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ELAINE APARECIDA CANCIAN DE ALMEIDA
A CIDADE E O RIO
Escravidão, arquitetura urbana e a invenção da beleza.
O caso de Corumbá (MS)
DOURADOS/MS - 2005
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ELAINE APARECIDA CANCIAN DE ALMEIDA
A CIDADE E O RIO
Escravidão, arquitetura urbana e a invenção da beleza.
O caso de Corumbá (MS)
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em História, Campus de Dourados,
da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, para obtenção do título de Mestre em
História.
Orientadora: Prof ª Drª Maria do Carmo Brazil
DOURADOS/MS - 2005
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ELAINE APARECIDA CANCIAN DE ALMEIDA
A CIDADE E O RIO
Escravidão, arquitetura urbana e a invenção da beleza.
O caso de Corumbá (MS)
COMISSÃO JULGADORA
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE
Presidente e Orientadora PROFª DRª MARIA DO CARMO BRAZIL_________________
2º Examinador PROFº DRº MÁRIO MAESTRI FILHO____________________________
3º Examinador PROFº DRº CARLOS MARTINS JUNIOR_________________________
Dourados, ___________de __________de 2005.
DADOS CURRICULARES
ELAINE APARECIDA CANCIAN DE ALMEIDA
NASCIMENTO 28/05/1976 – SANTO ANASTÁCIO/SP
FILIAÇÃO FRANCISCO JAIR CANCIAN
APARECIDA TERCI CANCIAN
1996/1999 Curso de Graduação – Licenciatura Plena em História
Centro Universitário de Corumbá, Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, UFMS – Corumbá - MS
2000/2003 Curso de Pós-Graduação em História, nível de Especialização
Centro Universitário de Corumbá, Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, UFMS – Corumbá - MS
RESUMO
Esta pesquisa refere-se, em especial, a Corumbá, espaço urbano situado no coração
do Pantanal, na fronteira com a Bolívia. A cidade surgiu a partir da política de
consolidação do domínio luso no extremo oeste da colônia, por determinação do soberano
dom José I, através de seu primeiro ministro, Marquês de Pombal. Com base na mão-de-
obra escrava, a Coroa Portuguesa criou estrategicamente, no ano de 1778, entre outros
povoados, um núcleo urbano de rara beleza natural à margem direita do rio Paraguai,
sonhando imprimir nele sua marca e seu domínio.
Sob o título A cidade e o rio: escravidão, arquitetura urbana e a invenção da beleza.
O caso de Corumbá (MS), procurei, através de quatro capítulos, caminhar pelo centro das
funções da cidade e de seu rio. Refleti a cidade como lugar de troca, de movimento, de
cobiça, de poder, de diálogos, de nostalgias, de lembranças e de sentimentos utópicos de
segurança. Tentei discutir o espaço urbano e as relações sociais que ali se davam em seus
dois principais elementos: o espaço privado representado pelos sobrados e casas térreas; e
o espaço público, representado pelas ruas, portos e becos.
Desde o período colonial Corumbá surgiu como o lugar de poder, onde as
autoridades pretendiam ocupar, povoar, governar, inserindo no discurso oficial a defesa da
tranqüilidade pública, da segurança urbana e da justiça. Mas em meio a essa forte pulsação
de promover o dinamismo urbano vigorava, na tessitura social, a escravidão, a iniqüidade e
a marginalização.
Em meados do século XIX, diante das mudanças ocorridas no mundo ocidental a
cidade portuária de Corumbá incorporou ao cenário já existente as edificações de nuanças
e de transição para acentuar as imagens do belo. Àquilo que enlevava pela extraordinária
beleza natural devia ser acrescentado um toque estético especial acompanhado de um certo
apuro artístico nos quadros da arquitetura.
No início do século XX, as edificações se apresentam com as mesmas características
do século anterior, mas sempre acentuando as mudanças gradativas no modo de viver e de
morar em Corumbá. Ao orgulho gerado pelas condições naturais agregavam-se as
aspirações pelo novo. Daí a reinvenção da beleza, da estética urbana, do investimento no
visual da cidade e o interesse na superação da mão-de-obra escrava. Entretanto, o belo
restringia-se ao porto, sobretudo a área de comércio, às ruas iluminadas e ao espaço
movimentado da praça da República.
A área urbana de aspecto desagradável, triste, escuro e pobre, que feria a vista dos
visitantes e enublava os efeitos de criação artística, foi refluída para as sombras do silêncio,
infelizmente pelas mãos de historiadores que pouco se importaram em lançar esforços para
estabelecer discussões profícuas sobre um espaço de indubitável significado para o passado
social da cidade. O lugar de negros e pobres ficou guardado no álbum poético de Lobivar
de Matos, nas páginas pungentes de Sarobá.
ABSTRACT
This research refers, especially, to the city of Corumbá, located in the heart of
Pantanal, on the border with Bolivia. The city was founded due to the consolidation policy
of the Portuguese domain in the west of the colony, by the Prime Minister Marquês de
Pombal’s determination. With the use of slave labor, in 1778 the Portuguese Crown
strategically created, among other villages, an urban nucleus with rare beauty on the right
bank of the Paraguay river, with the dream of printing there its mark and domain.
In this work, entitled The city and the river: slavery, urban architecture and the
invention of beauty. The case of Corumbá (MS), I took, in four chapters, a walk through the
center of the functions of the city and the river. I made a reflection of the city as a place of
exchanges, movement, greed, dialogues, nostalgia, reminiscences and utopian feelings of
safety. I tried to discuss the urban space, as well as the existing social relations in
Corumbá, with their two main elements: the private space, represented by two- and one-
floor houses, and the public space, represented by streets, ports and alleys.
Since the colonial period, Corumbá has arisen as a power site, which the authorities
intended to occupy, populate and govern, including, in the official speech, the defense of
public tranquility, urban safety and justice. But amidst the strong pulsation for the
promotion of urban dynamics, there was, in the social context, slavery, inequality, and
marginalization.
In the middle of the 19th century, after the changes in the western world, the city of
Corumbá incorporated, in the existing scenery, nuance and transition buildings, in order to
enhance the images of beauty. A special aesthetic touch, with a certain artistic concern,
was added, in the architecture of the city, to the extraordinary natural beauty.
In the beginning of the 20th century, the buildings still had the same characteristics
of the previous century, but showed the gradual changes in the city’s way of life. The
aspirations for the new added to the pride generated by the natural conditions. Therefore
came the reinvention of the beauty, the urban aesthetics, the investments in the city’s
appearance and the interest to overcome the slave labor. However, the beauty was
restricted to the port, especially the commercial area, the illuminated streets and the busy
Republic square.
The urban space, unpleasant, sad, dark and poor, which hurt the visitors’ eyes and
clouded the effects of the artistic creation, was re-flowed to the shadows of silence,
unhappily by the hands of those historians who did not care to make efforts to establish
useful discussions about an undoubtedly meaningful space for the city’s social past. The
black and poor people’s place was kept in Lobivar de Matos’s poetic album, in Sarobá’s
poignant pages.
A todos os que reconhecem o valor da pesquisa científica.
AGRADECIMENTOS
No decorrer do Curso de Mestrado especialmente durante a construção da
dissertação, muitas pessoas contribuíram de modo significativo, a elas meus sinceros
agradecimentos.
Á profª Maria do Carmo Brazil, mestre de espírito aberto, a quem devo pela
valiosa forma amiga e respeitosa com que me acompanhou no decorrer da escrita do
trabalho e, sobretudo disponibilizou grande parte das obras usadas como suporte na
pesquisa. Sou grata não só pela orientação, mas sobretudo pelo exemplo que me transmitiu
de humildade, de seriedade profissional, paciência e compreensão.
Ao prof. Mário Maestri que, com atos constantes de disponibilidade, respeito e
incentivo, acreditando sempre no meu projeto, ofereceu-me valiosíssimas observações e
ajuda na correção dos originais.
Á profª Vilma Eliza Trindade de Saboya pelo apoio proporcionado.
À minha família que com amor e paciência esteve ao meu lado colaborando, e
apoiando nos momentos mais difíceis da minha trajetória. Especialmente à minha querida
mãe Aparecida Terci Cancian que com carinho e dedicação auxiliou-me nos cuidados com
o meu filho durante as minhas viagens e pesquisas.
Ao meu esposo Sergio Nepomuceno de Almeida e meu filho Azriel C.
Nepomuceno de Almeida, os quais apoiaram o novo projeto da minha vida, entenderam
com grandeza minhas ausências e estiveram ao meu lado me fortalecendo quando o
cansaço, a dúvida e os problemas surgiram no decorrer do curso.
À Silas de Almeida e Rosa de Almeida pelo apoio prestado nos momentos difíceis
e aos meus amáveis sogros Sebastião Nepomuceno de Almeida e Marina Pinto de Almeida
pelo carinho, compreensão e amor proporcionado a mim diante das minhas dificuldades.
Às queridas amigas Isabela de Fátima Schwengber e Salete, pessoas maravilhosas
que me ajudaram e me acolheram em sua casa durante todo o curso.
Aos professores do Curso de Mestrado em História/Ceud/UFMS.
Ao coordenador do curso de Mestrado no ano de 2003, professor Cláudio Alves
de Vasconcelos, o qual esteve sempre disponível a ouvir e ajudar os mestrandos diante das
dificuldades.
Aos colegas do Curso de Mestrado pelo apoio dado nos momentos mais difíceis.
Com vocês aprendi muito, sobretudo o valor de uma amizade.
Aos simpáticos e competentes funcionários da sessão de Memorial do Tribunal de
Justiça de Campo Grande Indira Aguilhera Pedreira Gonçalves, Maria Luiza Bajarunos
Ramos, Julia D’amore e Alexandro, os quais com presteza facilitaram-me o acesso aos
documentos organizados e mantidos no local.
Ao senhor Laucídio, responsável pelo arquivo da Câmara Municipal de Corumbá,
o qual sempre esteve disposto a ajudar durante os meses em que estive pesquisando nos
documentos relativos ao século XIX.
À coordenadora Lúcia Helena Cestari Baruki e ao diretor Advanir Oliveira
Malheiros, da Escola Municipal CAIC. Pe. Ernesto Sassida, os quais foram compreensíveis
nos momentos em que necessitei ausentar-me da citada instituição para cumprir com os
deveres exigidos pelo Curso de Mestrado na cidade de Dourados-MS.
À minha eterna gratidão a todas as pessoas e instituições, que direta e
indiretamente, colaboraram para a realização desta pesquisa.
SUMÁRIO
Resumo...................................................................................................................................5
Abstract..................................................................................................................................7
Lista de figuras.....................................................................................................................13
Lista de tabelas.....................................................................................................................19
Introdução.............................................................................................................................20
Capítulo I
Escravidão, arquitetura urbana e o debate historiográfico...................................................24
Capítulo II
O espaço urbano no Brasil escravista...................................................................................60
Capítulo III
Evolução das edificações urbanas de Corumbá no período escravista.................................88
Capítulo IV
Corumbá e as edificações de nuanças e de transição..........................................................119
Considerações finais...........................................................................................................162
Fontes e bibliografia...........................................................................................................164
Glossário.............................................................................................................................176
Anexos................................................................................................................................178
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Planta da povoação de Albuquerque 1792. MELLO, Raul Silveira de.
Corumbá, Albuquerque e Ladário. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1966. p. 108.
Figura 2. Planta da cidade de Corumbá 1875. FONSECA, João Severiano da. Viagem ao
Redor do Brasil. p. 237.
Figura 3. Planta da cidade de Corumbá 1889. MELLO, Raul Silveira de. Corumbá,
Albuquerque e Ladário. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1966. p. 132.
Figura 4. Planta mostrando o local exato da fundação de Corumbá. MELLO, Raul Silveira
de. Corumbá, Albuquerque e Ladário. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1966. p. 236.
Figura 5. Vista parcial de Corumbá. Ladeira da Candelária (atual Cunha e Cruz). Carroças
subindo a ladeira. Em primeiro plano estão as construções da rua Manoel Cavassa esquina
com a referida ladeira. No alto, em cima da barranca calcárea, algumas construções, entre
elas a Igreja Nossa Senhora da Candelária. WULFES. Patrimônio Fotográfico de
Corumbá/Ladário. Instituto Luiz de Albuquerque – ILA. Corumbá-MS.
Figura 6. Vista parcial do porto. Rio Paraguai, como um chão vidrento, reflete o lebre
Casario e as antigas construções na parte alta da cidade. Em primeiro plano edificação de
1880, com telhado de quatro águas. WULFES. Patrimônio Fotográfico de
Corumbá/Ladário. Instituto Luiz de Albuquerque – ILA. Corumbá-MS.
Figura 7. Vista parcial do porto de Corumbá. Á direita, a ladeira José Bonifácio; a
construção firma Larocca, Mônaco & Cia e a lateral da construção Vasques & Filhos
construída com sotéia plana. WULFES. Patrimônio Fotográfico de Corumbá/Ladário-MS.
Instituto Luiz de Albuquerque – ILA. Corumbá-MS.
Figura 8. Porto de Corumbá. No centro, a construção Vasquez & Filhos; à direita, a
Alfândega e à esquerda, a edificação que foi sede da firma Larocca, Mônaco & Cia,
fundada em 1902. WULFES. Patrimônio Fotográfico de Corumbá/Ladário-MS. Instituto
Luiz de Albuquerque – ILA. Corumbá-MS.
Figura 9. Vista da rua do Comércio (atual Manoel Cavassa). Edificações alinhadas na via
pública e carroça usada no transporte de madeira, água, mercadorias. WULFES.
Patrimônio Fotográfico de Corumbá/Ladário-MS. Instituto Luiz de Albuquerque ILA.
Corumbá-MS.
Figura 10. Rua Delamare. WULFES. Patrimônio Fotográfico de Corumbá/Ladário-MS.
Instituto Luiz de Albuquerque – ILA. Corumbá-MS.
Figura 11. Construção de 1858, destruída durante a invasão paraguaia e reconstruída em
1870 após a guerra. Foi propriedade do comerciante Manoel Cavassa. Rua Manoel
Cavassa, nº 109.
Figura 12. Construção de 1858. Os balcões do pavimento superior foram derrubados e as
portas de madeira foram substituídas por portas de metal e vidro. AYALA, S. Cardoso;
Simon, F. Álbum Graphico do Estado de Matto Grosso. Corumbá/Hamburgo, 1914.p. XXI.
Figura 13. Construção de 1880 localizada na rua Manoel Cavassa, nas margens do rio
Paraguai. Erigida de alvenaria.
Figura 14. Pavimento Térreo da construção de 1880. Aberturas em arco pleno.
Figura 15. Lateral da construção de 1880. Detalhe do telhado feito em quatro águas.
Figura 16. Ornamento da fachada com a data de 1880. Interior da casa. Cobertura de
madeira e telhas de barro. Piso do pavimento superior de madeira.
Figura 17. Casa de 1885. Rua 7 de Setembro entre Delamare e 13 de Junho. Paredes de
alvenaria.
Figura 18. Casa de 1885. Ornamentação da fachada com desenhos e colunas.
Figura 19. Casa de 1885. Rua Antônio João esquina com a Rua Delamare. Inspiração
eclética. Foi propriedade do comerciante português Manoel Cavassa.
Figura 20. Ornamentação da fachada da casa de 1885.
Figura 21. Construção de 1894. Erigida pelo construtor Martino Santa Lucci. Rua: Antônio
Maria esquina com a 13 de Junho.
Figura 22. Pavimento superior da casa de 1894. Detalhe do formato das janelas e da
ornamentação da fachada. Balcão com gradil na abertura central apoiado por cachorro.
Figura 23. Edificação de 1894. Rua Delamare esquina com a Rua Ladário. As paredes são
de alvenaria.
Figura 24. Edificação de 1896, construída pelo arquiteto Martino Santa Lucci. Abrigou a
Alfândega de Corumbá e está localizada no porto.
Figura 25. Fachada com a data e símbolo. Antiga alfândega de Corumbá construída em
1896.
Figura 26. Vista do telhado de quatro águas da edificação erigida em 1896 para abrigar a
Alfândega.
Figura 27. Casa nº 386 construída em 1899. Rua 13 de Junho, entre Tiradentes e Ladário.
Figura 28. Construção de 1898. Rua Delamare entre 7 de Setembro e 15 de Novembro.
Figura 29. Detalhe da fachada com colunas aplicadas. Inspirada no estilo eclético.
Figura 30. Casa Vasquez & Filhos. Construção concluída em 1898. Obra do arquiteto
Martino Santa Lucci. Ladeira José Bonifácio nº 171. Edificação inspirada no art-nouveau.
Figura 31. Cobertura da construção Vasquez & Filhos. Açotéia (terraço).
Figura 32. Porta com balcão de grade sustentada por cachorros.
Figura 33. Fachada com ornamento. Janela com gradil desenhado.
Figura 34. Wanderley, Baís & Cia. Erigida em 1876. Rua Manoel Cavassa, 275.
Edificação inspirada no ecletismo.
Figura 35. Wanderley, Baís & Cia. Balcão com gradil sustentado por mísulas e cachorros.
Figura 36. Construção do final do século XIX. Inspirada no ecletismo. Abrigou a firma
Pereira, Sobrinhos & Cia., fundada em 1909, em sucessão à firma Pereira & Sobrinhos
fundada em 1882. A firma importava produtos em geral e exportava borracha, ipecacuanha
e penas de garça. AYALA, S. Cardoso; Simon, F. Álbum Graphico do Estado de Matto
Grosso. Corumbá/Hamburgo, 1914, p. XXVI.
Figura 37. Casa construída de pedra, coberta com estrutura de madeira e telhas de barro.
Localizada na rua 13 de Junho entre Ladário e Tenente Melquíades. Possui um reservatório
de água no quintal feito de pedra já deteriorado. Nas janelas observa-se as vergas em curva,
características das construções mais antigas.
Figura 38. Construção do final do século XIX. Ladeira José Bonifácio nº111. Erigida de
alvenaria com dois pavimentos e açotéia (terraço).
Figura 39. Detalhes da construção do final do século XIX, localizada na Ladeira José
Bonifácio, nº 111. Inspiração no ecletismo.
Figura 40. Edificação da rua 13 de Junho esquina com 15 de Novembro. Em 1914 serviu
de hotel denominado Hotel Royal. AYALA, S. Cardoso; Simon, F. Álbum Graphico do
Estado de Matto Grosso. Corumbá/Hamburgo, 1914, p.333.
Figura 41. Fundos da construção. Alpendre sustentado por colunas.
Figura 42. Algibe.
Figura 43. Edificação de 1901. Rua Dom Aquino nº. 670 esquina com Antônio João.
Figura 44. Porta principal da construção de 1901.
Figura 45. Construção de 1905. Construída de alvenaria com alinhamento à calçada.
Parcialmente derrubada. Encontra-se ainda de a fachada e parte da primeira peça Rua
Ladário entre General Rondon e Delamare
Figura 46. Ornamentos da fachada. Beiral apoiado por cachorro.
Figura 47. Edificação de 1909. Rua Delamare . 1392. Entre as ruas 7 de Setembro e
Major Gama. Casa geminada.
Figura 48. Fachada da casa de 1909.
Figura 49. Construção de 1910. Rua 7 de Setembro nº. 214, entre Delamare e 13 de Junho.
Figura 50. Casa de 1911. Rua Delamare nº. 1568 entre Major Gama e Firmo de Matos.
Figura 51. Casa construída em 1912. Rua Tiradentes 787, entre América e
Cuiabá.
Figura 52. Casa ao lado, da construção de 1912 no mesmo estilo construtivo.
Figura 53. Construção de 1917. Rua Tiradentes, nº. 275.
Figura 54. Construção de 1917. Rua Tiradentes, nº. 275.
Figura 55. Casa de 1920. Rua Delamare nº. 1277. Entre as ruas 13 de Junho e 7 de
Setembro.
Figura 56. Formato de uma das janelas.
Figura 57. Construção do início do século XX, localizada na rua Delamare nº 427.
Figura 58. Corredor lateral de acesso ao algibe e outras peças da casa
Figura 59. Algibe construído em área coberta de telhas de barro.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1-Preço médio do escravo por profissão com idade média de 25 a 40 anos, existente
na Província de Mato Grosso no período de 1850-1888. ..................................................101
Tabela 2-Produtos importados entre 1878 - 1879. ............................................................105
Tabela 3-Relação de cativos com suas profissões e proprietários. ....................................107
Tabela 4-Relação dos escravos residentes em Corumbá não matriculados nem averbados
na Alfândega. .....................................................................................................................108
Tabela 5-Relação dos cativos matriculados em outros Municípios e não averbados na
Alfândega. ........................................................................................................................ 108
Tabela 6-Quantidade de cativos do senhor Jacintho Pompeo de Camargo. ......................113
Tabela 7-Quadro demonstrativo das profissões de cativos em Corumbá 1873, 1874 e
1877. ..................................................................................................................................114
Tabela 8-Quadro demonstrativo de qualidade e quantidade de escravos em Corumbá no
período de 1873, 1874 e 1877. ..........................................................................................115
Tabela 9-Tabela 9 - 1873 - Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de
emancipação. .................................................................................................................... 179
Tabela 10-1874 Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de
Emancipação. ....................................................................................................................185
Tabela 11-1877 Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de
Emancipação. ....................................................................................................................194
Tabela 12-Quadro demonstrativo de cativos por senhores proprietários / 1877. ............. 204
INTRODUÇÃO
A produção historiográfica evidencia que o conhecimento histórico não é
necessariamente construído a partir de documentos ou crônicas oficiais. Elementos da
memória como um obelisco, uma casa, um quadro, um conjunto arquitetônico e até mesmo
objetos e móveis antigos ajudam o historiador a explicar a complexa trama das relações
sociais, econômicas e políticas de períodos distintos da história. Nesse sentido, a
arquitetura, a escultura, a posição geográfica das cidades, enfim, o patrimônio material e
imaterial permitem observações, leituras críticas e a construção do discurso histórico.
Podemos, portanto, escrever a história usando a memória.
Em nota de apresentação, a obra Memória da Nação, organizada por Francisco
Bethencourt e Diogo Ramada (1987, p.7), registra que a “[...] memória da nação está
presente um pouco por todo lado, pontuando de sinais o quotidiano das gentes, informando
a sua maneira de viver e de sentir, balizando o presente e o futuro enquanto forma de
representação de uma identidade construída ao longo [...] de séculos de forma descontínua.
Encontra-se materializada nos monumentos [...] ou que celebram reis e heróis, políticos,
literatos ou cientistas [...]. É visível no traçado urbano, nomeadamente através da
toponímia, mas também na própria configuração das praças, recheadas de referências
históricas”.
O número de trabalhadores escravizados e a extensão da casa representavam a
posição social da família patriarcal e seu poder perante a sociedade regional, na qual estava
inserida. A casa-grande da fazenda, assim como o sobrado urbano, ambos também
edificados para representar a influência do proprietário e o costume de resguardar a si e a
sua família do aglomerado de cativos que nas cidades, praticavam todo tipo de serviço.
Partindo dessa perspectiva e, diante da necessidade de centrar esforços na compreensão do
passado escravista brasileiro à luz da arquitetura, elegi as antigas residências da cidade de
Corumbá, construídas no século XIX, como objeto de pesquisa. Corumbá, localizada à
margem direita do rio Paraguai, no antigo sul de Mato Grosso, foi fundada em 21 de
setembro de 1778, pelo capitão general Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres,
para cumprir a política de expansão territorial, determinada pela antiga metrópole
portuguesa.
Os estudos sobre o passado escravista corumbaense são ainda incipientes em
relação a outras antigas cidades brasileiras. Entretanto, a partir do material disponível sobre
21
a história de Mato Grosso e sobre o cativeiro no Brasil, é possível tecer algumas
considerações sobre as particularidades do escravismo numa região distante do litoral
brasileiro. A idéia de realizar essa investigação nasceu de um viés explicativo que vincula
arquitetura, urbanismo e cotidiano escravista, estudando evidentemente a paisagem urbana
com o objetivo de discutir o grau de utilização do braço escravizado no universo social da
cidade, apensada aos aspectos singulares da sociedade escravista mato-grossense.
À esteira dos estudos realizados, entre outros, pelo historiador gaúcho Mário
Maestri (2001) e pelo arquiteto Günter Weimar (1992), pretendeu a pesquisa colaborar
com o avanço dos estudos históricos sobre o escravismo, recorrendo às habitações
construídas na antiga cidade de Corumbá, no final do período imperial e início da
República. A casa foi estudada como espaço privilegiado do exercício de poder,
considerando que, além de espaço de morada e abrigo, ela era uma unidade de vivência e
de relação social, como propõem pertinentemente Nestor Goulart Reis Filho (1970) e
Carlos Lemos (1989). A casa representou uma emaranhada teia de pessoas com padrões
distintos de relação, em que algumas dispunham de privilégios e domínios sobre outras.
no processo de arrolamento das obras e teses que tratam da arquitetura
corumbaense e o patrimônio cultural ficou evidente que o alvo da maioria das pesquisas
concentra-se no Casario do Porto, por ser um espaço representativo do período áureo do
comércio importador-exportador que permitiu registros e documentos sobre a chegada e o
estabelecimento de negociantes estrangeiros na cidade, bem como a conseqüente instalação
de lanço de casas comerciais na orla espelhada do rio. Portanto, o conjunto de edificações
no porto de Corumbá tem sido objeto de estudos interdisciplinares, embora muitos autores
tenham se limitado a apenas contemplar os estilos arquitetônicos e o período do intenso
comércio entre Mato Grosso e o resto do mundo através do estuário platino.
A leitura de alguns historiadores, arquitetos e cronistas, sobre as construções locais,
ligaram-se à beleza estética e ao auge e decadência comercial da cidade, mito construído
por observadores que conseguiram vislumbrar as notáveis construções sob o ponto de
vista economicista. Por isso decidi assinalar neste trabalho que as edificações erguidas a
partir de meados do século XIX e que se estenderam ao início do século XX refletem
muito mais que a estrutura econômica de uma época. O propósito é apresentar um
contraponto àqueles que difundem a idéia de que o Porto Geral é a representação de toda a
história local, como se ladeira acima e antes de 1870, não existissem outros elementos
significativos capazes de figurar na história da cidade. A reprodução dessa memória
habilmente construída acaba negligenciando importantes evidências do passado social de
22
Corumbá, as quais entendemos como merecedoras de estudos mais profícuos. Cabe
explicar que o mito do auge e decadência da cidade foi irradiado por um segmento
acadêmico local que, sob influência de um viés explicativo de tendência historicista
contagiou, a partir da década de 1980, inúmeros estudiosos os quais, por meio de
dissertações, artigos e outras produções, passaram a reproduzir o discurso ideológico da
decadência, cujo objetivo era explicar o inevitável fim do mundo ocidental.
Através dos relatos de viajantes que passaram por Mato Grosso, especialmente em
Corumbá e documentos diversos produzidos no período colonial e imperial, este trabalho
pretendeu mostrar a forma de viver e de morar das pessoas e explicar como o poder
público e os recursos naturais influenciaram no modo de construir. Para tanto foi
necessário coligir e anotar dados referenciais das construções do final do século XIX ainda
de pé, bem como as edificações do início do século XX.
Empenhei-me em mostrar que as primeiras construções corumbaenses eram
edificadas com materiais simples encontrados na região como barro, madeira e palha,
apesar da grande quantidade de pedra disponível. Somente na segunda metade do século
XIX é que as construções duradouras de pedra e cal começaram a ser erguidas e muitas
delas ainda hoje são mantidas de pé. Portanto, a cidade de Corumbá, que foi fundada em
cima das barrancas do rio Paraguai manteve recôndito um passado urbano, hoje inegável,
constituído de casas de palha e de barro.
As construções do final do século XIX foram estudadas e descritas como
forma de entender as relações sociais e os aspectos geohistóricos da referida cidade
portuária. A arquitetura do início do século XX foi também abordada para revelar que ela
se apresentou com as mesmas características das edificações do século anterior e que os
diversos aspectos de mudanças verificadas no modo de viver e de morar em Corumbá
foram gradativas, à semelhança do que ocorreu com as demais cidades brasileiras de
passado escravista.
Para desenvolver a pesquisa recorri à documentação dos seguintes órgãos
institucionais de pesquisa: Arquivo Público de Mato Grosso APMT; Instituto Luiz de
Albuquerque Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul; Biblioteca Pública Municipal
de Corumbá; Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá e Memorial do Tribunal de
Justiça-Campo Grande.
O tema, que redundou no título A cidade e o rio: escravidão, arquitetura urbana e
a invenção da beleza. O caso de Corumbá (MS) foi desenvolvido em quatro capítulos, a
23
saber: 1. Escravidão, arquitetura urbana e o debate historiográfico; 2. O espaço urbano
no Brasil escravista; 3. Evolução das edificações urbanas de Corumbá no período
escravista; 4. Corumbá e as edificações de nuanças e de transição. O primeiro capítulo foi
destinado à discussão da produção historiográfica disponível, da qual boa parte foi
utilizada como suporte referencial de sustentação da pesquisa e de onde retirei os
pressupostos básicos para o entendimento da escravidão e da arquitetura urbana no Brasil,
sobretudo em Mato Grosso; no segundo, foram analisados o funcionamento das casas
brasileiras e a participação dos cativos em sua organização. Além disso, foi feita uma
reflexão sobre a historicidade das habitações ao longo do período escravista, bem como a
forma de construir as moradias das famílias abastadas e dos núcleos mais pobres; no
terceiro capítulo tratamos da utilização da mão-de-obra escrava em Mato Grosso, com
destaque para Corumbá. À esteira dessa discussão realizei uma análise sobre o processo de
organização do espaço urbano desde a fundação do antigo povoado, em 1778, até o
desenvolvimento das atividades comerciais no final do século XIX; no quarto capítulo
estudamos as características da arquitetura de Corumbá do final do século XIX e início do
século XX, evidenciando como era a forma de construir na região, quais eram os materiais
utilizados e como o poder público normalizou a paisagem urbana através dos códigos de
posturas.
24
CAPÍTULO I
Escravidão e arquitetura urbana: o debate
historiográfico
Algo fechado deve guardar as lembranças,
conservando-lhes seus valores de imagens. As
lembranças do mundo exterior nunca hão de ter a
mesma tonalidade das lembranças da casa. Evocando
as lembranças da casa, adicionamos valores de sonho.
Nunca somos verdadeiros historiadores; somos sempre
um pouco poetas, e nossa emoção talvez não expresse
mais que a poesia perdida.
Gaston Bachelard, 1957.
1 Escravidão, arquitetura urbana e o debate historiográfico
1.1. O Historiador, as Fontes, os Métodos
O historiador conhece os limites relativos das fontes ou dos suportes historiográficos
capazes de oferecer informações e elementos referenciais de sustentação às hipóteses
levantadas. Fontes como obras, jornais, documentos oficiais, revistas especializadas, entre
tantas outras, que podem fazer parte do referencial do pesquisador, impõem a necessidade
de se estabelecerem recortes temáticos para a realização de uma narrativa historiográfica
crítica, a mais próxima da verdade objetiva possível.
Na procura por um quadro de referência que auxilie a compreensão do objeto
escolhido para investigação, o historiador deve estar atento às armadilhas que os livros
podem apresentar devido às correntes historiográficas seguidas por seus escritores. O
mesmo cuidado deve-se ter na leitura dos documentos oficiais e outras fontes consultadas.
A discussão sobre a arquitetura e a escravidão desenvolvida pelos sociólogos,
arquitetos e historiadores é pertinente para o entendimento de como ocorreu, no passado
escravista, as relações sociais no espaço público e privado. É preciso perceber a visão dos
diferentes estudiosos sobre o trabalhador escravizado e sua participação no cotidiano do
mundo rural e urbano e, como a mão-de-obra escravizada estava imbricada na arquitetura
de então.
A proposta de estudar o cativeiro como fator determinante das atividades das
moradias urbanas, bem como da arquitetura presente no período escravista, foi apresentada
por Gilberto Freyre em sua obra clássica, Sobrados e mucambos: decadência do
patriarcado rural e desenvolvimento do urbano, de 1936.
1
O mesmo autor, em Casa-
grande & senzala, de 1933,
2
produziu importante conhecimento sobre a arquitetura,
sobretudo colonial; sobre as representações da casa e seu interior. Contudo seu estudo,
sustentado em preciosas descrições das casas senhoriais, associadas ao trabalhador
escravizado, não despertou o interesse dos estudiosos brasileiros.
Efetivamente, ainda, na segunda metade do século XX, quando a produção
historiográfica e os pesquisadores voltaram suas atenções à história da escravidão
brasileira, a arquitetura escravista ficou relegada ao tempo, porque a política brasileira
1
FREYRE, Gilberto. Sobrados & mucambos. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
2
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala.. 41. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
25
implantada nas décadas de 50, 60 e 70 buscava a modernização do país e simultaneamente
a destruição dos símbolos do atraso, vinculada naquele momento, às construções dos
séculos anteriores, em especial os estreitos e compridos casarões do século XIX,
representantes da vida senhorial e do passado escravista.
Derrubando o que é velho
A concretização desse projeto político brasileiro modernizador associado às
necessidades capitalistas transformaram gradualmente as paisagens urbanas. Casas antigas
foram derrubadas enquanto algumas poucas foram preservadas, sobretudo aquelas que
traziam à memória da sociedade local algum fato importante. Em meio às modernas
construções do século XX, restaram, então, algumas antigas moradias representantes da
vida senhorial e do passado escravista.
A questão da preservação do patrimônio cultural envolve interesses diversos desde
econômicos a particulares de uma classe ou de indivíduos, o que tem dificultado
portando a aplicação de programa ou da lei que visa defesa dos elementos significativos no
reconhecimento dos bens culturais de uma dada sociedade no tempo e espaço.
Para elucidar o exposto acima, é preciso reportar-se ao arquiteto paulista e ao
especialista na problemática da preservação do Patrimônio Cultural, Carlos Lemos, que
direcionou seus estudos à arquitetura brasileira e à preservação patrimonial, tornando-se
um importante colaborador no conhecimento sobre as construções brasileiras associadas ao
contexto cultural de cada época. Carlos Lemos se referia, no século XX, ao desinteresse
do poder público pela preservação do patrimônio e à ação individual de grupos que o
preservavam segundo seus interesses particulares. Em O que é Patrimônio Histórico
mostrou que: “[...] nunca houve um movimento que conciliasse esses interesses visando a
gestão de um único Patrimônio visto sob um enfoque global. De um modo geral, podemos
dizer que foram os antiquários colecionadores, os gabinetes de curiosidades, os variados
museus ditos históricos, etnográficos, de arqueologia e de antropologia, as galerias de arte,
as pinacotecas, as gliptotecas, as hemerotecas, as coleções de história natural etc., que, ao
longo do tempo, conservaram artefatos vários para os estudiosos de hoje. Muitas
construções importantes, pela sua história ou pela sua beleza, também foram
respeitosamente conservadas, pelo respeito dos mandados e pela vaidade dos mandantes e
mandatários ”.
3
3
LEMOS, Carlos A. C. O que é Patrimônio Histórico. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 32-33.
26
De acordo com o especialista em História da Arquitetura e do Urbanismo da América
Latina, Ramón Gutiérrez, a degradação urbana é fruto não da especulação imobiliária,
mas também da busca pela modernidade à custa da destruição da tradição, do patrimônio
existente, o qual é visto como “velho” e, portanto passível de ser detestado. Assim entende
o autor: “A cidade construída pela especulação imobiliária constitui o apogeu da
desintegração das identidades, na medida em que nega a urbe como bem comum e
despreza os valores sociais e culturais que constituem essa identidade. [...] A degradação
de nosso ambiente não se produz apenas pela destruição física de nosso patrimônio
histórico e cultural, mas por muitas outras linhas de ação, como a falsificação historicista, a
monotonia, a dispersão e o caráter caótico de uma arquitetura de especulação. O mais
dramático, porém, é a perda dos valores sociais de convivência, a destruição da
solidariedade comunitária na cidade construída com base na competição e não na
cooperação”.
4
O documento e o historiador
Considerado o problema da destruição das moradias que constituem o patrimônio
cultural das cidades, o historiador enfrenta ainda as más condições físicas dos bens
patrimoniais que sobrevivem. Fatores como a péssima condição das construções; a não
conservação do acervo arquitetônico histórico dos municípios; a falta de organização nos
arquivos; os dados sem seqüência e perdidos no espaço; o próprio desinteresse do poder
público em manter os documentos históricos têm dificultado o trabalho do historiador. E
isso o é tudo, porque como exposto, igualmente fortes interesses econômicos na
não preservação do patrimônio arquitetônico nacional.
No passado brasileiro, bens culturais foram destruídos por se constituírem em uma
memória inaceitável. Construções, documentos, artefatos, símbolos de dominação e de
práticas pouco civilizadas representantes de uma época da nossa história tiveram sua
permanência comprometida por governos posteriores ou por particulares, que almejaram
apagar da memória histórica certos acontecimentos.
Também os governos atuais, em nome da modernização de uma cidade, permitem a
descaracterização do traçado de praças e a derrubada de casarões antigos ou a preservação
das fachadas, porque os mesmos não foram incluídos em projeto de tombamento. Com
essa atitude, a sociedade transforma em proporção gradativa as cidades, de acordo com os
interesses particulares privados e raramente devido as necessidades inerentes à própria
4
Cf: GUTIÉRREZ, Ramón. Arquitetura Latino-Americana. São Paulo: Nobel, 1989. p. 39-40.
27
transformação social, sem permitir que elementos substanciais da memória sejam
preservados à posteridade.
Neste contexto geral, enquadra-se a história da arquitetura em Corumbá, no relativo
aos seus primeiros tempos. A ação do tempo, o desinteresse ou desconhecimento das
autoridades públicas e dos segmentos privados sobre o valor de uma residência do século
XIX puseram em risco a permanência de estruturas internas e externas projetadas para
atenderem às necessidades sociais e econômicas dos habitantes do passado, com valores
diversos dos nossos. Vale ressaltar que mesmo a intervenção do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, representado em Corumbá pelo escritório regional,
não foi suficiente para intervir neste processo de transformação da memória local.
A ausência de grande quantidade de residências preservadas em Corumbá, somada à
falta de uma historiografia sobre a cidade, composta de obras que discutam o passado a
partir da arquitetura residencial e dos espaços públicos e privados urbanos, fez da
investigação proposta um grande desafio, ainda que contasse com materiais, como fotos,
relatos de viajantes, documentos oficiais, entre outros que compõem as fontes coligidas.
Por esse motivo, optei por compreender a arquitetura e a escravidão no Brasil e em Mato
Grosso durante o século XIX que consubstanciou a sociedade estudada, para então
construir um entendimento de como se projetaram em Corumbá, as moradias, no contexto
das relações escravistas no espaço público e privado.
1.2. Historiografia e Escravidão no Brasil
Na busca da compreensão do processo da escravidão em Mato Grosso, em geral, e
em Corumbá, em especial, e seu reflexo nas construções da época, foram utilizadas obras
que estabelecem discussões sobre a questão do trabalhador escravizado e da arquitetura na
história brasileira e regional, num período em que o cativo era a mão-de-obra principal nas
plantações, nas minas, nas tarefas domésticas, urbanas e rurais, nas mais diversas
atividades citadinas.
Da extraordinária literatura existente sobre o tema Casa-grande & senzala e
Sobrados e mucambos, de Gilberto Freyre
5
; O escravismo colonial, de Jacob Gorender
6
;
Da senzala à colônia, de Emília Viotti da Costa
7
; Os últimos anos da escravatura no
5
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro-São Paulo: Record, 2000; Sobrados e
mucambos. 12 ed. Rio de Janeiro, Record, 2000.
6
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 6. ed. São Paulo: Ática, 1992.
7
COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989.
28
Brasil: 1850-1888, de Robert Conrad
8
; Servidão negra: trabalho e resistência no Brasil
escravista, de Mário Maestri
9
, representam as obras substanciais para um eficiente
exercício metodológico e para uma boa reflexão historiográfica.
Da mesma forma, utilizei relevantes trabalhos abordando a escravidão e a
arquitetura, como Quadros da arquitetura no Brasil, de Nestor Gourlat Reis Filho
10
;
Cozinhas, História da casa brasileira, Arquitetura Brasileira e Alvenaria Burguesa de
Carlos Lemos
11
e O sobrado e o cativo - a arquitetura urbana erudita no Brasil escravista,
de Mário Maestri
12
.
No conjunto da historiografia regional grande importância teve na investigação os
trabalhos Território negro em espaço branco, de Maria de Lourdes Bandeira
13
; Cativos do
sertão: Vida cotidiana e escravidão em Cuiabá em 1850 1888, de Luiza Rios Ricci
Volpato
14
; Mato Grosso: Trabalho escravo e trabalho livre (1850-1888), de Lúcia Helena
Gaeta Aleixo
15
; Contribuição para o estudo do negro em Mato Grosso, de Edvaldo de
Assis
16
; Fronteira negra: Dominação, violência e resistência escrava: 1718-1888, de
Maria do Carmo Brazil
17
. Estas obras ofereceram grandes contribuições para o avanço do
conhecimento histórico da escravidão bem com as condições de trabalho a que foram
submetidos os cativos em Cuiabá, Corumbá e Vila Bela da Santíssima Trindade (antiga
capital de Mato Grosso).
Para o entendimento das características assumidas pela arquitetura regional, foram
usadas obras como A inserção do novo no existente: uma abordagem sobre reabilitação de
edificações no Casario do Porto Corumbá MS, da arquiteta Vanda Alice Garcia
8
CONRAD, Robert Edgard. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1975.
9
MAESTRI, Mário. Servidão negra: trabalho e resistência no Brasil escravista. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1988.
10
REIS FILHO, Nestor Gourlat. Quadro da arquitetura no Brasil. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 1987.
11
LEMOS, Carlos A. C. Cozinhas, etc. São Paulo: Perspectiva, 1978; História da casa brasileira, São
Paulo:Contexto, 1989; Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1979; Alvenaria burguesa:
breve história da arquitetura residencial de tijolos em São Paulo a partir do ciclo econômico liderado pelo
café. 2. ed. São Paulo: Nobel, 1989.
12
MAESTRI, Mário. O sobrado e o cativo: A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso
gaúcho. Passo Fundo: UPF, 2001.
13
BANDEIRA, Maria de Lourdes. Território negro em espaço branco. São Paulo: Brasiliense, 1988.
14
VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Cativos do sertão: Vida cotidiana e escravidão em Cuiabá em 1850-1888.
São Paulo: Marco Zero; Cuiabá: UFMG, 1993.
15
ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta. Mato Grosso: Trabalho escravo e trabalho Livre (1850-1888). Brasília:
Alvorada, 1984.
16
ASSIS, Edvaldo de. Contribuição para o estudo do Negro em Mato Grosso, Cuiabá: UFMT/ Proed, 1988.
17
BRAZIL, Maria do Carmo. Fronteira Negra. Dominação, violência e resistência escrava: 1718-1888.
Passo Fundo: UPF, 2002.
29
Zanoni
18
e Sobrados e Casas Senhoriais de Cuiabá, de Lenine C. Póvoas.
19
Em geral, a
literatura ficcional em prosa do século XIX, importante fonte historiográfica, a qual tem
sido esquecida pelos estudiosos. Entre outros de grande importância foi o romance As
vítimas-algozes: Quadros da Escravidão de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em
1869.
20
A vastidão das obras que procuram resgatar a história do trabalhador escravizado no
Brasil, partindo de diferentes correntes historiográficas, não esgota o tema, mas são
importantes elementos de apoio nas pesquisas sobre a história de cada região de nosso país.
Nesse sentido o presente trabalho toma como ponto de partida a historiografia brasileira
disponível– geral para compreender os particularismos regionais particular. Daí a
importância das obras elencadas para abordagem do objeto deste estudo.
Visões velhas e novas
Compreender a escravidão no período colonial e imperial exige igualmente a análise
de questões historiográficas, que as produções são frutos do contexto social de cada
época. Sendo assim, a historiografia do final do século XIX e primórdios do século XX
abordaram a escravidão negro-africana como um acontecimento natural, que propunham
que o nativo e o homem branco o se adaptavam ao trabalho sistemático e pesado nos
trópicos, sendo, portanto, necessária a substituição por africanos. Essa concepção está
presente nos trabalhos História geral do Brasil, de Francisco Adolfho Varnhagem
21
,
Populações meridionais do Brasil, de Oliveira Vianna
22
, 1919, e O espetáculo da raças, de
Lilia Moritz Schwarcz
23
, que destacaram a pretensa superioridade da elite-raça branca e a
necessidade de a mesma dominar a nação, para um dia ser erradicado do Brasil o símbolo
do atraso e da vergonha que era sua população negra, tornando, se possível, toda a sua
população branca.
A partir dos anos de 1930, ocorreu importante inovação na historiografia brasileira.
A escravidão passou a ser explicada a partir das necessidades de lucro metropolitanas e
18
ZANONI, Vanda A. G. A inserção do novo no existente: uma abordagem sobre reabilitação de
edificações no Casario do Porto Corumbá MS. 2000. Dissertação (Mestrado). UFRGS/UNIDERP.
Campo Grande-MS.
19
PÓVOAS, Lenine C. Sobrados e Casas Senhoriais de Cuiabá. Fundação Cultural de Mato Grosso, 1980.
20
MACEDO, Joaquim Manoel de. As vítimas-algozes: Quadros da Escravidão, Romances. 3. ed. São
Paulo: Scipione, 1991.
21
VARNHAGEM, Francisco Adolpho. História Geral do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro. J. E. & Laemert
Ltda. [s.d.].
22
VIANNA, F. J. Oliveira. Populações meridionais do Brasil.. 3 ed. São Paulo: Nacional. [s.d.].
23
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo da raças. In: Os guardiões da nossa história oficial: os
institutos, históricos e geográficos brasileiros, São Paulo: Idesp, 1989.
30
coloniais. O uso do trabalhador afro-descendente escravizado deixou de ser justificado
como decorrência natural do processo civilizador empreendido, pelos homens europeus,
sobre americanos e africanos [racismo científico], para ser compreendido em contexto mais
amplo: o do lucro obtido pela Metrópole e pelos proprietários na colônia ao empregarem
grande quantidade de cativos nas plantações. Nessa transformação teórica tiveram grande
importância as obras clássicas Evolução Política do Brasil, de Caio Prado Júnior, 1933,
24
e
Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, 1936.
25
Nos anos de 1930, como assinalado, foi editada a obra Casa grande & senzala de
Gilberto Freyre, seguida, em 1936, por Sobrados e mucambos, produções diversas das
reflexões habituais na época sobre a formação nacional brasileira, já que abandonando a
discrição política cronológica, fizeram uso da interdisciplinaridade, criaram uma
metodologia e interpretaram o passado brasileiro a partir do universo dominante, da casa-
grande nordestina, símbolo do poder político-econômico e projetou no debate
historiográfico a tese da democracia racial.
Gilberto Freyre construiu diversas representações em Casa- grande & senzala e
Sobrados e mucambos, tais como a harmonia entre as raças, as condições climáticas
favoráveis à escravização dos africanos e afro-descendentes nas grandes propriedades e a
adequação dos mesmos às tarefas pesadas; a inadaptação do nativo ao trabalho, etc., mas,
também foi o primeiro a executar um importante estudo sobre diversas questões referentes
à sociedade da época, entre elas, as moradias edificadas pedra por pedra pelos cativos,
baseando-se em uma muito rica diversidade de fontes historiográficas.
No decorrer do século XX, diversas críticas foram e ainda são formuladas, por várias
gerações de historiadores, à interpretação realizada por Gilberto Freyre concernente a
sociedade brasileira patriarcal. Mesmo assim, não se pode negar que o respectivo autor
apresenta, nas suas duas primeiras obras, diversos aspectos imprescindíveis à compreensão
da sociedade brasileira patriarcal em sua totalidade, ao expor questões sobre a culinária, os
costumes da época, as canções, as doenças, a prática de feitiçaria, a sexualidade, a relação
senhor-escravo, a arquitetura, entre outras particularidades abordadas.
Sobrados e Mucambos
Nesse sentido, o historiador rio-grandense Mário Maestri, ao se referir à linguagem e
às fontes utilizadas em Sobrados e mucambos, lembra que este livro “[...] impõe-se,
24
PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1953.
25
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969.
31
sobretudo como descrição envolvente do universo abordado, apoiada no uso imaginoso de
diversidade de fontes primárias sequer imaginadas pelas ciências sociais da época: diários;
iconografia; folclore; tradição oral; arquivos pessoais; papéis de velhos engenhos;
documentação notarial; anúncios de jornais; inventários post-mortem; teses de escolas de
medicina; depoimentos de viajantes; literatura oitocentista; anúncios de cativos fujões,
etc.”.
26
Devido à importância desses trabalhos, utilizei Casa-grande & senzala e Sobrados e
mucambos, de Gilberto Freyre, como fonte impressa muito importante na compreensão do
sistema patriarcal da colonização portuguesa no Brasil, da arquitetura das casas grandes
das fazendas e sobrados urbanos e da participação dos trabalhadores escravizados no
quotidiano dos escravistas, apesar da visão claramente apologética dessa obra.
O historiador Mário Maestri, apenas citado, crítico implacável da apresentação
apologética adocicada do sociólogo baiano da obra, lembra a importância germinal,
sobretudo de Sobrados e mucambos: “A dissolução do patriarcalismo materializaria-se,
sobretudo no deslocamento não apenas simbólico da casa-grande rural pelo sobrado
urbano. E, para descrever esse processo, Freyre empreende, a partir do estudo do sobrado
senhorial, investigação que resultou em valiosíssima contribuição à história da vida urbana
do Brasil escravista do século 19. Apesar do caráter germinal desse estudo, por décadas, a
historiografia brasileira prosseguiria fixada no mundo rural, exceção de uma plêiade de
historiadores da arquitetura Nestor Goulart Reis Filho, Carlos Lemos, etc. que
retomaram com criatividade a lição do pernambucano”.
27
Em Casa-grande & senzala, o discurso fora, sobretudo rural, com ênfase a influência
dos cativos na construção e funcionamento da casa-grande campestre. Efetuada e concluída
essa investigação, Freyre empreende apresentação, igualmente exaustiva, em Sobrados e
mucambos, dos novos elementos sobre as construções do período, relacionadas
principalmente ao ambiente urbano, com destaque para o século XIX. O estilo e os
materiais utilizados na construção dos sobrados e as relações sócio-econômicas e culturais
associadas a sua arquitetura são pontos chaves da discussão dessa obra monumental.
As duas obras de Gilberto Freyre são primordiais para a compreensão dos estilos
aplicados nas construções dos séculos XVI a XIX e as relações sociais escravizador
-escravizado, no que se refere ao uso de cada peça da casa, quer seja da fazenda ou do
26
Cf. MAESTRI, Mário. “Gilberto Freyre: Da Casa-grande ao Sobrado Gênese e dissolução do
patriarcalismo escravista no Brasil. Algumas considerações.” Cadernos IHC - Revista, São Leopoldo, v. 2,
n. 6, 2004.
27
Id. ib.
32
sobrado urbano. O referido sociólogo foi o primeiro a valorizar e tentar compreender a
escravidão através da arquitetura, a partir das visões radicais do engenheiro francês, de
“pontes e calçadas”, Louis Léger Vauthier, que esteve no Brasil de 1840 a 1846.
28
Escravizadores e escravizados
Gilberto Freyre propôs definir a identidade nacional na obra Casa-grande & senzala.
Para entender as questões sociais, econômicas, políticas e culturais do início do século XX,
Freyre retomou a tradição e relatou com minúcias o quotidiano de escravistas e dos
escravizados. Ainda que tenha compreendido as relações sociais escravistas a partir de um
conjunto harmônico, em que cativas e senhores se relacionavam sexualmente com prazer,
por outro lado, evidenciou, também, os interesses do colonizador e a dependência que
tinham aos trabalhadores escravizados.
Apesar de ter revelado uma postura reacionária perante certas questões, Freyre
conseguiu agregar a sua obra várias ciências, a fim de explicar o estabelecimento do
português na colônia, os costumes e a formação da família patriarcal, a mistura de raças, as
instituições da época colonial, as doenças, a educação, o sexo, as festas, a influência
indígena e negra na constituição social brasileira. O escravocrata foi caracterizado por ele
também como terrível e preguiçoso cercado de cativos para lhe servir.
Para Freyre “[...] a vida do senhor de engenho tornou-se uma vida de rede. Rede
parada, com o senhor descansando, dormindo, cochilando. Rede andando, com o senhor
em viagem ou a passeio debaixo de tapetes e cortinas. Rede rangendo, com o senhor
copulando dentro dela. Da rede não precisava afastar-se o escravocrata para dar suas
ordens aos negros; mandar escrever suas cartas pelo caixeiro ou pelo capelão; jogar gamão
com algum parente ou compadre. De rede viajavam quase todos - sem ânimo para montar a
cavalo: deixando-se tirar de dentro de casa como geléia por uma colher [...]”.
29
Gilberto Freyre descreveu a arquitetura desde o século XVI; as representações da
casa e seu interior; o uso das peças pela família patriarcal e a participação dos cativos na
construção e manutenção das moradias localizadas nas extensas propriedades. Mostrou que
a casa colonial materializava uma estrutura social o sistema patriarcal de colonização
portuguesa do Brasil; a ideologia da raça branca superior; as formas européias, que teriam
sido segundo ele, modificadas no ambiente tropical brasileiro.
28
VAUTHIER, L. L. Casas de residência do Brasil. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, (7), 1943. p. 43.
29
FREYRE, G., Casa-grande & senzala.Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 482.
33
Por sua vez, a análise interpretativa de vocação materialista de Evolução Política do
Brasil, de Caio Prado, permitiu-lhe entender a economia agrária como a base material da
sociedade colonial brasileira, e, também, o desenvolvimento resultante do trabalho
escravizado, devido ao fato de os portugueses terem conquistado a África, que serviu de
sementeira de mão-de-obra para a América escravista.
Terras, braços e títulos
Somente as grandes propriedades, representadas pelos senhores possuidores de
muitos trabalhadores escravizados, conseguiram participar com seus produtos da economia
colonial, devido ao fato de que eles monopolizavam a riqueza e o poder, sustentados por
suas terras, braços e títulos. “É de fato numa base essencialmente escravista, ninguém o
ignora, que assenta a economia colonial brasileira. Sem escravos não era possível aos
colonos abastecerem-se da mão-de-obra de que necessitavam. A imigração branca era
escassa, e tornava-se assim indispensável o emprego do braço escravo de outras raças”.
30
Em Formação do Brasil Contemporâneo, por sua vez, Caio Prado desconsiderou que
o trabalhador escravizado tivesse contribuído profundamente na formação brasileira, sendo
um dos primeiros teóricos da proposta do cativo como protagonista muda, hoje
absolutamente desacreditada. “A contribuição do escravo preto ou índio para a formação
brasileira, é além daquela energia motriz quase nula. Não que deixasse de concorrer, e
muito, para a nossa “cultura”, no sentido amplo em que a antropologia emprega a
expressão; mas é antes uma contribuição passiva, resultante do simples fato da presença
dele e da considerável difusão do seu sangue, que uma intervenção ativa e construtora. (...)
Age mais como fermento corruptor da outra cultura, a do senhor branco que se lhe
sobrepõe”.
31
Mesmo que na obra citada de Caio Prado Júnior tenha desconsiderado a
determinação de nosso passado pela escravidão, ela não deixou de contribuiu ao mesmo
tempo para um estudo abrangente sobre a colonização em suas várias instâncias. Questões
relacionadas à economia, à organização social e ao povoamento foram tratadas
detalhadamente, conduzindo o leitor a uma compreensão ampla sobre a vida material e
social, peculiares ao período colonial e imperial.
30
PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução Política do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1953. p. 22.
31
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. Colônia. 14. ed. São Paulo: Brasiliense,
1976. p. 272.
34
Três décadas mais tarde, Fernando Henrique Cardoso, em seu trabalho sobre a
escravidão, Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade
escravocrata do Rio Grande do Sul, retoma essa visão da impotência servil: “A liberdade
desejada e impossível apresentava-se, pois, como mera necessidade subjetiva de afirmação,
que não encontrava condições para realizar-se concretamente. [...] houve fugas,
manumissões e reações. [...]. A liberdade assim conseguida ou outorgada não implicava em
nenhum momento, porém, modificações na estrutura básica que definia as relações entre
senhores e escravos [...]”.
32
A obra clássica Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, também é
referencial ímpar para se entender as relações escravistas do Brasil. Para Holanda, o
colonizador português era um ser indolente, despreocupado com o trabalho, enfim um
aventureiro conquistador dos trópicos em busca de riquezas às expensas do esforço
cativo.
33
O colono negro
Sérgio Buarque de Holanda explicou o que o português vinha buscar era, sem
dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho. A
mesma, em suma, que se tinha acostumado a alcançar na Índia com as especiarias e os
metais preciosos. Os lucros que proporcionou de início, o esforço de plantar a cana e
fabricar o açúcar para mercados europeus, compensavam abundantemente esse esforço
efetuado, de resto, com as mãos e os pés dos negros -, mas era preciso que fosse muito
simplificado, restringindo-se ao estrito necessário às diferentes operações”.
34
Uma visão que, Manuel Querino, em O colono preto, de 1918, havia radicalizado,
empreendendo profundo elogio a qualidade laborativa e civilizadora do trabalhador
africano, que apresentou como verdadeiro “herói do trabalho”.
35
Para este autor, ainda não
reconhecido devidamente, aidéia de riqueza fácil banira da mente do aventureiro faminto
o amor do trabalho, que era considerado uma função degradante. Por mais respeitável que
fosse a ocupação era ela desprezada pelos reinóis de pretensões afidalgadas.” Assim sendo,
tudo que foi construído deveria-se, sobretudo ao braço do africano e do afro-descendente
escravizado.
36
32
CARDOSO, F.H. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do
Rio Grande do Sul. São Paulo: Difel, 1962. p.140-2.
33
HOLANDA, S. B., Raízes do Brasil, 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1969. p. 49.
34
Id. ibidem.
35
QUERINO, Manuel. O africano como colonizador. Salvador: Progresso, 1954. p. 16.
36
QUERINO, Manuel. O africano como colonizador. Salvador: Progresso, 1954. p. 18, 41.
35
Os debates acerca da escravidão tomaram uma nova direção a partir dos anos 50,
quando a idéia de uma escravidão branda, proposta por Gilberto Freyre foi contestada.
Efetivamente, naqueles anos, uma equipe de brilhantes universitários desenvolveu projeto
ambicioso de investigação referente à escravidão e às relações raciais no país, destacando-
se, na “Escola Paulista”, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Octávio
Ianni
37
, ao qual se associou, de alguma forma, o francês Roger Bastide.
38
Estes autores
apresentaram os maus tratos reservados aos cativos como dura forma de controle da
rebeldia servil. Entretanto, entenderem o cativeiro como instituição sustentadora das
relações capitalistas, o que limitou a portada de suas investigações.
Nos anos 1960, estudos importantes, como o de Emília Viotti da Costa, Da senzala
à colônia
39
, analisaram detidamente a escravidão brasileira como sistema econômico. Luís
Carlos Lopes, em O espelho e a imagem assinala sobre este estudo: “[...] Viotti não foi a
primeira a ressaltar a dicotomia senhor versus escravo. Porém, é inegável que ela percebeu
que, para analisar a história do Brasil, era imprescindível recuperar a imagem do escravo.
Nesta historiadora, o homem escravizado transforma-se de ‘ectoplasma’ em ser real de
uma história real”.
40
Em Da senzala à colônia, Viotti da Costa apresenta o cotidiano dos cativos nas
cidades portuárias do século XIX. Expõe que o espaço urbano dava a impressão aos
viajantes de estarem em um país de negros e mestiços, que estes últimos faziam todo o
trabalho, tais como, atravessar nos braços os viajantes até um local mais limpo; vender
produtos variados; oferecerem-se para trabalho ou aluguel, carregar objetos e mercadorias.
Da Senzala à Colônia
Viotti da Costa assinala que os cativos urbanos andavam mal vestidos, com roupas
de tecidos grossos e comumente gastos pelo tempo. Lembra que os homens usavam apenas
uma calça curta e que as mulheres, camisa e saia, portando, na cabeça, um tecido enrolado.
Registra que todos andavam descalços. Os cativos ganhadores tinham a liberdade para
37
Cf. FERNANDES, Florestan. Mudanças sociais no Brasil. São Paulo: Difel, 1960; FERNANDES,
Florestan A integração do negro na sociedade de classes. 3. ed. São Paulo: Ática, 1978; IANNI, Octávio.
As metamorfoses do escravo. São Paulo: Difel, 1962; CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e
escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. São Paulo:
Difel, 1962.
38
Cf. BASTIDE, Roger. [1898-1974]. As Américas negras: as civilizações africanas no Novo Mundo. Trad.
E.O.Oliveira. São Paulo: Difel. EdUS, 1974; BASTIDE, Roger Estudos afro-brasileiros. São Paulo:
Perspectiva, 1973.
39
Cf. COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 2. ed. São Paulo: Livraria Ciências Humanas, 1982.
40
LOPES, L. Carlos. O espelho e a imagem : o escravo na historiografia brasileira [1808-1920]. Rio de
Janeiro: Achiamé, 1987. p. 61.
36
trabalharem nas ruas para poder pagar somas fixas aos proprietários o ganho –, por dia,
por semana ou por mês. Eles eram extremamente vigiados e repreendidos pelas leis
municipais. Nesse sentido, essa condição de semi-livre tinha rígidos limites.
41
Através da referida obra, de Emília Viotti da Costa e de O feitor ausente, de Leila
Algantri, percebi que a condição de liberdade, colocada por historiadores como Enrique
Peregalli
42
, é muito limitada, pois ao cativo urbano era proibido vender e comprar certos
produtos; aglomerar-se ou permanecer nas vendas e nas esquinas; participar de jogos de
azar.
43
As crueldades produzidas pela escravidão foram mostradas por esses pesquisadores
revisionistas, os quais deixaram claro que tanto o cativo rural como o urbano eram tratados
com o rigor das leis.O cativo da cidade não poderia igualmente andar nas ruas após o toque
de recolher, sem autorização escrita pelo proprietário. Caso infringisse essa norma e outras
proibições, era duramente punido, como assinala o historiador sulino Mário Maestri, em O
cativo e o sobrado.
44
O historiador Jacob Gorender, responsável por salto revolucionário na historiografia
da escravidão em fins dos anos 1970, em sua tese O Escravismo Colonial, deixa explícito
que o cativo era propriedade do escravista e que sua essência humana era reconhecida
plenamente, na esfera jurídica, pela sociedade, quando cometia um delito. Então, as
penosas leis punitivas que lhes eram aplicadas, não raro os condenando à morte,
reconheciam-lhes, porém como homens.
O cativo podia também ser punido no seio da família ou da unidade produtiva, sendo
comumente chicoteado no tronco. O feitor e o proprietário eram os responsáveis pelos
castigos aplicados aos cativos, pela imundície da senzala, pela doença e pela morte que
causava ao trabalhador escravizado, devido às duras condições de existência a que eram
submetidos. Jacob Gorender
45
lembra que o trabalhador escravizado era uma mercadoria
sujeita aos desejos, ações, ímpetos e a transação comercial e financeira realizada por seu
proprietário. Coisificação ao qual o cativo resistia rebelando-se das mais várias formas.
46
41
Cf. ANDRADE, Maria José de Sousa. A mão de obra escrava em Salvador, 1811-1860, 1988.
42
PEREGALLI, Enrique. Escravidão no Brasil. São Paulo:Global, 1988. p. 63-64.
43
ALGRANTI, Leila Mezan. O feitor ausente. Estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro,
Petrópolis: Vozes, 1988.
44
Cf. MAESTRI, Mário. O cativo e o sobrado: arquitetura urbana erudita no Brasil escravista: o caso
gaúcho, Passo Fundo: UPF, 2001.
45
GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. 6. ed. São Paulo: Ática, 1992.
46
A respeito da resistência ver FREITAS, S. C. Tecendo Laços: As práticas comunitárias dos escravos em
Antonina (1840-1870). Dissertação de mestrado. Centro de Filosofia e História. UFSC. Florianópolis 2003;
BRAZIL, M. do C. Fronteira Negra. Dominação, violência e resistência escrava em Mato Grosso 1718-
1888, Passo Fundo, UPF. 2002.
37
A análise do escravo-mercadoria, do ponto de vista dos escravistas, é encontrada na
obra do historiador Perdigão Malheiro, de 1866,
47
o qual dedicou-se na escrita sobre a
condição do escravo perante a Lei nas suas várias modalidades-política, administrativa,
criminal, policial, civil e fiscal. Segundo mostrou o autor, na legislação, o cativo não
passava de uma mercadoria como outra qualquer e era manipulada pelo proprietário
conforme suas necessidades pessoais. Na condição de coisa, o escravo afirmou o autor
“[...] é havido por morto, privado de todos os direitos, e não tem representação alguma,
como já havia decidido o Direito Romano. Não pode, portanto, pretender direitos políticos,
direitos da cidade [...] nem exercer cargos públicos: [...]”.
48
O escravismo colonial
Registrou o emancipacionista moderado sobre a condição do escravo: “Pelo direito
de propriedade, que neles têm, pode o senhor alugá-los, emprestá-los, vendê-los, dá-los,
aliená-los, legá-los, constituí-los em penhor ou hipoteca, dispor dos seus serviços,
desmembrar da sua propriedade o usufruto, exercer enfim todos os direitos legítimos de
verdadeiro dono ou proprietário.[...]Como proprietário pode o escravo ser objeto de
seguro”.
49
Jacob Gorender também deixou registrada a admiração, causada nos viajantes
estrangeiros, por causa da quantidade elevada de escravos urbanos e o emprego de muitos
deles na prostituição e mendicância. “As cidades brasileiras impressionavam o europeu
recém-chegado pela multidão de negros, que enchia as ruas. Eram eles os encarregados de
todos os serviços urbanos, sobretudo do transporte de mercadorias e passageiros.
Constituíam a categoria especial dos negros de ganho, [...]. Passavam o dia na rua
alugando seus serviços com a obrigação de entregar ao senhor uma renda diária ou semanal
previamente fixada, pertencendo-lhes o que sobrasse”.
50
Afirmou Gorender que além do escravo de ganho, a escravidão propiciava ainda
duas espécies de renda muito especiais: as rendas de mendicância e de prostituição.”
51
Eram os cativos velhos obrigados a pedir esmolas e entregá-las ao seus escravizadores.
47
MAHEIRO, Perdigão. A Escravidão no Brasil: ensaio histórico, jurídico, social. 3. ed. Petrópolis: Vozes,
1976.
48
Id. ib. p. 35.
49
Id. ib. p. 70-71.
50
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 6. ed. São Paulo: Ática, 1992. p. 476.
51
GORENDER, Jacob. O escravismo Colonial. 6. ed. São Paulo: Ática, 1992. p. 479.
38
as cativas eram enfeitadas com jóias e vestidas com trajes elegantes pelos seus donos e
induzidas a se prostituírem como forma de obter rendas.
52
Os escravos domésticos além de úteis na execução das tarefas domésticas satisfaziam
à condição social dos proprietários. A esse respeito escreveu Gorender: “[...] toda a casa
empenhava-se em contar com o maior número possível de servidores. É obvio que, àquela
época, faltavam os aparelhos, que hoje preenchem inúmeras necessidades domésticas, e,
afora isso, serviços públicos, como os de águas e esgotos, se reduziam ao mais sumário e
primitivo, muito atrás do existente nas cidades européias. Mas, a par da satisfação de
necessidades efetivas, o número de escravos domésticos constituía indicador de status e a
forma elementar e geral do conceito social de luxo”.
53
Na década de 1980, foram propostos novos enfoques sobre a escravidão, como os de
Silvia Lara, no livro Campos da violência, e Sidney Chalhoub, em Visões de Liberdade,
que enfatizaram a ação subjetiva do cativo em forma quase independente das
determinações econômicas. Destaca-se também na época a obra de Kátia de Queiroz
Mattoso, Ser escravo no Brasil, criticada por Jacob Gorender em A escravidão reabilitada
como retomada do neo-patriarcalismo.
Ser escravo no Brasil
Para Kátia Mattoso, o escravo só era objeto, mercadoria, quando capturado e retirado
do seu meio social, quando sua relação com familiares era rompida, sendo obrigado a se
tornar outro ser. Depois de vendido e colocado no seu novo ambiente, sua personalidade
era estabelecida através do relacionamento com o senhor e os demais cativos. Essa
adaptação é explicada da seguinte forma: “São as tensões continuadas dessa integração
difícil que abrigam a própria vida do escravo a adaptar-se às relações de tipo escravista e o
levam a todos os esforços, todas as humildades, todas as obediências e fidelidades para
com os senhores infalíveis”.
54
52
Cf., Igualmente, sobre a escravidão urbana: Cf., ALGRANTI, Leila Mezan. O feito ausente. Estudo sobre
a escravidão urbana no Rio de Janeiro. Petrópolis: Vozes, 1988; ZANETTI, Valéria. Calabouço urbano:
escravos e libertos em Porto Alegre. (1840-1860). Passo Fundo: UPF Editora, 2002; SIMÃO, Ana Regina
F. Resistência e acomodação: a escravidão urbana em Pelotas (1822-1850). Passo Fundo: UPF Editora,
2002, ANDRADE, M. J. de S. A mão de obra escrava em Salvador: 1811-1860. São Paulo: Corrupio;
Brasília: CNPq, 1988; GUTIERREZ, E. Negros, charqueadas & olarias: um estudo sobre o espaço
pelotense. Pelotas: EdUFPEL; Mundial, 1993; SILVA, M. R. N. da. O negro na rua: a nova face da
escravidão. São Paulo: HUCITEC, Brasília: CNPq, 1988; WEIMER, G. O Trabalho Escravo no RS . Porto
Alegre: Sagra, EdUFRGS, 1991.
53
GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. 6. ed. São Paulo: Ática, 1992. p. 485.
54
MATTOSO, Kátia. Ser escravo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1992. p. 102.
39
Segundo a autora, a obediência que o cativo praticava não era a mesma no campo e
na cidade, porque as relações de dominação aconteciam de modo diverso. As diferentes
tarefas produziam no cativeiro formas diversas de vivência e de obediência. “Escravo dos
campos, escravos das minas, escravos dos sertões terão destinos diversos e viverão de
maneiras muito diferentes suas relações com sociedade que os obriga ao trabalho”.
55
A presença do escravo nas cidades foi entendida pela autora como algo natural,
que o trabalho era visto como execrável pelos brancos e imigrantes. Num sistema
dominado pelo trabalho servil, é fatal que inúmeras atividades sejam entregues aos
escravos”. “A eles cabe todo o trabalho considerado vil pela população branca de origem
européia que, mesmo pobre, não se quer rebaixar executando certos serviços manuais”.
56
Kátia Mattoso também distingue entre o cativo rural e o urbano ao considerar que
nas cidades o trabalhador escravizado era um ser quase independente e, portanto
privilegiado. A autora é enfática ao afirmar, “não resta dúvida que o escravo urbano é com
freqüência mais independente diante de seu senhor do que o escravo rural”.
57
A obrigação
do cativo urbano de ter que se deslocar nas ruas para executar os serviços, a mando do
proprietário, é interpretada como autonomia. A autora desconsiderou as leis repressivas
que normalizavam as ações dos cativos, que aos negros que trabalhavam nas cidades
eram proibidas as aglomerações, a venda de produtos sem autorização, a permanência na
rua sem identificação, etc.
O cativo na verdade era obrigado a estar nas ruas oferecendo seu trabalho ou certos
produtos, caso contrário era castigado. Lembremos que muitas famílias pobres tinham
cativos que garantiam o sustento dos proprietários mesmo que fosse ilicitamente, através
da prostituição ou da mendicância. Para Kátia, homens livres e cativos eram dependentes
uns dos outros, viviam em condições opostas, mas os últimos buscavam estabelecer
relações de solidariedade laços de solidariedade entre escravo-senhor, escravo-escravo e
escravo-liberto, através da família, do compadrio e do trabalho como forma de
sobrevivência no conturbado contexto da convivência escravista.
O cativo na cidade
Outro importante estudo regional sobre a presença do cativo no meio urbano foi
apresentado por Marilene Rosa Nogueira da Silva no artigo Os escravos na paisagem
urbana, onde propõe enxergar o passado escravista de forma diferente, repensando-o
55
Id. ib. p. 110.
56
Id. ibidem.
57
Id. ib. p. 110-111.
40
através de novas fontes. Para ela, o cativo introduzido no Novo Mundo para atender às
necessidades de mão-de-obra foi personagem histórico que, no decorrer de trezentos anos,
foi capaz de ações como a de se rebelar, se aquilombar, de fugir, de envenenar, de mentir,
de negociar, de intrigar, de boicotar, etc.
Segundo Marilene Rosa, o cativo de aluguel, de ganho e doméstico estava no centro
da vida da própria cidade.
58
Sua permanente presença nas ruas do Rio de Janeiro causava
medo à população branca, que temia as revoltas dos negros. Por isso, leis foram criadas
para determinar que os cativos e negros libertos vivessem restritamente sob as ordens e
desejos dos proprietários. Os Códigos de Posturas são prova da tentativa escravista de
regular minimamente a ação dos cativos urbanos.
Carlos Soares em artigo intitulado Os escravos de ganho do Rio de Janeiro lembra
que os ganhadores foram parte indissolúvel da vida urbana do século XIX. Assinala que,
no Rio de Janeiro, grande parte dos cativos eram ganhadores, submetidos a atividades
variadas: oferecer mercadorias em cestos, tabuleiros ou na cabeça; transportar pessoas pela
cidade; carregar barris com dejetos até o mar; funcionar como operários, marinheiros,
quitandeiros, barbeiros, cirurgiões e pescadores.
Depois de um dia, uma semana ou um mês de labor nas ruas, os cativos eram
obrigados a entregar a seus proprietários a quantia em dinheiro estipulada o ganho. Para
Carlos Soares, com o dinheiro recebido dos ganhadores, muitos proprietários garantiram o
seu sustento e o de suas famílias.
59
Apesar da proibição, senhores e senhoras obrigavam
jovens cativas a se prostituírem e cativos idosos e inválidos a pedirem esmolas, igualmente
sob a obrigação de pagarem diariamente um ganho.
Com a abolição do tráfico transatlântico de trabalhadores africanos escravizados, em
1850, os cativos passaram a ser vendidos para os fazendeiros de café, em grande número,
ensejando que se reduzisse a quantidade de cativos urbanos. Isso fez reduzir a quantidade
de escravos de ganho na Corte.
60
Soares afirma ainda que, apesar da redução do seu número, os cativos do ganho
continuaram a desenvolver suas atividades até as vésperas da abolição da escravatura, em
1888, quando ainda podiam ser vistos mulambentos, perambulando pelas ruas da cidade,
oferecendo os seus produtos ou carregando pesadas cargas.
61
Não havia limites na
58
SILVA, Marilene Rosa Nogueira da. Os escravos na paisagem urbana. Ciência Hoje-Revista, v. 8, n. 4,
1988. p 15.
59
SOARES, Carlos. Os escravos de ganho do Rio de Janeiro. Ciência Hoje-Revista, v. 8, n. 4, 1988. p. 108.
60
Cf. PIÑEIRO, Théo Lobarinhas. Crise e resistência no escravismo colonial: os últimos anos da escravidão
na província do Rio de Janeiro. Passo Fundo: UPF, 2002.
61
SOARES, Carlos. Os escravos de ganho do Rio de Janeiro Ciência Hoje-Revista, v. 8, n. 4, 1988. p. 110.
41
utilização dos trabalhadores escravizados que cumpriam múltiplas atividades. Eram
obrigados a empregarem-se em trabalhos lícitos ou ilícitos para obterem a o ganho diário,
semanal ou mensal. Se não obtivessem, eram mais ou menos duramente castigados.
1.3. Escravidão Rural e Escravidão Urbana
Na cidade ou no campo, os trabalhadores escravizados constituíram a o-de-obra
primordial, executando praticamente todas as atividades nas residências: limpando,
cozinhando, carregando água e dejetos domésticos e humanos. No mesmo sentido,
trabalhavam nas ruas para aumentar ou propiciar rendas ao proprietário. Para tal, vendiam
doces, água, alimentos e outros produtos; prostituíam-se; carregavam mercadorias, etc. Os
cativos podiam trabalhar como ganhadores e podiam ser explorados diretamente ou
alugados pelos proprietários. O esforço era negócio de cativo negro enquanto ao
proprietário cabia o controle e a utilização da força cativa.
Em A Servidão Negra, Mário Maestri trata das variadas tarefas exercidas pelos
cativos nas ruas das principais cidades brasileiras, ressaltando que as mesmas funcionavam
essencialmente devido ao trabalho feitorizado. Os homens livres dependiam para tudo dos
cativos, que eram os responsáveis por fazer circular pelas ruas desde os produtos mais
corriqueiros e necessários como o pão, o leite e o café, o alho, a cebola, etc. até
mercadorias mais valiosas. “Muitos serviços urbanos eram igualmente executados pelos
negros de ganho. Com pobres bacias, navalhas e tesouras de pouco preço, escravos
cortavam os cabelos e as barbas dos cativos e livres pobres”.
62
A força, sobretudo do
cativo ganhador movia todas e quaisquer mercadorias. Nos portos, não havia máquinas
para carregar-descarregar as pesadas cargas; nas cidades, os senhores não aceitavam sequer
deslocar-se com seus chapéus ou pequenos e leves pacotes nas mãos.
Segundo a ideologia escravista, o cativo urbano e o rural eram caracterizados como
meras mercadorias, objetos que poderiam ser usados pelo comprador como desejasse,
que havia pago o preço dos mesmos. Era pouca a diferença entre um cativo que no campo
e na charqueada trabalhava descalço, em barracões, no meio da lama e do sangue do gado
cortando a carne do animal, e um trabalhador escravizado da cidade, obrigado a carregar
dias e noites em seus ombros barris cheios de excrementos, acumulados na casa de
62
MAESTRI, Mário. A servidão negra. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. p. 47.
42
proprietário, para serem despejados no mar, isso quando esses depósitos não se abriam no
percurso.
63
A mesma idéia explicitou Mário Maestri na obra O escravo gaúcho: resistência e
trabalho, pois critica a idéia de que o cativo urbano era um quase privilegiado. O cativo
urbano na sua visão fazia parte das cidades, sendo verdadeiro pau-pra-toda-obra.
64
A
posse de cativos urbanos significava renda para os escravistas, além de poder e prestígio.
Os proprietários das residências mais ricas tinham muitos cativos, cada qual destinado a
diversas atividades. Para mostrarem seu poderio, exigiam que eles ficassem aos domingos
nas calçadas, nas frentes das residências, portanto suas melhores roupas, a mercê dos olhos
curiosos.
Maestri registra que a proposta do cativo urbano privilegiado aparece na
historiografia por três grandes motivos. Primeiro, porque, em alguns casos, se
desempenhasse bem sua atividade, poderia, após longos anos e grandes privações, obter ou
comprar sua liberdade. Segundo, porque o trabalho doméstico ou artesanal que realizava,
não era eventualmente tão pesado como nas fazendas açucareiras e minas. E, finalmente,
porque era tratado, em geral, de forma menos rígida que em meio rural, já que, nas cidades,
o despotismo do escravista era freado pelos vizinhos e conhecido pelas autoridades. Uma
realidade que não permite, lembra o autor, em nenhum caso, afirmações sobre escravidão
branda, como defendida por Gilberto Freyre.
65
Comprovando tal afirmação, aquele autor registra caso do cotidiano servil de Porto
Alegre: “Nada [...] inibiu a sevícia sistemática do cativo urbano. Algumas vezes, atos de
significativa vioncia resultavam em denúncias às autoridades, sem conseências. Em 1874,
a crioula Luiza apresentou-se à pocia desesperada, pois ela e seus companheiros eram
“diariamente “castigados com bolose “paus”, e amarrados “em uma arcada por baixo do
poo”. Dois anos mais tarde, o subdelegado de polícia registrou que a cativa Rosalinda fora
encontrada “toda ferida, contusa e maltratada, gritando por socorro e misericórdia, presa por
“grilhões e machos aos s”, em quintal de Porto Alegre.” O caso é ainda mais ilustrativo
63
Cf. CORSETTI, Berenice. Estudo da charqueada escravista gaúcha no culo XIX, 1983; ZANETTI,
Valéria. Calabouço urbano: escravos e libertos em Porto Alegre. (1840-1860), 1994. Dissertação
(Mestrado)-PUCRS, Porto Alegre.
64
Cf. MAESTRI, Mário. O escravo gaúcho: resistência e trabalho. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 1993. p.43.
65
Cf. MAESTRI, Mário. “Gilberto Freyre: da Casa-grande ao Sobrado: gênese e dissolução do
patriarcalismo escravista no Brasil”. Cadernos IHC - Revista, São Leopoldo, v. 2, n. 6, 2004.
43
que se referia à moradia de Gaspar Silveira Martins, principal líder do Partido Liberal do Rio
Grande do Sul e indiscutido representante dos grandes fazendeiros sulinos.
66
1.4. História, Historiografia e Arquitetura
Obras que discutem sobre a arquitetura brasileira foram consultadas para
entendermos o programa de necessidades e os estilos aplicados nas construções do Brasil
escravista. Assim, na discussão sobre a arquitetura implantada no Brasil durante a
escravidão, foi um colaborador notável o arquiteto Carlos Lemos, o qual escreveu obras
específicas sobre a história da arquitetura colonial, imperial e republicana. Entre seus
inúmeros trabalhos, os que propiciaram valiosas informações para a presente discussão,
como citado, foi História da Casa Brasileira,
67
que apresenta uma síntese da casa
colonial. Suas descrições não se restringem aos séculos XVII e XVIII, mas têm
continuidade nos séculos XIX e XX. Também a obra Cozinhas
68
ofereceu elementos
substanciais para o entendimento aprofundado sobre as cozinhas e as influências recebidas
dos nativos e africanos.
Para Lemos, a casa é mais que um simples abrigo ou proteção contra os fenômenos
da natureza. Ela é fruto dos aspectos culturais dos usos e costumes de uma sociedade.
Devido a sua função de abrigo, a moradia é fruto das condições climáticas. A casa foi e
continua sendo projetada para atender às necessidades de seus proprietários, bem como às
ações destes dentro dela, determinadas então pelos costumes.
Pelo exposto a arquitetura não se traduz exclusivamente através de elementos como
modelo, padrão, técnica construtiva, beleza visual, estrutura ou cálculos. Uma edificação é,
sobretudo, uma atividade que, além dos aspectos técnicos, reúne em si determinações
culturais e funcionais. “[...] o interesse de uma residência está muito mais no seu aspecto
sociológico, do que nas suas qualidades arquitetônicas decorrentes da técnica construtiva e
da intenção plástica. A casa deve ser entendida como um todo, como uma unidade, cuja
função abrigo, a função principal, tem a primazia e o resto dela decorre”.
69
Ao associar as edificações ao período de sua estruturação, Lemos entende que a casa
é uma representação de um contexto histórico. Sendo assim, ao abordar as antigas
66
Cf. MAESTRI, Mário. O Escravo no Rio Grande do Sul: Trabalho, Resistência, Sociedade. 3. ed. Corri. e
ampliada. Porto Alegre: EdUFRGS, [no prelo]. [Original cedido pelo autor].
67
LEMOS, Carlos A. C. História da casa brasileira. São Paulo: Contexto, 1989.
68
LEMOS, Carlos A. C., Cozinhas, etc. São Paulo: Perspectiva, 1978.
69
LEMOS, Carlos. História da Casa Brasileira. São Paulo: Contexto, 1989.p. 11.
44
construções patriarcais registrou que: “A nossa velha casa patriarcal não pode ser
imaginada sem a presença do escravo solícito é difícil imaginarmos uma servidão
pressurora, mas assim foi intramuros subindo e descendo escadas, carregando sacos de
lixo, feixes de lenha, potes de água, tigres plenos de fezes de sinhozinhos e nhanhâs
mandonas; subindo e descendo pesadas janelas de guilhotinas; abanando e afastando as
moscas do patriarca à mesa, esfregando areia molhada nos assoalhos sempre limpos;
fazendo comida, fazendo velas, fazendo sabão de cinzas”.
70
O mesmo autor lembra, ainda, que, para o entendimento de uma casa, é preciso fazer
um exame sobre as marcas deixadas nelas pelos imigrantes, arquitetos e engenheiros
estrangeiros, influências vindas através de livros e periódicos da Europa, enfim a
compreensão de uma residência exige a averiguação de aspectos culturais, políticos,
sociais, técnicos e, sobretudo funcionais. Por isso, acrescentou que: “Se a história de nossa
casa tem o seu começo nas terras lusitanas, também tem seus vínculos com a oca indígena
e até perceptíveis compromissos com a África e com o Oriente, com a Índia, nas tentativas
de contornar os incômodos do calor abrasador. o negro escravo não contribuiu na
definição da casa nacional, embora tenha sido figura indispensável ao seu funcionamento”.
71
Tarefas sem fim
Cada peça da residência é caracterizada pelo uso, determinado então, pelas relações
sociais de cada momento histórico caso contrário, as moradias da época da escravidão
seriam pequenas, sem escadarias, para facilitar a vida das senhoras. Porém, a grande
quantidade de cativos favoreceu a edificação de grandes moradias as quais funcionavam as
expensas da mão-de-obra escravizada. Era o negro que executava todas as tarefas das
casas, carregar água para abastecimento da cozinha e camarinhas, limpar os vários
cômodos, tirar os dejetos acumulados nos tigres, cozinhar para a família, enfim, a
abundância de trabalhadores permitia que as residências do período escravista fossem
espaçosas e servissem de reconhecimento social. A extensão da casa e a quantidade de
cativos garantiam aos proprietários status e representavam seu poder na sociedade local.
Através da leitura da obra Quadros da arquitetura no Brasil, do arquiteto e
historiador Nestor Gourlat Reis Filho, percebi que novos elementos foram introduzidos
pelo autor na discussão sobre a relação entre a prática de edificar e a sociedade em seu
70
LEMOS, Carlos. História da Casa Brasileira. São Paulo: Contexto, 1989. p. 11-12.
71
Id. ib. p. 11.
45
todo, pois além de visualizar a importância das relações sociais urbanas como
determinantes da arquitetura, ele destacou a dependência mútua entre o modo de construir
e o modelo dos lotes urbanos.
Na visão do citado autor, as construções do século XIX seguiram os padrões do
século XVIII. Apesar de tratar da arquitetura escravista, encontra-se em Nestor Gourlat um
contraponto ao pensamento de Gilberto Freyre, na medida em que considera a arquitetura
brasileira uma cópia adaptada da portuguesa. Na concepção do sociólogo, as formas
européias foram modificadas e adaptadas ao ambiente tropical brasileiro.
Também para Nestor Gourlat, a arquitetura é determinada por fatores de ordem
social, cultural, econômica e tecnológica, quando traçada informalmente pela tradição.
Mas, para ele, também é definida por outros fatores, sobretudo quando planejada
racionalmente. Enfatizou que tanto os traçados informais quanto os formais obedeceram as
necessidades reais de cada época e que a arquitetura residencial urbana e os lotes
apresentam-se numa relação de dependência mútua.
No relativo a esse último caso, lembra que enquanto perdurou a escravidão, as
construções mantiveram-se assentadas sob a mesma uniformidade do período colonial,
chegando a confundir os observadores. Foi considerado pelo autor que, mesmo após a
independência brasileira, 1822, as construções continuaram sendo estruturadas seguindo os
padrões urbanísticos e arquitetônicos da época colonial, num perfeito registro da
continuidade da produção escravista.
Arquitetura e escravidão
Nestor Goulart escreveu: “Persistindo o sistema escravista, nas mesmas condições do
período colonial, é compreensível que, afora umas poucas tentativas de renovação no Rio
de Janeiro, continuassem a ter ampla aceitação as soluções a então conhecidas.
Subsistiam comumente as formas de uso das habitações e os mesmos processos
construtivos consagrados pelas tradições, em função da existência do trabalho escravo. As
edificações dos começos do século XIX avançavam sobre os limites laterais e sobre o
alinhamento das ruas, como as casas coloniais”.
72
As edificações brasileiras, segundo ele, têm raízes na arquitetura medieval
renascentista. As Cartas Régias e os Códigos de Posturas colaboraram na padronização
construtiva no Brasil, garantindo às cidades um aspecto lusitano. Somado a essas
condições, a simplicidade das construções edificadas com parede de pau-a-pique, adobe ou
72
REIS FILHO, Nestor G. Quadro da Arquitetura no Brasil. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 34.
46
pedra, etc., relacionava-se igualmente ao tipo de mão-de-obra presente na sociedade
colonial e imperial, até o ano de 1888.
O trabalho escravizado condicionou profundamente as construções dessa época: “É
sempre a sua presença que resolve os problemas de bilhas d’água, dos barris de esgoto (os
“tigres”) ou do lixo, especialmente nos sobrados mais altos das áreas centrais, que
chegavam a alcançar quatro, cinco e mesmo seis pavimentos. Era todo um sistema de uso
da casa que, como a construção, estava apoiado sobre o trabalho escravo e, por isso
mesmo, ligava-se ao nível tecnológico bastante primitivo. Esse mesmo nível tecnológico
era apresentado pelas cidades, cujo uso, de modo indireto, estava baseado na escravidão.”
73
Portanto, ao associarem a arquitetura ao contexto sócio-econômico e cultural, Carlos
Lemos e Nestor Goulart consideraram que as casas coloniais e imperiais e a respectiva
utilização das suas peças estiveram vinculadas profundamente à ordem escravista.
1.5. Escravidão e Arquitetura no Mato Grosso
Após abordarmos algumas das obras clássicas sobre a escravidão e de sua relação
com a arquitetura no Brasil, é necessário discutir aquelas que tratam sobre o cativeiro e as
construções no antigo Mato Grosso. Nessa perspectiva é significativa a contribuição da
historiadora mato-grossense Maria de Lourdes Bandeira.
Em Território negro em espaço branco, a historiadora Maria de Lourdes Bandeira
empreende uma análise antropológica da comunidade negra de Vila Bela e de sua
identidade étnica.
74
Como a própria autora declara, esse trabalho não teve compromisso
com a narração seqüencial dos fatos históricos, mas procurou recuperar a história da
região, tendo a população afro-descendente como ator da sua construção, decadência e
reconstrução.
Nas suas investigações, Maria de Lourdes constatou, que Vila Bela da Santíssima
Trindade foi construída às expensas do “trabalho, força e tenacidade dos negros que a
edificaram e a mantiveram através de mais de dois séculos.”
75
Segundo informações da
historiadora, o projeto de fundação de Vila Bela foi idealizado em Portugal e, o de suas
residências, no Rio de Janeiro.
73
REIS FILHO, Nestor G. Quadro da Arquitetura no Brasil. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 27-28.
74
BANDEIRA Maria de L. Território negro em espaço branco. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 2.
75
BANDEIRA Maria de L. Território negro em espaço branco. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 85.
47
A autora explica que somente o traçado urbano não foi modificado, mas que as casas
assobradadas tiveram seus alicerces reforçados; as paredes receberam uma espessura maior
e as fachadas diferentes daquelas projetadas no Rio de Janeiro, tudo justificado pelas
condições ambientais locais. Além das espaçosas residências, “permitiu-se construções de
pau-a-pique e cobertura de capim, exigindo apenas que obedecessem aos traçados das ruas
com 70 palmos de largo, e ao alinhamento das casas no limite fronteiro dos terrenos”.
76
Os materiais usados na edificação das casas – pedra canga, baldrame, telha, cal, entre
outros materiais vinham de locais distantes, o que encarecia os produtos e dificultava a
realização do projeto metropolitano português. Maria de Lourdes mostrou que, apesar de
trabalhadores livres terem sido atraídos às terras mato-grossenses para trabalhar no projeto
de construção de Vila Bela, foram os negros que executaram as construções. Afirmou a
autora: “Bandos publicados na Província de São Paulo sobre a construção da cidade
atraíram trabalhadores livres para a beira do Guaporé. Vieram artífices, ferreiros e oficiais.
Mas foram os negros livres, “negros do Povo”, escravos de aluguel, a mão-de-obra que
construiu Vila Bela, canga sobre canga, taipa sobre taipa, telha sobre telha, capim sobre
capim”.
77
Sobrados e casas senhoriais de Cuiabá, do historiador Lenine Póvoas
78
, é obra
regional relevante, que trata especialmente da antiga arquitetura dos sobrados e casas
senhoriais da cidade de Cuiabá, atual capital de Mato Grosso. Nas descrições das
edificações, o autor privilegiou os aspectos construtivos e a posição social e política dos
seus primeiros proprietários. No mesmo trabalho, apresenta fotos de construções da época
colonial e destaca os sobrados, hoje demolidos, que no passado enriqueciam o conjunto
arquitetônico da cidade.
Em geral, Lenine Póvoas caracteriza a arquitetura cuiabana da seguinte forma:
“Casas de adobes ou de tijolos, quase sempre pintadas de cores vivas, encostadas umas às
outras, no velho estilo peninsular; beirais trabalhados; portas e janelas abrindo-se
diretamente sobre as ruas estreitas, de estreitas calçadas
.
79
Lenine Póvoas informa que, até
1950, a cidade conservou sua arquitetura típica do período colonial, permanecendo
igualmente o costume popular de conversar nas portas das casas, de jogar carta e bocha, de
fazer serenatas, etc., hábitos que foram suplantados gradativamente quando o cuiabano
76
Id. ib. p. 86.
77
Id. ib. p. 9.
78
PÓVOAS, Lenine C. Sobrados e Casas Senhoriais de Cuiabá. Fundação Cultural de Mato Grosso. 1980.
79
VOAS, Lenine C. Sobrados e Casas Senhoriais de Cuiabá. Fundação Cultural de Mato Grosso, 1980.
p. 26.
48
teve acesso, através dos meios de comunicação e das rodovias, aos hábitos vivenciais das
grandes cidades.
Lenine Póvoas afirma que, vencido o isolamento da região as residências mais
antigas, “no centro urbano, foram cedendo lugar aos edifícios destinados às sedes dos
hotéis, dos Bancos, das Repartições Públicas, das lojas e das galerias. As grandes
residências foram sendo divididas e transformadas as sua fachadas; por entre elas foram
surgindo construções de moderna arquitetura; ruas foram sendo alargadas; avenidas foram
sendo rasgadas; novos bairros foram surgindo e por toda parte o requintado gosto das
novas construções foi transformando, inteiramente, o aspecto da vetusta Capital mato-
grossense”.
80
O cativo e o Mato Grosso
A historiadora Lúcia Helena Gaeta Aleixo
81
registrou bem a utilização do trabalhador
escravizado, em Mato Grosso, entre os anos 1850 a 1888, nas minas, plantações da cana-
de-açúcar e nas atividades urbanas. Em sua pesquisa, encontrou nos documentos referentes
a Cuiabá, cativos que se especializaram nas funções de banqueiro, carpinteiro, carreiro,
ferreiro, lavrador, oleiro, sapateiro, tropeiro, vendedor ambulante, purgador do açúcar,
caldeireiro, serviço de alambique, taxeiro e pedreiro.
82
Como vimos, a utilização do cativo nas mais diferentes atividades não foi exclusiva
de Mato Grosso, sendo normal em todo o Brasil escravista. Nas casas senhoriais, do Brasil,
os cativos executavam os serviços domésticos, como cozinhar, lavar, arrumar, arear,
transportar água e lenha, beneficiar os alimentos, fabricar velas, enfim executar todas as
tarefas que uma casa exigia naquele período.
83
O trabalho de ganhador realizado nas ruas era uma esperança para o cativo que
desejava comprar a liberdade. Porém, como vimos as Posturas Municipais disciplinava a
circulação urbana dos cativos e a venda de produto. Apenas os cativos que tinham
permissão do proprietário e eram cadastrados como exigia a lei poderiam executar a função
de escravo de ganho.
84
80
Id. ib. p. 27.
81
ALEIXO, Lúcia H. G. Mato Grosso: Trabalho escravo e trabalho livre (1850-1889), Brasília: Alvorada,
1984.
82
Id. ib. p. 52.
83
Cf. FREYRE. Sobrados [...]; MAESTRI. O cativo [...]; ANDRADE. A mão de obra escrava em Salvador.
84
Cf. SIMÃO, Ana Regina F. Resistência e acomodação: a escravidão urbana em Pelotas (1822-1850),
Passo Fundo: UPF, 2002.
49
Segundo Aleixo, apenas em 1883 o trabalho de ganho foi regulamentado pela
Assembléia Legislativa Provincial da Província do Mato Grosso, a qual decretou a
Resolução n. 615, que proibia a compra de qualquer objeto de cativos ou criados, sem
autorização dos proprietários. Mesmo assim, Aleixo propôs que a mão-de-obra escravizada
utilizou-se do comércio ambulante para garantir a sua subsistência e dinamizá-lo.
85
Na obra Contribuição para o estudo do negro em Mato Grosso, Edvaldo de Assis
86
retrata o negro escravizado que, introduzido nas fazendas para extrair erva-mate, a poaia e
a seringa no vale do Guaporé, produzia a cana-de-açúcar, retirava os metais preciosos das
minas e realizava as tarefas de vaqueiros, curtidores, remadores e defensores territoriais.
Esse historiador fornece dados concretos sobre a utilização da mão-de-obra escravizada em
edificações na região mato-grossense.
Fronteira do Brasil
Na sociedade escravista mato-grossense, o cativo trabalhou igualmente no esforço de
defesa territorial, extremamente importante, nessas regiões de fronteira, em locais como o
“Destacamento de Casalvasco, das Pedras, nos Fortes de Coimbra, do Príncipe da Beira,
Fortim de Nossa Senhora da Conceição, posteriormente, Fortaleza de Bragança nos
Arsenais da Marinha e da Guerra e na Fábrica de Pólvora
.
87
Os cativos esforçavam-se nos projetos de construção de empreendimentos públicos
ou particulares. As razões eram simples. Na época da escravidão, inexistia mercado de
trabalho livre. Ou seja, farta população pobre, sem meios de subsistência, disposta,
portanto a arrendar sua força de trabalho, por um prato de comida ou pouco mais. Nesse
contexto, a mão de obra escravizada era a única solução. O que ensejava que, em qualquer
região brasileira, fosse desonroso para um homem branco, latifundiário, comerciante,
mineiro, burocrata, militar, padre, artífice, rico ou pobre, executar tarefas pesadas e
manuais. Nem mesmo um pequeno embrulho, ou algo comprado num comércio não era
carregado pelo homem de bem. Era o cativo que tudo fazia. Os escravistas dependiam
plenamente dos trabalhadores escravizados para a realização das tarefas, desde as mais
simples e leves, como pendurar uma bengala, até as mais complexas e pesadas, como
construir uma casa.
85
ALEIXO. Lúcia H. G. Mato Grosso. Mato Grosso: Trabalho escravo e trabalho livre (1850-1889),
Brasília: Alvorada, 1984. p. 55.
86
ASSIS, Edvaldo de. Contribuição para o estudo do Negro em Mato Grosso, Cuiabá: UFMT/ Proed, 1988.
p. 2.
87
Id.ib. p. 40-41.
50
Em Cativos do Sertão: vida cotidiana e escravidão em Cuiabá em 1850–1888, de
1993, Luiza Rios Ricci Volpato
88
colabora também para o conhecimento de Mato Grosso
no período da escravidão, que analisou o cativeiro e o cotidiano cuiabano. Segundo a
autora, Cuiabá, até 1850, “era uma pequena e pobre cidade incrustada no sertão, cuja
população não chegava a onze mil habitantes entre homens e mulheres, livres e escravos”.
89
Ela refere-se igualmente à atuação do cativo de ganho, seus mecanismos de resistência
ante a opressão dos proprietários e do poder público.
A autora descreve que a arquitetura do século XVIII, época da mineração era
simples, com igrejas de adobe ou taipa. Os logradouros, prédios públicos e praças
acompanhavam igualmente o mesmo padrão. Ainda na segunda metade do século XIX, a
simplicidade das construções era grande. “As construções cuiabanas eram simples: mesmo
as residências dos mais abastados eram casas de adobe e de taipa cobertas de telha, em sua
maioria de um pavimento só, compondo-se de sala, alcova, loja, varanda e cozinha.
Possuíam quintais espaçosos, cujos fundos iam a a outra rua, plantados de árvores
frutíferas
.
90
Assim como o uso de cativo no trabalho especializado não foi uma peculiaridade de
Cuiabá, também as casas com quintais compridos reservados às plantações e outras
atividades, descritas por Luiza Rios, foram habituais em outras regiões brasileiras. Em
Sobrados e mucambos, em 1936, Gilberto Freyre já se referia a esse espaço, corriqueiro em
Salvador até o século XIX. Lembrou o sociólogo pernambucano que, nos sobrados das
famílias mais abastadas, havia espaço “reservado à cultura da mandioca e das frutas, e à
criação dos bichos de corte. Os moradores dos sobrados não podiam depender de
açougues, que quase não existiam [...]”.
91
O sobrado e o cativo
Mário Maestri, no trabalho O sobrado e o cativo, citado, refere-se longamente às
funções dos quintais na Colônia e no Império: “Nos tempos coloniais, os quintais urbanos
eram amplos e possuíam inúmeras funções. Em São Paulo, em 1620, a câmara municipal
instou, sob ameaça de multa, moradores a derrubarem os matos que se encontravam em
seus quintais! Os quintais das residências urbanas desempenhavam uma função essencial,
suprindo inúmeros serviços e necessidades das famílias senhoriais. Hoje, nos é difícil
88
VOLPATO. Luiza Rios. R Cativos do Sertão. São Paulo: Marco Zero, 1993. p. 2.
89
Id. ib. p. 25.
90
Id. ib. p. 30.
91
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 216.
51
imaginar a atividade febril que animava, periodicamente, os quintais das grandes
residências, com senhoras organizando, com voz ríspida, os trabalhos dos atarefados
negros e negras domésticos”.
92
Segue o mesmo autor: “A partir de fins do século XIX, com o desenvolvimento dos
serviços urbanos, os grandes quintais dos sobrados foram perdendo suas funções
produtivas e despovoando-se, tornando-se mais e mais áreas de lazer. Agora, eram
ocupados eventualmente por algum galinheiro desengonçado. Sobretudo os fundos desses
grandes pátios, territórios quase misteriosos, tornaram-se o refúgio de velhos gatos e locais
de exploração da criançada, antes que as velhas residências fossem abatidas para dar lugar
a edifícios e outras construções”.
93
A arquitetura cuiabana não se resumiu às obras rústicas, mas contou igualmente com
sobrados imponentes edificados para atender as necessidades dos proprietários mais
abastados. Eram eles, “de aparência elegante, pintados a óleo, forrados de papel e bem
mobiliados, com móveis fabricados na Província ou importados”.
94
As casas das classes
populares eram caiadas, praticamente sem móveis, com poucos utensílios domésticos, com
redes e couro para dormir. Era comum que a água usada nas moradias fosse fornecida por
cisternas localizadas nos quintais ou pelo próprio rio Cuiabá. Cativos domésticos e de
ganho iam e vinham dos córregos e do rio Cuiabá para a retirada da água necessária aos
afazeres domésticos e à higiene corporal.
95
Sobre a utilização da água e o deslocamento dos escravos em Cuiabá, Luiza Rios
Ricci lembrou que: “Não eram os escravos de ganho, no entanto, os únicos de sua
categoria a transitar pela cidade. Parte integrante da sociedade cuiabana, homens, mulheres
e crianças cativas circulavam pelas ruas, cumprindo ordens de seus senhores ou atendendo
a algum interesse pessoal. Os pontos privilegiados de encontro dos escravos eram as
fontes: a inexistência de um sistema de água encanada em Cuiabá colocava todos à mercê
do fornecimento de suas cisternas particulares, que muitas vezes forneciam água salobra, e
das fontes. A venda de água trazidas dessas bicas ou do rio Cuiabá era um importante setor
de atuação tanto de escravos de ganho, como de libertos. Aqueles que dispunham de
recursos enviavam seus próprios escravos em busca do suprimento de água, bem como da
eliminação das águas usadas”.
96
92
MAESTRI, Mário. O sobrado e o cativo: A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso
gaúcho. Passo Fundo: UPF, 2001. p. 107.
93
Id. ib. p. 107.
94
VOLPATO. Luiza Rios. R Cativos do Sertão. São Paulo: Marco Zero,1993. p. 30.
95
Id. ib. p. 31-33.
96
VOLPATO. Luiza Rios. R Cativos do Sertão. São Paulo: Marco Zero,1993. p. 33.
52
Os proprietários cuiabanos assim como os de outros núcleos urbanos brasileiros,
raramente transitavam pelas ruas, espaço dos cativos de ganho, vendendo serviços e
produtos, e dos homens livres e pobres. O Código de Posturas Municipais de Cuiabá, de
1832, regulamentava o movimento dos cativos nas ruas e as construções no espaço urbano.
Segundo Luiza Rios Ricci, várias [...] determinações presentes nesse código e repetidas
nos precedentes diziam respeito à ordenação do arruamento, à construção de muros e
calçadas: preocupavam-se com o escoamento de águas usadas, com a eliminação de lixo e
dejetos e iam mais além procurando definir um padrão de qualidade para as construções
urbanas. Determinavam ainda esses códigos que as casas deveriam ser caiadas, rebocadas e
cobertas de telha”.
97
Fronteira negra
Fronteira Negra: Dominação, violência e resistência escrava em Mato Grosso 1718
1888, de Maria do Carmo Brazil, auxilia o entendimento do papel produtivo do cativo
como mão-de-obra indispensável nas minas, plantações, portos e zonas urbanas de Mato
Grosso. Nesse trabalho, a historiadora sul-mato-grossense aborda também as formas de
resistência dos trabalhadores escravizados como fugas para os domínios castelhanos,
formação de quilombos reunindo negros e nativos; revoltas de negros escravizados no
campo, justiçamento dos escravistas e prepostos, entre outras questões.
98
O principal foco de análise de Maria do Carmo Brazil é o processo de dominação dos
escravistas sobre os escravizados em Mato Grosso; a violência e a resistência dos cativos a
esse sistema. A rebeldia dos cativos é analisada, sobretudo a partir de documentos
primários como processos-crimes, nos quais constam acusações a escravos que cometeram
crimes contra seus proprietários.
Brazil registrou, ainda, que, ao contrário do afirmado comumente pela historiografia
regional mato-grossense, o cativo urbano em Mato Grosso sofria o mesmo processo geral
de exploração de outras regiões do Brasil. Especialmente nos portos, os cativos vendiam
produtos variados: “[...] pretos e pardos amarravam embarcações nos atracadores; na
estiva, nos cais, ocupavam-se carregando e descarregando mercadorias, como mão-de-obra
de aluguel”.
99
Afirmação interessante da historiadora é que poucos cativos faziam diversos
serviços diversificados, também ao igual que em outras regiões do Brasil.
97
Id. ib. p. 32.
98
BRAZIL, Maria do C. Fronteira negra: Dominação, violência e resistência escrava em Mato Grosso,
Passo Fundo: UPF, 2002. p. 2.
99
BRAZIL, Maria do C. Fronteira negra: Dominação, violência e resistência escrava em Mato Grosso,
Passo Fundo: UPF, 2002. p. 84.
53
Gilberto Freyre lembrou em Sobrados & mucambos que, Daniel Kidder, em fins dos
anos 1830, registrou o fato de que, em Salvador, “não se enxergava um único carro, uma
única sege, uma única carroça para o transporte de carga, pessoas, ou mercadorias’, que
tudo era transportado por cativos. Cativos ganhadores ficavam em lugar predestinados das
cidades, à disposição dos interessados”.
100
O historiador Mário Maestri, registrou em O sobrado e o cativo, já citado, que os
cativos de ganho empenhavam-se no transporte de pessoas e mercadorias. Entre outras
realidades, Mario Maestri refere-se ao interior e exterior das construções senhoriais
sulinas; às praças, às ruas, enfim, ao espaço urbano privado e público do século XIX, no
Rio Grande do Sul.
Maestri lembra que era permanente a presença do negro escravizado
no espaço público rio-grandense, por isso mesmo, as ruas eram desprestigiadas pela
população, como assinalado. A presença dos cativos era justificada pela necessidade dos
proprietários de encaminhá-los ao trabalho de ganho e à execução de tantas outras
atividades.
101
As calçadas de muitas cidades do Rio Grande do Sul foram feitas também pelos
cativos. “Turmas de cativos feitorizados, de propriedade de empreiteiros, fincavam pedras,
apenas aparelhadas, em toda largura da rua. Comumente, eram cativos condenados à prisão
que realizavam esses trabalhos, de ferros nos pés, acorrentados uns aos outros”.
102
O
calçamento irregular das ruas sul-rio-grandenses foi executado posterior a construção das
calçadas. Mário Maestri assinala que também no Sul as ruas eram comumente definidas
pelas casas. “As próprias casas, uma ao lado da outra, definiam os caminhos urbanos. Mas,
não raro, as residências, avançavam desalinhadas, sobre o caminho público”.
103
Posturas municipais
Através dos Códigos de Posturas, o autor percebeu a preocupação do poder público
em ordenar o espaço urbano e promover melhorias citadinas, determinando o aterro do
lixo, proibindo a permanência de animais nas praças e depósito de entulhos nas ruas. “[...]
as mudanças ocorridas na legislação refletiam uma maior centralização do poder,
ordenação e delimitação do espaço - acentuando a diferença entre o público e o privado,
100
FREYRE, Gilberto. Sobrados & mucambos. 12. ed. Rio de Janeiro - São Paulo: Record, 2000. p. 155.
101
MAESTRI, Mário. O sobrado e o cativo: A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso
gaúcho. Passo Fundo: UPF, 2001.
102
Id. ib. p. 81.
103
Id. ib. p. 83.
54
em favor do público-e uma maior organização e limpeza das cidades e normatização dos
processos construtivos”.
104
O espaço privado - moradias senhorial e casas pobres - também foram discutidos por
Maestri: “Os sobrados levantavam-se uns contra os outros. A iluminação e o arejamento
das peças eram feitos pelas aberturas das fachadas frontal e posterior. Os sobrados mais
simples dispunham, em geral, de duas peças no primeiro piso e três no segundo. As peças
tinham pés-direitos que podiam ultrapassar os quatro metros, facilitando suas aerações.
Porém, na colônia, sobretudo, tínhamos sobrados de pés-direitos acanhados,
principalmente nos andares residenciais [...]”.
105
Na casa sul-rio-grandense, os cativos homens realizavam grande parte das tarefas
dentro das cozinhas. “Devido à maior oferta de africanos escravizados do sexo masculino
e, sobretudo, a tarefas domésticas que exigiam força física - cortar lenha, matar e carnear
animais, transportar água, etc. era comum o emprego de cozinheiros e não cozinheiras
nas residências sulinas, como atestam os anúncios de jornais do Império”.
106
Dentro das casas no Rio Grande do Sul, os cativos “preparavam os alimentos, os
doces, faziam a limpeza, engomavam a roupas dos senhores, plantavam hortaliças no
quintal e amesmo desobstruíam as bombilhas de erva-mate tomando o primeiro gole. Os
cativos domésticos trabalhavam praticamente sem cessar. Tudo era difícil. Os assoalhos de
longas tábuas de madeira eram esfregados, penosamente, com areião. Os trabalhadores
escravizados compravam lenha no mercado ou de vendedores ambulantes, ou a buscavam
nas proximidades das cidades. As lenhas tinham de ser picadas e preparadas para os
fogões. No inverno, nas regiões frias, preparava-se carvão e os braseiros eram alimentados
incessantemente”.
107
Os negros que trabalhavam nas casas senhoriais desempenhavam-se como
cozinheiras, copeiros, passadeiras, babás, amas-de-leite, etc. A escolha dos cativos
domésticos era feita considerando a beleza, a cor e a inteligência dos mesmos. Nas casas
mais ricas, os cativos eram vestidos com roupas de luxo. Em A servidão negra, Maestri
assinala que, comumente, entre os escravos do eito e os escravos domésticos permeava
uma profunda desconfiança e antipatia
, possivelmente porque os negros domésticos
104
MAESTRI, Mário. O sobrado e o cativo: A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso
gaúcho. Passo Fundo: UPF, 2001. p. 91.
105
Id. ib. p. 101.
106
Id. ib. p. 111.
107
Id. ib. p. 151-152.
55
vestissem roupas melhores, vivessem na casa-grande e compartilhassem a rotina
doméstica, identificando-se não raro com os senhores”.
108
O cativo doméstico
Maestri explica, porém que a relação entre o escravizador e seu cativo doméstico foi
bem mais conturbada do que a historiografia sugere no relativo ao trabalho, à alimentação,
ao castigo, etc. Ele lembra igualmente que os cativos domésticos das casas menos ricas
trabalhavam habitualmente em inúmeras tarefas, portas adentro e portas afora, por longas e
intermináveis horas.
Valéria Zanetti lembra no mesmo sentido o duro tratamento recebido por muitos
cativos domésticos: “Sequer os trabalhadores escravizados domésticos destinados a
demonstrarem a riqueza dos senhores ficavam isentos de secias e maus tratos. Alguns
processos criminais delataram a verdadeira condão desses cativos. Em 1851, uma senhora
porto-alegrense foi acusada de castigar barbaramente suas duas negras domésticas, de menor
idade”.
Prossegue a historiadora mineira: “De acordo com depoimento dos vizinhos, ‘chega
tanto a desumanidade daquela senhora que queima as partes [genitais] das pobres crianças
com fogo”. Uma delas diria ao juiz que os ferimentos foram feitos "porque ela tinha tirado
um pão da vizinha Maria, isto por estar com muita fome, pois há dois dias não comia e que
os ferimentos externos foram feitos com uma tamanca e os internos com uma colher
quente”.
109
1.6. Literatura, história, arquitetura e escravidão
A interpretação da arquitetura escravista é objeto de estudo que exige a leitura de
obras variadas, bem como das diferentes fontes existentes que possam esclarecer o
passado. Entre as fontes primárias, destacam-se os romances do século XIX. Referindo-se
à importância da literatura como fonte histórica, Mário Maestri assinala: “As propostas de
autonomia da Literatura do mundo social não conseguem negar o fato de que ela constrói-
108
MAESTRI, Mário. O sobrado e o cativo: A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso
gaúcho. Passo Fundo: UPF, 2001. p. 14.
109
ZANETTI, Valéria. Calabouço urbano: escravos e libertos em Porto Alegre. (1840-1860). Passo Fundo:
UPF, 2002.
56
se, necessariamente, com as palavras, as idéias, os sentimentos, os temas e as preocupações
de sua época, constituindo poderoso registro do mundo que a pariu”.
110
Assinalando as aproximações e identidades, na diversidade, entre história e literatura
ficcional, Mário Maestri propôs: “É função da História penetrar a essencialidade dos
fenômenos e definir e descrever, teoricamente, o comportamento tendencial das categorias
sociais dominantes. A Literatura realiza o mesmo processo através da transfiguração
essencial da realidade, servindo-se para tal de personagens que recriem, na singularidade
de suas ações, as tendências gerais de uma classe de indivíduos”.
111
No romance As Vítimas-Algozes: quadros da escravidão, 1869, o ficcionista Joaquim
Manuel de Macedo apresenta as moradias e as vendas, ambos espaços ocupados pelos
cativos. As vendas, por exemplo, localizadas nos povoados ou perto das fazendas,
representaram aos cativos durante a escravidão, um local de transgressão. A moradia rural
é apresentada como sendo construção segura, que “era assobradada e toda de grossas
paredes de pedra; a portas e janelas de rija madeira de lei chapeadas de ferro tinham, além
de grandes e fortes fechaduras, cada uma duas traves de ferro, que tornavam quase
impossível o arrombamento, e pequenas frestas sistematicamente dispostas, por onde era
ou seria possível observar sem perigo o agressor externo e atirar sobre ele”.
112
O ficcionista apresenta a venda como: “[...] uma taberna especialíssima que não
poderia existir, manter-se, medrar em outras condições locais, e em outras condições do
trabalho rural, e nem se confunde com a taberna regular que em toda parte se encontra,
quanto mais com as casas de grande ou pequeno comércio”.
113
Macedo lembra que nas
vendas, durante a noite, os cativos embriagavam-se e envolviam-se em brigas, falavam e
riam dos seus proprietários para aliviarem o ódio que sentiam deles por sofrerem maus
tratos e castigos dos feitores. Para o romancista, a venda foi conseqüência da própria
escravidão. Era o alívio do escravizado e a maldição do escravista.
Pela descrição feita por Macedo, a venda, espaço de transgressão dos escravos
enquadra-se à arquitetura vernácula, que, segundo Carlos Lemos, é “aquela feita pelo povo,
por uma sociedade qualquer, com seu limitado repertório de conhecimentos num meio
ambiente definido, que fornece determinados materiais ou recursos em condições
climáticas bem características. Com o seu próprio e exclusivo ‘saber fazer’ essa sociedade
110
MAESTRI, Mário. As sete mulheres e as negras sem rosto: ficção, história e trivialidade. Cadernos IHU
Idéias. São Leopoldo - RS , v. 2, n.17, p.15 - 20, 2004.
111
Id. ibidem.
112
MACEDO, Joaquim Manoel de. As vítimas-algozes: Quadros da Escravidão, Romances. 3. ed. São Paulo:
Scipione, 1991.p. 62.
113
Id. ib. p. 9.
57
providencia suas construções, suas casas, satisfazendo a peculiares necessidades expressas
em programas caracterizados por próprios e únicos usos e costumes. A casa vernácula é,
portanto, uma expressão cultural. pode ser daquele povo e daquele sítio. É uma
arquitetura que percorre gerações. É funcional. Está fora dessas questões ligadas a estilos
arquitetônicos”.
114
Literatura e escravidão
Na visão ideológica do romancista, na venda, o proprietário, o vendelhão, assim
designado por vender objetos furtados pelos cativos aos proprietários, comercializava
açúcar, café, cereais, fumo, chumbo, pólvora, garrafas de aguardente. Sua clientela era
constituída de violeiros, de cativos fugidos que se escondiam nas florestas, do homem
ocioso que passava os dias jogando baralho. Macedo ressalta que além da venda, a cozinha
era também espaço de maldade e inveja dos negros escravizados. Nela, as cativas falavam
da vida dos proprietários e preparavam os crioulinhos para sentirem o mesmo ódio que elas
cultivavam.
Uma das personagens do livro de Macedo o Simeão, era crioulo criado pelos
proprietários com algumas regalias. Ele fora preparado pela cozinha, depois de ter sido,
com oito anos completos, impedido, pelos senhores Domingos Caetano e Angélica, de
comer à mesa e dormir no quarto da família. Segundo o autor, teriam sido as negras mais
velhas que incutiram em Simeão a consciência da condição de cativo, despertando seu
ódio pelos proprietários.
Sobre a cozinha, Macedo escreveu: “A cozinha foi sempre adiantando a sua obra:
quando conseguiram convencer, compenetrar o crioulinho da baixeza, da miséria, da sua
condição, as escravas passaram a preparar nele o inimigo dos seus amantes protetores [sic]:
ensinaram-o a espiar a senhora, a mentir-lhe, a atraiçoá-la, ouvindo-lhe as conversas com o
senhor para contá-las na cozinha; desmoralizavam-o com as torpezas da linguagem mais
indecente, com os quadros vivos de gozos esquálidos, com o exemplo freqüente do furto e
da embriaguez, e com a lição insistente do ódio concentrado aos senhores”.
115
Os três contos de As Vítimas-Algozes são importantes para o presente trabalho
porque retratam vivamente a realidade da escravidão, na ótica do romancista, que tentava
convencer o público leitor da necessidade de livrarem-se, sobretudo dos seus cativos
domésticos, vendendo-os para o campo.
114
LEMOS, Carlos. História da casa brasileira. São Paulo: Contexto, 1989. p. 15-16.
115
MACEDO, Joaquim Manoel de. As vítimas-algozes: Quadros da Escravidão, Romances. 3. ed. São
Paulo: Scipione, 1991. p. 19.
58
Os estudos de temas regionais e nacionais singulares são objetos recentes de estudos
de diversos historiadores. Entretanto, abundância de obras importantes de variadas
gerações de pesquisadores sobre a escravidão e grande escassez de estudos que tratam da
arquitetura e da sua relação com a política e a economia no passado. As considerações
conhecidas acerca das relações escravistas e da arquitetura não põem fim à complexidade
do tema, mesmo com a existência das obras apresentadas sobre a relação do escravismo
com a maneira de construir, utilizar as moradias e organizar o espaço público e privado.
116
116
Cf., entre outros: AZEVEDO, Esterzilda Berenstein. Arquitetura do açúcar : engenhos do recôncavo
baiano no período colonial,1990; FREYRE, Gilberto. (1900-1987) Sobrados & mucambos: introdução à
história da sociedade patriarcal no Brasil, 1996; LEMOS, Carlos A.C. Cozinhas, etc., 1978;
GUTIERREZ, Ester J.B. Negros, charqueadas & olarias : um estudo sobre o espaço pelotense, 1993 ;
MAESTRI, Mário. O sobrado e o cativo: A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso
gaúcho,2001; REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da arquitetura no Brasil, 1987; LEMOS, Carlos
A.C. A casa brasileira., 1989; WEIMER, G. Trabalho Escravo no RS, 1991.
59
CAPÍTULO II
O espaço urbano no Brasil escravista
Cuiabá, a capital idílica no meio do sertão, hospedou-
nos perto de dois meses [...].
As casas, construídas de adobe e cobertas de telhas,
apesar de modestas, parecem graciosas e asseadas, e
as portas e janelas pintadas a cores. As paredes das
casas mais pobres são de simples barro, socada entre
duas tábuas paralelas (taipa) [...].
Este solo ondulado, este calçamento exemplar, estas
casinhas estreitas, estes candeeiros de azeite,
desprendendo-se das paredes, esta independência
patriarcal do bom gado, tudo nos envolve num bafejo
de idílico repouso, tão indescritível que diria-se uma
aldeiola rural da Turíngia (Alemanha).
Nas ruas cursam mais porcos do que cães [...]. Ágeis
pulam as cabras pelo calçamento [...].
Herbert H. Smith, 1886.
2 O espaço urbano no Brasil escravista
A compreensão do funcionamento das casas brasileiras e da participação dos cativos
em sua organização bem, como a história das habitações ao longo do período escravista,
não dispensa os estudos basilares de Gilberto Freyre reunidos em Casa Grande & Senzala
(1933) e Sobrados e Mucambos (1936), aonde o autor realiza interpretação da sociedade
escravista brasileira como patriarcal, sendo por isso alvo de muitas críticas. Apesar desses
limites, Freyre trouxe a lume significativos vínculos entre arquitetura e escravidão, entre
outras particularidades abordadas e já comentadas em capítulo anterior.
Para discutir a evolução da casa urbana mato-grossense recorremos à vasta produção
historiográfica nacional existente e, às narrativas de viagens e os registros dos cronistas
do século XIX, na procura de explicação do modo de viver e de morar da sociedade
escravocrata. A relação entre a casa e o cativo fica compreensível ao se analisar que os
escravistas dependiam dos cativos para edificarem suas moradias e mantê-las funcionando,
sem contar que uma casa espaçosa com muitos trabalhadores escravizados executando as
tarefas domésticas ensejava ao proprietário o respeito da população local e sua
permanência na mais alta escala da hierarquia social. Essa dependência ao cativo não
estava relacionada à incapacidade do eurodescendente em produzir ou construir, mas à
ausência histórica de condições de mercado livre de mão-de-obra.
Muitos homens livres, não proprietários de terra, viviam da exploração do trabalho
urbano de seus cativos. Herdeiro das tradições portuguesas e participante de uma sociedade
eminentemente escravocrata, o homem livre entendia que para ter status social era preciso
possuir cativos, ainda que fosse apenas um. Em termos produtivos quase nada se fazia sem
as mãos do cativo. A população livre repelia o trabalho mecânico, nas condições em que se
apresentava, negando-se a realizar tarefas manuais. Segundo a organização social brasileira
era o cativo que executava a maioria das atividades braçais e, além disso, associava-se ao
trabalho físico uma concepção servil negativa.
1
1. O espaço privado: sobrados e casas térreas
No Brasil colonial e imperial, principalmente nas regiões litorâneas existiam dois
tipos comuns de moradias urbanas eruditas o sobrado e a casa térrea. O sobrado, elevado
1
BRAZIL, Maria do C. Fronteira Negra. Dominação, violência e resistência escrava em Mato Grosso 1718-
1888. Passo Fundo: 2002. p. 81.
61
em geral com o piso assoalhado, era a moradia das elites. A casa térrea, comumente com
piso de terra socada, era a moradia da população pobre.
O período colonial foi marcado por construções, as quais destinavam-se ao abrigo
das pessoas, porém elas tinham várias designações. Eram então denominadas de casas de
morada, casas de vivenda ou simplesmente casas, expressões estas usadas sempre no
plural. A palavra representava exatamente o contexto em que a construção estava inserida e
os detalhes arquitetônicos apresentados. Nas fazendas era o conjunto, das edificações
umas próximas das outras, que dava o sentido de chamá-lo de casas. O espaço usado pela
família proprietária, composto por alcovas, varandas, salas de visitas, entre outras peças,
não tinha nome determinado até 1822, quando então, o Brasil deixou de ser colônia de
Portugal.
A expressão casa-grande, imortalizada na obra citada de Gilberto Freyre, passou a
ser usada em referência às moradias dos senhores que, no período colonial, possuíam
grandes fazendas, elevada quantidade de cativos e muito prestígio político nas regiões.
Entretanto, a expressão casa-grande era usada pelos cativos, para denominar a moradia
do proprietário, possivelmente em oposição às suas casas pequenas, conforme aparece no
romance O Tronco do Ipê escrito por José de Alencar em 1871: A casa de habitação
chamada pelos pretos casa-grande, vasto e custoso edifício, estava assentava no cimo de
formosa colina, donde se descortinava um soberbo horizonte”.
2
Para a historiadora Sheila
de Castro Faria atualmente o termo casa-grande revela a forma de viver dos grandes
proprietários de engenho e traduz um enorme complexo material que envolve o local de
morada dos escravistas, o engenho, a capela, as oficinas, as plantações e seres humanos,
esposa e filhos do proprietário, agregados, parentes, escravos.
3
Para Freyre a casa do século XVI era edificada para favorecer a proteção dos
escravistas e de sua família. Faziam parte da arquitetura as estacas afiadas nas vivendas e
nos solares. O estilo casa-grande, iniciado no século XVI e mantido aos séculos seguintes,
resguardou os escravistas dos bandidos, do sol forte e das chuvas tropicais. Elas eram
levantadas com grossas paredes de taipa ou de pedra e cal, com cobertura de palha ou
telha-vã e, o alpendre e os telhados caídos. Gilberto Freyre descreveu essas casas
apresentando os seguintes detalhes: “Cozinhas enormes; vastas salas de jantar; numerosos
quartos para filhos e hóspedes; capelo; puxadas para acomodação dos filhos casados;
camarinhas no centro para a reclusão quase monástica das moças solteiras; gineceu; copiar;
2
ALENCAR, José de. O Tronco do Ipê. São Paulo: Ática, 1977. p. 09.
3
FARIA, Sheila de Castro. De olho nas casas da colônia. Nossa História. n. 16, p. 57.
62
senzala. O estilo das casas-grandes-estilo no sentido spengleriano - pode ter sido de
empréstimo; sua arquitetura, porém, foi honesta e autêntica. Brasileirinha da Silva. Teve
alma. Foi expressão sincera das necessidades, dos interesses, do largo ritmo de vida
patriarcal que os proventos do açúcar e o trabalho eficiente dos negros tornaram possível”.
4
Nos séculos XVII e XVIII as moradias eram construídas prevendo o acolhimento de
hóspedes. Nos centros urbanos, a arquitetura seguia padrões formais por isso os terrenos e
as casas eram muito uniformes. Por ser uma tendência deste período, a uniformidade, no
que se refere a altura dos pavimentos, o alinhamento com as moradias vizinhas, a
quantidade de portas e janelas, altura e largura, as Cartas Régias ou as Posturas
Municipais fixavam as normas a serem seguidas pelos moradores a fim de que as vilas e
cidades brasileiras tivessem um mesmo aspecto arquitetônico.
A ausência de lugar específico para guardar valores e a necessidade de resguardar a
família de possíveis ataques dos cativos fez da casa rural, mas também da urbana, o local
muito eclético, como explica Gilberto Freyre: A casa-grande no Brasil pode-se dizer que
se tornou um tipo de construção doméstica especializada neste sentido quase freudiano:
guardar mulheres e guardar volumes. As mulheres dentro de grades, por trás de urupemas,
de ralos, dos postigos; quando muito no pátio ou na área ou no jardim, definhando entre as
sempre-vivas e os jasmins; as jóias e moedas, debaixo do chão ou dentro das paredes
grossas”.
5
As construções domésticas contendo compartimentos com fins de guardar mulheres
e guardar volumes foram observados e narrados pelo viajante Hercules Florence, em
junho de 1827, quando a expedição russa comandada por Langsdorff passou pela vila de
Quilombo, na Província de Mato Grosso, onde havia “rica lavra de diamantes”. Conta
Florence que um proprietário de terra por nome de Domingos José de Azevedo, tinha o
costume de guardar sua mulher em um alçapão, quando saía de casa. O alçapão, segundo o
viajante era “[...] uma salinha colocada no primeiro pavimento, escura, úmida e com uma
única janela de grades que dava para o engenho de cana”.
6
Depois de encaminhar o
viajante a um de seus aposentos, o escravocrata levantou do assoalho o alçapão e por fim
revelou: “Aqui em embaixo, [...] é que eu guardava a mulher, quando tinha que sair de
4
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. 14. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000, p. 55.
5
FREYRE, G. Sobrados e mucambos. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 154.
6
FLORENCE, Hercules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. São Paulo: Cultrix, 1977.
p. 172.
63
casa. Ela descia por uma escadinha que eu recolhia e recebia alimentos pela janela do
engenho”.
7
As habitações tiveram funções definidas a cada século, como abrigar, proteger,
hospedar, guardar riquezas, esconder as mulheres. Sobretudo, elas representavam o status e
poder dos escravistas rurais e urbanos. Os proprietários das moradias grandes e de base
forte mantinham sob seu controle as terras, as mulheres, enfim a população. Os domicílios
representavam, o poderio do dono que as construíam com o dinheiro proporcionado pela
unidade produtiva.
As casas mais simples e os imponentes sobrados foram construídos utilizando
amplamente a mão de obra dos cativos. Mas o propósito de garantir a segurança senhorial
imprimia aos sobrados e vivendas um aspecto sombrio e malsão, conforme as descrições
de Gilberto Freyre: “[...]quase sempre uma casa de condições as mais anti higiênicas de
vida. Não tanto pela quantidade do material empregado na sua construção, muito menos
pelo plano de arquitetura nela seguido, como pelas convenções de vida patriarcal, que
resguardavam exageradamente da rua, do ar, do sol, o burguês e sobretudo a burguesa. A
mulher e principalmente a menina”.
8
1.1 Os sobrados: características e funções
Era primitivo o modo de construir as moradias das famílias abastadas e das famílias
mais pobres. As paredes eram de pau-a-pique, adobe ou taipa de pilão. A pedra e o barro
eram usados nas residências mais importantes, já o tijolo, a pedra e a cal, menos utilizados.
Mesmo assim, existiram sobrados nobres edificados com materiais de primeira qualidade e
confortáveis, situados no centro das cidades brasileiras. Neles, a mais fina madeira das
matas brasileiras era usada em portas e janelas e os tetos eram pintados com motivos
variados. Segundo Gilberto Freyre no início da colonização, tanto as moradias dos próprios
colonizadores, quanto às habitações dos segmentos subalternos foram um pouco
mocambos, que a cobertura de ambas era de sapé e sua estrutura de palha ou barro, isto
em meio à abundância de pedras, madeira e cal.
No Rio Grande do Sul, os sobrados eram comumente feitos com dois pavimentos e
essas edificações conforme Maestri:“[...] levantam-se uns contra os outros. A iluminação e
o arejamento das peças eram feitos pelas aberturas das fachadas frontal e posterior. Os
7
FLORENCE, Hercules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. São Paulo: Cultrix, 1977. p.
172.
8
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. 12 ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 183.
64
sobrados mais simples dispunham, em geral, de duas peças no primeiro piso e três no
segundo. As peças tinham pés direitos que podiam ultrapassar os quatro metros, facilitando
suas aerações”.
9
No Recife, Gilberto Freyre registrou que existiu o sobrado esguio de até três andares
que chegou a atingir, na metade do século XIX, seis andares. Esses sobrados foram
construídos dessa forma a fim de permitir as comodidades da época, em uma região onde
era escasso o terreno urbano. Freyre esclarece ainda que “[...] sobrados onde as atividades
da família - ainda patriarcal e burguesa - começaram a espalhar-se em sentido quase
puramente vertical, mas com o mesmo luxo e a mesma largueza de espaço das casas-
grandes de engenho”.
10
Segundo Freyre os sobrados de muitos andares era modo típico da habitação dos
recifenses mais ricos, sobretudo dos comissários do açúcar e fidalgos do comércio. O
espaço, via de regra, a seguinte distribuição: No andar térreo, ficavam o armazém e a
senzala; no segundo; o escritório; no terceiro e no quarto, a sala de visitas e os quartos de
dormir; no quinto, as salas de jantar; no sexto, a cozinha. E ainda por cima desse sexto
andar havia um mirante, ou cocuruto, donde se podia observar a cidade, admirar a vista dos
arredores, gozar o azul do mar e o verde dos mamoeiros, tomar fresco”.
11
Na Província de Mato Grosso, o sobrado não foi um tipo de construção comum,
semelhante às cidades de Recife e Salvador, por exemplo. Entretanto, em Cuiabá, belos
sobrados foram erguidos na região com estilo colonial, em geral com a técnica de taipa
socada, pelas famílias mais ricas. Alguns desses sobrados foram descritos pelo historiador
Lenine Póvoas em Sobrados e casas senhoriais de Cuiabá. Aquelas edificações possuíam
entre duas e seis portas no pavimento térreo com igual quantidade de janelas. As fachadas
eram levantadas de doze a 22 metros de altura, nas quais eram construídas altas e largas
portas e janelas, muitas delas com sacadas de ferro. No pavimento superior, tinham sacadas
protegidas por grades trabalhadas artisticamente. Os pisos eram de madeira.
12
Dentre os sobrados estudados pelo autor, dois, merecem destaques, devido as suas
peculiaridades. Assim, o sobrado da rua Antônio Maria de estilo colonial foi construído
com fachada larga de 22 metros, seis portas no pavimento térreo e seis janelas simétricas
com vidros no pavimento superior. Seu telhado foi apoiado em beirais, sobre paredes
9
MAESTRI, Mario. O sobrado e o cativo. A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso gaúcho.
Passo Fundo:UPF, 2001. p. 101.
10
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 193.
11
Id. ibidem.
12
Cf. PÓVOAS, Lenine C. Sobrados e casas senhoriais de Cuiabá. Fundação Cultural de Mato Grosso,
1980.
65
levantadas de taipa socada de setenta centímetros de largura. O piso superior, todo de
madeira de lei, agregava à casa o estilo nobre da construção. o sobrado da rua Pedro
Celestino no “Beco Alto”, com o estilo característico das construções do norte de Portugal,
destaca-se por sua fachada coroada por um largo beiral forrado de madeira e uma comprida
sacada com ferros desenhados. O sobrado, construído de grandes adobes e esteios de
madeira, era coberto de telhas, com noventa centímetros.
13
Para Gilberto Freyre, no período escravista, as casas nobres podiam ser reconhecidas
pelos materiais usados no período escravista, para edificação das habitações, bem como no
tamanho da mesma. A pedra, a cal, o adobe, a telha, a madeira de lei, o ferro, eram usados
nas edificações dos mais ricos, nos sobrados e casas-grandes. o sapé e o barro eram
usados nas construções dos pobres.
14
Nos pavimentos superiores, as sacadas ou balcões -
prolongamento das janelas ou portas, nos pavimentos superiores - afastava o interior da
casa e a rua. Do alto, a rica família proprietária podia acompanhar os acontecimentos da
rua, sem se expor ao contato de cativos, índios e homens pobres. Os balcões que podiam
atingir toda a extensão do pavimento superior era o espaço limite entre público e privado e
a representação arquitetônica e comportamental do poder escravista.
Em Cuiabá, os sobrados de iminentes proprietários também possuíam balcões com
sacadas de ferro nos pavimentos superiores. Era um privilégio a família poder observar o
movimento das ruas sem necessariamente ter contato com os transeuntes, como recém-
assinalado. O sobrado que foi residência do 3º
Presidente do Estado Antônio Pedro Alves de Barros,“[...] possuía saliente sacada de
ferros artisticamente trabalhados, que avançava quase meio metro além da parede, sobre a
rua, e que abrangia todas as portas que desse balcão davam acesso ás peças de frente do
prédio, no seu pavimento superior, [...]”.
15
Situado no “Beco Alto”, próximo a Igreja
Nossa Senhora do Rosário “área onde Cuiabá nasceu, após a descoberta das lavras do
Sutil”, foi construído de adobe e coberto de telha e a fachada apresenta um beiral largo.
16
Das elevadas sacadas dos sobrados, os proprietários ostentavam sua posição de
homens brancos e ricos, bem como seu desprezo pela rua. Os balcões protegiam a família
escravista dos inconvenientes da escravidão, mas colocavam em situação inversa as
pessoas que passavam debaixo deles devido ao costume insalubre dos membros da casa de
13
Cf. PÓVOAS, Lenine C. Sobrados e Casas senhoriais de Cuiabá. Fundação Cultural de Mato Grosso,
1980. p. 39-42.
14
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 210.
15
PÓVOAS, Lenine C. Sobrados e Casas Senhoriais de Cuiabá. Cuiabá: Fundação Cultural de Mato
Grosso, 1980.
16
Id. ib., p. 42-43.
66
esvaziar seus urinóis lançando os dejetos de cima das moradas. Lenine Póvoas comenta
ainda que, na cidade de Cuiabá, a sacada também servia à transgressão. De uma delas, foi
disparado um tiro por seu dono, fato que transformou a casa em uma das mais famosas da
cidade no final do século XIX. Seu dono, homem influente na sociedade local cometeu um
crime da seguinte forma: De uma de suas sacadas [...] Cel. João de Souza Osório -
assassinou, com certeiro tiro, o Dr. Manoel Pereira da Silva Coelho, advogado, que
palestrava na calçada fronteira com o Comendador Henrique José Vieira”.
17
Os balcões de ferro, utilizados nas casas cuiabanas, eram importados do exterior e
trazidos para a região transportada nos lombos das mulas. Em 1844 o viajante Francis
Castelnau, surpreendeu-se com a variedade de mercadoria que as tropas carregavam do Rio
de Janeiro até a capital de Mato Grosso, inclusive os referidos balcões: Durante a viagem
encontramos uma grande tropa que vinha do Rio de Janeiro se dirigia para Cuiabá. Essas
tropas gastam em geral de cinco a seis meses para fazer aquele percurso e são muitas vezes
compostas de duzentos e até trezentos animais. É surpreendente a variedade de
mercadorias que elas transportam; na tropa a que acabo de me referir vimos várias mulas
carregando balcões de ferro, provenientes de alguma fábrica da Inglaterra ou da Bélgica”.
18
Não só os balcões vinham de locais distantes, também a cal, usada na pintura das casas, era
retirada das barrancas de Corumbá e enviada à Cuiabá.
As construções de Corumbá, erigidas no final do século XIX pelos influentes
comerciantes exibem tais balcões com gradil, com destaque para as notáveis casas de
Vasquez & Filhos e Wanderley Baís & Cia localizadas na rua Manoel Cavassa, no porto da
cidade, ambas as construções tombadas como patrimônio histórico e artístico cultural.
Durante a escravidão, cada peça dos sobrados e das casas rreas, tinha função
distinta, ou seja, cada peça era usada de modo a atender as necessidades da família.
Segundo Reis Filho em Quadro da Arquitetura no Brasil, os pavimentos térreos dos
sobrados, quando não eram utilizados como lojas, acomodavam os escravos e os animais
ou ficavam quase vazios, não sendo jamais utilizados pelas famílias dos proprietários,
devido a sua insalubridade e insegurança.
19
Tradicionalmente as ruas eram vistas como
locais de contravenção, as cozinhas lugar de cativo, as varandas suscetíveis às observações
alheias. Portanto, as janelas, as cozinhas e as varandas eram motivos de especiais atenções.
17
PÓVOAS, Lenine C. Sobrados e Casas Senhoriais de Cuiabá. Cuiabá: Fundação Cultural de Mato
Grosso, 1980. p. 38.
18
CASTELNOU, Francis. Expedição às regiões centrais da América do Sul. São Paulo: Nacional, 1987.
p.112-113.
19
REIS FILHO, Nestor G. Quadro da Arquitetura no Brasil. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 28.
67
O naturalista norte-americano Herbert Huntington Smith, que visitou Mato Grosso
em 1886, registrou que em Cuiabá um italiano conhecido por Pascoal tinha o hábito de
vigiar constantemente certos espaços da sua casa: “O velho permanecia todo o santo dia no
mesmo lugar, de onde dominava com o olhar de general a varanda, a cozinha, e uma janela
que dava para a rua, expedindo dali mesmo as suas ordens. [...] sempre de casaco, colete e
meias, cochilava muito contente da sua vida ou incubava desgosto profundo; de quando em
vez monologava em voz alta, e quando não passava o mau humor sovava uma crioulinha,
cuja educação tinha tomado a si”.
20
A postura do homem descrito pelo viajante era típica dos escravistas que, desde o
início da colonização, controlavam da sua morada o movimento dos seus cativos e da sua
família. Interessante ressaltar que o italiano, depois de se enriquecer em Diamantina, no
garimpo, com o trabalho escravo, estabeleceu-se em Cuiabá, onde adquiriu uma espaçosa
casa e uma boa quantidade de escravos.
Na fazenda do Buriti, a proprietária Antônia fiscalizava o trabalho das escravas
deitada em uma rede e fumando. O viajante Hercules Florence, em visita à Província de
Mato Grosso entre os anos de 1826 e 1828, descreveu que na casa da fazenda de dona
Antônia havia uma sala espaçosa ao rés-do-chão, na qual ela recebia as visitas e servia a
alimentação, o mesmo espaço era também, utilizado como cozinha. “No fundo ficam o
engenho ou moinho de moer cana e a grande pipa para recolher a aguardente de cana; à
esquerda as formas para refinar o açúcar bruto. D. Antônia tem sua rede armada perto da
porta de entrada, á direita: ali passa ela os dias a fumar e a dirigir o trabalho das pretas e
mulatas”. Apesar da presença de seus irmãos na fazenda era a senhora quem controlava o
serviço executado pelas cativas. Também, na fazenda Jacobina, todo o trabalho executado
pelos cativos era inspecionado pela senhora Ana sogra do proprietário, João Pereira Leite.
As obras, os engenhos, as plantações, o gado, os escravos, os agregados e igualmente,
todos os membros da família eram vigiados pela “matrona de cinco pés e oito polegadas e
de corpo proporcionado à altura”.
21
Os casos apresentados mostram como eram estabelecidas as relações de poder
escravistas durante o período colonial e imperial. Um rígido controle disciplinar era
exercido sobre os trabalhadores escravizados. Como assinalado, no período escravista, era
preciso possuir cativos e morar em casa elevada ou vistosa, para se obter status na
sociedade local.
20
SMITH, Herbert Huntington. Do Rio de Janeiro a Cuyabá. São Paulo: Melhoramentos, [s/d]. p. 335.
21
FLORENCE, Hercules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1828. São Paulo: Cultrix. p. 180.
68
Em História da casa Brasileira Carlos Lemos assinala o amplo significado da
moradia. Para ele, a casa é mais do que um simples amontoado de pedras bem dispostas,
que abriga e registra as manifestações culturais daqueles que nelas vivem. Nesse sentido,
as ações dos moradores estão interligadas à disposição das peças.
22
1.1.1 Camarinhas: lugar dos brancos
Na colônia e no Império, as escadas dos sobrados serviam para acomodar os barris
cheios de dejetos - os tigres ou cabungos -, que não existiam banheiros, aparelhos
sanitários, água encanada. As camarinhas serviam para o descanso e os banhos de bacia. O
banho mais usado pelas famílias abastadas era aquele tomado sentado ou de na bacia,
que era de barro, cobre ou folha- de- flandres. Nos quartos era imprescindível a presença
do cativo. A água para o banho, a limpeza dos urinóis, o vestir-se dos sinhôs e sinhás,
requeriam o emprego de um escravo.
Com o auxílio de um cativo, a água era derramada sobre o corpo da pessoa. Além
das bacias de uso pessoal para o asseio diário, eram mantidos nos quartos os urinóis -
capitães, pinicos -, fabricados em barro rústico ou nas mais sofisticadas porcelanas.
Portanto, era necessário ter cisterna ou um poço no quintal. Mandavam-se também os
cativos às fontes de água, para abastecerem a residência. Eles despejam à noite os
cabungos, quando repletos.
Os serviços mais sujos, fétidos e pesados eram tarefas destinadas ao trabalhador
escravizado. As dificuldades com o asseio por falta de água encanada eram constantes na
sociedade brasileira escravista, a qual dependia do líquido carregado pelos escravos. Na
capital da Província de Mato Grosso, a água encanada passou a ser uma realidade a partir
de 1880. Até esse período, as casas utilizavam a água carregada pelos cativos, que a
retiravam dos córregos, do rio ou das sete fontes da cidade cuiabana.
O abastecimento de água nas casas brasileiras não era problema insolúvel para as
famílias ricas que tinham vários cativos empenhados nas tarefas domésticas. Não faltava
água, mesmo nos sobrados mais altos, com cozinha instalada no último piso. As compridas
escadas das moradias e o peso dos utensílios contendo o líquido não impediam que as
louças ficassem sujas ou os membros da família sem o banho de costume, realizado nas
camarinhas.
22
LEMOS, Carlos. História da Casa Brasileira. São Paulo: Contexto, 1989.
69
Em Corumbá, até 1912, não existia serviço de abastecimento de água encanada. A
água necessária ao bom funcionamento das casas era retirada de poços e algibes
particulares, construídos nos quintais ou, até mesmo, no próprio interior, das residências,
ou era trazida em recipientes depois de retiradas do rio Paraguai. Apenas as famílias
opulentas possuíam algibes e mandavam buscar água de qualidade na margem oposta do
rio Paraguai. As famílias corumbaenses pouco favorecidas dependiam das carretas de água
insalubres retiradas da baia do Tamengo, o que era motivo de doenças. Aqueles que não
tinham recursos sujeitavam-se à caridade de alguma família rica, no que se refere o
precioso líquido.
O memorialista Renato Báez, lembra em Corumbá: Memórias & Notícias: “Nos
primórdios de sua fundação, os habitantes de Corumbá se serviam de água apanhada na
beira do rio Paraguai. Com o passar do tempo, surgiram os aguateiros, vendendo o
precioso líquido em pipas, transportado em carros, de tração animal, e entregando-o a
domicílio”.
23
[Figura 5 e 9]
Efetivamente, em relatório da Câmara Municipal de Corumbá, de 1886 o presidente
registrava: “Da nossa população a mais favorecida de fortuna ou tem algibes onde
depositam água da chuva para o seu consumo ou mandam buscar a outra margem do rio,
mas os pobres às vezes pagam com a vida as conseqüências de beberem a péssima água da
baia ou andam a pedir nesta ou naquela casa um pouco de água de algibe por não
poderem suportar as moléstias intestinais que os atropelam”.
24
[Figuras 42 e 59].
Nos relatórios municipais dos anos de 1884, 85, 86, 87 e 88, as autoridades da
província foram alertadas quanto à necessidade de providências, no relativo à água
contaminada, que a população adoecia por consumi-la. Em 1886, o presidente da
Câmara assinalava: “É tão sensível a falta deste elemento de primeira necessidade, que a
Câmara insiste em reclamar, como nos anos anteriores por uma providencia que ponha a
salvo a população e Corumbá das conseqüências dela”.
25
O presidente alertava sobre a qualidade da água: A água que banha o porto desta
cidade é negra e de um sabor desagradável, e de tão reconhecida insalubridade que mesmo
os índios cadiueos quando estão aqui acampados, embarcam com seus potes em canoas e
vão ao meio do rio abastecer-se de água do Paraguai”.
26
A falta de água potável em
Corumbá prolongou-se até 1897, quando então o construtor italiano Martino Santa Lucci
23
BÁEZ, Renato. Corumbá: memórias e notícias. São Paulo: Vaner Bícego, 1977. p. 81.
24
Relatório da Câmara Municipal de Corumbá ao Presidente da Província de Mato Grosso. 28 de julho de
1886. Livro 205, Folha n° 68. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
25
Relatório da Câmara Municipal de Corumbá ao Presidente da Província de Mato Grosso. 28 de julho de
1886. Livro 205, Folha n° 68. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
70
edificou dois reservatórios de ferro para água, instalados na rua Delamare, onde os carros-
pipas eram abastecidos com água. Os reservatórios funcionaram até 1912, quando
finalmente foi inaugurado o serviço de abastecimento de água encanada na cidade.
27
Entretanto, nem todas as famílias foram contempladas com a água encanada, sobretudo as
mais humildes.
O memorialista e poeta Ulisses Serra, falecido em 30 de junho de 1972, fundador da
Academia de Letras e História de Campo Grande e autor de Camalotes e Guavirais,
lançado em 1971, viveu a infância em Corum e conta a maneira como sua família
resolvia o problema da falta de água. A narrativa do poeta impressiona pela riqueza de
detalhes: Nossa casa ficava no extremo oriental da cidade, entre muitos terrenos baldios.
Do solo duro, pedregoso, calcário, emergia uma vegetação espinhosa e agressiva, de
cansanção, olho-de-boi, tuna e aromita; de fronde sempre verde, espessa e larga, somente a
bela e acolhedora água-pombeira. [...]A cidade não dispunha de rede de água. Aguateiros,
em carroças de bois ou de muares, providas de duas bordalesas [barril para vinhos de
Bordéus] postas em sentido horizontal, vendiam de casa em casa o líquido essencial à
vida. um dia veio a canalização, que não alcançou nossa casa, nem mesmo o nosso
bairro. Pouco a pouco os aguateiros foram desaparecendo”. E continua o autor: “Eu era
garoto e uma nova tarefa me surgiu, [...]: ir buscar água, além da ponte, na casa alegre e
generosa dos primos Mário e Belinha. De começo, uma lata de querosene ao ombro, mão
esquerda espalmada ao invés de rodilha, coberta de folhas de guatambu para não
transbordar; depois, para reduzir as caminhadas, duas latas nas extremidades de uma vara.
Buscava água para lavar roupa, beber, tomar banho e cozinhar, molhar roseiras, dálias e
tinhorões”.
28
Para Ulisses Serra, a atividade de carregar água todos os dias era monótona e tirava-
lhe a possibilidade de manter o contato com as águas do rio Paraguai, já que retirava água
do algibe existente na casa de seus primos, por isso acompanhou alegremente a construção
de um algibe na sua casa. Sobre a construção do algibe, escreveu que após seu pai tratar a
construção com um português chamado Daniel, “[...] Gular, preto, alto, forte, curvado,
envolto numa tanga de saco de sarapieira, começou a cavar o solo, duro, calcário e
compacto. Por longas semanas o preto brandiu sua picareta e sua pá. [...] Pronta finalmente
a cavidade, de forma cilíndrica, começou o seu revestido de tijolos bons, com vibrações de
26
Relatório da Câmara Municipal de Corumbá ao Presidente da Província de Matto Grosso. 28 de julho de
1886. Livro 205, Folha n° 68. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
27
BÁEZ, Renato. Corumbá: Memórias & notícias. São Paulo: Vaner Bícego, 1977. p. 81.
28
SERRA, Ulisses. Camalotes e Guavirais. Campo Grande. Academia-Sul-Mato-Grossense de Letras, 2004.
p. 143-144.
71
louça, argamassados com cimento da Itália e a famosa areia da lagoa de Mandioré. O meu
algibe ficou pronto”.
29
1.1.2 Cozinhas: lugar de negros
A cozinha foi uma outra peça que exigia a constante presença do trabalho dos
cativos. A ausência de produtos prontos e industrializados fazia das cozinhas, a peça mais
movimentada das moradias. Os utensílios utilizados e a culinária desenvolvida durante a
história da casa brasileira ajudam a compreender o modo de viver e de morar das famílias
no período escravista. Talvez por isso, Carlos Lemos dedicou-se a um aprofundado estudo
sobre as cozinhas das moradias brasileiras. Em Cozinhas, esse autor restringiu-se
fundamentalmente ao estudo deste compartimento das casas paulistas. Ele registrou que a
cozinha trazida pelos colonizadores no período colonial, sofreu profunda transformação
devido à sociedade escravista colonial.
Segundo Lemos, até os anos 1850, a cozinha era a peça mais extrovertida da moradia
das famílias proprietárias, que se localizava nos quintais, separada da casa, por razões
higiênicas e, sobretudo, sociais. O calor intenso e a presença dos cativos afastaram as
cozinhas do restante da morada, propriamente dita, ensejando que fossem construídas no
quintal ou no último andar dos sobrados, onde raramente os proprietários visitavam.
Nas casas térreas, o negro escravizado não tinha lugar específico para dormir,
servindo as cozinhas e as despensas de dormitório. Assim, à noite, os cativos repousavam
entre lenhas, utensílios e alimentos. Como assinalado, as cozinhas das casas térreas
localizavam-se nos fundos, nos sobrados de três ou mais pavimentos, o último deles
destinava-se ao preparo da alimentação.
Sobre a cozinha, lembra Carlos Lemos: “Cozinha separada, no quintal. Cozinha no
alpendre posterior. Cozinha em puxado. Sempre a cozinha menosprezada, lugar de negros.
E, nas casas destes e nas dos mestiços pobres, acaipirados e isolados nas bocas do sertão,
cozinhas internas [...]. Enfim, na casa do branco, ou na do pardo metido a branco, a
cozinha está sempre isolada da habitação, sendo o traço de união entre ambas o elemento
servil”.
30
na segunda metade do século XIX, as cozinhas das casas térreas foram
construídas ligadas à despensas e suas portas dando acesso aos quintais, nos quais se
encontravam não raro tinas para a lavagem de pouca roupa.
29
SERRA, Ulisses. Camalotes e Guavirais.Campo Grande. Academia-Sul-Mato-Grossense de Letras. p. 145.
30
LEMOS, Carlos. Cozinhas, etc. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 67.
72
O historiador Mário Maestri explicou que as cozinhas coloniais e imperiais sulinas
era um espaço predominantemente masculino: “Devido a maior oferta de africanos
escravizados do sexo masculino e, sobretudo, a tarefas domésticas que exigiam força física
- cortar lenha, matar e carnear animais, transportar água, etc -, eram comum o emprego de
cozinheiros e não cozinheiras nas residências sulinas, como atestam os anúncios de jornais
do Império”.
31
Entretanto, nas cozinhas de Corumbá predominou a presença das cativas.
Não registros de cativos cozinheiros nas classificações de escravos consultadas durante
a pesquisa. Na sociedade local os cativos homens exerceram outras atividades como
lavrador, roceiro, pedreiro, marceneiro, jornaleiro e carpinteiro.
Devido às mesmas relações sociais e origem gerais, o estilo extrovertido da cozinha
da casa paulista foi também encontrado em outras regiões do Brasil, por influência, ou
devido às mesmas relações sócio-históricas. O viajante Hercules Florence, registrou que na
região, em especial Cuiabá, a cozinha, muito rústica, ficava comumente separada das
demais peças da casa, embaixo de um simples puxado: Não uma casa que tenha
chaminé: a cozinha faz-se no jardim, debaixo de um telheiro”.
32
Além disso, o viajante
referiu-se ao costume do cuiabano e de outras regiões da província e do país de cultivar no
quintal frutas frescas que não podia obter com facilidade, a baixo preço, nos centros
urbanos.
Em sua viagem ao Mato Grosso, Hercules Florence referiu-se igualmente à profunda
uniformidade dos povoados brasileiros, ao propor que: “Ver um povoado do Brasil, é vê-
los quase todos”.
33
. No mesmo sentido, a percepção de uniformidade observada e
registrada pelos estrangeiros sobre as residências brasileiras foi uma constante. Para Mário
Maestri, as semelhanças encontradas pelos viajantes diante das moradas de diferentes
regiões do Brasil podem ser explicadas através da dominância das relações sociais
escravistas, implantadas no país a partir dos anos de 1530 e mantidas até o ano de 1888. “A
profunda unidade urbanística e arquitetônica das concentrações urbanas brasileiras durante
a Colônia e grande parte do Império deve-se, sobretudo, ao caráter dominante da economia
escravista durante mais de três séculos de nossa história através de todo o Brasil. A clara
hegemonia da mão-de-obra e das relações sociais escravistas determinou os materiais de
31
MAESTRI, Mario. O sobrado e o cativo. A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso gaúcho.
Passo Fundo. UPF, 2001.p. 111.
32
FLORENCE, Hercules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas 1825-1829. São Paulo: Cultrix, 1977. p.
174.
33
Id. ib. p. 246.
73
construção, as técnicas construtivas, os programas de necessidades, a vida urbana como um
todo”.
34
1.2 Casas térreas
Na época, em questão, como vimos, as peças inferiores dos sobrados eram lugares
dos animais e de cativos, assim como as casas baixas abrigavam a população
desfavorecida. Além de definir a posição social do morador e sua relação na comunidade, a
habitação urbana evidenciava como a mulher e os bens eram resguardados dos estranhos.
A pequena burguesia, operários, empregados públicos, brancos pobres e negros bem
sucedidos nas artes e nos trabalhos manuais, moravam em casas que os expunham à
umidade e aos parasitas domésticos, que eram construídas ao nível do solo, sem
assoalho, com poucas janelas e cobertas por telhas. Mesmo assim, segundo Freyre, “[...]
eram as casas mais habitáveis e mais decentes; aquelas onde morava o pessoalzinho
melhor. Nas outras, de barro, o chão era um horror: a própria terra, úmida, preta, pegajenta,
como a dos cemitérios; a coberta, folha-de-zinco; a preterição a mais completa de
construção”.
35
O telhado das casas era mais comumente em duas águas, com uma caída para a rua e
a outra para o quintal, que construídas com as laterais fazendo meia parede com as
moradias vizinhas, grande parte das edificações mais antigas do Brasil seguia essa
padronização, pois faltava tecnologia e especialização aos que as construíam, sobretudo ao
trabalho escravizado. As casas de Corumbá erigidas no final do século XIX, possuem
cobertura de quatro águas, duas águas e algumas com sotéia plana, espécie de terraço. A
construção de 1880 localizada no porto, por exemplo, possui um telhado de quatro águas
feito de madeira e coberto de telhas de barro. A casa Vasquez & Filhos e a Wanderley
Baís & Cia, ambas as edificações construídas no porto, tem a cobertura plana. Da parte alta
da cidade as coberturas dessas antigas construções podem ser observadas e, desta forma
nota-se que tanto as construções do final do século XIX, quanto às construções do início do
século XX, tiveram seus telhados construídos de modo diferente.
Em todo o país, os terrenos urbanos onde se edificam as casas eram estreitos e
compridos. Não apenas para aproveitamento de todo o espaço, as moradias térreas eram
construídas à meia parede ou geminadas, com os cômodos distribuídos horizontalmente,
34
MAESTRI, Mario. O sobrado e o cativo. A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso gaúcho.
Passo Fundo. UPF, 2001 p. 22.
35
FREYRE, G. Sobrados e mucambos. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 180.
74
um após o outro. Geralmente, a peça da frente se apresentava no alinhamento da rua com
uma janela ou uma porta. Nela, o morador mantinha uma loja especializada ou recebia as
visitas. No último cômodo, ficava a cozinha e nos demais as camarinhas chamadas hoje
de quartos. O acesso às várias peças era feito através de um corredor lateral ou por entre os
cômodos, que tinham passagem livres facilitada por portas. Apenas a classe média em
ascensão e os ricos escravistas construíam casas com circulação francesa, que não
obrigava as pessoas a passarem por vários cômodos para chegar a um lugar desejado.
A abundância de cativos e a ordem social escravista determinaram o modo simples e
rústico de construir, a quantidade de peças e a extensão das casas, que naquela época,
como vimos os escravistas não contavam com recursos tecnológicos ou com a prestação de
serviços como água, energia, esgoto, sistema de comunicação, elevador, enfim as
comodidades atuais que dispensam o uso da força humana. Uma moradia com escadarias,
muitas peças, quintais extensos e inúmeros serviços como abate de animais para se obter
carne fresca, baldeamento de água, colheita de legumes e frutas nos fundos da casa entre
outros, exigiam braços fortes e muitos cativos. O bom funcionamento de uma moradia
dependia essencialmente do trabalhador escravizado.
Reis Filho mostra o quanto a presença dos cativos era necessária: “É sempre a sua
presença que resolve os problemas de bilhas d’água, dos barris de esgoto (“os tigres”) ou
do lixo, especialmente nos sobrados mais altos das áreas centrais, que chegavam a
alcançar quatro a cinco e mesmo seis pavimentos. Era todo um sistema de uso da casa que,
como a construção, estava apoiado sobre o trabalho escravo e, por isso mesmo, ligava-se a
nível tecnológico bastante primitivo”.
36
Como assinalado, no meio rural, a casa-grande representou o poder dos escravistas.
Também no espaço urbano, a casa teve sua importância na determinação da hierarquia
social. Em Sobrados e mucambos, Gilberto Freyre registra que as casas urbanas eram
menores do que as moradias rurais, não deixando, porém de caracterizar a posição nobre
daqueles que a habitavam. O ambiente das cidades foi permeado, pelos sobrados,
construídos de pedra ou adobe, e ocupado pelos escravistas abastados, e os mucambos,
cobertos de sapé ocupados pelos negros, caboclos, brancos pobres e pardos livres.
1.3 As edificações e os materiais utilizados
36
REIS FILHO, N. G. Quadro da Arquitetura no Brasil. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 26-28.
75
Os estudos de Gilberto Freyre sobre as construções urbanas no século XIX elucidam
que elas não eram em geral edificadas com o mesmo tipo material, sobretudo de baixa
qualidade, comumente produzida por cativos, como no caso dos tijolos. Os materiais
determinavam a existência de sobrados úmidos, mofados, abafados, colocando os
moradores em contato com a umidade que envolvia toda a estrutura da casa, facilitando a
instalação de insetos como os cupins, que devoravam tudo que fosse de madeira, tecido ou
papel.
As próprias relações sociais escravistas contribuíram para que os espaços internos
fossem escuros, mal divididos, oferecendo pouca circulação do ar e luminosidade.
Sobrados e vivendas do período escravista eram reflexo de uma sociedade marcada pela
presença e medo ao cativo; pelo desprezo do trabalho físico pelo homem livre e pela
tentativa de imitação dos padrões europeus, inadequados ao clima tropical.
A casa escravista era edificada para suportar não o clima e abrigar a família
patriarcal. Mais do que isso, era estruturada de forma que seus moradores fossem poupados
do sol, mas também dos estranhos e perigos. A moradia escravista senhorial tinha um quê
de reduto, no qual o senhor proprietário de cativos protegia a si e seus familiares dos
inimigos internos e externos. Interna e externamente, ela expressava o valor social de
quem a residia, bem como a mão-de-obra de quem a construía e a fazia funcionar.
A pintura dos sobrados urbanos era geralmente em vermelho, amarelo, verde e azul
forte, com a dominância do branco cal. Nas casas mais ricas, os tetos em madeira eram
pintados com motivos de frutas, pássaros e anjos. Em História da Casa Brasileira, Carlos
Lemos destinou um capítulo às moradias do século XIX para mostrar as transformações
arquitetônicas ocorridas no período, em função da presença da Corte portuguesa no Rio de
Janeiro. Efetivamente, a partir de 1808, novas técnicas construtivas e novos materiais
foram usados, ainda que se tenha mantido a estrutura social escravista e, portanto, o modo
fundamental de viver e morar.
37
Feitas em madeira, as janelas coloniais foram substituídas
pelas de vidro plano, garantindo mais claridade e limpeza nos cômodos, mesmo quando
chovia e ventava. À noite, lampiões modernos de mecha circular permitiam iluminação
mais intensa.
Os interiores da casa foram ornamentados com relógios de mesa e parede, bibelôs e
porcelanas variadas para enfeitar ou servir a alimentação. A higiene pessoal dos
proprietários mais ricos aperfeiçoou-se, com a presença de casas de banho nos jardins e
lavatórios nos quartos de dormir, compostos com bacias e jarras. Os soalhos das casas
37
Cf. LEMOS Carlos. História da Casa Brasileira, São Paulo: Contexto, 1989. p. 44-45.
76
passaram a ser encerados e as paredes forradas com papel. As modificações introduzidas
no Brasil com a chegada da corte de dom João VI, espraiaram-se do Rio de Janeiro, para
outras províncias, já que não exigiam importantes investimentos financeiros.
Apesar dessas transformações, na primeira metade do século XIX, as moradias do
Brasil reproduziam, no geral, as mesmas características das moradias das décadas
anteriores, devido à continuidade do uso da mão-de-obra escrava e da tecnologia rústica
ensejadas pela produção escravista dominante. Continuaram dominando, nesse período, as
moradias levantadas na linha frontal dos lotes com alcovas escuras, corredores estreitos,
telhados de duas águas e balcões de ferro batido.
Em Mato Grosso, o historiador mato-grossense Lenine Póvoas registrou que as
antigas casas cuiabanas eram edificadas “[...] sobre alicerces de “pedra canga” ou de
“pedra cristal”, com paredes de “taipa socada”, antes, e de adobes, mais tarde, tinham
sempre, em lugares convenientes, e embutidos nas paredes, grossos e fortes esteios de
madeira de lei, sobre os quais se apoiava o peso maior da estrutura do telhado, o que lhes
conferia a resistência que lhes permitia atravessar décadas e, às vezes, séculos.” Os pisos
“[...] eram, em tempos mais remotos, de “tijolo batido”, passando-se posteriormente ao uso
do “mosaico” (ladrilho hidráulico), de diferentes cores e belos desenhos”.
38
Os sobrados cuiabanos possuíam dois pavimentos. Um exemplo de sobrado cuiabano
é o da rua Galdino Pimentel, em Cuiabá, edificado segundo os padrões coloniais, com:
“[...] uma fachada de mais de quinze metros, apresenta, em seu pavimento térreo, nada
menos de seis portas, as quais correspondem, simetricamente, no pavimento superior, seis
elegantes sacadas com proteção de ferro artisticamente trabalhado, que ainda são
inteiramente originais. As bocas de relhas do sobrado, apoiam-se sobre um artístico
beiral”.
39
Um dos antigos sobrados cuiabanos, projetados em estilo colonial, mas demolido
parcialmente pelo poder público sob alegação de falta de segurança é a construção erigida
na praça Alencastro, cujo terreno foi cedido por aforamento em 1910. Após a Guerra do
Paraguai, foi ocupado pela Intendência Municipal. Alinhado à via pública, com dois
pavimentos, [...] o mesmo possuía, no seu pavimento rreo, uma porta e seis janelas,
encimadas por arcos; e no seu pavimento superior três sacadas e quatro janelas,
retangulares, encimadas por molduras. Toda a fachada do prédio era coroada, ao alto, por
38
PÓVOAS, Lenine C. Sobrados e casas senhoriais de Cuiabá. Fundação Cultural de Mato Grosso, 1980. p.
51-52.
39
Id. ib. p. 37.
77
imponente platibanda. O piso do seu pavimento superior e da parte baixa posterior era todo
de madeira, de tábuas largas, enceradas”.
40
Em Corumbá inexistem construções antigas com quatro ou mais pavimentos como as
assinaladas por Freyre. Porém, as que resistiram ao tempo e à voracidade do capitalista
constituem hoje parte do patrimônio histórico local. Observa-se que estes foram levantadas
com alinhamento à rua, sem recuo lateral e com as aberturas das peças direcionadas aos
interiores dos mesmos, com grandes janelas e portas nas fachadas, a fim de minorar a falta
de ventilação e de iluminação.
Poucos escravistas corumbaenses possuíam um número elevado de cativos,
necessário à realização das múltiplas tarefas exigidas por uma casa com mais de dois
pavimentos e muitas peças. A falta de recursos econômicos limitava a construção e
manutenção de sobrados ou casas de vários pavimentos e a compra e o sustento de muitos
cativos para as atividades domésticas.
A possibilidade de ataques indígenas; a longa distância da capital da Província; os
terrenos desfavoráveis à agricultura; a história da região marcada pela oscilação das
fronteiras coloniais devido à política expansionista empreendida por Portugal; as crises
políticas e a devastação das construções por incêndio prejudicaram o rápido crescimento da
população e a construção de moradias com materiais duráveis que exigiam maiores
esforços econômicos.
41
Em Corumbá, as casas do início do século XX foram edificadas de pedras com
grossas paredes, peças grandes e pouco ventiladas. O alinhamento na rua, a falta de recuo
lateral e as aberturas das peças direcionadas aos corredores centrais ou laterais internos
registram a simplicidade comum de outras regiões.
2. O espaço público: as ruas e os becos
2.1 As ruas
40
PÓVOAS, L. C. Sobrados e casas senhoriais de Cuiabá. Fundação Cultural de Mato Grosso, 1980p. 29-
30.
41
Cf: MELLO, Raul Silveira de. Um homem do dever. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1964;
ESSELIN, Paulo Marcos. A Gênese de Corumbá. Confluência das frentes Espanhola e Portuguesa em
Mato Grosso (1536-1778). Campo Grande-MS: UFMS, 2000; SOUZA, João Batista de Evolução
Histórica Sul de Mato Grosso. São Paulo: Organizações Simões, s/d.
78
A casa foi o reduto da família escravista, espaço de ordem e poder, controlado pelo
patriarca e apoiado no trabalho dos cativos. Entretanto a rua era o oposto da casa era, como
assinalado, espaço desqualificado, de transgressão social, que representava para o negro
cativo a possibilidade de transitar, pelo menos por algum tempo, sem as constantes ordens
do escravista, criando laços sociais com outros trabalhadores. Isto não implicava que o
cativo estivesse livre da vigilância, quando se mantinha na rua. Nas ruas o cativo de ganho
vendia produtos variados, os libertos ofereciam seus serviços, os negros velhos pediam
esmolas, as negras enfeitadas ofereciam seus encantos. Todos em busca de recursos para
sustentar a si e aos seus escravizadores.
Os dejetos, lixos e águas usadas eram lançados das janelas e portas pelos cativos. Era
preciso coragem para andar nelas, sobretudo na Colônia, mas também no Império. O
desprestígio desse espaço público era tão intenso que os habitantes abastados das casas
mais notáveis só saíam de suas moradas para irem a igreja ou para fazer visitas. No
romance As vítimas-Algozes, de 1869, Joaquim Manoel de Macedo faz uma alusão, ainda
que preconceituosa, a essa questão:[...] toda família que não é indigente ou pobre possui
uma, algumas ou muitas escravas, e uma dessas escravas é mucama da filha, da menina de
família e companheira assídua da infeliz donzela, condenada às infecções da peste da
escravidão....[elo entre a rua e a casa ] leva-lhe os bilhetes....serve-lhe à intriga amorosa
contra a vigilância dos pais....excita-lhe os sentidos...portanto a mucama escrava ao da
menina e da donzela é o charco posto em comunicação com a fonte límpida”.
42
As mulheres, mais ainda, saíam raramente, sempre acompanhadas, fazendo ainda em
fins do século XIX suas compras nas próprias residências, para evitar o contato
desagradável com o espaço público. As lojas e mascates vendiam suas mercadorias nos
sobrados e vivendas. Produtos como pentes, tecidos, fitas, perfumes e roupas, chegavam às
mulheres através dos lojistas e mascates, preservando-as assim das “imundícies” materiais
e morais das ruas.
43
Os problemas que as ruas apresentavam afastaram a classe proprietária delas,
limitaram o espaço das mulheres e ofereceram aos cativos a possibilidade de andarem
“livremente”. Para Gilberto Freyre, as sinhás de engenho e dos sobrados escondiam-se nas
camarinhas e nos jardins ocultando-se aos estranhos: “A senhora de engenho quase nunca
aparecia aos estranhos, é verdade; era entrar homem estranho em casa e ouvia-se logo o
ruge-ruge de saias de mulheres fugindo, o barulho de moças de chinelo sem meia se
42
MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes: Quadros da Escravidão. Romances. 3. ed. São Paulo:
Scipione, 1991. p. 165.
43
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 65.
79
escondendo pelos quartos ou subindo as escadas. O que se deva tanto nos sobrados das
cidades como nos engenhos”.
44
Ainda na segunda metade do século XIX, em muitas cidades as ruas não eram
comumente calçadas. Ao andar pelas ruas de Cuiabá, o viajante Herbert H. Smith anotou:
“Quem passa? Mulheres vestidas de cores berrantes, oferecendo peixes, frutas ou rapadura,
doce primitivo do tamanho de tijolo: uma rapariga vendendo cigarros escuros embrulhados
em palha de milho, outra vendendo refrescos em garrafas de vinho ou cerveja, todas
balançando os braços pendentes, trazendo mercadorias sobre a cabeça, ainda que fosse um
único limão; alguns rapazes chupando cana, um negro velho monologando animadamente,
o bobo Totó de cartola amassada, laço de cor na lapela do casaco, consumindo a roupa
sovada, acompanhado da mocidade esperançosa; de vez em quando alguns soldados; um
esmoleiro sem chapéu, legitimado pela opa vermelho cereja, de mangas pretas; uma velha
horrenda trazendo, envolto num lenço, um santo, que pode ser beijado mediante alguns
cobres”.
45
Enquanto Herbert H. Smith, teve a sua atenção voltada para o movimento das ruas, o
argentino Bartolomé Bossi, em viagem pela Província de Mato Grosso em 1862, deixou
suas impressões sobre a vila de Cuiabá, considerada um verdadeiro labirinto devido aos
defeitos de traçado e da edificação local. Sobre as ruas dessa aglomeração registrou serem
“[...] muito bem calçadas, empregando-se neste mister pedras de quartzo aurífero e
cristal”.
46
Das ruas observadas pelo viajante a rua Bela mereceu destaque por ser, na sua
visão, larga e reta com casas espaçosas levantadas entre jardins. As demais ruas, segundo o
autor, eram estreitas, tortuosas e irregulares, portanto, sem atrativos.
Pelas ruas retas e tortuosas de Cuiabá, andavam os cativos de ganho, os livres pobres,
os indígenas e com certa restrição, os escravistas. Os cuiabanos abastados dessa época
eram os burocratas, os oficiais militares, os profissionais liberais, os comerciantes e
proprietários da terra, que preferiam viver recolhidos em suas casas a saírem em passeio.
Segundo Joaquim Ferreira Moutinho, os habitantes de Cuiabá “[...] raras vezes vão à
igreja, e logo ao cair da noite fecham suas portas”.
47
No final do século XIX, também nas ruas de Corumbá os animais transitavam
livremente por entre a lama e poças deixadas pelas chuvas, que não possuíam
44
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 68.
45
SMITH, Herbert Huntington. Do Rio de Janeiro a Cuyabá. São Paulo: Melhoramentos, [s/d]. p. 321.
46
BOSSI, Bartolomé. Viaje pinttoresca por los rios Paraná, Paraguay, S. Lourenço, Cuiabá y el Arinos e
notícia descriptiva da província de Matto-Grosso. Paris: Libreria Parisiense, 1863. [s/d.]
47
MOUTINHO, Joaquim Ferreira. Notícia sobre a Província de Mato Grosso seguida d’um roteiro de
viagem da sua capital a São Paulo. São Paulo: Typ. SCHROEDER, 1869. p. 15.
80
calçamento. Em geral a sujeira era lançada e acumulada nas mesmas pela população,
apesar da legislação que proibia expressamente Lançar se cisco, lixo, vidros, palha,
animais mortos, nas ruas e praças [...]” da cidade.
48
Também em Corumbá as ruas era
espaço desprezado e desprazível aos escravistas. Era nas ruas que os ganhadores vendiam
suas mercadorias; que os cativos transportavam os cabungos; que os animais domésticos
circulavam livremente. Enfim, era nas ruas que ocorriam as contravenções, os barulhentos
batuques, as pelejas entre ralé. As ruas eram, por conseguinte o espaço da desordem e da
intranqüilidade pública, ao menos para os escravizadores.
Nas ruas e barrancas da vila, os habitantes que não possuíam latrinas nos quintais,
jogavam pesados utensílios contendo dejetos residenciais. Muitos corumbaenses tinham o
costume de deslocar-se às áreas desabitadas da cidade para fazer suas necessidades
fisiológicas. Comumente, as pessoas depositavam as fezes em latas e jogavam durante a
noite nas barrancas. Também em Corum era, uma quase aventura sair à noite às ruas.
Esta característica é similar às observações de Gilberto Freyre contidas nas páginas de
Sobrados e mucambos: “Noite de escuro, é que sair de casa, nas cidades brasileiras dos
princípios do século XIX, tinha um quê de aventura. Tudo escuro; becos estreitos; poças de
lama; ‘tigres’ estourados no meio da rua; bicho morto. [...] De modo que o prudente era
sair-se com um escravo, levando uma luz de azeite de peixe que alumiasse o caminho, a
rua esburacada, o beco sujo”.
49
2.2 Sarobá: bairro de negros
“Vou lançar a teoria do poeta sórdido. Poeta Sórdido: aquele em
cuja poesia há a marca suja da vida”.
50
Manuel Bandeira
Abolida a escravidão em 1888, muitos ex-cativos afastaram-se dos ex-proprietários
e, portanto dos espaços mais nobres da cidade de Corumbá e estabeleceram-se em locais
desprezados pela população local, principalmente pelas pessoas mais abastadas. Nos becos,
nos locais desvalorizados, nos arrabaldes, os africanos e afro-descendentes, recém libertos
48
Cf. Capítulo 3º. Art. 5º. Código de Posturas Municipais da Câmara Municipal da cidade de Santa Cruz de
Corumbá. 22 de Abril de 1881.
49
FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 70.
50
Cf. BANDEIRA, Manuel. “Nova Poética”. In: Poesia Completa e prosa. 2. ed. Rio de Janeiro: Aguilar,
1967. p. 336. “Nova Poética” fez parte do Livro “Belo Belo”, publicado em 1948.
81
e seus descendentes construíram suas moradas. Era nesses guetos sórdidos que se alojavam
os homens livres e pobres, excluídos sem rodeios dos espaços burgueses.
Muitos escritores do início do século XX tentaram retratar em seus trabalhos uma
visão prismática do cotidiano envolvendo o campo, a cidade, os homens. Na década de 30,
o poeta Lobivar de Matos, serve-se de sua imaginação criadora marcada pela influência do
modernismo brasileiro, embora não tivesse feito parte do grupo literário nascido em São
Paulo, em 1922. A identificação com o estilo modernista é flagrante. Se na Poética,
Manoel Bandeira revelava-se insatisfeito com as convenções do lirismo comedido... do
lirismo bem comportado... do lirismo namorador
51
, Lobivar também demonstrava as
experiências particulares e concretas para contrapor-se aos pressupostos e preocupações do
romantismo: “Foram os tempos em que eles [ os poetas] faziam da Arte um divertimento
espiritual. Eram egoístas. Falavam de si, de suas tristezas, de suas mágoas, de seus amores,
de suas emoções, tudo de forma apropriada, nos quartetos de rimas ricas e nos sonetos
metrificados a rigor. Hoje os poetas refletem os anseios, as revoltas, as durezas amargas da
época e do meio em que vivem”.
52
Inconformado com os obstáculos que as pessoas encontravam na vida diária, Manoel
Bandeira inclinava-se a extrair idéias das coisas observadas apontando suas intenções e
procedimentos na composição de seus escritos: “Vou lançar a teoria do poeta sórdido.
Poeta Sórdido: aquele em cuja poesia a marca suja da vida”
53
. Como Manoel Bandeira,
Lobivar marcou sua inquietude em Sarobá, 1936
54
, apropriando-se dos lugares onde
ficavam registradas as permanências das grandes experiências, como a lembrança, a
saudade, o sofrimento: [...] me arrisco, num lance de coragem e audácia, a publicar este
livro [Areôtorare poemas bororos]. Escrevi-o em Mato Grosso, em 1933, quando
terminei meu curso ginasial, aos 18 anos. Faço-o em parte, contentíssimo, na suposição de
que contribuo de algum modo para a poética nacional. Quebrando os velhos moldes,
abandonando os temas irrisórios, dando largas ao pensamento livre, os poetas da geração
moderna são obrigados a falar nas coisas humildes, nos dramas cruciantes dos desgraçados,
dos miseráveis, dos parias sem pão, sem amor e sem trabalho. Esse é o papel dos poetas de
minha geração”.
55
51
Em 1930 ocorreu a publicação de Libertinagem, reunindo os poemas de Manoel Bandeira escritos entre os
anos de 1924 e 1930, inclusive Poética, numa edição de 500 exemplares, custeada pelo próprio autor. Cf.
BANDEIRA, Manuel. Poética. In: Poesia Completa e prosa. 2. ed. Rio de Janeiro: Aguilar, 1967, p.247-8.
52
Trecho extraído da seguinte obra: LINS, José Pereira; OLIVEIRA, Doratildo. Lobivar de Matos - o poeta
desconhecido. Dourados: Departamento Cultural do Colégio Oswaldo Cruz de Dourados, 1994.p. 24.
53
Cf. BANDEIRA, Manuel. “Nova Poética”. In: Poesia [...] Ob. cit. p. 336.
54
Sarobá - poemas. Rio de Janeiro: Minha Livraria, 1936.
55
Cf. LINS, José Pereira; OLIVEIRA, Doratildo. Lobivar[...].Ob. cit. p. 23-4.
82
A poesia “Sarobá”, em língua bororo significa lugar sujo, não despida de
preconceitos, foi escrita na década de 30 por Lobivar de Matos e foi dedicada a um bairro
miserável de afro-descendentes de Corumbá: “Bairro de negros, negros descalços, camisa
riscada, beiçolas caídas [sic], cabelo carapinhé; negras carnudas rebolando as curvas [sic],
bebendo cachaça[sic]; negrinhos sugando as mamas murchas das negras[sic], negrinhos
correndo doidos dentro do mato, chorando de fome”. As casas erguidas nesse beco
localizado, ao que tudo indica, no “extremo nascente da rua Delamare, além da rua
Ladário”
56
, com a acesso à ladeira dona Emília, eram simples, de material ordinário e piso
de terra socada e seus moradores cotidianamente faziam seus barulhentos batuques:
“Bairro de negros, casinhas de lata, água na bica pingando, escorrendo, fazendo lama;
roupa estendida na grama; esteira suja no chão duro, socado (...) lampião de querosene
piscando no escuro; negra abandonada na esteira tossindo e batuque chiando no terreiro;
negra tuberculosa escarrando sangue, afogando a tosse seca no eco de uma voz mole que se
arrasta a custo pelo ar parado (...) Bairro de negros, mulatas sapateando, parindo sombras
magras, negros gozando, negros beijando, negros apalpando carnes rijas; negros pulando e
estalando os dedos em requebros descontrolados[sic]; vozes roucas gritando sambas
malucos[sic] e sons esquisitos [sic]agarrando e se enroscando nos nervos dos negros”.
57
Para a sociedade o espaço ocupado pelos afro-descendentes era um problema social
não resolvido, o qual incomodava. Sarobá representava a transgressão, a discriminação
pungente e a comprovação de que também em Corumbá discriminação racial e social não
foi abolida no dia 13 de maio de 1888, resultando na exclusão da população negra e na
formação por estes de um espaço próprio, caracterizado pelo poeta como um bairro
desorganizado, barulhento e insignificante. “Bairro de negros, chinfrim, bagunça, Sarobá”.
Nesse espaço miserável, os afro-descendentes viviam em meio à miséria, às doenças, a
falta de asseio, à promiscuidade forçada. Os negros do bairro Sarobá eram os resquícios e o
prolongamento eternamente reiterado da escravidão.
No início do século XX, os prósperos comerciantes investiram na construção de uma
imagem que escamoteava os lugares desqualificados, como os becos, as ladeiras escuras,
as habitações miseráveis. Nas três primeiras décadas do século XX, um grupo de
investidores comerciais, enriquecidos pelo comércio de importação e exportação, buscou
deixar na memória do povo mato-grossense a idéia de uma Corumbá moderna, em
56
Cf. BÁEZ, Renato. Corumbá: Reminiscências e Impressões. São Paulo: Vaner Bícego, 1975. p.72. O
mesmo autor aponta também, outras “zonas bairristas e rivais”: Praia Vermelha, Fortaleza, Trincheira,
Borrowski, Cacimba da Saúde, Paiol de Pólvora e Ponta do Morro. p. 72-3.
57
MATOS, Lobivar de. Sarobá. Poemas. Rio de Janeiro: Minha Livraria, 1936. p. 9-10.
83
desenvolvimento, representada por fotos das construções de alvenaria com um e dois
pavimentos e várias aberturas.
As ruas fotografadas e expostas exibiam calçamento completo ou em andamento.
Sociedades beneficentes, casas comerciais, hotéis, caixa d’água, hospital, postes de
iluminação, estação telegráfica, correios, praças, igreja, serrarias, olarias a vapor,
cervejaria, escola. Eram as imagens dos melhores espaços da sociedade local mostrados em
álbum como símbolos de uma modernidade pretendida, como prova da superação dos
problemas do século anterior. Ruas limpas com seus postes de iluminação no meio,
calçadas largas, casarões de alvenaria, homens bem vestidos com gravata, paletó e chapéus
nas mãos, de compridos bigodes aparecem nas fotos representando a sociedade de
Corumbá.
Generoso Paes Leme de Souza Ponce foi um desses prósperos comerciantes da
cidade, no início do século XX. Proprietário de um armazém atacadista localizado no
porto, Generoso Ponce tinha o costume de todos os dias, após fechar sua loja às seis da
tarde, subir uma das ladeiras
58
, trajando “habitualmente fraque e chapéu de Chile e,
quando cansava durante a subida na ladeira, repousava “[...] a bengala sobre a nuca,
segurando-lhe as extremidades com as mãos, como se fossem barras”.
59
O referido
comerciante morava em uma residência localizada em frente à praça da Matriz, conhecida
hoje como praça da República. Nesse espaço privilegiado da parte alta da cidade, Ponce
alcançava sua casa através da rua “Frei Mariano, dobrando a De Lamare, à esquerda até a
Praça da Matriz”.
60
Generoso Ponce Filho registrou nas memórias de Generoso Ponce, a forma como seu
pai prosperou nos negócios: “A pequena loja, de duas portas e um sobradinho, no porto em
pouco tempo exígua para o vulto crescente dos negócios. Troca com Miguel Vasquez e
passa para o prédio contíguo, mais de três vezes maior. Em baixo, o armazém, em cima, os
escritórios. Uma das ladeiras que dão acesso à cidade, passa nos fundos, à altura do
sobrado. É pela porta de ferro de trás que Ponce entra todas as manhãs”.
61
As construções mais simples, da beira do rio, de duas águas com uma porta e uma
janela, algumas de pedra, outras de madeira, construídas desordenadamente incrustadas nas
barrancas calcáreas, não passaram despercebidas aos olhos do fotógrafo de Corumbá
Miguel Peres, apesar do Álbum ter sido confeccionado com a colaboração de vários
58
Pelo exposto no relato, tudo indica que tratava-se da ladeira conhecida atualmente como José Bonifácio, a
qual foi calçada em 1922.
59
PONCE FILHO, Generoso. Generoso Ponce, um chefe. Rio de Janeiro: Pongetti, 1952. p. 352.
60
Id. ib. p. 353.
61
FILHO, Generoso. Generoso Ponce, um chefe. Rio de Janeiro: Pongetti, 1952. p. 351.
84
segmentos da sociedade mato-grossense e patrocinado pelo presidente do Estado de Mato
Grosso, Joaquim Augusto da Costa Marques , com o objetivo de mostrar as peculiaridades
do Estado, sobretudo a modernização da cidade de Corumbá, a beleza e a prosperidade dos
comerciantes, representadas pelas ruas largas e pela arquitetura existente. Porém, o
contraste de imagens da promissora cidade foi amenizado com uma curiosa referência. O
conjunto das casas humildes foi denominado “Rancheria pitoresca”, para amenizar o
impacto que se esperava ao leitor ou ao observador do progresso corumbaense. A imagem
da pobreza, focada nas casas simples rodeadas de mato e pedra, foi transformada em
símbolo de originalidade, portanto, apenas por isso, característica de certa beleza e digna
de contemplação. Contudo, persistiam muitos problemas sociais, sobretudo nos espaços
afastados dos meios comerciais e pouco freqüentados pelos homens bem sucedidos nos
negócios. Longe da ribalta faustosa das casas comerciais, nos arrabaldes, existia como
foi exposto, o Sarobá, bairro dos negros transgressores, das casinhas de lata e chão brejado.
Ao contrário das imagens, reproduzidas nas fotografias, cujas intenções pode levar a
uma interpretação diversa da realidade, os textos literários reproduzem aspectos da
sociedade, através da experiência do próprio autor. Em se tratando da poesia Sarobá, temos
a informação de que a cidade de Corumbá do início do século XX, não era o somente
homogênea e próspera, aspectos retratados nas fotografias exibidas no Álbum Gráphico de
Mato Grosso.
62
Além das ruas calçadas e amplas, havia as desprovidas de calçamento e
sujas. Além dos homens vestidos elegantemente, havia os populares, em boa parte, negros,
descalços, que vestiam tradicionalmente a camisa riscada. Além do porto e das distintas
ruas fotografadas por apresentar calçamento e construções semelhantes às construções da
Capital Cuiabá, havia o Sarobá, local de contravenções e baderna cujos Códigos de
Posturas não eram obedecidos, por absoluta falta de condições dos seus moradores e
descaso para com eles das autoridades.
Entretanto, os espaços ocupados pelos negros escravizados e posteriormente pelos
ex-cativos após a Abolição foram motivos de preocupação para as autoridades. Desde a
escravidão, a sociedade abastada temia os ajuntamentos de cativos. Por isso, a legislação
procurou manter os trabalhadores escravizados afastados e os proprietários abusavam de
sua autoridade colocando-os para trabalhar incessantemente. Assim, ficariam ocupados e
não teriam tempo para se envolver em delitos. Durante a escravidão, os espaços
freqüentados pelos cativos, libertos e negros livres eram evitados pelas chamadas elites.
62
AYALA, S. Cardoso; SIMON, F. Álbum Gráphico do Estado de Matto Grosso. Corumbá/Hamburgo,
1914.
85
Após o fim da escravatura, os locais habitados pelos negros prosseguiram sendo
considerados inferiores e ameaçadores.
Na obra Gente e coisas de antanho, ao comentar os crimes ocorridos em Cuiabá na
segunda metade do século XIX, o desembargador José de Mesquita referiu-se também
preconceituosamente a um lugar chamado Beco Sujo, freqüentado por negros, meliantes,
escravos reincidentes, onde haveria muito barulho, batuque e crimes. “Não descura a
Polícia na suspicaz vigilância dos meios onde o crápula [sic] se expande em rega-bofes
[sic], jogatinas ilícitas e outras manifestações da malandrice [sic]. Assim é que nas ‘partes’
semanalmente enviadas ao Presidente da Província pelo chefe do departamento da
segurança pública se observa, com freqüência, as ‘batidas policiais’ nos antros do vício
[sic], com prisão de elementos perigosos, escravos, desordeiros, gente da ralé [sic], que,
nos batuques e casas suspeitas, se divertem rumorosamente”.
63
Porém, o “Beco Sujo” da cidade de Cuiabá, para escândalo dos homens de bem na
época e espanto do autor, era freqüentado também por aqueles que, embora considerados
superiores aos negros, buscavam diversão. Essa situação encontrou o chefe de polícia
Santos Ferreira, o qual no dia 03 de julho de 1876 numa diligência ao Beco Sujo “[...] onde
se realizava barulhento batuque e encontrou, a par de meliantes e negros, vários guardas
nacionais, de boa extração, que se irmanavam com os demais na esturdia e na vadiagem”.
64
José de Mesquita, homem do século XX, emitia ainda sua visão reacionária sobre as
sobrevivências africanas em Mato Grosso. Para ele, os becos eram “pontos de reunião do
populacho [sic], freqüentados por escravos reincidentes na contravenção de andar e desoras
eram quase sempre as alfurjas humanas, onde, como num excelente caldo de cultura,
germinava a fauna mórbida e sinistra do crime”.
65
Segundo o Aurélio, “alfurja”, termo de
origem árabe, significa: “Pátio interno destinado a ventilar e iluminar cômodos de uma
casa”; “rua estreita, ou área qualquer, onde se atirava o despejo das casas”; “pocilga,
monturo”; “lugar de má fama, ou onde se praticam atos moralmente reprováveis”.
O ajuntamento de cativos e de ex-cativos, com outras pessoas humildes era vigiado
pelas autoridades, porque nos becos, espaços socialmente desqualificados, aglomeravam-se
cativos sem autorização dos escravistas, que temiam atos de socialização, conspirações,
delitos. No Beco Sujo cuiabano, os negros escravizados fustigados pela sociedade
escravista,procuravam espaço de socialização.
63
MESQUITA, José. Gente e coisas de antanho.Cuiabá: Secretaria Municipal de Educação e Cultura, 1978.
p. 70.
64
Id. Ibidem.
65
Id. Ibidem.
86
O poeta Lobivar de Matos, que também contemplou no seu discurso poético o beco
sujo de Cuiabá, através da poesia Beco Sujo, retratou o lugar como estreito e escuro. “Beco
estreito, beco sujo. O vento está soprando o único lampião que continua aceso. O vento não
gosta de luz e quer apagar a lua que se estirou molenga no silêncio da noite. Sombras
esguias, sombras frouxas, são cabides para meus sentidos assustados”.
66
Observou o autor que no beco de Cuiabá, passava mulher feia, homem bado e
animais doentes, situações negativas supridas pela melodia característica do local, o samba.
Também a linguagem e o tratamento, ambos ordinários, eram correntes. “Passa uma
mulher magra que é esqueleto só. Atrás dela vem um cabra danado, zigue-zagueando,
desenhando linhas curvas, tropeça aqui, agarra lá. Psiu!... Psiu!...Vá para o inferno, peste!
Passa uma cadelinha sarnenta correndo e atrás um “vira-lata” latindo. Lá adiante, no fim do
beco, um chorinho-chorado está dizendo que há samba gostoso, que a tristeza virou alegria,
que a carne não tem cor”.
67
Destaque-se o preconceito do poeta ao descrever praticamente
no mesmo vel a “mulher negra que é esqueleto”, o “cabra danado”, “cadelinha sarnenta
correndo atrás de um vira-lata”.
Prossegue o poeta: “Cururu. Siriri. Chorinho-chorado. Sala cheia. Lampiões
enforcados em cordas de fumaça. São Benedito no altar. Negro só: soldados de polícia,
marinheiros, gente do povo, gente simples, gente boa. Caninha corre roda, o para, pra
que parar? O chorinho vai pegar fogo, negrada! O rio Cuiabá está quieto, encolhido,
assustado com a alegria daquela gente triste. [...]”.
68
66
MATOS, Lobivar. Sarobá. Poemas. Rio de Janeiro: Minha Livraria, 1936. p. 11.
67
Id ib. p. 12.
68
Id. ib. p. 12-13.
87
CAPÍTULO III
Evolução das edificações urbanas de Corumbá no
período escravista
Deus atirou no espaço um punhado de estrelas...
Uma chegou à terra. Outras tardam ainda.
A que desceu, por certo a mais luzente delas,
Veio e se transformou numa cidade linda!
Desceu, porque do alto o Paraguai parece
Neste ponto uma jóia: escreve em prata um S
que a estrela imaginara um prendedor ideal
ligando à serraria o imenso pantanal.
E como a muita estrela o céu azul não baste,
Caiu como um brilhante, à procura do engaste!
E Corumbá surgiu, por sobre a terra branca,
na alegria sem par do gentil casario,
entre o verde dos montes, no alto da barranca,
debruçada a sorrir para o espelho do rio...
Lenda Bororo do poeta corumbaense
Pedro de Medeiros.
3 Evolução das edificações urbanas de Corumbá no período escravista
1. Mãos negras na semeação de povoados
Até meados do século XIX, eram poucas as grandes aglomerações urbanas no Brasil,
à exceção das cidades do Rio de Janeiro e Salvador. Em sua grande maioria, os negros
escravizados eram comprados nos principais portos do litoral – São Luiz, Recife, Salvador,
Belém e Rio de Janeiro e encaminhados aos núcleos produtivos existentes nos mais
diversos pontos do Brasil. Mesmo assim, muitos cativos faziam parte da paisagem urbana.
Eles povoavam as moradias e perambulavam pelas ruas, praças, portos, oferecendo seus
produtos e serviços. Nas cidades portuárias, cativos negros e mestiços circulavam pelos
logradouros públicos desenvolvendo variadas tarefas. Era, sobretudo com africanos e afro-
descendentes que o viajante apenas-chegado deparava-se nas cidades do nosso país.
1
A grande quantidade de cativos, sobretudo nas cidades brasileiras do litoral, levava o
visitante europeu a imaginar que se encontrava em uma aglomeração da costa africana.
Como vimos, a força do cativo de ganho movia de um lado para o outro todo tipo de
mercadoria. Nos portos, o havia maquinário específico para descarregar as mercadorias;
além disso, as residências não funcionavam sem a presença do cativo doméstico; nas ruas,
os escravistas negavam-se a carregar um chapéu ou pequenos pacotes que fossem. A posse
de ao menos um cativo era imprescindível para que o proprietário recebesse
reconhecimento e respeito.
Em Mato Grosso, os depósitos auríferos, descobertos às margens do rio Coxipó-
Mirim, no início do século XVIII, exigiam braços produtivos para os trabalhos de extração.
Predominava nessa região o ouro de aluvião e o minério era encontrado em veios
superficiais. A exploração, portanto, era realizada sem grandes recursos materiais, com
ampla utilização de instrumentos rudimentares, recorrendo-se às escavações e à lavagem
dos cascalhos. Desde os primeiros tempos da extração do ouro em Mato Grosso, quando a
cobrança de impostos era organizada sobre a quantidade de ouro extraído, tem-se a notícia
da entrada de trabalhadores escravizados nos arraiais, fundados nos locais onde metais
preciosos eram encontrados.
1
Cf. KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro: 1808-1850. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002.
89
Para o historiador mato-grossense Edvaldo de Assis
2
, o cativo foi introduzido nas
minas, sobretudo para sanar a necessidade de mão-de-obra utilizada na extração de ouro
iniciada em 1719.
O procurador da Fazenda Real Fellippe José Nogueira Coelho registrou, em suas
Memórias Chronológicas da Capitania de Mato Grosso principalmente da Provedoria da
Fazenda real e Intendência do ouro, acontecimentos pertinentes à capitania de Mato
Grosso entre 1717 a 1780. Na obra constam entre os valores cobrados sobre o ouro
recolhido nas áreas de mineração, comentários sobre a descoberta das minas, a nomeação
de provedores, ataques indígenas, sobretudo o uso da mão-de-obra cativa. Nestes espaços
os exploradores foram fundando vilas e erguendo igrejas, moradias e outras construções.
Na margem do rio Coxipó-mirim, onde Pascoal Moreira Cabral e sua comitiva de
viagem, em 1717, “observaram que nos barrancos do rio se viam alguns granitos de ouro
cravados em pedraria”, fundando rapidamente nesse lugar um arraial. Mais tarde, em 1722,
foi fundado um outro núcleo minerador, com o nome de Senhor Bom Jesus do Cuiabá. Em
cada um deles havia provedores e tesoureiros responsáveis pelo registro e cobranças de
impostos sobre o ouro extraído e de cativos que chegavam para trabalhar na mineração.
Em 1726, com o governador e capitão-general Rodrigo Cezar de Menezes, que teve a
missão de elevar o arraial do Bom Jesus do Cuiabá à situação de vila e regular a
arrecadação dos impostos, chegaram vinte e oito trabalhadores escravizados para lhe
servir, elevando, então, a quantidade de cativos na região. Em 1728, dois mil seiscentos e
sete escravos foram registrados nos livros de arrecadação da então Vila Real do Bom Jesus
do Cuiabá.
3
De 1750 a 1777, durante a administração pombalina, a colônia portuguesa foi
marcada pela reorganização administrativa, com o objetivo de ampliar a eficiência da
exploração colonial. Nesses 25 anos, Pombal foi o primeiro ministro português que se
propôs a redefinir a base territorial do norte do Brasil e a guarnecer com fortalezas
militares terras sulinas e ocidentais de Mato Grosso. Quatro capitães-generais fizeram parte
do governo de Mato Grosso, nesse período: Antônio Rolim de Moura (1751-1765), João
Pedro mara (1765-1767), Luiz Pinto de Souza Coutinho (1767-1769) e Luiz de
2
Cf. ASSIS, Edvaldo de. Contribuição para o estudo do negro em Mato Grosso. Cuiabá: UFMT/Proed,
1988.
3
Cf. COELHO, Filippe José Nogueira. Memórias Chronológicas da Capitania de Mato-Grosso.
Principalmente da Provedoria da Fazenda Real e Intendência do Ouro. Revista Trimestral de História e
Geografia, 1850. p. 142-144.
90
Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres (1772-1789). Este último administrou a Capitania
na vigência de Pombal e de seu substituto o Ministro Martinho de Mello.
4
As Instruções ditadas por Portugal através dos órgãos administrativos coloniais,
como o Conselho Ultramarino, envolviam a questão do povoamento da Capitania de Mato
Grosso, depois de definido o Tratado de Limites de 1750. Em atenção às instruções
pombalinas, Rolim de Moura fundou, em 1752, às margens do Guaporé, a Vila Bela da
Santíssima Trindade, como sede da Capitania de Mato Grosso.
Em seu estudo sobre Brasil e Portugal no período Pombalino: ocupação
geoestratégica de Mato Grosso, a historiadora Maria do Carmo Brazil explica que:
“Enquanto as Instruções a Rolim de Moura tinham uma projeção essencialmente
amazônica, onde a linha de fronteira vinha riscar o Alto Guaporé, o Madeira e o Mamoré,
as Instruções a Luiz de Albuquerque projetavam a ocupação da margem oriental do rio
Paraguai e a fortificação das margens dos rios, concretizada na construção do Forte
Príncipe da Beira, no médio Guaporé e dos Fortes de Nova Coimbra e Miranda, no Alto e
Médio Paraguai. Emergiu, nessa galeria de capitães-generais, a imagem de Luiz de
Albuquerque, como um agente administrativo cujas ações ultrapassaram as minuciosas
Instruções da Metrópole na defesa da soberania lusitana”.
5
Nesse sentido, durante o século XVIII, o governo português precisava atrair e fixar
colonos para consolidar a defesa da vasta área colonial de Mato Grosso. Pela lógica da
colonização lusitana, a ocupação do interior significava povoamento e defesa. Mas para
labutar nos primeiros núcleos sertanejos de mineração, o negro escravizado tornou-se peça
indispensável na instalação do sistema colonial em Mato Grosso.
Esse aspecto foi registrado pela correspondência de Rolim de Moura, primeiro
capitão-general de Mato Grosso, datada de 22 de dezembro de 1752: “[...] é circunstância
essencial a introdução de negros, pois Vossa Excelência sabe muito bem, os brancos, sem
eles, em toda parte da América, e principalmente em minas quase se pode dizer que são
inúteis. Além da utilidade que fazem aos comboeiros remando-lhes as canoas, e sendo ao
depois aqui a fazenda de maior saída, também a concorrência deles nos livrará a ambos de
bastante cuidado, evitando a traficância, e violências que exercitam os ditos comboieiros
com os índios, servindo-se do pretexto de não terem pretos para lhe remarem”.
6
4
Cf. BRAZIL, Maria do Carmo. Brasil e Portugal no período Pombalino: ocupação geoestratégica de
Mato Grosso. IV Congresso Internacional de Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUC, 2000. V
(CD ROM).
5
Id. ib.
6
ROLIM DE MOURA, D. Antônio. (Carta de D. Antônio Rolim de Moura enviada a Francisco Xavier de
Mendonça Furtado). Correspondências. Cuiabá: Imprensa Universitária. NDIHR/UFMT, 1982. p. 122-23.
91
Em carta enviada a Diogo de Mendonça Corte Real, em 25 de setembro de 1754,
Antônio Rolim de Moura
7
registrou que nenhuma atividade poderia ser realizada sem o
braço do cativo. Nas plantações, nos transportes, nos comboios monçoeiros e nas
construções, a mão-de-obra cativa era amplamente utilizada. O mesmo ocorria com
destaque nas minas, onde o trabalho era árduo e insalubre, a ponto de exigir a substituição
freqüente de cativos, pois envelheciam e morriam precocemente.
Como no Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e outras aglomerações urbanas, em
Mato Grosso, o cativo ganhador e de aluguel envolveram-se com as construções das
moradias e edificações. As construções rústicas das povoações e vilas fundadas nas terras
mato-grossenses eram elevadas pelos cativos. Também durante as viagens pelo
desconhecido território mato-grossense, paulistas e europeus eram auxiliados por cativos.
Em outubro de 1722, o sorocabano Miguel Sutil, acompanhado por um europeu,
vários cativos e índios trilhadores encontrou um local com abundante quantidade de ouro.
A região rica em ouro, denominada Lavras de Sutil, logo foi transformada em arraial e uma
igreja foi construída com cobertura de palha, a Igreja do Senhor Bom Jesus do Cuiabá. Os
cativos também construíram uma capela a São Benedito. Segundo o cronista Joseph
Barboza de Sá, o qual residiu na vila de Cuiabá desde sua fundação, exercendo a profissão
de advogado: “[...] levantaram os pretos uma capelinha a São Benedito ao Lugar chamado
depois rua do sebo, que daí a poucos anos, caiu e não se levantou mais”.
8
Registrou ainda
que a lavra do Arraial do Coxipó “[...] foi a mancha de ouro mais copiosa que se tem
achado em todo o Brazil”.
9
Após um mês de trabalho nas Lavras de Sutil, quatrocentas
arrobas de ouro foram extraídas.
Também a historiadora Maria de Lourdes Bandeira ressalta a participação da mão-
de-obra cativa nas construções, em Mato Grosso, ao lembrar que, apesar dos trabalhadores
livres serem destinados ao trabalho nas construções, na beira do rio Guaporé, foram,
sobretudo os negros que construíram Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital de
Mato Grosso. A seguir, com o refluxo das minas, o cativo passou a trabalhar na retirada da
erva-mate, na produção da cana-de-açúcar e nas atividades pecuárias como vaqueiro e
curtidor, além de se desempenhar como remador, pintor, sapateiro, oleiro, marceneiro,
etc.
10
7
Id. ib.
8
BARBOSA de SÁ, Joseph. Relação das povoaçones do Cuiabá e Mato grosso de seos princípios thé os
presentes tempos. Cuiabá: UFMT, 1975. p. 15.
9
Id. ibidem.,p. 15.
10
Cf. BANDEIRA, Maria de Lourdes. Território negro em espaço branco. São Paulo: Brasiliense, 1988.
92
Na sociedade escravocrata mato-grossense, o trabalhador escravizado labutou
igualmente na construção das obras necessárias à defesa territorial: Nos destacamentos “de
Casalvasco, das Pedras, nos Fortes de Coimbra, do Príncipe da Beira, Fortim de Nossa
Senhora da Conceição, posteriormente, Fortaleza da Bragança nos Arsenais da Marinha e
da Guerra e na Fábrica de Pólvora era empregada a mão-de-obra escrava, através dos
chamados escravos da nação”.
11
O Quartel de São Gonçalo, construído a partir de 1820, também foi erigido por
cativos de aluguel que desempenharam atividades de pedreiros, carpinteiros e serventes.
No decorrer da construção do Forte do Príncipe da Beira, desenhado e inspecionado
pessoalmente pelo capitão general Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, os
trabalhadores escravizados derrubaram a mata onde seria elevado o quartel e as casas;
retiraram as pedras da pedreira e carregaram ao local para levantar as construções; fizeram
os serviços de taipa; prepararam a alimentação necessária; levantaram as paredes do forte.
As obras do forte iniciaram no dia 19 de Abril de 1775 “com 27 pretos do Rei e 16
dos de Manoel de Souza Silveira neste lugar das obras tiveram elas princípio, cortando-se
o mato na margem do rio e nas vizinhanças da minha morada, aonde tenho mandado
levantar o meu quartel com o cômodo destinado para o risco, por me parecer indispensável
esta providência, pois não tenho abrigo, nem aonde escreva, muito menos aonde risque”.
12
Gilberto Freyre teve acesso a cartas, desenhos e projetos feitos por Luiz de
Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, guardados pela família dos Albuquerque, em
Portugal, na Casa da Ínsua. Com base nesses documentos, escreveu a obra Contribuição
para uma sociologia da biografia
13
, publicada em 1978 pela Fundação Cultural de Mato
Grosso, por ocasião do bicentenário da fundação das cidades de Corumbá e ceres,
legando valiosa contribuição à historiografia mato-grossense. Freyre narra na obra a
trajetória dos portugueses na consolidação do domínio lusitano nas terras mato-grossenses
através da construção de fortes e da fundação de vilas e cidades “dando a essas povoações
situadas nos trópicos características portuguesas e nomes lusitaníssimos; trazendo escravos
11
ASSIS, Edvaldo. Contribuição para o estudo do Negro em Mato Grosso. Cuiabá, UFMT/Proed, 1988. p.
41.
12
Documento nº 1, de 27 de Abril de 1775. Registro de rascunhos de cartas, datadas do Forte do Príncipe da
Beira, possivelmente da autoria do diretor das obras (1775-1777). FREYRE, Gilberto. Contribuição para
uma Sociologia da Biografia.. Fundação Cultural de Mato Grosso/MT, 1978. p. 289.
13
FREYRE, Gilberto. Contribuição para uma sociologia da biografia: O exemplo de Luiz de Albuquerque
governador de Mato Grosso no fim do século XVIII-Cuiabá: Fundação Cultural de Mato Grosso, 1978.
Corrêa Filho, Virgílio. Luiz de Albuquerque – fronteiro insigne Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942.
93
negros, quer da África e ainda boçais, quer do Pará e do Rio de Janeiro, e ladinos e
peritos como carpinteiros e pedreiros [...]”.
14
Os cativos que trabalharam na obra do forte Príncipe da Beira descansavam em um
“telheiro de dez braças de comprido e três de largo”, no qual também o serviço de
carpintaria era realizado. O serviço de “lavrar a pedra” era árduo e desgastante, tanto que
Luiz de Albuquerque designava para essa tarefa os pretos “oficiais dos mais inferiores e os
pretos aprendizes”.
15
As primeiras quantidades de pedras usadas na construção do forte foram buscadas
em Belém. Era difícil o transporte do material pelo rio Madeira, mas ainda era
desconhecida a grande quantidade de pedra existente no povoado de Albuquerque, fundado
apenas em 1778, cujo acesso poderia ser feito através do rio Paraguai. “Sabe-se que Luiz
fez vir do Pará e, mais tarde, do Rio [de Janeiro], escravos peritos na carpintaria, pedreiros
exercitados, ferramentas e ferragens”.
16
Luiz de Albuquerque acreditava que seria fácil encontrar madeira e pedra na região
do Guaporé, materiais necessários às construções, tanto que comunicou ao marquês de
Pombal em 12 de Fevereiro de 1774, um ano e dois meses antes do início da fortificação,
que sem muitas dificuldades encontraria madeira e pedra. A madeira foi encontrada
facilmente. Porém, como evidenciado, Luiz de Albuquerque não encontrou a mesma
facilidade em obter a pedra.
A Carta de Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres para o marquês de
Pombal acerca das vantagens que reunia a zona da barra do rio Mequéns com a Guaporé
para se erigir uma feitoria de comércio, registrava: “Não será nada dificultoso achar muito
na vizinhança da baixa pelas diferentes margens dos rios toda a quantidade e qualidade que
se quiser de madeiras próprias para a construção do edifício delineado e se persuade
também o mesmo Governador que sem grande diligência se poderá descobrir junto do
mesmo sítio determinado toda a porção de pedra que necessariamente for para a fundação
dos alicerces; pois que o resto da obra pareceria conveniente fabricá-lo de taipa, segundo
geralmente se praticam nestas terras, a respeito dos edifícios que se reputam principais,
ajuntando-se lhe depois os portais necessários de boa madeira, que ficam sendo de uma
perdurável duração”.
17
14
FREYRE, Gilberto. Contribuição [...]. Ob.cit. p. 138.
15
Documento 24, de 10 de Dezembro de 1776. Registro de rascunhos de cartas, datadas do Forte do
Príncipe da Beira, possivelmente da autoria do diretor das obras (1775-1777). FREYRE, Gilberto.
Contribuição [...]. Ob.cit. p. 289- 324.
16
FREYRE, Gilberto. Contribuição [...].Ob.cit. p. 149.
94
A construção de fortes e de moradias e a constituição de povoações e vilas
representavam as estratégias básicas de ocupação e de povoamento na ampliação do
poderio português. As tarefas mais árduas dependiam da força dos muitos trabalhadores
escravizados. Além disso, era uma missão que exigia cativos habilidosos na retirada das
pedras das pedreiras, preparar o barro e a madeira. A falta de moradias para os próprios
agentes da Coroa era premente e tornava-se um problema maior, considerando a missão de
ocupação, de povoamento e de construção da fortificação. O próprio Luiz de Albuquerque
informou em carta ao rei de Portugal que ao chegar ao local onde mandaria construir o
forte Príncipe da Beira foi obrigado a instalar-se “nas casas” que haviam sido da “preta
Anna Moreira”, descrita como habitação com alpendre na frente e com cobertura inferior e
escura “por falta de janelas como costumam ser as casas que são dos pretos”.
18
O período da história mato-grossense marcado pelas disputas entre Portugal e
Espanha pela posse da margem oeste do rio Paraguai foram tempos difíceis para a
povoação de Albuquerque (hoje Corumbá) e para os presídios de Miranda e Coimbra.
Frente à possibilidade das autoridades espanholas contestarem as terras ocupadas pelos
portugueses, antes das demarcações previstas, a população não teve permissão para
levantar edificações de alvenaria. Assim, caso a Coroa portuguesa fosse pressionada a
recuar, as pessoas não teriam gastado tempo e valores desnecessariamente. As comissões
demarcadoras deveriam ter delimitado as linhas de separação das terras de Portugal e de
Espanha em 1777, entrando em acordo sobre a margem direita do rio Paraguai. Mas,
devido ao impasse mantido por longos anos, o território foi ocupado pelos portugueses que
temiam ser obrigados a recuar.
19
O primeiro trabalho de derrubada da mata, arruamento da povoação e edificação das
primeiras moradias do povoado de Albuquerque [Corumbá] foi iniciado em 4 de novembro
de 1778 pelo sargento-mor Marcelino Rodrigues Camponês, comandante do Presídio de
Coimbra, em cumprimento à determinação do governador e capitão general da capitania de
Mato Grosso, Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres.“[...] Camponês retornou
com os colonos ao local da fundação e iniciou a limpeza de larga área do terreno
desmatado. Este trabalho prolongou-se até 17 de dezembro e somente neste dia passou ele
17
Documento de 12 de Fevereiro de 1774. Rio da Madeira. FREYRE, Gilberto. Contribuição [...]. Ob.cit. p.
335.
18
Documento 1, de 27 de Abril s de 1775. Registro de rascunhos de cartas, datadas do Forte do Príncipe
da Beira, possivelmente da autoria do diretor das obras (1775-1777). FREYRE, Gilberto. Contribuição
[...].p. 287.
19
MELLO, Raul Silveira de. Um homem do dever. Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1964. p. 127.
95
a arruar a povoação e a locar as moradias. Sobrevindo quatro dias depois, a 21 de
dezembro, a deserção de grande parte dos homens, os trabalhos de construção da povoação
sofreram novo colapso e ficaram interrompidos. Finalmente, um ano depois, a 4 de
novembro de 1779, Leme do Prado, no exercício do comando, vindo definitivamente de
Ladário, instala-se na Povoação, e, sem mais distensas, iniciou a construção das moradias,
dando começo à vida da Povoação”.
20
Conhecido como “semeador de povoados”
21
, Luiz de Albuquerque consolidou a
posse e o real domínio português nas terras de Mato Grosso. Sua morte, em 1786,
praticamente paralisou as atividades de demarcação de limites. Mas expedicionários luso-
brasileiros, como os astrônomos Francisco José de Lacerda e Almeida e Antônio Pires da
Silva Pontes e os engenheiros Ricardo Franco de Almeida Serra e Joaquim José Ferreira
continuaram empenhando-se em resolver as questões de limites entre Portugal e Espanha,
na área de fronteira de Mato Grosso, sempre defendendo o princípio das fronteiras naturais
e do uti possidetis, conforme desejava Luiz de Albuquerque.
Ricardo Franco, junto com Joaquim José Ferreira, Lacerda e Almeida, Silva Pontes e
outros técnicos exploraram milhares de quilômetros, envolvendo os rios e sertões da bacia
do Amazonas e do Paraguai. Segundo Raul Silveira de Mello
22
, Ricardo foi um homem
dedicado ao cumprimento do dever, incansável nas expedições sertanejas e resoluto nos
trabalhos cartográficos e topográficos. Maria do Carmo Brazil lembra que Almeida Serra,
dispondo desses valores, apareceu em todas as comissões de maior importância, legando os
trabalhos de redação sobre a história do rio Paraguai e da conquista do extremo oeste
brasileiro, para os historiadores.
Assim como as primeiras construções coloniais e imperiais erguidas em outras
localidades do Brasil, até a primeira metade do século XIX, a paisagem dos primeiros
povoados mato-grossenses foi marcada pela presença de casas simples levantadas em barro
e cobertas de palha. Corumbá, fundada para conter o avanço dos espanhóis e garantir a
posse da região à Coroa portuguesa, o foi contemplada, em seus primórdios, com
opulentas construções públicas e privadas, pelo menos até o estabelecimento de
comerciantes estrangeiros, em meados do século XIX, que deram início às construções das
grandes casas comerciais de importação e exportação nas margens do rio Paraguai.
20
MELLO, Raul Silveira de. Corumbá, Albuquerque e Ladário. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,
1966. p. 42.
21
FREYRE, Gilberto.“Um fildalgo da Beira, governador de Mato Grosso”. Contribuição [...].p. 138.
22
MELLO, Raul Silveira de. Um homem do dever. Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1964.
96
Como chefe da comissão de engenheiros, Ricardo Franco de Almeida Serra esteve
em 1786 no povoado de Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque (Corumbá),
caracterizando o local como um forte comandado por normas militares, no qual as pessoas
viviam sob disciplina rígida, trabalhando muito, vestindo-se e alimentando mal. Essa
disciplina marcial devia-se às condições territoriais. Na época, não se conhecia totalmente
essa fronteira brasileira, os perigos com os animais, nativos e castelhanos, advindo daí a
necessidade de organização estratégica nos moldes militares.
Ricardo Franco escreveu que a fortaleza tinha a figura de um grande pátio retangular
e era fechado com casas em roda e um portão na frente, constando de 75 passos de
comprido e cinqüenta de largura. Sua população era de duzentas pessoas que plantavam
milho e feijão, produtos superabundantes para o consumo anual. O engenheiro registrou
que havia muito algodão que, depois de fiado, o tecido ia para Cuiabá, para ser trocado por
produtos que os moradores necessitavam. Registrou que a pesca e a caça eram
abundantíssimas e que, embora as habitações fossem cercadas pelos paiaguá e guaicuru ou
cavalheiros, a povoação não era insultada pelos nativos, apesar da aspereza do terreno e de
sua situação.
23
Em Corumbá havia pedra, cal e barro para serem usados nas construções
permanentes. Porém, a 1790, a população esteve impedida de edificar moradias
permanentes, como assinalado. Em conversa com um oficial espanhol Martin Boneo, em
setembro de 1790, o português José Antônio Pinto de Figueiredo, comandante de
Albuquerque, declarou que “o povoado de Albuquerque tudo produzia bem, e, portanto, no
sentido de melhorar-lhe as condições de habitabilidade, propôs construir ali casas duráveis,
de tijolo e telhas. A isso lhe respondeu o capitão-general que tratasse tão de conservá-lo
nas condições em que estava, até que se realizassem as demarcações, pois poderia
acontecer que esses terrenos passassem à Espanha e tudo o que ali fizessem ficaria
perdido”.
24
Também no presídio de Coimbra as obras o eram de materiais duráveis. As
edificações na área escolhida como essencial na defesa do sul da fronteira não passava de
uma paliçada desprotegida e fácil de ser derrubada. Assim permaneceu desde 1775, ano em
que foi executada por Matias Ribeiro, a 1797, quando as relações entre Portugal e
Espanha se agravaram e então, o tenente-coronel Ricardo Franco de Almeida foi designado
ao comando do presídio. Até a chegada de Ricardo Franco [...] comandaram Coimbra
23
SERRA, Ricardo F. A. Diário de reconhecimento do rio Paraguai 1786, p. 76.
24
MELLO, Raul Silveira de. Um homem do dever. Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1964. p. 129.
97
oficiais de milícia, improvisados, homens dedicados e leais, capazes de todos os
sacrifícios, mas grosseiros e sem luzes necessárias para apreciar devidamente uma situação
tática e defrontar-se com tropas regulares inimigas”.
25
O forte de alvenaria estruturada com pedra foi construído no lugar da estacada a
partir de 3 de novembro de 1797. Durante sua edificação, Ricardo Franco de Almeida teve
problemas com a diminuta mão-de-obra de que dispunha. Na falta de trabalhadores
especializados, em certos momentos, o próprio coronel desempenhou o papel de pedreiro e
carpinteiro, ensinando os soldados disponíveis a desempenharem essas atividades. As
obras do forte estenderam-se até 1801, quando ainda faltava “fechar parte do recinto,
faltando a cortina da tenalha da montanha, e sem que houvesse cômodo ou habitação
alguma no seu recinto”.
26
Depois da população ter se estabelecido no local e construído algumas simples
moradias, o povoado de Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque foi arrasado por um
incêndio, em 1800. As casas foram facilmente consumidas pelo fogo, porque eram
cobertas de sapé. Somente uma edificação, coberta de telha, restou no povoado. Segundo
João Batista de Souza, “o pequeno povoado foi varrido por um violento incêndio,
escapando uma capela, já existente no lugar, por ser coberta de telha, quanto que todas as
moradas eram casebres de madeira, cobertas de capim e de palha”.
27
Casas de pau-a-pique e ranchos de palha
As muralhas de Coimbra não intimidaram as autoridades castelhanas que tentaram
em 1801 ocupar o sul de Mato Grosso, atacando para tanto o Forte, que se encontrava em
situação lastimável. “Estava inacabado, sem meios de habitabilidade, sem instalações de
combate e privado de artilharia”.
28
Além das carências da construção, a guarnição do forte
não ultrapassando cem pessoas, descritas por Ricardo Franco como “sendo a maior parte
uns negros velhos e auxiliares; umas crianças, outros molestos ou prejudiciais e muito
cheios do maior terror pânico”.
29
Os cativos vivendo no forte eram vistos como um outro
25
MELLO, Raul Silveira de. Um homem do dever. Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1964.
26
Id. ib. p. 141.
27
SOUZA, João Batista de. Evolução Histórica Sul de Mato Grosso. São Paulo: Organizações Simões, s/d.
p. 113.
28
MELLO, Raul Silveira de. Um homem do dever. Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1964. p. 159.
29
MELLO, Raul Silveira de. Um homem do dever. Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1964. p. 161.
98
problema para o oficial português, porque estavam velhos e seriam inimigos dos seus
proprietários, além de indignos de pegarem em armas. Por determinação do comandante, a
mão-de-obra cativa restringia-se aos trabalhos mais penosos e grosseiros do Forte.
Enquanto o Forte Coimbra era beneficiado com edificações de pedra e cal, as casas
em Corumbá permaneceram em materiais pouco duráveis. O viajante Hércules Florence
que passou pelo povoado em 14 de dezembro de 1826 registrou a precariedade das
moradias da população. Segundo ele, o povoado compunha-se “de quatro filas de casas em
torno de uma praça, uma pequena capela que intitulavam de igreja, e uma casa para os
militares”.
30
Sobre a população, escreveu ser de uns cinco brancos e o restante crioulos,
caburés, mestiços e índios. As moradias de pau-a-pique, com paredes preenchidas de barro
e cobertas de palha permaneceram até 1858.
O comerciante Manoel Cavassa chegou em Corumbá em 1857, onde levantou a
primeira construção em alvenaria, em 1858. A transferência de suas atividades comerciais
para a aglomeração abriu novas perspectivas para a região. Em 1858, no governo de
Joaquim Raymundo Delamare presidente da província foi criada a Mesa de Rendas e, em
1861, a Alfândega, com o objetivo de arrecadar os impostos. Também foi o mesmo
presidente que “mandou delinear-lhe as ruas, praças e demarcar lotes, para as construções
dos edifícios públicos [...]”.
31
O projeto de urbanização foi elaborado por Delamare, que
desenhou a cidade em forma de tabuleiro de xadrez. Em 10 de julho de 1862, foi publicada
a resolução na Secretaria do governo de Mato Grosso, decretando a elevação à vila da
povoação de Corumbá, com a denominação de Villa de Corumbá. A resolução foi
decretada pela Assembléia Legislativa Provincial e sancionada pelo presidente da
província de Mato Grosso Herculano Ferreira Penna.
32
Manoel Cavassa deixou registrado em documentos conservados no Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro do Rio de Janeiro como era Corumbá em 1857, quando
chegou, e os problemas que enfrentara com as autoridades paraguaias em virtude da
guerra. Segundo o comerciante, havia em Corumbá quatro ranchos de palha e nenhuma
casa de material, sendo ele o primeiro a edificar casa de alvenaria para depositar as
mercadorias. Posteriormente, construiu outras cinco casas, com as quais conseguiu obter
quase mil e quinhentos contos, em 1864.
33
30
FLORENCE, Hercules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas. São Paulo: Cultrix, 1977.
31
SOUZA, João Batista de. Evolução Histórica Sul de Mato Grosso. São Paulo: Organizações Simões, s/d.
p.113-114.
32
Cf. Ofício 6. Palácio do Governo de Mato Grosso em Cuiabá 11 de Julho de 1862. Arquivo da Câmara
Municipal de Corumbá.
99
Em 1861 a população local de Corumbá era de 1.315 habitantes, sendo que 44
eram trabalhadores escravizados e 84 estrangeiros. Até 1864, o espaço urbano de Corumbá
apresentava ainda muitas moradias simples. Em pau-a-pique, havia trinta e seis casas
construídas e vinte e nove em fase de construção e cento e nove ranchos de palha. Grande
parte dessas moradias foi destruída pelos paraguaios durante a guerra. Tanto o barro usado
nas paredes quanto a palha empregada nas coberturas das casas e ranchos não favoreciam a
segurança dos moradores. No caso de incêndio, eram consumidas pelo fogo rapidamente.
O conflito entre Brasil e Paraguai iniciou-se em 1864 e estendendo-se até 1870,
causou grandes danos à população da vila de Corumbá. Invadida em 4 de janeiro de 1865,
a vila ficou sob o poder dos paraguaios durante dois anos.Terminada a guerra, das cento e
setenta e uma casas de barro e palha e dos 109 ranchos cobertos de palha restaram apenas
vinte, arruinadas. As casas de alvenaria do comerciante Manoel Cavassa haviam sido
igualmente destruídas.
Após a expulsão dos paraguaios, em 13 de junho de 1867, a população iniciou a
reconstrução das moradias. Por sua vez, o comércio local foi sendo restabelecido
gradativamente. O primeiro incentivo à região foi dado em 1869 pelo governo imperial que
isentou os comerciantes de Corumbá do pagamento dos tributos sobre os produtos
importados e exportados naquele porto. Devido à facilidade, novos comerciantes foram se
estabelecendo na cidade a partir de 1872, onde construíram casas comerciais. No mesmo
ano, foi reinstalada a Alfândega para armazenar produtos e arrecadar os impostos de
importação e exportação, seguida pela Câmara Municipal, em 17 de agosto de 1872. Neste
período de reorganização, moradias e casas comerciais foram construídas em pedra e cal.
Por volta de 1873, quatrocentas e cinqüenta e cinco casas de pedra e cal, cobertas de telhas,
estavam edificadas, estando vinte e cinco moradias em fase de construção. Sessenta casas
possuíam cobertura de zinco.
Em Mato Grosso, o exercício da atividade de pedreiro pelo trabalhador escravizado
pode ser comprovado pela tabela apresentada na obra de Lúcia Helena Aleixo, que mostra
os cativos pedreiros como os mais valorizados, quando de sua comercialização. Como
expõe a autora, os pedreiros foram os que conseguiram o preço médio mais alto, por volta
de 1871-1874.
34
33
Memorandum que dirige da cidade de Corumbá o cidadão Manoel Cavassa ao Exmo Senr Presidente da
República dos Estados Unidos do Brazil, 22 de fevereiro de 1894. Rio de Janeiro: IHGB.
34
ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta. Mato Grosso: Trabalho escravo e trabalho livre 1850-1888. Brasília:
Alvorada, 1989. p. 52.
100
Tabela 1
Preço médio do escravo por profissão com idade média de 25 a 40 anos, existente na
Província de Mato Grosso no período de 1850-1888.
ANOS PEDREIRO CARPINTEIRO TROPEIRO LAVRADOR CARREIRO FERREIRO
1850 – 54 700$000 600$000 650$000 600$000 650$000 700$000
1855 – 58 900$000 750$000 800$000 800$000 800$000 900$000
1859 – 62 1200$000 1300$000 1500$000 1000$000 1650$000 1600$000
1863 – 66 1500$000 1600$000 1300$000 1500$000 1700$000 1700$000
1867 – 70 1700$000 1700$000 1900$000 1700$000 1900$000 1900$000
1871 – 74 2000$000 1800$000 1900$000 1500$000 1900$000 1900$000
1875 – 79 1600$000 900$000 1100$000 1300$000 1000$000 1100$000
1880 – 83 1200$000 900$000 1000$000 1000$000 1000$000 1000$000
1884 - 88 800$000 800$000 800$000 600$000 800$000 800$000
Fonte: ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta. Mato Grosso: Trabalho escravo e livre (1850-1888). Brasília:
Ministério da Fazenda Departamento de Administração Divisão de Documentação, 1984. p. 52.
As casas de pau-a-pique, nas quais as paredes eram preenchidas com barro, através
da técnica da taipa, também chamada de sopapo, foram construções que estiveram
presentes nas regiões brasileiras no início da colonização e ocupação do território. Muitas
cidades nasceram do barro e da palha. Com o tempo, muitas dessas construções foram
sendo substituídas pelas edificações de pedra, cal e tijolo, mais seguras e mais duráveis.
Entretanto, as singelas casas de uma porta e janela, feitas de barro e cobertas de palha,
ultrapassaram o período da colonização e chegaram ao culo XIX, sendo então as
moradias características dos homens pobres, dos ex-cativos, do trabalhador rural.
Em suas viagens a África, o historiador Alberto da Costa e Silva observou que as
habitações das aldeias que encontrou entre Acra e Lagos eram muito parecidas com as
construções nordestinas. “O mocambo nordestino erguia-se com paredes de pau-a-pique ou
de palha, de modo idêntico às aldeias que fui então encontrando, durante as várias viagens
que fiz pelo interior daquela parte da África Atlântica. Apresentava, porém, na fachada da
frente uma ou duas janelas, e possuía, muitas vezes, nos fundos, uma segunda porta,
podendo, em alguns poucos casos, ter também uma varanda. A diferença que saltava à
vista, numa paisagem em que até a vegetação circundante aproximava da que deixara no
outro lado do oceano, era a cobertura: no lado brasileiro, quase sempre em duas águas,
porém, acolá, se dispunham em cone, em calota ou meia esfera, em pirâmide ou em quatro
águas”.
35
Na África, além das casas de sopapo, difundiu-se uma arquitetura mais sofisticada,
representada por casas de paredes grossas e alpendradas, moradias com paredes lisas e
35
SILVA, Alberto da Costa e. Um rio chamado Atlântica: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira: UFRJ, 2003.
101
resistentes de argamassa, feita com azeite-de-dendê ou manteiga de carité, fachadas,
enfeitadas com arabescos, varandas com colunas, construções típicas dos grupos abastados
e erigidas por mão-de-obra especializada. Porém foi a técnica mais simples dominada por
qualquer africano que se difundiu no Brasil.
36
As casas de barro também foram erigidas no período colonial em outras regiões. Em
São Paulo a falta de pedra, obrigou os colonizadores a elevarem moradias de barro. Para
Carlos Lemos, a taipa de pilão foi a técnica empregada nas construções paulistas. Ela é
“baseada na terra pisada entre taipas que, pela sua natureza, determina muros contínuos
extremamente sensíveis à umidade, de insignificante resistência à tração e de difícil
revestimento à vista de sua superfície frágil ao risco”.
37
A arquitetura bandeirante por usar o barro apresentava “casario baixo, grandes panos
de paredes com pequenas janelas e portas muito distantes uma das outras pequenos beirais
[...] abriam mão, com freqüência, do corredor interno que ligasse a rua, ou a sala da frente,
com as dependências posteriores. Em geral, cômodos em sucessão, todos de passagem
obrigatória. Até mesmo nas casas estreitas de porta e janela podemos encontrar esse
critério de circulação”.
38
A cidade de Salvador teve suas primeiras edificações erigidas com madeira e barro.
Segundo Plínio Salgado, na falta de pedras, as muralhas erguidas para defender a
população foram feitas de barro. “Os índios cortavam as madeiras necessárias nas matas
próximas e, com os degredados, batiam as estacas para formar os compartimentos em que
se deitava a terra, em seguida socada com pesados pilões. Todos trabalhavam
ardorosamente e o próprio Governador geral dava exemplo, empunhando o pilão e
batendo as taipas”.
39
Também no Mato Grosso, a solução menos onerosa foi aplicada nas construções.
Com o barro e a palha, moradias de pau-a-pique foram elevadas, como exposto, em
Coimbra e Corumbá, mas também em Cuiabá. Os cuiabanos pobres descendentes de
africanos, nativos e aventureiros que se deslocaram para Cuiabá à procura do ouro viviam
no século XIX em condições miseráveis. Moravam em ranchos e casinhas de pau-a-pique e
chão batido com cobertura feita de capim e desprovidas de móveis. Também as igrejas,
36
Id. ib. p. 216-217.
37
LEMOS, Carlos. História da casa brasileira. São Paulo: Contexto, 1989. p 41.
38
Id.ib. p. 41-42.
39
SALGADO, Plínio. Como nasceram as cidades do Brasil. São Paulo: Instituto Nacional do Livro/MEC,
1978. p. 54.
102
construídas ainda no culo XVIII eram singelas, pois feitas de adobe ou taipa, com
ornamentação muito pobre.
40
Cidade portuária: edificações e trabalho escravo
Na segunda metade do século XIX, no porto geral de Corumbá havia um intenso
movimento de pessoas envolvidas com o comércio, com os serviços e com a alfândega,
que a aglomeração era a grande via de acesso na Província de Mato Grosso. Nos portos de
Mato Grosso, era freqüente a presença do cativo. Pretos e pardos amarravam embarcações
nos atracadores; carregavam carga dos navios, executavam tarefas na estiva nas áreas da
estiva, nos cais como mão-de-obra de aluguel
41
.
Segundo informações do presidente da Câmara Antônio Antunes Galvão, Corumbá
era a primeira cidade mato-grossense onde os estrangeiros paravam antes de seguir viagem
a outras localidades.
42
No final do século XIX, segundo a historiadora corumbaense
Eunice Ajala Rocha, o porto de Corumbá era intensamente movimentado. Navios
nacionais e estrangeiros aportavam nos seus atracadouros carregados de mercadorias para
o comércio atacadista, que distribuía as mercadorias pela Província: “Era uma cidade–
empório constituída na sua maior parte de comerciantes de nacionalidades diversas. Era o
único meio de acesso e a porta de entrada para a Província de Mato-Grosso”.
43
A abertura da navegação do rio Paraguai, em 1856, atraiu diversos comerciantes para
Corumbá, onde instalaram suas empresas com o objetivo comprar e vender mercadorias
variadas, para atender à demanda local e de toda a Província mato-grossense. Entravam na
região produtos estrangeiros da Alemanha, Inglaterra, França, Áustria, Itália, Bélgica,
Portugal, despachados pelo Rio de Janeiro. Esses produtos consistiam emchapas de aço,
ferragens, drogas, maquinarias, louças, móveis, chapéus, armas, roupas, goma arábica,
utensílios de ferro, vinhos, charutos, manteiga e outros”.
44
Segundo a historiadora mato-grossense Maria do Carmo Brazil, o porto transformou-
se em signo do poder econômico, assumindo o papel de receptáculo das riquezas e de
40
VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Cativos do Sertão. Vida cotidiana e escravidão em Cuiabá em 1850-1888.
São Paulo: Marco Zero; Cuiabá: UFMT, 1993.
41
BRAZIL, Maria do C. Fronteira Negra. Dominação, violência e resistência escrava em Mato Grosso
1718-1888. Passo Fundo: UPF, 2002. p. 84.
42
Cf. Relatório do Presidente da Câmara Municipal de Corumbá-24 de setembro de 1884.
43
ROCHA, Eunice Ajala. O Processo de Emancipação dos Escravos na Vila de Santa Cruz de Corumbá
(1873 – 1888). Separata da revista Dimensão. N. 5/7. UEMT, 1957/1977. p. 82-83.
44
Alfândega de Corumbá. Fundação Universidade de Mato Grosso. Coordenação de Cultura. Núcleo de
Documentação e Informação Histórica Regional. Brasília: Ministério da Fazenda. Divisão de
Documentação, 1988.p.11.
103
abrigo de importantes frotas. Grandes navios das Províncias do Prata ancoravam no porto
de Corumbá, imprimindo forte impulso econômico ao Mato Grosso: “A navegação
inaugurou uma atividade mercantil em escala internacional, ensejando a relação direta e
dinâmica entre a província mato-grossense e os centros comerciais dos países do Prata e da
Europa”.
45
Mercadorias como “manteiga, vinhos, moinho para café, charutos, parafusos,
escovas, cerveja, querosene, cimento, feijão, móveis, chapéus de sol, massas alimentícias,
banha de porco, sapatos, roupas, doces, colchões de palha, máquinas de costura, ferro de
engomar, papelaria, sal, gasolina em lata e outros entravam no Brasil através de
Montevidéu e Buenos Aires e alcançavam o Paraguai, Porto Murtinho, Corumbá, Bolívia e
Cuiabá”.
46
Da mesma forma, eram exportados “gado vacum e cavalar e seus derivados (couros,
ossos, sebo), peles de onça, penas de garças, cal, manganês e produtos extrativos vegetais,
como borracha, poaia e erva-mate, eram despachados pela Alfândega de Corumbá para
Argentina, Uruguai e países europeus. Eram exportados também subprodutos agrícolas
como o açúcar e a rapadura”.
47
Entre as grandes firmas de Mato Grosso responsáveis pela importação e exportação
de mercadorias figurava a casa José Maria de Pinho
48
, estabelecida em São Luiz de Cáceres
e fundada em 1902. A casa comercial exportava a ipecacuanha e importava produtos
variados como roupas feitas, fazendas, ferragens, perfumaria, drogas, chapéus, calçados,
louças e vidros.
Em Miranda, a firma Angelo Rebuá & Irmão
49
, fundada em 1908, tinha duas
fazendas, a Pastinho e Bocaina, dedicadas à criação de gado vacum e de suínos. Os couros
vacuns e as crinas eram também exportados. A casa comercial Vicente Anastácio
50
fundada
em Nioaque em 1871, importava ferragens, fazendas, secos e molhados, modas e exportava
couro vacum, crina, borracha paina, penas de garça. A casa possuía duas fazendas em
45
BRAZIL. Maria do Carmo. Rio Paraguai: o mar interno brasileiro. (Tese de doutorado). São
Paulo/FFLCH/USP, 1999. p. 217.
46
Alfândega de Corumbá. Fundação Universidade de Mato Grosso. Coordenação de Cultura. Núcleo de
Documentação e Informação Histórica Regional. Brasília: Ministério da Fazenda. Divisão de
Documentação, 1988.p.11.
47
Alfândega de Corumbá. [...]. Ob.cit. Brasília: Ministério da Fazenda. Divisão de Documentação, 1988.
p.11.
48
AYALA, S. Cardoso; SIMON, F. Álbum Graphico do Estado de Matto Grosso. Corumbá/Hamburgo,
1914. p. XLVIII.
49
Cf. AYALA, S. Cardoso; SIMON, F. Álbum Graphico do Estado de Matto Grosso. Corumbá/Hamburgo,
1914.
50
Cf. Id. ib. p. LIX-LX..
104
Nioaque, chamadas São João e Urumbeba, onde mantinha criações de gado vacum,
cavalar, lanígero e suíno.
Em Corumbá, a firma Pereira & Sobrinhos & Cia., fundada em 1909 em sucessão à
firma Pereira e Sobrinhos (1882), era importadora de produtos em geral, “mantendo para
esse fim relações diretas com todas as praças principais do Velho e Novo Mundo, gozando
de um crédito quase ilimitado”.
51
Exportava, também, borracha, ipecacuanha e penas de
garça. Também a firma Vasquez, Filhos & Cia.
52
importava produtos variados, sobretudo
farinha de trigo, exportando todos os gêneros do Estado.
Outras firmas fundadas no início do século XX nas cidades de Mato Grosso,
especialmente em Corumbá, também dinamizaram o comércio e promoveram intensa
circulação de mercadorias e pessoas pelo porto de Corumbá. no final do século XIX, foi
registrado movimento de 604:298$400, valor proveniente dos produtos importados durante
o período de 1878 e 1879, como pode ser observado na Tabela 2.
Tabela 2
Produtos importados entre 1878 - 1879.
Produtos Quantidade Valor
Farinha de trigo 3.396 sacos 84.504$000
Vinho 137.560 litros 68.780$000
Sal 645.940 litros 45.215$000
Banha derretida 672 caixas 43.000$000
Café em grão 871 sacos 43.350$000
Cerveja 1.097 barricas 43.880$000
Manteiga de vaca 154 caixas 35.960$000
Açúcar branco 574 barricas 34.440$000
Azeite doce 443 caixas 21.264$000
Fonte: CORREA FILHO, Virgílio. Pantanais Mato-grossenses. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatísticas. 1943. p. 104.
A intensa movimentação de mercadorias no porto de Corum e de Cuiabá impunha
a utilização do trabalhador escravizado nas mais variadas tarefas portuárias. A historiadora
mato-grossense Lúcia Helena Gaeta lembra: “Nos portos de Corum e Cuiabá,
costumava-se encontrar negros, alugados pelos seus senhores, para realizarem tarefas
diversas, como de carga e descarga de navios. Todos aqueles que não podiam comprar
escravos ou que, necessitando, não se interessavam em investir neles seu capital, alugavam
negros de outros senhores”.
53
51
Cf. Id. ib. p. XXVI-XVII.
52
Id.ib. p. XXVIII
53
ALEIXO, Lúcia Helena G. Mato Grosso: Trabalho escravo e trabalho livre (1850-1888), p. 56.
105
No porto da vila de Santa Cruz de Corumbá, os cativos trabalhavam dividindo o
espaço com os indígenas. Os viajantes estrangeiros e os brasileiros que chegavam ao local
não se deparavam somente com os cativos de ganho, que em outros portos do Brasil se
aglomeravam para venderem produtos ou fazer diversas atividades. Em Corumbá, os
recém-chegados observavam também os nativos kadiwéu, que acampavam no porto e eram
utilizados pelo comércio local.
Os comerciantes da vila usavam os serviços prestados pelos nativos, porque esse tipo
de mão de obra tinha custo ainda menor que o dos escravos de aluguel. A Câmara
Municipal chegou a sugerir ao Presidente da Província de Mato Grosso que aprovasse a
construção de um galpão para abrigar os indígenas, que a utilização dos mesmos como
mão-de-obra era muito interessante para os comerciantes. Consta no relatório de 1881,
direcionado ao presidente da Província: “No intuito de mais relações de amizade com os
índios-cadiueos que constantemente vem demorar alguns meses no porto desta cidade, a
Câmara deseja ser habilitada a construir um galpão na margem do rio e no lugar indicado,
que sirva de abrigo aos mesmos. Constantemente acham-se aqui de 100 a 200, acampados
neste porto sem o menor abrigo [...]. A estada destes índios aqui tem sido de muita
utilidade para o comércio, que os emprega nas descargas dos navios e carretos de bagagens
e mercadorias, cobrando muito menos pelos seus serviços que qualquer outro”.
54
Apesar do uso esporádico da mão-de-obra indígena nas atividades específicas do
porto, era sobretudo o trabalhador escravizado quem executava as atividades de atracar
embarcações, carregar e descarregar as mercadorias e executar as demais tarefas cotidianas
do ancoradouro. A documentação primária, especificamente as classificações realizadas
em Corumbá nos anos de 1873, 1874 e 1877, registram que na região os cativos
desempenharam atividades especializadas de carpinteiro, pedreiro, lavrador, roceiro,
jornaleiro, lavadeira, entre outras, indicando que, como em outras regiões do Brasil, o
cativo fazia em Corumbá tudo que a população proprietária necessitava. A Tabela 3 sugere
a plena participação do cativo na vida da sociedade corumbaense do século XIX.
Tabela 3
Relação de cativos com suas profissões e proprietários.
Nº. da
Matrícula
Nº. da
Classificação
Nome Cor Idade
Estado
Civil
Profissão
Aptidão
para o
Trabalho
Nome do
Senhor
54
Relatório da Câmara Municipal de Corumbá ao Presidente da Província de Mato Grosso. Março de 1881.
Livro 205, Folha n° 19. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
106
56 - Paula cabra 33 solteira serviço doméstico Regular Joaquim
José de
Carvalho
43 - Ângela preta 28 solteira cozinheira Bastante Antonio
Maria
Coelho
1205 98 Antonia preta 30 solteira lavadeira Pouca Benedicto
Mariano de
Campos
4442 141 Emília preta 55 solteira roceira Pouca Barão de
Vila Maria
- 43 Aleixo preta 45 solteiro pedreiro Bastante Francisco
Nunes da
Cunha
3171 71 Galdino parda 27 solteiro carpinteiro Bastante José de
Souza
Rondon
4248 88 Agostinho preta 22 solteiro lavrador Bastante Manoel
Pedroso de
Barros
68 Rofino preta 27 solteiro jornaleiro Bastante Francisco
Nunes da
Cunha
97 172 Joaquina preta 38 solteira todo o serviço Bastante Germano
José da
Silva
6 31 Anna parda 30 solteira engomadeira Bastante Miguel Paes
de Barros
276 129 Ignês parda 15 solteira costureira Bastante Antônio
Antunes
Galvão
Sobrinho
44 87 Salvador preta 22 solteiro jornaleiro Bastante Antonio
José da
Costa
Fonte: Classificações de 1873, 1874 e 1877. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá/MS.
O livro de Classificação dos Escravos, depositado no Arquivo da Câmara Municipal
de Corumbá, também é um importante registro da presença de cativos na Vila de Santa
Cruz de Corumbá. No mesmo, uma relação nominal de cativas residentes em Corumbá,
mas que não estavam matriculadas nem averbadas na Alfândega, bem como de cativos
matriculados em outros municípios e não averbados na Alfândega.
Tabela 4
Relação dos escravos residentes em Corumbá não matriculados nem averbados na
Alfândega.
Nome Cor
Idade
Provável
Nome do senhor ou possuidor Observações
Cristina Preta 20 anos Maria Bernardina de Jesus
A escrava tem um filho de nome
Mathias
107
Márcia Fula 14 anos Salvador Augusto Moreira
Alega o possuidor que a escrava está
matriculada em Cuiabá, mas não
apresentou na junta a relação da
matrícula.
Rufino Preta 17 anos Orlando Francisco da Silva
Declara o possuidor que o escravo foi
entregue por Manoel Maximo Souza
Melo.
Nicencia
Ignora-
se
Ignora-se Salvador Benedicto de (ilegível)
Reside no distrito do Taquari e consta
que possui mais anos nestas condições.
Candido Idem 3 anos O mesmo
Este menor é nascido em abril de 1871
e filho de escrava precedente.
Gabriela Fula 25 anos Miguel Martins
Declara o possuidor que esta escrava
foi lhe entregue por João augusto.
Priscila Preta 35 anos Balthar Luis da Fonseca
Declara o possuidor que Boaventura da
Motta foi quem alugou-lhe esta
escrava.
Fonte: Livro 28-Trabalhos da Junta Classificadora dos escravos (1873-1885). p. 09. Arquivo da Câmara
Municipal de Corumbá/MS.
Tabela 5
Relação dos cativos matriculados em outros Municípios e não averbados na Alfândega.
Nome do senhor ou
possuidor
Nome do escravo Nº da matrícula Observações
Sr. Cyrillo José Pereira
de Albuquerque
Custodia 1615
Matriculada no Município de
Cuiabá
O mesmo Sebastiana 1616 Idem (sic)
José de Souza Lima Rufino 154
Matriculado no Município de São
José de Tocantins
O mesmo Miguel 125 Idem, idem (sic)
Randolpho Olegário de
Figueiredo
Januario 2210
Matriculada no Município de
Cuiabá
O mesmo José 2211 Idem (sic)
Ana Rosa da Cunha Bibiana 5002 Idem (sic)
Boaventura da Motta José 3099 Idem (sic)
João Poupino Caldas Manoel 2209 Idem (sic)
José Luis Martins Nicencia 4399 Idem (sic)
Apolinário José Ferraz Benedicta 5033 Idem (sic)
Antonio Delmiro Pompeo
de Camargo
Rosa 3976 Idem (sic)
Carolina Alves Correa Martinha 1720
Idem (sic). Tem 1 filho de nome
Benedicto, nascido livre 8
fevereiro (ilegível)
A mesma Nicencia 1721
Matriculado no Município de
Cuiabá
Fonte: Livro 28-Trabalhos da Junta Classificadora dos escravos (1873-1885). Arquivo da Câmara
Municipal de Corumbá/MS.
108
As classificações sobre os cativos existentes na vila de Santa Cruz Corumbá
55
mostram que muitos proprietários locais possuíam pelo menos um cativo para realizar as
tarefas diárias. O historiador Mário Maestri lembrou que mesmo as famílias menos
favorecidas “esforçavam-se para ter, no mínimo, um moleque ou uma velha escrava. Não
possuir sequer um negro imprestável era sinal de pobreza e motivo de dificuldades”.
56
Possuir um só cativo já elevava a posição social de qualquer pessoa. Em qualquer povoado,
vila ou cidade o homem branco procurava ter nem que fosse um único escravo à sua
disposição. Até mesmo os negros libertos quando possível detinha a posse de negros
escravizados.
Ser proprietário de trabalhador escravizado representava no Brasil muito mais que
reconhecimento social, que ele significava fonte de renda e de trabalho. O proprietário
de cativo poderia viver sem precisar trabalhar, sem exercer qualquer ofício ou atividade.
Exceto as atividades intelectuais e administrativas exercidas pelos homens livres todas as
demais eram encargo do trabalhador escravizado. Era comum que cativos que obtinham a
liberdade adquirissem trabalhadores escravizados e os pusessem ao trabalho.
Com certa estranheza, José de Mesquita mencionou sobre uma mulher negra,
moradora de Cuiabá, proprietária de vários cativos. Ao falar dos moradores e dos nomes de
ruas da capital de Mato Grosso no início do século XIX, escreveu que era de se notar a
dona da casa 5, na rua da Mandioca “Rosa Maria de Oliveira, viúva, preta, e senhora de
mais de 30 escravos”.
57
Em dezembro de 1827, Hercules Florence também registrou,
quando esteve na vila de Nossa Senhora da Conceição do Alto Paraguai Diamantino, ter
conhecido “um velho preto de nação cabinda que, depois de conseguir a dinheiro sua
libertação, a de sua mulher e filhos, comprara por seu turno lavras e escravos”.
58
Nessa
época, o ex-cativo possuía trinta trabalhadores descritos pelo viajante como sãos, fortes e
contentes. Entretanto, o negro cabinda havia favorecido a liberdade para vinte cativos.
Como vimos, mesmos as famílias humildes se esforçavam para ter ao menos um cativo.
Contemporâneo à escravidão, o memorialista José de Barros viveu em Mato Grosso,
sendo servido por cativos. Registrou em suas Lembranças: “É preciso contar que tínhamos
então dois escravos; um de nome Lúcio e outra Ana. Muito bons serviços nos prestaram.
55
Cf: Classificação dos escravos, 1873, 1874 e 1877. p. 179-203.
56
MAESTRI, Mário. O sobrado e o cativo. A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso gaúcho.
Passo Fundo: UPF, 2001. p. 141.
57
MESQUITA, José de. Gente e coisas de antanho. Cuiabá, 1978. p. 109.
58
FLORENCE, Hercules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. São Paulo: Cultrix, 1977.
p. 220.
109
Eram bons. O Lúcio, além de trabalhador era fiel à toda prova”.
59
Escreveu o autor que
mesmo sendo sua família pobre, quando era criança, ela tinha dois cativos. Em 1882, José
de Barros morou em São Luiz de Cáceres e, em 1884, trabalhou na Fazenda Jacobina,
controlando os cativos no trabalho.
A fazenda Jacobina, de propriedade do tenente-coronel João Pereira Leite,
considerada a mais faustosa da província de Mato Grosso, utilizava o trabalho de muitos
cativos. Segundo Hercules Florence, que esteve no local em 1827, ali havia duzentos
“escravos de trabalho dos dois sexos e sessenta crianças formavam toda a escravatura
desse estabelecimento; mas havia quase igual número de gente forra, entre agregados,
crioulos, mulatos e índios, que trabalhavam mais ou menos para si, ou pagos pelo
proprietário”.
60
Na fazenda, além da morada de João Pereira, havia quarenta casas com coberturas de
telha, uma igrejinha, oficinas, armazéns e ranchos, olaria, máquina de socar milho e quatro
engenhos de açúcar, dois movidos a água e dois por bois. A morada do proprietário da
Jacobina era um sobrado alpendrado. O primeiro pavimento da casa era amplo e tinha
portas de acesso a uma área aberta, onde os cativos e forros desempenhavam suas tarefas
diárias.
61
O alpendre da casa era grande, comprido e aberto em uma de suas laterais,
sustentado então por esteios de madeira. Na moradia havia uma mesa comprida e bancos
de madeira maciça. Era no alpendre que o proprietário recebia os convidados e serviam-se
as refeições. Efetivamente, devido ao calor, era no alpendre que os proprietários mato-
grossenses serviam as refeições, recebiam os viajantes, rezavam as ladainhas, acomodavam
os hóspedes, observavam os escravos. Na obra de Florence referências ao uso do
alpendre construído e contíguo às paredes externas das casas dos homens mais abastados
da província.
62
Em Quilombo, região rica em diamantes e distante doze léguas da vila de Guimarães,
depois de cear na casa do português Domingos José de Azevedo, dono de trinta escravos,
Florence assistiu “a ladainha que se reza no alpendre ou sala de entrada, onde para isso
reúnem-se todos os escravos”. No mesmo alpendre, após a reza, foram colocadas camas
nas quais os hóspedes, inclusive Florence, descansaram. O viajante Florence não ficou
59
BARROS, José de. Lembranças. Corumbá. [s. ed.], 1949. p . 16.
60
FLORENCE, Hercules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. São Paulo: Cultrix, 1977.
p. 182.
61
Cf. Id. ib., p. 180.
62
Id. ib.
110
satisfeito com a recepção do anfitrião, que contava os grãos de café para impedir que os
cativos não lhe roubassem.
63
Também em Corumbá as famílias serviram-se do trabalho escravizado. Com base
nos dados obtidos pela historiadora Eunice Ajala Rocha no livro de Classificação dos
cativos utilizado pela Junta de Emancipação-1883-1885, sabemos da quantidade de
trabalhadores escravizados que cada proprietário possuía, no ano de 1885. Nesse estudo, a
historiadora concluiu: “Três deles eram os que possuíam maior número de cativos, apesar
de ser bem maior o número de proprietários que possuíam apenas um escravo, empregado
nos afazeres domésticos dos senhores, domiciliados nesta Vila”.
64
Os três maiores
proprietários seriam o Barão de Vila Maria, José Caetano Metelo e Firmiano Firmino
Ferreira Cândido. O primeiro, com 39 cativos, o segundo com 34 e o terceiro com 21.
“Um dos senhores que tinha o maior número de escravos era o cidadão Firmiano
Firmino Ferreira ndido, que falecera antes da classificação. Dentre os 21 escravos
pertencentes a sua herança, encontramos a seguinte situação: onze não foram matriculados;
três estavam pronunciados em sumário crime e seis se encontravam fugidos. Entre eles,
apenas três eram casados ‘não se sabendo quem era a mulher do escravo ou marido da
escrava’.”
65
Firmiano Firmino Ferreira Cândido era um proprietário abastado e foi assassinado
em 1878 pelos seus cativos que, depois de o justiçarem, “destruíram os instrumentos de
trabalho e de transporte existentes da fazenda e, em seguida, evadiram-se do local,
carregando armas e provisões”.
66
Alguns desses cativos foram presos na cadeia pública de
Corumbá e condenados a galés perpétuas.
Em junho de 1879, os cativos João, Julião e José Alves, presos pelo atentado ao
proprietário, encontravam-se muito doentes e necessitando de atendimento médico. Na
ocasião, o delegado de polícia João Antônio Rodrigues solicitou aos herdeiros, através de
ofício de 24 de junho de 1879, que enviassem médico para atender os cativos.
67
Em
resposta ao delegado, Joaquim Ferreira Nobre, genro do Firmiano Firmino, esclareceu que
a família havia desistido do direito sobre os referidos trabalhadores, como também, “sobre
63
FLORENCE, Hercules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829. São Paulo: Cultrix, 1977.
p. 172.
64
ROCHA, Eunice Ajala. O Processo de Emancipação dos Escravos na Vila de Santa Cruz de Corumbá
(1873 – 1888). Separata da Revista Dimensão nº 5/7. Corumbá: UEMT, 1975/1977. p. 91-92.
65
Id.ib. p. 92.
66
BRAZIL, Maria do Carmo. Fronteira Negra. Dominação, violência e resistência escrava em Mato Grosso
1718-1888. p. 104.
67
Delegacia de polícia do Termo da cidade de Santa Cruz de Corumbá, 24 de junho de 1879. Arquivo da
Câmara Municipal de Corumbá.
111
os de nomes José e Benedicto que igualmente se acham presos, mesmo quando por ventura
venham a ser perdoados pelo poder moderador”.
68
Os herdeiros de Firmiano Firmino sabiam certamente que os cativos condenados a
galés perpétuas por assassinarem um homem de posses, seu próprio proprietário, ficariam
presos até morrer, sendo dificilmente perdoados. Ao “desistirem” dos cativos incapazes
de produzirem uma renda, “furtavam-se” nos fatos à responsabilidade com a alimentação e
os cuidados que exigissem, na prisão.
No mesmo dia 30 de junho, após receber a declaração da família abdicando dos
direitos de proprietária sobre os referidos cativos, o delegado de polícia requisitou ao
presidente da Câmara Municipal, João José Peres, que liberasse o fornecimento de “uma
ração diária a cada um, conforme a tabela em vigor; sendo necessário mais, para o de nome
Júlio, assistência do médico a os remédios precisos para seu curativo, que vinte dias se
acha bastante doente”.
69
A classificação de 1874 registra proprietários com um cativo ou mais cativos. A
proprietária Ana Rosa da Cunha, por exemplo, possuía uma cativa de dezessete anos de
idade, chamada Bibiana, classificada com a cor preta, estado civil solteira e “apta para o
serviço doméstico”. Joaquim Timóteo Ribeiro tinha uma escrava denominada Vicência, de
cor preta, solteira, e bastante apta para o serviço de cozinheira”. Jacinto Pompeo de
Camargo possuía quatro cativas que realizavam os serviços dentro de sua casa, uma
cozinheira, uma lavadeira e uma roceira.
Entre os proprietários arrolados na classificação de 1877, o barão de Vila Maria
possuía uma quantidade mais expressiva de cativos, totalizando vinte e um. Jacinto
Pompeo de Camargo tinha dez trabalhadores escravizados e Manoel Pedroso de Barros
sete. Os demais proprietários possuíam entre um e três cativos.
70
Nas casas dos proprietários corumbaenses mais ricos, cativos de diferentes profissões
cuidavam das várias tarefas exigidas por uma moradia. Trabalhadores especializados
destinados aos serviços domésticos ou a labutarem como pedreiros, marceneiros, etc. eram
mantidos pelas famílias. Em 1877, o promotor público Jacintho Pompeo de Camargo
explorava dez trabalhadores de diferentes profissões, sete mulheres e três homens.
68
Cf: Joaquim Ferreira Nobre, Cidade de Santa Cruz de Corumbá. 30 de junho de 1879. Arquivo da Câmara
Municipal de Corumbá.
69
Delegacia de polícia do Termo da cidade de Santa Cruz de Corumbá, 30 de junho de 1879. Arquivo
Câmara Municipal de Corumbá-MS.
70
Cf. Tabela - 4 - Quadro demonstrativo de cativos por senhores proprietários / 1877. p. 204.
112
Tabela 6
Quantidade de cativos do senhor Jacintho Pompeo de Camargo
Nome do escravo Cor Idade Profissão
Virginia Parda 16 Serviço doméstico
Romano Preta 27 Lavrador
Pedro Parda 18 Roceiro
João Preta 15 Serviço doméstico
Clementina Preta 11 Serviço doméstico
Maria Luisa Preta 13 Serviço doméstico
Francisca Preta 14 Serviço doméstico
Belisária Preta 22 Roceira
Agostinha Preta 40 Lavadeira
Sebastiana Preta 54 Cozinheira
Fonte: Classificação de 1877 – Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá/MS.
Como vimos, a historiografia evidencia que os cativos foram usados como mão-de-
obra nas cidades, mantendo a sobrevivência dos proprietários e proprietárias pobres e ricos.
Os cativos urbanos eram destinados ao aluguel e ao ganho. Eles trabalhavam como
serviçais domésticos. Nas ruas, os negros de ganho carregavam mercadorias em cestos,
tabuleiros ou na cabeça; transportavam pessoas; prestavam serviços como operários,
marinheiros, quitandeiros, barbeiros, cirurgiões, pescadores, cocheiros, músicos e
pedreiros; vendiam produtos alimentícios, utilidades domésticas, roupas e livros. Havia
também as cativas que se prostituíam e os doentes e inválidos que pediam esmolas a
mando dos seus cúpidos proprietários.
Os cativos barbeiros mais hábeis percorriam as praias, ruas, praças, portas das
oficinas e estradas com suas navalhas e a tesouras oferecendo corte de cabelo e barba,
serviços de cirurgia, aplicações de sanguessugas, tratamento dentário. Esses ambulantes
tinham como clientes, sobretudo os negros de ganho e os homens livres pobres, dado os
baixos preços cobrados pelos serviços. Os cativos eram mandados para aprenderem ofícios
industriais ou os segredos da navegação, para então exercerem sua prática como negros
ganhadores ou de aluguel.
Também os cativos em Mato Grosso que não trabalhavam nos serviços domésticos
aprendiam alguma função para tornarem-se cativos de aluguel ou de ganho. Lúcia Helena
Aleixo comenta: “Em Cuiabá, por exemplo, existiam tendas e oficinas que ocupavam a
mão-de-obra escrava para o desempenho de funções especializadas como a de carpinteiro,
de oleiro, de sapateiro e outros”.
71
Os cativos eram também utilizados nos serviços
71
ALEIXO, Lúcia Helena Gaeta. Mato Grosso: Trabalho Escravo e Trabalho Livre 1850-1889. Brasília:
Alvorada, 1984. p. 55.
113
domésticos como arrumadeiras, cozinheiras, amas de leite e serviços gerais. Como
mencionado, em Corumbá, os cativos também exerceram diversas funções de carpinteiro,
como registra a Tabela 7.
Tabela 7
Quadro demonstrativo das profissões de cativos em Corumbá – 1873, 1874 e 1877.
PROFISSÃO 1873 1874 1877
Carpinteiro - - 1
Costureira 2 2 1
Cozinheira 23 12 11
Engomadeira 2 1 1
Ignora-se 1 0 -
Jornaleiro(a) - - 3
Lavadeira 4 4 3
Lavrador(a) - 1 4
Marceneiro - - 1
Não tem 1 3 4
Pedreiro - - 4
Serviço de roça 12 18 19
Serviço doméstico 39 32 39
Todo serviço - - 3
TOTAL GERAL 84 73 94
Fonte: Classificações de 1873, 1874 e 1877. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá/MS.
A tabela 7 assinala que grande parte dos trabalhadores escravizados ocupava-se nos
serviços domésticos e nas tarefas da cozinha. Entretanto, destaque-se que era habitual que
os cativos domésticos fossem utilizados na produção de produtos e na prestação de
serviços que aumentassem a renda dos proprietários. A pesquisa mostrou também que
entre as qualidades étnico-sociais da população cativa de Corumbá havia mais escravo de
cor preta, do que parda e cabra. A categoria cabra usada na época denotava a mistura de
mulato com o negro.
Tabela 8
Quadro demonstrativo de qualidade e quantidade de escravos em Corumbá no período de
1873, 1874 e 1877.
QUALIDADE 1873 1874 1877
Cabra 9 0 0
Parda 21 24 32
Preta 54 49 62
TOTAL GERAL 84 73 94
Fonte: Classificações de 1873, 1874 e 1877. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá/MS.
114
A historiadora Maria do Carmo Brazil lembra: “Apesar de existirem, oficialmente,
três qualidades étnico-sociais classificatórias da população mato-grossense (brancos,
pardos e pretos), foram encontradas, no decorrer da pesquisa, diversas categorias de ordem
fenotípica e outras referentes à população de cor: mulatos, crioulos, índios, mestiços, índio
aldeado, caburé (mestiço de negro e índio), cabra (mestiço, filho de mulato e negro) e
outras”.
72
No campo e na cidade, a propriedade de cativos representava à possibilidade da
família rica ou pobre viver sem se envolver em atividade braçal, obtendo renda direta,
alugando os cativos para terceiros ou enviando-os às ruas para venderem serviços e
produtos. Nas palavras de Jacob Gorender “[...] tornou-se bom negócio vender ou alugar
escravos [...]”.
73
O cativo urbano e o rural viviam em sociedade que os caracterizavam como
mercadorias, instrumentos de trabalho a serem explorados pelos proprietários. Nesse
sentido, o raro, não havia diferença entre o cativo rural utilizado nas charqueadas, onde
trabalhava descalço, pisando o sal grosso, em tarefas duras, e aquele que trabalhava na
cidade, obrigado ao duro trabalho da estiva do porto, do transporte de mercadorias, etc.
O historiador Mário Maestri assinala: “Os proprietários de escravos de ofício
recebiam diretamente os salários de seus negros dos arrendatários, que, muitas vezes,
deviam alimentar os trabalhadores. Os senhores podiam, em vez de alugar os cativos,
mandá-los ao ganho”.
74
Cativos de ganho circulavam na cidade para trabalharem, sendo
obrigados a retornar à casa do proprietário para prestação de contas, quando então
entregavam o ganho, como vimos, acertado cada dia, cada semana ou, a mesmo, cada
mês. “Escravos ou escravas com qualquer habilidade eram obrigados, diariamente, a
oferecerem pelas ruas seus produtos ou serviços. Alguns destes cativos deviam voltar, a
duas vezes por dia, à casa do senhor para fazerem as refeições e entregarem a féria do
dia”.
75
A renda excedente ao ganho era aplicada pelo negro na sua alimentação, vestimentas
e, com muita poupança, na compra da liberdade, caso lhe fosse permitido. Segundo Mário
Maestri: “Para se livrarem da preocupação com a alimentação e vestuário dos negros,
muitos senhores permitiam que eles vivessem ‘independentes’, com o que obtivessem
72
BRAZIL, Maria do Carmo. Fronteira Negra. Dominação, violência e resistência escrava em Mato Grosso
1718-1888. p. 74.
73
GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. 6. ed. São Paulo: Ática, 1992. p. 485.
74
MAESTRI, Mário. A Servidão Negra. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. p. 46.
75
MAESTRI, Mário. A Servidão Negra. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. p. 46.
115
acima do estipulado como ganho. Escravos habilidosos e comedidos alcançavam, depois
de muitas economias, comprar a liberdade aos senhores”.
76
Mais comumente, como vimos, o cativo de aluguel ficava sob a responsabilidade do
locatário, o qual era obrigado fornecer-lhe comida, roupa e local para dormir. Havia
cativos de aluguel que comiam e moravam com os proprietários. A remuneração do
trabalho do negro de aluguel era entregue diretamente ao seu proprietário pela agência ou
pelo locatário.
77
Manter um cativo ganhador nas ruas obrigava os proprietários ao cumprimento de
certas disposições legais, previstas nos Códigos de Posturas Municipais. No Rio de
Janeiro, para que um ganhador circulasse pelas ruas, era preciso que seu proprietários
requeresse licença junto à Câmara Municipal, pagando a taxa correspondente.
Luiz Carlos Soarez lembra: [...] era terminantemente proibido que os senhores
colocassem os seus escravos no ganho de rua sem a autorização expressa e a licença da
Câmara Municipal do Rio de Janeiro. [...] Os senhores encaminhavam o seu pedido de
licença à Câmara municipal e efetuavam o pagamento de 1$000 réis relativos a cada cativo
[...]. A licença concedida vigorava apenas por um ano [...]”.
78
Em Corumbá, os cativos que fossem encontrados pelas ruas vendendo produtos
proibidos eram punidos, assim como os compradores desses produtos. Consta no artigo 42°
do Código das Posturas Municipais de Corumbá, de 1875, a seguinte informação:
“Qualquer pessoa que comprar a escravos e a soldados objetos ou gêneros que estes não
possam ter, será obrigada a restituí-los ao seu verdadeiro dono e a pagar multa de 30$000
réis.” No mesmo código, o artigo 17° determinava que o fiscal municipal era autorizado a
mandar prender os cativos infratores das Posturas. “O Fiscal é autorizado a mandar pôr em
custódia à sua ordem, até a satisfação da multa, o infrator de Postura, que for desconhecido
ou escravo”.
79
Os soldados do exército imperial mencionados no relatório de 1886, instalaram-se
em Corum em 1870 em função da desocupação da região pelas tropas paraguaias e do
término do conflito com o Paraguai (1864-1869). Observa-se que os soldados eram
equiparados pela lei aos cativos, o que pode ser explicado devido à situação econômica a
que estavam submetidos. Muitos soldados eram libertos, negros livres, caboclos, etc. Não
76
Id. ibidem.
77
Cf: SOAREZ, Luiz Carlos. Os escravos de ganho no Rio de Janeiro do século XIX. Revista Brasileira de
História. São Paulo: v. 8, n. 16, pp. 107-142, mar./ago. 1988.
78
Id. ib. p. 11.
79
Código de Posturas Municipais da Vila de Santa Cruz de Corumbá. Palácio do Governo da Província de
Mato Grosso. Cuiabá 3 de julho de 1875. Arquivo Público de Mato Grosso-MT.
116
apenas na sociedade corumbaense do século XIX, os praças pertenciam à classe mais
humilhada, passando necessidades e morando em ranchos precários. Nessas condições, era
normal que se arranjassem para melhorar suas condições de existência.
A precária situação dos praças foi descrita pela Câmara Municipal: “Com o nome
acima existe uma parte desta cidade edificada pelos praças do Regimento de artilharia
[...]. Nesse bairro, hoje, abriga-se a parte mais desprotegida da fortuna, da nossa
população, composta pela maior parte dos soldados que obtiveram baixas do serviço e das
vivandeiras que as acompanhavam [...]”.
80
No Código de Posturas de 1881, elaborado em Corumbá e aprovado pela Assembléia
Legislativa provincial de Mato Grosso, também foi terminantemente proibido comprar
qualquer produto de cativos e de outros indivíduos sem autorização dos proprietários.
Porém, não consta nas Posturas a obrigatoriedade de licença por parte dos proprietários
para a exploração de cativo de ganho. O capítulo 6 artigo 20° desse Código de Posturas
ordenava: “É expressamente proibido comprar-se objetos de qualquer natureza ou valor
que seja, de escravos, crioulos, párvulos [idiota], ou filhos de famílias, sem autorização dos
senhores, amos, pais ou tutores [...]”.
81
A presença do cativo foi primordial na sociedade mato-grossense. Depois de extinta
a escravatura, em maio de 1888, a produção da lavoura local diminuiu consideravelmente,
atestando que também em Mato grosso a mão-de-obra escrava era a mais significativa
embora não fosse à única nesta província. É o que podemos verificar no relatório do
presidente da Província Francisco Raphael de Mello Rego, que registra: “[...] a
perturbação, passageira, aliás, que se tem dado ultimamente no trabalho da lavoura da
província, com a extinção da escravatura, deve influir para que a produção não
corresponda à dos anos anteriores. Como sabeis, o único instrumento, pode-se dizer, de
trabalho nesta província, era o braço escravo. O trabalho livre era tão insignificante,
máxime, na grande lavoura, que quase não entrava em linha de conta”.
82
80
Relatório de 1886. Fl. 70. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
81
Código de Posturas Municipais da Vila de Santa Cruz de Corumbá, 1881. Arquivo Público de Mato
Grosso-MT.
82
Relatório apresentado pelo Presidente da Província Francisco Rafhael de Mello Rego, em 20 de outubro
de 1888. Secretaria de Administração. Departamento de Documentação. Cuiabá-MT.
117
CAPÍTULO IV
Corumbá e as edificações de nuanças e de
transição
Os grandes edifícios, como as grandes montanhas,
são obras dos séculos. Muitas vezes a arte se
transforma e eles pendem ainda, pendentes opera
interrupta; continuam-se calmamente de acordo
com a arte transformada. (...) a coisa se faz sem
agitação, sem esforço, sem reação, seguindo uma
lei natural e tranqüila... O homem, o artista, o
indivíduo, se apagam nestas grandes massas sem
nome de autor; a inteligência humana nelas se
resume e se totaliza.
Victor Hugo, 1831.
4 Corumbá e as edificações de nuanças e de transição
Alguns fatores ajudam a compreender as modificações verificadas nas estruturas
materiais de um determinado espaço. Reporto-me às reflexões realizadas pertinentemente
no século XIX pelo famoso escritor francês Vitor Hugo a respeito da catedral Notre-Dame
de Paris. Segundo suas observações tropológicas, as “rugas” e “verrugas” são marcas que
golpeiam as edificações urbanas. Em outras palavras, o tempo “insensivelmente [faz]
mossas aqui e ali”. Outro fator destacado pelo escritor francês, capaz de explicar as lesões
causadas às características de um espaço arquitetônico refere-se às revoluções políticas e
religiosas, identificadas como contusões, fraturas, brutalidades, que depois são submetidas
às “restaurações” realizadas sob influências acadêmicas ou de tendências diversas.
Em seguida, Hugo aponta as modas como uma das grandes causadoras de lesões nas
superfícies edificadas. Como seu objeto de análise é a catedral de Paris, o escritor fez
contundentes críticas a respeito dos efeitos das modas: [...] talharam em vivo, atacaram a
armação óssea da arte; cortaram, desorganizaram, mataram o edifício, tanto na forma como
no símbolo, na lógica como na beleza. E depois tornaram a construir; pretensão que não
haviam tido, pelo menos, nem o tempo, nem as revoluções [...]. Aos séculos, às revoluções,
que devastam pelo menos com imparcialidade e grandiosidade, veio juntar-se a nuvem de
arquitetos de escola, patenteados, juramentados. Degradando com discernimento e escolha
do mau gosto, substituindo as rendas góticas pelas chicórias de Luis XV, para maior glória
do Partenon”.
1
Independente das críticas à direção política da França do século XIX e da postura
conservadora de Victor Hugo em relação aos novos agenciamentos arquitetônicos, a
proposta hugoana também permite ler a história de uma nação à luz da sua arte e
edificações, considerando a obra no tempo, a forças dos movimentos sociais e dos projetos
políticos em um determinado espaço. No Brasil, com destaque ao Rio de Janeiro e São
Paulo, o modo de construir e morar acompanhou as transformações sociais, econômicas e
tecnológicas, permitindo que, no final do século XIX, as formas arquitetônicas coloniais
fossem gradativamente substituídas. A cultura trazida pela Corte portuguesa, o
desenvolvimento da economia cafeeira, o declínio da escravidão, a entrada de imigrantes, o
uso de máquinas foram alguns dos fatores que alteraram o modo de construir.
1
Hugo, Victor. O Corcunda de Notre Dame. São Paulo: Ed. Três, 1973, p. 92-113.
120
Entre as principais mudanças verificadas por Nestor Gourlat nas construções do Rio
de Janeiro e São Paulo estavam o recuo das mesmas em uma de suas laterais e a presença
de um jardim no espaço deixado livre. O recuo lateral permitiu circulação do ar e melhor
iluminação sobretudo, nas peças intermediárias. A ocupação interna e a disposição das
peças prosseguiram obedecendo no geral aos padrões antigos, “A parte fronteira, abrindo
para a rua, era reservada para as salas de visitas. Dispunham-se os quartos em torno de um
corredor ou sala de almoço (varanda), na parte central, ficando cozinha e banheiro ao
fundo. Em inúmeros casos, o alpendre de ferro iria funcionar, até certo ponto, como um
corredor externo. Para ele abririam as portas das salas de visitas e almoço, janelas ou
portas de alguns dos quartos e, por vezes, mesmo as portas da cozinha”.
2
O afastamento das casas nas laterais ocorreu gradativamente, que nem todas as
construções edificadas no final do século XIX obedeceram a essa evolução. Somente no
século XX é que a maioria das edificações recuou em suas laterais e na frente, mesmo
assim com restrições. Segundo o arquiteto Nestor Gourlat, as mudanças mais nítidas
ocorreram após 1920: “Os primeiros anos do século XX assistiram à repetição, sob várias
formas, dos esquemas de relações entre arquitetura e lote urbano, que haviam entrado em
voga com a República. Conservando-se ainda as técnicas de construção e uso dos edifícios,
largamente apoiados na abundância de mão-de-obra mais grosseira e, em pequena parte,
artesanal, era natural que se repetissem os esquemas de fins do século XIX, com soluções
mais ou menos rústicas, com edifícios sobre o alinhamento da via pública, a revelar, em
quase todos os detalhes, os compromissos de um passado ainda recente com o de trabalho
escravo e com os esquemas rígidos dos tempos coloniais”.
3
No sentido do movimento nacional, em Corumbá, as moradias se mantiveram quase
sem alterações, liberando uma de suas laterais no início do século XX e a partir de 1930,
nas duas laterais e na frente. Em Corumbá, a mudança no modo de construir e viver foi
favorecida gradativamente pela busca da modernização; pelas determinações do poder
público, traduzidas em regulamentos e no Código de Postura, que exigiam maior
salubridade para as moradias; pelo calçamento das ruas; pela pintura periódica; pela
reconstrução de prédios, pela limpeza urbana; pelo crescimento do comércio local; pela
possibilidade de importar materiais; pela presença de casas construtoras.
Em Corumbá de Todas as Graças, ao tratar da questão das casas e casarões da
cidade, o escritor corumbaense Augusto César Proença revelou certo ressentimento ao
2
REIS FILHO, Nestor Gourlat. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 46.
3
Id. ib., p. 54.
121
perceber que determinadas construções, sobretudo da rua 15 de Novembro, desapareceram
por motivos quase inexplicáveis: “Infelizmente, em nome do progresso, da ganância, da
falta de compreensão ou de cultura, sei lá, muitas dessas casas e casarões passaram para
a história (sic), desapareceram e hoje são apenas lembrados com saudade ou vistos em
fotografias ou periódicos que registram o passado da cidade”.
4
O lamento do escritor corumbaense sobre o dilaceramento das edificações urbanas ao
longo do tempo são quase ecos das observações de Vitor Hugo. Proença, infelizmente não
aponta com precisão quais moradias a que se reporta e qual o período em que foram
erguidas. Ao generalizar simplesmente o tempo com a expressão vaga como “antigamente”
o escritor refere-se de forma não precisa à existência de casas com ornamentos provindos
de Portugal, mas que foram derrubadas pelos proprietários “Antigamente na rua 15 de
novembro, por exemplo, entre a Avenida e a Delamare, as casas residenciais eram
ornamentadas com pinhas em cima de suas fachadas e com estátuas que simbolizavam as
estações do ano, produto da Fábrica de Cerâmica da Santo Antônio do Porto. Uma das
mais famosas de Portugal”.
5
E continua o autor sem maiores especificações: “Essas casas não existem mais
bastante tempo, os proprietários as derrubaram e as estátuas foram vendidas a preço de
banana ou se encontram decorando a sala de visitas dos sobradinhos que as substituíram,
como relíquia”.
6
As casas e casarões lembrados com saudosismo por Augusto César, como registros
do passado de Corumbá, segundo ele, foram derrubadas para dar lugar às construções
erigidas no Porto de Corumbá. O Casario do Porto é proposto pelo escritor como
“representante maior dessa arquitetura que simboliza os prósperos anos em que se deu o
‘rush’ do comércio internacional [...]”.
7
O autor os recém-chegados como
enriquecedores da arquitetura de Corumbá, “ao conceberem casarões idênticos aos que
viam nas suas terras de origem.”.
8
Segundo a concepção de Proença a cultura estrangeira
foi a responsável pela construção de grande parte do patrimônio local, representado pelas
construções comerciais, registros do poderio econômico dos comerciantes de
nacionalidades diversas.
Para compensar a falta de exemplares de construções históricas ou outras edificações
do final do século XIX e início do XX, Proença utilizou-se de recurso estratégico, também
4
PROENÇA, Augusto C. Corumbá de Todas as Graças. Campo Grande. Ruy Barbosa s/d, p. 105.
5
Id. ibidem.
6
Id. ibidem.
7
Id. ib. p. 106.
8
Id. ibidem.
122
usado por outros pesquisadores, para desviar as atenções do leitor e limitá-las, mais uma
vez, às construções do Porto que se mantiveram de pé, algumas modificadas a ponto de
exigirem estudos aprofundados no sentido de poder construir visão sobre suas origens.
É verdade que muitas construções trazem na fachada a data de sua edificação,
facilitando ao estudioso a definição do ano de sua construção. Porém, as casas que não
possuem datas dificultam os trabalhos e submetem os estudiosos a perigosas armadilhas e
discordâncias, impedindo o avanço das pesquisas. Dependendo das características
arquitetônicas que apresentam, são generalizadamente classificadas apenas como
pertencentes ao final do século XIX ou início do XX.
A historiadora Maria do Carmo Brazil lembra que, situada à margem direita do rio
Paraguai, a cidade de Corum foi fundada por iniciativa da administração metropolitana
portuguesa, com objetivo de garantir ocupação e o povoamento da fronteira oeste do
Brasil, durante o século XVIII. No final do século XIX e início do século XX, com a
abertura para o Prata, a cidade tornou-se centro comercial de referência internacional.
Porém, interpretações oriundas de estudiosos da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul conjeturaram que a via férrea teria determinado a “decadência irreversível” de
Corumbá, a partir do forte “mito da decadência” da historiografia brasileira, sobretudo de
tendência historicista.
9
A partir daí, fortaleceu-se corrente de historiadores que destacaram os edifícios
erigidos no porto para disseminar a idéia de que Corumbá fora próspera, mas se encontrava
hoje em franca decadência. O advento dos trilhos em Mato Grosso, também, tem sido
apontado constantemente como fator determinante da "decadência do eixo econômico
platino”, reproduzindo informações superficiais sobre a crise” do comércio mato-
grossense e a instalação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. A geógrafa Claudemira Ito
lembra: “O antigo dinamismo econômico na Bacia do Prata agora desarticulado pela
chegada da ferrovia, podia ser mensurada pelo grande volume de mercadorias negociada
pela Casa Comercial [...]”.
10
Essa proposta materializa-se sobretudo, em teses acadêmicas da década de 80,
defensoras da idéia de “decadência”.
11
Vale ressaltar a falta de originalidade das teses
9
BRAZIL, Maria do Carmo. A cidade portuária de Corumbá e o Mito da decadência. XVIII Semana de
História: O campo histórico atual: dinâmica e interseções. Assis, SP: Programa de pós-graduação em
História - UNESP/ASSIS, 2000, p. 51-3.
10
ITO, Claudemira Corumbá: - A Formação e o crescimento da Cidade. São Paulo: Dissertação de
Mestrado FFLCH/USP, l992, p. l23.
11
BRAZIL, Maria do Carmo. A cidade portuária de Corumbá e o Mito da decadência. XVIII Semana de
História: O campo histórico atual: dinâmica e interseções. Assis, SP: Programa de pós-graduação em
História - UNESP/ASSIS, 2000, p. 51-3.
123
defendidas e reproduzidas desde esses anos pelos os estudiosos mato-grossenses. Quem
consultar a crônica de Valério d' Almeida, publicada em 1967, por ocasião da
comemoração do 1º Centenário da Retomada de Corumbá, já observa a ausência de revisão
e reflexão em que se apóia essa proposta, repetidas sem conteúdo crítico, por trabalhos
acadêmicos mais recentes: “Em 1914 inaugurou-se a Noroeste do Brasil e o empório
Corumbaense sofreu as conseqüências da concorrência do planalto que descarregava para o
sul, o grande mercado paulista ansiado para entrar em contato com a pecuária mato-
grossense. Corumbá, abandonada, sofreu o êxodo dos que aqui haviam enriquecido e
também dos que procuram adaptar-se às peculiaridades de sua existência, a esse tempo,
cidade rica e faustosa, lembrada sempre como uma civilização à parte nos confins de nossa
fronteira ocidental [...]”.
12
Segundo Maria do Carmo Brazil, o “pessimismo” e o “saudosismo” transmitem
imagens de catástrofes “insuperáveis” ou “irreversíveis” em relação ao futuro da cidade. O
antigo “dinamismo econômico” na Bacia do Prata desarticulado pela chegada da
ferrovia”, torna-se “incompatível” e o desenvolvimento de uma cidade portuária, outrora
“rica e faustosa”, torna-se caótico e insolúvel.
Brazil, tomando por base as análises do historiador Arthur Helman, em sua obra A
idéia de decadência na História Ocidental, explica que a visão pessimista traduz a idéia de
que os habitantes da cidade “abandonada” foram “incapazes de evitar o desastre iminente o
que transforma inevitavelmente o pessimismo em fatalismo. As opções reduzem-se à
resignação e à retirada”.
13
As pessoas procuraram “adaptar-se às peculiaridades de sua
existência” ou migraram, depois de “terem se enriquecido” nos “confins” da fronteira
ocidental.
14
Para mostrar a bela cultura herdada dos construtores estrangeiros radicados em
Corumbá a partir de meados do século XIX, que teriam translado cópias autênticas da
arquitetura de sua terra de origem, como sugere Augusto César Proença, esqueceram-se
das construções levantadas nos becos, nas ruas desvalorizadas, nos quintais de pedras
sobressalentes. Silenciaram sobre as casas mais simples de uma única porta e duas janelas
na fachada, inúmeras delas derrubadas totalmente ou parcialmente.
12
ALMEIDA, Valério d'.1º Centenário da Retomada de Vila de Corumbá. Corumbá: Prefeitura Municipal,
1967.
13
HERMAN, Arthur. A idéia de decadência na História Ocidental. Tradução Cynthia Azevedo e Paulo
Soares. Rio de Janeiro: Record, 1999.
14
BRAZIL, Maria do Carmo. A cidade portuária de Corumbá e o Mito da decadência. XVIII Semana de
História: O campo histórico atual: dinâmica e interseções. Assis, SP: Programa de pós-graduação em
História - UNESP/ASSIS, 2000.
124
Enquanto as atenções foram canalizadas para o Porto, permitiram que as casas mais
simples e os antigos casarões, espaços permanentes na memória coletiva dos cidadãos
corumbaenses fossem derrubados e apagados do cenário urbano para darem lugar ao visto
como belo, como opulento, ou seja, às construções representativas do poder econômico,
estas sim, trazidas de padrões estéticos e construtivos alienígenas. Graças a um olhar mais
apurado sobre as construções do final do século XIX e início do século XX, além da área
do Porto, foi possível observar e estudar uma importante parte do patrimônio arquitetônico
da cidade, em geral quase esquecida.
As antigas construções que ainda se encontram em pé podem não atrair a curiosidade
das pessoas pela simplicidade com que se apresentam. A tendência do observador é
restringir o olhar à arquitetura mais opulenta, símbolo de uma elite formada por
comerciantes estrangeiros, ligados aos negócios platinos. Porém, formas mais singelas,
menos suntuosas, não raro mantêm dispersas em meio a outros estilos arquitetônicos,
também representam marcos da cultura corumbaense.
Cumpre-nos, portanto, lembrar que a paisagem urbana corumbaense não se restringe
ao belo casario do Porto, ao qual devemos ajuntar os espaçosos casarões, de muitas portas
e janelas e as simples casas de alvenaria, de uma porta e janela. Cumpre-nos lembrar,
igualmente, que, nos fatos, Corumbá nasceu do pau-a-pique, do barro e da palha.
Corumbá em dois andares
Fundado às margens do rio Paraguai, o povoado de Corumbá ocupou a elevada
barranca calcárea e atendeu às exigências dos primeiros emissários coloniais, que deviam
cumprir ordens de ocupação expedidas pela Coroa portuguesa. Para a escolha de um lugar
que atendia às orientações de Luiz de Albuquerque, o emissário João Leme do Prado
observou cuidadosamente o morro das Pitas que parecia lugar apropriado ao objetivo
político militar do governo colonial.
Raul Silveira de Mello explica que o “Morro das Pitas” tratava-se de altas barrancas
ou ribanceiras cobertas por uma espessa vegetação de piteiras, plantas cujas folhas são de
base larga, de ponta aguda, bordadas de espinhos, polposas e fibrasas. Seus fios eram
utilizados pelos índios para a confecção de rendas e tecidos. “O que Freitas [o cabo de
dragões Manoel da Silva Freitas foi que primeiro batizou o lugar com a referida
nomenclatura]... e Costa Siqueira [cronista oficial português] chamavam de morro [das
Pitas], era, nem mais nem menos, aquelas ribanceiras ou altas barrancas.... Em Corumbá,
125
as barrancas são realmente alterosas... Não é de admirar que aqueles transeuntes, ao
toparem as altas ribanceiras, tivessem a impressão de que estavam ao pé de um morro”.
15
Preocupado com a melhor localização e mais fácil defesa da parte sul de Mato
Grosso, dentro das orientações de Luís de Albuquerque, dois lugares pareciam adequados
para a construção do povoado: o "Morrete", em frente à foz do rio Miranda, hoje
denominado morro de Albuquerque ou Morrinho, onde os oficiais assentaram um forte de
pequena guarnição, e as “barrancas da jusante do canal dos Tamengos”. Efetuado o
reconhecimento dos sítios, o sertanista organizou um minucioso esboço topográfico e
remeteu ao capitão general.
16
As encostas do canal foram escolhidas por Luiz de Albuquerque para a instalação do
povoado de defesa, onde foram colocadas as guarnições. Nesse sentido, os primeiros
núcleos habitacionais foram erigidos na parte alta da cidade de Corumbá.
17
Os dados
levantados por Leme do Prado explicitavam a necessidade de dominar aquele trecho do rio
por se tratar de terras e águas de importância estratégica para as fronteiras meridionais.
18
Decidido o local, o comando do povoado ficou a cargo de João Leme do Prado, que
preferiu instalar-se em um outro local, que chamou de Ladário, a uns seis quilômetros a
jusante, alegando que o terreno escolhido pelo capitão-general, por sua natureza calcária,
era impróprio para plantações, portanto incapaz de atender a subsistência dos homens que
serviam ao posto de serviço.
19
Em l778, para completar a política de consolidação portuguesa, Luís de Albuquerque
fundou estrategicamente as povoações de Albuquerque (Corumbá) e Vila Maria
(Cáceres)
20
. Além de garantir a posse territorial, de dominar as comunidades de nativos
livres e de conter as investidas castelhanas, a iniciativa governamental franqueou o sul de
Mato Grosso aos interesses dos proprietários de terras que, inicialmente, limitavam suas
propriedades às proximidades de Cuiabá.
21
A parte baixa do terreno, separada naturalmente da área alta pela elevação de pedras,
teve seu plano ocupado pelos fortes de Santo Antônio, São Francisco e Caxias. Limitadas
15
MELLO, Raul Silveira. Investigações topográficas e florísticas Onde ficava o Morro das Pitas.
Corumbá, Albuquerque e Ladário. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1966, p. 55.
16
BRAZIL, Maria do Carmo. Rio Paraguai. O “mar interno” brasileiro. (Tese de doutorado) Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas. USP, 1999. p. 147-149.
17
Id. ibidem.
18
Id. ibidem.
19
Id. ibidem.
20
MELLO, Raul Silveira de. Corumbá, Albuquerque e Ladário. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,
1966. [Ver Figura 4. Local exato da fundação de Albuquerque (Corumbá), p. 236].
21
BRAZIL, Maria do Carmo. Rio Paraguai. O “mar interno” brasileiro. (Tese de doutorado) Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas. USP, 1999. p.147-9.
126
pelo rio e pela barranca, as construções na sua maioria foram elevadas em estilo eclético
com os recursos dos comerciantes. Foram, portanto, as casas comerciais que representaram
o trabalho de importação e de exportação de mercadorias pelos negociantes estrangeiros.
Pela aproximação do rio, a cidade baixa favoreceu a edificação e a permanência das
casas de negócios, de edifícios públicos como a Alfândega. Na parte alta, os habitantes
serviram-se dos terrenos para construir suas lojas, consultórios, hospital, igrejas, praças e
as moradas. A ligação entre a cidade baixa e alta foi obtida através da abertura de ladeiras,
como a ladeira da Candelária, atualmente denominada Cunha e Cruz que acesso ao
porto e ao rio Paraguai.
Os obstáculos naturais encontrados pelos lusitanos no Novo Mundo, somados ao
sentido prático dos mesmos, resultaram em cidades desalinhas. “Os portugueses, dotados
de maior pragmatismo realista, foram menos rígidos no urbanismo colonial. Deixaram que
suas cidades se espalhassem preguiçosamente no desalinho das ruelas estreitas e retorcidas
que, ora no plano, ora ladeira acima, compunham a simbiose entre a natureza variada e
nem sempre fácil de domar da América Tropical, e as concepções européias do casario
urbano”.
22
Em Barro e Sangue: mão- de- obra, arquitetura e urbanismo em Pelotas. [1777-
1888], a arquiteta e historiadora Ester Gutierrez fez amplo estudo do Velho e o Novo
Mundo, do ponto de vista arquitetônico, evidenciando como os portugueses ocuparam o
território e desenharam as cidades no Brasil. Mostrou que as primeiras cidades fundadas
pelos portugueses obedeceram ao plano do terreno, sobretudo ao estilo das cidades
portuguesas. Nesse sentido, fundada em 1549, foi dividida em cidade baixa e alta. “[...]
baixa, para atividades portuárias e de comércio de exportação e importação, e alta, para as
residências mais importantes, comércio varejista, edifícios administrativos e religiosos. No
alto, a cidade tendia para um traçado mais ou menos regular”.
23
As matas originais da parte alta de Corumbá foram sendo derrubadas, as ruas abertas
e as construções elevadas. Porém, tudo obedecendo ao traçado do presidente da província
de Mato Grosso, Joaquim Raymundo Delamare, que promoveu o povoamento, ordenou a
construção e edifícios públicos, elaborou projeto de urbanização para o povoado de
Corumbá, com ruas paralelas ao rio, cortadas por outras no formato de tabuleiro de xadrez.
22
SINGER, Paul Israel; CARDOSO, Fernando Henrique. A cidade e o campo. São Paulo: CEBRAP, 1972.
p. 37.
23
GUTIERREZ, Ester J. B. Barro e Sangue mão- de- obra, arquitetura e urbanismo em Pelotas. [1777-
1888]. Universitária UFPel, 2004. p. 30.
127
A regularidade planejada para a cidade não foi idéia geral entre os luso-brasileiros,
tanto que não raro a cidade nascia “ao léu, organicamente ancoradas aos acidentes
topográficos, ora encarapitadas em cima de outeiros, como mandava a milenar tradição
lusa das cidades em acrópole, como é o caso do porto, de Lisboa, de Olinda, de Salvador,
do rio do castelo; ora nas planícies, aos pés dos morros e cordeadas ao sabor dos caprichos
de seus primeiros povoadores, geralmente pessoas totalmente alheias a esses problemas de
urbanização e daí a espontaneidade e a imprevisibilidade desses traçados”.
24
Era costume dos espanhóis traçarem as ruas em xadrez seguindo as determinações
das Leys Generales de Las Índias. Os portugueses, porém, adaptavam-se mais às próprias
condições naturais dos terrenos. Segundo Carlos Lemos, a urbanização e a arquitetura
regular, simétrica e dotada de beleza foram implantados somente por alguns engenheiros
militares, cujo projeto tratava-se de uma povoação próxima a uma fortificação. Talvez isso
explique o fato das ruas de Corumbá terem sido traçadas paralelas ao rio e cortadas por
outras, que na região havia fortes que delimitavam a vila, como Forte de Caxias, Forte
de São Francisco e Forte de Santo Antônio. Na planta de 1889
25
observa-se a delimitação
da região pelos fortes.
Através da planta de Corumbá traçada em 1875
26
, é possível observar a quantidade
de ruas. Na parte alta, paralelas ao rio, havia as ruas Delamare, Barão de Iguapehy,
Alencastro e Bella Vista,
27
cortadas por São Pedro, Câmara, Coronel Carvalho, Santa
Thereza, São Gabriel, 7 de Setembro, Major Gama e Oriental. Concentravam-se neste
espaço a cadeia pública, a Igreja Nossa Senhora da Candelária e os largos de São Pedro, de
Santa Theresa e Carmo, além de moradias. Na parte baixa, a rua Augusta
28
era o caminho
único e porta de entrada para os viajantes que chegavam nos navios.
Na planta de Corumbá de 1889
29
, traçada em cumprimento às ordens do marechal
Manoel Deodoro da Fonseca, observa-se que na parte baixa da cidade permaneceu a
Alfândega e na parte alta, as praças e as casas dos civis e militares. Mais detalhado, o
traçado permite a localização das residências do comandante da Divisão, da e
24
LEMOS, Carlos A. C. Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1979. p. 25.
25
Cf. [Anexos- Figura 3, p. 207].
26
Planta da cidade de Corumbá, 1889. Raul Silveira de Mello. Corumbá, Albuquerque e Ladário. Rio de
Janeiro. Biblioteca do Exército, 1966. p. 206. [Anexos- Figura 2, p. 206].
27
Tratam-se hoje respectivamente das ruas: Delamare, 13 de Junho e D. Aquino Correa, cortadas por
Tiradentes, Antônio João, Antônio Maria Coelho, Frei Mariano, 15 de Novembro, 7 de Setembro, Major
Gama e Oriental.
28
Atualmente denominada de Manoel Cavassa.
29
Planta da cidade de Corumbá, 1889. Raul Silveira de Mello. Corumbá, Albuquerque e Ladário. Rio de
Janeiro. Biblioteca do Exército, 1966. p. 132. [Anexos – Figura 3, p. 207].
128
Brigada, do chefe de Comissão de Engenheiros e do Corpo de Saúde, de órgãos públicos
como Câmara Municipal, Cadeia, Estação Telefônica e outros.
A arquitetura que atendeu às necessidades dos habitantes de Corumbá no final do
século XIX e início do século XX caracterizou-se pelas construções em terrenos compridos
e estreitos, levantadas com paredes de pedras, com peças de circulação interna, escuras e
pouco arejadas, com janelas e portas expostas às ruas. Além disso, eram alinhadas à via
pública e a fachada possuía ornatos aplicados. As mudanças ocorreram, gradativamente,
dentro de processo lento e gradual, e o modo de construir, mesmo após a escravidão,
permaneceu quase inalterado.
Cidade baixa
No porto da cidade de Corumbá, algumas construções erigidas no final do século
XIX e, outras, do início do século XX, sobreviveram ao tempo apesar de algumas
adaptações realizadas nas portas e nas janelas, alterando a fachada e o interior das
moradias, através da construção de banheiros, de cozinhas e de divisões de amplas salas
para atender às necessidades da sociedade atual. Mesmo assim, é possível fazer um estudo
dessas edificações, entendendo o programa de necessidades das pessoas que se utilizavam
delas.
A construção 27, da rua Manoel Cavassa, esquina com a Travessa Mercúrio, que
foi sede da firma Pereira & Sobrinhos, fundada em 1882 por Manoel Pereira Júnior, é um
exemplo de edificação que subsistiu ao tempo. Foi elevada em alvenaria, com coberta de
metal, em estilo eclético. [Figura 36].
Em 1914, a casa comercial Pereira & Sobrinhos, estabelecida no referido endereço,
mantinha relações comerciais com países da Europa e da América, exportando borracha,
ipecacuanha, penas de garça e principalmente couros vacuns. Com apenas um pavimento, a
referida construção, tem na fachada dez portas, todas em arco pleno e decoração com
desenhos geométricos. “Corpo com trama de pilastras caneladas. Coroamento composto de
arquitrave, friso com apliques de ornamentação, cornija e muro de atiço com ornatos e
balaustradas. Pinhas como elementos de arremate.”
30
Construída seguindo o alinhamento
da calçada e dividindo suas paredes com outras construções, possui cinco peças, cuja
circulação se dá através das portas das peças, inexistindo corredores de acesso.
30
MARQUES, Rubens Moraes da Costa. Trilogia do Patrimônio Histórico e Cultural Sul-Mato-Grossense,
Campo Grande: UFMS, 2001. p. 469.
129
No Álbum Gráphico de Mato Grosso, de 1914, a firma aparece como Pereira,
Sobrinhos & Cia., de Corumbá, com a informação de que era composta por dois sócios
brasileiros e dois portugueses, que se ocupavam na importação de gêneros de estiva em
especial e outros artigos. Segundo Rubens de Morais, a construção que abrigou a casa
comercial Pereira, Sobrinhos & Cia foi edificada em 1832. Porém, no Memoramdum
documento escrito pelo comerciante português Manoel Cavassa, após a Guerra do
Paraguai, infirma esta proposta, pois Cavassa registra que, ao chegar em 1850, não havia
casas de alvenaria. Naquele documento, informou ao governo que ele foi o primeiro a
construir casas de alvenaria, inclusive uma edificação para abrigar comércio de secos e
molhados, em 1858, destruída pelos paraguaios quando Vicente Barrios invadiu a vila, em
1865 com sua tropa.
31
No Álbum Graphico, há informação de que a construção que abrigou
a firma Pereira Sobrinhos & Cia, foi uma das primeiras da praça de Corumbá, mas não
nada que se reporte ao ano exato da edificação.
32
Considerando o Memorandum, documento histórico mencionado, uma das
primeiras construções levantadas foi a do comerciante português Manoel Cavassa. A
construção, em alvenaria, no porto da cidade, localiza-se na rua Manoel Cavassa, 109 e
ainda pode ser observada. Construída em 1858 para servir de depósito de mercadorias e
reconstruída em 1870, depois de ter sido danificada pelos paraguaios, a edificação foi
levantada com dois pavimentos e paredes geminadas. No pavimento superior, possuí três
portas. No pavimento térreo, tem aberturas em arco pleno alinhadas à rua. No início do
século XX, a sua fachada apresentava, no andar superior, três portas de madeira que se
abriam para balcões de grades de metal e três aberturas no pavimento rreo que serviam
de portas de acesso.
33
As paredes são de alvenaria e contíguas às construções laterais. As
portas e janelas são de arco pleno com estrutura de madeira e vidro.
Outra edificação sobre a qual não temos informações precisas sobre sua época de
construção é a Casa Vasquez & Filhos, localizada na Ladeira José Bonifácio 171, que é
apresentada no Álbum de duas formas, ou seja, com e sem grades de metal nos balcões do
segundo pavimento e nas janelas do terceiro e com as devidas grades.
34
[Figuras 30-33].
31
Memorandum que dirige da cidade de Corumbá o cidadão Manoel Cavassa ao Exmo Senr Presidente da
República dos Estados Unidos do Brazil, 22 de fevereiro de 1894. Rio de Janeiro. IHGB.
32
AYALA, Álbum Gráphico de Matto Grosso. Corumbá/Hamburgo, 1914.p. XXVI-XXVII.
33
Cf. Ilustração do Álbum [...]. Ob.cit. p. XXI.
34
AYALA, Álbum Gráphico de Matto Grosso. Corumbá/Hamburgo, 1914. p. XXVIII. e 329
130
Para Rubens de Moraes
35
, a casa Vasquez foi iniciada em 1814 e concluída em 1898.
Devido às razões assinaladas, a primeira origem é improvável e o longo período de tempo
de construção, pouco crível. Para a arquiteta Vanda Alice
36
, a edificação é dos princípios
do século XX. Já o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional-IPHAN
37
divulgou
em documento do ano 2000 que a construção pertenceria ao ano 1909. Para o IPHAN, a
construção foi erigida por Santa Lucci. Segundo Rubens de Moraes, a casa comercial foi
terminada pelo construtor italiano Martino Santa Lucci. Entretanto, Santa Lucci, natural de
San Pietro Altanagro (Província de Salerno) nasceu em 1855 e faleceu em 1904,
assassinado por um empregado.
38
Martino Santa Lucci deixou a Itália em 1871, viveu em Rosário de Santa Fé, na
Argentina. “Descendente de uma família de construtores, logo se dedicou a essa atividade,
tendo construído naquela cidade argentina o cais do porto e vários outros prédios.
Fascinado pelas notícias da existência de minas de prata no Brasil, na região do atual
município de Coxim, no antigo Estado de Mato Grosso, deixou a Argentina e, subindo os
rios Paraná e Paraguai veio ter a Corumbá, permanecendo algum tempo, [...]”.
39
Entre 1880
a 1883, Santa Lucci permaneceu em Coxim dedicando-se à atividade de exploração das
minas e, em 1884 já havia instalado-se em Corumbá, cuja cidade exerceu a profissão de
construtor.
Em Corumbá, Martino Santa Lucci foi responsável por várias obras. Na parte alta
construiu a caixa de água para abastecimento da cidade; o quartel de polícia localizado na
rua 13 de Junho; o antigo hospital militar, atual Hotel de Trânsito, situado na avenida
General Rondon; o sobrado da rua 15 de Novembro esquina com 13 de Junho; a
construção que serviu de sede da Secreta Sociedade Italiana de Instrucione Beneficienza –
Fratellanza e, também o sobrado da rua 13 de Junho esquina com Antônio Maria Coelho.
Na parte baixa da cidade, às margens do rio Paraguai, Santa Lucci edificou a antiga
Alfândega, atualmente ocupada pela Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
APAE; o sobrado que pertenceu a firma de Manoel Cavassa e ainda a brica de gelo e
refrigerantes Mandetta & Cia.
40
35
MARQUES, Rubens Moraes da Costa. Trilogia do Patrimônio Histórico e Cultural Sul-Mato-Grossense,
Campo Grande. UFMS, 2001. p. 502.
36
ZANONI, Vanda Alice. A Inserção do novo no existente: uma abordagem sobre reabilitação de
edificações no Casario do Porto-Corumbá-MS, 2000. (Dissertação de Mestrado)-UFRGS-UNIDERP,
Campo Grande, p.110.
37
Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional –IPHAN. Corumbá. História construída no Pantanal.
Corumbá-MS, 2000. p.17.
38
Cf. PÓVOAS, Lenine C. Os italianos em Mato Grosso. São Paulo: Resenha Tributária, 1989. p. 41.
39
Id. ib., p. 37.
40
PÓVOAS, Lenine C. Os italianos em Mato Grosso. São Paulo: Resenha Tributária, 1989. p. 38-41.
131
A referida casa Vasquez foi edificada em pedra e tijolo maciço, no alinhamento da
rua, com sotéia na cobertura. Em estilo art-nouveau, apresenta no pavimento térreo um
salão cujo acesso é através de cinco portas, a central, em arco pleno, e as demais dispostas
nas laterais. A arquiteta Vanda Alice estudou a construção, descrevendo-a interna e
externamente.
“O primeiro pavimento constitui-se de um salão, com uma porta central de acesso
principal e dois pares de portas laterais à porta principal, todas localizadas no plano da
fachada, no alinhamento da rua. No fundo do salão existe uma escada, localiza-se o vão do
poço de iluminação/ventilação que se eleva até o nível do terraço de cobertura (sotéia). O
salão ainda aloja nas laterais dois mezaninos e suas escadas, feitos em madeira. O segundo
pavimento possui uma sala, ao redor da caixa de escada e do poço de
iluminação/ventilação, e um corredor largo que acesso às salas de escritórios. No
terceiro pavimento, no plano da sotéia, localizam-se três salas, cujas construções compõem
a volumetria da fachada principal. Nessa sotéia também existe a cobertura de proteção da
caixa de escada e do poço de ventilação, composta por um telhado estruturado em madeira
e coberto com telha galvanizada. Os fechamentos laterais são painéis treliçados de madeira
e portas com venezianas que permitem o sombreamento e a proteção contra chuva, mas
permitem a ventilação forçada”.
41
Na rua Manoel Cavassa encontra-se a casa de negócios de Wanderley Baís & Cia.,
fundada em 1876. No início do século XX, a sede do negócio de importação, exportação,
consignação e despacho aparece constituída com três pavimentos. Porém, para Zanoni, a
construção original foi elevada com dois pavimentos cobertos com sotéia, sendo que, a
seguir, agregou-se um terceiro pavimento, com cobertura de madeira e telha de zinco no
telhado.
42
A edificação Wanderley, Bais & Cia possui compridas escadarias, grossas
paredes e muitas portas e janelas. [Figuras 34-35].
Nos pavimentos superiores dessa construção, grandes peças assoalhadas. Sua
estrutura é composta de três pavimentos de pedra, tijolo maciço e ferro, com revestimento
de argamassa. Outros materiais como madeira, vidro e metal foram empregados
igualmente. A fachada foi construída com seis portas, no térreo; quatro janelas e duas
portas centrais, com saída para um balcão, no primeiro pavimento; seis janelas no segundo
pavimento.
41
ZANONI, Vanda Alice. A Inserção do novo no existente: uma abordagem sobre reabilitação de
edificações no Casario do Porto-Corumbá-MS, 2000. (Dissertação Mestrado)-UFRGS-UNIDERP, Campo
Grande, p. 114.
42
Id. ib., p. 151.
132
O primeiro pavimento é constituído por dois salões e em um deles uma escada de
ferro que favorece o acesso ao segundo pavimento, que, por sua vez, apresenta-se como
um espaçoso salão. O terceiro pavimento é dividido em espaços menores, com acesso
interno facilitado por diversas portas largas. Inspirada no ecletismo, a fachada ostenta seis
aberturas em cada pavimento, algumas em arco pleno e outras abatidos, balcão com gradil
e monograma WB & C A.
Ainda na parte baixa da cidade,uma edificação de 1896, também obra de Martino
Santa Lucci, construída em alvenaria, em estilo eclético. A fachada original possuía, no
térreo, duas portas de madeira em arco pleno e, no pavimento superior, duas outras portas
também de madeira com saída para balcão em metal. Atualmente, uma das portas foi
substituída por porta em metal. A construção apresenta “Coroamento com arquitrave, friso,
cornija e muro de atiço em platibanda”.
43
A construção que abrigou o escritório da casa comercial Stofen, Snack Muller & Cia,
firma importadora de artigos em geral e exportadora de borracha data do ano de 1898. Os
sócios da firma dispunham de quatro lanchas que faziam a navegação no rio Guaporé e
laguna de Cáceres.
44
Construída no porto, especificamente na rua Manoel Cavassa 345, a edificação
possui dois pavimentos em alvenaria, revestidos com argamassa. Inspirada no ecletismo,
seu pavimento térreo original possuía quatro aberturas na fachada, que serviam de entrada.
Atualmente, possuía três portas, uma larga e duas estreitas. O segundo pavimento
apresenta as mesmas janelas centrais do início do século XX, com exceção da proteção de
ferro que havia em cada uma delas. Há ainda duas portas que dão acesso a balcões de ferro
que cobrem toda a extensão das mesmas. A construção não tem fachada homogênea. Os
detalhes arquitetônicos do pavimento superior são diferentes do térreo, mais trabalhados.
Chamam a atenção suas pilastras, que separam portas e janelas e seus detalhes imitando
tijolinhos.
Outra obra de responsabilidade do arquiteto Martino Santa Lucci é a edificação
erigida em 1896, que abrigou a Alfândega e hoje serve de abrigo à Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais APAE. Localizada nas margens do rio, na rua Manoel
Cavassa, essa construção, em alvenaria, encontra-se alinhada à calçada, com cinco
aberturas em arco pleno. A porta central serve como entrada e as demais como janelas.
43
MARQUES, Rubens Moraes da Costa. Trilogia do Patrimônio Histórico e Cultural Sul-Mato-Grossense,
Campo Grande. UFMS, 2001. p. 491.
44
AYALA, Álbum Gráphico de Matto Grosso. Corumbá/Hamburgo, 1914. p. XXXV.
133
Diferente das outras construções, suas laterais são independentes e possuem aberturas que
facilitam a aeração e a iluminação. [Figura 24-26]
A edificação de 19, usada por Antônio Josino Vieira como armazém e escritório
no início do século XX, teria sido construída em 1886. A fachada, com três portas em arco
pleno, foi modificada através da transformação das duas aberturas laterais em janelas.
Permaneceu a porta central de madeira, mas a ornamentação, que ladeava as portas em
toda a sua extensão, foi diminuída pela metade, assim como as pilastras que evidenciavam
o ornamento aplicado na fachada. Esta edificação, erigida em alvenaria de pedra, sobre o
alinhamento da via pública, tem como algumas características: “Aberturas com quadros e
vedos de madeira, metal e vidro. Cobertura com estrutura de madeira e telhamento [sic]
metálico”.
45
Outro sobrado interessante, construído no final do século XIX, em 1880, localiza-se
também na rua do porto a Manoel Cavassa. Constituído de dois pavimentos, com grossas
paredes de pedras e grandes janelas e portas, es em mau estado de conservação,
principalmente seu pavimento superior. O pavimento térreo do citado sobrado comunica-se
com o pavimento superior, através de uma escada de madeira. Sua fachada foi construída
com janelas retangulares e portas em arco, todas em madeira. No primeiro pavimento,
quatro portas abrem-se à calçada, separadas por poucos metros do rio Paraguai. No
pavimento superior, quatro janelas frontais garantem a aeração nas respectivas peças, que
contam também com duas janelas laterais. Os dois pavimentos possuem duas espaçosas
peças, ligadas por larga abertura em forma de arco.
A cobertura da construção é de telha, em quatro águas. O piso do pavimento superior
é de madeira e está em péssima condição de preservação. O pavimento inferior é geminado
com outra peça, que dispõe de quatro portas. Por ter sido totalmente modificada, para uso
de escritório, é difícil saber se a mesma era continuidade da casa ou se foi edificada para
comércio, no final do século XIX. A construção foi levantada muito próxima à encosta
de pedras, por isso teve o terreno dos fundos invadido por enormes pedras que dificultam o
acesso ao local. Atualmente, a construção serve de depósito de pequenos barcos, latões de
óleo, entre outros objetos. [Figuras- 13-16].
Carlos Lemos lembra que no estudo de uma habitação temos que considerar
condições, como: partido arquitetônico; recursos naturais; o clima; os materiais usados; as
técnicas aplicadas nas mesmas, que todos esses elementos são determinados e
45
MARQUES, Rubens Moraes da Costa. Trilogia do Patrimônio Histórico e Cultural Sul-Mato-Grossense,
Campo Grande. UFMS, 2001. p. 455.
134
determinam o modo costumeiro de uma cultura de agir. O uso da madeira nas construções
locais pode ser explicado pela abundância de madeira de lei na região, a o início do
século XX.
Nas proximidades da atual rua Dom Aquino Corrêa, denominada em 1889 de
Alencastro, havia quantidades consideráveis de madeira disponível à população. O
memorialista Renato Báez deixou informações sobre Corum no início do século XX,
inclusive sobre o costume do povo de buscar lenha bem próximo às ruas que hoje são o
centro da cidade. Sobre o ano de 1900 registrou: “[...] partindo da atual rua Dom Aquino
Corrêa, para cima, em direção a Leste, deparava-se com verdadeiro matagal, abundante em
angico e infinidade de madeira de lei, onde os pobres iam despreocupadamente apanhar
lenha para o consumo; os adolescentes e adultos iam caçar e pegar passarinhos, fartos em
variedade e quantidade; e ouviam-se os cantos e chilreios das aves e pássaros e guincho de
animais, notadamente araras, periquitos e macacos”.
46
A abundância de madeira de boa qualidade favoreceu a construção de coberturas e
entrepisos de madeira. A pedra era e é encontrada em fartura na região. Portanto, as
construções de Corum apoiaram-se nos recursos oferecidos pela natureza. No seu
programa de necessidade, as moradias são reflexos das relações sociais de uma época
marcada pela utilização do braço servil, pelo controle masculino da mulher, pelo
senhorialismo, que tinha nas moradias uma das suas principais formas de expressão.
Um levantamento realizado pela historiografia local, sobre as atividades econômicas
desenvolvidas em Corumbá entre os anos 1873 a 1911, comprova que até o ano de 1898,
não existiam olarias em Corumbá, nem empresas especializadas na edificação de
construções de qualquer natureza. As olarias, carpintarias, construtoras encarregadas de
planejar e elevar casas, bem como as fábricas, segundo esse levantamento, estabeleceram-
se na região a partir de 1899, quando foram instaladas três olarias, quatro carpintarias, seis
construtoras e três bricas.
47
Porém, um relatório da Câmara Municipal de Corumbá
concluído em março de 1877 informava haver na região duas serrarias a vapor, uma
fábrica de sabão, uma de macarrão e uma de licores e águas artificiais e fábricas de telhas e
tijolos, cuja qualidade era diversificada.
48
Também, em 1887 o vice-presidente da Província
de Mato Grosso José Joaquim Ramos Ferreira em relatório apresentado a Assembléia
46
BÁEZ, Renato.Corumbá: Memórias & Notícias.Corumbá: Vaner Bícego, 1977.
47
Cf. SOUZA, João Carlos de. Sertão Cosmopolita. A modernidade em Corumbá (1872-1918). 2001. 312 f.
FFLCH/USP, São Paulo. p. 252. (Tese de doutorado); CORREA, Lúcia Salsa. Casario do porto de
Corumbá.Campo Grande: Gráfica do Senado, 1985. p. 43.
48
Relatório da Câmara Municipal de Corumbá enviada ao Presidente da Província de Mato Grosso em
março de 1877. Livro 205. Folha 14. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
135
Legislativa Provincial registrava a existência em Corumbá de uma fábrica de açúcar e
aguardente pertencente a Maximiliano Carcano “[...]uma fábrica de sabão de propriedade
de Antônio Jacintho Mendes Gonçalves[...]” e ainda, “[...] duas serrarias a vapor em
Corumbá, uma de Antônio Montero, e outra de Constâncio Gonçalves Preza, que a serraria
a vapor reuniu um estabelecimento de construção naval”.
49
Em Corumbá segundo Generoso Ponce Filho
50
, estabeleceram-se em 1873 o
construtor José Fragelli e posteriormente Martino Santa Lucci, evidenciando que a
presença de construtores na região é anterior à data sugerida pelo levantamento realizado
por alguns historiadores.
Na sociedade escravocrata era o cativo quem realizava todas as tarefas, sobretudo as
mais árduas. O ofício de carpinteiro, oleiro, pedreiro entre outros era exercido pelos
escravos durante toda a escravidão. Em Corumbá, como apontado, havia escravos
especializados na atividade de pedreiro, oleiro, marceneiro, jornaleiro, carpinteiro e
serviços gerais.
Estudiosos preocupados em apontar a arquitetura do casario do porto de Corumbá,
elevada pelos comerciantes a partir de 1873, como a principal expressão da cultura
corumbaense, procuraram definir se estas construções resultam da cultura portuguesa, ou
se são cópias dos países de origem dos comerciantes estabelecidos na região.
Para Generoso Ponce Filho, em sua obra Generoso Ponce, um chefe,as edificações de
Corumbá dotadas de sotéias planas distinguem-se das construções portuguesas, que
adotavam os telhados coloniais. Surpreendeu Ponce Filho a semelhança, entre as
construções locais e as edificações de Nápoles, nas cercanias do Vesúvio. Ponce Filho
procurou explicar a semelhança argumentando que a presença de construtores italianos em
Corumbá, como José Barbato, Giuseppe [José] Fragelli, e o citado Martino Santa Lucci,
todos italianos teriam influenciado no modo de construir.
51
Entretanto, o citado construtor
Fragelli, quando chegou em Corumbá, em 1873, trabalhou em atividades grosseiras e,
tempos depois, após ter prosperado, passou a construtor. Não se sabe se Fragelli
dominava as técnicas de construir e tardou a exercer a arte ou se teria aprendido no Brasil
ou no Uruguai, onde trabalhou pastoreando rebanho de carneiros, antes de imigrar para
Corumbá.
49
Relatório que o Exm. Sr. Vice-Presidente da província de Mato Grosso Dr. José Joaquim Ramos Ferreira
devia apresentar a Assembléia Legislativa Provincial de Mato Grosso na sessão da 26ª Legislatura no
dia de novembro de 1887. Cuiabá. Núcleo de Documentação e Informação Regional Cuiabá. FUFMT.
Coleção Documentos Ibéricos.
50
PONCE FILHO, Generoso. Generoso Ponce, um chefe. Rio de Janeiro: Pongetti, 1952. p. 344.
51
PONCE FILHO, Generoso. Generoso Ponce, um chefe. Rio de Janeiro: Pongetti, 1952.
136
O italiano Francisco Barbato imigrou para Corumbá antes da guerra do Paraguai e,
segundo seu neto Ulisses Serra, sofreu os horrores da guerra quando Corumbá foi invadida
pelos paraguaios em janeiro de 1865. “Uma semana após a invasão, juntamente com os
outros estrangeiros, Barbato, sua abnegada e heróica companheira e seus dois filhos João,
de seis anos de idade e Afonso, de cinco anos, seguiram prisioneiros para Assunção, para
seu demorado e atroz cativeiro”.
52
Barbato ao retornar a Corumbá, depois de terminada a
guerra, “[...]encontrou todo o seu patrimônio destruído. A própria Corumbá fora arrasada
por um vendaval humano”.
53
O senador José Fragelli, neto de Giuseppe Fragelli, registrou em carta que o avô
paterno chegou em Corumbá provavelmente em 1882 ou 1883 “[...]empregou-se na Base
naval de Ladário, ganhando três mil réis por dia. Devia fazer seusbicos”, porque contava
que tendo juntado dinheiro, comprou um carro de boi com o qual começou a luta para subir
na vida.[...]. Logo comprou outro carro e assim, naturalmente, tornou-se patrão. Devia,
entre outros serviços que prestava, tirar lenha no mato próximo à cidade para vender e
carregar água do rio Paraguai para suprir as casas mais abastadas [...].
54
Segundo José
Fragelli, seu avô mesmo depois de ser construtor e proprietário de casa de material de
construção, não deixou de praticar as primeiras atividades de retirar lenha do mato e
carregar água do rio Paraguai em pipas, no carro de boi, para ser vender à população local.
Possuía, o construtor italiano, em torno de 45 a 50 casas em Corumbá, todas deixadas para
seus sete filhos.
55
Generoso Ponce Filho registrou ainda sobre Corumbá: “As ruas retas, largas, vão
aparecendo no alto, paralelas ao estirão do rio em baixo. Deixando espaço para o futuro
cais, que há de vir um dia, no porto, começam a edificar ao lado da casa de Cavassa, outros
prédios para negócio. A pedra calcárea é abundante ali”. E prossegue questinando: “Teria
Cavassa, trazido ou atraído construtores italianos, para Corumbá?”.
56
Manoel Cavassa, como vimos, o primeiro grande comerciante a se instalar e levantar
construções de alvenaria em Corumbá, era português. Tanto o edifício que construiu para
servir de casa comercial, na parte baixa da cidade, quanto a construção elevada, na parte
alta, se observadas, apresentam os mesmos padrões aplicados às demais casas de morar e
comercializar, do final do século XIX. Com alinhamento à calçada, altas e largas aberturas,
52
PÓVOAS, Lenine C. Os italianos em Mato Grosso. São Paulo: Resenha Tributária,. 1989. p. 91.
53
Id. ib. p. 93.
54
Carta escrita pelo senador José Fragelli. In: PÓVOAS, Lenine C. Os Italianos em Mato Grosso. São
Paulo: Resenha Tributária, 1989. p. 33-35.
55
Id. ib. p. 35.
56
PONCE FILHO, Generoso. Generoso Ponce, um chefe. Rio de Janeiro: Pongetti, 1952. p.343.
137
ornamentação na fachada, elas ocupavam todo o limite do terreno. Tanto o sobrado da rua
Manoel Cavassa, de 1858, quanto a construção da rua Delamare, de 1885, apesar da
diferença de tempo, foram inspirados no ecletismo.[Figuras 11,19].
Na rua do Porto, distante alguns metros do sobrado de propriedade do português
Cavassa localiza-se uma edificação projetada pelo construtor Martino Santa Lucci, que foi
sede da Alfândega. Embora construída por um italiano, em 1896, apresenta semelhanças
com as demais construções citadas. Ou seja, o mesmo alinhamento, modelo de janelas e
portas, cobertura plana e pilastras aplicadas como ornamentos.
Para Vanda Alice Zanoni e os autores de Casario do Porto, as construções erigidas a
partir de 1873, sobretudo o traçado da cidade em ruas largas, bem como a organização em
cidade baixa e alta concebeu-se graças aos comerciantes. Gilberto Luiz Alves afirmou que
Corumbá era dominada plenamente pelos comerciantes e que, por isso, a cidade nasceu e
cresceu à imagem e semelhança dos negociantes locais.
57
Porém, Corumbá não nasceu do capital exclusivo dos comerciantes; o teve seu
traçado determinado por eles; sequer foi dividida em alta e baixa por causa das atividades
praticadas pelas casas comerciais estabelecidas na rua Delamare e no Porto. Como foi
mostrado, o traçado da cidade foi determinação das autoridades e a prática de dividir a
cidade em baixa, dedicada às atividades comerciais, e a alta, reservada às moradias,
edifícios públicos, igrejas e praças, era uma velha tradição lusitana, ensejada pelas
necessidades de defesa, do comércio, sanitárias, etc.
Não elementos materiais e culturais para deduzir se as construções em sotéias
planas de Corumbá foram uma influência das distantes edificações da Itália, devido à
presença de simples construtores italianos que em geral, dificilmente determinavam o
gosto e as orientações essenciais dos proprietários das moradias. Os arquitetos e
historiadores Nestor Gourlat Reis Filho e Carlos Lemos mostram as modificações no modo
de construir e de morar português ao ser aclimatado ao Brasil, ainda na fase colonial.
Gilberto Freyre também lembra que as casas portuguesas sofreram alterações profundas,
não constituindo jamais cópias perfeitas de Portugal, mas adaptações ao clima, aos
terrenos, aos recursos naturais, sobretudo às relações sociais e econômicas mantidas no
território explorado. A literatura evidenciou que os recursos limitados e a presença do
negro cativo contribuíram profundamente para a recriação do espaço privado.
57
ALVES, Gilberto Luis. A trajetória histórica do grande comerciante dos portos de Corumbá (1857-
1929.Casario do Porto de Corumbá. Campo Grande: Fundação de Cultura de MS. Gráfica do Senado,
1985.
138
O historiador sul-rio-grandense Mario Maestri mostrou que o clima e as relações
sociais de produção no Brasil propiciaram o desprestígio da cozinha. “Por motivos
climáticos e, sobretudo, sociais e econômicos, boa parte da vida doméstica e familiar se
dava em torno da cozinha e do fogão, onde reinava, soberana, a matriarca. No Brasil, as
tarefas da cozinha foram socialmente desqualificadas, ao serem entregues a trabalhadores
escravizados, nativos, primeiro; africanos a seguir. Expulsando a cozinha para um puxado,
construído no quintal, ou para as peças do fundo, os escravos dedicados àquela tarefa eram
expulsos do coração da residência”.
58
A presença dos cativos nas fazendas brasileiras obrigou o proprietário escravista a
construir uma peça separada da sua morada destinada ao descanso dos cativos. Já nas casas
urbanas, os trabalhadores escravizados dormiam nos porões, nas cozinhas, nos corredores,
no vão das escadas, nos depósitos, especialmente nos espaços pouco freqüentados pelos
membros da família senhorial. Às cativas e aos cativos de confiança eram permitidos
dormir junto às portas exteriores e não raro no interior dos dormitórios do escravistas.
A compreensão de uma construção pública, privada, residencial, comercial, etc.
exige o conhecimento de programa de necessidades, dos motivos pelos quais foi edificada,
do contexto social em que nasceu. Exige, igualmente, como assinalado, conhecimento das
influências do clima e dos recursos disponíveis, em mão-de-obra, em materiais, etc. É
ingenuidade e leviandade caracterizar um conjunto de construções considerando-se apenas
seus telhados.
A maioria das construções do final do século XIX e início do XX, que compõe o
Conjunto Histórico e Paisagístico de Corumbá, foi construída com inspiração no ecletismo.
As construções foram edificadas com platibandas com balaústres, balcões apoiados em
consolos e fachadas com pilastras e ornamentos aplicados. A construção em pedra e cal,
com o alinhamento nas calçadas, sem recuo nas laterais, permaneceu tanto nas casas de
alvenaria erigidas entre 1880 e 1900, quanto nas construções do princípio do século XX até
1930.
Em O que é arquitetura o arquiteto Carlos Lemos lembra que o ecletismo, surgido no
final do século XIX, traduziu-se na aplicação de vários estilos nas construções brasileiras:
“[...] deu-se que na vida prática dos mestres-de-obras, o partido era sempre o mesmo, a
partir de uma mesma técnica construtiva, empregando os mesmos materiais e acabamentos
58
MAESTRI, Mario. Dormindo em pé. Rio grande do Sul. Jornal Contexto. nº 39-21/22, maio de 1994.
139
e sujeito às mesmas normas e idêntica legislação”.
59
Nesse sentido, a arquitetura eclética
resumiu-se essencialmente às fachadas.
No decorrer da história, a arquitetura esteve subordinada às técnicas, aos recursos
naturais, às determinações públicas e costumeiras, às necessidades dos construtores, etc.
Havia igualmente forte inter-relação entre essas determinações. As casas paulistas eram
construídas com barro socado, apresentando, portanto, pequenas janelas em número
reduzido, beirais profundos, portas baixas e paredes lisas. As suas principais
ornamentações restringiam-se às vergas nas janelas, sobre as quais era aplicada madeira
trabalhada e às peças que sustentavam os beirais, denominadas de cachorro. Os códigos de
posturas ao determinarem as alturas e larguras das portas e janelas, os alinhamentos, o
material a ser usado, o alinhamento, etc. colaboraram na padronização da paisagem
construtiva urbana.
Em Mato Grosso, sobretudo nas vilas nascidas da extração de metais preciosos, as
construções eram simples, importando mais ao minerador encontrar o ouro, mas não sabia
investir recursos, ainda mais devido ao inevitável esgotamento da cata ou filão. Ao ter
contato com a população mato-grossense no início do século XIX, Hercules Florence
mostrou que havia poucas fazendas e vilas com construções de alvenaria. Grande parte das
edificações que encontrou eram casas, choupanas e ranchos de pau-a-pique, cobertas de
sapé.
Na vila de Nossa Senhora da Conceição do Alto Paraguai Diamantino, onde Florence
esteve em 1827, apesar dos diamantes encontrados, o proprietário das lavras possuía
apenas uma casinha de sapé ou de telha para si e ranchos miseráveis, onde abrigava de
trinta a quarenta cativos.
60
A vila de Guimarães não apresentava também edificações
duráveis, não passando de “uma rua e míseras choupanas e de um largo em parte aberto em
parte cercado de casinhas cobertas de sapé, com uma igreja no fundo”.
61
Quanto à igreja
local, destacou que não apresentava quase nada de notável a não ser os ornamentos em
baixo relevo dourado.
Para Florence a igreja da vila de Guimarães, apesar de decadente, era uma exceção
arquitetônica, que caracterizou as demais igrejas existentes na província como
verdadeiros pardieiros, de construções sem valor e em ruínas. Assim, enquanto a
população empenhava-se em procurar ouro e diamantes e a mão-de-obra era
essencialmente escravizada, perduraram as construções simples feitas de barro e coberta de
59
LEMOS, Carlos. O que é arquitetura. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 64.
60
FLORENCE, Hercules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas. São Paulo: Cultrix, 1977. p. 218.
61
FLORENCE, Hercules. Viagem Fluvial do Tietê ao Amazonas. São Paulo: Cultrix, 1977. p. 164.
140
sapé. Florence referindo-se as vilas mineradoras mato-grossenses nos seguintes termos:
“Essa gente não levanta casas, porque sua profissão é esburacar o terreno”.
62
Cidade Alta
Construções do final do século XIX resistiram também ao tempo na parte alta da
cidade de Corumbá. As soluções de estilo eclético também foram aplicadas nessas
edificações. Na rua 7 de Setembro, ao lado de uma edificação do início do século XX,
existe uma casa de 1885, mandada construir por Manoel Cavassa, que exibe uma fachada,
alinhada à calçada, ornamentada com pilastra e desenhos. A casa é de alvenaria, com
grossas paredes. A armação de sua cobertura de telhas é em madeira. Duas portas e uma
janela central favorecem o acesso, a ventilação e a iluminação. A circulação interna é feita
entre as próprias peças através de aberturas largas em forma de arco. Em uma das paredes
laterais, as pedras expostas servem de elemento decorativo, mas tornam a sala mais escura,
apesar da pintura branca aplicada nas outras paredes. As aberturas da fachada são
retangulares em madeira, metal e vidro. Localizada na rua Antônio João, parte da
edificação prolonga-se à rua Delamare. Inspirada no ecletismo, a fachada expõe várias
portas e janelas em arco pleno, bem como ornamentação marcada por desenhos de flores e
folhas contínuas e a data de construção.
63
[Figura 19-20].
Na rua Delamare, em 1898, foi erigida uma construção para uso comercial e
residencial de João Firmino de Oliva. A construção inspirada no estilo eclético mantém-se
conservada. Na fachada, podem ser observadas aberturas em arco pleno de madeira, com
aplicação de metal e vidro. Cada uma das aberturas é separada por pilastras. Construída em
alvenaria, alinhada à calçada, com paredes geminadas, a casa é coberta com telhas de
barro.A ornamentação da fachada é simples: desenhos geométricos foram aplicados na
direção de cada uma das aberturas existentes. As portas são ladeadas com molduras. Há um
monogramo JFO com as iniciais do nome do proprietário e a data da construção
sobreposta a duas das portas existentes. [Figura 28-29].
Ainda na rua Delamare, esquina com a rua Ladário, uma edificação elevada em
alvenaria e datada de 1894. A referida construção possui portas e janelas em arco pleno,
todas de madeira, ferro e vidro, pilastras na fachada e alinhamento à calçada. A
ornamentação da fachada restringe-se ao contorno da portas e janelas. Na rua Antônio
62
Id. ib. p. 172.
63
MARQUES, Rubens Moraes da Costa. Trilogia do Patrimônio Histórico e Cultural Sul-Mato-Grossense,
Campo Grande. UFMS, 2001. p. 517.
141
Maria Coelho, esquina com a 13 de Junho, foi erigida em 1894 uma construção com várias
janelas e portas em formato retangular distribuídas em toda a extensão da fachada da
edificação. O pavimento térreo compõe-se de portas, as quais estão em simetria com o
pavimento superior. No pavimento superior, sete janelas de madeira com gradil, em
cima das quais foi aplicado adorno em formato de círculo. também uma porta de
madeira com saída para um balcão de metal.[Figura 21-22].
Observa-se que todas as construções do final de século XIX, levantadas nas
prestigiadas esquinas, apresentam a mesma solução arquitetônica. Portas e janelas foram
distribuídas em toda a extensão das edificações de tal modo que o acesso aos interiores das
mesmas pudesse ser feito através das duas vias. Isto não quer dizer que as casas localizadas
no meio das quadras eram desprovidas de portas e janelas largas em arco pleno ou
retangular. Ao contrário, a mesmas aberturas encontravam-se nessas moradias, que as
peças dispostas umas após as outras nas construções estreitas e geminadas recebiam,
sobretudo, através delas, ar e luz natural. A vantagem das casas erigidas em terrenos de
esquina era a possibilidade de permitir uma maior luminosidade e arejamento direto de
maior número de peças.
As casas mais simples, elevadas em terrenos estreitos, não permitiam a construção na
fachada de várias aberturas, mas de apenas uma porta e no ximo duas janelas largas.
Um exemplo é a moradia da rua 13 de junho nº 386, entre as ruas Tiradentes e Ladário, de
1899, edificada com alinhamento à calçada e fachada singela constituída de duas
aberturas, porta e janela. Esta casa estreita tem sua frente voltada para o antigo Mercado
Municipal área que aparece, em 1889, com a denominação de praça São Pedro.
64
[Figura 27]
Um exemplo de construção também típica do século XIX com estrutura de alvenaria
é a casa situada na rua 13 de Junho, entre as ruas Ladário e Tenente Melquíades, com
quatro peças originais formando um L. No decorrer dos anos, outras peças foram sendo
construídas, sem alterar a estrutura anterior cozinha, despensa, quarto e banheiro. As
peças mais antigas são amplas e possuem paredes largas. A circulação através das peças é
feita internamente, através de aberturas na forma de arcos. Na fachada, duas largas
janelas e uma porta, todas alinhadas à calçada. Observa-se nas janelas vergas em curva,
característica marcante das construções mais antigas.
Uma das laterais da casa é recuada e o terreno é longo. No quintal, existe um
reservatório de água construído em tijolos, mas inativo e deteriorado. Os muros que
64
Planta de Corumbá- 1889. Raul Silveira de Mello. Corumbá, Albuquerque e Ladário. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 1966. p. 132.
142
cercam o lado recuado da casa são de pedra. Pode-se observar grande quantidade de pedras
cravadas em toda extensão do quintal. Na argamassa usada entre as pedras, foi misturado o
barro e a cal, elemento de fácil deterioração, devido à água, caso abram-se frestas nas
paredes. [Figura 37]
O sobrado 1146 da rua 13 de Junho esquina com a 15 de Novembro, também
inspirado no estilo eclético, possui na fachada muitas portas e janelas. No pavimento
térreo, aberturas em arco pleno foram distribuídas de maneira uniforme. “No segundo
pavimento, aberturas retangulares encimadas por frontões rebaixados, no frontispício,
abertura retangular”.
65
Erigida de alvenaria, sua cobertura é feita com estrutura de madeira
e telhas de barro. [Figura 40].
Para o arquiteto Rubens de Moraes, o sobrado foi erigido no início do século XX
pelo arquiteto Martino Santa Lucci, para ser a sede da prefeitura Municipal. Porém, tudo
indica que se trata se uma construção edificada no final do século XIX. Santa Lucci faleceu
em 1904 e a Intendência adquiriu o lote posteriormente.
A referida construção foi propriedade de Joaquim Alves de Arruda que vendeu “o
lote de terreno 84 da rua Treze de Junho, esquina da rua Quinze de Novembro, medindo
24,20 m. de frente ao sul para a praça da Independência [...],
66
tendo um sobrado
construído de material[...]”, para a Intendência Municipal de Corumbá, no dia 4 de
fevereiro de 1913.
O sobrado antes de abrigar o poder público serviu de hotel o chamado Hotel Royal.
No Álbum Gráphico de Mato Grosso editado em janeiro de 1914, aparece uma foto do
sobrado e o nome do hotel em letreiro grande, gravado no extenso balcão de gradil.
67
Alinhado à via pública, com fachada ornamentada e colunas e balcão com gradil
sustentado por cachorros, o sobrado possui platibanda em toda sua extensão e, nos fundos
um belo algibe, distante poucos metros de uma varanda alpendrada, ainda hoje conservado.
Ter um algibe em casa, como comentado, foi privilégio de poucos corumbaenses.
Somente as famílias mais abastadas possuíam reservatório de água em suas residências.
[Figuras 41-42]
A casa 427 da rua Delamare dispõe também de um imponente algibe, assentado
em uma extensa área coberta. Construída de alvenaria, com grossas paredes e em terreno
estreito e comprido, a casa possui peças espaçosas, corredor lateral de entrada e recuo em
65
MARQUEZ, Rubens Moraes da Costa. Trilogia do Patrimônio Histórico e Cultural Sul-Mato-Grossense.
Tomo III. Campo Grande: UFMS, 2001. p. 544.
66
Registro de imóveis da Comarca de Corumbá-Ms. Transcrição das transmissões imobiliárias. Livro 3,
ordem 638, ano 1913. Folha 185. Cartório do 1° Ofício de Corumbá.
67
AYALA, S. Cardoso; SIMON, F. Álbum Gráphico de Mato Grosso. Corumbá/Hamburgo, 1914. p. 333.
143
uma de suas laterais. Através desse corredor chega-se ao algibe, protegido por cobertura de
estrutura de madeira e telhas de barro. Largas colunas sustentam a área coberta, na qual
portas, também largas e de vidro favorecem a entrada de luminosidade. [Figuras 57-59].
Ordenamento Público
As câmaras municipais das províncias do Império criaram os códigos de posturas
para normalizar o espaço público e privado. Nestes códigos, eram previstos o
comportamento dos cativos nas ruas e os castigos no caso de transgressão. Além disso,
comumente, ficava também determinada qual a forma das fachadas das casas e do
alinhamento das ruas. Porém, não apenas em Corumbá as normas eram negligenciadas pela
população, sobretudo pelo segmento abastado.
68
O ordenamento do espaço público no Império foi uma questão presente nos códigos
de posturas que exigiam da população a limpeza das ruas, das calçadas, dos quintais, bem
como a obrigação das pessoas de edificarem segundo as determinações municipais. No Rio
Grande do Sul a Câmara Municipal determinava, sobretudo o alinhamento e a largura das
ruas, o formato das praças, o calçamento à frente das casas nos terrenos urbanos, bem
como os materiais usados nas calçadas.
69
Em Mato Grosso também foi determinação de algumas câmaras municipais
Miranda, Vila Bela e Corumbá que os proprietários mantivessem as ruas limpas, na
frente de suas moradias. As Posturas, de 1860, da vila de Miranda, proibiam os moradores
de jogar estrumes, animais mortos e imundícies nas ruas e obrigando-os a conservar limpa
a metade da rua de frente às casas. Além disso, as frentes das construções deveriam ser
calçadas.
70
A preocupação com a beleza e ornamentação das ruas também esteve presente na
legislação de Vila Maria atual Cáceres. As Posturas Municipais determinavam que “os
proprietários ou inquilinos” eram “obrigados a conservar limpas de selvas crescidas as
frentes das casas e quintais em que morarem”.
71
Os moradores eram, sobretudo obrigados
a calçar a frente das construções. A legislação corumbaense do século XIX foi marcada
pela intenção de tornar o meio urbano mais limpo e organizado, legislando, portanto sobre
68
Cf. Relatório de Antonio Antunes Galvão. 07/01/1887. Folha 08. Arquivo da Câmara Municipal de
Corumbá-MS.
69
Cf. MAESTRI, Mario. O sobrado e o cativo. A arquitetura erudita no Brasil escravista. O caso gaúcho.
Passo Fundo: UPF, 2001. p. 82 -96.
70
Código de Posturas da Câmara Municipal da vila de Miranda. Artigos 35 e 40.
71
Id. ib.,Artigos 28 e 40.
144
a limpeza das vias públicas e dos quintais; a altura das fachadas; o calçamento das ruas; a
construção de muros e alinhamentos dos edifícios, etc.
Um estudo atento dos artigos presentes nos códigos de posturas e dos documentos
pertencentes ao final do século XIX ofícios e relatórios revelam que a maior
preocupação das autoridades locais era quanto à delimitação das construções, fachadas e
calçamento da frente dos terrenos, bem como limpeza das ruas.
Nas Posturas de 1875, estava determinado aos moradores de Corumbá que os prédios
a serem construídos deveriam ser alinhados por um alinhador da Câmara, que poderia ser
o porteiro, um mestre carpinteiro ou um mestre pedreiro. Aqueles que tivessem terrenos
urbanos eram obrigados a cercá-los e suas frentes receberiam calçadas de 1,5 metros de
largura. A dimensão das calçadas foi ampliada para dois metros em algumas ruas, nas
Posturas de 1881. “Todos os proprietários de prédios ou terrenos, compreendidos na rua
Alencastro até a rua Augusta, paralela ao rio Paraguai, e na rua Bella a a rua do Major
Gama, perpendiculares ao mesmo rio, são obrigados a mandar calçar, desde já, a frente de
seus prédios ou terrenos, na largura de dois metros, com 4 centímetros de declive”.
72
Em Corumbá, a frente das casas era construída sem complementos nas fachadas, pois
era proibido “edificar [...] nas casas alpendres, degraus ou patamares, que estreitem as ruas
ou embaracem o livre trânsito”.
73
Altas fachadas alinhadas às calçadas com largas janelas
davam um aspecto monótono e único na vila, ao igual às outras cidades da época, cujo
poder público legislava objetivando normalizar os espaços urbanos de cada localidade, a
fim de transformar, no período imperial, a desordem ocorrida nos espaços durante a época
colonial, quando as pessoas construíam, sem maiores preocupações com a ordem espacial e
as práticas higiênicas.
O historiador Mário Maestri informou que o Rio Grande do Sul e as atenções das
câmaras municipais voltaram-se primeiramente às construções das residências
determinando “que as residências fossem levantadas, de forma ordenada, ao longo de ruas
retas, como o mesmo nivelamento e a mesma altura”.
74
Além de determinar como os
novos prédios poderiam ser erigidos, a legislação delimitou os reparos das edificações
existentes. O artigo 40º das Posturas Municipais de Corumbá, de 1881, ordenava: “Os
proprietários de edifícios, muros ou obras que ameaçarem ruínas, são obrigados a repará-
72
Postura Municipal da cidade de Santa Cruz de Corumbá, 1881. Artigo 32°.
73
Postura Municipal da cidade de Santa Cruz de Corumbá, 1881. Artigo 33. § 3.
74
MAESTRI, rio. O sobrado e o cativo. A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso
Gaúcho. Passo Fundo: UPF, 2001. p. 124.
145
los, ou demoli-los, dentro do prazo que for marcado pelo Fiscal, e que não excederá a 30
dias, sendo multado em 20$00 reis [...]”.
75
A modificação do estilo das fachadas poderia ser feita após licença da Câmara,
sob pena de pagamento de multa e de demolição da obra, caso prejudicasse a “formosura e
decoração pública”.
76
Além dos sobrados, também a construção das casas térreas era
determinada pela legislação. A partir da aprovação do Código de 1881, as casas mais
simples eram levantadas com uma altura mínima de 4,5 metros de elevação. as janelas e
portas deveriam ser construídas com abertura de 1,80 metros e 2,80 metros,
respectivamente. Ficou ainda proibido o “uso de cachorros, devendo usar ainda mourisco
ou cimalha no frontispício que amparar o testado”.
77
Também os terrenos desprovidos de construções e, portanto, desalinhados,o eram
aceitos pela legislação, que determinava ao proprietário o alinhamento na mesma
proporção dos sobrados e das casas térreas através da construção de muro ou cercas
acompanhadas de calçadas confeccionadas, segundo as ordenações públicas.
78
Em boa
parte, a legislação não era respeitada pelos cidadãos locais. Na documentação da época
ficaram registradas em relatórios as reclamações dos membros da Câmara, que insistiam
com o governo da Província a necessidade da aplicação de leis mais rígidas em Corumbá.
Em diferentes momentos, os vereadores lamentaram a má conduta dos moradores locais
que desobedeciam às leis e colaboravam para que o aspecto da cidade permanecesse
irregular. Em 1883, a Assembléia Legislativa Provincial aprovou e adicionou ao código da
cidade três artigos regularizando as ações no espaço urbano, como fechamento de terrenos
e retirada de madeiras de lei na região.
O artigo primeiro das Posturas tratava especificamente a questão dos lotes urbanos.
Entretanto, as determinações limitavam-se à parte nobre da cidade. De forma detalhada, o
cidadão tinha todas as informações necessárias para proceder, caso tivesse sob sua posse
terreno na área urbana. “Os lotes de terrenos urbanos das três quadras empedradas da rua
de Lamare que ainda não tiverem edifícios ou estes não estejam construídos no
alinhamento da rua ou que não ocupem toda a extensão da frente do terreno, ficam os seus
proprietários obrigados no prazo de sessenta dias, depois de intimados pelo Fiscal, a
75
Postura Municipal da cidade de Santa Cruz de Corumbá, 1881.
76
Id. ib., Artigo 29°.
77
Id. ib.,Artigo 33°.
78
Cf. Id. ib., Artigo 31°.
146
fazerem um muro de pedra ou tijolo, com um metro e oitenta centímetros de altura, sob
pena de pagarem de multa a quantia de trinta mil reis, e o dobro na reincidência”.
79
Prosseguia ainda no § 1º, sobre os demais terrenos da cidade: “Os lotes de terrenos
das demais quadras da mesma rua, que não tiverem edifícios ou estes o estejam nas
circunstâncias referidas no artigo antecedente, ficam os proprietários obrigados no prazo de
trinta dias, depois de intimados, a fazerem uma cerca de pau-a-pique, com um metro e
oitenta centímetros de altura sob a pena dos artigos precedentes”.
80
A preocupação maior
com a estética urbana de Corumbá restringia-se à rua Delamare, onde os proprietários
eram obrigados a levantar construções alinhadas à rua e muros com materiais duráveis. Nas
demais ruas, bastavam tão somente cercas de madeira. Os relatórios da Câmara oferecem
visibilidade ao empenho das autoridades na organização, limpeza e calçamento de
determinados espaços, como o Porto, as ruas Cândido Mariano, Delamare e 13 de Junho e
a ladeira Cunha e Cruz, que ligava a parte baixa e a parte alta da cidade. Destaque-se que a
ladeira Cunha e Cruz, na sua parte mais alta, termina exatamente na rua Delamare, em
frente à Praça da República e da igreja Nossa Senhora da Candelária, portanto, espaço
urbano de distinção social. Para Mario Maestri “a hierarquização do espaço urbano era
normal no Brasil imperial o largo da matriz constituía o espaço nobre por excelência,
sede do poder civil e religioso e local de moradia dos cidadãos abonados; à medida que os
quarteirões afastavam-se dela, decaíam em status e eram menores as exigências e
determinações municipais”.
81
Em 1906, tornou-se obrigatório a substituição das fachadas de madeira nas ruas
citadas. Conforme o regulamento para construção e reconstrução de prédios, os
“proprietários das casas cujas fachadas são de [ilegível] ou tábuas e situadas nas ruas
Candido Mariano, De Lamare e 13 de junho, são obrigados dentro do prazo de um ano a
substituir as ditas fachadas por outras de alvenaria […]”.
82
Na vila de Miranda, a partir de 1860, os proprietários de casas cujas fachadas
tivessem como limites as ruas, deveriam rebocar, caiar e cobrir essas edificações,
necessariamente telhadas. Na construção ou reconstrução de qualquer sobrado, a fachada
seria levantada com vinte palmos de altura ou mais, com janelas e portas proporcionais e as
79
Documento 503 de 02 de junho de 1883, Art. - Barão de Batovy. Arquivo da Câmara Municipal de
Corumbá-MS.
80
Loc. cit.
81
MAESTRI, rio. O sobrado e o cativo. A arquitetura urbana erudita no Brasil escravista. O caso
Gaúcho. Passo Fundo: UPF, 2001. p. 126.
82
Regulamento para construção e reconstrução de prédios. 28 de Novembro de 1906. Artigo 12. Arquivo da
Câmara Municipal de Corumbá.
147
frentes deveriam ser calçadas.
83
Em Vila Maria, determinava a legislação o seguinte: “o
prédio que se edificar será calçado nas suas frentes em distância de cinco palmos e o
nivelamento, evitando-se os ressaltos e soleiras de pedra [...]”.
84
Também as novas
construções e as casas reconstruídas não poderiam ser edificadas com fachadas menores de
dezoito palmos de altura. As janelas deveriam ser arquitetadas regularmente com sete
palmos e as portas com doze palmos, destituídas de soleiras e vergas.
Com a aplicação das leis, a concessão de um terreno através da doação, compra e
venda não significava ao proprietário ter a posse permanente do mesmo. A inobservância
da Lei, que determinava aos donos de terrenos a medição, o alinhamento, a construção de
casa ou muro e o calçamento podia ocasionar a perda da propriedade e a demolição da obra
caso não respeitasse as metragens e o estilo escolhido agredisse as determinações quanto a
altura da fachada, tamanho das portas e janelas e presença de degraus adicionais ou algo
que obstruísse a passagem nas calçadas.Segundo a legislação, os donos de terrenos
concedidos pela Câmara de Corumbá eram obrigados a construir ou levantar uma cerca nos
mesmos.
Apesar das determinações, muitos descumpriam a lei, levando a mara a passar o
título de posse a uma outra pessoa. Na concepção dos vereadores, o favorecimento da
posse de terrenos apenas às pessoas que colaboravam na melhoria da paisagem urbana foi
benéfico na transformação do aspecto da cidade, pois Corumbá apresentava, em 1886,
ruas mais acessíveis ao trânsito e uma “bela aparência.
85
A normalização promulgada pela Câmara intimidava certos costumes da época como
o manter nos quintais a criação de animais para o consumo da família. Em Corumbá e em
outras regiões brasileiras, era costume da população plantar, criar e abater animais para
complementação da alimentação. Mas essa prática trazia às aglomerações desenlaces
inconvenientes devido ao mau cheiro dos currais e aos restos do animal abatido. O odor
mais fétido proliferava nos quintais das famílias corumbaenses mais abastadas. A presença,
os restos e dejetos dos animais e as latrinas abertas propiciavam a propagação de doenças
na população. Desde 1875, a legislação proibia na vila de Corume em lugares próximos
a matança de rezes, não definindo, porém o local permitido ao abate dos animais. Somente
em 1881 foi esclarecida essa questão: “Ninguém poderá matar, ou esquartejar rezes para o
consumo, a não ser dentro do matadouro público. Enquanto não existir o dito matadouro, a
83
Posturas da vila de Miranda, 13 de junho de 1860. Artigo 39.
84
Leis de Vila Maria. Livro da Secretaria do Governo da Província de Mato Grosso, 27 de junho de 1860.
Artigos 32 e 33.
85
Relatório apresentado em 1886. Livro 205. Fls 68 A 70 A. Arquivo da Câmara Municipal de
Corumbá-MS.
148
Câmara marcará o lugar, que será cercado a custa da mesma onde e unicamente se
poderá fazer tal serviço”.
86
Em Corumbá, o problema da matança das rezes em espaço inadequado e a utilização
dos quintais para criações domésticas persistiu provocando problemas para a saúde da
população, tanto que, ainda em 1887, aparece no relatório do presidente da Câmara
Antonio Antunes Galvão a referência ao desasseio nas ruas e dos quintais da cidade. As
leis propunham-se também controlar os serviços na área urbana de Corumbá. O
estabelecimento de casas comerciais, de lojas, de oficinas, de tavernas, de indústrias, etc.,
era regulamentado pela Câmara.
Procurando tornar as aglomerações com melhor aspecto e mais salubres, o poder
público municipal determinava que certos terrenos não pudessem ficar sujos e abertos, sem
demarcação e alinhamento, que tais sucessos rompiam com a homogeneidade da
paisagem urbana planejada pelas leis, que representava os ideais das chamadas elites
senhoriais. Em Corumbá, os representantes locais durante a escravidão eram proprietários
de cativos que cobravam do governo da Província a aplicação crescente de verbas e leis
rígidas na organização da cidade.
Na documentação pública, é perceptível o desprestígio cultivado pelos vereadores
quanto à política desenvolvida pelo presidente da província. Era também preocupação da
Câmara a impressão que os viajantes tivessem da cidade. “Tanto mais que sendo a cidade
de Corumbá aquela em que o estrangeiro primeiro salta ao entrar na Província, deve perder
essa aparência selvagem que tão má impressão causa aos viajantes”.
87
A paisagem urbana da Corumbá começou a modificar-se gradativamente a partir dos
anos 1880, com a resolução de alguns de seus maiores problemas. A documentação sugere
que a rua principal da época Delamare começou a ser calçada e alinhada nesse ano,
como registram os recibos de pagamento do calçamento, com seus respectivos valores.
Mesmo assim, persistiram problemas relacionados à água, saneamento e limpeza pública.
A proposta de calçamento foi apresentada à Câmara Municipal de Corumbá, por João
José Peres, em maio de 1881, especialmente “para o calçamento de três quadras da rua
Delamare, isto é, desde o largo do Carmo até a rua Sete de Setembro”.
88
O valor
apresentado foi significativo: quinze contos de reis. Em 3 de junho de 1881, Joaquim de
Sama Lobo d’Eça apresentou à Câmara orçamento detalhado sobre as despesas
86
Postura Municipal da cidade de Santa Cruz de Corumbá, 1881. Artigo 1°.
87
Relatório de 1884. Folha 49. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
88
Proposta apresentada à Câmara Municipal de Corumbá, 14 de maio de 1881. e Orçamento de despesa
provável, 3 de junho de 1881. Folhas avulsas. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
149
concernentes ao calçamento da rua de Lamare entre a praça do Carmo e a rua 7 de
Setembro.
Além da despesa provável calculada em 14:600#300 mil-réis, descreveram-se as
obras do calçamento: “O leito da rua, que tem de receber o calçamento, será previamente
nivelado e aterrado de modo a mostrar a forma dos perfis longitudinais e transversais que
deve ter, devendo ser extraída parte da terra vegetal que existe na rua e substituí-la por
terra branca sobre a qual serão as pedras colocadas. O calçamento será feito assentando-se
as pedras de tição, tão unidas quanto for possível encima juntam desencontrados,
empregando-se de preferência as pedras de bastante espessura e com a face superior
preparada de modo a evitar depressões que embaracem o escoamento das águas. Em vista
do diminuto declive natural que tem o terreno, deve o calçamento ser feito do meio de cada
quadra para os extremos, a fim de poder-se dar maior declive às valetas de esgoto, que
serão abertas junto às calçadas das casas e terão, no mínimo, o declive de 2% que
corresponde a 2 centímetros por metro. [...] Depois de concluído o calçamento, será
lançado sobre ali uma camada de terra branca de modo a encher os pequenos intervalos
[...]”.
89
Consta que no dia 5 janeiro de 1884, a Câmara Municipal pagou para a firma Firmo
de Mattos Cia. a quantia de 265:200 mil-réis “por conta do calçamento da rua de Lamare”
90
e, em 4 de fevereiro, a quantia de 3.000:186 mil-réis.
91
O contrato de calçamento
apresentado por João José Peres foi transferido a Firmo de Mattos e Cia, encontrando-se
por isso os recibos em nome do último: “Recebemos dos Senhores Claviculares do cofre da
Câmara Municipal a quantia de duzentos sessenta e cinco mil duzentos reis por conta do
calçamento da rua de Lamare, cujo contrato nos foi transferido pelo Snrº Capº João José
Peres. Corumbá, 5 de Janeiro de 1884. Firmo de Mattos Cia”.
92
As posturas aprovadas em 22 de abril de 1881 obrigavam os proprietários a
calçarem a frente de seus prédios e terrenos, sob pena de serem multados em 20$000 mil-
reis, além de terem novo prazo de sessenta dias para término do serviço e a duplicação do
valor da multa, caso não fossem cumpridas as disposições do artigo. A partir do
estabelecimento do novo Código de Posturas Municipais da cidade de Santa Cruz de
Corumbá, todos os proprietários “de prédios ou terrenos, compreendidos na rua de
Alencastro até a rua Augusta, paralela ao rio Paraguai, e na rua Bella a a rua do Major
89
Orçamento da despesa com o calçamento da rua de Lamare. Corumbá, 3 de Junho de 1881. Arquivo da
Câmara Municipal de Corumbá-MS.
90
Recibo n° 89. Folha avulsa. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
91
Recibo n° 14. Folha avulsa. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
92
Recibo nº 89. Folha avulsa. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
150
Gama, perpendiculares ao mesmo rio, são obrigados a mandar calçar, desde já, a frente de
seus prédios ou terrenos, na largura de dois metros, com 4 centímetros de declive”.
93
Ainda no final do século XIX, as ruas de grandes aglomerações urbanas da Província
e do Império eram motivos de preocupação. Mas, no caso de Corumbá tudo era mais difícil
de ser resolvido, porque a vila se encontrava distante do centro de poder. A chegada de
recursos necessários às obras, quando ocorria, era com muita morosidade. Segundo relata
Galvão, os problemas relacionados às ruas persistiam desde o período em que era
presidente da Câmara - 1883 a 1887 - e que remetera em vão relatórios para a Presidência
da Província, pedindo verbas e medidas para efetuar a limpeza pública e empreender as
obras necessárias. “Quando remeti o último relatório à Presidência da Província, juntei uns
códigos de posturas que proibia expressamente a expôr-se casas ao aluguel sem ter uma
latrina deixada, além de medidas indispensáveis para o aceio da cidade e salubridade
pública”. “Isto, porém não mereceu a menor atenção do ilustre corpo legislativo, a julgar-
se pelo silêncio a que ficou condenado tal reclamo”.
94
O relatório de Antonio Antunes Galvão registra a dificuldade da Câmara Municipal
de Corumbá em ter seus pedidos atendidos pelo presidente da Província. Por conta do
descaso do poder público cuiabano e do não cumprimento das normas pela população
local, que insistia em manter em seus quintais latrinas abertas, despejar as fezes nos
barrancos da cidade ou ali fazer suas necessidades orgânicas, propagou-se em Corumbá a
cólera. No dia 5 de dezembro de 1886, a doença manifestou-se em algumas pessoas e, dois
dias após, muitos corumbaenses morreram.
A propagação da cólera obrigou o estabelecimento de uma casa com enfermeiros
para cuidar dos doentes desprovidos de recursos. “O Lasareto era muito pequeno, mas era a
melhor casa naquelas imediações e prestou regularmente os socorros a que foi destinado,
porque esta enfermidade não tem a marcha lenta de muitas outras e quase sempre em
quatro dias o doente restabelece ou morre [...]”.
95
O atendimento no Lasareto e algumas
providências tomadas pelo presidente da Câmara no sentido de promover a limpeza dos
quintais, ruas e da cadeia pública não foram suficientes para exterminar a doença. Galvão
lembra que “a peste fazendo muitos estragos, elevou o número das vítimas dentro desta
cidade; sem contar os que morrerão fora, a enorme soma até 135-regulando por alguns dias
93
Postura Municipal da cidade de Santa Cruz de Corumbá, 1881. Artigo 32°.
94
Relatório de Antonio Antunes Galvão. Folha 2. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
95
Relatório de Antonio Antunes Galvão. Folha 4. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
151
quatro casos por mil habitantes, o que é uma desproporção aterradora se compararmos com
os estragos que o cólera tem feito nos lugares mais devastados por essa enfermidade”.
96
Não foi fácil para as autoridades combater a cholera morbus em Corumbá,
principalmente porque os vapores, de onde a doença havia se espalhado, atracavam com
freqüência no porto da cidade, sem qualquer restrição estabelecida pelo delegado da
higiene pública. Por esse motivo, em 1887, o promotor público da Comarca de Corumbá
denunciou José Marques da Silva Barros, delegado da Higiene Pública, por não ter tomado
providência na prevenção da doença.
Em 15 de fevereiro de 1887, a denúncia representada na pessoa de José Joaquim de
Souza Gomes, denunciou a seguinte situação: Ainda prende atenção dos habitantes desta
cidade as calamitosas ocorrências que se deram nos meses de dezembro e janeiro último
por ocasião da invasão do chólera morbus, que tantas famílias (ilegível), e cujo
desenvolvimento e intensidade que atingiu esse flagelo é imputado ao Doutor José
Marques da Silva Barros, Delegado da Higiene Pública, que longe de cumprir os seus
deveres, indiferente ao sofrimento público e aos sentimentos de humanidade, tem com
criminosa negligência cruzado os braços ante a possibilidade da reprodução dessa terrível
epidemia”.
97
E prossegue a denúncia: “Está no domínio da publicidade por cartas recebidas de
pessoas fidedignas residentes na capital desta província que ali e suas circunvizinhanças a
cholera têm se manifestado fazendo muitas vítimas; mas essa lúgubre nova, que tanto tem
colado no acima dos habitantes desta cidade, não tem tido a força que era de esperar para
demorar de sua criminosa inércia a mesma Delegacia da Higiene Pública por isso que não
cogitou medida alguma no intuito de prevenir a reprodução desse mal, com manifesta
violação e falta de observância do Decreto n° 9554 de 3 de fevereiro de 1886, e especial, e
nos seus artigos 26 7º, 9º, 13º, 14º, 15º, 16° e 17º artigos 94 7°, 8°, 10° e 11° artigos
135, 136 e 150.
98
Verifica-se que ainda nas duas últimas décadas do século XIX o meio urbano
corumbaense era sinônimo de propagação de doenças, falta de higiene e não cumprimento
do Código de Posturas. Nas ruas, cães bravos e cloacas impediam a circulação das pessoas.
As doenças alastravam-se devido às latrinas nas casas; ao lixo e os entulhos depositados
96
Id. ib., Folha 12.
97
Processo de responsabilidade. Nº 225. Corumbá, 1887. Arquivo do Tribunal de Justiça de Campo Grande-
MS.
98
Processo de responsabilidade. Nº 225. Corumbá, 1887. Arquivo do Tribunal de Justiça de Campo Grande-
MS.
152
nas ruas e quintais; à presença de chiqueiros nas proximidades das moradias; aos animais
soltos pelas ruas.
A análise da documentação permite ressaltar que o fiscal não tinha autoridade para
fazer a população cumprir o Código de Postura e, assim, melhorar o aspecto do espaço
urbano corumbaense. O fiscal não conseguia fazer a lei ser respeitada porque muitas
famílias atingidas pelas normas eram as mais abastadas da cidade e, como tal, não se
achavam devedoras do cumprimento da lei. Eram, sobretudo os ricos que criavam em seus
quintais animais para o consumo próprio, desrespeitando as leis.
99
Nas Posturas
Municipais de Corumbá, de 1881, consta a seguinte proibição: “Não é permitido dentro
desta cidade a criação de porcos, a o ser em quintais fechados e somente em
arrabaldes”.
100
Era corrente no Brasil o costume de ter no quintal da casa urbana uma criação ou
plantação que auxiliasse na alimentação das moradias. Em Sobrados e mucambos, Gilberto
Freire
101
registrou que as casas grandes das cidades reservavam espaço nos quintais para a
plantação de legumes e de frutas e para a criação de animais de corte, que eram poucos
os açougues e escassos os alimentos frescos nos mercados urbanos. O sociólogo
pernambucano lembra que produtos como biscoitos, queijo, vinho, roupas, chapéus, peixe
fresco, azeite para ascender lamparinas, mariscos para fazer a cal e cativos eram
importados da Europa e África. Mesmo assim, foi preciso que cada família cultivasse em
seu quintal ou nas chácaras alimentos que atendessem as suas necessidades.
Localizadas na periferia das cidades, as chácaras das ricas famílias produziam
alimentos abundantes, vendidos comumente nas aglomerações. Comerciantes,
funcionários, proprietários adquiriam produtos nas chácaras suburbanas, onde podiam
encontrar o conforto que não conheciam nas moradias urbanas, como lembra Reis Filho.
102
Algumas destas chácaras eram quase pequenas fazendas. Possuíam plantações; pasto para
os animais; fontes de água fresca; arvoredos; bambuzais. Essas casas de sítio, com capela,
muita árvore de fruta, olho-d’água ou cacimba, existiam também nas imediações do Rio
Janeiro e do Recife. Gilberto Freyre lembra que “eram em geral casa de um pavimento só,
como as chácaras paulistas. Edifícios de quatro águas, como as casas de engenho.
Protegiam-nos terraços acachapados ou copiares. As árvores mais comuns nessas casas do
99
Cf. Antônio Antunes Galvão. Relatório de 1887. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
100
Cf. Capítulo 3º. Art. 10º. Código de Posturas Municipais da Câmara Municipal da cidade de Santa Cruz de
Corumbá. 22 de Abril de 1881. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-MS.
101
FREYRE, Gilberto. Sobrados & mucambos. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 187.
102
REIS FILHO, Nestor Gourlat. Quadro da arquitetura no Brasil.São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 30.
153
Norte eram as goiabeiras, os aroçazoeiros, os cajueiros, as laranjeiras, os coqueiros; depois
se generalizaram as mangueiras, as jaqueiras, as árvores de fruta-pão”.
103
Corumbá, no final do século XIX, compunha-se de uma rua especializada no
comércio Porto Geral –, utilizada pelos comerciantes, onde ainda hoje existe o casario
nas margens do rio Paraguai, e as ruas usadas exclusivamente para edificação das classes
opulentas, como a rua Delamare, e dos segmentos menos favorecidos. Um espaço que se
organizava segundo as relações sociais.
As ruas e as cozinhas eram sinônimas de sujeira e de trabalho e, portanto, lugar dos
cativos. O espaço do proprietário e dos cativos era delimitado pelas condições de higiene
ou da ideologia escravista. Até o final do século XIX o espaço do homem de bem e
principalmente da sinhá e da sinhazinha se restringia aos interiores da casa-grande ou do
sobrado urbano, sobretudo as salas e as alcovas. Aos trabalhadores escravizados, restava o
campo, a senzala, a cozinha, as vendas, as ruas, as fontes ou os rios onde buscavam água
para o abastecimento das casas.
Através dos Códigos de Posturas, a Câmara municipal procurou organizar Corumbá
segundo os padrões da época, que exigiam a limpeza, a ordem e a homogeneidade espacial.
Mas os representantes locais buscavam muito mais com a aplicação da legislação. O
grande objetivo das autoridades era promover o status civil de Corumbá, através de uma
melhor organização e da limpeza da cidade, de suas ruas e ladeiras centrais. Exigia
também escolas com professores efetivos para ensinar a língua do país, devido ao receio ou
prenúncio dos muitos estrangeiros influenciarem a população local.
Esses objetivos chocavam-se com os problemas sociais presentes na cidade, desde
antes da instalação da mara, em 17 de agosto de 1872. Persistiu em Coruma falta de
água, as ruas sujas, os quintais fétidos, os animais soltos, a ladeira intransitável, o alto
índice de analfabetos, problemas que começaram a ser resolvidos, em parte somente no
século XX. A beleza do rio, a vinda gradativa de estrangeiros e a edificação de sobrados
dos prósperos comerciantes na cidade baixa e alta não conseguiram sobrepujar as
condições sociais peculiares da época.
Casas do início do século XX
A Abolição da escravidão em 1888, a Proclamação da República em 1889 e a
intensificação do comércio de importação e exportação pelos comerciantes estrangeiros
103
FREYRE, Gilberto. Sobrados & mucambos. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 191.
154
estabelecidos em Corumbá foram fatores que não alteraram o partido arquitetônico das
construções levantadas na cidade. Segundo Carlos Lemos, na obra Arquitetura Brasileira,
o partido seria uma conseqüência formal derivada de uma série de condicionantes ou de
determinantes; seria o resultado sico da intervenção sugerida”.
104
Neste sentido, o
partido, ou seja, o resultado das técnicas construtivas, dos recursos humanos, dos materiais,
dos costumes, etc., continuou fortemente atrelado ao século XIX, cuja arquitetura apoiara-
se na rudimentar mão-de-obra escrava.
Construídas em alvenaria estilo geminado, alinhadas às calçadas, com grandes
janelas e portas acessíveis aos transeuntes, as construções corumbaenses do início do
século XX evidenciavam ainda vigorosos resíduos do período escravista. É preciso
entender que os monumentos ou os edifícios de nuança e de transição são acima de tudo
obras do tempo. Como reflexo de mudanças políticas as obras operam-se lentamente,
apoiam-se nos símbolos antigos, encrostam-se neles, assimilando-os ou, se puderem,
superando-os. Ao contrário de outras cidades brasileiras, como Rio de Janeiro e São Paulo,
que sofreram algumas mudanças significativas nas formas de construir, a partir da segunda
metade do século XIX, sobretudo no afastamento da construção em uma de suas laterais,
os habitantes de Corumbá continuaram a construir suas casas residenciais ou comerciais
com forte referência na arquitetura do século XIX.
Na rua D. Aquino 670, esquina com Antônio João, a construção segue os padrões
das edificações de esquina, descritas, do final do século XIX, descritas. Erigida em
1901, a fachada da construção, alinhada junto à calçada, possui várias aberturas em arco
pleno de madeira, metal e vidro, pilastras e desenhos geométricos aplicados. [Figuras 43-
44].
Na rua Ladário, entre a avenida General Rondon e rua Delamare, uma casa
construída em 1905 ainda tem os resquícios do estilo aplicado nas construções do final do
século XIX. Erigida em alvenaria, com alinhamento à via pública, é estreita e comprida.
Na fachada, ainda podem ser observadas duas portas em arco pleno, que foram cimentadas,
pilastras separando as aberturas da fachada, os ornamentos e o beiral sustentado por
cachorros. Estão também presentes na fachada desenhos geométricos e a data de
construção da casa. Esta construção identificada durante a pesquisa está parcialmente
derrubada, restando atualmente a fachada e parte da primeira peça da casa. As pedras
usadas na edificação encontram-se amontoadas no chão para serem removidas, pois outra
edificação está sendo elevada em sentido contrário, dos fundos para frente. [Figuras 45-46]
104
LEMOS, Carlos A. C. Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1979. p. 9.
155
Caso semelhante ocorreu com uma construção na rua 7 de Setembro, 225 entre
Delamare e 13 de Junho. A construção de alvenaria, com alinhamento à calçada e paredes
contíguas, foi derrubada e somente a fachada foi mantida, enquanto outra construção
estava sendo erigida no terreno. Para finalização da nova obra, a fachada foi então
derrubada e ocupada por uma grade de metal. A casa apresentava três aberturas em arco
pleno de madeira, vidro e metal e pilastras e desenhos geométricos identificavam a
fachada.
No Regulamento para construção e reconstrução de prédios, cujo projeto foi
delineado em 8 de Novembro de 1906 e aprovado em sessão do dia 28 de novembro de
1906, pela Intendência Municipal de Corumbá, não existem proibições quanto à construção
de edifícios com alinhamento nas vias. A única restrição encontra-se relacionada aos
telhados que não poderiam ultrapassar os limites das fachadas, como consta no parágrafo
13 do Artigo 6°: “Os edifícios estabelecidos no alinhamento dos logradouros públicos não
terão beirada de telhado saliente”.
105
Também as casas elevadas com fachadas expostas às
ruas não poderiam “ter degrau algum ou escada adiantando-se ao alinhamento do
logradouro público”.
106
A análise dos artigos que regulamentaram as construções de Corumbá no início do
século XX evidencia que os vereadores preocupavam-se com a luminosidade e o
arejamento a ser obtidos através de aberturas de grandes proporções nos cômodos e nas
fachadas das edificações. A casa disporia também de aberturas internas centrais, com
corredores menos extensos, além de porões com passagem de ar e luz. Essas exigências
foram consideradas como essenciais e obrigatórias na construção de qualquer edifício na
cidade.
Em obediência às novas regulamentações construtivas, os cômodos das casas em
construção deveriam ter oito metros de área, serem bem arejados e iluminados, como
consta no parágrafo 4: Nenhum cômodo ou divisão terá menos de oito metros de área,
exceto os destinados a despensas, passagens, cozinhas e latrinas, tendo todos, entretanto,
entrada direta de ar e luz do exterior, contanto que a área total de suas aberturas estejam,
pelo menos, na relação de um quinto da área que devem iluminar e ventilar, quando esta
for maior de oito metros e na relação de um terço, quando menor”.
107
105
Parágrafo 13. Artigo 6°. Regulamento para construção e reconstrução de prédios, 1906. Arquivo da
Câmara Municipal de Corumbá-MS.
106
Parágrafo 9. Artigo 6º. Regulamento para construção e reconstrução de prédios, 1906. Arquivo da
Câmara Municipal de Corumbá-MS.
107
Parágrafo 4. Artigo 6º. Regulamento para construção e reconstrução de prédios, 1906. Arquivo da
Câmara Municipal de Corumbá-MS. p. 3.
156
Sobre os corredores das casas, o regulamento recomendava evitá-los sempre que
possível. Na impossibilidade deveriam ser “reduzidos no seu comprimento. Quando porém
forem maiores de dez metros, deverão receber luz direta do exterior”.
108
Igualmente as
janelas e portas deveriam favorecer a entrada de luz e ar no interior das edificações, como
pode ser verificado: “As aberturas das fachadas, portas, janelas, mezaninos, olhos de boi,
etc. guardarão as devidas proporções arquitetônicas tendo-se em atenção a necessidade de
dar em abundância ar e luz aos prédios. A superfície das aberturas não poderá ser inferior a
um quinto da do compartimento [...]”.
109
Na rua Delamare, entre as ruas 7 de Setembro e Major Gama, existem ainda
edificações do início do século XX, que dividem uma de suas paredes com outras casas,
com a lateral oposta recuada, apresentado um corredor aberto para o qual se abrem as
janelas. A casa de 1392, construída em 1909, segue o estilo mencionado. Edificada em
alvenaria em terreno estreito e comprido, com fachada alinhada à calçada, divide uma de
suas paredes com outra casa, a outra lateral aberta, em forma de corredor estreito, propicia
luminosidade à construção. O acesso a cada uma das peças é obrigatoriamente interno.
Os muros que separam os fundos das casas foram erguidos de pedras. Nos quintais o
mesmo tipo de pedra usado na construção pode ser visto. A fachada simples dessa casa
exibe duas janelas grandes e uma porta de acesso ao corredor aberto. Uma abertura, ao
lado, permite o acesso à primeira peça da frente da casa, através da qual é possível ir
passando pelos demais cômodos espaçosos. A residência foi construída obedecendo a
regulamentação de 1906, pois as aberturas laterais favorecem a entrada de ar e luz e os
cômodos são amplos. A circulação permaneceu desfavorecendo a individualidade na
família. [Figuras 47-48]
Algumas casas construídas depois da regulamentação de 1906 apresentam as mesmas
características das escuras construções elevadas no final do século XIX. Ainda na rua
Delamare 1277, uma casa de 1920 apresenta corredor lateral de distribuição das peças.
A casa, que ocupa toda a extensão do terreno, é comprida e estreita. Este domicílio urbano
apesar de erigido quatorze anos depois da aprovação do regulamento, teve mantido o
corredor interno, mas foi desprezado o recuo lateral previsto. Como vimos, o regulamento
de 1906 exigia que corredores com mais de dez metros deveriam receber luz diretamente
do exterior. As janelas e a porta central largas, os degraus internos de acesso ao corredor
108
Loc. cit.
109
Loc. cit.
157
central, a cobertura escondida e as peças amplas cumpriam as determinações legais.
[Figura 55-56].
Na rua Cuiabá 869/879 entre as ruas Frei Mariano e Antônio Maria Coelho a
residência do ano de 1926 possui os mesmos traços arquitetônicos das construções do final
do século XIX descritas. Construída de alvenaria com alinhamento na via pública a casa
tem na fachada três portas e três janelas em arco pleno e uma porta retangular, além, das
datas gravadas 1926 e 1929.
Apesar do traçado de algumas casas não ter obedecido ao recuo em uma das laterais
e ocupado toda a largura do lote, um recuo nos fundos era deixado para favorecer a
claridade interna. Na rua Tiradentes nº. 275, a construção datada de 1917, se observada
somente pelo externo, não aparenta ter espaço que facilite a entrada de ar e luz, pois sua
frente com alinhamento à calçada ocupa todo o limite do terreno. Nos fundos, porém,
um corredor recuado com várias aberturas voltadas à s peças que foram distribuídas umas
após as outras, com circulação através das mesmas ou do corredor lateral. Na fachada,
quatro janelas estreitas permitem iluminação e aeração direta das duas primeiras peças não
servidas pela abertura dos fundos. [Figuras 53-54].
Na rua Delamare 1568, entre Major Gama e Firmo de Matos, na casa construída
em 1911, apesar da fachada ocupar toda a extensão da frente, uma das paredes laterais é
totalmente afastada do limite do lote e duas janelas altas acompanham paralelamente a
porta de entrada, facilitando o arejamento interno. Neste caso, as normas construtivas
foram aplicadas. O alinhamento da fachada e a circulação por dentro dos cômodos eram
costumes presentes no modo de construir e foram mantidos nas edificações de Corumbá
ainda nas primeiras décadas do século XX. [Figura 50].
Consta no documento de 1906 já citado que as fachadas das construções em
Corumbá não poderiam ser levantadas com qualquer material, sendo proibido “paredes de
frontal, estuque, madeira ou zinco nas fachadas ou nas faces divisoras entre prédios
contíguos”.
110
O regulamento restringiu-se às condições técnicas das construções e ao
calçamento das vias públicas. Mesmo assim, no início do século XX ainda havia
problemas concernentes à circulação nas calçadas, em frente às moradias, apesar das
determinações legais.
“Os proprietários de prédios nas vias públicas calçadas são obrigados a construir
os respectivos passeios dentro do prazo de seis meses contados da data da promulgação do
110
Parágrafo 11. Artigo 6º. Regulamento para construção e reconstrução de prédios, 1906. Arquivo da
Câmara Municipal de Corumbá-MS. p. 3
158
presente regulamento. § Os passeios deverão ser formados de lajotas apicotados,
tijoletas hidráulicas de barro petrificado ou concreto com chapa de cimento, com meios
fios de pedra e ficarão no nível indicado pelo engenheiro municipal. § Os atuais
passeios formados por lajotas irregulares deverão ser substituídos no prazo de um ano, nas
ruas Candido Marianno, de Lamare, 13 de junho e travessas compreendidas entre as
mesmas de conformidade com o disposto no parágrafo antecedente”.
111
O problema não se restringia à ausência de passeios públicos. Algumas quadras das
principais ruas da cidade também não haviam sido calçadas. Em 1914, a rua da República,
mais precisamente em frente à Sociedade Italiana di Instruzione-Beneficienza-
Fratellanza
112
localizada diante da praça da República a mais antiga da cidade, ex-praça
do Carmo
113
não era calçada e não possuía o passeio público previsto pelo Regulamento.
A rua do Porto, na época chamada de Presidente Costa Marques; a 15 de Novembro e a
rua 13 de Junho, parte da Frei Mariano e parte da Delamare, no sentido Antônio
João/Oriental, também não haviam sido empedradas.
114
Nas Posturas de 1910, não há observações ou proibições relacionadas às construções.
Somente em um dos seus trinta artigos menção às edificações, ainda assim para tratar
restritamente das necessidades de manter as fachadas dos edifícios em boas condições.
“Todas a pessoas que tiverem domínio direto sobre qualquer prédio são obrigadas a trazer
competentemente rebocada ou pintada a fachada do dito prédio assim como construir os
respectivos passeios sob pena de 10% por dia que exceder o prazo que lhe for marcado. §
1° Se, terminado o prazo, a obra não tiver sido começada, o Intendente mandará executá-la
administrativamente, correndo as despesas e mais 10% por conta do proprietário”.
115
As diminutas modificações observadas em algumas construções erigidas nas
primeiras três décadas do século XX limitaram-se ao afastamento da casa em uma de suas
laterais, com a possibilidade da aplicação de portas e janelas nas paredes voltadas para
essas aberturas. A outra parede continuou sendo contígua com a construção vizinha.
Solução que continuava permitindo o aproveitamento do terreno e ainda possibilitava a
circulação do ar e luminosidade aos moradores.
111
Artigo 9º. Regulamento para construção e reconstrução de prédios, 1906. Arquivo da Câmara Municipal
de Corumbá-MS. p. 5.
112
AYALA, S. Cardoso, SIMON, F. Álbum Gráphico do Estado de Matto Grosso.
Corumbá/Hamburgo: 1914. p. 336.
113
Cf. Planta da Vila de Corumbá organizada em 1889 pelo Capitão Hermes Rodrigues da Fonseca e pelo 1º
tenente Clodoaldo da Fonseca. Observa-se na planta a existência da Praça do Carmo e da Igreja de Nossa
Senhora do Carmo, construção iniciada em 1885 e concluída em 1887. [Anexos, p. 207].
114
AYALA, S. Cardoso, SIMON, F. Álbum [...].Ob.cit. p. 333-334.
115
Posturas Municipais de Corumbá, 5 de Novembro de 1910. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá-
MS.
159
exemplos curiosos de construções geminadas, com fachadas idênticas, que a uma
primeira vista parecem se tratar de uma casa. Nos terrenos de esquina, os proprietários
continuaram aproveitando o limite dos mesmos e aplicando várias aberturas voltadas às
ruas. As edificações do início do século XX permaneceram sendo elevadas de pedras, com
o mesmo alinhamento e com as portas e janelas para a rua. As pedras eram abundantes na
região por isso foram usadas ordinariamente pela população local. [Figuras 47, 51-52]
Em 1930, Corumbá ainda era marcada pelos padrões do período imperial
caracterizados essencialmente pela uniformidade, pelo alinhamento à via pública e pelas
laterais ocupando os limites dos lotes, etc. O afastamento dos limites do terreno começa a
ser aplicado na arquitetura corumbaense a partir de 1930, quando as casas recuaram na
frente e nas laterais, permitindo jardins nas áreas livres. Foi a partir dessa época que as
construções corumbaenses deixaram de registrar as antigas soluções arquitetônicas
herdadas do período imperial.
A rua Cuiabá 1063, entre as vias 15 de novembro e Frei Mariano, edificada em
1932, apresenta afastamentos laterais e recuo na frente. A casa foi construída de pedra e
tijolo maciço. Também inspirada no ecletismo como as edificações do final do século XIX,
o domicílio urbano exibe em sua fachada aberturas largas de madeira, metal e vidro,
pilastras e ornamentos aplicados. Através de um alpendre, acessa-se à residência. Ainda na
mesma rua, no 1043 existe uma casa datada de que 1933 construída no mesmo estilo de
“alvenaria estrutural de pedra e tijolo maciço revestida de argamassa. A casa apresenta
aberturas com quadros e vedos de madeira, metal e vidro. Sua cobertura foi feita com
estrutura de madeira e telhas de barro”.
116
A fachada foi ornamentada com pilastras e
apliques de desenhos.
Uma terceira casa, também de 1933, situada na mesma rua e quadra, no 1083,
ostenta aberturas retangulares, alpendre, ornamentos e pilares. A casa foi construída com
fundação “e pedra, alvenaria estrutural de pedra e tijolo maciço revestida de argamassa.
Aberturas com quadros e vedos de madeira, metal e vidro. Cobertura com estrutura de
madeira e telhas de barro”.
117
As três casas descritas foram edificadas pela construtora Amorim & Irmãos Ltda e
apresentam a mesma quantidade e disposição interna das peças. Externamente, as
residências possuem os recuos laterais e frontais; balcões das janelas da fachada;
alpendres; ornamentos aplicados, tudo no estilo eclético. Observa-se o permanente uso da
116
MARQUES, Rubens Moraes da Costa. Trilogia do Patrimônio Histórico e Cultural Sul-Mato-Grossense.
Tomo III. Campo Grande: Ed. UFMS, 2001. p. 561.
117
Loc. cit.
160
pedra, dos balcões, do pilares e dos ornamentos nas residências mesmo após 1930. O recuo
das casas nas laterais e nas fachadas e a presença de jardins foram as principais mudanças
aplicadas na arquitetura de Corumbá.
Carlos Lemos explicou a razão do recuo: “Foram os novos conceitos de higiene,
mormente aqueles ligados à habitação e às novas técnicas de construção, com todas as suas
possibilidades, que sugeriram as primeiras normas de construção, logo transformadas em
leis tanto as que se interessavam pela saúde do povo como as mais voltadas à
remodelação urbana, visando o abandono definitivo dos velhos costumes gregários das
casas geminadas. E surgiram os afastamentos laterais para o sol e o ar penetrarem nos
cômodos do centro da planta. Foi o adeus às alcovas abafadas, e o surgimento dos
jardins”.
118
118
LEMOS, Carlos. Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1979. p. 26.
161
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto colonial português, abarcando a escravidão, o monopólio, a expansão
territorial e o latifúndio, determinou a essência da história brasileira e marcou
sensivelmente o processo de organização das cidades e suas relações sociais e econômicas.
Corumbá, espaço urbano que elegi para refletir a escravidão e a arquitetura foi criado
em fins do século XVIII assumindo um modo de construir e de viver vinculado à política
lusitana de ocupação e à ordem escravista do antigo sistema colonial.
A consolidação do projeto político de fundação e formação do arraial de
Albuquerque, em 1778, o incêndio na vila em 1800, a liberação da navegação do rio
Paraguai, em 1856, a invasão paraguaia (1865) e o desenvolvimento do comércio
representam o conjunto de fatos consideráveis que marcaram a paisagem urbana e a
história da cidade.
O povoado de Nossa Senhora de Albuquerque, hoje Corumbá, “nasceu” de taipa,
com ranchos e casas cobertas de palha. O referido núcleo urbano foi inicialmente
delimitado pelos fortes, mas teve seu espaço ampliado e sua arquitetura modificada com as
construções de pedras, elevadas no final do século XIX.
No restante do Brasil, sobretudo nas grandes cidades litorâneas, a modernização
urbana e o processo da abolição da escravatura, na segunda metade do século XIX
promoveram, ainda que de forma lenta, as alterações nos quadros da arquitetura. Na cidade
de Corumbá o modelo colonial manteve-se consistente até o início do século XX,
sobretudo, nas fachadas e nas áreas interior das moradias construídas.
Foram identificadas através da pesquisa rias casas construídas durante o período
escravista. Podemos afirmar que muitas famílias corumbaenses recorriam aos cativos para
desempenhar a maioria das tarefas cotidianas. Alinhadas à rua, as casas possuíam quintais
compridos e paredes geminadas. Eram casas extensas no sentido longitudinal, com janelas
e portas expostas à rua. Algumas moradias mais simples que permanecem erigidas ainda
hoje têm na sua fachada uma ou duas janelas grandes e uma porta lateral de acesso às
demais peças. Outras residências identificadas como espaço de pessoas mais abastadas,
possuem várias portas e janelas na fachada.
Foi mostrado que a casa representou o reflexo das condições físicas, naturais,
financeiras e legais de uma época. Ciente de que o programa de necessidades preexistentes
num determinado momento histórico é que delineia interna e externamente uma residência,
162
considerei que a discussão apresentada neste trabalho não se esgota nestas colocações.
Antes é mais um caminho, uma possibilidade a ser explorada e aprofundada por outros
pesquisadores que desejam contribuir com o avanço da história social. Ainda existem
documentos diversos subjacentes no Fórum de Corumbá que podem auxiliar a
compreensão sobre as relações sociais estabelecidas na região durante a escravidão, cujo
acesso foi inviabilizado durante esta pesquisa.
163
FONTES E BIBLIOGRAFIA
1 Fontes Manuscritas
Arquivo Público de Mato Grosso. Cuiabá.
CÓDIGO DE POSTURAS de Santa Cruz de Corumbá, 1875.
CÓDIGO DE POSTURAS de Santa Cruz de Corumbá, 1881.
CÓDIGO DE POSTURAS da Vila de Miranda, 1860.
CÓDIGO DE POSTURAS de Vila Maria, 1860.
Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá. Corumbá.
AÇÃO DE LIBERDADE da escrava Thereza Valéria de Jesus, 27 de Maio de 1884.
AÇÃO DE LIBERDADE do escravo, Galdino da Silva Rondão, 29 de Junho de 1884.
CERTIFICADO de batismo dos filhos de escravos, 1873.
CLASSIFICAÇÃO dos escravos para serem libertos pelo Fundo de Emancipação, 1873.
CLASSIFICAÇÃO dos escravos para serem libertos pelo Fundo de Emancipação, 1874.
CLASSIFICAÇÃO dos escravos para serem libertos pelo Fundo de Emancipação, 1876.
CONDIÇÕES de contrato a serem obedecidas pelo arrematante do calçamento das ruas
São Gabriel e Santa Teresa, 1884.
EDITAL elevando a povoação de Corumbá á categoria de vila, sob a denominação de Vila
de Corumbá. Nº 6, 1862.
EDITAL elevando a vila de Santa Cruz de Corumbá á categoria de cidade. Nº 525, 1878.
FOLHAS para pagamento das diárias dos presos que trabalharam nas obras da Ladeira em
frente à rua de São Gabriel, 16, 23 e 30 de Janeiro de 1876.
FOLHAS para pagamento das diárias dos presos que trabalharam nas obras da Ladeira em
frente à rua de São Gabriel, 1º, 9, 16, e 23 de Abril de 1876.
FOLHAS para pagamento das diárias dos presos que trabalharam nas obras da Ladeira em
frente à rua de São Gabriel, 14 e 28 Maio de 1876.
LIVRO N° 28. Trabalhos da Junta Classificadora de Corumbá. 1873-1885.
164
OFÍCIO da Comissão de Agenciamento de donativos para o Basar Abolicionista dirigido
ao Presidente da Diretoria da Sociedade Abolicionista Corumbaense o Coronel Antonio
José da Costa, em 28 de junho de 1884.
OFÍCIO da Delegacia de Policia do Termo da Cidade de Santa Cruz de Corumbá, delegado
João Antonio Rodrigues, para o presidente da Câmara João José Peres, para tratar dos
escravos presos, em 24 de Junho de 1879.
OFÍCIO da Delegacia de Policia do Termo da Cidade de Santa Cruz de Corumbá, para o
presidente da Câmara João José Peres, para tratar da escrava Delfina, em 24 de Junho de
1879.
OFÍCIO de João Antonio Rodrigues dirigido ao Presidente da Associação Abolicionista
Corumbaense Coronel Antônio José da Costa, em 10 de Maio de 1887.
OFÍCIO de Joaquim Ferreira Nobre ao delegado de polícia do termo da cidade de Santa
Cruz de Corumbá, comunicando a desistência do direito sobre escravos.
OFÍCIO do Palácio da Presidência da Província de Mato Grosso para a Câmara Municipal
de Corumbá comunicando a aprovação provisória de três artigos reformando as leis gerais.
Nº 9, 1882.
OFÍCIO do Palácio do Governo da Província de Mato Grosso para a Câmara Municipal de
Corumbá comunicando quais escravos deveriam ser libertos, 1883.
OFÍCIO do Palácio do Governo da Província de Mato Grosso para a Junta Classificadora
de escravos do Município de Corumbá, em 11 de Agosto de 1883. Cuiabá-MT.
OFÍCIO do Presidente da Câmara Municipal de Corumbá José Joaquim Rabello,
convidando os vereadores a comparecerem em sessão para recebimento do arquivo da
Sociedade Abolicionista, em 25 de Maio de 1888.
OFÍCIO do Presidente da Província à Câmara Municipal da cidade de Corumbá aprovando
três artigos de posturas adicionais. Nº 503, 1883.
OFÍCIO do Tesoureiro Luiz A. Esteves dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de
Corumbá, em 09 de Junho de 1884.
ORÇAMENTO da despesa com o calçamento da rua de Lamare, 13 de Junho de 1881.
Pedido de pagamento às despesas com o calçamento da ladeira. 36. Secretaria da
Câmara Municipal da Vila de Corumbá, 30 de dezembro de 1876.
PEDIDO de pagamento das diárias dos presos que trabalharam nas obras da Ladeira. 2,
1º de Fevereiro de 1876.
PEDIDO de pagamento das diárias dos presos que trabalharam nas obras da Ladeira. Nº6,
2 de Maio de 1876.
165
PEDIDO de pagamento das diárias dos presos que trabalharam nas obras da Ladeira. 9,
3 de junho de 1876.
PEDIDO de pagamento dos materiais da obra ladeira. Nº 31. Paço da Câmara Municipal da
Vila de Corumbá, 1º de dezembro de 1876.
POSTURAS Municipais de Corumbá, 1910.
PROPOSTA para calçamento da rua de Lamare, 14 de maio de 1881.
RECIBO de compra de ferro para obra da Ladeira em frente a rua São Gabriel, de
dezembro de 1876.
RECIBO de pagamento concernente ao calçamento da rua de Lamare. 14, 4 de
fevereiro de 1884.
RECIBO de pagamento o calçamento da rua de Lamare. Nº89, 5 de janeiro de 1884.
RECIBO de pagamento pelo fornecimento de pedra. 30 de dezembro de 1876.
REGULAMENTO para construção e reconstrução de prédios, 1906.
REGULAMENTO para construção e reconstrução de prédios. Corumbá, 1906.
RELATÓRIO da Câmara Municipal de Corumbá ao Presidente da Província de Mato
Grosso, apresentado em março de 1881. Cópias de relatórios da Câmara, projetos de leis de
orçamentos para a receita e despesa anuais, assim como das leis e regulamentos expedidos
pelo Corpo Legislativo da Província. 1875 a 1888. Folhas 18 a 22.
RELATÓRIO da Câmara Municipal de Corumbá ao Presidente da Província de Mato
Grosso, apresentado em 1886. Folha 69.
RELATÓRIO de cópia do Livro de batizado dos filhos de escravos da Paróquia do vigário
Frei Mariano de Bagnaia, realizado pelo escrivão Manoel Leite, em 12 de dezembro de
1873.
RELATÓRIO do fiscal Antônio Carvalho Vieira à Câmara Municipal de Corumbá, 1883.
RELATÓRIO do Presidente da Câmara Municipal de Corumbá Antonio Antunes Galvão
aos vereadores da Câmara, 1887.
RELATÓRIO do Presidente da Câmara Municipal de Corum Antônio Antunes para o
General Barão de Batovy, Presidente da Província de Mato Grosso, apresentado em sessão
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175
GLOSSÁRIO
Adobe: Tijolo rudimentar de barro e seco ao sol.
Aeração: Ato ou efeito de arejar. Renovação de ar.
Alcova: Quarto pequeno sem janelas.
Alfurjas: Pátio interno destinado a ventilar e iluminar cômodos de uma casa, saguão.
Algibe: Cisterna, reservatório de água.
Alpendre: Telhado que se prolonga para fora da parede mestra da casa. Uma de suas
extremidades apóia-se em colunas. Espaço aberto e coberto, característico das construções
antigas.
Arquitrave: Viga mestra, assentada horizontalmente sobre colunas ou pilares.
Art-noveau: Estilo usado entre 1890 a 1905. Apresentava linhas suaves e ondulantes e
ornamentação com flores.
Balcão: Corpo saliente na fachada. Sacada, á qual se tem acesso através de uma ou mais
portas.
Beiral: Prolongamento do telhado em torno das paredes externas da edificação.
Cabungo: Buraco feito no fundo do quintal aonde se acumulava os dejetos humanos.
Posteriormente, um recipiente cilíndrico de ferro ou madeira, no qual, os excrementos
eram depositados durante o dia e esvaziados a noite pelos escravos. “Tigres”.
Cachorro: Peça ou adorno que sustenta os balcões e beirais das construções.
Camarinha: Quarto de dormir; aposento.
Carapinhé - O cabelo crespo e lanoso dos negros. Cabelo agastado, cabelo de cupim,
cabelo ruim, carrapicho, lã, picumã, pixaim.
Choupana: Habitação rústica e pobre, cabana, choça.
Cimalha: A parte superior da cornija. Saliência da parte mais alta da parede, onde
assentam os beirais do telhado.
Cloaca: fossa ou cano que recebe dejeções e imundícies. Coletor de esgoto. Latrina.
Cocurutu: O ponto mais elevado de uma coisa. Saliência de terreno, montículo.
Coluna: Elemento arquitetônico de sustentação, composto geralmente por base, fuste e
capitel. Pilastra.
Colunata: Série de colunas alinhadas simetricamente.
Comezinha: Piedade, pena, dó, compaixão.
176
Cornija: Conjunto de molduras salientes que servem de arremate superior de uma fachada.
Molduras sobrepostas, que formam saliências na parte superior da parede, porta, etc.
Cururu: Dança de roda em que se canta ao desafio.
Dom-juan: Conquistador de mulheres.
Ecletismo: Estilo do final do século XIX, que misturou diferentes estilos.
Eirado: terraço.
Friso: Parte do entablamento compreendida entre a arquitrave e a cornija.
Frontispício: Fachada principal, frente.
Gineceu: Parte da habitação grega destinada às mulheres.
Gradil: Grade de metal ou madeira.
Ipecacuanha: erva humilde, de longas raízes grossas e nodulosas que favorece a emetina,
alcalóide empregado no tratamento de amebíase.
Mezanino: Andar pouco elevado, entre dois andares altos. Pequena janela dessa espécie de
andar. Janela de porão de edifício.
Mourisco: Ornato de ourivesaria.
Ornato: Enfeite diversificado. È aplicado nas fachadas das construções. Adorno.
Paliçada: Tapume fito com estacas fincadas na terra. Obstáculo feito para defesa militar.
Pau-a-pique: Parede de madeira ou galhos dispostos no sentido vertical horizontal
preenchida por barro.
Platibanda: Parede larga e vertical que circunda um terraço ou contorna e camufla um
telhado.
Relha: Peça de ferro.
Sótão: Pavimento entre o forro e a armação do telhado.
Sotéia: Açotéia. Eirado ou terraço por cima das casas ou torres.
Sova: Surra, pancada.
Taipa: Técnica para construir moradias. Barro molhado é colocado à mão para
preenchimento das paredes de pau-a-pique.
Telha-vã: Telhado sem forro. Telha que não leva argamassa.
Tenalha: Pequena obra de fortificação com duas faces e um ângulo reentrante para o lado
do campo.
Testado: Parte da rua ou da estrada que fica a frente de um prédio. Linha que separa uma
propriedade particular do logradouro público.
Vedo: Tapume.
Zinco: Folha desse metal, corrugada, com que se cobrem casas, galpões, etc.
177
ANEXOS
Tabela 9 - 1873 - Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão para o
trabalho
Pessoas
da
família
Moralidade Nome do Senhor Observação
1 Glegaria Preta 12 Solteira Serviço doméstico Pouca Boa
João Lopes
Carneiro da
Fonseca
Cria do senhor
2 Victa Preta 12 Solteira Serviço doméstico Bastante Ignora-se
Maria da Cunha e
Oliveira
Havida por
compra por
escritura a 16 de
julho de 1870
3 Laurinda Parda 13 Solteira Serviço doméstico Apta Ignora-se
Barão de Villa
Maria
4 Izabel Parda 14 Solteira Serviço doméstico Regular Ignora-se Julião Anacleto
Seguiu para a
Corte a 30 de nov.
1872.
5 Benedicta Preta 14 Solteira Serviço doméstico Boa Ignora-se
Luisa Leite de
Mesquita
6 Efigenia Preta 15 Solteira Serviço doméstico Regular Ignora-se
José Gomes
Monteiro
7 Philomena Preta 16 Solteira Serviço doméstico Todo serviço Ignora-se
Antonio Maria
Coelho
8 Joana Preta 16 Solteira Serviço de roça Regular Ignora-se
Francisco de Lara
Falcão
9 Esmeria Preta 16 Solteira Serviço doméstico Boa Ignora-se
Luisa Leite de
Mesquita
10 Dorothea Preta 17 Solteira Cozinheira Bastante Boa
Joaquim Gomes
Lobo de Eça
11 Mariana Parda 17 Solteira Serviço doméstico Pouca Ignora-se
Barão de Villa
Maria
12 Josepha Parda 18 Solteira Serviço de roça Boa Ignora-se
Benedito Viana da
Silva
13 Juliana Preta 18 Solteira Serviço doméstico Boa Ignora-se
José Gomes
Monteiro
14 Alvispiniana Preta 18 Solteira Serviço de roça Boa Ignora-se
Luisa Leite de
Mesquita
179
Tabela 9 - 1873 - Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão para o
trabalho
Pessoas
da
família
Moralidade Nome do Senhor Observação
15 Francisca Parda 18 Solteira Serviço doméstico Apta Ignora-se
Barão de Villa
Maria
Havida por
herança
16 Belisaria Preta 18 Solteira Lavadeira Boa Ignora-se
Jacintho Pompeo
de Carvalho
17 Igneth Preta 18 Solteira Serviço doméstico Todo serviço Ignora-se
Miguel Paes de
Barros
18 Maria Cabra 19 Solteira Serviço doméstico Todo serviço Ignora-se
Antonio Maria
Coelho
19 Francisca Cabra 19 Solteira Serviço doméstico Todo serviço Ignora-se
Custodia de Arruda
e Oliveira
20 Rita de Sousa Preta 19 Solteira Serviço doméstico Apta Ignora-se
21 Eva Parda 19 Solteira Serviço doméstico Pouca Ignora-se
Barão de Villa
Maria
22 Esmenia Cabra 20 Solteira Serviço de roça Regular Ignora-se
Francisco de Lara
Falcão
23 Sophia Preta 20 Solteira Serviço de roça Boa Ignora-se
Antonio Gomes de
Arruda
Havida por
compra
24 Leonada Parda 20 Solteira Engomadeira Regular Ignora-se
Maximo Manoel de
Souza Mello
25 Leonarda Parda 20 Solteira Cozinheira Boa Ignora-se
Antonio Luis da
Silva Albuquerque
26 Francelina Preta 20 Solteira Serviço de roça Apta Ignora-se Ana Alves Ferreira
27 Anna Cabra 21 Solteira Engomadeira Todo serviço Ignora-se
Miguel Paes de
Barros
28 Clara Preta 21 Solteira Serviço doméstico Todo serviço Ignora-se
Joaquim José
Franco
29 Clementina Preta 21 Solteira Não tem Não tem Ignora-se
Joaquim José de
Carvalho
Havida por
herança
30 Maria Preta 22 Solteira Serviço doméstico Todo serviço Ignora-se
José Gomes
Monteiro
31 Ignacia Preta 22 Casada Cozinheira Boa 1 Boa Passydonio Vieira
180
Tabela 9 - 1873 - Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão para o
trabalho
Pessoas
da
família
Moralidade Nome do Senhor Observação
32 Brigida Preta 23 Solteira Serviço doméstico Pouca Ignora-se
Custodia Maria
Silvania
33 Cecília Preta 24 Solteira Serviço doméstico Todo serviço Ignora-se
Ignes da Chagas do
Amor Divino
34 Benedicta Preta 24 solteira Serviço doméstico Todo serviço Ignora-se
Ezequiel Monteiro
de Vasconcelos
Mourão
Havida por
compra
35 Amélia Parda 24 Solteira Costureira Boa Ignora-se
Carlos Antunes de
Almeida
36 Nympha Parda 24 Solteira Costureira Boa Ignora-se
Maria Luisa da
Costa Garcia
Havida por
herança
37 Margarida Cabra 25 Solteira Serviço doméstico Ilegível Ignora-se
Francisco Marciano
de Bagnaia
38 Ignez Preta 25 Solteira Serviço de roça Regular Ignora-se
Candida Ferreira da
Silva
39 Antonia Parda 25 Solteira Cozinheira Sofrível Ignora-se
Carlos Antunes de
Almeida
40 Theresa Preta 26 Solteira Serviço doméstico Boa Ignora-se
Joaquim José de
Souza Franco
41 Amélia Parda 26 Solteira Cozinheira Bastante Ignora-se
Barão de Villa
Maria
42 Francelina Parda 26 Solteira Serviço de roça Pouca Ignora-se
Barão de Villa
Maria
43 Ângela Preta 28 Solteira Cozinheira Bastante Ignora-se
Antonio Maria
Coelho
44 Martinha Parda 28 Solteira Cozinheira Bastante Ignora-se
Barão de Villa
Maria
45 Theresa Parda 28 Solteira Cozinheira Bastante Ignora-se
Barão de Villa
Maria
46 Romana Preta 30 Solteira Serviço de roça Regular Ignora-se
Francisco de Lara
Falcão
181
Tabela 9 - 1873 - Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão para o
trabalho
Pessoas
da
família
Moralidade Nome do Senhor Observação
47 Isidora Preta 30 Solteira Serviço de roça Regular Ignora-se
Candida Ferreira
da Silva
48 Firmiana Preta 30 Casada Lavadeira Boa 1 Boa
Luisa Leite de
Mesquita
49 Florinda Preta 30 Solteira Ignora-se Pouca Ignora-se
Manoel Vicente
de Souza
Havida por
compra
50 Maria das Dores Preta 30 Solteira Serviço de roça Pouca Ignora-se
Barão de Villa
Maria
51 Maria Magdalena Preta 30 Solteira Cozinheira Bastante Ignora-se
Barão de Villa
Maria
52 Theresa Parda 30 Solteira Cozinheira Bastante Ignora-se
Barão de Villa
Maria
53 Antonia Preta 32 Solteira Cozinheira Bastante Ignora-se
Benedicto Viana
da Silva
54 Vicencia Preta 32 Solteira Cozinheira Regular Ignora-se
Joaquim
Tomotheo Ribeiro
55 Luzia Cabra 33 Solteira Serviço
doméstico
Regular Ignora-se
Victor Antonio
Paes Coimbra
56 Paula Cabra 33 Solteira
Serviço
doméstico
Regular Ignora-se
Joaquim José de
Carvalho
Havida por
compra. Acha-se
fugida desde
1870.
57 Joaquina Preta 34 Solteira
Serviço
doméstico
Boa Ignora-se
José Bento da
Silva Graça
Havida por
herança.
58 Josepha Cabra 35 Solteira
Serviço
doméstico
Boa Ignora-se
João Lopes
Carneiro da
Fontoura
59 Rofina Parda 35 Solteira Cozinheira Regular Ignora-se
Manoel José
Clementino Silva
60 Miquelina Parda 35 Solteira Lavadeira Alguma Ignora-se
Dionísio Pires da
Motta
Havida por
compra
182
Tabela 9 - 1873 - Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão para o
trabalho
Pessoas
da
família
Moralidade Nome do Senhor Observação
61 Eva Preta 35 Solteira Cozinheira Regular Ignora-se
Leonor Josephina
Alsegonia
62 Theodora Preta 35 Viúva Cozinheira Boa Ignora-se
Barão de Villa
Maria
63 Maria Cabra 36 Solteira
Serviço
doméstico
Boa Ignora-se
Custodia de
Arruda Oliveira
64 Agostinha Preta 36 Solteira Lavadeira Alguma Ignora-se
Jacinto de
Pompeo de
Camargo
Havida por
compra
65 Luciana Preta 38 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante Ignora-se
Barão de Villa
Maria
66 Prachedes Preta 39 Solteiro
Serviço
doméstico
Bastante Ignora-se
Austrilino
Villasim
Acha-se na Corte
com seu senhor.
67 Josepha Preta 40 Solteira
Serviço
doméstico
Doentia Ignora-se
Francisco da
Costa Leite de
Almeida
68 Felisarda Preta 40 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante Ignora-se
Anna de Campos
Maciel
69 Benedicta Preta 40 Solteira Serviço
doméstico
Regular Ignora-se
Antonia Prina da
Silva Leme
Havida por
compra.
70 Sebastiana Preta 40 Casada Cozinheira Boa Regular
Luisa Leite de
Mesquita
71 Maria Magna Preta 40 Solteira Cozinheira Bastante Ignora-se
Barão de Villa
Maria
72 Floriana Preta 42 Casada Serviço
doméstico
Doentia 1 Ignora-se
Jose Joaquim de
Sousa Franco
73 Martinha Parda 42 Solteira Serviço
doméstico
Ignora-se Ignora-se
Jose Bento da
Silva Graça
Fugida desde
1864.
183
Tabela 9 - 1873 - Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão para o
trabalho
Pessoas
da
família
Moralidade Nome do Senhor Observação
74
Maria Victoria
Preta 44 Viúva
Serviço
doméstico
Bastante Ignora-se
Barão de Villa
Maria
75 Feliciana Preta 45 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante Ignora-se
Anna de Campos
Maciel
76 Margarida Parda 45 Viúva Cozinheira Regular Ignora-se
Manoel Maximo
de Sousa Mello
77 Maria Pequena Preta 45 Solteira Cozinheira Bastante Ignora-se
Barão de Villa
Maria
78 Candida Joaquina Preta 49 Viúva Cozinheira Boa Ignora-se
Anna Alves
Ferreira
Havida por
compra.
79 Shomaria Preta 50 Solteira
Serviço
doméstico
Pouca Ignora-se
João Baptista da
Conceição
Havida por
compra.
80 Emilia Preta 50 Solteira Cozinheira Bastante Ignora-se
Barão de Villa
Maria
81 Clara Preta 50 Solteira Cozinheira Bastante Ignora-se
Barão de Villa
Maria
82 Egina Parda 50 Solteira
Serviço
de roça
Pouca Ignora-se
Barão de Villa
Maria
83 Sebastiana Preta 50 Solteira Cozinheira Pouca Ignora-se
Jacintho Pompeo
de Camargo
84 Anna Preta 50 Solteira
Serviço
doméstico
Boa Ignora-se Passidonio Vieira
Fonte: Livro de Classificação dos escravos / Fundo de Emancipação / 1873. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá.
184
Tabela 10 – 1874 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nº de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do
Senhor
Morada Observação
675 21 Violante Preta 42 Solteira Cozinheira Bastante Filhos
Thiago José
Mangini
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 24.
Tem uma filha.
690 22 sic Preta 8 Solteiro sic Sic Manoel
Thiago José
Mangini
Nesta
vila
Matriculado em
Cuiabá e averbado
aqui sob nº. 125
691 23 sic Preta 7 Solteira sic sic Luisa
Thiago José
Mangini
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 126
11 24 Josefa Parda 23 Solteira Lavradora Bastante
Benedicto
Viana da
Silva
Nesta
vila
12 25 sic Parda 8 Solteiro sic Felippe
Benedicto
Viana da
Silva
Nesta
vila
4258 26 Delfina Parda 29 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Manoel
Pedroso de
Barros
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 77.
Tem 2 filhos
livres em virtude
da lei.
4254 27 sic Parda 8 Solteiro sic Pedro
Manoel
Pedroso de
Barros
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 74
4589 32 Virgina Parda 17 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Jacinto
Pompeo de
Camargo
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 94.
Tem 1 filho livre
pela lei.
45 34 Dorothea Preta 22 Solteira Serviço
doméstico
Bastante
Joaquim da
Gama Lobo
D'eça
Nesta
vila
Tem um filho
livre pela lei.
185
Tabela 10 -1874 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nº de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do
Senhor
Morada Observação
227 35 Francisca parda 23 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 29.
Tem 1 filho livre
pela lei.
4426 36 Lucinda parda 23 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 28.
Tem 1 filho livre
pela lei.
4446 37 Marciana parda 22 Solteira Roceira Bastante
Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 48.
Tem 1 filha livre
em virtude da lei.
3181 38 Catharina preta 22 Solteira Cozinheira Bastante
José da Silva
Rondon
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 17.
Tem 1 filha livre
em virtude da lei.
273 41 Josefa preta 25 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Antonio
Antunes
Galvão
Sobrinho
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 109.
Tem u1 filha livre
em virtude da lei.
4260 42 Delfina parda 28 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Manoel
Pedroso de
Barros
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 78.
Tem 1 filho livre
pela lei.
59 43 Ignez preta 29 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Cândida
Ferreira da
Costa
Nesta
vila
tem 2 filhos livres
pela lei.
186
Tabela 10 – 1874 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nº de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do
Senhor
Morada Observação
6 44 Anna parda 31 Solteira Engomadeira Bastante
Miguel Paes
de Barros
Nesta
vila
Tem 1 filha
libertada pelo seu
senhor, de 8 anos
de idade.
37 47 Felizarda preta 44 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Anna de
Campos
Maciel
Nesta
vila
Tem um filho
livre pela lei.
4593 48 Maria Luiza preta 14 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Jacinto
Pompeo de
Camargo
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e
averbada aqui
sob nº. 59. Tem
um filho livre
pela lei.
1629 49 Luiza preta 17 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Benedicto
Marciano de
Campos
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá. Tem 1
filho livre pela
lei.
4428 50 Laurinda parda 18 Solteira Roceira Bastante
Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e
averbada aqui
sob nº. 30. Tem 1
filha livre em
virtude da lei.
187
Tabela 10 – 1874 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nº de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do
Senhor
Morada Observação
sic 51 Joana preta 27 Solteira Roceira Bastante sic
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá. Ignora-se
o nº. da matrícula
por não constar da
respectiva relação.
Tem um filho livre
em virtude da lei
de nome Frederico
matriculado no
mesmo município
em 3 de dezembro
de 1873.
443 54
Maria
Eugênia
parda 8 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 33
4447 55 Luiza preta 8 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 49
4593 58 Clementina parda 12 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Jacinto
Pompeo de
Camargo
Nesta
vila
1721 61 Vicencia parda 12 Solteira Costureira Bastante
Carolina
Alves
Correia
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 93
4430 62
Maria
Contidiana
Parda 13 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 32
4625 63 sic Parda 13 Solteiro
Serviço
doméstico
Bastante
Felippe
Orlando
Short
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 64
188
Tabela 10 – 1874 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nº de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do
Senhor
Morada Observação
4429 65 Amélia Parda 15 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 31
4580 66 Francisca Preta 15 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Jacinto
Pompeo de
Camargo
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 56
43 67 Victa preta 16 Solteira Cozinheira Bastante
Maria da
Cunha
Oliveira
Nesta
vila
276 68 Ignez parda 16 Solteira Costureira Bastante
Antonio
Antunes
Galvão
Sobrinho
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 111
sic 70 Bibiana preta 17 Solteira
Serviço
doméstico Bastante
Anna Rosa
da Cunha
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 94.
Tem 1 filho livre
pela lei.
4263 74 Joana parda 19 Solteira
Serviço
doméstico Bastante
Boaventura
da Motta
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 67
4503 78 Julia preta 22 Solteira Cozinheira Bastante
Luiza Leite
de Mesquita
Nesta
vila
82 80 sic preta 23 Solteira Roceira Bastante
Luiza Leite
de Mesquita
Nesta
vila
4593 81 Belizaria preta 23 Solteira Roceira Bastante
Jacinto
Pompeo de
Camargo
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 61
7 82 Maria parda 24 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Miguel Paes
de Barros
Nesta
vila
66 84 Rita de Souza preta 24 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Antonio
Elippe
Nesta
vila
189
Tabela 10 – 1874 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nº de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do
Senhor
Morada Observação
3477 85 Maria parda 24 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Maria
Francisca de
Campos
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 107
4624 89 Teresa preta 25 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Felippe
Orlando Short
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 63
1177 91 Tiburcia parda 25 Solteira Lavadeira Bastante
Boaventura da
Motta
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 130
31 95 Benedicta preta 27 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante sic
Nesta
vila
33 96 Rosa parda 27 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Martha de
Arruda Leite
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 112
1205 98 Antonia preta 30 Solteira Lavadeira Pouca
Benedicto
Mariano
Campos
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá
4441 100 Emilia preta 31 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 43
4444 101 Francilina preta 31 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 46
3366 102 Rita de Souza preta 31 Solteira Roceira Bastante
Martha de
Arruda Leite
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 121
4432 104 Martinha preta 33 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 34
4439 105 Teresa preta 33 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 31
190
Tabela 10 – 1874 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nº de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do
Senhor
Morada Observação
5276 106 Vicencia preta 34 Solteira
Serviço
Doméstico
Bastante
Boaventura
da Motta
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 104
1233 107 Egnez preta 34 Solteira Lavadeira Bastante
Manoel
Francisco
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 105
3976 108 Rosa preta 34 Solteira Cozinheira Bastante
Antonio
Delmiro
Pompeo de
Camargo
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 91
4437 110 Maria preta 35 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 39
32 111 Vicencia preta 35 Solteira Cozinheira Bastante
Joaquim
Timótheo
Ribeiro
Nesta
vila
4436 112
Maria das
Dores
preta 36 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 38
58 113 Izidora preta 36 Solteira Cozinheira Bastante
Cândida
Ferreira da
Costa
Nesta
vila
40 116 Antonia preta 38 Solteira Roceira Bastante
Benedicto
Viana da
Silva
Nesta
vila
4 119 Josefa parda 40 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Germano
José da Silva
Nesta
vila
4585 122 Agostinha preta 41 Solteira Lavadeira Bastante
Jacinto
Pompeo de
Camargo
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 52
3178 123 Anna preta 41 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
José da Silva
Rondon
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e averbada
aqui sob nº. 116
191
Tabela 10 – 1874 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nº de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do
Senhor
Morada Observação
4623 124 Anna preta 41 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Felippe
Orlando
Short
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e
averbada aqui
sob nº. 62
4425 126 Luciana preta 43 Solteira Roceira Bastante
Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e
averbada aqui
sob nº. 27
35 127 Josefa preta 45 Solteira Cozinheira Bastante
Francisco da
Costa Leite
de Almeida
Nesta
vila
65 128 Benedicta preta 45 Solteira
Serviço
doméstico
Regular sic
Nesta
vila
4438 130 sic preta 45 Solteiro Roceira Bastante
Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e
averbada aqui
sob nº. 40
4516 131 Vicencia preta 45 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Anna Isabel
192óis
Pimenta
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e
averbada aqui
sob nº. 108
2210 135 Januária preta 47 Solteira Cozinheira Bastante
Randolpho
Olegário de
Figueiredo
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e
averbada aqui
sob nº. 88
6 136 Feliciana preta 50 Solteira Cozinheira Bastante
Anna de
Campos
Maciel
Nesta
vila
118 137 Eva preta 50 Solteira Cozinheira Regular
Leonor
Josefina de
Alsegaria
Nesta
vila
192
Tabela 10 – 1874 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação.
Nº de
matrícula
Nº de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do
Senhor
Morada Observação
4434 138 Maria
Pequena
preta 50 Solteira Cozinheira Bastante Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e
averbada aqui
sob nº. 3
4442 141 Emilia preta 55 Solteira Roceira Pouca
Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
4443 142 Clara preta 55 Solteira Roceira Pouca Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e
averbada aqui
sob nº. 45
4448 143 Virgínia preta 55 Solteira Roceira Pouca
Barão de
Vila Maria
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e
averbada aqui
sob nº. 50
4490 144 Sebastiana preta 55 Solteira Cozinheira Pouca
Jacinto
Pompeo de
Camargo
Nesta
vila
Matriculada em
Cuiabá e
averbada aqui
sob nº. 57
Fonte: Livro de Classificação dos escravos / Fundo de Emancipação / 1874. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá.
193
Tabela 11 – 1877 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação
N° de
matrícula
N° de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do Senhor Morada Observação
1720 16 Martinha Preta 23 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Carolina Alves
Corrêa
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 1720 e averbada
aqui sob n° 92. Filhos
Benedicto livre com 5 anos
de idade.
1421 17 sic Parda 11 Solteira sic sic
Filha
Vicencia
Carolina Alves
Corrêa
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 1 e averbada aqui
sob n° 93.
11 18 Josepha Parda 22 Solteira Lavadeira Bastante
Benedito Viana
da Silva
Nesta
vila
12 19 sic Parda 7 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Filho
Felippe
Benedito Viana
da Silva
Nesta
vila
4258 20 Delfina Parda 28 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Manoel Pedroso
de Barros
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4258 e averbada
aqui sob n° 77. Filhos livres
em virtude da lei. Constância
de 2 anos de idade
matriculada sob n° 9 e
Theresa recém nascida
4254 21 sic Parda 7 Solteiro sic sic
Filho
Peoro
Manoel Pedroso
de Barros
Nesta
vila
Matriculado em Corumbá
com o n° 4254 e averbado
aqui sob n° 74.
96 23 Cecílio Preta 8 Solteiro sic sic
Joaquim da
Gama Lobo d'
Eça
Nesta
vila
45 24 Dorothea Preta 21 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Joaquim da
Gama Lobo d'
Eça
Nesta
vila
Filhos - Honório, livre em
virtude da lei, matriculado
sob n° 23 e com 1 ano de
idade.
194
Tabela 11 – 1877 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação
N° de
matrícula
N° de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do Senhor Morada Observação
4427 25 Francisca Parda 22 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4427 e averbada
aqui sob n° 29. Filhos
Samuellivres em virtude da
lei com 2 anos de idade
matriculada sob n° 17.
4426 26 Lucinda Parda 22 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 442 e averbada
aqui sob n° 28. Filhos livres
em virtude da lei. Maria
Theresa com 5 anos de idade
matriculada sob n° 4 e
Salvato de 18 meses
matriculado sob n° 21.
59 28 Ignes Preta 28 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Cândida Ferreira
da Silva
Nesta
vila
Filhos livres em virtude da
lei, Francisco com 5 anos de
idade matriculado sob n° 3.
37 30 Felisarda Preta 43 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Ana de Campos
Maciel
Nesta
vila
Filhos livres em virtude da
lei, Augustinho com 5 anos
de idade matriculado sob n°
2.
6 31 Anna Parda 30 Solteira
Engoma-
deira
Bastante
Miguel Paes de
Barros
Nesta
vila
Tem um filha de nome Joana
libertada pelo seu senhor
com 7 anos de idade
matriculada sob n° 8.
4587 33 Virgínia Parda 16 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Jacinto Pompeo
de Camargo
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4587 e averbada
aqui sob n° 54. Tem uma
filha livre em virtude da lei,
de trinta dias de nascida.
195
Tabela 11 – 1877 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação
N° de
matrícula
N° de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do Senhor Morada Observação
4260 35 Delfina Parda 27 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Manoel Pedroso
de Barros
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4260 e averbada
aqui sob n° 78. Filhos livres
em virtude da lei, Francisco
de 18 meses.
3181 38 Catharina Preta 21 Solteira Cozinheira Bastante
José Francisco
Rondon
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 3181 e averbada
aqui sob n° 114. Tem uma
filha de nome Claudina livre
em virtude da lei, em
dezembro de 1876.
273 39 Josepha Preta 24 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Antonio Antunes
Galvão Sobrinho
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 243 e averbada
aqui sob n° 109. Tem uma
filha livre em virtude da lei,
de nome Thereza com 6 anos
de idade e 50$000 reis
pecúlio em mão do seu
senhor segundo declaração
mesmo.
sic 43 Aleixo Preta 45 Solteiro Pedreiro Bastante
Francisco Nunes
da Cunha
Nesta
vila
Ignora-se o número da
matrícula e o lugar onde foi
matriculada por não existir
em Cuiabá o respectivo
documento segundo a
informação do seu senhor.
3998 51 Firmino Parda 35 Solteiro
Marcenei-
ro
Bastante
Joaquim Pinto
Guedes
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 3998 e averbada
aqui sob n° 106. Passou a
pertencer ao Capitão
Joaquim Pinto Guedes por
falecimento de sua mãe D.
Ursula Paes d' Almeida
196
Tabela 11 – 1877 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação
N° de
matrícula
N° de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do
Senhor
Morada Observação
4446 56 Anacleto Preta 34 Solteiro Lavrador Bastante
Manoel Pedroso
de Barros
Nesta
vila
Matriculado em Corumbá
com o n° 4406 e averbada
aqui sob n° 69.
5 58 Estevão Preta 33 Solteiro Pedreiro Bastante
Miguel Paes de
Barros
Nesta
vila
3172 60 Leopoldina Preta 31 Solteira
Todo
serviço
Bastante
José da Silva
Rondon
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 3172 e averbada
aqui sob n° 114.
943 63 Semião Preta 29 Solteiro Roceiro Bastante
Manoel Pedroso
de Barros
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 943 e averbada
aqui sob n° 69.
9 64 Benedicto Preta 29 Solteiro Pedreiro Bastante
Joaquim Pinto
Guedes
Nesta
vila
115 67 Venceslao Parda 28 Solteiro Não tem Pouca
Pedro Rodrigues
Froes
Nesta
vila
sic 68 Rufino Preta 27 Solteiro Jornaleiro Bastante
Francisco nunes
da Cunha
Nesta
vila
Ignora-se o número da
matrícula e o lugar onde foi
matriculada por não existir
em Corumbá o respectivo
documento segundo a
informação do seu senhor.
4588 69 Romano Preta 27 Solteiro Lavrador Bastante
Jacinto Pompeo
de Camargo
Nesta
vila
Matriculado em Cuiabá com
o n° 4588 e averbado aqui
sob o n° 55
3171 71 Galdino Parda 27 Solteiro Carpinteiro Bastante
José de Souza
Rondon
Nesta
vila
Matriculado em Corumbá
com o n° 3171 e averbado
aqui sob n° 113.
2209 75 Manoel Preta 26 Solteiro Pedreiro Bastante João Caldas
Nesta
vila
Matriculado em Corumbá
sob o n° 2209 e averbado
aqui sob n° 90.
105 77 Manoel Parda 24 Solteiro Roceiro Regular
José Manuel
Bueno
Nesta
vila
197
Tabela 11 – 1877 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação
N° de
matrícula
N° de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do Senhor Morada Observação
sic 76 Feliciano Preta 26 Solteiro
Todo
serviço
Bastante
Boavantura da
Matta
Nesta
vila
Ignora-se o n° da matrícula e
o lugar onde foi matriculado
constando apenas sua
averbação neste município
sob o n° 120.
104 78 Domingos Preta 24 Solteiro Roceiro Bastante
José Luiz de
Magalhães
Nesta
vila
47 83 Amália Preta 23 Solteira Jornaleira Bastante
José de Souza
Lima
Nesta
vila
44 87 Salvador Preta 22 Solteiro Jornaleiro Bastante
Antonio José da
Costa
Nesta
vila
4248 88 Agostinho Preta 22 Solteiro Lavrador Bastante
Manoel Pedroso
de Barros
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4248 e averbada
aqui sob n° 71.
4415 89 Belisário Preta 21 Solteiro Lavrador Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4415 e averbada
aqui sob n° 65.
3368 91 Ludigero Preta 20 Solteiro
Serviço
doméstico
Bastante
Felippe Orlando
Shorts
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 3368 e averbado
aqui sob n° 65.
4253 92 Portásio Preta 20 Solteiro
Serviço
doméstico
Bastante
Miguel Pedroso
de Barros
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4253 e averbado
aqui sob n° 73.
275 93 Gracintha Parda 20 Solteira Cozinheira Bastante
Antonio Antunes
Galvão Sobrinho
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 275 e averbada
aqui sob n° 110. Tem de
pecúlio em mãos de seu
senhor a quantia de 50$000
reis segundo declaração do
mesmo.
114 96 Antonio Parda 18 Solteiro Roceiro Bastante
Miguel Henrique
de Carvalho
Nesta
vila
198
Tabela 11 – 1877 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação
N° de
matrícula
N° de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do Senhor Morada Observação
4586 100 Pedro Parda 18 Solteiro Roceiro Bastante
Jacinto Pompeo
de Camargo
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4586 e averbada
aqui sob n° 53.
4591 106 João Preta 15 Solteiro
Serviço
doméstico
Bastante
Jacinto Pompeo
de Camargo
Nesta
vila
Matriculado em Corumbá
com o n° 4591 e averbado
aqui sob n° 58.
4420 113 Venceslao Preta 9 Solteiro
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculado em Corumbá
com o n° 4420 e averbada
aqui sob n° 22.
42 115 Manoel Preta 7 Solteiro
Serviço
doméstico
Bastante
Custódia Maria
Libania
Nesta
vila
4431 116
Maria
Eugenia
Parda 7 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4431 e averbada
aqui sob n° 33.
4447 117 Luzia Preta 7 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4447 e averbada
aqui sob n° 49.
4593 121 Clementina Preta 11 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Jacinto Pompeo
de Camargo
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4593 e averbada
aqui sob n° 60.
4430 123
Maria
Cantidiana
Parda 12 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4430 e averbada
aqui sob n° 32.
4625 124 Callicto Parda 12 Solteiro
Serviço
doméstico
Bastante
Felippe Orlando
Shorts
Nesta
vila
Matriculado em Corumbá
com o n° 4625 e averbado
aqui sob n° 64.
4592 125
Maria
Lusia
Preta 13 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Jacinto Pompeo
de Camargo
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4592 e averbada
aqui sob n° 59.
4429 126 Amélia Parda 14 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4429 e averbada
aqui sob n° 31.
199
Tabela 11 – 1877 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação
N° de
matrícula
N° de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do Senhor Morada Observação
4589 127 Francisca Preta 14 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Jacinto Pompeo
de Camargo
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4589 e averbada
aqui sob n° 56.
43 128 Victa Preta 15 Solteira Cozinheira Bastante
Maria da Cunha e
Oliveira
Nesta
vila
276 129 Ignes Parda 15 Solteira Costureira Bastante
Antonio Antunes
Galvão Sobrinho
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 276 e averbada
aqui sob n° 111.
sic 131 Bibiana Preta 16 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Anna Rosa
Cunha
Nesta
vila
Ignora-se o n° da matrícula
constando apenas da
matrícula do município de
Cuiabá e averbada aqui sob
o n° 94 como se vê do livro
de averbações.
4428 132 Laurinda Parda 17 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4428 e averbada
aqui sob n° 94.
4263 134 Joana Parda 18 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Boaventura da
Motta
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4263 e averbada
aqui sob o n° 67.
4594 140 Belisária Preta 22 Solteira Roceira Bastante
Jacinto Pompeo
de Camargo
Nesta
vila
Matriculada em Cuiabá com
o n° 4594 e averbada aqui
sob n° 61.
7 141 Maria Parda 23 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Miguel Paes de
Barros
Nesta
vila
64 143
Rita de
Souza
Preta 23 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Antonio Lay
Elippe
Nesta
vila
Tem direito ao usufruto
somente segundo as
informações ministradas a
essa Junta pelo promotor
público desta comarca.
3477 144 Maria Parda 23 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Maria Francisca
de Campos
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 3477 e averbada
aqui sob o n° 107.
200
Tabela 11 – 1877 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação
N° de
matrícula
N° de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do Senhor Morada Observação
4624 149 Theresa Preta 24 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Felippe Orlando
Shorts
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4624 e averbada
aqui sob o n° 63.
1175 150 Tibúrcia Parda 24 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Boaventura da
Motta
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 1177 e averbada
aqui sob o n° 66.
31 152 Benedicta Preta 26 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Esequiel
Monteiro de
Vasconcellos
Mourão
Nesta
vila
3367 153 Rosa Parda 26 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Martha de
Arruda Leite
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 3364 e averbada
aqui sob o n° 122.
41 154 Brígido Preta 27 Solteiro
Serviço
doméstico
Bastante
Custódia Maria
Libania
Nesta
vila
4441 157 Esmília Parda 30 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4441 e averbada
aqui sob o n° 43.
4485 158 Francelina Parda 30 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4444 e averbada
aqui sob o n° 46.
3366 159 Rita Parda 30 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Martha de
Arruda Leite
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 3366 e averbada
aqui sob o n° 121.
4432 161 Martinha Parda 32 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4432 e averbada
aqui sob o n° 34.
4439 162 Theresa Preta 32 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4439 e averbada
aqui sob o n° 41.
5272 163 Vicencia Preta 33 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Boaventura da
Motta
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 5276 e averbada
aqui sob o n° 104.
201
Tabela 11 – 1877 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação
N° de
matrícula
N° de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do Senhor Morada Observação
1233 164 Ignês Preta 33 Solteira Lavadeira Bastante
Manoel
Francisco d'
Avila
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 1233 e averbada
aqui sob o n° 105.
4437 165
Maria
Magdalena
Preta 34 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4437 e averbada
aqui sob o n° 39.
3976 166 Rosa Preta 33 Solteira Cozinheira Bastante
Antonio Delmiro
Pompeo de
Camargo
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 3976 e averbada
aqui sob o n° 91.
32 167 Vicencia Preta 34 Solteira Cozinheira Bastante
Joaquim
Thimóteo Ribeiro
Nesta
vila
4436 168
Maria das
Dores
Preta 35 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4436 e averbada
aqui sob o n° 38.
58 169 Isadora Preta 35 Solteira Cozinheira Bastante
Cândida Ferreira
da Silva
Nesta
vila
97 172 Joaquina Preta 38 Solteira
Todo
serviço
Bastante
Germano José da
Silva
Nesta
vila
4585 176 Agostinha Preta 40 Solteira Lavadeira Bastante
Jacintho Pompeo
de Camargo
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4585 e averbada
aqui sob o n° 52.
3178 177 Anna Preta 40 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
José da Silva
Rondon
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 3178 e averbada
aqui sob o n° 116.
4623 178 Anna Preta 40 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Felippe Orlando
Shorts
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4623 e averbada
aqui sob o n° 62.
4425 179 Luciana Preta 42 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4425 e averbada
aqui sob o n° 27.
202
Tabela 11 – 1877 – Classificação dos escravos para serem libertados pelo Fundo de Emancipação
N° de
matrícula
N° de
classificação
Nome Cor Idade Estado Profissão
Aptidão
para o
trabalho
Pessoas
da
família
Nome do Senhor Morada Observação
35 180 Joséfa Preta 44 Solteira Cozinheira Bastante
Francisco da
Costa Leite d'
Almeida
Nesta
vila
66 181 Benedicta Preta 44 Solteira Roceira Regular
Antonio Trina da
Silva Lemes
Nesta
vila
4438 183
Maria
Madalena
Grande
Preta 44 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4438 e averbada
aqui sob o n° 40.
4516 184 Vicencia Preta 44 Solteira
Serviço
doméstico
Bastante
Anna Isabel de
Roiz Pimenta
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4516 e averbada
aqui sob o n° 108, tem em
mãos de sua senhora a
quantia de 340$000 reis por
conta de sua liberdade.
36 184 Feliciana Preta 49 Solteira Cozinheira Bastante
Anna de Campos
Maciel
Nesta
vila
118 186 Eva Preta 49 Solteira Cozinheira Regular
Leonor Josefina
de Albugária
Nesta
vila
4434 187
Maria
Pequena
Preta 49 Solteira Cozinheira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4434 e averbada
aqui sob o n° 36.
4442 190 Emília Preta 54 Solteira Roceira Pouca
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4442 e averbada
aqui sob o n° 44.
4443 191 Clara Preta 54 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4443 e averbada
aqui sob o n° 45.
4448 192 Hegina Preta 54 Solteira Roceira Bastante
Barão de Vila
Maria
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4448 e averbada
aqui sob o n° 50.
4490 193 Sebastiana Preta 54 Solteira Cozinheira Bastante
Jacintho Pompeo
de Camargo
Nesta
vila
Matriculada em Corumbá
com o n° 4490 e averbada
aqui sob o n° 57.
Fonte: Livro de Classificação dos escravos / Fundo de Emancipação / 1877. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá.
203
Tabela 12 - Quadro demonstrativo de cativos por senhores proprietários / 1877.
Nome dos Senhores Quantidade de escravos
Ana de Campos Maciel 2
Ana Isabel de Roiz Pimenta 1
Anna Rosa Cunha 1
Antonio Antunes Galvão Sobrinho 3
Antonio Delmiro Pompeo de Camargo 1
Antonio José da Costa 1
Antonio Lay Elippe 1
Antonio Trina da Silva Lemos 1
Barão de Vila Maria 21
Benedito Viana da Silva 2
Boaventura da Matta 4
Candida Ferreira da Silva 2
Carolina Alves Correa 2
Custódia Maria Libania 2
Ezequiel Monteiro de Vasconcelos Mourão 1
Fellipe Orlando Shorts 4
Francisco da Costa Leite D' Almeida 1
Francisco Nunes Cunha 2
Germano José da Silva 1
Jacinto Pompeo de Camargo 10
João Caldas 1
Joaquim da Gama lobo D' Eça 2
Joaquim Pinto Guedes 2
Joaquim Thimótio Ribeiro 1
José da Silva Rondon 2
José de Souza Lima 1
José de Souza Rondon 1
José Francisco Rondon 1
José Luiz de Magalhães 1
José Manoel Bueno 1
Leonor Josefina de Albugária 1
Manoel Francisco D' Avila 1
Manoel Pedroso de Barros 7
Maria da Cunha Oliveira 1
Maria Francisca de Campos 1
Martha de Arruda Leite 2
Miguel Henrique de Carvalho 1
Miguel Paes de Barros 3
Pedro Rodrigues Fróes 1
Fonte: Livro de Classificação dos escravos / Fundo de Emancipação / 1877. Arquivo da Câmara Municipal
de Corumbá.
204
Figura 1
Planta da povoação de Albuquerque – 1792
Fonte: MELLO, Raul Silveira de. Corumbá, Albuquerque e Ladário. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 1966. p. 108.
205
Figura 2
Planta da cidade de Corumbá – 1875
Fonte: FONSECA, João Severiano da. Viagem ao Redor do Brasil. p. 237.
206
Figura 3
Planta da cidade de Corumbá – 1889
Fonte: MELLO, Raul Silveira de. Corumbá, Albuquerque e Ladário. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 1966. p. 132
207
Figura 4
Planta mostrando o local exato da fundação de Corumbá
MELLO, Raul Silveira de. Corumbá, Albuquerque e Ladário. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1966. p. 236.
208
Figura 5. Vista parcial de Corumbá. Ladeira da Candelária (atual Cunha e Cruz). Carroças
subindo a ladeira. Em primeiro plano estão as construções da rua Manoel Cavassa esquina
com a referida ladeira. No alto, em cima da barranca calcárea, algumas construções, entre
elas a Igreja Nossa Senhora da Candelária. WULFES. Patrimônio Fotográfico de
Corumbá/Ladário. Instituto Luiz de Albuquerque – ILA. Corumbá-MS.
Figura 6. Vista parcial do porto. Rio Paraguai, como um chão vidrento, reflete o lebre
Casario e as antigas construções na parte alta da cidade. Em primeiro plano edificação de
1880, com telhado de quatro águas. WULFES. Patrimônio Fotográfico de
Corumbá/Ladário. Instituto Luiz de Albuquerque – ILA. Corumbá-MS.
209
Figura 7.Vista parcial do porto de Corumbá. Á direita, a ladeira José Bonifácio; a
construção firma Larocca, Mônaco & Cia e a lateral da construção Vasques & Filhos
construída com sotéia plana. WULFES. Patrimônio Fotográfico de Corumbá/Ladário-MS.
Instituto Luiz de Albuquerque – ILA. Corumbá-MS.
Figura 8. Porto de Corumbá. No centro, a construção Vasquez & Filhos; à direita, a
Alfândega e à esquerda, a edificação que foi sede da firma Larocca, Mônaco & Cia,
fundada em 1902. WULFES. Patrimônio Fotográfico de Corumbá/Ladário-MS. Instituto
Luiz de Albuquerque – ILA. Corumbá-MS.
210
Figura 9. Vista da rua do Comércio (atual Manoel Cavassa). Edificações alinhadas na via
pública e carroça usada no transporte de madeira, água, mercadorias. WULFES.
Patrimônio Fotográfico de Corumbá/Ladário-MS. Instituto Luiz de Albuquerque ILA.
Corumbá-MS.
Figura 10. Rua Delamare. WULFES. Patrimônio Fotográfico de Corumbá/Ladário-MS.
Instituto Luiz de Albuquerque – ILA. Corumbá-MS
211
Autorizo a reprodução deste trabalho
Dourados, agosto de 2005
ELAINE APARECIDA CANCIAN DE ALMEIDA
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