma Delegacia Especial de Atendimento à Mulher.
Fica, assim, evidente, que apesar das muitas contradições, ambigüidades e outras
deficiências da atuação das DEAMs, analisadas e sintetizadas em capítulo anterior, podem
ser superadas. Sua eficácia parcial é amplamente constatada, no sentido do apoio psicossocial
as mulheres vítimas de agressão. Seria fundamental também para as mulheres e homens de
Anchieta, a presença de uma DEAM, que contam para esse apoio com a restrita atuação dos
profissionais do Fórum. Enfim, que o Estado, através de suas políticas públicas cumpra o
direito constitucional de todos os cidadãos, no sentido da proteção integral e de condições
dignas de convivência familiar, através da demanda regional por Delegacias deste tipo. É
importante, também, que estejam preparadas tanto em termos de infra-estrutura física, quanto
de pessoal especializado, para um atendimento eficaz e competente, inclusive com projetos
educativos preventivos em relação à violência conjugal e doméstica de um modo mais geral.
98
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência conjugal contra as mulheres é uma temática atual, comprovada pelas
estatísticas brasileiras, e ocorre em todo território nacional. Este fato vem adquirindo
crescente visibilidade porque mais mulheres se manifestam denunciando-a, pelas políticas
públicas a favor da denúncia, pelos movimentos sociais feministas que surgiram na década de
70, e pela considerável bibliografia sobre o tema.
A partir da década de setenta do século vinte, movimentos sociais, autoridades e
profissionais deram maior visibilidade ao problema. A violência perpetua-se através da
reprodução das condições sociais e culturais, com a conivência das próprias famílias em que
ela ocorre, por manterem uma estrutura hierárquica e preconceituosa de gênero. Trata-se,
portanto, de um problema social grave, difícil de ser evitado, visto que além das implicações
objetivas apontadas, possui conotações subjetivas e ocultas, difíceis de serem quantificadas e
qualificadas, uma vez que freqüentemente são ocultadas pelas vítimas e negadas pelos
agressores.
Várias tem sido as conquistas decorrentes da referida mobilização das mulheres, em
termos de políticas públicas. É necessário ressaltar a importância da criação de mediação e de
ações efetivas de atendimento à mulher e eliminar as ambigüidades, pois o mesmo é mais
voltado para o atendimento psicossocial do que para o seu direito pleno de proteção. Direito
esse que garanta um encaminhamento de caráter educativo e preventivo e também ações
juridicamente mais eficazes.
O município de Anchieta, e a maioria dos demais municípios da região do Oeste de
Santa Catarina ressente-se da ausência da delegacia de atendimento a mulher.
Apesar desta limitação, ou seja, da inexistência de uma DEAM em Anchieta, a partir
da síntese teórica realizada e da posterior análise dos casos de violência conjugal contra a
mulher, registrados na Delegacia Policial e no Fórum do município, e de outros dados
apresentados nos depoimentos de gestores e vítimas de violência, foi possível identificar a
violência contra a mulheres e apresentar suas principais características, bem como as do
atendimento dado às vítimas e aos vitimizadores, de acordo com os objetivos propostos. De
um modo geral, buscou-se sobretudo evidenciar as principais características destas
manifestações sociais, em sua especificidade, permitindo, também, sem perder de vista sua
99
diferenciação inicial – a não presença de uma DEAM – comparações e a identificação, em
alguns aspectos, com os casos analisados nos trabalhos acadêmicos sobre esta problemática.
Nos casos analisados nas pesquisas em outras regiões brasileiras, constatou-se, de
certo modo, nos registros e nas entrevistas, um perfil socioeconômico similar das mulheres e
de seus agressores. Ou seja, idades médias próximas, baixa escolaridade, baixa renda,
depreendida a partir do tipo de atividade profissional desenvolvida. A pobreza a desigualdade
social também é uma violência social que vem sendo acentuada com a violência intrafamiliar
deixando a população mais fragilizada.Destaca-se a presença significativa de agricultores e
agricultoras, em decorrência do próprio perfil do município, com forte presença de atividades
agropecuárias e de uma população que a elas já esteve vinculada. Os agressores são
majoritariamente homens, na dinâmica da relação de gênero, embora a mulher também possa
manifestar-se violenta ou como co-participante da violência. Para tanto é importante
considerar que, pelo menos em parte, os agressores compartilham ideologias machistas,
legitimadas socialmente, abusando do poder masculino e do poder da força física e também
psicológica.
Vale lembrar, entretanto, que a concentração dos casos registrados, tanto das vítimas
quanto dos agressores, em torno deste perfil, não significa de que as relações conjugais
violentas não ocorram entre outras camadas sociais, como aponta um dos agentes policiais
entrevistado. Provavelmente entre famílias de maior poder aquisitivo haja maior cautela
quanto a dar visibilidade pública a estas ocorrências, buscando, quando assim julgam
necessários, outros tipos de mediação, ao invés de procurarem a Delegacia de Polícia.
Do mesmo modo, dados similares foram constatados, com pequenas variações, em
relação aos tipos de agressões, com a predominância de ameaças e lesões corporais e com a
ocorrência de violência sexual e de agressões contra as mulheres inclusive durante a gravidez.
Conforme registros das ocorrências de violência constata-se que o alcoolismo serve
como explicação e de desculpa para as agressões masculinas. Vistas pelos agressores como
uma causa, percebe-se, no entanto, que a mesma uma conseqüência considerada doença. O
que ficou evidente é que a embriaguez é um possível desencadeador para a deflagração da
violência, na medida em que o convívio familiar com uma pessoa dependente acarreta
discussões rotineiras, brigas conjugais, envolvendo inclusive os filhos, além de, por vezes,
poder ser o desencadeador de comportamento agressivo. Vale destacar, como já foi feito
anteriormente, que o alcoolismo e as agressões podem estar vinculados a outros fatores
estruturais como dificuldades financeiras decorrentes de baixa renda, desemprego, fatores
100
domésticos como doenças de algum membro da família, ausência de afeto e de diálogo,
mudanças nas dinâmicas familiares, perdas de filhos ou vinda de filhos indesejáveis, e outras
questões aparentemente banais, consideradas relevantes pelas próprias vítimas e por seus
agressores.
Constatou-se, também, coincidências com dados provenientes de outros casos
analisados por diferentes autores já referidos, como o fato de que muitas mulheres ainda
hesitam em denunciar atos de violência, ou os continuam tolerando por anos a fio. Quando os
denunciam, não relatam todas as agressões, ou ainda retiram as “queixas”, sem dar
continuidade ao processo judicial. Os motivos sempre são vinculados à própria realidade
familiar: por medo, dependência econômica do companheiro, em nome da permanência de
relativa “auto-proteção” e proteção do vitimizador, pela ilusão de que vale a pena se sacrificar
para manter a família unida, geralmente quando os filhos são crianças ou também, como
lembra Machado (2000), por dependência afetiva.
Temos necessidade de ampliação de pesquisas voltadas a questão da co-dependência
da mulher em relação ao seu companheiro, bem como a criação de políticas sociais que
protejam as mulheres em todos os sentidos.
Por outro lado, de acordo ainda com o objetivo geral da pesquisa, é indispensável
lembrar, no caso específico de Anchieta, a importância de fatores relativos ao próprio
atendimento público disponível no município como responsáveis pelas atitudes hesitantes ou
ambíguas das mulheres agredidas. Entre estes fatores, destacam-se o embaraço, a vergonha e
a humilhação sofridos na Delegacia, bem como a peregrinação constante da Delegacia ao
Fórum, e a não retirada do agressor do lar, fazendo com que a vítima e vitimizador voltem a
conviver no mesmo espaço do mundo privado. Do mesmo modo, ficaram evidentes as queixas
das mulheres quanto aos encaminhamentos dados às suas denúncias, pela morosidade dos
processos, pelo tipo de pena imputado ao agressor, pela impossibilidade de acesso ao exame
de corpo delito no próprio município e pela desinformação sobre este e outros procedimentos
adequados e necessários para o encaminhamento judicial.
A não aplicação da lei, a lentidão dos processos, a ausência de certas políticas
públicas de amparo às vítimas e a falta de intervenção em relação aos vitimizadores,
contribui para a geração da impunidade, deixando os agressores de mulheres esquecidos,
absolvidos, com processos arquivados ou, quando condenados, recebendo penas leves.
Embora a violência conjugal seja um dos tipos de violência doméstica e, como tal,
registrada em contexto considerado privado, é inaceitável desconhecer as implicações sociais
101
e negar a complexidade das questões de gênero nela envolvidas. Faz-se necessário, portanto,
lançar o olhar para o contexto específico familiar das vítimas e dos vitimizadores como
extensões da própria sociedade, necessitando da intermediação do Estado e da sociedade civil.
Constata-se, assim, que a violência em questão é um fenômeno coletivo e um aspecto
relevante de segurança pública, sendo necessário buscar novos mecanismos e estudos sobre
as questões de gênero e relações familiares para ampliação de conhecimento de amparo às
pessoas que convivem com esta problemática.
Impõem-se, para tanto, que seja revisto o aparato legal no qual se enquadra este tipo
de violência, de modo especial a Lei 9.99/95, que classifica a violência conjugal como delito
de menor ofensividade. Ao mesmo tempo, parece fundamental que enquanto isto não ocorre,
os operadores do direito, sobretudo juízes e promotores, responsáveis pela transação penal,
pela atribuição das penas alternativas, entre outros atos processuais, tenham em mente a
natureza do crime, as condições do acusado aplicando penas alternativas adequadas que estão
previstas na legislação. No campo das relações que remetem ao gênero, há nos aspectos
jurídicos uma grande lacuna e que necessita de debate, uma vez que embora cresçam as
tentativas para que se efetivem mecanismos que favoreçam a igualdade, vários estudos
revelam que a rotina do judiciário se sustenta em bases masculinas e burocráticas.
É necessário, também, prover as mulheres de informações sobre os seus direitos em
relação às políticas públicas, sobre a importância e as conseqüências do ato de denúncia,
sobre o que é representação judicial e de sua necessidade, para que as mesmas se sintam
amparadas e protegidas. Enfim, que elas tenham uma assistência jurídica efetiva,
paralelamente a outras formas de assistência, como a social e a psicológica, para que possam
superar a situação de violência, através de atendimento envolvendo um trabalho
multiprofissional.
Para finalizar, parece evidente, a partir do que foi constatado e do que tem sido
evidenciado através de inúmeras pesquisas, que o maior desafio para a atuação dos
profissionais é, por um lado, construir instrumentos eficientes de ação que cheguem ao
cotidiano das vitimas e dos vitimizadores, isso é, que eles tenham um espaço efetivo e eficaz
de atendimento e de apoio em situações de violência, como também uma política de
prevenção que se responsabilize, nos espaços educativos formais e informais, pela divulgação
de uma nova cultura a respeito da problemática das relações de gênero. Por outro lado,
entretanto, em termos mais gerais, parece indispensável a articulação dessas práticas com
políticas sociais mais eficazes visando um atendimento integral, de modo especial à
102
população de baixa renda, sem as quais as razões estruturais da violência conjugal e outros
tipos de violência doméstica não poderão ser minimizadas.
Portanto, é necessário que o Estado promova geração de política de combate à
violência doméstica; capacitação de profissionais das diversas áreas, recursos humanos,
físicos e financeiros, para os serviços de atendimento; punição rigorosa aos crimes; expansão
de ações para escolas públicas no sentido de desmistificar as relações de poder, gênero e
discriminações sociais, gerando condições para o reconhecimento de que a violência
doméstica é uma questão social e de saúde pública.
Quanto ao poder Judiciário, faz-se necessário a criação de varas privativas de Crimes
contra a Mulher, uma vez que os dados não são vistos como categorias a serem relevantes
privilegiados de atendimento, Juizados Especializados, Promotoria, Núcleo Jurídico e
assessoria Jurídica; a permanência de Juiz e promotor em todas as comarcas, alteração nos
registros quanto à exigência de testemunhas, e o amparo às vítimas e agilidade da retirada do
agressor do lar.
No legislativo percebe-se a necessidade do cumprimento da legislação existente
(inclusive das estaduais), da notificação compulsória da saúde e de tratados internacionais; da
revisão da legislação; da criação de mecanismos que caracterizam a violência institucional; e
da divulgação de mecanismos existentes nos quais as pessoas conheçam seus direitos.
A violência contra a mulher é um assunto intersetorial, ou seja, deve ser
responsabilidades de todos os setores governamentais e não governamentais. Portanto, as
políticas de combate a todos tipo de discriminação, e violência contra as mulheres remetem
ao mesmo tempo as esferas do poder executivo, legislativo e judiciário.
103
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108
ANEXOS
109
FORMULÁRIOS UTILIZADOS PELA POLÍCIA CIVIL
DE 1999 À 2001. (ANEXOS DE 1 À 3)
110
ANEXO 1
111
ANEXO 2
112
ANEXO 3
113
FORMULÁRIOS UTILIZADOS PELA POLÍCIA CIVIL
DE 2002 À 2003. (ANEXOS DE 4 À 9)
114
ANEXO 4
115
ANEXO 5
116
ANEXO 6
117
ANEXO 7
118
ANEXO 8
119
ANEXO 9
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