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levavam para a cadeia os problemas que o Partido vivia aqui fora. No momento em que se leva
problemas políticos internos de um partido para a cadeia, onde tem muita gente, acaba-se
fracionando lá dentro também, será preciso tomar muito cuidado. Então, tinha esses problemas
todos e outros, esses problemas tomavam conta o tempo todo. Marighella sabia onde tinha o nariz,
havia momentos de crise, era Marighella que tinha tudo, era respeitado como se fosse um líder, não
como um pai, não é isso, um líder, realmente era um líder. Era um homem a quem os companheiros
levavam problemas domésticos. Dada a seriedade com que ele encarava essas coisas, você via o
Marighella cuidando, conversando, as vezes, particularmente, com um companheiro, um camponês,
um ferroviário, um ex-cabo, um ex- marinheiro, cuidando de problemas particularíssimos, ele ouvia,
provavelmente aconselhava, não sei mas era muito ouvido por todos. Qualquer outro tipo de
problema, como é curioso isso, ele não era experiente, não era um velho, conselheiro, não era nada
disso o Marighella. Era um líder político. Era um homem imaculado nesse sentido, você percebia que
o Marighella era um homem voltado para isso, você não sabia nada do Marighella, você não sabia se
ele tinha mulher, se tinha pai, se tinha mãe, se tinha irmã, nada, se tinha visita. Dele não se sabia nada.
Agora dificilmente o Marighella tinha momentos de isolamento, porque era muito solicitado, sabe
essa vida diária, mas quando ele tinha, ficava numas pedras lá na Ilha Grande, um pouco afastadas,
assim, ele ficava lá, lendo, às vezes ficava pensando, pelo menos é o que se dizia, um pouco de mito
também tudo isso. Ele construiu a fração comunista responsável pela vida política dos presos
políticos; nem todos eram comunistas, a maioria era aliancista, o pessoal do 21, do Rio Grande do
Norte, os oficiais do 3º RI do Rio, marinheiros, o pessoal do Minas Gerais, que tinha feito uma
tentativa de revolta,etc.. David Capistrano, foi da Brigada Internacional na Espanha e estava lá.
Correia de Sá, o querido Correia de Sá, foi cabo do 3º, foi também da Brigada Internacional, major
Costa Leite, Agildo Barata. Joaquim Câmara Ferreira, Tenente Tourinho, sargento Renê Bastos, o
último soldado que se entregou no 3º Regimento, muito marinheiro, muito soldado, muito operário,
de São Paulo. Esse era o homem Marighella. Sem dúvida nenhuma Marighella tinha uma capacidade
de liderança superada só pelo Prestes. O Prestes tinha, não é uma coisa composta, feita, era natural
nele. O Prestes era um homem cordial, amável, mas tinha isso, era muito difícil você entrar na
intimidade com ele. Já o Marighella não, o Marighella tinha um lado, o lado baiano do Marighella.
ET_ Ele fazia poemas lá dentro?
NG_ Fazia. Lá, tínhamos um jornalzinho e ele fazia, gozando os outros, gozando os presos,
gozando a vida. Ele mesmo fazia o jornal, ele tinha uma letra bonita, de fôrma, fazia o jornal, de vez
em quando esse jornal saía. Era manuscrito. E o trabalho, ele trabalhava, ele tinha uma habilidade
manual muito grande. Nós fazíamos um trabalho no côco, caixinhas, não sei o que lá, umas
bobagens. E o côco, não sei se você sabe, tem um brilho natural, a casca do côco tem um brilho
próprio, que mais forte do que o verniz, lindo, muito bonito. Você tira a casca, vai lixando, lixando,
até chegar a um ponto que tem um brilho natural muito bonito. Com aquilo ele fazia umas caixinhas
com uns desenhos marajoara, nós tínhamos lá um livro de uma, Heloísa Torres, uma estudiosa da
arte marajoara, ele copiava aquilo, trabalhava como qualquer outro, e era o melhor que tinha nessa
área.