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PAULO ROBERTO RIGOTTI
A INTERTEXTUALIDADE E O IMAGINÁRIO
PICTÓRICO NO PROCESSO CRIATIVO DE LÍDIA BAÍS
DOURADOS
2003
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PAULO ROBERTO RIGOTTI
A INTERTEXTUALIDADE E O IMAGINÁRIO
PICTÓRICO NO PROCESSO CRIATIVO DE LÍDIA BAÍS
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em História
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/Campus de
Dourados, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre
em História.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Sérgio Nolasco dos Santos (UFMS)
DOURADOS
2003
2
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Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Campus de Dourados
Programa de Mestrado em História
Dissertação intitulada A intertextualidade e o imaginário pictórico no processo criativo
de Lídia Baís, de autoria do mestrando Paulo Roberto Rigotti, aprovada pela banca
examinadora constituída pelos seguintes professores:
______________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Sérgio Nolasco dos Santos – UFMS – Orientador
______________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Roberto Cimó Queiroz – UFMS
______________________________________________________
Profa. Dra. Alda Maria Quadros do Couto – UFMS
______________________________________________________
Prof. Dr. CLÁUDIO ALVES DE VASCONCELOS
Coordenador do Programa de Mestrado em História
UFMS – Campus de Dourados
Dourados, 15 de dezembro de 2003
R. João Rosa Góes, 1761 – Dourados, MS – 79.825-070 – Brasil – tel.: (0xx) (67) 411-3626 – fax (0xx) (67) 411-3637
3
PAULO ROBERTO RIGOTTI
DADOS PESSOAIS
NASCIMENTO: 30/07/64 – DOURADOS/MS
FILIAÇÃO: Mauro Rigotti
Ivanirde Rigotti
FORMAÇÃO ACADÊMICA
GRADUAÇÃO
1986 Bacharelado em Arqueologia na Universidade Estácio de
(UNESA). Rio de Janeiro/RJ.
PÓS-GRADUAÇÃO
ESPECIALIZAÇÃO
1992 – Curso de Especialização em História e Cultura Contemporânea
Instituto Metodista BENNETT. Rio de Janeiro/RJ.
2000 – Curso de Especialização em História do Brasil
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/Campus de Dourados.
MESTRADO
2003 – Programa de Mestrado em História
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/Campus de Dourados.
4
Dedicamos esse trabalho a duas mulheres que reinventaram as
artes plásticas no estado de Mato Grosso do Sul:
À memória da artista plástica Lídia Baís, que, com suas
criações pictóricas, reinventou o seu tempo e a sua arte.
À professora Maria da Glória Rosa, pela inestimável
contribuição e dedicação ao desenvolvimento da arte e da
cultura nestes “Campos de Vacaria”.
5
Agradecemos aos professores do Programa de Mestrado em
História, pelo exemplar direcionamento de seus conhecimentos
históricos;
A minha mãe, Ivanirde Rigotti, pelo carinho, apoio e
compreensão durante todos os momentos;
À professora Maria Cláudia Teixeira da Luz Ollé, amiga
compreensiva, pelo apoio durante o processo de pesquisa;
À professora Luiza Mello Vasconcelos, pela dedicada e
competente revisão dessa dissertação e tradução do abstract;
Ao Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN),
pela colaboração na reprodução desse trabalho.
6
Agradecemos, especialmente, ao professor Dr. Paulo Sérgio
Nolasco dos Santos, pela preciosa e dedicada orientação, digna
de um grande mestre que conhece os caminhos intelectuais que
conduzem à apreciação prazerosa da literatura, da teoria e da
crítica de arte.
7
A arte é o aspecto da criação humana que se caracteriza pela
supremacia da função estética.
A arte, que se não baseia plenamente em nenhuma função que
não seja a função estética, revela sempre de uma maneira nova
o caráter multifuncional da relação do homem com a realidade,
e, por conseguinte, também, a riqueza inesgotável de
possibilidades que a realidade oferece ao comportamento, à
percepção e ao conhecimento humanos.
Jan Mukarövský
8
SUMÁRIO
RESUMO..............................................................................10
ABSTRACT......................................................................................................... .11
1 INTRODUÇÃO................................................................. 12
2 A EXCÊNTRICA HISTÓRIA DE LÍDIA BAÍS........................25
3 A REPRESENTAÇÃO PICTÓRICA NO IMAGINÁRIO DE LÍDIA BAÍS68
3.1 A imagem, o imaginário e a representação pictórica na pesquisa histórica.72
3.2 O imaginário pictórico nas obras de Lídia Baís......................................92
3.3 O imaginário pictórico nas “Composições Alegóricas” de Lídia Baís.103
3.3.1 A representação do nacionalismo e da identidade.............................107
3.3.2 A iconografia religiosa: o Apocalipse, a demonologia e a morte......111
4 A INTERTEXTUALIDADE PICTÓRICA DE LÍDIA BAÍS....................... 134
4.1 Procedimentos e práticas intertextuais na pesquisa e na produção artística
.................................................................................................................140
4.2 A intertextualidade pictórica no processo criativo de Lídia Baís..............150
4.2.1 A cópia e a imitação na prática intertextual de Lídia Baís.....................153
4.2.2 A apropriação, a paródia e a antropofagia nas obras de Lídia Baís..........158
4.3 Influências estéticas das obras de Lídia Baís na arte contemporânea de MS
..................................................................................................................... 172
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 179
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................182
7 BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR......................................................................196
9
ANEXOS.............................................................................................................193
10
RESUMO
Visando enriquecer o acervo bibliográfico sobre as artes plásticas no estado de Mato
Grosso do Sul, este trabalho teve por objetivo principal elaborar um estudo sobre os
procedimentos intertextuais e o imaginário pictórico na produção de Lídia Baís.
Considerada a artista pioneira das artes plásticas e marco de contemporaneidade no
estado de Mato Grosso, Lídia nasceu em 22 de abril de 1900, em Campo Grande, hoje
capital do estado de Mato Grosso do Sul. Somente a partir de sua morte, em 1985, é que
as obras de Lídia Baís passaram a ser referências-símbolos das artes plásticas no estado
de Mato Grosso do Sul. O acervo pictórico da artista situa-se entre as décadas de 1920 e
1940, momento em que Lídia estabeleceu profícuas relações com artistas
representativos no contexto da arte moderna no Brasil. Embora as obras de Lídia Baís
não sejam datadas, o que impede sua cronologia, podemos distinguir, a partir do
procedimento artístico adotado pela artista, três momentos distintos na sua produção,
que denunciam a passagem de uma forma de representação nitidamente acadêmica, de
tradição naturalista, para outra forma de representação mais pessoal e subjetiva, voltada
para a criação e “recriação” de uma linguagem plástico-visual particular, repleta de
símbolos, citações e procedimentos intertextuais, que exprimem a dialogia da obra com
a história da arte, com obras de artistas do passado e com artistas do contexto histórico-
cultural de sua época. É essa linguagem plástica que possibilita a leitura e recepção da
obra pictórica da artista e ainda permite verificar a produtividade de seus textos visuais.
Diante disso, os conceitos de intertextualidade, apropriação e releitura, possibilitam uma
nova abordagem e um novo olhar sobre a obra de Lídia Baís, uma vez que a
intertextualidade abala a velha concepção de influência, desloca o sentido de dívida,
obrigando a um tratamento diferente do problema. Neste sentido, quando Lídia Baís,
estimulada por outros artistas do passado e pela tradição artística, utilizou-se do
procedimento antropofágico e da técnica de apropriação para construir o seu imaginário
pictórico, a artista estabeleceu um diálogo pessoal e particularizado com aquela tradição
e com a própria arte, criando obras de acentuado valor estético que a singularizam no
contexto artístico-plástico brasileiro de sua época.
Palavras-chave: Artes Plásticas; Imaginário; Intertextualidade.
11
ABSTRACT
Aiming to enrich the bibliographical collection on the plastic arts in the state of Mato
Grosso do Sul, this work had for main objective to elaborate a specific study on the
intertextual procedures and the pictorial imaginariness in Lídia Baís's production.
Considered the pioneering artist of the plastic arts and a contemporariness mark in the
state of Mato Grosso, Lídia was born on April 22, 1900, in Campo Grande, present
capital of the state of Mato Grosso do Sul. It was only after her death, in 1985, that
Lídia Baís's works became reference-symbols of the plastic arts in the state of Mato
Grosso do Sul. The artist's pictorial collection belongs to the 1920’s and 1940’s, when
she also established useful relationships with representative artists in the context of the
modern art in Brazil. Although Lídia Baís's pictorial works are not dated, what impedes
their chronology, we can distinguish, based on the artistic procedures adopted by her,
three different moments in her production that point out the passage from a sharply
academic representation, of naturalistic tradition, to a more personal and subjective
representation, turned to the creation and re-criation of a private plastic-visual language,
full of symbols, citations and intertextual procedures, that expresses the dialogue
between her work and the history of the art, former artists' works and artists of her
historical and cultural context. That’s what makes our reading and reception of the
artist's work possible and allows us to verify the productivity of her visual texts.
Therefore, the concepts of intertextuality, appropriation and rereading make possible a
new approach and a new way to look at Lídia Baís's pictorial work, once the
intertextuality affects the old influence concept, it moves the debt sense, forcing a
different treatment of the subject. In this sense, when Lídia Baís, stimulated by other
artists of the past and by the artistic tradition, used a anthropophagic procedure and
appropriation technique to build her pictorial imaginariness, she established a personal
and particularized dialogue with that tradition and with art itself, creating works of
accentuated aesthetic value that make this artist unique in the artistic-plastic Brazilian
context of her time.
Key-words: Plastic Arts; Imaginariness; Intertextuality.
12
1 INTRODUÇÃO
Durante as duas últimas décadas do século XX, Mato Grosso do Sul
despontou para os estudos de suas manifestações artísticas e culturais. Visando
enriquecer o acervo bibliográfico sobre as artes plásticas no estado, este trabalho
apresenta um estudo sobre a intertextualidade e o imaginário pictórico na produção
plástico-visual de Lídia Baís. Uma atenção particular à vida e à obra dessa artista,
considerada marco da modernidade no estado, constituirá o objetivo principal desta
investigação, não pela representatividade singular de seu nome, mas sobretudo pela
escolha e pela predileção pessoal com que, algum tempo, vimos nos dedicando ao
trajeto e ao pensamento estético de Lídia Baís, artista com a qual reconhecemos
profundas afinidades estéticas, conformadoras do que Goethe chamou de “afinidades
eletivas”.
A vida e a obra da artista plástica Lídia Baís vem despertando, ao longo dos
últimos anos, grande interesse por parte de estudantes, professores e pesquisadores
interessados na história, na arte e no processo e desenvolvimento da produção cultural
no estado de Mato Grosso do Sul, o que se pode observar através da crescente literatura
existente sobre o assunto
1
.
O primeiro trabalho publicado sobre Lídia Baís foi o texto “Introdução à
Lydia Baís”, de Humberto Espíndola. Esse texto, primeiramente, foi publicado, em
1975, pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), no catálogo da mostra
Panorama das Artes Plásticas em Mato Grosso. Posteriormente, esse mesmo texto de
Espíndola também foi publicado, em 1979, no livro Artes plásticas no Centro-Oeste, de
1
Um estudo mais amplo acerca do assunto pode ser encontrado em: RIGOTTI, 2000a. Conferir também
em: FIGUEIREDO, 1979; ESPÍNDOLA, 1979; ROSA, 1986; MARTINS, 1990; ROSA; MENEGAZZO;
RODRIGUES, 1992; REBELLO DA SILVA, 1996; COUTO, 1998; COUTO, 1999a; COUTO, 1999b;
MEGGIOLARO, 1999a; MEGGIOLARO 1999b; RIGOTTI, 2000b; RIGOTTI, 2000c; entre outros.
13
Aline Figueiredo publicação imprescindível para o conhecimento das manifestações
culturais e artísticas no Centro-Oeste. Antes, porém, desse trabalho de muito fôlego da
professora Aline Figueiredo, e durante quase meio século, apenas alguns amigos
íntimos e familiares de Lídia Baís conheciam suas obras.
Nas décadas de 1980 e 1990, destacam-se três publicações que fazem
referências e alusões à vida e à obra de Lídia Baís: o artigo “Lídia Baís: a arte além do
tempo”, da professora Maria da Glória Rosa, publicado na Revista MS Cultura, em
1986; o livro Duas vidas, de Nelly Martins, publicado em 1990; e o livro Memória das
artes em MS: histórias de vida, de Maria da Glória Sá Rosa, Maria Adélia Menegazzo e
Idara Negreiros Duncan Rodrigues, publicado em 1992, pela UFMS/CECITEC.
Mais recentemente, pode-se destacar outros trabalhos realizados e artigos
publicados sobre Lídia Baís. Em 2000, dois artigos são publicados no livro Ciclos de
Literatura Comparada, organizado pelo professor Paulo Sérgio Nolasco dos Santos e
publicado pela UFMS: o nosso artigo “Antropofagia no cerrado: apropriação e
modernidade na obra dedia Baís” e o artigo “Artes plásticas em Mato Grosso do Sul:
apontamentos de um leitor”, de Maria Adélia Menegazzo. Em 2001, a crônica “Lydia
Baís: Artista além do tempo”, publicada em 1979, foi reeditada no livro Crônicas de
Fim de Século, de autoria da professora Maria da Glória Sá Rosa, publicado pela
UCDB. Em 2002, foram publicados mais dois trabalhos sobre Lídia Baís e suas obras: o
artigo “Apropriações da iconografia cristã na literatura e na pintura do Centro-Oeste”
2
,
de autoria da professora Alda Maria Quadros do Couto, apresentado, em julho de 2002,
no VIII Congresso Internacional ABRALIC, realizado na cidade de Belo Horizonte, em
Minas Gerais, e o artigo de nossa autoria “O imaginário pictórico de Lídia Baís”,
apresentado, em outubro de 2002, no VI Encontro de História de Mato Grosso do Sul:
2
Este trabalho foi oferecido pela própria autora com o objetivo de contribuir com o presente estudo.
14
História, Memória e Identidades, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Campus de Dourados
3
.
No campo da pesquisa acadêmica, destaca-se a Monografia de Graduação
em Museologia: Lídia Baís: vida, obra e memória, defendida em 1996, na UNI-RIO, de
autoria de Rita de ssia de Barros Rebello da Silva. Apesar de limitar-se às
informações do livro Duas Vidas de Nelly Martins, a contribuição dessa monografia
pode ser atribuída ao fato de ser o primeiro trabalho acadêmico sobre Lídia Baís e,
ainda, porque, nele, a autora divulga duas entrevistas que contêm algumas informações
importantes sobre a artista e suas obras, que podem ser úteis para outros estudos e
pesquisas: uma entrevista com Nelly Martins, autora do livro Duas Vidas e sobrinha da
artista, e uma outra entrevista com Guiomar Viegas Naser, funcionária do MARCO e
responsável pela catalogação do acervo de Lídia Baís.
Paralelamente a esse trabalho, outros estudos mais elaborados sobre a vida e
a obra dedia Baís já estavam sendo realizados por outros pesquisadores. Um trabalho
relevante na bibliografia sobre Lídia Baís, que merece ser destacado, é a tese de
doutorado O sinal de Deus na cartografia crítica de Murilo Mendes, apresentada, em
1997, ao Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, pela professora Alda Maria
Quadros do Couto. Neste trabalho, a professora Alda Couto pesquisa os traços da
cultura católica que o poeta Murilo Mendes reelaborou, tanto no exercício da criação
poética, quanto nas manifestações de crítico de arte, defendendo a tese de que a
religiosidade era de fundamental importância como componente estético do projeto
cultural do poeta mineiro. Enfatizando a coerência da religiosidade peculiar, tanto no
poeta, quanto no crítico Murilo Mendes, a professora Alda Couto destaca que a
correspondência mantida entre o poeta mineiro e a artista plástica mato-grossense Lídia
3
O resumo deste trabalho foi publicado no programa do referido encontro.
15
Baís pode ser considerada um episódio precursor na carreira de crítico de arte de
Murilo. A professora Alda evidencia, também, a relação estético-religiosa que envolve
Murilo Mendes, o artista plástico Ismael Nery e Lídia Baís com outros escritores
consagrados, entre eles, Mário de Andrade e Jorge de Lima. A pesquisadora afirma que
Ismael Nery e Murilo Mendes conheceram e ajudaram Lídia Baís quando ela se
esforçava para corresponder ao modelo de artista que, no Rio de Janeiro e São Paulo,
era reverenciado como intelectual, versado em literatura, música e filosofia, enfatizando
as proximidades estéticas entre esses artistas e suas correspondências com o movimento
modernista, tanto no Brasil quanto na Europa (COUTO, 1997, p. 80).
Vale salientar, ainda, outro trabalho da professora Alda Couto no qual Lídia
Baís e suas obras são privilegiadas em estudo particularizado e ampliado, reformulado a
partir da tese anteriormente citada. A professora Alda afirma que: “Essa segunda parte
reformulada, constitui este livro, organizado para auxiliar na compreensão dos quadros,
das colagens fotográficas e da própria opção de vida de Lídia, comparados com as
idéias expressas por Ismael e Murilo, procurando apresentar o maior número possível de
imagens” (COUTO, 1999a, p. 5). Neste trabalho, intitulado Territórios do assombro: a
pintura de Lídia Baís, a professora Alda Couto observa as relações pessoais de Lídia e a
proximidade estética da obra da artista com outros artistas brasileiros expressivos da
modernidade de sua época, principalmente com o artista plástico Ismael Nery e com o
poeta Murilo Mendes. Enfatizando as relações desses artistas com a religião católica,
Couto afirma que a doutrina religiosa do “essencialismo” seria o forte elo de ligação
entre esses dois artistas e Lídia Baís. Couto busca, ainda, identificar as semelhanças da
obra de Lídia Baís com a obra da pintora mexicana Frida Kahlo. Apontando a obra de
Lídia como próxima do simbolismo religioso medieval, afirma que o único traço
surrealista, tanto em Lídia Baís, quanto em Frida Kahlo, seria “a capacidade de extrair
16
um universo inteiro de si mesma e das persistentes tradições de sua própria cultura”
(COUTO, 1999a, p. 61).
Assim, os referidos estudos da professora Alda Couto tornam-se importantes
para a compreensão da presença da religião e da religiosidade na vida e na obra de Lídia
Baís, permitindo conhecer as relações da artista e suas aproximações “estéticas” com o
poeta Murilo Mendes e com o artista plástico Ismael Nery, principalmente no que se
refere à religião católica e ao “essencialismo”
4
.
Para finalizar as referências aos trabalhos acadêmicos realizados sobre Lídia
Baís, destacamos, ainda, a nossa monografia As artes plásticas em Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul e a presença da modernidade nas produções pictóricas de Lídia Baís,
apresentada e defendida
5
em abril de 2000, como requisito final para a conclusão do
curso de “Especialização em História do Brasil” na Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul/Campus de Dourados. Nesse trabalho procuramos elaborar um painel
suficientemente abrangente das condições de produção das artes plásticas dos estados de
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, compreendendo o ontem e o hoje da historiografia
mato-grossense. Além de caracterizar-se pelo estudo de um patrimônio cultural
importante a constituição de uma produção plástico-visual relevante num contexto
cultural específico, na região de pantanal e campos de vacaria o trabalho propõe uma
reflexão a partir do acervo bibliográfico existente sobre as manifestações artístico-
culturais na região, revisando a bibliografia existente, cotejando fontes, documentos e
obras, para, ainda, deter-se, de modo especial, na produção pictórica de Lídia Baís
6
4
Segundo a professora Alda Couto: “O objetivo da ‘atitude’ essencialista é a unidade, a síntese de uma
construção física e moral do homem através do equilíbrio entre a matéria, o começo e o fim, e o espírito,
o alpha e o ômega da poesia muriliana [...]” (COUTO, 1999a, p. 80).
5
A defesa da Monografia ocorreu no dia 14 de Abril de 2000, no Campus de Dourados da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (Unidade I). A Comissão Examinadora foi constituída pelo Prof. Dr.
Paulo Sérgio Nolasco dos Santos (orientador, presidente da Comissão) (UFMS), Prof. Dr. Marcelo
Marinho (UCDB) e o Prof. M.sc. Jérri Roberto Marin (UFMS).
6
Durante a pesquisa e coleta de dados para a monografia, fizemos uma visita, no dia 18 de setembro de
1996, ao MARCO Museu de Arte Contemporânea, em Campo Grande local onde se encontra parte
17
(RIGOTTI, 2000a, p. 15).
A partir desses trabalhos científicos e publicações sobre a vida e a obra de
Lídia Baís, das fontes escritas e dos documentos visuais, procuramos compreender
melhor e bem avaliar a complexa e instigante vida e obra dessa artista singular no
contexto artístico-cultural do estado de Mato Grosso do Sul e da região Centro-Oeste
brasileira.
Foi no intuito de preservar a história e a própria memória cultural que Lídia
Baís tentou criar um museu de arte, denominado de “Museu Baís”, para abrigar sua
produção pictórica de mais de cem quadros, os discos gravados por ela e os seus
escritos sobre religião. A artista afirmava que “[...] no museu Bais sito à rua 15 de
Novembro em Campo Grande, de propriedade de L. Bais se encontram as provas do
enredo de sua história, piano, gravador e microfone, mais de cem quadros de sua
autoria, seus aposentos com distribuições originais, próprias mesmo somente de um
grande genio, de independência de pensar etc” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 28).
Mesmo que o museu de Lídia Baís não tenha se tornado uma realidade
concreta, a artista imprimiu quatro diferentes cartões de visita e publicou três catálogos,
do acervo de Lídia Baís, doado pela família da artista ao estado de Mato Grosso do Sul. Durante esta
visita, observamos as obras do acervo e reproduzimos vários documentos, num total de 133 páginas.
Posteriormente, essas reproduções foram encadernadas e uma cópia ficou para nossos estudos; enquanto a
outra foi doada ao MARCO, a fim de que outros pesquisadores e mesmo o público pudessem ter acesso a
esta documentação: quatro recortes de jornais recentes (dois do Correio do Estado, um do Diário da Serra
e um do Jornal da Manhã); 17 recortes de jornais de vários períodos, arquivados por Lídia Baís,
comentando sobre arte, artistas e salões das décadas de 1920, 1930 e 1940; quatro diferentes cartões de
visitas do “Museu Baís”; uma carta original de Lídia Baís para o prefeito de São Paulo, Dr. Adhemar de
Barros, pedindo ajuda financeira para o Museu Baís”, um caderno de anotações manuscrito com várias
perguntas e indagações, intitulado “Perguntas ao Pae!”; um “Horóscopo Astrológico”, elaborado pelo
“Dr. Abelardo Arenas”, datado de 1944. Além dessas reproduções, outros documentos originais foram
coletados durante a pesquisa, tornando-se importantes fontes para os nossos estudos, como, por exemplo:
um livro autobiográfico, intitulado A História de T. Lídia Baís, de autoria de Maria Tereza Trindade; dois
catálogos diferentes, contendo reproduções de pinturas e desenhos (Lembrança do Museu Baís: pinturas
de T. Lídia Baís); um catálogo com reproduções fotográficas (Lembrança do Museu Baís: sala das
fotografias); um pequeno livreto com a oração Oficio da Imaculada Conceição, de autoria dedia Baís.
Desses documentos originais, duplicatas dos três catálogos com pinturas e fotografias, da oração, e ainda,
do livro História de T. Lídia Baís foram doados pelo MARCO para contribuir com nossas pesquisas e
com a de outros pesquisadores, uma vez que doamos um outro conjunto desses mesmos documentos para
o acervo do Centro de Documentação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Campus de
Dourados.
18
um livro autobiográfico e uma oração religiosa divulgando o museu. Dois desses
catálogos trazem reproduções de suas pinturas e desenhos e foram intitulados de
Lembrança do Museu Baís: pinturas de T. Lídia Baís. O terceiro catálogo, intitulado
Lembrança do Museu Baís: sala das fotografias, apresenta reproduções fotográficas de
aspectos importantes da vida e da memória da artista. Além desses três catálogos, a
artista publicou um livro autobiográfico sob o pseudônimo de Maria Tereza Trindade,
intitulado História de T. Lídia Baís e uma oração religiosa intitulada Ofício da
Imaculada Conceição. Todas essas “Lembranças do Museu Baís” não apresentam
editora e data de publicação, mas presume-se que elas tenham sido publicadas no final
da década de 1950, entre 1958 e 1960, tendo em vista que foi durante esse período que a
artista tentou concretizar o projeto do “Museu Baís”.
Além das “Lembranças do Museu Baís”, Lídia Baís deixou ainda muitos
outros documentos importantes, como por exemplo: uma carta original, datada de 23 de
março de 1958, endereçada ao amigo da artista e prefeito de São Paulo, Dr. Ademar de
Barros, pedindo ajuda financeira para a concretização do “Museu Baís”; um caderno de
anotações manuscrito com 55 páginas, datado de 1955, contendo 115 perguntas e
indagações de natureza místico-religiosa, intitulado “Perguntas ao Pae!”
7
; um
“Horóscopo Astrológico” de 31 páginas, elaborado pelo “Dr. Abelardo Arenas”, datado
de 1944.
Outros documentos importantes deixados por Lídia Baís, mas ainda de
conteúdo desconhecido, são os três álbuns de discos, gravados em 78 rpm, com
composições musicais inéditas, num total de 21 discos e 52 músicas
8
, compostas e
executadas pela artista ao piano e ao violão. Mesmo que a faceta musical de Lídia Baís
7
Na última página desse manuscrito, Lídia informa que largou de fumar em 9 de fevereiro de 1956.
8
Os títulos das composições, manuscritos nas etiquetas de cada disco, variam entre assuntos religiosos e
folclóricos, tais como: “Ofereço à minha mãe a palavra de Deus”,Marcha do fim dos tempos”, “Sapeca
da roça” e “Série dança oferecida aos negros”. Variam também os ritmos, entre populares da época, valsa,
marcha, e o que a artista chamou de “estudo clássico” (COUTO, 1999a, p. 12-13).
19
seja ainda desconhecida
9
e necessite de estudos específicos, pode-se observar, por meio
de sua narrativa, que a música assumiu uma importância significativa na vida da artista:
“A pintura faz a gente transcender as misérias da vida. Mas é uma febre que passa. Não
deixa nada a não ser a tinta seca na paleta. Depois de terminar o quadro, sentia-me vazia
como quem nada realizou. Tocar, compor davam-me muito mais satisfação” (BAÍS
apud ROSA, 2001, p. 20).
Nesses documentos, além de constatar a grande preocupação de Lídia Baís
em registrar sua obra e preservar a própria memória, também se verifica uma
preocupação da artista em se manter atualizada sobre o universo das artes plásticas no
Brasil, por meio dos vários recortes de jornais e revistas que eram por ela arquivados.
Nesses recortes, Lídia tinha como hábito identificar os participantes das cenas
retratadas. Arquivou e guardou recortes de jornais e revistas de distintas épocas,
principalmente as matérias sobre as várias edições do Salão Nacional de Belas Artes de
1929, 1930, 1931, 1933, 1937, 1938 e 1940. Além desses, guardou, ainda, muitos
outros recortes de diversas revistas e jornais, podendo ser destacado um recorte da
Revista Ler com artigo intitulado “Mestre Siqueiros, Pintor de Paredes”, trazendo, em
1938, uma entrevista com o muralista mexicano; um recorte de O Jornal, mostrando a
homenagem feita ao artista Cândido Portinari, no Jockey Clube do Rio de Janeiro, em
1941; e um outro recorte de O Jornal, datado de 1942, trazendo uma “crítica” do
“XLVIII Salão Nacional de Belas Artes”, assinada pelo crítico Frederico Barata.
Esses documentos, legados por Lídia Baís, revelam a consciência do próprio
valor artístico e a preocupação da artista em preservar sua obra para a posteridade, uma
9
Infelizmente, ainda não temos conhecimento da faceta musical de Lídia Baís, pois a audição dos discos
gravados pela artista e a análise de suas composições exigem recursos técnicos especiais, à espera de um
estudo especializado. A reprodução desses discos por meios tecnológicos mais contemporâneos se
configura, nos dias de hoje, numa necessidade para o resgate e a preservação de nossa memória histórico-
cultural. Além disso, a reprodução dessas 52 músicas compostas por Lídia Baís trará novas informações
aos estudos sobre a artista e ainda, possibilitará aos pesquisadores e ao público em geral conhecer suas
canções, até agora ignoradas.
20
vez que Lídia queria deixar tudo preparado quando daqui partisse: “[...] quando daqui
partir com o poder de Deus e Jesus Cristo em mim, tudo ficará arrumado, o museu, as
músicas, os negócios etc. e tudo o que Deus permitir que eu escreva sobre religião”
(TRINDADE, [ca. 1960], p. 28). Esses registros demonstram, também, a preocupação
de Lídia em preservar o próprio acervo artístico-cultural, pois a intenção da artista era
“[...] deixar uma obra que servirá de exemplo ao público que erroneamente a interpretou
no seu claustro de recolhimento feito por ela mesma” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 39).
Diante disso, nota-se que Lídia Baís apresentava um grande desejo de se
tornar notável na história pelo reconhecimento de sua produção artística, principalmente
as pinturas. Segundo Nelly Martins: “Tomando ares de quem oficia, olhando quem a
escutava com pinta de mestra, gostava de dizer: ‘Por minha causa vocês vão ficar na
História’. E quando assim falava sentia o riso irônico dos que a ouviam e os olhava com
a superioridade dos grandes que não conseguem ser compreendidos” (MARTINS, 1990,
p. 65).
O legado cultural de Lídia Baís
10
torna-se muito importante para o contexto
das artes plásticas do estado de Mato Grosso do Sul, principalmente, porque todos os
documentos visuais, escritos e sonoros revelam, de maneira singular, o imaginário dessa
artista incompreendida em seu tempo e lugar. Lídia Baís, ainda que vivendo em seu
“claustro de recolhimento” em Campo Grande, manteve-se atualizada sobre os
acontecimentos artísticos que se desenvolviam no Brasil, em sua época. Além disso,
estabeleceu profícuas relações com artistas significativos para o contexto das artes
plásticas e da modernidade no Brasil do início do século XX.
10
“O acervo cultural de Lídia Baís atualmente está dividido entre o Museu de Arte Contemporânea de
Mato Grosso do Sul (MARCO), coleções particulares de familiares e uma sala especial (antigo quarto de
dormir) no Centro de Informações Turísticas e Culturais ‘Morada dos Baís’, uma de suas primeiras
residências em Campo Grande” (RIGOTTI, 2000a, p. 194)
21
Todos os documentos escritos e visuais que compõem o acervo de Lídia Baís
constituíram importantes fontes para as nossas pesquisas. Foi, justamente, o valioso
contato com a documentação e com as obras pictóricas de Lídia Baís que nos revelou a
necessidade de elaborar um estudo específico sobre a obra da artista e uma pesquisa que
viesse a contribuir com os estudos culturais em Mato Grosso do Sul.
A vida e as obras da artista plástica Lídia Baís despertaram o nosso interesse
na segunda metade da década de 1990, quando a artista e suas obras se tornaram um dos
principais objetos de pesquisa para a monografia de conclusão do Curso de
Especialização em História do Brasil, na Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul/Campus de Dourados (Rigotti, 2000a). Desde então, dedicamos uma atenção
especial à memória de Lídia Baís e aos aspectos estéticos das obras pictóricas da artista
para melhor compreender as manifestações plástico-visuais e a presença da estética
moderna e contemporânea nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul nas
primeiras décadas do culo XX. Em 2001, priorizamos os estudos sobre Lídia Baís,
quando ingressamos no Programa de Mestrado em História, também oferecido pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/Campus de Dourados, propondo um
trabalho de pesquisa sobre a representação pictórica de Lídia Baís, valorizando as
investigações culturais na região atualmente compreendida pelo estado de Mato Grosso
do Sul, dentro da terceira linha de pesquisa proposta pelo Mestrado em História, que
compreende os estudos sobre História, Identidades e Representação.
O Mestrado em História contribuiu, de maneira significativa, para a nossa
formação de historiador, colocando-nos em contato com importantes textos sobre
História e Historiografia, muitos deles inéditos. Dessa maneira, o curso e as disciplinas
permitiram a compreensão da História e da Historiografia como ciências
interdisciplinares e, principalmente, do fato de que a história-disciplina se encontra no
22
bojo de uma “crise” alicerçada sob o “paradigma da representação”, possibilitando aos
pesquisadores de diversas áreas novas perspectivas, novos olhares e novas abordagens
em suas pesquisas. O mestrado possibilitou, sobretudo, reflexões sobre a expansão do
campo do historiador, o que implicou também “repensar” a explicação histórica, uma
vez que as tendências culturais e sociais não podem ser analisadas da mesma maneira
que os acontecimentos políticos ou econômicos, pois elas requerem uma análise crítica
interdisciplinar.
Com isso, compreendemos que, para a realização dessa nossa pesquisa,
intitulada A intertextualidade e o imaginário pictórico no processo criativo de dia
Baís, deveríamos buscar aproximação com outras áreas e outras especialidades do
conhecimento, pois levamos em consideração que o assunto proposto adentraria
questões complexas e específicas de outros campos do saber como, por exemplo, a
imagem, o imaginário, a representação pictórica e a intertextualidade; requerendo uma
análise intertextual e interdisciplinar com forte contribuição da área das letras e da arte.
Nessa perspectiva, a história e a memória de Lídia Baís é objeto do primeiro
capítulo desta dissertação, intitulado de “A excêntrica história de Lídia Baís”. Esse
capítulo discorrerá sobre a peregrinação da artista, desde a infância, pelos colégios e
internatos religiosos; sobre os estudos artísticos e os contatos de Lídia Baís com artistas
significativos da arte brasileira, como Oswaldo Teixeira, Rodolfo e Henrique
Bernadelli, Ismael Nery e Murilo Mendes; a viagem da artista à Europa em 1925; a
primeira exposição individual, em 1929, na Polyclínica Geral do Rio de Janeiro; o
retorno definitivo de Lídia Baís a Campo Grande, a pintura dos afrescos na “Morada
dos Baís” ; o casamento de Lídia; o “Museu Baís” e a clausura voluntária. Ainda nesse
capítulo, destacam-se algumas curiosidades sobre as excentricidades da artista, o acervo
de Lídia e suas exposições mais recentes.
23
No segundo capítulo, demonstra-se a importância que a imagem, o
imaginário e a representação pictórica assumem, enquanto documento visual, para a
pesquisa histórica nos estudos contemporâneos, particularmente nos estudos
direcionados à compreensão das imagens e da representação pictórica na modernidade.
Ainda nesse capítulo, destacam-se algumas obras dedia Baís e considerações sobre a
temática elaborada pela artista para a construção de seu peculiar imaginário pictórico.
O terceiro capítulo desenvolve um estudo sobre as produções pictóricas de
Lídia Baís, enfatizando o gesto de apropriação da tradição artística ocidental e o diálogo
intertextual que a artista empreendeu na construção de seu próprio processo de criação,
caracterizando a originalidade de suas pinturas, colagens e desenhos. Nesse momento da
pesquisa, analisamos a produção plástico-visual de Lídia nas diversas práticas e
distintos processos de criação da artista, tomando como referencial teórico os conceitos
de intertextualidade, antropofagia e apropriação, oriundos da teoria literária. Nessa
perspectiva intertextual, evidenciam-se, também, as aproximações estéticas, poéticas e
pictóricas da obra da artista, destacando suas relações com artistas do Renascimento e
do Barroco europeu, principalmente Leonardo Da Vinci e Pier Paul Rubens; e com
outros artistas da arte moderna e do modernismo brasileiro, como Oswaldo Teixeira,
Henrique Bernadelli, Murilo Mendes e Ismael Nery.
Na parte final deste relatório de pesquisa, procuramos analisar a importância
do gesto intertextual no processo criativo de Lídia Baís, em um ensaio que traduzisse o
resultado da investigação, desde seus objetivos iniciais até sua conclusão final, com a
análise dos dados colhidos ao longo do período de desenvolvimento do presente estudo.
Encontra-se, anexo, o acervo documental da artista, composto por
reproduções de cartas, manuscritos, capas dos três catálogos Lembrança do Museu Baís,
do livro História de T. Lídia Baís e do livreto com a oração Ofício da Imaculada
24
Conceição, imagens fotográficas, imagens de obras pictóricas e outros documentos
importantes como constitutivos de fontes.
25
2 A EXCÊNTRICA HISTÓRIA DE LÍDIA BAÍS
Tudo acaba de repente, sem aviso prévio. Não temos segurança nem mesmo
do que somos...
Lídia Baís
Lídia Baís
11
é considerada a artista pioneira das artes plásticas em Campo
Grande e marco de contemporaneidade no estado de Mato Grosso. Nasceu em 22 de
abril de 1900, em Campo Grande
12
, hoje capital do estado de Mato Grosso do Sul.
Faleceu nesta mesma cidade, aos 85 anos de idade, em 19 de outubro de 1985. Somente
a partir de sua morte, é que as obras da artista passaram a ser referências-símbolos das
artes plásticas no estado de Mato Grosso do Sul.
Atualmente, as obras pictóricas de Lídia Baís são marcos representativos da
presença da arte moderna no Centro-Oeste brasileiro. O período mais significativo na
produção cultural da artista situa-se entre as décadas de 1920 e 1930. Durante esse
período, Lídia estabeleceu profícuas relações com importantes artistas da arte moderna
brasileira, especialmente Murilo Mendes e Ismael Nery; foi aluna, no Rio de Janeiro, de
Oswaldo Teixeira e os irmãos Rodolfo e Henrique Bernadelli.
Em 25 de fevereiro de 1925
13
, a artista viajou para a Europa e residiu, por
um curto período, em Berlim e em Paris. Em Paris, conheceu e manteve contato com o
artista plástico brasileiro Ismael Nery, que, mais tarde, no Brasil, a apresentaria ao poeta
11
Ver ANEXO 1.1
12
Nessa época, a professora Maria da Glória Rosa destaca que: “Quando Lídia nasceu em 1900,
Campo Grande deveria ter cerca de mil habitantes e assemelhava-se a uma grande fazenda à qual
chegavam aventureiros de todos os credos e raças, ansiosos para fazer fortuna e ir desfrutá-la em terras
mais civilizadas. O sistema de esgoto e iluminação eram precários. Eram precisos vários dias para chegar-
se a cavalo, ou de carro de boi a outros centros” (ROSA, 1986, p. 13).
13
A esse respeito, ver MARTINS, 1989, p. 54 e MARTINS, 1990, p. 85.
26
e crítico Murilo Mendes. Ainda em Paris, Lídia conheceu outros artistas, estudou arte e
visitou museus, apreciando in loco a arte do velho mundo. Por ocasião dessa viagem,
Lídia conheceu outras cidades européias, principalmente italianas. Quando retornou ao
Brasil, em novembro
14
, residiu temporariamente em São Paulo, na casa da irmã Celina,
e, posteriormente, foi para o Rio de Janeiro, cidade onde aperfeiçoou seus estudos
artísticos e organizou, em 1929, a sua primeira e única exposição individual. Após esse
período de estudos no Rio de Janeiro, que durou aproximadamente um ano, dia
retornou definitivamente para Campo Grande, em 1930. Em 1937, contraiu um
matrimônio que teve a duração de apenas cinco dias, sendo anulado em 1940. Na
segunda metade da década de 1950, Lídia Baís tentou implantar um ousado projeto em
Campo Grande, cujo objetivo, pioneiro, era criar um museu de arte. Como este e tantos
outros projetos seus não se realizaram, a partir desse período, Lídia refugia-se em sua
residência, à rua 15 de novembro, suposta sede do seu “Museu de Baís”, vivendo neste
local até o fim de seus dias, sob uma clausura voluntária.
Lídia Baís nasceu no berço da família Baís, uma das mais abastadas e
importantes famílias do antigo estado de Mato Grosso. A família Baís, pioneira de
Campo Grande, teve como patriarca Bernardo Franco Baís
15
, imigrante italiano que
14
A esse respeito, ver MARTINS, 1989, p. 54.
15
O pai de Lídia Baís, Bernardo Franco Baís, pode ser considerado um representante dos novos tempos e
dos novos ideais capitalistas que o século vinte passou a anunciar. Como um imigrante italiano, nascido
em 1861 na cidade de Luca, região da Toscana, na Itália, Bernardo Franco Baís é o patriarca de uma das
famílias mais antigas e importantes de Campo Grande e do estado. Conquistou grande fortuna em Mato
Grosso na área comercial de importação e exportação de produtos, transações bancárias, criação de gado
bovino, entre outras atividades. Bernardo Franco Baís desembarcou no Brasil em 1876, fixando
residência primeiramente em Campinas, estado de São Paulo. Em 1879, chega ao povoado de Campo
Grande, localizado no sul do estado de Mato Grosso, onde se estabelece como comerciante. Casou-se, em
1890, com Amélia Alexandrina, filha do casal de fazendeiros portugueses da região de Coxim, Sr.
Manoel Joaquim de Carvalho e Sra. Joaquina. Desta união, nasceram nove filhos, dos quais apenas sete
sobreviveram: Júlio, Orpheu, Amélio, Bernardo, Celina, Ida e Lídia. A partir daí, estabelecido, Bernardo
Baís tornou-se um próspero comerciante, proprietário de várias casas de comércio e terrenos urbanos, e
ainda um fazendeiro proprietário de grandes áreas rurais. Bernardo Franco Baís foi também um dos
maiores empresários de Mato Grosso nas primeiras décadas do século XX. Como comerciante, comprava
no Paraguai e na Europa e vendia os produtos importados em suas “Casas de Comércio” localizadas em
Campo Grande e em outras cidades do estado: Apenas um ano após sua chegada ao povoado, Bernardo
Franco Baís foi escolhido para ser o primeiro Juiz de Paz da recém criada freguesia de Campo Grande,
em 1880, com apenas 19 anos de idade. Em 1887, foi eleito tesoureiro de uma comissão para a instalação
27
chegou a essa região em 1879 e se tornou um dos mais prósperos comerciantes e
empresários de Mato Grosso no início do século XX, sendo sócio-proprietário da firma
Wanderley, Baís & Cia
16
em Corumbá, com filiais em Aquidauana e em Campo Grande
(ANEXO 1.2). Como comerciante, importava mercadorias do Paraguai
17
e da Europa.
Bernardo Baís viajou várias vezes com a família para a Europa, um dos centros de
abastecimento de suas casas comerciais. Nely Martins relata duas dessas viagens de
negócios empreendidas pelo seu avô:
[...] passaram uma temporada na Suíça para reestabelecimento da filha Ida,
que contraíra pneumonia... Noutra viagem ao velho mundo, Baís alugou uma
chácara em Luca, próxima das muralhas que cercavam a cidade. Parecia que
ele tentava despertar nos filhos afeição pela sua pátria e sua família.
Pretendia, bambém [sic] ensinar-lhes o italiano. Talvez, quem sabe, usasse
essa forma de matar a sua própria saudade pelo cotidiano de seu país. A real
intenção dessa longa permanência na Itália nunca se soube. Contou-me, um
dia, minha mãe que no quintal dessa chácara, que subia pelas encostas de
uma colina, havia um pomar, em rios planos, de onde colhiam os mais
variados frutos. Após mais de um ano estabelecidos, os filhos
freqüentando escolas, retornaram a Campo Grande, onde tudo ficara como
era antes. (MARTINS, 1990, p. 27-28).
de um novo cemitério no povoado. Em 26 de agosto de 1899, Campo Grande foi elevada à condição de
vila e, em 2 de novembro de 1902, foi realizada a eleição para a escolha do primeiro Intendente de
Campo Grande, na qual Bernardo Baís foi o escolhido, mas não exerceu o mandato por ter renunciado ao
cargo. Em 1904, Bernardo Baís dirigiu a construção da “estrada carreteira” ligando Campo Grande a
Aquidauana. De próspero comerciante e fazendeiro, Bernardo Baís tornou-se importante empresário e
grande proprietário de terras urbanas e rurais nessa época as áreas urbanas e suburbanas eram
demarcadas pelos próprios interessados, que escolhiam a terra, tomavam posse e estabeleciam nela seus
limites como proprietários, ou melhor, como posseiros com direitos reconhecidos. Seus negócios se
estenderam até Corumbá, onde se associou ao baiano e vice-cônsul da Bélgica, Francisco Mariano
Wanderley, e ao português e vice-cônsul da Argentina Alberto Gomes Moreira. Com essa sociedade, teve
início um grande negócio empresarial no sul de Mato Grosso, chamado Wanderley, Baís & Cia.
(RIGOTTI, 2000a, p. 152-155).
16
A sede da Casa Wanderley, Baís & Cia., construída em Corumbá no início do século XX, se
transformou num dos principais monumentos arquitetônicos do magnífico complexo do Casario do
Porto”. Até hoje o imponente casarão desperta interesse pela sua beleza e sofisticação, embora tenha
sofrido muito com as intempéries do tempo e com o abandono e o descaso por parte poder público que
não zela pelo seu maior patrimônio cultural. O complexo arquitetônico do “Casario do Porto”, em
Corumbá, é, sem sombra de dúvidas, o maior patrimônio cultural do estado de Mato Grosso do Sul e
quiçá um dos mais ecléticos do Brasil. (RIGOTTI, 2000a, p. 157). O “Casario do Porto” foi construído
entre o final do século XIX e início do Século XX, como entreposto comercial na estratégica Corumbá,
num dos períodos de apogeu da economia em Mato Grosso, após a Guerra com o Paraguai e o
reestabelecimento da navegação fluvial na região do Prata. Porém, o porto de Corumbá começou a
apresentar sintomas de decadência desde a segunda década do século XX, a partir da desativação da
navegação fluvial internacional e do início de uma fase de interiorização para a intensificação da
economia em atividades de produção pecuarista no meio rural (Revista MS Cultura, 1985:10).
17
Conforme Nelly Martins: “Antes das viagens, negociava por cartas e então partia. Nas idas ao país
vizinho levava 4, 5 carretas carregadas de farinha, polvilho, fubá, peles e couros curtidos. Na frente,
seguia a boiada, também, para negócio. O percurso compreendia Conceição e assunçào [sic], de onde os
carros voltavam carregados dos mais variados artigos: armarinhos, tecidos, loças [sic], ferragens,
cutelaria, sal, papelaria e muitos outros”. (MARTINS, 1990, p. 27)
28
Bernardo Franco Baís possibilitou aos seus filhos esmerada educação e o
privilégio de estudarem em bons colégios e internatos no Brasil e no exterior:
Os filhos foram nascendo, crescendo e aumentando o trabalho e a
responsabilidade do Casal Franco Baís. As primeiras letras eles aprenderam
com o mestre José Benfica, primeiro professor do povoado e que aqui
lecionou desde 1895 [...]. Depois de alfabetizados seus filhos, ele procurou
novos centros para melhor educá-los. Em uma de suas viagens à Assunção,
bom centro de cultura na época, levou consigo as filhas Celina, Ida e Lídia e
as colocou internas em colégio de freiras salesianas, onde receberam
esmerada educação. Júlio e Orphel, os primeiros filhos rapazes, estudaram
em Canoas no Rio Grande do Sul, na Suíça e na Inglaterra. Em Londres,
freqüentaram o mesmo colégio e a mesma classe do Príncipe de Gales [...].
Amélio e Bernardo, dos homens os mais moços, estudaram em São Paulo e
Piracicaba, o primeiro engenharia e o segundo agronomia. (MARTINS,
1990, p. 25).
Desde muito cedo, Lídia Baís iniciou seus estudos e sua “peregrinação” por
diversos colégios e internatos religiosos. Com apenas quatro anos, em 1904,
acompanhou suas duas irmãs mais velhas, Celina e Ida, que foram estudar o curso
regular num colégio salesiano na cidade de Assunção. Segundo sua sobrinha, Nely
Martins: “Nesses anos passados em Assunção, interna, Lydia era mais um brinquedo
dos adultos, capricho e dengo das freiras e alunas” (MARTINS, 1990, p. 69-70).
Entretanto, foi somente com a idade de sete anos, que Lídia começou a sua educação
nos colégios internos em que freqüentou, desde o estado do Rio Grande do Sul,
passando por São Paulo, até as cidades do Rio de Janeiro e Nova Friburgo. Essa
“peregrinação educacional” pelos internatos e escolas tradicionais durou
aproximadamente dez anos, mas a educação artística de Lídia Baís foi concluída (ou
interrompida?) somente quando a artista voltou definitivamente para Campo Grande,
em 1930.
Em sua narrativa, História de T. Lídia Baís, sob o pseudônimo de Maria
Tereza Trindade, Lídia Baís evidencia que não gostava dos colégios e nem se
29
acostumava com os internatos que freqüentou durante o seu processo educacional, pois,
segundo a autora, “[...] nunca tinha diversões nos colégios nem fora deles [...]”
(TRINDADE, [ca. 1960], p. 12). Insatisfeita com os internatos em que estudara, Lídia
reclamava que:
[...] quando ia se acostumando em um colégio o seu pai lhe mudava de
colégio, e como era muito sensível, chorava as ocultas pelo procedimento de
seu pai, não o querendo contrariar sofria calada, e logo o pai arrancou-a de
novo e internou-a em Nova Friburgo, (noutro colégio de irmãs), Lídia
estranhou muito o frio e logo adoeceu [...]. (TRINDADE, [ca. 1960], p. 13).
Sobre um colégio em que estudou, na cidade de Itu, Lídia afirma que “não
gostava em absoluto”, pois “era um lugar também muito frio”. Nesse colégio,
considerado “muito severo”, Lídia Baís “começou a fazer de mais doente do que
realmente era, não comia para ver se alguém se compadecia dela [...]”. Em seu relato, a
artista destaca que, infelizmente, seus planos se frustraram e ela teve que comer
escondida para saciar a fome: “Como ela visse que ninguém se incomodava com aquilo,
ela foi diversas vezes ao refeitório escondida para comer pão para saciar a fome que
sentia” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 13). Depois dessa experiência frustrante em Itu,
Lídia foi transferida para o único colégio interno de que, aparentemente, gostou: o
“Colégio d’Oiseaux (Colégio dos Passarinhos ou Santo Agostinho) na rua Caio Prado
em São Paulo” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 13). Desse colégio, Lídia informa que
gostou, principalmente, porque “era francês” e “a sua professora de desenho Mére
Anhesse, chamava Lídia de Humilité en personne (humildade em pessoa), pois a acha
muito humilde, sempre retraída, pouco comunicativa, não arrumava quasi [sic] amigas”
(TRINDADE, [ca. 1960], p. 13-14). Em seu livro, Lídia Baís informa, ainda, que ela e
sua irmã Ida foram transferidas novamente e passaram a estudar no colégio “Imaculada
Conceição”, no Rio de Janeiro. Segundo Lídia, o colégio Imaculada Conceição, “[...]
30
era mais um pensionato em Botafogo, ela com sua irmã Ida estudavam em casa com
professores particulares e podiam sair se quisessem” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 14).
Embora rejeitasse a maioria das escolas em que estudou, foi nelas que Lídia
Baís descobriu o gosto pela arte e o prazer da atividade artística por intermédio das
aulas de desenho, pintura, música, piano e outras que faziam parte da estrutura
curricular dessas instituições educacionais. Foi em torno do ano de 1916, ainda em
colégio interno, que Lídia fez o seu primeiro desenho, intitulado de Estudo”,
representando o retrato de uma singela menina acariciando e alimentando com uvas um
passarinho
18
(ANEXO 1.3).
Segundo a professora Maria da Glória Rosa: “Lídia peregrina por
diversos internatos, onde ensinam a ser submissa, passiva, conformada, lições que
rejeita, ansiosa de ser ela mesma, capaz de determinar seu próprio destino” (ROSA,
1986, p. 13).
Foi somente a partir da década de 1920, entre 1928 e 1929, que Lídia Baís
iniciou sua educação artística, quando estudou no Rio de Janeiro e freqüentou, em
Copacabana, as aulas de pintura no ateliê dos irmãos Rodolfo e Henrique Bernadelli,
que, na época, eram artistas conceituados no Brasil. Nesse mesmo período, Lídia
também freqüentou a Escola Nacional de Belas Artes e estudou com o professor
Osvaldo Teixeira, outro conceituado artista brasileiro. Os estudos com esses artistas e
mestres contribuíram de maneira significativa, para a formação artística de Lídia Baís,
principalmente porque várias pinturas da artista, os retratos e as paisagens, em
particular, apresentam muitas influências de seus professores.
18
Essa imagem foi utilizada para ilustrar a capa de um dos três catálogos da artista, que trazem por título
“Lembranças do Museu Baís”, editados, provavelmente, na década de 1960.
31
Oswaldo Teixeira, premiado artista carioca, foi professor de Lídia Baís na
Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, entre 1928 e 1929. Conforme Nely
Martins, Oswaldo Teixeira seria ainda um possível pretendente de Lídia, pois:
[...] este era um jovem bonito quando Lydia o conheceu. Seguiu a linha
acadêmica mostrando, porém, talento. Como professor alcançou sucesso.
Basta se verem três trabalhos de sua aluna para avaliar o seu quilate. O
retrato de Lydia pintado por ele é também uma bela tela. Estampa no óleo a
beleza do modelo. No mesmo deixou dedicatória amiga. Pelo que sempre
ouvi contar, foi ele mais que amigo seu. Perdidos um pela beleza do outro,
envolvidos pela arte e talento que possuíam, nem se perceberam de que havia
entre ambos um amor platônico que desapareceu quando cada um tomou seu
rumo. Ficou um cheiro de doçura, de saudade e de mistério. Mistério que
deve ter sido cultivado por Lydia. (MARTINS, 1990, p. 95).
Na época em que Oswaldo Teixeira
19
foi professor de Lídia Baís, o artista
exerceu sobre a aluna uma influência significativa, principalmente sobre alguns de seus
19
Pintor, professor, crítico e historiador de arte. Oswaldo Teixeira do Amaral, nasceu na cidade do Rio de
Janeiro/RJ, em 1905, e faleceu em 1974. Estudou no Liceu de Artes e Ofícios no Rio de Janeiro com
Argemiro Cunha e Eurico Alves e na Escola Nacional de Belas Artes (Enba) com Rodolfo Chambelland e
João Batista da Costa. Em 1924, recebeu o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro, concedido pelo Salão
Nacional de Belas Artes, e no ano seguinte viaja para a Europa. Na década de 30, passou a lecionar
desenho na Enba e no Instituto Nacional de Educação (1932 a 1937), sendo professor de Fayga Ostrower;
e ocupou o cargo de diretor do Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro (1937 a 1961). Como
escritor, destacou-se pela publicação de Getúlio Vargas e a Arte no Brasil (1940) e no prefácio do livro
de Reis Júnior, História da Pintura no Brasil (1944). Em 1973, ganhou uma retrospectiva na Galeria
Grupo B, no Rio de Janeiro. Entre as mostras de que participou, destacam-se: Salão Nacional de Belas
Artes, Rio de Janeiro, entre 1918 e 1938 (Medalha de Bronze, 1921; Grande Medalha de Prata, 1922;
Prêmio Viagem ao Estrangeiro, 1924; Medalha de Ouro,1927; Medalha de Honra,1938); Salão Paulista
de Belas Artes, São Paulo, entre 1938 e 1974 (Pequena Medalha de Prata, 1938; Pequena Medalha de
Ouro, 1939; Prêmio Interventor Federal,1945; Grande Medalha de Ouro e 1o Prêmio Interventor
Federal,1946; Prêmio Aquisição, 1953, 1956 e 1962; Medalha de Honra, 1957; Prêmio Prefeitura de São
Paulo, 1959; 2o Prêmio Governo do Estado,1963, 1956 e 1973); Oswaldo Teixeira em Dimensão:
Vida, Obra e Época, no Museu de Armas Ferreira da Cunha, Rio de Janeiro, 1975. Segundo José Roberto
Teixeira Leite: “Oswaldo Teixeira, que praticou todos os gêneros, possui um desenho correto. Mas,
dotado de uma visão convencional e reacionária da arte, prorrogou, até bem adentrado o séc. XX, certo
tipo de sensibilidade pictórica que remete diretamente ao séc. XIX e mesmo ao séc. XVIII, praticando
uma pintura faisandée e alambicada, que não raro resvalou para o Kitsch. Ficaram conhecidas, mais do
que suas obras, suas constantes invectivas contra a arte moderna, e contra Portinari e Picasso em
especial”. (LEITE, 1988). Para Maria Amélia Bulhões Garcia: “Oswaldo Teixeira tanto repetiu: ´não sou
acadêmico´, que cansou. Rara era a vez, ainda na mocidade, em que ele não se insurgia contra sua
inclusão entre os acadêmicos. Na realidade, mesmo mais tarde, ´consagrado acadêmico´, negaria essa
´consagração´ errônea, sem fundamento face ao que pintava. Ele sabia que não observava sem
acrescentar, omitir e, principalmente, criar detalhes não existentes nos modelos. A cor da pele, por
exemplo, das suas figuras, segundo Vianna Moog, conhecedor dos museus europeus e americanos, ´é sem
igual em todo mundo´. O acadêmico, ocupante de uma cadeira na Casa de Machado de Assis, não
escondia sua admiração por Oswaldo Teixeira. Dizia com a autoridade e franqueza que o caracterizam: ‘É
o maior pintor de pele do mundo!’ [...]”. (GARCIA, 1983).
(http://www.itaucultural.org.br/AplicExternas/Enciclopedia/artesvisuais2003).
32
retratos, que trazem características pictóricas da obra de seu mestre. Lídia Baís explora,
em pelo menos três de suas obras, o mesmo procedimento pictórico-composicional que
Oswaldo Teixeira utilizou para pintar o retrato da artista, denominado de Lydia”
obra esta que foi presenteada à artista pelo próprio autor. A nítida influência do mestre
pode ser percebida em diversas pinturas da artista, reproduzidas no catálogo
Lembrança do Museu Baís: pinturas de T. Lídia Baís, sobretudo no auto-retrato “Lídia
Baís (Simbolizando a Trindade)”, no retrato “Ida Baís (Simbolizando a Esperança)”, no
retrato da outra irmã “Celina Baís (Simbolizando a Fé)” (ANEXOS 1.5 e 3.1) e nos
retratos dos irmãos “Julio Baís” e “Orfeo Baís” (ANEXO 3.1).
33
Os irmãos Rodolfo
20
e Henrique Bernadelli
21
foram os primeiros professores
de Lídia Baís e, talvez, os primeiros artistas a lhe apresentar os segredos da
representação pictórica e uma nova maneira de ver a arte. Esses dois artistas, ainda no
final do século XIX, quando estudavam na Academia Imperial de Belas Artes,
apresentavam, em suas obras, alguns traços da “modernidade artística” e chegaram a
propor um novo método de ensino para a recém criada Escola Nacional de Belas Artes,
20
Rodolfo Bernadelli, escultor brasileiro, nasceu em Guadalajara, México, a 18 de dezembro de 1852, e
morreu no Rio de Janeiro a 7 de abril de 1931. Aluno premiado da Academia Imperial de Belas Artes
(1870), estudou em Roma (1876-1885) e , de volta ao Brasil, ocupou a cadeira de escultura estatuária da
Academia Imperial de Belas Artes (1885-1910) e foi o diretor da Escola Nacional de Belas Artes no
período de 1890 a 1915, reformando, nesse período o ensino artístico no Brasil. (MIRADOR, 1976, p.
1661).
21
Pintor e desenhista, Henrique Bernardelli nasceu em Valparaíso, Chile, em 1858. Faleceu na cidade do
Rio de Janeiro/RJ, em 1936. Mudou-se para o Rio de Janeiro por volta de 1865, acompanhando seus pais,
que são convidados a ser preceptores das princesas imperiais. Em 1870 matricula-se na Academia
Imperial de Belas Artes, Aiba, onde é aluno de Victor Meirelles, Zeferino da Costa e Agostinho da Motta,
entre outros. Derrotado por Rodolfo Amoedo, no concurso para o prêmio de viagem a Europa, em 1878.
No ano seguinte viajou para a Europa por conta própria. Permaneceu sete anos em Roma e nesse período
estuda no ateliê de Domenico Morelli. De volta ao Brasil, em 1886, realizou a primeira individual, na
Academia Imperial, expondo Tarantela, Maternidade e Messalina, entre outras. No início da década de
1890 realizou a pintura de painéis para a Biblioteca Nacional e o Teatro Municipal, no Rio de Janeiro, e
para o Museu Paulista, em São Paulo. Na Exposição Geral de Belas Artes de 1916, recebeu medalha de
honra pela execução de 22 medalhões em afresco. Essas obras adornam a fachada do Museu Nacional de
Belas Artes, no Rio de Janeiro. Como professor, lecionou na Enba e em sua residência. Entre seus alunos
destacam-se Lucílio de Albuquerque, Georgina de Albuquerque, Eugênio Latour, Hélios Seelinger e
Arthur Timótheo da Costa. Em 1931, um grupo de alunos da Enba criou, no porão da instituição, um
ateliê livre de pintura, denominado Núcleo Bernardelli, em homenagem aos irmãos Henrique e Rodolfo.
Segundo Edson Motta: “Bernardelli foi o primeiro pintor brasileiro a extrair todos os fundamentos de sua
experiência artística dos processos, hábitos cnicos e cores da pintura italiana praticada por muitos
artistas do século XIX [...]. O sentido do primado conferido à objetividade sem concessões a
sentimentalismos a despeito do tema que, em outro pintor, poderia dar margem a divagações psicológicas
ou a pieguismos vulgares. A reflexão em torno de temaso era de seu feitio. Suas vivências refletiam e
desdobravam-se em suas pinturas sacras ou profanas, ao contato com o modelo real sem maiores
compromissos com o transcendental, no primeiro caso, e sentimentalismo no outro. A constituição
psicológica e a formação emocional de Bernardelli era a do homem que conferia primado à matéria. Sua
consciência e sua arte tinham compromissos com os efeitos que ele admitia como realidade. E uma
realidade sólida e bem estruturada sob a qual, pintando, não empregava recursos de tonalidade tênue,
transparências ou reflexos de efeitos ligeiros e fáceis. Aplicava tintas em plena pasta e pinceladas
marcadas, acompanhando, o mais das vezes, o movimento das formas representadas e conseguindo dessa
forma uma evidente sensação de volume” (MOTTA, 1979). Segundo Quirino Campofiorito “[...] após
oito anos de estudo em Roma, Henrique Bernardelli [...]. Impõe-se de pronto e sem despertar polêmica
sobre a obra que trazia e a marcante personalidade que demonstrava, a não ser por parte de alguns críticos
mais limitados. Estranhavam estes, as influências que traziam da pintura italiana do fim do século [...].
Sucedia apenas que Henrique Bernardelli escapava àquele semblante do oficialismo artístico de Paris, que
conformando tudo o que poderia ser admitido, como pintura válida em nosso meio, acabara, por força do
hábito, a assemelhar-se a uma condição marcante da criatividade nacional. [...]. O que havia de mais
particular na obra trazida pelo jovem pintor recém-chegado era o aspecto de uma pintura nova para o que
aqui se conhecia. Não exatamente a diferença de um academismo francês, em relação a outro italiano,
mas principalmente pelo artista desfazer-se de preocupações técnicas e estéticas conservadoras e abrir
uma nova visão para a pintura [...]. Logo se deixa perceber, nas telas trazidas por Henrique, que muito
havia de popular, de tendência a acentuar a naturalidade das coisas, dos fatos, enfim uma visão
34
quando Rodolfo Bernadelli foi diretor. Os irmãos Bernadelli, tendo em vista sua
importância e relevância para a renovação do ensino da arte no Brasil, foram
homenageados por um grupo de artistas plásticos que se formou no Rio de Janeiro, em
1931, denominado “Núcleo Bernadelli”,
22
que apresentava, entre seus principais
objetivos, “[...] exercitar a arte, estudar e aprender para poder ocupar um espaço
profissional” (MORAIS, 1991, p. 119).
Os artistas do Núcleo Bernadelli apresentaram sua arte ao público da época,
e, ainda, tentaram renovar o ensino acadêmico da arte na Escola Nacional de Belas
Artes, no Rio de Janeiro. Além disso, o Núcleo Bernadelli
também foi o responsável
pela conquista do espaço para a arte moderna nos certames artísticos oficiais, não
somente em 1941, no Salão Nacional de Belas Artes, mas, sobretudo, para a conquista
do espaço definitivo da arte moderna no Brasil.
Nessa época, Lídia já estava residindo em Campo Grande e não se verifica o
contato com artistas do grupo ou a sua participação nas exposições, propostas e
subordinada às sugestões diretas da natureza, o que exigia desprendimento técnico e capacidade de
improvisação para o domínio sobre novos efeitos visuais”(CAMPOFIORITO, 1983). Para Gonzaga
Duque: “Bernardelli é um robusto moço dotado de talento omnímodo e, por hereditariedade, de
verdadeiro sentimento artístico. Os seus trabalhos inculcam um temperamento irrequieto, nervoso,
sôfrego de impressões, uma dessas organizações atléticas, munidas de espátulas largas, forte peito,
músculos desenvolvidos e reforçados pelo higiênico exercício das caminhadas ao ar livre, pelo alto das
montanhas. A sua obra é vigorosa, original, cheia de calor, cheia de ousadia. Cheia de ousadia! sim,
porque ela é nova, porque ultrapassa os arruinados sistemas da confecção acadêmica, porque faz sentir o
caráter essencial do objeto, segundo a expressão de H. Taine; porque comove e é pessoal e é verdadeira.
Veja-se um quadro de mestre, qualquer dos nossos mestres’ e enquanto a obra deste consegue,
unicamente, da nossa atenção um qualificativo, algumas vezes destilado pela complacência; a obra
daquele nos impressiona, nos desperta alguma emoção nova, nos provoca admiração ou ódio. Eis onde
está a superioridade do artista” (DUQUE, 1995). (http://www.itaucultural.org.br/AplicExternas/
Enciclopedia/ artesvisuais2003).
22
Os artistas do Núcleo Bernadelli, não mais aceitavam os princípios tradicionalistas que predominavam
no ensino de arte no Brasil, principalmente na Escola Nacional de Belas Artes, que ainda era regida pelas
idéias da Missão Artística Francesa de 1816. Segundo Proença: “Esse grupo carioca formado por Ado
Malagoli, José Pancetti, Milton Dacosta, entre outros, recebeu o nome de ‘Núcleo Bernadelli’, em
homenagem aos irmãos Rodolfo e Henrique Bernadelli que, no final do século XIX, haviam contribuído
para a renovação da arte brasileira” (PROENÇA, 1991, p. 241). Fundado no Rio de Janeiro, em 1931, o
“Núcleo Bernadelli” nasceu em oposição à estrutura acadêmica da Escola Nacional de Belas Artes
ENBA, mantendo-se atuante a 1942. Para o crítico de arte Frederico Morais: “A atuação do Núcleo
Bernadelli nesse período foi decisiva para a afirmação da arte moderna no Brasil, pois contribuíram para
a criação de uma Divisão Moderna no Salão Nacional de Belas Artes, em 1941, e dez anos mais tarde, o
próprio desdobramento do Salão em dois (um só para a Arte Moderna)” (MORAIS, 1991, p. 119).
35
iniciativas do “Núcleo Bernadelli”. Mas o contato e as relações de Lídia Baís com os
irmãos Bernadelli, particularmente Henrique, podem ser conferidos, tanto nos
“documentos” escritos, os quais fazem constantes referências a eles, quanto na obra da
artista, que evidencia próximas relações estéticas com os mestres e amigos do Rio de
Janeiro principalmente em algumas pinturas de retratos, paisagens e naturezas-
mortas. No catálogo intitulado Lembrança Museu Baís: sala das fotografias é
publicada uma foto de Henrique Bernadelli em seu ateliê, acompanhada da inscrição:
“À minha muito estudiosa discípula Lídia Baís, seu mestre” (ANEXO 1.4). Em
História de T. Lídia Baís, a autora ressalta que, por ocasião da viagem à Europa, o
professor Henrique Bernadelli foi consultado por seu pai, respondendo-lhe que Lídia
“[...] de qualquer maneira terá que aproveitar muito, visitará os museus da Itália,
Roma, Paris (o Louvre), Alemanha, Berlim, Munichi [sic], etc. não deixará de lhe ser
muito útil [...]”. Somente após essa consulta foi que o pai de Lídia consentiu na viagem
e mesmo “[...] intristecido [sic] com aquela resposta do professor regressou a Sào Paulo
[sic], deixando o Dr. Vespasiano, seu genro, e a família no Rio, a fim de resolver a
viagem [...]” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 15).
Em 25 de fevereiro de 1925, Lídia Baís viajou para a Europa acompanhando
a sua irmã Celina e o cunhado Vespasiano Barbosa Martins
23
, que foi aprimorar seus
23
Nelly Martins escreve, em seu livro Vespasiano meu pai, que: “Vespasiano era o caçula de 14 irmãos.
Nascido e criado na fazenda Campeiro, região de Rio Brilhante (MS), foi o único que satisfez o sonho do
pai, Henrique José Pires Martins. Vespasiano decidiu estudar e se fazer médico. Para tanto, o pai vende
‘uma boiada de 1304 cabeças’ e segue, em outubro de 1902, com dois filhos, Vespasiano e José, e dois
sobrinhos, João e Henrique, para Uberaba, onde estudarão. Interno em colégio marista ficou em Uberaba.
Continuou seus estudos, em Cuiabá, onde terminou o ginásio no Colégio São Gonçalo, dos salesianos, em
1909. Em 1910, ‘sempre com o apoio do pai’, está na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, na
Praia Vermelha” (Martins,1989:37-48). Para a professora Marisa Bittar, Vespasiano talvez fosse “[...] a
primeira e mais forte expressão de um grupo e lideranças políticas que emergiu no sul de Mato Grosso no
final dos anos 20, um personagem, segundo Demósthenes Martins, de ‘singulares atributos de
condottiere’, tornou-se o símbolo da divisão do estado. Primeiro médico sul-mato-grossense, formado no
Rio de Janeiro em 1915, clinicou em Campo Grande, onde foi pioneiro na prática de cirurgia. Em 1925,
após vender os bens que possuía, partiu para a Europa para nela se especializar. No retorno trabalhou em
São Paulo até 1929, quando regressou a Campo Grande, a pedido de amigos que o chamaram para
participar de campanhas políticas que prenunciavam os acontecimentos de 1930. A contar dessa data, sua
vida se dividiu entre a medicina e a política. Realizada a Revolução de 1930, Vespasiano foi nomeado
prefeito pelo Interventor Arthur Antunes Maciel, em junho de 1931 e, estando no exercício desse cargo é
36
estudos de medicina com um aperfeiçoamento em cirurgia, na Alemanha e na França.
Desembarcaram em Hamburgo e seguiram para Berlim, onde residiram durante sete
meses. Em Berlim, Lídia estudou línguas, aprimorou seus conhecimentos artísticos,
estudando pintura e freqüentando ambientes culturais. Ainda em Berlim, Lídia e a sua
família conheceram Ademar de Barros, de quem se tornaram amigos. Segundo Nelly
Martins, “Lídia não deixou de mostrar seus encantos e teve um pequeno flerte com
Adhemar de Barros” (MARTINS, 1990, p. 85). Essa amizade de Lídia e da família
Vespasiano Martins com Ademar de Barros, pode ser conferida em três reproduções de
fotografias tiradas em Berlim, na Alemanha, publicadas no catálogo Lembrança: sala
das fotografias. Em duas dessas fotografias, Lídia aparece retratada juntamente com
mais nove pessoas, entre elas, Paiva Ramos, Ademar de Barros e seu irmão,
Vespasiano Martins, sua esposa Celina e a filha lia (ANEXO 1.6). Na outra foto
publicada, Lídia está retratada ao lado de Ademar de Barros, somente com a irmã
Celina e a sobrinha Célia. (BAÍS, [ca. 1960]d, p. 8-9). Além dessas, Lídia publica
também, no mesmo catálogo, mais duas fotografias tiradas em Berlim: uma tirada em
frente a um monumento escultórico sem referência, com Celina e Célia, e a outra numa
praça em frente a um monumento arquitetônico (BAÍS, [ca. 1960]d, p. 47-49).
Após a estada em Berlim, a família toda se transferiu para Paris, onde
permaneceu por quatro meses. Neste período, Lídia continuou os estudos de alemão,
começou a estudar a língua francesa e iniciou um novo curso de pintura. Nessas aulas
de pintura, conheceu e se tornou amiga de Ismael Nery
24
, um dos precursores do
que foi empossado por Klinger, em julho de 1932, para a chefia do governo constitucionalista de Mato
Grosso. Note-se que, até então, não havia relação nenhuma entre Vespasiano e a causa divisionista”.
(BITTAR, 1997, p.125-126).
24
Ismael Nery, pintor e desenhista brasileiro, nasceu em Belém PA em 1900 e morreu no Rio de Janeiro
de 1934. Freqüentou a Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, em 1918, e a Académie Julien
em Paris, em 1920. Ismael Nery é uma figura isolada que exerceu uma função de atualização na década
de 1920 da arte brasileira. Se a maior parte dos artistas brasileiros absorveu, sobretudo o Expressionismo
e o Cubismo, além do Futurismo e Dadaísmo, Ismael Nery deslocou-se no sentido do Surrealismo,
37
surrealismo no Brasil e importante artista do movimento modernista brasileiro. Ainda
em Paris, Lídia entrou em contato com as vanguardas artísticas européias,
principalmente através desses cursos realizados e em suas visitas aos museus,
exposições e galerias de arte. Encerrada a fase de estudos, a família toda realizou uma
viagem de turismo pela Europa. Destacando essa viagem turística pelo continente
europeu, Nelly Martins relata que:
Vespasiano, depois de 7 ou 8 meses de estudo, fez uma viagem inesquecível.
Visitaram algumas cidades da Alemanha, outras na França, atravessaram a
Suíça e permaneceram muitos dias na Itália, país que cativou não só ele como
Celina, minha mãe, filha de italiano. Visitaram Milão, Turim, Gênova,
Florença, Veneza, Piza, Roma, Nápoles, Sorrento, Pompéia, Capri e
Anacapri. (MARTINS, 1990, p. 87).
Sobre a inesquecível viagem à Europa e a lembrança de Paris, Lídia Baís
teceu alguns comentários, anos mais tarde, em entrevista concedida em 1980 à
professora Maria da Gloria Rosa: “Em Paris, andava sem medo por toda parte.
Atravessava as ruas da margem esquerda e da margem direita do Sena com a segurança
de quem é dono do mundo. Convivia com artistas, freqüentava o meio social da época”
(ROSA, 2001, p. 18).
Após o período de estudos e turismo na Europa, Lídia Baís retornou ao
Brasil em novembro de 1925, residindo primeiramente em Campo Grande. Foi nessa
época que conheceu o poeta mineiro e crítico de arte Murilo Mendes, provavelmente
apresentado à artista por Ismael Nery e sua mãe, “Irmã Verônica”, que eram tanto
amigos de Lídia quanto de Murilo, facilitando e proporcionando o encontro. Esse
encontro de Lídia Baís e a correspondência com Murilo Mendes são evidenciados pela
através da obra de Chagall, que conhecera durante a segunda viagem à Europa, em 1927. Ismael Nery é
considerado como o pioneiro do Surrealismo no Brasil. Sua pintura vai de cubista-expressionista a
surrealista, gênero que inaugura no Brasil. Apresenta influência de Chagall. Sem ter alcançado sucesso
em vida, sua obra vem sendo atualmente revalorizada. Foi incluído na sala especial do surrealismo e arte
fantástica (Bienal de São Paulo, 1965) e em 1966 a Petite Galerie (RJ) organizou retrospectiva de sua
obra. Figurou no V Resumo de Arte do Jornal do Brasil (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro,
1967). Obras de Ismael Nery fazem parte do acervo do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e do
Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. (MIRADOR, 1976, p. 1671-1672).
38
artista, na publicação de algumas fotos no seu catálogo Lembrança do Museu Baís:
sala das fotografias, e na publicação de quatro cartas de Murilo Mendes em seu livro
autobiográfico História de T. Lídia Baís. As duas primeiras cartas reproduzidas no livro
são destinadas a Lídia Baís, sendo que uma das cartas é enviada em 16 de maio de
1930, do Rio de Janeiro, e a outra é enviada em 18 de setembro de 1930, de Juiz de
Fora (ANEXOS 2.4.1 e 2.4.2). A terceira carta publicada é endereçada a uma pessoa
chamada René provavelmente René Thiolier, um dos organizadores da Semana de 22
e é datada de fevereiro de 1930. Nessa carta, Murilo recomenda uma exposição de
Lídia em São Paulo e incumbe René” de “apresenta-la [sic] em alguns jornais e a
alguns críticos ou escritores decentes” (ANEXO 2.4.3). A quarta e última carta
publicada destina-se a Mário de Andrade. Nela, Murilo também pede a Mário que
oriente Lídia Baís na exposição que pretende fazer em São Paulo, informando que ela
“[...] é uma interessantíssima artista brasileira e universal que pretende honrar a cidade
de S. Paulo fazendo uma exposição de quadros. Tenho certeza que você poderá
orientá-la na exposição. Esta é a razão desse bilhete”. Ainda nessa carta Murilo afirma
que os assuntos que a artista gosta de pintar “[...] transbordam do simples interesse
pictural, alguns deles inédito [sic] numa mulher” (ANEXO 2.4.4). (TRINDADE, [ca.
1960], p. 42-46).
Quando Lídia regressou de sua viagem à Europa, estava inconformada em
voltar para Campo Grande e manifestou seu desejo de estudar no Rio de Janeiro, desta
vez fora de internatos, sendo, porém, impedida pela família, principalmente pelos
irmãos, que:
[...] pelo jeito não estavam contentes com ela!. ...Não a protegeram de forma
alguma para Lídia continuar os seus estudos, mas como o seu irmão Aydano
mais novo devia voltar aos estudos no Rio e Lídia estava no seio da família a
espera de poder voltar ao Rio para continuar seus estudos. Mas os seu pais e
irmãos não queriam que Lídia voltasse e se opunham, tratando-a com rispides
39
[sic], depois de a terem bem dizer criado fora de casa dêsde [sic] seis anos
nos colégios. (TRINDADE, [ca. 1960], p. 15-16).
Para a frustração de Lídia, o irmão Aydano, que prometera realizar o seu
sonho de voltar para o Rio de Janeiro, caiu gravemente doente e foi desenganado pelos
médicos. Bernardo Franco Baís contratou um trem especial e foi para São Paulo com
toda a família, na tentativa de salvar o filho, que, infelizmente, veio a falecer
(TRINDADE, [ca. 1960], p. 15-16).
Ainda em São Paulo, vinte dias após a morte do irmão, Lídia Baís,
influenciada pela “empregada Ludovina”, planeja e executa uma fuga cinematográfica
para o Rio de Janeiro, pondo em prática o seu desejo de ir para a cidade que era o seu
“destino”:
{...} ela
25
era espírita e combinou para descer as malas de Lídia pela janela
nas cordas e passar para uma vizinha turca a fim de Lídia embarcar de
madrugada, isto era à rua Maestro Cardim em São Paulo, residência do Dr.
Vespasiano Martins. A esposa do Dr. Vespasiano, irmã de Lídia, vendo as
malas com os rótulos pregados, disse-lhe: você está com jeito de querer
viajar, mas daqui não sairás, sob pena de mandar castiga-la [sic] com surra, e
Lídia lhe respondeu, pois eu vou sair e assim o fez, depois de uns três dias
de sua irmã ter lhe falado aquilo saiu, dormiam todos ainda de madrugada, às
três horas mais ou menos, Lídia fez uma carta pedindo perdão a sua mãesinha
do que resolvera fazer e entregou a empregada Ludovina que guardou na
gaveta da mesa da cozinha e assim que a mãe da Lídia se levantou a
Ludovina 1h e entregou a carta.dia esta correndo pelo trem Cruzeiro do
Sul, enexperiente [sic] de tudo, mas ela foi pela intuição divina que recebia.
(TRINDADE, [ca. 1960], p. 17-18).
Chegando à cidade do Rio de Janeiro, Lídia hospedou-se no Hotel Hadock
Lobo, local onde residiu por aproximadamente oito meses. No dia seguinte à fuga, seu
irmão Amélio, “a mando do pai”, foi ao Rio e tentou trazer Lídia de volta, mas, como
esta se recusou a voltar, a família cortou-lhe os recursos (TRINDADE, [ca. 1960], p.
19).
25
Aqui, Lídia Baís refere-se à empregada Ludovina.
40
Após a temporada de oito meses no Hotel Hadock Lobo, Lídia se transferiu
para a Associação das Moças Brasileiras, na rua São José, que era uma pensão mais
barata e ficava mais perto de Copacabana, onde estudava. Algum tempo depois, por
indicação do Dr. Cézar Galvão médico de Mato Grosso e amigo, que morava no Rio
nessa ocasião –, Lídia Baís divide com uma outra hóspede da pensão, chamada Iolanda,
um apartamento no bairro Cinelândia. Lídia, descontente com o procedimento de
Iolanda, passou a morar sozinha no apartamento. Nesta ocasião, em que ficou morando
sozinha no apartamento, Lídia informa que “[...] arrumaram-lhe uma negrinha para
varrer e zelar do mesmo”, e que agora podia se dedicar “[...] a estudar música, pintura e
muito se preocupava com religião” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 21).
Foi nessa época que Lídia Baís voltou a estudar em Copacabana com os
professores Henrique e Rodolfo Bernadelli. Estudou também, por algum tempo, na
Escola Nacional de Belas Artes, com o professor Oswaldo Teixeira. Como seus
recursos estavam ficando escassos, passou a estudar somente em Copacabana com os
professores Bernadelli, pois “êstes eram mais condecendentes [sic] e esperavam os
pagamentos atrasados de Lídia” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 20).
Em dezembro de 1929
26
, Lídia organizou e realizou a sua primeira e única
exposição individual, que aconteceu na Polyclínica Geral do Rio de Janeiro, situada na
avenida Rio Branco, centro da cidade do Rio de Janeiro.
A realização dessa exposição de Lídia Baís decorreu da iniciativa do
professor Henrique Bernadelli e contou também com a ajuda e a colaboração da
secretária do mestre, Roladina Sete: [...] falou com seu mestre, Henrique Bernadelli, e
êste lhe apresentou para fazer exposição de pinturas dos seus quadros na Policlínica do
26
Somente a título de ilustração, nesse mesmo ano de 1929, o artista plástico e amigo de Lídia Baís,
Ismael Nery também realiza exposição individual no Pálace Hotel do Rio de Janeiro e Tarsila do Amaral
inaugura a sua primeira individual no Brasil (Belluzzo,1990:311).
41
Rio de Janeiro, êle levou como secretária, Roladina Sete [...]” (TRINDADE, [ca. 1960],
p. 22). Lídia informa, ainda, que realizou a exposição “com muita dificuldade”, pois “o
seu recurso era pouquinho que o Dr. Vespasiano lhe dera, assim mesmo lhe roubaram
no hotel, isto foi um choque para Lídia, a exposição durou apenas dez dias”
(TRINDADE, [ca. 1960], p. 22).
A exposição individual de Lídia Baís, que durou apenas dez dias,
principalmente pela falta de recursos financeiros, foi encerrada no dia 12 de dezembro
de 1929. Apesar de muitas dificuldades, Lídia conseguiu, para a época, um relevante
destaque na imprensa carioca, principalmente do Jornal “O Globo” e do Jornal “O
Combate”, ambos datados de 12 de dezembro de 1929 (ANEXO 1.7).
No Jornal “O Globo”, sob o título de “Uma jovem pintora patrícia:
Encerramento de sua exposição de arte”, pode-se ler: “A interessante exposição da
senhorita Lídia Baís, que attraiu ao salão da Polyclínica Geral, selectos visitantes, acaba
de ser encerrada, tendo a gentil expositora grangeado excellente destaque”. Esse jornal
traz, ainda, outras informações importantes referentes à exposição, revelando, por
exemplo, que Lídia Baís “exhibiu numerosos quadros em pastel, crayon, aquarella e
óleo” que são “originaes e revelladores de seu talento artístico”. Sobre as obras, o jornal
tece uma pequena “crítica”, elogiando a “demonstração” que a artista faz na exposição
de sua “aptidão artística”, reconhecendo a obra de Lídia como “uma pintura de futuro
promissor”. O jornal “O Globo” informa, também, que a artista pretendia realizar uma
outra exposição em São Paulo: “A senhorita Lídia Baís partirá amanhã para S. Paulo,
onde vae [sic] fazer uma exposição de seus trabalhos” (UMA JOVEM..., 1929).
Embora essa exposição em São Paulo nunca tenha sido realizada,
contrariando o desejo de Lídia, a intenção da artista também está registrada, como
vimos, nas cartas de Murilo Mendes para René e para Mário de Andrade. Na carta
42
destinada a Mário de Andrade, datada de 02 de janeiro de 1930, a intenção de Lídia de
realizar a exposição na capital paulista é confirmada, uma vez que o objetivo principal
da carta era justamente informar sobre a exposição da artista na capital paulista, e pedir
a “orientação” de Mário de Andrade para a realização do evento (ANEXO 2.4.4).
O Jornal “O Combate”, por sua vez, na matéria intitulada “Uma exposição
de arte”, enfatiza que dia Baís era “uma jovem artista patrícia, que vem se impondo
pela sua habilidade e decidida vocação para a pintura”. O artigo informa, ainda, que
Lídia “espõe [sic] grande número de quadros”, mencionando que “alguns” de seus
quadros apresentam “valor real, muitos outros são de “idéia original” e “alguns mesmo
extravagantes”, mas que “no conjunto, porém, agrada, e deixa a impressão de que a
senhorita Baís, poderá muito em breve, apresentar trabalhos de maior fôlego” (UMA
EXPOSIÇÃO..., 1929). Como podemos perceber, esse texto do Jornal “O Combate” é
revelador do preconceito do próprio jornal (ou do jornalista) com a arte moderna
naquela época, indicado pelos adjetivos utilizados “original” e “extravagante” –, para
descrever e “criticar” as obras de Lídia.
A exposição de Lídia Baís no Rio de Janeiro contou com a presença de
vários artistas e personalidades importantes da época, como Povina Cavalcanti e o
próprio Murilo Mendes. Esse fato pode ser conferido na fotografia do vernissage da
exposição, publicada no catálogo Lembranças do Museu Baís: sala das fotografias
(ANEXO 1.6), e no “Livro de Ouro”, que registra a presença dos ilustres visitantes no
evento. Na primeira página desse “Livro de Ouro”, o poeta mineiro Murilo Mendes
deixou registrada sua significativa presença através de “expressiva assinatura”. A
abertura do livro traz a assinatura do poeta Povina Cavalcanti e registra as presenças de
outros artistas e personalidades cariocas da época, como Álvaro Moreira, Jorge
Bulamarqui, F. R. Sigaud, entre muitos outros. Ainda nesse livro de presença, pode-se
43
conferir alguns aspectos da recepção e da reação do público frente às obras de dia
Baís, que são evidenciados, principalmente, em dois registros distintos e antagônicos.
Esses registros mostram os extremos da recepção do público com as pinturas de Lídia
Baís. Num desses registros, a reação é de indignação, considerando sacrílega a ousadia
da artista. em outro, assinado por Sigaud e datado do dia 13 de dezembro de 1929,
este celebra a liberdade de criação e a inserção da pintura na tradição religiosa. Através
das palavras de Sigaud, pode-se visualizar um desenho marcante e ainda duas
inscrições: “Pela Minha Raça Mestiça” e “Arte é assim, sem escólas....” (COUTO,
1999a, p. 17-19).
As pinturas e os desenhos mostrados na exposição eram todos do acervo
particular de Lídia e nenhum deles estava à venda. Segundo Nely Martins, esses
trabalhos acompanharam a artista durante toda a sua vida (MARTINS, 1990, p. 103).
Após o rmino da exposição no Rio, Lídia Baís retornou para Campo
Grande, em 1930, uma vez que “sua estada no Rio tornava-se cada dia mais difícil, cara,
insegura, perigosa. Vinha se sentindo lesada pelos irmãos. Temia cada vez mais que seu
patrimônio fosse lesado por eles, que o administravam” (MARTINS, 1990, p. 104). Por
essas razões, Lídia retornou definitivamente para Campo Grande, mas nunca se adaptou
à cidade. Inconformada em voltar a morar em sua cidade de origem, Lídia afirma: “No
lugar onde Lídia mora não há luz elétrica e digo mais, em Campo Grande, Mato Grosso,
não é lugar para um genio igual ao de Lídia” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 28). A esse
respeito, Nelly Martins considera que:
Campo Grande nos anos 29, 30, realmente não era lugar para abrigar Lydia.
As moças de família eram fadadas ao casamento, única saida para se viver.
Um viver que queria dizer: Ter filhos, arranjar a casa, costurar, fazer quitutes,
embelezar o jardim, plantar uma horta e servir bem o companheiro. Lydia,
que não admitia se envolver com essas atribuições, ao ouvir falar em
casamento dizia : não!. Então como viver sob a opressão ditada pela
sociedade às moças de então? Enquadrar-se?. (MARTINS, 1990, p. 104-
105).
44
Estabelecida em Campo Grande, “onde passava dias, meses, embebida em
estudos religiosos e em cima de uma escada de pintor a fazer painéis de composição
suas nas paredes do sobrado de seus pais”
27
, Lídia Baís pintou, por volta de 1937, cinco
afrescos nas paredes da sua residência. Dois desses painéis apresentam temática
religiosa e foram pintados no seu quarto, denominado por ela de “Sala Azul - Sala
Mística”. Os outros três painéis, cuja temática gira em torno da mitologia grega e da
religião católica, foram pintados na sala principal da residência, denominada pela artista
de “Sala Rosa - Sala das Paixões”. Sobre a execução desses painéis, Lídia afirmou que
pediu ao seu pai e este “mandou preparar para ela duas salas pintadas, as paredes a óleo,
uma de cor azul e a outra de cor rosa vivo [...]” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 23). Lídia
Baís acrescenta, ainda, que, “no tempo em que Lídia fez os painéis [sic] nas paredes do
sobrado de seu pai devia ser em 1937 mais ou menos e Lídia tinha como professor e seu
guia um padre por nome Patene, amigo de seu pai [...]” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 23-
24). Assim, a partir da narrativa da própria artista, podemos perceber mais detalhes
sobre a feitura desses painéis, como, por exemplo, que alguns deles representavam seus
familiares:
A sala azul era o quarto de Lídia, medindo 7x7 metros quadrados, com oito
aberturas nessa sala, ela compois [sic] paineis religiosos e intitulou “Sala
Mística” e na outra sala do mesmo tamanho ou maior pintou alegorias
importantes exprimindo uma infinidade de coisas bonitas, a esta sala Lídia
pois o nome de “Sala das Paixões”. [...] era tudo feito por inspiração, sabia
que pintava com muito carinho faúninhos, anjinhos com azinhas, etc. todos
representando sobrinhos, irmãos, etc. estes painéis são pintados no sobrado
do seu pai Bernardo F. Baís. (TRINDADE, [ca. 1960], p. 23).
A sobrinha de Lídia Baís, Nelly Martins, declarou, em seu livro Duas Vidas,
que só tomou conhecimento da existência de sua tia nos anos de 1930, quando tinha sete
27
A esse respeito, ver TRINDADE, [1960?], p. 28.
45
anos, enfatizando que, nesse momento, voltava de São Paulo com sua família para
residir em Campo Grande
28
. Na época das pinturas dos painéis no sobrado, a autora
relembra a imagem de sua tia executando as pinturas:
Pincéis, brochas, tintas, palheta, escada, croquis e mais croquis, em folhas de
desenho e pronto. Estava preparada para seu trabalho, que julgava ter sido
inspirado por obra do Senhor. Sobre a escada aberta, de jaleco branco e
palheta em punho, iniciou a pintura da Ceia de Leonardo Da Vinci, na parede
da sala de jantar. Foi um momento de suspense na casa. Ela despertou
interesse e admiração. (MARTINS, 1990, p. 107-108).
um outro painel da artista, intitulado “Composição Alegórica de Lidia
Baís”
29
, ao contrário, causou escândalo na época. Segundo Nelly Martins, “uns
aplaudiram suas pinturas e muitos criticaram sua ousadia de pintar suas irmãs e ela
própria nuas”. A autora relembra da polêmica causada por esse painel, na qual as
“comadres”, indignadas com a pintura de Lídia, afirmavam que deveriam tê-la impedido
de pintar o painel ou que seu pai deveria obrigá-la a “vestir” as três personagens nuas. O
tema central desse painel era, ao mesmo tempo, profano e místico. Representava três
mulheres nuas – a própria artista e suas duas irmãs, Celina e Ida –, apresentando “um ar
inocente” e “posições discretas” (MARTINS, 1990, p. 109).
Infelizmente, essa obra, também chamada de “As Três Graças Desnudas”
30
,
foi destruída, juntamente com um outro painel religioso, configurado da mesma forma,
representando Cristo pregando a palavra de Deus aos fiéis possivelmente a
representação do tema do “Sermão da Montanha” (BAÍS, [ca. 1960]c, p.26).
28
Foi nessa época que o pai de Nelly Martins, Vespasiano Barbosa Martins, depois de atuar como médico
em São Paulo até 1929, “regressou à Campo Grande, a pedido de amigos que o chamaram para participar
de campanhas políticas que prenunciavam os acontecimentos de 1930. A contar dessa data, sua vida se
dividiu entre a medicina e a política” (BITTAR, 1997, p.125-126).
29
Esse painel foi reproduzido no catálogo Lembrança do Museu Bais: pinturas de T. Lídia Baís com o
título deComposição Alegórica de Lídia Baís”, e, logo abaixo da imagem, pode-se ler: “Painel feito nas
paredes da casa de seus pais. A reprodução do original se acha no Museu Baís Campo Grande Mato
Grosso”. (BAÍS, [ca. 1960]c, p. 26).
30
Esse outro título foi atribuído à obra da artista pela professora Maria da Gloria Rosa, numa alusão à
obra “As Três Graças” do artista flamengo Píer Paul Rubens (ROSA, 1986, p. 14).
46
Dos cinco painéis executados pela artista no sobrado da família Baís, apenas
três suportaram as intempéries do tempo e as ações irresponsáveis do senso comum. Em
1938, com a morte de Bernardo Baís e a mudança de Lídia e sua mãe para outra
residência, o prédio foi alugado ao Sr. Nominando Pimentel, que instalou no local a
Pensão Pimentel e destruiu as pinturas. Em 29 de julho de 1947, ocorreu um grande
incêndio no prédio, destruindo todo o madeiramento da cobertura, as telhas de ardósia e
os pisos de madeira. Mesmo após o incêndio, a pensão continuou funcionando, com
sucessivos proprietários, até 1979. A partir dessa data, o prédio foi destinado a diversos
usos comerciais sapataria, escola de rádio e TV, casa lotérica e alfaiataria até entrar
em período de abandono e depredação (CENTRO...,1995, p. 8).
Lídia Baís, inconformada com a destruição de seus painéis, considerou essa
atitude criminosa:
[...] (Hoje é um pequeno Hotel) porém os pintores de casas foram e
passaram caiação em cima, cometeram um crime, pois quem consentiu nisso
não se sabe, uma obra daquela é arte, quando está suja rotoca-se [sic] e nunca
se destroe porque é crime. (TRINDADE, [ca. 1960], p. 23).
Somente em 1994 os três painéis que restaram foram recuperados por meio
da “restauração” executada pela professora Dulcimira Capisani, da UFMS, durante a
recuperação e a revitalização do sobrado da “Morada dos Baís”
31
coordenada pelos
31
A Morada dos Baís foi uma obra construída entre 1913 e 1918 para servir de residência à família Baís.
O autor do projeto foi o engenheiro João Pandiá Calógeras e a construção foi feita pelo Sr. Matias,
imigrante italiano, acompanhada pelo próprio Bernardo Franco Baís. Foi o segundo sobrado no contexto
urbano de Campo Grande e o primeiro edificado em alvenaria, com argamassa de saibro, cal e areia,
coberto originalmente com telhas de ardósia, trazidas da Itália. O prédio está situado em terreno de 1.627
m
2
, com 466,85 m
2
de área construída, disposta em dois pavimentos. Seu estilo é eclético, da época em
que se misturavam os estilos conforme a conveniência e os materiais disponíveis. A ornamentação das
fachadas externas é neoclássica, complementada internamente por lambrequins (CENTRO..., 1995, p.
10). Além de belo e imponente casarão, a Morada dos Baís ainda era privilegiada pelos trilhos da
Noroeste do Brasil que traziam o trem até sua porta. Somente em 1986, o prédio que serviu de residência
à família Baís foi tombado pelo instituto do Patrimônio Histórico e Cultural do Município, pelo Decreto
n
o
5.390, de 4 de julho. Em 1993, o SEBRAE/MS, através do Projeto Turismo Responsável, formou
parceria com a Prefeitura Municipal de Campo Grande para revitalizar o prédio e, em 17 de maio de
1995, foi inaugurado o Centro de Informações Turísticas e Culturais, através de trabalho conjunto do
Serviço de Apoio à Pequena Empresa no Mato Grosso do Sul (SEBRAE/MS) com a Secretaria Municipal
da Cultura e do Esporte (SEMCE), Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul e a
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Atualmente, o prédio revitalizado e batizado de
47
arquitetos Fernando Antônio de Castro, Mário Sérgio Sobral e Regina Lopes Couto,
com base no primeiro levantamento histórico, arquitetônico, fotográfico e documental
feito pela arquiteta Solange Fátima Duarte Vaz da Silva (CENTRO..., 1995, p. 10)
(ANEXO 1.9). Esses três painéis apresentam temática religiosa e compõem-se de uma
cópia da Última Ceia de Leonardo Da Vinci, pintada na parede direita do quarto da
artista; um auto-retrato representado a santa católica Joana D’Arc, pintado no local onde
era a sala de sua residência
32
.
Logo após o término desses painéis na “Morada dos Baís”,
Lídia se casou,
em 6 de julho de 1938, com o Dr. Ary Ferreira de Vasconcelos, filho do advogado da
família, Dr. Jaime de Vasconcelos. No entanto, o casamento não foi consumado e teve
uma duração de apenas cinco dias, sendo anulado, dois anos mais tarde, em 1940, no
Tribunal de Justiça de Cuiabá.
O noivo era considerado uma “[...] figura agradável, moço de vinte e poucos
anos, estatura baixa, forte, tez clara, rosto bem conformado, olhos azuis, cabelos lisos.
Era inteligente, simpático e se desdobrou como pretendente à mão de Lydia.
Conquistou-a com habilidade” (MARTINS, 1990, p. 117).
Nelly Martins, comentando sobre o casamento de sua tia Lídia, afirma que
quando chegou o grande dia do enlace, “[...] havia muita agitação no casarão. Os
sobrinhos estavam todos a postos. Os pais, sempre discretos nas suas posições, creio
que permaneceram em casa, uma vez que a cerimônia se restringia ao casamento civil,
no cartório” (MARTINS, 1990, p. 117). A autora, relembrando esse dia, descreve com
detalhes a beleza da noiva e o requinte do seu figurino:
A noiva era bonita. Os cachos sobre os ombros faziam dela uma menina
balzaquiana. O rosto brejeiro e feliz, o porte elegante, a pequena estatura
Morada dos Baís, abriga, além do serviço de informações turísticas, salas de exposições e um pequeno
“museu”, no qual se encontram fotografias, pinturas e objetos pessoais de Lídia Baís.
32
A esse respeito, ver Jornal Correio do Estado, 25 de julho de 1994.
48
completavam o seu ar juvenil. O vestido era em seda rola, adamascada,
mangas compridas, blusa ajustada, saia godê bem abaixo dos joelhos. Um
risco de perolinha abotoava o traje, na frente, de alto a baixo. Nos pés, um
‘escarpin’, nas mãos as luvas. Um bonito chapéu de abas largas completava o
toilette. (MARTINS, 1990, p. 117).
Segundo Lídia, o casamento serviu para livrá-la de uma interdição financeira
de seis anos imposta pela família:
Para desmancharem essa interdição disseram que se Lídia se casasse para
ser tutelada novamente, foi preciso obrigar a Lídia se casar em quinze dias,
que ficou noiva e casaram-na com o Dr. Ary de Vasconcelos (sòmente no
civil) [sic], civilmente e ficou sòmente [sic] nos papaeis [sic] [...].
(TRINDADE, [ca. 1960], p.25).
Lídia Baís, inconformada com o casamento, afirmou que separara-se do
marido porque ele a maltratava muito e, ainda, não controlava a bebida e o jogo: “Ele o
Dr. Ary maltrato-a [sic] muito em viagem de Campo Grande para São Paulo. Assim que
chegaram em São Paulo Lídia permaneceu junto a aquele que era para ser seu esposo
apenas cinco dias, pois êle bebia e jogava sem medida” (TRINDADE, [ca. 1960], p.25).
Lídia Baís, condenando os vícios do marido, reclamava: “[...] porque me meti nas mãos
de alguém que não convém. De alguém que encontra o prazer no jogo e a mesmo na
bebida [...]” (MARTINS, 1990, p. 118).
Insatisfeita com essa situação e com uma lua-de-mel frustrada, Lídia Baís
fugiu do marido e foi refugiar-se na casa de sua irmã Celina, casada com Vespasiano
Martins. Segundo “a noiva em fuga”, o seu cunhado Vespasiano:
[...] fez ela requerer anulação do casamento pelo Dr. Dolor de Andrade, e em
1940 no Egrégio Tribunal de Justiça de Cuiabá ficou anulado, dissolvido
inteiramente o laço conjugal de Lídia com o Ary F. de Vasconcelos, ficando
ambos solteiros, e Lídia na extensão da palavra porque não aceitou para
marido o que era para ser, do jeito que casou se separou. (TRINDADE, [ca.
1960], p.25-26).
A artista não teve boas impressões do casamento e nem tampouco do
“marido”, pois, deste, Lídia não guardou sequer um retrato. Considerava o casamento e,
49
particularmente, o marido, como a personificação do mal. Em seu manuscrito, datado de
1955, Lídia dedica a décima terceira pergunta ao seu conceito de “marido”,
considerando a palavra marido como sinônimo de mau: “13) A palavra marido, quer
dizer mau. Não é assim?” (BAÍS, 1958, p. 7, grifo da autora).
Trinta e três dias depois do casamento da artista, o pai de Lídia Baís foi
atropelado, por ironia do destino, pelo trem que tanto admirava, em 19 de agosto de
1938, vindo a falecer no dia seguinte. Sobre esse fato, Nelly Martins relata que, nessa
época, Bernardo Baís estava com 77 anos de idade e “um tanto surdo, absorto no seu
mundo interior”, quando a tragédia aconteceu, na manhã de 19 de agosto de 1938: “[...]
ele deixava sua casa e subia em direção à casa dos filhos. Na altura da rua 15 de
Novembro, atravessava os trilhos da Noroeste, quando foi colhido pela locomotiva que
seguia para são Paulo”. A autora destaca que, no depoimento do maquinista, este
afirmou que “apitara com insistência” e, ao vê-lo nos trilhos, “procurou frear a
máquina”. Mas, infelizmente, Bernardo Baís, “na sua surdez, distração e insegurança,
foi colhido pelo trem e teve o crânio fraturado, permanecendo em coma umas trinta
horas” (MARTINS, 1990, p. 52). Assim morreu Bernardo Franco Baís, pai de Lídia,
abatido pela Maria Fumaça que tanto amava, em 20 de agosto de 1938.
Porém, pouco tempo antes do acidente que causaria a sua morte, Bernardo
Baís, mesmo envelhecido e abatido pelos males da idade, se preocupou com o destino
da esposa Amélia e da filha Lídia. Iniciou, com Amélio, o filho engenheiro, um sobrado
na esquina da rua 15 de Novembro com a Rua do Padre, pois nesse local estaria mais
perto dos filhos. Infelizmente, Bernardo Baís o viu o seu projeto ser concretizado,
pois faleceu antes de terminar a construção. Com a morte do pai, quando a casa ficou
pronta, foi providenciada a mudança de Lídia e sua mãe para essa residência menor, um
sobrado situado na rua 15 de Novembro, número 204.
50
Por ocasião da morte do pai, foi feito o inventário e Lídia recebeu novas
fontes de renda e algum dinheiro (MARTINS, 1990, p. 123). Entretanto, mesmo tendo
condições financeiras, Lídia Baís não voltou a morar no Rio de Janeiro ou em São Paulo
como era seu desejo. Manteve apenas, por algum tempo, um apartamento em São Paulo,
talvez na tentativa de viabilizar a sua tão sonhada mudança para um centro maior e
mais desenvolvido, onde pudesse freqüentar meios artísticos, cursos, salões, galerias e
museus de arte (MARTINS, 1990, p. 170). Mas isso nunca aconteceu, de fato. Ao
contrário, Lídia se estabeleceu em Campo Grande e, com os recursos recebidos da
herança deixada pelo pai, iniciou um projeto de grande envergadura para Mato Grosso:
a criação de um museu de arte para abrigar suas obras e de outros artistas da região.
No final da década de 1950, mais precisamente entre 1955 e 1960, Lídia
Baís iniciou reformas em sua residência, numa tentativa pioneira de fundar um museu
de arte em Campo Grande, que seria denominado de “Museu Baís”. Sobre o seu
empenho na realização desse projeto, a artista declara que “[...] agora estão todos os
serviços de Lídia encaminhados para a inauguração do Museu Baís, que ela mesma esta
preparando com os seus recursos e grande esforço seu, pois até agora não teve adeptos
nem há meio artístico onde Lídia reside” (TRINDADE, [ca. 1960], p.39).
Sobre esse fato, Nelly Martins afirma que a herança recebida,
proporcionando uma folga na economia de Lídia, foi a mola propulsora para novas
medidas e novos gastos:
Convencia-se que precisava aumentar sua residência. Seus quadros não
tinham espaço para serem vistos e outras justificativas eram acrescidas para
que subisse, ao lado da área construida, um salão espaçoso. Uma vez erguido,
revestiu-o com frisos de madeira para apoio de quadros, forrou-os com
tapetes coloridos e dependurou seus quadros do teto ao chão. Pronto, ficou
um bonito salão de exposição de uns doze metros por sete. Batizou-o de
“Museu Baís”. (MARTINS, 1990, p. 123).
51
Para a concretização do “Museu Baís”, Lídia tentou buscar ajuda financeira,
com o amigo que conhecera em Berlim, Ademar de Barros
33
. Com esse intuito, escreve,
em 23 de março de 1958, uma carta ao amigo Ademar de Barros, que nessa época era
prefeito de São Paulo, solicitando ajuda para um financiamento bancário de “quinhentos
mil cruzeiros”. Esse dinheiro seria destinado à realização de um museu de arte que
abrigaria suas pinturas e de outros artistas mato-grossenses:
[...] tomo a liberdade de lhe escrever esta, afim de solicitar a sua valiosa
cooperação para o Museu de Arte que estou organisando e que
comprehenderá [sic] quadros de pintura de minha autoria e de outros artistas
matogrossenses, discos com gravações de muzicas [sic] minhas, etc.
três anos que estou empenhando todo o meu esforço e meus próprios recursos
nesta realização, tendo pintados por mim ums [sic] cem quadros, pinturas
alegoricas, estudos de natureza morta, retratos de família e de altas
personalidades (incluzive o seu). [...] mas necessito agora de recorrer aos
bons oficios ao ilustre e prestigioso ex-governador e futuro presidente da
república, pois tenho necessidade de um financiamento bancario de uns
quinhentos mil cruzeiros, naturalmente dando a garantia dos meus imóveis.
(BAÍS, 1958, p. 1). (ANEXO 2.1).
Nesse período, dia Baís mantinha seu apartamento em São Paulo e
freqüentava a capital paulista apenas esporadicamente, para “fazer alguma consulta,
tratamento dentário e certos contatos de seu interesse” (MARTINS, 1990, p. 170). Foi
numa dessas temporadas em São Paulo que a artista conheceu o importante curador de
33
“Ademar Pereira de Barros, político brasileiro, nasceu em Piracicaba, São Paulo, em 22 de abril de
1901 e faleceu em Paris em 17 de março de 1969. Formado pela faculdade de Medicina da Universidade
do Brasil (1923), obteve prêmio de viagem à Europa, fazendo cursos de aperfeiçoamento em hospitais de
Paris, Berlim e Londres, e, depois nos E.U.A. Na Alemanha, cursou a Universidade Popular de Berlim
durante quatro anos”. Foi nessa época que conheceu Lídia Bais, Vespasiano e sua família. “De retorno ao
Brasil, especializou-se no Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos, sendo ai condecorado com medalha
de ouro. Partícipe da Revolução Constitucionalista de 1932, no posto de capitão, viveu uns tempos
exilado, no Paraguai e na Argentina. Em 1934, elegeu-se deputado à Assembléia Legislativa de São
Paulo, pelo Partido republicano Paulista. De 1838 a 1941, exerceu a interventoria federal no estado. Em
1945, fundou o Partido Republicano Progressista, mais tarde denominado de Partido Social Progressista
(PSP), de que foi presidente nacional durante cerca de vinte anos. Eleito governador de São Paulo, em
1947, com apoio dos comunistas, será prefeito de São Paulo em 1957”. Foi no ano seguinte, em 1958,
durante esse mandato de prefeito, que Lídia Baís envia-lhe a carta pedindo ajuda para o Museu Baís.
“Ademar foi candidato vencido nas eleições para a presidência da república em 1955 e em 1960, e para o
governo do estado de São Paulo em 1958, mas, em 1962, se elegerá para o posto de governador. Em 1961
foi favorável à investidura de João Goulart à presidência da república, tendo participado das articulações
que levaram à revolução de 1964, mas perdeu o governo de São Paulo em 1966, quando teve seus direitos
políticos suspensos por dez anos”. (MIRADOR, 1976, p. 10.225).
52
arte Pietro Maria Bardi, diretor do Museu de Arte de São Paulo (MASP)
34
. Esse
encontro, segundo Lídia, foi promovido no dia 22 de dezembro de1959, por sua amiga,
a poetisa paulista Grasiela Teles Cabral, que apresentou a artista ao diretor e ao gerente
do Museu de Arte à rua 7 de Abril”, Pietro Maria Bardi e Augusto Barbosa. Desse
encontro, resultou a promessa dos novos amigos de inaugurarem e ainda fornecerem os
materiais necessários para a instalação de uma iluminação adequada no “Museu Baís”,
em Campo Grande (TRINDADE, [ca. 1960], p. 29). Essa promessa, efetivamente, não
foi cumprida e o “Museu Baís” nunca seria inaugurado e nem aberto ao público. Do
encontro com o professor Pietro Maria Bardi, Lídia guardou apenas a lembrança,
descrita nas páginas amareladas de seu livro autobiográfico, e uma fotografia, que foi
reproduzida no catálogo Lembrança do Museu Baís: sala das fotografias, com a
inscrição: “Professor BARDI (Diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo)”
(BAÍS, [ca. 1960]d, p. 29).
O projeto do “Museu Baís” não passou de mais um sonho idealizado pela
artista e o local destinado ao museu uma sala em sua residência constituiu-se, ao
longo dos anos, numa espécie de recinto sagrado para a artista que, refugiando-se ali,
passaria o resto de seus dias em regime de solidão e clausura voluntárias, recebendo
visitas apenas nos dias preestabelecidos. Sobre a clausura da artista e os dias permitidos
para visitas, Nelly Martins relata que:
Em todas as entradas para a parte reservada da casa liam-se impressos que
diziam “Entrada Proibida”, “Clausura”, “Não Fume”. Na porta do hall e do
corredor de entrada os impressos rezavam: “visitas, nas quintas-feiras, de
tantas às tantas horas”. Se alguém ousava infringir tais determinações, que
perdiam o efeito em momento em que ela estivesse bem-humorada e na
34
O Museu de Arte de São Paulo foi fundado por Assis Chateaubriand, em 1947, e dirigido, desde a sua
fundação, por Pietro Maria Bardi. Funcionou, inicialmente, à rua Sete de Abril, no centro de São Paulo.
Possui, desde então, o mais importante acervo de arte européia da América Latina, especialmente de
períodos anteriores ao século XX. Além de seu importante acervo e das mostras temporárias que realiza,
o MASP cumpriu papel importante nos anos de 1950, com a criação do Instituto de Arte Contemporânea
e da Escola de Propaganda. Desde 1971, o museu está instalado em sua nova sede, projetada por Lina Bo
Bardi, na Avenida Paulista. (MORAIS, 1991, p. 113).
53
medida em que a pessoa merecesse sua distinção, era duramente reprimida.
(MARTINS, 1990, p. 126).
Lídia Baís, em sua narrativa, assinada sob o pseudônimo de Maria Tereza
Trindade, considera que algumas pessoas, denominadas de “a humanidade vulgar”, não
a compreendiam e, erroneamente, sempre a interpretaram mal, principalmente, pelo seu
“recolhimento e dinamismo” e ainda, porque ela não permitia a entrada franca no
“Museu Baís” e em seu ateliê:
[...] aparentemente sempre pareceu a algumas pessoas que ela era esquisita
pelo seu recolhimento e dinamismo em certos pontos, sendo uma moça que
herdou, adquiriu de nota uma atividade rara inteligência, regência dos seus
bens e na organização do estabelecimento residencial formando nele uma
coleção de trabalhos de arte e impondo ordens que a humanidade vulgar não
pode ainda entender, pois ela proíbe a entrada franca no Museu Baís e mais
dependências do prédio como seu atelier [...]. (TRINDADE, [ca. 1960], p.
29).
A partir desse período, Lídia Baís se desfez do museu que nunca inaugurou,
guardou suas lembranças, encaixotou suas pinturas e se dedicou, ardentemente, aos
estudos sobre religião e a uma busca solitária, com o objetivo de compreender os
fenômenos de natureza místico-religiosa. Segundo Nelly Martins, os grandes amores de
Lídia Baís foram “seus quadros, suas músicas, seus deuses, seus mundos”. Além desses,
a autora destaca que a solidão também foi um outro grande amor de Lídia, pois “foi a
solidão a companheira de todos os momentos. Mesmo rodeada por terceiros permanecia
só, no seu mundo intransponível. Caminhou dentro dela no correr dos anos, a buscar
explicações e soluções para os grandes mistérios que nos envolvem” (MARTINS, 1990,
p. 157). A professora Alda Couto, por sua vez, afirma que esse claustro voluntário da
artista, “mais do que qualquer outro significado, revelava o profundo isolamento e o alto
preço lucidamente pago pela pintora, no ato libertário de escolher seu próprio destino
[...]” (COUTO, 1999a, p. 90).
54
Nesse “destino escolhido pela artista”, a religião assumiu uma importância
significativa, o que pode ser conferido no decorrer de toda a narrativa do livro História
de T. Lídia Baís. Logo no segundo parágrafo da introdução, Lídia Baís afirma que,
além de ser um gênio que deve ser considerado no rol dos grandes filósofos, é,
sobretudo, uma escolhida de Deus: Costumam dizer que Deus prova seus escolhidos;
portanto Lídia é um de seus escolhidos!” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 3). Nesse livro, a
artista revela, ainda, que percorreu muitas “ciências e Igrejas”, mas escolheu a religião
católica para morrer e foi com esse objetivo que entrou para a Ordem Terceira de São
Francisco:
[...] depois de ter percorrido dez religiões entre ciencias e Igrejas, viu que a
Igreja católica é a única de Jesus Cristo e quer morrer nela, entrou para a
ordem terceira Franciscana e pretende acabar os seus dias nela dentro de um
mosteiro, depois de completar a sua obra no Museu. anos que vinha
pensando em fundar uma congregação ou irmandade religiosa, como não
encontrou adeptos, um padre Franciscano lhe aconselhou: filha fique em casa
até que possa entrar para um convento já formado, pois hoje em dia há tantos
mosteiros e podes escolher um que lhe convenha e muito menos trabalho
que fundar outro. (TRINDADE, [ca. 1960], p. 38).
Lídia publica, também, como anexos desse livro, um “sonho de profecia (ou
aviso)!”, um outro “sonho profético”, uma “prece ou cura para o menino Corisinho” e
um “outro milagre” para o sobrinho Hélio Martins. Milagres esses, que Lídia teria
obtido pedindo fervorosamente a Deus. Referente a outros “milagres” ou “curas”, Lídia
destaca: “fatos recentes de 1956” em que “dois doentes receberam a saúde
milagrosamente pelas fervorosas preces de Lídia Baís” (TRINDADE, [ca. 1960], p.37).
Sobre o que as outras pessoas achavam desses supostos milagres, a autora declara que
“até hoje nenhum deles perceberam do bem que Lídia procurou fazer, mas como dessas
cousas não se espera recompensa, pois Jesus Cristo disse: Daí de graça o que de graça
recebes, e assim fez Lídia” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 38).
55
A religião oferece, ainda, a temática central do caderno manuscrito por
Lídia em 1955, intitulado Perguntas ao Pae!. Neste documento, a autora revela, através
de 115 perguntas e outras escrituras, suas curiosidades, indagações e dúvidas sobre a
religião e o universo místico-espiritual, principalmente sobre a religião católica e as
religiões afro-brasileiras, que são representadas pelas “perguntas e respostas” sobre o
assunto. O caderno traz, também, representações gráficas de símbolos religiosos de
diversas culturas, como a cristã e a afro-brasileira. Na última página do manuscrito,
Lídia escreve que parou de fumar em 1956. Por intermédio desse documento
manuscrito, pode ser verificado que Lídia Baís procurou, em diversas religiões e seitas,
uma explicação e uma razão para o sentido de sua vida e de sua existência.
A importância que a religião assumiu na vida de Lídia Baís também pode
ser conferida pela publicação da oração Oficio da Imaculada Conceição, que se trata de
um livreto, formatado em dez páginas de treze centímetros de altura por dez
centímetros de largura, publicado pela artista como “Lembrança do Museu Baís”. Na
primeira parte dessa oração, intitulada Matérias”, a autora revela que, agora, está a
serviço de anunciar os louvores da Virgem Maria:
Agora lábios meus/Dizei e anunciai/Os Grandes louvores/Da virgem Mãe de
deus./Sêde em meu favor./Virgem soberana,/Livrai-me do inimigo/Com
vosso calor./ Glória seja ao Padre./Ao filho e ao amor também,/Que é um
Deus;/Em pessoas três./Agora e sempre/E sem fim Amén. (BAÍS, [ca.
1960]a, p. 2).
Segundo Nelly Martins, Lídia Baís passou a vida numa busca religiosa
interminável:
Afundada na leitura da Bíblia Sagrada e outras matérias religiosas, como a
vida de santos, mensagens espíritas, a história de Allan Kardec, falas sobre
Buda, astrologia, numerologia, terreiros de candomblé e de tudo o mais que
caía em suas mãos, acabou deixando-a numa dúvida atroz sobre qual seria o
verdadeiro caminho. Tinha, porém, o cuidado de ler a Bíblia Sagrada
56
protestante, procurando encontrar as diferenças entre ambas e qual delas era a
mais convincente. (MARTINS, 1990, p. 179).
Insegura, Lídia Baís nadou em todas as direções e por todos os espaços
religiosos que estivessem ao seu alcance. Nesse sentido, Nelly Martins descreve a
“carnavalização” religiosa empreendida pela artista:
Acendia pela manhã, uma vela à Santa Mãe de Deus e à tarde queimava
incenso reverenciando o Pai-de-Santo. Buscava um pouco de água benta na
Igreja e bebia a que recebia, fluidificada em sessões espíritas. Assistia a
missa mostrando respeito e devoção durante todo o ritual pela manhã,
participava do culto em templo protestante e mais tarde se realizava, em sua
casa uma sessão de Umbanda. Nunca deu prioridade a essa ou aquela seita.
Deu lugar a todas, respeitou-as, mas passou a vida numa busca interminável.
(MARTINS, 1990, p. 185).
Como meio para alcançar seus “objetivos espirituais”, Lídia Baís realizou
por várias vezes orações e jejuns que duravam meses. Num desses episódios espirituais,
ocorridos na época em que estudava no Rio de Janeiro, com Bernadelli, e pouco antes
de sua exposição em 1929, Lídia fez orações durante três meses e jejuou por oito meses:
Lídia começou a rezar por ver que os seus não se lembravam dela, nem se
quer mandavam uma carta, muito menos recursos, fazia seguramente uns
dez meses, em três meses de oração começou a sentir que Deus a ouvia e
desandou a fazer jejuns durante oito meses, não comia carne, fazia exercício
de não pecar por pensamento, palavras e obras e dava muita esmola aos
pobres, isto durante oito meses e logo ela sentiu que estava em transe
universal e muitas cousas lhe foram reveladas como a São Paulo e outros
santos e que não é lícito revelar aos homens. (TRINDADE, [ca. 1960], p.
22).
Num outro desses episódios de natureza religiosa, ocorrido por volta de
1953, Lídia afirma que teria ouvido músicas e melodias durante trinta dias, e, a partir de
então, se tornou compositora de músicas: “Tempo êste que Lídia ouviu muitas
melodias, o que durou trinta dias, ouvindo orquestra do espaço depois destes dias, ela
tornou-se compositora de musicas, de pintura já era há muito tempo compositora, e para
57
testicarem-na [sic], tem as reproduções de seus trabalhos em albuns
35
mostrando as suas
obras” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 48).
Lidia Baís considerava-se um “profeta e um “discípulo de Cristo”. Nessa
direção, afirmava que: “Religião é coisa que mais enleva Lídia, muitos não crêm nela
porque não observam as suas obras nem o seu modo de viver. Ninguém é profeta em
sua terra, dizia o próprio Senhor Jesus Cristo se referindo a êle mesmo. Pois os irmãos
de Lídia são como os irmãos de Jesus Cristo, não crêm nela” (TRINDADE, [ca. 1960],
p. 26).
Uma das principais razões pelas quais o casamento de Lídia Baís não se
consumou foi por causa da importância que o aspecto religioso assumiu na vida da
artista, pois afirmou que não combinou com o marido principalmente porque o
casamento “[...] não havia sido coisa feita por Deus, Lídia alegava que se consagrou a
Deus em 1933, de maneira nenhuma podia ter esposo” (TRINDADE, [ca. 1960], p.25).
Foi sobretudo a religião que aproximou Lídia Baís da mãe de Ismael Nery, Marieta
Macieira Nery, também conhecida como irmã Verônica”, que era muito religiosa e
“após ter ficado viúva, fez profissão de fé na Ordem Terceira de São Francisco de Assis
do Rio de Janeiro”
36
. Lídia conheceu a mãe de Ismael Nery, provavelmente, em Paris,
por ocasião de sua viagem à Europa, pois, foi nesse mesmo período que Ismael Nery
viajou com sua família sua esposa Adalgisa Nery
37
, sua mãe e seu filho Ivan para a
Europa, permanecendo vários meses em Paris
38
. Relatando alguns aspectos de sua
amizade com a mãe de Ismael, Lídia afirmou que, quando “estudava em Copacabana
com os professores Bernadellis”, a irmã Verônica “saia do Convento vestida de freira
35
Aqui a artista faz referência aos seus três álbuns de músicas, gravados com composições de sua autoria.
36
Com a morte do marido, o oficial-médico da Marinha Ismael de Sena Ribeiro Nery, em 1909, a mãe de
Ismael Nery, Marieta Macieira Nery, tornou-se irmã da Ordem Terceira de São Francisco, missionária
para os índios do Alto Purus e Alto Acre, passando a chamar-se Irmã Verônica (MATTAR, 2000, p. 88).
37
Em 1922, Ismael Nery casou-se com Adalgisa Cancela Noel Ferreira, que passa a assinar-se Adalgisa
Nery.
38
A esse respeito, ver MATTAR, 2000, p.12.
58
para visitá-la”. Em sua narrativa, a artista destaca também que, nessas visitas
freqüentes, a irmã Verônica sempre mencionava o seu desejo de ter dia como sua
nora: “Ela queria muito bem a Lídia, e sempre dizia: você compreende bem o Ismael, a
minha nora não o compreende, você é que deveria ser minha nora” (TRINDADE, [ca.
1960], p. 6).
A importância que o aspecto religioso assumiu na vida e na obra de Lídia
Baís é, atualmente, um dos principais objetos de estudo de pesquisas científicas, pois,
como a própria Lídia afirmou, “na parte religiosa de Lídia para escrever um belo
livro pelos seus conhecimentos, etc” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 40).
A esse respeito, temos a valiosa contribuição da professora Alda Maria
Quadros do Couto, que defende a correspondência de Murilo Mendes com Lídia Baís
como um episódio precursor na carreira de crítico de arte do poeta mineiro e, ainda,
avalia a pintura da artista mato-grossense sob as orientações artístico-religiosas do
essencialismo, criado por Ismael Nery e defendido por Murilo Mendes (COUTO,
1999a, p. 5). Esse estudo auxilia na compreensão da religião e da religiosidade na vida
e na obra de Lídia Baís, a partir de suas relações e aproximações estético-religiosas
com o poeta Murilo Mendes e com o artista plástico Ismael Nery, principalmente no
tocante à religião católica e ao essencialismo, que seria, segundo a professora, o elo de
ligação mais significativo entre esses três artistas. A professora Alda Couto considera
que as pinturas de Lídia Baís apresentam um sentido religioso especial e são muito
identificadas com as idéias que Ismael Nery e Murilo Mendes defendiam: “[...] a
capacidade e a missão messiânica dos artistas, que receberam de Deus o Dom da arte,
em suas diversas linguagens, poética, plástica, musical, para resgatar o mundo das
injustiças e da mediocridade” (COUTO, 1999a, p. 6). A autora destaca, ainda, que:
59
Conhecer alguns aspectos da carreira intelectual de Murilo e Ismael, da
proposta estética que ambos defenderam, é um bom caminho para entender a
pintura de Lídia Baís, saber que sua vida e sua obra artística o foram
banais, nem se esgotam sob os rótulos limitadores do senso comum artista
excêntrica e mística, pessoa ousada, mulher reprimida (COUTO, 1999a, p.
66).
Diante de tudo disso, percebemos que o aspecto religioso na vida de Lídia
Baís se torna importante para uma melhor compreensão de sua excêntrica história, de
sua instigante personalidade, de sua complexa obra pictórica, que aborda este tema
como conteúdo central e, principalmente, de sua maneira de viver, pois, como a artista
mesmo afirmou, “Lídia é uma freira solta no mundo, vive isolada por si mesma! Está no
mundo porém já não pertence ao mundo há anos” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 31).
Lídia Baís sempre foi considerada uma pessoa de “difícil temperamento” e
“personalidade inquietante”, e por essa razão era incompreendida. Mas, segundo a
própria artista, “a história da vida de Lídia tão comentada, pelo vulgo da humanidade, é
muito diferente da idéia que propagam dela”, pois, “dêsde [sic] sua infância sua
natureza foi sempre inclinada a religião e Deus!” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 10).
A incompreensão causada por Lídia Baís aos seus familiares, amigos e
outros moradores da pequena e provinciana cidade de Campo Grande, deve-se ao fato
de que a artista cultivou muitas excentricidades ao longo de sua vida. Indignada com o
parecer das outra pessoas sobre o seu comportamento, a artista comparou sua própria
vida com a vida dos Santos e a sua casa a um convento: “Parece incrível enquanto o
vulgo bolorento, se preocupa com a sua vida, casta, sòmente própria dos Santos; ela se
acha recolhida no seu museu de arte, que é o mesmo que um claustro. [...] é de fato um
convento a casa de Lídia, onde tem música, pinturas, religião e vários outros estudos”
(TRINDADE, [ca. 1960], p. 7). Ainda em sua defesa, a artista declarou que era uma
pessoa singular e dotada de muitos dons: “Lídia é uma criaturinha singular, tôda vida
60
foi, e será porque é dotada de dons, que entre milhares terá uma com os dons que ela
tem” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 7).
Existem muitas “curiosidades” sobre a excêntrica história de Lídia de Baís
que revelam o caráter singular da personalidade da artista e algumas merecem ser
destacadas. Consta, por exemplo, que, quando Lídia viajou para a Europa, levou
consigo roupas do irmão Aydano para poder sair despreocupada pelas ruas de Paris e
Berlim como um rapaz, pois “queria conhecer de perto os ambientes freqüentados pelos
homens” (MARTINS, 1990, p. 86). Consta, também, entre as excentricidades de Lídia,
que existiam várias cozinhas e inúmeros fogões espalhados pela sua casa, inclusive no
quintal e na garagem, que eram reservados para suas galinhas botar e chocar ovos. Entre
os animais de estimação preferidos da artista destacam-se, sobretudo, além das galinhas
e dezenas de gatos; o cachorrinho Kiss, que foi representado em pintura
39
; e o seu
pássaro João Pinto, que vivia solto pela casa e morreu afogado no vaso sanitário. Além
desse João Pinto, que aparece fotografado junto com a artista em seu catálogo
Lembrança do Museu Baís: sala das fotografias
40
, outros pássaros também mereceram a
dedicação de Lídia, como periquitos, papagaios, canários e um caburé que, de tão
estressado, arrancava suas penas e acabou morrendo quase pelado. Mas, de todo o
zoológico particular de dia Baís, destaca-se, sobretudo, um casal de “pequineses”,
presenteados à artista. Esses pequenos animais, muito queridos pela artista, foram os
primeiros responsáveis por uma prole que gerou mais de duas centenas de descendentes,
conforme evidencia Nelly Martins:
Ninhadas e mais ninhadas de pequineses se espalhavam pela casa: no
corredor, no quarto em baixo da cama, no canto da escada, sob a
escrivaninha. Sem nenhum exagero, era incrível tamanha quantidade de
animais. Se morria algum Lydia se entristecia e os mais queridos passavam a
39
A esse respeito, ver BAÍS, [ca. 1960]d, p. 11.
40
A esse respeito, ver BAÍS, [ca. 1960]d, p. 35.
61
ser conservados em vidros de álcool ou clorofórmio (MARTINS, 1990, p.
140).
Entre todas as excentricidades de Lídia Baís, a relação com o tempo é a que
assumiu maior destaque na vida e na obra da artista, haja vista que fez questão de omitir
tanto a idade quanto a data de produção das obras. Embora Lídia tenha nascido em 22
de abril de 1900, consta no seu “Horóscopo Astrológico”
41
que: “De acordo com as
influencias planetárias observadas no céu da natividade astrológica do dia 23 de abril de
1910, numa segunda feira, às 12,30 da noite, em Campo Grande estado de Mato
Grosso...” (ANEXO 2.3). Nesse documento original, podemos conferir que Lídia
alterou sua data de seu nascimento (22/04/1900) para mais dez anos e um dia
(23/04/1910). Foi justamente por causa desse fato que Lídia apagou as datas de quase
todas as suas obras, dificultando e, em alguns casos, impossibilitando uma ordenação
cronológica da própria produção artística. Referente a isso, a professora Maria da Glória
Rosa escreve que: “A preocupação de Lídia com a idade, o desejo de permanecer
para sempre criança, talvez seja a causa de não ter datado os catálogos, nem os quadros”
(ROSA, 1986, p. 15).
Essa relação particular que Lídia estabeleceu com a própria idade e com o
tempo pode ser conferida na “nota” introduzida na carta de Murilo Mendes, datada de
16 de maio de 1930, publicada no livro História de T. Lídia Baís:
N. B Quanto a idade de Lídia ninguém se preocupe, primeiro porque ela é
da teoria de Marden no seu escrito “Elixir da Mocidade”. De maneira alguma
não se deve admitir a ideia de envelhecimento! Segundo tanto a ofenderam
sôbre idade, dêsde a infância, por causa da idade corporal, pois o espírito não
tem idade nem sexo! Terceiro o seu venerado pai sempre mudava sua idade
dêsde [sic] criança porque ele achava suas conveniências. De forma que
idadeo implica no seu modo de viver, o que mostra são as obras. Quando
ela não existir poderão ampliar êstes [sic] escritos como entenderem.
(TRINDADE, [ca. 1960], p. 43).
41
O “Horóscopo Astrológico” foi confeccionado em Campo Grande, em 23 de outubro de 1944, pelo Dr.
Abelardo Arenas.
62
Como podemos perceber, Lídia não admitia, em hipótese alguma, a idéia do
envelhecimento. Este problema é tão importante para a artista que, além de alterar a
idade, ela também fez questão de manter uma aparência que inspirasse jovialidade e
revelasse sua “independência espiritual”. Com esse objetivo, Lídia Baís tentou manter a
aparência de uma “eterna criança”, cuja característica principal foi o mesmo penteado
“em caracóis”, que usou desde a infância, e um figurino peculiar, que caracterizou sua
imagem por quase toda a vida. Em seu livro autobiográfico, Lídia revela que “suas
irmãs mais velhas gostavam de fazer nos seus cabelos penteados em caracois,
acostumaram-na a êste penteado dêsde tenra idade, tornando-o característico de Lidia,
até os nossos dias, fazendo-nos lembrar do tempo de Luiz XV”. Lídia afirma que, por
causa disso, “os invejosos sempre gostam de critica-la, pela falta de independência
espiritual (igual o de Lídia)” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 5).
Sobre a aversão que Lídia sentia pela idéia de envelhecimento, Nelly
Martins relata que, em sua velhice, a artista “fugiu à realidade, fugindo de sua própria
imagem, como Greta Garbo. Como esta, ela que foi o fotografada, quando
envelhecida não admitiu mais que registrassem sua imagem” (MARTINS, 1990, p.
187).
Embora tentasse fugir da realidade mascarando o tempo, Lídia Baís também
sucumbiu à velhice no decorrer dos anos. Durante a velhice, Lídia não se alimentava
direito, dormia pouco e seu estado de saúde foi se agravando lentamente. bastante
idosa, enfraquecida e apresentando sinais de esclerose, levou um tombo, agravando
ainda mais sua saúde. A partir de então, passou o resto dos seus dias deitada em sua
cama
42
; quando se levantava por algum motivo, tinha que ser amparada por outras
42
Essa mesma cama de Lídia Baís faz parte do acervo da artista e, atualmente, encontra-se em exposição
permanente na Morada do Baís/Pensão Pimentel, em Campo Grande.
63
pessoas. Segundo Nelly Martins, foi surpreendente a maneira firme e tranqüila com que
Lídia enfrentou seus últimos dias: “Nenhuma revolta, nenhum reclamo, nenhuma
impertinência. Foi se apagando devagar, a fala enfraquecida, os ouvidos obstruindo os
caminhos dos sons, os movimentos cada vez mais restritos, a respiração curta e quase
imperceptível” (MARTINS, 1990, p. 189). Assim foi o fim de Lídia Baís na lembrança
de sua sobrinha.
A artista morreu na noite de 19 de outubro de 1985. O velório de corpo
presente foi realizado no salão, local do seu museu de arte. Durante a cerimônia
fúnebre, além da despedida de Lídia, foi realizada, também, uma exposição de seus
quadros e, finalmente, a inauguração” do Museu Baís. Sobre esse fato, Nelly Martins
destaca que Lídia tentou inaugurar seu museu muitas vezes, mas o mesmo somente
abriu suas portas à visitação pública no dia de sua cerimônia fúnebre: “Naquela noite
ela e seus trabalhos disputavam o primeiro espaço [...]. Suas telas coloridas e brilhantes
engalanaram-se para serem vistas. Era chegado o dia em que seriam admiradas como
peças de museu”. Entretanto, como todos os presentes estavam “vivendo o velório de
Lídia”, ninguém percebeu que uma exposição da artista tinha sido montada (MARTINS,
1990, p. 191).
Após a morte de Lídia, seus pertences e suas obras foram divididos entre os
familiares e a casa onde a artista morava, suposta sede do seu museu de arte,
infelizmente foi vendida, colocando, definitivamente, um ponto final em seu sonho de
construir naquele local, o Museu Baís.
Um ano depois da morte de Lídia, a família resolveu doar o acervo cultural
da artista para o estado de Mato Grosso do Sul, através da Fundação de Cultura. O
acervo foi recebido pela Coordenadoria do Patrimônio Cultural de Mato Grosso do Sul,
órgão vinculado à Fundação de Cultura, ficando, desde então, sob a guarda e
64
responsabilidade do estado, sendo composto de mais de uma centena de obras de arte
(pinturas e desenhos), três álbuns, contendo 21 discos gravados com composições da
artista, móveis e objetos pessoais (cama, cadeira de balanço, cavaletes e palheta de
pintura, pincéis, entre outros), fotografias, recortes de jornais, cartas, manuscritos,
horóscopo, dezenas de exemplares originais do livro História de T. Lídia Baís, da
oração Ofício da Imaculada Conceição e dos três catálogos Lembrança do Museu Baís
publicados pela artista. Depois de efetivada a doação pelos familiares de Lídia, a
Coordenadoria do Patrimônio Cultural contratou duas funcionárias do Centro de
Conservação e Restauração de São Paulo (DECOR), com o objetivo de que fossem
feitas a higienização e a restauração das obras, que se encontravam em avançado estado
de deterioração. Após o diagnóstico das especialistas do DECOR, reafirmando a
necessidade e a urgência de restauro das obras, haja vista que se encontravam em estado
precário de conservação, o estado, alegando falta de verbas, não concretizou a
restauração, na época. As obras do acervo foram apenas higienizadas, catalogadas e
guardadas, sendo que, até hoje, estão à espera de restauração e maiores cuidados na sua
conservação.
A intenção da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, quando recebeu
o acervo de Lídia Baís, em 1986, era destinar um espaço físico no Centro Cultural de
Campo Grande para organizar um museu em homenagem à pioneira das artes plásticas
no estado. Esse fato foi registrado com grande destaque pelos principais jornais do
estado na época: Jornal Correio do Estado, Jornal Diário da Serra e Jornal da Manhã.
Nesses jornais, todos datados de 22 de fevereiro de 1986, as manchetes evidenciam a
criação de um museu pela Fundação de Cultura para abrigar o acervo de Lídia Baís:
“Fundação vai ter o museu de Lídia Baís” ou “Lídia terá seu museu”.
65
As matérias desses jornais revelavam que: “Mais de sessenta obras da artista
vão ser doadas para a Fundação de Cultura, para a organização de um museu dedicado a
esta sensível campo-grandense. As telas, fotografias, objetos e documentos formarão o
acervo [...]” (Diário da Serra,1986). Revelam, ainda, que as doações do acervo de Lídia
foram efetuadas por Amélio Baís Filho, Maria Luiza Baís, Edgar Paes Borgonha, Maria
Amélia Baís Borgonha, Aidano Mascarenhas Baís, Plínio Barbosa Martins, Ruth
Barbosa Martins, Hélio Baís Martins, Circe de Souza Martins, Wilson Barbosa Martins
e Nelly. Esses jornais afirmam, também, que, “caso seja concretizado o tombamento da
Pensão Pimentel, em cujas paredes estão ainda diversas pinturas em afresco de Lídia, o
museu será transferido para lá” (FUNDAÇÃO..., 1986a; FUNDAÇÃO..., 1986b). Mas,
como vimos, somente em 1994 esse fato se concretizou, quando foi executada a
revitalização do sobrado da Morada dos Baís/Pensão Pimentel e apenas algumas obras e
objetos pessoais, parte do acervo da artista, foram transferidos para esse local, onde se
encontram, atualmente, em exposição permanente.
Porém, antes disso, com a criação do Museu de Arte Contemporânea
(MARCO), em 1991, todo o acervo da artista, que estava na Coordenadoria do
Patrimônio Histórico desde 1986, passou a ser responsabilidade do museu. Na
inauguração do MARCO, em 17 de abril de 1991, as obras de Lídia foram expostas num
ambiente reservado especialmente para a artista, denominado de “Sala Lídia Baís”. Essa
exposição permaneceu aberta para visitação pública durante seis meses consecutivos,
possibilitando ao público campo-grandense e sul-mato-grossense apreciar, in loco, a
obra da artista.
No entanto, essa não foi a primeira vez que as obras da artista foram
expostas em Campo Grande, sua cidade natal. Em 1979, foi montada uma sala especial,
com cinco obras de Lídia Baís, no “1
º
Salão do Artista Plástico”, realizado no Salão de
66
Exposições do Paço Municipal em Campo Grande. Nelly Martins destaca que o fato
mais importante desse evento foi a presença das obras de Lídia, mostradas pela primeira
vez ao público de Campo Grande. No ano seguinte, foi organizada, por Nelly Martins e
Jonir Figueiredo, uma exposição individual de dia Baís no Paço Municipal,
promovida pelo Governo de Estado de Mato Grosso do Sul, do dia 28 de maio a 6 de
junho de 1980. Essa exposição, intitulada “Lydia Baís Retrospectiva”, foi coordenada
por Idara Negreiros Duncan e a apresentação da artista no catálogo da mostra ficou sob
a responsabilidade da professora Maria da Glória Rosa, que assim escreveu sobre as
obras da artista:
Seus quadros tanto refletem tendências figurativas quanto abstracionistas. O
Surrealismo domina muito de suas telas, repleta de signos religiosos, pois,
Lydia é uma artista impregnada de misticismo que “bebe água de toda
religião”, de acordo com o conceito de Guimarães Rosa. Lydia, menina-
mulher não sabe que as lições de seus mestres Oswaldo Teixeira e Henrique
Bernadelli frutificaram criações fantásticas em que figuras grotescas, alegres,
povoam espaços evocativos da dor, do amor, do terror do homem, para
orgulho da gente sul-mato-grossense (ROSA apud MARTINS, 1990, p. 166).
Ainda sobre essa exposição de 1980, Nelly Martins relata que no dia
seguinte, Lídia “comprou todos os jornais e em hora apropriada foi ao recinto da
exposição, namorou seus quadros às escondidas e depois se isolou, novamente, no seu
ninho” (MARTINS, 1990, p. 167).
Em 1983, na inauguração do Centro Cultural, em Campo Grande, foi
montada uma exposição com obras de Lídia Baís e obras de Ignês Correia da Costa
43
,
43
Ignês Correia da Costa nasceu em Cuiabá-MT, em 1907, e faleceu em Campo Grande, em 1985.
Estudou com Portinari na Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, assimilando muito de suas lições
expressionistas e cubistas, o que pode ser visível em suas obras. Seus primeiros temas foram retratos, mas
grande parte de seu trabalho está ligada à realidade mato-grossense, no qual as cidades, principalmente
Cuiabá, são temas constantes. Segundo Aline Figueiredo: “[...] em sua obra, de tendência expressionista e
cubista, encontra-se boa documentação Cuiabá antiga” (FIGUEIREDO, 1979, p. 262). Ignês participou de
várias mostras de arte durante a sua carreira, destacando-se, sobretudo, o Salão Nacional de Belas Artes,
no Rio de Janeiro, onde recebeu medalha de ouro, prata e bronze, e ainda várias menções honrosas. Além
de um curriculum representativo, participou ainda da “Primeira Exposição de Artistas Mato-grossenses”
em 1966, promovida pela AMA em Campo Grande, entretanto sua vida e a sua obra, infelizmente, ainda
não foram investigadas como objetos principais de estudos e pesquisas (RIGOTTI, 2000a, p. 82).
67
consideradas as duas artistas plásticas precursoras da modernidade nas primeiras
décadas do século XX em Mato Grosso
44
. Na abertura dessa exposição, Ignês esteve
presente, mas Lídia não pôde comparecer e foi representada por um “grupo de servas”,
que trabalhavam para a artista
45
. Essa foi a última exposição que Lídia realizou ainda em
vida, pois, três anos depois, em 1985, tanto Lídia quanto Ignês vieram a falecer.
Após a morte de Lídia Baís, o Instituto Cultural Itaú, por meio da
Itaúgaleria, de Campo Grande, promoveu uma exposição individual com pinturas e
alguns objetos pessoais de Lídia Baís, durante o período de 15 de agosto a 14 de
setembro de 1990. No catálogo dessa exposição, intitulada “Lidia Ba’i’s [sic]: Pessoa e
Artista”, pode-se ler:
Dona de personalidade mística e sensível, diretora de um museu de arte que
efetivamente nunca existiu, Lidia Ba’i’s [sic], figura Humana ímpar em sua
época, nascida de família influente social e politicamente, viveu e produziu
em Campo Grande, a partir dos anos 30, uma vasta obra, marcada pelas suas
viagens à Europa e pelo seu estudo com Henrique Bernadelli e Ismael Nery.
(INSTITUTO..., 1990).
Em 1993, o Museu de Arte Contemporânea (MARCO) realizou uma
exposição comemorativa, alusiva ao nonagésimo terceiro aniversário da artista, durante
o período de 13 a 29 de agosto. Nessa exposição, foram expostas 53 obras do acervo de
44
A modernidade nas artes plásticas em Mato Grosso surge, principalmente, através dessas duas artistas
plásticas, que criaram obras de acentuado valor estético e são referenciadas como as pioneiras de uma
nova maneira de representar o mundo e re-apresentar a arte em Mato Grosso:dia Baís e Ignês Correia
da Costa. Estas duas artistas plásticas compõem o universo pictórico de Mato Grosso nas primeiras
décadas do século XX e inauguram a modernidade nesta região de pantanal, cerrados e campos de
vacaria, adotando procedimentos artísticos e estéticos, com técnicas inovadoras, reunindo características
estéticas que as aproximam das vanguardas artísticas brasileira do início do século. Assim como a
vanguarda brasileira de sua época, Lídia Baís e Ignês Corrêa da Costa manipularam elementos das
tradições eruditas e populares, reconhecendo signos da cultura negra, cabocla, do passado indígena, e
aproximaram o urbano e o rural, o caipira e o operário, o profano e o sagrado, a simplicidade e a
complexidade para a composição dos seus universos pictóricos. Nesse sentido, as obras dessas duas
artistas permitem-nos, além de uma avaliação da importância histórico-cultural das artes plásticas na
região, uma avaliação estética e crítica sobre as artes plásticas no Brasil do século XX e sobre os
procedimentos e práticas pictóricas da modernidade artística brasileira. Através dos procedimentos
estéticos e artísticos das obras de Lídia e Ignês, dos valores e contextos culturais aos quais elas estão
relacionadas, da intertextualidade e do dialogismo que estabelecem com outros textos, podemos perceber
que suas obras promovem uma renovação da linguagem plástico-visual no estado (RIGOTTI, 2000a, p.
83).
45
A esse respeito, ver MARTINS, 1990, p. 167.
68
Lídia Baís, que, desde 1991, está sob a guarda e responsabilidade do MARCO. Durante
a exposição, o museu recebeu a visita, além do público corriqueiro, dos alunos e
professores da Escola Harmonia de Campo Grande e da Escola Imaculada Conceição de
Dourados, que fretou um ônibus especialmente para os alunos conhecerem as obras da
artista considerada a “pioneira das artes plásticas” no Estado. A partir de 1993, as obras
de Lídia Baís participam, constantemente, de exposições coletivas e individuais
realizadas pelo Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul.
Como podemos perceber, ao longo dessa narrativa, os estudos sobre a
história e a memória cultural de Lídia Baís se tornam importantes para o contexto
artístico de Mato Grosso do Sul, principalmente porque o percurso de vida dessa artista
plástica reúne elementos experienciais singulares que a caracterizam como uma artista
ímpar no contexto histórico-cultural do Centro-Oeste.
69
3 A REPRESENTAÇÃO PICTÓRICA NO IMAGINÁRIO DE LÍDIA BAÍS
A arte é muito mais do que uma decoração, é uma forma ideal carregada de
significações. A arte permite transmitir a percepção de coisas que não
podem ser expressas de outra forma. A arte vale pela sua importância
simbólica. Pois na arte como na linguagem o homem é um criador de
símbolos, através dos quais nos transmite, de um modo novo pensamentos
complexos.
H. W. Janson
O principal objetivo deste capítulo é verificar a importância que as imagens,
a arte e as representações pictóricas, particularmente as produções plástico-visuais de
Lídia Baís, assumem enquanto “documento visual” para a pesquisa histórica, nos
estudos contemporâneos direcionados à compreensão das imagens, do imaginário e da
representação na modernidade e na contemporaneidade.
O mundo contemporâneo e a nossa vida cotidiana estão permeados de
mensagens visuais, que chegam até nós pelos diversos meios de comunicação e
expressão. É o mundo da tecnologia, da mídia, do vídeo e da informática, nos quais a
imagem se destaca e assume um importante papel.
As imagens visuais têm sido meios de expressão da cultura humana desde as
pinturas pré-históricas das cavernas, milênios antes do aparecimento do registro da
palavra pela escritura. Utilizadas para sustentar as aspirações humanas, desde as
culturas mais primitivas a os dias atuais, as imagens sempre causaram fascínio aos
homens. Atualmente, experimentamos uma valorização das imagens nunca antes vista.
A partir do início do século XX, a imprensa e a reprodução de imagens
entram numa era de sofisticação, na qual os meios de comunicação impressos se
empenharam na pesquisa de novas formas para se utilizar as imagens. A imagem
70
movimenta-se, torna-se dinâmica e se populariza, cada vez mais, através do cinema, do
vídeo e da televisão. O computador e as novas tecnologias não reforçaram o
predomínio das imagens como também expandiram seu uso e multiplicaram suas
formas de utilização, proporcionando uma verdadeira “revolução” que resultou na
transformação do suporte físico da imagem (a pintura, a fotografia, etc.) em inúmeros
pontos de luz na tela do computador (digitalização da imagem).
O sociólogo francês Pierre Lévy considera que, no mundo contemporâneo, a
era digital é uma realidade e um desafio que teremos que enfrentar. Esse pesquisador
define a virtualização como o movimento inverso da atualização, não sendo, porém,
uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de possíveis), mas
uma mutação de identidade: “No mundo digital, a distinção do original e da cópia
muito perdeu qualquer pertinência. O ciberespaço está misturando as noções de
unidade, de identidade e de localização” (LÉVY apud LEITE, 1998, p. 17).
A contemporaneidade é o império das imagens visuais. O ciberespaço, a
virtualização, o hipertexto e tantas outras palavras que antes nos eram apresentadas
em livros ou filmes de ficção científica, agora fazem parte do nosso cotidiano.
Os reflexos desse mundo imagético no âmbito das relações sociais se
verificam, segundo Michel Manffesoli, na “emergência de uma bricolage ideológica” e
na “multiplicação de pequenas ideologias”, constituindo-se numa “espécie de
babelização do mundo”. Para esse pesquisador francês e diretor do Centre D’Études sur
Láctuel et le Quotidien (CEAQ) e do Centre de Recherche sur l’Ímaginaire:
[...] nesse tribalismo, nesse estar na moda”, nessa imitação, a verdadeira
importância está no imaginário, na imaginação, justamente porque não
mais a prevalência da razão, que deixou de ser o elemento de hegemonia. Se
criássemos um neologismo, eu diria que experimentamos a emergência de
um mundo imaginal. O imaginal estaria sucedendo o mundo no qual havia a
prevalência da razão, e é isso que vai servir de invólucro geral para
compreendermos o que é a pós-modernidade. (MANFFESOLI, 2000, p. 9).
71
Diante disso, as investigações sobre a imagem, o imaginário e a
representação pelos pesquisadores na contemporaneidade se distribuem por várias
disciplinas do conhecimento, tais como, a história da arte, as teorias antropológicas,
sociológicas, psicológicas da arte, a crítica de arte, os estudos da mídia, a semiótica
visual, as teorias da cognição, entre outras, que colaboram para fazer do estudo da
imagem um empreendimento interdisciplinar (SANTAELLA; NÖTH, 1999, p. 13).
Embora o conceito de imagem seja percebido, quase sempre, em seu caráter
visual, etimologicamente, a palavra de origem latina Imagine, significa
“representação/imitação/retrato/apresentação – signo que guarda em si um caráter duplo
e dialético” (CARAMELLA, 1998, p. 125).
As imagens são percebidas através dos sentidos e apresentam-se por meio de
seus materiais utilizados no seu processo de representação. É a seleção dos elementos
físicos e das informações repertorizadas que irão moldurar a invariância da função e da
estrutura imagética. Dessa maneira, pode-se distinguir diferentes tipos de imagens:
imagem visual, imagem tátil, imagem sonora, imagem gustativa e imagem olfativa.
Porém, de todo o repertório imagético apreendido pelos sentidos, Caramella considera
que a imagem visual é o único signo que não exige, necessariamente, a tradução de uma
percepção sensorial a outra percepção sensorial, principalmente porque existe um
processo de similaridade entre o signo
46
e a organização da própria percepção visual
(CARAMELLA, 1998, p. 127).
Segundo Lúcia Santaella e Winfried Nöth, o mundo das imagens se divide
em dois domínios: o material e o imaterial. No domínio material, estão as imagens
como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens
46
Segundo Caramella, podemos compreender o conceito de signo como “a substituição de uma coisa por
outra, que mantém uma relação de cooperação com três sujeitos: objeto, signo e interpretante”
(CARAMELLA, 1998, p. 125).
72
cinematográficas, televisivas, holográficas e infográficas. Nesse domínio, portanto, as
imagens são objetos materiais, signos que representam o meio ambiente visual. no
domínio imaterial, são as imagens na mente. Essas imagens aparecem como visões,
fantasias, imaginações, esquemas, modelos ou como representações mentais. Nessa
direção, os autores consideram que ambos os domínios estão inseparavelmente ligados
na sua gênese, pois: “Não imagens como representação visual que não tenham
surgido de imagens na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não
imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos
visuais” (SANTAELLA; NÖTH, 1999, p. 15).
Analisando a relação entre imagens e realidade, Haedarik Blündorn,
considera que os “organismos humanos” são os autores de todas as imagens e também
os autores da realidade, pois “sem organismos, nem imagens nem realidade existiriam”.
Nesta perspectiva, o autor afirma que: “Todas as imagens, com as quais os seres
humanos tratam, e a realidade inteira, na qual eles se movimentam, foram produzidas,
ao longo da história, por comunidades humanas” (BLÜHDORN, 1999, p. 86). Assim, a
realidade é percebida como uma imagem, ou seja, um conjunto de imagens. Ao
pressupor que a realidade é um produto de organismos e comunidades de organismos, o
autor enfatiza que: “Devemos reconhecer que não existe uma realidade, mas sim,
muitas realidades, em contraposição a um único mundo”, pois, “realidades são o
resultado da percepção do mundo por organismos, deixam o mundo interpretável e
constituem uma moldura de orientação para a vida dos organismos” (BLÜHDORN,
1999, p. 88).
Na contemporaneidade, a imagem não se restringe mais à transformação do
elemento representado em elementos representantes, pois, diante de suas possibilidades
73
técnicas e tecnológicas, ela se configura como “metamorfose, metáfora purificada do
real [...]”, que pode atingir o incorpóreo e legitimar o real (NEIVA JR., 2002, p. 81).
3.1 A imagem, o imaginário e a representação pictórica na pesquisa histórica
No campo da história, a professora Sandra Jatahy Pesavento afirma que o
estudo da imagem e do imaginário apresenta-se no bojo de uma série de constatações
relativamente consensuais que caracterizam a nossa contemporaneidade: “a crise dos
paradigmas de análise da realidade, o fim da crença nas verdades absolutas
legitimadoras da ordem social e a interdisciplinaridade” (PESAVENTO, 1995, p. 9).
A chamada “crise dos paradigmas” implicou, para as ciências humanas e
sociais, mudanças de conteúdo e método e a coexistência de um ecletismo teórico,
independente das ênfases de análises e dos seus respectivos enfoques, possibilitando,
assim, a expansão do universo do historiador que se abriu para muitos campos novos,
nos quais, segundo Peter Burke, “vem estabelecendo estreitas relações e um diálogo
cada vez mais crescente com outras disciplinas em diversas áreas do conhecimento
humano” (BURKE, 1992, p. 7-8). Atualmente, os historiadores contemporâneos
preocupam-se com questões que, por muito tempo, interessaram a sociólogos, a
antropólogos e a outros cientistas sociais.
A história ampliou, sobremaneira, o campo do documento histórico, no
século XX, em razão, principalmente, das novas concepções dos historiadores reunidos
em torno das Annales. A história vive, atualmente, o que Jacques Le Goff denominou de
“revolução documental”, na qual “documentos escritos de todos os tipos, documentos
figurados, produtos de escavação arqueológica, documentos orais, uma fotografia, um
74
filme, uma pintura ou, num passado mais distante, um pólen fóssil, um animal
petrificado, são documentos de primeira ordem para a história” (LE GOFF, 1998, p.
28).
Segundo José Remedi, não somente a história, mas também outras tantas
disciplinas que se organizaram na ânsia do cientificismo do século XIX foram abaladas
pela percepção de que qualquer tipo de relato sempre esteve ligado à pluralidade das
formas de ver o mundo. Nessa perspectiva: “A evidência do problema do sistema de
narrativa histórica, agravado pela ‘crise da representação’, tornou razoável supor que a
disciplina histórica devesse cada vez mais experimentar novos estatutos para expressar-
se enquanto linguagem social”. E isso, segundo o autor, “relativizou os objetos de
estudos, eliminando tanto a suposta neutralidade do observador distante, como a
possibilidade de se encontrar uma versão única para os acontecimentos do passado ou
do presente” (REMEDI, 2000, p. 135).
Diante disso, os historiadores contemporâneos estão cada vez mais imbuídos
de que a história não é uma narração linear de fatos acontecidos, em sua suposta
seqüência objetiva, mas, ao contrário, a seleção e organização deliberada de estratégias
narrativas, a partir de uma multiplicidade ordenada de fatos. Multiplicidade essa, em
que categorias, habitualmente consideradas estranhas ao meio dos historiadores
tradicionais, passaram a ser vistas como essenciais para um determinado tipo de
organização dos dados históricos, principalmente aqueles que também consideram que
os recursos ficcionais e representativos proporcionam visibilidade a uma época, a uma
classe social ou a um acontecimento qualquer.
A expansão do campo do historiador implica, também, o repensar da
explicação histórica, uma vez que as tendências culturais e sociais o podem ser
analisadas da mesma maneira que os acontecimentos políticos, principalmente aquelas
75
que giram em torno de temas complexos como imagem, imaginário e representação.
Neste sentido: “O imaginário deve ser entendido como um sistema de idéias e imagens
de representação coletiva que pode ser resgatado, através das posturas teóricas e a partir
de um novo patamar epistemológico, como uma nova categoria de análise
enriquecedora do estudo da história” (PESAVENTO, 1995, p. 9).
O professor Francisco Calazans Falcon destaca que o problema da
representação é um problema crucial para o entendimento da própria história e, por essa
razão, deve ser tratado em termos conceituais e epistemológicos. Considerando que as
relações entre história e representação constituem-se a partir das noções de diferença e
identidade, esse pesquisador afirma que as oposições conceituais apenas evidenciam as
possibilidades do discurso histórico:
[...] os debates acerca da “representação” envolvem, na verdade, as condições
de possibilidades de discurso histórico enquanto discurso de uma prática
disciplinar específica, comprometida com a produção de um certo tipo de
conhecimento ao qual denominamos de história e/ou historiografia.
(FALCON, [ca. 2000], p. 1).
Criticando os usos atuais do termo representação pelos pesquisadores,
Falcon considera que eles estão acompanhados de muitas imprecisões e indefinições,
principalmente porque, em muitos textos de história e ciências sociais, o termo
“representação” situa-se no centro de noções ou conceitos muito variados como
imaginário, ideologia, mito e mitologia, utopia e memória, que são, geralmente,
descritos em termos de representações sociais. No caso da ideologia, especificamente, o
autor adverte que essas imprecisões se tornam complicadas, dadas as múltiplas
significações do termo. Além da ideologia, as formas simbólicas também são acopladas
às representações sociais, agravando, ainda mais, as imprecisões e indefinições do
termo, uma vez que “as representações sociais, ou imaginários coletivos, são
76
freqüentemente expressas ou mesmo materializadas através de signos sinais,
emblemas, alegorias e símbolos” (FALCON, [ca. 2000], p. 2).
Considerando que a questão “história e representação” situa-se na
encruzilhada de dois percursos historiográficos distintos o moderno e o pós-moderno
–, Falcon destaca que o discurso historiográfico moderno abrange toda a tradição
intelectual e/ou cultural elaborada a partir do Iluminismo e centrada na razão e importa-
se com a dupla significação de história: como realidade e como conhecimento dessa
realidade. Nessa perspectiva, o discurso historiográfico moderno considera que “história
é o singular coletivo que existe enquanto processo real, racional e teleológico”,
configurando-se como “uma ‘realidade’ concebida em termos materialistas ou
idealistas, mas intrinsecamente ‘real’ (objetiva) distinta da consciência do sujeito”
(FALCON, [ca. 2000], p. 2). Ao contrário dessa perspectiva, no discurso historiográfico
pós-moderno, o autor afirma que “a história é concebida como um discurso produzido
acerca da História”. Para Falcon, do ponto de vista da história e da historiografia, a
emergência do pós-moderno pode ser descrita partir dos anos de 1960/70, como
resultado, principalmente, do chamado linguistic turn (giro lingüístico), para o qual
confluíram “diversas correntes teóricas baseadas num pressuposto comum acerca da
filosofia da linguagem, isto é, da linguagem enquanto instância constituinte da
realidade” (FALCON, [ca. 2000], p. 3).
Assim, reconhecendo as oposições ou divergências entre essas duas
tendências, Falcon enfatiza que o importante a ser destacado no tocante à representação
é a maneira de se conceber a natureza do discurso histórico e a própria história, pois:
[...] trata-se da “crise da representação”, ou seja da idéia moderna de
representação, e sua substituição pela idéia de que, como “representação”, o
texto histórico é um “artefato lingüístico” elaborado segundo princípios
literários que remetem às estruturas da “narrativa” sendo sua referencialidade
unicamente de ordem intra e intertextual. (FALCON, [ca. 2000], p. 3).
77
Nessa perspectiva, o problema da representação para a historiografia está na
utilização de seus termos conceituais e epistemológicos o termo e seus conceitos e a
natureza da representação. Diante disso, o autor define, etimologicamente, o termo
“representação” (latim representare fazer presente ou apresentar de novo) e suas
concepções e sentidos empregados ao longo da história. Na Idade Média, tais
significações foram adquirindo novas conotações, tanto teológicas e místicas quanto
políticas. na passagem da Idade Média para os “tempos modernos”, emergem
variações de sentidos associados à idéia de “representação” nas quais podem ser
destacadas duas acepções principais: 1) “representação” entendida como objetivação,
figurada ou simbólica, de algo ausente (animado ou inanimado, material ou abstrato), e
2) “representação” definida como “estar presente no lugar de outra pessoa”
(representante) – uma prática política. (FALCON, [ca. 2000], p. 5).
Essas duas acepções de “representar” correspondem a percursos intelectuais
distintos no contexto da cultura ocidental, na medida em que esta tendeu, quase sempre,
a privilegiar a primeira acepção (racionalidade) em detrimento da segunda acepção
(irracionalidade: a fantasia, a imaginação, a ficção.). Nessa perspectiva, “representação”
define-se, ambiguamente, como referência aos diversos tipos de apreensão (intencional)
de um objeto e tende a confundir-se com o conceito de idéia. E é, justamente, essa
“concepção representacional das idéias”, derivada do nosso “aprisionamento intelectual
às metáforas gregas”, que foi, segundo Falcon, “um dos principais alvos das críticas
filosóficas, semiótico-lingüísticas e literárias, culminando nas teses
‘desconstrucionistas’ pós-modernas, e levando o campo da epistemologia e da prática
científica à crise da representação” (FALCON, [ca. 2000], p. 6-7). Assim, o autor
considera que o fato realmente importante em relação à “crise da representação” é a
78
mudança radical operada em relação às concepções clássicas acerca de sujeito e objeto,
realidade, objetividade e verdade, pois:
[...] a ciência deixou de ser o fruto de um feliz encontro entre o “real” e o seu
reflexo ou “representação” e passou a ser uma construção do sujeito-
pesquisador. Se quisermos considerá-la uma “representação da realidade” é
bom termos presente que o mundo não é aquilo que a ciência verifica mas;
sim a sua imagem, em perpétua mutação que a ciência nos oferece no
momento de sua verificação pelo pesquisador. [...] sua correspondência com
o “real”, se é que de fato existe, se torna possível através de inúmeras
mediações, incluídas as dos instrumentos de pesquisa. (FALCON, [ca.
2000], p. 7).
A “crise da representação” (sua concepção clássica e racional), segundo o
autor, “encontra-se estreitamente ligada à da idéia de ‘real’ ou ‘realidade’ como
referente extra-discursivo”, pois, é “o ‘realismo’ como pressuposto filosóficos que está
em questão nas críticas à representação” (FALCON, [ca. 2000], p. 7). Assim, o autor
destaca o que é importante perceber em relação à “representação”:
[...] como a crise de uma certa idéia de “representação”, a partir de críticas
empenhadas em demonstrar a impossibilidade ou o sem sentido de toda
“representação”, acabaram por promover e consolidar outra idéia de
“representação”, associada, neste caso, ao imaginário, ao simbólico, à
fantasia, sem compromisso com aquela pobre e antiga idéia de real.
(FALCON, [ca. 2000], p. 8).
Na mesma perspectiva, a historiadora Sandra Pesavento também considera
que o imaginário não pode ser o impensado ou o não expresso e, neste sentido, ele
necessariamente trabalha sobre a linguagem, é sempre representação e não existe sem
interpretação. A autora destaca que a estratégia de abordagem conceitual do imaginário
poderia começar com a “noção de representação”, uma vez que é no domínio da
representação que as coisas ditas, pensadas e expressas têm um outro sentido além
daquele manifesto. Pois, enquanto representação do real, o imaginário é sempre
referência a um outro ausente”. Dessa maneira, “o imaginário enuncia, se reporta e
evoca outra coisa não explícita e não presente”. Este processo, segundo a autora,
79
apresenta uma dimensão simbólica e envolve a relação que se estabelece entre
significantes (imagens, palavras) com seus significados (representações, significações).
É justamente nessa inter-relação que a sociedade constrói a sua ordem simbólica, que,
se por um lado não é o que convenciona chamar de real (mas sim uma sua
representação), por outro lado é também uma outra forma de existência da realidade
histórica, uma vez que “o real é um sistema de idéias-imagens que significado à
realidade, participando, assim, da sua existência”. Diante disso, a autora afirma ainda
que o real é, ao mesmo tempo, “concretude e representação”. Assim, “a sociedade é
instituída imaginariamente, uma vez que ela se expressa simbolicamente por um sistema
de idéias-imagens que constituem a representação do real” (PESAVENTO, 1995, p. 15-
16).
Como sabemos, todas as sociedades, ao logo de sua história, produziram
suas próprias representações globais e elaboraram sistemas de idéias-imagens de
representação coletiva. Mas essas representações coletivas da realidade não são o
reflexo da realidade. Segundo Evelyne Patlagean:
O domínio do imaginário é constituído pelo conjunto das representações que
exorbitam do limite colocado pelas constatações da experiência e pelos
encadeamentos dedutivos que estas autorizam. Isto é, cada cultura, portanto
cada sociedade, e até mesmo cada nível de uma sociedade complexa, tem seu
imaginário. Em outras palavras, o limite entre o real e o imaginário revela-se
variável, enquanto que o território atravessado por este limite permanece, ao
contrário, sempre e por toda parte idêntico, já que nada mais é senão o campo
inteiro da experiência humana, do mais coletivamente social ao mais
intimamente pessoal (PATLAGEAN, 1998, p. 291).
Para Gilbert Durand, o imaginário é um conjunto de imagens e de relações
de imagens que constituem o capital pensante do homo sapiens. Assim, se o imaginário
é o cerne da propriedade realmente humana – a capacidade de representar a si própria, a
sua vida e ao mundo –, ele é, por excelência, o campo privilegiado da história
(DURAND,1998).
80
Barthes considera que a história é um “modo de representação” baseado na
“ilusão referencial” e todo fato histórico fato passado tem uma existência
lingüística, embora o seu referente (o real) seja exterior ao discurso. Nessa perspectiva,
o passado já nos chega enquanto discurso, uma vez que não é possível restaurar o real já
vivido em sua integridade. Assim, “[...] reconstituir o real já vivido é reimaginar o
imaginado, e caberia indagar se os historiadores, no seu resgate do passado, podem
chegar a algo que não seja uma representação [...]” (BARTHES apud PESAVENTO,
1995, p. 17).
Sandra Jatahy Pesavento parte da premissa de que é possível decifrar a
representação através da articulação texto/contexto, uma vez que a representação do
real ou o imaginário, é, em si, elemento de transformação do real e de atribuição de
sentido ao mundo”. A autora considera que “o passado nos chega como um texto e
como leitura feita”, na qual “a decifração deste discurso se dará pelo esforço de ler
um texto sob um outro texto”. Nessa direção, Pesavento esclarece que:
[...] se o concreto real e o concreto pensado são eles próprios constituintes da
realidade, se a historicização de um texto nos é dada pela referência ao seu
conteúdo e se o pensado e o representado o o o reflexo mecânico do
concreto e/ou do acontecido, o desvelar de significados da relação de
representação nos parece um pouco mais claro (PESAVENTO, 1995, p. 19).
A partir dessa perspectiva, a autora considera que o imaginário, enquanto
sistema de idéias-imagens de representações coletivas, “é o outro lado do real” e o
processo de apreensão desse “real” implica uma tensão entre imagem-mimese (a
imaginação como reprodutora do real) e a imagem-ficção (a imaginação como mestra
do erro e da falsidade, produtora de não-verdades, imagens fantásticas e irreais).
Compreendendo que a dimensão criadora do imaginário nos remete à dialética do
racional/irracional, a autora considera que o imaginário “não é um ensaio do real, mas
81
evocação que sentido às coisas” e que a imaginação, por sua vez, “não é
conhecimento, logo não um saber imaginário que se oponha ao saber racional, mas
na origem do saber científico está a imaginação criadora”. Dessa maneira, “a concepção
do imaginário como função criadora se constrói pela via simbólica, que expressa a
vontade de reconstruir o real num universo paralelo de sinais” (PESAVENTO, 1995, p.
21).
A noção de símbolo também é considerada central para Sandra Pesavento
nos estudos do imaginário e se encontra ligada à noção de representação, uma vez que
“o símbolo se expressa por uma imagem, que é seu componente espacial, e por um
sentido, que se reporta a um significado para além da representação explícita ou
sensível”. Pois, é através da imaginação simbólica, que se diz ou se mostra uma coisa
ou uma idéia através de outra”. Nesse sentido, a questão da natureza simbólica das
imagens remete à noção de alegoria, pois a imagem é a revelação de uma outra coisa
que não ela própria” e “pensar alegoricamente implica referir-se a uma coisa e apontar
uma outra, implica realizar a representação concreta de uma coisa abstrata”.
(PESAVENTO, 1995, p. 21).
A autora assume o pressuposto das representações simbólicas e alegóricas do
imaginário coletivo, considerando que “a sociedade constitui o seu simbolismo, mas não
dentro de uma liberdade absoluta, pois ela se apóia no que existe”. Tais
representações, segundo a autora, teriam um fundo de apoio na concreticidade das
condições reais de existência, ou seja:
[...] as idéias-imagens precisam ter um mínimo de verossimilhança com o
mundo vivido para que tenha aceitação social, para que sejam críveis.
Mesmo o fantástico e o extraordinário manejam com dados reais,
transformados e adaptados em combinações várias”, nas quais a própria
potência criadora do imaginárioo é concebida num vazio de idéias, coisas
ou sensações. (PESAVENTO, 1995, p. 22).
82
Além desse elo à realidade, Pesavento considera que o imaginário comporta
ainda um elemento utópico. Enfatizando que o imaginário social não se resume às
idéias-imagens utópicas, mas que elas lhe dão um suporte poderoso, a autora afirma que
a utopia é uma “forma específica de ordenação de sonhos e desejos coletivos” e também
“a projeção, no domínio do imaginário, de uma sociedade radicalmente outra, de um
mundo em tudo melhor que o mundo real” (PESAVENTO, 1995, p. 22).
Segundo Pesavento, existe, ainda, um outro lado do imaginário que diz
respeito ao seu gerenciamento e manipulação, que joga “com os sonhos coletivos e com
as forças da tradição herdadas de um cotidiano imemorial, forjando mitos, crenças e
símbolos” (PESAVENTO, 1995, p. 23).
Dessa maneira, a autora considera a existência de três instâncias distintas de
realização do imaginário: a do suporte na concretude do real, a da utopia e a ideológica.
Considerando que o imaginário social é uma das forças reguladoras da vida coletiva,
normalizando condutas e pautando perfis adequados ao sistema, a autora afirma que “a
representação social possui, sem dúvida, uma faceta de transformação e engodo, mas é
também portadora do sonho da coletividade, na sua dimensão utópica” (PESAVENTO,
1995, p. 23). Nesta perspectiva, “o imaginário comporta dimensões e não se enquadra
em tipos que envolvem modelos redutores: se expressa por símbolos, ritos, crenças,
discursos e representações alegóricas figurativas” (PESAVENTO, 1995, p. 24).
Assim, o imaginário é concebido por Pesavento como “representação,
evocação, simulação, sentido e significado, jogo de espelhos onde o ‘verdadeiro’ e o
aparente se mesclam, estranha composição onde a metade visível evoca qualquer coisa
de ausente e difícil de perceber” (PESAVENTO, 1995, p. 25).
83
Perseguir o imaginário como objeto de estudo, segundo a autora, “é
desvendar um segredo, é buscar um significado oculto, encontrar a chave para desfazer
a representação do ser e parecer”, pois, “fugindo a modelos, desprezando leis, opondo-
se a ortodoxias metodológicas, o imaginário se abre como um campo de estudo [...]”
(PESAVENTO, 1995, p. 25).
Na mesma direção de Francisco Falcon e Sandra Pesavento, José Remedi
também considera que o estudo do imaginário e das representações sociais é um dos
problemas mais importantes nas análises historiográficas contemporâneas, pois “leva-
nos a uma alteração no conceito de fontes”, uma vez que “começam a fazer parte do
universo do historiador documentos ou obras que podem estar ligadas a campos que não
se movem exclusivamente pela preocupação com a verossimilhança ou exatidão das
informações, mas que nem por isso deixam de ser fundamentais na compreensão dos
fenômenos culturais” (REMEDI, 2000, p. 137–138).
Assim, as artes plástico–visuais, a literatura e outras manifestações artísticas,
que gozam de um status de liberdade poética, podem ser colocadas lado a lado da
história para servir-lhe, não como objeto de estudo, mas também como instrumento
de auto-reflexão.
Com esse intuito, muitos historiadores contemporâneos utilizam-se das
imagens plástico-visuais como fonte para as suas análises. Verifica-se, cada vez mais, a
presença das imagens, como documento visual, em estudos de história e historiografia.
Diante disso, Ivan Gaskell adverte que muitos pesquisadores ainda encontram
dificuldades na utilização dessas fontes e documentos, principalmente pela
desinformação sobre a problemática visual:
Embora os historiadores utilizem diversos tipos de materiais como fonte, seu
treinamento em geral os leva a ficarem mais à vontade com documentos escritos e,
conseqüentemente, são muitas vezes mal equipados para lidar com o material visual
84
pois, na maioria das vezes, utilizam as imagens apenas de maneira ilustrativa e sob
aspectos que podem parecer ingênuos, corriqueiros ou ignorantes a pessoas
profissionalmente ligadas à problemática visual (GASKELL, 1992, p. 237).
Na opinião de Gaskell, “nenhuma profissão tem ou deveria ter o monopólio
sobre a interpretação do material visual, incluindo a história das imagens”. O autor
acredita que, “se os historiadores têm muito a aprender nesta área, têm pontos
importantes também a ensinar”, pois, para o autor, “inadequações muito piores têm sido
descritas na prática daqueles que lidam profissionalmente com a arte”, principalmente
porque esses profissionais “não haviam captado as questões levantadas pela semiótica,
pela comunicação de massa, e pela teoria da mídia, ficando à mercê de se informarem
de como prosseguir lutando com a fotografia, com a arte da representação, o cinema, a
televisão e o vídeo”. Apesar das “inadequações profissionais”, Ivan Gaskell considera
que “eles são úteis o somente para o mercado e para o museu, mas, principalmente
porque algumas das questões que devem ser levantadas à luz das preocupações
contemporânea (e não do futuro antecipado) podem ser respondidas com a sua
ajuda”. Essas questões, segundo o autor, são relativas ao clima mental de fragmentação,
de dessistematização do conhecimento no qual vivemos atualmente, em que “versões do
passado são constantemente recicladas, em potenciais relativamente presentes,
reutilizáveis alternadamente como pontos de informação.” (GASKELL, 1992, p. 270-
271).
Neste sentido, torna-se necessário, para o historiador contemporâneo
interessado nas investigações sobre a imagem, o imaginário e a representação,
considerar as relações estéticas e históricas da arte e também compreender a linguagem
plástico-visual com a qual o artista vem trabalhando desde os seus primórdios. Pois,
como sabemos, a informação visual é um dos mais antigos registros da história, sendo
que as pinturas das cavernas “representam o relato que se preservou, não do mundo
85
como ele era, mas sim do mundo tal como ele podia ser visto e percebido cerca de
trinta mil anos atrás” (DONDIS,1991, p. 7). Diante disso, torna-se evidente a
necessidade de um novo enfoque da função não somente do processo, como também
daquele que visualiza a sociedade.
Como sabemos, o século XX propiciou para a história e muitas outras
ciências sociais a “crise dos paradigmas” e a “crise da representação”. Referente às
imagens visuais e a arte mais especificamente, no bojo dessas duas crises”, propiciou-
se também a chamada “crise das técnicas artísticas”, evidenciada pelo crítico italiano
Giulio Carlo Argan, ou ainda, “os três paradigmas da imagem”, proposto por Lúcia
Santaella e Winfried Nöth.
Os pesquisadores Lucia Santaella e Winfried Nöth propõem a existência de
“três paradigmas” no processo evolutivo de produção da imagem: o paradigma pré-
fotográfico, o fotográfico e o pós-fotográfico. O primeiro paradigma nomeia todas as
imagens que são produzidas artesanalmente e dependem da habilidade manual de um
indivíduo para plasmar o visível, a imaginação visual e mesmo o invisível numa forma
bi ou tridimensional (imagens feitas nas pedras, o desenho, a pintura, a gravura e a
escultura). O segundo paradigma começa com a fotografia e se estende do cinema,
televisão e vídeo até a holografia e “se refere a todas as imagens que são produzidas por
conexão dinâmica e captação física de fragmentos do mundo visível, isto é, imagens que
dependem de uma máquina de registro, implicando necessariamente a presença de
objetos reais preexistentes”. O terceiro paradigma abarca as imagens sintéticas ou
infográficas, inteiramente calculadas por computação e se diferenciam das imagens
ópticas, principalmente porque são imagens produzidas a partir da “transformação de
uma matriz de números em pontos elementares (os pixels) visualizados sobre uma tela
de vídeo ou uma impressora” (SANTAELLA; NÖTH, 1999, p. 157).
86
No campo das artes plástico-visuais, “a crise das técnicas”, enunciada pelo
crítico de arte Giulio Carlo Argan, possibilitou à fotografia instaurar, definitivamente, a
“crise da representação” e estabelecer a autonomia estética da pintura e a liberdade
poética do artista. Na concepção do autor, a “crise da representação” instaura-se
principalmente, porque os progressos da fotografia, da reprodução mecânica da imagem
e da obra de arte “destróem-lhe a unicidade, transformando a obra em protótipo de suas
próprias reproduções”. Para esse pesquisador, a primeira grande renovação no âmbito
das técnicas especiais é aquela realizada pelo Cubismo e, logo depois, pelas vanguardas
históricas (ARGAN, 1995, p. 92).
Argan considera que o Cubismo é um marco referencial na mudança do
status da obra de arte. Para esse pesquisador, é somente a partir do quadro cubista que a
pintura deixa de ser representação e passa a ser realidade em si, ou seja, a pintura deixa
de ser a representação da realidade para apresentar uma realidade própria instaurada
pelo artista. No Cubismo, o espaço real e concreto do quadro passa a relacionar-se com
o espaço da existência do sujeito e o resultado final da operação artística, segundo
Argan, consiste em determinar a possibilidade de relação pela qual o quadro deixa de
ser representação da realidade e se torna realidade existente, uma vez que “aquilo que o
quadro visualiza ou manifesta é precisamente aquele processo de atualização e,
portanto, a sua própria gênese como objeto pictórico, ou seja, a pintura” (ARGAN,
1995, p. 92).
Nesse sentido, a pintura adquire, como entidade plástica, na concepção
cubista, “a força de atrair e integrar fragmentos da realidade externa através da técnica
da collage”, pois, no Cubismo, “a obra de arte vive uma existência própria e já não mais
reflexa”, na qual “o espaço não é concebido como uma entidade homogênea e
unitária”, mas, sim, como “uma dimensão indefinida, que pode ser apenas captada por
87
fragmentos, cuja extensão e cuja configuração vão sendo determinadas por tudo aquilo
que está ou se faz no espaço” (ARGAN, 1995, p. 93). Assim, a noção de espaço é de
fundamental importância para o Cubismo e “reflete a experiência da visão fragmentária
composta por várias situações, divulgada pela fotografia e pelo cinema”. A colagem,
como estrutura dessa nova operação artística promovida pelo Cubismo, segundo Argan,
“permanece como uma das técnicas fundamentais da arte moderna e contemporânea”
(ARGAN, 1995, p. 93).
Além dessa nova concepção da obra de arte promovida pelo Cubismo, Argan
considera, ainda, que o fato mais significativo e marco divisor da arte do nosso século
de toda a arte do passado, pelo menos na área da cultura ocidental, “é a passagem do
caráter figurativo ao não-figurativo, ou melhor, à abstração”. O momento da passagem
decisiva do figurativo ao o-figurativo, segundo o autor, tem sido fixado, geralmente,
em 1910/1911, quando Kandinsky pinta a primeira aquarela abstrata e vida em
Munique, com Klee, Marc e Macke, ao movimento Blaue Reiter. Kandinsky afirma que
“não é a sensação recebida do mundo exterior, mas a vontade do sujeito que determina a
forma artística”. A grande novidade de Kandinsky e do Blaue Reiter, segundo Argan,
não foi a renúncia à figuração, mas “a renúncia à representação como processo
intelectivo próprio da arte, ou seja, a substituição da forma pelo signo”. Diante disso,
Argan evidencia que, no plano histórico, se estabelece “uma tensão dialética entre uma
cultura da representação ou da forma e uma cultura da intuição ou do signo”. Neste
sentido, o autor considera que a contribuição de Kandinsky é fundamental, posto que o
artista “procura instaurar uma ‘ciência’ dos signos, partindo do ponto, da linha, da
superfície: às teorias da forma substitui-se assim uma teoria dos signos” (ARGAN,
1995, p. 108).
88
Diante dessas considerações sobre as imagens visuais, o imaginário, a
representação e a arte, o historiador contemporâneo deve observar ainda que na arte
moderna e contemporânea, existem, basicamente, duas maneiras paradigmáticas e
distintas de comunicação: a figuração e a não-figuração. Elas têm valores diferentes, são
submetidas a leituras diferentes e alternam vínculos emocionais antagônicos. A arte
figurativa carrega a imagem do mundo, em que o produto é o reconhecimento, e a arte
não-figurativa dispensa a imagem do mundo e, quando totalmente não-figurativa, é
chamada também arte abstrata. Segundo Marlene Fortuna:
A arte figurativa comunica a recuperação da realidade exterior (também
chamada realidade fenomênica, matérica ou física), que está no espaço, em
tridimensionalidade, para o plano (bidimensionalidade) com a técnica da
perspectiva ou escorço. Os artistas da Renascença (clássicos do séc. XVI)
tiveram domínio pleno e absoluto dessa técnica que proporciona à tela uma
ilusão de realidade, também chamada de tromp l’oeil. Daí a figuração
absoluta de uma arte ser chamada arte mimética (mimesis do grego,
imitação). É a representação do “de fora” (vida, realidade) “para dentro” (a
obra, tela, suporte).
O receptor da arte figurativa “entende” o quena tela porque a obra inspira
sempre uma leitura clara e objetiva do mundo “conhecido”. Essa forma de
comunicar contempla as evidências, enquanto a arte não-figurativa ou
abstrata comunica a matéria simbiotizada nela mesma, sobre o suporte, sem
evidências do mundo reconhecível. Ela não expressa o mundo, expressa a
cor, o metal, o material utilizado, estabelecendo uma comunicação especial.
(FORTUNA, 2000, p. 28-29).
A professora Marlene Fortuna considera, ainda, que, entre a arte figurativa
absoluta (perto da fotografia) e a arte não-figurativa absoluta (abstrata), existem as
chamadas “artes degeneradas”. Para a autora, as artes degeneradas “comunicam a leitura
do mundo por objetos reconhecíveis, mas de forma desconcertada, alterada
formalmente, intermediando a figuração e a não-figuração absolutas”. Como exemplos
de “arte degenerada”, Fortuna cita a imagem “vaporizada” do Impressionismo, a pintura
“tortuosa, exagerada e dolosa” do Expressionismo e a arte “geometrizada” proposta
pelo Cubismo (FORTUNA, 2000, p. 30).
89
Partindo do pressuposto de que o artista da arte figurativa materializa a
representação e o da arte abstrata materializa a “presentação”, Marlene Fortuna afirma
que a arte não-figurativa é uma forma de comunicação visual peculiar porque:
[...] comunica através dos sentidos, de um mental diferente, de uma maneira
de ver a própria arte tendo os reconhecimentos da realidade como
inexistentes e inessenciais. É um meio de expressão e comunicação que se
pode considerar exótico. Através dela, vamos penetrando, com abertura, o
sentido das coisas. Uma comunicação plural. Os recursos icônicos da arte
não-figurativa absoluta ou abstrata tendem a ser subversivos, com a
extirpação da realidade fenomênica e reconhecível. Por sua própria natureza,
procura caminhos de inconformidade e ruptura. (FORTUNA, 2000, p. 30).
Na maioria das vezes, a comunicação, na arte abstrata, degenera-se, por
incompetência do próprio receptor, que a vê com preconceito e pressupostos adquiridos,
o que prova uma carência no instrumental do receptor para a correta leitura da arte
abstrata. A arte abstrata é considerada uma comunicação específica, porque sua nova
codificação não é factível com os parâmetros cognitivos, lingüísticos e racionais do
senso comum, haja vista que a abstração “cria uma nova ideologia, uma outra razão
estética e uma filosofia nas artes que tem nos acompanhado até hoje e acaba se
transformando na mais difundida das artes atuais” (FORTUNA, 2000, p. 32).
A arte abstrata contesta os valores clássicos do acabado, definido, perfeito e
propõe uma obra indefinida, plurívoca, aberta. A arte abstrata propõe, ainda, ao seu
receptor, uma multiplicidade de imagens sujeitas a decodificações não de imagens
conhecidas, mas pontos, linhas, contornos, direções, tons, cores, texturas, escalas,
dimensões, movimentos, ritmos e outros elementos visuais. Segundo Marlene Fortuna,
“entender a arte abstrata é entender o trabalho que o artista desenvolve com os
elementos visuais, em tensões diversificadas e múltiplas [...]” (FORTUNA, 2000, p.
32).
90
Na figuração, ainda há um conceito hegemônico a ser seguido, indicado pela
própria figura, na arte não-figurativa ou abstrata, o conceito é diverso, dirigido pela
pulsão e fusão das cores e, ainda, pela coexistência de diferentes códigos, propondo
uma comunicação peculiar, paradigmática e diferente da clássica concepção
Renascentista de mimesis e representação (FORTUNA, 2000, p. 33).
Segundo Frederico Morais, a arte evolui paralelamente à ciência, à política
ou à religião e seus deslocamentos são semelhantes aos que ocorrem no interior de uma
sociedade. De uma concepção teocêntrica do universo (Idade Média), evoluímos para
outra, antropocêntrica (Renascimento), enquanto, no mundo moderno, a máquina vai
assumindo as funções socio-culturais do homem. A passagem das duas dimensões
medievais (altura/largura) para as três dimensões Renascentistas
(altura/largura/profundidade) e destas para as múltiplas dimensões de hoje, não
ocorreram de modo arbitrário, mas são frutos de experiências artísticas e estéticas do
homem em sua passagem pelo tempo. Diante disso, Morais considera que, na arte
moderna e contemporânea, existem sete diferentes Estados de Arte figurativo,
abstrato, construtivo, objetual, conceitual, performático e tecnológico –, nos quais as
passagens da figura para a abstração, ou do objeto para o conceito, não resultam da
vontade isolada de um artista ou grupo de artistas, mas, ao contrário, indicam iguais
avanços e modificações em outros campos da atividade humana, do pensar e do fazer
(MORAIS, 1991, p. 13-14).
Assim, o criar pode ser visto num sentido global, pois a natureza criativa
do homem se elabora no contexto cultural. No indivíduo, confrontam-se dois pólos de
uma mesma relação: a sua criatividade, que representa as potencialidades individuais, e
a sua criação, que será a realização dessas potencialidades numa determinada cultura no
tempo e no espaço. Segundo Faiga Ostrower, “os processos criativos devem ser
91
considerados na integração e interligação desses dois veis de existência: o nível
individual e o nível cultural”. O ato de criar corresponde a um formar, um dar forma a
algo, que pode ser compreendido como uma estruturação. Nessa “estruturação”, todo o
fazer e o configurar do homem são atuações de caráter simbólico, pois toda forma é
uma forma de comunicação. Corresponde a aspectos expressivos do desenvolvimento
interior e refletem processos de crescimento e maturação, que são indispensáveis para a
realização das potencialidades criativas” (OSTROWER, 1978, p. 5).
Nesse sentido, o ato de criar abrange a capacidade de compreender, e esta de
relacionar, ordenar, configurar, significar, sendo que a percepção consciente é premissa
básica da criação, pois ela pressupõe uma intencionalidade, uma ação humana. O ato
criador não existe antes ou fora do ato intencional, pois, fora da intencionalidade, da
avaliação de situações novas, ou na busca de novas coerências, não haveria ação criativa
(OSTROWER, 1978, p. 11). Segundo Luigi Pareyson:
A arte é uma atividade na qual a execução e invenção procedem pari passu,
simultâneas e inseparáveis, na qual o incremento de realidade é constituição
de um valor original. A Arte é, portanto, um fazer em que o aspecto
realizativo é particularmente intensificado, unido a um aspecto inventivo.
Nela, a realização é uma invenção tão radical que lugar a uma obra
absolutamente original e irreptível. [...] a atividade artística consiste
propriamente no formar, isto é, exatamente num executar, produzir e realizar,
que é, ao mesmo tempo, inventar, figurar, descobrir. (PAREYSON, 1997, p.
26).
A imaginação criativa nasce do interesse, do entusiasmo de um indivíduo
pelas possibilidades maiores de certas realidades. Como experiência de vida e de
trabalho, os processos de criação identificam-se com uma matéria (ou materialidade):
Todo imaginar é um pensar específico sobre um fazer concreto, isto é,
voltado para a materialidade de um fazer (de um formar). O pensar específico
sobre um fazer concreto vai além da idéia de uma tarefa a ser executada.
Trata-se de formas simbólicas em vários planos, tanto ao evidenciarem
viabilidades novas da matéria em questão, quanto pelo que as viabilidades
contém de expressivo. Através da matéria assim configurada o conteúdo
expressivo se torna possível de comunicação (OSTROWER, 1978, p. 31-33).
92
Assim, torna-se necessário, para o pesquisador e para o receptor, apreciar a
arte no contexto do seu tempo e circunstancialidade, tendo em vista que a arte continua
a ser criada a nossa volta, fazendo com que sejamos obrigados a reajustar as nossas
percepções e o nosso olhar às novas experiências contemporâneas, pois:
A arte é muito mais do que uma decoração, é uma forma ideal carregada de
significações. A arte permite transmitir a percepção de coisas que não podem
ser expressos de outra forma. A arte vale pela sua importância simbólica.
Pois na arte como na linguagem o homem é um criador de símbolos, através
dos quais nos transmite, de um modo novo pensamentos complexos
(JANSON, 1992, p. 10).
Desse modo, para apreciar e fazer uma leitura da obra de arte, o receptor
deve compreender o papel que é desempenhado pela percepção: olhar-avaliar-
compreender
47
. Pois os processos de percepção se interligam com os próprios processos
de criação, tendo em vista que o ser humano é, por natureza, um ser criativo, e não
existe nenhum momento de compreensão que não seja, ao mesmo tempo, de criação.
Diante dessas considerações, acreditamos que as imagens plástico-visuais,
particularmente as representações pictóricas de Lídia Baís, tornam-se importantes fontes
e documentos para as pesquisas históricas e historiográficas que se dedicam aos estudos
da imagem, do imaginário e da representação na modernidade, podendo ser exploradas
e analisadas pelo historiador que busca desvendar as formas de interlocução das artes
com a sociedade e investigar de que maneira estes constroem ou representam a sua
relação com a realidade social. Pois, como sabemos, os temas imaginários podem ser
universais e atemporais, enraizados nas estruturas da imaginação humana; mas o sentido
de cada um deles também pode ser muito diferente, conforme os homens e as
sociedades e conforme sua situação em um dado momento e contexto histórico.
47
A esse respeito, ver OSTROWER, 1988, p. 167-182.
93
3.2 O imaginário pictórico de Lídia Baís
As obras pictóricas de Lídia Baís são marcos representativos de um
momento importante para a história das artes plásticas em Mato Grosso e em Mato
Grosso do Sul, pois assinalam a presença da arte moderna nesses “Campos de Vacaria”,
desde as primeiras décadas do século XX. Contemporâneas de um período marcante do
modernismo brasileiro, as obras da artista revelam uma poética singular no contexto
artístico-plástico nacional. A singularidade da pintura de Lídia Baís é indicada pela
maneira íntima e pessoal com que a artista desenvolveu suas criações a partir de
temáticas tradicionais da pintura ocidental e, principalmente, pela utilização de
procedimentos plástico-visuais intertextuais, que estabeleceram o diálogo pictórico com
a tradição artística, resultando num conjunto de obras instigantes e reveladoras de um
imaginário particularíssimo.
O legado pictórico de Lídia Baís, que está atualmente sob a guarda do
Estado de Mato Grosso do Sul e do Município de Campo Grande, constitui-se,
aproximadamente, de mais de uma centena de obras produzidas pela artista, entre
pinturas em tela, pinturas murais, desenhos, fotografias e montagens fotográficas. Além
dessa produção artística, Lídia Baís também deixou dezenas de cópias dos três catálogos
publicados com reproduções de suas principais obras pictóricas e fotográficas. Dois
desses catálogos mostram reproduções de pinturas e desenhos da artista e foram
intitulados de Lembrança do Museu Baís: pinturas de T. Lídia Baís. Um dos catálogos
foi publicado no formato 19 cm x 27,5 cm e apresenta 40 reproduções de obras em 38
páginas (ANEXO 2.6); o outro catálogo, apresentado no formato 31 cm x 21,5 cm,
mostra 50 reproduções de obras da artista em 28 páginas (ANEXO 2.7). O terceiro
catálogo, intitulado Lembrança Museu Baís: sala das fotografias, foi publicado no
94
formato 30 cm x 21 cm e apresenta 102 reproduções fotográficas de aspectos
importantes da vida e da memória da artista (ANEXO 2.8).
Esses “documentos visuais” deixados pela artista, tanto as suas obras
pictóricas originais quanto as suas respectivas imagens reproduzidas nos catálogos,
constituíram-se nas principais “fontes” dessa pesquisa, que busca analisar a
produtividade estética de Lídia Baís a partir do imaginário, da representação e da
intertextualidade.
Sobre a produção plástico-visual de Lídia Baís, a professora Alda Couto
destaca que a obra da artista pode ser dividida em dois segmentos distintos: os estudos
de reprodução e as telas e fotografias que compõem o conjunto de criação da artista. Os
estudos de reprodução são pontuados pelas pinturas que constituíram o aprendizado
plástico-visual de Lídia, representados por obras “de origem tradicional e conservadora,
acadêmica no mau sentido, mas que valeu a ela a segurança de saber pintar” (COUTO,
1999a, p. 5). As telas e as fotografias, por sua vez, são representadas por obras nas quais
a artista utiliza-se de procedimentos que “recortam e citam as obras de grandes pintores
estudados por ela”. Alda Couto apresenta essas “obras de criação” de Lídia Baís em
dois grupos distintos, a partir dos retratos, “que delineiam a identidade e a nacionalidade
da artista” e das “composições que assinalam o caráter fortementestico, misturando
várias tendências religiosas” (COUTO, 1999a, p. 6).
Além desses dois segmentos observados pela professora Alda Couto,
evidenciam-se, ainda, outros momentos distintos na produção plástico-visual de Lídia
Baís, que foram denominados de fases pictóricas” e subdivididas em três grupos
distintos: Fase I, Fase II e Fase III
48
. A distinção entre essas três fases na produção
pictórica de Lídia Baís foi elaborada a partir da análise in loco das pinturas, desenhos e
48
Essas “três fases pictóricas” de Lídia Baís foram evidenciadas em nosso trabalho de especialização,
podendo ser conferido em RIGOTTI, 2000a, p. 195-206.
95
fotografias da artista, das reproduções de suas obras e fotografias publicadas nos
catálogos Lembranças do Museu Baís e das fontes escritas. Essa análise desenvolveu-se,
principalmente, a partir dos procedimentos artísticos adotados na construção plástica
das obras, uma vez que esses mesmos procedimentos são reveladores do “processo
criativo” de Lídia Baís. Nessa direção, compreendemos o procedimento artístico de
Lídia Baís como um “processo construtivo-cognitivo, cuja informação estética é dada
pelo modo como o procedimento constrói e apresenta a materialidade sígnica”
(CARAMELLA, 1998, p. 130).
As três fases propostas para a leitura das obras pictóricas de Lídia Baís
apresentam uma finalidade didática e foram desenvolvidas com o objetivo de contribuir
para uma melhor compreensão do eclético imaginário pictórico da artista, levando em
consideração a temática escolhida e a utilização de procedimentos técnicos específicos
para a construção das obras.
Assim, mediante a dificuldade de uma ordenação cronológica, pois a grande
maioria das obras da artista não possui data e tampouco referência ao ano de execução,
acreditamos que, por meio dos temas e dos procedimentos de construção plástica, é
possível compreender o desenvolvimento estético da pintura de Lídia Baís, bem como a
sua “linguagem artística” individual que, parafraseando Iouri Lootman, “se liberta das
mensagens envelhecidas, mas conserva na memória, com uma extraordinária
constância, linguagens artísticas das épocas passadas”, confirmando que “a história da
arte transborda de ‘renascimentos’ renascimentos das linguagens artísticas do passado
recebidos como inovadores” (LOOTMAN, 1978, p. 46-47).
Lídia Baís construiu o seu imaginário pictórico a partir de temáticas
tradicionais
49
da pintura ocidental, como por exemplo, a iconografia religiosa, a
49
Na pintura do passado, o artista procurava representar diferentes aspectos do mundo das formas, usando
certos temas que se tornaram, no decorrer do tempo, nos temas mais utilizados e tradicionais da arte
96
mitologia, a paisagem, a natureza-morta, o retrato e o auto-retrato. Todas as obras da
artista situam-se no estado de arte figurativa
50
e apresentam-se sob diversas formas de
figuração: mimética, lírica, narrativa e crítica
51
.
O primeiro momento evidenciado na obra de Lídia Baís, denominado de
“Fase I”, é marcado pelos ensinamentos acadêmicos que constituíram sua formação
artística, tanto nos colégios e internatos em que estudou quanto em suas aulas de pintura
com Oswaldo Teixeira na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. As obras
dessa fase representam os temas mais tradicionais da pintura ocidental e podem ser
subdivididas em quatro grupos distintos: retratos, naturezas-mortas, paisagens e
reproduções (cópias) de obras-de-arte consagradas, denominadas pela artista de
“Estudos de reprodução”.
ocidental, como, por exemplo: natureza-morta (representação de objetos diversos, flores, frutas, nos quais
os pintores holandeses do século XVII foram mestres nesse assunto), paisagem (representação de
aspectos da natureza: céu, terra, montanhas, florestas, águas, e, muitas vezes, figuras humanas ou de
animais), retrato (representação de pessoas vivas ou de figuras sacras imaginadas, segundo as diferentes
religiões) e auto-retrato (representação do próprio artista), cenas de gênero (representação da vida
doméstica, o cotidiano das pessoas e festas populares), história (representação de figuras e fatos
históricos, cerimônias de coroação, batalhas, entre outros), religião (representação de personagens e cenas
religiosas relacionadas à vida de Cristo e à vida dos santos, como a crucificação e a santa ceia) e
mitologia (representação de personagens e cenas da mitologia greco-romana, de deuses e heróis, de cenas
mitológicas, como o nascimento da Vênus e o julgamento de Páris) (Souza, 1980:6). Atualmente, na
pintura contemporânea, essa divisão perdeu em grande parte seu sentido, uma vez que os artistas
contemporâneos são livres para usar todos os tipos tradicionais de representação, mas com finalidades e
técnicas diversas, bem como fugir da representação naturalista, cuja finalidade era alcançar o máximo da
semelhança co o que estava sendo representado. Segundo Giulio Carlo Argan: “A arte abstrata pode ser
sinalização do ponto final da evolução. O que importa são as formas, e não o assunto. O assunto é o
próprio quadro em si, o seu valor composicional” (ARGAN, 1995, p. 92). Assim, desde que o Cubismo
abandonou a perspectiva e todos os outros recursos do realismo pictórico, a pintura e as artes plásticas de
modo geral, romperam com a milenar tradição mimética, abrindo-se a novas possibilidades de
representação e “presentação”, tanto na arte figurativa quanto na arte abstrata.
50
Como sabemos, a representação figurativa dominou a pintura ocidental desde os seus primórdios nas
paredes das grutas e cavernas pré-históricas até as vanguardas artísticas do século XX, quando outros
estados de arte como a arte abstrata, a arte construtiva, a arte conceitual, a arte objetual, a arte
performática e a arte tecnológica (MORAIS, 1991, p. 13-15) assumiram a cena da arte contemporânea
em suas diversas formas de “representação” e “presentação” (FORTUNA, 2000, p. 28-33). Na arte
figurativa, o artista capta e expressa, de modo quase literal, a paisagem física. Às vezes de forma
idealizada, como no Neoclássico, outras vezes, deformando-a, como no Expressionismo. A tradição
figurativa da cultura ocidental utilizou, em sua passagem pelo tempo, diversos tipos de figuração, desde a
representação mimética até a estilização absoluta, já no limiar da abstração.
51
A figuração crítica é representada com a intenção de se fazer crítica social ou política. A figuração
lírica é uma representação descritiva de situações imprecisas ou vagas, como na poesia. A figuração
mimética é a representação como “imitação” da natureza. Na figuração narrativa, a ênfase é colocada no
tempo e na situação política como componente da narrativa. (MORAIS, 1991, p. 151).
97
Os retratos
52
atribuídos a essa fase mostram familiares e amigos da artista
numa representação acadêmica, clássica e tradicional, que lembram as fotografias da
época. Esses retratos são constituídos, principalmente, pelas pinturas “Bernardo Baís”,
“Affonso Viseu”, “Otávio Queiroz”, “Isolina Falcão”, “Júlio Baís” e Orfeo Baís”
(ANEXO 3.1). Embora não sejam datados, alguns desses retratos foram concebidos
antes de 1930, pois aparecem na fotografia do “vernissage” da exposição de Lídia Baís
em 1929, publicada no catálogo Lembranças do Museu Baís: sala das fotografias (Baís,
[190?]d:3) (ANEXO 1.6).
52
Embora seja muito apreciado desde a antiguidade, o retrato foi um gênero da pintura que passou a ser
cultivado pelos grandes mestres europeus a partir da Renascença. É no retrato que o caráter representativo
da pintura se manifesta e a índole mimética atinge um ponto crítico, pois o retratado (e seus familiares)
exige, antes de tudo, a semelhança do quadro com o modelo, ao passo que, muitas vezes, o artista
pretende revelar, através dos traços fisionômicos, as qualidades interiores, invisíveis, do modelo,
chegando até a deformação intencional do Maneirismo e da arte moderna.
98
A natureza-morta
53
e a paisagem
54
também o temas bastante apreciados
pela artista que, nessa primeira fase de sua produção, representa marinhas, flores e
frutos associados a objetos e personagens mitológicas, principalmente à famosa
reprodução da “Vênus de Milo”
55
, acervo do Museé du Louvre, em Paris. Essas
temáticas são representadas na pintura de dia Baís por duas paisagens, intituladas
53
A natureza-morta é a representação dos objetos, com seu valor funcional ou meramente decorativo. A
natureza-morta surgiu como gênero independente de pintura nos Países Baixos após a Reforma. Segundo
Carol Strickland: “Embora considerada uma forma inferior em outros lugares, o século XVII foi o
período áureo da natureza-morta na Holanda, onde os artistas atingiram um extraordinário realismo
retratando objetos domésticos. A natureza-morta era freqüentemente emblemática: as pinturas de vanitas
mostravam símbolos como crânios e velas fumegantes representando a transitoriedade da vida
(STRICKLAND, 1999, p. 52). Susan Woodford considera,por sua vez, que foi “a recuperação da arte de
representação realista no Renascimento, somada a um intenso respeito pelas obras da Antigüidade
clássica, estimulou o ressurgimento desse tipo de pintura”. Os mestres holandeses que lançaram a
natureza-morta como um gênero separado se interessavam pelo modo como a luz incidia em diferentes
superfícies. No século XVIII, o pintor francês Jean-Batist Chardin (1699-1779) difundiu onero no sul,
concentrando-se em objetos modestos. Pintores do século XIX como Camille Corot (1796-1875), Gustave
Courbet (1819-1877) e Edouard Manet (1832-1883) usaram a natureza-morta para estudar as qualidades
estéticas dos objetos. Paul Cézanne (1839-1906), os cubistas e os fovistas empregaram esse gênero para
experimentações com estruturas e cores, enquanto o pintor italiano Morandi se concentrou, quase
exclusivamente, em naturezas-mortas. Adentrando a arte moderna, a natureza-morta chega às raias da
reprodutibilidade e do conceitual a partir de Andy Warhol (1930-1987) e suas latas de Sopa Campbell, de
1962. Na arte pós-moderna, podemos dizer que a natureza-morta deixa de ser “representada” e passa a ser
“apresentada” em sua materialidade sígnica, ou seja, é a própria natureza, seus símbolos e objetos, que se
faz presente no ato de criação.
54
A paisagem é a representação pictórica da natureza e originou-se como fundo, como último plano de
pinturas em que se representavam homens e animais. No Egito, os baixos relevos dos túmulos e templos,
as pinturas murais e as ilustrações de papiros representam, muitas vezes, cenários naturais, jardins
floridos, tanques arborizados e animais que revelam agudo senso de observação da natureza. Na Grécia,
foi sobretudo, na época Alexandrina, que se iniciou uma tradição pictórica da natureza. Certas paisagens
executadas na Itália conservam traços dessa origem, mostrando a flora e a fauna da região do Nilo,
revelando o gosto de evasão para a natureza. Na Idade Média, a paisagem foi usada, sobretudo, como
elemento de fundo da iluminura. Somente no século XV é que a paisagem adquire as características de
gênero com os artistas flamengos, quando passa a ser fundo realista de temas religiosos e da vida
cotidiana das pessoas. Na Renascença italiana, a paisagem é o elemento essencial da nova concepção de
espaço, passando a fazer parte de composições religiosas e alegóricas. O fim do século XV e o início do
século XVI marcam o apogeu da Renascença italiana e Leonardo da Vinci (1492-1519) confere à
paisagem uma nova importância: o homem deixa de ser protagonista e passa a ser um elemento da
paisagem, integrando-se a ela pela técnica do sfumato. Apesar das conquistas da Renascença italiana, é o
florescimento artístico que caracteriza o século XVI na Alemanha que marca a valorização da paisagem,
através da obra de Albrecht Dürer (1471-1528), ainda em fins do século XV. Na Flandres, a tradição
religiosa e o realismo tipicamente flamengos são abalados, no início do século XVI, pela arte de
Hieronymus Bosch (ca. 1450-1516), em que a paisagem participa da vida cotidiana, sendo realista no
detalhe e surrealista no conjunto; Pieter Brueghel (ca.1525/1530-1569), que foi o primeiro grande
paisagista holandês e pintor da vida cotidiana e das festas populares; entre outros. Derivada desses
grandes mestres, a pintura de paisagem que se desenvolveu nesse período, tornou-se um gênero autônomo
e fez da paisagem realista o triunfo da pintura holandesa. No entanto, foi a pintura de paisagem dos
franceses que possibilitou um salto da pintura realista e do gosto neoclássico para a pintura
impressionista. Assim, a paisagem que primeiro aparece como fundo de quadros de temas religiosos, no
século XV, passa a ocupar um espaço cada vez maior nas representações pictóricas dos artistas até se
transformar em arte independente com seus respectivos subgêneros: a representação de certos aspectos
99
“Marinha – Estudo” e “A partida da gôndola veneziana”; duas obras que fazem alusão à
mitologia grega
56
, intituladas de “Natureza-morta (Vênus)” e Vênus Natureza-morta”
e três representações de frutos e flores denominados de Natureza-morta”, “Natureza-
morta com flores” e “Jarra e Frutas” (ANEXO 3.3).
as cópias e reproduções de obras consagradas, também denominadas pela
artista de “Estudos de Reprodução”, representam a grande maioria das obras dessa fase
e são elaboradas a partir de temas religiosos, mitológicos e outros que foram, ao mesmo
tempo, exercícios técnicos de estudos, fontes e influências para Lídia Baís. As
principais obras que representam esse grupo são reproduções miméticas de obras de
outros artistas importantes do Renascimento italiano, do Barroco flamengo e do
Neoclássico francês, como, por exemplo, os artistas italianos Leonardo Da Vinci, Rafael
urbanos, a natureza-morta e a representação paisagística que se situa entre a pintura da natureza e a de
cenas domésticas, que teve florescimento primeiro na Holanda, depois na França, até tornar-se um dos
temas principais da pintura figurativa moderna. Susan Woodford considera que “a paisagem pode ser um
motivo tão atraente para um pintor quanto para qualquer amante da natureza. Alguns artistas tornaram-se,
na realidade, especialistas em paisagens, enquanto outros só ocasionalmente voltaram-se para esse gênero
de estudo da natureza” (WOODFORD, 1983, p. 14).
55
Escultura de mármore conhecida por “Afrodite de Melos” (Vênus de Milo), datada de 150/100 a.C. Foi
descoberta em 1821 na ilha de Melos, nas Cíclades e enviada para a França em 1822, tornando-se, graças
à imprensa, uma das mais famosas obras de arte do mundo. Ela não é uma cópia romana como a maioria
das esculturas gregas que chegaram até nós, e sim uma obra grega original do Período Helenístico.
(http://www.warj.med.br/mit/mit09-6.asp).
56
O mundo dos deuses pagãos e o repertório rico de histórias fantásticas que constituem a mitologia
clássica grega foram apreciados por artistas desde o Renascimento até tempos relativamente recentes.
Segundo Susan Woodford: “Vênus era especialmente popular. Por vezes, artistas optaram por representa-
la simplesmente como desculpa para pintarem um nu feminino; outras vezes, ilustraram histórias em que
ela estava envolvida(WOODFORD, 1983, p. 50). O mito aparece e funciona como mediação simbólica
entre o sagrado e o profano, condição necessária à ordem do mundo e às relações entre os seres. O mito é
um produto da faculdade poética de gênero humano e ofereceu muitos conteúdos e enredos para as artes,
principalmente a mitologia grega. Utilizada pelos artistas desde a Grécia antiga, a mitologia forneceu os
enredos para grande parte da literatura épica e dramática. Tendo perdido a sua credibilidade pela
cristianização, os mitos continuaram a ocupar e preocupar a imaginação do homem medieval, que
considerava os deuses gregos como demônios. É com a Renascença que a mitologia grega começa a
fornecer temas e enredos às artes na Europa a o século XIX. No século XX, registra-se surpreendente
ressurreição dos enredos e personagens mitológicos, através de versões livres de tragédias gregas. A
psicologia moderna, que muito influenciou na mentalidade e na concepção artística da modernidade,
intensificou a consciência das situações existenciais da condição humana, representadas pelos conflitos
dramáticos da mitologia grega. Segundo Chevalier, “os mitos ajudam a perceber uma dimensão da
realidade humana e trazem à tona a função simbolizadora da imaginação”, que, por sua vez, “não
pretende transmitir a verdade científica, mas expressar as verdades de certas percepções” (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 1999, p. 611-612).
100
e Tiziano, o artista flamengo Rubens e o artista francês François Gerard
57
(ANEXO
3.2).
Além dessas obras famosas reproduzidas pela artista, também fazem parte
desse grupo outros “Estudos de Reprodução” que não apresentam referências e são
constituídos por pinturas de temática religiosa, como “São Sebastião Estudo” e “São
Francisco de Assis Estudo”; obras de temática mitológica, como “Amor Mordido” e,
ainda, obras de temáticas diversas, como a pintura “O Primeiro Anatomista” e o
desenho de uma “menina com passarinho”
58
(ANEXO 1.3).
A segunda fase Fase II evidenciada na produção artística de Lídia Baís é
pontuada por pinturas que apresentam maior liberdade de expressão em relação à fase
anterior, identificando-se com o início do amadurecimento do processo criativo da
artista . Esses traços podem ser observados, principalmente, por alguns recursos
técnicos adotados na execução plástica das obras, que já demonstram um
distanciamento dos cânones tradicionais da arte acadêmica
59
e uma aproximação com
tendências surgidas na modernidade, principalmente com o Impressionismo e o
Expressionismo. As obras inseridas nessa fase II apresentam temáticas semelhantes às
da fase anterior, marcando sua diferença pela utilização de pequenas pinceladas mais
soltas e gestuais, que tornam os trabalhos mais espontâneos e expressivos (ANEXOS
3.2 e 3.3).
57
A esse respeito, ver MIRADOR, 1976, p. 8902.
58
Esse trabalho ilustrou a capa de um dos dois catálogos de pinturas da artista e foi classificado como
sendo o primeiro trabalho artístico de Lídia Baís, realizado por volta de 1916.
59
Segundo Morais, “a Academia era um jardim situado perto de Atenas, na Grécia, onde, primeiro Platão,
e depois outros filósofos davam suas lições. Com o tempo, passou a significar uma corporação de sábios,
cientistas, escritores e artistas. Academia é, também, nas escolas de belas artes, o desenho, a pintura ou a
escultura representando a figura humana, nua ou em planejamento, executada a partir de um modelo vivo
ou estátua. Hoje, a expressão “academicismo”, tem um sentido claramente pejorativo. O Academismo,
contudo pode ser encarado como ‘produto da experiência e do saber, corrigindo a verdade, atenuando a
frescura, excluindo as audácias. É, em todas as artes ou épocas, o contrário da espontaneidade.
(MORAIS, 1991, p. 79).
101
As principais temáticas dessa fase são retratos de modelo vivo de alguns
parentes e amigos, intitulados de “Estudo Modelo Vivo”, três auto-retratos da artista,
paisagens rurais e figuras de animais. Os principais retratos de modelo vivo são
representados pelas obras “Retrato (Estudo de Modelo Vivo)”, “Retrato de Mariazinha”,
“Estudo a Pastel”, “Estudo Menina”, “Estudo Menino”, “O Desgostoso” e outras
pinturas denominadas apenas de “Estudo de Modelo Vivo”. Além desses retratos, a
segunda fase também é marcada pela pintura de um dos animais de estimação da artista,
denominada de “Cachorrinho Kiss” e mais três paisagens rurais, possivelmente das
fazendas da família Baís, intituladas de “Fazenda Salto (antiga)”, “Fazenda Imbirussú”
e “Galinhos” (ANEXO 3.3). Ainda nesse grupo, destacam-se os desenhos “Santíssima
Trindade” e “Celina, Ida e Lídia (Reprodução)” (ANEXO 3.4); as pinturas “Celina Baís
(Simboliza a Fé)”, “Ida Baís (Simboliza a Esperança)” e o auto-retrato “Lídia Baís
(Simboliza a Trindade)” (ANEXO 3.1). Além desse auto-retrato, dois outros também
estão representados nessa segunda fase pictórica da artista: um auto-retrato feito em
Berlim, provavelmente em 1925, em que Lídia está representada com uma roupa
formal, numa posição tradicional e austera, deixando revelar uma profunda tristeza no
olhar; no outro auto-retrato, a artista se auto-representa com flores no cabelo, vestida
com uma blusa bordada com motivos florais e usando um colar de contas comprido.
Nesse auto-retrato, Lídia segura na mão direita três pincéis, significativos do próprio
fazer pictórico, deixando transparecer um certo riso irônico e um olhar sugestivo de
felicidade e auto-realização (ANEXO 3.1).
A terceira fase Fase III –, no entanto, é a mais representativa de toda a
produção pictórica de Lídia Baís e apresenta obras, entre pinturas, desenhos e
montagens fotográficas, de acentuado valor estético. Essa fase é composta por
102
representações de temáticas diversificadas e procedimentos plásticos peculiares,
constituindo-se num conjunto de obras extremamente singular na produção da artista.
Nessa fase, podemos diferenciar, considerando a temática escolhida e os
procedimentos pictóricos adotados, dois grupos de obras, denominados de
“Composições” e “Composições Alegóricas”. Nesses dois grupos, estão reunidas obras
cuja vertente temática principal gira em torno do nacionalismo e de temas ligados à
história
60
; de temas nos quais a identidade, a alteridade e a “pessoalidade” da artista são
destacados e abordados de maneira muito peculiar e, principalmente, de temas
relacionados com a iconografia religiosa, particularmente a representação de assuntos
sobre a última ceia, o Apocalipse, a demonologia e a morte.
No grupo das “Composições”, a artista começa a estabelecer uma relação
sígnica entre as figuras e os objetos representados. Nesse grupo, destacam-se as pinturas
“São Francisco de Assis abençoando Lídia”, “Pensando nas injustiças do mundo”, “Dr.
Getúlio Vargas (composição)”, a montagem fotográfica “Lídia na Bandeira”, o afresco
em que a artista se auto-representa como “Joana D’Arc” e outro afresco polêmico,
pintado em 1937, atualmente desaparecido, denominado de “Composição Alegórica
Na Sala das Paixões”, no qual Lídia Baís se pinta nua ao lado das duas irmãs também
nuas, cercadas por anjos, faunos e guirlanda de flores (ANEXO 3.4).
O grupo das “Composições Alegóricas”, por sua vez, compreende o
conjunto de obras mais instigantes da produção de Lídia Baís e revela a complexidade
do imaginário pictórico da artista por meio de obras singulares. As obras desse grupo
60
A história também forneceu temas dignos e grandiosos aos artistas que se inspiraram em eventos
históricos, tanto de seu próprio tempo como do passado. Muitas pinturas foram realizadas com a
finalidade de registrar ou documentar um fato, acontecimento ou personagem histórico, mas,
freqüentemente, foram as personagens poderosas do palco da história que pediram ou ordenaram aos
artistas que documentassem os acontecimentos em que eles desempenharam papel de destaque. No século
XIX, a pintura de cenas históricas ou lendárias tornou-se de grande interesse para alguns grandes artistas
e, principalmente, para muitos pintores acadêmicos, adeptos de uma falsa teatralidade das composições,
que foi, enfim, superada pelo realismo dos impressionistas.
103
são representadas por uma pintura muito peculiar na produção da artista, denominada de
“Última Ceia de Nosso Senhor Jesus Cristo”, e mais quatro conjuntos ou séries de
trabalhos distintos. Essa distinção foi desenvolvida a partir de uma análise formal
61
de
construção das obras, verificando as suas correspondências plásticas e estéticas:
1) O primeiro conjunto é composto de três obras que lembram alguns
aspectos da arte popular
62
, da arte Naïf
63
e do Kitsch
64
, representadas a partir de assuntos
ligados ao nacionalismo, à identidade da artista e à religião católica: “Retrato da Família
Baís”, “Nossa Senhora, o Menino Jesus e seus Anjinhos (Estudo ainda em construção)”
e “Alegoria” – com gatos e guirlanda de flores.
2) O segundo conjunto é composto também por três obras, mas a vertente
temática principal enfoca a religião católica e o Apocalipse, aspectos culturais do social
e do local, juntamente com uma iconografia pessoal da artista. Nesse conjunto
61
Segundo Susan Woodford, existem quatro maneiras diferentes de olhar para uma pintura: a finalidade,
o indagação, a proximidade com a realidade e o aspecto composicional da obra. “A análise composicional
consiste em analisar a pintura em termos de construção – ou seja, o modo como formas e cores são usadas
para produzir padrões dentro do quadro”. Nesse sentido, “a análise formal da construção de uma pintura
freqüentemente nos ajuda a compreender melhor seu significado e a apreender alguns dos recursos e
estratagemas a que o artista recorre para obter os efeitos desejados” (WOODFORD, 1983, p. 12-13).
62
A Arte Popular , na acepção usual, é a atividade poética, musical e plástica de camadas sociais carentes
de instrução e que não pertencem à população industrial e urbana. Existe à margem do processo cultural
que se expressa nas artes, idéias e hábitos da civilização técnica contemporânea, tratando-se de uma
produção artesanal destinada a satisfazer necessidades materiais, espirituais e “estéticas” próprias de
determinados grupos sociais. Apresenta-se sob diversas formas de objetos materiais que exprimem o
gosto, a formação cultural e o nível econômico de seus produtores e consumidores. As formas da arte
popular derivam, quase sempre, de formas eruditas que se popularizaram. (MIRADOR, 1976, p. 850-
851).
63
A Arte Naïf ou arte ingênua é o estilo a que pertence a pintura de artistas não eruditos. Trata-se de um
tipo de expressão que não se enquadra nos moldes acadêmicos, nem nas tendências modernas, nem
tampouco no conceito de arte popular. O Naïf mostra-se extremamente variado, tornando impossível uma
definição ou um conceito generalizado, capaz de abranger os seus diferentes tipos. A característica
comum entre os Naïfs, se é que ela existe, é o caráter antinaturalista que não se submete aos dados da
visão objetiva e pinta tal como “realmente é, como realmente ele percebe as coisas e a natureza. Os
artistas Naïfs, o se preocupam em preservar as proporções naturais entre os diferentes elementos do
tema, pois a sugestão de volume não obedece às regras codificadas de claro-escuro e a tendência do
artista é representar uma composição plana, bidimensional. (MIRADOR, 1976, p. 851-852).
64
A palavra Kitsch, segundo Abraham Moles, apareceu em 1870, em Munique, com o sentido de
kitschem (fazer móveis novos como velhos: falsear) ou verkitschem (vender gato por lebre). (MORAIS,
1991, p. 154). Segundo Argan, “O Kitsch não é anti-arte, é arte industrial” e produz objetos que
“quereriam ser artísticos mas se revelam decadentes” e “de mau gosto”. Porém, o autor reconhece que “o
fenômeno Kitsch acompanha, até hoje, a produção industrial em todo o seu desenvolvimento” (ARGAN,
1995, p. 92).
104
destacam-se duas pinturas, denominadas de “Composição (Quadro de Profecia)” e
“Alegoria (Profética)” (ANEXO 3.6), e um afresco
65
, pintado naSala das Paixões” da
“Morada dos Baís”, representando uma santa ou rainha sobre o globo, cercada por
anjos, juntamente com a figura de um monstro ou demônio.
3) O terceiro conjunto é pontuado por obras que abordam especificamente a
temática da demonologia
66
e da morte através de uma pintura intitulada “Micróbio da
Fuzarca” e dois desenhos denominados de “Jovita Torrando Café” (ANEXO 3.5).
4) O quarto conjunto é uma série composta de duas pinturas, intituladas de
“Mitologia- Composição” e “Alegoria - Composição”, que representam a dualidade das
relações sociais, pessoais e religiosas com os universos feminino e masculino da artista
(ANEXO 3.6).
Nesses trabalhos reunidos no grupo das “Composições Alegóricas”, percebe-
se que a imaginação e o potencial criativo de Lídia Baís atingem o seu crescimento e
maturidade artística
67
diante das outras fases de sua produção, uma vez que a artista
conseguiu realizar obras criativas e enigmáticas, repletas de simbolismo e
intertextualidade, confirmando a idéia de que “a criatividade se realiza em conjunto com
a realização da personalidade de um ser: da maturação como processo essencial para a
criação” (OSTROWER, 1978, p. 130).
Diante disso, observar e analisar a construção do imaginário pictórico no
processo criativo de Lídia Baís, traduzido na materialidade de suas representações,
sobretudo em algumas obras que compõem esse terceiro momento da produção da
65
Este foi um dos três afrescos pintados na “Morada dos Baís” e recuperados pela restauração executada
pela Professora Dulcimira Capisani, em 1994. (Jornal Correio do Estado, 25 de julho de 1994).
66
A demonologia designa o estudo da natureza dos demônios, sua atividade e seus poderes segundo as
diferentes crenças e contextos em que se apresentam. O demônio, conforme a sua origem, não se refere
especificamente ao diabo, mas criaturas sobrenaturais, espíritos supra-humanos e abaixo de deus,
compreendendo quer entidades malfazejas, como o diabo, quer benfazejas, como os anjos. A acepção de
“demonologia” como um estudo exclusivamente dos espíritos malignos ou diabos restringe-se à teologia
cristã. (MIRADOR, 1976, p. 3203).
67
A esse respeito, ver OSTROWER, 1978, p. 127-146.
105
artista, é tentar desvendar um segredo, é buscar um significado oculto e é, ao mesmo
tempo, uma exploração e uma aventura interdisciplinar pelo vasto domínio do
simbólico.
3.3 O imaginário pictórico nas “Composições Alegóricas” de Lídia Baís
Compreender o imaginário pictórico dessa artista singular no contexto
histórico-cultural sul-mato-grossense, a intertextualidade de suas obras e o universo
simbólico de suas representações implica, também, compreender uma obra de arte em
sua “plenitude”, fazer uma “leitura” de seus significados, ou ainda, parafraseando Henri
Focillon
68
, “envolver-se na rede de seus próprios sonhos”. Diante disso, a compreensão
do imaginário pictórico de Lídia Baís envolve desvelar o universo simbólico concebido
pela imaginação criativa da artista e descortinar os mecanismos e os processos de
significação implícitos em suas obras, bem como evidenciar suas relações intertextuais,
estéticas e históricas. Pois, como indica Henri Focillon:
A obra de arte resulta de uma atividade independente, traduz uma fantasia
superior e livre, mas vemos também concentrarem-se nela as energias das
civilizações. Ela mergulha na mobilidade do tempo, e pertence à eternidade.
É particular, local individual e é uma testemunha universal. Mas domina seus
diversos significados e, servindo para ilustrar a história, o homem e o próprio
mundo é criadora do homem, criadora do mundo e instala na história uma
ordem que não pode ser reduzida a nenhuma outra coisa [...]. (FOCILLON,
1983, p. 9-10)
A leitura de uma imagem ou de uma obra de arte torna-se significativa
quando estabelecemos relações entre o objeto de leitura e nossas experiências de leitor,
o que efetivamente possibilita uma diversidade de modos de produção de sentido, como,
68
A esse respeito, ver FOCILLON, 1983, p. 9.
106
por exemplo, as abordagens biográfica, estética, formal, iconológica e semiótica, nas
quais busca-se, por caminhos diferentes, edificar significados.
Como sabemos, o nosso olhar não é ingênuo e está comprometido com nosso
passado, com nossas experiências, com nossa época e lugar, com nossos referenciais,
com nossa ideologia, com nossa maneira de viver e conceber o mundo. Diante disso,
não se pode ter uma única visão, uma leitura, pois a compreensão de uma imagem,
particularmente das imagens plástico-visuais e das obras de arte, implica olhar
construtivamente a articulação de seus elementos, suas tonalidades, suas linhas e
volumes, enfim, apreciá-la integralmente e saboreá-la em seus diversos significados,
criando distintas interpretações, pois o que é representado não é o objeto, mas a sua
interpretação, a interpretação que o artista lhe atribui, num determinado momento
69
.
Assim, a leitura de uma obra de arte é:
[...] perceber, compreender, interpretar a trama de cores, texturas, volumes,
formas, linhas que constituem uma imagem. Perceber objetivamente os
elementos presentes na imagem, sua temática, sua estrutura. No entanto tal
imagem foi produzida por um sujeito num determinado contexto, numa
determinada época, segundo sua visão de mundo. E esta leitura, esta
percepção, esta compreensão. Esta atribuição de significados vai ser feita por
um sujeito que tem uma história de vida, em que objetividade e subjetividade
organizam sua forma de apreensão e de apropriação do mundo (PILLAR,
1999, p. 15).
Nessa direção, Pillar considera que a leitura e a compreensão de uma obra de
arte, de uma imagem plástico-visual, deve ser considerada como “uma aventura em que
cognição e sensibilidade se interpenetram na busca de significados” (PILLAR, 1999, p.
17).
Desse modo, estudar o imaginário pictórico de Lídia Baís e tentar desvendar
os seus diversos significados é uma tarefa complexa pois, concordando com Luigi
Pareyson, “trata-se de reconstruir a obra na plenitude de sua realidade sensível, de modo
69
A esse respeito, ver PILLAR, 1999, p. 13-17.
107
que ela revele, a um tempo, o seu significado espiritual e o seu valor artístico e se
ofereça, assim, a um ato de contemplação e de fruição” (PAREYSON, 1997 , p. 201).
Com esse objetivo, no exercício de uma análise interdisciplinar, rastrearemos
o processo criativo de Lídia Baís, evidenciando a temática escolhida e os procedimentos
plásticos utilizados, para compreender como a artista concebeu seu particular
imaginário pictórico, representado nas “Composições” e principalmente nas
“Composições Alegóricas”. Os temas representados nessas obras tornam-se importantes
para os estudos históricos e estéticos, uma vez que se apresentam no bojo de uma série
de temas relevantes que permeiam os estudos contemporâneos sobre a imagem, o
imaginário e a representação e revelam as três instâncias de sua realização: “concretude
do real, da utopia e a ideológica”
70
. Nessa direção, acreditamos que analisar o
imaginário pictórico de Lídia Baís, por meio da expressão simbólica de sua temática,
pode ser um dos mecanismos para a compreensão do processo de significação da obra e
70
A esse respeito, ver PESAVENTO, 1995, p. 23-24.
108
da iconografia
71
dessa artista que procurou traduzir, através de símbolos
72
, a sua própria
realidade pessoal.
71
A iconografia é o estudo descritivo da representação visual de símbolos e imagens, tal como se
apresentam estes nos quadros, gravuras, estampas, medalhas, efígies, retratos, estátuas, monumentos de
qualquer espécie. A iconografia divide-se em dois grandes ramos: os da iconografia religiosa e os da
iconografia secular. 1) Iconografia religiosa: tem por objetivo levantar, identificar e descrever os temas
religiosos em que se inspiraram os artistas no decurso dos culos. Entretanto, nem todas as religiões se
prestam a esses estudos, como é o caso do judaísmo e do islamismo que, ao proscreverem severamente a
figuração humana, acabaram por constituir religiões anicrônicas (aniconográficas). as religiões greco-
romanas (cristianismo, budismo, hinduísmo e as religiões do antigo oriente próximo) preservaram um
riquíssimo acervo iconográfico. A iconografia religiosa tornou-se uma das mais valiosas disciplinas
auxiliares da arqueologia e da história da arte. 2) Iconografia secular: subdivide-se em alguns setores
específicos: Iconografia Individual (coleciona e instaura os propósitos de todas as representações visuais
relativas a uma personagem histórica, ou mesmo a uma família ou dinastia), Iconografia de uma época
(reúne as figurações de um dado período histórico época dos descobrimentos marítimos ou época da
Revolução Francesa), Iconografia mitológica (desempenhou importante papel na evolução da arte
renascentista), Iconografia pictural (recolhe amostras da tradição plástico-visual quer do Ocidente, quer
do Oriente, incluindo peças representativas de gêneros pintura histórica, auto-retrato, paisagem,
natureza morta, entre outros). A iconologia, por sua vez, é o estudo das figurações alegóricas ou
emblemáticas de idéias filosóficas e morais, implicando, assim, uma interpretação do significado que um
tema ou um símbolo possam adquirir no contexto da representação visual de determinada obra. A
iconologia seria uma disciplina interpretativa que, insatisfeita com a simples identificação ou descrição,
procura extrair de motivos, temas ou símbolos convencionais algo capaz de expressar uma filosofia ou
uma concepção de mundo. (MIRADOR, 1976, p. 5929-36).
72
Segundo Chevalier, o emprego da palavra símbolo revela variações consideráveis de sentido, nas quais
existem fronteiras entre valores da imagem simbólica: “O emblema é uma figura visível, adotada para
representar uma idéia, um ser físico ou moral: a bandeira é o emblema da pátria; a coroa de louros, o da
glória. O atributo corresponde a uma realidade ou imagem, que serve de signo distintivo de uma
personagem, uma coletividade, um ser moral: a balança, são atributos da justiça, as asas, de uma
companhia de navegação aérea. A alegoria é uma figuração que toma com maior freqüência a forma
humana, mas por vezes toma a forma de um animal ou de um vegetal ou, ainda, de um feito heróico, a de
uma determinada situação, a de uma virtude ou a de um ser abstrato. Por exemplo: uma mulher alada é a
alegoria da vitória. A metáfora desenvolve uma comparação entre dois seres ou duas situações, como, por
exemplo, qualificar de dilúvio verbal a eloqüência de um orador” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999,
p. XI-XX).
109
3.3.1 A representação do nacionalismo e da identidade
Os temas referentes ao nacionalismo e à identidade podem ser encontrados,
principalmente, em três obras de Lídia Baís: “Dr. Getúlio Vargas Composição”
73
(pintura), “Lídia na Bandeira” (foto-montagem)
74
e “Retrato da Família Baís” (pintura)
75
.
Referindo-se aos temas do nacionalismo e identidade na obra de Lídia Baís,
a professora Alda Couto considera que “a vertente temática do nacionalismo na pintura
de Lídia Baís está representada pela homenagem a Getúlio Vargas, que tem sua imagem
ligada à Napoleão Bonaparte” e acrescenta que “é ousada a posição de dia,
considerando-se parte integrante da nação, quando as conquistas da cidadania, pelas
mulheres, eram incipientes” (COUTO, 1999a, p. 24).
Na pintura “Dr. Getúlio Vargas” pode ser observada a evidente relação que
Lídia Baís estabelece entre Getúlio Vargas e Napoleão Bonaparte (ANEXO 3.4).
Getúlio Vargas é representado vestindo o traje típico do Rio Grande do Sul botas e
bombachas como um “autêntico gaúcho”, símbolo da cultura sul-rio-grandense. Da
mesma forma, Napoleão Bonaparte também é representado da maneira em que
usualmente aparece em suas diversas representações neoclássicas: sempre triunfante,
em uniforme militar, montado sobre um cavalo branco.
Ambos os chefes de estado, Getúlio e Napoleão, estabelecem um diálogo,
proposto intencionalmente pela artista, sob a égide do emblema da bandeira brasileira,
que também está representada no canto superior direito, sobre a cabeça de Napoleão. Ao
mesmo tempo em que Lídia “homenageia” Getúlio e Napoleão, a artista reafirma sua
73
A esse respeito, ver BAÍS, [ca. 1960]b, p. 21; BAÍS, [ca. 1960]c, p. 06.
74
A esse respeito, ver BAÍS, [ca. 1960]b, p. 41.
75
A esse respeito, ver BAÍS, [ca. 1960]b, p. 16; BAÍS, [ca. 1960]c, p. 38.
110
ousada atitude de cidadania ao “comentar” política numa época em que,
provavelmente
76
, as mulheres ainda não tinham nem o direito ao voto
77
e eram
desconsideradas enquanto sujeitos sociais e históricos. Ao comparar Getúlio a
Napoleão, Lídia compara também a política brasileira da época, mais precisamente, a
Nova República, com o absolutismo francês e sua política autoritária do século XIX.
Assim, a pintura “Dr. Getúlio Vargas” estabelece uma visão crítica da artista diante da
política de sua época e ainda da própria personagem de Getúlio Vargas, haja vista que
foram as tropas enviadas, sob a ordem de Getúlio, que combateram a revolta deflagrada
no estado de Mato Grosso em 1932 e puseram fim ao governo provisório de Vespasiano
Barbosa Martins, cunhado de Lídia Baís e um dos líderes da revolta
78
.
A afirmação da identidade da artista, da sua cidadania brasileira, do seu
lugar na Pátria como a estrela maior do Brasil, é confirmada em sua foto-montagem,
que tem como título “Devido uma visão, Lídia Baís, foi colocada dentro da Bandeira
Brasileira!”. Esse trabalho traz duas inscrições entre parênteses logo abaixo do título,
nas quais se pode ler: “(mais tarde entenderão porque!...)” e “(representa Universal ou
universalista)” (ANEXO 3.4). Nessa colagem, Lídia apropria-se da mesma imagem que
utiliza em um dos quatro cartões de visita que imprimiu como veículo de divulgação do
“Museu Baís”.
A atitude da artista de inserir-se na bandeira nacional, na parte superior do
círculo, logo acima da inscrição “Ordem e Progresso”, justamente no lugar da “estrela
76
A palavra “provavelmente” é inserida no texto, tendo em vista que as representações pictóricas ‘da
artista não possuem data, impossibilitando uma ordenação cronológica.
77
Foi Getúlio Vargas quem instituiu o voto feminino em 1932.
78
Segundo Marisa Bittar, “[...] no início de outubro cessou o movimento e confirmou-se a hegemonia das
forças ligadas a Vargas. Para Mato Grosso a derrota dos paulistas implicou na retomada do controle
político pelos grupos do centro-oeste e no imediato desmonte do efêmero governo de Vespasino Barbosa
Martins, que, então, a exemplo de tantos outros chefes políticos mato-grossenses, exilou-se no Paraguai.
Da cidade de Pedro Juan Caballero, onde viveu com a família, de outubro de 1932 a abril de 1933, enviou
carta a um irmão na qual revela “não estar arrependido” de seu “proceder, isto é, de haver combatido uma
ditadura”. (BITTAR, 1997, p.136).
111
maior” que representa o Estado do Pará –, “reflete o nacionalismo da artista como
traço de uma identidade nacional que passa pela necessária valorização do indivíduo,
como agente da história”. Pois, segundo Orlandi, “[...] temos, de um lado, a
materialidade do símbolo (da bandeira) com sua força produtora de sentidos, de outro,
um ser marcado pela sua necessidade social, na qual, historicamente, se marca o desejo
de ‘ter uma pátria’, ‘pertencer’ a um país” (ORLANDI apud COUTO, 1999, p. 26).
O terceiro trabalho de Lídia Baís que representa, ainda, questões relativas ao
nacionalismo e à identidade é um retrato de sua família intitulado “Retrato da Família
Baís (Represento uma Família Universal)” (ANEXO 3.5). Nessa pintura, a professora
Alda Couto considera que a artista evidencia elementos da pintura ingênua e da arte
popular que lembra painéis religiosos, a nobreza européia do antigo regime vista com
galas de divindade, a iconografia oficial com seus bustos inseridos em medalhões e suas
flâmulas (COUTO, 1999a, p. 28).
A artista enfatiza, nessa pintura, uma família com ares aristocráticos e de
nobreza européia, na qual aparecem, inseridos no centro da representação, seus pais,
unidos por uma fita aos filhos, genros e netos, constituindo-se numa espécie de
representação da própria “árvore genealógica” de Lídia Baís. Nessa composição, todas
as personagens mais importantes da família Baís são representadas de forma circular,
lembrando antigos retratos ou fotografias inseridas em medalhões. A fita que une as
personagens é construída com as cores vermelho, verde e branco, numa alusão às cores
da bandeira Itáliana, indicando a origem comum de todos os descendentes da família
Baís.
Essa pintura pode ser percebida, ao mesmo tempo, tanto como uma
homenagem à nobreza aristocrática da monarquia quanto uma exaltação à cidadania
universal, ao cidadão do mundo, que o próprio título da obra nos remete nessa
112
direção. Não somente por isso, mas, também, porque as “flâmulas” inseridas na
composição são bandeiras de vários países distintos e, ainda, porque os pais de Lídia
estão vestindo trajes e adereços típicos da realeza, sobretudo a mãe, que aparece usando
uma coroa de ouro e um luxuoso manto de peles brancas. A própria artista se auto-
representa, logo abaixo dos pais, cercada por diversas bandeiras, entre as quais
destacam-se a bandeira da França, da Suíça, da Itália e dos Estados Unidos. Do lado
esquerdo da imagem, esrepresentado o globo terrestre, com o mapa das Américas em
destaque sobre a fita que une a artista a uma de suas irmãs. Na parte inferior do lado
esquerdo, entre o globo e um de seus irmãos, Lídia insere o brasão do império brasileiro
e, simultaneamente a este, insere também, no lado direito, o brasão da República do
Brasil, colocando lado a lado símbolos muito significativos na construção identitária da
nação brasileira. Tudo isso é animado por uma banda musical de anjos e querubins,
composta por sobrinhos da artista que tocam diversos instrumentos na parte superior da
representação, proporcionando um clima festivo, que lembra festas folclóricas italianas.
Assim, pode-se constatar que o único traço de ingenuidade nessa pintura de
Lídia Baís é evidenciado apenas pela forma de construção plástica e pictórica da obra,
pois toda a representação está emoldurada por guirlandas de flores que lembram rosas
de plástico e a distribuição das personagens na composição é feita a partir da união dos
diversos retratos familiares por uma fita construída com cores contrastantes, oferecendo
elementos para a comparação com os procedimentos pictóricos da arte ingênua e
popular. Mas é somente por isso, pois a representação da “Família Baís” é, em si, uma
aguda crítica à república e aos valores do nacionalismo republicano, que a artista
marca sua representação com ares de realeza e universalidade, indicando sua preferência
pelo regime monarquista (ou anarquista?).
113
Diante disso, podemos afirmar que as questões referentes ao nacionalismo, à
identidade e à alteridade são abordadas de maneira muito peculiar pela artista na
construção de seu imaginário pictórico, pois a mesma utiliza-se de procedimentos
técnicos supostamente “ingênuos” para elaborar uma aguda crítica política e social à
república, ao bairrismo, ao localismo e ao próprio nacionalismo.
Além disso, Lídia Baís afirma a identidade nacional e o nacionalismo com a
inserção de sua imagem na bandeira brasileira e, ao mesmo tempo, nega essa
identidade, requisitando, através da representação de símbolos significativos, uma
cidadania universal. Enquanto pessoa e artista, Lídia quer pertencer ao mundo.
3.3.2 A iconografia religiosa: o Apocalipse, a demonologia e a morte
A iconografia religiosa, por sua vez, permeia grande parte das obras de Lídia
Baís e apresenta-se sob vários aspectos e assuntos, que evidenciam a correspondência
da artista com as representações iconográficas medievais, renascentistas e barrocas. A
artista representa e (re) apresenta desde temas consagrados da iconografia cristã até
composições em que ícones e símbolos do sagrado se misturam aos temas mitológicos e
profanos. Na pintura religiosa, que dominou durante séculos a representação na arte
ocidental, é preciso distinguir o ícone
79
, de origem bizantina, que tenta representar os
79
Ícone é o nome de cada unidade de pintura religiosa que retrata o Cristo, a Virgem Maria, os anjos ou
santos individuais. Considera-se como ícone a pintura sagrada em madeira, pedra ou metal, com exceção
da iluminura e da pintura monumental. Os ícones são em geral portáteis. Segundo Chevalier: “Entende-se
por ícone a imagem divina ou sagrada de maneira geral e nãoa forma particular que assumiu na Igreja
do Oriente. O ícone não é da mesma natureza do retrato. Nele, se existe semelhança, é apenas de caráter
ideal, na medida em que a imagem participa da Realidade divina que se destina a exprimir. Portanto, o
ícone é, em primeiro lugar, representação da Realidade transcendente nos limites inerentes à
incapacidade fundamental de traduzir de maneira adequada o divino e suporte para a meditação. Tende
a fixar o espírito da imagem, para que esta o leve a concentrar-se na Realidade que simboliza”.
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999, p. 499).
114
personagens adorados ou venerados do universo religioso, e a pintura propriamente
religiosa que se desenvolveu no ocidente, representando cenas do Velho e do Novo
Testamento
80
.
A religião é um dos assuntos mais freqüentes na representação pictórica de
Lídia Baís e percorre toda a sua trajetória artística, desde os primeiros “Estudos de
Reprodução”, passando pelos retratos e auto-retratos, até as “Composições Alegóricas”
mais recentes. Segundo a professora Maria da Glória Rosa, “os motivos religiosos
são uma obsessão da artista que tem na Bíblia Sagrada sua fonte de inspiração . Nossa
Senhora, os anjos, São Sebastião, São Francisco de Assis são alguns dos modelos
preferidos” (ROSA, 1986, p. 17). Para a professora Alda Couto, a representação
religiosa de Lídia Baís e sua correspondência com Murilo Mendes e Ismael Nery, como
vimos, tornou-se o objeto principal de estudos para vários trabalhos científicos da
pesquisadora.
Nos “Estudos de Reprodução” da fase I, a artista explora a temática através
de “cópias” de outras obras consagradas da arte ocidental, sobretudo da pintura
“Madona da Poltrona”, de Rafael e do mural “Última Ceia”, de Leonardo Da Vinci
(ANEXO 3.2) e de outras obras que representam santos católicos como, por exemplo,
80
A pintura histórico-religiosa, figurativa no início, tornou-se, com o tempo, cada vez mais realista, até
desembocar no realismo da Renascença italiana e dos mestres flamengos. Na Idade Média, a pintura
religiosa serviu como recurso de ensino catequético para os fiéis iletrados, aos quais o conteúdo das cenas
pintadas era mais ou menos familiar. Nesse período, as pinturas e as iluminuras tinham uma finalidade
prática, tendo em vista que a maiorias das pessoas não sabia ler e poderia receber a mensagem das
Sagradas Escrituras olhando para as pinturas, os mosaicos e vitrais nos templos e igrejas; nos quais, essas
imagens de cenas e figuras religiosas “podiam fazer pelos analfabetos o que a escrita faz pelos que sabem
ler”. Na Renascença, a pintura religiosa foi composta de personagens, acontecimentos e símbolos
acessíveis a iniciados e destinados para poucos, como nos quadros de significação pagã ou ocultista.
Assim, durante mais de dois mil anos, a igreja católica foi, direta ou indiretamente, o mais generoso de
todos os mecenas das artes, contribuindo para que pintores, arquitetos e escultores pudessem criar
esplêndidas obras arte ao longo da história. Muitos artistas receberam encomendas para criar uma grande
variedade de obras de arte, que incluíam impressionantes retábulos, pequenos altares portáteis, adequados
para devoções particulares, vitrais, mosaicos e afrescos, além de iluminuras ilustrativas e ornamentais de
Bíblia Sagradas e livros de orações. Somente a partir do enfraquecimento da mentalidade religiosa, ainda
no Renascimento, que outros temas começaram a ocupar a pintura ocidental, como, por exemplo, a
mitologia, a história, os retratos e auto-retratos, as paisagens, as naturezas-mortas, as cenas de gênero,
entre outros. (WOODFORD, 1983, p. 55; MIRADOR, 1976, p. 7663).
115
“São Sebastião Estudo” e “São Francisco Estudo”. Sobre essa obra, a professora
Maria da Glória Rosa destaca que “São Francisco prega aos passarinhos que ouvem
atentos e em grupos. A harmonia das figuras, a suavidade das feições comunicam a
humildade do santo que se irmana à beleza, ao desprendimento dos pássaros” (ROSA,
1986, p. 17).
Na segunda fase pictórica, as obras que apresentam temáticas religiosas
estão reunidas em dois desenhos denominados “Santíssima Trindade” e “Celina, Ida e
Lídia (Reprodução)” (ANEXO 3.2), e em três pinturas, dois retratos e um auto-retrato,
intituladas de “Celina Baís (Simboliza a Fé)”, “Ida Baís (Simboliza a Esperança)” e
“Lídia Baís (Simboliza a Trindade)” (ANEXO 3.1). Para a professora Alda Couto, esses
dois retratos e o auto-retrato “remetem a uma concepção convencional na arte da pintura
religiosa, à personificação das virtudes teologais”, pois “a cruz, a âncora, a grinalda,
divididas nos retratos das irmãs e reunidas no coração em chamas é explícita a
simbolização da Trindade”, em que “a cruz representa a fé, a âncora, a esperança, o
coração, a caridade”. Segundo Alda Couto, “há nesse procedimento uma associação
com o Pai, o Filho e o Espírito Santo, pois é clara a indicação dos três componentes da
trindade no auto-retrato, que, seguindo a ordem das virtudes deveria indicar a caridade,
representada pelo coração de Cristo” (COUTO, 1999a, p. 37-38).
A terceira fase pictórica é caracterizada pela predominância de assuntos
ligados à religião que são abordados de maneira muito pessoal e particular tanto no
grupo das “Composições” quanto no grupo das “Composições Alegóricas”,
constituindo-se nos dois conjuntos mais significativos da produção artística de Lídia
Baís.
No grupo das “Composições”, a temática religiosa es presente em duas
pinturas da artista, nas quais Lídia Baís se auto-representa em cenas distintas
116
envolvendo santos católicos: o mural “Joana D’Arc” e a pintura “São Francisco
abençoando Lídia”. No mural “Joana D’Arc” (ANEXO 3.4), a artista se auto-representa
como a santa católica numa cena de paisagem, montada num cavalo branco, segurando
uma lança na mão, acompanhada de um cachorro, provavelmente o “famoso”
“cachorrinho Kiss” (ANEXO 3.3). A cena é desenvolvida numa paisagem de praia e a
artista distribuiu as personagens e os objetos na composição para conseguir um arranjo
formal harmonioso a partir da figura de Joana D’Arc: insere no mar ou no grande lago
uma ilha com farol, próximo à figura da santa, preenchendo o espaço da metade
superior esquerda e, para equilibrar a composição, coloca uma outra ilhota de pedras no
lado direito do painel. Nesse mural, Lídia parece reivindicar a sua própria “santidade”
ao se comparar com a santa francesa, uma vez que a artista, como vimos, se comparou
aos santos em seu livro autobiográfico. Na pintura “São Francisco abençoando Lídia”
(ANEXO 3.4), a artista também se auto-representa, mas desta vez, está vestida com um
hábito de freira, sendo abençoada por São Francisco de Assis e assistida por uma
“platéia” de passarinhos numa cena de paisagem, que também lembra uma praia. Aqui,
a artista faz uma alusão ao seu desejo de ser freira e escolhe um dos seus santos
preferidos para abençoá-la neste compromisso sagrado de consagração a Deus, pois se
considerava como uma seguidora, uma discípula de Cristo e acima de tudo, como
vimos, “uma freira solta no mundo”.
Nas “Composições Alegóricas”, por sua vez, a iconografia religiosa
predomina sobre todos os outros temas e está representada na totalidade das obras, cujos
assuntos principais giram em torno da Santa Ceia, do Apocalipse, da Dança da Morte e
do Juízo Final. Verifica-se que uma das principais características da pintura de Lídia
Baís representadas nas “Composições Alegóricas” é a capacidade e a propriedade com
que a artista transita entre o sagrado e o profano, estabelecendo uma espécie de
117
“alquimia pictórica” que profana o sagrado e, ao mesmo tempo, sacraliza o profano.
Assim, sagrado e profano se misturam e assumem novos significados a partir da
justaposição de símbolos e signos alusivos à religião católica, ao essencialismo, à
mitologia grega, à tradição artística e ao universo pessoal da artista. Essas obras, por sua
vez, são consideradas como as melhores composições de Lídia, justamente porque,
nelas, a artista “abandona o racional o consciente para partir em busca da aventura de
pintar, liberta de amarras, de recalques, embalada pela simples alegria de criar” (ROSA,
1986, p. 17). Nas Composições Alegóricas”, o tema da Santa Ceia é representado por
uma obra interessantíssima e extremamente significativa, do ponto de vista estético e
intertextual, denominada de “Última Ceia de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Nessa obra,
Lídia Baís enfatiza o gesto de apropriação como um procedimento pictórico importante
para o seu processo de criação artística, apropriando-se da pintura “Última Ceia”, de
Leonardo da Vinci. Na obra “Última Ceia de Nosso Senhor Jesus Cristo”, Lídia Baís
estabelece uma relação dialética e intertextual entre a tradição artística ocidental e a
religião católica com o universo pessoal da artista. A “pessoalidadee a particularidade
de Lídia Baís no tratamento do tema da Última Ceia de Jesus Cristo evidencia-se pela
sua auto-representação na cena e pela inclusão de uma figura demoníaca das trevas.
Dessa maneira, a artista discute a participação da mulher e a presença feminina no
contexto masculino da Igreja e, ainda, a participação do demônio e a presença do mal na
representação do divino. Com essa obra, Lídia Baís coloca em debate não somente
aspectos religiosos, mas, sobretudo, as próprias relações sociais entre o masculino e o
feminino, o bem e o mal, o sagrado e o profano. Com relação a essa obra, a professora
Maria da Glória considera que “na multiplicidade das alegorias a mais expressiva é a
Santa Ceia com a introdução de ‘elementos novos’ ao contexto religioso: o demônio
tentando Judas, e Lídia, ao lado de Cristo como sua discípula predileta” (ROSA, 1986,
118
p. 17). Sobre a introdução de elementos novos” no tema da Santa Ceia e, mais
especificamente, do gesto de apropriação da artista, falaremos com maiores detalhes no
próximo capítulo, que analisa, exclusivamente, a intertextualidade pictórica nas obras de
Lídia Baís.
A temática religiosa e suas relações entre o feminino e o masculino, o bem e
o mal, o sagrado e o profano, também oferecem os assuntos principais para a criação de
duas outras pinturas de Lídia Baís, intituladas “Alegoria Composição” e “Mitologia
Composição” (ANEXO 3.6). Nessas duas obras, a expressão simbólica de Lídia é
revelada pela sua inventividade na reorganização de símbolos tradicionais da cultura
ocidental e da religião católica, que se fundem na “alquimia pictórica” da artista,
estabelecendo um diálogo visual repleto de significações. A pintura “Alegoria
Composição” tem como personagem central uma figura feminina apropriada da obra “O
rapto das filhas de Leucipo”, de autoria do flamengo Píer Paul Rubens, o que também
será abordado, com mais especificidade, no próximo capítulo sobre a intertextualidade.
No entanto, a obra “Alegoria Composição”, por sua vez, estabelece uma relação
pictórica com uma outra obra da artista, intitulada “Mitologia Composição”, nas quais
pode-se fazer uma leitura do imaginário pictórico de Lídia Baís a partir dos elementos
simbólicos inseridos em ambos os textos visuais, como, por exemplo, a cruz, o crânio, a
cabeça, o dragão, a serpente, o masculino e o feminino, entre outros.
A cruz, que aparece em ambos os trabalhos da artista, é um dos símbolos
cuja presença é atestada desde a mais alta Antigüidade e apresenta uma função de
síntese e de medida, na qual se juntam o céu e a terra e se confundem o tempo e o
espaço. Segundo Chevalier, a tradição cristã “enriqueceu o simbolismo da cruz,
condensando nessa imagem a história da salvação e a paixão do salvador. A cruz
simboliza o Crucificado, o Cristo, o Salvador, o Verbo, a Segunda pessoa da Santíssima
119
Trindade. Ela é mais que uma figura de Jesus, ela se identifica com sua história humana,
com a sua pessoa” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999, p. 309-317).
Nesse sentido, Lídia Baís utiliza-se do simbolismo da cruz para representar o
seu próprio martírio e sua relação conflituosa com o universo masculino. Em ambos os
trabalhos, são representadas duas cruzes: uma associada ao homem e a outra à mulher.
Na pintura “Alegoria”, tanto o homem quanto a mulher são representados nus,
“agarrando-se” à cruz, mas somente a mulher está associada a outros símbolos: no alto
da cruz feminina, um dragão alado vermelho pousa e, aos pés da cruz, em baixo, no
solo, um crânio repousa, solene, sobre o túmulo. Segundo Chevalier, o crânio representa
“a sede de pensamento, do comando e do supremo” e “simboliza o círculo iniciático: a
morte corporal, prelúdio do renascimento em nível de vida superior, e condição do reino
do espírito” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999, p. 298). O dragão, por sua vez
em associação com o crânio e a mulher que se agarra à cruz como que quisesse se
proteger de “um guardião severo” –, representa um símbolo do mal e das tendências
demoníacas. “Como símbolo demoníaco, o dragão se associa com a Serpente”
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999, p. 349).
A professora Alda Couto considera que a inclusão do crânio e da cruz na
pintura “Alegoria Composição” adquire significados renovados, “pelo claro
desdobramento do holocausto do homem e da mulher, pela posição dos corpos, de
frente para a cruz, a escolha masculina parecendo mais serena do que a feminina, que
reproduz o ‘rapto’ pela força do dragão” (COUTO, 1999a, p. 48).
na pintura “Mitologia”, o homem e a mulher estão vestidos com trajes de
festa e se encontram deitados sobre duas cruzes, mas somente a mulher está associada
diretamente à uma grande cobra vermelha que se posiciona enrolada próxima à cabeça
da figura feminina. A serpente pode representar tanto “um aspecto negativo e maldito”
120
quanto um “arquétipo fundamental ligado às fontes da vida e da imaginação”. Segundo
Chevalier, “embora a cristandade tenha, na maior parte das vezes, retido o aspecto
negativo e maldito da serpente, os textos sagrados do cristianismo, por sua vez,
comprovam os dois aspectos do símbolo. No símbolo da serpente reabilitado a partir do
Romantismo, vê-se que a serpente, conservou pelo mundo as valências simbólicas mais
contraditórias em aparência” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999, p. 825).
No plano superior da obra “Mitologia”, a artista representou mais dois
símbolos: do lado esquerdo colocou um círculo amarelo-alaranjado, que simboliza “o
ponto de equilíbrio entre o espírito e a libido” e, quando esse equilíbrio é rompido, “o
alaranjado torna-se então a revelação do amor divino ou o emblema da luxuria”
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999, p. 27); e, paralelamente, do lado direito,
equilibrando a composição, Lídia colocou uma face andrógina que pode ser tanto
feminina quanto masculina –, provavelmente para representar a lua, que simboliza “a
dependência e o príncipio feminino, assim como a periodicidade e a renovação”
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999, p. 561). Assim, uma vez que o simbolismo do
crânio identifica-se com o simbolismo da cabeça, e esta geralmente,representa o ardor
do princípio ativo e abrange a autoridade de governar, ordenar, instruir”, a face
andrógina na pintura de Lídia pode representar um símbolo do “espírito manifestado,
em relação ao corpo, que é uma manifestação da matéria (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 1999, p. 151).
Sobre a construção dessa obra, Sá Rosa evidencia que “o Surrealismo,
preconizando a revolta da razão contra a lógica, era o caminho apropriado à dia cujo
misticismo a levava às fontes da criação para explorar o inconsciente e o sonho”.
Assim, a partir dessa perspectiva, pode-se verificar uma forma de leitura” da obra
“Mitologia” a partir da imaginação, do inconsciente e do sonho:
121
Numa paisagem lunar surge, como brotada de um sonho, uma figura humana
projetada em nuvens, opondo-se a enorme bola colorida. Em plano inferior
ressurge a velha obsessão: homem e mulher em situações opostas, deitados
na cruz. A da mulher é sempre maior e mais pesada que a do homem. Na
parte superior, a cobra, mbolo da luxuria, da tentação, aguarda o momento
de destruir sua presa. (ROSA, 1986, p. 17).
Sobre as obras de Lídia Baís “Alegoria Composição” e “Mitologia
Composição”, a professora Alda Couto considera que “nos dois quadros o sacrifício é
uma escolha voluntária, não sinais de amarras. Os dois corpos deitados sobre a cruz,
em mitologia, de certa forma lembram o ritual da consagração dos votos, quando os
futuros padres e freiras se debruçam no chão” (COUTO, 1999a, p. 50).
Segundo Chevalier, o masculino e o feminino são duas palavras que não
devem ser entendidas apenas no plano biológico relativo ao sexo do indivíduo, mas
também “num plano mais elevado e mais amplo”, no qual a “alma” é uma combinação
dos princípios masculino e feminino. Nessa perspectiva, o autor enfatiza que “o
masculino emite a força da vida, esse princípio de vida está sujeito à morte. A fêmea é
portadora de vida, ela anima. Eva, saída de Adão, significa que o elemento espiritual
está além do elemento vital” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999, p. 598). Nessa
perspectiva, Chevalier acrescenta que o masculino e o feminino se apresentam tanto no
Deus uno quanto no Cristo, que é a imagem perfeita de Deus e, por conseguinte,
também uno em sua totalidade masculina e feminina (CHEVALIER; GHEERBRANT,
1999, p. 599).
A temática do Apocalipse está circunscrita, sobretudo, a duas obras da
artista, intituladas “Quadro Profético” e “Alegoria Profética” (ANEXO 3.6). Nesses
trabalhos, pode-se observar a existência de uma profusão simbólica em vários níveis e
em distintos valores imagéticos –, na qual os símbolos se multiplicam na dicotomia
material/espiritual.
122
Lídia Baís configura essas duas obras numa perspectiva aérea, também
conhecida como planimetria
81
, dividida em três planos distintos, representados pela
terra, pela água e pelo ar. O primeiro plano representa a terra e sua vida material com
seus habitantes humanos, impuros, infiéis e indignos de entrar no reino dos céus, mas
que imploram as suas redenções. O segundo plano, representado pela águas do mar que
se estendem até o horizonte, é uma área quase neutra e estabelece uma ligação do
primeiro com o terceiro plano. Nesse plano, repleto de símbolos religiosos, encontram-
se representados o céu, a liberdade, a justiça, anjos, querubins e muitas outras
personagens dignas de provar das delícias do paraíso na concepção da autora –, entre
as quais se encontram a própria artista, e alguns de seus familiares.
A obra “Quadro Profético” está explicitamente citada logo na primeira
página do pequeno livro autobiográfico de Lídia Baís, História de T. Lídia Baís, através
da narrativa que revela um “fragmento visual” da cena representada na pintura: “Tanta
opressão na vida de Lídia, que retardou o seu aparecimento na história, pois ela vem
combatendo mais de vinte anos a fim de tirar as algemas que lhe puseram nos pés e
nas mãos” (TRINDADE, [ca. 1960], p. 3). Segundo Alda Couto, “na tela, a mulher
triunfante do Apocalipse quebra os elos de uma corrente que tomba nas águas; os anjos;
as trombetas, os selos completam a cena” (COUTO, 1999a, p. 40).
81
Na pintura e no desenho dois tipos de perspectiva: perspectiva linear e a perspectiva aérea (ou
atmosférica), denominada planimetria. A perspectiva linear é o método para a criação de muitos dos
efeitos visuais especiais de nosso ambiente natural, e para a representação do modo tridimensional que
vemos em uma forma gráfica bidimensional. A perspectiva recorre a muitos artifícios para simular a
distância, a massa, o ponto de vista, o ponto de fuga, a linha do horizonte, o nível do olho, etc. (MAYER,
1996, p. 620-621). A perspectiva, numa pintura, é uma espécie de ilusão de ótica percebida em virtude de
treino e educação e possibilitada por certos mecanismos do olho humano, é um sistema artificial
elaborado com o propósito de criar um efeito de três dimensões sobre uma superfície bidimensional. A
planimetria, por sua vez, é um recurso de perspectiva mais simples; visa, também, determinar a
proximidade ou o afastamento dos objetos no plano pictórico a partir do fundo, divididos em três planos
distintos, o queatmosfera e vida a uma paisagem, seus objetos e suas personagens: o primeiro plano é
detalhado e bastante visual; o segundo apresenta uma ausência de minúcias e o terceiro plano é
absolutamente sem detalhes. (MEDEIROS, 1980, p. 30-31).
123
Assim, esse trabalho possibilita uma leitura a partir de alguns símbolos
justapostos pela artista na representação, que evidenciam a maneira particularíssima de
Lídia no tratamento do tema do Apocalipse, haja vista que o termo apocalipse significa
“revelação”, forma particular de profecia” ou escrito profético simbólico e apresenta,
pelo menos, duas características: o tema do “fim dos tempos” ou escatologia
(messiânica e cósmica) e a linguagem simbólica a que não se deve atribuir uma
correspondência com a realidade, pois, como uma alegoria, propicia diversas
interpretações
82
.
Na pintura “Quadro Profético”, a ação visual
83
é sugerida de maneira que o
receptor seja conduzido e perceba a cena representada a partir da visão da artista, que
narra, através de símbolos, uma cena apocalíptica, envolvendo a sua própria
participação como um dos agentes e personagens centrais da “história”: no canto
superior esquerdo, onde se inicia a ação visual, a face de uma figura aparece sob um
82
A esse respeito, ver BÍBLIA SAGRADA, 1977, p. 1339.
83
Em nossa percepção, o movimento começa do lado esquerdo e termina do lado direito. Segundo Faiga
Ostrower, “isso ainda não foi explicado pela ciência, mas seja qual for a explicação científica, o fato é
que, intuitivamente, todos os artistas organizam a dinâmica do movimento visual e da ação expressiva
através de seqüências da esquerda para a direita”. Assim, por exemplo, nos quadros de anunciação, o anjo
se encontra invariavelmente do lado esquerdo e a madona do lado direito: pois é o anjo quem leva a
mensagem e a madona quem a recebe. Ao olharmos para uma imagem, não entramos, portanto, no meio
da área, no eixo central, ao invés disso, olhamos para a esquerda do plano pictórico. A ação visual se
inicia no alto do lado esquerdo (porta de entrada), seguindo numa forma de “s” invertido para a região do
centro e termina no canto inferior do lado direito (esta é a área mais “perigosa” de um plano, porque nela
o peso e a atração visual se tornam tão fortes que as cores, linhas, contrastes, etc., poderiam deslizar
facilmente para fora das margens). Os artistas usam o canto inferior direito (onde termina a ação visual)
para a elaboração de um clímax formal da composição (onde culmina a ação visual) levando então
novamente o movimento visual de volta as outras áreas do plano pictórico. O fato de a ação visual
desencadear-se da esquerda para a direita e, neste percurso, ganhar em peso e ênfase formal quanto mais
se aproxima do canto inferior direito, também poderia ser interpretado como tendo origem cultural,
sobretudo na escrita ocidental, que transcorre da esquerda para a direita, mas essa hipóteses é descartada
pela observação das relações entre a ação visual e a escrita oriental. Pois, embora a ação visual da escrita
oriental seja da direita para a esquerda – ao contrário da escrita ocidental –, na arte oriental, a dinâmica do
movimento expressivo é exatamente a mesma da arte ocidental, pois aão pictórica visual é também da
esquerda para a direita. Na pintura oriental, a ação visual é compreendida de modo espiritual, não físico.
É uma ação interiorizada, onde a introdução visual na imagem se no alto da margem esquerda,
seguindo para o centro (área vazia, de meditação), e descendo para o lado direito, apresenta um ritmo de
fluência total, sem interrupções por contrastes maiores, uma vez que a arte deve expressar uma atitude
contemplativa. Muitas vezes, o artista também pode introduzir, intencionalmente, uma barreira visual na
área de entrada, dificultando a ação visual e articulando a carga dramática do conteúdo expressivo do
quadro através de contrastes formais. (OSTROWER, 1988, p. 178-180).
124
intenso halo de luz, representando o próprio “espírito manifestado” de Cristo, que
presencia toda a cena e conduz o receptor para o centro perceptivo
84
. No centro
perceptivo desenrola-se a cena principal, composta por uma imponente figura feminina
de cabelos longos que “paira” no ar sobre um globo azul. Essa mulher, que lembra uma
santa ou uma rainha, domina visualmente toda a representação e está acompanhada de
Lídia Baís. A mulher do Apocalipse quebra uma corrente símbolo de “elos e de
relação entre o céu e a terra” –, enquanto Lídia, posicionada atrás, segura com a mão
esquerda uma “balança” símbolo da justiça, da medida, da prudência, do equilíbrio,
porque sua função corresponde à pesagem dos atos (CHEVALIER; GHEERBRANT,
1999, p. 113). Ambas as mulheres estão cercadas de anjos
85
, serafins
86
, querubins
87
e
84
Segundo Faiga Ostrower, numa imagem existem dois pontos fortes que o importantes para a
construção e para a leitura de uma representação visual. Trata-se do ponto geométrico e do ponto
perceptivo que coexistem mutuamente; e isso se torna possível pelo fato de lidarmos com formas de
espaço vivenciado, não apenas formas geométricas. Assim, os dois centros (perceptivo e geométrico)
jamais coincidem, embora coexistam. A coexistência desses dois centros numa imagem visual deve-se ao
fato de que, na nossa percepção, a parte baixa de qualquer forma corresponde a sua base: a terra,
percebida como pesada. Para compensar este peso e equilibrar a forma, o centro perceptivo é colocado
acima do centro geométrico. Por essa razão, não se pode calcular a posição exata do ponto perceptivo
porque será sempre uma questão de sensibilidade e uma questão da própria forma física, pois cada forma
tem uma distribuição de peso diferente. Diante disso, do ponto de vista da geometria, um retângulo na
horizontal ou na vertical continua sendo o mesmo, nada se altera (apresenta as mesmas medidas e o
mesmo centro geométrico. Mas, do ponto de vista da forma, tudo se altera, a partir do centro perceptivo,
que se modifica cada vez que muda de posição. Assim, o centro perceptivo será determinado pelas
relações físicas que existem nas diversas possibilidades de construção formal, poiscada forma é única e
há sempre o homem como referencial. Ostrower enfatiza que o artista trabalha com todos esses dados: usa
o espaço geométrico para assegurar o equilíbrio mecânico da forma e usa as ordenações perceptivas para
o equilíbrio dinâmico. Na percepção, as duas metades de uma forma (superior e inferior) nunca são iguais
porque a parte alta é leve e a parte baixa é pesada. Pelo centro perceptivo, estas metades também não
serão iguais, mas se tornam equivalentes. Além da diferenciação entre metade inferior e metade superior,
ainda existe uma diferenciação lateral. Portanto, os dois lados de uma mesma forma também não são
iguais, distinguindo-se através de movimentos diferentes. (OSTROWER, 1988, p. 177-178).
85
Segundo Chevalier, os anjos são “seres intermediários entre Deus e o mundo, mencionados sob formas
diversas nos textos acádios, ugaristas, bíblicos e outros. Seriam seres puramente espirituais, ou espíritos
dotados de um corpo etéreo, aéreo. Ocupariam para Deus as funções de ministro: mensageiros, guardiães,
condutores de astros, executores de leis, protetores dos eleitos etc, e estariam organizados em hierarquia
de sete ordens, de nove coros ou de três tríades” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999, p. 60).
86
Serafim é o nome de “seres celeste que significa o abrasador (saraf), exatamente como a serpente alada
ou o dragão[...]. Representa os poderes do fogo: ardor, purificação, identidade em relação a si mesmo, luz
e iluminação, dissipação das trevas. O Serafim simboliza todos esses poderes no plano mais espiritual da
consciência”. (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999, p. 813-814).
87
Segundo Chevalier, na Pérsia antiga e entre os assírios-babilônicos, havia-se desenvolvido toda uma
angelologia. O nome hebraico de querubim (Kerub) corresponde ao nome babilônico de Karibu,
designativo dos espíritos de força semi-humana, semi-animal, destinados a velar a porta dos templos e
dos palácios como guardiões do tesouro, à semelhança dos dragões às portas de palácios chineses. Os
querubins caracterizam-se, em sua conformidade com Deus, pela massa de conhecimento, ou seja, pela
efusão de sabedoria. A denominação de querubim revela, por outro lado, a aptidão para conhecer e para
125
cupidos (Eros)
88
, que festejam a “aparição da virgem” cantando e dançando em louvor.
A representação desses anjos e cupidos segue uma certa ordem de distribuição formal
que equilibra a representação em dois grupos distintos: do lado esquerdo, seis anjos
brancos, associados à figura da própria artista que está segurando na mão a balança,
símbolo da justiça –, disputam a cena com dois querubins que estão no centro, embaixo
do globo, e com os outros oito anjos distribuídos no lado direito. Desses oito anjos e
querubins, posicionados do lado direito, cinco deles são negros, o que evidencia a
alusão explícita da artista a uma das características marcantes do Barroco brasileiro, que
foi a inclusão de mulatos e negros nas representações pictóricas de cenas religiosas nos
tetos e nas paredes das Igrejas.
contemplar Deus, para receber os mais elevados dons de sua luz” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999.
p. 762-763).
88
Eros, o deus do amor, é um dos personagens mais complexos da mitologia. Ele personificava todos os
sentimentos ligados ao amor e ao desejo, inclusive a paixão física e a atração homossexual. Em Hesíodo
ele é apresentado como uma das forças primordiais que emergiram do Caos; em outra antiga lenda, Eros
saiu de um ovo posto por Nix, imaginada então como um enorme pássaro de asas negras. Em mitos
posteriores ele é dado como filho de Íris e de Zéfiro, de Ártemis e de Hermes, de Afrodite e de Hermes,
ou de Afrodite e de Ares. Eros é filho de Afrodite e de Ares, na versão mais corrente da lenda. Menino
travesso e caprichoso, dotado de asas e armado de arco e flechas, é o mais jovem dos deuses. As flechas
que atira têm a propriedade de deixar o coração dos mortais e dos imortais completamente inflamados de
amor. Dentre as várias lendas de que participa, a mais famosa é a de Psiquê, muito popular no Período
Greco-Romano. Eros, as ninfas e as Cárites eram com freqüência representados em sua companhia; a
pomba era o animal habitualmente associado a ela. Eros era habitualmente visto pelos poetas e pelos
artistas como um menino alado, armado de arco e flecha ou de tochas ardentes; às vezes as representações
mostravam numErosos Eros (Erotes). Eros era cultuado principalmente em Téspias, na Beócia, na forma
de uma pedra; a cada cinco anos um grande festival chamado Erotia era celebrado em sua honra.
Espartanos e cretenses ofereciam sacríficios a Eros antes das batalhas; o bando sagrado tebano era
consagrado a ele. Nos ginásios, em geral, havia uma estátua sua. (http://www.warj.med.br/mit/mit09-
6.asp). Segundo Nikolaos Vrissimtzis, “la palabra española Amor se traduce al griego por ambas
palabras: Eros y Ágape, dos conceptos totalmente diferentes. Los griegos, que fueran pioneros en todo y
especialmente en filosofia, contaban también con la ayuda de su propia lengua, que siendo rica y flexible
podía expresar las nociones y matices más sutiles con una facilidad extraordinaria. Eros, según los
diccionarios, es ‘una intensa atracción hacia algo o alguien, fuerte deseo, concupiscencia’ o, según Platón:
‘qualquier deseo intenso del bien y de ser feliz’. Derivados de la palabra Eros son: e-geno =
sexualmente sensible; e-tico = de, o concerniente al deseo sexual; eró-tica = poesía erótica, novela
erótica; y ero-tismo = el estado o cualidad de ser erótico. Por otro lado, Ágape significa ‘afecto, cariño
profundo’. En los textos antiguos se utiliza exclusivamente a palabra Eros y, d hecho, no sólo refiriéndose
a relaciones entre seres humanos; Existe Eros para la música, para la filosofía, para el arte (Platón,
Banquete). Eros está en todas partes, es la fuerza motriz que está detrás de todas las cosas. Do contrario,
la palabra ágape empezó a ser usada por los primeros cristianos y, de hecho, en exceso. Llamaban ágapes
(amores) a las cenas comunitarias de los iniciados que, además, no tenían carácter litúrgico y degeneraban
frecuentemente en el cos, hasta que finalmente San Pablo las condenó y la iglesia las prohibió al final del
s. IV. Los cristianos reivindicaban él haber enriquecido el pensamiento griego con lo que los griegos no
habían, supuestamente, descubierto hasta el momento: aghape significando amor, aceptación cordial,
fraternidad”. (VRISSIMTZIS, 1997, p. 15-17).
126
A “inclusão social” também é evidenciada no primeiro plano – plano inferior
e material no qual a artista representa uma das mais significativas personagens da
cena, cujo valor simbólico é destacado pela figura de um índio que chora, lamentando
por todos os pecados da humanidade, justamente no centro inferior da composição, num
local de grande impacto visual. Além desse, outro elemento indígena também é inserido
no canto inferior esquerdo e, ao que parece, está fazendo uma “pajelança”.
Dessa forma, tanto o elemento indígena quanto o elemento negro participam
da versão do Apocalipse proposto por Lídia, arrependendo-se de seus “pecados”, bem
como todos os outros personagens que compõem a cena: dois padres e um militar
ajoelhados e mais três homens, um ajoelhado e dois em pé, no lado direito. É relevante
destacar que, no plano superior, espiritual e divino, todas as personagens são mulheres,
crianças ou figuras andróginas como os anjos, cupidos e querubins; no plano inferior,
que representa o material e o humano, todas as figuras são de homens representantes
dos três poderes mais importantes do mundo ocidental: o poder da Igreja, representado
pelos sacerdotes, o poder do Estado, representado pelo militar e o poder do povo,
representado pelas três raças, que, por sua vez, constituem o imaginário construído para
a nação brasileira: o europeu, o índio e o negro.
Dessa maneira, Lídia construiu no “Quadro Profético” uma de suas versões
do Apocalipse, ou, mais precisamente, representou algumas passagens selecionadas da
narrativa, traduzindo o texto escrito para um texto visual íntimo e pessoal, que aborda,
como tema central, a segunda parte do Apocalipse: “A vitória do monoteísmo cristão
sobre o politeísmo pagão”. Essa vitória é apresentada numa série de visões que, em sua
maior parte, mostram as calamidades que deverão abater-se sobre a terra, para provação
dos cristãos infiéis e punição dos inimigos do nome de Cristo
89
. Duas passagens são
89
A esse respeito, ver BÍBLIA SAGRADA, 1977, p. 1339-1340.
127
particularmente interessantes, pois elas se revelam na obra de Lídia Baís de maneira
explícita.
Nos episódios narrados no Apocalipse décimo primeiro, denominado de “o
anjo manda o profeta vestir o santuário”, mais especificamente nos parágrafos 9, 10, 11
e 12, pode-se verificar a similaridade e a correspondência do texto escrito na Bíblia
Sagrada com o texto visual, denominado de “Quadro Profético”, criado por Lídia Baís:
9
Os homens das diversas tribos, povos, línguas e nações, verão os seus corpos
durante três dias e meio e não permitirão que sejam sepultados.
10
Os
habitantes da terra se alegrarão por causa deles, farão festas e mandarão
presentes uns aos outros, porque estes dois profetas tinham atormentados os
que habitam sobre a terra.
11
Mas. Depois de três dias e meio, o espírito de
vida encontrou neles da parte de deus, e eles puseram-se de pé, e apoderou-se
um grande temor dos que o viram.
12
Ouviu-se uma grande voz do céu, que
lhes dizia: subi para . Subiram ao céu numa nuvem e viram os seus
inimigos (BÍBLIA SAGRADA, 1977, p. 1349).
A outra passagem do Apocalipse que também pode ser verificada no
“Quadro Profético” refere-se ao Apocalipse décimo segundo, denominado de “1
o
sinal:
A mulher e o dragão”, particularmente ao primeiro parágrafo, que descreve o “primeiro
sinal” como “uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo de seus pés e uma coroa de
doze estrelas sobre sua cabeça” (BÍBLIA SAGRADA, 1977, p. 1349).
O outro trabalho de Lídia que apresenta o tema do Apocalipse, denominado
de “Alegoria Profética” (ANEXO 3.6), representa, também, uma passagem do
Apocalipse décimo primeiro “o anjo manda o profeta vestir o santuário” –,
especificamente os parágrafos 12, 13, 14,15 e 19:
12
Ouviu-se uma grande voz do céu, que lhes dizia: subi para cá. Subiram ao
céu numa nuvem e viram os seus inimigos.
13
Naquela mesma hora deu-se um
grande terremoto, caiu a décima parte da cidade, e no terremoto foram
mortos sete mil homens; os restantes foram atemorizados e deram glória a
Deus do céu.
14
Passou o segundo ai; o terceiro ai virá em breve.
15
O sétimo anjo tocou a
trombeta e ouviram-se no céu grandes vozes, que diziam: o reino deste
mundo passou a ser de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará pelos
séculos dos séculos. Amém (BÍBLIA SAGRADA, 1977, p. 1349).
128
Essas palavras foram traduzidas para a pintura “Alegoria Profética”,
estabelecendo uma relação muito próxima com a pintura “Quadro de Profecia”, a partir
da composição e do assunto, configurados, em ambas as obras, numa perspectiva
planimétrica e divididos em três planos distintos. A dicotomia do mundo espiritual com
o mundo espiritual também se torna evidente nessa representação. O mundo espiritual
está povoado por figuras femininas, anjos e querubins, que representam a própria artista,
suas amigas, irmãs e sobrinhas. O mundo material é representado apenas por figuras
masculinas. Embora as semelhanças sejam evidentes entre a pintura “Alegoria
Profética” e a pintura “Quadro de Profecia”, os vários aspectos diferenciadores, por sua
vez, podem ser percebidos tanto no tratamento pictórico, que revela pinceladas mais
gestuais e expressivas, quanto na forma de distribuição das figuras, objetos e
personagens, principalmente os anjos, que são aglomerados a partir de uma “linha”
diagonal que une a lateral esquerda do plano inferior, ou primeiro plano, com o centro
esquerdo superior do terceiro plano, ou plano superior. Além disso, a própria artista
também se insere na representação, mas, desta vez, não como uma portadora da “justiça
divina”, mas, sim, como um anjo portador das “chaves do Paraíso” e das verdades
divinas”. Assim, a auto-representação, vestida com a cor do “ouro celeste” assume um
significado importante no desenvolvimento do assunto e se torna o centro perceptivo da
representação. Outro aspecto significativo é presença do “espírito manifestado”,
também na porta de entrada da imagem, sob a forma de uma pomba branca, que está de
asas abertas tanto para o receptor quanto para o plano material e profano da
representação. A paz também é simbolizada pela bandeira branca de uma das
personagens, ajoelhada na lateral inferior direita, e outra, no centro inferior do primeiro
plano, que acena com um lenço branco. Um sacerdote e outras duas figuras masculinas
129
se ajoelham, em redenção, aos anjos do Apocalipse, representados pela prole familiar
das sobrinhas, irmãs e amigas da artista. Dois conjuntos de figuras, no entanto,
despertam atenção especial: as casas e as árvores, que estão todas de cabeça para
baixo” após o terrível terremoto que assolou a “décima parte da cidade” e matou “sete
mil homens”, restando apenas osatemorizados” que “deram glória a Deus do céu”, e o
símbolo da cruz, em associação com o crânio e a serpente. Esse conjunto estabelece
uma relação paralela com o desastre do terremoto e está localizado justamente no meio
do caminho que liga o plano espiritual e divino com o plano material e profano. Assim,
para elevar-se, os infiéis ainda terão que passar por mais uma provação, proposta pela
artista. É interessante observar, também, que os símbolos da cruz, do crânio e da
serpente estão dispostos de uma maneira muito semelhante àquela dos mesmos
símbolos representados nas obras “Alegoria Composição” e “Mitologia
Composição”, indicando a presença de uma intratextualidade
90
entre essas obras.
Na iconografia religiosa de Lídia Baís, além das temáticas referidas, também
aparecem os temas referentes à demonologia, associada ao cristianismo, à “dança da
morte”, à presença do monstro
91
e à inclusão da figura demônio em temas sagrados e
tradicionais, como por exemplo, no tema da Santa Ceia.
Os temas relacionados aos monstros, demônios e figuras bizarras estão
presentes nas representações visuais desde tempos muito remotos, pois a crença nos
espíritos, bons ou maus, remonta ao Paleolítico Superior e sua “magia” voltada para a
90
A intratextualidade é manifestada quando o artista retoma a sua própria obra e a reescreve.
(SANT’ANNA, 1985, p. 12).
91
Segundo Kappler, monstro é aquele com cujo aspecto não estamos acostumados, pela forma de seu
corpo, pela cor, pelos movimentos, pela voz, e mesmo pelas funções, partes ou qualidades de sua
natureza... Nele, a natureza afastou-se de seu curso habitual (ab usinato cursu), saiu de sua órbita
(exorbitasse). O monstro é o desvio da Forma (ainda o estamos muito distantes de Aristóteles): a
deformidade, porém, não é feiúra, pois, contribui para a beleza do universo como diversidade”
(KAPPLER, 1994, p. 299-300).
130
caça e para as economias de coleta, pastoril e agrária, resultou no “culto aos mortos” e
aos antepassados.
A partir de um longo processo, a demonologia desenvolveu-se da simples
crença nos espíritos para a sua representação concreta em obras de artesanato,
indumentária, escultura, produtos inerentes à instituição formal da feitiçaria e, inseridas
em práticas mais complexas, resultaram na formação e desenvolvimento de ritos que
confluíram para os primeiros sistemas de comportamento denominados de religião.
Assim, nas antigas civilizações dos sumérios e dos mesopotâmicos, desde
aproximadamente 3.5000 a.C, os espíritos passam a integrar as concepções de magia,
fortemente estabelecidas, que concorrem com a religião oficial, apresentando um grande
número de demônios maléficos que semeiam armadilhas aos cidadãos. Na civilização
persa, que marcou profundamente o aspecto religioso da demonologia no Ocidente,
reafirma-se um dualismo entre o deus, defendido pelo reformador Zoroastro,
Ahuramazda representante de um mundo próspero e luminoso –; e Arimã
representante de um mundo escuro e sinistro, povoado de personificações das forças
naturais e demônios que tendem para o bem e para o mal. Um dos demônios do
zoroastrismo, denominado de Aeschma , reaparece entre os judeus e, mais tarde, na
demonologia do cristianismo, com o nome de Asmodeu.
Na Índia, entre 1500 e 800 a.C., se encontra estabelecido o panteão
religioso dos vedas, com uma corte de gênios alados e antropomórficos e outras
entidades terrificantes como os Nagas, os gnomos Rakshasas, o vampiro Vetala, os
Pisachas das mortes violentas. Essas entidades foram assimiladas pelo budismo que
ainda acrescentou Mara, o demônio maior da tentação a esse panteão demonológico
indiano.
131
Na Grécia, os demônios aparecem como seres intermediários, divindades
inferiores e outros como os sátiros e o faunos, as dríades e as naiades, seres entre
humanos e sobrenaturais, apresentando-se ora como bons, ora como maus como as
erínies e as harpias. A natureza da interferência desses “demônios” ou divindades
gregas, relaciona-se com o significado da afirmativa socrática: cada um tem seu
próprio demônio”.
Somente depois de libertados do cativeiro na Babilônia, os judeus passaram
a acreditar na existência de demônios. A demonologia judaica incorporou diversas
características das religiões persas, entre as quais esses espíritos malignos, que se
tornaram os adversários naturais de Javé (Deus). Assim, à semelhança de Nergal, de
Arimã e outras entidades maléficas dos mesopotâmicos e dos persas, Satanás
personificará, na religião hebraica, a origem e o reinado do mal. No entanto, essa noção
só se tornará mais explícita no cristianismo, quando outros credos dualistas,
especialmente o de mitra e de mani, deixaram marcas de valiosa contribuição.
A crença de que o diabo (Satã, Satanás ou Belzebu) e toda a sua corte seriam
anjos rebelados contra Javé (Deus) e expulsos do paraíso é atribuida ao cristianismo. O
que distingue os demônios e anjos no cristianismo e no Novo Testamento, em relação
aos seus similares do judaísmo, no Velho Testamento, é o caráter de sua presença, na
qual acentua-se a agressividade dos demônios que, inclusive, têm o poder de possuir
os seres humanos e a maior constância da proteção dispensada pelos anjos. Ambos os
traços, em suas diversas variantes, marcaram profundamente a demonologia cristã,
conferindo-lhe uma importância cada vez mais crescente até o século XVIII.
Na Idade Média, a extensão e intensidade alcançadas pela crença, pelo culto
aos espíritos malignos e à feitiçaria, levaram os padres e a Igreja a combater a magia e
todas as outras heresias, tornando-as mais fortes, mesmo quando refugiadas entre os
132
mulçumanos. Assim, reafirmando a existência dos demônios, como agentes do mal e do
pecado, o cristianismo e as autoridades da Igreja, vendo no sentido da vida uma luta
permanente contra os demônios, empenharam-se numa “guerra santa” e numa “cruzada
religiosa”, que culminou com centenas de mortos, acusados de satanismo, paganismo,
bruxaria, entre outras denominações, tornando-se famosos os casos de inquisição na
Europa católica. Além disso, o cristianismo transformara os deuses pagãos e os seres
sobrenaturais de origem bárbara em demônios malignos que deveriam ser combatidos
pela Igreja. A guerra declarada pelo cristianismo aos demônios, aos espíritos malignos,
reflete na própria condição de vida da população, que tinha nas bruxas, com todos os
seus diabos, uma esperança possível para os males físicos do povo, que a Igreja se
preocupava somente com os males espirituais.
Essa luta entre o bem e o mal, desencadeada pelo cristianismo e propagada
pelo mundo como sustentáculo de suas convicções, foram temáticas muito apreciadas
por artistas de distintas épocas e estilos. Os motivos demonológicos desde a
“Commedia” de Dante, o “Faust” de Goethe, a “Queda dos anjos Rebeldes” de Pieter
Brueghel, “O Jardim da Delícias”
92
de Hieronymus Bosch, as figuras bizarras e
monstruosas de Goya, entre outros –, desempenham um importante papel na literatura e
nas artes em geral, transformando-se em um dos assuntos mais freqüentes nas
representações pictóricas e visuais da tradição artística ocidental até a
contemporaneidade, onde o quadrinho
93
, a televisão, o cinema e os jogos virtuais estão
92
Segundo Claude Kappler, a obra de Bosch “continua sendo um mistério para a modernidade”, mas não
era isso o que acontecia nos séculos XV e XVI, pois “grande número da obra do artista foi comprado por
Felipe II, ‘o rei muito católico’, que declarou querer estar, na hora da morte, diante do tríptico das
Delícias”. Segundo Kappler, “Jerônimo Bosch foi extremamente apreciado em vida e, muito
provavelmente, compreendido” (Kappler, 1994:3).
93
Sobre a representação da morte na história em quadrinhos contemporânea, Michel Vovelle afirma que a
literatura popular sobre a morte, “já não explicita, ou quase não explicita, o recurso a hipóteses nem de
Deus, nem do diabo”. Segundo o autor, isso acontece porque “essa literatura de divertimento se recusa a
mostrar os gêneros: a HQ se protege de toda intromissão incongruente no domínio dos valores
oficialmente recebidos. Salvo uma certa justiça imanente, da qual ele seria o reordenador implícito, Deus
é muito discreto nesse caso. Ele e o diabo transparecem nas tramas mais diretamente herdadas do pós-
romantismo [...]”. Vovelle considera que, “enquanto Deus e o diabo se obscurecem, a Morte
133
sobrecarregados de figuras demonológicas e monstruosas, tanto do bem quanto do mal,
que invadem o nosso cotidiano e o imaginário criativo dos artistas, através de
personagens exóticos, exuberantes e sedutores.
O monstro e o demônio são representados na pintura de Lídia Baís sob várias
formas e aparências: aparecem como um “diabo” tentando Judas na pintura Última
Ceia de Nosso Senhor Jesus Cristo”; como uma “besta do Apocalipse” cor-de-rosa, de
aparência simpática, no mural da “Santa ou Rainha sobre o globo”; aparece também sob
a forma de um dragão vermelho, guardião da cruz e da “Sabina” raptada, na obra
“Alegoria Composição”; e aparece, sobretudo, como personagem central das cenas
representadas na pintura “Micróbio da Fuzarca” e nos dois desenhos, intituladosJovita
Torrando o Café”.
Na pintura “Micróbio da Fuzarca” (ANEXO 3.4), o tema da “Dança da
Morte” é representado por Lídia Baís através da figura de um esqueleto feminino que
executa, freneticamente, uma dança macabra. Esse “retrato da morte” proposto pela
imaginação criativa de Lídia Baís deixa transparecer uma construção plástica curiosa,
pois todo o corpo do esqueleto é formado a partir da justaposição de pequenosrculos,
que lembram os ossos da coluna do esqueleto humano, o que possibilita à imagem um
grande dinamismo visual, concorrendo com o próprio retrato em si, que é estático na
sua tradicional aparência. A ilusão do movimento de “dança” é causada, principalmente,
pela linha circular que forma as “pequenas vértebras”, com as quais toda a figura da
personagem é configurada. Assim, a figura que representa a morte é percebida como se
estivesse em movimento constante, numa dança frenética. E isso só é possível devido à
maneira como percebemos o mundo e os elementos visuais da representação: Em nossa
percepção, as linhas curvas, diagonais e espirais são percebidas como dinâmicas,
personificada mantém sua presença, embora não esmagadora. Ela varia, contudo, segundo as heranças
históricas” (VOVELLE, 1997, p. 372-373).
134
enquanto as linhas retas, verticais e horizontais são percebidas como estáticas
(OSTROWER, 1988, p. 175). Provavelmente, imbuída desses conhecimentos sobre a
percepção visual, Lídia Baís tenha preferido optar por uma representação mais
dramática do ponto de vista da expressão formal e plástica.
Referindo-se a essa obra, a professora Maria Glória Rosa considera que
“é fruto do sobrenatural, do mistério, dos medos primitivos” de Lídia, na qual a artista
“solta seus demônios” e “metamorfoseia a morte”, brincando com ela, “como quem
deixou de temê-la” (ROSA, 1986, p. 18).
A representação do “demônio” que aparece nos dois desenhos intitulados
“Jovita Torrando Café (ANEXO 3.5) simboliza o próprio desprezo da artista pela
cozinheira da Família Baís. Segundo Martins, “várias cozinheiras passaram pelo
sobradão, onde escravas continuavam pelo bom trato”. Sobre a cozinheira “Jovita”,
especificamente, personagem central das duas obras de Lídia Baís, a autora informa que
a cozinheira de que se lembrava era filha de escravos do Sr. Manoel Joaquim de
Carvalho. Conforme a descrição da autora, Jovita era famosa pelos seus quitutes, mas
apresentava uma indisfarçável feiúra:
Siá Jovita, filha de escravo de Joaquim Manoel de Carvalho, era a cozinheira
que conheci. Negra velha, carapinha branca, alta, porte arrogante apesar do
desengonço de seu corpo, busto grande, traseiro proeminente, braços, mãos,
pernas e pés enormes, tinha ainda, por azar, um papo em forma de laranja,
que escondia sob as blusas de gola alta. Não sobrava nada que pudesse
disfarçar a feiúra da pobre preta. Às vezes, seu vozeirão que impunha se
arrebentava em risada grossa e desajeitada, pondo á mostra dentes brancos,
que me pareciam naturais. Quando brava, não se devia entrar na sua cozinha.
Seus bifes, quibebes, bolinhos, pastéis, arroz-doce e canjica, assim como suas
sopas eram famosos. (MARTINS, 1990, p. 43).
Nos dois desenhos “Jovita Torrando o Café”, Lídia Baís representa Jovita
com características demoníacas, enfatizando, ainda mais, a feiúra da cozinheira, que
aparece com rabos e chifres, executando diversas tarefas domésticas, principalmente
135
torrando o café. A prática caseira de torrar café evidencia-se nos dois desenhos por meio
das figuras de instrumentos e objetos ligados à torrefação do produto.
Em ambos os desenhos, a artista estabelece uma associação da figura de
Jovita com cobras, sapos, lagartos, outros animais e pequenos monstros demoníacos,
que simbolizam, na maioria das vezes, aspectos negativos e malditos, como por
exemplo: o sapo, que é um símbolo de fealdade e da falta de jeito; a cobra e a serpente,
que, apesar de suas variações e ambivalências, representam aspectos negativos e
malditos; o lagarto, que apresenta um simbolismo derivado da serpente e é considerado
preguiçoso, mas simboliza, também, amizade, benevolência e é um intercessor ou
mensageiro das divindades (CHEVALIER; GHEERBRANT, 1999, p. 533).
É interessante observar que, em um dos desenhos, Jovita é representada nua
e em duas cenas domésticas: numa cena está torrando o café e carrega na mão uma
vassoura, como quem estivesse também executando um serviço doméstico. no outro
desenho, Jovita é representada em três momentos distintos: torrando o café e defecando
ao mesmo tempo, e ainda com uma vassoura na mão executando o serviço doméstico.
Verifica-se que, em ambos os trabalhos, a cozinheira Jovita aparece torrando café e
executando o serviço doméstico com uma vassoura, que pode simbolizar tanto uma
especificidade de um trabalho doméstico quanto fazer uma alusão ao símbolo de uma
feiticeira medieval, sugerindo a própria condição de Jovita para a época: sujeito
desprivilegiado e ausente da história, marcado pela sua miserabilidade.
136
4 A INTERTEXTUALIDADE PICTÓRICA DE LÍDIA BAÍS
Os artistas não criam num vazio. Eles são constantemente estimulados por
outros artistas e pelas tradições artísticas do passado, mesmo ao reagirem
contra a tradição, os artistas mostram sua dependência dela. É o solo de
onde eles brotam e no qual se desenvolveram, e é dele que eles extraem seu
alimento. Os maiores e mais originais artistas, mesmo os inovadores mais
surpreendentes, são profundamente sensíveis à tradição.
Susan Woodford
A noção de intertextualidade abre um campo novo e sugere modos de
atuação diferentes ao pesquisador da arte, que deve engavetar os antigos conceitos (e
preconceitos) e adotar uma postura crítico-analítica, levando em consideração as novas
noções de produtividade dos textos escritos, visuais e tecnológicos que comprometem a
velha concepção de originalidade. Nessa direção, Tania Carvalhal destaca que “a
tradição artística não pode mais ser vista, hoje em dia, como um fluir natural e
linear”, mas ao contrário, “se desenha menos sobre as continuidades (a reprodução do
mesmo) do que sobre as rupturas, os desvios das diferenças” (CARVALHAL, 1998, p.
53).
No campo da crítica de arte, a intertextualidade tornou-se, hoje, um conceito
operatório indispensável para a compreensão da literatura, das artes plástico-visuais e
das demais manifestações artísticas, tendo em vista que toda crítica, por sua vez, tem
um caráter intertextual, na medida em que escreve um texto sobre outro texto e utiliza-
se, na maioria das vezes, de muitos outros textos como referência ou apoio.
Enquanto conceito operacional de teoria e prática, a intertextualidade foi
estudada pela primeira vez pelo pensador russo Mikhail Bakhtin, que caracterizou o
romance moderno (a arte moderna) como dialógico, isto é, um tipo de texto em que as
137
diversas “vozes” da sociedade estão presentes e se entrecruzam, relativizando o poder
de uma única voz condutora. Além de considerar o fenômeno do dialogismo no
contexto literário, o pensamento de Bakhtin toma como base a intertextualidade na
própria concepção de linguagem que ele constrói, situando a linguagem como “processo
social nos espaços dos intercâmbios, dos conflitos, das vozes que se propagam e se
influenciam sem cessar”. A linguagem, em qualquer de suas manifestações, teria uma
base relacional, interacional, ao processar-se entre os indivíduos de uma sociedade.
Dessa maneira, Bakhtin trata da relação entre o texto e todos os seus
“outros”: o autor, o leitor, o intertexto. Segundo Robert Stam, “toda a obra de Bakhtin
gira em torno desse eixo do eu e do outro, e da concepção de que a vida ‘vivida nas
fronteiras entre a particularidade de nossa experiência individual e a auto-experiência
dos outros”. Assim, o conceito de relação dialógica desenvolvido por Bakhtin, entre o
eu e o outro, supõe diversas dicotomias conceituais, como, por exemplo,
“épica/romance, oficial/não oficial, normalidade/carnaval e monologismo e dialogismo”
(STAM, 2000, p. 18). Robert Stam considera que,a influência de Bakhtin e dorculo
de Bakhtin fez-se sentir amplamente nos estudos literários e culturais não da União
Soviética como da Europa ocidental, Estados Unidos, Japão e Brasil”. O autor afirma
que cada país e cada escola, parecem ter o seu próprio “Bakhtin”, e observa a existência
de Bakhtins diversos no mesmo país: “Bakhtin, o formalista, e Bakhtin, o anti-
formalista, e lado a lado com Bakhtin, o marxista, e Bakhtin, o pós estruturalista”. No
Brasil, Bakhtin é conhecido como o “teórico da carnavalização”, no que tem de
pertinente em relação à literatura brasileira em particular e à cultura latino-americana
em geral. Segundo Stam, é muito difícil classificar Mikhail Bakhtin, mas, “como seus
escritos englobam lingüística (Marxismo e filosofia da linguagem), psicanálise
(Freudismo) e crítica literária (O método formal, Problemas da poética de Dostoievski,
138
A cultura popular na Idade Média e no Renascimento), é mais adequado considerá-lo
simplesmente como um dos maiores pensadores do século XX”. (STAM, 2000, p. 9-
11).
Na esteira de Bakhtin, Julia Kristeva, na França, desenvolve o conceito de
intertextualidade, afirmando que todo texto é um mosaico de outros textos, no qual as
apropriações podem se dar desde a simples vinculação a um gênero, até a retomada
explícita de um determinado texto, sendo que este texto pode ser um livro, uma poesia,
uma pintura, um filme ou qualquer outra forma de expressão ou manifestação artística.
É nesse contexto que a noção de intertextualidade se torna muito importante pois,
segundo Tania Carvalhal,
[...] temos o texto como diálogo de várias escrituras, e o que era antes
entendido numa relação individual (intersubjetiva) passa a ser coletivizado,
ou seja, as relações são estabelecidas no conjunto dos textos. Desse modo o
texto ressalta sua natureza heterotextual, sendo penetrado de alteridade,
constituído de outras palavras além das próprias. (CARVALHAL, 2003, p.
72-73).
Diante disso, a intertextualidade passou a significar um procedimento
indispensável à investigação das relações entre os diversos textos, uma vez que a
relação intertextual “nos permite entender que ler um texto é lançá-lo num espaço
interdiscursivo e na relação de vários códigos, que são constituídos pelo ‘diálogo entre
textos e leitura’. Por isso, a intertextualidade é igualmente entendida como um dado da
percepção textual” (CARVALHAL, 2003, p. 76).
Como sabemos, as produções humanas, embora aparentemente desconexas,
encontram-se em constantes inter-relações, nas quais “constrói-se uma grande rede, com
o trabalho de indivíduos e grupos, onde os fios são formados pelos bens culturais”.
Dessa maneira, toda produção humana pode ser considerada “como um texto a ser lido,
reconstituído por nós, e a sociedade pode ser vista como uma grande rede intertextual,
139
em constante movimento”. Assim, o espaço da cultura poder visto como intertextual e o
texto, a obra de arte, enquanto objeto cultural, tem uma existência física determinada e
uma materialidade específica um filme, um romance, um anúncio, uma música, uma
pintura que “se destinam ao olhar, à consciência e à recriação dos leitores”,
constituindo-se uma proposta de significação que não está inteiramente constituída, pois
“a significação se no jogo de olhares entre o texto e o seu destinatário” (PAULINO;
WALTY; CURY, 1995, p. 12-15). Nessa perspectiva, as autoras de Intertextualidade:
teoria e prática afirmam que “toda leitura é necessariamente intertextual, pois ao ler,
estabelecemos associações entre o texto lido com outros”, sendo essas associações
livres e independentes do “comando de consciência do leitor” ou da “intenção do
autor”. Justamente por causa disso, os textos podem ser lidos de diversas maneiras,
“num processo de produção de sentido que depende do repertório textual de cada leitor,
em seu momento de leitura”. Na formação desse “repertório textual” – no caso de textos
escritos ou para a construção de uma “memória visual” no caso dos textos
imagéticos –, todas as nossas leituras prévias funcionam como condicionadores de cada
uma nova leitura. Assim, “o mesmo texto lido, em épocas diferentes, torna-se outro,
pois nesse intervalo de tempo, o repertório do leitor se alterou”. Esse repertório, no
entanto, “não decorre apenas da vontade do leitor, mas também daquilo que lhe é
oferecido no processo de produção, circulação e consumo dos bens culturais”
(PAULINO; WALTY; CURY, 1995, p. 54-55).
As diversas produções culturais, como a literatura, as artes plásticas e outras
manifestações artísticas, estão inseridas na “semiose” desse “grande jogo sócio-
cultural” e assumem características específicas no campo das relações entre textos, nas
quais, tanto o código verbal da literatura quanto o código visual do texto imagético – em
suas diversas linguagens –, apresentam uma extensão de formas e significações o
140
grande que impede, sobremaneira, o esgotamento de um texto em si mesmo e permite às
diversas formas de expressão artísticas “invadir” o domínio de outras linguagens, ao
mesmo tempo que se deixa penetrar por elas.
Como sabemos, rios artistas, tanto de outras épocas como
contemporâneos, utilizaram o procedimento intertextual para se amparar, para criticar,
para parodiar, para legitimar-se: “os cientistas citam muito para legitimar-se, os
artistas quanto citam, o fazem para criar”. Nesse sentido, as nossas relações com as
imagens se organizam de diferentes maneiras, sendo a intertextualidade uma delas.
Apesar de contemporânea e utilizada como um dos principais processos de
criação da chamada “pós-modernidade”, a intertextualidade nas linguagens artísticas
não é novidade, sendo também muito apreciada pelos artistas do Renascimento e pelas
vanguardas do início do século XX. Nesses períodos, pode ser verificado que muitos
artistas produziram obras que remetem a outras obras, confirmando o constante diálogo
entre a produção artística e a tradição artística. Pois, segundo Susan Woodford:
Os artistas não criam num vazio. Eles são constantemente estimulados por
outros artistas e pelas tradições artísticas do passado, mesmo ao reagirem
contra a tradição, os artistas mostram sua dependência dela. É o solo de onde
eles brotam e no qual se desenvolveram, e é dele que eles extraem seu
alimento. Eles sabem disso e admitem-no sem constrangimento; o próprio
Liechtenstein disse: ...As coisas que tenho manifestamente parodiado, na
verdade, eu as admiro”. Os maiores e mais originais artistas, mesmo os
inovadores mais surpreendentes, são profundamente sensíveis à tradição.
(WOODFORD, 1983, p. 75).
Faiga Ostrower também considera que a criação artística jamais surge do
nada”, pois “o artista plástico-visual parte de uma dada forma no espaço, cuja
estrutura espacial existe e é definida pelos limites da forma. Assim, a elaboração e a
criação artística consistem em “transformar o espaço do plano pictórico em espaço
expressivo” por meio de uma linguagem plástico-visual, pois, “as artes plásticas são
linguagens visuais compostas de termos espaciais”. Nessa perspectiva, a obra de arte
141
deve ser entendida como resultado de um processo de transformação que parte de certos
dados e chega a outros dados: “os dados iniciais são o próprio artista sua
personalidade dentro de um determinado contexto social e cultural e os espaços do
plano pictórico” (OSTROWER, 1998, p. 181).
Dessa maneira, como processo de criação, a relação intertextual “é um modo
de criar, é um jogo de espelhos” utilizado pelos artistas, que se manifesta em duas
modalidades distintas: “a intertextualidade explícita, que cita a obra do referente, e a
intertextualidade implícita, que esconde a obra do referente”. Em ambos os casos, “a
intertextualidade rompe, dilata as fronteiras entre os textos” e, quando utilizada em
linguagens não verbais, “mostra uma leitura das imagens de outros artistas sem dizer
palavra” (PILLAR, 1999, p. 18-19).
A inserção de um texto em outro constitui um dos níveis da intertextualidade
e se processa de diferentes maneiras, desde a adesão aos comportamentos artísticos
anteriores até o estabelecimento de rupturas com textos passados ou mesmo
contemporâneos.
Diante disso, na prática intertextual, a obra de arte deve ser compreendida
como sendo um “texto”, e esse “texto” como uma obra humana, produto humano, que
se expressa por meio dos mais variados meios simbólicos.
Assim, considerando a arte como “texto” a ser lido, reconstituído por nós,
poderemos compreender melhor a sua natureza estética, dialética e histórica, pois,
conforme a concepção intertextual de Bakhtin:
[...] cada palabra (cada signo) del texto conduce fuera de sus límites. Toda
comprensión representa la confrontación de un texto con otros textos. El
comentario. El carácter dialogico de esta confrontación.
La comprensión vista como una confrontación con otros textos y como una
comprensión en un contexto nuevo (en el mío, en el contemporáneo, en el
futuro). El contexto anticipado del futuro: La sensación de que estoy dando
un paso nuevo (que me he movido). Las etapas del movimiento dialógico de
la comprensión: el punto de partida – o texto dado, el movimiento hacia atrás
142
los contextos pasados, el movimiento hacia adelante la antecipación (y
comienzo) de un contexto futuro
94
(BAJTÍN, 1985, p.383-384).
Nessa perspectiva, a análise da produtividade (dialogicidade) de um texto
levará o pesquisador ao exame das relações que os textos escritos ou visuais tramam
entre eles, para verificar a presença efetiva de um texto em outro, por meio dos
procedimentos intertextuais e de apropriações: imitação, cópia, repetição, citação,
referência e alusão, paráfrase, paródia e pastiche, entre outros.
4.1 Procedimentos e práticas intertextuais na pesquisa e na produção artística
A apropriação é um dos principais processos intertextuais que transita do
estatuto de um ato legítimo e, às vezes, inevitável, até a ilegalidade do plágio”.
Contemporaneamente, o estabelecimento de tais limites torna-se difícil, que a prática
da apropriação é um traço assumido pela literatura, pelas artes plástico-visuais e por
outras formas de expressão artística que pretendem ser devoradoras de outros textos
95
.
Tania Carvalhal considera que toda apropriação é, em suma, uma “prática
dissolvente”, na qual o recurso não é novo, sendo utilizado por muitos autores, desde os
clássicos, que estimulavam a imitação como prática necessária à criação e a
converteram em norma estética. Nesse sentido, como uma maneira de apropriação, a
imitação é um procedimento de criação literária e, por conseguinte, de rias outras
94
Numa tradução parafrástica, podemos dizer: Toda palavra, toda imagem (todo signo) de um texto
conduz para fora dos limites deste texto. A compreensão é o cotejo de um texto com os outros. O
comentário. A dialogicidade deste contexto. Compreender é cotejar com outros textos e pensar num
contexto novo. O texto vive em contato com outros textos (contexto). Somente em seu ponto de
contato é que surge a luz que aclara para trás e para frente, fazendo com que o texto participe de um
diálogo.
95
Segundo PAULINO; WALTY; CURY (1995, p. 22): “A postura antropofágica do movimento
modernista brasileiro, conceituada por Oswald de Andrade em seu manifesto antropofágico, é um bom
exemplo de quanto é assumida tal devoração”.
143
manifestações artísticas, comprovando que “a invenção não está vinculada à idéia do
novo” e ainda, que “as idéias e as formas não são elementos fixos e invariáveis , mas, ao
contrário, “elas se cruzam continuamente” (CARVALHAL, 1998, p. 54).
Segundo Affonso Romano de Sant’Anna, a técnica de apropriação,
modernamente, foi introduzida pelas artes plásticas, com os dadaístas, em 1916, e
identifica-se com a colagem
96
e, mais especificamente, com a assemblage
97
reunião de
materiais diversos encontráveis no cotidiano para a confecção de um objeto artístico.
Para o autor, “a cnica de apropriação, que vem do primeiro dadaísta, volta ao uso em
torno dos anos 60 com a Arte Pop”. Esses artistas da apropriação manipulam objetos da
96
O termo francês Collage é o nome padrão da técnica de fazer pedaços de papel, papelão, tecidos e
outros materiais aderirem a uma superfície plana como elementos de um desenho ou pintura. Deriva de
uma atividade recreacional do século XIX chamada papiers collés, na qual todos os tipos de desenhos
eram criados por este método. Découpage era outra palavra aplicada à colagem de recortes em várias
superfícies e objetos como decoração, mas este termo refere-se à cobertura sólida ou sobreposta de toda
uma superfície em vez do uso de recortes como formas individuais ou de padrões num desenho. A
Colagem, como forma de “arte séria”, teve seu início nos movimentos artísticos revolucionários do
começo do século XX, e quase todas as suas possibilidades técnicas e estéticas foram totalmente
exploradas nas décadas seguintes. Aqueles que a empregaram como forma de arte estavam,
principalmente, interessados em seus aspectos estéticos e expressivos, sem qualquer preocupação com a
sobrevivência física dos trabalhos. Na verdade, a maior parte do material utilizado tinha um certo encanto
devido a sua qualidade frágil ou efêmera (MAYER, 1996, p. 607-608). Segundo Morais, a colagem
(papier collé) é a “técnica empregada inicialmente pelos artistas cubistas-analíticos e, depois, pelo
dadaistas, consistindo no uso constante de tíquetes, rótulos, pedaços de jornal, madeira, areia e outros
materiais, juntamente com as tintas. A idéia era, entre os cubistas, fazer irromper bruscamente a realidade,
em composições quase abstratas” (MORAIS, 1991, p. 147). As Colagens são composições constituídas
por fragmentos de gravuras ou outras ilustrações gráficas que, agrupados em uma superfície plana, geram
imagens surrealistas com forte conotação onírica. Praticamente todos os dadaístas e surrealistas fizeram
colagens. A colagem também tem relações com o conceito do objeto de sucata e outros objetos
encontrados na natureza. Assim, a colagem é uma forma de arte na qual o artista acha ou seleciona um
objeto e o mostra e expõe de maneira a exibir suas qualidades estéticas de forma, contorno, cor, textura,
como se fosse uma criação à qual ele próprio houvesse conferido uma forma. Existem dois tipos básicos
de colagens: 1) Quando esses objetos são mais ou menos bidimensionais, como fragmentos de papel, a
obra pode ser chamada de Colagem; 2) Quando os objetos são tridimensionais, montados ou unidos com
outros objetos, sobretudo quando equilibrados por si só, a obra é chamada de Assemblage (MAYER,
1996, p. 609).
97
O termo francês Assemblage é de uma técnica que se origina com a colagem e também permeia a
pintura. A assemblage, por definição, aproxima-se da acumulação, pois trata, principalmente de reunir,
juntar e acumular objetos e coisas com uma finalidade estética. A técnica consiste basicamente em obter
relevos com pedaços de papel, cartão, tela e outros materiais fixados sobre o quadro, trabalhados ou não
com tinta. Quando a assemblage rebaixa a estrutura do quadro e adquire relevo especial na parede ou no
espaço, costuma-se chamá-la de Montagem, Relevo-montagem ou Montagem-objeto. Em geral, os
objetos empregados nas assemblage são coisas naturais (conchas, tocos de madeira, pedras), mas podem
também ser de manufatura humana, especialmente se apresentarem características realçadas pela idade
ou desgaste. Um objeto produzido em massa que alguém venha a expor pelos mesmos valores, ou por
valores semelhantes, é chamado Ready-made ou Objet-trouvé. Os papéis colados, inventados por Braque
e Picasso, em 1912, são exemplo de assemblage. (MAYER, 1996, p. 609).
144
sociedade industrial para construírem suas obras, pegando objetos do cotidiano e
colando-os sobre uma superfície. Dessa maneira, o artista coleciona, reúne símbolos e
agrupa-os sobre um suporte, fazendo “uma crítica da ideologiae “um retrato industrial
do tempo”, retirando o objeto da sua normalidade e colocando-o numa situação
diferente de seu uso, pois “os artistas não representam, re-apresentam os objetos em sua
estranhidade”. Affonso Romano afirma, ainda, que, “na apropriação o autor não
escreve, ele apenas transcreve, articula e reagrupa, fazendo uma bricolagem do texto
alheio”. Segundo o autor, essa transcrição é feita em dois graus distintos de apropriação
e apresentam resultados simbólicos que mexem com significados e conceitos: “no
primeiro grau é o objeto que entra em cena e no segundo grau, o objeto é representado,
traduzido para um outro código”. Sant’Anna considera que a principal característica da
apropriação é “a dessacralização e o desrespeito à obra do outro” (SANT’ANNA, 1985,
p. 43-45).
Nesse sentido, “a apropriação significa sempre o conhecimento e domínio
das peculiaridades do código” e possibilita entender “como a intertextualidade aponta
para a sociabilidade da escrita” de diversas manifestações culturais como a literatura, as
artes plástico-visuais, a música, a dança e outras formas de expressão artística, “cuja
individualidade se afirma no cruzamento de escritas anteriores” (CARVALHAL, 2003,
p. 76).
As formas intertextuais de citação, referência e alusão são fracas, pois “não
comprometem todo o texto apropriado, mas apenas pequenos pedaços ou trechos deste”.
A citação é “a retomada explícita de um fragmento de texto no corpo de outro texto”,
sendo muito comuns no meio acadêmico, onde as fontes de pesquisa devem ficar
evidentes Bakhtin considera a citação como o modo mais evidente de representação
do discurso do passado, embora esta se faça continuamente também fora do espaço da
145
citação. a referência é uma associação entre dois textos de forma a enriquecer a
construção. Por outro lado, a alusão é um tipo de intertextualidade fraca, uma vez que se
nota apenas uma leve menção a outro texto ou a um componente (fragmento) de outro
texto (PAULINO; WALTY; CURY, 1995, p. 28-29).
Tania Carvalhal afirma que, atualmente, “o conceito de imitação ou cópia
perde seu caráter pejorativo, diluindo a noção de dívida antes firmada na identificação
de influências”. Desse modo, tanto a repetição quanto a colagem, a alusão e a paródia
nunca são inocentes, pois, estão carregados de uma intencionalidade certa e, no caso da
repetição, este quer dar continuidade, modificar, subverter, e, principalmente, atuar com
relação ao texto antecessor. Assim, quando acontece a repetição, ela “sacode a poeira do
texto anterior, atualizando-o, renovando-o e (porque não dizê-lo) o reinventa”
(CARVALHAL, 1998, p. 53–54).
Para Icléia Cattani, a questão da repetição nas artes plásticas da modernidade
e da contemporaneidade é constante, ocorrendo de modo sistemático e sob várias
formas e modalidades: releituras, citações e revivals”. Entretanto, segundo a autora, a
repetição, em raríssimos casos, apareceu como objeto de análise no século XX,
principalmente em relação ao período moderno, sobretudo porque “as premissas
ideológicas sobre o processo criativo da modernidade giram em torno dos conceitos do
novo, do original e do único conceitos esses que a repetição questiona, senão
desmente, enquanto premissas hegemônicas do processo de criação moderno”. Em
relação ao período contemporâneo, Cattani enfatiza que “os princípios repetitivos são
resgatados dentro das práticas denominadas pós-modernas, ligadas às releituras, às
fantasmáticas pessoais e à crise do motivo”. Enquanto que, na modernidade, “a
repetição transgride com o conceito de reinvenção do novo”, na contemporaneidade, ao
146
contrário, “ela arma sutis armadilhas: parecendo repetir o feito, ela produz novos
efeitos de sentido” (CATTANI, 1998, p. 193-194).
Como sabemos, o artista não retrata ou copia um certo objeto empírico, pois,
o que é representado não é o objeto, mas a interpretação que o artista lhe atribui, num
determinado momento, uma vez que “o olho seleciona, organiza, discrimina, associa,
classifica, analisa, constrói” (GOODMAN apud PILLAR, 1999, p. 13).
Na direção contrária das práticas intertextuais de citação, referência e alusão,
encontra-se a paráfrase, a paródia e o pastiche. Nesses, a associação intertextual envolve
a maior parte do texto em sua construção e leitura, mas isso não significa que o texto-
matriz seja retomadoem sua totalidade, pois quando se retoma um elemento dele,
toda a construção de sentido do outro texto pode modificar-se.
Nesse sentido, quando a recuperação de um texto por outro se faz de maneira
dócil, isto é, retomando seu processo de construção em seus efeitos de sentido, acontece
a paráfrase. Também, resumir ou recortar uma história é parafraseá-la. No entanto, “a
paráfrase não pode ser confundida com o plágio, porque ela deixa evidente a fonte e a
sua intenção é dialogar com o texto retomado, e não de tomar o seu lugar”. Mas, por
outro lado, como a pura repetição não existe, “o processo parafrástico provoca
lentamente transformações que se vão acumulando, a ponto de chegar a versões bem
diferentes da obra-matriz”. Segundo Paulino, Walty e Cury, a paráfrase também pode
ter um sentido mais amplo quando se apropria de um clima ideológico. Nesse sentido,
as autoras citam, como exemplo de “paráfrase ideológica”, o “Nacionalismo Romântico
no Brasil”, que, contemporâneo de nossa independência política, tornou-se uma “marca
importante do imaginário social brasileiro” que se estendeu até o século XX, mesmo
após a revolução cultural modernista, onde permaneceu, ainda, como um tipo de
nacionalismo “Verde-amarelo”. o tratamento dado pela paródia a essa questão é bem
147
diverso da paráfrase, pois “a atitude crítica do tropicalismo não se confunde com as
posições da chamada ‘literatura engajada’ e assume também o prazer, as misturas, as
ambigüidades, no processo que pode ser denominado de carnavalização” (PAULINO;
WALTY; CURY, 1995, p. 30-31).
Para Bakhtin, o carnaval tem múltiplas facetas; é, ao mesmo tempo, textual,
intertextual e contextual, revelando não somente uma prática social específica, mas
também uma espécie de “reserva” geral e perene de formas populares e rituais festivos.
Nessa perspectiva, Robert Stam afirma que “o carnaval de Bakhtin e a festa dionisíaca
de Nietzsche tem em comum na sua natureza enquanto ritos coletivos”, nos quais os
foliões mascarados ficam “possuídos” e se transformam, seja através da roupa, seja
através da atitude, num “outro”, e tudo isso ocorre “numa espécie de efeito catártico”
(STAM, 2000, p. 45).
Para Affonso Romano de Sant’Anna, “no carnaval parafrástico, a intenção é
a cópia, a imitação e a mimesis, pois “a idéia de paráfrase e estilização ainda se
intensifica pela utilização de uma história e de um enredo que remetem a um
acontecimento [...]” (SANT’ANNA, 1985, p. 80).
A paródia, ao contrário, é uma forma de apropriação que em lugar de
endossar o modelo retomado, como na paráfrase, rompe com ele, sutil ou
absolutamente. Muitas vezes, a paródia, ainda que conservando a sua característica de
rompimento, presta uma homenagem ao texto, retomando-o ou ao seu autor. A escolha
do texto-base implica um recorte que elege o modelo a ser parodiado entre muitos
outros, o que significa o reconhecimento de seu valor na tradição (PAULINO;
WALTY; CURY, 1995, p. 32-33).
Shipley afirma que o termo grego paródia “implicava a idéia de uma canção
que era cantada ao lado de outra, como uma espécie de contracanto”, distinguindo três
148
tipos básicos de paródia: a) verbal – com alteração de uma palavra do texto; b) formal
em que o estilo e os efeitos técnicos de um escrito são usados como forma de zombaria;
c) temática em que se faz a caricatura da forma e do espírito de um autor. (SHIPLEY
apud SANT’ANNA, 1985, p. 11-12).
Segundo Affonso Romano de Sant’Anna, “modernamente a paródia se
define através de um jogo intertextual” e se processa de duas maneiras, denominadas de
“intertextualidade” quando um autor utiliza textos de outros e “intratextualidade”
quando o escritor retoma a sua obra e a reescreve. (SANT’ANNA, 1985, p. 12). O autor
considera que existe uma grande diferenciação entre paródia e paráfrase, pois a
apropriação parodística significa “uma subversão do sentido original do texto”,
invertendo “o significado ideológico e estético”, e a apropriação parafrástica”, ao
contrário, “prolonga o texto anterior no texto atual”, sendo caracterizada pela
“fidelidade ao modelo original”. Existe, ainda, na concepção do autor, a “paráfrase de
segundo grau”, que, sendo intratextual, “o autor se apropria do texto já parafraseado por
ele mesmo de outro texto e parafraseia a sua própria paráfrase do texto original”
(SANT’ANNA, 1985, p. 46-47).
Assim, a paráfrase sacraliza a obra do “outro” e estabelece uma
“intertextualidade das semelhanças”, enquanto que a paródia dessacraliza a obra
apropriada, estabelecendo uma intertextualidade das diferenças”. (SANT’ANNA,
1985, p. 28).
O pastiche é outro processo intertextual que apresenta elementos da paródia,
mas, ao mesmo tempo, distancia-se dela. Segundo Paulino, Walty e Cury, o termo
pastiche, embora tenha sido usado em sentido pejorativo de pasteurização e degradação
do modelo, apresenta um funcionamento intertextual bem mais amplo:
Contemporaneamente, numa época como a nossa, em que se comenta muito a “morte da
149
arte” e se observa uma saturação estética”, que “dificulta a busca de propostas
revolucionárias”. “O pastiche corresponde a uma reação que se assume como repetição”
pois, “enquanto síntese que não pretende resolver o impasse da criação, o pastiche tem
algo de nostálgico e algo de proposta suplementar do passado”. No processo
intertextual, “o pastiche assume os traços de um estilo com tal ênfase que o sentido se
torna deslocado”, pois ele “não retoma necessariamente textos específicos, mas reporta-
se a todo um gênero”. Portanto, “o pastiche não tem um impulso satírico como a paródia
que é um desvio da norma” e tem uma “relação de negatividade com o texto-base, mas
sim de seriedade, insistindo na norma a ponto de esvaziá-la” e sendo “positivo ao
assumir as características do gênero” (PAULINO; WALTY; CURY, 1995, p. 42).
Dessa maneira, enquanto a paródia é considerada cada vez mais ruptura, o
pastiche é considerado cada vez mais imitação, gerando outras formas e transgressões
distintas das utilizadas pela paródia. Para Paulino, Walty e Cury, o pastiche é uma
“transgressão textual que deriva de um atrevimento do texto ao levar até as últimas
conseqüências a imitação [...]”, especialmente no tratamento do tema, que “não é
ridicularizado na sua ‘pureza original’, mas aparece com outra significação”
(PAULINO; WALTY; CURY, 1995, p. 41).
Diante de tudo isso, na prática intertextual dos procedimentos artísticos,
enquanto a leitura é conhecida como algo mais teórico, a releitura é conhecida como
“um fazer a partir de uma obra”, pois “reler é ler novamente, é reinterpretar, é criar
novos significados”, enquanto a intenção do autor “é recriar objeto, é reconstruí-lo num
outro contexto com um novo sentido” (PILLAR, 1999, p. 18).
Segundo Adalice Pillar, a questão da releitura é complexa e envolve
processos de criação intertextual que podem ser observados na “dicotomia das relações
entre releitura e cópia; releitura, citação e intertextualidade”. Na releitura, o artista parte
150
da obra de outro artista para criar o seu trabalho, inter-relacionando textos e lançando
uma nova luz sobre a questão, que pode ser entendida como “um diálogo entre textos
visuais, intertextos, valendo-se ou não de dados objetivos que a obra referente contém
para a criação”. Porém, a autora adverte que existe uma grande diferença entre uma
releitura e uma “cópia”, pois esta diz respeito ao “aprimoramento técnico, sem
transformação, sem interpretação e sem criação”, o que, evidentemente, não é o caso da
“releitura”, em que “há transformação, interpretação, criação com base num referencial,
num texto que pode estar explícito ou implícito na obra final”, pois “o artista busca na
releitura a criação e não a reprodução da imagem” (PILLAR, 1999, p. 18-19).
No século XX e, principalmente, nesse início do século XXI, os
procedimentos intertextuais estão mais acentuados do que nunca, confirmando a idéia
de que, “hoje, a arte tem sido quase sempre um revival dela mesma”, sendo que os
“fatores externos repercutiram e ainda repercutem, de modo decisivo, no surgimento das
novas correntes e tendências” (MORAIS, 1991, p. 16).
Assim, na medida em que oculo XX caminhou para seu término, a arte se
tornou mais internacional, sem uma área geográfica dominante, e mais diversificada do
que nunca, haja vista que, “depois de um século de experimentação, o legado é a
liberdade total” (STRICKLAND, 1999, p. 128). Dentre a multiplicidade de linguagens
da arte contemporânea ou pós-moderna, a autora destaca, entre várias outras, a “arte da
apropriação” ou “arte da reciclagem”, na qual “os artistas passaram a se apropriar de
imagens de fontes diversas, como fizeram os artistas Pop, mas recorrendo tanto à
história da arte e à mitologia, quanto à comunicação de massa”. Esses artistas
combinam imagens preexistentes com as suas próprias ou apresentam imagens
apropriadas como se fossem suas. Assim, mesmo em sua grande diversidade, os artistas
contemporâneos da apropriação “trilham caminhos familiares” e buscam “anexar a
151
força dos originais e ao mesmo tempo revelar a sua força de manipulação como
propaganda”. (STRICKLAND, 1999, p. 190-194).
Embora os procedimentos intertextuais estejam na linha de frente da arte
contemporânea, sua utilização pelos artistas plásticos remonta desde a época Greco-
romana, sendo revitalizada pelo Renascimento, Maneirismo, Barroco, Neoclássico, até
chegar na modernidade, onde artistas como Manet, Picasso e muitos outros,
estabelecem um embate com a tradição, traçando o duplo movimento de
construção/desconstrução dos textos visuais apropriados e exigindo do leitor/receptor
que reconheça, pelo menos em princípio, as pinturas ali retomadas
98
.
Nas artes plásticas contemporâneas, o conceito de intertextualidade
apresenta-se, também, como um conceito denominado de “citacismo” ou
“citacionismo”
99
. Nessa perspectiva “citacionista” semelhante à da intertextualidade e
à da antropofagia –, a história da imagem sobre a imagem tem pelo menos três fases: “a
da apropriação, a da reelaboração e a da citação”:
No período histórico da apropriação, o artista inclui imagens produzidas
por outros artistas em seus quadros, mas o princípio é homenagear um grande
mestre ou escamotear a apropriação. na fase da reelaboração o tráfico de
imagens é explícito. Na Pop Art, trata-se de uma reelaboração de significado
pelo uso de uma retórica, diferente da primeira retórica da imagem. De forma
diferente dos períodos anteriores, o artista pop usa a imagem industrializada.
Mesmo quando um artista pop repete a imagem que um outro artista
representou, costuma fazê-lo de uma reprodução e não da obra. Isto é
significante. As características da reprodução, a cor, a transforma-se no
objeto principal e não a imagem por si mesma. Os românticos, ao contrário,
instituíram o mundo fenomênico como fonte inspiradora da arte. Os
modernistas se aferraram ao preconceito da originalidade, colocando no
banco dos réus a mimesis de uma imagem sobre outra. Hoje, a arte
contemporânea, por alguns chamada pós-moderna, explora o mundo das
imagens produzidas anteriormente como referências, isto é, os artistas hoje
usam as imagens dos outros como referência, mas tornam explícito para o
observador esse uso. É como usar em primeira pessoa um pronome de
terceira pessoa, sem destruir a identidade do outro. Hoje o apreciador da arte
precisa ter o olho educado historicamente, tem que ter armazenado uma larga
iconografia, que é da bibliografia de olhar, para poder decodificar os
98
Sobre alguns exemplos desse embate entre artistas modernos e contemporâneos com a tradição artística
e o duplo movimento de construção/desconstrução dos textos visuais apropriados, conferir em: WALTY,
FONSECA; CURY, 2000, p. 80-85.
99
A esse respeito, ver BARBOSA, 1998, p. 65.
152
trabalhos da maioria dos artistas contemporâneos. (BARBOSA, 1988, p. 66-
67).
Dessa maneira, os processos intertextuais de apropriação, leitura e releitura
são criações, produções de sentido nos quais buscamos explicitar relações de um texto
com o nosso contexto, e foi justamente com esse objetivo que Lídia Baís utilizou-se de
procedimentos intertextuais como a cópia, a imitação, a paráfrase, a paródia e a
apropriação –, para construir o seu peculiar imaginário pictórico.
4.2 A intertextualidade pictórica no processo criativo de Lídia Baís
Como podemos perceber, os conceitos de intertextualidade, apropriação e
releitura possibilitam uma nova abordagem de estudos e um novo olhar sobre a obra
pictórica de Lídia Baís, uma vez que a intertextualidade abala a velha concepção de
influência, desloca o sentido de dívida, obrigando a um tratamento diferente do
problema.
Diante disso, quando dia utiliza-se de práticas intertextuais e da “técnica
de apropriação” como um dos seus principais procedimentos estéticos e pictóricos para
a construção de algumas obras significativas, a artista, além de ser estimulada por outros
artistas e pelas tradições artísticas do passado, presta-lhes uma homenagem e aproxima-
se deles nos seus Estudos de Reprodução”. Porém, esses “Estudos de Reprodução”,
como o título sugere, foram apenas estudos e aprimoramentos técnicos que a artista
utilizou, a partir da imitação e da cópia, para alcançar o seu objetivo principal, que foi
um diálogo plástico-visual mais íntimo e crítico com a tradição artística ocidental,
estabelecido, principalmente, a partir de procedimentos intertextuais como a citação, a
153
paródia, a antropofagia e a apropriação explícita, propondo uma “carnavalização”
estética entre o sagrado e o profano, o espiritual e o material, o feminino e o masculino,
o bem e o mal, o passado e o presente. Foi justamente nesse “diálogo” estabelecido
entre a arte, a tradição artística e o seu universo particular que Lídia Baís promoveu
uma “dialogia” pessoalíssima
100
e, ao mesmo tempo, a intertextualidade em sua
produção pictórica, o que possibilita a leitura, a recepção de sua obra e ainda, a
comprovação da produtividade de seus textos visuais.
Lídia Baís dialogou com a tradição artística ocidentalo apenas como uma
artista que simplesmente “copiou”, “imitou” ou “parafraseou” personagens e obras de
grandes mestres da arte ocidental européia do Renascimento, do Barroco e do
Neoclássico, mas, sobretudo, como uma artista que manipulou práticas intertextuais e
significações simbólicas com o objetivo de construir o seu imaginário pictórico
particularíssimo.
As obras pictóricas de Lídia Baís podem ser percebidas como novas
realidades pictóricas inauguradas a partir do diálogo que a artista empreendeu com
outros textos visuais e com outros artistas, constituindo-se em obras instauradoras de
novos “conflitos visuais”. Com relação a essa questão dos “conflitos” que os textos
estabelecem em sua relação dialética com outros textos, Tania Carvalhal considera que
o diálogo entre os textos não é um processo tranqüilo nem pacífico, uma vez que “sendo
os textos um espaço onde se inserem dialeticamente estruturas textuais e extratextuais,
eles são um local de conflito, que cabe aos estudos comparados investigar numa
perspectiva sistemática de leitura intertextual” (CARVALHAL, 1998, p. 53).
100
A palavra “pessoalíssima” é usada aqui no sentido de “pessoalidade” termo usado pela professora
Lucimar Bello Frange para definir “todos os ‘eus’ e as alteridades instaladas numa pessoa”, num
sujeito que “vai se construindo continuamente com suas experiências anteriores, as presentes e suas
expectativas. É além de personalidade, pois incorpora aspectos psicológicos e também as memórias, os
sonhos, as utopias e as ousadias” (FRANGE, 2002, p. 36).
154
Nesse sentido, a obra de Lídia Baís deve ser considerada como a instauração
de uma informação nova que se predispõe a uma abordagem interdisciplinar e
intertextual, pois, como indica Jan Mukarövský, uma obra de arte é, ao mesmo tempo,
um signo, uma estrutura e um valor:
A arte é o aspecto da criação humana que se caracteriza pela supremacia da
função estética... A arte, que se não baseia plenamente em nenhuma função
que não seja a função estética, revela sempre de uma maneira nova o caráter
multifuncional da relação do homem com a realidade, e, por conseguinte,
também, a riqueza inesgotável de possibilidades que a realidade oferece ao
comportamento, à percepção e ao conhecimento humanos.
(MUKARÖVSKÝ, 1981, p. 223-225).
A obra pictórica de Lídia Baís, como uma “força instauradora”, praticamente
deslocou, reorganizou e configurou quantidades enormes de matérias carregadas de
significações, confirmando que a arte não é apenas o pensamento de algum modo
particular e pessoal do artista, mas, também, como indica Étienne Souriau, “um
conjunto de necessidades exigentes que se lhe impõem, que lhe servem de norma e de
apoio, ao mesmo tempo em que adquire experiência em seu trabalho, sem que tal
experiência se inscreva de outro modo a não ser na própria obra” (SOURIAU, 1983, p.
30-31).
Nessa perspectiva, a produção artística de Lídia Baís, constituída em sua
materialidade sígnica que podemos apreender mediante o procedimento metódico que
consiste na observação das obras da artista –, oferece-se à análise da produtividade e da
“dialogicidade” dos textos visuais, para a verificação das relações tramadas entre os
textos, pelos procedimentos intertextuais.
155
4.2.1 A cópia e a imitação na prática intertextual de Lídia Baís
Os processos intertextuais de cópia, imitação e repetição podem ser
verificados na obra de Lídia Baís, principalmente a partir dos “Estudos de Reprodução”,
que se constituem de reproduções miméticas de obras consagradas de importantes
artistas do Renascimento italiano, do Barroco flamengo e do Neoclássico francês, dentre
os quais destacam-se, principalmente, os artistas italianos Leonardo Da Vinci, Rafael e
Tiziano, o artista flamengo Rubens e o artista francês François Gerard, entre outros
(ANEXO 3.2).
Assim, a pintura “Madona da Poltrona” de Rafael foi reproduzida por Lídia
Baís e denominada de “Nossa Senhora, Jesus e João; o famoso mural “Última Ceia”, de
Leonardo Da Vinci, também foi copiado sobre uma das paredes do quarto da artista na
“Morada dos Baís” e conservou o mesmo título; a obra de Tiziano, Amor Sacro e
Amor Profano”, foi reproduzida numa tela com o título semelhante de “Amor Sacro e
Profano”; a obra Amor e Psiquê”, de François Gerard, foi reproduzida no sentido
inverso da imagem original o que inevitavelmente transformou o significado da
obra –, sendo denominada de “Amor e Pischée”. da obra “O Rapto das Filhas de
Leucipo”, de Píer Paul Rubens, Lídia Baís reproduziu apenas um fragmento da pintura
original, o detalhe da cena principal, ao qual denominou de “O Rapto das Sabinas
(ANEXO 3.2).
Segundo a professora Alda Couto, esses “Estudos de Reprodução” ou cópias
de obras consagradas constituíam num método de estudo das academias de pintura
naquela época, no qual os aspirantes a artistas tinham modelos a seguir:
As limitações de Lídia devem ter decorrido, em parte, desse esquema
rígido de trabalho, no qual o artista se submete à grandiosidade dos
grandes mestres, mesmo quando as condições de produção artística
são tão distintas. Por outro lado, os pintores consagrados constituem
156
fontes e influências que os novatos podem aproveitar de duas
maneiras principais: como exercícios de técnica, nos estudos, e como
citações e renovações, no momento em que conseguem elaborar suas
próprias obras. (COUTO, 1999a, p. 21).
Nessa direção, os “Estudos de Reprodução” de Lídia Baís também se
constituíram em importantes procedimentos e métodos pictóricos, pelos quais a artista,
não apenas fez citações, mas, também, se apropriou de imagens de pinturas consagradas
da história da arte ocidental para a construção de obras mais criativas e significativas,
que são, por sua vez, reveladoras do peculiar imaginário pictórico da artista. Dois desses
“estudos” tanto a “Última Ceia”, de Leonardo Da Vinci quanto “O Rapto das Filhas
de Leucipo”, de Rubens seguramente serviram de referência e “inspiração” para Lídia
Baís criar outras obras mais expressivas e repletas de intertextualidade, como por
exemplo a pintura “Última Ceia de Nosso Senhor Jesus Cristo” e a pintura “Alegoria
Composição”, ambas representantes do grupo das “Composições Alegóricas” da Fase
III (ANEXO 3.6).
As apropriações parafrásticas também podem ser evidenciadas em outras
obras mais significativas de Lídia Baís do que as apresentadas nos “Estudos de
Reprodução”. Essas obras são constituídas, principalmente, por uma série de cinco
retratos que representam duas irmãs, dois irmãos e a própria artista: os retratos “Júlio
Baís”, “Orfeu Baís”, “Celina Baís (Simboliza a Fé)”, “Ida Baís (Simboliza a
Esperança)” e o auto-retrato “Lídia Baís (Simboliza a Trindade)” (ANEXO 3.1).
A relação comum entre esses três retratos pode ser percebida, nitidamente, a
partir da própria construção plástica das obras configurados numa composição oval,
trazendo o rosto e o busto do representado em posição frontal –, que fazem alusão às
fotografias e medalhões antigos, às pinturas de retratos dos séculos XVII e XVIII, entre
outros. Além disso, os cinco retratos, por sua vez, ligam-se diretamente a outro retrato,
157
pintado pelo artista carioca Oswaldo Teixeira, amigo e professor de dia, denominado
de “Lydia”, que evidencia o processo intertextual praticado pela artista sul-mato-
grossense. Essa obra foi presenteada a Lídia Baís pelo próprio Oswaldo Teixeira,
provavelmente entre 1925 e 1929, quando a artista morou e estudou no Rio de Janeiro;
constituindo-se, porém, numa obra muito significativa paradia Baís, uma vez que se
utilizou dela como referência e apoio para criar mais cinco obras, das quais, três são
bastante expressivas, pois, como vimos no capítulo anterior, apresentam Lídia e suas
duas irmãs em associação com símbolos importantes construídos pela cultura ocidental
e pelo cristianismo a cruz, a âncora, a guirlanda de flores, o coração, entre outros
que se transformaram e adquiriram novos significados nas manipulações parafrásticas
da artista.
Ainda representando as apropriações parafrásticas, podemos conferir no
mural “Composição Alegórica Na sala das Paixões”, como Lídia Baís utilizou-se de
procedimentos intertextuais parafrásticos e paródicos para apropriar-se de um tema da
mitologia grega
101
, muito difundido e apreciado pelos artistas renascentistas e barrocos.
101
Os gregos foram os primeiros artistas realistas da história, ou seja, os primeiros a se preocupar em
representar a natureza tal qual ela é. Para fazerem isso, foi fundamental o estudo das proporções, em cuja
base se encontra a consagrada máxima segundo a qual o homem é a medida de todas as coisas. Pode-se
distinguir quatro grandes períodos na evolução da arte grega: o geométrico (séculos IX e VIII a.C.), o
arcaico (VII e VI a.C.), o clássico (V e IV a.C.) e o helenístico (do século III ao I a.C.). No chamado
período geométrico, a arte se restringiu à decoração de variados utensílios e ânforas. Esses objetos eram
pintados com motivos circulares e semicirculares, dispostos simetricamente. A técnica aplicada nesse
trabalho foi herdada das culturas cretense e micênica. Passado muito tempo, a partir do culo VII a.C.,
durante o denominado período arcaico, a arquitetura e a escultura experimentaram um notável
desenvolvimento graças à influência dessas e outras culturas mediterrâneas. Também pesaram o estudo e
a medição do antigo megaron, sala central dos palácios de Micenas a partir da qual se concretizaram os
estilos arquitetônicos do que seria o tradicional templo grego. Entre os séculos V e IV a.C., a arte grega
consolida suas formas definitivas. Na escultura, somou-se ao naturalismo e à proporção das figuras o
conceito de dinamismo refletido nas estátuas de atletas como o Discóbolo de Miron e o Doríforo de
Policleto. Na arquitetura, em contrapartida, o aperfeiçoamento da óptica (perspectiva) e a fusão
equilibrada do estilo jônico e dórico trouxe, como resultado, o Partenon de Atenas, modelo clássico por
excelência da arquitetura dessa época. No século III, durante o período helenístico, a cultura grega se
difunde, principalmente graças às conquistas e expansão de Alexandre Magno, por toda a bacia do
Mediterrâneo e Ásia Menor. (http://www.warj.med.br/ini/ini00.asp. Acesso: 05/11/03).
158
As “Cárites” ou “Cariátes”
102
, também chamadas de “Graças” pelos
romanos, eram três divindades gregas, denominadas de Eufrosine, lia e Aglaia, que
personificavam, principalmente, a beleza, o charme e a graça. Freqüentemente, essas
três Cárites ajudavam a deusa Afrodite
103
e estavam sempre cantando e dançando,
espalhando a alegria por toda a natureza. Muitas vezes, as “Cárites” foram confundidas
com as “Horas”
104
, que eram as divindades das estações.
A mais antiga das representações dessas três “Cárites” origina-se de um
fragmento de escultura romana de mármore do Período Greco-romano
105
, baseada numa
pintura grega Helenística
106
. Esse fragmento é datado do século II e pertence ao acervo
102
A esse respeito, ver http://www.warj.med.br/mit/mit09-6.asp. Acesso: 05/11/03.
103
Na Grécia Antiga, Afrodite era a deusa do amor e da beleza sensual, mais especificamente do amor
carnal. Era capaz de seduzir a todos, deuses ou mortais. Para os gregos, Afrodite era a própria
personificação do desejo, do amor e do prazer sensual. Sua origem é bastante controvertida, e pode
remontar à época micênica. também nítidas semelhanças entre Afrodite, a Istar-Astarte semita e a
grande-mãe neolítica, senhora dos animais e símbolo da fertilidade. duas versões correntes para o
nascimento de Afrodite. A versão mais antiga é, provavelmente, a divulgada por Hesíodo, que a como
filha de Urano; a mais recente, mencionada por Homero, Eurípides e Apolodoro, relata ser ela filha de
Zeus e Dione. O local de seu nascimento pode ter sido a ilha de Citera, ao sul do Peloponeso, ou Chipre;
daí ela ser freqüentemente chamada de “Citeréia” ou de “Cípris”. (http://www.warj.med.br/mit/mit09-
6.asp. Acesso: 05/11/03).
104
As “Horas” eram, originalmente, deusas das estações que asseguravam o curso harmonioso de tudo.
Eram três divindades, denominadas de Diké, Eumomia e Irene, que personificavam a justiça, a ordem e a
paz. Guardavam, também, as portas do Olimpo e auxiliavam as deusas em diversos trabalhos. Na época
clássica, em atenes, essas deusas eram chamadas de Auxó, a que desenvolve, Talo, a que floresce e
Karpós, a que frutifica. (http://www.warj.med.br/mit/mit09asp. Acesso: 05/11/03).
105
Não se pode dizer que a arte grega tenha desaparecido com o Império Romano. A arte romana era,
essencialmente, a arte grega temperada com elementos etruscos e os etruscos, por sua vez, foram
também intensamente influenciados pelos gregos durante o Período Arcaico. A arte de Roma,
naturalmente, tinha características e tradições próprias, como, por exemplo, o gosto por retratos fiéis e as
obras comemorativas realistas. Desde os últimos séculos do Período Helenístico, porém, a expressão
artística sempre se pautou por modelos gregos clássicos. Foi um verdadeiro "casamento" entre o gosto
romano e a habilidade grega. Durante o Império, os romanos de posses continuaram a contratar artistas
gregos para decorar suas suntuosas residências. O governo romano, igualmente, tornou-se também um
grande patrocinador de arte e financiou, além da criação de novas cidades, templos, monumentos e
esculturas para a glorificação dos imperadores. O declínio do império, a partir do culo III, foi
acompanhado pelo declínio da tradição clássica, e o crescente prestígio do cristianismo, em detrimento do
paganismo, trouxe novos temas à arte greco-romana. Mesmo assim, a arte grega não desapareceu: as mais
antigas imagens de Cristo, por exemplo, seguiam fielmente o estilo greco-romano "pagão" e mostravam-
no jovem e sem barba. Do século IV em diante, com o estabelecimento do Império Romano do Oriente, a
arquitetura e o mosaico, especialmente, tiveram grande impulso. Novas influências orientais vieram então
se unir aos elementos gregos, romanos e cristãos dos séculos anteriores e moldar o estilo bizantino
primitivo, característico dos séculos V e VI. (http://www.warj.med.br/ini/ini00.asp. Acesso: 05/11/03).
106
Com a fragmentação do império de Alexandre III (-356/-323), no fim do século IV aC., a importância
cultural de Atenas declinou; novos e importantes centros artísticos surgiram fora da península grega,
159
da Piccotomini Library, em Londres. Uma versão dessa imagem foi encontrada entre os
afrescos de Pompéia, na Itália, datados do século I (ANEXO 4.2).
A partir do Renascimento, até a modernidade, verifica-se que diversos
artistas utilizaram a imagem do afresco de Pompéia como tema para as suas obras,
estabelecendo uma proximidade e uma relação intertextual com o passado e com as
representações anteriores sobre o tema.
Entre as obras dos principais artistas que utilizaram como referência as três
“Cárites” da cópia romana e as “Três Graças” do afresco em Pompéia, podemos
destacar: “A Primavera”, de Sandro Botticelli (1445-1510); “As Três Graças”, de Píer
Paul Rubens (1577-1640); “As Três Graças”, de Charles A. Van Loo (1719-1796?);
“Lady Sara Bunburg Sacrifica as Três Graças”, de Joshua Reynolds (1723-1792);
“Marte desarmado por Vênus e as Três Graças”, de Jacques Louis David (1718-1825); a
escultura “As Três Graças”, de Antonio Canova (1757-1822); e a pintura moderna
“Cariátide”, de Amedeo Modigliani (1884-1920) (ANEXO 4.2).
A pintura mural de Lídia Baís “Composição Alegórica Na Sala das
Paixões” foi subdividida em três painéis configurados sob a forma de arco lembrando
a composição de alguns retábulos do Renascimento (ANEXOS 3.4 e 4.2). No painel
central, foram representadas as três irmãs nuas, num ambiente paisagístico, que sugere
notadamente Pérgamo, Rodes, Antióquia e Alexandria. Além dos soberanos das novas monarquias
helenizadas, as prósperas classes sociais em ascensão tornaram-se, também, clientes dos artistas gregos.
Monumentos e outras grandes obras de arte em espaços públicos ainda tinham lugar; o interesse dos
cidadãos particulares pela arte, porém, criou um mercado novo e sem precedentes para a arte grega.
Embora calcados em modelos clássicos, os artistas helenísticos procuraram representar as emoções
humanas e colocar traços cada vez mais realistas e menos idealizados em suas obras chegando, às
vezes, até a caricatura. Essas novas tendências são bem marcadas nas estátuas, relevos e grupos
escultórios colossais; o interesse pelo nu feminino e pelos retratos aumentou consideravelmente. Na
arquitetura, a novidade mais notável foi a importância dada às casas particulares e ao planejamento das
cidades; na pintura, a representação de paisagens e o grande desenvolvimento do mosaico; nas artes
menores, as moedas, que, ao invés dos habituais personagens míticos, mostravam a efígie dos monarcas, e
as estatuetas de terracota. A cerâmica decorada, em franca decadência desde a metade do século VI aC.,
praticamente desapareceu como forma de arte. Finalmente, o interesse da aristocracia romana pela cultura
grega em geral e pela arte em particular também fez surgir, a partir do século II a C., um florescente
mercado de cópias, especialmente de esculturas e de pinturas. Graças a isso conhecemos boa parte das
obras gregas perdidas, ainda que através de um simples reflexo. (http://www.warj.med.br/ini/ini00.asp.
Acesso: 05/11/03).
160
uma praia ou um lago, juntamente com dois pombos brancos voando na parte superior e
mais dois se beijando” no solo do canto inferior direito do painel. dia Baís se auto-
representou no centro da alegoria, sentada sobre uma pedra, segurando uma flor. Nos
dois pilares centrais que dividem a representação em três partes, a artista pintou
guirlandas de flores, colorindo o trabalho. Nos dois painéis laterais, a artista pintou
anjos, querubins e faunos. O painel lateral esquerdo apresentava a cena de um fauno
alado tocando flauta, associado a um anjo e a um cervo deitado. No painel lateral
direito, dia pintou uma orquestra de anjos e querubins tocando vários instrumentos
(ANEXO 3.4).
Esse afresco polêmico pintado na “Morada dos Baís” em 1937, como vimos,
infelizmente, foi destruído logo em seguida, quando o imóvel foi alugado em 1938, mas
as suas reproduções fotográficas, publicadas nos catálogos Lembrança do Museu Baís,
revelam a intertextualidade implícita da artista com outras obras e com outros artistas da
história da arte ocidental.
Lídia Baís utilizou-se do tema mitológico grego das “três graças” como
pretexto para criar a pintura do mural que traz a artista e suas duas irmãs nuas à “beira
de um lago”, em comunhão com a natureza, cercadas por passarinhos, querubins, anjos,
faunos e guirlandas de flores (ANEXO 3.4).
4.2.2 A apropriação, a paródia e a antropofagia nas obras de Lídia Baís
Segundo Leyla Perrone-Moisés, a antropofagia proposta por Oswald de
Andrade, em 1928, coincide com a teoria da intertextualidade, principalmente porque a
antropofagia é, antes de tudo, “o desejo do Outro, a abertura e a receptividade para o
161
alheio, desembocando na devoração e na absorção da alteridade”. Para a autora, “há,
então, na devoração antropofágica, uma seleção como nos processos da
intertextualidade”, fazendo da proposta oswaldiana “um projeto filosófico e cultural de
vasto alcance, embora não sistemático, um projeto constituído mais de sugestões
sibilinas e contundentes do que um discurso propriamente teórico” e, justamente por
isso, “não podemos confrontar suas propostas, de modo direto, com as teorias literárias
da dialogia e da intertextualidade, mas apenas apontar que elas se encaminham no
mesmo sentido” (PERRONE-MOISÉS, 1990, p. 91-99)
A capacidade crítica de Lídia Baís em selecionar do “outro” somente o que
lhe interessava para construir o seu imaginário pictórico pode ser conferida na
apropriação que a artista fez da obra de Pier Paul Rubens “O Rapto das filhas de
Leucipo”. Essa pintura, considerada uma “obra prima” da arte ocidental, se
transformou-se, nas manipulações de Lídia, para além de sua simples e inocente
apropriação parafrástica, intitulada “O Rapto das Sabinas” (título também de outra obra
de Rubens)
107
. A partir dessa reprodução, Lídia Baís selecionou uma única imagem da
pintura original de Rubens e elaborou com ela uma nova composição, com novos
elementos, intitulada Alegoria Composição”. Nessa pintura, Lídia Baís não somente
homenageou e citou explicitamente um dos seus mais admirados artistas, através da
apropriação parafrástica de uma de suas personagens, mas também criou uma obra de
acentuado valor estético, renovada tanto no aspecto formal quanto no aspecto
conceitual. A artista transformou o significado da obra citada ao incluir outros
elementos formais repletos de símbolos visuais da iconografia cristã e da religião
católica.
107
É interessante observar que Lídia Baís, além de apropriar-se da imagem de uma das duas personagens
femininas da obra de Rubens, intitulada “O Rapto das Filhas de Leucipo”, também se apropria do texto
escrito de outra obra do autor, cujo título é “O rapto das Sabinas”. Lídia seleciona e pega do “outro”
somente o que lhe interessa: apropria-se da imagem de uma obra e do título de outra obra.
162
Na obra “Alegoria Composição”, verifica-se que a expressão pictórica de
Lídia Baís é revelada pela sua inventividade na reorganização de símbolos tradicionais
da cultura ocidental, fundindo-os numa espécie de “alquimia pictórica”, estabelecendo,
dessa maneira, um diálogo visual com a pintura ocidental a partir da personagem
central: uma “Sabina” raptada, de Rubens. Essa pintura, como vimos no capítulo
anterior, também pode ser cotejada com outra obra da artista, intitulada “Mitologia
Composição”, na qual, os processos intertextuais de citação, rapto, seqüestro e absorção
evidenciam o gesto antropofágico da artista e o desejo do “outro”.
Em seu procedimento antropofágico, Lídia Baís degustou outros artistas e de
obras do passado, distanciando-se deles por sua nova e surpreendente maneira de ler o
convencional, o que possibilitou a renovação e a re-significação estética dos textos
originais apropriados. Tomando do outro somente o que lhe interessava, a artista
desarranjou, na maioria das vezes, o sentido dos textos originais, propiciando uma
maneira diferente de leitura da obra convencional por seu processo de liberação do
discurso, no qual a paródia foi a sua discordância e diferenciação.
Nessa direção, podemos aferir na obra “Última Ceia de Nosso Senhor Jesus
Cristo” como Lídia Baís propõe um novo discurso para o texto apropriado de Leonardo
Da Vinci (1452-1519) “A Última Ceia” (1495-1498).
Esse texto visual de Leonardo Da Vinci foi exaustivamente apropriado e
parafraseado por outros artistas na história da arte ocidental, tornando-se uma das obras
mais importantes e representativas de toda a história da arte ocidental. Porém, muito
antes de Lídia, o próprio Leonardo Da Vinci havia parafraseado outros textos escritos
e visuais para a construção de sua obra. Além das sagradas escrituras, Leonardo da
Vinci também se baseou em outros artistas que exploraram essa temática antes dele,
principalmente a obra do pintor italiano Andrea del Castagno (ca. 1421-1457).
163
Porém, antes mesmo de Andrea del Castagno o tema da última ceia de Jesus
Cristo, narrado nas escrituras sagradas, havia sido explorado pelos artistas incógnitos
que executaram os murais da arte Paleo-Cristã nas catacumbas romanas, local onde os
cristãos se reuniam para cultuar o seu Deus e propagar a palavra divina, principalmente
através da representação visual, pois, naquela época, a grande maioria da população era
formada por indivíduos sem alfabetização, que não sabiam ler nem escrever. Neste
sentido, a visualidade da arte assumia a função” de propagar as idéias religiosas do
cristianismo. Assim, podemos conferir na pintura mural “O Convite” (ANEXO 4.5),
executada nas Catacumbas de Priscila, em Roma provavelmente do século II ou III
a.C.–, que o tema da “Ceia” era representado muito antes de Cristo. Mas, mesmo que
esta pintura mural tenha sido criada dois ou três séculos antes de Cristo, e ainda não
represente de fato o tema da última ceia de Jesus, ela apresenta, tanto na temática
escolhida quanto no aspecto composicional, próximas relações e afinidades com as
versões construídas pelos artistas do Renascimento sobre o tema da “Última Ceia”.
A partir do século XV, com o Renascimento artístico, na Europa, vários
artistas desse período elegeram a temática da última ceia de Jesus Cristo para compor
suas representações visuais de caráter religioso. Um desses artistas do início do período
renascentista foi o artista Dieric Bouts (ca. 1420-1475), originário dos Países Baixos da
Flandres Ocidental. Bouts, executou com a recém-descoberta técnica da pintura a óleo,
uma obra intitulada “Tríptico da Última Ceia” (ANEXO 4.6), que, atualmente, faz parte
do acervo da Igreja de Saint-Pierre, na Lovaina, cidade próxima de Bruxelas, na
Bélgica. A cena do “Tríptico da Última Ceia” de Bouts desenrola-se no que parece ser o
próprio refeitório da referida Igreja, no qual as personagens da representação de Cristo e
dos seus discípulos estão ceando, assistidos por uma platéia composta por clérigos.
Nesta composição de Bouts, Jesus Cristo está exatamente no centro da tela,
164
constituindo-se no ponto perceptivo da representação. Assim como Cristo, os dois
monges representados na abertura para o serviço de copa, na parte superior esquerda da
pintura, disputam o olhar do receptor.
Ainda na primeira metade do século XV, destaca-se, também, a obra de
outro artista renascentista que elegeu a temática da última ceia com Cristo, para elaborar
uma representação que seria, mais tarde, estudada pelo genial Leonardo Da Vinci, que
compôs a mais célebre obra sobre o tema. Trata-se do artista florentino Andrea del
Castagno que, além de representar uma das mais parafraseadas cenas religiosas da arte
ocidental, foi quem primeiro batizou o tema dessa representação com o título de
“Última Ceia” (ca. 1445-1450) (ANEXO 4.5). A pintura de Castagno foi executada em
afresco para o convento de Sant’Apollonia na cidade de Florença, em meados do século
XV, cerca de meio século antes de Leonardo Da Vinci ter composto a sua tão
parafraseada obra. Neste afresco, Castagno situou a cena representada num vasto nicho
ricamente apainelado, concebido como uma extensão do espaço real do refeitório.
Segundo Susan Woodford, “o artista tentou fazer tudo o mais realista possível,
escolhendo até um ponto de vista mais baixo na sua composição, para dar a impressão e
corresponder ao que seria a posição real de uma mesa de honra (WOODFORD, 1983,
p. 84-85).
Apesar do insistente realismo de Andrea del Castagno, sua composição não
ficou isenta de algumas desvantagens, pois, segundo Janson, a rigidez simétrica da
arquitetura, realçada pelos embutidos de cor, impõe uma ordem severa às figuras e
ameaça aprisioná-las” (JANSON, 1984, p. 400). Mesmo que tentasse celebrar este
momento importante da história bíblica, quando Cristo revelou que seria traído por um
de seus discípulos, Castagno não conseguiu atrair a atenção para a personagem principal
165
da história, uma vez que a pessoa de maior estatura na representação (e, por
conseguinte, a que mais atrai os olhares) não é o Cristo, mas Judas, o traidor.
Quando Leonardo Da Vinci começou a pintar sua versão da “Última Ceia”
(ca. 1495-98) (ANEXO 4.4), situada igualmente na parede de outro refeitório
monástico, o Convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão, o artista reexaminou
profundamente toda a apresentação da cena concebida por Andrea del Castagno. Ao
contrário de Castagno, Leonardo Da Vinci colocou a figura de Cristo no centro da
representação, emoldurado por uma janela, e com todas as linhas retas declinantes da
perspectiva arquitetural convergindo sobre sua cabeça. Jesus é representado
completamente isolado de seus vizinhos, tanto em termos espaciais quanto pela
sensação de compenetração e silêncio, o que contrasta, de modo eloqüente, com a
conversa agitada dos demais participantes da cena. Os apóstolos representados por Da
Vinci também contrastam com o afresco de Castagno, pois não se apresentam todos
sentados e enfileirados, mas são compostos em quatro grupos de três personagens, em
estado de agitação. Segundo Janson, a “Última Ceia” de Leonardo tem sido sempre
reconhecida como “a primeira afirmação clássica dos ideais da pintura do Renascimento
Pleno” (JANSON, 1984, p. 417-459). Essa pintura mural foi realizada pelo artista por
encomenda de Ludovico o Mouro, durante a sua estadia em Milão, entre 1495 e 1498.
A “Última Ceia” de Da Vinci mostra uma inusitada maturidade, não apenas
compositiva, mas também expressiva, apesar da deterioração que o quadro tem sofrido
ao longo dos anos. Para a realização da pintura “Última Ceia”, o pintor experimentou
uma emulsão de óleo e têmpera que lhe permitiu continuar a trabalhar sobre a obra
mesmo depois que a pintura estivesse seca, mas, infelizmente, essa técnica não aderiu
bem à superfície de alvenaria, fazendo com que a obra começasse a se deteriorar desde
muito cedo. Leonardo ainda era vivo quando isso começou a acontecer. A situação da
166
pintura piorou muito quando o prédio que abrigava o mural foi usado como estábulo e
parcialmente destruído na Segunda Guerra Mundial. Desde então, a obra tem sido
objeto de numerosos retoques, devido às diversas tentativas de restauração, que a foram
modificando. Segundo Frank Zöllner, “as alterações, por vezes, apagaram o toque do
mestre e vulgarizaram os traços, tendo em conta as descrições minuciosas contidas no
seu ‘Tratado de Pintura’ sobre a forma como deviam ser pintadas as expressões”
(ZÖLLNER, 2000, p. 50).
Na composição da Última Ceia, combinam-se dois sistemas de representação
pictórica. Um é a técnica do sfumato
108
, para o tratamento das figuras e do ambiente. O
outro é a perspectiva geométrica florentina, utilizada para conceber o espaço
arquitetônico que serve de fundo à cena. Também é importante notar o ritmo triplo da
distribuição dos personagens, colocados em grupos de três. A figura de Cristo é a
exceção. Encontra-se no centro e isolado simbolicamente. Serve de ponto de fuga no
mural, coincidindo a sua posição com o olho do observador. Leonardo imagina uma
cena no interior de uma sala ideal, que se desenvolve como uma continuidade da sala
real onde está inserida a obra. O artista representou a “Última Ceia” num cenário teatral,
construído de acordo com as regras da perspectiva central. O uso da perspectiva, com
todas as linhas diagonais convergindo para a cabeça de Cristo, mais precisamente no
olho direito, fixou Cristo como o ápice da composição piramidal, enfatizando a sua
posição central, como o personagem mais importante da história e da representação.
O acontecimento escolhido por Leonardo é o anúncio da traição de Cristo
por um dos seus discípulos. Um acontecimento terrível, que serve de pretexto ao pintor
para reproduzir uma variada galeria de diferentes estados de ânimo, o que torna o
quadro diferente de outras “Ceias” pintadas até então. Para a representação da “Última
108
Sfumato é uma técnica de pintura inventada e utilizada por Leonardo Da Vinci, que consiste em pintar
sem demarcação de linhas ou fronteiras, “à maneira de fumaça”.
167
Ceia”, Leonardo concentrou-se no momento em que Jesus se senta com os seus
discípulos e afirma: “Em verdade vos digo, que um de vós me irá trair” (Mateus, 26:21).
Com gestos e reações totalmente diferentes, quase todos os discípulos mostram seu
espanto e horror perante estas notícias de uma traição iminente: na extremidade
esquerda da mesa, Bartolomeu levanta sua cadeira com agitação, perto dele Tiago
Menor e André levantam as mãos com surpresa. Pedro também está levantado e olha
furiosamente para o centro do quadro. À sua frente está Judas, o traidor, inclinado para
trás e chocado, mas com a mão direita apontando para a bolsa com o dinheiro que
recebeu para trair o Senhor. Segundo Frank Zöllner, “pela primeira vez na história das
representações pós-medievais da Última Ceia, Judas não é representado sentado na
frente da mesa” (ZÖLLNER, 2000, p. 55). Desta forma, ele é colocado imediatamente
ao lado de João, cuja reação é mais muda (ele ainda não conhece a identidade do
traidor) ao mesmo tempo em que olha em frente, com as mãos cruzadas quase em
contemplação. Comparativamente sem movimento, posicionado no centro da
composição e emoldurado pela janela atrás dele, está o próprio Jesus. Do outro lado,
estão outros dois grupos de três discípulos: um grupo com Tomás, Tiago Maior e Felipe
e o outro com Mateus, Tadeu e Simão.
Sobre esse trabalho de Leonardo Da Vinci, Frank Zöllner afirma que:
Ao contrário das pinturas da Última Ceia feitas pelos seus contemporâneos
mais próximos, Leonardo vida à cena ao dividir os doze apóstolos em
quatro grupos diferentes, e dotando as figuras com gestos e expressões
individuais precisamente calculados. Os desenhos, esboços e o trabalho
preparatório que precederam imediatamente a pintura, tal como alguns
testemunhos oculares, todos confirmam o fato de que Leonardo não mediu
esforços para conseguir uma variedade de gestos e expressões faciais. Para
este fim, ele tentou encontrar em Milão e nas redondezas tipos de expressões
faciais fortes que pudesse usar para cada um dos discípulos [...]. (ZÖLLNER,
2000, p. 55).
168
A literatura artística que a “Última Ceia de Leonardo gerou, quer no
momento da sua execução, quer ao longo dos séculos seguintes, representa uma fonte
interessante de informação. Através dela, é possível comprovar como a obra, no seu
tempo, provocou todo o tipo de comentários, essencialmente sobre a forma de trabalhar
de Leonardo: costumava voltar ao trabalho concluído para fazer as mudanças que
considerava oportunas, fruto de uma experimentação constante. A técnica do afresco
tornava isto impraticável. Por esta razão, aplica a têmpera sobre a parede. Com esta
técnica, pela qual as cores se diluem em água com um aglutinante (leite, ovo, goma-
arábica) é possível realizar retoques depois da pintura ter secado. Vasari, que a
conheceu esta obra em 1556, descreve-a: “tão mal conservada que não resta nada
visível, apenas um conjunto de manchas” (VASARI apud LEONARDO, 1997). Em
1517, Antonio de Beatis assinalava que a obra “tinha começado a estragar-se devido à
umidade da parede ou a alguma causa desconhecida” (BEATIS apud LEONARDO,
1997). Segundo Carol Strickland, Leonardo imortalizou o momento dramático em
Cristo anunciou que um de seus discípulos iria traí-lo e a reação emocional de cada um
ao perguntar: “Senhor serei eu?” (STRICKLAND, 1999, p. 35). Frank Zöllner considera
que em virtude de inúmeras cópias, reconstruções e ilustrações, a Última Ceia” de
Leonardo ficou conhecida mundialmente e se tornou a mais famosa versão sobre o
tema” (ZÖLLNER, 2000, p. 50).
No final do século XVI, entre 1592 e 1594, Tintoretto também pintou a sua
versão do momento da última ceia de Jesus Cristo (ANEXO 4.6). Nesta representação,
que também contrasta com as de Castagno e Da Vinci, Cristo não está claramente
sentado, mas caminha entre os apóstolos, dando a cada um o sagrado sacramento. Na
época de Tintoretto, as construções pictóricas em perspectiva eram comuns e
proporcionavam ao artista obter qualquer efeito visual, por mais insólito que ele fosse.
169
Assim, em vez de colocar a mesa paralela ao plano da pintura, como a maioria dos
artistas até então faziam, Tintoretto colocou-a num ângulo que se distancia
obliquamente do espectador, inaugurando um novo e surpreendente ponto de vista, no
qual os criados direita, embaixo) são maiores que os apóstolos à mesa, e o próprio
Cristo, quase na extremidade mais afastada da mesa, é consideravelmente diminuído
pela perspectiva. Entretanto, o olhar do espectador direciona-se facilmente para a figura
de Cristo, por causa de seu halo de brilho fulgurante que se destaca na representação.
Tintoretto procurou propiciar a sua representação um ambiente cotidiano para
estabelecer um contraste dramático entre o natural e o sobrenatural, povoado por anjos
que milagrosamente aparecem da fumaça da lamparina de azeite, convergindo sobre
Cristo. Segundo Janson, “a principal preocupação de Tintoretto foi a de tornar visível a
instituição da Eucaristia, a transubstanciação do alimento terreno em Divino”
(JANSON, 1984, p. 450). Assim, o drama da traição de Judas, tão importante para
Leonardo Da Vinci, torna-se apenas um pretexto para Tintoretto, uma vez que Judas é
representado isolado, no lado de fora da mesa, em frente de Jesus, mas numa situação
tão inexpressiva que poderia facilmente ser tomado por um criado.
Como podemos perceber, a harmoniosa clareza de Leonardo da Vinci não
atraiu, ao que parece, Tintoretto, que tinha outros propósitos artísticos, pois em sua
pintura não se percebe de imediato o que está acontecendo; uma aglomeração de
pessoas, muita cor e ação. Ao compor essa pintura, Tintoretto levou em consideração
que a representação da história sagrada devia parecer real e, ainda, que ela era uma
construção numa superfície plana; e como tal, devia compor uma pintura visualmente
excitante, com recursos para indicar a representação de profundidade, ampliando, assim,
a ilusão de realidade.
170
Quatro séculos depois da pintura de Tintoretto, Lídia Baís, apropriando-se da
“Última Ceia” de Leonardo da Vinci, constrói uma instigante e inusitada obra,
denominada de Última Ceia de Nosso Senhor Jesus Cristo” (ANEXO 4.4). Nessa
representação singularíssima, a artista se auto-representa ao lado direito de Cristo como
o seu principal “discípulo”.
Na nova composição de Lídia sobre o tema da última ceia de Cristo, a artista
des-construiu e reorganizou de maneira muito peculiar a sua representação, renovando o
texto original de Leonardo da Vinci pelo acréscimo de novos elementos e imagens que
redimensionaram tanto o aspecto formal quanto o aspecto conceitual da obra apropriada
No aspecto formal, Lídia abandona, completamente, a o elogiada perspectiva
arquitetural da obra de Leonardo da Vinci, na qual todas as linhas verticais da
representação convergem para a cabeça de Cristo e, ainda, acrescenta outros elementos
formais na composição, como a sua própria imagem ao lado de Cristo e a figura de um
“demônio” associada à figura de Judas. Com esses e outros elementos formais
inusitados, Lídia transforma completamente tanto o aspecto formal quanto o aspecto
conceitual da obra “original” de Leonardo da Vinci.
O recurso utilizado pordia Baís para resolver a perspectiva arquitetural de
Leonardo Da Vinci foi o de representar a cena num “fundo chapado”, abandonando o
terceiro plano e a ilusão de tridimensionalidade da representação “original”. Este dado é
bastante interessante porque Lídia também se apropria, para construir o “fundo
chapado” de sua pintura, justamente de uma imagem dividida em três arcos, que parece
ser a “cúpula do refeitório”, localizada logo acima do afresco original da “Última Ceia”
de Leonardo Da Vinci.
No aspecto conceitual, Lídia também renova e transforma o texto original,
na medida em que nele se insere como a discípula preferida de Cristo,que a artista se
171
auto-representa ao lado direito de Cristo, e, como ele, é a única na mesa a ter também
uma taça para o vinho, pois todos os outros discípulos estão com copos tipo
“americano”. Não somente por isso, Lídia também renova sua obra pelo procedimento
plástico, ao adotar pinceladas mais gestuais, formando uma “trama pictórica”
extremamente dinâmica, como pode ser observado no detalhe da toalha que cobre a
mesa da “Última Ceia de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Essa toalha também é marca
diferencial na pintura de Lídia, pois nela estão inseridos o nome de Jesus Cristo, o nome
dos doze apóstolos e o nome de Lídia Baís. Dessa maneira, a artista cria um pretexto
para discutir a sua própria presença como agente da história e a participação efetiva da
mulher na sociedade.
Diante disso, podemos confirmar a ousadia e a irreverência de Lídia Baís no
tratamento do tema da Última Ceia, pois nem mesmo Andy Warhol, com toda a sua
irreverência, teve a ousadia de alterar o significado da obra “Última Ceia” de Leonardo
da Vinci, pois, assim como Lídia, Andy Warhol também elaborou sua “leitura” dessa
importante pintura da arte ocidental (ANEXO 4.7). Mas a “releitura” de Warhol
somente inova no aspecto técnico, pois sua apropriação é parafrástica, enquanto a
releitura de Lídia Baís é paródica e transforma radicalmente o conceito da obra original.
Andy Warhol inova apenas pela possibilidade de reprodutibilidade técnica da obra,
enquanto Lídia inova no conteúdo, na sua forma de apresentação do tema. Warholo
faz nenhuma intervenção no tema, pois, com a reprodução fotográfica da obra de
Leonardo, propõe ao público “reproduções de substituição” a partir de serigrafias em
tela de formato grande e em versões diferentes (HONNEF, 1992, p. 90).
172
Ainda referindo-se à “fortuna crítica” da obra de Leonardo Da Vinci e do
próprio tema da “Última Ceia”, destacamos a “releituras” propostas pelos artistas
plásticos Salvador Dali
109
e Nelson Leirner
110
.
Na pintura “O Sacramento da Última Ceia” (ANEXO 4.7), feita por
Salvador Dali, em 1955, Jesus e seus doze apóstolos estão reunidos numa sala
envidraçada, real e irreal ao mesmo tempo. Essa obra causou muita polêmica quando foi
apresentada ao público, porque a imagem de Dalí como artista irreverente e provocador
não combinava com o tema religioso: a última refeição de Jesus Cristo com os
apóstolos. No entanto Dalí conseguiu dar uma dimensão moderna a um tema tão
explorado pelos pintores ao longo dos séculos, como Leonardo da Vinci, por exemplo,
cuja versão é a mais famosa da história da arte. A pesada mesa de pedra contrasta com a
transparência do corpo de Cristo. Os apóstolos que estão de costas para o espectador
lembram duas figuras do afresco Lamentação do Cristo morto, de Giotto, pintado na
109
Salvador Felipe Jacinto Dalí foi um pintor espanhol, grande gênio do surrealismo cujas pinturas são
marcadas por objetos derretidos, detalhes realistas e cores vivas realçadas por superfícies transparentes e
reflexivas [...]. Além de pintor, Salvador Dalí foi também escritor, desenhou e produziu filmes
surrealistas, livros ilustrados e criou peças teatrais. Nasceu em Figueras, Catalonia e estudou na Escola de
Belas Artes de Madrid. Ingressou no movimento surrealista em 1929, sendo um dos mais expressivos
pintores, realmente consagrado como um gênio, apesar de ter sido acusado de comercial pelos líderes
surrealistas. Costumava retratar a imaginação de sonhos e objetos de forma derretida como o famoso
relógio derretido “A persistência de Memória” (1931, Museum of Modern Art, NYC). Dalí se mudou para
os EUA em 1940, onde residiu até 1949. Suas últimas pinturas geralmente tenderam para o tema
religioso, com um estilo mais clássico como por exemplo a “Crucificação” (1954, Metropolitan Museum,
NYC). (http://www.geocities.com/Athens/ Aegean/9148/imdali.html).
110
Nelson Leirner nasceu em São Paulo, capital, em 1932. Reside nos Estados Unidos, entre 1947 e
1952, e inicia curso de engenharia têxtil no Lowell Technological Institute, mas não o conclui. De volta
para o Brasil, estuda pintura com Joan Ponç em 1956. Em 1958, freqüenta, por curto período o ateliê de
Samson Flexor. Em 1966, funda o Grupo Rex, com Wesley Duke Lee, Carlos Fajardo e José Resende,
entre outros. Em 1967, realiza a Exposição-Não-Exposição, happening de encerramento das atividades do
grupo, envia para o Salão de Arte Moderna de Brasília um porco empalhado e questiona publicamente,
pelo Jornal da Tarde, os critérios que levaram o júri a aceitar a obra. Por motivos políticos, fecha sua sala
especial na Bienal Internacional de São Paulo de 1969 e recusa outra em 1971. Em 1974, expõe a série A
Rebelião dos Animais, cujos trabalhos criticam duramente o regime militar, pela qual recebe
da Associação Paulista dos Críticos de Arte o prêmio melhor proposta do ano. Em 1975, a Associação
encomenda-lhe um trabalho para entregar aos premiados, mas recusa-o por ser feito em fotocópia; como
protesto, os artistas o comparecem ao evento. Em 1977, começa a lecionar na Fundação Armando
Álvares Penteado, Faap, em São Paulo, e influencia na formação de muitos artistas da chamada Geração
80. Em 1997, muda-se para o Rio de Janeiro e passa a dar aulas na EAV/Parque Lage. Em 1998, uma
série de trabalhos é censurada pelo Juizado de Menores, causando polêmica, o que provoca um
movimento de artistas e pessoas da área contra a censura nas artes. No mesmo ano, recebe o Prêmio
Johnnie Walker de Artes Plásticas. (http://www.itaucultural.org.br. Acesso: 06/11/03).
173
Capela Arena, em Pádua, Itália. Sobre a mesa, dois pedaços de pão e um copo de vinho
representam o momento do Sacramento, confirmado pelo gesto que Cristo faz com as
mãos. Sobre a cena, paira, misteriosa, uma imagem de homem com os braços abertos,
como se abençoasse o grupo ali reunido. Seria uma sugestão da presença do Espírito
Santo? (http://www.moderna. com.br/moderna/arte/dali/galeria/sacramento).
Nas “releituras” do tema da “Última Ceia” propostas por Nelson Leirner, em
exposição realizada na Galeria Luisa Strina, em São Paulo, em dezembro de 1990, o
artista mostrou dezenove trabalhos “inspirados” no célebre mural de Leonardo Da Vinci
e nas incontáveis obras realizadas a partir dele ao longo dos séculos. As obras
apresentadas na exposição misturam várias técnicas, como, por exemplo, pintura,
desenho, colagem, tapeçaria, escultura e instalação.
A irreverência dessa exposição começa na própria escolha do tema, um dos
mais explorados do mundo, tanto em reproduções quanto por pintores que costumam
expor seus trabalhos em praças públicas nos fins de semana. Nelson Leirner fez questão
de desvincular sua exposição de qualquer conotação religiosa, enfatizando que a ceia de
Cristo e seus apóstolos foi usada exclusivamente no sentido artístico. Segundo Leirner,
a série de trabalhos começou a ser criada a partir de uma versão da Última Ceia” de
inspiração japonesa que o artista viu numa loja da Liberdade, bairro oriental de São
Paulo.
Nelson Leirner afirma que sua intenção foi justamente “explorar a
banalização do tema”. Nesse sentido, o artista constrói uma série de diversificados
“banquetes bem-humorados”, nos quais estabelece um diálogo profícuo entre a tradição
artística e as possibilidades plásticas da arte contemporânea.
O diálogo plástico realizado e suas relações intertextuais são destacados
pelo autor no próprio título das obras. Na colagem “Arigatô J.C.”, as personagens são
174
retratadas de pé, vestindo elegantes quimonos japoneses de seda, e estão acompanhadas
de duas crianças, transformando a cena bíblica num encontro familiar oriental. Em
“Arcimboldo Também Esteve Lá”, os apóstolos aparecem cobertos com decalques de
rosas vermelhas, numa explícita homenagem ao artista renascentista Giuseppe
Arcimboldo, que criava retratos humanos singularíssimos em forma de tronco de árvore,
raízes, frutas e legumes. A tapeçaria denominada “E o vento Levou” foi desfiada pelo
artista até a metade com a tida intenção de discutir a construção e a desconstrução da
obra de arte na contemporaneidade. No “Ceia’s Bar” (ANEXO 4.8), Leirner multiplica
as imagens como se os apóstolos estivessem diante de um espelho, discutindo
criticamente a questão da reprodução indiscriminada da obra de arte. Em outras duas
obras da exposição, ambas denominadas “Santa Ceia” (ANEXO 4.8), o artista
estabelece uma relação entre o popular e o kitsch. Num desses trabalhos, uma pequena
reprodução tridimensional em gesso da “Última Ceia” é fragmentada e colocada dentro
de um aquário de vidro transparente, com água e peixes ornamentais vermelhos
nadando ao redor da ceia. No outro trabalho, o artista utiliza uma pequena reprodução
de gesso em alto-relevo, emoldurada sobre um fundo de veludo preto que, por sua vez, é
sobreposto por outros cinco conjuntos de molduras e passe-partout composto de
diferentes materiais: espelho, veludo de cor preta, asas de borboletas azuis e decalques
de rosas vermelhas, amarelas, brancas e cor-de-rosa. Essa obra, particularmente, é muito
interessante, porque enfatiza a importância da perspectiva para Leonardo e para o
Renascimento e, ao mesmo tempo, discute a des-importância da própria perspectiva
para a arte contemporânea.
Com relação à obra de Lídia Baís, podemos concluir que foi uma artista que
utilizou diversos procedimentos intertextuais para renovar e atualizar os textos visuais
apropriados por ela, demonstrando uma atitude reflexiva e crítica diante da tradição
175
artística e de sua própria condição de artista no início do século XX. Sua obra, como
vimos, pode ser cotejada com diferentes artistas que utilizaram a intertextualidade como
um processo de criação plástica para a construção de seus imaginários pictóricos.
4.3 Influências estéticas das obras de Lídia Baís na arte contemporânea de MS
Além da “fortuna crítica” de Lídia Baís, mencionada ao longo deste
trabalho, convém destacar, ainda, as “influências” que as obras da artista exerceram
sobre a arte contemporânea em Mato Grosso do Sul. Pois, assim como Lídia, outros
artistas também utilizaram procedimentos intertextuais para estabelecer um diálogo
pictórico com a artista. Isso pode ser conferido nas obras da exposição individual do
artista plástico Jonir Figueiredo
111
, denominada de “Mulher Futurista”.
Nessa mostra, comemorativa ao centenário de Campo Grande, Jonir
homenageia Lídia Baís a partir da apropriação parafrástica de algumas imagens de obras
111
Jonir Figueiredo surge nas artes plásticas de Mato Grosso do Sul a partir de 1974. Na década de 1980,
Jonir recebe várias premiações em certames artísticos regionais e nacionais, consolidando-se como um
dos artistas mais representativos no contexto plástico-visual do estado. O artista nasceu em 1951, na
cidade de Corumbá, antigo estado de Mato Grosso, é radicado em Campo Grande, capital de Mato Grosso
do Sul, mas reside, atualmente, na cidade turística de Bonito, localizada aos “pés” da serra da Bodoquena.
Pintor, desenhista, gravador, performer e animador cultural, com mais de trinta anos dedicados à
produção artística, Jonir Figueiredo é considerado um dos mais populares artistas do estado e tem
participação ativa no processo de desenvolvimento das artes plásticas em Mato Grosso do Sul. O artista
possui um currículo extenso que destaca a sua participação em importantes Salões de Arte no Mato
Grosso do Sul, Mato Grosso, Distrito Federal, São Paulo e outros estados brasileiros; destaca-se também
sua participação internacional em mostras de arte na União Soviética, Japão, Estados Unidos, Europa e
nos países do Mercosul. Em sua carreira artística, Jonir recebeu vários prêmios em diferentes certames
artísticos do Brasil e, como técnico especializado em artes visuais, organizou e fez a curadoria de
importantes exposições coletivas e individuais de outros artistas. Suas obras apresentam uma linguagem
em constante experimentação, técnica e estética, repletas de símbolos e referências regionais, nas quais
estabelece uma espécie de dialogismo com o legado natural e cultural da região. O pantanal e o jacaré são
seus ícones preferidos, mas também representa outros repertórios e outros temas que compreendem o
legado artístico-cultural da região, característica de sua obra, como é o caso da série de gravuras,
intitulada “Impressão Rupestre”. Nessas gravuras, “o artista nos conduz a uma viagem atípica pelo tempo,
buscando o seu referencial criativo nos primórdios das origens das artes plásticas, na inquestionável
beleza pictórica das cavernas localizadas na Chapadas dos Guimarães e no pantanal” (RIGOTTI, 2000a,
p. 119). Para a professora Maria da Glória Sá Rosa, “Jonir é um dos artistas mais criativos do estado [...]”
e, como defensor da ecologia, “escolheu o jacaré como símbolo de protesto contra a devastação da
natureza [...]”. (ROSA, 1999, p. 5B).
176
da artista. O artista selecionou pinturas e fotografias de Lídia Baís, cujas imagens foram
transferidas para o computador, manipuladas e, depois, reproduzidas em tamanho
ampliado. As imagens foram reproduzidas sobre uma “lonita sintética”, semelhante a
uma tela de pintura, nas quais o artista realizou o que chamou de intervenções”. É
justamente nesse aspecto, da imagem manipulada por computador” e suas
possibilidades de “reprodutibilidade técnica digital”, que Jonir explora, rapta e seqüestra
imagens pictóricas e fotográficas de Lídia Baís para construir as obras de sua exposição
“Mulher Futurista”.
Sobre a exposição “Mulher Futurista”, Jonir declara que utilizou como
referências, além das obras, os livros Duas Vidas, de Nelly Martins, e a autobiografia
História de T. Lídia Baís, de Maria Tereza Trindade, além de relatos e depoimentos de
pessoas que conviveram com a artista.
No texto de abertura do catálogo da exposição “Mulher Futurista”, Nelly
Martins observa que:
Jonir Figueiredo faz jus ao espaço que ocupa nas artes plásticas sul-mato-
grossenses./ O seu primeiro destaque surge com o fascinante jacaré e seu
couro./ Torna-se festejado e participa de exposições nacionais e
internacionais./ A bonita fase das paisagens observadas “das alturas”, onde
voam jaburu, garça e arara, estuda nossa hidrografia e é linda de se ver./
Jonir, talentoso, é também irrequieto e curioso. Com suas constantes
pesquisas, alcança novos patamares nas artes plásticas./ Amigo de Lydia,
desfrutou de sua confiança. Juntos promovemos duas importantes
retrospectivas da artista, precursora de nossa arte./ Figura mística e
enigmática, ela soube amar o próximo e conviver com centenas de cachorros
e gatos amigos, e despertar forte fascinação em Jonir./ Esse fato leva-o a
recriar as telas que expõe./ É o artista intervindo nas obras de Lydia./ Trata-
se de pintura sobre fotografias de trabalhos de Lydia, computadorizadas a
laser e reproduzidas em lonita sintética./ Com essa estratégia, a pintora se
transforma em real artista pantaneira, a pretensão de Jonir./ Seus dragões
tornam-se jacarés./ Bonaparte se transforma em índio guaicuru./ Amor e
Psique se amam sob o luar do pantanal./ A Santa Ceia é mesa pantaneira,
com peixe, guampa de tereré, cajus e decorada ao redor com a fauna e a flora
regional./ Nessa tela, Lydia se senta ao lado do filho de Deus e Judas é
tentado pelo demônio./ É interessante o atrevimento de Jonir. (MARTINS
apud FIGUEIREDO, 1999, p. 4)
177
Como processo de construção adotado para a execução das obras, Jonir
utilizou as vantagens da tecnologia moderna e inseriu as imagens selecionadas no
computador com o objetivo de realizar “intervenções” nas reproduções. Porém, as
“intervenções” de Jonir na obra de Lídia não resultam dos programas e recursos de
manipulação de imagens do computador, mas constituem “intervenções plásticas”, uma
vez que o artista apenas utilizou a computação eletrônica para reproduzir as imagens,
que foram ampliadas por sistema fotográfico e impressas em tecido sintético especial.
Foi por meio das reproduções nessa espécie de “tela sintética”, que o artista iniciou a
sua “intervenção” propriamente dita, pintando com tinta acrílica, acrescentando novas
cores e novos elementos às imagens apropriadas. Com suas intervenções, Jonir situa
Lídia Baís no contexto cultural sul-mato-grossense com a inserção de símbolos e signos
característicos da região, como, por exemplo, o Pantanal, a fauna e a flora da região.
Segundo Alda Couto, “essa mulher controvertida e inquieta é levada, pelas mãos e pela
imaginação de seu amigo Jonir Figueiredo, ao lugar que ela nunca reverenciou: o
pantanal sul-mato-grossense” (COUTO, 1999a, p. 17).
Sobre a exposição “Mulher Futurista”, a professora Maria da Glória Rosa
considera que:
Ao enveredar pelos caminhos da computadorização eletrônica, reproduzindo
e ampliando, por sistema fotográfico a laser sobre lonita sintética as obras de
Lídia Baís e as fotografias de Cleide Amador sobre os índios de MS, Jonir
Figueiredo deu nova dimensão à criatividade, intervindo (como fazia
Picasso), em obras consagradas, para liberar o inconsciente e desvendar o
que existe por detrás dos ícones [...]. (ROSA, 1999, p. 5B).
Dessa maneira, Jonir Figueiredo constrói, a partir de uma das mais
instigantes obras da artista a “Última Ceia de Nosso Senhor Jesus Cristo”–, sua
interessantíssima Santa Ceia Regional”, repleta de símbolos pintados sobre a
178
reprodução da obra original, como, por exemplo, “guampas de tereré”, cajus, peixes,
jacarés, onças, tuiuiús, e outros bichos da fauna pantaneira.
A “Mona Lídia” de Jonir é intencionalmente criada tendo como base a
reprodução de uma foto em preto e branco da artista, publicada na página 28 do
catálogo Lembranças do Museu Baís: sala das fotografias. Nessa mesma página, Lídia
também publica, ao lado de sua foto, um auto-retrato de Leonardo Da Vinci,
estabelecendo uma relação dialógica com o artista. Apercebendo-se disso, Jonir
Figueiredo utiliza-se da fotografia para evidenciar a relação de Lídia Baís com
Leonardo Da Vinci e, ao mesmo tempo homenagear ambos os artistas, fazendo uma
nova leitura e criando uma outra versão da pintura “Mona Lisa” (ANEXO 4.9), também
conhecida como “Gioconda”, pintada entre 1503 e 1507. Na obra “Mona Lídia”
(ANEXO 4.9), Jonir, com suas intervenções pictóricas, consegue realizar um certo olhar
contido e um sorriso enigmático muito próximos da obra original de Da Vinci, detalhes
esses que são característicos daquela obra.
A reprodução do retrato “Carminha Manhães” (ANEXO 4.9), publicado na
página 24 do catálogo Lembrança do Museu Baís: pinturas de T. Lídia Baís, recebeu
intervenções com pinturas que fazem referências ao couro da onça pintada, outro signo
muito utilizado pelos artistas regionais. No retrato original de Lídia Baís, sua amiga
Carminha Manhães foi representada sentada sobre um “pelego” de ovelha, vestindo um
exuberante casaco com gola de pele e segurando nas mãos um ramalhete de margaridas
brancas. Jonir Figueiredo intervém na reprodução dessa obra, modificando seu
conteúdo, pois além de “maquiar” Carminha, o artista transforma o “pelego” e a gola do
casaco em couro de onça pintada e representa, em vez de margaridas, um buquê de
rosas brancas.
179
Além desse, um outro retrato da artista também recebeu o mesmo tratamento
pictórico. Trata-se de uma foto em preto e branco da artista, publicada na página 36 do
catálogo Lembrança do Museu Baís: sala das fotografias. Nessa reprodução, o artista
coloriu a blusa da artista com motivos pictóricos que lembram a pele da onça pintada,
reforçou com pintura o colar de pérolas, o cabelo de Lídia e ainda, “retocou a sua
maquiagem” através de pinceladas vigorosas (ANEXO 4.9).
Em artigo publicado no jornal Folha da Tarde, Alda Couto comenta que:
É uma delícia olhar as fotos recriadas, não só pelo senso de humor, da “Mona
Lídia” e da “Pantera”, mas porque, com recursos de computação gráfica o
artista renova técnicas que eram revolucionárias nos anos 30, tais como
colagens e fotomontagens.
A releitura de Jonir também sublima o kitsch, limite entre bom-gosto e o
melodrama, tradicional e revolucionário, outro traço da modernidade,
respeitável na obra da artista.As escolhas temáticas de Jonir aguçam essa
dualidade do kitsch com suas tensões psicológicas... No conjunto, a
exposição revisita o tradicional e o antigo, sublinha a retomada de pinturas
renascentistas e barrocas, que foram fontes de Lídia, na composição da
“Ceia”, da Madona em Assunção”, nas “Cruzes” e Dragões Cabalísticos”.
(COUTO, 1999b, p. 17).
Além dessas obras, Jonir Figueiredo manipulou muitas outras pinturas e
fotografias da artista, contribuindo, dessa forma, com a “fortuna crítica” de Lídia Baís.
Porém, este não foi o primeiro contato que Jonir Figueiredo teve com as obras de Lídia
Baís. Jonir Figueiredo conheceu Lídia em 1979 e acompanhou os últimos anos de vida
da artista. Em 1980, Jonir organizou, juntamente com Nelly Martins, sob a coordenação
de Idara Duncan, a exposição individual de Lídia Baís, intitulada “Lydia Baís
Retrospectiva”
112
, realizada no Paço Municipal de Campo Grande durante o período de
28 de maio a 06 de junho. A partir desse momento, Jonir começa a auxiliar Lídia Baís,
contribuindo na limpeza, catalogação e manutenção da obra da artista.
112
Sobre essa exposição, mais informações no capítulo I desta dissertação.
180
Essa proximidade mantida com a artista certamente foi muito importante
para Jonir Figueiredo compor as suasintervenções”, pois o artista deixa transparecer a
intimidade com as obras de Lídia Baís nas suas próprias criações intertextuais.
Além dessa intertextualidade explícita, estabelecida pelo artista com as obras
de Lídia Baís, Jonir Figueiredo também estabelece uma relação dialética com a art pop
e uma intertextualidade implícita com o artista norte-americano Andy Warhol. Pois o
processo de criação artística de Jonir Figueiredo se assemelha bastante com o processo
empregado por Andy Warhol, uma vez que ambos os artistas utilizaram-se de imagens
preexistentes na construção de suas obras.
Andy Warhol utilizou-se da fotografia como sua principal matéria artística e
inaugurou uma pintura que marcou o início de uma nova época na história da arte.
Segundo Klaus Honnef, “foram Warhol e Richter
113
que introduziram a fotografia na
arte e lhe conferiram a legitimidade artística”, pois, “serviram-se dela, de forma bem
visível, como de um elemento natural da realidade que, à semelhança de um filtro,
peneira a imagem e transforma a matéria que passa pelas malhas, imprimindo-lhe o seu
modelo de percepção” (HONNEF, 1992, p. 45-46). Andy Warhol utilizou-se da
apropriação de imagens fotográficas publicadas em jornais, imagens de celebridades do
cinema e da literatura e imagens de produtos de consumo. Warhol tornou-se famoso
pelas homenagens” feitas a celebridades do cinema e da música Marilyn, Elyzabeth
Taylor, Elvis Presley e Mick Jagger , da cena política mundial Jaqueline Kennedy,
Mao Tsé-Tung e do mundo do crime mafiosos e bandidos procurados. Essas
imagens apropriadas foram ampliadas e reproduzidas em serigrafia. Muitas vezes o
artista, auxiliado por um aparelho de slides, projetava a imagem ampliada na tela,
pintando diretamente sobre ela com vigorosas pinceladas de tinta acrílica (ANEXO 4.9).
113
Artista alemão contemporâneo de Andy Warhol, que também se utilizou de imagens fotográficas
preexistentes como meio de criação artística.
181
Num processo muito semelhante, Jonir Figueiredo também realiza as obras
de sua “Mulher Futurista” executando a pintura acrílica diretamente sobre as imagens
apropriadas fotografias e pinturas de Lídia Baís. Mas, diferentemente de Andy
Warhol, Jonir utiliza-se do computador para manipular e ampliar as imagens que serão
reproduzidas sobre a tela de “lonita sintética”. Aproveitando-se das vantagens da
tecnologia contemporânea, Jonir Figueiredo homenageia parafrasticamente duas
“celebridades” que admira: Lídia Baís e Andy Warhol. Assim, a intertextualidade
realizada por Jonir Figueiredo estabelece, implicitamente, o elo de ligação entre as
obras da artista sul-mato-grossense Lídia Baís e as obras do artista norte-americano
Andy Warhol, e constrói uma versão pop de Lídia Baís.
182
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo principal desta dissertação foi o de realizar um estudo sobre a
produção artística de Lídia Baís, tomando-se não apenas o aspecto das manifestações
plástico-visuais da artista, mas, paralelamente a isso, expondo os diversos planos que
registram a presença de uma figura ímpar no contexto das artes mato-grossenses.
Assim, ao lado da produção plástico-visual, da análise da obra propriamente dita, nosso
estudo buscou, também, valorizar a historia de vida de Lídia Baís, o que nos permite
dizer que tratamos da vida e da obra, que, correlacionadas, representam um registro
extremamente singular na historia da arte sul-mato-grossense, especialmente, e
certamente não menos expressiva para a historiografia brasileira.
De várias maneiras, essa inter-relação da vida versus obra de Lídia Baís se
faz presente neste trabalho, de modo especial, se se compreende a história de vida da
artista em consonância com os compassos e desafios a serem ultrapassados pela própria
arte que, hoje em dia, encontra-se em seu mais alto grau de hibridização formal e
conteudística, e de deslocamentos do eixo espaço-temporal a que tinha se estabelecido
por força da tradição. O que equivaleria a dizer que, ao longo desse intermezzo
prefigurado pela história da arte, tanto a obra quanto o homem artista se
historicizaram.
A conclusão deste trabalho permitiu-nos reconhecer a importância de um
legado próprio constituído pela presença das artes plásticas no estado de Mato Grosso
do Sul, ao mesmo tempo em que se salienta a necessidade de projetos e pesquisas na
área dos estudos culturais para uma melhor compreensão do nosso passado e presente
artísticos. Particularmente, em relação ao corpus desta pesquisa, evidencia-se a
183
representatividade do nome e da obra de Lídia Baís que, vão se configurar numa síntese
emblemática da riqueza das artes plásticas em nosso estado, aqui caracterizada pelos
gestos de leitura e apropriação com que a artista elaborou seu grandioso projeto
artístico. É parte ilustrativa desse corpus de análise os inúmeros documentos escritos e
visuais que se coletou durante o desenvolvimento da pesquisa, tornando-a valiosa no
esforço de reunir em volume um acervo significativo das obras da artista, sobretudo no
que se refere à composição de vários documentos deixados pela artista, dos quais o
leitor/pesquisador não dispunha para consulta imediata. Durante o processo de pesquisa,
desenvolvemos um dedicado e pertinaz trabalho de reunião da fortuna crítica de Lídia
Baís, desde nossas próprias reflexões até o trabalho mais recente sobre sua obra.
Diante do exposto, que se sublinhar, ainda, que os resultados desta
dissertação, já anunciados ao longo dos três capítulos do trabalho, demonstram
amplamente o espectro que compõe o projeto artístico a que Lídia Baís se dedicou e
aprofundou durante toda sua vida. Tal projeto encontra-se solidamente consubstanciado
nas matrizes de um imaginário compósito que serviu de base para o profícuo exercício
da arte de representar, que, no quadro geral das obras da artista, abre-se para um ato
contumaz de apropriação dos modos de representação presentes na arte ocidental, que
são magistralmente intertextualizados naquele projeto inovador e original.
Nesse sentido, acresce salientar, a propósito do ato de absorção e
transformação a que Lídia Baís fez submeter seu próprio trabalho (como se observou no
exemplo modelar do quadro Última Ceia de Nosso Senhor Jesus Cristo”, em que o
dialogo com Da Vinci constitui tema e matéria do quadro), que tal aspecto constitutivo
da renovação e revitalização de sua linguagem artística tem sido igualmente elo de
ligação da obra da própria Lídia com seus sucessores, uma vez que a obra da artista tem
184
sido, repetidamente, objeto de apropriação, fato que, por si só, já indicaria a importância
de estudos de recepção da obra da artista mato-grossense.
A utilização dos conceitos de intertextualidade, apropriação e releitura no
presente estudo permitiram revelar o procedimento antropofágico e a técnica de
apropriação empregados por Lídia Baís na construção de seu imaginário pictórico,
contribuindo, assim, para uma melhor recepção de sua obra e compreensão do papel de
destaque que a artista merece no cenário artístico sul-mato-grossense.
185
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