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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
A EXPANSÃO PORTUGUESA NA REGIÃO ORIENTAL DO
PRATA: A AÇÃO DO ESTADO LUSO
Álvaro de Souza Gomes Neto
Dissertação apresentada no Curso de Pós-Graduação em História
no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Pontifícia
Universidade católica do Rio Grande do Sul, para a obtenção do
grau de Mestre em História. Área de concentração História das
Sociedades Ibero-Americanas.
Porto Alegre
1997
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3
SUMÁRIO
1.
Introdução
...............................................................................4
2. Cap.1 – Estado Luso: Estrutura e Funcionamento....................8
3. Cap.2 – Sacramento: confronto e envolvimento.......................19
4. Cap.3 – Açorianos no processo de ocupação do sul-colonial....44
5. Conclusão..................................................................................60
6. Bibliografia................................................................................64
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4
O estudo que ora se apresenta aborda o processo ocupacional português em uma
determinada parte da região platina oriental. Responsável pela expansão e a permanência do elemento
português em algumas áreas ao sul do Brasil-Colonial, nos séculos XVII e XVIII, o Estado luso
empreendeu uma ação que atuou como fator externo nessa dinâmica.
O tema abordado neste trabalho diz respeito à ão do Estado português durante o
processo de ocupação de áreas, e a movimentação de alguns dos grupos sociais participantes dessa
ação. Analisa-se o grau de intensidade do poder estatal luso sobre estes grupos sociais.
Ressalte-se que dentro do trabalho realizado não foi intenção enfatizar a história da
formação do que se denominou posteriormente de Rio Grande do Sul, mas apenas relacioná-lo como
fazendo parte do processo de ocupação de áreas e de conflitos entre Espanha e Portugal. Neste sentido,
as referências objetivam ressaltar a ação do Estado luso, como conseqüência da expansão portuguesa
em parte da região platina oriental.
O território que serve como ponto referencial deste trabalho refere-se à parte da área
situada no lado oriental do Rio da Prata. Assim, a Colônia do Sacramento e áreas adjacentes, incluindo
as terras que formam o atual estado do Rio Grande do Sul, definem-se como sendo parte da região
platina oriental. As referências feitas a Buenos Aires são apenas na intenção de ilustrar ou reforçar
determinadas situações surgidas ao longo da análise. Ressalte-se que não se leva em consideração,
portanto, a região platina como totalidade, excluindo-se o lado ocidental espanhol e o Chaco platino,
por não serem objeto deste estudo.
Em função do exposto, pode-se afirmar que os objetivos que balizam esta pesquisa
são: estudar a ação do Estado luso, agindo como força externa em relação ao processo de ocupação de
áreas na região platina oriental e o caráter dinâmico desta região em função de alguns grupos sociais
participantes que, pelas suas próprias características, interagiam, escapando, muitas vezes, ao controle
estatal. Além disso, buscou-se também demonstrar que o processo de ocupação e de luta nesta região,
em relação ao Estado luso, foi resultado de forças internas e externas, que, combinadas, ocasionaram a
permanência do português em determinadas áreas do sul-colonial.
Ressalte-se que o estudo dos fatores econômicos é imprescindível nesta abordagem, na
intenção de melhor entender o processo interativo sócio-político que se apresenta.
Dentro deste contexto, admite-se como grupos sociais não apenas os orianos em
particular, mas também jesuítas, luso-brasileiros, espanhóis e indígenas, não levando em consideração
qualquer outra classificação que estes grupos possam adquirir.
Em Sociologia um grupo social é “uma reunião definida de indivíduos, dotada de certa
permanência, cujos membros possuem relações explícitas entre si”.
1
Nessa medida, qualquer dos
grupos anteriormente citados podem ser classificados como sendo grupos sociais.
Chinoy define grupo social como um certo número de pessoas cujas relações se
fundam numa série de papéis e status interligados”.
2
Interagindo de forma relativamente padronizada,
são determinadas, em grande parte, pelas normas e valores que aceitam. Essas pessoas são unidas e
mantém-se juntas por um sentido de identidade comum ou mesmo uma semelhança de interesses,
permitindo distinguir-se entre os que são e os que não são membros. Conforme Chinoy, “o grupo
social identifica-se por três atributos: interação padronizada, crenças e valores partilhados ou
semelhantes e uma consciência de espécie.
3
Os grupos sociais têm sido classificados de
diferentes maneiras.
4
Também podem ser divididos quanto à proximidade física, objetivos comuns e
1
RUNNEY Jay e MAIER, Joseph. Manual de Sociologia. Zahar : Rio de Janeiro, 1963, p. 89.
2
CHINOY, Ely. Sociedade. Uma introdução à Sociologia. Cultrix : São Paulo, 1973, p. 76.
3
Idem, p. 76.
4
KOENIG, Samuel. Elementos de Sociologia. Zahar : Rio de Janeiro, 1976, p. 242.
5
funções simbólicas. Além disso, podem sofrer uma classificação mais elaborada, como: a família,
grupos por idioma e raça, grupos territoriais, grupos de conflito e grupos de acomodação.
5
Os agrupamentos humanos citados nesse trabalho podem ser classificados como
grupos sociais na medida em que possuem, mesmo diferenciadamente, características mencionadas
que os justificam como tais. A intenção, nessa abordagem, é a percepção diferenciada entre os vários
grupos humanos agindo em um processo de interação, o que demonstra o caráter dinâmico existente na
região estudada.
Lembrando que em qualquer trabalho histórico o passado é decomposto e as suas
realidades cronológicas são escolhidas conforme preferências e exclusões conscientes.
6
Dessa forma, a
delimitação cronológica adotada define-se a partir da Restauração do Estado português (1640),
estendendo-se ao período pombalino (iniciado em 1750 e findo em 1777). Justifica-se pelo
reaparecimento de um Estado independente, que assume certa característica (caráter patrimonialista) e
a transforma posteriormente a partir do reinado de D. José I (caráter burocrático).
Para atingir os objetivos propostos apresentam-se três quatro capítulos. No primeiro
deles estuda-se o Estado português na sua organicidade. Tido como atípico em relação aos outros
Estados absolutistas da Europa, segundo alguns autores, agiu conforme suas características
particularizadas. Se durante o século XVII o Estado luso impôs uma política imperialista territorial,
mudou seus objetivos a partir da segunda metade do século XVIII. Tal transformação foi acompanhada
de mudanças organizacionais internas, nas quais o patrimonialismo cedeu lugar ao Estado burocrático.
Estas características são evidenciadas, nesta linha de análise, na intenção de identificar
tipicamente o Estado, a fim de compreender suas ações no Prata. A ação política empreendida pelo
Estado português ao longo dos séculos XVII e XVIII na região platina oriental, foi resultante do
processo de transformação sofrido por ele durante este período. Esta mudança fez com que seus
objetivos fossem alterados, passando da ação bélica às relações diplomáticas.
No segundo capítulo desenvolve-se um estudo sobre o estabelecimento e a
importância político-econômico-social da Colônia do Sacramento. Fundada por portugueses à margem
esquerda do Rio da Prata, em fins do século XVII, tornou-se o radical lusitano na região platina.
Cumprindo várias funções, entre elas, a de garantir a presença lusa, Sacramento foi de vital
importância na expansão e ocupação portuguesa no sul-colonial.
Aglutinadora, mediadora, divergente, a Colônia do Sacramento cumpriu, durante o
tempo em que foi ponto de discussão entre Espanha e Portugal, diversas funções. Nessa medida,
tornou-se a legítima representante das ações na parte oriental da região platina, coadjuvando
movimentações de diversos grupos sociais, e servindo como instrumento de reivindicações políticas
entre as duas nações ibéricas.
Finalmente, no terceiro capítulo, enfatiza-se o papel dos colonos açorianos como
instrumentos do Estado, na ação deste durante o processo ocupacional. Instrumentalizados a partir do
poder do Estado, esses imigrantes cumpriram funções específicas que garantiram a presença
portuguesa em determinadas áreas do sul colonial. A preocupação governamental em manter a posse
de certas áreas, direcionou os imigrantes a cumprirem funções políticas prioritárias, em detrimento de
outras, sociais e econômicas, evidenciando-se o exercício do poder estatal, nesta ação.
O estudo se conclui na medida em que se demonstra, ao longo do trabalho, a ação do
poder estatal português interagindo com os grupos sociais que o representavam, mais particularmente
os luso-brasileiros de Sacramento e adjacências, assim como os colonos açorianos, durante o processo
de ocupação lusa de algumas áreas da região platina oriental.
A dinamicidade social é o tema central desse estudo. A interação entre o processo
ocupacional do prata oriental e a formação da própria região, torna o território um emaranhado social
onde os diversos grupos humanos interagem, causando uma dinâmica específica à região platina. Essa
5
Op. cit, p. 244.
6
BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais. Presença : Lisboa, 1986, p. 9.
6
especificidade, a partir dos contatos entre os grupos sociais, com maior ou menor participação dos
Estados ibéricos, mais especialmente o português, é o que se tenta demonstrar nos capítulos seguintes.
7
CAPÍTULO 1
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Os séculos XVII e XVIII foram marcados por importantes transformações, no que
tratou da história de Portugal. A Restauração, realizada em 1640, reinstalou a autonomia política do
Estado luso. A partir daí, iniciou-se a busca pela consolidação do novo governo, tendo como
conseqüência lógica, um período de instabilidade, gerado pela transição. O reaparecimento de um
Estado Nacional politicamente independente, em Portugal, inaugurou uma nova fase de monarquias
absolutas, representadas por reis que, em maior ou menor intensidade, exerceram um poder
centralizado.
Ascenderam ao trono, no período entre a Restauração e o Tratado de Santo Ildefonso,
os seguintes reis: D. João IV (1640-1656), Dna. Luísa de Gusmão (1656-1662), D. Afonso VI (1662-
1667), D. Pedro II (1668-1706), D. João V (1706-1750) e D. José I (1750-1777).
7
Esta abordagem não objetiva uma análise mais aprofundada do processo de formação
dos Estados Modernos. É intenção, no entanto, expor algumas características, direcionando o estudo
para as monarquias portuguesas dos séculos anteriormente citados.
A transição do feudalismo ao capitalismo é um dos temas mais polêmicos, existentes
entre os historiadores. Controverso, possibilitou, e ainda hoje o faz, amplas discussões entre
especialistas no assunto.
8
No ocaso desse processo, define-se o Estado Moderno, também chamado
Estado Nacional, ou Estado Absolutista, como resultado de idéias ainda divergentes. Dessa forma,
encontrar uma definição fechada para o termo “absolutismo”, não se torna possível, em função do que
foi exposto. No entanto, procurou-se exemplificar com algumas opiniões, na intenção de se chegar a
uma generalidade, resultado do senso comum.
Além da questão da definição do que foi o absolutismo na Europa, questiona-se o
tempo de permanência em que este vigorou. Esta problemática incide exatamente sobre o conceito de
absolutismo, visto alguns autores acharem que este sistema terminou com a Revolução Francesa, e
outros, no entanto, não concordarem.
“...não tal meio temporal uniforme: pois os tempos dos absolutismos mais
importantes da Europa - Oriental e Ocidental - foram , precisamente,
caracterizados por uma enorme diversidade, constitutiva ela mesma de sua
natureza respectiva, enquanto sistemas estatais. [...]...a história do
absolutismo tem múltiplos e sobrepostos pontos de partida e pontos finais
díspares e escalonados. A sua unidade subjacente é real e profunda, mas
não é a de um continuum linear”.
9
7
WEHLING, Arno e Maria José C. de. Formação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994, p.153.
8
Em relação a isso ver SWEEZY, Paul, DOBB, Maurice, e outros. Do Feudalismo ao Capitalismo. São Paulo : Martins
Fontes, 1977.
9
ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista. São Paulo : Brasiliense, 1985, p. 194.
8
O absolutismo na Espanha foi derrubado, pela primeira vez, em fins do século XVI,
mas o absolutismo russo desapareceu no início do século XX.
10
Os historiadores marxistas vêem o
absolutismo ligado a pontos que garantiram, em outros moldes, a permanência do feudalismo.
O regime político da monarquia absoluta ligava-se a novas formas políticas, que
garantiam o controle e a exploração feudal. Isto se dava através de uma economia mercantil.
11
Esta
idéia é ratificada por Hill, quando diz que “a monarquia absoluta foi uma forma de monarquia feudal
diferente das monarquias dos Estados medievais que a precedera”.
12
Para Engels, o poder do Estado, nos séculos XVII e XVIII, serviu como mediador,
mantendo o equilíbrio entre a nobreza e o povo.
13
Na opinião de Perry Anderson, o advento do
absolutismo apareceu como “uma mudança importante, ocorrida na estrutura do Estado
aristocrático”.
14
Nesse sentido, o autor considera que a resultante foi um aparelho real reforçado, tendo
por função política permanente reprimir as massas, dos campos e das cidades.
15
Outros historiadores, não marxistas, consideram o absolutismo formado a partir da
desestruturação do sistema feudal. Nessa medida, percebem uma transferência do poder feudal para a
realeza, afastando-se de uma continuidade necessária. Sob esta ótica, Serrão afirma o absolutismo
como “um sistema político dos Estados nascidos com a Idade Moderna, onde se atribuía à realeza uma
autoridade plena e de cariz divino”.
16
Assim , a autoridade do rei passou a controlar toda a estrutura
político-institucional. A centralização política na pessoa do rei torna-se o ponto comum entre as
diversas correntes historiográficas.
No entanto, o conceito de absolutismo revela-se mais complexo, se for entendido em
toda a sua dimensão política e sociológica. Isto acontece devido à complexidade dos fatores que o
formaram e que acabaram aparecendo na sua própria estrutura. Esses fatores não surgiram com igual
qualidade e intensidade, nem no mesmo instante. Seria mais correto falar em absolutismos do que em
absolutismo, embora idênticas, o diversificadas as estruturas políticas absolutistas e até por vezes
muito afastadas no tempo”.
17
As transformações econômicas ocorridas a partir dos fins da Idade dia, aliadas a
outros fatores, acabaram por centralizar a renda feudal no rei. Em vista disso, o absolutismo apareceu
com funções econômicas próprias (não apenas no sistema de tributos), ampliando-se a partir da
expansão marítima e da formação de colônias. Esse sistema político aprofundou raízes na força dos
Estados, retirando os lucros da revolução econômica, fruto da expansão ultramarina. Os Estados
autoritários, portanto, passaram a representar o Antigo Regime, baseados na centralização política e no
colonialismo.
18
É importante ressaltar o fator religioso, atinente ao sistema absolutista nos países
católicos. Na fundamentação do poder do rei encontrava-se a religião, que apareceu como última base
da ação política. “O cetro que o rei detém deriva em última análise de Deus e a religião é, para ele, o
que a essência à atuação régia”.
19
Em função disso, o absolutismo veio imbuído, em certos países,
de uma concepção política relacionada à religião católica romana. Portugal inseriu-se nesse contexto.
O binômio política-religião, atinente a estes Estados, caracterizou-se no século XVII, aliado às
mudanças econômicas e sociais.
10
Idem, p. 194.
11
Louís Althusser. Montesquieu, a Política e a História. In : ANDERSON, ibidem, p. 19.
12
Christopher Hill. Ciência e Sociedade In : ANDERSON, ibidem, p. 18.
13
ENGELS, Friederich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira,
1979, p. 194.
14
Op. cit. , p. 19.
15
Idem, p. 20.
16
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal. Lisboa : Verbo, 1980, vol.5, p. 193.
17
TORGAL, Luís Reis. Ideologia Política e Teoria do Estado na Restauração. Coimbra : Biblioteca Geral da Universidade,
1982, p. 155.
18
SERRÃO, op. cit. , p. 193.
19
Op. cit. , pp. 234-235.
9
Em Portugal, o Estado exerceu seu poder sobre a Igreja através do padroado. Colocado
sob a forma de “proteção”, o catolicismo foi a religião oficial e única vigente no país. Traduzido como
uma forma típica de compromisso, entre a Igreja e o Estado português, o padroado foi aceito por Roma
como um acordo, e o como uma dominação política. Através da união dos direitos políticos da
monarquia com os títulos de grão-mestre de ordens religiosas, os reis portugueses acumulavam o
direito civil e religioso, principalmente nas áreas coloniais.
20
Tal sistema dava aos reis o direito de cobrança e administração dos dízimos
eclesiásticos. A partir do século XVI a cobrança passou a ser realizada diretamente pela pessoa do rei
de Portugal, além de zelar também pelo bem-estar espiritual dos habitantes das colônias lusas. Os reis
portugueses tornaram-se, na prática, os chefes efetivos da Igreja, cabendo ao Papa, confirmar as
atividades religiosas praticadas por eles.
21
Em vel estrutural, foi instituída a Mesa da Consciência e Ordens, para auxiliar na
administração religiosa das colônias. Este órgão funcionava como uma espécie de departamento
religioso do Estado.
“Constava de um tribunal composto de um presidente e cinco teólogos
deputados juristas. Iniciou suas atividades em 1532. Seus despachos
informativos ao rei diziam respeito a estabelecimentos piedosos de caridade,
capelas, hospitais, universidades, resgates de cativos, paróquias etc. O
provimento de todos os cargos eclesiásticos e os assuntos religiosos
necessitavam o parecer jurídico da Mesa”.
22
Neste período criou-se uma situação de transição,que realmente caracterizou o
século XVII na generalidade, e pareceu salientar-se também em Portugal, por razões estruturais e
conjunturais”.
23
Em relação ao absolutismo existente em Portugal, sabe-se que este manteve-se fiel à
concepções mais conservadoras. Se pelo lado econômico, o Estado luso conseguiu evoluir, em certa
medida, manteve-se estático e conservador a nível de estrutura política.
24
Assim, marcado por certas
características, o Estado Nacional português assumiu, a partir de 1640, um tipo próprio de definição.
O Estado português, de 1640 a 1750, tomou a forma de uma monarquia centralizada,
sem, contudo, os reis exercerem poder de caráter ilimitado. Cercados por uma estrutura de apoio, esses
monarcas criaram diversos órgãos consultivos que acabaram por influenciar em suas decisões. Os reis
portugueses “tiveram sempre apoio de órgãos de poder para consulta ou execução da política interna,
externa e ultramarina”.
25
Essa realidade vem demonstrar que os reis o exerciam um poder sem
limites.
20
HOORNAERT, Eduardo e outros. História da Igreja no Brasil. Petrópolis : Vozes, 1979, p. 163.
21
Op. cit. , p. 163.
22
Idem, p. 164.
23
Op. cit. , p. 236.
24
Informa Falcon sobre o absolutismo em Portugal : “Muito mais atuante no campo econômico, [...], esse Estado mercantil,
ao mesmo tempo, converte os lucros do empreendimento colonial em fontes de sustentação, direta ou não, da aristocracia
feudal em crise.” FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina. São Paulo : Ática, 1982, p. 173.
25
Conforme Serrão: “Assim sucedeu com o Conselho de Estado, que no tempo de D. Pedro II, era formado por 10 membros,
e com os Secretários de Estado, cujo número, até o reinado de D. João V, variou entre dois e três membros. O voto dos
conselheiros era sempre tomado em conta pelo monarca. Sabe-se também que os secretários de D. Pedro II, votavam em todos
os negócios que iam despachar.[...]...far-se-á menção dos vários conselhos e juntas que ajudavam o monarca na resolução de
10
Essa cumplicidade no uso do poder, entre o rei e seus órgãos consultivos,
descaracterizou, para muitos historiadores, a existência do absolutismo em Portugal. No entanto, é
importante perceber que, apesar das opiniões serem levadas em consideração, a palavra final sempre
era do rei. Essa questão, portanto, é, no mínimo, discutível. Como no governo de D. João V,
acontecido entre 1706 e 1750, o poder real, em Portugal, foi resultado de uma política de
fortalecimento contínuo, embora tenha “sofrido oscilações e vicissitudes várias, acabando por avançar
decisivamente nos fins do século XVIII”.
26
A inexistência de uma base doutrinária oficial no governo joanino certamente
contribuiu para dificultar a manutenção do poder decisório, em nível centralizado. Na medida em que
foi um governo de caráter prático, ensejou oportunidades para o surgimento de obstáculos ao exercício
do poder real. Isto não significa que a autoridade real e o poder absoluto não se mantivessem, mas
enfrentaram, como conseqüência, uma variação na intensidade do mando.
A reação à obstaculização do poder se fazia sentir, muitas vezes, de modo violento.
Em alguns casos a autoridade do rei D. João V sofreu indisciplina e desrespeito. Prisões e desterro da
corte corresponderam à preocupação de punir abusos e violências. Afirmando o caráter flutuante do
poder real destaca-se também os privilégios e as concessões dadas pelo rei, principalmente às ordens
eclesiásticas, no que tange a impostos, sem, no entanto, aboli-los totalmente.
Em relação à Teoria Divina dos Reis, de Bodin, ressalte-se que, apesar de embasar o
poder das monarquias católicas, era contraditória e limitava, na prática, o exercício do poder.
27
Na
verdade, a monarquia portuguesa mantinha uma estreita relação com a sociedade, em função da
necessidade de defender a independência pós-1640. Nesse sentido, a divindade dos reis não cabia em
Portugal, em virtude da aproximação entre o corpo social e o rei.
28
Em relação a essa questão alguns
autores defendem uma monarquia mais liberal:
29
“...havia em Portugal uma consciência teórica e prática juspolítica que se
inseria numa tradição cultural escolástica, caracteristicamente ibérica, onde
se salientava a teoria da origem ‘popular’ do poder régio.[...], esta teoria não
chocava propriamente com as tendências centralizadoras do Estado e com
um certo realismo e empirismo político característico do mundo moderno que
desabrochava, que também em Portugal se ia verificando dentro da sua
própria dinâmica”.
30
problemas financeiros, judiciais, militares e econômicos, um sistema que afastava o exercício do poder exclusivo por parte de
D. Pedro II e, mais tarde, do seu filho e sucessor”. SERRÃO, op. cit. , p. 194.
26
ALMEIDA, Luís Ferrand de. Páginas Dispersas. Estudos de história moderna de Portugal. Coimbra : Faculdade de
Letras, 1995, p.183.
27
DE CICCO, Cláudio. Dinâmica da História. São Paulo : Palas Athena, 1985, p. 83. Esse autor esclarece que a Teoria do
Direito Divino dos Reis foi obra do pensamento de Jean Bodin. Teoricamente concedia ao rei direito ilimitado de governo.
Contudo, havia uma diferença entre justiça e lei, sendo que uma implica a eqüidade enquanto a outra implica o mando. O rei
detinha o direito de mandar executar as leis da natureza ordenadas por Deus, mas não tinha o direito de cobrar arbitrariamente
de seus súditos, ou de tomar posse de suas terras, conforme mandasse sua vontade.
28
SERRÃO, op. cit. , p. 236.
29
Diz esse autor que “tal concepção de monarquia radicava-se na Idade Média é uma república christiana, organizada na
base da família e da propriedade; é uma monarquia em que o rei, através de um pacto feito com o povo, reconhece e respeita
as liberdades, dos municípios, das corporações, das famílias; é uma monarquia em que o poder régio, apesar de autoritário, é
limitado pelas liberdades existentes, não se afirmando no absoluto e no arbitrário, mas interfere para estabelecer a ordem e
a justiça; é uma monarquia em que apesar de existir uma centralização política há também uma descentralização
administrativa”. Op. Cit. , p. 30
30
Idem, p. 189.
11
Neste sentido, enfatiza-se que “absolutismo não significa necessariamente
despotismo ou arbitrariedade”.
31
A limitação, porém, no caso do rei D. João V, se dava justamente
pelo fato do monarca ser vigário de Deus, que, mesmo em um grau mais fraco, desempenhava uma
função de promoção do bem comum e realização da justiça. Nessa medida, o poder do soberano
limitava-se pela moral e pelo próprio direito divino, assim como pelo direito natural e das gentes.
32
Em realidade, o que se poder afirmar, pelas contradições aqui expostas, é que D. João
V enfrentou, ao longo do seu governo, uma série de obstáculos que não puderam cercear em definitivo
o exercício e o fortalecimento do poder real. Por ter sido um sistema de governo desorganizado,
agindo conforme as circunstâncias, as dificuldades foram maiores.
Contudo, na continuidade desse processo, o aparelho de Estado irá se fortalecer,
chegando a atingir um rompimento político-ideológico em relação aos governos anteriores, quando no
reinado de D. José I. O que não invalida as tentativas de manter e conservar o poder centralizado,
acontecidas desde a Restauração.
Assim, o Estado português enquadrava-se dentro dos parâmetros conceituais do Estado
Absoluto sui generis, por possuir uma estrutura administrativa diferenciada, em que os diversos órgãos
criados pelos monarcas atuavam efetivamente na feitura e execução das ordens da Coroa, mas, onde a
divinização dos monarcas não se sustentava, em função do caráter popular destes.
Uma das características fundamentais do feudalismo, é que “ele não criou, no sentido
moderno, um Estado”.
33
No sistema feudal, os poderes políticos foram corporificados, caracterizando
o Estado corporativo. O contrário aparece no Estado Absolutista. O Estado que se formou em Portugal
passou a assentar-se em uma característica patrimonialista, onde os servidores desse Estado,
integrados estruturalmente, eram vinculados ao poder centralizado. Foi a partir do incremento do
comércio que o Estado patrimonial tomou corpo. O rei, ao centralizar o poder, criou uma estrutura que
foi conservada em conjunção com a economia e a administração.
“O sistema patrimonial, ao contrário dos direitos, privilégios e obrigações
fixamente determinadas do feudalismo, prende os servidores numa rede
patriarcal, na qual eles representam a extensão da casa do soberano”.
34
A rede patriarcal pressupôe um posicionamento de fidelidade. No entanto, a fidelidade
referida ao cargo de funcionário patrimonial não é exatamente aquela que faz com que esse dito
servidor público execute suas tarefas objetivamente, mas sim uma fidelidade natureza pessoal,
vinculado ao seu senhor, em grande parte baseada numa relação de afeto e devoção ao seu rei.
35
No patrimonialismo, o funcionário é escolhido de acordo com a confiança pessoal, e
não pela capacidade deste em exercer determinada função,
36
. Nesse sentido, a Coroa passou a exercer
uma política de poder, quando, ao escolher os componentes dos diversos órgãos governamentais, fê-lo
pela confiança pessoal. Houve, na verdade, uma influência sobre a distribuição do poder, no interior
31
ALMEIDA, op. cit. , p. 194.
32
ALMEIDA, op. cit. , p. 194.
33
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. Porto Alegre : Globo, 1979, vol.1, p. 18. Para este autor, o que acontece no
feudalismo é a corporificação de um conjunto de poderes políticos, separados de acordo com o objeto de domínio, sem que
as diversas funções, privativas, sejam levadas em consideração.
34
Idem, p. 20.
35
WEBER, Max. Economia y Sociedad. México : Fondo de Cultura Econômica, 1944, pp. 775-776.
36
Idem, p. 837.
12
do Estado. O monarca tornou o escolhido um membro político, ao esperar por uma resposta adequada
ao seu grau de confiança.
Dentro do Estado patrimonialista o poder se tornou uma realidade tangível, dividido
entre o rei e seus representantes. Nessas circunstâncias, o campo de poder atingiu não apenas a
unidade central, mas espalhou-se, delegando, subjetivamente, autoridade. Esta, mesmo que o levada
a termo, a nível político, foi compartilhada, durante certo tempo. O poder a partir de relações de força
entre as posições sociais, garante aos seus ocupantes um quantum de força social.
37
Assim, mesmo com possibilidade de lutas pelo monopólio do poder, reforçou-se, em
Portugal, a presença do Estado absolutista existente, que legitimou o poder centralizado, mesmo
lançando mão de instrumentos auxiliares. O Estado luso dividiria o poder, até o momento em que
sofresse ameaça de enfraquecimento, ou perda deste, o que, de fato, não aconteceu.
Essa afirmação poderia ser contestada, caso se levasse em consideração a
concentração de poder ocorrida durante o governo do ministro Pombal, no reinado de D. José I.
Contudo, sem querer aprofundar discussões, ressalte-se que, mesmo aglutinando funções político-
administrativas, em nenhum momento a Coroa foi ameaçada de deposição. Nessa medida, a ação do
Marquês de Pombal visou sempre o mantenimento e o fortalecimento do poder centralizado,
representado pelo rei D. José I.
Percebe-se, portanto, que, mesmo o rei respeitando e levando em consideração os
vários pareceres de seus representantes, estes estavam diretamente vinculados ao seu bem-estar e à
preservação do Estado. Em Portugal, o Estado passou por dois estágios distintos e importantes: o
patrimonialista e o burocrático. Embora o segundo tenha conservado traços do primeiro, a diferença
aparece através da ação administrativa e econômica.
O Estado patrimonialista surgiu a partir do desenvolvimento do comércio, expandindo-
se com a expansão marítima e a formação de colônias. Dessa forma, a chamada monarquia territorial
preocupou-se mais especificamente com a expansão, ocupação e preservação de áreas coloniais, do
que com a administração das mesmas. Explica-se, dessa maneira, porque à Coroa interessava mais
funcionários leais a ela, que garantissem com sua pessoa a preservação territorial.
Em relação à região platina, a própria fundação da Colônia do Sacramento demonstra
essa idéia, e também na medida em que, nessa ação, foram designados militares para protegê-la. É
claro que o constante estado de guerra em que Sacramento se encontrava, assim o exigia, mas, no
século XVIII, ao preocupar-se com a administração colonial, o Estado acabou cedendo a Colônia aos
espanhóis.
Assim, a ação do Estado foi permeada pela tentativa de conquista e ocupação de
territórios no sul-colonial, desde fins do século XVII até a metade do século XVIII. A partir daí, a
política administrativa apareceu mais fortemente, com o surgimento do Estado burocrático. Portugal
expandiu-se economicamente a partir do século XVI, originando, nessa ação, um Estado monopolista,
atuando como elemento reforçador do poder. No século XVII, pós-Restauração, Portugal começou a
atravessar uma crise econômica e territorial. Em vista disso, “verificou-se o desejo de um controle da
economia e das finanças por parte do Estado, característico do absolutismo”.
38
Como foi salientado, a Coroa criou uma estrutura organizacional, visando buscar
apoio, tanto político quanto administrativo. Assim, a partir de 1640, os monarcas portugueses
estabeleceram prioridades administrativas. Foram criados o Conselho de Guerra (1640), a Junta dos
Três Estados (1643), o Conselho Ultramarino (1643), a Junta do Comércio (1649), além de ser
reformado, em 1642, o Conselho da Fazenda.
39
37
BOURDIEU, R. O Poder Simbólico. Lisboa : Difel, 1989, p. 27.
38
Op. cit. , p. 247.
39
Na seqüência, Serrão informa que o Conselho de Guerra tinha por função a expedição de ordens para os exércitos (terra e
mar), opinando junto ao rei na ocupação de cargos militares e julgando os crimes dessa jurisdição. A Junta dos Três Estados
administrava os recursos usados na guerra contra a Espanha, os soldos, o abastecimento das tropas e materiais necessários à
13
Foi restabelecido, também, o cargo de Secretário de Estado, além da presença de
ministros, para auxiliarem nos despachos. Nessa continuidade, surgiram as Secretarias de Estado e
das Mercês e Expedientes. Somados a isso, foram aumentados os órgãos consultivos, em Conselhos,
Mesas e Juntas, com a finalidade de apoiarem a administração do sistema ultramarino, cujo rei
centralizava o poder.
40
Criado em 1642 e efetivado em 1643, o Conselho Ultramarino ocupava-se da
administração e das finanças do império colonial português. Os interesses comerciais lusos, resultantes
do comércio ultramarino, passaram a ser representados através do Conselho. A existência de tal órgão
demonstra que o Estado luso iria, a partir daí, ocupar-se com mais seriedade dos negócios do ultramar,
mais precisamente a África e o Brasil.
41
Os membros da presidência do Conselho eram escolhidos pelo rei, entre a alta
nobreza. Destacaram-se os condes de Vale de Reis (1674), de Alvor (1693), de São Vicente (1708), e
de Tarouca (1749). O número de conselheiros oscilou entre três e seis membros. Quanto aos
conselheiros, alguns tiveram notadas atuações, tais como Bernardim Freire de Andrade (1694),
Gonçalo Manuel Galvão de Lacerda (1724), Martinho Mendonça de Pina e de Proença (1738), e o
mais conhecido, pela sua atuação na elaboração do Tratado de Madri, Alexandre de Gusmão (1743).
42
Em 1736, o Conselho Ultramarino passou a ser subordinado à Secretaria de Estado dos
Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos. O período de maior poder de atuação situou-se entre
os anos de 1750 e 1770, em virtude da grande documentação despendida, conforme informa Helloísa
Bellotto.
43
A crescente importância atribuída ao Conselho, ao longo do tempo, atestou a influência
deste na política e na administração do Estado, sobre as colônias lusas. As decisões e as ordens
emitidas, com o aval da Coroa, atuaram na movimentação do processo de ocupação. A fundação da
Colônia do Sacramento, a sua manutenção, e a vinda de colonos açorianos ao sul colonial, foram
exemplos marcantes dessa participação.
A conjunção político-administrativa impediu o desenvolvimento de setores que, por
interesses privados, quisessem desvincular-se do poder central. Assim, conjugando a economia e a
administração, a Coroa exerceu um maior controle sobre os segmentos sociais.
A estrutura patrimonial estabilizou a economia, expandindo o capitalismo comercial,
mas, de certa maneira, estancou o desenvolvimento do capitalismo industrial. O patrimonialismo não
ofereceu condições para o desenrolar desse processo. O monopólio, mesmo fomentando intensamente
as trocas, reduziu a burguesia nascente a simples intermediária, na compra e venda de produtos.
44
O
monopólio era fruto do mercantilismo. Nesse sentido, a arte de governar, praticada pelo monarca,
revelou-se mais fortemente quando este racionalizou o poder que o Estado lhe conferiu.
O mercantilismo tornou-se um instrumento para que o Estado se identificasse como
tal, e pudesse ser utilizado como tática de governo. Ao mesmo tempo em que isso aconteceu, o
processo acabou por ser cerceado, quando a força do rei tornou-se o principal objetivo.
45
Assim, por se
mesma. Era composta por seis membros, eleitos em Cortes. A Junta do Comércio garantia a navegação comercial com o
Brasil. Competia-lhe a nomeação de generais, almirantes e capitães das frotas mercantes, além do provimento dos armazéns,
cobrança de direitos alfandegários e pagamento dos encargos respectivos. Op. cit. , pp. 332-333.
40
Idem, p. 125.
41
Ibidem, p. 88.
42
Ibidem , p. 277.
43
Cf. Helloísa Liberalli Bellotto. O Estado português no Brasil: sistema administrativo e fiscal. In : SERRÃO, Joel e
MARQUES, A.H. Oliveira. Nova História da Expansão Portuguesa. O Império Luso-Brasileiro 1750-1822. Coordenação de
Maria Beatriz Nizza da Silva. Lisboa : Estampa, 1986, vol.8, p. 289.
44
FAORO, op. cit. , p. 201.
45
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro : Graal, 1992, p.284.
14
ter desenvolvido um grande aparelho de Estado,
46
o cerceamento da economia, pelo exercício do poder
centralizado, justificava a posição subordinada da burguesia portuguesa, afastada das decisões
econômicas.
47
No que tratou da ocupação da área platina, das constantes lutas entre luso-brasileiros e
espanhóis, a realidade evidenciou-se nas características do Estado português, no período. Preocupado
com o apossamento de territórios, no século XVII, principalmente, o Estado luso tratou de justificar a
ação ocupacional através da guerra defensiva. A Colônia do Sacramento, às margens do Rio da Prata,
era defendida militarmente, em função da agressividade do imperialismo espanhol.
Ideologicamente, a partir de Sacramento, a preservação do território conquistado
assentou-se no mantenimento de uma área que, por direito, pertencia ao Estado luso, segundo a sua
própria concepção. Os autores portugueses do século XVII, percebiam a violência do imperialismo
espanhol, que não respeitava direitos e agredia Estados cristãos europeus. A Espanha, para esses
autores, “tinha um desejo ambicioso de expansão militar e econômica no ultramar”.
48
Assim, no rastro de um Estado patrimonialista, estruturado organicamente para servir
a uma monarquia centralizada, seguiu a teoria da defesa das gentes, dos direitos e dos países cristãos.
Ao aproximar-se a segunda metade do século XVIII, a composição orgânica do Estado
luso mudou. Ao reinado de D. José I (1750-1777), alinhou-se a crise econômica colonial, com o
declínio da produção de ouro e o cerceamento da expansão territorial, esboçada no Tratado de Madri e
sancionada em tratados posteriores.
A política de conquista de territórios deu lugar à administração e preservação das
áreas conquistadas, e à negociação diplomática, envolvendo espaços ainda não oficializados. O antigo
Estado patrimonialista, composto por agentes da confiança do rei, cedeu lugar ao Estado burocrático,
tecnicamente mais capacitado, preservando, ao mesmo tempo, o bem-estar da monarquia, no sentido
político-administrativo.
Todavia, com a invasão espanhola aos atuais territórios do Rio Grande e Santa
Catarina, compunha-se o Estado luso, paralelamente ao intento administrativo, à reação armada. Esse
enfrentamento militar, sob ordens governamentais, justifica-se na política mantenedora de áreas
ocupadas, e consideradas parte da colônia brasileira. Dessa forma, mesmo parecendo descaracterizar-
se, dentro da nova política estatal que viria adotar, agia o Estado burocrático pombalino, de acordo
com esses novos objetivos. Era primordial manter espaços preenchidos por portugueses, em função
do próprio processo administrativo dessas áreas coloniais.
O governo do ministro Pombal (1750-1777), iniciou o sistema burocrático, quando
‘tecnocratas de nuances estrangeiradas’ procuraram desembaraçar a rede de cargos e funções, formada
em governos anteriores.
49
A monarquia e a burocracia constituíram uma verdadeira superestrutura,
garantindo ao Estado o controle sob os mais diversos níveis.
50
Dessa maneira, a formação desse
extenso poder de controle, por parte do Estado, atingiu todas as áreas do império, além daquelas que
poderiam ser anexadas a ele.
Em relação ao Brasil, o Estado instituiu uma rede burocrática que acabou por
constituir-se no instrumento de controle do Despotismo Esclarecido. Sob a administração de Pombal, o
46
Segundo Foucault, “...a partir dos séculos XVII e XVIII, houve verdadeiramente um desbloqueio tecnológico da
produtividade do poder”. Nesse período, as monarquias instauraram procedimentos, fazendo circular os efeitos do poder de
modo contínuo, em todo o corpo social. Idem, p. 288.
47
Utiliza-se o termo “aparelho de Estado” segundo a concepção althusseriana, sem levar-se em conta, conforme o próprio
Althusser, a comprovação de tal conceito. Conforme este autor, no aparelho de Estado, a coerção física é condição imanente,
exceto na coerção administrativa, que pode tomar formas não físicas, agindo, neste caso, o poder de Estado sob forma
indireta. ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro : Graal, 1983, p. 70.
48
Op. cit. , p. 339.
49
Op. cit. , p. 267.
50
Idem, p. 267.
15
Estado passou a controlar seus aparelhos, tanto religiosos como os relativos à censura, educação,
assim como políticos e econômicos.
51
Foi em função dos novos tempos enfrentados pela Metrópole,
que mudou o rumo do Estado luso. O pombalismo responsabilizou-se por essas mudanças, assumindo,
de certa forma, os destinos da nação. O governo de Pombal teve, concretamente, o objetivo de salvar
economicamente o país, e desprendê-lo da economia inglesa.
Isto significou a virada do absolutismo, que deixou de condicionar-se na nobreza,
transformando-se na afirmação de uma burguesia intelectual e mercantil. Além disso, fez surgir um
novo clero e uma nova nobreza.
Este processo de transformação caracteriza concretamente uma mudança política e
ideológica, iniciada já a partir do início do século XVIII. Apesar do esplendor e do luxo vivido pela
corte de D. João V, assentada num fluxo aurífero crescente, os primeiros indícios aconteceram em
meados deste século, marcado pelo volumoso contrabando e o crescimento do aparelho burocrático. O
aumento dos funcionários estatais, ao longo do século XVIII, acabou por constituir um grupo
independente em relação à camada nobre, fazendo crescer a especialização funcional, o que fez por
favorecer a burguesia que competia com a nobreza pela ocupação dos cargos públicos. Efetivou-se
num crescendo a modernidade, anunciando-se sob D. João V e desencadeando-se, como processo, sob
D. José I.
52
No entanto, apesar do Estado se diversificar internamente, não deixou de gerar conflitos e
divergências em sua estrutura.
53
Dessa maneira, estruturou-se o Estado burocrático alinhando a aristocracia senhorial, a
nobreza e o clero com os integrantes do aparelho burocrático, que passaram a dividir o poder com
aquelas camadas dominantes. A conjuntura política do Estado burocrático, desta forma, caracterizou-
se pela constituição deste novo bloco de poder, onde interesses econômicos e/ou comerciais, aliam-se
aos políticos na preservação não apenas da eficácia de um Estado cada vez mais tecnicista, mas na
administração e definição de áreas periféricas, tanto a vel de colônias constituídas, como de
territórios disputados em períodos precedentes.
“O pombalismo representou a primeira grande tentativa - que as próprias
circunstâncias graves haviam criado - de encarar de frente os grandes
problemas econômico-políticos do país...A nível ideológico, tal absolutismo
orientou-se à sua maneira, pelas vias do ‘despotismo esclarecido’, afirmando
assim, sem subterfúgios, a origem divina do poder real e a concentração total
da soberania no poder”.
54
51
Op. cit. , vol.1, p. 7.
52
FALCON, op. cit. , p. 152.
53
Falcon reforça e explica em parte esta questão: “Na prática, portanto, o processo de
debilitação do poder do Estado, com suas inevitáveis seqüelas, traduzidas sob a forma de inércia,
ineficiência e aumento da corrupção no aparelho burocrático abriu caminho aos descontentamentos e
às pretensões daquelas camadas ou grupos da burguesia mais diretamente prejudicados, ou mais
dispostos a contestar o crescimento relativo da aristocracia. Desse modo, o poder do Estado tendia, na
prática, a tornar-se objeto de disputas, incessantes e renhidas, entre as diversas frações de classes a ele
mais diretamente ligadas, ou seja, o próprio bloco no poder apresentava fissuras que o comprometiam
e paralisavam, em termos gerais”. Op. cit. , p. 372.
54
Op. cit. , vol 1, p. 7
16
Assim, através da especialização de funções do Estado burocrático, o governo
pombalino passou a controlar mais amplamente tudo o que, de uma maneira ou de outra, estava ao
alcance do poder do Estado.
Enfatiza-se aqui uma ruptura concreta com a ideologia vigente até então, que se pode
considerar tradicional, enraizada pós-Restauração. Neste raciocínio, se permite pensar que na verdade
o Estado burocrático, consolidado sob Pombal, não pode ser colocado sob uma perspectiva
continuista, pois renovou-se ideologicamente, caracterizando-se mais firmemente como um período
que se inicia, com nuances próprias, do que ligado ao período que o precedeu.
Na medida em que no pombalismo o Estado manteve sólidas características no nível
econômico, radicalizou-se em outros veis.
55
Pensa-se, neste caso, a ão administrativa colonial e a
política externa adotada pelo Estado luso, que traduziu-se em tratados bilaterais e jogos diplomáticos,
no lugar do constante e crescente estado de beligerância e territorialidade.
Atenta-se que no plano político a ação se revelou com posicionamentos radicais,
marcando cada vez mais o fortalecimento do Estado em seus aparelhos e em suas bases sociais. Isto
não seria possível sem a ruptura com o poder eclesiástico e com a ideologia desse poder.
56
O choque
com o poder jesuítico era inevitável, eliminando a autonomia da Inquisição, e abrindo para uma
metamorfose das mentalidades inseridas nesses conflitos, além de possibilitar o reformismo que
acabou por caracterizar o governo pombalino.
57
Neste sentido, os discursos do Estado pombalino revelaram-se com uma relativa
diversidade de perspectivas, “pois expressaram formas de pensamento e níveis de consciência que se
contrapunham à ideologia oficialmente defendida pelo aparelho ideológico dominante - a Igreja - e
seus aparelhos subsidiários”.
58
A Igreja passou, dessa forma, a assumir várias atribuições dentro do
Estado.
59
Caracterizou-se, na prática, as disposições do governo que se instaurava, sob a coroa
de D. José I e sob a égide do Marquês de Pombal. Nessa medida, se reorganizou e se reforçou o
aparelho de Estado, visando não apenas definir funções internas, mas recuperar as rendas nacionais
através da eliminação dos canais burocráticos que impediam e/ou diminuiam a circulação comercial e
a arrecadação fiscal. A preocupação em fazer funcionar a máquina do governo em novas bases
organizacionais atingia diretamente o mantenimento das áreas coloniais.
E aqui aparece uma questão fundamental, que diz respeito à ação do poder do Estado
luso sobre territórios em disputa e áreas coloniais sob seu domínio. Questionou-se nesse momento a
eficácia desse poder, ameaçado de deslocamento, ao menos em potencial, dessas áreas periféricas. O
Estado perdia progressivamente a sua presença nos territórios periféricos, mais precisamente no
ultramar. Isto era reflexo de uma certa incapacidade de ação eficaz do aparelho de Estado produzindo
resultados altamente negativos, sob vários aspectos. A ameaça dos países rivais, que aumentavam sua
audácia e ambição, como o caso dos espanhóis na região oriental platina, preocupava muito o Estado
português.
60
55
FALCON, op. cit. , p. 225.
56
Idem, p. 225.
57
Ibidem, p. 226.
58
Ibidem , p. 227.
59
Cf. Althusser: “...no período histórico pré-capitalista [...] é evidente que havia um ‘aparelho ideológico de Estado’
dominante, a Igreja, que reunia não as funções religiosas, mas também as escolares e uma boa parcela das funções de
informação e de ‘cultura’. Não foi por acaso que toda a luta ideológica do século XVI ao XVIII, desde o primeiro abalo da
Reforma, se concentrou numa luta anti-clerical, anti-religiosa. Foi em função mesmo da posição dominante do aparelho
ideológico do Estado religioso”. Ressalte-se que “aparelhos ideológicos de Estado”, segundo Althusser, definem-se por
funcionarem principalmente através da ideologia, e secundariamente através da repressão (atenuada, dissimulada ou
simbólica). ALTHUSSER, op. cit. , p. 78.
60
Op. cit. , p. 373.
17
Além disso, isolava grupos sociais, instituindo veleidades autonomistas que
comprometiam a própria estabilidade das áreas periféricas, e do sistema colonial como um todo. Isto
afetava não apenas a ecomonia estatal, pelo aumento dos contrabandos, redução dos quintos e
diminuição de rendimentos, mas atingia diretamente o poder político do Estado luso, que enfraquecia-
se e até mesmo, em certos momentos, desaparecia totalmente.
Na ação direta da transformação, aparece novamente a violência e a coerção como
fatores e instrumentos característicos do Estado burocrático, que se impunha. Se fazia presente “...a
eliminação sistemática de todas as formas de oposição ao poder do Estado absolutista luso [...] além de
corrigir abusos e modernizar a estrutura administrativa, centralizando decisões em escala crescente”.
61
A coersão é mantida também sobre os jesuítas.
62
Essa violência processou-se fora dos limites
teoricamente aceitos pelo poder de Estado absolutista, envolvendo grupos e instituições suspeitos de
desafiarem, de alguma forma, o poder do Estado. Reforça-se aqui o uso desta violência sobre
determinados grupos sociais na região platina oriental e no sul do Brasil colonial, especificamente os
colonos açorianos, instrumentalizados como frutos deste poder.
No plano diplomático, os tratados de Madri (1750) e Santo Ildefonso (1777), foram
significativos, por retratarem os novos objetivos do Estado luso, e representarem definições que se
enquadravam com suas novas necessidades administrativas. Na verdade, politicamente o Tratato de
Madri iria representar, caso fosse levado a cabo, o início do término das lutas armadas e dos conflitos
fronteiriços hispano-portugueses. Tal atitude coadunava-se ideologicamente com o Estado que se
concretizava, em bases mais administrativas e preservadoras de áreas. Contudo, apesar deste Tratado
ter sido anulado pelo de El Pardo (1761), a política de reconciliação com a Espanha não cessou, mas
concretizou-se com o Tratado de Santo Ildefonso.
É preciso dizer que quando o Marquês de Pombal assumiu o ministério luso em 3 de
agosto de 1750, o Tratado de Madri havia sido assinado em 13 de janeiro do mesmo ano; e também
a saída de Pombal do governo acontecida em 4 de março de 1777 precedeu a assinatura de Santo
Ildefonso, que foi em outubro deste ano.
63
Isto quer dizer que não se pode atribuir ao governo
pombalino exclusivamente, a responsabilidade pelas atitudes geradas pela mudança ideológico-política
ocasionada neste período. Na verdade, o Estado constituiu-se numa estrutura muito maior que os
desmandos de um único ministro. Destaque-se a importância de Pombal, mas insira-se tal governo
como fazendo parte do processo de transformação por que sofreu o Estado luso, a partir da segunda
metade do século XVIII.
Ressalte-se também que a luta armada empreendida pelos portugueses, contra as
invasões espanholas, entre 1762 e 1777, inter-relaciona-se à política de preservação de áreas já
conquistadas, para oportunizar uma organização administrativa mais eficaz. O estado de beligerância
foi de ocasião, originado pela agressividade castelhana, desprendendo-se da ideologia imperialista e
territorial anterior.
Revela-se assim uma mudança expressiva realizada no Estado luso, no plano político-
administrativo, onde os tratados firmados a partir de 1750 expressavam estes objetivos,
complementando de uma maneira transformadora o processo de ocupação de áreas meridionais. O que
interessou ressaltar, todavia, foi a necessidade de se identificar que tipo de Estado atuou no processo
de expansão e ocupação portuguesa, na área platina oriental, e no sul do Brasil-colonial.
Mostrou-se, num primeiro momento, o ressurgir do Estado Nacional português, pós-
Restauração, assim como sua composição orgânica e seu pensamento político-administrativo;
61
Ibidem, p. 374.
62
Ilustre-se aqui a questão da violência sobre os jesuítas, embora estes não sejam objeto deste estudo. Cita Avellar: “À fase
restritiva irá seguir-se outra, repressiva precedendo à punitiva”. AVELLAR, Hélio de Alcantara. História Administrativa do
Brasil. Administração Pombalina. Brasília : FUNCEP, 1983, p. 27.
63
RODRIGUES, José Honório e SEITENFUS, Ricardo A. S. Uma História Diplomática do Brasil (1531-1945). Rio de
Janeiro : Civilização Brasileira, 1995, p. 96.
18
posteriormente, expôs-se as mudanças ocorridas, em função da crise econômica e territorial e de uma
nova ideologia política. Nas próximas abordagens aparece esse Estado agindo de acordo com o perfil
aqui apresentado, onde, de certo modo, são justificadas suas ações político-administrativas, e
diplomáticas.
19
20
CAPÍTULO 2
  
Não é intenção recuar ao tempo do Tratado de Tordesilhas, firmado em 1494, mas
ressaltar que a região localizada ao sul do Brasil-Colonial era, desde esse período, objeto de discussão
de posse, na medida em que a linha demarcatória não mais definia limites políticos respeitáveis.
Apesar de causar conflitos entre os colonos que vieram para a região, foi com a fundação da Colônia
do Santíssimo Sacramento que esta questão agravou-se perigosamente.
Qualquer ação lusitana nessa área justifica-se teoricamente em função do significado
que passa a ter um território colonial para um Estado. Passa a ser, quando conquistado ou incorporado
na sua comunidade política, um espaço a ser salvaguardado, defendido e usufruido, estando refletidas
nessa área, suas linhas de ação política, caracterizando seu domínio e ao mesmo tempo, permitindo seu
desenvolvimento e prestígio.
Ressalte-se que o jogo diplomático empreendido pelos reis espanhóis e portugueses
não foi capaz de dirimir antigas rivalidades, não sendo o Tratato de Tordesilhas o instrumento
esperado que permitisse estabelecer concordâncias mútuas, principalmente em relação à bacia do Rio
da Prata.
64
Desde antes da fundação de Sacramento, o Estado português preocupava-se com a
expansão territorial rumo ao sul. O bandeirantismo, em seu avanço irregular e não-oficial tomara a
iniciativa, mesmo que não intencional, de aumentar o território, onde a presença portuguesa passou a
fazer-se sentir.
65
O espírito bandeirante foi o responsável pelo avanço do Brasil para o Oeste. Se num
primeiro momento, esta ação foi devastadora, em seguida transformou-se em colonização, pondo em
prática uma dilatação fronteiriça irreversível. Esta realidade tornou-se um imperativo econômico,
reconhecido pelo Príncipe D. Pedro, através de atos políticos e administrativos.
66
Um imperativo
econômico que iria, forçosamente, transformar-se em um imperativo político. Nessa dilatação seriam
atingidos os interesses do lado espanhol. Os antecedentes da luta que se travou, a partir da Colônia do
Sacramento, atestaram a importância da expansão territorial. O papel do Estado luso neste sentido foi
decisivo, corroborado por doações de terras na região:
64
CESAR, Guilhermino. História do Rio Grande do Sul. Período Colonial. São Paulo : Editora do Brasil, 1970, p. 49.
65
Sérgio Buarque de Holanda informa: “Em relatório de 1647 onde advogara a conveniência de se redigirem as capitanias do
sul numa unidade administrativa independente da autoridade do governador da Bahia, à maneira do Estado do Maranhão,
Salvador Correia de e Benevides tinha proposto a criação de uma nova capitania hereditária, com seu centro em Santa
Catarina, destinada a ele próprio, que se comprometia a colonizá-la e aumentá-la sem ônus para a Real Fazenda. [...] Embora
levadas as petições ao Conselho Ultramarino, tiveram consulta favorável em março de 1658 e meses mais tarde foram
apoiadas por uma informação do Provedor e Procurador da Fazenda Real, Salvador Correia de Sá não tomou posse, e nem seu
oponente Agostinho Barbalho Bezerra, a quem teria sido concedida a referida Capitania”. Conforme HOLANDA, Sérgio
Buarque de. (direção) História Geral da Civilização Brasileira. - A Época Colonial - Do Descobrimento à Expansão
Territorial. São Paulo : Difel, 1976, vol.1, p. 323.
66
Op. cit. , p. 49.
21
“Em 1676, apagado o pesadelo da era dos Filipes, o Regente D. Pedro doou
ao Visconde de Asseca e a João Correa de Sá, neto e filho, respectivamente
de Salvador Correa de e Benevides, dois largos quinhões de terra nessa
faixa até então abandonada da costa brasileira. Ao fazê-lo tomou como limite
setentrional a Laguna (que era, por sua vez, o ponto mais meridional da
primitiva Capitania de Santana, doada a Pero Lopes de Souza) e
mencionando que a propriedade correria daí para baixo até a boca do Rio da
Prata”.
67
Havia uma extensa área de terras sem donatários estendendo-se da costa do Rio
Grande do Sul até a boca do Rio da Prata. As terras, cerca de trinta léguas, deveriam ser ocupadas por
doação do Estado, em continuidade à outras terras anteriormente cedidas.
68
O interesse em receber doações de áreas localizadas ao sul, por particulares, deveu-se
principalmente ao comércio mantido por estes com os centros urbanos espanhóis, localizados às
margens do Rio da Prata. A importância desse comércio era tão grande, que se fazia necessário um
meio de ligação entre os centros urbano-comerciais platinos e os grandes centros de comércio e
escoamento de produtos, localizados no Brasil.
69
Dessa forma, a prata extraída das minas espanholas,
e o lucro advindo do comércio realizado com estes centros, despertava ambições de indivíduos que
tinham alguma influência junto ao poder central.
Buenos Aires encontrava-se numa situação peculiar em relação ao Império Espanhol.
Servindo como porto de escoamento da prata que vinha do Peru pela rota de Córdoba, era alvo de
grande atividade comercial e criação de gado. Buenos Aires muito tempo vinha mantendo relações
comerciais ilegais, do ponto de vista oficial, com cidades brasileiras como São Vicente e Rio de
Janeiro. Havia contatos entre Buenos Aires e comerciantes do Rio de Janeiro, além do próprio
Salvador Correia de e Benevides, antigo governador, membro do Conselho Ultramarino de 1644 a
1680 e grande proprietário territorial.
70
Essa questão reforça um ponto importante, isto é, o interesse de particulares em
estender o Império luso até às margens do Prata, baseado em adquirir benefícios próprios ou continuar,
e melhorar, atividades que já vinham desenvolvendo anteriormente. Na verdade, não se pode negar a
influência desses indivíduos sobre as decisões do Estado, que mesmo não demonstrando oficialmente,
por certo não as ignorou por completo. Contudo e apesar disso, coube à Coroa a iniciativa de pôr em
prática essa expansão, com a fundação de Sacramento, alguns anos depois. Assim, apesar da posse não
ter-se efetivado, e tendo as terras voltado ao poder real, atesta-se aqui a preocupação e o interesse da
67
Idem, p. 49.
68
Conforme José Honório Rodrigues, a Carta Régia de 17 de julho de 1674, que faz esta doação, encontra-se in “Documentos
Históricos”, transcrita por Capistrano de Abreu in Nota 9, p.17, da introdução à História Topográfica e Bélica da Nova
Colônia do Sacramento do Rio da Prata, de Simão Pereira de Sá. Rio de Janeiro, 1900. Op. cit. , pp. 82-83.
69
Segundo Sérgio B. de Holanda, “Salvador Correia de redige um memorando em 1643, em resposta à indagação de Sua
Majestade sobre o melhor meio de reabrir-se o comércio entre o Brasil e Buenos Aires, tendo em vista a prata que vinha
antigamente através desse porto. A solução encontrada foi, sem mais nem menos, a da remessa de uma camada para tomar o
porto, com o apoio por terra dos paulistas que marchariam com o mesmo destino através do Paraguai. Assim facilitava-se o
intercâmbio desejado, assegurava-se grande ‘proveito em carnes para o sustento do Brasil e em couramas’ finalmente ganharia
Portugal além do estuário do Prata, o caminho senão o próprio tesouro de Potosi”. Op. cit. , p. 324.
70
Op. cit. , pp. 124-125. Vale ressaltar que o rei D. João V havia morrido, estando no trono de Portugal D. Luísa de Gusmão,
como Rainha Regente, até a
ascensão de D. Afonso VI. Na questão acima fica claro o intento dos políticos influentes na
intenção de estender o território português até o Prata. Apesar do não atendimento imediato das idéias e sugestões advindas
desses homens, que tinham também interesses comerciais bastantes fortes, a pressão exercida certamente foi importante nas
ações posteriores do Estado luso.
22
Coroa lusa em fazer povoar uma área que apesar de não estar bem definida, era tida como de
propriedade portuguesa.
A expansão territorial a o Rio da Prata era significativa pela importância que o
referido rio tinha em relação à navegação, ao transporte de mercadorias, ao contrabando e ao comércio
que se estabeleceu na região. O Rio da Prata continuou sendo, a partir desse momento, o ponto de
referência e de interesse dos Estados Ibéricos. A mudança de direcionamento, ao se tratar da região
platina, fez a Coroa lusa buscar apoio na Igreja Católica:
“Muitos fatos, nesse período, atestam a mudança de orientação da Metrópole
no que respeita ao recuo do meridiano de Tordesilhas. [...] E ao mesmo
tempo se pode dizer da bula Romani Pontificis, que erigiu o Bispado do Rio
de Janeiro, dando-lhe como limites austrais o Rio da Prata”.
71
A possibilidade do Estado luso ter sofrido forte influência pela elaboração da bula
Romani Pontificis, e decidido estender seus domínios até o Rio da Prata é confirmada pela quase
imediata cogitação da realização desse projeto, logo após sua assinatura pelo Papa.
72
O apoio indireto da Santa Sé ao Estado luso, permitindo, por ordem do Papa, o
prolongamento territorial, atestava a importância da relação entre a Igreja e o Estado. Essa relação
acabou por influenciar, mesmo que indiretamente, no andamento da ação ocupacional em geral, e até
em relação à instalação de Sacramento, no extremo-sul.
Na verdade, o Tratado de Tordesilhas, firmado no fim do século XV, passou a ter
influência sobre Sacramento, nos fins do século XVII. Fronteiras renovaram-se a partir da força e da
presença marcada do português e do espanhol. Isto aconteceu devido à imprecisão e não mantenimento
do referido Tratado, pelas partes interessadas.
73
Essa flutuação acabou por atingir a Colônia do
Sacramento, obstáculo à ampliação territorial castelhana a partir de 1680:
“Na América do Sul, muito antes de haver uma fronteira entre os impérios
coloniais, houve apenas um limite, representado pela linha imaginária de
Tordesilhas. Somente no século XVII, de uma maneira gradual, a fronteira se
delineou, com todos os problemas correlatos de oposição e coexistência que
lhe são típicos. Isto ocorre desde o vale amazônico até o estuário do Prata.
Foi, entretanto, no sul, que a problemática fronteiriça tornou-se
complexa...[...], a partir da década de 80, portugueses e espanhóis
derramaram o sangue de seus exércitos frente aos muros da Colônia do
Sacramento”.
74
71
Op. cit. , p. 49.
72
Op. cit. , p. 327.
73
Op. cit. , p. 48.
74
Idem, p. 149.
23
Em relação à questão Estado-Igreja, pode-se dizer que, na verdade, houve um
fortalecimento de ambas as partes, a partir do mútuo apoio. O Estado Absolutista necessitava da Santa
Sé para reforçar seu poder político através do controle ideológico.
75
Naturalmente que o interesse antes apenas superficial por parte do Estado luso, e que
passou a ser convertido em ação, com a fundação de Sacramento, explica-se não apenas pelo que foi
afirmado pelo autor antes citado, mas também em função de uma conjuntura econômica em crise por
que passava a Metrópole portuguesa.
Dessa forma os pedidos do Estado luso que foram atendidos e “amparados pela Santa
Sé, viriam a completar-se pela ação das armas, com a fundação da praça forte da Colônia do
Sacramento (1680)”.
76
Ressaltando a importância da fundação de Sacramento, percebe-se que “em pleno
século XVII, eram os portugueses os grandes comerciantes desse rio (Prata) e, decerto, os seus
melhores práticos”.
77
A significação da expansão territorial portuguesa explica-se de muitas maneiras.
A questão fundamental em relação ao Prata era a comercial, conforme dito anteriormente, mas não se
totalizava nesse enfoque:
“...as relações internacionais de Portugal no Brasil visavam acumular poder e
torná-lo uma nação do HAVE...”.
78
A política do Estado português direcionou-se não apenas visando o enriquecimento da
Metrópole (riqueza imediata através do contrabando e do comércio legalizado), mas também pela
posse de maiores áreas coloniais, objetivando o engrandecimento desse Estado, assentado na soberania
colonialista, através do aumento do território.
O interesse do governo luso em relação a tudo o que dissesse respeito ao Brasil passou
também a acentuar-se a partir da Restauração. Ao recuperar sua independência política, livrando-se do
domínio espanhol, Portugal necessitava reerguer-se tanto política quanto economicamente.
Depauperado pela política beligerante dos Habsburgos na Europa, a nação portuguesa estava à beira
do colapso.
Havia fortes sinais da decadência de Portugal, no campo econômico, com perdas
sofridas ao longo do tempo e uma situação de fragilidade. Nesse quadro, Portugal encontrava-se com a
sua marinha destruída e ia perdendo aos poucos seu império colonial. A Inglaterra e a Espanha se
apossaram de grandes áreas antes controladas pelos portugueses. Em relação aos contratos comerciais
com o Oriente, o autor afirma estarem em franca diminuição, não sendo mais renovados. Na Ásia, se
conservaram apenas algumas colônias sem maior importância monetária.
Na realidade, o que restou a Portugal do antigo império do ultramar foram o Brasil e
umas poucas possessões africanas, fornecedoras de escravos.
79
Essa situação trouxe profundas
75
Na verdade o poder do Estado se fortalece em relação à Igreja, a partir do ponto de vista político. Arno Kern afirma que
“quando mais tarde o Papa tentou recuperar suas prerrogativas, isto foi impossível. O absolutismo luso-espanhol não cedeu. E
chegou mesmo a atingir o auge do Real Patronato na Espanha ou Real Padroado em Portugal, quando da expulsão da
Companhia de Jesus, no século XVIII”. Op. cit. , p. 83.
76
Op. cit. , p. 49.
77
Op. cit. , p. 83.
78
Idem, p. 28.
79
PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo : Brasiliense, 1962, p. 49.
24
modificações à política portuguesa, que dependia exclusivamente de um melhor direcionamento do
governo, junto ao futuro incerto que se vislumbrava.
Em vista disso, a imigração ocorreu em grande escala, com a transferência de
contingentes significativos da Metrópole (sem recursos) para a sua colônia americana, que abria
possibilidades de sobrevivência e prosperidade. As conseqüências para o Brasil foram enormes.
Houve um rápido aumento da população e estendeu-se a colonização. Isto fez com que houvesse
também um avanço territorial e invasões de áreas que pertenciam efetivamente ao Estado espanhol.
80
Cita-se aqui a área platina oriental, que, se não era oficialmente espanhola, tão pouco
era portuguesa. Nesse sentido, em função da mudança da orientação política do Estado, oriunda da
crise por que passava a Metrópole, a colonização iniciou-se mais concretamente, atingindo, dessa
forma, o sul colonial que apresentava-se no contexto ocupacional português, inserido como área
despovoada.
É importante abordar a questão relativa à condição econômica de Portugal, que mudou
de direção a partir da Restauração, conforme foi salientado anteriormente. Enquanto estavam unidas as
duas Coroas, Portugal aproveitava-se amplamente da riqueza gerada pela América Espanhola,
exercendo atividade comercial por todo o império espanhol.
Tanto o comércio regular quanto o contrabando beneficiaram amplamente os
portugueses nesse período, e, naturalmente, o Estado obteve suas vantagens. Havia portugueses
instalados na Espanha, que acabaram por controlar o comércio interno. Ao mesmo tempo, os
comerciantes lusos exploravam o tráfico de escravos negros, bastante lucrativo, além do comércio
hispano-americano, através de Buenos Aires, estendendo essas atividades à Europa.
81
As rotas de contrabando, formadas a partir de Buenos Aires, acrescentaram ainda mais
vantagens econômicas a Portugal. Assim, “Buenos Aires se assemelhava a uma colônia portuguesa, e
através dela penetravam os lusitanos até a fonte da prata: Potosi”.
82
A importância do Rio da Prata era tanta que o seu mantenimento, para o Estado luso,
significava um acréscimo volumoso no numerário gerado pelas atividades comerciais. Havia grandes
afinidades econômicas entre as duas regiões, Rio da Prata e Brasil, com uma importação muito grande
e diversificada de produtos. Além disso vinham produtos manufaturados europeus, somando-se ao
escravo, ao açúcar, ao tabaco e aos produtos alimentícios. Portugal levava grandes vantagens nessas
trocas, recebendo como produto de troca couros e prata.
83
Na verdade, ainda durante o período de domínio espanhol, foi tentada a obtenção do
término desse comércio, ficando proibida a exportação da prata para além da cidade de Córdoba, que
ficava entre Buenos Aires e a região das minas do Potosi.
O contrabando intensificou-se, reagindo a esta proibição. Buenos Aires justificava sua
ação pela necessidade de sobrevivência, e de continuidade das atividades comerciais. O Estado
espanhol manteve o porto buenairense preso ao complexo Pacífico-Caraíbas, ignorando sua
capacidade de saída pelo Atlântico. As autoridades de Buenos Aires, por sua vez, acabaram por não
impedir e até mesmo colaborar com este comércio ilegal.
84
A Espanha tentou por todos os meios obstaculizar pelo menos o comércio legal, na
medida em que emitiu uma grande legislação. Era objetivo do Estado espanhol preservar o máximo
possível o comércio colonial com a metrópole.
80
Idem, p. 50.
81
E. D’Oliveira França. Portugal na época da Restauração. In : PINTO, Virgílio Noya. O Ouro Brasileiro e o Comércio
Anglo-Português. São Paulo : Nacional, 1979, p. 6.
82
Alice P. Canabrava. O Comércio Português no Rio da Prata (1580-1640). In : PINTO, idem, p. 7.
83
PINTO, ibidem, p. 8.
84
Ibidem, p. 9.
25
Em relação a isso, criou as cédulas reais, que impediam as atividades comerciais entre
os que não fossem cristãos e espanhóis. Essa atitude visava não apenas os comerciantes portugueses,
como também os ingleses. A partir daí surgiram várias modalidades de fiscalização, restringindo cada
vez mais o comércio na região.
85
O permanente comércio, tanto legal como ilegal, com vantagem portuguesa, teve o seu
período de estabilidade. No entanto, a decadência foi inevitável, principalmente devido a alguns
aspectos ressaltados. Um dos obstáculos foi a penetração dos holandeses no Atlântico Sul.
Conquistando áreas como Pernambuco (1630), Elmina (1637) e Luanda (1641), os batavos
desorganizaram o comércio afro-americano, atingindo não somente Portugal mas abalando as
transações comerciais entre as colonias portuguesa e espanhola. Também a prata começou a ser
adquirida com dificuldade. A situação econômica portuguesa tendeu a agravar-se com a Restauração
devido aos gastos com a reinstalação do Estado português (já tratados no primeiro capítulo desse
trabalho), e também pela sensível diminuição da produção de prata da América.
86
Medidas foram tomadas pelo governo luso para tentar estabilizar o quadro em
declínio. Essas medidas revelaram-se frágeis, em função de uma realidade mais complexa. Havia
problemas com a balança de comércio do império, agravando a situação monetária. Vítima de um
contínuo déficit, gerava uma crise que atingia os vários setores da economia metropolitana, e diminuía
os mercados consumidores. Para contrabalançar as perdas, a diferença na balança de comércio
ocasionava a fuga de numerário para o exterior. “O déficit de metal precioso foi a constante de toda a
segunda metade do século XVII”.
87
A necessidade da preservação de uma área lucrativa para a Coroa
lusa era de extrema importância, principalmente nesse período de crise aguda.
A situação econômica do império português no século XVII colocava de sobreaviso a
Coroa, posicionando-a para determinadas decisões em relação às suas colônias, notadamente o
Brasil.
88
O quadro apresentava-se deficitário em todos os setores da economia, com retração na
agricultura, a partir da exportação do vinho, concorrente com os fabricados na França e Espanha,
atingindo até o mercado interno. Além disso, havia uma recessão de preços, apesar do açúcar ajudar a
diminuir o déficit comercial. Tal situação “estava levando a um período de crise e afetando os demais
segmentos. A crise comercial associava-se à crise de metais preciosos, depauperando o império
português”.
89
Com a expulsão dos holandeses do Brasil em 1654, iniciou-se o período de declínio da
produção ucareira. Impossibilitado de concorrer em igualdade de condições com o açúcar holandês
produzido na América Central (Ilhas Antilhas), e ainda tendo que enfrentar o açúcar de beterraba
produzido na Europa a baixo custo e preço menor, a decadência tornou-se inevitável, dadas as
condições econômicas da Metrópole nesse momento.
85
Op. cit. , p. 351.
86
Op. cit. , p. 8.
87
Idem, p. 8.
88
Conforme Celso Furtado: “Na medida em que cresciam em importância relativa os setores de subsistência no norte , no sul
e no interior nordestino, - reduzindo-se concomitantemente a participação das exportações no total do produto da colônia -
tornava-se mais e mais difícil para o governo português transferir para a Metrópole o reduzido valor dos impostos que
arrecadava. Devendo liquidar-se em moeda portuguesa tais impostos, sua transferência impunha uma crescente escassez de
numerário na colônia, cujas dificuldades também por esse lado se viam agravadas. Em Portugal eram ainda mais sérias as
vicissitudes. A queda no valor das exportações de açúcar, por um lado, criava dificuldades ao erário e, por outro, impunha a
necessidade de reajustar todo o sistema econômico a um nível de importações bem mais baixo. As repetidas desvalorizações
cambiais (o valor da libra sobe de mil-réis para três mil e quinhentos réis entre 1640 e 1700) refletem a extensão do
desequilíbrio provocado na economia lusitana. Op. cit. , pp. 68-69.
89
Op. cit. , p. 9.
26
A região açucareira, ao enfrentar tal queda, afetou o comércio escravista, indo tal
fenômeno atingir também a região sulina, que necessitava de produtos comerciais. O comércio de
couros aumentou de importância, fixado nas exportações pelos portos sulinos, fazendo com que a
criação preocupasse cada vez mais a Coroa lusa.
A crescente importância do Prata como grande centro criatório. Portugueses e
espanhóis investiram na produção de couros e organizaram-se, visando disputar o mercado nascente.
Nessa ótica, a penetração lusa no Prata apresentava-se, com a fundação da Colônia do Sacramento,
como conseqüência da decadência da economia açucareira. Portugal objetivava um mercado que se
havia mantido, apesar do movimento antilhano.
90
Assim, Sacramento faria com que Portugal se fortalecesse nos negócios do couro,
além de continuar contrabandeando com o porto de Buenos Aires, um dos principais das colônias
americanas. Era uma etapa em que a Espanha perdera praticamente a sua frota e persistia em manter
o monopólio do comércio com suas colônias”.
91
Dentro da perspectiva do econômico, o Estado português não se permitia outra
alternativa a não a ser a de tentar dirimir a difícil situação financeira por que passava. Em vista disso,
tornou-se prioritário o mantenimento de centros de comércio que, de alguma forma, gerassem lucros à
Coroa. Conforme foi ressaltado, o Prata era, até 1680, um foco comercial onde os portugueses, em
atividades diversas, auferiam dividendos, tanto a nível particular, quanto, em certa medida, a nível de
Estado. Manter a regularidade, ou pelo menos, tentar não perder essa capacidade lucrativa seria então,
nesse particular, o objetivo do Estado luso.
A Colônia do Sacramento passou a significar a permanência da produção do
numerário português na região sulina, além de garantir outras vantagens, como a expansão territorial.
Sob o ponto de vista financeiro, em função da crise metropolitana e, além do mais, em função de
continuar lucrando com as atividades que se oportunizavam no Prata, o Estado luso tratava de avalizar
a fundação de Sacramento.
Há, dessa forma, vários ângulos de análise, para se tentar justificar Sacramento,
sendo fortemente embasada a sua fundação sobre a ótica econômica. O Estado patrimonialista
português agiu, assim, de acordo com suas características.
O Estado patrimonialista estava ligado à questão dos privilégios, mas também,
próximos à essa questão, aparecia de um lado uma cobertura de necessidade de caráter lucrativo-
monopolizador, e de privilegiado, por outro.
92
A ação empreendedora da Coroa lusa estava, assim,
embasada na característica do Estado patrimonialista e justificava pensar Sacramento como, não
apenas um ponto-futuro de fronteira lusa, mas uma garantia de caráter lucrativo. Essa ação era
refletida não apenas pela necessidade gerada pela crise financeira da Coroa, mas obedecendo a
critérios mais complexos, que caracterizavam o Estado absolutista português visto como um todo, a
partir da sua formação política.
Na prática, a fundação de uma povoação às margens do Rio da Prata não era tarefa
fácil. O processo de decisão tomou vários rumos, até que realmente o fato se concretizou. Diversos
pedidos de doações de terras foram enviados ao soberano português. Contudo, os problemas advindos
de povoação e fortificação de uma futura colônia a ser fundada, eram muitos. Por isso, a tomada de
decisão partiu diretamente do governo luso:
“Na tentativa de estabelecer os limites do Brasil, e de buscar as fronteiras
naturais, o príncipe regente, futuro Pedro II, ao nomear Manuel Lobo
90
Op. cit. , p. 69
91
Idem, p. 68.
92
WEBER, op. cit. , p. 835.
27
governador do Rio de Janeiro, incumbiu-o de dirigir-se ao Prata e fundar uma
nova colônia”.
93
Simão Pereira de Sá ilustra tal fato, destacando as gentes que acompanharam D.
Manuel Lobo. Diz ele que acompanhando o Corpo militar havia alguns presos, condenados por delitos
graves e que haviam tido sua pena comutada para trabalhos forçados na Colônia.
94
A composição
social de Sacramento, dessa forma, era formada, além do contingente recrutado por D. Manuel Lobo,
por presidiários e párias da sociedade lusa.
A Colônia do Santíssimo Sacramento foi fundada a 01 de Janeiro de 1680, às margens
do Rio da Prata, em frente a Buenos Aires. Estava criado um marco avançado da presença portuguesa
na região platina oriental e, ao mesmo tempo, nascia o ponto de maior atrito entre Portugal e Espanha,
na referida região. O surgimento de Sacramento, tida para os portugueses como a sua última fronteira,
explica-se aqui a partir de dois pontos de vista: a expansão territorial e as atividades comerciais, já
existentes anteriormente.
A fundação de Sacramento tomou características diferentes do processo de expansão
lusa, na formação territorial brasileira. O poder do Estado sancionou e fortaleceu a ação privada. Não
sendo este poder o responsável pela ação inicial. No caso da Colônia do Sacramento, a colonização foi
antecedida pela iniciativa governamental, que preparou terreno à ação privada.
Em vista disso, questiona-se o interesse da Coroa lusa com a fundação de Sacramento.
Antes do aparecimento da Colônia, o ponto mais avançado dos portugueses era a vila do Desterro
(Florianópolis). O que justificaria o estabelecimento de uma colônia distante mais de mil quilômetros
deste ponto e colocada em frente à cidade espanhola de Buenos Aires? Talvez “o motivo mais
importante, sob o ângulo governamental, fosse o desejo de estender o domínio português até o Rio da
Prata, projeto longamente acalentado...”
95
Percebe-se a peculiaridade da iniciativa do Estado luso em relação à fundação de
Sacramento, mas, principalmente, a importância da ação do governo em relação à iniciativa da própria
expansão e colonização como um todo.
O papel desempenhado pelo Estado foi fundamental para o fortalecimento da
presença portuguesa na região platina oriental. Se em outras áreas coloniais a Coroa deixava, de certa
maneira, particulares agirem por conta própria, para posteriormente sancionar suas conquistas, no sul
esse processo se apresentou de modo inverso, com o Estado encabeçando a expansão.
É claro que, muitas vezes, as ordens reais não coincidiam com o que estava
acontecendo naquele momento, porém, sempre que podia, o Estado impunha seu poder político para
direcionar o processo ocupacional. A integração comercial entre portugueses e espanhóis no Rio da
Prata, importante para ambos os lados, e já ressaltada anteriormente, traz um outro aspecto a ser
colocado. Trata-se da influência mútua entre ambos os grupos sociais, a partir desse contato, mesmo
que puramente econômico.
A simples presença freqüente de ambos, em transações que obrigaram tais elementos a
trocar informações, idéias, e, conseqüentemente, trazer a sua visão de mundo, permitiu, mesmo que
inconscientemente, uma certa influência entre eles. Essa troca recíproca, mesmo que não transformada
em aculturação, revelava a dinamicidade entre os grupos sociais atuantes, e projetava futuros grupos
93
Op. cit. , p. 19.
94
SÁ, Simão Pereira de. História Topográfica e Bélica da Nova Colônia do Sacramento do Rio da Prata.1737. Porto
Alegre : Arcano 17, 1993, p. 11.
95
Op. cit. , p. 124.
28
que não teriam as mesmas características individuais de antes dos contatos. As herdades seriam
híbridas.
A inter-relação entre o elemento humano na região platina oriental também constituiu-
se historicamente a partir de uma relação comercial, gerando influências culturais transformadoras, a
serem vislumbradas posteriormente em futuros grupos sociais. Na verdade, os embriões existiam,
apesar da lentidão do processo de formação.
Os homens mantém uma inter-relação contínua no espaço e no tempo, originando uma
determinada ação, formadora dessas forças. A cultura se desenvolve através desses processos, que são
constituídos pela acumulação e pela continuidade. Importante ressaltar que os resultados do processo
interativo humano progridem, através do tempo, em um grau cada vez maior. Assim, “qualquer contato
entre indivíduos é o ponto de partida para novos contatos sociais mais complicados”.
96
Sacramento afirmou-se como referencial para posteriores acordos de fronteira mas, até
que as definições chegassem, o que ocorreu no século XVIII, sua importância também foi afirmada
pelo despertar de divergências entre espanhóis e portugueses:
“A questão exata da jurisdição da Espanha ou de Portugal na América
viria a reavivar-se com a fundação da problemática Colônia do Sacramento
em 1680. Até aí, vinham-se dilatando, sem maiores restrições a conquista e
a colonização: do lado luso, pela posse de sucessivas porções do litoral,
posse conseguida pelos embates contra índios hostis ou estrangeiros
usurpadores (o caso dos ingleses, franceses e holandeses); ou pela empresa
agrícola da cana-de-açúcar ou, ainda, no interior, pela ação dos padres
missionários de diferentes ordens religiosas ou pela dos bandeirantes, nas
suas atividades de caça ao índio ou prospeção metalífera. Tudo isto a partir
do litoral atlântico. Do lado espanhol, a penetração fazia-se desde o Prata,
das costas do Oceano Pacífico ou do Caribe, e a conquista efetivava-se
mediante a procura e a exploração da prata, na sujeição dos impérios
altamente civilizados dos Incas, Aztecas e Maias ou, ainda, no rastro do
pastoreio.”
97
Havia um movimento contínuo, tanto de lusitanos quanto de espanhóis, demonstrando
assim que os espaços estavam sendo ocupados. O homem foi-se fixando à terra no entrechoque de
forças, na sobreposição de grupos, na organização comercial, ou mesmo na procura da sobrevivência.
Surgiram, nesses contatos, “núcleos urbanos, propriedades agrícolas ou ganadeiras,
tanto quanto centros de mineração, de pesca ou de artesanato.”
98
Pouco a pouco, o território foi
sendo preenchido, mesmo que não de imediato na sua totalidade. Esses focos de atividades das mais
diversas, transformaram-se em um processo de entrelaçamemto, entre os indivíduos que praticavam
tais ações.
Embora os espaços territoriais não fossem, nesse momento, grandemente tomados, é
lógico pensar que, a partir do processo ocupacional (mesmo que lento) acontecessem contatos entre os
variados grupos, na região. A extensão das áreas onde esses grupos se encontravam, associada à
lentidão da movimentação e dos contatos, dificultou tal integração.
96
Leopoldo Von Wiese. Os processos de Interação Social. In : CARDOSO, Fernando Henrique e IANNI, Octavio. Homem e
Sociedade. Leituras básicas de sociologia geral. São Paulo : Nacional, 1976, p. 216.
97
Op. cit. , p. 269.
98
Idem, p. 269.
29
No entanto, não eram grupos estanques agindo isoladamente, mas, potencialmente
dinâmicos, apesar de nem sempre construtores ou integradores com outros grupos sociais. A relação
social é definida como “um estado fluido, determinado por um ou uma variedade de fenômenos
sociais, de relativa coesão ou dissociação entre os homens”.
99
Esse fenômeno aconteceu tanto com
portugueses quanto espanhóis, o que, na verdade, caracterizou o hibridismo social atuante na região
platina oriental. Os contatos mais ou menos pacíficos entre portugueses e espanhóis eram amplamente
fortalecidos pelo comércio, que se espalhou pela região.
Parece que, enquanto o havia uma ação ocupacional efetiva, oficializada pelo
Estado, as relações entre ambos eram mais de interesses econômicos, do que marcadas pela
beligerância. Foi com a fundação de Sacramento, em frente a Buenos Aires, e acionada sua ocupação
por efetivo militar representante da Coroa lusa, que as hostilidades passaram a acentuar-se.
Há, na verdade, certa convergência de opiniões à respeito do verdadeiro significado da
fundação de Sacramento:
“Quais os objetivos desse povoamento, iniciado com 200 soldados, 60
escravos e apenas 8 mulheres índias e uma branca, esta acompanhada de
seu esposo? Certamente não eram de colonização, embora o
estabelecimento ostentasse o nome de Colônia do Santíssimo Sacramento,
única povoação assim denominada - pois todas as demais no Brasil
receberam o orago junto a uma toponímia...”.
100
Conforme Capistrano de Abreu “levantou-se a hipótese de que a fundação da Colônia
do Santíssimo Sacramento,[...], tinha como objetivo primacial sustentar e afirmar os direitos
portugueses no extremo sul”.
101
quem defenda a existência de uma maior importância política do
que comercial à Colônia do Sacramento.
102
No que se refere ao valor de Sacramento para os portugueses, acredita-se que não
seria prudente supervalorizar o político em detrimento do comercial e vice-versa. Em concreto,
Sacramento tinha uma importância política muito grande, vista sob a ótica do Estado luso, por este
possuir uma povoação situada em um ponto tão distante, ainda não definido politicamente, que
garantia seu poder e sua presença real.
No entanto, percebe-se que, se por um lado esse avanço fortaleceu a presença do
Estado em nível político, trouxe benefícios econômicos, dando continuidade ao processo comercial
iniciado anteriormente a Sacramento. Acredita-se que aqui eqüivalem-se ambos os objetivos, pelas
vantagens que os dois pontos de vista garantiram ao Estado português.
Sacramento, dessa forma, o deixou de representar uma “estaca” fincada em uma
terra que ainda não possuía dono reconhecido oficialmente, e que, por ser portuguesa, beneficiava o
processo de ocupação e colonização das terras entre Laguna e o Rio da Prata, agora o outro parâmetro
do avanço luso.
Não era Sacramento objetivamente colonizadora, dadas as características de sua
formação social, mas garantiu, sob a perspectiva da Coroa lusa, a ampliação territorial desejada. A
questão aqui a considerar é a importância da fundação da Colônia do Sacramento, a partir da alteração
99
Wiese In CARDOSO, op. cit. , p. 216.
100
FLORES, Moacyr. Colonialismo e Missões Jesuíticas. Porto Alegre : Nova Dimensão, 1986, p. 45.
101
Capistrano de Abreu. Ensaios e Estudos, p.47. In : FLORES, op. cit. , p. 45.
102
Op. cit. , p. 45.
30
do processo ocupacional da região platina. As lutas armadas entre lusos e castelhanos, acontecidas na
referida região, antes de Sacramento, não tiveram maiores influências nas atividades comerciais.
Esses conflitos configuravam-se nas divergências culturais existentes entre os grupos
sociais atuantes. Índios e brancos não “falavam a mesma língua” e nem tinham interesses idênticos,
assim como portugueses e espanhóis, que, apesar de brancos, representavam Estados autônomos
politicamente.
Nessa medida, os conflitos foram inevitáveis. Não é possível esquecer, ainda, a ação
dos jesuítas na região. Os padres foram os responsáveis pela integração de grupos indígenas, na
dinâmica de ocupação platina. Além disso, integravam o contingente de homens brancos,
representantes de seus países de origem, como entre os padres espanhóis e seus conterrâneos civis.
Mesmo que as Missões Jesuíticas escapem dos parâmetros territoriais deste trabalho, a presença
indígena aculturada ou não, sofreu influências jesuíticas e as levou consigo quando dos contatos com
castelhanos e/ou com os conflitos armados contra portugueses.
À Colônia do Sacramento vieram convergir lutas armadas, num primeiro momento,
com a participação de portugueses, castelhanos e índios aliados a padres espanhóis. Assim, logo após
sua fundação, Sacramento foi cenário de ataques acirrados, interrompendo temporariamente as
relações de comércio que aconteciam até então.
103
Participaram desse primeiro ataque, em 1680, cerca de três mil índios armados com
quatro mil cavalos próprios, duzentos bois, trinta e sete balsas e embarcações. Muitos índios,
enfrentando um inverno rigoroso e com mais de duzentos doentes, cumprem a última distância a pé,
deixando os cavalos para as ações militares.
104
A devolução da Colônia do Sacramento aos portugueses deu-se através do Tratado
Provisional, assinado a 07 de maio de 1681.
105
O Estado luso acabou por fazer-se valer, ao recuperar
Sacramento. Essa supremacia deu-se pelo receio, da Espanha, de que viesse ocorrer uma aliança entre
Portugal e França. O reino espanhol permanecia em luta com os franceses, apesar da guerra ter sido
interrompida em 1678. A atuação diplomática da Coroa lusa foi providencial, sabendo negociar com
amplas vantagens para si, valendo-se de uma situação política delicada para a Espanha.
106
Não se pretende estudar o processo de negociação do referido Tratado. Contudo
percebe-se que Portugal teve o que se chamou de ‘meio-triunfo’. Foi reparada a ofensa à soberania
103
Moacyr Flores resume a questão do ataque à Sacramento: “Os espanhóis aguardavam a sentença do tribunal de Lima e da
Audiência de Chuquisaca sobre a questão de limites, pois a Espanha exaurida não podia enfrentar mais uma guerra, desta vez
com seu vizinho Portugal. Por ordem do padre Altamirano, temeroso de que a nova colônia fosse uma base de operações para
a captura de índios missioneiros, 3.000 índios com 4.000 cavalos cercaram o estabelecimento luso. Uma patrulha missioneira
prendeu no litoral os reforços de Jorge Soares Macedo, que depois de naufragado buscava chegar por terra ao reduto lusitano.
O comandante espanhol Vera Muxica colocou os índios missioneiros nas vagas de ataque sob as ordens dos caciques Coretu,
Amandao e Capily, deixando os soldados espanhóis como esquadrão de reserva. Na noite de 7.8.1680 a indiada atacou o
reduto com fúria, escapando com vida os portugueses que se abrigaram na igreja, e os que fugiram em um pequeno bote até o
navio espanhol e aqueles que os oficiais espanhóis protegeram com suas espadas. Os guaranis não queriam fazer prisioneiros.
Preparava-se a Coroa Portuguesa para invadir as fronteiras da Espanha, em represália à destruição da Colônia, quando
recebeu da Corte de Madri a aceitação de todas as suas condições, incluindo a punição do governador de Buenos Aires que
cumprira com seu dever, expulsando os portugueses invasores. Analisando os acontecimentos, o padre Altamirano dizia ser
preferível permitir aos lusitanos manter relações comerciais com Buenos Aires a deixá-los povoar o Prata, de onde poderiam
facilmente atingir as Missões Jesuíticas e as Minas de Potosi”. Ibidem, p. 46.
104
BLUMERS, Teresa & Constantin, MASY, Rafael Carbonell. “Las cuentas de los pueblos guaraníes en los oficios de
misiones de Buenos Aires (1731-1763) y de Santa Fe (1731-1745) In MASY, Rafael Carbonell de. Estrategias de desarrollo
rural en los Guaranies (1609-1767). Barcelona : IEF, 1992, p.356.
105
Mocellin refere-se a esse acordo como “Tratado de Lisboa”, ressaltando que, na sua consecução, os portugueses
receberam o apoio da Inglaterra. MOCELLIN, Renato. A História Crítica da Nação Brasileira. São Paulo : Editora do
Brasil, 1987, p. 63.
106
Op. cit. , p. 333.
31
portuguesa sobre a margem norte do Prata. Segundo ele, houve restituição dos equipamentos bélicos
existentes na Colônia, tais como armas, artilharia e munição, além da devolução dos prisioneiros. A
Colônia voltou à situação que estava antes da invasão, ocupada por moradores e soldados. O
governador de Buenos Aires sofreu severa advertência por ter cometido excesso de ações e ter sido
considerado culpado.
107
O Tratado Provisional tornou-se, enfim, sem validade, quando da assinatura do
Tratado da Amizade em 18 de junho de 1701. Portugal passou então a garantir e consolidar a
propriedade sobre Sacramento, em troca de apoio a Felipe V aos seus objetivos dinásticos.
108
A presença da Colônia do Sacramento funcionava como um “catalisador” de forças,
regulando intensidades conflituais entre espanhóis e portugueses, os maiores atingidos pela situação
criada.
Um outro dado a considerar quanto a isso seria o grau em que pode ser medido o
conflito. As colonizações, próximas do Atlântico e do Pacífico, se apresentavam mais concretamente
delineadas e estruturadas. Contudo, essas colonizações enfraqueciam conforme se localizassem mais
para o interior do continente. O reflexo disso era o enfraquecimento do poder do Estado, na medida em
que rareavam as autoridades presentes.
109
No entanto, essa explicação não é única. Em determinados momentos, quando o
Estado perdeu ou enfraqueceu seu poder, em relação ao elemento humano, e aos grupos sociais que o
representavam, justifica-se, também, pela introdução de fenômenos casuais, na produção dos
acontecimentos.
110
Essa descontinuidade, onde a força do Estado foi enfraquecida, ou perdida em certos
momentos, exemplifica-se, ou pelo aparecimento de grupos antagônicos a esse poder, tais como a
força de reação do Estado espanhol, ou pela ação autônoma de indígenas e castelhanos, impedindo a
expansão portuguesa na região, ou até mesmo pela individualização do próprio elemento português,
desvencilhando-se das leis governamentais. Revelam-se, assim, os fenômenos casuais, onde os
objetivos e o exercício do poder do Estado foram interrompidos, tornando sua ação descontínua.
As ações colonizadoras de ambos os lados, tanto espanholas quanto portuguesas,
apesar da fraca presença da autoridade, o se transformaram, necessariamente, em luta armada. Se
assim fosse, contradiria a afirmação anterior. Na verdade, essas colonizações foram mais aleatórias,
sem um maior planejamento, senão o bem-estar dos elementos participantes, carecendo de um
direcionamento, que foi fornecido pelo Estado, posteriormente.
Essa interpenetração e maleabilidade nos avanços e recuos das populações,
originaram uma fronteira geopolítica também maleável. A intervenção do Estado, nesse particular,
seria a tentativa de definição, impedindo a mobilidade fronteiriça, sob o ponto de vista político, na
defesa dos interesses de cada potência.
Os interesses, tanto de espanhóis quanto de portugueses, na verdade, nem sempre
foram opostos. “Houve pouca oposição real, mas muita oposição latente [...], quando a fundação da
Colônia do Sacramento, em 1680, iria renovar as contradições”.
111
Enquanto os benefícios comerciais atingiam a todos, a conivência para tentar manter
esses mecanismos lucrativos era mútua. Embora fosse ilegal, sob o ponto de vista do Estado, a
oposição ficava mais a um nível velado, cultural ou psicológico, não atingindo, pelo menos até onde se
percebe, as atividades comerciais de ambos.
107
Idem, p. 333.
108
Op. cit. , p. 81.
109
Op. cit. , p. 270.
110
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo : Loyola, 1996, p. 59.
111
Op. cit. , p. 158.
32
Sacramento, dessa forma, foi um ponto tanto cronológico quanto físico, para se tentar
captar o início das hostilidades, que deixaram de ser latentes para transformar-se em ação. Isso se deu,
no caso luso, a partir da presença do militar, representante do poder político do Estado, que veio
exercer e exigir seus direitos de territorialidade. Assim, a fronteira sul foi continuidade, enquanto
durou o comércio luso-platino, principalmente antes de 1640, com a migração de portugueses para
Buenos Aires e o interior da bacia platina”.
112
Havia também, em função dessas trocas, uma constante integração entre luso-
brasileiros e espanhóis, potencializando um certo grau de influências de ambas as partes, que
certamente permaneceu, mesmo com o rompimento comercial e o surgimento da beligerância. Essas
influências mútuas contribuíram na formação do homem da fronteira, principalmente em relação ao
gaúcho do Rio Grande, que traz em sua cultura algumas marcas de origem castelhana.
O resultado atesta, de um modo concreto, a mobilidade não apenas de fronteira sica,
mas cultural, através da integração de grupos sociais diferenciados. Nesse sentido, as ações existentes
na região platina oriental, originaram-se diretamente das características de cada grupo social, à parte a
ação do estado. A partir da individualidade desses grupos, de suas especificidades, pode-se medir
também o grau de intensidade dessa dinâmica regional.
O caráter beligerante, pacífico, aglutinador ou isolacionista, determina o grau de
interação existente no espaço regional. Havendo, sob qualquer medida, contatos entre grupos sociais, o
caráter dinâmico evidencia-se, mesmo que a resultante não permaneça a posteriori. Novamente a
Colônia do Sacramento revela-se como exemplo: ataques castelhanos à Praça, auxiliados por
indígenas,
113
as trocas de mercadorias entre os habitantes da Colônia e os de Buenos Aires, a vida
interna de Sacramento, interagindo tropas militares, indígenas e colonos luso-brasileiros, demonstra o
caráter dinâmico entre os grupos que ocupavam aquela área do Prata Oriental.
Esse posicionamento leva à necessária aceitação de que a região platina trazia, em sua
formação, uma potencialidade, onde não apenas as forças externas agiram, mas e inclusive, as várias
relações sociais internas. Essa diferenciação se baseia no fato de que o Estado luso o impunha,
necessáriamente, um relacionamento entre os grupos, sendo, muitas vezes, contrário a que isso
acontecesse.
Ao longo do tempo, até a posse definitiva da Colônia do Sacramento por parte dos
espanhóis, verifica-se que a mesma sofreu uma série de revezes armados, que acabaram por
interromper, nessas ocasiões, as atividades diárias realizadas naquele povoado. Tais fatos vieram
representar e significar divergências políticas entre os Estados Ibéricos, no que se refere à
permanência na região platina oriental.
A destruição, o controle e o apresamento de Sacramento, em determinadas ocasiões,
traduziu-se, na maioria das vezes, no confronto direto entre duas potências européias. Num primeiro
momento, tentaram resolver na guerra suas reivindicações, estendendo tal polêmica ao cenário
internacional, pelo mantenimento de suas soberanias através do imperialismo colonial.
Na intenção de registrar o histórico bélico de Sacramento durante o período em que
pertenceu a Portugal, ressalta-se que, estatisticamente, Sacramento representou uma preocupação
concreta à Coroa lusa e ao Conselho Ultramarino, responsáveis pela praça:
“Iniciado em 1680, capturado e arrasado no mesmo ano pelos espanhóis [...]
...sitiado, após isso, quatro vezes, em 1704-5, em 1735-37, em 1763, em
1772-77, ocupada três vezes, em 1705-15, em 1763 e, finalmente, a partir de
112
Idem, pp. 158-159.
113
Na segunda invasão a Sacramento, em 1704, atuaram cerca de 4 mil índios soldados, utilizando 6 mil cavalos, 2 mil
mulas e várias embarcações com grãos, erva e tabaco; cercaram mais de 30 mil vacas para garantir o sustento tanto dos índios
quanto dos espanhóis, durando oito meses as ações e a guerra. Conforme MASY, op. cit. p. 357.
33
1777, quando por força do Tratado de Santo Ildefonso, passou a pertencer à
Espanha...”.
114
O ano de 1715 assinalou o segundo Tratado de Utrecht, que devolveu Sacramento à
posse portuguesa. O referido Tratado “teve suas negociações girando à volta da Colônia do
Sacramento, ou seja, do problema da formação e definição territorial do Brasil”.
115
A assinatura do Tratado foi um engano, tanto por parte do governo português quanto
do governo espanhol. Havia cláusulas no Tratado de Utrecht que não beneficiavam necessariamente os
governos ibéricos. Entre elas, a proibição de haver relações comerciais entre Sacramento e as praças
castelhanas, principalmente Buenos Aires, era insustentável.
Além disso, a Colônia não poderia abrigar ou contatar qualquer outra nação que não a
portuguesa. Ressalte-se ainda o valor estratégico de Sacramento, de maior importância do que as
praças de Albuquerque e Puebla, que ficaram de posse da Espanha.
116
As trocas continuaram, à parte
os acordos governamentais. Essas relações clandestinas beneficiavam não apenas a Colônia
portuguesa, mas também increntavam a economia de regiões e cidades mais distantes de Buenos Aires.
Como exemplo cita-se o povoado de Corrientes, que se beneficiou com a venda de seus couros, que
eram renegociados na Europa pelos lusitanos. A exploração do gado na região correntina sofreu novo
impulso, que passou a ser criado em estâncias.
117
Alguns autores defendem que ocorreu um processo de decadência comercial no Prata,
iniciado já a partir da segunda metade do século XVII. No entanto, outros destacam que, se, em
primeiro plano não apareciam as atividades comerciais num crescendo, podendo ocorrer um declínio
do volume das trocas entre castelhanos e portugueses, estas se davam subjetivamente. A continuidade
dessas transações, colocada sob o ponto de vista ilegal, apresentou-se descontrolada e fora do âmbito
do poder dos Estados Ibéricos.
Em vista disso, se conclui que não foi a existência física de Sacramento que fez
diminuir sobremaneira o comércio legalizado entre lusos e espanhóis, mas a ação repressora dos
Estados, que agindo oficialmente, tentavam obstar essas transações.
Nesse aspecto, Sacramento aparecia como um obstáculo político, representativo, de
medição e confronto entre os poderes nacionais. Independente do que acontecia no local, nem em
Sacramento nem em outros pontos de acesso comercial, cessaram definitivamente tais atividades. Sob
o ponto de vista legal, o comércio restringia-se, mas, informalmente, a região platina oriental integrava
grupos sociais que beneficiavam-se com os lucros, isentos de fiscalização e impostos, advindos das
trocas realizadas.
Apesar de Espanha e Portugal tentarem dirimir, através do monopólio, as transações
diretas que ocorriam entre castelhanos e brasileiros (incluindo portugueses), não conseguiram impedir
que os sul-americanos em geral realizassem, apesar dele, um volumoso contrabando.
118
A situação mantenedora do comércio com Buenos Aires havia-se modificado após a
Restauração e declinado a ponto de tornar-se irrecuperável A formação de grupos opositores,
localizados em Buenos Aires, impediam a continuidade do livre câmbio comercial, envolvendo
114
Op. cit. , p. 338.
115
CORTESÃO, Jaime. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri. Lisboa : Horizonte, 1984, vol.2, p. 213.
116
Idem, p. 211.
117
CAÑEDO-ARGÜELES, Teresa. Un modelo de colonización en el Alto Parana La Provincia de Corrientes en los
siglos XVI yXVII. Madrid : Consejo Superior de Investigaciones Cientificas, 1988, p.162.
118
CESAR, Guilhermino. O Contrabando no Sul do Brasil. Porto Alegre : UCS-EST, 1978, p.20.
34
portugueses. Acredita-se que, tanto a Coroa espanhola quanto a lusitana não recebiam, na justa
medida, os benefícios a que faziam direito, resultantes do intercâmbio na zona platina.
Aqui ressalta-se o quanto onerosa era a manutenção da Colônia do Sacramento, para o
erário real português.
119
Este encargo era de competência da Fazenda Real. Até 1735, os custos
facilitavam-se pela colaboração dos próprios moradores de Sacramento, que cultivavam as terras
próximas da Praça. Havia também as transações comerciais, que diminuíam os gastos da Coroa
lusa.
120
Contudo, após a referida data, as dificuldades em manter Sacramento aumentaram.
Devido aos cercos constantes ocasionados por castelhanos, jesuítas e índios do Paraguai, a Colônia
mantinha-se isolada, seus moradores confinados, impedindo qualquer ajuda interna. Entre os anos de
1735 e 1737, em que durou o conflito luso-espanhol no Prata, a Fazenda Real gastou grandes somas. A
necessidade de atender a Colônia com expedições marítimas, no envio de gêneros e de soldados,
demandou exigências além do limite permitido ao tesouro do Estado português. “Após o Tratado de
Utrecht, com a entrega da Colônia pelos espanhóis, foi necessário fundar de novo a Praça, guarnecê-la
e povoá-la...[...] concluiremos que a manutenção [...] ,custou vários milhões de cruzados.”
121
As perdas também atingiam o lado espanhol. Sacramento trazia prejuízos aos
interesses comerciais de Castela. Com o não cessamento das trocas com Buenos Aires, o erário
espanhol ressentia-se. Em vista disso, surgiam queixas justificadas, demonstradas pelas sucessivas
ordens mandadas da Espanha aos governadores de Buenos Aires, para que coibissem o
prosseguimento das transações comerciais com a Colônia.
122
O Estado luso não ignorava a posição da Espanha em relação ao comércio com
Sacramento. No entanto, sempre haveria possibilidade do reatamento dessas trocas, na medida em que
estas fossem mantidas por Buenos Aires, e outras praças castelhanas. Parece que o era, em
princípio, idéia fixa da Coroa portuguesa, liqüidar definitivamente com o intercâmbio comercial, desde
que a Colônia se mantivesse em pleno funcionamento, e fornecendo dividendos regularmente. Seria
um posicionamento mal planejado encerrar toda e qualquer atividade que pudesse, de uma maneira ou
de outra, dar lucros.
Contudo, percebe-se que a questão política, em nível de posicionamento sico e de
presença estatal portuguesa era, na realidade, algo mais palpável de se tentar manter, num primeiro
momento, ou até quando fosse benéfico ao Estado, do que o jogo de exigências que envolvia o livre
comércio no Prata.
No entanto, a afirmação anterior prende-se à questão do comércio legalizado, que
apenas pela diplomacia poderia ser mantido, principalmente dada à situação de beligerância existente.
Tal prática, em realidade, apresentava-se inviável politicamente, pela oposição da Coroa espanhola,
que, além disso, sofria prejuízos reais em seu numerário. Dessa forma, o direcionamento do processo
comercial mudou de rumo, na medida em que passou a ser mantido fora dos parâmetros oficiais dos
119
O termo “erário real” é aqui utilizado objetivando o tesouro e a receita do Estado. O órgão, propriamente dito, foi criado
muito mais tarde, no governo do Marquês de Pombal.
120
Op. cit. , p. 73.
121
Idem, p. 75.
57
Vale lembrar que logo após a devolução de Sacramento aos portugueses, quando esta fora atacada e tomada pela primeira
vez, no Tratado Provisional, que a devolvia aos seus legítimos donos registrava-se o mantenimento das relações comerciais
entre castelhanos e portugueses na região platina, restringindo-se a determinadas zonas. “...embora o artigo 9 do Tratado
Provisional declarasse expressamente que ficava em vigor a proibição do comércio por mar e por terra, assim dos portugueses
como dos castelhanos, em Buenos Aires, os artigos 7 e 8, onde se permitia que os vizinhos desse último porto continuassem a
utilizar o sítio de São Gabriel, como já o faziam antes de erigir-se o presídio do Sacramento, na costa e na campanha, podendo
servir-se ali do gado, madeira, caça, pesca, lavores de carvão, ou mesmo assistir em boa paz e amizade, o tempo que
quisessem, com os portugueses, assim também se consentia que os navios de S.M. Católica se valessem do surgimento para
ancoragem e querena, tudo isso sem necessidade de consentimento ou licença de quem quer que fosse, porque assim o haviam
acordado ambos os Príncipes, destruíam tacitamente os efeitos da referida proibição”. Idem, p. 348.
35
Estados Ibéricos. Não se sabe, em concreto, se os lucros auferidos pela atividade ilegal de comércio,
eram registrados oficialmente quando entravam em Portugal. Tal fato poderia perfeitamente ocorrer,
na medida em que se ignorasse sua origem, ou fossem considerados como lucro comercial.
A tendência em manter o comércio com as praças castelhanas era fortemente
defendida pelos moradores brasileiros e lusitanos, das vizinhanças de Buenos Aires, incluindo
Sacramento e arredores. Percebe-se isso quando se busca dados a fim de verificar numericamente o
declínio do comércio pós 1640, e, em contrapartida, a necessidade de resgatar os lucros anteriormente
alcançados.
123
A resistência oferecida pelo Estado espanhol o aparecia inicialmente, já que pelo
Tratado Provisional abria-se a oportunidade de continuar as atividades comerciais, o diretamente
por Buenos Aires, mas pelos assentados nas vizinhanças do porto espanhol. Havia ainda a intenção de
manter as trocas que ainda existiam antes de Sacramento. Questão já referida. Posteriormente, como
foi ressaltado, o posicionamento do Estado espanhol em relação à continuidade das atividades
comerciais foi mudado, e, concretamente, revelou-se contra o comércio regular com os portugueses.
A questão aqui se apresenta de uma maneira já o mais oficial, o que exigiria uma
participação direta de ambos os Estados no comércio platino. Fora do âmbito oficial, as atividades
ilegais desenvolviam-se fortemente, a ponto de alarmar a Coroa espanhola, alertada pelos
representantes do governo em Buenos Aires.
Sacramento, dessa forma, mantinha-se como um entreposto de contrabando e
comércio irregular no Prata, entre negociantes portugueses e castelhanos. As atividades ilegais
tornaram-se tão poderosas, que acabaram por sangrar consideravelmente a produção de prata,
produzida por Potosi. O quanto desse minério foi desviado, possivelmente não foi registrado, mas,
certamente, beneficiou mais os portugueses do que os castelhanos, já que o ouro também servia para
pagar as transações comerciais.
Assim, durante o restante do século XVII, e a primeira metade do século XVIII, o
desvio ilegal da prata e as atividades comerciais lesivas ao Estado espanhol, mais do que ao Estado
português, continuaram equilibrando a necessidade política com a econômica, no que tratou da posse e
da importância da Colônia do Sacramento. Esse equilíbrio se manteve em contrapartida aos diversos
ataques que essa praça sofreu ao longo do tempo, já registrados anteriormente.
A Colônia do Sacramento, tornou-se, dessa maneira, em função de seu posicionamento
geográfico, uma fortaleza-entreposto, “... um ativo centro de contrabando, muito bem recebido, aliás,
pela burguesia nascente, na Metrópole como no Brasil”.
124
Essa realidade, que concretizada,
convertia-se em fonte de renda considerável para os comerciantes portugueses, tanto coloniais quanto
metropolitanos, não beneficiava necessariamente, a nível monetário, a Coroa lusa. Os impostos e a
fiscalização eram burlados, tanto pelo fraco controle exercido pelo Estado, quanto, talvez, pelo volume
das transações, além da sua diversidade.
O Estado luso, nesse particular, não estava preparado, e devidamente aparelhado, para
impor, como exigia a situação, uma estrutura fiscal eficiente, que lhe garantisse plenamente os frutos
desse comércio, que por direito lhe pertencia. A realidade sulina apresentava-se muito além da
123
Sérgio Buarque de Holanda ressalta a possibilidade, por parte dos portugueses, de retomar o comércio lucrativo, através
de Sacramento, sustado desde os tempos da Restauração, visando a prata do Potosi, via pacífica. Lembra o autor que a
diminuição do comércio se “refletiu no constante declínio das ofertas para arrematação dos dízimos na praça do Rio de
Janeiro, que de 110 e 155.000 cruzados a que tinham chegado antes de 1640, tinham caído para menos de 70.000 cruzados a
partir de 1665 [...] E é significativo que, para p triênio começado em 1680 [...], o contrato dos dízimos alcançou de súbito a
soma de 93.500 cruzados e, em 1686, chegou a 140.000. Na própria carta onde o governador Duarte Teixeira expõe a S.M.,
em 28 de julho de 1684, expõe os grandes obstáculos que se oferecem à conservação da Nova Colônia, uma das causas do
pessimismo está nisto que, apesar de optar para a lavoura e a criação de gados, senão as terras de São Gabriel, onde se acham
os portugueses, ao menos as de Maldonado, não via meios de iniciar-se por ali o trato e comércio com os de Buenos Aires,
que dizia ser o intento principal da fundação”. Ibidem, p.348.
124
Op. cit. , p. 15.
36
capacidade de organização em função, supostamente, do volume e do ecletismo de homens e
mercadorias, que transitavam pela região, inclusive após 1737, no território sul riograndense.
Na verdade, o Estado português, em função da distância e do isolamento do sul, e mais
particularmente de Sacramento, em relação ao Rio de Janeiro e à Metrópole, não poderia, mesmo que
direcionasse maiores esforços, aumentar a fiscalização, até que se assentassem bases definitivas
oficiais no território platino.
No culo XVIII, o panorama político e econômico vigente iria sofrer um incremento,
principalmente no sul do Brasil. Esse movimento, ocorrido no governo de D. João V (1706-1750),
foi caracterizado por uma maior aglomeração de forças militares no território, o que eclodiu na
fundação do presídio de Jesus-Maria-José, em 1737, base política do surgimento do Rio Grande do
Sul.
125
Nesse quadro, a Colônia do Sacramento assumiu, cada vez mais, um papel de pólo
concentrador político e econômico, sendo alvo de interesses tanto dos Estados Ibéricos, como de
comerciantes castelhanos e portugueses, contrabandistas, e também de outros países, especialmente a
Inglaterra. Dessa maneira, o crescimento populacional de Sacramento e de toda a região tornou-se
inevitável, devido à convergência de negócios realizados: “...o golfão do Prata, compreendidas as
povoações que o margeavam, se constituiu num gigantesco mercado [...]”.
126
O tráfico de escravos negros africanos passou a vigorar também em Sacramento e
regiões adjacentes, incrementando ainda mais a circulação comercial, agora sob o ponto de vista ilegal
espanhol. Esse tipo de atividade auferia lucros gigantescos, dado o valor do escravo no mercado
interno brasileiro e sua importância no processo econômico, agora enfocado na mineração.
127
Em paralelo, pode-se deduzir que os efeitos foram múltiplos, a partir do contrabando
de escravos, acrescentado a outras características anteriores, tais como: o aumento populacional na
região em geral e na Colônia do Sacramento em particular; a efervescência social envolvendo vários
grupos humanos; o crescimento do poder econômico localizado; o descontrole fiscal por parte não
do Estado espanhol, mas também do Estado lusitano; além do aumento dos conflitos regionais, em
função desse hibridismo econômico e social.
125
”...era necessário efetivar a colonização da região do Rio Grande do Sul atual, como fonte de apoio para a manutenção do
domínio português no Prata. Assim, a ocupação do extremo sul do Brasil começa a se efetivar a partir de 1725, quando
uma corrente proveniente de Laguna, Santa Catarina, vem para o território do Rio grande atual, povoar os Campos de
Viamão”. A opinião da pesquisadora Rejane Several reforçada por Aurélio Porto, depõe a favor da importância de haver uma
ligação entre a Colônia do Sacramento e o processo de ocupação não apenas da região platina mas na preocupação e na ação
do Estado Luso na efetivação da sua presença a nível territorial. Ainda citando Aurélio Porto, localiza-se historicamente a
gênese do processo ocupacional: “Santo Antônio dos Anjos de Laguna se estabelece em Santa Catarina junto à Laguna dos
Patos, ultrapassando a Linha de Tordesilhas. Foi o núcleo de irradiação povoadora do território ainda pouco conhecido que se
extende até o Rio da Prata. No início do século XVIII, Laguna, em sua extensão para o sul, mistura-se com o próprio
quotidiano do Rio Grande do Sul atual, onde seus habitantes fazem a vida nos campos, tornando-se tropeiros, fixando-se no
solo, como criadores. Criando, assim, uma grande riqueza”. PORTO, Aurélio. História das Missões Orientais do Uruguai.
In : SEVERAL, Rejane da Silveira. Jesuítas e Guaranis Face aos Impérios Coloniais Ibéricos no Rio da Prata Colonial.
Porto Alegre : Dissertação de Mestrado, PUC, 1993, pp.407-413.
126
Op. cit. , p. 19.
127
Conforme Gorender: “As várias regiões da Colônia competiam entre si na demanda de escravos, conforme a expectativa
de rentabilidade de cada uma delas. Durante o período de ascenso e de auge da mineração de ouro e diamantes, Minas Gerais
se tornou o mercado mais atrativo e de preços mais altos, provocando atrofia de oferta e preços às vezes ruinosas para as
outras capitanias. [...] Toda a acumulação de fortuna significa acumulação de posse de escravos”. GORENDER, Jacob. O
Escravismo Colonial. São Paulo : Ática, 1980, p.194 e p.215.
É justificável, dessa forma, o aparecimento e o desenvolvimento do contrabando de escravos a partir de Sacramento, não
apenas pela rentabilidade auferida nessa atividade, mas pelo distanciamento entre o sul e a região das minas, pelo acesso e
pela organização da economia que a região mineradora necessitava de abundante mão-de-obra escrava para a exploração
dos veios auríferos. Assim, na continuidade da organização da economia sulina, que passa a enviar muares e gado em pé para
o centro da Colônia, também cresce o tráfico negreiro.
37
A concessão oficial da Coroa espanhola, do monopólio do comércio de escravos à
companhias estrangeiras, tais como a Compañía de Guinea en Índias, com sede em Paris e
posteriormente a South Sea Company, com sede em Londres, não impediu o incremento do
contrabando de escravos por parte dos portugueses. Estes buscaram ativar o comércio clandestino
entre as possessões africanas e o Rio da Prata.
128
Cada vez mais a Colônia do Sacramento torna-se um ponto por onde escapam as
rendas do Estado Espanhol, através do comércio ilícito. No entanto, tal realidade não era reconhecida
pela Coroa portuguesa, que na sua diplomacia, deixava transparecer que não era o grave assim o
exercício do contrabando em Sacramento, como alegava a Espanha. Nesse ponto ressalta-se a atração
exercida tanto pelas atividades ilegais, que forneciam grandes lucros, como pela dinâmica
organizatória da economia na região platina oriental, no que toca à criação e comercialização de gado
e couros.
Essa diversidade pressupõe um ecletismo social muito grande, na medida em que
eram levados à região, tipos dos mais diversos, incrementando as diferenças e ajudando a formar
estruturalmente a sociedade regional sulina. A mobilidade do elemento humano, além do hibridismo
étnico, provocava uma interação cultural, dinamizando o espaço social platino e permitindo uma
permeabilidade que apareceu a posteriori.
Os distanciamentos inter-humanos ou inter-grupais que se apresentaram
particularmente no Prata, podem levar à percepção de que diversos grupos estavam isolados uns dos
outros, isto é, grupos que por terem características diferenciadas, separavam-se naturalmente. No
entanto, o fenômeno deu-se ao contrário: revelando-se aparentemente fixas, as relações sociais
fluíram, em função de contatos positivos ou negativos, causando fenômenos sociais, em um processo
de aproximação ou afastamento entre esses grupos.
Revela-se aqui uma movimentação social intensa. Interesses comerciais serviram de
liame entre espanhóis e portugueses, mais especificamente as relações de comércio e contrabando no
Prata e, durante períodos, envolvendo a Colônia do Sacramento. Conflitos armados ou aproximação
intencional (não envolvendo o comércio, mas outros interesses), como espanhóis e Guarani no cerco à
Sacramento.
Enquanto os interesses comerciais permitiram, os inter-relacionamentos pacíficos
persistiram, em detrimento de questões políticas, e mesmo étnicas, no que tocava ao mantenimento de
uma paz necessária. O resultado foi, inevitavelmente, a mistura, em maior ou menor grau social,
através do processo interativo.
A movimentação social seria originada a partir do interesse econômico, quando se
percebe os diversos grupos sociais mobilizando-se em causa própria, mas sendo obrigados a
contatarem outros grupos, mesmo politicamente antagônicos. Nesse caso, a intervenção do Estado
luso, em particular, poderia ser considerada secundária, apesar de não isenta.
A contribuição estatal se fez sentir, nesse vel, quando da presença do militar
especificamente, como grupo social também diferenciado, mas a serviço do Estado. Também iria se
refletir quando da ação do poder político, atuando no deslocamento de contingentes humanos para
localizações pré-determinadas.
A problemática que muitas vezes se enfrenta diz respeito à função política do Estado
luso, como mola propulsora responsável pelo deslocamento, e pela ão, das forças ocupacionais no
sul colonial. Em que grau atuou esse poder de Estado, que o suscitava a nomear-se o principal
equalizador dos vários grupos sociais que o representavam, direta ou indiretamente?
Sabe-se que o governo metropolitano luso, dentro da sua organização e característica
política, engendrou e participou ativamente do processo ocupacional, que acabou por beneficiar
Portugal, com uma parte considerável do território disputado. No entanto, parece um tanto complexo
128
Op. cit. , p. 20.
38
determinar em que medida, numa escala proporcional, a força do poder político estatal português
atuou. Leva-se em conta não apenas as diversas características diferenciadoras existentes entre os
grupos sociais , mas o nível de contato desses grupos.
Muitas vezes o Estado não interveio diretamente, além de enfrentar um certo grau de
oposição, representado também por grupos sociais contrários à expansão lusa, incluindo a ação do
Estado espanhol, tanto diplomática quanto bélica:
“Nesta fronteira política,[...], defrontaram-se dois sistemas colonizadores. As
frentes de oposição (jesuítas, Guaranis, bandeirantes, lusos da Colônia etc),
não devem ser estudados, entretanto, apenas como elementos da fronteira
em si mesma. De fato, existem outras zonas, outros grupos de pressão
política, outros atores sociais, por trás da área fronteiriça, que também
desempenham um papel histórico importante e dos quais a fronteira e
os grupos que nela se opõem são fachadas“.
129
Esta afirmação vem agir como elemento reforçador da idéia de interligação entre
grupos, mas não apenas nas fronteiras e regiões adjacentes, e sim em toda a área platina oriental, onde
havia sinais de ocupação. A atuação individual desses elementos e grupos humanos, muitas vezes
distanciava-se do poder político e da ação direta do Estado, divorciando-se em atitudes próprias,
descaracterizando o que poderia, de outra forma, revelar-se contrariamente, caso pudesse o Estado
atuar mais diretamente.
No período de tempo estudado, a distância territorial entre Santa Catarina até o Rio da
Prata, não permitiu que os contatos entre os grupos fosse realizado de uma maneira rápida e concreta.
O espaçamento físico dificultou qualquer tipo de contato. Nessa medida se procura explicar a lentidão
em que se deu o processo de ocupação, dificultando a interação social e a ocupação definitiva da terra.
No entanto, a fundação de Sacramento acelerou os contatos entre os grupos sociais.
Algumas vezes as trocas comerciais tornaram-se mais intensas, mas os ataques à Sacramento também
proporcionaram um grau de aproximação pido e decisivo, em um processo de interação com uma
resultante social negativa a nível de grupo, embora um dos Estados tivesse vitória política e territorial,
no momento.
Dessa forma, o relacionamento existente entre a realidade geográfica e os grupos
humanos, na região platina oriental, o deve ser ignorado. Ressalta-se as características físicas da
região, atuando e influenciando no processo ocupacional. Assim, não apenas a questão da navegação e
do comércio legal e ilegal, ligados aos interesses políticos das potências ibéricas, influíram na
formação do social na ocupação de áreas, mas também as características geográficas próprias da
região.
A Bacia do Prata proporcionou liberdade de movimentos a comerciantes,
contrabandistas e tropas oficiais, interligando o interior do Continente ao Atlântico. Além disso, a
campanha contribuiu na formação das estâncias, da pecuária extensiva e no predomínio de
determinadas características formadoras do elemento humano. A distribuição de grupos como os
açorianos, ligados a ocupações menos lucrativas e importantes economicamente, num primeiro
momento, e submetidos ao domínio dos fazendeiros (não de todos), ilustra a sobreposição de grupos,
em virtude de determinadas características geográficas.
130
129
Op. cit. , p. 159.
130
O termo domínio utilizado, serve para reforçar a idéia de força política e controle econômico. Conforme Gramsci: “Um
grupo social é dominante com respeito aos grupos adversários que tende a liqüidar ou submeter, inclusive pela força armada,
39
Toda região tem as suas características geográficas próprias, ao mesmo tempo, essas
características geográficas possuem também a sua própria história, sendo, elas mesmas, parte da
história. Assim, tanto a história dos acontecimentos quanto a história das tendências gerais, estão
intimamente relacionadas a elas, não podendo ser compreendidas desvinculadas dessas
características.
131
Além disso, é provável que em algumas ocasiões as leis, ordens e regulamentos
provindos do governo metropolitano, fossem ignoradas, mudando, assim, os rumos e a velocidade da
ocupação e da colonização, em certas áreas. Nem sempre os procedimentos vindos do poder
governamental, revelaram-se contínuos e ininterruptos, espalhando-se e garantindo o controle estatal.
Pode-se perceber o sentido dessa afirmação quando se verifica que, no que tratou do
presídio de Rio Grande, apareceram duas posições diferenciadas quanto à ão do Estado, no
território:
“...a dos que pensaram em manter aqui Colônia de Produção (ou de
Exploração) e a dos que desejavam criar uma Colônia de Povoamento.[...]
Enquanto Gomes Freire continuava se interessando pelo Rio Grande como
colônia de produção, apoiando todo o tipo de aventureiro que quisesse para
ir arrear gado e conduzi-lo para o lado português, Silva Paes preocupava-
se em mandar mulheres para fazer casais e pensava até mesmo em certo
tipo de verdadeiras instalações industriais como curtumes, charque, peixe
seco e até mineração”. Acrescenta ainda o autor que a “construção de
fortificações dava ao trono lusitano a força e o prestígio de discutir como
soberano, senhor por conquista e ocupação, a posse até então litigiosa das
terras do Rio Grande de São Pedro”.
132
Neste exemplo se pretende ilustrar o distanciamento e a falta de unidade de
pensamento e objetivos ocorridos, em determinados momentos, entre os que representavam o Estado
português. A intenção, na verdade, era o benefício da Coroa, contudo as divergências haviam,
afastando-se do controle direto do governo metropolitano, o que vem provar que nem sempre o Estado
era o senhor absoluto das ações ocorridas na região sulina do Brasil.
Dadas as características da região oriental platina, incluindo a campina uruguaia e a
área que englobava posteriormente o Rio Grande de São Pedro, a impossibilidade da ação total do
governo era concreta. Os grandes vazios existentes entre o elemento branco português, em todo o
território, a indisponibilidade real de uma maior aproximação dos representantes da Coroa, e da ação
militar por conseqüência, junto ao contingente populacional, marcaram as falhas e a fragilidade da
soberania portuguesa, em algumas áreas. No entanto, estrategicamente, o Estado português se fez
presente, marcadamente com a fundação da Colônia do Sacramento (considerando a idéia da fronteira
natural) e, mais tarde, com a fundação do presídio Jesus-Maria-José, inaugurando o que seria o Rio
Grande do Sul atual.
A Colônia do Sacramento, vê-se que ela passou a representar uma zona de grande
sensibilidade política, exigindo de ambos os Estados Ibéricos, a imposição também de uma política
planejada e constante. Assim, uma política, nessas circunstâncias, deveria ser “vigilante, previdente,
e é dirigente dos grupos afins ou aliados”. Apud Hugues Portelli. O conceito de hegemonia em Gramsci. In : CARDOSO,
Fernando Henrique e MARTINS, Carlos Estevam. Política e Sociedade. São Paulo : Nacional, 1983, p.73.
131
BURKE, Peter. A Revolução Francesa da Historiografia: A Escola dos Annales (1929-1981).São Paulo : Unesp, 1993,
p.49.
132
A citação é feita por Francisco Riopardense de Macedo na apresentação à segunda edição da obra de Borges Fortes,
reafirmando idéias do autor. In : FORTES, Borges. O Brigadeiro José da Silva Paes e a Fundação do Rio Grande. Porto
Alegre : ERUS, 1980, p. 13.
40
construtiva, para que as fronteiras fossem estáveis e protegidas”,
133
Sacramento pediu um
direcionamento maior, pelas suas características, que muitas vezes não foi permitido ao governo
português mantê-la sensibilizada, demográfica e economicamente.
Porém, em algumas oportunidades, o governo luso manteve-se à distância, em função
também de continuar exercendo certo controle sobre a Colônia. Se, na prática, o Estado afastava-se,
deixando as decisões correrem livres, na teoria se explica tal atitude, justamente a fim de manter
atuante o poder governamental.
A obediência ao poder é aceita porque ele não pesa apenas como uma força que diz
não, mas apresenta-se maleável, permeando-se, e criando, em certo grau, satisfação. Assim, o poder
também pode induzir ao prazer, criando forma e produzindo discurso, que acaba por ser obedecido.
134
A necessidade de uma justificativa teórica, para certas ações humanas, mesmo que ao nível de Estado,
baseia-se na descontinuidade dessas mesmas ações. Se, em certas ocasiões, o Estado agiu mais
concretamente, e em outras o o fez, explica-se através de uma diversidade complexa de fatores, que,
combinados, determinam flutuações no exercício do poder.
No caso particular desta parte do Prata, o Estado português enfrentava várias frentes
de pressão, generalizadas, como econômicas, sociais e políticas, que influiam diretamente na prática e
na formalização de certas atitudes. Isso ocorreu, tanto no período imediatamente após a Restauração,
como, e principalmente, depois do surgimento da Colônia do Sacramento, em se tratando
especificamente da região platina oriental.
Esperar que o Estado mantivesse uma linearidade, retratada na ação política e
econômica, seria simplificar demasiado uma realidade instável, originada historicamente, na própria
reestruturação do Estado Nacional luso. Assim, se o Estado português enfrentou carências
econômicas (refletidas no contingente militar, na mão-de-obra disponível para as áreas conquistadas,
no envio de recursos financeiros etc), justificou-se pelas suas próprias características de formação,
que, aliadas a diversos fatores, materializaram suas ações no Prata.
Mas, dadas as necessidades, o Estado luso, ao iniciar-se o século XVIII, reafirmou-se e
se posicionou melhor em relação à geopolítica sulina. Isso é explicado no comportamento do governo,
a partir da preocupação constante em planejar, formular e renovar objetivos, na tentativa de estabilizar
as forças nas fronteiras do Brasil-Colonial.
Embora, como foi ressaltado anteriormente, algumas vezes o Estado perdesse um
pouco desse controle, não deixou de direcionar sua atenção para a chamada terra coração”, com a
fundação dos alicerces rio-grandenses. Somadas às questões de fronteiras, as tendências do poder
nacional lusitano reafirmaram-se, a partir da criação desse núcleo geo-histórico. O Estado luso
apresentava-se, no século XVIII, perfeitamente adaptado às novas características, que iriam ser
adotadas pelos Estados absolutistas.
No sentido de reforçar a preocupação que a ação do Estado luso causava aos
espanhóis, grife-se o pensamento de Felix Azara que, não vendo qualquer melhor atitude da Coroa
espanhola em tentar conter o avanço português, previa a perda irremediável de grandes porções de
terra que eram ou poderiam vir a ser castelhanas. A terrível burocracia que um camponês espanhol
pobre tinha que enfrentar para conseguir um pedaço legalizado de terra, impedia um continuar
castelhano sobre as terras em disputa por ambas as Coroas.
135
133
SOARES, Teixeira. História da Formação das Fronteiras do Brasil. Rio de Janeiro : Conselho Federal de Cultura, 1972,
p.18.
134
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro : Graal, 1992, p. 8.
135
Conforme Azara: “...pois era evidente que abrindo o comércio do Rio da Prata e, dando debalde a citada extensão de
terras aos particulares com os gados alçados que pudessem amansar, não se teria amontoado tanta gente nas cidades e, em
menos de cinco anos se teria visto povoada a campanha...[...]...não teríamos entrado na posse do dito gado, se não que
igualmente da lagoa Mirim e toda a bela província portuguesa do Rio Grande, e teríamos em necessária dependência todo o
Brasil. Na verdade é que se opunha a estas idéias uma lei ou cédula que ordena não dar terras senão a aquele que a compra.
41
Mesmo não desprovendo-se da centralização, a política mercantilista mudou
teoricamente a arte de governar. Nessa medida, o Estado português viu-se forçado a desenvolver seu
aparelho administrativo e ligar-se a ele, o que veio representar, no caso específico que se estuda, na
fundação de Sacramento (fins do século XVII) e no aparecimento de vários pontos de apoio
ocupacional, como o presídio Jesus-Maria-José (primeira metade do século XVIII).
O surgimento desses pontos demarcatórios vinha impor não apenas a questão
relacionada à presença do português na região em disputa, mas, principalmente, ligava-se “a um
conjunto de análises e saberes que se desenvolveram a partir do final do século XVI e que adquiriram
toda a sua importância no culo XVII”.
136
Esse processo analítico, que atestava o conhecimento do
Estado, da sua própria composição, do seu tamanho e da engrenagem que formava sua força,
justificava, a partir de 1680, uma ação mais concreta, a nível teórico, que acabou se refletindo na
prática, sobre a região platina oriental.
Portanto, desde 1737, Sacramento passou a manter uma relação direta com o chamado
Continente de São Pedro. Mesclavam-se, dessa forma, a atitude militar de defesa da terra, por parte do
Estado luso, com o processo de colonização de um território que estava sendo ocupado aos poucos.
Não é objetivo desse trabalho estudar com mais profundidade a formação do Rio
Grande do Sul, mas, faz-se impossível separar a Colônia do Sacramento, desse território em gestação.
Isto se deu em função do isolamento geográfico em que se encontrava Sacramento e suas implicações.
Em vista disso, ao iniciar-se o ocupação rio-grandense, esse distanciamento tendeu a diminuir,
permitindo ao Estado exercer maior controle e garantir a sobrevivência daquela praça.
137
Acredita-se que a Colônia do Sacramento cumpriu o seu papel ao longo do tempo,
como posto avançado da metrópole portuguesa na região oriental platina, permitindo, em função disso,
o avanço territorial no sul-colonial. “Já quase ao fim de sua heróica resistência à pressão dos
espanhóis, a Colônia do Sacramento continuava a ser um reduto militar de contrabandistas a serviço da
Lei a mais prejudicial e destruidora de quantas se poderia imaginar; não apenas pelo que é em si, se não que igualmente por
suas formalidades. [...] Do mesmo princípio provém que temos imensos campos desertos e que a cidade de Buenos Aires não
ocupe mais terras que as que repartiu seu fundador. [...] Há, ainda, outra razão para revogar a citada lei e é: que enquanto
exista, teremos despovoada a fronteira do Brasil, por onde dia a noite avançam os estabelecimentos portugueses, sem respeitar
nem tratados; e se não a povoarmos, antes de quatro anos terão se apoderado das Missões; como o fizeram com seu
comércio e em parte do de Corrientes, Paraguai e Santa Fé, favorecendo-os a escassez de gêneros que nos ocasiona a guerra.
Para continuar seus desígnios a expensas de nossa inépcia, quase despovoaram suias ilhas de Madeira e Santa Catarina,
suas costas do mar brasílico e grande parte da Província de São Paulo, conduzindo seus moradores à força para essa fronteira.
Continuam a trazer gente, e como não há espaço, avançam sem cessar. AZARA, Felix. Memorial Rural do Rio da
Prata.Manuscrito datado da vila de Batovi, 09 de maio de 1801 In CORTESÃO, Jaime. Do Tratado de Madri à Conquista
dos Sete Povos (1750-1802), Rio, 1969 (Manuscritos da Coleção de Angelis, VII).
136
Op. cit. , p. 285.
137
Essa questão passava a ser um dos objetivos dos representantes do governo luso, conforme diz Borges Fortes. “O
empenho da Corte pela ocupação do Rio Grande se reflete na carta que o mesmo Gomes Freire dirigiu ao Mestre-de-Campo
André Ribeiro Coutinho, que viera de Lisboa para o posto de comandante do presídio de Montevidéu, em 24 de outubro do
citado ano de 1736”. O autor ressalta a intencão do Estado Luso: “Justifica-se o interesse português. Além da consagração da
política de soberania na margem setentrional do Prata, auferia Portugal o domínio de uma imensa superfície territorial e ficava
com os pés nas portas da Colônia de onde tirava grandes vantagens no comércio clandestino com os súditos de Espanha. Era a
introdução das mercadorias trazidas pelos navios portugueses para a Colônia e negociadas nas terras castelhanas a troco da
prata do Peru; era o regresso das embarcações atestadas da courama comprada; era a esperança de encontrar algum dia nas
terras não devassadas novos tesouros auríferos.Soldava-se um elo novo na corrente Laguna-Sacramento. A cadeia com tais
extremos se consolidaria com mais um esforço intermediário e se constituiria gradativamente de Laguna, Viamão, S.Pedro,
S.Miguel, Maldonado e Montevidéu para atingir outro extremo - a Colônia do Sacramento”. Op. cit. , pp. 41-42.
42
Coroa”.
138
Atesta-se, assim, a importância de Sacramento às vésperas da entrega definitiva desta aos
espanhóis em 1777.
139
Quando do Tratado de Madri, em 1750, a Colônia do Sacramento passou a fazer parte
das negociações. No entanto, devido ao malogro deste acordo, continuou sendo propriedade do Estado
luso até o Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, quando passou em definitivo para o poder da Espanha.
A participação de Sacramento foi de grande importância durante esse período, na expansão portuguesa
pela região sulina, já que se posicionava como um fornecedor de dividendos à Coroa lusa, além de
servir de parâmetro para os focos de ocupação portuguesa surgidos ao longo do tempo.
As opiniões entre os historiadores variam, em relação à Sacramento. Alguns inclinam-
se mais para o lado político do que para o econômico:
“Pode-se pretender, sem grande exagero, que a ocupação desse posto
avançado e solitário, constitui acontecimento meramente episódico para a
história interna do Brasil, pertencendo mais propriamente à da política
exterior do Reino. E embora se tenha prolongado por quase um século, com
maiores ou menores interrupções, a presença de Portugal na margem
esquerda do Rio da Prata guardou sempre qualquer coisa de precário e
provisório.[...] O pessimismo quanto ao bom sucesso do estabelecimento
platino manifesta-se logo em seguida à sua recuperação, em pareceres
autorizados, e mesmo no Conselho de Estado, em Lisboa, encontraria
adeptos o alvitre de que deveria desamparar de todo a povoação...”.
140
Considerando a opinião deste autor, ressalta-se que, embora algumas opiniões fossem
favoráveis, ao longo do tempo, pela cedência definitiva ou o abandono da Colônia aos espanhóis,
141
a
Coroa lusa não mantinha a mesma idéia, ignorando, em ões, tais posicionamentos. Na verdade,
parece que, em alguns momentos, o Estado luso, na figura do monarca, tinha maior conhecimento e
apreensão da real importância de Sacramento do que muitos de seus representantes.
Em carta de Mendo de Foios Pereira ao Duque de Cadaval
142
, capta-se a pouca
informação que estes dignatários da Coroa tinham sobre aquela praça:
138
Op. cit. , p. 29.
139
Guilhermino Cesar atesta a importância de Sacramento às vésperas da entrega definitiva desta aos espanhóis em 1777.
Diz G. Cesar citando Bougainville, que passou pela Colônia em 1767: “Antes da última guerra, fazia-se aqui um enorme
contrabando com a Colônia do Sacramento, praça que os portugueses possuem à margem esquerda do Rio, quase diante de
Buenos Aires.[...] ...as minas do Brasil não produzem dinheiro; tudo quanto os portugueses possuem provém deste
contrabando”. Idem, p. 29. Embora um tanto exagerado quanto à produção de riqueza sem comparação com o ouro mineiro,
não deixamos de perceber que, embora com o comércio legal fechado, Sacramento ainda representava um ponto de ligação
forte com os castelhanos no Prata, considerando-se a data de 1767.
140
Op. cit. , p. 338.
141
Nos Manuscritos da Casa de Cadaval encontram-se algumas indicações em relação ao posicionamento de representantes
da Coroa, tais como: a) Cadaval aconselha o Rei de Portugal a ceder a Colônia do Sacramento à Castela, em 1702. p.119. b)
Parecer do Marquês de Fronteira sobre a paz com Castela e a cedência, a seu conselho, da Colônia do Sacramento, em 1703.
p.120. c) Em discussão o equivalente pela Colônia do Sacramento. Proposta do Embaixador de Castela (1718). p.196 d)
Tratado da Tríplice Aliança acerca dos limites. Parecer do Marquês de Abrantes. Pela cedência e abandono de el-Rei da
Colônia do Sacramento. p.229. In : RAU, Virginia. Manuscritos do Arquivo da Casa de Cadaval Respeitantes ao Brasil.
Séculos XVIII e XIX. Lisboa, 1958, Vol. 2.
142
Conforme Serrão, ”Uma carta régia de 26 de abril de 1648 criava o ducado de Cadaval, de juro e herdade para sempre, na
pessoa de D. Nuno Álvares Pereira de Melo, filho do terceiro marquês de Ferreira. A medida era considerada de justiça, por
se tratar do parente mais chegado em varonia à Casa de Bragança,e, como tal, exercendo o ofício de condestável; e de razão
por ser o novo titular na hierarquia da nobreza”. Op. cit. , pp. 134-135.
43
“À cerca da Nova Colônia do Sacramento, bem sabia o duque que não havia
nela mais do que presídio de infantaria e a tropa que permitia o tratado
provisório feito com Castela. Mandaria el Rei agora meter maior presídio e
fazer fortificações necessárias para a sua defesa. Este aviso deveria mandar
por um patacho a Pernambuco, para dali repetir por ‘duplicatas vias’ para o
Rio de Janeiro e Bahia. Para o Rio de Janeiro iriam os avisos por mar e terra,
porque daí deveriam seguir os socorros para a Colônia, a cujo governador
também se escreveria ordenando-lha o que havia de fazer. Paço, 18 de maio
de 1703”.
143
Aqui destaca-se o não aparecimento de Sacramento como entreposto de mercadorias,
ou mesmo de comércio ilegal, que sabidamente beneficiava a Metrópole portuguesa. Ficava ressaltado,
no entanto, a necessidade da defesa da Colônia, provavelmente por uma questão política, e de
soberania nacional. Os pareceres, expostos anteriormente em nota de rodapé, extraídos dos arquivos
portugueses, reforçam a opinião a um nível político, deixando de lado sua eficiência e dinamicidade
econômica.
O Estado luso, já em pleno século XVIII, preservava o centralismo na figura do rei.
Mesmo recebendo informações e pareceres desfavoráveis à permanência de Sacramento, pelos mais
variados motivos, este tomou as decisões que lhe pareceram mais acertadas, ignorando, muitas vezes,
conselhos de representantes legais e influentes junto à Corte. Dessa forma, as ações políticas
direcionadas ao sul-colonial, partiram do monarca, transformadas em última palavra, depois de
examinar opiniões, visando, principalmente, a grandeza e o enriquecimento do Estado como um todo,
representado pelo rei.
Ao longo de sua existência, um dos papéis cumpridos pela Colônia do Sacramento, foi
servir de ponto de referência em nível de fronteira. Propiciava, conforme estava sob o controle de
portugueses ou espanhóis, uma mobilidade fronteiriça, impedindo a permanência e a fixação de uma
fronteira natural, tendo por extremo, o Rio da Prata.
Enquanto de posse portuguesa, Sacramento foi o mais importante centro fornecedor de
renda do Estado na região, pelo menos até iniciar-se uma efetiva colonização do Rio Grande de São
Pedro, em 1737. A realidade apresentava-se, no entanto, mais complexa, quando se pensa na Colônia
como existente por motivos econômicos, em detrimento de outras causas não menos importantes.
Defendendo o ponto de vista que ressalta o grau de relevância econômica de
Sacramento, o qual fazia com que o Estado luso lutasse para manter a Colônia sob seu controle,
enquanto esta lhe fosse rentável, destacamos:
“...é evidente que a Colônia existiu para atender aos interesses da
Metrópole. Resultava daí uma permanente drenagem de rendas para o
exterior, que reduziu ou aumentou a capacidade de investimento local. A
Colônia existia em função da Metrópole e do mercado europeu. Seu grau de
prosperidade dependeu das altas e baixas, no mercado internacional, de
produtos como o pau-brasil, o açúcar, o ouro, os diamantes, os couros, o
algodão, o arroz, o anil e o tabaco”.
144
143
Idem, pp. 23-24. Ambos eram membros do Conselho Ultramarino.
144
Op. cit. , p. 188.
44
Se, por um lado, o Estado luso não investiu recursos suficientes, humanos e
monetários, que capacitassem Sacramento de tornar-se um estandarte seguro e de posse permanente, o
fato não se explica apenas pela diminuição da rentabilidade, ou da flutuação do mercado europeu. A
cedência definitiva da Colônia efetivada no Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, vem acompanhada
de questões complexas que englobavam, não apenas relações diplomáticas, como também capacidade
militar, organizacional e a crise financeira, por que passava Portugal, no período. Atestada a
importância econômica de Sacramento, a sua negociação tornou-se política e social.
Nesse momento, entraram em choque os interesses políticos e econômicos do Estado,
em relação à praça de Sacramento. Se durante um longo tempo, esta serviu como fonte de riquezas e
dividendos aos cofres portugueses, era chegada a hora de optar. Nesse momento, o político toma o
lugar do econômico. Ao associarem-se assuntos políticos com econômicos do soberano, os primeiros
se destacam quando atendem necessidades e circunstâncias vantajosas a este.
145
A complexidade do Tratado de Madri, quando a cedência da Colônia foi inserida
neste, embora não concretizada na prática, traduz o grau de dificuldade em que ela estava envolvida, já
desde a sua fundação, nos finais do século anterior. A colocação da questão política se revela na
existência dos próprios Tratados de Madri e Santo Ildefonso. Assim, “os acontecimentos suscitados
pela Colônia do Sacramento obrigaram Pombal a tomar providências administrativas importantes:
assim, a capital do Brasil foi transferida de São Salvador para o Rio de Janeiro em 1762”.
146
Foi a partir da consolidação dos Tratados, que as relações diplomáticas entre as duas
potências ibéricas estreitaram-se. O Estado luso tomou maior consciência de definição de suas
fronteiras, privilegiando assim a questão política, em detrimento do grau de importância econômica
que, particularmente, a Colônia do Sacramento pudesse possuir.
Vale ressaltar que as negociações, envolvendo a praça de Sacramento, enquadravam-se
também na perspectiva adotada pelo Estado burocrático, definido a partir de 1750. Nessa ótica, a
Colônia fazia parte de uma política de reestruturação geral, mantida por Pombal, embora este não
estivesse, de fato, ainda no poder, quando da assinatura do referido Tratado.
Na continuidade do processo ocupacional, onde Sacramento foi o ponto delimitador de
uma desejada fronteira natural lusa, os colonos açorianos passaram a ter uma relevada importância.
Eles foram referenciados pelo Estado luso como possíveis habitantes da Colônia, podendo contribuir
assim, no mantenimento e consolidação da presença portuguesa no extremo meridional do Brasil.

 !
145
Op. cit. , p. 775.
146
Op. cit. , p. 34.
45
Esta última abordagem inicia-se a partir do momento em que foi aventada a
possibilidade da utilização de habitantes das ilhas Açores, na continuidade do processo de ocupação e
expansão portuguesa em parte da região platina oriental.
Preocupado com as constantes invasões pelos castelhanos e por assegurar a posse das
terras até o Rio da Prata, o Estado português acabou por efetivar planos que incluíram os açorianos,
fazendo com que estes, em determinados momentos, fossem participantes efetivos do processo de
ocupação da terra. Além desse objetivo central, o governo luso desejava também resolver alguns
problemas políticos. Entre eles o uso dos açorianos para ocupar as Missões, após o Tratado de Madri,
e dar início à radicação de mais um grupo de portugueses nas áreas ocupadas, e nas que
posteriormente viriam ou poderiam ser de domínio da Metrópole lusa.
Dentro de um contexto mais amplo, a presença açoriana no processo ocupacional do
sul-colonial, foi de muita importância. Nessa medida, destacou-se a participação dos Ilhéus em um
contexto estrutural, onde o poder do Estado agiu como força propulsora de sua presença. Foi a partir
da emergência que suscitou a necessidade do Estado português pensar a utilização de famílias
açorianas, na intenção de ajudar a garantir a posse do território sulino-colonial.
A dinâmica de mantenimento de uma estrutura territorial ainda em ebulição, dava ao
Estado luso a extrema urgência em agir no sul do Brasil meridional. Essa ação deveria ser a mais
concreta possível, na intenção de ocupar o maior espaço territorial que pudesse, oficializando a
presença portuguesa, fosse ela militar ou civil.
Entre esses fatores, destacaram-se: as constantes lutas entre espanhóis e portugueses
por uma preeminência em parte da região oriental platina; o preenchimento de terras localizadas entre
possessões lusitanas ao longo desse território; a carência de produção em áreas abandonadas ao norte
do Rio Grande do Sul e em Santa Catarina; o excesso populacional (este como fator externo),
acontecendo a partir de 1740, nas Ilhas Açores. O Estado justifica, dessa forma, através do seu poder,
a vinda de colonos açorianos às terras riograndendes e platinas.
Ressalta-se que o período estudado apresenta um corte cronológico necessário. Tem
como parâmetros as décadas de 1720, quando a Coroa lusa cogitou mais fortemente a transferência dos
açorianos para o Brasil, e 1760, época em que Sacramento e o sul do Rio Grande é invadido pelos
espanhóis. Nesse período, as famílias açorianas espalharam-se rumo ao norte, formando pequenos
núcleos de povoamento.
A segunda metade do século XVIII marcou a entrada de açorianos no sul do Brasil-
Colônia. Foi a partir das delimitações do Tratado de Madri, firmado em 1750, entre portugueses e
espanhóis, que se definiu a vinda desses colonos. Tinham por finalidade ajudar no povoamento das
Missões, que, pelo acordo estabelecido, passariam a pertencer a Portugal.
Localizando geograficamente a origem desses imigrantes, percebe-se que os
arquipélagos de Madeira e Açores correspondem à parte insular de Portugal.
“O arquipélago dos Açores está situado no Atlântico Norte, sendo dividido em três
grupos de ilhas, em função de sua localização relativa: grupo Oriental, formado por Santa Maria e
São Miguel; grupo Central, pelas ilhas Terceira, São Jorge, Pico, Faial e Graciosa; e o grupo
Ocidental, formado por Flores e Corvo. O território abrange uma área de 2.333 quilômetros
quadrados”.
147
Na realidade o ‘pensar casais como povoadores’ remonta ao início do século XVIII,
quando a Colônia do Sacramento foi retomada pelos portugueses, através do segundo Tratado de
147
Santa Inéze Domingues da Rocha. Açores-um arquipélago a ser visitado. In : BARROSO, Vera Lúcia Maciel (org).
Presença Açoriana em Santo Antônio da Patrulha e no Rio Grande do Sul. Porto Alegre : EST, 1993, p. 9.
46
Utrecht, em 1715. Miguel do Espírito Santo informa que “o Conselho Ultramarino definiu a política
de casais para seu povoamento, para evitar a repetição do malogro e afirmar a soberania no setentrião
platino”.
148
A vinda de casais, unidos sob a égide da Igreja Católica, garantiu uma permanência e
uma reprodução segura de uma estrutura familiar perpetuada na ideologia cristã do Estado português.
A política de casais manteve a continuidade da vida portuguesa em outras áreas, e garantiu a
estabilidade necessária da ocupação. Quanto à data exata da chegada dos açorianos ao Brasil
controvérsias:
“Guilhermino Cesar o ano de 1751, como o da vinda da primeira leva de
açorianos para o Rio Grande de São Pedro, e Borges Fortes consigna 1752 como o ano deste
acontecimento”
149
Pelo Tratado de Madri, Portugal aceitava como troca equivalente à Colônia do
Sacramento, os Sete Povos das Missões Orientais do Uruguai.
150
Os casais açorianos chegados ao Rio
Grande trouxeram a incumbência do povoamento, além de produzir, para sustentar as tropas lusas
sediadas na Província de São Pedro.
151
A idéia de transferir casais dos Açores para o sul do Brasil iniciou-se a partir de 1720,
quando o Conselho Ultramarino pensou em povoar a ilha de Santa Catarina, Laguna e Montevidéu.
Era intenção do Conselho a fortificação da ilha de Rio Grande para evitar invasão e posse pelos
estrangeiros.
152
A implementação da política de casais na ocupação da área ao sul do Brasil-Colônia,
fez parte de uma estratégia do governo português, que não quis enfrentar-se diretamente com a
Espanha, em função de questões de sucessão ao trono espanhol.
153
O projeto do Conselho Ultramarino era trazer os Ilhéus para constituir povoados e não
zonas de colonização do tipo extensivo.
154
Era importante a necessidade de garantir a presença do
português na região sulina. Essa radicação se deu através da aglomeração urbana, com o lançamento
de futuras vilas e cidades.
Examinando um parecer de José da Silva Paes, representante do governo português no
Brasil, nota-se que o interesse na vinda de casais orianos para a Colônia, baseou-se, além disso, na
necessidade de defesa e na falta de cultivadores das grandes áreas. Houve também a possibilidade
concreta de aumentarem as rendas do Estado, através dos dízimos das terras que cultivassem, e nos
direitos de alfândegas oriundas da produção.
155
148
Miguel Frederico do Espírito Santo. Açorianos no sul do Brasil: da prata de Potosi ao ouro das Gerais. In : BARROSO,
idem, p. 22.
149
Ibidem, p. 22.
150
Jaime Cortesão. Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri. In : FLORES, Moacyr. Colonialismo e Missões Jesuíticas.
Porto Alegre : Nova Dimensão, 1986, p.53.
151
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre : Mercado Aberto, 1982, p. 16.
152
BARROSO, op. cit. , p. 17.
153
WEHLING, Arno e Maria José C. de. Op. cit. , p. 154. Dizem os autores: “No plano das relações internacionais, Portugal
e seu Império foram diretamente envolvidos pelos acontecimentos europeus. No início do século XVIII, deu-se na Espanha a
Guerra de Sucessão, finda a qual o rei francês Luís XIV conseguiu colocar no trono seu neto Filipe V, principiando a dinastia
Bourbon espanhola, em substituição à dinastia dos Habsburgos. A ameaça potencial que representava a aliança franco
espanhola fez com que Portugal procurasse apoio ainda maior na Inglaterra, o que lhe valeu hostilidades espanholas na
colônia do Sacramento e as duas invasões francesas no Rio de Janeiro”.
154
Op. cit. , p. 19.
155
José da Silva Paes. Documentos do Instituto Histórico e Geográfico do RS. In : FORTES, João Borges. Os Casais
Açorianos-presença lusa na formação do Rio Grande do Sul. Porto Alegre : Martins Livreiro, 1978, p. 13. (...),visto se
achar estabelecida a fortificação do Rio Grande de São Pedro que V. Majestade se sirva querer tomar a última resolução nas
47
A descoberta do ouro, por outro lado, exigiu a necessidade de povoamento “e por
conseguinte, um deslocamento de populações portuguesas em busca do metal”.
156
Em função disso, o
êxodo para a Metrópole foi inevitável, com o conseqüente abandono de terras e a queda na produção.
Havia também a questão política que envolvia a Espanha e a Colônia do Sacramento,
fundada em 1680, às margens do Rio da Prata. Esta, no início do século XVIII, era de propriedade da
Coroa portuguesa e administrá-la não era tarefa cil, visto a distância que se encontrava em relação à
Capitania do Rio de Janeiro, sede do governo colonial. E mesmo depois que essa administração ficou
mais perto, as dificuldades continuaram, em vista da periculosidade que comumente corria, ameaçada
pelos castelhanos, que já a haviam invadido anteriormente.
Dessa maneira, foi fundamental para assegurar a posse e a permanência de
Sacramento, que ela fosse capaz de se gerir, em função de uma população povoadora, que garantiu a
perpetuação da Colônia, como posto avançado da metrópole portuguesa.
157
A necessidade da Colônia
do Sacramento também se deu pela existência de uma guarda militar, que junto com os civis, manteve
os portugueses no controle de uma das margens do Prata. O povoamento do sul já havia sido iniciado
anteriormente com a ocupação da ilha de Santa Catarina, Laguna e um núcleo formado em Viamão. O
governador de Sacramento já havia, em l694, pedido ao rei de Portugal que enviasse povoadores, na
intenção de estender a pátria portuguesa até a referida Colônia.
158
Nota-se que não eram recentes as preocupações e a necessidade de fazer-se povoar
Sacramento. Essa ocupação teve muito pouco de participação açoriana, principalmente devido à
assinatura do Tratado de Madri, que mobilizou a povoação da Colônia para a evacuação, já que esta
passou para o domínio espanhol. Na verdade esses açorianos caíram em mãos castelhanas, quando, na
década de 1760, estes invadiram o Rio Grande. Os açorianos espalharam-se pelo território rumo ao
norte, na intenção de fugir dos invasores.
A mesma necessidade de povoamento teve a ilha de Santa Catarina, a partir do ponto
de vista da produção. Houve falta de mão-de-obra para a lavoura e o governo da Ilha também esperou
que lhe fossem enviados casais dos Açores, para o trabalho agrícola.
Examinando uma carta datada de 23 de março de 1736, escrita pelo rei D. João V a
Gomes Freire de Andrade, governador e Capitão-general do Rio de Janeiro e Minas Gerais, se pode
verificar a importância dada pelo Estado às questões de mantenimento e ocupação da Região do Prata,
incluindo Montevidéu.
159
Nesta o Rei manifestou sua preocupação com as seguidas lutas armadas
entre castelhanos e portugueses no Rio da Prata, além dos ataques que os navios lusos vinham
sofrendo, impedindo-os de navegarem livremente. Conclamou que pretendia enviar uma esquadra de
guerra para garantir o comércio e a navegação na região. Queixou-se D. João V das ações militares do
governador de Buenos Aires que, atacando portugueses, dizia estar cumprindo ordens da Corte da
Espanha. Preocupou-se também com o isolamento e cerco que sofria a Colônia do Sacramento, e
designou alguns navios para protegê-la.
Uma outra questão que pode ser apreendida desta documentação oficial, é a idéia fixa
do Estado em ocupar e anexar Montevidéu aos domínios lusos. A primeira tentativa de ocupação de
consultas que o Conselho tem posto na real presença de V. Majestade para o transporte dos casais das Ilhas para o mesmo
estabelecimento porque só por este meio se poderá evitar a grande despesa que precisamente se há de fazer com os transportes
dos mantimentos do Rio de Janeiro por falta de cultivadores que naquelas vastíssimas terras os fabriquem, além de ficarem
estes igualmente servindo para a sua necessária defesa, e ser do interesse do Estado acrescentarem-se o número de
povoadores, o que para crescer consideravelmente as rendas reais do mesmo Estado assim nos dízimos das terras que
cultivarem como também nos direitos das alfândegas dos gêneros a que precisamente hão de dar consumo, matéria esta que se
faz digna da alta e grande compreensão de V. Majestade”.
156
FORTES, idem, p. 15.
157
Ibidem, p. 15.
158
Op. cit. , p. 126.
159
FORTES, op. cit. , p. 18.
48
Montevidéu foi em 1723.
160
O Rei reconheceu o mau planejamento e o fracasso dos portugueses ao
atacar o povoado e recomendou que fossem avaliados os erros, e que os ataques continuassem, além de
expulsar-se os espanhóis da região platina oriental. Percebe-se que a Coroa portuguesa considerava
como sua a região em questão, afirmando que Montevidéu ficava situada nos domínios do Estado
português, e que os espanhóis estavam em atitude de invasão pura e simples.
Essa era a preocupação da Coroa em relação à ocupação do território platino. No
entanto, a prática de tais decisões tardou um pouco, devido à própria situação dos açorianos nas Ilhas,
tanto a nível produtivo quanto da própria ocupação destas. Houve nos Açores uma certa organização a
nível de produção, inclusive com a existência de um comércio regular entre as Ilhas e o Brasil. Sobre
este comércio, sabe-se que trafegavam navios entre estes dois pontos, realizando trocas de produtos
nativos. O governo luso interveio em algumas ocasiões, impedindo ou controlando essas atividades.
161
Pela lei de 20 de março de 1736 o Rei estava ciente que existiam irregularidades nas
atividades comerciais entre as Ilhas e a Colônia, principalmente em relação ao controle alfandegário,
onde não havia fiscalização eficiente. Era enviada ao Brasil uma quantidade de navios não declarada,
que voltavam com o ouro e numerário sem o devido recolhimento de impostos e taxas para a Fazenda
Real. Essa lei tentou impor uma fiscalização ao comércio até então realizado. Rigorosa, a lei tentou
evitar o contrabando, principalmente de ouro e dinheiro. Restringiu aos açorianos a quantidade de
navios enviados ao Brasil. Sairiam anualmente: dois navios da Madeira, dois da Terceira e um da de
São Miguel.
162
Vê-se, assim, que o Estado tinha consciência dessas irregularidades, mas ao mesmo
tempo não impediu a realização das transações. Naturalmente, como o período era de grande extração
de ouro, não se poderia esperar outra coisa senão a tentativa de restringir o desvio de divisas para
outras praças e garantir, sob uma legislação rigorosa, o numerário para os cofres do Estado.
O que se pode deduzir é que à Coroa portuguesa não interessava uma alteração nas
Ilhas a nível populacional, talvez para não afetar a produção e o comércio com o Brasil, que se bem
administrado, poderia resultar em grandes lucros. No entanto, outros fatores cooperaram para a
modificação deste quadro momentâneo.
“...acossados pela pletora de população e pela carestia decorrente de algum tempo
de colheitas escassas, solicitaram em 1746, os moradores das Ilhas, fossem transportados para o
Brasil os excedentes de sua população”.
163
Os pedidos custaram a ser atendidos e somente o foram depois que ocorreram, nas
Ilhas dos Açores, problemas climáticos, que causaram o desamparo da população, a partir da falta de
alimentos nas lavouras. As Ilhas sofreram uma verdadeira calamidade. O Conselho Ultramarino
retificou sua posição, diante da aclamação geral. O Rei D. João V autorizou a transferência de
moradores das Ilhas para o Brasil. Essa atitude nunca havia ocorrido anteriormente, envolvendo
metrópoles e colônias da América.
164
160
Idem, p. 18.
161
Ibidem, p. 24.
162
Ibidem, p. 25.
163
Ibidem, p. 18.
164
WIEDERSPAHN, Henrique Oscar.A Colonização Açoriana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre : Veritas, 1979, p. 42.
49
“Assim, em 8 de agosto de 1746 manifesta-se o Conselho Ultramarino
favoravelmente à representação dos moradores das Ilhas, com a aprovação
de D. João V, que determinaria que fossem transportados para o Brasil até
4.000 casais orianos e também madeirenses, inclusive casais de
estrangeiros que não fossem súditos de soberanos que tenham domínios na
América e que possam passar, contanto que sejam católicos romanos e que
sendo artificies se lhes pudesse dar à chegada ao Brasil uma ajuda de custo,
conforme a sua perícia”.
165
A posição do Estado português em relação à transferência dos açorianos tornou-se
favorável. Contudo, ainda não se havia efetivado tal mudança, devido às questões econômicas, da
própria dinâmica de manutenção das Ilhas em particular, e do Império como um todo. Portanto, a
problemática da Colônia do Sacramento, o mantenimento do território sulino-colonial, somado ao
excesso populacional e à escassez de alimentos, puseram em prática as decisões anteriores.
D. João V, em edital publicado nas Ilhas dos Açores, em 1747, comunicou aos
habitantes que, em apelo aos próprios moradores das Ilhas e após as consultas ao Conselho
Ultramarino, iria permitir a transferência para o Brasil, de quem estivesse interessado. No edital, o Rei
deliberou que o próprio Estado se encarregaria das custas do transporte, desde que os homens não
ultrapassassem quarenta anos e as mulheres trinta. Além disso, forneceria o Estado ajuda de custo a
mulheres de mais de quatorze anos e menos de vinte e cinco, assim como ajuda a casais que levassem
filhos. Seriam também fornecidas sesmarias para cultivo.
166
Destaca-se, nesse documento, a intenção do Estado de resolver a crise nas Ilhas e ao
mesmo tempo preencher uma necessidade sentida muito, de povoamento e cultivo de áreas
pertencentes aos domínios lusitanos. O assentamento desses colonos açorianos garantiu a manutenção
definitiva de determinados espaços isolados, desertos de produção e gentes, e principalmente, a
permanência oficial do Estado português em certas áreas já previamente estabelecidas.
Ressalte-se ainda a tentativa de selecionar o contingente de colonos qualitativamente,
na medida em que foram feitas restrições à idade, promovendo a situação civil e a condição de
procriação, demarcada pelas mulheres entre quatorze e vinte e cinco anos. Para assegurar o
assentamento das famílias, o Estado cederia terras e garantiria o cultivo, evitando assim que os
colonos fossem deslocados de seus afazeres naturais: o trato com a terra.
Nessa afirmativa, é importante lembrar que nem sempre os planos traçados pelo
governo de Lisboa foram postos em prática de imediato, dadas às circunstâncias diversas que
apareceram ao longo do processo de ocupação. Isso aponta para idas e vindas a nível de opiniões e
decisões, dando a impressão que, ao se expor tais situações, se volta ao ponto de partida. Isso apenas
vem confirmar o quanto foi difícil avançar em relação a determinadas situações, atestando o grau de
complexidade que envolveu toda a questão relativa à ocupação e mantenimento do sul colonial
brasileiro.
Alexandre de Gusmão foi o responsável pelo plano de transporte dos casais das ilhas
da Madeira e dos Açores para a colonização do sul do Brasil, com base no plano elaborado para o
povoamento da Colônia do Sacramento em 1718”.
167
As normas sobre os deslocamentos dos açorianos, visando reforçar a presença das
Cartas Régias de D. João V estabeleciam:
165
Idem, p. 42. Carta de D. João V de 31 de março de 1746.
166
BARROSO, op. cit. , p. 20.
167
Idem, p. 20.
50
Carta precatória do Corregedor das Ilhas dos Açores que incorpora Carta Régia de D.
João V, datada de 31 de agosto de 1746.
Carta Régia de D. João V, datada de 5 de setembro de 1746 e despacho do Conselho
Ultramarino também de 5 de setembro de 1746.
Regimento para o transporte dos casais das ilhas da Madeira e Açores para o Brasil,
datado de 5 de agosto de 1747.
Provisão régia de D. João V, ordenando o transporte e estabelecimento dos açorianos
das Ilhas para a ilha de Santa Catarina e Continente do Rio Grande de São Pedro, datada de 9 de
agosto de 1747.
Condições com que foi arrematado por Feliciano Velho de Oldemberg o assento do
transporte dos casais desta Corte e Ilhas para o Brasil, em 7 de agosto de 1747.
168
Abordando a questão relativa ao número de casais que chegaram à colônia, vê-se que
são contraditórios os dados apresentados. As pesquisas realizadas ainda causam dúvidas, apesar dos
levantamentos feitos por Borges Fortes, e registrados em livros de vários outros autores. Em diversas
obras, constata-se que não um consenso quanto ao número exato de pessoas, principalmente porque
estas chegaram a lugares diferentes, como Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Essa
quantidade girou em torno de, no máximo 1.100 casais, com 5.279 pessoas os colonos desembarcados
entre 1748 e 1753 em Santa Catarina e posteriormente transferidos para o Rio Grande do Sul, em
1752. Este autor investigou e comparou dados fornecidos por outros historiadores.
169
O processo de entrada dos casais açorianos no território sulino foi feito, de certa
forma, de acordo com as necessidades do momento. Um dos objetivos mais urgentes era enviar um
certo número de imigrantes para as Missões, cedidas aos portugueses pelo Tratado de 1750. Entre
1750 e 1754, cerca de 1.273 orianos aportaram na Vila do Rio Grande, em trânsito para as
Missões.
170
O Estado usou de violência na transferência de colonos de Santa Catarina para o Rio
Grande. Nesse caso, devido à resistência destes em desalojar-se de uma área em que já estavam
acomodados, rumando para outra na qual não sabiam o que os esperava, principalmente pelas
dificuldades passadas durante a travessia marítima até o Brasil. Essa força foi necessária na medida em
que não havia quantidade suficiente de colonos para serem enviados às Missões.
171
O Estado exerceu
seu poder através da coerção física e disciplinar, ao fazer deslocar grupos de açorianos, já assentados
em outras áreas do território português.
172
Sociologicamente, o Estado Moderno se defini a partir de um meio específico, que lhe
é próprio, além da associação política: o da coação sica.
173
Assim, o poder coercitivo, utilizado pelo
Estado luso, não o fez escapar das suas características, ao coagir fisicamente determinados grupos
sociais. Esses grupos, incluindo os açorianos, inseriam-se na amplitude do poder absoluto, onde a
força era imanente, e também contingência da centralização política.
“...os casais dividiam-se em ‘casais de número’ ou casais del’Rei’, os vindos
na vigência da provisão régia que lhes garantira uma série de vantagens e
até privilégios especiais para povoarem e colonizarem o vazio demográfico
168
Ibidem, p. 17.
169
Op. cit. , p. 40.
170
Op. cit. , pp. 16-17.
171
Ibidem, p. 17.
172
Op. cit. , p. 1056.
173
Idem, p. 1056.
51
de então na faixa litorânea do extremo meridional brasileiro, entre São
Francisco do Sul e o morro de São Miguel, no Chuí”.
174
Os casais que vieram para o Rio Grande do Sul se achavam enquadrados no esquema
colonizador, com destino traçado, dirigido e aprovado pelo rei S. João V, de acordo com as instruções
de 1747, enviadas a Gomes Freire de Andrade, para assentarem-se entre São Francisco do Sul e o
morro de São Miguel, no Chui. Essas determinações seguiam certas regras, ainda em planejamento na
Metrópole lusa, decorrentes das negociações com os espanhóis, que ainda aconteciam, coordenadas
por Alexandre de Gusmão.
175
Na verdade os conflitos pela posse das terras que iam da capitania de
São Vicente até o Rio da Prata aconteciam já anteriormente. A luta pela permanência tanto de
espanhóis quanto portugueses, nessa área, originou reveses armados, muitas vezes sem o aval dos
Estados Ibéricos.
176
A Colônia do Sacramento criou um entrave à penetração espanhola no Prata, mas não
se manteve sem ameaças e confrontos armados. O Tratado de Madri, à revelia da população indígena e
missioneira local, tentou pôr término na questão das fronteiras. Foi, na verdade um frágil paliativo.
“O Tratado de Madri visava pôr um fim às divergências territoriais que
ambas as Coroas Ibéricas reivindicavam. Estabelecia uma linha divisória
definitiva entre os domínios hispânicos na América do Sul e o Brasil e
derrogando assim o que restava da faixa demarcadora de Tordesilhas, de
1494”.
177
Por causa do Tratado, os açorianos foram discriminados, sendo-lhes imputados
objetivos específicos. Em função disso, além de ocupar espaços vazios, os imigrantes serviram de
instrumento político nas mãos do Estado, no exercício de sua soberania. Os casais açorianos seriam
então transferidos de Santa Catarina para a região missioneira. Essa troca, conforme Guilhermino
Cesar, assumiu um caráter de verdadeira operação militar, depois de 1752.”
178
O objetivo, segundo o
autor, seria manter no local, homens leais ao Estado, que iriam, posteriormente, ocupar as Missões.
Para o Estado português foi necessário um certo resguardo, em relação à transferência
e assentamento dos casais no Rio Grande de São Pedro. Isto se deu em função da ação militar lusa,
relacionada com a execução do Tratado de 1750. A documentação oficial faz transparecer uma certa
174
Op. cit. , p. 41.
175
Ibidem, p. 41.
176
Quanto à essa afirmação importa ressaltar que, conforme Heloísa Bellotto, “estabeleciam-se contrastes significativos entre
a enormidade territorial e a própria essência do absolutismo que é a centralização”. A autora coloca a distância como
responsável por uma certa paralisia, retardamento e dificuldade da ação administrativa do Estado. Diz ela: “Da lentidão das
comunicações entre Lisboa e as áreas mais longínquas da colônia americana, como o Continente do Rio Grande, advieram um
sem número de problemas diplomáticos e administrativos”. Bellotto destaca o longo tempo gasto para atravessar o Atlântico
(quase três meses) , assim como erros de distorções, tanto administrativos como estratégico-militares, que foram cometidos
em razão do que ela denominou de tempo administrativo. Definido como “a duração de uma operação de autoridade”, ou seja,
“o tempo que transcorre entre a emanação de uma ordem real e o seu conhecimento pelos súditos ou autoridades a quem é
destinada”. Diz a autora que espanhóis e portugueses muitas vezes guerreavam, mesmo havendo ordens de não beligerância,
ordenadas pelas metrópoles. Op. cit. , p. 265.
177
Op. cit. , p. 41.
178
Op. cit. , p. 139.
52
temeridade, certamente em relação aos espanhóis, em revelar o que realmente acontecia no território
sulino.
“...não deixaria de ser útil que Gomes Freire neste particular use de alguma
dissimulação para que se não se conheça o nosso intento, e que pouco a
pouco vá mandando casais a povoar as ditas Aldeias”.
179
Essa preocupação das autoridades lusas se deu em função da mobilização de tropas
que iriam garantir a transferência dos casais para as Missões, após o Tratado. Certamente o sigilo
pedido na correspondência oficial seria uma posição compreensível, a nível de Estado, levando-se em
conta a medição de forças que sempre ocorreu na região platina e no Rio Grande do Sul, entre
espanhóis e portugueses.
“E para evitar qualquer engano, ou falta, temos por acertado que no mesmo
tempo em que se tratar das entregas, vá entrando pelo sertão um bom
número de nossos Colonos, com um Cabo que os conduza a pôr-se em tal
distância das Aldeias dos Tapes que chegado o dia determinado para a
evacuação, se achem a ponto para ocupar as povoações e território que se
nos deve. Estas disposições se podem fiar da prudência e sagacidade de
Gomes Freire para que se executem com acerto e ele não poderá ordená-las
tão bem estando na Colônia como ficando na vizinhança do Rio Grande de
São Pedro”.
180
Vale ressaltar que Gomes Freire de Andrade, Governador da Repartição Sul,
transferiu-se para a Vila de São Pedro do Rio Grande, sendo, dessa forma, o dirigente dos trabalhos
decorrentes do Tratado de Madri. Segundo Cortesão, Gomes Freire foi o iniciador do processo oficial
que fez avançar os portugueses para o oeste. Foi ele ainda o representante do governo luso,
encarregado da demarcação dos limites do Brasil e da troca da Colônia do Sacramento pelos Sete
Povos.
181
Essa afirmação posicionou oficialmente a ação do Estado português de modo efetivo.
Mobilizou forças, agora rumo ao oeste, concretizando dessa forma uma preocupação defendida pelo
próprio Rei D. João V, desde 1736. Na ocasião o soberano português escreveu para Gomes Freire de
Andrade, então governador e Capitão do Rio de Janeiro e Minas Gerais, mencionando que era preciso
que fossem tomadas providências a fim de assegurar o controle do território da margem setentrional do
Prata. A resposta de Gomes Freire, inspirado pelo Brigadeiro Silva Paes foi, conforme Borges Fortes,
decisiva, para pôr em prática, posteriormente, a ocupação do sul da colônia.
“Foi a Ordem Régia de ll de fevereiro de 1738 que consagrou legalmente a
constituição política de Santa Catarina e do Rio Grande, unidas em um
179
CORTESÃO, op. cit. , pp. 19-20. Carta do Visconde Embaixador de 23 de fevereiro de 1750.
180
Ibidem, p. 125.
181
Ibidem, p. 23.
53
mesmo governo com o título de Capitania d’el Rei e sob a direção de Silva
Paes, que conseguira demonstrar a Portugal o quanto representava o até
então abandonado território do sul do Brasil”.
182
A troca da Colônia do Sacramento acabou por não acontecer neste momento,
principalmente devido à questão da transferência dos índios das Missões, e dos próprios jesuítas.
Apesar disso, os açorianos não deixaram o território, mas espalharam-se: uns ocuparam uma das
margens do Guaíba, concentrando-se no Porto dos Casais e outros fundaram localidades à margem
norte do Jacuí.
“Quando Sacramento foi invadida novamente, em 1763, os povoadores da Colônia
fugiram, estabelecendo-se ao norte do canal, indo até Conceição do Arroio, hoje Osório”,
183
Apesar da
Colônia do Sacramento haver retornado aos portugueses pelo Tratado de Paris, de 10 de fevereiro de
1763, as terras da fronteira do Rio Grande permaneceram sob o domínio espanhol.
184
Esse fato, na
verdade, causou uma reação por parte dos portugueses, inclusive açorianos, na tentativa de expulsar os
espanhóis do Rio Grande, o que acabou por acontecer em 1776.
“Durante os anos da campanha da reconquista, a presença açoriana ocupou
espaços em todas as áreas de manifestação vital das regiões sob o domínio
lusitano”.
185
A presença açoriana em uma parte bastante significativa do território sulino, e
principalmente sua participação concreta na radicação do português em terras riograndenses acontece
pelo número significativo de habitantes em Sacramento e na presença de açorianos que fundaram São
Carlos em Maldonado, iniciando o êxodo para a Capitania do Rio Grande de Sâo Pedro. São dessa
época as povoações de forte ascendência açoriana, como Piratini e Ganguçu.
186
“...um punhado de portugueses, num golpe de audácia sem paralelo em
nossa história, conquistou definitivamente a região missioneira até o rio
Ibicuí, ficando com a Espanha unicamente a região da Campanha além do
Rio Santa Maria pouco tempo depois ocupada também, ficando o Rio
Grande do Sul praticamente com seu contorno atual. O protagonista dessa
conquista foi um jovem soldado desertor do famoso Regimento dos Dragões,
descendente de açorianos”.
187
Este fato, apesar de ter acontecido em 1801, atesta a presença concreta do açoriano em
terras gaúchas, deixando para seus descendentes ações fundamentais na fundação dos limites sulinos.
Num questionamento final, busca-se perceber o que vieram fazer estes colonos no
território sulino. Ao se analisar a questão ocupacional gaúcha, vê-se que o processo de apossamento da
terra foi direcionado para a criação, e não para a produção agrícola. Nessa perspectiva, encontra-se o
verdadeiro papel dos colonos orianos dentro desse processo. Apesar das ações de posse não serem
182
Op. cit. , p. 28.
183
Cfe. Moacyr Domingues. O Rio Grande do Sul antes dos açorianos. In : BARROSO, op. cit. , p. 31.
184
Op. cit. , p. 25.
185
Ibidem, p. 26.
186
Ibidem, p. 25.
187
Op. cit. , p. 32.
54
oficialmente cerceadas, houve um relativo controle por parte do Estado. Isto impediu que as terras
fossem tomadas descontroladamente, garantiu uma densidade demográfica maior, distribuída em zonas
prioritárias, e revelou intencionalmente os planos do governo.
188
Essa distribuição populacional pelo
território teve uma singularidade, definida na presença dos Ilhéus.
“Ao fator espontaneidade vigorante nas posses dos campos opôs-se, em
determinado momento, o fator antônimo, representado pela localização
dirigida dos casais açorianos, sem que isso fosse capaz de alterar o avanço
do pecuarismo e da grande propriedade militar-fronteirista”.
189
Sob essa perspectiva, infere-se que, apesar da presença dos açorianos, estes não
tiveram uma participação independente, na escolha da parte do território a ser ocupada. De uma
maneira geral, o conquistador europeu não se importou nem com as condições políticas nem com as
econômicas por que passariam os grupos de habitantes dos espaços permutados.
190
Nesse sentido, se Portugal o se preocupou com as conseqüências das transferências,
que porventura atingiram cada grupo social, naturalmente que também não preocupou-se com grupos
instalados em áreas vazias. O contrário poderia ocorrer, caso a resultante interferisse nos seus
objetivos políticos e/ou econômicos. Na verdade, a ação militar, a força dos criadores e principalmente
o poder do Estado, fizeram com que os colonos fossem restringidos em sua mobilidade, e depositados
em certas áreas de interesse ocupacional, e não colonizador.
“Podemos sentir ou prever a dissolução do campesinato agrícola, ao
examinarmos a experiência oriana. [...] Esse conflito de certo modo
frustrou as possibilidades do Rio Grande do Sul como região
imigracionista”.
191
Vale ressaltar que o Estado, apesar de valer-se desses imigrantes com intenções pré-
concebidas, distribuiu sesmarias, integrando-os no quadro produtivo. Dessa forma, sem ser esse o
principal objetivo do Estado, os açorianos iriam tornar-se força de trabalho, a serviço da Coroa lusa.
Nesse sentido, os imigrantes se tornaram força de trabalho, quando trabalhado pelo sistema político
de dominação, característico do poder disciplinar, imposto pelo Estado luso.
192
Para que isto acontecesse, o Estado deixou de lado a cedência de privilégios, para
utilizar, na íntegra, a coerção física, legalizada politicamente. Assim, a coerção e a disciplina
tornaram-se, também, um meio de organizar espaços. O Estado utilizou a disciplina “como uma
188
RÜDIGER, Sebalt. Colonização e Propriedade de Terras no Rio Grande do Sul. Século XVIII. Porto Alegre : IEL, 1965,
p. 47.
189
Idem, p. 48.
190
OCHOA, Eduardo Perez. Guerra Irregular en los Verrinados del Peru, Rio de la Plata y en la Region del Brasil
Meridional. Dissertação de Mestrado, PUC, 1992, p. 310.
191
Op. cit. , p. 52.
192
Cfe. Roberto Machado. Por uma genealogia do poder. In : FOUCAULT, op. cit. , p.8.
55
técnica de distribuição de indivíduos, através da inserção dos corpos em um espaço individualizado”
193
O espaço em que os açorianos foram inseridos, foi previamente classificado, e
combinado conjunturalmente, ao processo ocupacional. Nessa perspectiva, os Ilhéus foram isolados
em um espaço “específico, fechado, esquadrinhado, hierarquizado”, para serem capazes de
desempenhar funções, conforme os objetivos anteriormente citados.
194
O que se tenta demonstrar nesse questionamento é o papel específico dos colonos
açorianos, atribuído pelo Estado, que foi direcionado para um determinado fim pré-estabelecido. Os
Ilhéus vieram para o Rio Grande com a finalidade concreta de preencher espaços vazios, aumentar a
densidade demográfica e participar da manutenção do território pelo elemento português. Ocupar
espaços territoriais já integrados teoricamente à Metrópole, era o objetivo nesse momento. Defende-se,
do exposto, a participação do açoriano a partir da finalidade ocupacional, apesar da formação da
pequena e média propriedade.
Parece claro que, dentro de uma ação governamental, iniciada na Metrópole, os Ilhéus
não vieram na intenção primeira de colonizar, mesmo trabalhando a terra. A colonização aqui é vista
no sentido do aproveitamento direto da terra, com a inserção da produtividade na formação e no
desenvolvimento da economia regional e colonial. Dessa forma, os objetivos primeiros dados aos
açorianos, revelaram-se imediatistas, priorizando a urgência da Coroa.
Percebe-se também que esses imigrantes tiveram um lugar próprio na estrutura social
em formação. Esse diferencial pode não ter sido a intenção do Estado, que os percebia como
elementos integradores do contingente populacional português na região. O açoriano, como qualquer
outro imigrante, apresentou um desenraizamento geográfico, dentro do processo de colonização.
Abriu, além disso, possibilidades de mudança no corpo social ao qual se estava integrando. Essa
mobilidade, talvez não fizesse parte dos planos da Coroa lusa, não os considerando enquanto corpo
social específico, o que não impediu que o Estado luso os posicionasse de tal maneira, que a
obstaculização não obstou o desenvolvimento da pecuária e/ou do latifúndio.
Contudo, os açorianos fixados nesses novos lugares, muitas vezes funcionaram como
fator de resistência ao prosseguimento da colonização.
195
Nessa linha de raciocínio, conclui-se que o
imigrante açoriano não cumpriu, na íntegra, o papel que lhe destinava o Estado, pela multiplicidade de
funções, percebidas ao longo desse estudo. Contudo, não deixaram de ser, também, agentes
ocupacionais. Assim, o estar no vazio, aumentar o número de portugueses nas áreas já ocupadas,
enraizar cultura e garantir com sua presença a posse do território, traduz-se no poder do Estado.
“...o estabelecimento na península do Norte, feito de ocasião, praticamente
encerrava os agricultores numa faixa estreita de terras de baixa
produtividade. Em todas as fundações usou-se o método infecundo de
concentrar os casais numa espécie de círculos de onde não poderiam sair
sem romper com a unidade do grupo e somente esta permitiria a
conservação dos hábitos agrícolas. Em outras palavras: os ilhéus estavam
localizados de tal modo que a expansão sobre as terras virgens contíguas
não era possível. Essas terras já estavam apossadas e empregadas
geralmente na pecuária. Sem poderem compensar suas terras cansadas
pela agricultura rotineira, movendo-se sobre o território vizinho, os colonos
193
Op. cit. , p. 19.
194
FOUCAULT, op. cit. , p. 20.
195
MOTA, Carlos Guilherme. Idéias de Revolução no Brasil (1789-1801). Petrópolis : Vozes, 1979, p. 34. Essa idéia é
fornecida pelo autor quando lembra que muitas vezes o imigrante, de um modo geral, pode desenvolver novos interesses,
quando fixado na nova área, e acabar obstaculizando o processo colonizador.
56
deviam inevitavelmente empobrecer e procurar uma saída na atividade
urbana ou então acabar com sua coesão cultural e aceitar os padrões da
pecuária e grande propriedade dominantes no Continente”.
196
Essa linha de abordagem poderia ser estendida mais aprofundadamente, em relação
aos fatores relativos à presença açoriana no sul colonial, tais como: um estudo mais rigoroso da
política de distribuição de terras; o porquê da adoção de determinados critérios de localização; a
incapacidade dos colonos em concorrer dentro da economia regional dominada por criadores e
charqueadores; a eficácia e a capacidade de ação do governo local etc. No entanto, tais caminhos,
embora elucidativos, desviariam os objetivos desse trabalho.
Talvez possa parecer que a participação dos açorianos não foi muito grande em nível
econômico, social e cultural. Contudo, as pouco mais de cinco mil pessoas que vieram para o sul nesse
período, dividindo-se entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, contribuíram sobremaneira, na medida
em que participaram e foram agentes de ações do Estado luso, no que tratou da ocupação do território
em questão. Além disso, a fundação de várias localidades além do Porto de Viamão, hoje Porto
Alegre, atesta a herança deixada pelos casais açorianos e sua participação na formação do Rio Grande
do Sul, marcada pelos conflitos entre Estados Ibéricos, no período apresentado.
Se os Ilhéus cumpriram ou não efetivamente os objetivos da Coroa, na verdade,
acredita-se que o na totalidade. Os planos ambiciosos da Metrópole, ao pensar utilizar os orianos
para as mais diversas ações, o foram concretizados por circunstâncias conjunturais e estruturais.
Essas circunstâncias revelaram-se na ão militar; na medição de forças entre aqueles que disputavam
terras e gado; na formação de uma economia que concorria contra o trabalho familiar açoriano; no
imediatismo de resoluções que exigiam do Estado português ões pidas no trato diplomático; na
posse da terra e na estratégia de ocupação.
Apesar disso, a presença houve, deixaram raízes, plantaram sementes, e, se não
ajudaram a resistir concretamente contra a ameaça castelhana, participaram do processo de reconquista
do Rio Grande, ocupando territórios que talvez, sem esses imigrantes, não fosse tão efetivo. Vista sob
a perspectiva da dinâmica regional, enquadrou-se a imigração açoriana sob dois enfoques: um externo,
efetivada a partir do acionamento governamental, embasado em justificativas localizadas a partir das
Ilhas Açores e relacionado a objetivos de Estado; outro interno, dirigido para uma realidade específica
dentro do território colonial. Em outras palavras: a vinda dos Ilhéus foi ocasionada pela força do
Estado interrelacionada a uma determinada realidade regional.
Essa idéia ensejo a pensar que, nem a atitude da Coroa lusa nem a integração dos
açorianos no sul colonial, podem ser consideradas isoladamente. Houve, entre esses dois fatos, uma
estreita relação, que justificou a formação de uma estrutura própria para a integração do imigrante,
visando determinados objetivos pré-estabelecidos pelo Estado português. Uma determinada região
deve ser analisada e compreendida em conexão com outras áreas, e o de forma isolada,
desconectando-a das dinâmicas de conjunto e do sistema mundial vigente no período.
197
Poe isso, a
vinda dos açorianos veio manter, dessa forma, uma integração própria em relação à sua participação na
montagem do processo de ocupação regional. Isso se deu a partir de especificidades localizadas, como
por exemplo: o porquê da permanência dos colonos em determinada faixa de terra, ou do seu papel
secundário na produção econômica.
Ao mesmo tempo em que isso aconteceu, o açoriano se manteve ligado a uma
conexão externa, em nível social e cultural, mas, principalmente, político-diplomático e
particularmente econômico. Logo, sua existência como imigrante se deveu à ação ocupacional de uma
região que demandava uma importância monetária e política muito grande, tanto para espanhóis
196
Op. cit. , p. 63.
197
Op. cit. , p. 9.
57
quanto portugueses. Isso se deveu às minas do Potosi, ao contrabando de metais preciosos pela região
e pelo Rio da Prata, ao mantenimento de um comércio regular entre Buenos Aires e Sacramento,
existente por certo tempo, e à radicalização portuguesa na terra disputada.
Dessa forma, ter uma visão unilateral e fragmentada do açoriano presente na região
platina oriental em geral, e no Rio Grande do Sul em particular, é, no mínimo, limitar a compreensão
da ocupação no seu conjunto, em função de não se perceber, a partir dessas singularidades, a
integração interna e externa que se fez presente.
Uma outra questão que parece válida levantar é quanto à ão efetiva do poder
metropolitano no jogo ocupacional. O Estado tentou, em suas atitudes, em seu discurso e em suas
ações centralizadas, impedir que houvesse uma ruptura no processo de articulação na ocupação da
região.
Aos açorianos, especificamente, não foi dada autonomia que lhes permitisse decidir
onde colocar-se territorialmente. Sua vinda foi planejada direcionalmente, com áreas demarcadas,
fosse na intenção de fundar povoados, fosse na de aumentar o contingente populacional de
Sacramento, ou dirigir-se para as Missões. Nessa concepção, a Coroa lusa foi cerceadora de interesses,
que serviram para articular a dominação, em nível regional.
Nessa medida, o processo de expansão da pecuária extensiva impediu os setores
agrícolas de se desenvolverem totalmente, exercendo, de certo modo, uma política regional que deu
primazia aos latifúndios e aos grandes criadores. O exemplo do apossamento do território, pelo
elemento ligado aos interesses portugueses, através do enfoque econômico, caracteriza bem a questão
do desnível entre os diversos grupos sociais, que participaram do processo ocupacional. Assim, apesar
de se esperar um total controle do Estado absolutista (a questão das características desse Estado
absolutista, assumiu outra conotação, sob Pombal)
198
e um cerceamento em nível decisório dos
grupos regionais mais fortes, tal processo o mudou os rumos que deram origem à dominação da
grande propriedade no Rio Grande do Sul. O que vem reforçar a especificidade objetivada de
determinados grupos, como os açorianos.
Vê-se, sob esse ângulo, a região platina oriental atuando como uma unidade
econômica e social, em uma ação que antecedeu a delimitação das fronteiras políticas do Estado
Nacional.
199
Na verdade, essa concepção, apesar de correta, vem imediatamente ligada à ação política,
sem a qual os interesses econômicos, principalmente, não se efetivariam. A região platina oriental,
dentro de um processo de interação, ofereceu as condições para o desenvolvimento da dominação de
grupos sociais determinados, em detrimento de outros; essa diferenciação influiu sobremaneira na base
social formadora do Rio Grande do Sul, enquanto a ação e a definição política se deu a nível de Estado
Nacional. Essa ação se refletiu numa política o definida propriamente por um planejamento
ocupacional, visando um desenvolvimento produtivo, pelo menos em um primeiro momento. O que
ocorreu foi uma efetivação em termos ocupacionais, no preenchimento de áreas.
Além disso, houve a tentativa de manter uma economia imediatista baseada no
comércio e, paralelamente, no contrabando. Somando-se, também, o estabelecimento de pontos
estratégicos de demarcação, onde o mais importante deles foi, sem dúvida, a Colônia do Sacramento.
Sem perder de vista esse enfoque, associam-se dois fatores que influenciaram no
processo de ocupação portuguesa no Prata Oriental. Um deles foi o poder do Estado absolutista
lusitano, que articulou externamente a dinâmica ocupacional e o outro foi a interação das forças
sociais, aglutinadas ou não, dentro do espaço regional. Este último ponto não centraliza o tema de
198
Op. cit. , p. 152. Politicamente esse século caracterizou-se pelo apogeu do absolutismo, em geral sob a forma de
despotismo esclarecido, com uma política de centralização mais eficaz que as anteriormente utilizadas pelos monarcas
absolutistas, a adoção de medidas e processos racionalizadores e o aperfeiçoamento da máquina burocrática.Os autores
referem-se ao século XVIII.
199
Apud Vera Alice Cardoso Silva. Regionalismo: O Enfoque Metodológico e a Concepção Histórica. In : SILVA, op. cit. ,
p. 46.
58
análise, mas visualiza, a partir de uma conceitualização anteriormente exposta, a distribuição e a
articulação dos grupos sociais portugueses, ou daqueles diretamente ligados aos interesses de
ocupação lusos. É por esse motivo que se aborda a questão da participação açoriana na economia em
formação no sul. São ressaltados certos aspectos no que refere à sua produtividade, tentando também
captar o grau de influência que sua presença causou na formação territorial, nesse período.
Não levando em consideração a discussão sobre a questão da existência ou não de
uma escassez de mão-de-obra na lavoura no Rio Grande de São Pedro, levantada por Fernando
Henrique Cardoso,
200
destaca-se a utilização de escravos pelas famílias de açorianos, a partir da
segunda metade do século XVIII. É intenção evidenciar a contribuição, em termos de participação de
um novo grupo social no meio dessa mão-de-obra, antes estritamente familiar.
Isto vem significar que, na verdade, não se pode perceber cada grupo social de modo
isolado, com seus afazeres próprios. Assim como estavam economicamente ligados à produção e
comércio do trigo, tanto a nível local, regional como, mais tarde, colonial, interagiam e dinamizavam o
processo ocupacional, utilizando mão-de-obra escrava. A intenção era aumentar a produção, se a tese
de Cardoso estiver correta, mas estavam, indiretamente, e é isso que interessa no momento,
contribuindo na efetivação da posse do território. Essa contribuição se deu na medida em que, sob seu
controle, aumentou o contingente populacional no território português. Os imigrantes proporcionaram
a integração de um novo grupo social, o negro, etnicamente diverso dentro do universo humano
existente. A interação entre esses dois grupos foi inevitável, ao longo do tempo, nesse espaço social.
É ressaltada, dessa forma, o papel que o colono açoriano exerceu, a partir do
momento em que estabeleceu raízes, fundou povoados e vilas, aumentou numericamente o elemento
português na região, desenvolveu a produção de trigo e incrementou, com o escravo, o contingente
racial a serviço da Coroa portuguesa. Atesta-se, por essa perspectiva, a continuidade da dinâmica de
interação no processo ocupacional, e formador do social, no sul da colônia lusa. Essa preocupação do
Estado visava manter o controle da área em disputa, sem romper a ordem colonial, na medida em que
sua soberania continuava sendo reconhecida. A delegação de poderes emanava diretamente da
Metrópole.
As intenções do Estado em manter a centralização política, fruto do absolutismo real,
veio suscitar uma série de problemas na ação administrativa.
“...muitas vezes, naquela área conflitual do Prata, que tanto pesou nas
relações Portugal-Espanha no período de que nos ocupamos, ocorreu
estarem as cortes ibéricas em paz e os soldados das duas Coroas
prosseguirem em suas operações bélicas, por ignorarem as ordens de
cessar fogo que vinham a caminho”.
201
Ainda:
200
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional. O negro na Sociedade Escravocrata do
Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1977, p. 59. Esse questionamento é levantado quando Cardoso tenta
demonstrar que, na verdade, os colonos açorianos utilizaram escravos nas lavouras em função de um aumento nas rendas
oriundas da produção do trigo. Diz ele: “Perde também sentido a afirmação de que, iniciando o trabalho agrícola, os açorianos
não poderiam contar consigo mesmos e apelariam para os negros... porque, iniciando o trabalho agrícola os açorianos
podiam contar consigo e não apelaram para os negros, mas reinvestiram, sob forma de mão-de-obra escrava, o excedente
gerado por seu trabalho, logo que a expansão do comércio de trigo permitiu que esse excedente assumisse forma monetária,
pela qual era possível adquirir escravos”.
201
Op. cit. , p. 265.
59
“Este tipo de problema informa diretamente a questão da delegação de
autoridade e da autonomia dos governos nas áreas periféricas dos
impérios”.
202
Essas afirmações servem, no momento, para registrar que, apesar dos desencontros das
ordens vindas da Europa para os governantes locais, os colonos açorianos foram, nesse momento,
parte da ação centralizada do Estado. O espaço interno regional apresentou um grau de complexidade
bem maior do que se pode perceber, à primeira vista. O papel do Estado foi influenciador, mas não
pode ser considerado totalmente responsável e determinante.
Na realidade em que se trabalha, as características de cada grupo participante
influenciaram sobremaneira. Dessa forma, só admitindo uma combinação de fatores endógenos e
exógenos, de modo recíproco ou não, na disputas dos espaços internos, é que se pode perceber mais
claramente como aconteceu a distribuição, participação e radicação desses grupos.
Indo em direção a uma história estritamente regional, mas sem perder o fio condutor
deste trabalho, que é a ação do Estado luso sobre o processo de ocupação sulina, defende-se a teoria da
região sem fronteiras, ou melhor, a idéia da fronteira-móvel, fruto da dinamicidade e da mobilização
dos elementos participantes. A razão de toda essa articulação, nesse espaço, foi a procura da
delimitação territorial de áreas coloniais das metrópoles ibéricas, direcionando, naturalmente, aos
resultados mais favoráveis a cada uma delas, de acordo com os seus interesses particulares.
Estendendo essa análise em direção à questão do poder do Estado, vemos que a
contração ou ampliação de uma região é, basicamente, um fenômeno político.
203
As ordens da
metrópole delimitavam a natureza da dimensão política na articulação da ordem social.
204
Nesse
sentido reforça-se a importância da dimensão política externa, além de se levar em consideração os
fatores internos.
“O âmbito de poder de um centro político (governo nacional ou
metropolitano, por exemplo), fixa a fronteira legal entre as atividades públicas
e privadas. Isso significa dizer que a autonomia dos indivíduos e dos grupos
para produzir, negociar e interagir , ou seja, para fixarem um
espaço de
atuação social e econômica, é politicamente definida”.
205
Essa idéia denota dois pontos fundamentais. Um deles é efetivamente o poder político
emanado do Estado, como definidor da dinâmica interna; o outro deixa transparecer que é possível a
ação autônoma de indivíduos e grupos, mesmo que, a seu ver, esta venha cerceada pelo poder político.
O grau de intensidade da força política externa poderia funcionar como elemento regulador interno,
ou, pelo menos, ser um deles. A região, dessa forma, pode ser percebida como um espaço de ação
cujos limites se contraem ou se ampliam causados por iniciativas individuais, grupais e
governamentais, buscando formalizar o controle sobre os recursos disponíveis em determinados
territórios.
206
202
Idem, pp. 265-266.
203
Op. cit. , p. 48.
204
Idem, p. 48.
205
Ibidem, p. 48.
206
Ibidem, p. 48.
60
A ação desses indivíduos, ou grupos, em luta pelos interesses nacionais é mostrada
quando os portugueses vêem os espanhóis como inimigos da Coroa, e vice-versa, mas também em luta
entre si. O que se deu quando foram evidenciadas as ações de posse de terras, a utilização de áreas
para pecuária e/ou cultivo, o assentamento de colonos, a formação de aglomerados urbanos etc. O
poder político da Metrópole lusa exerceu influência. Contudo, essas ações, em muitos casos, foram
individuais, ou defenderam interesses de determinados grupos, em detrimento de outros, com menor
força política regional, menor poder beligerante, menor número, ou qualquer outro fator que pudesse
caracterizar a supremacia de um sobre o outro.
Nesse sentido, aparece a dinamicidade na delimitação das fronteiras que, mesmo sob a
ação do Estado, o se fixaram oficialmente, num primeiro momento. A região do Prata, embora fosse
alvo de inúmeros tratados para definição de fronteiras e zonas limítrofes, entre os territórios espanhóis
e portugueses, foi palco de avanços e recuos, que impossibilitaram o estancamento, e não impediram a
interpenetração dos elementos que a compunham.
Até o início do século XIX o Rio Grande teve uma fronteira móvel, conforme
avançassem ou recuassem os portugueses em seus confrontos com os espanhóis.
207
A característica da
intervenção do Estado nesse período (segunda metade do século XVIII), esteve sob a autoridade
administrativa do Marquês de Pombal, ministro do rei D. José I (1750-1777). Portugal impôs uma
política econômica direcionada pelo mercantilismo. Era a política econômica da fase de dominação do
capital mercantil, que tinha por objeto direto a força do Estado e, por objeto indireto, a riqueza da
burguesia. Quando das reformas pombalinas, a política colonial portuguesa tanto para as suas colônias
quanto para o Brasil, mudou de rumo, apesar de preservar as linhas mestras do mercantilismo. A crise
que atinge o império luso, faz com que o Estado absolutista se articule sob a influência da Ilustração.
208
Esse enfoque vem ao encontro da questão da presença do elemento oriano, inserido
nesse período cronológico específico. A intervenção do Estado português, dadas as características
iluministas, permitiu uma maior mobilidade, não apenas deste em particular, mas dos demais grupos
sociais que compunham a região sulina. Mobilidade essa, de acordo com os interesses e objetivos
estatais.
Por esse ângulo percebe-se a ação do Estado luso, que buscou interar mercados, tanto
a nível interno quanto externo,
209
e possibilitou uma dinamização maior, fazendo ressaltar as
características imanentes a cada grupo. Revela-se a articulação anteriormente citada, entre os
elementos ocupantes do espaço regional, ao relacionar-se dialeticamente a força política do Estado
português, com as características sociais e físicas da região platina oriental.
Não foram os fatores internos, picos dos grupos e da região, e nem o poder do Estado lusitano, que
agiram isoladamente. A correspondência, em maior ou menor grau, de um sobre o outro, foi que permitiu
a dinamicidade regional, e a mobilidade específica, que terminou por caracterizar a região platina oriental
como heterogênea e integrativa, na formação de suas fronteiras geo-políticas.
Conclusão

Em função do que foi exposto neste trabalho percebe-se que o Estado português, ao
longo do período estudado, assumiu características próprias, em relação aos Estados Nacionais
existentes na Europa. Marcado pela restauração da monarquia, após libertar-se da Espanha, o Estado
207
Op. cit. , p. 171.
208
Cfe. José Jobson de Andrade Arruda. A Produção Econômica. In : SERRÃO e MARQUES, op. cit. , pp. 90-91.
209
Idem, p. 89.
61
luso centralizou-se politicamente na figura do rei, mas estruturou-se organicamente, formando um
corpo administrativo auxiliar ativo.
A aproximação do Estado com o povo, fez com que se enfraquecesse o caráter divino
da monarquia centralizada, pela necessidade de apoio político. A divinização da figura do rei foi
resgatada quando do governo de D. José I, sob a administração do Marquês de Pombal.
Em vista disso, o Estado Nacional luso foi, basicamente, patrimonialista, de 1640 a
1750, assumindo caráter burocrático sob Pombal. Isto veio traduzir-se nos objetivos e na ação do
Estado, que, no patrimonialismo, assumiu um caráter expansivo e ocupacional, e, ao tornar-se
burocrático, passou a preocupar-se com a conservação e administração das áreas conquistadas.
Estruturado nesses parâmetros, o Estado luso tratou de impor e ratificar sua presença
em determinados espaços territoriais, a fim de manter e garantir sua permanência político-
administrativa, tanto ao nível da Metrópole, quanto ao nível das colônias ultramarinas.
Nesta ação, uma parte da região platina oriental inseriu-se contextualmente,
integrando-se como área a ser conquistada e anexada ao império colonial português. Lançando mão de
estratégias de ocupação e jogos diplomáticos, a Coroa lusa passou a movimentar-se em direção ao Rio
da Prata, fundando fortificações e acionando grupos sociais representativos, evidenciando-se como
fator externo ao processo ocupacional platino.
A fundação da Colônia do Sacramento veio marcar definitivamente a presença oficial
do Estado português na região oriental do Prata, assim como evidenciar nesta, seu interesse
ocupacional.
Objetivando, em princípio, a radicação do governo luso, passou Sacramento, ao longo
do tempo, a representar o ponto de referência mais importante à margem esquerda do Rio da Prata.
Objeto de disputa armada convergiu o comércio da região, assim como o contrabando, originando uma
dinamicidade social em função de sua existência. Realizou, portanto, uma multiplicidade de papéis,
tanto sob o poder espanhol, quanto sob o poder português.
Além disso, distanciou-se do poder do Estado luso ao interagir grupos que praticavam
atividades de trocas, longe do controle deste. Nascida de uma política defendida por uma monarquia
territorial, Sacramento representou, concretamente, essa política. A territorialidade do Estado,
abrangendo áreas, assim como gentes e coisas sobre elas, estava inserida dentro da ótica
patrimonialista.
Na tentativa da apropriação do território, a Coroa agia de acordo com as características
deste Estado: territorial, colonialista, patrimonialista.
No entanto, a abrangência dessa realidade, era maior. Envolvia rivalidades políticas,
entre Portugal e Espanha, além de questões econômicas (principalmente comerciais e de contrabando),
interesses de outras nações (em especial a Inglaterra), e enquadrava-se numa política nacionalista,
ativada no período pós-Restauração.
Sacramento surgiu, enfim, dentro de um complexo de interesses políticos, econômicos
e sociais, traduzindo-se no objeto concentrador desses fenômenos, enquanto duraram as disputas pelo
seu controle. Na prática, a Colônia do Sacramento foi instrumento e objeto da ação governamental
lusitana, e elemento de ligação entre os vários grupos sociais que viviam na região. Cumpriu função
tanto bélica quanto aglutinadora, mesmo que não tenha se mantido todo o tempo sob o controle
português. Daí a sua importância em toda a dinâmica, ao longo do processo de luta e ocupação de
parte da região do Prata Oriental.
Ao preocupar-se com a posse do território, o Estado luso colocou-se na obrigação de
distinguir seu elemento humano, de maneira que este viesse a garantir, ou ratificar, sua presença no
espaço ocupado. Para que isso acontecesse de maneira satisfatória, isto é, para que, através de grupos
sociais distribuídos o Estado exercesse a sua posse política, teve não apenas de comandar e ditar
normas e regulamentos, mas conceder, em certa medida, autonomia a estes mesmos grupos.
62
Quando a Coroa lusitana exerceu sua territorialidade sobre o Prata ao criar
Sacramento, por exemplo, impôs sua autoridade, mas, ao mesmo tempo, permitiu uma dinâmica
própria entre os grupos sociais portugueses, na região.
O comércio, legalizado ou não, ativou certa mobilidade que resultou em contatos
culturais e étnicos entre lusos e castelhanos. Estes contatos escaparam dos parâmetros estabelecidos
pelo Estado. Além disso, pela intensidade, as trocas acabaram por fugir do controle fiscal da Coroa,
impedindo a entrada de grandes somas ao tesouro real.
Mas, em certa medida, esta diferença monetária não auferida pelo Estado, e também os
contatos sociais “não políticos” entre grupos sociais antagônicos, acabaram por fazer parte do jogo de
poder, tanto da Coroa lusa sobre os grupos sociais, quanto entre as duas potências ibéricas. Este jogo
de poder transformou-se, todavia, numa exigência, para que a ação e o poder político da Coroa
portuguesa não fosse cerceado pelos grupos que a representavam. Em função disso, o poder do Estado
não se expressou somente pela repressão ou imposição de sua vontade.
Exercendo uma certa maleabilidade, em vel de poder, a Coroa portuguesa acabou
por regular o grau de intensidade de que esse poder era imbuido. Assim, criou, muitas vezes, uma certa
garantia de permanência, mesmo quando se distanciava do controle direto.
Quando o Estado luso agiu politicamente no sul-colonial, permitiu que os grupos
sociais que controlava desenvolvessem suas potencialidades, criando uma dinâmica própria. Percebe-
se a presença do Estado no processo ocupacional, mas, em certos casos, este não interveio diretamente.
Isto aconteceu, não porque o Estado não tivesse, muitas vezes, forças para controlar seu elemento
humano, mas, para que pudesse garantir essa força, sempre que necessitasse.
Em contrapartida, o Estado também impôs funções a determinados grupos sociais e
inseriu-os em uma conjuntura, a fim de desempenhá-las. O objetivo, nesse caso, foi o mantenimento
do processo de ocupação de espaços e a oficialização da posse, em detrimento do bem-estar do grupo
em questão.
Foi o caso dos imigrantes açorianos, transplantados das Ilhas para a região sulina-
colonial. Este grupo, num primeiro momento, veio incumbido da tarefa de ocupar espaços, e de servir
de contingente populacional às missões jesuíticas. Cumprindo objetivos, o Estado luso agiu
coercitivamente, deslocando os imigrantes, conforme suas necessidades. Em função de uma
característica discriminativa, por serem em número reduzido, previamente controlados, e objetivados a
exercer funções específicas, os açorianos exemplificam-se como objeto de dominação, sobre o qual o
Estado exerceu seu poder. Ao serem escolhidos para áreas previamente estabelecidas, em faixas de
terras estreitas, ou concentrarem-se em determinados espaços, e transferidos para outros, os ilhéus
tornaram-se instrumentos do poder, trabalhados pela força política do Estado.
O Estado mobilizou o contingente humano sob seu controle, conforme este o
beneficiou. Na verdade, a distribuição do elemento açoriano obedeceu a um interesse governamental
específico: a ocupação de espaços, que, conforme o próprio Estado luso, já estavam sob o seu poder.
No entanto, essa questão, em princípio política, tornar-se-ia econômica, com o
enraizamento do imigrante, e a conseqüente efetivação da posse. Assim, pelas circunstâncias, o Estado
poderia ter concedido maior mobilidade a esse grupo, caso fosse necessário.
Quando se percebe a ação dos comerciantes lusos na região platina oriental, e a
formação das estâncias, com o apresamento do gado, tem-se um exemplo contrário ao imigrante
açoriano. Neste caso, a intervenção estatal agiu diferentemente, ao permitir uma dinâmica própria, na
medida em que recebia dividendos, originados dessa mobilidade, além de defender outros interesses.
Ao satisfazer necessidades econômicas, a posse de parcelas e o aproveitamento de
áreas, com uma livre mobilidade territorial, foram totalmente compatíveis com os interesses do Estado
luso. Por isso o soberano não foi contra a formação de propriedades, por meio da posse racional. Às
63
vezes, a Coroa favorecia tal atitude, sempre que o se originassem poderes que alcançassem uma
autoridade independente do controle do Estado.
210
Num segundo plano, reforça-se a idéia de ocupação, ligada à colonização. Se, de
início, a ocupação física do território era primordial, surgiu depois a organização produtiva do espaço
ocupado. Essas múltiplas funções do elemento humano direcionaram-se aos interesses do Estado, tanto
políticos quanto econômicos. A fundamentação do Antigo Regime estruturava-se no regime fundiário,
daí, segundo Jobim, “a decisiva importância política da propriedade agrícola”.
211
Ao se analisar o processo de expansão portuguesa no Prata, percebe-se que havia
inúmeras necessidades a serem resolvidas, no menor espaço de tempo possível. A criação de
fortificações, o envio de militares, a distribuição de elementos humanos, aparecem de modo mais
imediato, mas, a atividade comercial, a colonização e a produção agrícola, vêm em seguida.
O Estado aqui entra como um centro organizacional da sociedade no plano territorial,
obedecendo determinados interesses. Dentro de uma visão gramsciana, estaria este Estado construindo
um espaço hegemônico, ao direcionar determinados grupos sociais em detrimento de outros,
configurando a região em função do poder de cada um desses grupos. A dinamicidade revela-se, neste
caso, revestida de um caráter político-ideológico.
212
Assim, algumas vezes o Estado se ocupou e garantiu a presença lusa em partes do
território, mas, em outras, a ação individual prevaleceu. Conforme Torgal, Portugal, muitas vezes,
conseguiu manter suas colônias, apesar de algumas cedências, mas “tal ficou-se a dever, pelo menos
em certas zonas, mais à ação corajosa dos colonos, do que aos convênios diplomáticos”.
213
Na verdade, aparece aqui a ação conjunta, defendida nesse trabalho, dos fatores
internos e externos. Vê-se, em vista disso, que o processo de expansão e ocupação portuguesa no sul-
colonial, foi resultado de uma interação existente entre as forças internas da região (sociais e
geográficas), com a ação governamental.
A existência de grupos sociais diversos revela, empiricamente, um inter-
relacionamento entre eles, traduzido em ações, quer fossem essas ações de caráter lico, ou pacífico.
As trocas, realizadas através dos contatos sociais, acabaram por criar um estado de ebulição social
permamente, mesmo que, em muitas áreas, houvesse pouco elemento humano.
Os contatos entre os variados grupos sociais sofreram incidência da formação
geográfica regional, traçando desenhos que não permaneceram estáveis por muito tempo, sendo,
muitas vezes, efêmeros, e passíveis de mudanças. Isto se deu conforme as relações entre os grupos
fossem mais ou menos intensas.
Deve-se compreender a região platina oriental, composta não somente por pontos
referenciais, como Sacramento, mas ocupada por grupos sociais com características próprias, e
diferenciadas, em relação aos outros grupos. Os militares, comerciantes, contrabandistas, estancieiros
e colonos contribuiram no processo ocupacional, interagindo entre si nos mais variados graus de
intensidade.
Vale ressaltar que os indígenas, missioneiros ou não, se encontram em meio a este
dinâmico espaço regional, que possui suas fronteiras determinadas pelo processo de interação entre os
diversos grupos, principalmente em vel comercial. Assim, a situação colonial em que vivem esses
indígenas dentro dessa área irá condicionar sua participação na vida colonial.
210
WEBER, op. cit. , p. 845.
211
JOBIM, Leopoldo. Ideologia e Colonialismo. Rio de Janeiro : Forense, 1985, p. 67.
212
GRAMSCI, Antônio. Alguns temas da Questão Meridional. In : Temas de ciências humanas. Vol.1, São Paulo :
Grijalbo, 1977, p. 48.
213
Op. cit. , vol.1, p. 293.
64
Contudo, o grau de complexidade social existente em toda a região oriental do Prata,
aliado às questões políticas, catalisadoras das ações dos Estados Ibéricos, tornou o estudo do período
mais diversificado, do que a simples redução ao poder de Estado. O espaço territorial, assim, foi
ocupado por elementos humanos, que aumentavam ou diminuiam este espaço, conforme distanciavam-
se ou aproximavam-se uns dos outros.
Essa motricidade foi, aos poucos, delineando uma formação social que preencheu
fisicamente parte da região oriental platina, que acabou por influir, na constituição do território do Rio
Grande de São Pedro, já mesmo antes de sua fundação oficial, em 1737. A força do Estado português,
em certos casos, acelerou esse processo, quando fez surgir, num primeiro momento, a Colônia do
Sacramento. A fundação de fortificações militares garantiu a permanência lusa, em partes da região
sulina.
Em contrapartida, a reação espanhola, dirigida pela Coroa, retardou e até impediu que
essa ação externa agisse sobre determinados grupos sociais ali existentes. Quando isso aconteceu, as
ações individuais, ou melhor, particulares, substituiram a oficial, o que, em certas ocasiões, causou
efeitos não previstos pelo poder estatal. Exemplo disso foi o mantenimento do contrabando, que
passou por Sacramento e o Rio da Prata, fugindo em parte ao poder do Estado. Foram as forças
internas, agindo livremente, em um interrelacionamento divorciado do pensamento oficial.
Nesse sentido, verifica-se que a ação do Estado luso, no Prata, não se deu num
continuum linear. Por diferentes fatores, a ação do poder foi cerceada. A realidade, no Prata, se
desenrolou, em alguns períodos, completamente à deriva, direcionando-se conforme a ocasião.
O fato do Estado perder o controle, deu-se pela interrupção do desenrolar contínuo da
ação deste Estado, onde o acaso, ou a ação individual autônoma, independiam da sua vontade
discursiva. Nessas circunstâncias, o acaso, ou a ação individual, desprenderam-se do raio de
abrangência do poder estatal, conduzindo a história para fora da influência das forças externas da
região oriental platina, em específico.
Percebe-se, por este estudo, que a parte analisada da região oriental do Prata
compunha-se de uma gama de fatores, formadores de suas características internas (sociais e
geográficas), interligados, em variados graus de intensidade, pelo poder do Estado português, e de
reação do Estado espanhol.
É a partir dessa visão dinâmica, interativa, que se percebe o processo de ocupação da
região platina oriental, e do sul-colonial luso. Ocupação caracterizada por conflitos armados e ações
pacíficas, traduzidas pelo comércio e pelo permeio cultural, fosse ele positivo ou negativo a
determinado grupo social.
O envolvimento de brancos, de ambos os Estados ibéricos, indígenas e missionários,
traduziu o caráter dinâmico ao longo do processo histórico. O término dos conflitos deu-se através da
ação diplomática, com a assinatura dos tratados de Madri (1750), Santo Ildefonso (1777),
complementado pelo Tratado de Badajós (1801).
O Estado luso, ao longo do período, agiu conforme seus objetivos, ou suas
necessidades. Recuou, quando foi preciso, e foi incisivo, quando necessário. Dessa maneira, esteve
quase sempre presente, mesmo que, em certos momentos, tenha perdido a constância deste controle.
Ao mudar suas prioridades, chegou, pela via diplomática, à resolução almejada.
A responsabilidade do Estado luso no processo ocupacional foi marcante, muito
embora tivesse, em alguns momentos, se distanciado da ação direta, em função da autonomia interna
de que o Prata estava imbuído, e em função da totalidade em que este Estado inseria-se, onde parte da
região platina oriental era apenas uma das suas várias preocupações e objetivos.
65
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