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Roberta Scheibe
A crônica e seus diferentes estilos na obra de
Humberto de Campos
Passo Fundo, maio de 2006
UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS – MESTRADO EM LETRAS
Campus I – Prédio B3, sala 106 – Bairro São José – Cep. 99001-970 - Passo Fundo/RS
Fone (54) 316-8341 – Fax (54) 316-8125 – E-mail: mestradoletras@upf.br
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Roberta Scheibe
A crônica e seus diferentes estilos na obra de
Humberto de Campos
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Letras, do
Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade de Passo
Fundo, como requisito para a
obtenção do Grau de Mestre em
Letras Estudos Literários, sob
orientação da profª. Dr. Márcia Helena
Saldanha Barbosa.
Passo Fundo
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2006
A todas as pessoas às quais eu me apego cada dia
mais:
Aos meus pais, Eloy e Isolde;
A Gabi, Dozinha, Fran, Mix, Tes, Gui, Karinelvis,
Cassilda, Jurema, Tchesco e Lisinha;
Aos colegas de trabalho da Agência de Jornalismo da
FAC, Tiba, Poca, Caquitos, Karinelvis 2, Gabi, Maíra e
Pablito.
4
À minha orientadora, profª. Dr. Márcia Helena Saldanha
Barbosa, pelo auxílio neste trabalho;
À secretária do Mestrado em Letras da Universidade de
Passo Fundo, Aline Kuns, pelas informações
prestadas.
5
6
Recebi muitas cartas de pessoas que disseram que meus livros salvaram suas
vidas. Mas não escrevi para isso, escrevi para salvar a minha própria vida.
Charles Bukowski
RESUMO
A presente dissertação realiza um estudo das coletâneas de crônicas
escritas por Humberto de Campos, intituladas Da seara de Booz (1915), A
serpente de bronze livro assinado com o pseudônimo Conselheiro XX (1921),
Sombras que sofrem (1934) e Últimas crônicas (1936). Neste trabalho, é
averiguada a presença da crítica social e política, do humor e da ironia, e do tom
dramático e/ou confessional nos referidos textos. Além disso, verifica-se o tipo de
crônica predominante em cada um dos livros, fundamentando a análise nas
classificações propostas para esse gênero por Antonio Candido, Luiz Beltrão e
Afrânio Coutinho. A investigação, que adota o método analítico, resulta numa
comparação estabelecida entre os livros que constituem o corpus, no que diz
respeito a temáticas e estilos.
Palavras-chave: Humberto de Campos, Conselheiro XX, crônica.
7
ABSTRACT
The present dissertation fulfills a study of the chronicles (“short stories”)
collections written by Humberto de Campos, entitled Da seara de Booz (From the
Fields of Booz) (1915), A serpente de bronze (A Bronze Snake) – book signed with
the pseudonym Conselheiro XX (Adviser XX) (1921), Sombras que sofrem
(Suffering Shadows) (1934), and Últimas crônicas (The Last Chronicles) (1936). In
this work, is investigated the presence of the political and social criticism, the
humor and the irony, and a dramatic or confessional tone on these specific texts.
Besides, it’s possible to check the kind of chronicle that prevails in each one of the
books, grounding this analysis on the proposed classification to this gender by
Antonio Candido, Luiz Beltrão and Afrânio Coutinho. The research, that assumes
an analytical method, results in a comparison between the books that form the
corpus, when we are referring about subjects and styles.
8
Key words: Humberto de Campos, Conselheiro XX, chronicle.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................09
1 A CRIAÇÃO SUJEITA À RECRIAÇÃO DO REAL...............................................12
1.1 De volta às origens: a história da crônica.........................................................12
1.2 Uma tentativa de definição da crônica: o estilo e as características................19
1.3 “Gênero-ônibus”: as classificações...................................................................29
2 HUMBERTO DE CAMPOS: A HISTÓRIA DO VENDEDOR DE MIOLOS DA
CABEÇA.................................................................................................................34
2.1 O nome do escritor espalhado pelo “planeta inhóspito”: dados biográficos.....34
2.2 Lirismo e acidez: o poeta e o crítico literário....................................................42
2.3 Da polidez às farpas: o contista e o cronista....................................................46
9
3 O AUTOR NUNCA É NEUTRO...........................................................................57
3.1 A crítica social e política...................................................................................58
3.2 O humor e o lirismo..........................................................................................74
3.3 O caráter dramático e/ou confessional.............................................................83
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................101
INTRODUÇÃO
A crônica, conforme afirma Antonio Candido, “se ajusta à sensibilidade de
todo o dia” (CANDIDO, 1992, p.13). Trata-se de um gênero que se firmou em
meados de 1800 nos folhetins e que, desde aquela época, vem marcando
presença nas páginas de opinião do jornalismo brasileiro. Esse tipo de texto
sempre se distinguiu por contar histórias do cotidiano.
É difícil estabelecer a fronteira que separa a crônica dos outros gêneros,
pois ela possui caráter híbrido. Além disso, os recursos utilizados para a escrita da
crônica e dos demais gêneros, muitas vezes, são os mesmos. Maria da Glória
Bordini define esse caráter da crônica na análise do livro O gigolô das palavras, de
Luis Fernando Verissimo:
10
pelas tantas, a técnica do diálogo, que por direito de
nascimento pertenceria, registrado de forma direta, ao teatro, e de
forma indireta, ao conto e ao romance, põe a cabeça de fora em
textos nos quais o cronista deveria estar falando, segundo as
regras. E, de igual maneira, as histórias são invadidas por
comentários sisudos ou irreverentes, que as obrigam a tornarem-
se crônicas, queiram ou não. (BORDINI, 1982, p. 102)
Segundo Bordini, a crônica comenta um detalhe do cotidiano, focalizando
fatos reais ou que poderiam ter acontecido; analisa tipos sociais e registra
conversa de personagens (id., ibid., p. 100-101). Embora, em geral, apresente
tais traços, nada garante que seja fácil explicar o que é uma crônica:
Dão-se até fórmulas para explicar o que é uma crônica [...].
Entretanto, quando vamos comparar a receita com o prato que ele
[o cronista] nos serve, lá se escapa o mestre-cuca com algum
segredo que nos sonegou e ficamos sem entender o que está
acontecendo, com aquela sensação de desamparo que os
mágicos sabem aproveitar tão bem para fascinar a platéia.
(BORDINI, 1982, p. 99–100)
A presente pesquisa propõe uma análise das crônicas de Humberto de
Campos. Dentre toda a sua obra literária e jornalística, que reúne crônicas, contos,
críticas e poemas, foram escolhidos quatro livros de crônicas: Da Seara do Booz
(1918); A Serpente de bronze (1921), primeiro livro assinado com o pseudônimo
do autor, Conselheiro XX; Sombras que sofrem (1934) e Últimas crônicas (1936),
livro póstumo que reúne textos publicados nos jornais. A questão a ser investigada
é a diferença que parece existir, quanto ao estilo e à temática, entre as obras do
autor que reúnem suas crônicas.
É necessário enfatizar que as referências quanto ao caráter das obras de
Campos são ambíguas. Essas são classificadas pelos críticos de diferentes
11
maneiras: textos considerados crônicas por alguns são tidos como contos por
outros. Dessa maneira, contando com uma bibliografia bastante restrita sobre a
obra de Humberto de Campos, escolheram-se os livros classificados como
coletâneas de crônicas de acordo com os dados levantados em jornais da época,
como O Jornal e Correio da Manhã. Cabe ainda esclarecer que, para a realização
deste trabalho, foi efetuado um levantamento prévio dos estilos e das temáticas
mais recorrentes nas obras de Campos selecionadas como corpus de análise.
A presente dissertação, valendo-se da pesquisa de caráter bibliográfico e
do método analítico-comparativo, tem, portanto, como objetivo analisar as crônicas
de Campos previamente selecionadas, verificando os estilos que o escritor adota e
a abordagem que confere às temáticas identificadas como recorrentes nesses
textos, a fim de comparar as obras de sua autoria que constituem o corpus. Com o
intuito de atingir tais objetivos, o trabalho terá a estrutura descrita a seguir. O
primeiro capítulo, intitulado “A criação como recriação do real”, traz dados sobre a
história da crônica e uma resenha dos poucos estudos teóricos existentes acerca
do tema, destacando as principais classificações propostas por investigadores
para o referido gênero. O segundo capítulo contará a trajetória do cronista
Humberto de Campos: sua história, o trânsito de sua vida e de sua obra entre a
literatura e o jornalismo. O terceiro capítulo consistirá na análise do estilo e das
temáticas presentes nos livros de crônicas do autor, tanto nos assinados com seu
próprio nome, quanto naquele atribuído ao Conselheiro XX. As Considerações
Finais apresentarão uma comparação entre as obras que compõem o corpus.
Este estudo, referente às crônicas de Humberto de Campos, justifica-se
pela escassa fortuna crítica existente sobre a obra do autor e também pela lacuna
identificada nos estudos sobre o gênero crônica. Assim, os assuntos “crônica” e
“Humberto de Campos” conferem relevância ao trabalho proposto. Convém
salientar que foi localizado apenas um estudo crítico sobre Humberto de Campos,
intitulado A intertextualidade nas crônicas de Humberto de Campos, de autoria de
12
Nélia do Nascimento Ferreira, que se trata de uma pesquisa sobre a crônica e a
presença da intertextualidade e da paródia nas crônicas do escritor.
1 A CRIAÇÃO SUJEITA À RECRIAÇÃO DO REAL
1.1 De volta às origens: a história da crônica
Segundo Jorge Sá, no século XVI o principal propósito da crônica era o
registro do circunstancial. No caso de Pero Vaz de Caminha, o “registro do
circunstancial” era notificar El-rei D. Manuel sobre o achamento do Brasil “em si
boa de ares, tão frios, e temperados”. Conforme escreveu Caminha em 1500:
13
Senhor
Mesmo que o Capitão-mor desta vossa frota e também os outros
capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta
vossa Terra Nova que, agora, nesta navegação se achou, não
deixarei, também, de dar disso minha conta a Vossa Alteza, tal
como eu melhor puder, ainda que para bem contar e falar o saiba
fazer pior que todos. Mas tome Vossa Alteza minha ignorância por
boa vontade; e creia, como certo, que não hei de pôr aqui mais
que aquilo que vi e me pareceu, nem para aformosear nem para
afear. (CAMINHA, 1999, p. 11)
Essas são as primeiras linhas d’A Carta, que resulta em respeitada
narrativa em português arcaico do século XVI. A “certidão de nascimento do
Brasil” inaugurou a estrutura textual que mais tarde consolidou-se como crônica,
daí a forte influência da crônica brasileira e lusitana sobre a crônica brasileira
atual. Para Jorge Sá, no livro Crônica, “indiscutível [...] é que o texto de Caminha é
recriação de um cronista no melhor sentido literário do termo, pois ele recria com
engenho e arte tudo o que ele registra no contato direto com os índios e seus
costumes” (SÁ, 1985, p.5). O relato de Caminha, segundo Sá, é fiel às
circunstâncias, porque, além de descrever os fatos principais, também amplia os
pequenos detalhes que poderiam passar despercebidos, como se observa na
seguinte passagem:
(...) A terra em si é muito boa de ares, tão frios, e temperados,
como os de Entre-Douro e Minho, porque, neste tempo de agora,
assim ao achávamos como os de lá. Águas são muitas e infindas.
De tal maneira é graciosa que, querendo aproveitá-la, dar-se-á
nela tudo por bem das águas que tem. Mas o melhor fruto que
nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente; e esta
deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar.
(CAMINHA, 1999, p. 61)
A “carta” é a história contada da “descoberta do Brasil” por Portugal. Pero
Vaz de Caminha relatou a história sob a sua ótica, em razão da sua presença no
local dos acontecimentos. Caminha participou de todos os fatos ocorridos no
achamento da “Terra de Vera Cruz”. O cronista lusitano deu início ao princípio
14
básico da crônica, o de registrar o circunstancial, como afirma Sá: “a história da
nossa literatura se inicia, pois, com a circunstância de um descobrimento:
oficialmente, a Literatura Brasileira nasceu da crônica”. (SÁ, 1985, p.7)
A crônica apresentou-se aos leitores como relatos de caráter informativo.
Desenvolveu-se na Europa, no século XVI, com textos diretamente vinculados à
historiografia, mas, na Renascença, distanciou-se da característica da narração
dos períodos históricos e apresentou uma mistura de historiografia com texto
ficcional. Foi no século XIX que a crônica apareceu nos jornais, através de um
texto que continha o resumo cronológico dos fatos aliado à ficcionalidade. Eram
histórias reais contadas com características literárias. (COUTINHO, 1971, p. 108)
Segundo o escritor e jornalista Carlos Heitor Cony, a crônica, no Brasil, nos
séculos XVI e XVII, era um “gênero-bonde”, um “gênero-ônibus”, onde tudo cabia.
Qualquer relato levava o nome de crônica (CONY, 2002, p. 02). No entanto, com o
passar do tempo, a crônica começou a aperfeiçoar-se no seu estilo e nas suas
características. Antonio Candido (CANDIDO, 1980, p. 5-13) encontrou as
verdadeiras origens da crônica no Brasil, concebendo-a como um estilo moderno,
bem posterior à carta de Pero Vaz de Caminha. De acordo com o ensaísta, esse
gênero situado entre o jornalismo e a literatura apareceu no Correio Mercantil do
Rio de Janeiro, entre 1854 e 1855. Machado de Assis, que trabalhou como
jornalista nesse jornal, afirma que a crônica é muito mais antiga:
Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas
há toda a possibilidade de crer que foi coetânea das duas
primeiras vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda,
sentaram-se à porta, para debicar os sucessos do dia.
Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dizia que
não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais
ensopada que as ervas que comera. Passar das ervas às
plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do
dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível
do mundo. Eis a origem da crônica. (ASSIS, 1994, p. 10)
15
Ainda no culo XIX, a crônica, que por si deriva da história, da literatura e
do jornalismo, uniu-se, como numa transfusão, com o estilo “da crônica moderna”
e com o relato da vida mundana, intitulada “crônica de costume”, conforme
definição de José Marques de Melo (MELO, 2002, p. 149). Desse modo, desde o
“achamento”, ou a “descoberta” da carta de Pero Vaz de Caminha na Torre do
Tombo, em 1773, por Seabra da Silva, até os dias atuais, a crônica viu algumas
de suas características serem alteradas, mas preservou o caráter do registro
circunstancial dos fatos. Com o passar dos anos, a mudança de estilo aconteceu
em termos de linguagem, que se tornou mais simples e coloquial, aproximando-se
das falas e das temáticas do cotidiano.
A adesão da crônica no jornal aconteceu na França, nesse mesmo período,
nas seções literárias dos jornais, chamadas de folhetins, e foi utilizada pelos
jornalistas, em sua maioria escritores, que vagavam pela cidade, observando os
fatos e situações do cotidiano para estamparem no jornal do dia seguinte.
Juan Gargurevich, a esse respeito, afirma:
A crônica é a antecessora imediata do jornalismo informativo.
Quando a indústria da informação não havia alcançado ainda o
vigor que lograria em meados do século passado, os próprios
jornalistas davam às notícias a denominação de crônicas,
influenciados pelo gênero histórico-literário que tem o mesmo
nome. (GARGUREVICH, 1982, p. 109)
O jornalismo e a literatura, através da crônica, aproximam-se ainda mais
quando os jornais passam a ser diários. Com a fundação da Gazeta do Rio de
Janeiro, em 10 de setembro de 1808, a leitura diária do jornal incorporou-se aos
hábitos da população. E, a partir de 1850, o espaço destinado à crônica nos
jornais aumentou consideravelmente.
16
Publicavam-se pequenos textos informativos, mas com características
literárias, porque aqueles que escreviam eram literatos. Os textos permaneciam
no rodapé das páginas de jornais. Aos poucos, foram se transformando em “texto
em série”, ou seja, que continuavam no dia seguinte. Eles traziam histórias reais
contadas de uma maneira engraçada ou triste, mas que privilegiasse,
principalmente, o tom leve dos textos. Candido, a esse respeito, afirma:
Aos poucos o “folhetim foi encurtando e ganhando certa
gratuidade, certo ar de quem está escrevendo à toa, sem dar
muita importância. Depois, entrou francamente pelo tom ligeiro e
encolheu de tamanho, até chegar ao que é hoje. (CANDIDO, 1992,
p. 15)
Francisco Otaviano foi, segundo Afrânio Coutinho (apud CASTRO;
GALENO, 2002, p. 151), o jornalista precursor na utilização do folhetim, em 1852,
no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, onde ele assinava um texto semanal.
José de Alencar, Manuel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Raul Pompéia,
Coelho Neto, Humberto de Campos, entre outros, foram os escritores-jornalistas
que escreveram textos, entre eles crônicas, no espaço do folhetim dos jornais.
Anterior à década de 1930, o folhetim resumia-se a comentários sobre variedades,
abarcando diversos assuntos, crônicas e romances românticos.
Entre 1854 e 1855, José de Alencar escrevia textos curtos todas as
semanas, contendo comentários despretensiosos e pessoais, publicando-os no
folhetim, num rodapé largo do jornal, cujo espaço intitulava-se “Ao correr da pena”.
Esse espaço, segundo Candido, foi o princípio das crônicas nos jornais brasileiros.
No tempo de Paulo Barreto (1881 1921), cujo pseudônimo era “João do Rio”, as
crônicas, que ainda não eram conhecidas como tal, tinham características mais
informativas, um relato da sociedade e dos fatos acontecidos. O texto resumia-se
a “um rodapé onde eram publicados pequenos contos, pequenos artigos, ensaios
breves, poemas em prosa” (SÁ, 1985, p.08). Mais tarde, nos anos 30, 40 e 50 do
século XX, o gênero recebeu novo fôlego e se firmou, definitivamente, nos anos
17
60 e 70. Daí para a crônica, como a conhecemos hoje, foi uma transição rápida. “É
através do folhetim que a crônica surge no jornalismo brasileiro” (MELO, 2002, p.
151). De acordo com Marlyse Meyer, em “Deus escreve certo por linhas tortas – O
romance-folhetim dos jornais de Porto Alegre entre 1850 e 1900”:
o conceito de folhetim desdobra-se em diferentes perspectivas: do
ponto de vista formal, pode ser um lugar físico, específico do
jornal, em geral o que denomina de res-do-chão, na página de
rosto (considerando que, em geral, os jornais do século passado
tinham as dimensões da publicação hoje denominada standard e
que não ultrapassavam as quatro páginas), ocupando espaço
variável naquela gina. Mas do ponto de vista do conteúdo, o
folhetim variou consideravelmente: primeiro, trazia crítica teatral ou
literária, constituindo às vezes o que contemporaneamente
denominaríamos crônica. De qualquer modo [...], era, pois, um
texto simultaneamente literário, por seu maior apuro estilístico, e
jornalístico, por sua referencialidade a acontecimentos recentes.
(MEYER apud HOHLFELDT, 2003, p.18)
Naquele espacinho do rodapé da página valia tudo. Lá os escritores e
jornalistas experimentavam todas as formas de escrita e, paralelamente,
propiciavam diferentes tipos de entretenimento ao leitor. De receitas de cozinha a
receitas de beleza, de piadas a crimes, de charadas a comentários de livros
recém-lançados, tudo se encontrava ali. Era, segundo Meyer, um “esboço do
Caderno B”
1
(MEYER, 1992, p. 96). Justamente no folhetim, que no Brasil seguiu
os padrões franceses, é que os profissionais testavam a narrativa, através de
historietas de não-ficção e até de ficção. Marlyse Meyer destaca o início do
folhetim na França:
Torna-se tão importante esse espaço da liberdade e da recreação
que, ao lançar depois da Revolução Burguesa de 1830 as bases
da moderna revolução jornalística, Émile de Girardin e seu ex-
sócio e pirateador, Dutacq, logo percebem as vantagens
financeiras que dele tirariam. Dão ao feuilleton o lugar de honra do
jornal, como é explicado no prospecto de lançamento de Le Siècle,
a 1º de julho de 1836. (MEYER, 1992, p. 97)
1
“Caderno B”, na referência feita pela ensaísta, significa o caderno de cultura e entretenimento dos
jornais, hoje também denominado “Segundo caderno”.
18
Assim como a França, o Brasil também deu ao feuilleton “um lugar de honra
no jornal”. Na verdade, as publicações dos folhetins eram uma fusão da crônica
(no sentido jornalístico, da informação e reportagem aliadas à conversa fiada),
com o romance e o conto. Em virtude da atuação dos cronistas-poetas daquela
época, a crônica consolidou-se em elemento de caráter eclético lírico,
humorístico, irônico, crítico e simples. Assim, obteve a preferência dos leitores nos
jornais. (TRENTIN, 1990, p. 15)
A mudança do folhetim para a crônica atual e moderna no Brasil provém da
transformação cultural desencadeada pelo processo de industrialização e
urbanização anterior a 1930. As principais alterações no processo textual da
crônica decorrem, em parte, da Semana da Arte Moderna, de 1922, que incitou
um movimento de brasilidade, incentivando a produção da literatura local, com
assuntos e estilos referentes ao Brasil. As temáticas e a linguagem dos textos
foram se aproximando da realidade nacional. A partir de então, toda a imprensa
brasileira foi influenciada pelas alterações lingüísticas e acabou aderindo à
simplicidade nos textos. Isso estimulou os escritores a produzirem numa
linguagem coloquial, deixando de lado o estilo discursivo e formal dos textos.
A imprensa, ao transformar-se em jornais-empresas, também foi fator de
impulsão da crônica. Nessa época, os jornais diários das grandes cidades, ao
tomarem as feições de empresas, precisavam conquistar mais leitores para
vender um número maior de exemplares. Logo, precisaram diversificar seus
conteúdos e incorporar novas seções, voltadas à informação e ao entretenimento,
a fim de tornarem-se mais atraentes e dinâmicos. Desse modo, a crônica ganhou
destaque, convertendo-se em porta-voz das mutações que aconteciam na
sociedade brasileira. Ocuparam o cenário da crônica nacional Carlos Drummond
de Andrade, Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos, que
efetivaram a continuação do gênero consolidado por Machado de Assis, José de
19
Alencar, Humberto de Campos, entre muitos outros, na literatura e no jornalismo
brasileiro.
A crônica consolidou-se, segundo Melo, como recriação do real e o cronista
começou uma busca interminável por alcançar a genialidade a cada texto. Os
autores escreviam os textos na tentativa de incutir no leitor a idéia-simulacro de
que todos fazem parte de uma grande reportagem da vida real. Deu-se, dessa
maneira, “a liberação da crônica como uma inspiração para o relato poético, a
descrição literária e a palpitação do jornalismo atual”. (MELO, 2002, p. 154)
É preciso levar-se em conta, no entanto, a efemeridade do jornal, que pode
comprometer a crônica. Esta, desde a sua elaboração, luta contra o tempo, pois é
escrita às pressas e tem leitores também apressados, que a lêem num ritmo veloz.
Porém, segundo Ferreira, a crônica foi feita para isso: para atender a esse ritmo;
para ser leve e ampliar a visão de mundo do leitor; para contar os fatos do
cotidiano de maneira simples. Desse modo, muitos cronistas utilizam a crônica
para aproximar a língua falada da língua escrita e materializá-la num texto
informal, simples, heterogêneo, recriando a realidade, o cotidiano, e
transformando o coloquial em lirismo e ironia. (FERREIRA, 1990 p. 19)
1.2 Uma tentativa de definição da crônica: o estilo e as características
A crônica provém da literatura, da história e, contemporaneamente, do
jornalismo. A característica, ou a mania, de escrever histórias com um na
realidade e outro na fantasia define a crônica brasileira. No jornalismo e na
literatura mundiais, ela significa um relato cronológico de caráter histórico. Esse
tipo de texto se evidencia como um gênero controvertido, confirmando a afirmação
de Melo, de que a crônica, em sua caracterização e em sua linguagem, varia de
lugar para lugar. (MELO, 1994, p. 146)
20
A palavra crônica é de origem grega (Kronos/Chronus/Cronus, significa
tempo) e tem uma acepção vinculada à narração, em ordem cronológica, dos
fatos. Vieira (apud COUTINHO, 1971, p. 108) atribui dois significados à crônica, o
primeiro deles voltado à história, no sentido do tempo cronológico. Mais tarde, a
palavra evolui e passa a ter seu significado vinculado ao jornalismo, porque, ainda
segundo Vieira, os jornais são o lugar onde se contam os principais
acontecimentos do dia, e esta seria a função da crônica.
De acordo com rio de Andrade, em “Advertência” (ANDRADE, 1992, p.
170), de 1943, a crônica tem os seus traços muito bem definidos. Segundo o
escritor, em sua origem jornalística, a crônica é um texto informal, sem grandes
aspirações. E sendo assim, informal, de estilo livre, ela não perde o rigor da
informação nem a qualidade lírica e/ou irônica do seu texto. Andrade argumenta
ainda que este gênero, que transita entre a literatura e o jornalismo, não é um
artigo, mas a libertação da rigidez do gênero prosa. É uma “conversa fiada”,
portanto, é livre na forma de expressão e pode tratar de múltiplos assuntos. Os
textos são curtos e não têm regras preestabelecidas para sua confecção.
Carlos Heitor Cony afirma que a crônica é jornalística porque está embutida
no conceito de tempo, imersa num período; pertence ao temporal. Ainda segundo
Cony, a literatura, por sua vez, procura ser atemporal, porque é o oposto do
“período” perpetuado pelo jornalismo. Cony revela, com isso, que a crônica é
como uma contrafação do jornalismo e da literatura (CONY, 2003, p.100)
2
.
Segundo o escritor, a crônica está “grudada” no tempo. Ela registra os fatos e as
circunstâncias em ordem cronológica. Na passagem do século XIX para o XX,
paralelamente ao registro factual e, também, informativo-jornalístico, a crônica
incorporou a subjetividade do narrador. Logo, com a união desses elementos, ela
adquiriu uma relação de experiência com o tempo vivido; não com o rigor dos
2
Entrevista concedida por Carlos Heitor Cony à autora deste trabalho, em 2003, na Universidade
de Passo Fundo, para a monografia intitulada “Crônica: o diálogo entre Literatura e Jornalismo”.
21
fatos acontecidos, mas com os fatos vivenciados pelo cronista, que relatou, ou
escreveu, o seu texto.
A crônica seria, de acordo com Margarida de Souza Neves (NEVES, 1982,
p. 82), uma espécie de “espírito do tempo”, em razão de suas características de
forma e conteúdo, fatos e informalidade. Esse “espírito do tempo” proporciona ao
cronista o registro dos fatos e, ao mesmo tempo, a reconstrução da história
através da imaginação, o que vai possibilitar a existência do que Neves chama de
“cumplicidade lúdica”: uma reprodução/resgate do tempo perdido que se
estabelece entre autor e leitor e que margem a novas e diferentes
interpretações. (NEVES, 1982, p. 82)
Conforme citado anteriormente, a definição de crônica varia de lugar para
lugar. De acordo com Melo, como gênero jornalístico, a crônica tem características
comuns na Itália, França e Espanha. No jornalismo italiano, predomina o texto da
crônica como informação observada e conferida pelo repórter presente no local.
Em determinados textos, a crônica italiana se assemelha à reportagem brasileira.
No jornalismo francês, denomina-se “crônica” a cobertura especializada que os
jornalistas fazem de determinados setores da atividade social ou cultural. no
jornalismo espanhol, utiliza-se o termo “crônica” para designar a produção
jornalística que revela fatos, mas que também os analisa. (MELO, 1994, p.148)
Em outros países, como a Inglaterra, por exemplo, a crônica segue um
estilo que lembra a luso-brasileira. Os ingleses a escrevem utilizando-se de action
stories, ou seja, histórias do cotidiano, contadas através do relato poético do real.
Na Alemanha, a crônica, chamada de glosa, também se parece com a brasileira,
pois se caracteriza como um comentário breve dos acontecimentos habituais.
Não é em vão que a crônica portuguesa recebe amplo destaque no Brasil.
No jornalismo português, a crônica tem uma caracterização semelhante à
brasileira. Segundo Letria e Goulão, os fatos, tanto na crônica brasileira quanto na
22
portuguesa, o apenas “um pretexto para o autor da crônica” (apud MELO, 1994,
p. 149). A grande ou pequena diferença entre a crônica portuguesa e a brasileira é
que a primeira reconstitui os fatos, contando-os de maneira coloquial; a segunda,
por sua vez, o necessariamente reconstitui os fatos, conferindo-lhes, isto sim,
um novo significado e evidenciando neles uma dimensão poética, irônica e
informal, não explicitada no jornalismo funcionalista e objetivo praticado em
grande parte do mundo. A crônica luso-brasileira fundamenta-se numa linguagem
curta e ágil; vincula-se à atualidade em razão de nutrir-se dos fatos do cotidiano e
registrar atitudes e ações da coletividade. Para Antonio Candido, essa diferença
de forma, conteúdo e significados da crônica ocasionam uma inesperada, embora
“discreta candidatura à perfeição”, sem, no entanto, tirar a humildade do texto. Por
isso, Antonio Candido a chama de “gênero menor”:
A crônica não é um “gênero maior”. Não se imagina uma literatura
feita de grandes cronistas, que lhe dessem o brilho universal dos
grandes romancistas, dramaturgos e poetas. Nem se pensaria em
atribuir o Prêmio Nobel a um cronista, por melhor que fosse.
Portanto, parece mesmo que a crônica é um gênero menor.
(CANDIDO, 1992, p.13)
Marília Rothier Cardoso, no artigo “Moda da crônica: frívola e cruel”, define
a crônica como um gênero que se aproveita do habitual e da coloquialidade:
Uma crônica é como uma bala. Doce, alegre, dissolve-se rápido.
Mas açúcar vicia, dizem. Crônica vem de cronos, Deus devorador.
Nada lhe escapa. Quando se busca a bala, resta, quando muito, o
papel, no chão, descartado. A crônica-bala, sem pretensões
nutritivas, nunca foi o artigo de primeira necessidade. Só aos
alfabetizadores se permite esse luxo suplementar. Traz prazer,
fugaz, talvez perigoso. Ao desembrulhá-la pum! -, um estalo.
Cronos é implacável. Até a gula acaba devorada. (CARDOSO,
1992, p. 142)
A crônica não quer ser formal; pelo contrário: pretende utilizar uma
linguagem despretensiosa. De acordo com Telê Porto Ancona Lopez, a conclusão
23
a que se chega, considerando-se o sucesso da crônica, um texto com assuntos do
cotidiano, em formato informal, é a de que “o leitor não gosta como precisa de
quem converse com ele, dizendo-lhe os sentimentos experimentados no dia-a-dia,
frente aos fatos que todos conhecem de algum modo, ou frente às ocorrências da
vida pessoal de quem escreve”. (LOPEZ apud CANDIDO, 1992, p. 166)
Para Martin Vivaldi, a caracterização da crônica torna-se necessária para
diferenciá-la de outros gêneros:
O característico da verdadeira crônica é a valoração do fato ao
tempo em que se vai narrando. O cronista, ao relatar algo, nos
sua versão do contecimento; põe em sua narração um toque
pessoal. Não é uma câmera fotográfica que reproduz uma
paisagem; é o
pincel do pintor que interpreta a natureza,
imprimindo-lhe um evidente matiz subjetivo. (VIVALDI apud MELO,
2002, p. 141)
A crônica adotou linguagem prática e coloquial, fazendo com que o texto
e os assuntos chegassem perto do leitor e da sua realidade. Em uma das
poucas bibliografias sobre a natureza do gênero, José Marques de Melo
escreve que a crônica brasileira apresenta duas fases bem distintas:
A crônica de costume que se valia dos fatos cotidianos como
fonte de inspiração para um relatório poético ou uma descrição
literária e a crônica moderna que figura no corpo do jornal não
como objeto estranho, mas como matéria inteiramente ligada ao
espírito da edição noticiosa. (MELO, 2002, p. 149)
As principais peculiaridades da crônica brasileira o a simplicidade e a
efemeridade, decorrentes do fato desse tipo de texto ter nascido no jornal,
“herdando a sua precariedade, esse seu lado efêmero de quem nasce no começo
24
de uma leitura e morre antes que se acabe o dia, no instante em que o leitor
transforma as páginas em papel de embrulho” (SÁ, 1985, p. 10). É preciso
enfatizar que a crônica, em razão de sua temporalidade, do consumo diário dos
jornais, tem, de certa forma, uma morte prevista. Para Massaud Moisés (1986, p.
96), a crônica, em determinados casos, não resiste ao livro, porque sucumbe ao
tempo, pois seus assuntos são factuais.
Todavia, é necessário enfatizar que essa restrição nem sempre se justifica,
porque a crônica, por vezes, conquista a imortalidade, ou quando aborda assuntos
que ficaram para a posteridade, ou quando fixam “instantâneos de eternidade”, ou
seja, privilegiam em seus textos aspectos universais. Devem ser levados em
conta, ainda, os artifícios de publicação, como as antologias e coletâneas, ou a
reedição de antigos periódicos em forma de livro, que podem favorecer a
sobrevivência desse tipo de texto. Assim, as crônicas são resgatadas e tornam-se
públicas novamente. Conforme relata Alceu Amoroso Lima, no que se refere
especificamente ao tempo da crônica como um elemento do jornalismo, a
atualidade do jornalista (e do cronista) é assegurada pelo fato de que este “vive no
tempo e capta a mensagem do tempo, do seu tempo, da hora que passa, do dia a
dia”. (LIMA, A., 1960, p. 51)
Contudo, esse aspecto de simplicidade não significa o abandono e/ou
desconhecimento da arte lírica; ao contrário, a crônica apropria-se do humor e do
lirismo para abordar, com singeleza e efemeridade, o cotidiano. Como alerta
Ferreira:
O importante é entender a essência da crônica: [...] escrita para o
jornal, a crônica o deixa de apresentar no livro as suas marcas:
texto curto; linguagem direta, espontânea, de imediata apreensão,
portadora do arsenal metafórico que identifica as obras literárias;
dirigida ao público médio; recriação da realidade cotidiana para
servir de alimento espiritual ao leitor; sobrevive ao esquecimento
rápido em virtude da afinidade entre o acontecimento e o mundo
íntimo do escritor; através da subjetividade, da veracidade emotiva
com que o cronista divisa o mundo, o diálogo com o leitor, o
interlocutor mudo. (FERREIRA, 1990, p. 24)
25
A crônica brasileira fez e continua fazendo sucesso. Suas características
são a opinião, a leveza e a união de recursos textuais literários e jornalísticos.
Materializa-se em texto crítico, fazendo interagir o real e o irreal, a subjetividade
do lirismo e a objetividade dos fatos. Antonio Candido escreve sobre a
“despretensiosa teoria da crônica”:
Mas as suas reflexões, a maestria com que constrói a cena e todo
o ritmo emocionado sob a superfície do humor lírico constituem
ao mesmo tempo uma pequena e despretensiosa teoria da
crônica, [...], isto é, que por baixo delas sempre muita riqueza
para o leitor explorar. (CANDIDO, 1992, p. 19)
No mesmo sentido, Liberato Vieira da Cunha, em entrevista sobre a
crônica, resume a função soberana desse gênero. Para o jornalista, a crônica tem
a “total ambição de aprisionar um momento, um rosto, uma frase, um
acontecimento banal, uma paixão demolidora, para que não se perca na voragem
dos instantes sem retorno”. (VOX, 2001, p. 50)
A crônica trata de assuntos que, de um modo ou de outro, fazem parte da
vida dos leitores. Além disso, goza de liberdades lingüísticas e estruturais, como
utilizando-se do foco narrativo em primeira ou terceira pessoa e a de estabelecer
diálogos. De acordo com Jorge Sá, “o objetivo básico [...] é deflagrar uma visão da
essência, aproximando-se bastante do conto, que explora justamente a essência
do relato” (SÁ, 1985, p.2). Assim, a crônica, inserida no jornalismo como um
gênero literário, precisa ser arte. Para Alceu Amoroso Lima, a crônica como arte é
“uma atividade livre do nosso espírito no sentido de fazer bem alguma obra. Essa
obra, para ser arte estética, e não apenas arte mecânica ou liberal, deve fazer do
seu modo de expressão o seu fim”. (LIMA, A., 1960, p.42)
26
Ao relacionar-se a arte, como princípio do gênero literário, com o
jornalismo, convém lembrar que a diferença entre este e a literatura é a
informação, que deve ser aqui considerada como tradução veemente do
acontecimento. Antonio Olinto também defende o jornalismo (e a crônica) como
arte:
A verdade, no entanto, é que o jornalismo como obra de arte é
sempre um salto além da rotina. É um trabalho de criação, com os
mesmos sofrimentos dos da poesia e com a mesma possibilidade
de conquistar o patético, o trágico, o pungente, que os
acontecimentos trazem consigo. (OLINTO, s/d, p.66)
Nesse mesmo sentido, referindo-se à crônica como um texto literário e
jornalístico, Lopes define o gênero como um texto escrito “ao correr da pena”:
A crônica pára no meio do caminho entre a literatura e o
jornalismo, é gênero brido. Quando escrita, não se imagina em
livro, nem dispõe de tempo necessário para melhor se preparar. É
realmente escrita ao correr da pena”, a qual, muitas vezes, es
sob pressão do aviso que o número do jornal vai fechar e que
restam poucas horas para pôr o texto no papel. Dessa premência
decorre a grande espontaneidade da crônica, sua simplicidade na
escolha das palavras – temas do dia-a-dia, do vocabulário da
população. A crônica, por força de seu discurso híbrido
objetividade do jornalismo e subjetividade da criação literária -, une
com eficácia código e mensagem, o ético e o estético, calcando
com nitidez as linhas mestras da ideologia do autor. (LOPEZ, apud
CANDIDO, 1992, p. 166)
A crônica mistura informação, imaginação, poesia e sentimento. Na sua
narrativa, encontra-se um conjunto de conteúdos, reais e/ou fictícios, que
aparecem no texto sob forma de lembrança, imagem fixa ou móvel. A crônica
cinematográfica é um exemplo do “texto móvel”. O texto conta uma história,
através de um fato (real ou fictício), de lembrança ou não, o qual desemboca na
imagem. Dessa forma, o texto pode transformar-se em crônica de jornal que é a
sua origem –, como também em crônica cinematográfica, televisiva, radiofônica e
fotográfica, que são seqüência de fatos ou sons que contam uma história (LEITE,
27
1992, p.475). A crônica procura mostrar, ou indicar, “o que por trás das
aparências, o que o senso comum não (ou não quer ver). De Rubem Braga a
Luis Fernando Verissimo, passando por Machado de Assis e João do Rio”.
(MENEZES apud CASTRO; GALENO, 2002, p. 165)
O foco discursivo da crônica centra-se na primeira ou na terceira pessoa.
Os textos, assinados pelos cronistas, transmitem a visão que o autor tem do
mundo, seja de maneira feroz ou emotiva. Nilson Lage diz que, enquanto a
literatura se transforma “na forma compreendida como portadora, em si, de
informação estética, em jornalismo a ênfase desloca-se para os conteúdos, para o
que é informado” (LAGE, 1993, p. 35). A crônica relaciona-se aos registros de
linguagem, ao processo de comunicação e aos compromissos ideológicos.
Conforme Lage (1993, p. 36), o que norteia a linguagem jornalística e, também, a
crônica, são:
1. Registros de linguagem a língua portuguesa é heterogênea e abriga
usos regionais e discursos especializados. O formal e o coloquial aparecem
registrados como parte da linguagem da crônica. A linguagem coloquial é natural,
mostra a realidade local e regional; evidencia as formas de expressão utilizadas
pela população. Nesse sentido, a crônica tem por costume incorporar neologismos
de origem coloquial e de grande expressividade, como “cara-de-pau”, por
exemplo. A crônica “procura, sempre, a expressão mais límpida, porque precisa
considerar mecanismos como o da construção do mito retórico: o deslocamento
de um signo lingüístico para significar outra coisa, de modo que se impõe
duplicidade de entendimentos e se mantém viva a regra social” (LAGE, 1993,
p.44). Por isso, ela se utiliza de um discurso de duplo entendimento, com
eufemismos (como suavizar uma situação), interjeições (empregando ironias) e
metáforas da linguagem corrente.
2. Processo de comunicação Na crônica o autor desenvolve o foco
narrativo que preferir. E também pode utilizar-se de vários formatos e estilos de
28
linguagem. Na crônica tudo é permitido, desde que não a transformem em um
gênero diferente, como um artigo, por exemplo.
3. Compromissos ideológicos Assim como aparece no jornalismo e na
literatura, a ideologia também surge na crônica, através da história contada e da
opinião expressa no relato. Os cronistas, nos textos de sua autoria, revelam seus
gostos e juízos.
Deixar a imaginação fluir. Essa, segundo Vieira da Cunha, é uma das
únicas regras da crônica. Ao escrevê-la, o escritor ou jornalista deixa a ficção
apoderar-se da realidade, ou a vida mundana abocanhar a ficção. Segundo o
jornalista, a crônica, em vez de falar de assuntos surpreendentes com palavras
difíceis, usa as mesmas temáticas, porém através de uma “fala fácil”; é parceira do
humor e da poesia, porém, no seu formato simples, do dia-a-dia, no seu modo
direto. Cunha escreve sobre a importância da informalidade da crônica:
A crônica é aquele canto de página onde um jornal respira. Ali não
se admitem catástrofes, globalização é nome feio, os transgênicos
e seus opostos são barrados na porta. Mas sempre lugar para
o romance, a nostalgia, o humor e o sonho. Talvez não seja nada:
mas, para gente feito eu, é tudo. (CUNHA apud VOX, 2001, p. 51)
Ainda no que diz respeito à informalidade, de acordo com Sá, o cronista
tem o livre-arbítrio de apresentar o assunto aos seus leitores do modo que melhor
lhe aprouver. A crônica passa uma aparência de superficialidade. Entretanto, por
mais que um texto finde com uma mensagem leve e descompromissada, de
linguagem simples e coloquial, nada ali é gratuito. Toda a história relatada ao leitor
foi intenção do autor, que se aproveita de uma estrutura textual para provocar um
resultado. (SÁ, 1985, p.9)
No livro A crônica, Sá faz o seguinte comentário:
29
Com seu toque de lirismo reflexivo, o cronista capta esse instante
brevíssimo que também faz parte da condição humana e lhe
confere (ou lhe devolve) a dignidade de um núcleo estruturante de
outros núcleos, transformando a simples situação no diálogo sobre
a complexidade das nossas dores e alegrias. Somente nesse
sentido crítico é que nos interessa o lado circunstancial da vida. E
da literatura também. (SÁ, 1985, p. 11)
O cronista observa o que os outros, em geral, não observam. Ele usufrui
uma sensibilidade aguçada, reparando nos detalhes da sociedade, da realidade e
do cotidiano das pessoas que, ao passarem a fazer parte da crônica, tornam-se
personagens. E este “faro”, adquirido pelo observador, confere às crônicas o
lirismo, o sarcasmo, o humor e a ironia. O lirismo alia-se ao riso, e não à “dor-de-
cotovelo” este o objetivo dos primeiros cronistas no Brasil com a intenção de
mostrar ao leitor os detalhes do cotidiano e da emoção, aliados à razão. A isso
Jorge o nome de lirismo reflexivo (SÁ, 1985, p. 13), e as crônicas que
possuem tal característica, segundo Rogério Menezes, são as que mais agradam
ao leitor: “simplesmente refletir sobre assuntos palpitantes da vida na cidade:
política, violência, corrupção. Curiosamente, essas crônicas mais sérias (entre
aspas) parecem atrair menos o interesse do leitor que as outras, mais leves e até
mesmo, digamos, banais” (MENEZES, 2002, p. 167). De acordo com Menezes, a
reação do leitor tem a ver com o caráter intrínseco deste gênero.
1.3 “Gênero-ônibus” e suas classificações
São escassos os autores que classificam a crônica. Alguns deles tentaram
classificá-la e outros a re-classificaram, com alegorias a mais ou a menos. De
acordo com as classificações de Luiz Beltrão (1980, p. 55), no livro Jornalismo
opinativo, a crônica se divide nos seguintes subgêneros:
30
Crônica geral: tem espaço fixo no jornal e enfatiza uma diversidade de
temas para um público também diversificado;
Crônica local: é a crônica da vida cotidiana, também difundida como
crônica urbana ou da cidade, como aquela praticada por João do Rio no início do
século XX. Capta as idéias e as opiniões de uma comunidade em que o cronista,
ou o jornal ou ainda o meio de comunicação em que a crônica se propaga -, se
localiza;
Crônica especializada: é escrita por um cronista igualmente especializado,
que escreve sobre determinado assunto. Inserem-se neste subgênero da crônica
três modalidades: a analítica, com a apresentação dos fatos e o posicionamento
do cronista sobre o referido tema; a sentimental, através da exposição dos fatos
apresentados sob o olhar lírico, pitoresco e épico, capaz de enternecer e estimular
inconscientemente os leitores; a satírico-humorística, com o objetivo de criticar,
ridicularizando e ironizando os fatos e os personagens.
Outro teórico que propõe classificações para o gênero crônica é Afrânio
Coutinho (1971, p.68). Ele aponta cinco tipos:
Crônica narrativa: aproxima o fato de um conto contemporâneo, relatando
um episódio e/ou uma história, mas não tem a necessidade de possuir início, meio
e fim;
Crônica metafísica: este subgênero era muito utilizado por Machado de
Assis e Carlos Drummond de Andrade. Inclui reflexões um tanto quanto voltadas à
filosofia, ou divagações sobre os acontecimentos e sobre os homens.
Crônica-poema-em-prosa: é o subgênero utilizado em larga escala por
Rubem Braga e Manuel Bandeira. Tem conteúdo lírico e o cronista possui a
31
liberdade de escrever sobre o “espetáculo da vida”, descrevendo as paisagens, a
essência da vida e os próprios acontecimentos;
Crônica-comentário: ênfase aos discursos opinativos sobre
determinado assunto; é uma forma de “resenha” dos acontecimentos;
Crônica-informação: traz as informações, através da divulgação dos fatos,
tecendo comentários ligeiros e não pessoais –, mais genéricos e que,
provavelmente, manifestam uma opinião semelhante à da maioria dos leitores.
Afrânio Coutinho faz uma referência, ainda, à crônica-carta, enfatizando
que a “carta” destinada aos leitores “transita com facilidade na área estritamente
privada e íntima troca de informações e amabilidades entre as duas pessoas
distintas para o plano público” (COUTINHO, 1971, 124). Para Ferreira, a crônica-
carta restringe-se a tratar de assuntos diversos, de interesse geral, com a
finalidade de uma comunicação e/ou informação de ordem histórica, científica,
política ou social, como as cartas do século XVIII, de Tomás Antonio Gonzaga e
as Cartas da Inglaterra, de 1896, de Rui Barbosa (FERREIRA, 1990, p. 27). Nesse
estilo, o autor pode ou não usar pseudônimos e tem a total liberdade de endereçar
as suas cartas a personagens imaginários ou não.
Antonio Candido (MELO, 1994, p. 158) também sugere uma classificação
para o gênero, apontando quatro tipos de crônica:
Crônica-diálogo: é, na verdade, uma conversa do cronista com seu
interlocutor imaginário, ou uma conversa entre os personagens criados pelo autor;
Crônica-narrativa: como o próprio nome diz, narra os fatos, podendo
chegar, até mesmo, perto do conto. Pode ter natureza ficcional;
32
Crônica exposição poética: é a divagação, de forma lírica, sobre um fato
ou personagem;
Crônica biográfica lírica: narra poeticamente a vida de alguém.
Dileta Silveira Martins (FERREIRA, 1990, p.25) propõe, ainda, outra
classificação para os diferentes tipos de crônicas. Para a ensaísta, a crônica
divide-se em:
Crônica-poema, que também pode ser chamada de poema em prosa;
crônica-digressão, que abarca uma multiplicidade temática;
Crônica-metafísica, que projeta “abstrações do artista-filósofo”,
constituindo-se numa espécie de documento e no “retrato de flagrantes espirituais
sobre coisas e sobre os homens” (MARTINS, 1990, p.25);
Crônica-sociológica, que aborda problemas sociais através das reflexões
do cronista;
Crônica-memorialística, no sentido de relato lírico dos fatos e das coisas
de diferentes épocas;
Crônica-de-viagem, que retrata viagens e descreve paisagens e espaços
físicos;
Crônica-fantástica, que mescla fatos do cotidiano e fatos inexplicáveis ou
transcendentais.
Com as definições de crônica ao longo do capítulo e as classificações
propostas acima, a constatação a que se chega é de que não um consenso
33
com relação à definição deste tipo de texto e suas diferentes classificações. No
capítulo de análise, vai-se verificar a possibilidade de recorrer a uma ou mais,
dentre as classificações aqui propostas, para identificar os subgêneros da crônica
utilizados por Humberto de Campos.
34
2 HUMBERTO DE CAMPOS: A HISTÓRIA DO VENDEDOR DE
MIOLOS DA CABEÇA
2.1 O nome do escritor espalhado pelo “planeta inhóspito”: dados
biográficos
Humberto de Campos é pouco conhecido por seu percurso no jornalismo e
na literatura. Além de escassa, a bibliografia existente sobre ele, via de regra,
relata, em um único parágrafo, a “vida do autor”. Na internet, quando se recorre à
maior ferramenta de busca do mundo, o Google, digitando-se “Humberto de
Campos”, os sites encontrados, exceto o da Academia Brasileira de Letras,
resgatam o nome digitado como um dos primeiros “espíritos a serem encarnados
por Chico Xavier
3
e enviar mensagens psicografadas”. Antes mesmo de sua
morte, Campos dizia que não obtivera reconhecimento da parte da crítica, mas
que, para ele, bastava a popularidade que alcançara junto ao público:
A crítica não me conhece [...] Os homens de letras não me lêem.
As classes illustradas ignoram a minha passagem pela terra. Os
jornaes não têm o meu retrato nos seus archivos. Mas, como eu
me sinto pago de todos os tormentos da vida quando recebo essas
cartas que diariamente me chegam, assinadas com os nomes
mais absurdos e vagos, mas que me dão a certeza de que eu
penetrei em uma casa pobre, na intimidade de um coração
dolorido, e alegrei um triste e confortei um desesperado, e fui,
como um sacerdote cego que visita seus paroquianos sem os
conhecer, o amigo manso e caridoso daquele que não tem amigo!
A minha collecção de cartas alheias, que eu guardo como os
escriptores guardam os artigos que lhes citam o nome, constituem
o índice da minha possível utilidade entre os simples. Gemem, ou
gritam, nelas surdamente, todas as angústias humanas, todos os
3
Médium brasileiro, falecido, conhecido por psicografar mensagens de pessoas mortas, dentre
as quais Humberto de Campos.
35
órphãos da vida a que eu levei um conforto, e todos os
desesperados a que eu levei a extrema-uncção de uma
esperança. As palavras de gratidão desses mártyres são as
moedas do meu cofre. E eu guardo esse thesouro de lágrimas
como um usurário Grandet guardava o seu ouro. (CAMPOS apud
PICANÇO, 1937, 296)
4
Humberto de Campos Veras é natural de Miritiba, no Maranhão. Hoje a
cidade natal do escritor homenageia o filho lebre com o seu nome. O filho de
seu Joaquim Gomes de Faria Veras, pequeno comerciante, e de Ana de Campos
Veras nasceu no dia 25 de outubro de 1886 e faleceu no Rio de Janeiro, em 5 de
dezembro de 1934. Aos seis anos, perdeu o pai e foi levado para São Luis no
Maranhão. Assim começou a rie de mudanças que marcariam sua vida. Aos 17
anos, transferiu-se para o Pará, onde trabalhou como colaborador e redator do
jornal Folha do Norte e, mais tarde, da Província do Pará. Foi desse modo que o
autor iniciou suas atividades como cronista, percorrendo inúmeras redações de
jornais.
Em 1911, publicou seu primeiro livro de poesia, intitulado Poeira. Em 1912,
mudou-se para o Rio de Janeiro, onde começou a trabalhar no jornal O Imparcial.
Nessa fase, eram colegas de Humberto de Campos alguns escritores que,
posteriormente, tornaram-se ilustres: Goulart de Andrade, Rui Barbosa, José
Veríssimo, lia Lopes de Almeida, Salvador de Mendonça e Vicente de Carvalho.
João Ribeiro era o crítico literário do jornal. Na época, José Eduardo de Macedo
Soares também escrevia incentivando a agitação da segunda campanha civilista,
movimento ao qual Campos viria a aderir. Em meio às agitações políticas,
Campos escreveu, em 1917, a segunda série do livro de poesia intitulado Poeira.
Em 1918, o escritor lançou Da seara do Booz, volume de crônicas, e, em 1919,
Vale de Josaphat, coletânea de contos humorísticos.
4
Neste trabalho, optou-se por transcrever os textos sem efetuar a atualização ortográfica.
36
Embora hoje Humberto de Campos não seja tão conhecido no Brasil como
outros cronistas brasileiros Machado de Assis e José de Alencar, por exemplo –,
o autor nascido no Maranhão obteve reconhecimento no período em que viveu,
tendo, inclusive, feito parte da Academia Brasileira de Letras (ABL). O cronista
elegeu-se no dia 30 de outubro de 1919 para a Cadeira nº. 20, sucedendo a
Emílio de Menezes, e foi recebido em 8 de maio de 1920, pelo acadêmico Luís
Murat. Mesmo tendo sido eleito para a ABL, ao longo da vida, Campos sempre
reclamou, em seus textos, da falta de reconhecimento da sua obra de escritor:
Fique, pois, você, incumbida de uma piedosa missão, que será o
prêmio de minha vida, conferido depois da morte: quando eu partir
deste planeta inhóspito, espalhe entre os proletários do seu bairro
o meu nome, acrescentando, num ato de justiça:
Era dos nossos, coitado! Apenas, não fez nada por nós nem por
si mesmo, porque passou a vida a insistir no comércio mais idiota
deste mundo: vendia miolo da cabeça para comprar miolo do pão.
(CAMPOS, 1990, p. 02)
No ano de 1920, foi eleito Deputado Federal pelo Maranhão, escreveu o
livro de contos humorísticos Tonel de Diógenes e lançou Mealheiro de Agripa,
obra de comentários políticos e literários. Em 1921, sob o pseudônimo de
Conselheiro XX, escreveu A serpente de bronze
5
, coletânea de crônicas e contos.
O Conselheiro XX foi o pseudônimo mais famoso do autor, que se utilizava dele
para dirigir críticas ferozes e contundentes à sociedade carioca. O escritor também
usava outros pseudônimos, menos famosos, entre os quais, Almirante Justino
Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e
Hélios.
Em 1923, enquanto escrevia a crítica Carvalhos e roseiras, o autor
substituiu cio Leão na coluna de crítica do jornal Correio da Manhã. Antes da
5
O livro A serpente de bronze não consta nas obras completas do autor. Foi encontrado somente
na Internet.
37
Revolução de 1930, Campos escreveu o livro de contos A bacia de Pilatos, ainda
em 1923. No ano seguinte, escreveu A funda de Davi, contos humorísticos; e, em
1925, Pombos de Maomé e Grãos de mostarda, ambos livros de contos
humorísticos. No ano de 1926, publicou Antologia dos humoristas galantes e O
arco de esopo, dois livros de contos. Em 1927, lançou Alcova e salão, obra de
contos; e, em 1928, o livro de anedotas O Brasil anedótico. Nesse mesmo ano,
publicou a Antologia da Academia Brasileira de Letras, com pesquisas históricas e
literárias.
Durante a Revolução de 1930, o Congresso foi dissolvido e Campos perdeu
o mandato. Porém, como Getúlio Vargas era seu admirador, o escritor recebeu o
posto de inspetor de ensino e diretor da Casa de Rui Barbosa. Em 1931, viajou ao
Prata em missão cultural. No ano de 1932, escreveu O monstro e outros contos e,
em 1933, lançou Memórias 1886-1900 e Crítica, primeiro livro da série que teria
mais três volumes, estes lançados em 1935 e 1936, todas as obras constituídas
de textos de crítica social. Ainda em 1933, publicou Os países, livro de contos;
Poesias completas; e Histórias infantis, com histórias para as crianças. Em 1934,
escreveu seus últimos livros: À sombra das tamareiras, reunião de contos; e
Sombras que sofrem, volume de crônicas.
Para Nélia do Nascimento Ferreira no único trabalho acadêmico
encontrado sobre o autor –, a vida de Campos era uma “peregrinação
melancólica(FERREIRA, 1990, p. 30), porque, segundo a ensaísta, assim é, no
Brasil, a vida de grande parte dos jornalistas e escritores. Referindo-se a esse
estilo de vida, o próprio Humberto de Campos confessa, em um de seus textos:
Trabalhei sempre, escrevi sempre, e não cessei de prover, com os
recursos da minha pena, as necessidades da minha casa. Retirei
os meus filhos do colégio, a menina com quinze, o menino com
treze anos, atirando-os ao trabalho, de modo a prepará-los para o
momento em que lhes faltasse o meu braço. Mas, não desanimei
nunca. Uma alegria diabólica me enchia o coração toda a vez que,
numa crise mais violenta, vencia a morte, que rondava a minha
porta. Raro era o dia, por isso, em que não aparecia, na imprensa,
38
o meu artigo alegre. A ironia das minhas crônicas era, quase, o
esgar da caveira que fazia sorrir aos que tinham carne nas faces.
(CAMPOS apud PICANÇO, 1937, p. 287)
Campos assinou seus textos nos jornais cariocas O jornal, Gazeta de
Notícias, O Imparcial e Correio da Manhã. Trabalhou, ainda, em São Paulo, no
São Paulo Jornal, Correio Paulistano e A Gazeta; na Bahia, no jornal A Tarde; no
Recife, no Jornal do Recife; e, em Porto Alegre, no Diário de Notícias. Campos
escrevia todos os dias para os jornais, conforme ele mesmo afirma em seu livro
intitulado Diário secreto:
Um artigo, diário, assinado, para O Jornal; um outro, anônimo,
igualmente diário, sobre comunismo, para a mesma folha; ainda,
todos os dias, para o Diário da Noite; três páginas por semana,
para o jornalzinho humorístico Não pode!; anúncios comerciais
para A Capital; e, a cada noite, 400 vocábulos para o Vocabulário
Ortográfico da Academia. (CAMPOS, 1954, p. 162)
Colaborava, também, na revista O Cruzeiro, no semanário Dom Quixote e
participava da revista A Maçã. Os textos que publicou nesta última revista
provocaram inúmeros protestos contra o seu nome, por parte dos jornalistas
Carlos de Laet, Eloy Pontes e Jackson de Figueiredo. No entanto, sua
participação em A Maçã não deu certo e Campos retomou a escrita nos jornais,
dedicando-se, cada vez mais, às suas crônicas. Nos idos da Revolução de 1930,
Campos era o escritor mais lido no Brasil, segundo uma enquete realizada pela
imprensa de São Paulo (REIS; CARVALHO; SOUZA; 1986, p. 44). Na época, o
cronista escrevia diariamente a coluna Diário secreto, que, posteriormente, foi
editada em livro.
O escritor Carlos Heitor Cony também confirma a popularidade de
Humberto de Campos:
39
Eu considero o melhor cronista brasileiro o Humberto de Campos,
que hoje está completamente esquecido; porque ficou faltando na
obra do Campos um romance, uma obra não subordinada ao
tempo. Quando o Humberto de Campos morreu, em 1934, eu era
criança, e o comércio do Rio de Janeiro fechou as portas. Era luto
nacional que ninguém decretou. Isso porque todo mundo lia
Humberto de Campos. Ele morreu cedo, com 48 anos, numa
operação. Foi uma comoção. Ninguém chegou à popularidade de
Humberto de Campos. A melhor crônica dele chama-se “Um
amigo de infância”. É a mais bonita da literatura brasileira. (CONY,
2003, p.100)
6
O político Pedro Queli, em nome da Comissão de Educação e Cultura de
1934, por ocasião do falecimento de Campos, declarou:
Assim se foi compondo a sua reputação literária, [...] era
deslumbrante pela opulência verbal e pela redimia do gosto, cujas
raízes se estendiam pelo velho patrimônio da cultura humanística
e do senso clássico. Mas o amor a sua obra, a correspondência
emotiva entre seu pensamento e a obra brasileira, realizou-se
recentemente quando o escritor atingiu a forma definitiva e deixou
entrever em sua dilatada série de crônicas, a doçura singular do
seu temperamento, a simpatia generosa do seu caráter. Uma
capacidade inexcedível de compreender e apreciar os dramas
íntimos e aspectos doloridos à sociedade do seu tempo, até a
cristalização do estilo e a definição de uma beleza interior e
efetiva, nas páginas modelares de memórias. Livro único no
gênero, um dos mais notáveis de nossa prosa e todas as épocas”.
(QUELI, 1934, p.15)
As palavras de louvor ao autor, nesse momento, também vieram de
Godofredo Viana, representante do Maranhão, para quem os elogios a Campos
são supérfluos, perante a grandiosidade da obra que compôs:
Os elogios ao estilista admirável das memórias são supérfluos,
vasta, imensa e luminosa a sua obra, recuidada nos últimos
tempos pelo sofrimento atroz que cominava a ele e que
certamente convertia numa serenidade quase divina em períodos
de ouro, enriquecendo a língua e a literatura brasileira. O
escorreito da sua linguagem, a profundeza de sua cultura, o
6
Entrevista concedida por Carlos Heitor Cony à autora deste trabalho, em 2003, na Universidade
de Passo Fundo, para a monografia intitulada “Crônica: o diálogo entre Literatura e Jornalismo”.
40
ativismo de seu estilo, a variedade prodigiosa dos assuntos que
versava, tudo conjugado a uma simplicidade de arte acessível a
todas as inteligências; tornaram incontestavelmente um dos
escritores mais notáveis da língua portuguesa. (VIANA, 1934,
p.15)
O talento de Campos foi abreviado pela hipertrofia da hipófise, doença
progressiva diagnosticada em 1928, que o levaria à morte em 1934. Neste dia, o
biógrafo de Campos, Macário de Lemos Picanço, resumiu a vida e a obra do autor
da seguinte maneira: "Poeta, anedotista, contista, ensaísta, cronista,
autobiografista, a obra literária de Humberto de Campos apresenta altos e baixos,
mas o que é alto tem a claridade da luz e a simplicidade das almas sãs”
7
.
No dia 6 de dezembro, o jornal Correio da Manhã, periódico em que o
jornalista escreveu, assim definiu a sua morte para o Brasil:
Homem de uma sensibilidade delicadíssima, de uma percepção
profunda das coisas, sabendo manifestar os pensamentos com
requinte e sutileza. Ninguém no Brasil escreveu até hoje melhor do
que ele; com mais brilho nem maior emoção. Poeta e escritor,
jornalista de mão diurna e noturna, trabalho profissional. Sua obra
está como monumento que honra as letras brasileiras de todos
os tempos. Morto, Humberto de Campos é um grande vácuo que se
abre nas fileiras da inteligência nacional. (CORREIO DA MANHÃ,
1934, p.15)
Na mesma edição do jornal, que destinou mais de duas páginas à morte de
Humberto de Campos, o amigo do escritor, Costa Rego, publicou o seguinte
depoimento:
7
Disponível em http://www.secrel.com.br/jpoesia/hca.html; acesso em 04/nov/2004.
41
Humberto de Campos lega-nos uma obra superior a dos seus livros:
a resignação em face do irremediável, em face do irremediável
temperada pela energia com que trabalhou até que se lhe fosse
pelo esôfago a dentro a última gota amarga da existência, a única e
verdadeira da literatura ele a teve. Chegou a ser extremamente
grande sendo extremamente sofredor. (REGO, 1934, p. 15)
Apesar de ser conhecido pela Comunidade Espírita Brasileira como um
“espírito que enviava mensagens psicografadas por Chico Xavier”, Humberto de
Campos foi um tico em matéria de religião. Sem , aprendeu a rezar com a
mãe e foi irônico em relação às crenças. Ele mesmo afirmou que a vida o afastara
da fé e das orações: “um dia, senti que a Morte se achava ao meu lado. Procurei
no cérebro as palavras do Padre Nosso. Achei-as todas. Mas não as encontrei,
como queria, no cofre do coração...”. (CAMPOS, 1937,125)
Diversos livros de Campos foram lançados postumamente: Um sonho de
pobre, memórias (1935); Destinos, textos variados (1935); Lagartas e libélulas,
textos variados (1935); Memórias inacabadas, memórias (1935); Notas de um
diarista, dois tomos, memórias (1935 e 1936); Reminiscências, memórias (1935);
Sepultando os meus mortos, memórias (1935); Últimas crônicas (1936); Perfis,
dois tomos, biografia (1936); Contrastes, textos variados (1936); Gansos do
Capitólio, contos (1943); Fatos e feitos, textos variados (1949); e Diário secreto,
memórias, em dois volumes (1954).
O autor inspirava-se na Antigüidade Clássica para escrever. Desde
adolescente, sua cultura geral era composta por Péricles de Atenas, Horácio de
Roma, Firdusi da Pérsia e pelas lendas árabes. Era através deste passado que
Campos produzia seus textos, mesclando, em suas crônicas, o mundo mágico da
poesia e os aspectos da realidade.
42
De um modo geral, todos os escritos de Humberto de Campos traziam
características da Antigüidade Clássica. Costumava citar escritores em latim, sem
oferecer ao leitor a tradução dos referidos textos. Múcio Leão comenta que:
Ele tinha a audácia de citar em latim os autores latinos. E, para
maior malícia, não apresentava nunca o correspondente em
português dos trechos citados! [...] na sua aparência física,
Humberto viveu conosco, em nossos dias; mas, na imaginação, e
talvez até na sensibilidade, ele nunca foi um contemporâneo nosso.
(LEÃO, 1937, p.119)
Na maioria dos versos, dos contos, dos ensaios e das crônicas de Campos,
percebe-se, às vezes, a opinião de um autor moralista e sentimental, e, em outras,
de um escritor muito à frente do seu tempo, que vivia numa sociedade recém
saída da economia centrada na mão-de-obra escrava, habituava-se aos conflitos
da Revolução de 1930 e inseria-se na urbanização, responsável pelo ar de
modernidade e pelo movimento cultural que ganhavam as cidades. Proliferavam,
então, os meios de comunicação, principalmente os jornais. O número de leitores
era pequeno, mas destacava-se o público feminino (REIS; CARVALHO; SOUZA;
1986, p. 42). Os intelectuais da época constituíam um grupo isolado, que
precisava lutar pela sobrevivência; por isso os escritores atuavam, também, como
jornalistas. A grande maioria deles, como Humberto de Campos, era autodidata.
2.2 Lirismo e acidez: o poeta e o crítico literário
A poesia, segundo o jornal Correio da Manhã, foi a primeira manifestação
literária de Humberto de Campos e Poeira, o primeiro livro do escritor. Essa obra
foi editada em Portugal, em 1910. Naquela época, o estilo dominante era o
Parnasianismo, mas Campos preferiu não aderir a essa tendência, conservando-
43
se apenas solidário com os escritores que ele admirara na sua juventude, entre os
quais Olavo Bilac, Coelho Neto e Alberto de Oliveira.
Ao falar de Humberto de Campos poeta, o Correio da Man descreveu o
talento do autor para a poesia através de um texto jornalístico subjetivo e repleto
de lirismo:
Este livro, paradoxalmente, se chamava Poeira”. Foi dessa poeira
que se elevou uma das maiores expressões à nossa sensibilidade
estética. Homem de coração, a poesia do jovem poeta maranhense
refletia bem o seu temperamento. Seus versos foram lidos com
encanto. Eles não eram apenas admiravelmente modulados nas
regras da poesia, tinham dentro de si mesmo alguma coisa de mais
penetrante, que penetrava a alma das pessoas. (...), mas pouco a
pouco, Humberto de Campos veio abandonando a poesia, até que o
escritor absorveu completamente o poeta. (CORREIO DA MANHÃ,
1934 p. 15)
As obras de Humberto de Campos estão voltadas para o sofrimento do
povo; a meditação da psicologia do ser; os devaneios de amor; a inquietação do
espírito e do homem que procura a si mesmo. Todavia, é na selvageria da
Amazônia, através do contato com a natureza, que o autor encontra a essência de
seus versos: a paisagem do local, as lendas, os animais, a terra e o que de
enigmático e ameaçador. Essas são as temáticas predominantes na poesia de
Campos, que buscava arrebatar o leitor por meio das histórias da Amazônia. Para
Múcio Leão, em Publicações da Academia Brasileira de Letras, Humberto de
Campos teve um estilo seu e novo:
Ao lado desse velho arsenal parnasiano, trazia uma tendência sua e
nova: o gosto da poesia local, a faculdade de transformar em
musicais sonetos os aspectos da existência ou do cenário do
Amazonas. Celebrava os descobridores duros que se foram perder
nas regiões aspérrimas do Brasil e, sobretudo no Solimões, no
Madeira, no Rio Negro. (LEÃO, 1935, p.105-106)
44
Na sua poesia, Humberto de Campos conferiu musicalidade aos versos.
Segundo Leão, todos os textos poéticos do autor têm ritmo, porque os “metros são
claros e as rimas impecáveis... a poesia da nostalgia, a poesia da melancolia... a
poesia do pessimismo” (LEÃO, 1937, p. 108). Nos versos de Campos, não
existem expressões e/ou citações banais, nem redundâncias e rebuscamentos
que prejudiquem o texto.
Como crítico literário, Humberto de Campos iniciou sua atividade no Jornal
da Man, assinando os folhetins do periódico. De acordo com a reportagem do
jornal que fala de sua morte, intitulada “Humberto de Campos O que representa
para o país a perda desta grande figura das letras brasileiras”, o autor escrevia
críticas “justas, precisas, eruditas”, que produziam, “quando eram publicadas, uma
ampla repercussão (CORREIO DA MANHÃ, 1934, p. 15). Paralelamente à
atividade de crítico literário, o autor escreveu suas memórias, que, conforme o
jornal citado, originaram três tomos, tendo sido o terceiro publicado após sua
morte. Nessas memórias, Campos também fazia análises, consolidando, ainda,
assim, seu prestígio como crítico literário.
Humberto de Campos se realizava profissionalmente como crítico através
da multiplicidade da sua temática. O convite para ser crítico literário surgiu de um
diretor de importante periódico carioca, que desejava aproveitar os conhecimentos
e a cultura de Campos. Assim, o escritor foi exercitar o talento de jornalista,
escritor, poeta, repórter, comentarista e crítico no espaço Crítica I. Embrenhou-se
no cenário da crítica literária depois dos quarenta anos, com o propósito de
aventurar-se pela análise de obras alheias, como ele mesmo afirmou em Crítica I,
escrevendo sobre si na terceira pessoa:
Foi quando ele viu, pela orientação inconsciente das suas leituras e
cuidados, que se vinha preparando para o exercício, precário
embora, da pequena magistratura nesta província literária. Contra
sua expectativa, mas sem contrariar as tendências íntimas do seu
gosto, viera ele a amealhar em estudos despretensiosos e amáveis,
mas sistemáticos, um pequeno cabedal de conhecimentos que seria
45
o seu capital modesto no comércio ativo das idéias. (CAMPOS,
1947, p. 5-6)
Picanço (1937, p. 249) esclarece que “a crítica foi em Humberto de Campos
não um julgamento severo, mas um motivo sereno para dissertações literárias”, e
completa: “a crítica, para ser justa, verdadeira, e impecável, há de ficar sempre em
ponto oposto ao sentimentalismo e, em Humberto, as palavras nasciam, antes, no
coração, para depois, irradiar-se no cérebro”. O próprio escritor, em suas críticas,
dizia que o povo brasileiro é do “ritmo do coração” (CAMPOS, 1947, p. 7), porque
os atos juízos, pensamentos, atitudes dependem todos “do clima das paixões
que nos aquecem”.
Muitas vezes, em seus textos, Campos dissertou sobre a falta de crítica na
sociedade, na política, nas ciências e nas letras. Em sua opinião, essa ausência
era uma espécie de mal para o país, porque gerava desorganização social e falta
de orientação para a população. O escritor sempre salientava que exercitava a
crítica, com o objetivo de “dar um julgamento sincero e individual da obra literária,
para esclarecimento do público e conseqüente orientação das suas leituras”.
(CAMPOS, 1947, p. 7)
Segundo Nélia do Nascimento Ferreira (1990, p. 232), Humberto de
Campos encontrava-se entre duas gerações de diferentes tendências e espírito: a
geração dos parnasianos e naturalistas e a geração dos poetas e escritores
revolucionários. É preciso reiterar que Campos distinguia-se pela sua
imparcialidade frente às escolas literárias e analisava tanto obras de escritores
famosos, quanto textos de desconhecidos, abordando, com o mesmo cuidado,
autores do Classicismo, do Romantismo, do Parnasianismo, do Simbolismo e do
Modernismo. No entanto, Ferreira (1990, p. 234) adverte que Campos mais
estimulava do que criticava: “ele mesmo dizia que para as suas vistas quase
cegas só queria luz; para o seu coração de homem, só queria sonhos”.
46
2.3 Da polidez às farpas: o contista e o cronista
Para o próprio Humberto de Campos, o conto é “uma das modalidades
literárias que mais reclamam a elaboração do estilo, e dependem do auxílio da
forma. A deficiência ou a imoderação verbal pode sacrificar, às vezes, uma
idéia excelente”(CAMPOS apud PICANÇO, 1937, p. 264-265). Conforme Picanço
(1937, p. 264-268), os contos do escritor “valem mais como forma do que como
fundo”, enquanto a perfeição estaria na união dos dois elementos. Os contos do
autor, na opinião do crítico, não trazem a descrição perfeita da história, nem o
sentido objetivo de um determinado fato. Campos escreve com poesia, lirismo,
beleza e imaginação, mas não consegue contar uma história. As idéias não
parecem claras, os diálogos não são naturais e o estilo e o enredo se perdem.
Segundo Ferreira (1990, p. 235), o conto é o ponto fraco de Humberto de
Campos. De acordo com a ensaísta, crônica, crítica, ensaio e poesia são escritos
com perfeição por Campos, mas os contos do autor não se eternizam no
pensamento do leitor; não marcam um período na literatura brasileira. Faltam-lhes
sarcasmo, ironia, fantasia. O que o escritor apresenta na crônica falta-lhe no
conto.
Na verdade, os contos de Humberto de Campos transitam entre o estilo
oriental, marcado pelo luxo e a finalidade ética, e o estilo ocidental, assinalado
pelos conceitos psicológicos, pela representação do ambiente e a criação dos
tipos:
A sombra das tamareiras representa os contos orientais: uma
síntese do mundo das riquezas; a resignação dos súditos, ante o
despotismo dos Kalifas; o fanatismo muçulmano acompanhado
das incertezas que povoam o coração humano. O monstro e
outros contos representa o ocidental: a preocupação com o
enredo; o tema é o drama do sertão; a tragédia, a renúncia e os
sacrifícios dos retirantes, dos seringueiros; a dor no ambiente
hostil. (FERREIRA, 1990, p. 237)
47
Humberto de Campos também dedicou alguns contos às crianças. No livro
Histórias infantis, ele procura incentivar os valores e princípios, as virtudes da
época, e o “exemplo do bem”. Nesses textos, Campos critica a estrutura do ensino
e alerta os pais e educadores sobre a importância de leituras na infância.
Contrariando as opiniões dos críticos da época (FERREIRA, 1990, p. 237),
Hermes Vieira elogia o trabalho de Humberto de Campos como contista, pois
entende que o escritor movimentava os personagens com maestria e pureza de
linguagem. Na visão do crítico, Campos era possuidor de uma imaginação
fertilíssima, escrevendo textos moralizadores ou o, com temáticas amorosas e
dolorosas. É preciso destacar, além disso, a dificuldade de distinguir os contos das
crônicas na obra de Humberto de Campos. Em algumas obras, os textos do autor
aparecem como crônicas, enquanto, em outras edições desses livros, os mesmos
textos são considerados contos.
O curioso em Humberto de Campos é que praticamente toda a sua
produção literária foi publicada nas colunas do jornalismo diário. Campos
notabilizou-se como cronista social e mundano, de debates ideológicos e políticos.
A maioria de suas crônicas incluídas em livro foi, primeiro, veiculada no jornal. Foi
assim que Campos tornou-se popular no Rio de Janeiro e nos outros estados
brasileiros, abordando aspectos factuais, tanto por meio do jornalismo como da
literatura. De 1870 a 1920, ocorreu a profissionalização do jornalismo. Então,
Campos valeu-se da formação de um público leitor de massa e incorporou as
características do jornalismo, ou seja, a brevidade e a instantaneidade dos
acontecimentos, à produção literária. Desse modo, transcendeu a técnica do
jornalismo e da literatura, criando um estilo de linguagem praticamente único,
caracterizado pelo:
48
Destaque do traço repetido, onde os outros só têm olhos para o
novo, atrai para a reflexão um público desatento e apressado.
Corresponde ao gesto do cavalheiro que, convidando sua dama
para a valsa, interrompe os rodopios vertiginosos e ensaia os
passos medidos do minuete. Primeiro a dama se choca, mas, logo,
sorri satisfeita. Pode observar todos os convidados e perceber que
se tornou o centro das atenções. Se “este mundo é um baile”, o
convidado folhetinista nem sempre dança conforme a música.
Para se apresentar, a cada semana, diante dos leitores, o cronista
cria atrações, descobre excentricidades e emprega ditos alheios,
“metendo-lhes o jocoso”. Se não o entendem, de pronto, tanto
melhor. “Conto com isso”, diz, “para gozar um pouco da sua
estupefação, um dos raros e últimos prazeres deste ofício de
escritor”. Ofício certamente pesado, pois obriga a ter “idéias”, a todo
momento, ou a tomá-las de empréstimo quando não se possui
nenhuma. O objetivo é, nada menos, que “produzir a maior
revolução do século. Uma revolução? A maior do século? Dar-se-á
que alguma alfaiataria...” (21/01/1885).
Criador dos padrões de elegância, o cronista é, assim, como o
costureiro que, duas vezes ao ano, desenha modelos – acessíveis a
baronesas e a bailarinas. A mudança periódica dos figurinos e a
disseminação dos modelos, bem como da informação iniciaram-se
nos oitocentos e, especialmente, nas suas últimas décadas, se se
trata do Brasil. (CARDOSO, 1992, p. 139)
Como cronista, Humberto de Campos atingiu a fama na primeira metade do
século XX. Encantava leitores, criticava os poderosos da sociedade, fazia piada
com fatos corriqueiros e poesia com situações coloquiais. Suas crônicas eram
marcadas pela simplicidade e, ao mesmo tempo, pela erudição, esta inspirada na
Antigüidade Clássica. Perpetuou seu nome fazendo-se entender pelos ricos e
pobres, pelos intelectuais e leitores comuns, através do lirismo e do sarcasmo de
seus textos.
Logo no início de sua carreira, são perceptíveis os caminhos narrativos e as
temáticas preferidas de Campos. Interessam-lhe o fato cotidiano e a análise do
mesmo. Muitas vezes, os acontecimentos escolhidos por Campos como o da
traição da mulher pelo marido, por exemplo - não eram importantes sob o aspecto
da notícia; eram situações pitorescas, humanas e mundanas, que ocorriam em
todas as cidades. Assim, o autor aproveitava para escrever um texto, de certa
forma, real, no que se referia ao assunto, enfatizando a ironia e o tom zombeteiro
49
ou conselheiro. Campos escrevia seus textos com um português refinado, culto,
embora também recorresse ao discurso coloquial. Paralelamente às temáticas da
vida conjugal, o autor dedicava-se aos comentários ácidos sobre assuntos da
esfera política e social, tudo através da linguagem irônica e, de certo modo, cética.
As crônicas de Campos começaram a aparecer nos jornais brasileiros sob
forma de histórias cotidianas. Nas crônicas assinadas com o seu próprio nome, o
escritor aparecia mais lírico e utilizava um português rebuscado. quando
assinava os textos com pseudônimos, suas crônicas, geralmente, eram irônicas, e,
ao final, sempre levavam ao riso.
Picanço (1937, p. 235-239), em seu livro sobre Humberto de Campos,
defende que as crônicas escritas pelo autor não são literatura humorística:
Humberto foi humorista perfeito nas crônicas dos últimos tempos
de sua vida, pois combinou a graça, a jovialidade, a alegria com o
ceticismo, a imaginação e a tristeza. [...] considera humorista não
aquele que provoque risadas expressando um estado do espírito,
ou mesmo, a significação especial que lhe emprestam em geral,
os latinos e meridionais quando sob esse nome entendem a
simples graça, a pilhéria, a ironia suave, como se encontram entre
gregos, romanos, franceses e espanhóis, mas sim àqueles que a
moda de Swif ou de Sterne, possuíam piedade, ou melancolia, ou
imaginação. Acentuando seu pensamento, humorismo, não é
troça, algazarra, gargalhada. É sim, sob o véu da imaginação, uma
graça piedosa, uma ironia dolorida, um chiste cético. Humberto,
criando a figura do Conselheiro XX, o fez com a preocupação de
alegrar e está mais um motivo para se lhe negar o título de
humorista nessa quadra de sua vida literária. Humorista não é
aquele que quer ser, mas aquele que realmente o é, não aquele
que se esforça para ser, mas o que apenas se aperfeiçoa, porque
nasce com essa inclinação. E Humberto de Campos não
escrevia as suas anedotas porque as sentisse, porque as achasse
filhas de sua alma, mas porque precisava, porque elas lhe davam
nome e um pouco de pão.
50
Valendo-se do humor, sem ser um humorista, Humberto de Campos
travava, na maioria de seus textos, um debate ideológico e político. Suas crônicas
traziam a linguagem metafórica, com o “eu” do cronista, e mostravam as suas
convicções sócio-político-econômicas, ou falavam de sentimentos, de sofrimentos
e da tristeza, “própria dos espíritos magoados pelas enfermidades do corpo”
(FERREIRA 1990, p. 36). Campos, melhor do que nenhum outro, descreveu em
suas crônicas o sofrimento próprio e o alheio. Ao explicar por que falava da sua
vida nas crônicas diárias, escreveu:
Os chronistas, que podem lêr, têm, diante de si, quatro mil annos de
actividade humana, e, com elles, dramas, tragédias espantosas,
comédias pittorescas, para thema da sua palestra obrigatória com o
público. Se não querem entrar em contacto com o passado, têm o
presente. Metem-se em um automóvel, em um bonde, e vão à
cidade, ao seio mesmo da multidão tumultuosa, colher o assumpto
quotidiano, como o lavrador vae à roça, cada dia, colher a espiga de
milho para o mingau familiar. No dia seguinte, o público leva a
espiga... Que deve fazer, porém, aquelle que, tendo compromissos
igualmente sagrados, não se move, nem pode lêr? Isto, apenas:
mergulhar nos abysmos da sua própria memória e trazer à tona, à
superfície, à claridade da sua candeia, os fantasmas que dormem
dentro. Os chronistas immobilizados pela doença, e dos olhos
incapacitados para a leitura, assemelham-se dessa maneira, aos
magos antigos e aos bruxos medievais: Trabalham com as
sombras. O seu gabinete é a furna de Tirésias. A sua pena, ou a
sua máquina, a vara de Merlino. (CAMPOS apud PICANÇO, 1937,
p. 288)
Quando se referia ao “seu eu”, Campos também se apresentava como
mártir do povo. Ele recebia cartas de todas as partes do país e as publicava,
submetendo-as ao seu próprio julgamento e proporcionando ao leitor que fizesse o
mesmo. Assim, o escritor solicitava, por meio de jornais, a fundação de hospitais;
pedia pão aos que não tinham o que comer, cobertores aos que tinham frio,
albergues para as pessoas que precisassem de ajuda. Em seus textos, alguns
nada conservadores e moralistas, sempre se achava no direito de aconselhar as
pessoas, em especial, as mulheres:
51
Recomponha a sua vida, minha distinta amiga... aos Estados
Unidos, ao Uruguai; a qualquer país divorcista da Europa, e
volte com o seu novo marido, uma vez que o primeiro conforme é
notório, abandonou o próprio filho... Tenha coragem, e erga o seu
rosto diante de toda gente... Prefira afrontar o mundo, servindo à
sua consciência, a afrontar a sua consciência para ser agradável ao
mundo! Não é esse, certamente, o regime vulgarmente adotado. A
falta de uma legislação que permita às senhoras desquitadas ainda
jovens a constituição de um novo lar, é um incentivo às ligações
clandestinas, que humilham a mulher e lhe não satisfazem o
coração... seja feliz, não se preocupe com os falsos escrúpulos dos
devotos da mentira social... (CAMPOS, 1947, p. 242-244)
As crônicas escritas no final da vida de Campos possuem muito mais
comentários sobre o sofrimento. Logo, em suas obras, sentem-se, de modo claro,
“as manifestações psicológicas” (VIEIRA, s/d, p. 28), dominadoras e persistentes
do autor a influírem, insistentemente, em sua escrita.
E foi com o Conselheiro XX que Humberto de Campos atingiu pleno êxito.
Muitos críticos comentavam os seus textos. Ele sempre estava na imprensa da
época como feroz cronista, aquele que não perdoava nada, nem ninguém. A figura
do Conselheiro XX, quase que de forma unânime, é considerada obscena. Ele é
rotulado como um pornográfico. Conforme depoimento de Aura Gomes de
Almeida, entrevistada na tese Mulheres em três gerações: histórias de vida,
itinerários de leituras, concedida à Fabiane Verardi Burlamaque em 06/10/1998:
Eu me lembro do primeiro livro impróprio que eu li, era um livro de
poesias e que tinha uns versos um pouco impróprios era do Manuel
Bandeira. Também li outro autor, Humberto de Campos, que aliás
era tido como maldito, inadequado para as moças, pois ele, assim
como o Manuel Bandeira, era considerado imoral, inadequado para
as moças. (BURLAMAQUE, 2003, v.2, anexo)
52
Picanço, biógrafo do autor, defende-o: “é certo que nele o que é imoral é
imoral de fato, e, quando o querem julgar, não lhe separam o que é bom do que é
mau, deixando misturados o joio e o trigo” (PICANÇO, 1937, p.242). O crítico
Jackson Figueiredo não se conformava com o fato de “até mocinhas, botões
prontos para desabrochar em flores, procurarem o Conselheiro XX, para lê-lo às
escondidas, com um gozo no espírito e um temor no coração”. (PICANÇO, 1937,
p.244)
Entretanto, ainda de acordo com Picanço, o único intuito do Conselheiro XX
era o de distrair a sociedade, fazendo um relato mundano e mostrando os
pecados e os símbolos do cotidiano:
O Conselheiro XX era um assunto quase obrigatório nas rodas em
que dominavam as almas bohemias. Mas um dia, um dia para ele
talvez profundamente doloroso, arrependeu-se, tudo faz supor, do
que havia escrito sob o disfarce do Conselheiro XX, iludido com as
mentiras do mundo”. (PICANÇO, 1937, p. 246)
Com o Conselheiro XX, Campos produziu uma literatura classificada como
“fescenina”, e escritores e críticos contemporâneos o tachavam de imoral, lúbrico,
abominado e arrogante. O crítico Jackson Figueiredo afirmava que Humberto de
Campos era:
a degradação de uma inteligência brilhante, e chegou até a chamar
para ele, para a sua literatura, principalmente para a Maçã, a
atenção da polícia: A Maçã sustentou o crítico das Afirmações
nos seus três números publicados, é talvez mesmo o maior
atentado que já se haja feito aos bons costumes da sociedade
carioca. (FIGUEIREDO apud PICANÇO, 1937, p. 244)
53
Na opinião dos críticos, os textos do escritor assinados com o pseudônimo
de Conselheiro XX naquela época, tratados por eles como “contos”
desrespeitavam a moral religiosa e ética da família brasileira do início do século
XX. Humberto de Campos usava os textos de sua própria autoria para defender-
se. Ele admitia a crítica como coerente e racional, porém pedia que os críticos o
conhecessem. Defendia-se, argumentando:
Os dez volumes alegres que escrevi, e que formam um acervo de
1.120 pequenos contos originais ou traduzidos, não são, sem
dúvida, dos mais edificantes e modelares, sob o ponto de vista
moral, ou antes, da moralidade. A finalidade de cada um deles não
é, entretanto, a sexualidade, mas a jovialidade, de modo que, onde
aquela aparece, toma o aspecto de pura galanteria. malícia,
mas não brutalidade. São contos a maneira de Courteline, de
Alphonse Allais, de Banville, e que não contêm, sequer, as
asperezas dos de Boccacio, de Margarida de Navarra, de Armand
Sylvestre, de Catulle Mendes e, ainda menos, os daqueles
famosos narradores bizarros dos séculos XV e XVI os Franco
Sachetti, os Barberine, os Matteo Bandello, os Firenzuola, os
Fortini; os Malespini, os Ascanio de Mori, - que foram, durante todo
esse longo período, o orgulho e o encanto das pequenas cortes
italianas. Eu tenho uma bibliografia galante, confesso: mas não
tenho uma obra propositadamente imoral. Os meus miúdos contos
maliciosos foram escritos unicamente para fazer sorrir a uma
sociedade que conhece o pecado; mas não ensinam, eles
mesmos o pecado, despertando, pela vivacidade da descrição, os
desejos concupiscentes. Nas 3.690 páginas que formam esses
dez volumes erradamente classificados de fesceninos não se
encontra, em suma, um termo brutal ou um vocábulo que não
possa ser proferido em voz alta. O que poderia haver de
inconveniente e censurável está em subentendidos, no duplo
sentido das expressões, no equívoco das situações cômicas, nos
atributos literários, enfim, que caracterizam a literatura galante e a
distinguem da literatura licenciosa. (CAMPOS apud PICANÇO,
1937, p. 245 e 246)
Múcio Leão, estudioso das obras de Humberto de Campos, afirma que as
acusações dos críticos não são justas:
54
eu não acho que essas acusações sejam justas. Segundo
entendo, não existe literatura imoral. A literatura é, sempre e
apenas, o espelho das sociedades que a produzem. No caso de
Humberto de Campos, imoral não seria o Conselheiro XX – seria a
sociedade que produzia, que exigia que se produzisse, o
Conselheiro XX [...] a sociedade, cujo espírito aquela literatura
refletia. (LEÃO 1937, p. 111-112)
No seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, Campos
caracteriza o Conselheiro XX, ao definir a atividade do escritor:
Filho pródigo da Compaixão e do Tédio, o humorista é, entre os
homens de arte, o único, no planeta, que não tem leito nem pátria.
Se quer chorar, os outros sorriem. Se ele sorri, os outros choram.
As suas gargalhadas são lavadas de lágrimas e o seu soluço,
quando o emite, vem à boca, doloroso, através de um sorriso. Não
odeia, nem ama. Os extremos do sentimento são lhe
desconhecidos, porque ele se não ilude, crente, na terra, com
as nuvens mentirosas do horizonte. Uma grande piedade triste
enche-lhe o abismo do coração. Quando o rodeiam os pigmeus,
ele olha para si mesmo e sorri. E quando o assaltasse por acaso,
a vaidade da sua estatura, exaltada pelo conhecimento da própria
fragilidade, ele olharia, para humilhar-se, o espetáculo das
montanhas circunjacentes. (CAMPOS apud PICANÇO, 1937, p.
242)
Picanço (1937, p. 242), ao contrário de muitos outros críticos que o
achavam desrespeitoso, argumenta que Campos foi um humorista perfeito nas
crônicas, principalmente naquelas escritas nos últimos tempos de sua vida.
Segundo o crítico, Campos aproveitou-se da imaginação e, paralelamente, da
alegria e da tristeza, combinando ceticismo, graça e jovialidade, para provocar
risadas e expressar, através do humor de seu texto, uma situação social ou um
estado de espírito vivenciado pelo povo. O crítico enfatiza que o “humorismo, não
é troça, algazarra, gargalhada. É, sim, sob o véu da imaginação, uma graça
piedosa, uma ironia dolorida, um chiste cético”. (PICANÇO, 1937, p. 242)
55
Humberto de Campos explica que criou a figura do Conselheiro XX para
alegrar aos leitores, mas que não tinha o intuito de trocar o título de escritor pelo
de humorista. De acordo com Lebert, Campos escolheu escrever textos com o
pseudônimo de Conselheiro XX “menos pelo sucesso de escândalo imediato, do
que pela necessidade de ganhar o sustento da família”. (LEBERT, s/d, p. 47)
Campos, por meio do Conselheiro XX, tratou de assuntos do cotidiano, de
situações urbanas. Suas crônicas estão impressas nos jornais com a ironia fina, o
humor e, ao mesmo tempo, a sutileza das afirmações e do relato dos fatos, seja
através do diálogo com um personagem fictício ou com um leitor imaginário, seja
através da divagação do eu do autor. A respeito da popularidade desse
pseudônimo, Picanço escreve:
E ele, que se vai tornando dia a dia mais livre, se esconde sob o
pseudônimo de Conselheiro XX, o mais conhecido talvez dos que
foram usados no Brasil. Centenas e centenas de anedotas são
publicadas e o número de leitores cresce extraordinariamente. O
Conselheiro XX torna-se popular, não quem o não conheça,
quem o não discuta e ele segue o seu caminho, distribuindo
alegrias por todas as partes. [...] Ele anda em todas as bocas, vive
em todas as rodas, mas amparado sempre, e cada vez mais, no
prestígio da imoralidade. (PICANÇO, 1937, p.176)
Campos colheu as notícias dispersas e deu-lhes uma nova roupagem e
significação, escondendo-se sob o pseudônimo e realizando um jogo ficcional com
o leitor e os poderosos da sociedade daquela época. Seus escritos adotaram uma
linguagem coloquial e conferiram à notícia dos fatos um significado estético.
Na época em que os textos do Conselheiro XX fervilhavam no jornalismo
carioca, críticas ferozes combatiam o nome de Humberto de Campos. Seus
defensores, no entanto, alegavam o arrependimento do escritor no que dizia
respeito aos disfarces que empregava e aos temas de que tratava. Na verdade, o
56
pseudônimo era somente um recurso para driblar o falso moralismo e a falsa
castidade da sociedade da época.
Humberto de Campos encarnou o Conselheiro XX de maneira inteligente e
consciente. Foi um modo de chamar a atenção da sociedade carioca e brasileira
para os problemas sociais e políticos do país e, também, para sua própria obra.
Campos garantia o “ganha-pão” da família como jornalista e escritor no Brasil, que
somente nas décadas de 1920 e 1930 começou a remunerar os seus colunistas.
Até então, os cronistas e comentaristas eram considerados somente
colaboradores dos jornais. Todas as crônicas do Conselheiro XX, cuja autoria, a
princípio, Campos negou, foram publicadas na imprensa da época e, depois,
reunidas em mais de dez livros, que, possivelmente, ainda hoje, seriam lidos com
certa reserva pelos leitores conservadores.
57
3 O AUTOR NUNCA É NEUTRO
Humberto de Campos escreveu quatro livros de textos reconhecidos pela
crítica como crônicas, e em cada uma dessas obras sobressai um estilo de escrita
diferente. Em Da seara do Booz, Campos tece fortes críticas à política adotada no
Brasil no início do século XX e faz comentários ácidos sobre os militares. A
serpente de bronze é o primeiro livro escrito com o pseudônimo Conselheiro XX e
critica os costumes da época, com textos em forma de anedotas. Em Sombras
que sofrem, Campos, em razão da doença que o levaria à morte, prioriza textos
de caráter dramático e/ou confessional, enfatizando os problemas de saúde que
enfrentava e falando de amor. As crônicas desse livro, que muitas vezes
constituíam-se em respostas às dificuldades relatadas pelos leitores em cartas,
tinham o objetivo de propiciar a tomada de decisões por parte do leitor, ora de
modo conservador ora à frente de seu tempo. Por fim, Últimas crônicas, livro
póstumo, reúne alguns dos textos de Campos publicados em jornais. A obra se
caracteriza por apresentar críticas à história da civilização e, também, às decisões
políticas e sociais tomadas pelos governantes da época em que o autor viveu.
Em suas crônicas, Humberto de Campos aproveitou-se daquilo que o
teórico José Marques de Melo chama de “as duas fases distintas da crônica”
(MELO, 2002, p. 149): empregou a crônica moderna que figura no corpo do
jornal como um texto ligado às notícias diárias veiculadas pelo órgão e a crônica
de costume, que se valia dos fatos cotidianos como inspiração.
Todas as histórias do autor são contadas por meio da visão de um
narrador, que tem uma opinião sobre os personagens, os objetos, as situações, os
lugares e os fatos. A composição das crônicas de Humberto de Campos, segundo
Reis; Carvalho; e Souza, mantém-se fiel a uma estrutura: 1) a exposição do fato
acontecido; 2) o paralelismo ou analogia a um “caso” lendário, histórico ou
literário; 3) a conclusão, freqüentemente de tom moralizante. A ordem dos itens 1
58
e 2, às vezes, pode ser invertida (REIS; CARVALHO; E SOUZA; 1986, p. 32). Os
textos são repletos de interesse pelo popular.
3.1 A crítica social e política
No que se refere às temáticas políticas e sociais, abordadas, sobretudo, em
Da Seara do Booz e em Últimas crônicas, Campos sempre se mostrou partidário
dos ideais republicanos, da democracia (FERREIRA, 1990, p. 37). Também
escreveu sobre as remotas possibilidades de mudanças políticas no Brasil.
Da Seara do Booz foi o primeiro livro de crônicas de Humberto de Campos
e predominam os temas políticos. O nome da obra é originário do texto bíblico
“A ceifa dos campos de Booz”, de Rute 2, do Antigo Testamento. Para Ferreira,
Campos compara a sua produção literária às espigas de Rute: “Das crônicas
publicadas no jornal fez o livro, o pão para alimentar espiritualmente aos que têm
fome” (FERREIRA, 1990, p. 110-115). Dessa forma, os textos desse primeiro livro
remontam ao texto bíblico, sempre num tom de crítica, e trazem marcas
ideológicas e juízos de valor de Campos. As narrativas contidas em Da Seara do
Booz têm temáticas diversas. O cronista Humberto de Campos transitou entre o
povo e as lideranças da sociedade. Escreveu e revelou hábitos de ambos.
Essa obra enfatiza a degradação do mundo. Os textos, em sua maioria, são
fatalistas em relação ao destino do homem. Campos divaga sobre a existência,
preocupa-se com as conseqüências da ascensão feminista, indigna-se com a sua
própria miséria material, fala da morte e, principalmente, critica alguns políticos.
Da Seara do Booz tem crônicas escritas tanto na primeira quanto na terceira
pessoa do singular, nas quais predominam, respectivamente, um narrador-
testemunha e um narrador onisciente.
59
As crônicas desse livro, em sua maioria, remetem à política, como é o caso
de “Um conto de Mark Twain” (CAMPOS, 1961, p. 11-12), “Os veteranos de
Alexandre” (id., ibid., p. 57-59), “O congresso dos noturnos” (id., ibid., p. 87-93),
“Os tigres e os pássaros” (id., ibid., p. 85-87), “Esponjas” (id., ibid., p. 151-153),
“Aos que sabem escrever” (id., ibid., p. 155-158), “A raposa crucificada(id., ibid.,
p. 207-209) e “A cauda do rato” (id., ibid., p. 271-272), entre muitas outras. A
corrupção, por exemplo, é o tema de “Esponjas” (id., ibid., p. 151-153), uma
crônica publicada no livro editado em 1918 e que parece extremamente atual nos
dias de hoje. Nesse texto, Campos afirma que o homem furta ou sempre teve
tentações de furtar. Segundo o autor, tudo é uma questão de oportunidade.
Essa crônica tem a função de fazer a própria sociedade refletir sobre seus
atos, mas é claro que o foco do autor são os políticos. Ele diz que a harmonia da
sociedade depende “da educação sse vício”. Para Campos, “o segrêdo dos
bons governos não consiste, pois, em suprimir os deshonestos, porque ninguém
luta contra a fatalidade; mas em conservar a harmonia do conjunto sem violência
sôbre os indivíduos”, ou seja, o autor ironiza, sugerindo que se roube, mas sem
causar prejuízo à sociedade. Na visão do cronista, a função do governo não é
“guerrear o roubo, mas reduzir os efeitos do roubo nas suas manifestações”.
Até o primeiro e longo parágrafo, o autor só consegue chocar o leitor, com a
idéia de que o homem é, por natureza, um desonesto. Apenas no segundo, no
terceiro e último parágrafos é que o leitor entende o que Campos quer dizer.
Dando prosseguimento ao texto, o cronista conta a história do imperador
Vespasiano, que foi uma das “maiores sanguessugas do povo romano”. Segundo
Campos, o imperador aproveitava os desonestos para os cargos públicos, sem
prejuízo para o povo. Dava a estes os cargos que lidavam com ouro e finanças e,
depois, quando estavam ricos, o imperador os acusava de roubo, e os fazia
devolver o valor roubado com altos juros. A esses homens que ocupavam cargos
públicos ele dava o nome de “esponjas”.
60
Após a exposição do fato de que o homem é, por si, um desonesto –,
seguida de uma analogia ao caso histórico do imperador de Roma, Campos
conclui que as “esponjas”, ou seja, os políticos corruptos, são o problema do
Brasil. De acordo com ele, “o povo as aponta. O govêrno as conhece. A nação as
vê”, e elas, mesmo assim, continuam sugando o ouro que resta do Brasil. Ao final,
o autor deixa a pergunta: “Não será chegado, porventura, o tempo de espremê-
las?”.
Valendo-se da menção a um personagem real, o imperador, Campos
realiza um questionamento em relação aos valores da sociedade brasileira. Se o
homem é, por natureza, um desonesto, então todos os valores e a cultura da
sociedade estão voltados a essa condição a desonestidade dos indivíduos. O
ilícito faz parte do cotidiano, do pensamento, dos hábitos, conforme Campos.
Assim, a honestidade seria uma forma de ilusão e, para tomar parte nessa
representação, o homem precisaria “fingir honestidade”, exatamente o que fez o
imperador Vespasiano, em Roma, para continuar a viver em sociedade. Campos,
em “Esponjas”, mostra que a vida em sociedade é um jogo, e força os leitores,
entre os quais estão algumas lideranças políticas, a observarem a realidade
absurda que o Brasil enfrenta nessa época, afirmando que a corrupção é notada
pela população.
Esse texto traz uma narração em que aparecem personagens históricas,
como o imperador e os demais ocupantes de cargos públicos por ele indicados. O
texto relaciona o fator verdade “realidade-corrupção” –, com o fator imaginação,
a idéia das “esponjas”. Campos escreve sobre a realidade que o cerca, a
desonestidade no governo brasileiro e, por meio de uma comparação, aponta para
a suposta “superioridade de valores” da antiga civilização romana, a de fingir
honestidade. “Esponjas” evidencia o que Margarida de Souza Neves (NEVES,
1982, p. 82) chama de “espírito do tempo”, pois o texto proporciona ao autor o
apontamento dos fatos e, também, a reconstrução da história através da
61
imaginação. Assim, o cronista registra a corrupção brasileira mediante a idéia das
“esponjas” que precisam ser “espremidas”.
“Esponjas” tem narrador onisciente, e pode ser classificada como “crônica
especializada satírico-humorística”, segundo a definição proposta por Luiz Beltrão,
porque recrimina, ridiculariza e ironiza os fatos e os personagens. Esse texto
também pode ser considerado, de acordo com a classificação sugerida por Afrânio
Coutinho, “crônica narrativa”, pois conta uma história, com o intuito de aproximar o
fato real de outra situação já ocorrida num contexto distinto.
As críticas de Humberto de Campos não poupavam as autoridades. Os
ministros são alvos constantes de suas crônicas. Pandiá Calógeras, Lauro ller,
entre outros, são políticos arduamente criticados por Campos, como fica evidente
nos textos “Aos que sabem escrever” e “A raposa crucificada”.
A crônica “Aos que sabem escrever” (id., ibid.,p. 155-158) representa uma
crítica às decisões dos políticos brasileiros. Campos inicia o texto com a
apresentação do fato aos leitores: “Quando o ilustre sr. Pandiá Calógeras era
deputado apresentou à Câmara um projeto de lei relativo ao aproveitamento das
nossas jazidas minerais”. Na seqüência do texto, o autor escreve que o político
“não era grego no assunto”, ou seja, que Calógeras não conhece a situação das
minas brasileiras. Campos afirma que o político conhece, somente, “as
particularidades das galerias subterrâneas da Sibéria, do Transwaal, da Índia, da
Suécia e do Orange”, pelas quais “enveredava, de olhos fechados, no silêncio de
seu gabinetepor meio de livros e relatórios. O cronista quer dizer que os políticos
não conhecem a realidade local e encantam-se com outros países, criando leis
que não se adequam ao Brasil.
No parágrafo seguinte do texto, o autor enfatiza que Pandiá Calógeras
passa “de médico a farmacêutico”, fazendo uma ironia ao fato desse político ter
mudado de cargo de deputado a ministro. Na seqüência, critica o ex-deputado ao
62
salientar que cabe a ele “aviar a receita que anteriormente formulara”. O autor
sugere que o novo ministro não tem capacidade para fazer o que ele mesmo
idealizara. Depois, Campos continua a crônica com uma anedota sobre um
médico que, ao sair da faculdade, mandou o filho da lavadeira para “o outro
mundo” porque aplicou-lhe uma pomada, “que, quando estudante, dizia infalível”.
Ao fim da crônica, o autor traz mais uma anedota:
- Pequeno, sabes ler e escrever? perguntaram, um dia, a um
garôto.
- Escrever, sei; mas, ler, não sei, não senhor. (id., ibid., p. 157)
Com as anedotas, Campos argumenta que o ministro Pandiá Calógeras
deveria assumir que a sua lei é irregulamentável. O cronista compara “um doente”
com o Brasil e a “pomada” com as decisões dos legisladores. Ao encerrar o texto,
afirma que a maioria dos legisladores sabe apenas escrever, mas não sabe ler, ou
seja, que eles criam novas leis e, depois, não sabem como sustentar e executar
as próprias leis que criaram.
O tema e a crítica presentes nessa crônica de Campos continuam atuais.
Deve-se levar em conta que a edição do livro também favorece a sobrevivência do
texto. Porém, no que se refere especificamente aos limites temporais da crônica,
“Aos que sabem escrever” mostra a realidade da sociedade em que o cronista
vive, porque, como definiu Alceu Amoroso Lima, o cronista que escreveu o texto
“vive no tempo e capta a mensagem do tempo, do seu tempo, da hora que passa,
do dia-a-dia”. (LIMA, A., 1960, p. 51)
Em “Aos que sabem escrever”, o autor não fala de si mesmo, e sim da
política brasileira e da incompetência de Pandiá Calógeras. Campos questiona o
poder dos políticos que não têm capacidade para cumprir suas funções e critica o
sistema político brasileiro do qual, posteriormente, ele também faria parte como
deputado. No texto, o cronista desmistifica a figura de Calógeras; quebra o tom de
63
seriedade com que o político era retratado e abala a tradição da política ao dizer
que os ministros são inferiores aos deputados. Campos analisa o “poder de
Calógeras” com revolta, registrando a ação de um político que se mostra
impotente. A crônica de Campos demonstra que Calógeras não tem razão nas
decisões que toma. O texto foi escrito na terceira pessoa do singular e pode ser
considerado, de acordo com a definição de Luiz Beltrão, “crônica especializada
satírico-humorística”.
Em Da seara do Booz, Campos também não fala do seu “eu”; ao contrário,
preocupa-se com as questões pertinentes à sociedade. Ao longo dos textos, o
autor denuncia muitos políticos e, sobre outros, tece comentários nada favoráveis,
capazes de atrapalhar a carreira de alguns. Na crônica “A raposa crucificada” (id.,
ibid., p. 207-209), Humberto de Campos conta a história de Pinheiro Machado,
líder político extremamente admirado por ele, que teria chamado “Lauro ller”,
Ministro das Relações Exteriores, de “raposa de espada à cinta”. No texto,
Campos toma o partido de Pinheiro Machado e reforça a acusação feita por este
contra Müller. Afirma que o ministro queria “arrastar o exército para o seu buraco
político”.
O cronista critica Müller ao dizer que a afirmação de Machado se justifica.
Ao longo da crônica, fica claro que o autor considera Müller um traidor e um
aproveitador, justamente por querer o exército a favor das suas idéias e práticas.
Campos comenta que nenhuma fábula poderia aplicar-se ao ministro, porque este
era uma raposa enganada. Segue dizendo que todos os animais logram-se,
inclusive, a si mesmos, no “tumulto de sua leviandade”, e deixa implícito que
Müller logra os outros, assim como os demais também o logram. Por isso, chama-
o de “raposa crucificada”.
No próximo parágrafo do texto, Campos critica, ainda, a religião católica.
Escreve que os jesuítas foram os primeiros a penetrarem o interior da “Baía” e cita
o historiador Southey, de acordo com o qual a “Baía”, que representa o Brasil, fora
64
surpreendida com a prática de uma religião cristã “horrendamente desfigurada”.
Ao dizer que o cristianismo havia sido “desfigurado”, Campos revela a sua
antipatia pela Igreja e, ainda, enfatiza o domínio e o poder de manipulação
exercido por essa instituição, acrescentando que os religiosos europeus eram
imitados pelos demais padres.
Ao arrematar o texto, Campos julga e condena Müller e a religião cristã.
Escreve que os índios adoravam uma cruz em que pregaram uma raposa e
destaca que Lauro Müller foi colocado na cruz. Com isso, o autor ressalta que os
cristãos adoram a raposa, um animal considerado traidor, e que o político o foi
colocado na cruz pelos seus milagres, e sim pela “impatriótica teimosia dos seus
devotos”.
A crônica, publicada em 1918, possui um caráter factual. Na época em que
Campos a escreveu, fervilhavam as brigas políticas do General Pinheiro Machado,
personagem preferido do cronista, mencionado em vários outros textos, tais como
“Os veteranos de Alexandre” (p. 57), “Quem vai dar as cartas” (p. 61), “Uma frase
do General” (p. 63), “Saudades do cativeiro” (p. 67). Essas farpas trocadas pelos
políticos eram assuntos diários, abordados nos jornais. Assim, a crônica em
questão remete à origem da palavra crônica, que tem, primeiramente, um
significado ligado à narração dos fatos em ordem cronológica e, depois, uma
acepção vinculada ao jornalismo, porque, como afirma Vieira (apud COUTINHO,
1971, p. 108), os jornais são o lugar onde se escrevem os principais fatos do dia,
comentados, muitas vezes, pelo cronista. É importante salientar que não foram
encontrados registros de que as crônicas publicadas em Da seara do Booz sejam
inéditas, porém, mesmo que haja tal ineditismo, o que importa é o fato de o
cronista comentar, em livro, um assunto ampliado nos jornais.
“A raposa crucificada” é uma crônica escrita na terceira pessoa, na qual
transparece o julgamento do autor acerca do comportamento das pessoas, em
particular de Lauro Müller. O plano narrativo da crônica está no presente, mesmo
65
que ocorra o resgate histórico da colonização dos jesuítas. No texto, o autor opina
com a intenção de persuadir o leitor, posicionando-se do lado de Pinheiro
Machado e, assim, definindo o seu lugar nos conflitos políticos que estão em
pauta.
“A raposa crucificada” constitui um texto bem elaborado e requintado, que
se caracteriza pelo rigor formal. Essa crônica pode ser considerada, segundo
definição de Luiz Beltrão, “especializada analítica”, pois seu objetivo é apresentar
o fato, com o posicionamento do autor sobre o tema. Além disso, pode se
enquadrar na classificação “crônica-comentário”, de Afrânio Coutinho, que tem
como finalidade enfatizar a opinião do cronista sobre determinado assunto.
Após a análise, verifica-se, portanto, que os textos incluídos em Da Seara
do Booz relatam determinados fatos do Brasil do início do século XX. Ao longo dos
parágrafos, as crônicas de Campos revelam um autor preocupado em falar para o
povo e cujo entusiasmo é escrever sobre a moralidade e a vida social e política.
Os textos do autor sempre apresentam o fato e, em seguida, trazem um exemplo
histórico ou uma anedota. Grande parte das crônicas reunidas em Da Seara do
Booz é escrita na terceira pessoa do singular e pode ser enquadrada nas
seguintes classificações: “crônica especializada satírico-humorística”, “crônica-
comentário” e “crônica-narrativa”.
O livro póstumo Últimas crônicas (id., ibid., p. 5–230), publicado em 1936,
também se caracteriza pela crítica social e política. A obra tem forte influência dos
folhetins, que traziam um texto mais leve e solto antes de a crônica ganhar o seu
espaço fixo nos jornais diários. A obra contém crônicas factuais, nas quais o autor
expressa sua opinião sobre os assuntos abordados. Os textos, em sua maioria,
são escritos na terceira pessoa do singular e são mais detalhistas em relação às
informações que trazem. As crônicas são informais, mas refletem sobre o
comportamento social e político da época. Na verdade, em Últimas crônicas, que é
66
a reunião de algumas crônicas publicadas em jornais do período, Humberto de
Campos faz uma apuração dos fatos, emitindo o seu ponto de vista.
A política e o comportamento social são os assuntos de “A posse de ilusão
em felicidade” (id., ibid., p. 5-9). Nesse texto, Campos faz uma reflexão sobre a
procura da felicidade, e, paralelamente, sobre a expropriação das terras russas. O
autor relaciona os dois assuntos para dizer que a felicidade está ligada aos bens
materiais. Campos reitera que o homem acredita no poder de encontrar a
felicidade no âmbito do domínio moral, acessível por meio de conquistas
abstratas. Ou seja, somente o amor, a alegria e a paz, por exemplo, poderiam
trazer felicidade. Na seqüência, porém, ao criticar os profetas e as religiões, diz
que o homem passa a procurar a felicidade dentro da vida, visando a conquistas
materiais. A conseqüência disso são os problemas políticos e econômicos.
Os três parágrafos que falam sobre felicidade servem de mote para o autor
dizer que leu O direito de sucessões, de Clovis Bevilaqua, cujo tema é a história e
evolução da herança. A temática principal da crônica, por fim, aparece: toda a
economia russa girou em torno da propriedade territorial, esta a base das riquezas
públicas ou privadas. Então, Campos pergunta: “O Direito Soviético poderá ter,
nesse ponto, aplicação universal?”. O autor afirma que os adeptos da teoria
marxista acreditam que essa tradição econômica pode ruir e mostra que, para os
marxistas, essa tradição é a chave do problema da felicidade.
Segundo o autor, a expropriação das terras na Rússia resulta num retorno
ao passado e realiza um antigo sonho de trabalhadores do campo. Campos
defende a expropriação e diz que a decisão do governo russo reatou uma tradição
nacional. Ao final da crônica, o autor recorre a uma metáfora “A integridade das
raízes explica a resistência da árvore” –, para afirmar que a ssia tomou a
decisão certa e que o Brasil deveria fazer o mesmo.
67
Essa crônica tem ênfase política e é dedicada aos governantes, e, também,
à população brasileira. O autor quer demonstrar que uma decisão poderia ser
tomada para melhorar a vida das pessoas e, por isso, toma como exemplo a
expropriação de terras russas, argumentando que, no Brasil, as terras também
deveriam ser melhor repartidas. O autor utiliza, na construção da crônica, o relato
de um fato, de forma poética, quando se refere à felicidade, e, também, a
factualidade própria do jornalismo, ao tecer comentários sobre a decisão das
lideranças russas.
Na crônica, Campos pensa na coletividade, ou seja, o autor constrói o texto
preocupando-se com a população desprovida de terra para morar. Por intermédio
da história contada sobre a Rússia, o escritor apresenta as suas idéias e, de modo
indireto, pede a solução do problema social que aflige o seu próprio país.
“A posse de ilusão em felicidade” oscila entre a primeira e a terceira pessoa
do singular e pode ser considerada uma “crônica-comentário”, de acordo com a
classificação de Afrânio Coutinho, em razão da ênfase conferida ao discurso
opinativo. O texto ainda pode ser visto como uma “crônica metafísica”, porque traz
reflexões e divagações sobre a felicidade e o comportamento adotado pelos
homens com o intuito de encontrá-la. Por fim, ele pode ser enquadrado no
subgênero proposto por Dileta Silveira Martins, que é a “crônica-sociológica”, na
medida em que aborda o problema social da expropriação das terras, trazendo a
reflexão do autor sobre o assunto.
A maioria dos textos de Humberto de Campos incluídos em Últimas
crônicas, paralelamente a um fato descrito pelo autor, conta uma lenda, uma
anedota, uma história da antigüidade, ou, então, compara uma situação local com
aquela vivida por um país estrangeiro. É o que acontece em “As aves brasileiras”
(id., ibid., p. 85-88). O texto relata a história das aves no Brasil, porém, mais uma
vez, as aves são um pretexto para falar do comportamento social e econômico
observado no país. Campos escreve que, antes de o Brasil nascer, o hábito de
68
receber a todos existia. 500 anos o brasileiro recebe festivamente o seu
hóspede. Ao longo do texto, o autor fala de tudo o que os portugueses trocavam,
deixando de lado o que existia, como o vinho substituindo o cauim. Para emitir
tais opiniões, o cronista é irônico: “Jandira aprendeu a ler, e passou a usar o nome
de Ivone ou Zuzú. O pajé tomou o título de doutor e Inhabotan passou a assinar-
se Oliveira”; o hábito da hospitalidade, todavia, permaneceu.
Posteriormente, Campos afirma que a hospitalidade brasileira tornou-se
extensiva à natureza: o português trouxe, dos seus domínios da Índia, a
mangueira, que, hóspede no Brasil, em breve, se tornou rival do cajueiro e “lhe
tomou o lugar nas cidades, mandando-o para as estradas do Sertão”. Por sua vez,
a cana-de-açúcar “e o café, trazidos, uma da Madeira, outro da Arábia por
intermédio de Caiena, transformaram-se em riqueza da pátria nova, arvorando-se
em árbitros do seu destino econômico”.
Campos cita mais exemplos de árvores, como a seringueira e o “fícus”, e
garante que, assim como “sucedeu com as árvores, sucedeu com as aves. O
canário belga depôs o bicudo, e o peru, com a arrogância, tomou o lugar do
jacamin”. Continuando a temática da hospitalidade, mas querendo ir além da
hospitalidade das árvores e das aves, Campos escreve: “E como se esses, e
outros desastres, não fossem bastantes para acentuar o nosso excesso de
hospitalidade, veio o pardal, o japonês de asas, e foi, pouco a pouco, se infiltrando
pela floresta, até que se proclamou dono da casa”.
Ao retratar a hospitalidade brasileira, Humberto de Campos critica a falta de
cuidado do Brasil com os seus recursos naturais, comparando-o, por exemplo,
com os Estados Unidos:
Não é isso, entretanto, o que sucede nos Estados Unidos, onde a
integridade nacional é defendida vivamente em todos os reinos da
natureza. Na grande República dos dois Roosevelts até as aves
69
indígenas desfrutam regalias assecuratórias da sua existência e
expansão, regalias essas que se acham consubstanciadas em
uma lei, votada desde 1900, e que é conhecida por Lei Lacey, em
homenagem ao deputado John Lacey, do Yowa, que a apresentou
e defendeu. (id., ibid., p.87)
Na seqüência do texto, o autor assegura que, com a lei criada nos Estados
Unidos para proteger os seus animais, “nenhuma ave estrangeira pode penetrar
hoje no país sem estar acompanhada de um passaporte, expedido pelo país de
origem. Ao desembarcar num porto da República, ela é examinada pelo Serviço
de Inspeção Biológica”. Essa crônica de Campos tem a precisão jornalística,
porque explica ao leitor os detalhes do Serviço de Inspeção Biológica: “Dirige esse
serviço no país o dr. Theodor Palmer, cujo departamento arrecada algumas
centenas de milhares de dólares, que o utilizados na proteção direta às aves
legitimamente americanas”. Ao combinar a informação com a opinião, o autor
escreve:
A grande bandeira riscada e estrelada abre-se na terra e no céu,
não consentindo, jamais, que, homem ou bicho, se veja dominado
pelo competidor estrangeiro.
A lição é bela, como se vê, e devia ser aproveitada por um povo
que manda vir colonos europeus, aos quais a terra, o arado, a
casa, a vaca, e dinheiro para um ano, quando tem, no seu próprio
território, nacionais seus, que pedem apenas a terra, uma enxada
velha e um chapéu de palha de carnaúba.
Mas essa lição é inútil. O Brasil é do tico-tico, mas quem manda é
o pardal. É da jaboticaba, mas quem governa é a mangueira.
Continuam predominando, no céu, nas suas cidades e nas suas
florestas, os velhos hábitos de Arabutan e Tibiriçá. A casa é do
dono. Mas quem manda é o hóspede”. (id., ibid., p.88)
Esta opinião de Campos reflete a situação política e econômica do Brasil no
período compreendido entre 1920 e 1935 quando ocorre a Revolução de 30 –,
durante o qual a economia permanecia, como hoje, nas mãos dos grandes
empresários estrangeiros.
70
Na crônica, Campos enfatiza que o Brasil entrega todos os seus recursos
naturais ao visitante. Reitera que, ao contrário dos Estados Unidos, o Brasil não
protege os seus bens. Os americanos, segundo o autor, guardam os seus
recursos e, ainda, exploram o território estrangeiro. Ao longo do texto, o autor
cumprimenta as autoridades americanas pela medida de segurança, dando a
entender que, no Brasil, os governantes deixam os recursos naturais, entre os
quais as aves, para os estrangeiros cuidarem.
A crônica, além de criticar a falta de cuidados do Brasil com suas riquezas,
tem a intenção de mostrar as relações políticas brasileiras com os outros países,
até porque Campos protagoniza uma luta com o Ministério das Relações
Exteriores do Brasil. Em Da seara do Booz o autor critica Lauro ller, então
Ministro dessa pasta, agora, em “As aves brasileiras”, condena a falta de
autoridade do Brasil frente aos estrangeiros.
“As aves brasileiras” é um texto escrito na terceira pessoa do singular e
possui características do jornalismo, tais como as frases curtas e as informações
veiculadas de modo direto. Esse texto pode ser considerado uma “crônica local”,
de acordo com a classificação proposta por Luiz Beltrão, porque relata um dos
problemas do Brasil, comparando-o ao exemplo norte-americano. A crônica traz
as idéias e as opiniões sobre o lugar onde o cronista vive e expõe uma dificuldade
da comunidade. Ao mesmo tempo, esse texto pode ser enquadrado na categoria
“crônica-comentário”, em virtude do discurso opinativo utilizado pelo autor, ou,
ainda, na categoria “crônica-informação”, em razão das informações
disponibilizadas ao leitor, quando Campos escreve sobre a “República dos
Roosevelts” e, também, sobre a lei que defende a integridade das aves nos
Estados Unidos. Estas últimas duas classificações foram propostas por Afrânio
Coutinho.
71
Últimas crônicas, justamente por ser uma publicação de crônicas
veiculadas em jornais, tem um caráter factual. A efemeridade marca muitas
crônicas do livro, tais como “Quebremos os copos” (id., ibid., p. 53-60), que fala da
“semana anti-alcoólica”; “O discípulo de Diógenes” (id., ibid., p. 115-120), sobre
um homem que vive em um túnel; e “Filhos do Libório” (id., ibid., p. 157-162), em
que Campos responde a uma carta de uma leitora publicada no jornal católico de
São Paulo intitulado Ave Maria. Nestes textos, dá-se a valorização do fato ocorrido
no mesmo tempo em que a narração do autor tem lugar. Campos, ao relatar os
acontecimentos que se sucederam no dia anterior ou naquela semana, a sua
versão do evento e, ainda, confere à sua crônica o que Vivaldi (apud MELO, 2002,
p. 141) chama de “toque pessoal”. O mesmo acontece em “Direito de matar”. (id.,
ibid., p.61-66)
Nessa crônica, o autor defende a eutanásia. Inicia o texto dizendo que,
exatamente no mesmo dia em que o jurista Ari Azevedo Franco, na Faculdade de
Direito de Belo Horizonte, fez uma conferência condenando o direito de matar,
começou a guerra civil e dispararam-se os primeiros tiros na cidade de São Paulo.
Campos comenta a opinião do jurista, ao dizer: “E conclue, como jurista,
recusando ao médico o direito de matar. Tendo de optar, optou pela escola
conservadora”. Com este comentário, o autor defende a prática da eutanásia e
revela-se, nesse caso, um homem à frente de seu tempo, negando a imagem de
conservador que muitos lhe atribuíam, entre os quais o crítico Múcio Leão.
O autor, ao longo do texto, afirma que é necessário ouvir um “réu”, ou seja,
um doente, e que, como ele próprio está doente, praticamente à beira da morte,
pede a palavra:
A eutanásia vem descrevendo, historicamente, no tempo, uma
parábola que nos quase a segurança da vitória, o remota, do
princípio que ela encarna. Ordinariamente adotada pelos antigos,
sofreu uma flexão considerável com o espírito católico, na Idade-
Média, quando o corpo humano se tornou inviolável,
72
rigorosamente vedado às sacrílegas investigações da ciência.
Pouco a pouco, porém, a ponta do arco vem flectindo, e de tal
modo que alguns códigos não consideram um crime a morte
caridosa. (id., ibid., p. 64)
E, quando se refere à Igreja Católica, opina:
É espantosa a sua resistência, mas terá de ser vencida. E, se não
me engano, uma das causas da lentidão na marcha dessa idéia
generosa e humanitária, tem sido a interferência excessiva dos
juristas em um assunto cuja orientação inicial devia caber
exclusivamente aos médicos [...] Mas o direito social o deve
prevalecer sobre o direito humano. A sociedade, não pode, em
suma, recusar ao médico, de modo absoluto, o direito de matar.
(id., ibid., p. 64)
Campos, ao defender o direito de matar, culpa os juristas e, sobretudo, a
Igreja pela manutenção das idéias conservadoras. Para ele, a igreja incutiu na
sociedade a idéia, também apresentada por um livro de Tchekow, de que a dor
figura como a ascensão da alma humana. Além disso, afirma que é hipocrisia
condenar a “morte caridosa”, e que viver com dor prolonga o sofrimento das
pessoas. Salienta ainda que é um ato de caridade humana dar a morte a quem a
pede.
No entanto, o objetivo de Campos na crônica, além de defender a
eutanásia, é criticar o comportamento das pessoas, mostrando que uma
incoerência nas decisões tomadas pela sociedade. Esta condena, na época, a
eutanásia e, ao mesmo tempo, defende a guerra civil, que mata milhares de
pessoas saudáveis.
73
No penúltimo e no último parágrafos do texto, o autor revela sentir a
proximidade de sua própria morte. Ele afirma conhecer a morte de perto:
“conheço-a, e a tenho aquí, agora mesmo, ao meu lado, prendendo a pena na
minha mão”. Ao garantir que conhece a morte, o autor reitera a idéia de que tem
autoridade para opinar sobre o direito de matar. Além disso, sugere que muitos
atos deveriam ser decididos por quem os aplica – neste caso pelo médico –, e não
pela justiça que, muitas vezes, não conhece absolutamente nada sobre o assunto
em questão e ainda toma as decisões erradas.
“Direito de matar” é uma crônica que informa e apresenta opiniões. O texto
registra os fatos e também incorpora a subjetividade do narrador, por meio da sua
reflexão. A crônica está situada no tempo em que foi escrita, primeiro porque
informa e reflete um tema atual e, segundo, porque revela os fatos ocorridos e
vivenciados por Campos, que expressa a sua angústia no texto.
Na verdade, nessa crônica, o autor mistura a crítica social a seus conflitos
pessoais, provocados pela doença e pela proximidade da morte. No texto,
Campos analisa um fato complexo da sociedade e exige uma decisão para o que
considera um drama humano, enfrentado por si próprio e por milhares de outras
pessoas. Ele chama a atenção para um “drama do mundo” e pede que a razão
dos juristas e legisladores não se perca.
Essa crônica pode ser considerada “crônica-informação”, devido à
divulgação que faz da conferência realizada pelo jurista e da opinião que este
propõe. Pode, também, ser enquadrada como “crônica-comentário”, porque o
autor a sua opinião sobre a eutanásia. Ambas as classificações foram
sugeridas por Afrânio Coutinho. Por último, é possível inserir o texto num dos
subgêneros propostos por Dileta Silveira Martins, a “crônica-sociológica”, porque
aborda o problema social da eutanásia, comparando-a com a guerra civil,
mediante a reflexão do cronista.
74
Após a análise, é possível constatar que as temáticas dos textos incluídos
em Últimas crônicas o voltadas, principalmente, à crítica social e política.
Predominam crônicas que se aproximam da realidade nacional e os assuntos
publicados na imprensa da época. Verifica-se, além disso, que a maior parte dos
textos da obra apresenta características próprias da “crônica-informação” e da
“crônica-comentário”, ambas definições de Afrânio Coutinho.
3.2 O humor e a ironia
A serpente de bronze (CAMPOS, 1921, p. 01-168) é o primeiro livro de
crônicas escrito por Humberto de Campos com o pseudônimo Conselheiro XX e,
também, o segundo publicado pelo autor. Assim como a primeira obra do cronista,
intitulada Da seara do Booz, A serpente de Bronze é inspirado, no que se refere
ao título e às temáticas, em textos bíblicos. O livro marca uma mudança no estilo
de escrita do autor, que passa da crítica social e política feita de modo direto e
formal, para a crítica disfarçada, envolta em ironia. Esse livro contém textos na
forma de anedotas, histórias pitorescas e espirituosas, de tom malicioso, que
provocam o riso.
Os textos do Conselheiro XX apresentam um narrador onisciente intruso.
Esses textos remetem a acontecimentos históricos, e neles o narrador manifesta
juízos de valor, além de fazer algumas denúncias. Mitologicamente, a “serpente”
remete à maldade e à tentação. Pode representar, também, castigo e punição. Por
sua vez, o livro A serpente de bronze parece representar simbolicamente a
realidade, o cotidiano, o poder, a corrupção, as doenças, a sexualidade, o dia-a-
dia. Se a serpente mitológica castiga, a serpente do Conselheiro XX aplica um
castigo aos poderosos e aos políticos. A serpente, na obra de Campos, pretende
75
alertar as pessoas sobre os problemas que ocorrem na sociedade. A “serpente de
bronze”, no livro, remete à idéia de denúncia, de renovação dos valores e dos
comportamentos. As crônicas, em geral, constituem-se em sátiras do poder.
Humberto de Campos é irônico também em outros de seus textos, porém,
nas crônicas que levam o nome do Conselheiro XX, o autor eleva ao grau máximo
a ironia e o humor. No livro em questão, o autor emite opiniões que, no Brasil de
1920, são consideradas absurdas pela extrema “falta de decoro”. Desse modo, o
autor é aclamado e odiado, em 1921, com A serpente de bronze. Ele agrada a uns
e desagrada a outros.
O Conselheiro XX sem o público saber que se trata de Humberto de
Campos abusa da imaginação, do ceticismo, da graça e da jovialidade. Picanço
afirma que Campos é um anedotista:
Humberto, vestindo a capa negra do Conselheiro XX, que muitas
vezes, o deve ter abrigado dos temporais, foi apenas, e assim,
também, o classificou Sud Mennucci, um anedotista, mais literato,
mais artista, quer na fórmula, quer no fundo. (PICANÇO, 1937, p.
239)
De acordo com Picanço (id., ibid., p.240), o Conselheiro XX tinha um
intuito, que era o de fazer rir aos leitores, mas para o crítico Múcio Leão, citado na
obra de Picanço, o Conselheiro XX era a forma de Campos se sustentar:
Homem de gosto, de sensibilidade e poesia, o acrediteis que
Humberto de Campos deixasse de sentir a atroz tristeza de
assumir aquela humilhante caracterização. Mas, se era aquela a
sua forma de ganhar a vida?... No íntimo o poeta andaria a
percorrer os jardins suaves, onde se apraziam as Armidas dos
seus sonhos. Mas, se a sua literatura refletisse apenas a pureza e
a doçura, quem lhe pagaria os miseráveis mil réis, que os contos
76
rabellaisianos do Conselheiro XX cada quinzena lhe garantiam?
(LEÃO apud PICANÇO, 1937, p. 241)
Campos não nega a autoria das crônicas assinadas pelo Conselheiro XX e
assume que seus textos vão contra a moral religiosa e patriarcal das famílias
brasileiras, mas acredita que as críticas ao Conselheiro XX são excessivas.
De acordo com Ferreira, os textos de Campos, principalmente os do
Conselheiro XX, possuem os alicerces dos gêneros do cômico-sério, porque
conferem um novo tipo de tratamento à realidade. Para a estudiosa, o autor tem a
“atualidade viva”. Ferreira diz que o dia-a-dia “é o objeto ou o ponto de partida da
interpretação, da apreciação e da formalização da realidade” (FERREIRA, 1990,
p.45). A autora enfatiza que o objeto da representação séria e ao mesmo tempo
cômica , acontece sem distância épica ou trágica. Essa representação
permanece no presente, e não no passado dos mitos e das lendas. Outra
peculiaridade das crônicas que têm a característica do mico-sério é que sua
criação se baseia, conscientemente, na experiência e na fantasia livre.
Nas crônicas de A serpente de bronze, a anedota e a metáfora são ainda
mais freqüentes do que nos demais livros do autor. Assim como em “A bilha” (id.,
ibid., p. 4) e “O troco” (id., ibid., p. 5), em “Ninho de Curió” (id., ibid., p. 9-10), a
anedota é adotada pelo autor para contar uma história que possui um final cômico.
A crônica “Ninho de Curió” inicia com a afirmação de que o personagem Luizinho
estava com cara de ter feito mais uma travessura. Segue-se, então, a narração. O
padre Guilherme chamou o menino e perguntou-lhe o que havia feito naquele dia.
O garoto corou e o padre o pegou pela mão e levou-o para confessar-se: “– Eu
estive hoje na mata do outro lado do rio, tirando uns ninhos de curió...
confessava o garoto”. O padre disse-lhe que isso era pecado, pois ele estava
roubando os passarinhos dos pássaros-pais. No outro dia, Luizinho foi para o
mesmo lugar a fim de brincar com as vacas, e viu o padre Guilherme roubando
ninhos de curió. O tempo passou, Luizinho foi embora da cidade e voltou anos
77
depois para casar. Encontrou o padre Guilherme e os dois iniciaram uma
conversa. O padre perguntou quem era a noiva dele, e Luis disse que não seria
tolo em lhe dizer: “– Pensa, então, que isto é um ninho de curió?”.
O texto é uma sátira aos comportamentos das pessoas e, também, à Igreja
Católica. Por meio do diálogo entre o padre e Luizinho, o autor satiriza a realidade
da época e o falso moralismo e castidade apregoados pela Igreja. O padre, que
fez o menino confessar-se por ter pecado, era um falso puritano; ele também era
um pecador. Cometia os mesmos pecados que o menino e, talvez, outros mais,
mas fingia-se de moral e casto. O texto é uma crítica, ao clero e aos poderosos do
país, pois zomba dos costumes e dos valores que grande parte da sociedade finge
seguir. Com o Conselheiro XX, o autor mostra os defeitos do mundo e da
humanidade.
O autor apresenta, valendo-se da memória e da imaginação, fatos, ações,
comportamentos, gestos e neuroses da vida das pessoas. O Conselheiro, que
ironicamente tem esse nome, registra as relações humanas que se prendem a
aparências e os comportamentos impostos pela sociedade.
“Ninho de curió” é uma crônica escrita na terceira pessoa, com texto muito
breve e linguagem cil de entender. Ao contrário de Campos, o Conselheiro XX
“fala fácil”, escreve num tom informal para o povo que compra e o jornal nas
ruas. Esse texto de Campos, como praticamente todos os publicados pelo
Conselheiro XX, enquadra-se na classificação proposta por Luiz Beltrão de
“crônica especializada satírico-humorística”, que critica, ironiza ou ridiculariza
pessoas ou fatos. Nesse caso, Campos ironiza os valores da sociedade e a falsa
castidade e pureza da Igreja Católica.
Para Ferreira, uma peculiaridade dos cronistas do cômico-sério são a
pluralidade de estilos e a diferença de vozes de todos os gêneros: “Eles
renunciam à unidade estilística da epopéia, da tragédia, da retórica elevada e da
78
lírica. Caracterizam-se pela politonalidade da narração, pela fusão do sublime e do
vulgar, do sério e do cômico”. Segundo a autora, os cronistas empregam
abundantemente gêneros como “cartas, manuscritos encontrados, diálogos
relatados, paródias dos gêneros elevados, citações recriadas em paródia, etc. Em
alguns deles, observa-se a fusão do discurso da prosa e do verso”. (FERREIRA,
1990, p. 46)
Essas características do cômico-sério, como a “fusão do sublime e do
vulgar, do sério e do cômico”, e, principalmente, o recurso da paródia, estão
amplamente revelados n’A serpente de bronze. Nesse livro, o autor
constantemente parodia uma obra, seja de modo cômico ou por meio da ironia,
com o intuito de ridicularizar uma situação. A Bíblia é o principal livro a ter algumas
de suas passagens parodiadas, como se pode perceber em “A mulata”. (id., ibid.,
p. 12-13)
Nessa crônica, o autor escreve que os “limites civilizáveis” do mundo foram
aumentados com a descoberta do Brasil, e que Jeová com este termo que se
refere a Deus) resolveu encher a terra com uma espécie diferente. Ao longo da
crônica, Campos afirma que a “raça branca” dominava na Europa. Na Ásia,
fervilhavam os homens amarelos. Os negros dominavam a África. Então, era
necessário criar uma raça nova:
Resolvido isso, tomou o Senhor do seu martelo, do seu buril, da
sua verruma, do material, em suma, com que trabalhava na
fabricação meticulosa dos seres vivos, e, misturando um pouco da
pasta com que fizera o negro, com outra, absolutamente igual na
dosagem, de que fabricara o branco, formou com as duas, uma
pasta morena e macia, em que se pôs a modelar, cuidadoso, uma
figura de mulher. (id., ibid., p.13)
79
Quando terminou seu trabalho, o “estatuário” ficou fascinado. Humberto de
Campos descreve a cena em detalhes, dizendo que essa era “a última flor do
jardim humano” em que o criador “pusera toda a sua experiência de escultor
inexcedível” e que “a nova Afrodita resumia, com os seus olhos negros, os seus
cabelos crespos, as suas linhas voluptuosas e a sua pele acentuadamente
castanha, todos os encantos e todas as graças da criação”. Na continuação da
anedota, Campos conta que, com uma folha de cebola e um dente de alho, Jeo
friccionou pausadamente os ombros da criatura e ordenou-lhe que se movesse:
a estátua moveu-se, preguiçosa, e com um andar lúbrico,
remexido, sensual, desceu do solo em que fora polida [...] A
mulata abriu os lábios num sorriso dengoso, e, como o Criador lhe
indicasse, com um gesto, o caminho da terra, através das estrelas,
rumou, enamorada de si própria, em direção ao Brasil. Vinte e
quatro horas depois, porém, batia, de novo, à porta da oficina
celeste.
- Você por aqui, ainda? estranhou Jeová, espantado. A mulata
baixou os olhos, procurando justificar-se.
- Foi impossível chegar ao meu destino, meu Senhor; e eu, então,
regressei, ali, das nuvens.
- Por que? trovejou o Criador, indignado. E ela, corando,
envergonhada:
- As almas dos portugueses não me deixaram passar... (id., ibid.,
p.13)
Campos, mais uma vez, é irônico. Fala do encanto dos portugueses pelas
mulatas brasileiras. Na crônica, percebe-se o posicionamento do narrador. A
temática e o tom de deboche provocam o riso.
Os fatos da crônica são criados por meio da imaginação de uma situação.
“A mulata” é uma crônica oriunda do devaneio do narrador. Com os textos do
Conselheiro XX, Campos deixa de lado a intenção de apenas informar e comentar,
para, sobretudo, divertir e ridicularizar. A linguagem se torna mais leve, mais
informal e descompromissada. Ele se afasta da argumentação séria ou da crítica
política, para centrar-se no comportamento das pessoas, descrito de modo irônico.
80
As crônicas de Campos são ferinas e tornam-se populares no momento em
que o publicadas, porque revelam o povo como ele é na época em que o autor
vive, de modo natural e verdadeiro. Isso induz o leitor a refletir sobre si mesmo e,
também, sobre a sociedade. O autor compara a maneira de ser da população, a
sua forma de falar, o seu entusiasmo, a sua percepção, e os seus conhecimentos,
ao comportamento da elite, contrapondo, nesse caso, a mulata aos portugueses.
No texto, o Conselheiro XX tem a intenção de valorizar a “nova raça”, que
na verdade existe, e, ao mesmo tempo, de modo implícito, escrever sobre os
tabus e preconceitos étnicos e sociais. “A mulata” pode ser considerada uma
“crônica especializada satírico-humorística”, na definição de Beltrão, porque
ironiza o poder de sedução da mulata e o encanto dos portugueses por aquela
que o autor chama de “nova raça”.
A paródia como elemento do cômico-sério faz-se muito presente nessa
obra. Em mais de um texto, percebe-se que o autor lança mão da parodização
para compor, principalmente, os textos humorísticos. A crônica “A Santa Casa”
(id., ibid., p. 30-32), por exemplo, é um texto inspirado numa sátira à Emílio de
Menezes. O Conselheiro XX usa a ironia para ampliar e exagerar os detalhes,
fazendo uma espécie de caricatura textual. “A santa Casa” apresenta uma
linguagem objetiva, com a influência da oralidade. O texto é uma crítica à Santa
Casa do Rio de Janeiro, porém escrita na forma de anedota. O cronista conta,
com precisão de detalhes, que um homem bateu à porta do céu para entrar. Ao
ser recebido por São Pedro, este disse-lhe que ali não faltava mais ninguém. O
homem, apavorado, foi ao purgatório, e também não havia o seu nome. Aí, foi
cumprir seu destino no inferno, e também o era o seu lugar. Então o homem
voltou, indignado, para o céu e disse que em nenhum lugar estava o seu nome.
São Pedro folheou o livro das almas e falou:
81
- Diga-me uma coisa: Onde foi que você morreu?
- Eu? Na Santa Casa do Rio de Janeiro! – respondeu a vítima.
E o chaveiro, escancarando a porta:
- É aqui mesmo, entre!
E mostrando o livro:
- A culpa não foi minha, filho! Você deveria vir para cá, mas daqui
a vinte anos! [...] Esta Santa Casa tem me estragado a escrita! (id.,
ibid., p. 31)
Através dessa crônica, o autor critica as condições de funcionamento da
Santa Casa do Rio de Janeiro. No texto, Campos coloca o morto como “vítima”. A
crônica traz informações sobre o estado da Santa Casa e, também, faz ironia com
o homem que morreu vinte anos antes. Desse modo, é perceptível, em Campos, a
“revitalização da linguagem” da crônica. Antonio Candido afirma, no texto intitulado
“A vida ao rés-do-chão”: “Creio que a fórmula moderna, onde entra um fato miúdo
e um toque humorístico, com o seu quantum satis de poesia, representa o
amadurecimento e o encontro mais puro da crônica consigo mesma” (CANDIDO,
1992, p. 15). Portanto, a crônica vai deixando cada vez mais a formalidade, para
comentar os fatos que acontecem num tom de humor e, assim, divertir o leitor. É o
que se confirma na crônica de Campos. A linguagem é leve, descompromissada e
une a crítica à ironia.
“A Santa Casa” é um texto que pode ser enquadrado em várias
classificações. Pode ser uma “crônica especializada satírico-humorística”, na
acepção de Luiz Beltrão, porque critica e, principalmente, ironiza a problemática
situação da Santa Casa; pode ser considerada uma “crônica-informação”, na
definição de Afrânio Coutinho, por trazer informações sobre a precariedade do
hospital carioca; e pode ser, ainda, de acordo com a classificação proposta por
Antonio Candido, uma “crônica-diálogo”, em razão dos diálogos entre os
personagens criados, São Pedro e o homem já falecido.
Diferentemente dos outros livros do autor, nesse, como se verifica na
crônica recém comentada, estão pequenos detalhes do cotidiano, escritos de
82
modo irônico e cômico. O texto termina de forma satírica; parece piada. Nos textos
assinados com o pseudônimo “Conselheiro XX”, o autor vale-se do conhecimento
que possui sobre o assunto e aproveita-se disso para revelar seu “outro eu”.
Todas as temáticas dos textos são abordadas num tom de sátira, revelando as
opiniões que o autor não ousa emitir quando publica as crônicas com o seu
próprio nome. Nos textos, evidencia-se, ininterruptamente, o posicionamento
pessoal e irônico de Campos.
A ironia e o humor do Conselheiro XX chamam a atenção para a
composição dessas crônicas. Os textos são recheados de idéias implícitas, que
deixam a opinião do autor aparecer de modo subliminar. O autor subverte a
linguagem e torna a leitura um ato de exercitar a inteligência (MARTINS, 1986, p.
227). O cômico aparece justamente quando os assuntos tratados, mesmo sendo
sérios, são transformados em caricaturas. O Conselheiro XX provoca o riso, na
medida em que recorre à ironia para castigar os personagens que são inspirados
na realidade.
Em A serpente de Bronze a opinião do narrador fica, ora implícita, ora
explícita. Quem escreve é o Conselheiro XX, um cronista despreocupado, que tem
como objetivo promover a polêmica e não está preocupado com as respostas dos
indivíduos atingidos por suas críticas. Os textos do livro são, todos, “crônicas
especializadas satírico-humorísticas”, na definição de Beltrão, porque ridicularizam
e satirizam uma situação, embora alguns possam também ser enquadrados em
outras categorias.
83
3.3 O caráter dramático e/ou confessional
Nas crônicas incluídas por Humberto de Campos em Sombras que sofrem
(CAMPOS, 1961, p. 5-282), as “histórias de seres humanos” é que norteiam a
escolha de todos os outros assuntos tratados nos textos. Esse livro marca uma
nova mudança de estilo do autor. Em sua primeira fase, ele aparece como um
cronista de crítica política e social, que emprega uma escrita formal; na segunda
fase, emite opiniões por meio do humor e da ironia; na terceira e última fase,
torna-se dramático e, em determinados textos, confessional. A esse respeito,
Picanço escreve:
nasceu um outro Humberto. O que hoje se admira e ama é o
Humberto que descreveu a própria vida, é o Humberto que
aconselha, que se lamenta, que tudo faz para, com palavras
repisadas de cordura, conduzir o homem pela estrada do bem,
elevando-o a culminância de si mesmo, fazendo-o descobrir no
céu do seu destino a estrela da própria salvação. Como esse
Humberto era querido, como esse Humberto, fino, maneiroso e
bom, é diferente do Conselheiro XX, do Humberto que, quase
sempre, envolvendo-se no manto escuro da imoralidade, descia às
baixezas da condição humana, para daí tirar o fato, uma história,
uma anedota. (PICANÇO, 1937, p. 242)
Em cada texto do livro, o autor se posiciona num determinado contexto,
seja este cultural, social ou histórico. E, ao longo dos parágrafos, Campos forma a
sua opinião e o seu juízo de valor. Evidencia-se, então, ora um escritor
conservador e moralista, ora um escritor moderno à frente de seu tempo. As
temáticas preferidas de Campos, em Sombras que sofrem, são as mulheres, as
senhoras separadas dos maridos, os maridos que reclamavam das esposas, a
solidão. O autor fala de amor, de história, de valores, de política. Critica os
grandes “comendadores” e recorre a metáforas e à ironia quando comenta a
situação política da época.
Além de inserir nos textos as suas crenças e opiniões, Campos sempre
escolhe temas que se adequam ao interesse dos leitores de jornal e, ainda,
aqueles assuntos que m ligação direta com a realidade, como a cidade e o
84
comportamento das pessoas. Nota-se que, ao contrário dos outros cronistas, o
autor não escreve sobre futebol, um assunto que, invariavelmente, conquista
grande número de leitores. Os textos que assina com o seu próprio nome sempre
têm um compromisso social, seja o de alertar, ensinar e aconselhar os leitores,
seja o de criticar e condenar determinados atos.
Numa de suas crônicas, emitindo uma opinião expressamente avançada
para a época, Campos sugere o divórcio a uma senhora que é infeliz no
casamento:
Sim, minha senhora, tome ânimo, e rebele-se. A senhora é moça,
pois que vem de entrar, apenas, na casa aritmética dos trinta
anos. Não lhe cabe carregar na vida, até ao túmulo, o cadáver de
um homem, a quem não matou. Se se tratasse de uma alma
heróica, de uma dessas almas femininas e cristãs que têm a
volúpia do sacrifício e do sofrimento, dir-lhe-ia, talvez, que
esperasse. Mas a senhora não pode esperar. A indignação lhe
enche a alma; o desespero enche-lhe o coração. Diante disso, não
se mate. A senhora tem direito à vida. (id., ibid., p.43)
Esses trechos mostram aquilo que ocorre em praticamente todas as
crônicas do livro: a realidade é o fio condutor da história. Percebe-se, ainda, que
as temáticas do cotidiano estão inseridas numa abordagem de cunho histórico e,
principalmente, de natureza psicológica. Nessa obra, Campos reflete e é poético.
O cronista-lírico (LIMA, E., 2001, p. 46) relaciona-se com a realidade do cotidiano,
o que proporciona oscilações no foco narrativo, ora na primeira pessoa, ora na
terceira às vezes, dentro de uma mesma crônica –, e utiliza-se, em alguns
casos, do discurso na voz feminina.
Nesse livro de crônicas, ocorre, permanentemente, o envolvimento do “eu”
do autor com o assunto em pauta, o que confere aos textos um tom dramático
e/ou confessional. O autor declara o seu ponto de vista e dirige-se apenas ao tipo
de leitor que o interessa. Essas características podem ser percebidas, por
exemplo, em “Aos meus amigos da baía” (id., Ibid., p. 265-282).
85
Essa crônica, mais longa do que as demais, apresenta uma narração em
primeira e terceira pessoa e contém um desabafo. Campos afirma que algumas
pessoas o odeiam e que, quando ele foi visitar o Maranhão, sua terra natal, em
1928, os jornais escreveram: “Em suma, é esta a pústula que vem aí”. Em
seguida, declara que perdoa o solo em que nasceu como erva daninha; que, se o
Senhor lhe perguntasse em que parte do Brasil, excluído o Maranhão, gostaria de
nascer de novo, ele responderia Bahia ou o Paulo, porque neles vivem os
melhores amigos que possui. Desses estados é que procedem as cartas
afetuosas que recebe e, também, o conforto moral de que necessita.
Ao longo da crônica, Campos conta que, na Faculdade de Medicina de
Salvador, foi organizado um movimento com o objetivo de auxiliar-lhe nos seus
problemas de saúde e que isso o havia emocionado: “– Auxiliemos Humberto de
Campos! Evitemos, num gesto concreto de simpatia, que Humberto de Campos,
enfermo, cansado, trabalhe tanto para conquistar o seu pão de cada dia!”.
Depois, Campos, na terceira pessoa do singular, fala de si mesmo:
Este escritor que a enfermidade vai-lhe tirando a luz dos olhos,
ainda não lhe tirou a coragem. Os tormentos de cada noite
duplicam-lhe as forças de cada dia para enfrentar a fatalidade [...]
Das suas dores, fez ele o seu prazer. E sobe-lhe da alma um
orgulho leonino e titânico, ao erguer-se cada manhã para a luta
peito a peito com a Morte, e ao senti-la, cada noite, batendo em
retirada. (id., ibid., p. 268)
Nessa crônica, Campos faz um desabafo; é intimista, confessional; fala,
detalhadamente, de sua doença e da sua falta de dinheiro. Afirma que, em tantos
anos de dificuldade, nunca deixou faltar nada em casa e agradece a todos que
tentaram lhe ajudar, como o governo provisório de Salvador, que gostaria de lhe
enviar uma pensão. Também agradece às “figuras do comércio” que tentaram
angariar fundos para retomar a casa que ele perdeu na hipoteca. O desfecho da
crônica adquire um tom sentimental: “Nasci em 1886. E tenho trezentos anos de
86
idade. Quem é, porém, por aí, que tome o coração na mão, e o erga mais alto do
que eu?”.
Em “Aos meus amigos da Baía”, Campos, novamente, expõe sua
interioridade. O autor escreve centrado na primeira pessoa e se distancia
totalmente de uma possível neutralidade. O cronista passa a opinar sobre os fatos
e, por meio da subjetividade com que fala de si próprio, ele conversa com o leitor,
ao mesmo tempo em que dialoga consigo mesmo. Dessa maneira, a crônica é
intimista, reflexiva e autobiográfica.
Lejeune, quando se refere ao texto autobiográfico, assim o define: “Relato
restrospectivo em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, dando
ênfase na sua vida individual e, em particular, na história de sua personalidade”.
No entanto, considerados pelo próprio Lejeune os limites dessa definição, são
propostos alguns elementos, organizados em diferentes categorias, que
caracterizariam a autobiografia: “Forma de linguagem (narração e em prosa), tema
(a vida individual, a história de uma personalidade), situação do autor (identidade
do autor enquanto pessoa real com o narrador do discurso), posição do narrador
(identidade do narrador com a personagem principal, perspectiva retrospectiva do
relato)”. (LEJEUNE apud REMÉDIOS, 1997, p. 12)
Com base nas considerações de Lejeune, pode-se afirmar que “Aos meus
amigos da Baía” é uma crônica autobiográfica. O autor vale-se da narração em
prosa para falar de sua própria vida, identificando-se com o narrador e com a
personagem principal do texto, e conferindo a seu relato uma perspectiva
retrospectiva, na medida em que conta fatos do seu passado, relacionando-os
com a situação presente. Além disso, a crônica que revela o “eu” do autor está em
primeira pessoa.
Ao fazer uma retrospectiva da sua vida, Campos evidencia as suas
experiências, principalmente a história da sua individualidade. Essas experiências,
87
situadas num contexto sócio-cultural, articulam-se com a memória e a imaginação
(MIGNOT; BASTOS; CUNHA, 2000, p. 90). É necessário lembrar que a memória
individual dialoga com o coletivo. Desse modo, o autor, ao registrar suas
lembranças, remete ao contexto histórico da época.
O escritor retrata, por exemplo, a Faculdade de Medicina da “Baía” e
menciona os líderes políticos que lhe prestaram ajuda. No entanto, o mais forte no
texto é o tom dramático da confissão do autor, que revela seus medos, suas
fraquezas e suas dificuldades. Campos mostra a sua situação no seguinte trecho:
“Perdi, com minha casa hipotecada, tudo que possuía como fortuna terrena. Mas o
trabalho não me falta, e, com o produto do meu trabalho, tenho tudo o que desejo,
porque hoje desejo pouco”. Ao longo da crônica, Campos divaga sobre os
acontecimentos da sua vida.
Nessa crônica, o autor aponta detalhes da sociedade carioca, maranhense
e baiana. Campos descreve a realidade em que viveu como famigerado e doente,
e, ainda, registra o cotidiano das pessoas que o auxiliaram. Com isso, o cronista
manifesta o seu “faro” de observador e confere à crônica o que Jorge Sá (SÁ,
1985, p. 13) chama de “lirismo reflexivo”, ou seja, o lirismo que alia emoção à
razão. “Aos meus amigos da Baía” centra-se na realidade de Campos. Ele cria
uma narrativa em que suas frases sobressaem pacíficas, sem criticar nem ofender
ninguém. O autor reflete sobre o que lhe resta da vida, mergulhado na sua
verdade e na sua tristeza, assumindo os defeitos e as virtudes que possui.
O texto pode ser considerado uma “crônica especializada sentimental”, de
acordo com a proposta de Luiz Beltrão, porque Campos expõe o fato, ou seja, a
sua decadência financeira e seu problema de saúde, através do olhar lírico e
comovido. O texto também pode ser enquadrado como “crônica metafísica”, na
definição sugerida por Afrânio Coutinho, uma vez que o escritor reflete e divaga
sobre os acontecimentos que norteiam a sua própria vida. “Aos meus amigos da
Baía” pode ser, ainda, considerada uma “crônica exposição poética”, porque
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expõe um assunto em tom lírico, ou “crônica biográfica lírica”, na medida em que
narra poeticamente a vida do próprio autor. Essas duas últimas definições são de
Antonio Candido.
Em Sombras que sofrem, Campos, talvez pelo estado da sua doença,
torna-se sentimental e triste. E suas crônicas refletem a tristeza com que ele o
mundo. Na crônica “O mandado” (id., ibid., p. 11-15), o autor deixa de falar de si
para ouvir falar do eu de outra pessoa. O texto narra uma conversa que ocorre
numa tarde tranqüila de feriado. A crônica, cujo narrador participa como
personagem da história, traz a factualidade de uma conversa de rua, precisando,
inclusive, o lugar onde se deu: “na confluência da rua Gonçalves Dias com a
Carioca, no Rio de Janeiro”.
A conversa envolve dois juízes, um conhecido escrivão e o autor. Um dos
juízes conta um fato curioso, de um pai que queria a guarda da filha. Esta, doente,
encontrava-se sob os cuidados da mãe. Quando a justiça concedeu a guarda para
o pai, a menina estava morta. Durante a conversa, o juiz diz ao autor que esse
fato curioso poderia originar uma crônica.
Desse modo, encontra-se presente no texto do autor a idéia de que tudo
pode ser transformado nesse gênero. Chama atenção o fato de que essa crônica
é factual e, simultaneamente, subjetiva. Além disso, nela o autor estabelece um
diálogo com o outro e, ao mesmo tempo, consigo mesmo. Campos reflete sobre o
acontecido. A crônica toma como matéria um tema do cotidiano, que, no entanto,
detém um “aspecto universal”, ou seja, retrata o sentimento e a morte.
O texto dá ênfase a uma temática social, vinculada a fatos do dia-a-dia, que
acontecem com muitas pessoas. Na verdade, o autor tematiza um problema
pessoal e social, a separação dos pais e a incoerência da justiça. Aliás, Campos,
freqüentemente, critica a justiça em seus textos. Nesse, o autor a entender que
a justiça é lenta e, também, que toma decisões erradas. “O mandado” é escrito
89
numa linguagem lírica e testemunhal, lançando mão de recursos como a
comparação “A figura simbólica devia ser, nesse ponto, como a imagem no
coração de Jesus” , ao falar que o símbolo da justiça deveria ser um coração e
não uma espada. O autor emite juízos de valor – “O esposo desta senhora
intimada era, porém, um desses homens violentos e voluntariosos, que não
admitem restrições a sua vontade” , às vezes aparteando o ouvinte: “Horrível,
tudo isso, – aparteei”.
Campos revela a emoção das pessoas e a sua própria. O cronista coloca-
se como testemunha da história, ouvindo, opinando na roda de amigos e tirando
suas conclusões. Ao fim da crônica, Campos, emocionado, escreve que todos os
que ouviam a história tinham os olhos vermelhos, “era, com certeza, da fumaça do
cigarro” (p. 15). E essa emoção do autor é o que provoca a curiosidade e a
empatia do leitor. Essa sensação diminui a distância entre autor e leitor,
mostrando que os dois fazem parte do mesmo mundo.
Essa crônica é escrita num tom dramático e numa linguagem coloquial. “O
mandado” é um texto que pode ser classificado como “crônica especializada
sentimental”, de acordo com o subgênero proposto por Luiz Beltrão, porque
apresenta os fatos a partir de um olhar dramático, emocionado, enternecendo os
leitores. A definição de “crônica-comentário”, de Afrânio Coutinho, também se
aplica ao texto, uma vez que o autor comenta o assunto emitindo a sua opinião.
Por último, o texto pode ser considerado uma “crônica-diálogo”, na definição de
Antonio Candido, na medida em que traz uma conversa do cronista com seus
interlocutores.
Campos prefere revelar a sua interioridade por meio de uma carta. Ele é um
cronista que escreve crônicas-cartas. No Brasil, o subgênero da crônica-carta não
é muito valorizado, sendo poucos os cronistas que a utilizaram ou a utilizam. Nos
textos de Campos, esse subgênero da crônica apresenta-se como uma conversa
íntima com o leitor ou, ao contrário, como uma correspondência redigida numa
90
linguagem extremamente culta, rebuscada e crítica, que parece dirigir-se a uma
autoridade. A crônica-carta pode ter valor literário e constituir-se na expressão do
sentimento e do pensamento de seu autor, como as cartas de Machado de Assis,
ou, então, pode ser repleta de criticismo e lirismo, como as correspondências
trocadas por Mário de Andrade e Carlos Drummond de Andrade. Os cronistas que
praticavam e praticam esse subgênero também recebiam e recebem cartas de
leitores. Alguns leitores, na época de Humberto de Campos, pedem conselhos,
confessam pecados ou atitudes consideradas imorais e querem mensagens de
esperança, para libertar-se do “cárcere da própria consciência”. (FERREIRA,
1990, p. 28)
No texto, surge a voz do autor, evidenciando uma opinião, um conselho ou
um compromisso. Portanto, como afirma Moisés, é o “eu” do cronista
tecendo a sua malha de considerações em torno de um
acontecimento, o visando a persuadir ou a fazer prosélitos, mas
simplesmente a pensar em voz alta uma filosofia de vida apoiada
no efêmero cotidiano. Reflexões despretensiosas, de quem sente
agudamente as coisas e melancolicamente reconhece que a
existência é o passar contínuo das horas e dos sonhos. Reflexões
de um poeta ou ficcionista, destituídas de polêmica ou
dogmatismo... (MOISÉS, 1987 p.251)
Humberto de Campos é um escritor que envia “cartas” em tom
confessional. Esses textos informam sobre uma determinada época, mas o
objetivo principal do autor é aconselhar, por meio de uma linguagem lírica e
sentimental. As crônicas-cartas de Campos deixam de lado a formalidade
presente nas crônicas voltadas a temas políticos e econômicos. As crônicas-cartas
são textos que primam pela liberdade; nelas o autor expõe seus sentimentos. O
cronista registra a sua emoção, o seu estado de espírito frente a uma situação. Na
verdade, nessas cartas, Campos é o porta-voz dos leitores, além de ser seu
interlocutor.
91
Campos conta e/ou testemunha uma história, transformando o seu “eu” em
um personagem do fato. Para Lima, é nesse momento que se cria “uma atmosfera
de poeticidade decorrente dos ritmos e sonoridades do texto, de sua figuralidade
do momento único capturado pela sensibilidade do cronista-poeta. Tal exposição
do ritmo pode chegar ao confessional, à prosa emotiva”. (LIMA, 2001, p.108)
Campos responde pelo jornal às cartas que recebe de todo o país. Essas
crônicas-cartas são publicadas, principalmente, em O Jornal do Rio de Janeiro, no
período de 1920 a 1930. No livro Sombras que sofrem aparecem dez crônicas-
cartas publicadas: “Resposta a uma carta”; “Uma heroína”; “Bálsamo para um
coração”; “Carta a Maria Cerqueira”; “Carta a um noivo”; “Carta a um viúvo”; “Carta
a um cidadão de dez anos” ; “Carta ao Dr. Juiz de menores”; “Carta a duas
Marias”; “Carta a um detento”.
Todas as crônicas-cartas de Campos têm um único objetivo: o de lutar
contra o seu próprio sofrimento e contra a dor daqueles que o lêem. Em nenhum
momento o cronista é neutro, como pode ser observado na crônica “Bálsamo para
um coração”(id., ibid., p. 39-44). Nesse texto, Campos deixa-se mostrar, emitindo
conselhos e opiniões. O autor parece dialogar com a leitora, porque faz citações
da carta recebida e, em seguida, procede a um comentário. Em uma das citações
aparece a sentimentalidade da leitora e o costume de pedir conselhos para
Humberto de Campos:
tenho pensado na morte e estou mesmo resolvida a suicidar-
me: estou em uma situação, a mais miserável que se pode ter na
vida, e por isso espero da sua pena uma solução e um conselho,
para uma infeliz mulher, forçada a suportar um marido ciumento,
brutal e ébrio, que não compreende a extensão do meu sacrifício.
(id., ibid., p. 39)
Campos, em resposta à leitora, escreve dizendo que leu a carta e sentiu a
“responsabilidade moral” de responder, porque ele “assume” o “desfecho desse
92
drama terrível”. O autor se coloca no texto como alguém que salva uma vida.
Afirma que, nessa situação, é um juiz, mas que o caso tem de ser julgado por um
tribunal maior, mais inflexível. E argumentou que a resposta para a leitora é
urgente, por isso tem de ser pública.
É, então, a vez do conselheiro-jornalista entrar em cena. Campos descreve
aos demais leitores o que es acontecendo, desmembrando os fatos para que
todos entendam. O autor conta que a moça infeliz, que quer suicidar-se, tinha
dezoito anos quando se casou. Ela possuía um namorado que amava, seu
“príncipe encantado dos sonhos de adolescência”, quando foi passear com os pais
na casa de um tio no interior paulista. Antes de retornar ao Rio de Janeiro com a
família, seu tio, que era viúvo, pediu-a em casamento, e seu pai concordou. A
moça foi obrigada a casar-se e a mudar-se para o interior paulista. Logo no dia
seguinte ao casamento, verificou que seu tio/marido era alcoólatra. Campos conta
que a moça só o via nesse estado.
Quatorze anos se passaram, e a vida da mulher, que o cronista chama de
“amiga”, continua igual: ele bêbado e agressivo, ela submissa e triste. No diálogo
que se estabelece entre a carta da leitora e os conselhos de Campos, está o
pedido da moça ao cronista: ela solicita que ele a ajude a tomar a decisão certa
porque é jovem e tem dúvidas sobre o que fazer. Campos avisa que envia à leitora
a sua “palavra amiga”. Reitera que cada um escolhe a cruz que carrega, mas que
este não é o caso da senhora, que fora obrigada pelo pai a casar-se com alguém
a quem não amava. Ao final, o autor emite uma opinião que leva a questionar a
fama de conservador que lhe é atribuída:
A senhora foi vítima de uma violência, da tirania e da prepotência
de seu pai. [...] Seu casamento traz, pois, a eiva da nulidade. É
nulo, perante a lei. É nulo, perante Deus. [...] E vá a um advogado.
Conte-lhe a sua história. E estou certo de que nenhum magistrado,
feitas as provas do que me diz, deixará de anular o seu
casamento, e de assinar, de modo resoluto, o ato de sua
libertação”. (p. 42-44)
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Ao longo da crônica, o autor opina sobre o que poderia restar à moça, como
o remorso de haver abandonado um velho homem “que se apresta,
possivelmente, para encerrar o ciclo da vida”; em seguida, afirma que o homem
não soube valorizá-la e que escravizava as mulheres à sua bestialidade. Depois,
parte para a linguagem metafórica, ao dizer que “a esposa que ele adora é a
bebida, é a aguardente, é a garrafa que o animaliza”. Então, incentiva a mulher a
se rebelar, a procurar um advogado e anular o casamento, porque ela era nova e
tinha o direito de mudar de vida.
Nessa crônica, Campos emite a sua opinião, mostrando-se favorável à
anulação do casamento, e utilizando-se de uma linguagem lírica e refinada. O
texto é emocional; traz um lirismo íntimo. O autor trata o destinatário da carta de
modo carinhoso. Um fator que influi na publicação da crônica em livro é a
efemeridade do jornal. O autor escreve em jornais e, ao que tudo indica, esta
crônica é publicada, antes, em jornal. Por isso a preocupação do autor em
responder de modo rápido e público. “Bálsamo para um coração” passa ao leitor, e
principalmente à leitora que envia a carta, a idéia-simulacro, ou seja, a noção de
que a crônica é uma recriação do real e de que todos podemos ser personagens
dos textos. O texto possui aquilo que Melo chama de “a liberação da crônica como
uma inspiração para o relato poético, a descrição literária e a palpitação do
jornalismo atual”. (MELO, 2002, p. 154)
Nesse livro, pode-se notar uma mudança de estilo do autor, que sofre uma
forte influência dos movimentos de urbanização e industrialização. Os assuntos
são bem diferentes daqueles tratados nas demais obras. Campos, em Sombras
que sofrem, e em particular, nessa crônica, mostra-se informal e atento à
atmosfera urbana, despreocupado em relação ao rigor da informação a ser
veiculada no texto, além de manter com o leitor uma conversa, por meio de uma
crônica curta e simples.
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O autor reitera, no texto, a idéia da felicidade baseada na autenticidade
humana. Mostra, ainda, a crise de valores, com relação ao casamento e à
submissão. Campos evidencia o modo de vida das pessoas na época, amplia a
sua visão do acontecimento, por meio do conselho, e denuncia a mentalidade
masculina vigente nos anos de 1930.
“Bálsamo para um coração” pode ser considerada uma “crônica local”, na
definição de Luiz Beltrão, porque fala da vida cotidiana; mostra a realidade das
cidades, inclusive as do interior, evidencia as opiniões do autor e capta idéias e
sentimentos dos leitores. O texto também pode ser considerado, conforme
classificação de Afrânio Coutinho, uma “crônica-comentário”, pois contém a
opinião e os juízos de valor do autor e, acima de tudo, é uma “crônica-carta”,
porque responde a uma correspondência de uma pessoa que constitui o público
leitor. O ato de dar conselhos também está presente em “Resposta a uma carta”,
“Carta a um noivo”, “Carta a um detento”, entre outras.
Um aspecto que deve ser ressaltado é a importância da figura feminina que
aparece nos textos de Sombras que sofrem. Ao contrário de outras obras do autor,
em que ele se preocupa com as conseqüências da ascensão feminina, nesse livro,
a imagem da mulher como uma espécie de “ser sublime” aparece em cerca de
treze crônicas, entre as quais “As violetas de Nossa Senhora”, “Os dramas que se
desenrolam na sombra” e “Mãe sinhá”. Nessas crônicas, um vínculo
permanente entre os pensamentos, sentimentos e emoções do autor e das
mulheres. A mulher como um “ser sublime” está em “Uma heroína” (id., ibid., p.
17-21), crônica de caráter psicológico. Trata-se de um texto triste, pois nele
Humberto de Campos narra a história de um casal de amigos cujo filho se
suicidou. O autor ressalta a força da mulher no sentido de superar os abalos da
vida. Essa é uma crônica em que Campos situa-se como personagem e dá
conselhos, mais uma vez, revelando a sua interioridade:
95
José. – Acabas de sair da minha casa, onde vieste buscar conforto
para teu coração desesperado. Sinto ainda no meu ombro de
irmão a humidade das tuas lágrimas. E nas minhas mãos amigas a
pressão nervosa e ardente das tuas mãos. Vieste chorar junto ao
meu peito o teu filho morto, procurando nas minhas palavras, e no
meu abraço, lenitivo para a desgraça que te feriu. (id., ibid., p. 17)
Na crônica-carta, o autor passa a ter uma relação íntima com o leitor. O
texto é escrito na primeira pessoa do singular e ratifica um dos estilos de
Humberto de Campos mais apreciados pelo público e pela crítica: o tom
dramático.
Em “Uma heroína”, é constante o uso do tom dramático: “suspenso da
bandeira da porta, passado ao pescoço claro o cinturão de estudante, pende o
corpo inerte do teu filho! Cortas a tira de couro que o matou, e o desces nos teus
braços, como as mulheres de Jerusalém desceram da cruz o de Jesus
ensangüentado”. Aliando-se a tal comparação, segue uma metáfora: “fazendo do
coração o esquife da maior das saudades”. E, no trecho seguinte, revela-se o “eu”
do autor, que se dirige a José: “E eu te apertei, num gigante abraço fraterno, de
encontro ao coração. A tua fortaleza, a tua energia, a tua coragem, tudo se abateu
de repente”.
No texto, Campos opina, revelando a liberdade do cronista de emitir um
juízo de valor, ao dizer que da dor do amigo tira um ensinamento: o da “covardia
masculina diante da resignação da coragem, do heroísmo com que as mulheres
enfrentam, de repente, esses terríveis desafios do destino”. Ao julgar a covardia
masculina, Campos ratifica um dos aspectos temáticos dessa obra, que é a
exaltação da mulher, ser que se destaca pela nobreza de seu caráter. No
momento de arrematar a crônica, o cronista emite mais um juízo de valor, expondo
uma opinião conservadora, que reflete a mentalidade da época: “E as mulheres
como a tua, José, redimem o sexo, e dignificam o mundo”.
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Nesse texto, o narrador também é personagem. Ele tem um papel no
desenrolar da história; conduz, revela e tenta solucionar o conflito dos fatos. “Uma
heroína” traz a reflexão sobre um momento, uma situação dramática, e,
novamente, assume um tom de conselho. A crônica transmite sabedoria e cria,
mais uma vez, um espaço de intimidade entre o autor e seus leitores, não apenas
aqueles a quem seus conselhos se dirigem.
Esse texto não veicula informações; trata-se de uma crônica intimista “de
costumes”, porque se vale de um fato do cotidiano marcado pela tristeza para
elaborar um relato poético. É importante salientar que Campos, nas crônicas-
cartas, não identifica seu destinatário. Geralmente registra, apenas, o primeiro
nome da pessoa que lhe escreve.
“Uma heroína” não é uma crônica efêmera porque aborda um assunto
dramático, que não perde a sua atualidade. Trata-se do sofrimento dos pais
quando perdem os filhos de forma violenta e, ao mesmo tempo, da dificuldade de
recomeçar a vida após esse trauma. Campos conta um fato triste ocorrido na vida
de duas pessoas, José e sua esposa, para milhares de outros indivíduos, que,
talvez, tenham vivenciado um problema parecido e, que, ao ler o texto, têm
oportunidade de receber o que o autor chama de “conforto para um coração”.
“Uma heroína” é uma “crônica-local”, na definição de Luiz Beltrão, porque
fala da vida cotidiana e evidencia determinadas situações que poderiam ser
vivenciadas por qualquer pessoa da sociedade. O texto também pode ser
considerado uma “crônica-especializada sentimental”, ainda conforme a
classificação de Beltrão, porque expõe os fatos sob um olhar lírico, capaz de
emocionar os leitores. Por fim, essa pode ser vista como uma “crônica-carta”,
porque Campos envia uma carta, pública, a um amigo, com palavras amáveis.
Nos textos de Sombras que sofrem, Campos expõe o assunto e deixa
registrada a sua análise dos fatos. O autor é dramático, pois, escreve sobre
97
conflitos humanos, passagens da vida real que são tristes, empregando uma
linguagem simples, mas comovente. Em sua maioria, os textos desse livro podem
ser classificadas como “crônica-especializada sentimental”, na definição de Luiz
Beltrão, e, também, como “crônica-comentário”, na classificação de Afrânio
Coutinho.
Humberto de Campos, em todos os seus textos, é um observador. Com sua
sensibilidade aguçada, ele repara nos detalhes da sociedade e da realidade local.
O foco narrativo das crônicas em Sombras que sofrem centra-se na primeira ou na
terceira pessoa, e os conteúdos são abordados com poesia e sentimento.
98
CONSIDERÕES FINAIS
A presente dissertação comparou as obras intituladas Da seara de Booz
(1915), A serpente de bronze livro escrito com o pseudônimo Conselheiro XX
(1921), Sombras que sofrem (1934) e Últimas crônicas (1936). A análise das
obras de Humberto de Campos que constituem o corpus deste trabalho, com base
num estudo sobre crônica, demonstrou que os textos escritos entre 1915 e 1934
evidenciam o emprego de diferentes estilos por parte do autor. Em todos os
textos, porém, Campos expõe fatos acontecidos no Brasil, relacionando-os a
situações que marcaram a história da humanidade ou, até mesmo, a lendas e,
depois, emite a sua opinião, concluindo com alguns conselhos. Os juízos de valor
são emitidos a propósito de assuntos como os dramas da realidade, o cotidiano e
a família.
Pode-se afirmar que Campos escreve dois tipos de crônicas que,
posteriormente, foram definidos por José Marques de Melo: a crônica moderna,
que transita no espaço do jornal como um texto ligado às notícias diárias
veiculadas, e a crônica de costume, que se vale dos fatos do dia-a-dia como
inspiração. No entanto, as linhas temáticas e os estilos de Humberto de Campos
variam de livro para livro. Dessa maneira, é possível classificar as crônicas do
autor de outro modo, contemplando suas peculiaridades.
Da Seara do Booz (1918) e Últimas crônicas (1936) caracterizam-se pelas
reflexões políticas e sociais. Nesses livros, Campos apresenta um estilo e uma
temática voltados à forte crítica destinada aos políticos, aos militares, e, ainda, à
história da civilização. A corrupção, a negligência dos políticos e as ações
econômicas decididas por eles são os principais tópicos focalizados. Em sua
maioria, os textos dos dois livros são escritos na terceira pessoa e podem ser
considerados “crônica-informação”, “crônica-narrativa” ou “crônica-comentário”,
99
nas definições de Afrânio Coutinho, e, ainda, “crônica especializada satírico-
humorística”, na classificação de Luiz Beltrão.
A serpente de bronze, primeiro livro assinado com o pseudônimo
Conselheiro XX, critica os costumes da época, com textos em forma de anedotas.
A obra evidencia uma mudança no estilo de escrita do autor. Campos passa da
crítica social e política enunciada de modo formal, para a crítica humorística e
irônica feita por meio de linguagem informal. O livro é escrito em tom malicioso,
contendo histórias pitorescas do cotidiano e da política brasileira que provocam o
riso. Os textos do Conselheiro XX apresentam um narrador onisciente intruso e
são escritos na terceira pessoa, fazendo o uso de diálogos. As crônicas da obra
apresentam denúncias e exprimem juízos de valor, utilizando-se de comparações
entre fatos atuais e acontecimentos pertencentes ao passado histórico. Os textos
são, todos, “crônicas especializadas satírico-humorísticas”, na definição de
Beltrão, porque satirizam uma situação.
Em Sombras que sofrem, Campos, talvez em virtude da doença que o
levaria à morte, muda novamente de estilo: escreve crônicas em tom dramático
e/ou confessional, falando sobre o amor e detendo-se nos problemas de saúde
que enfrentava. Os textos desse livro tinham o objetivo de aconselhar o leitor, e
isso era feito por meio de crônicas que se constituíam em respostas às cartas
enviadas pelos leitores. Em Sombras que sofrem, Campos mostra-se intimista e
privilegia assuntos que têm ligação com a realidade do Brasil da época e, também,
com o comportamento das pessoas. As crônicas desse livro têm um compromisso
social, seja o de confortar e aconselhar leitores, seja o de criticar determinadas
decisões. Nessa obra, o autor revela-se observador, reparando nos detalhes da
sociedade. Campos é dramático; escreve sobre os conflitos humanos e deixa
registrada a sua opinião sobre o assunto. O foco narrativo das crônicas é centrado
na primeira ou na terceira pessoa, e a maioria dos textos do livro podem ser
considerados “crônica-especializada sentimental”, na definição de Luiz Beltrão, e,
também, “crônica-comentário”, na classificação de Afrânio Coutinho. Podem,
100
ainda, ser classificados como “crônica exposição poética” e como “crônica
biográfica lírica”, ambas definidas por Antonio Candido.
Ao comparar os quatro livros de crônica de Campos, conclui-se que o autor
apresenta as temáticas bem definidas em cada uma das obras: a crítica social e
política em Da seara do Booz e Últimas crônicas; o humor e a ironia em A
serpente de bronze; o tom dramático e/ou confessional, com o emprego do
subgênero crônica-carta em Sombras que sofrem. De um modo geral, as crônicas
desempenham função social e evidenciam os valores e as opiniões do autor,
situando-o na época em que este viveu. Esses textos, às vezes, revelam as
grandes transformações da sociedade, como, por exemplo, fenômenos ligados à
industrialização e à urbanização, mas é sobre os fatos corriqueiros do dia-a-dia
que, não raro, recai sua atenção. Foi possível constatar que, quase sempre, as
crônicas do autor seguem a mesma estrutura: apresentam o fato e, em seguida,
trazem um exemplo histórico e um comentário. Por isso, no seu conjunto, as
crônicas oscilam entre a “crônica especializada satírico-humorísticae a “crônica
especializada sentimental”, na definição de Luiz Beltrão, podendo, como se viu,
assumir outras classificações, conforme suas especificidades.
Para finalizar, é importante enfatizar que este trabalho, mesmo não sendo a
única investigação existente sobre a crônica de Humberto de Campos, é um dos
poucos trabalhos feitos sobre a obra do autor e vem enriquecer a sua escassa
fortuna crítica. Além de preencher essa lacuna, detectada no desenvolvimento
desta pesquisa, o trabalho apresenta relevância pelo fato de focalizar um gênero
a crônica sobre o qual há uma bibliografia teórica bastante restrita. Cabe, por
fim, ressaltar a busca exaustiva empreendida com o intuito de reunir as obras que
constituem o corpus desta investigação.
101
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