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Caroline Webber Guerreiro
VULCÃO DA SERRA:
VIOLÊNCIA POLÍTICA EM SOLEDADE (RS)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo,
como requisito parcial e final para a obtenção do
grau de Mestre em História, sob orientação da
Professora Doutora Eliane Lucia Colussi.
Passo Fundo
2005
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Catalogação na fonte: bibliotecária Jucelei Rodrigues Domingues - CRB 10/1569
G934v Guerreiro, Caroline Webber
137 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade de Passo Fundo, 2005.
CDU : 981.65
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Dedico este trabalho aos meus avós maternos, Ernesto e Anita
Webber, e paternos, Waldomiro (in memorian) e Alvina
Guerreiro, sempre prontos a ajudar.
Ao meu marido Alberino, aos meus pais, Inácio e Sirlei, à minha
irmã Daniele, ao meu cunhado Marcelo, agradeço pelo
incentivo, apoio e ajuda, sem os quais o caminho seria muito
mais árduo. À professora Doutora Eliane Lucia Colussi, que me
recebeu, primeiro, como aspirante a mestranda e, depois, como
orientanda. Seu otimismo e incentivo, sua paixão pela história e
pela pesquisa são, sem dúvida, lições para a vida toda. Agradeço
também as palavras preciosas e as indicações de leitura dos
professores Doutores Astor Antônio Diehl e Germano A. D.
Schuartz. Gostaria também de agradecer as importantes
sugestões e críticas das Professoras Doutoras Loiva Otero Félix
e Janaína Rigo Santin. Na pessoa da professora Doutora Ana
Luiza Setti Reckziegel, coordenadora do mestrado, agradeço a
todos os professores do programa. Aos colegas de mestrado,
tanto aos da mesma turma quanto aos que conheci depois,
durante a gestão da Associação dos Pós-Graduandos em
História. À UPF, que financiou parcialmente meu curso, o
me permitindo mais tranqüilidade como também me
possibilitando o estágio no Arquivo Histórico Regional, ao qual
devo grande parte do que apresento neste trabalho. Não posso
deixar de agradecer aos colegas do Arquivo Histórico Regional,
que me acolheram, em especial à Sandra, à Márcia, ao Renan, à
Rudinéia, ao Benhur e à Janete. Todos, sem exceção, estiveram
sempre prontos a me esclarecer qualquer dúvida. Aos
funciorios da prefeitura de Soledade, da Câmara de
Vereadores e demais pessoas que se mostraram disponíveis e
interessadas em contribuir para este trabalho.
A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse
sentido, ela está em permanente evolão, aberta à dialética da
lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações
sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações,
susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações.
Pierre Nora
RESUMO
A temática desta dissertação são acontecimentos que ficaram conhecidos como “o
caso de Soledade”, ocorridos entre 1934 e 1936, por motivos poticos, e que marcaram
pela violência empregada. Através da interpretação desses fatos, busca inseri-los na
história potica regional, principalmente os aspectos que manifestam a violência das
fraudes e disputas poticas no estado no período de “decadência” do coronelismo. Sendo
Soledade um município do norte do estado do Rio Grande do Sul, o estudo contribui para o
resgate da memória histórica regional, em especial, no âmbito de estudos sobre poder local
na região do Planalto Médio gaúcho. Trata dos mandos e desmandos de poticos locais na
cidade de Soledade, em especial na década de 1930, com a finalidade principal de
intimidar os representantes do Partido Libertador local. O mesmo período foi também
marcado por conflitos entre o Judiciário e o Executivo. Destacam-se como casos de
violência potica o assassinato de Kurt Spalding e a atuação dos bombachudos.
Palavras-chave: história política - história regional - violência política - história
judiciária.
ABSTRACT
The theme of this dissertation are the events known as “the Soledade case”, which
happened from 1934 to 1936, with political motives, which were marked by violence.
Through the interpretation of such facts, this study aims at inserting them into the regional
political history, with special regard to the aspects that manifest the violence of frauds and
political dispute in the state of Rio Grande do Sul during the decadence of “coronelismo”.
Considering that Soledade is situated in the north of Rio Grande do Sul, the study
contributes to the retrieval of the regional historical memoir, specially in the scope of
studies about the local power in the region of the Medium Plateau of RS. It deals with the
abuse of power of local politicians in Soledade, particularly in the 1930s, with the purpose
of intimidating the representatives of the local Liberal Party. The same period was also
marked by conflicts between the Judiciary and the Executive powers. The murder of Kurt
Spalding and the action of the “bombachudos” are remarkable cases of political violence.
Key-words: political history - regional history political violence judiciary
history.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Alguns poticos locais .......................................................................................39
Figura 2: Políticos locais ...................................................................................................40
Figura 3: Grupo de bombachudos de Soledade..................................................................75
Figura 4: Comissão composta por Edgar Schneider, Firmino Torelly, Oswaldo
Vergara e Camilo Martins Costa ......................................................................................84
Figura 5: Kurt Spalding na Farmácia Serrana ...................................................................95
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Evolão da representação da oposição na Assembléia dos Representantes,
RS (1913-1929)...............................................................................................62
Tabela2: Rotatividade dos Prefeitos em Soledade .........................................................86
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AALERGS/SC - Arquivo da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul/Solar
dos Câmara
ABM/ IHRGS - Arquivo Borges de Medeiros/ Instituto Hisrico do Rio Grande do Sul
AHR/UPF - Arquivo Histórico Regional da Universidade de Passo Fundo
AH/RS - Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
AL - Aliança Libertadora
AP/RS - Arquivo Público do Rio Grande do Sul
BMGSF - Biblioteca Municipal Guilherme Schultz Filho
FUG- Frente Única Gaúcha
IHG/RS - Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul
IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
MCSHJC - Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa
PL - Partido Libertador
PRL - Partido Republicano Liberal
PRR- Partido Republicano Rio-Grandense
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14
1. O CENÁRIO DA VIOLÊNCIA: PODER, CORONELISMO E JUSTIÇA
1.1.O ponto de partida: Processo de Exibição de Autógrafos............................................27
1.2.O que estava em jogo: o processo eleitoral e o problema da qualificação
dos eleitores...............................................................................................................41
2. SOLEDADE E O ACIRRAMENTO DAS LUTAS E DA VIOLÊNCIA POLÍTICA (1930)
2.1.Antecendentes históricos.............................................................................................56
2.2. As articulações entre os poderes local e regional.......................................................59
2.3. As articulações entre os poderes locais; o regional e o nacional:
o Combate do Fão.....................................................................................................65
2.4. A explosão da violência : Chico touro e os bombachudos.........................................70
3. UM CASO DE VIOLÊNCIA POLÍTICA: O ASSASSINATO DE KURT SPALDING
3.1 O crime na Farcia Serrana.......................................................................................90
3.2.As várias narrativas do crime.......................................................................................97
3.3. Os acusados e os desdobramentos políticos no cenário da violência.......................108
3.4 A exemplificação da violência para além da potica : os monges barbudos.............116
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................120
LOCAIS DE PESQUISA.......................................................................................................125
FONTES DOCUMENTAIS..................................................................................................125
15
REFERÊNCIAS.....................................................................................................................126
ANEXOS...............................................................................................................................133
INTRODUÇÃO
As articulações entre os poderes locais, o sistema coronelista e os representantes
do Poder Judiciário apontam para uma necessária reflexão sobre a evolução das instituições
políticas e judiciárias no Brasil e no Rio Grande do Sul. Em relação ao Judiciário, é
interessante salientar que as pretensas imparcialidade e objetividade da ação do campo do
direito nunca passaram de uma "utopia", originária da ilusão de autonomia deste poder em
relação às pressões externas.
A temática proposta neste estudo pressupõe uma aproximação teórica e
metodológica entre duas áreas das ciências humanas e sociais, em especial dos estudos de
história e de direito. Nessa perspectiva, torna-se necessário uma rápida reflexão sobre a
história potica "renovada" e, como conseqüência, sobre as muitas possibilidades de estudos
interdisciplinares. Acredita-se ser possível estudar o cenário de violência potica do
município de Soledade na sua dimensão potica e coronelística, analisando, ao mesmo tempo,
a atuação do Poder Judiciário e a eficiência da legislação da época.
Sobre a história do direito, Antônio Carlos Wolkmer esclarece que, para que a
história do direito seja escrita de uma forma desmistificadora, que se "visualizar o direito
como reflexo de uma estrutura pulverizada, não por certo modo de produção da riqueza e
por relações de força societárias, mas, sobretudo, por suas representações ideológicas, práticas
discursivas hegemônicas, manifestações organizadas de poder e conflitos entre os múltiplos
atores sociais."
1
Os temas concernentes aos Poderes Judiciário e Legislativo vinham por um longo
período sendo relegados a um segundo plano. Isso se deve, nas palavras de Loiva Otero Félix,
1
WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de história do direito. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 7.
15
a uma "hipertrofia do poder executivo" somado ao "predonio do cunho autoritário na
política republicana brasileira."
2
Ao tratar do campo da história do direito e do Poder Judiciário brasileiro,
Wolkmer explicita a sua preocupação no sentido de uma renovação metodológica.
3
Dessa
forma, no que concerne a esta pesquisa, as atividades exercidas pelo Poder Judiciário, em
especial o gaúcho, o analisadas considerando-se as limitações estabelecidas pela legislação
da época, pelos regimentos e estatutos aos quais estavam subordinados seus membros,
verificando-se a coerência entre as suas atividades reais e as que lhe foram atribuídas.
Este estudo tem como ponto de partida um levantamento de processos judiciais
4
referentes às décadas de 1920 e 1930 provenientes da Comarca de Soledade
5
, município do
norte do Rio Grande do Sul. Inicialmente, tinha-se a intenção de estudar a organização do
Poder Judiciário no norte do Rio Grande do Sul e suas relações com o sistema coronelista.
Contudo, o contato com fontes judiciais localizadas no Arquivo Histórico Regional permitiu o
acesso a uma documentação mais rica, que abriu novas possibilidades de estudo e apontou
outras direções. Assim, chegou-se ao tema específico das eleições e da violência no período
compreendido na década 1930. Ao relacionar violência e potica, Mário Stoppino afirma que
a utilização daquela visa "destruir os adversários poticos ou colocá-los na impossibilidade de
agir com eficácia."
6
Dessa forma, o contato com as fontes revelou a necessidade de inversão na
temática do estudo: do campo jurídico como eixo central, passou-se para o campo potico
como principal objeto de análise. Quanto ao estudo referente ao Judiciário, foi mantido como
uma das variáveis. Por campo jurídico, de acordo com a concepção de Bourdieu, entende-se o
lugar de concorrência pelo monopólio de dizer o direito, isto é, a boa distribuição (nomos) ou
a boa ordem, no qual se defrontam agentes investidos de competência, ao mesmo tempo,
social e técnica, que consiste, essencialmente, na capacidade reconhecida de interpretar (de
2
FÉLIX, Loiva Otero. RS: 200 anos construindo a justiça entre poder, política e sociedade. In: FÉLIX. Loiva
Otero; RECKZIEGEL, Ana Luiza Setti (Org.). RS: 200 anos definindo espaços na história nacional. Passo
Fundo: UPF, 2002, p. 298.
3
WOLKMER, História do direito no Brasil, p. 17.
4
Os processos, tanto cíveis quanto criminais, originários da comarca de Soledade, encontram-se atualmente no
Arquivo Histórico Regional da UPF (AHR/UPF) e referem-se ao período de 1880 até 1970.
5
O termo "comarca" designa o território, a circunscrição territorial compreendida pelos limites em que se
encerra a jurisdição de um juiz de direito. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro:
Forense, 1981, p. 360.
6
STOPPINO, Mário. Violência. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Unb, 1986, p. 1295.
16
maneira mais ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos que consagram a visão
legítima e justa do mundo social.
7
Foi em meio a caixas de documentos que se localizou o processo que originou
este trabalho. Tratava-se dos autos de um "Processo de Exibição de Autógrafos"
8
datado de
1929, contendo uma seqüência de eventos em que se relacionam potica, Judiciário, fraudes
eleitorais e coronelismo.
9
No documento visualizou-se um complexo quadro político na
região abrangida pelo município de Soledade.
10
Dessa forma, com o estudo procura-se compreender e interpretar a estrutura e o
funcionamento da política local, especialmente no que tange às eleições e seus
desdobramentos, com ênfase nos de cunho violento, no período compreendido entre 1929 e
1935. Com esse objetivo são identificadas algumas das principais lideranças poticas e
explicitadas as suas relações com os poderes local e estadual. Nesse contexto, torna-se
necessário trabalhar a legislação eleitoral do período, evidenciando a correspondência entre os
aspectos relacionados ao legal e ao real. Da mesma forma, por participar ativamente no
processo eleitoral e em seus desdobramentos, o Poder Judiciário do peodo também deve ser
analisado, identificando-se os objetivos e interesses que moviam seus membros. A presente
pesquisa, nessa perspectiva, aborda as relações entre o Judiciário e os poderes poticos, assim
entendidas como as influências recíprocas, as “trocas de favores” e outras práticas, tais como
localismo, mandonismo, tráfico de influências e corrupção; assim, são abordadas as tensões
que envolviam as relações de poder, o lugar do poder público e o lugar do poder privado em
Soledade.
Em se tratando da história potica, observa-se que ficou por um longo período
relegada a uma condição de marginalidade em relação aos estudos socioeconômicos. A
7
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989, p. 212.
8
SOLEDADE. Comarca. Processo de Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. AHR/UPF.
9
De acordo com o conceito de coronelismo de Loiva Otero Félix, este é o poder exercido pelos chefes políticos
sobre certo número de pessoas que deles dependem. Tal situação visava objetivos eleitorais que permitam aos
coronéis a imposição de nomes para cargos que eles indicam. A autoridade dos coronéis é reconhecida pelo
consenso do grupo social de base local, distrital ou municipal, e algumas vezes, regional, geralmente devido ao
seu poder econômico [...].FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1987, p. 15-16.
10
O município de Soledade, localizado no centro-norte do Rio Grande do Sul, correspondia no ano de 2004 aos
municípios de Alto Alegre, Arvorezinha, Barros Cassal, Boqueirão do Leão, Campos Borges, Espumoso,
Fontoura Xavier, Ibirapuitã, Itapuca, Lagoão, Mormaço, Nova Alvorada, Salto do Jacuí, São José do Herval,
Soledade e Tunas. Sobre a localização e confrontações de Soledade na década de 1920 ver Anexo 1.
17
situação de pouco prestígio da potica colaborou para que outras áreas de estudo também
fossem marginalizadas, como foi o caso dos estudos envolvendo o Judiciário.
11
Os críticos denominavam a história potica de factual, ou évenementielle, termo
que, segundo René Rémond
12
, era usado com mau sentido, por significar a supercie das
coisas e ignorar a vinculação dos acontecimentos a suas causas mais profundas. Assim, a
história potica estaria mais preocupada em ser narrativa, linear, centrando-se em alguns
personagens de prestígio. Mais precisamente na década de 1980, iniciou-se no Brasil de uma
"renovação da história potica", através de um gradativo abandono da história potica
tradicional em favor de uma compreensão do potico na história. Todavia, é importante
salientar que esse retorno o era à história potica tradicional, pois trouxe uma nova
problemática.
13
Segundo Loiva Otero Félix
14
, a partir das últimas décadas do século XX, vive-se
uma crise de paradigmas, de falência do modelo racionalista de visão do mundo e da ciência,
a qual se liga, essencialmente, ao sujeito enquanto objeto cognoscível e ser cognoscente
(historiador)
15
. A história que se encontra em crise é aquela unificada pelo fio condutor do
progresso, sob a égide de um Estado organizador e de homens e individualidades submetidas
a uma construção abstrata de uma humanidade voltada para as grandes utopias, acreditando
num tempo uno e eternamente ascensional, que esbarrou, contudo, no século XX, na tomada
de consciência de que esse tipo de razão, de logos condutor, justificador e legitimador, não
levaria o homem à perfeição sonhada.
Essa "nova história política", ou, como preferem alguns, "história potica
renovada", veio ocupar um espaço antes negligenciado especialmente pelas correntes
historiográficas hegemônicas a partir de 1930, que favoreceram o estudo das economias e
sociedades em detrimento da potica. Trata-se de estudar uma potica que não pretende ser a
estrutura mais importante ou determinante, mas que procura conquistar um espaço, não a
11
Sobre a problemática da renovação dos estudos de história política ver os bastante conhecidos trabalhos:
REMOND, René. Uma história presente. In: RÉMOND, René (Org). Por uma história política. Rio de Janeiro:
Editora da UFRJ/FGV, 1996; e JULLIARD, Jacques. A política. In : LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (Org).
História: novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.
12
REMOND, Uma história presente, p.17.
13
RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. A volta da história política e o retorno da narrativa histórica. In:
LACERDA, Sônia et al. (Org). História no plural. Brasília: Editora da Unb, 1994, p.106.
14
FÉLIX, Loiva Otero. A história potica hoje: novas abordagens. Revista Catarinense de História,
Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, v. 1, n.5, 1998, p. 50.
15
Sobre crise historiográfica, Astor Antônio Diehl, afirma que se dá através do esgotamento das grandes teorias
explicativas do real. As teorias, que possuíam um sentido teleológico, de redenção no futuro, apresentavam, em
18
totalidade do campo de análise. Dentro dessa conjuntura, buscaram-se saídas, entre as quais o
deslocamento do papel do sujeito na história. Pode-se, pois, afirmar que a renovação foi
provocada pela rediscussão dos conceitos clássicos e das práticas tradicionais. Percebeu-se
que, se o político tem características próprias, também tem relações com outros donios, ou
seja, liga-se a todos os aspectos da vida coletiva. O potico não constitui um setor estanque,
mas, sim, uma modalidade da prática social. Nessa perspectiva foi constrdo o presente
trabalho, procurando incluir novos temas, que, embora sempre presentes, demandavam de
uma análise mais profunda.
Essa tomada de consciência a respeito da inclusão de novos temas pode ser
percebida nas palavras de Loiva Otero Félix:
Os passos seqüenciais da trajetória de muitos pesquisadores que,
como eu, têm se dedicado aos estudos da estrutura do poder e de
poder, às análises do coronelismo e da potica oligárquica, dos
diferentes tipos de relações de poder têm mostrado
constantemente sob diferentes formas, a interpenetração entre
política e justiça, fazendo-me pensar sobre a abrangência e
delimitação do campo do potico na história e na história da
justiça no Rio Grande do Sul, os ordenamentos legais e
jurídicos, bem como as práticas jurídicas e sociais e seus
relacionamentos.
16
O estudo da política pelo viés da violência encontra um espaço privilegiado. A
violência, como um elemento cultural, social e potico, requer uma abordagem
interdisciplinar. Assim, a interdisciplinaridade, ou a aproximação das diversas disciplinas das
ciências sociais e humanas, permite agregar à história potica o direito, como se faz neste
estudo, da mesma forma que representa um sintoma da retomada dos estudos históricos no
âmbito do direito.
17
Com relação à interdisciplinaridade, não uma definição satisfatória
para os que teorizam acerca do tema e, sequer, para os que a praticam, de modo que,
atualmente, é grande o debate. Interessante, contudo, é a posão de Jacques Revel, que faz
uma crítica à concepção de interdisciplinaridade desenvolvida pelos historiadores franceses
sua maioria, um viés utilitarista e legitimador de atos políticos e ideológicos. Ver mais em DIEHL, Astor
Antônio. A cultura historiográfica nos anos 1980. Porto Alegre: Evangraf, 1993, p. 9 - 10.
16
FÉLIX, RS: 200 anos construindo a justiça entre poder política e sociedade, p. 296-297.
17
"Pode-se conceituar História do Direito como a parte da História geral que examina o Direito como fenômeno
sócio-cultural, inserido num contexto fático, produzido dialeticamente pela interação humana através dos
tempos, e materializado evolutivamente por fontes históricas, documentos jurídicos, agentes operantes e
instituições legais reguladoras. WOLKMER, História do direito no Brasil, p. 4.
19
por muito tempo. Segundo o autor, para os franceses, a história teria uma posição privilegiada
em relação às demais disciplinas das ciências sociais. Nas suas palavras:
Por detrás da mesma proposição geral, que diz que a história e
as ciências sociais possuem objetos, preocupação e
procedimentos comuns, sucederam-se por vezes até se
combateram, projetos, modelos de conhecimento e organização
de saberes muito profundamente diferenciados. Uma palavra
pode comodamente resumir esses aspectos contraditórios: a
palavra interdisciplinaridade, que, sob várias formas, serve para
designar uma esfera e permite medir, à revelia, o afastamento do
objetivo.
18
Entretanto, apesar das dificuldades para, efetivamente, transpor as barreiras nos
estudos que procuram aproximar diversos campos ou disciplinas, Revel considera importante
a interdisciplinaridade porque "é, efetivamente, inseparável de um projeto intelectual
continuamente reivindicado na longa duração do século, mas descontínuo em sua realização
assim como em sua concepção."
19
Assim, uma interdisciplinaridade integradora seria o
resultado de um esforço para reformar a distribuição das relações de força entre as ciências
sociais e as regras da troca interdisciplinar.
20
Complementando, Antônio Carlos Wolkmer afirma:
A obtenção de uma nova leitura histórica do fenômeno jurídico,
enquanto expressão cultural de idéias, pensamento e instituições,
implica a reinterpretação das fontes do passado sob o viés da
interdisciplinaridade (social, econômico, político) e da
reordenação metodológica, em que o direito seja descrito sob
uma perspectiva desmistificadora (grifos do autor).
21
Dessa forma, a interdisciplinaridade deve ser vista como uma solão para o
problema da fragmentação do conhecimento, que leva à perda de visão de conjunto da
realidade. Para Jaime Paviani, "a rigidez, a artificialidade e a autonomia das disciplinas, e,
consequentemente, sua multiplicação excessiva o permitem acompanhar o avanço
18
REVEL, Jacques. História e ciências sociais: uma confrontação instável. In: BOUTIER, Jean; JULIA,
Dominique (Org). Passados recompostos: campos e canteiros da história. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/ Ed. FGV,
1998, p. 79-103.
19
REVEL, História e ciências sociais: uma confrontação instável, p. 80.
20
Idem, p. 85.
21
WOLKMER, História do direito no Brasil, p. 1.
20
pedagógico nem a produção de conhecimentos novos na pesquisa." Assim, "a
interdisciplinaridade impõe-se cada vez mais como uma necessidade, como uma condição de
possibilidade epistemológica e de política fundamental do conhecimento.
22
De outra banda,
atribui-se igualmente à renovação da história política a sua crescente relação com outras
disciplinas, ou seja, a história potica hoje é também o resultado dessas trocas, do contato
com outras ciências sociais, que, segundo René Remond, para ela como o ar de que ela
precisa para respirar.
23
Um dos pontos de encontro entre a história e o direito pode ocorrer pela utilização
do paradigma indiciário. Para Carlo Ginzburg, o paradigma de natureza indiciária, fundado na
semiótica
24
, desdobra-se por meio de argumentos que apontam a importância de detalhes que
geralmente seriam negligenciados. Ao criticar o modelo de ciência moderna, o autor afirma
haver uma necessidade de atentar-se para o individual, para o singular. Valorizando o
singular, tem-se em mente que os casos individuais devem ser reconstrdos, compreendidos
por meio de sinais, signos, pistas, indícios ou sintomas variados.
25
Decifrar e ler pistas
permite estabelecer elos coerentes entre eventos, o que implica a presença da narrativa na
interpretação indiciária. O autor ressalta que, embora se privilegie o singular, a iia de
totalidade não é abandonada, pois esse modelo epistemológico, ou paradigma, busca a
conexão de fenômenos, não somente o conhecimento isolado do indício.
26
Apesar de considerar a realidade como algo complexo e opaco, Ginzburg admite
que existem áreas privilegiadas, sinais, indícios, que permitem tentativas de compreensão da
totalidade. Esse saber conjectural, que permaneceu por um longo período à margem da esfera
científica, está presente nas mais diversas áreas da vida cotidiana e envolveria médicos,
historiadores, políticos, apenas para citar algumas das categorias.
27
Os recortes potico e geográfico do presente trabalho inserem-se no campo de
estudos da história regional, cuja importância está bem clara nas palavras de Lucien Febvre:
"Da minha parte, eu não soube jamais e não sei, a não ser um meio, um só, de bem
22
PAVIANI, Jaime. Disciplinariedade e interdisciplinariedade. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre,
Notadez/PUCRS/!TEC, ano 3, n.12, 2003, p.60.
23
RÉMOND, Uma história presente, p. 29.
24
Semiótica é a teoria e análise de signos e significados; também estuda a forma pela qual os signos significam,
seja em textos literários convencionais e documentos jurídicos, seja em anúncios e até mesmo na conduta
corporal. LECHTE, John. Cinqüenta pensadores contemporâneos essenciais: do estruturalismo à pós-
modernidade. Rio de Janeiro: Difel, 2002, p. 142.
25
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989,
p. 154.
26
Idem, p. 177.
21
compreender, de bem situar a grande história. É aquele de possuir a fundo, em todo o seu
desenvolvimento, a história de uma região, de uma província...!"
28
A região analisada neste trabalho possui características específicas e diferenciadas
em termos das relações de poder quando comparada ao restante do Rio Grande do Sul. Nesse
sentido, Soledade foi marcada pela forte presença do Partido Libertador, cujos membros eram
atuantes e relativamente bem organizados, ocasionando inúmeros atos de violência, que
envolveram membros de facções poticas, bem como do Judiciário e do Executivo local.
A área abrangida pela Comarca de Soledade foi selecionada pelo fato de através
dos anos ter permanecido com a fama de ser uma terra de caudilhos.
29
Na década de 1930,
ocorreram inúmeros episódios que confirmam essa pecha, como o envolvimento de Cândido
Carneiro Júnior, o coronel Candoca, na insurreição do 33
o
Corpo Provisório a favor dos
paulistas no levante de 1932, e o assassinato por motivos políticos de Kurt Spalding. Para o
recorte temporal delimitado, tomou-se por base a formação do Partido Libertador e da Frente
Única Gaúcha, relevantes antecedentes dos conflitos a serem analisados. Como marco final, o
ano de 1935 representa o ápice, em nível local, da violência potica. Foi um período de
efervescência potica, sendo que Soledade era referida na imprensa estadual como o Vulcão
da Serra”.
A temática desenvolvida originou-se também da constante referência ao passado
de violência que marca o imaginário coletivo, característica que se manifesta com freqüência
na historiografia, em documentos, em jornais de época e, sobretudo, na memória coletiva.
Baczko enriquece a iia da existência de um imaginário sobre a violência ao dizer:
27
GINZBURG, Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história,, p. 155.
28
WESTPHALEN, Cecília Maria. História nacional, história regional. Estudos Brasileiros, Curitiba: n. 3, jun,
1977, p. 29-34.
29
O caudilho exerce um tipo de dominação ou poder em sentido restrito, estando essa dominação localizada em
um grupo social determinado e podendo estar fundamentada no costume ou tradição, na lei ou na graça pessoal
ou carisma. Os meios utilizados para obter a dominação são, em geral, o oportunismo político, militar ou
religioso, meios econômicos especiais, qualidades peculiares como valor, audácia, poder de persuasão,
inteligência, machismo. Era fato freqüente colocarem a seu serviço os ordenamentos legais, jurídicos ou
administrativos, justificando tal procedimento como derivado da necessidade de enfrentar os inimigos da ordem
social ou as novas mudanças políticas ocorridas. DIÁZ, Fernando. Caudillos y caciques. El colegio del México.
1972, p. 2-3, apud FÉLIX, Loiva Otero, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 33-34.
22
Os imaginários sociais constituem outros tantos pontos de
referência no vasto sistema simbólico que qualquer coletividade
produz e através da qual ela se percebe, divide e elabora seus
objetivos. É assim que, através de seus imaginários sociais, uma
coletividade designa sua identidade, elabora uma certa
representação de si, estabelece a distribuição dos papéis e das
posições sociais: exprime e ime crenças comuns; constrói
uma espécie de código de bom comportamento.
30
Da mesma forma, a partir de acontecimentos recentes, tais como os crimes
ocorridos na Fazenda Santo Augusto em 7 de julho de 2001, a fuga em 2003 e morte de
Márcio Camargo, réu confesso dos crimes, dias depois. A morte de Antônio Carlos Moraes
Casagrande, o Kiko, que estava sendo usado como informante pela pocia para elucidar o
crime da Fazenda Ghion, em 13 de setembro de 2003, na ante-sala do plenário da Câmara de
Vereadores de Soledade. A posterior execução do advogado soledadense lio César Serrano,
na noite de 11 de janeiro de 2005, na praça municipal Olmiro Ferreira Porto, nas
proximidades de sua casa. Não como se evitar que ao trabalhar o tema da violência esses
fatos venham a mente, pois o historiador é fruto de seu tempo e dele são as suas impressões.
Foi a partir dessas e de outras reflexões, que virão ao longo do texto, que optou-se por
trabalhar a temática da história presente, da continuidade e da descontinuidade.
Com relação às fontes judiciárias, tanto de processos como de acórdãos, são muito
valorizadas neste trabalho. Uma observação importante é feita por Délcio Marquetti quando
afirma que, no momento da produção da fonte judiciária, os funcionários da justiça não
estavam preocupados com as informações que, porventura, os processos viessem a revelar às
gerações futuras.
31
Os promotores, juízes e demais operadores do direito estavam apenas
agindo no exercício de suas funções, que consistiam em levantar informações e dados
necessários a fim de buscar a "verdade" numa determinada situação. Nas palavras de Jim
Sharpe, "supõe-se que muitos desses compiladores ficariam surpresos e, talvez, preocupados
com os usos que os historiadores recentes fizeram dos casos judiciais, registros paroquiais,
testamentos e transações de terras feudais que registraram."
32
Para o autor, justamente
30
BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Porto: Casa da Moeda, 1989, v. 5, p.
308.
31
MARQUETTI, lcio. Bandidos, forasteiros e intrusos: a criminalidade na região do Alto Irani: 1917-1942.
2003. Dissertação (Mestrado em História Regional) - IFCH, UPF, Passo Fundo, 2003, p. 4.
32
SHARPE, Jim. A história vista de baixo. In: BURKE, Peter. A escrita da história - novas perspectivas. São
Paulo: Unesp, 1992, p. 48.
23
reside a grande importância de tais corpos documentais, pelo fato de não terem sido
deliberadamente produzidos, mas, sim, de "inocentemente" trazerem para os historiadores
algo de verdade.
33
No mesmo sentido, Natalie Zemon Davis, ao tratar das cartas de perdão
34
do
século XVI questionando a validade desse tipo de fonte, que neste ponto pode ser comparada
a um processo judicial, destaca:
Qual o "valor documental" das cartas de remissão?, questiona
um estudo recente, concluindo que algumas delas, dos séculos
XIV e XV, eram uma "trama de contraverdades". No entanto, as
cartas de remissão foram e continuarão sendo usadas de diversas
maneiras pelos historiadores, sem preocupação com a
construção literária. Elas constituem fontes preciosas para o
estudo das festas, da violência e da vingança em diferentes
meios sociais e grupos etários, das atitudes relativas ao rei e das
imagens que dele se faziam e de outras normas sociais e
culturais.
35
Por se tratar, ainda, de fontes pouco comuns em pesquisas na área de história, o
trabalho com processos e acórdãos exige uma série de reflexões a respeito de seus riscos e
suas inúmeras possibilidades. Nesse sentido, são importantes as palavras de Ana Maria
Camargo ao alertar que "uma instituição como a Justiça, pela amplitude de seu poder de
intervenção na ordem social, é capaz de espelhar, de maneira indireta, boa parte das
características dessa mesma sociedade, daí o interesse dos historiadores na consulta da
documentação por ela produzida."
36
Os processos com que se trabalha são documentos que já perderam seu valor
corrente e administrativo. Contudo, conforme vão se distanciando do seu propósito original,
ganham um novo valor, cujo sentido é estabelecido pelo pesquisador a partir das perguntas
33
SHARPE, Jim. A história vista de baixo, p.48-49.
34
As cartas de perdão eram petições buscando atenuar a culpa de um indivíduo que cometera uma ofensa capital,
esperava-se convencer o soberano a perdoá-lo, a livrá-lo da sentença de morte e, em certos casos do confisco de
bens. Homens, mulheres, camponeses, artesãos, comerciantes, advogados, notários, sargentos e outros oficiais
de justiça, padres e estudantes, cavaleiros e senhores, enfim, gente dos mais diversos meios sociais podia
recorrer às cartas de perdão. DAVIS, Natalie Zemon. Histórias de perdão: e seus narradores na França do Sec.
XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
35
DAVIS, Histórias de perdão, p. 17.
36
CAMARGO, Ana Maria. Política arquivística e historiográfica no Judiciário. Palestra proferida no I Seminário
de Política de Memória Institucional e historiográfica. Revista Justiça & História, Porto Alegre: Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Departamento de Artes Gráficas. v. 3, n. 5, 2003, p. 329.
24
norteadoras de seu trabalho.
37
Assim, a documentação judicial é fonte de informações que o
foram previstas pelas instituições produtoras de documentação; os processos-crime são
utilizados para caracterizar idéias, valores e comportamentos, da mesma forma que também é
objeto de atenção a razão pela qual foram elaborados.
38
Recentemente, o historiador norte-americano John Chasteen valeu-se de fontes
judiciais produzidas no Brasil do século XIX para recriar alguns aspectos dos hábitos culturais
e cotidianos dos habitantes da região fronteira entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai. O
trabalho apresenta uma grande contribuição para o entendimento da identidade característica
do gaúcho. A opção metodológica é justificada pelo fato de o sistema judicial brasileiro ter
sido mais organizado que os sistemas dos demais países latino-americanos da mesma época,
tanto que era uma das poucas instituições estatais que chegavam ao campo.
39
Outra fonte que se constitui em terreno fértil para pesquisas são os acórdãos
judiciais, que apresentam as decisões de segunda instância dos processos nos quais houve
recurso.
40
Embora sejam documentos menos ricos em detalhes em comparação aos processos,
possibilitam obter algumas informações importantes, além de apresentarem discussões
teóricas sobre os casos, permitindo reflexões sobre as concepções vigentes na época.
41
A historiografia renova-se ao incorporar com maior ênfase a busca do
conhecimento da atuação da justiça no processo histórico. Atendendo a essa demanda, são
criados os centros de memória e os grupos de pesquisadores sobre história do Poder
Judiciário, visando oportunizar a coleta, a organização e o acesso a acervos documentais
específicos, antes dispersos, desconhecidos ou de uso restrito das administrações, agora
viabilizadores de avanços na pesquisa. É preciso ressaltar que, embora os documentos
preservados num arquivo sejam, pela sua própria natureza e constituição, autênticos, isso não
37
AXT, Gunter. Algumas reflexões sobre os critérios para a identificação e guarda dos processos judiciais
históricos. Justiça & História, Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Departamento
de Artes Gráficas, v. 4, n. 7, 2004, p. 343.
38
CAMARGO, Política arquivística e historiográfica no Judiciário, p. 329.
39
CHASTEEN, John Charles. Heróes a caballo. Los hermanos Saravia y su frontera insurgente. Montevideo:
Ediciones Santillana/Fundación Bank Boston, 2001 apud AXT, Algumas reflexões sobre os critérios para a
identificação e guarda dos processos judiciais históricos, p. 342.
40
Os acórdãos constituem-se em relatos opinativos e formativos de novas opiniões, possuindo parcialidade e
resumindo aspectos das tramas e pessoas nelas envolvidas; enfatizam detalhes e circunstâncias que direcionam a
compreensão do leitor. Estruturalmente apresenta um resumo inicial do caso, uma transcrição literal de um
parágrafo do acórdão, o texto na íntegra e um fechamento, onde se apresenta a decisão da instância julgadora.
"Na tecnologia da linguagem jurídica [...] quer dizer a resolução ou decisão tomada coletivamente pelos
tribunais de justiça. DE PLÁCIDO e SILVA, Vocabulário jurídico, p. 61.
41
CARVALHO, Annio Carlos Duarte de. Visões e representações sobre as práticas populares de saúde em São
Paulo de 1950 a 1980: Uma análise de acóros judiciários, Revista Justiça & História. Porto Alegre: Tribunal
de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Departamento de Artes Gráficas, v. 4, n. 7, 2004, p. 262.
25
significa que o seu conteúdo seja verdadeiro. Desse modo, o historiador deve, mesmo diante
da impossibilidade de atingir a verdade absoluta, ter a veracidade como horizonte ético.
42
Os jornais, igualmente, constituem-se em fonte utilizada largamente neste
trabalho. Nesse sentido, embora geralmente contenham textos que não foram produzidos pelo
próprio órgão de imprensa, apresentam outros em que há uma clara manifestação da linha
editorial e do posicionamento político do veículo de comunicação. Todavia, isso não
compromete a função de informar, pois, embora a imprensa escrita possua as suas tendências,
tendo-se a cautela necessária, não se produzam distorções no trabalho.
A pesquisa restringiu-se à documentação e bibliografia pelo fato de ainda existir
receio por parte da população de Soledade em falar sobre determinados assuntos. Talvez, com
o passar do tempo, quando os ânimos sossegarem em Soledade, seja possível a tomada de
depoimentos. Outro aspecto a ser ressaltado é a inexistência de jornais da época, tanto em
Soledade quanto no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa, visto que os então
existentes, em sua maioria de curta duração, não foram preservados, restando somente alguns
fragmentos em mãos de particulares e nos processos presentes no Arquivo Histórico Regional
de Passo Fundo. Com relação à documentação do período, na Prefeitura de Soledade há
algumas caixas em seu arquivo morto. Por fim, na Biblioteca Municipal, que se encontra no
Centro Cultural de Soledade foram encontradas as obras dos autores locais.
Assim, especialmente no caso desse trabalho, é necessário salientar que, como
toda a formulação historiográfica, esta é uma narrativa estruturalmente instável, passível de
reparos, de complementações ou reformulações, que podem advir da descoberta de novas
fontes, da apropriação ou da construção de novos marcos teóricos, possibilitadores de
abordagens diferenciadas sobre um mesmo aspecto, ou, simplesmente, da riqueza habitual do
debate coletivo e acadêmico. Assim, o texto aqui apresentado é uma versão e, como tal,
passível de argüição e de transformação.
Entende-se que a divisão do trabalho em três capítulos garante uma melhor
compreensão de seu conteúdo. O capítulo primeiro traz algumas considerações gerais a
respeito do coronelismo, justiça, violência e poder na região de Soledade. Trata-se, mais
especificamente, do "Processo de Exibição de Autógrafos", envolvendo um juiz de comarca,
diretores dos jornais Correio do Povo e do Diário de Notícias de Porto Alegre e as principais
lideranças poticas locais em torno da qualificação de eleitores. A abordagem das normas
42
CAMARGO, Política arquivística e historiográfica do Judiciário, p. 330.
26
para eleições e qualificação de eleitores tem o objetivo de demonstrar como a lei facilitava o
controle do processo de alistamento pelas facções majoritárias, o que deu margem a fraudes e
manipulações das mais diversas formas.
No segundo capítulo são trazidas informações sobre Soledade e o contexto
político da passagem da República Velha para o estado pós-30. Com ênfase em alguns
aspectos, é realizada uma breve retrospectiva sobre a história de Soledade, abordando-se os
principais acontecimentos do peodo, tanto no âmbito local como no estadual. Trata-se,
ainda, da atuação do grupo que ficou conhecido como “bombachudos”, que se destacaram
pelo recurso à violência para intimidar e manipular a população durante o mandato do prefeito
Francisco Müller Fortes.
Dedica-se o capítulo terceiro, especificamente, ao crime ocorrido na Farcia
Serrana e suas repercussões, bem como sobre as relações entre os "bombachudos" e Francisco
Müller Fortes, aprofundando os aspectos envolvendo violência, potica e Judiciário.
27
1.O CENÁRIO DA VIOLÊNCIA:
PODER, CORONELISMO E JUSTIÇA
1.1. O ponto de partida: Processo de Exibição de Autógrafos
O município de Soledade, situado no norte do Rio Grande do Sul, acompanhou,
em linhas gerais, as principais características poticas e culturais presentes no estado durante
a República Velha. Entretanto, alguns aspectos nele se evidenciaram com maior vigor,
conferindo à história potica do território soledadense marcas bastante particulares. Trata-se
da violência, especialmente da relacionada com a política, que se manteve como elemento
permanente e marcou a história local.
Em dezembro de 1928, foi publicado nos jornais Correio do Povo
43
e Diário de
Notícias
44
, ambos de Porto Alegre, capital do estado e com circulação estadual, um conjunto
de telegramas originários da cidade de Soledade, trazendo à tona novamente essa realidade.
Os telegramas denunciavam as prováveis relações existentes entre o juiz de direito Evaristo
43
O jornal Correio do Povo foi um dos principais veículos de imprensa do Rio Grande do Sul, fundado por
Caldas Júnior no pós-guerra de 1895, sob a atmosfera de uma ditadura de partido único, o que teria contribdo
para a sua enfaticamente declarada postura independente. Todavia, tal independência poderia, e normalmente
era, interpretada como contestação. Assim o Correio era visto como um veículo independente, inclinado à
oposição, na medida em que essa inclinação não tornasse impossível a sobrevivência da empresa. A linha de
oposição nunca foi efetivamente assumida, mas o jornal sempre abria suas páginas a manifestações dos
descontentes. Foi gerador de uma antipatia permanente nos castilhistas. FRANCO, Sérgio da Costa. A evolução
da imprensa gaúcha e o Correio do Povo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul.
n.131. Porto Alegre: Corag, 1995, p.36-38.
44
Fundado em 1925, sob a dirão de Francisco Leonardo Truda, egresso da redação da empresa Caldas. O
Diário de Notícias foi o grande porta-voz do movimento modernista e liderou no estado toda a preparação para a
Revolução de 1930. Houve momentos em que pareceu ameaçar a tranqüila supremacia do Correio do
28
Silveira, lotado naquela comarca, e as forças poticas locais. É no processo-crime que visava
averiguar quem eram os signatários de tais telegramas que se tem o ponto de partida deste
estudo. O processo foi instaurado por requerimento daquele juiz, que queria conhecer os
signatários para instaurar contra eles ações de calúnia, injúria e difamação, das quais se
considerava tima. A abordagem do "Processo de Exibão de Autógrafos" é feita com o
objetivo de descrever os acontecimentos, as motivações, e de estabelecer as primeiras
conexões entre o episódio que motivou o processo, o contexto histórico e seus
desdobramentos.
Tratavam os autos de uma ação proposta pelo Ministério Público envolvendo os
diretores dos jornais Correio do Povo e Diário de Notícias, respectivamente, Fernando
Caldas
45
e Francisco Leonardo Truda
46
, ambos residentes em Porto Alegre. A ação foi
proposta pelo procurador-geral do estado a pedido do ex-juiz da comarca
47
de Soledade,
Evaristo Silveira, que alegava ter sido tima de calúnias e injúrias em razão de seu cargo.
48
As alegadas calúnias e injúrias teriam sido feitas pela publicação de telegramas oriundos de
Soledade nos jornais mencionados durante o mês de dezembro de 1928.
49
Evaristo Silveira fora nomeado juiz em Soledade em 17 de julho de 1928, tendo
sido removido, a pedido próprio, para a Comarca de Santo Ângelo em 19 de dezembro do
mesmo ano. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais em Porto Alegre, iniciara a atividade
Povo,tendo alcançado um excelente nível através de seus colaboradores, que marcaram época na vida jornalística
e literária do Rio Grande do Sul. FRANCO, A evolução da imprensa gaúcha e o Correio do Povo, p. 39.
45
Nasceu em Porto Alegre em 22 de setembro de 1900, morreu no Rio de Janeiro em 14 de abril de 1974. Meio-
irnão de Breno Alcaraz Caldas, era Bacharel em direito e jornalista; foi redator-chefe do Correio do Povo e do
Estado de São Paulo. VILLAS-BÔAS, Pedro Leite. Dicionário bibliográfico gaúcho. Porto Alegre: Est/Edigal,
1991, p. 47.
46
Nasceu em Porto Alegre em 19 de setembro de 1886, morreu no Rio de Janeiro, em 18 de julho de 1942. Foi
comerciante, jornalista e historiador; filiado ao IHGRGS; colaborador assíduo dos jornais Diário de Notícias e
Correio do Povo. VILLAS-BÔAS, Dicionário bibliográfico gaúcho, p. 251.
47
Os juízes de comarca dirigiam as comarcas. Julgavam, em primeira instância, causas superiores a quinhentos
mil réis e, em segunda instância, aquelas inferiores a esse valor. Não precisavam ser bacharéis formados, mas
deviam prestar concurso público, o qual costumava ser fraudado. Tinham um pouco mais de autonomia em
relação aos chefes locais, mas sofriam influência do Poder Executivo. RIO GRANDE DO SUL. História do
Poder Judiciário no Rio Grande do Sul. Memorial do Judiciário do Rio Grande do Sul. Porto Alegre:
Departamento de Artes Gráficas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Jul. 2004.
48
SOLEDADE. Comarca. Processo de Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. Comarca de Soledade.
AHR/UPF.
49
Junto ao processo constam os originais dos jornais Diário de Notícias dos dias 7, 8, 16 e 22 de dezembro de
1928, bem como do Correio do Povo referente aos dias 8, 15 e 20 de dezembro de 1928.
29
judicante no ano de 1927, como juiz distrital
50
, na Comarca de São Sebastião do Caí, e
encerraria a carreira em 1942, no município de Livramento.
51
O processo judicial teve início com uma petição dirigida por Evaristo Silveira ao
desembargador procurador-geral do estado, pela qual requeria que fossem tomadas as
provincias necessárias para a responsabilização criminal dos signatários dos telegramas e
correspondentes dos referidos jornais. Tratava-se, portanto, de descobrir quem eram os
correspondentes dos jornais na cidade de Soledade de forma a responsabilizá-los pelas suas
declarações. Quanto aos signatários dos telegramas, não havia qualquer mistério: eram
Cândido Carneiro Júnior, Kurt Spalding, Aristides Alves Maciel, Pantaleão Ferreira Prestes,
Roldão Camargo, Henrique Bohrer Sobrinho e Vivaldino Camargo, todos moradores de
Soledade e ligados ao Partido Libertador local (PL).
52
Os destinatários eram o presidente do
estado, Getúlio Dornelles Vargas, e Raul Pilla, este um dos deres do PL no estado, ao lado
de Assis Brasil.
O telegrama, publicado no dia 7 de dezembro de 1928, no Diário de Notícias, e
em 8 de dezembro, no Correio do Povo, foi dirigido da vila de Soledade ao então presidente
do estado, Getúlio Vargas
53
, e trazia em seu bojo pedido para que fosse realizada sindicância
para averiguar o procedimento do juiz de comarca de Soledade, Evaristo Silveira, objetivando
o seu afastamento da comarca. Os motivos denunciados relacionavam-se às supostas
arbitrariedades cometidas por esta autoridade no exercício de sua função, como se envolver na
50
Os juízes distritais eram juízes de primeira instância e atuavam nos termos, julgando causas no valor de até
quinhentos mil réis e preparando outros processos; não tinham estabilidade e nem sempre eram bacharéis em
direito. Eram nomeados pelo presidente do estado, geralmente com base em indicações de coronéis locais, a
quem deviam lealdade. RIO GRANDE DO SUL, História do poder judiciário no Rio Grande do Sul, p. 7.
51
Banco de Dados de Magistrados do Memorial do Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, consultado em
30 de jul. de 2004.
52
O Partido Libertador (PL) foi fundado em 3 de março de 1928 com elementos da Aliança Libertadora, que
apoiaram a candidatura de Assis Brasil à presidência do estado. Formado tradicionalmente pelas forças de
oposição ao Partido Republicano Riograndense (PRR), trazia em seu programa, da autoria de Assis Brasil, a
introdução do voto secreto. O partido adotou o lema "Representação e Justiça", no qual no primeiro termo se
incluía a exigência de um processo de alistamento eleitoral pelo qual se tornariam, automaticamente, aptos a
votar todos os cidadãos hábeis que atingissem a maioridade cívica e mais a instituição do voto secreto, da
apuração escrupulosa e de representação proporcional; no segundo termo contem-se a autonomia do Poder
Judiciário, tornando a investidura dos jzes, a composição dos tribunais e o acesso dos magistrados
independentes de qualquer poder político. O partido compunha-se dos dissidentes republicanos, de todos os
elementos do Partido Federalista. O PL, coligado com o Partido Republicano Histórico, formou a Frente Única,
que fez no Rio Grande do Sul a Revolução de 1930.DOCCA, E. F. de Souza. História do Rio Grande do Sul. Rio
de Janeiro: Edição da Organização Simões, 1954, p. 372.
53
A chegada de Getúlio Vargas ao cargo máximo do Executivo gaúcho deu-se frente à impossibilidade legal de
Borges de Medeiros manter-se no poder. Borges indicou Vargas, que era seu ministro da Fazenda, para sucedê-
lo. "Em outubro, uma convenção do PRR nomeou Vargas por aclamação; em novembro ele ganhou uma eleição
em que os libertadores se negaram a lançar um candidato; e a 25 de janeiro de 1928, empossava-se no governo
30
política local, dessa forma quebrando irremediavelmente a cordialidade que sempre existiu
entre os situacionistas e os libertadores deste município e afastando-se da conduta honesta de
todos os funcionários blicos de Soledade.
54
O telegrama terminava com um pedido de seu
signatário, Cândido Carneiro Júnior, fazendeiro e secretário do Partido Libertador no
município de Soledade, de que sua situação de oposicionista não constituísse obstáculo para o
atendimento de sua solicitação.
Em 8 de dezembro de 1928, o jornal Diário de Notícias estampou em sua edição a
notícia de ter sido dirigida da Vila de Soledade a Porto Alegre, com destinão específica ao
presidente do estado, a queixa por parte dos membros do Partido Libertador, representados
por Kurt Spalding, então vice-presidente do Conselho Municipal, de que o juiz de comarca
Evaristo Silveira, em franca hostilidade com o Partido Libertador local, estaria criando
invencíveis dificuldades à inclusão de oposicionistas no alistamento eleitoral
55
. Spalding
ressaltava que falava em nome do grupo minoritário daquele conselho e pedia a abertura de
um inquérito para que se elucidassem os fatos.
A presença de Kurt Spalding, membro da oposição, no Conselho Municipal de
Soledade é explicada pelo fato de terem sido efetuados arranjos de forma que os membros do
Partido Libertador dele participassem, visando, dessa forma, apaziguar os ânimos que já
haviam se exaltado no pleito municipal no qual fora eleito prefeito Leonardo Seffrin
56
. O
agrimensor Seffrin fora eleito em 10 de agosto de 1928 para a intendência do município de
Soledade pelo Partido Republicano Riograndense (PRR).
57
com a idade de 44 anos". LOVE, Joseph. O regionalismo gaúcho e as origens da Revolução de 1930. São Paulo:
Perspectiva, 1975. p. 233.
54
FORTES acusações a um juiz de comarca. A cordialidade entre situacionistas e oposicionistas em Soledade.
Soledade, 6 - Pelo Sr. ndido Carneiro Jr., prócer libertador nesta localidade e candidato a intendente deste
município nas últimas eleições, foi dirigido ao Sr. Getúlio Vargas o telegrama seguinte.Correio do Povo, Porto
Alegre, 08 dez. 1928. p. 12. e Diário de Notícias., Porto Alegre, 07 dez 1928. p. 06.
55
POLÍTICA oposicionista. Um juiz de comarca e obstáculos ao alistamento de eleitores oposicionistas.
Soledade, 7. Diário de Notícias, Porto Alegre, 08 dez. 1928. p.3.
56
Neste pleito concorreram para a prefeitura de Soledade Leonardo Seffrin e Cândido Carneiro Júnior. No
período em que ocorreu processo de exibição de autógrafos, além de Seffrin, haviam sido eleitos para compor o
Executivo municipal o vice-intendente e, para o Legislativo, sete conselheiros e três suplentes. Desses, dois
conselheiros e dois suplentes pertenciam aos quadros do Partido Libertador e os demais, ao Partido Republicano.
O quadro de funcionários do município era assim constituído: Armindo Lisboa, 1
o
secretário; Felinto Pereira
Charão, tesoureiro; Osvaldo Cunha, cobrador da dívida ativa; Ângelo Rostirola, fiscal geral; Cantídio Moraes,
fiscal da zona urbana e Pedro Kaller, contínuo. ZIMMERMANN, Florisbela Carneiro. Dados biográficos de
alguns governantes municipais de Soledade. (mimeo) Porto Alegre, 2003. p. 2.
57
O Partido Republicano Riograndense (PRR) organizou-se, por iniciativa do Clube Republicano de Porto
Alegre, em fevereiro de 1882. Fez da filosofia positivista a sua doutrina e se organizou de forma a chegar ao
poder em um curto espaço de tempo e manter-se como partido hegemônico por longos anos no Rio Grande do
Sul. PINTO, Celi R. Jardim. Contribuição ao estudo da formação do Partido Republicano Rio-Grandense
(1882-1891). 1979. Dissertação de Mestrado em Ciência Potica - UFRGS, Porto Alegre, 1979, p. 31.
31
O telegrama seguinte, publicado na mesma data e jornal, era dirigido a Raul Pilla
e tratava das audiências para inscrição de eleitores. Neste, Vivaldino Camargo trazia a notícia
de que, nas audiências realizadas nos dias 28 e 30 do mês de novembro de 1928, o Partido
Libertador teria inscrito um número de cem correligionários. Contudo, o juiz de comarca
afirmara que não iria incluir no alistamento eleitoral nenhum dos alistados, razão pela qual
Vivaldino considerava a conduta do juiz "parcialista e leviana". Ressaltava, por fim, que
Evaristo da Silveira teria seguido para Porto Alegre sem licença, de forma que não havia
substituto para se recorrer.
58
Vivaldino Camargo, advogado na comarca de Soledade e membro do Partido
Libertador local, acreditava na exclusão de seus companheiros, ao passo que os situacionistas
teriam tido diversas audiências eleitorais designadas. Finalizava indicando: "Temos cerca de
cento e cinqüenta correligiorios para alistar, mas em virtude das dificuldades insuperáveis
criadas pelo juiz não concorreremos às audiências designadas."
59
Em 16 de dezembro de 1928, o jornal Diário de Notícias noticiou que fora
dirigido ao presidente do estado outro telegrama proveniente de Soledade, desta vez firmado
por Alfredo Alves Maciel, Pantaleão Ferreira Prestes, Roldão Camargo, Henrique Bohrer
Sobrinho. Os missivistas reafirmavam a suposta conduta parcial e leviana do juiz e traziam a
informação de que, após sua chegada a Soledade, ele teria ficado hospedado na residência
particular do intendente municipal Leonardo Seffrin. Em relação a essa questão, na obra
Histórias de vida, do Projeto Memorial do Judiciário Gaúcho, podem ser encontrados alguns
depoimentos sobre a dificuldade enfrentada pelos juízes para encontrar um local para
moradia, como o de José Barizon, referindo-se à comarca de Marcelino Ramos em 1957, o
qual relatou:
[...] convivendo com a precariedade de condições do Município
na época: sem casa para morar, sem água encanada e sem hotel
condizente [...] conseguimos um apartamento nos fundos de um
armazém, havia apenas meia parede separando o apartamento do
armazém.
58
POLÍTICA oposicionista. Um juiz de comarca e obstáculos ao alistamento de eleitores oposicionistas.
Soledade, 7. Diário de Notícias, Porto Alegre, 08 dez. 1928. p.3.
59
Idem.
32
Prossegue o mesmo juiz:
No Caí (1961), também houve problema de residência, paramos
dois meses num hotel, depois conseguimos casa que era da
Cúria, dos Padres, ao lado da Igreja. [...] em Alegrete houve o
mesmo problema de residência. Então fomos para um hotel era o
Hotel Real, apelidado de "metrecal" era um remédio para
emagrecer.[...] ficamos lá dois meses até conseguirmos casa.
60
Moltke Germany, por sua vez, referindo-se ao período em que fora promotor em
Canguçu, no ano de 1944, relatou que "Canguçu era um lugar parado. O hotel era pobre, basta
dizer que as refeições servidas eram cozidas em fogareiro de chão."
61
Assim, no contexto que pressupõe independência do Judiciário para que suas
decisões fossem as mais neutras possíveis, fica clara a importância da infra-estrutura
adequada como um dos pressupostos para a independência dos juízes frente aos poderes
locais.
62
Outras afirmações de Moltke Germany também esclarecem as dificuldades
enfrentadas no foro de Soledade. Tendo aceito proposta de um colega para permutar Canguçu
por Soledade, já como juiz municipal, ele conta:
Foi um "abacaxi" tremendo, porque o pessoal de Soledade não
era brincadeira, era um serviço terrível. Além disso, eu já havia
sido Delegado em Soledade. Havia muita gente que não me
apreciava por ser muito enérgico.
63
Atuando em Soledade como delegado, em 1943, Germany conta que entrou em
choque com o chefe de polícia por desatender a ordens ilegais dele; ainda, apesar de em
Soledade o serviço ser intenso, na delegacia havia somente um escrevente, que não sabia
datilografar.
64
As desavenças entre o delegado e o juiz Germany representam um tipo de
violência específico contra a autoridade, o ataque ao poder desta. O fato da violência contra o
poder representado pela autoridade ter sido algo constante, não em Soledade, como em
60
FÉLIX, Loiva Otero; GRIJÓ, Luiz Alberto. Histórias de vida: entrevistas e depoimentos de magistrados
gaúchos. vol 1. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Projeto Memória do
Judiciário Gaúcho. 1999, p. 34.
61
FÉLIX; GRIJÓ, Histórias de vida, p. 36.
62
Idem.
63
Idem, p.280.
64
Idem, p.278.
33
outros municípios serranos, é um sintoma da limitação do poder público da época frente aos
abusos dos mandões da região.
Um outro aspecto da dificuldade dos operadores judiciários é salientado por
Victor Nunes Leal, em sua obra sobre o coronelismo, sustenta que uma das razões da
completa desorganização administrativa dos municípios consistia na "incultura do interior",
visto que neles havia dificuldade de se conseguir funcionários competentes.
65
Sobre os problemas na atividade judiciária acrescenta Loiva Otero Félix:
Não eram poucas, portanto, as dificuldades para o exercício do
trabalho ligado ao Judiciário. As condições materiais para o
exercício cotidiano das atividades do foro esbarravam nas
precárias instalações, nas deficiências de comunicação, na falta
de pessoal qualificado, bem como nas dificuldades do próprio
juiz em colocar em prática os seus conhecimentos teóricos.
66
Com relação à situação de Soledade, no mesmo telegrama de 16 de dezembro de
1928, Alfredo Alves Maciel, Pantaleão Ferreira Prestes, Roldão Camargo, Henrique Bohrer
Sobrinho prosseguiam ressaltando que contra o intendente municipal tramitavam duas
importantes ações no foro de Soledade,
67
das quais seria responsável pelo julgamento o
próprio juiz Evaristo Silveira. Forneciam ainda informações de outras prováveis
arbitrariedades cometidas pelo magistrado:
65
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto, 2. ed. São Paulo : Alfa-Omega, 1975. p. 39.
66
FÉLIX, Histórias de Vida, v. 1, p. 36.
67
Contra Leonardo Seffrin, corriam de fato duas ações; uma de prestação de contas, movida contra o mesmo por
Jacques Borges de Camargo, julgada pelo juiz de comarca Ciro Pestana, em favor de Jacques Borges de
Camargo e outra Ação de Força Nova Turbativa, em que era autor o Sr. Vitório dos Reis e réus a empresa
colonizadora Seffrin e Souza e Cia. Caixa 61. AHR/UPF.
3
4
No dia 30 do mês passado, instalou-se na casa de moradia,
transportando para ela quase todo o mobiliário do fórum local.
Ainda em dias do mês passado, o juiz de comarca, levianamente,
representou às autoridades militares contra o tenente Astrogildo
Nobre, instrutor do Tiro de Guerra desta vila, sendo suspenso e
punido o brioso oficial. O Dr. Evaristo retratou-se por
telegrama, alegando ter agido mal informado. O juiz de comarca
tem procedido com violência, porque mandou deportar desta
localidade, para lugar ignorado, o nosso conterrâneo Antônio
Gonçalves, contra quem não existe sequer denúncia em juízo;
mandou prender arbitrariamente Anacleto Pelotas, contra quem
nada consta em cartório; mandou chamar à pocia, para dar
explicações acerca de referências feitas a sua pessoa, o distinto
cidadão Armando Ávila, honesto telegrafista desta localidade. O
juiz de comarca não procedeu bem ainda diversas vezes, em
pescarias pelo interior do município com réus processados e
sujeitos a seu julgamento.
68
Prosseguindo, o telegrama de 16 de dezembro de 1928 trazia a informação de que
"o juiz de comarca foi parcial, encerrando a audiência eleitoral do dia 28 sem atender a dez
libertadores que requereram inscrição e, agora mesmo, verificamos em cartório que, entre cem
libertadores inscritos nas audiências eleitorais dos dias 28 e 30 do mês passado, nenhum foi
incluído no alistamento."
69
Os emissores encerravam o telegrama requerendo a abertura de
um inquérito para comprovar a veracidade das alegações. Portanto, as acusações que pesavam
sobre Evaristo Silveira eram muitas e graves. Embora não seja possível a constatação da
veracidade de todas as denúncias, os indícios presentes na imprensa da época, bem como nos
processos analisados, levam a crer que o juiz realmente teria praticado grande parte dos fatos
denunciados.
Assim, fica evidenciado que o quadro político do município de Soledade era de
disputas. Ao contrário de muitas cidades do norte do Rio Grande do Sul, nas quais havia uma
predomincia do PRR sobre a oposição liberal, em Soledade a luta política era acirrada,
quando o, mesmo, violenta. Embora a maioria dos eleitores se submetesse à dominação do
PRR, o PL tinha uma atuação marcante.
68
POLÍTICA oposicionista. Acusações a um juiz de comarca. Soledade, 15, pelos presidentes honorários do
partido libertador deste município, Srs. Alfredo Maciel, Pantaleão Ferreira Prestes, Roldão Camargo e Henrique
Bohrer Sobrinho, foi dirigido o seguinte telegrama ao presidente do Estado. Diário de Notícias, Porto Alegre, 16
dez 1928. p. 1.
69
Idem.
35
Nos autos do Processo de Exibição de Autógrafos, o juiz de comarca Evaristo
Silveira trouxe em sua defesa a alegação de que o motivo determinante das calúnias e injúrias
contra ele fora a denúncia realizada pelo então presidente da Junta de Alistamento Eleitoral,
capitão Leonardo Seffrin, que o teria alertado a respeito do fato de os libertadores terem
preparado processos de habilitação de eleitores com documentação falsa. Tendo em vista
esses fatos, Evaristo Silveira determinara a prisão dos cidadãos Abrilino Jo da Rosa e
Emiliano Pimentel da Silva, que teriam apresentado em audiência atestados falsos de renda e
residência.
Evaristo Silveira defendia-se, ainda, alegando que não teria chegado a tomar
conhecimento dos processos que corriam contra Leonardo Seffrin, em cuja casa afirmou ter
estado de fato hospedado por algum tempo, mas por absoluta falta de local para se instalar em
Soledade. Contudo, a relação entre Seffrin e Silveira parecia ser de fato próxima, conforme
pode ser percebido na seguinte passagem: "O capitão Leonardo Seffrin, intendente municipal
e chefe do Partido Republicano local, percorreu hoje, pessoalmente, as repartições blicas e
os escritórios dos advogados, angariando assinaturas para um telegrama de solidariedade ao
juiz de comarca, dirigido ao presidente do Estado."
70
No jornal Correio do Povo, em sua edição de 22 de dezembro de 1928, consta um
telegrama redigido por Vivaldino Camargo e ndido Carneiro Júnior, os quais informavam
ao presidente do estado que o Partido Libertador "desinteressa-se pela qualificação, em face
da conduta parcial, violenta e claudicante do juiz de comarca.”
71
Os missivistas ressaltavam
os seguintes fatos:
No dia 17 do corrente, os libertadores Abrilino Loureiro e
Emiliano Pimentel, de “motu próprio”, foram alistar-se na
audiência realizada no 9
o
distrito, sendo presos pelo juiz sob o
pretexto de exibirem prova de falsa residência. Abrilino e
Emiliano, que têm cerca de 60 anos, são criadores e conhecidos
proprietários nasceram e envelheceram nesta localidade.
72
Informavam ainda no telegrama que o juiz de comarca teria vindo da capital
acompanhado de um contingente da Brigada Militar, o que o teria estimulado a praticar as
mais diversas arbitrariedades. Segundo os libertadores, Evaristo Silveira percorria as ruas de
70
ACUSAÇÕES a um juiz de comarca. Soledade, 14. Correio do Povo, Porto Alegre, 15 dez 1928. p. 2.
71
A ATITUDE de um juiz de comarca. Soledade, 19. Correio do Povo, Porto Alegre, 20 dez 1928. p. 16.
72
Idem.
36
Soledade acompanhado de praças armados; assim, concluíam afirmando que "o juiz de
comarca Dr. Evaristo Silveira é um prevaricador e venal. Assumimos as responsabilidades
deste asserto e desejamos a instalação de uma sindicância para produzirmos provas."
73
O jornal Diário de Notícias, em sua edição de 22 de dezembro de 1928, mais uma
vez trouxe a notícia de um telegrama dirigido da vila de Soledade, desta vez endereçado a
Raul Pilla
74
e assinado por Cândido Carneiro Júnior e Vivaldino Camargo. O telegrama
tratava dos impedimentos de alistamento dos libertadores Abrilino Loureiro e Emiliano
Pimentel. Do texto veiculado extraiu-se o seguinte trecho:
Motivou tal procedimento, da parte do juiz de comarca, ter este
contratado conosco pagarmos a quantia de 5 mil réis por cada
correligionário incluído no alistamento eleitoral. Inscritos cem
companheiros nas audiências de 28 e 30 do mês passado, o juiz
pretendeu receber o preço ajustado antes da inclusão dos
alistados. Recusamo-nos a efetuar esse pagamento antes da
inclusão, porque nos constava terem os situacionistas
comprado o juiz por maior preço, para não mandar incluir os
libertadores.
75
A questão central motivadora das denúncias veiculadas nos telegramas ao juiz
Evaristo Silveira era, portanto, política. Tratava-se, mais especificamente, de problemas
ocorridos quando do alistamento eleitoral de correligionários do Partido Libertador, cujo
diretório era composto por Vivaldino Camargo, ndido Carneiro Júnior e Kurt Spalding.
Antes de se iniciarem as denúncias, os dirigentes locais do PL haviam solicitado,
em correspondência ao então juiz de comarca, em 6 de novembro de 1928, a designação de
audiências eleitorais para a inscrição de eleitores visando à eleição de deputados estaduais. No
requerimento tinham pedido que as audiências fossem realizadas a partir do dia 20 de
novembro de 1928, justificando que, assim, poderiam os interessados tomar conhecimento
delas e, assim, providenciarem a documentação necessária para o alistamento. Solicitavam,
ainda, a realização de uma audiência de alistamento no local denominado “Lagoão”, então 6
o
73
A ATITUDE de um juiz de comarca. Soledade, 19. Correio do Povo, Porto Alegre, 20 dez 1928. p. 16.
74
Raul Pilla nasceu em Porto Alegre em 20 de janeiro de 1892 e faleceu na mesma cidade em 7 de junho de
1973. Mesmo formado em medicina e letras, atuou muito mais como político e jornalista. Foi líder do Partido
Libertador, que sucedera o antigo partido federalista. Defensor do sistema parlamentarista entre 1922 e 1965,
tendo publicado diversos trabalhos em defesa desse sistema. In: VILLAS-BÔAS, Pedro Leite, Dicionário
bibliográfico gaúcho, p. 184.
75
ACUSAÇÃO gravíssima. Afirma-se que um juiz contrarara, a 5$000 por cabeça, a inclusão de eleitores
oposicionistas no alistamento. Pede-se a abertura de inquérito para esclarecer o vergonhoso caso. Diário de
Notícias, Porto Alegre, 22 dez 1928. p. 3.
37
Distrito da vila de Soledade, por ser local distante da sede do município, o que impediria
muitos eleitores de comparecerem às audiências. Nos autos do processo-crime consta a
informação de que esse requerimento teria sido prontamente atendido.
76
Kurt Spalding, um dos descontentes, chegou a dirigir-se a Porto Alegre a fim de
relatar pessoalmente ao governo do estado os acontecimentos envolvendo o juiz Evaristo
Silveira.
77
Contudo, a tentativa resultara infrutífera, visto não ter obtido do presidente do
estado qualquer manifestação.
Com relação aos diretores dos jornais Correio do Povo e Diário de Notícias,
Fernando Caldas e Francisco Leonardo Truda, respectivamente, citados
78
para que revelassem
a autoria dos telegramas, foram uníssonos em afirmar que à redação do jornal cabe a
responsabilidade das publicações telegráficas feitas e que o correspondente as teria
transmitido simplesmente a tulo de informão. os representantes do Partido Libertador
naquela localidade afirmavam que tinham divulgado as informações a fim de "amainar os
espíritos exaltados"
79
, pois temiam que pudesse ser praticado algum ato de violência pessoal
contra o juiz Evaristo da Silveira. Consta ainda da sentença proferida pelo juiz da Comarca de
Porto Alegre, Inocêncio Borges da Rosa:
76
SOLEDADE. Comarca. Processo de Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. AHR/UPF.
77
SOLEDADE. Correio do Povo, Porto Alegre, 20 dez. 1928. p. 16.
78
Pelo termo citação, entende-se o ato processual pelo qual se chama ou se convoca para vir a juízo a fim de
participar de todos os atos e termos da demanda intentada, a pessoa contra quem ela é promovida. DE PLÁCIDO
E SILVA, Vocabulário jurídico, p. 338.
79
SOLEDADE. COMARCA. Processo de Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. AHR/UPF. Certidão da
sentença proferida pelo juiz da Comarca de Porto Alegre, Inocêncio Borges da Rosa.
38
Está, pois, patente que os acusados não podem arcar com a
responsabilidade dos despachos telegráficos publicados pelos
jornais “Diário de Notícias” e Correio do Povo”, à revelia dos
mesmos, pelos correspondentes dos ditos jornais, na vila de
Soledade, maxime quando os diretores esses jornais declaram
que as redações assumem a responsabilidade pela referida
publicação. Se crime cometeram os acusados, podem
consistir nas afirmações ditas caluniosas e injuriosas constantes
das representações dirigidas ao Sr. Dr. Presidente do Estado.
Porém, neste caso, há uma interrogação a fazer-se: “Antes de
um inquérito, que descubra indícios de criminalidade, pode ser
processado por crime de calúnia ou injúria quem se dirige aos
poderes públicos, mediante petição em ofício ou telegrama,
denunciando atos ou fatos, que, a seu ver, constituem abusos,
crimes violências ou ilegalidades das autoridades, invocando o
direito consagrado no art. 72 parágrafo 9
o
da Constituição da
República ? ? ? (grifo no original) Se esta lei magna confere a
qualquer cidadão o direito de representar contra os abusos da
autoridade, não é lógico concluir se que a primeira causa a
fazer é indagar, é verificar se tais abusos ocorreram ou não, e
depois de verificada a falsidade ou improcedência das acusações
contidas na representação é que terá lugar o processo por crime
de calúnia ou injúria ? ? ? (grifo no original) É visto que sim.
80
Continuava o juiz suas afirmações com relação aos signatários dos telegramas
(Cândido Carneiro Júnior, Kurt Spalding, Vivaldino Camargo, Pantaleão Ferreira Prestes,
Roldão Camargo e Henrique Bohrer Sobrinho), dizendo:
Foi, pois, com muita razão que os acusados insistiram pela
abertura de um inquérito. Este não foi feito, portanto, não podem
ser os acusados processados. Já ficou dito que a reprodução pela
imprensa dos telegramas ditos caluniosos e injuriosos foi feita
pelos jornais Diário de Notícias” e Correio do Povo” à revelia
dos acusados, assim sendo, isenta-os de responsabilidade o art.
9
o
, n.1, do Decreto n.4743, de 31 de outubro de 1923 (Lei de
Imprensa).
81
Apesar do clima de confronto político e de indisposição entre os partidos, em
1929, tendo em vista a unificação das forças políticas gaúchas, representadas pelos partidos
80
SOLEDADE. COMARCA. Processo de Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. AHR/UPF. Certidão da
sentença proferida pelo juiz da Comarca de Porto Alegre, Inocêncio Borges da Rosa.
81
SOLEDADE. COMARCA. Processo de Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. AHR/UPF. Certidão da
sentença proferida pelo juiz da Comarca de Porto Alegre, Inocêncio Borges da Rosa.
39
Republicano Riograndense e Libertador, em torno da Aliança Liberal e da candidatura de
Getúlio Vargas à presidência da República, os ânimos se acalmaram também em Soledade.
Foi eleito como presidente efetivo dessa aliança no município o intendente capitão Leonardo
Seffrin e, como presidente de honra do partido, Vivaldino Camargo; para primeiro, segundo e
terceiro secretários foram escolhidos, respectivamente, Rosauro Tavares, Ubirajara
Albuquerque e Jorge de Paula. Do Conselho Fiscal fizeram parte o major Pedro Carneiro
(iro de Cândido Carneiro Júnior), Jerônimo de Oliveira Neves, Pacífico Batista da Silva,
entre outros; para o Conselho Deliberativo, foram eleitos o major Cândido Carneiro Júnior,
Álvaro Rodrigues Rodrigues Leitão, Abelardo e Olavo de Almeida Campos, além de Tomaz
dos Santos Vaz.
82
Portanto, os que antes se digladiavam estavam agora lado a lado na Frente
Única Gaúcha.
Alguns Políticos Locais
Foto 1: Da esquerda para a direita, segundo: Candoca; quinto: Kurt Spalding, seguido por Guilherme de
Vasconcelos. Oitavo: Vivaldino Camargo, seguido por Leonardo Seffrin. Da direita para a esquerda, segundo:
Jacques Camargo, terceiro: Mário Carneiro.
Fonte: WEDY, Garibaldi Almeida. Soledade: Fatos Políticos, Violências e Mortes: Reminiscências cada de
1930 -1940. Porto Alegre : Renascença, 1999, p. 94.
82
ZIMMERMANN, Dados biográficos de alguns governantes municipais de Soledade, p. 02.
40
Políticos Locais
Da esquerda para a direita, a partir do quarto: Vivaldino Camargo; sexto: Pedro Carneiro, seguido por Lisboa;
Mário Carneiro; Kurt Spalding; Roldão Camargo e Jacques Borges de Camargo.
Fonte: WEDY, Garibaldi Almeida, 1999, op. cit., p. 94.
A "pacificação" em torno da Aliança Liberal durou três anos, de 1929 a 1932,
período em que as forças políticas gaúchas mantiveram uma relativa harmonia nas suas
relações. A revolução de 1930, que conduziu Getúlio Vargas à presidência da República, foi o
resultado de um amplo e diversificado pacto, reunindo grupos e segmentos sociais com
interesses bastante diferenciados. Assim, em 1931, já começaram a surgir as divergências no
seio desta aliança tão heterogênea. As oligarquias, forças sociais e poticas predominantes até
o movimento de 1930, perdiam o poder exclusivo gradativamente.
Foi nesse contexto que irrompeu a Revolução Constitucionalista, liderada pelos
paulistas descontentes, que teve aliados em Soledade. O Combate do Fão, ocorrido em 13 de
setembro de 1932, representou em Soledade o confronto entre as forças rebeldes e as forças
oficiais. Em seguida, mais precisamente em 1934, merece destaque a ação do grupo, cujos
membros ficaram conhecidos como "bombachudos", ao qual foi atribuída a prática de
inúmeras violências, entre as quais o crime da Farmácia Serrana.
41
1.2 O que estava em jogo: o processo eleitoral e o problema da qualificação dos eleitores
A questão das eleições e da qualificação de eleitores foi central durante o período
da República Velha no Brasil, marcado pelas fraudes eleitorais. Mais que isso, tendo em vista
a importância do sistema coronelista para a efetivação das relações de poder em nível
nacional, estadual e local, o controle sobre os processos eleitorais locais era primordial. Para
compreender a organização potico-adminstrativa brasileira no contexto da República Velha
são fundamentais as obras de Vitor Nunes Leal e Raymundo Faoro.
Victor Nunes Leal
83
é autor de uma das mais importantes obras sobre o sistema
político brasileiro e o municipalismo, onde trata das relações entre magistrados e coronéis
desde o Segundo Império até a Primeira República. Ao analisar as relações entre o tribunal
do júri e o sistema coronelista, afirma:
Na influência da política local sobre os julgamentos populares
podemos observar, nitidamente, como a autoridade própria dos
"coronéis", derivada de sua ascendência econômica e social, é
reforçada pela autoridade de empréstimo, recebida do governo
estadual através do compromisso característico do
"coronelismo."
84
Em outra passagem, ao referir-se às garantias que resguardassem a autonomia dos
magistrados,
85
Leal afirma que em razão da falta de estipulação dessas na Constituição da
época, os governos dos estados sentiam-se livres para intervir no Judiciário.
86
83
LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto, 2. ed. São Paulo : Alfa-Omega, 1975.
84
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 211.
85
Foi com a Constituição de 1934 que foram estabelecidas as garantias dos magistrados: “Art. 64. Salvas as
restrições expressas na Constituição, os juízes gozarão das garantias seguintes: a) vitaliciedade, não podendo
perder o cargo seo em virtude de sentença judiciária, exoneração a pedido, ou aposentadoria, a qual será
compulria aos 75 anos de idade, ou por motivo de invalidez comprovada, e facultativa em razão de serviços
públicos prestados por mais de trinta anos, e definidos em lei; b) inamovibilidade, salvo remoção a pedido, por
promoção aceita, ou pelo voto de dois terços dos juízes efetivos do tribunal superior competente, em virtude de
interesse público; c) irredutibilidade de vencimentos, os quais ficam, todavia, sujeitos aos impostos gerais.
Parágrafo único. A vitaliciedade não se estenderá aos jzes criados por lei federal, com funções limitadas ao
preparo dos processos e à substituição dos juízes julgadores.” CASTRO, Flávia Lages de. História do direito:
geral e do Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 455. Atualmente os magistrados possuem inscritas na
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 95, as seguintes garantias: "I -vitaliciedade, que, no primeiro grau,
será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do
tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; II-
inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII; III - irredutibilidade de
subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39 parágrafo 4
o
, 150,
II, 153, III e 153, parágrafo 2
o
, I. "
42
Raymundo Faoro,
87
por sua vez, ressalta o domínio da magistratura na vida
pública, embora não exclua os proprietários de terra, sugerindo que os magistrados imperiais
seriam também, muitas vezes, fazendeiros ou proprietários. Contribui trazendo o tema do
direito, especialmente do público e do constitucional, para a historiografia brasileira,
relacionando sua formatação e aplicação também às injunções das forças poticas em ação no
cenário nacional. O texto traz uma leitura muito particular da montagem da burocracia do
Estado no Brasil e da forma como o setor público, que o autor considerava um "aparato
artificial", foi se distanciando dos interesses da sociedade.
Com respeito aos procedimentos eleitorais durante o período analisado neste
trabalho, pode-se dizer que eram o resultado de um complexo sistema. Como não havia
unidade jurídica, sobre as eleições incidiam regulamentos federais, estaduais e municipais,
que poderiam ser, e geralmente eram, alterados de uma para outra. No período em que não
havia ainda a Justa Eleitoral instituída, intervinham no pleito em diferentes momentos os
chefes dos poderes Executivos estadual e federal, a Assembléia Legislativa, a magistratura, as
autoridades municipais (executivas e legislativas), além das autoridades policiais. Mais do que
isso, não havia data fixada para a realização das eleições, nem havia coincidência de datas
entre os pleitos municipais, estaduais e federal, o que conduzia a que houvesse eleições quase
que anualmente.
88
A questão dos processos eleitorais e sua legislação remete ao final do período
imperial brasileiro. Durante o Império elegiam-se representantes para diversos postos do
sistema potico, tais como juiz de paz, Câmara municipal, Assembléia Provincial (Poder
Legislativo das Províncias), Câmara dos Deputados e Senado.
89
Figura importante do
processo eleitoral imperial era o "fósforo", assim definido pelo deputado conservador
Francisco Belisário Soares de Souza:
ABREU FILHO, Nilson Paim de. Constituição Federal: Promulgada em 05 de outubro de 1988. Porto Alegre:
Verbo Jurídico, 3 ed, 2001. p. 84.
86
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 202-203.
87
FAORO, Raymundo. Os donos do poder. 10. ed. São Paulo: Globo, 1995.
88
AXT, Gunter. Votar por quê? Ideologia autoritária, eleições e justiça no Rio Grande do Sul borgista. Justiça &
História, Porto Alegre, n. 1/ 2, p. 175-216, 2001. p. 290.
89
NICOLAU, Jairo. História do voto no Brasil (Descobrindo o Brasil). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 12.
43
O invisível, o fósforo, representa um papel notável nas nossas
eleições, e mais ainda, nas grandes cidades do que nas
freguesias rurais. Um bom fósforo vota três, quatro, cinco e mais
vezes em várias freguesias quando são próximas. Os cabalistas
sabem que F. qualificado morreu, mudou de freguesia, está
enfermo; em suma não vai votar: o fósforo se apresenta. É mui
vulgar que, não acudindo à chamada um cidadão qualificado,
o menos de dois fósforos se apresentem para substituí-lo, cada
qual cabe melhores provas de sua identidade, cada qual tem
maior partido e vozeria para sustenta-lo em sua pretensão.
90
Para Walter Costa Porto, “teimou o Brasil em legislar demais, disciplinando, por
leis episódicas, cada eleição, sem cuidar de incluir as novas disposições em definitivo, na
norma geral". Outro problema apontado pelo autor é a influencia nos pleitos do poder
econômico, que, com o passar do tempo não foi aplacada.
91
Esses fatores levariam a uma
verdadeira anarquia eleitoral, a ponto de tornar muito difícil a administração dos pleitos.
Até a implantação da Lei Saraiva (1881), as eleições eram indiretas, havendo
distinção entre votantes e eleitores. A qualificação dos cidadãos era feita em nível municipal e
ficava sob inteiro controle dos mandatários locais, acentuando o poder coronelístico.
92
Elaborada pelo conselheiro Saraiva e baseada num projeto de Rui Barbosa, a lei
número 3.029, de 9 de janeiro de 1881, exigia renda mínima anual de 200$000 como requisito
para inclusão no alistamento, do que também lhe adveio a denominação de "Lei do Censo".
Objetivando garantir o sigilo do voto e ampliando os casos de inelegibilidade e
incompatibilidade,
93
esta lei proibia, ainda, o voto dos analfabetos, o que foi denominado por
Rui Barbosa de "Censo Literário."
94
Sobre a exclusão dos portadores dessa condição, Walter
Costa Porto relata:
E, pela primeira vez na história eleitoral brasileira, os
analfabetos iriam ser excluídos do sufrágio. Antes, o silêncio da
Carta de 1824, e as disposões permissivas dos textos
posteriores - de que não se assinassem as dulas ou que se
deixasse a outro o encargo de assinaturas - permitiram sempre o
direito do voto aos que não soubessem ler e escrever.
95
90
NICOLAU, História do voto no Brasil, p. 12 -13.
91
PORTO, Walter Costa. O voto no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 2002, p. 10.
92
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. O coronelismo: uma política de compromissos. São Paulo: Brasiliense,
3. ed. 1984, p. 19-20.
93
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 223.
94
"O projeto estabelece dois quilates para o eleitorado - o que poder-se-ia chamar de censo literário - saber ler e
escrever- e o censo pecuniário" Discurso em 10.07.1879, in BARBOSA, Rui, Obras completas, vol. VI , t. I, Rio
de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde, 1943, p. 238, apud PORTO, Walter Costa, O voto no Brasil, p. 106.
95
PORTO, O voto no Brasil, p. 106.
44
Com relação à potica municipal, como os estados possuíam autonomia para
deliberar sobre a matéria, havia uma enorme variação no processo eleitoral. Para que se tenha
uma idéia dessa disparidade, a denominação dos dirigentes era bastante variada: prefeito,
intendente, superintendente, agente do Executivo. Em alguns estados, o havia sequer
eleição para o chefe do Executivo municipal, de modo que todos os que exerciam esse cargo
eram indicados pelo presidente do estado; em outros, havia indicação dos prefeitos das
capitais e de outras cidades consideradas de relevância, como estâncias hidrominerais e
cidades com obras e serviços de responsabilidade do Estado.
96
A qualificação dos eleitores era confiada em cada termo ao juiz municipal,
cabendo ao juiz de direito a definitiva organização da lista de eleitores de sua comarca. Estava
prevista a revisão anual da lista para que fossem incluídos novos nomes ou excluídos. As
mesas eleitorais, que tinham a incumbência de apurar os votos, eram constituídas pelo juiz de
paz mais votado da paróquia, como presidente, de quatro mesários, que eram os dois juízes de
paz que se seguiam em votos ao primeiro e de dois cidadãos imediatos em votos. Contudo, a
apuração final, baseada nas atas das mesas, competia a uma junta formada pelo juiz de direito
da "comarca cabeça"
97
do distrito eleitoral, como presidente, e pelos presidentes das mesas
eleitorais da circunscrição.
98
A maior interferência das autoridades judiciárias na qualificação
e na fase final da apuração representava, sem vida, um passo avante, mas reduzido em seu
alcance pela dependência potica dos juízes municipais
99
e, mesmo, dos juízes de direito
100
.
101
96
NICOLAU, História do voto no Brasil, p.28.
97
Quando a comarca é compreendida por vários termos - circunscrição judiciária onde se limita ou se estabelece
uma jurisdição, em geral de categoria inferior à comarca - entende-se por comarca “cabeça” o lugar onde se
encontra a sede desta, e em conseqüência do juízo principal. PLÁCIDO e SILVA, Vocabulário jurídico, p. 459.
98
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p.223-224.
99
Os juízes municipais eram nomeados e temporários, foram criados pela Constituição de 29 de junho de 1935.
O cargo foi extinto pela Carta Estadual de 1947. RIO GRANDE DO SUL, História do poder judiciário no Rio
Grande do Sul, p. 10 e12.
100
Juizes de direito eram os concursados. RIO GRANDE DO SUL, História do poder judiciário no Rio Grande
do Sul, p.10.
101
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 224.
45
Sobre o caos no processo eleitoral Flávia Lages de Castro registra:
As eleições de qualquer nível eram feitas de maneira a facilitar a
fraude. O candidato não precisava estar cadastrado, não
precisava pertencer a nenhum partido, as cédulas eleitorais não
eram oficiais (muitas vezes eram utilizadas as cédulas dadas
pelos cabos eleitorais ou recortadas de jornais) e,
principalmente, o voto o era secreto.
102
A fraude durante as eleições, voto de cabresto e ordem do coronel eram
difundidos de tal forma que o legislador do Código Penal de 1890 incluiu em seus artigos o de
número 166, que, em vista da realidade então vigente, não seria levado a sério:
Art. 166. Solicitar, usando promessas ou ameaças, votos para
certa e determinada pessoa, ou para esse fim comprar votos,
qualquer que seja a eleição a que se proceda. Penas: de prisão
celular por três meses a um ano, e de privação dos direitos
políticos por dois anos.
103
A preocupação do legislador com o assunto revela a disseminação dessa prática,
pois a transgressão, para existir como tal, necessita de uma lei que será, precisamente,
transgredida". Indo-se um pouco além, é possível afirmar que a norma se torna aparente,
graças às transgressões.
104
Com a proclamação da República e o novo regime presidencialista sob o signo do
federalismo, foi implantado um regime político descentralizado, sob o controle de partidos
únicos regionais, representativos das oligarquias estaduais dominantes e coordenados
nacionalmente pelo presidente da República. Esse regime se contrapunha, pelo menos
aparentemente, ao centralismo do Império.
105
Os republicanos históricos acreditavam que, modificando-se a legislação eleitoral,
conseguiriam suprimir o mandonismo local, o que, contudo, não ocorreu, pois com o novo
sistema ocorreu um aumento da zona de influência dos mandões locais. Assim, a modificação
do sistema eleitoral veio contribuir para a consolidação do coronelismo, que teve seu ápice
102
CASTRO, História do direito, p. 424.
103
Idem, p. 432.
104
TODOROV, Tzvetan. Os gêneros do discurso. São Paulo: Martins Fontes, 1980. p. 44-5.
105
TRINDADE, lgio. Brasil em perspectiva: conservadorismo liberal e democracia bloqueada.In MOTA,
Carlos Guilherme. Viagem Incompleta: a experncia brasileira (1500-2000): a grande transação. São Paulo:
Editora SENAC, 2000, p. 357.
46
no Brasil na Primeira República, embora existisse como prática específica do poder potico
brasileiro desde o Império.
106
Seguiu-se um retrocesso em muitos aspectos da legislação eleitoral. Dos
numerosos textos de lei sobre a matéria expedidos pelo Governo Provisório do Marechal
Deodoro, destacam-se dois decretos, o 200-A, de 8 de fevereiro de 1890, e o 511, de 23 de
junho de 1890, também conhecido como "Regulamento Alvim", nome que veio do ministro
referendatário.
107
O decreto 200-A reduziu a idade dos homens para ter direito a voto de 25
para 21 anos; para casados, oficiais militares, bacharéis formados, doutores e clérigos, o
direito de voto independia da idade. Uma ressalva foi feita: todos os alistados pela Lei Saraiva
ltima legislação imperial), mesmo os analfabetos, seriam incluídos ex-officio.
108
A Constituição de 1891 excluiu os mendigos, os analfabetos, as praças de pré
(menos os alunos das escolas militares de ensino superior) e os religiosos sujeitos a voto de
obediência que importasse renúncia da liberdade individual e do direito ao voto, mas manteve
o sufrágio amplo na forma da lei, que, contudo, excluía as mulheres.
109
A mesma Carta
limitou a competência legislativa da União para "regular as condições e o processo da eleição
para os cargos federais", ficando os estados livres para legislar sobre as eleições estaduais e
municipais.
110
A primeira lei eleitoral federal posterior à Constituição foi a de 35, de 26 de
janeiro de 1892, a qual estabeleceu novas regras para o alistamento federal, que passou a ser
feito em cada município por comissões de cinco eleitores, escolhidos pelos membros dos
governos municipais (Câmara, Intendência ou Conselho). Cada comissão tinha a
responsabilidade pelo alistamento de uma seção eleitoral do município. Dessa forma, as
facções majoritárias na potica local passaram a controlar o processo de alistamento, o que
deu margem a toda sorte de fraudes e manipulações para facilitar a inclusão de
correligionários e a exclusão de adversários. Para o alistamento estadual e municipal a
responsabilidade ficava a cargo dos Estados e Municípios.
111
As maiores alterações no sistema eleitoral viriam em 1904, com a "Lei Rosa e
Silva", que mudou a composição da comissão de alistamento, porém não impediu a influência
106
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O coronelismo numa interpretação sociológica. In: FAUSTO, ris
(Org.) História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difel, 1983. p.155.
107
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 225.
108
PORTO, O voto no Brasil, p. 116.
109
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 226.
110
Constituição de 1891, art. 34, inciso número 22.
111
NICOLAU, História do voto no Brasil, p. 28.
47
da potica local. A comissão era composta pelo juiz de direito, dois dos maiores contribuintes
de imposto predial, dois dos maiores contribuintes de imposto sobre a propriedade rural e três
cidadãos eleitos pelo governo municipal. Para ter seu cadastro como eleitor, o cidadão deveria
provar saber ler e escrever, escrevendo perante a comissão de alistamento, em livro especial,
seu nome, estado civil, filiação, idade, profissão e resincia.
112
A partir de 1916, a
responsabilidade pela qualificação nas eleições federais voltou a ser do Judiciário. A
documentação para o alistamento deveria ter firma reconhecida e o alistando deveria provar
idade, capacidade de assegurar sua subsistência, resincia por mais de dois meses no
município, além de demonstrar saber ler e escrever.
113
Apesar de todos os esforços, as fraudes nos processos de qualificações persistiam
e eram generalizadas, ocorrendo em todas as fases do processo eleitoral, desde o alistamento e
votação, até a apuração dos votos e reconhecimento dos eleitos. Destacam-se o "bico de pena"
e a "degola" como principais instrumentos de falsificação eleitoral. Nas palavras de Vitor
Nunes Leal, na eleição a "bico de pena" "inventavam-se nomes, eram ressuscitados os mortos
e os ausentes compareciam; na feitura das atas, a pena todo-poderosa dos mesários realizava
milagres portentosos".
114
Para ser eleito, o candidato precisava ter o cômputo dos seus votos reconhecido
em várias instâncias, dependendo do cargo pretendido; ao final da tramitação, cabia às
Comissões de Verificação de Poderes diplomar os eleitos. A "degola" consistia, pois, no
impedimento da posse dos candidatos indesejáveis através de alegação de fraudes ou
irregularidades burocráticas
115
, ou, ainda, pela retirada de nomes de deputados das listas para
as legislações seguintes. A Câmara dos Deputados tinha uma comissão responsável por
organizar a lista dos deputados presumivelmente legítimos para a legislação seguinte
(Comissão Verificadora dos Poderes); como havia controle da comissão pelos deputados
governistas, freqüentemente, deputados eleitos pela oposição não tinham os seus diplomas
reconhecidos.
116
Em relação ao Rio Grande do Sul, Joseph Love, através da compilação de
documentos da Federação das Associações Rurais do Estado do Rio Grande do Sul e do
Arquivo Borges de Medeiros, constatou a existência de 69 relatórios relativos a casos de
112
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 227.
113
A Lei Saraiva, última regulamentação eleitoral do Império, responsabilizava o Judiciário pelo alistamento
federal. NICOLAU, História do voto no Brasil, p.28-29.
114
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 229.
115
JANOTTI, O coronelismo, p. 38.
48
fraude eleitoral e violências motivados pela potica entre 1913 e 1927. Cerca de três quartos
dos incidentes envolveram a violência ou a intimidação sica; quase 80% desses casos dizem
respeito a fraudes nas eleições ou no registro de eleitores. Dos 69 incidentes, 60 foram
atribuídos ao PRR e o restante, à oposição.
117
Joaquim Francisco de Assis Brasil foi um dos críticos mais incisivos das mazelas
eleitorais da Primeira República, esclarecendo:
No regime que botamos abaixo com a Revolução, ninguém tinha
a certeza de se fazer qualificar, como a de votar... Votando,
ninguém tinha a certeza de que lhe fosse contado o voto... Uma
vez contado o voto, ninguém tinha a seguraa de que seu eleito
havia de ser reconhecido através de uma apuração feita dentro
desta Casa e por ordem, muitas vezes, superior.
118
No Rio Grande do Sul, em nível municipal, de 1913 a 1927, o domínio era do
PRR, que detinha a quase totalidade dos cargos públicos. O PRR manteve durante mais de
trinta anos sua hegemonia potica através da sua capacidade de criar uma máquina potico-
administrativa eficiente e com ramificações por todo o estado.
119
Segundo Félix, o que poucos
sabem é que foi exatamente no estado que se verificou o maior crescimento eleitoral no país
no início do período republicano, com o maior índice de população alfabetizada, contudo sem
alteração dos quadros partidários.
120
Durante a República Velha (1889–1930), a organização potica brasileira foi
marcada pela predominância da esfera estadual em relação à federal e à municipal. O
município não era entendido como uma unidade potico-administrativa prestadora de
serviços, mas, sim, como o local onde as autoridades do centro procuravam os votos em
períodos eleitorais. Por isso, não interessava às autoridades estaduais que os municípios se
fortalecessem, visto que, se isso ocorresse, poderiam se rebelar contra o situacionismo
116
NICOLAU, História do voto no Brasil, p. 34.
117
FEDERAÇÃO das Associações Ruraes do Estado do Rio Grande do Sul. Annaes do Congresso de Criadores.
Porto Alegre, 1927. P. 9-20; Borges de Medeiros, carta circular aos líderes locais do PRR, Porto Alegre, 12 fev.
1926, Arquivo Borges de Medeiros apud LOVE, Joseph, A locomotiva, p. 140.
118
BRASIL, Assis. In Anais da Assembléia Constituinte de 1933-34, II, p. 507.
119
COLUSSI, Eliane Lucia. Estado Novo e municipalismo gaúcho. Passo Fundo: Ediupf, 1996. p. 29.
120
FÉLIX, RS: 200 anos construindo a justiça entre poder política e sociedade, p 304.
49
estadual. Interessava, sim, fortalecer o poder local, por intermédio de coronéis comprometidos
com acordos políticos e eleitoreiros.
121
Nas palavras de Antonio O. Cintra:
Só se conseguem coisas para o município quando se tem os
favores da máquina central do Estado ou da União mas para
consegui-los é preciso que o coronel apóie o governo. O
município fraco precisa do coronel, e o coronel precisa do
governo, e, enquanto precisar, apoiará o partido governante. Por
isso não é conveniente, na lógica dos poderes que controlam o
governo, ter localidades fortes e aunomas.
122
No Rio Grande do Sul, a fraude e a violência potica, práticas comuns no sistema
coronelista brasileiro, também prosperaram, em especial durante o período da República
Velha. É importante destacar que essa era uma situação comum também em nível nacional,
onde as fraudes e as violências eram comuns. Segundo Joseph Love, os municípios rurais
possuiriam um baixo índice de fraude e violência, explicado pelo estreito controle potico do
partido no poder, no caso do Rio Grande do Sul, do PRR.
123
Aqui, mais uma vez, Soledade
apresenta uma situação diferenciada, visto que era um município eminentemente rural, mas
que apresentava um índice de fraudes e violências relacionadas à potica que persistiu até a
metade da década de 1930.
124
O digo Eleitoral, aprovado pelo decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932,
teve como inovações a instituição do voto feminino, a redução para 18 anos do limite de idade
para ser eleitor e a pretensão de dar segurança efetiva ao sigilo do sufrágio. Jairo Nicolau
descreve o sistema adotado para a instituição do sigilo do voto:
121
COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 15.
122
CINTRA, Antonio Octávio. A política tradicional brasileira: uma interpretação das relações entre o centro e a
periferia. Cadernos do departamento de Ciência Política. Belo Horizonte, n. 1, março de 1974. p. 88.
123
LOVE, Joseph. A locomotiva: São Paulo na Federação Brasileira 1889-1937. São Paulo: Paz e Terra, 1982. p.
141.
124
Aqui a delimitação temporal se refere em especial ao estudo realizado neste trabalho.
50
O sigilo do voto foi aperfeiçoado com duas medidas. A primeira
era a obrigatoriedade do uso de sobrecarta (envelope) oficial, no
qual os eleitores deveriam inserir a dula eleitoral [...] Assim,
evitava-se a prática comum na Primeira República de os partidos
utilizarem envelopes de cores tamanhos e formatos diferentes
para controlar o voto dos eleitores. A segunda medida foi a
introdução de um lugar indevassável (cuja porta ou cortina
deviam estar fechadas) onde o eleitor pudesse colocar a cédula
na sobrecarta oficial.
125
O novo diploma eleitoral reconhecia, ainda, a existência jurídica dos partidos e
regulava seu funcionamento; todavia, com partidos, em sua maioria fracos e sem ideologia,
permaneceram no poder aqueles mesmos grupos estaduais que tinham tido destaque na
Primeira República.
126
Outro aspecto inovador do código foi a exigência de registro prévio
dos candidatos antes do pleito, implicando que partidos, alianças de partidos ou grupos de
pelo menos cem eleitores registrassem no Tribunal Regional Eleitoral a lista de candidatos
pelo menos cinco dias antes da eleição.
127
Todavia, a principal inovação do código foi confiar
o alistamento, a apuração dos votos e o reconhecimento e proclamação dos eleitos à Justiça
Eleitoral.
128
Cabe ressaltar que a nova lei permitiu que o alistamento fosse realizado de duas
maneiras: por iniciativa do cidadão, como ocorria na República Velha, ou ex-officio, caso
em que os chefes de repartões públicas e empresas eram obrigados a inscrever os seus
subordinados.
129
Sobre a obrigatoriedade do voto, Flávia Lages de Castro cita o seguinte
artigo da Constituição de 1934:
Art. 109. O alistamento e o voto são obrigatórios para os
homens e para as mulheres, quando estas exerçam função
pública remunerada, sob as sanções e salvas as determinações
que a lei determinar.
130
A Justiça Eleitoral era constituída pelo Tribunal Superior Eleitoral, com jurisdição
em todo o país e sede no Distrito Federal, e pelos tribunais regionais, um em cada estado, no
125
NICOLAU, História do voto no Brasil, p. 38.
126
MEZZAROBA, Orides. O partido político no Brasil: teoria, história e legislação. Joaçaba: Unoesc, 1995, p.
48-52.
127
CASTRO, História do direito, p. 444.
128
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 230-231.
129
NICOLAU, História do voto no Brasil, p. 38.
130
CASTRO, História do direito, p. 458-459.
51
Distrito Federal e no território do Acre. Em cada circunscrição judiciária funcionava como
juiz eleitoral de primeira instância o juiz local vitalício, ou o escolhido pelo Tribunal Regional
(nos locais onde houvesse mais de um), e juntas apuradoras nos locais designados, cada uma
constituída de três juízes locais vitalícios, sob a presidência daquele que tivesse jurisdição no
município da sede.
131
Eram atribuições da Justiça Eleitoral: expedir, por seus órgãos superiores,
instruções complementares da legislação eleitoral, o trabalho de alistamento, a apuração e o
reconhecimento, a divisão dos municípios em seções eleitorais, a distribuição dos eleitores
pelas várias seções e a formação das mesas receptoras. Estas, sendo uma para cada seção,
compunham-se de um presidente, um primeiro e um segundo suplente, todos nomeados pelo
juiz eleitoral, e de dois secretários, escolhidos pelo presidente da mesa. A lei trazia as
incompatibilidades e preferências para o exercício da função de mesário e permitia que os
trabalhos das mesas fossem inspecionados pelos fiscais e delegados dos partidos. Fatos dessa
natureza são relatados por Domingos Velasco como ocorridos na eleição de 1933:
Apesar de todas as precauções, os juízes facciosos ou desatentos
podiam favorecer uma das correntes poticas, compondo mesas
partidárias, ou nomeando para elas justamente os elementos
mais ativos dos partidos adversários, para impedir que
pudessem, livremente, no dia da eleição, coordenar, orientar e
assistir seus eleitores.
132
Para um tipo de coação, especialmente, não havia punição no Código Eleitoral,
segundo a interpretação restritiva que lhe deu o Tribunal Superior Eleitoral. Trata-se aqui
exatamente da intimidação, que teria sido imprimida aos eleitores de Soledade especialmente
no ano de 1934 através de homicídios, ameaças e coações. Era uma coação difusa, mas
efetiva, pela criação de um ambiente de insegurança para os eleitores da oposição. Os atos de
violência, atual ou iminente, manifestavam-se em pequenas ou grandes façanhas, durante dias
semanas e até meses a fio.
A participação de membros da magistratura na vida potica como parlamentares
o era bem vista; assim, desde 1848 vinha-se tentando o afastamento desses dos pleitos, seja
por meio da reforma judiciária de Nabuco, seja pela reforma eleitoral. Pela reforma judiciária,
131
LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 231.
132
VELASCO, Domingos. Direito Eleitoral. Sistema eleitoral. Nulidades. Crítica. Rio de Janeiro, 1935, p. 72,
apud LEAL, Coronelismo, enxada e voto, p. 232.
52
tentada em 1854, fora eliminada a incompatibilidade dos juízes pelo parecer dos deputados
magistrados.
133
Havia duas correntes antagônicas no que tange à presença dos magistrados na
política: a corrente favorável argumentava que, por possuírem cargo público, não se
utilizariam da Câmara como degrau para a conquista deste e, ainda, que, sem eles, o
Parlamento perderia em ilustração, experiência e capacidade para a elaboração das leis; para
os defensores da lei, o país de 1853 já possuía outras categorias cultas, não só a magistratura e
o clero, razão pela qual queriam o empregado público longe da Câmara, dando lugar a outras
categorias sociais mais representativas da população.
134
Entretanto, foi através da lei de 20 de outubro de 1875, de iniciativa do
conservador visconde do Rio Branco, que se alargaram as incompatibilidades, para alcançar,
além das altas autoridades e dos magistrados, os funcionários mais aptos a influir no
eleitorado. De candidatos, os juízes passaram a fiscais das eleições. Todavia, outro perigo se
vislumbrava: o donio dos coronéis.
135
Assim, ao constatar as polêmicas envolvendo os
agentes jurídicos da comarca de Soledade e os desdobramentos de muita violência nos anos
seguintes, percebe-se como a complexidade do mundo social e os diferentes campos de luta
impulsionaram também diferentes formas de atuação da justiça e do direito.
Nesse sentido, é afirmação corrente de que o Estado, através do Poder Judiciário,
almeja em última instância a paz social. A concessão do poder de julgar e modificar situações
é tirada do particular e transferida para um ser supostamente imparcial e autônomo. Contudo,
o que se observa através do estudo é a existência em Soledade de um Judiciário inoperante,
que, mesmo aplicando a lei, não aplacava os conflitos.
Deve-se entender a justiça como uma construção histórica sobre a qual interagem
diversos fatores, dos quais se podem citar: a estrutura burocrática do Estado, a estrutura da
própria justiça, as doutrinas jurídicas e ideologias, o feixe de relações de poder dominante na
sociedade, a capacidade organizativa dos grupos de interesses dentro e fora da justiça, a
chance de autodeterminação dos indivíduos. De acordo com Gunter Axt, " a Justiça aplicada
hoje não é a mesma que foi conhecida pelos agentes do passado, e provavelmente não será a
mesma no futuro, pois, de uma forma ou de outra, ela acompanha o processo de
133
NABUCO, Joaquim. Um estadista do Império, p. 141, apud FAORO, Os donos do poder, p. 372.
134
FAORO, Os donos do poder, p. 372-373.
135
Idem, p. 373.
53
transformação sociocultural, relacionando-se dialeticamente com o mesmo, num continuo ir e
vir interativo e coletivo".
136
As tentativas de aplicação da lei em Soledade, dependendo de qual grupo potico
fosse o atingido, podia levar os agentes do Poder Judiciário a muitas dificuldades; assim,
existem relatos de espancamento de promotores e de represálias a juizes. Quem não seguisse a
ordem imposta não era bem vindo. Os conflitos entre poder local e poder estadual, acirrados
na época, pressionavam os operadores do direito a assumir um posicionamento, ora pendente
para um lado, ora pendente para outro. É nesse contexto que surge a necessidade de elucidar-
se o porquê de o Judiciário ser muitas vezes manipulado por interesses outros que não a idéia
de justiça. Para Gunter Axt, essas considerações são fundamentais para que se situe o papel
dos vários instrumentos do Poder Judiciário nesta sociedade, ora liberal, ora positivista no
discurso, oligárquica na conformação social, coronelista na prática potica e
constitucionalmente autoritária”.
137
Em Soledade, assim como no Rio Grande do Sul, o Judiciário destacou-se, em
alguns momentos, como uma instituição repressora das oposições. A atuação dos seus
agentes, embora pautada pela lei e normas, também era alvo de pressões externas e, ainda,
pela sua própria avaliação dos acontecimentos e dos indivíduos neles envolvidos. Nesse
sentido, embora já se encontrasse relativamente profissionalizado, o que implicava a formação
de uma corporação capaz de produzir comportamentos e objetivos comuns aos seus membros,
havia uma relativa autonomia na sua intervenção na sociedade, podendo, assim, em certos
momentos distanciar-se da legalidade.
Entretanto, não é possível afirmar que fossem alvos somente dos projetos de
ordenação propostos pelo Estado ou somente pelos propostos por grupos dominantes. Com
isso afirma-se que o papel do Estado ou dos poderes locais não deve ser superestimado, pois o
Judiciário não deve ser visto simplesmente como um instrumento nas mãos de um ou de
outro, mas como uma instituição capaz de desenvolver os seus próprios procedimentos e
prioridades. Assim, deve-se fugir das posões maniqueístas, visto que "os efeitos que se
geram no seio dos campos não são nem a soma puramente aditiva de ações anárquicas, nem o
produto integrado de um plano concreto".
138
Todavia, não pode ser subestimada a influência
136
AXT, Gunter. O Poder Judiciário na sociedade coronelista gaúcha (1889-1930). AJURIS, Revista da
Associação dos Juízes do RS, Porto Alegre, ano XXVI, Tomo I, n. 84, jun. 2001, p. 320.
137
AXT, Gunter, O Poder Judiciário na sociedade coronelista gaúcha, p. 320.
138
BOURDIEU, Pierre. A força do direito. Elementos para uma sociologia do campo jurídico. O poder
simbólico. Lisboa/ Rio de Janeiro: Difel/Bertrand, 1989, p. 254.
54
exercida, em especial, dos aspectos políticos sobre a organização judiciária durante a
República Velha.
139
Bourdieu afirma que falar do campo do direito significa enunciá-lo a partir de uma
visão interna, que parte de dentro do próprio campo, de seus membros, ou de uma visão
externa. Olha-se de dentro ou olha-se de fora, contudo não se pode afirmar que uma visão seja
desinteressada e a outra, comprometida. Nesse sentido, as oposições simétricas são o alvo
preferencial da sua crítica intelectual à redução da complexidade das coisas. Se, por um lado,
no âmbito da visão internalista, pode-se identificar a construção da ideologia da
independência do direito e do corpo judicial, por outro, a visão externalista defende a iia de
que o direito e a jurisprudência se constituem num reflexo direto das relações de força
existentes, sejam as determinações econômicas sejam os interesses dos dominantes, quando
o se opera a justaposição desses termos.
140
A saída analítica, segundo Bourdieu, seria levar em conta o conjunto das relações
objetivas entre o campo jurídico, o campo do poder e o campo social. Por isso o autor critica
as visões essencialistas (interna e externa) por serem incapazes de considerar o jogo social,
com suas lutas, que são históricas. Dessa forma, não se pode analisar a atuação do Poder
Judiciário e do Estado em Soledade sem entender que essas duas esferas são dimensões do
mundo social e das suas próprias identidades históricas e culturais. Assim, a situação
envolvendo as denúncias contra o juiz Evaristo faz parte de um período no qual as forcas
externas, em especial as forcas poticas, atingiam o Judiciário de forma contundente,
levando-o muitas vezes a decisões que atendessem aos interesses das elites locais.
A situação tornava-se ainda mais delicada quando envolvia questões eleitorais,
porque, se, por um lado, a luta para manter-se no poder ou chegar a ele não tinha limites, por
outro, a possibilidade de uma disputa em nível de igualdade esbarrava na própria organização
da legislação eleitoral, que permitia o controle de um certo grupo sobre os processos de
alistamento, votação e apuração de votos.
139
O Projeto do Centro de Memória do Judiciário Gaúcho, que teve icio com a Dra. Loiva Otero Félix, foi o
precursor no estudo da história do Judiciário no Rio Grande do Sul e deu origem a outros projetos, como o
Projeto de Memória do Ministério Público, onde tamm são desenvolvidas linhas de pesquisa que possibilitam
aproximações a algumas das principais questões que relacionam história e a prática da justiça no Rio Grande do
Sul. São projetos atualmente em andamento no Memorial do Judiciário Gaúcho: A instituição Judiciária na
abertura política; O seqüestro dos uruguaios; Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais; Os Juizados de Menores;
A Ronda da Cidadania; O coronelismo, justiça e relações de poder em Caxias do Sul; O perfil e a trajetória da
magistratura sul-rio-grandense no período de 1833 a 1889. Site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
http://tj-rs.gov.br. Acesso em 25 jun. 2003.
140
BOURDIEU, A força do direito, p. 211.
55
As declarações acusatórias feitas ao juiz Evaristo Silveira, decorrentes de
possíveis fraudes na elaboração das listas de eleitores, foram por ele entendidas como ofensas,
levando-o a requerer a instauração do “Processo de Exibição de Autógrafos”. Tais declarações
provinham de políticos soledadenses e foram veiculadas nos jornais Correio do Povo e Diário
de Notícias. As denúncias foram entendidas como lícitas pelo juiz da comarca de Porto
Alegre, que também entendeu cabível o pedido de abertura de um inquérito para averiguá-las.
Embora o julgamento não tivesse sido favorável a Evaristo, bem como este
deixasse a comarca de Soledade, a situação ainda estava longe de ser tranqüila, tanto que as
conseqüências desse e de outros episódios foram sentidas em longo prazo na luta política no
município, levando aos desdobramentos violentos da década de 1930, quando a luta pelo
poder não conheceu trégua e não se submeteu, sequer, à lei.
56
2. SOLEDADE E O ACIRRAMENTO DAS LUTAS E DA VIOLÊNCIA
POLÍTICA (1930)
2.1. Antecendentes históricos
A história do município de Soledade apresenta um conjunto de características
semelhantes ao processo de ocupação/colonização de outras regiões do norte do Rio Grande
do Sul. Contudo, muitos aspectos políticos, sociais e culturais assumiram um teor muito
específico em termos da rego. Assim, as lutas políticas foram quase sempre acirradas e
violentas, gerando um imaginário de violência e valentia que perdura até os dias atuais. A
retrospectiva do contexto em torno da história de Soledade tem, aqui, a finalidade de situar a
problemática deste estudo, isto é, as rivalidades poticas, a violência e a relação do Poder
Judiciário com as forças poticas locais no final da República Velha e nos primeiros anos do
pós-30.
A colonização da região de Soledade por brancos e paulistas deu-se com a
abertura da picada de Botucaraí em 1810,
141
em decorrência da busca de uma comunicação
entre Rio Pardo e o Planalto
142
com a finalidade de afugentar os bugres
143
da encosta da serra,
141
Na realidade, o que houve foi uma reativação do caminho já aberto pela expedição de dom José de Saldanha,
em 1798. Saldanha empreendeu uma expedição, em 1798, aos campos e ervais localizados ao norte das
cabeceiras do Rio Pardo por determinação do governador da capitania, general Sebastião Xavier Veiga Cabral da
Câmara, depois de inteirado de notícia levada por particulares que haviam estado na região em julho de 1796. O
capitão José de Saldanha deixou um minucioso relato sobre a região. FRANCO, Soledade na história, p.18-20.
142
Para este trabalho entende-se a divisão do estado do Rio Grande do Sul em Litoral, Campanha, Zona Colonial
e Planalto, incluído neste último as Missões e o Platô Central como uma área de influência. A divisão é
apresentada em FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 45-46. Entende-se essa como a divisão
mais apropriada para estudos envolvendo relações de poder, pois apresenta quatro áreas econômico-
socioculturais, com interesses e características poticas próprias que podem ser nitidamente visualizadas nos fins
do séc. XIX e séc. XX.
143
Denominação comum na região e repetidamente utilizada por FRANCO, Soledade na história, p. 21-22.
Tem-se por bugre a denominação pejorativa dos caboclos, pequenos agricultores camponeses. As obras de
57
de encurtar o caminho para os tropeiros que se dirigiam a São Paulo e de estabelecer um
comércio direto entre Rio Pardo e as Missões. Ainda, o governo do Rio Grande do Sul
também tinha planos de iniciar a distribuição dos campos de cima da serra.
144
A efetiva ocupação branca no território de Soledade deu-se no período da
concessão das sesmarias, a primeira outorgada em 1816 pelo governador e capitão-general
marquês de Alegrete e a última, em 1823, pela Junta Governativa da província.
145
Obtidas as
sesmarias, os respectivos concessionários começaram sua exploração diretamente ou por meio
de terceiros. Como os matos não se incluíam na concessão de sesmarias de campos, eram
livremente explorados por lavradores pobres, o que levou ao povoamento da região com
relativa rapidez.
146
Em 1833, a mara do Rio Pardo aprovou a elevação da localidade à condição de
"distrito", denominado "Sima da Serra do Butucarahy". Em 11 de março do mesmo ano, o
distrito passou a pertencer ao município de Cruz Alta, através da criação deste, e do município
de São Borja. Pelos limites atribuídos ao termo da vila de Cruz Alta, a região de Cima da
Serra de Botucaraí passou a lhe pertencer.
147
No ano de 1832, foi construída uma capela, sob a liderança de cio Ferreira de
Andrade,
148
em terras adquiridas de Francisca Maria da Silva, conhecida como "Chica
ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do planalto médio gaúcho: 1850-1920. Ij: Editora Unijuí, 1997, e
RUCKERT, Aldomar Antônio. A trajetória da terra: ocupação e colonização do centro-norte do Rio Grande do
Sul: 1827 -1931. Passo Fundo: Ediupf, 1997, são de consulta obrigatória para a compreensão desse segmento
social. Para fins deste estudo, tem-se presente na designação de caboclo componentes étnicos, socioeconômicos
e culturais. Tem-se, portanto, o caboclo como o morador das áreas rurais que se dedicava à atividade extrativista
- em especial erva-mate-, e/ou atividades relacionadas a culturas de subsistência, em roçados de pequeno porte;
pequenos proprietários, agregados ou arrendatários com significativa carga étnica, fruto da mestiçagem do índio,
do branco, e mesmo, do negro, apresentando um modo de vida típico do meio rural.
144
As iniciativas oficiais e particulares nesse terreno determinaram uma alteração profunda no quadro étnico do
município. Contudo, havia a presença dos alemães Knopf, Rochembach, Walendorff, Hellmann, Jandrey,
Bagestein (que se tornaram Bageston com o decorrer do tempo), Schimitt, Bohrer e Vanner, desde meados do
século XIX. No Jacuizinho os alemães parecem ter entrado dede 1857. Foi, contudo, no princípio do século que
os alemães se estabeleceram na colônia das tunas, em Arroio do Tigre e nas divisas com o município de Santa
Cruz do Sul. Isto levaria também a Vila de Soledade, que fora maciçamente cabocla a receber a marca da
influência estrangeira. FRANCO, Soledade na história, p. 107-108.
145
Idem, p. 23.
146
VALENTE, Maria Jovita. (Elab) Coletânea: Legislação Agrária, Legislação de Registros Públicos,
Jurisprudência. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1983. 19 ed. Lei de Terras de 1850.
146
FRANCO, Soledade na história, p. 26.
147
Esse fato não se deu de forma totalmente regular, visto que a decisão de criar os dois novos municípios São
Borja e Cruz Alta, desvinculando-os de Rio Pardo pelo Conselho Administrativo e pelo presidente da província,
a rigor, não era legal, pois somente o ato adicional de 1834 autorizaria as províncias a criarem novos municípios.
Ocorreu que a mara de Rio Pardo não aceitou a perda do distrito e, em 31 de agosto do mesmo ano,
estabeleceu a sua divisão territorial em dez distritos, entre eles o de Sima da Serra do Botucarahy.
148
Lúcio Ferreira de Andrade, foi a primeira autoridade civil de Soledade, podendo ser considerado como o
primeiro líder local. Pode se depreender seu parentesco dos primeiros sesmeiros do local, os Ferreira de
Andrade, Tenente André e Furriel Vicente, respectivamente, pai e filho. Estes receberam uma sesmaria de igual
58
Mineira".
149
A capela foi concluída em 1837, conforme registros da Diocese de Santa Maria, e
teve rubricado o seu primeiro livro pelo pároco de Cruz Alta em 16 de abril do mesmo ano.
Através da lei provincial nº 50, de 19 de maio de 1846, a povoação de Nossa
Senhora da Soledade, do município de Cruz Alta, foi convertida em "capela curada",
alcançando, após, a elevação a freguesia
150
. Em ofício de 10/08/1852, a Câmara de Cruz Alta
informava ao governo da província sobre a principal riqueza de seu termo:
[...]existem imensos ervais nas serras ou pontões de serra que
bordam os distritos desta vila, Santo Ângelo, Palmeira, Passo
Fundo e Soledade, em cujos trabalha imensa gente
atualmente(...) Todos estes ervais encravados nas serras, a
câmara os tem conservado públicos desde sua instalação em
1835, por meio de Posturas, fazendo a principal parte de suas
rendas o imposto de 40 is em arroba, que pagam os
exportadores, não consentindo que os particulares se apossem
deles como propriedade, permitindo, porém, a todos o fabrico da
erva.
151
Observa-se que, durante o período em que Soledade pertenceu ao município de
Cruz Alta, não houve integração efetiva entre o distrito e sua sede, o que se evidencia pela sua
inexpressiva participação na vida econômica, política e social deste município. De outra
banda, Rio Pardo persistia tentando recuperar a área perdida, tanto que, em de 1855, quase às
vésperas da criação do município de Passo Fundo, que levaria consigo a freguesia de
Soledade, ainda houve forte movimento, concretizado através de um abaixo-assinado
contando com 160 assinaturas, para que Soledade retornasse à sua comuna de origem.
152
descrição, como se devessem ser condôminos.A referida sesmaria foi concedida pelo marquês do Alegrete.
Documentos do Arquivo Histórico do Estado, Requerimentos de Sesmarias, apud FRANCO, Soledade na
história, p. 24.
149
Idem, p. 26.
150
SOARES, Solon Macedônia, Breviário Cívico do Rio Grande do Sul, p. 41.
151
Ofício da Câmara de Cruz alta para o Presidente da Província do Rio Grande do Sul. 10-08-1852. Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul.
152
Uma das personagens fortes desse movimento de tentativa de permanência de Soledade integrado a Rio Pardo
foi Lúcio Ferreira de Andrade. Nesse intento, enviou ofícios à Câmara de Rio Pardo e ao presidente da província,
José Mariani, nos quais afirmava ser representante do povo de Soledade, que, em massa, o anuía com a
anexação por Cruz Alta, o que resultaria em atraso e dificuldades para os soledadenses se concretizado.
FRANCO, Soledade na história, p. 31-33.
59
Em 1855, a freguesia de Soledade passou a pertencer à vila de Passo Fundo,
153
sendo dividida em três distritos, Restinga do Botucaraí, Soledade e Lagoão.
154
A emancipação
ocorreu no ano de 1875, com a elevação da freguesia de Nossa Senhora da Soledade à
categoria de "vila".
155
Soledade, contudo, manteve-se vinculada a Passo Fundo, agora como
termo judicial da comarca passo-fundense, da qual se emanciparia em 14 de junho de 1885.
156
2.2. As articulações entre os poderes local e regional
É importante analisar a situação atípica do Rio Grande do Sul em termos potico-
partidários nessa fase, em especial durante a República Velha, quando o espaço potico
gaúcho foi marcado por lutas entre facções da classe dominante, que resultaram nas
revoluções de 1893/95 (Revolução Federalista) e 1923.
Soledade não passou imune pelas revoluções. Sobre a Revolução Federalista,
Prestes Guimarães
157
afirma que Passo Fundo, Soledade e Palmeira estavam foram da lei no
153
Entre 27 e 30 de junho de 1875, realizaram-se as eleições para a constituição da primeira Câmara Municipal.
Na data de 9 de setembro de 1875, a Câmara de Passo Fundo deu posse aos novos vereadores soledadenses, entre
os quais se percebe uma maioria de criadores de gado. Com a proclamação da República, a Câmara Municipal
foi dissolvida, tendo sido substituída pela Junta Executiva Municipal. A partir do ano de 1891, os municípios
passaram a ser dirigidos pelos intendentes municipais As informações sobre o Executivo foram localizadas no
site: www.soledade.org.br. Acesso em: 29 out. 2003, sendo confrontadas com informações fornecidas pela
Prefeitura Municipal de Soledade em documento da Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto, do
ano de 2000. (Anexo 1)
154
SOARES, Solon Macedônia, Breviário Cívico do Rio Grande do Sul, p. 42.
155
Lei provincial n.º 962, de 29/03/1875. Assinou a lei o então presidente da província José Antônio de Azevedo
Castro, sancionando o que fora aprovado pela Assembléia Legislativa, em razão de um projeto dos deputados
Cândido Lopes, A. Corrêa de Oliveira, Antunes Ribas e Antônio Eleutério de Camargo.
156
Lei 1.251 de 14 de junho de 1885.
157
Antônio Ferreira Prestes Guimarães nasceu em 13 de junho de 1837 e faleceu em Passo Fundo, aos 74 anos
de idade em 19 de setembro de 1911, filho de José Prestes Guimarães e de Maria do Nascimento Rocha. Pelo
lado materno era neto do capitão de milícias Manoel José das Neves, primeiro morador de Passo Fundo, ali
estabelecido em 1827. Prestes Guimarães desempenhou funções administrativas em Passo Fundo, onde a vida
municipal teve início em 1857. Em 1964 secretariava o comando da Guarda Nacional. Em 1865 era suplente de
delegado de polícia. Entre 1870 e 1873 foi o 2
o
suplente de juiz municipal, tendo o posto de Capitão da Guarda
Nacional. Secretariou a Câmara Municipal, foi Juiz de Paz do 1
o
Distrito. Entre 1883 e 1886, exerceu a
presidência da Câmara Municipal, o que correspondia, nos municípios do Império à condição de prefeito. Foi
figura destacada do Partido Liberal na região serrana, eleito para a Assembléia Legislativa Provincial pelo 2
o
Distrito Eleitoral, sucessivamente em três legislaturas: 1885, 1887 e 1889. Com a ascensão dos liberais ao poder
em 1889 (Ministério do Ouro Preto) foi nomeado um dos vice-presidentes da Província, sendo Gaspar Silveira
Martins o presidente. Assumiu efetivamente a presidência entre 25 de junho e 8 de julho de 1889. Após a
proclamação da República foi candidato para a Assembléia Constituinte do Estado em abril de 1891 através da
chapa oposicionista da União Nacional, contudo, pelo sistema eleitoral eno vigente o Partido Republicano fez a
maioria, assumindo todas as cadeiras. Deposto Júlio de Castilhos, em novembro de 1891, Prestes Guimarães
60
segundo semestre de 1892 e primeiro semestre de 1893. Daí a adesão imediata ao movimento.
Com o donio do poder pelos republicanos em Passo Fundo, Soledade e Palmeira,
ocorreram vários atentados e em Soledade foi maior o número de assassinatos.
158
Sobre a Revolução de 1923, diz Arthur Ferreira Filho
159
:
Achando-se a então Vila de Soledade ameaçada por um grupo
de revolucionários chefiados por Galdino Loureiro, fez o
General Firmino de Paula seguir para aquele município o
Esquadrão de Vaqueanos sob o comando do Cap. Marcos
Fortes, que obrigou os rebeldes a retirarem-se para a zona da
serra, ao tempo em que o Tem. Luiz Magalhães, do mesmo
Esquadrão, surpreendia um pequeno acampamento inimigo,
causando-lhe diversas baixas.
160
Ilustrativamente, o Cemitério Municipal de Soledade guarda o seguinte epitáfio
no túmulo de Galdino Loureiro: "Aqui jaz o nosso pai, Galdino José da Rosa Loureiro. Foi
assassinado pelos borgistas de Soledade”.
161
ocupou a cidade de Passo Fundo, tomando para si o poder local. O seu envolvimento nas lutas civis se daria,
quase sem interrupção, até a celebração da paz, em 1895. Após a Revolução Federalista, viveu algum tempo em
São Paulo. Ao retornar ao Rio Grande do Sul dedicou-se ativamente a advocacia e integrou o diretório do Partido
Federalista até a sua morte, em 1911. GUIMARÃES, Prestes Annio Ferreira. A Revolução Federalista em
Cima da Serra. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986, p. 9-12.
158
GUIMARÃES, Prestes Antônio Ferreira. A Revolução Federalista em Cima da Serra. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1986, p. 21-23.
159
Artur Ferreira Filho nasceu em São Jodo Norte, Rio Grande do Sul, em 20 de setembro de 1899. Filho de
Artur Silva Ferreira e Maria Jo Villar Ferreira. Autodidata, foi Juiz municipal em Bom Jesus, em 1925,
Intendente do mesmo município em 1928. Ocupou ainda o cargo de diretor do jornal O Município da mesma
cidade no período de 1925-27. Atuou como Delegado de Polícia, no mesmo local no ano de 1930. Em
Carazinho foi Juiz municipal em 1933, posteriormente, transferiu-se para Passo Fundo, onde foi Delegado de
Polícia em 1934 e Prefeito municipal, nas legislaturas de 1938-42 e 1944-46, além de Redator dos jornais Diário
da Tarde e Diário da Manhã. Em vel estadual, foi chefe de gabinete do Secretario da Agricultura em 1937, e
membro da Assessoria do Palácio do Governo do RS em 1968. Tornou-se Prefeito municipal de S. Leopoldo em
1947. Ocupou a função de Diretor da Biblioteca Pública do Estado no período de 1956-58. Foi membro do
Conselho Estadual de Cultura em 1969. Destacou-se além de político, também como historiador, tendo sido
membro da Academia sul-rio-grandense de Letras, que presidiu até 1969; do Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Sul e da Estância da Poesia Crioula. Faleceu em Porto Alegre em 25.3.1996. Site do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul : http://www.paginadogaucho.com.br/ihgrgs/resumo.htm Acesso
em 02/04/2005. Foi combatente na Revolução de 1923, era filiado ao Partido Republicano Histórico, de Júlio de
Castilhos. FILHO, Arthur Ferreira. Revolução de 1923. Porto Alegre: Oficinas Gráficas de Imprensa Oficial do
Estado, 1973, contracapa.
160
FILHO, Arthur Ferreira. Revolução de 1923. Porto Alegre: Oficinas Gficas de Imprensa Oficial do Estado,
1973, p. 4.
161
WEDY, Soledade, p. 203.
61
As marcas deixadas pela violência desses confrontos fizeram surgir novos
levantes, em especial porque a estrutura de poder permanecia inalterada e cada vez mais
enfeixada na mão dos republicanos, tanto em nível estadual quanto no municipal.
Quando da proclamação da República, o Partido Republicano Rio-Grandense
(PRR) encontrava-se ainda fragilmente enraizado; logo, teve de encontrar elementos para
manter-se no poder. Contudo, pelos seus traços fundamentais, em menos de cinco anos
tornou-se o partido hegemônico no estado:
Esses traços particulares o seu aspecto tardio, a juventude de
seus membros, aliada à instrução superior e ausência de
experiência partidária, juntamente com a base ideológica
positivista farão do PRR um modelo de organização partidária
e controle do Estado ímpar na República Velha.
162
Na década de 1920, mais precisamente nos anos de 1921 a 1923, houve um
momento de reatualização da estrutura de poder, o que ocorreu através do ingresso no campo
político de grupos poticos e de indivíduos não pertencentes aos quadros do Partido
Republicano Rio-Grandense (PRR), o qual, desde 1895, monopolizara o aparelho estatal
gaúcho. A cada de 1920 foi de crise na conjuntura política e ecomica brasileira. Em
termos políticos, as oligarquias do país foram abaladas por um conjunto de episódios que
levariam ao movimento de ruptura de 1930. No relato de Eliane Lucia Colussi:
É importante destacar que, conquanto não tivesse conseguido impor-
se eleitoralmente, a oposição teve atuação política permanente e foi a
promotora de dois movimentos de luta armada de grande importância
na vida potica gaúcha: a Revolução Federalista de 1883 e a
Revolução de 1923, os quais, ainda que derrotados pela força,
primeiro castilhista e posteriormente, por Borges de Medeiros,
reforçaram a polarização e a radicalização potica no estado.
163
Há, portanto, a necessidade de se atentar para aqueles que atuavam na oposição,
contrários ao grupo hegemônico. O ano de 1922 marca a rearticulação das oposições mais
importantes de toda a República Velha. No Rio Grande do Sul, atravessavam-se dificuldades
162
TRINDADE, lgio; NOLL, Maria Izabel. Rio Grande da América do Sul: partidos e eleições (1823-1990).
Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS/Sulina, 1991, p. 41.
163
COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p.32.
62
econômicas,
164
ao que se somou a candidatura de Borges de Medeiros, que pleiteava a quinta
reeleição para o governo do estado. Nesse contexto, federalistas (de tradição parlamentarista)
uniram-se aos republicanos dissidentes (presidencialistas), lançando Assis Brasil como
candidato pela Aliança Libertadora.
165
As eleições foram realizadas num clima de pré-revolução. Os resultados oficiais,
emitidos pela Comissão de Constituão e Justiça (presidida por Getúlio Vargas) deram a
vitória a Borges de Medeiros, todavia ficou claro que, apesar de a oposição se concentrar na
metade sul do estado, em especial São Sepé, São Gabriel, Piratini e Canguçu, já se expandia
para a metade norte.
166
Na Assembléia dos Representantes, a luta foi ainda mais árdua e constante.
167
Apenas em 1913 os federalistas conseguiram eleger seu primeiro representante. Dos 32
deputados eleitos nessa que era a sétima legislatura da República, 31 eram republicanos.
Tabela 1 - Evolução da representação da oposição na Assembléia dos Representantes - RS (1913-1929)
Legislatura Data de início Número de Representantes
7
a
1913 1
8
a
1917 2
9
a
1921 3
10
a
1925 4
11
a
1929 7
Fonte: TRINDADE, lgio; NOLL, Maria Izabel. Rio Grande da América do Sul : partidos e eleições (1823-
1990). Porto Alegre: Ed. Da Universidade/UFRGS/Sulina, 1991, p. 48.
Em 25 de janeiro de 1923, iniciou-se movimento armado na região serrana do Rio
Grande do Sul, com Arthur Caetano liderando as hostilidades ao governo do estado em Passo
Fundo.
168
Se, em janeiro e fevereiro de 1923, a revolução ficara restrita a Passo Fundo,
Palmeira, Nonoai e Erechim, ao final de abril tomou conta de todo o estado, como pode ser
164
Para uma análise sobre essa relação entre política e economia, consultar: ANTONACCI, Maria Antonieta. A
Revolução de 1923: as oposições na República Velha. In: RS: economia e política. Porto Alegre, Mercado
Aberto, 1979. p. 229-253.
165
TRINDADE; NOLL, Rio Grande da América do Sul, p. 47.
166
Idem, p. 48.
167
Sobre o processo de crescimento e luta do Legislativo e da oposição para se institucionalizarem num regime
autoritário como o republicano castilhista, ver TRINDADE, Hélgio. Poder Legislativo e autoritarismo no Rio
Grande do Sul (1891/1937). Porto Alegre: Sulina, 1980.
168
ANTONACCI, A revolução de 1923, p.244
63
percebido através das palavras de Menna Barreto: "Generalizada por todo o Estado, com
exceção de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, onde existe grande oposição, porém inerte por
se achar sem armas e sem organização sob a maior opressão governamental”.
169
Essa revolução projetaria ainda dois importantes coronéis na região: Valzumiro
Dutra e Victor Dumoncel Filho.
170
Vitor Dumoncel Filho nasceu em 10 de abril de 1882 na
fazenda do Capão Ralo, município de Cruz Alta, e faleceu em 6 de setembro de 1972, em
Santa Bárbara. Foi uma das figuras poticas mais importantes da região no período
compreendido entre 1900 e 1937, embora sua atuação possa ser identificada até o pós-64.
171
Dumoncel, por sua vez, foi subchefe de pocia da 1
a
Região Policial do Estado do Rio Grande
do Sul, que englobava Soledade, de 22 de setembro de 1931 a 26 de novembro de 1932;
reassumiu o cargo em 14 de janeiro de 1933, nele permanecendo até 27 de outubro de
1937.
172
Tanto os chefes de pocia como os subchefes eram de livre nomeação pelo
governador do estado, que ainda tinha autonomia para dividir o estado em tantas regiões
policiais quantas considerasse conveniente. Essas e outras disposições encontram-se na lei 11,
de 04 de janeiro de 1896, que organizava o serviço policial no estado.
Através do Pacto de Pedras Altas
173
, a hegemonia do PRR ficaria para sempre
abalada. Em janeiro de 1924, em São Gabriel, os grupos de oposição, coligados, constituíram
a Aliança Libertadora, que em março de 1928, em Bagé, daria origem ao Partido Libertador.
O novo partido contestava a fraude eleitoral e colocava em questão a fragilidade do pacto
federativo, visto que alguns estados preponderavam sobre os demais. Em 1929, com a
superação da cisão no interior da oligarquia gaúcha, formou-se a Frente Única Gaúcha (FUG)
através da união entre republicanos e libertadores, que viabilizou o nome de Getúlio Vargas à
presidência da nação.
A votação obtida pelo PL em 1929 para a Assembléia dos Representantes, mesmo
reproduzindo o padrão constante de predomincia na zona da campanha, mostra uma
expansão, levando a um equilíbrio das forças opositoras no estado. Esse crescimento, é
importante ressaltar, sempre esbarrava na ampla autonomia concedida aos Estados para
169
Carta de Menna Barreto a Assis Brasil. Rio de Janeiro, 22, abril, 1923. Arquivo Assis Brasil.
170
A importância dos coronéis Vazulmiro Dutra e Victor Dumoncel Filho tanto no norte do Rio Grande do Sul
quanto em nível estadual estão salientes na obra de FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política. O
estudo mantém a sua atualidade e é referência para a história política do estado, especialmente sobre relações de
poder e coronelismo.
171
FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 143.
172
GIULIANO, João. Esboço histórico da organização da polícia no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Oficinas
Gráficas da Imprensa Oficial, 1957, p. 395.
173
A "Ata de Pacificação", foi firmada no Castelo de Pedras Altas, em 14 de dezembro de 1923.
64
elaborarem a sua legislação, situação que vigorou durante a Primeira República. Com essa
margem de ação, conseqüência do pacto federativo estabelecido na Constituão de 1891, o
Estado era livre para organizar um alistamento próprio de eleitores federais, estaduais e
municipais, indo, assim, ao encontro dos interesses das oligarquias dentro de um sistema de
voto distrital que equilibrava forças governamentais e dividia redutos oposicionistas.
Nesse sentido, são importantes as observações de Hélgio Trindade sobre o
processo de formação do sistema partidário do Rio Grande do Sul, em especial quando
destaca três aspectos fundamentais:
(1) a persistência de uma clivagem ideológica entre duas
famílias poticas que se confrontam ao longo do tempo,
inserindo-se em diferentes movimentos e estruturas partidárias:
os conservadores-liberais versus os conservadores autoritários.
[...] (2) o processo de formação e progressiva legitimação da
oposição política conservadora-liberal que se constitui, de um
lado, penetrando nos espaços abertos pela via revolucionária ou
parlamentar contra o exclusivismo do poder republicano e, de
outro, pela erosão interna da coesão partidária dos
conservadores-autoritários diante da ausência de rotatividade no
poder [...] (3) no processo de esgotamento do modelo borgista
de dominação e sob a intensificação da competição político-
partidária de 1922 a 1928, criam-se as condições de
ressocializacão de uma nova geração de republicanos rio-
grandenses [...] viabilizando a aliança potica dos
conservadores-autoritários com os conservadores-liberais
(Frente Única), bem como a formão, após 30, de uma nova
forca potico-partidária reunindo os autoritários e liberais
moderados através do Partido Republicano Liberal.
174
Trindade ressalta também que o Rio Grande do Sul da Primeira República se
diferenciou dos outros estados da federação por possuir uma oposição estável, sendo que isto
teria ocorrido porque o custo político para eliminá-la seria maior do que a necessidade de
tolerá-la.
175
A divisão das forças políticas” no jogo político da Primeira República, e a
“bipolarização partidária”, gerando a “coesão e a disciplina interpartidária”, definem, no
contexto interno da política regional, as peculiaridades do processo político-partidário no Rio
174
TRINDADE, Hélgio. Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense (1882-1937) : da
confrontação autoritário-liberal à implosão da aliança político-revolucionária de 30. In: RS: Economia e política.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p. 119-120.
175
TRINDADE, Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense (1882-1937), p. 120.
65
Grande do Sul. Assim, enquanto nos demais estados reinava a dominação dos Partidos
Republicanos únicos, no Rio Grande do Sul havia um sistema bipartidário em relação direta
com o processo de competição político-eleitoral crescente.
176
Esse era o quadro político-
eleitoral no Rio Grande do Sul.
2.3. As articulações entre os poderes locais, o regional e o nacional: o Combate do Fão
Os anos da década de 1930 foram marcados pela ascensão de Vargas ao poder em
nível nacional, o qual, com o estabelecimento do processo de centralização política, buscou
constituir um Estado que mantivesse o controle político-econômico pela nomeação de
interventores para governar as unidades federadas, o que resultou na montagem de uma
quina burocrática, visando reduzir o poder dos grupos estaduais. É importante ressaltar
que, durante esse período, os cargos governamentais nacionais foram ocupados, em sua
maioria, por mineiros e gaúchos, gerando a insatisfação dos outros estados, em especial São
Paulo. Então, os paulistas, especialmente os olirquicos, mobilizaram-se e obtiveram apoio
para uma reação ao governo centralizador de Getúlio Vargas.
O estado do Rio Grande do Sul, unificado politicamente através da Frente Única
Gaúcha (FUG), inicialmente prestara apoio ao movimento que conduziu Vargas à presidência
e, posteriormente, através do interventor Flores da Cunha, solidarizara-se com o seu governo.
Entretanto, a unidade frente ao governo de Vargas desfez-se quando, em 1932, teve início o
movimento constitucionalista, liderado por o Paulo, que se opunha às atitudes do
mandatário da nação. Como exigência básica os revoluciorios queriam a
constitucionalização do Brasil. Então o Rio Grande do Sul dividiu-se e, apesar de relutante,
Flores da Cunha permaneceu ao lado de Vargas, tentando apaziguar a ala descontente, em
especial a Frente Única Gaúcha.
Eliane Colussi sintetiza o panorama do estado naquele contexto ao relatar:
"Passada a euforias-revolucioria, assistiu-se no Rio Grande do Sul à configuração de um
clima de frustração e de descontentamento em relação às poticas adotadas inicialmente pelo
governo getulista, as quais atingiram a Frente Potica Gaúcha, que sustentava a candidatura
176
TRINDADE, Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense (1882-1937), p. 120-121.
66
de Vargas e o posterior movimento revolucionário”.
177
Deflagrada a revolução de 1932, o
interventor gaúcho colocou suas tropas bem equipadas e armadas à disposão do governo
federal, o que repercutiu de forma negativa entre os revoltosos, que o consideraram traidor da
causa liberal e constitucional.
As disputas poticas resultaram no fim da Frente Única Gaúcha e na formação do
Partido Republicano Liberal (PRL), que aglutinou o grupo potico em torno de Flores da
Cunha. O PRL dava sustentação ao governo estadual e ao governo federal. Nesse contexto, os
setores poticos importantes de Soledade posicionaram-se a favor da causa constitucionalista
através de diversos políticos locais, tendo como principal líder o coronel ndido Carneiro
Júnior, mais conhecido como "Candoca".
Cândido Carneiro Júnior era filho de Florisbella Theodora de Almeida e do major
Cândido Alves Carneiro. Candoca destacou-se como pecuarista e potico, faleceu em 1950.
Foi secretário do Partido Libertador em Soledade no ano de 1928, tenente-coronel da Brigada
Militar em 1930 e tenente-coronel do 33
o
corpo auxiliar da Brigada Militar em 1932.
178
Através da liderança do 33
o
Corpo Provirio,
179
organizou as forças revoluciorias que
lançaram o "Manifesto ao povo do Rio Grande do Sul" em 1
o
de setembro de 1932. No texto,
o governo de Vargas era criticado por seu autoritarismo, exaltava-se a causa constitucionalista
e convocavam-se os gaúchos para a luta.
Em conseqüência do manifesto, Soledade tornou-se um campo de batalha, no qual
se enfrentaram as forças constitucionalistas e as forças da Brigada Militar. No dia 3 de
setembro de 1932, Cândido Carneiro enviou ao general interventor Flores da Cunha telegrama
cujo conteúdo era o seguinte:
177
COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 55.
178
DE PAULA, Jorge Augusto. O Fão: um episódio da Revolução de 1932 no Rio Grande do Sul. 2. ed. Passo
Fundo: João B.M. Freitas, Gráfica e Serviços, 1972, p. 21-22.
179
Os Corpos Provisórios foram organizados com voluntários para atuarem junto à Brigada Militar na luta
armada. A sua participação ocorreu em vários conflitos armados: que foram as "revoluções" de 1893, 1923,
1924, 1930 e, finalmente, 1932. PEREIRA, Maristela Silva. Os Corpos Provisórios da Brigada Militar : seus
aspectos sociais e utilitários (1923-1927). 1993. Dissertação (Mestrado em História) - Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1993. Resumo e p.13.
67
Hoje, defrontei-me com suas forças no "Paço do Rocha"; foram
mortos oito homens. Estabeleci governo e prendi os que não
estavam com o Rio Grande neste município. Estou à frente de
1.500 homens e com armas, ou sem elas, lutarei até o meu
assassinato com aqueles que vão acompanhar o Rio Grande no
despenhadeiro em que se acha. Organizei o Corpo de 400
homens com recursos que V. Exa. me forneceu, mas o recebi
armas nem munições para traí-lo. O dinheiro é do povo, usemo-
lo com igual direito. Sou dos maiores contribuintes ao fisco
municipal e estadual. Meus bens ficam para responder pelo ato
que cometo.Vejo em V. Exa., o Bento Gonçalves da atualidade,
o general querido do Rio Grande, nada temo. V. Exa. poderá
mandar contra mim todo o exército, enfrentá-lo-ei de ânimo
resoluto nas matas deste município, quando não possa lutar em
campo, e estarei no último reduto a ser batido. Não me queira
mal, serei ainda um seu amigo e soldado. Isso passa e nós
ficamos. Cândido Carneiro Júnior, ex-tenente-coronel,
Comandante do 33
o
Corpo Auxiliar.
180
Dessa forma, Cândido Carneiro Júnior - ligado ao Partido Libertador e tendo
recebido ordens e dinheiro de Flores da Cunha para organizar o 33
o
Corpo Provisório para
lutar contra os paulistas - acabou por organizar um grupo revolucionário. Soledade contava
com dois corpos provirios, tendo sido criado ao lado deste do 33
o
CP, o 44
o
CP, esse sob o
comando e organização de Pedro Corrêa Garcez, de filiação republicana, que se manteve fiel
ao interventor federal
.
181
Em 15 de setembro de 1932, o Jornal da Serra trouxe em sua última página
notícias sobre o Combate do Fão em Soledade:
180
DE PAULA, O Fão: um episódio da Revolução de 1932 no Rio Grande do Sul., p. 31-33.
181
A oficialização destas unidades provirias deu-se pelos decretos 5.067 de 23/8, que criou o 33º CP, e 5.074,
de 30/8, que criou o 44
º
CP.
68
À última hora, pouco antes de encerrarmos esta página, colheu a
nossa reportagem que na Serra do Butiá, no município de
Soledade, houve sangrento combate entre a coluna do Cel. Vitor
Dumoncel Filho e os rebeldes daquele município, sob o
comando do Cel. Cândido Carneiro Júnior. O Cel. Dumoncel
Filho, depois de ter ocupado a vila de Soledade, onde repôs as
autoridades destitdas pelos revolucionários do vizinho
município, sabendo que estes se haviam retirado em direção a
Serra do Butiá, para ali se dirigiu a fim de batê-los. Na tarde de
anteontem, a coluna Dumoncel, que se come de cavalaria,
infantaria e artilharia, defrontou-se com o reduto dos
revoluciorios, que estavam bem entrincheirados, travando
com eles violento combate, que durou algumas horas,
terminando com o cair da noite. Aproveitando-se desta, os
revoluciorios retiraram-se em rumo ignorado, deixando no
campo da luta, segundo as informações que colhemos 52
mortos. A coluna Dumoncel teve 6 mortos, entre estes, um 1
o
tenente da Brigada Militar, pertencente ao regimento
presidencial e diversos feridos.
182
O Combate do Fão culminou no dia 13 de setembro às margens do Rio Fão,
183
envolvendo forças rebeldes e forças oficiais, estas mais numerosas e bem equipadas,
resultando em decisiva derrota àquelas. Então, Candoca embrenhou-se na mata com um
pequeno grupo de homens que lhe permaneceram fiéis. Somente em 5 de outubro, pela
intervenção de Félix Engel Filho representando o interventor do estado ocorreu de fato a
pacificação,
184
sendo firmada na cidade de Guapoa ata definitiva do acordo estabelecido
entre as partes. Assinado o acordo definitivo, por ordem expressa da Interventoria, o general
Cândido Carneiro Júnior foi preso, sendo autorizado a sair da cadeia somente para assinar
escritura de terras para o Estado, pois teve de ressarci-lo dos prejuízos causados pela
insubordinação do corpo provisório sob o seu comando.
Entretanto, mesmo após o ato de pacificação, a região de Soledade prosseguiu
sendo alvo de conflitos decorrentes dessas disputas políticas, sucedendo-se atos de violência e
vingança, muitas vezes patrocinados pelas próprias autoridades oficiais. De acordo com
182
COMBATE em Soledade. Jornal da Serra., Carazinho, 15 set. 1932 . p. 4.
183
No surto de imigração alemã de 1875, algumas famílias de ascendência nobre vieram habitar a região onde se
situam Lajeado e Fontoura Xavier. Entre estas a família Von Reichemback, que teria fixado residência a beira de
um rio. A pronúncia do vocábulo germânico Von é Fon, e o povo passou a dizer Fão. DE PAULA, O Fão: um
episódio da Revolução de 1932 no Rio Grande do Sul, p. 10.
184
DE PAULA, O Fão, p.92.
69
Sérgio da Costa Franco, "apesar da solução relativamente magnânima do Interventor Federal,
segue-se um longo período de intranilidade para os soledadenses que haviam participado do
levante. E vários incidentes e conflitos que ocorreram mais adiante não passaram de reflexos
da luta de 1932, dos ressentimentos e vinganças que desencadeou”.
185
Mesmo vencida a revolta paulista, o Governo Provirio de Getúlio Vargas
atenderia às forças constitucionalistas, encaminhando, em 1933, as eleições para a Assembléia
Nacional Constituinte, que resultaria na terceira Carta brasileira a Constituição de 1934
em substituição à de 1891, a qual, apesar de conservar os fundamentos republicanos do
federalismo e do presidencialismo, apresentava vários aspectos novos, como o voto às
mulheres, restrição à autonomia dos Estados e aumento dos poderes do Executivo federal,
representados pelos três títulos inexistentes nas Constituições anteriores que tratavam da
ordem econômica e social; da família, educação e cultura; e da segurança nacional”.
186
A Frente Única, cujos membros haviam sido perseguidos e exilados em 1932,
quando da Revolução Constitucionalista, tentava realizar a sua propaganda no estado. Em
Soledade essas lideranças enfrentavam algumas das suas maiores adversidades, porém
seguiam tentando se articular e ampliar seu eleitorado. As campanhas eleitorais davam-se
através de cocios, de caravanas distritais, e de publicações na imprensa, transformando o
panorama político que se apresentava até então, caracterizado por um certo adormecimento
oriundo da derrota no movimento constitucionalista de 1932.
No período de 1932-1933, a região do Planalto apresentava um grau bastante
elevado de radicalismo potico e violência respaldados pela atuação dos coronéis Vitor
Dumoncel Filho e Valzumiro Dutra, ambos subchefes de pocia, que então apresentavam um
certo equilíbrio de forças. Dumoncel tinha sob sua jurisdição os municípios de Soledade,
Carazinho, Santa Maria, Ijuí, Tupanciretã e Cruz Alta; Valzumiro, por sua vez,
supervisionava os municípios de Palmeira, Iraí, Passo Fundo, Erechim, Lagoa Vermelha,
Vacaria e Bom Jesus.
187
As eleições estaduais para compor a Assembléia Estadual Constituinte realizaram-
se no Rio Grande do Sul em outubro de 1934, tendo sido eleito para deputado federal o
candidato da Frente Única Gaúcha Nicolau de Araújo Vergueiro, recém-chegado do exílio,
representante do município de Passo Fundo e região. Não conseguiu, porém, o mesmo feito
185
FRANCO, Soledade na história, p.128.
186
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp. 1995. p. 351.
187
FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 164.
70
Arthur Caetano da Silva, pertencente ao Partido Republicano Liberal, que também disputava
uma cadeira na Assembléia estadual. O PRL constituía-se, naquele momento, na força
situacionista estadual, tendo as eleições de 1934 confirmado a sua predominância. Num
contexto político mais complexo e radicalizado, com o aparecimento de outras forças poticas,
PRL e FUG foram os únicos a elegerem os seus candidatos. Para a Assembléia Estadual o
PRL conseguiu 13 cadeiras contra sete da FUG.
188
Nos municípios, as agremiações poticas mobilizavam-se em torno das
candidaturas dos prefeitos. As eleições municipais realizadas em 17 de outubro de 1935 foram
um acontecimento que se revestiu de especial importância uma vez que representavam a
eleição do primeiro prefeito constitucional dos municípios. Em Soledade a escolha recaiu
sobre José Campos Borges, representante do Partido Republicano Liberal e que já estava na
administração de Soledade desde 1
o
de outubro de 1935, em substituição ao prefeito Francisco
Müller Fortes.
2.4. A explosão da violência: "Chico Touro" e os bombachudos
Não se pode precisar um momento para o início da violência, em especial a
política, na região de Soledade, visto que desde a sua formação esteve envolvida em conflitos
e disputas. Entretanto, os fatos tomaram proporções estaduais e federais a partir de 1932, com
o Combate do Fão, seguido em 1934 por forte repressão, que se manifestava através de
agressões, ameaças, prisões, perseguições e eliminação de opositores.
Esse aumento da violência em geral e da violência relacionada à potica, em
particular, culminou no grave caso político denominado "o caso de Soledade", conforme
consta nos jornais da época. O caso constituiu no exagerado número de violências e
arbitrariedades cometidas, com o predomínio das ligadas ao prefeito Francisco ller Fortes,
vulgo "Chico Touro", apoiado por Vitor Dumoncel Filho. A situação de Soledade é assim
resumida por Loiva Otero Félix:
188
Participaram dessas eleições tamm candidatos da Ação Integralista Brasileira (AIB) e de duas organizações
operárias: Trabalhador ocupa teu posto e Liga Eleitoral Operária. TRINDADE, Aspectos políticos do sistema
partidário republicano rio-grandense (1882-1937), p. 188.
71
[...] esse município (Soledade), ao lado de Palmeira, era
conhecido como reduto de grande concentração de bandidos e
marginais que usavam as suas matas como refúgio ou como
caminho para a fuga do Estado. Além do que, nessas regiões
encontravam também "serviço" com alguns coronéis da região.
[...] o termo fazer uma "limpeza" equivalendo a assassinato de
indesejados ou desafetos fazia parte do vocabulário local.
189
Em 2 de maio de 1934, assumiu o prefeito Francisco Muller Fortes em
substituição a Amilcar Cunha Albuquerque, que estivera à frente da prefeitura de 17
de
janeiro de 1933 a 8 de fevereiro de 1934. No período em que Fortes esteve à testa da
prefeitura de Soledade, esta levou a denominação de "Vulcão da Serra". E não há exagero
algum em afirmar, como o faz Garibaldi Wedy, que este "vulcão" tinha sentido ao considerar-
se o panorama potico dominante no Rio Grande do Sul.
190
Relata o autor:
Em Soledade, onde a Revolução Constitucionalista teve apoio
armado, luta campal, vicejou um duradouro clima de
desconfiança, prevenção, discórdia, delação, repressão e
agressão de toda ordem. Nesse ambiente, o prefeito Francisco
Muller Fortes contribuiu, decisivamente, para o agravamento da
situação existente, porque não se limitou a administrar o
município. Foi além, ao enveredar para a atividade partidária
nitidamente lesiva à normalidade ideal da comunidade. A
conduta partidária do prefeito gerou a agressão e desencadeou a
reação da oposição.
191
O prefeito Fortes pertencia ao Partido Republicano Liberal, mesmo partido do
interventor federal, general José Antônio Flores da Cunha, tendo sido nomeado por este
através de decreto.
192
Em oposição a este se encontrava a Frente Única, formada pelo Partido
Republicano Rio-grandense, liderado por Borges de Medeiros e pelo Partido Libertador, sob o
comando de Raul Pilla. A possibilidade pelo governador gaúcho de "nomear prefeitos
(intendentes), subprefeitos, funcionários, delegados de pocia, juízes distritais, fiscais
189
FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 167.
190
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p.19.
191
Idem, p.20.
192
CRACCO, Rubia Mara. O mandonismo local e a ação dos "bombachudos de Soledade". Revista de Filosofia
e Ciências Humanas, Passo Fundo, ano 10, n. 2 , out./dez.1994. p. 12.
72
coletores",
193
preenchendo, dessa forma, a administração com pessoas de sua inteira
confiança, aptas a lutar pelos seus interesses, era pressuposto para a conservação dos cargos
públicos em meio às inúmeras correntes ideológicas que se digladiavam no poder.
A Constituição de 1891 tratou a federação como um produto da união indissolúvel
das antigas províncias;
194
com isso, a tarefa de organizar os municípios foi delegada aos
estados. O texto constitucional limitou-se no art. 68 a estabelecer: "Os Estados organizar-se-
ão de forma que fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo quanto respeite ao seu
peculiar interesse”.
195
Contudo, esse artigo não definiu o que era o peculiar interesse a que
estava assegurada a autonomia local, o que levou os estados a submeterem os municípios aos
seus interesses potico-eleitorais imediatos.
196
Veja-se o que diz Raul Machado Horta:
Os Estados esgotaram na amplitude de sua autonomia a
organização municipal, submetendo o poder local aos rigores do
controle hierárquico, como é visível na “permitida anulação das
deliberações, decisões ou quaisquer outros atos das câmaras
municipais” por órgão do Estado, prática que se generalizou no
Direito Constitucional Estadual da Primeira República.
197
Segundo José Murilo de Carvalho, o sistema federativo de 1891 teria aberto "as
portas do paraíso para o coronel.", de forma que a partir daquele momento havia um
governador de estado eleito que dependia mais dele do que do ministro da Justiça. Formava-se
uma espécie de corrente ligando coronéis de diversos graus. Essa dependência entre coronéis
se daria da seguinte forma: o coronel municipal apoiaria o coronel estadual que apoiaria o
coronel nacional, "também chamado de presidente da república" que, por sua vez, apoiaria o
coronel estadual, que apoiaria o coronel municipal.
198
Em Soledade, as desavenças entre o prefeito Fortes, que representava no
município o poder estadual, e os representantes locais da Frente Única, em especial Cândido
Carneiro Júnior e Kurt Spalding, eram constantes. Tanto o era que Fortes foi acusado
publicamente de perseguição potica e de ter provocado a quase cessação da atividade social
193
CAMPOS, Deroncina Alves. Flores da Cunha X Getúlio Vargas: da união ao rompimento. 1995. Dissertação
(Mestrado. PUCRS) – Porto Alegre, 1995. p. 57.
194
HORTA, Raul Machado. A posição do município no direito constitucional federal brasileiro. Revista
Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 55, jul. de 1982, p. 199.
195
CAMPANHOLE, Adriano. Constituições do Brasil. São Paulo: Atlas, 1986. p. 609.
196
COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 18.
197
HORTA, A posição do município no direito constitucional federal brasileiro, p.199.
198
CARVALHO, José Murilo de. As metamorfoses do coronel. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6 Mai 2001.
http://www.brazilink.org/history.asp Acesso em 24/02/2005.
73
em Soledade em razão de suas normas, além de acusações de que ameaçava juízes e de que
teria agredido o promotor público, bem como de coagir advogados.
199
A utilização de
mecanismos legais e extralegais pelas oligarquias estaduais, no caso de manifestações de
rebeldia dos poderes locais, revela que as relações entre as duas esferas de poder não eram
nada pacíficas.
200
O auge dos conflitos deu-se com a atuação dos "bombachudos", cujas façanhas
alarmavam os habitantes de Soledade, bem como davam margem a freqüentes comentários na
imprensa escrita.
201
Esses "pistoleiros", que trajavam largas bombachas e ostentavam armas,
eram acusados pela oposição de terem sido recrutados, em grande parte, "entre os criminosos
da pior espécie não do município, como de outros vizinhos"
202
e pagos pelos cofres
públicos.
203
De acordo com o jornal Correio do Povo, o grupo seria comandado por Sebastião
Garcia dos Santos, vulgo “Tatão Quitério”.
204
E os provirios [...] foram suplantados no RS pelos famosos
"bombachudos" [...] Em 1934 surgiu no município de Soledade
um perfeito exército de malfeitores chefiados por Muller Fortes,
então prefeito da comuna. Esses facínoras montavam bons
cavalos, usavam largas bombachas e ficaram conhecidos como
"bombachudos". As façanhas desses bandoleiros alarmavam os
habitantes da região serrana, dando margem a vastos
comentários pela imprensa.
205
, entretanto, controvérsia a respeito de se os "bombachudos" seriam capangas
do prefeito Francisco Muller Fortes ou do coronel Victor Dumoncel Filho, porém o fato é que
ambos eram aliados poticos. De acordo com o regime ditatorial vigente na época, o serviço
de policiamento foi entregue à Brigada Militar do estado, representada nos municípios pelos
199
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 21.
200
COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 19.
201
REIS, Gomercindo. Defendendo a verdade: o que foi a administração de Artur Ferreira Filho em Passo Fundo
na vigência do Estado Novo. Passo Fundo: Empresa Gráfica Editora, 1947, p. 50.
202
OS SUCESSOS de Soledade. O relatório apresentado pelo representante da OAB sobre o inquérito procedido.
Correio do Povo, Porto Alegre, 8 ago. 1935, p.9.
203
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 21.
204
TATÃO Quitério ocultou-se. Correio do Povo, 20 ago. 1935, p. 8.
205
REIS, Defendendo a verdade, p. 50.
74
destacamentos. Em Soledade, a responsabilidade era do 38
o
Corpo Auxiliar da Brigada
Militar do Estado, comandado por Victor Dumoncel Filho.
206
Algum tempo após o episódio dos bombachudos, em 1944, contestando uma
entrevista concedida por Flores da Cunha a uma revista carioca, foi publicado em Passo
Fundo um artigo, depois transcrito no Correio do Povo (sob a espécie A pedido), que
comentava:
os atentados de Lageado e Soledade aí estão, vivendo em nossa
memória, presentes à nossa lembraa. Ouvimos, mau grado a
distância, o tropel sinistro dos provisórios de um Victor
Dumoncel: em nossa retina aparecessem, ainda, as figuras
apavorantes de seus "bombachudos", perseguindo, matando,
atentando contra os direitos e a liberdade dos que discordavam,
no terreno ideológico, da atitude do então governador do Rio
Grande.
207
Em 1934 eram visíveis as duas faces da fama de Dumoncel: ao mesmo tempo em
que seu prestígio crescia entre os situacionistas, pela constância dos traços de personalidade e
de ação, desde 1923, também se propagava a fama de seu nome ligado à violência dos
"bombachudos", em especial durante o mandato de Francisco Müller Fortes. Nesse período
Dumoncel e Valzumiro Dutra ainda mantinham uma relação relativamente amistosa, contudo
esse quadro sofreria alterações com a modificação da potica estadual.
208
206
CRACCO, Rubia Mara. O mandonismo local e os bombachudos de Soledade. 1994. Monografia de s-
Graduação do curso de Especialização em História do Brasil Republicano. UPF -IFCH, Passo Fundo, 1994. p. 71
e 75.(mimeo)
207
O democrata desta hora, Correio do Povo, Porto Alegre, 22 jun. 1944, apud FÉLIX, Coronelismo, borgismo
e cooptação política, p. 170.
208
FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 167.
75
Grupo de bombachudos de Soledade
Fonte: CRACCO, Rubia Mara. O mandonismo local e os bombachudos de Soledade. Monografia de s-
Graduação do curso de Especialização em História do Brasil Republicano. UPF- Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. Soledade, 1994 (mimeo).
Para Florisbela Carneiro Zimmermann, a origem dos bombachudos está
diretamente ligada à Revolução de 1932, pois, além das forças regulares da Brigada Militar,
foram recrutados no interior do estado inúmeros homens para compor as chamadas forças
provirias "os pés no chão". Com o fim da revolução, as forças irregulares teriam sido
dissolvidas, entretanto muitos de seus integrantes, já como civis, encontraram trabalho como
capangas de determinadas autoridades, às quais serviam. Rubia Maria Cracco acrescenta que,
além do fator monetário, essas pessoas buscavam também proteção potica, ou seja,
protegiam e eram protegidas. Ao que consta, os bombachudos não teriam se formado nesse
período, mas anteriormente a 1935, fazendo parte de um esquema potico-partidário
comprometido e desvirtuado de eleições que se desenvolviam no estado e no país. Na
realidade, mesmo com denominações diferentes nos demais estados, os políticos da época
sempre mantiveram uma espécie de pocia particular.
209
Quanto aos bombachudos, estes, mesmo servindo de inspiração a brincadeiras
carnavalescas, tinham ressaltada a sua violenta faceta:
209
CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 74-75.
76
Os 'bombachudos" continuam mostrando o que são.... em
Carnaval. No Comercial, amanhã, eles combaterão com ardor.
Conforme havíamos noticiado, o combate serrado que o
esquadrão das bombachas planejou, foi transferido para a
amanhã, Domingo, no salão do Clube Comercial. Irão assim, os
adeptos da folia fazer, amanhã, uma algazarra sem precedentes.
Será um "Salve-se quem puder", pois é sabido que os
"bombachudos" são respeitados aqui e em qualquer parte. O
valor que eles m, os seus grandes feitos, pouco e pouco
passam à posteridade.... carnavalesca. Vai ser o entrevero de
domingo, uma fuzilaria única. O ataque é por todos os flancos,
pois os soldados estão aptos para tal manobra. Não faltam
coronéis a serem convencidos de que a farra é boa e também
existe bastante nessa zona. Os "bombachudos" nunca perderam
vasa certa. Falarão de perto com seus homens na hora precisa.
210
Através dos fragmentos abaixo percebe-se como a imprensa porto-alegrense, por
meio do jornal Correio do Povo, também se posicionava contra a continuidade do prefeito
Chico Touro no cargo:
Desenvolvendo grande atividade e abordando umas e outras,
chegamos a conclusão de que o prefeito, o delegado de polícia e
muitas outras autoridades policiais e administrativas são
acusadas da prática de inúmeros crimes, alguns de alta
gravidade. Os partidários do prefeito, em sua maioria, quase não
prestam esclarecimentos sobre os crimes imputados, àquele
moral e materialmente, limitando-se a afirmar, sem
demonstração de fundamentação que o Senhor Francisco Muller
Fortes é bom administrador.
211
Muito embora os funcionários da prefeitura se dedicassem a colher assinaturas do
Partido Liberal para requerer, em telegrama que seria dirigido ao coronel Victor Dumoncel
Filho e ao governador do estado, a permanência de Francisco Müller Fortes,
212
a situação em
Soledade era de apreensão, conforme pode ser percebido através da leitura do seguinte
fragmento do Correio do Povo de 11 de agosto de 1935:
210
O Nacional, Passo Fundo, 1 de ago. de 1935, p. 2.
211
OS SUCESSOS de Soledade: [...] encerrado anteontem Correio do Povo, Porto Alegre, 13 set. 1935. p. 8.
212
TELEGRAMAS pedindo a manutenção do prefeito Muller Fortes ao governador do estado e ao Coronel
Dumoncel. Correio do Povo, Porto Alegre, 11 ago.1935. p. 8.
77
Elementos pertencentes à guarda especial, capangas, que o povo
denomina de bombachudos, percorrem a vila, distribuindo
boletins em que constam apreciações elogiosas ao prefeito local,
expedidos ao jornal "O Corcio", de Cruz Alta pelo subchefe
de pocia coronel Bráulio Oliveira.
213
A população está
apreensiva, visto quando se verificou o atentado ao Sr. Kurt
Spalding seus matadores dissimulavam a atitude usando o
expediente de distribuição de boletins.
214
Como já referido, os bombachudos andavam pelas ruas da vila portando armas e
alarmando a população local, sendo responsáveis pela quase cessação da vida social devido às
agressões físicas e ameaças efetuadas contra os integrantes da Frente Única, a mando,
supostamente, do prefeito ller Fortes. Por isso, a atuação do grupo foi amplamente
noticiada e comentada nos jornais do estado.
Transcrevem-se abaixo três quadras sobre os bombachudos, originárias da época e
contidas em panfletos políticos que eram jogados nas ruas, pátios de casas e praças de
Soledade:
Nesse regime de farda
Cá no Rio Grande do Sul
Viu-se alguém em calças pardas
Prá encontrar o calça azul.
Os provirios estão
Pelo Rio Grande espalhados
Mas na Palmeira é que tem
Os parentes mais chegados
Soledade dá de tudo
Isso é público e notório
Pois já deu os Bombachudos
Que suplantaram os provisórios.
215
Um dos epidios mais embleticos para revelar a violência potica em
Soledade foi o assassinato do farmacêutico Kurt Spalding durante o mandato do prefeito
"Chico Touro". Como referido anteriormente, em outubro de 1934 realizaram-se as eleições
para deputados federais e estaduais. A nova ordem constitucional estabelecida iniciava em
todo o estado os preparativos para o futuro pleito, a realizar-se no dia 14 de outubro, no qual
213
Bráulio de Oliveira assumiu a subchefia de polícia em substituição a Dumoncel, que estava em Porto Alegre.
214
Correio do Povo, Porto Alegre, 11 ago.1935. p. 8.
215
CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 104.
78
seriam eleitos os novos deputados federais, assim como a composição da Assembléia
Constituinte Estadual. O acontecimento gerou no meio potico intensa movimentação, visto
que se lutava para que houvesse segurança de “ampla liberdade de qualificação e,
principalmente, possibilidade a todas as correntes poticas de franca propaganda eleitoral,
sem entraves nem temores”.
216
As a apuração dos votos, como em outros locais do estado, em Soledade, houve
anulação da votação em algumas seções eleitorais. Anulada a votação marcaram-se as
eleições suplementares. O assassinato de Kurt Spalding, então com cinqüenta anos, deu-se no
dia 15 de dezembro de 1934, véspera dessas eleições, e ganhou repercussão tanto local quanto
estadual.
O Tribunal Regional Eleitoral anulou a votação na 9
a
mesa de Soledade, 2
a
e 5
a
seção, 1
o
e 5
o
distritos, respectivamente,
217
por conta de irregularidades. De acordo com o
Correio do Povo de 1
o
de dezembro de 1934 ,
[...] ficou apurado que a urna daquela mesa receptora devia ter
sido entregue ao correio de Soledade, que era o mais próximo e
o ao de Passo Fundo, tardiamente, como sucedeu. Também
ficou esclarecido que a urna não foi acompanhada até o correio,
de acordo com as prescrições do Código Eleitoral, mas confiada
esta tarefa ao sub-prefeito do lugar onde se realizou a eleição.
[...] o tribunal decidiu por maioria [...] não responsabilizar os
mesários.
218
O clima era tenso, conforme pode ser observado através do teor de alguns
telegramas publicados no jornal Correio do Povo. Num deles, o advogado Caio Graccho
216
AS ELEIÇÕES futuras. O Nacional, Passo Fundo, 22 mar. 1934, p. 1.
217
O 1
o
Distrito era a sede do município e o 5
o
Distrito correspondia a Jacuizinho. Em 1920, Soledade dividia-se
em nove distritos: Soledade, Povoado Vitória, Depósito, Sobradinho, Jacuizinho, Lagoão, Restinga, Rincão de
Santo Antônio e Espumoso. RECENSEAMENTO DO BRASIL 1920: População. Rio de Janeiro: Ministério da
Agricultura, Indústria e Comércio, 1926. v. 4, pt. 1. p. 499-518, apud FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E
ESTATÍSTICA. De província de São Pedro a estado do Rio Grande do Sul : Censos do RS 1803-1950. Porto
Alegre, 1981. p. 123. Vale ressaltar que Sobradinho tornou-se município através do decreto n. 3.924, de três de
novembro de 1927. FORTES, Amyr Borges; WAGNER, João B. Santiago. História administrativa, judiciária e
eclesiástica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1963, apud FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E
ESTATÍSTICA. de província de São Pedro a estado do Rio Grande do Sul : censos do RS 1803-1950. Porto
Alegre, 1981, p. 138.
218
Os trabalhos da Justiça Eleitoral. Em sua reunião de ontem, o Tribunal Eleitoral decidiu anular a votação de
dez mesas receptoras de diversos munipios. Em todas elas, porém, se realizarão novas eleições, de acordo com
o preceituado na lei. Correio do Povo, Porto Alegre, 1 dez. 1934, p. 13.
79
Serrano relatava a Dario Crespo, chefe de polícia do estado,
219
que ele e outros integrantes da
Frente Única soledadense estariam sendo ameaçados de assassinato por parte da "capangagem
a soldo da Prefeitura”. Dizia que a vila continuava "dominada pela insânia partidária", embora
existisse um destacamento da Brigada Militar.
220
Prosseguia relatando que o prefeito
Francisco Muller Fortes, depois dos assassinatos de Kurt Spalding e João Ferreira da Silva,
teria declarado que agia de acordo com instruções recebidas do governo, que teria lhe dado
"carta branca".
A situação de insegurança levou Clóvis Cardoso, advogado e integrante da Frente
Única soledadense, a impetrar ordem de habeas-corpus em favor dos eleitores oposicionistas
da oitava seção eleitoral de Soledade perante o presidente do Tribunal Eleitoral de Porto
Alegre. Dizia em seu arrazoado esperar que cessasse a violência que aqueles vinham
sofrendo, de forma que pudessem comparecer livremente ao pleito do dia 16. Queixava-se
também de que o subdelegado daquela secção estaria percorrendo as colônias 13 de Maio e
Posse Maia Rodrigues, acompanhado de dez homens armados de fuzis, os quais teriam
espancando cidadãos que presumiam serem da Frente Única e ameaçado os que
comparecessem ao pleito. Nesse contexto, Cardoso acreditava faltarem as devidas garantias
para a lisura do pleito, em razão do desrespeito às leis tornar impossível o comparecimento
dos colonos à eleição suplementar.
221
Nesse aspecto, constata-se que, em Soledade, as ações o se pautavam pela lei,
havendo uma grande distância entre o que estava previsto nos digos da época e o que
ocorria na prática. Nesse quadro se insere a violência potica dos bombachudos e os
assassinatos, em especial de Kurt Spalding. Apesar dos direitos e deveres previstos em lei, na
prática, as regras que vigoravam eram outras. Para Norberto Bobbio, norma é algo que pode
modificar ou influenciar comportamentos, embora nem todas as mudanças de comportamento
sejam efeito de uma norma.
219
Dario Crespo foi chefe de polícia do Estado do Rio Grande do Sul de 3 de janeiro de 1933 a 16 de abril de
1935, quando assumiu o cargo o bel. Poty Medeiros, que permaneceu até 20 de outubro de 1937. GIULIANO,
Esboço histórico da organização da polícia no Rio Grande do Sul, p. 393.
220
OS GRAVES sucessos de Soledade. O Dr. Armando de Souza Kanters ex-promotor público abandonou o
município por falta de garantias. Um telegrama do Dr. Caio Graccho Serrano ao Chefe de Polícia. Correio do
Povo, 29 dez. 1934, p. 7.
221
Citado por CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 89-90.
80
Para que se possa dizer que existe uma norma [...] não basta que
cada indivíduo se comporte como outros se comportam, é
preciso que, se não forem todos, pelo menos parte daqueles que
se comportam da mesma maneira o façam por considerarem esse
comportamento como um critério geral de conduta, um modelo
de comportamento de todo o grupo e, ao mesmo tempo, como
um ponto de referência para criticarem o comportamento
daqueles que se desviam.
222
Sabe-se que toda a norma, como próprio resultado de sua construção, instaura
papéis e status. Por papel tem-se o conjunto de atitudes que a norma dita, o conjunto de
direitos e obrigações decorrentes da norma; status, por sua vez, é a posição social determinada
pelo papel ou pelos papéis que as pessoas devem desempenhar em virtude das normas
promulgadas. É através do comportamento infracional aos papéis e ao status que surge o
desvio jurídico, que nada mais é do que um comportamento não conformado à norma
promulgada na matéria.
223
Assim, entende-se que toda a norma traz uma dicotomia que se
funda na oposição entre conformismo e desvio, já que, ao ser posta, pressupõe que alguns a
respeitarão e outros, não. Sobre esse desvio André-Jean Arnaud e Maria JoFariñas Dulce
referem:
Por vezes, o desvio pode aparecer não como um ato isolado de
uma pessoa que "infringe" a norma; mas como um conjunto de
atitudes coletivas, correspondente a uma escolha deliberada à
margem da norma, além da norma, ou, até, contra a norma em
vigor. Nesse último caso, principalmente, pode-se determinar
um verdadeiro sistema, que vem r-se como concorrente do
sistema de direito oficial em geral, com a esperança de substituir
este último ao longo de uma mudança jurídica. [...] Desse modo,
compreender-se-á, por um novo prisma, o desvio, que nem
sempre é uma vontade de infringir a lei, mas, às vezes, e sob
certas condições muito precisas, é a expressão de representações
diferentes [...]
224
Dessa forma,o é exagero afirmar que em Soledade existia um verdadeiro
"campo jurídico paralelo" onde o que valia não era o direito oficial. Com isso, pretende-se
afirmar que o discurso normativo válido não era aquele que emanava da lei positivada, mas,
222
BOBBIO, Norberto. Norma. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Porto: Casa da Moeda, 1989. v. 14. p. 107.
223
ARNAUD, André-Jean; DULCE, Maria Jo Fariñas. Introdução à análise sociológica dos sistemas
jurídicos. Rio de Janeiro: RENOVAR, 2000, p. 314.
224
ARNAUD; DULCE, Introdução à análise sociológica dos sistemas jurídicos, p. 314 - 315.
81
sim, o que emanava de uma autoridade reconhecida naquele local e que correspondia aos
valores socialmente aceitos. A normatização dos comportamentos não era oculta, mas
explícita, sendo utilizadas, até mesmo, "sanções" para quem não agisse de conformidade com
o que era esperado. Dessa forma, pode-se afirmar que a força legal externa não conseguia
romper com a teia de poder informal, que, embora não legal, se sobrepunha à lei através de
suas práticas, das quais a violência foi o mbolo.
Wolkmer, ao tratar sobre as "regras perversas", afirma que
[...]um corpo social intermedrio ou grupo dirigente qualquer
pode criar regras perversas, objetivando atender interesses
contrários à comunidade, expressando diretamente intentos de
minorias identificadas com o poder, a dominação, a ambição, a
exploração e o egoísmo.
225
É importante atentar para o fato de que o período compreendido entre os anos de
2001 e 2005, que corresponde em parte ao tempo de elaboração deste trabalho, representou
para Soledade um período igualmente violento. Os crimes ocorridos têm como característica
comum a eliminação das timas e, até mesmo, dos seus familiares. Essas execuções, que
ganham hoje repercussão estadual e nacional, não são um fenômeno recente na história
soledadense.
Na década de 1930, o descumprimento da lei em Soledade levou Cândido
Carneiro Júnior e Clóvis Cardoso a enviarem um telegrama ao presidente do Supremo
Tribunal Eleitoral, instância máxima eleitoral, com sede no Rio de Janeiro, afirmando que,
apesar de terem pedido ao Tribunal Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul que fossem
tomadas provincias a fim de que a oposição tivesse garantias para comparecer livremente
ao pleito suplementar, nada havia sido feito. A solução, segundo os missivistas, seria o envio
de força federal para garantir a ordem.
226
Consta do telegrama:
225
Pluralismo jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no direito. São Paulo: Alfa Ômega, 1994. p. 324.
82
Oitava secção, 5
o
Distrito deste município, subprefeito em
companhia escolta armada fuzil guerra tem espancado pacatos
cidadãos pertencentes Frente Única fito atemorizar povo, afastar
companheiros sufrágio. Ontem à noite, naquele distrito, chegou
subprefeito dum distrito município Cruz Alta acompanhado
mais ou menos 50 homens armados, espalhando ameaças contra
eleitores oposicionistas comparecessem pleito, ameaçando-os.
Ambiente de completa insegurança.
227
Afirmavam, ainda, que as garantias do Código Eleitoral eram letra morta em
Soledade, pois a sede do município encontrava-se tomada por piquete comandado pelas
autoridades locais, ameaçando a segurança do pleito. E prosseguiam dizendo:
Querem vencer pela força eleição já vencida pelo voto oposição.
Na sede deste município existe destacamento Brigada Militar
vem mantendo ordem desnecessária, portanto, reunião outras
forças policiais manter ordem pleito. Último recurso, dirigimo-
nos essa Suprema Corte Eleitoral solicitando garantia possa
oposição comparecer pleito amanhã. Isto será viável vindo força
federal urgentemente. Caso contrário somos forçados
recomendar abstenção a fim evitar desagradáveis
acontecimentos, sacrifícios inúteis. Excelência, confiando
comparada rigidez caráter, integridade e cultura jurídica,
respeitosamente impetramos Vossência provincia
cumprimento lei. Poderemos confiar na ação Poderes Públicos
esse desideratum?
228
Da mesma forma, Cândido Carneiro Júnior acusava as autoridades de estarem
alertadas, inclusive por ele próprio, da situação tensa que se instalara às speras das eleições
suplementares no município. Porém, mesmo cientes, teriam se mantido indiferentes, nada
fazendo para coibir o uso da violência, que impedia o cumprimento da lei eleitoral.
A Ordem dos Advogados também intercedeu na questão da violência em
Soledade, protestando contra a indiferença das autoridades diante do grande número de crimes
cometidos. De acordo com relatório de Armando de Souza Kanters à subsecção da OAB de
Soledade:
226
COMO foi resolvido o pedido de habeas-corpus do sr. Clóvis Cardoso de Soledade, que se queixa de ameaças
e espancamentos[ jornal rasgado] pelo delegado de polícia, Correio do Povo, Porto Alegre, 15 dez. de 1934, p.
10.
227
Idem.
228
Idem.
83
Os antigos métodos policiais, hoje abandonados, pelo menos em
grande parte, dos bolos, palmatoadas, espancamentos a chicote,
adquiriram, pela sua freqüente e quase diária repetição, foros de
causas normais naquele município e muitas das autoridades
usam e abusam dos castigos corporais, aplicam-nos em
miseráveis e cidadãos dignos, com a mesma naturalidade, como
penas insculpidas em lei. Para comprovar a assertiva [...] e dar
uma idéia do incremento assustador de criminalidade naquela
comuna e do regime de impunidade reinante, transcreverei uma
relação de fatos delituosos ocorridos e a respeito dos quais
o se procederam perícias, não se instauraram investigações,
ou pelo menos até a presente data não foram remetidas ao
judiciário.
229
Os protestos condenando os atentados à lei em Soledade e a forte pressão da
imprensa visavam obter uma resposta, fosse do governo estadual, fosse do federal. Nesse
sentido, uma comissão, formada por Firmino Torelly, Edgar Schneider, Camilo Costa e
Oswaldo Vergara, levou até o presidente Getúlio Vargas um manifesto a respeito dos
acontecimentos solicitando provincias para que fosse restabelecida a estabilidade potica e
administrativa no município.
229
Relatório do Dr. Armando de Souza Kanters, à sub-secção da OAB de Soledade. O Nacional, Passo Fundo, 1
ago. 1935, p. 2 -3.
84
Comissão composta por Edgar Schneider, Firmino Torelly, Oswaldo Vergara e Camilo Martins Costa.
230
FONTE: UMA representação da Frente Única ao Presidente da República, Correio do Povo, Porto Alegre, 19
dez.1934. p. 12.
Realizada a eleição suplementar, em razão dos atentados e ameaças aos eleitores e
aos integrantes da Frente Única soledadense, foi questionada a validade dos resultados.
Interposto o recurso ao Tribunal Regional Eleitoral, sediado em Porto Alegre, este entendeu
o existirem provas suficientes das coações e violências, negando, assim, o provimento.
Conforme nota publicada no jornal Correio do Povo de 27 de dezembro de 1934:
230
O professor Edgar Schneider foi reitor da UFRGS nos anos de1942 e 1943. www.ufrgs.br/faced/home.html,
17/12/2004. Oswaldo Vergara foi fundador da OAB Seção Rio Grande do Sul. AXT, Gunter. Júlio de Castilhos e
Maria Degolada: A justiça nos espaços públicos da memória gaúcha.
www.tj.rs.gov.br/institu/memorial/julio.doc, 17/12/2004. Camilo de Almeida Costa foi presidente do IARGS -
Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul de 1941 a 1943. www.iargs.com.br/historia/presidentes.asp,
17/12/2004.
85
O Dr. Osvaldo Vergara impugnara perante a 21
a
turma, a
apuração referente às eleições suplementares realizadas nas 2
a
e
8
a
seções de Soledade, apresentando depois, dentro do prazo, as
razões escritas do recurso. Nestas razões, declara o recorrente
que, na véspera das eleições suplementares foi tal a coação e
violência exercida contra o eleitorado da Frente Única que esta
resolveu se abster de comparecer às urnas. Acrescenta o
recorrente, em suas razões, que o apresenta prova da coação
porque os fatos e as violências eramblicas e notórias [...]
231
Assim, foi negado provimento ao recurso da Frente Única sob o fundamento de
que o bastava a simples alegação de coação, mas era necessária a sua prova. O
desembargador La Hire Guerra, em voto vencido, afirmou que "as violências de Soledade,
pela forma mais grave a morte– eram de notoriedade pública". Concluindo, emendava que,
no seu entender, as eleições não haviam sido livres, como a lei exige.
232
As eleições de 14 de outubro de 1934, tanto para a Assembléia Estadual
Constituinte como para deputação federal, tiveram como resultado final a vitória da maioria
situacionista do estado, representada pelo PRL, tendo como resultado final a aprovação da
Constituição e a escolha indireta do governador do estado. Assim, Flores da Cunha passou de
interventor a governador constitucional do Rio Grande do Sul.
Quanto à política municipal de Soledade, percebe-se que o limite da autonomia
municipal era a aceitação dos acordos políticos estaduais pela elite local; quando isso não
ocorria, a elite estadual intervinha na localidade, anulando as eleições municipais ou
nomeando prefeitos.
233
No quadro a seguir apresenta-se a sucessão de prefeitos em Soledade,
salientando-se que cada um permaneceu no máximo um ano à testa da prefeitura. Segundo
Garibaldi Almeida Wedy, "a sucessão de prefeitos revela que algo havia na potica
soledadense, com relação ao governo da própria terra. Era a luta política e sem trégua,
clandestina ou pública, com as suas inquietações e conseqüências, muitas vezes funestas."
234
231
POR falta de prova da coação alegada, foi negado provimento ao recurso sobre as eleições suplementares de
Soledade, Correio do Povo, Porto Alegre, 27 de dez. de 1934 p. 9.
232
Idem.
233
COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 20.
234
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 68.
86
Tabela 2 - Rotatividade dos Prefeitos em Soledade
PREFEITO PERÍODO OCUPAÇÃO PARTIDO
Olívio de Carvalho Marques
(nomeado)
1931 – 1932 1
o
tenente da
Brigada Militar
S/P
Guilherme Vasconcelos
(nomeado)
23/01/1932 - 12/08/1932 Comerciante S/P
João Carmeliano de Miranda 17/08/1932 - 17/01/1933 pecuarista PRL
Amilcar Cunha de
Albuquerque
17/01/1933 - 08/02/1934 Funciorio
público
PRL
Francisco Müller Fortes
(nomeado)
02/05/1934 - 01/10/1935 Engenheiro
agrônomo
PRL
José Campos Borges
(nomeado e posteriormente
eleito)
1935 – 1936 advogado,major,
ex-juiz distrital e
ex-promotor
público
PRL
Reinaldo Heckmann (eleito) 15/06/1936 – 12/03/1938
dico PRL
Olmiro Ferreira Porto
235
13/03/1938-31/08/1938 farmacêutico Frente Única
(PRR)
Tissiano Felipe de Leoni
(nomeado)
31/08/1938 - 20/12/1938 1
o
tenente da
Brigada Militar
S/P
LEGENDA:
S/P: sem identificação de partido
PRL: Partido Republicano Liberal
PRR: Partido Republicano Rio-Grandense
Fonte: Pesquisa da autora
Os prefeitos de Soledade foram, em sua maior parte, no período analisado,
nomeados pelo presidente do estado. Essas nomeações eram justificadas com base na noção
de que, para que o prefeito pudesse desempenhar as tarefas administrativas, deveria possuir
determinados conhecimentos técnicos. A isso se acrescenta a não menos importante
necessidade de que as oligarquias locais procurassem eliminar os conflitos locais colocando
nas prefeituras homens de sua confiança.
236
Para Orlando M. de Carvalho, essa foi uma
prática comum durante a República Velha. Explica o autor:
235
Olmiro Ferreira Porto, farmacêutico, substituiu, como subprefeito que era, o prefeito Reinaldo Heckmann,
exonerado. Esteve à frente da prefeitura até a posse de Tissiano Felipe de Leoni. Olmiro provinha do Partido
Republicano Riograndense e pertencia à Frente Única.
236
COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 20.
87
Assim é, que muitos Estados adotaram como medida o
infringente da constituição a nomeação de prefeitos pelo
presidente dos Estados. Como se sabe, a noção de autonomia
envolve a de auto-organização, portanto por si mesmo os órgãos
de sua administração. Entretanto, os Estados não consideravam
sempre essa doutrina como essencial, porque doze deles adotam
o regime de nomeação para as prefeituras. Em alguns Estados
(Ceará, Bahia, Paraíba), para todos os municípios; em outros
somente para alguns.
237
Guilherme Vasconcelos, comerciante, foi nomeado pelo interventor federal para
o cargo de prefeito de Soledade, tendo sido substituído sete meses após pelo tenente-coronel
João Carmeliano de Miranda,
238
que era prefeito quando Soledade se revoltou, em 1932. João
Carmeliano de Miranda foi substituído por Amílcar Cunha de Albuquerque.
Francisco ller Fortes, ou "Chico Touro", como era conhecido, assumiu a
prefeitura em 2 de maio de 1934, nomeado por Flores da Cunha, tendo ficado no cargo até 1
o
de outubro de 1934. Além de prefeito, foi chefe liberal no município de Soledade.
O substituto de ller Fortes foi JoCampos Borges. Em 26 de maio de 1936,
ainda prefeito de Soledade, Campos Borges foi morto por Leonardo Seffrin, o qual foi
absolvido por terem os jurados considerado que agira em estado de legítima defesa própria.
239
Serviram de testemunhas no processo os menores Gudbem
240
e Albuquerque. De acordo com
Garibaldi Wedy, as motivações deste crime não teriam sido poticas, pois ambos eram
filiados ao Partido Republicano Liberal, mas ecomicas, originadas de uma dívida de Seffrin
para com a Prefeitura, tratava-se de uma execução fiscal movida contra Seffrin e seu irmão.
241
No acórdão de número 390, de 4 de novembro de 1936, consta que réu e tima "mantinham
boas relações e eram ambos de precedentes abonados, embora fosse o primeiro (Seffrin) de
temperamento calmo e o segundo de temperamento violento (Campos Borges)”.
242
O histórico de Soledade, envolvendo acirradas lutas poticas, levou a se
questionar se o assassinato de Campos Borges havia se dado também por esse motivo.
Todavia, que se ressaltar que, no período, havia uma rivalidade aberta entre Vazulmiro
237
CARVALHO, Orlando M. de. Política do município (ensaio histórico). Rio de Janeiro: Agir, 1946, p. 82.
238
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 67.
239
RIO GRANDE DO SUL. Decisões do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, proferidas durante o ano
de 1936. Publicação autorizada pelo art. 79, parágrafo 8
o
da Constituição do Estado. Porto Alegre: Oficinas
Gráficas da Livraria do Globo, 1939, v.1, p. 232-233.
240
Não foi possível confirmar tratar-se de Gudbem Castanheira.
241
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 94.
242
RIO GRANDE DO SUL, Decisões do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, proferidas durante o ano
de 1936, p. 234.
88
Dutra e Victor Dumoncel, com o primeiro atuando em consonância com a oposição do
município, no sentido de obter a integração de Soledade à 5
a
região policial, retirando-a,
assim, da alçada de Dumoncel. Esse foi mais um agravante na crise da potica local,
seguindo-se uma fase de grandes intrigas, que chegaram a levantar suspeitas sobre um suposto
"complô" para matar Dumoncel, movimento que contaria com o apoio de Valzumiro.
Posteriormente, descobriu-se que tudo fazia parte de uma armação produzida pelo jornalista
Joaquim Mendes.
243
Em 1936 abriu-se novamente a questão e, desta vez, tudo teria sido planejado por
Campos Borges, amigo e compadre de Dumoncel. Em maio de 1936 aconteceu o assassinato
de Campos Borges, quando, então, Dumoncel pediu a Flores da Cunha a abertura de rigoroso
inquérito.
244
A situação tornou-se tensa e, em outubro de 1936, grupos ficaram de prontidão e
vigilância em várias localidades da serra de prontidão para "qualquer emergência". Sobre os
preparativos da luta armada, o informante que Getúlio Vargas tinha na região, Otero, teria
relatado que todos os preparativos licos e a convocação dos principais coronéis
(nominalmente citados, entre eles Dumoncel) para se deslocarem a Porto Alegre, bem como a
organização dos "corpos" após o retorno da capital. A minuta de resposta revela "com
surpresa" o "conhecimento medidas militares alarmantes e despropositadas do governador
deste estado que não encontram justificativa. Serão tomadas providências defensivas sentido
respeito autoridade governo federal e garantias população Rio Grande, fim restabelecer
tranqüilidade e assegurar livre manifestação pensamento”.
245
Estava em disputa, em vel local, o poder entre os dois coronéis e, em nível
estadual, o desdobramento das divergências pró-Flores e pró-Getúlio, que iriam arrastar-se
durante todo o ano de 1936. Vazulmiro romperia definitivamente com Getúlio em 1937.
246
A renúncia de Flores da Cunha precipitou a de Dumoncel da subchefia de pocia,
o qual foi perseguido, esteve foragido e respondeu a inquérito, do qual foi absolvido, tendo a
defesa argüido o princípio da obediência a ordens superiores. Dumoncel, durante o Estado
Novo, ficou no ostracismo potico.
243
FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 170.
244
Telegrama de Victor Dumoncel para Flores da Cunha. 26 mai. 1936. AFC/UFRGS, apud FÉLIX,
Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 171.
245
AGV 36.09.30/2 XXIII 88 CPDOC/FGV e AGV 36.09.30./2 XXIII 89 CPDOC/FGV, apud FÉLIX,
Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 172.
246
FÉLIX, Coronelismo, borgismo e cooptação política, p. 171.
89
Desde o combate do Fão, em 1932, os integrantes da oposição soledadense eram
vistos com muito mais cuidado pelos governantes, tanto estaduais quanto municipais. Essas
autoridades temiam que a qualquer momento irrompesse uma nova revolta. A rivalidade entre
a situação e a oposição seria despertada com as eleões de 1934, quando a luta pelo poder
levaria Soledade a uma situação que requereria a intervenção de membros externos à
localidade.
Com a breve retrospectiva histórica feita, é possível concluir que as rivalidades
políticas, a violência e a relação do Poder Judiciário com as forças poticas locais foram uma
constante em Soledade, que se estendeu desde a República Velha até o pós-30. E, embora não
seja possível precisar uma data para o início desses conflitos, bem como para o seu término, o
que a pesquisa possibilita é a visão de uma intensificação dessa violência dentro do período
estudado. Assim, tem-se o auge das rivalidades políticas nos anos compreendidos pelo
mandato do prefeito Francisco Muller Fortes, de 2 de maio de 1934 a 1
o
de outubro de 1935.
Foi durante esse mandato que os 'bombachudos" atuaram em Soledade, que duas eleições
foram anuladas e quando ocorreu o epidio da Farmácia Serrana.
90
3. UM CASO DE VIOLÊNCIA POLÍTICA:
O ASSASSINATO DE KURT SPALDING
3.1 O crime na Farmácia Serrana
Neste capítulo trata-se, em especial, do crime ocorrido na Farmácia Serrana, do
qual foram timas fatais Kurt Spalding e os bombachudos Gerôncio Assis Ferreira e Alvino
dos Santos Ferreira, saindo feridos Cândido Carneiro Júnior e Ricardo Schaeffer, este também
pertencente ao grupo dos bombachudos. Serão apresentadas as versões atribuídas ao crime,
com especial destaque à que atribui ao prefeito Francisco Müller Fortes a autoria intelectual
do fato. Destaca-se, ainda, a permanente pressão por parte de setores da sociedade
soledadense para que fossem tomadas provincias quanto às ilegalidades e à radicalização
política, para que findassem os atritos entre as facções políticas.
O estudo da história do município de Soledade faz surgir relatos que assombram
pela crueldade e pela freqüência com que ocorriam. A identificação da região como espaço de
violência, presente no imaginário local, é confirmada na historiografia. Todavia, é preciso ter
presente que o período analisado foi particularmente tenso em todo o estado, considerando
que as condições políticas de confronto entre as facções que buscavam o controle do poder em
nível estadual o podiam deixar de repercutir nos municípios.
O assassinato de Spalding repercutiu na imprensa, levando os partidos Libertador
e Republicano a se manifestarem, conforme pode ser percebido da nota extraída do jornal O
Nacional de Passo Fundo em 17 de dezembro de 1934:
91
Dia dezesseis de dezembro, às quatorze horas, realizaram-se as
cerimônias de encomendação e sepultamento dos restos mortais
de Kurt Spalding. O seu corpo foi encomendado na igreja da
vila. No cemitério, usaram da palavra os advogados Abelardo
Campos, Caio Gracho Serrano
247
e Armando de Souza Kanters,
que lamentando o acontecimento, apresentaram as despedidas
em nome dos dois partidos, Republicano e Libertador, então
concretizados na Frente Única.
248
Desse modo, não se pode dizer que as relações interpessoais no plano político se
caracterizassem pela civilidade, pois podem ser observadas imeras matérias pagas nos
jornais onde vicejam as violências verbais. Contudo, o período do coronelismo, em especial,
tem como uma de suas características justamente a supressão sica dos adversários; assim,
eram comuns no período denúncias de violência, perseguição e, até mesmo, de mortes
encomendadas. Em Soledade, o assassinato de Kurt Spalding, e as demais violências, comuns
no período e na região, visavam intimidar o eleitorado oposicionista impedindo que
comparecesse às urnas. Dessa forma, pode-se afirmar que as abstenções eleitorais poderiam
ser um sintoma da desconfiança da população na justa e no Estado, além do temor de
represálias, pois a coação moral e física era algo constante.
Para Stoppino, o poder potico funda-se sempre, parcialmente sobre a violência e,
parcialmente sobre o consenso.
249
Contudo, conforme Antônio Carlos Wolkmer, "não é
possível pensar e estabelecer uma dada ordem potica e jurídica centrada exclusivamente na
força material do poder". Deve-se vislumbrar, por trás de todo o poder, político ou jurídico,
"uma condição de valores consensualmente aceitos e que refletem os interesses, as aspirações
e as necessidades de uma determinada comunidade". Assim, essa "adequação" do poder às
práticas históricas da vida cotidiana, bem como a justificação de estruturas normativas, traz a
problematização da temática legitimidade e legalidade. Direito e poder político possuem uma
estreita ligação, sendo necessário que a ordem legal justifique e organize o exercício do poder
de uma forma que seja aceita como justa e moralmente compartilhada pelos membros da
sociedade.
250
247
Não foi possível precisar o parentesco de Caio Graccho Serrano como Júlio César Serrano, o advogado
assassinado em janeiro de 2005, na praça Olmiro Ferreira Porto em Soledade.
248
SOLEDADE: O sepultamento de Kurt Spalding. O Nacional, Passo Fundo, 17 dez. 1934. p.4.
249
STOPPINO, Mário. Violência. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco.
Dicionário de Política. Brasília: Unb. p. 1294.
250
WOLKMER, Annio Carlos. Ideologia, estado e direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.
80.
92
Por legalidade pode-se entender a "fidelidade dos sujeitos sociais ao cumprimento
de suas atividades dentro da ordem estabelecida necessariamente no grupo humano a que
pertencem".
251
legitimidade refere-se à consensualidade dos ideais, crenças, valores e
princípios ideológicos, à conformidade com as acepções do justo tidas pela coletividade.
252
Assim, o cumprimento das leis e ordens ocorre não porque haja temor ou por simples
obediência, mas, sim, porque os atores sociais reconhecem tal condição como boa e justa.
253
Em Soledade, a lei o era respeitada porque não representava as aspirações dos
poderosos locais. Assim, atuava-se fora da lei, manipulando-se os poderes públicos,
atemorizando-se a população e reprimindo qualquer atitude tida como “indesejável”.
Cândido Carneiro Júnior e Kurt Spalding destacaram-se como dois verdadeiros
coronéis da oposição. O primeiro teve consolidado seu prestígio após o Combate do Fão,
surgindo, então, como uma das lideranças políticas em Soledade. Spalding, por sua vez, sendo
comerciante, tinha em suas os "posse de fortuna", como afirma Maria Isaura Pereira de
Queiroz.
254
Ora, num meio econômica e culturalmente pouco desenvolvido como Soledade,
era natural que as noções de comerciante e, às vezes, de médico se confundissem com a noção
de fortuna. No mesmo sentido para Pierre Bourdieu:
A posição de um determinado agente no espaço social pode
assim ser definida pela posição que ele ocupa nos diferentes
campos, quer dizer, na distribuição dos poderes que atuam em
cada um deles, seja, sobretudo, o capital econômico –nas suas
diferentes espécies –, o capital cultural e o capital social e
também o capital simbólico, geralmente chamado prestígio,
reputação, fama, etc. que é a forma percebida e reconhecida
como legitima das diferentes espécies de capital.
255
E, de fato, a ascensão de Kurt Spalding em Soledade deve ser creditada, em parte
ao menos, à sua capacidade de fazer favores (auxiliar doentes, vender fiado); isso, somado ao
fato de ser descendente de alemães, o que já atraía a simpatia desta colônia em Soledade,
251
LA TORRE, Angel Sanchez. Legalidade, In: SILVA, Benedito (Coord.) Dicionário de ciências sociais. Rio
de Janeiro, FGV, 1986. p. 673.
252
WOLKMER, Ideologia, estado e direito, p. 81.
253
Idem., p. 82.
254
QUEIROZ, O coronelismo numa interpretação sociológica, p. 171.
255
BOURDIEU, O poder simbólico, p. 134.
93
contribuiu para que se tornasse um der carismático, fato que teria levado ao seu assassinato
como forma de intimidação. Sobre este tipo de crime, Stoppino esclarece:
[...] o assassinato político, que freqüentemente tem um objetivo
psicológico indireto, em certos casos volta-se para a destruição
do inimigo. Isto acontece especialmente quando no grupo
adversário a autoridade está (ou acredita-se que esteja)
fortemente concentrada nas mãos de um único homem e quando
o poder deste chefe depende (ou acredita-se que dependa) de
seus dotes pessoais muito mais do que do cargo que ocupa. Daí
a freqüência dos atentados contra os chefes carismáticos.
256
A prática de resolver conflitos pela supressão dos adversários mostra-se algo
constante, ao menos nos casos levantados nessa pesquisa. Trata-se de uma estratégia que
utilizada ao longo dos anos e que teima em se repetir. A fama, propagada muitas vezes pela
própria população local, de Soledade ser um local de "gente destemida e valente", é um
sintoma desta situação na cultura local.
257
Gudbem Borges Castanheira, 78 anos, advogado
criminalista, deputado emérito do Rio Grande do Sul e polêmico personagem da atualidade
soledadense trouxe mais uma vez a tona essa situação ao resumir na seguinte frase esta
situação que permanece no imaginário local e estadual: "Não sou homem de mandar matar.
Sou de matar".
258
Castanheira teve seu nome envolvido em acontecimentos trágicos. Trata-se da
chacina da Fazenda Santo Augusto, ocorrida na noite de 7 de julho de 2001, na qual perderam
a vida o fazendeiro Augusto Ghion, sua mulher Liamara, sua sobrinha Ana Maria Spalding
Cavalli, o capataz Olmiro Adelar Graeff, a mulher deste, Iranês Salete, e o filho do casal,
Alexsandro. A filha de Ghion escapou com vida porque se fingiu de morta ao ser alvejada no
ombro. Foi preso o empregado de Ghion, Márcio Camargo, como suspeito do crime. Camargo
confessou os assassinatos, contudo a polícia não se convenceu de que ele tivesse agido
sozinho e, atrás do mandante do crime, decidiu usar Antônio Carlos Moraes Casagrande, o
256
STOPPINO, Mário. Violência. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Editora Unb, 1986, p.
1295.
257
Embora o conceito de cultura atravesse na atualidade, por uma grande discussão, acredita-se que para esta
análise o conceito expresso por GEERTZ, Cliford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989,
p.103, mostra-se adequado, ao dizer que cultura compreende um padrão de significados transmitidos
historicamente, incorporados em símbolo. Representa, assim, um sistema de concepções herdadas expressas em
forma simbólica por meio das quais os homens comunicam perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas
atividades em relação a vida. São os elementos que representam o modus vivendi de um grupo social.
258
Zero Hora, Porto Alegre, 16 jan. 2005, p. 47.
94
Kiko, como informante, pois este tinha relações com Camargo. Em 2003, Camargo fugiu do
presídio de Soledade, dias depois envolveu-se em um tiroteio e foi morto. Em agosto, Kiko
começou a circular por Soledade dizendo que tinha informações inéditas sobre a chacina, teria
então chantageado Gudbem Borges Castanheira. Em 13 de setembro de 2003, na ante-sala do
plenário da Câmara dos Vereadores de Soledade, Kiko foi abatido com quatro tiros,
disparados por Elpídio Teodoro Ferreira, irmão de criação de Castanheira. O Ministério
Público pediu a prisão preventiva de Castanheira e de Ferreira, porém a justiça concedeu
somente a de Ferreira, que ficou preso até obter habeas-corpus. Por decisão do então juiz de
direito de Soledade, Lucas Maltezkachny, ambos irão a júri popular.
259
Esse e outros episódios são ilustrativos da importância de se analisar a história na
perspectiva da continuidade e da descontinuidade. Além disso, trazem a questão de que o
presente impulsiona o olhar do historiador para o passado. Sobre o tempo do historiador
Sirinelli afirma:
O historiador trabalha sobre o passado, mesmo que próximo,
isto é, sobre o que está abolido. Não que ele conceba sua prática
unicamente como uma espécie de retorno das cinzas do passado
a um presente que seria totalmente desconectado daquele. Bem
ao contrário, esse historiador, qualquer que seja sua
especialidade cronológica, bebe em seu presente e, longe de
pensar que "é de nenhum tempo e de país nenhum", ele sabe que
está ligado por múltiplas fibras a seu tempo e à comunidade à
qual pertence.
260
Kurt Afonso Frederico Spalding nasceu em 12 de abril de 1884 no município de
Triunfo.
261
Estudou em Triunfo, São Leopoldo e Porto Alegre, neste último chegando a
exercer a profissão de farmacêutico. Chegou a Soledade em 1907 e, em 1910, comprou parte
da Farmácia Gomide, de seu sócio Olímpio Gomide. A farmácia, que então passou a
denominar-se Farcia Serrana, localizava-se na zona central da cidade de Soledade e seria,
mais tarde, palco de um dos conflitos poticos mais marcantes de sua história.
Spalding rapidamente se integrou à elite local e passou a conviver ativamente nos
diversos espaços de sociabilidade existentes no município. Seu prestígio cresceu pelo fato de
259
UM caudilho no banco dos réus. Zero Hora. Porto Alegre, 15 jan. 2004, p. 43.
260
SIRINELLI, Jean-François. Ideologia, tempo e história. In: Questões para o tempo presente, p. 78.
261
Spalding era filho de Louis Emil Spalding, natural da Alemanha, e de Maria Silvéria Riedel Spalding, natural
de Minas Gerais. Teve dois irmãos, Eurico Spalding e Herta Mina Spalding, que não deixaram descendência.
95
exercer a profissão de farmacêutico e de muitas vezes ser, na prática, um médico.
262
Elegância, correção e dignidade são alguns dos predicados atribuídos a ele na obra de
Garibaldy Almeida Wedy. O autor acrescenta ainda que Kurt Spalding "o era dado ao jogo
nem à bebida, gostava, porém, de potica".
263
A trajeria política de Spalding teve início com
a sua filiação ao Partido Libertador, do qual foi um dos lideres em Soledade. Em 1929,
quando da Aliança Liberal, foi vice-presidente do Conselho Municipal.
264
Durante o Combate
do Fão, foi médico da coluna revolucioria chefiada por Cândido Carneiro Júnior, Jorge
Augusto de Paula, em obra sobre esse combate lembra " [...] o infativel Kurt Spalding,
dico da coluna [...]".
265
Spalding inscreveu-se como eleitor em 8 de fevereiro de 1933 na 40
a
Zona
Eleitoral; votou na eleição de 14 de outubro de 1934, quando foram anuladas duas seções
eleitorais em Soledade, mas não chegou a votar na eleição suplementar de 16 de dezembro de
1934, em razão de sua violenta morte.
266
262
Segundo WEDY, Soledade, p. 12, Kurt Spalding assim agia somente quando o procuravam para tal. "Kurt
Spalding exerciao por vontade própria, mas por força das circunstâncias imperantes em Soledade, a medicina.
Era chamado para atender doentes na sede e no interior do município."
263
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 12.
264
Neste congresso foram discutidos assuntos referentes ao ensino público, primário e profissional, assistência
social, saúde, política administrativa e viação. ZIMMERMANN, Dados biográficos de alguns governantes
municipais de Soledade, p. 02.
265
DE PAULA, O Fão, p. 68.
266
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 60 - 61.
96
Kurt Spalding na Farmácia Serrana
Fonte: WEDY, Garibaldi Almeida. Soledade: Fatos Políticos, Violências e Mortes: Reminiscências cada de
1930 -1940. Porto Alegre : Renascença, 1999, p. 15.
A polarização política que ocorria em nível estadual repetia-se em Soledade pelo
confronto entre oposição (FUG) e situação (PRL). A presença atuante de Spalding e Candoca
representando os setores da oposição colocava em questão o domínio da situação florista.
Esse fato, ao mesmo tempo em que permitia aos eleitores uma margem maior na troca de
favores, pois, o que estava em jogo, para a maioria dos eleitores não era o predomínio deste
ou daquele partido, mas sim, o atendimento dos seus interesses mediatos. Por outro lado, a
bipolarização potica em Soledade também levava a conflitos violentos, imprimindo mais
agressividade à disputa e às relações políticas, pois apenas dois grupos se digladiavam pelo
poder. Segundo constatação de Jean Blondel, via de regra, nos locais onde três ou mais grupos
políticos se opõem, as divergências podem ser menos brutais, pois as alianças poticas
tornam-se indispensáveis.
267
As eleições representavam o auge dos jogos entre as forças
políticas, quando vinham à tona os conflitos pessoais entre figuras de destaque dos partidos
soledadenses.
267
BLONDEL, Jean. As condições da vida política no estado da Paraíba. Rio de Janeiro: FGV, 1957, p. 62-63.
97
O grupo da situação tinha liberdade de ação pela certeza da impunidade; ao
contrário, o grupo da oposição era constantemente perseguido por seus adversários. A
resposta dos oposicionistas dava-se, muitas vezes, com mais violência, muito embora
soubessem o risco que corriam.
3.2 As várias narrativas do crime
O assassinato de Kurt Spalding, no dia 15 de dezembro de 1934, tem várias
versões. A sua autoria intelectual, embora nunca comprovada, foi atribuída ao então prefeito
soledadense, membro do PRL, Francisco Müller Fortes. Segundo a imprensa, dias antes do
fato, Spalding teria sido procurado por dois bombachudos que o teriam ameaçado de morte.
Ele, então, teria solicitado garantias de segurança com antecedência às autoridades centrais e
impetrado um pedido de habeas-corpus, porém tais solicitações o foram atendidas a tempo
de evitar o seu assassinato, os ferimentos em Cândido Carneiro Júnior, bem como os
atentados que se seguiram.
268
No dia 17 de dezembro de 1934, foi publicada no O Nacional, em sua capa, e
reproduzida no Jornal da Serra, igualmente em sua capa, notícia a respeito do episódio:
Quarta-feira, regressou de Porto Alegre o Prefeito de Soledade,
reunindo-se na vila numerosos capangas, conhecidos ali por
bombachudos, parte dos quais vieram com Sebastião Rosa, Sub-
Prefeito do 11
o
Distrito daquele município. Sábado o Sr. Kurt
Spalding, farmacêutico e prestigioso cidadão de Soledade,
convidou os Srs. Drs. Décio Pelegrine
269
ex-juiz de comarca e
Oscar de Toledo
270
, atual juiz da comarca, para almoçarem em
sua companhia. Após o almoço estes se retiraram.
268
OS ACONTECIMENTOS de Soledade. O que disse a “O Nacional” dr. Armando de Sousa Kanters,
advogado ali residente.O Nacional, Passo Fundo, 28 dez. 1934. p. 4.
269
A grafia correta é Pelegrini. Décio Pelegrini formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de
Direito de Porto Alegre em 1924. Natural de Rio Pardo, filho de Francisco Antonio Pelegrini e de Rosalina
Jacobus Pelegrini, nasceu em 12 de janeiro de 1901. Tomou posse como Juiz de Comarca em Soledade em 07 de
maio de 1929, tendo sido transferido para São João do Camaquã em 14 de julho de 1931 e, em 29 de outubro de
1931, para Alto Taquari (Lajeado). Foi vice-presidente e, posteriormente, presidente do Tribunal de Justiça do
Rio Grande do Sul. Faleceu em 28 de dezembro de 1967.Banco de Dados de Magistrados do Memorial do
Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul, consultado em 30 jul. 2004.
270
Aqui se deve ler Oldemar de Toledo. Oldemar Nogueira da Gama de Toledo nasceu em Porto Alegre, em 1
o
de agosto de 1906, filho de Luiz Maria de Toledo e Dalila Nogueira da Gama de Toledo. Formou-se em Ciências
Jurídicas e Sociais, tendo iniciado sua atividade como juiz na comarca de Soledade em 07 de abril de 1934. Foi
9
8
Prosseguia a notícia informando:
Nesse ínterim, o Gal. Cândido Carneiro Júnior, prócer da Frente
Única do município recebeu um telegrama de Cruz Alta,
avisando-o que um tal Barroso, comandando um destacamento
de civis, munidos de armas de guerra, havia invadido a fim de
fazer pressão no 5
o
Distrito, onde se iam realizar no dia seguinte
as novas eleições ordenadas pelo Tribunal Eleitoral. De posse
deste telegrama, o Sr Cândido Carneiro Júnior, procurou o Dr.
Juiz da Comarca, que prometeu tomar provincias.
271
Feito isso, Cândido Carneiro Júnior teria se dirigido à casa de Kurt Spalding, que
ficava anexa à Farmácia Serrana. De acordo com o mesmo fragmento jornalístico, ao chegar
, teria entrado pelos fundos da residência. Kurt Spalding e Candoca teriam conversado por
algum tempo; pouco depois, entraram no local três indivíduos, um dos quais apresentou um
bilhete dizendo: "Leia isto, seu alemão".
272
Spalding negara-se a ler o bilhete; então, um dos
indivíduos, "pertencente aos bombachudos da prefeitura, desfechou-lhe dois tiros de revólver,
prostrando o morto".
273
Cândido Júnior, que até aquele momento não tinha sido notado pelos
agressores, pois mantinha-se distante, detonara seu revólver contra o agressor de Spalding,
porém seria atingido também por um tiro. O agressor de Spalding fora mortalmente ferido por
Cândido, que seguira alvejando os demais bombachudos.
274
Nesse ínterim, teriam entrado no local mais quatro indivíduos ligados ao grupo
dos bombachudos, os quais, contudo, logo se retiraram, por ter Albino Senger, que estava em
um carro próximo ao local, corrido em defesa de Spalding. Logo a seguir, chegara ao local do
crime o prefeito municipal, Chico Touro, tendo sob seu comando uma turma de cerca de
quarenta homens, armados de fuzis Mauzer, exigindo a entrega de Cândido Júnior aos gritos
de: "Avancem e não poupem".
275
desembargador, tendo tomado posse em 20 de março de 1952, e aposentou-se em 07 de julho de 1966. Faleceu
em 17 de agosto de 1989. Banco de Dados de Magistrados do Memorial do Judiciário do Estado do Rio Grande
do Sul, consultado em 30 jul. 2004.
271
SÁBADO último deram-se em Soledade sangrentos acontecimentos. Foi assassinado o Sr. Kurt Spalding e
ferido Gal. Candido Carneiro Júnior.Outros mortos e feridos. Jornal da Serra, Carazinho, 19 dez 1934. p. 1.
272
Idem.
273
Idem.
274
Idem.
275
Idem.
99
Cândido Júnior aquiescera em render-se mediante o oferecimento de todas as
garantias legais pelo delegado de polícia, ressalvando, contudo, que somente se entregaria ao
destacamento da Brigada Militar, sendo, por conseguinte recolhido ao seu quartel. Criou-se
assim, em Soledade, na véspera das eleições para a Assembléia Estadual Constituinte, um
clima de terror, que levou a população a temer a repetição de tais atos.
276
Realmente, esse não
teria sido um caso isolado, pois não fora o primeiro nem seria o último. Sobre o acontecido
escreveu Onildo Gomide, ex-sócio de Spalding:
Soledade, a invicta, está fora da lei, porque essa mentalidade
aberrante que julgávamos desaparecida para sempre de todos os
âmbitos do Rio Grande, ressurge, ali em tenebrosas exploes de
força de sangue e de externio. É preciso que todo o Rio
Grande saiba que, dentro de suas fronteiras, existe um município
transformado em verdadeira terra conquistada, onde a situação
dominante mantém uma horda de bandidos, escolhidos na elite
do crime da Serra, para a prática de todos os desatinos contra
uma população inerme, cujo único crime consiste em ter dado a
história do Rio Grande de nossos dias, a mais fulgurante página
de heroísmo. Entretanto, os dias escuros de 1932 já vão longe.
Homens e estados que acenderam o facho da revolução
constitucionalista acham-se integrados na comunhão brasileira,
trabalhando pelo bem comum, embora em outro campo e sob
ideais diversos; por isso, não tem justificativas nem defesa essa
série de crimes, que sob a coberta oficial vem se praticando
naquela terra mártir, onde uma pocia ignóbil e covarde assanha
a ferocidade animal dos seus asseclas contra vidas úteis, vidas
preciosas a coletividade. Soledade precisa de ordem e de
sossego e, se a submissão dos heróis vencidos não pode conter a
fúria sanguinária dos vândalos, se os seus apelos angustiados
o encontram eco nos poderes capazes de estancar essa onda de
atrocidades, resta àquele povo lançar mão dos recursos de que
dise, para cauterizar o cancro que lhe incrustaram no
organismo.
Uma diferente versão do assassinato de Kurt Spalding foi dada por Silvestre
Ramires Barbosa, motorista de Müller Fortes na época do crime. Silvestre relatou que, diante
da insistência de Pedro Corrêa Garcez, Cândido Carneiro Júnior e Clóvis Cardoso, Francisco
Müller Fortes vira-se obrigado a distribuir boletins à população nas vésperas das eleições de
276
SÁBADO último deram-se em Soledade sangrentos acontecimentos. Foi assassinado o Sr. Kurt Spalding e
ferido Gal. Candido Carneiro Júnior.Outros mortos e feridos. Jornal da Serra, Carazinho, 19 dez 1934. p. 1.
277
GOMIDE, Onildo. Soledade, terra conquistada! O Nacional, Passo Fundo, 17 dez. 1934. p.4.
100
1934, para orientá-la sobre o procedimento das eleições suplementares.
278
O primeiro local
em que seria feita a entrega de tais materiais teria sido a farmácia de Kurt Spalding. Ali teriam
chegado dois bombachudos, um que seria surdo e, ao colocar o boletim sobre o balcão, teria
sido mal interpretado, como se fosse sacar uma arma, tendo sido morto à bala por uma pessoa
que lá se encontrava Silvestre declarou não se recordar de quem seria o assassino. O outro
bombachudo teria, então, reagido, dando início ao tiroteio, porém também acabara sendo
morto com nove tiros.
Ainda segundo Silvestre, Albino Senger, negociante da cidade, que se encontrava
em seu carro, ao ouvir o tiroteio, teria atirado da rua em direção ao interior da farmácia. A
inteão de Senger seria atingir os bombachudos, defendendo Kurt Spalding, contudo um de
seus tiros acabara por acertá-lo. Assim, de acordo com essa versão, o assassino não
intencional de Spalding seria Albino Senger, seu correligionário e amigo, não os
bombachudos, além de que a oposição teria se aproveitado do fato para tentar desmoralizar a
reputação de Franciscoller Fortes.
Entretanto, essa versão tem pouca sustentação em provas, exceto a palavra de
Silvestre Ramires Barbosa, uma vez que os documentos consultados apontam em outra
direção, tanto processos quanto acórdãos, bem como as notícias veiculadas na imprensa.
Outra testemunha, Saudade Gralha Tomasi, sobrinha de Cândido Carneiro Júnior,
narrou o incidente da seguinte forma:
Albino Senger, amigo pessoal e de causa potica de ndido
Carneiro Júnior, leva-o de carro para conversar com Kurt
Spalding. Candoca entra e Albino fica esperando-o no carro.
Chegam os bombachudos com panfletos eleitorais e ordenam a
Spalding: "Leia, alemão de merda". A expressão cria confusão e
tiroteio. Um tiro, vindo do carro de um bombachudo chega a
ultrapassar o pala de Candoca, que o abrira no intuito de
defender o amigo, muito embora inutilmente. Candoca acerta
um bombachudo nas nádegas, matando-o. Comenta que após
dizia-se: "Candoca apagou o Lampião (alcunha deste
bombachudo) com um tiro na bunda". Albino, ao perceber o que
está ocorrendo na farmácia também atira de dentro de seu
carro.
279
278
CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 83 - 84.
279
Idem.
101
No testamento cerrado do general Cândido Carneiro Júnior, feito em 3 de
novembro de 1949, em Porto Alegre, e aberto em 11 de julho de 1950, em Soledade, consta o
seguinte registro sobre o epidio:
Quando foi do bárbaro assassinato de meu amigo e distinto
cidadão Cel. Kurt Spalding, em Soledade, em dezembro de
1934, em sua residência, desarmado, em palestra comigo estava,
de surpresa, entraram três capangas armados ao mando do
Prefeito Municipal e o mataram; reagi em defesa do amigo e
correligionário, matando dois deles e saindo o terceiro ferido,
graças ao auxílio que me prestou o valente Cap. Albino Senger,
(que) havia ficado fora do automóvel em que andava, de
propriedade de meu velho amigo Cel. Euzébio dos Santos Ortiz.
Com ferimento gravíssimo fiquei caído e alguns segundos
morto.
280
Cândido Carneiro Júnior, por estar ferido, o de se evadir do local, como
teriam feito Clóvis Líbero Cardoso e Albino Senger, tendo sido, então, preso pela Brigada
Militar, que havia cercado o local. Candoca, mesmo ferido à bala, foi recolhido ao
destacamento do 3
o
RC da Brigada Militar, tendo ali ficado à disposição do prefeito
municipal.
281
Ferido, Candoca aguardava a permissão do juiz distrital para se dirigir à cidade de
Passo Fundo, onde deveria se submeter a atendimento médico, especificamente a uma cirurgia
para retirar o projétil que ficara alojado em seu tórax.
282
Todavia, o procedimento não foi
fácil, pois, embora concedida a licença pelo juiz, a requisição de força para acompanhar o
preso feita ao prefeito Müller Fortes não obteve sucesso. Apesar da urgência da situação, o
prefeito negava-se veementemente a fornecer escolta policial para conduzir Candoca a Passo
Fundo.
283
A comunidade soledadense já estava marcada pela desmoralização da pocia,
instituição representada por pessoas que muitas vezes agiam sem o respaldo legal, tendo suas
práticas influenciadas pelas estratégias dos poderosos locais. De acordo com a notícia
veiculada na imprensa:
280
WEDY, Soledade, p. 43-44.
281
CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 83 e 85.
282
Cândido Carneiro nior, que tinha uma bala alojada em região profunda da nuca, ao lado da quinta vértebra,
foi operado pelos médicos Dino Caneva, Nicolau Vergueiro e Tenack W. de Souza. GENERAL Cândido
Carneiro Jr. O Nacional, Passo Fundo, 31 dez. 1934. p. extra.
283
CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 83 e 85.
102
O senhor Cândido Carneiro Junior, que se encontra preso em
Soledade, em virtude dos acontecimentos ali havidos,
comunicou que a sua vinda para esta cidade foi adiada, por ter o
prefeito daquele município negado uma escolta pra trazê-lo. O
pedido feito a respeito ao chefe de pocia e ao doutor Juiz da
Comarca ainda não teve solução. A vinda do gal. Candido
Junior a esta cidade foi concedida pelo juiz, a fim de tratar-se
dos ferimentos recebidos no conflito. A situação de Soledade,
segundo informações que recebemos ontem, ainda continua
grave e de inquietação.
284
O fato foi levado ao conhecimento do então secretário do Interior do estado do
Rio Grande do Sul, João Carlos Machado, por intermédio de Men de e Rosauro Tavares,
que interveio ordenando que o interventor e o comandante da Brigada Militar fizessem o
transporte do baleado a Passo Fundo com toda a seguraa necessária. Conforme Garibaldi
Wedy, o telegrama tinha o seguinte conteúdo:
Drs. Victor Graef e Batista Luzardo - P. Alegre. De Passo Fundo
n. 900. Data 20, hora 18. Obséquio providenciar comando
Brigada autorize 3
o
Regimento Cavalaria mandar escolta trazer
Cândido Carneiro - Passo Fundo - visto já licença concedida
juiz, pois autoridades soledadenses negam fornecer força
constando prefeito municipal distribui capangas percurso
estrada. General Carneiro necessita intervenção cirúrgica
pode ser feita esta cidade. Saudações (drs.) - Celso Fiori e
Aurélio Willig.
285
Já internado no Hospital,ndido Carneiro Júnior prestou declarações ao jornal O
Nacional falando sobre os acontecimentos da Farcia Serrana. Afirmou que continuava
preso, mas já havia requerido um habeas-corpus ao juiz da comarca de Soledade, Oldemar
Toledo. Quanto à investigação dos fatos, declarou que não estava sendo levada com a devida
seriedade e acrescentou:
284
Os ACONTECIMENOS de Soledade. O Nacional, Passo Fundo, 21 dez. 1934. p. 1.
285
WEDY, O pequeno mundo de Soledade, p. 34.
103
Tratando de sua vinda para esta cidade, em benefício de seu
tratamento, disse-nos que a escolta que o trouxe, pertencente à
Brigada Militar, foi por ele requerida ao juiz distrital de
Soledade e acredita que se não fosse a interveão dos srs.
Borges de Medeiros e Raul Pilla junto ao senhor Getúlio Vargas,
talvez ainda não tivesse saído de Soledade.
286
No hospital, na condição de prisioneiro, Candoca encontrava-se vigiado por dois
guardas e deveria retornar a Soledade para responder ao processo referente ao ocorrido na
Farmácia Serrana.
287
Após alguns dias de recuperação, contudo, fugiu do Hospital São
Vicente de Paulo, tendo seguido para o município de Getúlio Vargas e, de lá, para o Paraguai,
onde permaneceu. A fuga, em circunstâncias pitorescas, teria se dado com o auxílio de amigos
e correligionários. De acordo com a versão corrente,
288
um amigo teria lhe entregado um
frasco com substância sonífera, a qual Candoca teria utilizado para provocar o sono dos
agentes da guarda policial que o vigiavam. Consta que os guardas teriam dormido e que
Candoca teria fugido de automóvel com um amigo que o aguardava nas redondezas do
hospital.
289
Cândido Carneiro Júnior e Albino Senger foram processados na comarca de
Soledade pelos fatos ocorridos na Farcia Serrana. O promotor de justiça, visando à
pronúncia de Candoca e Senger por crime de homicídio, uma vez que haviam sido
considerados culpados somente por lesões graves pelo juiz de direito, recorreu ao tribunal do
estado, onde obteve decisão favorável. Assim, Candoca foi pronunciado pelo homicídio de
Gerôncio Assis Ferreira e pela co-autoria na morte de Alvino dos Santos Ferreira, e Albino
Senger, pela co-autoria na morte de Alvino dos Santos Ferreira e por lesão corporal leve em
Ricardo Schaeffer. Consta do acóro:
286
GENERAL Cândido Carneiro Jr. O Nacional, Passo Fundo, 27 dez. 1934. p. 4.
287
CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 83 e 86-87.
288
CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 86 e WEDY, O pequeno grande mundo
de Soledade,, p. 36 - 37.
104
Na espécie não há prova de ter havido um acordo expresso e
prévio de vontades entre os recorridos, para conseguir um fim
comum. Porém, houve um concurso tácito de vontades, surgido
instantaneamente, no início do conflito, em conseqüência da
solidariedade e da intensidade da luta potica existente então no
município. [...] O acusado Cândido Carneiro Júnior, nas suas
declarações não nega a autoria dos ferimentos[...] apenas
procurou justificar os seis tiros que desfechou, dando a entender
que agiu em sua defesa.
290
Candoca apresentou-se ao chefe de pocia do estado, Poty Medeiros, a fim de se
submeter ao julgamento. Como fora oficial superior da Brigada Militar do Estado, pois, em
1930, atuara como coronel comandante de um corpo provisório organizado em Soledade, o
governo do Estado reconheceu as prerrogativas inerentes àquele posto. Por isso, por
determinação do coronel Canabarro Cunha, comandante-geral daquela milícia, foi recolhido
ao quartel do 3
o
Batalo de Infantaria, na Praia de Belas.
291
Cândido Carneiro Júnior e Albino Senger foram absolvidos pelo tribunal do júri
de Soledade.
292
Segundo as fontes pesquisadas nenhum bombachudo foi processado, seja
pelos fatos da Farmácia Serrana ou por qualquer outro relacionado com a atuação do grupo
em Soledade. O que pode ser percebido no contexto analisado é que a impunidade era
conseguida pela troca de favores, pela ação coronelística, situação que encontrava respaldo
até mesmo perante o tribunal do júri, isso "quando, antes, os coronéis, seus próceres ou
comandados não tinham providenciado e conseguido a impronúncia do réu ou o
engavetamento do processo”.
293
Em Soledade o clima ainda era de insegurança. Armando de Souza Kanters, ex-
promotor público de Soledade e Livramento, advogado e membro da comissão executiva do
Partido Republicano em Soledade, vendo-se obrigado a deixar Soledade, estava hospedado no
hotel Glória em Passo Fundo, quando relatou ao jornal O Nacional:
289
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 36 - 37.
290
RIO GRANDE DO SUL, Decisões do Tribunal de Apelação do Rio Grande do Sul, proferidas durante o ano
de 1936, p. 219.
291
Correio do Povo, Porto Alegre, 7 out. 1936, citado por WEDY, Soledade, p. 38.
292
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 38.
293
FÉLIX; GRIJÓ. Histórias de Vida, p. 46.
105
[...] que anteontem, pelas 10:30 horas da noite, mais ou menos, a
sua residência, em Soledade, foi cercada por numerosos
capangas do prefeito daquele município, mais conhecidos ali
pela alcunha de bombachudos, os quais em sua opinião tinham
inteão de eliminá-lo. Tendo, porém, os sitiantes esperado a
sua fuga pelos fundos do prédio, postaram ali melhor guarda,
motivo porque o doutor Kanters e mais um amigo seu o senhor
José Gralha, de revólver em punho conseguiram romper o cerco
pela frente do prédio, saltando o muro da casa fronteira à sua e
galgando outras cercas e tapumes de prédios vizinhos, até
chegarem a casa de um outro amigo seu. Ali chegado a salvo,
arranjou desde logo um cavalo, dirigindo-se sem mais demora a
Carazinho, de onde, em companhia de outro emigrado de
Soledade que se encontrava, vieram, em automóvel para esta
cidade.
Entre os outros obrigados a deixar Soledade encontravam-se ainda os membros da
Comissão Mista da Frente Única, Clóvis Libero Cardoso e Ivo Thomazzi. Kanters
acrescentou que a situação de insegurança do município teria sido a causa de se retirarem dali
diversas pessoas, por se julgarem ameaçadas de possíveis represálias.
Prosseguindo em
seu relato declarou :
que a respeito de garantias, nenhuma providência prática fora
tomada até agora, sendo a situação em Soledade de absoluta
intranqüilidade e inseguraa. Continuam a passear pelas ruas
da vila os bombachudos, cujo número continua a aumentar com
a chegada do interior de novos elementos. [...]. Soledade vive
horas de ansiedade, sendo geral a repulsa aos meios brutais que
estão sendo postos em prática. - O doutor Kanters, disse-nos que
em 18 do corrente, o sub-prefeito do 11
o
Distrito, Sebastião
Rosa, á frente de 10 capangas, o haviam procurado quando
acabava de sair da casa de seu correligionário Sr. Raymundo
Costa.
296
Achavam-se ainda em Passo Fundo Abelardo Campos, Caio Graccho Serrano,
Ulderno Silva, Artidor Jo Assunção e Hugo Tomazzi,
todos cidadãos integrantes da
oposição soledadense, que também tinham deixado a cidade temendo por sua vida.
297
294
OS ACONTECIMENTOS de Soledade. O que disse a “O Nacional” dr. Armando de Sousa Kanters,
advogado ali residente.O Nacional, Passo Fundo, 28 dez. 1934, p. 4.
295
Idem.
296
Idem.
297
GENERAL Candido Carneiro Jr. O Nacional, Passo Fundo, 31 dez. 1934. p. extra
106
O quadro de violência potica continuou em Soledade, onde prosseguiram os
atentados poticos. Na quinta-feira, 24 de janeiro de 1935, O Nacional publicou a notícia de
que havia sido degolado o subprefeito de Jacuyzinho, distrito de Soledade, Godofredo
Silveira, crime atribuído a elementos da Frente Única Soledadense.
298
No dia 31 do mesmo
mês e ano, foi publicado mais um "sucesso" de Soledade: "O prefeito de Soledade telegrafou
ao Chefe de pocia, dizendo que por motivos políticos, Jodos Santos Leite, cunhado do
general Cândido Carneiro Júnior, baleou gravemente José dos Santos Neto".
299
É importante ressaltar que a década de 1930 não foi violenta somente na região de
Soledade, mas também em outros municípios do Rio Grande do Sul, como Palmeira das
Missões
300
e, em especial, na região de fronteira entre Brasil e Uruguai, onde se deu o
assassinato de Waldemar Rippol. Muitas autoridades poticas estaduais, ainda sob o impacto
da morte de Waldemar Ripoll, que alcançara grande repercussão, viram em Soledade o que
acreditavam ser uma repetição daqueles fatos. Assim, foram freqüentes na imprensa da época
as comparações entre os assassinatos de Rippol e Spalding:
Diante dos vandálicos acontecimentos anteontem ocorridos
vizinho município Soledade e que tanto depõem contra a cultura
do Rio Grande do Sul, a Comissão Central do ComiFeminino
da Frente Única de Passo Fundo vem protestar junto a Vossa
Excelência pelo inomivel barbarismo solicitando enérgicas
provincias punição, afim de que criminosos não fiquem
impunes como os do malogrado Waldemar Ripoll. Nosso apelo
é endereçado diretamente a Vossa Excia. como a única
esperança de justiça. Respeitosas Saudações. Jovina Vergueiro -
Alice Issler Loureiro - Alini Miranda - Horacia Knoll -Odith
Freitas Valle.
301
Rippol, que, assim como Spalding, fora membro do Partido Libertador e,
posteriormente, da Frente Única Gaúcha, foi morto em Rivera no ano de 1934, na madrugada
de 30 para 31 de janeiro, por motivos poticos.
302
Então, a questão que mais inquietava era de
que as investigações a respeito do assassinato de Spalding seguissem o mesmo caminho do
298
A SITUAÇÃO em Soledade. P.ALEGRE, 24 (N.) O Nacional, Passo Fundo, 24 jan. 1935. p. 1.
299
OUTRA morte em Soledade. P. ALEGRE, 31 (N) O Nacional, Passo Fundo, 31 jan. 1935. p. 1.
300
Ver ARDENGHI, Lourdes Grolli. Caboclos, ervateiros e coronéis: luta e resistência no norte do Rio Grande
do Sul. Passo Fundo: UPF Editora, 2003.
301
PEDEM-NOS para transcrevermos este despacho: Dr. Vicente Rau Ministro Justiça – Rio Os acontecimentos
de Soledade. O Nacional, Passo Fundo, 21 dez. 1934. p. 1.
302
Sobre o assassinato de Ripoll ver o trabalho de RANGEL, Carlos Roberto da Rosa. Crime e castigo: conflitos
políticos no Rio Grande do Sul (1928-1938). Passo Fundo:UPF Editora, 2001.
107
caso Rippol, que, na época, fora encerrado por falta de provas: "E na verdade, é bem preciso
que, pela punição severa dos culpados e não pela tolerância que vimos presenciando em casos
como o do assassínio do doutor Rippol, a polícia ponha fim a tais processos violentos, cujas
conseqüências, se impunes, não tardarão a se fazer sentir".
303
Na quarta-feira, dia 16 de janeiro de 1935, o jornal O Nacional veiculava mais
uma notícia pedindo provincias: "Já que autoridades o puderam evitar atentados, que ao
menos não deixem seus responsáveis impunes como vem acontecendo desde assassinato
Valdemar Ripoll até sangrentos acontecimentos Palmeira e Soledade".
304
No contexto de acirramento das lutas poticas no Brasil, o caso de violência de
Soledade não seria um elemento anormal.
305
Todavia, a situação na cidade era tida por muitos
setores, como pela própria imprensa, como exemplo de barbárie, de inconstância das forças
públicas.
As atitudes do prefeito Chico Touro em Soledade foram objeto de um inquérito,
que visava averiguar questões como o afastamento dos juízes Oldemar Toledo e Mário
Moraes, o desacato ao promotor
306
Severiano Sampaio
307
e ao tenente Eduardo Messias,
delegado da Junta de Alistamento Militar; ainda, o afastamento de advogados, a coação, a
violência nas eleições, os assassinatos de Spalding e João Pereira da Silva.
308
Dessa forma,
303
SÁBADO último deram-se em Soledade sangrentos acontecimentos. Foi assassinado o Sr. Kurt Spalding e
ferido Gal. Candido Carneiro Júnior. Outros mortos e feridos. O Nacional. Passo Fundo. e Jornal da Serra,
Carazinho, 17 dez.1934.
304
O INCÊNCIO d’ “O Libertador”. Um telegrama do dr. Bruno Lima. O Nacional, Passo Fundo, 16 jan. 1935.
p. 4.
305
Eleito pela Assembléia Nacional Constituinte presidente da República em 1934, Getúlio Vargas enfrentou
novos movimentos sociais, polarizados na Ação Integralista Brasileira (AIB) (inspirada no fascismo italiano,
proclamava um nacionalismo autoritário, o qual se opunha à expansão do movimento operário Para maiores
esclarecimentos sobre o assunto ver TRINDADE, lgio. Integralismo. O fascismo brasileiro na década de 30.
São Paulo: Difel, 1979) e na Aliança Nacional Libertadora (ANL)
( movimento no sentido oposto a AIB, que
representou "o momento máximo da política de massas da Segunda República e exemplo de sua capacidade
organizatória e reivindicatória” e reunia comunistas, socialistas e sindicatos, sob a presidência ostensiva de
Hercolino Cascardo, tendo como presidente honorário Luiz Carlos Prestes. Essa frente popular, sob a orientação
do PCB, em poucos meses atingiu enorme projeção, contudo de efêmera duração sendo fechada em julho de
1935. CARONE, Edgar. A República Nova (1930-1937). São Paulo: Difel, 1982. p. 256). Paralelamente a esses
acontecimentos nacionais importantes e conflituosos, a vida política dos estados fazia-se intensa através da
formação das Assembléias Constituintes, as quais elegeriam o primeiro governador constitucional dos estados.
No Rio Grande do Sul, foi eleito o general Flores da Cunha.
306
O Ministério Público foi organizado e instituído com o ingresso no cargo pelo meio de concurso público
através da Carta constitucional de 1934. Ficou estabelecido que perderiam o cargo por sentença judicial ou
processo administrativo, resguardada a ampla defesa. CASTRO, História do Direito, p. 457.
307
Severino Leite Sampaio tomou posse como promotor publico interino de Soledade em 1
o
de junho de 1934.
Livro de Termos de Compromissos dos Promotores de Justiça, 13.03.1895 a 07 06.1954. Livro de Registro das
Promotorias Publicas das Comarcas do Estado. Memorial do Ministério Público do Estado do Rio Grande do
Sul.
308
CRACCO, O mandonismo local e os bombachudos de Soledade, p. 77.
108
nem os homens que representavam a lei e a ordem estavam imunes às arbitrariedades. Sobre o
episódio envolvendo Severiano Sampaio consta a seguinte notícia no Correio do Povo:
Pediu licença, tendo seguido para essa capital o Dr. Severino
Leite Sampaio, promotor público desta comarca. Consta como
certo que o motivo do seu pedido foi a circunstância de ter o Dr.
Severino Leite Sampaio requerido ao delegado de polícia Sr.
Macário Graccho Serrano um auto de corpo de delito no local
onde se deu o conflito do dia 15 de dezembro p. findo, no qual
foi assassinado o Sr. Kurt Spalding e ferido Cândido Carneiro
Júnior, além de outros requerimentos que não foram atendidos.
Desgostoso.
309
Ainda, segundo a maior parte das notícias veiculadas na imprensa, Sampaio teria
caído em desagrado junto ao prefeito Müller Fortes porque este lhe teria imposto que não
fosse denunciado Ricardo Schaeffer, um dos supostos matadores de Kurt Spalding.
310
Quanto a João Pereira da Silva, teria sido, conforme notícia publicada no jornal O
Nacional, fuzilado por sete capangas do prefeito, fato que, somado ao crime da Farmácia
Serrana e aos demais acontecimentos, teria servido para intimidar os integrantes da Frente
Única de Soledade, os quais não compareceram às eleições suplementares, determinadas por
terem sido anuladas as realizadas em 14 de outubro de 1934.
311
3.3 Os acusados e os desdobramentos políticos no cenário da violência
Os atos de Chico Touro deram margem à instauração de um inquérito policial,
presidido pelo coronel Bráulio de Oliveira, subchefe de pocia da 7
a
região, sob determinação
do governador do estado Flores da Cunha, atendendo a solicitação do ministro da Justiça em
virtude de representação levada à Ordem dos Advogados do Brasil.
312
Armando de Souza
Kanters foi designado pela subsecção da OAB de Passo Fundo, que compreendia Soledade,
309
Correio do Povo, 25 jan. 1935. p. 8.
310
Correio do Povo, 31 ago. 1935. p. 8.
311
OS ACONTECIMENTOS de Soledade. O Nacional, Passo Fundo, 19 dez. 1934. p. 1.
312
OS SUCESSOS de Soledade. O relatório apresentado pelo representante da OAB sobre o inquérito procedido.
Correio do Povo, Porto Alegre, 8 ago. 1935, p. 9.
109
para representá-la no inquérito. Posteriormente, uma via do relatório foi encaminhada ao
governador do estado, acompanhada da seguinte mensagem:
Vê-se pela enumeração de fatos atentatórios da liberdade, vida e
da honra dos cidadãos que em Soledade, como disse a
testemunha coronel João Ferreira Dias, Coletor Federal: com a
atuação do prefeito Francisco Müller Fortes, a vida do
município sofreu um colapso, desaparecendo a Justiça e as
garantias individuais; elementos de representação abandonaram
o município e a vida social extinguiu-se. Diante da horrível
situação a que está reduzido o povo de Soledade, urge uma
provincia decisiva, e em tal sentido esta Diretoria apela para
os sentimentos humanitários de V. Exa. (Assinados) João
Junqueira Rocha - Presidente. Mauro P. Machado- Vice-
Presidente, Gelso Ribeiro - 1
o
Secretário, Frederico C. Daudt -
Tesoureiro, Verdi de Césaro -2
o
Secretário.
313
No relatório apresentado por ele, Kanters insiste que teriam ficado comprovadas
as acusações feitas contra o prefeito Francisco Müller Fortes, em especial o fato de manter, à
custa dos cofres municipais, avultado número de capangas armados, os "bombachudos".
Mencionava ainda que os entraves e obstáculos impostos pelo prefeito de Soledade e seus
apaniguados ao exercício das funções judiciárias estariam intimidando a atuação de juízes na
comarca. Citava os casos que haviam envolvido Oldemar Toledo, juiz da comarca, e Mário
Moraes, juiz distrital, que afirmava se encontrarem na continncia de abandonar o
município, seguindo aquele para Santa Vitória do Palmar, para onde teria sido removido a
pedido, e este solicitando contínuas licenças.
Kanters indicava ainda o fato de o então promotor público da comarca, Severino
Leite Sampaio, ter sido, a 26 de janeiro de 1935, agredido em plena praça blica da vila por
Fortes," a bofetadas, enquanto que dois sargentos da pocia o calçavam, de relveres em
punho, fato esse ocorrido na presea de soldados, capangas do prefeito e outras pessoas".
Além desses fatos, que afirmava terem sido relatados por testemunhas, relatava
que, conforme as circunstâncias anteriores e posteriores ao delito trazidas à luz do inquérito
pelos depoentes, o autor moral do assassinato de Spalding seria, sem vida, Müller Fortes.
Mencionava também que o prefeito teria aliciado capangas e armado-os com revólveres
313
Citado na obra de WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 80-81.
110
comprados nas casas comerciais de Triches & Dal Santo, em Soledade. Consta ainda do
relatório:
A existência da capangagem, recrutada entre malfeitores e
criminosos, quando o serviço de policiamento era atribuição da
polícia municipal e destacamento (25 homens) da Brigada
Militar do Estado - é já de si suspeita. À 14 e 15, vésperas das
eleições suplementares, chegaram do interior, à vila os
subprefeitos dos 10
o
e 11
o
distritos [...] chefiando grupos
armados. No dia 15 pela manhã, Maria dos Santos, que parava
na casa de uma das testemunhas, que depôs no inquérito, e a ela
se referiu, viu o delegado de pocia falando com os capangas, os
mesmos que assaltaram Kurt Spalding[...] "Façam o serviço bem
feito". À mesma hora do assassinato era cercada a resincia de
Cândido Carneiro Júnior, que, no momento estava ausente. Era
o desenvolvimento do plano arquitetado pelo prefeito, seus
auxiliares e apaniguados, quando, em sua própria casa de
moradia, expôs os meios que havia escolhido para evitar o
acesso às urnas dos elementos oposicionistas, plano que ia da
intimidação ao espancamento e aos assassinatos miseráveis, que
se consumaram com indiferença das autoridades, que, cientes,
nada fizeram para impedi-los. [...] encheu de luto duas famílias:
a de Kurt Spalding, na vila, e no mesmo dia, no 6
o
distrito, a do
"frentreunista" João Pereira Gomes, que assistiu ao bárbaro
trucidamento de seu chefe, por um grupo armado, na frente de
sua própria residência. São fatos notórios, largamente foram
comentados pela imprensa daqui, de São Paulo, da Capital da
República, e que lançam uma nódoa negra na história da potica
de nossa terra, fazendo aumentar o rculo dos pessimistas que
o crêem no evoluir da nossa apoucada educação cívica[...]
314
Kanters prosseguia afirmando que a sociedade de Soledade ainda sofria com a
violência que grassava à solta no município:
314
OS SUCESSOS de Soledade. O relatório apresentado pelo representante da OAB sobre o inquérito procedido.
Correio do Povo, Porto Alegre, 8 ago. 1935, p. 9.
111
[...] de que agora como a um ano, continua sendo burla
grosseira, em Soledade, os direitos e garantias individuais, as
imposições de lei letra morta e um mito a constituição. O que
prevalece naquele martirizado município, é a vontade
discricionária das autoridades - do prefeito ao mais ínfimo de
seus subalternos. O que se observa é a volta do caciquismo
desenfreado, é o retorno, o regresso ao barbarismo. O crime
campeia livremente garantido pela mais desbragada
impunidade.
315
Francisco ller Fortes o se intimidou e, tampouco, deixou de reagir às
acusações. Em nota paga publicada na imprensa de veiculação estadual, afirmou em sua
defesa que a ordem blica sempre teria sido "um sonho irrealizável" das autoridades de
Soledade. Veja-se o texto por ele veiculado:
A família soledadense nunca teve a ventura de viver tranila,
tal a falta de garantia que servia de estímulo aos atentados de
toda sorte à integridade sica e moral de seus membros. O
Poder Público local sempre foi impotente para reprimir esses
atentados, essas contínuas desordens que recrudesciam
assustadoramente, uma série, enfim, hedionda de crimes de toda
a espécie, que apavoraram uma época e encheram os cartórios,
ao ponto de existirem, não findos, duzentos e tantos processos
sobre fatos ocorridos antes do início da minha gestão. As
nomeações de prefeitos se sucediam, ao ponto de, em 42 meses
terem sido nomeados sete prefeitos! [...] Cada prefeito nomeado
era recebido com antipatia e logo passava a ser combatido e
injuriado,tima de difamações e ameaças. A oposição chegou a
reunir grande número de indivíduos para depor um dos prefeitos
nomeados, cuja casa foi alvo de bombas. A criminalidade não
encontrava o menor obstáculo. Crimes de homicídio se
praticavam tanto na vila, como no interior do município [...]
Quem transitasse pelas ruas da vila, penetrasse num café ou
fosse a qualquer reunião, correria perigo, dada a existência de
elementos turbulentos que se embriagavam e dirigiam toda sorte
de provocações. Foi essa, em concisos traços a herança recebida
pelos prefeitos nomeados após 1930, os quais, encontrando
dificuldades de toda monta, o conseguiram normalizar a
situação anárquica reinante, agravada ainda mais, pelo
movimento subversivo de 1932, que, na ordem econômica e
social, tantos prejuízos acarretou à comuna.
316
315
OS SUCESSOS de Soledade. O relatório apresentado pelo representante da OAB sobre o inquérito procedido.
Correio do Povo, Porto Alegre, 8 ago. 1935, p. 9.
316
APEDIDO A Campanha contra a situação de Soledade. Explicações à opinião pública do Rio Grande. A
minha defesa. Diário de Nocias, Porto Alegre, 14 set. 1935.
112
Fortes atribuía a situação política tumultuada de violência em Soledade à falência
do sistema preventivo e repressivo estatal, que deixava a vila e o interior livres para a atuação
de desordeiros e bandidos. Essa idéia vai ao encontro da percepção da época, de que o sistema
jurídico também poderia exercer um papel importante para defender os interesses da
sociedade e criar um ambiente de ordem e respeito às leis. Assim, ao invés de ser concebido
como um sistema para resolver os conflitos, sua função seria justamente a oposta: estabelecer
um controle para que os conflitos não aflorassem ou fossem sufocados.
317
Sobre o episódio do assassinato de Spalding e dos ferimentos de Candoca,
Francisco Müller Fortes atribuía as muitas acusações a ele dirigidas a intrigas de seus
desafetos, que teriam se aproveitado do que chamava "grave e lamentável conflito da
Farmácia Spalding". Afirmava ainda em sua defesa que dois moços "da família liberal" de
Soledade (aqui se referia a integrantes do PRL) teriam chegado ao estabelecimento em torno
das 11h e 30 m, no intuito de entregarem um boletim, como fariam em toda a vila. Contudo,
Kurt Spalding teria se recusado a receber o boletim oferecido por Gerôncio Ferreira, passando
a ofender a ambos com palavras. Durante a discussão entre Gerôncio e Spalding, ndido
Carneiro Júnior teria detonado, por "debaixo do pala", o seu revólver contra o liberal, que
"caiu morto, empunhando o maço de boletins, perfurado por bala e chamuscado". Fortes
afirmou ainda que Gerôncio Ferreira o tivera tempo de usar a sua arma, pois caíra com
todos os cartuchos intactos.
Morto Gerôncio, estabelecera-se violento conflito. Alvino dos Santos Ferreira,
que acompanhava Gerôncio, teria recebido tiros "pela frente e pelas costas"; "Cândido
Carneiro Júnior e outros atiravam pela frente; Albino Senger, que deixara o automóvel junto a
porta da farmácia, detonava o revólver contra Alvino pelas costas". Assim teria se dado a
morte de Spalding, em meio a um fogo cruzado. Albino Senger, que Fortes refere como
"companheiro inseparável" de ndido Carneiro Júnior, teria fugido em seguida à
consumação do crime. Fortes menciona ainda que teria saído levemente ferido Clóvis Libero
317
ROLIM, Rivail Carvalho. Normas positivas e regras sociais compartilhadas: uma abordagem na perspectiva
da história social do direito sobre os princípios e postulados que orientaram o ordenamento jurídico-penal
estadonovista. In: Anais. SIMPÓSIO INTERNACIONAL FRONTEIRAS NA AMÉRICA LATINA. UFSM:
Santa Maria. CD-ROM.
113
Cardoso, que fugiu em seguida para a cidade de Porto Alegre.
318
A versão é confusa e
inverossímil quando comparada às demais presentes na documentação.
Nesse ponto, é importante relatar que Francisco Müller Fortes seria também
assassinado pouco tempo depois desses acontecimentos. Foi morto em 19 de janeiro de 1936
durante a pacificação potica,
319
em Cruz Alta, para onde se mudara após deixar a prefeitura
de Soledade.
320
A notícia de mais um crime violento, provavelmente um desdobramento do
episódio dos bombachudos, foi assim relatada:
Cruz Alta. O Assassinato do Sr. Francisco Müller Fortes, ex-
prefeito de Soledade. Cruz Alta 21 (via postal). Domingo, 17, a
praça matriz desta cidade foi teatro de um bárbaro crime que,
dadas as circunstâncias em que se desenrolou, impressionou
fundamente o espírito público. Como é notório, a imprensa do
Estado, por longo tempo ocupou-se do regime de perseguições e
de terror em que se viu envolvida a população de Soledade, no
período de governo do Sr. Francisco Muller Fortes, que, após
exoneração, teve que sair daquela localidade, passando a residir
nesta cidade, à praça da Matriz, onde foi morto a tiros, não se
sabendo ao certo por quem. Achava-se o Sr. Francisco Müller
Fortes em pé, à porta da frente de sua residência, assinando o
recibo de um recado telegráfico, quando recebeu dois tiros na
cabeça e um no braço, tombando sem vida.
321
Imediatamente, as suspeitas sobre a autoria do homicídio recaíram sobre Aderbal
Pitágoras, cabo do Exército e filho
322
de Kurt Spalding; contudo não foi encontrada qualquer
prova de que ele fosse o autor dos disparos. Conforme o Correio do Povo de 24 de janeiro de
1936 :
318
APEDIDO A Campanha contra a situação de Soledade. Explicações à opinião pública do Rio Grande. A
minha defesa. Diário de Nocias, Porto Alegre, 14 set. 1935.
319
A pacificação política deu-se por meio de uma ata, onde os partidos rio-grandenses, por intermédio de seus
representantes, estabeleceram algumas normas reguladoras, visando à colaboração no governo de todas as
correntes de opinião. Tratava-se de uma nova tentativa de reaproximação entre o PRL e a FUG, então aliados
contra o governo federal. Foi justamente o afastamento crescente entre Flores da Cunha e Getúlio Vargas que
permitiu uma rápida reaproximação entre as forcas políticas tradicionais rio-grandenses. Contudo, a assinatura
do modus vivendi, em janeiro de 1936 não garantiu que o acordo durasse mais que alguns meses. COLUSSI,
Eliane Lucia, op. cit., p. 61-62.
320
WEDY, O pequeno grande mundo de Soledade, p. 91.
321
ASSASSINATO do Sr. Francisco Muller Fortes, ex-prefeito de Soledade, Correio do Povo, Porto Alegre, 24
de jan. de 1936. p. 8.
322
controvérsia a respeito de ser Aderbal Pitágoras filho natural ou adotivo de Kurt Spalding. Garibaldi
Wedy traz a informação de que Aderbal era tido como filho natural de Spalding, e teria sido concebido antes do
casamento deste com Lúcia Portela dos Santos. Faleceu em 17 de abril de 1988, em Passo Fundo. WEDY, O
pequeno grande mundo de Soledade, p. 78 - 79.
114
E porque se ache servindo no 8 C. R. I. um moço de Soledade,
filho de uma das vítimas assassinadas no governo Fortes - o
distinto cidadão Kurt Spalding - cujo crime era ser pessoa de
influência na potica frentista. Porque esse moço é filho dessa
última e é militar foi preso por suspeita de ser o criminoso,
sendo que se achava ele no quartel quando se deu o fato.
323
O local dos fatos, praça da cidade de Cruz Alta, remete a um outro assassinato,
também levado a cabo em praça pública, dessa vez em Soledade, e tendo como tima o
advogado Júlio César Serrano. Com pelo menos dois tiros, o advogado Serrano, 54 anos, foi
executado na noite de 11 de janeiro de 2005, quando estava conversando com quatro amigos
num banco da praça Olmiro Ferreira Porto, nas proximidades de sua casa, no centro da
cidade. Segundo testemunhas, às 21h30min, um jovem saiu detrás de uma árvore com uma
arma na mão, aproximou-se de Serrano e disparou pelo menos quatro vezes. Ele foi atingido
por pelo menos dois disparos no tórax e no antebraço direito. O crime ocorreu na frente de sua
casa, onde também funcionava seu escritório. Segundo a Brigada Militar, os tiros foram dados
à queima-roupa. O criminoso aproveitou a confusão e fugiu enquanto a tima era socorrida.
Segundo o delegado Sander Ribas Cajal, havia um carro esperando o assassino nas
proximidades da praça. O fato, remete ao assassinato de Spalding, em seu local de trabalho.
324
Chegando a ser a ele comparado na imprensa estadual.
325
Assim, embora o tema de estudo do presente trabalho seja a violência política,
entendida aqui como elemento constitutivo da estrutura potica brasileira e consolidada ao
longo de sua história, deve-se atentar para o fato de que a violência se apresentou de
diferentes formas e intensidades nos muitos períodos e espaços geográficos e culturais. Dessa
forma, acredita-se que a permanência da violência tanto nas práticas quanto na cultura política
do Brasil foi uma característica de longa duração, que conviveu com situações históricas
específicas de descontinuidade. Nesse sentido são as palavras de Bernstein e Milza:
323
ASSASSINATO do Sr. Francisco Muller Fortes, ex-prefeito de Soledade, Correio do Povo, Porto Alegre, 24
jan. 1936. p. 8.
324
ADVOGADO é executado em praça de Soledade Serrano foi atingido pelas costas. Violência, Zero Hora,
Porto Alegre, 12 jan. 2005.
325
PRAÇA foi palco de execução nos anos 30. Pocia, Zero Hora, 16 de jan. de 2005. p. 46
115
O historiador tenta restituir a evolução na duração que permite
compreender por que processo chegou-se à situação presente:
ele se dedica a escrever as estruturas cujas transformações dão
conta da emergência factual de fenômenos cuja gênese se situa
sempre a médio ou longo prazo.
326
Com relação à política estadual, Flores da Cunha, der do PRL, permaneceu ao
lado de Vargas até o movimento constitucionalista de 1935, momento a partir do qual se
seguiu um afastamento progressivo de ambos. No ápice das divergências, Vargas interveio no
estado, em 1937, para substituir Flores da Cunha na interventoria estadual por Daltro Filho.
Hélgio Trindade esclarece a complicada situação de Flores da Cunha:
Com a aproximação das eleições, em 37, Getúlio passa a atacar
Flores em duas frentes: primeiro, fechando o cerco do controle
militar sobre a Brigada, Provirios e compra de armamentos;
depois provocando, por intermédio de seu irmão, Benjamin
Vargas, uma dissidência dentro do PRL, onde a autoridade de
Flores como der do partido é questionada. O grupo de
dissidentes cresce rapidamente.
327
Acrescente-se a esse quadro o rompimento do modus vivendi que havia pacificado
por pouco tempo o PRL e a FUG, que buscava reaproximar Getúlio das antigas lideranças
políticas do PRR e do PL. A situação de instabilidade potica isolava cada vez mais Flores da
Cunha. Desse modo, com a divisão dos principais partidos poticos, o Rio Grande do Sul
encontrava-se fragilizado, o que criava as condições ideais para a intervenção federal. Tudo
isso contribuiu para que a chegada do Estado Novo no Rio Grande do Sul fosse antecipada em
relação ao resto do Brasil, tendo se dado na data de 19 de outubro de 1937.
328
Especificamente a respeito dos fatos ocorridos na Farmácia Serrana, do qual
restaram timas fatais Kurt Spalding e os bombachudos Gerôncio Assis Ferreira e Alvino dos
Santos Ferreira e saíram feridos Cândido Carneiro Júnior e Ricardo Schaeffer, este também
bombachudo, a versão que encontrou maior sustentação no material pesquisado foi a de que
se tratou de um crime com motivação política. Embora não seja possível precisar as
circunstâncias em que ocorreu, o fato é que o assassinato movimentou a vila de Soledade em
torno das acusações aos bombachudos e ao prefeito Müller Fortes, apontado como mandante.
326
BERNSTEIN, Serge; MILZA, Pierre. Conclusão. In: CHAUVEAU, Agnes; TETARD, Philip (Org). Questões
para a história do presente. Bauru: Edusc, 1999, p. 127.
327
TRINDADE, Aspectos políticos do sistema partidário republicano rio-grandense (1882-1937), p. 189.
328
COLUSSI, Estado Novo e municipalismo gaúcho, p. 63-66.
116
Até onde foi possível pesquisar, nenhum bombachudo foi preso por conta desse
fato. Francisco Müller Fortes foi exonerado e transferiu-se para Cruz Alta, não tendo
respondido a processo algum. Os dois únicos processados foram Cândido Carneiro Júnior e
Albino Senger, que acabaram sendo absolvidos pelo tribunal do júri.
Pode-se, portanto, afirmar que a violência em Soledade durante a atuação dos
bombachudos fazia parte do cotidiano local, pois foram raras as vezes em que se abriu um
jornal da época e não se encontrou alguma manchete a respeito. E, embora não fossem
incomuns as ocorrências de mortes e ameaças atribuídas a esse grupo, o Estado, através da
polícia, da Brigada Militar e do Poder Judiciário, não conseguia ou não desejava modificar a
situação.
A situação de Soledade despertou o interesse de poticos estaduais e integrantes
da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul, que também tiveram dificuldades
para fazer frente ao poder que sustentava os bombachudos, o qual, através do uso da
violência, perpetuava-se desconhecendo os limites da lei e do direito.
Dessa forma, a denúncia da parcialidade do juiz Evaristo, o assassinato de
Spalding, as demais mortes e ameaças, a ação dos bombachudos, o assassinato de Müller
Fortes em Cruz Alta e a eclosão do movimento dos Monges Barbudos são episódios que,
vistos em conjunto, revelam o quadro de violência potica e social de um município do norte
do Rio Grande do Sul. Infelizmente, acontecimentos recentes levam a crer que, talvez, o ciclo
de violência não tenha se encerrado com os monges. Ainda hoje permanecem antigas
rivalidades poticas, desavenças antigas e públicas que, vez ou outra, abalam Soledade com
suas conseqüências trágicas.
3.4 A exemplificação da violência para além da política: os Monges Barbudos
A cada de 1930 foi fértil em seu contexto político e econômico, tanto em nível
nacional quanto no estadual, tendo profundas repercussões e releituras em nível local.
Soledade participou de inúmeros episódios, levantes poticos, nacionais e estaduais, em
117
grande parte de caráter oposicionista, o que justificou a contínua repressão política, atos de
violência e de vingança aos grupos de oposição local.
Soledade sofreu por ter sido um dos locais onde se manteve forte oposição à
política centralizadora de Vargas no período antecedente ao Estado Novo. E um movimento
que sofreu com a intervenção estatal foi o dos Monges Barbudos, no ano de 1938, o qual
adquiriu a conotação de questão de segurança nacional, razão pela qual deveria ser
combatido
329
.
Esse movimento social consistiu num conflito de grandes proporções para a época
e local, que se deu na localidade de Bela Vista, em Sobradinho, durante o outono de 1938,
congregando um grupo de caboclos que manifestava uma leitura crítica da situação cultural,
política e ecomica do período, tentando resgatar uma visão religiosa, tica e social,
econômica e simbólica da natureza. A luta dos monges deu-se com as armas de sua mística
religiosa e camponesa, incorporando no seu cotidiano vivido a liderança religiosa de um
monge chamado João Maria, ao mesmo tempo profeta e conselheiro.
330
Esse movimento foi estudado por Henrique Kujawa, que trabalhou alguns
aspectos da história de Soledade. Contudo, o seu enfoque principal restringiu-se ao epidio
dos Monges Barbudos, ocorrido em Sobradinho, município então emancipado de Soledade.
Pela análise do contexto político, da interferência da Igreja Católica, das idéias pregadas pelos
monges, da imprensa e da ação da Brigada Militar, Kujawa buscou identificar o elemento
caboclo, sua cultura e religiosidade, tentando dar uma resposta para a questão da perseguição
aos integrantes do movimento.
A região de Soledade, conforme ressaltado, vinha tempo sendo palco de
conflitos, dos quais um dos mais graves fora o apoio dado ao movimento constitucionalista de
1932. Havia, portanto, pelas denúncias de moradores locais, suspeitas de um novo movimento
de resistência potico-ideológica, o que representava uma ameaça à ordem pregada pelo
regime. Através do fragmento a seguir, percebe-se a suspeita de que o movimento dos
Monges Barbudos tivesse realmente essa conotação:
329
Sobre o movimento dos Monges Barbudos ver: KUJAWA, Henrique Aniceto. op. cit. e VERDI, Valdemar C.
Soledade das sesmarias, dos monges barbudos e das pedras preciosas. Não-Me-Toque: Gesa, 1987.
330
KUJAWA, Cultura e religiosidade cabocla, p. 12 e 47.
118
No interior do município de Soledade, está reunido um grupo de
mais de mil homens em atitude suspeita. suposição de que se
trata de meros fanáticos exploradores, alguns espertalhões que
se dizem monge. O Cel. Feio tomou provincias mandando
destacamento da Brigada para fazer reconhecimento. Houve
tiroteios resultando a morte de um fanático, ferido um soldado e
presos noventa e seis indivíduos que integravam o grupo.
Receia-se que referido agrupamento tenha intuitos poticos
mascarados.
331
Temia-se também que a região abrigasse movimentos subversivos por causa da
estreita ligação que havia entre Flores da Cunha, então rompido com Getúlio Vargas, e Victor
Dumoncel Filho, bem como destes com figuras de destaque da política soledadense.
Para entender essa questão, deve ser retomado o contexto histórico da década de
1930, quando Flores fora o braço direito de Getúlio na implementação do governo varguista.
Em 1932, com a eclosão do movimento constitucionalista em São Paulo, embora tenha
demorado a se decidir, Flores acabou por permanecer ao lado de Vargas, reprimindo os
rebeldes gaúchos e mandando tropas para auxiliar na repressão ao movimento em São Paulo.
Implantado o Estado Novo no Rio Grande do Sul em 1937, Vargas buscou a centralização do
poder, detendo o controle potico sobre os estados; para desempenhar esse projeto nomeou
como interventor para o estado do Rio Grande do Sul, o general Daltro Filho, que tinha como
principal tarefa desarmar a Brigada Militar e os Corpos Provisórios. Flores, inconformado
com tais medidas e temendo pela própria sorte, buscou exílio no Uruguai. Com isso, passou a
simbolizar a oposição gaúcha ao regime varguista, de forma a temer-se a sua possível
vinculação com o Movimento dos Monges Barbudos, que revestido de ameaça ao regime,
necessitava ser reprimido de forma enérgica.
Fica clara essa preocupação no fragmento da carta de Batista Luzardo endereçada
a Getúlio Vargas, em 19 de setembro de 1938: "Na serra, com Victor Dumoncel, que tem,
segundo afirma Flores, de 800 a 1.000 armas escondidas em três pontos que Flores o
revelou."
332
Assim, embora o tempo passasse, Soledade continuava estigmatizada, tanto pelos
governantes como pela própria população, que passou a temer a repetição dos atos violentos
que marcavam a memória local, dentre os quais os episódios envolvendo o grupo dos
bombachudos. Como os fatos não eram devidamente investigados e não havia punição aos
331
Carta de Aladino Neves a Alzira Vargas. Arquivo Getúlio Vargas. Doc. 38.04.20/1. Solar dos Câmara.
332
Carta de Batista Luzardo a Getúlio Vargas, 19.09.1938. Arquivo Getúlio Vargas. Doc. 38.09.19. Solar dos
Câmara.
119
culpados, permanecia a sensação de impunidade, que, por sua vez, estimulava mais atos dessa
natureza.
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao se analisar a situação que teve como ponto de partida as denúncias do
"Processo de Exibição de Autógrafos", fica claro que fazem parte de um período no qual as
forcas externas, em especial as forças poticas, atingiam o Judiciário de forma contundente,
levando muitas vezes a decisões que atendiam aos interesses dos poderosos locais. A situação
tornava-se ainda mais delicada quando envolvia questões eleitorais, seja porque a luta para
manter-se no poder ou a ele chegar não possuía limites, ou porque a possibilidade de uma
disputa eleitoral em nível de igualdade esbarrava na própria organização da legislação
eleitoral, que permitia o controle de um certo grupo sobre os processos de alistamento,
votação e apuração de votos. Assim, não eram poucos os casos em que os juizes tinham sua
atuação "fiscalizada" pelos detentores do poder local ou estadual.
As declarações que fizeram com que o juiz da comarca de Soledade Evaristo
Silveira se sentisse ofendido, levando-o a requerer a instauração do “Processo de Exibição de
Autógrafos”, no ano de 1929, foram justamente as que o acusavam de fraudes na elaboração
de listas de eleitores. Embora o processo tivesse perdido sua razão, bem como o juiz tivesse
deixado a comarca de Soledade, a situação ainda estava longe de ser tranqüila, sendo os
resultados desse e de outros epidios sentidos a longo prazo na luta política no município.
Com relação especificamente ao Judiciário, o entendimento de sua trajetória
possibilita uma real compreensão de sua dimensão atual. Assim, ao se voltar para o passado, o
olhar pode indicar os erros e os acertos e, até mesmo, refletir a realidade atual com outra
roupagem. O trabalho histórico não consiste somente numa leitura de documentos antigos,
mas também é uma reflexão necessária e que deveria ser realizada de forma regular, para que
o trajeto já percorrido o seja esquecido.
No espaço de poderes políticos de Soledade, pode-se afirmar que as atitudes do
governo do estado do Rio Grande do Sul, tais como a aprovação do Código Eleitoral e as
121
tentativas de validá-lo, não possuíam sustentáculo nas redes micro de poderes. Por outro lado,
a ineficácia do Estado em proteger os direitos dos eleitores, ou a atuação no sentido de coibir
as práticas oposicionistas, acabava por manter o partido da situação no poder. A luta pelo
poder era travada tanto em nível municipal quanto estadual e nacional. Conforme visto, em
Soledade, o ápice deu-se com as coações e violências exercidas contra o eleitorado, em
especial oposicionista, e suas lideranças. Nesse sentido, o descrédito na atuação estatal e no
processo eleitoral levaria a uma desconfiança em relão à atuação da justiça, o que, por fim,
ocasionaria um abandono das regras oficiais e intensificaria as práticas informais e
alternativas para solução de conflitos. Dessa forma, foi natural que certas pessoas de destaque
surgissem como substitutos da figura estatal aos olhos da população de Soledade.
A oposição soledadense era vista, em especial após o combate do Fão (1932),
com cautela pelos governantes, tanto estaduais quanto municipais. A rivalidade entre a
situação e a oposição viria à tona através dos violentos episódios desencadeados pelas
eleições de 1934. A luta pelo poder levaria Soledade a uma situação que requereu a
intervenção de membros externos à localidade.
Percebe-se que as rivalidades poticas, a violência e a relação do Poder Judiciário
com as forças poticas locais foram algo constante e que se estendeu desde a República Velha
até o pós-30. E, embora não seja possível precisar uma data para o início desses conflitos,
bem como para o seu término, o que a pesquisa possibilitou foi a percepção do aumento da
intensidade dentro do período estudado. Assim, tem-se o auge das rivalidades poticas, com o
aumento da violência nos anos compreendidos no mandato do prefeito Francisco Muller
Fortes, de 2 de maio de 1934 a 1
o
de outubro de 1935, quando os bombachudos atuaram em
Soledade, duas eleições foram anuladas e ocorreu o episódio da Farmácia Serrana. Embora o
tempo passasse, Soledade continuava estigmatizada tanto pelos governantes como pela
própria populão, que passou a temer a repetição dos atos violentos que marcariam a
memória local.
Dentre os episódios citados destaca-se o ocorrido na Farmácia Serrana, do qual
resultaram timas fatais Kurt Spalding e os bombachudos Gerôncio Assis Ferreira e Alvino
dos Santos Ferreira e saíram feridos Cândido Carneiro Júnior e Ricardo Schaeffer, este
também bombachudo. Sobre este, a versão que encontrou mais sustentação no material
pesquisado foi a de que se tratou de um crime com motivações poticas. Embora não seja
possível precisar as circunstâncias em que ocorreu, o fato é que o assassinato movimentou não
122
Soledade, mas todo o estado em torno das acusações aos bombachudos e ao prefeitoller
Fortes, apontado como autor intelectual.
Segundo consta, nenhum bombachudo foi preso. Francisco Müller Fortes foi
exonerado, tendo passado a residir em Cruz Alta, e não respondeu a processo algum, embora
diversos segmentos sociais de Soledade requeressem a sua punição. Os dois únicos
processados foram Cândido Carneiro Júnior e Albino Senger, que acabaram sendo absolvidos
pelo tribunal do júri de Soledade. Embora não fossem incomuns as ocorrências de mortes e
ameaças atribuídas a esse grupo, o Estado, através da pocia, da Brigada Militar e do Poder
Judiciário, não conseguia ou não desejava modificar a situação. Tanto isso é verdade que a
situação de Soledade despertou o interesse de políticos estaduais e integrantes da Ordem dos
Advogados do Brasil do Rio Grande do Sul, que também tiveram dificuldades para fazer
frente ao poder que sustentava os bombachudos.
Dessa forma, a denúncia da parcialidade do juiz Evaristo, o assassinato de
Spalding, as demais mortes e ameaças, a ação dos bombachudos, o assassinato de Müller
Fortes em Cruz Alta e a eclosão do movimento dos Monges Barbudos são episódios que,
vistos em conjunto, revelam o quadro de violência potica e social de um município do norte
do Rio Grande do Sul. Não se pode negar que as inúmeras práticas ilícitas, em grande parte
violentas, ligadas à tentativa de manutenção do poder de mando através da vitória nas eleições
tenham deixado sua marca na população de Soledade, ocupando espaços no imaginário local.
E, de certa forma, apesar de as motivações dos crimes da década de 1930 serem,
em sua maior parte, políticas, e os que nesse momento novamente movimentam a cena local e
estadual, não terem tido ainda suas causas reveladas, pode-se vislumbrar um elemento
comum, que é a violência, em especial pela sua característica mais marcante, ao apresentar-se
sob a forma de atitudes que visam à demonstração de poder, com a intenção de intimidar,
impedindo, assim, a reação de um determinado grupo.
Os casos analisados neste trabalho representam uma ruptura, são episódicos,
porque ocorridos em determinado espaço e num período de tempo específico. A continuidade
é representada pela permanência de características específicas, sendo a violência uma delas.
E, embora o enfoque desta pesquisa seja a violência potica, em linhas gerais, acredita-se ser
possível traçar um paralelo entre os acontecimentos de 1930 e os ocorridos entre 2001 e 2005.
A brutalidade, a característica de supressão dos adversários, a execução pública são
demonstrações de poder presentes ontem e hoje no cotidiano de Soledade. São elementos que
123
se repetem e, embora o seja possível obter as respostas para os acontecimentos do presente,
o passado permite que se reflita, no sentido de reconstituir o caminho percorrido por um
grupo social, pois os episódios do passado não podem, nem devem, ser apagados, uma vez
que, invariavelmente, acabam por refletir no presente.
Assim, a forma da prática dos crimes, a execução, encontra eco num passado não
tão distante, que ainda hoje marca o imaginário da população soledadense, tanto que a cada
repetição de atos violentos ressurgem os fantasmas do passado, a dizer que Soledade
permanece uma terra de pistoleiros.
333
Nesse sentido, as palavras de Pierre Nora são lapidares:
"A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em
permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas
deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas
latências e de repentinas revitalizações".
334
Este estudo se apresenta ainda sob o impacto dos acontecimentos da atualidade.
Acredita-se que, embora a tarefa seja árdua, o estudo do passado representa uma possibilidade
para se encontrarem pistas para o entendimento do presente. Não há, portanto, como deixar de
lado a atualidade, visto que a história está sendo solicitada (em todos os sentidos do termo).
Não se sabe se será possível corresponder a todas as expectativas, contudo o que o se pode
negar é que representa, sem vida, um ponto de partida. Marc Bloch já escrevia que "a
incompreensão do passado nasce afinal da ignorância do presente". Invertendo essa
afirmação, pode-se dizer, com igual verdade, que "a incompreensão do presente nasce
também da ignorância do passado".
335
No mesmo sentido, Lucien Febvre afirma que a "
análise do presente" pode dar "a régua e o compasso" à pesquisa histórica.
336
Segundo José Murilo de Carvalho, o coronelismo, como sistema nacional de
poder, acabou em 1930, mais precisamente com a prisão do governador gaúcho Flores da
Cunha, em 1937. O centralismo estado-novista destruiu o federalismo de 1891 e reduziu o
poder dos governadores e de seus coronéis. Todavia, os coronéis não desapareceram por
completo. Alguns até sobreviveram ao Estado Novo, dando origem a um novo coronel,
"metamorfose do antigo, que vive da sobrevivência de traços, práticas e valores
333
SOB o estigma da pistolagem. Polícia. Zero Hora, 16 jan. 2005, p. 46.
334
NORA, Pierre. Entre memória e história. A problemática dos lugares. Revista Projeto História. São Paulo. v.
10. dez. 1993, p. 9.
335
CHAUVEAU, Agnes; TETARD, Philip. Questões para a história do presente. In: CHAUVEAU, Agnes;
TETARD, Philip (Org). Questões para a história do presente. Bauru: Edusc, 1999. p.10.
336
CHAUVEAU; TETARD, Questões para a história do presente. p. 10.
124
remanescentes dos velhos tempos".
337
Acreditando ser o novo coronel parte de um sistema
clientelístico nacional, afirma o mesmo autor:
[...] mantém do antigo coronel a arrogância e a prepotência no
trato com os adversários, a inadaptação às regras da convincia
democrática, a convicção de estar acima da lei, a incapacidade
de distinguir o público do privado, o uso do poder para
conseguir empregos, contratos, financiamentos, subsídios e
outros favores para enriquecimento próprio e da parentela.
Somam-se, ainda, a tudo isso, o uso do paternalismo e do
clientelismo para distribuição das sobras das benesses públicas
de que se apropria. Habilidoso, pode surgir através do der
populista, ou do campeão da moralidade. Para conseguir tudo
isso, conta hoje, como contava ontem, com a conivência dos
governos estadual e federal, prontos a comprar seu apoio para
manter as suas bases de sustentação, para fazer aprovar leis, para
evitar investigações indesejáveis.
338
Quanto ao material a pesquisar, o trabalho apresentado é apenas o início haja vista
o enorme conjunto documental que se encontra no Arquivo Histórico Regional da
Universidade de Passo Fundo, que ainda se encontra em fase organização (conferência,
catalogação e limpeza), o que tornou muito difícil a localização de determinados processos.
Permanece, dessa forma a possibilidade de se retornar ao arquivo para aprofundamentos e em
busca de novas descobertas.
Ficam, também, como possibilidades para trabalhos futuros a restrição ou
ampliação da região estudada, bem como a realização de estudos de outros casos levantados
durante o processo de pesquisa nas fontes judiciais. Reitera-se a necessidade de ser estudada a
relação entre imaginário e violência em Soledade, que até os dias atuais permanece forte entre
a população local.
337
CARVALHO, José Murilo de. As metamorfoses do coronel. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6 mai 2001.
http://www.brazilink.org/history.asp Acesso em 24 fev. 2005.
338
CARVALHO, José Murilo de. As metamorfoses do coronel.
125
LOCAIS DE PESQUISA
Arquivo da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul/Solar dos Câmara -
AALERGS/SC - Porto Alegre, RS.
Arquivo Borges de Medeiros/ Instituto Histórico do Rio Grande do Sul ABM/ IHRGS -
Porto Alegre, RS.
Arquivo Histórico Regional da Universidade de Passo FundoAHR/UPF, RS.
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – AH/RS - Porto Alegre, RS.
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do SulIHGRS - Porto Alegre, RS.
Memorial do Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul – Porto Alegre, RS.
Memorial do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul - Porto Alegre, RS.
Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa – MCSHJC - Porto Alegre, RS.
Prefeitura Municipal de Soledade, RS.
Câmara de Vereadores de Soledade, RS.
Centro Cultural de Soledade, RS.
Biblioteca Municipal Guilherme Schultz Filho - Carazinho, RS.
Biblioteca central UPF/RS
FONTES DOCUMENTAIS
Jornal Correio do Povo, Porto Alegre - RS. MCSHJC
Jornal Diário de Notícias, Porto Alegre - RS. MCSHJC
Jornal O Nacional, Passo Fundo - RS. AHR/UPF
Jornal da Serra, Carazinho - RS. BMGSF
Jornal A Pátria, Soledade - RS. AHR/UPF - RS
Jornal A Federação, Porto Alegre - RS. AHR/UPF
Processo Exibição de Autógrafos. Caixa 30. 1929. Comarca de Soledade. AHR/UPF - Passo
Fundo RS
Processo de prestação de contas Caixa 61. AHR/UPF - Passo Fundo, RS
Processo de Força Nova Turbativa Caixa 61. AHR/UPF - Passo Fundo, RS
Acórdão / recurso crime número 377 de 1936: promotor público, recorrente; Albino Senger e
Candido Carneiro Júnior, recorridos. AHR/UPF - Passo Fundo, RS
Acórdão / recurso crime número 390 de 1936: promotor público, recorrente; Leonardo
Seffrin, recorrido. AHR/UPF - Passo Fundo, RS
126
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133
ANEXOS
134
ANEXO 1 - Localização dos municípios existentes em 1920 (censo de 1920)
Fonte: FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA. De Província de São Pedro a Estado do Rio Grande
do Sul : Censos do RS 1803-1950. Porto Alegre, 1981, p. 115.
135
ANEXO 2 - Quadro de Intendentes de Soledade (1892-1930)
INTENDENTE PERÍODO OCUPAÇÃO
Aldino José da Rosa Loureiro 1892 - 1895 pecuarista
Antônio João Ferreira 1895 - 1904 escrivão
Rodolfo Joaquim Borges 1904 – 1908 pecuarista
Francisco Prestes 1908 - 1912 advogado
Júlio César de Oliveira Cardoso 1912 - 1916 advogado
Manoel Pereira Alves
(Provisório)
1916 - 1917 _______
Major João Fonseca Paim
(Provisório)
1917 - 1918 _______
Francisco Prestes 1918 - 1920 advogado
Diniz Dias Hilário 1920 - 1921 juiz distrital, subdelegado de polícia
e sub-intendente do 1
o
distrito
Major Sebastião Schleiniger 1921 - 1923 notário, comandante do corpo
provirio de Soledade
Álvaro Rodrigues Leitão (vice-
intendente de Sebastião
Schleiniger)
1923 - 1924
e
1924-1928
engenheiro
Leonardo Seffrim 1928 - 1931 (não completou
o mandato em razão das
alterações institucionais
decorrentes da Revolução de
1930)
agrimensor
Fonte: Pesquisa da autora.
136
ANEXO 3 - Controle político dos coronéis Victor Dumoncel e Valzumiro Dutra
Fonte: FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política.
137
ANEXO 4 - Votação da FUG em 1935
Fonte: NOLL, Maria Izabel. Partidos políticos no Rio Grande do Sul 1928-1937. 1980. Dissertação (Mestrado
em Ciência Potica) - UFRGS, Porto Alegre, 1980.
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