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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em História
P
AISAGEM, L UGARES E C ULTURA M ATERIAL:
Uma Arqueologia Espacial nas Terras Altas do Sul do Brasil
João Darcy de Moura Saldanha
Dissertação apresentada
como requisito parcial para
obtenção de título de
Mestre em História. Versão
revista e corrigida após ser
defendida e aprovada em
28 de Julho de 2005.
Banca Examinadora:
Dr. Klaus Hilbert (orientador) – PPGH-PUCRS
Dr. Regis Alexandre Lahm – FFCH-PUCRS
Dr. Jairo Henrique Rogge – IAP-UNISINOS
Porto Alegre, 28 de Setembro de 2005.
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R ESUMO
P AISAGEM, L UGARES E C ULTURA M ATERIAL:
Uma Arqueologia Espacial nas Terras Altas do Sul do Brasil
Palavras-chave: arqueologia da paisagem; arqueologia espacial;
arqueologia das terras altas do Sul do Brasil; casas subterrâneas.
A presente dissertação tem como principal objetivo, em um
primeiro momento, problematizar a arqueologia das terras altas do Sul
do Brasil, através da crítica ao que eu denominei um fardo conceitual:
aceitarmos e trabalharmos com entidades artificiais e suturadas,
nomeando os sítios e os artefatos a partir de sua classificação em
Tradições e Fases.
O segundo objetivo desta dissertação é mostrar uma outra forma
de explorar os dados arqueológicos em uma região do Planalto através
de três vetores de variabilidade: a paisagem, os lugares e a cultura
material, entendidos a partir de uma perspectiva contextual, tentando
produzir uma teoria “de baixo para cima”, ao explorar o processo do
encontro interpretativo com os dados empíricos. Através da exploração
destes três vetores, foi sugerido um processo cultural específico na
região que teria começado entre o século X e XIII d.C., e que culminou
na emergência de grupos etnograficamente conhecidos como Jê do Sul
do Brasil.
A BSTRACT
L ANDSCAPE, PLACES AND M ATERIAL
C ULTURE: An Spatial Archaeology in Southern Brazil High
Lands
Key-words: landscape archaeology; spatial archaeology; Southern Brazil
High Lands archaeology; pit-houses.
This dissertation has as one main goal, in a first moment, to
problematize the archaeology of Southern Brazilian high lands, by a
critics to what I have named a conceptual burden: to accept and work
with artificial and sutured entities, naming the archaeological sites and
artifacts by their classification into Traditions and Phases.
The second main goal is to show another form to explore the
archaeological data in a specific region of high plains, by using three
vectors of variability: landscape, places and material culture,
understood by a contextual perspective, trying to produce a “botton-up”
theory, exploring the interpretative encounter with the empirical data.
By using these three vectors, it has been suggested a specific cultural
process occurring in this region that must have been started between X
e XIII centuries B.C., and that must have been culminate in the rising of
the ethnographically known Jê groups.
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Agradecimentos
Às instituições de financiamento de pesquisa, o CNPq e a
Capes, por me oportunizarem o desenvolvimento da pesquisa na forma
de bolsa de mestrado.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Klaus Hilbert, que através de seu
jeito bem humorado me ensinou muito do que eu hoje sei sobre
arqueologia.
Aos professores do PPG-História da PUCRS pelo crescimento
intelectual que me oportunizaram durante o curso de mestrado.
À secretária do PPG-História, a querida Carla, por toda sua
ajuda.
À minha “mãe” acadêmica, Sílvia Moehlecke Copé, por todo
seu ensino, carinho e por me oportunizar tantas chances de
desenvolvimento de pesquisa dentro do Núcleo de Pesquisa
Arqueológica da UFRGS.
Ao meu “pai” acadêmico, André Jacobus, por me guiar tão
sabiamente entre os corredores do conhecimento que está depositado
no MARSUL.
Às minhas “casas” acadêmicas, o Núcleo de Pesquisas
Arqueológicas e o Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul, tetos que
abrigaram meus delírios e devaneios sobre a pré-história do Planalto.
Aos meus colegas do NuPArq, os atuais e os que já passaram,
pelos bons momentos vividos juntos, em campo, em laboratório, ou
dentro de garrafas. Alguns deles merecem aqui ser citados: Adriana,
Arturo!, Carol, Clarisse, Édison, Leopoldo, Mateus, Vander, Gersinho,
Rodrigo, Zeli Tere...
Aos meus colegas do PPG-História.
À equipe da Scientia Ambiental de Santa Catarina, pelo seu
empenho em resgatar o máximo de informações possíveis nos sítios
arqueológicos da margem direita do canteiro de obras da UHE Barra
Grande.
A vários arqueólogos que, de uma forma ou de outra,
contribuíram na minha formação: Martial Poughet, Beatriz Thiessen,
Fernanda Tochetto, José Reis, Adriana Dias, Vera Thaddeu, Cláudio
Carle, Sirley Hoeltz, Gislene Monticcelli, P. I. Schmitz.
À família da minha querida Nana por todo carinho que me
retribuem. Vocês são minha segunda família.
À minha amada Nana, por todo amor, amizade e
companheirismo (além de toda paciência na correção de minha
dissertação, que sem isto continuaria impublicável).
À minha família, em especial à minha querida mãe, Zilney, e
minhas manas, Anna e Ana, por todo amor e carinho que me dão, e por
compreenderem minhas ausências durante o período de turbulência por
que passei durante o final desta dissertação.
Ao meu pai, José Taltíbio, que sempre me encorajou muito,
mas que não pôde ver este trabalho concluído. Ele é dedicado a ti, pai.
A todos os que eu esqueci, me desculpem, e obrigado.
Sumário
Introdução.......................................................................................... p.08
PARTE 1- PROBLEMAS E PERSPECTIVAS PARA A ARQUEOLOGIA DO
PLANALTO SUL-BRASILEIRO ............................................................. p.13
Capítulo 1- A Arqueologia das terras altas do Sul do Brasil................. p.13
1.1. Os Pesquisadores e suas Áreas de atuação ......................... p.14
1.2. Discurso e conhecimento arqueológico ............................... p.17
1.3. O Modelo Tradicional da pré-história do Planalto................ p.19
Capítulo 2- Possibilidades para uma arqueologia interpretativa .......... p.25
2.1. A Arqueologia Interpretativa ............................................... p.26
2.2. Continuidades e mudanças: uma etnografia de longa duração
...........................................................................................................p.28
2.3. Práticas diárias nas terras altas: paisagem, lugares e cultura
material.............................................................................................. p.30
PARTE 2-UMA PERSPECTIVA “DE BAIXO PARA CIMA”: ABORDAGEM EM
MICRO-ESCALA NA ÁREA DE BARRA GRANDE ................................. p.34
Capítulo 3-A região de Barra Grande .................................................. p.35
3.1. Descrição da região ............................................................ p.35
3.2 Breve histórico das Pesquisas.............................................. p.37
3.3 Os procedimentos teórico-metodológicos na recuperação dos
dados ................................................................................................. p.38
3.4. A construção do Sistema de Informação Geográfica ............ p.40
Capítulo 4-A Cultura material............................................................. p.42
4.1. Cerâmica............................................................................ p.42
4.1.1. Metodologia de análise ........................................... p.43
4.1.2. O Estudo funcional de Vasilhas.............................. p.44
4.1.3. O Universo Amostral .............................................. p.45
4.1.4. Aspectos quantitativos das coleções cerâmicas....... p.45
4.1.5. Análise Tipológica dos recipientes .......................... p.48
4.2. Os Artefatos líticos ............................................................. p.57
4.2.1. Orientações teórico-metodológicas.......................... p.58
4.2.2. A natureza dos artefatos líticos .............................. p.60
4.2.3. O Processo de Produção dos Artefatos Líticos ......... p.60
4.2.4. Os instrumentos líticos .......................................... p.66
Capítulo 5- Os Lugares....................................................................... p.72
5.1. As Estruturas de Terra ....................................................... p.72
5.1.1. As Estruturas Subterrâneas................................... p.72
5.1.2 Áreas Entaipadas.................................................... p.85
5.2. As Áreas de deposição horizontal de artefatos..................... p.92
5.2.1. Os conjuntos lito-ceramicos ................................... p.93
5.2.2. Os conjuntos líticos.............................................. p.103
5.2.1.1. Sítios sem micro-estruturas..................... p.103
5.2.1.2. Sítios com micro-estruturas..................... p.106
5.2.1.3. Sítios em gruta ........................................ p.110
5.3. Análise Multivariada das evidencias inter-sítios................ p.111
Capítulo 6- Costurando os Lugares: tentativas de interpretação do sistema
de assentamento em Barra Grande................................................... p.114
6.1. Função de estruturas e concentrações.............................. p.114
6.2. Cronologia........................................................................ p.116
6.3. Territórios de assentamento ............................................. p.118
6.3.1. Os agrupamentos de sítio..................................... p.118
6.4. Interpretação do sistema de assentamento no segundo período
de ocupação ..................................................................................... p.123
Capítulo 7- A Paisagem e os Lugares................................................. p.131
7.1. Análise fisiográfica ........................................................... p.131
7.2. Visibilidade e visibilização ................................................ p.134
7.3. Trânsito ........................................................................... p.138
7.4. Funções práticas potenciais ............................................. p.140
7.5. Integração dos dados........................................................ p.145
Capítulo 8- Paisagem, Lugares e Cultura Material: uma interpretação da
espacialidade na região de Barra Grande .......................................... p.147
8.1. Origens ............................................................................ p.147
8.2. Subsistência e sedentarização .......................................... p.150
8.3. A Emergência da Complexidade........................................ p.152
8.4. Habitando Barra Grande .................................................. p.153
8.4.1. Práticas diárias nas casas .................................... p.153
8.4.2. Socializando as práticas: áreas externas............... p.154
8.4.3. Entendendo o mundo: A rítmica do movimento .... p.156
8.5. Paisagem, lugares e cultura material: a criação dos Jê do sul em
uma caminhada ............................................................................... p.158
Conclusão ........................................................................................ p.160
Referências bibliográficas ..................................................................p.164
Introdução
A ocupação humana pré-histórica nas terras altas do Sul do
Brasil tem sido sistematicamente estudada desde a década de 1960,
sob o Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas, pesquisadores de
instituições autônomas, e diversas outras instituições de pesquisa do
Sul do país. As primeiras informações obtidas foram organizadas
segundo o esquema proposto pelo PRONAPA, utilizando os artefatos
arqueológicos resgatados nos sítios para criar Tradições e Fases
1
.
Assim foram definidas as Tradições Humaitá e
Taquara/Itararé/Casa de Pedra para a região, com a primeira referindo-
se a um instrumental lítico característico, sem presença de pontas de
flecha, enquanto a segunda foi criada a partir da presença de pequenos
vasos cerâmicos e diferentes tipos de trabalhos em terra nos sítios
arqueológicos, entre os quais têm destaque as denominadas “casas
subterrâneas”. O reSultado destas pesquisas, apresentado em sua
totalidade por Schmitz (1988), serviu para definir uma primeira
cronologia e o espaço de ocorrência destas evidências materiais. No
entanto, nossa compreensão sobre a sociedade a que estes artefatos se
relacionam não pode ser limitada à mera definição de onde estão as
coisas e quando elas apareceram.
Mais recentemente, a arqueologia da região tomou um fôlego
novo, com uma série de trabalhos de campo ocorrendo, sejam eles
realizados por instituições de pesquisa (Instituto Anchietano de
Pesquisas – Unisinos; Núcleo de Pesquisas Arqueológicas – UFRGS), ou
através de trabalhos de arqueologia de resgate (UHE´s
2
Machadinho,
Campos Novos, Barra Grande, Paiquerê, Quebra Queixo, etc.). A
produção acadêmica também acompanhou este novo impulso, com um
aumento da publicação de artigos sobre o tema e de defesa de teses e
dissertações (SCHMITZ (Ed.), 2002; BEBER, 2004; ROGGE, 2004; entre
outros).
1
Para uma discussão mais aprofundada dos conceitos de Fase e Tradição, consultar Dias (1994).
2
Sigla referente à Usina Hidro-Elétrica.
8
Apesar da enorme quantidade de trabalhos que têm sido
realizados até hoje sobre a cultura material acima citada, inúmeras
questões relativas ao modo de vida e aos processos culturais sofridos
pelas populações que manipularam esta materialidade continuam em
aberto. Acredito que, neste momento, o principal encaminhamento para
problematizar a Arqueologia do Planalto sulino seria o estudo das
continuidades e mudanças passíveis de serem verificadas tanto a nível
cronológico quanto espacial.
Estudos que congregaram dados históricos, etnográficos e
lingüísticos dos grupos Jê do Sul do Brasil, descendentes das
populações pré-coloniais das terras altas do Sul do Brasil, têm
demonstrado que estas sociedades passaram por intensos processos
sócio-culturais, com deslocamentos, absorção de diferentes
contingentes populacionais e formação de identidades regionais
diferenciadas (SILVA, 2001; BASILE BECKER, 1976; LAROQUE, 2000).
Para a abordagem deste tema fulcral (continuidade e mudança)
na compreensão destas sociedades, creio que alguns pontos críticos
devem ser levantados, tais como a variabilidade tecnológica e estilística
das diferentes classes de artefatos em contextos regionais, processos de
simbiose e troca com grupos distintos, diferenças na estrutura de
assentamentos em termos regionais, natureza da transição do período
pré-cerâmico para o cerâmico, existência de hierarquias no período pré-
contato (como a existente entre os grupos Kaingang no século XIX),
entre outros.
Para a aproximação de questões tão importantes na interpretação
da pré-história na região do Planalto Sul brasileiro, acredito que a
análise espacial inter e intra-sítio, entendida dentro de uma perspectiva
de Arqueologia da Paisagem em um paradigma interpretativo, seja uma
das vias mais férteis, na medida em que possibilita o estudo da
padronização, distribuição e variação temporal dos artefatos e
estruturas num contexto regional controlado, o que permite identificar
continuidades e mudanças estruturais (WUST, 2000:1).
9
Este tipo de estudo possui um enorme potencial interpretativo, na
medida em que a unidade de análise deixa de ser uma cultura
arqueológica para se tornar a própria materialidade dispersa nos sítios,
e como esta materialidade está vinculada à paisagem em que foi
produzida, manipulada e descartada. O valor desta abordagem aos
sítios arqueológicos esta no fato de que apresenta padrões de disposição
da cultura material, possibilitando interpretações sobre a ocupação
cultural do espaço (HODDER, 1989).
É a partir desta perspectiva que pretendo contribuir para a
arqueologia do planalto Sul brasileiro, ao analisar a distribuição
espacial das evidências presentes em uma área geograficamente
limitada, no entorno da área afetada pela construção da UHE Barra
Grande. Tenho como objetivo principal explorar os dados empíricos
espaciais, privilegiando o estudo e interpretação dos artefatos e
estruturas arqueológicas e sua inserção em uma paisagem socialmente
construída. Tal articulação, em uma escala regional, poderá no futuro
permitir uma compreensão mais aprofundada das populações que
deram origem aos grupos Jê do Sul do Brasil, a partir da soma de dados
semelhantes coletados em outras regiões.
Além de uma contribuição para arqueologia das terras altas do
Sul do Brasil, quero, com esta dissertação, demonstrar o papel decisivo
da perspectiva oferecida pelo estudo de paisagens arqueológicas
regionais, ao comparar o desenvolvimento das sociedades indígenas na
região.
Para satisfazer este objetivo principal – a análise e interpretação
da distribuição das evidências arqueológicas na paisagem sob estudo –
foi necessário cumprir alguns objetivos específicos:
1. Agregar informações sobre um estudo de campo micro-regional
que possibilitasse o levantamento de dados exaustivo em uma área
geograficamente delimitada. Este estudo regional possibilitaria o
aprofundamento de questões pontuais e, por isso, com maior poder
interpretativo sobre aspectos materiais e imateriais da ocupação
humana da região. Dentro deste objetivo específico, os sítios analisados
10
foram entendidos: 1) metodologicamente, como unidades em sistemas
de assentamento na região; e 2) teoricamente, como lugares em uma
paisagem socialmente construída.
2. Procurar entender a gênese, uso e descarte dos artefatos
provenientes dos sítios arqueológicos trabalhados.
3. Procurar definir a morfologia dos sítios arqueológicos a partir
das densidades de artefatos encontrados, bem como das diferentes
estruturas presentes (casas subterrâneas, buracos de esteio, fogueiras,
etc.) a fim de delimitar os diferentes espaços dentro dos sítios.
4. Articular as diferentes classes e atributos dos vestígios
arqueológicos dentro dos espaços definidos nos sítios, considerando
contexto por contexto.
5. Articular os sítios arqueológicos entre si, com o objetivo de
levantar hipóteses sobre seu inter-relacionamento espacial, cronológico
e funcional.
6. Articular os sítios arqueológicos com as informações
ambientais na região, tais como relevo, vegetação, hidrografia, geologia,
etc., a fim de procurar interpretar padrões de localização das diferentes
classes de evidências arqueológicas.
7. Criar um banco de dados georeferenciados com o objetivo de
trabalhar a partir de um Sistema de Informação Geográfica (SIG). Este
sistema de informação, desenvolvido sobre o programa ARC-GIS 9,
facilitou a análise espacial das informações obtidas através da
sobreposição de diferentes unidades temáticas (conhecidas como planos
de informação – P.I.), possibilitando a extração de relações não
aparentes entre as evidências espaciais estudadas
3
. Estes planos de
informação são relacionados em uma análise espaço-temporal,
permitindo a elaboração de uma série de hipóteses sobre a ocupação na
região estudada.
3
Estas evidências espaciais podem ser, por exemplo, o relevo, a hidrografia, e vegetação de uma região,
ou, no caso de um contexto arqueológico, um sítio, uma estrutura, artefatos líticos ou cerâmicos ou, mais
especificamente, um artefato lítico de tipo X, uma cerâmica com decoração Y, o que permite uma melhor
visão contextual das evidências.
11
Desta forma, a presente dissertação está organizada da seguinte
maneira: No capítulo 1, apresento uma revisão bibliográfica sobre os
dados arqueológicos do Planalto sul brasileiro, além de fazer uma
reavaliação crítica de certas interpretações correntes sobre o tema.
Discuto estas interpretações por considerarem as evidências dentro de
uma perspectiva normativa, ou seja, que os artefatos são reflexos de
grupos culturais exclusivos ou de um tipo de economia específica.
No capítulo 2, desenvolvo algumas propostas teóricas e
metodológicas utilizadas para procurar uma visão contextual das
evidências que foram utilizadas para o desenvolvimento desta
dissertação.
No capítulo 3, descrevo a região sob estudo do ponto de vista
físico, bem como apresento um histórico das pesquisas na área e os
procedimentos teóricos e metodológicos na obtenção dos dados aqui
utilizados.
No capítulo 4, apresento a análise das diferentes classes de
artefatos resgatados nos diferentes sítios arqueológicos pesquisados.
No capítulo 5, trabalho com a distribuição espacial dos artefatos
dentro dos diferentes sítios arqueológicos, buscando compreender a
estrutura destes sítios.
O capítulo 6 busca interpretar como os sítios arqueológicos estão
inter-relacionados, articulando-os, cronológica e espacialmente, dentro
de uma perspectiva sistêmica.
No capítulo 7, procuro interpretar a distribuição dos diferentes
sítios arqueológicos na Paisagem, buscando entender as propriedades
físicas e naturais e sua relação com a inserção dos sítios.
O capítulo 8 tem o objetivo de integrar as informações
anteriormente apresentadas a fim de interpretar a espacialidade do
registro arqueológico na área.
Finalizo com um balanço crítico das interpretações aqui
oferecidas.
12
PARTE 1
PROBLEMAS E PERSPECTIVAS PARA A ARQUEOLOGIA
DO PLANALTO SUL-BRASILEIRO
Capítulo 1
A Arqueologia das terras altas do Sul do Brasil
A historiografia arqueológica sempre foi escrita como história das
idéias – assim sistemas de idéias sobre o passado seriam
periodicamente suplantados por novas evidências, novas teorias, novas
abordagens metodológicas. Desta forma, a história da arqueologia
parece se dar como uma forma de tipologia evolucionista,
sucessivamente caminhando em direção a um completo e perfeito
entendimento do passado.
Tilley (1990) clama por uma arqueologia da arqueologia (nos
termos de Foucault), argumentando que necessitamos reescrever a
história da Arqueologia. Assim, precisamos de um entendimento da
descendência de nossa disciplina que nos seja útil no presente, como
um meio de questionar nossas pressuposições, incluindo aí os próprios
conceitos que utilizamos. Para isto, precisamos primeiramente
reconhecer que uma disciplina não reflete meramente sobre fenômenos
que estão de alguma forma já dados. Através de seu discurso, ela
constitui seus próprios objetos do conhecimento.
Entendendo a Arqueologia como uma forma de construção de um
discurso sobre o passado, pretendo aqui contribuir considerando a
forma como um conjunto de fenômenos arqueológicos foi apropriado
pelos arqueólogos para elaboração de um modelo que desse conta de
um período da Pré-história do Planalto sulino. Qualquer pessoa que se
inicia na pesquisa da região é imediatamente apresentada a uma
tradição interpretativa, com cerca de 40 anos de idade, que se encontra
hoje profundamente entrincheirada, e que restringe na maior parte o
que pode ou não ser dito sobre a pré-história da região.
13
A proposta aqui é então explicitar os modelos de discurso
subjacentes a esta tradição interpretativa, para que desta maneira
possamos remover alguns dos fardos que ela coloca sobre esta própria
pesquisa na região.
1.1. Os Pesquisadores e suas Áreas de atuação
Os primeiros dados sobre os grupos indígenas pré-históricos do
Planalto do Rio Grande do Sul foram gerados graças aos levantamentos
feitos pelos pesquisadores relacionados ao Programa Nacional de
Pesquisas Arqueológicas, o PRONAPA, entre os anos de 1965 e 1971.
Este era um projeto de pesquisa montado em colaboração com o
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a
Smithsonian Institution, cujo objetivo principal era promover pesquisas
no território brasileiro visando elaborar, da maneira mais rápida
possível, um quadro geral das culturas pré-históricas brasileiras
(PROUS, 1991).
A principal filosofia de trabalho dos participantes do programa
era a realização de numerosas prospecções rápidas, com coleta de
material de superfície para ser estudado como amostragem. A partir dos
anos de intensos trabalhos do PRONAPA, foi disposto um quadro
cronológico e geográfico aproveitável para a dispersão das culturas
arqueológicas no Brasil. Para o caso dos vestígios arqueológicos no
planalto do Rio Grande do Sul, os principais investigadores do
PRONAPA a trabalharem na região foram Eurico Miller, Walter Piazza e
Igor Chmyz.
Seguindo a mesma abordagem metodológica do PRONAPA, outros
pesquisadores realizaram pesquisas importantes no Planalto. Entre
1966 e 1970, foi executado um projeto de levantamento, prospecção e
escavação nos municípios de Caxias do Sul, Flores da Cunha, São
Francisco de Paula e Bom Jesus. Foram localizados ao todo 61 sítios de
casas subterrâneas, e seguiu-se à escavação em larga escala de quatro
14
dessas estruturas, além de montículos de terra que as acompanham
(SCHMITZ et alii, 1988).
Na região de Lages, nas nascentes dos rios Canoas e Pelotas,
Rohr (1971) localizou dezenas de sítios arqueológicos, caracterizados
como estruturas subterrâneas, sítios superficiais com mesma cerâmica
destas estruturas, estruturas circulares em relevo contendo montículos
no interior, paredões com gravuras rupestres, abrigos sob rocha
utilizados para sepultamento, além de sítios superficiais caracterizados
pela presença de pontas de flecha em pedra e resíduos de lascamento
provenientes de sua fabricação.
Mentz Ribeiro realizou pesquisas no vale do Rio Pardo e Taquari
(MENTZ RIBEIRO & SILVEIRA, 1979), e no município de Esmeralda
(MENTZ RIBEIRO & RIBEIRO, 1985) dando origem a novas fases das
tradições Humaitá e Taquara.
Estas primeiras pesquisas na região foram sistematizadas dentro
da classificação proposta pelo PRONAPA, ou seja, a divisão dos
artefatos, segundo suas características peculiares, em Fases ou
Tradições. Disto resultou um quadro de proliferação de divisões
regionais na arqueologia do Planalto, divisões estas baseadas muitas
vezes em critérios subjetivos, não definidos, refletindo, por vezes, muito
mais a região pesquisada por um determinado autor do que realmente
uma diferença no registro arqueológico.
Em sua dissertação de mestrado Reis (1980) estudou 83 sítios
arqueológicos, compostos por estruturas subterrâneas, sítios
superficiais com mesma cerâmica destas estruturas, além de estruturas
circulares em relevo. Seu estudo, voltado principalmente para a
problemática das estruturas subterrâneas, foi um primeiro pontapé
para uma abordagem mais crítica ao contexto arqueológico do Planalto.
Schmitz (1988) e Schmitz & Becker (1991a e b) procuraram
reunir os dados dispersos na bibliografia, classificando as informações
segundo a divisão do PRONAPA, e sugerindo novos encaminhamentos
para a pesquisa na região.
15
No final da década de 80 e durante a década de 90 o quadro
começou a mudar na arqueologia das terras altas. Kern, Souza e Seffner
(1989) realizaram um levantamento arqueológico junto ao Rio Pelotas,
por ocasião da então planejada Usina Hidroelétrica Barra Grande.
Apesar de ter sido um trabalho relativamente rápido, os autores
levantaram importantes sugestões de pesquisas para o Planalto na
tentativa de resolução de problemas referentes à espacialidade dos
sítios e reconstituição da vida social do grupo.
Em 1994, Kern realiza uma síntese interpretativa para a região,
tentando dar um encadeamento histórico para as informações
arqueológicas, fornecendo importantes sugestões de pesquisa e fugindo
dos conceitos estáticos e fechados de Fase e Tradição.
Em 1997, Reis elabora uma série de críticas a respeito das
pesquisas realizadas no planalto, propondo uma nova forma de
abordagem aos sítios através da compreensão de padrões de
assentamento. As críticas elaboradas foram dirigidas primordialmente à
forma como se estavam tratando os sítios arqueológicos, retirados de
seu contexto. Também chamou a atenção para a importante fonte de
informações que a analogia etnográfica tinha para as pesquisas
arqueológicas do Planalto.
A partir do novo milênio, uma série de pesquisas empíricas tem
sido realizada na área, refletindo uma preocupação renovada com a
arqueologia do Planalto, mais especificamente com sítios de estruturas
subterrâneas. Um primeiro resultado foi publicado por Schmitz [ed.]
(2002), e reflete uma miríade de abordagens de campo à região, voltadas
principalmente para definição de função de sítios e estruturas, e
articulações funcionais destes sítios em um sistema de assentamento.
Em 2004, foi defendida uma tese de doutorado em que uma
definição do sistema de assentamento para todos os grupos do Planalto
foi elaborada, trabalhando exclusivamente com as informações
dispersas na bibliografia. Como resultado, foi definido que sítios com
estruturas subterrâneas, sítios lito-cerâmicos superficiais, abrigos
rochosos contendo esqueletos, estruturas circulares de terra,
16
montículos e sítios líticos faziam todos parte de um mesmo sistema de
assentamento das terras altas do Sul do Brasil, desde o Sul de São
Paulo até a borda do Planalto Sul-rio-grandense. Na base deste sistema
estaria um ambiente muito rico em recursos naturais, que permitiria
uma relativa sedentariedade destes grupos (BEBER, 2004).
Como pode ser observado, a preocupação com uma abordagem
regional à pré-história do Planalto foi uma constante nas pesquisas
realizadas. Entretanto, inicialmente elas foram elaboradas com o
objetivo de conhecer a distribuição espaço-temporal das evidências
arqueológicas em vastas áreas e dentro de um paradigma normativo de
cultura. Assim, estas abordagens privilegiaram descrições sucintas de
características tecnológicas, origens, dispersão e adaptações ambientais
genéricas de culturas arqueológicas, classificadas em “Fases” ou
“Tradições”.
Após as críticas realizadas durante as décadas de 80 e 90, e,
principalmente, após as sugestões de pesquisa levantadas por Reis
(1997), algumas abordagens mais recentes procuraram mudar esta
situação, com pesquisas em regiões geograficamente delimitadas,
procurando entender o funcionamento e estrutura dos assentamentos.
Entretanto, estas pesquisas procuraram demasiadamente um grande
modelo a ser aplicado para todo o Planalto Sul brasileiro. Concordo com
Schmitz e outros (2002: 103) ao alertarem para que modelos gerados a
partir de trabalhos de campo de regiões específicas, não sejam
transportados para outras áreas sem nenhum trabalho empírico.
1.2. Discurso e conhecimento arqueológico
Ao tentar descrever a emergência e descendência do discurso de
um modelo tradicionalmente aplicado à interpretação das evidências
arqueológicas no Planalto Sul brasileiro, se faz necessário colocar
alguns pressupostos teóricos básicos para entender como se dá a
relação entre o discurso e a produção de conhecimento.
17
A arqueologia deve ser encarada como uma prática interpretativa,
ativamente engajada, através de um processo teórico crítico de
relacionar o passado e o presente (SHANKS & HODDER, 1995). Assim,
qualquer relatório arqueológico envolve a criação de um passado em um
presente, sempre através dos termos do último. Desta forma “passado e
presente são mediados através da prática arqueológica, na escavação e
na redação de textos arqueológicos” (SHANKS & TILLEY, 1987:104)
Desta constatação surge outra que se relaciona ao ato de
escrevermos qualquer tipo de trabalho sobre o passado: um texto
arqueológico apresenta necessariamente a representação de objetos
arqueológicos e seus contextos, representações que não estão dadas por
estes últimos, mas são sim metaforicamente construídas com o objetivo
de terem algum significado no presente. Nenhum texto é um meio
transparente expressando um significado essencial do passado.
Escavamos, analisamos materiais e escrevemos relatórios no presente,
sendo a arqueologia, desta forma, necessariamente teórica, social,
política e autobiográfica.
Entretanto, este processo de produção não é livre ou criativo de
maneira a se tornar uma verdadeira ficção científica, mas sim envolve a
tradução do passado de maneira específica e delimitada, pois é
restringido pelos próprios objetos. Assim, “o próprio registro
arqueológico pode apontar o que dizemos como sendo inadequado de
uma maneira ou de outra” (SHANKS & TILLEY, 1992: 104), pois os
dados representam uma rede de resistência à pura apropriação teórica.
Desta maneira, estamos envolvidos em um discurso que media o
passado e o presente, sendo este um caminho de mão dupla. Tanto o
arqueólogo impõe sua experiência sobre um discurso construído a
partir do passado, quanto os objetos arqueológicos e seus contextos
restringem de maneira decisiva esta imposição teórica do presente.
Assim, a produção de um conhecimento arqueológico é o
resultado de um complexo inter-relacionamento entre os objetos
arqueológicos e seus contextos, a posição (teórica, social, política,
biográfica) do arqueólogo e, por fim, a inserção destes dois últimos em
18
amplas formas de pensamento (epistemas, visões de mundo). Inter-
relacionamento este que articula conteúdo, signos, símbolos e
significados na criação de discursos que procuram, através de
narrativas, dar conta de um determinado fenômeno do passado.
1.3. O Modelo Tradicional da pré-história do Planalto
Os intensos trabalhos realizados por vários pesquisadores
durante os anos do PRONAPA resultaram na disposição de um quadro
cronológico e geográfico da dispersão de culturas arqueológicas no país.
A principal postura teórica aplicada pelo PRONAPA era um amálgama
das abordagens histórico-cultural e ecológico-cultural.
Para a abordagem histórico-cultural, o maior interesse estava
centrado na definição de características particulares de determinados
grupos étnicos, abandonando-se o foco anterior referente aos estágios
sucessivos de desenvolvimento cultural. Assim, as diferenças e
semelhanças da cultura material começaram a ser explicadas a partir
de uma perspectiva histórica, seja por difusão ou migração de traços
culturais (TRIGGER, 1992: 150).
Sob a abordagem histórico-cultural, os participantes do
PRONAPA procuraram observar o desenvolvimento histórico das
culturas nativas dentro do território brasileiro, com as mudanças
geralmente interpretadas dentro de uma perspectiva de difusão ou
migração. O enfoque era então basicamente classificatório, organizando
cronologias regionais através de comparações entre coleções
arqueológicas, cuja última meta era “definir rotas de difusão das
cerâmicas” (DIAS, 1994: 33)
Por outro lado, uma abordagem ecológico-cultural,
principalmente derivada das idéias de Steward, procurou dar ênfase
nas relações funcionais entre elementos observáveis e quantificáveis,
entendendo todas esferas humanas (tecnologia, relações sociais,
políticas, religiosas) como adaptações ao meio físico. Dentro desta
perspectiva, as semelhanças entre as culturas seriam o resultado de
19
adaptações semelhantes a um mesmo meio físico, através de
tecnologias similares.
Como no caso da etnologia da Amazônia (VIVEIROS DE CASTRO,
2002: 320-321), a abordagem ecológico-cultural aplicada à arqueologia
brasileira dentro da perspectiva do PRONAPA criou uma colcha de
retalhos composta por uma série de áreas culturais. Dentro destas
áreas, os esquemas tipológicos derivados das classificações aplicadas
pelo PRONAPA (as Fases e Tradições) dariam conta de demonstrar o
desenvolvimento cultural de grupos humanos representados pelos
vestígios arqueológicos dentro de um determinado ambiente.
Tendo estas abordagens como pressupostos básicos, foi criada
uma série de classificações de vestígios arqueológicos dentro do
território brasileiro, entre elas as denominadas Tradições Taquara,
Itararé e Casa de Pedra, do final da década de 60, que representariam
uma ocupação humana pré-colonial no Planalto Sul-brasileiro.
Estes conceitos foram então elaborados através de comparações
sistemáticas entre os dados obtidos no Sul do país, utilizando como
marcadores vasilhas cerâmicas, observando características como
antiplástico, cor, acabamento de superfície e formas, aliadas ao
ambiente de implantação dos sítios que fornecessem estas vasilhas
(NOELLI, 1999).
Desde então, a partir da construção destes conceitos, um modelo
geral para a ocupação do Planalto Sul brasileiro foi construído, a partir
do que Schmitz (1968: 128) chamou de síntese “de validez muito
transitória” e “sujeita a muitas revisões”. Apesar destas constatações de
Schmitz, este modelo é ainda aceito e utilizado até hoje pela maioria dos
pesquisadores que lidam com o tema (PROUS, 1991; REIS, 1980;
KERN, 1985; MENTZ RIBEIRO, 1991, 1999, 2000; MENTZ RIBEIRO e
RIBEIRO, 1987; SCHMITZ, 1988, 1999, 2000; SCHMITZ & BECKER,
1991; ROBRAHN, 1989; REIS, 1997; ARAUJO, 2001; DIAS, 2003;
WAGNER, 2004; entre outros).
Em seus contornos gerais, o modelo interpretativo que se
apresenta pode ser resumido desta forma: datas a partir do segundo
20
milênio depois de Cristo, perdurando até o século 19; existência de
diversas “fases” arqueológicas que identificariam diferenças regionais no
amplo território das “tradições”; dois tipos de aldeia – casas
subterrâneas e a céu aberto; uma origem autóctone, advinda da
evolução de grupos caçadores-coletores locais; um modelo econômico
baseado na coleta do fruto da Araucária e complementado pela caça,
coleta generalizada e poucos cultivos, que levaria a população a um
movimento pendular entre o planalto, suas encostas e o litoral
atlântico; conseqüentemente, um certo nomadismo; e, finalmente, uma
filiação étnica com os grupos etnograficamente conhecidos como
Kaingang e Xokleng.
Aqui gostaria de fazer um esforço interpretativo na tentativa de
apontar alguns dos discursos que estão por detrás destes modelos que
aparecem na bibliografia como prontos, fechados, e que são repetidos a
cada nova pesquisa.
Um primeiro discurso estaria na constatação da falta de
preocupação com mudanças culturais ao longo destes 2000 anos. Após
cerca de 40 anos de pesquisa sobre a ocupação do Planalto sulino,
nenhuma evidência de qualquer tipo de mudança foi levantada. Desde
seu surgimento até o início dos contatos com o Europeu, o fenômeno
arqueológico representado pelos conceitos Taquara/ Itararé e Casa de
Pedra parece refletir uma população estática, incapaz de qualquer tipo
de inovação. A única preocupação que se destaca na maioria dos
autores (KERN, 1985; MENTZ RIBEIRO, 1991; SCHMITZ, 1988, 1999,
2000; SCHMITZ & BECKER, 1991; REIS, 1997; ARAUJO, 2001;
NOELLI, 1999) é com a transição de um período “lítico”, que seria
representado pela denominada “Tradição Humaitá”, para o período
“cerâmico”. Mesmo assim, os 2000 anos de história conseqüentes são
sistematicamente deixados de lado.
Por outro lado, o estudo sistemático da variação cultural dos
vestígios arqueológicos foi orientado para definição de padrões
geográficos e não cronológicos. Foi desta forma que proliferaram as
diversas classificações de “fases” dentro das tradições em foco, criando
21
um paralelo entre estas pesquisas e uma tendência da etnologia
americana do século XIX, que organizava o estudo de similaridades e
diferenças em termos de áreas culturais (TRIGGER, 1980: 664).
Disto advém uma tendência em ver padrões culturais individuais
como possessões exclusivas de grupos étnicos particulares, que se
instalariam em uma determinada região geográfica. Entendia-se que as
fases “abrangeriam o espaço e o tempo de uma tribo indígena”
(SCHMITZ & BECKER, 1991: 72). Dentro destas definições se assumia
que cada “tribo” pré-histórica também não mudaria ao longo do tempo,
e qualquer evidência de mudança era atribuída ao movimento de
populações, ou a um movimento difusor de elementos para grupos
considerados mais “atrasados”. Assim, para Schmitz & Becker (1991:
91):
“Dentro do estado, o aparecimento (da tradição taquara) se
dá primeiro nos pontos mais altos, no extremo Nordeste,
com a fase Guatambu; séculos mais tarde ela já se estendeu
para pontos um pouco menos elevados do Nordeste, na fase
Taquara; mais uns séculos e ela aparece mais para o centro,
com a fase Erveiras; no Noroeste e no Norte ela chega em
tempo ainda mais recente, com a fase Taquaruçu, Giruá ,
Xaxim e Guabijú.
Estes sucessivos avanços no território do estado poderiam
ser atribuídos a sucessivas colonizações do grupo que
primeiro se conseguiu modernizar (a fase Guatambu), ou a
sucessivas modernizações de contingentes mais atrasados,
que se transformariam então nas diversas fases estudadas”.
Este excessivo crédito a difusão e migração como tendo papéis
primordiais no desenvolvimento cultural se faz ainda presente até em
pesquisadores recentes, que possuem posturas mais críticas (NOELLI,
1999; ARAÚJO, 2001). Foram principalmente estes autores que hoje em
dia, apoiados em dados “etnológicos/lingüísticos/biológicos e
arqueológicos” (NOELLI, 1999: 292), procuram discutir a origem externa
22
ou autóctone das denominadas tradições Taquara, Itararé e Casa de
Pedra. Entretanto, ao fazer esta discussão, caem no mesmo erro,
procurando a origem em pontos externos da região de ocorrência e
explicando seu surgimento na região devido à migração de um povo,
possivelmente derivado do Brasil central.
Outro discurso, muitas vezes velado nas publicações, é a
freqüente “projeção etnográfica” dos grupos conhecidos como Kaingang
e Xokleng para as evidências arqueológicas do planalto. Em diversas
pesquisas, a analogia etnográfica tem um papel primordial na
construção do discurso do autor.
Assim surgiram as interpretações sobre o que é considerada uma
das características fundamentais deste fenômeno arqueológico, ou seja,
o sistema econômico. Baseados em “dados concretos da escavação e
prospecções, da distribuição dos sítios no espaço, e do sistema
econômico dos Kaingang” (SCHMITZ & BECKER, 1991: 85-86, grifo
meu) foi elaborado um modelo de economia simples, frágil e dependente
de movimentos estacionais para cobrir o sustento das populações
durante o ano todo.
Em outras regiões, as pesquisas arqueológicas demonstraram, no
entanto, que a descrição histórica não representa a situação dos grupos
pré-históricos, por estes se encontrarem profundamente alterados pelo
contato com os Europeus (ROOSEVELT, 1991). Assim, a situação dos
Kaingang e Xokleng atuais não refletiria uma economia do período
anterior ao contato com o Europeu, mas seria, sim, o resultado possível
conseguido por estes grupos ao se ajustarem à envolvente sociedade
colonial.
Por de trás de todas estas interpretações estava implícita a
estreita correlação entre a materialidade e grupos étnicos específicos no
passado. A sociedade humana é assim concebida de maneira
normativa, ou seja, ela se representa através de características
delimitadas e mutuamente exclusivas. Assim, a principal preocupação
dos autores é com a identificação de fósseis-guias, que possam
caracterizar e delimitar os grupos humanos no passado. No caso do
23
Planalto, uma série desses fósseis-guias foi utilizada, seja para períodos
mais recuados, como os talhadores bifacias que identificariam grupos
caçadores-coletores, seja para períodos mais recentes, como a cerâmica
e as estruturas de terra para os grupos ceramistas do Planalto.
24
Capítulo 2
Possibilidades para uma arqueologia interpretativa
Mas e se rejeitássemos esta concepção de cultura material como
um reflexo direto de sociedades humanas? Recentes tendências teóricas
apontam como uma grave falha de inúmeras Arqueologias considerar a
cultura material como algo passivo, desprovido de significados,
indicando simplesmente formas derivadas de uma norma cultural ou
refletindo a economia de grupos (HODDER, 1992; SHANKS & TILLEY,
1992; THOMAS, 1996; TILLEY, 1996).
Aliada a esta perspectiva de cultura material, está uma forte
tendência da Arqueologia brasileira de definição e delimitação de grupos
humanos a partir de fósseis-guia
4
. A mera presença destes elementos
em sítios arqueológicos, não importa o quão pequena e pouco
representativa ela seja, é considerada como diagnóstico da presença de
identidades específicas nestes locais.
Observa-se também uma tendência homogeneizante ao lidar com
sociedades do passado, que é considerar que formas materiais
compartilhadas sejam indicadores de identidades específicas
espalhadas sobre uma vasta área geográfica como o Planalto Sul-
brasileiro. Assim, buscam-se elementos de união destas entidades na
busca de uma homogeneização de culturas arqueológicas. Tal esforço
implica na transposição automática de elementos interpretados em
áreas específicas para regiões distantes entre si, criando um mito de
estabilidade e homogeneidade cultural.
Rejeito estes postulados a fim de procurar diferentes perspectivas
para a Arqueologia da região. A cultura material é aqui considerada
como um elemento ativo na relação entre os seres humanos, sendo
capaz de criar, manter e transformar relações sociais. A partir deste
ponto de vista, a cultura material pode ser manipulada por atores
4
No caso do Planalto sul- brasileiro, como indicado acima, os talhadores bifaciais indicariam grupos
caçadores coletores da tradição Humaitá, enquanto a cerâmica apontaria para identidades relacionadas a
grupos Jê do sul do Brasil.
25
sociais com o objetivo de expor símbolos sociais, formar e negar
fronteiras, legitimar e impor poder (HODDER 1992; SHANKS & TILLEY
1987, 1992).
Mas de que forma a cultura material participa na criação de
significados? Thomas (1996) argumenta que é a partir de uma série de
padrões de associação da cultura material que seus significados
emergem. Este é um ponto que Hodder (1992) já deixava explícito. Para
ele, o significado da cultura material, diferentemente dos significados
lingüísticos, emergia das associações derivadas de sua produção, uso e
descarte, sendo desta forma não arbitrário e contingencial.
Fica assim claro que uma abordagem contextual dos objetos,
procurando sua gênese, seu uso e padronização do descarte, é
fundamental para entendermos os grupos humanos do passado. Assim,
uma arqueologia que leve em conta a espacialidade envolvida nas
evidências materiais possui uma grande possibilidade interpretativa
para as sociedades do passado.
Ao trabalhar a espacialidade em seu contexto, reverte-se a
posição tradicional da Arqueologia de impor uma perspectiva de “cima
para baixo”, onde fósseis-guia ou modelos prontos e fechados impõem e
restringem nossa visão sobre o passado. A posição que aqui adoto é de
tentar produzir um conhecimento de “baixo para cima” (TILLEY, 1996:
336), explorando o processo de encontro interpretativo com os dados
empíricos obtidos contextualmente.
2.1. A Arqueologia Interpretativa
A partir dos anos 80 surge uma corrente denominada arqueologia
pós-processual, representando um esforço de atualização teórica na
direção de reconhecer o significado e o simbolismo como fatores chave
na criação do registro arqueológico.
Assim como a Nova Arqueologia surgiu em oposição a uma
arqueologia pejorativamente denominada “tradicional”, também
inicialmente a vertente pós-processual direcionou fundamentalmente
26
suas preocupações na rejeição de postulados centrais da arqueologia
processual, como a arqueologia concebida como uma ciência
antropológica, o estrutural-funcionalismo, o adaptacionismo ecológico e
o positivismo (dado e teoria são independentes) (HODDER 1992).
Desta forma, o debate entre a arqueologia pós-processual e a
processual centrou-se nas formas de conhecimento apropriadas para
uma ciência social, ou como a sociedade pode ser pensada
(reconciliando padronização e estrutura com vontade e ação de
indivíduos). Além disso, havia uma preocupação com a profissão de
arqueólogo como agente social no presente – suas ideologias, ações
políticas e seu papel no mundo contemporâneo (SHANKS & HODDER,
1997).
Foi tomado como objetivo da arqueologia (como ciência social) não
necessariamente descobrir uma verdade sobre um passado objetivo,
mas sim chegar cada vez mais perto dele através de procedimentos
hermenêuticos, e não mais do teste entre teoria e dado. Realizando,
portanto, um diálogo dialético entre inferências, hipóteses e dados, e
selecionando entre uma série de hipóteses concorrentes aquela que
melhor se encaixa na evidência empírica (SHANKS & HODDER, 1997).
Depois de acirrados debates que levaram a uma polarização
extrema entre as duas posições teóricas, um novo consenso parece
emergir no final da década de 90, desafiando as rígidas dicotomias das
diferentes perspectivas teóricas e permitindo ver como diferentes teorias
podem interagir no exame de problemas específicos (PREUCEL &
HODDER, 1996: 5). Desta forma, não foi mais possível sustentar a
posição de uma “Teoria” arqueológica universal e única, mas sim de
“teorias sobre algo” utilizadas para questões específicas no fazer
arqueológico (HODDER, 2000:4, 5).
Assim, o rótulo “pós-processual” caiu por terra, tendo sido
substituído por “arqueologias interpretativas”, utilizado para tipos de
arqueologias que trabalham com a interpretação através de
procedimentos hermenêuticos (HODDER, 1992). Os principais
27
postulados de uma arqueologia interpretativa estão resumidos em
Shanks & Hodder (1997) e são abaixo apresentados:
- A interpretação é considerada uma prática que requer do
intérprete uma responsabilidade sobre suas ações e interpretações, sem
estar escondido por detrás de regras e procedimentos pré-definidos.
- Arqueologia é pensada como uma prática no presente,
construindo conhecimento sobre os traços materiais do passado.
- Práticas sociais (incluindo o fazer arqueológico) estão
relacionadas com significados, com fazer sentido nas coisas do mundo.
Trabalhar, fazer, agir são interpretativos.
- A prática interpretativa da arqueologia é um processo
infinito: não existe um conhecimento final e definitivo sobre o passado.
- A interpretação sobre o social deve estar menos
preocupada com explicações causais, e sim com entender e fazer
sentido sobre os fatos.
- A interpretação, conseqüentemente, é multi-vocal:
diferentes interpretações sobre mesmas coisas são perfeitamente
possíveis.
- Podemos, então, esperar uma pluralidade de discursos
arqueológicos adequados para diferentes propostas, necessidades e
desejos.
- Interpretação é um procedimento criativo, mas nem por
isto deve ser menos crítico e responsável com os interesses e desejos
das pessoas, comunidades e grupos que expressam tais interesses
sobre o passado material.
2.2. Continuidades e mudanças: uma etnografia de longa
duração
Ao fazer uma Arqueologia interpretativa, procurando
continuidades e mudanças nas terras altas do Sul do Brasil, parto do
princípio, defendido principalmente por Tilley (1996), que a grande força
desta abordagem é a preocupação diferenciada com a relação entre
28
pessoas e cultura material, ou seja, “a maneira na qual formas
materiais constituem um meio vital através do qual as pessoas
constroem, manipulam e transformam seus mundos na longa duração”
(Tilley, 1996: 3).
Assim concebida, a Arqueologia deveria envolver uma etnografia
temporal dos artefatos e da maneira como eles se relacionam com
estruturas e eventos, procurando ler as evidências em termos de
interações entre componentes normativos e expedientes na produção e
descarte destes artefatos.
Seguindo Hodder (1990: 14), os processos simbólicos envolvem a
generalização para além do particular, envolvendo a construção e
manutenção de categorias abstratas. Entretanto, estas categorias
obrigatoriamente têm que ser coerentes com eventos concretos. Assim,
há sempre o risco de que estes eventos concretos gerem contingências
que não se acomodam nas estruturas sociais e simbólicas, ocorrendo a
mudança.
Neste processo, a cultura material é ativa na construção dos
sistemas de significação: “o humilde artefato não é um mero adjunto
para o que realmente interessa – pessoas e relações sociais – mas é
fundamentalmente envolvido na construção destas relações. A cultura
material é tão importante, e tão fundamental, para a constituição do
mundo social quanto a linguagem” (Tilley, 1996: 3).
Entendendo Arqueologia desta forma, ficamos em uma posição
privilegiada para o estudo de grupos humanos. Não só a evidência
arqueológica deixa de ser pobre em informações, mas também ela nos
dá uma habilidade única de monitorar continuidades e mudanças
estruturais e sua relação com a experiência em uma longa duração.
Os debates mais recentes na Arqueologia têm dado grande ênfase
na consideração das práticas diárias para leitura de estruturas e
eventos. A ênfase nesta leitura está na maneira como as regras sociais,
significados e relações de poder estão embebidos nas práticas
mundanas da vida diária.
29
Bourdieu (1977) demonstrou como atividades diárias como
comer, sentar, dormir e se movimentar no espaço doméstico podem ser
mecanismos através dos quais as pessoas são socializadas em regras e
orientações particulares. Desenvolvendo suas atividades diárias, as
pessoas podem apreender regras através dos movimentos do corpo, se
tornando assim “corporificadas”. Assim as regras e disposições sociais
se tornam embebidas nas práticas corporais mundanas. Desta forma,
as práticas diárias se tornam práticas sociais – elas possuem uma
dimensão que se relaciona com estruturações e re-estruturações
sociais.
2.3. Práticas diárias nas terras altas: paisagem, lugares e
cultura material
Nas duas últimas décadas, com a emergência da chamada Nova
Arqueologia, ou Arqueologia Processual, iniciou-se uma série de
procedimentos para estudar as dimensões quantificáveis e materiais do
espaço, com o objetivo de obter informações sobre processos sociais,
função e ecologia. A adoção desta abordagem ao espaço foi vista como
um meio de entender sítios arqueológicos e sua inter-relação (ASTON
1989).
Entretanto, como bem colocado por Richards (1996), esta
abordagem nada mais significou do que um exame arqueológico da
paisagem como uma modificação cultural seqüencial do mundo natural.
Assim, a ênfase nestes estudos é colocada na inclusão de sítios de
diferentes tamanhos, funções e padrões de uso da terra, plotados em
um mapa como em um pano de fundo neutro. Neste sentido, muito foi
desenvolvido em uma arqueologia espacial com procedimentos
estatísticos (HODDER & ORTON, 1976; CLARKE, 1977) como uma
panacéia para uma ciência espacial objetiva da paisagem arqueológica.
Com o advento da arqueologia pós-processual floresceram
diversas perspectivas no estudo da paisagem. Por detrás destas novas
perspectivas estava a percepção que a paisagem não era constituída por
30
um mero cenário onde se desenvolviam as relações humanas, mas que
ela era sim constituída por significados e pelas ações sociais dos
indivíduos que nela habitam.
Assim, o espaço é um meio para a prática, sendo socialmente
produzido. Desta forma, diferentes sociedades, grupos e indivíduos
atuam suas vidas em diferentes espaços.
Aqui tomo como perspectiva considerar a paisagem como um
mundo conhecido pelos que nela residem, que habitam seus lugares e
que se movem ao longo dos caminhos que conectam estes lugares,
perspectiva esta que é empregada por diversos arqueólogos (TILLEY,
1994, 1998; RICHARDS, 1993, 1996; THOMAS, 1996). A atenção é
dirigida em direção às práticas (BOURDIEU, 1977) ocorrendo na
paisagem: suas características, sua localização, sua natureza, as
mudanças através do tempo, e como sua distribuição fornece
significado a determinados lugares. É reconhecido que esta distribuição
no tempo e no espaço das práticas é integral para o processo de
reprodução e transformação das relações sociais.
A paisagem é então participante ativa da ação social humana. Isto
significa que ela, encarada como uma forma de cultura material,
participa ativamente das relações entre indivíduos, criando, mantendo
ou negando laços sociais, podendo ser entendida tanto como sujeito
quanto objeto da ação social humana.
Neste sentido, o entendimento de monumentos, casas e áreas de
atividades na paisagem possui um caráter especial na compreensão do
significado do passado. A organização do espaço não apenas reflete,
mas também gera práticas e estruturas sociais, em uma relação que
pode ser vista como discursiva (SHANKS & TILLEY, 1987).
Estes discursos são criados a partir das experiências sociais
daqueles agentes que vivem nas casas, se movem ao redor dos
assentamentos e entendem a organização e classificação do mundo
(RICHARDS, 1990). A produção da forma de uma organização espacial
reconhecível e apropriada deve necessariamente ser baseada em
31
princípios estabelecidos de ordem social e cosmológica (RICHARDS,
1993: 148).
Entendendo a paisagem como vestígio tangível constituído de
significados, uma possível leitura pode ser feita através do estudo de
“sistemas de atividade” ocorrendo em “cenários” (RAPOPORT, 1990).
Nesse sentido cenário é “um meio que define uma situação, lembra seus
habitantes das regras apropriadas e desta forma dos diversos
comportamentos apropriados para a situação definida pelo cenário”
(RAPOPORT, 1990: 12).
A partir desta percepção, uma casa, construção ou área de
atividade é ligada, através dos sistemas de atividade a um contexto
social que existe para além dos limites físicos da própria construção,
introduzindo então uma multiplicidade de significados a ambientes
específicos. Os sistemas de atividade podem também ocorrer em um
dado local, fornecendo diferentes contextos sociais a locações
específicas, possibilitando a organização do espaço e a geração de
práticas e estruturas sociais.
A presente pesquisa visa abordar o funcionamento e organização
das estruturas arqueológicas e deposições de artefatos presentes na
paisagem a ser investigada. A perspectiva tomada é a de análise de
áreas de atividade, em que o estudo de artefatos provenientes destas
unidades é visto como uma das vias mais fecundas da pesquisa
arqueológica.
Dentro desta perspectiva metodológica, em um primeiro momento
se analisam as evidências arqueológicas separadamente, para em um
momento seguinte realizarmos sua reintegração no contexto de origem.
O primeiro momento busca entender a cultura material
depositada no contexto arqueológico. Ela é entendida como carregada
de significados, que são apreendidos através de suas associações e
referências (HODDER, 1992: 204). As suas conceitualizações,
derivadas de sua produção, uso e descarte, possuem as chaves para
compreensão de seus múltiplos significados em uma dada sociedade
(HODDER, 1992: 211).
32
O segundo momento visa facilitar o “fazer sentido” do registro
arqueológico de uma maneira mais holística e contextual, enfatizando a
interconexão das diferentes categorias de dados em seu contexto
específico (CONNOLY, 1998), sendo este contexto extremamente
maleável dependendo da escala de análise – se dentro de uma
perspectiva ao nível de sítio, de paisagem, ou de região.
A seguir, busca-se entender o inter-relacionamento destes
contextos com as características físicas da paisagem na qual estão
inseridos. Para tanto, busco suporte nos passos metodológicos
oferecidos por Boado (1999), ou seja, a relação destes contextos com a
morfologia da unidade de estudo, a fisiografia, análises de trânsito da
área, as condições de visibilidade e visualização e, finalmente, as
análises topográficas.
33
PARTE 2
UMA PERSPECTIVA “DE BAIXO PARA CIMA”:
ABORDAGEM EM MICRO-ESCALA NA
ÁREA DE BARRA GRANDE
Ao procurar uma visão diferente sobre a ocupação do
Planalto Sul-brasileiro busco, inicialmente, delimitar a área de atuação
em uma pequena escala, que permita interpretações refinadas sobre a
espacialidade das evidências. Esta escolha recaiu sobre uma área da
qual participei ativamente dos trabalhos de campo, na região no
entorno da Usina Hidroelétrica Barra Grande. Esta participação foi
certamente decisiva na escolha deste objeto, pois pude acompanhar
todo resgate de informações, que me auxiliaram a montar a
problemática que agora apresento.
Uma vez que a Arqueologia é um procedimento interpretativo
(SHANKS & HODDER, 1997), durante os trabalhos diariamente me
encontrava interpretando os achados e seus padrões de associação nas
estruturas e na paisagem. Esta experiência, ainda sem lugar nos
relatórios técnicos destinados a cumprir normas da legislação
ambiental, precisava ser associada com as descrições empíricas do
material resgatado.
A perspectiva que agora apresento denominei “de baixo para
cima”, pois busca, a partir deste pequeno estudo de caso, problematizar
e oferecer perspectivas para a arqueologia do Planalto Sul-brasileiro. No
entanto, não é uma interpretação final que possa ser aplicado a toda
uma região, pois desta forma estaria incorrendo na mesma busca de
homogeneização que critiquei anteriormente. É antes uma tentativa de
demonstrar uma variabilidade das experiências humanas envolvidas na
materialidade pré-colonial da região, que ultrapassam nossas tentativas
de compreendê-las e classificá-las em entidades sociais ou culturais
definidas.
34
Capítulo 3
A região de Barra Grande
3.1. Descrição da região
A área abrangida pelos trabalhos de resgate localiza-se nos atuais
municípios de Pinhal da Serra, Esmeralda (RS) e Anita Garibaldi (SC).
Quanto às suas características ambientais, a área pesquisada
situa-se no Norte do Estado do Rio Grande do Sul e Sul de Santa
Catarina, nos chamados Campos de Cima da Serra.
A área encontra-se representada em cartas topográficas 1:50.000,
com curvas de nível de 20 metros, confeccionadas pelo Exército, que
serviram de base de referência para os trabalhos a serem realizados.
Esta área localiza-se principalmente no eixo entre as sedes dos
municípios e a Usina Hidroelétrica de Barra Grande. A região foi
trabalhada inicialmente por Mentz Ribeiro & Ribeiro (1985), Kern,
Souza & Seffner (1989) e Naue (PROJETO CAMPOS NOVOS, 1989), e foi
foco de estudos sistemáticos em 2001, 2002 e 2003, a partir do
salvamento arqueológico no canteiro de obras da usina, na área de
alagamento do reservatório e do salvamento realizado junto à
duplicação da estrada UHE Barra Grande-Pinhal da Serra, realizados
pelas equipes do NuPArq-UFRGS, Scientia ambiental e Itaconsult. Estes
salvamentos proporcionaram trabalhos de campo em inúmeros e
diversos tipos de sítios arqueológicos.
A área piloto escolhida possui uma delimitação espacial aleatória,
baseada na grade UTM, tendo como referencia a carta 1:50.000
elaborada pelo exército brasileiro. A abrangência espacial deste projeto
compreende uma área de 528Km
2
que possui 22 Km de extensão no
sentido Leste-Oeste (UTMs 0478 a 0500) e 24 Km no sentido Norte-Sul
(UTMs 6906 a 6930), tendo como centro o eixo do rio Pelotas que corta
a área perpendicularmente e abrangendo os sítios arqueológicos
trabalhados durante os resgates.
35
Esta área possui uma grande variedade e quantidade de sítios
arqueológicos trabalhados. Foram contabilizados ao todo 87 sítios
arqueológicos que sofreram algum tipo de intervenção, entre coletas de
superfície (70 sítios) e escavação (17 sítios). A maior parte das coletas de
superfície (em 38 sítios) foram feitas com plotagem tridimensional das
peças, possibilitando assim o mapeamento das densidades do material
em superfície. Algumas escavações (em 10 sítios) foram feitas com
decapagem de superfícies amplas, o que possibilitou a identificação de
estruturas e concentrações de artefatos no sub-solo. Outras escavações
oportunizaram a abertura de superfícies restritas fornecendo, porém,
importantes informações estratigráficas.
Para a área também estão disponíveis 10 datações
radiocarbônicas derivadas de escavações em cinco sítios arqueológicos.
Elas dão conta de uma cronologia entre o século XIII e XIX para a área,
o que auxiliará no encaminhamento de hipóteses sobre possíveis
processos sócio-culturais a serem levantados durante a pesquisa
propriamente dita.
Os tipos de sítios arqueológicos presentes na área apresentam
uma alta diversidade. Foram trabalhados 36 sítios líticos a céu aberto,
cuja característica mais marcante é a presença constante de grandes
talhadores bifaciais, o que poderia afiliá-los à tradição tecnológica
denominada Humaitá. Outros dois sítios líticos, um deles a céu aberto e
o outro em um abrigo-sob-rocha, apresentaram pontas de flecha líticas.
Os demais sítios trabalhados apresentaram cerâmica característica da
denominada tradição Taquara, além de artefatos líticos. Eles estão
assim distribuídos: 26 sítios a céu aberto, seis conjuntos de estruturas
subterrâneas e oito áreas entaipadas (dançadores). Esta diversidade de
sítios poderia estar apontando uma seqüência de culturas diferentes em
uma mesma área (conforme interpretação de Mentz Ribeiro & Ribeiro,
1985) ou ainda uma pluralidade de funções específicas desempenhadas
em diversos sítios por uma mesma população (COPE et alli, 2002).
36
3.2 Breve histórico das Pesquisas
Em 1984, o arqueólogo P. A. Mentz Ribeiro e sua equipe e os
pesquisadores Arno Alvarez Kern, José Otávio Catafesto de Souza e
Fernando Seffner realizaram pesquisas arqueológicas no vale do rio
Pelotas, na área que seria inundada pelo reservatório da planejada
Usina Hidroelétrica de Barra Grande. A pesquisa foi realizada na
margem esquerda do rio Pelotas, desde os limites do município de
Vacaria com Bom Jesus até Vacaria com Esmeralda. Foram
selecionadas para prospecção quatro zonas ao longo do rio e de seus
afluentes da margem esquerda.
No município de Esmeralda (naquela ocasião, Pinhal da Serra era
distrito de Esmeralda) foram localizados 77 sítios arqueológicos, sendo
vinte e sete em campo aberto, trinta e nove conjuntos de casas
subterrâneas totalizando 135 estruturas, três estruturas sobre a
superfície, três galerias subterrâneas, dois abrigos sob rocha e três
cavernas. As dimensões da maioria das estruturas estavam entre 6 e 10
metros de diâmetro, variando de uma até 23 estruturas por sítio. A
maior estrutura subterrânea encontrada possui dimensões de 19,60 x
22,10 metros. Foram realizadas seis datações pelo método de Carbono
14 em quatro estruturas que resultaram em datas de 355±50 e 650+-
50 anos AP. Foram definidas três tradições culturais a partir da análise
do material cerâmico e lítico, sendo 24 sítios pertencentes à tradição
ceramista Taquara, dois sítios à tradição Humaitá e um sítio à tradição
Umbu (Ribeiro et all, 1985).
Nos municípios de Vacaria e Bom Jesus, a equipe de Kern
levantou quinze sítios arqueológicos, sendo a sua maioria encontrada
fora da área de inundação. A pesquisa desenvolvida evidenciou a
existência de quatro tipos de sítios diferentes, aparentemente
pertencentes à mesma cultura: conjuntos de estruturas subterrâneas
que se poderia considerar como aldeias, grandes habitações ou
estruturas isoladas, sítios a céu aberto do tipo sítio-acampamento e
sítios para obtenção de matéria-prima (Kern et al, 1989: 111).
37
Mais recentemente, na fronteira entre Santa Catarina e Rio
Grande do Sul, sobre o rio Pelotas, foi realizado o salvamento
arqueológico no canteiro de obras da UHE Barra Grande. Foram
resgatados 10 sítios arqueológicos no lado gaúcho do empreendimento e
28 sítios no lado catarinense. Os tipos de sítios investigados foram um
sítio lítico em gruta, com média densidade de material lascado, na
margem direita do Rio Pelotas, um sítio lítico com grande densidade e
variedade de material lascado (mais de 2.000 peças), na margem
catarinense, sítios líticos com média densidade de material lascado, em
ambas as margens do Rio Pelotas, dois Sítios lito-cerâmicos, na margem
direita do Rio Pelotas, uma casa subterrânea, destruída pelas obras, no
limite do canteiro (conjuntos de casas subterrâneas também foram
registrados nas proximidades, mas fora dos limites do canteiro de
obras), quatro sítios com estruturas anelares envolvendo montículos em
seu interior, ambos na margem direita do Rio Pelotas, além de
ocorrências discretas e isoladas de material lítico lascado, dispersas por
toda a área de estudo. Foram obtidas datações radiocarbônicas para
dois sítios, ambos na margem direita do Rio Pelotas, de 180±50 AP,
para um sítio a céu aberto lito-cerâmico, e de 560±50 AP, para um
sepultamento cremado em uma estrutura circular em relevo
(CALDARELLI, 2003).
3.3 Os procedimentos teórico-metodológicos na recuperação
dos dados
Para o trabalho na área da UHE Barra Grande, parto da idéia de
que a configuração espacial dos artefatos em um sítio arqueológico é
heterogênea. Neste sentido, a investigação da variação espacial da
cultura material em um sítio e entre sítios deve ser considerada como
um dos pré-requisitos imprescindíveis numa aproximação à
interpretação do registro arqueológico.
Esta variabilidade espacial inter e intra-sítio é diretamente
relacionada à ordenação hierárquica, derivada de diferenças entre
38
indivíduos ou grupos, na medida em que estes desempenham
atividades especializadas ou dispõem de diferentes níveis de controle
sobre recursos. Em termos regionais, diferenças entre assentamentos
de uma mesma sociedade podem estar relacionadas a fatores
ambientais ou a fatores de ordem sócio-política, de modo que sítios de
diferentes ordens de grandeza e configuração estrutural interna
expressam, dentro de um sistema de assentamento, hierarquias e/ou
contingentes demográficos distintos. Por sua vez, as diferenças da
cultura material nos diversos espaços de um sítio podem remeter a
áreas de atividades específicas e indicar eventuais aspectos da
organização sócio-política e econômica (WUST, 2001).
Tais preocupações nortearam a metodologia empregada no
resgate dos sítios. Desta forma, privilegiou-se neste trabalho a
morfologia dos sítios, orientando para uma coleta sistemática e
representativa do material arqueológico. Isto porque a análise espacial
destes elementos permite a investigação dos processos da formação do
depósito arqueológico e do significado dos diversos espaços nos
assentamentos pré-coloniais.
No entanto, a própria variabilidade entre os sítios exigiu um
constante redimensionamento da metodologia durante a pesquisa de
campo, sem que isso comprometesse a concepção original do projeto.
Neste sentido, buscamos sempre empregar – para cada tipo de sítio –
uma metodologia que privilegiasse a coleta em área ampla da maior
quantidade de peças com rigoroso controle espacial.
Para os sítios líticos, empregamos uma metodologia já consagrada
nos trabalhos de campo realizados pela equipe do NuPArq/UFRGS em
linhas de transmissão e no próprio canteiro de obras da UHE Barra
Grande. Devido à baixa densidade de peças em superfície, inicialmente
demarcávamos todas as peças visíveis realizando o percorrimento
sistemático do terreno, com espaçamento regular entre os
pesquisadores de, no máximo, 5 metros. Logo depois era instalada uma
ou mais estações topográficas, a partir de onde eram coletadas todas as
peças com controle tridimensional.
39
Em locais onde houvesse concentrações maiores de material
arqueológico, eram realizados poços-teste para verificação em sub-
superfície. No caso de verificação da existência de concentrações abaixo
da superfície, eram realizadas decapagens em níveis artificiais, com
plotagem bidimensional das peças.
Nas estruturas, eram tomadas medidas tridimensionais antes de
qualquer intervenção. Durante as escavações seguimos as camadas
naturais de deposição e todos achados e registros de estrutura eram
tridimensionalmente amarrados com um ‘ponto zero’ do sítio.
Seguindo estas premissas no resgate dos sítios, assim como
mantendo sempre uma postura flexível em relação às estratégias de
trabalho, foi possível aproveitar ao máximo o tempo disponível para as
atividades de campo. O planejamento prévio do resgate de cada área
favoreceu a aplicação de técnicas adequadas para sítios bastante
distintos, mantendo sempre em aberto a possibilidade de mudar as
estratégias quando necessário.
3.4. A estruturação do Sistema de Informação Geográfica
Dentro dos objetivos do trabalho, ou seja, a compreensão do uso
do espaço pelas populações humanas pretéritas na área, tratei de
congregar todas informações possíveis dentro do Sistema de Informação
Geográfica, tendo como plataforma o programa ArcGIS 9.0.
Em um primeiro momento, georeferenciei e digitalizei toda
cartografia disponível para a área através de planos de informação, tais
como a altimetria, a cobertura vegetal atual, a hidrografia, etc. A partir
das informações contidas nas curvas de nível, foi possível elaborar o
modelo digital do terreno (MDT), base sobre a qual se assentam as
demais informações.
A seguir, iniciei a criação dos planos de informações
arqueológicas. Assim, todos sítios arqueológicos da área foram
digitalizados na forma de pontos em uma base cartográfica. Para cada
ponto era dado um único número, identificador do sítio arqueológico.
40
Esta camada era então ligada diretamente a uma planilha de
informações, que identificava o tipo de sítio (superficial, lítico, casas
subterrâneas, etc.), as intervenções realizadas, a densidade e o tipo de
material, etc.
Para cada sítio onde foi realizada intervenção, foi criado um plano
de informação específico. Todas peças plotadas (sejam provenientes de
coleta de superfície ou escavações) foram georeferenciadas e
digitalizadas, permitindo visualizar a distribuição e densidade de
material, tanto a nível de sítio individual quanto em uma perspectiva
mais ampla, a nível de Paisagem. As peças também recebiam números
individuais que as interligavam com uma planilha de análise, contendo
informações como o tipo de material, manufatura, traços de uso, etc.
A intensidade dos trabalhos arqueológicos na área também
permitiu visualizar a distribuição de artefatos fora de sítios
arqueológicos, importantes evidências de atividades específicas no
entorno das áreas principais de vivência. Cada peça localizada desta
forma foi plotada com auxílio de GPS e digitalizada na forma de pontos.
41
Capítulo 4
A Cultura material
Antes de procurar entender o uso do espaço na pré-história da
área da Barra Grande, é necessário entender os objetos que foram
manipulados pelos grupos humanos que lá habitaram. Só depois de
eles serem compreendidos na sua gênese e usos é que então poderei re-
colocar estes objetos de volta no espaço e interpretar a forma que estes
grupos os manipularam e descartaram.
4.1. Cerâmica
A cerâmica é certamente o vestígio que mais tem sido privilegiado
na investigação dos grupos pré-históricos das terras altas do Sul do
Brasil. Isto é fruto das preocupações iniciais dos investigadores do
PRONAPA, que consideravam a cerâmica como fator chave para
definição de suas unidades de investigação, as Fases e Tradições.
Apesar disto, a maior parte dos estudos sobre a cerâmica destes
grupos trabalha ainda com atributos isolados, o que impede uma
melhor compreensão destes artefatos. Foi apenas recentemente que
algumas publicações trataram estes vestígios de maneira diferenciada,
trabalhando com conjuntos de variáveis para abordar seu significado
(SILVA et alli, 1990; SCHMITZ et alli, 1993; SCHMITZ et alli, 2002).
Estas permanecem, no entanto, tentativas isoladas, impedindo uma
visão da variabilidade dos conjuntos cerâmicos a nível regional, o que
poderia encaminhar questões relativas a diferenças estilísticas e
funcionais passíveis de serem observadas entre os grupos da região.
Neste sentido, procuro aqui descrever a variabilidade destes
artefatos nos sítios resgatados da área sob estudo, considerando-os
enquanto resultado final de uma série de escolhas técnicas envolvidas
na sua manufatura e uso. Assim, a unidade de análise deixa de ser o
atributo individual, para considerarem-se as relações de diversos
atributos em um determinado pote cerâmico.
42
4.1.1. Metodologia de análise
A metodologia de análise cerâmica é baseada em trabalhos
desenvolvidos no Brasil principalmente por Wüst (1990) e Robrahn
(1989). Tal metodologia toma como unidade básica de análise o
vasilhame cerâmico enquanto artefato, considerando as relações que os
atributos mantêm entre si em uma forma particular de pote. É dada
prioridade à forma dos vasilhames, considerada a unidade mais útil
neste tipo de análise (ARNOLD 1989: 234). São selecionados fragmentos
que permitam o desenvolvimento de estudos baseados na forma das
vasilhas, como bordas, bases, apêndices e inflexões.
Após esta seleção, são realizadas reconstituições gráficas das
vasilhas, através dos critérios desenvolvidos por Arcelin & Rigoir (1979).
A partir das reconstituições e da análise do fragmento reconstituído, é
preenchida uma ficha de dados levando em conta atributos técnicos,
morfológicos e presença de marcas de uso.
Este tipo de metodologia tem como principal vantagem o controle
do número mínimo de vasilhas (NMV), baseado na quantidade de
bordas e bases diagnósticos em cada sítio. O controle é feito a partir
destes fragmentos, comparando-os segundo o diâmetro de abertura,
espessura da parede, cor da pasta, queima, tratamento de superfície e
outros critérios (BRAY, 1995: 213-14).
Terminada esta etapa, realizei uma classificação morfológica a
partir das reconstituições. O esquema classificatório foi baseado nos
critérios geométricos da estrutura do vasilhame, o tipo de contorno, e a
forma da borda (SHEPARD, 1969). Segundo Shepard (1969), as quatro
categorias fundamentais de formas são: Não-restringidas simples (A),
Restringidas simples (B), Não-restringidas independentes (C), e
Restringidas independentes (D). Quanto ao tipo de contorno, a
classificação é baseada na forma geométrica do vasilhame, podendo ser
Esférico (1), Elipsóide (2), Ovalóide (3), Cilíndrico (4), Hiperbolóide (5), e
Cônico (6). A forma da borda pode ser Direta (1), Infletida (2),
Introvertida (3), Cambada (4), Contraída (5), e Carenada (6).
43
Cada categoria de vasilha foi designada através de três
algarismos: o primeiro designa a classe estrutural, o segundo a forma
geométrica e o terceiro o tipo de borda.
4.1.2. O Estudo funcional de Vasilhas
Rice (1995) informa sobre três amplas categorias de função nos
quais vasilhames tomam parte: estocagem, transformação ou
processamento, e transferência, transporte ou serviço, podendo estas
categorias serem subdivididas em funções mais específicas.
A função de um vasilhame pode ser abordada de muitas
maneiras. Estas maneiras incluem o estudo morfológico, suas
propriedades físicas e as evidências diretas de uso. As primeiras partem
da premissa de que cada categoria de uso na qual o vasilhame toma
parte requer diferentes combinações de atributos de forma e
composição deste vasilhame a fim de que ele possa ter um desempenho
satisfatório na sua função. Estas “características de desempenho”
(HALLY, 1986) ajudam a determinar o quão apropriada é uma vasilha
para determinada função (BRAY, 1995).
Hally (1986) identificou critérios específicos para avaliar o
desempenho de vasilhames. Eles são a estabilidade das vasilhas, sua
capacidade e tamanho, a facilidade de alcançar o conteúdo, a eficiência
na absorção e retenção do calor, e sua resistência ao choque térmico.
Outra forma de abordagem da função de um vasilhame é através
das evidências diretas de utilização. Skibo (1992) identificou três tipos
de evidência a serem levadas em conta numa análise funcional: marcas
de desgaste, presença de fuligem e análise dos resíduos absorvidos. As
marcas de desgaste geralmente são frutos do atrito direto de algum
instrumento no interior do vasilhame durante as atividades de
transformação, como mexer, raspar, triturar, etc. Feitas de forma
repetida, estas atividades vão deixar um padrão de desgaste visível nas
paredes dos potes. A presença de fuligem, por outro lado, é uma clara
indicação de uso na transformação de alimentos com uso de fogo,
44
enquanto a análise de resíduos pode nos indicar que tipo de alimento
ou bebida foi estocado ou transformado em um vasilhame.
4.1.3. O Universo Amostral
A análise cerâmica aqui desenvolvida é baseada em sete sítios
arqueológicos que apresentaram fragmentos cerâmicos. Destes sítios,
foram trabalhados um total de 184 fragmentos de borda, 51 fragmentos
de base, 300 fragmentos de bojo, além de 17 perfis completos de
vasilhas. A partir destes, foi possível chegar a um total de 201 números
mínimos de vasilhas (NMV) analisadas.
4.1.4. Aspectos quantitativos das coleções cerâmicas
Nas páginas seguintes realizo um inventário das coleções
analisadas, que serão objeto de análise mais detalhada no restante do
capítulo. Pretendo aqui traçar um perfil inicial do processo tecnológico
envolvido na manufatura da cerâmica na área em estudo, para a seguir
compreender como este processo se cristaliza, através de seus
diferentes atributos, em tipos específicos de vasilhames.
Aspectos tecnológicos
Antiplástico
O principal antiplástico utilizado nos vasilhames cerâmicos da
área de Barra Grande foi o mineral, composto por diferentes proporções
de quartzo hialino e branco, mica e hematita, denominado aqui de areia
fina (100%).Os diferentes tamanhos destas inclusões, algumas medindo
até 3 mm, permitem supor que a argila para construção dos vasilhames
não foi peneirada, e que ela foi selecionada de forma a já conter
inclusões não-plásticas, devido à alta heterogeneidade dos minerais.
45
Técnica de manufatura
O método de manufatura identificado para construção dos
vasilhames foi, em sua maior parte, a adição sucessiva de roletes
(50,7%). Apenas em 7% dos fragmentos foi identificada a técnica do
modelado. Em 42,3% dos casos não foi possível identificar a técnica de
manufatura, geralmente em casos de paredes de espessura fina. Isto
pode ocorrer quando há uma mistura de técnicas, como a construção
das paredes através de roletes, seguido de formatização das vasilhas
através da técnica de “paddle and anvil” (Skibo, com. pessoal).
Espessura dos fragmentos
Os vasilhames cerâmicos analisados possuem espessuras de
parede variáveis entre 0,3 e 1,2 cm. Uma observação do gráfico de
freqüência nos indica as espessuras mais recorrentes, com um pico
entre 0,4 e 0,7 cm, caracterizando uma curva unimodal.
Queima
Foram observados quatro tipos de queima para os vasilhames. O
tipo mais freqüente foi a queima oxidante incompleta, com presença de
núcleo no meio da parede (87,6%). Este tipo de queima ocorre em
fogueiras abertas, com as vasilhas colocadas de forma que as paredes
tenham acesso ao ar, tanto no interior quanto no exterior, mas cujo
tempo no fogo não permitiu a eliminação total de materiais orgânicos
naturalmente presentes na argila, permanecendo estes no interior da
parede (RYE, 1987). Em 4% dos vasilhames foi observada a queima
oxidante completa. O processo de queima oxidante completa é
semelhante ao anterior, com a diferença de que os vasilhames
permaneceram mais tempo sob altas temperaturas, o que eliminou
totalmente os resíduos orgânicos da argila (RYE, 1987). Em 6,5% foi
observada a queima oxidante com núcleo interno. Neste tipo de queima
a vasilha é submetida ao fogo com acesso de ar livre á parede externa
apenas, resultando em uma cor negra para o interior das vasilhas (RYE,
1987). A outra queima observada foi a redutora completa (2%), obtida
46
quando a vasilha é queimada em ambiente sem entrada de ar,
ocasionando uma cor escura para a cerâmica.
Elementos decorativos
Os elementos decorativos possuem um papel fundamental na
compreensão de aspectos associados à negociação de identidades
sociais. Este tema já foi amplamente discutido por Wiessner (1989),
Shanks & Tilley (1992), entre outros. No caso específico dos grupos das
terras altas do Sul do Brasil, Silva (2001) trouxe importantes
contribuições para compreendermos o que ele denominou “grafismos
Proto-Jê meridionais”.
Baseado nestes estudos, classifiquei os elementos decorativos
presentes nos conjuntos cerâmicos analisados segundo suas técnicas
(impressão, incisão, apliques), instrumentos (unhas, bastões, cordas,
cestas, etc.), orientação e disposição dos elementos decorativos.
Na área, 27% dos fragmentos cerâmicos apresentaram
modificação na superfície alisada das vasilhas. Quanto às técnicas, os
fragmentos foram assim divididos: 75% receberam incisões, 12,5%
receberam impressões de unha (ungulados ou pinçados), 7,5%
receberam impressão de bastões (ponteados ou estocados), e 5%
receberam impressões de cestas ou cordas.
Tratamento pós-queima
Em 46,8% dos fragmentos cerâmicos, foi identificada a brunidura
como tratamento pós-queima. Este tipo de tratamento caracteriza-se
pela redução da atmosfera após a queima da cerâmica, quando esta
ainda está incandescente. A atmosfera é reduzida com a colocação de
resíduos vegetais sobre a vasilha, que são imediatamente carbonizados
e absorvidos pela parede externa da cerâmica, ocasionando uma
superfície negra e brilhante (RYE, 1987).
47
4.1.5. Análise Tipológica dos recipientes
Com o objetivo de compreender a inter-relação das características
tecnológicas e elementos decorativos em determinadas formas
cerâmicas, parti para uma análise morfológica e funcional dos
vasilhames reconstituídos.
Foi possível distinguir, no universo amostral, pelo menos quatro
tipos de vasilhas, distribuídas em 7 formas básicas. Estas foram
classificadas pelos seguintes atributos:
- Classe estrutural (restringido ou não restringido)
- Contorno (dado pela geometria geral da vasilha)
- Tipo de borda
- Ângulo de inclinação da parede
- Relação altura:diâmetro das vasilhas
Tipo 1: Não restringida, cilíndrica
As vasilhas de tipo 1 são as mais freqüentes na amostra
analisada, compondo 53,7% da distribuição geral das vasilhas por tipo.
É um tipo de vasilha caracterizada por ser não-restringida, com forma
ligeiramente cilíndrica e relação altura:diâmetro de 3:2.
Foram analisadas 108 amostras deste tipo, assim distribuídas
segundo sua natureza: 84,3% de bordas, 2,8% de bordas e bases, 4,6%
de bordas e fragmentos de bojo, e 8,3% de vasilhas com perfil completo.
Seu contorno pode ser infletido (45,4%) ou simples (44,4%). Nos
casos onde ocorrem pontos de inflexão, estes podem ocorrer entre 1 e
15 cm abaixo da borda, dependendo do tamanho da vasilha. O ângulo
da borda varia entre 73
o
e 90
o
, predominando entre 80
o
e 85
o
(67,5%).
Em apenas 3,7% destas vasilhas ocorrem reforços de borda. Os lábios
deste tipo de vasilhas são predominantemente planos (76,9%), podendo
ser também arredondados (21,3%) ou apontados (0,9%).
Nesta forma foi possível observar a disposição dos elementos
decorativos. São geralmente colocados em faixa circundante logo abaixo
48
do ponto de inflexão ou da metade da vasilha, cobrindo cerca de 25% da
peça.
Figura 1: vasilhas de tipo 1. Reconstituições gráficas, fotos de vasilhas
completas e gráficos indicando espessura (acima, diâmetro (no meio) e presença
de marcas de uso (abaixo)
49
O diâmetro varia entre 3 e 26 cm, com predomínio entre 10 e 16
cm. A altura varia entre 6 e 36 cm, com maioria entre 11 e 18 cm. A
espessura da parede pode variar entre 0,3 cm e 1,2 cm, com um
predomínio de paredes com 0,6 e 0,7 cm (61%). As bases observadas
são côncavas.
Em 50% das vasilhas foi observada a brunidura como tratamento
pós-queima.
Em um caso foi possível relacionar furos de suspensão com esta
forma.
Estas vasilhas são, por definição, não-restringidas. Este atributo
enfatiza a facilidade para alcançar o conteúdo, mais que uma
preocupação em evitar derrames e evaporação. Suas paredes são altas e
ligeiramente divergentes, com uma espessura fina (entre 5 e 6 mm). Em
alguns vasilhames foi possível verificar que sua base é arredondada.
Estas características permitem uma melhor circulação do ar,
favorecendo a capacidade de absorção térmica. No exterior de 98,2%
destas vasilhas estão localizadas manchas de fuligem, e em 11% delas
há até mesmo restos carbonizados de alimentos. Deste modo, todas
suas características morfológicas, aliadas às marcas de utilização,
sugerem o uso enquanto uma vasilha para cozinhar alimentos. Os
restos carbonizados no seu interior nos informam ainda que alguns
destes alimentos deveriam ser sólidos ou pastosos.
Tipo 2: Restringida, esférica
As vasilhas de tipo 2 possuem 9,5% de representatividade na
amostra analisada. É um tipo de vasilha caracterizada por ser
restringida, com forma ligeiramente esférica e relação altura: diâmetro
de 2:1.
Foram analisadas 19 amostras deste tipo, assim distribuídas
segundo sua natureza: 73,7% de bordas e 26,3% de bordas e bases.
Seu contorno é predominantemente simples. O ângulo da borda
varia entre 92 e 110
o
, predominando entre 96
o
e 101
o
(62,7%). Em
apenas 10,5% destas vasilhas ocorrem reforços de borda. Os lábios
50
deste tipo de vasilhas são predominantemente arredondados (52,6%),
podendo ser também planos (36,8%) ou apontados (10,5%).
Figura 2: vasilhas de tipo 2. Reconstituições gráficas e gráficos indicando
diâmetro (acima à esquerda), altura (acima á direita), espessura (abaixo à
esquerda) e presença de marcas de uso (abaixo, à direita)
51
Nesta forma foi possível observar a disposição dos elementos
decorativos em apenas uma vasilha. Era um vasilhame decorado com
incisos circulares, dispostos desde abaixo do lábio até a base.
O diâmetro varia entre 10 e 24 cm, com predomínio entre 20 e 22
cm. A altura varia entre 8 e 19 cm, com maioria entre 16 e 18 cm. A
espessura da parede pode variar entre 0,5 e 1 cm, com um predomínio
de paredes com 0,5 e 0,6 cm (63,2%). As bases observadas são
côncavas.
Em 57,9% das vasilhas foi observada a brunidura como
tratamento pós-queima.
A constrição da abertura de boca, que define estes recipientes
restringidos, enfatiza a contenção e redução de perdas de conteúdo
devido a derrames ou evaporação. Propõe-se que estes recipientes
exerciam funções na preparação de alimentos. Além disto, 47,2% dos
fragmentos classificados como tipo 2 possuíam marcas de fuligem no
exterior, indicando seu uso sobre o fogo, e 26,3% destas vasilhas
também apresentaram restos de alimentos carbonizados no seu
interior.
Tipo 3: Não restringida, hemisférica
As vasilhas de tipo 3 possuem 26,4% de representatividade na
amostra analisada. É um tipo de vasilha caracterizada por ser não
restringida, com forma hemisférica e relação altura:diâmetro de 1:2.
Foram analisadas 53 amostras deste tipo, assim distribuídas
segundo sua natureza: 84,9% de bordas, 1,9% de bordas e bases e
13,2% de vasilhas com perfil completo. Seu contorno é simples.
Foram reconhecidas três sub-formas nas vasilhas de tipo 3a,
baseadas no ângulo da borda e no tamanho. O tipo 3 possui um ângulo
da borda entre 60
o
e 90
o
, predominando entre 83
o
e 90
o
(68%). Em
nenhuma destas vasilhas ocorre reforço de borda. Os lábios deste tipo
de vasilhas são predominantemente arredondados (60,4%), podendo ser
também planos (28,3%) ou apontados (11,3%).
52
Figura 3: vasilhas de tipo 3. Reconstituições gráficas e gráficos indicando
diâmetro (acima à esquerda), altura (acima á direita), espessura (abaixo à
esquerda) e presença de marcas de uso (abaixo, à direita).
53
Nesta forma foi possível observar a disposição dos elementos
decorativos em apenas uma vasilha. Era um vasilhame decorado com
impressões de unhas feitas com o polegar e o indicador (pinçado),
dispostas desde abaixo do lábio até a base.
O diâmetro varia entre 6 e 12 cm, com predomínio entre 8 e 10
cm. A altura varia entre 2 e 8 cm, com maioria entre 4 e 5 cm. A
espessura da parede pode variar entre 0,3 cm e 1 cm, com um
predomínio de paredes com 0,4 e 0,6 cm (69,7%). As bases observadas
são côncavas.
Em 60,9% das vasilhas foi observada a brunidura como
tratamento pós-queima, principalmente na superfície interna.
As características físicas deste tipo de vasilhame apontam para
sua utilização em atividades de ingerir. Seu tamanho pequeno, centro
de gravidade baixo, boca não-restringida, borda reta e lábio
predominantemente arredondado apóiam esta interpretação. Outros
atributos, como paredes altas e fechamento de poros da superfície
através da brunidura, sugerem o seu uso como um recipiente para
ingestão de conteúdos, preferencialmente líquidos. A ausência de
marcas de uso reforça ainda mais esta interpretação.
O tipo 3b é muito semelhante ao 3a, possuindo um ângulo da
borda entre 60
o
e 90
o
, predominando entre 83
o
e 90
o
. Em nenhuma
destas vasilhas ocorre reforço de borda. Os lábios destes tipos de
vasilhas são predominantemente arredondados (61%), podendo ser
também planos (27%) ou apontados (12%).
O diâmetro varia entre 14 e 26 cm, com predomínio de vasilhas
com 16 cm. A altura varia entre 8 e 18 cm, com maioria entre 10 e 11
cm. A espessura da parede pode variar entre 0,3 cm e 1 cm, com um
predomínio de paredes com 0,4 e 0,6 cm (69,7%). As bases observadas
são côncavas.
Em 69% das vasilhas foi observada a brunidura como tratamento
pós-queima.
As características físicas deste tipo de vasilhame apontam para
sua utilização em atividades de servir. Seu tamanho médio, centro de
54
gravidade baixo, abertura ampla que aumenta a visibilidade do
conteúdo, facilidade de acesso e manipulação, apóiam esta
interpretação. A pouca presença de marcas de uso (há fuligem em 27%
deste tipo de vasilha) reforça ainda mais esta interpretação.
As vasilhas classificadas como 3c possuem um ângulo da borda
entre 40
o
e 50
o
. Em 66,7% destas vasilhas ocorrem reforços de borda.
Os lábios deste tipo de vasilhas são predominantemente planos.
O diâmetro varia entre 12 e 18 cm, com predomínio de vasilhas
com 16 cm. A altura varia entre 5 e 6 cm. A espessura da parede pode
variar entre 0,7 cm e 0,8 cm. As bases observadas são côncavas.
Foi observado durante a análise que estes recipientes sofreram
uma queima melhor que os demais tipos de vasilhas, ocasionando
peças mais duras e com superfícies mais claras.
Em apenas 33,3% das vasilhas foi observada brunidura como
tratamento pós-queima, sempre realizada nas superfícies internas das
paredes.
Suas características morfológicas, tais como tamanho pequeno,
centro de gravidade baixo, abertura ampla e fácil acesso ao conteúdo
apontam para uso destas vasilhas em atividades de ingestão de
alimentos, preferencialmente sólidos. A ausência de marcas de uso
favorece esta interpretação.
Tipo 4: restringida, ovalóide, com borda infletida
As vasilhas de tipo 4 compõem 10,5% da distribuição geral das
vasilhas por tipo. É um tipo de vasilha caracterizada por ser restringida,
com borda infletida e forma ligeiramente oval. A relação altura:diâmetro
é geralmente de 2:1.
Foram analisadas 21 amostras deste tipo, assim distribuídas
segundo sua natureza: 85% de bordas, 10% de bordas e bases, e 5% de
vasilhas com perfil completo.
Seu contorno é predominantemente infletido. Os pontos de
inflexão, que delimitam o início da construção da borda, podem ocorrer
entre 2 e 9 cm abaixo do lábio, dependendo do tamanho da vasilha. O
55
ângulo da borda varia entre 65
o
e 97
o
, predominando os casos com 90
o
(25%). Não ocorrem reforços de borda. Os lábios deste tipo de vasilhas
são predominantemente planos (70%), podendo ser também
arredondados (30%).
Figura 4. Forma 4: Reconstituições gráficas e gráficos indicando diâmetro
(acima), altura , espessura e presença de marcas de uso (abaixo).
56
Nesta forma não foi possível observar a disposição dos elementos
decorativos.
O diâmetro varia entre 4 e 18 cm, com predomínio de vasilhas
com 8 a 10 cm. A altura varia entre 7 e 26 cm, com maioria entre 8 e 11
cm. A espessura da parede pode variar entre 0,3 cm e 0,7 cm, com um
predomínio de paredes com 0,4 cm. As bases observadas são côncavas.
Em apenas 15% das vasilhas foi observada a brunidura como
tratamento pós-queima.
Apesar de guardar os mesmos atributos físicos, este tipo de
vasilhame foi dividido em dois sub-tipos. O critério para esta divisão foi
o tamanho observado. Assim, criamos a forma 4a, com diâmetro entre 4
e 12 cm, e a forma 4b, com diâmetro entre 14 e 18 cm.
Os atributos morfológicos das vasilhas de tipo 4 enfatizam mais a
contenção que o acesso aos alimentos, possuindo um pescoço
restringido formado pela construção da borda. Este tipo de vasilha é
geralmente adequada para conter líquidos. A ausência de marcas de
uso suportam esta interpretação.
As diferenças observadas nos tamanhos podem estar relacionadas
à ingestão de conteúdos, no caso do tipo 4a, ou armazenar ou carregar,
no caso do tipo 4b.
4.2. Os Artefatos líticos
Os artefatos líticos relacionados aos grupos que habitaram as
terras altas do Sul do Brasil tiveram, no início das investigações, um
papel secundário no estudo da pré-história da região. As publicações da
época resumiam-se a compilar uma lista de tipos na procura de um
quadro crono-cultural através de “fósseis diretores”.
Estes estudos concentraram-se somente nas observações e
descrições empíricas dos artefatos líticos, tendo como objetivo definir
tradições culturais através da presença ou ausência de certos
elementos diagnósticos.
57
Hoje em dia é consenso entre os autores a opinião de que as
análises são, na maioria das vezes, sucintas e esquemáticas, onde a
prioridade recai na identificação de tipos morfológicos de artefatos, sem
um padrão analítico quantitativo ou qualitativo unificado (DIAS &
HOELTZ, 1997). Além disto, a bibliografia não apresenta referências
quanto às técnicas de análise demandadas pelo estudo de indústria
líticas, havendo poucas tentativas de estudo sistemático do material
lítico relacionado aos grupos do Planalto Sul brasileiro (HOELTZ, 1997;
DEMASI & ARTUSI, 1995; HOELTZ & BRUMENNGAN, 2002; SCHMITZ
et alli, 2002).
Assim, como alternativa ao quadro exposto, apresento aqui um
estudo dos artefatos líticos da região procurando entender a inter-
relação de atributos tecno-tipológicos, morfológicos e funcionais,
oferecendo critério analíticos definidos e com descrições qualitativas e
quantitativas dos conjuntos líticos. Isto, por um lado, me permitirá
entender melhor o significado da associação dos conjuntos de artefatos
em determinados sítios arqueológicos e, por outro, possibilitará a
pesquisadores interessados na ocupação das terras altas do Sul do
Brasil a comparação dos dados que aqui apresento com aqueles de
outras áreas.
4.2.1. Orientações teórico-metodológicas
O material lítico recuperado foi analisado de acordo com uma
proposta metodológica baseada amplamente em Hilbert (1994),
adequando sua lista de atributos de acordo com Andrefsky (1998). A
lista de atributos dos artefatos que foi elaborada para a presente análise
busca oferecer uma caracterização da tecnologia lítica, além de fornecer
dados que permitam o mapeamento de atividades realizadas em cada
sítio.
A análise segue uma proposta tecno-tipológica em que se busca
identificar o processo produtivo das peças, desde a coleta da matéria-
prima até o uso e descarte de instrumentos. Este processo é dividido
58
para fins analíticos em estágios que caracterizam a cadeia operatória de
manufatura das peças. A identificação destes estágios dentro de cada
conjunto lítico é importante para a definição de padrões que o
caracterizem. Assim, o processo produtivo – a escolha por determinada
cadeia operatória – é um indicador mais significativo sobre
características específicas de cada conjunto do que as peças acabadas.
A análise desenvolvida foi aplicada a todos os vestígios
resgatados, que foram estudados individualmente de acordo com uma
das cinco fichas de atributos, separadas em (1) debitagem, (2) núcleos,
(3) instrumentos sobre lasca, (4) instrumentos sobre núcleo e (5)
instrumentos brutos, polidos e picoteados. Além de medidas métricas
de todas peças, também foram observados a quantidade e o tipo de
córtex presente, a quantidade de cicatrizes aparentes, o tipo de suporte
utilizado na produção dos instrumentos e outros atributos específicos
para cada um destes tipos gerais.
Além dos instrumentos, do ponto de vista funcional, o próprio
processo de manufatura, manutenção e descarte pode fornecer
importantes indicações sobre os padrões de utilização do espaço, na
medida em que é possível reconstituir num dado local as etapas de
produção de artefatos que ali ocorreram. Estas atividades de produção
se organizam em função da aquisição da matéria prima, da redução
inicial ou preparação dos núcleos, da modificação inicial ou primária
das peças, da modificação secundária ou refino de artefatos e da
modificação ou manutenção das peças desgastadas pelo uso (COLLINS,
1975: 25).
A partir desta perspectiva, o estudo comparativo dos artefatos
apresentados pelos sítios baseou-se tanto no refugo quanto nos
próprios instrumentos. Isto permitirá, no próximo capítulo, identificar
locais de manufatura, uso e reciclagem das peças, tornando possível o
mapeamento de áreas de atividades internas aos sítios.
59
4.2.2. A natureza dos artefatos líticos
Tendo como base a técnica de produção, aspectos morfológicos e
funcionais, o material recuperado na área da Barra Grande pode ser
dividido da seguinte maneira:
Instrumentos lascados
- instrumentos sobre núcleo
- instrumentos sobre lasca
Resíduos de lascamento
- Lascas unipolares
- Núcleos unipolares
- Lascas bipolares
- Núcleos bipolares
Instrumentos polidos
- Lâminas de machado
- Mãos de pilão
Instrumentos brutos
- Seixos utilizados para percutir, bater, moer, etc.
- Polidores manuais
4.2.3. O Processo de Produção dos Artefatos Líticos
Matérias Primas
O tipo de matéria prima empregada para a confecção dos
artefatos líticos é constituída basicamente por blocos procedentes de
afloramentos dissecados, cuja característica é uma camada superficial
(córtex) rugosa. Ressalta-se que este tipo representa a fonte de matéria
prima mais abundante na região. Os blocos são constituídos por
basaltos de diferentes qualidades. Outros tipos de origem na matéria-
prima identificados, sempre em menor quantidade, foram os seixos
(menos de 15% do conjunto) e placas (menos de 8%).
60
O basalto é a matéria prima predominante dos artefatos,
chegando a um percentual de 75,6%. As outras matérias primas
presentes são a calcedônia (23,6%) e o quartzo (0,8%).
Um sítio apresentou um desvio significativo do tipo de matéria-
prima utilizada, e permaneceu fora da quantificação. Trata-se do sítio
AG-97B, que apresentou uma predominância quase absoluta de meta-
lamito (97,4%).
A diferença significativa da proporção entre as matérias primas é
perfeitamente compreendida quando visualizamos o ambiente da região:
geologicamente, a área de inserção dos assentamentos trabalhados, o
Planalto Meridional, foi formado por derrames basálticos sucessivos,
formando patamares recobertos pelos solos resultantes. Nestes são
encontrados, em grande quantidade, matacões de basalto. Os rios que
drenam a região acabam transportando estas matérias-primas, que
acabam tornando-se seixos rolados na beira de rio.
Por outro lado, a calcedônia, uma matéria prima resistente, e de
fácil trabalho, é formada como um material secundário de
preenchimento dos vazios existentes nas rochas e a sua gênese deve-se
à migração de soluções silicosas tardias. Devido a seu tipo de
formação, a calcedônia é encontrada, preferencialmente, junto a cursos
d’água de médio a grande porte, com presença de seixos. O quartzo
possui uma formação extremamente relacionada com a calcedônia.
Técnicas e Etapas de Produção do Material Lítico lascado
Dois tipos básicos de abordagem ao lascamento parecem ter sido
desempenhados na região, denominados aqui de debitagem e
façonagem.
Na primeira abordagem, debitagem, a ação é dirigida
primariamente à divisão de uma massa de matéria-prima (núcleo) em
unidades menores para posterior uso (lascas a serem utilizadas). A
façonagem, por outro lado, visa reduzir uma massa de matéria prima
através de um complexo de cicatrizes de lascamento inter-relacionadas,
que tem como objetivo final reduzir o volume de matéria-prima para
61
atingir uma forma desejada (p.ex. um biface) (WHITE & ASHTON, 2003:
604). Na primeira abordagem, o núcleo é essencialmente refugo e as
lascas são o resultado desejado, enquanto no segundo tipo de
abordagem a situação é inversa.
Estas duas abordagens foram distinguidas com a análise de
núcleos e instrumentos sobre núcleo e sobre lasca. Eles foram
classificados em 5 esquemas de estratégias técnicas:
Figura 5: Estratégia 1: Núcleo unipolar multidirecional
O primeiro pode ser denominado núcleo com múltipla plataforma
e múltipla seqüência. Neste tipo de estratégia, a massa inicial é
debitada unipolarmente através de uma ou mais seqüências de
lascamento, onde cada episódio envolve retiradas alternadas ou
62
paralelas. Este tipo de núcleo varia enormemente na morfologia e no
grau de utilização da massa, podendo possuir uma série de plataformas
de lascamento. Com base nas cicatrizes de lascamento, pode-se inferir
que a intenção deste tipo de trabalho é a obtenção de lascas unipolares
de tamanho médio (5 a 10 cm). Estas lascas resultantes possuem
morfologias extremamente variáveis dependendo do estágio de utilização
destes tipos de núcleos.
Outra estratégia é a percussão bipolar de núcleos. Neste tipo de
estratégia a massa inicial é colocada sobre um suporte (ou apoio),
recebendo logo depois uma percussão na sua extremidade superior.
Esta estratégia foi preferencialmente utilizada para abertura de
pequenos seixos, de calcedônia ou quartzo, cuja intenção parece ter
sido a obtenção de pequenas lascas cortantes, independente da
morfologia destas lascas. Estas lascas resultantes são extremamente
variadas.
Figura 6: Núcleo unipolar em calcedônia
Após a abertura dos pequenos seixos com a abordagem acima
referida, alguns núcleos foram utilizados para debitagem unipolar. Esta
estratégia consiste em obter uma plataforma passível de lascamento
63
unipolar através da abertura de seixos com percussão bipolar. A seguir
o lascamento unipolar procede através de percussões em apenas uma
face do núcleo. A intenção deste tipo de abordagem parece ser a
obtenção de lascas pequenas (menor de 5 cm) cuja morfologia pode ser
melhor controlada através de lascamento unipolar. Estas lascas
possuem características marcantes, tais como cicatrizes de lascamento
bipolar ou unipolar na superfície externa e talão cortical.
A façonagem está representada por, pelo menos, 3 abordagens.
A primeira abordagem consiste em lascar unifacialmente um
núcleo para obtenção de instrumentos como unifaces plano-convexos. A
massa inicial é, na maioria das vezes, uma lasca unipolar espessa e
grande (maior de 10 cm). As lascas resultantes deste tipo de abordagem
possuem características peculiares, como talão liso e cicatrizes de
lascamento anteriores, com direcionamento proximal, na sua face
dorsal.
Figura 7: exemplo de façonagem para confecção de unifaces plano-convexos e
resíduos resultantes
A segunda abordagem de façonagem se destina à confecção de
bifaces grandes e robustos. A redução unipolar se destina a remover
uma série de lascas retiradas centripetalmente de duas superfícies de
lascamento situadas em faces opostas a um plano de intersecção. As
superfícies assim agem tanto como superfícies de lascamento quanto
como plataformas de retirada. Algumas lascas resultantes desta
abordagem podem ser reconhecidas através das seguintes
características: possuem tamanho pequeno a médio, possuem, na
64
superfície dorsal, cicatrizes de lascamento de direcionamento proximal
e, algumas vezes, distal, e seu talão é facetado.
Figura 8: Exemplo de façonagem para confecção de bifaces e resíduos resultantes
A última abordagem de façonagem reconhecida no conjunto se
direciona ao retoque ou modificação de lascas, preferencialmente
obtidas através da debitagem. As lascas resultantes são geralmente
muito pequenas (menos de 2 cm).
O refugo resultante do lascamento merece destaque na medida
em que atividades como golpe inicial, redução primária, preparação do
núcleo e lascamento para obtenção de artefatos podem estar associadas
65
a locais específicos. Uma preocupação com este tipo de material abre
importantes perspectivas para compreensão do uso diferenciado dos
espaços.
Das lascas unipolares iniciais presentes, 6% se referem a lascas
totalmente revestidas de córtex, evidenciando áreas onde golpes iniciais
em blocos de matéria prima foram realizados.
As lascas primárias, que representam uma etapa de redução da
matéria-prima após o descorticamento inicial, possuindo ainda em sua
face dorsal até 50% de córtex, aparecem em uma proporção de 13%.
As lascas secundárias representam uma etapa final de redução da
matéria prima, quando a camada de córtex já foi quase totalmente
eliminada, podendo ainda possuir menos de 50% de sua superfície
dorsal ainda recoberta. Estas lascas podem tanto ser resultantes da
preparação de núcleos quanto da preparação ou refino de instrumentos.
Este tipo de lasca está representada por 78% do total das lascas
unipolares.
As lascas bipolares, por sua vez, apresentam-se somente
enquanto lascas secundárias, evidenciando assim que o espatifamento
do núcleo foi realizado em locais externos, e somente peças
selecionadas foram trazidas para o interior dos sítios trabalhados.
4.2.4. Os instrumentos líticos
Instrumentos sobre lasca
Os instrumentos sobre lascas unipolares e bipolares são
extremamente variados na sua morfologia. Em muitos casos, as peças
individuais parecem ter sido selecionadas baseadas na existência de
uma borda pré-existente, que foi considerada adequada para um
determinado uso.
As marcas de uso mais freqüentes se caracterizam por
microlascamentos perpendiculares ao gume, seja na face ventral ou
dorsal da peça.
66
Figura 9: Ponta de flecha lítica localizada no sítio AG-24. Desenho de Adelson
Brumengann.
Figura 10: Exemplos de instrumentos sobre lasca.
67
A totalidade destes instrumentos possui apenas um bordo ativo,
atingindo ângulos entre 45º e 60° . Nestes, observa-se em alguns casos
um trabalho secundário, identificado como lascamento unipolar
unifacial contínuo, geralmente localizado na face dorsal da peça.
As dimensões variam no comprimento entre 1,4 e 10,1 cm, na
largura entre 1 e 8 cm, e na espessura entre 0,9 e 2,1 cm.
A maior parte dos instrumentos foi confeccionada a partir de
lascas de calcedônia (78%), havendo ainda instrumentos
confeccionados a partir de lascas de basalto (12%), de quartzo (6%) e
meta-lamito (4%).
Em apenas um caso foi possível verificar a produção formal de
instrumentos sobre lasca, através da produção de uma ponta de projétil
lítica em meta-lamito, localizada no sítio AG-24.
Instrumentos sobre núcleo
A maior parte dos instrumentos sobre núcleo são caracterizados
por lascamento bifaciais contínuos, denominados bifaces sobre núcleo.
A totalidade destes instrumentos possui bordos ativos com ângulos
variando entre 50º e 75°.
As marcas de uso observadas neste tipo de instrumento
caracterizam-se por micro-lascamentos situados nos lados ventral e
dorsal do gume, indicando sua utilização através de movimentos
verticais sobre suportes relativamente resistentes.
As dimensões destes instrumentos variam entre 9,4 e 32,5cm de
comprimento, 6,1 e 13,5 cm de largura e 3,2 e 10 cm de espessura.
A maioria destes tipos de instrumentos foi confeccionada sobre
basalto (99,7%). Um exemplar foi feito em meta-lamito.
Outro tipo de instrumento sobre núcleo presente na região
caracteriza-se por lascamentos unifaciais realizados sobre a superfície
ventral de lascas grandes, que foram assim transformadas
conceitualmente em núcleos.
68
Figura 11: Exemplo de instrumentos sobre núcleo: bifaces.
Em algumas peças foi possível evidenciar marcas de uso.
Caracterizam-se como estrias ou polimentos sobre a superfície dorsal
do instrumento, evidenciando atividades contínuas de trabalho,
possivelmente raspagem, com sua superfície.
As dimensões destes instrumentos variam entre 4,5 e 14,5 cm de
comprimento, 5,4 e 11,6 cm de largura e 4,3 e 10,2 cm de espessura.
A maior parte destes instrumentos foi feita em basalto (98%).
Uma peça foi produzida em meta-lamito (2%).
69
Figura 12: Exemplo de instrumentos sobre núcleo: unifaces.
70
Instrumentos polidos
Dois tipos de instrumentos polidos foram encontrados na área:
machados polidos e as chamadas mãos-de-pilão.
Foram localizados três machados polidos. São peças totalmente
polidas, com borda distal convexa e proximal convexa ou plana.
Possuem entre 20 e 25,3 cm de comprimento. Em um exemplar, existe
um gargalo próximo à área passiva do instrumento, sugerindo
encabamento.
Também foram encontradas três mãos-de-pilão totalmente
polidas, que possuíam dimensões entre 30 e 40,5 cm de comprimento.
Instrumentos brutos
Foram encontrados na área os seguintes instrumentos brutos:
percutores, percutores multifuncionais e polidores manuais.
Os polidores manuais podem ser relacionados a atividades de
polimento ativo, a partir de seus aspectos morfológicos, associados a
suas marcas de uso. A matéria prima preferencial são pequenos seixos
de basalto. Foi encontrada uma peça sobre basalto em forma colunar.
A área de utilização encontra-se cobrindo toda a superfície da
peça, e caracteriza-se por um leve desgaste (polimento), com estrias
paralelas, remetendo a atividades de polimento de objetos relativamente
pequenos e não muito resistentes, como madeiras e ossos. Hoeltz &
Bruggemann (2003) associaram também estas peças com o alisamento
da cerâmica.
Os percutores e percutores multi-funcionais foram
confeccionados sobre seixos de basalto e apresentam em uma parte da
superfície, no primeiro caso, e em mais de uma parte da superfície, no
segundo caso, marcas de uso que podem ser associadas com atividades
de bater ou percutir sobre superfícies relativamente duras. São
geralmente associados, na literatura, com a produção de artefatos
líticos, mas podem também estar relacionados com preparação de
alimentos, como verificado em casos etnográficos (SILVA, 2000).
71
Capítulo 5
Os Lugares
Após compreender os artefatos, procuro neste capítulo
mostrar como eles estão associados em determinados lugares na
paisagem da região. A perspectiva, como apresentada no capítulo 3, é
de que os significados de determinados lugares na paisagem emergem,
não apenas de construções, mas dos padrões de associação entre as
coisas e as pessoas nos lugares (THOMAS, 1996). Assim, apresento os
lugares trabalhados na sua estruturação e como esta estruturação é
utilizada pelos grupos através da dispersão espacial da cultura material
apresentada no capítulo anterior
5
.
Baseado na presença e ausência de estruturas
arquitetônicas evidentes, duas classes de lugares foram considerados:
um primeiro tipo possui em seu conteúdo estruturas de terra, formadas
pela construção de concavidades escavadas no solo (estruturas
subterrâneas), ou pela construção de taipas e montículos de terra
(áreas entaipadas).
Um segundo tipo de lugar não possui estruturas aparentes na
superfície, mas se caracteriza pela presença ou acúmulo de artefatos
líticos e cerâmicos depositados em estratigrafia ou em superfície.
5.1. As Estruturas de Terra
5.1.1. As Estruturas Subterrâneas
Composição
Os sítios com estruturas subterrâneas na região sob investigação
compõem-se a partir de uma estrutura até agrupamentos com 23
estruturas.
5
Para uma descrição mais detalhada dos artefatos líticos e cerâmicos resgatados em cada um dos sítios
descritos consultar SCIENTIA AMBIENTAL, NUPARQ-UFRGS & ITACONSULT, 2003 e
NUPARQ-UFRGS, 2002
72
Como também foi observado em outras regiões das terras altas do
Sul do Brasil (SCHMITZ et alli, 1988; SCHMITZ et alli, 2002) estas
estruturas são acompanhadas por terraceamentos que foram
interpretados como niveladores de terreno.
Na região de Barra Grande estas estruturas de terraço
envolveram um planejamento que exigia um projeto prévio da
configuração espacial das diferentes casas subterrâneas, pois estas são
cercadas por uma única e grande estrutura deste tipo, como pode ser
visto na topografia do sítio abaixo:
4
Figura 13: Topografia de um sítio com estruturas subterrâneas
Esta topografia permite-nos perceber que toda construção do sítio
foi realizada com o objetivo de possuir um único terraceamento que
delimitasse a ocorrência das demais estruturas. Em escavações,
percebemos inclusive que partes de paredes de estruturas subterrâneas
foram construídas com terra do próprio aterro. Tudo isto atesta
positivamente para a contemporaneidade de estruturas diferentes em
um mesmo sítio.
Estes lugares são ainda compostos por dispersões de artefatos
líticos e cerâmicos no exterior das estruturas, indícios de atividades
realizadas ao ar livre.
73
Não foram evidenciados montículos de terra associados com as
estruturas subterrâneas na região.
Tamanhos
Os conjuntos de estruturas subterrâneas não se apresentam de
forma homogênea, sendo compostos de estruturas de variados
tamanhos. O gráfico abaixo apresenta, de forma resumida, as diferentes
estruturas medidas e seus tamanhos.
Case Number
4946434037343128252219161310741
Value MEDIDA
30
20
10
0
Gráfico 1: tamanho das estruturas subterrâneas em Barra Grande
Para se ter uma melhor idéia dos assentamentos com estruturas
subterrâneas, visto que elas se apresentam em tamanhos muito
variados, estas foram classificadas segundo o diâmetro. Os intervalos
considerados foram de menos de 3 m (pequena), de 3 a menos de 5 m
(médias), de 5 a menos de 10 m (grande), e acima de 10 m (extra
grande).
Temos, então, a seguinte distribuição por tamanhos de estruturas
subterrâneas na região: 17 estruturas pequenas, 40 estruturas médias,
53 estruturas grandes e 5 estruturas extragrandes.
Os dados acima apontam, portanto, para a existência de relações
de grandeza entre os sítios com estruturas subterrâneas. Para melhor
entender estas relações, estabeleci três categorias iniciais, considerando
como intervalos de 0-5 estruturas (baixa densidade), 5-15 (média
74
densidade), e acima de 15 estruturas (alta densidade). Com isso, tem-se
a seguinte distribuição:
- 16 sítios com baixa densidade de estruturas
- 5 sítios com média densidade
- 2 sítios com alta densidade
Veja agora como se apresenta o tamanho das estruturas em cada
distribuição de densidades:
Nos sítios com baixa densidade há 44 estruturas, apresentando
uma maior quantidade de estruturas médias (50%) e grandes (40%). As
estruturas pequenas e extra-grandes estão pouco representadas (5%
cada).
Nos sítios com média densidade há um total de 33 estruturas,
havendo uma distribuição de 46% de estruturas grandes, 42% de
estruturas médias e 12% de estruturas pequenas. As estruturas extra-
grandes estão ausentes.
Nos sítios com alta densidade há um total de 39 estruturas, com
uma maior proporção de estruturas grandes (46%), seguidas pelas
pequenas (28%), médias (18%) e extra-grandes (8%).
Leopoldo 5
Para melhor entender os lugares com presença de estruturas
subterrâneas, apresento um sítio como estudo de caso. O sítio Leopoldo
5 localiza-se sobre um topo aplanado característico do Planalto. O sítio
propriamente dito constitui-se de 8 estruturas subterrâneas dispostas
linearmente no terreno. A área de ocorrência destas estruturas é
delimitada por um terraceamento que nivela o terreno no seu entorno.
Além destas estruturas, o sítio é formado pela dispersão de artefatos no
entorno das estruturas.
As Intervenções
A metodologia empregada em campo foi a extensão de uma malha
de quadriculamento suspensa que abrangesse as estruturas que seriam
escavadas. Com auxílio de um nível topográfico, foram tomadas
75
medidas de altura de todas quadrículas instaladas sobre o sítio,
registrando sua situação antes da intervenção arqueológica. A
escavação processou-se por níveis naturais, sendo cada evidência
encontrada plotada individualmente e tomadas suas medidas
tridimensionais no sítio. Do conjunto de oito estruturas, escavamos as
estruturas A, B e C.
Após a escavação das estruturas, espalhamos sobre o terreno no
entorno uma rede de poços-teste, distanciados cerca de 5 metros um do
outro, para entender a dispersão de material no exterior das estruturas.
Ao todo foram escavados 18 m
2
nestas áreas adjacentes.
Estratigrafia das Estruturas
A estratigrafia das estruturas B e C são semelhantes e
apresentam cinco camadas. Desconsiderando a camada húmica de 5
cm, a primeira camada, de 5 a 30 cm, apresenta-se areno-argilosa, de
coloração marrom clara e com algumas concentrações de carvão que,
por sua forma e disposição, não deixam dúvidas de serem provenientes
de queimadas recentes. Aos 30 cm de profundidade encontramos uma
segunda camada sem alteração substancial de cor (marrom alaranjada),
mas com mudança da textura arenosa para argilosa, onde notamos um
piso de ocupação formado por algumas peças líticas lascadas (bifaces,
lascas unipolares, unifaces) e blocos térmicos. Só foi possível identificá-
la porque todas peças encontravam-se depositadas em posição
horizontal sobre a camada, em um mesmo nível nas quadrículas.
Através das quadrículas abertas localizamos a parede original,
construída no basalto avermelhado em decomposição.
Aos 45 cm, chegamos a uma nova camada (Camada 3),
constituída de sedimento argiloso misturado com basalto em
decomposição avermelhado. Pelas características desta camada,
contendo muito basalto vermelho, acreditamos que ela é derivada do
entulhamento após um abandono da estrutura. Neste caso, estando a
parede original de basalto vermelho exposta às intempéries, a chuva e o
vento devem ter desgastado a parede exposta, carregando seu
76
sedimento até misturá-lo com os sedimentos do entulhamento natural
da estrutura.
Aos 90 cm, encontramos a Camada 4 constituída de sedimento
argiloso e apresentando muito artefatos, caracterizando uma primeira
ocupação humana nas estruturas. Após esta camada de ocupação, foi
evidenciado um piso moldado em argila. Ultrapassada a camada
argilosa, encontramos a camada 5, que apresenta um sedimento friável,
granuloso e, em meio a ele, foram encontrados aglomerados de rochas,
formando uma espécie de contrapiso. Abaixo da Camada 5 encontramos
o piso original em basalto decomposto.
O alagamento sucessivo das estruturas após chuvas torrenciais,
permitiu-nos entender a natureza desta camada friável e granulosa
(camada 5) depositada sobre o piso original das estruturas B e C. Ao
que tudo indica, ela formava uma camada que, depositada sobre o piso
original da estrutura, isolava o piso construído em argila da invasão de
água de vertentes que se formavam em períodos de chuva intensa. As
características da camada 5 se prestariam bem a isto: friável, arenosa
de granulação grossa e com blocos, ela permite mais facilmente que a
água escorra e retorne ao lençol freático, não se acumulando e nem
umedecendo o piso de ocupação.
A estrutura A possui uma estratigrafia diferenciada. De 0 a 30 cm
a camada é argilo-arenosa e compacta, sem evidências de ocupação
humana. De 30 a 47 cm a camada continua argilo-arenosa, mas se
torna extremamente orgânica. Pouco material arqueológico foi
encontrado. De 47 a 73 cm localizamos a camada de ocupação
contendo muita quantidade de termóforas, além de lascas,
instrumentos líticos e pouca cerâmica.
Verificamos que as estruturas subterrâneas B e C foram
ocupadas em dois momentos: a primeira ocupação, portanto mais
antiga, apresenta um rebaixamento do piso no centro, onde foram
constatadas densas lentes de carvão, formando estruturas de
combustão cercadas por rochas. Ao redor destas estruturas foram
encontradas concentrações de artefatos líticos, além de muitas
77
termóforas. Apenas três fragmentos cerâmicos de uma mesma vasilha
foram encontrados nesta primeira ocupação, junto à fogueira na
estrutura B. A estrutura C continha apenas artefatos líticos.
A segunda ocupação (re-ocupação), mais recente, apresenta micro
estruturas como um rebaixamento central, e, na estrutura B, foi
identificado um conjunto de rochas dispostas em círculo, exatamente
no centro da estrutura, que interpretamos como sendo fixadores do
esteio central que suportava o telhado da estrutura. A re-ocupação das
estruturas apresentou uma abundância de artefatos líticos
(instrumentos e debitagem), mas poucos fragmentos cerâmicos (um na
estrutura C e três na estrutura B). Foi também verificada a existência
de micro estruturas de combustão, além de muitas termóforas no
interior das estruturas.
A estrutura A parece ter apenas um momento de ocupação, que
pelas evidências estratigráficas é contemporânea das primeiras
ocupações das outras estruturas. Em alguns pontos da camada
podemos, através da distribuição de pedras alteradas pelo fogo,
individualizar fogueiras específicas.
A distribuição das evidências no interior das estruturas
Com o auxílio das densidades gerais de artefatos, aliadas à
presença de micro-estruturas, pode-se observar áreas de atividades
ocorrendo nos solos de ocupação no interior das estruturas.
A análise da distribuição espacial dos artefatos coletados pode ser
vista através das seguintes classes gerais de artefatos: distribuição de
densidade de fragmentos cerâmicos; densidade de lasca unipolar e
bipolar; densidade de instrumentos líticos lascados, polidos e brutos e
núcleos.
Estrutura A
Ao longo dos níveis ocupacionais, a distribuição geral da
densidade de artefatos líticos e cerâmicos mostra uma grande tendência
78
para o aprofundamento no centro da casa, em locais associados com as
fogueiras.
Levando em conta a distribuição das diferentes densidades,
vemos uma clara diferenciação entre a posição da debitagem e dos
núcleos, concentrados junto à porção Norte da estrutura (figuras de
cima), em contraposição aos instrumentos lascados e instrumentos
brutos, posicionados ao Sul, do outro lado das micro-estruturas de
fogueira (figuras de baixo). A única cerâmica encontrada nesta
estrutura coincide com a distribuição dos instrumentos sobre lasca e
núcleo.
Figura 14: Densidades gerais no interior da estrutura subterrânea A. Acima,
densidades de debitagem e núcleos. Abaixo densidade de instrumentos sobre
lasca e núcleo e brutos
Estrutura B
A estrutura B foi ocupada em dois momentos diferentes.
Levaremos em conta primeiramente a distribuição dos artefatos durante
o período da primeira ocupação.
79
Durante o primeiro período de ocupação da estrutura B, os
artefatos estão distribuídos no entorno da micro-estrutura de fogueira.
Como no caso da estrutura A, a debitagem está novamente concentrada
na porção Norte da estrutura subterrânea. Os núcleos e instrumentos
sobre núcleo e lasca, além dos instrumentos brutos estão concentrados
na porção Sudoeste da área. Os únicos fragmentos cerâmicos estão
sobre a fogueira na parte central.
Figura 15: densidades gerais dos artefatos no interior da estrutura subterrânea B
primeira ocupação. Acima, densidades de debitagem e nucleos. Abaixo densidade
de instrumentos sobre lasca e núcleo e brutos.
A reocupação da estrutura B mostra uma clara divisão entre as
áreas Nordeste e Sudoeste, com a primeira contendo uma maior
densidade de lascas unipolares e bipolares e a segunda com maior
presença de instrumentos sobre núcleo e lasca. A densidade geral do
material se encontra no entorno da micro-estrutura de fogueira na área
central. A única cerâmica encontrada nesta camada coincide com o
centro e a micro-estrutura.
80
Figura 16: densidades gerais dos artefatos no interior da estrutura subterrânea B
reocupação. Acima, densidades de debitagem e núcleos. Abaixo densidade de
instrumentos sobre lasca e núcleo e brutos.
Estrutura C
Na camada do primeiro período de ocupação da estrutura C as
lascas unipolares e bipolares estão densamente concentradas na porção
Norte da estrutura e junto à micro-estrutura de fogueira. Os núcleos e
instrumentos lascados e brutos também seguem uma tendência geral
de concentração no entorno da fogueira.
A configuração geral das evidências muda claramente durante o
período de re-ocupação da estrutura. A fogueira muda de posição para
a porção Nordeste da área escavada, alterando também a distribuição
geral dos artefatos. A tendência de concentração no entorno da fogueira,
no entanto, continua, estando as lascas unipolares e bipolares mais
densamente agrupadas na porção Norte.
81
Figura 17: densidade geral dos artefatos no interior da estrutura subterrânea C
primeira ocupação. Acima, densidades de debitagem e núcleos. Abaixo densidade
de instrumentos sobre lasca e núcleo e brutos.
Figura 18: densidade geral dos artefatos no interior da estrutura subterrânea C
reocupação. Acima, densidades de debitagem e nucleos. Abaixo densidade de
instrumentos sobre lasca e núcleo e brutos.
82
Áreas de atividade externas
A rede de poços-teste abertos nas áreas externas proporcionou
uma visão das atividades que ocorriam fora das estruturas
subterrâneas. Uma análise de superfície de tendência mostrou uma
clara concentração de artefatos junto às estruturas A, B e C, com uma
queda de densidade abrupta em direção Sul e uma mais suave na
direção Norte. Devido à baixa amostragem da área, a análise da
distribuição geral por tipos de artefatos não mostrou uma tendência
clara que pudesse sugerir áreas de atividades específicas.
Figura 19: distribuição geral dos artefatos no entorno das estruturas
subterrâneas do sitio Leopoldo 5. As áreas escuras são a maior concentração.
Curvas de densidade de cinco peças.
83
Análise Multivariada das evidências intra-sítio
Com o objetivo de compreender a variabilidade das evidências no
interior de um sítio com estruturas subterrâneas, realizei uma análise
multivariada dos espaços definidos, através da comparação simultânea
dos seguintes atributos:
Porcentagem de debitagem unipolar
Porcentagem de debitagem bipolar
Porcentagem de bifaces
Porcentagem de unifaces
Porcentagem de instrumentos sobre lasca
Porcentagem de núcleos bipolares
Porcentagem de núcleos unipolares
Porcentagem de cerâmica
1 2 3 4 5
-20
-10
0
Similarity
Ext%
EstB%
EStA%
EstC%
Figura 20: Análise de Cluster entre as estruturas do sítio Leopoldo 5
O teste de cluster acusou uma maior semelhança entre as
estruturas A e C, ligadas por um coeficiente de similaridade -15 com a
estrutura B. A área externa foi a que mais se distanciou das estruturas
subterrâneas.
84
Realizei em seguida uma análise de componentes principais para
detectar a razão das semelhanças e diferenças.
lunipolar
lbipolar
nucleo
instslasca
instsnuc
polido
bruto
EStA%
EstB%
EstC%
Ext%
20 30 40 50
Component 1
-10
0
Component 2
Figura 21: Análise de Componentes Principais entre as estruturas do sítio
Leopoldo 5.
O teste mostrou que a maior semelhança entre as estruturas A e
C foi uma maior presença de núcleos e instrumentos brutos em relação
à estrutura B. Esta se distanciou um pouco pela maior presença de
lascas unipolares. A área externa, por sua vez, apresentou uma maior
quantidade de lascas bipolares.
5.1.2 Áreas Entaipadas
Composição
As áreas entaipadas compõem-se de estruturas de terra formando
taipas circulares elípticas ou losangulares de variados tamanhos, em
cujo centro se encontra um ou mais montículos circulares, também
85
formados de terra. A construção destas estruturas ainda não está
totalmente compreendida, podendo ser resultado da construção de um
montículo e posteriormente a terraplanagem da área no entorno,
configurando as taipas de terra. Escavações nas próprias taipas de terra
de estruturas semelhantes na Argentina demonstraram, ainda, a
presença de agrupamentos de rocha em distâncias regulares, sugerindo
a existência de postes formando paliçadas (MENGHIN, 1957).
Figura 22: Áreas entaipadas na região de Barra Grande: o desenho acima mostra
a composição da maioria dos sítios deste tipo, com duas estruturas de tamanhos
diferentes juntas. O desenho abaixo mostra áreas entaipadas com estruturas
mais complexas.
Os sítios com áreas entaipadas na região de Barra Grande são
geralmente formados pela presença de duas destas estruturas, além de
concentrações de artefatos nas áreas externas. Em apenas dois casos
havia presença de apenas uma estrutura, mas nestes casos esta se
86
apresentava de forma complexa, justapondo figuras geométricas (ver
figuras abaixo).
Tamanhos
Os conjuntos de áreas entaipadas são compostos, na maioria das
vezes, de duas estruturas, uma pequena e outra grande.
Estes dados apontam, como no caso das estruturas
subterrâneas, para a existência de relações de grandeza entre os sítios
com áreas entaipadas, com a presença de estruturas de grandes
dimensões ao lado de outras com tamanhos menores.
A partir deste momento, apresento alguns estudos de caso em
sítios arqueológicos deste tipo.
Leopoldo 7
O sítio denominado Leopoldo 7 consiste numa área de
concentração de artefatos líticos e cerâmicos em superfície, com cerca
de 1.400 m², associada a duas estruturas circulares em alto relevo que
medem 20 e 15 metros de diâmetro máximo, respectivamente. Elas
estão em uma área de relevo plano, logo antes de uma escarpa do
morro, o que proporciona uma vista panorâmica privilegiada a partir
delas.
As Intervenções
A primeira etapa do trabalho consistiu na coleta sistemática com
uma malha de quadriculamento de 5 m X 5 m na área de concentração
de material em superfície. Dentro de cada quadra, as peças foram
coletadas em sub-quadras de 2,5 m X 2,5 m, permitindo um controle
mais detalhado da dispersão dos vestígios. Dada a boa visibilidade do
solo, não foi preciso fazer nenhum trabalho prévio de limpeza da
vegetação. Foram encontrados fragmentos cerâmicos em estágio
avançado de desagregação (evidenciando uma queima de má
qualidade), muitas bolotas de argila queimadas e roletes (demostrando
87
que houve a produção de cerâmica no local), além de instrumentos
líticos.
A malha foi estendida para outras áreas do sítio, totalizando 55
quadras coletadas sistematicamente. A partir desta coleta foi possível
identificar uma área com maior densidade de fragmentos cerâmicos, e
nesta foi realizado um corte estratigráfico de 1m X 1m a fim de testar a
presença de material arqueológico em sub-superfície.
A escavação evidenciou uma camada estratigráfica homogênea
até os 10 cm, de cor marrom clara e textura areno-argilosa, com
presença de alguns grânulos de carvão e notadamente remexida pelo
arado. Foram encontrados apenas dois cacos cerâmicos e dois artefatos
líticos, indicando uma baixa densidade de artefatos na sub-superfície.
Abaixo dos 10 cm, foi encontrada a camada natural procedente do
basalto decomposto e estéril. O poço-teste alcançou 20 cm de
profundidade. Apesar dos vestígios cerâmicos e líticos serem
relativamente abundantes, a inexistência de uma camada arqueológica
ou manchas pretas sugere que não havia estruturas residenciais neste
local, ou seja, que as atividades ali evidenciadas pelos vestígios
arqueológicos estão ligadas às estruturas circulares, que distam 20
metros desta área de concentração.
Após esta coleta de superfície procedemos à escavação de uma
das estruturas circulares, denominada estrutura A. Foram demarcadas
20 quadrículas, de 1m X 1m, formando uma trincheira no sentido
Norte/Sul cortando o montículo, o interior da estrutura, o aterro
circular externo e a área externa, a fim de verificarmos como se deu sua
construção e que atividades ocorriam nela.
A partir da trincheira demarcada anteriormente, foram abertas
primeiramente as quadrículas que correspondem à área interna da
estrutura. Nos primeiros 5 cm escavados nas quadrículas internas,
principalmente na camada húmica, foram encontrados muitos
fragmentos de carvão que, por suas formas e disposições, referem-se a
raízes queimadas, possivelmente resultantes da derrubada e queima da
mata ocorridas na abertura das frentes de colonização branca durante
88
o século XX. Abaixo da camada húmica, até os 10 cm, segue uma
camada marrom escura com pouco carvão. Apenas uma quadrícula
forneceu material arqueológico: três cacos cerâmicos de uma mesma
vasilha, encontrados exatamente no contato entre a primeira camada
abaixo da camada húmica e uma segunda, marrom clara, derivada do
basalto decomposto.
Também foi aberta uma quadrícula externa à estrutura, a 1 m do
fim do aterro circular. Também nesta nada foi encontrado, sendo sua
estratigrafia similar àquela no interior da estrutura.
Nas quadrículas sobre o centro do montículo foi possível delimitar
uma micro-estrutura complexa, aos 45 cm de profundidade, delimitada
ao Sul e ao Norte por aglomerados de concreções avermelhadas e
escuras, possuindo no centro muitos fragmentos de ossos pequenos,
alguns deles bastante calcinados, além de duas fogueiras, contendo no
seu interior também ossos humanos misturados. Esta micro-estrutura
estende-se a Leste e Oeste. Os ossos encontram-se bastante remexidos,
em meio às fogueiras, estando bastante friáveis. Em volta das fogueiras
foi notado um piso de argila queimada.
Figura 23: Micro-estruturas localizadas no montículo central do sítio Leopoldo 7.
89
A escavação do sítio Leopoldo 7 trouxe muitas contribuições para
a compreensão das estruturas circulares em alto relevo. A primeira
delas refere-se à própria interpretação da estrutura: o montículo central
certamente foi utilizado para sepultamento, com, pelos menos, duas
fogueiras derivadas da cremação de ossos humanos, ligando a
estrutura com uma função funerária. O espaço interno e imediatamente
externo da área entaipada foi mantido limpo, pois há poucos vestígios
nestes locais. Estes se resumem a fragmentos de duas vasilhas
cerâmicas, que podem ser oferendas. As atividades ligadas às
estruturas parecem ter se desenvolvido num local um pouco afastado
(cerca de 20 metros), onde foi localizada uma concentração de artefatos
em superfície. Neste local parece ter ocorrido o consumo e a
transformação de alimentos (como sugerido por fragmentos de vasilhas
cerâmicas e artefatos líticos), bem como a produção de cerâmica (foram
encontradas muitas bolotas e roletes de argila queimada), atividades
que já foram evidenciadas em outro contexto funerário ligado a estes
grupos (SALDANHA, 2001).
AG-98
O sítio AG-98 é formado por uma área entaipada circular com um
montículo no centro, localizada no topo de uma colina ampla, com boa
visibilidade do entorno.
As intervenções
A escavação foi realizada pela equipe da Scientia Ambiental de
Santa Catarina. Inicialmente foram realizados três poços-teste: um
localizado sobre o montículo central (PTA), outro na parte interna da
área entaipada (PTB), e o último sobre a taipa de terra propriamente
dita (PTC).
Os poços-teste B e C não se mostraram muito ricos em vestígios:
o primeiro apresentou dois artefatos líticos e o segundo apenas um
fragmento de cerâmica.
90
Foram ainda abertas trincheiras nas direções Leste e Oeste a
partir do montículo central, cortando as áreas internas, o aterro
periférico e áreas externas. Apenas a trincheira Sul detectou uma
pequena concentração de material lítico e cerâmico na área interna da
estrutura, indicando que poucas atividades eram realizadas no seu
interior.
Figura 24: micro-estruturas localizadas no montículo central do sítio AG-98 e vasilhas cerâmicas
associadas
O poço-teste A, por outro lado, identificou no montículo, a 50 cm
de profundidade, uma estrutura contendo restos de uma fogueira com
91
ossos misturados. Esta fogueira se aprofundava até 60 cm de
profundidade.
A partir do resultado do poço-teste A, foi ampliada a área de
escavação no entorno, totalizando 14 m
2
escavados no montículo. Esta
área permitiu visualizar pelo menos duas estruturas de deposição de
cinzas funerárias, uma localizada a Leste e outra a Oeste do centro do
montículo. Segundo a equipe de escavação, eram “duas estruturas de
combustão funerárias distintas não sobrepostas, isto é, localizavam-se
em áreas distintas, uma ao lado da outra, e, principalmente, em níveis
estratigráficos distintos: a primeira entre 10 e 40 cm de profundidade e
a segunda entre 50 e 65 cm de profundidade” (SCIENTIA AMBIENTAL,
NUPARQ-UFRGS,& ITACONSULT, 2002: 73). Ambas micro-estruturas
parecem ter sido colocadas sobre pisos de argila queimada, como no
caso daquelas do sítio Leopoldo 7.
Associadas às micro-estruturas funerárias, foram encontrados
artefatos líticos (lascas de calcedônia) e cerâmicos (duas vasilhas
completas, uma do tipo 3a e outra do tipo 4, além de um “tortual de
fuso”). Outros fragmentos cerâmicos foram localizados na escavação do
montículo, mas sem formarem arranjos definidos.
5.2. As Áreas de deposição horizontal de artefatos
Os sítios denominados lito-cerâmicos na região de Barra Grande
são definidos pela presença em estratigrafia de artefatos líticos e
cerâmicos e pela ausência de estruturas aparentes na proximidade
6
. Ao
todo, na área sob investigação, foram contabilizados 11 lugares com
estas características.
6
Mentz Ribeiro, durante prospecções na região durante a década de 80, individualizou uma série de sítios
lito-cerâmicos no entorno de estruturas subterrâneas (MENTZ RIBEIRO, 1985). Pesquisas recentes nas
terras altas do sul do Brasil têm demonstrado que estas áreas, na verdade, são áreas de atividade
contemporâneas e relacionadas com as estruturas subterrâneas (SCHMITZ et alli, 2002).
92
5.2.1. Os conjuntos lito-cerâmicos
Composição e tamanhos
Investigar a composição e estruturação de sítios sem estruturas
aparentes requer coletas de superfície controladas e/ou escavações em
áreas amplas. Neste sentido, apenas quatro sítios lito-cerâmicos serão
aqui trabalhados, por serem os únicos a preencherem estes pré-
requisitos.
A amostra dos sítios lito-cerâmicos demonstrou que eles possuem
variabilidade no tamanho e no número de concentrações de artefatos.
Dois sítios são pequenos (média de 64 m
2
) - com apenas uma
concentração de artefatos (sítios AG-47 e PE-22), um sítio é médio (240
m
2
) – com uma concentração de artefatos (sítio Pedreira), e um sítio é
grande (1020 m
2
) – com pelo menos oito concentrações mais
significativas de artefatos.
Estas áreas com maior concentração de material, como será
demonstrado abaixo, devido à natureza do refugo e presença de micro-
estruturas e fogueiras, parecem corresponder a depósitos primários
7
de
artefatos, configurando unidades domésticas ou áreas de atividade.
Este padrão de descarte no próprio contexto de uso já tem sido
verificado nas estruturas subterrâneas do Sul do Brasil (SCHMITZ et
alli, 2002; COPÉ & SALDANHA, 2002).
Assim, levando em conta o tamanho e número de concentrações
como diferencial entre os sítios, há novamente relações de grandeza
entre eles, com a presença de sítios maiores e com maior número de
concentrações, ao lado de sítios pequenos, com apenas uma
concentração
No sítio com maior número de concentrações foi também possível
verificar que as relações de grandeza também se configuram na
presença de concentrações grandes ao lado de concentrações pequenas.
Passo agora ao estudo dos sítios, caso a caso.
7
Schiffer (1978) define depósitos primários como a deposição de artefatos no próprio contexto de uso.
Por outro lado, depósitos secundários seriam resultado de limpeza dos artefatos nas áreas de atividade e
deslocamento destes artefatos para outras áreas, como lixeiras.
93
Pedreira
O sítio denominado Pedreira constitui-se numa grande mancha
circular de terra preta com material lítico e cerâmico em superfície,
localizado no topo de uma colina ampla.
As intervenções
A fim de avaliarmos como se distribuem os artefatos no sítio, bem
como elaborarmos um mapa de densidades das peças para
selecionarmos as áreas para escavação, realizamos uma coleta
sistemática no local. Para tanto, estendemos uma malha em toda área
Oeste do sítio, em quadras de 5 X 5 metros. Dentro desta malha foram
coletadas todas evidências dentro de sub-quadras de 2,5 X 2,5 metros.
Com esta coleta foi possível identificar duas áreas de concentração:
uma a Leste, possuindo uma disposição circular, que coincide com um
local onde a mancha preta torna-se mais escura; outra área a Oeste,
junto ao limite do sítio. Estas duas áreas foram selecionadas para
intervenção no sub solo.
No local junto ao limite Oeste do sítio, não se notou mancha
escura de terra, o que nos fez acreditar que esta concentração de
material foi causada pelo arado, que arrastou os artefatos de sua
posição original. Neste local delimitamos outra área de 5 X 5 metros
para abertura de quadrículas em área ampla a fim de confirmar se esta
deposição é realmente pós-deposicional. Nestas quadrículas, o material
arqueológico estava mais escasso abaixo do nível do solo, confirmando
ser esta área de deposição secundária, decorrente de processos pós-
deposiconais relacionados às atividades agrícolas.
Junto à área de concentração Leste, delimitamos inicialmente
uma área de 10 X 5 metros para escavação. A escavação foi feita
através de níveis artificiais, registrados em fichas descritivas por
quadrículas.
Nesta área de concentração, foi possível observar em sub-
superfície uma grande densidade de artefatos, além de localizarmos
uma micro estrutura de fogueira, formada por lascas procedentes de
94
espatifamento térmico e blocos de rocha dispostos em círculo e que se
aprofundam na camada estéril.
Figura 25: distribuição geral dos artefatos no sítio Pedreira. As duas principais
concentrações aparecem a Leste e a Oeste
A estratigrafia do sítio, observada nas quadrículas escavadas na
concentração Leste, compreende uma primeira camada, marrom escura
e areno-argilosa, contendo fragmentos de cerâmica, principalmente
concentrados entre 5 e 10 cm de profundidade, e peças líticas, como
lascas unipolares de basalto e calcedônia. Poucos grânulos de carvão
vegetal foram notados. Esta camada aprofunda-se até 12 cm de
profundidade, sendo seguida por uma segunda, marrom alaranjada e
argilo-arenosa, e estéril do ponto de vista arqueológico.
Através da observação do plano de escavação, que mostra a
distribuição dos artefatos no espaço escavado, é possível vislumbrar o
piso de uma antiga cabana pré-histórica, delimitado por uma maior
concentração de artefatos grandes, formando um semi-círculo ao redor
95
da fogueira identificada. Entre o semi-círculo de artefatos e a fogueira
observamos a existência de artefatos de menores dimensões (lítico e
cerâmica).
Fico inclinado a interpretar esta maior concentração de artefatos
como proveniente da limpeza da área central da estrutura. Tal processo
de limpeza e posterior acúmulo de detritos em áreas periféricas de
estruturas domésticas já foi documentado em casos arqueológicos no
Sul do Brasil (SCHMITZ et alli, 1993), e em inúmeros casos etnográficos
(BINFORD, 1983; CARR,1991; STEVENSON, 1991; CONNELL, 1979
entre outros).
4
150 0 15075 Centimeters
Figura 26: distribuição dos artefatos no entrono da fogueira no sítio Pedreira
Partindo do plano de escavação, posso sugerir um modelo da
estrutura: pela ausência de indícios de atividade ao Sul da fogueira,
esta estaria junto à entrada da estrutura. O telhado seria construído
com madeirames dispostos radialmente e coberto com palha. Ao redor
da fogueira se desenvolveriam as atividades domésticas, o que explica o
estado fragmentado dos artefatos no entorno imediato. O detrito
96
doméstico iria se acumulando junto das paredes da estrutura, na área
onde o telhado impediria o tráfego de pessoas, explicando a presença de
grandes fragmentos cerâmicos neste local.
PE-22
O sítio PE-22 está localizado em um pequeno patamar plano,
entre os arroios Guabiju e do Tigre e o próprio rio Pelotas, em área de
floresta Ombrófila mista de tipo Montana. É o sítio cujo ambiente mais
se afasta dos demais de sua categoria trabalhados nesta região
Uma vez que este sítio apresentava densa cobertura vegetal,
impossibilitando assim a visualização da distribuição dos vestígios em
superfície e, desta forma, a própria delimitação do sítio, elaboramos
uma estratégia amostral que cobrisse toda área a ser investigada, a fim
de elegermos as áreas que nos dariam mais informações sobre a
estrutura do assentamento. Esta estratégia se deu através da abertura
de poços-teste em distâncias regulares, de 5 a 7 metros, com os quais
poderíamos conhecer as densidades e profundidade de deposição de
artefatos arqueológicos, em um procedimento recomendado por Winter
(1976).
Inicialmente, montamos uma estação topográfica no centro da
área a ser investigada. A partir desta estação, foram realizadas as
marcações de poços-teste. Todas elas foram demarcadas segundo uma
malha imaginária orientada para o Norte, e denominadas de acordo
com sua distância ao ponto zero (100/100).
Com estas quadrículas, conseguimos confirmar que ao Norte a
camada arqueológica está muito perturbada pelas atividades da casa
que havia no sítio (maior presença de material recente e estado
fragmentado da cerâmica na quadrícula 104/105), bem como
conseguimos visualizar, na quadrícula 100/105, uma transição de uma
área com maior presença de lítico (a Oeste) para outra onde há uma
concentração expressiva de artefatos cerâmicos bem conservados (a
Leste).
Após delimitarmos os limites Norte, Sul e Oeste da concentração,
97
procedemos à decapagem em área ampla do local, a fim de verificarmos
zonas de atividade. Assim, delimitamos uma área de 20 m2 para
escavação total.
A estratigrafia comportou-se da seguinte maneira: de 0 a 10 cm,
a textura do sedimento é argilo-arenosa, friável, contendo alguns
grânulos de carvão. Abaixo de 5cm e até 15cm evidenciamos o
aparecimento de artefatos, principalmente cerâmica e peças líticas. A
partir de 10cm, o sedimento muda para uma textura mais argilosa,
começando a aparecer mais rochas procedentes do afloramento. De 15
a 20cm o material arqueológico escasseia até que as quadrículas
tornam-se estéril antes dos 20cm de profundidade.
A escavação evidenciou uma concentração de artefatos
perfeitamente delimitada, com um diâmetro de 4 metros. Nos seus
limites, os artefatos cerâmicos estão mais agrupados e intactos. No
centro foram encontradas poucas peças, onde também notamos um
aprofundamento no solo, certamente uma modificação no terreno
realizada durante a construção da estrutura. Este tipo de
aprofundamento no centro de estruturas também foi identificado em
casas subterrâneas.
No limite Leste da concentração, localizamos uma vasilha
cerâmica inteira fragmentada in situ, associada a um pequeno machado
polido. No limite Sul da concentração, encontramos manchas escuras
no solo, com forma aproximadamente circular que apareceram aos
10cm de profundidade, continuando até os 20cm, quando ainda se
aprofundam 3cm no solo. Tudo indica serem negativos de postes,
possivelmente para sustentação de um telheiro de madeira e palha.
A distribuição dos artefatos e dos negativos de postes permitem
visualizar o fundo de uma cabana, onde a Noroeste um arranjo semi-
circular de deposição de objetos sugere a existência de uma parede. A
abertura parece estar localizada no Sul, no local onde se evidenciaram
os postes.
98
4
Legenda
Negativos de poste
litico
ceramica
90 0 9045 Centimeters
Figura 27: distribuição dos artefatos na área escavada do síto RS-PE-22
Com estas indicações em mãos, é possível interpretar esta
concentração como uma pequena choça de palha, como as indicadas na
bibliografia para os grupos ceramistas do planalto (SCHMITZ &
BECKER, 1991), como sítios de acampamento nas matas de galeria do
rio Pelotas. Esta choça seria pequena (4 metros de diâmetro), abrigando
possivelmente uma família nuclear. Nela foram encontradas vasilhas
inteiras indicando que não só era o local de descanso, mas era também
abrigo para seus pertences. A pequena espessura dos postes do
telhado, aliada à pouca profundidade da camada arqueológica, sustenta
a hipótese de ser apenas um acampamento, não um local de moradia
permanente.
AG-40
O sítio AG-40 se localiza na encosta Leste de uma colina ampla,
em área de leve declive, próximo a uma vertente que deságua em um
lajeado tributário do rio Pelotas.
99
As Intervenções
O sítio AG-40 foi escavado pela equipe da Scientia Ambiental.
Inicialmente foram trabalhados dois poços-teste de 1 X 1 metros, que
revelaram uma quantidade significativa de fragmentos cerâmicos e
artefatos líticos. Devido a estes resultados, foi demarcada uma área de
16m
2
no entorno dos poços-teste para decapagem total.
O material arqueológico foi identificado desde a superfície até
uma profundidade de 30 cm. A densidade se apresentou extremamente
elevada nesta área, sugerindo que o sítio ultrapassava os 16m
2
delimitados.
Para testar esta hipótese, foram realizadas trincheiras de 20
metros nos sentidos Norte, Sul, Leste e Oeste a partir da área já
escavada. Isto permitiu a delimitação mais precisa do sítio, que foi
dividido em 4 setores (Nordeste, Noroeste, Sudeste e Sudoeste). Dentro
de cada setor, foi demarcada uma área de 13 X 13 metros, em
quadrículas de 1m
2
, e procedida a escavação de 25% desta área.
A estratigrafia se mostrou da seguinte maneira: uma primeira
camada, com solo orgânico e mais escuro, de aproximadamente 20 cm
de espessura, contendo artefatos arqueológicos. A segunda camada era
um solo argiloso avermelhado. Poucos artefatos eram encontrados
nesta segunda camada (SCIENTIA AMBIENTAL, NUPARQ-UFRGS,&
ITACONSULT, 2002: 44-50).
Duas micro-estruturas de combustão foram identificadas. Uma
delas é um aglomerado de rochas misturadas com carvões, localizada
no setor Noroeste. A segunda foi localizada na área decapada no centro
do sítio, caracterizando-se como um bolsão de sedimento escuro com
carvão. Esta segunda micro-estrutura está associada a um
aprofundamento do terreno. Embora a equipe de escavação não tenha
dado importância para esta constatação, é importante destacá-la e
associar este tipo de modificação de terreno a outras constatadas
dentro de estruturas subterrâneas e no sítio a céu aberto PE-22.
100
Depois de terminados os trabalhos no sítio AG-40, é possível
interpretá-lo como um grande sítio a céu aberto com oito concentrações
mais significativas de artefatos. A maior parte delas parece ter
desempenhado um papel de unidade doméstica, devido à natureza do
refugo e à presença de micro-estruturas.
É interessante ressaltar a semelhança da configuração das
concentrações de artefatos com a disposição de estruturas
subterrâneas sobre o terreno. Ambas parecem se configurar com a
justaposição de estruturas grandes lado a lado com outras menores.
Figura 28: distribuição das concentrações de artefatos no sítio AG-40. Curvas de
densidade são de 10 em 10 peças.
AG-47 3
O sítio AG-47 3 está localizado sobre um topo de morro aplanado,
em área com vegetação arbustiva.
101
As Intervenções
Este sítio foi escavado pela equipe da Itaconsult. Inicialmente foi
identificado como um conjunto de quatro estruturas subterrâneas e um
montículo, o que foi descartado após a avaliação de campo.
Durante a avaliação de uma das estruturas, foi evidenciada uma
micro-estrutura de combustão. A área de ocorrência foi então
delimitada e procedida a escavação.
Figura 29: Distribuição dos artefatos líticos e cerâmicos no sítio AG-47 3
102
O material concentrava-se desde a superfície até 20 cm de
profundidade, com uma maior quantidade entre 0 e 10 cm.
Ao todo foram escavados 29 m
2
no entorno da fogueira, que
parece ter delimitado bem o sítio na sua porção Leste. Uma inspeção
visual da distribuição dos artefatos nos permite identificar uma área
aproximadamente circular no entorno da fogueira, com cerca de 4
metros de diâmetro, com uma maior ocorrência de cerâmica e alguns
artefatos líticos. Possivelmente, trata-se de uma pequena choupana
construída com material perecível.
5.2.2 Os conjuntos líticos
Foram caracterizados como sítios líticos as áreas onde havia
apenas concentrações de artefatos de pedra sobre superfície ou em
estratigrafia.
Os sítios líticos na região de Barra Grande são, de longe, os mais
abundantes. Ao todo foram identificados 39 lugares com concentrações
significativas de artefatos líticos. A característica mais marcante deles é
a presença constante de grandes artefatos bifaciais.
A fim de começar a entender estes lugares, os sítios foram
segregados nas seguintes classes:
1- Sítios sem presença de micro-estruturas;
2- Sítios com evidências de micro-estruturas, como fogueiras ou
áreas de lascamento;
3- Sítios em abrigos-sob-rocha.
5.2.1.1. Sítios sem micro-estruturas
Foram contabilizados 34 sítios sem micro-estruturas. Esta classe
reuniu sítios extremamente heterogêneos no tamanho e densidade de
material. A tabela abaixo descreve em histogramas a variação no
tamanho dos sítios.
103
ÁREA
45000,040000,035000,030000,025000,020000,015000,010000,05000,00,0
20
10
0
Std. Dev = 11087,34
Mean = 6380,6
N = 32,00
Tabela 2: Variabilidade no tamanho entre sítios líticos sem micro-estruturas
Como pode ser visto acima, a maior parte dos sítios compõe-se
daqueles que podem ser considerados pequenos, com áreas inferiores a
5000 m
2
. Há uma queda gradativa no tamanho dos sítios até 2500 m
2
.
Dois sítios se apresentam com tamanhos excepcionais, ultrapassando
40.000 m
2
.
Assim, baseados no critério tamanho dos sítios da primeira
classe, podemos subdividi-los em sítios pequenos (menores de 5000
m
2
), sítios médios (entre 5000 e 10.000 m
2
), sítios grandes (entre
10.000 e 25.000 m
2
), e sítios extra-grandes (acima de 40.000 m
2
).
Abaixo investigarei em mais detalhe um exemplo destes tipos de
sítios líticos da classe 1.
Área 93
Denominamos de área 93 um sítio arqueológico localizado na
área de desapropriação do canteiro da obras da UHE Barra Grande.
Neste local, detectamos um sítio arqueológico com abundante material
lítico em uma área extensa (cerca de 40000 m
2
).
104
Primeiramente, foi realizado um percorrimento sistemático da
área no sentido Norte-Sul, demarcando todas as peças para posterior
coleta.
Logo depois instalamos estações topográficas para coleta geo-
referenciada das peças.
Junto a uma estação, foram notadas duas manchas pretas.
Foram então realizadas sondagens para verificar a natureza destas
manchas. Pela observação das características do sedimento verificamos
tratar-se de uma mancha natural, sem origem antrópica.
A baixa diversidade de artefatos, aliada à inexistência de
estruturas e uma organização espacial, revelou que este sítio trata-se
de uma área de atividade específica. Foram localizados grandes bifaces,
alguns unifaces, além de lascas de reativação de gumes de bifaces.
Figura 30: densidade de artefatos líticos no sítio 93
105
5.2.1.2. Sítios Líticos com presença de micro-estruturas
As escavações realizadas permitiram localizar sítios líticos com
presença de micro-estruturas de fogueiras ou áreas de lascamento
claramente definidas.
AG-47 S2
O sítio AG-47 S2 encontra-se em um topo de morro plano,
coberto por vegetação de gramíneas.
Foi escavada uma área de 13 m
2
que colocou a descoberto uma
área de concentração de artefatos líticos no entorno de uma micro-
estrutura de fogueira. Há uma baixa densidade de material no entorno
imediato da fogueira, com um progressivo aumento em direção à
periferia. Logo após, a densidade novamente decresce.
O material concentrava-se desde a superfície até 20 cm de
profundidade, com uma maior quantidade entre 0 e 10 cm.
Figura 31: densidade de artefatos no entorno da fogueira no sítio AG-47 S2.
106
Ao todo foram escavados 13 m
2
no entorno da fogueira, que
parece ter delimitado bem o sítio na sua porção Leste. Uma inspeção
visual da distribuição dos artefatos permite identificar uma área semi-
circular no entorno da fogueira, com cerca de 4 metros de diâmetro,
com uma maior ocorrência de artefatos líticos. Em pontos específicos
nota-se uma maior densidade de lascas pequenas, indicando áreas de
lascamento. Acredito na hipótese de se tratar de uma pequena
choupana pré-cerâmica construída com material perecível.
AG 47 SM1
O sítio AG-47 SM1 encontra-se em um topo de morro plano, em
área de vegetação arbustiva.
Este sítio foi escavado pela equipe da Itaconsult. Foi evidenciada,
em superfície, uma expressiva quantidade de artefatos líticos sobre um
afloramento de basalto. A área de ocorrência foi então delimitada e
procedida a escavação.
O material concentrava-se desde a superfície até 20 cm de
profundidade, com uma maior quantidade entre 0 e 10 cm.
Ao todo, foram escavados 34 m
2
, o que não deu conta de
delimitar a área de ocorrência de artefatos. Todas evidências apontam
para uma oficina de lascamento.
AG-97 A
O sítio AG-97 A localiza-se em área de leve declive, estando
limitado ao Sul por um pequeno córrego.
Este sítio foi escavado pela equipe da Scientia Ambiental, que
delimitou uma área de 160 m
2
com uma expressiva ocorrência de
artefatos líticos em superfície. Uma área de 50 m
2
do sítio foi escavada,
em níveis artificiais de 10 cm, revelando uma grande quantidade de
material. Nas palavras de seus pesquisadores:
“Nesta área, foram coletados aproximadamente 2000 peças
líticas (o número final ainda não está contabilizado),
caracterizadas principalmente por lascas, microlascas,
107
pequenos núcleos e detritos de lascamento. A escavação
revelou uma estrutura de lascamento intensa pela grande
quantidade de artefatos líticos proveniente de todas as
etapas de confecção de um instrumento. Também pode-se
constatar tratar-se de um sítio raso, com ocorrência de
material principalmente entre o nível 0-10 cm” (SCIENTIA
AMBIENTAL, NUPARQ-UFRGS & ITACONSULT, 2002: 64).
Hoeltz e Brumenngan (2003), ao analisar o material lítico,
associam esta área de lascamento com a gruta AG-24 pela grande
similaridade tecnológica dos artefatos líticos.
Figura 32: densidade dos artefatos na área escavada do sítio AG-97 A
108
Rincão dos Lourenços
O sítio Rincão dos Lourenços localiza-se em um topo de morro
plano. Metade do sítio encontra-se arado, o que permitiu sua
identificação.
Inicialmente realizamos uma coleta sistemática de todas
evidências com o auxílio de uma estação topográfica para registro
espacial das peças. Através da coleta, notamos uma área com grande
densidade de lascas e núcleos de calcedônia no limite Leste da área
arada, indicando uma continuidade do sítio em direção a uma área
coberta por gramíneas.
Desta forma, resolvemos abrir quadrículas nesta área. A
escavação revelou uma concentração significativa de material lítico
entre 10 e 15 cm de profundidade, principalmente composta de lascas,
microlascas e núcleos de calcedônia, indicando tratar-se de uma área
de lascamento.
AG-15
O sítio AG-15 localiza-se em um platô no alto de um morro,
coberto por vegetação tipo capoeira.
Foi delimitada uma área de 30 X 30 m
2
para escavação, o que
não deu conta de delimitar claramente a área de maior concentração de
material. Na área Noroeste foi localizada uma série de manchas escuras
no solo que poderiam ser vestígios de estacas de uma choupana de
madeira. Estas manchas formam um semi-círculo que se abre na
direção Oeste, e delimita uma área de aproximadamente 4 m
2
.
O sítio apresentou uma alta diversidade de artefatos, indicando
uma possível unidade residencial pré-cerâmica.
109
Figura 33: densidade de artefatos líticos no entorno dos negativos de esteio
5.2.1.3. Sítios em gruta
AG-24
O sítio AG-24 constitui-se como uma gruta de formação basáltica
de 17,44 m de largura, 12,90 m de profundidade e 4,25 metros de
altura, orientada para Sudoeste. Possui uma queda d’água na sua
abertura.
Este sítio foi trabalhado pela equipe da Scientia Ambiental, que
delimitou uma área de 88 m
2
para intervenção. Inicialmente foram
abertos três poços-teste, um na porção frontal, outro no centro e outro
no fundo da gruta. Os poços-teste revelaram uma camada arqueológica
extremamente rasa e pouco densa:
“...o sítio é bastante raso, com concentração de material
lascado na parte frontal e, principalmente, no centro da boca
110
(próximo à zona de goteira). Observando-se a superfície,
também se pode constatar que não há material espalhado
por toda a extensão da gruta. À medida que se aprofunda no
interior da gruta, o material lítico desaparece, inexistindo ao
fundo. Não foram encontrados vestígios de ocupação da
gruta como habitação, tais como carvão, fogueiras, restos de
alimentação ou cerâmica” (SCIENTIA AMBIENTAL, NUPARQ-
UFRGS,& ITACONSULT, 2002: 43-44).
A maior parte do material foi encontrado na porção frontal da
gruta, constituindo-se de lascas e microlascas, além de uma ponta de
flecha lítica. Como dito anteriormente, este sítio foi associado, através
da tecnologia lítica, ao sítio AG-97 A.
5.3. Análise Multivariada das evidências inter-sítios
Com o objetivo de compreender a variabilidade das evidências
entre os sítios trabalhados, realizamos uma análise multivariada dos
lugares definidos, através da comparação simultânea dos seguintes
atributos:
Porcentagem de debitagem unipolar
Porcentagem de debitagem bipolar
Porcentagem de bifaces
Porcentagem de unifaces
Porcentagem de instrumentos sobre lasca
Porcentagem de núcleos bipolares
Porcentagem de núcleos unipolares
Porcentagem de cerâmica
O teste de Cluster mostrou três grupos bem definidos: um à
direita, um ao centro e outro à esquerda. Um sítio mostrou-se isolado
111
destes grupos principais, o sítio AG-99, possivelmente devido à pequena
amostra que ele representa.
10
20
30
-20
-10
0
Similarity
AG15%
Le5%to
Le5%
AG40%
PE22%
Pedreira%
Le6%
AG47S3%
AG47s2%
AG97B%
AG47Sm%
AG94%
Se6%
Louren%
A93%
AG07%
AG08%
AG23%
A57%
A92%
AG11%
AG24%
AG98%
AG99%
AG13%
CerAl%
AG14%
A76%
SW%
AG17%
AG35%
AG36%
AG42%
AG97A%
AG078%
AG38%
Figura 34: Teste de Cluster comparando os conjuntos cerâmicos e líticos dos
sítios trabalhados
O agrupamento à direita é formado, principalmente, por sítios
líticos sem presença de micro-estruturas, confirmando que, apesar das
diferenças de tamanho e de densidade de artefatos, as atividades que
ocorreram neles, representadas pelos artefatos coletados, eram
semelhantes.
O grupo central é mais variado, contendo sítios líticos com micro-
estruturas, áreas entaipadas e sítios lito-cerâmicos pouco densos. Este
agrupamento está provavelmente relacionado a lugares com uma menor
quantidade e/ou diversidade de artefatos, indicando áreas de atividades
específicas (áreas entaipadas e oficinas líticas) ou acampamentos (sítios
lito-cerâmicos pouco densos).
O agrupamento à esquerda é formado por sítios lito-cerâmicos
densos, conjuntos de estruturas subterrâneas e um sítio lítico com
112
micro-estrutura. Aqui os sítios evidenciam uma maior diversidade
artefatual, indicando áreas de atividades domésticas intensas. Também
mostra uma homogeneidade entre os conjuntos líticos de sítios lito-
cerâmicos e de estruturas subterrâneas mostrando que atividades
semelhantes são desenvolvidas nestes locais. A presença neste grupo de
um sítio lítico que apresentou evidências de uma cabana parece sugerir
uma continuidade da manufatura lítica entre o período pré-cerâmico e o
cerâmico.
113
Capítulo 6
Costurando os Lugares: tentativas de interpretação do
sistema de assentamento em Barra Grande
Após entender o uso do espaço em lugares definidos na Paisagem,
chegou o momento de entender a inter-relação destes lugares em sua
organicidade, tendo como referencial a compreensão de sistemas de
assentamento.
Este é um conceito definido e largamente utilizado pela
Arqueologia Processual. Busca fundamentalmente entender a relação
dos sítios entre si e destes com o meio ambiente no entorno, numa
perspectiva adaptacionista, ecológico-cultural e funcionalista
(BINFORD, 1985).
Aqui utilizamos este conceito como uma forma de organizar os
dados e compreender a dinâmica do espaço na região, mais do que
concordar com os pressupostos teóricos que estão por trás de seu uso
por parte da arqueologia processual.
6.1. Função de estruturas e concentrações
Tradicionalmente conceituadas como “casas”, as estruturas
subterrâneas foram objeto de discussões sobre a possibilidade de
servirem para outras funções que não habitação (REIS, 1980; REIS,
1997). Reis (1980) levantou a hipótese de diferenças funcionais das
estruturas segundo os tamanhos que se apresentam: as de pequenas
dimensões para poços de armazenamento, as médias e grandes
enquanto residências, e as extragrandes para fins cerimoniais
8
. A
autora, no entanto, não utiliza dados empíricos para suas conclusões.
Trabalhos mais recentes no Planalto têm demonstrado
efetivamente que todas estruturas subterrâneas até agora trabalhadas
8
Aqui as medidas utilizadas pela autora foram adaptadas à minha escala. A escala original da autora,
considerada aqui com intervalos muito longos, é a seguinte: “estruturas de 2 a 5 m como estruturas
pequenas, de 6 a 8 m como estruturas médias e de 9 a 20 m como estruturas grandes...”(1980: 138)
114
são habitações, desde as pequenas estruturas, até estruturas de mais
de 15 metros de diâmetro (SCHMITZ et alli, 2002; COPÉ & SALDANHA,
2002)
As estruturas subterrâneas escavadas na região de Barra Grande
são certamente unidades domésticas, sem diferenças funcionais em
relação ao tamanho. Mesmo a análise multi-variada realizada,
comparando os conjuntos artefatuais que existiam no interior das
estruturas A, B e C do sítio Leopoldo 5, não mostrou diferenças
significativas, indicando que atividades semelhantes ocorriam no
interior de todas estruturas.
As áreas entaipadas são conhecidas na bibliografia como
dançadores, ou, como são popularmente conhecidas, “terreiro de
danças dos bugres”. As escavações no interior delas demonstraram que
este tipo de estrutura estava ligada ao depósito de restos humanos
cremados sobre pisos de argila queimada. O fato de existir uma grande
quantidade destas estruturas e de mais de uma pessoa ser sepultada
nos montículos afasta a hipótese de se tratar de cemitérios de
indivíduos importantes como foi sugerido por Beber (2004). Estes
cemitérios eram familiares e ligados sempre a um conjunto de
estruturas subterrâneas próximo. Ainda não é possível indicar que
outras atividades ocorriam na sua proximidade, mas sua função é
claramente cerimonial.
A maior parte das concentrações dos sítios lito-cerâmicos são
evidências de unidades domésticas. No interior destas concentrações
encontramos fogueiras, negativos de estacas e um arranjo artefatual
característico de movimentação humana no entorno de fogueiras
(O’CONNEL, 2001). Alguns sítios são mais densos, indicando moradias
mais permanentes (AG-40 e Pedreira) enquanto outros parecem mais
com refúgios temporários de famílias nucleares (AG-47 S3 e PE-22).
Pelo menos três sítios líticos parecem ser unidades domésticas de
um período a-cerâmico: os sítios AG-47 S2, AG-15 e Rincão dos
Lourenços. A análise de artefatos indicou uma pluralidade de
atividades, e nas suas concentrações foram localizadas micro-
115
estruturas de fogueiras e negativos de estacas conformando possíveis
abrigos de material perecível.
O único abrigo-sob-rocha trabalhado na região indicou seu
aproveitamento como um rápido acampamento de grupos pré-
ceramistas, fabricantes de pontas de projétil líticas. Em seu interior
foram encontradas as etapas finais de fabricação de instrumentos
pequenos (lascas e microlascas). As etapas iniciais da cadeia operatória
estariam presentes no sítio AG-97 A.
Duas concentrações de artefatos líticos são claramente oficinas
de lascamento (o sítio AG-97 A, citado acima, e AG-47 setor M), onde
são evidenciadas as primeiras etapas de cadeias operatórias de
fabricação de instrumentos líticos. Poucos instrumentos finalizados
foram localizados nestes locais.
O restante dos sítios líticos, tanto grandes quanto pequenos, são
áreas de atividade específicas, como indicado pela baixa variabilidade
dos instrumentos líticos. Nestes sítios são encontrados talhadores
bifaciais, alguns unifaces e poucas lascas de reativação de gumes de
biface. Somente uma análise traceológica dos artefatos líticos poderá
indicar que atividades são desempenhadas. A hipótese que tenho é que
nestes locais havia a necessidade de uso de instrumental pesado,
possivelmente para derrubada de mata. Uma vez que estes sítios estão
preferencialmente nas áreas mais baixas, em zonas de encosta, onde as
temperaturas são mais altas e o solo é mais espesso, estes artefatos
líticos podem estar ligados à abertura de clareiras para posterior cultivo
de roças.
6.2. Cronologia
O estabelecimento de cronologias para o entendimento da
dinâmica da ocupação humana em determinadas áreas necessita de
uma série de datações absolutas. Infelizmente, datações confiáveis são
extremamente caras para os padrões da pesquisa realizada no Brasil.
Temos assim que trabalhar com poucas datações, procurar amarrar
116
nossas cronologias com o conhecimento de outras áreas vizinhas e
acreditar que, em certos casos, a localização de sítios e seus
espaçamentos podem fornecer cronologias relativas (WUST, 1990: 366).
Dentro da área da Barra Grande tem-se à disposição oito
datações radiocarbônicas. Seis delas foram publicadas por Mentz
Ribeiro (1985) e duas foram obtidas durante o resgate do canteiro de
obras da UHE Barra Grande em 2002. Através destas datas, pode-se
afirmar que a região foi certamente ocupada por grupos nativos entre os
século XIII e XIX D.C.
Seis datações são derivadas de carvões do interior de estruturas
subterrâneas, uma datação provém de restos de cremação de áreas
entaipadas e uma datação é de um sítio lito-cerâmico a céu aberto.
A partir do gráfico de calibragem de datações realizado com o
programa OxCal, posso perceber nitidamente três períodos principais,
sem descontinuidade. O mais antigo cobre o período entre 1250 e 1450
A.D. e é representado por datas de duas estruturas subterrâneas e uma
área entaipada. Um segundo período fica entre 1400 e 1650 A.D. e é
representado por datações de quatro casas subterrâneas. O período
mais recente cobre desde 1620 A.D. até o século XIX, sendo
representado pela datação de um sítio lito-cerâmico a céu aberto.
Atmospheric data from Stuiver et al. (1998); OxCal v3.9 Bronk Ramsey (2003); cub r:4 sd:2 prob usp[chron]
1000CalAD 1500CalAD 2000CalAD
Calibrated date
RS-PE-10A1020 390±50BP
RS-PE-10A4050 465±40BP
RS-PE-10B2030 355±50BP
RS-PE-26A5060 635±45BP
RS-PE-28A4050 420±55BP
RS-PE-28A100110 650±55BP
SC-AG-98-6070 560±50BP
SC-AG-40-30 180±50BP
Gráfico 3: Datações calibradas para área de Barra Grande.
117
Algumas constatações emergem disto. Primeiro, fica clara a
contemporaneidade entre sítios com estruturas subterrâneas e áreas
entaipadas. Duas datas de um mesmo sítio, mas de estruturas
diferentes, sugerem ainda a contemporaneidade também das estruturas
subterrâneas dentro de um mesmo assentamento.
O sítio a céu aberto forneceu uma data extremamente recente.
Por ser claramente um sítio denso de habitação, ele não deve ser
contemporâneo das estruturas subterrâneas grandes da região. Ele
possui uma data semelhante a outras obtidas em Vacaria derivadas de
estruturas subterrâneas pequenas, interpretadas como resultado de um
período de instabilidade, causada pela invasão dos europeus nos
territórios tradicionais (SCHMITZ et alli, 2002). Estes sítios a céu aberto
densos, desta forma, podem estar indicando o período de abandono das
práticas tradicionais de construção de casas subterrâneas para
habitações no nível do chão, tipo de assentamento constatado no
período de contato do colonizador europeu com os grupos Jê do Sul.
Os sítios líticos de habitação não foram datados e podem ser
anteriores às primeiras estruturas subterrâneas na região. Uma
fogueira pré-cerâmica foi datada em Machadinho, a cerca de 10 Km da
área de Barra Grande, em 1000 A.P. (MONTICELLI, 1999), podendo ser
um indicativo da data aproximada destes tipos de sítios.
Os demais sítios líticos são áreas de atividade que podem ser de
qualquer período indicado acima.
6.3. Territórios de assentamento
6.3.1. Os agrupamentos de sítio
Aqui procuro analisar a distribuição dos sítios, com o objetivo de
identificar possíveis arranjos que permitam compreender a estrutura e
funcionamento do sistema em questão.
Para isto, busquei caracterizar os agrupamentos de sítios na área.
Inicialmente trabalhei com a análise do vizinho mais próximo (HODDER
118
& ORTON, 1976: 55), com o objetivo de caracterizar agrupamentos de
sítios.
A análise de vizinho mais próximo, realizada com o programa geo-
estatístico Crime Stat, revelou 12 agrupamentos mais significativos de
sítios, através de construção de elipses geo-referenciadas. Dentro de
cada elipse foram agrupados sítios cuja proximidade espacial é
estatisticamente significativa, indicando uma possível relação. Os
agrupamentos são os seguintes:
Agrupamento 1: formado pelos sítios AG-99 (área entaipada) e AG-2
(Casas subterrâneas).
Agrupamento 2: formado pelos sítios BG-6 (área de atividade lítica), BG-
7 (área de atividade lítica), BG 47 SM1 (oficina lítica),
BG-47 S2 (Unidade doméstica pré-cerâmica), BG-47
S3 (unidade doméstica cerâmica), BG-40 (sítio denso
cerâmico), BG-95 (área entaipada), BG-96 (área de
atividade lítica grande), BG-97 B (área de atividade
lítica extra-grande), AG-97 A (oficina lítica), BG-98
(área entaipada), e BG-100 (área entaipada).
Agrupamento 3: formado pelos sítios BG-11 (área de atividade lítica),
AG-13 (área de atividade lítica), AG-14 (área de
atividade lítica), AG-15 (unidade doméstica pré-
cerâmica) e AG-38 (área de atividade lítica).
Agrupamento 4: formado pelos sítios A76 (área de atividade lítica), AL77
(área de atividade lítica) e A69 (área de atividade lítica).
Agrupamento 5: formado pelos sítios A77 (área de atividade lítica), A50
(área de atividade lítica), A57 (oficina lítica), A92 (área
de atividade lítica), e A93 (área de atividade lítica).
119
Agrupamento 6: formado pelos sítios Le 5 (estruturas subterrâneas), Le
6 (oficina lítica), Le 7 (áreas entaipadas) e Área SW
(área de atividade lítica).
Agrupamento 7a: formado pelos sítios Le 1 (estrutura subterrânea), Le
2 (estruturas subterrâneas), Le 4 (estruturas
subterrâneas), Le 8 (estrutura subterrânea), Le 9 (área
de atividade lítica), e Posto fiscal (área entaipada).
Agrupamento 7b: formado pelos sítios Avelino 1 (estruturas
subterrâneas), Avelino 2 (áreas entaipadas), Le 3
(estruturas subterrâneas), e Avigia (estrutura
subterrânea).
Agrupamento 8: formado pelos sítios GP2 (estruturas subterrâneas),
GP3, (estruturas subterrâneas), Entulhado (estruturas
subterrâneas) e Reco (área entaipada).
Agrupamento 9: formado pelos sítios Ari 1 (estruturas subterrâneas),
Ari 2 (estruturas subterrâneas), Ari 3 (sítio cerâmico
denso), Ari 4 (estruturas subterrâneas), Ari 6
(estrutura subterrânea) e Pedreira (sítio cerâmico
denso).
Agrupamento 10: formado pelos sítios JF1 (estruturas subterrâneas) e
JF2 (áreas entaipadas).
Agrupamento 11: formado pelos sítios Conceição 1 (estruturas
subterrâneas), Conceição 2 (estruturas subterrâneas) e
Conceição 3 (estruturas subterrâneas).
120
NNH1Ell1
NNH1Ell8
NNH1Ell7
NNH1Ell3
NNH1Ell5
NNH1Ell9
NNH1Ell6
NNH1Ell4
Gp2
Le8
Le3
Le2
Le5
Le9
Le6
A77
A50
A93
A92
L77
A76
L69
P-09
P-04
P-06
Ari1
Ari5
Ari2
L37b
P-25
P-01
P-13
P-14
Ari3
P-05
P-02
bg-8
bg-7
P-26b
P-26A
BG-99
BG-98
bg-95
BG-40
bg-36
bg-35
bg-14
bg-15
bg-38
bg-11
bg-96
bg-97
Debora
Aduelas
Joao fid
Avelinob
EStnovab
Pedreira
ag-47lit
Avelino 1
Louren‡os
Jfidenciob
Consoladora
BG-47 ceram
Est circular
ESt circular
ESt circular
Est circular
ESt circular
Est circular
cerro alegre
Adelino Paga2
estruturas subterraneas
479000,000000
479000,000000
481000,000000
481000,000000
483000,000000
483000,000000
485000,000000
485000,000000
487000,000000
487000,000000
489000,000000
489000,000000
491000,000000
491000,000000
6914000,000000
6915000,000000
6916000,000000
6917000,000000
6918000,000000
6919000,000000
6920000,000000
6921000,000000
6922000,000000
6923000,000000
6924000,000000
6925000,000000
6926000,000000
6927000,000000
6928000,000000
6929000,000000
1.550 0 1.550775 Meters
.
1
2
3
4
5
6
7a
7b
8
9
10
11
Figura 35: Agrupamentos de sítios na área sob estudo. Em amarelo estão os
números dados aos agrupamentos
121
Pode-se observar a extrema variabilidade em cada concentração.
Algumas são agrupamentos de estruturas subterrâneas, áreas
entaipadas, sítios lito-cerâmicos e variados tipos de sítios líticos. Outras
possuem pouca variedade de sítios. Deve-se ainda ressaltar que 16
outros sítios, de estruturas subterrâneas, áreas entaipadas, sítios lito-
cerâmicos e sítios líticos, não se agruparam em nenhuma elipse.
Acredito que o principal motivo de algumas áreas apresentarem
uma grande variabilidade é derivado de um palimpsesto de reocupações
ao longo do tempo. Refiro-me especificamente à área 2.
Nesta concentração, há sítios líticos pré-cerâmicos, sítios lito-
cerâmicos pequenos, sítios lito-cerâmicos densos, estruturas
subterrâneas, áreas entaipadas e sítios líticos de atividade específica.
Aceitando a cronologia que propus acima, há, claramente, pelo menos
três períodos principais de ocupação: um mais antigo, há cerca de 1000
A.P., representado pelos sítios-habitação pré-cerâmicos; outro período
representado pelas áreas entaipadas, estruturas subterrâneas e sítios
lito-cerâmicos; e, finalmente, os sítios lito-cerâmicos densos, em uma
última fase de ocupação. Pelo menos duas datas confirmam esta
diacronia, uma de 560±50 A.P., derivada de uma área entaipada, e
outra de 180±50 A.P., de um sítio lito-cerâmico denso.
Algumas áreas apresentam um conjunto de sítios diversificados,
mas que parecem representar um único período de ocupação, com
presença de conjuntos de estruturas subterrâneas, áreas entaipadas e
áreas de atividade líticas. Refiro-me especialmente às áreas 6, 7a, 7b, 8
e 10.
As áreas 3, 4 e 5 são agrupamentos de áreas de atividade líticas e
devem representar recorrências de uso destes locais para funções
específicas.
Outras áreas são formadas exclusivamente por agrupamentos de
conjuntos de estruturas subterrâneas, podendo ou não representar
diacronia na ocupação destes locais. Datações em sítios com estruturas
subterrâneas de outras partes do Planalto (Caxias do Sul e Vacaria)
demonstraram que, em um mesmo sítio, podem ocorrer estruturas
122
subterrâneas próximas com datações diferentes, comprovando
reocupações freqüentes destes locais. Refiro-me às áreas 9 e 11.
Por último, antes de trabalhar mais profundamente estes
agrupamentos, gostaria de ressaltar, baseado nas poucas datações
disponíveis, a contemporaneidade de, pelos menos, quatro deles entre o
período do século 13 e 16 D.C. Esta contemporaneidade vai ser
importante na argumentação da estrutura do sistema de assentamento
da região em uma longa duração.
6.4. Interpretação do sistema de assentamento no segundo
período de ocupação
Aqui gostaria de oferecer uma interpretação do sistema de
assentamento do segundo período de ocupação da região, por ser o
período com dados mais consistentes. Este segundo momento de
ocupação está representado pelos sítios com estruturas subterrâneas,
áreas entaipadas e áreas de atividade líticas. Estes tipos de sítios estão
representados em todos agrupamentos, em alguns com maior
densidade, em outros com menor. Outros sítios com estruturas
subterrâneas e áreas entaipadas aparecem também isolados de
agrupamentos.
Percebe-se nos agrupamentos 7a, 7b, 8, 9 e 11, que possuem
mais de um conjunto de estruturas subterrâneas, um arranjo bem
definido: conta-se com um sítio com maior densidade de estruturas,
seguido por uma maioria absoluta de sítios com baixa densidade. Nos
agrupamentos 7a, 7b e 8 percebe-se ainda a presença de áreas
entaipadas.
Estes dados parecem sugerir que cada um destes sítios com alta
densidade constituiria o centro de um agrupamento de sítios,
delimitados pelos platôs característicos da formação planáltica.
Nos agrupamentos com apenas uma concentração de estruturas
subterrâneas, como é o caso das áreas 2, 6 e 10, conta-se ainda, no
entorno, com áreas de atividade líticas e áreas entaipadas.
123
Tomando as concentrações com estruturas subterrâneas como
unidades habitacionais significativas deste período, aliadas aos sítios
residenciais isolados de concentrações, a média de espaçamento entre
os quatro vizinhos mais próximos, é de 1,785 km, ou seja, cerca de 900
m de raio. Os espaços mantidos entre eles serão denominados
“territórios extensos de sítio” (cf ROBRAHN, 1989).
A fim de delimitarmos melhor o espaçamento entre as unidades
significativas foi utilizado o método dos polígonos de Thiessen
(HODDER & ORTON, 1976). A situação dos agrupamentos fornecida
pelos polígonos, quando sobreposta ao mapa cartográfico, parece
indicar um modelo gravitacional adaptado às curvas de nível que
delimitam os platôs planálticos. Assim, há uma situação em que os
espaços entre os agrupamentos estão relacionados com os contornos
destes platôs.
Figura 36: Polígonos de Thiessen delimitando possíveis territórios extensos de
sítio
Dentro de cada “território extenso” conta-se ainda com uma
maior ou menor quantidade de áreas de atividade líticas, além da
presença de áreas entaipadas.
124
A partir destas informações sugiro um esquema de ocupação
relacionada aos construtores de estruturas subterrâneas na região de
Barra Grande. Ela se deu através da formação de agrupamentos de
sítios delimitados pelos platôs característicos do planalto. Os
agrupamentos maiores eram compostos por um sítio com alta
densidade de estruturas subterrâneas, tendo ao seu redor diversos
sítios com baixa densidade. Existiam agrupamentos menores, mas no
seu entorno, na maioria das vezes, foram identificadas áreas de
atividades líticas e áreas entaipadas. Os agrupamentos se distribuiriam
de forma a garantir um espaço livre entre eles (cerca de 1,8 Km de raio),
para exploração de recursos.
Uma vez que os agrupamentos mostraram-se de forma bem
estruturada, esta recorrência, aliada às datações radiocarbônicas
disponíveis, pode ser vista como um forte indicador da concomitância
entre os sítios, ou de regras estritas na forma de exploração do
território.
Com objetivo de procurar entender a distribuição dos sítios,
trabalhei com a perspectiva de hierarquia de sítios. O termo hierarquia
de sítios é amplamente utilizado na Arqueologia espacial como forma de
compreensão da forma da distribuição das comunidades pré-históricas.
Uma hierarquia de sítios pode nos informar a existência de centros
sócio-políticos ou de lugares preferenciais de ocupação na Paisagem,
tendo sido sugerido anteriormente para compreendermos os sítios do
Planalto (REIS, 2002).
De acordo com Wason (1996), a existência de uma hierarquia
pode ser baseada no tamanho dos assentamentos ou na própria
complexidade das estruturas presentes.
Para investigar estas evidências na área de Barra Grande,
quantifiquei o número de estruturas subterrâneas presentes em cada
agrupamento de sítio. Com esta informação, elaborei um mapa de
superfície de tendência (HODDER & ORTON, 1976), que indicou os
pontos na paisagem com maior concentração destas unidades
habitacionais.
125
O mapa demonstra a existência de dois picos de densidade, um
localizado a Oeste e outro a Leste, com pontos focais nos agrupamentos
7a, 7b e 10. Entre eles aparecem picos menores ou áreas com presença
negativa de estruturas.
Gp2
Gp1
Le8
Le3
Le2
Le1
Le5
P-09
P-04
P-06
Ari1
Ari5
Ari4
Ari2
P-26b
P-26A
Joao fid
Concei‡Æo
Entulhada
Avelino 1
Consoladora
Adelino Paga2
Avelino vigia
1.360 0 1.360680 Meters
.
Figura 37: Superfície de tendência mostrando as principais concentrações de
estruturas subterrâneas. Branco é a maior densidade e preto é a menor.
A seguir, trabalhei com a média do tamanho das estruturas
subterrâneas presentes em cada agrupamento para elaboração da
superfície de tendência, o que poderia indicar lugares preferenciais de
ocorrência de estruturas maiores, que precisariam de um maior esforço
para sua construção.
126
O gráfico, ao contrário do anterior, se mostrou mais disperso,
com, pelo menos quatro focos principais. A média maior, no entanto,
ficou dispersa no entorno do agrupamento 7a.
Para melhor investigar estes padrões, realizei um cálculo de
número de estrutura X média do tamanho de estruturas, através do
cálculo das duas superfícies já elaboradas. O gráfico resultante
demonstra novamente dois picos principais, também dispersos no
entorno dos agrupamentos 7a, 7b e 10.
Gp2
Gp1
Le8
Le3
Le2
Le 1
Le5
P-09
P-04
P-06
Ari1
Ari5
Ari4
Ari2
P-26 b
P-26A
Joao fid
Concei‡Æo
Entulhada
Avelino 1
Consoladora
Adelino Paga2
Avelino vigia
1.360 0 1.360680 Meters
.
Figura 38: Superfície de tendência calculada com a multiplicação do número de
estruturas X média do tamanho das estruturas.
Estas informações já levantadas permitem identificar dois
principais agrupamentos de sítios, baseadas no esforço construtivo que
127
representa a construção de um grande número de estruturas
subterrâneas, aliado à presença de estruturas de tamanhos maiores.
Investiguei também a relação entre o tamanho das áreas
entaipadas e sua localização, também com a premissa de que quanto
maior estas estruturas, maior o investimento em trabalho gasto na sua
construção.
Gp2
Gp1
Le8
Le 3
Le2
Le1
Le5
P-04
P-06
Ari1
Ari5
Ari4
Ari2
P-26b
Joao fid
Concei‡Æo
Entulhada
Avelino 1
Consoladora
Adelino Paga2
Avelino vigia
1.280 0 1.280640 Meters
.
Figura 39: Barras indicando tamanhos de áreas entaipadas colocadas sobre a
superfície de tendência calculada com a multiplicação do número de estruturas
X média do tamanho das estruturas.
As áreas entaipadas estão dispersas ao longo da superfície de
tendência, nas direções Leste, Oeste, centro e Norte. Deve-se notar que
pelo menos seis destas estruturas estão correlacionadas com uma
128
maior densidade de estruturas subterrâneas, enquanto outras três, ao
centro e ao Norte, aparecem isoladas.
Uma área entaipada chama atenção quanto ao seu tamanho,
localizada a Oeste, associada com o agrupamento 7a, com diâmetro de
70 metros.
As menores áreas entaipadas localizadas na área de estudo estão
a Leste, associadas com o agrupamento 10.
Estes dados até agora levantados permitem perceber duas
concentrações principais na região, uma localizado a Leste e outra a
Oeste. Estes locais concentram uma maior quantidade de unidades
habitacionais, sugerindo uma maior concentração populacional, ou
uma maior recorrência de reocupações.
A concentração a Oeste, no entanto, devido à presença de
estruturas subterrâneas maiores (uma chegando a medir 21 metros de
diâmetro) e de uma grande área entaipada, pelo esforço coordenativo e
cooperativo que demandam, ultrapassando certamente um trabalho ao
nível de grupo doméstico, sugerem um local central, de grupos com
uma certa centralização sócio-política.
Esta interpretação vai de acordo com a já levantada por Schmitz
de que os assentamentos dos grupos do Planalto estariam “indicando
um povoamento estável, por uma população de certa densidade, que
deveria ter superado o nível de integração de bando e alcançado o de
tribo” (SCHMITZ, 1988b: 121).
A distribuição dos agrupamentos principais, curvas de nível,
hidrografia e gráfico de barras, mostrando o tamanho das áreas
entaipadas, da maior estrutura subterrânea encontrada nos sítios e do
número de estruturas subterrâneas pode ser vista abaixo. Este mapa
permite perceber com maior clareza a associação entre um maior
número de estruturas subterrâneas e presença de grandes estruturas
subterrâneas e áreas entaipadas no agrupamento 7a.
129
Gp2
Gp1
Le8
Le3
Le2
Le1
Le5
Ari1
Ari5
Ari4
Ari2
Joao fid
Entulhada
Avelino 1
Adelino Paga2
Avelino vigia
481000,000000
481000,000000
482000,000000
482000,000000
483000,000000
483000,000000
484000,000000
484000,000000
485000,000000
485000,000000
6919 000,000000
6919 000,000000
6920000,000000
6920000,000000
6921000,000000
6921000,000000
6922 000,000000
6922 000,000000
6923 000,000000
6923 000,000000
620 0 620310 Meters
.
Legenda
40
TAMANHO TAIPA S
12
TAMANHO DA MAIOR ESTRUTURA
QUANTIDADE DE ESTRUTURAS SUBT
Figura 40: distribuição dos agrupamentos principais, curvas de nível, hidrografia e gráfico de
barras, mostrando o tamanho das áreas entaipadas, da maior estrutura subterrânea encontrada
nos sítios e do número de estruturas subterrâneas
130
Capítulo 7
A Paisagem e os Lugares
Tratei no capítulo anterior dos lugares e como estes estavam
organizados no espaço. Este tratamento, entretanto, como frisei
anteriormente, buscava uma certa organicidade destes lugares,
tratando o espaço a partir de suas propriedades abstratas, como
distâncias, funções e elementos quantificáveis a partir dos próprios
sítios.
Este capítulo procura apresentar uma perspectiva diferente, ao
tratar as propriedades naturais da paisagem e como as populações
humanas significaram estas propriedades através da forma e
distribuição dos lugares nesta paisagem.
Para a caracterização da paisagem, segui os passos metodológicos
sugeridos por Boado (1999), que são: caracterização das formas básicas
e específicas do terreno, visibilidade e visualização e definição das
funções práticas potenciais do espaço estudado.
Neste capítulo, o Sistema de Informações Geográficas foi utilizado
largamente como uma ferramenta exploratória para reconstrução da
paisagem da região. As rotinas específicas para caracterização das
informações geográficas trabalhadas serão descritas no momento
oportuno.
7.1. Análise fisiográfica
Ao fixar-me na rede hidrográfica, divisores de água, acidentes e
formas de relevo, procuro caracterizar a forma básica da área sob
investigação (BOADO, 1999: 25).
A área é formada por uma estreita zona baixa – junto à
calha do rio Pelotas e coberta por floresta ombrófila mista do tipo
Montana –, uma zona alta – caracterizada pelos terrenos aplanados
típicos do alto do Planalto – e uma zona intermediária – acidentada e de
transição entre a alta e a baixa.
131
Morfologicamente, é esta zona de transição a que mais se destaca
pela heterogeneidade. Ela é formada por uma série de vales de arroios
menores, contendo a maior parte da mata da floresta ombrófila mista
do tipo alto montana da área. Os vales dos arroios são divididos por
zonas mais altas e planas, metade tomada por mata de pinheiros,
metade coberta por zonas de campo.
Figura 41: Visibilidades a partir de duas zonas diferentes. Acima, forma da área
vista a partir das zonas altas de campo. Embaixo, vista a partir das zonas baixas
próximas ao rio Pelotas. As barras representam sítios arqueológicos.
132
Quanto à forma específica, analisando o relevo em maior detalhe,
pode-se perceber uma série de unidades fisiográficas nesta área de
transição. Ela é formada por, pelo menos, 11 divisores de água maiores,
que são estrangulados de tempos em tempos por vales menores,
formadores de arroios. Estes estrangulamentos criam sub-zonas na
região, formadas por platôs e delimitadas pelas calhas dos arroios.
Ao sobrepor os agrupamentos de sítio com o mapa fisiográfico da
área, pode-se perceber que os agrupamentos, grosso modo, estão
individualizados dentro destas sub-zonas, como se cada uma delas
fosse um território de agrupamentos específicos.
Figura 42: Fisiografia da região de Barra Grande.
133
7.2. Visibilidade e visibilização
O passo seguinte no estudo da paisagem na área de Barra
Grande foi realizar análises de visualização (o que se vê a partir de um
determinado sítio arqueológico) e visibilidade (o quanto um sítio é visível
a partir de determinados lugares) (BOADO, 1999).
Inicialmente, tratei de individualizar a área através de diagramas
de permeabilidade visual (BOADO, 1999: 26). Este diagrama permite
identificar áreas de visibilidade fechada e áreas de visibilidade ampla.
Esta análise permite definir a orientação visual predominante na área e
a relação entre esta orientação e os lugares arqueológicos.
!(
!(
!(
!(
!(
!(
!(
!(
!(
!(
!(
480000
,
000000
480000,000000
484000
,
000000
484000,000000
488000
,
000000
488000,000000
691600 0,000000
691600 0,000000
692000 0,000 000
692000 0,000 000
692400 0,000000
692400 0,000000
692800 0,000000
692800 0,000000
Le ge nda
rio Pe l ota s
sitios liticos
!(
areas entaipadas
ceram icos c aberto
casas subterr aneas
.
1. 5 7 0 0 1. 5 7 0785 Meters
Figura 43: Zonas panorâmicas (bege) e zonas visualmente fechadas (cinza).
O diagrama de permeabilidade visual permite identificar as zonas
panorâmicas, lugares que pela sua proeminência permitem
interconectar zonas não visíveis entre si. Estes lugares proeminentes,
devido à sua altitude e relevo relativamente plano, permitem uma
134
ampla visualização de toda área de estudo. Os lugares com estruturas
subterrâneas, áreas entaipadas, sítios líticos com micro-estruturas e
lito-cerâmicos a céu aberto estão inseridos nas panorâmicas ou na
proximidade destas.
As zonas visualmente fechadas se localizam dentro dos
vales de arroios do rio Pelotas. Estas zonas encontram-se cercadas
pelos divisores de água, encerrando o espaço compreendido
visualmente. A maior parte dos sítios líticos estão nestes pontos.
A intervisibilidade entre os sítios também é fundamental para
compreender a apropriação da paisagem. Através do modelo digital do
terreno e do ponto escolhido para análise, o SIG elabora mapas de
áreas visíveis e não visíveis a partir do ponto. Esta rotina foi elaborada
com cada sítio individualmente. A seguir elaborei diagramas de
intervisibilidade entre os diferentes tipos de lugares.
Figura 44: Diagramas de intervisibilidade entre áreas entaipadas (acima à
esquerda), casas subterrâneas (acima à direita) e sítios lito-cerâmicos a céu
aberto (abaixo).
Isto permitiu verificar que a partir dos lugares com estruturas
subterrâneas e sítios lito-cerâmicos se tem a melhor visualização dos
135
outros sítios no entorno (inclusive as áreas entaipadas). Por outro lado,
em sítios com áreas entaipadas a visualização é restrita. Quase todas
estruturas são visíveis entre si, mas outros sítios são pouco visíveis.
O gráfico abaixo resume estas observações. O primeiro grupo de
barras mostra o número de intervisibilidades das áreas entaipadas.
Como pode-se observar, poucos lugares com estruturas subterrâneas e
sítios lito-cerâmicos são visíveis a partir delas. A maior parte das
visibilidades são de lugares com construções de taipas.
O segundo e o terceiro grupo de barras mostra a visibilidade de
lugares com sítios lito-cerâmicos e estruturas subterrâneas,
respectivamente. Os sítios líticos não possuem intervisibilidade.
CS
CS
CS
taipas
taipas
taipas
litocer
litocer
litocer
0
5
10
15
20
25
30
35
taipas litoc CS
CS
taipas
litocer
Gráfico 4: Gráfico mostrando a intervisibilidade entre os lugares arqueológicos.
Com o objetivo de melhor entender a visibilidade a partir destes
lugares, calculei o máximo de sítios visíveis a partir de cada tipo de
lugar. O gráfico abaixo mostra que os lugares com menor visibilidade
são os que possuem áreas entaipadas, seguidos por lugares com
estruturas subterrâneas. O maior número de visibilidades se dá em
lugares com sítios lito-cerâmicos.
136
0
10
20
30
40
50
60
70
80
taipas litoc CS
Gráfico 5: Número de sítios visíveis a partir de áreas entaipadas, lito-cerâmicos e
casas subterrâneas, respectivamente.
Resumindo as informações sobre visibilidade e visualização na
área sob estudo, tem-se a seguinte configuração: a área possui uma
zona panorâmica e outra zona visualmente fechada. Os sítios líticos,
que foram anteriormente definidos como de atividade específica, estão
inseridos em zonas encerradas nos vales, não permitindo um domínio
visual da área.
Os demais, sítios de habitação (estruturas subterrâneas e lito-
cerâmicos a céu aberto) e cerimoniais (áreas entaipadas), estão
localizados junto às panorâmicas.
Entretanto, estes sítios não estão distribuídos homogeneamente
na área, pois possuem diferentes intervisibilidades. As áreas escolhidas
para conter áreas entaipadas possuem uma visibilidade restrita dos
outros tipos de sítio. Sua intervisibilidade é fechada, estando mais
voltada para visualização entre as áreas entaipadas entre si, do que
entre os demais lugares. Por outro lado os sítios lito-cerâmicos estão
inseridos em locais mais privilegiados visualmente, possuindo um
domínio amplo da área.
137
7.3. Trânsito
Parti, então, para a compreensão das linhas de trânsito
oferecidas pela paisagem natural (BOADO, 1999: 26). Dentro desta
perspectiva, uma paisagem pode ser classificada em caminhos (linhas
que ligam lugares), pontos nodais (pontos para onde convergem os
caminhos) e distritos (áreas delimitadas da paisagem, onde se encerram
os caminhos).
Através da análise do modelo digital do terreno, o SIG ofereceu os
caminhos mais fáceis e mais difíceis de se movimentar na paisagem,
baseado na declividade do terreno.
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1.500 0 1.500750 Meters
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Figura 45: Mapa mostrando a superfície de custo calculada para um sítio e os
caminhos e menor custo para alcançar os outros sítios.
138
Para cada sítio arqueológico, individualmente, elaborei superfícies
de custo para se movimentar ao longo da paisagem. Estas superfícies
foram baseadas principalmente em declividade e distância.
Após a elaboração da superfície de custo, era pedido ao SIG para
que fosse elaborado o caminho de menor esforço ligando o sítio
analisado com os demais sítios arqueológicos. Esta rotina foi realizada
com todos os sítios da área.
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Legenda
sitios liticos
ceramicos c aberto
pontos nodais
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areas entaipadas
casassubterraneas
Tr an si to
contour
Figura 46: Mapa mostrando o diagrama de trânsito na região (linha cinza), os
pontos nodais de trânsito (triângulos), e sua relação com os locais com áreas
entaipadas (circulo claro)
Estas análises permitiram elaborar diagramas de permeabilidade
do espaço analisado, definindo linhas que permitem mais facilmente se
movimentar no terreno e isolando pontos-chave no trânsito,
principalmente os pontos nodais.
139
A partir desta análise, consegui identificar padrões interessantes
na disposição dos diferentes sítios. As estruturas subterrâneas estão
dispostas ao longo dos caminhos mais fáceis de se movimentar sobre o
terreno, em locais que se pode denominar como distritos. As estruturas
circulares, por outro lado, estão dispostas exatamente sobre locais de
convergência destes caminhos, sobre pontos nodais do transito na
paisagem.
7.4. Funções práticas potenciais
Para procurar entender o modo como os diferentes espaços eram
utilizados pelas populações pré-históricas na região, lancei mão tanto
dos usos tradicionais atuais do solo na região, bem como da analogia
etnográfica com os grupos Jê do Sul do Brasil, aliados aos dados
ambientais e inferências arqueológicas.
Neste sentido, o SIG torna-se uma ferramenta extremamente
valorosa e flexível para gerar cenários hipotéticos e fornecer
perspectivas alternativas para compreensão do comportamento humano
(ROBB & HOVE, 2003:245).
A partir do Modelo Digital do Terreno, foram derivados mapas de
declividade, de aspecto e de hidrologia da área sob investigação. Uma
imagem obtida pelo satélite CBERS do INPE foi reclassificada para obter
o uso atual do solo na região. Um mapa com a vegetação foi
digitalizado, e as informações sobre a vegetação foram obtidas a partir
de Leite & Klein (1990).
A partir do geo-processamento destas informações, sete zonas
ambientais foram definidas: ravinas, zona de inundação de rio, área
alta coberta por savana, formações com baixa declividade coberta por
vegetação de tipo alto-montana, formações com alta declividade coberta
por vegetação de tipo alto-montana, formações com baixa declividade
coberta por vegetação de tipo montana, e formações com alta
declividade coberta por vegetação de tipo montana. Os critérios para
definição destas zonas ambientais podem ser vistos abaixo.
140
Figura 47: critérios para definição do zoneamento ambiental na área
Nestas zonas, podemos definir os seguintes usos potenciais. As
ravinas seriam pouco utilizadas pela alta declividade, a não ser para
alguma caça. A área de alagamento, junto ao canal do rio Pelotas, seria
potencialmente útil para pesca e coleta de moluscos (aqui a obtenção de
matérias-primas para os instrumentos líticos era favorecida). A região
de savanas, nas áreas altas de campo da região, teria pouco uso devido
à pouca quantidade de frutos comestíveis e a pouca espessura dos
solos, o que não favoreceria o cultivo (a caça seria especialmente
importante aqui). De fato, os sítios estão quase ausentes neste
ambiente. Esta também seria a principal zona de deslocamento para
contato com grupos vizinhos, pela facilidade de locomoção por ser plana
e sem vegetação fechada.
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ceramicos c ab erto
casas subterrane as
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2.540 0 2.5401.270 Meters
Figura 48: Zona de savanas, com alguns capões de mato.
A formação alto-montana, localizada acima de 800 m de altitude,
é o local de maior ocorrência da Araucária Angustifólia. Esta zona,
tanto com declividade baixa ou alta, seria a mais propícia para coleta
intensiva do pinhão, fruto da Araucária, além da caça variada que é
atraída para a zona na época de sua frutificação. A baixa espessura do
solo, além da ocorrência de um longo período frio (TMA 15º), não
favoreceria o cultivo. É neste local que ocorrem a maioria dos sítios de
habitação.
142
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ceramicos c aberto
casas su bterrane as
for ma ção alto mo nt ana
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2. 5 40 0 2. 5 401.270 Meters
Figura 49: Zona de floresta de tipo alto-montana. Repare que a maior parte dos
sítios estão inseridos em seu domínio.
A formação Montana, principalmente em áreas com baixa
declividade, seria especialmente propícia para o cultivo de plantas
devido a suas características: segundo Leite & Klein (1990: 123) possui
um clima sem época seca e um período frio curto ou ausente. O solo
espesso, derivado do colúvio, reforça esta aptidão. A maior parte dos
sítios líticos, principalmente os caracterizados como de atividade
específica, estão inseridos neste ambiente.
143
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ceramicos c aberto
casas su bterrane as
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1.650 0 1.650825 Meters
Figura 50: Delimitação da zona de floresta ombrófila, formação Montana. Repare
que a maioria dos sítios líticos de atividade específica estão inseridos nesta
formação
Com estas informações em mãos, proponho resumir os possíveis
usos da paisagem da região por grupos pré-coloniais. Haveria uma zona
alta, inóspita, com pouca utilização; uma zona de formação vegetal de
tipo alto-montana, domesticada, lugar de coleta abundante de frutos do
pinheiro, de consumo e socialização; uma zona mais baixa, de formação
Montana, com poucas evidências de habitação, mas local de possível
amanho da terra para cultivos; e a calha do rio Pelotas, local de pesca e
obtenção de matérias-primas. O mapa abaixo resume estas situações.
144
Figura 51: Usos sugeridos na região de Barra Grande
7.5. Integração dos dados
Chega o momento agora de integrar os dados levantados sobre a
paisagem da região com os lugares, na busca de uma organização da
paisagem arqueológica em Barra Grande.
Na unidade de estudo, pode-se diferenciar pelo menos três
unidades fisiográficas principais independentes: uma alta, plana, com
formação vegetal do tipo savana; uma intermediária, heterogênea, com
áreas de declive suave e abrupto, com formação vegetal do tipo alto-
montana; uma baixa, caracterizada pelos relevos mais acidentados da
área e com formação vegetal do tipo Montana.
145
Apesar de independentes, elas são formações complementares,
pois, como mostrado anteriormente, possuem aptidões funcionais
diferentes: a alta com possibilidade de caça e movimentação, a
intermediária como área de habitação e coleta de pinhão, e a baixa
como área de pesca, coleta, obtenção de matéria-prima e plantio.
A maior parte dos sítios está inserida na zona intermediária,
formando agrupamentos específicos em unidades fisiográficas menores
nos platôs sobre os divisores de água. Os agrupamentos são formados
por unidades habitacionais, áreas entaipadas e áreas de atividade.
A percepção espacial a partir dos diferentes lugares na paisagem
é diferenciada ao levar-se em consideração a visibilidade. As áreas
entaipadas estão inseridas em pontos que só é possível enxergar outras
estruturas deste tipo, enquanto as casas subterrâneas e os sítios a céu
aberto possuem grande domínio visual.
Ao movimentar-se na região, indo de um agrupamento de sítios
para o outro, o primeiro tipo de sítio a se encontrar seria uma área
entaipada, pois estas se inseriam sobre os pontos nodais, localizados
sempre na intersecção das unidades fisiográficas menores, territórios de
agrupamentos de sítios. Assim, eles podem ser entendidos como
marcadores territoriais dos agrupamentos de sítios, indicando àquele
que está se movimentando o sentido que percorre: se está saindo ou
entrando em um território de sítio.
Assim, interpreto a paisagem arqueológica na região de Barra
Grande como sendo basicamente voltada para apropriação e domínio de
espaços menores, definidores de áreas domésticas. Cada área seria
propriedade de grupos domésticos específicos, que nestes locais
desempenhariam suas atividades cotidianas e enterrariam seus mortos.
146
Capítulo 8
Paisagem, Lugares e Cultura Material: uma interpretação
da espacialidade na região de Barra Grande
Este capítulo procura mais provocar novos questionamentos do
que realmente fazer um desfecho do trabalho, e tem como objetivo
integrar as propostas teóricas do início desta dissertação com os dados
levantados nos capítulos subseqüentes. Estou menos preocupado com
a apresentação de dados do que trabalhar temas específicos,
relacionados com contexto e espaço, utilizando uma diversa gama de
informações, sendo basicamente uma prestação de contas
interpretativa. Entretanto, assumo que as interpretações aqui
oferecidas são, na realidade, novas hipóteses que, retro-alimentadas
com novos dados, podem ser comprovadas ou não.
8.1. Origens
A origem do sistema sócio cultural caracterizado pela
denominada cerâmica Taquara e construções de terra ainda é motivo de
debates por parte dos pesquisadores que com ela trabalharam. Duas
idéias gerais estão em voga hoje em dia. A primeira é a de uma origem
autóctone, a partir da adoção da cerâmica por grupos caçadores-
coletores sulinos, caracterizados como tradição Humaitá (SCHMITZ,
1988). Uma segunda explicação estaria na migração de um grupo,
possivelmente advindo do Brasil Central que, chegando em um
ambiente desconhecido, teria se adaptado e criado novas formas
culturais.
Estas idéias foram incorporadas pelos pesquisadores que
trabalharam de alguma forma com a ocupação pré-histórica do Planalto
Sul brasileiro, que então começaram a pensar em uma continuidade
entre a tradição Humaitá e as tradições Taquara, Itararé e Casa de
Pedra (CHMYZ, 1969; MILLER, 1967, 1971; SCHMITZ,1988, 1991;
147
SCHMITZ & BECKER, 1991; RIBEIRO, 1991; KERN, 1981; ROBRAHN
GONZALES, 1998). Outros pesquisadores rejeitam firmemente esta
continuidade, advogando para uma migração, ao estilo Indo-europeu,
de povos Jê a partir do Brasil Central (NOELLI, 1999; ARAUJO, 2001)
Apesar das inúmeras evidências de mudança e inovação cultural,
poucos pesquisadores se arriscaram a explicar tal fenômeno. Schmitz
(1988, 1991) trabalha o problema relacionando o aparecimento da
cerâmica com um “processo geral de neolitização” que ocorreu no
Planalto, que trouxe, juntamente com novos tipos de alimentos
derivados do cultivo, a necessidade da cerâmica.
A explicação do surgimento das estruturas subterrâneas partilha
uma visão adaptacionista. Sua origem estaria relacionada com uma
fase fria, iniciada depois do Ótimo Climático, que forçou as populações
do Planalto a se refugiarem em habitações escavadas abaixo da terra
para se protegerem do frio (KERN, 1989; RIBEIRO, 1991).
Estudos recentes, entretanto, têm levantado inúmeras críticas a
tal pensamento funcional/adaptacionista, relacionando-o a uma
tendência por parte da maioria dos arqueólogos em adotar uma
perspectiva ocidental e etnocêntrica ao lidar com a cultura material,
onde a tecnologia é desenvolvida e utilizada pelas vantagens que elas
apresentam na adaptação ao meio ambiente (HODDER, 1997; SHANKS
& TILLEY, 1996).
Novos modelos explicativos para mudança têm explicitado a
importância de mecanismos relacionados à organização política e social,
que são por sua vez possibilitados por modificações em esferas
econômicas (HODDER & PREUCEL, 1998).
Um dos expoentes no estudo de mudanças tecnológicas e suas
relações com questões sociais, políticas e econômicas é Hayden. Em um
importante modelo para explicação de inovações entre caçadores-
coletores, Hayden (1990) postula que a exploração intensiva de recursos
altamente produtivos, como tipos de sementes ou moluscos, e não
sujeitos ao esgotamento, por grupos de caçadores-coletores é
acompanhada pela emergência de competição sócio-econômica por
148
parte de certos indivíduos com personalidades acumulativas, que
competem por poder, prestígio e status. Esta competição gera uma série
de inovações tecnológicas, como cerâmica (RICE, 1999) e elaboradas
arquiteturas residenciais e públicas (WASON, 1996), incentivadas
principalmente por estes indivíduos competitivos, com o objetivo de
ostentação frente aos demais membros da sociedade.
A emergência de competição sócio-econômica e inovação
tecnológica entre caçadores-coletores torna-se possível com mudanças
ambientais levando a uma intensificação de recursos em áreas
restritas, que possam suportar aumentos populacionais e geração de
excedentes.
Alguns sítios de Barra Grande podem estar relacionados a um
período anterior ao surgimento da cerâmica na região. Se tomar os
lugares AG-47 S2 e AG15, por exemplo, há fortes evidências de
unidades domésticas de um período pré-cerâmico: uma diversidade de
artefatos e presença de micro-estruturas como fogueiras e buracos de
poste (Capítulo 5).
A continuidade entre estes sítios líticos e os posteriores ao
surgimento da cerâmica e de estruturas de terra é atestada pela alta
semelhança entre os conjuntos artefatuais líticos, como demonstrado
pela análise multivariada (capítulo 5).
Estes sítios, no entanto, não demonstram uma ocupação
sedentária e muito duradoura: a camada arqueológica é extremamente
rasa e a análise espacial dos artefatos não mostrou áreas de atividades
específicas, o que indicaria uma maior ordenação do espaço. Tudo
indica que estes sítios se tratam de evidências de uma organização
espacial mais ampla, envolvendo o rodízio de sítios com outras áreas,
em um amplo aproveitamento dos recursos da região. A pouca
quantidade de sítios deste tipo encontrada sugere ainda uma
demografia baixa.
A análise da inserção da paisagem (capítulo 6) mostrou uma
grande semelhança com os sítios precedentes, contendo estruturas de
terra e cerâmica. Acredito que este é um forte indicativo de que existe
149
também uma continuidade na forma de compreensão da paisagem e de
aproveitamento de recursos semelhantes, principalmente a caça e o
pinhão.
8.2. Subsistência e sedentarização
Baseado nas datações radiocarbônicas disponíveis, uma ruptura
parece ter acontecido na região entre o século X e XIII D.C. Durante
este período, surgem a cerâmica e a construção de estruturas
subterrâneas, indicando uma maior sedentariedade na área de Barra
Grande.
Dada a semelhança entre o material lítico anterior e o presente
nestas estruturas, este se trata de um processo local, mas que está
relacionado a um mais amplo, que possui uma maior antiguidade em
Caxias do Sul (cerca do século V D.C.) (SCHMITZ et alli, 1988), Vacaria
(século X D.C.) (SCHMITZ et alli, 2002) e Bom Jesus (século X D.C.
(COPÉ & SALDANHA, 2002).
É tentador, por ser menos problemático, sugerir um amplo
processo de migração e difusão para explicar a presença destas
modificações na materialidade em Barra Grande. Mas assim não estaria
de forma alguma explicando o processo específico que pode ter ocorrido
lá.
Se tomar as idéias de Hayden (1990) para explicar os mecanismos
de mudança entre grupos de caçadores-coletores, uma nova perspectiva
se abre para compreensão deste processo cultural.
A mudança, segundo Hayden, se dá no momento em que a
exploração intensiva de recursos naturalmente disponíveis permite o
aumento populacional e a geração de excedentes. Mas por que isto
ocorreu na região somente entre os séculos X e XIII D.C. e não antes, se
já havia a presença de grupos explorando estes recursos na região? Os
dados paleo-ambientais podem ajudar a compreender esta situação.
De acordo com Behling (2001; 2002), a partir de 1500 A.P. parece
ter havido um incremento da umidade no Sul do Brasil, o que
150
possibilitou um aumento significativo da área ocupada pela floresta de
Araucária. Esta expansão, segundo os dados polínicos, se deu de Norte
para o Sul. Assim, em 1500 A.P., a expansão se iniciou nas terras altas
do Paraná (BEHLING, 1997), chegando no Planalto de Santa Catarina a
1000 A.P (BEHLING, 1995) e, finalmente, atingindo o Rio Grande do Sul
ao redor de 850 A.P. (BEHLING et alli, 1999).
Se considerar a alta produtividade da Araucária, como já foi
levantado por Beber (2004), e sua extrema importância para os grupos
do Planalto, há, com o incremento da área de ocorrência desta floresta,
uma possibilidade de significativo aumento demográfico, na medida em
que se tem à disposição uma maior quantidade de alimento, além de
uma geração de excedentes, que podem ser estocados para futuro uso,
como verificado entre os Kaingang no século XIX.
Este aumento na oferta de alimento e geração de excedentes pode
ter levado a uma intensificação entre os grupos caçadores-coletores na
área, que alterou sua distribuição, sazonalidade, e necessitou de uma
resposta ao aumento da sedentariedade.
Lembrando a proposta de Hayden (1990), uma exploração
intensiva por grupos de caçadores-coletores de recursos altamente
produtivos e não sujeitos ao esgotamento pode gerar a emergência de
competição sócio-econômica por alguns indivíduos, levando à disputa
por poder, prestígio e status.
Seria então a partir do desdobramento destas contingências que
teria se originado a materialidade que os arqueólogos costumam
chamar de “Tradição Taquara” na área de Barra Grande, um misto de
mudanças ambientais e desdobramentos sociais que levaram à adoção
de itens materiais como vasilhas cerâmicas, e elaboração de estruturas
residenciais e públicas complexas, além da delimitação de territórios de
grupos específicos e disciplinas espaciais para compreensão destes
territórios (capítulo 7).
151
8.3. A Emergência da Complexidade
Demonstrei no capítulo 6 a presença de uma hierarquia de
assentamentos, onde um local expressou uma quantidade significativa
de estruturas subterrâneas, presença das estruturas subterrâneas
maiores na região (mais de 21 metros de diâmetro) e uma grande área
entaipada. Estas evidências, pelo esforço coordenativo e cooperativo que
demandam, ultrapassando certamente um trabalho ao nível de grupo
doméstico, sugerem um local central de grupos com uma certa
centralização sócio-política.
Outras evidências apontam para existência de relações de poder e
centralização, como a presença, lado a lado no mesmo sítio, de
unidades domésticas e áreas entaipadas grandes e pequenas, indicando
um desigual acesso à força de trabalho. A centralização também está
expressa na necessidade de planejamento e coordenação na construção
de alguns agrupamentos de estruturas subterrâneas, o que exigia um
projeto prévio da configuração espacial das diferentes estruturas
presentes, pois estas são cercadas por um único e grande
terraceamento. As áreas entaipadas, de todos os tamanhos presentes
na região, também sugerem fortemente a existência de lideranças para
coordenar sua construção.
Sugeri anteriormente como pode ter iniciado este processo de
centralização de poder em alguns indivíduos. Mas a explicação em si
possui um problema: não explica como o poder é aceito, como é
entendido, como faz sentido e é legitimado entre os demais membros da
sociedade. Assim, o foco do estudo muda agora para as maneiras que o
aumento de poder e funções coordenativas são produzidas no discurso
(modos de comunicação e entendimento).
Debates mais recentes tendem a aproximar das práticas diárias
(BOURDIEU, 1977; DE CERTEAU, 1984; TILLEY, 1994; etc.). Mais do
que focar nos significados discursivos construídos em relação ao poder,
a ênfase é posta na maneira em que as regras sociais, significados e
152
relações de poder são embebidas nas práticas mundanas da vida diária
(HODDER & CESSFORD, 2004).
Passo, então, para a compreensão de como as estruturas sociais
que foram geradas a partir deste processo específico foram postas em
prática em Barra Grande.
8.4. Habitando Barra Grande
8.4.1. Práticas diárias nas casas
É bem reconhecido que a estrutura subterrânea no planalto Sul-
brasileiro é uma importante unidade econômica e social, o que pode ser
observado não apenas pelo investimento na sua construção, mas
também pelas evidências materiais que são encontradas no seu interior.
Dentro das estruturas subterrâneas de Barra Grande, as
escavações encontraram diferentes graus de produção, consumo e
socialização que ocorriam no interior destas casas. As principais
evidências são: tool-kits líticos, a variabilidade de cerâmica, a própria
fogueira e instrumentos para transformação de alimentos. Todos estes
artefatos e micro-estruturas encontradas, não só no interior das
estruturas de Barra Grande, mas de todas que já foram trabalhadas no
Sul do Brasil (SCHMITZ et alli, 1988; SCHMITZ et alli, 2002;
CALDARELLI & HERBERTS, 2002; COPÉ & SALDANHA, 2002)
caracterizam um modo de produção doméstico (SAHLINS, 1972).
Além destas características, as casas são construções:
“como tais, elas corporificam a atividade distintiva de
construir, que Heidegger descreve como uma forma de
transformação, mas também como um meio de habitar, de
permanecer com as coisas, guardando-as, e entrando em
relação com elas. Através da construção, as pessoas
estabelecem uma conexão com o seu mundo, o que coloca as
condições sob as quais o não considerado e as práticas
153
habituais do dia-a-adia podem prosseguir” (THOMAS, 1996:
102).
A casa age, assim, como um mecanismo de regras sociais: a
reprodução de grupos dominantes está intimamente ligada à
construção de rotinas do corpo que se repetem nas práticas diárias
(HODDER & CESSFORD, 2004).
Para as unidades domésticas em Barra grande, as seguintes
evidências de rotinas e práticas diárias foram notadas (capítulo 5):
fogueiras colocadas sempre no centro das casas, associadas com
rebaixamentos do piso; debitagem concentrada no Norte, enquanto
instrumentos se localizam preferencialmente junto ao Sul. Todas estas
distinções espaciais são experenciadas nas práticas corporais (lascar,
cozinhar, etc.).
Mover-se entre as casas também requereria cuidados e restrição,
devido à extrema junção das estruturas subterrâneas e o desnível de
terreno que ocasionavam, algumas com mais de 1,5 m de altura. Os
interiores são extremamente apertados, e a maior parte do piso
habitável fica ocupado por estruturas como fogueiras. Estas situações
restringem a facilidade de movimento.
Se aceitarmos uma distinção de gênero entre as atividades de
lascamento realizadas por homens, por um lado, e de transformação de
alimentos realizadas por mulheres, por outro, pode-se argumentar que
os diferentes espaços dentro das casas também possuem diferentes
significados sociais.
8.4.2. Socializando as práticas: áreas externas
As práticas também desenvolviam-se no exterior das casas
subterrâneas, em áreas de atividade externas identificadas. As
principais atividades que ocorriam nestas áreas eram a produção de
vasilhas cerâmicas, a produção de artefatos líticos e o processamento
154
de alimentos e matérias-primas, como evidenciado pelas vasilhas
cerâmicas e artefatos líticos encontrados.
Tomando como exemplo o sítio Leopoldo 5, pelos menos duas
áreas principais de atividade podem ser evidenciadas, distribuídas no
entorno das casas subterrâneas: uma localizada ao Norte e outra ao
Sul, junto das áreas entaipadas do lugar denominado Leopoldo 7.
Figura 53: distribuição das áreas de atividade no entorno do sítio Leopoldo 5.
Apesar da proximidade entre as duas, a distribuição das
atividades realizadas, como evidenciado pelos artefatos encontrados,
era diferenciada.
Ao Norte, há uma maior evidência de resíduos de lascamento,
além de instrumentos pesados como grandes bifaces e unifaces. Ao Sul,
há uma concentração de cerâmica não evidenciada em nenhum outro
lugar do sítio, além de resíduos de sua fabricação, como roletes e
155
bolotas de argila queimada. Além disto, foram encontrados alguns
instrumentos sobre lasca, como unifaces plano-convexos.
Temos novamente uma clara distinção espacial entre áreas, que
também deveria ser percebida pelos habitantes das casas subterrâneas
ao se movimentar entre os espaços: ao Norte produção de instrumentos
líticos e uso de instrumentos grandes e pesados, enquanto ao Sul temos
a manufatura e uso de vasilhas cerâmicas e possivelmente
transformação de alimentos através de instrumentos líticos.
O uso do espaço também era percebido diferentemente devido a
uma maior proximidade entre a unidades habitacionais em relação às
atividades ocorridas ao Norte, e das áreas entaipadas em relação às
atividades ocorridas ao Sul.
8.4.3. Entendendo o mundo: A rítmica do movimento
Tomando novamente o sítio Leopoldo 5 como exemplo, pode-se
procurar entender as divisões espaciais postas em prática através da
apropriação da paisagem.
O sítio localiza-se em um topo aplainado, característico dos
divisores de água do Planalto Sul-rio-grandense. Este topo, no entanto,
não se apresenta de forma homogênea, estando sua topografia
específica em íntima relação com o posicionamento das estruturas
construídas pelos indígenas que ali habitaram, posicionamento este que
creio estar longe de ser meramente casual. É a partir deste
posicionamento que vou basear minhas argumentações sobre a
estruturação do espaço e as possíveis ligações simbólicas que esta
estruturação sugere.
O topo de morro é marcado, a Oeste, por uma maior
elevação em relação às demais áreas, formando um patamar mais alto
do morro. A partir desta elevação, nas direções Oeste, Norte e Sul, a
altitude decresce rapidamente, até alcançar os arroios formadores do
rio Pelotas. Para Leste, a elevação decresce suavemente, até formar um
novo patamar, cerca de 20 metros mais baixo que o primeiro. Deste
156
patamar, em direção Leste, novamente temos um declive abrupto. Neste
momento, é importante ressaltar que as estruturas subterrâneas estão
situadas no patamar Oeste e as áreas entaipadas no patamar Leste.
No entorno do sítio, outros locais arqueológicos podem ser
visualizados: locais de aldeias com estruturas subterrâneas, locais com
áreas entaipadas, locais de atividades específicas (marcados pela
presença de poucos artefatos líticos). Estes sítios, no entanto, não eram
percebidos de forma homogênea por todo o sítio. Devido às suas
características topográficas, o topo da colina esconde alguns locais e
ressalta outros, dependendo da posição em que se estiver.
A Oeste, no local das estruturas subterrâneas, a paisagem é
absolutamente ampla, onde nenhuma formação topográfica restringe a
visibilidade. É deste local que temos a melhor visibilidade dos morros
com sítios no entorno.
A Leste, no local da instalação das áreas entaipadas localizadas
no sítio, a paisagem é fechada para Oeste, com o topo mais alto da
colina impedindo a visão. A Leste das estruturas, a visibilidade é ampla,
mas fechada para o vale onde a maior parte das áreas entaipadas estão
voltadas. A maior parte destes tipos de sítios são visíveis daqui. Tem-se
a impressão de estar no interior de um vale com algumas escarpas
cobrindo nosso campo de visão.
Também devido às características topográficas da paisagem onde
se insere o sítio, um caminho entre os dois lugares formados pelas
estruturas, a Leste e Oeste, disciplina os moradores a locomoverem-se
de forma que subam quando se direcionam a Oeste, e desçam quando
se direcionam a Leste. O caminho entre os dois locais permite perceber
uma clara distinção entre baixo-alto e paisagem fechada-aberta.
A partir destes locais há também uma distinção no que pode ou
não ser percebido:
Das áreas entaipadas, a paisagem sendo fechada, poucos sítios
podem ser visualizados, e a maior parte é também de locais com áreas
entaipadas. Das casas subterrâneas a paisagem é aberta, e a maioria
dos sítios no entorno é visível.
157
Então, a partir do que foi observado, as seguintes ligações
simbólicas para a prática e estruturação da paisagem no sítio Leopoldo
5 podem ser argumentadas:
Leste – Oeste
Fechado – aberto
Restringido – não-restringido
Baixo – alto
Morte – vida
Nascer – Pôr-do-sol
8.5. Paisagem, lugares e cultura material: a criação dos Jê do
Sul em uma caminhada
Após identificar as práticas sociais e sua possível estruturação
simbólica em uma etnografia de longa duração na região de Barra
Grande, é chegada a hora de procurar entender como este processo
termina.
A datação obtida para um sítio lito-cerâmico denso permite
identificar uma continuidade de ocupação até o século XIX, quando a
região era certamente ocupada por uma das inúmeras sub-tribos que
compunham a sociedade recentemente nomeada como Kaingang
(LAROQUE, 2000).
De acordo com Laroque (2000: 82), a sociedade kaingang pode ser
considerada, desde antes do contato com o europeu, como uma
sociedade segmentária tribal. Esta sociedade era formada por diversas
tribos e sub-tribos, que seriam entendidas tendo como “setor inicial a
presença de várias famílias que, reunidas, compunham as diversas
sub-tribos. Cada uma delas tinha um chefe subordinado como
representante.(...) A combinação dessas sub-tribos formava as várias
tribos, as quais eram lideradas por um cacique principal” (LAROQUE,
2000:82).
Baseado nas interpretações de Silva (2001) e nas práticas
espaciais exploradas através do estudo de Paisagem, lugares e cultura
158
material acima descrito, pode-se ver uma profunda relação da
estruturação do espaço na área de Barra Grande com a cosmologia e
organização social Kaingang.
Sua organização se caracteriza pela existência de metades
concebidas como exogâmicas, denominadas Kamé e Kairu-Kré,
existindo entre elas uma relação assimétrica e complementar. Estas
metades teriam sido fundadas, segundo seus mitos de origem, por dois
gêmeos ancestrais, Kamé e Kairu, cujas características (altos – baixos,
abertos – fechados, nascidos no Oeste – no Leste, respectivamente)
modelam e estruturam a organização social das duas parcialidades que
formam o grupo (SILVA, 2001: 104).
As unidades domésticas, aí incluindo o entorno da casa e seus
cemitérios, sempre ilustram o dualismo que caracteriza sua organização
social: A casa é orientada no sentido Leste-Oeste, os espaços
masculinos e femininos são divididos por um eixo Norte-Sul e os
cemitérios são sempre colocados a Leste da aldeia e divididos em duas
partes, uma a Leste destinada aos Kamé, e outra a Oeste destinado aos
Kairu-Kré (CRÉPEAU, 2002: 117-118).
Ao utilizar desta analogia com os dados levantados acima, a
inserção dos sítios na paisagem e das práticas diárias manifestadas
pela cultura material disposta nos lugares em Barra Grande refletem
concepções cosmológicas, podendo ser vistas como elementos de
memória e naturalização da constituição social do grupo, que ao se
movimentar e perceber a paisagem, recria e reconta a história da
criação de seu mundo.
159
Conclusão
A presente dissertação teve como principal objetivo, em um
primeiro momento, problematizar uma arqueologia que está em franco
desenvolvimento nos últimos anos, relacionada ao estudo dos grupos
humanos pré-históricos das terras altas do Sul do Brasil.
Foi colocado como problema principal para esta arqueologia um
fardo conceitual que sobrevive desde a década de 60, quando os
pesquisadores pioneiros, com as ferramentas teóricas da época,
começaram a nomear os conjuntos de artefatos que encontravam nos
sítios arqueológicos que pesquisavam.
Este fardo conceitual até hoje se impõe sobre a maneira que
pensamos a pré-história do Planalto, ao aceitarmos e trabalharmos com
entidades artificiais e suturadas, nomeando os sítios e os artefatos a
partir de sua classificação em Fases e Tradições. A imposição se torna
ainda pior quando pensamos estas classificações em termos de grupos
étnicos específicos. Não é raro nos encontrarmos falando, sem querer,
nos “grupos Taquara” ou, para dar um outro exemplo, os “grupos
Umbu”.
Lidar com as evidências materiais desta forma tem levado a uma
tendência homogeneizante ao interpretar o passado, considerando que
formas materiais compartilhadas sejam indicadores de identidades
específicas espalhadas sobre uma vasta área geográfica como o Planalto
Sul-brasileiro. Assim, procuram-se elementos de semelhanças destas
entidades, na busca de uma união de culturas arqueológicas. Tal
esforço implica na transposição automática de elementos interpretados
em áreas específicas, como, por exemplo, um sistema econômico para
regiões distantes entre si, criando um mito de estabilidade e
simplicidade cultural.
O segundo objetivo desta dissertação era justamente mostrar
uma outra forma de explorar os dados arqueológicos em uma região do
Planalto através de três vetores de variabilidade: a paisagem, os lugares
e a cultura material, entendidos a partir de uma perspectiva contextual.
160
Foi escolhida uma área geograficamente delimitada com
abundante informação, onde tratei de agregar todos dados possíveis
sobre todas categorias de sítios presentes. Dentro desta área analisei
boa parte da cultura material, na tentativa de caracterizar as
particularidades dos conjuntos líticos e cerâmicos deste local.
Também procurei ao máximo caracterizar os lugares que
apresentavam evidências culturais, na forma de estruturas de terra,
micro-estruturas e dispersão de artefatos. Isto me permitiu uma
descrição mais precisa dos sítios arqueológicos, sua estruturação e
áreas de atividade, bem como me forneceu dados para pensar suas
posições cronológicas e funcionais dentro da área trabalhada.
A seguir procurei entender como estes lugares estavam dispersos
no espaço, a partir de sua posição cronológica e espacial. Interpretei
três momentos principais de ocupação: uma mais antiga, representada
por sítios líticos de habitação; uma segunda, com a presença de
estruturas de terra; e uma última, de um período do contato com o
europeu, representada pelos sítios lito-cerâmicos densos.
A dispersão espacial dos sítios me permitiu identificar
agrupamentos principais que foram interpretados como comunidades
específicas distribuídas na área. Cada agrupamento foi caracterizado
pela presença de unidades domésticas, áreas de atividades e cemitérios.
Também foi verificado que pelo menos um dos agrupamentos tinha
uma posição especial frente aos outros, pela presença restrita de
grandes estruturas subterrâneas e áreas entaipadas. Foi sugerido que
este se tratava de um sítio hierarquicamente superior, evidenciando que
estes grupos possuíam uma certa centralização sócio-econômica.
A análise da paisagem onde estes sítios se encontravam me
permitiu caracterizar os padrões de inserção dos sítios e sua relação
com os lugares naturais, como topografia, vegetação, altitude e
acidentes geográficos. Esta análise me possibilitou a interpretação das
diferentes percepções espaciais que se tinha a partir dos diferentes
tipos de lugares e dos caminhos que se fazia para se movimentar na
161
área. Os usos potenciais da paisagem também foram fundamentais
para entender os sítios arqueológicos.
Por fim, tentei demonstrar o potencial da exploração destes três
vetores de variabilidade ao fazer uma síntese interpretativa, unindo os
dados empíricos levantados com propostas teóricas. Foi sugerido um
processo específico na região que teria começado entre o século X e XIII
d.C., onde uma mudança ambiental possibilitou a intensificação, por
parte de grupos caçadores-coletores, que teriam incorporado e re-
significado novas tecnologias e estruturas de terra complexas para lidar
com um novo ambiente social.
Esta intensificação teria se concretizado em uma maior
complexidade social, onde a competição por prestígio e status levou à
emergência de estruturas de terra de tamanhos diferenciados e,
possivelmente, à delimitação de territórios de grupos específicos.
Para legitimação da existência de lideranças, do aumento de
poder e funções coordenativas, um tipo de discurso material pode ter
surgido centrado em práticas diárias, onde a regulação de disciplinas
espaciais naturaliza a constituição social de grupos.
Este discurso material, como sugerido no último capítulo, parece
se pautar em um dualismo que contrapõe uma série de oposições, como
Leste Oeste, alto e baixo, o pôr e o nascer do sol.
Por fim, baseado na datação de um sítio lito-cerâmico denso,
proponho uma ligação entre todo este processo acima descrito e a
emergência dos grupos etnograficamente descritos como Kaingang. Sua
organização social, caracterizada como dual e assimétrica, reflete as
concepções cosmológicas, podendo ser vistas como elementos de
memória e naturalização da constituição social do grupo, que, ao se
movimentar pela paisagem, recria e reconta a história da criação do
mundo.
Foi desta forma que procurei escapar do fardo intelectual acima
descrito, tentando produzir uma teoria “de baixo para cima”, ao
explorar o processo do encontro interpretativo com os dados empíricos
de uma região específica. Acredito que à medida que mais áreas
162
arqueológicas da região forem exploradas a partir dos vetores paisagem,
lugares e cultura material, uma interpretação mais rica sobre o passado
nas terras altas, e, conseqüentemente sobre as sociedades que deram
origem aos grupos Jê do Sul do Brasil, irá surgir.
A interpretação sugerida por esta dissertação, no entanto, não
pode ser vista como uma explicação final sobre a pré-história de Barra
Grande. Em um círculo hermenêutico, novas evidências podem surgir
que refutem interpretações aqui feitas, forçando o círculo interpretativo
a uma nova volta que acomode as novas evidências em outra
explicação. Mas assim deve ser entendida uma ciência social.
163
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