juízo, i.e., à perquirição sobre a natureza dos juízos sintéticos a priori pertinentes a esses
novos trechos do conhecimento, assim como, também, do agir humano
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Veja-se o que diz Loparic a esse respeito (2001, p. 53-54, grifou-se):
A fim de abrir o caminho para a crítica da razão na sua totalidade — para o estudo
da semântica a priori dos juízos a priori que, até então, permaneciam intratáveis —,
Kant precisava introduzir novos domínios de interpretação. É precisamente isso o
que ele faz ao escrever a Crítica da razão prática e a Crítica da faculdade do juízo.
Enquanto a primeira Crítica ocupa-se única e exclusivamente com aqueles juízos
sintéticos a priori cujo significado e método de decisão são determinados em termos
de conteúdos a priori intuitivos (cognitivos), nas outras duas Críticas, Kant começa
a estudar a realidade objetiva e a decidibilidade de juízos sintéticos a priori por
meio de dados que não têm qualquer valor cognitivo, a saber, os sentimentos morais
e estéticos. Procedendo dessa maneira, Kant estava de fato estendendo a
problemática da filosofia transcendental, tal como definida na primeira Crítica, a
todos os conceitos e juízos a priori, independentemente da faculdade do ânimo em
que têm a sua origem e do domínio de dados sensíveis em que sua realidade objetiva
e decidibilidade são garantidas. Depois de reformular a tarefa da crítica para
abranger o problema da possibilidade dos juízos sintéticos a priori da moral e da
estética, ele passará a tratar, do mesmo ponto de vista, os juízos a priori da doutrina
do direito, da doutrina da virtude e da história, acabando por conceber a filosofia
transcendental como teoria da possibilidade (realidade objetiva e decidibilidade) dos
juízos sintéticos a priori em geral.
Destarte, existem indícios de uma teoria dos juízos sintéticos a priori no
âmbito da história (confira-se KANT, 1986, p. 20 e 36 e, em uma etapa posterior, KANT,
1993, p. 95 e ss., especialmente p. 100-101) e do direito (sobre isso, ver LOPARIC, 2003). Da
mesma forma, a política internacional e seus procedimentos são abordados no opúsculo À paz
perpétua. Em todos os casos, Kant procede conforme o método da filosofia transcendental,
investigando problemas de constituição (i.e., de condições de possibilidade), produzindo
assim a extensão, o avanço de seu projeto crítico. Novos territórios filosóficos – vale dizer,
novos domínios de interpretação – são desta forma desbravados por Kant e lapidados com as
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Ao falar-se em juízos sintéticos, dispensa-se maior elucubração sobre uma distinção básica na arquitetônica
conceptual kantiana: a clivagem entre analítico / sintético. Analíticos são todos os juízos cujo predicado se
relaciona com o sujeito pelo princípio da identidade, ou seja, está englobado no sujeito. Sintéticos, ao contrário,
são aqueles pensados sem identidade. Aqueles são juízos de elucidação; os últimos, juízos de ampliação. Como
os juízos de experiência são todos sintéticos, apenas daí pode advir acréscimo ao conhecimento humano. Quanto
ao par a priori / a posteriori, também dispensa uma exposição detalhada: um independe das impressões
sensíveis, não contendo dados empíricos; o outro tem sua origem na experiência sensível. Ambas as distinções,
analítico / sintético e a priori / a posteriori, pertencem hoje ao jargão filosófico corrente. Como ocupam lugar
central na reflexão de Kant, responsável por sua introdução no léxico filosófico contemporâneo, não se poderia
deixar de referi-las, passando ao largo, porém, de uma explanação detalhada.