Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
A MORTE COMO ESPETÁCULO TELEVISIVO:
a imagem do criminoso e da vítima no programa Linha Direta
Dissertação de mestrado
Michele Negrini
Porto Alegre, julho de 2005.
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
A MORTE COMO ESPETÁCULO TELEVISIVO:
a imagem do criminoso e da vítima no programa Linha Direta
Dissertação de mestrado
Michele Negrini
Dissertação de mestrado apresentada como
pré-requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Comunicação e
Informação.
Orientadora:
Prof
a
Dr
a
Marcia Benetti Machado
Porto Alegre, julho de 2005.
ads:
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter sido luz nas circunstâncias difíceis deste trabalho.
Aos meus pais, Darci e Terezinha, fundamentais em todas as etapas desta pesquisa e de
minha vida.
À minha orientadora Marcia Benetti Machado, pelas instigantes reflexões e inspirações,
as quais guiaram o meu curso de mestrado. E, também, pelo empenho com que me orientou.
Ao Luiz Gustavo, pelo carinho, força e incentivo. E, principalmente, por ter me
mostrado que os sonhos são concretizáveis.
Ao amigo, quase irmão, Alexandre, por todos os momentos que dividimos desde a
faculdade em Santa Maria até hoje.
Aos colegas do PPGCOM, especialmente à Cynthia Correa e à Adriane Martins, pela
amizade e companheirismo.
Aos tios Arli e Helenita e à prima Gabriela, por terem representado um suporte familiar
em Porto Alegre e pela acolhida em sua casa.
À prima Fernanda e ao amigo Gustavo, que me ofereceram apoio emocional e
compartilharam com paciência todas as minhas inquietações.
Ao CNPq, pela viabilização financeira da pesquisa.
RESUMO
A construção da imagem do criminoso e da vítima e as formas de apresentação da morte
no programa Linha Direta da Rede Globo são o foco desta pesquisa. Com a utilização do suporte
metodológico da Análise do Discurso de linha francesa, analisamos o funcionamento discursivo
do programa e as suas perspectivas de enunciação. Observamos quatro enunciadores principais
no Linha Direta, os quais, na maioria das vezes, falam sob o mesmo ponto de vista e remetem à
mesma formatação no momento que atuam na construção das imagens dos criminosos e das
vítimas. O criminoso é caracterizado como uma pessoa má, que entrou na vida da vítima para
acabar com a sua tranqüilidade e fazer dela uma pessoa infeliz. Já a vítima tem sua imagem
apresentada como sendo essencialmente boa e dotada de qualidades. A vítima, de acordo com a
perspectiva do programa, sempre foi uma pessoa batalhadora e o seu principal erro foi ter tido
ligações com a pessoa que acabou sendo o assassino. A morte apresentada é direcionada, com
autoria, praticada por pessoas que têm alguma relação com a vítima; é uma morte violenta. Então,
na configuração geral do discurso do programa, há um foco específico que é a de um criminoso
mau e de uma vítima boa, onde o mal só pode ser combatido com a realização da delação do
bandido por parte dos espectadores.
ABSTRACT
The focus of this study is the construction of the images of the criminal and of the
victim and the ways of representing death in the broadcast Linha Direta of Rede Globo. By using
the methodological support of the Discourse Analysis of French line, we have analyzed the
discourse working of the program and its perspectives of enunciation. We have observed four
main enunciators in Linha Direta, which, most times, speak from the same point of view and refer
to the same formatting when they work in the construction of the images of criminals and
victims. The criminal is depicted as a bad person, who entered the victim’s life in order to end her
tranquility and to make her an unhappy person. The victim, on the other hand, is presented as
essentially good and virtuous. The victim, according to the perspective of the program, has
always been a hard working person and his main mistake has been having had some relation with
the person who ended up being the assassin. The death that is presented is directed, with
authorship, practiced by people who have some relationship with the victim; it’s a violent death.
So, in the general configuration of the program, there is a specific focus, which is an evil criminal
and a good victim, where the evil can only be combated through the denunciation of the bandit by
the spectators.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 03
2 A MORTE.............................................................................................................. 09
2.1 Aspectos históricos ............................................................................................. 12
2.2 Aspectos culturais ............................................................................................... 18
3 A TELEVISÃO ................................................................................................... 33
3.1 Televisão e espetacularização.............................................................................. 42
4 O DISCURSO DO LINHA DIRETA.................................................................. .62
4.1 Análise do Discurso como referência ................................................................. .63
4.2 Apresentação do corpus ...................................................................................... .70
5 A MORTE E SEUS PERSONAGENS............................................................... 76
5.1 A imagem da vítima ........................................................................................... 77
5.1.1 Família estruturada........................................................................................... 78
5.1.2 Batalhadora ...................................................................................................... 80
5.1.3 Bom caráter ..................................................................................................... 82
5.1.4 Bem relacionada .............................................................................................. 84
5.2 A imagem do criminoso ...................................................................................... 86
5.2.1 Desequilibrado e dependente químico.............................................................. 87
5.2.2 Dificuldades nos relacionamentos.................................................................... 89
5.2.3 Mau-caráter....................................................................................................... 91
5.2.4 Reincidente ......................................................................................................101
2
5.3 A morte ...............................................................................................................103
5.3.1 Violenta ............................................................................................................104
5.3.2 Vingança e inveja.............................................................................................105
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 108
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 116
ANEXO .................................................................................................................... 122
1 INTRODUÇÃO
A televisão é um veículo de comunicação que, além de ser fonte de distração, de
conhecimento e de informação, une as pessoas e proporciona temas para que elas troquem idéias
e debatam, tornando-se, assim, um vínculo entre elas.
Na atualidade, a TV tem passado por contínuas mudanças na sua programação e no seu
modo de enfocar os conteúdos apresentados, que implicam na exaltação de programas com
conteúdos espetacularizados e, algumas vezes, sem relações com o contexto social. A
espetacularização é um ingrediente presente inclusive na grade de jornalismo de muitas
emissoras, as quais, mesmo que de forma sutil, apresentam programas shows como forma de
chamar a atenção do público. Dentro desta perspectiva, pode-se salientar desde o extinto “Aqui
Agora”, exemplo clássico de exaltação dos acontecimentos mais sensacionais e que chamam a
atenção das pessoas, até os telejornais vistos como padrão e de referência, o que é o caso do
Jornal Nacional. Enquanto no Aqui Agora a espetacularização ocorria de forma mais escrachada
e os repórteres abusavam de gesticulações e entonações especificamente exageradas, no Jornal
4
Nacional, pode-se considerar a exaltação do casal de apresentadores William Bonner e Fátima
Bernardes como uma forma mais delicada de atração do público para o programa e de
espetacularização. Mas o caso dos telejornais que fazem um tipo de “espetacularização mais
discreto” é exceção. O comum é a demonstração de quadros onde a espetacularização é visível.
Um conjunto de elementos, como dramatizações e especulações sobre a vida particular
das pessoas envolvidas nos casos apresentados – mesmo que tais dados não tenham relações com
o que está sendo apresentado – misturados com itens do jornalismo ocupam constantemente o
espaço televisivo, gerando programas de difícil classificação quanto ao gênero. Tais programas
serão tratados neste trabalho como híbridos de jornalismo e dramaturgia. Pode-se dizer que com a
apresentação destes programas híbridos, o espetáculo apodera-se de forma crescente do espaço
televisivo e que o tempo que poderia ser destinado à apresentação de conteúdos informativos é
ocupado com a demonstração de verdadeiros shows.
Um exemplo disso é o programa Linha Direta da Rede Globo, o qual leva ao ar todas as
quintas-feiras uma mistura de elementos do jornalismo com quadros referentes à dramaturgia,
deixando clara a sua condição de híbrido, apesar de fazer parte da grade de entretenimento da
Rede Globo. As fronteiras entre o jornalismo e espetáculo no programa são de difícil visibilidade
e distinção.
“Em cinco anos de Linha Direta muitos foragidos foram presos graças às suas
denúncias. - Se você tem alguma informação que possa levar a prisão dele, ligue para o Linha
Direta. Rio de Janeiro, 2547-9040. Suas informações serão levadas as autoridades e sua
identidade será mantida no mais absoluto sigilo” – Estas palavras do apresentador Domingos
5
Meirelles, pronunciadas no decorrer do programa, em momentos de incentivo à denúncia, são
sínteses da perspectiva principal de trabalho do programa, pois deixam clara a ênfase do Linha
Direta: a prisão de criminosos, independentemente do que tenha que ser feito para que ela ocorra.
O Linha Direta, desde o dia em que entrou no ar pela Rede Globo, tem uma
característica que é a ênfase na interatividade midiática para a realização da delação, através da
qual uma proposta distinta de comunicação é exposta. Pois, além da possibilidade de
interatividade, há uma questão mais complexa envolvida: a exposição de uma pessoa em um
programa de visibilidade nacional e, também, a construção de uma imagem dessa pessoa de
acordo com a visão dos idealizadores do programa. Assim, estamos diante de um programa ao
mesmo tempo complexo e rico em detalhes. No momento em que telespectador é bombardeado
com um conjunto de imagens de boa qualidade, demonstrando detalhadamente a crueldade do
bandido e a pureza da vítima, depara-se, muitas vezes, com uma incógnita, onde só existem dois
caminhos: a vítima boa ou o bandido perverso.
A variedade de particularidades do Linha Direta e do seu discurso fazem dele um objeto
interessante, intrigante e também único para estudos, pois ele acopla dramaturgia, jornalismo e
espetáculo, e, ao mesmo tempo, disponibiliza ao telespectador uma trama com detalhes
sensacionais expostos sutilmente, que não remetem o telespectador aos conhecidos programas de
auditório.
O Linha Direta foi nosso objeto de estudos no trabalho final de graduação, apresentado à
Universidade Federal de Santa Maria. Naquele trabalho, avaliamos o programa quanto à ética
envolvida em suas práticas. A pesquisa, ao mesmo tempo, deu respaldo para a realização de um
6
novo estudo e despertou novas inquietações, as quais foram fundamentais para o delineamento
dos rumos desta dissertação. Também vimos a relevância do Linha Direta para realização de um
novo estudo devido a existência de poucos trabalhos sobre este programa conhecidos. Podemos
citar quatro dissertações de mestrado. A primeira, de Kleber dos Santos Mendonça, foi defendida
na Universidade Federal Fluminense. Neste trabalho, o autor se utilizou da metodologia da
Análise do Discurso para explicitar os modos de funcionamento dos mecanismos discursivos do
programa. A segunda é de Alex Niche Teixeira, que observou a espetacularização da violência no
Linha Direta. O autor defendeu sua dissertação de mestrado na Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
É relevante destacar uma terceira dissertação defendida com foco no programa Linha
Direta, que é a de Ana Luisa dos Santos, apresentada na Universidade Federal de Minhas Gerais.
O estudo tratou das relações da mídia com a violência, da construção das representações
midiáticas e do tratamento dado pelos mídias à questão da violência doméstica. Maria de Fátima
Barreto Bastos defendeu na Universidade Federal da Bahia uma quarta dissertação sobre o Linha
Direta, que enfocou matrizes culturais através de manifestações espetaculares contemporâneas e
estudos dramáticos.
Dentro desta interessante perspectiva midiática, que é o Linha Direta, a proposta deste
trabalho é analisar, utilizando o método da Análise do Discurso de linha francesa, a forma como
são construídas a imagem do criminoso e a imagem da vítima do programa e, também, que tipo
de morte é apresentada. A pesquisa pretende verificar como a mídia trabalha, através do viés da
espetacularização, com um bem simbólico tão ligado à intimidade humana e à sua cultura – a
morte. A partir deste recorte, buscou-se especificamente:
7
a) Mapear as marcas discursivas que instituem sentidos sobre a morte e sobre os
criminosos e as vítimas nas falas dos diversos locutores do programa;
b) Identificar as Formações Discursivas sobre a morte, buscando compreender os
elementos que tornaram o crime espetacular, e sobre criminosos e vítimas;
c) Verificar, através da análise dos principais enunciadores do programa, as imagens
construídas sobre criminosos e as vítimas, analisando como se forma um discurso
maniqueísta que reitera um criminoso inequivocamente mau e uma vítima
inequivocamente boa.
Apesar de já existirem inúmeras pesquisas feitas sobre programas televisivos e também
algumas sobre o programa Linha Direta, as quais já enumeramos anteriormente, não foi
encontrada nenhuma pesquisa nos mecanismos de busca especializados
1
com o enfoque que
estamos propondo.
O trabalho está organizado em seis capítulos. Depois desta breve introdução, que é o
primeiro, temos o capítulo 2, no qual são apresentadas idéias importantes sobre a morte, como:
histórico e suas relações com a cultura. Além de haver uma contextualização sobre os principais
costumes das pessoas diante da finitude humana.
No terceiro capítulo discorremos sobre a televisão e sobre a espetacularização. Autores
referentes aos temas, como Edgar Morin, Dominique Wolton e Guy Debord, foram abordados.
1
Foi consultado o banco de teses e de dissertações da Capes.
8
Neste capítulo, o Linha Direta foi contextualizado em relação às tendências da televisão na
atualidade.
A Análise do Discurso é conceituada no quarto capítulo, onde também são aprofundados
diversos conceitos referentes à proposta deste trabalho, como formações discursivas, locutores e
enunciadores. A realização da análise, onde são utilizados os conceitos da Análise do Discurso,
ocorre no quinto capítulo. E no sexto capítulo são apresentadas as considerações finais.
2 A MORTE
A morte é um tema cujas idéias, hipóteses, argumentos e interpretações, fora do campo
biológico, têm amplas relações com as características de cada cultura e com cada período
histórico. Também as crenças religiosas, muitas vezes, ditam concepções sobre a finitude
humana. Assim, a morte é um dos temas mais delicados e controversos da história cultural da
humanidade.
A morte é um perigo constante, é um acaso que surge no cotidiano humano, que aparece
nas transformações do mundo e com o decorrer da vida: “De qualquer modo, a morte penetra,
enraíza-se no mistério que é simultaneamente o mistério da Matéria e da Vida. Para o homem, a
morte faz parte da teia do seu mundo, do seu ser, do seu espírito, do seu passado e do seu futuro”.
(MORIN, 1988, p.325; grifo do autor). Separar o homem da morte é um desejo alienado
(MORIN, 1988). Mas a idéia de suprimir a morte é presente entre os humanos.
10
Para analisar a morte, é interessante o conhecimento do imaginário do homem acerca
deste tema:
[...] é necessário inverter a ótica, inverter as evidências, procurar a chave onde se julgava
estar a fechadura, bater às portas do homem antes de bater às portas da morte. É
necessário revelar as paixões profundas do homem para com a morte, considerar o mito
na sua humanidade e considerar o próprio homem como guardião inconsciente do
segredo. Então, e só então, poderemos interpelar a morte desnudada, lavada,
desmaquilhada, desumanizada, e dissecá-la na sua pura realidade biológica (MORIN,
1988, p. 19).
É difícil conhecer o ser humano sem entender a morte, pois é nela que o homem se
mostra ao mundo. É nas atitudes diante da morte que o ser humano explicita suas diferenças em
relação aos outros seres vivos. A morte é a imagem do homem, e quando este vai olhá-la, ele
observa a si próprio (MORIN, 1988).
A existência da cultura, isto é, dum patrimônio coletivo de saberes (saber fazer, normas,
regras organizacionais, etc.) só tem sentido porque as gerações morrem e é
constantemente preciso transmiti-la às novas gerações. Só tem sentido como reprodução,
e este termo assume o seu sentido pleno em função da morte (MORIN, 1988, p. 10-11).
O momento em que o homem se dá conta de que vai morrer é fundador para a cultura. A
partir daí, as atitudes humanas são associadas com a ultrapassagem da morte. Com a morte, os
hábitos, costumes e conhecimentos dos povos são transmitidos e conservados. “O cruzamento de
nossas gerações, devido à longevidade humana, favoreceu à transmissão cultural e, portanto, a
sua expansão” (RUFFIÉ, 1988, p.222).
Desta forma, a consciência da morte se torna um dos pontos mais fundamentais para o
desenvolvimento da cultura. A humanidade só alcança a consciência de si mesma por meio do
enfrentamento da morte e este enfrentamento implica a capacidade do homem de se elevar sobre
11
a condição de simples animal. A consciência da morte é uma característica essencial da
humanidade, ao lado da linguagem, do pensamento e do riso (DASTUR, 2002).
É então esse estranho conhecimento de seu próprio fim, que cada um tem com certeza, e
que não é semelhante a nenhum outro saber, pelo próprio fato de sua irredutível
dimensão “afetiva”, que torna possível um discurso não sobre “a” morte, mas, ao
contrário, sobre a relação que o ser pensante mantém com sua própria mortalidade. E
esse discurso, contudo, é propriamente “fenomenológico”, já que é um discurso sobre o
apresentar-se a si mesmo do caráter finito de sua própria existência (DASTUR, 2002, p.
57).
A morte tem um papel socializante, ela implica a herança que as pessoas recebem e que
dão, não só no campo material, mas cultural. Os antepassados mortos unem as famílias para além
do núcleo central. E é por termos antepassados que temos a impressão de pertencermos a uma
linhagem e que adquirimos uma dimensão temporal.
Os humanos constituem a única espécie que tem a certeza da morte presente durante a
sua existência e que pratica ritos fúnebres. Assim, a essência do homem está associada às suas
crenças perante a morte. As formas de viver têm amplas relações com o fim.
A prática de ritos fúnebres e o não abandono dos cadáveres demonstram a crença dos
humanos na imortalidade da alma. O funeral é visto, em algumas culturas, como um marco entre
o momento da morte e a aquisição da imortalidade. O destino da alma é concebido de acordo com
as culturas e religiões de cada povo.
A morte é, portanto, à primeira vista, uma espécie de vida, que prolonga, de uma forma
ou de outra, a vida individual. De acordo com essa perspectiva, não é uma idéia, mas sim
uma imagem, como diria Bachelard, uma metáfora da vida, um mito se quisermos.
Efetivamente, a morte, nos vocabulários mais arcaicos, não existe ainda como conceito:
fala-se dela como de um sono, de uma viagem, de um nascimento, de uma doença, de
12
um acidente, de um malefício, de uma entrada para a morada dos antepassados, e, o mais
das vezes, de tudo isto ao mesmo tempo (MORIN, 1988, p.25).
O morrer não é apenas uma decisão exterior da existência, um acidente, mas essencial ao
homem. A morte é um fenômeno que faz parte da vida humana e de sua cultura. “A relação que o
ser humano mantém com o morrer é então constitutiva de seu próprio ser e primeira no que se
refere a todas as suas outras determinações” (DASTUR, 2002, p.71).
2.1 Aspectos históricos
Como já foi mencionado, as atitudes dos homens diante da morte são reflexos da
sociedade e da cultura em que estão inseridos. O espaço e a localização geográfica são
importantes na determinação dos modos de proceder diante da morte. Neste trabalho, vamos nos
deter nas atitudes das sociedades ocidentais diante do fim da vida.
As atitudes diante da morte dependem das relações que os homens mantinham uns com
os outros e com a natureza, do seu apego a bens e de sua religião. No passar inexorável
do tempo, as relações entre os homens modificam-se e as imagens que o homem faz da
vida e da morte se diferenciam (LOUREIRO, 1998, p. 92).
As atitudes das sociedades ocidentais frente à doença e à morte têm mudado no decorrer
da história. As mudanças foram lentas, muitas vezes despercebidas (ARIÈS, 2003).
Na Idade Média, a morte dava aviso prévio, por meios naturais ou por convicção íntima.
O homem era senhor absoluto de sua morte e de todas as circunstâncias que a cercavam. As
pessoas que sabiam que iam morrer tomavam os procedimentos normais do período para os
13
momentos finais da vida e aguardavam o fim. Entre as atitudes realizadas no momento final,
estão a reconciliação com todos que cercam o moribundo no seu quarto, a tentativa de redimir-se
dos pecados, pedindo perdão a Deus, e a intervenção do sacerdote, através da absolvição
sacramental e da extrema-unção.
O papel principal cabia ao próprio moribundo; este presidia e praticamente não
tropeçava, pois sabia como se comportar, com tal freqüência havia sido em outras
ocasiões testemunha de cenas semelhantes. Chamava um de cada vez, seus pais,
familiares e empregados [...]. Dizia-lhes adeus, pedia-lhes perdão e dava-lhes sua
benção. Investido de uma autoridade soberana pela aproximação da morte, sobretudo nos
séculos XVIII e XIX, o moribundo dava ordens e fazia recomendações, mesmo quando
se tratava de uma moça muito jovem, quase uma criança (ARIÈS, 2003, p.234).
Assim, nesta época, a morte é uma cerimônia pública e organizada. O quarto do
moribundo é cheio de gente.
Assim se morreu durante séculos ou milênios. Em um mundo sujeito à mudança, a
atitude tradicional diante da morte aparece como uma massa de inércia e continuidade. A
antiga atitude segundo a qual a morte é ao mesmo tempo familiar e próxima, por um
lado, a atenuada e indiferente, por outro, opõe-se acentuadamente à nossa, segundo a
qual a morte amedronta a ponto de não mais ousarmos dizer seu nome (ARIÈS, 2003,
p.35-36).
Os moribundos, até o século XIV, eram atendidos somente por familiares e pelo
sacerdote. Como a morte era considerada um desejo de Deus, seria um sacrilégio tentar impedi-la
com cuidados médicos. O padre, muitas vezes, tinha o direito exclusivo de assistir à cena da
morte, algumas vezes, pedindo a saída do médico.
A partir do século XVIII, a morte passa a ser assistida pelos médicos, os quais, ao
observarem as regras de higiene, queixavam-se do excesso de pessoas no quarto dos agonizantes.
Ainda no começo do século XIX, as pessoas que passavam na rua, ao encontrarem um pequeno
14
cortejo junto com o padre levando o viático, acompanhavam-no, entrando com ele no quarto do
doente.
Do período da alta Idade Média até a metade do século XIX, as atitudes diante da morte
foram mudando, mas de forma tão lenta que os contemporâneos não se deram conta. Com o
decorrer do tempo, a morte foi deixando de ser um fenômeno comum ao convívio familiar para
tornar-se objeto de interdição (ARIÈS, 2003).
Ora, há mais ou menos um terço de século, assistimos a uma revolução brutal das idéias
e dos sentimentos tradicionais; tão brutal, que não deixou de chocar os observadores
sociais. Na realidade, trata-se de um fenômeno absolutamente inaudito. A morte, tão
presente no passado, de tão familiar, vai se apagar e desaparecer. Torna-se vergonha e
objeto de interdição (ARIÈS, 2003, p. 84).
Já na segunda metade do século XIX, o moribundo começa a ser poupado da gravidade
do seu caso. Primeiramente, começou-se a omitir do enfermo o seu real estado para preservá-lo.
Depois, essa prática deu-se também para que não se perturbasse mais a sociedade com excessivas
emoções causadas pela presença da agonia e da morte.
Entre as décadas de 1930 e 1950, vai ocorrer o deslocamento do local da morte. Já não é
comum a morte ocorrer em casa, entre os familiares, mas no hospital, onde há recursos não
disponíveis em casa. O hospital, que tem a função de curar e de lutar contra a morte, começa a ser
considerado um lugar privilegiado da morte:
A morte no hospital não é mais ocasião de uma cerimônia ritualística presidida pelo
moribundo em meio à assembléia de seus parentes e amigos, a qual tantas vezes
mencionamos. A morte é um fenômeno técnico causado pela parada dos cuidados, ou
seja, de maneira mais ou menos declarada, por decisão do médico e da equipe hospitalar.
Inclusive, na maioria dos casos, há muito o moribundo perdeu a consciência. A morte foi
dividida, parcelada numa série de pequenas etapas dentre as quais, definitivamente, não
se sabe qual a verdadeira morte, aquela em que se perdeu a consciência ou aquela em
15
que perdeu a respiração... Todas essas pequenas mortes silenciosas substituíram e
apagaram a grande ação dramática da morte, e ninguém mais tem forças ou paciência de
esperar durante semanas um momento que perdeu parte de seus sentidos (ARIÈS, 2003,
p. 86).
Com o deslocamento da morte para os hospitais, ela ficou ausente do mundo familiar.
Passou-se a dar ênfase a uma morte que possa ser tolerada pelos sobreviventes, não os deixando
embaraçados e não lhes causando emoções excessivas.
Assim se tornou a grande cena da morte, que havia mudado tão pouco durante os
séculos, senão milênios. Os ritos funerais também se modificaram. [...] na região da
morte nova e moderna, procura-se reduzir ao mínimo decente as operações inevitáveis,
destinadas a fazer desaparecer o corpo. Antes de tudo, é importante que a sociedade, a
vizinhança, os amigos, os colegas e as crianças se apercebam no mínimo possível de que
a morte aconteceu. Se algumas formalidades são mantidas, e se uma cerimônia ainda
marca a partida, devem permanecer discretas e evitar todo pretexto a uma emoção
qualquer – assim, as condolências à família são agora suprimidas no final dos serviços
de enterro. As manifestações aparentes de luto são condenadas e desaparecem. Não se
usam mais roupas escuras, não se adota mais uma aparência diferente daquela de todos
os outros dias (ARIÈS, 2003, p. 87).
Na cultura ocidental atual, tenta-se minimizar os rituais diante da morte, tomando-se
apenas as atitudes essenciais para o sepultamento. As cerimônias devem ser discretas e sem a
manifestação de excessivas emoções. A “boa” morte dos dias atuais é a morte maldita do
passado. A “boa” morte é aquela que não perturba a sociedade, que se dá de forma discreta
(ARIÈS, 2003).
Numa sociedade como a nossa, completamente dirigida para a produtividade e o
progresso, não se pensa na morte e fala-se dela o menos possível. Os novos costumes
exigem que a morte seja o objeto ausente das conversas educadas. Quando, porém,
apesar de tudo é necessário fazer alusões a ela, recorre-se a eufemismos que ajudam a
disfarçá-la (MARANHÃO, 1998, p.11).
16
Na atualidade, as pessoas são destituídas dos direitos considerados fundamentais no
passado, de se arrepender dos pecados em público, de se despedir dos parentes e de se reconciliar
com todos. Seria ideal que a pessoa morresse sem ter percebido que estava em estado terminal.
Os sinais que possam alertar o doente do seu real estado são cuidadosamente afastados, a
começar pela presença do sacerdote. O padre só é chamado à cabeceira do leito do
moribundo quando este já perdeu a consciência ou quando já está definitivamente morto.
Isso se dá mesmo nas famílias consideradas mais religiosas, mais praticantes da religião.
A “extrema-unção” deixou de ser o sacramento dos enfermos para ser o dos mortos
(MARANHÃO, 1998, p.12).
Na cultura ocidental, o luto, que durante a Idade Média teve ampla vigência entre as
famílias, foi perdendo espaço.
Os ritos da morte são cada vez mais simplificados. As conveniências exigem que o
enlutado volte a uma vida normal depois de passado algum tempo determinado pelos
costumes. O recalcamento da dor é exigido em lugar das manifestações outrora usuais.
Pouco a pouco uma ascese (o transporte de gozo) que preparou o caminho para o
capitalismo foi se instalando. A vida não se torna mais desejável que a morte
(MANNOMI, 1995, p. 43).
De acordo com Ariès, o tipo de luto praticado durante o século XIX hoje é considerado
histérico. O exagerado luto desta época se dá devido aos sobreviventes terem dificuldades em
aceitar a morte. O luto tinha a finalidade de defender os familiares, em momento de provação, da
dor pela perda do parente. Esse sentimento de luto é que dá origem ao culto moderno dos túmulos
e dos cemitérios.
A partir do fim da Idade Média, devido à vigência do luto, a sociedade impôs às famílias
dos mortos um período de reclusão, que tinha os objetivos de fazer com que os sobreviventes
resguardassem a sua dor do mundo e também de impedir que esquecessem rapidamente do
falecido (ARIÈS, 2003).
17
Na atualidade, não é mais comum as pessoas demonstrarem explicitamente o que estão
sentindo pela morte de um familiar. O grupo social não sustenta mais o vazio deixado pela pessoa
que faleceu.
Hoje, à necessidade milenar do luto, mais ou menos espontâneo ou imposto segundo as
épocas, sucedeu, em meados do século XX, sua interdição. Durante o espaço de uma
geração, a situação foi invertida: o que era comandado pela consciência individual ou
pela vontade geral é, a partir de então, proibido; o que era proibido, é hoje recomendado.
Não convém mais anunciar seu próprio sofrimento e nem mesmo demonstrar o estar
sentindo (ARIÈS, 2003, p.250-251).
O trabalho do luto foi atravessado por razões de conveniência social. Os parentes dos
mortos tendem a não demonstrar para a sociedade os seus sentimentos. O luto pessoal pela perda
de uma pessoa próxima foi suavizado em nome do bom gosto ou da sobriedade de
comportamento.
O sociólogo Geoffrey Gorer destacou a importância do luto, no momento em que sua
prática estava sendo abandonada, em meados da década de 1950. Foi nas sociedades
industrializadas que as pessoas começaram a abandonar o luto, observando novas práticas em
relação ao fim da vida. Já não há mais o hábito de avisar com o luto o sofrimento
(CHIAVENATO, 1998).
De lá para cá, cada vez mais, quem perde um parente, amante ou amigo deixa de emitir
sinais de dor, não lança apelos de socorro nem pede conforto sentimental. Vive-se
isoladamente a dor. Durante o luto, era comum as pessoas se solidarizarem e
demonstrarem carinho. Hoje, o fim do luto ostensivo contribui para aumentar o
sentimento de angústia e isolamento (CHIAVENATO, 1998, p. 64).
18
As civilizações antigas eram mais compreensivas que as atuais com os sentimentos das
pessoas que estavam sofrendo devido à perda de alguém próximo. Como causas do esvaziamento
dos ritos perante a morte, pode-se apontar a necessidade de se manter a felicidade coletiva,
evitando-se as formas que possam causar tristeza para a sociedade. O interdito de algumas
manifestações diante da morte se deu após um período de vários séculos de culto à morte, a qual
era um espetáculo público amplamente apreciado.
2.2 Aspectos culturais
Como é a cultura que determina os costumes do homem diante da morte, vamos mostrar
algumas práticas e idéias características de povos e tempos específicos
2
.
Os homens primitivos tinham o costume de abandonar os cadáveres e seguir para buscar
a caça. Os primeiros túmulos de que temos conhecimento são de aproximadamente de 35 mil
anos antes de Cristo. “[...] o Homo sapiens enterrava seus mortos sentados, os braços envolvendo
os tornozelos. É provável, no entanto, que bem antes disso já existisse a preocupação com o
destino da morte” (CHIAVENATO, 1998, p.12, grifo do autor). Desde que o homem começou a
2
Chiavenato (1998) menciona costumes diante da morte com amplas relações com a cultura de determinados locais,
como a atitude das viúvas da Nova Guiné, as quais carregam no peito o crânio do marido pendurado; os índios
navajo costuram a boca dos falecidos para evitar que eles venham a falar; alguns povos guardam os cabelos e as
unhas dos mortos como lembrança; pronunciar o nome das pessoas que morreram, em várias culturas, é considerado
um tabu; na Melanésia, é feita a exposição do cadáver até que a cabeça se separe do resto do corpo e o crânio fique
seco, depois o crânio é conservado e são colocados enfeites nele; os índios bororó irrigam a cova onde ocorreu o
enterro e, após a completa decomposição, o esqueleto é lavado, os ossos são pintados de vermelho, enfeitados com
plumas e colocados em um cesto para serem submergidos em um rio ou lago. Uma característica de povos primitivos
era comer os seus mortos. Entre os motivos da prática do canibalismo, ressalta-se ganhar as virtudes dos mortos,
como força e velocidade. A prática do canibalismo, geralmente, estava relacionada à religião ou ao estabelecimento
de laços com o falecido.
19
se preocupar em dar um destino aos cadáveres, há registros de quatro tipos de processos
funerários: o da pedra tumular, o do enterro, o do dessecamento e o da cremação.
A pedra tumular talvez fosse usada para impedir que o morto voltasse ao mundo dos
vivos: sobre o defunto jogava-se uma pedra grande o suficiente para esmagá-lo contra o
solo. Já no enterro colocavam-se os mortos dentro de uma cova, cobrindo-a com terra ou
com pedras. No processo de dessecamento deixava-se o morto sobre uma palafita,
exposto ao ar, que secava o cadáver, e aos abutres, que comiam a sua carne. No processo
de cremação, o corpo transformava-se em cinzas (CHIAVENATO, 1998, p. 12).
Para as sociedades primitivas, a morte era considerada um acidente, a vida era inabalável
e só teria fim por meio de um fenômeno não-natural. A morte era sempre provocada por alguém
ou alguma coisa.
É comum às religiões antigas a adoração aos antepassados. O culto aos antepassados
estabelecia vínculos com eles. As famílias dos mortos os reverenciavam e pediam bênçãos para a
prosperidade. A reverência aos antigos mortos era uma característica forte das religiões do
Império Romano.
[...] os mortos nunca desapareciam, mas transmudavam-se em espíritos e comunicavam-
se com os vivos. O culto aos mortos, em todas as religiões antigas, foi um componente
do sistema de dominação política, e, de certa forma, esses traços essenciais e comuns
permanecem em todas as religiões modernas: sua base é o medo e a incompreensão da
morte (CHIAVENATO, 1998, p.14).
Os gregos antigos não demonstravam ter medo do fim da vida e não concediam tratos
especiais aos cadáveres, pois acreditavam na vida após a morte. A maior parte do povo grego
tinha o credo de que o mortos iam para um local chamado Hades, que era uma região sem luz,
debaixo da terra, em nada parecida com a noção de céu e inferno que temos na atualidade.
20
De acordo com alguns escritos atribuídos a Homero, no Hades existiam os Campos
Elíseos, local que proporcionava paz e tranqüilidade aos mortos, e o Tártaro, que era uma espécie
de prisão. Ir para os Campos Elíseos ou para o Tártaro significava uma escolha dos deuses e não
a glória ou a punição (CHIAVENATO, 1998).
É característica de alguns períodos da história o medo de ser enterrado vivo, que se
tornou muito forte por volta do século XVII. Na Europa, nessa época, tomavam-se muitas
atitudes para se evitar o enterro de uma pessoa viva, como chamar o defunto pelo nome três
vezes. Houve vários relatos de pessoas que eram consideradas mortas e se manifestaram no
caminho para o cemitério, o que aumentava o temor da morte aparente.
Os testamentos registram esse medo: em muitos deles o candidato à morte pede que só o
enterrem dois ou três dias depois do suposto óbito. E há quem peça para que lhe seja
cortada a sola dos pés com navalhas, dias depois do falecimento, como se fosse um
certificado da morte (CHIAVENATO, 1998, p.20).
Na Alemanha, no final do século XVII, surgiram alguns locais para servir de depósitos
dos mortos, onde estes permaneciam até o início do apodrecimento. Eles ficavam em mesas com
campainhas presas aos braços para que, se se movimentassem, despertassem a atenção das
pessoas. Só no final do século XIX, com o reconhecimento da autoridade dos médicos e a
superação de superstições, passou-se a ter menos medo de ser enterrado vivo.
Os antigos, apesar de terem familiaridade com a morte, temiam a proximidade dos
mortos. Honravam as sepulturas, mas faziam os cultos funerários para impedir que os mortos
voltassem para perturbar os vivos. Por isso, os cemitérios eram situados fora das cidades, na beira
das estradas. “O mundo dos vivos deveria ser separado do mundo dos mortos. É por isso que em
21
Roma a lei das Doze Tábuas proibia o enterro in urbe, no interior da cidade” (ARIÈS, 2003,
p.36).
Com o decorrer do tempo e com a adesão a alguns costumes, como o de enterrar os
mortos próximos de mártires, que eram sepultados em necrópoles extra-urbanas, comum aos
cristãos e aos pagãos, começaram a crescer os cemitérios, os quais se aproximaram das cidades.
Começou-se a enterrar nas imediações das igrejas. “A separação entre a abadia cemiterial e a
igreja catedral foi então apagada. Os mortos, já misturados com os habitantes dos bairros
populares da periferia, que se haviam desenvolvido em torno das abadias, penetravam também no
coração histórico das cidades” (ARIÈS, 2003, p.40). E os cemitérios começaram a cercar os
bairros residenciais, o que significou o abandono da interdição à morte e a adesão a atitudes de
indiferença ou de familiaridade.
Na Antigüidade, a construção funerária, túmulo ou sepulcro era mais importante do que
o espaço onde se encontrava. Já para a mentalidade medieval, o espaço que continha as sepulturas
era considerado mais importante que os túmulos. Assim, na Idade Média e nos séculos XVI e
XVII, os cemitérios eram construídos no pátio das igrejas, cuja parede ocupava um de seus quatro
lados.
Também era costume do período Medieval, até por volta do século XVIII, as pessoas
quererem ser enterradas próximas aos túmulos dos Santos ou perto de altares, o que seria a
garantia de salvação. Mas, como o espaço que compreendia as igrejas não tinha como comportar
todos os defuntos, este espaço era destinado àqueles que pudessem pagar por ele. Os mais pobres
22
eram envolvidos em sudários e depositados em fossas coletivas, com espaço para cerca de 1.500
corpos, nas proximidades da igreja. Quando uma fossa ficava cheia, era coberta e abria-se outra.
Começou-se a habitar as redondezas dos cemitérios, os quais tornaram-se locais de
encontro e de reunião, onde se fazia comércio, danças e jogos. “Ao longo dos carneiros às vezes
se instalavam tendas e mercadores” (ARIÈS, 2003, p.44). Ir a enterros e visitar os mortos era
motivo de ver conhecidos, realização de negócios e até acerto de contratos de casamentos.
Em 1231, um concílio proibiu danças no cemitério e na igreja, sob pena de excomunhão.
No ano de 1405, um outro concílio proíbe danças, a prática de jogos, o trabalho de mímicos,
músicos e mascarados nos cemitérios. Em 1657, surge um texto que relata ser constrangedora a
presença em um mesmo local de sepulturas e de outras atividades, como comércio e danças.
Em alguns lugares, como no interior do estado da Bahia e no México, ainda sobrevive o
costume de realização de festividades diante da morte, mas de maneira mais moderada.
Danças e festas evoluíram nas celebrações fúnebres. Surgiram grupos em que dançarinos
representavam a morte, a vida, a luta contra a morte etc. Ao longo do tempo essas
celebrações se “folclorizaram”, até que a Igreja pressionou para o seu fim – ou então
“rendeu-se” e até hoje convive com elas, como no México. Isso mostra as modificações
do conceito de morte: algumas vezes a familiaridade e a promiscuidade substituíram o
medo dos mortos (CHIAVENATO, 1998, p.51).
Com o decorrer da história, a morte foi se individualizando e os cemitérios foram
tornando-se locais sagrados. E, a partir do século XVIII, ganharam a aparência de locais santos e
de respeito, como se vê na atualidade.
23
É a impotência diante da morte que leva o homem a crer na sua imortalidade e, muitas
vezes, embora conhecendo a morte e tendo certeza de sua chegada, vive cego frente a ela, como
se a morte só existisse longe de suas relações. Para Loureiro (1998), a angústia da perspectiva da
morte existe, mas está mascarada pela perspectiva que os homens têm de sua imortalidade. O ser
humano tem consciência de sua finitude, mas, ao mesmo tempo, ilude-se com a idéia ser imortal.
Por outro lado, é dessa fundamental impotência que ele tenta escapar quando pretende
ver na morte um “acidente” que acontece certamente “todos os dias” mas somente com
os outros, e quando ele identifica de maneira inautêntica o morrer com o simples
falecimento. Pois, fazendo da morte um acontecimento que lhe sobreviria do exterior e
que lhe aconteceria a partir do mundo, o Dasein se arma de uma segurança contra ela,
desde que, enquanto ela não está ali, ele pode se acreditar imortal. É dessa imortalidade
provisória que vivemos a princípio e o mais das vezes, o que implica que a vida humana
não pode se estender largamente a não ser na medida em que ela se esquiva da morte e
em que é capaz de transformar em acontecimento futuro aquilo que é o próprio
fundamento da existência (DASTUR, 2002, p. 76).
As inúmeras atividades cotidianas fazem com que os pensamentos acerca da morte
sejam reduzidos. Por estarmos submersos na vida, em atividade vital natural, corriqueira para
nós, é que eliminamos, quase por completo, as idéias da morte, principalmente as de nossa morte.
O homem, no decorrer de seu cotidiano, na maioria das vezes, vive como se a morte não estivesse
presente nas suas relações. A morte pensada é a “do outro”:
Com efeito, embora conhecendo a morte, embora traumatizados pela morte, embora
privados dos nossos mortos amados, embora certos de nossa morte, vivemos igualmente
cegos à morte, como se os nossos parentes, os nossos amigos e nós próprios não
tivéssemos nunca de morrer. O fato de aderir à atividade vital elimina todas as idéias de
morte, e a vida humana comporta uma parte enorme de despreocupação pela morte; a
morte está freqüentemente ausente do campo da consciência que, aderindo ao presente,
afasta tudo o que não for o presente, e, nesse plano, o homem é inevidente um animal,
isto é, dotado de vida. Nessa perspectiva, a participação na vida simplesmente vivida
implica em si mesma uma cegueira à morte (MORIN, 1988, p. 60).
A visão da imortalidade não significa o desconhecimento da morte (MORIN, 1988), mas
o reconhecimento de sua chegada. “Assim, a mesma consciência nega e reconhece a morte: nega-
24
a como aniquilamento, reconhece-a como acontecimento” (MORIN, 1988, p. 26). É a
individualidade humana que tenta negar a morte, elaborando o mito da imortalidade. A
consciência da morte não nasce com o homem, mas é adquirida no decorrer da sua existência.
É, pois, a afirmação da individualidade que rege de forma simultaneamente global e
dialética a consciência da morte, o traumatismo da morte, a crença da imortalidade.
Dialética, porque a consciência da morte evoca o traumatismo da morte, que evoca a
imortalidade, porque o traumatismo da morte torna mais real o apelo à imortalidade;
porque a força da aspiração à imortalidade é função da consciência da morte e do
traumatismo da morte (MORIN, 1988, p. 34).
O homem está aberto ao mundo devido a estar relacionado com a morte, pois é só
existindo que o ser humano se faz testemunha da morte e, na maioria das vezes, se arma contra
ela e tenta vencê-la.
A vanguarda da morte é o envelhecimento, que pode significar o aumento de uma
pressão. Na medida em que as pessoas tornam-se mais velhas, elas enxergam as possibilidades de
futuro diminuindo, vendo a aproximação do momento da morte.
A velhice é o momento maior em que o ser humano tenta a fuga da morte. Técnicas são
utilizadas para tentar adiar o fim da vida. Mas, apesar das tentativas humanas de desvio da morte
biológica, ela ainda se apresenta poderosa, grandiosa e completamente potente. Ruffié (1988) fala
sobre a vontade do ser humano de vencer a morte dizendo que isso seria antibiológico, pois a
supressão da morte deve acarretar a dos nascimentos. Desta forma, a humanidade seria formada
somente por velhos, ficaria estacionária, sem possibilidades de desenvolvimento. O autor diz que
a “honra de viver” se tornaria o “peso de viver”.
25
No cotidiano das pessoas, a morte pode ser ultrapassada no campo simbólico e no
imaginário
3
. Já no campo biológico, a morte é intransponível. A morte, como fim das atividades
biológicas, está para além do homem. Perante ela, o homem é totalmente impotente.
Nesse desastre do pensamento, nessa impotência da razão perante a morte, a
individualidade jogará os seus últimos recursos: procurará conhecer a morte, não já pela
via intelectual, mas sim farejando-a como um animal, a fim de penetrar no seu covil;
procurará fazê-la recuar recorrendo às mais brutais forças da vida. Esse afrontamento-
pânico, num clima de angústia, de nevrose, de niilismo, adquirirá aspectos de autêntica
crise da individualidade perante a morte. Mas essa crise da individualidade não pode ser
abstraída da crise geral do mundo contemporâneo (MORIN, 1988, p. 261).
Como o ser humano é condenado a aceitar o fim do funcionamento das funções vitais,
este é o maior problema que o acompanha, que fere a sua individualidade. Desta forma, o receio
da morte pode ser relacionado à perda da individualidade: “O horror da morte é, portanto, a
emoção, o sentimento ou a consciência da perda da individualidade. Sentimento que é o de uma
ruptura, de um mal, de uma catástrofe, isto é, sentimento traumático” (MORIN, 1988, p. 32).
Morin faz um encadeamento entre morte, traumatismo da morte e imortalidade. A consciência da
morte evoca o traumatismo, que evoca a imortalidade.
Quando o indivíduo colide com a idéia do fim da vida, mostrando o seu horror a ela,
demonstra sua inadaptação exterior com a natureza e com a própria espécie. A consciência
humana da morte supõe uma ruptura na relação indivíduo-espécie, uma promoção da
individualidade em relação à espécie e uma decadência da espécie em relação à individualidade
3
Nas Sagradas Escrituras, encontram-se passagens que narram a vitória sobre a morte biológica. Jesus, em seu
período de pregações, ressuscitou Lázaro, irmão de Marta e Maria, quatro dias após seu sepultamento (João 11, 1-
44). A filha de Jairo também vence a morte com a intercessão do Cristo (Marcos 5, 21- 43). O filho da viúva de
Naim foi ressuscitado no caminho da sepultura (Lucas 7, 11-17). O próprio Jesus venceu a morte após ter sido
crucificado e estar morto há três dias (João 20, 1 – 18).
26
(MORIN, 1988). Geralmente, indivíduos de uma mesma espécie, pelo seu instinto de proteção,
defendem-se entre si da morte e dos perigos.
Refletindo o instinto de proteção da espécie e as idéias de traumatismo da morte e da
crença na imortalidade, constata-se uma lacuna no comportamento dos seres humanos, que é o
homicídio. O homicídio é um ato essencialmente humano, pois o homem é o único animal que
mata seu semelhante sem finalidade vital. Neste caso, há um desprezo, um sadismo, um ódio, que
traduzem uma saliência do matador em detrimento dos interesses comuns de toda a espécie
(MORIN, 1988).
O fato de a violência do ódio se poder traduzir por tortura até a morte e homicídio
revela-nos claramente que o tabu de proteção da espécie já não age. O homicídio é a
satisfação de um desejo de matar que nada pode suster. Mas isto é apenas a face
negativa. A face positiva são a volúpia, o desprezo, o sadismo, o encarniçamento, o ódio,
que traduzem uma libertação anárquica, mas verdadeira, das “pulsações” da
individualidade em detrimento dos interesses da espécie (MORIN, 1988, p. 64).
No homicídio se refletem pulsações biológicas incontroladas e demonstrações do desejo
de destruição do semelhante. “O homicídio é não somente a satisfação de um desejo de matar, a
satisfação de matar, mas também a satisfação de matar um homem, isto é, de se afirmar pela
destruição de alguém” (MORIN, 1988, p. 64).
O homem é evidente ao mundo nas suas relações e coloca ao mundo a parte mais íntima de
sua individualidade. É devido à sua autodeterminação que as suas possibilidades de evolução são
infinitas. As participações do homem no mundo fazem com que a sua individualidade seja
fortalecida. A construção do homem se dá através dos intercâmbios subjetivos-objetivos e
antropomórficos da técnica, do símbolo, da linguagem, do mito e da magia (MORIN, 1988). “É o
centro ativo dessas dialéticas pluralistas que consolidam, enriquecem e fazem evoluir a sua
27
individualidade e, simultaneamente, lhe fazem tomar consciência dessa mesma individualidade”
(MORIN, 1988, p. 94).
O homem vai se conhecer como realidade corporal e mental por meio do seu duplo, que
pode ser visto como uma sobrepersonalidade. O homem conhece o seu duplo antes de conhecer a
si mesmo e, por meio desse duplo, descobre a sua existência individual, permanente, os seus
contornos, formas e realidade. É através do duplo que o homem se conhece profundamente. O
homem vai conferir a este duplo toda a força possível de sua afirmação individual, o duplo detém
o poder mágico, é imortal, é a individualidade triunfante sobre a morte (MORIN, 1988).
A consciência de si do homem é organizada nos movimentos do duplo do exterior para o
interior, do subjetivo para o objetivo. “Esse vaivém integra-se no grande movimento de
intercâmbio e produção do homem para a natureza e da natureza para o homem, movimento
simultaneamente real (técnico) e fantástico (magia)” (MORIN, 1988, p. 95).
É através da consciência do homem e dos movimentos de seu duplo que a idéia da morte
tem espaço. A morte vai ser apropriada pelo homem mágica e miticamente. O domínio da morte
continuará a ser a zona de sombra onde triunfam a magia e o mito, da forma mais categórica e
permanente.
Repetimos novamente que não há oposição à natureza (técnica), por um lado, nem
oposição à morte (mítica), por outro. Não há duas origens, uma racional e outra mítica,
do movimento progressivo humano; além disso, as crenças que dizem respeito à morte
não são apenas aberrações fantásticas nascidas da imbecilidade do espírito nas suas
origens, mas sim o próprio movimento produto de instrumentos e mitos que se apegam
ao mundo biológico (MORIN, 1988, p. 99).
28
O conteúdo antropológico da morte dá espaço para a demonstração do que há de amplitude
do imaginário do homem. Há espaço para a aspiração à imortalidade e para o triunfo da
individualidade.
Loureiro (1998) cita Morin para dizer que a morte é uma espécie de vida que prolonga a
vida individual. Assim, não é uma idéia, mas uma imagem, uma metáfora de vida, um mito. O
autor relaciona a morte com a perda da individualidade, acrescentando que o traumatismo
causado pela morte, a consciência que dela se adquire e a aspiração à imortalidade ocorrem com
o complexo da perda da individualidade.
Esse complexo comanda as perturbações provocadas pela morte, é uma contradição, que
consome e encabula o homem diante da ininteligibilidade, pois ele sabe, hoje, como
sempre o soube, que a morte acontece sem possibilidade de extinção do evento, mas
deseja, do fundo de sua alma, o contrário, a imortalidade, o que o faz temer a perda da
individualidade (LOUREIRO, 1998, p. 79).
O homem é impotente frente à morte biológica, então ela vai ser um dos maiores problemas
da individualidade humana. Vencer a morte biológica significa domesticar a espécie humana em
todas as dimensões: “Colonizar a espécie é colonizar a morte, e vice-versa, é o triunfo da
individualidade, a sua possibilidade infinita” (MORIN, 1988, p. 306).
O complexo da perda da individualidade é traumático e a ele estão relacionadas muitas
perturbações provocadas pela morte no ser humano. “A morte vai, portanto, estender-se, afirmar-
se, de acordo com o movimento fundamental da individualidade [...]” (MORIN, 1988, p. 52).
Maranhão (1998, p.9) trata a representação da morte e a mudança de concepção da
sociedade, no decorrer da história, em relação a ela, fazendo uma alusão ao sexo: “[...] à medida
29
que a interdição em torno do sexo foi se relaxando, a morte foi se tornando um tema proibido,
uma coisa inominável”. A morte hoje, em algumas culturas, é um tabu, sendo vista da mesma
forma que o sexo nas sociedades passadas:
A morte, não o sexo, é agora o tabu que violamos – ‘a pornografia da morte’ causa-nos
excitação. Aquela predileção para terríveis e cruéis espetáculos pode hoje ser satisfeita
como nunca. Contudo, voltando do cinema para casa, a ficção se desfaz e retornamos à
realidade da morte – a nossa própria ou daquele ente querido – que é novamente uma
rigorosa proibição (MARANHÃO, 1998, p. 10-11).
A inversão de posição da morte com o sexo também é analisada por Ariès (2003), que
observa as mudanças das atitudes das pessoas diante da morte com o passar dos séculos. O autor
relata que, nos tempos antigos, era comum a presença de crianças aos pés dos moribundos,
enquanto que elas não tinham amplo conhecimento acerca de assuntos sexuais. Nos dias de hoje,
cedo as crianças têm conhecimentos sobre o tema sexo, mas são ocultadas da morte.
A obscenidade não reside mais nas alusões às coisas referentes ao início da vida, mas
sim aos fatos relacionados com o seu fim. Uma verdadeira inversão. Atualmente, existe
a preocupação de iniciar as crianças desde muito cedo nos “mistérios da vida”:
mecanismo do sexo, concepção, nascimento e, não tardará muito também nos métodos
de contracepção. Porém, se oculta sistematicamente das crianças a morte e os mortos,
guardando silêncio diante de suas interrogações, da mesma maneira que se fazia antes
quando perguntavam como é que os bebês vinham ao mundo. Antigamente se dizia às
crianças que elas tinham sido trazidas pela cegonha, ou mesmo que elas haviam nascido
de um pé de couve, mas elas assistiam, ao pé da cama dos moribundos, às solenes cenas
de despedida. Hoje, recebem desde a mais tenra idade informações sobre a fisiologia do
amor, mas quando se surpreendem com o desaparecimento do avô, alguém lhes diz:
“Vovô foi fazer uma longa viagem”, ou: “Está descansando num bonito jardim”. As
crianças já não nascem em couves, porém, os velhos desaparecem entre as flores
(MARANHÃO, 1998, p. 9 – 10).
A morte e o sexo narram toda a aventura evolutiva dos seres vivos e sua luta para se
adaptarem às exigências do meio (RUFFIÉ, 1988). A sexualidade, como princípio de reprodução,
tem que ser sempre acompanhada dos fenômenos do envelhecimento e da morte, pois é desta
forma que os que se reproduziram vão dar as suas características à sua descendência.
30
[...] a sexualidade e a morte que acompanha asseguram a evolução. Elas são dotadas de
uma dinâmica que, por si só, permitiu um progresso crescente. Sem elas ainda
estaríamos no estágio da bactéria. No máximo nos teríamos tornado pequenas algas azuis
como as cianófitas, que podem viver com ou sem oxigênio; entretanto nenhuma forma
complexa teria surgido e o Homo sapiens nunca teria feito a sua aparição ao término
dessa longa marcha. Somos filhos do sexo e da morte” (RUFFIÉ, 1988, p. 15).
Os dois fenômenos, na escala humana, possuem uma ampla simbologia, adquirem
sentido moral. Adão e Eva, no paraíso, comeram a maçã da árvore proibida para tentarem se
igualar a Deus. Eles praticaram o sexo proibido, sentindo-se equivalentes a Deus no momento da
união, mas logo sendo condenados à doença, à velhice e à morte. Os dois fatos biológicos, o sexo
e a morte, adquirem um valor social e cultural muito amplo (RUFFIÉ, 1988).
[...] muitas culturas concederam um lugar especial à morte: um lugar quase tão grande
quanto ao que foi atribuído à sexualidade. Há muito tempo os humanos sentiram as
relações que uniam os dois fenômenos personificados no Panteão grego por Eros e
Tanatos. Aliás, muitas concepções míticas que vigoraram amplamente nas especulações
gnósticas e cristãs dos primeiros séculos consideraram um laço estreito entre a morte e a
sexualidade [...] (RUFFIÉ, 1988, p. 223).
A morte é um fenômeno constante e biologicamente necessário. Se não ocorresse a
morte, a sexualidade não teria objetivo. “A sexualidade permite uma verdadeira ressurreição.
Geneticamente falando, é a única resposta à morte” (RUFFIÉ, 1988, p. 221).
Loureiro (1998) cita Jean Ziegler para dizer que as imagens da morte e a representação
que o homem faz dela são de origem social (portanto, investidas, trabalhadas, petrificadas pela
experiência de idade, classe, região, clima, cultura, luta e utopia). O imaginário da morte é
estratificado.
31
A morte adquiriu imagens diversas no decorrer da história da humanidade. Muitas
pessoas temeram a morte e este temor teve uma imagem personificada, imaginava-se a morte
através de alguma criatura fantástica que representasse o fim da vida. A Igreja Católica associou
a figura da morte a um ser alto, magro, com vestes pretas e a face de uma caveira.
Há os que consideram a morte como um assunto fascinante e a enxergam de forma
diferente da imagem passada pela igreja. Na literatura e na poesia, por exemplo, a morte é
encontrada de acordo com a visão do escritor.
Loureiro enumera algumas das diferentes imagens da morte ocorridas no decorrer da
história:
No fim da Idade Média, o homem experimentava um amor apaixonado pela vida e, ao
mesmo tempo, tinha (século XII) consciência de sua individualidade, da vida própria de
cada um. Do século XVI ao século XVIII, as imagens da morte foram erotizadas,
afirmando uma ruptura da familiaridade, de milênios, do homem com esse fenômeno. Já
no século XIX, as imagens da morte vão desaparecendo, sumindo por inteiro no século
XX (LOUREIRO, 1998, p. 92).
As mudanças na vida do homem têm sido expressadas nas mudanças na sua concepção
sobre a morte, e tais oscilações são tidas muitas vezes como evolutivas e muitas vezes como
retrógradas. As mudanças no mundo interferem diretamente nas imagens da morte:
O homem vem morrendo num cumprimento inexorável da sua realidade finita temporal,
mas a imagem que faz da morte, como vimos, tem sido variada, decorre de mentalidades
diferentes, no tempo e nos lugares. As mudanças lentas e, por vezes, rápidas do mundo,
conseqüências, por exemplo, de inventos e de guerras, de criações e de destruições
terrenas, têm influenciado sobremaneira as imagens da vida e da morte (LOUREIRO,
1998, p. 95).
32
A mentalidade humana e suas reações sobre a morte encontram-se em constante
mutação. A postura diante da morte, provinda do imaginário do homem acerca do momento do
final da vida, é fundamental para o reconhecimento da cultura.
3 A TELEVISÃO
Para falarmos de televisão e de espetacularização, é relevante tratar de alguns aspectos
acerca da cultura de massa. Amor e ódio, sentimentos e paixões, morte e violência são alguns dos
elementos oferecidos ao público pela cultura de massa. Umberto Eco (1993, p. 15 -16) analisa:
“Cultura de massa” torna-se, então, uma definição de ordem antropológica (do mesmo
tipo de definições como “cultura alorense” e “cultura banto”), válida para indicar um
preciso contexto histórico (aquele em que vivemos), onde todos os fenômenos
comunicacionais – desde as propostas para o divertimento evasivo até os apelos à
interiorização – surgem dialeticamente conexos, cada um deles recebendo do contexto
uma qualificação que não mais permite reduzi-los a fenômenos análogos surgidos em
outros períodos históricos.
O poder industrial do século XX apresentou ao homem uma segunda industrialização,
que passa a ser a industrialização do espírito, e uma segunda colonização, que passa a ser a
colonização da alma. A cultura de massa é aquela que é produzida para um aglomerado
gigantesco de indivíduos (para as massas), fabricada segundo normas de produção industrial e
propagada pelas técnicas de difusão maciça (MORIN, 1997).
34
Na produção industrial de bens culturais, há alguns elementos padronizados, mas há a
exigência da novidade por parte do público. A cultura de massa tem que superar constantemente
a contradição entre as suas estruturas padronizadas e a originalidade. Em determinado momento,
é preciso que haja invenção. O padrão precisa ser aperfeiçoado por elementos originais (MORIN,
1997).
[...] nem a divisão do trabalho nem a padronização são, em si, obstáculos à
individualização da obra. Na realidade, elas tendem a sufocá-la e aumentá-la ao mesmo
tempo: quanto mais a indústria cultural se desenvolve, mais ela apela para a
individuação, mas tende também a padronizar essa individuação. Não foi em seus
começos de artesanato que Hollywood fez apelo aos escritores de talento para seus
roteiros; é no momento do apogeu do sistema industrial que a usina de sonhos prende
Faulkner por contrato ou compra os direitos de Hemingway. Esse impulso em direção
ao grande escritor que traz o máximo de individuação é ao mesmo tempo contraditório,
porque, apenas contratado, Faulkner se viu, salvo exceção, na impossibilidade de
escrever cenários faulknerianos e se limitou a fazer floreios sobre temas padrões
(MORIN, 1997, p. 31).
A cultura de massa se dá como produto intermediário entre a produção e o consumo. É
uma cultura “média” em suas aspirações e em seus objetivos, pois ela proporciona um
denominador comum entre as idades, os sexos, as classes, os povos. “Entre esses homens de
classes sociais, de condições, de raças, de épocas diferentes, um campo comum imaginário é
possível e, de fato, há campos imaginários comuns” (MORIN, 1997, p.84).
Entre os elementos que contribuem para aclimatar a alta cultura à cultura de massa estão
a simplificação, a maniqueização, a atualização e a modernização (MORIN, 1997).
Essa aclimatação por retiradas e acréscimos visa a torná-las facilmente consumíveis,
deixa mesmo que se introduzam nelas temas específicos da cultura de massa, ausentes na
obra original como, por exemplo, o happy end. A capa ilustrada dos livros de bolso é
35
apenas um chamariz de apresentação em que nada modifica a obra reproduzida. A
aclimatação cria híbridos culturais (MORIN, 1997, p.55).
O consumo da cultura de massa se dá principalmente no lazer moderno. Através de
espetáculos, programas televisivos, de rádio, jornais, revistas, a cultura de massa proporciona
oportunidades de lazer. A cultura de massa se apresenta sob diversas formas, mas a principal é a
forma de espetáculo.
O mundo imaginário não é mais apenas consumido sob forma de ritos, de cultos, de
mitos religiosos, de festas sagradas nas quais os espíritos se encarnam, mas também sob
a forma de espetáculos, de relações estéticas. [...] Todo um setor das trocas entre o real e
o imaginário, nas sociedades modernas, se efetua no modo estético, através das artes, dos
espetáculos, dos romances, das obras ditas de imaginação. A cultura de massa é, sem
dúvida, a primeira cultura da história mundial a ser plenamente estética (MORIN, 1997,
p.79).
É devido à cultura de massa ser um grande fornecedor de mitos condutores do lazer, da
fertilidade e do amor que podemos ver que ela não é só impulsionada do real para o imaginário,
mas também do imaginário para o real (MORIN, 1997). A cultura de massa, a partir da década de
30, ganha o setor informativo:
[...] a dramatização tende a preponderar sobre a informação propriamente dita. A
imprensa se apropria da espera de Chessman para poder fazer um suspense com a morte;
o homem que vive os dias de sua morte é seguido de hora em hora pelo voyerismo
coletivo; uma montagem paralela faz alternar a corrida da morte (o mecanismo
implacável do sistema judiciário) e a corrida contra a morte (recursos dos advogados,
petições, intervenções da opinião internacional). O human touch, o human interest
tendem a transformar em vedete os personagens mais comoventes, como o casal morto
na véspera de seu casamento pela catástrofe de Fréjus (MORIN, 1997, p.98-99).
Dessa forma, a informação é tomada por ingredientes da cultura de massa e a
espetacularização passa a fazer parte do cotidiano informativo. Temas como o amor, a aventura e
a vida privada têm espaço privilegiado nos meios de comunicação.
36
Não há dúvida de que já o livro, o jornal eram mercadorias, mas a cultura e a vida
privada nunca haviam entrado a tal ponto no circuito comercial e industrial, nunca os
murmúrios do mundo – antigamente suspiros de fantasmas, cochichos de fadas, anões e
duendes, palavras de gênios e de deuses, hoje em dia músicas, palavras, filmes levados
através de ondas – não haviam sido ao mesmo tempo fabricados industrialmente e
vendidos comercialmente. Essas novas mercadorias são as mais humanas de todas, pois
vendem a varejo e ectoplasmas de humanidade, os amores e os medos romanceados, os
fatos variados do coração e da alma (MORIN, 1997, p.13-14).
O voyeurismo é reforçado e ampliado pela cultura de massa. Os assuntos relevantes à
vida privada chamam a atenção do espectador, o qual devota parte de seu tempo para acompanhar
o espetáculo da vida das celebridades e dos seus ídolos.
Também a violência é consumida quotidianamente por intermédio da cultura de massa.
Elementos como a guerra, o crime, o homicídio e o assalto são destacados nos meios de
comunicação. A violência imaginária é acrescentada à violência real. “[...] através do universo do
crime, enfim, o leitor redescobre, vivendo-os e realizando-os, seus sonhos menos conscientes”
(MORIN, 1997, p.115).
Quando Morin fala da cultura de massa, pensamos na televisão, que é um veículo que
pode ser unificador, que pode deixar diferentes públicos frente à mesma informação, mas tem que
estar constantemente apresentando novidades, fugindo do padrão, e na espetacularização, que
está presente no cotidiano de grande parte dos veículos de comunicação.
A crescente presença da espetacularização nos meios de comunicação, principalmente na
televisão, pode ser considerada uma tendência nos dias atuais. A apresentação de shows está
consolidada, e, na maioria das vezes, com elevados índices de audiência. Entre os fatores que
37
retratam o sucesso da espetacularização midiática, é pertinente ressaltar a sua aceitabilidade entre
os espectadores, receptivos a programas que transmitem informações que vão da vida de pessoas
famosas às desgraças do cotidiano.
Na programação televisiva, é comum a apresentação de programas que misturam
jornalismo com dramaturgia e que trabalham com problemas sociais não resolvidos por
instituições como a polícia e a Justiça. Tais programas, que podem ser exemplificados pelo Linha
Direta, estão sendo tratados neste trabalho como híbridos: quanto à forma, muitas vezes,
parecem-se com programas de auditório; quanto ao conteúdo, as pautas abordadas, na maioria das
vezes, limitam-se a enfocar acontecimentos que possam ter repercussão e causar polêmica.
Fausto Neto analisa a apresentação deste tipo de programa na televisão:
A questão da exposição ao “setting midiático”, e a conseqüente encenação pública da
vida privada de cidadãos, é uma operação que passa também pela lógica dos usuários
dos media. Aqueles, muitas vezes sedentos de destinatário para encaminhar suas
reclamações, dores, confissões, súplicas e desejos, transformam os media em “balcões
de reclamações”. Ou em muitos casos fazem do próprio ato de reclamar um ritual
simbólico no qual estejam presentes as suas aspirações e desejos voltados para um
destinatário que muitas vezes nunca alcançam (FAUSTO NETO, 2000, p.15).
Focando-se especificamente na televisão brasileira, percebe-se que a apresentação de
programas com características espetaculares não é uma tendência recente. Ao falarmos de
programas híbridos de jornalismo e dramaturgia remetemo-nos ao extinto Aqui Agora, que
estreou no dia 20 de maio de 1991, no horário das dezoito horas, apresentado pelo SBT (Sistema
Brasileiro de Televisão). De acordo com Thiago M. Garcia (2004), foi o Aqui Agora que
originou uma série de jornais policiais que estão no ar até hoje em diversas emissoras. O Aqui
Agora teve uma primeira versão na Rede Tupi, em 1979. Foi um programa que seguia a linha
38
policial e que teve pouca duração no ar. O autor lembra que tanto o programa da Tupi como o do
SBT foram ao ar para tentar alavancar a audiência das emissoras.
O Aqui Agora, com a apresentação de reportagens polêmicas, alcançou uma audiência
incrementada em grande parte pelo teor sensacionalista, a qual jamais foi obtida por programas
jornalísticos do SBT. A figura do repórter Gil Gomes era uma das marcas identificadoras do
programa. Gomes dava um tom de suspense às suas coberturas, que geralmente eram casos
policiais.
Versão brasileira do original argentino Nuevediario, o Aqui Agora, além da influência da
linguagem radiofônica, usava o recurso do plano-seqüência para dar mais realismo e
suspense às histórias que narrava. O sucesso foi instantâneo, ultrapassando, em pouco
mais de um ano, a faixa de 20 pontos no Ibope, mas o fenômeno ficava restrito a São
Paulo. No Rio de Janeiro, o programa estacionou nos dois pontos de audiência. O grande
prestígio popular não se traduzia em maior faturamento publicitário (REZENDE, 2000,
p.131).
Na mesma linha editorial do extinto Aqui Agora, ressaltam-se os programas Cidade
Alerta
4
, da Rede Record, Repórter Cidadão
5
, da Rede TV, Brasil Urgente
6
, da Rede Bandeirantes,
além do Linha Direta, objeto de estudos deste trabalho.
O Linha Direta constitui-se no capítulo atual de uma recente história de produtos
jornalísticos fundamentados na espetacularização da violência. Antes dele, programas
como O homem de sapato branco, O povo na TV, Aqui Agora, Cidade Alerta, Cadeia
190 e Na Rota do crime já se utilizaram, de diferentes maneiras, deste recurso. O
4
O Cidade Alerta, apresentado pela Rede Record, utilizava-se de recursos como helicópteros e motocicletas para
fazer a cobertura ao vivo de diversas regiões simultaneamente. No momento da conclusão desta dissertação, o
programa estava fora do ar.
5
O Repórter Cidadão, apresentado na Rede TV, também é um programa onde o jornalismo e a espetacularização
andam juntos. O programa é apresentado por Ney Gonçalves Dias.
6
O Brasil Urgente também se utiliza do estilo sensacionalista e espetacularizado. O programa, de acordo com
informações do site da Rede Bandeirantes (www.band.com.br), dedica-se à prestação de serviços à comunidade,
aborda temas como saúde pública, situação da criança e do adolescente, violência social e morte, proveniente de
assassinatos. A informação que chega ao público é na maioria das vezes comentada pelo apresentador do programa,
que emite suas opiniões e críticas sobre a maior parte das notícias divulgadas.
39
programa também re-elabora elementos de uma tradição radiofônica presente nos
horários mais populares, como o Plantão da Cidade, na Rádio Globo, ou o programa de
Gil Gomes, no dial paulista, cujo excesso e tradição garantiram ao apresentador o
passaporte para o extinto Aqui Agora, do SBT (MENDONÇA, 2002, p.56).
O Linha Direta mescla elementos de programas norte-americanos, como o 60 minutes e
o 48 hours, com aspectos do Globo Repórter (ARAÚJO, SILVA e CARVALHO, 2005). O
programa teve sua primeira versão na década de 90. Era apresentado por Hélio Costa, que
também teve passagens pelo Fantástico. Já na primeira versão, o programa tinha o formato
híbrido, unindo jornalismo e dramaturgia. O incentivo à delação era a marca do programa.
Antes da estréia da atual versão do Linha Direta, no mês de novembro de 1998, a Rede
Globo fez uma versão piloto do programa, que foi apresentada durante o Fantástico. No teste,
Marcelo Rezende entrevistou o criminoso conhecido como “Maníaco do Parque”. Foram
intercaladas falas do assassino, declarações dos parentes das vítimas, com simulações de alguns
crimes (MENDONÇA, 2002).
Na versão atual, são mantidas essas características e ainda existe a possibilidade de
interação do público com a produção do programa, via Internet, para fazer denúncias. Esta
versão, que iniciou em maio de 1999, é veiculada semanalmente, às quintas-feiras, geralmente
apresentando o relato de dois crimes
7
, recheados por elementos discursivos tanto do jornalismo
quanto da dramaturgia. Fortemente ancorado no recurso das simulações, o programa inicia com
trechos do primeiro crime do dia, intercalados por depoimentos emocionados de pessoas ligadas à
vítima. O que se vê depois é um misto de dramatização, depoimentos gravados e intervenções do
7
Mendonça (2001) separa os casos apresentados no programa em três tipos: casos que já foram julgados pela Justiça
e cujos criminosos se encontram foragidos; casos que ainda se encontram em aberto na Justiça; casos em que não há
pistas de quem realizou o crime e em que situação ocorreu.
40
apresentador em estúdio. Na transição do primeiro para o segundo caso, na maioria das vezes, o
procedimento inicial é repetido. Ao final de cada episódio é exibido o “resultado” efetivo do
programa: o criminoso preso após as denúncias de telespectadores
8
, sendo feita uma retrospectiva
da sua conduta e da sua “vida criminosa”. Como diz Bucci:
Baseado na reconstituição de casos policiais não-resolvidos, fisga o telespectador pela
compaixão, pelo suspense e pelo ritmo de filme de ação. Ali, servida na tela, está a dor
dos que perderam os filhos ou irmãos assassinados. Ali, também, está a angústia que
todos externam por não saber onde está o criminoso, ou por não ter havido punição. Ali
está o enigma (BUCCI, 2004a, p.117).
A estrutura do programa pode ser sintetizada como um ritual que se repete: apresentação
do telespectador ao bom histórico da vítima e ao mau histórico do criminoso, dramatização de
cenas do crime e da vida dos personagens envolvidos, depoimentos de pessoas emocionadas e de
autoridades preocupadas, intercalados por aparições do apresentador, que conduz a narrativa. É
comum que este remeta o telespectador à foto do criminoso, em destaque.
Os casos apresentados no programa não são uma questão de atualidade, eles são quase
arquetípicos: o marido mata a esposa, o filho mata o pai, o ex mata o atual. E, também, são casos
que apresentam características com riquezas de detalhes para dramatização.
Quatro núcleos (MENDONÇA, 2001) trabalham em conjunto na produção do programa:
a coordenação de jornalismo (apuração dos fatos e redação do texto jornalístico), o núcleo de
8
No início ou no final de cada episódio, são exibidos os nomes do responsável pela reportagem e pelo roteiro da
dramatização; e, no final, o endereço eletrônico do “Linha Direta” (www.globo.com/linhadireta), o endereço para
correspondência e o telefone para denúncias, sempre reforçados pelo apresentador, Domingos Meirelles.
O apelo à
participação do telespectador é constante: Meirelles, ao evidenciar a foto do criminoso, convida quem tiver alguma
pista acerca do seu paradeiro a ligar para o número do programa.
41
dramaturgia (direção artística), o núcleo de roteiro (texto final e organização das reportagens) e a
equipe de produção.
No Linha Direta as fronteiras entre jornalismo e espetacularização são fluidas, o que
dificulta sua inserção em um gênero e faz tratá-lo como um híbrido. A simulação de diálogos
entre os personagens e a encenação de fatos, somadas ao recurso da sonorização, caracterizam
mais a teledramaturgia e o espetáculo que propriamente o jornalismo.
O show no telejornalismo policial sobe na escala de impacto e de dramaticidade. Em
Linha Direta, é assim o tempo todo. Funciona. Você mal sabe dizer onde termina o
mistério e onde começam as suposições. Onde termina a matança e onde começa a
justiça (BUCCI, 2004a, p. 118).
A morte é o principal bem simbólico ofertado ao consumo do telespectador. É uma
morte com autoria, reveladora do que pode haver de mais estarrecedor na espécie humana: a
capacidade de matar por qualquer motivo que não seja o da sobrevivência. O autor, comumente
denominado bandido ou criminoso, é tratado pelo programa sob uma perspectiva dominante –
quando não a única – que objetiva uma representação plana, uniforme, simplista e inequívoca.
Na concepção de Bucci, o Linha Direta pode ser visto como uma estratégia policial para
conseguir colaboradores. Neste caso, o programa estaria atuando a serviço da polícia. O autor
afirma que há um pacto de delação e anonimato entre o programa e os telespectadores,
questionando: “Mas que tipo de unidade é esta que se baseia na acusação disseminada, anônima,
em massa? Seria uma unidade típica do Estado democrático, ou mais afinada com um Estado
policial, totalitário? Em certos termos, a segunda alternativa é mais adequada” (BUCCI, 2004a,
p.121).
42
O programa Linha Direta leva aos telespectadores a violência social, cria situações que
podem gerar expectativas para alguns e causar medo em outros. Demonstra a ilusão de solução
fácil aos casos, o que faz com que os telespectadores possam ter uma concepção de justiça de
acordo com a visão da produção do programa.
3.1 Televisão e espetacularização
A televisão é tão presente na vida das pessoas que ela, na maioria das vezes, é tema de
discussões. As pessoas comentam entre si o que viram na telenovela ou no telejornal do dia
anterior. Através da TV, pessoas de diferentes classes sociais podem ter acesso às mesmas
informações. As transmissões televisivas vão além das diferenças de classes e elas são um
importante meio de contato entre os indivíduos, pois estes se comunicam falando de assuntos
mostrados na televisão.
A televisão é um veículo de destaque entre os meios de comunicação, geralmente ocupa
um lugar especial nas residências e tem espaço no cotidiano de grande parte das pessoas. É claro
que ela divide o tempo de que as pessoas dispõem para se informar e para se entreter com outros
meios como o rádio, jornais impressos, revistas, livros, cinema e com a internet. Mas, em muitos
locais e culturas, a televisão é o único meio de informação.
43
A TV tem um lugar particular na vida de cada pessoa, pois ela proporciona tanto
informação como divertimento, fazendo com que cada espectador tenha uma janela aberta para o
mundo e possa fugir da realidade e do cotidiano que o cercam.
Falar em televisão é referir-se ao fenômeno social e cultural mais impressionante da
história da humanidade (FÉRRES, 1998). É um dos maiores veículos de socialização existentes.
“Nenhum outro meio de comunicação na história havia ocupado tantas horas da vida cotidiana
dos cidadãos, e nenhum havia demonstrado um poder de fascinação e de penetração tão grande”
(FÉRRES, 1998, p.13).
Referindo-se ao sistema brasileiro de comunicação de massa, Rezende (2000) diz que a
televisão é inegavelmente o principal veículo de comunicação do país. A importância deste meio
de comunicação para o Brasil está relacionada à má distribuição de renda, à concentração de
propriedade entre as emissoras, ao baixo nível educacional da população, ao regime totalitário
das décadas de 60 e 70 e até mesmo à alta qualidade da teledramaturgia no país. Mesmo os
jornais de grande circulação nacional, com maior tiragem, têm público de menor abrangência que
as principais emissoras de televisão. Bucci (2004b) acrescenta que o Brasil se comunica e se
reconhece pela televisão e que ela reina absoluta no cenário nacional.
A televisão, que é considerada por Fischer (2001) um aparato cultural e econômico de
produção, veiculação e consumo de imagens e sons, informação, publicidade e divertimento,
pode ser vista como um meio essencial no processo de produção e circulação de sentidos na
sociedade. Estes sentidos são pertinentes na determinação do modo como as pessoas são, agem,
pensam, conhecem o mundo e se relacionam com a vida. A televisão pode interferir desde a
44
forma como as pessoas se vestem até o que elas comem. O que é transmitido na tela se torna
fascinante. E, quando as pessoas assistem à televisão, vêem um pouco de seu cotidiano, se
enxergam e se identificam com o que estão presenciando do outro lado da tela. Desde a violência
dos telejornais até o romance das telenovelas são identificáveis com a vida. A autora ressalta que
a separação entre a “vida real” e a “vida na TV” está cada vez menor e mais diluída, pois a vida
televisiva interfere na vida cotidiana e o cotidiano é refletido na vida televisiva.
A TV é um meio de comunicação de dimensões e alcances tão amplos que delimita
vários aspectos da vida das pessoas e das sociedades. É pela TV que crianças conhecem o mundo
exterior e ingressam no mundo do consumo. O veículo também alimenta as aspirações por
mercadorias dos jovens e a moda que os adultos seguem. O espaço público está relacionado com
os limites ditados pela televisão:
Ele se estende de trás para diante: começa lá onde chegam a luz dos holofotes e as
objetivas das câmeras; depois prossegue, assim de marcha à ré, passa por nós e nos
ultrapassa, terminando às nossas costas, onde se desmancha a luminescência que sai dos
televisores. O resto é escuridão. O que invisível para as objetivas da TV não faz parte do
espaço público brasileiro. O que não é iluminado pelo jorro multicolorido dos monitores
ainda não foi integrado a ele (BUCCI, 2000, p.11).
Na sociedade contemporânea, há uma diversidade de canais e de programas oferecidos
ao público, o que aumenta a quantidade e a gama de possibilidades para o telespectador. Desta
forma, a televisão pode servir de ampla fonte de conhecimentos para as pessoas e enriquecer o
seu cotidiano. Com as inúmeras possibilidades de conteúdos e de imagens oferecidos pela
televisão, ela pode ser vista como um elemento mágico: “Girar o botão e, instantaneamente,
receber imagens do outro lado do mundo, ou mesmo histórias fantásticas imaginárias – esse fato
por si faz a TV parecer um instrumento mágico” (FISCHER, 1984, p.12).
45
Os programas de televisão podem ser para muitos telespectadores a única forma de lazer
do dia ou a única companhia dentro de casa. E os apresentadores acabam sendo vistos como
pessoas conhecidas, que estão presentes todo dia. É comum que haja uma identificação entre os
telespectadores e as pessoas que vêem na tela. A televisão é um veículo de vasto retrospecto na
disseminação de informações e de considerável relevância para o entretenimento da sociedade. A
televisão é um meio de democratização, modernização e de estabelecimento de laços sociais
(WOLTON, 1996).
A televisão pode ser considerada o meio hegemônico da última metade do século XX
(MACHADO, 2000). Nos dias de hoje, a TV tem veiculado os mais variados formatos e estilos
de programas. Desta forma, utilizando-se de suas características próprias, como o uso de imagem
acoplada ao som, que já a tornam espetacular, a TV disponibiliza considerável espaço na
apresentação de programas shows. Como diz Sodré (1987, p.8-9), comentando a importância da
imagem:
A imagem opera mutações na estrutura psíquica e nos modos de percepção do indivíduo
contemporâneo. Daí, a importância ou o grande vulto da televisão. Esta não é um
simples “meio de informação” que, ao lado de outros, veicularia conteúdos específicos.
Trata-se, na verdade, de uma estrutura, uma forma de saturação informacional do meio
ambiente na sociedade pós-moderna, gerida cada vez mais pela tecnologia eletrônica e
pela organização tecnoburocrática.
O fundamental na televisão é o fato de ela não ser só imagem, de ela ser laço social. Por
mais que a imagem seja a marca da televisão, não se pode ignorar a dimensão social do veículo.
No momento em que as pessoas comentam o que viram na tela, elas estão se integrando
46
socialmente. A televisão é uma forma de abertura para o mundo, é muito difícil alguém ficar
indiferente diante das emissões televisivas (WOLTON, 1996).
A televisão é um sistema complexo, que não pode ser refletido apenas como um mero
transmissor de imagens. Se pensarmos a televisão apenas como imagem, estaremos deixando de
lado toda a estrutura de trabalho físico e ideológico que as transmissões recebem e
desconsiderado toda a influência que o que é transmitido pela TV exerce em nossa vida. O
cotidiano das pessoas, muitas vezes, é moldado pelos horários da programação do veículo.
Muitos deixam de fazer atividades em determinados horários para que seja possível acompanhar
os seus programas prediletos.
Apesar da televisão oferecer uma diversidade de possibilidades ao telespectador e de ter
ampla audiência, o veículo levanta muitos questionamentos e recebe críticas sobre a autenticidade
do seu conteúdo.
A televisão, como veículo difusor de informações, que leva ao público novidades,
imagens, divertimento, publicidades, é fundamental no processo de produção de sentidos e na
formação do imaginário. Ela amplia a própria realidade, dando espaço para um ambiente
simulado, espetacularizado. Bucci (2000) analisa a dimensão ocupada pela televisão para o povo
brasileiro:
Foi a televisão que forneceu ao brasileiro a sua auto-imagem a partir dos anos 70. Não
foi o cinema, não foi a literatura, não foi a imprensa, nem o futebol nem a religião: foi a
TV. O raciocínio já foi feito e refeito muitas vezes, mas é justificado relembrá-lo. O
projeto de integração nacional pretendido pela ditadura militar, um projeto levado a
efeito por uma política cultural bem desenhada, uma das mais ambiciosas e mais bem-
47
sucedidas da história do país, alcançou êxito graças à televisão (BUCCI, 2000, p. 15–
16).
No Brasil, a televisão está amplamente vinculada com o poder (BUCCI, 2000), pois a
sua evolução para um modelo mais plural foi simultânea ao desenvolvimento da democracia. “A
TV anda devagar porque a evolução política é vagarosa – e é sabido que, no Brasil, as mudanças
na política (e no próprio Estado) costumam ser ‘lentas e graduais’ [...] (BUCCI, 2000, p. 18-19).
Bucci, ao falar que a televisão no Brasil é poder, diz que aqui ela foge das relações convencionais
com o poder, a tela é o próprio poder.
Wolton (2003) salienta que a televisão é um veículo onde fica evidente a importância de
uma política de oferta, mas ele se preocupa com a qualidade do que é oferecido: “Se esta
melhorou para os telefilmes, as variedades, o esporte, os programas para os jovens, ela continua
insuficiente no que diz respeito à informação e aos shows [...]” (WOLTON, 2003, p. 67). A
preocupação do autor ocorre, pois, como a televisão é um dos principais espelhos da sociedade, é
importante para a coesão social que os elementos sociais e culturais sejam representados na mídia
e que esta oferta seja feita com qualidade.
A televisão, no momento em que vai noticiar um fato e quer seduzir o espectador,
utiliza-se de numerosos modos de comunicação e recursos, entre os quais encontra-se a
dramatização ou simulação. Um dos principais motivos para se dramatizar a notícia é torná-la
urgente, mesmo que no dia seguinte não seja mais lembrada e não tenha mais relevância. A
tendência à dramatização é percebida não só no tratamento da notícia como na sua escolha, pois
são priorizados crimes, tragédias, violência, morte, miséria. Para dar mais ênfase ao fato que está
48
sendo mostrado, um recurso utilizado é a encenação de testemunhos, que podem ser dados por
pessoas anônimas (SILVA, 2002).
A apresentação de depoimentos de testemunhas é um recurso constante durante as
edições do Linha Direta. No programa, parentes das vítimas, autoridades e pessoas que têm
conhecimento do caso falam ao longo dos episódios, intercalando as aparições do apresentador
no estúdio e as simulações. Os depoimentos aumentam a impressão de realidade do fato que está
sendo apresentado.
Através da dramatização há a possibilidade de criação de uma relação de encantamento
com o telespectador (ROSÁRIO, 2001). A dramatização reforça o realismo dos fatos
apresentados e faz com que as pessoas que estão frente à tela tenham a confirmação da
veracidade do conteúdo da informação:
Uma forte estratégia de sedução utilizada pelos textos televisivos é a simulação,
consubstanciada não como representação, mas como simulacro, como aparência sem
realidade. Essa estratégia encanta e presenteia o espectador com o sonho e com a
fantasia. A simulação permite tudo, ou quase tudo. Através da violação da fronteira da
realidade é possível mais do que representar, do que “fazer-de-conta”, é possível quase
vivenciar aquilo que não tem existência e, dessa maneira, estimular o espectador a
recorrer à sua capacidade de fantasiar, de preencher vazios de sentidos com prazeres; de
preencher os tristes vazios do mundo com sonhos encantados (ROSÁRIO, 2001, p.85).
A simulação cria a ilusão de que o fato está acontecendo ao vivo, no momento e que os
detalhes picantes são verdadeiros. Com a utilização da imagem e dos sons integrados com a
palavra, a televisão oferece ao receptor a legitimação do que está sendo transmitido. As pessoas
conseguem facilmente identificar personagens conhecidos na televisão e informações vistas neste
meio. A imagem, elemento diferencial da simulação televisiva, é essencial no processo de
49
espetacularização dos produtos midiáticos. Squirra (1993) relaciona a televisão com a
espetacularização: “Desde o seu advento, a televisão tem sido o veículo preferido na
disseminação de informações e peça fundamental para o entretenimento das sociedades”
(SQUIRRA, 1993, p.9). Fischer (1984, p.65) concorda:
Na TV, o público encontra todo tipo de shows: desde aqueles que, através de
reportagens, mostram o lado espetacular da vida, o sensacionalismo, os fatos insólitos,
até os musicais e os programas de competições com a participação de auditório.
Enquanto nas novelas, filmes e desenhos animados, os espectadores assistem à narração
de uma história, nos shows recebem a sucessão de imagens e sons em forma de mosaico.
Com o conjunto de aparatos tecnológicos que estão disponíveis para as emissoras na
atualidade, a televisão consegue invadir o espaço e o tempo da vida do espectador, oferecendo-
lhe um mundo construído de forma simulada. Sodré (1987) fala em telerrealidade ao referir-se à
sociedade convivendo com a televisão. A telerrealidade implica a construção de um espaço e de
um tempo totalmente novos. A técnica televisiva é realmente fascinante, pois tem o poder de
evocar o estado de onipresença do espectador, o qual se vê confrontado com uma telerrealidade
simultânea, instantânea e global:
Embora membro de uma massa anônima, dispersa, heterogênea, fechado em si mesmo
ou no grupo familiar dentro dos compartimentos em que se divide o espaço
incomunicável do prédio urbano, o indivíduo mantém uma relação privada com o
mundo através da telepresença. Mesmo quando a imagem desaparece por instantes, o
vídeo branco, pura fluorescência, remete a todos os outros, os milhões de indivíduos
eletronicamente desligados (SODRÉ, 1987, p.37).
A telerrealidade dá ao telespectador a sensação de que o mundo está próximo aos seus
olhos, dentro de sua casa, pois detalhes de acontecimentos muito distantes são acessíveis a
pessoas que estão em pontos muito distantes no mundo. As pessoas podem ter a sensação de que
o mundo está presente dentro de suas casas e que nada foge dos seus olhos. Dentro desta
50
perspectiva da telerrealidade, podemos pensar as imagens transmitidas pelo Linha Direta, que
trazem para dentro da casa de quem as está presenciando a violência e a morte.
A espetacularização e a mercantilização dos meios diminuem a qualidade da notícia,
podendo infantilizar o discurso jornalístico (RAMONET, 1999). Os meios de comunicação de
massa bombardeiam os espectadores com uma vasta quantidade de informações vazias e
superficiais e a televisão faz até a miséria social e a degradação humana tornarem-se espetáculo:
[...] hoje em dia a informação televisada é essencialmente um divertimento, um
espetáculo. Que ela se nutre fundamentalmente de sangue, de violência e de morte. E
isto mais ainda devido à concorrência desenfreada entre as emissoras que obrigam os
jornalistas a buscar o sensacional a qualquer preço, a querer ser, cada um deles, o
primeiro no local e a enviar de lá imagens fortes (RAMONET, 1999, p. 101 – 102).
A espetacularização pode facilitar o trabalho de “ocultar mostrando”, que foi
interpretado por Bourdieu (1997) como sendo a demonstração de coisas diferentes do que era
preciso mostrar caso se fizesse um jornalismo voltado somente para a veiculação da informação.
Para o autor, a apresentação de notícias de variedades, de sexo, sangue e drama sempre fez
vender e é o alimento predileto da imprensa sensacionalista:
Levadas pela concorrência por fatias de mercado, as televisões recorrem cada vez mais
aos velhos truques dos jornais sensacionalistas, dando o primeiro lugar, quando não é
todo o lugar, às variedades e às notícias esportivas: é cada vez mais freqüente que, não
importa o que tenha podido ocorrer no mundo, a abertura dos jornais televisivos seja
reservada aos resultados do campeonato francês de futebol ou a este ou aquele outro
evento esportivo, programado para irromper no jornal das 20 horas, ou ao aspecto mais
anedótico e mais ritualizado da vida política (visita de chefes de Estado estrangeiros, ou
visitas do chefe de Estado ao estrangeiro etc.), sem falar das catástrofes naturais, dos
acidentes, dos incêndios, em suma, de tudo que pode suscitar um interesse de simples
curiosidade, e que não exige nenhuma competência específica prévia, sobretudo política.
As notícias de variedades, como disse, têm por efeito produzir o vazio político,
despolitizar e reduzir a vida do mundo à anedota e ao mexerico (que pode ser nacional
ou planetário, com a vida das estrelas ou das famílias reais), fixando e prendendo a
atenção em acontecimentos sem conseqüências políticas [...] (BOURDIEU, 1997, p. 73).
51
A televisão, na apresentação de programas espetacularizados, exerce uma espécie de
violência simbólica sobre os espectadores. “A violência simbólica é uma violência que se exerce
com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e também, com freqüência, dos que a exercem, na
medida em que uns e outros são inconscientes de exercê-la ou sofrê-la” (BOURDIEU, 1997, p.
22).
Há uma tendência no jornalismo atual de se sacrificar o trabalho do repórter para dar espaço
ao animador e ao comediante. Também são sacrificadas a informação, a análise e as reportagens
investigativas, dando espaço ao divertimento, ao espetáculo e ao entretenimento (BOURDIEU,
1998).
Mas os jornalistas que invocam as expectativas do público [...] não fazem mais que
projetar sobre ele suas próprias inclinações, sua própria visão; especialmente quando o
medo de entediar, e portanto de fazer baixar a audiência, os leva a dar prioridade ao
combate em lugar do debate, à polêmica em lugar da dialética, e a empregar todos os
meios para privilegiar o enfrentamento entre as pessoas (entre os políticos, sobretudo)
em detrimento do confronto entre seus argumentos, isto é, do que constitui o próprio
móvel do debate, déficit orçamentário, baixa dos impostos ou dívida externa
(BOURDIEU, 1998, p. 96).
Quando a espetacularização está presente na construção e na apresentação da
informação, a qualidade da notícia e a sua veracidade podem ficar comprometidas. Através do
recurso da espetacularização, os idealizadores da notícia podem distorcer o seu verdadeiro foco
ou omitir dados do acontecimento, preenchendo o vazio com imagens fascinantes.
O formato espetacular pode ser considerado uma fórmula capaz de atrair os mais
diversificados públicos. Devido à dimensão adquirida pelos programas espetacularizados no
contexto social, a inserção destes programas na grade das emissoras já é um item obrigatório
(BUCCI, 1993). Na concorrência por audiência, o espetáculo não pode ficar de fora:
52
Aos poucos, a televisão permitiu que o universo policial se incorporasse ao seu dia-a-dia.
Não tinha escolha. No negócio do entretenimento, ao menos no Brasil, a
espetacularização do mundo-cão deixou de ser um item opcional para ser obrigatório.
Assim, o tabu do mundo-cão dentro do vídeo – que já havia sido subvertido com
tentativas isoladas – foi quebrado no final da década de 80. (BUCCI, 1993, p. 101–102).
Nas sociedades modernas, a televisão, com a disseminação do espetacular, cumpre
funções simbólicas comparáveis aos mitos nas sociedades primitivas. A televisão pode ser
analisada como um veículo de fascinação:
As luzes da TV recebem o nome que era dado às luzes do teatro: as luzes da TV são
mágicas. Têm o poder de parar o trânsito, de modificar emoções arrancando lágrimas,
quando não era para tanto e seduzindo aquele que era para ser apenas um figurante. O
direito aos 15 minutos de fama (ou segundos, para a televisão) a que o artista plástico
norte-americano Andy Wharol se referia são buscados com fúria pelos anônimos
(PINTO, 1998, p. 64).
Embora concordemos com a idéia de que a televisão tem poderes sobre o telespectador,
neste trabalho nos filiamos a Wolton, que diz que a televisão pode influenciar o público, mas não
o manipula. “[...] o público nunca é passivo ou alienado. Ele pode ser influenciado,
principalmente por programas de baixa qualidade, mas falar em alienação suporia a perda do seu
livre-arbítrio” (WOLTON, 2003, p.67).
Arbex (2001), referindo-se à apresentação da política na televisão, situa a relação deste
veículo com a espetacularização dizendo que a televisão tem poderes para definir o que será um
acontecimento político e o âmbito geográfico em que este fato se disseminará. Os acontecimentos
políticos adquirem o retrospecto de um grande show e a ficção passa a fazer parte dele. “Ora, uma
das conseqüências da prática de apresentar o jornalismo como um ‘show-rnalimso’ é o
enfraquecimento ou o total apagamento entre o real e o fictício” (ARBEX, 2001, p.32). Para o
53
autor, o reino das imagens e a difusão dos acontecimentos mundiais através da tela da televisão
fazem com que o historiador ou o analista da cultura reconfigure o seu olhar sobre as relações
entre os meios de comunicação de massa e as instituições e procure saber como esse novo cenário
afeta a vida dos indivíduos.
Pertencemos a uma cultura que identifica o ver com o conhecimento, e o
desenvolvimento tecnológico dos meios tem reforçado a importância da percepção visual. Desta
forma, com a supremacia visual, a espetacularização da informação em meios como a televisão
tem tido considerável propagação. Cada vez mais, presenciamos programas apelativos,
sensacionais e espetacularizados na programação diária dos meios de comunicação.
Com a crescente disseminação do sensacional e com a tendência de tornar as
peculiaridades da vida humana privada relevantes ao conhecimento social, os shows
espetaculares têm espaço cada vez mais garantido em vários setores da sociedade, como nos
meios de comunicação, na literatura, nas galerias de arte, em igrejas e na vida humana como um
todo. O cotidiano humano está rodeado de uma imensa teatralização.
O telejornal, mais que o jornalismo impresso, tem de entreter. O tempo todo. Uma nota
entediante de 10 segundos é fatal. O telespectador foge. A cor é obrigatória. O
movimento é obrigatório. O retumbante é obrigatório. É por isso que o principal critério
da notícia é a imagem. Se não há uma imagem impactante, dificilmente o fato merecerá
um bom tempo no telejornal. O apresentador do telejornal é outro ingrediente-chave. Ele
desenvolve com o telespectador um vínculo de familiaridade como se fosse um ator, um
astro. Vivemos em um tempo que jornalistas da TV são celebridades, são símbolos
sexuais. Enfim, aqui, como no resto do mundo, o público sente desejo pelo programa do
telejornal (BUCCI, 2000, p. 29).
Na tentativa de definir espetáculo, Requena (1988) diz que infinidades de atividades
podem alimentar um espetáculo, como uma representação teatral, uma missa, uma apresentação
54
de carnaval, um programa televisivo. Das inúmeras representações que um espetáculo pode ter, é
pertinente dizer que ele põe em relação dois fatores: uma atividade oferecida e um sujeito que
contempla. A dialética entre esses dois elementos se materializa na forma de uma relação
espetacular, que é definida por Requena como a interação que surge entre a relação de um
espectador e de uma exibição que lhe é oferecida.
Na opinião de Freire Filho (2003), o espetáculo tratado por Debord
9
(1997) deve ser
entendido como um desdobramento da abstração generalizada ligado ao funcionamento do
capitalismo. Assim, para Debord, o capital chegou a um grau de acumulação que se tornou
imagem:
A primeira fase da dominação da economia sobre a vida social acarretou, no modo de
definir toda a realização humana, uma evidente degradação do ser para o ter. A fase
atual, em que a vida social está totalmente tomada pelos resultados acumulados da
economia, leva a um deslizamento generalizado do ter para o parecer, do qual todo “ter”
efetivo deve extrair seu prestígio imediato e sua função última. Ao mesmo tempo, toda
realidade individual tornou-se social, diretamente dependente da força social, moldada
por ela (DEBORD, 1997, p.18).
O conceito de espetáculo está intimamente relacionado com a vida humana, ele é a sua
afirmação como aparência:
O conceito de espetáculo unifica e explica uma grande diversidade de fenômenos
aparentes. Sua diversidade e contraste são as aparências dessa aparência organizada
socialmente, que deve ser reconhecida em sua vertente geral. Considerado de acordo
com seus próprios termos, o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda
a vida humana – isto é, social – como simples aparência (DEBORD, 1997, p.16).
9
O francês Guy Debord, autor da obra “A Sociedade do Espetáculo”, é um pensador marxista que acredita que o
espetáculo tem poderes de alienação e dominação sobre a sociedade e que a sociedade do espetáculo é aquela em que
as ilusões substituíram o natural, o espontâneo e o autêntico da vida humana. Das idéias de Marx, Debord destaca o
fetichismo da mercadoria e a alienação. Debord era filósofo, diretor de cinema e escritor; era influenciado pelo
Dadaísmo e pelo Surrealismo. Definia-se como um doutor no nada e agitador social. Era um humanista, que tinha
preocupações com o cotidiano das cidades e sua provável desestruturação, provocada pelo mundo das imagens. O
autor preocupa-se com a idéia da tirania das imagens e da submissão alienante da sociedade aos impérios da mídia.
55
Na concepção de Debord, como o espetáculo é tão fascinante e tão atrativo, ele tem
poder alienante sobre os espectadores, deixando-os com a vida inautêntica. O autor chega a tratar
o espectador como uma massa acrítica:
O espetáculo na sociedade contemporânea corresponde a uma fabricação concreta de
alienação. A expansão econômica é sobretudo a expansão dessa produção industrial
específica. O que cresce com a economia que se move por si mesma só pode ser a
alienação que estava em seu núcleo original (DEBORD, 1997, p.24).
O autor, já na primeira tese da obra “A Sociedade do Espetáculo”, mostra que na sua
concepção o espetáculo está presente em toda a sociedade: “Toda a vida das sociedades nas quais
reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de
espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação” (DEBORD, 1997,
p.13).
O espetáculo, para atrair quem o contempla, precisa ativar os sentidos do público. Os
sentidos do gosto, do olfato e do tato exigem proximidade, e uma relação espetacular se dá com a
distância entre a apresentação e quem observa. A visão é o principal sentido para a contemplação
do espetáculo, é aquele que faz com que o sujeito se constitua em um espectador. Um olhar, a
distância e um corpo que se mostra, formando uma imagem que chama a atenção, são os
elementos necessários para uma situação de sedução (REQUENA, 1988).
Hoje, a relação visual e o espetáculo estão presentes na relação do sujeito com o mundo.
As grandes fotografias publicitárias estão cada vez mais presentes no meio em que as pessoas
vivem e a televisão constitui, para o homem médio, uma forma massiva de contato com o mundo
56
(REQUENA, 1988). Assim, as representações espetaculares estão presentes em quase todas as
situações de experiência das pessoas.
O espetáculo é tratado por Debord como um agente de manipulação social e
conformismo político, chegando a ser comparado a uma permanente Guerra do Ópio, que tem
como objetivo embriagar a consciência dos atores sociais, para que eles não observem os efeitos
do poder e da privação capitalista. Gabler (1999) salienta que os shows espetaculares provocam
tanta excitação nas pessoas que podem ter seus efeitos comparados aos das drogas.
A intimidade pode ser apontada como alvo dos veículos que se utilizam da dramaturgia
com ingrediente de sua programação. As peculiaridades da vida humana e os seus atos bárbaros
são itens que podem chamar a atenção do público. A exploração das intimidades tem tomado
conta da programação de veículos de comunicação. As cenas da vida humana são disseminadas
ao alcance do público por quadros de programas jornalísticos espetacularizados. O espetáculo
propaga a ânsia de mostrar, de receber o reconhecimento do grande público. Esta ânsia por
aparecer nos remete a alguns detalhes do Linha Direta, onde parentes das vítimas se mostram e se
expõem ao grande público dando detalhes do caso ocorrido.
Um campo onde a espetacularização tem ganhado espaço nos últimos anos é o
jornalismo. Programas jornalísticos estão adotando a apresentação de variedades como
integrantes de sua linha editorial e utilizando-se do recurso da encenação. A apresentação de
quadros de dramaturgia, onde se explora desde o mais cômico às mais perversas atitudes
humanas, é vista comumente em programas jornalísticos.
57
A presença da espetacularização no campo jornalístico e a apresentação de notícias
shows são conseqüências do domínio da observação sobre a explicação. A apresentação do
chocante, do insólito e do sensacional prende o público. Para um noticiário ter boa audiência, é
imprescindível que o espetáculo seja completo, que a realidade oferecida seja total, global e
natural. O impacto de uma notícia acontece com a exposição de uma imagem mais forte, mais
espetacularizada que aquelas que o espectador pode observar no seu convívio (CANAVILHAS,
2004).
A realidade é de difícil representação nos meios de comunicação, pois sempre está
sujeita ao espaço e ao tempo do veículo. A divisão temporal da televisão exige que seja feita uma
seleção de imagens que possam ser organizadas de forma a constituir um conjunto coerente e que
não deixe espaço para que o telespectador ache que falta sentido no conjunto. Com a necessidade
de se fazer cortes nas imagens da realidade ocorrida, a ênfase é voltada para os conteúdos
dramáticos e altamente emocionais. Desta forma, se a imagem é o elemento que distingue a
televisão dos meios impressos e do rádio, a facilidade com que ela pode ser alterada torna a
edição um elemento fundamental na construção da espetacularização do jornalismo televisivo.
Para Canavilhas, existem elementos que conduzem ao sucesso das informações
espetacularizadas, ressaltando a falência das instituições clássicas e a evolução técnica, e com
eles, a mídia moldou o homem, tornando-o o “homo mediaticus”. A evolução da técnica
proporcionou novos recursos aos mídias, o que facilitou a espetacularização no jornalismo e
ainda tornou possível a globalização da informação.
58
A espetacularização no campo do jornalismo e a difusão da informação-espetáculo contêm,
na opinião de Canavilhas, quatro vícios que podem tornar esta informação consistente: o
sensacionalismo, a ilusão do “ao vivo”, a uniformização e os efeitos perversos. O
sensacionalismo como ingrediente é descrito por Marcondes Filho (1986) como um nutriente
psíquico e um desviante ideológico. O jornalismo sensacionalista explora as emoções e o
sentimentalismo: “No fundo a imprensa sensacional trabalha com as emoções, da mesma forma
que os regimes totalitários trabalham com o fanatismo, também de natureza puramente
emocional” (MARCONDES FILHO, 1986, p. 90).
O sensacionalismo, através do apelo sentimental, mexe com as emoções dos espectadores,
investindo na exploração das emoções e fantasias. As notícias apresentadas de forma
espetacularizada e com apelos sensacionalistas transformam os fatos sociais em diversão
(ANGRIMANI SOBRINHO, 1995). Angrimani Sobrinho (1995) referencia Georges Bataille,
para quem a sexualidade e a morte são momentos de uma festa, que atrai um grande número de
pessoas. Angrimani Sobrinho caracteriza a violência e o sexo como “faces da mesma moeda” e
ingredientes fundamentais nas transmissões dos programas sensacionalistas espetacularizados:
O jornal sensacionalista difere dos outros informativos por uma série de motivos
específicos, entre os quais a valorização editorial da violência. O assassinato, o suicídio,
o estupro, a vingança, a briga, as situações conflitantes, as diversas formas de agressão
sexual, tortura e intimidação ganham destaque e merecem ser noticiadas no jornal
sensação (ANGRIMANI SOBRINHO, 1995, p. 56-57).
59
Tratando-se do programa Linha Direta, a mercadoria vendida é a morte
10
, sobre a qual
são explorados e noticiados todos os detalhes. Desta forma, a morte deixa de ser uma notícia e
passa a ser um espetáculo. Como diz Salles (2004): “E como uma das notícias mais interessantes
é a morte, chegamos à triste e reveladora conclusão: a grande mídia vende a morte. E o pior é que
nós compramos o produto [...]”. O autor teme as conseqüências da disseminação da morte nos
meios de comunicação. Ele acrescenta que, como as pessoas consomem a morte, elas podem
devolver ao mundo o mesmo produto e na mesma proporção que receberam.
Para Jabor (2004), o homem, ao ver nos meios de comunicação atos de violência e o
homicídio espetacularizados, vê a personificação de seus instintos muitas vezes reprimidos pelos
outros homens, a realização da violência imaginária e do homicídio pensado anteriormente. A
morte apresentada nos meios de comunicação exerce um encantamento no público. O crítico
explica a sua idéia dizendo que o espetáculo da morte alivia as tensões do homem, purificando os
seus ódios por uma espécie de “Kátharsis pós-moderna”, a qual o isola da sociedade, desintegra-o
e o aliena. Para Jabor, com a apreciação da violência, há a negação da ética e da compaixão com
o outro.
10
Johnson (1999) propõe um diagrama com a finalidade de representar o circuito de produção, circulação e consumo
dos produtos culturais. Cada parte no circuito é distinta, mas é indispensável para o todo. As formas que são
importantes para alguém localizado em um ponto do circuito podem parecer diferentes para os que estão localizados
em outro ponto. O autor explica que todos os produtos culturais exigem ser produzidos, mas as condições de
produção não podem ser inferidas simplesmente examinando-os de forma unívoca. Os produtos culturais são lidos
por um público amplo, desta forma não se pode prever as leituras a partir do momento da produção. Toda
comunicação pode voltar ao seu destinatário transformada, o que, para ser explicado, exige o conhecimento
específico do consumo e da leitura. Johnson também levanta a questão da produção de bens culturais como bens de
consumo. Para ele, em nossas sociedades, muitas representações culturais assumem formas de mercadorias
capitalistas. Assim, podemos ter um circuito ao mesmo tempo capital e de produção e circulação de formas
subjetivas. “Neste caso, temos que prever condições especificamente capitalistas de produção [...] e condições
especificamente capitalistas de consumo [...] mas nesses casos o circuito é, a um só tempo, um circuito capital (e sua
reprodução ampliada) e um circuito de produção e circulação de formas subjetivas” (JOHNSON, 1999, p. 35).
60
Os desejos de sadismo e os assassinatos reprimidos pela ordem social podem ser
personificados através dos fait divers apresentados na mídia (MORIN, 1997).
À proliferação das violências imaginárias se acrescenta a vedetização das violências que
explodem na periferia da vida cotidiana sob formas de acidentes, catástrofes, crimes. A
imprensa da cultura de massa abre suas colunas para os fatos variados, isto é, para os
acontecimentos contingentes que só se justificam por seu valor emocional (MORIN,
1997, p. 114, grifo do autor).
Nestes fait divers, pode-se incluir a apresentação de programas onde a violência e a
morte são exploradas e pode-se inferir, a partir da idéia de Morin, que os homens satisfazem seus
desejos imaginários através dos crimes vistos em programas televisivos, como o Linha Direta.
Em filmes, livros e alguns programas televisivos, a lei pode ser enfrentada ou ignorada e o desejo
do homem pode se concretizar. “Bofetadas, golpes, tumultos, batalhas, guerras, explosões,
incêndios, erupções, enchentes assaltam sem cessar os homens pacíficos de nossas cidades, como
se o excesso de violência consumido pelo espírito compensasse uma insuficiência da vida vivida”
(MORIN, 1997, p. 114).
Mas, apesar de ser comum a idéia de que a violência e a morte chamam a atenção dos
telespectadores, Montoro (2002) diz que pesquisadores concordam quando dizem que é difícil
descrever a forma e a magnitude que os conteúdos violentos mostrados pela televisão afetam o
cotidiano das pessoas, pois a sociedade é composta por diversos grupos, segmentos sociais e
indivíduos que vivem em contextos diferentes, o que dificulta uma conclusão específica sobre a
dimensão da violência midiática no cotidiano das pessoas.
Neste trabalho, concordamos que programas espetacularizados são motivos de elevados
índices nas pesquisas de audiência e que podem ser fontes de lucro. É relevante a inserção de
61
Debord: “A raiz do espetáculo está no terreno da economia que se tornou abundante, e daí vêm os
frutos que tendem afinal a dominar o mercado espetacular, a despeito das barreiras protecionistas
ideológico-policiais de qualquer espetáculo local com pretensões autárquicas” (DEBORD, 1997,
p. 39).
Um dos recursos usados pelas redes de comunicação, que se utilizam da
espetacularização e do sensacionalismo para a captação de público, é a apresentação de
jornalistas-espetáculos, famosos e com características próprias como apresentadores. Domingos
Meireles, apresentador do Linha Direta, utiliza-se de trejeitos únicos como ingredientes para o
show. As maneiras peculiares de âncoras e repórteres apresentarem já é uma dramatização.
Embora falar em dramatização neste caso possa parecer exagerado, ela é uma tentativa de tornar
a narrativa apresentada mais interessante, comovente e com teor de importância (PINTO, 1998).
O espetáculo aponta para a emergência de uma nova comunidade imaginada, que busca,
nos veículos que apresentam shows, meios para solucionar seus problemas, para suprir as
carências no âmbito social deixadas por entidades como a polícia. Requena (1988) relaciona a
espetacularização com o exercício do poder, principalmente o poder do veículo de comunicação
sobre o desejo dos outros. O autor diz que o poder é essencialmente gerador de espetáculos e que
a sedução se acopla com a política do poder. O poder precisa gerar espetáculo, pois só sobrevive
o poder capaz de fazer-se desejar. Tratando-se de programas com conteúdo assistencialista, como
o Linha Direta, observa-se o poder do canal sobre o desejo de justiça de quem perdeu alguém
próximo.
4 O DISCURSO DO LINHA DIRETA
O Linha Direta da Rede Globo possui um discurso que se configura com muita riqueza de
detalhes e pode ser considerado um objeto com interessantes aspectos para análise. O programa
vai além de um recurso televisivo utilizado para contribuir com o trabalho da polícia e da Justiça,
pela retirada de criminosos foragidos do convívio social. É um instrumento de difusão da vida
privada e de espetacularização.
A vida das pessoas envolvidas nos casos apresentados é completamente revelada para os
milhões de espectadores do programa. Emoções são exploradas pelos mais variados ângulos.
Sentimentos como a dor de uma mãe por ter perdido um filho, que foi assassinado de forma
brutal, da mulher que perdeu o esposo, da irmã de uma vítima de assassinato, de uma empregada
que testemunhou a morte dos patrões, são ingredientes do espetáculo. Esses elementos são
fundamentais para a construção das imagens da morte representadas no programa.
63
Para este estudo, é necessária a explanação de alguns conceitos fundamentais da Análise do
Discurso, que é a linha de investigação de nosso trabalho.
4.1 Análise do Discurso como referência
A Análise do Discurso (AD) tem seu objeto – o discurso – no âmbito das relações entre
o lingüístico e o histórico-ideológico, fazendo investigações sobre determinações sociais,
políticas e culturais que podem ser encontradas nos processos de produção de sentidos. O
objetivo da Análise do Discurso é entender o real, que é sujeito a reflexões e que se concretiza no
cruzamento da língua com a história (ORLANDI, 2001a).
A Análise do Discurso possibilita, através das interpretações que determina, questionar a
idéia de sentido literal e da objetividade da comunicação, pois a linguagem não apresenta
homogeneidade nem unicidade:
A literalidade não se constitui o ponto de partida, mas a chegada para a AD, uma vez que
é historicamente determinada. Os sentidos, portanto, não são um a priori. Como afirma
Pêcheux, o sentido de palavras, expressões, frases e textos deve ser analisado em função
do jogo de imagens e da correlação de forças presentes numa dada formação social. Os
sentidos das palavras podem mudar conforme a situação em que são usadas e conforme
o lugar social ocupado pelo sujeito que fala. Se ninguém diz qualquer coisa de qualquer
lugar é porque o lugar de onde se enuncia constitui e limita o dizer (MARIANI, 1999, p.
108).
A AD de perspectiva francesa, que surge especialmente a partir dos estudos de Michel
Pêcheux sobre conceitos de Mikhail Bakhtin e Michel Foucault, é uma linha de investigação que
tem por objeto textos, que são simultaneamente lingüísticos e históricos. O discurso faz a
articulação entre a língua e a história, sendo ele mesmo um “efeito de sentidos”. Estes sentidos já
64
existiam antes do discurso e são enunciados em um momento específico, por determinados
atores, em um dado momento histórico.
A Análise do Discurso de linha francesa entende o discurso como a materialização do
processo enunciativo, cuja materialidade exibe a articulação da língua com a História.
Como conseqüência, ela propõe uma teoria não-subjetiva, em que o sujeito não é tido
como responsável pelo engendramento dos fenômenos discursivos e o sentido é
constituído pela interação entre os interlocutores. Assinala-se assim, a incompletude do
sujeito, que adquire completude em sua relação com o outro (GREGOLIN, 2000, p. 19).
O texto como objeto de pesquisa implica que a Análise do Discurso seja vista como um
quadro de referência com conceitos organizados, mas com uma metodologia aberta. É importante
a observação do que os textos selecionados como objetos dizem e como eles dizem. A
preocupação da AD vai além da interpretação para entender os sentidos de um texto: é necessário
o entendimento dos modos como o discurso funciona, das lógicas que o movimentam, dos
elementos que são repetidos e dos que são silenciados. Também é importante a observação de
onde o discurso analisado tem lugar, que posições de sujeito são ocupadas, a forma de
movimentação dos atores nas posições ideologicamente definidas, quem fala e que espaço ocupa.
A Análise do Discurso propõe implantação de diferentes formas de leitura e se dá entre a
estabilidade e os equívocos (ORLANDI, 2001a). A AD não é só uma forma de leitura, mas um
conjunto de possibilidades de reflexão:
O princípio dessas práticas de leitura consistiria em levar em conta a relação do que é
dito em um discurso e o que é dito em outro, o que é dito de um modo e o que é dito de
outro, procurando “escutar” a presença do não-dito no que é dito: presença produzida
por uma ausência necessária. Como só uma parte do dizível é acessível ao sujeito – as
diferentes posições dos sujeitos resultam de sua inscrição em diferentes regiões de
sentidos (diferentes formações discursivas) – com esta escuta o analista poderá ouvir,
naquilo que o sujeito diz, aquilo que ele não diz mas que constitui igualmente os
sentidos de “suas” palavras (ORLANDI, 2001a, p. 60).
65
O discurso tem múltiplos conceitos, que variam de autor para autor. Olga Tavares
(1998) cita alguns conceitos de discurso, entre eles o de Foucault e o de Pêcheux. Para Foucault
(apud TAVARES, 1998, p. 57), o discurso “é o espaço em que saber e poder se articulam, pois
quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucionalmente. Esse
discurso, que passa por verdadeiro, que veicula o saber (o saber institucional) é gerador de
poder”. Pêcheux (apud TAVARES, 1998, p. 57) diz que “todo processo discursivo se inscreve
numa relação ideológica de classes”.
Os sentidos de um texto variam conforme as estratégias postas em funcionamento na
construção do discurso, a constituição dos sujeitos que falam e dos sujeitos que lêem
11
, o meio
em que o texto se materializa e as relações de poder envolvidas.
O sentido é assim uma relação determinada do sujeito – afetado pela língua – com a
história. É o gesto de interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua, com
a história, com os sentidos. Esta é a marca da subjetivação e, ao mesmo tempo, o traço
da relação da língua com a exterioridade: não há discurso sem sujeito. Ideologia e
inconsciente estão materialmente ligados. Pela língua, pelo processo que acabamos de
descrever (ORLANDI, 2001b, p. 47).
A construção dos sentidos, portanto, está intimamente relacionada aos interlocutores do
discurso. Os sentidos se dão de acordo com as posições ideológicas que estão em jogo no
processo de produção das palavras.
Os sentidos das palavras têm relações com as formações discursivas em que estão
inseridas. “A formação discursiva se define como aquilo que numa formação ideológica dada - ou
11
Considerando-se todo receptor, independentemente do veículo, como “leitor”, e a leitura como um ato de produção
de sentidos.
66
seja, a partir de uma posição dada em uma conjuntura sócio-histórica dada - determina o que
pode e deve ser dito” (ORLANDI, 2001b, 43).
As formações discursivas não são percebidas nitidamente pelos sujeitos do discurso.
Elas são verificadas no decorrer do processo de Análise do Discurso. Os enunciados e as
formações discursivas a que pertencem são analisados correlativamente. Assim, no processo de
Análise do Discurso, dá-se o desvelamento de um jogo de relações. As formações discursivas não
são imóveis, fechadas, elas se definem nas suas relações com outras formações discursivas.
As palavras recebem seus sentidos nas formações discursivas e nas relações em que
estão inseridas. São as formações discursivas que determinam o que pode ser dito em
determinada circunstância.
É a FD que permite dar conta do fato de que sujeitos falantes, situados numa
determinada conjuntura histórica, possam concordar ou não sobre o sentido a dar às
palavras, “falar diferentemente falando a mesma língua”. Isso leva a constar que uma FD
não é “uma única linguagem para todos” ou “para cada um sua linguagem”, mas que
numa FD o que se tem é “várias linguagens em uma única” (BRANDÃO, 2004, p. 49).
A excepcional riqueza de detalhes presentes no discurso dos locutores do programa
Linha Direta dá espaço para a análise de inúmeros aspectos. Neste trabalho, nos deteremos no
estudo das perspectivas com que o programa constrói a imagem do criminoso e da vítima.
Também, buscaremos sentidos que constituem a morte apresentada no programa, que é
geralmente causada por alguém próximo da vítima, executada com grande violência e motivada
por vingança ou inveja.
67
Para a Análise do Discurso, quanto à enunciação, todo texto é heterogêneo. Bakhtin
(1996) diz que a enunciação é o resultado da integração de dois indivíduos. Segundo o autor,
mesmo na ausência de um interlocutor real, ele pode ser substituído por um representante do
grupo social.
A língua é considerada por Bakhtin como um fenômeno ativo, vivo e dinâmico. A
linguagem é tratada pelo autor como sendo inerentemente dialógica e não ideologicamente
neutra. Ele rejeita a idéia de enunciação isolada. A presença do outro é indispensável na
construção do discurso, pois não se pode pensar um homem fora de suas relações sociais. Sempre
que um discurso do outro for retomado, ele vai sofrer modificações, não sendo mais o mesmo.
Bakhtin (BARROS, 1999) aponta quatro aspectos importantes do dialogismo: a
interação entre os interlocutores é princípio fundador da linguagem; o sentido de um texto
depende da interação entre os sujeitos; a intersubjetividade é anterior à subjetividade; existem
dois tipos de sociabilidade, que são a relação entre sujeitos e a relação dos sujeitos com a
sociedade. Para ele, o princípio do dialogismo define um texto como um tecido de muitas vozes
ou de muitos textos ou discursos, os quais se intercruzam, complementam-se e polemizam entre
si.
Há, no dialogismo de Bakhtin, um deslocamento no conceito de sujeito, o qual vai
perder o papel central no momento em que vai ser substituído por diferentes vozes, que fazem
dele um sujeito histórico e ideológico.
68
O diálogo é a condição da linguagem e do discurso, mas existem textos monofônicos e
polifônicos, de acordo com as estratégias discursivas empregadas.
Nos textos polifônicos, os diálogos entre discursos mostram-se, deixam-se ver ou
entrever; nos textos monofônicos eles se ocultam sob a aparência de um discurso único,
de uma única voz. Monofonia e polifonia são, portanto, efeitos de sentido, decorrentes
de procedimentos discursivos, de discursos por definição e constituição dialógicos. Nos
textos polifônicos escutam-se várias vozes, nos monofônicos uma apenas, pois as
demais são abafadas (BARROS, 1999, p. 36).
Barros explica as diferenças entre dialogismo e polifonia. A autora reserva o termo
dialogismo para referir-se ao princípio dialógico constitutivo da linguagem e de todo discurso e
utiliza a palavra polifonia para caracterizar um certo tipo de texto, aquele em que o dialogismo se
deixa ver e em que são visualizadas muitas vozes. Os textos polifônicos fazem oposição aos
monofônicos, os quais escondem os diálogos que os constituem. O discurso do Linha Direta é
visivelmente polifônico, pois em cada edição do programa há o depoimento de inúmeros
locutores.
Observando que o Linha Direta tem um discurso notadamente polifônico, é relevante
falar em paráfrase – compreendendo a paráfrase como a repetição, ao longo de um texto, de um
mesmo sentido. Diferentes formulações para um mesmo dizer caracterizam a paráfrase. Também
podemos dizer que é paráfrase a constante repetição dos sentidos de um enunciado principal. Nos
processos de paráfrase, em todo enunciado sempre há características que se mantêm “[...] isto é, o
dizível, a memória” (ORLANDI, 2001b). A paráfrase representa a retomada dos mesmos espaços
do dizer.
A tendência à constante repetição de sentidos, caracterizada pela paráfrase, pode levar à
redundância. O recurso da reiteração de falas com sentidos similares faz parte da rotina do Linha
69
Direta. Em grande parte dos episódios do programa, por exemplo, os locutores enunciam na
perspectiva da construção da imagem do bandido perverso e da vítima com muitas qualidades.
Ducrot (1987) contesta o pressuposto da unicidade do sujeito falante, mesmo que
algumas pesquisas considerem como óbvio que cada enunciado possui somente um autor. Ele
lembra que a crença da unicidade do sujeito falante esteve presente durante muito tempo e não foi
questionada até que Bakhtin elaborou o conceito de polifonia. Ducrot mostra que em um mesmo
enunciado é possível detectar mais de uma voz:
Para Bakhtin, há toda uma categoria de textos, e notadamente de textos literários, para
os quais é necessário reconhecer que várias vozes falam simultaneamente, sem que
dentre elas seja preponderante e julgue as outras: trata-se do que ele chama, em
oposição à literatura clássica ou dogmática, a literatura popular, ou ainda carnavalesca,
e que às vezes ele qualifica de mascarada, entendendo por isso que o autor assume uma
série de máscaras diferentes. Mas esta teoria de Bakhtin, segundo meu conhecimento,
sempre foi aplicada a textos, ou seja, a seqüências de enunciados, jamais aos
enunciados de que estes textos são constituídos. De modo que ela não chegou a colocar
em dúvida o postulado segundo o qual um enunciado isolado faz ouvir uma única voz
(DUCROT, 1987, p. 161).
Para Ducrot, no momento em que se emprega um enunciado em um diálogo um pouco
complexo, a tese da unicidade do sujeito falante não pode ser sustentada. Há um entrecruzamento
de vozes em um mesmo texto, e um enunciado assimila a superposição de diversas vozes. O autor
utiliza-se da noção de polifonia para diferenciar um sujeito enunciador de um locutor. Para ele
(1987, p. 182), o locutor é “um ser que é, no próprio sentido do enunciado, apresentado como seu
responsável”.
[...] o locutor, designado por eu, pode ser distinto do autor empírico do enunciado, de
seu produtor – mesmo que as duas personagens coincidam habitualmente no discurso
oral. Há de fato casos em que, de uma maneira quase evidente, o autor real tem pouca
relação com o locutor, ou seja, com o ser apresentado, no enunciado, como aquele a
quem se deve atribuir a responsabilidade da ocorrência do enunciado (DUCROT, 1987,
p. 182).
70
O enunciador é a figura responsável pela produção de sentidos no enunciado, que mostra
o ponto de vista de onde se posiciona o locutor.
Chamo “enunciadores” estes seres que são considerados como se expressando através
da enunciação, sem que para tanto se lhe atribuam palavras precisas; se eles “falam” é
somente no sentido em que a enunciação é vista como expressando seu ponto de vista,
sua posição, sua atitude, mas não, no sentido material do termo, suas palavras
(DUCROT, 1987, p. 192).
O locutor que é responsável por um enunciado dá espaço para a existência de
enunciadores, enunciando os seus pontos de vista e as suas atitudes. O locutor mostra-se como o
“eu” no discurso, e o enunciador corresponde às perspectivas com que esse “eu” se apresenta.
Pode-se comparar o locutor a um narrador. Já o enunciador é o sujeito sobre o qual são atribuídas
as atitudes expressas no discurso. Os enunciadores mostram seus pontos de vista no texto. Isso
quer dizer que locutores diferentes podem ser veículos de um mesmo enunciador.
Assim, neste trabalho, utilizaremos o suporte da Análise do Discurso para analisar o
funcionamento discursivo do programa Linha Direta, apresentado na Rede Globo.
4.2 Apresentação do corpus
Para a realização da análise do Linha Direta, cinco edições do programa foram tomadas
como corpus, as quais foram levadas ao ar durante os meses de outubro e novembro de 2004.
Fazem parte da amostra todas as nove histórias integrantes dos cinco programas exibidos nestes
dois meses. Foram excluídas do corpus de análise as edições especiais do “Linha Direta Justiça”.
71
A primeira edição integrante do corpus do estudo foi ao ar no dia 14 de outubro de 2004,
quando apresentou dois casos sobre crimes. O primeiro caso narrou a história de dois irmãos,
Clóvis e Eurico, que sempre tiveram conflitos familiares. Segundo a narração do programa, desde
a infância Eurico já se mostrava como uma pessoa violenta e, na fase adulta, causou vários
problemas para Clóvis na administração dos negócios da família. Eurico é descrito como
ganancioso, o que fez com que ele matasse o irmão e a cunhada dentro da casa deles. O segundo
caso do dia 14 de outubro mostrou a história de uma estudante (Jaciara), que foi com a família à
praia para assistir à queima de fogos da passagem do ano. De acordo com o programa, durante a
comemoração, a estudante se separou dos parentes, saiu com um rapaz (Machado – o seu
assassino) e não foi mais vista. Durante a madrugada, Jaciara foi localizada morta e próximo ao
corpo foi encontrado um telefone celular, descrito como sendo do assassino.
A edição do dia 21 de outubro de 2004 apresentou a chacina da Favela de Vigário Geral,
onde 21 pessoas foram mortas por membros da polícia. O crime ocorreu no dia 29 de agosto de
1993, quando mais de 30 homens – membros da polícia – invadiram Vigário Geral para vingar a
morte de quatro membros da polícia que tinham sido assassinados na favela. Os homens
pertencentes à polícia se dividiram em grupos e andaram por vários pontos da favela, matando
quem encontrassem, pois não acharam os traficantes – que tinham abandonado a favela. Só na
casa de uma família, oito membros foram mortos.
No dia 28 de outubro, foi ao ar a história do motorista de ônibus Joaquim Ferreira da
Silva, que foi morto a mando de sua esposa Luzia. De acordo com o programa, a esposa tinha um
amante, que era seu primo, e juntos planejaram a morte do marido para ficar com os bens e com o
seguro de vida dele. A execução deu-se cerca de quarenta dias após a oficialização da união do
72
casal (Joaquim e Luzia). Também foi exibido, neste dia, o caso de uma catadora de laranja (Rita)
que foi assassinada a facadas pelo marido (Buguelo). A relação dos dois é descrita no Linha
Direta como tumultuada, e o marido, consumidor de bebidas alcóolicas e de drogas, agredia
fisicamente a mulher.
No dia 11 de novembro de 2004, é apresentada a história de um garçom (Waldecir), que
se apaixona por uma mulher oito anos mais velha (Francisca). Segundo o Linha Direta, o casal
vai morar junto, mas tem uma convivência tumultuada e, com o decorrer dos anos, a mulher
começa a se mostrar mais ciumenta, separando-se do marido várias vezes. Os dois se separam
definitivamente e, dois anos depois, por motivos de brigas pela venda da casa que tinham em
comum, a ex-esposa mata o garçom. No mesmo dia, o Linha Direta mostrou o caso de um
fazendeiro mineiro (José Reis) que foi assassinado por um rapaz (Helton). De acordo com o
programa, a vítima viu crescer e ajudou várias vezes o seu futuro assassino.
O último programa integrante do corpus deste trabalho foi ao ar no dia 18 de novembro
de 2004. O primeiro caso mostrou a história de uma enfermeira (Evaldete), que executa a mulher
(Márcia) de seu amante. De acordo com o Linha Direta, para cometer o crime, ela contrata dois
pistoleiros, os quais atingiram a vítima na cabeça. No segundo caso
12
, é narrada a história de um
ex-metalúrgico (Ildemar), que foi assassinado por um vizinho (o pedreiro Billy Kid). O motivo
do crime, segundo o programa, foi que o assassino quis se vingar da vítima por ela tê-lo
denunciado à polícia.
12
Caso apresentado integralmente no anexo deste trabalho.
73
Para fazer a análise, primeiramente, foram gravadas as edições selecionadas para
comporem a amostra. Depois foi feita a transcrição de cada programa. O corpus foi estudado, em
busca dos sentidos dominantes. A partir da identificação dos principais sentidos sobre a imagem
do criminoso e da vítima, emitidos nas falas dos locutores do programa, as marcas desses
sentidos foram agrupadas, identificando-se as formações discursivas às quais pertencem.
É intrigante a semelhança da estrutura narrativa do programa e dos elementos utilizadas
na sua constituição. Mesmo que os casos apresentados tenham características diferentes,
elementos evidenciados em todos os programas, como o elemento “sonho” presente na vida da
vítima, a qual luta arduamente para conseguir o que deseja; a representação dos laços familiares
da vítima e também de suas boas relações, tanto amorosas como fraternais. Também é comum a
constante exposição das fotos das vítimas e dos criminosos, os quais são enfatizados pelo
apresentador.
As pessoas que dão depoimentos no decorrer do programa são distintas, mas, na maioria
das vezes, têm em comum a característica de ter alguma afinidade com a vítima ou ser membro
da Justiça. Dos nove casos observados, em um foi apresentado um parente do assassino,
referindo-se a ele de forma desprezível, em outro, o advogado do criminoso falou em seu favor,
e, em um terceiro, foi mostrada uma gravação do assassino narrando como cometeu o crime. Nos
demais, não houve manifestação de parentes ou amigos dos acusados.
Mesmo que haja diferenças no vocabulário e na forma de conduta dos personagens, a
estrutura geral do programa é semelhante. Os casos apresentados se dispõem de forma a
evidenciar que a perspectiva de enunciação seja unívoca. O estudo dos programas evidencia que a
74
sua estrutura é desenvolvida de forma a apresentar uma seqüência comum e três planos
narrativos. No primeiro plano, é apresentada a história de vida da vítima desde a sua infância.
Neste plano, sempre é ressaltada a boa trajetória de vida da vítima, o seu bom caráter, a sua
vontade de lutar para vencer na vida, a sua sinceridade e pureza e a sua importância na vida da
família e amigos. No segundo plano, são narrados os pontos da vida da vítima que têm relação
com o criminoso, até chegar o momento do crime. Aqui são mostrados os problemas
proporcionados pelo criminoso ao entrar na vida da vítima, a qual lutou para se libertar do seu
malfeitor, mas não teve êxito. A vítima sempre se manteve com boa conduta, apesar de estar
passando por sofrimentos e perseguições, já o criminoso constantemente pratica atos de
maldades, mostrando a sua falta de caráter. No terceiro plano, é mostrada a falta que a vítima faz
às pessoas que conviviam com ela e a busca pelo criminoso, que está foragido. Neste plano, a
família fala da desestruturação que houve no seu centro em virtude da falta de uma pessoa tão
querida e tão vital para o seu cotidiano. Novamente são reforçadas as boas características da
vítima e as atitudes de maldade do criminoso.
Realizamos a análise sob a perspectiva de quatro enunciadores principais:
E1 – a perspectiva da emissora, por meios das falas do apresentador e do narrador;
E2 – a perspectiva favorável à vítima, por meio das falas de pessoas ligadas à vítima;
E3 – a perspectiva favorável ao criminoso, por meio das falas de pessoas ligadas ao
criminoso ou do próprio criminoso;
E4 – a perspectiva legal ou testemunhal, por meio das falas de pessoas ligadas à Justiça
ou testemunhas do crime.
75
Por uma estratégia metodológica, numeramos cada trecho analisado, também chamado
de Seqüência Discursiva (SD), já que uma mesma seqüência discursiva pode ser atravessada por
mais de uma Formação Discursiva, repetindo-se ao longo da análise. Também por uma opção
metodológica, transcrevemos de forma literal as falas dos locutores do programa, salientando
entre colchetes informações que ajudam a compreender fatos e personagens da história e
salientando em negrito as marcas de sentidos referentes à formação discursiva em análise. Ainda
como recurso metodológico, optamos por apresentar as Seqüências Discursivas de cada
Formação Discursiva em quadros, organizados a partir da perspectiva de cada enunciador, pois
consideramos que esta forma de apresentação facilita, para o leitor desta dissertação, a associação
entre o enunciador e os sentidos construídos.
5 A MORTE E SEUS PERSONAGENS
O público que acompanha o Linha Direta nas quintas-feiras tem a oportunidade de
presenciar uma minuciosa exposição da morte, a qual é encenada com ampla riqueza de detalhes
e assume o papel de principal bem simbólico do programa.
O foco do programa é a delação do assassino por parte do público. E o fato de os
telespectadores presenciarem o “desenrolar dos crimes” através das simulações é um fator que
pode contribuir para que a denúncia se concretize. As simulações e os depoimentos apresentados
no Linha Direta apontam para a caracterização de um criminoso extremamente mau e uma vítima
dotada de características boas e de qualidades, o que pode ser confirmado na observação de que
os depoimentos apresentados são, na maior parte, de pessoas ligadas à vítima e de que o
desenvolvimento da narrativa do programa é voltado para mostrar que a vítima teve uma conduta
exemplar e que os seus problemas começaram no momento em que o criminoso entrou na sua
vida; já o criminoso é uma pessoa que apresenta problemas durante todo o seu percurso.
77
Com a observação do desenrolar do programa, onde é explícita a exaltação dos defeitos
do criminoso e das qualidades da vítima, nasceram discussões que instigaram o desenvolvimento
deste trabalho e fizeram com que emergissem três eixos para a análise do programa Linha Direta,
o qual foi estudado sob a ótica 1) da vítima, 2) do criminoso e 3) da morte.
5.1 A imagem da vítima
Tratando-se de vítimas
13
, a sua caracterização no Linha Direta segue uma forma
simplista e sem um trabalho mais apurado de problematização: elas são retratadas como pessoas
admiráveis, dotadas de virtudes e bondade. São indivíduos tidos como importantes no círculo de
suas relações e socialmente engajados – a morte, carregada de violência, representa não apenas
uma perda familiar, mas também para a sociedade.
Para a análise da imagem da vítima, localizamos as Formações Discursivas principais e
os sentidos que lhe são associados, inserindo a problemática das perspectivas de enunciação. As
FDs próprias desse discurso narram uma vítima: a) com a família estruturada; b) batalhadora; c)
de bom caráter; d) bem relacionada. A seguir, apresentamos algumas das seqüências que ilustram
esses sentidos. Sistematizamos a análise em quadros, reunindo as seqüências discursivas a partir
dos enunciadores e trazendo algumas seqüências que ilustram o discurso do programa.
13
“Geralmente entende-se por vítima toda pessoa que é sacrificada em seus interesses, que sofre um dano ou é
atingida por qualquer mal. E, sem fugir ao sentido comum, na linguagem penal designa o sujeito passivo de um
78
5.1.1 Família estruturada
A primeira Formação Discursiva identificada para a sustentação do sentido de uma
vítima plena de virtudes a retrata como membro de uma família estruturada. Além do equilíbrio
emocional e do sucesso profissional, as relações familiares e afetivas da vítima traçam um perfil
de uma pessoa apaixonada.
A) Apaixonada
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
O bebê que escapou da morte é filho deste casal, o administrador de empresas
Clóvis Monteiro e a mulher dele, Lúcia Helena. Casados e apaixonados, os
dois foram mortos pelo irmão mais velho de Clóvis, o veterinário Eurico
Monteiro. O motivo? Dinheiro. Os dois irmãos brigavam na justiça por causa
da herança da família. (SD1)
Separado da primeira mulher, que já tinha um filho, Clóvis se apaixonou por
Lúcia. Três meses depois do encontro no show, ela anunciou que estava
grávida. Clóvis decidiu então morar junto. O filho do casal nasceu em julho de
2002. (SD2)
E1
Emissora
Apaixonado, Joaquim [vítima de Luzia] se separou de Rosa e foi morar com
Luzia. No início tudo ocorreu bem. (SD3)
E2 Vítima Não há.
E3 Criminoso Não
E4
Testemunhal
E ela [vítima Rita] não se separava dele [assassino Buguelo] porque ela era
apaixonada por ele. Tinham três filhos e ela queria manter o casamento,
mesmo que sob esses diversos tipos de violência familiar. (SD4)
Observando-se a SD2 (pertencente à perspectiva da emissora, E1), que relata que três
meses após conhecer o marido, a vítima Lúcia já estava grávida, o que não é considerado comum
pelos padrões das sociedades atuais, é perceptível uma postura favorável à vítima por parte do
programa, deixando evidente que a sua construção se deu de forma simplista e tendenciosa. Em
delito ou de uma contravenção. É, assim, o ofendido, o ferido, o assassinado, o prejudicado, o burlado" (SILVA,
79
momento algum o programa deu entonação a esta SD de forma a transparecer que Lúcia poderia
ter engravidado por interesses financeiros, já que a família de Clóvis era rica. A atitude de Lúcia
foi enfocada como um ato de amor.
Ter boas relações fraternais é uma das principais características que o Linha Direta
exalta nas vítimas. Elas têm como marca de sua personalidade a observação do bem-estar das
pessoas de sua família e de todos que as cercam. A Formação Discursiva que trata da vítima com
família estruturada reúne as marcas de bom pai, de uma vítima boa mãe e também bom filho.
B) Bom pai, boa mãe e bom filho
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
A vítima do crime, Joaquim Ferreira, nunca teve muita sorte no amor. Nascido
no interior de Minas Gerais, ele ficou viúvo duas vezes. A primeira mulher
morreu por complicações no parto. E a segunda, por causa de um derrame. Em
1993, Joaquim pegou os quatro filhos e foi buscar a felicidade em outro
lugar. A cidade de Artur Nogueira fica a cento e cinqüenta quilômetros de São
Paulo. (SD5)
E1
Emissora
Fevereiro deste ano. Clóvis [vítima de Eurico] liga para a mãe e avisa que
vai passar o final de semana em Recife. A mãe comenta a briga entre os dois
filhos. Eurico ouve a conversa em uma extensão e se irrita. (SD6)
Meu pai [Ildemar] pra mim é filho. Eu perdi um pedaço de mim. Sou muito
parecida com meu pai. Tanto fisicamente como o jeito. Então é difícil perder
assim uma pessoa que você é como se fosse a alma gêmea dela. (SD7)
Aí ela [vítima Márcia] pegou e falou que não tinha nada [não tinha nada para
dar aos bandidos que a mataram]. O que ele quisesse levar, ele podia levar,
porque ali ela não tinha nada. Que ela tinha de mais importante era os filhos
dela. Aí, ele falou que dali ele não queria nada, que só estava ali para matar
ela. (SD8)
Aí, na hora que ela [vítima Márcia] caiu, ela me pediu um apoio. Me pediu
independentemente do que possa acontecer, que era pra mim sempre
cuidar do meu irmão [filhos da vítima]. Que era a única coisa que eu tinha
na minha vida. Independentemente da onde ela estivesse, ela estaria
olhando pra mim e para meu irmão. (SD9)
E2 Vítima
Ela [vítima Márcia] era uma pessoa fantástica pra mim. A gente não podia
reclamar nada dela. Brincava comigo [filha], tudo. Já meu pai, nem tanto, não
tinha aquela coisa. (SD10)
1998, p. 503).
80
Meu filho [Joaquim, vítima de Luzia] era tudo pra mim. Quando eu precisava
dele, ele me atendia na hora, não deixava faltar nada pra mim, ele me
dava tudo. (SD11)
E3 Criminoso Não
E4 Testemunhal Não
5.1.2 Batalhadora
Para destacar as virtudes da vítima, que possibilitam que ela seja vista como uma pessoa
com pouquíssimos erros ou limitações, algumas características suas são enaltecidas pelo
programa no decorrer de sua narrativa: a luta para a concretização dos objetivos e a preocupação
com o futuro são primordiais. A caracterização de uma vítima batalhadora é dividida em dois
focos: vítima que luta e vítima que pensa no futuro. A Formação Discursiva que trata de uma
vítima batalhadora, que luta arduamente para a concretização de seus objetivos, enaltece as suas
qualidades de pessoa trabalhadora e bastante persistente.
A) Trabalhadora e persistente
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Apesar da surra, Rita [vítima] volta ao trabalho. Enquanto isso, Buguelo
[assassino] segue para casa. (SD12)
Enquanto o marido [Buguelo] bebe, Rita [vítima] continua a trabalhar na
lavoura. Num campo de futebol, Buguelo encontra Gladston, o cunhado de
Rita. Ele quer desabafar. (SD13)
Com um salário melhor, Waldecir [vítima] compra um terreno na cidade de
São Gonsalo. Ele começa a construir sozinho uma casa para viver com
Francisca [a assassina]. (SD14)
O ferroviário Adalberto [vítima de Vigário Geral] não vai ao bingo, ele faz
hora extra no trabalho para realizar um sonho da mulher. (SD15)
E1
Emissora
Nessa época [época em que já é traída pelo marido], é Márcia [a vítima] quem
traz dinheiro para casa. Ela sai às seis da manhã para trabalhar como
vendedora. (SD16)
81
Com a ajuda da mãe [mãe de Márcia], ela compra o terreno e começa a
construção de uma casa. Quem faz a obra é o marido Paulo. Pouco depois,
Márcia engravida. Todos os parentes ficam felizes, menos Paulo. Segundo
testemunhas, ele tinha receio da reação da ex-amante Evaldete. Durante a
gravidez, o receio de Paulo se confirma. (SD17)
O que pegava no pesado mesmo era o Clóvis [a seqüência discursiva quer
dizer que Eurico, o assassino não trabalhava duro, enquanto que a vítima era
trabalhadora]. (SD18)
Que que essa mulher [referindo-se a Luzia, assassina de Joaquim] aprontou na
vida dela. Fazer tanta coisa de mal pra uma pessoa que não merecia, né. Uma
pessoa trabalhadora, caprichoso, que se dedicava à família, mulher e aos
filhos. (SD19)
E2 Vítima
Ela desmamou a menina porque ela ia trabalhar, ela tinha que voltar, da
mamá de novo, o leite já secando porque a menina estava passando fome.
(SD20)
E3 Criminoso Não
E4 Testemunhal Ele [Billy Kid] atravessou a estrada com uma arma na mão. E queria acertar
umas contas com Ildelmar. E eu não sabia do que estava se passando. Então eu
falei: não, você não vai matar o homem aqui na minha frente porque o
Ildelmar é uma pessoa trabalhadora, não faz maldade a ninguém, ele é uma
pessoa que a gente conhece já há mais de quinze anos. (SD21)
O planejamento em relação ao futuro faz parte da vida de grande parte das pessoas. Ter
sonhos e desejos é estimulante para a realização das atividades diárias com interesse. No caso do
programa Linha Direta, a demonstração dos sonhos das vítimas é apresentada de forma
redundante e contínua: é constante a reiteração da idéia de que a vítima tinha sonhos e que eles
foram interrompidos por seu algoz.
Mesmo que os sonhos sejam simples, como a compra de um aparelho de som, ele atinge
uma dimensão ampla no programa. Para a demonstração dos sonhos para o futuro das vítimas do
Linha Direta, foram observadas as características de uma vítima que planeja futuro e de uma
vítima sonhadora:
82
B) Planeja o futuro e sonhadora
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Em suas agendas, Jaciara [vítima de Machado] deixou frases, sonhos e
várias lembranças. (SD22)
Na casa estavam quatro das cinco filhas de Gilberto Santos e Jane, além do
filho Luciano com a mulher e mais cinco crianças [vítimas da chacina de
Vigário Geral]. A família também comemorava a realização de um antigo
sonho: morar em uma casa de alvenaria. (SD23)
No barraco do metalúrgico Luiz Cláudio [vítima de Vigário Geral] outro
sonho está prestes a se realizar: a mulher dele está grávida, é o primeiro
filho do casal. (SD24)
Waldecir [vítima de Francisca] realiza o sonho de construir sua casa. Mas o
relacionamento com Francisca piora a cada dia. (SD25)
E1
Emissora
Em 1990, José Reis [fazendeiro assassinado por Helton] consegue um emprego
em Pedra Azul. Ele realiza o sonho de voltar para a sua cidade natal.
(SD26)
Ela [Jaciara, vítima de Machado] nunca teve namorado, só pensava em
estudar, fazer uma carreira [Inaudível]. Só que ela era muito bonita, tinha
um corpo bonito. (SD27)
A minha mãe [vítima de Vigário Geral] sempre tinha vontade de ter uma
casa de tijolo, assim. Sempre morou em barraco de madeira e caindo, né.
(SD28)
E2 Vítima
Eu ia encontrar com meu marido à noite, para no dia seguinte a gente
poder fazer o que a gente tinha planejado que era comprar um som, e,
esse sonho foi totalmente por água abaixo [vítima de Vigário Geral]. (SD29)
E3 Criminoso Não
E4 Testemunhal Não
5.1.3 Bom caráter
As vítimas retratadas pelo Linha Direta geralmente são alvos de pessoas brutais e com
caráter duvidoso, mas nem por isso deixaram de seguir os seus preceitos éticos e agir de forma
correta. Há uma constante afirmação, durante a narrativa do programa, de que a vítima é dotada
de um caráter inequivocamente bom. O Linha Direta apresenta as vítimas como sendo de
personalidade forte e tendo bom senso, o que faz com que elas, na maioria das vezes, ponderem
os problemas, mesmo que eles estejam ligados à violência. A bondade faz com que as vítimas
acabem perdoando o seu algoz e que tentem seguir a vida sem deixar que as más atitudes contra
83
elas sejam motivos de parar de lutar. Na Formação Discursiva que trata da vítima com bom
caráter podemos destacar os sentidos referentes a uma vítima ingênua, ponderada e correta.
A) Ingênua
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Sem desconfiar do perigo [de ser morto pelo irmão], Clóvis [vítima] toma
café da manhã com Lúcia [vítima]. Os dois planejam uma viagem para
Recife. Minutos depois, Eurico [assassino] chega ao prédio. (SD30)
Apesar de conhecer o temperamento da ex-mulher, Waldecir [vítima] não
desconfiou do verdadeiro objetivo de Francisca [de assassiná-lo]. Ela nunca
aceitou vender a casa e também nunca existiu nenhum corretor. Domingo, era
o dia do crime. (SD31)
Um dia, José Reis [vítima] chega a oferece um pedaço de terra para Helton
[seu assassino] criar animais. (SD32)
E1 Emissora
Dorval [assassino de Márcia] bate a porta da casa de Márcia [vítima] e pede
água. Ele conta que seu carro acabou de enguiçar. Márcia não desconfia da
história. Ela vai morrer. (SD33)
Apesar das ameaças, dessas coisas todas, dessas desavenças entre os dois
irmãos, mas claro que jamais ele [Clóvis, vítima] nem a Lúcia [vítima] iam
pensar que o desfecho dessa história fosse ter essa tragédia. (SD34)
E2 Vítima
Não vai pra lá meu filho. Ela [Francisca] prometeu que vai te matar. Aí ele
[vítima] falou assim: mãe, não fala essas coisas. Ela não é tão ruim assim
não. É porque ela está com ciúme. Eu volto pra casa. E voltou. (SD35)
E3 Criminoso Não
E4 Testemunhal Houve um telefonema anônimo pra dentro da comunidade falando que quem
eles encontrassem na rua, eles iriam matar. Só que ninguém acreditava que
ia acontecer isso [chacina de Vigário Geral]. (SD36)
B) Ponderada e correta
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Eurico [assassino] agride o irmão [Clóvis, a vítima]. Lúcia tenta conter o
cunhado, mas não consegue. Em desespero, a babá salva o menino da fúria
assassina do tio. (SD37)
Joacir e Adalberto [vítimas de Vigário Geral] tentavam acalmar os
assassinos, e ao sair do bar, encontram a morte. (SD38)
E1 Emissora
Em pouco tempo, a mãe de Evaldete [a assassina] procurou Paulo. Ela foi
reclamar da falta de pagamento do aluguel e estava tendo que arcar com as
dívidas. Impressionada com a mãe de Evaldete, Márcia [a vítima] buscou
uma solução. (SD39)
84
Os convidados não aceitam abaixar a música [Billy Kid queria baixar a música
de uma festa]. Segundo testemunhas, Billy Kid [assassino de Ildemar] diz que
vai diminuir o som da festa a tiros. Ildelmar tenta contê-lo. (SD40)
No início, o casamento de Francisca [assassina] e Waldecir [vítima] dá certo,
mas, Francisca se revela muito ciumenta. Para não brigar, ele aceita as
imposições da mulher. (SD41)
E o Ildelmar [vítima] correu por cima dele [Billy Kid] pra ele não fazer
isso [Ildemar quis impedir que Billy Kid acabasse com uma festinha de
crianças]. Não faz isso, você está louco. É uma festa de criança, e tal. (SD42)
E2 Vítima
A pessoa que pegou ela [Jaciara] tinha que ser conhecido. Ela não saia com
estranho, jamais. (SD43)
E3 Criminoso Não
E4 Testemunhal Waldecir [vítima] queria vender a casa para dividir o valor desse dinheiro
e cada um seguir o seu caminho [a vítima queria dividir o dinheiro com a ex-
mulher]. Mas, Francisca [assassina], que já estava residindo na casa com seu
novo companheiro, não estava concordando com aquela situação de venda da
casa. (SD44)
É interessante destacar que, mesmo sendo apresentada como uma pessoa muito correta,
a vítima Márcia só se preocupou com o pagamento do aluguel da casa onde morava depois que a
fiadora, a mãe de sua algoz, bateu em sua porta cobrando [SD39]. Esta seqüência discursiva
poderia ser um eixo para questionamentos sobre os “sempre corretos atos das vítimas”.
5.1.4 Bem relacionada
De acordo com a sua representação no programa, o carinho e a dedicação com os outros
fazem parte do modo de ser das vítimas do Linha Direta. Elas, no decorrer de suas vidas, foram
muito preocupadas com as pessoas que as cercaram. Sempre procuraram agir da melhor maneira
com todos, desta forma, sendo queridas e bem vistas. A partir dessas características, o programa
constrói a imagem de uma pessoa insubstituível, cuja morte provocou uma grande
desestruturação no círculo de familiares e amigos.
85
Os bons relacionamentos das vítimas com as pessoas que as cercam possibilitam que ela
seja descrita como bem relacionada, tendo alguns sentidos especiais, como: sociável, carinhosa e
prestativa; querida, simpática e companheira.
A) Sociável, carinhosa e prestativa
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Julho de 2001. Depois de um dia de trabalho, Clóvis [vítima] se diverte em
um show de música. Ele se encanta por uma jovem [Lúcia, a sua futura
esposa]. Um amigo vai apresentá-los. (SD45)
E1 Emissora
O motorista de ônibus Paulo Roberto aproveita o domingo para se distrair
ao lado da mulher. (SD46)
Antes de terminar o show, ele [o amigo] se aproximou para apresentá-los. Ele
apresentou Lúcia a Clóvis e já ficaram conversando. (SD47)
Eu falei: cadê seu pai. Ele ficou por quê? Vai ficar até mais tarde porque os
colegas dele vão estar tudo lá comemorando e ele não vai fechar agora.
[vítima de Vigário Geral] (SD48)
Por que matar Lúcia [vítima de Eurico]? A pergunta ficou no ar. Por que ele
matou Lúcia? Era uma pessoa tão doce, tão meiga, tão carinhosa. Por que ele
matou? (SD49)
Ela [a vítima Lúcia] era muito meiga, uma pessoa dócil, brincava muito de
teatrinho. Ela era muito infantil ainda, uma criança, né. (SD50)
E2 Vítima
Ela [a assassina Francisca] levou o filho lá em casa [casa da mãe de Waldecir]
para ele passar as férias lá em casa. Waldecir [vítima] estava lá. Parecia o pai
de Pedrinho. Era muito carinhoso com ele. (SD51)
E3 Criminoso Não
E4 Testemunhal Não
B) Querida, simpática e companheira
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Querido pelos amigos e parentes, José Reis [vítima] deixou saudades em
Pedra Azul. (SD52)
Os moradores costumam fazer festas na rua. Entre eles está Ildelmar [vítima],
admirado por todos como um vizinho simpático e brincalhão. (SD53)
E1 Emissora
Primeiros minutos do ano novo. Jaciara [vítima] vai assistir a um show
junto com uns sobrinhos. A mãe decide esperar a filha no carro. Pouco tempo
depois, os sobrinhos viram um homem se aproximar de Jaciara. Ele vai levá-la
para a morte. (SD54)
86
Eu acredito que José [vítima] queria ter a vida dele aqui, né, na vida rural
mesmo, né. Criar suas vaquinhas, criar suas coisas, seus animais. Mas a
fatalidade não deixou. (SD55)
E2 Vítima
Ele [vítima Ildemar] era uma pessoa engraçada, muito divertida e às vezes
até cômico. E ele fazia a gente rir pra caramba. Ele falava muito eu te amo.
(SD56)
E3 Criminoso Não
E4 Testemunhal Não
5.2 A imagem do criminoso
A descrição dos criminosos
14
no Linha Direta está associada a uma visão plana – e sem
qualquer complexidade ou problematização – de um indivíduo completa e essencialmente mau.
As falas da maior parte dos locutores condenam os criminosos a partir da narração sobre suas
características inequivocamente perversas, contribuindo para reforçar uma lógica maniqueísta.
Se pensarmos na posição enunciativa das pessoas ligadas à vítima, que são tratadas
neste estudo como E2, é de se esperar que elas condenem o criminoso de forma inequívoca. O
mesmo tipo de descrição, porém, não é inerente à posição enunciativa da emissora (E1), que, por
ocupar um lugar de fala jornalístico, estaria – ao menos por definição – preocupada em narrar os
fatos e contemplar a complexidade dos personagens. Nesta análise, porém, constatamos que E1
constrói os mesmos sentidos de E2, aliando-se à perspectiva de enunciação da vítima e evitando
qualquer tipo de polêmica.
14
“Geralmente, diz-se criminoso, a pessoa que pratica ato condenado pela lei ou pela moral. Mas, a rigor, entende-se
criminoso toda pessoa a quem se imputa a prática de um crime, como tal qualificado em lei. A qualificação ou
definição legal do fato como crime e a imputação a certa pessoa, como agente de sua prática, é que caracteriza a
qualidade de criminoso” (SILVA, 1998, p. 232 - 233).
87
Analisando o objeto de estudo, identificamos as Formações Discursivas que
estabelecem os sentidos sobre o criminoso do Linha Direta. Após a identificação dessas FDs, foi
interposta à análise a problemática do enunciador, para compreender de que ponto de vista esses
sentidos são construídos. São os resultados dessa análise que trazemos a partir de agora, em
quatro Formações Discursivas principais sobre o criminoso: a) desequilibrado e dependente
químico; b) com dificuldades nos relacionamentos; c) mau-caráter; d) reincidente.
5.2.1 Desequilibrado e dependente químico
A primeira Formação Discursiva identificada para a sustentação do sentido de um
criminoso mau é a que trata de um criminoso desequilibrado e com dependência química. É
comum no discurso do programa Linha Direta a caracterização de um criminoso desajustado, que
mata devido às suas perturbações mentais. Vale observar a diferença de tratamento dispensado ao
criminoso e à vítima, quando o assunto é a dependência química: enquanto o criminoso é
retratado como uma pessoa desajustada, a vítima é retratada como portadora de uma doença.
O criminoso mentalmente desequilibrado é apresentado como alguém com devaneios,
durante os quais tem inspirações para a articulação de seus crimes. As perturbações mentais dos
criminosos não são tratadas como patologias, mas como desvios de comportamento de plena
responsabilidade de quem os possui. A FD do criminoso com traços de perturbações mentais
reúne os sentidos do desequilíbrio e do descontrole.
88
A) Desequilibrado e descontrolado:
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Na véspera do ano novo, o homem [o criminoso Machado], com seus
pensamentos, se prepara para a festa de réveillon numa cidade do litoral.
(SD57)
Depois de se despedir do cunhado de Rita [vítima], Buguelo [assassino] voltou
para casa. Foi quando ele cometeu a primeira loucura. (SD58)
Descontrolado, Buguelo põe fogo na casa e decide matar a mulher. (SD59)
Descontrolado, Buguelo diz que vai invadir a casa da cunhada atrás da
mulher. Aos gritos, ele ameaça matar Rita. Neste momento, Gladston, o
cunhado de Rita, chega do futebol. (SD60)
E1
Emissora
Apavorada, Rita corre para a sala e pede socorro aos pais. Buguelo arromba a
porta dos fundos. Sem ter onde se esconder, Rita foge. (SD61)
E2
Vítima
Aí quando ele [vítima] começou a namorar essa menina [que substituiu a
assassina na vida da vítima], menina boa mesmo, aí, por azar, ela [assassina]
foi lá em casa. Acho que ela foi mesmo pra ver se pegava, né? Eles dois
estavam namorando [vítima e a nova namorada] e ela [assassina] separou os
dois. Foi uma briga feia. Ela ameaçou e disse que se ela tivesse uma arma
aqui, ela matava os dois. (SD62)
E3 Criminoso Não há.
Não deu para perceber se estava bêbado, mas ele [criminoso] já não parecia
ser a mesma pessoa. Porque quando a gente foi, ele era um cara agitado, e
quando a gente voltou, parecia que estava apagado, desligado. (SD63)
E4
Testemunhal
Eu acho que ele [assassino] atiraria em mim [babá do filho das vítimas Clóvis
e Lúcia], também na criança [filha das vítimas], até na própria mãe se tivesse,
do jeito que ele chegou ali louco, com arma na mão. Ainda mais que ele foi
preparado para matar o próprio irmão [vítima] e tirar a vida de quem se
atravessasse assim no meio dele. (SD64)
A caracterização de um criminoso que recorre ao uso de bebida alcoólica e drogas
também é enfatizada. É interessante ressaltar que, sob a perspectiva da emissora (E1), o
criminoso bêbado ou drogado não está doente, mas é alguém que não controla os seus vícios.
B) Bêbado e drogado:
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Segundo os colegas, Machado [criminoso] está bêbado. Durante a viagem,
ele recebe várias mensagens no celular. (SD65)
Depois de recusar o almo, Buguelo [criminoso] compra uma garrafa de
cachaça. (SD66)
E1
Emissora
Depois de fumar maconha, Buguelo volta e leva uma bronca de Rita. (SD67).
89
Nove horas, dois catadores de laranja vêm buscar Buguelo. Ele abandona Rita
e sai com os amigos. Segundo testemunhas, ele larga o trabalho para se
drogar. (SD68)
Minutos depois, Gladston [cunhado da vítima] estranha uma atitude do amigo.
Buguelo faz uma mistura de conhaque, maconha e sorvete. (SD69)
Aí ficou bebendo [criminoso Buguelo] a tarde toda, né? (SD70)
Ele [criminoso Buguelo] falou pra mim que ia sair com os colegas para
fumar maconha. (SD71)
“Rapaz, você [Buguelo] não vem pra roça pra trabalhar, você vem para fumar
maconha”. (SD72)
E toda a vez que ele [Buguelo] dava uma bicada, ele dava uma “puxada” na
maconha. Chegava com a folha da maconha e batia dentro do copo. “Meu
irmão não adianta você fazer isso, não, que você vai se prejudicar. Você vai
ficar muito louco”. Aí ele falou que: é pra isso que eu quero mesmo. É ficar
muito louco. (SD73)
E2
Vítima
A polícia foi embora e ele [criminoso] ficou lá mesmo, fumando maconha na
casa dele. (SD74)
E3 Criminoso Não há.
Alguns dos integrantes do bando [policiais que fizeram a chacina] não
entraram na comunidade de Vigário Geral. Estavam tão bêbados ou
drogados, que ficaram nos carros aguardando os seus colegas. (SD75)
E4
Testemunhal
Ele [criminoso] era usuário de drogas: maconha e também consumia
bebida alcoólica em larga escala. Então, ele era pautado pela violência, por
parte dele em relação a ela [vítima]. (SD76)
5.2.2 Dificuldades nos relacionamentos
Marcantes, nos criminosos do Linha Direta, são as dificuldades em seus
relacionamentos pessoais, geralmente provocadas pelo ciúme e pela insegurança. Nesta
Formação Discursiva, destacam-se os sentidos ciumento e possessivo, como se vê a seguir:
A) Ciumento e possessivo:
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
No início, o casamento de Francisca [assassina] e Waldecir [vítima] dá certo,
mas Francisca se revela muito ciumenta. Para não brigar, ele aceita as
imposições da mulher. (SD41)
Ao completar treze anos, a filha de Francisca vai morar com a mãe e Waldecir.
Francisca sente ciúme até da filha. (SD77)
E1
Emissora
Waldecir voltou para Francisca, mas não conseguiu viver em paz. O ciúme da
mulher atormentava cada vez mais o garçom. (SD78)
90
Nesta época o irmão de Clóvis [vítima], Eurico [assassino], continua solteiro e
mora com a mãe dele. Segundo testemunhas ele tem um ciúme doentio da
mãe. (SD79)
E uma coisa que eu acho que se passa não só pela questão financeira, pela
questão de partilha, mas com certeza, se passou por aí a inveja. Vê o irmão
[vítima] bem, vê o irmão feliz, vê o irmão bem casado, vê o irmão com a
família que ele não tinha, tanto é que ele [assassino] matou a Lúcia para
tirar a felicidade dele. (SD80)
E2
Vítima
Aí ela [assassina] levou a filha dela para uma outra escola, porque ela achou
que ele [vítima] estava querendo a filha dela. (SD81)
E3 Criminoso Não há.
Eles [assassino e vítima] brigavam muito. [Inaudível] Porque o outro
[vítima] tinha mais acesso. Tinha brinquedo melhor. (SD82)
E4
Testemunhal
Ele [assassino] ficou com ciúmes de alguma coisa e passou a se descontrolar,
uma confusão em cima de confusão. (SD83)
Os criminosos do Linha Direta também não têm boas relações com seus parentes, como
mãe, filho e irmãos. Temos, assim, a construção de um criminoso mau filho e mau irmão e de
uma criminosa má mãe. Nesta FD, não encontramos nenhuma fala da perspectiva da vítima,
como as anteriores:
B) Mau filho, mau irmão e má mãe:
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Segundo testemunhas, numa ocasião, com medo do filho [assassino], a mãe
esconde um bilhete na própria boca. Ele reage de uma maneira agressiva.
(SD84)
E1
Emissora
No local do crime, os parentes de Waldecir [vítima] vêem o filho de
Francisca [assassina]. Segundo testemunhas, ela o deixou pra trás na fuga.
Apavorado, o menino não sabe para onde ir. (SD85)
E2 Vítima Não há.
E3 Criminoso Não há.
Ele [assassino] abre a boca dela [mãe] e tirou o bilhete. Era para um
namorado. Aí foi mais de uma briga deles dois. Porque Clóvis não aceitava, ele
vivia brigando com a mãe. (SD86)
E4
Testemunhal
Quando ele [assassino] entrou na porta e viu que o irmão [vítima] estava lá,
disse: “com você, seu cabra, eu resolvo meus problemas na rua, não é aqui
não”. (SD87)
91
5.2.3 Mau-caráter
A Formação Discursiva do “mau-caráter” reúne as construções discursivas que revelam
um criminoso com uma série de defeitos, alguns de natureza claramente moral – mentiroso, sem
escrúpulos, ganancioso, traiçoeiro, mal-intencionado – e outros associados ao temperamento ou à
personalidade – impulsivo, irritável, intolerante, frio, calculista, agressivo, irônico. Ilustramos a
seguir os principais sentidos que se filiam a esta FD.
Agressivo, irritado, furioso, impulsivo, ameaçador, perigoso, implicante e intolerante,
reunidos sob os sentidos de agressivo e perigoso, e também calculista, que premedita crime,
vingativo, frio e misterioso, reunidos sob os sentidos de frio e vingativo, são sentidos presentes
na Formação Discursiva do “mau-caráter”.
A) Agressivo e perigoso
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Não vai pra lá, meu filho. Ela [Francisca] prometeu que vai te matar. Aí, ele
[vítima] falou assim: mãe, não fala essas coisas. Ela não é tão ruim assim não.
É porque ela está com ciúme. Eu volto pra casa. E voltou. (SD35)
Eurico [assassino] agride o irmão [Clóvis, a vítima]. Lúcia tenta conter o
cunhado, mas não consegue. Em desespero, a babá salva o menino da fúria
assassina do tio. (SD37)
Segundo testemunhas, numa ocasião, com medo do filho [assassino], a mãe
esconde um bilhete na própria boca. Ele reage de uma maneira agressiva.
(SD84)
A polícia procura provas do crime. Jaciara [vítima] apresenta marcas pelo
corpo e parece ter lutado antes da morte. Próximo ao corpo, um celular com
o nome Machado [o assassino]. (SD88)
Billy Kid [assassino] agride Ildelmar [vítima]. No meio da correria, os
convidados ouvem tiros. A mulher do pedreiro [Billy Kid] também se envolve
na briga. (SD89)
E1
Emissora
Billy Kid [assassino] aproveita que Ildelmar [vítima] tinha bebido para
agredi-lo. Ele [referindo-se a Ildelmar] vai para casa com hematomas e
ferimentos por todo o corpo. (SD90)
92
Uma parte do grupo chega ao barraco [policiais que atingiram Vigário Geral].
Depois de verificar os documentos de todos, um policial se irrita e atinge
[Inaudível]. (SD91)
Festa em frente da casa de Billy Kid. Mais uma vez ele reclama do barulho e
ele saca a arma. Há uma troca de tiros. Os moradores reagem e invadem a
casa de Billy Kid. Eles exigem que o pedreiro vá embora. (SD92)
Dos nove amigos [vítimas da chacina de Vigário Geral], só dois iriam
sobreviver à fúria dos policiais vingadores. (SD93)
Ao tentar proteger a mulher e a filha, Edimilson [vítima da Chacina de Vigário
Geral] provoca a fúria de um dos policiais. Desesperada, a família assiste a
morte do jovem. A irmã do jovem só é salva porque a arma do matador...
(SD94)
Como o portão da frente está fechado, Eurico [assassino de Clóvis, chegando
na casa da vítima] entra por um buraco na parede dos fundos. Ele quebra o
portão feito para segurança do bebê [filho da vítima] e invade o
apartamento. Para Eurico, é o dia do acerto de contas com o irmão.
(SD95)
Na entrada da favela, o jovem Fábio Pinheiro Lau, dezoito anos, é confundido
com um traficante. O policial descarrega a pistola contra ele. Fábio é a
vigésima primeira vítima [da chacina de Vigário Geral]. (SD96)
Ildelmar [vítima] sofria de alcoolismo e as filhas internaram o pai em uma
clínica. Enquanto ele cuidava da doença, Billy Kid [assassino] continuava
espalhar o medo. (SD97)
Segundo testemunhas, na adolescência Eurico [o assassino] persegue Clóvis [a
vítima], que é três anos mais novo. Por pouco, a briga não termina em
tragédia. Eurico costuma andar com um facão. (SD98)
A rotina muda no bairro. Com medo de Billy Kid [o assassino de Ildemar], os
moradores abandonam suas casas. (SD99)
No encontro, no escritório do advogado, o clima fica tenso entre os dois irmãos
[Clóvis e Eurico]. Revoltado, Eurico [o assassino] começa fazer ameaças.
(SD100)
Segundo testemunhas, Evaldete [a assassina] procura uma enfermeira no
hospital e faz uma proposta [de a enfermeira aplicar uma injeção letal na
vítima Márcia]. A enfermeira finge aceitar a proposta, mas depois conta tudo
ao diretor do hospital. (SD101)
Valdevino [o assassino de Ildemar] era conhecido como Billy Kid. O apelido
foi inspirado no lendário pistoleiro do século XIX, que virou personagem de
cinema nos Estados Unidos. Assim como o pistoleiro, Valdevino era
conhecido pela frieza. (SD102)
Os convidados não aceitam abaixar a música [de uma festa perto da casa do
assassino Billy Kid]. Segundo testemunhas, Billy Kid diz que vai diminuir o
som da festa a tiros. Ildelmar [vítima] tenta conte-lo. (SD103)
O cunhado de Buguelo [assassino da mulher Rita] sai de casa. Buguelo diz a
ele que não vai fazer nada com a mulher. O pai de Rita, que tem problemas de
locomoção, tenta ajudar. O pai de Rita cai no chão. Rita implora para não
morrer. Mas Buguelo não tem pena da mãe de seus três filhos [ele
assassina a mulher com várias facadas]. (SD104)
E o homem [o assassino Billy Kid] chegou lá [festa de crianças perto de sua
casa] brigando. Eu estava na porta da festa e o cara queria entrar, estava cheio
de criança lá. Aí eu [vizinho da vítima Ildemar] falei não, não vai entrar e
brigar aí não. Só têm criança aí, tudo. (SD105)
E2
Vítima
E ele [o assassino Eurico] faz ameaças por telefone, dizendo que ele iria
resolver da maneira dele com ele [a vítima Clóvis], que ele iria pagar a ele.
(SD106)
93
Aí teve uma proposta, a Evaldete [assassina] para a enfermeira para que
ela aplicasse uma injeção na Márcia [vítima], né. Na época em que ela
estava em coma ainda, né. Alguma coisa assim, né, para tirar a vida dela de
vez. (SD107)
Ela [assassina Francisca] nunca quis se casar. Só viviam brigando,
discutindo, porque ela queria vender a casa dele [vítima Waldecir] para
sair de lá. Ele gostava dela assim. (SD108)
E ela [vítima Rita] dizia: não faça isso não, que eu não mereço, Buguelo. Não
me faça isso, não que eu não mereço. E ele furando ela, furando ela. (SD109)
E3 Criminoso O da pracinha fui eu, eu. O Carlão falou pra mim: Esse cara tava na parada. Aí,
eu sai estalando ele, ele caiu, eu estalando, estalando, estalando e parei
com a pistola aberta. (SD110)
Ele [assassino] abre a boca dela [mãe] e tirou o bilhete. Era para um
namorado. Aí foi mais de uma briga deles dois. Porque Clóvis não aceitava, ele
vivia brigando com a mãe. (SD86)
E4
Testemunhal
Foi [Billy Kid] uma pessoa que não mostra qualquer arrependimento dos
crimes que pratica e realmente é uma pessoa que é um perigo para a
sociedade. (SD111)
Os criminosos do Linha Direta, caracterizados como pessoas perigosas, agressivas e
ameaçadoras, são retratados também como pessoas frias e calculistas, que premeditam seus
crimes, movidos por um espírito de vingança.
B) Frio e vingativo
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Valdevino [o assassino de Ildemar] era conhecido como Billy Kid. O apelido
foi inspirado no lendário pistoleiro do século XIX, que virou personagem de
cinema nos Estados Unidos. Assim como o pistoleiro, Valdevino era
conhecido pela frieza. (SD102)
A partir daquela noite de agosto de 1998, a pacata vida dos moradores da
rua Jair Roldão nunca mais seria a mesma. O homem armado seria este: o
pedreiro Valdevino Cícero Pereira. O convidado era Ildelmar Ferreira da
Costa. Na frente de todos, houve um bate-boca, dois tiros e uma jura de morte.
Tempo depois, por causa daquela briga, Valdevino cometeu um
assassinato e destruiu a harmonia de toda comunidade. (SD112)
E1 Emissora
Os policiais [assassinos de Vigário Geral] ainda executaram friamente mais
dois moradores: Cléber, 23 anos. Hélio, 38. Eles estavam caminhando nas
ruas da favela. Depois de assassinar vinte pessoas, os cavalos corredores, como
os policiais eram conhecidos, deixaram o local. Mas não pararam de matar [os
policiais fizeram inúmeros assassinatos na favela para vingar a morte de
colegas, que foram assassinados por traficantes]. (SD113)
94
Segundo a polícia, Jubson e Helton [assassinos] ainda retornaram ao local
onde deixaram José Reis [vítima]. Eles vão arrastá-lo para a beira da
estrada como que se quisessem que o corpo fosse encontrado. Em seguida,
abandonaram o carro e foram para casa dormir. (SD114)
Em seguida Eurico [o assassino] atira na cunhada [vítima]. Trancada no
quarto com o menino, a criada ouve tiros. Eurico descarrega a arma no
irmão [vítima] e na cunhada [vítima]. Depois de matar o irmão e a cunhada,
Eurico encontra uma tia na rua. Ele diz apenas uma frase: fiz uma desgraça e
foge. Quarenta minutos depois, a babá sai do quarto com o filho dos patrões no
colo. (SD115)
Segundo Eurico [o assassino], o irmão [a vítima Clóvis] falou dele mal pelo
telefone. De acordo com o Ministério Público, depois da ligação, Eurico
pegou o revólver e disse à mãe que mataria o irmão e a cunhada. Em
seguida, saiu de casa. Clóvis e a mulher Lúcia moravam sozinhos neste
edifício em construção [são mostradas imagens do edifício]. O prédio era de
Clóvis, que pretendia vender os apartamentos quando estivessem prontos.
(SD116)
O novo ataque de Machado [assassino de Jaciara] foi na pequena cidade de São
Francisco do Sul, a cento e noventa e um quilômetros da capital Florianópolis.
Machado, que continuava viajar vendendo livros, escolheu a adolescente
Jaciara Rosane Ramos de quinze anos como vítima. Jaciara não conseguiu
escapar com vida. (SD117)
Perto de um posto de salva-vidas distante da festa, o homem [o assassino]
domina Jaciara [vítima]. Ela reage, mas não consegue se livrar do
maníaco. Depois de estuprada, ela é morta. (SD118)
Os policiais [assassinos de Vigário Geral] invadiram o bar e fuzilaram todas
as pessoas. Jadir e Ubirajara [vítimas] se fingiram de mortos e sobreviveram.
Jadir levou cinco tiros e esperou mais de duas horas por socorro, debaixo do
corpo do amigo. (SD119)
Helton e Jubson [assassinos] acertam outros golpes na cabeça de José Reis
[vítima], até deixá-lo inconsciente. (SD120)
Luzia [assassina de Joaquim] convence o motorista [vítima] a se casar. Desde
o início da conversa, ela já sabe quem vai ser o padrinho [o padrinho vai ser
o amante de Luzia]. (SD121)
Seis e vinte da manhã. Luzia [assassina] continua o plano assassino [de
matar o marido]. Ela telefona para o trabalho do marido atrás de notícias dele.
(SD122)
Em seguida, Luzia [assassina] finge procurar o marido [vítima] no ponto
final do ônibus em que ele trabalha. (SD123)
Depois, Luzia vai até a casa da sogra e conversa com a cunhada, que também
se chama Luzia. Ela [assassina] simula desespero e conta que Joaquim
[vítima] saiu para trabalhar e sumiu. (SD124)
Preocupada, Minelvina, mãe de Joaquim [vítima de Luzia], tentou falar com o
filho, mas não conseguiu. Luzia evitou de todas as formas que Minelvina
falasse com Joaquim. E deu seqüência ao plano assassino. (SD125)
Como combinado, Luzia dá o dinheiro da sogra para o matador, Jaci [dinheiro
que vai pagar o crime]. Ela planeja uma emboscada. Vai levar o marido a
uma festa para Jaci executá-lo. (SD126)
Um dos bandidos acorda Joaquim com violência. Com a ajuda de Luzia, eles
simulam um assalto e evitam fazer barulho. Porque os dois filhos de
Joaquim e os dois de Luzia dormem num dos quartos. Élvis e o de menor usam
o carro da vítima no seqüestro. Luzia orienta um deles a vestir a camisa da
empresa de ônibus do marido. (SD127)
95
Buguelo [assassino da esposa Rita] vai até a casa de sua irmã e encontra o
marido dela. Eles são vizinhos dos pais de Rita [vítima]. Com a visita,
Buguelo dá início a um plano assassino. (SD128)
Waldecir Rodrigues [vítima] terminou pela última vez com o relacionamento
de oito anos, marcado por brigas e reconciliações. A mulher dele, Francisca,
nunca aceitou o fim do romance. E segundo a acusação, tramou a morte de
Waldecir. É a história desse crime que você vai conhecer hoje. (SD129)
Segundo a acusação, com sede de vingança, Bebezão [um dos policiais
participantes da chacina de Vigário Geral] quer matar as cinco crianças que
estão na casa. Um outro policial impede. Ao ouvir os gritos de socorro, a
vizinha corre para ajudar as crianças. (SD130)
Mas, Rita [vítima] e os filhos não teriam paz. Enquanto eles tentavam dormir,
Buguelo [assassino], o marido de Rita, estava obcecado pela idéia de
vingança. (SD131)
Márcia [vítima] não contou para a família sobre a gravidez. Paulo seria pai
duas vezes. A mulher e a amante dele estavam grávidas. Segundo o Ministério
Público, Evaldete, a amante, se revoltou com a situação e decidiu se livrar
de Márcia, a mulher oficial. (SD132)
O fato de Ildelmar [vítima] ter denunciado Billy Kid [assassino] à polícia
parecia não sair da cabeça dele. O pedreiro queria vingança. (SD133)
Ela [Luzia, a assassina de Joaquim] me chamou falando que estava muito
preocupada. Que tinham ligado para o meu irmão para fazer uma linha,
de madrugada, e ele não estava na empresa. Ela não encontrava ele em
lugar nenhum e que não sabia como ia falar isso pra minha mãe porque
ela ia ficar preocupada. (SD134)
E2
Vítima
Ela falou assim pra mim que colocaram uma arma nas costas dela quando
à noite foi pra escola. E falou que se ela não arrumasse mil cruzeiros pra
pagar umas contas que ela devia, matavam o marido dela, que era o meu
filho [história que Luzia inventou para conseguir dinheiro com a sogra, que
seria utilizado para pagar a morte de Joaquim]. Eu falei que eu não tenho
dinheiro. Aí ela falou: dá um jeito de arrumar, pois eu estou tremendo feito
uma vara verde. (SD135)
E3 Criminoso Já se sentia o clamor dos policiais militares para fazer [Inaudível] dentro da
favela de Vigário Geral para prender as pessoas que teriam matado seus
colegas [Inaudível]. (SD136)
Foi [Billy Kid] uma pessoa que não mostra qualquer arrependimento dos
crimes que pratica e realmente é uma pessoa que é um perigo para a
sociedade. (SD111)
Ele [vítima] se envolve com a moça [assassina], que tinha os padrões éticos
não muito aconselháveis. Uma pessoa que não tinha muito escrúpulo.
(SD137)
Depois ele [Billy Kid, assassino de Ildemar] passou de bicicleta na frente da
minha casa e disse: olha, eu vou embora, mas vou voltar tem cinco pessoas
na minha lista pra mim matar. Você [vizinho de Billy Kid] é o primeiro. E,
depois vem o Gilmar, depois vem o Claudinho, e ele falou outros nomes.
(SD138)
[Inaudível] quando eu vi meus amigos [vítimas da chacina de Vigário Geral]
tudo gritando e caíram um atrás do outro, e eu aí sem poder fazer nada. Até
que um chegou [policial] falou para outro que estava do lado de fora que o
serviço aqui dentro já está pronto. (SD139)
Na maior frieza sacou o revólver [Billy Kid] e pegou um pai de família e
apavorou [a vítima Ildemar]. Esse era o negócio dele. (SD140)
E4
Testemunhal
E não demonstrou qualquer arrependimento [Billy Kid]. Tinha até um
certo orgulho do que havia feito. (SD141)
96
Em vista da violência dele [criminoso], ela [a vítima Rita] foi aconselhada a
não permanecer em casa, pernoitar na casa do pai e da mãe para sua proteção e
segurança. (SD142)
Ele [criminoso Eurico] disse que se ela [sua mãe] casasse, matava ela e o cara
que casasse com ela. (SD143)
E a esposa puxando ele [criminoso Billy Kid] pela camisa, grudada com ele:
vamos se embora, vamos se embora. E ele: não, eu vou furá-lo, vou furá-lo.
(SD144)
Agressões, bofetadas e também por um tipo de [Inaudível]. Ela [vítima
Jaciara] foi morta por asfixia. (SD145)
Aí, colocaram ele [vítima José Reis] de novo na caçamba e levaram para
mato, e lá eles [assassinos] amarraram. Amarraram até mais afastado da
estrada. (SD146)
Ele [assassino Billy Kid] foi tomar uma cerveja num bar depois de ter
matado e foi se embora, desapareceu Foi embora para São Vicente. (SD147)
Apesar de estar sabendo do que estava acontecendo [que Joaquim estava
morto], fingia [Luzia a assassina de Joaquim] que não estava sabendo, dando
impressão de que ela teria apenas visto ele saindo pra trabalhar à noite.
(SD148)
Ela [assassina Luzia] se mostrou surpresa com o motorista que chegou na
manhã seguinte. Não era o seu marido [vítima Joaquim]. Ela sabia que não
era. (SD149)
A Luzia [assassina] vivia cerca de quase dois anos amasiada. E
estranhamente se casou um mês antes dele [a vítima Joaquim] morrer.
[Inaudível] já com a intenção de matá-lo, né. (SD150)
Se reuniram [policiais participantes de Vigário Geral] e planejaram uma
revolta, uma represália [para vingar a morte de outros policiais]. Matar os
traficantes que mataram o seu líder, o sargento Ailton, e mais quatro
companheiros de criminalidade. (SD151)
Ele [assassino Billy Kid] voltou por volta da madrugada e ficou
aguardando o horário que Ildelmar [vítima] saía às seis da manhã de casa
para fazer a caminhada dele de bicicleta [o assassino esperou a vítima para
se vingar dela e matá-la]. E ficou aguardando. (SD152)
Era [Billy Kid] bastante conhecido no bairro, temido, uma pessoa vingativa.
(SD153)
Pessoas com desvios de caráter, normalmente, são demonstradas pelo programa como
sendo mais propensas a praticar atitudes prejudiciais para o meio social. Algumas características,
como a falta de escrúpulos e a ganância, impulsionam a pessoa a buscar a realização dos
objetivos próprios. A Formação Discursiva que trata “do mau-caráter” reúne os sentidos de um
criminoso cruel, brutal e covarde; traidor e ganancioso; falso, sem escrúpulos e mal-
intencionado e, também, de um criminoso que crê no diabo e é macumbeiro.
97
C) Cruel, brutal e covarde
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Ildelmar [vítima] sofria de alcoolismo e as filhas internaram o pai em uma
clínica. Enquanto ele cuidava da doença, Billy Kid [assassino] continuava
espalhar o medo. (SD97)
Em seguida, Eurico [o assassino] atira na cunhada [vítima]. Trancada no
quarto com o menino, a criada ouve tiros. Eurico descarrega a arma no
irmão [vítima] e na cunhada [vítima]. Depois de matar o irmão e a cunhada,
Eurico encontra uma tia na rua. Ele diz apenas uma frase: fiz uma desgraça, e
foge. Quarenta minutos depois a babá sai do quarto com o filho dos patrões no
colo. (SD115)
O novo ataque de Machado [assassino de Jaciara] foi na pequena cidade de São
Francisco do Sul, a cento e noventa e um quilômetros da capital Florianópolis.
Machado, que continuava viajar vendendo livros, escolheu a adolescente
Jaciara Rosane Ramos de quinze anos como vítima. Jaciara não conseguiu
escapar com vida. (SD117)
Perto de um posto de salva-vidas distante da festa, o homem [assassino]
domina Jaciara [vítima]. Ela reage, mas não consegue se livrar do
maníaco. Depois de estuprada, ela é morta. (SD118)
Os policiais [assassinos de Vigário Geral] invadiram o bar e fuzilaram
todas as pessoas. Jadir e Ubirajara [vítimas] se fingiram de mortos e
sobreviveram. Jadir levou cinco tiros e esperou mais de duas horas por socorro,
debaixo do corpo do amigo. (SD119)
Enquanto todos comemoram a passagem de ano, o homem estupra e mata
uma adolescente de apenas quinze anos. (SD154)
O aposentado José Reis do Amaral, ou José Reis [vítima], era conhecido como
um homem bom, alegre e sem ambições. Aos 57 anos, ele se dividia entre a
família, uma pequena fazenda e os amigos. Mas José Reis foi morto de uma
forma covarde e brutal. O assassino, Helton Viana. Um jovem que ele viu
crescer e para quem arranjou até um emprego. O preço da traição: quarenta e
cinco reais e o revólver, objetos pessoais e três passarinhos. (SD155)
Era o dia da festa de aniversário dos oito anos de Jenifer [vizinha da vítima
Ildemar]. Até que surge um homem armado [o assassino Billy Kid]. Ele
mora na casa ao lado. Um dos convidados tenta acalmá-lo [o convidado é
Ildemar, a vítima]. (SD156)
E1
Emissora
Helton e Jubson [assassinos] acertam outros golpes na cabeça de José Reis
[vítima], até deixá-lo inconsciente. (SD120)
Ele [assassino Billy Kid] saiu diretamente do local onde ele estava, e começou
a furar o Ildelmar. E o Ildelmar pedindo socorro. (SD157)
Aí pegaram meu irmão [vítima da chacina de Vigário Geral] pela gola e
quiseram arrastar e ele falou: não vou, não, não. Ah, você vai vir sim
negrinho, vai vir, sim. Olha o documento aqui e começou a mandar tiro.
(SD158)
E2
Vítima
A forma como ela [vítima Jaciara] morreu, nem um animal merecia morrer
[Inaudível]. Está solto por aí [assassino Machado], porque daqui a pouco, ele
pode fugir com outra pessoa. A gente nunca sabe. (SD159)
E3 Criminoso Não
E4
Testemunhal
[Inaudível] quando eu vi meus amigos [vítimas da chacina de Vigário Geral]
tudo gritando e caíram um atrás do outro, e eu aí sem poder fazer nada. Até
que um chegou [policial] falou para outro que estava do lado de fora que o
serviço aqui dentro já está pronto. (SD139)
98
Agressões, bofetadas e também por um tipo de [Inaudível]. Ela [vítima
Jaciara] foi morta por asfixia. (SD145)
Aí, colocaram ele [vítima José Reis] de novo na caçamba e levaram para
mato, e lá eles [assassinos] amarraram. Amarraram até mais afastado da
estrada. (SD146)
D) Traidor e ganancioso
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
O bebê que escapou da morte é filho deste casal, o administrador de empresas
Clóvis Monteiro e a mulher dele, Lúcia Helena. Casados e apaixonados, os
dois foram mortos pelo irmão mais velho de Clóvis, o veterinário Eurico
Monteiro. O motivo? Dinheiro. Os dois irmãos brigavam na Justiça por causa
da herança da família. (SD1)
O aposentado José Reis do Amaral, ou José Reis, era conhecido como um
homem bom, alegre e sem ambições. Aos 57 anos, ele se dividia entre a
família, uma pequena fazenda e os amigos. Mas, José Reis foi morto de uma
forma covarde e brutal. O assassino, Helton Viana. Um jovem que ele viu
crescer e para quem arranjou até um emprego. O preço da traição: quarenta
e cinco reais e o revólver, objetos pessoais e três passarinhos. (SD155)
Durante uma seca na região, Helton [assassino] se oferece para ajudar José
Reis [vítima] a cortar capim para o gado. O aposentado concorda, apesar de
conhecer a fama ruim do rapaz. (SD160)
Helton e Jubson [assassinos] conquistam a confiança do patrão [vítima José
Reis]. (SD161)
Um homem [vítima Joaquim] é traído pela noiva [assassina] e pelo seu
padrinho de casamento. (SD162)
O casamento de Joaquim durou apenas quarenta e dois dias. No início de maio
de 2001, ele foi traído, seqüestrado e assassinado. Por incrível que pareça, a
mandante do crime foi justamente a noiva, Luzia Maria. Ela e o padrinho de
casamento tinham um caso, e se juntaram para matar Joaquim. (SD163)
José Reis [vítima] é traído por Helton [assassino] e cai numa armadilha.
(SD164)
Um jovem mata um homem [a vítima José Reis] para receber quarenta e
cinco reais. (SD165)
Uma disputa por dinheiro faz um homem [o assassino Clóvis] matar o
irmão [Clóvis] e a mulher dele [Lúcia] de forma brutal. (SD166)
Luzia [assassina] chegou a deixar Joaquim [vítima]. Mas, segundo
testemunhas, não conseguiu se sustentar sozinha. E os dois, então, se
reconciliaram. No início de 2001, ela comunicou uma decisão a Joaquim:
queria voltar a estudar. (SD167)
E1
Emissora
Segundo a Justiça, num desses encontros, Luzia [assassina de Joaquim] e o
amante, resolveram se livrar de Joaquim Ferreira. Mas, porém, Luzia deveria
se casar com ele. Assim poderia herdar a casa e o terreno do motorista,
além de receber um seguro de vida que ela imaginava existir. (SD168)
Ele [referindo-se à vítima José Reis] foi pego em emboscada, os caras
conheciam ele, andavam com ele. Foi maltratado demais. (SD169)
E2 Vítima
Exatamente, esse percentual que ele me informou que o irmão estava querendo
que ficasse para ele. Quer dizer, 60% seria do irmão [assassino Eurico] e
dele 40% [vítima Clóvis]. Ele achava que isso era um absurdo. Mas desde que
fosse a decisão da justiça, ele concordaria. (SD170)
99
E3 Criminoso Não
E4 Testemunhal Casou [Joaquim] com a pessoa [assassina Luzia] que já estava tramando a
morte dele. É supostamente por dinheiro. Pela busca pela recompensa do
seguro. Que no final acabou nem sendo comprovado, porque ele nem tinha
seguro. (SD171)
E) Falso, sem escrúpulos e mal-intencionado
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Luzia [assassina de Joaquim] convence o motorista [vítima] a se casar. Desde
o início da conversa, ela já sabe quem vai ser o padrinho. [o padrinho vai
ser o amante de Luzia] (SD121)
Em seguida, Luzia [assassina] finge procurar o marido [vítima] no ponto
final do ônibus em que ele trabalha. (SD123)
Depois, Luzia vai até a casa da sogra e conversa com a cunhada, que também
se chama Luzia. Ela [assassina] simula desespero e conta que Joaquim
[vítima] saiu para trabalhar e sumiu. (SD124)
Preocupada, Minelvina, mãe de Joaquim [vítima de Luzia], tentou falar com o
filho, mas não conseguiu. Luzia evitou de todas as formas que Minelvina
falasse com Joaquim. E deu seqüência ao plano assassino. (SD125)
Como combinado, Luzia dá o dinheiro da sogra para o matador, Jaci [dinheiro
que vai pagar o crime]. Ela planeja uma emboscada. Vai levar o marido a
uma festa para Jaci executá-lo. (SD126)
Um dos bandidos acorda Joaquim com violência. Com a ajuda de Luzia, eles
simulam um assalto e evitam fazer barulho. Porque os dois filhos de
Joaquim e os dois de Luzia dormem num dos quartos. Élvis e o de menor usam
o carro da vítima no seqüestro. Luzia orienta um deles a vestir a camisa da
empresa de ônibus do marido. (SD127)
Apesar de conhecer o temperamento da ex-mulher, Waldecir não desconfiou
do verdadeiro objetivo de Francisca [que era eliminá-lo]. Ela nunca aceitou
vender a casa e também nunca existiu nenhum corretor. Domingo, era o
dia do crime. (SD31)
Véspera do crime. Luzia [assassina] rouba um cheque do marido [vítima] e
falsifica a assinatura dele. (SD172)
Minutos depois, chegou a notícia de que o corpo de Joaquim tinha sido
encontrado. Luzia [assassina] estava com a cunhada e a sogra e começou a
chorar. (SD173)
Uma semana depois, Francisca [assassina] vai buscar o filho [na casa de
Waldecir]. Ela leva presentes para os parentes de Waldecir. Segundo
Francisca, são presentes atrasados de Natal. (SD174)
Durante o velório, Luzia [assassina de Joaquim] assume o papel de viúva
triste. A família do marido não desconfia de que é fingimento. Mas os
policiais acham estranha a história da viúva. (SD175)
E1 Emissora
Antes de ir embora, Francisca [assassina de Waldecir] apresenta José
[namorado de Francisca e autor dos disparos contra Waldecir] para a ex-sogra
[mãe de Waldecir]. Ela diz que ele é um amigo. (SD176)
100
No meio da semana, Francisca [assassina] ligou para Waldecir [vítima]. Disse
que tinha mudado de idéia [sobre vender ou não a casa do casal]. Ela tinha
concordado em vender a casa [na verdade, ela vai matar Waldecir]. Mas
antes ela queria a avaliação de um corretor. (SD177)
Na ligação seguinte, Francisca avisa a Waldecir que o corretor vai ir a casa
no domingo [domingo é o dia da morte de Waldecir], às onze da manhã.
(SD178)
Um dia depois, Helton [assassino] visita o amigo de José Reis [vítima] e
pergunta do estado dele. Ninguém desconfia que Helton é um dos assassinos
(SD179)
Ela [Luzia, a assassina de Joaquim] me chamou falando que estava muito
preocupada. Que tinham ligado para o meu irmão para fazer uma linha,
de madrugada, e ele não estava na empresa. Ela não encontrava ele em
lugar nenhum e que não sabia como ia falar isso pra minha mãe porque
ela ia ficar preocupada. (SD134)
E2
Vítima
Ela falou assim pra mim que colocaram uma arma nas costas dela quando
à noite foi pra escola. E falou que se ela não arrumasse mil cruzeiros pra
pagar umas contas que ela devia, matavam o marido dela, que era o meu
filho [história que Luzia inventou para conseguir dinheiro com a sogra, que
seria utilizado para pagar a morte de Joaquim]. Eu falei que eu não tenho
dinheiro. Ai ela falou: dá um jeito de arrumar, pois eu estou tremendo feito
uma vara verde. (SD135)
E3 Criminoso Não
Apesar de estar sabendo do que estava acontecendo, fingia [Luzia a
assassina de Joaquim] que não estava sabendo, dando impressão de que ela
teria apenas visto ele saindo pra trabalhar à noite. (SD148)
Ela [assassina Luzia] se mostrou surpresa com o motorista que chegou na
manhã seguinte. Não era o seu marido [vítima Joaquim]. Ela sabia que não
era. (SD149)
A Luzia [assassina] vivia cerca de quase dois anos amasiada. E
estranhamente se casou um mês antes dele [a vítima Joaquim] morrer.
[Inaudível] já com a intenção de matá-lo, né. (SD150)
E4
Testemunhal
Por ser alguém [o assassino Machado] que tem uma conversa fácil, ele
conseguiu ludibriar, seduzir a menina [vítima Jaciara], tirar ela da vista de
outras pessoas e aí, ele conseguiu de fato perpetua os crimes que ele de fato
perpetuou. (SD180)
F) Crê no Diabo e macumbeiro
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Entre os objetos pessoais do maníaco [Machado, assassino de Jaciara], foram
encontrados livros espíritas e diários. Das anotações, referências ao demônio
têm uma suposta técnica para atrair pessoas com a força da mente. (SD181)
E1
Emissora
Segundo testemunhas, Francisca [assassina] tinha feito um trabalho de
macumba para prender Waldecir [vítima] a ela. Mas depois de pesadelos e
noites seguidas de insônia, Waldecir descobre o feitiço de Francisca. Ele se
revolta e briga com a mulher. (SD182)
E2 Vítima Não há
E3 Criminoso Não
101
E4
Testemunhal
Ele [Machado, assassino de Jaciara] interpreta, por exemplo, que uma pessoa
que por ventura na rua olhe para ele, esteja olhando porque está lendo o
pensamento dele. Ou porque olha para ele porque ele é capaz de influenciar no
ato da pessoa olhar. Então, por isso fez o quê? Ocasionou um mal-estar. Ele
começou a dizer: eu tenho que ter uma resposta para ele. Será que a resposta
está no campo místico? Então ele tentou procurar várias religiões.
(SD183)
Percebe-se, na análise dessas seqüências discursivas, que a Formação Discursiva que
reúne os sentidos de um indivíduo com defeitos de caráter tem grande peso na construção da
imagem do criminoso. Vale ressaltar ainda que a perspectiva de enunciação da emissora exerce
grande poder na construção desses sentidos.
5.2.4 Reincidente
Alguns criminosos do Linha Direta, além de serem autores dos homicídios narrados pelo
programa, são apresentados como tendo no histórico diversas práticas de delitos, como roubos e
furtos, evidenciando que têm passado comprometedor. Vale observar que, na caracterização do
criminoso como um “bandido”, a perspectiva dominante é a da emissora (E1).
Na Formação Discursiva que trata do criminoso reincidente, sentidos como estuprador
e criminoso com passado de delitos tornam-se claros.
102
A) Estuprador
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Enquanto todos comemoram a passagem de ano, o homem [assassino
Machado] estupra e mata uma adolescente de apenas quinze anos. (SD154)
São Paulo, 1983. Machado [assassino] diz ser “Hare Krishna”. E costuma
vender supostos produtos da seita. Ao ouvir a campainha, a vítima pensa que é
o porteiro. Grávida de três meses, ela vai ser assaltada e brutalmente
estuprada. (SD184)
E1
Emissora
Ainda em Joinville, Machado [assassino] é acusado de mais duas tentativas
de assédio sexual. As vítimas são uma jovem de 20 anos e uma menina de 11
anos. (SD185)
E2 Vítima Não
E3 Criminoso Não
E4 Testemunhal Não
B) Passado de delitos
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Helton [assassino] cresceu e se tornou uma criança problema. Era violento
com os colegas e foi expulso de diversas escolas, até que abandonou os estudos
na quarta série. Na adolescência, segundo a polícia, ele começou a realizar
pequenos furtos. (SD186)
Com o tempo, passa [criminoso Helton] a arrombar casas e entrar em
fazendas para roubar gado. (SD187)
E1
Emissora
Helton [assassino] convenceu José Reis [vítima] a contratar uma outra pessoa
para ajudar no trabalho. Era Jubson Passos Filho [participante do assassinato],
o Juju, operador de xerox da prefeitura, que praticava pequenos furtos
junto com Helton. (SD188)
E2 Vítima Todo mundo já falava que ele [criminoso] era terrível. Que já estava sendo
investigado por arrombar portas, coisas de lojas. (SD189)
E3 Criminoso Não
Fugiram de [inaudível], deixando aquela comunidade à mercê de bandidos
travestidos de policiais. (SD190)
E4
Testemunhal
Começou [criminoso] a se envolver em pequenos furtos, levado pela cobiça.
Aí ele entrou nesse caso do José Reis [a vítima]. (SD191)
Com a observação detalhada do discurso do programa Linha Direta, fica evidente que
são dadas poucas oportunidades de locução às pessoas ligadas aos criminosos. O discurso do
programa é construído com referências nos membros do programa (narrador e apresentador), nas
103
pessoas relacionadas às vítimas e nos membros da polícia e da Justiça. Essas três perspectivas
normalmente têm atuações complementares e, geralmente, não há conflito entre as suas idéias. O
discurso, desta forma, parece ter adquirido um caráter unívoco e não-polêmico
15
.
5.3 A morte
A concretização da morte por parte do criminoso é a elevação do mal perante o bem, a
vitória dos instintos humanos de destruição sobre a preservação da espécie. Para falarmos da
morte apresentada no programa Linha Direta, vamos retomar a idéia de Morin (1988), exposta no
primeiro capítulo deste trabalho, que salienta que o homicídio não é somente realizado para que o
criminoso tenha o seu desejo de matar satisfeito, é também para a realização do desejo de matar
um homem. No caso do Linha Direta, o homicídio ocorre para destruição dos desafetos, das
pessoas que desagradaram os criminosos nas suas formas de conduta. Quando falamos da mulher
que mata a esposa do seu amante, de um irmão que mata outro ou de uma mulher que mata o
marido para receber o seu seguro de vida, percebemos que não estamos tratando de mortes
comuns, mas de homicídios cercados de detalhes pitorescos pertencentes às relações humanas.
15
Nos nove casos que compõem o corpus deste trabalho, falas dos réus ou de pessoas ligadas a eles são quase
inexistentes, e quando aparecem, na maioria das vezes, são para condená-los. Na amostra deste trabalho, houve
quatro manifestações da perspectiva do criminoso (E3): “O Adriano Maciel [policial ligado à Chacina de Vigário
Geral], que não participou desse crime, no momento certo, na época certa ele irá se apresentar para que ele seja
submetido ao julgamento perante o segundo tribunal do júri, porque esse rapaz é inocente e pra custódio se quer, toca
no nome dele”. (SD194); “Já se sentia o clamor dos policiais militares para fazer [inaudível] dentro da favela de
Vigário Geral para prender as pessoas que teriam matado seus colegas [inaudível]”. (SD136). “Tu vê. Meus filhos!
Eu tenho muito amor por eles todos. Mas eu não tenho como entender como criminoso. Eu não me sinto bem mandar
uma mensagem pra ele não. Onde ele [assassino Buguelo] estiver, se estiver vivo, se alcançarem, que ele pague pelo
que ele fez.” (SD195); “O da pracinha, fui eu, eu. O Carlão falou pra mim: Esse cara tava na parada. Aí eu sai
estalando ele, ele caiu, eu estalando, estalando, estalando e parei com a pistola aberta [depoimento gravado de
policial participante da chacina de Vigário Geral].” (SD110).
104
A morte apresentada no Linha Direta pode ser analisada de acordo com a Formação
Discursiva que trata de uma morte direcionada. Na maior parte dos casos do programa, o
assassino tem o foco específico em alguém de suas relações, seja familiar, amorosa ou
profissional. Os sentidos principais que demarcam a morte no programa podem ser evidenciados
através de características como morte violenta; morte motivada por vingança e inveja. Essas
características vão ao encontro da idéia de um homicídio praticado para que o criminoso possa
acabar com quem esteja perturbando os seus planos.
5.3.1 Violenta
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
Segundo a polícia, Jubson e Helton [assassinos] ainda retornaram ao local onde
deixaram José Reis [vítima]. Eles vão arrastá-lo para a beira da estrada
como que se quisessem que o corpo fosse encontrado. Em seguida,
abandonaram o carro e foram para casa dormir. (SD114)
Em seguida Eurico [o assassino] atira na cunhada [vítima]. Trancada no
quarto com o menino, a criada ouve tiros. Eurico descarrega a arma no
irmão [vítima] e na cunhada [vítima]. Depois de matar o irmão e a cunhada,
Eurico encontra uma tia na rua. Ele diz apenas uma frase: fiz uma desgraça e
foge. Quarenta minutos depois a babá sai do quarto com o filho dos patrões no
colo. (SD115)
O novo ataque de Machado [assassino de Jaciara] foi na pequena cidade de
São Francisco do Sul, a cento e noventa e um quilômetros da capital
Florianópolis. Machado, que continuava viajar vendendo livros, escolheu a
adolescente Jaciara Rosane Ramos de quinze anos como vítima. Jaciara
não conseguiu escapar com vida. (SD117)
Perto de um posto de salva-vidas distante da festa, o homem [o assassino]
domina Jaciara [vítima]. Ela reage, mas não consegue se livrar do
maníaco. Depois de estuprada, ela é morta. (SD118)
Enquanto todos comemoram a passagem de ano, o homem [assassino
Machado] estupra e mata uma adolescente de apenas quinze anos [vítima
Jaciara]. (SD154)
E1
Emissora
O aposentado José Reis do Amaral, ou José Reis [vítima], era conhecido como
um homem bom, alegre e sem ambições. Aos 57 anos, ele se dividia entre a
família, uma pequena fazenda e os amigos. Mas José Reis foi morto de uma
forma covarde e brutal. O assassino, Helton Viana. Um jovem que ele viu
crescer e para quem arranjou até um emprego. O preço da traição: quarenta e
cinco reais e o revólver, objetos pessoais e três passarinhos. (SD155)
105
Ele [o assassino Billy Kid] saiu diretamente do local onde ele estava, e
começou a furar o Ildelmar. E o Ildelmar pedindo socorro. (SD157)
pegaram meu irmão [vítima da chacina de Vigário Geral] pela gola e
quiseram arrastar e ele falou: não vou, não, não. Ah, você vai vir sim
negrinho, vai vir sim. Olha o documento aqui e começou a mandar tiro.
(SD158)
O cunhado de Buguelo [assassino da mulher Rita] sai de casa. Buguelo diz a
ele que não vai fazer nada com a mulher. O pai de Rita, que tem problemas de
locomoção, tenta ajudar. O pai de Rita cai no chão. Rita implora para não
morrer. Mas Buguelo não tem pena da mãe de seus três filhos [ele assassina
a mulher com várias facadas]. (SD104)
E ela [vítima Rita] dizia: não faça isso não, que eu não mereço Buguelo. Não
me faça isso não que eu não mereço. E ele furando ela, furando ela. (SD109)
Os policiais [assassinos de Vigário Geral] invadiram o bar e fuzilaram todas
as pessoas. Jadir e Ubirajara [vítimas] se fingiram de mortos e sobreviveram.
Jadir levou cinco tiros e esperou mais de duas horas por socorro, debaixo do
corpo do amigo. (SD119)
E2 Vítima
Num único dia este homem [o assassino Buguelo] consegue aterrorizar uma
cidade ao atacar de forma cruel a própria mulher [a vítima Rita]. (SD192)
E3 Criminoso O da pracinha fui eu, eu. O Carlão falou pra mim: Esse cara tava na parada. Aí,
eu sai estalando ele, ele caiu, eu estalando, estalando, estalando e parei
com a pistola aberta. (SD110)
E4 Testemunhal Agressões, bofetadas e também por um tipo de [Inaudível]. Ela [vítima
Jaciara] foi morta por asfixia. (SD145)
5.3.2 Vingança e inveja
Enunciador Perspectiva Seqüência Discursiva
O bebê que escapou da morte é filho deste casal, o administrador de empresas
Clóvis Monteiro e a mulher dele, Lúcia Helena. Casados e apaixonados, os
dois foram mortos pelo irmão mais velho de Clóvis, o veterinário Eurico
Monteiro. O motivo? Dinheiro. Os dois irmãos brigavam na Justiça por
causa da herança da família. [a inveja pelo sucesso do irmão é um dos
fatores ressaltados no programa como motivo do assassinato] (SD1)
Dos nove amigos [vítimas da chacina de Vigário Geral], só dois iriam
sobreviver à fúria dos policiais vingadores. (SD93)
Ao tentar proteger a mulher e a filha, Edimilson [vítima da Chacina de Vigário
Geral] provoca a fúria de um dos policiais. Desesperada, a família assiste a
morte do jovem. A irmã do jovem só é salva porque a arma do matador... [os
policiais fizeram inúmeros assassinatos na favela para vingar a morte de
colegas, que foram assassinados por traficantes]. (SD94)
Como o portão da frente está fechado, Eurico [assassino de Clóvis, chagando
na casa da vítima] entra por um buraco na parede dos fundos. Ele quebra o
portão feito para segurança do bebê [filho da vítima] e invade o apartamento.
Para Eurico, é o dia do acerto de contas com o irmão. (SD95)
E1
Emissora
Na entrada da favela, o jovem Fábio Pinheiro Lau, dezoito anos, é confundido
com um traficante. O policial descarrega a pistola contra ele. Fábio é a
vigésima primeira vítima [da chacina de Vigário Geral].
[os policiais fizeram
inúmeros assassinatos na favela para vingar a morte de colegas, que foram
assassinados por traficantes]. (SD96)
106
Os policiais [assassinos de Vigário Geral] ainda executaram friamente mais
dois moradores: Cléber 23 anos. Hélio, 38. Eles estavam caminhando nas ruas
da favela. Depois de assassinar vinte pessoas, os cavalos corredores, como os
policiais eram conhecidos, deixaram o local. Mas não pararam de matar [os
policiais fizeram inúmeros assassinatos na favela para vingar a morte de
colegas, que foram assassinados por traficantes]. (SD113)
Em seguida Eurico [o assassino] atira na cunhada [vítima]. Trancada no
quarto com o menino, a criada ouve tiros. Eurico descarrega a arma no
irmão [vítima] e na cunhada [vítima]. Depois de matar o irmão e a cunhada,
Eurico encontra uma tia na rua. Ele diz apenas uma frase: fiz uma desgraça e
foge. Quarenta minutos depois a babá sai do quarto com o filho dos patrões no
colo [Eurico quis se vingar do irmão por desavenças na administração dos bens
da família]. (SD115)
Segundo Eurico [o assassino], o irmão [a vítima Clóvis] falou dele mal pelo
telefone. De acordo com o Ministério Público, depois da ligação, Eurico
pegou o revólver e disse à mãe que mataria o irmão e a cunhada. Em
seguida, saiu de casa. Clóvis e a mulher Lúcia moravam sozinhos neste
edifício em construção [são mostradas imagens do edifício]. O prédio era de
Clóvis, que pretendia vender os apartamentos quando estivessem prontos.
(SD116)
Os policiais [assassinos de Vigário Geral] invadiram o bar e fuzilaram todas
as pessoas [os policiais fizeram a chacina na favela para vingar a morte de
outros policiais, os quais foram assassinados por traficantes] Jadir e Ubirajara
[vítimas] se fingiram de mortos e sobreviveram. Jadir levou cinco tiros e
esperou mais de duas horas por socorro, debaixo do corpo do amigo. (SD119)
Waldecir Rodrigues [vítima] terminou pela última vez com o relacionamento
de oito anos, marcado por brigas e reconciliações. A mulher dele, Francisca,
nunca aceitou o fim do romance. E segundo a acusação, tramou a morte de
Waldecir. É a história desse crime que você vai conhecer hoje. [Francisca quis
se vingar de Waldecir por ele ter reconstruído a vida após a separação do
casal]. (SD129)
Segundo a acusação, com sede de vingança, bebezão [um dos policiais
participantes da chacina de Vigário Geral] quer matar as cinco crianças que
estão na casa. Um outro policial impede. Ao ouvir os gritos de socorro, a
vizinha corre para ajudar as crianças. (SD130)
Márcia [vítima] não contou para a família sobre a gravidez. Paulo seria pai
duas vezes. A mulher e a amante dele estavam grávidas. Segundo o Ministério
Público, Evaldete, a amante, se revoltou com a situação e decidiu se livrar
de Márcia, a mulher oficial. (SD132)
Ele [o assassino Billy Kid] saiu diretamente do local onde ele estava, e
começou a furar o Ildelmar. E o Ildelmar pedindo socorro. [Billy Kid queria
se vingar de Ildemar devido a desavenças existentes entre eles]. (SD157)
E2 Vítima E uma coisa [a morte] que eu acho que se passa não só pela questão financeira,
pela questão de partilha, mas com certeza, se passou por aí a inveja. Vê o
irmão [vítima Clóvis] bem, vê o irmão feliz, vê o irmão bem casado, vê o
irmão com a família que ele não tinha, tanto é que ele [assassino Eurico]
matou a Lúcia para tirar a felicidade dele. (SD80)
E3 Criminoso Não
E4
Testemunhal
Se reuniram [policiais participantes de Vigário Geral] e planejaram uma
revolta, uma represália. Matar os traficantes que mataram o seu líder, o
sargento Ailton, e mais quatro companheiros de criminalidade [os policiais
queriam vingar a morte dos colegas]. (SD151)
107
Ele [assassino Billy Kid] voltou por volta da madrugada e ficou
aguardando o horário que Ildelmar [vítima] saía às seis da manhã de casa
para fazer a caminhada dele de bicicleta [o assassino esperou a vítima para
se vingar dela e matá-la]. E ficou aguardando. (SD152)
Esse motivo [da morte] assim está ligado aos filhos, ou seja, a Evaldete
[assassina] teria ficado com uma determinada bronca, uma raiva da
Márcia [vítima], por o Paulo ter retornado ao relacionamento anterior que ele
tinha. (SD193)
Essas são as principais características da morte narrada pelo programa Linha Direta,
construída sobre a violência estarrecedora, porque geralmente provocada por pessoa próxima e
motivada por vingança, inveja e ganância. Não é uma morte motivada pela necessidade de
sobrevivência da espécie, e sim uma morte que expõe a complexidade da natureza humana – ou,
melhor dito, que poderia expor essa complexidade se fosse além do discurso maniqueísta.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudar o discurso televisivo significa desvendar elementos que estão muito além do
que parece evidente aos olhos do telespectador. O analista do discurso realiza a tarefa de buscar
detalhes e sentidos muitas vezes ocultos nas entrelinhas dos enunciados e nas mais diversas
imagens.
O discurso televisivo, por contar com o suporte da imagem e do som como forma de
produção de sentidos, demonstra-se como um complexo aparato para estudos. Falar da relevância
das imagens como elemento atuante na produção de sentidos ganha mais importância quando se
trata da televisão, pois este veículo, além de ser amplamente disseminado, atua como forma de
integração social e pode ser considerado de suma importância na forma como as pessoas se
informam. Ao falar da importância da imagem na televisão, concordamos com Mendonça (2002),
que salienta a força das imagens entre os receptores, tratando-a como um operador da memória
social no meio cultural: “A imagem possuiria [...] uma eficácia simbólica ao ser capaz de
possibilitar que um acontecimento seja memorizado socialmente ao mesmo tempo em que se
torna histórico” (MENDONÇA, 2002, p.144).
109
A imagem torna-se essencial quando tratamos do Linha Direta, o qual apresenta uma
excepcional riqueza de sentidos. O programa trabalha com um bem simbólico que é inerente à
intimidade da espécie humana: a morte. E, também, possui um formato que agrega elementos do
jornalismo com características da dramaturgia, o que nos levou a tratá-lo neste trabalho como
híbrido de jornalismo e de dramaturgia. O formato híbrido evidencia que o Linha Direta segue a
tendência de muitos programas televisivos atuais, que é a exploração, de forma espetacularizada,
de elementos que o cotidiano das pessoas tem a oferecer.
Estamos diante de um programa cuja estrutura narrativa é totalmente amparada na forma
visual, o que nos dá bases para considerá-lo mais espetáculo que jornalismo. E, o Linha Direta é
um espetáculo que salienta os atos bárbaros do cotidiano humano. Antes de chegar à morte, a
violência é apresentada e explorada de forma a “tentar evidenciar” a crueldade do assassino. O
programa utiliza-se dos recursos da emissora para construir cenas cujos rituais de violência são
levados ao gosto do público com a explicitação de mínimos detalhes. São em situações como
estas que salientamos a amplitude do discurso do Linha Direta, apesar de não nos termos detido
em discutir a violência neste trabalho.
Como já discutimos durante o trabalho, há uma complexidade ligada às discussões
sobre a morte. Ela é um tema com diversas interpretações, as quais são particulares de cada
cultura, e está intimamente ligada com as formas com que o homem transmite a sua cultura às
outras gerações. Como diz Morin (1988), é na morte que se conhece o homem e é nela que o
homem se revela, pois é neste momento, que as atitudes humanas exaltam suas diferenças sobre
os outros animais. Sendo a morte um tema bastante importante e ao mesmo tempo, em algumas
110
culturas, ainda de difícil discussão, vê-se que o programa Linha Direta trabalha com ela de forma
simplista. Ela é simplificada de uma maneira como se todos os espectadores pensassem de forma
unívoca sobre a finitude humana e reagissem igualmente frente a ela.
Abordar a morte precisa ir além da simples transmissão detalhada de imagens violentas
e com ingredientes espetaculares. É tratar de um elemento que, muitas vezes, é de difícil
aceitação. Quando o Linha Direta transmite a encenação de um assassinato ou registros de
imagens originais do crime, está ultrapassando ou ignorando os parâmetros culturais dos locais
que é apresentado e também da diversidade de pontos de vista das pessoas que vão estar frente à
tela: é a cultura sendo tratada de forma plana e sem nenhuma observação à sua complexidade.
Estamos diante de um discurso fechado, cujas intenções acabam se mostrando no trabalho de
análise do discurso.
Ainda é pertinente ressaltar que a morte apresentada no Linha Direta é, na maioria das
vezes, uma morte específica, realizada por pessoas com proximidade com a vítima – dos nove
casos analisados, somente um, o que tratou da chacina de Vigário Geral, não foi realizado por
pessoas que tinham o objetivo de destruir especificamente a pessoa que foi morta. Neste caso, vê-
se a morte de acordo com uma visão antropológica, ligada ao íntimo da espécie humana, onde
cada ocorrência se deu por determinado motivo específico, que também é ligado aos envolvidos
no crime. Tal tipo de morte não deixa espaço para simplificações.
É perceptível que o discurso do programa é voltado para o convencimento do público
para a realização da delação do criminoso – claro que não seríamos ingênuos em dizer que esta é
a única ênfase do programa, não poderíamos desconsiderar pontos como os índices de audiência
111
que ele rende e a crítica do trabalho da polícia, mas é a que destacamos para ancorar a discussão
deste estudo. E a partir da intenção do Linha Direta de que a denúncia se realize, vai se
configurar toda a estrutura do programa com ênfase no convencimento do espectador. Com estas
reflexões, podemos entrar em uma discussão sobre criminosos e vítimas no programa: é
perceptível com a realização da análise que o discurso do Linha Direta é maniqueísta, estruturado
para representação de uma vítima extremante boa e de um criminoso mau.
A vítima, de acordo com o programa, é uma pessoa inocente e que teve a sua vida
configurada pela luta e trabalho. Desde o momento de sua vida que começa a ser narrado no
programa, sempre teve boa conduta e nunca agiu de forma que pudesse ferir os seus princípios
éticos. Já o criminoso é demonstrado como sendo uma pessoa que entrou na vida da vítima para
estragá-la. As pessoas que cometeram crimes são mostradas no Linha Direta como repletas de
defeitos, como um problema para a sociedade caso continuem soltas e como possuidoras de
inúmeros problemas. Alguns costumes, como o uso de bebidas alcoólicas, são considerados de
maneira diferente quando se referem ao criminoso de quando são direcionados à vítima. As
vítimas que consomem álcool são consideradas doentes, já os criminosos, são vistos como
desequilibrados.
Para analisar a construção das imagens dos criminosos e das vítimas no Linha Direta,
localizamos Formações Discursivas no discurso dos locutores do programa, as quais foram
salientadas primeiramente sob a ótica da vítima e depois do criminoso. Foram enumeradas FDs
no discurso referente às vítimas a partir das evidências nas falas dos locutores, onde observou-se
que a vítima é apresentada com características positivas através das seguintes FDs: Formação
Discursiva que trata da vítima como membro de uma família estruturada – a vítima foi retratada
112
como tendo pleno envolvimento emocional com as pessoas de sua família e boa relação com elas;
Formação Discursiva que trata a vítima como batalhadora – a vítima é apresentada como tendo
sempre batalhado e trabalhado para conseguir o bem estar; Formação Discursiva que trata da
vítima como detentora de bom caráter – ser verdadeira e correta em todas as suas atitudes é
característica essencial da vítima; Formação Discursiva que trata da vítima como bem
relacionada – a vítima é apresentada como sendo muito querida pelas pessoas com quem se
relaciona.
Como já falamos, é perceptível no discurso dos locutores do programa a condenação do
criminoso. Assim, as Formações Discursivas localizadas para a sua representação têm enfoque
oposto do da vítima: Formação Discursiva que trata de um criminoso desequilibrado e
dependente químico – a maior parte dos criminosos retratados no programa é vista como
possuidora de desequilíbrios, os quais foram fundamentais para a realização do crime; Formação
Discursiva que trata de um criminoso com dificuldade nos relacionamentos – o criminoso é
mostrado como alguém que não consegue ter boas relações sociais e nem familiares; Formação
Discursiva que trata de um criminoso mau-caráter – é duvidoso o caráter do criminoso, de acordo
com o programa, por isso, ele não fraqueja na prática de crimes; Formação Discursiva que trata
de um criminoso reincidente – é comum que o programa enfoque e saliente que o assassino já
tem outros delitos em seu passado.
A relação feita pelo programa do criminoso com a vítima dá respaldo para uma
discussão entre o bem e o mal. A discussão do bem X mal é clássica. Ela é muito presente, por
exemplo, no discurso religioso, onde se pode perceber uma luta constante da idéia de que Deus é
bom, o bem, e o diabo é ruim, o mal. Mas, neste caso, faz parte do senso comum a idéia de que
113
Deus sempre se sobressai ao diabo – o bem vence o mal. Em desenhos animados, filmes e
telenovelas, a constante disputa do bem contra o mal rende muitos episódios ou cenas. Nestes
casos, exceto o cinema – onde o final nem sempre é previsível, a vitória do bem sempre é clara e
apresentada de forma bastante simples.
Já no caso do Linha Direta, contrariando as situações ilustradas anteriormente, o mal
vence o bem, pois a vítima foi destruída. Não há volta e não resta mais nada a ser feito para
reverter a situação senão colocar o criminoso na cadeia e fazer com que ele pague pelo que fez.
Só resta ao telespectador, após assistir as cenas do programas, ficar atento e tentar fazer com que
o algoz seja preso, pois ele pode significar um perigo para a sociedade.
A relação do bem com o mal é apresentada no Linha Direta de forma linear, com foco
na construção de uma compreensão específica por parte dos espectadores de que o criminoso
sempre esteve errado e a vítima, sempre certa. O programa trabalha com a construção de uma
imagem unívoca do que é o certo e do que é o errado na sociedade e na criminologia. Não
espaços na discussão do Linha Direta para a penetração de argumentos mais amplos, que possam
mostrar que o criminoso pode nem sempre ter sido uma pessoa errada, maldosa, e que a vítima,
por mais que seja boa, não é só virtudes. A narrativa do programa, aos olhos do analista do
discurso, parece incompleta, há um silenciamento de vozes e a evidência de uma linha de
raciocínio deficiente e sem um pensamento mais elaborado. Concordamos com Mendonça (2002)
quando ele diz que o assassino nunca tem o seu passado mostrado e nem a sua versão do crime
simulada. Não há chances de defesa por parte do criminoso. Mesmo que ele esteja foragido, seu
advogado ou familiares raramente são apresentados. Claro que não se pode julgar que a emissora
nunca deu espaço a eles, mas é o que parece evidente. Talvez, se pessoas ligadas ao criminoso
114
dessem seu depoimento no programa, ficasse mais difícil de sustentar a construção da idéia de
que ele é mau, que teve um passado problemático e que sempre causou problemas para a sua
família. A condição humana é mais complexa e vai além de uma simples representação
igualitária.
Estamos diante de um programa que assume funções que seriam da polícia e da Justiça
e que tem como um dos fatores de seu sucesso estar ancorado em uma emissora de retrospecto
como a Globo. Desta forma, temos margem para entrar em uma discussão sobre o papel do
jornalista e do jornalismo nas sociedades atuais, onde a espetacularização e a simplificação nas
transmissões da mídia andam lado a lado com a divulgação de informações. Vamos começar
falando de Domingos Meirelles, o qual está distante de ser uma figura imparcial, neutra e de se
demonstrar com atitudes comuns de um apresentador. Ele tem, durante o programa, atitudes
típicas de quem está julgando e também condenando os criminosos. Nas suas gesticulações e com
o seu olhar deixa evidente a sua opinião sobre o que está transmitindo.
Já em relação ao programa, podemos dizer que está muito longe de retratar os crimes
com objetividade e de levar em consideração a velha idéia da imparcialidade jornalística. A
opinião do programa e os seus objetivos se tornam nítidos a quem observar o seu discurso mais
minuciosamente. O programa pode parecer um justiceiro, se o pensarmos de uma maneira geral,
mas no momento em que observada a sua estrutura narrativa e os depoimentos apresentados, a
idéia de que o Linha Direta pensa no bem da população e em tirar criminosos da rua é
desbancada. É perceptível que estamos diante de uma busca por audiência.
115
Na análise do Linha Direta, percebemos que a fala dos locutores pode ser reunida sob
quatro enunciadores principais no programa: E1 – perspectiva da emissora; E2 – perspectiva
favorável à vítima; E3 – perspectiva favorável ao criminoso; E4 – perspectiva legal ou
testemunhal; nas quais localizamos as falas dos locutores. Observamos que na apresentação do
criminoso, a perspectiva da emissora é tão ou mais intensa que a testemunhal ou a da vítima. O
discurso construído pelo E1 e pelo E2 é praticamente o mesmo e a posição da emissora é
confundível com a dos parentes das vítimas – o que prova que o discurso do programa não é
neutro e não se configura como objetivo e imparcial. Desta forma, percebe-se uma pré-construção
da imagem do assassino. Claro que não estamos querendo defender as pessoas que cometeram
crimes, só achamos relevante que um meio de comunicação social divulgue todas as versões de
um fato. Também é pertinente ressaltar novamente a ausência de espaço para pessoas ligadas ao
assassino, o E3. Nos nove casos apresentados, há somente quatro depoimentos de pessoas com
ligações com o com o assassino.
Finalizando, podemos questionar o papel social do jornalismo e a sua atuação na
construção da cidadania. Apesar de a emissora, no momento em que apresenta um programa que
tem como uma das finalidades “colocar criminosos na cadeia”, estar se mostrando como
prestadora de serviços para a sociedade, ela faz um trabalho com uma perspectiva fixa, que tenta
não deixar espaço para discussões sobre o que está sendo apresentado. Também são pertinentes
os questionamentos acerca da utilidade de programas como o Linha Direta para a sociedade, pois
mesmo que auxilie na captura de bandidos, o número de presos é insignificante se comparado
com o total de crimes ocorridos no país.
REFERÊNCIAS
ARBEX JÚNIOR, José. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela,
2001.
ANGRIMANI SOBRINHO, Danilo. Espreme que sai sangue: um estudo de sensacionalismo na
imprensa. São Paulo: Summus, 1995.
ARAÚJO, Carlos Alberto; SILVA, André; CARVALHO, Morgana. A TV e o superpopular.
Disponível em: <http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/da040420013.htm>. Acesso
em: 23 de março de 2005.
ARIÈS, Philippe. História da morte no ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 3.ed. São Paulo: Hucitec, 1996.
BARRERAS, Maria José. O ataque ao WTC na ótica de Guy Debord e a guerra contra o Iraque
como atualização do espetáculo. Revista Famecos. Porto Alegre. N. 20, abril de 2003.
BARROS, Diana Luz Pessoa. Contribuições de Bakhtin às teorias do texto e do discurso. In:
FARACO, Carlos Alberto (org). Diálogos com Bakhtin. 2 ed. Curitiba: UFPR, 1999.
BÍBLIA SAGRADA. 40
a
Edição. São Paulo: Ave Maria, 1982.
117
BOURDIEU, Pierre. Contrafogos: táticas para enfrentar a invasão neoliberal. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 1998.
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1997.
BRANDÃO, Helena H. Negamine. Introdução à análise do discurso. 2 ed. Campinas: Editora
da UNICAMP, 2004.
BUCCI, Eugênio. Brasil em tempo de TV. 3 ed. São Paulo: Boitempo, 2000.
BUCCI, Eugênio. O peixe morre pela boca. São Paulo: Scritta, 1993.
BUCCI, Eugênio. Linha Direta. Com quem? In: BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita.
Videologias: ensaios sobre a televisão. São Paulo: Boitempo, 2004a.
BUCCI, Eugênio. Ainda sob o signo da Globo. In: BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria Rita.
Videologias: ensaios sobre a televisão. São Paulo: Boitempo, 2004b.
CANAVILHAS, João. O domínio da informação-espetáculo na televisão. Disponível em:
<www.bocc.ubi.pt>. Acesso em: 7 de março de 2004.
CHIAVENATO, José Júlio. A morte: uma abordagem sociocultural. São Paulo: Moderna, 1998.
COCCO, Giuseppe. Espetáculo e imagens na tautologia do capital – Atualidades e limites de Guy
Debord. Lugar Comum: Estudos de mídia, cultura e democracia. N.4, janeiro – abril, 1998.
DASTUR, Françoise. A morte: ensaio sobre a finitude. Rio de Janeiro: DIFEL, 2002.
DEBORD, GUY. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas: Pontes, 1987.
118
ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. 5. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1993.
FAUSTO NETO, Antônio. Reality Show entre o mercado e a cidadania televisiva? Ecos Revista.
Pelotas: Universidade Católica de Pelotas. V. 4, n. 2, ago-dez 2000
FÉRRES, Joan. Televisão subliminar: socializando através de comunicações despercebidas.
Porto Alegre: Artmed, 1998.
FREIRE FILHO, João. A sociedade do espetáculo revisitada. Revista Famecos. Porto Alegre. N.
22, dezembro de 2003.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. O mito na sala de jantar: discurso infanto-juvenil sobre a
televisão. Porto Alegre: Movimento, 1984.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão e educação: fruir e pensar a TV. Belo Horizonte:
Autêntica, 2001.
GABLER, Neal. Vida, o filme. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
GARCIA, Thiago M. Aqui Agora: as memórias do programa que revolucionou a forma de se
fazer telejornalismo no Brasil. Disponível em:
<http://www.tvmemoria.hpg.ig.com.br/aqui_agora.htm>. Acesso em: 6 de outubro de 2004.
GREGOLIN, Maria do Rosário Valencise. Recitações de mitos: a história na lente da mídia. In:
GREGOLIN, Maria do Rosário Valencise (org). Filigramas do discurso: as vozes da história.
Araraquara: UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2000.
JABOR, Arnaldo. Nosso coração está cada vez mais frio. Disponível em:
<http://www.amazonia.org.br/ef/opiniao/print.cfm?id=106005>. Acesso em: 10 de dezembro de
2004.
JOHNSON, Richard. O que é, afinal, Estudos Culturais? Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
KEHL, Maria Rita. Três observações sobre os Reality Shows. In: BUCCI, Eugênio; KEHL, Maria
Rita. Videologias: ensaios sobre a televisão. São Paulo: Boitempo, 2004.
119
LOUREIRO, Altair Macedo Lahud. A velhice, o tempo e a morte: subsídios para possíveis
avanços do estudo. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1998.
MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. São Paulo: SENAC, 2000.
MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da notícia: jornalismo como produção social da
segunda natureza. São Paulo: Ática, 1986.
MARANHÃO. José Luiz de Souza. O que é morte. São Paulo: Brasiliense, 1998.
MARIANI, Bethania Sampaio Corrêa. Sobre um percurso de análise do discurso jornalístico – a
Revolução de 30. In: INDURSKY, Freda; FERREIRA, Maria Cristina Leandro (org.). Os
múltiplos territórios da Análise do Discurso. Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1999.
MANNOMI, Maud. O nomeável e o inominável: a última palavra da vida. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 1995.
MENDONÇA, Kleber. Estratégias de autoridade em tempos de participação interativa: uma
análise do programa “Linha Direta”. In: 10º Encontro Anual dos Programas de Pós-Graduação
em Comunicação, 2001, Brasília. Anais. Brasília: Compós, 2001.
MENDONÇA. Kleber. A punição pela audiência: um estudo do Linha Direta. Rio de Janeiro:
Quartet, 2002.
MONTORO, Tânia. Sangue na tela: a representação da violência nos noticiários de televisão no
Brasil. In: MOTTA, Luiz Gonzaga (org.). Imprensa e poder. São Paulo: Imprensa oficial do
Estado, 2002.
MORIN, Edgar. O homem e a morte. Portugal: Publicações Europa-America, 1988.
MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX: neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997.
ORLANDI, Eni. Discurso e texto. Campinas: Pontes, 2001a.
120
ORLANDI, Eni. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 3 ed. Campinas: Pontes,
2001b.
PINTO, Ivonete. A dramatização no telejornalismo. – Caras e bocas fazendo a notícia.
Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUC-
RS, 1998.
RAMONET, Ignácio. A tirania da comunicação. Petrópolis: Vozes, 1999.
REQUENA, Jesus González. El discurso televisivo: espetáculo de la posmodernidad. Madrid:
Catedra, 1988.
REZENDE, Guilherme Jorge de. Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial. São Paulo:
Summus, 2000.
ROSÁRIO, Nísia Martins do. Televisão: simulação em tempo real e sedução em tempo integral.
Verso e Reverso. Ano XV. Nº 32. 2001. São Leopoldo: Unisinos.
RUFFIÉ, Jacques. O sexo e a morte. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
SALLES, Marcelo. A espetacularização da morte. Disponível em:
<http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/fd190220034.htm>. Acesso em: 6 de
janeiro de 2005.
SANTOS, Marli. Linha direta ocupada. Disponível em: <www.reescrita.jor.br/ptlinhadireta>.
Acesso em: 22 de setembro de 2003.
SILVA, Giane David da. A informação televisiva entre a realidade e a ficção. Disponível em:
<http:// www.ufop.br/ichs/conifes/anais/LCA/clca01.htm>. Acesso em: 5 de dezembro de 2002.
SILVA, Oscar José de Plácido e . Vocabulário Jurídico. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
SIMÕES, Inimá. Nunca fui santa (episódio de censura e autocensura). In: BUCCI, Eugênio
(org.). A TV aos 50: criticando a televisão brasileira no seu cinqüentenário. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2000.
121
SODRÉ, Muniz. A máquina de Narciso. São Paulo: Cortez, 1994.
SODRÉ, Muniz. Sociedade, mídia e violência. Porto Alegre: Edipucrs, 2002.
SODRÉ. Muniz. Televisão e psicanálise. o Paulo: Ática, 1987.
SQUIRRA, S. Leituras de imagens. In: LOPES, Dirceu Fernandes; TRIVINHO, Eugênio (orgs.).
Sociedade midiática: significação, mediações e exclusão. Santos: E. Universitária
Leopoldianum, 2000.
SQUIRRA, S. Boris Casoy: O âncora no telejornalismo brasileiro. Petrópolis, RJ: Vozes, 1993.
TAVARES, Olga. Fernando Collor: o discurso messiânico, o clamor ao sagrado. São Paulo:
Annablume, 1998.
TEIXEIRA, Alex Niche. A espetacularização do crime violento pela televisão: o caso do
programa Linha Direta. Dissertação – UFRGS – Programa de Pós-Graduação em Sociologia.
Porto Alegre, 2002.
WOLTON, Dominique. Elogio do grande público: uma teoria crítica da televisão. São Paulo:
Ática, 1996.
WOLTON, Dominique. Internet, e depois? Uma teoria crítica das novas mídias. Porto Alegre:
Sulina, 2003.
ANEX0
123
TRANSCRIÇÃO LITERAL DAS FALAS DOS LOCUTORES DO SEGUNDO CASO
EXIBIDO NO DIA 18 DE NOVEMBRO DE 2004
APRESENTADOR - Praia Grande, uma cidade com cento e cinqüenta mil habitantes, a setenta e
três quilômetros da capital São Paulo. Um lugar calmo a beira mar.
NARRADOR – Em um bairro da Vila Tupini, as crianças brincam nas ruas e os vizinhos são
amigos fraternos.
[CENA SIMULADA DE PESSOAS CONVERSANDO E DE CRIANÇAS BRINCANDO]
Y
16
(DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – Era um bairro super pacato e é até hoje um dos
melhores bairros que tem pra se morar.
NARRADOR - Era o dia da festa de aniversário dos oito anos de Jenifer. Até que surge um
homem armado. Ele mora na casa ao lado. Um dos convidados tenta acalmá-lo.
[CENA SIMULADA DE UMA FESTA]
X (DEPOIMENTO) – EX- MULHER DA VÍTIMA – E o homem chegou lá brigando. Eu estava
na porta da festa e o cara queria entrar, estava cheio de criança lá. Aí eu falei: não, não vai entrar.
Brigar aí não. Só tem criança aí, tudo.
APRESENTADOR – A partir daquela noite de agosto de 1998, a pacata vida dos moradores da
rua Jair Roldão nunca mais seria a mesma. O homem armado seria este. O pedreiro Valdevino
Cícero Pereira. O convidado era Ildelmar Ferreira da Costa. Na frente de todos houve um bate-
boca, dois tiros e uma jura de morte. Tempo depois, por causa daquela briga, Valdevino cometeu
um assassinato e destruiu a harmonia de toda comunidade.
JOSÉ DJALMA SANTOS (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA.- É realmente, a maioria das
pessoas ficaram com medo, e, inclusive, duas famílias mudaram. Uma demorou um pouco, outra
rapidamente e a outra mudou também.
16
Os locutores chamados de “X” e “Y” recebem esta denominação do programa para a preservação de sua
identidade.
124
APRESENTADOR – Valdevino era conhecido como Billy Kid. O apelido foi inspirado no
lendário pistoleiro do século XIX, que virou personagem de cinema nos Estados Unidos. Assim
como o pistoleiro, Valdevino era conhecido pela frieza.
ANTÔNIO CARLOS DA LUZ (DEPOIMENTO) – POLICIAL – Era bastante conhecido no
bairro, temido, uma pessoa vingativa.
Y (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – Na maior frieza, sacou o revólver e pegou um pai de
família e apavorou. Esse era o negócio dele.
NARRADOR – Os moradores costumam fazer festas na rua. Entre eles está Ildelmar, admirado
por todos como um vizinho simpático e brincalhão.
[CENA SIMULADA DE UMA FESTA]
EVELINE LIMA DA COSTA (DEPOIMENTO) – FILHA DA VÍTIMA – Ele era uma pessoa
engraçada, muito divertido e, às vezes, até cômico. E ele fazia a gente rir pra caramba. Ele falava
muito eu te amo.
NARRADOR – 1997. Ildelmar vende um terreno no bairro onde ele mora para uma cliente. Ela
contrata um pedreiro. O nome dele...
APRESENTADOR – O pernambucano Valdevino Cícero Pereira, o Billy Kid. Um homem de
passado obscuro.
WALFREDO CUNHA CAMPOS (DEPOIMENTO) – PROMOTOR – Que ele tem antecedente
por tentativa de homicídio e outras ocorrências talvez no estado de origem dele.
APRESENTADOR – A dona do terreno não teve dinheiro para terminar a obra e Billy Kid
propôs um acordo: terminaria a casa sem cobrar pela obra e construiria um segundo andar para
ele morar. A proprietária concordou. Esta foi a casa construída pelo pedreiro. Quando ele e a
mulher se mudaram, os vizinhos foram os primeiros a sofrer.
[UMA CASA É MOSTRADA]
125
JOSÉ DJALMA SANTOS (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – Olha, ele passava por a gente
na rua e dava bom dia. Mas era um homem fechado, não tinha brincadeira e nem prosa com
ninguém. Bebia também bastante nos botecos no fim de semana, à noite.
APRESENTADOR – Daqui a pouco.
NARRADOR – Billy Kid é levado para a delegacia e jura vingança. E veja também. Ele decidiu
se entregar cinco minutos depois de aparecer em Linha Direta. E esses são os foragidos
mostrados no programa desta noite: Valdevino Cícero Pereira, o Billy Kid, e Evaldete Lopes dos
Santos.
[CLIP DO PROGRAMA]
NARRADOR – Billy Kid é convidado para uma festa comunitária na rua. É a primeira e a última
que ele participa.
Y (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – Ele ficou com ciúmes de alguma coisa e passou a se
descontrolar, uma confusão em cima de confusão.
NARRADOR – Agosto de 1998. O vizinho de Billy Kid festeja o aniversário de oito anos da
filha. O pedreiro, irritado com o barulho, aparece na festa para reclamar.
[CENA SIMULADA DE UMA FESTA]
Y (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – Mas eu fiquei maluco.
NARRADOR - Os convidados não aceitam abaixar a música. Segundo testemunhas, Billy Kid
diz que vai diminuir o som da festa a tiros. Ildelmar tenta contê-lo.
[CENA SIMULADA DE DOIS HOMENS DISCUTINDO]
Y (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – E o Ildelmar correu por cima dele pra ele não fazer
isso. Não faz isso. Você esta louco. É uma festa de criança e tal.
[CENA SIMULADA DE UM HOMEM AGREDINDO OUTRO]
126
NARRADOR – Billy Kid agride Ildelmar. No meio da correria, os convidados ouvem tiros. A
mulher do pedreiro também se envolve na briga.
Y (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – Ildelmar foi o único cara que gritou que não ia fazer
nada contra ele. E morreu por isso.
APRESENTADOR – Depois da confusão, alguns convidados foram registrar queixa na
delegacia. Entre eles estava o dono da casa, Ildelmar.
JOSÉ DJALMA SANTOS (DEPOIMENTO) - TESTEMUNHA – Daí ele criou uma rixa com
Ildelmar. Tudo que acontecia no bairro, ele achava que era Ildelmar.
[CENA SIMULADA DE UM HOMEM SENDO PRESO]
NARRADOR – A polícia busca Billy Kid em casa e apreende o revólver. Na delegacia, Billy
Kid assume que estava armado, mas nega ter atirado. É instalado um inquérito para apurar a
tentativa de homicídio.
X (DEPOIMENTO) – EX- MULHER DA VÍTIMA – Ildelmar tinha pavor de briga. Foi quando
foi perguntado para ele dentro de uma delegacia: o senhor viu fulano de tal. Foi o que ele nos
contou. O senhor viu fulano de tal puxando uma arma e atirando? E ele falou: eu vi.
NARRADOR – Na saída da delegacia Billy Kid jura vingança.
[CENA SIMULADA DE DOIS HOMENS DISCUTINDO]
Y (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – Primeira ameaça, ele fez ali [INAUDÍVEL]. Não
gostou que ele chamasse a polícia. Você puxou a arma em público. Então tem que chamar a
polícia.
NARRADOR – Dias depois, o pedreiro aparece com outra arma.
Y (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – [INAUDÍVEL] se ouviu um disparo na parede da casa
dele.
127
APRESENTADOR – Em liberdade, Billy Kid continua a aterrorizar os vizinhos.
NARRADOR – A rotina muda no bairro. Com medo de Billy Kid, os moradores abandonam suas
casas.
[CENA SIMULADA DE MORADORES SE MUDANDO DO BAIRRO]
Y (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – Passei quinze anos fazendo aquela casa. Quinze anos
fazendo de pau a pau. Não é fácil, não. Eu tive que dar a casa.
NARRADOR – Numa noite, Ildelmar e um amigo caminham para uma festa quando são
surpreendidos por Billy Kid.
[CENA SIMULADA DE UM HOMEM TENTANDO AGREDIR OUTRO]
JOSÉ DJALMA DOS SANTOS (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – Ele atravessou a estrada
com uma arma na mão. E queria acertar umas contas com Ildelmar. E eu não sabia do que estava
se passando. Então eu falei: não, você não vai matar o homem aqui na minha frente porque o
Ildelmar é uma pessoa trabalhadora, não faz maldade a ninguém, ele é uma pessoa que a gente
conhece já há mais de quinze anos.
NARRADOR – Enquanto o amigo discute com Billy Kid, Ildelmar consegue pedir ajuda.
JOSÉ DJALMA DOS SANTOS (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – E enquanto eu
conversava com Billy Kid, Ildelmar saiu, escapou dele e foi até o aniversário. E lá no aniversário,
contou para os amigos dele e foi aí que de lá pra cá veio os amigos e ouve uma troca de tiros.
[CENA SIMULADA DE UMA TROCA DE TIROS]
NARRADOR – Os amigos de Ildelmar trocam tiros com Billy Kid.
JOSÉ DJALMA DOS SANTOS (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA –Enfim, acertaram o poste
na rua. Inclusive teve uma do alvo, né, do projétil que atingiu o poste. Que dizer, se realmente
não atrás, teria atingido a mim, mas graças a Deus não aconteceu.
128
APRESENTADOR – Ninguém saiu ferido. Mas a lista de jurados de morte de Billy Kid
aumentou.
NARRADOR – Outubro de 1998. José Djalma conversa tranqüilamente com um guarda e vê
Billy Kid. Armado, o amigo de Ildelmar enfrenta o pedreiro. Ele vai embora.
[CENA SIMULADA DE BILLY KID AMEAÇANDO JOSÉ DJALMA DOS SANTOS]
JOSÉ DJALMA DOS SANTOS (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – E a esposa puxando ele
pela camisa, grudada com ele: vamos se embora, vamos se embora. E ele: não, eu vou furá-lo,
vou furá-lo.
APRESENTADOR – O fato de Ildelmar ter denunciado Billy Kid à polícia parecia não sair da
cabeça dele. O pedreiro queria vingança.
NARRADOR – Billy Kid aproveita que Ildelmar tinha bebido para agredi-lo. Ele [referindo-se a
Ildelmar] vai para casa com hematomas e ferimentos por todo o corpo.
[CENA SIMULADA DE ILDELMAR FERIDO NO BAR]
EVELINE LIMA DA COSTA (DEPOIMENTO) – FILHA DA VÍTIMA – Ele contou o que tinha
acontecido. Aí eu perguntei: o que aconteceu? Quem que te bateu? Ah, minha filha, um cara me
bateu, mas deixa isso quieto, o papai estava bêbado.
APRESENTADOR – Ildelmar sofria de alcoolismo e as filhas internaram o pai em uma clínica.
Enquanto ele cuidava da doença, Billy Kid continuava espalhar o medo.
NARRADOR – Festa em frente da casa de Billy Kid. Mais uma vez ele reclama do barulho e ele
saca a arma. Há uma troca de tiros. Os moradores reagem e invadem a casa de Billy Kid. Eles
exigem que o pedreiro vá embora.
[CENA SIMULADA DE UMA TROCA DE TIROS]
129
JOSÉ DJALMA DOS SANTOS (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – Depois ele passou de
bicicleta na frente da minha casa e disse: olha! Eu vou embora, mas vou voltar. Tem cinco
pessoas na minha lista pra mim matar. Você é o primeiro. E depois vem o Gilmar, depois vem o
Claudinho, e ele falou outros nomes.
APRESENTADOR – Nesta época alguns moradores, que tinham saído do bairro, retornaram.
Eles acreditavam que sem Billy Kid o lugar seria tranqüilo como antes. Depois de dois meses
internado para tratamento, Ildelmar voltou para casa.
NARRADOR – Início de 2002. Ele passa fazer exercício diariamente e recomeça a trabalhar e
fica quase um ano sem beber.
[CENA SIMULADA DE IDELMAR ANDANDO DE BICILCETA]
IDELMAR FERREIRA DA COSTA (ATOR NA SIMULAÇÃO) – Bom dia, tudo bem.
LUCIANA LIMA DA COSTA (DEPOIMENTO) – FILHA DA VÍTIMA – O pai ganhava muito
bem, meu pai tinha três carros, casa bonita. Ele tentou mudar e trabalhava por até trinta reais por
dia. [INAUDÍVEL] Ele trabalhou e a gente ajudava ele como podia. E fazia o que ele gostava e
congelava e trazia pra ele. E a minha mãe dava almoço pra ele e ele ficava lá trabalhando.
NARRADOR – Billy Kid se muda do bairro, mas aparece para cumprir a ameaça. Ele acusa
Ildelmar de promover a invasão na sua casa. Mais uma vez jura vingança.
LUCIANA LIMA DA COSTA (DEPOIMENTO) – FILHA DA VÍTIMA – É que o meu pai era
muito conhecido ali. Então ele achava que o meu pai estava fazendo tudo contra ele.
APRESENTADOR – Com medo de Billy Kid, Ildelmar chegou pedir à ex-mulher para morar
junto com ela. Disse que estava sendo ameaçado por um homem, mas não deu detalhes. Ildelmar
ia morrer.
X (DEPOIMENTO) – EX-MULHER DA VÍTIMA – Ele falou assim: eu estou com medo. Eu
vou contar para você. Eu estou com medo. Estão me ameaçando.
APRESENTADOR – Tenso, depois de quase um ano sem beber, Ildelmar tem uma recaída.
130
[CENA SIMULADA DE ILDELMAR TOMANDO CERVEJA EM UM BAR]
LUCIANA LIMA DA COSTA (DEPOIMENTO) – FILHA DA VÍTIMA – Eu briguei muito
com ele naquele dia porque ele tinha voltado a beber [IANUDÍVEL]. O pai está só relaxando um
pouco aqui. Eu só bebi uma cerveja. E depois desse dia eu nunca mais vi.
NARRADOR – Dia do crime. Por recomendação médica, Ildelmar sai para andar de bicicleta
como faz todas as manhãs.
[CENA SIMULADA DE ILDEMAR ANDANDO DE BICICLETA]
JOSÉ DJALMA DOS SANTOS (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – Ele voltou por volta da
madrugada e ficou aguardando o horário que Ildelmar saía, às seis da manhã, de casa para fazer a
caminhada dele de bicicleta e ficou aguardando.
[CENA SIMULADA DE ILDEMAR ANDANDO DE BICICLETA]
NARRADOR – O assassino está a espera.
MONOEL PEDRO DOS SANTOS (DEPOIMENTO) – PADRASTO DA VÍTIMA – Ele saiu
diretamente do local onde ele estava e começou a furar o Ildelmar. E o Ildelmar pedindo socorro.
[CENA SIMULADA DO ASSASSINO ESFAQUEANDO ILDELMAR]
NARRADOR – O padrasto de Ildelmar, que passa pelo local, testemunha o crime. Fraco e
doente, Ildelmar não tem forças para reagir.
MONOEL PEDRO DOS SANTOS (DEPOIMENTO) – PADRASTO DA VÍTIMA – Quando eu
cheguei, eu tentei jogar a bicicleta em cima dele, mas não deu tempo. Aí eu fui para casa para
buscar uma arma, alguma coisa. Quando eu cheguei, ele já tinha furado ele bastante, e ele ficou
jogado aí no chão. Foi quando eu chamei a polícia para prestar socorro.
NARRADOR – Segundo testemunhas, depois de esfaquear Ildelmar, Billy Kid vai a um bar.
[CENA SIMULADA DE BILLY KID BEBENDO]
131
JOSÉ DJALMA DOS SANTOS (DEPOIMENTO) – TESTEMUNHA – Ele foi tomar uma
cerveja num bar depois de ter matado e foi se embora, desapareceu, foi embora para São Vicente.
WALFREDO CUNHA CAMPOS (DEPOIMENTO) – PROMOTOR – Com a certeza da
impunidade, à luz do dia, ele acabou matando a vítima em frente às outras pessoas. Ele nem se
preocupou em esconder a prática do crime.
APRESENTADOR – Em seguida: Billy Kid fugiu. Ildelmar morreu a caminho do hospital. A
polícia encontrou a chave da casa de Billy Kid e um mês depois prendeu o assassino, que estava
em uma cidade vizinha.
ANTÔNIO CARLOS DA LUZ (DEPOIMENTO) – POLICIAL – A princípio, o mesmo negou o
homicídio. Mas quando o confrontamos com o fato de sua chave ter sido localizada no local do
crime, ele ficou sem argumentos e veio a confessar o homicídio e todos os detalhes do crime.
APRESENTADOR – A seguir.
NARRADOR – Na delegacia Billy Kid alega legítima defesa, mas acaba preso por outro crime.
ANTÔNIO CARLOS DA LUZ (DEPOIMENTO) – POLICIAL – E não demonstrou qualquer
arrependimento. Tinha até um certo orgulho do que havia feito.
NARRADOR – Ele é acusado de matar um amigo por dinheiro.
POLICIAL – Você teve alguma participação nesse crime?
HELTON VIANO IBIPIANA – De cúmplice.
NARRADOR – E esses são os foragidos mostrados no programa desta noite: Valdevino Cícero
Pereira, o Billy Kid, e Evaldete Lopes do Nascimento.
[AS FOTOS DOS FORAGIDOS SÃO MOSTRADAS]
132
CLIP DO PROGRAMA
DELEGADO (EM SIMULAÇÃO)– Seu Valdevino. E então?
NARRADOR – Na delegacia, Billy Kid confessa o crime e alega legítima defesa.
ANTÔNIO CARLOS DA LUZ (DEPOIMENTO) – POLICIAL – Ele demonstrou total sangue
frio e não demonstrou nenhum arrependimento. Tinha até um certo orgulho do que havia feito, do
homicídio.
APRESENTADOR – O que aconteceu a partir daquele momento, veio o inacreditável.
Valdevino Cícero Pereira, o Billy Kid, não sabia que estava com o mandado de prisão preventiva
decretado. Foi pela tentativa de homicídio na festa infantil quatro anos antes de ter matado
Ildelmar. Por conta disso, Billy Kid entrou para confessar um crime e foi preso por outra
acusação.
ANTÔNIO CARLOS DA LUZ (DEPOIMENTO) – POLICIAL – Mas infelizmente as vítimas
ficaram com medo e não compareceram na delegacia para registrar queixa.
APRESENTADOR – Testemunhas que estavam na festa disseram que viram Billy Kid armado e
ouviram tiros, mas não poderem afirmar se ele era o autor dos disparos. A polícia arquivou o
processo e Billy Kid foi solto considerado inocente. Somente um ano depois do crime, o
mandado de prisão do assassinato saiu. Billy Kid já estava foragido.
ANTÔNIO CARLOS DA LUZ (DEPOIMENTO) – POLICIAL – Foi uma pessoa que não
mostra qualquer arrependimento dos crimes que pratica e realmente é uma pessoa que é um
perigo para a sociedade.
APRESENTADOR – Até hoje, vizinhos e parentes de Ildelmar continuam inconformados.
[SÃO MOSTRADAS FOTOS DE IDELMAR]
EVELINE LIMA DA COSTA (DEPOIMENTO) – FILHA DA VÍTIMA – Meu pai não era um
porco para ser matado com a faca. Ele era um ser humano. Ninguém tem o direito de tirar a vida
de ninguém do jeito que ele tirou do meu pai. Eu sinto muita falta dele. [INAUDÍVEL] música do
Tim Maia: Não sei porque você se foi, tantas saudades eu senti.
133
LUCIANA LIMA DA COSTA (DEPOIMENTO) – FILHA DA VÍTIMA – Meu pai pra mim é
filho. Eu perdi um pedaço de mim. Sou muito parecida com meu pai. Tanto fisicamente como o
jeito. Então é difícil perder assim uma pessoa que você é como se fosse a alma gêmea dela.
APRESENTADOR – Se você tem alguma informação que possa levar à prisão de Valdevino
Cícero Pereira, o Billy Kid, ligue para o Linha Direta. Rio de Janeiro 2547-9040. Suas
informações serão levadas às autoridades e sua identidade será mantida no mais absoluto sigilo.
[É MOSTRADA A FOTO DE BILLY KID]
APRESENTADOR – Na semana passada, Helton Viana foi mostrado aqui no Linha Direta.
Cinco minutos depois do fim do programa, ele se apresentou para a polícia. Helton é acusado de
matar um amigo por dinheiro em fevereiro deste ano, na cidade de Pedra Azul, em Minas Gerais.
Segundo a acusação, José dos Reis do Amaral foi morto em uma armadilha planejada por Helton,
que era amigo dele. Helton teria se juntado a um comparsa chamado Jubson, que já está
condenado a vinte anos de prisão. E também um menor de idade. Os três mataram o aposentado a
pedradas e depois assaltaram a casa dele. Lá roubaram quarenta e cinco reais, três passarinhos e
cerveja na geladeira.
HELTON VIANA IBIPIANA (DEPOIMENTO) – Ele era uma pessoa que sinceramente não
merecia isso que aconteceu, não.
APRESENTADOR – Na última quinta-feira, Helton viu sua história no Linha Direta e decidiu se
entregar à polícia. Ele disse que não tinha dinheiro para fugir e foi convencido por um amigo a se
apresentar.
MÁRCIA JULIÃO (DEPOIMENTO) – DELEGADA – Logo depois da veiculação do programa,
ele percebeu que era impossível ficar escondido no Rio de Janeiro, ainda mais em Madureira.
APRESENTADOR – Helton contou que depois do crime fugiu para o Rio de Janeiro e desde
julho morava no bairro de Madureira. E vinha trabalhando em um bar e nunca despertou
suspeitas.
LUIZ CARLOS ROSÁRIO (DEPOIMENTO) - DONO DO BAR – Porque você trabalhar com
uma pessoa, confiando em uma pessoa que você conhece. Através dessa, você fica totalmente
[INAUDÍVEL]. Porque aconteceu lá em Minas, mas podia ter acontecido comigo, com minha
esposa, com outra pessoa aqui da rua que teve a mesma confiança que eu tive nele.
134
APRESENTADOR – Na delegacia, Helton jogou toda a culpa sobre o menor de idade. Embora
os outros dois comparsas o acusam do crime, Helton alega que não participou do assassinato de
José dos Reis.
HELTON VIANA IBIPIANA (DEPOIMENTO) – ACUSADO – Se tivessem me pegado
primeiro do que ele, eu não ia ficar com a culpa todinha. Eu ia jogar a culpa para cima dele
também. Mas como eles foram presos primeiro, logicamente eles vão tentar cair fora. Quando eu
cheguei lá e tal, o Jubson abriu a porta do carro e eu falei: o que foi? [INAUDÍVEL] Olha na
carroceria. Quando eu olhei na carroceria, o José Reis estava com a cabeça toda quebrada.
POLICIAL – Você teve uma participação nesse crime?
HELTON VIANA IBIPIANA (DEPOIMENTO) – ACUSADO – De cúmplice. Com certeza. Por
ter dirigido, saber da coisa e não contar para ninguém.
APRESENTADOR – Helton vai ficar preso até ser julgado na cidade de Pedra Azul, em Minas
Gerais. Também já está preso Paulo José Pinheiro, acusado de matar um irmão adotivo há três
anos em Soronópolis, no Ceará. Segundo a acusação, Paulo brigava com o pai adotivo quando
um dos seus irmãos, José Francisco Pinheiro, tentou acalmar os ânimos, mas não conseguiu. Foi
José Francisco quem acabou morto. O acusado do crime foi preso bêbado na cidade de Russas,
no Ceará, onde trabalhava na fabricação de tijolos. Mas a polícia chegou a ele por outro motivo.
Na hora da prisão, Paulo tentava matar um vizinho a facadas. Depois de preso, Paulo disse que
matou José Francisco para se defender. Segundo ele, os irmãos adotivos queriam assassiná-lo por
causa de uma herança de família.
PAULO JOSÉ PINHEIRO (ACUSADO) – Ele lá falou [INAUDÍVEL] que ia tentar me matar,
todo jeito. Os dois filhos dele e um neto. Estava eu e o meu pai assistindo televisão quando eles
derrubaram a porta para me matar.
POLICIAL – E os seus irmãos falaram que você tinha muita raiva de José Francisco. Por que?
PAULO JOSÉ PINHEIRO (ACUSADO) – Quem tinha raiva de mim era ele. Pura inveja.
APRESENTADOR - Linha Direta volta na próxima quinta-feira com Domingos Meireles. Boa
noite.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo