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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
ADMINISTRAÇÃO DOS SACRAMENTOS DA IGREJA EM PERNAMBUCO
1650 À 1790
ORIENTADOR: PROF. DR. MARCUS CARVALHO
RECIFE, NOVEMBRO DE 2001
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
ADMINISTRAÇÃO DOS SACRAMENTOS DA IGREJA EM PERNAMBUCO
1650 À 1790
Dissertação de Mestrado
apresentada pelo aluno Douglas
Batista de Moraes ao Programa
de Pós-Graduação em História do
Brasil da UFPE, para obtenção do
grau de mestre.
ORIENTADOR: PROF. DR. MARCUS CARVALHO
RECIFE, NOVEMBRO DE 2001
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3
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 04
1º CAPÍTULO - A CONTRA-REFORMA E O REINO PORTUGUÊS 12
2º CAPÍTULO - "BAPTISMO", CASAMENTO E A ANGÚSTIA DO
CONFESSIONÁRIO
35
3º CAPÍTULO - A MORTE E O "BEM MORRER". 74
CONSIDERAÇÕES FINAIS 103
BIBLIOGRAFIA 106
4
INTRODUÇÃO
O objetivo de nossa pesquisa é contribuir para a História da Religião
Católica, tema este que sempre causa muita controvérsia e muito difícil de se
pesquisar quando se trata do período colonial, devido a falta de uma documentação
mais acessível em relação a atuação da Igreja Católica em Pernambuco durante os
séculos XVII e XVIII. Nossa intenção é ajudar no entendimento da implantação do
aparelho Eclesiástico português em terras americanas. Analisando as estratégias
usadas para a salvação do colono brasileiro, entre elas a administração dos
sacramentos
1
, foco principal de nossas análises.
Nosso ponto de partida são as Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia de 1707. Foi o primeiro código de leis eclesiásticas criado na colônia
brasileira, que está dividido em cinco livros ou capítulos: o primeiro livro é
referente aos sete sacramentos, que Cristo instituiu para meio de salvação; o livro
segundo, trata do Santo Sacrifício da missa sua instituição frutos e efeitos; o
terceiro, refere-se a obrigação que têm os clérigos de viver virtuosa e
exemplarmente; no quarto é abordada a questão das doações que são feitas às
Igrejas por meios de esmolas ou testamentos; finalmente o quinto livro trata do
crime de heresia que se denuncia ao tribunal do Santo Oficio os suspeitos de
judaísmo.
O primeiro livro das Constituições Primeiras, é dedicado aos problemas da
sacramentalização e por isso nos interessa mais de perto. Está dividido em dez
títulos sobre Batismo, dois dedicados a Confirmação, nove dedicados à Eucaristia,
treze à Penitência, dois a Extrema-Unção, dois à Ordem sacerdotal, doze ao
1
Sinal visível de graça interna, instituído por Jesus Cristo e administrado pela Igreja Católica. São sete os
Sacramentos: Batismo, Crisma ou Confirmação, Eucaristia, Confissão ou Penitência, Extrema-Unção, Ordem e
Matrimônio.
5
Matrimônio. Mas dentro de nossa perspectiva de trabalho, nosso maior interesse é
o controle que a religião Católica exercia dentro da sociedade colonial, nos
interessa aqueles sacramentos que alguns historiadores da religião consideram
fundamenteis: Batismo, Confissão, Casamento e Extrema-Unção. Sendo assim este
livro é fonte primária em nossa pesquisa sobre os sacramentos em Pernambuco nos
séculos XVII e XVIII.
Bem Nascer, Bem Viver, Bem Morrer, é uma referencia ao modo de vida do
cristão. O Bem Nascer, trata do Batismo da importância do batizado na vida do fiel
católico, que ao mesmo tempo era a porta de entrada para o mundo cristão, como
tábua de salvação, se por acaso o pequeno anjo morresse em seus primeiros dias
de vida. Bem Viver, faz referência a vida devota do fiel, aquele que seguiu os
mandamentos da Igreja Católica Apostólica romana propagou e seguiu a doutrina
Católica através dos sacramentos, da verdade dos dogmas, e das obras de
caridade cristã. Bem Morrer, é a preparação da morte, não bastava viver bem,
cumprindo as normas da Igreja, na derradeira hora todos deveriam estar prontos
para receber a unção dos enfermos, a Extrema-Unção, para ter o seu lugar
garantido no céu ao lado do pai celestial.
A evangelização da América portuguesa é uma etapa primordial para
entendermos como os organizadores da igreja Católica mantiveram seu controle
sobre a população do período. Negros e índios foram os grupos que mais sofreram
com o trabalho de catequizarão dos padres. O indígena brasileiro foi arrancado do
seu meio e levado ao seio do mundo cristão forçado a aprender uma forma
completamente desconhecida de adorar outras divindades.
Levados aos aldeamentos onde os jesuítas depreenderão uma verdadeira
operação de guerra para transformar o gentio em um fiel católico. O padre Fernão
Cardim em seu relato no livro Tratado da Gente e da Terra do Brasil, ressalta o
6
empenho dos padres da Companhia, que utilizavam dos instrumentos dos próprios
índios para realizar suas cerimônias desde administração de sacramentos até a
liturgia da missa. Ao africano quando muito cabia o Batismo, ou quando seus donos
mostravam alguma preocupação com a sua formação espiritual e por conseqüência
com a sua salvação, permitindo que lhe administrassem os demais sacramentos. A
grande dificuldade enfrentada pelo clero em seu trabalho de evangelização dos
escravos eram os seus senhores, que criaram os maiores impecílios para que o
trabalho de catequização dos padres não fosse bem sucedido e atrapalhando a
salvação da alma do homem africano.
A documentação que utilizamos em nossa pesquisa faz parte do acervo do
Laboratório de Pesquisa e Ensino de História do Departamento de História da
Universidade Federal de Pernambuco. Oriunda do Arquivo Histórico Ultramarino(
A.H.U) de Portugal. Em sua maioria Consultas do Conselho Ultramarino que tratam
dos mais diversos temas desde de assuntos, de história econômica, social,
administrativa, artística e religiosa do Nordeste, especialmente de Pernambuco que
é nosso maior interesse. Também usamos o arsenal de documentos do Instituto
Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco (I.AHGP.) com a coleção de
Ordens Regias que trata do período colonial em Pernambuco que tem em seu
conteúdo valiosas informações sobre as várias instituições da administração
portuguesa, usamos também a coleção de genealogia, onde encontramos fragmento
de um livro de assentamento de Batismo muito relevante para nossa pesquisa. Esses
manuscritos tratam da administração do Batismo, realização de Casamentos, a
necessidade de Missas, padres para realizarem à Confissão, administrração dos
últimos sacramentos e da saída da procissão do viático. Entre outros assuntos do
cotidiano colonial.
Estudar a história da religião Católica no Brasil durante o período colonial é
uma tarefa muito difícil, principalmente em Pernambuco devido a falta de uma
7
documentação mais específica e organizada sobre o tema. Diferente do que
acontece em outros Estados como à Bahia e o Rio de Janeiro onde o assunto é
tratado de forma mais direcionada. Para o suporte bibliográfico, usamos algumas
obras que são primordiais para quem deseja estudar a História da Religião Católica
em terras portuguesas na América. História da Igreja no Brasil organizado por
Eduardo Hoornaert é uma coletânea sobre o trabalho evangelizador da igreja
romana no início da conquista até o final do período colonial. O assunto é
distribuído em três períodos, o da evangelização o da instituição eclesiástica e o da
cristandade. A evangelização é entendida nos níveis universalistas, doutrinário e
guerreiro e neste texto são apreciados a catequese religiosa e a empresa
colonizadora, analisando o trágico destino do índio diante do colonizador.
Pesquisar sobre administração dos sacramentos, é um verdadeiro trabalho
de lapidação, um tema muito importante para o entendimento do controle social
exercido pela Igreja romana no Brasil dos primeiros séculos de dominação. Muitos
autores abordam o assunto mas geralmente tratam de alguns em separado com,
Batismo, Matrimônio e Confissão. Esses três em especial são estudados com mais
freqüência devido a sua presença marcante no cotidiano das pessoas, sem esquecer
da Extrema-Unção, que preparava a alma para a salvação eterna, já que à morte é
tema muito recorrente no período colonial.
O Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil: é uma
obra temática, coloca a disposição do leitor informações ao mesmo tempo
rigorosas e claras, sobre três séculos de colonização portuguesa no Brasil. História
política, social cultural e religiosa tudo abordado em verbetes naturalmente
sintéticos mais atualizados nas diversas matérias e uma bibliografia essencial. Para
todos os interessados na história dos descobrimentos e a expansão portuguesa.
Evaldo Cabral de Melo em seus estudos sobre o período colonial , analisa o
relacionamento entre a Igreja e o Estado, tratando da relação de poder entre as
8
duas esferas, demonstrando até que ponto a influência da Coroa portuguesa na
administração eclesiástica, foi boa para seu trabalho evangelizador no Brasil do
período colonial.
A coleção História da Vida Privada no Brasil volume um, dirigida por
Fernando Novais e organizada por Laura de Mello e Souza encontramos uma
análise do cotidiano religioso do colono brasileiro daquilo que era conhecido na
época como público e privado, mostrando toda a ritualística das cerimônias
religiosas no período colonial. Usando as Constituições Primeiras fazendo um
contra ponto do que era vivido na prática e aquilo que regulamentava as santas
normas baianas.
Este tipo de enfoque que trata das práticas religiosas da população em seu
dia-a-dia é muito importante em nosso trabalho, já que para verificar se realmente
as regulamentações estabelecidas no código diocesano da Bahia eram respeitadas,
um estudo sobre os costumes cotidianos de uma população que se encontrava sem
o apoio da fé em sua vida.
O Casamento no período colonial tornou-se um instrumento muito forte no
processo de evangelização portuguesa. Os jesuítas tiveram muito trabalho para
ensinar ao indígena as normas do Bem Viver do matrimônio. Ronaldo Vaífas, em
Trópico dos Pecados aborda toda a saga da missão de salvação dos padres da
Companhia de Jesus, em seu maior objetivo que era encaminhar o índio brasileiro
ao conhecimento da doutrina cristã. Maria Beatriz Nizza Silva, em Cultura no
Brasil Colonial, analisa o Casamento diretamente nas regulamentações das
Constituições, descrevendo os obstáculos que os padres tiveram de atravessar para
desenvolver seu trabalho de evangelização e levar a palavra de Deus aos infiéis.
João José Reis trata com muita propriedade da morte e seus rituais em A Morte é
9
uma Festa, obra indispensável para entendermos o comportamento do colono
brasileiro diante da morte.
No Primeiro Capítulo de nossa Dissertação, começamos tratando do
Concílio de Trento, que não foi o primeiro concílio da Igreja Católica mas foi o
mais importante. Sua importância advém do período em que aconteceu durante o
século XVI, onde começaram as primeiras contestações aos dogmas da Igreja
romana. Trento tinha a intenção de renovar e reafirmar os principais preceitos da
religião Católica. Também foi o ponto de partida para as demais reuniões
diocesanas, que a partir das regras tridentinas deveriam elaborar as suas próprias
normas cada diocese fazendo as adaptações necessárias a cada região.
Também analisamos o Reino de Portugal durante os séculos XVII e XVIII,
como estava estruturado a vida social, política e religiosa na Metrópole, fazendo
um pequeno histórico do surgimento do reino lusitano e como estava organizada
suas principais instituições entre elas a Igreja Católica que sempre esteve muito
presente na vida social de seu a fiéis da corte e de além-mar. Portugal e Espanha
foram as duas nações que absorveram melhor a Reforma Católica, materializando
suas principais regulamentações.
No Segundo Capítulo: tratamos do funcionamento da instituição eclesiástica
na colônia brasileira, em um primeiro momento fazemos um breve relato da
organização da Igreja Católica no Brasil dos séculos XVII e XVIII, desde o
advento do padroado régio até a falta de apoio por parte da coroa e a vida cristã
do colono. Na segunda parte do capítulo começamos a tratar do nosso assunto a
partir do Bem Nascer em terras brasileiras falando da função e importância do
Batismo dentro do sistema de dominação portuguesa em terras americanas.
10
Na parte do Bem Viver, também analisamos como a Confissão e o
Matrimônio que perderam seu valor sagrado e passaram a ser apenas instrumentos
de dominação usados pela Metrópole para manter o colono brasileiro sob seu
poder.
O Terceiro Capítulo, é dedicado ao Bem Morrer, com o sacramento da
Extrema-Unção, e as mais diversas formas de salvação da alma que passavam pelas
regulamentações das Constituições Primeiras, que estabeleciam como os párocos
deveriam proceder na hora derradeira de cada fiel, até mesmo como cada um
deveria se comportar em uma ocasião tão decisiva. Também tratamos do valor
simbólico da morte dentro da sociedade colonial, "as estratégias de salvação",
como eram conhecidas as mais diversas formas de buscar a salvação da alma após
a morte. Entre elas uma ganhou um interesse especial, que foi o testamento Post
Mortem. Neste documento o testador deixava especificado suas últimas vontades
com a intenção de alcançar um boa morte.
Os Compromisso das Irmandades de leigos também forneceram um material
muito importante para o nosso trabalho, já que em seus estatutos especificavam o
direito de enterro cristão aos seus membros. Usamos em nossa pesquisa os
Compromissos das Irmandades do Santíssimo Sacramento, Nossa Senhora do
Rosário dos Homens Pretos e Nosso Senhor Bom Jesus dos Martírios, todos da
vila do Recife.
A administração dos sacramentos é considerada uma cerimônia de passagem
, um rito de passagem, os tiros de passagem se associam às grandes mudanças na
condição de cada fiel. As principais cerimônias que marcavam esses ritos eram o
nascimento (Batismo), a entrada na idade adulta(Casamento), e à morte. Esses ritos
costuvam simbolizar uma iniciação, o nascimento iniação na vida, enquanto à morte
a iniciação no Reino dos mortos, ou na vida eterna.
11
Alguém que não fosse enterrado de acordo com o costume estava arriscado
a ter uma existência errante, sem descanso, vagando entre o Reino dos vivos e dos
mortos. Assim como um bebê não está propriamente vivo antes dos ritos
associados com o nascimento, um cadáver, em determinada sociedades, não está
propriamente morto antes de ser enterrado. Os ritos de sepultamento são
necessários a fim de que o falecido possa ser aprovado e acolhido pela comunidade
dos mortos.
A associação dessas cerimônias a novas etapas na vida de cada pessoa tem
uma influência muito forte em seu modo de viver, qualquer discuido no cumprimento
de qualquer dessas fases implicaria em consequências muito graves em sua vida,
podendo a qualquer momento ser punido por sua inresposabildade em seguir suas
obrigações espirituais. Foi utilizando dessa simbologia que a Igreja Católica usou
da administração desses ritos para controlar a vida social e espiritual de seus fiéis e
ao memo tempo atentendo os intereses da Corao portuguesa, usando do sacrado
para manter à ordem em suas terras de além-mar.
12
CAPÍTULO-1: A CONTRA-REFORMA E O REINO PORTUGUÊS
Concílio de Trento
I
oi o décimo nono Concílio ecumênico convocado pelo Papa Paulo III na
cidade de Trento, a pequena cidade situada ao sul dos Alpes
2
. Teve seu
início em 13 de dezembro de 1545, sendo o mais longo realizado pela
Igreja Católica. Durou dezoito anos, encerrando-se em 1563 sob a direção
do Papa Pio IV. Mas as sessões do encontro não foram contínuas, contando-se
três fases: de 1545 a 1547; de 1551 a 1552; e de 1562 a 1563. O objetivo dessa
Assembléia Eclesiástica era mudar as estruturas da Igreja Católica Romana,
reformando todos os níveis da sua burocracia. Um ponto abordado pelos membros
da reunião foi a interferência do poder temporal em assuntos eclesiásticos, cuja a
autoridade suprema era o Papa
3
.
A partir daí ficou estabelecido que os bispados seriam reorganizados, a
jurisdição episcopal seria reforçada. Também passou-se a controlar o clero e os
seminários com novas regulamentações. As deliberações do Concílio serviam para
reafirmar a doutrina cristã católica como a única a ser seguida, através dos dogmas
Bíblicos do pecado original, dos sacramentos do Batismo, da Confissão, do
Matrimônio, da missa, das obrigações religiosas, do culto aos Santos e das
indulgências, ao mesmo tempo em que eram invalidadas as teorias protestantes.
Essas resoluções espalharam-se por toda a Europa, sendo aceitas em Portugal
durante o Reinado de D. Sebastião, que as confirmou em alvará de 12 de setembro
de 1564. No Brasil as Santas Regras não demoraram a serem adotadas, servindo
2
LUIZETTO, Flávio. Reformas Religiosas. Op. Cit.P. 62
3
NIZZA. Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil. Op. Cit.Pp 197-198
F
13
de inspiração para a legislação eclesiástica pioneira na colônia, as Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia
4
.
A defesa do catolicismo foi o ponto central das discussões durante o
Concílio de Trento, cujo principal propósito era deter o avanço do protestantismo.
A decisão de reafirmar os dogmas surgiu depois de uma autocrítica de erros
passados. A reforma da Igreja Católica foi um reflexo de uma instituição inquieta,
que ficava a uma enorme distância dos fiéis. A ineficácia do clero em entender os
problemas do homem comum, afastava a população cada vez mais da Igreja. A
desorganização atingia não apenas os párocos, mas também a alta hierarquia
eclesiástica. A partir daí, começou um movimento para estimular a devoção ao
Evangelho entre os clérigos, prepará-los para o exercício pastoral, disciplinar as
ordens regulares, criar condições para uma aproximação mais ampla entre a Igreja
e os leigos
5
.
As regulamentações de Trento serviram para mostrar o catolicismo como
uma religião folclorizada, com uma moralidade distorcida à luz dos mandamentos, e
um clero paroquial não somente despreparado como também muito próximo da
comunidade, cujo cotidiano, para a alta hierarquiquia da igreja, só poderia indicar
o triunfo absoluto do demônio na terra
6
.
As duas reformas discordaram em pontos fundamentais da organização
teológica de cada Igreja. Os protestantes, radicalizaram com a crítica à estrutura
eclesiástica, negaram a autoridade apostólica do Papa, contestaram o valor da
maioria dos sacramentos, questionaram o celibato clerical. Assim o principal ponto
de suas críticas era em relação às obras terrenas como meio para alcançar a
4
NIZZA. Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil. Op. Cit.Pp 197-198
5
DELUMEAU Jean. La Reforma. Op.Cit P. 103
6
VAÍNFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Op. Cit. P 20
14
salvação eterna. As duas reformas mesmo divergindo, caminharam juntas num
processo extraordinário de expansão do cristianismo posto em prática no Ocidente.
O sucesso da Contra-Reforma dependia de como aquela nova organização
chegaria a sociedade, impondo com mais rigor os valores cristãos, acarretando uma
profunda reforma dos costumes e da moralidade vigentes. O Casamento na versão
católica, passou a ser encarado como uma instituição que, prezava pela fidelidade e
a procriação, considerando impura a cópula conjugal em si
7
.
As regras da Igreja em relação ao Casamento variavam de acordo com cada
região, levando em consideração as tradições e a cultura dos povos europeus, as
cerimônias matrimonias serviam como uma aliança entre famílias, e os próprios
casamentos atendiam antes de tudo a interesses ligados à transmissão do
patrimônio, distribuição de poder, conservação de linhagens, reforço de
solidariedade comunais. A partir do século XIII, a intervenção eclesiástica nesse
processo tornou-se freqüente, mas sempre adaptada aos costumes de cada região.
O Casamento sofreu ajustes relevantes: começando pela sua reafirmação
como sacramento, já que os protestantes consideravam uma necessidade física. Ao
Matrimônio tridentino acrescentou-se também uma nova disciplina, homogênea o
suficiente para fazer da cerimônia eclesiástica o único, perfeito e verdadeiro
casamento cristão
8
.
No auge da Contra-Reforma, cujo objetivo era controlar a vida dos fiéis,
não se limitando apenas a reafirmar os dogmas e regras sobre Casamento, a Igreja
reformada buscava alcançar a família, que segundo alguns clérigos era o local
7
LEBRUM, François. Devoções Comunitárias e Piedade Pessoal. In História da Vida Privada-3. Pp. 86-87
8
VAÍNFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Op. Cit. P. 23
15
privilegiado da vida cristã. A família portanto passou a ser reconhecido como o
principal instrumento da domesticação dos fiéis
9
.
Nos países onde o catolicismo predominava, o mecanismo utilizado como
forma de controle de consciências e comportamentos era o sacramento da
Penitência, mas especificamente na confissão auricular. A Confissão que acontecia
anualmente durante a época da Páscoa, funcionava como um forte instrumento de
vigilância da moral e dos costumes. Adultério, fornicação, incestos, bestialidades,
sodomia, masturbação, sonhos eróticos, toques íntimos, nenhum ato deveria passar
em branco diante do confessor
10
.
Os protestantes combatiam com unhas e dentes o sacramento da Confissão,
já que apenas Deus tem o poder de salvar e absolver as almas. O Concílio de
Trento além de reafirmar a confissão, ainda instituiu o confessionário. As
regulamentações de Trento alcançaram a Europa no século XVI, na França sofreu
algumas modificações regionais, Espanha e Portugal fizeram festas para receber as
normas tridentinas, no Brasil os jesuítas foram os primeiros a trazerem para à
América portuguesa, já que a companhia de Jesus era a personificação do Concílio.
II
O Concílio de Trento foi um marco divisor dentro da História da Igreja
Católica. Os decretos tridentinos, em relação à renovação da vida do clero, ou no
tocante ao ensinamento da doutrina, deram início a uma nova época da Sé
Apostólica e também nas partes da Europa onde o protestantismo não havia
chegado. Foi quando consolidou-se a posição da Igreja, fornecendo aos cristãos
não dissidentes um código ecumênico claro, preciso, rigorosos, estruturado, que
9
Idem.
10
LEBRUM, Fraçois. Devoções Comunitárias e Piedade Pessoal. In História da Vida Privada-3. Pp. 79
16
seria divulgado e administrado por um clero renovado, instruído, preparado e
dedicado ao trabalho pastoral
11
.
No que tange às questões da doutrina, as regulamentações tridentinas
tratavam de refutar, uma por uma, as teses protestantes e de reafirmar os
fundamentos dogmáticos da Igreja Romana. Um ponto de muita crítica dos
católicos aos preceitos protestantes é em relação ao chamado "Biblicismo
protestante ". Os reformados haviam definido a Bíblia como a única frente legítima
e segura para se conhecer a Palavra de Deus. Essa proposição contrariava
profundamente as teses do catolicismo, colocando a Santa Sé em uma posição
defensiva, desvalorizando a presença do clero, comprometia o culto dos Santos,
além de colocar em xeque o dogma da infabilidade do Papa em matéria religiosa
12
.
A doutrina protestante da infabilidade única da Bíblia, deixava o clero
romano em posição difícil, comprometendo toda sua estrutura de dominação. Daí o
Concílio de Trento decidiu que a Bíblia, comentada e esclarecida pelas tradições
da Igreja Romana, era o unico meio de chegar ao conhecimento e à salvação.
Assim, além de negar a proposição da infabilidade, exclusiva das sagradas
escrituras, também rejeitaram a doutrina da predestinação de Calvino e as
doutrinas das justificação pela fé e do sacerdócio universal de Lutero. Para Trento
a fé, era uma condição necessária mas não suficiente para obtenção da graça. Com
isso, foi confirmada a doutrina das boas obras, com que a Igreja Católica ratificava
a possibilidade de o homem alcançar à salvação por sua livre determinação e
desejo, através dos sacramentos, com o auxílio e intermediação dos sacerdotes.
Para a divulgação dos preceitos de Trento, não era suficiente apenas
comunicar ao clero as decisões conciliares sobre a doutrina e obrigar o seu
11
LUIZETTO, Flávio. Reformas Religiosas. Op. Cit P. 63
12
LUIZETTO, Flávio. Reformas Religiosas. Op..Cit.P.63
17
cumprimento. Havia a necessidade de avaliar a qualidade do corpo clerical da
Igreja católica. Deveriam saber se eles estavam realmente aptos para realizar essa
nova Missão. Os organizadores do Concílio também mostraram-se preocupados
com uma antiga reivindicação da alta hierarquia eclesiástica, o problema da
formação moral, religiosa e intelectual do clero
13
.
Em relação a formação dos religiosos, a solução encontrada foi a criação de
seminários para a melhor preparação dos clérigos, que demorou um pouco para
acontecer. Apenas no século XVII foi que começou a surgir os primeiros desses
centros, com a preocupação de formar sacerdotes dignos e instruídos, seguindo a
recomendação do famoso decreto da sessão XXIII do Concílio de Trento.
14
Quando essas mudanças foram adotadas, o clero secular renovado e mais sereno
fez pesar toda sua influência, com uma participação significativa na divulgação das
normas tridentinas.
A doutrina dos Protestantes foi atacada pelos católicos em suas principais
teses: o homem é salvo pela fé, só a graça pode salvar. O Dom de Deus que o
homem merece pelas suas obras, eram confirmados, com a prática de boas ações
que incluíam não só as obras tradicionais de misericórdia destinada ao próximo,
mas também a prática dos sete sacramentos( Batismo, Confissão, Eucaristia,
Confirmação, Matrimônio ou Ordenação para os Padres, Extrema-unção ),
enquanto os reformados só mantinham dois: Batismo e a Eucaristia. Os mediadores
como, a Virgem e os Santos continuavam sendo venerando suas imagens ou
relíquias. Mas os protestantes continuavam rejeitando fortemente. A Igreja de
Lutero era conhecida como a única forma visível de assembléia dos eleitos,
enquanto, a Igreja Romana, mostrava-se com hierarquia perfeitamente
definida(Papa, Bispo, simples Padres )
15
.
13
LUIZETTO, Flávio. Reformas Religiosas. Op. Cit. P. 63
14
DELEMEU, Jean. La Reforma. Op. Cit.Pp.106-107
15
MULLETt, Michael. A Contra Reforma. Op. Cit. Pp. 34-35
18
No decreto de encerramento, do Concílio Tridentino os membros do
Conselho solicitaram expressamente, que os monarcas cristãos, dentro de suas
respectivas áreas na Europa, usassem se necessário de força militar para convencer
os irredutíveis, em socorro da Igreja Romana. Alguns príncipes europeus de fato
agiram dessa forma para estabelecer o catolicismo em suas terras. Foi o caso de
Carlos III da Lorena em 1581. E do Arquiduque Fernando, que estabeleceu
missionários jesuítas em todo Tirol, por patente de 22 de janeiro de 1591. Mas a
Sé apostólica achava pouco e queria mais, desejava que os príncipes manifestassem
abertamente a sua intenção de fazer de todos os seus súditos bons católicos, e
quando necessário, fizessem acompanhar suas ordens de medidas coercivas
16
.
O desejo de unificar o mundo em torno da fé católica, onde todos tivessem a
mesma religião e acreditando num mesmo Deus, foi que deu um novo fôlego ao
trabalho de evangelização da Igreja Romana. O Concílio com a criação de novas
normas e o reforço da doutrina trouxe uma possibilidade de divulgar a fé católica
com mais eficácia. Algumas instituições que trabalhavam contra os infiéis após
Trento, como foi o caso do Santo Ofício que teve seu Tribunal restaurado em
1543, tornaram-se os mais eficientes instrumentos de coerção do catolicismo. Em
1555 surgiu o Colégio Germânico com a função de formar um corpo clerical mais
atuante em regiões mais tocadas pelas proposições reformistas. Em 1622, é criada
a congregação da Propaganda da Fé
17
.
Propaganda Fide, era a instituição que tinha como finalidade coordenar as
iniciativas desenvolvidas de modo disperso pelos religiosos nas áreas infiéis ou
onde o protestantismo predominava. Seu objetivo era dar um impulso nas
atividades de evangelização, pretendia ainda passar ao controle da Cúria Romana
16
MULLET, Michael. A Contra Reforma. Op. Cit. Pp. 34-35
17
CHARTELIER. A Religião dos Pobres. Op. Cit. Pp.. 27-28
19
questões eclesiásticas que estavam sob responsabilidade dos príncipes católicos,
ou a um prelado mas engajado na missão apostólica
18
.
Cabia a propaganda, encaminhar os grupos de missionários que iriam instruir
os infiéis na fé católica. A esta eram dirigidos os relatórios de atividade, bem como
pedidos de conselho para as questões espinhosas e as solicitações de verba. Mas
para a sociedade parecia que a iniciativa pertencia ao aparelho burocrático da
Coroa e aos seus respectivos representantes, que deveriam desenvolver a
propaganda da fé em seus territórios. Ao Papa cabia apenas associar-se à obra,
trazendo o seu apoio espiritual às ações realizadas em nome da divulgação da fé
Católica.
Uma prática muito utilizada pela Propaganda da fé, foi a administração dos
Sacramentos. Desde cerca do século XII, a Igreja Católica mantinha firmemente os
sete Sacramentos. Afirmava terem sido fundados por Cristo e por seus apóstolos,
eram considerados meios e sinais de transmissão da graça ( o Dom de Deus para
santificar o homem ) a alma. Na Igreja de Lutero, os sacramentos foram reduzidos
drasticamente, o seu número e sua função também não eram tão importante.
Também confirmaram a importância do sacramento da Confissão, aquele
onde o pecador (penitente) confessava as suas faltas a um padre. Esse clérigo
representava Cristo e tinha o poder de absolver os pecados que tivessem sido
confessados com sinceridade e arrependimento, depois de ter sido cumprida a
penitência pelo pecado cometido
19
.
Trento com suas regulamentações, reformulou completamente o ato da
confissão. Essas mudanças aconteceram em relação ao papel do padre e do modo
18
MULLET, Michael. A Contra Reforma. Op. Cit.P.35
19
MULLET, MICHAEL. A Contra Reforma. Op. Cit.Pp.33-34
20
como procedia a confissão. No período medieval, o penitente revelava
provavelmente os seus pecados ao padre numa reunião sussurrada, uma cerimônia
semi-pública, antes do começo da missa.
Uma " caixa " foi instituída para garantir o segredo da confissão. Era um
compartimento com duas seções, ficando o padre ( confessor ) de um lado e o
penitente de outro, de um dos lados havia uma grade da qual podiam falar sem se
verem. Com essa atitude demonstrava que havia preocupação pela confiabilidade e
intimidade espiritual. A Reforma Católica aconteceu numa atmosfera em que muita
gente se sentia extremamente ansiosa quanto ao seu estado de espírito. O costume
de confessar seus pecados ajudava a aliviar toda a angústia causada pelos temores
da alma
20
.
Essa nova versão da confissão auricular, contrariava a noção medieval em
que o Sacramento da Confissão preocupava-se mais com os crimes contra a
comunidade ou atos de violência. A Contra-Reforma deu uma nova atitude a
confissão, não que os pecados socais foram esquecidos, mas para além dessas
faltas, a Contra-Reforma deu ênfase espiritual aos pecados privados ou íntimos.
Aqueles pecados que aconteciam pelo pensamento, especialmente aqueles que
eram ofensas sexuais contra a ética católica, como a masturbação. De acordo com
Michael Mullet essas faltas pelo menos não prejudicavam visivelmente a
comunidade, mas provocavam um forte sentimento de culpa, que podia ser
confortada na privacidade da nova caixa confessional
21
.
O Concílio de Trento insistiu que o pároco, para ouvir a confissão, teria de
ser uma pessoa dotada de um nítido sentido de responsabilidade para cuidar das
almas. Era preciso passar por um exame especial, ou dar provas que estava pronto
20
LEBRUM, François. Devoções Comunitárias e Piedade Pessoal História da Vida Privada.-3. Op. Cit. Pp. 81-82
21
MULLET, Michael. A Contra Reforma. Op. CitP. 35
21
para dirigir consciências. O padre que iria se ocupar de curar as almas de seus fiéis
tornava-se assim um perito, uma espécie de psicanalista.
Para confessar era necessário capacidades especiais, diferentes das que
eram exigidas de um pregador. Paciência era o requisito mais importante,
principalmente para os missionários ou viajantes que ouviam confissões nos mais
diversos lugares, procurando entender as dúvidas e aflições de todos aqueles que
os procuravam. Essas pessoas através de sua ampla experiência deveriam saber
como tratar os diferentes tipos de faltosos, desde o teimoso até o atormentado
excessivamente sensível e escrupuloso.
Sua missão era fazer os fiéis acreditarem que teriam suas almas salvas,
seguindo as orientações do confessor. Havia um departamento do clero que tratava
especificamente do ato de se confessar. Os jesuítas se aperfeiçoaram-se na difícil
arte de ouvir confissões
22
.
III
Todas essas regulamentações de Trento tinham como objetivo, resolver um
problema muito antigo e atual dentro da Igreja Romana, que era conseguir maior
número de almas que alcançariam o Céu de acordo com os preceitos católicos.
Como não é possível quantificar o número de pessoas que de fato se converteram,
fica difícil avaliar o sucesso ou fracasso da Contra-Reforma. Mas a imagem
passada pelos organizadores da Igreja era de que o trabalho de evangelização
estava mais eficiente do que antes. Mas indiferente da época, seja no início da
Reforma ou no final do século XVI, se qualquer homem da Igreja fosse questionado
sobre o seu trabalho de salvação a resposta seria a mesma: "ainda há muito por ser
feito"
23
.
22
CHARTELIER. A Religião dos Pobres. Op. Cit.P. 30
23
MULLET, Michael. A Contra Reforma. Op Cit. P. 48
22
A Reforma Católica trouxe inovações significativas em relação ao registro da
presença dos fiéis nas cerimônias religiosas como missas, batizados, confissões,
casamentos. Sem dúvida essa preocupação por parte dos clérigos, proporcionou
uma ajuda substancial para a elaboração de estatísticas de quantas pessoas numa
determinada localidade cumpriram os deveres pascais, entre os quais estava a
exigência de receber os sagrados Sacramentos da Confissão e da sagrada
Comunhão pelo menos uma vez por ano. Seja qual for o número constatado por
essas fontes na Europa, a quantidade de informações será sempre maior do que
aquelas que temos acesso em relação ao Brasil do mesmo período, devido a falta
de organização do clero nos primeiros anos de sua implantação na América
portuguesa.
24
.
As decisões conciliares aos poucos atingiram os quatro cantos da Europa,
foram dando uma nova dinâmica ao trabalho pastoral da Igreja Católica. A Contra-
Reforma encontrou um porto seguro na Península Ibérica. Portugal e Espanha,
foram as nações católicas por excelência, receberam as normas tridentinas de
braços abertos e prometeram levá-las em todas as suas terras de além-mar.
Desbravando novas terras em nome do Rei e da Santa Madre Igreja
25
.
A participação de Portugal na Reforma da Igreja Católica, garantiu uma
peculiar receptividade, a Santa Sé romana sempre favoreceu os países católicos
principalmente os Ibéricos. Devido a grande fidelidade aos dogmas de Fé,
intensificando a militância em terras de além-mar, reencontro com a história dos
antepassados. Nessa época, Portugal dividiu com a Espanha a liderança na defesa
da ortodoxia. O reino lusitano nascera da luta contra o muçulmano. A Reconquista
é um marco de sua história. O significado religioso do empreendimento avivou o
cristianismo nas etnias hispano-visigóticas, primeiros elementos da nacionalidade
24
MULLET, Michael. A Contra Reforma Op. Cit. P. 48.
25
CHARTELIER. A Religião dos Pobres. Op. Cit.Pp. 27-28
23
portuguesa. Um catolicismo belicoso que se mantinha vivo, incorporou-se a própria
visão de nação
26
.
A Contra-Reforma demonstrava um desejo de regulamentar a prática
religiosa. A Companhia de Jesus era a concretização desse pensamento
27
. Nenhuma
ordem religiosa conseguiu o prestígio que a partir de 1540 envolveu os soldados de
Jesus, embora sua obra de evangelização e ensino gerou muitas controversias
devido à crítica ao espírito religioso e ao método inovador de aculturação utilizados
em seu trabalho de propagação da fé Católica, que levaram os missionários a
aprender hábitos e costumes dos povos que deveriam evangelizar, para a partir de
sua realidade ensinar o evangelho. Essa nova abordagem teve muito éxito com os
índios do Brasil.
28
.
O conflito entre o cristianismo renovado e os valores da Antigüidade
Clássica, prestigiados pelo Renascimento, criou um clima de desajuste, de procura.
O Concílio de Trento, que deveria trazer uma reposta, propôs uma guerra contra os
infiéis. Guerra, para a qual foram convocados a participar tanto leigos como
religiosos, e que implicou no uso de novos e antigos métodos de evangelização em
nome de Deus, para salvar a terra da danação e combater todos os hereges.
De acordo com a doutrina Católica, nesse mundo encaixava-se o homem,
projeção da vontade criadora de Deus. Homem dotado de espírito e de liberdade,
capaz de decaimento, como também de retorno ao criador, consciente de que o
caminho para a aproximação do “Pai Celestial” era escalonado em sucessivos
degraus da perfeição, da virtude. Produto dessa sociedade cristã militante, o
homem do século XVI tivera plasmado no seu universo mental, com maior ou
26
SIQUEIRA, Sônia A . Inquisição Portuguesa e Sociedade Colonial. Op. Cit.P. 20
27
FRANÇA, Eduardo de Oliveira. Portugal na Época da Restauração. Op. Cit.P.40
28
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal. V-3. Op. Cit.Pp.344-345
24
menor intensidade, uma série de imagens e conceitos. Entre eles, a noção de um
mundo visível e outro invisível construído por Deus e por ele governado
29
.
A abertura maior ou menor para a compreensão dessa "carga cultural", na
expressão de Sônia Siqueira, dependia da origem social, com suas implícitas
limitações econômicas, culturais e naturais, tais como sexo e idade. A firmeza das
convicções sofria matizações, os homens estavam envoltos pela atmosfera cultural
da época. Numa ânsia de imitação das elites, burguesia e povo seguiam seus
próprios ritos, partilhando da mesma visão de mundo
30
. Até mesmo a arte religiosa
refletia esse exagerado gosto pela religiosidade. As igrejas tornaram-se um salão
de festa para Deus, passaram a ser amplas, exuberantes, sublimes, ricas e
enfeitadas. O cerimonial complicado era a encenação da presença do barroca no
seio da fé.
Mundo católico ortodoxo com suas intolerâncias. Mundo barroco com seus
contrastes, exageros, hesitações. Mundo que se moderniza abalando com críticas,
os valores tradicionais da autoridade, hierarquia, religião, reformulando-os. Uma
nova época de modificações das estruturas e nas atitudes em face de um novo
começo.
PORTUGAL
I
É por demais sabido que a história das sociedades humanas foi marcada pela
Era dos Descobrimentos, que teve nos navegadores a serviço das coroas ibéricas
29
SIQUEIRA, Sônia A. Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. Op. Cit.P.20
30
SIQUEIRA, Sônia A .A Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. Op. Cit.P.23
25
os seus principais protagonistas. Povos desconhecidos da civilização européia, em
áreas distantes de um mundo completamente novo, foram trazidos à tona por essas
viagens. Esses exploradores ibéricos, de uma certa forma, uniram, para melhor ou
pior, dependendo do ponto de vista, todas essas novas sociedades.
31
.
A Península Ibérica, constituiu sua sociedade sob o império da guerra. Dos
fins dos séculos XI ao XIII, as batalhas ao mesmo tempo contra os sarracenos e o
espanhol, garantiam a existência do condado português, convertido em reino. Uma
nova monarquia amalgamada do elemento leônes e do sarraceno conquistador.
32
.
Foi a guerra, a conquista do território, que constituiu a base física sobre a
qual se assentou o poder da Coroa. Desde os primeiros golpes da reconquista, a
Coroa formou um imenso patrimônio rural. Os bens pertencentes ao rei, mas vasto
que o do clero e no século XIX três vezes maior do que o da nobreza, incluiam
rendas para sustentar os guerreiros e os delegados monárquicos espalhados pelo
país.
Em Os Donos do Poder, Faoro explica que as guerras com Castela foram
tradicionalmente sustentadas pelo séquito militar da nobreza, que urgia por
pagamentos e recursos para a empresa bélica. Luxo e ostentação faziam parte do
cotidiano e do imaginário da nobreza Ibérica durante a Idade Moderna. Gastar,
exibir dignidades a altura de suas posses, independente do que poderia acontecer,
era motivo de orgulho para o Fidalgo. Não bastava ser nobre, era necessário tornar
visível o bom nascimento através da suntuosidade. Absorvida ao menos em parte
pela burocracia estatal, esta nobreza dividiu-se neste momento em duas correntes
opostas. Uma conformada ao gênio versátil e descuidado do rei que, na visão de
Faoro, era como se impelisse às cegas o governo do país para o caminho da
31
BOXER. O Império Colonial Português. Op. Cit.Pp.21-22
32
FAORO. Os Donos do Poder. V-1. Op. Cit.P.03
26
aventura. A outra, pelo contrário, introduzia leis que deviam favorecer mais o
comércio do que o desenvolvimento da agricultura
33
.
A desigualdade social era a marca registrada do Antigo Regime, que tinha
como característica principal uma rígida hierarquia que distinguia os grupos plebeus
das pessoas de maior riqueza. Esse processo aconteceu tanto na Península Ibérica
como nas demais formações sociais da Europa dessa época, em que eram
separados juridicamente o clero, a nobreza e os membros do terceiro estado. No
final da Idade Média, essa convencional divisão da sociedade, aos poucos foi
sendo substituída por uma organização mais complexa e muito mais fluida, que
condensava as transformações sociais que aconteceram durante o período. A
estratificação social passou a ser mais flexível, possibilitando a ascensão social de
camadas enriquecidas pelas novas oportunidades abertas pelo comércio. Ao serem
assimilados pelas camadas superiores da sociedade, esses indivíduos passavam a
gozar de privilégios e prerrogativas que antes lhes eram vedadas. A hierarquia
estava presente em todos os nivéis da vida coletiva, e a cada degrau correspondiam
valores, tanto econômicos como culturais. No final do século XV e início do século
XVI, essas transformações acarretaram uma nova divisão do “povo”, agora
dividido em três grandes categorias: legistas, cidadãos, artesãos
34
Os legistas, almejavam conseguir os privilégios da nobreza, que em parte
alcançaram alguns como: a insenção de impostos e castigos judiciais, podiam portar
armas e andar a cavalo. Essa camada era formada por funcionários públicos,
magistrados, advogados e conselheiros legais, professores universitários. Em sua
maior parte esses profissionais dependiam de salários pagos pela Coroa, que
fiscalizava as aptidões, o exercício das profissões, nomeava ou os colocava em
cargos importantes.
35
.
33
FAORO. Os Dono do Poder. V-1. Op. Cit.P.37
34
MARQUÊS, Oliveira. História de Portugal. V-1.Op.Cit.Pp.317-318
35
MARQUÊS, Oliveira. História de Portugal. V-1. Op. Cit.P. 318
27
"Homens bons", gente honrada e limpa, como eram conhecidos os cidadãos,
ou seja, que não usavam as mãos para trabalhar, formavam um grupo social de
proprietários e de mercadores que investiam na terra uma boa parte de seus lucros,
além de ocuparem a grande maioria dos cargos municipais.Tinham uma
representação no comércio interno, mas na área externa e no mercado ultramarino,
declinaram em favor dos estrangeiros da Coroa, da nobreza e dos burocratas. A
preocupação dos cidadãos era com seus investimentos na terra
36
.
Para o artesanato, a realidade era bem diferente, o momento era de
estagnação e de declínio. Durante o século XV, os artífices foram paulatinamente
perdendo os poucos privilégios que tinham. Só Lisboa ainda mantinha certa
estabilidade, que diminuía aos poucos, principalmente depois que D. João II
confirmou a subordinação dos artesãos aos cidadãos. Tal como Castela, as
corporações não surgiram em Portugal antes do final do século XV, e mais como
resultados de imposições régias e de uma política de organização em acordo com
os cidadãos do que como necessidade para proteção comum e defesa contra a
concorrência.
Os quadros do clero não formava uma categoria homogênea. Dentro dele,
podiam-se encontrar tanto bispos de sangue nobre como padres de pequenas
aldeias quase iletrados. As diferenças eram evidentes entre o clero regular e o
secular. O primeiro, em sua maioria, era formado de indivíduos de origem
abastada, enquanto o secular, regra geral, tinha origens mais modestas. Ambos
gozavam de isenção de impostos e contabilizavam em suas receitas outras fontes de
renda, obtidas através de uma tributação particular, como era o caso dos dízimos (
1/10 da produção nacional) e das primícias (oferta dos primeiros frutos
36
Idem Op. Cit.Pp.318-319
28
produzidos). Como aconteceu em toda Europa, a desigualdade social e o sustento
dos religiosos pelo rei era uma prática comum.
37
.
Os oficiais da Coroa recebiam um salário mensal ou anual, acrescido, em
muitos casos de uma certa quantidade de têxteis ou de cereais. Médicos,
advogados, notários, juizes, conselheiros, municipais e oficiais da Coroa de vários
tipos não totalizavam, provavelmente, mais do que alguns milhares de indivíduos no
fim século XV, sem contar com a Corte intinerante, nem com os seus parentes
38
.
No plano burocrático, o absolutismo trouxe alguns ajustes relevantes: um rei,
uma lei a seguir. Sendo a autoridade do Rei advinda de Deus, tornava-se
inquestionável sua função de mantenedor da harmonia social e símbolo de
integração nacional. A esses ideais correspondia uma ordem institucional e
administrativa. O Estado começava a formar uma burocracia com conselhos,
secretarias, agentes de governo e um numeroso funcionalismo que ditavam as regras
do novo governo. O ponto comum que deveria caracterizar esse Estado, era a
sistematização e coordenação das funções.
39
.
Mesmo sem causar modificações significativas, as Ordenações Manuelinas
regulamentaram melhor, as funções dos órgãos de justiça. Foram inaugurados
alguns novos tribunais. Entre eles podemos destacar a Mesa da Consciência e
Ordens, instituída em 1532. Os funcionários eram chamados ministros ou
deputados, pertenciam à ordem eclesiástica e a laica, com o predomínio da
primeira. Sua função primordial era funcionar como um corpo moral e religioso,
mas rapidamente converteu-se num instrumento de interferência régia em assuntos
eclesiásticos. Um outro tribunal foi o do Santo Ofício que era um tribunal que
fiscalizava a consciência do povo em nome do rei
40
.
37
BOXER. O Império Colonial Português. Pp.26
38
BOXER. O Império Colonial Português.. Op. Cit.P.28
39
FRANÇA, Eduardo de Oliveira. Portugal na Época da Restauração. Op. Cit.Pp.35-36
40
MARQUÊS, Oliveira. História de Portugal. V-1. Op. Cit.Pp. 326-327
29
II
A estrutura eclesiástica de Portugal não sofreu mudanças durante o período
da Reforma Católica, que começou nos meados do século XV e foi até final do
século XVI. Os países da Península Ibérica receberam as deliberações tridentinas
sem qualquer tipo de crítica ao seu texto. Dentro do quadro político e econômico,
o único fato de grande importância foi a união da Coroa com Ordens Religiosas-
Militares, e a consequente concessão de Mestrados a membros de família real.
Entre 1418 e 1434, os três principais, Mestrados (quando os príncipes passaram a
controlar as ordens religiosas) Santiago, Avis e Cristo, passaram a ser domínio
permanente dos principais seculares, todos da família do monarca
41
.
Durante a Dinastia de Avis, a nomeação dos bispos, geralmente acontecia a
pedido do rei. Os bispados eram conferidos aquelas pessoas pelas quais o
soberano intercedia. Isto causou, um número crescente de descendentes de Avis
para ocupar a direção das dioceses. Quando o indicado não era de sangue real era
de valimento cortesão. Mas Roma não tinha qualquer compromisso com essas
nomeações, afinal com a concessão do mestrado ao Príncipe sua autoridade
chegava a esfera religiosa
42
.
Os monarcas portugueses, tiveram uma presença marcante dentro dos
quadros da Igreja Católica em território português. Durante um longo tempo a alta
hierarquia eclesiástica lusitana teve em seus cargos descendentes da família real, e
demais familiares nobres da época. Esses clérigos não atuarem apenas nos assuntos
da fé, muitos levaram seu prestígio para política, pleiteando um lugar na burocracia
civil.
41
MARQUÊS, Oliveira. História de Portugal-v.1. Op. Cit. P.314
42
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal. V-3. Op. Cit.P.242
30
O grande patrimônio das Ordens Militares passou a representar rendimentos
convenientes para os herdeiros do trono. Os bens da Coroa, cobriram mais da
metade do país, superando qualquer outro tipo de renda. O rei resolveu
nacionalizar as Ordens Militares, que passaram por um processo de secularização
ou seja seus membros adquiriram permissão para casar e possuir propriedade
privada. Os cavaleiros deixaram de estar ligados à condição eclesiástica e a
cavalaria passou a constituir mero sinal de distinção, espécie de título de honra ou
condecoração, que os nobres, e só eles, avidamente ambicionavam
43
.
Todos os Arcebispados e bispados de Portugal no século XVI estavam nas
mãos da nobreza. Havia uma hierarquia interna nas dioceses, sendo os prelados
muitos vezes promovidos para bispados mais ricos. Já nos Arcebispados mais
humildes, era mais fácil encontrar padres de procedência pobre. Lisboa e Braga
eram o objeto do desejo dentro do aparelho eclesiástico, esses arcebispados
tinham muita importância
44
.
A concessão de dignidades eclesiásticas( benefícios eclesiásticos compostos
por rendimentos pertencentes a uma igreja ou mosteiro. ) a membros da família real
tornou-se uma verdadeira praga para as Ordens Monásticas, que decaíram
consideravelmente, decadência revelada tanto na diminuição do rendimento como
no descumprimento dos costumes. Só as ordens muito ricas foram capazes de
manter o status
45
.
O sentimento religioso que cobria o país, era muito forte, criando uma série
de ritos e costumes na população. Mantinha-se a guarda dos dias santos, faziam-se
procissões para celebrar efemérides e rogar a proteção divina, e as calamidades
43
MARQUÊS, Oliveira. História de Portugal. V-1. Pp.314-315
44
MARQUÊS, Oliveira. História de Portugal. V-1. Op. Cit.. Pp.315
45
MARQUÊS, Oliveira. História de Portugal.V-1.Op. Cit. P.317
31
como a peste serviam para aproximar os fiéis da igreja. As visitas aos santuários e
outros lugares santos continuavam
46
.
A prática das boas obras impunha a muitos padres uma ação espiritual que
excedia o valor da prece, pois a sua área de atuação gravitava no seio da
população. O controle das atitudes desse corpo clerical, ficava a cargo da
“observância” que era formada pela alta hierarquia eclesiástica, temia que a
mundanização do clero viesse a provocar conseqüências sociais que adulterassem a
imagem da igreja. As fontes históricas comprovam a crise interna que muitos
conventos passavam desde o início do século XVI. A clausura não adiantava mais
para espalhar a mensagem cristã. Afastar os padres do dia-a dia dos fiéis não foi
uma boa estratégia, já que o trabalho de evangelização pressupunha um contato
mais direto entre o pastor e seu rebanho. A partir daí a igreja precisava de uma
ajuda substancial para alargar sua atuação dentro da sociedade da época
47
.
Idéias elaboradas pela Escolástica, que substantivaram o pensamento cristão
do século XVI, avivavam a consciência dualística do plano natural e sobrenatural
do homem, hóspede provisório do mundo, tangido a preparar seu fim eterno. O
Cristianismo era concebido como estímulo e critério de ação para uma vida voltada
a Deus, opondo-se a a idéia do vício imanente ao homem natural com seus apetites
e desejos exagerados para a liberdade, a luta, o jogo, a vanglória, a gula e os
excessos sexuais. Tudo isso implicava numa concepção
48
de justiça, com seus
critérios de mérito e demérito, prêmio e castigo, atestando o conceito do valor
medieval das penas.
Dentro desse contexto, o Tribunal do Santo Ofício, tinha seu objetivo muito
claro: manter à ordem do catolicismo romano dentro da Península Ibérica, incutindo
46
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal. V-1. Op. Cit.P.336
47
SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal. V-3. Op. Cit.Pp. 339-340
48
SIQUEIRA, Sônia A . Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. Op. Cit.P. 20
32
o medo no coração de seus seguidores, transformando o ato de pecar em fato
muito grave. Dependendo da falta, só os juízes da inquisição poderiam absolver ou
não o pecador
49
.
A atuação da Santa Inquisição era mais temida do que as deliberações das
constituições eclesiásticas, que tinham como objetivo regulamentar o modo de viver
do bom católico, mas demoravam muito para serem aplicadas no cotidiano da
população. Já a atuação do Santo Ofício era muito mais rápida, devido a uma rede
informativa que envolvia famílias, corporações e outros grupos sociais colocando
em claro a vida de cada indivíduo
50
.
As noções de dogmas e eficácia sacramental significavam a prática de boas
ações para alcançar a graça divina. A interpretação da morte e da idéia de
imortalidade, em grau de maior ou menor profundidade, dependia do nível
intelectual e da procedência social do crente. Às práticas litúrgicas tornavam-se
hábitos quase inomináveis sob a dupla pressão da consciência e da sociedade. O
homem do século XVI, tinha sua fé inculcada na família, no trabalho, nas viagens,
nos bancos das igrejas ou nos confessionários, tudo interligado para lembra-lo suas
obrigações com a Igreja
51
.
A principal função da Contra-Reforma era levar esse homem, que estava
perdendo sua fé, de volta ao caminho certo para chegar a Deus. A renovação
proporcionada pela igreja, fortaleceu a autoridade papal, a criação e expansão da
Companhia de Jesus. O barroco ficou conhecido como a arte da "Contra-Reforma",
por que dentro de um contexto onde a fé passou a ser exaltada com mais
intensidade, foi o momento onde o apego a vida espiritual foi mais forte, pela sua
forma irracional de exaltar crenças religiosas e até memo políticas. Por isso, em
49
SERRÃO, Joaquim Veríssimo.História de Portugal V-3. Op. Cit.P.260
50
SERRÂO, Joaquim Veríssimo. História de Portugual. V-3. Op. Cit.P. 264
51
SIQUEIRA, Sônia A. . Inquisição Portuguesa e a Sociedade Colonial. Op. Cit.P. 21
33
todo caso, é necessário frisar que além de uma questão religiosa, o barroco investia
na Igreja Católica um poder político monárquico e absoluto
52
.
Todas essas transformações se ligam por causas diversas: culturais, políticas,
sociais, econômicas, geográfica, técnicas e não apenas religiosas. A própria
Contra-Reforma, assim como a ciência, o pensamento, a arte e poesia barroca, é
uma conseqüência das profundas transformações que se operavam nas consciências
e na sensibilidade dos homens dos séculos XVI e XVII. Os fatores eclesiásticos da
época que estudamos são um componente da situação histórica na qual se produziu
o barroco
53
.
Barroco, é a designação de todo um momento de civilização, um estilo de
vida. É a forma de arte que segue ao Renascimento com valores originais,
inspirados no cristianismo, buscando o contraste e o movimento mostrando uma
expressão de sofrimento, uma arte que representava a Reforma Católica, a serviço
da fé renovada e em luta com a Reforma Protestante
54
.
A corte portuguesa encorporou bem o ideal de uma civilização teatral, onde
o cerimonial era deliberadamente complexo e minucioso, buscando refletir o
esplendor do poder mobiliárquico, luxoso e exagerado, refletindo bem o imaginário
de seus governantes
52
MARAVALL, José Antônio. A Cultura do Barroco.. Op. Cit.Pp.57-58
53
MARAVALL, José Antônio. A Cultura do Barroco. Op. Cit. P. 47.
54
FRANÇA, Eduardo de Oliveira. Portugal na Época da Restauração. Op. Cit.Pp.49-50
34
CAPÍTULO-2:"BAPTISMO", CASAMENTO
E A ANGÚSTIA DO CONFESSIONÁRIO
A IGREJA NOS SÉCULOS-XVII E XVIII
omo não podia deixar de ser, a Instituição Eclesiástica no Brasil, surgiu
diretamente ligada à história da Igreja em Portugal e ao Padroado
Régio., regime cuja origem remonta à Idade Média, pelo qual a Igreja
Católica instituía um indivíduo ou instituição como padroeiro de certo
território, com o objetivo de que ali fosse promovida a manutenção e propagação
da fé cristã.
Em decorrência das lutas internas contra os Mouros, o monarca português
adquiriu da Igreja, não apenas o Padroado sobre as novas terras descobertas,
como também um padroado propriamente régio, que o habilitava a propor a criação
de novas dioceses, escolher os bispos e apresentá-los ao Papa para serem
confirmados. Na realidade, apesar de suas intenções iniciais, o Padroado terminou
C
35
sendo usado como instrumento de poder da Coroa para subordinar aos seus os
interesses da Igreja católica.
Ao se incorporarem à Coroa portuguesa os Mestrados das Ordens religioso-
militares, das quais as mais importantes eram as de São Tiago da Espada, a de São
Bento de Avis e a dos Templários. Essa última foi extinta em todo o mundo pelo
Papa Clemente V em 1310, menos em Portugal onde teve como sucessora a Ordem
de Cristo, fundada em 1319, que tornou-se a mais poderosa das ordens militares
portuguesas
55
.
No papel de Mestre da Ordem de Cristo o monarca detinha privilégios como
a coleta dos dízimos além da prerrogativa de indicar religiosos para o exercício das
funções eclesiásticas. É de se notar, que o gozo de tais privilegios não deu ao rei
autoridade religiosa, ele era apenas um leigo, que exercia o poder de governo
sobre a Igreja existente em seus domínios.
Com a instauração do aparelho eclesiástico na América portuguesa os
mecanismos do Padroado régio começaram a serem efetivados, com o auxílio da
Mesa da Consciência e Ordens, que era uma espécie de tribunal eclesiástico que
surgiu em 1532, erigido por D. João III, para que nele se tratassem "as matérias
que tocassem ao descargo de sua consciência", isto é, aquelas que dissessem
respeito à manutenção e a expansão da religião cristã no império português.
A efetiva participação dos reis portugueses, como GrãosMestres da Ordem
de Cristo na Igreja colonial se dava tanto pelo recolhimento dos dízimos como pela
apresentação de candidatos aos cargos eclesiásticos, cabendo-lhes a manutenção
55
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos. Op. Cit.P. 113
36
do culto, enquanto reis conservavam o direito de propor a criação de novos
bispados e seus respectivos seculares
56
.
Nesse sentido, o aparelho eclesiástico montado na Colônia vai se configurar
como mais um setor da administração do Estado português, no qual seus agentes,
como no governo civil, estavam submetidos à autoridade real.
57
.
A expressão "Funcionários Eclesiásticos", representava bem o modo como a
igreja que nascia em terras americanas se atrelava ao Estado português. Situação
que perdurou em todo o período colonial e no Império, cuja origem se encontra
precisamente no direito do Padroado.
A Coroa se beneficiou bastante da condição de administradora dos dízimos
eclesiásticos, que eram uma espécie de tributo ou taxa paga sobre tudo o que era
produzido na colônia e, que se recolhia em nome da Ordem de Cristo. Deve ser
ressaltado que em algumas áreas essa era a única fonte de renda da Coroa.
58
.
Os dizímos consistiam no pagamento da décima parte de tudo que era
produzido na América portuguesa. Nessa produção estavam incluídos os minerais e
as pedras preciosas. Esse imposto, confundia-se com os demais cobrados pela
Coroa, apesar de que, como já se assinalou, não era ao Rei como tal que se
pagavam os dizímos, mas ao rei na qualidade de Grão-mestre da Ordem de Cristo.
A partir desse rendimento deveria sair o necessário para sustentar o clero, como as
côngruas dos vigários, construção de igrejas, compra de alfaias e a manutenção do
culto
59
.
56
Idem.
57
BOXER, Charles R. O Império Colonial Português.Op. Cit. 258
58
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos. Op. Cit.P. 115
59
ASSIS, Virgínia Mº Almoêdo de. Clero e Coroa na Capitania de Pernambuco. In Clio Histórica. Revista do
Programa de Pós-graduação em História do Brasil da UFPE. 1996. Op. Cit. Pp. 144-145
37
Na carreira eclesiástica havia dois tipos de hierarquia: a primeira, de
jurisdição, englobava de um lado, a organização das instâncias de poder na justiça
eclesiástica, e do outro o poder administrativo do episcopado, relativa a jurisdição
do Bispo. Representavam os degraus na carreira de clérigo e caracterizava as
aptidões no ritual religioso. A Segunda, envolvia a subordinação entre clérigos,
calcada no direito eclesiástico, estabelecia os graus intermediários entre o sumo
pontífice e os bispos, bem como entre estes e seus subordinados. A cada um
desses clérigos seriam assinalados uma população e uma igreja matriz, sob a
autoridade de um pastor, o cura, para assim exercer as funções religiosas
60
.
Os principais requisitos para o ofício de cura, cujas funções tinham como
principais objetivos doutrinar e dirigir espiritualmente certo número de fiéis, eram
ter bons costumes, comportamento exemplar, pureza de sangue, não ser membro de
ordem secular ou regular e não ter impedimentos físico ou canônico. Havia também
os coadjutores para auxiliarem no trabalho paroquial, quando o cura estivesse
impossibilitado de fazê-lo por motivo de velhice, doença ou pela extensão da
paróquia. Os curas, também chamados de párocos proprietários, dos benefícios de
doutrinar, desempenhavam, no interior de cada paróquia, as obrigações com os
serviços religiosos.
Além dos curas e coadjutores, existiam os encomendados, que eram
apresentados pelo rei num processo igualmente demorado, no qual os bispos
deveriam encomendar as igrejas novas vagas de sacerdotes idôneos para que os
curassem e governassem como párocos encomendados até o provimento do
ofício.
61
.
60
SALGADO,Graça. Fiscais e Meirinhos. Op. Cit.Pp.117-118
61
Sobre os bens eclesiáticos benefícios, padroados e comendas na época moderna em Portugal, veja-se
HESPANHA, António Manuel, in TENGARRINHA, José (Org.), História de Portugal, São Paulo : EDUSC,
UNESP, Portugal, Instituto Camões, pp. 87-104.
38
O Bispo e sua Câmara Episcopal funcionavam como primeira instância do
juízo eclesiástico que cuidava não só das causas de cunho religioso, mas também
das de origem civil que envolviam clérigos com privilégio de foro. Ao vigário de
vara, que era o delegado do Bispo em certos distritos eclesiásticos, competia tirar
devassa, dar setenças em causas sumárias e fazer os autos das causas a serem
enviadas ao juízo eclesiástico. Quanto ao poder de justiça eclesiástico, a instância
inferior era a da comarca eclesiástica, representada pelo vigário de vara, uma vez
que o pároco-cura- tinha função administrativa
62
.
O Arcebispado da Bahia(1551), foi a primeira e a única Sé Metropolitana no
Brasil do período colonial, a ela ficaram submetidas todas as demais dioceses do
Brasil, exceto o Pará e o Maranhão que ficaram subordinados ao Arcebispado de
Lisboa, acompanhando assim, a divisão do governo civil da colônia em dois
Estados. Esta divisão foi adotada a partir de 1621
63
.
Geograficamente o território do Arcebispado correspondia, a grosso modo,
ao que atualmente comporta o atual estado da Bahia, mas circundado a Oeste pelo
Rio São Francisco e a porção Noroeste de Minas Gerais, até o Rio Jequitinhonha
ao Sul.
64
.
Durante o século XVIII, ocorreram dois longos arcebispados. O primeiro, o
de Dom Sebastião Monteiro da Vide, na primeira metade do século, idealizador
das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707), Código
Eclesiástico posto em vigor até o período imperial e pelo qual se pautaram os
bispados subordinados a ele. E o segundo, o de Dom José Botelho de Matos, cuja
experiência adquirida no reino lhe possibilitous elaborar estudo estatístico sobre o
62
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos. Op. Cit.P. 119
63
HOORNAERT, Eduardo. A Igreja Católica no Brasil Colonial. In A América Latina Colonial-I. Pp.562-563
64
NIZZA. Dicionário da História da Colonização Portuguesa no Brasil. Op. Cit.P 86
39
número de fiéis no Arcebispado. Como de praxe em assuntos eclesiáticos na
Colônia, todos os arcebispos do Brasil foram providos em Portugal até 1822.
A estrutura eclesiástica implantada no Brasil durante o período colonial era
altamente centralizada, onde os superiores eclesiásticos, além de fiscalizar o
comportamento da população, também mantinham o controle sobre o modo de
viver de seus padres. A própria hierarquia estabelecida funcionava ainda como
vigilância extra nos demais recantos da colônia por meio das visitações
65
.
I
O catolicismo, nos primeiros séculos de formação da socciedade brasileira,
assumiu um caráter obrigatório. Viver na América portuguesa sem pertencer a
religião Católica era uma tarefa das mais difíceis, o indivíduo deveria no mínimo
demonstrar um certo respeito pelo credo romano
66
Na concepção de Hoornaert, a vida cristã do povo passava por dois
caminhos: aquele ligado ao grupo dos organizadores, ou seja, o do clero
propriamente dito, e o outro, junto aqueles que viviam o cristianismo
concretamente, o povo.
67
O comportamento do clero diante da população deveria refleir uma cultura
de salvação que chegava para subjugar outra, considerada periférica e pagã. O
processo de evangelização no Brasil foi pautado por esta visão maniqueísta de
65
SALGADO, Graça. Fiscais e Meirinhos. Op. Cit.P 121
66
HOONAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo Brasileiro-1550-1800. Op. Cit.P. 13
67
HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil. V-1.op. cit. P. 274
40
civilização e fé, validada no Concílio de Trento, admitindo a diferença entre uma
elite esclarecida representada pelos pensadores da Igreja e uma massa "ignorante"
como os plebeus, ainda de acordo com Hoornaert
68
.
No entanto, o povo tinha uma postura diferente dos organizadores, que
manipulavam os cenários da vida: Batismo, Missa, Igreja, Santos, Festas,
Santuários, símbolos dos mais diversos. O Bem Viver neste período era
condicionado aos ditames da Igreja, mas o povo dava vida a esta trama, que
obedecia a outro ritmo que não era aquele que o clero pretendia implantar, a
população dava seus significados aos símbolos que a instituição conservava,
criando um cotidiano mais profano.
O Tribunal do Santo Ofício teve grande participação na manutenção da
ordem social nas terras portuguesas de além-mar. A Inquisição foi um dos
instrumentos usados pela Coroa portuguesa para manter os colonos nas “rédeas”
da Sé romana. De uma certa maneira, ela ajudou a formar a consciência católica no
Brasil, deixando passar a impressão que todos os católicos seguiam fielmente as
deliberações eclesiásticas. O catolicismo é o "cimento" que une a nação, o "laço"
que prende a todos, o lugar da confraternização entre as raças das mais diversas
69
.
Ao medo provocado pelas visitações da Inquisição instauradas em algumas
localidades da Colônia, os brasileiros reagiram, inovando a celebração da "Santa
Religião Católica", criando um catolicismo ostensivo, evidente aos olhos de todos,
praticado em lugares públicos, cheio de invocações ortodoxas a Deus, a Nossa
Senhora e aos Santos. A partir daí, nasceu todo o formalismo do catolicismo
brasileiro, que o Santo Ofício relevou muito em alguns casos, devido a sua forma
de pratica-lo, que fugia ao moldes da Igreja européia.
70
.
68
Idem.
69
HOONAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo no Brasil-1550-1800.Op. Cit.P. 14
70
___________________. Formação do Catolicismo Brasilairo.. Op. Cit.P. 16-17
41
O primeiro período colonial brasileiro foi marcado por um Episcopado
inexpressivo, que sofreu com a falta de Bispos para ocuparem seus cargos e
exercerem suas funções, com uma imensa extensão territorial, uma realidade
complexa e uma cultura local completamente diferente de tudo esses clérigos
conheciam. Sua influência neste período foi mínima. Além dessas dificuldades para
implementar seu trabalho evangelizador, havia a dependência do Padroado Régio,
que se efetivava através da Mesa da Consciência e Ordens como já foi dito.
71
.
O distanciamento do povo pela Igreja oficial favoreceu o surgimento de
inúmeras formas de expressar a religiosidade de alguns grupos, dentro do quadro
das fórmulas católicas. Alguns elementos dos cultos africanos sobreviveram dentro
dessas fórmulas, porque foram considerados como expressões da cultura popular,
os funcionários coloniais desenvolveram artifícios que ajudaram a manter as
visitações do Santo Ofício longe. Mas, isso não pode ser entendido como o
abandono da luta da Coroa portuguesa contra esse tipo de manifestação religiosa,
em tudo divergente dos ditames da religião oficial.
72
.
Todos esses condicionamentos, de alguma forma, explicam atitudes do
Episcopado no começo da colonização do Brasil. As vacâncias tornaram-se
comuns nas Paróquias, Prelazias, Bispados e Arcebispados, o que se devia em
grande parte ao próprio status de funcionário público imposto ao clero na colônia,
embora, isso não tivesse qualquer relação com a administração do culto, interferia
nele, uma vez que estes cargos permaneceram abandonados por longos períodos.
Em outros casos, os padres eram esquecidos pela Coroa, passando muito tempo
sem receber suas côngruas, ou ordenados, que deveriam ser pagos pelas redízimas
- retorno do dízimo cobrado pela Coroa-, que deveriam ser repassadas às
paróquias para sua sobrevivência.
71
HOONAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil. V-1. Op. Cit.P. 277
72
HOONAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo Brasileiro. 1550-1800. Op. Cit.P.17
42
As redízimas eram muitas vezes desviadas para fazer face a outras despesas
da Fazenda régia, o que obrigava os religiosos a usarem expedientes pouco
convencionais, inclusive atuando como comerciantes para garantir o sustento de sua
paróquia e o seu próprio.
73
.
O catolicismo no Brasil colonial não perdeu a sua originlidade e continuou
bem estabelecido na vida pública graças as irmandades, modelo associativo de fiéis
surgido e difundido no contexto da reforma tridentina, cujos objetivos, tais como: a
valorização da religiosidade laica, a difusão do culto aos santos e os esforços
missionários destinados a assegurar a perenidade da evangelização das populações
mais distantes, possibilitaram a ereção de várias dessas associações no solo
colonial.
As Irmandades e Confrarias formadas por leigos no Brasil, além de
promoverem o culto a seus patronos celestes, tinham outras atribuições como
prover de assistência os seus integrantes, intervindo também no âmbito econômico
para auxiliar suas famílias a livrarem-se da miséria, a exemplo daquelas com
invocação a Nossa Senhora do Rosário, a mais popular devoção negra do período
colonial. Outras, como a do Santíssimo Sacramento que promoviam o culto à
eucaristia nas paróquias, na maioria das vezes formadas por elementos das elites
locais não tinham caráter assistencialista, ambas, entretanto, ajudaram
consideravelmente nessa questão da manutenção da fé romana.
Organizações muito fortes e influentes no Brasil colonial, também formadas
por leigos, foram as Santas Casa de Misericórdia, difundidas por todo o território
da Colônia, foram as responsáveis pela construção e direção de hospitais e por
73
HOONAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil. V.-1 . Op. Cit.P. 278
43
diversos serviços de assistência social prestados à população,
74
cujos membros
gozavam de considerável prestígio social.
Pode-se dizer que as paróquias e esses novos modelos de associação
religiosa surgidos na Colônia, proveram a sociedade brasileira de espaços
concretos onde suprir suas necessidades de emprego, dinheiro emprestado,
garantia de uma sepultura, dotes de casamento para filhas, remédios para os
doentes etc, preenchendo as lacunas que o Estado português deixou em aberto.
75
.
Como por demais sabido, a motivação religiosa impressa no projeto
colonizador, não eliminava os interesses econômicos de exploração das novas
terras, mas, não se pode também deixar de considerar que a cristianização do novo
mundo foi parte relevante desse projeto dos portugueses, que vincou
profundamente a vida do colono brasileiro, influenciando no seu cotidiano, onde as
preces e orações a Deus ocupavam grande parte dele.
76
.
O passaporte para entrar na colônia era de caráter religioso, somente os
católicos tinham acesso. Os padres que demonstrassem desejo de trabalhar em
terras brasileiras eram cuidadosamente investigados, nenhum religioso poderia
deixar Portugal sem a devida permissão do rei, concedida apenas depois de uma
entrevista pessoal e de um juramento de lealdade.
Todo esse processo fez parte do desenvolvimento de uma sociedade cristã
no Brasil, mas é importante reconhecer que Portugal enfrentou alguns problemas ao
assumir um empreendimento como a colonização da América
77
.
74
Diversamente dasdemais associações reigiosa formadas por leigos, as Misericórdias estendiam seus
serviços de assistência social a toda a população, não se restringindo apenas aos seus ïrmãos”.
75
HOONAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo Brasileiro. 1550-1800. Op. Cit.P. 18
76
SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. Op. Cit.P. 33
77
HOORNAERT, Eduardo. A Igreja Católica no Brasil Colonial. In A América Latina Colonial. Pp. 564
44
Desses problemas sobressaem-se as lutas pela preservação dos territórios
conquistados e a manutenção do domínio sobre eles contra inimigos presentes,
tanto interna como externamente, com os quais o Brasil Católico teve de lutar. Na
área externa econtramos países como a França, a Holanda, a Inlgaterra, que
competiam com Portugal pela hegemonia do Atlântico Sul.
A difusão do ideal do cristianismo católico português ajudou a arregimentar
adeptos para essas lutas, criando rivalidades entre grupos cristãos, difundindo-se a
política portuguesa, católica ortodoxa e apostólica em detrimento dos designios dos
concorrentes, considerados hereges, depravados e impuros, por professarem o
Protestantismo.
Como já dissemos, aos objetivos materiais da colonização se juntava a fé
como um elemento presente na empresa ultramarina, mas, a colonização também
acontecia. As caravelas portuguesas também eram de Deus e nelas navegaram
juntos missionários e soldados, havendo pelo menos um ponto em comum entre
eles, levar ao gentio o lume da Igreja Católica.
Não se pode negar que os portugueses acreditavam que o descobrimento do
Brasil, fosse uma obra inspirada por Deus. E "que entre os demais povos Deus
escolheu os portugueses" para realizar essa divina missão. Como novos senhores da
terra, deveriam produzir novas riquezas materiais e espirituais, resgatando almas.
Esse era o objetivo formal da conquista e sua justificativa ideológica.
78
.
II
Os católicos portugueses passaram a encarar a colônia como Purgatório,
viver no Brasil significava uma chance da correção de um desvio, o arrependimento
78
SOUSA, Laura de Mello. O Diabo e a Terra de Santa Cruz.. Op. Cit.P. 35
45
do pecado cometido. Uma vez descoberto, o mundo colonial catalisava o próprio
acesso ao Purgatório. O novo mundo era o inferno, lugar onde o bom cristão só
chegaria por algum desvio muito grave em sua conduta. Os habitantes da América
portuguesa causavam um verdadeiro horror nos portugueses por sua condição
humana diferente, “selvagem”, “demoníaca”. A catequese era o veículo da função
salvacionista, mas caso se mostrasse insuficiente, os nativos ameríndios deveriam
ser afastados do lugar onde o pecado estivesse
79
.
Toda a organização do sistema católico recebeu um novo significado dentro
desta ideologia. Batismo passou a ser uma "redenção do cativeiro" do pecado e ao
mesmo tempo sinal de cativeiro social e corporal. A missa era um instrumento de
"confraternização" entre brancos e índios. Houve realmente uma nova interpretação
da tradição cristã, pela realidade da colonização. Esse tipo de estrutura não
possibilitava nenhuma comunicação com a religião vivida pelo povo com suas
aspirações de libertação
80
.
Na colôniaPurgatório, portugueses cristãos se viam às voltas com a
escravidão, que teve na Igreja a formuladora de uma justificativa para esse sistema.
Para os brancos, o sistema conferia múltiplas possibilidades. A camada
econonicamente dominante dava as cartas no sistema colonial, estabelecia a ligação
entre a colôniainferno e a Metrópolecéu. O degredo para colônia foi o
mecanismo que os portugueses usaram para purgar seus pecados.
A purgação na colônia atenuava as faltas religiosas conforme avançava o
processo de colonização, quanto maior a harmonia entre a atividade desenvolvida e
o interesse metropolitano, mas rápida seria a purgação. O céu do colono branco
era o regresso à Metrópole, o do africano era a salvação pela fé.
79
SOUSA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Crruz.Op. Cit.P. 77
80
HOONAERT, Eduardo. Formação do Catolicismo Brasileiro. 1550-1800. Op. Cit.Pp.33-36
46
No sistema colonial, negros viveriam sempre no inferno e o branco em
purgatório. Na vigência do estatuto colonial, o Purgatório de ambos poderia se
transformar em inferno.
A cristandade no Brasil tinha como característica principal a mestiçagem,
diferente de Roma, e viveu no eterno conflito representado pelo convívio entre
princípios cristãos de fraternidade com a realidade da escravidão, expressão maior
do sistema colonial.
Mesmo na Europa, as normas de Trento demoraram a estabelecer a
uniformidade entre as paróquias e os fiéis. O cristianismo vivido pelo povo
caracteriza-se por um profundo desconhecimento dos dogmas, pela participação na
liturgia sem compreensão do sentido dos sacramentos e da própria missa
81
.
O dia-a-dia da colônia brasileira se mostrava cheio de demônios, em
contrapartida, o universo econômico era freqüentemente associado a elementos
divinos. A colônia aparecia como se fosse um lugar de passagem, a princípio de
purgar os pecados cometidos aqui ou na Metrópole. O catolicismo de origem
européia, continuava a se mesclar na colônia, de paganismo e de imperfeição,
elementos estranhos a sua origem, multifacetada.
O catolicismo popular é considerado a cultura mais original e mais rica
produzida no Brasil colonial, nos seus trezentos anos de história. A religião foi uma
só em todo território brasileiro e constituiu junto com a língua portuguesa, o elo da
unidade de povos tão diferentes numa extensa porção de terra.
81
SOUSA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz. Op. Cit.Pp. 90-91
47
O pobre vivia numa situação ambígua e tinha consciência desse problema
mas esta consciência vivia abafada sob a ação de uma "sabedoria" que se
configurava num conformismo e em uma paciência fatalista.
BEM NASCER
Para estudar o Batismo, um dos sete sacramentos da Igreja Católica e a sua
função no período colonial, faz necessário situá-lo no contexto maior dos percursos
coloniais.
O Batismo, inserido no contexto do sistema de colonização, no qual a
expansão simbólica fez uso de vários artifícios por parte dos organizadores da
evangelização, foi utilizado tanto para ajudar na conversão do homem africano e
convecê-lo de sua condição de escravo, como para dominar o indígena, que era
arancado de seu mundo e levado aos aldeamentos para aprender a doutrina cristã,
perdendo com isso sua identidade, passando da condição de homem livre a de
mão-de-obra compulsoria a serviço da Metrópole
82
.
Nesta realidade, o Batismo ganha uma redefinição do seu simbolismo original
a partir do lugar colonialista recebendo um novo sentido que pode significar
libertação mas também escravidão.
Com relação aos africanos, o batismo ainda encerra outro significado. O rei
de Portugal Dom João III em princípios do século VXI expediu uma Ordem, na
qual especificava que os escravos de Angola tinham que ser marcados no peito a
ferro em brasa, com o selo real: " Coroa ou Cruz ", como prova de pagamento do
82
HOONAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil. Op. Cit.P. 302
48
imposto real pelas peças, esta mesma marca era considerada como marca de
Batismo. Este mesmo monarca deu início a colonização em terras brasileiras
83
.
Tal deliberação ocorrida ainda no século XVI vai perdurar por todo período
colonial, conforme se vê através de uma Ordem Régia de 29 de abril de 1749,
onde D. João V mandava ao Governador de Pernambuco Manoel de Souza Tavares
que todos os escravos vindos de Angola cheguem aos portos brasileiros batizados,
observando que os senhores que não respeitassem a determinação seriam punidos
conforme os procedimentos da Santa Madre Igreja
84
.
O trabalho dos escravos africanos já estava determinado na ocupação da
produção nos engenhos e nas fazendas, a questão do Batismo era colocada como
de sobrevivência, haja vista que para ser considerado "gente" deveria ser batizado.
Quanto aos indígenas, o Batismo funcionava dentro do processo de "redução" dos
grupos das aldeias tradicionais para o aldeamento cristão
85
.
Ainda com relação ao indígena podemos observar a preocupação por parte
dos colonizadores em “salvar suas almas da danação”
86
. Em 02 de agosto de 1696,
o mesmo Pedro Lelou da Costa da conta ao rei sobre a falta de sacerdotes na
Capitania do Ceará “para batizar e instruir os gentios na santa fé católica”..
87
O Batismo estava ligado à pacificação do gentio e à sua redução ao mundo
europeu, à escravidão dos africanos e sua inserção no sistema de trabalho imposto
pelos colonizadores. Daí vem a razão dos fracassos de muitas tentativas
ingenuamente repetidas no sentido de valorizar o Batismo com o significado de: o
83
HOONAERT, Eduardo.História da Igreja no Brasil. Op. Cit.Pp. 302-303
84
IAHGP. Livro de Ordens Regias. Nº11
85
HOONAERT, Eduardo História da Igreja no Brasil. Op. Cit.P. 303
86
AHU-PE. Códice-265-Fl. 271V
87
A.H.U., Códice- 265, folha 117v.
49
batismo causa efeitos maravilhosos: Perdão dos pecados, adoção como filho de
Deus, professar a fé Catholica. Salvação na hora da morte.
88
No imaginário colonial a identificação entre Batismo e escravidão era muito
forte e era aceita por todos a idéia de que o batistério funcionava como termo de
posse do branco sobre os indígenas e os africanos. É neste contexto que se pode
entender a função dos padrinhos, que eram freqüentemente os próprios donos dos
escravos, esse vínculo de cunho espiritual era tão importante para Igreja quanto o
sangüíneo
89
.
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, definem o Batismo
assim: O batismo: é o primeiro dos sete sacramentos, porta de entrada da
Igreja Catholica, sem ele não se pode receber os demais sacramentos, consiste
na absolvição do corpo feito com água natural. A forma em latim: Egio te
baptizio in nomine Patris, et filis, et Spiritus Sancti; ou em lingua vulgar.
Dependendo das circunstância qualquer pessoa pode batizar
90
.
Geralmente os registros de batismos feitos nas igrejas paroquiais
apresentavam uma fórmula bastante simples, nomeando apenas os padrinhos e o
afilhado, como o que se vê por fragmentos de um livro de assentamentos de
Batismo executado na Capela de Nossa Senhora do Desterro
91
, do qual consta: aos
20 de fevereiro de 690 na capella de Nossa Senhora do Desterro bautisou o
Reverendo Bento Ribeiro a Francisco filho de Manuel Goalvez Tabenda, e de
sua mulher Maria de Barros padrinhos João Barbosa e Ines Pereira.
Paulo da Costa (assinatura)
92
88
Constituições Primeiras. Op. Cit.Livro 1, título-X
89
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Dicionário da História da Colonização Brasileira. Op. Cit.Pp. 190-191
90
Constituições Primeiras. Op. Cit.Livro 1, título-X
91
Várias igrejas e capelas de Pernambuco têm essa invocação. O mau estado de conservação do documento
não nos permitiu identificar a localidade onde estava erigida a Capela de Nossa Senhora do Desterro.
92
Livros de assentamento de batismo- I.A.H.G.P
50
O indivíduo batizado, em tese teria igualdade diante dos outros, o batismo
representava humanidade, libertação do pecado, simbolizava qualidades
incompatíveis com a condição de escravo. O Batismo representava a participação
como cristão. Aquele que fosse batizado estaria salvo da danação, geralmente uma
nova e legítima família na Igreja e passava a possuir novos pais e relações
fraternais
93
." O Batismo é muito importante para a salvação tanto em ato ou apenas
em desejo".
A preocupação em batizar os infiéis não acontecia apenas em relação aos
índios, os africanos também eram lembrados. O rei de Portugal, D. Pedro II manda
avisar ao Governador de Pernambuco, Caetano de Mello de Castro, que aplique
toda diligência moral aos escravos para serem instruídos em qualquer porto, para
que os ditos escravos tenham alguma assistência, sendo batizados na Santa Fé
Católica.
94
A Igreja não salientou a questão da condição social adequada para um
padrinho. Pessoas livres apadrinhavam tanto crianças como escravos, mas cativos
somente os de sua condição social e não pessoas livres. A escolha de uma pessoa
livre como padrinho de uma escrava, se dava na esperança de que ela comprasse a
liberdade de seu afilhado. Assim, para os cativos, possuir um padrinho ou
compadre livre nas imediações significava vantagens que podiam sobrepujar as
associações internas ou o desejo por laços familiares mais amplos que levariam à
escolha de outros escravos
95
.
Sobre este ponto encontramos um registro de um batizado interessante: em
11 de dezembro de 1691, nesta Matriz de Nossa Senhora da Appresentação
93
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos. Op. Cit.P. 331
94
Livro 5º de Ordem Régias. I.A.H.G.P.
95
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos. Op.cit.P. 332
51
batizei a Gracia filha de Francisco de Souza, e sua mulher Izabel de Souza
Feraz padrinhos Anacleto da Costa escravo do Capitam João da Costa
Marinho e Angela Nunes preta cativa do dito João da Costa de que este
assento assignei era ut supra.
Bazilio de Abreu Andrade
96
No texto das Constituições os padrinhos são tratados assim: conforme o
Concilio de Trento na cerimônia de baptismo não pode haver mais de um
padrinho e madrinha e o padrinho não pode ter menos de quatorze anos e a
madrinha menos de doze. A partir daí os laços que une ambas às partes ficam
mais fortes: os padrinhos passam a ser os fiadores do batizando sendo seus pais
espirituais, com a obrigação de ensinar a doutrina cristã
97
Nessa descrição se tem a oportunidade de ver a definição mais ampla de
parentesco no contexto dessa sociedade Católica escravocrata e, de testemunhar
as estratégias de escravos e senhores dentro das fronteiras culturais determinadas
por esse relacionamento espiritual. No ato ritual do Batismo e no parentesco
religiosamente sancionado do compadrio, que acompanha esse sacramento
98
.
Os laços formavam-se na Igreja mas estendiam-se pela vida secular. O
compadrio criava uma série de laços de parentesco espiritual entre afilhado ou
afilhada e seu padrinho ou madrinha, pais suplementares da criança batizada, em
reconhecimento à união da essência espiritual e material da criança.
No texto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia de 1707,
baseado no Concílio de Trento, o Batismo, que supunha compadrio, era o primeiro
de todos os sacramentos, significando a libertação do pecado original e abrindo o
ceú a todos os batizados. O padrinho e a madrinha tornavam-se, no catolicismo,
96
Livro de assentamento de batismo- I.A.H.G.P.
97
Constituições Primeiras. Livro-1Op. Cit. título-XVIII
98
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos. Op. Cit.P. 330
52
pais espirituais do batizando, estabelecendo parentesco espiritual com os pais
carnais
99
.
No Brasil do período colonial, as relações de compadrio tinham uma
extrema importância, havendo casos de parentes consangüíneos optarem por serem
compadres, dado o prestígio da relação. Ao padrinho também se reservava a
função de "protetor", aquele que intercede por alguém em certas ocasiões. Os
escravos fugidos procuravam um padrinho, como seu protetor, para poderem voltar
para o seu senhor
100
.
Escravos de certa condição serviam de padrinhos a escravos comuns: livres
tornavam-se padrinhos de escravos, nunca, porém escravos serviam de padrinhos
para livres. Os padrinhos eram, via de regra de uma camada social acima dos seus
afilhados. A escolha de padrinhos mais proeminentes, talvez acontecesse devido a
expectativa que os pais tinham de encaminhar um futuro para seus filhos.
Em relação às madrinhas, a escolha acontecia geralmente com base nos
laços consangüíneos dos pais da criança, ou pessoas do mesmo grupo social. Isso
acontecia devido a preocupação com uma eventual ausência das mães. Era tomado
esse cuidado para que a criança fosse bem tratada.
De acordo com o que estabeleciam as Constituições, o Batismo de adultos
dava-se da seguinte forma: Para baptizar as crianças não sequer grande
disposição. Para administrar o batismo aos adultos deve estar instruidos na fé,
com arrepedimento dos pecados passados.
101
.
99
VAÍNFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil colonial. Op. Cit.P. 126
100
VAÍNFAS, Ronaldo . Dicionário do Brasil colonial. Op. Cit. P.126
101
Constituições Primeiras.. Livro-1Op. Cit.. Título-XIV
53
A maioria desses Batismos de adultos ocorria com os africanos recém-
chegados, ou seja, os provenientes da África centro-ocidental, região do Gongo,
uma vez que os provenientes de Angola eram batizados nos portos de origem. Para
esses grupos as regras baianas regulamentavam: Para maior segurança dos
baptismo dos escravos brutos, e boçaes, e de lingua não sabida, como são os
que vem de Angola, se fará o seguinte depois de terem alguma luz de nossa
lingua, ou havendo interpretes, servirá a instrução dos mistérios.
102
Para os oriundos de outros portos da África, as regras eram diferentes.
Nesses casos o elo de compadrio, com relação ao adulto, não tinha a mesma
importância conferida ao das crianças. Muitas vezes a mesma pessoa servia de
padrinho para um grande número de africanos, descaracterizando a relação
103
.
O simbolismo do Batismo como um rito de passagem ou de entrada, tinha
uma conotação muito forte dentro da sociedade colonial, até mesmos nas seitas que
surgiram pregando contra a doutrina cristã católica, usavam um tipo de Batismo
conhecido como "rebatismo".
Um exemplo de uma seita contra os preceitos cristãos, foi o caso da
"santidade" que ocorreu na Bahia durante o século XVI. Ronaldo Vaínfas tratou
desse tema no livro A Heresia dos Índios, analisando a fundo, com um bom
suporte de documentos o que o autor denomina de Batismo às avessas. O chamado
"rebatismo" feito pela santidade procurava anular o Batismo católico. Acabando
aquele trânsito cultural, limpando a nódoa mortal do sacramento cristão. O Batismo
dos jesuítas simbolizava o ingresso dos índios na comunidade cristã.
102
Constituições Primeiras. Livro-1. Op. Cit. Título XIV.
103
VAÍNFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil colonial. Op. Cit.P. 127
54
O Batismo por ser o primeiro dos sacramentos tinha uma presença muito
marcante sobre aqueles que eram cristianizados, mesmo quando seu significado era
de repúdio aos ensinamentos da religião Católica.
Aos olhos dos índios, o Batismo dos padres lhe trazia a morte-morte ideal e
simbólica- o rebastimo da santidade significava para eles a vida-eterna na terra da
imortalidade. Os pajés proclamavam, então que o "batismo matava", ao
constatarem que os índios morriam tão logo recebiam os "santos óleos". Os
próprios jesuítas assinalaram este particular horror que os índios sentiam diante do
sacramento católico, sobretudo do Batismo, usuais nos aldeamentos por ocasião
das pestes de varíola
104
.
Fazendo um pequeno parênteses, é interessante notar que durante a velha
cristandade houveram diversos movimentos religiosos de caráter contestatório que
rebatizavam seus fiéis. O que de certa forma vem mostrar a importância desse
sacramento no imaginário e no cotidiano das populações cristianizadas.
BEM VIVER
O regimento matrimonial português só começou a vigorar em terras
brasileiras no final do século XVI e no início do século XVII. Esse regimento foi
definido a partir do Concílio de Trento. Nas primeiras décadas de colonização as
regras eram muito vagas sem um direcionamento mais organizado. O contato com
as práticas matrimonias dos índios tornaram a regulamentação da união católica
ainda mais difícil do ponto de vista da igreja. Essas normas que passaram a vigorar
no período colonial em torno do casamento demonstra com clareza ainda maior que
a instituição eclesiástica no Brasil era manipulada pelo sistema de exploração
104
VAÍNFAS, Ronaldo. A Heresia dos Índios. Op. Cit.P.121
55
colonial. O Casamento foi reduzido a mais um apêndice do aparelho tributário
português como o Batismo e a Confissão
105
.
Aparentemente quem demonstrava alguma preocupação com o bem viver do
colono brasileiro, foram os padres da Companhia de Jesus que dentro do seus
padrões de dignidade ficaram chocados com a situação matrimonial criada pela
implantação do colonialismo no Brasil. Esse sistema arrancava os africanos de suas
famílias de além-mar, as mulheres indígenas eram aliciadas para o mundo branco
europeu pelo casamento. Para compreender a situação criada pela chegada dos
portugueses, só analisando os problemas causados na estrutura da instituição
familiar tal como existia em Portugal. Em alguns casos o Casamento só era útil
quando tirava o gentio da terra, do seu mundo e o engajava no mundo colonial
dominado pelas regras do europeu colonialista. Neste caso o Matrimônio passava a
significar a introdução do indígena nos percursos coloniais na condição de
escravos
106
.
No texto das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, o
Matrimônio é um assunto onde o sacramento é: O domínio dos corpos , que
mutuamente fazem os casados , quando se recebem, explicado por palavras ,
ou sinais, que declarem o sentimento mútuo que de presente tem. E cuja forma:
são as palavras , ou sinais de consentimento, enquanto significar a mútua
aceitação
107
.
A mulher dizia: Eu N. recebo a vós N. por meu marido, como manda a
Santa Madre Igreja de Roma. O homem: Eu N. recebo a vós N. por minha
mulher, como manda a Santa Madre Igreja de Roma. E o sacerdote sacramenta
105
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Dicionário da Colonização Portuguesa no Brasil. Op. Cit.Pp. 143-144
106
HOONAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil-1. Op. Cit.P. 313
107
Constituições Primeiras. Livro 1.Op. Cit. Título -LXII
56
a união: Ego vos in Matrimônio conjungo in, nomine Patris, et Filii, et Spiritus
Sancti. Amem
108
.
O Casamento era um acontecimento que só dizia respeito aqueles que se
casavam, os ministros do sacramento são os próprios contraentes. Convém notar
que esta definição do Matrimônio como sacramento apenas acentua o
consentimento mútuo, expresso por palavras e o dominínio dos corpos, que dele
resulta.
No compromisso da irmandade de nossa Senhora do Rosário dos Homens
Pretos da vila do Recife de 1782, no 3º capítulo é ressaltada a importância do
casamento. Quando um irmão casava sua mulher passaria de imediato a adquirir os
mesmos direitos e deveres de seu marido. Mas, quando seu companheiro morresse
continuria com os mesmo direitos, entretanto, casando com um homem que não
fosse membro da irmandade perderia todos os seus direitos.
109
Aceitar o Matrimônio como sacramento, era muito difícil de acontecer
durante o século XVII, nem a Igreja ou o Estado estavam dispostos a aceitar. A
primeira não abria mão da imposição do padre e sua presença, deslocando a
autoridade dos pais. A coroa precisava manter a autoridade paterna,
principalmente no que tange aos interesses da nobreza. Os estatutos eclesiásticos,
como as Constituições, sempre definiram o casamento como sacramento
110
.
No que se refere ao objetivo do Matrimônio, a Igreja dava prioridade a
propagação humana, ordenada para o culto, e honra de Deus
111
. Ao mesmo
tempo ele era encarado pelos funcionários coloniais como a forma mais certa de
108
Constituições Primeiras.Livro-1. Op. Cit. .Título-LXII
109
A.H.U. Códice- 1303
110
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Cultura no Brasil Colônia. Op. Cit.P.24
111
Constituições Primeiras. Livro 1. Op. Cit.Título -LXII
57
legitimar, pelas leis de Deus e do Estado o instinto natural da reprodução da
espécie.
O assunto Casamento, era muito importante dentro do mundo cristão
católico do período Moderno. Os colonos portugueses, eram convidados a
participarem dos casamentos reais, pagando uma taxa para contribuir no dote real,
garantindo "a sua presença" e os desejos de felicidade ao real matrimônio. No
Códice 260 dos documentos do Arquivo Histórico Ultramarino, cujas cópias estão
no Laboratório de Pesquisa e Ensino de História da UFPE, há uma documentação
que trata dessa cobrança por parte da Coroa aos seus fiéis colonos de
Penambuco. Do teor dessa documentação inferimos o casamento real era um
acontecimento tratado como sendo de interesse público, mesmo que o público
ficasse do outro lado do Atlântico e tivesse que participar pagando para que a festa
acontecesse.
Indiferente ao motivo, o Casamento era uma prática escassa no Brasil
colonial. Ronaldo Vaínfas em Trópico dos Pecados, fala sobre os depoimentos dos
jesuítas, Bispos e autoridades civis, que para vencer os obstáculos concretos para
a realização do Matrimônio católico, empreenderam um trabalho de convencimento
ao senhores de escravos, que representavam a maior barreira a ser superada nesse
sentido.
O Concílio de Trento fez um grande esforço no sentido de uniformizar os
ritos matrimoniais, impondo novas regras aos sacramentos e aos costumes sociais,
visando primordialmente o bom andamento da união entre católicos. Dessa
regulamentação que subordinava o Casamento à autoridade eclesiástica, sobessaia-
se a preocupação de regular as dispensas onde elas coubessem e ainda proibir a
58
coabitação de noivos, assegurar a benção do pároco, garantir a publicidade da
cerimônia com a presença de duas testemunhas
112
.
O maior inimigo das cerimonias oficiais eram os "casamentos costumeiros"-
onde o rito eclesiástico era apenas mais um. "Casamentos clandestinos"-que eram
feitos a revelia das famílias dos noivos e consequentemente sem a publicidade ou as
regras do modelo oficial
113
.
Para que nossos súditos tenham bastante notícia dos impedimentos que
impedem o contrair o matrimônio, como dos que não só o impedem, mas o
dirimem depois de contraido e para se evitarem os danos que podem resultar
de sua ignorância, nos pareceu muito importante serviço das almas de nossos
diocesanos declará-los na presente constituição
114
.
Durante o século XVII, o Bispo de Pernambuco, distinguia o casamento em
três níveis: 1- Pela lei da natureza, e neste caso dependia unicamente da vontade
dos contraentes. 2-Pelas leis de cada "grande sociedade, ou nação", obedecendo
então certas regras e solenidades que visam não apenas o bem particular do casal,
mas também o bem público. 3-Pelo sacramento. Eis portanto o casamento
submetido simultaneamente a três tipos de lei: as da natureza, as do Estado os da
Igreja
115
.
Um provérbio do século XVII: "Se queres bem casar, casa com teu igual."
Esta igualdade refere-se a termos financeiros, condição de fortuna e etária do
casal. As relações econômicos que cercavam o casamento deram origem no
cotidiano colonial a uma prática matrimonial característica do Brasil do século
112
VAÍNFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Op. Cit.P. 78
113
VAÍNFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Op. Cit. P.75
114
Constituições Primeiras. Livro-1.Op. Cit. Título-LXVII
115
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Cultuar no Brasil Colonial. Op. Cit.P.14
59
XVII, as alianças entre moças nobres porém empobrecidas com homens ricos que
sustentem mesmo sem ter o mesmo grau de nobreza. Os Casamentos desiguais
sobretudo do ponto de vista étnico não eram vistos com bons olhos, principalmente
pelos parentes próximos que não hesitavam em recorrer à autoridade dos
governadores para anularem esse tipo de união
116
.
O tipo de cerimônia variava de acordo com cada região, porém o que mais
importava era a aliança entre as famílias, herança de origem visigótica em que o
marido entregava à noiva o anel esponsalício, que era a reparação da virgindade
devida à autoridade paterna. Esse acontecimento também era conhecido como
"contrato de anéis," que implicava na "compra" da esposa pelo marido, autorizando
a coabitação dos noivos antes mesmo da cerimônia eclesiástica. Esse costume foi
paulatinamente substituído, após o século XVI, sendo seguido o modelo romano de
dotação da noiva pelo pai
117
.
Para Igreja Católica, o branco simboliza pureza e castidade, embora a
tradição faça com que muitas mulheres, mesmo no segundo Casamento, continuem
a entrar na Igreja de branco. Antes da primeir metade do Século XIX, as noivas
usavam uma roupa especial para ocasião, que poderia ser qualquer cor. Na Idade
Média, elas preferiam o vermelho, a moda do branco se popularizou a partir do
casamento da Rainha Vitória, da Inglaterra, em 1840.
A razão primeira desse "sacramento", dessa inviolabilidade social, deriva do
mandamento contido nos textos do Evangelho: "não separe, pois, o homem, aquilo
que Deus uniu"
118
. O casamento cristão seja ele católico ou protestante segue a
lógica da aliança de Deus com a humanidade. Romper o casamento cristão significa
116
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Diconário da Colonização Portuguesa no Brasil. Op. Cit.P.144
117
VAÍNFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Op. Cit.P. 79
118
Bíblia Sagrada . MT. 19,6
60
quebrar aliança entre Deus e o seu povo: portanto, uma desacralização, um pecado,
um crime, uma inversão de ordem divina concebida pela Igreja
119
.
O repúdio do marido ou da esposa, segundo o evangelho de São Marcos, é
um sinal do pecado, da "dureza do coração", pois tal repúdio representa uma
ruptura da aliança. Não vamos nos referir a todos os textos do novo testamento,
que tratem sobre a questão da indissolubilidade do casamento
120
.
São Paulo associava o Casamento cristão ao "mistério" de Cristo e ao da
Igreja, afirmação paulina que a antiga comunidade eclesiástica jamais esqueceu. O
ritual do Casamento esteve sempre coroado de uma significação religiosa, mesmo
que a Igreja o tenha considerado como sacramento muito tardiamente. Esse
mistério no Matrimônio, emerge como sagrado. Não esquecendo São Paulo, que
recomenda, que os esposos sejam fiéis como cristo foi a sua igreja
121
.
Foi a partir do século XIII que o Matrimônio passou a ser considerado
sacramento e regulamentado pelo direito canônico. Antes disso, o que certificava a
união do casal eram pequenas cerimônias domésticas, testemunhada por leigos,
dependendo da categoria social, os objetivos da união, podiam variar: como apenas
procriação ou a junção de famílias e acesso ou manutenção de um poder político
122
.
No século XIII, o Concílio de Latrão reafirmou o Casamento como
indissolúvel e público, que geralmente iria mudar os ritos da cerimônia leiga. Dentro
desse contexto, o sexo no Casamento continuava o mesmo restringindo-se apenas a
procriação. Os sentimentos entre conjugues, o amor era dispensável,
principalmente fosse carnal. O amor deveria ser de amizade
123
.
119
PPIERONI, Geraldo. Excluídos do Reino. Op. Cit.P.116
120
Bíblia Sagrada . MC. 1,12
121
PIERONI, Geraldo. Excluídos do Reino. Op. Cit..P.118
122
VAÍNFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial. Op. Cit.P. 106
123
VAÍNFAS, Ronaldo. Trópico dos Pacados. Op. Cit.P.107
61
O ritual do Casamento, no Brasil do período colonial teve que se adequar a
uma sociedade multicultural. As fontes que tratam do Matrimônio nesse período
são, cartas, crônicas, sermonários. Essa documentação, trata de uniões, entre
homens brancos e mulheres Índias, que em sua maioria não foram sacramentadas
pelo casamento católico, apesar do trabalho dos jesuítas.
As irmandades serviram para digamos ajustar as cerimônias de Casamentos
que acontecia sem o devido cuidado, ou seja não seguindo as recomendações
eclesiásticas. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos da
vila do Recife, zelava pelo cumprimento dos ensinamentos da doutrina cristã. Em
seu compromisso de 1782, ficava estabelecido que seus membros sendo brancos
ou pretos, homem ou mulher deveria ser instruído nos ensinamentos de Cristo para
que pudessem receber os sacramentos da Penitência, Matrimônio e da Eucaristia e
gozar das demais indulgências divinas
124
.
O Casamento era, antes de qualquer outra função, um tratado abrangente à
vida conjugal, embora fosse um sacramento, o que diferenciava-o do concubinato,
lugar de amores proibidos, paixão mal vistas na comunidade.
Do ponto de vista da Igreja Católica, o concubinato aludia, a uma relação
intermediária entre a simples fornicação e o adultério, definida pela durabilidade e
publicidade do que pela coabitação
125
.
Nas Constituições Primeiras, o concubinato aparece como um dos delitos da
carne e é aí definido como uma ilicita conservação do homem com a mulher
continuidade por tempo considerável
126
. A partir desta definição, existe uma
124
AHU. Códice 1303
125
VAÍNFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Op. Cit.P.81
126
Constituições Primeiras. Livro-5.Op. Cit. Título-XXII
62
preocupação de estabelecer limites, entres relações sexuais do tipo acidentais, pois
eram estas os que caíam sob a denominação de concubinato. Pelas determinações
do Concílio de Trento, cabia aos padres descobrir e puni-los por três vezes. No
Brasil colonial, este tipo incluía o concubinato entre senhor e escrava.
No texto das Constituições Primeiras, o concubinato é tratado de forma
muito solta, as penas que deveriam ser aplicadas no caso específico do senhor e
escrava. A igreja lida com o assunto de maneira muito parcial como se fechasse os
olhos diante de tal situação. Em geral o senhor não hesitava em viver com uma
escrava casada
127
.
Mesmo com a publicidade das relações concubinárias: amores ilícitos, filhos
ilegítimos, nem por isso o Casamento perdeu seu valor na sociedade colonial,
principalmente entre os portugueses e seus descendentes, mas em alguns segmentos
sociais, o Casamento permaneceu, como na Península, um ideal a ser perseguido,
segurança a ascensão a todos os que atingissem, uma garantia de
respeitabilidade
128
.
Outros impedimentos, conhecidos como dirimentes, impediam a realização
do Casamento. Mas existiam outros que simplesmente proibiam a realização do
Matrimônio como: proibição eclesiástica, voto simples de religião ou castidade
esponsais. As normas das Constituições faziam uma diferenciação entre
"desposórios de futuro" e "esponsais."
Desponsórios de futuro são o mesmo que promessa de futuro
matrimonio; para eles é necessário que tenham os proneitentes, assim homens
como mulheres, sete anos completos de idade. E declaramos que, ainda que
127
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Cultura no Brasil Colonial. Op. Cit.P. 15
128
VAÍNFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Op. Cit.P.100
63
entre os desposados se siga cópula depois dos desponsórios, não ficam por isso
casados de presente, seguindo a disposição do sagrado Concílio tridentino, o
qual nesta parte emendou o direito antigo
129
.
Avaliar até que ponto a cerimônia do Casamento tridentino, era considerada
imprescindível é difícil, seja como for o importante era o estado de casados em si,
mais até que ponto a cerimônia eclesiástica, condição honrada e venerada nas
tradições Ibéricas herdadas pela colônia foi praticada em terras americanas.
130
.
CASAMENTO DE ESCRAVOS
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia(1707), tratam
separadamente no título LXXI do livro primeiro, do Casamento dos escravos:
Conforme o direito divino e humano, os escravos podem casar com outras
pessoas cativas, ou livres, e seus senhores lhe não podem impedir o
matrimônio, nem o uso dela em tempo lugar conveniente, nem por esse
respeito os podem tratar pior, nem vender para outros lugares remotos, para
onde o outro, por ser cativo ou por ser outro justo impedimento, o não possa
seguir, e fazendo o contrário pecam mortalmente, e tomam sobre suas
consciência culpas de seus escravos, que por este temor se deixa muita vezes
estar e permanecer em estado de condenação
131
.
Os argumentos apresentados pelas Constituições de D. Sebatião da Vide,
defendiam a tese de que o Casamento entre cativos não poderia ser impedido,
tampouco poderia ser perturbada a sua vida conjugal, ou ainda em caso de venda
os casais não poderiam ser separados. Entre a lei e aprática há uma distancia
considerável e, um dos grandes problemas para se efetivarem os casamentos entre
129
Constituições Primeiras. Livro 1.Op. Cit. Título-LXXIII
130
VAÍNFAS, Ronaldo. Trópico dos Pecados. Op. Cit.P 100
131
Constituições Primeiras. Livro 1. Op. Cit.Título-LXXIII
64
os africanos escravizados no Brasil foi de convencer aos donos que a união dos
escravos não trazia em si a mesma simbologia da liberdade implícita nos
casamentos entre brancos, na verdade, o argumento mais utilizado para esse fim foi
de que o matrimônio legalizava a reprodução dos escravos. Há de se convir que
essa argumentação não surtiu muito efeito, não podendo estranhar-se, terem sido
poucos os senhores que se deixaram convencer por tal argumento.
132
.
Os párocos aconselhavam aos senhores a não dificultarem os Casamentos
dos seus escravos, tentavam faze-lô sem precisar usar de ameaças como e
excomunhão, mas por outro lado procuravam mostrar-lhes que os escravos mesmo
depois de casados ficariam trabalhando como antes do Casamento. Como em
relação ao primeiro, este segundo não foi suficiente para persuadir os senhores a
promoverem o Matrimônio dos seus cativos
133
.
Para a realização do Casamento o primeiro documento exigido nas
"denunciações" ou banhos, era o batistério, muitas vezes os escravos não tinham.
Isto geralmente acontecia graças a grande mobilidade geográfica da população de
escravos, que era batizada em freguesias que ficavam por vezes distantes daquelas
em que viviam e ficava difícil de conseguir a certidão. Quando alguma pessoa de
identidade reconhecida assumia a prova dos batistérios, os párocos realizavam a
celebração
134
.
Concebida ao escravo a liberdade do sacramento do Matrimônio, não se
concebia a sua emancipação, não estavam livres de sua obrigação e o Casamento
não significava alforria. O ato de casar não era sinônimo de livre escolha do
escravo, para fazê-lo, só com a permissão do senhor.
132
SILVA, Maria Beatriz Nizza. História da Família no Brasil Colonial. Op. Cit. P.185.
133
______________________.Cultura no Brasil Colonial. Op. Cit.Pp. 31-32.
134
SILVA, Maria Beatriz Nizza. História da Família no Brasil colonial. Op. Cit.P.192
65
Atribuindo aos africanos os mesmos direitos de sacramentalização, a Igreja
os deixava em posição muito difícil, uma vez que ficavam submetidos às regras
burocráticas necessárias a perfeita celebração das cerimônias, como as específicas
dos brancos. Seguir essas regras implicava no gasto de tempo e dinheiro, coisas
que à população negra não dispunha.
Outro fator a ser considerado na análise das Constituições com relação aos
casamentos de escravos, era a ausência nesses textos legislativos de termos
precisos para normatizar essas uniões, ou seja, que eles apresentassem garantias
específicas à condição escrava. O que de fato ocorria ao se empregar as mesmas
regras para ambos os grupos escravos e senhores - eram desencontros e
confusões entre as regras eclesiásticas do matrimônio e àquelas vigentes na ordem
escravocrata.
Os banhos ou denunciações, representavam outra dificuldade, geralmente
aconteciam durante três domingos seguidos e serviam para saber se algum nubentes
havia cometido bigamia. Esse processo acontecia não só na paróquia em que iriam
casar, mas em outras onde já haviam morado
135
.
A única condição estabelecida pela Igreja para realizar o entrelace entre
escravos, é que soubessem a doutrina cristã, ou seja, pelo menos as orações
tradicionais do catolicismo como o “Padre Nosso, Ave Maria, Creio em Deus
Padre” e os mandamentos da Lei de Deus e da Santa Madre Igreja. A permissão
dos senhores não era necessária para que corressem os banhos, mas os banhos
eram exigidos para publicação do casamento. Os casamentos entre os negros eram
mais freqüentes nos meios urbanos, normalmente entre escravos com funções
domésticas em casas ricas.
135
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Dicionário da Colonização Portuguesa do Brasil. P. 191
66
PENITÊNCIA
O confessionário, o tribunal da penitência, foi planejado pelos
organizadores do catolicismo para ser ao mesmo tempo o mais privado e o mais
público dos espaços sagrados, afinal seu objetivo era manter o diálogo do pecador
com o sacerdote secreto, sob qualquer circunstância. O tribunal da Confissão era a
o espaço mais privado da casa de Deus, mas, o seu exterior deveria estar ao
alcance do olhar público
136
.
É o sacramento da Penitencia a segunda taboa depois do naufragio:
porque tanto que um homem baptizado naufragou pela culpa mortal, perdendo
a graça de Deos que no baptismo tinha recebido não lhe resta outro remédio
para se salvar neste naufragio mais que esta taboa do sacramento da
Penitencia, confessando inteiramente, e com dor seus peccados do legítimo
ministro e alcançando
137
.
As normas das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, quanto
a Confissão reproduzem quase que completamente as determinações do Concílio de
Trento nesse particular e segue em seu texto: Por preceito divino são obrigados
todos os fiéis cristãos de um e outro sexo, que forem capazes de peccar, a se
confessar inteiramente de todos os pecados mortais que tiverem cometido e
dos quais se lembrem, depois de fazerem para diligente exame
138
. A Confissão
auricular tornou-se sacramento necessário e indispensável a vida do cristão, a
Igreja Católica passou a conhecer as mais secretos desejos de seus fiéis,
obrigando-os a narrar detalhadamente os atos que pudessem ser considerados
pecaminosos.
136
MOTT, Luís. História da Vida Privada no Brasil. Op. Cit.P. 210
137
Constituições Primairas. Livro 1. Op. Cit.Título-XXXIII
138
Constituições Primeiras. Livro-1. Op. Cit. Títilo - XXXIII
67
O penitente apresenta-se de joelhos diante do confessionário, onde o padre
já se encontrava. O ministro legítimo deste sacramento é o sacerdote, que tem
jurisdição ordinária: e só pode ser sacerdote, por que só os sacerdotes
concedeo Christo senhor nosso o poder para consagrar o seu corpo natural,
assim só aos sacerdotes deo poder sobre o seu corpo mystico, absorvendo aos
fiéis no fôro da Penitencia sacramental
139
.
Durante a Penitência o padre ficava sentado, separado do fiel por uma
divisória com forma de grade. O confessionário, era moda no século XVI, foi
criado para assegurar à Confissão, o segredo e a discrição
140
. Esse receptáculo
destinado ao perdão divino poderia ser transformado num: "quiosque do amor" a
“igrejinha de satã”.
141
.
A materia deste sacramento são os actos do penitente cahindo sobre os
peccados que se confessão. A forma são as palavras da absolvição, que diz o
sacerdote.(posto que nem todos sejão essencia): Ego te absolveo à peccatis
tuis in nomime Patris, et Filhi, et Spiritis Santi
142
.
A igreja estava interessada em controlar seus fiéis, tanto, que cada pároco
era obrigado a fazer o "rol dos confessados", listando todos os nomes, sobrenomes
e os lugares onde viviam, rua por rua, casa por casa, inclusive fazendas e sítios. O
padre ou fiel que desobedecesse deveria pagar uma pena pecuniária, podendo ser
até mesmo excomungado.
Para contar, que todos os fiéis cumpram coma obrigação da confissão, e
comunhão na Quaresma, mandamos a todos os vigários, e parocho de nosso
139
Idem..Op. Cit.Título-XXXIII
140
PIERONI, Geraldo. Excluídos do Reino. Op. Cit.P. 148
141
Idem. Op. Cit.P. 149
142
Constituições Primeiras. Livro-1.Op. Cit. Título-XXXIII
68
Arcebispado, que em cada um anno, passada a Dominga da Septuagesima, per
si, é não por outrem( salvo a distancia foi de seis legoas, para cima, porque
neste caso poderá ser por outrem ). Fação Rol pelas ruas e casas, e fazendo de
seus freguezes, o qual acabarão até a Dominga da Quinquagesima, sendo
possivel, nelle escreverão todos os seus freguezes, por seus nomes, e
sobrenomes, e os lugares, e ruas onde vivem
143
.
Em carta ao rei (D. José I), datada de 15 de maio de 1756, o Bispo
Thermopoli, Coadjutor de Olinda, trata da representação que alguns moradores lhe
fizeram por ressentirem-se de estar há muitos anos sem um padre que rezasse missa
e lhes administrasse o sacramento da Confissão, indipensável a vivência do
catolicismo, como tanto apregoavam as Regras Baianas. O Coadjutor justificava
como causa dessa abstenção a “grande distancia que ficavam (os reclamantes) da
Igreja Matriz”.
144
.
O IV Concílio de Latrão, realizado no século XIII, estabelecia que a prática
da Confissão seria o sacramento no qual o sacerdote perdoaria em nome de Deus
os pecados cometidos depois do Batismo, devendo se efetivar no mínimo um vez
por ano. É, entretanto de se considerar que esse sacramento existe desde os
primeiros tempos da Igreja Cristã. Por esse mesmo Concílio, se exortava aos fiéis
de ambos os sexos, com a idade da razão, lealmente confessar todos os seus
pecados.
145
No momento da Confissão, o confessor representava a pessoa de Cristo,
ministro da divina justiça e misericórdia. No ato da Penitência deveriam estar em
"hábito decente e honesto" recebendo os pecadores com muita bondade e tratarem
de inquirir sobre o estado, o tempo, que se confessaram e que cumpram as
143
Constituições Primeiras. Livro-1. Op. Cit.Título-XXXVII
144
AHU. Olinda , 15/05/1756. P. a. maço-3, 1755-1794.
145
PIERONI, Geraldo. Excluídos do Reino. Op. Cit.P. 249
69
penitências. Devendo ouvir tudo sem demonstrar qualquer reação diante do
penitente, ouvindo com muita atenção para distinguir a verdade no discurso daquele
que deseja conseguir o perdão de seus pecados
146
.
A Confissão oral dos pecados era assim a parte inicial de um processo
penitencial que objetivava a expiação das faltas. Para a Igreja, a Confissão indica,
antes de tudo, aceitação da Penitência. A Confissão dos pecados designava entre
outras coisas, o reconhecimento do erro diante de Deus e da "Mater Ecclesia". A
auto-acusação daquele que se reconhecia culpado constituía condição indispensável
para a obtenção do perdão
147
.
Para evitar abusos e injustiças é que versam as Constituições Primeiras: Em
todas as Igrejas, Parochias do Arcebispado hajam numero de confessores de
quaisquer penitente, especialmente de mulheres, as quais nunca os ouvirão de
confissão no coro, sacristia, capelas, tribunas, ou batistério, nem outro lugar
secreto da Igreja.
148
Mesmo com todas as regulamentações sobre o modo como deveria
acontecer o ato da Confissão, a indisciplina eclesiástica esteve presente na
sociedade colonial. Os sacerdotes desrespeitavam as Constituições, ouvindo os
penitentes no alpendre das casas, sentados na rede ou vestidos sem seus hábitos.
Para sanar tais atitudes foram tomadas medidas visando facilitar e assegurar a
confissão dos pecados. O Código Canônico da época estabelecia a obrigação do
confessor "não manifestar os pecados que lhe confessam, que procede do direito
natural, divino e humano"
149
.
146
MOTT, Luís. História da Vida Privada no Brasil. Op.. Cit.P. 211
147
PIERONI, Geraldo. Excluídos do Reino. Op. Cit.P.149
148
Constituições Primeiras. Livro-1. Op. Cit.Título-XLIII
149
MOTT, Luís. História da Vida Privada no Brasil-1. Op. Cit.P.213
70
Os confessores tinham uma função dentro desse contexto, que era agravar a
consciência de seus penitentes, sempre lembrando a obrigação de sustentar uma
instituição diretamente ligada ao sistema português de exploração das terras e gente
do Brasil em benefício da Metrópole o que era uma atitude muito "espiritual" desse
sacramento reduzido a uma peça num aparelho tributário, perdendo sua dimensão
religiosa. Aqueles que tenteram devolver o verdadeiro significado foram mandados
de volta ao reino sob a alegação de "escrupulosos" ou "pouco prudentes"
150
.
É por isso que o vocábulo confessio, que designava a confissão perante
Deus pela aceitação da penitência, passou a significar a mea culpa feito diante do
confessor, que na doutrina cristã se tornou representante de Deus para conceder o
perdão. Esse tipo de confissão passou a ser o principal meio para purificação dos
pecados. Durante a Idade Média, à medida que a prática da penitência se tornava
freqüente e surgiu a confissão, a penitência foi ganhando nova forma
151
.
A Confissão auricular, aquela que acontece face a face com o sacerdote e
que já descrevemos, como um ato completo de penitência que engloba a contrição,
a confissão e a satisfação passa a ser considerada como um ato de humildade, uma
auto-análise penosa que o cristão faz dos seus atos de pecados. Para completá-la,
basta que depois do perdão dado pelo confessor, o fiel cumpra a penitência que ele
indicar.
Contrição é uma dor, pezou, detestação, aborrecimento dos pecados,
com proposito firme de nunca mais peccar com a graça de Deus. Esta dor, e
contrição, ou é perfeita ou imperfeita: a primeira se chama absolutamente
contrição e a imperfeita atrição
152
.
150
HOONAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil-1.Op. Cit.P.309
151
PIERONI, Geraldo. Excluídos dos Reino. Op. Cit.Pp. 149-150
152
Constituições Primeiras. Livro-1. Op. Cit.Título-XXXIV
71
A Confissão foi um sacramento tão fundamental e central como o do Batismo
no Brasil do período português. Dentro dos costumes da Igreja Católica a
Confissão auricular seguiu a instituição eclesiástica e até perpetuou uma orientação
da Igreja Medieval européia após o famoso Concílio de Latrão IV( 1215 ), que fez
da Confissão "ao pé do sacerdote" a prática penitencial por excelência
153
.
Todavia, algumas vezes os confessores, os "médicos das almas",
derramavam sobre as feridas dos penitentes um remédio que continha um efeito
contrário, que para a Igreja, era considerado um verdadeiro veneno. Se o
confessor não estivesse muito atento e dedicado, ele podia não ser o mensageiro da
clemência divina, mas um instrumento de solicitação do pecado, como
freqüentemente relatam alguns atos de fé
154
.
Este sacramento tornou-se obrigatório e entrou definitivamente no cotidiano
colonial nos costumes do povo brasileiro e criou o típico condicionamento dos
bandeirantes, por exemplo, que não podiam dispensar um capelão para confessá-
los na hora da necessidade, para "descarregar a consciência".
Com a intenção de evitar algumas armadilhas que pudessem ocorrer no
confessionário e para instruir melhor os padres na difícil arte de perdoar os
pecadores, foram elaborados vários manuais do confessor para orientar a forma de
melhor entrarem nos detalhes da vida pregressa do penitente. Esses guias de
teologia moral eram geralmente elaborados tomando-se por base os dez
Mandamentos da Lei de Deus, os Sete Pecados Capitais e os Sete Sacramentos da
Igreja Católica, sem esquecer as Quatro Virtudes Cardinais: justiça, temperança,
prudência e fortaleza
155
.
153
HOONAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil-1. Op. Cit.P. 307
154
PIERONI, Geraldo. Excluídos do Reino. Op. Cit.P. 150
155
PIERONI, Geraldo. Excluídos do Reino. Op. Cit.P.152
72
Segundo Geraldo Pieroni os manuais de confissão eram muito didáticos,
ensinavam aos confessores como administrar o sacramento e aos fiéis como receber
a penitência. Tais sumas foram pouquíssimo lidas pelos penitentes. A igreja,
durante o século XVII, principalmente em virtude de sua longa experiência
penitencial, tinha pleno conhecimento de que a prática da confissão auricular era
uma faca de dois gumes.
O sacramento da Confissão perdeu sentido "libertador", de livrar o pecador
do peso de seus atos impuros, foi completamente "domesticado" passando apenas a
agravar culpas e manter seus penitentes sob controle, incultindo na consciência
muito medo e superstição.
Os sacramentos tornaram-se um instrumento muito poderoso nas mãos dos
dirigentes do Brasil no período português. Na conversão dos indígenas a fé
Católica retirou o nativo dos seus costumes e suas crenças, impondo-lhes uma
realidade completamente desconhecida. Descaracterizou em muitos momentos
a cultura do africano quando escravo no Brasil, fechando os olhos à
condição de subhumanidade que a sociedade colonial lhes impôs.
73
CAPÍTULO-3: A MORTE E O "BEM MORRER".
A MORTE E SUAS CONCEPÇÕES
morte é um tema muito presente na vida dos homens. Em
alguns momentos bem presente, em outras oportunidades
camuflada, escondida por trás das ações humanas. Em
algumas épocas, a morte foi celebrada, exaltada, amada. Em outras, provocou
medo, temor e inquietação
156
.
O problema da morte começa a se colocar de maneira mais elaborada, com
o surgimento de correntes filosóficas antagônicas: o estoicismo, que pensava tornar
o homem insensível aos males físicos e morais. O hedonismo, que tinha no prazer a
finalidade da vida. Tendo início um confronto que marcará decisivamente a cultura
ocidental. A dualidade: carne-espírito, será encontrada nas artes e no cotidiano dos
homens. Confronto dos valores espirituais e as solicitações carnais
157
.
A arte certa de morrer, podia ser apreendida se os ensinamentos
começassem desde de cedo, "ars bene moriendi" era absorvida, e não haveria
motivos para temer à morte, nem a morte solitária. Através de ensinamentos sabiam
como se portar para assegurar a paz eterna. Na Grécia antiga os gregos aprendiam
que o Hades, era o lugar onde os que partissem passavam a levar uma existência
tênue e feita de sombras
158
.
156
MARTINS, Geraldo Magela. À Morte Barroca e à Transitoriedade do Mundo. In Caderno de Filosofia e
Ciências Humanas-ano-II, nº 3, outubro/94. P. 5
157
Idem. Op. Cit. P. 5
158
HELLERN, Victor. O Livro das Religiões. Op. Cit. P.23
A
74
Para alcançar uma boa morte, deveríamos começar, a "ars moriendi" ainda
na juventude como a quinhentos anos. Não era um manual para UTI ou para perda
da saúde. Para morrer em paz era preciso viver plenamente. O ideal do guerreiro
da era dos Vikings se espelhava na crença no Valhala, onde os heróis lutavam suas
batalhas e morriam durante o dia, voltando novamente à vida durante à noite.
Mesmo depois de morto sua vida continuava seguindo de acordo com a sua
passagem na terra
159
.
O espetáculo faustoso que foi o cotidiano e as festas barrocas é algo
também presente no final do século XX. Encontramos vestígios destas
manifestações religiosas em algumas festas do folclore brasileiro. Havia uma
preocupação muito grande com os riruais fúnebres, viver bem não adiantava, se na
hora da morte não eram cumpridas todas as etapas do processo que cercava o fim
da vida.
A vida barroca é um eterno espetáculo, uma festa, um teatro, cujo
protagonista será sempre o homem na sua postura paradoxal, às vezes empenhado
passionalmente na aventura existencial, as vezes colhendo da vida um fruto amargo.
A morte em nossos dias deixou de ser pomposa ganhou uma cara mais modesta,
mas não perdeu status continuando toda poderosa
160
.
O tempo de vida de um cidadão comum chegou a patamares jamais antes
alcançados e inexistentes em qualquer região fora do primeiro mundo. Fazendo uma
comparação com nossos antepassados de duzentos anos atrás, cada um de nós tem
duas vidas realizáveis, em relação aos antepassados mais remotos temos três. Os
avanços nos cuidados médicos tem uma parcela significativa na mudança no tempo
de vida média do homem comum. No passado as doenças eram carregadas de
159
Idem. Op. Cit. P.23
160
MARTINS, Geraldo Magela. À Morte Barroca e à Transitoriedade do Mundo. In Caderno de Filosofia e
Ciências Humanas-ano-II, nº 3, outubro/94, P.9
75
significados, benignos ou malignos eram avisos. Hoje essas representações não tem
tem mais importância
161
.
A Igreja Católica ensinava aos seus fiéis que durante a vida deveriam
preparar a sua morte, com o intuito de escapar do demônio e do purgatório.
Durante o período colonial brasileiro, os rituais fúnebres seguiram as deliberações
do Concílio de Trento (1545-1563), que entre outras iniciativas, buscou também
regulamentar os costumes fúnebres e a maneira de registrar os óbitos nas
paróquias, estabelecendo os procedimentos que os fiéis deveriam adotar para
terem ume boa morte. No Brasil as Constituições Primeiras ficaram encarregadas
de adaptar as resoluções tridentinas à realidade colonial. Mas além dessas
regulamentações foram escritos vários manuais de Bem Morrer ou de Artes de
Morrer, alguns encontrados nas poucas bibliotecas da colônia
162
.
A maioria das religiões divergem sobre a questão da salvação. Algumas
acreditam que o homem pode ser salvo por um poder divino, já outras afirmam que
o homem deveria simplesmente respeitar a si mesmo. Para essa interpretação
existia uma enorme variedade de métodos. Os hinduístas acreditam que a alma se
liga a este mundo pelos pensamentos, pelas palavras e ações humanas e que
quando um indivíduo morre, sua alma passa para o corpo de outra pessoa ou de um
animal
163
.
A diferença primordial entre a "boa morte" e a "má morte", era o
planejamento. Quando a morte acontecia de maneira repentina com por,
afogamento, assassinato, acidente ou mal súbito, era uma desgraça muito maior do
que a própria morte. A única maneira de contornar o perigo que era a morte
161
IMHOF, Arthur E. Uma Ars Moriendi para Nossos Tempos. In Varia História, Belo Horizonte, nº 15, mar/96,
p. 29.
162
VAÍNFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial. Op. Cit. P. 410
163
HELLERN, Victor. O Livro das Religiões. Op. cit. P. 24
76
inesperada, era muito necessário estar em dia com os sacramentos da confissão,
comunhão ou viático (eucaristia ministrada aos infermos impedidos de sair de casa.)
e claro a extrema-unção, além da redação do testamento.
O ritualismo fúnebre do Brasil português ficou conhecido como barroco, em
virtude da extrema pompa que marcava os enterramentos católicos, pelo menos no
caso dos ricos. Essa ostentação era a forma da família do morto demonstrar
prestígio e poder.
Barroco, é um conceito que pode designar um estilo artístico, literário ou
musical quanto a um período cronológico ou mesmo um certa mentalidade. Não
tardou a ser adotado pelos historiadores, que utilizavam da expressão Idade
Barroca como um termo que veio a calhar para designar o tumultuado século XVII,
que deu origem a uma vasta bibliografia sobre o tema, principalmente na Itália,
Alemanha e Península Ibérica
164
.
Os estudiosos do barroco tentaram relacioná-lo a uma arte da corte,
produto da ostentação das monarquias absolutas, embora seus preceitos possam
ser encontrados também nos meios burgueses flamengos e alemães e até junto às
camadas populares da Europa central. As idéias do barroco revelavam-se muito
abrangentes e entremeadas da sensibilidade que marcou o período referido.
Exprime a consciência aguda das contradições de uma ordem social em
transformação.
A liturgia fúnebre da Igreja Católica se espalhou por variados grupos
étnicos-sociais, embora seja possível detectar ritos não cristão entre essas práticas.
Era o que acontecia com os cristãos-novos que aparentemente continuavam com os
ritos judaicos. O que identificava as práticas judaizantes como: comer em mesa
164
FRANÇA, Eduardo de Oliveira. Portugal na Época da Restauração. Op. Cit. P. 68
77
baixa, enterrar os mortos em terra virgem, cortar-lhe as unhas e guardá-las, colocar
uma pérola ou uma moeda de ouro ou prata em sua boca para pagar a primeira
pousada, jogar fora toda água de potes e vasos da casa
165
.
Os africanos não sofreram maiores restrições das autoridades responsáveis
pelos seus enterramentos, mesmo com a existência de alguns relatos de enterros
que de algum modo poderia indicar a manutenção de sua cultura, como no caso dos
cortejos de escravos sem os sacramentos ou enterro no mato e não em solo
sagrado
166
.
Os atos religiosos que marcam as grandes etapas da vida de cada cristão
tem um duplo significado que nos permite falar em ritos de passagem, situados no
plano religioso. Cada um dos sacramentos eram considerados relações do indivíduo
com Deus, essas cerimônias que acompanham cada rito traduzem sua participação
na comunidade paroquial e na comunidade cristã
167
.
Na Europa o ritual dos sacramentos também era muito forte. Entre todas as
obrigações impostas aos católicos, a dos últimos sacramentos e do Batismo nas
horas seguintes ao nascimento, são as únicas que o clero dos séculos XVII e
XVIII, não precisavam lembrar constantemente. Os assistentes rezam com fervor
para que o moribundo se saia vitorioso nos embates com o demônio, lamentando as
vidas passadas, fazendo o sacrifício de sua vida, ele obtenha a misericórdia do juiz
soberano. Exceto no momento da derradeira confissão, é imprescindível a presença
dos membros da família, dos confrades, se o moribundo pertencesse a alguma
confraria e do padre no quarto do enfermo, como presenças ativas.
168
.
165
VAÍNFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial. Op. Cit. P. 412
166
Idem. Op. Cit. P. 422
167
LEBRUN, François. Devoções Comunitárias e Piedade Pessoal. In História da Vida Privada. Da renascença
ao Século das Luzes. Op. Cit. P. 83
168
Idem. Op. Cit. P.88
78
Nas camadas populares, só a família e alguns amigos acompanhavam o
cortejo, sendo o esquife carregado por homens. Bem diferente do que acontecia
nas categorias mais abastadas, onde os privilégios pelo berço ou fortuna,
transformava o rito fúnebre numa cerimônia deslumbrante.
Naturalmente há vários níveis nessas pompas fúnebres, e nem todos os
casos, mesmo nas imunações mais modestas, a partida do morto para sua última
morada é conhecida como um espetáculo no qual todos os membros da comunidade
paroquial eram convidados a participar, mais ou menos diretamente, como atores e
espectadores
169
.
As confrarias foram criadas ou recriadas, durante o século XVIII, em geral
iniciada pelo clero e em todo caso sob seu controle, pretendendo em primeiro lugar
criar uma associação de devoção. O enterro de um confrade e a procissão da
paixão são as grandes ocasiões que propiciam a reunião pública dos penitentes
vestidos de manto e capuz, porém, os confrades mais difundidos são no Recife do
século XVIII as do Santissimo Sacramento e do Rosário.
A finalidade do Santo Sacramento era favorecer entre os membros a
devoção à eucaristia, em especial pela prática da adoração do Santíssimo, já a do
Rosário, foi criada pela instigação dos dominicanos, enfatizam, o culto mariano e a
recitação do terço.
As devoções populares atraiam o povo que enchiam as igrejas mantendo-se
fiel principalmente ao escapulário e ao rosário. O escapulário dava aquele que o
usasse durante a vida a certeza de boa morte e, pelo menos, um alívio do seu
tempo de purgatório. As devoções pós-Trento do rosário também começaram a se
169
LEBRUN, François. Devoções Comunitárias e Piedade Pessoal. In História da Vida Privada v-3. Op. Cit. P.89
79
espalhar pela Europa, as mãos do morto traziam um rosário, como as da alma do
purgatório, já postas na atitude tradicional do morto medieval
170
.
As práticas supersticiosas que prometiam o conhecimento maravilhoso das
coisas ocultas, a fim de se aproveitar delas na salvação da alma no último
momento, a que os moralistas reformadores não cessaram de denunciar, não foram
contudo banidas completamente da prática de todas as devoções da boa morte,
condenadas pela elite
171
.
O local do enterramento também passava pelo forte tom das devoções
populares. No Brasil durante o período colonial os cemitérios eram reservados
para mendigos e negros ou para aqueles que professavam religião diferente, como
os ingleses anglicanos. A posição geográfica dos enterros era um reflexo da
posição social do morto. Os mais ricos ficavam dentro das igrejas, garantindo uma
boa posição na hora da salvação, os pobres ficavam no adro ou cemitério, nome
dado à área em torno das igrejas. Mesmo com as variações dos custos com a
morte, independente da posição social, os gastos com os enterramentos eram
significativos em qualquer grupo social
172
.
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia(1707), estabeleciam
que o cristão tinha o direito de eleger a sua sepultura e mandar enterrar o seu
corpo na igreja ou adro de acordo com a sua devoção. Mas já no fim do período
colonial, alguns médicos começaram um movimento que defendia o sepultamento
em cemitérios com a finalidade de salvaguardar a saúde pública. Esse movimento
contava com o apoio de alguns membros da igreja
173
.
170
ÀRIES, Philipe. O Homem Diante da Morte. Op. Cit. P. 335
171
Idem. Op. Cit. P. 334-335
172
VAÍNFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial. Op. Cit. P. 411
173
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Dicionário da História da Colonização Portuguesa do Brasil. Op. Cit. P. 156
80
No início do século XIX, o cirurgião José Correia Picanço publicou um
artigo intitulado: "Ensaio sobre os perigos das sepulturas dentro das cidades e nos
seus contornos." Onde fazia um histórico sobre o uso das sepulturas por outros
povos e enumerava os perigos do sepultamento nas igrejas e nos recintos urbanos.
As exalações sepulcrais tornavam irrespirável o ar dentro das igrejas,
sobretudo porque as sepulturas eram abertas para colocar outros corpos ou
retirarem ossos de outros
174
.
Por volta de 1821, o Arcebispo da Bahia mandou ao soberano congresso
reunido em Lisboa um projeto sobre cemitérios, que seriam fundados em todas as
cidades e vilas para nelas se enterrarem mortos de qualquer condição social. O
modelo a ser seguido seria o inglês que já existia em Portugal, recomendava-se que
houvesse uma capela para encomendar o corpo, na forma estabelecida pela Igreja
Católica.
No Brasil do período colonial, a sociedade mineira nos séculos XVII e
XVIII preocupava-se cotidianamente com a morte. As famílias da capitania tinham
uma preocupação especial com a morte. Aqui a compreensão da finitude da
existência era um fenômeno vivido na família. Fazer parte de uma Irmandade leiga
era interesse de toda a sociedade. Era por meio deste ato, garantido os
sepultamentos, e uma quantidade de missas para o defunto. A Irmandade era a
segurança para a vida eterna
175
.
A organização dos suntuosos cortejos fúnebres, grandes produções artísticas
e musicais para a realização destes, foi uma forma que o homem barroco encontrou
para diante de sua transitoriedade do mundo despender recursos com a morte,
174
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Dicinário da História da Colonização Portuguesa do Brasil. Op. cit. P. 156
175
MARTINS, Geraldo Magela. À Morte Barroca e à Transitoriedade do Mundo. In Caderno de Filosofia e
Ciências Humanas-ano-II, nº 3, outubro/94. P. 8
81
ritualizando o trágico e o sofrimento. As riquezas das festas religiosas nos são
reveladas pelos sermões pronunciados nas igrejas durante a realização de tais
festejos.
A população dava à morte uma "coloração tipicamente barroca". A morte
era tratada de uma maneira lúdica, festiva e dramática. Riquíssimos trajes e
folhagens douradas e prateadas, veludos, sedas pretas, jarrões prateados de sete
palmos de altura compunham o cenário. Nele também se via envolto um esqueleto
humano coberto com o manto de cavaleiro da Ordem de Cristo, e na mão direita
uma coroa em sinal de Majestade, tendo um pano branco de sombras estendido na
frente pela face de seu pedestal
176
.
O homem do barroco, mesmo sabendo que a vida é um espetáculo que
passa, perdeu o sentido de aceitação da morte com a sublimação religiosa, uma
realização mística do ser. Como a vida é breve e passa, a morte também é
passageira como um bloco carnavalesco, e ao mesmo tempo cria a verdade,
extirpando a dor e o sofrimento, tornando-se uma festa, grandiosa, sacra e profana.
Por isso, a sociedade barroca teatralizou o fúnebre.
O homem desse período é herdeiro da tradição cristã maniqueísta, este
homem foi marcado, pela dualidade, pelo conflito entre carne-espírito, entre finito-
infinito, céu-terra. A estética do barroco tenta sanar esta loucura pela busca de
conciliar a desgraça da vida do homem e sua dor com a amenidade do sublime.
Nesse contexto convive-se festivamente com a idéia bíblica de que para tudo
há um tempo neste mundo ..."tempo de viver".... "tempo de morrer". Por isso, vive-
176
MARTINS, Geraldo Magela. À Morte Barroca e à Transitoriedade do Mundo. In Caderno de Filosofia e
Ciências Humanas-ano-II, nº 3, outubro/94. P. 9
82
se a exaustão. Traz a morte para a convivência diária. Celebra-se a morte, desfila-
se com a morte, investe-se na morte.
BEM MORRER.
Existem os mais diversos ritos de passagens, do mundo dos vivos para o
mundo dos mortos. Com a preparação, a lavagem do cadáver, a queima de objetos
pessoais do morto, cerimônias de purificação, de sepultamento, rituais periódicos
de expulsão do espírito do morto da casa, da vida, enfim, do meio dos vivos.
Outros ritos também aconteciam, como os de incorporação, que tinham como
objetivo a reunião do morto com aqueles que foram na frente. Essas cerimônias
aconteciam com comidas servidas para sua viagem; a Extrema-Unção; o próprio
enterro do cadáver . Esses ritos muitas vezes foram confundidos
177
.
Em muitas sociedades a morte, não é vista apenas como destruição, mas
como uma transição. A realização de rituais funerários adequados eram
fundamentais para a segurança dos mortos e vivos. Se o defunto chegasse ao outro
lado feliz, poderia interceder pelo outros que chegassem depois. Isso acontecia
tanto em Portugal como na África.
178
Na tradição africana, o culto aos mortos tinha uma grande relevância. Entre
os angolanos, os espíritos ancestrais exerciam mais influência no dia-adia, do que
as suas próprias divindades. Esses costumes tinham personagens muito fortes,
capazes de atormentar ou de ajudar os vivos. Mas para que isso acontecesse, era
preciso um culto mais elaborado . Com isso controlavam melhor seus mortos.
177
REIS, João José. A morte é uma festa. Op Cit P. 84
178
REIS, João José. A Morte é uma Festa. Op. Cit. 84
83
Com base nesta preocupação, a Igreja Católica determinou um
comportamento e uma prática cotidiana a ser seguida pelos seus fiéis. No Brasil no
período colonial, a atuação, em grande parte, bem sucedida da religião católica
como instrumento de regulamentação de vida de seus seguidores se deveu a essa
preocupação. Assim, o fiel católico era lembrado da característica finita do ser e
do temor do inferno através de mensagens diárias como: badalar dos sinos, as
sepulturas nas Igrejas e os pedidos de esmolas para almas do purgatório. Entre
essas características, destaca-se: a tríade Céu, Purgatório e Inferno, que
fundamenta a idéia católica da morte.
179
Esses rituais funerários, eram conhecidos como " estratégias de salvação "
ou formas de Bem Morrer, uma vida virtuosa e as " formas de Bem Morrer "
garantiriam ou pelo menos facilitariam, dependendo da obediência, o acesso da
alma ao céu.
Além da influência ideológica exercida pela religião, também haviam os
interesses políticos, econômicos da sociedade a que estavam ligados. O seu caráter
suntuoso pode ser observado nos cortejos fúnebres, descritos por alguns viajantes
como Debret.
As Constituições Primeiras definiam em seu texto como deveria acontecer
algumas etapas do processo de enterro, e como a Extrema- Unção deveria ser
administrada:
É o sacramento da Extrema-Unção o quinto dos da Santa Madre Igreja,
de grande utilidade para os fiéis, instituído por Christo Senhor Nosso, como
definiu o Sagrado Concílio Tridentido para nos dar especial ajuda, conforto, e
179
GALVÃO, Viviane. Religiosidade e Morte: Instrumentos do Projeto Colonial Português. Op. Cit. P. 43.
84
auxílio na hora da morte, em que as tentações de nosso comum inimigo
costumam ser mais fortes, e perigosas sabendo que tem pouco tempo para nos
tentar
180
.
O cumprimento do ritual fúnebre católico constituiu uma das mais
importantes atribuições das irmandades de leigos do período colonial, além de
representar uma boa fonte de renda. No compromisso da Irmandade de Nosso
Senhor Bom Jesus dos Martírios do Recife, nota-se uma preocupação dos seus
membros com o ingresso na confraria:
O maior interesse que tem qualquer pessoa que se admite por irmão de
qualquer irmandade é gozar dos sufrágios que lhe são prometidos,
principalmente das missas que sejam ditas com brevidade para gozarem o
Santo sacrifício
181
.
A morte inesperada, sem preparação da alma, ou mesmo a possibilidade de
não ser enterrado, assustava muito o bom fiel católico que seguia sempre as normas
para ter uma boa morte. Esse tipo de preocupação considerava mortes por
afogamento como uma das mais assustadoras. Afinal, o defunto que não recebesse
o tratamento na hora certa estaria condenado a uma penosa existência, sem
ingressar no mundo dos mortos, voltando aos vivos, pedindo missas e orações para
aliviar seu sofrimento.
182
As Constituições Primeiras ressaltam a importância dessa preparação:
Os effeitos próprios deste sacramento são muitos, e principalmente tres.
O primeiro é, perdoar-nos as reliquias dos peccados...O segundo é, dar muitas
180
Constituições Primeiras. Livro 1.Op. Cit. Título- XLVII.
181
A.H.U.,Códice-1302.
182
GALVÃO, Viviane. Religiosidade e Morte: Instrumentos do Projeto Colonial Português. Op. Cit. P.45
85
vezes ou em todo, ou em parte, a saúde corporal ao enfermo,...O terceiro é,
consolar ao enfermo, dando-lhe confiança...
183
Mas aqueles que morriam seguindo as normas da Constituições e os rituais
convencionais, sua alma teria condições de interceder pelos vivos e facilitar seu
futuro ingresso no mundo dos mortos.
As religiões africanas, possuíam um elaborado culto aos seus ancestrais,
sendo muito forte a presença dos mortos no seu cotidiano.
184
Em relação a vida após a morte, encontramos certas peculiaridades entre
portugueses e africanos. Ambos acreditavam numa espécie de julgamento, onde
bons e maus depois de mortos teriam destinos diferentes. Os portugueses
acreditavam em três possibilidades: o Inferno, Purgatório e o Céu. Outras nações
africanas também aceitavam essa tríade.
185
.
Os portugueses quando morriam era para viver entre os Santos, Anjos e
Deus na Glória Celestial, e consequentemente para reencontrar seus antepassados.
Já os africanos morriam para se reunir aos seus ancestrais, que voltavam
reencarnados. Mesmo vivendo na Colônia Portuguesa da América, segundo João
José Reis, os africanos mantiveram muitas das suas maneiras de morrer, mas
incorporaram as maneiras portuguesas. Isto aconteceu devido a repressão sofrida
pelos rituais africanos e também da dramaticidade do funeral cristão de Portugal.
Não há registros que os portugueses tenham usado os ritos africanos.
Em requerimento de Manuel Ferreira de Costa, morador da Vila de Santo
Antônio do Recife, de 1765, se lê que os senhores dos escravos costumam
183
Constituições Primeiras. Livro 1 Op. Cit. Título XLVII.
184
GALVÃO, Viviane. Religiosidade e Morte: Instrumentos do Projeto Colonial Português. Op. Cit. P.45.
185
REIS, João José. A Morte é uma Festa. Op. Cit. P. 90.
86
abandoná-los quando adoecem ou chegam a idade avançada, que ele por amor de
Deus tem recolhido muitos deles dando-lhes sustento e ao morrerem,
administrando-lhes todos os sacramentos. Pede que o Rei lhe dê permissão e ajuda
para fazer um edifício onde possa recolhe-los, com uma capelinha
186
.
Os Jesuítas colocavam a culpa do descaso, descrito pelo morador de Recife,
nos senhores de engenho, que segundo esses padres queriam evitar as taxas
eclesiásticas do enterro nas Igrejas, prática corrente durante os séculos XVII e
XVIII. Mas, em algumas regiões da África os enterramentos no mato, eram
freqüentes e era um ritual sagrado. Os escravos de origem banto, acreditavam que
após a morte do corpo, a alma atravessaria uma região com água -calunga- e
reencontrariam seus antepassados. Morrer para muitos escravos, poderia
representar a liberdade que não tiveram em vida
187
.
O funeral de líderes negros, conforme relata Debret em Viagem Histórica e
Pitoresca ao Brasil, era acompanhado de música, batuque, palmas e pessoas
fazendo acrobacias para abrir o caminho. O barulho servia para anunciar a ida de
um ente para o mundo dos mortos. Para eles os homens eram negros, mas a morte
era branca. Mesmo com alguns negros seguindo algumas de suas tradições na hora
da morte, existiam registros de prática católica na hora do enterro de alguns
africanos.
As cerimônias de enterramento, revelam muito sobre a pessoa a ser
enterrada, dependendo das circunstâncias, mostraria o nível da fortuna e condição
social do defunto. Nos testamentos eram especificadas as vontades do morto, ou
seja, a maneira como deveria acontecer seu funeral.
188
186
A.H.U., Março-41, Documento em Organização.
187
VAÍNFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial. Op. Cit. P.412.
188
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Dicionário da História da Colonização Portuguesa do Brasil. Op. Cit. P.290.
87
Como vimos tentando demonstrar, havia no passado uma grande
preocupação com a morte. O Bem Morrer significava que a morte não chegaria de
surpresa, sem que o homem prestasse as contas de seus atos. O testamento era um
instrumento usado no mais das vezes pelas pessoas mais abastadas para iniciar os
ritos de passagem, entre as muitas etapas do processo.
A grande maioria dos testamentos em sua abertura tinha um preceito
religioso. Com a encomendação da alma a Deus e do apelo de proteção dos
Santos. Depois se seguia um pequeno histórico, testemunho pessoal do testador em
sua passagem no mundo, declarando naturalidade, estado civil, filiação, o nome do
cônjuge e dos filhos
189
.
O testamento era conhecido como um dos primeiros instrumentos dentro
das "estratégias de salvação". A igreja recomendava não esquecer dos parentes
mais necessitados, realizar algum ato piedoso como libertar escravos, saldar
dividas, tanto materiais como espirituais, reparar alguma má ação, como reconhecer
os filhos bastardos, cuidar da família, deixando-a em boa situação.
Quem fazia inventários eram aqueles que tinham alguma coisa a deixar. A
família era quem tinha a prioridade para o inventário, na falta deste, o juiz de
órfãos podia fazê-lo, quando havia filhos menores. Havia também a possibilidade
de estranhos vizinhos, também poderiam abrir inventários, caso o defunto não
tivesse parentes presentes. O prazo a ser seguido era de trinta dias após o
falecimento, embora nem sempre a regra fosse seguida
190
.
A maior parte dos testamentos demonstravam uma grande preocupação em
instruir sobre as missas fúnebres, mortalha, cortejo. No Brasil do período colonial,
189
REIS, João José. A Morte é uma Festa. Op. Cit. P.92
190
FARIA, Sheila. A Colônia em Movimento. Op. Cit. P. 225.
88
coube à Igreja Católica fiscalizar a execução dos testamentos, cobrando uma boa
atuação por parte dos testamenteiros e dos herdeiros. As Constituições Primeiras
do Arcebispado da Bahia regulavam, o período de um ano e um mês para o
cumprimento dos últimos desejos do falecido. Como são missas, capelas, ofícios,
esmolas, casa órfãos, remicativos, e outros semelhantes
191
.
Quando alguém adoecia gravemente, de acordo com a tradição popular,
colocava-se no quarto imagens de santos e grande quantidades de velas. Também
haviam costumes que mudavam de região para região como: fechar as janelas para
que os maus espíritos não tomassem a alma do moribundo, nesta hora em que
estava completamente vulnerável. No imaginário popular, neste momento era
travada uma verdadeira guerra entre o bem e o mal, representados por anjos e
demônios, na tentativa de conquistar a alma do moribundo.
192
A Igreja Católica, orientava que nesta hora, em que o cristão seria
submetido a várias tentações, a presença de um sacerdote, e a administração da
extrema-unção era de decisiva importância para a salvação. A procissão do viático,
conduzia a extrema-unção a um enfermo. Nesta ocasião fazia-se presente uma
banda de música e um agrupamento de mais de vinte pessoas.
193
Geralmente o acompanhamento do viático era função exclusiva da Irmandade
do Santíssimo Sacramento, sendo considerado como um privilégio. Essa prática
caritativa da irmandade, em relação aos enfermos acontecia sem qualquer
condições, só para administração da ExtremaUnção:
...quando sair o santíssimo sacramento a algum enfermo pobre a
Irmandade, podendo, lhe mandará dar esmolas de trezentos e vinte réis,
191
Constituições Primeiras. Livro 5. Op. Cit. Título XLII.
192
GALVÃO, Viviane. Religiosidade e Morte: Instrumentos do Projeto Colonial Português. Op. Cit. P.47.
193
DEBRET, Jean Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Op. Cit. P.199.
89
enquanto se estiver sacramento, o irmão que leva a campanhia pedirá pelos
assistentes e vizinhança esmola para aquele enfermo, e o que tiver lhe será
lançado na cabeceira antes que saia o santíssimo.
194
Quando o enterro era de qualquer membro da irmandade, a postura era bem
mais severa. Ao adoecer algum irmão os sinos eram usados para chamar o vigário e
os outros confrades para realizarem orações, os chamados "ofícios da agonia" e na
parte da manhã uma missa.
195
Para que o ato de Bem Morrer, acontecesse, era necessário a participação
coletiva de especialistas em Bem Morrer e solidários espectadores. Este momento
não podia ser vivido na solidão. Era um estilo de morrer considerado bonito pela
população em geral.
Alcançar a salvação da alma, não era uma tarefa fácil. Conseguir "morrer
bem", encaminhar bem o destino da alma, consistia em muito trabalho, tanto do
testador quanto dos parentes e amigos mais íntimos, que deveriam acionar os mais
diversos mecanismos de salvação: redação do testamento, sacramentos ministrados
ainda em vida, mortalhas específicas, cortejos, lugar do enterramento e após deixar
o mundo dos vivos, missas de corpo presente e outros, distribuídas conforme as
pessoas dos falecidos e fiscalização por testadores e juizes competentes.
196
O estilo Barroco era a maior expressão do ritual da morte durante os
séculos XVII e XVIII na sociedade cristã do Ocidente. No Brasil não aconteceu
diferente, com toda a pompa no ato de morrer. Era necessário, colocar em ordem
os bens terrenos, preparar melhor possível o caminho da alma. Isso acontecia em
particular entre a população livre com posses. Os desejos que encontramos nos
194
A.H.U., Códice- 1674.
195
ASSIS, Virgínia Almoêdo de. Pretos e Brancos a Serviço de uma Ideologia de Dominação. Op. Cit. P.71.
196
FARIA, Sheila. A Colônia em Movimento. Op. Cit. Pp. 265- 266.
90
testamentos em geral, tinham como finalidade deixar a consciência do testador em
paz. Geralmente essas vontades seguiam alguns padrões de redação por todo o
século XVIII e início do XIX.
197
Mesmo com as diferenças entre as épocas, o conteúdo dos testamentos
continuavam os mesmos: com a origem, filiação, relação dos bens, dos débitos e
créditos, reconhecimento de faltas passadas.
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, regulamentavam
detalhadamente como deveria proceder a administração da Extrema-Unção. Ao sair
do viático, o sino maior da Igreja deveria emitir um sinal enquanto que
campanhinhas antecederiam a procissão, anunciando o sacramento. A casa para
onde se dirigia a procissão deveria estar devidamente preparada para receber toda
liturgia, com toalhas limpas e velas acessas, sendo o ambiente purificado com
incenso de água benta pelo Padre. Os fiéis eram convidados a participar desta ato
de caridade cristã, participando respondendo preces.
198
O moribundo deveria ser inquirido se estava pronto para receber o Senhor,
reconciliando-se com o Pai através da confissão e adorando o Cristo presente na
hóstia. A demora que era características desses rituais, poderia ser abreviada caso
o enfermo não tivesse condições que lhe assegurassem muito tempo de vida. As
Constituições asseguravam a qualquer fiel o direito do último sacramento
independente das condições:
Todos os fiéis chistãos, que tiverem discrição, e malícia para peccar,
são capazes deste sacramento, e o devem receber, estando enfermos tão
197
FARIA, Shelia. A Colônia em Movimento. Op. cit. P.p. 265-266
198
GALVÃO, Viviane. Religiosidade e Morte; Instrumentos do Projeto Colonial Português. Op. Cit. P.49.
91
gravemente, que estejam em provável período de morte ou a doença proceda
de feridas, ou velhice, ou de qualquer outra causa
199
.
Os párocos que por negligência não cumprissem as regras estabelecidas
estariam sujeitos a severas punições por parte da Igreja, podendo até ser preso. A
fiscalização deveria ser realizada pelos párocos visitadores.
Devem os parocho administrar seus fregueses enfermos com toda
deligencia, e cuidado o espiritual socorro do sacramento da extrema- unção,
para que mais facilmente na ultima hora possam rebater os cavilosos assaltos
do demônio.
200
Morrer era motivo de festa, que tinha adeptos em todas as camadas sociais.
O barulho, e não o silêncio, acompanhavam os ritos fúnebres nos diversos níveis da
sociedade. Esses festejos fúnebres eram vistos como facilitadores da comunicação
entre o homem e o sobrenatural. Para os africanos a morte silenciosa era uma má
morte.
201
O bem e o mau disputavam a alma do moribundo, isso ficava bem claro em
algumas estampas piedosas que acompanhavam o cortejo fúnebre. Nessas
ilustrações, anjos e demônios faziam companhias a Padres, parentes, amigos,
serviçais em torno da cama, agora transformada em campo de batalha. Toda uma
vida de pecados poderia ser salva neste momento e uma vida correta poderia ser
desgraçada caso o ritual não fosse seguido a risca.
202
199
Constituições Primeiras. Livro 1. Op. Cit. Título-XLVII.
200
Constituições Primeiras. Livro 1. Op. Cit. XLVII.
201
REIS, João José. A Morte é uma Festa. Op. Cit. P.105.
202
REIS, João José. A Morte é uma Festa. Op. Cit P.107. .
92
Haviam várias maneiras de anunciar a morte de uma pessoa: através dos
gritos das carpideiras, pelos sinos da Igreja, por missas de aviso e no caso de
pessoas mais abastadas, através de cartão-convite entregue por escravos.
As carpideiras foram uma herança da Metrópole, elas eram profissionais,
aquelas que não podiam faltar aos funerais arranjados. O choro dessas mulheres
tornava público o que estava acontecendo, servia como uma convocação, que era
prontamente atendida pelos vizinhos, sempre muito solidários nessas horas. Esse
costume vinha da região do Mediterrâneo, mas também presentes nos rituais
africanos e indígenas.
203
O choro não era apenas ensaiado, havia o choro verdadeiro e emocionado
das mulheres, da família e vizinhos, que expressavam a dor da perda, ou a
solidariedade na dor. Mas o choro das carpideiras fazia parte das obrigações
ritualísticas do funeral, que tinha como objetivo, evitar a entrada de satanás. As
portas e janelas, eram fechadas durante a agonia dos moribundos.
Na tradição popular, o morto deveria ter a melhor aparência possível, para
tanto, era preparado um banho. Os nagôs acreditavam que sem o banho não
poderiam encontrar-se com os seus ancestrais, e em alguns casos, tinham o cabelos
e as unhas cortados e a barba feita. No catolicismo. preparar o defunto para o
velório e preparar o funeral, seriam as primeiras providências, para tanto. deveriam
tratar o cadáver com o maior cuidado, uma das garantias de que a alma não ficaria
penando. O tratamento do defunto deveria ser o melhor possível: cortava-se o
cabelo, barba, unhas, o banho não podia tardar, sob pena de o cadáver enrijecer,
dificultando o trabalho de arrumar o morto
204
.
203
Idem.. Op. Cit. P.114.
204
REIS, João José. A Morte é Uma Festa. Op. Cit. 114.
93
A roupa que iria usar na hora da morte, era especificada pelo testador,
como desejo, e ficava a cargo de parentes ou executores testamenteiros que
cuidassem de comprá-las ou mandar fazê-las.
Os costumes Ibéricos também observavam-se nesta hora, como o uso da
mortalha Franciscana. Data da Idade Média o costume dos portugueses pedirem
em testamentos que seus cadáveres fossem amortalhados com o hábito de São
Francisco
205
.
Existia uma grande variedade nas cores das mortalhas. Desde brancas,
pretas, colorida, vermelhas. Encontramos mortalhas que imitavam roupas de santos,
como de São Francisco, as várias invocações de Nossa Senhora e muitos outros.
Os padres eram enterrados de batina, os soldados de farda, quem pertencia a
irmandades ou confraria eram enterrados com os seus respectivos hábitos.
No texto das Constituições Primeiras, havia advertência aos párocos, para
que acompanhassem o defunto até o fim do sepultamento, estabelecendo para
aqueles que desobedecessem, a pena era a perda da esmola de acompanhamento.
Ainda regulava que o católico deveria ser acompanhado e encomendado em vida:
...os clérigos, a que se devem velar, os levem, e tenham acesso no
acompanhamento e enterro, e assistam até os defuntos ficam enterrados, sob
pena de perderem a esmola do acompanhamento
206
.
Morte e sexualidade de uma maneira geral andavam juntas, uma prova disso
era a de que quando alguém já havia perdido a virgindade deveria ser vestido de
preto na hora da morte, as mulheres deveriam ter dado um bom exemplo dessa
205
Idem. Op. Cit. 114.
206
Constituições Primeiras. Livro-4. Op. Cit. Título- XLVI.
94
tradição. O branco representava a pureza virginal, para mulher representava outro
ritual importante que era o casamento, o ritual da despedida da virgindade.
Nos testamentos, havia uma grande parte do seu teor que se preocupava
com a encomendação da alma, que consistia na invocação dos Santos e Anjos para
a defesa da alma no dia do juízo final. Também havia preocupação de como
aconteceria o funeral com a escolha: quantidade de missas de corpo presente,
esmolas a pobres, órfãos e legados, pios, a Igrejas, Irmandades, hospitais e
instituições caritativas.
207
Durante os séculos XVI e XVII, a forma e a finalidade do Testamento
permaneceram seguindo o mesmo tipo. O que de certa forma mudou, foi o volume
dos bens que eram destinados a salvação do testador. Em alguns casos havia um
aumento no número de missas, uma diminuição nas doações pias, ou mesmo um
novo estímulo na quantidade de obras para assistência social, como recolhimento e
hospitais.
208
Redigir testamentos era uma prática corriqueira no Brasil de nossos
ancestrais principalmente entre aqueles que possuíam bens, só quem não fazia eram
aqueles que não tinham bens para deixar. A maior parte do conteúdo dos
testamentos dizia respeito a doações pias e matérias religiosas, do que da
distribuição do pecúlio em si, beneficiando a Igreja e as Irmandades.
Durante o século XVIII em algumas regiões da Europa, o testamento deixou
de ser um ato religioso. Antes de qualquer coisa, tornou-se a distribuição de bens
entre os herdeiros, as esmolas e os gastos com as obras pias. No Brasil do período
207
VAÍNFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial. Op. Cit. P. 411.
208
VAÌNFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial.. Op. Cit. P.421
95
português, até meados do Século XIX o testamento permaneceu ligado aos
interesses de salvação do testador.
209
Uma das maiores preocupações do defunto era não prejudicar a terceiros. O
reconhecimento do erro, a tentativa de reparação era relevante ao morto na hora
do julgamento final. Estava contido nos testamentos uma enorme quantidade de
reconhecimento de erros cometidos no passado. Durante o período colonial, esta
estratégia serviu como um salvo-conduto para certas ações durante a vida,
reduzindo as penalidades post- mortem.
210
Os recibos que eram passados sobre os gastos de funeral revelavam muito
sobre as condições financeiras do defunto. Cera do reino para o acompanhamento
do corpo, incenso, veludo para cobrir o caixão, tafetá e outros tecidos para armar
a casa (armar referente a arrumação da casa para o velório) onde o corpo era
depositado antes de ir para sepultura, música durante o funeral e recomendação,
cruzes de várias Irmandades, dobres de sino.
211
ENTERROS
O enterro nos países que ficam nos países abaixo da linha do Equador
sempre representaram um grande problema. O risco de infecção elevado e a rápida
deteriorização dos corpos representavam os maiores inconvenientes.
O transporte dos corpos era realizado em esquifes, ou tumbas,
confeccionadas em diversos graus de riqueza de material. Durante o século XVII, a
Santa Casa da Misericórdia, adquiriu o direito de transportar os mortos. A partir
209
FARIA, Sheila. A Colônia em Movimento. Op. cit. P.268.
210
FARIA, Sheila. A Colônia em Movimento.. Op. cit. P. 271
211
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Dicionário da História da Colonização Portuguesa do Brasil. Op. cit. P. 291.
96
do século XVIII, outras Irmandades conseguiram o direito de possuir esquifes
próprios, o que era motivo de orgulho para seus membros. Antes pagava-se a
Santa Casa o "imposto de tumba".
212
As classes média e baixa formavam associações fúnebres cooperativas,
chamadas collegia funeraticia, que tiveram sua origem no Império Romano, para
prever esse tipo de eventualidade, assegurando a seus membros enterros decentes
no columbarium, da Irmandade, mas isso mediante a um pagamento de uma taxa
anual durante a vida.
Na Idade Média as Irmandades da época na França, Alemanha e Itália,
tinham clausulas em seus estatutos referentes ao enterro de seus membros e de seus
familiares, e era cobrada contribuição anual pelos serviços fúnebres.
213
No Brasil do período colonial, os sinos das Igrejas, marcavam os momentos
mais importantes das vidas dos fiéis. Ao som dos sinos acontecia: batizados,
casamentos, enterros e procissões, eram eles que anunciavam a hora da missa, a
presença das autoridades eclesiásticas, a saída do viático, entre outros
acontecimentos.
O uso dos sinos era regulado pela Igreja para que não ocorressem excessos
nos toques. Dessa forma poderiam ser efetuados as batidas no momento da morte,
ao passar o cortejo e ao se realizar a imunação. O número de sinais para cada
ocasião era o seguinte: três repiques para os homens, dois para mulheres e um para
menores até de sete a quatorze anos, isso ficando a cargo da freguesia do defunto
ou da Igreja onde fosse enterrado.
214
212
GALVÃO, Viviane. Religiosidade e Morte: Instrumentos do Projeto Colonial Português. Op. cit. P. 57.
213
RUSSEL- WOOD, A.J.R. Fidalgos e Filantropos- A Santa Casa de Misericórdia da Bahia, 1550-1755. Op.
Cit. P. 181.
214
GALVÃO, Viviane. Religiosidade e Morte: Instrumentos do Projeto Colonial Português. Op. cit. P. 59.
97
As Irmandades estabeleciam em seus compromissos o modo como os toques
deveriam ser efetuados, indo de encontro ao que a Igreja regulamentava como
correto. As Irmandades do Rosário dos Homens Pretos e do Santíssimo
Sacramento desobedeciam as determinações da Igreja, seguindo as
regulamentações do compromisso das respectivas Irmandades
215
.
Nestes mesmos compromissos determinavam que o sino maior da Igreja da
Irmandade, só poderia ser tocado para seus associados ou para destacadas
autoridades civis ou religiosas.
Todas as igrejas da paróquia deveriam possuir um livro onde eram anotados
os nomes de quem falecia. Estas anotações deveriam ser realizadas no prazo
máximo de três dias após o ocorrido, não poderiam conter informações abreviadas
ou numerais em forma de algarismos. A negligência em relação a estes cuidados
determinantes pela legislação, poderia custar ao pároco o pagamento de uma multa
no valor de quinhentos réis. Cabia aos padres visitadores verificar o livro. O modo
como deveria ser realizado o registro foi prescrito pelas Constituições Primeiras no
título-XLIX do livro-4.
Um exemplo do descumprimento das regras da Igreja Católica, era em
relação aos enterramentos dentro das igrejas e capelas, só deveriam acontecer em
determinas ocasiões e exceções, feitas aos padres, patronos das igrejas e os que
"por nobreza, ações e méritos se distinguiram no serviço a Deus e da coisa
pública". As proibições eram pouco respeitadas. Essa proibição não era cumprida
em muitas partes do mundo cristão. O maios escândalo acontecia por que só as
pessoas ricas é que eram enterradas nas igrejas, por que podiam pagar, enquanto
os pobres não
216
.
215
A . H. U., Códice-1303 e 1674.
216
FARIA, Sheila. A Colônia em Movimento. Op. Cit. P.280.
98
Em tese nas cerimônias de enterramento a humildade cristã deveria estar
presente. Mas os testadores, pediam que em seus cortejos fossem acompanhados
por todos os padres que encontrassem na freguesia, todas as cruzes e dessem
esmolas aos pobres que seguissem o andor, o que engrossava o número de
participantes. Tudo isso era comum ao mundo Católico do período colônia
217
.
Aqueles que morressem sem eleger o local onde deveriam ser enterrados,
caso não pertencesse a alguma Irmandade, poderia ser enterrado na sepultura de
seus antepassados. Caso não possuísse jazigo de família, as Constituições
recomendavam que o enterro deveria ser realizado em sua igreja paroquial, com
relação às viúvas, o sepultamento deveria ser realizado ao do seu último marido
218
.
Em seu texto as Constituições Primeiras, admitiam que havia uma esmola
pelas sepulturas, e o pedido só acontecia depois do sepultamento do corpo. Já, nos
Compromissos das Irmandades, o valor pago pelos túmulos era previamente
estabalecido, referindo-se a negociação com a "compra" de sepulturas:
...no cazo de qualquer pessoa de qualquer qualidade ou condição que
seja, queira comprar sepultura na capela mor, se fazia junta de todos os
irmãos em geral, com o reverendo parocho e capelão da Irmandade e logo dão
parte ao Ilustrissimo e Excelentissimo senhor Bispo, e o que o dito senhor
dispuser se fara
219
...
As sepulturas perpétuas, ficavam em locais privilegiados e providas de
lápide e letreiro de identificação, sendo obtidas às custas de valiosas doações.
Somente importantes benfeitores e fundadores de capelas é que obtinham o
217
FARIA, Sheila. A Colônia em Movimento. Op. Cit. P. 281
218
Constituições Primeiras. Livro 4. Op. Cit. Título-LIV.
219
A .H .U. , Códice-1303.
99
privilégio de sepultura perpétua para si e seus herdeiros no interior das igrejas, se
constituindo em prática comum em todo Brasil colonial. As Constituições da Bahia
não permitia a construção de túmulos de madeira ou pedra no interior das igrejas.
Da mesma forma, as inscrições contidas na lage não podiam alterar o nível do piso
da nave, sendo o seu teor submetido à censura da Igreja
220
.
O livro 5º de Ordens Reais 131, que trata da resolução de sua Majestade o
rei de Portugal D. Pedro II, sobre que se prossiga a ordem, que se passou para
que não se abram sepulturas nas igrejas da Capitania de Pernambuco por outros
seis anos
221
.
Esta ordem faz alusão ao ambiente das igrejas que ficavam completamente
poluídos pelo cheiro que exalava das sepulturas dentro das respectivos templos. O
rei recomendava que se fizessem cemitérios, para realizar os sepultamentos, em
lugares afastados da povoação ficando as igrejas para as pessoas mais importantes
da cidade do Recife.
O adro era considerado local sem prestígio dentro da igreja, suas covas não
tinham a menor importância, eram cedidas gratuitamente, como era previsto na
legislação dos Compromissos das Irmandades. No início do século XVIII, algumas
igrejas possuíam pequenos cemitérios destinados ao enterro de escravos, que
ficavam em terreno adjacente. Aqueles que eram enterrados nesses cemitérios não
eram membros de Irmandades e por este sepultamento não era cobrada nenhuma
esmola.
Os negros geralmente eram as maiores vítimas desse descaso na hora de
enterrar seus corpos, que eram abandonados em rios e matagais. Deste modo só
220
Constituições Primeiras. Livro-4. Op. Cit. P. Títilo-LXI
221
I . A . H . G. P.-Ordens Regias-1693-1701.
100
quem conseguia um enterro digno, eram aqueles que pertenciam a alguma
Irmandade ou era escravo de estimação. O abandono de corpo de escravo poderia
levar a excomunhão de seu dono segundo as Constituições.
Em Carta Régia de 17 de Março de 1693, sua Majestade o rei de Portugal,
pede informações ao Governador de Pernambuco Caetano de Mello de Castro
sobre a pouca caridade, que tem dispensado aos escravos na hora do enterro,
estavam morrendo sem os sacramentos, por descaso dos seus senhores
222
.
Pereira da Costa nos Anais Pernambucanos, descreve as procissões onde
os justiçados-criminosos condenados à pena de morte-eram acompanhados pal
Santa Casa de Misericórdia, para prestar a assistência necessária na hora da
morte
223
.
Velório, consistia no último ritual no ambiente doméstico, com o objetivo
de impedir o retorno da alma. A encomendação do corpo pelo pároco na saída do
funeral, era uma peça chave nesse processo. Freqüentemente eram acompanhados
por músicos. Tudo era feito para ser visto. A família do morto gastava muito no que
diz respeito ao funeral doméstico.
Luto, era praticado no ambiente doméstico, seguia algumas orientações
que visavam defender a família de uma possível volta do defunto. Mostrar prestígio
social associado a dor da família: brincos pretos, lenços, leques, véus, manta, meias
de seda. Alguns inventários faziam referências as despesas com a roupa do luto
224
.
Para estudarmos o ato de morrer e seus ritos, devemos sempre estar
atentos para como cada sociedade lida com a morte em seu cotidiano, muitas vezes
222
I .A .H .G .P., Ordens Regias-nº 5-1693-1968.
223
COSTA, Pereira. Anais Pernambucano. Op. Cit. P. 459.
224
REIS, João José. A Morte é uma Festa. Op. Cit. P.128.
101
o estudo das leis dessas sociedades, não nos dizem tanto, quanto os costumes que
a população de uma maneira geral pratica
225
.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com relação às respostas que encontramos, é importante frisar que o caráter
dinâmico e aberto da história, impossibilita aos seus estudiosos chegar a uma
conclusão final para os problemas e as questões que nos propomos a pesquisar.
Por que a cada nova interpretação, surge um novo aspecto, diferente e único da
história que passa a ser incorporado ao todo. A reunião dessas perspectivas é que
possibilita uma aproximação cada vez maior do historiador com o passado.
A documentação primária teve grande relevância para elaboração de nossa
dissertação de mestrado. Esta documentação foi trabalhada com o intuito de
analisarmos a importância dos sacramentos na vida do colono brasileiro dos
séculos XVII e XVIII, buscando ainda entender como a Igreja Católica usou o seu
projeto evangelizador para manter o controle social, civilizar o gentio brasileiro,
tiranizar o escravo africano e atender aos interesses da coroa portuguesa.
225
FARIA, Sheila. A Colônia em Movimento. Op. Cit. P. 282.
102
O controle social que a Igreja Católica exerceu no período colonial só foi
possível à medida em que a população absorveu a doutrina Católica ou apenas
alguns de seus preceitos básicos. Esta aceitação por parte da população implicou
na adoção de uma nova mentalidade e de um comportamento condizente com a
ideologia religiosa que era ensinada. Assim sendo a propagação do catolicismo,
passou a ser estimulada não só pela Igreja como também pelos reis de Portugal.
Dentro desse contexto, o indígena brasileiro tornou-se uma peça chave dentro do
projeto missionário da Igreja Católica que acreditava que o gentio tinha alma e
precisava ser salvo da danação.
Mas algumas atitudes da Igreja não condiziam com os interesses do Estado.
Estavam fadadas ao fracasso, como foi o caso das tentativas por parte da
legislação eclesiástica de exercer o domínio sobre as confrarias leigas e de garantir
aos escravos seus direitos como cristãos.
Podemos constatar, na maneira como era administrado o sacramento da
Confissão, a constante interferência da Igreja Católica na vida do colono e a
fiscalização por ela exercida. No período da quaresma havia a obrigatoriedade de
se confessar. Aqueles que não cumprissem seu dever, sofreriam com as penas
estabelecidas pela Igreja e utilizadas pelo Estado para obter uma maior ingerência
sobre a vida dos súditos.
Desde o Concílio de Trento(1545-1563), a Igreja Católica buscou sempre
fortalecer o caráter universal de sua doutrina, afirmando que era a única com
poderes para interpretar a Bíblia. Essa postura, de ficar em um patamar mais
elevado, refletia-se em atitudes cujo objetivo era manter seus fiéis distantes das
discussões relativas a fé. A celebração da missa na liturgia romana exemplifica de
maneira contundente a dicotomia estabelecida entre o ministro e seus fiéis. A missa
era celebrada em latim, língua desconhecida do grande público, e os párocos se
103
postavam de costas para os fiéis, que apenas acompanhavam o ritual de forma
limitada.
A distância da religião oficial, levou a população a buscar uma interpretação
própria da religião, influenciada pelo sincretismo e pelas tradições populares pagãs.
Dessa forma, a religiosidade no Brasil do período colonial foi marcada por uma
acentuada presença das Irmandades leigas e suas manifestações seguiam as forma
do Barroco. Podemos encontrar essas características em relatos de viajantes que
aqui estiveram que deixaram seus registros sobre procissões, enterros e festas dos
Santos onde a participação popular e a devoção se fazia sentir com maior
intensidade.
A relação dos fiéis com a religião Católica no período colonial, e com os
aspectos divinos da doutrina, perpassava por questões relativas a administração
dos sacramentos. A incorporação por parte da população deste aspecto da
doutrina foi realizada de forma muito efetiva. Com os anseios decorrentes da
preocupação com o Bem Nascer, Bem Viver, Bem Morrer.
Numa sociedade Católica cheia de regras, onde a Igreja, como já
ressaltamos, se fazia presente na vida e no comportamento das pessoas, o fato de
ser excomungado representava ficar à margem da vida em comunidade, como
também ser considerado rebelde pelo Estado. Em algumas ocasiões, previstas na
legislação, o corpo daqueles que de alguma forma desobedeceram a alta
administração eclesiástica não poderia gozar de repouso no espaço separado das
Igrejas.
Nosso trabalho aborda de maneira objetiva os desencontros do projeto
evangelizador português no Brasil dos séculos XVII e XVIII. Esta pesquisa trás a
tona a administração de sacramentos, um tema que é conhecido mas ainda não
104
havia sido trabalhado de maneira específica em Pernambuco. Ao estudarmos um
assunto tão instigante como a religião, é inevitável ressaltar a conquista espiritual
com um inovador método de aculturação que a catequese proporcionou -- a guerra
justa -- o aldeamento dos índios e suas implicações econômicas.
O viver colonial era marcado e ritmado pelas regulamentações da Igreja
Católica que usou de muitos meios para difundir sua doutrina em terras de além-
mar. Seu processo de evangelização foi útil tanto aos interesses da fé como aos
interesses comerciais e econômicos do Estado, transformando a doutrina Católica
em uma justificadora de um sistema de exploração de riquezas sem qualquer
intenção missionária.
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