de Portugal, um certo senhor qualquer que lá pelas Índias, defendendo a
bandeira da sua pátria, fizera – assombro! –Isto e aquilo...
Mas não foi nada feliz.
Teve filhos retóricos, teve oradores, teve poetas, teve estadistas. Teve
tudo, mas não tem nada. Esgota as reservas do passado. Não foi ela
quem expulsou os portugueses do Brasil? Não foi ela que viu nascer
Ruy Barbosa?
Dizem que é uma grande terra. Entretanto, eu só vejo nela ruas tortas,
pasmaceira, aspecto brasileiro de cidade de interior... Talvez tenha, de fato,
uma consciência. Mas ninguém a vê. Está em estado latente. Talvez tenha
uma literatura, uma arte, uma ciência. A literatura, a arte e a ciência dos
pequenos velórios do Oeste.
[...]
É a Cidade da Tradição.
Tudo aqui é a História, a Lenda, o Mito.
-A História da Bahia é uma História...
-Sim, a história da Bahia é uma história...
Ninguém duvida. É folhear os calhamaços do Passado. Bah!
Aí vem Maria Quitéria, Joana Angélica, Caramuru, Tomé de Souza, Moema,
Ruy Barbosa... Cairu! O grande ministro de D.João VI! É preciso mostrar que
todos esses nomes tiveram uma grande influência no Brasil! O respeito pelo
passado é uma lei, a que não se pode fugir. A “Mestra da Vida” não admite
insurreições. Para os revoltosos, para os que se rebelarem contra ela, essa
senhora emprega um sucedâneo do knut russo. Banca a Santa
[...]
Cidade em que o último bonde parte à meia noite, Cidade onde a vida
noturna, os cabarés, as lindas orgias dionisíacas são sonhos irrealizáveis.
Cidade parada em 1500. Cidade morta, Cidade que ficou paralítica e
abismada a contemplar a vida dos Santos, através das suas setenta e poucas
igrejas... A primeira cidade do Brasil. E tudo porque, um dia, o senhor Acaso
fez um almirante português descobrir o Brasil e um certo senhor qualquer
fundar essa Cidade, um certo senhor qualquer que, lá pelas Índias,
defendendo a bandeira da sua Pátria, fizera – assombro! – Isto e aquilo...
Cidade feita com os sujos pés de meia inúteis da Civilização da Europa.
Lixópolis! (CARNEIRO, Edison. Lixópolis. In: O Momento. Salvador, 1931)
O cronista moderno critica uma Bahia “feita com os sujos pés de meia inúteis da
Civilização da Europa”, Bahia ainda presa ao passado, a uma história monumental, bem
como condena os valores, hábitos e comportamentos da elite local. Sem vida noturna, a
capital do estado, em pleno século XX, distante se encontra do progresso, do novo tempo,
vivendo “parada em 1500”, como uma “cidade morta”.
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