Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA
Coordenadoria Geral de Pós-Graduação
Programa de Mestrado em História
A Relação Capital-Trabalho na
Gênese da CSN
Magali Nogueira da Silva Calife
Vassouras
2000
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Magali Nogueira da Silva Calife
A Relação Capital-Trabalho na
Gênese da CSN
Vassouras
2000
ads:
A Relação Capital-Trabalho na
Gênese da CSN
Orientadora: Profa. Dra. Maria Philomena da Cunha Gebran
Dissertação de Mestrado Apresentada ao
Programa de Mestrado em História, da
Universidade Severino Sombra, Pela
Mestranda Magali Nogueira da Silva Calife,
para Obtenção do Título de Mestre.
Vassouras
2000
CALIFE, Magali Nogueira da Silva
A Relação Capital-
Trabalho na Gênese da CSN. Vassouras:
USS, 2000.
I - Universidade Severino Sombra CGPG PMH
II - Título
Palavras-Chave:
1 CSN; 2 Trabalhador; 3 Espaço.
Universidade Severino Sombra
Coordenadoria Geral de Pós-Graduação
Programa de Mestrado em História
A Dissertação: A Relação Capital Trabalho na Gênese
da CSN.
elaborada por Magali Nogueira da Silva Calife
e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi aceita pelo
Programa de Mestrado em História da USS, como requisito à obtenção
do Título de
MESTRE EM HISTÓRIA
Banca Examinadora:
__________________________________________
Presidente
__________________________________________
1º Examinador
__________________________________________
2º Examinador
Vassouras
2000
“O Operário em Construção”
“Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário
De forma que, certo dia
A mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
Garrafa, prato, facão
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela,
Banco, enxerga, caldeirão,
Vidro, parede, janela,
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Vinícius de Moraes
À Minha Mãe “in memorian” com
quem, dentre muitas coisas, aprendi o gosto pelo
estudo.
Para o Calife, meu marido, companheiro e
amigo de todas as horas, pelo incentivo e apoio.
Aos meus filhos, José Maria e Alessandro, com
quem redescobri a vida.
À minha irmã Célia Cristina um misto de
“filha”, irmã, amiga com quem divido as flores
e os espinhos do caminho.
Agradecimentos
Quero agradecer, especialmente e
carinhosamente à Profª. Dra. Maria Philomena
da Cunha Gebran que com suave firmeza,
conduziu a elaboração do trabalho. Esta
dissertação se realizou contando sempre com sua
orientação estimulante e amiga.
Ao Prof. Dr. Lincoln de Abreu Penna
que com seu brilhantismo me introduziu no
instigante mundo da pesquisa.
Ao Prof. Dr. José Augusto dos Santos
pelo estímulo e palavras elogiosas durante a
apresentação do Projeto de Pesquisa.
Aos professores do Programa de Mestrado
em História pelos valiosos ensinamentos.
Aos trabalhadores da CSN
verdadeiros agentes dessa história . Seus
depoimentos, reavivaram momentos que não
podem ser esquecidos.
Ao Luís Henrique, ex-aluno da turma de
História 99 pelo apoio nas entrevistas com os
ex-trabalhadores da CSN.
À minha nora Denise, garimpando
documentos e obras na USP e UNICAMP que
foram da valiosa importância.
Enfim, a vocês alunos queridos da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Volta Redonda que no espaço de sala de aula
dividiram comigo as angústias da pesquisa e o
momento de êxtase da dissertação.
IX
R E S U M O
O tema central desta dissertação é a relação capital
trabalho na origem da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta
Redonda. Por isso, restrinjo-me a década de 40.
A construção da CSN, servindo-se de diversos
mecanismos de repressão que vão da contratação do trabalhador,
educação, condições e concessões de moradias teve um forte
componente autoritário, excludente e segregacionista. Observamos
também que o espaço aí construído foi delineado com os mesmos
componentes de repressão.
Concluo com algumas reflexões que mais tarde
redundarão em conflitos que exporão as verdadeiras entranhas da
empresa desmistificando assim, o discurso oficial.
X
A B S T R A C T
The Central Theme of this dissertation is the
relationship between capital and work in the origin of CSN
Companhia Siderúrgica Nacional in Volta Redonda. Therefore, I
will limit the decade of 40.
The construction of CSN, being served as several
repression mechanisms that are going from worker’s recruiting,
education, conditions and concessions of homes had a strong
authoritarian component, excluding and segregacionist. We also
observe that the space built was delineated with the same repression
components.
I finish with some reflections that later will become into
conflicts that will expose the true bowelses of the company,
unfaking the official speech.
XI
Í N D I C E
Introdução..................................................................................... 12
Por quê CSN?
Capítulo I ...................................................................................... 16
CSN: Um Sonho Feito a Ferro e Fogo
Capítulo II..................................................................................... 42
Volta Redonda: Cidade do Aço
Capítulo III................................................................................... 63
Da Enxada ao Relógio de Ponto
CONCLUSÃO.............................................................................. 90
BIBLIOGRAFIA.......................................................................... 94
ANEXOS...................................................................................... 101
12
Introdução
Por quê CSN?
Em 1975, recém-formada, fomos trabalhar na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Volta Redonda. Nossos alunos, na
sua grande maioria, trabalhadores, filhos de trabalhadores ou netos
de trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
No espaço da sala de aula convivemos com a ditadura que
se instalara no país a partir de 1964 e que reprimia violentamente
qualquer manifestação em Volta Redonda, cidade de segurança
nacional.
O medo rondava todos os cantos e recantos da Faculdade.
Expressava-se através de frases mal faladas, olhares furtivos, gestos
dissimulados, textos não discutidos, cochichos mau ouvidos.
Posteriormente, presenciamos momentos de grande
efervescência sindical, na liderança de memoráveis greves, na luta
pelos direitos do trabalhador que escrevia sua história com o suor
dos altos fornos.
A partir do governo Sarney, novembro de 1988,
intensificou-se uma grande repressão dentro da CSN. O espaço de
Volta Redonda se torna objeto de lutas e tensões que redundou na
morte de três jovens operários dentro da CSN: William, Valmir e
Barroso com respectivamente 22, 27 e 19 anos.
13
Vivemos com muita intensidade e compartilhamos com
nossos alunos, toda esta história, que ainda hoje, traz-nos lágrimas
aos olhos e muita emoção.
Na década de 90, durante o governo Collor é implantado
no país o neo-liberalismo que esvaziou com suas práticas recessivas,
o movimento sindical e iniciou um projeto contundente de
privatizações. A CSN não ficou fora. Volta Redonda sofreu e
continua sofrendo todas as conseqüências possíveis desse processo.
Diante do exposto, ficou claro o nosso compromisso
político em resgatar a origem da história desse trabalhador bem
como as implicações no espaço de Volta Redonda com as
instalações da CSN.
O trabalho consiste, portanto, numa reflexão sobre os
termos em que se deu a formação deste trabalhador que por décadas
foi exaltado nos discursos da história oficial como "novo modelo".
Buscamos também apreender como se constituiu
historicamente o lugar e como evoluiu até o final da década de 40 a
vida urbana . Investigamos, ainda, as articulações existentes entre a
base físico-geográfica e as espacialidades situadas nas esferas
econômica, sócio-política e cultural.
Para elaborar este estudo apoiamo-nos em fontes diversas:
- primeiramente desenvolvemos uma intensa pesquisa em fontes
secundárias objetivando não só o respaldo teórico como também
a história e evolução da siderurgia no Brasil que redundou como
14
clímax na construção da Companhia Siderúrgica Nacional.
Detivemo-nos em obras da história de Volta Redonda e
finalmente produções específicas sobre o trabalhismo.
- posteriormente em fontes primárias da Companhia Siderúrgica
Nacional (O Plano Siderúrgico Nacional, Relatório do Canteiro
de Obras da construção da usina e da cidade, Gráficos, Plantas e
Mapas). Estes documentos permitiram-nos entender as intenções
e as políticas da CSN. Através do jornal “O Lingote”, periódico
oficial da empresa, obtivemos dados importantes para a
compreensão do modelo de gestão da força de trabalho. Ainda
como fontes primárias utilizamos Carteiras de Trabalho dos
operários, diplomas, prêmios, fotografias como também diversos
periódicos avulsos que complementaram as bases documentais da
pesquisa.
- finalmente utilizamo-nos dos depoimentos dos verdadeiros
agentes desta história os trabalhadores. Estes, foram os
momentos mais emocionantes e gratificantes do nosso trabalho.
Através deles divulgamos a história que não fez parte dos
relatórios oficiais. Obtivemos assim, nuances do movimento que
possibilitou-nos resgatar um pouco deste herói que na grande
maioria das situações, permanecem anônimos.
- Consideramos pois, que nosso trabalho pode contribuir
com novos dados e enfoques sobre a origem da história do
trabalhor da CSN bem como do espaço aí delineado, com suas
instalações, em Volta Redonda, a partir de 1941.
15
Não obstante, reconhecemos a limitação deste trabalho.
Por isso mesmo, esperamos contribuir com possíveis estudos
futuros que retomem a temática bem como reflexões sobre estas
lutas e conflitos que permanecem até hoje objetivando um projeto
de verdadeira transformação social.
Este trabalho observa a seguinte lógica de exposição, ao
longo de três capítulos em que se divide:
- Capítulo I analisamos a história da siderurgia no Brasil
destacando o complexo processo político a nível nacional e
internacional que redundou na criação da CSN. Destacamos com
o título: “CSN: um sonho feito a ferro e fogo”.
- Capítulo II apontamos os elementos que refletiram no espaço
de Volta Redonda o modelo de empresa autoritária e com níveis
hierárquicos de poder. Nomeamos “Volta Redonda: Cidade do
Aço”.
- Capítulo III examinamos todo o processo de repressão,
segregação e autoritarismo que redundou no “novo modelo de
trabalhador”. Intitulamos “Da enxada ao relógio de ponto”.
16
Capítulo I
CSN: Um Sonho Feito a Ferro e Fogo
No texto a seguir a propósito da criação da Companhia
Siderúrgica Nacional e o que ela representaria para a nação estão
presentes todos os grandes temas que, pouco a pouco foram
caracterizando o ideário político das elites dominantes nos anos 30.
"Dentro de alguns meses, a usina de Volta Redonda
entrará em fase de produção. Primeiro, a coqueria.
Depois, o alto forno. Em seguida será a aciaria. E mais
tarde as unidades de laminação. Estará criado, já, na elite
brasileira, o clima suficiente para compreender o quanto
representa a grande usina da Companhia Siderúrgica
Nacional nos quadros da nossa economia?
Compreenderá o nosso povo o teor de sua independência
econômica que teremos então assegurado? Efetivamente,
confessemos: não há ainda preparação siderúrgica. Com a
primeira corrida que se fizer do alto forno teremos
assentado o marco definitivo da nossa industrialização.
Pensemos alto e largo: importando máquinas para as
nossas manufaturas, importando tratores e máquinas
agrícolas, estaremos sempre marcando passo. Em dia
com o progresso e a técnica num ano e em atraso no ano
seguinte. Carecemos de fazer as nossas máquinas
matrizes, máquinas de fazer máquinas. Volta Redonda
tornará possível semelhante coisa. Chapas para
construção de navios, trilhos para estender a rede
ferroviária, chapas galvanizadas, folhas de flandres,
perfilados, vergalhões, tudo enfim que seja produto de
siderurgia pesada sairá daquele parque siderúrgico,
inclusive o material para futuros altos fornos. O
empreendimento em si paira acima de qualquer pretexto
político. E nacional, a gigantesca obra que se vê hoje no
Vale do Paraíba, tão ligado, desde o Império, aos fastos
de nossa economia. Por ele, outrora, esparramava-se a
onda verde dos cafezais, entremeada com os ricos
palácios da nobreza rural, ligada à terra pelas próprias
raízes dos seus cafeeiros. O café exauriu a terra e seguiu
17
em busca da terra roxa. Os baronatos, condados e
marquesesados ruíram com a monarquia. Os palácios
ficaram para a obra demolidora do tempo, restos de uma
economia essencialmente agrícola. Volta Redonda é o
símbolo de uma idade nova. O marco zero de uma nova
era que se afirma, como uma afirmação do próprio
Brasil. Ali se encontrarão o minério rico das montanhas
de Minas Gerais e o carvão arrancado do ventre da terra
de Santa Catarina. Purificados pela fusão, fundidos num
só corpo, correrão pelas calhas do alto forno como o
sangue novo de nossa economia, não mais
essencialmente agrícola, porém fundamentalmente agro-
industrial. Volta Redonda é, além de tudo, um ponto de
partida para a compreensão do que seja organização
industrial. Com a usina nasceu uma cidade, construída
sob os rigores da técnica urbanística aplicada. Tudo é
feito pela fixação do homem. E o homem em Volta
Redonda, que dá o tributo da sua inteligência e do seu
suor à sua obra, considerada aquilo um pouco seu, de
concepção e de posse. Trata a usina com intimidade.
Visitar Volta Redonda, compreender a sua significação
no futuro brasileiro, deveria entrar no programa dos
conscientes do Brasil, aqueles a quem cumpre transmitir
à massa a legítima.
1
Num período em que a industrialização era sinônimo de
progresso, a construção da siderurgia pesada aparecia como
indispensável à nova etapa do desenvolvimento do Brasil
inaugurado pela Revolução de 30, marcando a ruptura com a idéia
de que seríamos um país fadado a ser essencialmente agrícola.
Os produtos da nova usina siderúrgica garantiriam, pela
superação do atraso econômico, a afirmação da soberania e da
segurança nacional. Tais mudanças só seriam possíveis graças a uma
"elite esclarecida e modernizante, capaz de educar e moralizar as
1
Companhia Siderúrgica Nacional, s/d, Volta Redonda.
18
massas, incutindo-lhes o amor ao trabalho, único caminho da
construção da riqueza e da cidadania".
2
A instalação de indústria de base, ao lado do
reaparelhamento militar e da proteção das riquezas do subsolo
seriam justificados pelas bandeiras do "nacionalismo" e da "defesa
nacional". Ao assumir como setor prioritário a criação de indústrias
de base, o Estado encaminhava soluções econômicas que
objetivamente favoreciam as condições de acumulação capitalista de
base industrial no Brasil. De fato, há nessa época uma mudança
significativa do papel do Estado, com a instalação das empresas
públicas, ele assumiu simultaneamente o papel de investidor,
planejador e empresário. Ao mesmo tempo, observa-se um
fortalecimento do poder econômico da burguesia industrial que
buscam e encontram aliados políticos em setores burocráticos de
agências governamentais (Forças Armadas, tecnocratas e
funcionários públicos), formuladores de políticas estatais que
favoreciam a industrialização.
Observa Diniz, 1983:
“Ao longo da década de 30, as sucessivas redefinições do
pacto político em que se baseara a revolução, fizeram-se
acompanhar de uma gradual depuração ideológica no
sentido de uma identificação crescente com a instituição
das bases do capitalismo industrial. Tal processo atingiria
o clímax no início da década de 40 com a explicação de
alguns princípios básicos de uma ideologia industrialista,
tais como a reafirmação de uma escala de prioridades
econômicas mais coerente com a meta da
2
OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. "Introdução", in Lúcia Lippi Oliveira (Coord.). Elite Intelectual e
Debate Político nos anos 30. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1980. p.9.
19
industrialização, a definição de via industrial como
condição do fortalecimento e da independência da
economia nacional, ou ainda a associação entre interesse
de indústria e interesse geral da nação”.
3
A história da siderurgia no Brasil quase coincide com a
história do país.
Baer
4
1970, observa que os esforços no Brasil para a
produção de ferro e seus derivados remontam aos tempos coloniais.
Nesse período, a produção era feita em pequenas forjas, que se
instalaram onde havia minério de ferro.
Durante o século XVIII Portugal proibira a construção de
fornos de fundição. O alvará da rainha D. Maria I em 1785 não só
proibia a construção de forjas em Minas Gerais como mandava
destruir as existentes. Note-se que mandava destruir as forjas
existentes. Existiam portanto, forjas em Minas Gerais na época.
Ferramentas eram indispensáveis para a extração do ouro. As
ferramentas importadas eram escassas e muito caras. Os
governadores das capitanias insistiam na necessidade de produzir
ferro localmente. Enquanto o governo colonial não tomava
providências, ou impedia tal indústria, particulares construíam
pequenas forjas usando a técnicas dos “cadinhos
5
” trazida pelos
escravos africanos. Na Minas colonial, em matéria de fundição de
ferro os escravos é que davam as ordens.
3
DINIZ, Eli. “O Estado Novo: Estrutura de Poder. Relações de Classes”. In Bonis Fausto (org.).
O Brasil Republicano. Tomo III. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Editora
Difel, 1987. p. 37.
4
BAER, Werner. Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. p. 18.
20
As coisas mudaram muito com a chegada da Corte, em
1808. O governo tomou logo medidas de incentivo à siderurgia. No
mesmo ano deu 14 contos (um bom dinheiro na época) ao
intendente da Câmara para construir uma fábrica de ferro. O
intendente começou as obras em 1809 e construiu o primeiro alto
forno do país, no Morro do Gaspar Soares, perto de Itabira, Minas
Gerais. Outras fundições foram construídas no século XIX. As mais
famosas eram de Ipanema, na região de Sorocaba, em São Paulo,
cuja primeira corrida do ferro é de 1818, e a do Morro de Pilar,
fundada em 1815 e fechada em 1831. Nesse período, a mão de obra
empregada era basicamente a escrava. A Fábrica de Ipanema,
fechada e reaberta várias vezes, acabou encerrando definitivamente
suas atividades em 1895. Especialistas estrangeiros, como
engenheiro francês Jean Antoine de Monlevade e o metalurgista
Frederico Varnhagen deram contribuições importantes ao
desenvolvimento de empresas siderúrgicas entre nós. Assim foi
construído um alto-forno, a carvão vegetal, para a Usina Esperança,
localizada perto de Itabirito, em Minas Gerais.
Durante o século XIX, as dificuldades para dar
continuidade às iniciativas provinham, principalmente, dos custos
elevados de operação e das dificuldades em competir com os
produtos ingleses, que tinham livre acesso aos mercados brasileiros.
5
“Cadinho” vaso de argila refratária, de ferro, prata ou de outra matéria, que serve para nele se
fundirem metais ou outros minerais.
21
Baer, 1970, observa:
“... nos últimos anos do século XIX e os primeiros do
século XX, a maior parte da produção provinha de
pequenas oficinas e fundições que forneciam peças para
as ferrovias, para o exército, para reparação de máquinas
e utensílios agrícolas. No início do século XX,
produziam-se cerca de 2000 toneladas de ferro gusa em
cerca de 70 pequenos estabelecimentos, o crescimento do
consumo do aço era satisfeito mediante a importação,
que no período de 1908 a 1912, atingia a média anual de
272.500 toneladas de laminados de aço”.
6
A questão da siderurgia já começava a aparecer na
imprensa e a ser discutida no Parlamento desde os finais do século
passado. Surgiram, então, reivindicações para que se executasse o
levantamento das jazidas minerais e se estimulasse a produção do
ferro e do aço. No entanto, as iniciativas desse momento eram de
caráter pragmático e imediatista, visando primordialmente a criar
condições necessárias à expansão do café (produção de
instrumentos agrícolas, melhoramentos das estradas de ferro, etc.) e
não como ocorreria mais tarde, ligadas a um projeto de
industrialização do país.
Em 1909, por proposta de Nilo Peçanha, o Parlamento
aprovava adoção de incentivos a empresários nacionais ou
estrangeiros que se dispusessem a construir uma usina de grande
porte. Nesse momento, por iniciativa de Artur Bernardes,
Governador de Minas Gerais, a exportação de minérios, nas mãos
de grupos estrangeiros, passava a ficar sujeita a construção de uma
usina siderúrgica. A primeira proposta partir do grupo inglês
22
“Brazilian Hematite Syndicate” que adquirira 76.800 km2 na região
de Itabira, Minas Gerais, servidos pela Estrada de Ferro Vitória-
Minas, dentre os quais encontrava-se o Pico Cauê, conhecido como
a “montanha de ferro”.
Minayo, 1986 comenta:
“... a partir de 1918, valendo-se de brechas abertas pela
Constituição Brasileira que previa que o proprietário do
solo era também o proprietário das minas, fosse ele
estrangeiro ou brasileiro, grupos estrangeiros compram
diversas jazidas de minérios no interior de Minas
Gerais.”
7
Mais tarde a “Brazilian Hematite” daria origem à “Itabira
Iron Ore, criada em 1911, que passaria depois para as mãos do
americano Percival Farquhar.
8
Em fins de 1919, Farquhar apresentou uma proposta ao
então presidente da República, Epitácio Pessoa, que associava a
exportação de minérios de ferro com a construção de uma usina
siderúrgica integrada, aproveitando-se do fato de que detinha o
monopólio das melhores jazidas, bem como a exclusividade no
percurso ferroviário de Minas Gerais a Vitória para escoamento do
minério. Nesse sentido, em maio de 1920 foi assinado um primeiro
contrato com a Itabira Iron, que subordinava a exportação de
minérios à construção da usina. O prazo para a construção era de 24
6
BAER, Werner. Op. cit. 1970. p. 19.
7
MINAYO, Maria Cecília de. Os Homens de Ferro: Estudo sobre os Trabalhadores da
Indústria Extrativa do Minério de Ferro da Companhia Vale do Rio Doce em Itabira, Minas
Gerais. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1986. p. 72.
8
Percival Farquhar é um exemplo típico de capitalista: “A combinação entre a imaginação
romântica, espírito empreendedor e especulação financeira produziu o tipo característico de
23
meses e de 48 para o seu funcionamento. No entanto, o Tribunal de
Contas da União negou-lhe o registro e o referido contrato foi
enviado ao Congresso Nacional para que se pronunciasse. Tinha
início, então uma controvérsia que se prolongaria por mais de um
descênio, refletindo o confronto de interesses entre os principais
atores envolvidos: o capital estrangeiro, grupos políticos regionais,
parte da burocracia estatal e setores do empresariado nacional.
Nos anos 20, alguns empresários já pressionavam o Estado
no sentido de desenvolver a indústria siderúrgica, que começava a
ser colocada como um dos dilemas centrais da economia brasileira.
Em geral, as propostas do setor privado iam no sentido da
implantação de pequenas e médias usinas (de 30.000 a 100.000
toneladas anuais). Nesse sentido os industriais conseguiram, então,
do governo privilégios importantes, em 1918 e 1925, no sentido de
favores fiscais, melhores condições de empréstimos, tarifas mais
baixas para fretes, isenção de direitos de importação, etc.
Uma iniciativa importante desse período fôra a criação, em
1917, da “Companhia Siderúrgica Mineira”. Esta, passou por
grandes dificuldades nos anos iniciais, mas acabou interessando
representantes do grupo ARBED (Aciéries Réunies de Burbach
Erich Dudelange), de capitais belgas e luxemburgueses, que,
associando-se a ela, criaram, em 1921, a Companhia Siderúrgica
Belgo-Mineira.
capitalista que dominará o cenário de construção das grandes obras públicas internacionais, em
especial do terceiro quartel do século XIX.” BAER, Werner, Op. cit. 1970. p. 42.
24
Sobre a Belgo-Mineira comenta “Edmundo Macedo
Soares”
9
:
“Seu Conselho de Administração e sua diretoria foram
integrados por membros belgas e luxemburgueses, além de
brasileiros. Estava, assim lançada a semente de uma
grande empresa siderúrgica que iria dar ao País, com
carvão de madeira, produção de aço considerável e melhor
que isso, formar escola, pela associação com um grupo
especializado dos mais afamados da Europa. Os
numerosos engenheiros e outros técnicos que vieram para
o Brasil, trouxeram esplêndidos conhecimentos, não só na
parte propriamente metalúrgica, mas na gerencial”.
10
A fundação da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira
constitui um marco na siderurgia no Brasil. Na década de 30, essa
empresa seria a principal responsável pelos produtos siderúrgicos do
país, embora não resolvesse a questão da grande siderurgia.
Os anos 30 assinalaram no Brasil a aceleração do processo
de industrialização com a retomada das medidas de substituição de
importações. Em decorrência da decadência das oligarquias
regionais e de redefinição dos grupos e alianças que detinham o
poder do Estado, esse tem ampliada a sua capacidade de intervenção
sobre a sociedade, implementando medidas econômicas e de
controle da força de trabalho que iriam constituir a infra-estrutura
necessária à expansão do capitalismo de base urbano industrial.
9
“Edmundo de Macedo Soares e Silva nasceu no Rio de Janeiro, em 1901, foi aluno e instrutor no
curso de engenharia da Escola Militar do Realengo. Tomou parte da revolta de 5 de julho de 1922,
que deu início às revoltas tenentistas, sendo preso na Ilha Grande de onde fugiu em 1925. Durante
o exílio, na França, completou sua formação em metalurgia, estagiando em diversas usinas
francesas. Beneficiado pela anistia de 1938, voltou ao Brasil, destacando-se nos debates em torno
da implantação da siderúrgica. Sua atuação neste episódio é representativa do papel que, no pós-30
é atribuído a esse novo ator assessor técnico cuja importância no cenário político nacional
cresce proporcionalmente à expansão do aparato burocrático do Estado”. (HIPPÓLITO, Lúcia.
Farias, Ignes Cordeiro de. Um Construtor do Nosso Tempo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 2000. p. 6).
25
Uma das características desse período está no fato de que,
por oposição às oligarquias regionais, os novos grupos emergentes
passaram a definir os problemas brasileiros como problemas
nacionais. No caso da siderúrgica, à medida em que a questão se
converte em problema nacional, assumido pelo Estado, as decisões
referentes à implementação de uma política para o setor se dão, no
bojo de um processo de diversificação do aparelho estatal, com a
criação de agências dotadas de autonomia que se constituíram em
palco de confronto entre os interesses de grupos da sociedade e o
estamento técnico burocrático.
Segundo Draibe, 1985.
“O comando do Estado sobre o avanço do capitalismo
se faz sob modalidades de intervenção e regulação
econômica e através de uma máquina burocrática
administrativa centralizada e em expansão, abrangendo
aspectos cada vez mais amplos da atividade econômica.
A questão está em apreender o caráter dessa relação
entre o Estado e a economia, num momento que é
simultaneamente o da industrialização e o da aquisição,
por parte do Estado brasileiro de estruturas materiais
tipicamente capitalistas”.
11
A redefinição da intervenção do Estado no período pós-30
se dá simultaneamente a importantes modificações no interior de
seu aparato: através de novos quadros, formados por militares,
engenheiros e técnicos, agentes formuladores de um projeto
industrializante e nacionalista, que atuaria como ideologia
legitimadora da intervenção estatal, por outro lado, o núcleo de
10
MACEDO SOARES e SILVA, Edmundo de. O Ferro na História e Economia do Brasil. Rio
de Janeiro: Biblioteca do Sesquicentenário. Sidergráfica, 1972. p. 38.
11
DRAIBE, Sônia Miriam. Rumos e Metamorfoses: Estado e Industrialização no Brasil, 1930
1960. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 48.
26
decisões das políticas passa do Parlamento para as comissões
técnicas, que se apresentavam como portadores de propostas de
caráter não-político, vale dizer de caráter nacional. Essas comissões
técnicas eram canais através dos quais os grupos e classes sociais
procuravam influenciar as políticas públicas. Assim, conflitos e
posições divergentes vão se enfrentar dentro do próprio aparelho do
Estado. No caso da grande siderurgia, o processo de decisões se
desenvolveu num intrincado e complexo jogo de alianças e
compromissos em que as várias forças sociais envolvidas
procuravam viabilizar seus interesses.
O programa da Aliança Liberal apresentado por Getúlio
Vargas em janeiro de 1930 já mencionava o propósito de acelerar a
solução do problema siderúrgico, encarado como fundamental para
o desenvolvimento industrial e a segurança nacional. O contrato
com Percival Farquhar depois de muitas marchas e contra
marchas, fôra finalmente aprovado em 1928, mas segundo o acordo,
ele deveria renunciar a certos privilégios de monopólio (no uso do
porto e da ferrovia), além de que a exportação de minérios
continuava subordinado à construção da usina. No entanto, ele não
obteve financiamento junto aos grupos internacionais, o que
retardou a execução do projeto.
Em 23 de fevereiro de 1931, no início do Governo
Provisório, Getúlio Vargas pronunciou um discurso, em Belo
Horizonte, em que se manifestava favorável à nacionalização das
riquezas minerais do país, o que pareceu uma condenação dos
acordos com a Companhia Itabira Iron Ore.
27
Segundo Diniz, 1978:
“Mas o problema máximo, pode dizer-se, básico da nossa
economia, é o siderúrgico. Para o Brasil, a idade do ferro
marcará o período da sua opulência econômica (...)
completando, finalmente, o meu pensamento, no tocante
à solução do magno problema (exploração das jazidas de
ferro), julgo oportuno insistir ainda em um ponto: a
necessidade de ser nacionalizada a exploração das
riquezas naturais do país, sobretudo a do ferro.”
12
A partir desta época, foram criadas sucessivas comissões
técnicas destinadas a estudar o problema e propor orientações
políticas ao governo. Em janeiro daquele ano foi criado a Comissão
Militar de Estudos Metalúrgicos, no âmbito do Ministério da
Guerra, para avaliar a capacidade da indústria nacional e estudar o
problema da fabricação de armamentos e munição. As orientações
das diversas comissões foram freqüentemente divergentes,
refletindo os interesses contraditórios das diferentes forças sociais e
a controvérsia acerca dos rumos que se pretendiam dar à
industrialização brasileira.
Em agosto de 1931 foi criada no Ministério da Guerra, a
Comissão Nacional de Siderurgia e no mês seguinte, foi criada, no
Ministério de Viação e Obras Públicas, sob a liderança do Coronel
Mendonça Lima, uma outra, que ficou conhecida como Comissão
Revisora, destinada a estudar o contrato da Itabira Iron Ore.
O relatório final da Comissão Nacional de Siderurgia da
qual o Tenente-Coronel Edmundo Macedo Soares e Silva era
secretário geral, recomendava a construção de uma usina no Vale do
12
DINIZ, Eli. Empresário, Estado e Capitalismo no Brasil: 1930/1945. São Paulo: Editora Paz
e Terra, 1978. p. 45.
28
Rio Doce, defendendo o monopólio estatal para a exportação do
minério de ferro e a preferência do regime estatal para a exploração
da indústria siderúrgica como meio eficiente de defesa econômica e
militar do país. Enquanto isso, o relatório da Comissão Revisora
propunha uma solução conciliatória com os interesses estrangeiros:
através de um novo contrato a ser assinado com a Itabira Iron Ore,
a construção da usina passava a ser facultativa, dispondo Farquhar
de um prazo de 10 anos para exercer esse direito. Vargas nomeia,
então, em 1933, nova comissão à Comissão dos Onze cujo
relatório faz uma composição de interesses: é favorável à revisão do
contrato com a Itabira, mas o reduzia à construção da via férrea
para exportação de minério, ficando excluída a obrigatoriedade de
construção de uma usina siderúrgica.
A solução final do dilema só se tornaria possível com a
centralização política implantada pelo regime autoritário de 37. Esta
centralização resultou de uma série de mecanismos, dentre os quais
as interventorias estaduais, os institutos, as autarquias e os
conselhos econômicos. Tudo isso reforçaria a ação econômica
estatal, enquanto suporte da criação de uma infra-estrutura para a
expansão industrial, ao mesmo tempo que possibilitaria novas
articulações entre o setor privado e o aparato burocrático do
Estado.
Além dos órgãos de caráter executivo, foram criados ou
reformulados outros, de caráter consultivo, para discussão e
encaminhamento de propostas para a ação estatal na esfera
econômica. Destacam-se o Conselho Técnico de Economia e
29
Finanças (CTEF), criado em 1937, subordinado ao Ministério da
Fazenda, e o Conselho Federal do Comércio Exterior (CFCE);
existente desde 1934, mas que no Estado Novo, passava a se
subordinar diretamente à Presidência da República. Ambos
esboçariam no período funções de agências estatais de
planejamento, convertendo-se em centros de debate e decisão dos
principais problemas econômicos do país, ao mesmo tempo em que,
atuariam como canais de encaminhamento de interesses dos grupos
privados. O debate sobre a siderurgia se transfere para os dois
Conselhos.
No discurso em que anunciava o Estado Novo, a 10 de
novembro de 1937, Vargas já fazia menção à siderurgia como sendo
indispensável à expansão do setor ferroviário e à criação de indústria
de base. Anunciam, então, um plano de colaboração do governo
com capitais estrangeiros para resolver definitivamente a questão.
Em entrevista à imprensa, em princípios de 1938, afirmava:
“Resumindo as nossas considerações, podemos concluir
que a instalação siderúrgica pode ser feita: 1) pelo
Estado, com o levantamento de capitais estrangeiros ou
mediante financiamento à base de minério exportado; 2)
com capitais mistos, do Estado e de empresas nacionais;
3) por empresas particulares nacionais, com capitais
próprios e estrangeiros, e controle do Estado. O
Governo está disposto a resolver o problema e pronto a
receber quaisquer propostas idôneas, dentro das
condições indicadas.”
13
A Companhia Siderúrgica Nacional é filha do Estado
Novo. O Congresso fechado, a imprensa sob a censura do DIP
(Departamento de Imprensa Pública), reprimidos os movimentos
30
sociais, caladas as vozes de oposição, além do fortalecimento do
poder central e conseqüente enfraquecimento dos representantes
estaduais, contribuíram para que Vargas e seus assessores técnicos
pudessem atuar mais livremente. Isto é o que afirmava o próprio
Macedo Soares, a propósito das negociações surgidas para a
viabilização da empresa nos finais dos anos 30 e início dos 40:
“Com a eminência de reabertura do Congresso, Getúlio
Vargas recomendou que o projeto fosse tocado o mais
rápido possível: ‘Com o Congresso não faremos nunca
esta obra. Cada Estado vai querer reivindicar para si o
empreendimento recomendava Vargas’”.
14
Neste período, os protagonistas do debate em torno da
“grande siderurgia”, já que a produção das pequenas usinas
nacionais era considerada insuficiente para atender às necessidades
do país, seriam de um lado, o Estado e grupos privados nacionais,
de outro, os grupos capitalistas alemães e americanos,
respectivamente Demag e Krupp, e a U.S. Steel Corporation, que
disputavam o controle da usina siderúrgica a ser implantada.
No CTEF a maioria dos projetos se baseava no
financiamento da siderurgia através da exportação de minérios. O
Tenente-Coronel Edmundo Macedo Soares e Silva terá aí um
importante papel no encaminhamento da discussão: através de
argumentos técnicos, mostrou ser necessário avaliar a
compatibilidade entre o minério existente no Brasil e os
procedimentos tecnológicos utilizados pela grande siderurgia dos
países para os quais se queria exportar. Desta maneira, conseguiu
13
MACEDO SOARES e SILVA, Edmundo de. Op. cit. 1972. p. 102.
14
HIPPÓLITO, Lúcia; FARIAS, Ignez Cordeiro de. Op. cit. 2000. p. 35.
31
demonstrar que as duas questões: a dos minérios e da siderurgia,
deveriam ser tratadas separadamente.
No CFCE, foram apresentadas algumas propostas de
empresários particulares como Henrique Lage e Alexandre Siciliano
Júnior, interessados em participar do empreendimento siderúrgico
porém, ao se dirigirem ao governo estes empresários pareciam
reconhecer que sem o suporte da ação estatal não teriam condições
técnicas e financeiras de viabilizar o projeto.
Os projetos dos empresários acabaram não sendo
examinados, pois Vargas criara no âmbito do CFCE uma
sobcomissão Comissão Especial para examinar o relatório do
CTEF. O parecer por ela formulado propunha uma solução de
cunho nacionalista e estatizante para a questão siderúrgica.
Chamado pelo Presidente da República a opinar sobre a proposta
Macedo Soares afirmava:
“Penso que a melhor fórmula para a organização de uma
usina será a associação do Governo com um grupo de
Brasileiros idôneos moral e financeiramente, não julgo
conveniente a possibilidade (...) da existência de 40% de
capital estrangeiro investido na usina; o capital
estrangeiro deverá sempre ser obtido por empréstimo de
modo que uma vez amortizado, fique nacionalizado;
obtido dessa forma ele poderá representar de início
proporção muito maior, em relação ao capital total a
empregar na construção da usina. O que importa é que,
todo e qualquer capital estrangeiro empregado em
indústria básica, seja nacionalizado em tempo certo.”
15
Em 1939, Vargas mandou o Tenente-Coronel Edmundo
Macedo Soares à Europa para realizar estudos referentes à
15
MACEDO SOARES E SILVA, Edmundo. Op. cit. 1972. p. 33.
32
siderurgia, com aplicação de matérias-primas nacionais. A seguir,
enviou-o aos Estados Unidos para entrar em conversações com a
U.S. Steel Corp.16, a maior produtora de aço mundial e com quem o
Ministro Oswaldo Aranha já estabelecera conversações.
Nessa época, na pauta das conversações com os Estados
Unidos constava também a possibilidade de um acordo de
cooperação militar entre os dois países. Em troca da cessão de locais
para a construção de bases navais, os americanos se dispunham a
facilitar ao governo brasileiro a compra de armamentos, além de
colaborar com recursos para resolver alguns problemas nacionais.
Segundo Amaral Peixoto:
“O próprio presidente Vargas já tinha dito: Eles vão
entrar na guerra e vão pedir as bases do Nordeste. Nós
temos que dar, será a nossa defesa e a deles. Agora nós
precisamos de quê? De armamento, porque os militares
vão querer armamento. Além disso vamos cobrar um
preço: a usina siderúrgica.”
17
A U. S. Steel Corp. enviou no mesmo ano ao Brasil uma
comissão de 7 técnicos a que se juntaram quatro engenheiros
brasileiros para constituir uma Comissão Conjunta para estudar a
questão siderúrgica e a possibilidade de construção de uma grande
usina com capitais mistos. Esta comissão, presidida por Macedo
Soares, percorreu diversos Estados brasileiros para avaliar as
localizações possíveis da usina, elaborando a propósito um Relatório
Conjunto das Comissões Brasileira e Americana. O relatório, datado
16
“A U. S. Steel Corp., grupo criado em 1901, resultou da tendência à oligopolização da indústria
siderúrgica que se observa desde o final do século XIX, responsável inclusive pela superioridade
que a siderurgia americana adquiriu, então sobre a britânica.
33
de 20 de outubro de 1939, propunha que a usina a ser construída
pertencesse a uma Sociedade Anônima, formada pelo Governo
Brasileiro, capital brasileiro e a U. S. Steel Corp. Sua localização
deveria ser perto da cidade do Rio de Janeiro e prevendo-se uma
capacidade anual de 285 mil toneladas de produtos acabados por
ano, sendo capaz de uma expansão de 100%. A eclosão do conflito
mundial, no entanto, convertendo a economia americana em
economia de guerra levou a que aquelas conversações fossem
interrompidas e que a U. S. Steel desistisse da cooperação.
Diante da nova situação, o governo brasileiro nomeou, em
março de 1940, a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico
Nacional, constituída pelo industrial Guilherme Guinle, Heitor
Freire de Carvalho, o Tenente-Coronel Edmundo de Macedo
Soares, um representante da Marinha e um representante da
burocracia civil. A Comissão ficaria encarregada de elaborar o
projeto para a criação de uma companhia nacional, sendo criada
uma subcomissão para obter financiamento externo.
O relator foi o Tenente-Coronel Edmundo Macedo Soares
e seu Presidente o industrial Guilherme Guinle.
Ao término de seu trabalho, estavam definidas as bases
para a organização da usina que iam desde o levantamento da
produção siderúrgica então existente no país até a previsão de
necessidades futuras de consumo.
17
CAMARGO, Aspásia; HIPPÓLITO, Lúcia. Artes da Política Diálogo com Amaral Peixoto.
Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986. p. 85.
34
(...) “a necessidade do Estado contribuir financeiramente
para o aparelhamento das indústrias que exigem grande
concentração de capitais, formando assim o ambiente de
confiança indispensável à colaboração de capitais
particulares (...) considerava imprescindível que se
formassem quadros nacionais para a organização e
direção das grandes empresas industriais.”
18
Propôs ainda que a nova usina que funcionaria com o
coque obtido da mistura de carvão de Santa Catarina com o carvão
importado tivesse a capacidade de produção de 335 mil toneladas de
laminados. Após avaliar as possibilidades de localização em Vitória,
no Espírito Santo, ou em Antonina, no Paraná, a Comissão sugeriu
que a usina fosse construída em Santo Antônio de Volta Redonda,
no Vale do Paraíba. Para isso alegam-se razões de ordem técnica e
de segurança militar.
Em torno desse longo processo, duas questões devem ser
discutidas: a participação dos militares e a opção nacionalista e
estatizante do empreendimento siderúrgico.
Tronca, 1986, por exemplo, nega que se possa atribuir ao
Exército como instituição o caráter de agente da industrialização.
“Na questão siderúrgica, a que mais nos interessa (...)
não o Exército como instituição, mas alguns militares
isolados, no máximo, apoiaram os esforços do setor civil
no sentido de aproveitar a conjuntura internacional a fim
de obter a implantação de uma siderurgia pesada (...) a
ambigüidade de seu comportamento permite adiantar que
os militares estiveram muito longe de atuar como
principal grupo de pressão nessa matéria.”
19
18
CSN, Relatório da Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional. p. 8.
19
TRONCA, Italo. O Exército e a Industrialização: entre as armas e Volta redonda (1930-
1942). in História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III. O Brasil Republicano. São Paulo:
Editora Difel, 1983. p. 341.
35
O autor identifica Volta Redonda como resultante da
pressão de alguns setores civis do governo e da conjuntura
internacional dominada pela luta interimperialista. Quanto a opção
nacionalista, Diniz, 1978, mostrou que o fortalecimento do Estado e
ampliação de sua esfera de ação não eram incongruentes com os
interesses de alguns setores do empresariado nacional, pelo
contrário, para ela, a participação em conselhos técnicos se mostrou
estratégia eficaz para aumentar seu poder de influência. Pode-se
afirmar, portanto, que a opção estatizante para o setor das indústrias
de base não se opunha aos interesses do setor privado.
“Portanto a penetração do Estado, nos setores de infra-
estrutura e de indústria pesada não encontraria a
resistência dos industriais mas, ao contrário, o Estado
não estaria, por entrar nessa área de produção,
assumindo funções ilegítimas do ponto de vista do
empresariado industrial nacional.”
20
Mesmo no caso de empresas do setor siderúrgico, elas não
chegaram a apresentar propostas viáveis ao projeto e, portanto, não
se constituíram numa alternativa realmente importante.
A opção pela construção da “grande indústria de aço”,
calcada em argumentos técnicos, cujo porte requeria tecnologia
predominante nas economias centrais, já implicava em algum tipo de
associação entre o Estado e o capital estrangeiro, excluindo o capital
privado nacional.
Nos discursos e pronunciamentos oficiais, Volta Redonda
era apresentada como símbolo de nacionalismo do Estado Novo.
20
DINIZ, Eli. Op. cit. 1978. p. 163.
36
Assim, foram realizados contatos nos Estados Unidos, não
só para obtenção de financiamentos como também para a escolha de
engenheiros consultores. Para isso foi escolhida a firma americana
Arthur G. Meckee and Co. para elaboração do projeto. Uma parte
da Comissão, sob a coordenação do Engenheiro Ary Torres, ficou
encarregada de elaborar os projetos de construções em Volta
Redonda: a Vila Operária e o Cálculo de Estruturas e Obras.
Quanto ao financiamento, foram iniciados entendimentos com o
governo americano e o Export-Import Bank (Eximbank), mas os
Estados Unidos sempre protelavam a decisão final, interessados em
que a nova usina fosse construída através de uma associação com
uma empresa americana.
Vargas ainda retomou contacto com os alemães, como
maneira de pressionar os americanos. Para isso também contribuiu o
discurso pronunciado a bordo do “Minas Gerais” a 11 de junho de
1940, no qual parecia que o presidente havia optado por apoiar a
Alemanha no conflito mundial. A 12 de junho, Vargas enviou aos
Estados Unidos uma missão integrada por Guilherme Guinle, Ary
Torres e Edmundo Macedo Soares, a fim de discutir com o
Eximbank o financiamento para a usina brasileira. Diante da pressão
do Departamento de Estado, preocupado em estabelecer alianças
estratégicas com os países latino-americanos, o Exembank acabou se
dispondo a conceder um empréstimo da ordem de 20 milhões de
dólares para aquisição de máquinas e equipamentos. Pelo acordo
assinado, a 26 de setembro de 1940, o governo brasileiro se
comprometia a criar, em contrapartida, um comitê executivo,
37
formado por engenheiros americanos e brasileiros, para coordenar
os cálculos finais e a compra de equipamentos deveria também
constituir um conselho consultivo, do qual participariam técnicos
americanos especializados para opinar sobre o material a ser
adquirido e o pessoal técnico a ser enviado ao Brasil. Enquanto isso,
prosseguiam também os entendimentos a respeito da cooperação
militar estando os Estados Unidos interessados em dispor de bases
aéreas localizadas em pontos considerados estratégicos do litoral
brasileiro.
Afinal, o Decreto-Lei n.º 3002 de 30 de janeiro de 1941,
criava a Companhia Siderúrgica Nacional, autorizando a construção
de uma usina em Volta Redonda. A nova usina deveria produzir 300
mil toneladas anuais de trilhos, perfis comerciais, chapas grossas,
chapas finas, chapas galvanizadas e folhas de flandres.
Segundo os Estatutos da CSN, aprovados a 9 de abril de
1941, considerada a data oficial da fundação da Companhia, esta
seria uma sociedade anônima, domiciliada na cidade do Rio de
Janeiro. Seu prazo de duração seria de 50 anos, podendo a
Assembléia Geral deliberar sobre a prorrogação do prazo. Seu
capital seria de 500 mil contos. As Caixas Econômicas do Rio de
Janeiro e de São Paulo, junto com os Institutos de Previdência dos
Bancários, Comerciários e Industriários formaram metade do
capital. O Tesouro Nacional entrava com 44% e os 6% restantes
seriam distribuídos entre indústrias particulares como a Cia.
Antártica Paulista, A Gazeta, a Sul América Cia de Seguros, as
Bolsas de Valores do Rio e de São Paulo. Guilherme Guinle foi
38
designado Presidente da Companhia, Ary Torres seu Vice-
Presidente e Edmundo Macedo Soares, Diretor Técnico.
Para abastecimento de minério de ferro, a Companhia
adquiriu propriedades em Casa de Pedra, próximo a Lafaiete, e,
quanto ao carvão, a empresa dispôs de minas próprias em Santa
Catarina, sendo criada aí uma usina de beneficiamento Lavador
de Capivari em Tubarão, Santa Catarina.
Enquanto Ary Torres se encarregava da organização dos
escritórios da Companhia no Rio de Janeiro e em Volta Redonda,
Edmundo Macedo Soares foi para Nova York tratar da escolha de
engenheiros consultores. Para isso, foi firmado contrato com a
firma Arthur G. Mckee, de Cleveland, encarregada do desenho da
Planta da usina e de colaborar nas especificações de equipamentos.
No entanto, as dificuldades para aquisição de equipamentos de
firmas americanas persistiam. Devido a situação de guerra, a
exportação de equipamentos pesados era sistematicamente vetada
pela comissão encarregada de avaliar a venda e o transporte desses
produtos pelos Estados Unidos, temerosa de um ataque dos
submarinos do Eixo.
Durante o ano de 41 prosseguiram as negociações com os
Estados Unidos. Naquele momento profundamente preocupados
diante da indefinição do governo brasileiro perante o conflito
mundial, que viam como uma ameaça virtual a segurança
intercontinental. A troca de interesses de parte a parte permitiu que
os dois países chegassem a um entendimento. Após o ataque a
39
“Pearl Harbour21”, em 1942, o Brasil rompe com o Eixo e negocia
um acordo com os Estados Unidos. São assinados, então, a 3 de
março de 1942, os Acordos de Washington, mediante os quais em
troca de cooperação militar (a utilização pelos americanos de bases
no Nordeste) e da garantia de fornecer matérias-primas estratégicas
para os Estados Unidos, o Brasil obtinha créditos no valor de 20
milhões de dólares. Estavam assegurados os créditos necessários
para a montagem da Usina Siderúrgica brasileira. Pelos referidos
Acordos, as propriedades de Itabira Iron Ore eram transferidas ao
governo brasileiro, sendo criada, a 2 de junho de 1942, a Companhia
Vale do Rio Doce, a fim de explorar, comercializar e transportar os
minérios de Itabira.
Em 1943, a fim de dar continuidade às obras para a
conclusão do Plano “A”22, o governo brasileiro recebeu um
segundo empréstimo do Eximbank no valor de 25 milhões de
dólares e em junho de 1944 o capital da CSN era aumentado em
Cr$500 mil. Em fins de 1944, a coqueria, o alto-forno, a maior parte
da usina termo-elétrica, a estação de tratamento de água, as oficinas
de manutenção e alguns departamentos menores já estavam
concluídos. Ao término da guerra, os equipamentos pesados
começaram a chegar e, finalmente, a 9 de junho de 1946 inaugurava-
se a primeira corrida de aços.
21
“Pearl Harbour maior base naval norte-americana no Pacífico Sul, bombardeada pelos
japoneses, em dezembro de 1941 e que precipitou a entrada dos Estados Unidos na II Guerra
Mundial.”. VIGEGANI, Túlio. A segunda Guerra Mundial. São Paulo: Editora Moderna, 1986.
p.47.
22
Plano A primeiro plano de construção da Companhia Siderúrgica Nacional. Foi concluído em
1947 e tinha a capacidade de produção de 146.544 toneladas de aço líquido.
40
Assim, a CSN, junto com a “Fábrica Nacional de Motores,
a Companhia Vale do Rio Doce e a Companhia Nacional de
Álcalis23, iriam representar as primeiras incursões do Estado
brasileiro na esfera da produção. Mas, tais empreendimentos
estavam orientados ou por preocupações estatizantes conjunturais
ou, como no caso da CVRD e da CSN, as intenções de estatização
estavam subordinadas às tentativas de articular as várias frações de
capital na constituição de uma base produtiva interna, encarada
como garantia da independência econômica, e, portanto, condição
indispensável à independência política.
No caso da CSN, sua criação é cercada de toda uma
mística, que o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), a
poderosa agência de propaganda oficial e de comunicação de massas
do Estado Novo, procurou divulgar.
Getúlio Vargas em seu discurso proferido em Volta
redonda em 7 de maio de 1943, assim se expressou:
“O que representam as instalações da Usina Siderúrgica
Nacional de Volta Redonda, aos nossos olhos
deslumbrados pelas grandiosas perspectivas de um futuro
máximo, é bem o marco definitivo da emancipação
econômica do país. Aqui está ele plantado, em cimento e
ferro, desafiando ceticismos e desalentos (...) Meus
senhores, eu vos felicito pelo que haveis realizado em
prol do Brasil. Esta cidade industrial será um marco da
nossa civilização, um monumento a atestar a capacidade
de nossa gente, um exemplo com tal poder de evidência
que afastará quaisquer dúvidas e apreensões sobre o
23
Fábrica Ncional de Motores (FNM) localizada no município de Duque de Caxias, Companhia
Nacional de Álcalis (CNA) no município de Cabo Frio ambas no Estado do Rio de Janeiro. A
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) no Estado de Minas Gerais, no alto Vale do Rio Doce.
41
futuro, instituindo no país um novo padrão de vida e
uma nova mentalidade.”
24
Assim, o papel de agente produtivo exercido pelo Estado
na década de 40 foi instrumento fundamental para garantia de
reprodução capitalista no país, em novas bases.
Caso único na história da industrialização brasileira, a usina
nasceu numa relação íntima com a cidade: o coração da CSN bate
nas entranhas de Volta Redonda.
24
IANNY, Otávio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira, 1971. p. 21.
42
Capítulo II
Volta Redonda: Cidade do Aço
“O espaço é a sociedade, e a revela por inteiro.
É esplêndido recurso de “leitura” da sociedade.
E a leitura, invariavelmente, será feita pelos
óculos ideológicos de quem a faz: “óculos
empíricos” ou “óculos dialéticos”.
Ruy Moreira
A ocupação da região sul do Estado do Rio de Janeiro tem
início no final do século XVIII, com o declínio do ciclo do ouro em
Minas Gerais. Porém, a expansão do povoamento da região vai se
dar principalmente a partir do século seguinte com o
desenvolvimento da lavoura cafeeira no Vale do Paraíba. Surgiram
então várias fazendas ligadas ao café e posteriormente um pequeno
lugarejo que deram o nome de Santo Antonio de “Volta Redonda”
25
.
As terras de Santo Antonio de Volta Redonda pertenceram
sucessivamente aos termos da cidade do Rio de Janeiro (1565-1801)
da Vila de Rezende (1801-1813), da Vila de São João Príncipe (1813-
1820), das Vilas de São João Príncipe e da Nossa Senhora de
Valença (1820-1832) e da Vila de São Sebastião da Barra Mansa
(1832-1854).
25
Volta Redonda “nome oriundo do acidente geográfico no Rio Paraíba do Sul que levaram os
primeiros habitantes a designarem a margem esquerda do rio. A outra parte, que é vista à direita, a
partir da base do morro, era designada por Volta Grande”. ATHAYDE, J. B. de. Volta Redonda
através de 220 anos de História. Rio de Janeiro: Gráfica Lammert, Ltda, 1965. p. 11.
43
Em 1871, foi inaugurada em Volta Redonda a estação da
Estrada de Ferro D. Pedro II (depois Central do Brasil) objetivo
pelo qual, desde 1860, se mobilizava grande parte da população
local. Com esta iniciativa, a localidade transformou-se rapidamente
em entreposto de mercadorias entre a Corte e a Província de Minas
Gerais, o que resultou em incentivo ao desenvolvimento do
comércio, expandindo o número de lojas, armazéns, tavernas e
hospedarias.
Precisamente em 1880, Santo Antônio de Volta Redonda, é
então elevado à categoria de Distrito de Paz, contava com dois
núcleos urbanos definidos, distribuídos às margens do rio Paraíba
do Sul, sendo que o da margem direita já apresentava agência de
correios, estação ferroviária, duas escolas, estabelecimentos
comerciais e uma linha de bondes de tração animal. Uma ponte de
madeira ligava os dois núcleos.
No início de 1880, no entanto, a produção cafeeira do Vale
do Paraíba entra em declínio. Para isso contribuíram vários fatores:
exaustão das terras pela utilização de técnicas de produção
tradicionais, endividamento dos senhores, o alto custo da mão-de-
obra, etc.
Segundo Athayde a partir de 1888 a decadência de Santo
Antônio de Volta Redonda se acentua. Posteriormente, já na
República, alguns fazendeiros, estimulados pelo Governo Estadual,
ainda procuraram substituir a mão-de-obra que até a pouco, era
escava pelo trabalhador livre e, em 1893, tentaram atrair imigrantes
para suas terras. Porém, uma praga de gafanhotos, em 1907, e a
44
“peste do gado”
26
em 1914 provocariam a degradação da
propriedade agrícola. Em apenas duas décadas, o preço do alqueire
de terra baixou de “700$000 em 1900 para 46$300, em 1920”
27
. A
partir desta época, inúmeros fazendeiros oriundos de Minas Gerais e
estimulados pela inauguração de um trecho ferroviário da antiga
Estrada de Ferro Oeste de Minas, passaram a adquirir velhas
fazendas de café em Santo Antônio de Volta Redonda, algumas
decadentes ou abandonadas. Nesse período, desenvolveu-se a
pecuária na região. Até o final da década de 30, Santo Antônio de
Volta Redonda passou por sucessivos ciclos de produção agrícola,
acarretando uma permanente oscilação demográfica.
No início da década de “40”
28
, Santo Antônio de Volta
Redonda contava aproximadamente, 3000 habitantes. Sua
conformação em pouco diferia daquela construída em décadas
anteriores. Era um típico arraial, cumprindo funções de entreposto.
Segundo Leonor Barreira Carvo:
“... o arraial compunha-se de uma igreja devotada a Santo
Antônio, uma escola, uma cadeia, uma Agência dos
Correios, um bar, uma padaria e alguns armazéns que
serviam de depósito para as mercadorias provenientes
das fazendas, até seu embarque para outras cidades, além
de umas poucas casas residenciais. No núcleo ao redor da
estação ferroviária grupam-se alguns armazéns e
depósitos, duas pensões e duas farmácias: em suas
26
“peste do gado” nome dado a febre aftosa que é extremamente contagiosa, causada por um
ultravírus específico, e que atinge os bovinos, caprinos e suínos Grande Dicionário Larrousse
Cultural da Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Nova Cultural.
27
ATHAYDE, Op. Cit., 1965. p. 32.
28
Em 1940, segundo o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Santo
Antônio de Volta Redonda possuía 2782 habitantes. Destes, 793 compunham o quadro urbano, 224
o quadro suburbano e 1765 o quadro rural. Portanto, no povoado e cercania viviam 1017 pessoas.
45
proximidades encontram-se um antigo engenho e uma
cerâmica”.
29
Resultado de uma lenta evolução, ao longo de quase dois
séculos, a localidade tinha sua vida marcada pela passagem dos trens
pelo repique dos sinos da igrejinha de Santo Antônio. Assim, a
maioria dos seus poucos habitantes dedicava-se a atividade agro-
pastoril.
“O espaço que nos interessa é o espaço social, que
contém ou é contido por todos esses múltiplos de espaço
(...) O espaço é a morada do homem, é o seu lugar de
vida e de trabalho. Por isso, o lugar é, antes de tudo, uma
porção da face da Terra identificada por um nome.”
30
Assim era Santo Antônio de Volta Redonda em 1941. Esse
quadro de morosidade e vida pacata, poucas relações e ruralismo foi
radicalmente alterado com o início das obras da CSN, criada em
1941.
Para a construção da Usina, foi adquirida pelo Estado do
Rio de Janeiro a Fazenda Santa Cecília pertencente a Nelson Godoi,
e doada à Companhia.
O início dos trabalhos no espaço aí delineado irá significar
uma mudança radical na vida e nas características sócio-econômicas
da localidade. Um espaço cujas bases serão, vincadas nas
contradições de classe e o seu conteúdo as lutas travadas por estas
classes contraditórias.
29
CRAVO, Leonor Barreira. Aspectos de Volta Redonda (1919-1941). Volta Redonda,
mimeografado.
30
SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova. São Paulo: HUCITEC, 1986. p. 28.
46
Por isso:
“Os objetos geográficos aparecem em localizações
correspondendo aos objetivos da produção em um dado
momento e, em seguida, por sua presença, eles
influenciam os momentos subsequentes da produção.”
31
Há então uma dialética do espaço?
“Enfim, há sempre uma primeira natureza prestes a se
transformar em seguida; uma depende da outra, porque a
natureza segunda não se realiza sem as condições da
natureza primeira e a natureza primeira é sempre
incompleta e não se produz sem que a natureza segunda
se realize. Este é o princípio da dialética do espaço.”
32
Essa dialética do espaço explicitar-se-á com todas as suas
“forças” e implicações no espaço delineado em Santo Antônio de
Volta Redonda, a partir das instalações da CSN.
A decisão acerca do local para a usina certamente não se
prendeu apenas a critérios técnicos e econômicos, nela componentes
políticos tiveram peso considerável. Baer, refuta os argumentos
técnicos da Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional,
relativamente ao sistema de transporte e à mão-de-obra barata,
apresentados como vantagens locacionais. Avalia que a escolha do
Estado do Rio de Janeiro significava um forte estímulo a produção
industrial fluminense, já em declínio, e que esse fato seria uma
concessão a Amaral Peixoto, genro de Getúlio Vargas e interventor
federal no Estado.
31
SANTOS, Milton. Op. Cit. p. 46.
32
Idem, p. 46.
47
O laço familiar entre Vargas e Amaral Peixoto é sempre
lembrado para explicar a escolha do Estado do Rio de Janeiro e
muito provavelmente influenciou na decisão.
Para a “modelagem” da classe operária, era necessário um
sítio isolado, pois a construção de uma cidade era parte fundamental
do projeto disciplinador, controlador do espaço, permitido pela
imbricação das esferas da moradia e do trabalho.
Com muita precisão sobre o assunto assim se expressou
Carlos: “O conteúdo do espaço é o conteúdo da sociedade.”
33
A Diretoria da CSN não recorreu ao IAPI
34
para a
construção de habitações, não só instituto estava, na época,
ingressando nessa área de construções como também a cidade,
planejada para servir a Usina, obedeceria a uma proposta de
autarcização da empresa, que seria dona de seus terrenos e
construções. Do planejamento à execução tudo deveria seguir às
normas da Diretoria. O Relatório da Comissão Executiva do Plano
Siderúrgico já falava no planejamento da cidade operária, a cargo da
Seção de Urbanismo.
“A Seção de Urbanismo concentrou as suas atenções no
exame e estudo dos problemas ligados ao plano de cidade
operária, tais como levantamento topográfico, traçado
geral da cidade, edifícios públicos e tipos de unidades
residenciais. No traçado geral da cidade operária,
mereceria carinho especial os pontos de recreação
coletiva, tais como parques, praças de esporte, play-
groud, etc., tudo dentro das normas modernas de
urbanização.”
35
33
CARLOS, Ana Fani. Espaço e indústria. São Paulo: EDUSP, 1995. p. 19.
34
IAPI Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários.
35
CSN Relatório da Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional.
48
Nas palavras de Macedo Soares:
“O plano urbanístico da cidade e construção das
residências constituiu um departamento a parte, com os
recursos indispensáveis. Entretanto, a CSN alugara todo
um hotel em Barra Mansa, cuja construção terminara
naquela época, mais residências de fazendas e algumas
casas nas redondezas, centenas de habitações coletivas
foram construídas de madeira, a qual vinha de trens
completos do Paraná. A falta de conforto era muito
grande. Só no segundo semestre de 1943 começaram a
ser entregues habitações definitivas aos quadros e aos
trabalhadores.”
36
Assim, já em 1941, a Companhia montou, sob a chefia do
Engenheiro Ary Torres, um Escritório Técnico no Rio de Janeiro e
outro em Volta Redonda, destinados a realizar estudo preliminares,
como levantamentos topográficos e análises do subsolo, bem como
elaborar projetos e acompanhar as construções.
“Santo Antônio de Volta Redonda”
37
ficaria dividida em
duas: à margem direita do rio, desenvolvia-se o núcleo urbano a
partir da conjugação do Plano de Implantação da Usina seria a
“Cidade Nova”; à margem esquerda, a “Cidade Velha”, separada
pela CSN e que não dispunha dos serviços da parte planejada. Os
“antigos habitantes”
38
não aproveitados pela CSN foram deslocados
para a parte “Velha” ou para a periferia da cidade e “os grandes
proprietários da região aí se converteram em loteadores e
especuladores de terrenos”.
36
MACEDO SOARES e SILVA. Op. Cit., 1972. p. 155.
37
"Santo Antônio de Volta Redonda" foi o 8
o
distrito de Barra Mansa até 17 de julho de 1954
data de sua emancipação. O novo município do Estado do Rio de Janeiro passou a se chamar
somente Volta Redonda.
38
Os antigos habitantes eram pequenos comerciantes ou dedicavam-se a atividades agro-pastoris. A
grande maioria não se adaptou ao ritmo pesado da construção da Usina.
49
Em 1942, foram iniciados os primeiros trabalhos de
construção da usina, bem como dos setores residenciais e
comerciais, obedecendo a um plano diretor geral, sob a coordenação
de Macedo Soares. Imediatamente foi necessário organizar
alojamentos, instalações sanitárias, refeitórios, oficinas para os
trabalhadores destinados à construção.
O início dos trabalhos da Companhia iria significar uma
mudança radical na vida e nas características da localidade. Em
1942, a CSN já empregava 6154 trabalhadores, portanto mais do que
o dobro de habitantes do “distrito”, ocupados na construção da
usina e da cidade.
Na grande imprensa Santo Antônio de Volta Redonda era
saudada como a maior cidade industrial do país.
“Volta Redonda será habitada por cerca de 4.000
habitantes operários sob a direção de dezenas de
técnicos, deverá configurar-se como cidade operária para
20.000 habitantes e será provida de água e esgotos e tudo
o mais que se relaciona com a perfeita instalação de um
núcleo urbano.”
39
Das empresas estatais criadas nesse período, a CSN é a
única que chega a construir uma cidade associando o mundo fabril
ao urbano no processo de dominação e controle do espaço.
“Monopólio sobre o espaço, o capital controla os
homens.”
40
39
Companhia Siderúrgica Nacional, s/d, Volta Redonda. 1942.
40
CARLOS, Ana Fani. Op. Cit. 1995, p. 49.
50
A Cidade Operária, expressou a lógica do capital e os
interesses ideológicos do desenvolvimento nacional.
O projeto da cidade, como veremos a seguir, favoreceu o
modelo de dominação, possibilitando a gestão da vida do
trabalhador fora da usina e, assim, o controle da quase totalidade de
seus atos.
Para realizar o projeto da Cidade foi contratado o arquiteto
e urbanista “Attilio Corrêa Lima”
41
que estabeleceu o traçado geral
da cidade, a classificação e uso dos espaços e as topologias
construtivas a serem adotadas.
A incumbência recebida por Attilio era projetar uma cidade
moderna, com aproximadamente 4.000 habitações individuais, infra-
estrutura adequada e equipamentos urbanos variados. O urbanismo,
associado à arquitetura, deveria compor “a imagem de progresso a
ser refletida para o país”.
42
Atendendo “racionalmente” a este programa, o planejador
adotou, como idéias norteadoras de seu projeto, a economia nas
construções e nos arruamentos e a utilização de amplos espaços
livres comuns. Optou, também, por respeitar a topografia local
relevo de baixa altitude e vales ocupando o terreno relativamente
plano dos vales.
41
Attilio Corrêa Lima formou-se em arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de
Janeiro, em 1925, e cursou em urbanismo na Sorbonne, em Paris. Foi um dos primeiros a se
especializar nesta área do conhecimento no Brasil. Desenvolveu importantes trabalhos, como o
Plano de Goiânia e o Plano Regional de Urbanização do Vale do Paraíba.
42
Relatórios dos trabalhos feitos até abril de 1942 pelo Escritório de Obras Arquivo da CSN
Volta Redonda.
51
A circulação de pedestres ganhou especial importância: o
plano dispunha 70% das habitações em áreas urbanizadas, em
substituição às vias tradicionais para tráfego de veículos. As casas
geminadas duas a duas, eram recuadas 10 metros da via pública e
ficavam em meio a jardins, sem muros ou cercas, ampliando a
integração com os espaços verdes. O recuo visava, garantir,
também, a insolação e que fossem arejadas de acordo com preceitos
bem definidos de “higiene”.
Foi prevista uma cidade linear, com desenho simples e
equilibrado, e funções principais bem articuladas. A área central,
ocupada pelo centro comercial, desenvolve-se paralelamente à usina,
e concentra a infra-estrutura: creche, hospital, ambulatório, escola,
cinema, clube, restaurante para operários, hotel para empregados
solteiros e viajantes, sendo os mais importante deles o Hotel Bela
Vista, localizado no alto da cidade. Também praças e serviços
públicos como correio, polícia e bombeiros. Em torno do centro
comercial se colocam a usina, de um lado, e de outro a “Vila Santa
Cecília” (bairro destinado aos técnicos e operários especializados).
Ao fundo, o “Conforto” (bairro para operários não especializados)
e, em frente, num plano elevado, o bairro dos engenheiros. Esta
disposição permite que os três bairros residenciais tenham acesso
rápido e direto ao centro comercial e à usina.
“O espaço organiza-se segundo a estrutura de classes do
lugar e a correlação de forças que entre elas se
estabelecem.”
43
43
CARLOS, Ana Fani. Op. Cit., 1995, p. 38.
52
Em Volta Redonda cada classe social definiu seu espaço
próprio de existência. A corriqueira expressão “ponha-se no seu
lugar” com que o dominante refere-se ao dominado tem aí clara
significação espacial.
As casas foram planejadas segundo sete tipos diferentes
variando a localização, tamanho e comodidades destinadas a
engenheiros, mestres, contra-mestres e operários.
Algumas largas avenidas funcionam como eixos a orientar
e organizar o espaço, permitindo, ao mesmo tempo, a criação de
efeitos que se quer destacar. Um exemplo é o “escritório central”,
prédio destinado aos serviços administrativos e de direção da CSN,
que, com seus 16 andares, projeta a hierarquia da empresa e marca a
ascendência desta com relação cidade. Para reforçar ainda mais essa
dominância, foi construído ao final da avenida que forma o eixo do
centro comercial. O “Laranjal”, bairro destinado aos engenheiros,
ocupa, uma colina a dominar externamente a Cidade Operária. O
planejamento reproduziu fielmente na cidade a estratificação
funcional e salarial existente na produção: a operários, técnicos e
engenheiros couberam bairros diferentes quanto a localização, ao
tamanho dos lotes e aos tipos de residência.
Em Volta Redonda a estrutura operacional reproduziria
com a cumplicidade da topografia, a hierarquia da empresa.
Inscrevia-se, assim, no espaço urbano a hierarquia da Companhia,
prescrevendo a cada um o seu lugar: as mansões nas colinas, com
uma bela vista sobre o rio Paraíba do Sul, para os diretores, logo
abaixo os gerentes e engenheiros, perto da fábrica, supervisores,
53
técnicos e pessoal de escritório, e, mais adiante, os bairros operários,
tudo dentro “das normas mais modernas de urbanismo” como já
propunha o Relatório da Comissão do Plano Siderúrgico Nacional.
O rebatimento da organização fabril ao espaço urbano
marcava a subordinação da cidade à atividade produtiva, em busca
de uma eficácia mais ampla a construção do “homem novo”, o
cidadão trabalhador brasileiro, produtivo economicamente, mas
“dócil” e “submisso”. Esta, que poderíamos chamar, “outra face do
planejamento”, não revelada nos documentos oficiais, a cidade
projetada segundo as mais modernas normas de urbanismo, a que se
refere o Relatório da Comissão Executiva do Plano Siderúrgico
Nacional, é uma das primeiras experiências do urbanismo no Brasil.
Já em 1942, o “Acampamento Principal” (ou Central, como
passou a ser chamado) foi construído à leste da usina, em área
contígua à mesma, com acesso direto ao canteiro de obras.
Compunha-se de alojamentos coletivos e casas para operários
braçais e especializados. As construções, em madeira sobre pilares
em alvenaria e servidas por energia elétrica, rede de esgoto sanitário
e rede de água potável. As casas dispunham de instalações sanitárias
próprias e os alojamentos, de banheiro coletivo. Havia, ainda, um
hospital, um armazém e um restaurante para operários. Este
acampamento, como o próprio nome diz, era o principal: de maiores
dimensões, em área central de fácil acesso à usina. O
“Acampamento Rústico” também ganhou uma denominação
qualificadora: construído em área mais distante da usina reunia casas
54
de pau a pique, barreadas e rebocadas. Era a outra face: a ausência
de infra-estrutura e a baixa qualidade formavam um quadro precário.
Os acampamentos eram insuficientes para abrigar toda a
população ocupada pela CSN, e os alojamentos coletivos foram se
multiplicando no interior da área industrial, junto dos
departamentos: alojamento de laminação, alojamento da coqueria...
A cidade e a usina ainda não tinham “fronteiras”. Com base na
Resolução da Diretoria nº 917, de 27 de abril de 1948 são
“ultimadas as providências para fechar o perímetro da usina. É,
então, colocada uma cerca de tela e arame farpado” separando usina
e cidade. Barracos particulares eram construídos nestes locais,
gerando situações de verdadeira promiscuidade entre os mundos
privado (casa e do trabalho público).
“O espaço deve ser considerado como um conjunto de
realizações realizadas através de funções e de formas que
se apresentam como testemunho de uma história escrita
por processos do passado e do presente.”
44
Em meio ao rigor daqueles tempos pioneiros cresceram a
usina e a cidade. Em fins de 1944 a coqueria, os altos-fornos, a
maior parte da usina termo-elétrica, a estação de tratamento de
água, as oficinas de manutenção e alguns departamentos menores já
estavam terminados; em fins de 1945, cerca de 80% da usina estava
concluída.
O efetivo de pessoal crescera rapidamente, chegando a
13.064 empregados ao final de 1944, durante o ano de 1945, com a
44
SANTOS, Milton. Op. Cit., 1986, p. 36.
55
eminência do término das obras, esse número começou a cair
somente neste ano foram demitidos em torno de 2.000 operários
para logo depois, ser estabilizado. As demissões atingiram os
operários da construção civil, que não seriam aproveitados na
operação da usina.
Em junho de 1946, com a primeira “corrida do aço”
45
, a
usina foi inaugurada.
“Eu acendi o alto-forno, fui escolhido no meio da turma
que fosse eu né. Graças a Deus me dava muito bem com
o engenheiro. O engenheiro Zé Pedro que era um
homem muito bom e até hoje ele pergunta por mim (...)
Ai eu fui escolhido na época do forno 1. (...) Eu acendi o
forno 1 com o General Dutra (...).”
46
Em maio de 1948 a linha de produção começou a operar
em sua totalidade. A Cidade Operária, pouco a pouco, ia se
tornando habitada. No segundo semestre de 1943 foram entregues
as primeiras residências 462 unidades e em 1948 esse número
totalizava 3.003 habitações.
O ano de 1948 marcou uma inflexão na vida do
agrupamento humano que se reunia em torno da CSN. O plano de
construção industrial foi concluído e uma cerca levantada no
perímetro da usina, separando-a da cidade.
“... objetivando a estratégia da alienação humana, o
espaço delineado pelo capital é bem a medida dos
homens concretos mas são os homens concretos que
45
“Corrida do Aço” é o percurso de ferro-gusa (líquido), por canaletas, do alto-forno até a aciaria,
onde é convertido em aço.
46
Senhor Osmar de Paula operário aposentado da CSN - trecho da entrevista concedida a autora.
56
constróem o espaço. Podem fazê-los, pois, para os
homens.”
47
O discurso oficial da empresa siderúrgica apresentava as
facilidades oferecidas à vida na Cidade Operária:
“Aqui há ruas cheias de árvores floridas e belas casas.”
48
A paisagem urbana era ressaltada pela beleza e amenidade
conferidos pelo relevo suave, pela arborização das ruas e
ajardinamento das casas, pela simplicidade e equilíbrio das
construções e do traçado urbano. Tudo isso formava, na linguagem
da CSN:
“(...) um cenário de agradável presença, como um convite
à felicidade.”
49
Esse discurso, tantas vezes repetido pela empresa, e
reproduzido de “boca em boca”, objetivava controlar
ideologicamente o trabalhador. O clima repousante, de tranqüilidade
e acolhimento da cidade era utilizado como o contraponto do
trabalho duro, do ritmo intenso e do ambiente opressor do trabalho
na usina. Casa e trabalho, cidade e fábrica, formam-no discurso da
empresa uma totalidade indissociável.
A cidade deveria servir para obter a adesão dos operários
ao projeto industrializante e assim neutralizando possíveis
sentimentos de revolta e estabelecer laços emocionais de
47
SILVA, Lenira Rique. A Natureza Contraditória do Espaço Geográfico. São Paulo: Editora
Contexto, 1991, p. 89.
48
Jornal “O Lingote”. Ano I, nº 13, p. 6.
49
Idem. “O Lingote”. p. 7.
57
dependência paternalista. Tratava-se de construir um “novo
modelo” de trabalhador.
Mas, por outro lado, esse mesmo discurso se apresentava
numa prática concreta, que não pode ser ignorada: a CSN ergueu a
estrutura física de uma cidade operária, onde as condições materiais
de vida eram superiores as imperantes para média do operariado. As
vilas operárias construídas pela Companhia, já prontas em 1946,
eram de padrão elevado e a cidade de Volta Redonda apresentava
como modelo do “Brasil do futuro”.
O objetivo de dominação embutido no projeto nos parece
estar suficientemente desmistificado. Importa, agora, que nos
indaguemos sobre a relação deste projeto com os operários. A
experiência de viver na Cidade Operária era estendida a uma
pequena parcela da população, que, por sua vez, se multiplicava.
Forasteiros de diversas origens, e com diferentes interesses, se
dirigiam a Volta Redonda. O comércio se desenvolvia, pequenos
estabelecimentos de serviços eram instalados e a atividade industrial,
diretamente relacionada à produção da CSN, também foi estimulada
logo nos primeiros anos de funcionamento da usina. A década de 40
conheceu consideravelmente incremento populacional: em 1950,
eram “35.964”
50
os habitantes de Volta Redonda, contrastando, essa
população, com as 2.782 pessoas residentes em 1940.
Com um cálculo rápido podemos verificar que mais da
metade dessa população vivia externamente à área da CSN.
50
Dados do Censo Demográfico de 1950 - FIBGE
58
Considerando-se que em 1950 a Cidade Operária contava com 3.003
habitações, e admitindo-se uma família média de 5 componentes,
temos que somente 15.015 pessoas poderiam habitar a Cidade
Operária. Portanto, menos da metade da população total.
Ao lado da Cidade Operária crescia, de forma desordenada,
o povoado original de Santo Antônio de Volta Redonda. O processo
de “transbordamento”
51
. Portanto, começou a ocorrer já no final dos
anos 40, como resultante, de um lado, da insuficiência de habitações
oferecidas pela CSN aos operários e, de outro, da atração e indução
que a usina provocava sobre a atividade econômica. Sobre isto assim
se expressou “Jamil Wadih Rizkalla”
52
: Naquela época Volta
Redonda parecida um Eldorado do Brasil.
O espaço urbano se fez dual. A vida na Cidade Operária
tinha ritmo e qualidade totalmente distintos dos encontrados na
outra Volta Redonda, a cidade aberta, que crescia sem cuidados com
a ocupação, sem os serviços públicos adequados, em precárias
condições de habitabilidade.
Você andava na Avenida Paulo de Frontin, no tempo
seco, com poeira. No tempo de chuva, para ir a estação,
ali você tinha que andar nos trilhos dos caminhões, dada
a quantidade de lama. Na parte aqui de fora,
praticamente não existia infra-estrutura. Então você
51
“Transbordamento” processo de crescimento em torno de uma vila operária, que resulta na
transformação desta em núcleo originário de uma cidade maior. MARICATO, Ermínia (org.). A
Produção Capitalista da Casa e da Cidade no Brasil Industrial. São Paulo: Alfa-Omega, 1981.
52
Dr Jamil (como é conhecido na cidade) nasceu em Barra do Piraí e chegou à Volta Redonda em
maio de 1944, indo morar na Avenida Paulo de Frontin eixo de ligação entre os dois núcleos do
povoado original. Na época era um jovem estudante de direito em Niterói, em final de curso. Sua
mudança para Volta Redonda foi motivada por “interesses de família”: comércio e outras coisas...
Foi o primeiro advogado que se estabeleceu em Volta Redonda, na área externa à Cidade Operária.
SOUZA, Claudia Virginia Cabral de Souza. Pelo Espaço da Cidade. Aspectos da Vida e do
Conflito Urbano em Volta Redonda. Tese de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ, 1992.
59
tinha aqui, na Paulo de Frontin, a única propriedade que
possuía água encanada. Era a delegacia de polícia. Era a
única que possuía, vamos dizer, um ramal d’água, cedido
pela siderúrgica. Nas demais propriedades, o esgoto era a
céu aberto, ou aqueles que tinham alguma noção de
higiene faziam fossa. E poços. A água geralmente era
salobra. Você tomava banho e o sabonete não fazia
espuma. E por quê? Por que toda esta região estava
praticamente sobre um pantanal.
Certa feita o Rio Paraíba do Sul encheu e chegou até a
delegacia; e o receio nosso era tanto, que a população
ficava colocando palitos de fósforos para medir se o
Paraíba estava subindo, subindo e subiu. Inundou muita
coisa daqui desse lado e do lado esquerdo do Paraíba o
povoado.
O povoado era ligado ao centro, através de charretes.
Mais tarde é que tinha, assim, um ônibus muito
primitivo, uma lotação muito ruim! É, às vezes, pelo fato
de não limparem o piso da lotação, chegava a nascer até
milho! Você vê como é que era, não.”
53
O lazer, as diversões, eram buscados fora da cidade:
“Praticamente não existia convivência social programada.
Então, nos fins de semana, a população ou ia para Barra
Mansa, onde tinha uma situação organizada, ou ‘vazava’
para Barra do Piraí.”
54
Na localidade, como na roça, somente se podia contar com
a oferta da natureza:
“Aqui do lado onde hoje se chama Aterrado, existia uma
grande olaria do “Seu Justo” Justo Vicente Sexto, que
ainda hoje está vivo. Pois bem, tudo aquilo ali era
praticamente um pantanal. Então, ali na olaria, tirava-se
o barro para fazer o que a cerâmica necessitava e a
garotada, aqueles que gostavam de pescar, iam lá pescar
53
Jamil Wadih Rizkalla. in SOUZA, Claudia Virginia Cabral. Op. Cit. 1992.
54
Idem. 1992. p. 88.
60
naquela área que o Paraíba às vezes tomava. Ia pescar,
caçar prear, essas coisas todas.”
55
As instituições sociais da Cidade Operária não podiam ser
freqüentados por pessoas estranhas aos quadros da CSN. Nem
mesmo os equipamentos de saúde. E isso criava na população uma
consciência muito clara da diferença entre as duas áreas:
“Os meus filhos tiveram que nascer em Barra do Piraí,
porque aqui não tinha condição. Nós não tínhamos
acesso ao Hospital da Siderúrgica, que ficava no
Acampamento Central. Ele era privativo dos empregados
da Siderúrgica. Naquela época se dizia assim: ‘lá fora’ e
‘lá dentro’. ‘Lá dentro’ era aquilo tudo que a Siderúrgica
preparou para receber os seus empregados ‘Aqui fora’
tudo era improvisado.”
56
Ao final da década de 40 a carência e a precariedade
urbanas já mobilizavam a população local:
“Por essa razão é que nós começamos a trabalhar e
reivindicar da Prefeitura de Barra Mansa. Pelo estado de
necessidade as pessoas foram se aproximado. E o nosso
encontro geralmente era nas farmácias, porque nas
farmácias aconteciam os bate-papos, e sobretudo na
Coletoria Estadual. Então o coletor era amigo nosso,
agente ia para lá bater papo, e começamos a sentir o
probolema.”
57
Os setores médios da população comerciantes,
proprietários de terras, profissionais liberais, funcionários públicos
foram os que primeiro se mobilizaram na luta por melhorias
urbanas. Farmacêuticos, funcionários da coletoria e advogados,
desempenharam papéis relevantes no movimento, determinados
pelo saber específico, pela função ou formação profissional. Os
55
Idem. 1992, p. 89.
56
Idem. Jamil Wadih Rizkalla. in SOUZA, Claudia Virginia Cabral. Op. Cit. 1992.p. 91.
57
Idem. Jamil Wadih Rizkalla. in SOUZA, Claudia Virginia Cabral. Op. Cit. 1992.p. 92.
61
farmacêuticos eram os homens da ciência, que, com suas noções de
saúde, higiene e saneamento faziam crescer a indignação contra a
ausência de infra-estrutura básica. Os funcionários da Coletoria
eram os conhecedores da economia local, os que viam a entrada de
recursos e a ausência de benefícios e os advogados eram os homens
da lei, os que poderiam dar forma e encaminhamento legal aos
desejos e reivindicações da população. A todos, o espaço
desurbanizado incomodava pelos obstáculos que criava ao pleno
desenvolvimento de seus negócios e interesses.
Em 1949, segundo o advogado Jamil Wadih Rizkalla, o
movimento começou a ganhar corpo, a se institucionalizar.
Mas esses dois mundos mantinham uma interdependência
impossível de ser dissimulada. A Cidade Operária não abrigava a
totalidade dos trabalhadores e necessitava, portanto, da área urbana
que lhe era externa. Em linhas gerais, podemos dizer que, em uma
década, Volta Redonda foi perdendo características de uma
“company town”
58
submetida a uma única empresa que detém a
propriedade do solo e dos equipamentos coletivos, além de um
corpo armado para garantir a segurança do seu território, para se
transformar numa cidade industrial e num centro urbano de
importância regional.
Isto não significa, no entanto, que a Companhia
Siderúrgica Nacional tenha deixado de ter um peso incomparável na
vida da comunidade. Em muitos documentos da empresa, e mesmo
58
HOBSBAWN, Eric. A Era do Capital (1848-1875). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 225.
62
na imprensa, os nomes da Companhia e da cidade se confundem,
fala-se indistintamente em “Volta Redonda” ou em “Companhia
Siderúrgica Nacional”, como se ambas fôssem uma coisa só,
marcando a simbiose entre cidade e fábrica.
O autoritarismo então inscrito na gênese da CSN
permanecerá durante muitos anos. Mas, a emergente vida refletindo
a dialética reencontrará seus referenciais de resistência explicitando
assim o conflito que permeia, desde a origem, a história da CSN e
de Volta Redonda.
63
Capítulo III
“Da Enxada ao Relógio de Ponto”
“Não basta que haja, de um lado, condições de
trabalho sob a forma de capital e, de outro, seres
humanos que nada têm para vender além de sua
força de trabalho. Tampouco basta forçá-los a se
venderem livremente. Ao progredir a produção
capitalista, desenvolve-se uma classe
trabalhadora que, por educação, tradição e
costume, aceita as exigências daquele modo de
produção capitalista como leis naturais
evidentes.”
Karl Marx
Volta Redonda é produto da articulação de interesses
corporativos dos militares, dos estamentos tecnoburocráticos, dos
interesses do capital nacional e internacional aliados ao Estado,
apontando para um vago projeto nacionalista industrializante.
Resolvidos o financiamento, o local e a gerência da
condução da implantação da usina pelo então Coronel Edmundo
Macedo Soares, restava um problema: com que mão de obra ir-se-ia
construir empreendimento de tal porte, e depois, uma vez concluída
a construção, quem iria produzir o aço.
Uma classe é constituída através da história, não existe,
portanto um modelo de classe operária, porque ela se forma ao
longo do tempo, no processo social do qual é partícipe.
64
Neste capítulo pretendo demonstrar que a origem do
operário de Volta Redonda se dá junto com novas propostas de
dominação com uma base reacionária, segregacionista, excludente e,
claro, autoritária. Era a tentativa da criação de um “novo
trabalhador” industrial inserido num “novo modelo” de unidade
produtiva um novo mundo de fábrica, que no caso foi ordenado
por militares na sua concepção de disciplina e hierarquia.
Foi, no entanto, um discurso largamente vitorioso que deu
origem ao sentimento do “orgulho de ser operário da CSN” e de ter
participado do chamado “progresso nacional”. Este sentimento
ainda é vivo nos antigos operários que participaram da construção
da CSN.
Assim, discutirei as estratégias empregadas pela empresa
desde seu estabelecimento para construir um “novo modelo de
operário”, enquanto forma de recrutamento, gestão e formação de
sua força de trabalho. Além disso, o projeto de construção do “novo
modelo”, era mais do que isso: era a tentativa de disciplinamento e
“domesticação” da força de trabalho, que extrapolava o espaço
fabril, implicando em intervenções também sobre a esfera familiar
dos trabalhadores. A construção de Volta Redonda, constituirá,
também, um dos pilares da realização desse projeto. Além disso,
pretendo descrever o tipo de gestão que se implantou, dentro de um
projeto “maquiavélico” que os diretores da empresa impuseram a
trabalhadores “passivos” e “submissos”. Nos primeiros tempos
dentro do meu corte histórico os mecanismos coercitivos
prevaleceram sobre os consensuais. Os trabalhadores, na sua grande
65
maioria, participaram, como veremos da construção e consolidação
desse tipo de gestão.
Penso que pela mística e pelas condições que cercaram a
constituição da CSN, a construção da usina e da cidade pode-se
dizer, sem temer cair em exagero, que Volta Redonda foi para os
anos 40 o que a construção de Brasília representaria na segunda
metade dos anos 50. Sem dúvida nenhuma poderíamos utilizar a
expressão “grande obra” para caracterizar as condições de vida e
trabalho no período de construção da referida empresa.
Segundo o General Edmundo Macedo Soares, o problema
do Brasil ao tempo de construção e entrada em operação da
Companhia Siderúrgica Nacional era o “povo sem formação para
construir no país os instrumentos de grandeza com que sonhavam
as elites que tinham passado pelas escolas superiores”
59
. Para ele, o
engenheiro não era apenas um especialista que calcula, desenha e
projeta, mas tinha uma função social da maior importância: deveria
ser também “gerente, educador e organizador que conduz as
reformas sociais”.
Assim, segundo essa concepção a CSN vinha cumprir, além
de uma função propriamente econômica, uma missão
“modernizante” e “civilizatória” em relação às classes populares:
através da educação e do trabalho seriam formados, a partir de uma
massa de indivíduos ignorantes e despreparados, “verdadeiros
cidadãos brasileiros”.
59
MACEDO SOARES E SILVA, Edmundo. Op. Cit. 1972. p.2.
66
Marx em O Capital traduz com muita clareza esta situação:
“Não basta que haja, de um lado, condições de trabalho
sob a forma de capital e, do outro, seres humanos que
nada têm para vender além de sua força de trabalho.
Tampouco basta forçá-los a se venderem livremente. Ao
progredir a produção capitalista, desenvolve-se uma
classe trabalhadora que, por educação, tradição e
costume, aceita as exigências daquele modo de produção
como leis naturais evidentes. A organização do processo
de produção capitalista em seu pleno desenvolvimento,
quebra toda a resistência (...) e consolida a dominação
capitalista sobre o trabalhador.”
60
Assim Macedo Soares e Silva, descreve os primeiros
trabalhadores:
“Os homens que vieram construir Volta Redonda,
‘espontaneamente’ ou ‘recrutados’ em seus estados, eram
bisonhos, quase sempre mal tratados, completamente
ignorantes do que seria uma usina siderúrgica. Vieram
como teriam ido para um garimpo procurar trabalho
ganhando o que eles julgavam ser uma boa remuneração.
Em geral, só conheciam quatro ferramentas: a enxada, a
foice, o machado e o facão. Como produtores de energia,
além deles, sabiam que existiam o boi, o cavalo e muares;
a eletricidade era para eles uma força misteriosa, ignorada
na maioria dos lugares do interior do país.”
61
Essa imagem expressa bem uma concepção amplamente
difundida a propósito das camadas mais pobres da população
brasileira: sua heterogeneidade étnica e cultural seria um obstáculo à
constituição do povo e de uma nação industrial e moderna. Assim,
segundo Macedo Soares e Silva, a dificuldade maior com que o
governo se defrontou para a instalação da empresa poderia ser assim
resumida:
60
MARX, Karl. O Capital. Crítica da economia Política. Vol. 2. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira, 1998. p. 851.
61
MACEDO SOARES E SILVA, Edmundo. Op. Cit. 1972. p.3.
67
“... como transformar alguém semi-analfabeto, vindo das
massas rurais, em operário capaz de servir e operar
equipamentos industriais modernos?”
62
A CSN foi pensada como modelo, uma empresa exemplar
para o resto do país. Deveria produzir, além do aço, um “novo tipo
de trabalhador”.
“Assim foi o homem que fez Volta Redonda. Sua
transformação em técnico-moderno não se mostrou
difícil. Bastou educá-lo em escolas e no trabalho (...) A
mistura inicial, para cuja heterogeneidade chamamos
atenção ao iniciar estas notas, vai-se sedimentando numa
Nação, com características próprias. Há uma mentalidade
brasileira, um tipo nacional que se reconhece em
comparação com elementos de outros países. Existem
uma classe média e uma classe operária. Mas há muito a
fazer, sobretudo no setor educação para que este homem
“tão adaptável”, se transforme em um cidadão
plenamente consciente de seus deveres”.
63
O projeto político que orientou a criação da CSN e a
forma de gestão de sua força de trabalho refletiria os caminhos
tomados pelo Estado brasileiro, sobretudo, depois de 37, enquanto
princípio tutelar da sociedade e construtor da nação.
Como observou Gomes, 1988
“O Estado nacional brasileiro era, portanto, uma
verdadeira imposição da natureza de nossa sociedade; um
Estado organizador de nosso país em uma nação; um
Estado voltado para o homem, em particular para o
trabalhador, expressão viva e máxima de nossas
possibilidades de desenvolvimento sócio-econômico.”
64
62
MACEDO SOARES E SILVA, Edmundo. Op. Cit. 1972. p.1.
63
Idem. MACEDO SOARES E SILVA, Edmundo. Op. Cit. 1972. p.8.
64
GOMES, Angela Maria de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Edição/
UPERJ-Vértice, 1988. p. 122.
68
Como afirmou Lenharo, 1986, o Estado Novo levou a
sério a existência da luta de classes: ao lado das medidas do final da
década e início da seguinte, consolidando o caráter corporativista da
legislação sindical, o Estado tentava controlar os movimentos e
associações dos trabalhadores, convertendo reivindicações
populares em doações e concessões outorgadas. Ao mesmo tempo,
consolidava-se um projeto de construção do cidadão-trabalhador,
segundo princípios de uma “cidadania regulada”.
Diversos autores já mostraram como a imagem da
“família” é recorrente nos discursos oficiais durante o Estado Novo:
o povo constiuiria a “família, protegida pelo Presidente Getúlio
Vargas, o pai dos pobres”, expressando a relação de tutela e os laços
corporativos entre o Estado e a classe trabalhadora.
No mesmo sentido, a expressão “família operária” aparece
com freqüência nos documentos e jornais internos da CSN,
aludindo ao espírito de colaboração e união que deveria existir entre
todos, chefes e subordinados, dirigentes e trabalhadores.
Por isso Marx nos diz:
“O processo que produz o assalariado (...) tem suas
raízes na sujeição do trabalhador.”
65
Esta sujeição do trabalhador extrapolava o espaço fabril,
implicando em intervenções também sobre a esfera familiar dos
trabalhadores.
65
MARX, Karl. Op. Cit. p. 829.
69
Na análise que se segue, procurarei demonstrar que, ao
contrário do que os documentos oficiais da CSN sugerem, o
“modelo” não é inteiramente coerente com as práticas aí
desenvolvidas. Os mecanismos coercitivos prevaleceram sobre os
consensuais. Sobre isso expressou o operário aposentado José
Rodrigues da Silva sobre seus primeiros anos em Volta Redonda:
“Quando eu cheguei aqui era uma fazenda. Tinha sido
desapropriada pelo governo para instalar a siderúrgica.
Então, estava começando a terraplanagem, onde eu
trabalhei, abrindo estradas, abrindo ruas, fazendo
acampamentos. Não tinha moradia efetiva nenhuma.
Todas as moradias eram de 'talba' (...) Em 42, 43, 44 não
havia nada nessa cidade a não ser barro para se pisar. Era
uma dificuldade em tudo. Não havia nada aqui, não.
Havia o sonho da Companhia Siderúrgica, numa cidade
que era uma fazenda. Naquela época, na Companhia, se
andava a cavalo aqui (risos). O General Edmundo
Macedo Soares andava o cavalo. Ia lá na escola visitar.
Lamaceira tremenda.”
66
Levantamentos topográficos, instalações de canteiros de
serviços, instalação de serviços de águas e esgotos, construção das
fundações para as diversas seções da usina, instalação e ampliação
da rede de energia elétrica, construção de linhas férreas e estradas de
rodagem, construção de diversos edifícios da cidade, tudo isso
transformou Volta Redonda num imenso canteiro de obras. Para lá
afluíram levas de trabalhadores atraídos pela possibilidade de
trabalho, num processo similar ao que marcou, em meados do
século passado, o deslocamento da “população nômade” descrito
por Marx.
66
Trecho da entrevista do operário José Rodrigues da Silva a autora que chegou em Volta Redonda
em 1942. Trabalhou na CSN desta data até 1972, quando se aposentou.
70
“... camada da população de origem rural, mas cuja
ocupação é principalmente industrial. Ela constitui a
infantaria ligeira do capital, que a lança ora num setor,
ora noutro, de acordo com suas necessidades (...) O
trabalho nômade é empregado em diversas atividades de
construção e de drenagem, na produção de tijolos, para
queimar cal, na construção de ferrovias etc.”
67
A maior parte viria do interior de “Minas Gerais, do Rio de
Janeiro e do Espírito Santo”
68
.
As grandes construções foram feitas por firmas
particulares, através do sistema de empreitada, mediante
concorrência. A CSN encarregou-se dos trabalhadores pequenos, os
de natureza descontínua ou ainda aqueles que, por motivos especiais
não possam ser entregues a firmas construtoras.
Segundo Relatório da CSN, em dezembro de 1941, a
empresa já contava com 1.500 homens. Em janeiro de 1942 essa
cifra era de 2.300 e, em março do mesmo ano 3.850.
Muitos vinham de trem, pela linha que fazia o percurso
“Saudade”
69
Volta Redonda, conhecida como “Trem do Arigó”
70
.
Comenta Macedo Soares e Silva 1972:
“Os menos instruídos, serventes braçais, eram
distribuídos pelos diferentes canteiros de obras.
Formavam a grande maioria. Mas, apareciam também
aqueles que já haviam recebido alguma formação: de
pedreiros, carpinas, ajudantes de motoristas, auxiliares de
mecânicos, empregados de pedreiras, serventes de
67
MARX, Karl. Op. Cit. p. 770.
68
Pesquisa realizada em 1970, pela CSN abrangendo um universo de 1360 trabalhadores observou
que 52% dos entrevistados vieram de Minas Gerais; 38% do Rio de Janeiro. (Arquivo da CSN).
69
Saudade Localidade no município de Barra Mansa de onde saia o “Trem do Arigó”.
70
Arigó é um nome que se dá a um pássaro de arribação. Significa aquele que vem e não volta.
71
construção, etc. Vinham do interior do país, de pequenas
cidades e povoados.”
71
Os tempos de guerra facilitaram para a CSN a solução do
problema de fixar e atrair mão-de-obra; pelo Decreto-Lei nº 4937,
de 9 de novembro de 1942, as pessoas pertencentes a fábricas
consideradas de interesse militar não poderiam largar o serviço por
mais de 8 dias, sob pena de serem considerados desertores. A CSN
estava incluída dentre elas: ser seu empregado significava servir às
Forças Armadas e colaborar na defesa da Pátria.
Alguns vieram espontaneamente, informados pela “Hora
do Brasil”, programa criado pelo DIP (Departamento de Imprensa e
Propaganda) e irradiado pela Rádio Nacional.
“Naquele tempo não havia televisão era só rádio. Já tinha
estourado a guerra. Foi em 1942, escutei no rádio que
iam construir uma usina de grande porte aí, ia desocupar
do serviço militar. Aproveitei, porque vindo prá cá
escapava do serviço militar.”
72
A possibilidade de escapar do serviço militar e conseguir
trabalho foi um forte atrativo.
“Eu quando cheguei a Volta Redonda não tinha dinheiro
para prosseguir. Eu estava fazendo Tiro de Guerra
quando vim para Volta Redonda. Eu tinha que ficar em
Volta Redonda ou me apresentar no Rio de Janeiro. Nós
estávamos em guerra. Depois que eu me fichei não podia
sair mais. Mas também quando eu concordei em fichar é
porque eu não tinha nem dinheiro para a passagem de
trem. Então, eu tinha que ficar aqui mesmo, pelo menos
para comer.”
73
71
MACEDO SOARES E SILVA, Edmundo. Op. Cit. 1972. p. 11.
72
Trecho da entrevista do operário Sebastião Cardoso da Silva que chegou em Volta Redonda em
1942. Trabalhou na CSN desta data até 1978, quando se aposentou.
73
Trecho da entrevista do operário José Bento a autora, que chegou em Volta Redonda em 1943.
Trabalhou na CSN desta data até 1970, quando se aposentou.
72
Como alguns entrevistados explicaram, havia também
aqueles que foram “caçados a laço”. A Companhia utilizava serviços
de agenciadores que, pagos “por cabeça” saíam pelos estados
próximos arrebanhando gente.
“Logo que ela começou a construir começou a
propaganda, né? Por todo o Brasil, por todos os lados. E
ela tinha uma equipe que era agenciador. Eles saíam daqui
e buscavam pessoas. Traziam dez, quinze, vinte... Pagavam
as despesas, pagavam tudo. As vezes vinha um chefe de
família com dois, três filhos homens. Esposa não vinha
porque no momento era muito difícil casa né?”
74
O aliciamento era feito em cima de promessa de emprego:
“Justamente, para o povo que era desempregado, eles
diziam que existia trabalho aqui em Volta Redonda.
Tinha alguns que eles ludibriavam, mas vinham.
Chegavam aqui, desertavam. Outros que vieram, ficaram.
Ficaram, mas desertou muita gente, mas vinham outros.
Foi melhorando, assim conforme foi melhorando, o
povo foi ficando. Agora eu agüentei.”
75
Havia também casos de falsos agenciadores, que em nome
da Companhia agenciavam com promessas de enriquecimento fácil,
exigindo pagamento prévio de comissão por parte dos interessados.
Em nota enviada aos jornais, a empresa esclarecia a população sobre
um desses casos:
“A propósito de uma nota publicada nos jornais,
noticiamos ter sido instaurado processo contra (...) na
Delegacia do Rio de Janeiro, pelo fato de ilegalmente
aliciar operários no interior fluminense sob promessa de
colocá-los em Volta Redonda. Esclarece a CSN que o
referido indivíduo não é nem nunca foi seu empregado
(...) se prometeu às vítimas emprego nas obras da
74
Trecho da entrevista do Senhor José Limo Correia que chegou em Volta Redonda em 1943.
Trabalhou na CSN até 1970, quando se aposentou.
75
Senhor José Limo Correia (trecho da entrevista).
73
Companhia Siderúrgica em Volta Redonda, o fez
inteiramente à revelia da Direção Técnica da CSN.”
76
As duas condições de vida e o trabalho pesado (das 6 da
manhã às 22 horas, sem repouso remunerado, péssimas condições
de moradia e higiene, falta de lazer, família distante, regime militar)
fizeram com que muitos fugissem, ainda que sob o risco de
responderem processo.
“Então o operário vinha pra cá trabalhar e sonhando em
ganhar dinheiro. Chegava aqui e ficava desesperado,
longe da família. Venha sozinho, para ver de perto aquele
sonho de trabalhar, ter a sua casa, o seu rancho ou coisa
assim... E a disciplina era dura, mais ou menos férrea, e
eles ficavam desesperados, chegando a ponto de ir a
nado pelo rio Paraíba, e eram considerados desertores.
Quantos eu conheci que fugiram pelo Paraíba.”
77
Também o Jornal “O Lingote” de 10 de dezembro de
1955, p. 15, se refere aos desertores como “desajustados”. Essas
fugas ao lado da grande rotatividade de mão-de-obra dos primeiros
anos que a CSN interpreta como resultado de “desajustamento” de
indivíduos simples e ignorantes, podem ser interpretadas como uma
recusa por parte dos trabalhadores de se submeterem às condições
de vida e à disciplina inerente ao trabalho regular.
“Cidade fantasma”, “formigueiro”, “colméia”, “Torre de
Babel”, as analogias variam na tentativa de descrever os primeiros
anos, mas eles são lembrados pela primeira geração de operários
como muito “trabalhosos” e “violentos. Roubos, assassinatos, brigas
76
O Jornal “O Lingote” nº 66 Ano III 10 de dezembro de 1955, p. 5.
77
Senhor José Rodrigues da Silva (trecho da entrevista).
74
ocorriam com freqüência, neste grande “acampamento” em que se
transformava Volta Redonda, onde praticamente só havia homens.
“O sujeito tinha que ser ‘macho’ para morar em Volta
Redonda! A barra era pesada mesmo, heim! (...) Aí
sobrou uma vaga no alojamento 62. Ah! Isto eu não
esqueço, nº 62. Tinha uma cama vazia. Aí eu fui lá dormi
na tarimba de baixo. Porque eram nove tarimbas. Eram
três encostadas numa parede, três na outras, e três no
meio. Tudo de 'talba'. Passei uma noite mal dormida,
porque percevejo e muquirana era demais. Eu me
coçava...”
78
Para garantir a boa ordem do Acampamento “donde se
reúnem milhares de operários”, sujeitos à promiscuidade, alcoolismo
e hábitos desordeiros, foi criado um corpo de guardas, chefiados em
1942 por um Oficial Reformado da Força Pública de Minas Gerais:
Coronel Luiz Oliveira Fonseca. De uniformes bege e capacetes
amarelos, eram apelidados de “cabeças de tomate”.
Em matéria intitulada “O Policial da CSN é um Bruto”, o
jornal interno da empresa “O Lingote” louvava a dedicação do
corpo de guardas, “zelando pelo sono sagrado do, trabalhador da
Usina, com risco da saúde e da própria vida, e explicava a sua
origem:
“Quando se iniciaram os trabalhos da Usina, cedo
afluíram para Volta Redonda centenas de pessoas de
todas as condições sociais para tentar a vida, a maioria
deles pelo desejo de trabalhar honestamente, e uma
pequena parte em busca de novas aventuras; também se
deslocaram malfeitores notórios, só pensando em tirar
proveito dos que pretendiam, realmente, dar o suor de
seu rosto para que se concretizasse a obra. (...) Com base
no Decreto nº 743, de 2 de maio de 1939, da
78
Senhor José Rodrigues da Silva (trecho da entrevista).
75
Interventoria do Estado do Rio que dá autoridade legal
às Polícias Industriais, foi criada em janeiro de 1942, a
Guarda Interna da CSN, com efetivo de 22 homens. A
partir de 1
o
de maio do mesmo ano, após entendimentos
entre o Diretor Técnico da CSN, na época o Coronel
Macedo Soares e o Secretário de Segurança Pública do
Estado, a corporação foi considerada como polícia
comum.”
79
O Coronel Fonseca e o Capitão Magalhães, responsável
pelo Setor de Serviços Gerais da Companhia, encarregados da
disciplina e da ordem na cidade, são lembrados nos depoimentos
como figuras extremamente violentas, repressoras. Parte do corpo
policial atuava no plano interno da Usina, enquanto um outro
contingente era destinado ao trabalho externo.
“Embora seus membros andassem armados, a guarda não
era formada por militares ou policiais, mas por civis
funcionários comuns, pessoas que se apresentavam em
busca de emprego.”
80
Bebida alcoólica era rigorosamente proibida na área de
propriedade da Companhia mas, provavelmente, na “Cidade
Velha”, havia bares, a julgar por alguns depoimentos:
“Você podia beber no fim de semana à vontade, mas dia
de serviço não podia beber, não. A Companhia
controlava. Os guardas passavam nos bares e chegavam.
Isso eu vi. Isso eu cheguei a ver. O cara estava bebendo.
Que horário você está trabalhando? Aí, o cara disse: Ah,
eu vou pegar agora às 4 horas. Você está bebendo por
que? Tabefe, tabefe na orelha: vai trabalhar seu sem
vergonha! O cara ia né?”
81
79
O Lingote, ano IV, nº 83 de 25 de agosto de 1953. p. 10.
80
Idem. p. 26.
81
Isso implicava numa militarização das relações de trabalho. Senhor José Rodrigues da Silva
(trecho da entrevita).
76
Os infratores eram presos no “Núcleo Cem”
82
, misto de
delegacia e prisão.
“Nesse Núcleo Cem tinha o Capitão Magalhães que era
muito mau. A pessoa era levada para o barracão e a noite
era chicoteada. (...) O cara era chicoteado, o chuveiro
aberto. Era delegacia. E pegava o nego na dura, não tinha
disso não. Tinha uns colarinho vermelhos. Aquilo
chegava batendo mesmo, no duro. Não tinha baiano, não
tinha ninguém, entrava no pau mesmo. Metia ele no
camburão e levava prá lá, nada era pior, e quanto mais
bravo tentasse ser, mais ia dançar. Chegava um batia,
chegava outro batia. Chamar o Cabeça de Tomate não
adiantava nada. Esses guardas mais rasos eram tratados
de Cabeça de Tomate porque o boné deles era igual a um
tomate maduro (...) O Bicho era ruim. Tinha nego ruim
naquela guarda moça...”
83
O policiamento, a prisão, o estado de mobilização, imposto
pela situação de guerra e conferindo ao emprego um caráter de
trabalho compulsório, o fato dos postos-chave de mando serem
ocupados por militares, tudo isso também se reflete no comentário
do General Macedo Soares:
“Com 20 mil homens trabalhando na empresa, na usina
de Volta Redonda, no carvão, no calcário, no minério, no
manganês, todo lugar nós tínhamos gente. Eram 20 mil
homens. Isso fez ciúme em vários generais do Exército
que diziam que eu não tinha patente para ter uma força
tão grande sob minha dependência.”
84
Os depoimentos dos trabalhadores daquele tempo são
contraditórios: ao lado de descrições indignadas sobre a repressão
do Núcleo Cem, também reproduzem muitas vezes as justificativas
82
“Núcleo Cem” no início das obras da Companhia, todos os setores eram divididos em núcleos
(administrativo e canteiros de obra). O Núcleo Cem era responsável pela vigilância e a “ordem”.
83
Senhor José Limo Correa (trecho da entrevista).
84
Jornal “O Lingote”. Op. Cit. Ano IV, nº 83, 25 de agosto de 1953.
77
da empresa para as práticas violentas do corpo policial: a mistura de
raças, gente vindo de todas as regiões do país, valentões, que por
qualquer motivo puxavam a faca, etc.
“A Vila de Santo Antônio, que era ali em “Niterói”
85
,
deveria ter umas 60 pessoas, de repente, trazem 5 mil
pessoas para cá, do sexo masculino, as 5 mil para
trabalhar. Você tem que estabelecer alguns fatos. Agora,
outra coisa pessoal de tudo que é tipo, né? Então, é
claro, a polícia agia de acordo com os padrões.”
86
Nas folgas os trabalhadores procuravam sair de Volta
Redonda, para as cidades vizinhas Barra Mansa, Barra do Piraí, ou
mesmo Rio de Janeiro. Era também para Barra Mansa onde as
esposas dos funcionários mais graduados se dirigiam, em ônibus da
Companhia, quando queriam fazer compras.
Para o Rio de Janeiro, havia o “Trem da Alegria”, que saía
de Volta Redonda às 13 horas de Sábado e voltava na noite de
domingo.
Angela de Castro Gomes caracteriza com precisão:
“Foi com o Estado Novo que teve início uma série de
comemorações oficiais que procuravam destacar certas
datas, envolvendo a população em um calendário festivo.
Evidentemente, o grande destaque cabia à figura do
trabalhador, ao qual era oferecida especialmente a festa
do 1
o
de maio.”
87
Era um tempo de comemorações e comícios de massa.
Reunidos em estádios e praças públicas, os trabalhadores
85
“Niterói” bairro do lado esquerdo do rio Paraíba do Sul, onde morava a “população nativa”
anterior a CSN.
86
Senhor José Rodrigues da Silva (trecho da entrevista).
87
GOMES, Angela de Castro. Op. Cit. 1988. p. 201.
78
participavam do ritual da participação para que lhes fossem
anunciados os novos ganhos e benefícios. Era uma data
comemorativa. Nessa ocasião anunciavam mais uma iniciativa
governamental de peso no campo do direito social: o “presente da
festa”.
No 1
o
de maio de 1942, o Ministro do Trabalho,
Marcondes Filho, transmitiu aos trabalhadores reunidos no Estádio
São Januário, no Rio de Janeiro, a menagem do Presidente da
República, impedido de estar presente; pela primeira vez os
operários da CSN compareceram, e desfilaram uniformizados
carregando uma faixa com os seguintes dizeres “Salve Getúlio
Vargas Criador da Grande Siderurgia”.
88
As palavras do Presidente lidas na ocasião ilustraram bem a
dimensão político-ideológica-militar atribuída ao ato de trabalhar e a
identificação que se procurava estabelecer entre “soldados” e
“operários”.
“Antes do atual regime, a aproximação do primeiro de
Maio era motivo de apreensões e sobressaltos.
Reformavam-se as patrulhas de polícia, recolhiam-se as
tropas aos quartéis na expectativa de desordens (...) O
Estado Nacional atendeu-lhes as justas aspirações. A data
passou, então, a ser comemorada com o júbilo e a
fraternidade que emprestam esplendor a esta festa, na
qual os soldados das forças armadas, cuja sagrada missão
é manter a ordem e defender a integridade do solo pátrio,
reúnem-se aos operários, soldados das forças
construtivas de nosso progresso e grandeza. Soldados,
afinal somos todos, a serviço do Brasil, e é nosso dever
enfrentar a gravidade da hora presente, para merecermos
que as gerações vindouras lembrem-se de nós com
88
Revista Arigó. Coleção Trabalhadores em Luta. Volta Redonda: nº 1, 1989, p. 10.
79
orgulho, porque trabalhamos, cheios de fé, sem duvidar
um só momento do destino imortal da Pátria
Brasileira.”
89
A intervenção da CSN na vida dos trabalhadores dava-se
em todos os níveis. A Companhia possuía a Rádio Siderúrgica
Naiconal, cujo prefixo era ZYP-26. Até uma “moeda” própria foi
criada era o “boró”
90
, vales de cor rosa com os quais os
funcionários faziam suas compras. Este controle de todas as esferas
da vida dos operários representaria um projeto político-ideológico
onde o Estado assumia para si a tarefa de educar e formar o novo
trabalhador brasileiro, conforme os interesses do capital e dos
militares.
A entrada na Companhia era marcada por ritos de
admissão que permitiriam o enquadramento na empresa e a ruptura
com a história pessoal anterior.
“Quando um operário chegava a Volta Redonda ele era
despido, ele e toda a sua família. E nós vestíamos roupas
novas neles. Dávamos banho, passavam pelo médico. As
roupas antigas eram lavadas e guardadas. Colocadas
dentro de um saco e guardadas com o nome deles,
porque era gente muito suja e doente.”
91
A admissão ficava o cargo do Serviço Pessoal, que tratava
do exame de saúde e encaminhava os candidatos aos diversos
serviços, segundo suas respectivas aptidões. O ponto de
funcionários e operários era controlado por meio de apontadores e
relógios registradores.
89
O Lingote. Op. Cit. ano IV, nº 83 de 25 de agosto de 1953. p. 27.
90
VEIGA, Sandra Mayrink e FONSECA, Isaque. Volta Redonda entre as armas e o aço.
Petrópolis: Editora Vozes, 1989, p. 20.
91
MACEDO SOARES e SILVA, Edmundo. Op. Cit. 1972, p. 85.
80
O teste para alocação dependia do exame médico e da
experiência anterior dos candidatos; muitas, consistia apenas em
verificar se o indivíduo era alfabetizado.
“... aí o encarregado perguntou: Sua matrícula para fazer
o boletim. Eu disse: Aí eu disse: meia, um, zero, cinco.
Ele era um carioca muito burro que não sabia de nada.
Muito mal assinava o nome. Não entendeu nada. Mandou
eu escrever no boletim meu nome e meu número. Aí, eu
escrevi. Aí ele disse: Você vai tomar o ponto. Tem uma
letra muito bonita.”
92
Os processos de admissão constituíam os momentos
iniciais de socialização do trabalhador: todos ganhavam um
uniforme, o que faria dessas pessoas heterogêneas um grupo
unificado, ao mesmo tempo que eram classificados e
individualizados por grau de instrução, ofício e formação.
Rito de passagem importante, que ao despojar o futuro
operário de suas roupas pretendia despojá-lo também de sua
identidade e características culturais. Significava uma despedida e
um começo.
“O caminhão chegava lotadinho de homem, tudo
sentado. Chegava e ia lá no hospital central, no prédio
antigo, quase na entrada da usina. Ali descia um por um
do caminhão e dava o nome. Tinham muitos que não
sabiam o nome, aí eles batizavam. Tinha muitos que não
sabiam o endereço, não sabiam o nome do pai, não
sabiam o nome da mãe. O agenciador é que dava o
nome.”
93
92
José Rodrigues da Silva - trecho da entrevista concedido à autora.
93
Trecho da entrevista do Senhor Osmar de Paula que chegou em Volta Redonda em 1943 para
trabalhar na CSN.
81
O exame médico era, pois, peça fundamental dessa
triagem, que permitiria separar os “irrecuperáveis” daqueles sobre os
quais valeira a pena a Companhia investir. Aqueles considerados
“vagabundos”, “sujos” e “ociosos” passíveis de uma vez
regenerados por medidas coercitivas e disciplinadoras, se
transformavam em “trabalhadores dignos” da maior usina
siderúrgica do país.
“Com tão imenso custo estabeleceram-se as ‘eternas leis
naturais de produção (...) a massa da população se
converteu em assalariados livres, em pobre que
trabalham’ essa obra prima da indústria moderna.”
94
Aos médicos eram reservadas as funções de garantir a
higienização das casas e da cidade e de reeducar os costumes dos
operários e familiares.
Segundo Relatório da Diretoria, de 1942, o Serviço de
Saúde com seu sistema de assistência domiciliar, era “uma
demonstração de como a Companhia se interessava pelo elemento
humano”. Eram realizadas inspeções periódicas ao Acampamento
Operário, com relatório detalhado e sugestões tendentes a assegurar
ótimo estado sanitário. Através de acordo com o Departamento
Nacional de Endemias Rurais, desinfetavam-se semestralmente
todas as dependências da empresa, inclusive alojamentos e
habitações operárias. Médicos, enfermeiras, educadoras e guardas
sanitários que eram os agentes encarregados dessa vigilância
sanitária, de “caráter preventivo”, parte dessa engrenagem montada
94
MARX, Karl. Op. Cit. 1998, p. 873.
82
para “regenerar a população’ segundo normas modernas de higiene
e atendendo assim, os interesses do capital.
Quanto à organização do trabalho observou-se que o
processo de formação da força de trabalho teve características
diferentes do caso “britânico, francês e americano” em que o
estabelecimento da produção de aço em larga escala implicou na
destruição de um sistema de trabalho pré-existente nas indústrias de
ferro; implicou especialmente na desarticulação do poder e
autonomia que os operários especializados possuíam. Na siderurgia
brasileira, a introdução de uma nova organização de trabalho não
encontrou a resistência de trabalhadores qualificados à
desqualificação e perda de autonomia, por outro lado as indústrias
se defrontaram com a necessidade de formar sua própria força de
trabalho, a partir de uma mão-de-obra de origem rural ou sem
experiência no trabalho industrial.
A fase de construção da Usina e de montagem dos
equipamentos funcionou como etapa de seleção e treinamento de
mão-de-obra: ali a empresa observava e selecionava os que
mereciam permanecer em seus quadros. Desde 1940 a Companhia
começou a selecionar aqueles que, trabalhando na construção das
unidades da Usina, seriam empregados mais tarde na operação.
“Uma das saídas, segundo Macedo Soares, foi colher nas
escolas industrias do Estado do Rio de Janeiro, São
Paulo, de Niterói, alunos que estavam sendo
transformados em operários e levá-los para Volta
Redonda, a fim de que eles pudessem, desde logo,
preparar-se para exercer uma função na usina (...) Esses
rapazes foram entregue ao professor Manoel Marinho
que era especializado na formação de jovens técnicos.
83
Assim seriam formados desenhistas e operadores de
usinas (...) Na execução dos projetos de instalações
elétricas foram selecionados 50 jovens com o curso
ginasial completo, que passaram a ser treinados pelos
próprios engenheiros da CSN (...) Para a formação de
soldadores foi criado um curso que ficou sob a
responsabilidade de um mestre soldador norte-
americano.”
95
Quanto aos salários, havia uma diferenciação acentuada
entre as remunerações oferecidas às categorias mais especializadas, à
nível de mestria, e as demais. Na tentativa de atrair e fixar mão-de-
obra qualificada, os salários oferecidos eram bem mais elevados do
que o salário mínimo vigente.
As “categorias inferiores” eram pagas por hora de trabalho
ocupada e eram submetidos com violência e autoritarismo.
“O contrato era de trabalhar de segunda a sábado. Mas a
gente trabalhava domingo. Ninguém falava nada. No
campo havia pouca hora noturna mas, o pessoal
trabalhava a noite quando havia possibilidade. Eu
trabalhava das 7 da manhã. Parava às onze horas para
almoçar. Pegava meio dia e ia até às 6 horas da tarde.
Muita gente era escalada domingo o dia todo. Nessa
época. Muitos anos depois veio o domingo pago. Eu me
lembro o General Edmundo Macedo Soares discursando
no Escritório Central e falando: Pela primeira vez os
operários vão ganhar sem trabalhar. Ele era “muito bom”
para essas coisas. Precisando de mão-de-obra vocês
trabalham meio dia e ganham o dia todo (...) O salário
era Cr$1,20 por hora naquela época. Dependia das horas
trabalhadas.”
96
95
MOREIRA, Regina da Luz. CSN Um Sonho Feito de Aço e Ousadia. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas (CPDOC), 2000. pp. 47 e 48.
96
Senhor José Rodrigues da Silva (trecho da entrevista).
84
Assim ficavam sujeitas ao arbítrio da empresa, tanto no
prolongamento da jornada de trabalho quanto na determinação da
regularidade e intensidade de uso de sua força de trabalho.
Marx com muita lucidez assim define esta situação:
“O segundo período do processo de trabalho, quando o
trabalhador opera além dos limites do trabalho
necessário, embora constitua trabalho, dispêndio de
força de trabalho, não representava para ele nenhum
valor. Gera a “mais valia”, que tem, para o capitalista, o
encanto de uma criação que surgiu do nada. A essa parte
do dia de trabalho chamo de tempo de trabalho
excedente, e ao trabalho nela dependido, de trabalho
excedente (...) Se o salário por hora for fixado de modo
que o capitalista não se obrigue a pagar o salário de um
dia ou de uma semana, mas apenas as horas de trabalho
em que lhe apraz ocupar o trabalhador, poderá ele
empregá-lo por espaço de tempo inferior ao que serviu
originalmente para calcular o salário por hora ou a
unidade de medida do preço do trabalho (...) O
capitalista pode, então, extrair do trabalhador
determinada quantidade de trabalho necessária a própria
manutenção. Pode destruir toda regularidade da
ocupação e fazer alternarem-se, de acordo com sua
comodidade, arbítrio e interesse momentâneo, o mais
monstruoso trabalho excessivo com a desocupação
relativa ou absoluta.”
97
Sob o capitalismo, o trabalho definiu-se como produção de
mercadorias e os homens não comem, não se vestem e não habitam
se não entram no “mundo colorido das mercadorias”. Como a
apropriação das condições de trabalho não é um fim em si, mas um
expediente do capital para submeter-se aos seus interesses de
ampliação o conjunto dos homens e como sem a “força de
97
MARX, Karl. Op. Cit. 1998, p. 253.
85
trabalho”
98
não há produção, o capitalista está sempre interessado
em comprar esta mercadoria especial a força de trabalho. Especial
porque só a “força de trabalho” pode por em movimento os meios
de produção e gerar mercadorias. A produção da mercadoria,
contudo, mascara a produção da “mais valia”.
O despojamento do homem do conjunto dos meios
materiais de existência, sua proletarização visa forcá-lo a se
submeter a acumulação do capital.
Assim, para o capital os homens são submetidos e só
existem enquanto força de trabalho para o capital. O trabalho só é
produtivo se for trabalho produtor de “mais valia”. Trabalho que
não gera “mais valia” é trabalho improdutivo.
O salário é, assim, o pagamento parcial da jornada de
trabalho do operário e com o qual este se suprirá no mercado dos
meios de subsistência. O salário é o preço da reprodução de sua
existência.
Construir um novo “modelo” de operário implicou então,
por parte da CSN num jogo articulado de estratégias que variavam
em relação aos objetivos bem como os alvos visados. De um lado
guiam pela preocupação de assegurar um mercado permanente de
força de trabalho “saudável e produtiva”, a CSN estabeleceu um
conjunto de mecanismos e dispositivos disciplinares que terão como
98
Força de trabalho Por força de trabalho ou capacidade de trabalho compreendemos o conjunto
das faculdades físicas e mentais existentes no corpo e na personalidade viva de um ser humano, as
quais ele põe em ação toda vez que produz valores de uso de qualquer espécie. Idem. KARL
MARX, p. 578.
86
alvo o operário. De outro lado, indicando um segundo sentido da
expressão da fábrica, instauraram regras, proibições e incitações a
fim de assegurar a “cooperação” e o “bom comportamento”.
Ambos os conjuntos de medidas, isto é, tanto aquelas que atuavam
na esfera fabril, quanto no espaço extra-fabril, usavam o
aprimoramento do trabalhador.
A mística do progresso que sempre cercou a criação da
CSN e perpassava todos os setores da sociedade brasileira, sem
dúvida, um fator relevante na construção da legitimidade. A
Diretoria se apresentaria como “servidora” da empresa e procurava
se igualar ao coletivo de trabalhadores, numa tentativa de mascarar
os antagonismos e conflitos de classe. Os diretores, como os demais
funcionários eram “empregados de nosso verdadeiro patrão ‘seu’
Brasil”
99
.
A CSN se vangloriava de oferecer, com seus sistemas de
assistência e benefícios sociais “o mais alto padrão já realizado no
Brasil, em benefício dos operários de uma grande indústria,
permitindo-lhes uma vida condigna”, considerando-se empresa
pioneira neste terreno, pretendia fazer “de seus empregados, sem
distinção de categorias, colaboradores dedicados e amigos de um
empreendimento que cada vez mais cuidará do seu interesse e seu
bem estar social”
100
.
Para o abastecimento, foi criada em 1944 a Cooperativa de
Empregados da CSN Ltda, destinada ao abastecimento de gêneros
99
General Edmundo Macedo Soares, transcrito de O Lingote de 10/10/55.
100
Companhia Siderúrgica Nacional. Relatório da Diretoria de 1954. p. 10.
87
alimentícios, com desconto em folha de pagamento contribuindo
assim com o “controle” total da empresa. No final do mês, o
operário pouco ou nada tinha a receber. Em alguns casos, ainda
ficava devendo.
A casa, cujo aluguel também era descontado em folha era
um elemento fundamental para a consolidação dos objetivos da
Companhia. Colocava o trabalhador sob total dependência da
empresa. Este, ficava à disposição da empresa e mesmo nas horas de
folga, dependendo do cargo, muitos eram chamados em horas de
repouso para fazer algum serviço necessário.
“Qualquer hora que precisava, estava ativo no trabalho,
compreende? Largava às 4, se precisasse, oito horas da
noite, vinha em casa, e me achava em casa. Levava pro
serviço. “Eles” sabiam, tomavam nota do endereço,
ainda diziam que se a gente saísse de casa, tinha que falar
prá patroa”.
101
São inúmeros relatos sobre as diversas etapas de uma
verdadeira “via crucis”, que os próprios trabalhadores denominavam
da trajetória que ia do “inferno” ao “céu”, passando pelo
“purgatório”, percorrendo uma gama variada de habitações até
alcançar a almejada moradia definitiva: dos barracos de madeira
localizados no pátio da Usina, com três cômodos, sem água
corrente, tanque e banheiros coletivos, passando pelo Acampamento
Central, já com banheiro individual, até receber a chave da casa:
“Tinha que entrar na fila para conseguir casa, levava
tempo, e quando começou a dar casa era assim: cada
departamento tinha direito a umas tantas casas. Então, ali
101
Trecho da entrevista do operário Senhor Sebastião Cardoso da Silva que chegou em Volta
Redonda em 1942 para trabalhar na CSN onde se aposentou.
88
eles iam chamando a partir do empregado mais velho.
Quem não conseguia casa tinha que alugar casa fora.
Mas, a Companhia dava lugar pra fazer barraco. Tinha
barraco. Dava material, dava tudo. Era tudo de ‘talba’. E
ela colocava luz. Só não tinha água. Água era distante,
um tanque grande para as mulheres lavar roupa. Umas
cinco, seis, oito torneiras.”
102
A empresa também estabelecia critérios para a concessão
de prêmio de merecimento àqueles que durante 5 anos não
apresentassem faltas ou licença e aos que obtivessem melhor
aproveitamento nos “cursos”.
103
Assim, a intervenção da CSN na vida dos operários dava-se
em todos os níveis, desde a formação técnica a consulta médica, o
dentista, a briga entre vizinhos, o policiamento, a ronda da cidade...
No entanto, a retórica paternalista e a imagem do
“operário modelo”, das relações entre patrões e empregados se
prestam a múltiplas interpretações e não são mesmo numa estatal
passivamente interiorizadas por todos os segmentos da empresa.
A CSN, através do assistencialismo e da repressão tentaria
manter durante décadas o discurso da “harmonia” entre o trabalho e
102
Senhor José Rodrigues da Silva (trecho da entrevista)
103
Desde 1943 começou a funcionar, inicialmente em pavilhão de madeira, uma Escola Profissional
para a qualificação dos operários. A passagem pela Escola Profissional será um fator importante na
identidade das primeiras gerações; atuando como uma marca e um distintivo. Constituirá um fator
de diferenciação e hierarquização entre os trabalhadores.
Para isso, no início foram estruturados dois tipos de cursos: o de “Emergência” e o de
“Adaptação aos Trabalhos da Usina”. Entre 1945 e 1947, a Escola Profissional preparou, sob o
regime de internato, 4 turmas, num total de 37 alunos. Os cursos de emergência destinavam-se a
atender às necessidades imediatas da CSN (operadores da aciaria, coqueria, alto-forno, laminação e
fundição). Para os de “Adaptação do Trabalho da Usina”, destinado a formar operários
especializados com maiores chances de ascensão profissional, e que foram trazidos adolescentes de
diversos cursos industriais do país. Os que mais se destacavam eram premiados. FONSECA, Celso
Suckow. História do Ensino Industrial do Brasil. Rio de Janeiro: Escola Técnica Nacional, 1961.
p. 38.
89
o capital mas a violência e o autoritarismo fizeram parte da massa
que assentou os tijolos na construção da usina.
Felizmente a história não é linear e nem os homens são
forjados conforme as classes dominantes desejam.
90
CONCLUSÃO
“Volta Redonda é o Brasil
Do Amazonas ao Prata
Crescendo em valores mil.
É tudo o que mais retrata
Um grito de herocidade,
Um sonho feito verdade!
O lema do trabalho aqui se inflama
Dentro dos fornos de matéria bruta
Donde a riqueza em rios se derrama
Para a grandeza de uma pátria adulta
Brasil, Brasil, Brasil.
Volta Redonda é o teu formoso grito:
Forte garboso, sempre viril,
Que se eleva e destaca até o infinito.”
A letra oficial de Volta Redonda expressa bem a mística que
cercou a “Cidade do Aço”, enquanto marcos de valorização do
trabalho e do engrandecimento nacional. Vimos que a criação da
Companhia Siderúrgica Nacional, ligada a redefinição do papel do
Estado brasileiro no pós-30 visava, além do aço, produzir uma nova
ideologia calcada num novo “modelo de trabalhador” e empresa
bem ao gosto do Estado Novo. Assim novas propostas de
dominação, com uma base reacionária, segregacionista, excludente e
claro, autoritária são impostas a este trabalhador inserido num novo
modelo de fábrica, que no caso foi ordenado por militares na sua
concepção de disciplina e hierarquia.
Mostramos que na fase da construção da cidade quanto à
forma de recrutamento e controle sobre os trabalhadores obedeceu
91
ao modelo característico da “grande obra”. A construção do novo
modelo de trabalhador estava baseada numa forma de gestão em que
a empresa controlava a esfera de reprodução e da produção de
material de seus empregados dentro do projeto de hierarquização da
empresa baseada numa concepção de Companhia “dadivosa” e
“protetora”. Vão então se estruturando também princípios morais
de justiça e equidade, que integram o patrimônio cultural da
primeira geração de trabalhadores. Estas medidas, condensando as
ambigüidades do “paternalismo” buscaram construir a legitimidade
da dominação da empresa sobre os trabalhadores, mas também se
convertem, mais tarde, em objetos de reivindicações.
A análise dos depoimentos dos antigos operários aponta
para a forte presença patronal na memória operária. Aliás, em 1942,
como numa profecia, o então Tenente Coronel Macedo Soares dizia:
“Não tenho dúvidas de que aqueles que puseram uma
pedra em Volta Redonda se lembrarão disso no futuro
com grande contentamento e repetirão com enorme
júbilo a seus filhos.”
104
Num certo sentido, a profecia se cumpriu: a passagem
pelos quadros da CSN marcou essa geração misturando a biografia
pessoal e identidade profissional com a história da Companhia.
Estudamos, ainda, a emergência da vida urbana em Volta
Redonda. Contatamos a existência de um fato político gerador do
lugar a decisão locacional e evidenciamos que ao longo do
104
MACEDO SOARES E SILVA, Edmundo. Volta Redonda: Gênese da Idéia, seu
Desenvolvimento, Projeto, Execução e Custos. Rio de Janeiro: Separata da Revista Serviço
Público, Ano VIII, Vol. VI, n.º 82, 1945.
92
processo de evolução urbana, as decisões de natureza política,
emanadas do poder central, são determinantes da espacialidade e da
vida local.
Mostramos a articulação do projeto urbanístico da Cidade
Operária ao projeto político-ideológico de construção da classe
operária brasileira, articulação que confirma a centralidade ocupada
pela CSN no processo de implantação das bases da industrialização
no país. Buscamos acompanhar as condições de vida nos tempos
pioneiros de construção da usina e da cidade e que denominamos
“tempos de aço” em que as violências das leis de guerra, que
impediam a mobilidade do trabalhador “livre” restringindo-o ao
espaço da empresa bem como a penúria das condições habitacionais
que justificam, plenamente, a dominação.
Vimos também que à medida que a Cidade Operária
começou a ser habitada, parte dos trabalhadores industriais se
beneficiaram em morar em um espaço urbanizado e equipado.
Evidencia-se, assim, uma divisão espacial bem marcada, entre a
Cidade Operária e a Cidade Velha, correspondendo a enormes
contrastes nas condições de vida. A Cidade Operária planejada
para permitir o controle da empresa sobre o trabalhador, também na
esfera da reprodução diante da precariedade urbana da Cidade
Velha, aparece aos olhos dos operários como “objeto de desejo”.
Na Cidade Velha, espaço da exclusão social no contexto
siderúrgico, nasceu por sua vez, o germe da discussão pelo
93
reconhecimento social da Cidade Velha, uma vez que a Cidade
Operária era totalmente assistida pela CSN.
Podemos assim dizer, que o trabalhador da CSN e que a
cidade nasceram de uma forma bastante singular e por isso tem uma
identidade própria e específica.
Ser “metalúrgico” ou trabalhador da CSN é uma identidade
reconhecida socialmente, para além das fronteiras da cidade. Ser
“morador de Volta Redonda” é uma identidade genérica que veio se
constituindo historicamente.
Enfim uma outra componente da identidade relaciona-se a
construção do poder local que ficou claro com a construção da
CSN.
Ainda hoje, quando Volta Redonda chega a ter mais de 300
mil habitantes a massa física da CSN domina a cidade. A Companhia
pode ser vista de quase todos os seus pontos. Sua presença é
dominante. Durante o dia, a longilínea massa negra recorta o céu
claro. À noite, iluminado em espiral, o alto-forno confirma a
onipresença da usina.
A CSN reproduziu em suas relações sociais e espacialidade
segregada, um prisma multifacetado do capitalismo.
“(...) Messias, deus, chefes supremos,
Nada esperemos de nenhum!
Sejamos nós que conquistemos
A Terra-mãe livre e comum!
Para não ter protestos vãos,
Para sair deste antro estreito,
Façamos nós, por nossas mãos,
Tudo que a nós nos diz respeito...”
105
105
Letra da Internacional Socialista. in Hermínio Linhares. Contribuição à História das Lutas
Operárias no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1977. p. 52.
94
BIBLIOGRAFIA
Fontes Primárias:
1. Documentos da Companhia Siderúrgica Nacional
- Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, 1940-
1941 Relatório, Rio de Janeiro.
- Companhia Siderúrgica Nacional 1940-1948 Coletânea e
Legislação e Atos Oficiais.
- Companhia Siderúrgica Nacional, s/d, Volta Redonda.
- Companhia Siderúrgica Nacional, Relatório dos Trabalhos
Feitos até Abril de 1942 pelo Escritório de Obras apresentado
ao Presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, Dr.
Guilherme Guinle, pelo engenheiro civil Ary F. Torres, Vice-
Presidente, Rio de Janeiro, Abril de 1942.
- Companhia Siderúrgica Nacional, O Lingote, 1953 a 1972.
- Companhia Siderúrgica Nacional, Boletins de Serviço de Volta
Redonda, 1942-1970.
- Arquivo da CSN pesquisa realizada em 1970 sobre a origem
dos Trabalhadores.
- Relatório da Diretoria da CSN 1951.
95
- Relatório do Grupo de Trabalho “Reorganização Geral da
CSN, s/d. (Evolução da Força de Trabalho da CSN, Volta
Redonda).
2. Periódicos
- Arigó. O Pássaro que veio de longe. Revista do Centro de
Memória Sindical. Volta Redonda: Coleção Trabalhadores
em luta, 1989, nº 1.
- Revista do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda 50
Anos Brasileiros. Rio de Janeiro: Gráfica J. B. S/A, 1995.
3. Prêmios Concedidos aos Operários
4. Fotografias
5. Mapas
6. Entrevistas
7. Carteiras de Trabalho
Fontes Secundárias:
1. ANTUNES, Ricardo. Classe Operária, Sindicatos e Partidos
no Brasil. Da Revolução de 30 até a Aliança Nacional
Libertadora. São Paulo: Cortez, 1982.
2. ATHAYDE, J. B. de. Volta Redonda através de 220 anos de
História. Rio de Janeiro: Gráfica Lammert Ltda., 1965.
96
3. BAER, Werner. Siderurgia e desenvolvimento brasileiro. Rio
de Janeiro: Zahar, 1970.
4. CAMARGO, Aspásia; HIPPÓLITO, Lúcia. Artes da Política.
Diálogos com Amaral Peixoto. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira, 1986. p. 85.
5. CARLOS, Ana Fani. Espaço e Indústria. São Paulo: EDUSP,
1995.
6. COSTA, Alkindar. Volta Redonda, Ontem e Hoje. Volta
Redonda: Editora GLAN, 1983.
7. CRAVOR, Leonor Barreira. Aspectos de Volta Redonda
(1919-1941). Volta Redonda, mimeografado.
8. DINIZ, Eli. O Estado Novo: Estrutura de Poder, Relações
de Classes. in Boris Fausto (org.). O Brasil Republicano.
Tomo III. História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo:
Editora Difel, 1987.
9. DRAIBE, Sônia Miriam. Rumos e Metamorfoses: Estado e
Industrialização no Brasil, 1930-1960. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1985. p. 48.
10. FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil.
Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
11. FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (org.). Usos
& Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora
Fundação Getúlio Vargas, 1997.
97
12. FONSECA, Celso Suckow. História do Ensino Industrial no
Brasil. Rio de Janeiro: Escola Técnica Nacional, 1961. p. 38.
13. GOMES, Angela Maria de Castro. A invenção do
Trabalhismo. Rio de Janeiro: Edição IUPERJ Vértice,
1988.
14. GRACIOLLI, Edilson José. Um Caldeirão Chamado CSN.
Uberlândia: Edufu, 1991.
15. HIPPÓLITO, Lúcia; FARIAS, Ignez Cordeiro de. Um
Construtor do Nosso Tempo. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 2000.
16. HOBSBAWN, Eric. A Era do Capital (1848-1875). Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1977.
17. ______. Os Trabalhadores. Estudos sobre a História do
Operariado. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2000.
18. IANNY, Otávio. Estado e Planejamento Econômico no
Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1971.
19. LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. Campinas:
Papirus, 1989.
20. LINHARES, Hermínio. Contribuição à História das Lutas
Operárias no Brasil. São Paulo: Editora Alfa Omega, 1977.
21. LINHARES, Maria Yedda (org.). História Geral do Brasil. Rio
de Janeiro: Editora Campus, 1987.
98
22. LOBO, Eulália Maria Lahmeyer (coord.). Rio de Janeiro
natureza do Estado, conjuntura econômica, condições
de vida e consciência de classe (1930-1970). Rio de
Janeiro: Access Editora, 1992.
23. MACEDO SOARES SILVA, Edmundo de. O Ferro na
História e Economia do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Sesquicentenário, Sidergráfica, 1972.
24. ______. Volta Redonda: Gênese da Idéia, seu
Desenvolvimento, Projeto, Execução e Custos. Rio de
Janeiro: Separata da Revista Serviço Público, Ano VIII, Vol.
VI, nº 82, 1945.
25. MANGABEIRA, Wilma. Os Dilemas do Novo Sindicalismo,
Democracia e Política em Volta Redonda. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 1993.
26. MARX, Karl. O Capital. Crítica da Economia Política. Vol. 2.
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1998.
27. MINAYO, Maria Cecília de. Os homens de ferro: estudo sobre
os trabalhadores da indústria extrativa do minério de
ferro da Companhia do Rio Doce em Itabira, Minas
Gerais. Rio de Janeiro: Dois Pontos, 1986.
28. MORAIS, Vinícius. Antropologia da Música Popular
Brasileira. [s.l.: s.ed., s.d.].
29. MOREIRA, Regina da Luz. CSN: Um Sonho Feito de Aço e
Ousadia. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2000.
99
30. MOREIRA, Ruy. Geografia Teoria e Crítica. Petrópolis:
Editora Vozes, 1992.
31. MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em perspectiva. São
Paulo: Difel, 1974.
32. OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. Introdução. in Lúcia Lippi Oliveira
(coord.). Elite Intelectual e Debate Político nos anos 30. Rio
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1980.
33. OUAIANI, Mássimo. Marxismo e Geografia. São Paulo: Paz e
Terra, 1984.
34. PENNA, Lincoln de Abreu. República Brasileira. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira S.A., 1999.
35. PIQUET, Rosília P. Moradia Operária em Volta Redonda:
De Símbolo do Populismo à Lógica Capitalista. Espaço e
Debates, São Paulo. Ano V, nº 16, 1985, p. 97.
36. SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova. São Paulo:
HUCITEC, 1986.
37. ______. Espaço e Sociedade. Petrópolis: Vozes, 1982.
38. SILVA, Lenira Rique. A natureza contraditória do Espaço
Geográfico. São Paulo: Editora Contexto, 1991.
39. SOUZA, Cláudia Virgínia Cabral de Souza. Pelo Espaço da
Cidade. Aspectos da Vida e do Conflito Urbano em
Volta Redonda. Tese de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ,
1992.
100
40. TRONCA, Italo. O Exército e a Industrialização: entre as
armas e Volta Redonda (1930-1942). in História Geral da
Civilização Brasileira. Tomo III. O Brasil Republicano. São
Paulo: Editora Difel, 1983, p. 341.
41. TURAZZI, Maria Inez. A Euforia do Progresso e a
Imposição da Ordem. A Engenharia, A Indústria e a
Organização do Trabalho na Virada do Século XIX ao XX.
Rio de Janeiro: Núcleo de Publicações da COPPE, 1989.
42. VEIGA, Sandra Mayrink e FONSECA, Isaque. Volta Redonda.
Entre o aço e as armas. Petrópolis: Editora Vozes, 1989.
43. VIGEGANI, Túlio. A Segunda Guerra Mundial. São Paulo:
Editora Moderna, 1986.
44. WEFFORT, Francisco. O Populismo na Política Brasileira. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
101
ANEXOS
ANEXO I
ANEXOS II
ANEXOS III
105
ANEXO IV
106
ANEXO V
ANEXO VI
ANEXO VII
ENTREVISTA CONCEDIDA NO DIA 14/09/1999
Nome: José Rodrigues da Silva
Profissão: Apontador
Carteira Profissional n.º: 84317
Data de Admissão na CSN: 24/05/1942
Ano de Aposentadoria: 1972
Endereço Atual: Rua Gustavo Sales, 96 Aero Club Volta
Redonda
1. Qual o seu local e data de nascimento?
R: Cariri (Ceará) 18 de agosto de 1918.
2. O que representa a CSN para o Senhor?
R: A Siderúrgica representou e representa tudo para mim. Representa tudo: a
vida, aqui onde eu tirei as primeiras férias. Trabalhei toda a minha vida.
A Siderúrgica até minha aposentadoria foi tudo. Tudo por conta da CSN.
3. Como era aqui quando o Senhor Chegou?
R: Quando e cheguei aqui era uma fazenda. Tinha sido desapropriada pelo
governo para instalar a Siderúrgica. Então estava começando a
terraplanagem, onde eu trabalhei, abrindo estradas, abrindo ruas, fazendo
acampamentos. Tudo. Não tinha moradia efetiva nenhuma. Todas as
moradias eram feitas de “talba”. Tudinho de “talba”. Em 42, 43, 44 não
havia nada nessa cidade a não ser barro para se pisar. Era uma
dificuldade em tudo. Não havia nada aqui não. Havia o sonho da
Companhia Siderúrgica, numa cidade que era uma fazenda. Naquela
110
época, na Companhia, se andava a cavalo aqui (risos). O General
Edmundo Macedo Soares andava a cavalo. Ia lá na escola visitar.
Lamaceira tremenda. Muita dificuldade.
4. Como foi a viagem do senhor até chegar em Volta
Redonda?
R: A viagem do Ceará?
Eu vim do Ceará para o Rio de Janeiro. Naqueles caminhões de pau-de-
arara até a Bahia. Menor ainda. Na Bahia eu fiquei uns tempos. Depois
da Bahia eu vim para o Rio de Janeiro de navio. A gente viajava sem lugar
para dormir. Levava uma semana para chegar ao Rio. Era muita gente.
Navio superlotado. Consegui uma cama com um marinheiro e pagava a ele
e dormia. A coisa que mais me encantou no Rio foi ver a luz, naqueles
morros, parecia prédio. Chegamos a noite e o navio naquela época não tinha
radar. Chegava e ficava depois do Forte. Depois vinham rebocar o navio.
5. Como foi a sua chegada aqui?
R: Cheguei aqui e dormi no Hotel Pinheiro. Volta Redonda não tinha nada
mesmo. Só tinha a Estação de Trem coberta de folha de zinco. Saí andando
com a mala e lá no final e encontrei com um Senhor que era encarregado, do
Rio, e aí fui para o Escritório Central. Todo de “talba” fichar e recebi a
matrícula e no outro dia me apresentei para trabalhar. Eu comecei com
Cr$1,20 a hora. Aí o encarregado perguntou: Sua matrícula para fazer o
boletim. Eu disse: Aí eu disse meia, um, zero, cinco. Ele era um carioca
muito burro que não sabia nada. Mal assinava o nome. Não entendeu.
Mandou eu escrever no boletim meu nome e meu número. Aí, eu escrevi. Aí
ele disse: Você vai tomar o ponto. Tem uma letra muito bonita. Aí eu
111
fiquei como apontador. Eu andava nos grupos aí, via o pessoal, fazia o
ponto bonitinho. Fazia lá mesmo em cima de uma caixa de madeira.
Levava no Escritório Central. Entregava bonitinho, o boletim. Fiquei três
anos nesse negócio. Chamavam-me de apontador. Eu não tinha feito exame
e não era coisa nenhuma. Apenas aquele encarregado me encontrou e achou
que eu devia fazer o ponto. Eram muitas turmas para um encarregado só.
Eu via duas vezes por dia se a pessoa estava trabalhando.
6. Depois o Senhor foi contratado?
R: Fui. Tudo direitinho. O contrato era de trabalhar de segunda a sábado.
Mas a gente trabalhava domingo. Ninguém falava nada. No campo havia
pouca hora noturna mas, o pessoal trabalhava a noite quando havia
possibilidade. Eu trabalhava das sete da manhã. Parava às onze para
almoçar. Pegava meio dia e dia até às 6 horas da tarde. Muita gente era
escalada domingo o dia todo. Nessa época. Muitos anos depois veio o
domingo pago. Eu me lembro o General Edmundo Macedo Soares
discursando no Escritório Central e falando: Pela primeira vez os operários
vão ganhar sem trabalhar. Ele era muito bom para essas coisas. Precisando
de mão de obra vocês trabalham meio dia e ganham o dia todo. Graças a
Deus. Homem bom. O salário era de Cr$1,20 por hora naquela época.
Dependia das horas trabalhadas. Por isso eu digo sempre: Era bravo.
Então o operário vinha para cá trabalhar e sonhando em ganhar dinheiro.
Chegava aqui e ficava desesperado, longe da família. Vinha sozinho, para
ver aquele sonho de trabalhar, ter a sua casa, o seu rancho ou coisa assim.
Viver bem. E a disciplina era dura, mais ou menos férrea, e eles ficavam
desesperados, chegando a ponto de ir a nado pelo rio Paraíba, e eram
considerados desertores. Quantos eu conheci que fugiram pelo Paraíba.
112
7. Onde o senhor passou a morar nessa época?
R: Nessa época tudo era muito difícil. O sujeito tinha quer ser macho para
morar em Volta Redonda! A barra era pesada mesmo, hein? Nessa época
eu passei a morar no barracão onde as condições eram péssimas. Aí sobrou
uma vaga no alojamento 62. Ah! Isto eu não esqueço, número 62. Tinha
uma cama vazia. Aí eu fui dormi na tarimba de baixo. Porque eram nove
tarimbas. Eram três encostadas numa parede, três na outra, e três no meio.
Passei uma noite mal dormida. Eu me coçava. Ali eu arranjei
companheiros. Era o Acampamento Central primeiro barracão. Tudo de
“talba” para os solteiros. Dali que surgiu também casas para os casados.
Do lado direito eram os solteiros.
8. Como era a vida nos finais de semana?
R: Era muito difícil. Você podia sair. Beber era controlado. Tudo controlado.
Você podia beber no fim de semana à vontade, mas dia de serviço não podia
beber, não, a Companhia controlava. Os guardas passavam nos bares,
chegavam. Isso eu vi. Isso eu cheguei a ver. O cara estava bebendo. Que
horário você está trabalhando? Aí, o cara disse: Ah, eu vou pegar agora às
quatro horas. Você está bebendo porque? Tabefe, tabefe na orelha: vai
trabalhar seu sem-vergonha! O cara ia né? Era muita violência. Os caras
iam para o Núcleo Cem. Apanhavam feito cachorro. Não tinham pena
nenhuma.
113
9. O trabalho era seguro? Haviam acidentes?
R: Havia. Houve um grande acidente que eu assisti. Foi quando estava
abrindo a base do alto-forno. Cavaram um grande buraco e a terra cedeu.
Aí a polícia chegou mandou afastar o pessoal. Não sei quantas pessoas
morreram. Naquela época a gente não sabia mesmo. Não sei se morreu. Se
morreu foi abafado.
10. O senhor tinha férias?
R: 15 dias. Todos os anos tinham.
11. O que o senhor achava do salário?
R: O salário a gente achava bom. A Siderúrgica se destacava naquela época.
Melhor salário da região.
12. Eram os militares que comandavam a Siderúrgica?
R: Eles eram os responsáveis na alta. Um general do Exército era o presidente
da Companhia. Os auxiliares dele eram militares.
13. Como era a vida do lado esquerdo do Rio Paraíba do Sul?
R: Lá era Niterói. A Vila de Santo Antônio, que era ali em Niterói, devia
ter umas 60 pessoas, de repente, trazem 5 mil pessoas para cá, do sexo
masculino, as 5 mil para trabalhar. Você tem que estabelecer alguns fatos.
Agora, outra coisa: pessoal de tudo que é tipo, né? Então, é claro a polícia
agia de acordo com os padrões. Tinham que colocar ordem.
114
14. Quando o senhor casou onde o senhor foi morar?
R: Era muito difícil conseguir casa. Tinha que entrar na fila para conseguir
casa, levava tempo, e quando começou a dar casa era assim: cada
departamento tinha direito a umas tantas casas. Então, ali eles iam
chamando a partir do empregado mais velho. Quem não conseguia casa
tinha que alugar casa fora. Mas, a Companhia dava lugar pra fazer
barraco. Tinha barraco. Dava material, dava tudo. Era tudo de “talba”.
E ele colocava luz. Só não tinha água. Água era distante, um tanque
grande para as mulheres lavar roupa. Umas cinco, seis, oito torneiras.
15. O Senhor conheceu Getúlio Vargas?
R: Conheci. Apesar de não aceitar o método que eles usavam na época.
Ditadura fechada. O povo sem liberdade. Mas, sobre as leis de trabalho, foi
o único que fez alguma coisa para se ter carteira, férias. Cada pessoa
recebeu um livrinho dizendo tudo sobre as leis. Depois que ele se foi eu me
tornei getulista porque não veio ninguém igual a ele. Mandavam a gente
escolher a data das férias e eu escolhia sempre em setembro para assistir a
parada no Rio.
115
ENTREVISTA CONCEDIDA NO DIA 14/09/1999
Nome: José Limo Correia
Profissão: Malhador de Chapas
Carteira Profissional n.º: 71.070
Data de Admissão na CSN: 18/01/1943
Ano de Aposentadoria: 1970
Endereço Atual: Rua Gustavo Sampaio, 99 Aero Club Volta
Redonda
1. Qual o seu local e data de nascimento?
R: Caratinga (Minas Gerais) 19/03/1920
2. O que representa a CSN para o Senhor?
R: Para mim representa tudo. Uma empresa grande que ajudou muito a classe
operária.
3. Quantos anos o Senhor trabalhou na CSN?
R: 27 anos.
4. Onde o Senhor trabalhou antes de vir para a CSN?
R: Trabalhei em João Monlevade.
5. Como era aqui quando o Senhor chegou?
R: Muito difícil.
116
6. Como o Senhor soube da CSN?
R: Era muita propaganda. Logo que ela começou a construir começou a
propaganda, né? Por todo o Brasil, por todos os lados. E ela tinha uma
equipe que era agenciador. Eles saíam daqui e buscavam pessoas. Traziam
dez, quinze, vinte... Pagavam as despesas, pagavam tudo. As vezes vinha
um chefe de família com dois, três filhos homens. Esposa não vinha porque
no momento era muito difícil casa né?
7. O Senhor passou a morar onde quando aqui chegou?
R: Na Vila do Sapo mesmo. Lá era um acampamento muito grande, e o
pessoal muito amigo. Então eu resolvi fazer um barraquinho. Quando eu
saía do serviço e retornava do trabalho, a “patroa” já tinha feito umas
broas para vender. Eu punha aquelas bugingangas nas costas, saía para os
barracões e ficava vendendo para os colegas. Não podia faltar ao trabalho.
Tava fichado né? Fichei muito fácil aqui.
8. O trabalho que o Senhor fazia era seguro?
R: Era. Tinha uma exigência muito forte, isso servia para todos nós. Eu
trabalhava no gasômetro. Acontecia de despencar rolo de chapa, mas
sempre, graças a Deus nunca me machuquei. Muita gente morreu moça.
9. Já tinha um Hospital, não é?
R: Tinha. Tudo de "talba". Perto do Estádio de Futebol hoje. Pra frente
tinha o Núcleo Cem, prá prender esses "negos metidos a bom de rabo, a
bom de briga".
117
10. Como era esse Núcleo Cem?
R: Nesse Núcleo Cem tinha o Capitão Magalhães que era muito mau. A
pessoa era levada para o barracão e a noite era chicoteado, o chuveiro
aberto. Era chicoteado mesmo. Era a delegacia. E pegava o nego na dura.
Não tinha disso não. Tinha uns colarinhos vermelhos. Aquilo chegava
batendo mesmo, no duro. Não tinha baiano, não tinha ninguém, entrava no
pau mesmo. Metia ele no camburão e levava pra lá, nada era pior, e quanto
mais bravo tentasse ser, mais ia dançar. Chegava um batia, chegava outro
batia. Chamar o Cabeça de Tomate não adiantava nada. Esses guardas
mais rasos eram tratados de Cabeça de Tomate porque o boné deles era
igual a um tomate maduro. Depois tem o Guarda Especial, tudo direitinho
e farda amarela ou vermelha. O Bicho era ruim. Tinha nego ruim naquela
guarda moça.
Em Volta Redonda tinha gente de todo jeito. Mas também tinha de ter.
Vinha gente de todo lado para cá e as idéias não combinavam. Saia briga
toda a noite. Nego levava violão para vender. Os caras já estavam com
vontade de ir embora pra casa, metia o pé naquilo, a polícia dava em cima.
Era uma bagunça completa. Eu vi muitas coisas erradas.
11. Tinha horário de almoço?
R: Não. Nós trabalhávamos numa parte tipo semana inglesa trabalhava
oitenta horas por semana. Folgava no sábado e só voltava na segunda-feira.
O horário era maluco.
12. Nessa época tinha férias?
R: Tinha. Férias de 15 dias. Depois é que passou para um mês.
118
13. O Senhor sabe que Getúlio Vargas fundou a CSN. O que o
Senhor acha dele?
R: O maior presidente estadista do Brasil. O resto, tudo passou. O Vargas é
a estrela mestre do Brasil, da classe operária. Antes a lei que mandava era
a do fazendeiro. Trabalhista verdadeiro foi Getúlio Vargas. Aquele é um
brasileiro nato. Quem dera tivéssemos um doido daquele. O país ia estar
bem mais adiantado. O americano, a senhora sabe né, eles pegam os
brasileiros para bode expiatório e pisam por cima do resto. Brasileiro se
vende à toa. Não vê a CSN. Veio o Lima Neto pra enganar o pessoal e
enganou direitinho.
119
ENTREVISTA CONCEDIDA NO DIA 17/09/1999
Nome: Sebastião Cardoso da Silva
Profissão: Servente
Carteira Profissional n.º: 56.606
Data de Admissão na CSN: 07/10/1942
Ano de Aposentadoria: 28/11/1978
Endereço Atual: Rua Paulo de Frontin, nº. 96 Aterrado Volta
Redonda
1. Qual o seu local e data de nascimento?
R: Viçosa (Minas Gerais) - 17 de novembro de 1924.
2. O que representa a CSN para o Senhor?
R: Olha eu vou dizer para você uma coisa moça. Ela para mim representa
(pausa) a minha vida. A vida inteira, sim porque eu não posso falar mal
dela. Porque eu fiz a minha vida nela. Eu criei a minha vida nela. Criei a
minha família nela. Ela para mim representa a maior coisa de toda a
minha vida.
3. Como o Senhor chegou aqui?
R: Eu quando cheguei aqui me deu vontade de ir embora mesmo. Na mesma
hora para traz. Homem aqui era igual a gado no pasto. Era um verdadeiro
formigueiro. Aí a gente vê aquela buracada toda né.
120
4. Como o Senhor soube da CSN?
R: Naquele tempo não havia televisão, era só rádio. Já tinha estourado a
guerra. Foi em 1942, escutei no rádio que iam construir uma usina de
grande porte aí, ia desocupar do serviço militar, aproveitei. Aproveitei,
porque vindo pra cá escapava do serviço militar.
5. Onde o Senhor foi morar?
R: Fui morar no alojamento e depois o engenheiro Braga que gostava muito de
mim mandou fazer um alojamento separado para nós. Trinta "pessoa". Ele
falou: se eu precisar de vocês a noite, qualquer coisa que arrebentar eu
chamo. Então a gente sabe aonde vocês estão. Qualquer hora que precisar
tava ativo no trabalho compreende? Largava às 4 e se precisasse às 8 da
noite. vinha em casa e me achava em casa. Levava pro serviço. "Eles"
sabiam, tomavam nota do endereço, ainda diziam que se a gente saisse de
casa, tinha que falar com a patroa.
Aquele barracão bem feitinho, com uma cama para cada um. Pôs colchão,
tudo direitinho. Até deu pra dormir direito. O alojamento era cheio de
percevejo para chuchu (risos). Aí foi bom. Fez uma cozinha pra gente fazer
comida. Fazia comida a noite. A gente "armoçava" de que queria.
6. Havia acidentes naquela época?
R: Olha nessa ocasião havia muitos acidentes na fundação, né. Eles faziam
aquela fundação. Fundação funda para poder fazer coluna e coisa. As
"vez" caía barreira. "Morria" diversas pessoas. Pela construção que era
perigosa pra chuchu.
121
7. Como era o seu horário quando o Senhor entrou na
Companhia?
R: Isso aí era por hora de serviço. No meu início, quando eu entrei na
Companhia, era, doze hora. Das 6 horas às 6 horas. Com uma hora de
almoço. Eu falava: puxa vida, ganhar doze horas. Era Cr$ 1,20 por hora.
É mais do que um oficial lá de Minas. Muita coisa. E ainda reclamavam.
Aí eu disse: já tô feito. Criei todos os "filho". Não tem um analfabeto.
8. O Senhor tinha férias?
R: Tinha todas as férias. Tinha 15 dias no início. Depois passou para vinte
dias. Depois para 30 dias.
9. Como ficou a família quando o Senhor casou?
R: Fui morar na 207. Aquelas casas ali era tudo um buraco a baixo. Cada
casa era repartida em duas moradias. Era pequena. Só tinha um quarto.
10. Senhor Sebastião o que o Senhor acha de Getúlio Vargas?
R: Olha eu vou dizer para você moça. Getúlio foi um bom governo. Ele
idealizou e criou a CSN. Ele vinha visitar a Usina mesmo. Era um
camarada alegre, risonho. Eu acho que foi o Carlos Lacerda que mandou
matar ele. Ele construiu uma coisa que o Brasil nunca teve.
122
ENTREVISTA CONCEDIDA NO DIA 21/10/1999
Nome: Osmar de Paula
Profissão: Servente
Carteira Profissional n.º: 14.487
Data de Admissão na CSN: 03/07/1943
Endereço Atual: Rua Gustavo Sales, no. 213 Bela Vista
Pinheiral
1. Qual o seu local e data de nascimento?
R: Lima Duarte (Minas Gerais) - 18 de julho de 1922.
2. O que representa a CSN para o Senhor?
R: Para mim a CSN representa muita coisa. Eu vim para aqui casado de
novo. Já tinha um filho. Adquiri aqui muita coisa. A Companhia foi
muito boa para mim.
3. Onde o Senhor passou a morar naquela época?
R: Eu morava numas casinhas que tinha lá embaixo, na beira do Paraíba, lá
na coqueria.
4. Qual o trabalho inicial do Senhor?
R: Primeiro fui trabalhar com seis homens. Foi trabalho duro como servente.
123
5. Inclusive foi o Senhor quem acendeu o alto-forno. Não foi?
R: Eu acendi o alto-forno, fui escolhido no meio da turma que fosse eu, né,
graças a Deus me dava muito bem como engenheiro Zé Pedro que era um
homem muito bom. Até hoje ele pergunta por mim. Ele frequenta a Igreja
de São Geraldo. Aí eu fui escolhido na época do forno 1. Eu acendi o forno
1 com o General Dutra.
6. O trabalho do Senhor era seguro?
R: Não. Não era seguro. Eu perdi um irmão lá dentro.
7. Havia médicos, assistência médica?
R: Havia lá no hospital. Na obra só uns postinhos.
8. Como a maioria do pessoal chegava aqui?
R: De caminhão. O caminhão chegava lotadinho de homem, tudo sentado.
Chegava e ia lá no Hospital Central, no prédio antigo, quase na entrada
da usina. Ali descia um por um do caminhão e dava o nome. Tinham
muitos que não sabiam o nome, aí eles batizavam. Tinha muitos que não
sabiam o endereço, não sabiam o nome do pai, não sabiam o nome da mãe.
O agenciador é que dava o nome.
9. Quanto o Senhor ganhava nessa época?
R: O salário era muito pouquinho. A gente ganhava por hora, né. Não me
lembro mais como era o dinheiro daquela época. Era uma "mixaria", né,
muito pouco.
124
10. Como eram os chefes?
R: Isso aí, é, sempre encontra alguém muito chato. Eu levava meu trabalho
muito seguro. Tudo eu fazia na hora certa.
11. O Senhor recebeu algum diploma, prêmio.
R: Sim. Mas sumiram.
12. A CSN foi fundada por Getúlio Vargas. O que o Senhor
achava dele?
R: Eu gostava muito dele. Hoje eu defendo ele. Se nós hoje ainda temos algum
direito, agradeço a ele. Muitos direitos que ele deu já cortaram. Foi o
melhor presidente para todos os trabalhadores.
125
ENTREVISTA CONCEDIDA NO DIA 21/10/1999
Nome: José Bento
Profissão: Servente
Carteira Profissional n.º: 1.571
Data de Admissão na CSN: 08/05/1943
Ano de Aposentadoria: 01/07/1970
Endereço Atual: Rua Gustavo Sampaio, 91 Aero Club Volta
Redonda
1. Qual o seu local e data de nascimento?
R: Viçosa (Minas Gerais) - 21 de março de 1925.
2. O que representa a CSN para o Senhor?
R: Grande marco nacional, onde eu mergulhei bastante em trabalhar. Só tenho
a elogiar. Não nos dias de hoje. Estão terceirizando e castigando demais os
empregados.
3. Como o Senhor chegou aqui?
R: Vim da cidade de Viçosa, Minas Gerais. Chegando em Volta Redonda foi
difícil. Eu quando cheguei em Volta Redonda não tinha dinheiro para
prosseguir. Eu estava fazendo Tiro de Guerra, quando vim para Volta
Redonda. Eu tinha que ficar em Volta Redonda ou me apresentar no Rio
de Janeiro. Nós estávamos em guerra. Depois que eu me fichei não podia
sair mais. Mas também eu concordei em fichar porque eu não tinha nem
dinheiro para a passagem. Então eu tinha que ficar aqui mesmo, pelo
menos para comer.
126
4. Onde o Senhor passou a morar?
R: Acampamento Central. Alguns meses eu trabalhei com um engenheiro, o
Vieira. Um gaúcho muito bom. Mais tarde fui trabalhar no Escritório
Central como conferente de material.
5. Como eram as moradias no Acampamento Central?
R: Eram barracos de tábua com 5 ou 6 anos em degrau tipo beliche. Em
1946 se deu um fato engraçado. Estava dormindo e houve uma enchente.
Eu acordei com água chegando na minha cama. Eu tive que sair nadando
até prá lá do hospital velho. Naquele tempo eu era novo. Se fosse hoje
morreria.
6. Naquela época havia acidentes?
R: Havia muitos acidentes. Eram mais nas fundações. Uma vez caiu um silo
de areia, afundou e morreu muita gente.
7. Haviam férias?
R: Sim. 15 dias todos os anos.
8. Quanto o Senhor ganhava?
R: Quando fichei era Cr$1,25 por hora.
9. Como eram os chefes?
R: Eram bons apesar de serem exigentes. Estavam com a razão pois quem
paga quer ver produção, mas eram bem conscientizados.
127
10. O que o Senhor acha de Getúlio Vargas?
R: Em minha concepção, foi o melhor presidente que tivemos. Criou leis
trabalhistas. Os direitos de hoje muito se agradece a Vargas.
128
ANEXOS
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo