268
pois a negação não modalizada significaria uma impossibilidade lógico-semântica simpliciter,
quando na realidade o que Aristóteles quer dizer é que há a possibilidade de que ‘a’ “implique”
(em algum, mas não em todos os casos) a existência de ‘b’, mas tal implicação de existência não é
necessária e assim logicamente inválida (no sentido que a verdade da existência de ‘a’ não é
conseqüência lógico-semântica (necessária) da verdade da existência de ‘b’), mas não equivalente a
algo impossível (necessariamente falso), ou seja, tal implicação é contingente (pode ser somente
factualmente verdadeira, mas não sempre verdadeira). É importante lembrar, em primeiro lugar,
que o estagirita ressalta mais de uma vez a diferença entre o falso e o impossível (cf., e. g., Do céu,
Livro I, cap. 12, 281 b 2-25; Metafísica, Livro IX, cap. 4, 12-14). Além disso, para o mestre do Liceu o
possível tem dois sentidos, um deles co-extensivo com o necessário (cf. Da interpretação, caps. 9, 13),
o outro, porém, (considerado o possível em sentido estrito) que significa aquilo que não é
necessário nem impossível (cf., Da interpretação, caps. 9, 13; Primeiros analíticos, caps. 3, 13; Metafísica,
Livro IX, cap. 8, 1050 b 8 ss.), o que pode ser brevemente esquematizado do seguinte modo:
(∨ p) ↔ (~ p & ~ ~ p),
formulação que é equivalente à seguinte outra:
(∨ p) ↔ (∨ ~ p & ∨ p)
a partir do que a formulação
(~ ) ∨ ~ (Eb → Ea)
é equivalente à formulação
(~ ) ∨ ~ (Eb → Ea) ↔ (~ ~) ∨ (Eb → Ea).
O problema aqui está, porém, em que do possível não se pode inferir, de modo válido, nem o real,
nem o necessário, de maneira que se alguém inferir da existência do número 1 a existência do
número 2, então tal inferência só possui um caráter possível, o que não preenche a definição modal
de inferência válida enquanto implicação estrita (necessária) e, assim, como conseqüência lógico-
semântica postulada por Aristóteles (cf. Tópicos, Livro I, cap. 1, 100 a 25-27; Primeiros analíticos, Livro
I, cap. 1, 24 b 18-23).
Para uma análise minuciosa dos dois sentidos do possível veja-se, de Mario Mignucci, Gli analitici
primi, opus cit., notas aos capítulos 3, 13 e 15 do Livro I. Neste último capítulo Aristóteles se vale
desta implicação fraca na redução ao absurdo utilizada para provar a validade dos quatro modos
da primeira figura silogística com a premissa maior categórica e a premissa menor possível. Mas
uma análise mais clara, filosófica e coerente dos sentidos de possível em relação às demais
modalidades e no contexto da silogística modal é encontrada no livro de Gilles G. Granger, La
théorie aristotélicienne de la science. Paris: Aubier Montaigne, 1976, cap. 7. Para uma discussão crítica e
defesa da noção de inferência silogística, entendida como conseqüência semântica, veja-se, nesta
mesma obra de Granger, o capítulo 5. A concepção de Granger se volta contra a já incontornável e
magistral análise dos silogismos a partir do conceito de implicação formal, análise realizada por Jan
Lukasiewcz e Günther Patzig, respectivamente em La silogística de Aristóteles desde el punto de vista de
la lógica formal moderna; trad.: Josefina F. Robles. Madri: Tecnos, 1977; Die Aristotelische Syllogistik.
Göttingen: Vandenhöck & Ruprecht, 1969. É interessante notar, porém, que a idéia de analisar a
inferência silogística a partir da noção de implicação estrita, tal como na perspectiva desta
investigação, eliminaria muitas incompatibilidades entre estas duas concepções interpretativas,
posto que a implicação estrita é compatível tanto com o conceito de implicação material e formal,
quanto com o conceito de conseqüência lógico-semântica. Mas, ao que parece, tal idéia ainda não foi
posta em prática na exegese do sistema lógico aristotélico, talvez pelo receio dos intérpretes de ter
que admitir pressupostos e conceitos intensionais em uma lógica que quase sempre foi interpretada
pela tradição em bases extensionais.