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RAFAEL CLAUDIO GUISOLFI
A CRÍTICA DE HEGEL AO REALISMO INGÊNUO
Dissertação de Mestrado
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Filosofia
Professor Orientador: Eduardo Luft
Porto Alegre, 2005
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Resumo
O senso comum sempre despertou interesse filosófico tanto para Hegel como para os
demais filósofos. Seja para superá-lo, seja para compreendê-lo, criticá-lo ou analisá-lo, o senso
comum sempre se fez presente em teorias filosóficas. No presente trabalho, pretende-se analisar
o senso comum segundo uma de suas formas específicas, a saber, o realismo ingênuo conforme
a exposição feita por Hegel em sua obra Fenomenologia do espírito. Esta análise pretende
demonstrar os motivos pelos quais este filósofo crítica o realismo ingênuo e por que instaura a
necessidade de que o mesmo seja superado. Além disso, o que se tem em vista aqui não é apenas
a crítica de Hegel ao realismo ingênuo em sua superficialidade, mas também se quer, a partir da
crítica ao realismo ingênuo, estabelecer elementos que possam expressar o projeto filosófico
hegeliano e contribuir para o entendimento do mesmo. Para tanto, será acompanhado o itinerário
filosófico da Fenomenologia desde a sua Introdução até a superação da certeza sensível que se
na percepção, uma vez que é na certeza sensível que o realismo ingênuo se manifesta.
Apontando para os objetivos filosóficos da obra e suas conclusões, a Introdução apresenta os
elementos fundamentais para que o movimento da obra se realize, sendo assim amplamente
analisada neste trabalho. No capítulo primeiro da obra, que leva o título de Certeza sensível, é
onde de fato o movimento de crítica e de superação do realismo ingênuo se efetivam. Nesta
parte, o movimento fenomenológico guiado pela consciência propriamente se inicia, e o objetivo
é testar os conhecimentos desde os mais ínfimos até os mais sofisticados e verificar qual pode
ser entendido como saber absoluto. O realismo ingênuo enquadra-se na categoria de saber
inferior o qual deve ser testado, criticado e se possível superado. Este trabalho procura
acompanhar este movimento que enquanto crítica se encerra no capítulo seguinte cujo título é
Percepção. Com a exposição destes elementos procura-se apresentar como Hegel efetiva a
crítica ao realismo ingênuo e também apresentar para onde tal crítica pode indicar, isto é,
pretende-se estabelecer alguns elementos que expressam de forma geral a maneira hegeliana de
fazer filosofia. Esta última tarefa se na medida que se comparam as teses expostas na
Introdução com o desenvolvimento das mesmas no movimento da consciência.
Palavras-chave: Hegel. Realismo ingênuo. Crítica. Saber absoluto.
2
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Abstract
In this work the author shows why and how Hegel criticizes the common sense, as
ingenuous realism or as sense-certainty, in the Phenomenology of spirit. The present study is
restrict to the Introduction and to the two first chapter of the Phenomenology: Sense-certainty
and Perception, because is in this chapter where the ingenuous realism is evindenced. After that
and whit that, the author claims to present some of generals elements of the absolute knowledge
and, thus, to present some notes about the project of the philosophy of Hegel.
Key Words: Hegel. Ingenuous realism. Critique. Absolute knowledge.
3
Sumário
Introdução.....................................................................................................................................05
1 . 0 . Método e procedimento na Fenomenologia:
comentário sobre a Introdução...........................................................................................14
2 . 0 . A crítica de Hegel ao realismo ingênuo..............................................................................36
2 . 1 . Realismo ingênuo e a certeza sensível (definição).................................................38
2 . 2 . O desenvolvimento fenomenológico da certeza sensível.......................................43
2 . 3 . O resultado do desenvolvimento da certeza sensível
e a refutação do realismo ingênuo..........................................................................65
3 . 0 . A transição da certeza sensível para a percepção...............................................................71
3 . 1 . A certeza sensível e suas conclusões: a verdade da percepção...............................72
3 . 2 . A percepção e seu movimento................................................................................80
3 . 3 . A certeza sensível e a percepção............................................................................87
4 . O realismo ingênuo e o saber absoluto....................................................................................90
Conclusão.....................................................................................................................................95
Bibliografia.................................................................................................................................100
4
Introdução
O senso comum sempre foi um problema abordado pela filosofia. Sendo que muitas
vezes o problema poderia transformar-se em rival, um opositor ou em algo a ser combatido.
Desde a sua gênese na Grécia Antiga, ficou a cargo da filosofia o desafio de constituir uma
forma de pensamento, uma forma de conhecimento ou mesmo de reflexão que se apresentasse
como superior, como mais elevada e melhor elaborada do que aquela concebida por métodos
pouco sofisticados, que nos primórdios da filosofia eram transmitidos por deuses, por mitos e
mesmo pelos sentidos. Em outras palavras, a filosofia instaura-se desde suas origens como um
contraponto ao senso comum. O filósofo, dessa maneira, sempre procurou compreender,
analisar, se aprofundar e, quando necessário, criticar e superar o que homem imerso no senso
comum simplesmente vive e aceita como tal, sem reflexão ou crítica.
O senso comum freqüentemente tem sido colocado como oposto a filosofia, isto é, como
contrário ao pensamento que se apresenta como reflexivo e crítico. O senso comum sempre foi
classificado como um conhecimento que não possui criticidade alguma, que se contenta com o
puro apreender daquilo que “imediatamente” aparece, sem questionamento, além do mais,
5
acreditando esta forma de conhecimento seja de fato possível. O senso comum é entendido
como a aceitação de um saber, de um conhecimento, de uma explicação ou de uma opinião sem
uma maior verificação ou aprofundamento que possa dar razões para se descartar o que se
afirma. Sendo assim, é uma visão unilateral e cega frente as diversas maneiras de conhecimento
e de reflexão e mesmo de crítica que possam ser instauradas a partir de um ponto de vista ou de
uma opinião qualquer.
Superar o senso comum significa não apenas estabelecer uma investigação filosófica,
mas com isto significa também a instauração de uma forma mais coerente, correta e verdadeira
de conceber o mundo, pois tem a capacidade de se afastar de uma compreensão deficiente e
limitada daquilo que se apresenta. Livrar-se do conhecimento do senso comum que não
consegue ir além daquilo que lhe é dado, liberta o conhecimento em direção de uma expansão e
emancipação intelectual e cognoscitiva, pois liberta a consciência de ilusões, erros e inverdades.
Aceitar o mundo assim como ele se apresenta, sem questionar as razões, os motivos ou
mesmo reivindicar as explicações de por que as coisas são assim e não de outra maneira, bem
como aceitar as razões e os motivos que se tem para compreender o mundo assim, sem analisá-
las ou mesmo colocá-las a prova é uma atitude característica do senso comum, de um senso
pouco sofisticado e dependente de concepções subjugadas, parciais e heterônomas.
Desde a passagem, por exemplo, da concepção mítica grega de mundo para a racional
(que não se deu de um momento para outro, como da noite para o dia) onde supostamente a
filosofia teria surgido; pensadores, filósofos e pessoas que possuem um senso crítico mais
apurado procuraram ir além das explicações dadas sem questionamento, sem análise, sem o
elemento da crítica. Foram pensadores, filósofos, dentre outros, que não estavam satisfeitos com
as explicações de mundo correntes (do senso comum), os que promoveram a superação do senso
6
comum em vista de um senso racional, assim como o concebido pelo pensamento ocidental.
Este senso racional, que envolve raciocínio, explicação e reflexão dentre outros elementos,
sentiu a necessidade de que o conhecimento que se apresentava corrente fosse posto à prova.
Platão, por exemplo, concebia conhecimento como uma opinião mais aos motivos ou razões que
a justificassem como tal, ou seja, para Platão não basta dizer que se conhece algo, mas tem que
se provar por razões e justificativas por que este algo é conhecimento.
Com estas exigências cada vez mais sofisticadas e bem elaboradas e com o avançar do
desenvolvimento da filosofia e da própria reflexão do homem, o senso comum vem sendo
superado, pelo menos em pretensão e teoricamente.
O presente trabalho tem como uma de suas principais metas estabelecer a superação do
senso comum. O senso comum será exposto aqui como certeza sensível ou ainda como realismo
ingênuo por se tratar de uma forma específica de senso comum. Neste sentido, o senso comum
que se tem em vista possui características próprias, podendo ser distinto de outras espécies de
senso comum, e por isto recebe tais denominações.
O senso comum que é objeto de estudo deste trabalho não é aquele que acredita que o
conhecimento é dado pelos deuses, ou por uma explicação mitológica ou religiosa. O senso
comum que se quer destacar neste trabalho diz respeito uma forma específica de conceber o
conhecimento em geral. Para esta forma de senso comum o conhecimento é algo externo ao
sujeito que conhece. Ou seja, o conhecido ou o objeto do conhecimento que se tem em vista
com o conhecimento empreendido por esta forma de senso comum pretende ser algo exterior ao
que conhece ou à consciência. O conhecimento seria, então, uma espécie de apreensão por parte
do sujeito ou do conhecedor daquilo que é dado exteriormente assim como se apresenta, sem
mediações e conforme a sua singularidade. O sujeito conheceria na medida que apreendesse o
7
que exteriormente lhe é apresentado. Sendo assim este conhecimento uma espécie de empirismo
vulgar que acredita que consegue ter acesso direto às coisas sensíveis singulares sendo esta a sua
verdade.
Para esta espécie de senso comum, a consciência, o eu que conhece, ou ainda o sujeito
possuem um papel meramente receptivo no processo do conhecimento, sem questionar, criticar
ou estabelecer relações para verificar se o que se apresenta é de fato o verdadeiro. Este
movimento não se não porque o sujeito não tenha a capacidade de o fazer, mas porque não
quer, sendo que se o fizer não pode mais ser classificado como senso comum. O senso
comum, neste sentido, é resultado de uma determinada estagnação ou acomodação intelectual,
intencional ou não, que impede o desenvolvimento do intelecto e a capacidade racional. Assim,
para o senso comum, cabe ao eu ou ao sujeito conseguir captar aquilo que se apresenta
sensivelmente na sua frente, sendo que somente se conseguir efetivar esta tarefa é que
conseguirá alcançar o conhecimento verdadeiro. Esta tarefa, analisada exteriormente, parece não
ser difícil, tanto que o senso comum acredita efetivá-la, porém se analisada internamente, como
está proposto por este trabalho, verifica-se a sua impossibilidade.
A realidade exterior é o conhecimento para esta forma de senso comum, e a consciência
acredita ingenuamente, sem promover uma análise crítica, que este é o saber verdadeiro. Por isto
a denominação de realismo ingênuo (a consciência crê ingenuamente que a realidade é a sua
verdade ou o seu saber verdadeiro) ou ainda certeza sensível (a certeza de que o sensível é que
proporciona o conhecimento verdadeiro).
A crítica e a possibilidade de superação do senso comum que será apresentada neste
trabalho, no entanto, estabelece-se conforme uma forma peculiar e distinta de crítica e de
superação. A forma de crítica e de superação do senso comum é muito parecida com a dialética
8
platônica onde se ascende de um conhecimento mais ínfimo até o Uno, que é conhecimento em
sua máxima verdade. Sendo assim, começa-se analisando o início do processo que se caracteriza
como um conhecimento ínfimo e menos sofisticado. Não obstante, é necessário salientar que o
conteúdo gerado a partir desta crítica e possível superação também possui um sentido próprio
que aponta para perspectivas filosóficas peculiares e que caracterizam a forma de fazer filosofia
hegeliana.
Neste trabalho, procurar-se-á demonstrar como Hegel critica o senso comum, entendido
como realismo ingênuo, em sua obra Fenomenologia do espírito. Mas esta crítica não será
apresentada simplesmente enquanto tal, ou seja, como um simples apontamento daquilo que é
criticado, refutado ou rechaçado do senso comum. Pelo contrário, seguindo os passos do
filósofo, adentrar-se-á no saber de senso comum com o objetivo de testá-lo, procurando perceber
onde se encontra a sua incongruência, a sua incoerência e sua insustentabilidade. Não obstante,
assim será demonstrado por que ele não é aceito e para onde aponta a sua superação.
Cabe lembrar que o senso comum, sendo abordado de forma distinta por Hegel, instaura-
se como uma pretensão de saber verdadeiro. E o filósofo espaço, então, para que se prove
como tal. Esta característica de tematização do senso comum evidencia uma forma peculiar de
crítica e superação do mesmo, a saber, a de se fazer uma análise interna do conhecimento ou do
saber, procurando perceber sua sustentabilidade ou não, a sua possibilidade ou não. Caso for
sustentável e possível será aceito, caso não for sustentável e possível será superado e guardado
em vista de um conhecimento que seja superior e que proporcione um maior vislumbre do que
seja a verdade.
Não distante da proposta que deu origem a reflexão filosófica assim como se apresenta
hoje, Hegel pretende demonstrar também como um conhecimento do senso comum não se
9
sustenta quando criticado, analisado e posto em reflexão. A diferença é que Hegel tem como
pano de fundo a idéia de que o exame do conhecimento é conhecimento, ou seja, mesmo
sendo algo que deve ser recusado, o senso comum se apresenta como uma forma de
conhecimento. Não obstante, para Hegel também os motivos de superação de tal conhecimento
indicam para um conhecimento mais completo, mais verdadeiro, isto é, apontam para um
saber absoluto.
O presente trabalho pretende apresentar como Hegel, na sua obra Fenomenologia do
espírito, empreende a crítica ao realismo ingênuo e com esta também a sua possível superação
do senso comum. Neste sentido, este trabalho concentra-se nos motivos que levam à refutação
da certeza sensível e à passagem desta para a percepção. Não obstante, com a análise destes
elementos quer se demonstrar também um Hegel valorizado na sua defesa de um idealismo
objetivo frente ao realismo ingênuo.
De maneira geral, Hegel entende que ser e pensar são idênticos, compartilham de uma
mesma lógica, fazem parte de uma mesma totalidade, a qual é nomeada pelo autor de diversas
maneiras, a saber, conceito, razão, absoluto, dependendo do que se tem em vista (na
Fenomenologia, esta é designada por absoluto). Para Hegel, tudo está contido no absoluto, por
isso somente este é o verdadeiro. Até mesmo o senso comum, como um de seus momentos mais
ínfimos, também faz parte do saber absoluto.
Uma vez que tanto ser quanto pensar fazem parte de um todo e compartilham de uma
mesma lógica, para que a consciência (de um ser humano qualquer) alcance o saber absoluto, ou
a verdade, basta conhecer como se dá o processo de conhecimento dela mesma, ou seja, como se
seu pensar. Isto é justamente o que é buscado pela Fenomenologia, ou seja, descrever a
experiência da consciência rumo ao saber absoluto.
10
A consciência, no entanto, não sabe que possui em si mesmo a verdade, ou seja, que é
uma manifestação do absoluto. A consciência não sabe que somente quando se conhecer,
conhecerá o absoluto, não sabe que seu padrão de medida é dado por si mesma. Por isso, precisa
fazer experiências consigo mesma, que vão desde as mais simples, comuns e ingênuas formas de
saber até as mais complexas e que definitivamente revelam que ser e pensar são idênticos. Para a
presente reflexão se destacará principalmente a forma mais simples e comum da experiência da
consciência, a qual apontará para a experiência mais complexa e completa.
Ao constatar que seu padrão de medida, a sua verdade encontra-se em si mesma, a
consciência por si mesma desvenda a verdade do mundo. Por este motivo consciência precisa
efetivar as suas experiências, uma vez que não tem em mãos o saber absoluto enquanto tal, mas
somente como apontamento ou meta. As experiências que a consciência realiza procuram
revelar-se como verdadeiras, mas são apenas saberes aparentes, ou seja, saberes que
aparentemente dão conta do absoluto. Mas a consciência não sabe disto, fazendo destas
experiências um caminho que é de erro e descaminhos.
Este movimento da consciência expresso aqui de forma resumida pode ser entendido em
suas linhas gerais como o movimento da consciência em direção ao idealismo objetivo
hegeliano, porque procura superar (preservando) formas de conhecimento incompletas ou
insustentáveis, que priorizam em demasia o lado do objeto como detentor de verdade e medida
para o conhecimento, bem como que priorizam o sujeito como aquele que determina o que é a
realidade. Distintamente dos dois casos, o idealismo objetivo procura a união e a identidade
entre ser e pensamento, entre objeto e sujeito na consciência, e desta união revelar a verdade e o
padrão de medida, uma vez que a consciência tem em si mesma seu padrão de medida, não
11
precisando recorrer a um objeto externo. Sendo que disso se conclui que conhecendo as leis do
pensar, conheceremos as leis do ser e vice-versa.
Dessa maneira, este trabalho procurará estabelecer alguns dos princípios que norteiam o
idealismo objetivo na Fenomenologia através da crítica e refutação do realismo ingênuo. Para
tanto, primeiro serão localizados como estes princípios estão expressos na Introdução da obra,
caracterizando-os e justificando a sua importância e necessidade. Posteriormente, num segundo
capítulo, analisaremos como tal princípio se efetiva na primeira figura da consciência, tendo
presente sua crítica e refutação. Neste ponto, será analisada a crítica e a possível superação do
realismo ingênuo (do senso comum), bem como serão verificadas que conclusões podem ser
extraídas deste movimento. Numa terceira parte, procurar-se-á estabelecer a ligação entre
certeza sensível e a percepção, apontando em que aspectos a percepção supera a certeza sensível
e em que aspectos elas se relacionam e se diferenciam. Num último capítulo, serão expostos
elementos do saber absoluto possíveis de serem encontrados na crítica e na superação do
realismo ingênuo.
Através esta exposição se quer demonstrar não apenas a crítica ao senso comum, mas
através disto apontar para a superação e também para as características expressas nos motivos
pelos quais a consciência fora levada a efetivar tal forma de movimento de conhecimento. Esta
abordagem procura estabelecer uma forma diferente de encarar e criticar as diversas formas de
pensamento que a tradição apresenta para o filósofo, qual seja, abordando-os imanentemente e
tendo presente como pano de fundo um conhecimento abrangente, não fragmentado ou
unilateral. Com todo este movimento também se busca apresentar uma valorização do
pensamento de Hegel não apenas no que diga respeito ao conteúdo, mas, principalmente,
enquanto um método eficaz de crítica e de reflexão, os quais são elementos essenciais para
12
expandir o conhecimento quantitativa e qualitativamente e superar qualquer forma de senso
comum.
13
1 . 0 . Método e procedimento na Fenomenologia: comentário sobre a Introdução
Crítica e especulativamente densa, a Introdução à Fenomenologia do Espírito
1
nos
apresenta de que problema ou de que inquietação filosófica a obra foi gerada, bem como
demonstra como se estabelece o meio ou o método utilizado para resolver tal problema. Neste
sentido, faz-se necessário, ao fazer uma abordagem ou um ensaio sobre a Fenomenologia,
analisar minimamente a Introdução, e também entender algumas peculiaridades como, por
exemplo, alguns conceitos e expressões que emergem com nova significância na obra hegeliana,
ou que são específicos frente ao que se tem em vista, e que caracterizam o problema em questão
e o método escolhido para resolvê-lo. Não obstante, cabe notar que a Introdução empreende-se
muito mais na tentativa de apontar algumas acepções a respeito do método do que discorrer
propriamente sobre o problema, porém ao tratar do método se está ao mesmo tempo
adentrando, de certa maneira, no problema.
1
Para o presente trabalho utilizaremos a edição da obra de Hegel traduzida por Paulo Meneses, conforme
bibliografia. Em notas de rodapé, bem como no corpo do texto, para fazer as citações nos referirmos a obra em
questão simplesmente como Fenomenologia (em itálico e com a primeira letra maiúscula). As citação do texto
estarão destacadas e seguirão o número do parágrafo onde se encontra o trecho comentado. O texto citado fora
mantido como se encontra na tradução, tanto no que diz respeito as palavras e expressões, bem como no que diz
respeito as palavras destacadas e grifadas.
14
O objetivo central da obra versa sobre a tentativa de descrever ou de expor como se
estabelece o saber aparente (consciência natural, consciência ingênua) em sua busca pelo saber
absoluto
2
(saber verdadeiro, saber científico, ou a própria filosofia) 77, 88). Não obstante,
esta proposta se desdobra em outros problemas que envolvem e promovem a inquietação frente
ao objetivo inicial e que o descreve mais diretamente. Mesmo inseridos nesta proposta inicial,
estes problemas são mais elementares ou mais específicos, caracterizando, assim, momentos e
figuras determinados da obra. Quais sejam, inicialmente, o problema da cisão entre sujeito-
objeto, e, posteriormente, a cisão entre universalidade-singularidade e por fim a dicotomia entre
forma e conteúdo, o que em geral podem ser resumidos na distinção entre ser e pensamento
3
.
O problema que mais diretamente será nosso objeto de estudo diz respeito a cisão entre o
sujeito e objeto, ou, de outra forma, a abordagem de como deve se dar a relação entre o sujeito e
objeto no processo de conhecer o absoluto (no âmbito do conhecimento). No entanto,
concomitante com o anterior, na medida em que a especulação avança, também nos deteremos
ao problema da relação de universal e do singular (no âmbito da linguagem). Ambos problemas
tem íntima relação na obra hegeliana e aparecem inicialmente a partir de uma mesma
abordagem.
No tocante da relação entre sujeito e objeto, o problema surge quando se procura
estabelecer a correta relação entre a consciência e o absoluto (objeto a ser conhecido pela
consciência), entendidos genericamente e respectivamente como sujeito e objeto, onde o que se
pretende alcançar é a descrição de como é possível a consciência conhecer o absoluto. Isto é,
2
Sobre o absoluto CHIEREGHIN afirma: “O aparecimento do termo ‘absoluto’ neste contexto não pressupõe
qualquer ênfase de teor teológico, mas indica, à letra o caráter próprio de algo subsistente fora da relação com outra
coisa, sendo por isso solto de (ab-solutus), independentemente do vínculo capaz de o tornar ‘relativo a’, e portanto
já não absoluto” (1994, p.32).
3
Ver: LUFT, 1995, p.37.
15
como deve ser a relação entre sujeito e objeto para que esta seja coerente com o absoluto e assim
possa alcançá-lo (conhecê-lo) de fato.
Este problema parece-nos em uma primeira vista puramente teórico, ou que diga
especificamente e unicamente a respeito do conhecimento (a teoria do conhecimento), mas atrás
desta primeira aparência, e indo além da mesma, vemos que ultrapassa os limites do teórico e se
estabelece, posteriormente, como prático, bem como também se estende às diversas abordagens
do saber científico (isto é, da filosofia). Uma abordagem que versa sobre elementos teóricos e
assim que digam respeito ao conhecimento, se empreendida corretamente, nos revela a verdade
de como se pode chegar ao objeto, bem como nos revela como é este objeto. Sendo que o objeto
a ser alcançado é o absoluto, a abordagem teorética ou do conhecimento pode revelar, e de fato
revela, algo importante sobre tal objeto e, assim, pode contribuir para que ele seja alcançado em
sua totalidade. Neste sentido, tal abordagem transcende seus próprios limites e estabelece-se
como um aspecto que contribui para se alcançar o saber absoluto ou o conhecimento da
realidade em geral em sua verdade
4
.
Vamos nos deter, a princípio, no tocante da Introdução, sobre o problema da relação
entre o sujeito e objeto, pois é a que mais se faz presente na mesma. A forma encontrada para
descrever a relação entre sujeito e objeto de maneira correta em coerência com o pretendido
saber absoluto, é através da descrição de como a consciência que pretende conhecer o absoluto
se determina nesta pretensão. Esta pretensão de conhecer o absoluto promove um movimento da
consciência, o qual quebra cisões ou dicotomias entre o sujeito e o objeto, sendo esta a relação
buscada pela obra. Isto é, a relação entre sujeito e objeto que a obra procura demonstrar ou
4
Sobre isso HYPPOLITE afirma: “A experiência que a consciência faz aqui não é somente a experiência teorética,
o saber do objeto; mas toda a experiência. Trata-se de considerar a vida da consciência tanto ao conhecer do mundo
como objeto de ciência quanto o conhecer-se a si mesma como vida, ou ainda quando ela se propõe uma meta.
Todas as formas de experiência éticas, jurídicas, religiosas encontrarão seu lugar, visto que se trata de considerar a
experiência da consciência em geral” (1999, p.26).
16
“defender”
5
se caracteriza pela identidade entre ambos, os quais devem ser tomados como
idênticos uma vez que fazem parte de uma unidade totalizadora que é o próprio saber absoluto.
Saber este que pode ser alcançado na medida em que se tenha em vista todos os movimentos
ou momentos tanto da relação entre o sujeito e o objeto, bem como que tenha integrado em si o
próprio sujeito e o próprio objeto. O movimento rumo ao saber científico é um saber que se
pretende como abrangente e que supera visões ou determinações contrárias que gere separações,
cisões e assim visões unilaterais e parciais, estabelecendo-as como partes de um e mesmo
elemento, onde as dicotomias e as cisões desaparecem. A Fenomenologia é justamente a
exposição de como se configura este movimento, desde a detecção do problema até a sua
resolução:
Entretanto, o saber tem sua meta fixada tão necessariamente quando a
série do processo. A meta está ali onde o saber não necessita ir além de
si mesmo, onde a si mesmo se encontra, onde o conceito corresponde ao
objeto e o objeto ao conceito (§80).
Sendo que a superação do problema do sujeito e do objeto somente se dará
completamente quando a consciência natural alcançar o saber absoluto (sua meta), basta
determinar como se efetiva o proceder da consciência natural em seu movimento, o qual será o
motor ou o impulsionador da obra como um todo. Para que se entenda como se este
movimento da consciência em seus diversos momentos e figuras, é necessário, no entanto,
entender algo de mais elementar do que os próprios momentos e figuras e seus significados. Este
algo mais elementar pode ser entendido de forma geral como algumas indicações metodológicas
5
A palavra “defender” aparece aqui entre aspas porque muito mais do que uma defesa de algo, a obra pretende
descrever de fato como as coisas são, ou seja, descrever de fato como se o movimento da consciência ingênua e
natural em busca do saber absoluto. Tal movimento, como demonstraremos a seguir, não se trata da defesa de um
ou de outro ponto de vista, mas sim da apresentação do único ponto de vista possível quando o saber a ser
alcançado é o saber absoluto.
17
e de procedimento que a consciência natural segue para atingir seu objetivo. Estas indicações
são expostas de forma primordial e em suas peculiaridades na Introdução e aplicadas pela
consciência nos seus diversos movimentos. Isto é, estas indicações perpassam todos os
movimentos da consciência natural em direção ao absoluto, possibilitando que a mesma avance
em sua meta.
As indicações metodológicas e de procedimento que temos em vista aqui e que são
expostas na Introdução são como uma espécie de elementos que nortearão o proceder e a forma
de apresentação da consciência. Estes elementos metodológicos são expostos na Introdução,
pois estão intrínsecos aos movimentos e ao objetivo da própria obra, uma vez que o que se tem
em vista é o movimento do “aparecer da ciência” até que alcance a ciência verdadeira ou o saber
absoluto. Podemos dizer que mais do que simples indicações metodológicas ou de procedimento
que dizem respeito ao movimento da consciência natural, tais indicações dão pistas de como
deve ser o movimento do saber absoluto em sua generalidade, porque são indispensáveis para
um avançar da consciência natural na sua pretensão de chegar ao saber absoluto. Não obstante,
cabe lembrar que o movimento propriamente dito somente começa em sua experiência na
certeza sensível.
Adentrando diretamente no texto hegeliano, faz-se necessário, para uma melhor
compreensão da obra, estabelecer uma distinção, que é importante para o caminho
fenomenológico da consciência no que diz respeito ao léxico hegeliano. Tal distinção é a que
aparece entre verdade e certeza. A verdade diz respeito ao objeto, ou seja, diz respeito ao objeto
em seu em si, em “sua verdade”, ao passo que a certeza diz respeito ao sujeito ou ao saber que a
consciência tem do objeto, ou seja, diz respeito ao saber da verdade pela consciência. A certeza
se configura como um para si, que significa o objeto para a consciência, ou para o saber. Por
18
exemplo, ao conhecer a consciência transforma aquilo que era em si ou que era o objeto em algo
para si, ou para a consciência, ou seja, é o saber do objeto pela consciência. Não obstante, esta
distinção pode conduzir a definição do que vem a ser o para nós, para que se evitem confusões.
O para nós diz respeito aqueles que estão a observar e a descrever o caminhar da consciência
em sua experiência fenomenal, em seu aparecer. O para nós seria o filósofo que somente
acompanha a consciência em seu desenvolvimento e em seu vir-a-ser. Seriam aqueles que estão
a observar o movimento da consciência, mas que também são capazes assumir tal movimento e
levá-lo ao cabo em sua integralidade. Hegel destaca que o para nós, no entanto, deve contentar-
se com a observação e não interferir no processo, possibilitando que empreenda seu movimento
segundo sua própria perspectiva. O objeto do para nós é a próprio vir-a-ser da consciência, ou o
seu itinerário epistêmico-fenomenológico da consciência em seu saber (§ 82;83;87).
O problema inicial, ou seja o problema pelo qual a Introdução inicia, diz respeito ao
conhecimento ou ao conhecer. Hegel, buscando apresentar como a consciência imediata ascende
ao saber absoluto, não faz de modo imediato esta apresentação, ou seja, não expõe diretamente o
absoluto em si e para si, mas procura fazê-lo a partir de como este se à consciência em um
processo minucioso. A consciência que se tem em vista aqui pode ser entendida como uma
consciência individual ou um sujeito individual, ou ainda como um eu finito
6
, e, mais
6
“Ao conceber assim a Fenomenologia, Hegel parece decerto propor-se a uma dupla tarefa. Por uma parte, quer
introduzir a consciência empírica no saber absoluto, na filosofia – que é para ele o sistema do idealismo absoluto, o
sistema no qual a consciência de si e a consciência do ser se identificam; por outra parte, quer elevar o eu
individual ao eu humano.
(...)
A consciência empírica considerada era a consciência singular que deve ir progressivamente retomando consciência
da experiência da espécie e, ao se formar no saber, deve também formar-se em uma sabedoria humana, deve
aprender sua relação com as outras consciências, aprender a necessidade de uma mediação da história universal
para que ela própria possa ser consciência espiritual” (HYPPOLITE, p.58).
“Como consciência, o espírito nos apresenta como a figura da consciência de um indivíduo singular finito segue, na
Fenomenologia, o desenvolvimento ideal do homem que de um ser meramente sensível chega a converter-se em um
consumado filósofo. [Este movimento] enquanto história da autoconsciência do homem até chegar a filosofia,
constitui um preâmbulo propedêutico ao sistema de Hegel” (MURE, 1988, p.73).
19
corretamente, como um indivíduo universal do qual todos os indivíduos finitos participam, o
qual tem de alcançar o espírito de seu tempo ou o desenvolvimento científico ou filosófico até
então atingido por méritos próprios
7
. Deste modo, elevar-se ao saber absoluto é acompanhar a
consciência natural em seu movimento de conhecer o absoluto, em seu movimento de conhecer
o que vem a ser o verdadeiro saber científico ou a filosofia. Por isso, Hegel acredita e afirma que
antes de começar o movimento mesmo da consciência em seu conhecer se esteja de acordo
sobre o próprio conhecer (§73-75). Neste sentido, a abordagem começa com uma análise do
conhecimento onde o que se procura é uma espécie de conhecimento do conhecimento do que se
quer se conhecer, pois, uma vez que se pretenda chegar a um saber absoluto, não basta apenas
estabelecer um conhecimento de algo específico, mas o conhecimento do conhecimento daquilo
que se quer conhecer, ou seja, é necessário refletir também sobre o como se o conhecimento
da consciência ou do sujeito enquanto se conhece.
O problema do conhecimento é exposto, inicialmente, com o problema do instrumento
ou meio, bem como com o temor de errar. Para Hegel, o medo do erro faz com que a ciência
que conhece ou que pretende conhecer, em sua tarefa de buscar a verdade, instaure uma espécie
de escudo contra a desconfiança em seu próprio conhecer ou em sua própria tarefa. Isto é, o
medo do erro faz com que as ciências estabeleçam seus preceitos, suas teorias e suas acepções
de maneira fechada, impossibilitando que o erro possa vir a ser instaurado através de uma
reflexão a partir de suas teorias, acepções, etc. Conforme a obra, este medo da desconfiança
instaurada em uma teoria ou este medo do erro
8
fez com que surgissem diversas formas de
7
Cabe destacar que a consciência, quando tomada de forma geral, representa o conjunto de todas as consciências
individuais ou sujeitos específicos. Esta pode ser entendida como uma oscilação entre o sujeito, o individual e o
absoluto, entre as partes e o todo, as quais são tomadas de forma diferente em determinados contextos dependendo
do que se tem em vista. Ver § 27-29 onde Hegel descreve as características do indivíduo universal, bem como a sua
tarefa na Fenomenologia, qual seja, a de ser conduzido por si mesmo a formação cultural, ou a ciência superior.
8
O medo do erro ou o temor de errar é próprio de uma forma de filosofar que não aceita que seus princípios sejam
criticados, que não aceita que sua teoria seja analisada interiormente, pois se tem o medo de que a teoria possa ser
refutada ou superada.
20
conhecimento com determinações e limites característicos. A limitação do que se pode conhecer
e a determinação de como se pode conhecer, fez com que o conhecimento fosse delimitado por
determinadas teorias impossibilitando a crítica e a expansão dos mesmos. Sem tal limitação,
segundo Hegel, corria-se o “risco de alcançar as nuvens do erro em lugar do céu da verdade”
(§73). (Aqui Hegel apresenta uma crítica aos saberes que entendem conhecimento e objeto o
absoluto devam aparecer separados por serem supostamente de natureza diferente e assim
como leis distintas e próprias).
Conforme o pensamento de Hegel, esta convicção de determinados sistemas filosófico de
limitar de modo separado o que é conhecimento e o que é objeto de conhecimento,
estabelecendo-os como distintos, constitui-se um contra-senso como veremos a seguir.
Para Hegel, tais concepções entendem o conhecimento como uma espécie de
“instrumento com que se domina o absoluto, ou um meio através do qual o absoluto é
contemplado” (§73). O autor analisa tais concepções, que podem ser entendidas, em geral, como
características de duas concepções filosóficas, a saber, o idealismo e o realismo. Com esta
análise o autor rechaça ambas alternativas, porque tais operam uma espécie de cisão entre o
conhecer e o conhecido, entre o sujeito do conhecimento (a consciência natural) e o seu objeto
(absoluto). As alternativas, no entanto, não são recusadas simplesmente pela separação que
efetuam, mas pelos efeitos de tal cisão, isto é, porque colocando o conhecimento ou o ato de
conhecer fora do absoluto, o próprio conhecer, nestas condições não poderá ser concebido como
verdadeiro, ou como algo que possa alcançar o absoluto. Isto porque o absoluto não tem
exterior, uma vez que tudo abarca. Segundo o autor, o conhecer não pode ser um instrumento ou
meio exterior ao absoluto (não pode ser um instrumento porque ao aplicar-se sobre o objeto o
apreenderia com alterações efetivadas pelo instrumento não deixando o absoluto se manifestar; e
21
não pode ser como um meio porque o nos chegaria a verdade de fato, mas a verdade como é
dada por esse meio), mas deve estar integrado com o absoluto, uma vez que o conhecer sempre
participa do absoluto, ou seja, o absoluto, como o verdadeiro, estará sempre presente no
conhecer. Por isso, o efetuar de mudanças (cisão pode ser compreendida como a própria cisão
sujeito-objeto) ao se conceber o absoluto pelo fato de ser apreendido por um instrumento ou um
meio, somente propicia um afastamento do mesmo, o que impede seu alcance (§ 73-76)
9
.
Esta maneira de conceber o conhecimento é efetivada por Hegel como uma espécie de
inserção de desconfiança na própria desconfiança, ou ainda a inserção da dúvida de que o medo
de errar possa ser ou de fato seja o medo da verdade. Verdade esta que se estabelece não pela
distinção ou delimitação entre o conhecimento e o conhecido, mas que procura a implosão desta
cisão ou separação; verdade esta que quer alcançar o ponto de união ou de ligação entre sujeito e
objeto no processo de conhecimento (§ 73-74)
10
.
Deste primeiro procedimento crítico empreendido na Introdução pode-se destacar dois
elementos que estarão presentes no todo da obra, a saber: 1) a procura pela dissolução da cisão
entre sujeito e objeto, como apontamos; 2) e a efetivação de tal tarefa através de uma critica
interna/imanente, que adentra nas diversas formas de consciência ou de experiências da
consciência, bem como, de modo geral, de ciência, procurando encontrar os erros e os acertos
progredindo na medida em que supera (e guarda) cada momento em vista de alcançar um saber
absoluto.
A partir destes dois elementos pode-se trazer presente a questão da dialética como
método de desenvolvimento do sistema, bem como a importância, neste âmbito, do termo
9
Sobre isso afirma CHIEREGHIN: “O absoluto está plenamente presente no ponto em que a coisa toca o
instrumento, porque ali se contém quer a destruição da linha de demarcação que se pretendia traçar entre o
conhecer e a coisa, que a dissolução do conhecer como instrumento estranho ao objeto” (1994, p.31-34).
10
Ibidem.
22
alemão Aufheben
11
. A dialética é caracterizada pelo movimento chamado de Aufheben que
significa, de forma geral, superar e guardar (bem como, suspender, preservar e sustentar).
Aufheben pode ser entendida como a principal característica do movimento dialético, e, assim,
principal elemento no movimento de determinação do sistema filosófico de Hegel. O
movimento de determinação do sistema filosófico hegeliano se estabelece de modo a apresentar
uma espécie de teoria, adentrar na mesma, analisá-la internamente, criticá-la e superá-la
(guardando-a) em vista de uma visão que seja mais completa e ampla. No entanto, este
movimento o é apenas uma superação, mas também uma preservação do pensamento ou
teoria inicialmente criticada. O resultado do movimento dialético é uma espécie de síntese de
duas teorias, ou pensamentos que num primeiro momento pareciam incompatíveis, porém pela
análise interna se demonstram complementares. Neste trabalho, Aufheben é apontada como
superação que é diferente de refutação apenas, pois procura manter o aspecto de preservação (o
guardar) da teoria a ser criticada e mesmo superada.
Um outro elemento a ser apresentado pela Introdução diz respeito ao caminho que deve
ser tomado pela consciência em seu movimento em direção ao saber absoluto. Intimamente
ligado ao aspecto anterior, o elemento a ser apresentado aqui procura demonstrar que a
consciência não se movimentará sem cometer erros ou enganos, e, assim, não encontrará o saber
absoluto na primeira tentativa ou primeira forma de saber que se apresentar.
Assim como foi demonstrado anteriormente, a ciência em seu aparecer ou em sua
tentativa de se tornar verdadeira, estabelece-se muitas vezes como limitada, como incapaz de
alcançar o saber absoluto. Sendo que esta obra procura demonstrar e descrever os movimentos
da consciência desde seu aparecer mais ínfimo e natural até alcançar o saber absoluto, percebe-
se, com as demonstrações do autor, que a ciência (entendida como um movimento da
11
Ver: INWOOD, 1998, p.302.
23
consciência que pretende alcançar a verdade) ao se apresentar ou ao aparecer, ou ainda no
momento de seu surgir, configura-se frente ao saber absoluto como uma mera aparência (como
um fenômeno): a ciência, pelo fato de entrar em cena, é ela mesma aparência [fenômeno]: seu
entrar em cena não é ainda a ciência realizada e desenvolvida em sua verdade” (§76).
O manifestar-se da ciência em sua imediaticidade e parcialidade não é de imediato o
manifestar-se da verdade ou do saber científico. O aparecer da ciência, como vimos antes nas
posições criticadas por Hegel (idealismo e realismo), assim o é porque se configura como
aparência (Schein) do saber, ou seja, não é o saber verdadeiro ainda, podendo ser entendido
como uma tentativa, precisando passar pelo crivo da especulação e da crítica que o colocará a
prova. O aparecer da ciência se manifesta não apenas de uma forma, mas de diversas formas
(diversas teorias filosóficas, concepções de mundo e de realidade) e serão classificadas de
início por Hegel como não-verdadeiros (§76-78).
Para que a ciência (enquanto saber aparente) consiga progredir em seu percurso e tornar-
se de fato ciência, faz-se necessário que a consciência encare esta ciência como parte da ciência
ou do saber absoluto, como algo que manifeste alguma coisa do absoluto, ou uma “sinalização
para a ciência”, ou seja, como um saber que aparece, isto é um saber fenomenal, que não
apresenta aquilo que se procura, seja pela sua limitação ou por qualquer outra coisa, mas que
fornece pistas em direção do objeto que se busca (§76).
A consciência terá por tarefa examinar este saber fenomenal
12
(que é produzido por ela
mesma também), expô-lo como tal e verificá-lo como tal. A necessidade de que esta tarefa da
consciência se efetive se justifica por dois motivos, a saber: 1) porque como fenomenal, a
12
A ciência ou o saber fenomenal não podem ser considerados aqui como um saber que fora dado para a
consciência e esta tem que analisá-lo e expô-lo. Este saber ou esta ciência são produzidos pela própria consciência,
por força própria.
24
ciência aparente não expressa ainda a ciência verdadeira e, para alcançá-la, é necessário livrar-se
dos momentos que não o dizem respeito, encontrando seu ponto de engano e de erro, bem como
sua parcialidade, ou seja, verificando por que não podem ser a ciência verdadeira (§77); 2) e
porque somente pelo exame interno e que supere a ciência que aparece é possível progredir em
direção ao absoluto, sendo que este exame somente poderá ser feito pela consciência (§78).
Com a necessidade deste movimento, aparece como central o conceito de consciência,
bem como o papel que lhe fora conferido
13
. À consciência é conferido o papel privilegiado de
manifestação e de aparecimento do saber não real, ou a aparência da ciência (bem como o seu
oposto, ou seja, a manifestação do absoluto). A consciência de posse e com relação, por si
mesma, com diversos saberes aparentes, não reais e não verdadeiros, representa os caminhos do
engano, do erro, da ilusão, do desacerto ou, em outras palavras, dos descaminhos pelos quais o
homem tentou e tenta contemplar o conhecimento científico. Nestes caminhos errantes a
consciência de imediato logra-se estar de posse da verdade e do saber absoluto, mas percebe-se
posteriormente que desviou do bom caminho, qual seja, o caminho que conduz ao saber
absoluto. Tais desacertos da consciência serão superados em sua totalidade somente ao alcançar
o saber real ou o saber absoluto (§78) (que também se manifestará na e pela consciência, porém
em outro nível de desenvolvimento ou em um momento mais rico de mediações e relações que
apontam para o “final” do processo).
13
A consciência aqui é tomada em sua generalidade, podendo ser entendida como uma consciência individual,
finita, imediata e natural de um ser humano qualquer. É por ela que ser humano pode dizer que tem consciência de
alguma coisa, de algum conhecimento. É nela que a ciência aparece, mas não por um movimento “de fora pra
dentro”, ou seja, incluso exteriormente na consciência, mas como resultado de suas próprias concepções e
conhecimentos.
Sobre o papel da consciência CHIEREGHIN diz o seguinte: “A essencialidade da consciência manifesta-se assim
ao aparecer da ciência. Se o encargo da ciência é o de saber distinguir a manifestação do saber autêntico de sua
contra facção, importa pôr a descoberto o lugar cujo interior semelhante encargo se pode propor. Ora, o lugar onde
alguma coisa pode aparecer e ter a pretensão de ser verdadeira é a consciência, a consciência também constitui o
lugar onde a aparência do saber pode desvanecer-se na manifestação da sua verdade. O exame do método segundo
o qual que se acerte preliminarmente o modo de ser da consciência que se apresenta como sujeito do saber
aparente” (1994, p.36).
25
O que importa agora é delimitarmos o que significa estes desvios de caminho que levam
a outra coisa que não ao saber absoluto. Conforme o texto, estes caminhos e desacertos podem
ser entendidos como o caminho da dúvida ou ainda como o caminho do desespero, porque a
consciência passa a perceber que aquilo que tinha tomado como verdadeiro demonstra-se como
um engano, como uma ilusão, sendo que se percebendo-se do erro e de seu vacilo larga de
posição e parte para outra concepção de forma “desesperada”, abandonado por completo a sua
posição anterior:
...esse caminho pode ser considerado o caminho da dúvida [Zweifeln]
ou, com mais propriedade o caminho do desespero [Verzweilflung];
pois nele não ocorre o que se costuma entender por dúvida: um vacilar
nessa ou naquela pretensa verdade, seguido conveniente desvanecer-de-
novo da dúvida e um regresso àquela verdade, de forma que, no fim, a
Coisa seja tomada como era antes (§78).
Assim a dúvida, ou caminho por ela conduzido, tem o poder de descrever “a penetração
consciente na inverdade do saber fenomenal”, ou seja, tem o poder de perceber que o saber
fenomenal na realidade não passa de um engano ou de um erro e que é preciso abandoná-lo e
buscar o que se procura em outro lugar (§78). O caminho da dúvida apresenta-se assim como
fundamental para o procedimento que pretende partir de uma consciência imediata e ascender
até o saber mais completo, pois consegue detalhar como se realmente este caminho e, dessa
forma, como ele é efetivado pela consciência
14
.
Hegel alerta para o cuidado que é preciso ter frente ao caráter negativo do caminho
dúvida que aponta para os erros e enganos da consciência. Neste sentido, apesar de que ao
14
Aqui se percebe a importância da crítica imanente efetiva, uma vez que em é somente analisando com precisão as
diferentes formas de conhecer que é possível superar e guardar as mesmas, bem como poder se fazer um crítica
consistente e válida.
26
perceber-se que a consciência está determinada pelo erro em sua pretensão de verdade e por esse
motivo abandonar tal pretensão, e neste abandono aparecer uma espécie de vazio ou nada, que é
gerado por uma espécie de ceticismo, este vazio ou este nada não representam a impossibilidade
de que algo de novo seja composto ou projetado. Ou seja, ao superar uma concepção de verdade
o que surge é um nada (que guarda a concepção anterior de forma negativa) pronto para acolher
uma nova concepção de verdade
15
. Desta maneira, a negação de um desacerto abre espaço para
uma nova concepção de verdade mostrar sua validade (abre espaço para uma nova experiência
da consciência), ou seja, a negação quer alcançar um conteúdo positivo que passou pela
especulação e pelo exame (§79).
A gama de saberes aparentes apresentados, analisados, superados e guardados pela
consciência representa a sua formação em vista da ciência
16
, porém por via negativa, ou seja,
não apontando diretamente e imediatamente para aquilo que é a ciência verdadeira, mas negando
aquilo que de fato não é, isto é, promovendo mediações, relações, enriquecendo o processo
dialético. Desta forma, somente após a consciência ter passado por todas as formas de
conhecimentos equivocados, por todos os caminhos desacertados ou, ainda por todos os
15
CHIEREGHIM caracteriza, de forma metafórica, este momento (o momento do nada ou do vazio) como uma
espécie momento da cegueira, que em comparação com a visão, verificamos que ao olhar em nossa volta damos
saltos de objeto em objeto, de fato estes saltos (ou a passagem de um objeto a outro) são os que permitem
distinguirmos os objetos, bem como o que possibilita o surgimento de um novo objeto (1994, p.40).
Não obstante, conforme o texto, podemos acrescentar aqui que apesar deste salto ou desta recusa de um objeto por
outro substituir inteiramente o primeiro pelo segundo, assim como propõe inicialmente o texto, verificamos que o
segundo passo frente um primeiro que fora recusado, somente é possível pela recusa interna do primeiro. Recusa
interna porque somente após verificar a sua insuficiência é possível recusá-lo; e verificação esta que somente será
por uma análise interna. Mas o que queremos destacar aqui que o segundo momento, frente ao todo do processo, é
uma espécie de “resultado que contém o que o saber anterior possui em si de verdadeiro” (§87), ou seja, o saber
aparente recusado, fora recusado em parte, sendo que seu maior problema é a sua pretensão de ser o próprio saber
absoluto, o que, pela sua parcialidade, impede que assim seja sustentado. Aqui se apresenta uma característica do
movimento dialético que é característico da obra hegeliana, a saber, a afirmação e a negação da afirmação por um
elemento que lhe seja contraditório, ou seja, ao verificar a insuficiência de um saber aparente, a consciência
procurará o saber absoluto em seu contrário. O movimento, porém não acaba nesta fase, pois posteriormente vem o
movimento que afirma os dois momentos anteriores como complementares e assim resgata a verdade de cada um
dos momentos.
16
Ou nas palavras do autor “a série de figuras que a consciência percorre nesse caminho é, a bem dizer, a história
detalhada da formação para a ciência da própria consciência” (§78).
27
descaminhos que ela própria empreendeu é possível alcançar a sua meta. Por este motivo temos
que: “a meta está ali onde o saber não necessita ir além de si mesmo, onde a si mesmo se
encontra, onde o conceito corresponde ao objeto e o objeto ao conceito” (§80).
Ou seja, após ter verificado todos as possíveis formas de conhecimento, a consciência
percebe-se que o saber absoluto não pode ser encontrado em nenhum, porque se apresentam
como parciais, mantendo cisões e a dicotomia entre o conhecimento e o conhecido. A verdadeira
ciência somente será alcançada quando a consciência em seu movimento chegar ao
conhecimento que corresponde e se identifica com conhecido, e quando a consciência perceber
que participa da sua “lógica”, ou que está inserida no próprio absoluto. Não obstante, a
consciência somente conhecerá o saber absoluto quando disto se perceber. Neste sentido,
qualquer forma de saber que ficar em uma etapa que não alcançar este momento será falsificado
e não será aceito como verdadeiro.
Se ao final do processo o conhecimento corresponder ao conhecido, então a consciência,
que é a que conhece, corresponderá ao absoluto, que é o conhecido (§80). Desta maneira, a cisão
entre sujeito e objeto desaparece.
O movimento da consciência testando seus descaminhos em busca da sua meta pode ser
entendido como a experiência da consciência. Conforme a obra, este movimento de experiência
da consciência é um movimento dialético, pelo qual a consciência mesma desenvolve-se a si
mesma experimentando-se, analisando-se e criticando-se frente às concepções empreendidas
que são incompletas e unilaterais, sendo que a partir de suas conclusões um novo saber ergue-se
(§86).
Cabe-nos perguntar qual é o padrão de medida pelo qual a consciência consegue
distinguir entre os seus descaminhos, ou seja, cabe-nos perguntar por que artifício a consciência
28
é guiada em sua elevação ao saber absoluto. De onde vem a medida que permite consciência
refutar um conhecimento determinado? Como a consciência consegue saber que o saber que se
apresenta é um saber fenomenal e não o saber absoluto, ou ainda, de onde vem a medida para
que a consciência faça sua experiência fenomenológica?
Sobre a necessidade do padrão de medida escreve o autor:
Parece que essa exposição, representada como um procedimento da
ciência em relação ao saber fenomenal e como investigação ou exame
da realidade do conhecer, não se pode efetuar sem um certo
pressuposto colocado na base como padrão de medida (§81).
Neste sentido, para Hegel, a questão do padrão de medida mostra-se essencial frente ao
empreendimento filosófico que se tem em vista. Primeiramente, porque possibilita o
desenvolvimento do projeto filosófico e assim o avançar autônomo da ciência. E em segundo
lugar, porque permitirá distinguir entre o saber fenomenal e o saber que se está procurando.
Assim, o padrão de medida indicará o correto procedimento a ser tomado pela consciência em
sua busca pela ciência.
Uma vez que aquilo que está sendo investigado é um saber fenomenal que aparece na
consciência por força da consciência mesma, que se configura como aparece ou da forma como
surge, e, na medida em que aparece ou surge, é experienciado pela consciência mesma, o padrão
de medida deve estar, premilinarmente, de acordo com a consciência, pois é ela quem examina
tal saber.
Para chegar ao padrão de medida mais cabível ao projeto que se tem em vista, Hegel
recusa dois padrões de medida que fazem referência a determinadas teorias filosóficas. O
motivo pelo qual tais padrões são recusados retomam as linhas gerais do projeto
29
fenomenológico, qual seja, o de não efetivar a superação de separações ou de dicotomias entre,
por exemplo, sujeito e objeto (“...a natureza do objeto que investigamos ultrapassa essa
separação ou esta aparência de separação e de pressuposição” §84). Este elemento aparece
porque nos §82-83 ora se tem uma espécie de dicotomia que pretende enfatizar o em-si ou o
objeto, como sendo padrão de medida, ora pretende-se defender o para-si ou o sujeito como
sendo aquele que estabelece o padrão de medida.
Sendo um movimento fenomenológico, a consciência em sua experiência não poderá
livrar-se de seus descaminhos e de seus desacertos através de um padrão de medida que lhe seja
exterior. Por ser um saber que brota por força da consciência mesmo este saber somente pode
ser recusado, como fora apresentado, pela sua superação que se dará através de um outro saber
fomentado pela própria consciência. Isto significa que não pode haver uma imposição de padrão
de medida exterior ou extrínseco a consciência, de forma que se estivesse estabelecido, e à
consciência caberia apenas conformar-se com o mesmo.
Pelo contrário Hegel afirma o seguinte: “a consciência fornece, em si mesma, sua própria
medida; motivo pelo qual a investigação se torna uma comparação de si consigo mesma” (§84).
Isto significa que o padrão de medida válido para que a experiência da consciência
efetive a passagem pelos diversos saberes aparentes em direção ao saber absoluto é gerado pela
própria consciência. É a consciência mesma que se experimentando a si mesma nos diversos
saberes (descaminhos), percebe-se dos erros, de sua ilusão e parte para uma nova concepção que
lhe pareça mais sensata e que possa elevá-la até o saber absoluto. A comparação entre os
resultados alcançados pela consciência e o seu objetivo se dará no interior da consciência
mesma, porque sendo que o saber absoluto será alcançado, em tese, por um movimento da
30
consciência e será revelado a ela, somente comparando-se consigo mesma verifica o quanto
ela está perto do mesmo:
Com efeito, a consciência, por um lado, é consciência do objeto; por
outro, consciência de si mesma: a consciência do que é verdadeiro para
ela, e consciência de seu saber da verdade. Enquanto ambos são para a
consciência, ela mesma é sua comparação: é para ela mesma que seu
saber do objeto corresponde ou não a esse objeto (§85).
O exame segundo o padrão de medida pode ser descrito da seguinte forma: sendo o que
se pretende alcançar é o saber absoluto, na medida em que a consciência não reconhece em seu
conhecer algo que a satisfaça plenamente (ou até não encontrar um ponto onde o saber não
precise ir além de si mesmo, ou ainda até não alcançar o patamar onde o sujeito corresponde ao
objeto e vice-versa), a consciência por méritos próprios continuará buscando, pois, uma vez que
não tem em mão o objeto que necessita, não tem capacidade de saber se o seu conhecimento é
verdadeiro ou não, podendo fazer isto somente quando o encontrar. Neste sentido, a consciência
em seu percurso, depara-se com muitos erros e enganos, uma vez que o objeto ainda não lhe fora
encontrado, tendo que ela mesma, por si encontrá-lo. Para ajudar a elucidar este ponto e assim
melhor compreender e expor como se a “aplicação” do padrão de medida pela consciência
podemos citar:
O objeto parece, de fato, para a consciência, ser somente tal como ela o
conhece. Parece também que a consciência não pode chegar por detrás
do objeto, [para ver] como ele é, não para ela, mas como é em si; e que,
portanto, também não pode examinar seu saber no objeto. Mas
justamente porque a consciência sabe em geral sobre um objeto, está
dada a distinção entre [um momento de] algo que é, para a consciência,
o Em si, e um momento que é o saber ou o ser do objeto para a
consciência. Caso os dois momentos não se correspondam nesta
comparação, parece que a consciência deva então mudar o seu saber
31
para adequá-lo ao objeto, pois o saber presente era essencialmente um
saber do objeto; junto com o saber, o objeto torna-se também um outro,
pois pertencia essencialmente a esse saber (§85).
Com esta passagem do texto, podemos verificar a inquietação da consciência em sua
busca pelo saber absoluto (uma vez que não basta apenas verificar a relação entre o saber e o
objeto, ou seja, a correspondência, mas também examinar o saber enquanto saber de algo ou do
objeto), bem como podemos verificar a força do padrão de medida que como algo imanente à
consciência promove o movimento dela mesma e assim o movimento da obra como um todo.
Cabe ressaltar ainda no tocante do padrão de medida em sua relação com o saber
absoluto, que pelo fato da consciência transitar por diversas formas de saberes aparentes, para
cada um destes saberes recusados os motivos de tal recusa podem apresentar-se distintos.
Conforme o texto, isto indica que não apenas os saberes são alternados e recusados, mas
também acontece o mesmo com o padrão de medida que não fica sempre o mesmo. Pelo
contrário, evolui na medida em que o saber evolui. Desta forma, “o exame não é um exame
do saber, mas também de seu padrão de medida” (§85)
17
.
17
Este parágrafo é importante, pois além de expor uma crítica ao realismo e ao idealismo, expõe também as
acepções gerais do autor sobre o movimento de mudança, de recusa ou de superação no âmbito da ciência ou do
saber. Esta abordagem apresenta que nas teorias ou nos saberes científicos existe uma relação entre o objeto e o
saber deste objeto (sujeito ou a própria teoria científica) (entre o momento da verdade e o momento do saber, entre
o em si e o para a consciência), sendo que tal relação é dada por uma determinada adequação. Esta adequação pode
aparecer de duas formas, a saber: 1) adequação de uma teoria ou de um saber a uma determinada forma de
compreender o objeto; 2) ou a adequação de uma determinada forma de conceber o objeto a uma determinada
teoria; apesar de que ambas representam características de saberes cuja a matriz é distinta, o que importa aqui é que
estas características representam o movimento de um saber, ou seja, representam uma ciência em sua tentativa
especulativa de, demonstrando as suas verdades, abarcar seu objeto. O que Hegel quer destacar aqui não é o
momento de adequação, mas o momento de inadequação entre o objeto e o saber que o pretende dizê-lo. Ou seja,
Hegel quer demonstrar que quando o saber não encontra o que busca (a sua certeza) no objeto que se apresenta, ou
ainda que o objeto não transmite (a verdade) o que o saber procura, dá-se uma inadequação entre o saber e o seu
objeto. Esta inadequação faz com que se promova a recusa tanto do objeto quanto da teoria, o que por sua vez
promove uma nova busca. Este movimento prova a interdependência entre objeto e saber, ou entre sujeito e objeto,
uma vez que a forma como o objeto é observado depende da teoria ou do saber que lhe abarca, bem como o saber é
definido pela forma como compreende o objeto. Assim padrão de medida e objeto se movimentam com o avançar
da ciência ou da consciência fenomenal rumo ao saber absoluto.
32
Esta equiparidade indica o caráter progressivo da Fenomenologia, bem como indica que
assim como o padrão de medida da primeira experiência pode apresentar-se frágil e incipiente,
com o contrário acontece na medida em que a consciência aproxima-se do saber absoluto.
Assim, o padrão de medida realmente relevante somente será alcançado no final do processo
(Idem).
Sendo que o movimento da Fenomenologia é efetivado de forma autônoma pela
consciência, no que diz respeito aos espectadores desta experiência da consciência, Hegel diz
que resta aos espectadores (ao para nós) apenas o puro observar, classificando como supérfluo a
intromissão de qualquer coisa que seja exterior a própria consciência (§85). Coerente com esta
perspectiva, Hegel pretende “apenas descrever” em sua obra esta experiência da consciência sem
interferir extrinsecamente, pois, segundo ele, a própria consciência não permitiria isso.
O processo de desenvolvimento da consciência natural apresentado até aqui versa
eminentemente pela forma de como deve ser concebido este processo. Ou seja, assim como
apresentamos no início desta parte, os elementos até agora estudados evidenciam algumas
indicações metodológicas e procedimentais que orientam formalmente o caminho
fenomenológico. Neste sentido, expressam a necessidade pela qual o caminho fenomenológico
está impregnado. Necessidade esta que o é dada exteriormente, como fora explicitado, mas
que é engendrada pelo próprio movimento que se tem em vista e pelo objeto que se busca.
Necessidade que, de antemão e em sua linhas gerais, nos demonstra como deve proceder o vir-a-
ser da consciência, ou ainda o vir-a-ser da ciência (o aparecer da ciência). Por este motivo,
conforme nos apresenta o autor, os elementos apresentados até aqui são ciência mesmo, ou
seja, já é o fazer-se da ciência do saber absoluto (§88).
33
Tendo definido o método de desenvolvimento e de procedimento da consciência natural,
o próximo passo consiste em aplicar estes elementos que caracterizam o método de
desenvolvimento da obra. A aplicação dos mesmos será promovido pela consciência e no
interior de si mesma. O aspecto formal deste desenvolvimento precisa efetivar-se. Para tanto, o
movimento de desenvolvimento será efetivado assim como foi apresentado nesta introdução, a
saber: partindo da certeza mais imediata e evoluindo peri passo até o saber absoluto. A
efetivação será apresentada através do avançar da consciência pelas suas diversas figuras. A
primeira figura da consciência, a certeza mais imediata, representa o saber em sua primeira
aparição, e será o primeiro fenômeno do conhecimento. A consciência neste ponto é ingênua e
manifesta-se condicionada pela sua certeza imediata, advinda de sua própria natureza, sem uma
reflexão mais aguçada. Ou seja, representa a consciência em sua primeira experiência com o
“mundo externo” ou com o objeto. neste primeiro movimento podemos por a prova a
intenção da Fenomenologia que é a de elevar a consciência desde seu saber mais ingênuo e
natural até o saber do absoluto.
Com o início do processo do saber fenomenológico para além da Introdução, aquilo que
se manifestou na Introdução como uma análise do saber que conhece se efetivará de forma
determinada, ou seja, adentrando em forma específicas de saber. Sendo assim, a obra irá
adentrar no conhecimento propriamente dito, investigando os momentos não abstratamente em
sua generalidade, mas na sua relação com os mesmos, perpassando assim os diversos saberes e
verificando sua validade.
O trabalho se detém mais especificamente, primeiramente, em demonstrar como o
idealismo objetivo de Hegel se efetiva na certeza sensível na medida que a consciência, dando
as leis a si mesma se movimenta e se experiencia. Com esta análise se procurará demonstrar o
34
tratamento que a consciência no saber da certeza sensível as relações sujeito/objeto e
universal/singular, procurando destacar o papel da linguagem neste processo.
2 . 0 . A crítica de Hegel ao realismo ingênuo
Sendo a Fenomenologia uma obra que pretende apresentar como se alcança o saber
absoluto pelo seu empreendimento e desenvolvimento, surge a necessidade de se expor de forma
crítica todo o processo pelo qual o próprio desenvolvimento é concebido. Para Hegel, isto
35
somente é possível debatendo-se com as várias formas de saberes possíveis e efetivados pelo
homem, desde os mais ínfimos aos mais sofisticados, verificando-os. Ou seja, surge a
necessidade de acompanhar o desenvolvimento da consciência imediata até que esta alcance de
fato o saber absoluto, onde todas as mediações se efetivem. Para que este desenvolvimento se
realize e o objetivo se cumpra, Hegel começa expondo inicialmente uma forma imediata e
minimamente sofisticada
18
, ou mesmo sem nenhuma sofisticação, de saber que a consciência
concebe. Este conceber, como foi explicado no capítulo anterior, deve ser entendido como algo
que brote da própria consciência e não pode ser algo imposto de fora. Sendo concebido pela
própria consciência e não imposto exteriormente, pode-se dizer que assim como um saber
ingênuo e pouco sofisticado, também a consciência se apresenta da mesma forma e a
característica, isto é, uma consciência ingênua e pouco sofisticada.
O primeiro passo ou a primeira forma de saber da consciência apresentado por Hegel
pode ser caracterizado como a certeza sensível. Este é um primeiro passo porque representa a
consciência em sua primeira e menos sofisticada forma de saber
19
. Saber este que representa, por
sua vez, uma consciência também pouco sofisticada e que se rende ao que de imediato lhe
aparece crendo ser esta a sua verdade, ou seja, a consciência no objeto de seu saber a sua
verdade.
18
Sofisticada aqui pode ser entendido como um movimento de reflexão crítica sobre um saber que emerge, quando
se diz pouco ou nada sofisticada, quer se dizer como pouca ou sem nenhuma reflexão crítica, isto é, um saber
ingênuo.
19
“Primeiro” não significa início ou mesmo começo de um sistema filosófico. Uma vez que o que se tem em vista é
um saber absoluto concebido de forma dialética, não se tem necessariamente um início ou um fim, mas um todo no
qual estão inseridos todas as formas de saber. Como poder-se-á perceber no decorrer do texto, mesmo nesta
primeira forma de saber estão contidos elementos do saber absoluto, que se assim fosse considerado seria o final
do sistema filosófico. A exposição da certeza sensível nesta primeira parte pode ser entendido como um apelo
didático estabelecido pelo autor, uma vez que “começa”, justamente, pela consciência imedidata, ou seja, a que é a
menos crítica e desenvolvida de todas, sendo que as formas subseqüentes apresentam-se como mais desenvolvidas e
sofisticadas.
36
Neste capítulo, procurar-se demonstrar como a figura da certeza sensível pode ser
entendida como o realismo ingênuo. Pretende-se analisar o saber do mesmo (do realismo
ingênuo ou da certeza sensível) acompanhando o desenvolvimento e a apresentação da
consciência mesma assim como a Fenomenologia expõe. Posteriormente, será apresentada a
superação deste conhecimento ou desta forma de saber, para tanto serão demonstrados os
motivos da impossibilidade de tal saber se configurar assim como ele se propõe. Com isto,
procura-se expressar alguns elementos essenciais frente ao projeto hegeliano exposto nesta obra,
como por exemplo, a impossibilidade da instauração, pela consciência, de um saber imediato,
baseado apenas na certeza sensível ou no seu saber do imediato, ou seja, a impossibilidade de
conhecer o singular, bem como a impossibilidade de conhecer a realidade exterior
20
.
2 . 1 . Realismo ingênuo e a certeza sensível (definição)
A certeza sensível, enquanto um saber, representa o momento mais imediato, ingênuo,
natural e comum da consciência. A certeza sensível se expressa como o saber da consciência
imediata (saber imediato) por ser a primeira forma de saber (primeira forma de saber que
aparece) pela qual a consciência inicia seu processo de desenvolvimento
21
. Por ser o primeiro
momento ainda se apresenta com a ausência de qualquer sofisticação e tem como certeza aquilo
que inicialmente e imediatamente lhe aparece. Compreendida dessa maneira, a consciência
20
Esta impossibilidade aponta para outros elementos fundamentais para a compreensão da obra hegeliana, como por
exemplo a unidade entre ser e pensamento, e assim, consequentemente, como a certeza sensível demonstra (mesmo
que ainda de forma incipiente), a dissolução da separação entre objeto e sujeito e entre singularidade e
universalidade.
21
Pode-se dizer que a consciência que está a se experimentar, não se sabe ainda como um primeiro saber frente a
uma quantidade de saberes posteriores e mais sofisticados, pelo contrário, entende-se como único e verdadeiro
saber (“o mais rico conhecimento” §91). Neste sentido, não se considera nem um início de um desenvolvimento e
nem seu ponto mais elevado, mas apenas o único saber. Somente a sua auto-análise irá revelar que seu saber deve
ser substituído por um outro, e somente após o processo ter chegado ao seu ponto mais elevado será possível
perceber de forma clara cada saber pelos quais a consciência passou (ver também nota 16).
37
enquanto certeza sensível apresenta-se também com um saber do imediato, ou seja, saber
daquilo que lhe aparece de forma imediata e singular:
“O saber que, de início ou imediatamente, é nosso objeto, não pode ser
nenhum outro senão o saber que é também imediato: - saber do
imediato ou do essente. Devemos proceder também de forma imediata e
receptiva, nada mudando assim na maneira como ele se oferece, e
afastando de nosso apreender o conceituar” (§90).
Aqui cabe um esclarecimento e uma melhor distinção. O saber imediato é igual a
primeira figura da consciência, sinônimo de certeza sensível, ou de consciência imediata,
ingênua, natural e comum. O saber do imediato representa, por sua vez, o objeto do saber
imediato, isto é, representa o que o saber imediato visa ou quer dizer (também pode ser
entendido como uma opinião que assim como pode demonstrar-se como verdadeira pode ser
também falsa). Assim, o saber imediato representa a figura da consciência ao passo que o saber
do imediato representa o objeto tomado por esta figura. o obstante, também existe uma
terceira concepção de imediato que emerge com tal parágrafo, a saber, a relação que existe entre
nós, que estamos observando o desenvolvimento fenomenológico, e o próprio desenvolvimento
fenomenológico em sua primeira figura. Esta relação também deve ser imediata segundo Hegel,
ou seja, a experiência fenomenológica da consciência deve se apresentar imediatamente para
nós sem que tentemos alterá-la ou interferir nela de forma exterior ou com elementos que lhe
sejam estranhos. Isto demonstra o caráter de autonomia da consciência em sua experiência
destacado ainda na Introdução.
Delineando o que vem a ser este saber imediato e este saber do imediato, os quais
representam, de forma geral, a primeira figura da consciência, poderemos classificá-lo como um
saber que se caracteriza como realismo ingênuo. Isto é possível, porque a consciência,
38
ingenuamente (por não ter se desenvolvido suficientemente), ao conceber o saber imediato ou o
saber do imediato, entende que este saber de fato lhe chega imediatamente, ou seja, que
consegue alcançar a realidade assim como ela é. Em outras palavras, a consciência tem a
pretensão de que em seu saber haja a correspondência entre a sua certeza e a verdade do objeto
de forma imediata, onde a consciência já seja desde sempre uma consciência do objeto como ele
é em si, não havendo qualquer distinção com o para si da consciência mesma. A consciência
entende que o objeto exterior é seu saber e que seu acesso a ele é imediato, de forma que o atinja
singularmente. Assim o realismo ingênuo, bem como a certeza sensível, podem ser entendidos
como uma primeira acepção do saber, como uma acepção de uma consciência do senso comum,
que não efetiva mediações, reflexão ou distinção, ou seja, que não efetiva uma análise de
segundo grau ou nível sobre o saber, isto é, que não colocou a prova seu saber.
Esta concepção da certeza sensível (que é a do realismo ingênuo) precisa ser posta a
prova, para que se verifique se realmente é capaz de cumprir o seu papel como se propõe. Mas,
antes disso, é necessário pormenorizar qual é de fato o saber da certeza sensível e do realismo
ingênuo, bem como saber sua pretensão para que a crítica possa ocorrer no interior dele próprio,
ou seja, somente através de uma analise interna, perpassando os pressupostos e as conclusões de
tal saber, será possível concluir algo sobre o mesmo, seja para superá-lo ou criticá-lo.
Uma vez que, na experiência da consciência que se apresenta na certeza sensível, a
consciência pretende mostrar que o seu saber se de forma imediata, cabe a consciência que
está em busca do saber absoluto verificar até que ponto seu saber pode se sustentar como
imediato. Para a consciência, nesta primeira figura, o saber que nela se apresenta é resultado de
uma pura apreensão, ou de uma intuição imediata da certeza sensível, ou ainda do objeto
singular que lhe aparece sem qualquer interferência ou mediação. A relação entre a consciência
39
e o objeto é uma relação imediata, onde a consciência acha que aquilo que ela sabe, a sua
certeza, é de fato o que o objeto é. O objeto por sua vez aparece na consciência em seu em si,
em sua verdade, da forma como ele é.
O saber imediato, ou o primeiro aparecer (fenômeno) da consciência, aparece como o
saber do imediato, isto é, a consciência se identifica plenamente com o objeto que lhe aparece
(que ou que percebe). A consciência, assim, entende-se como uma experiência em que o
objeto singular é acolhido em seu em si, sem fazer nenhuma oposição ou negação. Sem fazer
nem sequer a indagação de que seus sentidos podem lhe fazer perceber as coisas de forma
equivocada e falsa, bem como sem se questionar se o objeto pode se apresentar, e assim ser
apreendido, de forma diferente como a que a consciência mesma determina. Não distinção
entre a consciência do objeto (saber do objeto na consciência) e o próprio objeto que aparece
para a intuição ou para a apreensão por parte da consciência. Neste sentido, a certeza sensível
22
tem a sua verdade naquilo que primeiro e imediatamente aparece ao saber da consciência,
porque diz respeito unicamente ao que a consciência está de posse ou pretende estar possuindo,
fazendo referência a este objeto e sem qualquer interferência. A consciência acredita
22
Cabe notar que neste primeiro momento Hegel não faz referência a nenhum saber científico, abordando por assim
dizer os saberes não-científicos, ou seja, aqueles que dizem respeito ao senso comum, não podendo ser classificado
ou comparado diretamente com alguma forma de conhecimento que de fato tenha sido defendido e expresso
historicamente. Não obstante, aqui ficamos percebendo alguma semelhança entre o saber da certeza sensível e o
empiricismo, porém não passa de uma semelhança que não se sustenta conforme indicam TAYLOR e PINKARD.
Conforme TAYLOR, a certeza sensível não pode ser confundida com o conhecimento defendido pelo empirismo:
“Este ponto de vista tem evidentemente uma certeza parecida com o empirismo. Ele não é idêntico ao empirismo,
desde que ele certamente não é algo completamente específico. Mas a idéia de consciência como algo
primordialmente receptivo, anterior a qualquer atividade intelectual (isto é, conceitual), é um reconhecido tema do
empirismo, bem como é o ponto de vista de maior força ou certeza para a afirmação desta receptividade para
qualquer julgamento que nós podemos fazer sobre as bases do mesmo” (p.141).
Sobre a relação entre o empiricismo e o primeiro aparecer da consciência fenomenológica também escreve
PINKARD: “De início, com estes tipos de considerações, Hegel, naturalmente, não está negando ou fazendo-se de
cego frente as formas as quais são tipos de concepções empiricistas e pós-empiricistas que têm história própria. No
entanto, a Fenomenologia não começa com esta história ou perspectiva, porque forja por si mesma (ou fornece a
mesma) seus termos, como um começo desejado como beg the question” (p.22).
40
(ingenuamente) que apreende e intui a realidade assim como se apresenta e este é o seu saber
(§90)
23
.
Nesta relação imediata e direta entre a consciência e o objeto singular, a consciência crê
alcançar o objeto em sua singularidade. Não obstante, a consciência também é representada
como um singular, como um eu singular. Assim, o eu singular pretende dizer o objeto singular.
Ou seja, para perceber-se do imediato a consciência não pode fazer uma relação multiforme,
com diversos objetos, pelo contrário deve relacionar-se de forma singular, através de um eu
singular e com um objeto singular
24
. Ou conforme diz Hegel: “O singular sabe o puro este, ou
seja, sabe o singular” (§91).
Até aqui classificamos, caracterizamos ou definimos a certeza sensível e o saber
defendido pela mesma, assim como ela se pretende, ou seja, apresentamos como a consciência
em seu primeiro aparecer, ou em seu primeiro contato com o objeto, concebe seu saber. Este
saber mostrou-se como imediato, o qual pretende alcançar o objeto assim como ele é, mantendo
sua singularidade, bem como a singularidade da consciência que se relaciona imediatamente
com o objeto
25
. Definimos também o saber da certeza sensível como realista ingênuo, porque a
consciência ingenuamente crê que concebe a realidade assim como ela é, acreditando que
23
Sobre este aspecto comenta HYPPOLITE: “A consciência sabe imediatamente o objeto, relação imediata que está
tão perto quanto possível de sua unidade” (p.99).
Sobre isso afirma MURE: “A certeza sensível é uma apreensão (Auffassung) imediata por debaixo de qualquer
deistinção entre verdadeiro e falso, mas é indubitável e também uma espécie de saber (Wissen), pois é a unidade de
pensamento e ser” (p.76-77).
24
Sobre a questão da singularidade afirma PINKARD: “Na certeza sensível, nós estamos certos de que estamos
sentido um objeto individual, independente de qualquer outra elemento que possamos imputar sobre ele, e este
sentir do objeto supostamente nos fornece o conhecimento do mesmo” (p.23).
25
Cabe notar aqui, que para efeito de explicação e rigor para com o saber pretendido pela certeza sensível, não
poderíamos distinguir entre sujeito e objeto, sendo que ao fazer, está promovendo uma mediação como
mostraremos a seguir.
41
consegue intuí-la plenamente em seu em si. No entanto, para que esta figura se desenvolva é
necessário que ela seja posta a prova.
Para que seja posta a prova o saber da certeza sensível precisa mostrar-se como tal, ou
seja, precisa mostrar que é possível conhecer o imediato, o singular; precisa demonstrar que a
consciência se relaciona com o objeto diretamente. E também mostrar que o conteúdo de seu
saber de sua certeza não vai além do que o objeto lhe transmite. Bem como, precisa demonstrar
que o eu singular da consciência, que conhece e que sabe, consegue intuir ou apreender o objeto
singular. Se assim conseguir se demonstrar a certeza sensível provar-se-á como a mais rica
forma de conhecimento e saber, como a mais verdadeira e plena
26
.
Até então o saber da certeza sensível mostra-se apenas como uma pretensão
27
, qual seja,
a de que este saber seja o saber verdadeiro. Mas para isto é necessário que ele se coloque por si
mesmo (isto é, pela consciência) demonstrando-se e provando-se (se isto for possível), sendo
assim o movimento crítico da fenomenologia inicia-se e a é partir dele que será possível
evidenciar a crítica e refutação ao realismo ingênuo.
2 . 2 . O desenvolvimento fenomenológico da certeza sensível
Experiência fenomenológica, enquanto desenvolvimento crítico propriamente dito,
somente inicia quando a consciência passa a analisar e a examinar seu próprio conhecimento,
26
Se bem notarmos esta primeira figura da consciência de forma imediata, porém aparente, já tem a pretensão de ser
o saber absoluto, de ser a união entre ser e pensar, entre objete e sujeito. Cabe ver se tal figura consegue dar conta
disso ou esta aparência não é mera aparência, mesmo.
27
Aqui podemos entender melhor o título da unidade, qual seja, Certeza sensível: o Isto ou o Visar, ou seja, o saber
do imediato aparece num primeiro momento como visado, isto é, como algo que a consciência quer dizer. A
consciência visa ou quer dizer o imediato, no entanto é necessário que este visar ou este querer dizer se efetivem, ou
que a consciência atinja de fato o visado ou diga o que quer dizer (o imediato) e não fique apenas na pretensão (o
que não serve para o conhecimento, uma vez que este precisa ser posto a prova e mostrar-se como tal, não sendo
apenas uma pretensão).
42
seu próprio saber
28
. Ou seja, inicia quando aparece a exigência de que a consciência indique o
que ela quer dizer, e busque o que ela quer dizer (ou o que ela visa)
29
. O movimento
fenomenológico inicia realmente quando a consciência volta-se criticamente contra si mesma ou
sobre si mesma para verificar seu conhecimento. Assim, o movimento fenomenológico se
quando o fenômeno ou o aparecer da consciência, enquanto um saber ou um conhecimento,
passam a ser questionados pela própria consciência. Fenômeno aqui emerge com um duplo
sentido, a saber, como o saber ou o conhecimento que aparece, e também como um saber
aparente ou não verdadeiro. Não obstante, todo saber ou conhecimento precisam aparecer, mas
somente um é verdadeiro e não aparente, qual seja, o absoluto. Nesta perspectiva, cabe a
consciência, por um processo crítico e efetivo, de forma imanente, voltar-se contra si e verificar
a validade de seu saber ou conhecimento.
Acreditando ser o saber do imediato e do singular a sua certeza sensível, cabe a
consciência após ter visado isto, demonstrar se o saber do imediato é possível de ser dito,
conhecido, ou ser objeto de inferência, e não ficar apenas como algo visado. Em outras palavras,
procurar-se-á demonstrar se o objeto é de fato conhecido ou sabido de forma imediata pela
consciência. Bem como, procurar-se-á demonstrar se a consciência é capaz de apreender, intuir
ou saber de forma imediata o objeto visado.
O problema inicia quando a consciência pretende dizer o singular; quando a consciência
procura apreendê-lo em sua imediaticidade. Com esta pretensão a consciência que havia se
demonstrado como a mais rica e verdadeira (pois pretendia num movimento imediato captar o
28
Como fora dito no capítulo precedente que a consciência oferece a si mesma o seu próprio padrão de medida, o
passo anunciado aqui é fundamental para o que Hegel tem em vista na Fenomenologia. Isto se dá porque nesta parte
a consciência tendo evidenciado seu padrão de medida por si mesma o colocará a prova. Assim, o saber do
imediato, ou seja, a certeza sensível, enquanto “o” saber da consciência, não se reduz a um simples saber, mas é,
para além disso e acima disso, o padrão de medida da consciência mesma. Dessa maneira ao fazer uma análise e um
teste de seu saber, a consciência está também testando e analisando seu próprio padrão de medida.
29
Ver nota 27 sobre o visar ou o querer dizer.
43
absoluto, sem nada deixar de lado), torna-se a mais pobre e abstrata. Isto se dá porque seu dizer,
ou seu saber, não podem ir além da pronuncia de algo extremamente indefinido, pois não possui
mediações, caracterizado como uma espécie de conhecimento do ser do objeto. Ou seja, a busca
por uma relação imediata, na medida em que o conhecimento que se busca é um conhecimento
imediato, não permite que se estabeleça um relacionamento ou uma mediação, restando apenas a
pretensa apreensão do ser mesmo do objeto em si (§91).
A consciência, nesta instância, somente sabe que ele (seu objeto) existe e que ele é,
sendo que sua verdade somente pode expressar o isto. A consciência e o seu objeto não podem
ser tomados como distintos (mas esta aparente identidade é ingênua, e decorrente de uma certeza
sensível altamente realista), porque ambos representam o visar ou o querer dizer, e estes apenas
podem expressar o isto, ou somente pode expressar que ele é (§91). Este movimento
fenomenológico não se caracteriza por um conhecimento desenvolvido pela própria consciência
em relação consigo mesma ou em relação com outros elementos quaisquer. Assim, a sua
pobreza e sua abstração não dizem respeito ao que ela consegue expressar, mas aquilo que não
consegue desenvolver ao expressar, qual seja um movimento crítico de mediação. Dessa
maneira, dizendo simplesmente que algo é, ou o isto, a consciência não pode ser posta a prova,
porque, ao que parece tal afirmação carece de conteúdo
30
.
O isto enquanto o que quer ser dito pela consciência, enquanto ser (pois ele é), ou ainda
enquanto saber do imediato, precisando ainda ser exposto, é dado pela consciência em forma de
exemplo
31
; um exemplo da certeza sensível em sua pura imediatez. O exemplo será o que é
30
Sobre o que a certeza sensível consegue expressar afirma MURE: “Em si mesma, no entanto, é um mero assinalar
mudo, um querer dizer o que não pode dizer, uma intuição inteiramente inarticulada” (p.77).
31
O exemplo é a forma encontrada para que não se conceitue, não se determine e não se mediatize qualquer saber,
mas o apreenda como ele aparece a consciência.
44
possível de ser apresentado pela consciência do imediato. Por ora, distingue-se o exemplo como
o que não é essencial, frente a certeza sensível que é essencial (§92-93).
Ao distinguir, portanto, entre o exemplo e o essencial, promove-se segundo Hegel uma
mediação
32
. Este movimento de distinção, entre a certeza sensível e um exemplo da mesma, que
primeiramente é suscitado pelo para nós, ou por aquele que observa, também é seguido pela
consciência por convicção própria e de forma distinta do para nós (§93).
Esta forma de exemplo, como uma representação do conhecimento que a consciência
tem na certeza sensível, se demonstrará como uma valorização exagerada, num primeiro
momento, do objeto do conhecimento frente ao sujeito que conhece (consciência). Não obstante,
o exemplo também servirá como elemento de prova para que a primeira forma de conhecimento
da certeza sensível seja superada.
Ao forçar a si mesma a dar a prova de seu saber (ou seja, a dar um exemplo de seu
conhecimento), a consciência entra em um primeiro e falso caminho, a saber, o da distinção
entre o sujeito e objeto. Este descaminho faz-se necessário, pois é uma forma de demonstrar a
impossibilidade da certeza sensível como saber absoluto; bem como, enquanto descaminho, faz-
se imprescindível negá-lo ou superá-lo em vista de uma compreensão que melhor atenda as
exigências de um saber absoluto.
Com o exemplo, o descaminho se de duas formas, a saber, o descaminho frente ao
saber absoluto, como fora exposto acima, e também o descaminho frente ao projeto da certeza
sensível, que pretendia compreender o seu objeto de forma imediata pela sua singularidade. Este
32
Sobre a mediação que aparece no exemplo comenta MURE: “Mas se nos fixarmos (se desejamos que a dialética
avance), vemos que esta imediatez é mediada, negada, determinada. (...) No entanto, não somente é negada e
mediada a união de todos os lados, senão também a imediatez de cada lado” (p.77). MURE aqui destaca um
importante elemento do desenvolvimento da dialética que aparece na Fenomenologia e que fora anunciada no ínicio
pela Introdução, a saber, a necessidade da mediação no movimento de vir-a-ser da consciência pelo seu saber. Não
obstante, consequentemente também já antecipa a impossibilidade da imediatez tanto no que diz respeito ao objeto,
quanto ao sujeito, bem como entre os dois em um primeiro e único momento.
45
último descaminho se porque é característico da consciência fenomenológica o elemento da
medição, a qual, seja como a exposição do seu saber, seja como uma espécie de auto-análise e
auto-exame da própria consciência, demonstra-se assim como um desenvolvimento necessário
do saber que aparece. No entanto, é necessária a sua superação, porque, como será demonstrado
ao final do processo ou do desenvolvimento fenomenológico, a consciência se reconhecerá e se
identificará com o objeto, não de forma imediata, mas através de uma multiforme de relações e
mediações, onde perceberá que faz parte de um todo que possui uma “lógica de
desenvolvimento” e que esta lógica é a mesma tanto em seu saber quanto no seu objeto que é o
seu sabido, sem distinções ou cisões. Mas por ora contenta-se em analisar a cisão entre sujeito e
objeto, e como este problema é notado e desenvolvido pela certeza sensível, que não passa de
um primeiro momento do desenvolvimento da mesma, mas que se manifestará em todo seu
saber, de modo a contaminá-lo viciosamente.
Com a emergência do exemplo surge então o objeto perante a consciência e surge assim
a separação entre sujeito e objeto. O que a certeza sensível inicialmente queria colocar como
unido, pelo exemplo, aparece cindido e separado. Esta cisão é marcada pela distinção entre um
este que é para a consciência e o em si que é o objeto. Em um primeiro momento, a essência, ou
o imediato mesmo fica restrito ao objeto, ao passo que a consciência resta o exemplo e a
mediação, ou o inessencial (§93). Este é o primeiro passo da consciência em seu aparecer, ou
seja, é a anunciação de seu primeiro (des) caminho no interior de outro (des) caminho que é a
certeza sensível.
O exemplo mostra que o objeto apresenta-se como o essente simples ou como imediato,
ou ainda como a essência deste primeiro aparecer da consciência. O outro lado, ou seja, o lado
da consciência, aparece como o inessencial, como o mediatizado. Neste movimento de
46
verificação de seu conhecimento, em sua primeira crítica interna, a consciência demonstra que
no seu saber, enquanto certeza sensível, depende do objeto. O saber que se configura na
consciência somente é porque o objeto é. O objeto é sabido pela consciência, e por este objeto a
consciência estabelece seu saber (§93).
O objeto, como essencial e imediato, mesmo que não for conhecido pela consciência
permanece o mesmo. A verdade está no objeto, e somente através dele é que a consciência pode
ter um saber verdadeiro e assim uma certeza. A mediação surge porque pelo exemplo a
consciência percebe-se que sua certeza somente é dada por meio de um outro, qual seja, o objeto
(§93).
Com a aparição da mediação frente a um processo de conhecimento que deveria ser (ou
que se visava ou que se queria dizer) imediato podemos fazer, inicialmente, dois apontamentos
gerais, a saber: 1) de ordem estrutural e que diz respeito a Fenomenologia e seu objetivo, onde
se disse que o saber que se procura não pode ser imediato, ou seja, que necessita de mediação
para se estabelecer como um saber, ou seja, para que seja posto a prova pela consciência mesma;
2) de ordem crítica frente a tradição filosófica, onde tem-se em vista alguns sistemas filosóficos
(como o de Fichte e Schelling) que pretendem desde o início captar o todo, o verdadeiro, ou
seja, pretende estabelecer através de uma intuição imediata, sem qualquer relação ou mediação,
que é possível captar o absoluto ou o saber absoluto
33
.
Nesta primeira exposição da certeza sensível, que em seu nascedouro, graças a
intervenção da consciência se mostra, de certa forma, crítica, pode-se notar um duplo
33
Esta crítica fora anunciada tanto na Introdução, que aqui se apresentou, bem como no Prefácio (§16,17,18), e
pode ser encontrada também nos comentadores: LUFT, 2001, p.110-111; HYPPOLITE, p.93. Mesmo que a
pretensão da consciência seja a de apresentar-se como um saber do imediato, isto é impossível porque lhe é
necessário que percorra todo o desenvolvimento dela mesma, assim, mesmo que aquilo que ela pretenda apresentar
como o mais rico, desvanece no mais pobre e ilusório, bem como, abstrato saber, porque não se sustenta frente a
análise crítica da consciência.
47
movimento, a saber: 1) o realismo ingênuo (enquanto certeza sensível) toma sua primeira e mais
característica forma, pois ao ser questionado sobre a origem de seu conhecimento, remete
diretamente, pretensiosamente, sem mediações ao seu objeto. Para o saber do realismo ingênuo,
o objeto é apreendido de forma imediata, pois acredita que o seu saber é o objeto mesmo, sendo
que pensa não haver diferença alguma entre a realidade do objeto e o seu saber sobre o mesmo.
Neste sentido, para a consciência, seu saber não é uma representação ou uma exposição do
objeto, mas sim o objeto enquanto tal.
O outro movimento notado nesta passagem encarrega-se de implodir criticamente o
movimento que descrevemos acima, ou seja, através do exemplo, a consciência percebe que
uma diferença entre aquilo que ela quer dizer e o que é dito. Aqui se esvai tanto a pretensão de
imediaticidade, quanto a pretensão de singularidade da certeza sensível
34
. Isto foi exposto acima
de modo geral onde se mostra a necessidade de aprofundamento do argumento como será feito a
seguir descrevendo a própria experiência da consciência, a qual levará a conseqüências e
resultados positivos e não apenas a uma refutação pelo simples refutar.
Constatado que o saber que a consciência possui está no objeto, agora, seguindo a
exposição de Hegel na Fenomenologia, ou seja, procurando descrever o próprio vir-a-ser da
consciência, será examinado o objeto para que se verifique a sua essencialidade:
O objeto portanto deve ser examinado, a ver se é de fato, na certeza
sensível mesma, aquela essência, que ela lhe atribui; e se esse seu
conceito de ser uma essência corresponde ao modo como se
encontra na certeza sensível (§94).
34
O primeiro descaminho da certeza sensível se apresenta como uma espécie de dilema aparente, pois quando a
certeza sensível se instaura como a que pode chegar ao saber absoluto de forma imediata, seu saber é posto como o
mais rico e verdadeiro. Porém, o seu saber é posto a prova, e quando posto a prova além de desconfigurar a sua
pretensão (ou seja, como imediato), mostra-se impróprio para sustentar o projeto do saber absoluto. No entanto, o
dilema não passa de aparência que é resolvido pela criticidade contida na consciência e em seu desenvolvimento
fenomenológico.
48
Para iniciar a refletir sobre o objeto e a desdobrá-lo enquanto a possibilidade de tal ser
um conhecimento ou um saber para a consciência, a própria consciência pergunta-se para si
mesma: que é isto? (ou o que é isto que é o objeto). Esta pergunta é respondida por um duplo
aspecto a partir do ser do isto, a saber, como aqui e agora. O desdobramento destes aspectos e
seus sentidos para a consciência promoverão a inserção da análise imanente na certeza sensível
(§95).
É necessário considerar e ter presente, que ao se examinar o objeto (ao observar a
consciência examinando o seu objeto), aparentemente parece que se está a testá-lo enquanto tal.
No momento em que a consciência faz a pergunta sobre o isto, que se desdobra em agora e
aqui, parece que está testando o objeto, mas, de fato, está testando o seu saber sobre o objeto.
Assim, a consciência testa seu saber, suas intuições a respeito do mundo e da realidade. Porém,
mais profundo que isto, pode-se dizer que está testando a sua capacidade de dizer o absoluto.
Isto é, esta verificando se o objeto que esvisando ou que quer dizer pode ser concebido como
o absoluto, ou válido como uma totalidade abrangente.
Verificar se o objeto da consciência pode ser o essente ou imediato, pode significar,
assim, verificar se, ao ter acesso ao objeto que visa e ao colocar nele a verdade sustentando sua
certeza, a consciência alcança o absoluto. De modo geral, quer se problematizar o que é possível
concluir de um saber que tem como certeza a verdade do objeto somente. Não obstante, tem-se
outro agravante frente a um possível conclusão, qual seja, que este saber do objeto tem de ser,
além de imediato, singular, isto é, deve ser apreendido em sua primeira aparição de modo
singular pela consciência, sem uma multiforme de mediações.
49
Nesta relação primeira de saber onde a consciência é determinada exclusivamente pelo
objeto em sua imediatez, qualquer determinação que seja dependente de outro que não o objeto
mesmo, bem como qualquer elemento acrescentado ao objeto ou relacionado com ele, é
rechaçado pela consciência. Para a consciência, o saber que se quer alcançar aqui é um saber que
tenha sua verdade como singular e imediato no objeto, porque para a consciência o objeto, sendo
essência, é o que sustenta seu próprio em si, bem como o para si da consciência, ou seja, o saber
da consciência sobre o objeto. Assim o exame que segue pretende dizer ou demonstrar se o
objeto consiste em ser o que a consciência pretende que ele seja.
Como demonstramos anteriormente a pergunta pelo isto, ou pelo objeto, irá desdobrar-se
sobre o agora e sobre o aqui. O agora e o aqui representam, para a consciência, uma forma de
apreender o objeto como ele se oferece de imediato e singularmente. Desta forma, pergunta-se:
que é o agora? A resposta a tal pergunta se expressa da seguinte maneira: agora é noite (§95).
Não obstante, para que este saber seja posto a prova, ou seja, para verificar se ele pode
ser a verdade da certeza sensível é necessário experimentá-lo
35
. A experiência proposta por
Hegel é apresentada como um simples anotar num pedaço de papel a resposta dada a pergunta:
“que é o agora?” (anota-se: agora é noite). Se esta verdade for válida então ela pode ser aplicada
a qualquer agora (momento) possível. No entanto, esta verdade desvanece, porque ao verificá-la
no agora meio-dia, ela fica como um engano, um erro. Se o agora é o que é meio-dia, então não
é o agora que é noite, desta forma a verdade tornou-se vazia (§95).
Segundo Hegel, o agora, em sua experiência enquanto noite, não foi conservado em sua
imediatez e em sua essencialidade, assim como apareceu incialmente a consciência, porque se
demonstrou incapaz de ser válido para qualquer agora, ou qualquer momento. O agora foi
35
O que se experimenta aqui é a permanência da verdade do objeto, ou seja, se ele continua sendo o mesmo em
todo o tempo e espaço, por exemplo, sem que se corrompa, sem que se perca ou se reduza, mantendo-se singular,
imediato e essente, assim como pretende a consciência.
50
guardado como um saber que esta consciência apreendeu do mundo, da realidade, ou do objeto,
mas este saber desvaneceu na medida em que se exigiu a sua verificação. Neste sentido, o objeto
que de fato deveria ser considerado como imediato, singular e como a verdade da certeza
sensível, não se sustentou, ou seja, não se mostrou como tal, ou como essente. Todo o
procedimento esteve de acordo com a pretensão da consciência em seu conhecer: “O agora que é
noite foi conservado, isto é, foi tratado tal como se ofereceu, como um essente; mas se mostra,
antes como um não-essente” (§96). Se a consciência, em seu saber, estivesse correta e o objeto
como ela o entendia fosse verdadeiramente dessa forma tal procedimento deveria corroborar
com tal forma de saber, ou seja, demonstrar-se correto.
A experiência, porém, mostrou que o saber do agora não pode ser tomado como objeto
essencial, imediato e singular. Mas por que por que isto acontece é o mais importante. Isto
acontece porque o agora depende da relação, da mediação com outro que não ele mesmo, para
que supostamente se estabeleça como singular, mas paradoxalmente ao depender de outro
perde a sua singularidade e sua imediaticidade. Para que o agora seja noite é necessário que de
fato seja noite, ou que não seja dia; sendo que o mesmo acontece com o dia, etc. Tomado de
forma negativa o agora como objeto se mantém também porque seu outro não é, ou seja, o agora
é dia uma vez que não é noite e vice-versa (§96).
O que resulta, porém, da experiência da consciência na negação do objeto como singular,
imediato e essente é o mais importante. O que se mantém na relação do agora com o que o
acompanha é justamente o agora. O agora acompanha tanto quando de fato é dia, bem como
quando de fato é noite. O que são negados são os fatos singulares e específicos, dia e noite, mas
o agora enquanto tal se mantém. O agora não se reduz ao que ele acompanha, ou seja, não é
afetado por seu ser-outro (§96).
51
O resultado da experiência da consciência põe-se assim como uma negação (uma
negação dos fatos específicos, que acompanham o agora, como essenciais), mas não como uma
negação vazia, e sim como uma negação que também tem algo de positivo, ou seja, também
afirma algo, ou tem algo para dizer. Hegel classifica inicialmente o agora como um negativo em
geral, ou seja, como aquele que nega o singular, ou seja, nega a sua aparição reduzida
exclusivamente como um momento ou objeto singular que se configure como um fato
específico.
Mas o que este negar o aparecimento de um momento ou objeto singular pode significar.
Seguindo a explicação temos que significa o aparecimento do universal, aquele que é por meio
da negação, isto é, não é nem isto nem aquilo, mas está presente nisto e naquilo. O agora é o que
acompanha todos os fatos singulares e específicos sem ser reduzido a nenhum. Com esta
constatação última, verifica-se que antes de ser singular, o objeto visado pela consciência na
certeza sensível é universal. O descaminho da razão está evidenciado em um primeiro
desenvolvimento. O universal é aquilo que está presente tanto nisto quanto naquilo, sem se
reduzir a isto ou aquilo:
Nós denominamos um universal um tal Simples que é por meio da
negação; nem isto nem aquilo um não-isto -, e indiferente também a
ser isto ou aquilo. O universal, portanto, é de fato o verdadeiro da
certeza sensível (§96).
Com isto demonstra-se que nenhum singular, seja a noite, seja o dia, enquanto agora
consegue dar conta do que é exigido pelo saber da consciência enquanto certeza sensível.
Exigência esta que é a de permanecer sempre igual a si mesmo, ser essente, imediato, e,
52
evidentemente, singular. O singular não consegue permanecer ou se sustentar quando posto a
prova. O singular não vai além do querer dizer da consciência que como tal é vazio.
A consciência em sua experiência chegou ao resultado contrário do qual pensava
alcançar, ou seja, buscando o singular, alcançou o universal (§97). Mas por que ao buscar o
singular, a consciência alcança o universal? Por que ao querer dizer o isto que se pretende como
singular, diz o universal? A resposta de Hegel é a seguinte:
O que dizemos é: o isto, quer dizer, o isto universal; ou então: ele é, ou
seja, o ser em geral. Com isso, não nos representamos, de certo, o isto
universal ou o ser em geral, mas enunciamos o universal; ou por outra
não falamos pura e simplesmente tal como nós o ‘visamos’ na certeza
sensível. Mas, como vemos, o mais verdadeiro é a linguagem: nela
refutamos imediatamente nosso visar, e porque o universal é o
verdadeiro da certeza sensível, e a linguagem exprime esse
verdadeiro, está pois totalmente excluído que possamos dizer o ser
sensível que ‘visamos’ (§97).
Com esta citação podemos constatar dois elementos essenciais, tanto para a
Fenomenologia enquanto tal, bem como para o presente trabalho, a saber, a aparição do
universal na impossibilidade de dizer o singular como foi constatado, e em relação a isto a
importância da linguagem no conhecimento, que é o lugar privilegiado onde o universal se
manifesta.
A certeza sensível visando (querendo dizer) o saber do singular, simplesmente depara-se
com seu resultado contrário, porque, ao querer expressar e ao querer dizer o que visa, não pode
fazê-lo sem recorrer a linguagem. Mas pela linguagem a consciência não consegue captar o que
quer dizer ou o que visa de forma singular e imediata, porque seu objeto somente será possível
de ser dito na medida que participa de um universal, na medida que seja universal. Caso
contrário fica como visar apenas ou enquanto uma intenção, ou ainda um querer, que não pode
53
ser exposto efetivamente, que não pode ser criticado, e, assim, que não pode ser um saber, uma
vez que não há como ter acesso ao mesmo pela sua inefetividade frente ao que a certeza sensível
está buscando.
Em Hegel, uma diferença significativa e fundamental entre o que a consciência
pretende dizer e aquilo que ela diz. Aquilo que é expresso pela linguagem (em forma de
conceito) não consegue dar conta, atingir ou representar, por uma relação direta, simples e
imediata, o que à percepção sensível aparece, ou o objeto que se apresenta frente a consciência
36
.
O universal, enquanto linguagem, remete à consciência (ou ao eu que sabe) a qual passa
a ser tomado como a verdadeira para a certeza sensível, porque somente nela o objeto pode ser
conhecido e ser apreendido, ou ainda, exposto. O objeto mostra-se assim como impossibilitado
de ser dito ou de ser sabido como a consciência o visa, ou como o quer dizer, porque para tal
precisa ser mediado por outro, pela linguagem, pelo universal isto é, pelo eu. Isto demonstra que
o objeto específico, imediato e singular, enquanto conhecimento, não obstante, somente pode ser
mantido por meio de outro, não podendo assim ser o essencial.
O movimento de exposição daquilo que a consciência visa ou quer dizer, no que diz
respeito ao objeto, mostra-se paradoxal. Isto se porque a consciência precisa dizer o que visa
ou o que quer dizer (ou seja, o objeto) em sua imediatez e singularidade, mas ao dizê-lo torna o
seu dizer impossível, pois de fato não o consegue dizer como pretende (imediato e singular),
uma vez que a linguagem somente consegue processar com o universal, pois é da natureza da
linguagem somente poder expressar o universal, pois tem acesso negado ao ser sensível de
forma imediata e que consiga manter sua singularidade. Com isto Hegel mostra que uma relação
direta com os objetos é impossível, seja porque o objeto mesmo é outro frente a consciência (e
36
Ver DERRIDA (1991, p.118) que expõe como Hegel entende, na sua obra Enciclopédia, a distinção entre o que
se apresenta para a consciência e o que a consciência consegue representar ou expressar deste aparecer.
54
assim a consciência apresenta uma mediação), bem como porque para que este objeto seja
conhecido ou dito é necessário utilizar-se da linguagem e assim, imprescindivelmente, utilizar-
se de conceitos, mediações e assim do universal.
Esta universalidade que é apreendida pela linguagem, no entanto, se expressa no seu
mais alto grau de abstração, ou seja, como puro universal, porque a consciência ainda não
efetivou mediações suficientes para que este universal pudesse aparecer como um resultado, ou
fim de um processo de relações e de diferenciação. Neste sentido, o aqui e o agora, ditos por este
universal, são vazios e indiferentes, bem como, aparecem apenas frente a uma relação, a qual,
neste momento, nega o singular, apontando para a impossibilidade do mesmo ser apreendido. A
universalidade aqui não é resultado de uma relação entre singulares ou particulares, mas é antes
a impossibilidade de dizê-los imediatamente, bem como pode ser compreendida como a
necessidade de uma instância mediadora para que o objeto seja dito, instância esta que é a
linguagem (§99-100).
Com este primeiro movimento da consciência mesma dentro da sua certeza sensível,
demonstrou-se a primeira forma de saber em sua imediaticidade, ou ainda a primeira forma de
realismo ingênuo. Esta primeira forma é representada pela primazia do objeto frente a
consciência. Não obstante, esta hipótese foi superada em vista de uma forma de saber que
pretende ser mais completo, ou seja, que de fato consiga dizer algo e não fique apenas no visar
ou no querer dizer. Neste sentido, a consciência desiste da primazia do objeto, guardando esta
sua experiência como um descaminho que a fez progredir frente ao que ela está buscando, e
tenta de outra forma apreender o singular de forma imediata.
A consciência, em seu primeiro movimento de experimentação de seu saber na certeza
sensível, percebeu-se que o imediato, o essencial e o singular que ela pretendia encontrar no
55
objeto não podem ser encontrados no mesmo, porque ao dizê-lo, ou seja, ao tentar expressá-lo
como tal, o objeto desvanece e o que se encontra é o seu contrário do que ela busca, qual seja, o
universal, que é o que a linguagem consegue exprimir, e assim é aquilo que o sujeito ou a
consciência que conhece conseguem exprimir, e não aquilo que o objeto quer dizer ou significa
autonomamente enquanto tal. O conhecimento do objeto, neste sentido, depende da consciência
que o conhece e da linguagem que o expressa ou o apreende.
A consciência, não tendo encontrado o que buscava, ou seja, o imediato, o essencial e o
singular no objeto, e tendo o seu querer dizer inicial superado, passará a buscar no outro do
objeto, a saber, no eu, na consciência que conhece e que sabe. A passagem da verdade do objeto
para a verdade da consciência ou do eu, parece ser muito mais um ato mecânico e espontâneo do
que o resultado de uma mediação ou reflexão. Ou seja, poderíamos entender que a consciência
em sua experiência passasse a considerar o eu como aquele capaz de alcançar o imediato, o
sensível e o singular, porque o eu foi o que restou da experiência com o objeto. Mas as coisas
para a consciência não são bem assim, ou seja, o eu foi o único que restou, ou que se sustentou
frente ao singular que estava sendo buscado. Com pouca sofisticação, a consciência
simplesmente passou a considerar o oposto ao qual ela buscava inicialmente o seu saber.
A consciência ainda não percebeu que o imediato, o singular, e o essencial não podem
ser alcançados imediatamente, ou ainda, não podem ser alcançados. Por este motivo, o
abandono do objeto em vista do eu não é um resultado de uma reflexão mais profunda e
sofisticada, pelo contrário é apenas uma nova tentativa, que aparentemente se modificou, mas
que essencialmente é a mesma.
56
O objeto fora descartado e simplesmente substituído pelo eu da consciência que sabe,
porém a cisão entre ambos ainda é efetiva e o visado ou aquilo que se quer dizer ainda é
buscado:
O objeto, que deveria ser o essencial, agora é o inessencial da certeza
sensível; pois ela agora se encontra no oposto, isto é, no saber que antes
era o inessencial. Sua verdade está no objeto como meu objeto, ou seja,
no ‘visar’ [meinem/Meinen]: o objeto é porque Eu sei dele (§100).
Esta mudança de perspectiva, que desloca a verdade do objeto para a consciência não
indica ainda a superação total do realismo ingênuo ou da certeza sensível, pelo contrário,
demonstra apenas um movimento, uma mudança no interior da mesma. Este movimento indica
uma mudança de perspectiva que ainda está inserida no realismo ingênuo, qual seja, na medida
em que se demonstrar como inválida a tentativa, seja ela qual for, a consciência passa a sustentar
o seu contrário, pensando que é num objeto externo a consciência que irá encontrar a sua
verdade e sua certeza. Ou seja, a consciência crê que é separando o sujeito do objeto e
conferindo, ora a um e ora a outro a essencialidade, a imediatez e a verdade poderá encontrar o
saber absoluto:
Agora, pois, a força de sua verdade está no Eu, na imediatez do meu
ver, ouvir etc. O desvanecer do agora e do aqui singulares, que visamos,
é evitado porque Eu os mantenho (§101).
Sendo o eu aquele que consegue dizer o universal, porque nele a linguagem é possível, a
consciência entende que somente o eu, aquele que realiza a experiência da certeza sensível, é
capaz de captar de fato o singular, o imediato, e assim pôr-se como essencial. Nota-se que não é
57
caso de que a verdade se encontra no eu, mas encontra-se ainda exterior a consciência, num
singular, imediato e essente, ou seja, num eu outro frente a consciência. Este eu outro é o eu que
conhece o objeto, ou seja, o objeto imediato e singular que pretende ser alcançado pela
consciência é o eu e seu conhecimento. A consciência acredita que conhecendo o eu singular
que conhece pode chegar a verdade de forma imediata, pois somente através dele é que é
possível se manter a imediatez e a singularidade. O objeto continua sendo algo singular e
pretensamente imediato, mas não mais um objeto qualquer que pode ser conhecido, mas o
próprio eu que conhece é objeto a ser conhecido nesta instância.
Assim como a consciência, enquanto certeza sensível, experimentou seu saber no objeto,
agora também com o sujeito o fará. Nesta experiência, a consciência procura verificar se de fato
o sujeito consegue dizer o que visa ou o que quer dizer (o singular e imediato), ou seja, dizer seu
objeto. A experiência procura examinar se o eu consegue, por seu ver, seu olhar, etc, captar a
imediatez ou representá-la. O exame demonstrará se é possível considerar o eu como essencial,
isto é, como aquele que torna possível o saber da certeza sensível (§101).
A consciência pretende que o agora e o aqui singulares se mantenham no visar ou no
querer dizer do eu, ou seja, a consciência crê que no eu o objeto singular não desvanece porque a
verdade ou a sua imediatez e sua singularidade estão no eu que também deve ser singular. Com
a expressão: “o agora é dia porque Eu o vejo; o aqui é uma àrvore pelo mesmo motivo” (§101),
a consciência acredita que o eu, lugar onde o conhecimento dos objetos particulares se
manifestam, ter captado, intuído e assim sabido o que visa, ou seja, o singular e o imediato.
Porém, como demonstra Hegel, “a certeza sensível experimenta nesta relação a mesma dialética
anterior” (idem), qual seja, a de que a verdade deste eu que que agora é dia e que está
árvore, é posta ao lado da intuição de outro eu que afirma, por exemplo, que não vê uma árvore,
58
mas uma casa. Ambas intuições tanto do primeiro quanto do segundo eu têm a mesma
credibilidade segundo Hegel, qual seja, a imediatez buscada pela consciência, sendo assim
ambos têm um saber que pode ser entendido como certeza sensível. O problema se instaura na
medida que uma afirmação vai contra a outra, ou seja, o eu singular ao dizer o imediato não
importando a situação deveria dizer o mesmo que qualquer o outro eu, pois, segundo a
consciência nesta etapa, é o essencial, o qual deveria fazer com que tanto a verdade do primeiro
eu quando a do segundo se mantivessem, porém, como notamos uma elimina a outra. Assim, a
pretensa essencialidade do dizer do eu, enquanto tal, perde a sua validade.
O que se demonstra, porém, com a tentativa de colocar o eu ou o sujeito como essência e
como aquele que consegue dizer o imediato, é que este, ao tentar fazer-se singular e portador do
imediato, verificou que aquilo que quer dizer ou que visa não se sustenta, pois é tão frágil que
basta um outro eu dizer o contrário que a sua verdade se esvazia. Neste movimento o que resta é
apenas o eu universal que acompanha as intuições diversas, não desvanescendo:
O que nessa experiência não desvanesce é o Eu como universal: seu
ver, nem é um ver da árvore, nem o dessa casa; mas é um ver simples
que embora mediatizado pela negação dessa casa etc., se mantém
simples e indiferente diante do que está em jogo: a casa, a árvore. O eu
é universal, como agora, aqui, ou isto, em geral. ‘Viso’, de certo, um
Eu singular, mas como não posso dizer o que ‘viso’ no agora, no aqui,
também não posso no Eu. Quando digo: este aqui, este agora, ou um
singular, estou dizendo todo este, todo aqui, todo agora, todo singular.
Igualmente quando digo: Eu, este Eu singular, digo todo Eu em geral;
cada um é o que digo, Eu, este Eu singular (§102).
Aqui a tentativa, por parte da certeza sensível, de intuir imediatamente e singularmente o
seu saber pelo eu desvaneceu. A intuição ou a apreensão do que é singular por um eu singular de
forma imediata não se mostrou como verdadeira, porque ao ser posto a prova, ao ser comparado
59
com um saber de mesma origem, com a mesma forma e com a mesma pretensão podem
apresentar dois resultados diversos e excludentes. Isto basta para que o eu singular em sua
intuição singular e imediata fosse rechaçada, uma vez que a essencialidade não pôde ser
comprovada. O que permaneceu desta experiência foi novamente o universal, o eu universal,
que, como tal, não consegue reduzir-se a um objeto específico e particular apenas, pois ao
indicá-lo terá presente um pressuposto de relações e mediações.
Apesar de procurar no eu ou no sujeito a verdade que busca, a consciência ainda mantém
a distinção ou a cisão entre ela mesma e o objeto a ser conhecido. Mesmo procurando na própria
consciência ou no eu a imediatez, a singularidade e a essencialidade, a consciência coloca tais
elementos como alteridades, isto se evidencia na medida em que o objeto necessariamente tem
que ser algo exterior, ou seja, o eu precisa captar um outro objeto singularmente e
imediatamente conforme as características próprias deste objeto, sem interferir com qualquer
elemento que possa deturpar a sua compreensão tal qual ele naturalmente e por si se
apresenta.
Este universal alcançado pela impossibilidade de se dizer o singular na experiência do
eu, se apresenta com uma especificidade distinta daquela que fora alcançada anteriormente pela
superação do singular do objeto. Esta universalidade é mais fértil em termos de sentido e
significado, por possuir mais mediações que o movimento anterior. Enquanto aquela era pura
abstração, vazia e indiferente, esta se apresenta como um segundo estágio de reflexão, como
uma análise mais sofisticada do conhecimento do eu, sendo assim é uma universalidade que tem
pelo menos presente a relação entre sujeitos frente ao estabelecimento do que pode ser a
verdade.
60
A singularidade e a imediatez tão buscadas pela certeza sensível, ao serem indicadas
demonstram-se como contrárias, ou seja, somente podem ser encontradas como universalidade e
mediadas. Pretendo dizer o singular e o imediato, através do objeto, disse o universal, e
procurando o singular e o imediato, através do eu, disse também o universal. Tendo testado,
assim, tanto o objeto quanto o sujeito e não encontrando neles a verdade que buscava, ou seja,
não encontrando, nem um e nem outro como a essência, o imediato e o singular, a certeza
sensível buscará esta essência (o saber singular e imediato) no próprio ato de intuir como um
todo:
Ora, o objeto e o Eu são universais: neles o agora, o aqui, e o Eu que
‘viso’ não se sustêm, ou não são. Com isso chegamos a [esse
resultado de] pôr como essência da própria certeza sensível o seu todo,
e não mais apenas um momento seu como ocorria nos dois casos em
que sua realidade tinha de ser primeiro o objeto oposto ao Eu, e depois
o Eu. Assim, é a certeza sensível toda que se mantém em si como
imediatez, e por isso exclui de si toda oposição que ocorria
precedentemente (§103).
O todo que a consciência procura dizer aqui como a certeza sensível, diz respeito ao todo
da relação entre o sujeito e objeto, ou seja, o que importa agora é a relação entre ambos, a qual
pretende ser um saber imediato e singular. A essencialidade ou a inessencialidade de um e de
outro lado da relação sujeito/objeto não entram em discussão aqui, pois o que se procura é um
todo, que enquanto uma relação mantém-se como única, sem diferença ou mediação (§104).
A consciência procurará expor o agora, o aqui e o isto como sendo um puro intuir, sem
relação com a quantidade de eus que possam estar envolvido ou que possam ser comparados
entre si em suas acepções específicas, bem como sem relação com qualquer forma diferente de
intuir alguma coisa qualquer. O que será objeto neste momento é a totalidade da certeza sensível
e a sua unidade enquanto um conhecimento, enquanto um momento da experiência, sem
61
privilégio seja do sujeito, seja do objeto. Aqui se procura manter firme apenas numa única
intuição, por exemplo: “agora é noite”, não a comparando com um agora que pode ser dia, ou
com uma intuição de um outro eu que pode dizer que agora é dia, excluindo assim toda e
qualquer oposição. Com este puro intuir a consciência pretende conseguir estabelecer uma
relação imediata, isto é, uma relação com o singular daquilo que ela visa (§104).
Assim como a consciência se desenvolveu quando o imediato estava sendo buscado no
objeto ou no sujeito, agora também surge a necessidade de que se ponha a prova este saber que
coloca no todo a relação de imediatez que pretende alcançar o singular. Em outras palavras a
consciência exige de si mesma que expresse o saber imediato indicado pela relação em sua
totalidade (§105).
A consciência começa então a analisar esta relação pelo agora que é visado (o que
poderia ser feito também através do aqui - §108). Neste sentido, como procedeu anteriormente,
procura examinar se consegue dizer o que ela quer dizer ou aquilo que visa, ou seja, além de
visar o singular de forma imediata, a consciência exige de si mesma que este seja indicado, pois
a possibilidade de sua indicação acarreta, conseqüentemente a verdade da certeza sensível:
“Temos de fazer que nos indique, pois a verdade dessa relação imediata é a verdade desse Eu,
que se restringe a um agora ou a um aqui” (§105).
Para que o agora seja indicado como este agora, a consciência tem como necessidade
levar em consideração diversos momentos. O agora ao ser indicado, por pretender dizer algo no
presente, somente pode ser indicado como o-que-já-foi, ou seja, o presente em sua
imediaticidade, ou seja, em sua singularidade somente pode ser apreendido como passado. Ao
indicar o agora este agora se configura como aquele agora que passou, que não é mais agora.
O agora deste momento não é o mesmo daquele que fora indicado no momento anterior (§106).
62
O agora e o indicar do mesmo somente podem ser sustentados na medida que se
relaciona com o presente do qual ele é um fato passado, ou seja, o agora não pode ser indicado
imediatamente, mas apenas por uma determinada relação. Analisando mais de perto o que vem a
ser o agora e o indicar do agora notamos, como nos aponta Hegel, um movimento de três etapas,
a saber: 1) primeiro indicamos o agora como verdadeiro; mas este somente pode colocar-se
como agora se nega o agora efetivo, uma vez que se configura como o-que-já-foi: 2) num
segundo momento, então se afirma o agora como uma verdade que foi; mas ao afirmar que foi
nega-se o que é: 3) no terceiro movimento nega-se o que foi, sendo que com isso se retorna a
primeira afirmação: o agora é. Neste sentido, conclui Hegel:
O agora e o indicar do agora são assim constituídos que nem o agora e
nem o indicar do agora são um Simples imediato, e sim um movimento
que contém momentos diversos (§107).
Sendo que “o agora, como nos foi indicado, é um que-já-foi e essa é sua verdade”
(§106), ou seja, é constituído de relações e mediações, então este agora e o seu indicar para a
certeza sensível não são cabíveis, porque a mesma procura sua verdade na imediatez pura,
enquanto uma apreensão do sensível, que, segundo sua pretensão, deve ser singular.
O agora que seria o objeto a ser indicado pela certeza sensível como algo imediato e com
a pretensão de ser singular, não cumpriu com as exigências da mesma. Ao tentar indicar um
agora singular, a consciência leva em consideração muitos agoras, que sustentam o agora
pretendido. Para expressar isto Hegel utiliza o seguinte exemplo: O agora uma hora é
também muitos minutos, e esse agora é igualmente muitos agoras, e assim por diante” (§107).
Ao indicar o agora (sendo que o mesmo acontece com o aqui) a consciência se depara com um
63
agora universal que é resultado de uma pluralidade de agoras relacionados e mediatizados. O
agora singular não pode ser alcançado por uma experiência imediata, pois somente pode ser
encontrado através de um agora universal que promovendo a impossibilidade de se indicar os
agoras singulares, mostra-se também como único verdadeiro (o agora universal é único
verdadeiro) (§107).
Desse modo o todo como uma relação que leva em consideração tanto o lado do objeto,
quanto do sujeito, também se mostrou incapaz de dizer ou de indicar o singular. Novamente, o
que se encontrou foi o universal, ou seja, o contrário daquilo que se buscava. Não obstante, a
cisão entre sujeito e objeto também se manteve, uma vez que toda as formas de saber ou de
conhecimento da certeza sensível procuravam fazer referência a um objeto, tendo isto como uma
espécie de compromisso e prova da ingenuidade da consciência, o qual não compartilhava das
mesmas leis, padrões ou características do sujeito, mas sempre foi buscado pelas suas (do
objeto) próprias leis, padrões e características.
2 . 3 . O resultado do desenvolvimento da certeza sensível e a refutação do realismo
ingênuo
A consciência experimentou, de diversas formas, encontrar o objeto singular através de
um indicar que se desse de forma imediata, e assim, configurar sua verdade como uma certeza
sensível. Ou seja, a consciência procurou encontrar a essência de seu saber em um objeto
singular o qual era fixado fora da consciência mesma, procurando ter acesso a ele de forma
imediata. Com a exposição verificou-se a impossibilidade de se realizar tal tarefa, bem como,
com isso, verificou-se também a ingenuidade da consciência que o pretendia fazer, sendo que
esta verificação se deu por uma análise crítica e imanente frente a pretensão mesma. E o que se
64
destaca é que tal movimento foi efetivado pela própria consciência mesma, que de forma
autônoma experimentava-se e superava-se sem qualquer influência ou coação externa.
A certeza sensível, como um primeiro saber da consciência, pode ser caracterizada por
dois elementos fundamentais e complementares, a saber: 1) a cisão entre o sujeito e objeto, ou
seja, a tentativa de encontrar o objeto singular que está fora da consciência, como se o saber
fosse algo exterior a consciência mesma e que devesse ser apreendido; 2) e a tentativa de dizer o
singular, ou seja, de atingir o seu saber de forma imediata.
As experiências da consciência na certeza sensível, procurando encontrar sua verdade
ora no objeto, ora no sujeito e finalmente no todo da relação (sujeito/objeto), mostraram a
impossibilidade de se alcançar o singular. Mas este movimento carrega consigo uma riqueza de
significado maior do que a simples impossibilidade de se alcançar o singular, a qual encontra-se
na característica de seu movimento e no que tal movimento expressa.
A consciência com o movimento da certeza sensível, rechaçando o singular como seu
objeto de saber, demonstrou que somente temos acesso ao universal, pois somente pode-se
expressar algo, indicá-lo e referir-se a ele pela linguagem e esta por sua vez não consegue ter
acesso direto e sem mediações ao objeto singular. Isto além de recusar toda a proposta da
certeza sensível, mostra à consciência mesma que seu saber e seu conhecimento somente são
alcançados através da linguagem. Toda a experiência sensível, individual e singular que é
pretendida pelo saber a certeza sensível não podem ser apreendidas enquanto tais, pois somente
podem ser expressas pelo universal e quem possibilita isto é a linguagem. Assim, o singular, ao
ser buscado, como se demonstrou, revela-se impossível ou apontado efetivamente de ser
indicado, pois qualquer indicação ou referência somente podem ser feitas através do universal,
através da linguagem.
65
O não alcance do singular, mas o alcance do universal (o que é distinto do singular por
representar uma realidade diferente, apesar de ter relações com o mesmo), pela necessidade
imprescindível da linguagem, mostra para a consciência mesma outro fator importante em sua
experiência fenomenológica, a saber, que o objeto exterior em sua singularidade é inatingível e
indizível. Pretendendo tomar a verdade como esta imediatamente se apresenta a si mesma, a
consciência procura encontrar o objeto puro e neste a sua verdade, o que impossível. Este objeto
seria algo que está fora da consciência mesma, colocado como algo exterior que deve ser
apreendido de modo que somente a sua realidade enquanto tal, sem qualquer interferência, deva
ser preservada. E aqui se tem uma conceituação do que é conhecimento para a certeza sensível:
conhecer é conseguir captar o ser em sua singularidade e de forma imediata. Porém, a
necessidade da linguagem (da mediação e das relações implicadas na mesma) supera esta
concepção e demonstra o que fora anunciado pela Introdução da obra, a saber: 1) a
impossibilidade de que o conhecimento esteja em algo exterior, o qual deve ser captado ou
apreendido pela consciência de forma imediata; 2) e que a consciência tem a si própria como
padrão de medida.
Seguindo este primeiro saber que aparece para a consciência, nota-se que considerar que
não se sustenta “que a realidade ou o ser das coisas externas, enquanto estas ou enquanto
sensíveis, tem uma verdade absoluta para consciência” (§109). Isto se porque a consciência
não tem acesso direto a qualquer realidade exterior que possa existir. Bem como, porque a
consciência somente tem acesso ao universal. A certeza sensível, enquanto a tentativa de um
saber imediato do singular, somente se experimenta como universal, sendo esta a sua verdade e
não outra (§109). Aquilo que existe para a consciência, ou seja, aquilo que ela tem acesso
66
somente delimita-se ao que pode ser expresso
37
, indicado, ou dito pela mesma, sendo que
somente consegue dizer, expressar e indicar pela linguagem e a linguagem somente opera pelo
universal, então somente o universal é a verdade da consciência neste momento:
Falam do ser-aí de objetos externos, que poderiam mais propriamente
ser determinados como coisas efetivas, absolutamente singulares, de
todo pessoais, individuais; cada uma delas não mais teria outra que lhe
fosse absolutamente igual. Esse ser-aí teria absoluta certeza e verdade.
‘Visam’ este pedaço de papel no qual escrevo isto, ou melhor escrevi;
mão o que ‘visam’ e se quisessem dizer [mesmo] isso seria
impossível, porque o isto sensível, que é ‘visado’, é inatingível pela
linguagem, que pertence à consciência, ao universal em si (§110).
Desta conclusão, que é indicada no primeiro ponto acima, pode-se apontar algo
sumamente importante para a presente obra, a saber, que a consciência tem em si mesma seu
padrão de medida. A consciência, ingenuamente e segundo uma concepção que se apoiava
inteiramente num pretendido conhecimento sensível, acreditava que o objeto exterior, sensível e
imediato era o padrão de medida para seu saber e para seu conhecimento, colocando-o como
verdade e como essencial. Mas isto demonstrou-se equivocado pela análise crítica que a
consciência mesma fez deste conhecimento ou deste falso conhecimento, ou ainda deste
conhecimento que aparentemente se dava desta maneira.
Por que os objetos externos não podem ser a verdade absoluta para a consciência, ou seu
padrão de medida? Por que o singular é inatingível? Qual é o lugar onde a linguagem aparece,
onde o universal aparece?
37
O indicar ou o expressar pela consciência é fundamental para si mesma, pois é através disso que pode medir,
avaliar, criticar seu próprio saber. Aqui a linguagem outra vez aparece como algo importante que não se reduz esta
experiência da consciência em sua especificidade, mas a todo o movimento fenomenológico, pois permite o
movimento, a superação e a crítica.
67
A consciência por si mesma chegou a conclusão de que o singular é inatingível. É na
consciência que o universal, através da linguagem, aparece. A consciência notou também que o
objeto que ela mesma buscava como padrão de medida para seu saber, ou seja, o objeto que ela
buscava como essencial, como verdadeiro, não se encontra em uma realidade exterior, não se
encontra em um objeto singular, não é algo que tem de ser alcançado imediatamente para que
seja de fato o que é. Pelo contrário, pela mediação consigo mesma a consciência encontrou sua
verdade no oposto daquilo que estava buscando, ou seja, encontrou nela mesma enquanto
linguagem, enquanto universal, sua verdade, seu padrão de medida e seu objeto de saber. Disto
pode-se antecipar que somente conhecendo-se a si mesma é que a consciência poderá conhecer
como é seu objeto de conhecimento e assim chegar mais perto do saber absoluto.
Observando a certeza sensível percebemos o quanto errôneo e equivocado foi o
movimento da consciência nesta sua primeira figura. Primeiramente, foi ingênua ao crer que o
seu saber dar-se-ia de forma imediata e direta, e que qualquer forma de relação ou de mediação
acarretaria algo estranho a sua verdade, o que se demonstrou impossível. Posteriormente, foi
realista em demasia ao colocar o padrão de medida, e assim, a verdade e a essencialidade de seu
saber em algo exterior, em algo singular em si mesmo, ou seja, a exterior a própria consciência,
a qual deveria ter acesso a tal objeto de forma imediata.
Não obstante, a consciência percebeu-se que o objeto buscado pela certeza sensível não
pode aparecer em outro lugar ao não ser em si mesma, pois é nela que o universal é processado.
Isto indica para uma possível superação da cisão entre sujeito/objeto (pois sendo o universal o
seu objeto e este somente aparece na consciência, parece que a superação da cisão se efetiva,
mas não acontece de fato, uma vez que a consciência ainda considera o objeto algo exterior,
como outro, mesmo sem relação com a consciência mesma), porém isto não se na certeza
68
sensível, uma vez que aqui sujeito e objeto mantêm-se separados, cindidos, mas algumas pistas
de sua complementariedade já estão sendo anunciadas.
Sendo que tudo que a consciência quer saber ou quer dizer, ou mesmo, tudo o que a
mesma visa, depende da universalidade que é expressa pela linguagem, e ainda, representa algo
engendrado pela própria consciência, temos que a verdade da certeza sensível não é o singular,
mas o universal. O qual é o ponto pelo qual inicia a segunda forma de saber da consciência que
aparece, a saber, a percepção.
Dessa forma, a mediação que a consciência precisa para atingir o seu saber não é um
objeto exterior, singular e que se de forma imediata, mas é própria consciência, a sua
linguagem que expressa o universal. Aqui se anuncia, mesmo que de modo incipiente a
identidade entre ser e pensar, provando assim a necessidade de que a consciência dê a si mesmo
seu próprio padrão de medida. Uma vez que tanto ser, quanto pensar são um e mesmo, ou seja,
possuem a mesma lógica, estão inseridos num mesmo lógos, que é de certa forma o absoluto,
que representa uma totalidade abrangente, a consciência, conhecendo como ela conhece,
conhecerá verdadeiramente.
69
3 . 0 . A transição da certeza sensível para a percepção
Neste capítulo, procurar-se-á demonstrar o ponto de superação ou de transição da certeza
sensível pela percepção. Tal demonstração pretende estender-se como uma apresentação mais
70
completa do que vem a ser a superação do realismo ingênuo. Bem como, também se quer
demonstrar que o movimento da consciência em sua experiência de saber não pára ao superar a
certeza sensível (ou o realismo ingênuo), mas continua numa espécie de progressão (em termos
de reflexão, mediação e crítica) em direção ao saber absoluto (sua meta)
38
.
Para cumprir tal tarefa pretende-se estabelecer algumas comparações e paralelos gerais
entre a certeza sensível e a percepção. Neste sentido, serão analisadas questões que dizem
direito a relação sujeito/objeto, tanto numa quanto na outra forma de saber. Bem como,
verificar-se-á até que ponto a certeza sensível es presente ou guardada na percepção. E
também será apresentada a proposta mesma da percepção de forma geral, sem entrar em maiores
detalhes, uma vez que o nosso objeto de estudo é a superação do realismo ingênuo presente na
certeza sensível.
Pode-se dizer que a Fenomenologia é a gênese da consciência (do sujeito ou do eu) e do
objeto em sua relação através de níveis ou de momentos que se demonstram, desde sua primeira
aparição e em seu posterior desenvolvimento, cada vez mais articulados, sofisticados e críticos
enquanto experiências da consciência
39
. Neste sentido, pode-se perceber, ao se analisar as
diversas experiências da consciência, que existem diferenças substanciais quando comparamos
cada movimento ou figura estabelecidos pela consciência, bem como se encontram muitos
elementos relacionados positivamente ou negativamente. Ter presente esta relação ou estas
38
Segundo Hegel, “o verdadeiro é o vir-a-ser de si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua meta, que o
tem como princípio, e que é efetivo mediante sua atualização e seu fim” (§18), ou seja, o movimento que se
reinstaura a cada figura e que se supera em vista de uma verdade mais completa é o que interessa neste momento.
Neste sentido, deve-se evitar permanecer fechado a uma forma de saber sem experimentá-la ou criticá-la, pois isto
instaura o movimento e a atualização em direção ao saber absoluto. Não obstante, tem que se ter presente que cada
etapa experienciado pela consciência tem seu sentido e seu valor quando comparado com o todo do movimento.
39
Para AQUINO,“ no corpus da Fenomenologia constituem-se determinadas totalizações que encerram níveis
sempre mais articulados da experiência” (1989, p.116).
71
diferenças proporciona uma melhor compreensão do que a obra em vista, ou seja, a busca de um
saber absoluto que encerra em si seu padrão de medida e seu movimento.
3 . 1 . A certeza sensível e suas conclusões: a verdade da percepção
No tocante da relação sujeito/objeto, pode-se perceber uma distinta compreensão da certeza
sensível para a percepção. Em todo movimento do saber da certeza sensível nota-se que o objeto
possui uma espécie de primordialidade ou essencialidade frente ao sujeito ou frente a
consciência. Para o saber da certeza sensível, a verdade da consciência deve ser encontrado no
objeto
40
. A consciência tem fora de si seu padrão de medida, sendo o objeto quem o determina.
No objeto, desta maneira, estão presentes tanto a certeza, que cabe ao que é conhecedor, quanto
a verdade, que diz respeito ao que é conhecido. A consciência, neste movimento, precisa
conhecer o objeto para estabelecer qualquer forma de saber. Sendo assim, a consciência é um
sujeito vazio e aberto para que seja preenchido de conteúdo, o qual é dado pelo objeto. Neste
sentido, a consciência fica totalmente subjugada frente ao objeto, restando-lhe apenas aceitar o
que o objeto tem a lhe transmitir de forma absolutamente passiva e receptiva.
Como foi exposto no capítulo precedente, a consciência no saber da certeza sensível
experimentou de diversas maneiras de apreender o objeto assim como ela visava. Porém, o
fundamental nesta relação entre sujeito e objeto na certeza sensível é a pretensão de que o objeto
40
Para KOJÈVE (2002), certeza sensível diz que “o homem, considerado em sua atitude passiva, como sujeito
cognoscente, opõe-se ao objeto exterior conhecido (consciência em sentido restrito, = consciência do mundo
exterior)” (p.41). Este sentido de oposição da consciência (homem) frente ao mundo (objeto) pode ser aceita, pois
nota-se que a certeza sensível com seu conhecer procura conciliar tal oposição forçando a consciência a assimilar
passivamente o mundo exterior e encontrar nele a sua verdade. Na mesma idéia prossegue o comentarista
apresentando qual o objeto da certeza sensível e o que ela visa: “o primeiro capítulo considera o homem ingênuo,
ou mais exatamente a reflexão do filósofo ingênuo sobre o homem ingênuo. É o sensualista. Para Hegel, o
sensualismo é verdadeiro na medida em que afirma que o real é. Mas é falso quando quer basear todo o
conhecimento apenas na atitude congnitiva da sensação, que implica aliás uma contradição... (p.42)”. Isto
demonstra o quanto a certeza sensível faz-se equivocada ao ter sua verdade naquilo que seus sentidos lhe
apresentam, ou seja, naquilo que pretende alcançar imediatamente e singularmente.
72
do conhecimento ou do saber, seja ele qual for, deva ser apreendido e captado de forma imediata
em sua singularidade. Isto se porque qualquer mediação, qualquer relação com algum
elemento que não seja o objeto mesmo, ou ainda qualquer universalização, acredita a
consciência, acarretaria a deturpação daquilo que o objeto é de fato em sua essência, o que
impossibilitaria o mesmo fosse vislumbrado em si, impossibilitando a que consciência encontre
a verdade.
O objeto da certeza sensível é o que determina a consciência e aquele que estabelece por
si o que é conhecimento. Nele a consciência crê encontrar todo o valor de verdade possível. A
consciência acredita que consegue dominar ou captar o objeto, e assim conhecer de fato, através
de uma experiência direta efetivada pela indicação daquilo que ela visa ou quer dizer (quer dizer
de forma imediata o singular).
Para a consciência, neste nível, o verdadeiro e sua certeza são aquilo que lhe aparece
sensivelmente, entendendo, assim, que basta indicar aquilo que ela percebe para que a verdade
seja contemplada. Mas para que ela consiga realizar este empreendimento, necessita que o
objeto, como foi dito, seja descrito, dito, captado, ou ainda apreendido de forma imediata em
sua singularidade. Sendo estes elementos que caracterizam o saber da certeza sensível.
Pela forma de como a certeza sensível se apresenta enquanto um saber ou enquanto
pretende se estabelecer como um saber, e não um saber qualquer, mas o saber absoluto,
conforme a proposta, demonstra-se como o mais rico é efetivo. Isto se porque de início ou
de forma imediata pretende empreender-se como um saber que apresenta a identidade entre ser
(objeto) e pensar (sujeito), ou ainda apresenta a igualdade entre a verdade do objeto e a certeza
da consciência, o que em pretensão se iguala ao saber absoluto. Sendo que se isto for possível, o
saber absoluto será o saber da certeza sensível. O realismo ingênuo, que brota da certeza
73
sensível, quer com um ato imediato captar o singular enquanto o objeto, isto é, num movimento
captar a coisa em si, captar tudo o que é possível conhecer, apoderando-se de todo o saber
possível, isto é conhecer o absoluto e se pôr como o próprio saber do absoluto. O acesso
imediato daquilo que aparece a consciência impede que o saber possa ser apreendido de outra
forma, fazendo com que o saber que se tem seja o saber único possível, assim verdadeiro e
absoluto.
Para uma consciência ingênua a verdade da certeza sensível simplesmente poderia ser
aceita sem que fosse verificada, tornando-se assim a mais alta das verdades. Porém, a
consciência precisa fazer a experiência de tal conhecimento, isto é, verificar se tal conhecimento
consegue ser empreendido assim como proposto. Em outras palavras, a consciência precisa
verificar se este conhecimento da certeza sensível consegue ser de fato o saber absoluto que
tanto almeja.
A consciência, então, passa a experimentar este saber da certeza sensível. A
experimentação deste saber pretendido passa a se estabelecer como um momento dialético, onde
a consciência coloca a prova o seu conhecimento (assim como foi exposto no capítulo anterior)
testando-o e verificando-o. Movimento dialético porque a consciência tenta apresentar todas as
possibilidades de efetivar o saber assim como ela pretende, estas possibilidades são testadas e
verificadas para provar se realmente conseguem dar conta da proposta, sendo que se não
conseguirem parte-se dialeticamente a outra posição, onde ocorre o mesmo processo. A dialética
é uma espécie de método que se desdobra frente aquilo que se afirma, buscando criticamente
verificar através da experiência daquilo que se afirma e estabelecer se aquilo que se afirma é
válido ou não. A experiência dialética apresenta-se como uma espécie de conjunto de mediações
e relações onde se busca trazer presente não apenas a afirmação daquilo está em jogo, mas
74
também a sua negação, a sua contradição, enquanto um contra-ponto para que a crítica se
efetive. Todo este movimento faz-se necessário para que se encontre, no presente caso, um saber
que de fato de conta da verdade, ou do saber do absoluto. A dialética assim é um método que se
estende sobre o conhecimento do conhecimento de forma primordial, pois procura através da
crítica interna estabelecer o concílio de saberes que se apresentam aparentemente opostos e
inconciliáveis através de elementos comuns presentes em saberes distintos e muitas vezes,
aparentemente, incompatíveis. Assim, é pela dialética que se dá a auto-manifestação do espírito,
isto é, a auto-manifestação daquilo que é e sua totalidade, sem fragmentação ou
unilateralidade
41
.
A experimentação do saber da consciência na certeza sensível começa a se estabelecer
quando a consciência exige de si mesmo que consiga demonstrar aquilo que ela visa, aquilo que
quer dizer, ou ainda aquilo que pretende saber. Esta demonstração é demasiada simples, pois
basta que a consciência expresse aquilo que diz ser possível de ser apreendido pelo seu saber.
Basta que a consciência demonstre que o objeto pode ser captado de forma imediata em sua
singularidade, para que a certeza sensível se prove como verdadeira.
Para que a consciência consiga indicar de forma imediata e singular o objeto, é
necessário que a consciência consiga expressar ou indicar o que ela pretende. A experiência da
consciência demonstrou, que ao tentar estabelecer esta tentativa, o que a ela indicou ou
expressou não foi o singular. O objeto singular demonstrou-se inatingível e negado ao tentar ser
indicado, porque a consciência necessariamente recorre a mediações e relações para que consiga
dizer o que visa. O tentar se indicar qualquer objeto ele não se mantém como específico ou
41
Para MURE, a “dialética hegeliana é un esforço por conceber e explicar o movimento concreto do pensamento
em e como ser, em e como seu sujeito” (1988, p.43).
75
singular, pois, para ser indicado, precisa relacionar-se como os demais objetos, pelo menos para
negar a existência dos mesmos e afirmar a sua. Com isto se estabelece a mediação.
Não obstante, o mais importante da experiência que demonstra a impossibilidade de se
atingir o singular de forma imediata, é que ao tentar fazê-lo, como se demonstrou no capítulo
anterior, a consciência encontrou o universal. Este universal é o que pode ser compreendido pela
linguagem, ou seja, é o que pode ser dito, indicado e compreendido pela consciência, ou ainda,
em outras palavras, é o que pode ser conhecido, pois para ser conhecimento é necessário que
possa ser expresso e posto a prova.
A verdade da certeza sensível, enquanto singular que deveria ser apreendida em sua pura
imediatez através de uma apreensão sensível, demonstra, como foi apontado, impossível. A
razão da impossibilidade ou do desvanecer do singular apresenta-se porque a consciência ao
querer apontar o singular alcança o oposto daquilo que é visado, a saber o universal. A
consciência quer o singular apreendido de forma imediata, mas alcança apenas o universal
concebido através de mediações.
A mediação é combatida pela certeza sensível, pois quer alcançar o objeto de forma
imediata. A universalização é combatida pela certeza sensível, pois quer alcançar o objeto em
sua singularidade. A imediatez e a singularidade foram superadas, desvaneceram ou
demonstraram-se impossíveis de serem indicadas, assim impossíveis de serem o essencial e de
serem a verdade.
Aqui está superado o realismo ingênuo da certeza sensível que acreditava na
possibilidade de que as coisas externas pudessem ser apreendidas de forma imediata e pela sua
singularidade, acreditando também que esta era a sua verdade máxima e única possível. Não
76
obstante, a consciência demonstra-se, pela impossibilidade de atingir o que pretendia, incapaz
de sustentar seu saber como um saber da certeza sensível.
A superação da certeza sensível, e assim do realismo ingênuo, demonstra que este saber
aparente, bem como qualquer saber que se apresenta a consciência, precisa ser posto a prova. O
temor de errar que a filosofia tem, assim como foi exposto no comentário sobre a Introdução,
precisa ser superado, ou seja, o medo de que se erre precisa ser deixado de lado, pois o mesmo
faz com que se aceite verdades que não passam por uma mínima análise crítica. A superação do
temor de errar apresentado no realismo ingênuo fez com que a consciência instaura-se uma
desconfiança em seu conhecer na medida em que não o manteve como absoluto e
inquestionável. O erro está em evitar que a consciência instaure a partir de si mesma mediações,
relações, ou mais diretamente, reflexões que possam comprometer um conhecimento
estabelecido. Não obstante, a experiência da certeza sensível mostrou a necessidade da reflexão,
da mediação, as quais possibilitam que a consciência se distancie e supere o senso comum, e
assim não acredite que os objetos de seu conhecimento devem apresentar-se como dados, onde
basta apenas conseguir os apreender diretamente sem mediações ou relações que possam indicar
reflexão e, desta forma, a modificação daquilo que foi estabelecido pela teoria. Neste sentido,
o conhecimento da certeza sensível e sua verdade foram superados graças a possibilidade de que
a mesma fosse imanentemente analisada e criticada.
Esta superação do saber da certeza sensível também traz presente o problema da
linguagem, como a que possibilita expressar o que se conhece ou o que se sabe. A linguagem é o
lugar onde o universal se manifesta. Assim, tendo que expressar o que conhece a certeza
sensível deveria o fazer pela linguagem, mas a linguagem mostra-se incapaz de fazer-se efetiva
sem mediações e relações. Por este motivo, ao dizer o que pretendia conhecer, a certeza sensível
77
negava-se, ou seja, dizia o seu oposto. Em outras palavras, ao tentar dizer o singular, a certeza
sensível dizia o universal.
O universal, que é o que possibilita a linguagem, pode ser entendido aqui como um
conjunto de mediações e relações, negações e oposições. Por exemplo, para que a consciência
diga que “agora é noite”, tem que estar explícito que “agora não é dia”. Além do mais, apenas o
que subsiste frente a uma afirmação destas não é que agora é noite ou não é dia, mas apenas o
agora, que como universal acompanha as diversas acepções
42
.
Todos estes elementos apontados até aqui fazem com que a consciência abandone o seu
saber da certeza sensível que pretendia captar o singular de forma imediata, e colocam a
necessidade de que para que um saber seja expresso, dito ou indicado faz-se imprescindível a
linguagem. Aquilo que a consciência quer dizer o pode ser dito, é indizível, pois a linguagem
somente expressa o universal. Com isto conclui-se que o singular não pode ser dito e conhecido
de forma imediata e nem como essencial.
O objeto externo que aparece a consciência, como uma experiência que aparenta ser
imediata, não pode ser um conhecimento, não pode ser um saber, uma vez que o acesso a ele é
negado. A linguagem é que possibilita o saber, possibilita expressá-lo, criticá-lo, bem como
possibilita ter acesso a ele. Aquilo que não pode ser captado pela linguagem não pode ter
validade de saber ou de conhecimento, pois não é possível adentrar no mesmo seja para
conhecê-lo verdadeiramente, seja para criticá-lo. Sendo a linguagem a que acesso ao mundo
para a consciência, é impossível ter acesso a algo que a linguagem não consegue alcançar, e
nesta perspectiva insere-se o conhecimento daquilo que é exterior a consciência, daquilo que se
42
Para HYPPOLITE, o ato de indicar (algo aqui ou algo agora) na certeza sensível “se mostra não um saber
imediato, mas um movimento que, desde o aqui visado e através de muitos aquis, chega ao aqui universal que uma
multiplicidade simples de aquis, tal como o dia é uma multiplicidade simples de agoras” (1999, p.114). Isto
demonstra que o que aparece e subsiste no momento em que a consciência procura indicar algo aqui ou agora não é
o singular, mas o universal.
78
pretende alcançar de forma singular e imediata
43
. Assim, não é possível uma experiência da
consciência que se fora da linguagem, por mais que a consciência vise algo, este algo
somente terá valor de conhecimento ou de verdade quando este visar seja expresso.
A maior imposição de sentido operada pelo objeto frente a consciência é que se
demonstra na certeza sensível, mas apenas como pretensão ou aparência. Ao tentar impor a si
mesma o conhecimento do objeto tal como é em si, a consciência supera-se, pois mostra para si
mesmo como tal conhecimento é impossível. Assim, o conhecimento da certeza sensível não
passa de um projeto de saber que não deu certo; não passa de uma pretensão não alcançada, de
uma pretensão não efetivada.
A conclusão ou o resultado da certeza sensível não diz respeito a sua proposta, como
fora dito, mas pelo contrário, corresponde a sua ruína e a sua destruição enquanto verdadeira e
que possa dar conta do absoluto.
3 . 2 . A percepção e seu movimento
A percepção surge no momento em que a certeza sensível, ao tentar expressar o singular
de forma imediata, nota que somente pode expressar o universal. A verdade da experiência na
certeza sensível mostrando-se como o universal destrói a própria certeza sensível e instaura uma
nova forma de pensar ou de conhecer, qual seja, a percepção. Neste sentido, a consciência
descobrindo ou encontrando que seu objeto é o universal supera a certeza sensível e a guarda
enquanto um resultado na percepção.
43
Segundo KOSÈJE, para Hegel “Toda verdade pode e deve ser expressa por palavras (2002, p.42)”, o que implica
de outra maneira que aquilo que não pode ser expresso por palavras não pode configurar-se como verdade, não
pode ser conhecimento.
79
Nesta parte do trabalho, procurar-seapresentar a percepção em suas linhas gerais, suas
características e pretensões no que diz respeito a superação da certeza sensível, a relação
sujeito/objeto e ao tocante da sua relação com o saber absoluto, analisando seus resultados.
Assim, não será percorrido todo o itinerário de forma minuciosa, nem se seguira todas as
démarches da percepção expostas pelo autor assim como foi feito na análise da certeza sensível.
A percepção é uma nova forma de experiência da consciência, uma nova forma de
entender o saber, o conhecer, a verdade e o próprio filosofar, assim como a certeza sensível
também o era. Inserida nesta perspectiva, a percepção apresenta e representa uma nova forma de
relação entre sujeito e objeto, entre consciência e mundo, bem como uma nova forma de
entender a relação da consciência consigo mesmo (cabe lembrar que a relação da consciência
consigo mesma na certeza sensível era mínima, pois o que importava era a sua relação com o
objeto, sendo que se havia alguma relação da consciência consigo mesma esta se dava no
sentido de não permitir que ela mesma interferisse no conhecimento, mas como demonstrou-se,
enquanto lugar onde o conhecimento se manifesta pela linguagem isto é impossível, pois o
objeto não pode ser alcançado imediatamente e precisa da mediação da consciência, do saber, da
linguagem, isto é do universal). Esta nova forma de relacionamento surge na medida que a
verdade que está em voga passa ser o universal.
Distintamente do que aconteceu com a certeza sensível, que partiu inteiramente de um
engano ao tentar apreender o singular, a percepção parte de uma espécie de verdade negativa, ou
de um procedimento que argumenta a favor da o aceitação do singular e do imediato como
verdadeiro, e de uma verdade positiva, qual seja, a de que sua verdade, ou a verdade da
consciência, é o universal. Partindo da verdade que foi estabelecida e guardada pela superação
da certeza sensível, movimento que instaurou o mínimo de reflexão e de mediação na
80
experiência da consciência, a percepção, enquanto movimento da consciência, toma o universal
como sua essência, isto é, como seu princípio ou saber (§111).
A superação da certeza sensível na percepção representa também a superação do saber
aparente ou do saber fenomenal, que aleatoriamente se apresentava a consciência. Pelo
contrário, a percepção precisa apreender um saber que se demonstra como necessário (§111).
Sua necessidade demonstra-se com a superação da certeza sensível e o estabelecimento de que o
saber necessariamente precisa ser universal, mediatizado e determinado a partir de relações e da
reflexão que se na e pela linguagem
44
. Sendo assim é a linguagem que expressa o conteúdo
universal enquanto uma necessidade provada pela impossibilidade de que o singular seja
expresso e proferido lingüisticamente.
O universal, que é a verdade da percepção e que configura necessidade ao seu
experimentar-se enquanto uma experiência da consciência, apresenta-se como o essencial
(§111). Não obstante, na tarefa instaurada pela certeza sensível, a consciência ao ter que indicar
aquilo que visava, passou a ter presente dois elementos que fazem parte do processo de
conhecimento, a saber: o sujeito e o objeto, ou ainda a própria consciência e a realidade que é
conhecida. Estes elementos aparecem separados e como resultado da certeza sensível, e como
afirmação da percepção demonstram-se ambos universais neste momento. Surgindo o primeiro
impasse da percepção, qual seja, que pelo fato de que tanto sujeito quanto objeto serem
universais e assim essenciais, e pelo fato de ambos apresentarem-se como opostos entre si, surge
a necessidade de que somente pode ser o essencial na relação, sendo que ao outro resta a
44
Conforme AQUINO, “constata-se que na articulação mais elementar da experiência, que é a certeza sensível, os
modos determinados de referência entre o sujeito e o objeto da experiência se articulam lingüisticamente: essência,
exemplo, este, agora, apontar. Isto significa que sujeito e objeto se exprimem numa referência comunicada na
linguagem. O conteúdo desta linguagem é o universal que existe na linguagem. (...) A assunção da certeza sensível
ao nível da percepção põe um elemento a mais na experiência, isto é, a necessidade. Não se trata mais de um
apreender aparente, e sim de um apreender necessário”.
81
inessencialidade (§111). Neste sentido, cabe a consciência que se experiencia determinar qual
entre sujeito e objeto será o essencial na relação
45
.
A consciência escolhe o objeto como essencial, ou como o que melhor da conta do
universal, seja por sua simplicidade em relação ao sujeito, pois este último possui em si o seu
momento (percepção) e o momento do objeto (percebido), bem como porque o objeto se
mantém indiferente quanto ao fato de ser captado, conhecido ou expresso pela consciência, ao
passo que a consciência pode levar a ilusão e ao engano (§118)
46
:
Um determinado como simples o objeto é a essência, indiferente a
ser ou não percebida; mas o perceber, como o movimento, é o
inconsistente, que pode ser ou não ser, e é o inessencial (§111).
Este objeto como essencial e como universal, para a percepção, remete a uma coisa de
muitas propriedades, o que supera a certeza sensível, pois não é um conhecimento imediato e
singular em si o objeto que se tem em vista. A percepção possui na sua essência a negação, a
diferença e a múltipla variedade o que a possibilita, distintamente da certeza sensível,
estabelecer relações, mediações e reflexões, e com isso definir de forma mais verdadeira o
universal (§112).
45
Segundo LUFT, a consciência não aceita os dois momentos como essenciais porque emergiria com isto a
necessidade de se colocar como fundamento da percepção elementos que não se estabelecem como simples, o que
acarretaria uma espécie de inessencialidade: “a consciência não pode mais conceber os dois momentos para ela
distintos (como sujeito e objeto), pois isso seria reconhecer a própria existência da multiplicidade, ou da
singularidade mediada como fundamento” (1995, p. 41).
46
CHIEREGHIN reflete sobre o papel da consciência na percepção destacando não a questão da simplicidade, mas
a questão da ilusão produzida pela mesma: “tal como sucedia já com a certeza sensível, também agora a consciência
é refreada sobre si mesma, com uma diferença no entanto: enquanto na certeza sensível ela pretendia possuir em si a
verdade (tal como este eu singular), aqui, pelo contrário, a consciência carrega sobre si a não-verdade toda, ou seja,
prefere reconduzir a si toda a contradição e reconhecer-se como fonte de ilusão, mantendo embora a coisa na pureza
da sua verdade ilusória” (1994, p.73).
Sobre o papel da consciência também é comentado por HYPPOLITE: “tal síntese de um diverso efetuada pela
consciência, eis o ato de perceber; esta mesma síntese como fixa, eis a coisa percebida. A distinção que aparece
aqui tem sua importância se se considera que, do ponto de vista da consciência percipiente, a essência é atribuída ao
objeto; a não-essência, à própria consciência” (1999, p.123).
82
O objeto que a percepção tem em vista possui duas características específicas que
determinam o próprio objeto, e, assim, a percepção. A primeira diz respeito a uma espécie de
universalidade positiva, onde através dos propriedades do mesmo se determina o que ele é, ou
seja, a sua coisidade (“este sal é um aqui simples, e ao mesmo tempo múltiplo; é branco e
também simples, também é cubiforme, também tem peso determinado” - §113). Ao passo que a
segunda procura destacar o elemento negativo de uma definição do que vem a ser o objeto:
se as muitas propriedades determinadas fossem simplesmente
indiferentes, e se relacionassem exclusivamente consigo mesmas,
nesse caso não seriam determinadas: pois isso são apenas à medida
que se diferenciam e se relacionam com outras como opostas (§114).
Enquanto o universalidade positiva destacou a coisidade do objeto enquanto unidade
indiferente de múltiplas propriedades, o elemento da negação estabeleceu o objeto como uma
espécie de Uno ou de uma unidade excludente. Para Hegel, o Uno, nesta experiência da
consciência, é o que proporciona ao objeto relacionar-se consigo e excluir o outro que ele não é,
sendo que, “mediante isso, a coisidade é determinada como coisa” (§114).
Não obstante, é importante se ter presente de que apesar da percepção superar a
singularidade pretendida na certeza sensível o sensível, ainda está presente na mesma, porém
segundo a determinação do universal: “...está presente o sensível mesmo, mas não como devia
estar na certeza imediata como um singular visado –, e sim como universal, ou como o que
será determinado como propriedade” (§113). Propriedade aqui diz respeito a universalidade
positiva enquanto a que faz do objeto uma coisa de múltiplas propriedades. Não obstante,
percebe-se o quanto da certeza sensível foi conservado na percepção, pois, mesmo não tendo
como verdade o singular sensível, parte do mesmo para estabelecer o seu universal.
83
Apresentando isto como uma proposta a percepção também terá que por a prova este
conhecimento e verificar se pode assim se configurar, caso contrário deve ser rechaçado,
superado e guardado.
O universal que a percepção tem em vista enquanto simples necessita guardar em si
todas as oposições, semelhanças e diferenças que emergem do singular enquanto uma unidade.
Deve conservar em si uma gama de propriedades e negações sem perder a unidade consigo
mesma, sem permitir que o elemento singular se sobressaia e a torne superada. Por estes
motivos a coisa, enquanto universal deve ser:
1 a universalidade passiva e indiferente, o também das muitas
propriedades (ou antes, “matérias”); 2 a negação, igualmente como
simples, ou o Uno o excluir de propriedades opostas; 3 as muitas
propriedades mesmas, o relacionamento dos dois primeiros momentos,
a negação tal como se relaciona com o elemento indiferente e ali se
expande como uma multidão de diferenças (§115).
Neste sentido, a universalidade pretendida pela percepção é posta a partir das
determinações que são encerradas no objeto singular e sensível, porém em relação com os
demais no sentido de negá-los para afirmar-se como tal. A universalidade passa a ser uma
universalidade sensível, pois tem como pano de fundo o sensível que se manifesta não
singularmente, mas a partir de diversas propriedades e negações.
A consciência percipiente, o sujeito ou a consciência que percebe, conforme a
experiência da percepção possui um papel muito parecido que aquele apresentado na certeza
sensível. Depois de definido o que vem ser o objeto da percepção, isto é, a sua coisa, “a
consciência tem somente de captá-lo e de proceder como pura apreensão: para ela, o que dali
emerge é o verdadeiro” (§115). Isto se dá, segundo acredita a consciência que se experimenta,
84
porque se operasse no seu apreender segundo sua própria conta não conseguiria alcançar a
verdade mesma do seu objeto, mas uma verdade deturpada e contaminada por elementos
incluídos e por elementos excluídos por ela do objeto (idem, ver também §120-122, onde a
percepção coloca como tarefa da consciência o colocar das diversas propriedades de uma coisa
nela mesma, isto é, “fazer com que na coisa coincidam o Uno”, o que não modifica a acepção
anunciada acima onde a consciência é receptiva e passiva frente ao conteúdo do universal).
Para que a percepção se demonstre verdadeira é necessário acompanhá-la em sua
experiência, em seu apreender efetivo do universal, e verificar se de fato ela consegue alcançar o
que tanto almeja e assim configurar-se como verdadeira (§117).
Ao experimentar-se enquanto tentativa de alcançar um verdadeiro universal assim como
foi descrito acima, a consciência depara-se com um problema que mina toda a sua pretensão. O
problema diz respeito a possibilidade de se apreender o universal em sua simplicidade e
essencialiadade. Como foi exposto a universalidade pretendida pela percepção tem como pano
de fundo a singularidade, isto é, a universalidade parte da singularidade para se estabelecer
assim como pretende a consciência neste momento. Neste sentido, o objeto da percepção:
Tornou-se um universal a partir do ser sensível; porém esse universal,
por se originar do sensível, é essencialmente por ele condicionado, e
por isso, em geral, não é verdadeiramente igual-a-si-mesmo, mas é uma
universalidade afetada por seu oposto; a qual se separa, por esse
montivo, nos extremos da singularidade e da universalidade, do Uno e
das propriedades e do também das matérias livres (§129).
Com a constatação deste elemento, a consciência encontra o oposto daquilo que buscava,
ou seja, buscando o universal deparou-se com o singular. Este movimento demonstra o segundo
85
descaminho ou engano da consciência em sua experiência fenomenológica, sendo o primeiro
evidenciado pela certeza sensível em sua experiência.
O universal encontrado pela percepção, desta maneira, demonstra-se condicionado ao
singular, a sensibilidade, o que o impossibilita de manifestar-se como essencial e simples. O
resultado da consciência na percepção mostrar-se como uma “universalidade oposta a
singularidade e por ela condicionada” (§130)
47
.
3 . 3 . A certeza sensível e a percepção
A certeza sensível e a percepção falharam na tentativa de empreender um saber
verdadeiro, na tentativa de se consolidar como saber absoluto, pois suas formas de
conhecimento ou de apreender o seu objeto demonstram-se demasiadas limitadas. Ambas
formas saber ou de experiência da consciência encontraram o contrário daquilo que procuravam,
ou seja, se colocaram como incorretos em sua pretensão, bem como incorretos na tentativa de
alcançar o saber absoluto.
Tanto a certeza sensível quanto a percepção não conseguiram promover uma
identificação entre sujeito e objeto que se demonstrasse pertinente, pois ora privilegiavam um,
ora outro, promovendo uma subjulgação de um para com o outro. Não obstante, o objeto
mostrou-se como fundamental tanto certeza sensível quanto na percepção, fazendo com que
ambas evidenciassem-se demasiadamente realistas. Além do mais, demonstraram-se também
ingênuas, pois acreditavam que ou o singular ou o universal eram verdadeiros, quando nenhum
se mantinha, bem como ambos pontos de vista mantinham-se firmes na necessidade de
encontrar este verdadeiro em algo exterior a consciência, em um objeto que pudesse determinar
a consciência transmitindo-lhe todo o conhecimento.
Nem o singular e nem o universal se mostraram como verdadeiros. O que se concluiu é
que quando um é buscado o que se alcança é o seu oposto. Com isto, demonstra-se que aquilo
47
Segundo HYPPOLYTE, o universal da percepção pode ser definido da seguinte maneira: “eis o que Hegel
denomina um universal, o sensível superado (aufgehoben). Este universal é, por seu turno, condicionado pelo
sensível; ele é por intermédio da mediação desse sensível por meio do qual é posto” (1999, p.120).
86
que a consciência, em seu saber aparente, não é verdadeiro de fato, mas aparentemente
verdadeiro. Este aspecto indica a ingenuidade e falta de reflexão, de mediação e de criticidade
da consciência que, assim como uma acepção do senso comum, toma um saber dado como
verdadeiro sem examiná-lo ou criticá-lo. No entanto, a consciência que conduz tal experiência e
reflexão demonstrou-se distinta desta concepção, pois, apesar de entender o conhecimento como
aquilo que lhe era dado, procurou examinar e verificar a sua validade. Sendo assim, a
consciência proporcionou a si mesma uma elevação do senso comum ao um patamar mais
elevado de reflexão e de conhecimento, qual seja, de que a verdade da consciência mesma está
nela e não em algo que lhe seja exterior (tese apresentada na Introdução).
O senso comum presente no realismo ingênuo exposto sob a forma de certeza sensível e
também de percepção (pois esta também acreditava que o verdadeiro fosse algo dado pelo
singular) foi rechaçado pela consciência em sua experiência. A crítica a tal forma de
conhecimento promove um movimento que vai aponta em direção da verdade enquanto um
movimento da consciência. Apesar de não ser apresentado aqui a superação mais profunda do
senso comum, o qual é apresentado na obra em capítulo posterior, mas apenas os motivos pelos
quais a crítica precisa ser feita, bem como os motivos pelos quais a superação também precisa
ser efetivada, o importante é notar a impossibilidade de consolidação de tal perspectiva (a
perspectiva do senso comum ou do realismo ingênuo).
O movimento da certeza sensível, bem como o da percepção não pretendiam se
estabelecer como um saber absoluto ao serem superados e criticados, apesar de o serem
enquanto pretensão primeira, mas pelo contrário o que se queria evidenciar era que tais formas
de conceber o saber não se sustentam quando submetidos a uma análise mais profunda e crítica.
Não obstante, o saber absoluto aqui somente pode ser vislumbrado segundo algumas pistas ou
mesmo segundo algumas impossibilidades encontradas no interior dos movimentos da
87
consciência aqui expostos. Na maioria das vezes tais pistas se determinam de forma negativa, ou
seja, como as que não podem fazer parte de um saber que se pretenda como absoluto. Estes
elementos que podem elucidar o que vem a ser o saber absoluto buscado pela consciência em
suas experiência na Fenomenologia, bem como os elementos que estabelecem contra-ponto ao
saber absoluto, serão apresentados no último capítulo, onde através das teses expostas na
Introdução da obra se demarcará alguns elementos gerais do saber absoluto que apareceram na
crítica ao realismo ingênuo.
88
4 . O realismo ingênuo e o saber absoluto
A crítica feita ao realismo ingênuo, que começou com a superação da certeza sensível e
posteriormente com a superação da percepção, demonstrou claramente como o senso comum é
frágil em suas afirmações. Demonstrou também que tal forma de pensamento não subsiste
quando submetida a um exame detalhado e aprofundado. Mas para além desta superação
específica, o que se quer demonstrar neste capítulo é o que tais movimentos de crítica e
superação apresentam frente a proposta de se alcançar o saber absoluto, bem como, a partir
disso, apresentar algumas concepções gerais hegelianas que expressam-se de grande valor para a
filosofia como uma atividade crítica e reflexiva frente ao que se apresenta.
Para cumprir esta tarefa, serão evidencias algumas das teses apresentadas na Introdução à
Fenomenologia, as quais representam em suas linhas gerais como deve ser um saber que se
pretenda como absoluto, isto é, como deve proceder em sua constituição tal conhecimento. Estas
89
teses serão evidenciadas através dos momentos de crítica e superação do realismo ingênuo, ou
seja, será verificado se as teses da Introdução se fazem presentes na crítica e na superação do
realismo ingênuo. Este procedimento se justifica porque, para Hegel, o exame do conhecimento
é conhecimento, ou seja, cada forma de conhecimento expressa, positiva ou negativamente,
algo de verdadeiro, assim, ao examinar qualquer forma de conhecimento verificar-se se tal
forma pode ou não ser aceita. Se puder ser aceita e posta como verdadeira é necessário
apresentar os motivos pelos quais ela foi aceita e aprovada como verdadeira. Se não for aceita,
como o presente caso, estabelece-se onde os erros e descaminhos se manifestam, e através
destes evolui-se, conhecendo o que não é próprio e verdadeiro e, assim, mesmo descartando o
conhecimento analisado, se está de posse do conhecimento mínimo, qual seja, de que a
verdade não pode ser assim.
Segundo a Introdução, para que o saber absoluto se apresente, é necessário descrever ou
expor o saber aparente, ou seja, o saber da consciência natural e ingênua. Este movimento é
necessário, pois somente criticando e superando todas formas de saberes aparentes é que o saber
absoluto pode ser alcançado. Os saberes aparentes procuram se colocar como saber absoluto,
assim, cabe a consciência experiênciá-los e determinar se tais podem ou não serem postos como
saber absoluto.
A consciência começa justamente pelo saber aparente mais ingênuo e natural, a saber, o
realismo ingênuo. Este é o saber do senso comum que é expresso pela certeza sensível e que
acredita que o verdadeiro é o objeto singular que está fora da consciência e deve ser alcançado
por esta de forma imediata. A consciência, então, ingenuamente toma este saber aparente como
saber absoluto, como o mais verdadeiro e essencial (atitude típica do senso comum).
90
Para que o conhecimento do realismo ingênuo possa ter a sua chance de poder
apresentar-se como saber absoluto é necessário que o mesmo seja provado como tal. Ou seja, é
necessário que o medo do erro seja posto de lado e, assim, instaurar a desconfiança dentro deste
saber. A desconfiança faz com que a consciência não simplesmente aceite tal forma de
conhecimento, mas o coloque a prova, assim como se faz exigência na Introdução. Colocando a
prova tal forma de saber, a consciência pode se livrar do senso comum uma vez que não passa
mais aceitá-lo simplesmente, instaurando a necessidade de sua explicação e de sua prova.
Para que a tarefa acima se cumpra e, dessa maneira, para que tal conhecimento seja posto
a prova, a consciência instaura uma forma especifica de crítica, a saber, a crítica interna. A
crítica interna procura adentrar na figura da consciência e fazer-se ela mesma. Com isto procura
percorrer o seu movimento assim como ela se propunha, analisando cada etapa e cada elemento.
A consciência, então, passa a fazer a experiência de si mesma, passa testar-se para ver se aquilo
que ela põe como verdadeiro pode mesmo ser assim concebido. A consciência, enquanto
experiência de si mesma promovendo a crítica interna de seus saberes, tem a obrigação de
verificar a veracidade dos mesmos, uma vez que é na consciência o lugar onde o saber aparente
e o saber não real se dão, bem como também o saber absoluto se dá.
Ao experienciar o seu saber a consciência apresentou a impossibilidade de tal se
configurar como saber absoluto. Isto se deu, pois, como foi demonstrado em capítulos
anteriores, tanto na certeza sensível, quanto na percepção, o conhecimento pretendido não foi
alcançado. Não obstante, ao invés de encontrar o que pretendia a consciência encontrou o seu
oposto.
Constatando que os saberes pretendidos não puderam estabelecer-se como como
pretendidos pela consciência, a mesma superou-os em vista de um saber que de fato desse conta
91
do real. Não obstante, neste trabalho, a superação foi apontada, mas não apresentada, uma vez
que o foco principal é a análise da crítica ao realismo ingênuo e a apresentação dos elementos
importantes que podem ser extraídos da mesma frente ao projeto filosófico hegeliano.
O aspecto positivo evidenciado pelo primeiro aparecer da ciência, enquanto saber, que se
pretendia edificar-se como absoluto, foi o fato de que a consciência conseguiu a partir de si
mesma superar as formas de saber equivocadas e não-verdadeiras, não recorrendo a qualquer
elemento externo que não a consciência mesma. Com este movimento prova-se outra tese da
Introdução, qual seja, de que a consciência possui em si mesma seu padrão de medida.
Cabe ressaltar que o padrão de medida evolui na medida que a consciência e seus saberes
evoluem. Neste sentido, um padrão de medida verdadeiro e abrangente somente pode ser
vislumbrado ao final do processo, ou seja, quando o saber absoluto for contemplado.
Em ambas formas de saber (o da certeza sensível e o da percepção) concluí-se que saber
absoluto é não aquele que confere a verdade a apenas uma das partes da realidade, sejam elas
singular ou universal, sejam elas o sujeito e o objeto. Para o saber absoluto não cabem
concepções fragmentadas como verdadeiras. O saber absoluto, por outro lado procura integrar
em si todas as forma de conhecimento fragmentados e momentos que aparecem distintos e
opostos.
No tocante da proposta do idealismo objetivo hegeliano, onde se pretende alcançar um
patamar tal de conhecimento onde se identifique as leis do pensar e as leis do ser, onde a
consciência perceba que encontra em si seu padrão de medida e não em algo exterior (uma vez
que as suas leis e as daquilo que ela conhece são a mesma), pode-se dizer que esta tese foi
provada por vias negativas. Ou seja, a consciência recusou tanto na certeza sensível, quanto na
92
percepção que sua verdade fosse dada a partir de algo externo a si mesma. Não obstante, como
já foi dito, a consciência a partir de si mesmo efetivou a superação de tais concepções.
A consciência também evidenciou a necessidade da mediação, da reflexão e do universal
para que seu saber possa ser concebido
48
. A consciência percebeu que não consegue ter acesso
direto a singularidade e precisa de elementos que a mediatizam, pois o singular lhe é inacessível
uma vez que não possível apreendê-lo pela linguagem. Se a consciência percebeu tal disparate é
porque no saber absoluto isto também não pode acontecer, ou seja, é necessário, para que o
saber absoluto se efetive, que todas as mediações e relações estejam estabelecidas uma vez que
este é um saber que não possui exterior ou oposição, neste sentido tudo deve ser contemplado
(analisado, superado e guardado) por ele.
Com estes elementos pretendeu-se demonstrar que com a superação do realismo ingênuo
não foram apenas recusadas formas de conhecimento que se demonstraram insuficientes ou que
dissessem respeito a um saber do senso comum. Mais do que isto, quer se demonstrar que o
próprio exame do conhecimento é o conhecimento, isto é aponta para o que se busca, não
podendo se fazer um exame do conhecimento sem estar se fazendo conhecimento ou
estabelecendo minimamente o que se tem em vista.
48
Segundo OLIVEIRA, “para Hegel, o que caracteriza a filosofia é a estrutura reflexiva do pensamento, o
pensamento do pensamento, uma estrutura circular, reflexiva, autofundante, que tematiza todos os seus prossupotos:
filosofia nem é dedução a partir de verdades evidentes, nem intuição sem demonstração, que reduz o conteúdo do
pensamento a um fato da experiência interna da consciência, utilizando assim as categorias do pensamento de forma
institiva, isto é, sem reflexão sobre sua validade como se a verdade fosse alcançada por meio de inspirações
imediatas...” (2002, p.189-190).
93
Considerações finais
O senso comum, entendido como realismo ingênuo, ou ainda certeza sensível e mesmo
percepção, não pode configurar-se como um saber, sequer como saber absoluto. Isto foi
demonstrado através da análise da experiência da consciência que testou o senso comum como
sendo o saber mais verdadeiro e completo possível, verificando com isso a impossibilidade do
mesmo se estabelecer desta maneira.
O realismo ingênuo foi criticado, pois pretendia valorizar demasiadamente o objeto,
colocando neste toda a verdade possível. A crítica, porém, se instaura mais árdua na medida em
que se exige da consciência que capture tal objeto de forma imediata em sua singularidade. Em
outras palavras, o saber do realismo ingênuo quer fazer da consciência um elemento puramente
passivo no processo de conhecer onde cabe a mesma apenas apreender os dados que se
apresentam sem modificar os mesmos ou interferir na sua realidade.
94
Esta forma de conhecimento, como se demonstrou com a exposição, faz-se
extremamente enganada, pois a consciência não tem condições de ter acesso aos objetos que lhe
são externos de forma imediata. A consciência não consegue apreender o singular, pois somente
opera através daquilo que é lingüisticamente exprimível. Não obstante, a linguagem somente
consegue expressar o universal, desta forma não consegue captar o singular.
No movimento da percepção, por sua vez, a consciência pretendia apreender a
universalidade pura e simples, mas viu-se incapaz de cumprir tal tarefa, porque ao procurar o
universal recorria ao singular. O universal visado pela percepção estava condicionado pelo
singular, pelo sensível, o qual era o que fornecia as propriedades das quais o universal
necessitava.
Tais momentos da consciência se demonstraram como descaminhos, como erros e como
enganos frente ao que se buscava. Porém, para que tal conclusão fosse tirada, foi necessário que
a crítica se instaura no interior de tais saberes. Isto significa que não é possível efetivar qualquer
forma de crítica comprometida a qualquer forma de conhecimento se não se tomar a posição que
se tem em vista como verdadeira e refletir sobre ela. Esta reflexão representa uma reflexão
interna que apresentará de forma crítica os motivos pelos quais qualquer forma de conhecimento
possa ser aceita, superada e criticada. Hegel estabelece estes movimentos com maestria ao
criticar as concepções do realismo ingênuo, o que possibilita tanto uma melhor compreensão dos
motivos pelos quais tal forma de conhecimento foi superada e criticada, bem como aponta para
que espécie de conhecimento se tem em vista.
Um movimento como aquele descrito pela experiência da consciência aponta para vários
elementos essenciais para que se estabeleça um conhecimento verdadeiro. Dentre estes
elementos podemos citar a deficiência que uma abordagem fragmentada pode apresentar, pois
95
como foi apresentado o realismo ingênuo fragmentou a realidade quando supervalorizou o
objeto do conhecimento frente a consciência. Isto acarretou, além da própria refutação, o
surgimento de uma forma de consciência eminentemente passiva que deve se contentar com o
que é dado, com o que lhe é apresentado e simplesmente apreendê-lo, sem reflexão ou
mediação, pois isto não permitiria o objeto aparecer como de fato é, e assim, levaria ao não
conhecimento do verdadeiro.
Com tal forma de saber mostrando-se impossível, também se evidencia a
impossibilidade de se conhecer sem a interferência da consciência que pela linguagem
conceitua, mediatiza, relaciona os elementos. Isto é, a linguagem é que proporciona o
conhecimento, sendo assim, não há conhecimento fora da linguagem.
Não obstante, os momentos ou movimentos analisados mostraram como eles dizem
respeito ao todo do processo (ao todo do projeto) de forma indireta. Em outras palavras, os
momentos superados demonstraram de forma negativa o que não pode ser o verdadeiro, o que
não pode ser estabelecido como saber absoluto, relacionando-se de forma indireta com o
mesmo.
A consciência, após ter apresentado duas formas de saber que aparentemente eram
verdadeiras, conseguiu, por força própria, analisar tais concepções e superar as mesmas de
forma crítica. Conseguiu pôr-se a si mesma como seu padrão de medida e evidenciar que os
saberes que vão contra tal perspectiva não passam de descaminhos da consciência, ou engano ou
ainda não passam de caminhos do erro.
Após analisar tanto a Introdução, quanto a parte que expressa o saber da certeza sensível
e da percepção, notamos que o objetivo deste trabalho foi cumprido. Ou seja, demonstrar como
a consciência conseguiu através de suas próprias medidas e padrões criticar e superar uma forma
96
de saber ingênuo (ou seja, o realismo ingênuo ou o senso comum), e com isto indicar algumas
perspectiva que dizem respeito ao saber absoluto e ao projeto do idealismo objetivo hegeliano.
A superação e crítica que demonstram a dissolução do realismo ingênuo, demonstram
também a impossibilidade de que se instaure aquilo que é justamente o oposto ao que é buscado
pela Fenomenologia, qual seja, apresentam a impossibilidade de que o saber do absoluto seja
determinado por algo externo a própria consciência.
A certeza sensível tentou demonstrar que o saber verdadeiro deveria ser um saber de um
objeto imediato, essencial, e singular. Ou seja, procurou defender que a consciência somente
sabe quando alcança um saber que é determinado por um objeto que é exterior a mesma. Porém,
não passou de uma tentativa, não passou de um visar (ou de um opinar), ou seja, a consciência
somente quis dizer uma forma de saber que assim se configurasse, porém ao dizer não o
conseguiu, pois disse seu oposto.
Ao tentar expressar o seu saber da forma como pretendia, a consciência notou que
somente poderia expressar o universal, que somente poderia expressar aquilo que ela mesma
através da linguagem pode captar. O singular, enquanto tal mostra-se inatingível, porque não
como dizê-lo, não como expressá-lo, não como o pôr a prova, e, assim, é impossível de
pôr o mesmo como um saber, impossibilitando também que o saber do senso comum se efetive
como verdadeiro.
A crítica ao realismo ingênuo estabelece para além de um simples crítica a uma forma de
saber específico, a superação do senso comum e, ainda mais importante, o vislumbramento de
uma forma distinta de filosofar. Esta forma distinta de filosofar é concebida por Hegel frente a
uma tradição filosófica e pode ser entendida como idealismo objetivo, o qual pretende trazer
presente em suas conclusões não apenas uma parte da realidade, não apenas uma visão
97
unilateral, mas uma visão que tenha como pano de fundo o todo em uma concepção abrangente
e que sintetize criticamente todas as forma de conhecimento e compreensão de mundo.
Com a crítica e anunciada superação do realismo ingênuo podemos notar, em suas linhas
gerais, o projeto do idealismo objeto, onde a consciência vai percebendo que por si mesma pode
chegar ao conhecimento do absoluto, e que a verdade não esta fora de si. Esta demonstração, no
entanto, não é, por ora, positiva, mas negativa, ou seja, não se está afirmando de imediato que
ser e pensar são idênticos, mas isto se via superação de posições que contrariam esta
concepção, assim como foi demonstrado.
O realismo ingênuo, desta forma, apresentou-se como uma das mais ínfimas e comuns
formas de saber da consciência, porém não menos importante que as outras, porque demonstrou,
além das conclusões que negam a sua possibilidade, a forma geral do processo de conhecimento
do absoluto, bem como a eficácia de um método que tem como base a consciência, que dando a
si mesmo suas medidas, conhece-se, e conhecendo-se conhece o absoluto, porque compartilha
das mesmas leis do mesmo, conhecendo assim o ser, pelo mesmo motivo.
98
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