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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E
INFORMAÇÃO
COMUNICAÇÃO, MEIO AMBIENTE E PRÁTICAS
CULTURAIS: UM ESTUDO SOBRE O ALTO URUGUAI
CATARINENSE
Jean Carlos Porto Vilas Boas Souza
PORTO ALEGRE -RS
2005
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1
JEAN CARLOS PORTO VILAS BOAS SOUZA
COMUNICAÇÃO, MEIO AMBIENTE E PRÁTICAS
CULTURAIS: UM ESTUDO SOBRE O ALTO URUGUAI
CATARINENSE
Dissertação de Mestrado apresentada como
requisito para obtenção do título de Mestre em
Comunicação e Informação pelo curso de Pós-
Graduação comunicação e Informação da
Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Orientadora:
Profª. Drª Ilza MariaTourinho Girardi
PORTO ALEGRE-RS
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova da Dissertação
COMUNICAÇÃO, MEIO AMBIENTE E PRÁTICAS CULTURAIS: UM ESTUDO
SOBRE O ALTO URUGUAI CATARINENSE, elaborada por Jean Carlos Porto Vilas
Boas Souza, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Comunicação e
Informação.
Comissão Examinadora:
Profa. Dra.
Profa. Dra.
Prof. Dr.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço especialmente à minha esposa, Gina, ao meu filho, Matheus, e ao restante da
minha família pela paciência e pela compreensão.
À minha orientadora, Ilza Maria Tourinho Girardi, pela sua dedicação, disponibilidade
e amizade que tornaram possível o término desta dissertação.
À Universidade do Contestado, campus de Concórdia, pelo apoio financeiro e
profissional.
À Copérdia, pela abertura proporcionada, sem a qual não seria possível concluir esta
pesquisa.
Ao amigo Leandro Ramires Comassetto, pelas dicas e livros.
Agradeço enfim, a todas as pessoas das quais desfruto a amizade e que se interessaram
pelo meu trabalho, colaborando com idéias ou com o interesse pela compreensão de como a
comunicação pode ajudar a resolver os problemas ambientais.
4
SUMÁRIO
RESUMO...................................................................................................................................5
ABSTRACT ..............................................................................................................................6
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................7
1.1 OBJETIVOS................................................................................................................13
2 DA SIMPLIFICAÇÃO À COMPLEXIDADE..............................................................15
2.1 A PROLIFERAÇÃO DA BACTÉRIA VERDE .........................................................27
2.2 A MODA VERDE.......................................................................................................35
2.3 A CONSTRUÇÃO A PARTIR DO LIMITE..............................................................43
3 SUSTENTABILIDADE CONTRA MONOCULTURA MENTAL: TENSÃO
ENTRE CULTURAS NO MEIO RURAL........................................................................48
3.1 O MUNDO DA SUINOCULTURA NO ALTO URUGUAI......................................57
4 ASPECTOS METODOLÓGICOS.................................................................................78
4.1 AS TÉCNICAS DE PESQUISA .................................................................................80
5 UNIÃO PARA A INTERVENÇÃO SOCIAL: A COPÉRDIA....................................85
5.1 PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO NA COPÉRDIA..............................................93
5.2 DEJETOS SUÍNOS: PRIORIDADE NA COMUNICAÇÃO QUE APARECE
POUCO............................................................................................................................102
5.3 COMUNICAÇÃO AMBIENTAL NA COPÉRDIA.................................................117
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................120
ANEXOS ...............................................................................................................................131
5
RESUMO
Verifica como os processos de comunicação da Cooperativa de Produção e Consumo
Concórdia contemplam os problemas ambientais decorrentes da produção de suínos no Alto
Uruguai de Santa Catarina. É um estudo qualitativo elaborado a partir de dados e informações
coletados por meio de entrevistas com dirigentes da cooperativa e especialistas na questão
ambiental ligada aos dejetos suínos; de questionários aplicados a extensionistas da
cooperativa; e através da análise do jornal da cooperativa. Identifica como os agentes
envolvidos percebem os problemas ambientais, quais são os processos comunicacionais
implementados pela Copérdia e verifica como é abordada a questão ambiental nos processos
comunicacionais da Copérdia. Fica constatado um viés pessimista e outro otimista. O
pessimista reside no fato de que a comunicação voltada para a promoção de uma nova relação
entre o suinocultor e o meio ambiente, decisiva para a redução dos estragos ambientais
provocados pelos dejetos suínos, não é prioridade dentro da cooperativa, apesar dos seus
dirigentes afirmarem o contrário. Mostra-se ainda que o que acontece dentro da cooperativa
pode ser extrapolado para as demais agroindústrias que exploram a suinocultura na região. O
otimista é apontado com base nas notícias sobre o termo de ajustamento de condutas da
suinocultura, nas informações levadas pelos técnicos vinculados a programas ambientais,
como o Programa Nacional de Meio Ambiente, ou na cobertura que os meios de comunicação
de massa dão à questão dos dejetos suínos, que circulam com intensidade na região e
cumprem o papel de lentamente mostrar as mudanças pelas quais a atividade, inadiavelmente,
deve passar.
6
ABSTRACT
It verifies how the communication processes of “Cooperativa de Produção e Consumo
Concórdia” realizes and treat environmental problems related to pigs production in Alto
Uruguai region - Santa Catarina state. It is a qualitaty study elaborated from information data
and collected data by enterviews with cooperative managers and specialists in environment
question connected to feces of pigs; by applied questionnaries to cooperative workers; and
through analysis of cooperative communication content. It describes and evalues the
information sent by cooperative to associated related to environment problem involving feces
of pigs. It shows a pessimistic and an optimistic link. The pessimist involves a
communication turned around promoting a new relationship between the pig productor and
the environment. These decision can reduce environment problems caused by pigs feces, it is
not a priority into the cooperative, in spite of the managers argue the opposite.It also shows
that what happen into the cooperative can be passed to others agroindustries that explore the
pig productors in the region. The optimist is noticed based to news about some agreements
previous established to pigs production. These information are carried out by technician
linked to environment programs, as National Program of Environment (Programa Nacional
de Meio Ambiente), or in covered realized by means of communication about pigs feces.
This covered circulates with intensity in the region and carries its function out slowly
showing changes that the activities, pressing, can pass.
7
1
INTRODUÇÃO
O grande desafio do século XXI é
da mudança do sistema de valores
que está por trás da economia global,
de modo a torná-la compatível com
as exigências da dignidade humana e
da sustentabilidade ecológica. Com
efeito, vimos que esse processo de
remodelação da globalização já
começou.
(FRITJOF CAPRA)
Os problemas ambientais do planeta não são fruto somente de decisões econômicas,
conseqüências do crescimento desordenado de cidades ou pura falta de educação. Por trás dos
dados que apontam para o esgotamento dos limites da natureza também estão escolhas
culturais, quase imperceptíveis, que legitimam as ações que redundam, por exemplo, no
efeito estufa, na extinção de espécies animais e vegetais ou na poluição da água. Em meio aos
discursos que defendem o meio ambiente, existe uma “cultura antiverde” não percebida, nem
abordada, que se apresenta como um dos fatores que explicam porque ainda é grande a
distância entre retórica e prática nas questões ambientais. A sensação é de que quanto mais se
fala em meio ambiente, mais os índices de degradação aumentam. Quanto mais se
apresentam propostas de desenvolvimento sustentável, menos sustentável se apresenta a vida
no mundo atual.
8
A cultura que legitima a poluição está alicerçada em uma visão simplista do mundo. A
partir da Revolução Industrial, o modelo baseado na ciência cartesiana, na difusão de técnicas
de produção, na indústria e na busca pelo lucro tornou a humanidade cega em alguns
sentidos. Um desses sentidos é o ambiental. Ao não dar importância à complexa cadeia de
relações que sustenta a vida no planeta, o homem acreditou na ilusão de que o progresso
técnico, com a difusão do consumo de bens duráveis e culturais em escala mundial, bastaria-
lhe. Os desequilíbrios ambientais registrados nas últimas décadas, conseqüência da
industrialização, do crescimento das cidades, da monocultura agrícola e do consumo
desenfreado, entre outros, indicam que a relação entre a humanidade e o planeta não pode se
estabelecer de maneira tão simplificada.
Na comunicação direcionada ao setor agrícola, observa-se com facilidade como os
problemas ambientais também dependem de uma cultura que os legitimem. Quando os meios
de comunicação de massa tratam da degradação da natureza no meio rural, raramente
mostram que uma das principais causas da má utilização dos recursos naturais está na
concepção de que o único cenário possível é o da agricultura industrial. Já na comunicação
feita pelas empresas públicas e privadas que atuam no setor, predomina a aposta na salvação
pela tecnologia. Nessa perspectiva, a solução para todos os problemas ambientais reside na
descoberta de uma nova tecnologia que possa resolver os efeitos indesejáveis da tecnologia
atual ou em formas de produção menos agressivas. Nos dois casos, não é considerada a
conjuntura multidimensional e complexa que envolve os problemas ambientais.
No Alto Uruguai de Santa Catarina, região que mais produz alimentos em Santa
Catarina e que responde sozinha por 13% do Produto Interno Bruto Agropecuário do Estado,
há um rico cenário, montado com o passar das décadas, que instiga a observação das relações
entre meio ambiente, agricultura, cultura e comunicação. O desenvolvimento econômico e
9
social do Alto Uruguai e regiões vizinhas teve como um dos seus pilares a produção de
suínos. A história da atividade na região iniciou com a chegada de colonos alemães e
italianos vindos do Rio Grande do Sul a partir da década de 20 do século passado. Eles se
estabeleceram em pequenas propriedades rurais, com média de 10 hectares. Foram também
os responsáveis pela fundação das 16 cidades da região (Concórdia, Alto Bela Vista,
Arvoredo, Xavantina, Seara, Itá, Lindóia do Sul, Paial, Ipumirim, Arabutã, Peritiba, Ipira,
Piratuba, Presidente Castello Branco, Jaborá e Irani. O Anexo A apresenta um mapa de Santa
Catarina, com a região do Alto Uruguai em destaque).
Com o surgimento das agroindústrias nos anos 40 e 50, a suinocultura ingressou em
sua fase industrial, período em que começaram a surgir os problemas ambientais ligados à
concentração e ao manejo incorreto dos dejetos suínos em quase todo o Oeste de Santa
Catarina, macrorregião em que está inserido o Alto Uruguai. Nos últimos 10 anos, a lógica de
produção da atividade passou a priorizar o mercado internacional. O Brasil é hoje o quarto
maior produtor e exportador de carne suína, de acordo com dados disponíveis na página
eletrônica da Associação Brasileira das Indústrias Produtoras e Exportadoras de Carne Suína
(Abipecs). De janeiro a dezembro de 2004, as exportações brasileiras de carne suína
atingiram 507.704 toneladas, 2,4% acima do desempenho de 2003, com receita cambial de
US$ 774,050 milhões, superior em 40,52% ao resultado de janeiro-dezembro do ano anterior
(EXPORTAÇÕES Brasileiras de Carne Suína, 2004). Só que a excelência produtiva do Alto
Uruguai, que ajuda a abrir espaços cada vez maiores no mercado internacional de carne suína,
não traz os mesmos retornos do ponto de vista ambiental. Quanto mais lucros proporciona a
atividade, mais degradação ambiental provoca.
Como resultado do excesso de produção e do manejo incorreto dos dejetos suínos,
90% dos mananciais do Oeste de Santa Catarina apresentam coliformes fecais em quantidade
10
acima do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para o consumo humano,
de acordo com o Anuário Catarinense de Suinocultura de 2002 (ANUÁRIO Catarinense da
Suinocultura, 2002). A poluição gerada pela suinocultura interfere ainda de forma
contundente na qualidade de vida das comunidades rurais, aumentando a proliferação de
moscas e borrachudos
1
e “[...] aumentando a incidência das doenças vinculadas à água e ao
solo
2
” (PERDOMO, LIMA E NONES, 2001). A suinocultura representa, assim, meio de
vida, tradição familiar, atividade fomentadora de cultura e, paradoxalmente, ameaça à
manutenção do próprio modelo econômico e social no qual ela se desenvolveu nas últimas
décadas.
Os sistemas de comunicação mais relevantes quanto à emissão de informações
voltadas para o impacto ambiental provocado pelos dejetos suínos no Alto Uruguai
catarinense podem ser denominados de: a) estatal (que envolve os órgãos públicos federais,
estaduais e municipais que pesquisam e prestam assistência técnica na área da suinocultura);
b) empresarial (representada pelos sistemas de fomento agropecuário das agroindústrias e
associações de produtores); c) de massa (composta pela mídia em geral). Eles não
conseguiram até hoje mostrar o cenário completo da suinocultura no Alto Uruguai, por
desconheceram a complexidade da discussão ambiental ou por deliberadamente não tratarem
a questão da maneira apropriada. Não há espaço para um debate amplo do problema e nem
mesmo o reconhecimento das suas conexões com a cultura, por exemplo. Predomina a visão
de que os dejetos suínos são o problema, como se brotassem do nada e não fossem
1
O borrachudo é um inseto que, ao contrário do pernilongo, que precisa de água parada e limpa, somente
desenvolve-se em água corrente, principalmente onde há bastante matéria orgânica, fonte de nutrição para suas
larvas. É o caso do Alto Uruguai, que apresenta alto índice de dejetos suínos nas águas superficiais. A picada
do borrachudo, produzida somente pela fêmea, é incômoda e pode ter conseqüências mais graves em pessoas
alérgicas. A poluição também contribui para o aumento da população desse inseto porque diminui seus
inimigos naturais como os peixes, pássaros e anfíbios.
2
Entre as doenças vinculadas à má qualidade do solo e da água estão a diarréia, leptospirose, hepatite infeciosa,
perturbações gastro-intestinais de etiologia escura, infecções dos olhos, ouvidos, garganta e nariz, entre outras.
11
conseqüência de opções sociais, econômicas e culturais. Poucos admitem que, na verdade,
eles são apenas o sintoma, ou o efeito que já não pode mais ser ignorado, de um modelo de
desenvolvimento que está se esgotando, justamente por não contemplar outras variáveis,
como a ambiental.
Este trabalho de pesquisa tem a intenção de constatar se parte do problema ambiental
ligado aos dejetos suínos no Alto Uruguai catarinense está ligado à cultura disseminada pelos
processos de comunicação que abordam diariamente a questão. O cenário escolhido para
verificar essa possibilidade é a Cooperativa de Produção e Consumo Concórdia
(COPÉRDIA), a segunda maior de Santa Catarina no ramo agropecuário e que possui, entre
seus sócios, 850 produtores de suínos. A Copérdia surgiu no dia 5 de setembro de 1967,
resultado de regulamentação do cooperativismo no País feita pelo governo federal no início
daquele ano. A cooperativa começou com 29 sócios e hoje possui 8.128. Atua em 17
municípios (todos os 16 do Alto Uruguai e um do Alto Irani catarinense), possui 367
funcionários e encaminha a sua produção de suínos, aves, leite e citros para a Cooperativa
Central Oeste Catarinense Ltda, dona da marca Aurora, conglomerado que reúne 17
cooperativas do Oeste de Santa Catarina e Sudoeste do Paraná. Nela, visualiza-se por
completo o mundo criado para a suinocultura na região, montado em torno do modelo de
produção integrada de suínos
3
. É possível afirmar que, além de ser um modelo econômico, a
produção integrada é uma forma de dominação cultural.
Dentro do sistema integrado de produção de suínos, a comunicação, que pode ser
entendida como um processo de intervenção social, é feita, normalmente, apenas com um
3
O modelo integrado de produção foi implantado no Brasil no início dos anos 60, pela Sadia, e é aplicado
também na industrialização de carne de frango e peru. Pelo modelo integrado, produtor e agroindústria mantém
um contrato de parceria em que a agroindústria repassa os animais, define o pacote tecnológico, presta a
assistência técnica, garante a compra da produção e determina o preço a ser pago. O produtor entra com as
instalações e a mão-de-obra.
12
viés, o tecnológico, visando a maximização do resultado econômico proporcionado pela
atividade. Os programas de rádio, jornais, eventos técnicos, comunicação face a face entre
técnicos e produtores e outras formas de repasse de informações são formulados a partir da
premissa de que há um homem do campo desinformado e que precisa absorver as mais
modernas técnicas de produção para manter-se inserido dentro do mercado globalizado de
carne suína. O mesmo acontece quando o conteúdo das informações é a questão dos dejetos
suínos.
Há também uma motivação pessoal justificando a proposta desta dissertação. O autor
4
cresceu no Alto Uruguai catarinense vendo a poluição provocada pelos dejetos como algo
inevitável e aceitável diante do retorno econômico e social dado pela suinocultura. Nunca
desconfiou que poderiam existir por trás da degradação ambiental escolhas, decisões de um
modelo. Posteriormente, já atuando como jornalista, ajudou a noticiar os desastres ambientais
provocados pelos dejetos suínos como problemas sem causas. A cada ano que acrescentava
em sua carreira de comunicador, crescia o número de vozes falando em favor de uma
intervenção na atividade para diminuir a poluição ligada aos dejetos, enquanto que a
degradação ambiental só aumentava.
Desta forma, o problema de pesquisa deste trabalho está formulado por meio das
seguintes perguntas:
1) Como são produzidas as informações ambientais dentro da Copérdia?
2) Como os processos de comunicação colocados em prática pela Copérdia
4
Jean Carlos Porto Vilas Boas Souza, jornalista formado pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (PR) em 92, atuou
durante seis anos como coordenador do Departamento de Jornalismo da Rádio Rural de Concórdia. Em 99, ingressou na
Embrapa Suínos e Aves, também instalada em Concórdia, e atuou como gerente da Área de Comunicação Empresarial até
2003, quando ingressou no curso de mestrado em Comunicação e Informação da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS). A partir de 2001, também passou a atuar como professor do curso de Jornalismo da Universidade do
Contestado (UnC-Concórdia). É ainda especialista em Metodologia do Ensino Superior em Comunicação pela
Universidade Metodista de São Paulo.
13
abordam a questão ambiental?
3) A comunicação praticada pela Copérdia incentiva a construção de uma cultura
que leve a uma nova relação dos produtores de suínos cooperados com o meio
ambiente?
1.1 OBJETIVOS
O objetivo geral deste trabalho é verificar como os processos de comunicação da
Copérdia contemplam os problemas ambientais decorrentes da produção de suínos no Alto
Uruguai de Santa Catarina. Os objetivos específicos são:
a) identificar como os agentes envolvidos percebem os problemas
ambientais;
b) identificar quais são os processos comunicacionais implementados pela
Copérdia;
c) verificar como é abordada a questão ambiental nos processos
comunicacionais da Copérdia.
Além desta introdução, a dissertação está estruturada em mais cinco capítulos. No
capítulo 2, a pesquisa expõe como a humanidade gerou os problemas ambientais que existem
hoje, ressaltando a existência de uma cultura que impede a visualização de como eles são
originados, e os sinais presentes nos sistemas globais de comunicação de que é possível
construir um novo modelo de relação com a natureza. O capítulo 3 faz uma recuperação
histórico-crítica da evolução da agricultura no Alto Uruguai catarinense, expõe como se
instalou a suinocultura na região, do ponto de vista econômico e cultural, e as conseqüências
ambientais que a atividade trouxe. No capítulo 4, é apresentada a metodologia aplicada. O
14
capítulo 5 descreve a trajetória da Copérdia e analisa os dados coletados por meio de
entrevistas, aplicação de questionários e acompanhamento do serviço de extensão rural da
cooperativa. Por fim, no capítulo 6, são apresentadas as considerações finais.
15
2
DA SIMPLIFICAÇÃO À COMPLEXIDADE
Na maior parte da sua existência, a espécie humana não precisou se preocupar com a
maneira como se relacionava com o meio ambiente. O homem era quase insignificante diante
do restante do mundo, e o impacto ambiental, por ele provocado, mínimo. Os efeitos da
presença da espécie humana sobre o planeta mudaram definitivamente após a Revolução
Industrial
5
e se tornaram quase insuportáveis de 1950 até hoje, período em que a economia
mundial aumentou sete vezes de tamanho
6
. Para Brown (2003), os números da economia
mundial, considerados pelo senso comum como sinais inequívocos do progresso da
humanidade, explicitam também o abismo ecológico com o qual a espécie humana se depara.
5
A Revolução Industrial iniciou em meados do século XVIII e num primeiro momento restringiu-se à Inglaterra.
A substituição das ferramentas pelas máquinas, da energia humana pela energia motriz e do modo de produção
doméstico pelo sistema fabril constituiu a Revolução Industrial, considerada um ponto de mudança drástica na
trajetória da espécie humana em função do enorme impacto sobre a estrutura da sociedade que provocou. No
século XX, uma nova revolução aconteceu. Surgiram os conglomerados industriais e multinacionais. Foi criada
a produção em série, que num segundo momento se automatizou. Para absorver o que saía das fábricas,
emergiu a sociedade de consumo de massas, com a expansão dos meios de comunicação. A indústria química e
eletrônica, a engenharia genética e a robótica abriram possibilidades até então nem sonhadas pelo homem
(Disponível em <www.culturabrasil.pro.br/revolucaoindustrial.htm>. Acessado em 26 de janeiro de 2005).
6
Brown (2003) critica os economistas que vêem no crescimento da produção de bens e serviços (em 1950, a
economia global era estimada em US$ 6 trilhões; em 2000, passou para US$ 43 trilhões) um futuro promissor
em expansão contínua. Os ecólogos olham para esse mesmo crescimento e o criticam, afirmando que ele é
produto da queima de gigantescas quantidades de combustíveis fósseis, artificialmente baratos, num processo
que está desestabilizando o clima.
16
As políticas econômicas que geraram o crescimento extraordinário da
economia mundial são as mesmas que estão destruindo seus sistemas de
apoio. Por qualquer medida ecológica que se possa conceber, são políticas
fracassadas. Um manejo inadequado está destruindo florestas, pradarias,
pesqueiros e terras agrícolas, os quatro ecossistemas que fornecem nosso
alimento e, com exceção dos minerais, toda nossa matéria-prima também.
Embora muitos de nós vivamos numa sociedade urbana de alta tecnologia,
dependemos dos sistemas naturais da Terra da mesma forma que nossos
ancestrais caçadores-catadores dependiam. (BROWN, 2003, p. 7-8)
A edição de 22 de dezembro de 2004 da revista Veja (FONTENELLE, COUTINHO,
p.180-213) traduz em números as conclusões de Brown. Cerca de 60% da Floresta Amazônica
pode se transformar em cerrado se o ritmo de desmatamento atual for mantido; mais de 300
espécies de anfíbios estão ameaçadas de extinção na América Central; as catástrofes ligadas
ao desequilíbrio ambiental provocaram prejuízos de US$ 350 bilhões na América do Norte
desde 1980; 10% dos mamíferos da China podem desaparecer em poucos anos; a Organização
Mundial de Meteorologia, ligada às Nações Unidas, estima que pelo menos 160 mil pessoas
morram por ano em conseqüência das mudanças no clima; especialistas prevêem que um
quarto das espécies animais estará ameaçado de extinção até 2050.
A mesma edição da revista Veja mostra ainda as ameaças do aquecimento global
7
,
provocado pela presença maior de gases como o dióxido de carbono na atmosfera. A década
de 90 foi a mais quente registrada até hoje (os registros da temperatura no mundo iniciaram
em 1866). O aumento da temperatura média no planeta resulta na diminuição do gelo nas
calotas polares. Menos gelo no Ártico e na Antártida significa aumento no nível do mar e
7
O aquecimento global está ligado ao efeito estufa. Em princípio, o efeito estufa é um processo natural que
forma uma barreira que impede o calor do Sol de sair da atmosfera. Esse fenômeno é o que mantém o planeta
aquecido e possibilita a vida na Terra. Entretanto, quando a concentração desses gases é excessiva, o calor
retido na atmosfera é maior do que o necessário. O calor extra é gerado pela utilização de combustíveis fósseis
e a destruição das florestas. Desde meados do século XVIII, aumentaram em 30% o volume de gases e
partículas tóxicas na atmosfera. A presença de dióxido de carbono hoje, segundo cientistas do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, é um terço maior do que a natureza é capaz de reciclar
(Disponível na Internet em <www.comciencia.br/reportagens/clima/clima08.htm>. Acessado no dia 26 de
janeiro de 2005).
17
alterações no clima, com conseqüências as mais diversas. O Quadro 1 apresenta dados
referentes aos efeitos do aquecimento global sobre o gelo em diferentes pontos do planeta.
QUADRO
1 - Exemplos do degelo em várias partes do mundo
Nome Localização Perda Medida
Gelo Marinho Ártico Oceano Ártico
Encolheu 6% desde 1978,
perdendo 14% da espessura do
gelo perene. Afinou 40% em
menos de 30 anos.
Manta de Gelo
Groelândia
Groelândia
Afinou mais de um metro por ano
em suas bordas sul e leste, desde
1993.
Geleira National Park
Montanhas Rochosas,
Estados Unidos
Desde 1850, a quantidade de
geleiras caiu de 150 para menos de
50. As geleiras
remanescentes poderão
desaparecer em 30 anos.
Geleira Dokriani Bamak Himalaia, Índia
Recuou 20 metros em 1998,
comparado com 16,5 metros ao
longo dos cinco anos anteriores.
Montanhas Tien Shan Ásia Central
22% do volume do gelo glacial
desapareceu nos últimos 40 anos.
Alpes Europa Ocidental
O volume glacial encolheu mais de
50 % desde 1850. As geleiras
poderão quase desaparecer dentro
de décadas.
Kilimanjaro Tanzânia
O gelo perene encolheu 33% entre
1989 e 2000. Poderá desaparecer
por completo até 2015.
Geleira Quelcaya Andes, Peru
A taxa de recuo aumentou 30
metros por ano na década de 90,
contra uma média de
apenas 3 metros anuais;
provavelmente desaparecerá
antes de 2020.
Fonte: Dados atualizados de Lisa Mastny, “Melting of Earth’s Ice Cover Reaches New High,” Worldwatch
News Brief (Washington, DC: Worldwatch Institute: 6 de março de 2000, apud Brown, 2003, p. 36)
Os números que mostram as alterações provocadas pelo efeito estufa remetem a Serres
(1990, p. 31), não tem dúvida sobre a direção que a humanidade está seguindo. Para ele, o
“crescimento dos nossos meios racionais conduz-nos, a uma velocidade difícil de calcular, na
direção da destruição do mundo que [...] pode condenar-nos a todos, e não já por localidades,
à extinção automática”. Por mais exagerada que possa parecer a previsão do filósofo francês,
18
os dados disponibilizados pelos cientistas que estudam os efeitos provocados pelas atividades
humanas sobre o planeta confirmam a catástrofe visualizada por ele.
Se há a certeza de que nosso modo de vida nos aproxima mais do inferno do que do
paraíso, e isso é exposto diariamente pelos meios de comunicação, por que a degradação
ambiental parece só aumentar? Morin (2003) vê no não recnhecimento da complexidade
8
as
explicações para que se estabelecesse mundialmente como hegemônico um modelo
insustentável do ponto de vista ambiental. Nas palavras do autor, a ciência trouxe
conhecimentos espantosos sobre o mundo físico, biológico, psicológico e sociológico e, “no
entanto, por toda a parte, o erro, a ignorância, a cegueira, progridem ao mesmo tempo que os
nossos conhecimentos” (p. 13). A humanidade passou a ser dominada por uma inteligência
cega. “Vivemos sob o império dos princípios de disjunção, de redução e de abstração
9
, cujo
conjunto constitui o que eu chamo de ‘paradigma da simplificação’” (p. 16, grifo do autor).
Dentro desse modelo, impulsionado pelo quadrimotor ciência-técnica-indústria-lucro
(MORIN, 2002), não existe espaço para um olhar abrangente, para a valorização de aspectos
fora do racionalismo econômico, para a compreensão de que a humanidade está inserida em
ecossistemas que podem ser perturbados irremediavelmente pelas escolhas técnicas e
econômicas tomadas pelas populações que vivem em todos os recantos do mundo. A
8
Para Morin (2003), a complexidade não é o oposto da simplicidade e sim o reconhecimento de que o mundo
não pode ser simplificado da maneira como a ciência faz supor. “À primeira vista, a complexidade é o tecido
(complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: coloca o
paradoxo do uno e do múltiplo. Na segunda abordagem, a complexidade é efetivamente o tecido de
acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo
fenomenal” (p. 20). Aceitar a complexidade significa entender que a vida, natural ou social, é um “fenômeno
de auto-eco-organização extraordinariamente complexo que produz autonomia” (p. 21).
9
Morin (2003, p. 17-19) entende por disjunção a dificuldade de comunicação entre o conhecimento científico e a
reflexão filosófica. O autor afirma que o princípio da disjunção isolou uns dos outros os três grandes campos
do conhecimento científico: a física, a biologia e a ciência do homem. Já a redução constitui-se no caminho
encontrado para remediar os problemas criados pela disjunção. O conhecimento científico fez crer que o corte
arbitrário operado sobre o real era o próprio real. Morin explica ainda que a abstração é necessária ao
pensamento simplificador por este ser incapaz de conceber a união do uno e do múltiplo. É por meio da
abstração que o pensamento simplificador homogeneíza ao anular a diversidade.
19
promessa de que as respostas e soluções estão ao alcance da ciência deixa a falsa impressão
de que as possíveis imperfeições do modelo podem ser corrigidas pela mais recente novidade
tecnológica. A técnica, supostamente, a tudo enquadra no mundo, desde as adversidades
naturais até os problemas criados por ela mesma.
Não é bem assim, segundo Serres (1990):
As sucessivas crises das ciências e das técnicas associadas, em que cada
uma, no auge da sua força, se aproximou perigosamente da morte – átomo e
bomba, química e ambiente, genética e bioética –, justificam a exigência de
uma prudência, piloto da eficácia e da verdade. (SERRES, 1990, p.145)
A humanidade dominou o mundo a partir do momento em que estabeleceu um
contrato social, pacto que uniu os homens com o intuito de superar as dificuldades e perigos
impostos pelo meio ambiente. A humanidade ocupou tantos espaços sobre a Terra que tornou-
se uma variável física. Como conjunto, segundo Serres (1990, p. 36), “o homem é uma
reserva, a mais forte e unida da natureza. É um ser-em-toda-a-parte. E ligado. Unidos por um
contrato social, observavam os filósofos antigos, os homens constituem um grande animal”.
O grande animal não percebeu ainda que o inimigo de primeira hora, o Planeta Terra,
está hoje subjugado e precisa ser tratado de outra maneira. Caso contrário, “o próprio
vencedor” virá a desaparecer. Serres (1990) propõe que ao contrato social entre os homens
seja acrescentado um contrato natural, que inclua a natureza no pacto que sustenta a
humanidade. “Agora que sabemos associar-nos perante o perigo, precisamos de conceber, ao
longo da outra diagonal, um novo pacto a assinar com o mundo” (Serres, 1990, p. 32). Aceitar
o contrato natural significa ir além do que fazer correções na trajetória escolhida pelo homem:
20
Podemos, decerto, atrasar os processos já lançados, legislar para se
consumirem menos combustíveis fósseis, replantar em massa as florestas
devastadas – tudo excelentes iniciativas, mas que, no fundo, remetem para a
imagem do navio que avança a vinte e cinco nós na direção de uma rocha na
qual sem dúvida embaterá, enquanto na ponte de comando o oficial de dia
recomenda ao maquinista que reduza a velocidade em um décimo, sem
mudar a direção. (SERRES, 1990, p. 54)
O contrato natural proposto por Serres pode ser compreendido como uma proposta
para a construção de uma nova cidadania mundial, ou mais abrangente ainda, para o
florescimento de uma nova cultura mundial, calcada no reconhecimento das complexidades
inerentes à vida e no respeito aos ciclos naturais do planeta. Serres (1990) deixa claro que o
contrato natural segue em duas direções:
Se existe uma poluição material, técnica e industrial, que expõe o tempo, no
sentido da chuva e do vento, a risco concebíveis, existe uma segunda,
invisível, que coloca em perigo o tempo que passa e corre, uma poluição
cultural que infligimos aos pensamentos profundos, esses guardiões da
Terra, dos homens. E das próprias coisas. Sem lutar contra a segunda,
fracassaremos no combate contra a primeira. Quem pode hoje duvidar da
natureza cultural do que se chamou infra-estrutura? (SERRES, 1990, p. 55)
Se há, então, um problema com muitas faces, é preciso enxergar que por trás dos
comportamentos nocivos ao meio ambiente há uma visão de mundo que justifica a postura
destrutiva do homem, uma cultura da poluição, perceptível até no senso comum que se tem
sobre um cenário ambientalmente correto. A imagem que predomina na visão popular a
respeito de natureza em equilíbrio é a de um local bucólico, coberto por uma grama verde
com árvores ao fundo, animais, de preferência brancos, soltos e em harmonia, num dia de sol
e céu azul. Esse cenário é um retrato da intervenção do homem e pouco reproduz da rede de
interações necessárias para que se mantenha a teia da vida. As idéias de limpeza, beleza,
harmonia, bucolismo são construções simbólicas a respeito da natureza que não correspondem
21
às condições de equilíbrio da natureza, que necessita tanto da grama quanto de outras plantas
rasteiras consideradas “menos nobres”, dos animais belos quanto dos de aparência mais
repugnante, dos dias ensolarados quanto das tempestades assustadoras. Observar a teia da
vida pelos olhos reducionistas do homem gera distorções que justificam muitos dos problemas
ambientais que afligem o mundo.
Fica evidente que os problemas ambientais não podem ser abordados sem que sejam
observadas todas as dimensões que os explicam, entre elas a cultural. Entretanto, para seguir
adiante com este argumento, é importante entender o que, afinal de contas, é cultura e de que
forma ela molda a sociedade. Thompson (2002, p. 167), ao fazer uma revisão histórico-crítica
do conceito de cultura, revela que o entendimento em torno do que é cultura não é estático.
Extraída da palavra latina cultura, num primeiro momento, cultura foi utilizada nos idiomas
europeus num sentido próximo do original e designava “[...] fundamentalmente, o cultivo ou o
cuidado de alguma coisa, tal como grãos e animais”. A partir do século XVI, a palavra cultura
extrapolou o âmbito agrícola e passou o designar também o processo de desenvolvimento
humano, o cultivo da mente. Com base no alargamento do sentido da palavra cultura,
Thompson (2002, p. 170) chega a quatro versões do conceito de cultura. A primeira delas é a
concepção clássica, cunhada pelos filósofos e historiadores alemães nos séculos XVIII e XIX:
“[...] cultura é o processo de desenvolvimento e enobrecimento das faculdades humanas, um
processo facilitado pela assimilação de trabalhos acadêmicos e artísticos e ligado ao caráter
progressista da era moderna”.
Para o autor, as restrições e estreitezas da concepção clássica são característica
principal e defeito ao mesmo tempo.Com o surgimento da disciplina da Antropologia, no final
do século XIX, a concepção clássica perdeu espaço para o olhar antropológico. A
Antropologia cresceu tendo no seu centro o conceito de cultura. Entre as concepções
Excluído:
22
antropológicas, John Thompson (2002, p. 173) distingue duas, denominadas de concepção
descritiva e concepção simbólica.
A concepção descritiva define que:
[...] a cultura de um grupo ou sociedade é o conjunto de crenças, costumes,
idéias e valores, bem como os artefatos, objetos e instrumentos materiais,
que são adquiridos pelos indivíduos enquanto membros de um grupo ou
sociedade.
Por buscar envolver tudo o que não seja meramente fisiológico, a concepção descritiva
perde-se na imprecisão e na similaridade com a própria definição do que é Antropologia.
Já a concepção simbólica desvia-se da descrição para dedicar-se ao entendimento dos
fenômenos culturais.
Cultura é o padrão de significados incorporados nas formas simbólicas, que inclui
ações, manifestações verbais e objetos significativos de vários tipos, em virtude dos
quais os indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências,
concepções e crenças. (THOMPSON, 2002, p. 176)
Thompson (2002, p. 180) afirma que a concepção simbólica “falha ao não dar
suficiente atenção aos problemas de poder e conflito e, mais genericamente, aos contextos
sociais estruturados dentro dos quais os fenômenos culturais são produzidos, transmitidos e
recebidos”.
Das críticas às concepções anteriores, Thompson (2002, p. 181) chega a sua própria
concepção de cultura, chamada de estrutural: cultura é composta por
[...] formas simbólicas – isto é, ações, objetos e expressões significativas de vários
tipos – em relação a contextos e processos historicamente específicos e socialmente
Excluído:
Excluído: das práticas para
culturais
23
estruturados dentro dos quais, e por meio dos quais, essas formas simbólicas são
produzidas, transmitidas e recebidas.
A proposta estrutural d
o autor complexifica a noção de cultura e traz à tona a
abordagem sobre o exercício do poder. Se a cultura se dá numa estrutura contextualizada, faz-
se e desfaz-se também baseada em relações de poder. Mais ainda: constitui-se numa das
modalidades de poder que age sobre a estrutura social.
As conclusões de Thompson (1998) também são pertinentes para entender a cultura
como poder. Ao analisar a comunicação e o contexto social, o autor (1998, p. 21) recorre a
Bourdieu quando descreve que os fenômenos sociais são ações intencionais – e a
comunicação é vista com uma das ações que ocorrem dentro da sociedade – concretizadas
num contexto estruturado, moldado por circunstâncias previamente definidas, denominadas de
“campos de interação” por Bourdieu. Os indivíduos movem-se e ocupam posições a partir do
tipo e da quantidade de recursos que usufruem dentro dos campos de interação. Ao situar-se
dentro do campo, os indivíduos evidenciam o poder que possuem. Thompson (1998, p. 22-24)
enumera quatro tipos de poder: o econômico, “que provém da atividade humana produtiva”; o
político, “que deriva da atividade de coordenação dos indivíduos e da regulamentação dos
padrões de sua interação”; o coercitivo, “que implica o uso, ou a ameaça, da força física para
subjugar ou conquistar um oponente”; e o cultural ou simbólico, “que nasce da atividade de
produção, transmissão e recepção do significado das formas simbólicas”.
A cultura, então, dá sentido a tudo que ocorre nas estruturas dos contextos e processos
sócio-históricos. E a partir dessa função, torna-se construtora dessas mesmas estruturas,
revelando-se uma instância de poder. Parece óbvio sugerir a interpretação que dá uma
dimensão cultural aos problemas ambientais, porém, normalmente, eles são tratados como
resultado de ações isoladas, desastres provocados por “vilões” ou efeitos colaterais inevitáveis
24
do progresso. Dificilmente são vistos como conseqüências de contextos e processos
historicamente e socialmente estruturados, pairando, simbolicamente, como questões alheias à
vontade do homem, não vinculadas ao modelo de vida avalizado pela cultura dominante.
Ocorre, geralmente, na análise dos problemas ambientais, a simplificação citada por Morin.
Ao tentar reduzir a relação que possui com o meio ambiente a um aspecto meramente
econômico, o homem demonstra não entender a complexidade inerente às interações
ambientais.
Na mídia, é facilmente observável esse reducionismo que dificulta a intervenção em
favor do meio ambiente. Hannigan (1995), ao discutir como os meios de comunicação
noticiaram grandes desastres ambientais dos anos 80, afirma que:
[...] ao centrar-se em acontecimentos discretos, em vez de nos contextos em
que eles ocorrem, os meios de comunicação social tendem a dar aos
consumidores de notícias a impressão de que os indivíduos, ou corporações
errantes, são responsáveis por esses acontecimentos, em vez das políticas
institucionais e dos desenvolvimentos sociais. (HANNIGAN, 1995, p. 89)
A notícia, na tentativa de explicar o mundo dentro do formato jornalístico, procura
respostas diretas para as seis perguntas clássicas do lead
10
. Não cabe neste formato definir o
quem como o modelo de desenvolvimento criado dentro de uma estrutura sócio-histórica
condicionada a relações de poder. As páginas de jornais ou noticiários de televisão e rádio
procuram sempre a apresentação de um culpado com rosto definido.
Como exemplo, Hannigan (1995) esmiúça o caso Exxon Valdez, petroleiro que
10
As seis perguntas clássicas do lead são quem?, o quê?, quando?, onde?, por quê? e como?. De acordo com
Mário Erbolato (1991), as notícias podem ser escritas utilizando a fórmula 3Q (quem, o quê e quando) + O
(onde) + P (por quê) + C (como).
25
provocou o maior desastre ambiental do Alasca, em 1989. Os meios de comunicação
centraram a história em torno dos problemas de embriaguez do capitão Joseph Hazelwood.
Outros ângulos importantes, como a redução dos padrões de segurança marítima
administrados pela guarda costeira norte-americana ou a incapacidade da indústria petrolífera
de limpar grandes derramamentos de petróleo, passaram despercebidos. Para o público
consumidor de notícias prevaleceu a noção de que o acidente foi provocado por um
desleixado capitão, incapaz de conduzir uma embarcação carregada com petróleo. Só que o
capitão Hazelwood não estava presente nas dezenas de outros desastres com petroleiros que
aconteceram mundo afora nos anos subseqüentes.
Os padrões de produção dos bens simbólicos comercializados pelos meios de
comunicação de massa dificultam o esclarecimento sobre as estruturas sociais que originam e
legitimam os modelos que também produzem danos ambientais. São lógicas tão dominantes
que se fazem imperceptíveis. Na maior parte das vezes, o jornalismo, a publicidade e a
comunicação de uma forma geral defendem a preservação do meio ambiente sem apresentar a
verdadeira causa dos problemas ambientais, que é o modo de vida que tem como prioridade
máxima a circulação de mercadorias. Leff (2001) alerta para a incapacidade do planeta
suportar a promessa de consumo incrustada no âmago do capitalismo globalizado.
Hoje em dia, diante dos padrões prevalecentes de consumo, a eqüidade
converte-se num despropósito. Só em pensar que cada indivíduo dos países
pobres (China, Índia, por exemplo) pudesse ter acesso a um carro e a um
refrigerador, faria estourar o planeta! (LEFF, 2001, p. 127)
Ele garante que a diversidade cultural é a chave para a mudança que o mundo
necessita. “A eqüidade na sustentabilidade não pode ser proposta a não ser como um direito à
diversidade cultural, o que implica uma diferenciação das formas sociais de produção e de
26
consumo” (LEFF, 2001, p. 128).
E não há como pensar em diversidade cultural no mundo de hoje sem passar pelos
sistemas globais de comunicação
11
. Martín-Barbero (2003) explica que:
[...] a comunicação é percebida, em todo caso, como o cenário cotidiano do
reconhecimento social, da constituição e expressão dos imaginários a partir
dos quais as pessoas representam aquilo que temem ou que têm direito de
esperar, seus medos e suas esperanças. (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 63)
É na grande estrutura montada para a circulação mundial de bens simbólicos que o
autor enxerga o palco preferencial não só para a reprodução da ideologia, mas também para o
fazer e o refazer a cultura, não apenas para a comercialização de bens simbólicos, mas
também para a recriação das narrativas nas quais se entrelaça o imaginário mercantil com a
memória coletiva. Martín-Barbero (2003) vai mais longe. Para ele, a comunicação
desempenha função constitutiva no processo cultural, “[...] pois as culturas vivem enquanto
se comunicam umas com as outras e esse comunicar-se comporta um denso e arriscado
intercâmbio de símbolos e sentidos” (MARTÍN-BARBERO, 2003, p. 68-69). Comunicação
significa, dentro dessa perspectiva, “colocação em comum da experiência criativa,
reconhecimento das diferenças e abertura para o outro”.
11
Como sistemas (foi escolhida a palavra sistema porque ela significa a combinação de partes coordenadas para
um mesmo resultado, ou de maneira a formar um conjunto) globais de comunicação, para efeito deste trabalho,
são entendidas todas as estruturas voltadas para a circulação de bens simbólicos, algumas plenamente
vinculadas à comercialização de produtos, outras parcialmente. É o caso das redes de distribuição de filmes,
das agências internacionais de notícias, dos grandes conglomerados de mídia, da Internet. Apesar de terem o
consumo como regra e a geração de conhecimento como palco de competição, esses sistemas permitem, dentro
dos seus próprios
mecanismos, o surgimento de discursos dissonantes, que contribuem para geração de um
sujeito fragmentado, “composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias e
não-resolvidas” (HALL, 2002, p. 12).
27
Para que haja uma nova relação entre o homem e a natureza, é preciso que se
construa, então, uma nova cultura, seguindo as reflexões de Serres e Leff. É necessário,
ainda, que esse cabedal diferenciado de valores se insira nos sistemas globais de circulação
de bens simbólicos, já que, segundo Martín-Barbero, é na comunicação que se talham as
culturas. Obviamente que não existe uma receita para que esse movimento em favor de um
modelo de vida mais adequado ambientalmente surja e floresça. E nem se pode imaginar que
a construção de uma nova abordagem se manifeste apenas pela comunicação, sem a ação
concreta de movimentos sociais. Mas o crescente ressoar do discurso ambientalista, por meio
de redes alternativas de comunicação ou infiltrado nos sistemas globais de comunicação nos
últimos 30 anos, é suficiente para autorizar o sonho do estabelecimento de uma nova conduta
ambiental por parte da humanidade.
2.1 A PROLIFERAÇÃO DA BACTÉRIA VERDE
Capra (2002) acredita ser perfeitamente possível compreender a sociedade global
12
comparando-a com os sistemas biológicos. Ambos dependem de redes de comunicação
12
A sociedade global é fruto das transformações econômicas e culturais ocorridas no mundo a partir da década
de 70, mais notadamente a globalização econômica e a disseminação das novas tecnologias de comunicação e
informação. Para Webster (1995), a sociedade global começou a se formar efetivamente a partir da crise do
petróleo de 1973, que revelou as restrições de expansão contínua do modelo fordista, que possuía como pilares
a produção e o consumo em massa devidamente ajustados com o pleno emprego e o crescimento contínuo de
renda dentro de uma economia nacional fortemente direcionada pelo estado-nação. O esgotamento do modelo
fordista fez com que o capitalismo se movesse em direção à globalização do mercado, marca principal do
modelo pós-fordista. Nessa nova economia, que não é igual e nem tampouco radicalmente diferente do modelo
fordista, a produção em massa cedeu espaço parcial ao gosto do consumidor, que passou a ditar as tendências
da produção. Ao mesmo tempo, o trabalhador pós-fordista saiu da quase “inabilidade nata” exigida pela linha
de produção em série para a busca da qualificação necessária para o manejo das novas tecnologias de
informação, que demandaram habilidades ligadas à programação e reprogramação constante dos processos de
produção. Este novo cenário econômico trouxe consigo uma hibridização cultural nunca antes vista. Quéau
(2001) sugere até que “precisamos de uma cultura capaz de ajudar-nos a pensar o global com o local, isto é, de
uma ‘cultura glocal’” (Quéau, 2001, p. 461, grifo do autor). Sobre sociedade global, ver ainda “Teorias da
Globalização”, de Otavio Ianni.
28
(redes metabólicas, no caso dos organismos vivos; e redes de troca de informações, no caso
da sociedade global) para progredir. A comunicação é o instrumento que introduz o novo,
gera a instabilidade e promove a evolução. Assim é quando uma bactéria (informação nova)
penetra num organismo e gera uma reação que pode até ameaçar a sobrevivência do ser vivo.
Quando as características dessa bactéria são assimiladas, o organismo passa a ser diferente,
renovado, evoluído. E assim também é quando um novo padrão de cultura e comunicação
difunde-se pela sociedade. Ele se mostra perturbador num primeiro momento para, logo em
seguida, passar a organizar a sociedade, como é o caso das mudanças culturais e econômicas
promovidas pela globalização.
No entender de Capra (2002), é factível afirmar que:
[...] as redes metabólicas dos sistemas biológicos correspondem às redes de
comunicação dos sistemas sociais; que os processos químicos que produzem
estruturas materiais correspondem aos processos de pensamento que
produzem estruturas semânticas; e que os fluxos de energia e matéria
correspondem aos fluxos de informações e idéias. (CAPRA, 2002, p. 267)
A proposta central da estrutura conceitual do autor é a de que o seu padrão básico de
organização é a rede. Padrão que depende dos fluxos de comunicação para manter-se ativo,
fluxos que não podem ser totalmente controlados ou evitados, tanto nos organismos vivos
quando nos sistemas sociais. Ele vislumbra na organização em rede um fenômeno social de
relevância e o formato adequado para o exercício do poder dentro da sociedade global.
Capra (2002) sustenta ainda que no século XXI duas organizações em rede travarão
uma batalha de grandes proporções. De um lado estará o capitalismo global e de outro
comunidades sustentáveis baseadas na alfabetização ecológica e na prática do projeto
ecológico, ambas envolvendo uma rede complexa e uma tecnologia avançada e especial. O
29
capitalismo global estará ancorado nas máquinas, capazes de criar produtos com rapidez cada
vez maior, difundir bens culturais cada vez mais longe, fazer circular o capital por inúmeros
mercados instantaneamente. O projeto ecológico terá ao seu dispor as novas descobertas da
ciência (como combustíveis que não poluem o ar, equipamentos que utilizam com eficiência
a energia solar, tecnologias agrícolas que não agridem o solo) e o discurso em favor da
sustentabilidade da vida por meio da reprogramação das redes eletrônicas de informação.
A reprogramação mencionada pelo autor pressupõe que o sistema de comunicação do
mundo global passará a disseminar novos valores. “O grande desafio do século XXI é da
mudança do sistema de valores que está por trás da economia global, de modo a torná-lo
compatível com as exigências da dignidade humana e da sustentabilidade ecológica”
(CAPRA, 2002, p. 268). Quando comenta sobre esse grande desafio, Capra demonstra
otimismo. Para ele, a remodelação da globalização já começou, fomentada em grande parte
pelo movimento ambientalista
13
. E as crenças, valores e teorias que inflam o movimento
ambientalista estão se instalando como “bactéria verde” nas entranhas do mundo globalizado
a partir do espaço conquistado pelos atos e idéias de organizações não-governamentais nos
sistemas planetários de comunicação.
O termo “bactéria verde” é cunhado pelo autor deste trabalho de pesquisa a partir da
comparação que Capra (2002) faz dos organismos vivos com os organismos sociais. As
idéias defendidas pelo movimento ambientalista e propagadas pelos sistemas globais de
comunicação têm o poder de se transformar em agentes de mudança sobre a cultura
13
Este trabalho leva em consideração a conceituação feita por Castells (1999) para compreender melhor o que
são os movimentos que lutam pelo meio ambiente. Para ele, existe o ambientalismo e a ecologia. O
ambientalismo é toda forma de comportamento coletivo que, tanto do ponto de vista do discurso quanto da
prática, pretende alterar os comportamentos do homem que provocam danos à natureza. Já a ecologia, na visão
sociológica empregada Castells, abrange o conjunto de crenças, teorias e projetos que insere a humanidade
como parte de um ecossistema mais amplo. O objetivo da ecologia é manter o equilíbrio desse ecossistema
numa perspectiva dinâmica e evolucionária. Castells (1999) resume: “O ambientalismo é a ecologia na prática,
e a ecologia é o ambientalismo na teoria” (CASTELLS, 1999, V.2, p. 144).
30
dominante. Assim, a “bactéria verde” significa as idéias que circulam pelos sistemas de
comunicação e podem tomar de assalto o organismo social em escala planetária, perturbá-lo
num primeiro momento e mudá-lo depois. O raciocínio que fundamenta a “bactéria verde” é
aplicado da mesma maneira sobre a suinocultura no Alto Uruguai catarinense. Os programas
ambientais criados na região nos últimos anos, a discussão mais aprofundada da questão
ambiental e as barreiras econômicas que podem surgir devido ao problema não resolvido dos
dejetos suínos lançaram bactérias no organismo da atividade, provocando instabilidade num
primeiro momento, mas abrindo a perspectiva de mudanças significativas no futuro na
relação com o meio ambiente.
O raciocínio em torno da “bactéria verde” apresenta um viés otimista, que realmente
pode ser constatado de variadas formas. Apesar das críticas ao comportamento da mídia
mundial, controlada pelo mesmo capitalismo que gerou o modelo dominante econômico e
cultural, é inegável o maior espaço ganho pelos assuntos ligados ao meio ambiente nas
últimas três décadas em todo o mundo. No Brasil, por exemplo, principalmente antes da ECO
92
14
, realizada no Rio de Janeiro, a maioria dos meios de comunicação de massa criou
espaços específicos e passou a pautar com mais constância as editorias tradicionais com
assuntos ligados à ecologia
15
. Após a ECO 92, aos poucos o noticiário sobre meio ambiente
14
Realizada de 3 a 14 de junho de 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e o
Desenvolvimento (também conhecida como Cúpula da Terra ou Eco-92) reuniu 108 chefes de Estado para
buscar mecanismos que rompessem o abismo norte-sul preservando os recursos naturais da Terra. As bases
para a Eco-92 foram lançadas em 1972, quando a ONU organizou sua primeira conferência ambiental, em
Estocolmo, e em 1987, ocasião em que o relatório "Nosso Futuro Comum", das Nações Unidas, lançou o
conceito de desenvolvimento sustentável. Após negociações marcadas por diferenças de opinião entre o
Primeiro e o Terceiro mundos, a reunião produziu a Agenda 21, documento com 2.500 recomendações para
alcançar a sustentabilidade no mundo (Disponível na Internet em <http://www1.folha.uol.com.
br/folha/especial/2002/riomais10/>. Acessado no dia 31 de janeiro de 2005).
15
Os assuntos ambientais passaram a ocupar espaço na mídia a partir dos anos 60, com denúncias sobre poluição
urbana, uso exagerado de agrotóxicos e os perigos de degradação ambiental provocados pela superpopulação
humana nos principais veículos de comunicação do mundo inteiro. Com a publicação da Declaração sobre o
Ambiente Humano, após a Conferência de Estocolmo, na Suécia, em 1972, promovida pela Organização das
Nações Unidas (ONU), as questões ambientais passaram cada vez mais a fazer parte do noticiário. Costa
(2004), a partir do conceito de campo de Bourdieu, afirma que “formou-se então durante as últimas décadas, a
31
foi encolhendo, mas manteve um interesse bem maior que nas décadas anteriores. Em alguns
meios de comunicação, o compromisso com a questão ambiental gerou laços irreversíveis. É
o caso do jornal A Notícia, de Joinville, Santa Catarina, que após a aplicação de um programa
chamado de Sistema de Gerenciamento Ambiental
16
, a partir de 15 de julho de 1999, tornou-
se o primeiro jornal brasileiro a conquistar o certificado ISO 14001, conhecido como ISO
Verde
17
.
Em todas as capas do A Notícia e na página eletrônica do jornal disponível na Internet
aparece em posição destacada o selo ISO 14001. Mais importante que o selo é o espaço que o
jornal, que tem circulação estadual, oferece para o debate das questões ambientais. A cada
dois meses, o caderno AN Verde dedica de 12 a 16 páginas para discutir um único assunto.
Em 29 de novembro de 2002, por exemplo, o jornal dedicou 16 páginas para discutir o
destino do lixo urbano em Santa Catarina. Na chamada principal do caderno, uma denúncia:
“A vida sobre montanhas de lixo: levantamento da situação em Santa Catarina revela descaso
base institucional do campo ambiental e foram criadas as condições para a profissionalização de seus agentes,
produtores e reprodutores da crença no valor da natureza, com o apoio de um conjunto de instituições de saber
específico” (Costa, 2004, p. 79). O espaço aberto pela mídia para as questões ambientais foi uma das principais
responsáveis pelo estabelecimento do campo ambiental citado por Costa.
16
O programa de gerenciamento ambiental do jornal A Notícia tem como documento norteador a política
ambiental da empresa, que prevê, além da publicação bimestral de um caderno com papel reciclado chamado
de AN Verde, a constante conscientização interna (funcionários, por treinamentos) e externa (leitores, pela
postura ecologicamente correta e por reportagens abordando questões ambientais). Também fazem parte do
programa medidas para diminuição do impacto ambiental provocado pela impressão do jornal e parcerias com
segmentos da sociedade civil para o desenvolvimento conjunto de programas de conscientização e educação
ambiental. Disponível na Internet em <http://an.uol.com.br/anverde/iso/0iso.htm>. Acessado no dia 8 de
fevereiro de 2005.
17
ISO significa Organização Internacional para Normalização (International Organization for Standardization),
localizada em Genebra, na Suíça, e fundada em 1947. A sigla ISO é uma referência à palavra grega ISO, que
significa igualdade. O propósito da ISO é desenvolver e promover normas e padrões mundiais que traduzam o
consenso dos diferentes países do mundo de forma a facilitar o comércio internacional. A ISO tem 119 países
membros. A ABNT é o representante brasileiro. A ISO trabalha com 180 comitês técnicos (TC) e centenas de
subcomitês e grupos de trabalho. A série ISO 14000 é composta pela norma ISO 14001 e um conjunto de
normas complementares. É uma norma de gerenciamento internacional em torno das atividades da companhia
que têm impacto no ambiente. Obter a certificação ISO 14001 significa que o Sistema de Gerenciamento
Ambiental da empresa foi avaliado por uma entidade independente reconhecida por um organismo nacional e
mostrou atender todos os quesitos ditados pela norma. O certificado tem validade de três anos e após esse
prazo precisa ser renovado (Disponível na Internet em <http://an.uol.com.br/anverde/iso/0iso.htm>. Acessado
no dia 9 de fevereiro de 2005).
32
das autoridades”. O caderno serviu para apoiar uma iniciativa do Ministério Público de Santa
Catarina, que havia iniciado pouco antes a autuação de municípios com aterros sanitários
irregulares. Já em 22 de março de 2004, Dia Mundial da Água, o AN Verde tratou em 12
páginas sobre a necessidade de preservação dos oceanos.
Todas edições do AN Verde também apresentam uma particularidade interessante. O
jornal comercializa espaços publicitários no suplemento, mas todos anúncios dizem respeito a
ações ambientais promovidas por empresas privadas ou órgãos públicos. Na edição de março
de 2004, por exemplo, 11 anunciantes compraram espaço publicitário para mostrar o que
fazem e pensam em favor da água. A Tigre, uma das maiores empresas do país no ramo de
tubos e conexões, ocupou uma página inteira para mostrar que os seus produtos preservam a
água. O anúncio, publicado na página cinco do AN Verde de 22 de março de 2004, é quase
que totalmente ocupado por uma foto em close de uma lágrima caindo do olho de uma
mulher. Ao lado da lágrima, a frase “Se cada um não fizer a sua parte agora, esta vai ser a
única maneira de ver água”. Na parte de baixo do anúncio, a empresa, por meio de um texto
curto em letras brancas sobre um fundo vermelho, explica como preserva o meio ambiente:
“Água é vida. E a TIGRE sabe disso. [...] Com seus produtos e sistemas, a TIGRE combate o
desperdício de água, evita o estrago ambiental causado pelo vazamento de esgotos e previne
doenças de veiculação hídrica. A TIGRE entende que agindo assim torna-se um grande
aliado da saúde das pessoas e da conservação dos recursos naturais do planeta”.
O espaço que as questões ambientais encontra no jornal A Notícia pode ser
compreendido como uma mistura de senso ecológico, oportunismo mercadológico e trabalho
para construir uma imagem institucional simpática ao público. Essa postura de alguns meios
de comunicação resulta, na prática, num alicerce robusto para a disseminação do pensamento
ecológico e para a visibilidade do ambientalismo. Ao comentar sobre as ações bem-sucedidas
33
em nível mundial e local dos grupos que defendem a natureza, Castells (1999) cita que o
espaço concedido pelos meios de comunicação aos atos dos ecologistas é tanto “[...] a ponto
de existirem reclamações por parte dos políticos e das grandes corporações de que é a mídia,
e não os ambientalistas, a grande responsável pela mobilização em torno da questão do meio
ambiente” (CASTELLS, 1999, p. 161). Girardi (2001) se aproxima de Castells. Para ela, “[...]
pode-se dizer que em certos momentos a imprensa foi uma grande aliada do movimento
ecológico, apresentando nas coberturas diárias temas e conceitos que até então estavam
restritos aos domínios das instituições de pesquisa ou dos cientistas” (GIRARDI, 2001, p.
59). Foi especialmente por meio da cobertura feita pela mídia, a partir dos anos 80, que o
cidadão comum passou a conhecer, e de certa forma a exigir outras medidas para corrigir os
malefícios causados pelo manejo equivocado de dejetos animais, os perigos do efeito estufa
ou o efeito dos aerossóis sobre a camada de ozônio.
De forma intensa em alguns momentos ou esporádica em outros, ou de maneira mais
constantes em certos veículos e ocasional em outros, inegável é o fato de que a mídia fez do
meio ambiente um tema recorrente nas páginas de jornal, ondas de rádio, imagens de
televisão e páginas eletrônicas da Internet. Tão recorrente que rotulou até uma nova variante
do jornalismo, o “jornalismo ambiental”, que nasceu juntamente com o movimento
ambientalista e os eventos mundiais promovidos pela Organização das Nações Unidas nas
últimas três décadas (GIRARDI, 2001). O espaço dedicado ao meio ambiente nos meios de
comunicação de massa é tão valorizado que uma das preocupações de organizações não-
governamentais ligadas ao meio ambiente, como o Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande
do Sul, é formar jornalistas em condições de “ler” com mais competência as informações
ecológicas, perceber a sua complexidade, questionar com pertinência as instituições
científicas e informar com precisão ao público sobre o comportamento de empresas e
34
governos.
Waldman (2003) considera primordial a presença de profissionais na mídia em
condições de ler a questão ecológica. A construção de uma nova relação entre o homem e a
natureza, chamada pelo autor de cidadania ambiental, começa pela imagem do meio ambiente
elaborada pelos sistemas de comunicação. Segundo o autor, já existem distorções que
precisam ser corrigidas, ícones disseminados pela mídia e pelos produtos culturais que mais
dificultam do que ajudam. A idéia de que os problemas ambientais são referentes apenas a
florestas devastadas, a animais em extinção e ao consumo irresponsável de reservas naturais
leva para uma posição secundária o espaço urbano, palco preferencial para o exercício da
cidadania ambiental e local que concentra os mais desafiadores desequilíbrios ecológicos.
Para Waldman (2003), a leitura ecológica das cidades merece status de prioridade:
[...] sem, com isso, pretender que as espécies em extinção ou as paisagens
naturais ameaçadas não sejam merecedoras de atenção, solicita-se que as
cidades ocupem na consciência cidadã a mesma ordem de importância que
elas concretamente ocupam na vida cotidiana da maioria dos humanos.
(WALDMAN, 2003, p. 549-550).
Segundo Sorhuet (2001), o principal desafio do jornalismo ambiental é vincular o
cotidiano dos leitores, telespectadores, radiouvintes ou internautas com os assuntos
ambientais. Somente essa vinculação faz com que as questões ambientais tratadas pelos
meios de comunicação adquiram a significão necessária para envolver o cidadão,
despertando nele a motivação e induzindo-o à ação, mesmo que pontual, como a simples
separação entre lixo orgânico e inorgânico na lixeira de casa. O autor defende que o
jornalismo ambiental deve, até mesmo mais do que outras variantes do jornalismo, fomentar
a formação de um receptor que não aja com passividade diante do conhecimento e até mesmo
35
possa criticá-lo. Trata-se de despender mais esforço para abrir a mente do que para levar
informações ao público.
As limitações do jornalismo ambiental, como o apego às catástrofes, a tendência de
comentar com maior ênfase os problemas ambientais distantes do que os próximos ao veículo
de comunicação que os divulga, o repasse de informação que leva mais à perplexidade do que
à ação, a falta de competência para tratar das complexidades inerentes ao tema e traduzi-las
numa linguagem acessível ao público em geral (TARGINO, BARROS, 1996), não chega a
comprometer os alertas que o movimento ambientalista se esforça para propagar. Através dos
próprios meios que legitimam o estilo de vida pregado pelo capitalismo global, o discurso
verde tem mostrado que é insustentável imaginar que as promessas de consumo da
globalização podem ser cumpridas sem o comprometimento da própria vida no planeta. Ao
mesmo tempo, as mensagens que circulam pelo sistema global de comunicação ajudam a
propagar a utopia de uma cidadania ambiental.
2.2 A MODA VERDE
Na busca por novidades que mantenham o nível de consumo, o capitalismo global não
refuta idéias e nem estilos de vida. Apesar da ecologia criticar quase tudo o que está ligado ao
consumo desenfreado e o ambientalismo promover ações contra o modelo de vida baseado
estritamente no capital, é crescente a utilização dos apelos ecológicos em bens culturais e
materiais que se espalham pelo mundo. Os filmes de Hollywood, por exemplo, apresentam
comumente uma postura politicamente correta em relação ao meio ambiente. Basta lembrar o
sucesso alcançado em 1994 e 1995 pelos dois filmes estrelados por Ace Ventura, personagem
do comediante Jim Carrey, que à custa de muitas caretas desdobrava-se para proteger animais
36
ameaçados por empresários inescrupulosos. Ou ainda sentir medo com o que pode acontecer
no planeta a partir das alterações climáticas provocadas pelo efeito estufa, tema central do
filme “O Dia Depois do Amanhã”
18
, um dos sucessos nos cinemas do mundo inteiro em
2004.
Não são só em filmes e bens culturais em que o apelo de venda alça mão de valores
ligados à ecologia. É visível a existência de uma moda verde em quase todos os segmentos da
indústria. Proliferam por todo o planeta alimentos, roupas, cosméticos, eletrodomésticos e até
automóveis que se autodesignam como “protetores da natureza”
19
. Em muitos casos, esses
produtos realmente se mostram menos poluidores em comparação com os seus antecessores
ou concorrentes. Mas, como regra, não deixam de poluir. Apenas diminuem o tamanho da
agressão. O Ford Eco Sport, lançado pela Ford no Brasil em 2002, é um exemplo dessa
realidade. O carro é um sucesso de vendas e apóia toda a sua campanha publicitária em
valores como harmonia com a natureza, contato com o verde e preservação da natureza.
Apesar do Ford Eco Sport ser igual a quase todos os carros que circulam no país, no que diz
respeito à poluição, vende-se, subliminarmente, como um produto integrado à natureza.
É preciso reconhecer que a moda verde, às vezes, pode provocar mudanças profundas.
A página eletrônica Coisas de Mulher vende pela Internet o absorvente feminino reutilizável
18
O filme tem como personagem principal o climatologista Jack Hall (Dennis Quaid). As pesquisas de Hall
indicam que o aquecimento global pode disparar uma mudança abrupta e catastrófica no clima do planeta. Ele
tenta avisar as autoridades do que está por acontecer, mas não é ouvido. Uma série de fenômenos
meteorológicos cada vez mais severos começa a ocorrer pelo globo terrestre: granizo do tamanho de laranja
atinge Tóquio, furacões com recordes de velocidades arrasam
o Havaí; neve cai em Nova Déli, e então uma
série de tornados arrasadores destrói Los Angeles. O aquecimento global acabou levando nosso planeta para
uma nova Era
Glacial.
19
É quase irônico associar preservação ambiental e indústria automobilística. Apesar dos carros atuais emitirem
menos poluentes do que nas décadas passadas, eles ainda se constituem num dos principais responsáveis pelo
efeito estufa. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), automóveis
particulares formam o grupo de emissores de gases nocivos à atmosfera que mais cresce no mundo. Estima-se
que os carros contribuam com cerca de 30% das emissões da Europa, por exemplo (Disponível na Internet em
<http://www.lead.org.br/article/view/1593>. Acessado no dia 10 de fevereiro de 2005).
37
aBIOsorvente, que prega a troca do conforto e praticidade do absorvente descartável pela
proteção ao meio ambiente. O produto coloca-se como uma alternativa ecológica aos
absorventes descartáveis por ter vida útil de seis anos e por decompor-se em apenas 12
meses, em contato com a terra, após ir para o lixo. De acordo com o fabricante, “cada mulher
usa em torno de 10 mil absorventes descartáveis durante sua vida fértil. Apenas nos Estados
Unidos são jogados fora 12 bilhões de absorventes todos os anos. Esse lixo não é reciclável e
demora mais de 100 anos para se decompor” (COISAS de Mulher, 2005). O fabricante
sugere ainda que é possível deixar o absorvente reciclável de molho num recipiente com a
água, sem sabão, e utilizar o líquido, que ficará rico em nutrientes, para regar plantas. Caso
fosse adotado em larga escala, o absorvente feminino reutilizável alteraria radicalmente os
conceitos da indústria de higiene pessoal.
A proliferação dos selos verdes, que dão aos produtos certificados de não agressão ao
meio ambiente, é um sintoma de que uma parcela dos consumidores está disposta a
desembolsar valores monetários maiores se eles redundarem em impacto ambiental menor. É
perceptível o crescimento no número de pessoas que consideram mais importante a correção
ambiental do produto do que o preço ou os benefícios que ele pode proporcionar. Castells
(1999) aponta que, nos anos 90, “[...] 80% dos norte-americanos e mais de dois terços dos
europeus consideram-se ambientalistas” (CASTELLS, 1999, p.141), ou seja, cidadãos
abertos para o consumo preferencial de produtos que atendam aos valores ecológicos. A
polêmica em torno dos alimentos transgênicos
20
, que traz para o centro do debate a questão
ambiental, é a prova de que a afirmação de Castells é pertinente.
20
Alimentos transgênicos, ou OGMs (Organismos Geneticamente Modificados), são seres vivos criados em
laboratório com técnicas de engenharia genética que permitem transmitir genes de um organismo para outro, de
espécies diferentes,
mudando a forma do organismo e manipulando sua estrutura a afim de obter certos
atributos (Disponível na Internet em <http://www.aprendebrasil.com.br/falecom/nutricionista_artigo054.asp>.
Acessado no dia 21 de novembro de 2004).
38
Os produtos transgênicos não são questionados pela ineficiência produtiva, pelo gosto
ruim ou pelo preço abusivo. Pelo contrário. As empresas interessadas na produção de
transgênicos argumentam que eles podem ser a solução para a fome no mundo. Mesmo
assim, sofrem pesados ataques de grupos ambientalistas, que encontram ressonância na
mídia. Os ambientalistas sustentam principalmente que não se sabe quais efeitos os alimentos
geneticamente modificados podem provocar no organismo humano ou de animais. O levante
ambientalista contra os transgênicos é semelhante à batalha dos ecologistas contra a energia
nuclear nos anos 80. O discurso verde foi tão eficaz na época que a energia nuclear tornou-se
a fonte de energia que menos se prolifera no mundo. A taxa de crescimento ficou abaixo de
1% a partir de 1996, sem condições de crescimento (CAPRA, 2002). O mercado global
entendeu que a rejeição ambiental é uma ameaça quase que mortal para qualquer produto.
A invasão verde ocorreu também nos discursos de partidos políticos e empresas nos
últimos 30 anos. Atualmente, as questões ambientais fazem parte das plataformas de
campanha de todos os partidos políticos, com maior ou menor espaço, e ocupam lugar de
destaque na comunicação praticada pelas maiores empresas do mundo. O discurso verde é
uma unanimidade. Poucos o contrariam, apesar da maioria ainda permanecer mais ligado à
retórica do que à prática. Na busca por eleitores ou novos mercados, partidos políticos e
empresas esforçam-se para mostrar que defendem a não agressão ao meio ambiente e detém o
poder para colocar em prática uma “política verde”, estratégia específica para implantar
dentro da burocracia estatal e das rotinas industriais os princípios ecológicos.
No mundo da política, o Partido Verde alemão é o exemplo mais bem sucedido do
discurso verde (CASTELLS, 1999). Fundado em 1980 com base numa coalizão de
movimentos populares, o Partido Verde alemão alcançou nos anos 90 vagas importantes no
Parlamento e postos valorizados no governo nacional e na administração de cidades como
39
Berlim e Frankfurt. Castells (1999) assinala que o momento mais importante do Partido
Verde na Alemanha coincidiu com um redirecionamento partidário, “[...] já que o partido não
detinha mais o monopólio de defensor da causa ambiental, pois os social-democratas, e até
mesmo os liberais, passaram a ser mais receptivos às novas idéias apresentadas pelos
movimentos sociais” (CASTELLS, 1999, p. 153). Ou seja, o Partido Verde é hoje muito mais
próximo de um partido tradicional do que de uma instituição ambientalista. Assim como a
plataforma verde invadiu os demais partidos alemães, o jeito tradicional de fazer política
invadiu o Partido Verde.
O discurso verde apresentou ainda mais vigor no mundo empresarial. Para Kunsch
(1996), a temática ambiental foi incorporada na maioria das organizações e a ação
empresarial em defesa do meio ambiente passa a ser percebida como uma nova postura
pública das empresas. A pressão em favor do meio ambiente possui duas vertentes. A mais
poderosa é a do consumidor, que tende a rejeitar produtos nocivos à natureza. A outra vem do
próprio mercado. Já vigoram restrições na Europa, Ásia e América do Norte contra produtos
que não respeitam políticas ambientais. Apesar da postura dos países que exigem o
cumprimento das regras ambientais ser muito mais protecionista do que ecológica, a pressão
tem dado resultados. Praticamente todas as empresas que aspiram participar do comércio
internacional tentam se adequar dentro dos padrões das ISOs 9000 e 14000, certificados
internacionais que rendem aos portadores garantia de acesso aos mercados mais exigentes
mediante o cumprimento de regras de proteção ambiental.
A comunicação empresarial com ênfase no meio ambiente procura afastar ameaças ou
promover produtos. Para Nogueira (1992), “[…] ecologia deixou de ser uma bandeira
emocional e política para transformar-se num importante, talvez o principal, megatrend do
mundo dos negócios” (NOGUEIRA, 1992, citado por KUNSCH, 1996, p. 118). Os
40
departamentos de marketing das grandes empresas, especialmente as que atuam em
segmentos que naturalmente põem em risco o meio ambiente, usam todos os argumentos
possíveis para mostrar que tal produto é feito com base em procedimentos ambientalmente
corretos. A Petrobrás, empresa do governo brasileiro que protagonizou alguns dos maiores
desastres ecológicos brasileiros das últimas décadas, é um exemplo desse tipo de
comunicação. A página eletrônica da empresa na Internet apresenta todas as ações em favor
do meio ambiente, como o financiamento do Projeto Tamar
21
.
Há ainda na página da Petrobrás um detalhamento sobre os cuidados ambientais que
empresa possui quando explora o petróleo, quando perfura um poço, quando produz
combustíveis e quando os transporta até os postos. Em todas as suas peças publicitárias, a
empresa ainda se compromete a manter-se cada vez mais competitiva sem abrir mão da
qualidade dos produtos, da minimização dos impactos ao meio ambiente e da segurança dos
trabalhadores. “Por isso, a Companhia dedica igual atenção ao seu desenvolvimento
tecnológico e aos aspectos de proteção ao meio ambiente” (PRESERVAÇÃO do Meio
AMBIENTE, 2004). Kunsch (1996) alerta, porém, que o discurso empresarial verde não pode
ser somente uma peça publicitária, destinada a convencer o consumidor a respeito da
qualidade de um produto ou a sociedade sobre a preocupação da empresa com o meio
ambiente:
Se uma organização está causando danos ao meio ambiente, não adianta
produzir sofisticada comunicação institucional. [...] A sociedade moderna
exige transparência dos fatos. Fazer e construir imagem positiva sem fundo
de verdade é ilusão do passado
. (KUNSCH, 1996, p. 120)
21
Projeto financiado pela Petrobrás que protege, desde 1980, com ótimos resultados, as cinco espécies brasileiras
de tartaruga marinha.
41
Mesmo visando garantir o lucro como objetivo primeiro, o discurso empresarial verde
realmente leva a ações em benefício da proteção ambiental.
Somados, os sintomas de uma nova postura presentes nos bens culturais, no consumo
e no discurso, representam uma porta significativa para o erguimento de um sistema de
valores que reprograme a própria máquina que gera as mazelas do mundo atual. A mudança
deve ser sutil, como sutis foram os primeiros passos da globalização. Já está em curso a
concepção de um novo jeito de produzir, de uma nova forma de consumir, sustentáculos para
o exercício de uma nova cidadania. Tal esperança diante dos sinais emitidos pelos processos
pode aparentar excesso de otimismo ou até ingenuidade. É sensato, no entanto, reconhecer
que de simples atos brotaram nos últimos anos ondas de cidadania que chamaram a atenção
do mundo. Basta lembrar dos protestos em Seattle em novembro de 1999, quando
representantes de ONGs ambientalistas e sociais do mundo inteiro apresentaram pela
primeira vez de forma mais explícita os efeitos maléficos da globalização durante a 3ª
Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). Do sonho de Seattle
surgiu dois anos depois a realidade do Fórum Social Mundial de Porto Alegre, que instituiu
oficialmente o debate mundial sobre uma cidadania global, capaz de dar um sentido e uma
ordem para a expansão planetária do capital.
Há ainda o Protocolo de Kyoto
22
, que pode ser visto como um avanço importante no
22
O Protocolo de Kyoto é um acordo internacional que estabelece metas de redução de gases poluentes para os
países industrializados e já foi assinado por 141 países. Ele foi finalizado em 1997, na cidade japonesa de
Kyoto, baseado nos princípios do Tratado da ONU sobre Mudanças Climáticas, de 1992. O protocolo
ganhou força para entrar em vigor depois que a Rússia decidiu ratificá-lo, no ano passado. Era necessário que o
tratado reunisse os responsáveis por pelo menos 55% das emissões. Apenas 30 países industrializados, no
entanto, estão sujeitos a essas metas. O Brasil ratificou o tratado, mas não teve de se comprometer com metas
específicas porque é considerado país em desenvolvimento. O grande ausente do protocolo, até agora, são os
Estados Unidos. O presidente americano, George W. Bush, retirou-se das negociações sobre o protocolo em
2001, alegando que a sua implementação prejudicaria a economia do país. O governo Bush considera o tratado
"fatalmente fracassado". Um dos argumentos é que não há exigência sobre os países em desenvolvimento para
reduzirem as suas emissões. Bush disse ser a favor de reduções por meio de medidas voluntárias e novas
42
caminho de uma relação sustentável com o planeta. O protocolo, que entrou em vigor no dia
16 de fevereiro de 2005, prevê o financiamento de projetos ambientais em países em
desenvolvimento para contribuir com a redução das emissões dos gases que provocam o
efeito estufa. Representa, ao mesmo tempo, uma oportunidade de desenvolvimento para
várias regiões do mundo que conjugam miséria com problemas ambientais. Na sua edição
eletrônica do dia 16 de fevereiro de 2005, o jornal Folha de São Paulo publicou que o Banco
Mundial já registra vários exemplos de como o protocolo vai ajudar a financiar mudanças
ambientais:
Na Guatemala, onde apenas 41% da população têm acesso à eletricidade,
uma empresa local, filial da gigante italiana Enel, instalou uma central
hidrelétrica na zona oeste, perto da localidade de Santa Maria de Jesus. A
central, financiada principalmente por uma agência do Banco Mundial,
produz 178 gigawatts de eletricidade por ano e reduz as emissões de
poluentes em 140 mil toneladas. Ela é parte de um projeto de conservação
da água da região em proveito das comunidades indígenas. Da mesma
forma, na África do Sul, dois projetos de produção de eletricidade a partir de
gás originado da decomposição do lixo da cidade de Durban permitiram
reduzir o uso do carvão no fornecimento de corrente elétrica nessa região.
No total, as duas iniciativas contribuirão para reduzir as emissões
equivalentes de CO² de 3,8 milhões de toneladas este ano. (KYOTO prevê
reduzir o CO² mediante projetos ambientais em países emergentes, 2005)
Na opinião da maioria dos cientistas que estudam o efeito estufa, as metas instituídas
em Kyoto apenas tocam a superfície do problema. O acordo visa a reduzir as emissões nos
países industrializados em 5%, só que é praticamente consenso entre os cientistas que para
efetivamente controlar o aquecimento gradual da Terra seria preciso uma redução de 60% das
emissões de gases poluentes. Apesar das críticas, o Protocolo de Kyoto é importante porque
estabelece linhas gerais para futuras negociações sobre o clima. O tratado teve o efeito ainda
de fazer com que vários países transformassem em lei a meta de reduções das emissões
tecnologias no campo energético. (Disponível na Internet no endereço eletrônico<http://www1.folha.
uol.com.br/folha/bbc/ult272u39714.shtml>. Acessado em 20 de fevereiro de 2005).
43
desses gases. Sem ele, certamente o movimento ambientalista teria menor poder de pressão
sobre políticos e empresas para a implementação de medidas de proteção ou recuperação do
meio ambiente.
2.3 A CONSTRUÇÃO A PARTIR DO LIMITE
A crise ambiental que diariamente produz manchetes nos meios de comunicação surge
como um marco divisor da trajetória da humanidade. Ela coloca diante dos processos globais
de acumulação de capital a questão do limite, expondo a impossibilidade do cumprimento da
principal promessa da globalização, que era a de fazer felizes todos os habitantes do planeta a
partir do acesso amplo ao consumo de bens duráveis e culturais. O limite imposto pelo meio
ambiente escancara a insustentabilidade do modelo empregado pelo capitalismo globalizante
e evidencia o real objetivo da sociedade global: vender mercadorias para o maior número de
pessoas, não importa a que custo para o planeta e para a humanidade.
O vislumbramento de um limite ambiental é, no entender de Leff (2001), o princípio
da ressignificação da sociedade atual, da passagem da globalização econômica para a
globalização ecologizada. O limite ambiental levanta-se como um fator tão poderoso que não
poderá ser superado a partir da lógica capitalista. Necessariamente, a manutenção da vida no
planeta passará pela emergência de novos valores, da instalação de uma cultura diferenciada
da atual, que reconheça a complexidade presente na interação da humanidade com o planeta.
Para Leff (2001), “isto implica o estabelecimento de novas relações sociais de produção e de
novos sentidos civilizatórios, donde emerge um poder feito de uma nova matéria, sujeito a
novas regras” (LEFF, 2001, p. 126).. Nessa nova ordem proposta pelo autor, o exercício da
cidadania é causa e efeito, ação e reação. Do cidadão ciente do limite ambiental nasce o
44
cidadão construtor de um “[…] mundo novo, onde a racionalidade ambiental recebe, conjuga
e dispersa as luzes e as vozes pela democracia, pela sustentabilidade e pela justiça social”
(LEFF, 2001, p. 132).
Entre a exposição dos limites ambientais e a necessária construção de um novo
sistema de valores pela cidadania estão os sistemas globais de comunicação. Não há como
fomentar transformações significativas na globalização sem aproveitar-se dos poderosos
instrumentos de disseminação de informações e cultura que representam as indústrias
culturais, as mídias e as novas tecnologias de comunicação. Conforme sugere Capra (2002),
quando compara os sistemas sociais aos organismos vivos e destaca a importância da
comunicação para a evolução tanto da sociedade quando dos seres vivos, a informação
geradora de uma nova cidadania deve instalar-se dentro do organismo global por meio dos
sistemas globais de comunicação como uma bactéria verde, fonte de instabilidade num
primeiro momento e semente para o nascimento de uma sociedade global fundamentada em
bases ecologicamente viáveis e socialmente mais justas no instante posterior.
Apesar da globalização econômica ser ainda a realidade e os pressupostos de uma
cidadania ambiental continuarem presos ao mundo das utopias, a trajetória do movimento
ambientalista evidencia que já existem sinais de que a bactéria verde pode disseminar-se
pelos sistemas globais de comunicação. Mesmo que insuficientes, alguns cenários presentes
nesses sistemas demonstram que é viável acreditar no potencial de mudança despertado pelo
movimento ambientalista:
a) bombardeada por décadas pelas ONGs ambientalista, a mídia, mesmo com
abordagens que eventualmente não se apresentam como as mais corretas, cedeu e cede cada
vez mais espaços para a questão ambiental;
b) posturas e discursos ecologicamente corretos norteiam a elaboração de bens
45
culturais de consumo mundial difundidos pelos mecanismos do capitalismo global;
c) cada vez mais as empresas investem em peças de comunicação para demonstrar as
ações ambientais que colocam em prática;
d) para apresentarem-se socialmente justas e ambientalmente corretas, e utilizarem
esses rótulos em estratégias de marketing, as empresas mostram-se dispostas a financiar
projetos que fomentem o exercício da cidadania entre as populações carentes;
e) tornou-se regra nas peças publicitárias que buscam vender os bens duráveis
associar o produto em questão a conceitos de sustentabilidade ambiental e qualidade de vida;
f) os discursos dos partidos políticos e governantes em quase todo o mundo situam o
meio ambiente sempre como prioridade;
g) a opinião pública em todo o mundo mostra-se cada vez mais sensível às questões
ambientais, principalmente no que diz respeito às alterações provocadas por atividades
econômicas.
Existe também mais um sintoma promissor emitido pela relação
comunicação/movimento ambientalista. A eficiente e perspicaz utilização das novas
tecnologias da comunicação pelas ONGs ambientalistas fez com que da atuação em rede na
disseminação de informações brotasse um poder surpreendente. Castells (1999) registra que
os grupos ambientalistas dos Estados Unidos distribuíram câmeras de vídeo a grupos em
várias partes do mundo para que fossem registradas violações das leis ambientais. Os fatos
documentados pelos grupos ambientalistas seguem para três endereços. O primeiro deles é a
mídia, em forma de denúncia. A segundo é o rol de jornais, revistas e documentários em
vídeo editados pelos próprios grupos. E o terceiro é a Internet.
Castells (1999) considera a Internet a ferramenta de comunicação preferencial para
organizar e mobilizar o movimento ambientalista em todo o mundo. Ele cita vários exemplos
46
para comprovar essa organização e mobilização em rede via Internet: a coalizão de grupos
ambientais dos Estados Unidos, Chile e Canadá que se mobilizou contra a aprovação da
Associação Norte-Americana de Livre Comércio (NAFTA) na década de 90; o ponto de
encontro em que se transformaram os sites da Conservation Internacional e da Rainforest
Action Network, que defendem a causa dos povos indígenas nas florestas tropicais; e a
discussão mundial promovida pela Food First, que se conectou a uma rede mundial de
grupos ambientalistas de países em desenvolvimento para discutir questões ambientais e a
miséria.
Aos exemplos do autor podem ser acrescidas as duas recentes mobilizações de
impacto por meio da Internet que envolveram grupos ambientalistas. Em novembro de 1999,
representantes de ONGs ambientalistas e sociais do mundo inteiro encontraram-se em
Seattle, nos Estados Unidos, para protestar contra os efeitos da globalização durante a 3ª
Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). A Coalizão de
Seattle, a partir do uso hábil da interatividade da Internet, firmou-se como um novo tipo de
movimento político típico da Era da Informação (CAPRA, 2002). Como conseqüência da
Coalizão de Seattle, surgiu em 2001 o Fórum Social Mundial. O evento foi realizado em
Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, em 2001, 2002, 2003 e 2005
23
. Em 2004, o Fórum
Social Mundial aconteceu na Índia. Em todas as edições, o fórum transformou-se num local
de reunião de ambientalistas e representantes de movimentos sociais de dezenas de países
com a intenção de discutir opções de remodelação do capitalismo global. Sem a Internet, o
23
O V Fórum Social Mundial foi realizado em Porto Alegre entre os dias 26 e 31 de janeiro de 2005. Segundo os
organizadores, foi a maior edição do encontro. De acordo com a assessoria de imprensa do evento, a edição de
2005 reuniu 155 mil pessoas, das quais 35 mil se hospedaram no Acampamento Intercontinental da Juventude,
no Parque Marinha do Brasil. Estiveram presentes 6.588 organizações de 135 países. O número de de
profissionais da comunicação que cobriram o fórum chegou a 6.823. A edição de 2005 do evento teve ainda:
cerca de 2.800 voluntários; a participação de 2.500 trabalhadores da Economia Popular e Solidária; a
participação de 200.000 pessoas na passeata de abertura pelas ruas de Porto Alegre; e 2.500 atividades
culturais (Disponível na Internet em <http://www.forumsocialmundial.org.br/noticias_01.php?cd_news=
1705&cd_language=1>. Acessado no dia 20 de fevereiro de 2005).
47
Fórum Social Mundial não seria o que é. Com a Internet, os movimentos sociais mostraram
que podem lançar questionamentos nunca antes apresentados ao capitalismo globalizado.
Não há dúvida que existem indícios de que deve ocorrer um choque de grandes
proporções dentro da sociedade global. De um lado estará a utopia verde e do outro a lógica
globalizante neoliberal. O choque terá o sistema mundial de comunicação como palco
decisivo, espaço em que os dois lados exporão seus argumentos mais poderosos. Quem
possuir um olhar otimista, apostará que virá a assumir o controle do mundo uma sociedade
global sustentada por novos valores, composta por sujeitos praticantes de uma nova
cidadania, que inclui a busca do equilíbrio ambiental. Já o olhar pessimista, não terá muito no
que apostar. Os sistemas globais de comunicação têm mostrado explicitamente ou nas
entrelinhas que os limites ambientais não dão chances de escolha para a humanidade. A
continuidade do padrão atual de relação com o planeta levará fatalmente à extinção da vida,
ou pelo menos das formas de vida hoje conhecidas.
48
3 SUSTENTABILIDADE CONTRA MONOCULTURA MENTAL: TENSÃO ENTRE
CULTURAS NO MEIO RURAL
A agropecuária mundial é comandada, atualmente, por um modelo muito claro. A
regra é produzir o máximo de alimentos, a partir de técnicas de produção baseadas nas
indústrias de insumos, com custos cada vez mais baixos e direcionados ao mercado
internacional. O produtor deve se preocupar com a escala de produção, com possíveis
barreiras sanitárias, com a aquisição constante das novas tecnologias desenvolvidas pelas
indústrias, com os altos e baixos da Bolsa de Chicago
24
e olhar para a sua propriedade como
se ela fosse uma empresa. Quem não pensar desta maneira, está fora do negócio. O mundo
agropecuário de hoje parece muito natural, calçado em verdades incontestáveis, mas não é.
Ele, ao mesmo tempo em que impôs-se econômica e socialmente, criou em torno de si uma
cultura para justificar-se.
O modelo que vigora na agropecuária mundial foi construído durante os anos 50. A
24
A Bolsa de Chicago, chamada oficialmente de Chicago Board of Trade, é a mais tradicional bolsa de mercados
futuros do mundo. Localizada em Chicago, no Centro-Oeste dos Estados Unidos, negocia 900 mil contratos
por dia. Serve de referência na formação de preços dos alimentos mais consumidos no mundo, como a soja e o
milho. No caso da soja brasileira, é um fator decisivo para a cotação. Foi criada em 1848 por 82 comerciantes
que queriam facilitar os negócios entre si. A partir de então, começaram a ser feitos os contratos futuros, que
permitem, tanto aos produtores como à indústria, reduzir os riscos decorrentes da atividade agrícola. Por
exemplo: o produtor pode planejar os seus investimentos no momento do plantio, pois já sabe quanto recebe
pela sua colheita. Já a empresa pode organizar o seu fluxo financeiro porque também já conhece
antecipadamente quanto vai desembolsar pela matéria-prima (Disponível na Internet em
<http://educaterra.terra.com.br/almanaque/bolsa_chicago2.htm>. Acessado no dia 19 de março de 2005).
[J1] Comentário:
49
Revolução Verde foi uma transformação na agricultura mundial baseada nas propostas do
agrônomo norte-americano Norman Ernest Bourlag, que idealizou um sistema de produção
intensa de alimentos com o uso de máquinas, insumos químicos e sementes selecionadas. A
injeção de tecnologia básica e de um conjunto de práticas e insumos agrícolas asseguraram as
condições para que as novas cultivares alcançassem altos níveis de produtividade, dando
surgimento às sementes de Variedades de Alto Rendimento – VAR. Essas sementes vieram a
substituir as chamadas sementes crioulas, até então bastante utilizadas na agricultura
tradicional. Desta forma, a diversidade de espécies agrícolas diminuiu drasticamente no
mundo. Os diferentes pequenos sistemas de subsistência foram substituídos por monoculturas
e as necessidades geradas pela Revolução Verde se estenderam para outras áreas da produção
agrícola. As carnes, frutas, derivados do leite, enfim, praticamente todos os alimentos
consumidos pela humanidade, passaram a ser extraídos de uma máquina voltada para a
obtenção do lucro.
É importante explicar que as condições para a implantação da Revolução Verde
nasceram do espólio da Segunda Guerra Mundial. Os Estados Unidos, grande vencedor do
conflito, passou a comandar a mundialização do capitalismo, especialmente após a segunda
metade da década de 70. Uma das direções percorridas pela internacionalização do capital foi
a troca da agricultura de subsistência pela agricultura tecnificada, chamada de agricultura
moderna e de solução para a ameaça da fome no mundo pelos países que a venderam. A
implantação da Revolução Verde aconteceu primeiro nos países desenvolvidos da Europa,
América do Norte e Ásia. Nos anos 60, iniciou o processo de expansão para o restante do
planeta, por meio de pacotes tecnológicos, tendo como alvo principal os países considerados
subdesenvolvidos, como o Brasil.
“A Revolução Verde criou a idéia de que a fertilidade do solo é produzida nas fábricas
50
de substâncias químicas e que a produtividade agrícola só pode ser medida por meio de
mercadorias vendidas” (SHIVA, 2003, p. 77). No campo de interação
25
em que se situa a
agricultura, os poderes econômicos e político foram respaldados pelo poder cultural para fazer
crer que a Revolução Verde é a única alternativa disponível para o meio rural. Para
estabelecer-se no mundo inteiro, a Revolução Verde tachou de atrasados, ultrapassados,
crendices sem valor todos os demais conhecimentos a respeito da agricultura. A dominação
cultural da Revolução Verde ainda é tão acachapante que “[...] aqueles que não se ajustam à
uniformidade são declarados incompetentes” (SHIVA, 2003, p. 33).
Assim como a terra é dominada pelo modelo alicerçado na monocultura de grãos,
Shiva (2003) acredita que as pessoas que vivem no meio rural são guiadas por uma
monocultura mental:
Além de tornar o saber local invisível ao declarar que não existe ou não é
legítimo, o sistema dominante também faz as alternativas desaparecerem
apagando ou destruindo a realidade que elas tentam representar. A
linearidade fragmentada do saber dominante rompe as integrações entre os
sistemas. O saber local resvala pelas rachaduras da fragmentação. É
eclipsado com o mundo ao qual está ligado. Desse modo, o saber científico
dominante cria uma monocultura mental ao fazer desaparecer o espaço das
alternativas locais, de forma muito semelhante à das monoculturas de
variedades de plantas importadas, que leva à substituição e destruição da
diversidade local. O saber dominante também destrói as próprias condições
para a existência de alternativas, de forma muito semelhante à introdução
das monoculturas, que destroem as próprias condições de existência de
diversas espécies. (SHIVA, 2003, p. 25)
25
As conclusões de Thompson (1998) também são utilizadas neste trabalho de pesquisa para entender a cultura
como poder. Ao analisar a comunicação e o contexto social, o autor (1998, p. 21) recorre a Pierre Bourdieu
quando descreve que os fenômenos sociais são ações intencionais – e a comunicação é vista como uma das
ações que ocorrem dentro da sociedade – concretizadas num contexto estruturado, moldado por circunstâncias
previamente definidas, denominadas de “campos de interação” por Bourdieu. Os indivíduos movem-se e
ocupam posições a partir do tipo e da quantidade de recursos que usufruem dentro dos campos de interação. Ao
situar-se dentro do campo, os indivíduos evidenciam o poder que possuem. Thompson (1998, p. 22-24)
enumera quatro tipos de poder: o econômico, “que provém da atividade humana produtiva”; o político, “que
deriva da atividade de coordenação dos indivíduos e da regulamentação dos padrões de sua interação”; o
coercitivo, “que implica o uso, ou a ameaça, da força física para subjugar ou conquistar um oponente”; e o
cultural ou simbólico, “que nasce da atividade de produção, transmissão e recepção do significado das formas
simbólicas”.
51
A autora enfatiza que ao mesmo tempo em que levou a proposta da monocultura
para a terra, o saber dominante, a serviço da globalização econômica, impôs-se pelo
aniquilamento da diversidade cultural. Como sustentação das tecnologias e sistemas de
cultivo há todo um aparato cultural legitimando a monocultura. A produção de grãos
dependente de adubos químicos, sementes melhoradas geneticamente e emprego intensivo
da mecanização é vista como moderna, viável, única forma possível de viabilizar a
sobrevivência do agricultor. Já as demais técnicas de cultivo recebem o rótulo de atrasadas
ou de subsistência, tratamento que raramente é questionado em escolas, meios de
comunicação ou outras esferas. A afirmação cultural da monocultura de grãos é tão
enraizada que até mesmo quando se apresentam os seus custos ambientais nem se discute a
troca de paradigma produtivo. No máximo, examina-se a possibilidade de redução do
impacto sobre a natureza provocado pela monocultura.
Shiva (2003) também vê na Revolução Verde a explicação para parte dos
problemas ambientais que o planeta enfrenta neste momento. Para a autora, o conceito do
que não serve dentro do modelo agropecuário hegemônico é causa de um sério
desequilíbrio ambiental.
No entanto, o que é “improdutivo” ou “lixo” no conceito comercial da
Revolução Verde agora está começando a aparecer como algo produtivo
no contexto ecológico e como o único caminho para uma agricultura
sustentável. Ao tratar os insumos orgânicos essenciais que mantêm a
integridade da natureza como “lixo”, a estratégia da Revolução Verde
assegurou que os solos férteis e produtivos são, na verdade, um monte de
lixo. A tecnologia de “melhoria da terra” mostrou ser uma tecnologia de
degradação e destruição do solo. Como o efeito estufa e o aquecimento
global, uma nova dimensão foi acrescentada à ação ecologicamente
destrutiva dos fertilizantes químicos. Os fertilizantes à base de nitrogênio
liberam óxido nitroso na atmosfera; este é um dos gases de efeito estufa
que está causando o aquecimento global. Portanto, a agricultura química
52
contribuiu para a erosão da segurança alimentar por meio da poluição da
terra, da água e da atmosfera. (
SHIVA, 2003, p. 78, grifos da autora)
O círculo monetário e cultural montado pela Revolução Verde tira da terra a virtude
da geração de alimentos. Todo tipo de insumos é vendido aos produtores com a intenção de
aumentar a produtividade. O investimento serve para que seja ofertada uma quantidade
crescente de alimentos, por preços menores, a um mercado que é controlado por grandes
empresas. O custo ambiental para rodar o sistema é incalculável. Ou melhor, é calculável, já
que quanto mais insumos químicos absorve a terra, mais rentabilidade registra a indústria
ligada à agricultura. Quanto mais se expande a monocultura, maior se torna o círculo
monetário e cultural da Revolução Verde.
Enquanto os setores hegemônicos do mundo globalizado acreditam que estão
próximos de inventar a agricultura que não depende da terra e do clima, o movimento
ambientalista prega com entusiasmo a implantação de práticas agrícolas agroecológicas e o
reencontro do homem com a terra. Esse choque de discursos e intenções está presente
especialmente no noticiário sobre agricultura e na comunicação rural, que oscilam entre as
maravilhas prometidas pela tecnologia e os alertas feitos pelos ambientalistas. Na
comunicação feita para o mundo agrícola vê-se com clareza tanto a monocultura mental
denunciada por Shiva (2003) quanto a proposta de uma relação diferenciada com o meio
ambiente, presente no apelo mercadológico dos alimentos produzidos pelos métodos da
agricultura ecológica.
A possibilidade de convivência de afirmações tão díspares no mesmo campo explica-
53
se pela busca da sustentabilidade na agricultura
26
. A partir dos anos 70, desencadearam-se no
mundo inteiro discussões sobre a necessidade de implantação de um modelo diverso de
desenvolvimento na área agrícola, que não fosse fundado na exploração ambiental desregrada
e que não se voltasse somente para a maximização dos lucros. A proposta de
desenvolvimento sustentável logo instalou-se como oposição à Revolução Verde. Só que com
o passar das décadas, o discurso favorável ao desenvolvimento sustentável tornou-se
predominante nas vozes de todos os segmentos que compõem o campo da agricultura, mesmo
que, na prática, poucos de fato lutem por ele.
O caso dos alimentos transgênicos também serve para entender como um conceito
contrário à lógica do capitalismo globalizado serve para rotular tecnologias nascidas para
manter o mesmo modelo agrícola. As empresas que comercializam, por exemplo, sementes
de soja transgênica, argumentam que os organismos geneticamente modificados
proporcionam maior proteção ao meio ambiente, maior disponibilidade de alimentos para
acabar com a fome no mundo, ampliação da segurança alimentar para o consumidor e maior
renda para quem vive no meio rural. Quem critica os alimentos transgênicos garante que eles
ameaçam o meio ambiente, põem em risco a saúde pública, aumentam a exclusão no campo e
só dão continuidade ao modelo que nunca conseguiu acabar com a fome no mundo.
Nos instrumentos de comunicação utilizados pelos dois lados, a sustentabilidade
aparece como conceito inatacável. Mesmo defendendo bandeiras radicalmente opostas e
partindo de conceitos próprios do que é sustentabilidade na produção de alimentos,
defensores dos transgênicos e críticos garantem ter a melhor receita para a implantação da
26
Por sustentabilidade na agricultura compreende-se a adoção de um modelo que contemple o desenvolvimento
social, econômico, ecológico e político, tendo como premissa a ser alcançada a integração do gerenciamento
ambiental com o processo econômico (ALMEIDA, 1997).
54
agricultura sustentável. É desse tipo de infiltração no organismo da sociedade globalizada que
Capra (2002) fala. Para manter a maximização dos lucros, as indústrias agrícolas com atuação
mundial se valem até de idéias que, em princípio, as condenam. O que pode parecer apenas a
apropriação de conceitos para manter o mesmo modelo, num primeiro momento, abre espaço
logo adiante para a sedimentação de uma nova cultura, capaz de abrir caminho para a
possibilidade de uma mudança profunda na matriz tecnológica da agricultura industrial.
Não há dúvida que os sinais de esperança são fugazes. Mas merecem um pouco de
crédito. Olhando apenas para a comunicação rural, são evidentes as alterações já provocadas
pelas idéias que foram assimiladas pelo modelo hegemônico nas últimas três décadas. A
busca pelo desenvolvimento sustentável fez com que a comunicação rural passasse a levar em
consideração um cenário de relações combinatórias entre o global e o local, permeado pelas
mediações do urbano e do rural, do massivo e do popular. Os novos arranjos institucionais
praticados por organizações governamentais e não governamentais com vistas à geração de
desenvolvimento sustentável transformaram o meio rural num espaço que não cabe mais
dentro do modelo difusionista
27
de comunicação rural.
Santos (2002) sugere um novo papel para a comunicação rural:
[...] a Comunicação Rural deve promover a “concertação” dos atores
envolvidos no desenvolvimento local no sentido de possibilitar a promoção
de ações econômico-produtivas imediatas; garantir a oportunidade para que
os projetos de desenvolvimento sejam resultados das aspirações das pessoas
envolvidas localmente e que o apoio governamental, em todos os níveis,
sirva de reforço à lógica local. (SANTOS, 2002, p. 51 – grifo da autora)
27
O modelo difusionista surgiu nos anos 40, nos Estados Unidos, e volta-se para a difusão de inovações
tecnológicas no campo. As três versões do modelo difusionista (Modelo de Difusão, Modelo de Programa de
Pacotes e Modelo de Inovação) preocupam-se somente em convencer o produtor a aplicar as tecnologias
repassadas com o intuito de aumentar a produção. O agricultor é visto como um “saco vazio” que precisa ser
preenchido com um conhecimento pré-escolhido pelo difusor, repassadas com o intuito de aumentar a
produção. (FONSECA JR., 2002, p. 90)
55
Dentro dessa perspectiva, o repasse de tecnologias para melhorar a produtividade não
se apresenta como objetivo final da comunicação rural. Mais importante é promover as
mudanças sociais para que o meio rural torne-se melhor para quem vive nele. Até porque a
tendência é que cada vez mais o meio rural se abra para modelos econômicos, sociais e
culturais alternativos.
Souza e Alcântara (2001) acreditam, por exemplo, que os padrões de produção
difundidos pela Revolução Verde vão entrar em decadência. Segundo elas, as informações
sobre segurança alimentar cada vez mais disponíveis para o consumidor serão o estopim para
a transição em favor de uma agricultura orgânica
28
. Hoje, o mercado mundial de produtos
orgânicos movimenta cerca de US$ 23,5 bilhões por ano. A previsão de especialistas do
mercado agrícola é de que o espaço ocupado pelos produtos orgânicos aumente 20% ao ano
no mundo. Para o Brasil, o crescimento anual projetado é de 10%. O enrijecimento dos
padrões de certificação, rotulagem e rastreabilidade dos alimentos, para garantir ao
consumidor a oportunidade de escolha do que lhe for mais conveniente, é um prenúncio que
apóia a previsão de decadência do modelo difundido pela Revolução Verde.
Ao perceber que algo está mudando no meio rural, Araújo (2002) propõe uma nova
maneira de comunicar, voltada para uma intervenção social em favor dos pequenos
agricultores, das culturas subjugadas, da recuperação ambiental. Políticas de comunicação, no
28
Agricultura orgânica possui várias definições, mas a mais aceita no Brasil é a determinada pelo Ministério da
Agricultura e do Abastecimento, em 1999: “Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária e
industrial todo aquele que otimiza o uso de recursos naturais e socioeconômicos, respeitando a integridade
cultural e tendo por objetivo a auto-sustentação no tempo e no espaço, a maximização dos benefícios sociais, a
minimização da dependência de energias não renováveis e a eliminação do emprego de agrotóxicos e outros
insumos artificiais tóxicos, organismos geneticamente modificados (OGMs), ou radiações ionizantes em
qualquer fase do processo de produção, armazenamento e de consumo, privilegiando a preservação da saúde
ambiental e humana ao assegurar a transparência em todos os estágios da produção”.
56
seu entender, são políticas de apoio à intervenção social, são políticas sociais. Araújo (2002)
prega a reconversão do olhar na prática da comunicação rural. Ela faz suas recomendações
aos comunicadores rurais ao analisar os instrumentos de comunicação gerados por
instituições que desenvolvem políticas de intervenção no meio rural do Nordeste brasileiro. A
autora pratica a reconversão do olhar em dois âmbitos. O primeiro é metodológico e dá o
rumo da pesquisa por ela desenvolvida. O segundo surge quando Araújo (2002) se coloca na
posição de comunicadora. Para ela, os comunicadores devem se esforçar para colocar em
prática:
[...] modelos de uma prática discursiva aberta, plural e intersubjetiva,
entendida como negociação de sentidos entre interlocutores. Não eliminaria
as desigualdades, que estas dizem respeito também a outras esferas, não só à
discursiva, mas criaria condições mais éticas de relação entre a sociedade
camponesa e aqueles que nela desejam atuar. (ARAÚJO, 2002, p. 268-269)
Colocar em prática a reconversão do olhar sugerida por Araújo (2002) é uma
possibilidade para romper a monocultura mental citada por Shiva (2003). Caso pretenda-se
como uma prática de intervenção social, a comunicação rural pode e deve se converter em
instrumento para difundir uma nova agricultura, que respeite uma concepção sustentada da
relação entre a humanidade e o planeta. Para Shiva (2003), esse movimento geraria uma
democratização do saber.
A democratização do saber transformou-se num pré-requisito crucial para a
liberação humana porque o sistema de saber contemporâneo exclui o
humano por sua própria estrutura. Um processo desse tipo de
democratização envolveria uma tal redefinição do saber que o local e o
diversificado viria a ser considerado legítimo e visto como um saber
indispensável porque a concretude é a realidade, a globalização e a
universalização são meras abstrações que violam o concreto e, por
conseguinte, o real. [...] A democratização baseada numa “insurreição do
saber subjugado” é um componente desejável e necessário dos processos
57
mais amplos de democratização porque o paradigma anterior está em crise
e, apesar de poder de manipulação, é incapaz de proteger tanto a
sobrevivência da natureza quanto a sobrevivência humana. (SHIVA, 2003,
p. 81, grifo da autora)
Não se imagina, no entanto, apesar da proposta de mudança contundente defendida
por Shiva (2003), que a agropecuária mundial vá, de repente, alterar-se por completo. Nem se
espera que a produção de alimentos deixe de ser vista como um negócio. Porém, há de se
compreender rapidamente que o meio rural não se resume à sua dimensão econômica. Nem
tampouco pode continuar explorando os recursos naturais da forma como o fez até agora.
Como defende a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO),
desde 1991, de acordo com documento publicado após a Conferência Internacional sobre
Agricultura e Meio Ambiente, realizada em abril daquele ano em Hertogenbosch, na
Holanda, a implantação de uma agricultura sustentável deve ser assumida, em caráter
urgente, como uma estratégia mundial. A agricultura sustentável é vista pela FAO como o
conjunto de novos valores que terá o papel de dar limites à voracidade do capital
internacional no mundo agrícola e de plantar modelos alternativos de produção, venda e
consumo de alimentos em todo o planeta.
3.1 O MUNDO DA SUINOCULTURA NO ALTO URUGUAI
A suinocultura é um dos segmentos da agricultura em que mais se ouvem vozes
chamando atenção para a preservação ambiental. E, paradoxalmente, é uma das atividades
agrícolas que apresenta alto índice de agressões ao meio ambiente. O manejo incorreto dos
dejetos suínos é uma ameaça constante à qualidade de vida nas regiões que concentram a
produção de suínos, como é o caso do Alto Uruguai de Santa Catarina. Produzir carne de
58
maneira sustentável, mantendo o equilíbrio ambiental e o retorno econômico, passou a ser,
especialmente na última década, bandeira de todas as partes envolvidas com a atividade, de
agroindústrias a ambientalistas. Mesmo que na prática a poluição continue do mesmo
tamanho, do ponto de vista cultural existe uma mudança importante em andamento no mundo
da suinocultura.
Criar suínos faz parte da formação histórica, cultural, social e econômica do Alto
Uruguai. A região foi habitada até o início do século passado, primeiramente, por índios e
depois por caboclos, que por sua vez viviam da agricultura de subsistência e da extração da
erva-mate. A chegada das companhias colonizadoras
29
, na década de 10 do século passado,
logo após com a construção da Ferrovia São Paulo-Rio Grande, estrada de ferro que ligava a
capital paulista a Santa Maria, no Rio Grande do Sul, fez com que o Alto Uruguai passasse
por uma grande transformação. Os caboclos, gradativamente, foram perdendo a terra que
ocuparam sem o amparo de documentos de posse
30
.
29
A chegada das companhias colonizadoras fez parte da política de ocupação do território nacional deflagrada
pelo Governo Imperial no final do século 19 e mantida pelo Governo Republicano no início do século 20. A
expansão baseou-se na disponibilidade de capital internacional para a realização de grandes obras de infra-
estrutura. Os investidores estrangeiros recebiam em troca pela abertura de ferrovias, por exemplo, o direito de
explorar madeira e vender áreas de terra para colonos recebidas dos governos estaduais. A ocupação do Alto
Uruguai catarinense ocorreu a partir das terras cedidas a Brazil Railway Co., empresa responsável pela
construção da Ferrovia São Paulo-Rio Grande, que tinha como subsidiária a Brazil Development em
Colonization Co. Segundo Ferreira (1992), em 1925 a Brazil Development em Colonization Co. vendeu as
terras à Sociedade Territorial Mosele, Eberle, Ahrons e Cia., que foi a responsável pela chegada de milhares de
famílias de colonos na região, processo que resultou na formação das 16 cidades que compõem o Alto Uruguai.
30
A expulsão dos caboclos é um dos motivos para a deflagração do último conflito armado do Sul do Brasil. A
Guerra do Contestado iniciou no dia 22 de outubro de 1912, com o embate entre 300 caboclos liderados pelo
monge José Maria e os 58 soldados do governo do Paraná comandadas pelo coronel João Gualberto Gomes de
Sá. O monge e o coronel morreram no confronto, que terminou somente em 20 de outubro de 1916, com um
acordo entre os governos de Santa Catarina e Paraná. Milhares de caboclos morreram durante as 13 expedições
militares organizadas no decorrer de quatro anos para debelar o movimento iniciado pelo monge José Maria.
Sobre a Guerra do Contestado recomendamos as obras "Cronografia do Contestado - Apontamentos Históricos
da Região do Contestado e do Sul do Paraná" (Tokarski, 2002) e “Sangue, Suor e Lágrimas no Chão
Contestado” (THOMÉ, 1992).
59
Neste processo de povoamento e colonização, evidencia-se o embate entre
forças humanas, objetivando a conquista do espaço, provocando a inclusão
social dos imigrantes e a exclusão dos indígenas e caboclos.
Concomitantemente, excluíram e marginalizaram-se suas culturas, métodos
de produção, formas organizativas, etc. (MARCHESAN, 2003, p. 40)
Segundo Rossetto (1989), os caboclos foram substituídos por colonos gaúchos
descendentes de primeira geração de imigrantes vindos da Itália e Alemanha e por imigrantes
oriundos diretamente da Europa.
Estes, atraídos pela propaganda de Companhias Colonizadoras,
transpuseram o Rio Uruguai, superando, dessa forma, a fronteira de
expansão agrícola de seu estado de origem e iniciando a ocupação definitiva
do solo do Oeste de Santa Catarina e do Sudoeste do Paraná. Era o
“pioneirismo” da economia de mercado, iniciada com a extração da
madeira, cujo transporte pelo Rio Uruguai e cuja comercialização na
Argentina, estabeleceram a base econômica do atual processo de agro-
industrialização que se alicerça na suinocultura e na avicultura, outra linha
de fronteira entre o mercado nacional e o mercado internacional.
(ROSSETTO, 1989, p. 18, grifo do autor, apud MARCHESAN, 2003, p. 40)
É notória a forma de relacionamento com o meio ambiente escolhida pelos colonos.
Desde o princípio, a intenção era explorar ao máximo os recursos naturais em nome do
progresso. D’Angelis (1992), ao analisar o modelo colonizador instalado na região, afirmou
que “[...] diante dos interesses econômicos não havia perspectiva ecológica, nem direitos
históricos, nem respeito humano que valesse a pena ser considerado: o Oeste Catarinense foi
devastado, tanto física como culturalmente” (D’ANGELIS, 1992, p. 210, apud
MARCHESAN, 2003, p. 41).
Encerrado o momento mais lucrativo do ciclo da madeira, ao final da década de 30, os
colonos instalados no Alto Uruguai inauguraram um novo período. Foi nos anos 40 que
surgiram as primeiras agroindústrias na região, que viriam a se transformar em
60
conglomerados nacionais décadas mais tarde. Todas nasceram com o intuito de industrializar
a carne suína e grãos como o milho e o trigo. O principal produto vendido pelas
agroindústrias da época era gordura animal, utilizada em larga escala no país para a
conservação e preparo da carne in natura. Bosísio, Lody, Souza et al (2003, p. 29) afirmam
que “[...] a grande virada na industrialização dos suínos ocorreu na década de 50, com a
introdução dos óleos vegetais em substituição à gordura animal e a expansão da eletricidade
que reduziu a importância da banha na conservação da carne”.
O próximo passo da indústria ligada à produção de suínos foi entrar no sistema
integrado. Segundo Campos (1987):
A partir de meados da década de 60 alteram-se as condições de reprodução
da pequena produção no oeste catarinense, alterando-se também as
condições de reprodução ampliada dos capitais agroindustriais
organicamente a ela vinculada. Nesta década já havia se consolidado
grandes frigoríficos de expressão regional, reunindo capitais suficientes para
a acumulação ainda maior. (CAMPOS, 1987, p.150, apud GOULARTI
FILHO, 2002, p. 313)
O crescimento acelerado das agroindústrias, especialmente a partir da década de 70,
teve como sustentáculo o modelo integrado de produção de suínos, que funciona até hoje de
maneira semelhante. Na integração de suínos, a empresa faz um contrato com o produtor, que
pode atuar nas modalidades produtor de leitões, terminador ou ciclo completo
31
. A empresa
fornece os animais (há casos, em menor escala, que os animais são do suinocultor), a
31
Hoje, o sistema de integração entrou numa fase de divisão de tarefas entre os produtores para maximizar os
resultados. Os produtores de leitão são especializados na inseminação das fêmeas (pelo método natural ou
artificial), gestação, parição e criação dos animais a até aproximadamente 40 dias de vida. Já o terminador
recebe os animais com cerca de 40 dias e os cria até os 120 dias, quando entregues para abate com
aproximadamente 100 kg. Já o produtor de ciclo completo é o que produz os leitões e os engorda até o abate. A
preferência da indústria é pela divisão entre produtores de leitão e terminadores porque se acredita que a
especialização é a mais indicada para pequenos produtores, como é o caso da maioria dos suinocultores
integrados no Alto Uruguai.
61
assistência técnica e ainda revende rações e medicamentos. A cargo do agricultor fica a
entrega do animal dentro de determinado prazo e quesitos de qualidade. Para Goularti Filho
(2002, p. 315), “[...] o pequeno produtor passa a ser explorado como um trabalhador
qualquer, pois o excedente gerado é expropriado pelo grande capital. É uma subordinação
real. Na verdade, os integrados tornaram-se integrados indiretos”.
Outra conseqüência do sucesso do sistema de integração foi a concentração. Na
medida em que aumentou a produção de carne suína em Santa Catarina, diminuiu o número
de frigoríficos.
Ao mesmo tempo em que há um aumento no abate de suínos em Santa
Catarina nos anos 60 - passando de 617 mil cabeças, em 1960, para 1.261
mil, em 1970, e 3.882 mil cabeças em 1980 [...] – inicia-se um forte
processo de centralização em favor das cinco maiores marcas. Em 1968, os
quatro maiores frigoríficos eram responsáveis por 66,6% do abate total de
suínos no Estado, percentual que em 1978 aumentou para 70,5%; e em 1984
para 90,8%. (GOULARTI FILHO, 2002, p. 310)
A concentração também aconteceu nas propriedades rurais. Testa et al. (1996) aponta
que:
[...] em 1980, havia 67.000 suinocultores no oeste catarinense, sendo apenas
3.860 integrados; em 1985, esse número foi reduzido para 45.000, e o
número de integrados aumentou para 18.232; e em 1990 já eram 30.000
suinocultores e 24.000 integrados. (TESTA el al., 1996, apud GOULARTI
FILHO, 2002, p. 316)
Hoje, a quantidade de produtores de suínos se reduziu ainda mais. No dia 18 de março
de 2005, na coluna Informe Suíno, publicada na página B-1 do jornal A Notícia, de Joinville,
o presidente da Associação Catarinense dos Criadores de Suínos, Wolmir de Souza, afirmou
que:
62
[...] a suinocultura catarinense está totalmente alicerçada no sistema de
integração. Atualmente, o Estado possui 9.271 produtores integrados e
apenas 472 independentes. “O modelo de integração não é ruim e foi, em
grande parte, responsável pelo desenvolvimento tecnológico da suinocultura
catarinense”, afirma Wolmir. “Agora, em muitos casos, o sistema de
integração precisa de ajustes. Tem que ser bom tanto para o produtor quanto
para a agroindústria”, completa.
A quantidade de suinocultores evoluiu no sentido inverso da capacidade de produção.
Dos 67 mil produtores de suínos de 1980 em Santa Catarina, restam hoje na atividade apenas
14,5%. Já a produção de suínos do Estado, que em 1980 era de 4,43 milhões de cabeças
(Santos Filho, Chiuchetta e Talamini, 2000), fechou o ano de 2003 em 7,88 milhões de
cabeças (TABELAS de Produção de Carnes ICEPA, 2005), crescimento pouco inferior a
100%. Ou seja, em 23 anos a capacidade de produzir suínos em Santa Catarina dobrou
utilizando-se de apenas um sexto do número de suinocultores que existiam em 1980.
Não há dúvida de que, observando apenas a sua trajetória econômica, a agroindústria
ligada à produção de suínos, no Alto Uruguai e no restante do Oeste de Santa Catarina,
alcançou resultados notórios, admirados pelo restante do país. Empresas como a Sadia, que
surgiu em Concórdia em 7 de junho de 1944 e tornou-se a maior empresa da América Latina
no processamento de carne de suínos e aves, são provas materiais consistentes do acerto do
modelo econômico implantado na região. Mas a busca incessante do êxito monetário trouxe
prejuízos, especialmente ambientais.
Em 1975, a questão ambiental entrou pela primeira vez no rol de preocupações dos
segmentos envolvidos com a suinocultura. De acordo com o ex-pesquisador da Embrapa
Suínos e Aves e atual professor e pesquisador da Universidade do Contestado (UnC), Carlos
Cláudio Perdomo, até então não havia nenhum investimento relacionado aos dejetos suínos.
63
Os problemas ambientais ligados à suinocultura surgiram com mais
intensidade no início dos anos 70, quando ocorreu uma mudança importante
na atividade. O modelo de produção confinada dos animais, que gera um
dejeto líquido e oferece ganhos de produtividade, passou a ser a
preponderante na região. No modelo anterior, em que parte dos animais era
criada solta, o dejeto resultante era sólido e não afetava tanto as águas
superficiais. Na primeira metade dos anos 70, ficou claro para os municípios
da região que a presença em excesso dos dejetos suínos na água ameaçava
até a saúde da população, já que os rios que serviam para abastecer quase
todas as cidades do Alto Uruguai apresentavam alto índice de coliformes
fecais. Em 1975 começaram as reuniões entre os pesquisadores da Embrapa,
recém instalada em Concórdia para pesquisar a área de suínos, Epagri e
representantes das agroindústrias, produtores e poder público. Mas o
investimento na busca de soluções tecnológicas para os dejetos suínos
começou efetivamente em 1978. Na época, queríamos desenvolver um
recipiente dos dejetos líquidos que pudesse ser transportado para a lavoura
quando enchesse. Assim, o produtor não jogaria mais os dejetos no rio e
ainda teria um adubo orgânico para aplicar na lavoura. Apesar da nossa
concepção ser correta, na prática, não conseguimos naquele primeiro
momento fazer com que a idéia funcionasse (PERDOMO, 2005
32
).
Nos anos 80, mesmo com a publicidade que a questão dos dejetos suínos ganhou,
nenhum avanço de concreto aconteceu. As crises de rentabilidade, provocadas pela oscilações
entre oferta e demanda no mercado e pela presença da peste suína clássica no rebanho
catarinense, deixaram sempre a questão ambiental em segundo plano no decorrer da década.
Nos anos 90, devido a já insustentável condição ambiental vivida no Alto Uruguai,
agroindústrias, produtores, instituições de pesquisa e poder pública voltaram a se reunir para
encontrar uma solução tecnológica para a poluição por dejetos. Porém, de acordo com Carlos
Cláudio Perdomo, outra vez a intervenção na atividade em favor do meio ambiente não deu
certo.
Imaginava-se na época que bastava construir uma esterqueira em cada
propriedade que o problema estaria resolvido. Para viabilizar a intervenção
tecnológica, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) chegou a criar uma linha especial de financiamento para os
produtores que aderissem ao programa ambiental apresentado na época.
Outra vez, na hora de levar o programa para o campo, as coisas saíram bem
diferente do que se esperava. As muitas variáveis envolvidas com a
32
Depoimento ao autor, 24/03/2005, Concórdia.
64
armazenagem do dejeto, o manejo inadequado e as crises de rentabilidade
cíclicas da suinocultura fizeram com que a poluição ambiental continuasse a
mesma, se não maior.
A percepção de que eram inadiáveis ações que, no mínimo, diminuíssem a poluição
ambiental provocada pelos dejetos suínos fez com que fossem criados a partir de 2000
programas inovadores no trato da questão. Na mesma medida, o Ministério Público de Santa
Catarina resolveu, em 2001, cobrar com maior rigor a legislação ambiental quando lançou o
Termo de Ajustamento de Condutas da Suinocultura Catarinense (TAC), que passou a ser
aplicado primeiramente no Alto Uruguai. Esse novo momento será detalhado logo adiante.
Nos sistemas de comunicação atuantes no Alto Uruguai – conforme citado
anteriormente, este trabalho de pesquisa os denomina como estatal, empresarial e de massa –
os dejetos suínos percorreram um caminho um pouco diferente. No sistema estatal de
comunicação, os órgãos públicos federais, estaduais e municipais que pesquisam e prestam
assistência técnica na área da suinocultura só foram dar real importância ao tema nos anos 90.
Segundo o engenheiro agrônomo e extensionista rural da Epagri em Concórdia, Zemiro
Massotti, que desde 1984 tem a incumbência de repassar informações aos produtores da
região, a comunicação sobre os dejetos passou a ser intensa recentemente.
Desde o início dos anos 80, nós repassávamos algumas informações sobre a
questão dos dejetos. No entanto, falando francamente, até meados dos anos
90 o dejeto suíno era visto apenas um estorvo, algo que era ignorado sempre
que possível. Como a poluição chegou a um ponto insustentável, todos
passaram a dar mais atenção ao tema, inclusive empresas como a Epagri.
Porém, não há dúvida que os órgãos estatais que atuam na suinocultura
foram atropelados pela realidade, em relação à preocupação de comunicar
sobre o tema. E ainda estamos longe de termos as condições para fazermos
um trabalho exemplar. (MASSOTTI, 2005
33
).
33
Depoimento ao autor, 24/03/2005, Concórdia.
65
Outro exemplo do segmento estatal é a Embrapa Suínos e Aves. A empresa de
pesquisa mantida pelo governo federal sempre manteve uma política de publicações sobre os
mais variados temas envolvendo a suinocultura. Após a primeira versão do Plano Diretor da
Embrapa Suínos e Aves – documento que define para os três anos subseqüentes as
prioridades de pesquisa da unidade –, em 1996, as questões ambientais relacionadas com a
suinocultura passaram a ser vistas como prioridade. Entre os procedimentos adotados pela
Embrapa Suínos para abordar a questão estava a difusão das tecnologias voltadas para o
manejo correto dos dejetos suínos via Internet.
A página eletrônica da empresa estatal disponibiliza gratuitamente o maior acervo do
país sobre dejetos suínos. Na categoria meio ambiente existem 172 publicações, nos formatos
de boletins de pesquisa, circulares técnicos, comunicados técnicos, instruções técnicas para o
suinocultor, anais de simpósios da Embrapa Suínos e Aves, teses e dissertações de mestrado
ou doutorado, palestras em anais de simpósios externos e folderes. Ainda é possível comprar
livros editados pela Embrapa sobre o assunto pela Internet. Apesar da página eletrônica não
oferecer um sistema de busca minucioso, é possível encontrar material técnico farto para
quem deseja, principalmente, conhecer quais as tecnologias disponíveis para manejar os
dejetos suínos.
Se o sistema estatal só foi adotar estratégias de comunicação sobre os dejetos suínos
em meados dos anos 90, no sistema empresarial até hoje não existem iniciativas claras para
difundir informações a respeito do assunto. Nos fomentos agropecuários das agroindústrias as
informações circulam de maneira pontual, por meio dos técnicos e de veículos de
comunicação, como jornais e programas de rádio voltados para os integrados de cada
empresa, sempre que há a necessidade de repassar algo sobre o assunto. Porém, o trato da
66
questão ambiental sempre está um degrau abaixo da comunicação direcionada ao retorno
econômico da atividade.
Os produtores de suínos comunicam ainda menos sobre a questão dos dejetos de
suínos. Eles se manifestam sobre o assunto principalmente através da Associação Catarinense
dos Criadores de Suínos, que mantém uma página eletrônica na Internet. Os dejetos suínos
são tema recorrente nas notícias divulgadas pela página eletrônica desde que ela ingressou na
rede mundial de computadores, em 2002, sempre procurando ressaltar a opinião dos
representantes dos produtores em relação às discussões sobre o impacto ambiental provocado
pela atividade. Entretanto, o esforço comunicativo da associação não vai além da intenção de
tornar público para a sociedade o que pensam os produtores.
O sistema de comunicação de massa existente no Alto Uruguai, composto por
emissoras de rádio e jornais – não existem emissoras de televisão de sinal aberto ou sites
informativos comerciais radicados nos municípios da região –, reage ao sabor dos
acontecimentos, dando quase sempre mais espaço para os fatos próximos do noticiário
policialesco do que ao conteúdo que possa levar a algum nível de conscientização sobre o
tema. São comuns os relatos a respeito de derramamento de dejetos suínos em rios,
normalmente apoiados em registros feitos pela Polícia Ambiental, como o que ocorreu no dia
8 de agosto de 2004, em Linha Fazendinha, interior de Concórdia. A Rádio Rural, de
Concórdia, noticiou assim o fato:
A Polícia Ambiental registrou na comunidade de Linha Fazendinha
derramamento de dejetos suínos em curso de água. Foi constatado também a
mortandade de peixes de várias espécies. O soldado Enoir Bedin afirma que
o responsável pelo crime ambiental será acionado na justiça.
(DERRAMAMENTO de dejetos suínos em Fazendinha, 2005).
67
As pautas que abordam o problema dos dejetos suínos também se originam dos
eventos ou debates abertos pelo poder público, empresas de pesquisa, agroindústrias ou
produtores. Raramente algo é divulgado por iniciativa dos meios de comunicação, mesmo
nos últimos anos, quando o noticiário foi inundado por temas como os programas ambientais
implantados na região ou o termo de ajuste da suinocultura. Os meios de comunicação,
apesar de afirmarem possuir uma programação voltada aos interesses da comunidade, vêem
como seu papel apenas a abertura de espaço para quem deseja falar sobre o assunto, sem
exercer uma atitude crítica, de exposição do contexto ou educativa sobre o conteúdo
relacionado aos dejetos suínos.
Observando a evolução da atividade e o comportamento dos sistemas de comunicação
é possível delinear também uma trajetória cultural dos dejetos suínos no Alto Uruguai de
Santa Catarina. No início da suinocultura industrial na região, nos anos 50, os dejetos eram
quase invisíveis. Eles não significavam nenhum ganho econômico e também não ameaçavam
tanto a natureza, já que a capacidade de absorção de rios e terras era superior à quantidade de
esterco gerada pelo rebanho de suínos instalados na região. Outra diferença importante no
que diz respeito ao meio ambiente era o modelo de criação, que produzia pouco dejeto
líquido. Segundo Cláudio Rocha Miranda, também pesquisador da Embrapa Suínos e Aves e
que atuou durante 10 anos no setor de difusão de tecnologia na unidade da empresa instalada
em Concórdia, até meados dos anos 70, os dejetos só eram lembrados quando se pregava a
associação de atividades dentro da propriedade.
A recomendação técnica comunicada pelos agentes de extensão rural era a
de que os dejetos suínos poderiam ser utilizados como alimentação para os
peixes. Assim, normalmente, os produtores construíam as pocilgas sobre os
rios e riachos, ou nas margens deles, para que o esterco pudesse correr sem
dificuldades para dentro da água. Essa recomendação não era totalmente
equivocada para a época, já que dentro de um certo limite, realmente o
68
esterco pode servir para alimentar alguns tipos de peixe. Só que na medida
em que a produção aumentava, o que era alimento se transformou em fonte
de poluição e morte nos rios. (MIRANDA, 2005
34
)
Nos anos 80, quando claramente a suinocultura praticada na região passou a ser
encarada como uma variável ambiental considerável, o que antes era uma alternativa de
integração dentro da propriedade ganhou o rótulo de problema, de limitação para os ganhos
que a atividade poderia obter. Os dejetos suínos ganharam o estigma de “vilões” da
suinocultura. O noticiário dos meios de comunicação de massa, normalmente limitado ao
registro dos estragos ambientais provocados pelos dejetos suínos nos rios, sem a exposição
das reais causas da questão, ajudou a perpetuar a percepção de que a poluição ambiental
parecia algo externo à suinocultura. A comunicação rural e de massa a respeito das questões
ambientais envolvendo a atividade serviu sempre mais para legitimar o próprio modelo
agrícola gerador de poluição do que para realmente implantar um novo modelo de
relacionamento com o meio ambiente.
Por essa abordagem, é razoável supor que a monocultura mental elaborada por Shiva
(2003) se encaixa perfeitamente no mundo da suinocultura no Alto Uruguai. No instante em
que a suinocultura se industrializou, apareceu na região a figura dos agentes difusores de um
modelo voltado para a extração crescente de lucro. Dentro desse objetivo, a cultura
propagada por esses agentes, que podem ser definidos como os donos e dirigentes das
agroindústrias radicadas na região, políticos e líderes empresariais dos segmentos associados
à produção de suínos, tratou de inutilizar as outras alternativas de produção de suínos. A
dominação cultural tornou-se extremamente rígida a partir da criação dos fomentos
agropecuários, que gerou uma relação de dependência tecnológica, financeira e cultural quase
34
Depoimento ao autor, 27/03/2005, Concórdia.
69
insuperável do suinocultor em relação às agroindústrias.
O espaço de negociação de conhecimentos praticamente desapareceu. Os produtores
passaram a ter a opção de seguir as recomendações dos técnicos ou procurar outra
agroindústria para entregar os suínos. Um exemplo desse desequilíbrio de poder refere-se ao
modelo de criação de suínos. Nos anos 90 e de 2000 em diante, a Embrapa Suínos e Aves
tentou difundir a criação de suínos ao ar livre e de suínos sobre cama
35
. As duas proposições
não foram aceitas pelas agroindústrias e acabaram ignoradas pelos produtores também. A
grande maioria dos suinocultores não vê outra forma de produzir se não aquela ditada pelas
agroindústrias, que, por sua vez, definem os rumos que a suinocultura vai tomar na região
dentro do que orienta o mercado agrícola mundial.
A cultura legitimadora do modelo suinícola adotado no Alto Uruguai resume-se numa
expressão largamente usada pela população. No decorrer das décadas, a frase sempre dita no
momento em que alguém questionava ou estranhava o cheiro forte do dejeto suíno presente
em quase todos os cantos da região, seja no interior ou na cidade, seja pela proximidade de
uma propriedade rural ou pela passagem de um caminhão carregado com animais que seguem
para o abate, é a seguinte: “isso não é cheiro de porco, é o cheiro do dinheiro”. A tradução
dessa frase é de que acima dos incômodos gerados pelo modo de produzir suínos que a região
escolheu está o resultado financeiro, bálsamo para todos os odores, depredações do
35
A Embrapa desenvolveu um modelo de criação completo para suínos ao ar livre. No modelo, as vantagens
apontadas pela Embrapa eram a melhoria do bem-estar animal e o menor impacto ambiental. As desvantagens
estavam relacionadas ao desempenho econômico, um pouco inferior à criação confinada. A proposta sempre
foi vista como algo ultrapassado pelos técnicos das agroindústrias e foi adotada por poucos produtores
independentes em alguns pontos do país. No Alto Uruguai, a criação de suínos ao ar livre com objetivo
comercial não existe. Já o modelo de criação de suínos sobre cama mantém os suínos confinados. Mas troca o
leito de piso por materiais como maravalha, casca de arroz ou palha. As vantagens do sistema são o menor
impacto ambiental, a melhoria do bem-estar animal e a manutenção dos resultados econômicos. Só que o
sistema facilita a propagação de uma doença chamada linfadenite e acabou condenado dentro das integrações
das agroindústrias.
70
patrimônio natural ou atentados contra a qualidade de vida dos moradores da região.
Os dejetos suínos são, assim, um grande problema ambiental no Alto Uruguai de
Santa Catarina pelos seguintes motivos:
a) a evolução da atividade fez com que fosse adotado um modelo de produção de
suínos que gera dejeto líquido e possui um alto poder poluente;
b) o caminho econômico escolhido pela atividade foi o da concentração, no que diz
respeito à produção e à industrialização; assim, o rebanho catarinense de suínos aumentou
bastante em poucas regiões, uma delas a do Alto Uruguai;
c) a cultura propagada pelos agentes com maior poder dentro do mundo da
suinocultura legitimou a adoção de um modelo que busca apenas o lucro, não importando o
custo ambiental e social resultante;
d) como o econômico sempre foi a única instância realmente levada em consideração
por todos os agentes dentro do mundo da suinocultura, o gasto em proteção e recuperação
ambiental sempre foi visto como um aumento de custos e, portanto, um empecilho para a
obtenção dos lucros pretendidos;
e) a maior parte dos consumidores sempre exigiu uma carne de qualidade e cada vez
mais barata, sem se preocupar com o custo ambiental e social desse seu desejo;
f) os órgãos públicos nunca aplicaram com rigor a legislação ambiental.
A soma de todos esses fatores fez dos dejetos suínos um problema aparentemente
71
insolúvel no Alto Uruguai
36
. Só que nos últimos anos surgiram motivos para uma visão
menos pessimista. Do ano 2000 em diante, programas ambientais financiados pelo Banco
Mundial, com a participação do governo federal, governo estadual, prefeituras, organizações
não governamentais, empresas de pesquisa e extensão rural, produtores e agroindústrias,
desencadearam no Alto Uruguai catarinense um debate mais abrangente sobre a questão dos
dejetos suínos. O Termo de Ajustamento de Condutas da Suinocultura Catarinense, seguiu na
mesma direção. A presença dos programas ambientais e do termo, por si só, já serviram para
alargar a complexidade da questão ambiental no Alto Uruguai.
Um dia, em especial, merece ser reconhecido historicamente como o instante em que
a esperança de uma solução floresceu no Alto Uruguai. No dia 2 de dezembro de 2002,
durante uma audiência pública do termo de ajuste, realizada na Embrapa Suínos e Aves, ficou
claro que havia algo de muito errado com a suinocultura praticada na região e no restante
Santa Catarina. O coordenador de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público de Santa
Catarina, promotor público Alexandre Herculano Abreu, revelou em seu pronunciamento que
a suinocultura catarinense produzia na época 10 milhões de metros cúbicos de dejetos por
ano, quantidade pouco inferior a gerada atualmente, já que a produção de suínos no Estado
aumentou menos de 15% deste então. O promotor público completou: “Esse volume encheria
uma vala imaginária de um metro de profundidade por 20 metros de largura de São Miguel
do Oeste a Florianópolis, num total de 720 quilômetros. Quase todo esse dejeto, acreditem,
acaba indo para os nossos rios”.
Aquela reunião do termo do ajuste e as que se seguiram trouxeram, de maneira
36
Um livro lançado em março de 2005, parceria entre a Embrapa Suínos e Aves e a Editora Universitária Argos,
ajuda a entender os fatores que explicam o problema ambiental dos dejetos suínos. "Desafios para o
Desenvolvimento Sustentável da Suinocultura: uma Abordagem Multidiciplinar" é resultado de um projeto de
pesquisa do Núcleo de Meio Ambiente da Embrapa Suínos e Aves, que organizou palestras e apresentações de
trabalhos sobre o tema feitas nos últimos anos.
72
inédita, para o debate público perguntas, suposições, cenários e dados sobre a suinocultura da
região. Um dos pontos de partida do termo de ajuste foi montar uma equipe com cerca de 100
profissionais que visitou cada uma das 3,8 mil propriedades rurais que produzem suínos no
Alto Uruguai, no primeiro semestre de 2003. O diagnóstico produzido pelas visitas revelou,
entre outras informações, que apenas 288 produtores rurais possuíam licença ambiental para
produzir suínos, documento sem o qual, legalmente, uma propriedade rural não deveria
funcionar. A etapa seguinte do termo de ajuste foi elaborar um plano de intervenção para
cada propriedade, com proposições tecnológicas para cada realidade, quebrando o paradigma
de que a resolução dos problemas ambientais gerados por aquele tipo de criação seria
dependente de uma tecnologia que pudesse ser utilizada por todos os suinocultores.
Em 29 de junho de 2004, na sede do Ministério Público de Santa Catarina, em
Florianópolis, o termo de ajuste propiciou ainda uma união financeira beneficiando o meio
ambiente nunca antes realizada. Depois de mais de um ano de negociação, produtores,
agroindústrias e poder público chegaram a um acordo sobre como pagar a intervenção
ambiental em cada propriedade que produz suínos no Alto Uruguai.
Após muitos desacertos entre produtores e agroindústrias, será oficializado
o troca-troca ambiental, no qual os frigoríficos financiam os produtores
integrados e recebem o dinheiro cedido de volta em 60 meses na forma de
quilos de carne suína. A previsão é de que cada produtor integrado gastará,
em média, R$ 10 mil para acabar com a poluição provocada pelos dejetos
suínos. Além do investimento direto, o termo de ajuste prevê ainda a criação
do Comitê de Desenvolvimento Sustentável da Suinocultura, responsável
pela discussão da atividade e pela promoção de ações ambientais. "Não
dúvida que a suinocultura catarinense não será mais a mesma", garantiu o
promotor Alexandre Herculano Abreu, responsável pela Defensoria do Meio
Ambiente. "Resolver o problema ambiental gerado pela suinocultura não
significa somente melhorar a qualidade de vida na região, mas manter a
renda gerada pela atividade, que já atingiu um ponto insustentável do ponto
de vista ambiental", disse Roberto Kurtz Pereira, gerente do Consórcio
Ambiental Lambari, que coordenou tecnicamente a elaboração do termo. (A
NOTÍCIA, 2005)
73
Em 28 de fevereiro de 2005, o Termo de Ajustamento de Condutas da Suinocultura
Catarinense cumpriu mais uma etapa importante. Essa foi a data limite para que os produtores
protocolassem junto ao Ministério Público os projetos de intervenção ambiental na
propriedade, documento sem o qual não é possível aderir ao termo de ajuste. O jornal A
Notícia, no dia 29 de junho de 2004, na notícia intitulada “Acordo diminuirá poluição gerada
por dejetos suínos”, publicou que quase todos os produtores aderiram ao termo até a data
limite.
Até o dia 28 de fevereiro, 90% dos 4 mil produtores dos 19 municípios
englobados pelo termo apresentaram a proposta de adesão. Só que o
ministério público ainda vai aceitar os projetos que não foram concluídos
dentro do prazo. "Nossa previsão é de que mais de 95% dos produtores vão
aderir ao termo", acredita o secretário-executivo do Comitê Regional da
Suinocultura, Gentil Bonêz. Os 5% que devem ficar de fora são
suinocultores que já desistiram da atividade ou com plantéis pequenos.
Mesmo que não atinja todos os produtores inicialmente relacionados, não há
dúvida que o termo de ajuste já pode ser considerado um sucesso. Ele deve
influenciar até no planejamento da suinocultura. "Como o termo limita a
produção de acordo com a quantidade de terra disponível para a utilização
do dejeto suíno como adubo, acabará aquela história de aumentar o plantel
toda vez que o preço melhora. Assim, será possível manter mais regulada
oferta e demanda", explica o presidente da ACCS, Wolmir de Souza. A
previsão de Wolmir é um dos ganhos indiretos proporcionados pelo termo.
As últimas crises da suinocultura tiveram sempre o excesso de oferta como
um dos fatores. O termo de ajuste da suinocultura não é o primeiro esforço
para tentar acabar com a poluição gerada pela suinocultura. Mas é de longe
a estratégia com maior potencial de realmente promover uma mudança
radical na atividade. "Eu estou muito otimista. Já conseguimos avanços que
são irreversíveis", diz o secretário-executivo do Consórcio Lambari,
Roberto Kurtz Pereira. O momento econômico da suinocultura também
favorece a implantação do documento. A favor do termo também estão
outras três circunstâncias. A primeira é a mobilização institucional contra a
poluição. Poder público, agroindústrias, produtores, instituições de pesquisa,
imprensa e a população das cidades envolvidas demonstram que a
diminuição drástica dos malefícios ambientais provocados pela suinocultura
transformou-se numa questão de honra. Não há nenhuma voz dissonante
sobre a importância de se enquadrar a atividade dentro das normas
ambientais. (A NOTÍCIA, 2004)
74
Ao lado do Termo de Ajustamento de Condutas da Suinocultura Catarinense estão
outras três iniciativas que pretendem corrigir os estragos decorrentes do manejo inadequado
dos dejetos suínos. Uma delas é a segunda edição do Programa Nacional de Meio Ambiente
(PNMA), de iniciativa do Ministério do Meio Ambiente e Secretaria de Estado do
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente de Santa Catarina, com a participação de 20
instituições públicas e privadas. A proposta do programa é implantar um modelo de gestão
ambiental nas propriedades produtoras de suínos existentes nas bacias hidrográficas dos rios
Fragosos, em Concórdia, e Coruja/Bonito, em Braço do Norte, dois municípios catarinenses
com grande produção de suínos. O Ministério do Meio Ambiente pretende ter a experiência
do PNMA como referência para outras regiões do país que também tenham problemas
ambientais provocados pelo manejo inadequado dos dejetos suínos.
Entre os objetivos do PNMA está proporcionar o seguinte benefício aos produtores
envolvidos:
A melhoria da Capacitação da Comunidade se dará pela valorização da
propriedade, incremento na produção agrícola e ganho pela produção de
suínos em sistemas ambientalmente sustentáveis. Isto tudo também refletirá
na melhoria da qualidade de vida, pois haverá a redução das doenças
veiculadas a água, dos maus odores e da proliferação de vetores. O
incremento ao bem estar da população pelo adensamento da vegetação,
saneamento ambiental da propriedade e recuperação da qualidade da água
também serão benefícios aos suinocultores. (BENEFÍCIOS, 2005)
Na prática, os suinocultores abrangidos pelas duas bacias hidrográficas têm recebido
apoio financeiro e técnico para adequar as propriedades. O PNMA vai se encerrar até o final
de 2005.
O Programa de Recuperação Ambiental e de Apoio ao Pequeno Produtor Rural
75
(Prapem/Microbacias 2) é um projeto do governo de Santa Catarina e tem como objetivo
“promover o alívio à pobreza rural através de ações integradas que visam ao desenvolvimento
econômico, ambiental e social do meio rural catarinense, de forma sustentável e com a efetiva
participação dos atores envolvidos” (PROJETOS, 2005). O Microbacias 2, como é mais
conhecido o projeto, envolve 880 microbacias hidrográficas, distribuídas em 293 municípios,
que correspondem a aproximadamente metade das microbacias existentes em Santa Catarina.
A meta do projeto é trabalhar com 105 mil famílias, num total de 450 mil pessoas. Ele iniciou
em 2003 e vai até 2008.
A primeira microbacia montada pelo projeto foi em Nova Teutônia, comunidade rural
de Seara, um dos municípios do Alto Uruguai. O Microbacias 2 propiciou a contratação de
um engenheiro agrônomo pela comunidade, que passou a ser o responsável pelo
planejamento técnico das ações que serão desenvolvidas dentro da bacia, a partir da definição
de prioridades, realizada em reuniões com os produtores. O Alto Uruguai é a região de Santa
Catarina que mais recebeu investimentos do Microbacias 2 até agora. No total serão
montadas 72 microbacias na região, com previsão de beneficiar 60% das famílias rurais,
segundo dados do governo do Estado.
Já o Projeto de Gestão Ambiental Rural (Gestar), parceria de R$ 2 milhões entre o
Ministério do Meio Ambiente e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO), atende 43 comunidades rurais e 900 famílias de agricultores. O Gestar
trabalha somente a organização das famílias de agricultores. A meta do programa é mostrar
aos produtores como eles podem sobreviver com dignidade no meio rural e, ao mesmo
tempo, recuperar o meio ambiente. O foco ambiental do projeto é o rio Ariranha, que passa
por seis municípios do Alto Uruguai e é considerado o mais poluído do Brasil por dejetos
suínos.
76
Merece destaque ainda o Consórcio Intermunicipal de Gestão Ambiental Participativa
do Alto Uruguai Catarinense, chamado pelo nome fantasia de Consórcio Lambari e criado no
dia 1º de junho de 2001. O consórcio congrega as 16 prefeituras da região e tem como
objetivo desenvolver programas de gestão que conjuguem desenvolvimento social e
econômico com sustentabilidade ambiental. O consórcio teve papel decisivo no termo de
ajuste de condutas da suinocultura até agora e transformou-se no mais representativo fórum
voltado para as questões ambientais na região.
A soma dos programas PNMA II, Microbacias II e Gestar com o termo de ajuste de
condutas da suinocultura e o Consórcio Lambari gera uma intervenção não apenas ambiental.
Há uma inequívoca nova cultura se formando no Alto Uruguai de Santa Catarina. Ou melhor:
há um nítido sinal de que o organismo social pulsante na região já foi infectado pela bactéria
verde, que, aos poucos, poderá mudar radicalmente a forma como o mundo da suinocultura se
relaciona com o meio ambiente. Diante do problema ambiental que a atividade ainda gera, tal
perspectiva posiciona-se como excessivamente otimista. Porém, não há como deixar de
acreditar em avanços se o parâmetro for o passado. Em nenhum momento da história do Alto
Uruguai o meio ambiente esteve tão em evidência quanto agora. E em nenhum outro
momento também formaram-se tantas parcerias institucionais e financeiras para realmente
alterar o cenário ambiental da região.
No futuro será fácil ver em que momento a cultura que impregna o mundo da
suinocultura, dominada até então apenas pela busca do lucro, começou a ser contaminada por
uma nova cultura. Bastará reconhecer o período em que prefeitos se uniram para compor um
consórcio ambiental, em que agroindústrias aceitaram financiar a intervenção ambiental em
propriedades rurais, em que suinocultores admitiram que não poderiam mais continuar
trabalhando sem licença ambiental, em que o Ministério Público resolveu aplicar a legislação
77
ambiental de uma vez por todas, em que a sociedade entendeu que é preciso pagar um preço
pela preservação do meio ambiente.
Quem fizer uma retrospectiva histórica da atividade verá também que as mudanças, na
época, foram feitas com a intenção de preservar o dinheiro gerado pela produção e
industrialização dos suínos. Só que, sem que a maioria percebesse, as concessões feitas tendo
em vista o meio ambiente geraram avanços irreversíveis, que contaminaram as novas
gerações e abriram a possibilidade de que décadas de agressões ao meio ambiente fossem
substituídas pela noção de que é preciso encontrar uma forma de buscar o lucro sem a
destruição do espaço onde ele é gerado.
Na definição dos instrumentos que permitiram a instalação de novos valores no
mundo da suinocultura estará a comunicação. Ficará fácil também descrever que as
iniciativas que mudaram a atividade no Alto Uruguai tiveram na comunicação um princípio
balizador e uma prática aglutinadora. Admitir-se-á que o início da solução deveu-se à clara
exposição dos fatores que fizeram o problema surgir. Não que naquele momento se contava
tudo, entretanto, somente o fato de manter a questão dos dejetos sempre presente nos meios
de comunicação e demais espaços de discussão pública contribuiu imensamente para que
novas idéias provocassem, lentamente, mudanças importantes.
78
4
ASPECTOS METODOLÓGICOS
O objeto deste estudo compreende os processos de comunicação da Copérdia,
cooperativa que se localiza no Alto Uruguai de Santa Catarina, região composta por 16
municípios e que concentra a suinocultura no Estado. O Alto Uruguai não é referência na
produção de suínos apenas em Santa Catarina. A região é reconhecida em todo o país pelas
contribuições ao passado e presente da atividade. Foi no Alto Uruguai que nasceram duas das
maiores agroindústrias do Brasil, a Sadia e a Seara Alimentos. Foi ainda na região que surgiu
o modelo de suinocultura industrial, do campo ao processamento, predominante no Brasil. O
Alto Uruguai sedia também a Associação Catarinense dos Criadores de Suínos (ACCS) e a
única unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) dedicada à
pesquisa em suínos.
Não há dúvida que a suinocultura existente no Alto Uruguai espelha boa parte do que
ocorre com a atividade no restante do país. Assim como o Alto Uruguai sintetiza o que é a
suinocultura no país, a Copérdia apresenta-se como amostra completa da produção de suínos
na região. A cooperativa reúne todas as características das demais grandes empresas que
atuam no setor e um diferencial importante. Por ser uma cooperativa, admite e cultiva um
vínculo mais democrático com os produtores de suínos, que não são tratados apenas como
uma mera engrenagem na máquina da suinocultura industrial praticada na região.
79
O processo de comunicação praticado pela cooperativa com a intenção de atingir os
suinocultores associados é amplo. Possui desde um âmbito interno, voltado especialmente
para o repasse de informações aos técnicos, até um âmbito de massa, calcado na apresentação
de programas nas emissoras de rádio de Concórdia e complementado pela circulação de um
jornal mensal. Outro ponto importante do processo é a comunicação rural pratica pela
Copérdia. A base dessa comunicação é o trabalho realizado diariamente pelos técnicos nas
propriedades dos suinocultores cooperador. Os técnicos atuam como repassadores de
informações técnicas e como formadores de opinião. Eles são a face visível, a voz, o ponto de
contato da cooperativa com os associados. Por isso, desempenham um papel decisivo para a
eficácia dos processos de comunicação.
A Copérdia possui 11 funcionários (10 técnicos agrícolas e um engenheiro agrônomo)
que atuam diretamente com os produtores. Os programas de rádio e o jornal são elaborados
pelo setor de comunicação, composto por dois estudantes de comunicação, um deles com
experiência prática de mais de 25 anos em emissoras de rádio. Uma peculiaridade interessante
é que o setor de comunicação praticamente não faz comunicação interna. Quando é necessário
repassar informações aos técnicos, sobre meio ambiente, por exemplo, para que eles levem
aos produtores o que a cooperativa julga importante, é a chefia do setor técnico quem se
encarrega de liderar e executar esse âmbito do processo de comunicação.
Este trabalho de pesquisa se atém à produção de informação ambiental dentro da
Copérdia por dois motivos. O primeiro diz respeito à contribuição significativa para a
compreensão do problema ambiental causado pelos dejetos suínos que provém da análise da
comunicação praticada pelas agroindústrias que exploram a suinocultura no Alto Uruguai. O
segundo está ligado à incapacidade deste trabalho em fazer a análise da produção e da
recepção das informações ambientais que abordam a questão dos dejetos no Alto Uruguai. As
80
limitações de tempo, de pessoal e de recursos financeiros justificam essa incapacidade, ao
mesmo tempo em que deixam como sugestão para outros pesquisadores a continuidade do
presente estudo, direcionando esforços e olhares para o desvendamento de como recebem as
informações ambientais os suinocultores do Alto Uruguai.
4.1 AS TÉCNICAS DE PESQUISA
Para dar conta das peculiaridades do objeto de pesquisa, mostrou-se mais apropriado
recorrer a uma investigação de cunho qualitativo, a qual considera que há um vínculo
indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito, que não pode ser traduzido
em números. Enquanto o quantitativo se dedica à regularidade dos objetos analisados, com a
intenção de verificar, através da medição e outras técnicas precisas, o qualitativo volta-se para
o distintivo, o diferente, buscando entender, a partir da interpretação (OROZCO GÓMEZ,
2000). É claro que o quantitativo e o qualitativo podem ser utilizados de maneira
complementar. Algumas verificações quantitativas deste trabalho de pesquisa fizeram-se
importantes para subsidiar a interpretação. Isso não significa uma contradição. Ainda que o
mais importante seja a descrição do fenômeno, “há uma base quantitativa nos estudos
qualitativos” (OROZCO GÓMEZ, 2000, p. 78).
Esta pesquisa parte de uma discussão prévia sobre a trajetória das condições culturais,
econômicas e sociais que permitiram a instalação da suinocultura na região. Essa reflexão
histórico-crítica sobre a atividade é essencial para entender de quais escolhas e
comportamentos surgiram os problemas ambientais ligados aos dejetos suínos. A explicitação
do contexto histórico ajuda ainda a interpretar de maneira mais apropriada os fenômenos
81
sociais do presente. Para fazer essa reflexão, foi preciso recorrer a um levantamento de
literatura e a entrevistas com pessoas ligadas à suinocultura.
Por seu caráter qualitativo, a pesquisa não se confinou em uma única técnica. Vários
instrumentos foram empregados, especialmente a “triangulação”
37
sugerida por Jankowski e
Wester (1993). Esta consiste na utilização de diferentes técnicas para o recolhimento de
dados, a começar pela observação participante, que prevê a presença do observador no meio
em que está o objeto de estudo. Além de permitir percepção mais realista da estrutura e do
processo de comunicação da Copérdia, a presença no local (dos dias 14 a 28 de fevereiro de
2005) possibilitou o saneamento de dúvidas a respeito de como são selecionadas e levadas as
informações ambientais aos suinocultores associados. Outro proveito proporcionado pela
observação participante foi interagir com os técnicos da cooperativa, conhecendo a
valorização que eles dão e as estratégias que adotam na hora de levar uma informação
ambiental ao produtor de suínos. Foram acompanhadas visitas de cinco técnicos a um total de
12 produtores. Durante as visitas, anotou-se principalmente quantas e como foram repassadas
informações ambientais aos suinocultores.
As entrevistas são outra ponta da “triangulação”. Optou-se pela entrevista semi-
estruturada aplicada aos dirigentes da cooperativa (presidente, vice-presidente e coordenador
de produção), responsáveis pelo setor técnico (dois gerentes) e responsável pelo setor de
comunicação. As entrevistas partiram de algumas questões centrais e específicas, como a
avaliação sobre a comunicação voltada ao meio ambiente praticada pela cooperativa e qual o
37
Jankowski e Wester (1993, p. 78) chamam de triangulação metodológica a estratégia de investigação que
utiliza diferentes métodos de investigação para o recolhimento e análise dos dados. Os autores sugerem o uso
da triangulação em pesquisas de cunho qualitativo, já que o método múltiplo garante resultados mais válidos
doq eu uma investigação simples. A triangulação não se aplica apenas sobre a metodologia, mas também sobre
os dados, sobre o investigar e sobre a teoria. A triangulação dos dados se refere às dimensões do tempo, espaço
e nível analítico em que se obtêm a informação. A triangulação do investigador leva consigo o enfoque de
utilizar diferentes analistas, como parte de uma equipe multidisciplinar de cientistas. Já a triangulação teórica
sugere a aplicação de conceitos e perspectivas a partir de diversas teorias e disciplinas.
82
nível de prioridade que a informação ambiental possui dentro do processo de comunicação da
cooperativa, para nortear o diálogo. As entrevistas procuraram clarear qual a importância que
tem a questão ambiental dentro da Copérdia, como os dirigentes entendem a problemática dos
dejetos suínos, como as preocupações ambientais presentes em documentos administrativos
da cooperativa são transformados rotineiramente em referenciais para os processos de
comunicação.
O terceiro passo da “triangulação” foi a aplicação de um questionário (disponível na
íntegra no Anexo B) com 11 perguntas (nove abertas e duas fechadas) para todos os técnicos
que atuam diretamente com os suinocultores associados (11 no total). As perguntas do
questionário procuraram descobrir como os técnicos da Copérdia encaram a questão
ambiental ligada aos dejetos suínos e como avaliam a comunicação sobre o assunto feita pela
cooperativa. As respostas repassadas por eles são importantes porque mostram na prática
como a cooperativa realmente trata a questão ambiental, despida das precauções sempre
presentes nas afirmações feitas para meios de comunicação ou em documentos oficiais sobre
o assunto. Nas respostas dos técnicos está saliente também toda a cultura ambiental
desenvolvida, e talvez nem percebida, pela Copérdia ao longo dos anos. Como complemento
aos dados recolhidos pela observação participante, entrevistas semi-estruturas e questionários,
foi feito ainda um levantamento no Jornal da Copérdia sobre a quantidade e o conteúdo das
informações ambientais publicadas no período de janeiro de 2004 a janeiro de 2005.
Uma investigação científica, por mais rigorosa que seja, está sujeita a riscos, o que
demanda algum tipo de cautela. No caso de uma pesquisa qualitativa e interpretativa, que
exige maior envolvimento do investigador, Orozco Gómez (2000, p. 74-76) chama a atenção
para a subjetividade demasiada, que dificilmente acontece quando é possível manter um certo
distanciamento do objeto estudado. O envolvimento, entretanto, não chega a ser
83
comprometedor, desde que ocorra dentro de um nível tolerável. Outro cuidado que se deve ter
é com os conceitos e preconceitos do investigador. Muito dificilmente se parte para uma
investigação sem algumas idéias pré-concebidas e juízos de valor, que devem ir sendo não
necessariamente abandonados, mas revistos ao longo da caminhada. O observador não é
neutro, mas pode reunir subsídios suficientes para construir uma idéia a mais aproximada
possível da realidade.
A vantagem da “triangulação”, como foi a opção desta pesquisa, é que a coleta de
subsídios para a compreensão e interpretação do fenômeno estudado não se esgota em uma
única etapa. A cada passo, vão-se descobrindo novos elementos, o que permite também a
confirmação ou revisão de algumas idéias que não tenham ficado suficientemente claras ou
sido convincentes num primeiro momento. Na medida em que novos dados vão sendo
reunidos, melhores condições tem o observador de refletir sobre o objeto.
É importante ressaltar que as pessoas contatadas dentro da Copérdia foram muito
receptivas, aprovaram a idéia da investigação e colaboraram, na medida de suas
possibilidades, para que o estudo fosse realizado. Claro que, em todas as situações, eram
manifestadas curiosidades sobre os resultados da investigação e, ainda que não dito
explicitamente, pôde-se perceber certa expectativa em relação a uma impressão positiva sobre
o trabalho realizado pelos técnicos. Houve um certo cuidado por parte do pesquisador para
não induzir ou influenciar o cenário a ser observado. Assim, a opção do pesquisador, durante
o acompanhamento das visitas dos técnicos aos produtores e durante as entrevistas, foi falar
somente o necessário e não emitir opiniões a respeito do assunto pesquisado. Procurou-se,
dentro do possível, manter-se certo distanciamento, cuidando para que, também, a própria
presença do investigador não acarretasse mudaa de comportamento ou de procedimento na
rotina do processo de comunicação da cooperativa. A sensação, ao final da coleta dos dados,
84
é de que os procedimentos adotados alcançaram êxito e possibilitaram o registro, sob vários
ângulos, do objeto pesquisado, oferecendo resultados bastante satisfatórios.
85
5
UNIÃO PARA A INTERVENÇÃO SOCIAL: A COPÉRDIA
A Cooperativa de Produção e Consumo Concórdia (Copérdia) é um dos frutos das
sementes lançadas pelo segundo ciclo cooperativista em Santa Catarina. O primeiro ciclo
iniciou na década de 40 e terminou em 1964, quando muitas cooperativas começaram a ser
fechadas pelo governo federal sob o argumento de que não atendiam às regras que
regulamentavam o setor. A partir de 1967, com o decreto número 60.597, que regulamentou a
lei número 59/1966
38
e provocou várias mudanças no setor, o cooperativismo ganhou as
feições que possui até hoje no Brasil. O decreto fez com que surgissem nos anos seguintes os
órgãos representativos do segmento, como a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB)
e as Organizações de Cooperativas Estaduais (OCE's), além de fixar novas diretrizes e
incentivos para o funcionamento das cooperativas. A ação governamental abriu o segundo
ciclo cooperativista no Estado.
38
A lei número 59/1966 e todas as regulamentações posteriores, como a lei 5.764/71, de 16 de dezembro de
1971, definiram todos os parâmetros do cooperativismo no Brasil. É com base nessas regulamentações que se
estabelece no país que uma cooperativa é uma associação de pessoas com interesses comuns, organizada
economicamente e de forma democrática, com a participação livre de todos os que têm idênticas necessidades
e interesses, com igualdade de deveres e direitos para a execução de quaisquer atividades, operações ou
serviços. Mesmo tento surgido sob o domínio do regime militar, as leis que regulamentam o setor preservam
um forte teor democrático. Um dos valores básicos do cooperativismo é a “um cooperado, um voto”. Esse
valor é exercido principalmente durante as assembléias gerais, realizadas regularmente e fórum onde qualquer
cooperado pode fazer questionamentos, propor ações e ajudar a decidir o futuro da cooperativa. Na prática, a
legislação não garante totalmente que as cooperativas não sejam manipuladas por grupos, tanto política como
economicamente, mas as regras do setor abrem garantidamente, pelo menos, a expectativa permanente de uma
intervenção interna ou externa para o restabelecimento da condução democrática da cooperativa em questão.
86
De acordo com a Organização das Cooperativas do Estado de Santa Catarina
(OCESC), que surgiu em agosto de 1971, o Estado possui hoje 294 cooperativas funcionando
regularmente, divididas em 12 segmentos (agropecuário, consumo, crédito, educacional,
especial, habitacional, infra-estrutura, mineral, produção, saúde, trabalho e transporte). Os
ramos de atuação em que as cooperativas mais se destacam em Santa Catarina, principalmente
do ponto de vista econômico, são o agropecuário
39
e o de crédito, que por sinal, possuem uma
ligação muito forte. As maiores cooperativas de crédito do Estado também são voltadas para o
meio rural. É comum a formalização de parcerias entre cooperativas agropecuárias e de
crédito para a implantação de projetos de expansão da produção agrícola ou para a liberação
anual de empréstimos visando ao custeio da safra de grãos.
A trajetória das cooperativas agropecuárias de Santa Catarina guarda ainda um saliente
traço de intervenção na dinâmica social e econômica do Oeste de Santa Catarina.
Praticamente todas as cooperativas surgiram baseadas na união de pequenos e médios
agricultores que desejavam ter um controle maior sobre o retorno econômico proporcionado
pela produção agrícola. Uma amostra evidente desse movimento é a Cooperativa Central
Oeste Catarinense (Coopercentral), detentora da marca Aurora, que se transformou numa das
cinco maiores agroindústrias do país
40
. A Coopercentral nasceu com uma clara missão.
39
O cooperativismo agropecuário é o que mais se destaca no país, não apenas em Santa Catarina. De acordo
dados disponíveis na página eletrônica da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), existiam no Brasil
1.519 cooperativas agropecuárias, com 940.482 agricultores associados, no final de 2003. As cooperativas
geravam 110.910 empregos diretos, sendo que existiam, respectivamente, 1.051.392 e 5.256.960 pessoas
vinculadas diretamente e indiretamente a estas organizações. Ou seja, o número total de cooperados, familiares
e agregados inseridos nas cooperativas agropecuárias brasileiras chegavam a 6.308.352 (Disponível na Internet
em <http://www.ocb.org.br/>. Acessado no dia 28 de abril de 2005).
40
De acordo com o ranking da produção de suínos elaborado pela Associação Brasileira das Indústrias
Produtoras e Exportadoras de Carne Suína, a Aurora foi a terceira agroindústria em abate no ano de 2004, com
participação de 6,65% no mercado da carne suína nacional (2,255 milhões de cabeças abatidas). Ela é
composta por 10 cooperativas (10 situadas em Santa Catarina, quatro no Rio Grande do Sul, uma no Paraná e
uma no Mato Grosso Sul), possui 10 frigoríficos para a industrialização de carnes de aves e suínos, uma fábrica
de sucos concentrados, três fábricas de rações, uma fábrica de produtos lácteos, gera 8.335 empregos diretos e
faturou em 2004 R$ 1,501 bilhão (Disponível na Internet em <http://www.abipecs.com.br/relatorio_2004.pdf>.
Acessado no dia 30 de abril de 2005).
87
Conforme Alba
(2002):
A Cooperativa Central Oeste Catarinense foi fundada em 15 de abril de
1969, por oito líderes cooperativistas, liderados por Aury Bodanese, com o
objetivo de industrializar e comercializar a produção de suínos dos
associados das cooperativas filiadas, tento em vista que na época havia uma
certa quantidade de produção agrícola e poucas opções de comercialização.
A Cooperativa possibilitava, desta maneira, que os agricultores tivessem a
oportunidade de vendas dos produtos coloniais sem a intermediação do
comerciante. (ALBA, 2002, p. 84)
Mesmo que com o passar do tempo as cooperativas tenham aceitado adaptar sua
relação econômica com o agricultor associado às condições do mercado mundial de
alimentos, não há dúvida que o comprometimento social das agroindústrias ligadas ao
segmento continuou muito mais amplo que o das agroindústrias pertencentes a famílias ou
grupos de acionistas.
Do ponto de vista cultural, o crescimento das cooperativas agropecuárias representou
um grito de liberdade diante do capital agroindustrial formado a partir da década de 40.
Propagou-se o discurso de que as cooperativas ofereciam uma rede de proteção aos
agricultores, dando a eles assistência técnica, renda e vida em comunidade em troca da
produção que saía da propriedade. O modelo cooperativo também permitiu que milhares de
produtores sentissem o gosto de serem donos de uma agroindústria, nem que esse sentimento
estivesse mais próximo da realidade somente na hora de definir o destino dos lucros durante a
assembléia anual de prestação de contas. Não há dúvida de que a proliferação das
cooperativas interferiu nas relações econômicas, culturais e sociais no Oeste de Santa Catarina
a partir da década de 70.
Uma amostra dessa interferência se encontra no livro de memórias de Aury Bodanese,
88
falecido em 30 de janeiro de 2003 e que dirigiu a Coopercentral desde a sua fundação até
outubro de 2002. Aury é considerado o maior líder do cooperativismo agropecuário de Santa
Catarina e o principal responsável pelo surgimento do frigorífico Aurora, que precisou superar
muitas resistências para firmar-se no mercado de produtos industrializados de aves e suínos.
As nossas previsões se confirmaram plenamente – afirma convicto Aury
Bodanese. Com a excelente matéria-prima que a região já possuía, os
negócios foram se ampliando dentro da Cooperativa... Fomos nomeando
representantes, vendendo a produção e melhorando-a cada vez mais;
passamos a fabricar mais produtos embutidos e salgados... e com isso teve o
sucesso que está aí... Não se confirmou o que os grupos Chapecó e Sadia
apregoavam... pois eles simplesmente não queriam mais um concorrente na
região. (SILVESTRIN, 1999, p. 90)
Mais do que concorrência, as cooperativas unidas em torno da marca Aurora
ofereceram um contraponto à relação entre agroindústrias e produtores. Apesar de terem
copiado o modelo de produção das agroindústrias já estabelecidas, as cooperativas até hoje
não são tão impositivas quanto as demais agroindústrias. Elas aceitam, por exemplo, que
produtores de suínos mantenham pequenos rebanhos, opção considerada inviável por todos os
grandes frigoríficos que atuam no mercado brasileiro, que têm praticado em escalas cada vez
mais largas a concentração dos rebanhos. Permitem ainda que o agricultor escolha com
menores restrições o tipo de produção que deseja adotar na propriedade, se apenas criando
leitões ou especializando-se na engorda dos animais.
A evolução da Copérdia se assemelha ao da Coopercentral
41
.
41
A Copérdia integra a Coopercentral desde os anos 70. Quase tudo o que os associados da Copérdia produzem,
nas áreas de frutas, suinocultura e avicultura, é encaminhado para as unidades industriais da Coopercentral. A
relação entre a cooperativa e a central é regulada por contratos que estabelecem mensalmente a quantidade de
produtos que a Copérdia deve fornecer. Esses contratos são o cerne da organização empresarial da cooperativa
há pelo menos duas décadas. É por isso que a evolução da Copérdia está ligada ao da Coopercentral.
89
Devido aos problemas que afligiam os agricultores do Município de
Concórdia e de outros da Região do Meio Oeste Catarinense, e também aos
reflexos, de uma lei governamental sancionado no início do ano de 1967,
autorizando a criação de Sindicatos e Cooperativas, integrantes da antiga
Associação Rural de Concórdia, em processo de extinção decorrente da
referida legislação, em reunião realizada no dia 5 de setembro de 1967
daquele ano, decidiram pela constituição de uma sociedade cooperativa. Da
reunião, que se realizou em forma de Assembléia Geral, foi lavrada a ata,
onde foi constituída a Cooperativa de Produção e Consumo Concórdia Ltda.
(RELATÓRIO 2004, 2005, p. 02)
Passados 37 anos, a Copérdia chegou ao posto de segunda maior cooperativa
agropecuária de Santa Catarina. Os negócios nas áreas de suinocultura, insumos
agropecuários, supermercado, cereais, bovinocultura de leite, avicultura, fábrica de rações,
citricultura, reflorestamento e uva proporcionaram um faturamento de R$ 233,9 milhões em
2004, crescimento de 5% em relação ao ano anterior. A suinocultura manteve a condição de
principal negócio da Copérdia. No ano passado, o faturamento proporcionado pela atividade
foi de R$ 86,7 milhões, R$ 9,4 milhões a mais que em 2003
42
.
Mais que resultados econômicos, a Copérdia conseguiu com o passar do tempo manter
um rol de ações que, direta ou indiretamente, interferiram positivamente no desenvolvimento
da região em que está inserida. A cooperativa levou para o meio rural, especialmente a partir
do ano 2000, conceitos que eram de propriedade exclusiva do meio urbano. É o caso dos
programas Qualidade Total Rural e De Olho na Qualidade Rural, que ensinam técnicas de
gerenciamento e organização de espaços e ambientes, inspirados nos preceitos da Qualidade
42
Não é só para a Copérdia que a suinocultura é importante. Quase um terço da produção brasileira de suínos é
viabilizada pelas cooperativas. De acordo com dados da OCB, o cooperativismo é responsável por 31,52% da
carne suína produzida no país.
90
Total
43
. Somente no ano passado, os dois programas envolveram 1052 associados da
cooperativa.
A cooperativa faz ainda há 15 anos um trabalho de organização das mulheres
agricultoras, por meio dos Comitês Femininos. No ano passado, as reuniões dos comitês
receberam um público 3 mil mulheres.
Nosso enfoque principal é a saúde preventiva. Contamos com parcerias para
atingir nosso objetivo, de atender todos os grupos organizados em
comunidades, que hoje somam um número de 82 núcleos. [...] há nove anos
realizamos no mês de dezembro a avaliação do ano e neste momento
planejamos o ano seguinte, neste dia cumprimos um calendário que
possibilita todas as líderes definirem suas atividades. Sendo assim, a
programação é definida pela própria líder, aproximando ainda mais a
necessidade real da praticada. (RELATÓRIO 2004, 2005, p. 14)
Outra prioridade são os filhos dos associados. A Copérdia iniciou nos últimos anos
dois projetos ambiciosos, ambos visando a permanência do jovem no meio rural e um
acrescentando ao outro. O Projeto Jovem Copérdia já treinou 1480 filhos de associados em
cursos que tratavam sobre gerenciamento da propriedade, funcionamento do mercado agrícola
e técnicas de solução de problemas. Faz parte ainda do projeto a visita a famílias em que os
pais delegaram o controle da propriedade aos filhos e tornaram-se exemplos de bem sucedidos
de sucessão familiar.
43
De acordo com Campos (1992), a Qualidade Total passou a influenciar as empresas brasileiras no início dos
anos 90 e trouxe para o país o modelo de gerenciamento aplicado no Japão. A Qualidade Total pode ser
definida como um conjunto de atividades, envolvendo toda a empresa, que têm como objetivo assegurar o
resultado final do empreendimento. O conjunto de atividades é composto por instrumentos que permitem
organizar, medir, padronizar e aplicar métodos de solução de problemas no processo gerenciado, seja ele uma
linha de produção ou uma propriedade rural.
91
Mais abrangente que o Jovem Copérdia, o Projeto Universidade Copérdia (Unicoper)
deu um salto na formação oferecida aos jovens ligados à cooperativa. O projeto iniciou em
março de 2005 e foi viabilizado em parceria com a Universidade do Contestado (UnC).
O objetivo, num primeiro momento, é capacitar os filhos dos associados no
gerenciamento da propriedade rural. Segundo o gerente de Recursos
Humanos da Copérdia, Gilson Flores, o projeto surgiu devido à necessidade
de manter o jovem no campo. [...] A iniciativa partiu da Copérdia e contou
com o apoio da Universidade, que disponibilizar o espaço físico, apoio
pedagógico e professores capacitados. (O JORNAL, 2005)
Dentro do projeto, os filhos dos associados participam de um curso dividido em quatro
módulos, que envolve aspectos comportamentais, estudos sobre cooperativismo, técnicas
gerenciais e aspectos de gestão da propriedade. No final dos 14 meses de aula, os primeiros
50 alunos da Unicoper receberão um certificado. Eles não terão uma profissão específica,
entretanto, receberão a preparação necessária, na avaliação da Copérdia e da UnC, para
suceder os pais, administrar uma propriedade rural, conhecer as vantagens do cooperativismo
e entender como funciona o mercado agrícola.
Na prática, os quatro módulos do primeiro curso da Unicoper vão tentar trazer para
dentro da sala de aula a rotina de uma propriedade rural. É consenso entre os técnicos e
dirigentes da Copérdia que a falta de compreensão de que uma propriedade rural precisa ser
gerida como se fosse uma empresa explica as dificuldades de muitos agricultores obterem
sucesso atualmente. A falta de preparo para ver o meio rural como um ambiente gerador de
vida social e cultura também ajuda a compreender a dificuldade do jovem em continuar o
negócio iniciado pelo pai ou avô. Para o presidente da Copérdia e da Ocesc, Neivor Canton, é
responsabilidade do setor cooperativo se preocupar com a educação dos filhos dos atuais
sócios.
92
Somente com gente capaz de entender o cooperativismo, com vontade de
permanecer no campo e preparada para administrar uma propriedade rural
teremos condições de manter o setor cooperativo em permanente expansão.
Se nós não nos preocuparmos com a educação dos filhos dos associados,
nenhum outro órgão fará isso. Além do mais, levar a educação para o meio
rural também é uma forma da promovermos o desenvolvimento social, um
dos principais objetivos de qualquer cooperativo. (CANTON, 2005
44
)
Na área ambiental, a Copérdia, mesmo que de maneira mais tímida, também
desenvolve ações não levadas ao meio rural por nenhuma outra instituição. Os projetos Coleta
Seletiva do Lixo e Recolhimento de Embalagens de Agrotóxicos cumprem a função de
mostrar ao agricultor os benefícios para a qualidade de vida e para natureza proporcionados
pelo manejo correto dos resíduos gerados na propriedade. A cooperativa investe ainda na
questão dos dejetos suínos, esforço que será descrito e analisado detalhadamente neste
capítulo sob a ótica da comunicação.
Mesmo que possa ser criticada em vários aspectos, a Copérdia cumpriu e cumpre um
importante papel econômico, social, cultural e político nos 17 municípios em que atua. A
cooperativa foi importante fundamentalmente na ocupação de espaços que não seriam
preenchidos por outros órgãos e empresas que se relacionam com os produtores rurais. O
contraponto às demais agroindústrias, o complemento às atribuições do Estado, a valorização
da cultura do meio rural, a promoção da qualidade de vida no campo e a fomentação do
desenvolvimento econômico são algumas das contribuições que revelam a relevância da
Copérdia para o Alto Uruguai catarinense.
44
Depoimento ao autor, 16/02/2005, Concórdia.
93
5.1 PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO NA COPÉRDIA
A comunicação dentro da Copérdia vive uma situação curiosa. Ao mesmo tempo em
que a cooperativa a considera fundamental e realmente investe para que ela aconteça
fortemente em algumas esferas, não existem diretrizes e estratégias estabelecidas para o seu
funcionamento. Os processos de comunicação da Copérdia
45
atendem às demandas da
empresa dentro de uma rotina construída com o passar dos anos ou reagindo às adversidades.
Não há uma política de comunicação apoiando a Assessoria de Comunicação ou estratégias de
comunicação que ajudem a Gerência Agropecuária a transmitir com maior eficiência as
mensagens aos agricultores associados.
Essa constatação não significa que os processos de comunicação da cooperativa não
funcionem. Mesmo sem clareza de objetivos ou estratégia de atuação, eles alcançam
resultados satisfatórios
46
. Os processos serão identificados neste trabalho de acordo com o
45
Apesar da perigosa simplificação que significa reduzir a processos a comunicação praticada por uma empresa,
para facilitar a compreensão de como a Copérdia comunica julgou-se apropriado a rotulação do que acontece
no cotidiano da cooperativa. A palavra processo deve ser entendida como um ambiente que envolve a troca de
informações dentro de rotinas estabelecidas, composto por instrumentos, fluxos, mensagens e influências. É
importante ressaltar que este trabalho de pesquisa admite a noção de que os processos de comunicação, mesmo
apresentando fluxos mais ou menos rígidos por onde trafegam as mensagens, sempre estão sujeitos a
interferências internas e externas, a usos inesperados por parte do receptor e a outros imprevistos. A opção pela
palavra processo também vai ao encontro dos conceitos atuais de comunicação empresarial. Bueno (2005)
afirma que: “A Comunicação Empresarial deixou de ser um mero conjunto de atividades, desenvolvidas de
maneira fragmentada, para constituir-se em um processo integrado que orienta o relacionamento da empresa ou
entidade com todos os seus públicos de interesse. [...] Da mesma forma, estimulou as empresas e entidades que
a assumiram, no seu sentido moderno, a criar uma autêntica cultura de comunicação e atendimento, com a
conseqüente valorização dos públicos internos e a adoção de atributos fundamentais, como o profissionalismo,
a ética, a transparência, a agilidade e o exercício pleno da cidadania” (Disponível na Internet em
<http://www.comtexto.com.br/historia.htm>, acessado em 11 de abril de 2005).
46
Essa constatação é da própria direção da cooperativa e da Assessoria de Comunicação. Não há dúvida também
que o crescimento alcançado pela Copérdia nos últimos anos também é uma prova de que a cooperativa se
comunica com aceitável grau de eficiência. Em relação os principais veículos de comunicação da Copérdia, os
programas de rádio e o Jornal Copérdia, nunca foi realizada uma pesquisa de aceitação entre os cooperados. Há
apenas um levantamento feito em 2000, durante as assembléias gerais realizadas naquele ano, em que foram
ouvidos 478 associados. Dos entrevistados, 93% disseram que ouvem os programas de rádio, especialmente as
informações sobre o mercado agrícola e os avisos repassados durante os programas diários. Já 75% dos
cooperados ouvidos afirmaram que recebem e lêem o Jornal Copérdia.
94
público a que se dirigem. Na Copérdia há o processo de comunicação voltado para o público
interno, que está dividido em três subprocessos: comunicação para os funcionários;
comunicação para os cooperados e comunicação para a assistência técnica. Já o processo de
comunicação para o público externo pode ser dividido em comunicação para a venda de
produtos e comunicação para o público em geral.
5.1.1 Comunicação para os funcionários
A comunicação para os funcionários é feita por meio de dois instrumentos. O
Informativo Cipa
47
circula mensalmente. Ele tem apenas uma página, em formato de folha de
ofício. É elaborado pela Assessoria de Comunicação em colaboração com a Comissão Interna
de Prevenção de Acidentes (CIPA). O outro instrumento que também leva informações
voltadas para os funcionários é o Jornal Copérdia
48
. Em quase todas as edições do jornal são
feitas matérias sobre ou para os funcionários. Não há um espaço determinado para esse tipo
de assunto, tanto no que diz respeito ao tamanho quanto à localização numa página.
O conteúdo das mensagens voltadas para os funcionários difere no Informativo CIPA
e no Jornal Copérdia. No primeiro, o espaço é ocupado basicamente por informações voltadas
para a segurança no trabalho. São trabalhadas ainda informações curtas sobre variedades,
como dicas de filmes. No segundo, majoritariamente, as notícias de interesse dos funcionários
tratam sobre mudanças nos ambientes de trabalho, perfis de trabalhadores com maior tempo
47
O Informativo CIPA circula há um ano entre os funcionários.
48
O Jornal Copérdia é o mais antigo jornal de uma cooperativa agropecuária de Santa Catarina. Ele circula entre
associados, clientes, fornecedores, outras cooperativas e segmentos de interesse da Copérdia há 18 anos. A
tiragem atual é de 85, mil exemplares, menor somente que o número de exemplares do jornal feito pela
Cooperalfa, de Chapecó. O formato do jornal é tablóide, com 16 páginas em média, sendo no mínimo quatro
coloridas. O jornal é distribuído gratuitamente.
95
de casa, melhorias em processos de trabalho promovidas pelos próprios funcionários e
eventos de integração promovidos pela cooperativa.
O fluxo das informações segue, normalmente, apenas numa direção. Os assuntos
voltados para os funcionários são definidos pela direção da cooperativa, chefias e
coordenação da CIPA. Há um espaço informal para sugestões por parte dos trabalhadores, que
podem sugerir assuntos diretamente à Assessoria de Imprensa ou repassá-los aos chefes
imediatos. Não foi possível observar se esse fluxo realizado quase que exclusivamente no
sentido direção-trabalhadores gera conflitos ou desconfiança em relação aos instrumentos de
comunicação.
As influências ao subprocesso são esporádicas e pouco modificam as mensagens da
comunicação feita para os funcionários. O fluxo informal de comunicação, que existe em
qualquer empresa, induz em raras ocasiões a pauta dos instrumentos voltados aos
funcionários. As influências mais comuns são as externas. Mudanças na legislação trabalhista,
exemplos de outras empresas na área da segurança do trabalho e acontecimentos que de
alguma forma interferem na rotina da cooperativa pautam os instrumentos que falam aos
trabalhadores da cooperativa.
5.1.2 Comunicação para os cooperados
A comunicação para os cooperados é feita com a utilização de vários instrumentos. Ela
está presente preponderantemente nos dois informativos de rádio
49
produzidos pela Assessoria
49
O Informativo Copérdia é diário e possui sete minutos de duração. É apresentado nas emissoras AMs de
Concórdia e na única emissora AM de Seara. Ele é veiculado no horário do meio-dia. O conteúdo do programa
é formado pela situação do mercado agrícola, previsão do tempo, horário para carregamento de suínos para
abate, entrega de reprodutores, lista de produtos que os associados colocam à venda e recados diversos. Quase
96
de Comunicação, no Jornal Copérdia e nas reuniões promovidas no decorrer do ano pelos
comitês femininos, comitês de negócios e assembléias gerais. É preciso distingui-la da
comunicação para a assistência técnica. Ambas trabalham com o mesmo público, mas
possuem relações diferentes com o associado. Enquanto a ênfase da comunicação para os
cooperados é social, o objetivo principal da comunicação para a assistência técnica é
econômico.
Essa diferença está presente especialmente no conteúdo das mensagens. A
comunicação para os cooperados trata sobre educação, saúde, qualidade de vida e outros
assuntos que procuram contribuir para o bem-estar das famílias dos agricultores. Não há um
espaço reservado nos programas de rádio e jornal para esses assuntos. Geralmente a pauta é
orientada pelos eventos relacionados às ações da cooperativa que envolvem os associados.
Um exemplo são os resultados das reuniões dos comitês, sempre noticiados nos programas de
rádio e jornal.
Como comunicação para o cooperado são enquadradas ainda as notícias que tratam
dos atos e decisões do Conselho de Administração da cooperativa. Há um espaço considerável
nos programas de rádio e no jornal dedicado à explicação de políticas de administração, novos
investimentos e opiniões dos líderes da Copérdia (no levantamento feito sobre as matérias
publicadas pelo Jornal da Copérdia entre janeiro de 2004 e janeiro de 2005, as notícias a
respeito de atos administrativos e negócios da cooperativa ocuparam 17,41% do espaço total).
Outra pauta recorrente voltada para o associado é o trabalho desenvolvido no Congresso
Nacional pelo deputado federal Odacir Zonta, do Partido Progressista (PP), ex-presidente da
não são repassadas informações sobre tecnologias de produção no informativo. Aos domingos pela manhã, a
partir das 7h, é apresentado nas mesmas emissoras o programa Nossa Terra, Nosso Chão, que tem 30 minutos
de duração. O programa, que existe há 38 anos, é composto por entrevistas com os dirigentes e coordenadores
de áreas agropecuárias da cooperativa. As entrevistas procuram detalhar decisões administrativas da
cooperativa, analisar o mercado agrícola ou persuadir o associado para que adote determinadas tecnologias
agrícolas.
97
Copérdia e um dos líderes da bancada cooperativista no Congresso Nacional.
O fluxo das informações é, como na comunicação para os funcionários, feito em
apenas um sentido. Os assuntos voltados para os associados provêm da direção da
cooperativa, chefias e líderes das ações sociais. Não é vedada a apresentação de sugestões por
parte dos associados, mas essa possibilidade não acontece devido à ausência de uma postura
comunicativa que valorize a participação dos cooperados.
As influências ao subprocesso são, igualmente, pouco levadas em consideração na
hora de definir as mensagens dirigidas aos associados. Somente recebem atenção maior as
notícias do mundo do cooperativismo. Os instrumentos de comunicação do subprocesso
noticiam com freqüência sobre votações no Congresso Nacional que afetam o setor ou
decisões tomadas pelas instituições que congregam as cooperativas (o mesmo levantamento
feito sobre o Jornal da Copérdia apontou que 8,23% do espaço total foi preenchido com
notícias relativas ao cooperativismo em âmbito estadual e nacional).
5.1.3 Comunicação para a assistência técnica
A comunicação para a assistência técnica é o subprocesso que ocupa boa parte dos
veículos de comunicação da cooperativa. É ainda o assunto principal tratado diariamente
pelos funcionários que visitam os produtores associados. Os instrumentos de comunicação
para a assistência técnica são os programas de rádio (mesmo o programa diário de sete
minutos, que se atém mais aos recados, leva aos cooperados muitas informações voltadas para
a produção agropecuária), o Jornal Copérdia, os extensionistas rurais, as reuniões técnicas e
98
os eventos para apresentação de novas tecnologias agrícolas
50
. A comunicação para a
assistência técnica também é o subprocesso que apresenta um mínimo de diretrizes e
estratégias.
Mesmo que não aborde diretamente a comunicação na proposta de assistência que
coloca em prática, a Gerência de Produção da cooperativa orienta os extensionistas que o
suporte técnico aos agricultores será feito utilizando visitas individuais, reuniões, palestras,
seminários, dia-de-campo e atendimento no escritório. Fica explícita a prática de uma
comunicação rural nos moldes do Difusionismo, em que o objetivo é fazer todo o possível
para que o produtor adote uma certa prática agrícola ou tecnologia elaborada pela indústria
montada pelo e para o mercado mundial agrícola.
Dessa forma, o conteúdo das mensagens predominante na comunicação para a
assistência técnica é voltado exclusivamente para o incremento da produção. Outro objetivo é
convencer o agricultor a tornar-se um empresário rural. Além das informações a respeito de
como maximizar os resultados da propriedade, o cooperado é incentivado a prestar atenção
nos preços do mercado, a se aperfeiçoar gerencialmente e a adaptar-se aos altos e baixos do
mercado mundial de alimentos. Mais adiante, quando for analisada a comunicação voltada
para a questão dos dejetos suínos, ficará evidente também em números essa realidade a partir
da análise sobre o conteúdo publicado pelo Jornal da Copérdia no decorrer do ano passado.
A exemplo dos dois subprocessos descritos anteriormente, a comunicação para a
assistência técnica tem um fluxo com uma mão apenas. As informações fluem da cooperativa
50
Em relação a eventos promovidos pela Copérdia como complemente ao trabalho de assistência técnica, o
grande investimento nesta área é o Show Tecnológico Rural do Oeste Catarinense (Tecnoeste), que chegou à
quarta edição em 2005. O Tecnoeste é uma grande mostra de tecnologias, em todas as áreas de atuação da
cooperativa, que atraiu em 2005 73 empresas públicas e privadas e 10.560 produtores rurais visitantes. Durante
os três dias do evento são apresentadas novas variedades de sementes, equipamentos e técnicas de manejo. A
maior parte do que mostrado no Tecnoeste tem o pequeno produtor como alvo.
99
para os cooperados e raros são os momentos em que há a chance de um diálogo. Logicamente
que a Copérdia possui fóruns para ouvir a opinião dos cooperados. É o caso do Comitê de
Negócios, em que as metas de produção e investimentos da cooperativa são discutidos com
representantes dos associados. Mas do ponto de vista da comunicação que pratica, a
cooperativa reserva apenas para si o papel de emissor.
As influências ao subprocesso são de caráter externo. A comunicação para a
assistência técnica é influenciada quando a Copérdia aciona o serviço de um consultor, como
ocorreu há três anos, ou quando um dirigente da cooperativa conhece modelos diferentes
praticados por outras empresas. Em relação à pauta de assuntos, as contribuições externas
mais constantes nascem do mercado agrícola ou de fenômenos climáticos. Uma crise no preço
do leite, por exemplo, gerada pelo excesso de oferta do produto, oportuniza a emissão de
informações técnicas e econômicas para que o cooperado enfrente o momento difícil da
melhor maneira possível. Uma seca ou um período de muita chuva, igualmente, interferem no
conteúdo emitido nesse subprocesso.
5.1.4 Comunicação para a venda de produtos
A comunicação para a venda de produtos envolve a Gerência Comercial da
cooperativa, a Assessoria de Comunicação e uma agência de publicidade terceirizada. Os
instrumentos desse subprocesso são as campanhas de vendas elaboradas para a
comercialização dos produtos oferecidos nos supermercados e casas agropecuárias ligadas à
cooperativa. Como o subprocesso não é direcionado aos cooperados, não há relevância para
este trabalho a descrição do fluxo, conteúdo das mensagens e inferências a que ele está
sujeito. Vale apenas o registro de que a Copérdia possui uma comunicação voltada para o
100
público externo, do qual os cooperados também fazem parte como consumidores que são,
com a intenção de viabilizar comercialmente as lojas que mantém e os produtos que fabrica,
como farinhas, rações e embutidos suínos.
5.1.5 Comunicação para o público em geral
A comunicação para o público em geral é feita pela Assessoria de Comunicação e
engloba o relacionamento com imprensa. Tem com principal intenção formar a imagem
institucional da cooperativa nos municípios em que ela atua, angariando apoio político e
aceitação social. Não há um instrumento específico para viabilizar o subprocesso. Devido ao
acúmulo de trabalho, a Assessoria de Comunicação raramente produz relises para a imprensa.
Quando há o interesse que alguma notícia circule pelos meios de comunicação da região, a
veiculação é viabilizada por meio de um contato verbal entre o assessor de comunicação e um
dos profissionais que atuam nas emissoras de rádio ou jornais da região. Como a Copérdia
investe bastante nos veículos de comunicação, para os padrões regionais, acaba obtendo o
espaço que deseja com facilidade nos noticiários.
As mensagens trabalhadas pelo subprocesso envolvem principalmente os eventos,
novos investimentos, lançamentos de produtos, resultados econômicos e conquistas obtidas
pela cooperativa. Existe também um esforço para fortalecer a imagem dos dirigentes da
cooperativa. O fluxo é de duas mãos. Tanto a Assessoria de Comunicação procura a imprensa
quanto é procurada para que os dirigentes da Copérdia falem sobre determinado assunto.
Como o presidente da Copérdia, Neivor Canton, é também presidente da Organização das
Cooperativas do Estado de Santa Catarina, com freqüência a assessoria é acionada por órgãos
de imprensa de todo o Estado, não apenas os de abrangência regional
101
Esse fluxo de duas mãos abre a possibilidade para que a pauta que orienta as
mensagens do subprocesso seja constantemente dirigida por contribuições externas. Decisões
dos governos federal e estadual na área agrícola, volatilidade dos preços agrícolas ou qualquer
outro acontecimento que afete de alguma maneira o cooperativismo transformam-se em
oportunidades para que os dirigentes da cooperativa dêem suas opiniões nos noticiários de
rádios, jornais e televisões. Em algumas situações, a manifestação dos dirigentes é até
aguardada pela audiência. Os processos de comunicação da Copérdia estão reunidos na Figura
1. Ela apresenta ainda uma síntese das principais características encontradas nos mesmos.
5.1.6 A cultura que circula pelos processos
Nos processos de comunicação da Copérdia é saliente o desafio que a cooperativa
enfrenta cotidianamente em variadas instâncias. Ao mesmo tempo em que precisa se ater a
aspectos econômicos, para competir de igual para igual com as demais empresas que
disputam o mercado, a Copérdia deve pensar no desenvolvimento social. Nas mensagens que
circulam pelos processos desfilam lado a lado idéias como a busca incessante pela
competitividade e o desenvolvimento sustentável, a necessidade cada vez maior de fazer do
meio rural um espaço mercantil e o reconhecimento de que é urgente ver o campo também
como espaço de relações humanas e trocas culturais.
Na maior parte do tempo, a comunicação colocada em prática pela Copérdia ajuda a
legitimar a monocultura mental citada por Shiva (2003). A Copérdia comporta-se como as
demais agroindústrias quando volta quase toda a sua comunicação em prol da obtenção de
resultados econômicos. Mas, do modelo cooperativo brotam os valores que geram as
contradições explícitas na comunicação da cooperativa. Uma cooperativa deve buscar sobras
102
monetárias das suas atividades, porém, não pode ter o econômico como sua única finalidade.
Todas as cooperativas assumem que possuem um papel social e educativo a desempenhar nas
comunidades em que estão inseridas.
Não se trata somente de retórica. Uma cooperativa está muito mais sujeita a pressões
da comunidade de cooperados do que uma empresa comum. É por isso que as cooperativas
agem preventivamente e despendem recursos regularmente para mostrar que estão
promovendo o desenvolvimento social. Assim, elas propagam também uma cultura que se
choca em alguns aspectos com o modelo econômico hegemônico. Tão importante quanto
ganhar dinheiro é manter o cooperado no campo com condições de vida cada vez melhores.
Tão essencial quanto melhorar os índices de produtividade, é educar o cooperado para que ele
se torne um agricultor capaz de entender o mundo em que vive.
Intenções semelhantes também podem ser encontradas em empresas que devem
resposta a um dono ou a acionistas. Só que a margem para que o social prevaleça sobre o
econômico é bem menor. As questões ambientais exemplificam bem a maior suscetibilidade
das cooperativas. Todas as empresas têm olhado com atenção redobrada para o impacto que
provocam sobre o meio ambiente. As cooperativas, seguramente, admitem que possuem um
compromisso maior, já que o desenvolvimento mais justo é uma das bandeiras do
cooperativismo para que a sociedade o veja como a prática social e econômica mais viável.
5.2 DEJETOS SUÍNOS: PRIORIDADE NA COMUNICAÇÃO QUE APARECE
POUCO
Para a Copérdia, a preservação do meio ambiente é uma prioridade. A opção está
explícita até na missão destinada à assistência técnica, que é promover o desenvolvimento
103
sustentável dos cooperados através das melhorias dos seus índices técnicos, econômicos,
sociais e ambientais, tornando-os competitivos. As instâncias sociais e ambientais encontram-
se na mesma ordem de consideração que as técnicas e econômicas. O gerente de Produção
Agropecuária da Copérdia, Sandro Treméa, principal executivo da cooperativa na área da
produção, resume bem o que pensa a cooperativa acerca da relação com o meio ambiente.
A Copérdia trabalha num contexto em que é preciso produzir com uma visão
social, ambiental e econômica. A cooperativa tem um objetivo econômico,
mas quer equilibrar o resultado financeiro com o social e o ambiental.
(TREMÉA, 2005
51
)
As preocupações ambientais da cooperativa são ainda mais enfáticas no negócio
suinocultura. A cooperativa assume até um passivo ambiental da atividade, conforme admite
o presidente da Copérdia, Neivor Canton:
Por tudo o que se tem discutido em todos os segmentos da cooperativa,
nossa visão ambiental é a do cumprimento do que a legislação determina.
Admitimos que essa visão é de longa data. Só que ela tem uma origem de
pouco mais de uma década. A partir daí, se adotou como uma necessidade
nós estarmos atentos às questões ambientais em todos os negócios,
especialmente no negócio suinocultura. A Copérdia trabalha há 35 anos com
suínos e somente há pouco mais de uma década observa as questões
ambientais na hora de incentivar a produção de suínos. (CANTON, 2005
52
)
O reconhecimento do passivo ambiental da suinocultura pode ser considerado uma
mudança, acima de tudo, cultural, que contagia também os cooperados. No momento em que
a cooperativa se dispõe a corrigir um problema ambiental gerado por práticas econômicas e
51
Entrevista ao autor, 16/02/2005, Concórdia.
52
Depoimento ao autor, 16/02/2005, Concórdia.
104
sociais historicamente arraigadas na cultura do Alto Uruguai catarinense, lança as bases para
um novo modelo de relação com o meio ambiente. Neivor Canton explica que:
Está muito claro para nós que é de responsabilidade de quem gera o dejeto
suíno, principal fonte de poluição da atividade, a aplicação de um tratamento
adequado. Ao mesmo tempo, achamos ainda que a sociedade urbana deveria
contribuir de alguma forma, já que se beneficia do produto de qualidade
gerado no campo. Esse entendimento ainda não está muito claro, já que me
parece que o consumidor não se mostra disposto a pagar mais por um
produto que proteja o meio ambiente. Por enquanto, está mais fácil mostrar
ao produtor de que a não preocupação com o meio ambiente trará prejuízos
econômicos do que fazer ele agir por consciência da sua responsabilidade
social com o meio ambiente.
Para convencer o produtor sobre a sua responsabilidade ambiental, a Copérdia propôs-
se a comunicar mais sobre o impacto dos dejetos suínos sobre a natureza. O vice-presidente
da cooperativa, Valdemar Bordignon, revela que uma estratégia de convencimento em
especial é utilizada.
O trabalho nessa área é recente, mas agora é constante. Procuramos mostrar
das mais diversas formas ao nosso associado a necessidade da preservação
ambiental e a maneira correta de tratar os dejetos suínos, seja por meio da
equipe técnica ou através dos nossos veículos de comunicação. Procuramos
passar a mensagem de qual ambiente o produtor quer deixar para os seus
filhos e netos. Essa é uma mensagem que ajuda o produtor a compreender
melhor porque ele deve investir no meio ambiente. Ainda existem produtores
resistentes, que querem continuar trabalhando da maneira que sempre
fizeram, mas demos passos muito importantes na questão ambiental nos
últimos anos. (BORDIGNON, 2005
53
)
A estratégia de mexer com a sensibilidade do produtor em relação ao problema dos
dejetos suínos mostra que a cooperativa possui uma compreensão de que a questão ambiental
53
Depoimento ao autor, 16/02/2005, Concórdia.
105
não pode ser abordada apenas pela sua dimensão tecnológica. É preciso levar aos
suinocultores associados as informações que expliquem como deve ser feito o manejo dos
dejetos, porém, mais premente do que essa tarefa, é necessário mudar a compreensão a
respeito dos resíduos da produção de suínos. Valdemar Bordignon não tem dúvida de que:
O problema dos dejetos suínos, hoje, é mais cultural. Tecnologia, apesar dos
custos, existem. Tecnologicamente, estão aí as soluções, mas culturalmente
há muitas coisas que precisam ser trabalhadas, desmistificadas. Eu acho que
as coisas vão mudar. Para essa geração é difícil. Um produtor que era
orientado a ter o rio como solução para os dejetos tem dificuldade para
entender que ele não pode mais fazer isso. Mas a próxima geração já não terá
dificuldade para entender isso.
O presidente da Copérdia, Neivor Canton, tem uma opinião semelhante:
Também acho isso, apesar de que a evolução tecnológica, no meu entender,
é tímida na área dos dejetos. Existem soluções, mas o problema, muitas
vezes, é o custo, especialmente quando a atividade não está oferecendo
muitos resultados. Se falar para o produtor, a lei não exige mais, faça
conforme tua consciência, volta tudo atrás.
Se a Copérdia entende que o problema dos dejetos é mais cultural do que tecnológico
atualmente, é de se esperar, então, que os processos de comunicação da cooperativa façam
chegar até seus públicos de interesse mensagens com valores que possam provocar alterações
na cultura regional. Infelizmente, a compreensão que os dirigentes afirmam ter a respeito do
problema dos dejetos suínos ainda não se traduz em práticas comunicacionais voltadas para a
intervenção na questão ambiental. Sandro Treméa reconhece:
106
A informação ambiental que levamos até nossos associados ainda não é
suficiente. Temos que melhorar. Acredito que temos de superar barreiras
culturais e econômicas para fazer com que os dejetos sejam manejados
corretamente por todos. O trato correto do dejeto gera mais custo. Na cabeça
do produtor, ainda é dinheiro jogado fora o investimento ambiental. Há
também o consumidor, que não aceita pagar mais pela carne produzida
respeitando o meio ambiente. Não há dúvida que teremos de comunicar
melhor para produzirmos mudanças com mais rapidez e eficiência em
relação a este problema.
Os depoimentos dos dirigentes dão pistas claras a respeito de como se processa e
circula a informação ambiental dentro Copérdia. Para atender aos objetivos deste trabalho de
pesquisa, conforme descrito na Introdução, será apresentada nas próximas páginas uma
análise do subprocesso comunicação para a assistência técnica, que é o que mantém o contato
mais próximo com o cooperado produtor de suínos e tem a responsabilidade de tratar a
questão dos dejetos suínos.
É neste subprocesso também que se pode descrever e compreender porque o
entendimento que a direção da cooperativa possui do problema dos dejetos suínos não se
transforma em práticas comunicativas alinhadas a esta compreensão. Serão analisados dentro
do subprocesso a comunicação voltada para o meio ambiente praticada pelos extensionistas e
o espaço dedicado pelo Jornal da Copérdia ao tema dejetos suínos. Os extensionistas foram
escolhidos para a análise pela importância que possuem dentro do subprocesso. Já o jornal,
mesmo tendo um impacto junto ao associado menor que os programas de rádio, foi o
selecionado pela disponibilidade de material para análise, já que os programas de rádio não
são arquivados. Outra circunstância que justifica a escolha é o fato de que a pauta trabalhada
no jornal é praticamente idêntica a dos programas de rádio.
107
5.2.1 Dificuldade para mudar consciências
O questionário respondido pelos 11 extensionistas responsáveis pelo repasse de
informações técnicas sobre suínos aos cooperados da Copérdia revelou pontos interessantes a
respeito de como o corpo técnico da cooperativa compreende o problema dos dejetos e quais
esforços de comunicação despende para tentar corrigi-lo. As principais conclusões que brotam
dos questionários são as seguintes:
a) todos os extensionistas não consideram a poluição provocada pelos dejetos uma
conseqüência normal vinda da produção de suínos, um preço aceitável a ser pago pelo retorno
econômico proporcionado pela atividade;
b) para seis dos 11 extensionistas, a questão dos dejetos é mais cultural do que
tecnológica. Dois responderam que é cultural e tecnológica e os outros três não apontaram
qual dimensão é preponderante.
c) sete dos 11 extensionistas responderam que consideram válida a utilização de
conhecimentos criados pelos próprios produtores ou repassados de pai para filho dentro da
propriedade na tentativa de solução dos problemas ambientais causados pelos dejetos suínos;
d) 10 dos 11 extensionistas afirmaram que é repassada informação suficiente para
fazer com que o produtor maneje corretamente os dejetos suínos e evite problemas
ambientais;
e) nove dos 11 extensionistas criticam a forma como os meios de comunicação de
massa do Alto Uruguai tratam a questão dos dejetos suínos;
f) o jornal e os programas de rádio da cooperativa também recebem mais críticas que
elogios quando abordam os dejetos suínos. Embora os extensionistas digam que os veículos
108
da Copérdia tratam melhor do assunto do que os meios de comunicação de massa, nas
avaliações aparecem críticas como “um pouco deficiente, mas dentro da sua obrigação”,
“pouco freqüente, mas bem”, “poderia ser mais aprofundado” e “poderia ser aproveitado mais
motivando o produtor a melhorar sua estrutura e aproveitando os dejetos como forma de
adubação para suas culturas anuais”;
g) oito extensionistas afirmaram que o repasse de informações ambientais é prioridade
dentro do negócio suínos neste momento. Dois disseram que não e um respondeu que é
prioridade e também não é;
h) cinco extensionistas afirmaram que a maior barreira encontrada no seu dia-a-dia
para fazer com que o produtor realmente aplique as recomendações de manejo e evite que os
dejetos suínos provoquem danos ambientais é econômica. Dois afirmaram que a barreira é
cultural e dois que a barreira é a própria estrutura de produção montada para a atividade (dois
extensionistas não deixaram claro o que consideram uma barreira nas respostas que deram).
i) a estratégia de convencimento mais utilizada pelos extensionistas para fazer com
que o produtor altere o manejo dos dejetos é baseada na emoção. Seis dos 11 extensionistas
afirmaram que tentam sempre que podem mostrar que o futuro dos seus filhos e netos
depende das atitudes que ele toma no presente;
j) os instrumentos preferidos pelos extensionistas para se informar a respeito dos
dejetos suínos são a Internet (sete citações), visitas a propriedade ou empresas que possuem
tecnologias de tratamento eficientes (sete citações), livros (seis citações), dias de campo (seis
citações), folderes (quatro citações), vídeos (quatro citações) e programas de rádio (três
citações).
O questionário deixou claro que os extensionistas da Copérdia possuem uma
109
compreensão multidimensional do problema dos dejetos suínos, apesar das respostas
revelarem algumas contradições. Um exemplo de contradição é o fato de que a maior parte
dos extensionistas identifica a dimensão cultural como a mais importante para explicar as
causas da poluição por dejetos suínos. Já na hora de apontar qual a maior barreira para fazer
com que o produtor realmente aplique as recomendações de manejo e evite que os dejetos
suínos provoquem danos ambientais, a mais citada é a falta de dinheiro para fazer
investimentos em meio ambiente. Se a principal causa do problema é cultural, os
extensionistas deveriam entender que os produtores afirmam que não possuem dinheiro para
investir na questão dos dejetos porque não admitem gastar qualquer soma em preservação do
meio ambiente.
De qualquer forma, fica evidente que os extensionistas não vêem o problema de
maneira simplificada, nem tampouco acreditam na salvação única e exclusivamente calcada
na tecnologia. Esse entendimento abre a perspectiva para que a comunicação voltada à
assistência técnica praticada pela cooperativa vá adiante do simples repasse de informações
técnicas. Mas é na hora da prática que até mesmo os extensionistas reconhecem que a
comunicação que aborda os dejetos suínos não está no nível da compreensão que a
cooperativa possui do problema. Nos veículos de massa, como o rádio e o jornal, o tema
recebe pouco espaço. Já à comunicação face a face falta desde preparação até tempo durante
as visitas para tratar a questão dos dejetos suínos com maior ênfase.
No acompanhamento a 11 visitas feitas a produtores cooperados, entre os dias 17 e 23
de fevereiro de 2005, foi possível constatar os desafios e angústias com os quais os
extensionistas se deparam diariamente na hora de comunicar sobre a questão dos dejetos
suínos. Da metade de 2004 até 28 de fevereiro de 2005, por força do Termo de Ajustamento
de Condutas da Suinocultura Catarinense, os extensionistas dedicaram maior atenção ao
110
assunto. Eles foram os responsáveis pela coleta dos dados para a elaboração dos projetos de
intervenção em cada uma das propriedades ligadas à Copérdia e que resolveram aderir ao
termo. Antes da fase de elaboração dos projetos, a cooperativa entregou uma cópia impressa
do termo de ajuste para cada cooperado produtor de suínos e realizou reuniões posteriores
para o esclarecimento de dúvidas.
Em todas as visitas acompanhadas, os extensionistas fizeram recomendações relativas
à adequação ambiental da propriedade, sobre a disponibilidade de financiamento bancário
para viabilizar as melhorias exigidas pelo termo e recordaram os produtores sobre a
importância de cumprir a legislação ambiental. O principal desafio de comunicação
enfrentado pelos extensionistas foi mostrar aos suinocultores que eles deveriam mudar não
apenas porque poderão ser impedidos de produzir se não conseguirem uma licença ambiental.
Cada um a sua maneira, os extensionistas repetiram que a preservação dos recursos naturais é
uma questão de sobrevivência.
Para levar essa mensagem, não contaram com o apoio de nenhum material de mídia ou
com treinamento específico. Esse é o principal ponto de angústia. Os extensionistas convivem
com a incerteza a respeito dos efeitos da comunicação que praticam porque gostariam de
receber didáticas e recursos que os tornassem comunicadores mais eficientes. Os dois
supervisores da área de suínos, responsáveis pelo acompanhamento e treinamento dos
extensionistas, reconhecem que a comunicação feita pela equipe técnica tem dificuldades para
mudar a consciência do produtor. Edson Reolon afirma:
Teoricamente, nós teríamos que tocar neste ponto. Mas, na média, nós não
conseguimos interferir muito forte na questão ambiental. Trabalho específico
para que o técnico entenda o lado social, psicológico, ambiental e cultural do
produtor não existe dentro da cooperativa. Esse outro entendimento, que não
é técnico, o nosso técnico adquire no dia-a-dia, no contato com quem está há
111
mais tempo na empresa. (REOLON, 2005
54
)
Brás Conte complementa:
Temos que lembrar que todos os segmentos da sociedade não levaram muito
a sério a questão ambiental até recentemente. O TAC veio para mudar
práticas e consciências. Nós demos uma cópia do termo para cada produtor e
fizemos reuniões para dirimir dúvidas que tivessem ficado. Sobre a
capacidade de transmissão aos produtores, acredito que a nossa equipe
deixou muito claro a necessidade da mudança. Nossa equipe abraçou essa
mensagem. Muitas vezes, o que falta, é a capacidade de trabalhar forte com
todos os produtores. (CONTE, 2005
55
)
O gerente de Produção Agropecuária da Copérdia, Sandro Treméa, acredita que
muitas das dificuldades de comunicação dos extensionistas estão ligadas a uma circunstância
em especial.
Uma de nossas deficiências é a rotatividade grande da equipe. Há três anos
fizemos um treinamento com um profissional da Epagri voltado para
metodologias de difusão de tecnologia e comunicação. Só que mais de 80%
da equipe que fez aquele treinamento já saiu.
A rotatividade está ligada à política salarial praticada pela cooperativa. Segundo
opinião dos próprios extensionistas, eles ganham abaixo do que as demais agroindústrias
pagam, em média, por funções semelhantes. É comum, após o extensionista adquirir certo
conhecimento ligado à prática da assistência técnica, transferir-se para outra empresa.
54
Depoimento ao autor, 25/02/2005, Concórdia.
55
Depoimento ao autor, 25/02/2005, Concórdia.
112
Soma-se à rotatividade a pouca experiência da equipe e o grande número de
produtores sob responsabilidade de cada técnico, na opinião dos próprios extensionistas.
Durante as visitas de acompanhamento, todos afirmaram que gostariam de ter menos
produtores para atender. Assim, poderiam fazer uma comunicação melhor. De acordo com
Brás Conte, para cada extensionista há em torno de 76 produtores de suínos. Dependendo do
segmento em que atua, o extensionista pode ter sob a sua responsabilidade de 40 a 120
produtores. Nas metas estabelecidas pela Gerência de Agropecuária, os extensionistas devem
visitar cada um dos cooperados da sua área de atuação com um intervalo máximo de 45 dias.
Geralmente, as visitas, sempre agendadas, acontecem uma vez por mês.
Para atingir esse nível de atendimento, o extensionista não pode passar muito tempo
numa propriedade e nem visitar poucos cooperados num dia só. A média é de duas visitas por
manhã ou tarde, mas não é incomum que o extensionista passe por seis propriedades num
único dia. Nas 11 visitas acompanhadas, a média de tempo de conversa com o produtor em
cada propriedade foi de 53,6 minutos (o tempo total de contato entre extensionistas e
produtores foi de 590 minutos; a visita mais longa teve 132 minutos de duração e a mais curta
25 minutos). Não existem dados para comparar o tempo médio das visitas da Copérdia com as
demais agroindústrias, porém, não há dúvida de que é difícil praticar uma comunicação que
ajude o produtor a ter outra compreensão da questão dos dejetos suínos com um trabalho de
53,6 minutos a cada 30 dias ou mais.
O Quadro 2 resume as características da equipe de extensionistas da Copérdia. No
quadro ficam evidentes a alta rotatividade e o grande número de produtores que cada técnico
precisa atender mensalmente.
113
QUADRO 2 – Características da equipe de extensionistas que atendem os produtores de
suínos da Copérdia
Características
Escolaridade
Cinco extensionistas possuem o segundo grau completo. Dois
estão cursando cursos superiores. Três possuem terceiro grau
completo e um não respondeu à pergunta.
Tempo de empresa
O tempo de empresa é baixo. Cinco extensionistas estão há
menos de um ano na cooperativa. Dois possuem menos de
três anos de casa e dois estão há cinco anos na Copérdia. Um
está há mais de 10 anos e um há mais de 20 anos.
Quantidade de produtores que
atende/mês
A média de produtores atendidos por extensionistas é de 76.
Mas apenas um atende mais de 100 produtores.
Sexo
Dos 11 extensionistas que atendem os produtores de suínos,
10 são homens e um é mulher.
Fonte: SOUZA, Jean Vilas Boas, 2005
5.2.2 O espaço é do negócio
Na comunicação feita pelos extensionistas, pelo menos durante o período em que
foram elaborados os planos de intervenção nas propriedades visando a assinatura do termo de
ajustamento de condutas da atividade a questão dos dejetos suínos foi o tema central nos
contatos com os produtores rurais. No entanto, no Jornal Copérdia, nem durante esse período
o assunto mereceu destaque, apesar da Assessoria de Comunicação considerar, conforme
entrevista prestada pelo assessor Herter Antunes, a temática ambiental uma das preocupações
centrais da publicação.
Nas 12 edições analisadas pela pesquisa, de janeiro de 2004 a janeiro de 2005, os
números evidenciam o pouco espaço que as notícias a respeito do meio ambiente receberam.
No período, o jornal publicou 188 páginas, 303 notícias informativas, 122 notas informativas,
23 artigos opinativos e 223 comerciais
56
. Apenas 2,35% das notícias e notas informativas
56
Foi considerado neste trabalho de pesquisa como notícia informativa os fatos relatados, sem um caráter de
opinião, no Jornal da Copérdia que receberam um espaço maior, com título, presença de foto ou não e texto
com três ou mais parágrafos. Já as notas informativas são pequenos textos, também não opinativos, com apenas
um parágrafo. Os artigos opinativos são opiniões dadas por dirigentes da cooperativa ou convidados. Os
comerciais são espaços comprados por empresas que anunciam no jornal.
114
tratavam sobre questões ambientais (10 matérias em números absolutos, sendo uma delas uma
nota informativa e as outras notícias que ocupavam um ou dois terços da página).
Das 10 notícias que tratavam sobre meio ambiente, cinco faziam referência ao termo
de ajustamento de condutas da suinocultura, uma sobre a utilização da água da chuva, uma
sobre ações do Programa Nacional de Meio Ambiente em propriedades de suinocultores em
Concórdia, uma sobre reciclagem de embalagens de agrotóxicos, uma sobre a correta
manipulação do lixo nas propriedades rurais e uma sobre um prêmio concedido a um líder
ambiental sobre a sua contribuição para a preservação do meio ambiente. O meio ambiente foi
apenas o 12º assunto mais freqüente no Jornal da Copérdia e perdeu até para as notícias sobre
a legalização dos transgênicos, que apareceram 14 vezes durante o ano (as notícias sobre
transgênicos não foram consideradas de cunho ambiental porque se referiram, basicamente, às
discussões no Congresso Nacional sobre a aprovação do projeto que regulamenta a transgenia
no Brasil).
O assunto mais freqüente no jornal, do ponto de vista informativo, envolveu a
administração e negócios da Copérdia. Nas 12 edições, 74 notícias e notas trataram sobre
investimentos, decisões administrativas, lançamento de produtos e outros acontecimentos
envolvendo o cotidiano da cooperativa, ou 17,41% do total. O segundo assunto mais
freqüente foi o evento Tecnoeste, com 68 registros (16%). Vale ressaltar que os registros se
concentraram nas edições de janeiro de 2005 e fevereiro de 2004, que foram quase que
totalmente dedicadas ao evento. As notícias relativas ao cooperativismo apareceram 35 vezes
no periódico (8,23%), enquanto que as matérias sobre o quadro de cooperados somaram 18
(4,23%), menor que o espaço dedicado aos funcionários, que foram tema de 23 notícias
(5,41%).
Chama a atenção também a distribuição das notícias informativas voltadas para o
repasse de tecnologias ou informações sobre o mercado agropecuário. Das 91 notícias com
115
esta abordagem publicadas nas 12 edições, o negócio suínos foi o segundo que menos
apareceu. Com 11 notícias, ficou à frente somente do negócio reflorestamento, que teve sete.
O negócio cereais foi tema de 33 notícias, o negócio leite apareceu 28 vezes e os negócios
citros e uva apareceram 12 vezes. O mais curioso é que o negócio suínos faturou bem mais
em 2004 que os demais. Foram R$ 86,7 milhões movimentados, diante de R$ 26,3 milhões do
negócio leite e R$ 14,6 milhões do negócio cereais.
Diante de tais dados, é previsível esperar que a questão dos dejetos suínos tenha sido
pouco trabalhada no Jornal Copérdia. Das 10 matérias que tratam sobre meio ambiente, seis
citam de alguma forma o tema. Mas nenhuma é dedicada exclusivamente ao assunto e nem
apresenta o problema de maneira mais profunda. A mensagem mais trabalhada é de que os
produtores precisam se adequar ao termo de ajustamento de condutas para evitar prejuízos
econômicos. É o que mostra a notícia publicada em março de 2004, intitulada “Termo de
ajuste será exigência do mercado”:
Manter os produtores na atividade, proteger o meio ambiente e garantir o
mercado interno e externo, evitando prejuízos à economia da região. Estes
são os objetivos do Termo de Ajustamento de Condutas, que está sendo
firmado entre o Ministério Público estadual, agroindústrias, cooperativas e
entidades relacionadas à suinocultura. [...] O TAC vale apenas para as
propriedades que já tenham a produção de suínos instalada. Quem quiser
produzir a partir da assinatura do Termo, deverá construir as instalações de
acordo com a lei, o Código Florestal e o Código Sanitário. Treméa lembra
que o mercado ainda não exige a licença ambiental da Fatma, porém, muito
em breve essa será uma exigência que poderá definir quem fica e quem
abandona o negócio. “Sob o ponto de vista da lei estamos atrasados e sob o
do mercado temos que fazer isso urgente sob pena de perder espaço para
exportar”, alerta. (JORNAL COPÉRDIA, 2004, ed. 126, p. 7)
Em setembro de 2004, o termo de ajustamento de condutas voltou a ser tema de uma
matéria publicada no Jornal da Copérdia, com o título “TAC exige corrida contra o tempo”.
Dessa vez, a intenção da notícia era alertar os cooperados de que eles deveriam ter pronto o
116
projeto de adequação ambiental da propriedade até 28 de fevereiro, prazo limite para aderir ao
termo.
O Termo de Ajuste de Conduta – TAC está em vigor desde que foi assinado
em 28 de junho desse ano. Os produtores de suínos da região da Amauc que
estão ilegais segundo o TAC, terão um prazo até 28 de fevereiro de 2005
para legalizarem sua atividade. Preocupada com a situação, a Copérdia está
mobilizando seus técnicos e mais duas empresas terceirizadas, para que no
decorrer desse prazo, sejam feitos encontros com todos os suinocultores
integrados, a fim de explicar para eles como funcionará o termo de ajustes e
adequá-los para continuarem na atividade. (JORNAL COPÉRDIA, 2004, ed.
132, p. 2)
Um pouco adiante, a matéria até amplia a sua abrangência e mostra, nas opiniões do
coordenador do Suiooper da Copérdia, Clênio Arboit, e do gerente de Produção Agropecuária,
Sandro Treméa, porque os produtores não podem ficar fora do termo de ajuste.
O produtor terá que estar em harmonia com a natureza, preservando rios,
matas nativas e dando tratamento adequado aos dejetos. “Cerca de 87% dos
suinocultores da Amauc estão fora da lei, e o TAC é uma condição que eles
tem para poder trabalhar”, expõe Arboit. [...] “O momento é bom para a
suinocultura. Então, eu penso que o produtor poderia usar uma parte dos
lucros para se ajustar, pois sem a documento legal, os produtores não
poderão trabalhar com a atividade”, conclui Treméa. (JORNAL
COPÉRDIA, 2004, ed. 132, p. 2)
As poucas notícias sobre a questão dos dejetos suínos não registram ainda a palavra
dos produtores. Nenhuma delas apresenta o que pensam os cooperados sobre o termo de
ajuste, a suinocultura ou qualquer outra opinião sobre o negócio suínos. As únicas fontes são
os dirigentes da cooperativa ou de responsáveis por setores. Até mesmo os extensionistas
raramente são citados.
Se o espaço para o meio ambiente foi pequeno no conteúdo informativo do jornal,
praticamente inexistiu no conteúdo opinativo. Dos 23 textos opinativos publicados pelo
jornal, apenas um tratou sobre a questão dos dejetos suínos. E, mesmo assim, muito
rapidamente. O artigo “O suíno não é o porco”, de autoria de Vitório M. Varaschin (o jornal
117
não informa qual a profissão ou cargo do autor, mas deduz-se, pela argumentação do texto,
que ele seja um técnico de agroindústria) reflete mais sobre o presente e o futuro imediato da
atividade. A questão ambiental só aparece no momento em que o artigo cita uma das
transformações que a suinocultura deve sofrer.
O terceiro tipo de transformação necessária é o sistema de produção de
suínos nas unidades de produção. Este sistema deve ser visto de forma
abrangente desde a produção ou compra de insumos até a saída dos suínos,
passando pelos processos de tratamento e destino dos dejetos e pelo
relacionamento com os órgãos ambientais. O suíno não é o porco! O suíno é
um animal alimentado com produtos sadios, que vive em instalações
adequadas e com assistência à saúde de dar inveja a qualquer ser humano. O
suíno é um animal que produz uma das mais saudáveis carnes consumidas
pelas pessoas. (VARASCHIN, 2004, p. 10)
As constatações obtidas a partir da análise do Jornal Copérdia não tem a pretensão de
afirmar se ele está certo ou errado. Apenas busca trazer à tona o fato de que também nos
veículos de comunicação da cooperativa, que tem como alvo principal o cooperado, o espaço
dedicado aos temas ambientais e à questão dos dejetos suínos em especial ficam bem aquém
da importância que a instituição afirma dar para o meio ambiente. Tal situação pode ser vista
como um paradoxo, na medida em que uma linha de pensamento defendida nas entrevistas
concedidas pelos dirigentes não se verifica nas práticas comunicativas da cooperativa.
5.3 COMUNICAÇÃO AMBIENTAL NA COPÉRDIA
Certamente, a Copérdia comunica menos do que quer e poderia a respeito do meio
ambiente. São visíveis nos dirigentes da cooperativa e no corpo de extensionistas sinais de
que a Copérdia possui uma compreensão do mundo agropecuário mais ampla do que a da
118
maioria das empresas do setor, uma compreensão em que o raciocínio mercantil precisa
conviver com outras instâncias, entre elas a ambiental. É possível até dizer que a bactéria
verde já ingressou no organismo da cooperativa, entretanto ainda não começou a se alastrar
por meio dos processos de comunicação.
Essa dificuldade de alastramento da bactéria verde deve-se a dois fatores em especial.
O primeiro deles é a ausência de estratégias de comunicação, que definam como os temas
prioritários para a cooperativa realmente se transformarão em conteúdo dos processos de
comunicação. O segundo está ligado ao próprio momento histórico da Copérdia. Faz pouco
tempo que a cooperativa se deu conta das suas obrigações com o meio ambiente e as sementes
que brotaram dessa autocrítica ainda estão sem seu estágio inicial de desenvolvimento.
Menos mal que as lacunas existentes na comunicação ambiental da Copérdia vêm
sendo atropeladas pelos movimentos da sociedade, principalmente no que diz respeito à
questão dos dejetos suínos. O termo de ajustamento da suinocultura fez com que, pelo menos
do ponto de vista da assistência técnica prestada diariamente pela cooperativa, o assunto fosse
na prática uma prioridade a partir de junho de 2004. Falar durante tanto tempo sobre um
assunto afeta qualquer processo. Daqui por diante, os extensionistas da Copérdia falarão
muito mais sobre dejetos suínos do que antes, seja para acompanhar a aplicação do termo de
ajuste ou porque todos descobriram que a suinocultura não pode mais continuar dissociada da
preservação ambiental.
Olhando para o mundo da suinocultura no Alto Uruguai de Santa Catarina, não se
pode dizer que a comunicação feita pela Copérdia difere muito da praticada pelas demais
empresas do setor suinícola. Nem se pode deixar de ver que é em organizações como ela que
reside a esperança da implementação de uma comunicação que também abra espaço para um
entendimento complexo da atividade, que explique a necessidade de conciliar a necessidade
de resultados econômicos com a sustentabilidade ambiental, a produtividade com a qualidade
119
de vida, o progresso humano com a sobrevivência das demais espécies animais e vegetais. Os
sinais, mesmo que tênues, emitidos pela Copérdia permitem sonhar com a troca da cultura da
poluição pela cultura da preservação no mundo da suinocultura.
120
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados levantados por esta pesquisa demonstram que a comunicação praticada
dentro do mundo da suinocultura ainda não trabalha a favor da construção de um novo
modelo de relação dos seres humanos com o seu meio ambiente. Em sua grande maioria, as
mensagens que circulam por entre a atividade suinícola têm uma feição unicamente técnica,
voltada para a melhoria da produtividade com o intuito de garantir maiores resultados
financeiros. Mesmo quando trata de questões ambientais, como é o caso dos dejetos suínos, a
comunicação praticada no mundo da suinocultura geralmente alerta, majoritariamente, que o
tratamento inadequado dos recursos naturais pode se transformar em perda de espaço no
mercado internacional, em queda na rentabilidade do produtor ou em possibilidade de
migração da produção para áreas em que a ameaça do excesso de dejetos ainda é menor.
Nos processos de comunicação da Copérdia, que podem ser vistos como um retrato
muito aproximado do que ocorre no restante do mundo da suinocultura, é visível que a cultura
que legitimou a atividade até hoje desenvolveu ligações maiores com a poluição do que com a
preservação. Quase todas as vozes que falam para os segmentos ligados à suinocultura
esquecem-se de questionar o modelo econômico e social montado em torno da atividade que a
deixou à beira da falência ambiental, especialmente em regiões como o Alto Uruguai
catarinense. E, quando questionam, levantam seus argumentos normalmente em ambientes
121
fechados ou em documentos de circulação restrita. Todos apontam a poluição gerada pela
atividade, mas poucos realmente mostram da onde ela vem.
Apesar da aura pessimista que essas constatações suscitam, é preciso reconhecer que a
maior parte dos males ambientais provocados pela suinocultura não foram arquitetados por
uma mente maligna ou por uma instituição voltada para a destruição da natureza. Eles
aconteceram em meio a um período histórico-cultural-econômico-social das regiões em que a
atividade mais se desenvolveu, que colocaram sempre num trono o crescimento econômico e
todo e qualquer recurso natural como algo supérfluo. É por ter sido fruto de uma combinação
de circunstâncias que o organismo vinculado à suinocultura não está tendo como evitar que
bactérias verdes o invadam, abrindo perspectivas para que novas idéias circulem e se
transformem em princípios para a correção de posturas ambientais tradicionalmente
equivocadas.
No Alto Uruguai de Santa Catarina, já circulam bactérias verdes pelo organismo da
suinocultura. As notícias sobre o termo de ajustamento de condutas da atividade, as
informações levadas pelos técnicos vinculados a programas ambientais, como o Programa
Nacional de Meio Ambiente, ou a cobertura que os meios de comunicação de massa dão à
questão dos dejetos suínos cumprem o papel de lentamente mostrar as mudanças pelas quais a
atividade, inadiavelmente, deve passar. Na prática, os avanços são tênues ainda. Porém, as
novas mensagens ambientais que entraram em circulação pelos processos de comunicação da
Copérdia e em outras instâncias possuem um grande potencial para o surgimento de uma nova
postura por parte dos envolvidos com a suinocultura diante do meio ambiente.
Querendo ou não, todas os atores da atividade estão sendo impelidos a falar mais sobre
o manejo dos dejetos suínos, principal ameaça ambiental oriunda da suinocultura. A discussão
é mais forte no Alto Uruguai catarinense, mas atinge, pelo fato da região ser um centro de
excelência na produção de suínos, o restante do País. Essa comunicação quase que forçada
122
sobre o assunto, em virtude dos vários movimentos de discussão e ação sobre o tema, levam
empresas, produtores e órgãos públicos a assumirem publicamente responsabilidades que até
hoje relutaram. Por mais de 30 anos, os dejetos suínos parecerem não ser de ninguém. Hoje, já
se admite que a responsabilidade pelo dejeto é de quem o gera, ou seja, os produtores e as
indústrias. São expostos ainda argumentos que defendem a divisão de responsabilidade com
quem se beneficia pelos impostos gerados pela atividade, ou seja, os governos municipal,
estadual e federal, e com os consumidores beneficiados nas últimas décadas pela oferta de
produtos cada vez mais saudáveis e baratos, sem cobrar o custo ambiental desse progresso.
Algumas instituições mostram-se ainda mais suscetíveis à pressão exercida pelas
novas idéias ambientais que circulam pelo organismo da suinocultura. É o caso da Copérdia.
Como cooperativa, ela se sente na obrigação de ser um agente de intervenção social,
promovendo o desenvolvimento sócio e econômico dos seus cooperados e dos municípios em
que atua. Essa concepção faz com que, pelo menos do ponto de vista do discurso e de
políticas gerenciais, a Copérdia assuma um compromisso quase exemplar com a preservação
ambiental na área da suinocultura. A dificuldade surge na hora de trazer para os processos de
comunicação e para suas demais ações práticas o entendimento que a cooperativa tem da
questão ambiental, especialmente do problema dos dejetos suínos. Conforme mostram os
dados levantados por este trabalho de pesquisa, a falta de estratégias e de verdadeira
priorização fazem com que a comunicação da Copérdia não seja, por enquanto, o instrumento
de intervenção no problema ambiental gerado pelos dejetos suínos que poderia ser.
Há, no entanto, motivos para imaginar que da cooperativa pode brotar um movimento
comunicacional que ajude a construir uma nova relação entre a suinocultura e o meio
ambiente. A Copérdia quer melhorar a comunicação ambiental que pratica e admite que
possui um papel de intervenção social a desempenhar dentro da suinocultura. Ao mesmo
tempo, como empresa, a cooperativa já se deu conta de que pode agregar importantes valores
123
a sua imagem quando luta pelo meio ambiente. Não só a Copérdia, mas também o restante do
cooperativismo brasileiro agropecuário, entende que uma das formas de mostrar à sociedade
que o trabalho cooperativo é um modelo melhor que capitalista passa pela aplicação de
sistemas de produção de alimentos que alcancem resultados econômicos sem abrir mão do
equilíbrio ambiental.
Outra conclusão a que este trabalho chega é que o cenário descrito a partir da análise
dos processos de comunicação da Copérdia serve como base para empresas ligadas à
suinocultura que desejam melhorar a comunicação que fazem voltada ao meio ambiente. Ele
situa-se como um diagnóstico que explica, mesmo que parcialmente, porque o tema dejetos
suínos é comentado por tantas vozes nos últimos 20 anos e a poluição ligada à atividade
suinícola só fez aumentar. Os dados da pesquisa demonstram que a consciência dos líderes do
segmento a respeito do meio ambiente precisa se transformar em efetiva comunicação para a
proteção ambiental, ocupando parte do espaço dominado tão somente pela transmissão de
informações direcionadas ao aumento dos resultados econômicos da produção de suínos.
Há ainda mais uma constatação importante. Nos últimos dois anos, os atores da
suinocultura no Alto Uruguai catarinense foram compelidos, principalmente pelo termo de
ajustamento de condutas, a discutir publicamente o impacto ambiental da atividade. O debate
sobre a questão dos dejetos suínos que rompeu os gabinetes e laboratórios de pesquisa foi
decisivo para que, pela primeira vez, fossem aplicadas medidas que realmente podem
controlar os estragos ambientais provocados pela atividade. Os episódios recentes
confirmaram a contribuição que a comunicação deve necessariamente dar na solução dos
problemas ambientais. Tornar públicas as diversas posições sobre o assunto, informar,
esclarecer, contextualizar são ações imprescindíveis para que um segmento assimile suas
responsabilidades e admita que precisa adotar outra convivência com os recursos naturais.
Assim como a suinocultura no Alto Uruguai catarinense, a humanidade encontrou os
124
limites dos recursos naturais. Muitos avisos cotidianos mostram que é urgente a opção por um
novo paradigma que inclua o meio ambiente na vida das pessoas. O modelo de sociedade
baseado no consumo crescente de bens duráveis dá provas diárias de que é incompatível com
a preservação da teia da vida, sem a qual a vida no planeta certamente sucumbirá, levando
junto consigo a espécie humana. A monocultura mental citada por Shiva (2003) precisa ser
rompida. A reconversão do olhar sugerida por Araújo (2000) deve se estabelecer. O futuro
depende da assinatura de um novo contrato, de acordo com Serres (1990). Algumas das
mensagens que circulam pelos sistemas de comunicação mundiais e locais permitem
alimentar a esperança de que está em curso a formação de um homem dotado de uma cultura
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125
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129
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130
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131
ANEXOS
132
ANEXO A: Mapa de Santa Catarina, com a região do Alto Uruguai em destaque
133
ANEXO B: Questionário aplicado aos extensionistas da Copérdia
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO EXTENSIONISTA:
1. SEXO: ( ) F ( ) M
2. ESCOLARIDADE: __________________________________________________
3. TEMPO DE EMPRESA: ______________________________________________
4. QUANTIDADE DE PRODUTORES QUE ATENDE: _______________________
1 - O que lhe vem à cabeça quando ouve as palavras “dejetos suínos”?
2 - Você considera a poluição por dejetos uma conseqüência normal da produção de
suínos?
( ) Sim
( ) Não
Por quê? ______________________________________________________________
_____________________________________________________________________
_______________________________________________________
3 – Analise a forma como os meios de comunicação de massa (rádios, jornais, emissoras
de televisão) que atuam no Alto Uruguai abordam a questão dos dejetos suínos?
4 - Analise a forma como os veículos de comunicação de massa da Copérdia (programa de
rádio e jornal) abordam a questão dos dejetos suínos?
5 - Você vê na questão dos dejetos suínos alguma dimensão cultural ou trata-se apenas de
um problema tecnológico da suinocultura?
134
6 - Você considera pertinente a utilização de conhecimentos criados pelos próprios
produtores ou repassados de pai para filho dentro da propriedade na tentativa de solução
dos problemas ambientais causados pelos dejetos suínos?
( ) Sim
( ) Não
Por quê?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
________________________________________________
7 – Na sua opinião, o repasse de informações ambientais é uma prioridade dentro da
comunicação praticada pela Copérdia?
( ) Sim
( ) Não
Por quê?
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
________________________________________________
8 - No seu entender, é repassada informação suficiente para fazer com que o produtor
maneje corretamente os dejetos suínos e evite problemas ambientais?
( ) Sim
( ) Não
9 - Explique qual a maior barreira que você encontra no seu dia-a-dia para fazer com que
o produtor realmente aplique as recomendações de manejo e evite que os dejetos suínos
provoquem danos ambientais?
10 – Qual a estratégia que você usa na hora de repassar informações ambientais e um
produtor (contato face a face)?
135
11 - Qual dos formatos abaixo relacionados mais lhe convém para receber informações
sobre a questão dos dejetos suínos, com o intuito de repassá-la posteriormente aos
produtores?
( ) Livros
( ) Internet
( ) Vídeos técnicos
( ) Programas de televisão
( ) Programas de rádio
( ) Revistas
( ) Folderes
( ) Dias de campo
( ) Visitas técnicas
( ) Outras fontes (especificar)
_____________________________________________________________________
_____________________________________________________________________
________________________________________________
136
ANEXO C – Processos de comunicação na Copérdia
Comunicação para o
público em geral
Comunicação para a
venda de produtos
Comunicação para
a assistência técnica
Comunicação para
os funcionários
Comunicação para
os cooperados
COMUNICAÇÃO
COPÉRDIA
Características:
- Fluxo de informações
preponderantemente no
sentido cooperativa-
cooperado.
- Mensagens tratam
normalmente de negócios da
cooperativa ou do repasse de
técnicas de produção.
- Não existem canais formais
para a participação dos
cooperados.
- Ausência de diretrizes e
estratégias específicas para a
comunicação.
Subprocessos do Processo de
Comunicação Voltado
para o Público Interno
Subprocessos do Processo de
Comunicação Voltado
para o Público Externo
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